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Conversão,dinheiro e batismo: um estudo sobre dois grupos protestantes
Ronald Alves Nunes
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia
Dissertação de Mestrado
Orientador:
Prof. Dr. Jose Reginaldo Santos Gonçalves
Co-orientadora:
Prof.ª Dr.ª Márcia Contins
Rio de Janeiro
maio de 2005
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Ficha catalográfica
Nunes, Ronald Alves
Conversão, dinheiro e batismo: um estudo
sobre dois grupos protestantes/ Ronald Alves Nunes
Rio de Janeiro : UFRJ/ PPGSA, 2005
Dissertação – Universidade Federal do Rio
De Janeiro, PPGSA. Páginas 180.
1.Grupos Evangélicos 2. Sacrifício 3. Discurso
Institucional 4. Dons Espirituais 5. Indivíduos
6. Identidade 7. Sistemas de Crenças . Dissertação
(Mestrado – UFRJ/ PPGSA).
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Agradecimentos
Apresentar esta dissertação significa dizer que a mesma foi possível porque
tive a contribuição de inúmeras pessoas. Portanto, não sei se o pequeno espaço
reservado para essa tarefa será suficiente, mas peço desculpas se esquecer de alguém.
Inicio agradecendo à minha esposa Eliane e ao meu sogro Jonas. Ambos tiveram
um papel imprescindível nesta minha jornada. A ajuda se deu tanto pelo lado econômico
quanto pelo estímulo para que prosseguisse firme neste propósito. Lembro-me neste
instante das noites e dias que “gastaram” para me ouvir e debater sobre o tema que aqui
ganhou uma forma científica. Obrigado aos dois por compreenderem que às vezes
pensava na pesquisa.
Fazem parte também deste trabalho os fiéis e líderes das respectivas igrejas que
pesquisei. Entre os batistas da Califórnia (N. I. / R. J.) sempre fui bem recepcionado ao
chegar para as suas reuniões de culto. no tocante aos fiéis da Igreja Pentecostal Deus
é Amor gostaria de agradecer, especialmente, aos membros da congregação de
Heliópolis (B. R.) que nos momentos mais difíceis do trabalho com esse grupo me
ajudaram no que foi possível.
Destaco também a participação de todos os religiosos que me forneceram
informações gravadas ou não. Às vezes com certo receio, mas não negaram suas
contribuições mesmo sem compreender bem do que se tratava.
No IFCS, não posso me esquecer dos funcionários do PPGSA: Denise Alves da
Silva, Claudia de Jesus Vianna e Márcia Stela Conti de Amorim Massa. Estes sempre
solícitos, na medida do possível, desenvolveram bem suas atividades na secretaria do
departamento no que diz respeito aos trâmites burocráticos. Contribuindo
indiscutivelmente com esta pesquisa.
Aos funcionários da biblioteca, com destaque para o “Paulinho” que sempre me
ajudou quando necessitava com o material disponível. Mesmo no período em que a
biblioteca esteve fechada observei dedicação por parte de seus trabalhadores.
Não poderia esquecer de meus colegas de graduação em ciências sociais (turma
de 1999). Alguns mais, outros menos, mas que de alguma forma me ajudou a chegar
aqui. Lembro-me de alguns debates antes ou depois das aulas com: Jonas, Daniele,
Marcelo, Rogério, Amália... Muito obrigado a vocês.
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Aos trabalhadores da xerox do andar : “gaúcho” e Renato que sempre
desempenharam bem suas atividades dentro das limitações existentes (os problemas das
máquinas...). Digo a vocês que não me esquecerei de nossas conversas sobre religião
que, de alguma maneira, me estimulou a escolher o presente tema.
Aos professores do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia
da UFRJ. Isso no que se relaciona às aulas e debates que às vezes se estendiam para fora
da sala.
Menciono aqui os nomes dos professores Cecília Loreto Mariz (UERJ) e
Emerson Giumbelli (UFRJ) que fizeram parte da minha banca de qualificação. Vocês
foram muito importantes, pois forneceram indicações bibliográficas úteis a dissertação.
Também agradeço as observações feitas por colegas de curso e professores dos
encontros científicos promovidos pelo PPGSA.
A professora Maria Laura que me influenciou a partir de seus cursos de ritual e
simbolismo. Foi durante suas aulas no PPGSA que tive a idéia para desenvolver a
argumentação sobre significante e significado.
A CAPES, pela bolsa que me concedeu, pois sem a mesma seria difícil
desenvolver um trabalho em tempo integral.
Finalmente, aos meus orientadores, José Reginaldo e Márcia Contins. Os dois
foram pacientes e competentes para me orientar. A professora Márcia ao longo do
trabalho sempre me incentivou e me forneceu caminhos úteis. E quando solicitada para
ler e comentar meus textos fazia com muita competência.
Em relação ao Professor Reginaldo, destaco que foi o primeiro incentivador
para que iniciasse esta “aventura antropológica”. Lembro-me neste instante, que não
demonstrava cansaço, quando após nosso compromisso institucional ouvia e debatia
comigo diversos assuntos: religião, política, ritual, situação profissional... Fazendo com
que saísse de sua sala com mais questionamentos do que antes.
A todos vocês meu muito obrigado.
7
À Eliane
8
Resumo
A dissertação tem como objetivo descrever e analisar em termos comparativos o
processo de construção da noção de identidade em dois grupos evangélicos: a Igreja
Batista da Califórnia e a Igreja Pentecostal Deus é Amor, ambas localizadas no Estado
do Rio de Janeiro. A pesquisa focaliza os discursos institucionais, o ritual de batismo e a
prática do sacrifício com dinheiro. Os integrantes dessas igrejas adotam estratégias de
comunicação de seus ensinamentos que permitem a criação de grupos cristãos com
características específicas: enquanto a Igreja Batista opta por um aplicado conhecimento
teológico, os pentecostais preferem a experiência dos chamados dons espirituais.
Palavras-chave: identidade, grupos evangélicos, sacrifício, discurso institucional,
dons espirituais, indivíduos, sistemas de crença.
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Abstract
The purpose of this dissertation is to describe and analyse in comparative
terms the process of construction of identity among two religious groups: the Baptist
Church of the California, and the Pentecostal Church God is Love, both situated in
the state of Rio de Janeiro. The research focuses on institutional speech, the ritual of
the baptism, and the practice of the sacrifice with the money. The members of these
religious groups adopt strategies to communicate their teaching that makes possible
the formation og specific Christian religious with specific characteristics: the Baptist
church focus on theological knowledge; Pentecostals focus on the experience of
spiritual gifts.
Keywords: identity, religious group, sacrifice, institucional speech, spirituals
gift, individuals, system of beliefs.
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Sumário
Introdução .............................................................................................. 10
Capítulo 1 – Conversão
1.1 A construção das identidades batista e pentecostal:
Delimitando fronteiras ..................................................................... 21
1.1.1 Área geográfica dos templos ........................................................... 29
1.1.2 O passado religioso de alguns fiéis .................................................. 63
1.1.3 As primeiras lições ou doutrinas ..................................................... 68
1.2 A luta contra os antigos hábitos ..................................................... 74
1.2.1 Vigiai e orai ................................................................................... 80
1.2.2 Fazendo parte do conjunto de membros .......................................... 83
1.2.3 A decisão de mudar para outro grupo .............................................. 87
Capítulo 2 – A Categoria dinheiro
2.1 O significado do dinheiro para a IBC e a IPDA ............................... 92
2.2 Dinheiro, homens e deuses ................................................................. 122
2.2.1
A categoria voto ................................................................................. 130
Capítulo 3 – Batismo
3.1 O mito de origem: João Batista e a exigência do batismo ............... 147
3.2 O preparo para o batismo nas águas ou com Espírito Santo ........... 155
3.3 A importância do ritual “para a vida cristã”...................................... 161
3.4 Tipos de batismo entre os grupos ..................................................... 165
3.5 A “sensação” do batismo ................................................................. 173
Conclusão .................................................................................................. 177
Glossário .................................................................................................... 182
Referências Bibliográficas ........................................................................ 186
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Introdução:
A presente dissertação tem como objetivo principal analisar como se constroem
as identidades de pentecostais e batistas. Para atingir esse objetivo optei por trabalhar
com dois grupos religiosos: a Igreja Batista da Califórnia, localizada no município de
Nova Iguaçu; e a Igreja Pentecostal Deus é Amor, situada na cidade de Belford Roxo. A
escolha foi realizada a partir de várias visitas que fiz a algumas igrejas pentecostais:
Assembléia de Deus, Paz e vida, igrejas batistas renovadas; e a outras classificadas
como históricas: Presbeteriana, Metodista Wesleiana, Batista.
Percebi nos primeiros contatos com as referidas denominações que havia uma
certa disputa entre batistas e IPDA em torno da categoria Espírito Santo. A idéia a
princípio era desenvolver um projeto que pudesse dar conta extensamente das divisões
entre os grupos em torno desse tema; mas isso se tornou inviável devido ao tempo
permitido para concluir esta pesquisa.
A pesquisa foi desenvolvida no período de dois anos. Apresenta assim, uma
limitação quanto a determinados pontos abordados. No entanto, o que proponho é
focalizar algumas categorias tais como conversão, batismo, dinheiro, identidade
religiosa, ou seja: que pude observar nestes dois anos de pesquisa e que me despertaram
interesse. Imagino que estes tópicos sejam relevantes para o entendimento dessas
denominações
1
.
Durante o trabalho de campo entrevistei aproximadamente umas 15 pessoas, mas
usei na dissertação apenas 10, aquelas que considerei mais relevante para a análise. A
idade dos entrevistados situa-se entre os 25 e os 60 anos de idade. Estão representados
os sexos masculino e feminino, jovens e adultos; negros, brancos, nível universitário,
semi-analfabeto. Alguns destes trabalham, estudam; enquanto outros estão
desempregados ou aposentados.
Os religiosos entrevistados pertencem às duas igrejas que optei pesquisar e
habitam bairros próximos aos respectivos municípios nos quais estão inseridos os
templos. Isso, de uma certa forma, constitui-se num projeto religioso que visa criar e
fortalecer laços locais. São poucos os que não moram próximos às respectivas igrejas;
1
Destaco que o uso do termo cristão e protestante ao longo deste trabalho é feito de uma forma genérica.
Procuro com isto demonstrar que os dois grupos acreditam no personagem bíblico Jesus Cristo como o
salvador dos “crentes”. No entanto, possuem uma cosmologia cristã bem diferente, pois a ação do
Espírito Santo, Jesus e Deus é relativa entre as duas denominações e os respectivos sistemas de crenças.
12
mesmo porque, a própria liderança religiosa incentiva o fiel a procurar um local de culto
mais próximo a sua residência.
Na igreja pentecostal Deus é Amor (IPDA) não me limitei a pesquisar apenas
um templo
2
. Esta denominação possui uma matriz em São Paulo, onde todas as outras
do ramo precisam prestar conta. Sendo assim, uma extensa sintonia entre todas as
igrejas desta denominação. Diferentemente dos batistas que se consideram autônomos
com relação à administração
3
. No instante que deparei com tal fato fui “forçado”, a
convite dos próprios devotos, a visitar outras igrejas da própria denominação, incluindo
uma caravana a São Paulo para conhecer a chamada sede mundial. Conhecer esse
templo é uma espécie de dever de qualquer fiel da IPDA, pois faz parte do calendário da
igreja receber caravanas de todos os templos da rede durante o ano. Isso contribui
principalmente, para mostrar ao seguidor como Deus está “abençoando” a denominação.
A uma certa altura da pesquisa quis discutir a crença na categoria Espírito
Santo, pois havia desenvolvido um trabalho entre 2001/2002 com meu orientador sobre
as festas do divino entre os católicos. Entretanto, percebi já nas as primeiras visitas que
essa crença entre os evangélicos faz parte de um sistema que inclui o batismo, a prática
do dízimo, discurso institucional, etc. Compreendi que o sistema religioso era mais
complexo do que previa, diferindo das representações católicas. Decidi que o trabalho
devia se concentrar na forma como é elaborado o discurso doutrinário para formar um
batista ou um pentecostal.
A idéia de estudar dois grupos cristãos surgiu a partir do trabalho desenvolvido
como bolsista de iniciação científica da FAPERJ no período 2001/2002, no projeto de
pesquisa supra citado. No entanto, as questões abordadas nesta dissertação só
amadureceram quando iniciei o trabalho de campo, na primeira metade de 2003. Nesse
interregno comecei a ter contato com uma bibliografia mais específica, e observei que
muitas pesquisas que tomam os evangélicos como tema, centram-se na discussão das
relações entre religião e classe social.
2
Templo é uma categoria usada por estes religiosos para se referirem ao local de culto. Usam
diferentemente do vocábulo igreja que significa os próprios membros. Mas é comum utilizar igreja no
lugar de templo, porém a direção da igreja Batista faz mais questão da diferenciação do que os
pentecostais.
3
A denominação Batista se classifica como autônoma na questão de administração de um templo, não
depende de uma igreja central como faz algumas igrejas evangélicas como Assembléia de Deus,
Universal do Reino de Deus, etc. que dependem de uma matriz para gerenciarem seu patrimônio.
Entretanto, qualquer templo Batista possui uma relação de obediência doutrinária com alguns órgãos
maiores da denominação: Convenção Batista Brasileira, Aliança Batista Mundial etc. Mas isso, em torno
do ensinamento ético e teológico.
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Durante a pesquisa passei a compreender a amplitude que configura este
segmento religioso. Meu objetivo com esta pesquisa não parte de uma pressuposta
distinção entre atos religiosos e ações sociais, mas visa compreender como os devotos
enfrentam situações de natureza social e religiosa. Tomando-se como referência as
categorias nativas.
O detalhe que me despertou mais atenção nas conversas formais e informais que
tive com os meus informantes foi o de que política institucional não assume um papel
relevante entre eles. O lado espiritual deve se sobrepor ao campo humano como dizem.
Uma vez que o primeiro item refere-se ao futuro do fiel após a morte. Diferentemente
do modelo tradicional, onde as questões sociais são pensadas como primárias, eles
optam por colocá-las em segundo plano, fazendo com que a categoria mundo ganhe um
duplo significado. Em resumo, a religião é que coordena as ações humanas e não o
oposto.
Os religiosos da igreja Batista consideram que a política, tal como a descrevo
aqui, é importante para o desenvolvimento humano e o espiritual; entretanto, afirmam
que ela se torna inútil se, os políticos eleitos, não forem da vontade de Deus. os
pentecostais da IPDA optam por se omitir quanto a esse tema. Reduzem as questões
políticas a um compromisso exigido pelas leis dos homens, mas que não deve ter
influência direta na vida do fiel, pois os mesmos devem depender somente da vontade
de Deus.
A participação política é praticamente nula entre esses religiosos, pois até
punições caso o fiel se candidate ou participe de alguma atividade política. Na verdade,
os fiéis da IPDA procuram se afastar de tais atividades, em vez de usá-las como meio
para alterar sua condição social. Isto revela, de uma certa forma, que no campo da
política institucional não há, pelo menos nestes dois casos, a idéia de que os
“evangélicos” estão unidos para formar, futuramente, um governo de maioria
evangélica. Não percebi isso, principalmente, entre os pentecostais citados.
O que pude compreender é que os fiéis objetivam conduzir suas vidas mesclando
“vida espiritual” com “vida social”. Nos almoços de que participei entre os batistas
percebi que sempre conversam sobre generalidades: futebol, cinema, televisão, etc. Mas
todas as atividades devem ter como pano de fundo o aspecto da moralidade. Os fiéis
precisam “controlar” seus desejos humanos
5
seguindo os ensinos bíblicos. A minha
5
Durkheim, E. O problema Religioso e a dualidade da Natureza Humana. In: Religião e Sociedade. Nº 2,
novembro 1977.
14
participação nas festividades da igreja Batista foi nos almoços, casamentos e na
inauguração de um novo templo. Os devotos Sempre demonstraram que o
comportamento do fiel deve prevalecer sobre as doutrinas humanas. Consideram que
proibir o devoto de usar determinadas roupas, assistir televisão, ir à praia, etc. de acordo
com o que fazem os fiéis da IPDA, não faz parte de um ensino religioso apoiado na
bíblia.
Para os batistas, a chamada consciência cristã, deve sobressair na vida cotidiana
do religioso. Ela é desenvolvida quando o membro consegue regrar todas as vontades
que contrariam os mandamentos doutrinários. Cito um fato ocorrido numa viagem que
fiz com estes evangélicos para a inauguração de um novo templo. Durante o trajeto
conversava com um devoto que é uma espécie de promotor dos eventos festivos, que
esta igreja elabora. O assunto girava em torno das proibições religiosas: o que deve ou
não ser feito por um religioso batista. O fiel garantia a mim que nada entre eles é
vedado; no entanto, todos precisam ter a “consciência” daquilo que convém ou não, a
um cristão fazer. Para ele falar mal de uma pessoa, sem que a mesma esteja presente é
um dos atos que devem ser evitados, pois isso desagrada a Deus. Participar de uma roda
de amigos num bar, também não é um bom exemplo, pois alguém pode passar e
imaginar que você como crente esteja consumindo bebida alcoólica. Enfim, para a
doutrina Batista o que mais vale é a posição do fiel diante da sociedade. O religioso
precisa mostrar aos não crentes uma atitude distinta, não apenas na questão da roupa
como os pentecostais, mas num comportamento que o diferencie dos não batistas. Seria
uma espécie de ética do comportamento social.
Na IPDA participei de poucas atividades como as mencionadas no meio batista,
pois estes religiosos não são muito chegados a festividades, além dos cultos religiosos.
Argumentam que todo culto na IPDA é uma “festa”. O relacionamento entre os fiéis
se configura na própria experiência das reuniões. Para exemplificar o que estou tentando
dizer, eles não possuem cantinas em seus templos. Dizem que o espaço é para cultuar a
Deus e não para encontros sociais. Diferentemente dos batistas, que possuem uma
cantina e um espaço reservado para que os devotos conversem sobre diversos assuntos.
Entre estes e aqueles uma distinção no que tange a utilização do templo religioso
para outras atividades, além da religiosa.
15
O encontro social para os pentecostais fica reservado para festas específicas
como aniversários, casamentos, etc. Mas fazer lanche, almoçar, tomar cafezinho
semelhantemente o que fazem os batistas durante os intervalos de culto, não faz parte do
sistema religioso desse grupo. Os maiores relacionamentos sociais entre os pentecostais
da IPDA são construídos na experiência cristã. Nela, o devoto obtém os dons espirituais,
os cargos religiosos e as conquistas materiais que são ingredientes básicos para uma
maior integração entre os membros.
Fora das reuniões religiosas, os devotos pentecostais encontram-se com os
“irmãos” para alguma atividade social. Participei de uma dessas atividades no período
em que fazíamos uma visita à catedral” paulista, recentemente inaugurada. No
intervalo das reuniões fomos almoçar: eu e mais cinco devotos da igreja. Chegamos ao
bar que escolhemos para fazer a refeição, após passar por mais de cinco
estabelecimentos, pois os religiosos relutavam almoçar num ambiente em que houvesse
alguém bebendo ou fumando. Foi uma tarefa difícil numa metrópole como São Paulo
em pleno dia de domingo, onde muitas pessoas escolhem os bares para relaxarem da sua
dura rotina cotidiana. Mas quando finalmente encontramos o local ideal para eles,
entramos e sentamos. Enquanto cada um escolhia o que pediria, deparei-me com um
fato interessante: no recinto havia um aparelho de televisão e comecei a observar o que
fariam diante de tal situação, pois o aparelho estava ligado e transmitia um jogo final do
campeonato paulista de juniores em 2004. Para minha surpresa, todos puseram as
cadeiras em posições opostas ao aparelho e eu os acompanhei, mesmo “contrariado”,
pois queria almoçar assistindo a algumas partes do jogo. Mas em nome do trabalho de
campo acompanhei-os no seu comportamento. Durante a refeição vários assuntos
estiveram em pauta: a oração antes da refeição, a construção do templo, qualidade da
comida, a mendicância da cidade paulista. Em todos os momentos, até nas brincadeiras
que fizeram, colocaram o comportamento ético acima de qualquer questão. Destaco que
todos estavam com blusões fechados até o punho, mesmo sob uma temperatura muito
quente neste dia; mas diziam que as vestes de um “crente” são a primeira prova da
santidade do mesmo perante Deus.
As fronteiras entre sagrado e profano para os pentecostais pesquisados são bem
delimitadas no quesito roupa e aparência física. Qualquer contágio pode ser perigoso,
por isso, ficar diante de um aparelho de televisão, usar roupas curtas, falar sobre
determinados assuntos como futebol, mulher, etc., pode significar uma aproximação
com o mundo do Demônio. Dessa maneira evitam-se tais situações.
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Nas entrevistas procurei deixar os fiéis contarem suas próprias experiências
religiosas. As partes descartadas das entrevistas foram aquelas em que ocorria um
excesso de comentário sobre a bíblia, em vez do relato de vida do próprio fiel.
Em boa parte do meu contato com os fiéis de ambas as igrejas fui encarado
como um jornalista que desejava conhecer detalhes teológicos e doutrinários da religião
em questão. Por mais que dissesse que meu foco não era jornalístico e sim científico,
não surtia muito efeito entre os mesmos. Não adiantava antropologizar as conversas,
pois a maior parte dos membros dizia que os líderes, mais especificamente o pastor,
eram pessoas ideais para dar as informações de que necessitava. Com uma diferença: os
batistas imaginavam que eu queria conhecer as teorias teológicas; ao passo que entre os
pentecostais imaginavam que gostaria de saber sobre os dons espirituais: dons de
línguas, revelação, curas etc. e somente quem possuía estes dons poderiam falar. As
duas igrejas trabalham com propósitos diferentes na formação dos fiéis, pois os batistas
investem mais no conhecimento teológico do que nos chamados dons espirituais. A
IPDA orienta seus seguidores no sentido de ter uma vida cristã mais “consagrada”, o
que significa “com grandes poderes espirituais”. Foram poucos os religiosos destes
grupos que demonstraram confiança própria no que diziam. Observei que no caso dos
batistas isso se devia principalmente, a uma alta valorização do conhecimento religioso,
e da hierarquia da igreja; isso faz com que alguns fiéis pensem que para dar uma
entrevista seja necessário um maior preparo. na IPDA, o principal motivo talvez seja
no fato de não terem um maior contato com os meios de comunicação e por pensarem
que o Diabo pode estar preparando alguma “armadilha” para prejudicar a denominação,
pois desde o ano 2000 a igreja vem sendo “bombardeada” por uma série de acusações,
por determinados veículos da imprensa brasileira.
Dois outros aspectos que merecem ser analisados: o primeiro deles é o de que a
liderança ocupa um papel de destaque entre os respectivos grupos. No caso da IPDA o
missionário David Miranda é considerado o único que ensina a “verdadeira doutrina”.
Entre os batistas, os líderes são considerados “homens de Deus”, e portanto, merecem
um considerável respeito. o segundo item está relacionado ao contato com pessoas
estranhas ao meio. O jogo do poder no meio dos respectivos grupos torna-se evidente,
na medida em que os entrevistados não têm a certeza, se o que dirão chegará aos
ouvidos dos líderes, o que poderá significar uma punição. A precaução tem como
princípio “proteger” o fiel tanto no aspecto institucional quanto no seu relacionamento
com a sociedade em geral.
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O fato dos líderes batistas serem considerados pessoas designadas por Deus não
significa que seja um detentor do “poder”. O pastor possui um cargo que de, uma certa
forma, é fiscalizado pela igreja. Na IPDA, embora haja vários líderes na denominação,
é Miranda que possui uma posição privilegiada e que, de uma certa forma, nos faz
lembrar o papa da igreja católica.
Isso nos obriga a dizer que essas denominações do mesmo “tronco” evangélico
possuem duas concepções de poder. Os batistas operam com um modelo mais
distribuído, tendo o pastor como sendo o maior representante. Na IPDA o poder está
submetido a um modelo mais concentrador, tendo o missionário Miranda como a maior
autoridade eclesiástica e burocrática, embora possua uma equipe escolhida,
periodicamente, à sua disposição. O modelo batista constitui-se a partir de uma
separação entre cargos administrativos e religiosos.
Com os fiéis da IPDA tive mais dificuldades para entrevistas do que entre os
batistas. Imagino que tal fato se deva as questões abordadas anteriormente. As
acusações são comentadas por Miranda na revista Ide
6
, especificamente os fatos
divulgados em alguns jornais brasileiros como a Folha de São Paulo nos períodos
2001/2002, onde foram divulgadas reportagens envolvendo uma possível ligação entre a
denominação e o narcotráfico (lembrando que na época havia uma Comissão
Parlamentar de Inquérito em pauta na câmara e no senado federal, em Brasília).
Situações como estas, aumentam o grau de dificuldade para se fazer uma pesquisa
junto ao grupo. Para que o leitor possa ter uma noção de minhas dificuldades em obter
entrevistas com “crentes” da IPDA, descrevo o primeiro encontro que tive com um
pastor desta igreja, quando fui tão mal recepcionado que pensei em pesquisar outra
denominação. Mas à medida que fui visitando outros templos, pude adquirir uma boa
relação com uma fiel da congregação em Heliópolis (B. R.), e a partir daí passei a ser
conhecido por outros devotos que decidiram me conceder as entrevistas. Mas enfatizo
que os melhores depoimentos que colhi na IPDA, e na igreja Batista, foram nos
momentos informais.
Todavia, as entrevistas realizadas na denominação Batista foram obtidas de uma
forma mais facilitada, porém também enfrentei situações de fiéis que relutaram em me
fornecerem informações via entrevista gravada. Destaco que a liderança desse grupo se
6
Revista periódica da denominação que possui uma circulação interna. Ano 3 Número 5. Dezembro de
2001 ( págs. 34 a 38)
18
colocou a meu inteiro dispor, para desenvolver meu trabalho, mas parece que o
tratamento que foi dispensado a mim pelo pastor e por alguns líderes, deixava alguns
fiéis reticentes sobre o tipo de trabalho que eu estava desenvolvendo. Alguns marcaram
várias vezes e não compareciam as entrevistas, fazendo com que eu desistisse das
mesmas.
Na IPDA pesquisei as seguintes igrejas: IPDA central de Belford Roxo,
congregação de Heliópolis e Shangrilá todas no mesmo município. Inclua-se ainda a
matriz de São Paulo, a chamada sede mundial da denominação que visitei por um
período de dois dias.
A igreja Batista pesquisada localiza-se em Nova Iguaçu. Também participei da
inauguração de uma congregação fundada pela própria igreja. É comum uma igreja
Batista criar uma congregação e com um tempo, transformá-la em igreja. Todas estas
igrejas e congregações
7
localizam-se, com exceção da IPDA em São Paulo, nos
municípios da baixada fluminense (R.J.)
Os fiéis costumam dizer que o principal divertimento do “crente” deve ser a
igreja. Isso significa dizer que na igreja Batista dois cultos semanais, no calendário
de atividades da denominação: às quartas-feiras e aos domingos. Mais além destes dois
dias há outras reuniões semanais que são programadas de acordo com o calendário
festivo e religioso da igreja.
Na IPDA cultos todos os dias, mas os mais freqüentados são os das quintas-
feiras (cultos de doutrina), sextas-feiras (campanha de libertação), sábado (campanha do
desmanche da macumba) e aos domingos nas reuniões de louvor e libertação.
Na igreja Batista os membros reservam o domingo como um dia especial para
louvarem a Deus, assim, o fiel não deve ter compromisso pessoal nesse dia da semana.
Deve comparecer a igreja, pois muitos possuem cargos, enquanto outros devem reservar
tal dia para resolverem alguma pendência ou conversar com o pastor. Na IPDA não
um dia específico de culto, todo dia o fiel deve estar na igreja, pois neste sistema
religioso o maior compromisso é comparecer cotidianamente à igreja. Além do
compromisso com a vida secular: trabalho, escola e família. Isso conta ponto para uma
possível promoção religiosa.
7
A diferença entre igreja e congregação gira em torno da administração, pois a primeira tem um modelo
de gestão próprio. Ao passo que uma congregação depende de uma igreja tanto na parte litúrgica quanto
na parte administrativa.
19
O devoto de ambas as igrejas ao, entrar no grupo, perceberá como funciona a
estrutura dos rituais de culto e a sistematização da doutrina. A partir daí, o visitante se
aproximará ou não da igreja, pois várias vezes ouvi dos religiosos da IPDA o seguinte
pensamento:
Tentei ser batista, mas não dá, a doutrina deles é muito fraca. pode tudo,
como ir à praia, ver futebol, jogar bola etc. Não para ter uma vida cristã agradável
a Deus dessa forma. Pertencer a esta denominação é como se o crente estivesse no
mundo.
Também ouvia dos batistas:
Ser fiel da IPDA é sair deste mundo. Lá, não se pode fazer nada: mulher pintar
cabelos, unhas, usar brincos, ver televisão etc. coisas comuns do cotidiano. Querem
viver como na época de Cristo, mas esquecem que isso foi dois mil anos, e s
estamos no século vinte e um. A igreja precisa se adaptar aos novos tempos.
O debate gira em torno do “moderno” e o “tradicional” no que se refere aos dois
modelos de igreja
8
. Enquanto os pentecostais trabalham a idéia de pureza seguindo
literalmente os exemplos bíblicos, portanto, tradicional; os batistas seguem a lógica do
moderno, com um discurso de que a bíblia e as experiências cotidianas funcionam como
os melhores elementos de ensino aos membros. Estes últimos sempre visando uma
forma de atrair novos fiéis.
Toda essa problemática centra-se a partir de uma rede de práticas que tem a
bíblia como elemento estruturador. Cada grupo faz uso deste livro optando por uma
interpretação peculiar, para com isso estruturar seu modelo litúrgico e doutrinário.
Assim, procuram construir as respectivas noções de pessoa.
A religião é pensada como uma elaboração de um discurso que tem as práticas
dos fiéis como exemplos de que o projeto vingou. Em vez de pensar que o objetivo
central de tais atividades e discursos tenha um cunho político, observo em tal ocorrência
um exemplo de construção de modelos de vidas. E essa construção abrange a política,
8
Gonçalves, José Reginaldo Santos. Autenticidade, memória e ideologias nacionais: o problema dos
patrimônios culturais In: Fazendo Antropologia No Brasil DP&A editora, Capes – Proin. Ano 2001.
20
crença, hábitos, tudo isso fazendo parte de um sistema, não permitindo uma análise
isolada. Ou seja, uma determinada atitude política, por exemplo, de um devoto da Igreja
Batista pode ter como ingrediente a prática do dízimo, a sua conversão, a sua relação
com os demais membros. Enfim, nada nestes grupos vi como algo isolado, pois
qualquer fiel interrogado sobre qualquer assunto oferecia como explicação uma série de
considerações que mostrava a estrutura religiosa do grupo.
Um outro exemplo é o de que, para um fiel da IPDA votar (politicamente
falando) significa não um compromisso religioso, mas uma obrigação social que o fiel
deve obedecer para não ter problema com a lei dos homens, segundo o discurso oficial
do grupo. Dessa forma, o “crente” que não participa do processo eleitoral não terá
dificuldades com Deus, mas em sua vida cotidiana. Mas uma pessoa sábia, como dizem,
deve evitar esse tipo de problema. Agora, se votar resolverá alguma questão prática, não
é um elemento discutido entre eles. A liderança orienta os fiéis no sentido de que os
mesmos não tenham problemas com a justiça eleitoral. Ser político na IPDA é
considerado uma coisa negativa e não positiva.
O fiel pentecostal deve ter esperança em Deus, não em atos políticos de homens,
dizem. A melhoria social de cada um é individual e não coletiva. No caso, cada pessoa
deve lutar sozinha através da orientação de Deus para progredir social e espiritualmente.
Ser evangélico a partir de tais concepções depende do grupo em questão, uma
vez que cada igreja privilegiará regras de condutas para seus seguidores. Na IPDA, por
exemplo, é importante uma vida religiosa diária, incluindo a participação nos cultos;
enquanto que ser batista, a ida constante aos cultos não é a regra, pois privilegiam mais
atitude cotidiana do fiel na sua relação com os não crentes.
Casar, vestir-se, alimentar-se, ter lazer etc. são atitudes bem diferentes nessas
duas igrejas protestantes. Apesar do rótulo de evangélicos, os grupos pesquisados
caminham em sentidos opostos, mesmo possuindo pequenas similaridades, uma vez que
acreditam no mesmo livro religioso, mas de formas distintas.
Procurei organizar a dissertação iniciando o primeiro capítulo a partir de uma
exposição da conversão e o que compreendo como sendo a formação da identidade em
cada igreja. Ao longo desse capítulo surgirá uma visão inicial do que é ser evangélico
em cada um desses grupos.
No capítulo dois analiso um aspecto que considero muito relevante no âmbito
religioso em geral, que é a questão do sacrifício: apresento esta prática ritual a partir da
categoria dinheiro, um elemento que quando usado por estas igrejas difere tanto na
21
forma de recolhimento quanto na aplicação, pois os sistemas de crença permitem rever o
próprio conceito de dinheiro no mundo capitalista.
Termino com a categoria “batismo” e como contribui para formar a identidade
do futuro “crente”. Nesse capítulo argumento que esse ponto é central para a fixação do
fiel nos respectivos grupos.
22
A construção das identidades batista e pentecostal: delimitando fronteiras
Antes de iniciar o curso de mestrado (no ano de 2003), fiz uma série de visitas a
algumas igrejas evangélicas com o objetivo de conhecer melhor o campo que iria
pesquisar. Ao entrar em contato com grupos: Batistas, Presbiterianos e alguns
pentecostais; percebi que trabalhar com duas denominações (e não mais) seria ideal para o
que almejo desenvolver neste trabalho. Ou seja: compreender como é construída a
identidade religiosa e social de dois grupos que professam a mesma tradição religiosa,
mas de forma diferente. Para esta empresa considerei que os batistas e a IPDA (Igreja
Pentecostal Deus é Amor) contribuiriam para minha pesquisa. Partindo do pressuposto de
que farei uma análise comparativa destas denominações evangélicas.
Procurei investir nas igrejas, onde fui bem recepcionado durante período em que
fiz as visitas. Esforcei-me para estabelecer uma certa relação de amizade, o que de certa
forma facilitou o meu trânsito nas referidas denominações protestantes. Das igrejas
escolhidas, observei que, entre os batistas, o trabalho tornou-se mais fácil do que na
IPDA. Uma vez que este grupo se “fecha” muito para o tipo de trabalho científico que
procurei desenvolver.
Na primeira vez que fui a um culto da IPDA para iniciar meu trabalho de campo,
fui classificado de uma forma que não esperava: “irmão”. Pensava que esta categoria era
restrita aos membros da igreja. Mas o tratamento continuou em outras reuniões dessa
denominação. Fui classificado da mesma maneira entre os batistas, mas com o tempo
estes passaram a me chamar de amigo do evangelho. O tratamento de irmão me
direcionou a desenvolver neste capítulo uma argumentação sobre como estes grupos
religiosos constroem suas respectivas idéias de pessoa.
Durante a organização analítica de meus dados é que pude compreender que a
categoria ganha um significado oposto nas duas denominações, pois um irmão pentecostal
não tem o mesmo valor para os batistas, comparado aos membros do grupo. Passei a
compreender que ser classificado desta forma é fundamental para se relacionar com tais
segmentos religiosos.
Falar em identidade de grupos ou pessoas é sempre uma tarefa muito complexa,
sobretudo quando o que está em jogo é a identidade religiosa. Portanto, para analisar tal
questão irei iniciar com termos que me despertaram atenção no trabalho de campo:
“crente”, “irmão”, “servo ou serva”, “povo de Deus”, “ungidos”, “separados deste
23
mundo”, evangélico”, “cristão”
1
. Estas são algumas categorias nativas que ouvia com
freqüência entre as respectivas denominações. Em alguns momentos era classificado
como “irmão”, em outros como um visitante, ou melhor, um “estranho”. Todavia os
pentecostais sempre preferiam me chamar de irmão, por considerar que um freqüentador
de seus cultos possui alguma afinidade religiosa com eles. No caso dos batistas o termo é
mais utilizado quando eles têm certeza que o visitante é um “crente” batizado.
As palavras mencionadas não são novidades para quem pesquisa esse segmento
religioso. No entanto, percebi que o significado de tais vocábulos varia de um grupo para
o outro. A idéia primária que tinha era a de que chamar alguém de irmão no ambiente
“evangélico” valia para qualquer denominação. Não tinha a compreensão de que este
vocábulo já é um demarcador inicial de fronteiras.
O irmão, para um fiel da IPDA, tem uma conotação especial para os membros
da igreja. Não estou com tal raciocínio querendo dizer que usam o termo dentro do
grupo. O meu objetivo é enfatizar que tal palavra aplicada ao companheiro de ministério
2
tem uma aplicação mais especial. Uma demonstração de que os conceitos: evangélicos,
protestantes, crentes, etc. são incapazes de explicar a complexa relação das igrejas que
abrange essa tradição religiosa.
Este debate é apresentado como um elemento de destaque para a compreensão
da identidade religiosa das referidas denominações. Uma categoria como “irmãos na
permite ao fiel uma mudança de comportamento em relação ao período anterior à
conversão, pois será orientado no sentido de que a família da igreja deverá ter um lugar
privilegiado em suas relações sociais. Mas isso muda quando um crente chama outro de
irmão. O significado mudará se o devoto não for da mesma denominação. Ou melhor, o
irmão é mais irmão quando pertence à mesma igreja.
Diversas vezes, tanto entre os batistas quanto entre os fiéis da IPDA, fui
classificado de uma forma a não ficar alheio a tal configuração religiosa. No 2º grupo, não
era raro me cumprimentarem ao chegar:
A paz do senhor irmão! Que Deus o abençoe!
Sempre ao chegar aos cultos da IPDA o tratamento de irmão, varão
3
, era comum. Percebi
que tais recepções contribuem para ampliar os laços de amizades e fortalecimento do
1
Estas categorias de pensamento são explicadas com maiores detalhes no glossário dessa dissertação.
2
Só passei a compreender esse termo, muito usado nesta igreja, numa entrevista feita no dia 03/09/04. O
fiel explicou-me que ministério é um termo referente à outra denominação (à outra igreja protestante).
3
É um termo exclusivo para homens (para mulher é varoa), não importa a faixa etária e significa
fortaleza, varonidade etc. É uma palavra muito usada na bíblia (no Antigo e Novo Testamento).
24
grupo. Não quero afirmar com isso que a categoria irmão e os respectivos sinônimos
sejam os únicos elementos de afirmação dos grupos no que tange à “solidariedade”. Mas
eles ocupam um papel de extrema relevância para um recém-convertido ao grupo. Este
idioma permite ao neófito demarcar seu espaço e, ao mesmo tempo, compreender que o
relacionamento na igreja deve ser uma “extensão” do seu lar, considerando que após a
conversão e o batismo nas águas, os seus companheiros de religião fazem parte de sua
mais importante família, “a de Deus”.
O fato de às vezes me classificarem como irmão, de uma certa forma, facilitava
meu trânsito entre eles. Todavia, não compreendiam por que eu estava freqüentando os
cultos continuamente se ainda não havia me decidido. Numa noite de agosto de 2004,
conversando com um fiel da IPDA antes do culto, o mesmo me interrogou acerca dos
reais motivos que me levaram até eles. Ao mencionar meu interesse científico em suas
práticas disse-me:
Irmão, como você vai nos entender sem ser cristão? E como vai entender o batismo
com Espírito Santo, sem ter sido batizado? Desculpe-me ter que lhe dizer isso, mas você
está perdendo seu tempo.
Tentei explicar que aquilo fazia parte de uma pesquisa antropológica e que a
mesma culminaria em um texto a ser apresentado numa universidade. Ele olhou para mim
e sorriu. Um sorriso sarcástico que me fez pensar sobre minha difícil posição. Um
cientista social sendo “desafiado” por um nativo. Nesse instante refleti sobre a
profundidade de tal situação, e cheguei à conclusão de que são acontecimentos dessa
natureza que contribuem para um avanço na tentativa de compreendermos o outro. Eu,
com um argumento científico; os nativos achando que só podem ser estudados por alguém
que já experimentou de sua crença. Eis um espaço aberto para o debate.
Em minha relação com os batistas percebia que apesar de me classificarem
inicialmente como irmão sabiam que estava fazendo um trabalho “escolar”, portanto,
alguém que desejava conhecer um pouco de teologia. A partir de tal desenlace passaram a
me dispensar um tratamento no sentido de que algum dia seria mais um convertido. O
cuidado com uma pessoa não crente faz parte da metodologia batista, pois objetiva cativá-
la a fazer parte do grupo. Sendo assim, é útil mudar o tratamento para amigo, em vez de
irmão. A análise que faço para os dois casos é a de que o pentecostal, não faz a separação
25
nítida de irmão e não irmão, quando um estranho entre eles. Se um visitante está
freqüentando a igreja, é porque ele tem alguma intenção em fazer parte do grupo, dizem.
Diferentemente, um batista raciocina em termos de conhecimentos teológicos.
Ou seja, os membros do grupo conhecem se o visitante é um deles a partir de suas
posições bíblicas. o pentecostal trabalha com a idéia de habilidades espirituais
representadas pelos chamados dons: de cura, libertação, visão, etc. A partir de tais
concepções a categoria irmão ganhará profundidade, ou não.
A situação descrita me levou a perceber que uma das várias formas pelas quais
os nativos constroem sua identidade é a partir da afiliação religiosa. Ser “crente”, ou ser
“irmão”, “evangélico”, é antes de tudo, ser pentecostal ou batista de determinada igreja.
A categoria irmão, mesmo sendo extensiva a outros grupos classificados como
evangélicos, sempre tem um caráter restritivo em relação à determinada denominação.
Sendo assim, a minha “associação” a um grupo permitirá (enquanto ali estiver) que
“vista” a camisa da denominação em todos os sentidos.
Uma outra forma em que a construção do novo convertido se nestas igrejas é
através dos conflitos com outros grupos. Isto é, criticando os demais segmentos eu
melhoro a imagem do meu grupo, conforme sugere a análise de Contins (2003)
4
. No caso
dos batistas e pentecostais pesquisados, os inimigos são todos aqueles classificados como
opostos ao grupo. Mas aqueles “inimigos” preferenciais e que são mencionados nos
cultos e nas “aulas de doutrinas”. Para a IPDA, os alvos preferenciais de ataques são os
chamados “afro-brasileiros”, que eles classificam como “macumbeiros”, e os não
pentecostais, mais especificamente os batistas. estes (no caso, os tradicionais) têm
como inimigos diretos os pentecostais e suas pregações de curas e prosperidades. Além
destes inimigos preferenciais outros que não ganham tanta importância. Mas o que
quero destacar no presente tópico é que a identidade pentecostal se elabora a partir da
conversão. Começando com a classificação de grupos diferentes, através de uma
orientação para que o novo fiel abandone práticas que de alguma forma lembra um
batista. O novo crente pentecostal deve freqüentar determinados cultos para “saber”
contra quem está lutando, uma vez que o idioma principal do grupo é o da “luta
espiritual”.
4
Contins, Márcia. “Convivendo com o inimigo: Pentecostais Negros no Brasil e Nos Estados Unidos”.
Revista Caminhos. Ed. UCG. V. I, n. 2, - jul. / dez. 2003.
26
Os batistas recorrem a um modelo de orientação que tem como princípio fazer
com que o devoto não deixe que o “sensacionalismo” dos pentecostais atinja a
denominação, pois este é um dos maiores divisores no meio batista. Para estes religiosos
os fiéis da IPDA não agem com o “bom senso”, pois querem demonstrar mais
espiritualidade do que os demais protestantes. Enquanto uma igreja deseja mostrar que
Deus de fato está atuando em seu meio a partir da distribuição de dons para seus
seguidores; a outra procura regrar as ações de seus fiéis com um argumento de que o
mundo divino é feito de ordem e não de desordem. Esta idéia é o ponto central para
entender os respectivos grupos. A partir dela desenvolverei boa parte deste debate.
O tema do mal
5
é recorrente nos cultos. Para os batistas, o novo fiel precisa estar
atento contra as chamadas ciladas do Diabo”. Estas adversidades podem ser reais, tendo
como principais representantes os neopentecostais com seus cultos de prosperidade, curas
e batismo com Espírito Santo. Mas podem também ser “espirituais”, personificadas pela
figura mítica do Diabo e sua equipe, que no discurso cristão tem como principal função
desviar “Os escolhidos de Deus” (Novaes, 1985).
O campo do real e do espiritual, de uma certa forma, desenvolve um caráter
metonímico. A idéia propalada por cada igreja é o de que os grupos opostos são usados
por uma entidade do mal. Por exemplo, na esfera do real os batistas pregam que os cultos
e ensinamentos de alguns grupos pentecostais (como a IPDA) podem despertar o interesse
de seus fiéis pelo fato de enfatizarem a cura e a idéia de prosperidade. Se o fiel batista der
ouvido a tais ensinamentos estará caracterizado que o lado espiritual deste “crente” foi
atingido. Só que a forma de representação é metafórica, facilitando o “ataque”. Em outras
palavras, em vez de usar nomes de grupos religiosos específicos, os batistas usam as
figuras de Deus e do Diabo. O local de orientação dos novos fiéis da IBC é a Escola
Dominical. Para corroborar tal raciocínio descrevo aqui o que pregava um líder num culto
de domingo pela manhã.
Irmãos, nós devemos prestar um culto racional a Deus (referência ao texto
bíblico do novo testamento no livro aos Romanos. Cap. 12 Vers. 1); não podemos nos
contaminar com falsas doutrinas de certas igrejas, que prometem que o crente terá muito
5
O mal à Brasileira O Demônio e os Pentecostais no Brasil (Cecília L. Mariz); Males e Malefício no
Discurso Neopentecostal (Patrícia Birman). Eduerj. RJ. 1997.
27
dinheiro, será empresário, será curado. Isso tudo é mentira e enganação. Porque a bíblia
diz que no mundo nós teremos aflições. Cuidado, pois pode ser a voz do Diabo. (março de
2003 – IBC).
Os cultos de domingo e quartas-feiras são os preferenciais para que
admoestações como as citadas acima sejam feitas aos membros, o que não impede que
visitantes também ouçam e levem como lembrança tais advertências. Os conselhos têm
ainda como objetivo “prevenir” os fiéis contra outros discursos. E ao mesmo tempo,
incutir a doutrina. Esta prática cria dificuldades para aqueles que, porventura, queiram
disseminar novos hábitos no grupo.
os pentecostais pesquisados preferem um combate mais frontal: os
“macumbeiros” e os fiéis que não são da IPDA. Para esta religião, o maior causador dos
problemas de enfermidades, separação conjugal, adultério, problemas financeiros etc. são
os trabalhos de “feitiçaria”
6
feitos pelos afro-brasileiros. com referência aos outros
“crentes”, o que mais se enfatiza é a categoria vaidade (mais à frente irei explorar este
tópico), que simboliza o abandono de determinadas práticas consideradas anticristãs tais
como: roupas curtas, pintar cabelos, usar esmaltes, brincos ou jóias (com exceção da
aliança de casamento ou noivado), barba e cabelos compridos (para homens) etc. Estas
atitudes são comuns entre os protestantes batistas, presbiterianos, algumas igrejas da
Assembléia de Deus, entre outras denominações evangélicas. O local de advertência ao
novo fiel (e ao antigo) é nos cultos de doutrina.
As reuniões públicas ou doutrinárias de ambas as igrejas são momentos ideais
para que as acusações se desenvolvam. A noção de pessoa tem como caráter primordial a
idéia de que ser evangélico passa pela questão da oposição frente a outros da mesma
tradição.
Irmãos, vocês querem morar no céu? Então não copiem as atitudes das pessoas
do mundo, inclusive daqueles que se dizem crentes, mas agem como os ímpios: jogam
bola, cortam cabelos, adulteram etc. (culto doutrinário da IPDA – 5ª feira, julho de 2003).
6
Aqui, o sentido dessa categoria se refere aos trabalhos sacrificiais desenvolvidos por segmentos
religiosos tais como: Candomblé, Umbanda, espíritas. Os líderes da IPDA destacam em suas pregações
que tais religiões só fazem o mal.
28
No tópico sobre o passado de alguns fiéis ficará mais clara essa questão. Por
ora, gostaria de enfatizar que as práticas e costumes opostos são colocados como
prioritários para os futuros membros. Dessa forma, descrevo abaixo os principais
contrastes entre as doutrinas no seguinte quadro:
Quadro I:
Igreja Pentecostal Deus é Amor Igreja Batista da Califórnia
“Prega” o batismo por imersão e o
com Espírito Santo;
Controle no uso de roupas e
aparência física;
Cobra a participação do fiel com
dízimos e votos;
“Prega” contra os não
pentecostais, principalmente os
batistas e afro-brasileiros.
Só “prega” um tipo de batismo – por
imersão;
Não há controle quanto à
indumentária;
Exige com mais cobrança o dízimo;
Critica os pentecostais, principalmente
a IPDA.
No quadro exposto tento mostrar ensinamentos pontuais que, de uma certa
forma, se ampliarão no decorrer dos capítulos. Mas antes, podemos verificar que ambas as
denominações procuram demarcar o seu território religioso cercando-se de argumentos
que vão diretamente ao encontro daquilo existente em seus respectivos modelos
denominacionais.
O leque de ofertas religiosas na tradição evangélica é amplo. No entanto, pude
observar que cada segmento, mesmo sendo do mesmo tronco, estrutura-se numa doutrina
particular, escolhendo como alvo preferencial de ataque determinadas igrejas em
detrimentos de outras.
Num culto em outubro de 2003 pregava um pastor da IPDA em Belford Roxo:
Irmãos, aqui próximo ao altar há uma senhora que está pedindo oração. Ela me
disse que era da igreja Batista. Vocês acham que os batistas são crentes?
O público respondeu em uma só voz: não...!
29
Continuou o pastor:
Eu também acho que não, pois lá, eles permitem de tudo. Para ser Batista é
melhor ficar no “mundo”, porque quando Jesus voltar eles ficarão aqui.
Em contrapartida, num culto que participei entre os batistas no mesmo período,
o pastor discursava:
Ser cristão é, antes de tudo, agir com decência e ordem; pois, muitas igrejas
pentecostais por que, ao entrar, você fica confuso de tanta gritaria. Não é preciso
gritar nos cultos, uma vez que Deus não é surdo.
Os ataques são recíprocos e às vezes somos levados a pensar que estas igrejas
nem pertencem à mesma tradição religiosa, tão forte são as críticas e os discursos
ofensivos de uns contra os outros. Mas à medida que aumentam as divergências uma
espécie de resposta para os membros. Por exemplo, entre os batistas, às vezes na “escola
bíblica dominical” entra em pauta a conduta dos seguidores da IPDA. Questionam se os
mesmos estão agindo adequadamente ou não, quando o assunto é recebimento do Espírito
Santo. Os professores das classes (dos jovens e adultos) procuram ensinar, que tais
religiosos, são pessoas de baixo nível de escolaridade, portanto, não tem idéia do que
fazem. Por sua vez, os pentecostais citados, ensinam que o procedimento de religiosos
como os batistas, não deve ser copiado pelos seus fiéis.
Num culto de estudo bíblico da IPDA em Heliópolis, uma líder ensinava que
esta igreja tem como princípio básico a busca de poderes espirituais. Dizia ela que os
batistas preocupam-se muito com o intelecto, mas esquece de que o verdadeiro orientador
do “povo de Deus” é o Espírito Santo. Por isso, a mesma considera os pentecostais da
IPDA como religiosos “quentes” no sentido divino do termo; ao passo que os batistas o
pessoas “frias”, que faz lembrar os católicos. Estes ensinamentos objetivam incutir na
mente dos fiéis, de que o grupo do qual fazem parte, possui um argumento sólido quando
comparado a outras igrejas. Sendo assim, o importante não é ser “crente”, mas
compreender como funciona a doutrina na qual está inserido.
30
Interior do Templo da IBC –
Nova Iguaçu -RJ
1.1.1 Área geográfica dos templos
Vamos agora tentar compreender como se organizam e se localizam
espacialmente. Levando-se em conta que a diferença aqui se amplia para questões como
construção, gestão, ritualização do espaço, distribuição de cargos, locais preferenciais
para fundar um templo, etc. O local de reuniões também se constitui num elemento de
formação do caráter cristão, pois o devoto passará a compreender que o lugar de culto é
a sua segunda casa.
Igreja Batista da Califórnia
Esta Igreja Batista
7
possui um templo que se encontra localizado no município de Nova
Iguaçu (KM 13 da Rodovia Presidente Dutra RJ.). O local de culto tem 40 anos de
7
A Denominação Batista, segundo levantamentos históricos, surgiu aproximadamente no século XVII,
como extensão de grupos protestantes: Congregacionais ingleses, Igreja Anglicana, movimentos
puritanos. Devo destacar, no entanto, que os protestantes tiveram início no século XVI, principalmente
com os Luteranos.
A história dos batistas no cenário internacional, segundo o que está registrado no site oficial da
Convenção Batista Brasileira (órgão oficial das igrejas Batistas do Brasil), teve seu desdobramento, logo
após a Reforma Protestante (movimento religioso liderado por Martinho Lutero em 1517). A partir de tal
episódio, abriu-se um precedente para que vários grupos religiosos dissidentes pudessem ter autonomia.
Dessa forma, entra em cena o ano de 1608, onde um grupo de refugiados ingleses foi à Holanda
em busca de liberdade religiosa. Grupo este, liderado pelo pregador John Smyth e um advogado por nome
Fachada Externa do Templo da
IBC – Nova Iguaçu - RJ
31
existência (completados em dezembro de 2003). O pastor atual é o sexto nestas 4
décadas. Está na liderança seis anos como pastor presidente (1º cargo na hierarquia
desta denominação).
A administração de uma igreja Batista é autônoma em relação às Convenções,
órgãos jurídicos responsáveis pela doutrina dos chamados Batistas tradicionais
8
. Elas se
dividem em 4 tipos: regional, estadual, nacional e mundial (esta última de âmbito
internacional). Tais órgãos são responsáveis pelas questões doutrinárias de qualquer
grupo batista afiliado. Todavia, cada igreja Batista local deve elaborar seu próprio
estatuto, desde que não entre em conflito com a posição teológica das instituições
citadas.
Destaco, entretanto, que as convenções elencadas anteriormente fazem parte da
administração dos batistas no Brasil, podendo ser diferente, dependendo do país em
questão. Esta estrutura não existe entre os pentecostais, pois possuem uma organização
centrada num único lugar. A IPDA é uma denominação que não funda igrejas, uma
independente da outra como os batistas, optam por uma espécie de rede religiosa. Para
os batistas a possibilidade de fundar novos templos é mais fácil do que entre os
referidos pentecostais, pois a abertura de qualquer igreja da IPDA segue a orientação da
matriz paulista. Neste aspecto os Batistas são mais coletivistas e os pentecostais mais
individualistas.
O templo da IBC situa-se a 10 minutos do centro de Nova Iguaçu, uma região
que possui muitas igrejas católicas e evangélicas, evidenciando-se um enorme templo da
Igreja Universal do Reino de Deus, no estilo “catedral da fé”. Além dos mencionados há
outros grupos de religiosos na região, tais como a Maçonaria, espíritas, Candomblé,
Umbanda, etc.
de Thomas Helwys. Ambos fundaram em Amsterdã (no ano de 1609) uma igreja de doutrina Batista.
Denominação essa, que tinha como princípio, o batismo por imersão dos fiéis recém convertidos.
Para Francisco Rolim (1985), a história dos protestantes no Brasil pode ter como marco a primeira metade
do século XIX. Embora, os recenseamentos dos anos: 1890, 1900, 1940, 1950, 1960, 1970, 1980
informem sobre esta tradição religiosa no Brasil, os de 1872 e de 1920 não mencionam a categoria
protestante e sim as classificações: Católicos romanos e não Católicos romanos. Em sua análise, o ano de
1940 passa a ser o maior referencial de mudança religiosa no Brasil. Uma vez que os chamados
protestantes históricos e os pentecostais começam a crescer com mais força. Tendo o segundo grupo um
maior potencial de crescimento se comparado ao primeiro.
8
O termo é muito utilizado por estes religiosos na tentativa de se defenderem dos pentecostais. Além do
que, muitas igrejas Batistas desligam-se da Convenção Batista Brasileira quando passam a adotar um
modelo de culto pentecostalizado. Sendo assim, usam o termo tradicional em oposição às igrejas Batistas
renovadas.
32
A dimensão espacial do templo, ou “santuário” como o chamam, distribui-se em
200m² da seguinte forma: altar (onde ficam as autoridades eclesiásticas), tanque
batismal e a área reservada ao público com bancos em madeiras coletivos. Observe no
seguinte esquema a parte interna do templo da IBC:
Mapa do Município de Nova Iguaçu.
Área onde se localiza a IBC
33
Quadro II :
Quadro II
Porta
Batistério
Altar
Púlpito Espaço reservado
Espaço reservado para instrumentos
Para cadeiras musicais
Dos dirigentes
Dos cultos
Porta lateral Porta lateral
E D
Espaço reservado para os bancos coletivos
Mesa da ceia
Gazofilácio
(Urna para depósitos
de dízimos e ofertas)
Porta
De entrada
Principal
34
Entre os Batistas não há restrições quanto a pessoas do sexo masculino situarem-
se ao lado do feminino, embora exista um certo tabu no tocante a esta questão. Não é
recomendado que um homem ou mulher fiquem próximos sem uma terceira pessoa no
território do templo, exceção feita ao momento de culto. Tal situação pode despertar
alguma desconfiança de adultério, etc. Sendo assim, a questão de gênero é tratada como
um campo perigoso, tanto entre os batistas quanto na IPDA, pelo temor de que o contato
entre homem e mulher gere algum tipo de dificuldade, trazendo um problema familiar.
Mas ambas as igrejas reservam cuidados especiais para prevenir algum problema dessa
natureza. A IPDA investe numa série de proibições com relação aos dois gêneros.
Todas no aspecto da aparência física: corte e pintura de cabelo, roupas curtas, utilização
de jóias, etc. hábitos muito comuns aos “crentes” batistas. Na visão da IPDA, os
referidos evangélicos mais parecem “mundanos” do que cristãos. Os líderes batistas,
entretanto, optam por orientar seus membros para que evitem um contato entre o sexo
masculino ou feminino, pois isto poderia gerar algum tipo de desconfiança. Mais pouco
dizem sobre a questão da indumentária.
Percebam que a idéia dos batistas é formar um grupo de fiéis “conscientes
sobre determinadas áreas de atuação. Não se preocupam em criar uma série de normas
de lidar com o corpo, como fazem os pentecostais. Mais do que proibir, preferem um
ensino metódico e teológico como meio de conduzir o fiel a agir por si próprio.
A discussão em torno da delimitação de fronteira é um dado de grande
relevância nestas cosmologias, não por tratar da questão da família, mas pelo fato de
expor que tanto o sexo feminino quanto o masculino fazem parte deste mesmo universo
de perigo. A saber, o adultério não deve ser uma preocupação dos homens, mas
também do sexo feminino. Uma vez havendo infidelidade conjugal a imagem da família
é que está em questão. Por sua vez, a igreja também ficará maculada. Todavia, enfatizo
que me refiro à infidelidade entre homem e mulher. A questão do homossexualismo é
raramente mencionada. Quando abordam esse tópico, tratam-no como uma questão de
doença maligna provocada pelo personagem bíblico chamado Diabo.
A membresia da IBC gira em torno de 200 pessoas, sendo que poucos são os que
freqüentam assiduamente. Os devotos que sempre estão em todos os cultos são
aproximadamente 70. também os que freqüentam as reuniões sem serem membros
9
.
9
pode ser considerado “membro” quem é batizado e cumpre as normas da igreja. Isso vale também
para os pentecostais pesquisados. O controle é feito através da freqüência e da participação nas atividades
das respectivas igrejas. Fora isso, costumam dizer, vai da consciência de cada fiel. Lembrando que tais
35
Em todo o período de meu campo (2003/2004), nunca percebi a presença dos 200
membros que supostamente integram o grupo. As explicações sobre os faltosos eram
variadas, desde problemas de enfermidades a divergências com o pastor. Isso, de certa
forma, preocupava a atual diretoria. O líder da igreja e seu secretariado elaboraram em
2004 várias cartas e as endereçaram aos membros ausentes, com o argumento de que a
“igreja” sentia falta deles. A IBC tem como hábito visitar os membros que por um
determinado período estejam ausentes, prática que não observei entre os pentecostais. O
que pude compreender com relação a estes diferentes comportamentos institucionais é o
de que para a IBC, a presença aos cultos é mais exigida, pois com ela a liderança pode
acompanhar melhor o devoto. Na IPDA existe uma carteira de controle dos membros,
portanto, a não presença a determinados cultos significa que o mesmo está fazendo algo
“errado” ou desligou-se da igreja. A preocupação pentecostal existe enquanto o membro
está ativo. Para a IBC o cuidado com um fiel tem como objetivo básico saber se ele está
ou não agindo como um batista, pois está em jogo a imagem institucional.
Voltando à descrição do altar na igreja batista, observei que um suporte de
madeira com um 1,10cm, onde fica exposta uma bíblia. Objeto que ocupa o primeiro
lugar de veneração entre o grupo. dois jarros de flores ladeando o púlpito e
instrumentos musicais como: bateria eletrônica, guitarra, órgão e mesa de som. Mesmo
a direção da igreja reservando este espaço, para os determinados líderes, isto não
impede que ele tenha um outro significado fora do momento ritual de culto
10
.
No entanto, o controle do sagrado em relação ao altar “afrouxa-se” após as
reuniões. Passado o momento de culto, este espaço torna-se um lugar comum, onde
qualquer fiel ou visitante pode transitar. O que faz o templo e o altar transformar-se num
lugar sagrado, em determinados momentos, é a reunião programada. Sendo ela festiva,
ou não. Uma programação de culto faz com que o espaço interior seja altamente
regrado. Normas devem ser cumpridas à risca pelos membros. No tempo em que convivi
com eles, não observei qualquer descumprimento quanto a essa questão. O ritual do
culto traz à baila tudo o que é ensinado nos cultos doutrinários e na escola dominical.
Principalmente no que se refere ao comportamento dos fiéis nos momentos religiosos.
igrejas enfatizam que a salvação é individual. Dessa forma, pregam que cada um prestará conta de seus
atos às divindades no dia do juízo final.
10
Estrutura e função Na Sociedade Primitiva. Radcliffe-Brown, A. R. Vozes 1977. Cap. VII – Tabu.
36
Diferentemente, os pentecostais desenvolvem uma veneração pelo altar no momento
ritual e fora dele. O cuidado reservado com esta parte do templo varia de um grupo para
o outro. Considerando que a experiência física faz parte do sistema religioso da IPDA,
ao passo que na IBC a dimensão do físico restringe-se ao momento ritual do culto, por
isso reservam muita veneração por esta parte do templo no desenvolvimento do culto.
Interior do Templo da 1ª IPDA - SP
37
Posto que estes batistas não enfatizam o batismo por imersão em rios de água
corrente, possuem apenas uma grande pintura de um rio nos fundos do batistério. Um
procedimento que os aproxima dos pentecostais da IPDA, que exploram a idéia do
batismo em rios de água corrente e não parada. A oposição água parada X corrente vai
ser aprofundada no capítulo sobre o batismo. Contudo, gostaria de mencionar de
antemão que em vários aspectos rituais, os dois grupos se aproximam, mesmo
figurando-se como verdadeiros combatentes uns dos outros. O idioma da “guerra” que
marca estes dois grupos parece expor o “temor” que ambos m em relação ao outro: o
dos batistas, que seus fiéis tornem-se pentecostais e pratiquem a glossolalia em seus
Tanque Batismal da IBC - Nova Iguaçu
38
cultos; Ao passo que os pentecostais da IPDA temem que seus membros sejam
“aliciados” pela propaganda de “liberdade” dos batistas. O que antecipo aqui é a
importância de como o fiel deve se posicionar frente a grupos opostos. A noção de
identidade com o grupo é construída a partir do momento em que o novo convertido
decide ser batizado por uma ou outra igreja. Ele precisa ter a consciência de que sua
forma de vida social sofrerá uma reviravolta. Vários hábitos anteriores terão que ser
repensados após o batismo, no caso dos batistas, principalmente em relação aos
pentecostais.
O perfil dos fiéis batistas pesquisados é muito variado no que tange à faixa
etária, profissão, raça e gênero. A maioria dos que freqüentam os cultos situa-se na faixa
etária que vai dos 25 aos 70 anos. O número de crianças é muito reduzido. Quanto à
questão de raça (se posso usar tal termo), a cor dos religiosos é bem variada. Não
havendo predomínio de negros ou brancos. no tocante ao gênero, as mulheres
predominam.
São pessoas de várias profissões e condições sociais: motoristas, domésticas,
contadores, administradores de empresa, químicos, professores do ensino fundamental e
médio, universitários, secretárias, aposentados (as), semialfabetizados, analfabetos. As
mulheres superam os homens em todos os cultos (inclusive na diretoria da igreja), com
exceção ao cargo de pastor, prática não permitida pela Convenção Batista Brasileira
(CBB). Até o presente momento.
A ocupação do cargo de pastor segue uma orientação da própria cosmologia do
grupo, que destaca a importância do papel masculino à frente da igreja. Esta regra não
significa um domínio masculino exclusivo, pois as mulheres ocupam funções que
variam desde serventes a vice-moderadora (vice-presidente). E este último cargo tem
poder de veto na denominação.
É conveniente ressaltar que esta igreja tem como hábito denominacional resolver
seus problemas via assembléia. Classificam esta atividade como “sessão
administrativa”. São encontros feitos uma vez por mês. Servem para discutirem e
solucionarem questões do grupo e da denominação. Os membros têm o direito de
participarem, votando contra ou a favor dos assuntos postos em discussão. Uma atitude
impensada na IPDA, pois possui um modelo de gestão centrado mais no carisma do que
em questões burocráticas. Aqui podemos ter uma pequena demonstração da sutileza que
envolve as respectivas administrações. A IBC segue uma linha política mesclando atos
burocráticos com eclesiástico, enquanto que a IPDA tem uma liderança que concentra
39
os dois níveis sem fazer uma nítida separação. Levando alguns desavisados a fazer uma
interpretação de que entre os pentecostais um líder que detém todo “poder”. Mas na
verdade o modelo sistemático da IPDA abrange os dois pólos sem fazer uma nítida
separação como no caso dos batistas.
A área geográfica onde está localizado o templo da IBC
11
não possui outra igreja
batista a pelo menos uns 300m. Isto é uma norma estabelecida pela CBB
12
. Entretanto,
igrejas da Assembléia de Deus, igrejas Católicas, etc. A prática de expansão dos
templos batistas segue a regra de não construir outro da “mesma fé e ordem” no espaço
de 300m². Dessa maneira, cria-se um planejamento de construções de templos pelas
cidades e, ao mesmo tempo, fomenta-se uma idéia de respeito para com as igrejas da
mesma “fé e ordem” que foram implantadas anteriormente. Como mencionei antes
criando a idéia de instituição coletiva e plural no sentido de “aberturas” de novos
templos. Ao passo que, no modelo pentecostal aqui descrito, há uma idéia individualista
que dificulta o surgimento de novos templos, sem que tenha um aval de determinada
matriz. Destacando, que a maior parte das igrejas da IPDA concentra-se em salões
alugados; enquanto que os batistas optam por construir templos próprios.
O organograma batista, no que se refere aos cargos é feito seguindo os critérios
locais, com pouca influência da CBB. Como destaquei, o estatuto de uma Igreja
Batista segue um critério peculiar à necessidade de cada grupo fundado. Sendo assim,
dependendo do porte da igreja, a quantidade de cargos pode ser conforme o desenho
abaixo, ou maior. Geralmente seguem o seguinte esquema:
11
Igreja batista da Califórnia. A sigla é como os nativos classificam a igreja. Geralmente estes religiosos
usam a seguinte terminologia: 2ª... Igreja Batista de tal bairro. Considerando que para fundar um
templo batista num bairro é conveniente uma consulta à Convenção Batista Brasileira, esta instituição é
quem determina a numeração. Respeitando o (s) grupo (s) que estiver no lugar.
12
A sigla significa: Convenção Batista Brasileira. Órgão responsável por todas as questões doutrinárias
da denominação batista no Brasil. As igrejas batistas são autônomas no que tange à administração do
templo. No que se refere às questões teológicas segue o modelo da CBB.
40
Área Administrativa Área Religiosa
Além dos cargos citados outros como: e secretário, vice-presidente,
etc. para todas as posições mencionadas. O que está exposto aqui é o modelo principal
da hierarquia da igreja.
Em relação à divisão: área religiosa e administrativa gostaria de esclarecer que
os dois blocos têm ações pontuais, ou seja: ter um cargo administrativo significa ser
responsável pela “saúde” financeira da igreja e também pelo suporte físico do templo,
incluindo-se compra de materiais de construção, organização de algum evento ou
festividade, ajuda financeira a alguns necessitados. Enfim, os cargos administrativos
respondem pelo lado material do grupo.
os cargos religiosos, por sua vez, m como objetivo acompanhar o lado
“espiritual” dos fiéis, tais como: ensino da bíblia, aconselhamentos, fiscalizar as normas
da denominação. Ambas as incumbências visam unir o material ao espiritual, no sentido
de estruturar a igreja seguindo as exigências da CBB.
A escolha de quem ocupará os cargos administrativos é feita anualmente,
seguindo a seguinte agenda: o pastor seleciona quem ele gostaria que trabalhasse com
ele no próximo ano, apresenta sua proposta à atual diretoria e ambos (após debaterem o
tema) colocam em pauta na sessão (assembléia mensal) que decidirá com os votos da
maioria. Como se vê, o procedimento desenvolve-se através de uma idéia “democrática”
(se é que posso usar o termo). Mas nem sempre, as assembléias acontecem na paz por
Pastor Presidente
Vice
moderador
Diáconos
Educador
Religioso
1° Tesoureiro
1° secretário
Professores da
EBD
41
eles propalada. vários casos de descontentamentos expressos pelos fiéis nos
“corredores” do templo. Uma certa vez presenciei uma discussão entre o pastor atual e
um outro:
O pastor dizia: “meu caro, eu lhe disse que as coisas de Deus não podem ser
feitas de qualquer forma. É necessário seriedade na obra de Deus...”
O outro retrucava: “mas isso é para mim? Eu não admito! Não vou fazer isso de
forma alguma”. A questão era referente a uma obra física no templo.
Presenciando a cena procurei disfarçar. Mas ao mesmo tempo passei a refletir
sobre a “democracia” de que tanto falam estes batistas, uma vez que enfatizam
constantemente que não igreja evangélica que tenha um modelo democrático
(categoria nativa para demonstrar o grau de liberdade que julgam ter para solucionar
problemas) tão eficiente quanto o deles.
Em vários cultos o pastor menciona as discórdias entre eles envolvendo-as no
discurso da democracia:
Ser batista é bom por isso, aqui todos têm a palavra. Só não pode é ficar
falando pelos corredores. Tem algum problema comigo ou com outro irmão? Vem a
mim ou a pessoa e resolve a questão, em vez de falar por trás.
Os conflitos descritos anteriormente, entre outros, também valem para a disputa
pelos cargos religiosos. muitos casos em que o escolhido não quer aquele cargo. O
que não foi selecionado também reclama pelo fato de ter sido preterido. O aparente
ambiente de paz se transforma às vezes numa verdadeira guerra das “vaidades
humanas”. Saliento com isso que as categorias “paz” e “guerra” convivem
paralelamente neste ambiente, podendo sobressair um lado mais que o outro
dependendo do momento, ou do que estiver em jogo. O argumento de que o escolhido
para determinado cargo foi designado por Deus, antes da escolha humana, é sempre
usado. Mas entre os batistas leva-se mais em conta na hora a seleção o nível intelectual
do candidato, enquanto que na IPDA o que deve ser considerado é a quantidade de dons
espirituais que os membros têm.
Os cultos, ordinariamente, acontecem às segundas-feiras (culto de oração
19:00 às 21:00), quartas-feiras (culto de louvor e doutrina 19:00 às 21:00), domingos
(08:00 às 12:00 oração, EBD, pregação) e domingo à noite (19:00 às 21:00 culto de
42
louvor e pregação). Salvo alguma programação extra, o modelo das reuniões seguiu essa
estrutura no período em que estive com eles.
Além das reuniões no templo, o grupo também faz um trabalho de encontros
(cultos de agradecimentos e orações) na casa dos fiéis. Isto permite ampliar a rede de
relações para o lado externo do templo. De uma certa maneira, tais atividades expõem o
caráter expansionista deste segmento religioso. Mais do que agradar ao fiel levando a
igreja ao seu lar, a denominação faz uma “propaganda” de sua doutrina para os parentes
do anfitrião (que, porventura, não sejam crentes). Ao mesmo tempo, divulga para os
vizinhos seu cuidado para com suas “ovelhas”
13
. Não observei esta atividade entre os
pentecostais. Em contrapartida percebi que possuem um método de relacionar-se com
seu público por meio do rádio. A IPDA mantém diariamente uma programação
radiofônica (explicarei melhor mais à frente) que permite ao seu público ter um contato
constante com a igreja. Diferentemente das reuniões programadas dos batistas, estes
religiosos trabalham com a idéia de que o fiel precisa relacionar-se com a igreja a todo
instante. Assim, todos os membros ficam por dentro das atividades da denominação em
tempo real, pois se houver uma determinada concentração em outro Estado, o fiel
poderá acompanhar e saber o que a igreja está fazendo em qualquer parte onde exista
uma IPDA.
As duas igrejas distinguem-se aqui, na forma como orientará seus seguidores
sobre as respectivas atividades. Os batistas optam por um caminho mais reduzido, pois
só possuem dois cultos fixos durante a semana. A IPDA segue a lógica de uma presença
mais ativa, onde todos os dias reunião no templo. Mas além dos cultos fixos
outros como festas, reuniões na casa de fiéis, cultos de agradecimentos, visitas a
hospitais, presídios, etc. A partir daí podemos chegar a seguinte conclusão: os batistas
têm o compromisso de dois cultos fixos; os fiéis da IPDA devem ir diariamente ao
templo.
13
Palavra nativa, no meio protestante, para designar fiéis que pertencem ao mesmo grupo. A referência
tem como base uma descrição da bíblia no Novo Testamento, que traz a imagem do personagem Jesus
como o pastor de ovelhas, metáfora simbolizando o líder e seus seguidores.
43
Igreja Pentecostal Deus é Amor
Os fiéis da IPDA se autodenominam como pentecostais
14
. No entanto, cientistas
sociais como R. Rolim (1985) e Mafra (2003), etc. utilizam a categoria analítica
neopentecostal para classificar grupos que têm como características básicas a pregação
de curas de enfermidades e a teologia da prosperidade. De fato, a IPDA desenvolve um
modelo de culto descrito pelos pesquisadores mencionados, tais como cultos de
libertação, de curas, pregação de prosperidade. Mas, os nativos se orgulham de serem
chamados de pentecostais e consideram “acusação” a palavra neopentecostais.Os
batistas pesquisados utilizam a referida categoria para desqualificar alguns grupos
pentecostais como a IPDA. Os líderes da IBC com quem conversei sobre este tópico me
afirmavam que a palavra pentecostal se aplica melhor a um grupo como a Assembléia
de Deus que representa a tradição do pentecostalismo mais “sério”, não a igrejas que
fazem do “curandeirismo” sua bandeira principal para atrair outros fiéis protestantes.
A IPDA foi fundada em 1962 pelo missionário David Martins Miranda
15
e tem
como característica central o culto a esta figura carismática.
Segundo o mito de origem, tudo começou no dia 03 de junho de 1962, quando
Miranda teve uma revelação
16
divina. O Deus cristão, segundo o referido líder
14
Surgiram aproximadamente no final do século XIX e início do XX de acordo com Champlin (1996).
Mais especificamente, no período que vai de 1896 (movimento iniciado por Willian F. Bryant no Estado
da Carolina do Norte EUA), a 1906 (movimento da rua Azusa, em Los Angeles, liderado por Willian J.
Seymour). Os predecessores do pentecostalismo, de acordo com Contins (1992), remonta aos grupos de
Holiness. Esses defendiam uma “vida cristã” mais próxima dos apóstolos, de acordo com o que está
registrado no livro de atos (bíblia sagrada). Defendem fervorosamente o batismo com Espírito Santo.
Fazem parte dessa corrente religiosa, entre outras: a Assembléia de Deus, igrejas batistas renovadas,
IPDA, Metodista renovada etc.
Na análise de Francisco Rolim (1985), a história do pentecostalismo brasileiro iniciou-se no
Estado de São Paulo (com os presbiterianos); e em Belém do Pará (com os batistas). Os dois grupos
surgiram a partir de dissidências internas, onde a mensagem pentecostal chegava vinda dos EUA e da
Europa. Mais especificamente, no ano de 1920; com um forte crescimento entre os anos de 1950 e 1970.
Ver também – Brandão, C.; Novaes, R. (1985); Mafra –2003.
15
A história está registrada no site oficial da denominação. E é contada diversas vezes nas reuniões da
mesma. Além de está nos documentos oficiais desta igreja.
44
religioso, “pediu”, em sonho, para que ele fundasse uma nova igreja. Em sua
argumentação houve uma incumbência por parte das divindades cristãs (Jesus, Espírito
Santo e Deus), para que ele fosse o personagem principal a iniciar uma nova etapa do
pentecostalismo no Brasil.
Na “mensagem”, segundo ele, o Espírito Santo
17
apareceu em sua mente como
um “fogo divino”, dando-lhe força para levar adiante tal projeto missionário.
A história assim contada pode parecer vantajosa para Miranda, uma vez que ele
é o centro da questão, pois o próprio foi designado por Deus e não outra pessoa. Mas
gostaria de esclarecer que esse tipo de associação direcionada a um líder como enviado
de Deus faz parte do discurso de algumas denominações evangélicas, não destes
pentecostais. Entre os protestantes é muito importante o papel do líder da igreja, por
isso, o mesmo é classificado como um “anjo de Deus” na terra. Se o mesmo falhar, não
cabe ao fiel ficar questionando, pois o Senhor que o designou se responsabilizará por ele
e o tirará no momento exato. Saliento, no entanto, que tal pensamento é muito discutido
no meio evangélico, dividindo os fiéis em posições contra e a favor de tal pressuposto.
16
Para estes pentecostais significa um dom que alguns fiéis têm para verem o “invisível”. Geralmente
este dom é utilizado nos cultos para mostrar o que acontecerá na vida de outros “crentes” da igreja. Ou
seja, Deus mostra a determinadas pessoas o que há de oculto na vida dos outros.
Os batistas classificam esta atitude pentecostal como sendo uma infantilidade religiosa, pois dizem que a
maior revelação para um “crente” é a bíblia.
17
A importância do personagem Espírito Santo para os pentecostais, diferentemente dos batistas, se deve
ao fato de que acreditam num 2º batismo, além do batismo tradicional das águas. Na IPDA, esta
divindade é responsável por todos os atos de cura, libertação, prosperidade. Mesmo tendo Jesus e Deus
como personagens de sua cosmologia, o Espírito Santo é quem “age” na terra dos homens. Os batistas
encaram o Espírito Santo mais como um ser responsável por convencer o homem do pecado.
45
46
Atualmente, de acordo com dados oficiais da própria denominação, esta igreja
possui cerca de 8.140 locais de culto espalhados em 136 países. A mesma tem como
objetivos principais a pregação de cura de enfermidades, soluções de problemas
familiares, prosperidade financeira, batismo de novos fiéis (num rio de água corrente) e
o batismo com Espírito Santo. O modelo expansionista da IPDA distingue-se dos
batistas pelo fato de não possuírem órgãos como as convenções. Em qualquer parte do
planeta onde exista uma IPDA, a mesma deve prestar satisfação a matriz paulista e
seguir suas orientações doutrinárias.
A igreja que pesquiso fica no Município de Belford Roxo
18
, num salão alugado
com aproximadamente 150². Aqui, quero chamar atenção para o fato de que todos os
templos de que tenho conhecimento, no Rio de Janeiro, são alugados. No entanto, esta
denominação possui uma enorme propriedade no Estado de São Paulo, às margens do
Rio Tietê (Av. do Estado, 4568 – Glicério – SP.). O local citado (um enorme complexo)
é propriedade da instituição.
Em Belford Roxo, o templo é pintado em duas cores: azul e branco. Todas as
igrejas que visitei desta denominação (umas 10) são da mesma cor. Mas a chamada sede
mundial em São Paulo tem um formato bem diferente, próximo ao estilo da IURD (ver
Campos, 2004).
O espaço de reuniões possui vários bancos de madeiras coletivos, onde há
divisões entre o sexo masculino e feminino. Tal configuração espacial tem como
objetivo principal evitar qualquer contato entre homens e mulheres. Enquanto os
batistas são orientados no seguinte pensamento: não é conveniente que pessoas de sexos
diferentes fiquem juntas no templo fora o momento de culto. Os pentecostais fazem uma
separação literal das pessoas. Considerando que o contato físico é mais próximo na
IPDA do que entre os batistas, pois quando alguém “recebe” o Espírito Santo
geralmente perde o controle de seu corpo.
Próximo a este templo há vários outros católicos e de outras denominações
protestantes. Localiza-se numa estrada principal da cidade que acesso ao Município
de Nova Iguaçu. É uma área de grande atividade religiosa, diferentemente da região
ocupada pelos batistas. Digo grande atividade religiosa devido ao mero de igrejas no
lugar. Com isso, o calendário festivo das igrejas que compõem o espaço não é idêntico.
18
A minha intenção inicial era limitar minha pesquisa a este grupo da IPDA. De uma certa forma fiz isso;
todavia, acompanhei outras congregações desta igreja. A forma sistemática dos seus cultos centrados na
matriz paulista me conduziu a ampliar meu campo de pesquisa em relação a esta igreja.
47
Às vezes alguma festa nesta região, seja de católicos ou protestantes. Calculo
que há nas proximidades umas 10 igrejas evangélicas e 3 católicas.
A membresia fixa gira em torno de uns 150 fiéis; mas poucos freqüentam
assiduamente. Esta é uma das características importantes que observei entre eles. É um
público muito rotativo. Sempre ao chegar aos cultos verifiquei a presença de pessoas
diferentes, tanto de crentes quanto dos não crentes. Não há entre eles aquela sensação de
continuidade como no meio batista, onde por um determinado tempo você encontrará as
mesmas pessoas que viu da última vez. Isso promove, de uma certa maneira, uma
dinâmica não notada por mim entre os batistas, pois as pessoas são as mesmas e,
conseqüentemente, o ritual segue a mesma rotina, contrário aos cultos da IPDA.
Os cultos destes pentecostais como mencionei, diferentemente dos batistas,
acontecem todos os dias, de domingo a domingo. São raríssimos os dias sem culto nesta
denominação. A igreja funciona de forma semelhante a um posto de saúde, onde a
pessoa aflita procura uma solução para o seu problema. Não estou com este raciocínio
reduzindo as reuniões da igreja a soluções de problemas. O que analiso neste caso é o
fato de que possuem uma maior presença frente ao seu público. Destaco que eles
praticam o chamado culto devocional: leitura e pregação de textos bíblicos, cânticos,
IPDA – Belford Roxo
48
“apelo” para os não crentes “aceitarem” Jesus. Práticas tão comuns nos cultos batistas e
de outros protestantes. Mas a IPDA possui um sistema religioso que consiste em um
público variado, além de seus membros permanentes. Portanto, ela insiste em absorver
qualquer tipo de pessoa, crentes ou não.
O templo possui em seu interior rios cartazes das campanhas semanais, além
de avisos rotineiros para orientar seus fiéis e os visitantes.
O altar é composto por um púlpito, de acordo com a descrição dos batistas. É o
local onde fica uma bíblia-modelo, simbolizando a sacralidade do espaço no momento
ritual das reuniões. Em volta do mesmo vários cestos de madeiras com pedidos de
orações (pedaços de papel com os pedidos), fotos, peças de roupas, garrafas de água,
chaves de casas. Tudo no intuito de serem “abençoados” pela força que emana do altar,
pois acreditam que neste espaço existem, além dos homens e mulheres de Deus, as
próprias divindades em forma metonímica. Acreditam que o Espírito Santo, juntamente
com os anjos estão em volta desse espaço para levar as orações dos fiéis a Deus. Os
fiéis acreditam que no altar estão os homens e mulheres mais “consagrados” a Deus
(líderes mais próximos da santidade preconizada pela doutrina do referido grupo).
49
Mapa do Município de Belford Roxo.
Região onde fica o templo da IPDA
pesquisada.
50
Observei num culto realizado na cidade de São Paulo em janeiro de 2004 (no
templo sede), os pastores pedindo aos fiéis para não colocarem garrafas de água ou
qualquer objeto pessoal no altar. O discurso da liderança era de que tais objetos
poderiam desaparecer pelo grande número de pessoas que estavam presentes. Essa
prática é comum entre os fiéis desta igreja nos cultos, pois acreditam que os pertences
de uma pessoa mantêm uma íntima relação com o seu dono. Dessa forma, orando pelos
mesmos o proprietário será abençoado.
Dizia o pastor:
Irmãos, eu peço a vocês que não ponham água ou qualquer objeto pessoal aqui
próximo ao altar. Pois além de não ser necessário (sic), esta prática pode gerar um
problema de desaparecimento de objetos ou coisa parecida. Então, eu peço mais uma
vez, não façam isso. Creio que todos aqui são inteligentes e compreenderam o que digo.
Quem entendeu, diga amém!
O público em uma só voz respondeu: amém!
Poucos minutos depois, eu observei que o altar estava cheio de garrafas de água
e alguns objetos como chave de casas, carteira de trabalho, peças de roupas, etc. A
crença de que este espaço do templo contém poder às vezes não é encarado pela
liderança com tanta força como é entre os fiéis da IPDA. A certeza é tão grande a ponto
do alto escalão da denominação ficar aturdido com tamanha . A disputa pelo sagrado
expõe a fragilidade da união do grupo que é muito pregada nos cultos: Quão bom, e
quão suave é que os irmãos vivam em união!”, dizem com freqüência essa frase.
A idéia de valor Ritual e Tabu (Radcliffe – Brown, 1976), está sendo usada aqui
porque consegue dar conta da mudança de significado dos objetos que acontece nos
cultos da IPDA. Antes de chegarem ao altar, tais pertences dos fiéis possuem um
determinado valor social e logo após a oração são transformados em objetos
abençoados. A expectativa dos religiosos desta igreja é de que o poder de Deus se
manifestado em qualquer ritual, independente se o culto é de libertação ou não. Ao
adentrar no espaço religioso dizem alguns que começam a sentir algo diferente, um
calor, uma sensação de alívio. São religiosos que fazem dos objetos pessoais a melhor
prova de que Deus está agindo entre eles.
51
Para se ter idéia de tal raciocínio descreverei uma cena que presenciei numa
reunião. Era uma cerimônia de ceia
19
. No momento do ritual, um dos membros em vez
de beber o suco passou em sua cabeça. Uma atitude que não compreendi, pois para os
batistas a prática é usar o suco e o pão como “memorial”. O fato ocorrido na IPDA me
fez compreender que para estes religiosos, os elementos da “ceia” são mais do que um
meio para lembrar o personagem bíblico Jesus. É o momento em que teoria e prática se
concretizam. Após o referido fiel ter derramado o líquido em sua cabeça começou a
utilizar a glossolalia (ou língua dos anjos). É comum os religiosos deste grupo dizerem
que o ritual é o melhor momento para o “crente” ser batizado com o Espírito Santo.
Portanto, a idéia de valor ritual com os objetos da ceia é específica da IPDA. Os
membros das duas denominações aprendem sobre esta crença a partir de um modelo de
ensino que es contido na bíblia. Mas, as igrejas pesquisadas desenvolvem o ensino
deste ritual seguindo estratégias implícitas de seu próprio sistema. Para a IPDA, a ceia é
um ato que faz parte das obrigatoriedades da instituição. No dia desta atividade, o fiel
precisa mostrar sua carteira de membro, onde devem conter registros sobre as últimas
vezes em que participou. Uma forma de a liderança acompanhar de perto qual a
freqüência dele para com certas atividades. Todavia, não esta cobrança entre os
batistas. Embora seja necessária, não chegam a utilizá-la como um meio de fiscalização.
O próprio religioso administra se quer participar, ou não.
O ritual da ceia, além de mostrar que batistas e IPDA diferenciam-se no campo
dos significados. Também reforça a idéia de valor ritual para os pentecostais e de
“conscientização” para os batistas.
19
Um ritual dos evangélicos que tem como função principal relembrar a morte de Jesus, um dos
principais personagens da bíblia. Uma prática desenvolvida mensalmente na IBC. entre os fiéis da
IPDA há duas ceias: uma o fiel participa na sua igreja, a outra é feita em sua sede regional. O devoto deve
participar das duas.
O ritual é elaborado com dois elementos: pão e suco de uva. O primeiro representa o corpo de Jesus; o
segundo simboliza o sangue. Em outras palavras, celebra-se uma morte mítica de tal personagem. A idéia
é a da consubstanciação, uma doutrina religiosa dos grupos, onde os elementos concretos sofrem uma
transformação no ritual. A prática tem como idéia principal fazer com que os fiéis sempre reavaliem sua
vida religiosa. Saliento que a idéia de renovação é mais presente nos pentecostais em questão, porque
fazem um acompanhamento profundo sobre as participações dos membros. A doutrina Batista se limita
apenas a enfatizar o caráter bíblico do ritual. Destacam a importância, mas nem tanto.
52
Cesto contendo os pedidos de oração.
Ao Lado, garrafas de água para serem “oradas”.
IPDA(S.P.)
Exposição dos tumores.
Segundo os fiéis são as provas dos milagres.
53
Veja, aproximadamente, como é estruturada a parte interna de um templo da
IPDA na próxima página.
Quadro III:
Área reservada Altar
Para os bancos
Coletivos dos
Líderes Púlpito
Banheiros
(M / F)
OBS.
Na secretaria dos templos
que visitei havia na parede
uma pintura a óleo do líder
David Miranda.
Bancos coletivos Bancos coletivos
Femininos Masculino
Tesouraria e
Secretaria
Mesa da ceia
Porta
De entrada
Principal
Mesa onde os fiéis
põem os pedidos de
orações e objetos
pessoais para serem
orados.
54
A relação que os pentecostais mantêm com o altar dos templos é menos
enfatizada pelos batistas. Para estes, tal área religiosa ganha uma maior conotação no
momento ritual dos cultos. Fora isso, o espaço é tratado pelos fiéis como qualquer outro.
a IPDA constrói dois veis de significados para o lugar que consideram o
mais importante das reuniões. São eles: demarcação dos cargos religiosos e
transformação simbólica de objetos. Nos cultos em que estive presente sempre observei
a forma como os devotos da IPDA se comunicavam com o altar. Chegavam diante dele
e ajoelhavam por alguns minutos em oração. Isso no momento do culto, de forma
individual. Ao iniciar meu trabalho de campo, no ano de 2003, fui a um templo em São
João de Meriti. Enquanto esperava o início da reunião percebi que um dos líderes
chegou e ajoelhou-se. Ou melhor, ficou nesta posição com o rosto no chão (literalmente
falando), por aproximadamente 20 minutos. Eu estava agoniado de ver aquele
homem durante tanto tempo numa situação tão incômoda. Após levantar, o mesmo fez o
sinal de persignação, falou algumas palavras consigo e foi para seu assento no altar. O
que esse devoto citado fez é algo muito comum nesta denominação, uns fazem mais
outros menos. Todavia, o importante ressaltar aqui é que o altar na IPDA é
reverenciado, independente do momento do culto. Como se estivesse ali uma série de
santos católicos ou afro-brasileiros, no qual qualquer ato considerado profano deve ser
afastado.
Alguns líderes da denominação, mesmo contrários a determinadas atitudes dos
fiéis, não conseguem demovê-los a se afastarem de certas práticas. É comum ver os fiéis
desta igreja chegarem aos cultos com um objeto em mãos para ser “orado” pelo
dirigente do dia, ou para colocarem no altar. A relação das pessoas com suas
propriedades é metonímica, pois acreditam que as preces endereçadas aos objetos
pessoais afetam seus proprietários. Para se ter uma idéia do que estou dizendo, cito o
exemplo do que um diácono pedia aos presentes num culto de curas e libertação:
Gostaria que vocês trouxessem agora os objetos pessoais: fotografias, chaves,
peças de roupas, etc. Pois Jesus estará te dando a vitória hoje à noite. Se alguém fez
um trabalho contra você na macumba, hoje é o dia de desfazê-lo. Nós podemos
combater o inimigo, usando as mesmas armas que ele. (culto de libertação, julho de 2004.
IPDA de B.R.)
55
A relação proprietário-objetos é comum entre os afro-brasileiros e que de uma
certa forma, é extensiva a algumas denominações protestantes como Assembléia de
Deus, IURD, IPDA, etc. Nesta lógica religiosa não há como separar as coisas (os
pertences) dos donos. Por isso é que os religiosos da IPDA afirmam em seus cultos que
orar pelos objetos pessoais é uma forma de desfazer as obras de macumbarias e
feitiçarias.
A distribuição organizacional dos lugares foi outro aspecto que me chamou
atenção na IPDA. Com exceção do templo em São Paulo, todos os que visitei possuem
um banheiro ao lado do altar. No início, considerei “estranha” esta prática; não encarava
como “normal” uma pessoa ir ao banheiro num templo religioso na “frente” dos outros.
Era como estar num bar bebendo e comendo algo e de repente pedir ao atendente para
lhe informar onde fica o banheiro. Nunca pensei, antes da pesquisa, que isso fosse
possível dentro de um templo religioso (sobretudo ao lado do altar). Talvez pela idéia
preconcebida que tinha do sagrado. No decorrer do trabalho fui compreendendo que
entre estes religiosos, sagrado e profano convivem no mesmo espaço e ganha uma nova
dimensão de significado. Demonstrando que a palavra banheiro (local representando as
necessidades físicas) X altar (representando as necessidades espirituais), passam a ter
outros valores comportamentais entre eles. Uma representação grupal de que a carência
de ambas as necessidades são tipificadas dentro do seu espaço de culto. Deuses e
humanos são desenhados neste ambiente, tornando esta relação mais real.
As resoluções de problemas burocráticos na IPDA (pagamentos de dízimos,
doações de ofertas, compra de algum item religioso ou regularização da carteira de
membro, etc.) são feitas durante os cultos. Diferentemente dos batistas, onde
questões consideradas mais sérias (admissão de religiosos de outras denominações,
divórcio, “brigas” entre os fiéis etc.) é que são levadas ao pastor ou responsável pela
igreja local para serem discutidas. Assim, o lado burocrático para estes pentecostais faz
parte dos cultos. Não para a IPDA, como entre os batistas e outras denominações,
hora certa para as ações burocráticas. Embora existam as reuniões mais formais entre os
principais líderes da igreja, boa parte dos atos administrativos se resolve in loco. Isto me
levou a pensar que nas IPDA as ações são tomadas de forma “improvisada”, num tipo
de organização que foge ao excessivo controle que os batistas mantêm sobre as questões
burocráticas. Saliento, no entanto, que em ambos os casos tais modelos organizacionais
atendem aos interesses das denominações no que tange aos respectivos projetos
expansionistas. Uma atitude que sempre conta com o apoio de seus membros. O que
56
não significa dizer que os devotos não discordem em muitos pontos com as normas da
igreja, mas preferem expor suas contrariedades nos momentos informais (ou como
sugere Malinowiski In: Magia e Religião) nos imponderáveis da vida. Naquelas horas
em que alguém da liderança não esteja por perto.
Num destes instantes um fiel da IPDA expressou o seguinte pensamento:
Não concordo com essa bagunça, de na hora do culto as pessoas ficarem
andando para lá e para cá. Em vez de resolver o problema depois, poxa!.
Um outro fiel da IBC cochichava em meu ouvido, enquanto alguém fazia a leitura de
um relatório:
Vou falar com o pastor sobre essa demora. Para mim não precisa dessa parte,
pois o mais importante é a pregação do pastor. Olha só! São quase 40 minutos lendo
esse relatório.... (era um relatório sobre a Escola Bíblica Dominical).
O perfil profissional dos fiéis da IPDA é variado, ou seja: mecânicos de
automóveis, contadores, enfermeiras, advogados, microempresários, motoristas,
cobradores de ônibus, estudantes. Alguns destes profissionais trabalham para a própria
denominação em suas sedes regionais, recebendo por sua atividade um salário acordado
com a igreja. De certa forma, podemos dizer que a igreja funciona como uma empresa,
embora os nativos não gostem de tal classificação. Desenvolvo tal raciocínio, a partir da
idéia de burocratização weberiana nos Ensaios de Sociologia. que nestas igrejas,
posições diferentes quanto à administração do templo, pois o modelo administrativo
batista é mais metódico, onde as coisas materiais ocupam um espaço separado das ações
espirituais. Não esquecendo que uma assembléia mensal para estes religiosos
resolverem questões religiosas e financeiras.
Para os pentecostais, a administração do templo e os cargos religiosos devem
andar paralelamente. Se algum membro for indicado para alguma função, o mesmo
deve considerar a escolha como obra de Deus. A sua capacidade pessoal ou intelectual
deve ser relegada a segundo plano. os batistas não concordam em colocar alguém
numa determinada função sem que a pessoa tenha qualificação para a mesma. Optam
primeiro, pelo lado da capacidade intelectual, antes do religioso. Um discurso que é
elaborado no plano do discurso, pois há casos de situações contrárias a esta postura.
57
Mas voltando ao caso das sessões batistas lembro-me neste instante, de um
argumento desenvolvido por um fiel batista sobre a relação dinheiro e fé. Perguntava ao
mesmo se algum dia, nas assembléias administrativas que participou, chegou a
presenciar algum desentendimento no que diz respeito à questão do dinheiro arrecadado
pela denominação. Ele me disse o seguinte:
presenciei várias situações em algumas igrejas sobre essa questão.Isso
acontece, porque alguns irmãos não entendem que além da matemática humana,
uma matemática de Deus. Isso é um mistério que poucos entendem.
O que este devoto estava tentando me explicar é que a relação dinheiro X
precisa está sempre presente nos planos da igreja. Dessa forma, se a denominação
elaborar um projeto para ampliar a parte física do templo, por exemplo, toda a igreja
deve ter fé, antes de pensar se para tal empreendimento há dinheiro ou não.
segundo Campos
20
, uma estreita relação entre negócio empresarial e as
denominações protestantes. Em sua análise a IURD funciona como uma igreja
midiática, onde os líderes procuram desenvolver uma administração mesclando a fé e as
práticas peculiares a uma companhia.
A IPDA possui um modelo único, “controlado” pela sede mundial (como
chamam). É de que partem as ordens doutrinárias mais importantes da denominação.
Isto não significa dizer que as igrejas locais, como as de Belford Roxo
21
, não tenham
uma administração “autônoma”. Só que esta autonomia é acompanhada pela alta cúpula
da igreja: não “permitem”, por exemplo, que um líder fique mais de um ou dois anos na
direção de um templo. as exceções, conforme o caso de um pastor da congregação
Heliópolis, pertencente ao campo de B. Roxo, que está liderando a mesma por mais
de três anos. Mas é raro tal fato, uma vez que a administração visa um comando único,
centrado nas pessoas do líder David M. Miranda e de sua equipe paulista. Aproximo tal
liderança ao profeta analisado por Weber
22
. Segundo a argumentação weberiana, o
20
“O Movimento do Espírito”, Campos, Edlaine. Dissertação de mestrado. 1998 UFRJ.
21
Possuem uma divisão por áreas, que eles chamam de “campo”. Sendo assim, o campo de Belford
Roxo, Nova Iguaçu, Caxias, São João de Meriti, Rio de Janeiro etc. Cada campo (ou sedes regionais) é
composto por uma matriz e várias congregações.
22
Weber, Max. Economia e Sociedade, Cap. V Sociologia da Religião (Tipos de Relações Comunitárias e
Religiosas); § 4. O “profeta”. Vol. I, 4ª Edição. UNB, 2004.
58
profeta e o sacerdote possuem formas de atuação diferente no âmbito religioso. O
primeiro presta um serviço religioso em nome de seu carisma, sua revelação pessoal.
Este papel foi exercido por Jesus, Buda, por exemplo. Já o segundo caso, está
relacionado a prestação de um serviço sagrado, papel desempenhado pelos pastores,
padres, pai de santos etc. Significa dizer que, o profeta, funciona como fundador de
movimento religioso; enquanto, o sacerdote, como orientador de regras já estabelecidas.
O raciocínio que estou tentando desenvolver é o de que o líder da IPDA
representa primeiro e o segundo exemplo. o líder da IBC, se enquadra no segundo
caso. Weber não diz isto, pois considerou Lutero, Zuwingli, Calvino, Wesley, etc. como
casos à parte:
O profeta, no sentido aqui exposto, está sempre ausente onde não a
anunciação de uma verdade religiosa de salvação em virtude de revelação pessoal.Esta
constitui, para nós, a característica decisiva do profeta.Os reformadores religiosos da
Índia, por fim, do tipo de um Shankara e um Râmânuja, e os do tipo de um Lutero,
Zwingli, Calvino, Wesley encontram-se à parte da categoria dos profetas por não
pretenderem atuar em virtude nem de uma revelação substancialmente nova, nem muito
menos de um encargo divino especial, como o fizeram, por exemplo, o fundador da
igreja dos mórmons que, também em aspectos puramente técnicos, mostra
semelhança com Maomé –, os profetas judaicos, principalmente, e também, entre
outros, Montanus e Novatianus, bem como, ainda com fortes tendências racional-
doutrinais, Mani e Manu, e, com tendências mais emocionais, George Fox. (Economia
e Sociedade, Cap. V, Pág.307, lado B).
O líder da IPDA apesar de funcionar como um sacerdote no sentido analisado
por Weber, pois prega um tipo de doutrina cristã, também desempenha o papel de um
profeta. Lembremo-nos de como ele relata a fundação da denominação anteriormente.
Afirma que foi incumbido de criar esta igreja, mesmo existindo outras. Além do que, foi
encarregado de alavancar o pentecostalismo no Brasil. Desse modo, David Miranda
desempenha dois papéis, em vez de um: profeta e sacerdote. Para corroborar o que estou
argumentando, exemplifico aqui um evento que ocorreu numa caravana desta igreja. O
fato ocorreu no ano de 2004. Enquanto aguardávamos a presença deste líder, conversava
com os alguns devotos sobre o poder de curar e expulsar Demônios que os fiéis dizem
que o missionário tem. Perguntei a alguns sobre a questão e eles disseram-me:
59
Esse homem é muito consagrado, realmente se você tocar nele pode ser curado
na hora. Basta ter fé. Não no meio evangélico um líder como ele, com tanto poder.
Às vezes ficamos a imaginar, como será a IPDA pós-Miranda.
Portanto, o missionário da IPDA além de exercer o papel de sacerdote é também
um fazedor de milagres, profeta, nos moldes de Jesus. Os fiéis dizem que o trabalho
miraculoso desempenhado por Miranda só é possível por intermédio de Jesus. No
entanto, é inegável o papel de profeta (no sentido weberiano) que Miranda exerce na sua
relação com os seguidores. Sendo assim, a idéia de profeta e sacerdote é polissêmica no
âmbito destes grupos pesquisados, pois varia muito entre o discurso oficial e a prática.
O que contribui para compreendermos como se constituem o modelo religioso e o
administrativo destas denominações. Uma amostra de que a IPDA é mais restritiva do
que a IBC nestes dois níveis.
Entendemos melhor a distribuição organizacional da IPDA observando o seguinte
esquema:
Sede mundial
Sedes regionais
Campos
Igrejas locais
60
61
62
A distribuição dos cargos é feita da seguinte maneira:
Percebe-se no esquema acima que a IPDA procura concentrar toda sua
administração na sede mundial e, ao mesmo tempo, criar um modelo hierárquico que
sirva para todas as filiais. No entanto, os dirigentes e pastores de uma determinada
igreja procuram desempenhar suas funções de forma autônoma, mesmo sofrendo uma
fiscalização por parte do alto comando da denominação. Ou seja: por mais que se tente
centralizar todo “poder” nas mãos da liderança paulista, os dirigentes das congregações
procuram se adaptar à sua realidade local.
Como disse anteriormente, as congregações da IPDA que conheço são todas
alugadas e possuem um letreiro padrão na fachada com os seguintes dizeres: Igreja
Pentecostal Deus é Amor fundada pelo missionário David M. Miranda em 1962. Sede
mundial AV. do Estado SP. (Todas os templos possuem o mesmo logotipo em forma de
um arco-íris). Semelhante a uma cadeia de lojas fast food (ver Campos 1995). Apesar de
uma certa similitude entre a parte interna da Igreja Batista e da IPDA várias
diferenças no que se refere à estrutura física: Quantidades de bancos, arrumação do
altar, cortinas, secretaria, etc.
Presidente
Vice-presidente 1°Diretor Secret. 2°Diretor Secret.
Diretor Adm. 2°diretor financ.
1°diretor Financ.
1° Conselheiro 2° Conselheiro 3º Conselheiro
1° Suplente 2° Suplente
63
Todos os templos desta igreja (com exceção da sede) são pintados de azul e
branco. Os líderes m como princípio básico obedecerem às ordens doutrinárias que
vêm da matriz paulista. Entre os fiéis, o que mais se discute é como ficará a
denominação após a morte do líder maior David Miranda. Mesmo possuindo uma
Frente e fundos da IPDA de SP.
64
administração “centralizadora”, cada grupo local trabalha com uma “clientela”
específica. Cada unidade da rede procura alcançar os objetivos propostos, pois líderes e
liderados mantêm um certo equilíbrio de ação, quando está em jogo a disputa pelo
“controle” do sagrado. Possuem uma característica de rede espiritual, pois seguem um
mesmo padrão físico e administrativo.
Antes de vir para a Deus é Amor, eu não sabia o significado do que é ser cristão.
(Testemunho de um Fiel da IPDA num culto).
1.1.2 O passado religioso de alguns fiéis
Os fiéis com quem mantive contato, e alguns dos quais entrevistei, vieram de
vários segmentos religiosos. Com destaque para outras denominações evangélicas ou as
chamadas religiões afro-brasileiras. Poucos foram os que se diziam católicos ou sem
religião. Para mim foi uma grande surpresa, a maioria não vir da igreja católica, uma
vez que os dados estatísticos sempre demonstram o predomínio deste segmento entre os
cristãos.
A maioria dos fiéis pesquisados vem de outras igrejas protestantes, e nas
entrevistas aparecia com freqüência, a seguinte frase: “eu nasci num lar evangélico!”.
Numa destas entrevistas perguntei a um fiel batista: Como o senhor chegou a
esta denominação? Ele respondeu:
Eu não vim, eu já nasci no berço de ouro! Meus pais me legaram essa bela
herança, que pretendo mantê-la até o final de minha vida.
Este entrevistado afastou-se da igreja por um tempo, e depois retornou, segundo seu
relato. Garantiu, que não participou de outro grupo religioso.
O fato de um fiel ter sido criado num ambiente religioso contribui para que o
mesmo desenvolva aptidões próprias do grupo. Diferentemente de alguém que veio de
outra igreja, pois às vezes leva mais tempo para se adaptar. Entretanto, muitos dos
chamados crentes criados no evangelho, não seguem essa trilha, decidindo por seguir
outras tradições religiosas. relatos de membros “desviados” nestas igrejas, ou até
65
casos de mudança de religião. Isto acontece, dependendo da carga doutrinária que o fiel
precisa seguir. Se for “pesada”, o religioso, geralmente, opta por uma igreja que lhe
mais “liberdade”. Às vezes, as proibições são tantas que preferem ir para outros grupos.
Os motivos são vários, incluindo aquelas afirmações de que a denominação está sendo
muito rígida ou afrouxando na carga doutrinária.
Para ser fiel da Deus é Amor, o crente precisa ser corajoso, pois aqui não pode
jogar bola, usar brincos, ver televisão. É duro, mas fica quem quer ter uma vida
santificada ao senhor. Quem não quiser, é procurar outra igreja evangélica.
várias por aí. (líder da IPDA, durante uma pregação).
Para ser cristão não é preciso colocar um fardo muito pesado nas costas . Deus
não quer sacrifícios, pois ele fez. Basta tão somente obedecer aos seus mandamentos
e pronto. (fiel da IBC, na inauguração de uma igreja Batista).
Eu acho que os batistas mudaram muito. Hoje em dia, é permitido as
mulheres virem de roupas curtas, cabelo cortado; enfim, não é mais como antigamente.
O pastor é meu amigo, mas deixa as coisas correrem muito soltas. Veja você, que
igrejas como a Assembléia de Deus, embora tenha mudado muito nos últimos anos, leva
as coisas de Deus mais a sério. Sou batista, mas acho que nós pecamos na parte da
santidade, principalmente no que se refere à roupa. (Jacinto, fiel da IBC numa conversa
informal, enquanto aguardávamos um culto).
Um fato que gostaria de destacar é que, entre os fiéis da IPDA maior parte
veio das religiões afro-brasileiras. Principalmente, quando comparado aos batistas.
Talvez, o fenômeno esteja relacionado às manifestações do Espírito Santo entre os
pentecostais. Digo talvez, considerando o movimento pentecostal como algo externo ao
Brasil. Mesmo sabendo que aqui, o fenômeno desenvolveu características muito
próximas as ações religiosas dos afro-brasileiros.
A minha análise neste ponto é parte do pressuposto, de que as experiências
religiosas dos fiéis contribuem para uma continuidade, e não para um rompimento, com
relação ao modelo anterior. Assim, estes fiéis reforçam a antiga memória religiosa e
adaptam-se ao novo contexto religioso em que estão inseridos. O crente, antes
pertencente à outra religião traz consigo uma bagagem de conhecimentos “sagrados”;
66
além de comportamentos que precisam ser encaixados ao novo ambiente. Não defendo
a idéia de que as experiências passadas são esquecidas. Pelo contrário, elas passam a
fazer parte dos novos hábitos religiosos dos devotos. Gostaria de exemplificar esta
argumentação descrevendo algumas conversas informais que mantive com os nativos
sobre este raciocínio.
Antes de me converter, minha família freqüentava a macumba. Como era uma
criança acompanhava todos os passos de meus pais. Percebia que minha família tinha
muitos problemas financeiros e com doenças. Mas quando cresci abandonei esse
caminho e aceitei Jesus; agora, tudo melhorou em minha família. (fiel da IPDA)
Perguntei se tinha alguma memória do passado no que diz respeito às incorporações, e
ele disse:
Eu era criança, mas me lembro bem das pessoas recebendo aqueles santos, ou
melhor, aqueles Demônios. Na Deus é Amor não tem isso, pois o Espírito Santo e Jesus
nos protege. (outubro 2003).
Eu era fiel de outra denominação protestante, portanto, não tive contato com
religiões de macumba. fui à igreja Católica, mas não a centro espíritas... (fiel da
IBC)
Perguntei: “Você acredita no batismo com o Espírito Santo?” Resposta:
Não, pois não há necessidade de ficar pulando que nem louco e gritando,
porque o Senhor não é surdo, nem é Deus de confusão.
É importante sublinhar a fala de outra religiosa, criada no ambiente das religiões
afro-brasileiras:
Quando criança, minha tia me levava ao centro de macumba. Eu nunca gostei
dessas coisas, mas me lembro bem das pessoas caindo ao receberem aquelas entidades.
Sempre achei aquilo errado, mas lembro-me muito bem destes fatos. (Neli, fiel da IBC,
fevereiro 2003).
67
A referida fiel, embora seja batista, acredita no “batismo com Espírito Santo”.
23
Nas entrevistas, os religiosos que vieram de religiões afro-brasileiras tendiam
mais para a crença no batismo com o Espírito Santo, quando comparados aos que não
tiveram tal experiência. Mesmo com as exceções que possa haver é importante destacar
a história de vida de cada fiel. Porque assim poderemos ampliar nossa compreensão
sobre os pentecostais e batistas, em vez de reduzí-los a questões socioeconômicas.
Observem que a fiel da IBC vive num ambiente religioso contrário a crença no batismo
com Espírito Santo. Mas, sua experiência religiosa anterior faz parte da atual, mesmo
que inconsciente. Enquanto membro de uma instituição Batista, ela vive um drama.
Porque a igreja desenvolve uma noção de pessoa, objetivando um autocontrole do
corpo; mas ela deseja o oposto. Um dilema que os “crentes” de ambas as igrejas
enfrentam: Como conciliar alguns desejos pessoais com a doutrina da instituição?
23
É uma crença desenvolvida por igrejas pentecostais que consiste no “recebimento” de um ser divino.
Este ritual acontece em qualquer momento da vida religiosa. Pode ser antes ou depois do batismo nas
águas. A partir deste ritual, o religioso passa a ter poderes espirituais.
68
Examinai as escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna; e são elas que dão
testemunho de mim.
(texto muito usado pelos fiéis nas reuniões doutrinárias, bíblia; Livro de São João Cap. 5
Versículo 39).
24
1.1.3 As primeiras lições e doutrinas
Ambos os grupos têm alguns modelos de ensino semelhantes, exibindo muitas
diferenças. Estas se destacam, fundamentalmente no aspecto da interpretação da bíblia,
pois cada denominação interpretará o livro “sagrado” de acordo com seus interesses
institucionais. Para ser fiel da IPDA é necessário se adaptar ao modelo interpretativo
que esta denominação faz, no tocante a indumentária e atividades cotidianas. os
batistas focalizam para o aspecto do comportamento do fiel com o outro, e procuram ter
mais cuidado, quando a relação é com um não crente. Sobretudo quando o assunto é
negócio pessoal.
O crente batista “não pode dar mau exemplo”, agir de má fé, mentir, desenvolver
práticas que maculem a imagem da denominação. Portanto, percebe-se que enquanto
um grupo valoriza o aspecto físico do fiel na busca da santidade, o outro aponta para o
comportamento ético
25
. A ascese intramundana destacada por Weber aparece nestes
grupos seguindo caminhos opostos. Os batistas procuram viver um modelo de vida
centrado em dar exemplos na vida mundana, até aqui de acordo com Weber. os fiéis
da IPDA buscam demonstrar que suas atitudes corporais desenvolvem-se mais do que
as ações relacionais. Ambas as denominações mesclam vida extramundana com a
intramundana. Agem de acordo com a primeira idéia, quando estão reunidos em torno
24
Este versículo bíblico sempre é mencionado pelos devotos para justificar a crença na bíblia. Alguns
dizem que o maior divertimento de um crente é examinar, diariamente, as escrituras. Um livro que é
venerado de forma contrária pelos grupos. Para os batistas, a bíblia deve servir de estímulo no
prosseguimento da “vida cristã”, onde seus membros podem aprofundar os conhecimentos teológicos; ao
passo que para os pentecostais, ela é um elemento que deve servir de base no desenvolvimento dos
poderes espirituais.
25
Weber na Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo destaca o caráter do comportamento moral
entre os protestantes. No caso da IPDA e IBC distinguem-se na forma como usam esta idéia de
moralidade, pois ser fiel da IBC significa um maior cuidado com as atividades cotidianas para com os
“mundanos”. O pensamento ético da IPDA direciona-se no cuidado com o corpo, porque é nele que o
Espírito Santo agirá. Não pensam a idéia da ética da mesma forma. Utilizam uma interpretação particular
da bíblia na elaboração de seus respectivos ethos de moralidade.
69
da própria “irmandade”; e quando estão fora do ambiente religioso procuram interferir
no mundo “profano”. Sendo assim, não faço a separação Weberiana em relação a estes
dois grupos, pois os mesmos desenvolvem as duas idéias aventadas pelo autor, em vez
de só utilizarem uma com exclusividade.
Os ensinamentos de ambas as denominações objetivam formar um modelo de
fiel que represente a igreja a partir de práticas reais. A expressão “livre-arbítrio”, muito
usada entre os grupos, ajuda-nos a entender este pensamento:
Deus o livre arbítrio para as pessoas. Sendo assim, cada um deve escolher a
igreja que se sinta melhor. (frase corrente entre os religiosos das duas denominações quando
interrogados sobre outras religiões).
A livre opção se faz a partir da conversão, onde o futuro “crente” escolhe a
igreja à qual deseja pertencer. Enfatizo, contudo, que tal opção não é tão livre assim,
pois as pessoas não decidem se converter da noite para o dia.
Decidi entrar na Deus é Amor a convite de um senhor, amigo de minha mãe
muitos anos. Passava com freqüência em frente a uma congregação da IPDA, mas
nunca tive vontade de entrar. No primeiro dia que entrei, estava decidida em aceitar
a Jesus.Fiquei pensando se o pastor não ia fazer o apelo
26
, pois estava ansiosa para ir
à frente. (testemunho de uma fiel num culto da IPDA em B. R.).
Os grupos possuem estratégias específicas para administrarem sua “membresia”:
cultos doutrinários e escola bíblica dominical (EBD). O primeiro item é utilizado pela
IPDA. Todas as quintas-feiras, as sedes regionais cobram o comparecimento dos fiéis a
este tipo de culto, onde os membros devem aprender a se comportar, de acordo com as
normas da bíblia. Este culto da IPDA, também funciona como meio de controle dos
membros. O devoto que faltar, mais de uma vez, a este tipo de reunião, pode ter suas
atividades como associado bloqueadas. O que implica numa série de restrições, desde a
perda do cargo, até a exclusão do grupo. Portanto, fazer parte desta atividade da
denominação é pré-requisito para um fiel da IPDA. É neste culto que o membro
receberá as orientações, e ficará sabendo como está a sua denominação. Tanto no campo
26
Termo utilizado para simbolizar um convite aos não crentes. É feito nos finais dos cultos pelo dirigente
que estiver conduzindo a reunião. Observei que na IPDA se faz apelo” até para crentes de outras
denominações evangélicas.
70
que congrega, como no âmbito internacional. Embora, os religiosos deste grupo tem no
programa “A voz da libertação”
27
, toda a informação necessária para se atualizar sobre
as atividades diárias da igreja.
Ir ao culto de doutrina é obrigação do fiel, ele não pode abrir mão desta
oportunidade de aprender como servir a Deus melhor. Se um fiel não tiver dinheiro de
passagem, a gente pede aos outros irmãos que tem condições. O que não pode é as
pessoas da igreja deixarem de ir aos cultos doutrinários. (Rogério, microempresário,
dirigente de uma congregação da IPDA em B. R.).
Percebe-se na declaração anterior que o interesse em divulgar a reunião
doutrinária está entre as prioridades dos líderes da IPDA. É nesta área que a igreja
trabalha o comportamento dos fiéis. No entanto, os membros não ficam alheios à sua
importância como associado. Apesar da denominação possuir uma série de regras de
como os membros devem se comportar nos cultos e na sua vida cristã”, os mesmos
nem sempre correspondem aos “ideais” da igreja. No caso das contribuições, por
exemplo, é difícil o crente colaborar como desejam os líderes. E o motivo, neste caso,
não é só a falta de dinheiro.
Eu não concordo com esta pedição de dinheiro toda hora. Pedir uma vez, ou
outra, tudo bem, mas aqui é uma loucura, pedem muito. Você sabia que no final dos
cultos, muitos destes dirigentes dividem o dinheiro arrecadado no dia? pois é, esses
caras são espertos, mas sou mais que eles. falei para várias pessoas aqui: cuidado!
Não dinheiro a toda hora, não.(fiel da IPDA de B.R. que se aproximou de mim antes de um
culto, me perguntando se fazia parte daquela igreja – agosto 2003).
Já em relação a IBC, o caminho escolhido para orientar seus membros nas regras
da denominação é através de um ensino metódico da bíblia. Digo de metódico, porque
este grupo utiliza a “EBD” (aos domingos pela manhã), e os cultos de quartas-feiras.
Nestas reuniões, mais especificamente, as de domingo, desenvolve-se um ambiente
27
Programa radiofônico transmitido diariamente (domingo a domingo) pelas rádios Capital, Manchete e
Metropolitana (todas AM). Todas as programações das mesmas visam divulgar o trabalho da igreja, assim
como retransmitir os cultos da sede mundial em SP. Além destas funções transmitem qualquer evento
especial sobre as campanhas de curas e libertação da IPDA no Brasil e em outras partes do planeta. É
comum os fiéis nas reuniões destacarem a importância destas transmissões.
É bom lembrar que a IPDA não desenvolve trabalho de transmissão em nenhuma emissora de televisão,
pois tal aparelho é proibido na mesma.
71
ideal para preparar o “catecúmeno” batista, além de fortalecer o aprendizado dos antigos
fiéis. Ensina-se de tudo: desde hábitos de comportamento nos cultos, até maneiras de
utilização da bíblia para se defenderem das “falsas doutrinas pentecostais”. As aulas
têm também como objetivo ensinar o crente batista a se comportar em sua vida
cotidiana.
A “escola dominical” é dividida por classes: homens, mulheres, adolescentes,
juniores, crianças e novos convertidos. Todas estas subdivisões são feitas por faixa
etária, com exceção da classe dos novos convertidos, na qual o futuro crente recebe um
ensinamento específico. Dessa forma, todos os membros da IBC têm um encontro
marcado (aos domingos pela manhã e quarta à noite) para desenvolverem seu
aprendizado sobre sua crença. Mas, os crentes novos são “preparados” para a “vida
cristã” sob a orientação do pastor. Isto nos demonstra a importância que se ao novo
associado. O mesmo recebe cuidados especiais do principal líder da igreja.
A EBD é a maior escola do mundo. Nela, o cristão recebe todas as orientações
necessárias para viver a vida cristã. Faltar a essa programação é sinal de fraqueza
espiritual; pois como pode um crente não querer estudar a bíblia? Você pode verificar,
todo crente problemático (aqueles que tem vários problemas pessoais ou de
enfermidades), são os que não freqüentam a EBD. Ela é o alicerce da vida cristã; por
isso, o novo convertido precisa, desde já, passar por este processo. Não posso batizar
uma pessoa, se a mesma não tem convicção da sua fé.Portanto, a EBD é o lugar ideal
para essa orientação.(pregação pastoral, num culto de domingo pela manhã, outubro de
2003).
O tempo dio para um recém convertido se preparar na EBD, até o batismo é
de três meses a um ano. É neste período que ele deverá ser orientado pelo professor, que
geralmente é o pastor, mas pode ser algum seminarista, ou membro ligado à liderança
da igreja. O neófito só será batizado quando se sentir capaz de abandonar alguns hábitos
anteriores, que não condizem com as normas da igreja. O pastor é quem orienta o fiel
sobre a data específica do ritual. Entre os pentecostais percebi que esta parte fica mais
na responsabilidade do novo convertido, considerando que também um
acompanhamento por parte da liderança.
72
73
74
As lições básicas giram em torno de questões sobre a natureza do culto na
denominação, comportamento social e religioso, noções sobre o que é considerado
pecado pela lógica da denominação, abandono de algum vício” anterior à conversão
(cigarro, bebida alcoólica, participar de festividades de outros grupos religiosos, festas
juninas, são João, etc.). Todas as regras institucionais são impostas aos novos crentes, e
também aos antigos. Todos devem “vigiar” em relação às antigas práticas, ou como
dizem: “não podemos voltar ao mundo”. A lógica religiosa deste grupo é a
intramundana, viver no terreno do “profano” com atitudes “sagradas”
28
.
As cosmologias batista e pentecostal diferem, principalmente, na crença do
Espírito Santo, e na forma de se comportarem nos cultos. A IPDA ensina que seus
membros não devem se comportar socialmente como os “não crentes”, além de não
poderem imitar protestantes como os batistas. Estes, na lógica da IPDA permitem que
os fiéis tenham um comportamento “mundano”. Dizem ainda, que os batistas procuram
formar uma “sociedade” com pouca solidez bíblica. Em contrapartida, a IBC assegura
que o “crente” para viver no mundo dos homens precisa dar exemplo em todos os
sentidos, não permitindo que haja qualquer “brecha” para o Diabo. Isto deve atingir
todos os níveis da “vida cristã”, não na área da aparência física como querem os
pentecostais da IPDA.
28
Ver Durkheim (O Problema Religioso e a Dualidade da Natureza Humana Religião e Sociedade,
novembro 1977; Nº 2). No referido artigo, o autor discute o dilema que o “indivíduo” vive em fazer o que
deseja e o que a “sociedade” impõe a ele. No caso dos protestantes aqui destacados, a luta é para manter
as práticas religiosas sobre as sociais, pois afirmam que as ordens de Deus estão acima de qualquer regra
humana.
75
...Pois o que faço, não o entendo; porque o que quero, isso não pratico; mas o
que aborreço, isso faço. (Bíblia, livro aos Romanos C. 7 V. 15)
29
.
1.2 A luta contra os antigos hábitos
A conversão implica em uma decisão que terá conseqüências futuras na vida do
fiel. Não quero dizer que estes religiosos cumprem exatamente, tudo o que é
determinado pelas regras da denominação. Saliento, apenas, que os mesmos terão que
rever seu comportamento em sociedade, para desenvolver a nova vida religiosa. Falando
de uma forma mais direta, o crente desempenhará outra máscara social
30
, tentará
mesclar o mundo “material” com o “espiritual”. O fiel destas denominações precisa ter
claro em sua mente que necessita viver as duas vidas: “a santificada” e a “mundana”,
simultaneamente. Qualquer separação nestes dois níveis pode contribuir na perda da sua
salvação. Não há, segundo tal lógica religiosa, como viver dois modelos de vida, uma
como “crente”, outra como cidadão “do mundo dos homens”.
crentes que pensam que ser seguidor de Cristo é na igreja. Terminou o
culto, pronto, cumpriu o seu papel. Não é nada disso. Ser cristão é estar 24 horas do
dia pensando em Deus, e na salvação. Qualquer deslize, e o crente perde o que de
mais importante para o homem: a salvação dada por Jesus. (pastor da IBC num culto,
após a EBD).
Ser crente, irmãos, é algo muito sério. irmão que na sua vida secular, não
tem nenhum cuidado com o que faz. Ele pensa que, o não crente não está observando.
Basta um descuido dele, e os ímpios podem dizer: tá vendo? É crente, mas também, não
vale nada. Então, irmão, para você não ouvir de um mundano frases como esta, vigie, e
ore sem parar. (fiel da IPDA, num culto de 4ª feira à noite).
29
Numa pregação da IPDA, um fiel mencionou esta frase bíblica. Ela é muito utilizada nos testemunhos.
No entanto, somente fui perceber a importância deste versículo quando um devoto destacou em seu
testemunho que muitas vezes ele tenta fazer a vontade de Deus, mas não consegue.
30
Berreman, Gerald. Por detrás de Muitas Máscaras (parte I) In: Desvendando as Máscaras Sociais.
Organiz. Alba Zaluar Guimarães. II edição, livraria Francisco Alves S/A 1980.
76
Questionário dos cultos doutrinários
da IPDA.
Não usam uma revista específica para
este tipo de trabalho como a IBC.
77
A partir de tais pressupostos tento compreender o discurso do “velho” homem
propalado no meio protestante. O fiel a partir da nova conversão precisa cuidar para que
não venha repetir coisas de outrora.
Antes de me converter eu era terrível, não era de Deus. Fazia tudo o que não
prestava, desde jogar futebol, até desfilar em escola de samba. Ia a bailes, festas
mundanas de tudo quanto é tipo: festa junina, pagode, carnaval.
Tudo mudou quando decidi aceitar Jesus, pois agora eu procuro imitá-lo como disse
o apóstolo Paulo: “as coisas velhas passaram, eis que tudo se fez novo”. Então,
agora, preciso dar exemplos para os não crentes.
Antigamente gastava meu dinheiro com bebidas alcoólicas, cigarros, mulheres,
etc. Agora não, preciso dar testemunho do que Jesus fez por mim. Tirou-me do lodo, da
lama, e me deu a salvação. (Joel, Auxiliar de serviços gerais. Fiel da IPDA em Areia Branca B. R.
Conversa informal no dia 12/10/04, numa concentração religiosa na Praça XV – Paço Imperial – RJ.).
A desqualificação das experiências anteriores e sua enumeração são condições
imprescindíveis. Este procedimento nos testemunhos dos fiéis desempenha um papel
sólido e transformador da nova religião via “palavra”.
31
A coragem da declaração é um
elemento de exemplificação para o não evangélico. É uma espécie, de auto-afirmação,
com o intuito de convencer o próximo a partir da experiência pessoal dos “crentes”.
Não há como se pensar “crente” da IPDA e da IBC, sem o antes, e o depois. Este
raciocínio vale também para aqueles fiéis que se dizem “filhos do evangelho”, porque o
discurso do “velho” e “novo” homem é extensivo a todos que um dia não eram
batizados.
Fui criada num lar evangélico, meu pai sempre me conduziu com meus irmãos
para a igreja. Mas, você sabe, né? Quando fui ficando adolescente, eu e meus irmãos
tivemos vontade de experimentar o que havia no mundo, como qualquer criança faria.
Aí, fui a bailes, festinhas do mundo, e aí, sabe como é, né? Não há nada de Deus nestas
coisas. Vi que não havia nada fora que me interessava. Então, resolvi voltar para a
31
Clara Mafra. “Do testemunho miraculoso, da performance da palavra e da convivência com as
ambigüidades individuais” IN: Na Posse da Palavra. ICS Universidade de Lisboa, fevereiro 2002.
78
casa do Senhor e me batizar. De fato deixei para trás, o velho homem.(O., professora de
nível fundamental, IBC. Entrevista 21/10/2004).
Os antigos hábitos são expressos no momento dos testemunhos e em conversas
informais. Na IPDA, o combate a práticas antigas se estrutura da seguinte forma: um
autocontrole (ou auto-inspeção, segundo Weber)
32
das atitudes com relação ao corpo e
ao Espírito Santo. No primeiro caso, a batalha consiste em coibir todas as práticas
consideradas vaidades para esta denominação: utilização de adornos estéticos (pintura
de cabelo, de unhas, jóias, bijuterias, roupas curtas ou decotadas, maquiagens); uso da
televisão; ouvir qualquer programação de rádio que não seja evangélico ou de notícias
em gerais. De uma certa forma, os fiéis cumprem tais preceitos, pelo menos
aparentemente. No entanto, cada um tem sua vida privada, além da religião.
Eu procuro cumprir todas as ordens da igreja, que, aliás, são ordens de Deus,
não da IPDA. Mas como tenho filhos que não o crentes permito-me às vezes algumas
exceções. em casa, por exemplo, televisão; sei que é norma da igreja Deus é
Amor não ter este aparelho, mas como vou obrigar meus filhos a seguir um caminho
que eles não querem. Eu não assisto a nenhum programa, comprei por causa de meus
filhos. (Norma, Contadora, fiel da IPDA. Conversa informal antes do culto – outubro de 2003).
A batalha espiritual que cada fiel trava é contra seus antigos hábitos (agora, não
tolerados pela igreja) e contra o adversário dos evangélicos, o Diabo, metaforizado por
grupos e pessoas. O preço para ser um pentecostal da IPDA é “caro”:
Não é fácil ser crente da Deus é Amor, pois aqui existe a doutrina do
missionário David Miranda, que é a verdadeira doutrina. Não é qualquer pastor que
tem a coragem do nosso líder. Eles preferem encher suas igrejas a obedecerem a Deus.
Aqui ninguém é obrigado a fazer nada, mas se quer servir a Jesus na IPDA vai ter que
pagar o preço e renunciar muitos dos maus hábitos anteriores, pois tais práticas
atrapalham o crente desenvolver uma verdadeira vida espiritual. (P., mecânico, fiel da
IPDA, num culto à noite. Setembro de 2004).
32
Weber, Max. Ensaios de sociologia. Cap. XI Psicologia das religiões mundiais. LTC editora; 5ª
Edição, 2002.
79
Na programação que a IPDA tem na rádio capital “A Voz da Libertação”, é
possível nos intervalos ouvir o seguinte trecho musical:
... Jesus, nós te pedimos, não leve o missionário agora não, pois ele é conhecedor
da sã doutrina...
Portanto, o controle do corpo é fundamental para que as antigas práticas o
voltem. A luta entre o mundo anterior e o atual é que alimenta e renova a dos fiéis.
“Sã doutrina” nesta igreja tem a idéia, de que o corpo precisa ser diariamente
“controlado”, para não manifestar antigas práticas que simboliza o renascimento do
“velho homem”.
Entre os batistas também este controle sobre corpo, não da forma como é
construído pelos pentecostais. Consideram que a maneira de desenvolver a auto-
inspeção é diferente, porque prezam atitudes do fiel para com os não crentes.
Desenvolvem um raciocínio, onde os batistas são tipificados como “o sal da terra”.
Portanto, a prática cotidiana de tais religiosos precisa ser altamente regrada: como se
expressar diante dos outros, o que falar, como se comportar num ambiente fora da
igreja, etc. Sempre focalizando o aspecto social do crente, no âmbito das relações com
outras pessoas.
A igreja batista tradicional procura não seguir aquela gritaria e desordem dos
cultos pentecostais. Eles dizem que aquilo significa o poder de Deus, acho difícil o
Senhor estar em tamanha bagunça. Porque ninguém entende nada, uma vez que todos
falam ao mesmo tempo.
O Senhor, nosso Deus, não é Deus de confusão e desordem; ele é um Deus que faz
tudo decentemente, não confundindo o seu povo. Não sou eu que estou dizendo não,
está escrito na bíblia, pode ler lá. O crente precisa, antes de tudo, agir na vida social
como verdadeiro representante de Cristo na terra. (Josué., militar, fiel da IBC. Entrevista em
outubro de 2003).
Os cultos são repletos de esquemas e roteiros que agradam alguns e aborrecem
outros. Alguns vêem nisto um excessivo cuidado com o lado material, e que às vezes,
atrapalha o lado espiritual.
Eu gosto de ser batista, mas às vezes não gosto do modelo de culto muito
silencioso. Não consigo ver o poder de Deus operando assim. Sei que as regras são
80
importantes, mas em excesso não. Nas igrejas pentecostais, as coisas fluem de forma
mais livre do que aqui. Creio que nós temos que mudar, senão Deus não irá operar.
Mas, se o Senhor quiser mudar isto, ele muda. Ele operando, nenhum homem vai
impedir.
Era bom se houvesse, numa igreja, a alegria dos pentecostais e a ordem dos batistas;
creio que Deus operaria mais. (Wendel, funcionário de mercado, fiel da IBC. Entrevista no dia
25/10/04).
Embora haja muita discordância entre estes batistas, o que fica evidente é que
uma excessiva preocupação com a questão da ordem. Ordem no sentido de
comportamento: como falar, o preparo com antecedência dos textos para uma pregação,
a esquematização; enfim, um modelo de ritual centrado no “rígido” controle das ações
sociais. E o fiel que não foi criado neste esquema terá que se adaptar e encontrar seu
espaço, ou melhor, o seu “dom”. Diferentemente dos cultos pentecostais, onde a
“espontaneidade” de cada devoto estrutura as reuniões. O modelo batista está centrado
na ação momentânea de cada um no culto, de acordo, como dizem, com a força do
Espírito Santo.
Destaco, neste aspecto, que entre os pentecostais valoriza-se a espontaneidade
“O fluir do espírito” como elemento da dinâmica dos cultos. Enquanto que entre os
batistas vigora a rigidez da ordem, no sentido de controlar as ações sociais dos seus
membros, e não permitir que seus cultos se transformem em campo de atuação do
Espírito Santo no sentido imprimido pelos pentecostais.
81
Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; o espírito na verdade está pronto, mas a carne é fraca.
(Bíblia, Livro de Mateus C. 26 V. 41)
33
1.2.1 “Vigiai e orai”
No subtópico anterior procurei analisar a relação intramundana X extramundana;
agora, irei trabalhar como deve ser o procedimento diário do fiel das referidas igrejas no
cotidiano.
O título acima é conhecido por aqueles que pesquisam os grupos protestantes no
Brasil. Mas faço uso dele aqui no sentido de ampliar como se constitui esta vigilância,
no modelo comparativo destas duas denominações O discurso institucional destas duas
igrejas apóia-se no seguinte pensamento: viver a vida cristã é um processo, e não um
fim. A partir de tal raciocínio cria-se um modelo de ensino que visa “proteger” seus
associados contra possíveis ataques” de forças contrárias. Forças estas que são
tipificadas por seres espirituais que metaforicamente estão nos grupos opostos.
Portanto, a relação dos fiéis, sejam batistas ou pentecostais, com outros movimentos
religiosos gira em torno de acusações e auto-afirmações.
A escolha dos inimigos está baseada no próprio modelo religioso do acusador. A
oposição é demarcada por um discurso estruturado que dá conta das acusações que se
fazem em relação ao outro. Ou seja, argumentações “convincentes” são úteis para
demonstrar ao fiel do porquê ele está numa, e não em outra denominação.
Numa entrevista perguntei a um fiel da IPDA por que ele havia feito a opção por esta
igreja, se existem tantas igrejas pentecostais diferentes, e ele me respondeu:
Eu vim parar na Deus é Amor porque o Senhor me trouxe. Não fui eu que decidi
espontaneamente; aliás, todos os crentes são assim, eles vão para onde Deus quer. Nós
fazemos parte de um exército, e nesta força armada há vários batalhões, mas um
único comandante Jesus, este por intermédio do Espírito Santo decide onde cada um
deve ficar.Mas tenho convicção de que aqui há a verdadeira sã doutrina de Jesus (Paulo,
mecânico, fiel da IPDA, entrevista 10/10/03).
33
Num culto doutrinário na IBC no dia 17/02/03, o pastor “pregava” sobre o citado texto. Ensinava aos
fiéis que o “crente” precisa estar constantemente atento contra as investidas do Diabo no cotidiano.
Significa dizer que para o pastor, os religiosos precisam sempre observar o que estão fazendo em suas
atividades cotidianas. Para ele, o fiel deve ser “crente” não só na igreja, mas também fora dela.
Um tipo de advertência que também é feito na IPDA.
82
Entrevistando um fiel da IBC sobre a mesma questão, o mesmo argumentou:
Eu sirvo a Deus aqui por que me sinto bem, e ao mesmo tempo me acostumei.
Fui criado num lar batista. Poderia ter mudado, fui a algumas denominações, mas não
consegui encontrar nelas um motivo suficiente para ficar lá. A forma como pregavam,
cantavam e interpretavam a bíblia o me convenceu. Aqui me sinto melhor e tenho a
convicção de que nós batistas somos os melhores intérpretes da bíblia.(Josué, militar
aposentado, entrevista 10/10/04).
Enfim, os motivos são vários para tantas escolhas, mas uma coisa é certa: o fiel
cobra um argumento da denominação para o motivo do mesmo estar ali, seja em
reuniões doutrinárias ou de ensinamentos bíblicos. Algumas denominações optam por
uma crítica mais direta aos grupos diferentes (como a IPDA frente à Igreja batista).
Mas, no centro do debate há um discurso centralizador de cada denominação que
procura demarcar espaço diante dos outros modelos religiosos.
A IPDA e a IBC, como qualquer outro grupo social possui seus inimigos
“prediletos”, onde a idéia de oposição torna-se mais concentrada. Significando um
possível indício de que os “adversários” tenham algumas práticas que se aproximam
daquelas dos acusadores. Estes religiosos, por sua vez, procuram eliminá-las via
ensinamento sistemático aos seus fiéis sobre tais “perigos”
34
. Os crentes da IPDA são
doutrinados diariamente
35
a “odiarem” as religiões afro-brasileiras, que classificam
genericamente como “macumba”. O ataque a tais grupos é uma obsessão para esta
denominação. A mesma possui uma estrutura de culto (quando os fiéis são “usados”
pelo Espírito Santo) que lembra os transes e as gritarias existentes nos cultos das
referidas religiões, onde a “alegria” deve ser uma constante. Por mais que tentem afastar
o “fantasma” dos rituais afro-brasileiros, parece que seus cultos se aproximam dos
terreiros, que “transformado” no discurso protestante. Também atacam os batistas,
pois consideram que a metodologia de “liberdade” usada por tais denominações, seja
um elemento de atração aos seus fiéis. A acusação que usam para os batistas é “crentes
34
Douglas, Mary. Pureza e Perigo. Capítulos VI (Poderes e Perigos) e VII (Limites extremos). Editora
Perspectiva. Ano 1966.
35
Os cultos nesta denominação são todos os dias, inclusive, nos feriados. Só não há culto se houver uma
outra programação determinada pela direção local, sede regional ou sede mundial em São Paulo.
83
católicos”. Acreditam que agindo assim “rebaixam” o título de evangélico da referida
denominação. Com relação aos afro-brasileiros, os fiéis da IPDA usam o termo “filhos
do Demônio”. Uma forma de acusação que tem como meta desqualificar o título de
religião dos acusados.
A IBC, por sua vez, não deixa de tecer críticas ao modelo religioso afro-
brasileiro, mas preferem atingir os pentecostais, principalmente, a IPDA e as igrejas
renovadas que surgem constantemente. A estratégia usada é não deixar que seus fiéis
sejam influenciados por qualquer movimento religioso que promete riquezas e curas das
doenças. Promessas que as chamadas igrejas neopentecostais fazem em suas reuniões
religiosas. Assim, o assunto sobre o pentecostalismo está na pauta de boa parte das
reuniões batistas. Numa espécie de “o inimigo mora ao lado”. Classificam a IPDA como
“seita”. Consideram que esta igreja pentecostal nem deve ser vista como evangélica,
pois ela mais “denigre” a imagem do “povo de Deus”, do que ajuda.
Estar “vigilante” para estes dois grupos não é só em relação ao mundo espiritual,
mas também, ao mesmo tempo, contra grupos que possam atrair sua “clientela” com
promessas de um modelo religioso “melhor”.
Enfatizo, no entanto, que muitas discordâncias entre alguns fiéis sobre esta
metodologia de atacar outros grupos. Alguns chegam a dizer que isto mais afasta os não
crentes, do que os aproxima.
Não sou a favor de ficarmos criticando outras denominações.Cada um segue a
sua, tendo a consciência de que para ser crente da IPDA é necessário se adaptar ao
nosso modelo; no entanto, o nosso não é o melhor.Quando Jesus voltar, ele levará
batista, assembleiano, presbiteriano, pentecostais dos mais diversos tipos. Cada um
deve ficar no lugar que se sentir melhor.
Às vezes ouço alguns irmãos criticando outros ministérios e dizendo que os
irmãos destas igrejas não irão para o céu; sou contra tal procedimento, pois na bíblia
não está escrito isto. (Norma, contadora. Fiel da IPDA num culto, em outubro de 2004)
Sou batista, mas respeito às outras igrejas, não gosto falar de outros grupos,
porque não sei o que se passa no coração das pessoas que estão lá. Acho que cada um
deve ficar na denominação que mais lhe agrada; ficar falando dos outros grupos não é
certo. (Josué, fiel da IBC. Na EBD – setembro 2004)
84
Um ponto comum a ambas as denominações é o de que a conversão não acaba
no momento da “aceitação” a Cristo, ou no batismo, mas é uma prática diária. O cristão
precisa está preparado para qualquer “batalha” relacionada às forças do mal. Uma vez
que a “luta” pode ser uma disputa “real” (pessoas ou grupos específicos), ou contra o
Diabo (figura responsável por tudo o que é classificado como negativo por ambas as
denominações). Por isso, adotam como lema principal a frase bíblica : “vigiai e orai, por
que não sabeis as astutas ciladas do adversário”.
Ser membro destes segmentos religiosos requer, antes de tudo, uma preparação
para as constantes batalhas que surgem com mais força quando o fiel se decide por
determinado grupo. Por este motivo, dizem, alguns visitantes relutam em entrar. Eles
“sabem” que uma vez entrando para a igreja dos crentes o adversário (o Diabo) fica
mais furioso.
1.2.2 Fazendo parte do conjunto de membros
Antes do batismo, o novo convertido passa a ter conhecimento sobre como
deverá proceder. Ser membro significa ter acesso a uma série de atividades que antes,
não podia participar: santa ceia, oportunidade para pregar, orar para outras pessoas,
votar nas assembléias, etc. Lembrando que a classificação de membro, a pessoa
recebe após o batismo. Antes, era um visitante ou irmão preparando-se para fazer parte
da igreja. A nova titularidade abrirá” as portas para outras áreas da denominação que
não tinha acesso. Mas, a cobrança sobre a participação continua como no período de
“catecúmeno”.
A IPDA não aceita que seus membros faltem a cultos de doutrinas, santa ceia e
reuniões nas sedes regionais quando cobrado pelos pastores locais. na carteira de
membro, um espaço para que sejam feitas observações sobre as participações de cada
um, no decorrer do ano, em relação às principais atividades da denominação. Nos rituais
da ceia, destes pentecostais, observei que não é liberada a participação de nenhum
devoto, sem que antes mostre sua “carteirinha de membro” na secretaria da igreja. a
IBC não faz este tipo de cobrança. A fiscalização, no que diz respeito à presença dos
membros, em cultos como os da ceia não existe de forma sistemática. Mas, se o membro
85
Cartões que funcionam
Como meio de identificação .
Com o grupo.
86
faltar com uma certa freqüência a determinadas reuniões, o mesmo será visitado por
uma equipe da igreja.
Nós batistas, não podemos dar maus testemunhos como crentes, que somos, pois
o que os ímpios pensarão de nós? Antes de nos preocuparmos, com que tipo de roupa
iremos a um culto, temos que refletir como está sendo nosso testemunho no trabalho, na
faculdade, em casa; como esposos, esposas, filhos, filhas, vizinhos. muito crente
dando mau testemunho por aí. Isto não é bom para o reino de Deus. A bíblia adverte
sobre o crente que traz escândalo para a igreja. (pregação do pastor num culto de domingo
pela manhã – agosto 2003)
Eu não concordo com a direção da igreja, na forma como as pessoas se vestem
aqui entre os batistas. Neste ponto admiro os pentecostais, pois zelam pela moralidade
da casa de Deus. Algumas mulheres que freqüentam os cultos entre nós, parecem que
vão a algum baile ou clube mundano.Esquecem que estão vindo para cultuar a Deus e
ao Senhor Jesus Cristo. O pastor não liga para estas questões, mas eu acho, que
pessoas assim, deveriam ser excluídas. Assim, elas teriam a exata noção do que é ser
cristão. (fiel da IBC, numa conversa informal, num culto fúnebre – julho de 2004).
O crente não pode ser como um não crente, na questão da aparência. Cabelo
grande, barba e bigode, cabelo curto (para mulheres); não são coisas de Deus. Na
bíblia vários exemplos de que, quando Arão ou qualquer outro personagem bíblico
do Antigo Testamento ia falar com Deus, eles faziam a barba e o cabelo, pois iam
conversar com um Deus santo. Também, as personagens mulheres, não cortavam os
cabelos, pois os mesmos representam o véu diante do Senhor.
Então, podemos observar que a regra não é uma invenção da igreja Deus é
Amor são mandamentos do próprio Deus. Agora, as outras igrejas evangélicas não
querem seguir estas regras porque são difíceis de serem cumpridas; mas a bíblia diz
que muitos são chamados e poucos são escolhidos.
Você me perguntou alguns minutos atrás porque escolhi a IPDA, no meio de tantas
denominações pentecostais; taí, este é o principal motivo, o cumprimento da
doutrina de Deus que é pregada aqui e liderada pelo abençoado homem David
Miranda.(Paulo, fiel da IPDA. Entrevista feita em novembro de 2003).
87
Como se vê, para fazer parte da “membresia” de determinado grupo o fiel
precisa estar cônscio de que a “rigidez”, seja na aparência física, na participação de
algumas atividades, no estudo da bíblia, etc, é um fator considerável para todos os
membros. Os cultos doutrinários e o ritual da ceia são os momentos em que a liderança
local (dos batistas ou pentecostais) verifica a aparência e o comportamento do fiel. Se,
por exemplo, um membro faltar muito as reuniões referidas julgam que o mesmo possa
estar com algum problema de indisciplina.
Fazer parte do “rol de membro”
36
requer uma nova adaptação para aquele que
não veio deste meio; e para os que são do meio, desde a infância, necessita-se de um
esforço para viver em uma sociedade que condena muitas práticas que, eventualmente,
o fiel gostaria de fazer. Toda a luta enfrentada por tais religiosos tem como meta básica
garantir a salvação, ou em outros termos, a vida após a morte.
O mero de “desviados” é muito grande nestas igrejas. para se ter uma
idéia, a IBC teve uma membresia” de quase 500 fiéis. Hoje, está reduzida a 60
pessoas aproximadamente. No caso da IPDA, não para calcular com precisão, pois o
número maior de pessoas que freqüentam não é de membros; são visitantes ou
religiosos de outras igrejas, (isto, no caso de Belford Roxo.).
Os motivos das saídas são vários, mas os principais relacionam-se a problemas
com a cúpula da igreja e discordâncias com as regras consideradas rígidas. Os batistas,
não aceitam em seus quadros pessoas que foram batizadas em outras denominações. Os
pentecostais pesquisados, não aceitam fiéis batizados em tanques batismais, sejam
evangélicos, ou não. Por conseguinte, os “associados” que permanecem precisam estar
de acordo, caso contrário, iniciam-se “movimentos” que ameaçam a hierarquia. Esta
situação é um exemplo, de que a liderança esconstantemente alerta em relação aos
seus liderados.
Não um predomínio da liderança sobre os fiéis; embora o “poder” esteja nas
mãos dos pastores e líderes, os mesmos sabem que suas administrações estão sendo
vigiadas pelos seguidores da igreja.
Eu não sigo o pastor, sei da sua importância para o bom andamento da obra de
Deus. Mas, obedeço a ele, se perceber que está sendo orientado pelo Senhor.
36
Esta categoria é utilizada pelos devotos da IPDA. Já os batistas preferem o termo membresia.
88
muitos casos de pastores que enganam as ovelhas, em nome de Deus. Precisamos ficar
de olho neles, e em todos os obreiros. (fiel da IPDA, numa pregação).
No meio do povo de Deus muito problema de indisciplina. para você ter
uma idéia, houve um caso de assédio sexual numa igreja Batista de um líder sobre as
adolescentes lideradas por ele. Foi numa igreja Batista que não me lembro o nome. A
Convenção Batista estentando resolver o caso. Isto é um absurdo, mais é real, não
sabemos com quem estamos lidando. A pessoa se converte, se batiza, ganha um cargo
na igreja, e aí... Deus para ter misericórdia de nós, mas, os fins dos dias estão em
nossa frente. (pastor de uma igreja Batista em Nova Iguaçu. O mesmo era o pregador da noite na IBC.
2003).
1.2.3 A decisão de mudar para outro grupo
O mero de religiosos protestantes que sai de uma igreja para outra é relativo.
É muito comum a chamada transferência de um segmento para o outro. Todavia, estas
mudanças se dão de formas diferentes na IPDA e na IBC. No primeiro caso é necessária
uma reavaliação, começando pelo batismo, ou seja: se o fiel que deseja a transferência
for de outra denominação evangélica, e tenha sido batizado em tanque batismal,
necessitará refazer o batismo, caso queira ser membro da IPDA. Conforme abordei no
tópico anterior. Esta instituição age como se o religioso não fosse cristão. Além do que,
impõem uma série de normas: ser casado oficialmente, passar por um período de
avaliação antes de receber a carteira de membro, confirmar que não irá freqüentar
ambientes de não crentes, etc.
A IBC não aceita fiéis de outras igrejas evangélicas que desejam ingressar como
membros, sem que antes passem por uma avaliação de conhecimentos teológicos e
doutrinários. Por exemplo, se um fiel de outra denominação evangélica optar por fazer
parte da “membresia” dos batistas (chamados tradicionais), necessitará ser rebatizado. O
seu batismo anterior não vale como entrada. Além disso, exigem que o novo fiel se
adapte ao modo de se comportar nos cultos: não deve bater palmas, ficar gritando
palavras de louvores nos cultos (aleluia! Glória a Deus! Amém!); não desenvolver a
crença no batismo com Espírito Santo, etc. No entanto, como expus antes muitas
89
discordâncias entre os membros batistas quanto a estes aspectos. O que, de uma certa
forma, está gerando muita divisão na denominação. Com o surgimento dos chamados
batistas renovados, um misto de batistas com pentecostais, onde a “ordem” dos
batistas com a “espontaneidade” dos pentecostais, muitos fiéis têm deixado as igrejas
Batistas. Em função disto, a denominação tem feito uma reavaliação de seus rituais de
culto em suas convenções. Algumas, estão permitindo (como a IBC) práticas
consideradas pentecostais como: bater palmas, palavras de louvor nos cultos, crença no
batismo com Espírito Santo, etc. Mas, procedimentos como estes geram grandes
polêmicas na instituição; pois uma parte dos membros concorda, outra não. Num culto
de domingo observei um exemplo relacionado a tais questões. Foi quando um grupo de
jovens iniciou alguns cânticos e pediu que todos acompanhassem com as palmas.
Aproximadamente, metade dos presentes (éramos uns 50) demonstrava um grande
descontentamento com tal episódio. Eu, a princípio, comecei a bater palmas, pois assim
procedia nos cultos da IPDA. Mas, ao notar o clima de aborrecimento de alguns, não
sabia como me posicionar.
O número dos renovados tem crescido com muita força entre os protestantes,
pois este tipo de movimento nas igrejas Assembléia de Deus, Metodista Wesleiana,
Batista, etc. Algo semelhante ao que vêm enfrentando, já há algum tempo, os católicos,
em relação ao movimento carismático. A lógica das transferências dos membros
evangélicos de certas igrejas, para outras, assevera a idéia de que o terreno do sagrado
permite aos fiéis mudarem constantemente de afiliação religiosa.Tal fato demonstra que,
uma vez a pessoa convertida, não significa fidelidade até o fim a uma determinada
associação religiosa, pois os casos de mudanças, e criações de outros grupos, mostram o
oposto. uma dinâmica desta tradição cristã, principalmente as denominações que
atuam no Brasil. Isto é uma confirmação de que em grupos fixos há igrejas flexíveis. As
que se adaptam melhor tendem a crescer.
O período que um fiel permanece em determinada igreja é relativo. Geralmente,
gira em torno de um a três anos. Isto, dependendo das mudanças e novidades que
surgirem. Por isso, a prática de divulgação (propaganda) de produtos religiosos é
comum entre os protestantes. A concorrência é tão forte, que a disputa por outros fiéis, e
“futuros” crentes vale qualquer esforço. As novidades e cultos mais modernos”, por
exemplo, são as principais ofertas para que as denominações se estruturem. Entre os
pesquisadores, isto é classificado como modelo religioso expansionista. (ver Nem
Anjos Nem Demônios, já citado).
90
Os fiéis buscam com mais freqüência, uma forma de culto que se coadune com
seu comportamento, e que facilite sua relação social. Nas entrevistas que fiz sobre este
tópico, as respostas caminhavam para questões comportamentais. Um fiel da IBC usou
o seguinte argumento:
Aqui eu me sinto bem, não gosto de muito barulho. Entre os batistas mais
estudos da bíblia, ou melhor, nós somos os que mais estudamos a bíblia e procuramos
contextualizá-la aos dias atuais. Coisa que os pentecostais não fazem, pois desenvolvem
uma excessiva pregação de curas e práticas de exorcismo. Não quero dizer que entre
nós, não haja cura ou expulsão de Demônios, mas não precisamos fazer tanto barulho
sobre tais acontecimentos. Não fazemos propaganda com isto. Deus age, em nosso
meio, mas não precisamos tocar trombeta. (entrevista com um professor da EBD).
Numa entrevista com uma fiel da IPDA que havia passado por várias
denominações pentecostais, perguntei motivo de tanta mudança, ela me disse:
Eu passei por mais de quatro igrejas evangélicas, mas todas as quais fiz
parte, não possuem um comando como aqui. O missionário David Miranda é um
homem consagrado, ele que consegue manter a ordem e a decência, coisa que outras
igrejas evangélicas não têm. Além do mais, muito mais curas e expulsão do
Demônio aqui, do que em outro lugar. Estes são os principais motivos por que vim para
esta denominação. (Norma, fiel da IPDA).
Num dos programas da rádio Capital do Rio de Janeiro, a emissora transmitia
um culto dirigido por Miranda direto de São Paulo, em outubro de 2004. O líder da
IPDA entrevistava uma fiel que se dizia ex-membro da Assembléia de Deus, em São
Paulo, mas decidiu sair para se converter a IPDA. Observe um trecho da entrevista:
Davi M.: ...Quer dizer que a senhora detestava a Deus é Amor antes? Como a
senhora veio parar entre nós?
Fiel: Ah! Missionário, a história é por aí. Eu sempre falava para as pessoas que
nunca iria ser membro da IPDA. Dizia: como eu vou ser crente de uma igreja, onde as
pessoas não sabem cantar no tom, não sabem ler a bíblia, pois quase todos são
analfabetos. Ah! Não, esta igreja é muito chata. Agora, vejam, estou aqui para honra e
91
glória de Deus. Vim por motivo de doença, pois na outra igreja eu cantava no coral, no
tom direitinho... Mas o que adiantava, na hora de curar minhas doenças não via o
poder de Deus. Mas, aqui vejo. (Programa - A voz da Libertação ao vivo da sede Mundial da
IPDA em SP., Outubro de 2004).
Os motivos variam, mas dependendo do fiel a satisfação do membro precisa se
adequar às doutrinas da igreja. Os hábitos do crente devem estar de acordo com o
grupo, uma vez que isto deve contar na hora de escolher uma igreja:
Eu não consigo fazer parte de uma igreja que libera tudo pinturas, roupas
curtas, corte de cabelos entre as mulheres. Deus não pode estar neste meio, pois ele é
santo e ordena que seus fiéis sigam esse espírito de santidade que Jesus deixou. (Paulo,
fiel da IPDA num culto em Heliópolis B. R., janeiro de 2004).
Ser cristão não significa estar numa prisão, como pensam algumas igrejas que
proíbem que seus seguidores façam determinadas coisas. Deus não proibiu a mulher
cortar cabelos ou usar roupas curtas, isto, não está na bíblia, é invenção humana. O
crente precisa cumprir as regras da igreja, mas não os excessos. (doméstica membro da
IBC num culto – agosto de 2003).
As conversões se dão numa determinada igreja, mas o crente aprende com o
decorrer do tempo que ele pode “servir” a Deus em qualquer outra denominação
protestante. Portanto, é um terreno bem aberto para a criação de grupos sociais e
reinvenções de várias práticas religiosas.
A flexibilidade religiosa, de uma certa forma, facilita o trânsito dos fiéis entre as
denominações, mas o que procuro analisar aqui, é que as trocas religiosas entre os
evangélicos, se dão também por questão de ambientação. Geralmente, o fiel argumenta
que para ficar num determinado grupo é necessário que esteja bem consigo e com as
outras pessoas.
Antes de vir para a Deus é Amor, eu freqüentei outras igrejas evangélicas, mas
nenhuma delas me satisfez. Sempre quis servir a Deus numa igreja, onde visse o poder
de Deus.
Quando cheguei a IPDA pude perceber de cara que aqui havia o poder do
Senhor. E os fiéis nesta igreja, parecem que são mais fiéis e humildes.
92
vi, aqui, Deus operar vários milagres. Vi pessoas vomitarem o câncer, a
Pombagira, o Pilintra. Todos estes santos, ou melhor, estes Demônios da
macumba.(Paulo. Entrevista novembro de 2003).
A declaração anterior é muito comum na IPDA. O entrevistado, no caso, teve
uma infância cheia de experiências com religiões afro-brasileiras. Mas casos de fiéis
que garantem não ter tido contato com este segmento religioso, mas acreditam no poder
de tais entidades, pelo fato de presenciarem vizinhos e amigos enfrentarem tais
problemas.
O trânsito entre os fiéis protestantes permite que experiências anteriores sejam
levadas para outros grupos, gerando uma troca de conhecimentos que faz parte do mapa
cultural das religiões brasileiras. Então, fazer parte deste, ou de outro grupo
evangélico, é antes de tudo uma questão de adaptação. O rótulo da instituição conta
pouco, pois o que vale é a forma como a pessoa será recebida, e como se relacionará
com os demais membros. Um outro detalhe que pude observar na IPDA é que o fiel
enquanto estiver, deseja que aconteça algo concreto em sua vida, em vez de uma
simples teoria teológica. Para um batista é conveniente “servir” a Deus a partir de um
modelo, que não faça tanta propaganda de curas e milagres. O que acontecer de bom ou
de mau será contabilizado como bênção, ou maldição.
93
Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa, depois
fazei prova de mim, diz o Senhor dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu, e não derramar
sobre vós uma bênção, que dela vos advenha uma maior abastança.(Bíblia, livro de Malaquias Cap. 3,
Vers. 10,11,12)
Cap. II – A categoria “dinheiro”
2.1 O significado do dinheiro para a IBC e a IPDA
Proponho-me neste capítulo analisar o papel que esta categoria o dinheiro
representa para os dois grupos. Salientando que ambas as igrejas convivem com dois
significados relacionado a esta categoria: o econômico e o religioso. É sobre estes dois
pontos que pretendo centrar minha análise.
Falar em dinheiro nas denominações pesquisadas requer uma análise mais
cuidadosa. Os devotos dão dinheiro, porque receberam ou querem algo. Esta forma de
pensar existe, mas a referida categoria possui um significado muito mais amplo do que
um pensamento utilitarista pode sugerir. A prática ritual de ofertar dinheiro, entre os
batistas e pentecostais, envolve uma dimensão mais extensa que é a relação existente
entre Deus e devotos. Portanto, uma relação mágica. Considerar que os fiéis destas
igrejas não têm conhecimento aprofundado sobre a prática de ofertar dinheiro e da
função que este objeto tem na sociedade em que vivemos é infundado. Digo isto, porque
para estes religiosos o valor que a categoria desempenha é de um papel mediador e
solidificador da fé. O dinheiro na verdade, contribui para compreendermos como
funciona a cosmologia destas denominações sem, no entanto, reduzirmos à prática
religiosa a uma questão de interesse. Uma vez que ele funciona como elemento
estruturador do pensamento dos grupos e mostra que vários níveis de análise sobre
esta questão no espaço social em que habitamos.
Além de seu caráter comercial, o dinheiro, aqui, é um objeto que une deuses e
homens em torno de uma prática sacrificial. De uma certa maneira, ele nos permite
compreender o caráter criativo da religião
37
, onde os fiéis reelaboram as práticas e
37
Mariz, Cecília Loreto. Coping with Poverty – Pentecostals and Christian Base Communities in Brazil.
Temple University Press Philadelphia. Ano 1994.
94
pensamentos sociais. A partir daí, elaboram-se discursos que possam dar conta das
questões materiais ou míticas. Falar sobre o dinheiro entre os protestantes, sem
considerar que o mesmo possui uma ligação entre o real e o emocional
38
é desprezar a
riqueza e a profundidade que ela ganhou, no pensamento destes religiosos. Chamo de
real aqui, o significado concreto que os grupos analisados dão a esta categoria no
cotidiano: o dinheiro usado como meio de sobrevivência e de organização social. em
relação ao termo emocional, chamo a atenção para a idéia de Durkheim na obra Formas
Elementares, onde a fé religiosa ganha um significado bem mais amplo do que um
simples pragmatismo. O valor de determinadas práticas rituais, como esta, ultrapassa
qualquer dimensão utilitária, pois os envolvidos no processo lidam com elementos
sociais que ganham novos significados. Digo isto, ao mencionar que o dinheiro ofertado
por estes religiosos vai além dos limites de uma simples análise econômica. Este
pensamento trabalha com a idéia de investimento e aplicação. em relação ao dinheiro
doado nestes grupos, passa a explicar que os homens são devedores de Deus e que
dependem dele, para desenvolverem sua fé.
Portanto, a prática dos dízimos e ofertas está centrada na idéia salientada por
Marcel Mauss (O Ensaio sobre a Dádiva), onde se elabora um pensamento sobre o pacto
entre deuses e homens. No caso dos fiéis analisados cria-se um compromisso inicial no
momento em que o fiel “aceita” Jesus. A partir do primeiro contado com a religião
inicia-se a idéia de contribuir com os dízimos. Uma prática sacrificial que é um dos
principais elementos do processo de conversão. Ela consiste, entretanto, numa
contribuição específica: 10% de todos os rendimentos que o devoto possuir; isto é,
renda salarial, venda de alguma bem pessoal, etc. Por exemplo, se o fiel ganhar algum
valor em dinheiro, ele precisa imediatamente fazer a separação da décima parte. Esta
crença envolve apenas os devotos (membros). Se um recém convertido possuir em sua
família pessoas não crentes, as mesmas estão isentas da norma do dízimo. Os visitantes,
também estão isentos, desde que não sejam catecúmenos. Enfim, se uma mulher, ou um
homem, independente da faixa etária, é protestante batizado (a) deve cumprir a norma
do dízimo.
38
Uso tais termos, para me referir à maneira como estes evangélicos lidam com o dinheiro. Ao mencionar
a palavra real quero dizer sobre o valor que o papel moeda tem na vida destes fiéis. Quanto ao vocábulo
emocional faço uma alusão a crença exercida por tais religiosos ao dar suas contribuições.
95
Se a família destes grupos constitue-se, por exemplo, de pai, mãe, filho, todos
devem participar. Agora, se somente um dos integrantes detém uma renda fixa, o que
possui um salário deverá redistribuir seu dízimo com o restante da família. Mesmo
porque, isto deve servir de exemplo para que todos participem, quando possuírem sua
própria renda. Portanto, a prática do dízimo é um ritual de extrema importância, não
para um membro, mas também para todos os integrantes de um grupo doméstico.
O dízimo para mim é fundamental na vida do cristão. Porque quando você aceita Jesus,
é instruído pelo Espírito Santo sobre esta prática. Portanto, quem não a faz, ou faz pela
metade, precisa se converter.
Eu por exemplo, falo para todos os meus filhos, eu tenho três. Todos devem dar o dízimo, pois
além de serem abençoados, estão cumprindo um mandamento de Deus. Nós somos abençoados
por darmos os dízimos e ofertas. Mas ainda que não fôssemos, deveríamos dar, pois é uma
ordem de Deus.
Eu divido meu salário com minha família para que todos possam contribuir, já que sou o único
que tenho um salário fixo. (Entrevista com Wendel, fiel da IBC, outubro de 2004).
Dessa forma, contribuir faz parte de uma norma estabelecida por Deus. Portanto,
não pode ser descumprida. Aqueles que a descumprem, e não são poucos, são
castigados pela divindade. A representação desta punição é sempre relacionada a algum
problema de ordem social: doenças, desempregos, problemas conjugais, etc. Apesar dos
líderes da IBC insistirem que não há punição, os fiéis destacam nas conversas informais,
testemunhos e entrevistas o caráter impositivo quando um fiel não cumpre tal norma.
Há, portanto, uma punição de Deus, e outra dos homens.
Lembro-me de um fiel batista que numa entrevista destacava o lado amável de
Deus, sua capacidade de perdoar aos fiéis. Entretanto, no decorrer da entrevista surgiu
um assunto relacionado ao seu genro que, segundo ele, está desempregado e não
consegue, apesar das tentativas, obter um meio para sustentar sua família. O
entrevistado disse ainda, que ajudava a filha e o genro, porque ama a filha. Mas, tinha
certeza de que o responsável por aquela situação, era seu genro, pois além dele não
gostar de dar o dízimo, devia está fazendo algo que obrigava Deus a punir todos da
família. O entrevistado continuou dizendo que Deus ama seus fiéis, mas também pune
os desonestos. Garantiu que tinha a convicção de que a família de sua filha estava
sofrendo por algum erro de seu genro, mas ele não queria acusá-lo diretamente. Isto
96
significa dizer que, a categoria dízimo, ou oferta, é um elemento obrigatório destas
religiões; não dá-lo é deixar de cumprir um preceito divino. Portanto, a desobediência
acarreta algum castigo para os desobedientes, mas, muitas vezes, tal tópico não é
comentado diretamente. O significado do dinheiro para estas denominações ganhou
contornos e sentidos diferentes ao longo do tempo. Cada denominação organiza sua
forma de receber as contribuições dos fiéis, lembrando que os mesmos não gostam de
utilizar a palavra “pagar” o dízimo, pois é comum ouvir antes do momento do ofertório
a seguinte admoestação:
Irmãos, ninguém aqui está dando nada para a igreja, pois sua contribuição é
orientada por Deus. O dízimo não é seu dinheiro, ele é do Senhor; se você não der está
roubando, lembrem do texto de Malaquias. Porque quem não devolve ao outro o que
não é dele, é ladrão; portanto, nós devemos dizer que estamos entregando o dízimo, e
não dando. Como você vai dar o que não é seu? em relação às ofertas e
campanhas, é com você, o que o Senhor tocar no seu coração. Agora, o dízimo é seu
dever como cristão. (culto doutrinário na IBC – junho, domingo 2003).
Na declaração acima fica evidente que uma hierarquia nas contribuições,
sendo o dízimo o “carro chefe” das doações. O caráter “obrigatório” em relação ao
dízimo é importante, mas ganha um valor simbólico mais significativo quando
comparado ao compromisso que o fiel tem para com Deus. A dívida do fiel evangélico
para com seu Deus existe sempre, o mesmo nunca pagará. Ela é perpétua, e durará
enquanto viver. Uma vez descumprido este ritual sacrificial, o devoto estará quebrando
um tabu, o que implicará em muitas punições. No momento do batismo, o compromisso
do fiel em dar, ou “entregar” o dízimo é reiterado.
Marcos, você está ciente do que é ser um cristão? Sabe que a partir de agora terá que
repensar suas práticas em sociedade? Concorda com a prática do dízimo? Sabe que sem ela, a
igreja não terá como se sustentar? E que o dízimo é a décima parte que não lhe pertence?
(ritual de batismo de um novo convertido na IBC, outubro 2003).
Ser cristão, nestes grupos, antes de qualquer coisa é cumprir com as normas da
instituição que incluem três regras principais: conversão contínua, a prática do dízimo e
o batismo por imersão. No tocante à conversão é preciso que o “crente” proceda de
97
forma ascética, intramundana. Não deverá praticar atividades sociais que sejam
contraditórias com as normas da denominação. O batizando não poderá ter dúvida sobre
a relação bens materiais-Deus. Uma vez que a mesma faz parte deste modelo
comoslógico. Parte de seus rendimentos pessoais ou hereditários deverão, a partir do
batismo, pertencer a Deus quando convertidos em dinheiro. Se o fiel obteve algum bem
material, Deus foi o maior responsável por tal conquista e, portanto, o religioso deverá
agradecê-lo ofertando uma décima parte de tais conquistas. poderá fazer parte do
“rol de membro”, se for batizado. E será batizado, se aceitar as regras impostas,
dentre elas, o ritual do dízimo.
Sendo assim, o “crente” se batiza nestas igrejas, se estiver consciente da
prática do dízimo e das outras regras morais estabelecidas. o pode passar” pelas
águas com dúvida sobre tais questões. Aliás, a conversão é um sistema que inclui a fé, o
batismo, a prática do dízimo e a crença na salvação eterna. Isto, seguindo os parâmetros
estabelecidos por cada um destes dois grupos.
Mas como se a aceitação da prática ritual dos dízimos e ofertas no cotidiano
religioso destes fiéis?
Irei responder a tal questão fazendo uma etnografia dos cultos, pois não entre
os batistas um dia específico para a “entrega” dos dízimos. Mas, na IPDA cobra-se tal
questão, a partir da carteira de membro. Geralmente, o ritual é desenvolvido nas
reuniões públicas, destas duas igrejas, de acordo com a disponibilidade de cada fiel, pois
o dízimo é mensal. Conseqüentemente, cada devoto desenvolve a prática de acordo com
o dia do seu pagamento, ou o dia que recebeu algum dinheiro extra. Contudo, é bom
lembrar que o dízimo envolve não o salário fixo dos crentes, mas também outros
ganhos. Sendo assim, seria mais interessante destacar como isto se desenvolve nos
cultos, visto que cada uma destas igrejas age com propósitos definidos quanto a esta
instituição sacrificial.
Nas reuniões da IPDA, o pedido de ofertas é a atividade mais corrente. O culto
começa com uma oração de uns 20 minutos, dirigida por um líder. À medida que a
oração inicial vai terminando, o templo vai sendo ocupado pelos fiéis. O culto inicia-se
com cânticos religiosos, testemunhos dos fiéis e leituras de trechos da bíblia. No
decorrer do culto começam os pedidos de ofertas e dos votos (este último será analisado
num capítulo mais à frente). A partir do momento em que o dirigente da reunião faz o
primeiro pedido de ofertas, o fiel que tiver seu dízimo pode contribuir. Mas se o
98
membro não quiser depositar a sua oferta na salva
39
poderá fazer diretamente na
secretaria da igreja.
Sendo assim, os dízimos e ofertas doados pelos fiéis são colocados na “salva” e
entregue aos responsáveis por esta parte. Todo este processo é feito por obreiros da
igreja (líderes e dirigentes de culto). Após uma contagem, toda a soma é depositada num
cofre, onde será gasto conforme as necessidades da igreja. Lembrando que uma parte de
toda a arrecadação doada, num determinado período é enviada para uma sede regional.
As contribuições o das mais variadas formas, em se tratando dos membros:
salários, dinheiro de alguma herança, causas ganhas na justiça, etc. Nos cultos, através
de seus testemunhos, os fiéis fazem suas promessas, agradecimentos e doações.
Eu quero dizer aos irmãos que Deus me concedeu uma bênção que estava esperando
mais de três anos, pois tinha um processo correndo na justiça sobre um terreno de meu pai.
Prometi ao Senhor que, se eu ganhasse a causa, daria o dízimo, e até mais um pouco. Ele ouviu
as minhas orações e estou aqui para cumprir o meu voto, e agradecê-lo.(testemunho de um fiel
num culto dominical, maio 2003).
Fazer sacrifício com dinheiro para os batistas significa dizer que o devoto é
um devedor, desde o período de catecúmeno. A idéia de que o doador deve usar este
objeto para combater as forças do mal, conforme o pensamento da IPDA, transforma-se
na IBC numa idéia de reconhecimento. O religioso tem que contribuir como
agradecimento, antes de definir o propósito da contribuição, mesmo que ela exista. É
desta maneira que um batista deve participar do ritual. Cada fiel individualmente,
caminha em direção ao altar e deposita sua doação, sem a necessidade de um
intermediário. Quem contribuiu, recebe em troca uma oração feita por um fiel que é
escolhido pelo dirigente do culto. Dizem, que a melhor parte do culto é esta, pois assim,
o “crente” pode expor concretamente seu agradecimento a Deus.
Dinheiro no meio pentecostal significa uma forma de lutar contra as chamadas
potestades do mal; ao passo que entre os batistas, mais do que doar, significa agradecer
ao seu Deus.
39
Enormes coadores de pano, onde o público coloca suas doações (membros e visitantes). Estes religiosos
não possuem uma urna como os batistas, localizada em frente ao altar a espera dos contribuintes.
99
Fachada da IPDA da Rua Senador
Pompeu - RJ
100
A circulação do dinheiro no cenário religioso
O dinheiro entregue na igreja é parte de alguma conquista do fiel. Entretanto, No
momento em que é destinado a ser entregue como resultado de uma conquista, ou por
cumprimento da regra passa a ter seu caráter modificado. Só passa, de fato, a ganhar um
valor ritual quando entra na contabilidade da igreja. Após ser armazenado por um
período que, varia de uma igreja para outra é que os responsáveis começam a usá-lo. O
dinheiro na IPDA passa a ter seu destino especificado a partir das seguintes atividades:
pagamento do programa A Voz Da Libertação, aluguel das congregações, pagamento de
algum obreiro local, compra de material para a igreja, distribuição para obras de
caridade da denominação, etc. No entanto, quem determina toda esta distribuição (no
caso da igreja de Belford Roxo) é a sede regional do Rio de Janeiro, situada na rua
Senador Pompeu, que, por sua vez, presta conta à matriz geral, localizada na cidade de
São Paulo. Todas as igrejas da rede IPDA do Estado do Rio de Janeiro devem enviar
suas arrecadações para a matriz regional, esta, por sua vez, fará as respectivas
distribuições. Assim, o dinheiro passa a ser redistribuído. uma equipe administrativa
escolhida, anualmente, pela direção eclesiástica da denominação que trabalha o repasse.
Falar em dinheiro na IPDA envolve as seguintes categorias de pensamento:
ofertas, votos, dízimos. Toda a soma em papel moeda que esta denominação arrecada,
encontra-se apoiada nestes três elementos que abrange, desde o cumprimento principal
da regra da igreja, o dízimo, até às contribuições mais espontâneas que demonstram as
conquistas dos fiéis.
Sendo assim, procurei, resumidamente, descrever o caminho percorrido pelo
dinheiro nesta IPDA:
Igreja local
Dinheiro do fiel
S. mundial SP
Obreiros
Secretaria local sede regional do R. J.
101
Observem que a distribuição tem como alvo, a administração da sede em São
Paulo. Mesmo tendo um dirigente local, responsável pelas despesas e manutenção de
uma determinada congregação. Qualquer campo da IPDA responde financeira e
eclesiasticamente à matriz paulista.
A circulação do dinheiro na IPDA é feita através de várias orações. Uma prática,
que segundo os nativos, possui o poder de transformar o dinheiro em algo mágico ou
“poderoso”. A crença na oração é algo que consegue dar ao dinheiro ofertado, um
caráter divino. A partir do momento em que a dinâmica das doações começa a se
desenvolver, o dinheiro passa a ganhar o seu significado religioso.
O destino das somas arrecadadas desenvolve uma idéia de sagrado. A mudança
de valor acontece, porque elas serão usadas para a obra de Deus. Qualquer aplicação
delas, após o ritual do ofertório, deverá ter finalidades religiosas. Em várias reuniões
observei o comportamento dos devotos da IPDA no momento da oferta. Eles vêem o
momento deste ritual como oportunidades para desafiar o Diabo, porque vão contribuir
com aquilo que receberam de Deus. Mas, também usam o momento do ofertório para
demonstrar que o “crente” deve ter um desprendimento em relação ao dinheiro.
Afirmam, que contribuir significa uma dependência do fiel para com Deus, e não com
as coisas materiais.
O dízimo não significa só retribuição, ele também simboliza cumprimento de uma
ordem divina. A bíblia diz que nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da
boca de Deus. Então, dar uma soma em dinheiro para o reino de Deus quer dizer obediência e
compromisso com a obra de Deus. Porque, se um crente não colaborar com dinheiro, não tem
problema, mas, de uma certa forma, ele não está cooperando para o progresso da casa Senhor.
(testemunho de um fiel da IPDA, setembro de 2004).
Os devotos argumentam que se sentem aliviados ao darem seus dízimos e
ofertas, considerando que tais doações pertencem a Deus. Mas também exibem uma
alegria ao saberem que estão contribuindo para o crescimento da obra de Deus. Para os
fiéis da IPDA, o membro que deixa de colaborar com algum valor financeiro, além de
expor um sinal de fraqueza espiritual, com seu ato, mostra que o mesmo não está
compreendendo o caráter missionário da denominação. Num determinado culto à noite
um dirigente destacava, no momento do ofertório, que os membros não deviam ficar
aborrecidos com esta parte, pois é nesse período que a fé dele está sendo provada. Por
102
isso, continuou, quem é contra este momento do culto precisa se converter. Uma vez
que no dia do batismo, você confessou publicamente sua concordância com esta
Parte interna do templo
da Senador Pompeu (R.J.)
103
prática. Portanto, segundo o dirigente ninguém é obrigado a participar, mas a não
participação significa fraqueza espiritual.
A categoria “fraqueza espiritual” expõe que se o fiel regredir ao que pensava
antes do batismo, seja no meio batista ou pentecostal, o Diabo está entrando na vida
dele. Isto, não no âmbito do dinheiro, mas também das demais práticas doutrinais.
Como a conversão é um processo interminável, não como o devoto fazer parte do
grupo, se o mesmo possui dúvida sobre o caráter simbólico de determinadas crenças da
denominação. Então, o evangélico pentecostal ou batista precisa encarar o dinheiro
como prova de sua conversão.
O dinheiro é uma das primeiras provas de que o crente se converteu e está progredindo
espiritualmente. Porque se este objeto é um dos mais valiosos do mundo, é com ele que Deus
prova a fé do crente. Aquele que dá alguma contribuição só com interesse, precisa se converter.
Não entendeu ainda o mistério do Senhor em relação a esse momento importante. Se Deus vai
te abençoar ou não, isso é com ele. Nós temos que fazer a nossa parte, mostrar ao Senhor que
nosso coração não está preso as coisas materiais. (Paulo, cooperador da IPDA, numa conversa
informal antes de um culto.).
O caráter de sagrado e profano que o dinheiro representa nestes dois segmentos
sociais é um dos maiores dramas vividos pelos fiéis. Porque é preciso medir
constantemente quando se está num ou noutro nível. O dilema cotidiano em relação a
este tema é que promove a dinâmica da fé e do compromisso. Ofertar dinheiro é desejar
algo, mas também é cumprir uma ordem divina. Apesar da situação se caracterizar
como insolúvel (a dívida com Deus não acaba nunca), provoca muitos debates nas
reuniões de ensino bíblico, pois o tema desperta as maiores satisfações e contendas entre
os devotos. Percebi isto melhor, quando estava acompanhando um grupo de crentes da
IPDA na visita à sede mundial em São Paulo. O pastor que estava conosco (nós éramos
seis, todos do sexo masculino) pedia ao seu imediato: Irmão, tire várias fotos. Se
acabar o filme, a gente compra mais. É preciso mostrar a todos no Rio de Janeiro, o
que é feito com o dinheiro arrecadado. Precisamos mostrar por que pedimos tanto
dinheiro.
104
Modelos de Votos.
105
O semblante do líder e dos outros que estavam no grupo era de grande alegria, por
estarem diante do que consideravam o maior templo protestante do mundo”. O
sentimento expresso pelos devotos era de que além das contribuições, Deus estava
operando um grande milagre. Mas que tal fato era possível, devido à de uns. Os
que não gostam de colaborar, dizia o líder, estavam perdendo uma grande oportunidade
de vivenciar a experiência. O templo em São Paulo para alguns serviu e servirá como
testemunho de e conversão dos colaboradores. Além de ser um estímulo para que a
obra expansionista da IPDA continue.
A convicção da obra missionária deve estar na vida do fiel, a partir do momento em
que ele obtém alguma soma em dinheiro.
Bom, o dízimo é uma coisa blica, né? No livro de Malaquias, capítulo 3 versículo 7,
por aí. Lá, está escrito que nós temos que trazer todos os dízimos a casa do tesouro para que
haja mantimento. O dízimo e as ofertas. Porque a bíblia diz que quem não é ladrão, pois
esse dinheiro é de Deus. De tudo o que ganho, 10% não me pertence. (entrevista com Marcio,
ex-fiel da IPDA, presbítero da Ass. De Deus, janeiro de 2005.).
Entre os batistas, a utilização ritual do dinheiro não tem o mesmo caráter
dinâmico que possui na IPDA. Para começar, o pedido de ofertas não é feito na mesma
quantidade de vezes. se faz menção ao dízimo e a oferta nos cultos dominicais, ou
em alguma outra programação da igreja. Não uma secretaria funcionando, no
momento do culto, para separar e contabilizar o dinheiro. Há uma urna de madeira
chamada gazofilácio, em frente ao altar, onde os fiéis colocam suas contribuições. Ou
seja, um método de arrecadar as doações que imprime um certo caráter de “liberdade”.
No entanto, não perde a idéia de obrigatoriedade.
O pedido é feito da seguinte forma. Durante os cultos de domingo, após a escola
dominical, o dirigente anuncia o momento do ofertório. Neste instante, lê-se algum
trecho da bíblia; logo, canta-se um hino religioso acompanhado por um regente da
igreja. Em minhas participações neste ritual, em nenhum momento contribui com
dízimos, somente com ofertas. Fazia isto, por entender que o primeiro ato do ritual é
restrito aos membros; aos não membros cabe a participação com ofertas. Isto, não
significa dizer que somente os batizados dão zimos, pois presenciei exemplos de
pessoas, tanto entre os batistas quanto no meio pentecostal que gostavam de participar
106
com dízimos. Todavia, o mais comum é encontrar “dizimistas” membros, do que não
membros.
Quando termina o hino faz-se uma oração, por todos aqueles que contribuíram.
Na primeira vez que fui à frente, pus o dinheiro e retornei ao lugar onde estava sentado.
que, após a música, um membro me convenceu para que retornasse ao altar, pois é
de praxe que todos os que contribuem fiquem neste espaço do templo, para serem
“orados”. Fui sem entender muito o motivo da exigência. Com o passar do tempo,
convivendo entre eles pude perceber que participar do ritual do ofertório é um ato de
cultuar a Deus. Dinheiro doado e divindade estão intimamente relacionados. No entanto,
o desprendimento em relação ao primeiro item, para os religiosos destes grupos é uma
das tarefas mais difíceis para a vida do cristão. Muitos diziam nos cultos que muito
“crente” na igreja servindo às riquezas, numa referência a um texto bíblico:
Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou de odiar a um e amar o outro, ou
há de dedicar-se a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas. Por
isso vos digo: não estais ansiosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou
pelo que haveis de beber; nem quanto a vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a
vida mais do que o alimento e o corpo mais do que o vestuário? (São Mateus, bíblia, Cap.
6 Vers. 24,25).
Num determinado culto de domingo pela manhã estava na “classe” bíblica dos
homens, quando, de repente, a esposa do pastor, com uma revista aberta, recolhia
dinheiro dos fiéis
40
. Eu coloquei uma quantia, mas um fiel me disse que como visitante
não precisava contribuir, esta parte era exclusiva aos membros. Após tal orientação, o
mesmo fiel disse para mim que os ofertórios eram oportunidades para o fiel aperfeiçoar
a vida cristã. A partir de tais práticas, a fé e a conversão do crente são medidas.
Devo destacar, entretanto, que a conversão envolve outros níveis de fé, como a
crença em curas, resoluções de problemas, etc. Mesmo assim, as doações financeiras
ocupam um papel importante, não pela questão material, mas por medir o nível de
vida espiritual do devoto. As doações devem funcionar como um exemplo de
40
Na EBD, antes do momento do ofertório, é comum fazer entre os batistas um recolhimento de dinheiro
nas classes bíblicas. Este tipo de arrecadação é contabilizada para a superintendência do departamento
destacado. O recolhimento, neste caso, se como entre os pentecostais. Porque, segundo a liderança, a
EBD tem uma administração à parte.
107
desprendimento dos bens materiais, um dos itens fundamentais no processo de
conversão. O discurso de alguns membros da IBC é o de que a melhora financeira é
uma mistura de progresso econômico do país e uma possível intervenção de Deus nos
negócios do fiel. Mas, o devoto deve se preocupar primeiro, em obedecer aos princípios
bíblicos, pois as bênçãos do campo divino são conseqüências. Na entrevista que fiz com
o pastor da IBC, ele desenvolveu o seguinte raciocínio em relação aos problemas de
ordem social e vida cristã:
O crente tem problema como qualquer pessoa na sociedade brasileira, porque todo
mundo tem que ter problema, isso faz parte da vida.Doenças, enfermidades, desempregos, né?
Jesus disse no livro de João que no mundo teríamos aflição, mas que tivéssemos bom ânimo.
Então, eu não posso me abater porque estou enfermo, desempregado. Ou por problemas
familiares. Isto é bíblico, pois a bíblia diz que no fim dos tempos teríamos aflições. Nós
acreditamos que uma solução para vencermos estes problemas. O homem deve sempre
cultivar a idéia da autoestima, não pode se desesperar.
Agora, eu não posso afirmar que todo problema enfrentado por um crente é porque ele
está em falta com Deus. Às vezes ele é uma pessoa obediente aos mandamentos de Deus e,
mesmo assim, está sendo provado conforme a história de Jó, um personagem blico do Antigo
Testamento.(entrevista feita em 21/12/03).
Não entre os batistas a mesma idéia dos pentecostais acerca da prática do
dízimo, onde a ão de ofertar tem conseqüências sobre vida financeira e espiritual.
Alguns afirmavam nas entrevistas que estavam há um tempo sem dar o dízimo, e que
tal procedimento não resultou em perdas materiais. Em outras palavras, alguns devotos
acham que devem dar o dízimo, se de fato for orientado por Deus. Isto, mesmo
sabendo da norma da igreja. Aproximadamente, a entrada do dinheiro e a distribuição,
entre estes batistas segue o seguinte modelo:
108
Prestação de contas
Dinheiro do fiel (dízimo ou oferta)
distribuição
das despesas
Recolhimento do dinheiro (tesoureiro)
Contabilidade
No esquema acima está uma representação resumida da entrada do dinheiro e
do caminho percorrido pelo mesmo. Tanto neste desenho quanto no esquema da IPDA
tentei descrever como o dinheiro chega e sai. Mas para que isto aconteça, todo fiel deve
(mensalmente) contribuir com seus rendimentos: trabalhadores de carteira assinada,
autônomos, aposentados. Mesmo os membros desempregados e as crianças são
orientados a contribuírem, se obtiverem qualquer ganho. O dízimo é considerado nestas
igrejas como entradas fixas. Já, as ofertas são contribuições voluntárias, onde o membro
doa a quantia e o dia em que tiver vontade. Doar dinheiro nestes grupos faz parte do
culto, portanto, quem não contribui acaba sendo classificado como alguém que não está
“adorando” a Deus como deveria.
Em ambos os grupos uma equipe contábil e um conselho fiscal que
administra as entradas e saídas de todo dinheiro arrecadado. Mas, uma diferença
entre batistas e a IPDA no que se refere à prestação de conta. O tesoureiro dos batistas
faz uma leitura mensal de toda a despesa do templo, após a leitura da ata fica a
disposição da igreja para aprovar, ou não o relatório. A assembléia é aberta para
qualquer fiel participar, de preferência, o devoto que contribui. A IPDA não desenvolve
esta prática, pois o controle fica a cargo da direção eclesiástica. Isto é, não há uma
participação dos membros nesta questão.
foi dito anteriormente que os cultos doutrinários na IPDA, e a escola bíblica
dominical entre os batistas são momentos ideais para o ensinamento de como estes
religiosos devem se comportar. São nestes períodos que se ensina ao fiel, antigo, e aos
futuros, que dar dízimos e ofertas é um mecanismo para afastar o “devorador” da vida
do “crente”. No modelo religioso destas igrejas, os fiéis precisam lutar cotidianamente
contra forças espirituais do mal, conforme destaquei no capítulo sobre a conversão.
109
Nos dezoito meses que fiquei entre eles nunca presenciei alguém se posicionar
oficialmente contra o dízimo. O dinheiro é representado como sendo um elemento que
está associado diretamente a Deus e à luta contra o Diabo. As divindades cristãs, através
dos relatos bíblicos exigem que seus seguidores ajudem aos mais necessitados,
principalmente, as viúvas e as pessoas que não possuem nenhum ganho momentâneo
para se sustentar. A lógica que impera nos discursos destes grupos é a de que antes de se
converterem (aqui no sentido de aceitarem Jesus), os membros gastavam o dinheiro
ganho com coisas que não deviam: carnaval, clubes, cervejas, cachaça, mulheres, etc.
Mas após entrarem para a igreja precisam repensar a utilização do mesmo. E gastar
dinheiro, agora, significa agradar a Deus, não a si próprio. Assim, passa a funcionar a
lógica do autocontrole dos gastos, que é fundamental para a vida intramundana
abordada por Weber (A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo). Só que o
ascetismo ganha um caráter de solidariedade, pois saber gastar é, antes de qualquer
coisa, contribuir com os dízimos e ofertas. Ou seja, após o batismo o devoto não deve
seguir mais os seus “desígnios”, mas deve servir a Deus. Porque o Senhor, como dizem,
cobra deveres de seus servos para com a instituição igreja.
Olha, tudo, tudo hoje em dia, sempre, né? Até na época de Jesus Cristo era assim. A
bíblia diz que as mulheres vendiam as coisas que tinham para ajudar Jesus no ministério. A
bíblia diz também que o dinheiro é a raiz de todos os males, né? Se você empregar o dinheiro
no mal. Por exemplo: O bandido está entregando o dinheiro dele na cocaína, no tráfico, isso é
mal, mas nós que somos evangélicos, né? Nós damos a décima parte que pertence ao Senhor, e
recebemos bênçãos, nosso dinheiro é empregado em coisas que convêm à doutrina, né? E a
bíblia também nos ensina que nós não devemos gastar nosso dinheiro, com aquilo que não é
pão. Entendeu? As pessoas ficam por aí, gastando o dinheiro deles com drogas, com bebidas
alcoólicas, né? Prostituição, entendeu? (entrevista com Rogério da IPDA em 17/04/04).
O dinheiro, agora, deve ser gasto com aquilo que é pão. Esta é uma metáfora
muito usada entre estes religiosos. Pão aqui é no sentido das coisas divinas, além das
coisas materiais. Conforme afirmou um de meus informantes, o dinheiro do “crente”
não pode ser usado da mesma forma como alguém do “mundo”. A nova significação
tem o propósito de elevar o valor quando utilizado pelos religiosos. Em outras palavras,
seria dizer que o dinheiro obtido pelo evangélico é orientado por Deus. Sendo assim,
110
precisa ser gasto através da orientação divina. É nesta linha de raciocínio que entra o
“poder” da oração, pois o devoto destas igrejas, não deve fazer uso de qualquer soma
em dinheiro, sem, antes, pedir um conselho a Deus sobre como gastá-lo.
O dinheiro é redimensionado para o lado simbólico-religioso e prático, ou
melhor, ele faz uma ligação entre dois mundos. O fiel precisa aprender a lidar com estes
dois universos. Na pesquisa feita na IURD (Gomes, 2004) a autora procurou mostrar
que os fiéis sabem dos limites do discurso oficial. No entanto, acreditam no poder
simbólico da bíblia, no que se refere às contribuições. Acreditam que a participação, ou
não, pode implicar em conseqüências positivas ou negativas. A disputa pelo sagrado
neste âmbito é mediada pela fé, tanto dos fiéis quanto dos líderes. O que está em jogo
não é o valor real, uma vez que todos os “crentes” destas igrejas sabem tão bem
quanto qualquer economista que o dinheiro não é para ser lançado fora ou desprezado
por qualquer coisa que não seja do seu interesse. Mas, interesse aqui, não é só o da mera
troca econômica. O valor simbólico do dízimo transcende o sentido utilitarista, para
atingir uma outra dimensão de ação, implicando em outros níveis de consumo e
utilização do dinheiro. Pensando em termos lingüísticos, o significante “dinheiro” passa
a ter outros significados quando comparado ao mundo econômico capitalista.
Outro fiel da IBC numa conversa informal sobre este ritual me dizia que
durante um tempo de sua vida cristã, não dava o dízimo. Primeiro, porque não confiava
em quem estava administrando; segundo, porque para dar o dízimo, segundo ele, o
cristão precisa estar com um coração aberto para Deus. Para este fiel, a contribuição
deve ser feita com alegria e satisfação, não por obrigação. A prática do dízimo em
seu raciocínio une o “crente” a Deus, e neste caso, a ligação precisa ser perfeita. A
religiosa me disse ainda, que não pode dar seu dinheiro para alguém em quem não
confia; por isto, passou a contribuir com o dízimo, quando decidiu ir para outra
igreja.
A categoria no dizer desta fiel é parte integrante do processo da conversão e da
vida cristã. Mas, ligado a ele, o devoto precisa praticar outros atos: não desconfiar da
administração, procurar se relacionar bem com os outros fiéis, participar da ceia, etc.
São várias regras que precisam ser cumpridas. Portanto, só o fato do devoto ser
dizimista, não vale. É preciso desenvolver o ritual em consonância com as demais
normas do sistema religioso.
Eu sempre dizimei ao Senhor e não me arrependo. O que vão fazer do dinheiro cabe
aos obreiros e a Deus. A mim cabe entregar o que não é meu. Se ficar com esta parte estarei
111
trazendo maldição para a minha vida; se entregar, estou cumprindo minha obrigação com
possibilidades de ser abençoado. (Testemunho de uma fiel num culto da IPDA, julho2003).
Portanto, seu papel, além de prático, é mágico. Sendo assim, o fiel que colocar o
dinheiro em primeiro lugar na sua vida está cometendo um “pecado”. Aqui está o
paradoxo, pois o membro destas instituições terá que lidar com dois significados do
dinheiro. O valor econômico não pode suplantar o religioso (o sacro). Tal pressuposto é
motivo de inúmeros debates entre as igrejas evangélicas e seus respectivos membros.
Valorizar ou não, as chamadas riquezas materiais é o maior problema. Mas, percebi que
“ação espiritual” e humana precisam se correlacionar, de modo que forme uma só
estrutura. Uma área implica diretamente na outra, ou melhor: pensam sempre em termos
de complementaridade. O dinheiro doado é transformado em dinheiro religioso pelo
processo da oração e pelo próprio ritual de entrega. É muito difícil, embora possa, o fiel
dar sua contribuição financeira fora do momento de culto. O ato feito publicamente tem
um caráter de demonstração de fé, agradecimento à divindade e participação no culto. A
vida material do fiel é complementada com esta atitude, pois além de cultuar, ele amplia
sua relação com Deus. Dessa forma, o devoto demonstra que depende única e
exclusivamente da divindade.
Em minhas observações de campo, a categoria dinheiro sempre esteve associada
à “bênção”, palavra que expressa as graças alcançadas pelos fiéis. Mas, para que o
dinheiro seja relacionado à graça é preciso o cumprimento de uma série de preceitos
religiosos, dentre eles, não pôr este objeto material acima das coisas de Deus, por
exemplo. Segundo o discurso das igrejas analisadas, a vida material do fiel será bem
sucedida, se a “espiritual” estiver bem, ou vice-versa. Dessa forma, a relação que o
religioso mantém entre dinheiro e graça é de delimitação de fronteiras (Mary Douglas,
1966). O fato de o mesmo dar o dízimo e ofertas, não significa mais que o dever, pois
membros e liderança assim devem proceder. Não devem esperar que sejam retribuídos
imediatamente. O membro dizimista não pode estar ansioso em receber as graças de
volta. Na verdade, ele precisa se desvincular do seu apego excessivo ao papel moeda,
pois assim ele alcançará as bênçãos. As mesmas não se restringem a conquistas
materiais como ganhar dinheiro; há outros níveis de graças. A categoria dinheiro,
enquanto objeto não orado, simboliza um dinheiro qualquer, usado por um não crente.
A distinção é feita pelo caráter fronteiriço: dinheiro do “crente” X dos não crentes. Os
112
religiosos argumentam que não podem fazer o uso do dinheiro como uma pessoa
“mundana”.
Vejam que a relação bênção X dinheiro é central para demonstrar o sucesso da
vida econômica e espiritual do religioso. Mas, não existe a lógica de “quanto mais você
der, mais seabençoado”. Uma vez que as graças alcançadas envolvem casamentos,
cura de enfermidades, livramento de violência, compra de algum objeto, compra da casa
própria, garantia da salvação, relacionamento familiar, proteção contra trabalhos
religiosos de outras igrejas. Enfim, uma variedade de conquistas que envolve
palavra bênção. No testemunho de uma missionária batista bênção estava associada a
uma cura:
O principal motivo de permanecer no meio missionário é porque sei que Deus está
cuidando de minha mãe. Grandes vitórias eu tenho obtido através de minha fé, mas a mais
importante é a cura do câncer que minha mãe tinha. Os médicos não acreditavam na sua
recuperação, mas o meu Deus a curou. Sendo assim, tenho muitas dívidas para com ele.
(Missionária batista da IBC, num testemunho de domingo pela manhã 02/11/03).
A lógica das contribuições funciona, principalmente, como uma demonstração
de que alguns estão sendo agraciados, por isso, quanto mais dinheiro um fiel der; pode
significar uma prova de que ele está sendo abençoado. Em outras palavras, o mesmo
deve estar seguindo todas as normas prescritas pela bíblia, não quebrando nenhum
tabu e, por isso, está sendo “vitorioso”. O dinheiro possui uma “força” social e religiosa
que faz o mesmo retornar ao doador em várias formas. Acompanhando o raciocínio de
Mauss (no ensaio sobre a Dádiva), é necessário ofertar aos deuses como retribuição de
vitórias alcançadas; tal ato implicará num aumento do seu prestígio social, pois várias
pessoas o admirarão. Com este ritual, o fiel “confirma” que Deus o está sustentando,
independentemente dele estar preocupado com sua vida material.
Embora alguns cientistas sociais apontem uma correlação entre nível de pobreza
e pentecostalismo, eu opto por ver esta relação em um nível complementar. Digo, isto,
por considerar que qualquer pessoa quer melhorar sua condição social, sendo religioso
ou não. Portanto, não é uma peculiaridade dos pentecostais almejar outros níveis de
posição social. Para se compreender o ritual do sacrifício com dinheiro entre estes
religiosos é conveniente uma análise detalhada de como utilizam tal crença. O que, de
certa forma, tento fazer neste trabalho.
113
O ensino nas igrejas protestantes (com destaque para as pentecostais) é o de que
a melhoria nas condições sociais se obedecendo aos princípios divinos, e um deles é
o afastamento do apego ao dinheiro como mencionei. Assim, quanto mais as igrejas
pedem dinheiro, mais ela coloca o fiel como elemento de prova na sua relação com
Deus. A conversão de um pentecostal desenvolve a idéia de que, este mundo (o dos
homens) não é o de Deus. Dessa forma, o religioso deve primeiro se buscar a satisfação
do lado sagrado (o espiritual), para depois ser preenchido o lado humano. Então,
sacrifício no sistema pentecostal da IPDA, simboliza colocar Deus em primeiro lugar
em todas as esferas da vida do devoto.
Não estou com tal raciocínio querendo dizer que a melhoria financeira ou social,
não seja uma busca entre estes religiosos. Mas que tal busca, não se primeiro pelo
plano do concreto, (dar e receber), mas sim, pelo plano simbólico-religioso. Através
deste pensamento entram em cena vários tabus, fazendo com que as atitudes sociais dos
fiéis ganhem vários contornos.
Analisando forma como estes protestantes se relacionam com o dinheiro, vejo que a
ascensão social ocupa um papel secundário na opção religiosa. O fiel pode até buscar
uma igreja pentecostal, ou outra protestante, com a primeira intenção de melhorar sua
posição na esfera social, porém ao deparar com o cotidiano destas denominações verá
que a coisa é bem diferente no que tange às normas a serem cumpridas. Seguindo tal
raciocínio, eu imagino que um dos elementos que mantém alguns destes fiéis
pesquisados em uma igreja, e não em outra, seja o método de ensino que procura um
afastamento das questões políticas.
Os discursos da IPDA visam afastar o fiel das questões puramente materiais,
alertando-o de que cabe a Deus a melhoria, ou não, das suas condições sociais. A e a
obediência do mesmo é que orienta tais mudanças sociais e “espirituais”. A
preocupação do fiel deve ser obedecer a Deus. As maiores bênçãos que um crente
recebe são relacionadas ao mundo espiritual, e não ao material. As coisas “humanas”,
neste sentido, são secundárias. Na verdade, elas são complementares e não elementares.
Em vez de verem a política como meio de ascender socialmente preferem o oposto.
Para estes religiosos, a vida política do país (institucionalmente falando) não
deve estar à frente das coisas de Deus. Pensam que todo o modelo organizacional do
país, representado por: prefeitos, governadores, deputados, senadores, presidente da
república, etc. é controlado por Deus.
114
Para mim a política não é de Deus, mas o Senhor permite porque é um modo
que os homens inventaram. Mas, antes dos políticos pensarem que eles são os tais,
Deus os controla. Nenhum político, sendo evangélico ou não, sobrevive na política, sem
a permissão do Senhor. (Entrevista feita com um fiel da IPDA, outubro de 2004).
Afirmam que a política em si, não é ruim; no entanto, os candidatos são usados
pelo Diabo. Por este motivo, imaginam um mundo controlado por forças do bem e do
mal. Em nenhuma entrevista observei o contrário. A política é vista como um campo,
onde se enfrentam deuses e Demônios. Garantem, que as injustiças sociais serão
resolvidas no plano espiritual. Se os homens não se converterem a Jesus, não adianta
projeto político para dar jeito, por mais bem intencionado que seja.
Os batistas são menos críticos em relação ao valor da política humana. Mas,
para os fiéis da IPDA, o Diabo utiliza-se do método político, para oprimir e enganar a
humanidade. Nos cultos da IPDA o tema é pouco abordado, mas quando os fiéis e
liderança lembram, procuram desqualificar esta prática como algo positivo. No trabalho
de campo que realizei em São Paulo presenciei uma cena insólita, enquanto visitávamos
a primeira igreja fundada por esta denominação, no referido Estado. Próximo a um
bairro do centro (na Baixada do Glicério) uma loja que pertence a ircarnal
41
do
missionário David Miranda. Surgiu uma conversa (entre os que estavam próximos a
mim) sobre uma sociedade comercial que havia entre Miranda e sua irmã. A mesma
durava cerca de dez anos, mas foi desfeita, pelo fato da irmã de Miranda ter apoiado um
candidato político. Isto foi dito por religiosos enquanto visitávamos a tal loja. Quando
comecei a questionar aos que contavam o caso, o líder do grupo, que estava próximo fez
um sinal para que terminássemos o assunto. Percebi de imediato, que o tema política é
um tabu para o grupo. Procuram sempre construir uma idéia de que Deus está acima de
tudo e de todos. Questões de política devem se restringir ao dia da eleição, dizem.
A experiência espiritual é posta acima do debate político, isto, no plano do
discurso. Uma demonstração de que para estes religiosos, a idéia de modificação social
via política institucional está fora de cogitação. O mundo é pensado em termos de
batalhas espirituais que estão implícitas nas práticas dos homens. Mesmo os batistas
sendo mais simpáticos à idéia de política, permanece no modelo cosmológico de ambos
41
Termo utilizado pelos evangélicos para distinguirem irmãos consangüíneos dos irmãos da igreja. Uma
vez que utilizam o termo irmão para os dois casos.
115
os grupos, a idéia de que o mundo humano é controlado por forças espirituais e não
humanas.
O que estas denominações nos ensinam, ao abordarem temas como dinheiro X
política é que várias formas de pensar o campo social e o político. O que de uma
certa forma, pode nos conduzir para outros modelos analíticos; e com isto, avançarmos
a compreensão da natureza dos fenômenos religiosos e compreendermos a própria
natureza do sacrifício.
A idéia de sacrifício que analiso aqui, não é a compra de algo para ofertar aos
deuses. O que tais grupos nos mostra é um pagamento de uma dívida sem fim, que foi
contraída no dia da primeira conversão. O fiel dessa forma tem a sua fé provada
constantemente. Isto, não é apenas a idéia de um pagamento acerca de alguma
promessa. Em outros termos, é uma dívida permanente. Quanto mais dinheiro o
“crente” ganhar, mais ele deverá agradecer a Deus por meio do sacrifício-doação.
Sendo assim, o discurso sobre o dinheiro tem como alvo levar o fiel a entender
que ele é devoto de uma entidade religiosa que tem poderes “extra-humanos”. A sua
devoção precisa dar conta de todas as questões sociais, além da posição dele na escala
social, uma vez que ninguém ficará neste mundo na volta de Jesus, dizem.
O fiel é orientado a crer que o mais importante é a sua fé num Deus poderoso
que possa resolver não as questões sociais, mas também as questões emocionais, e
lhe garantir um futuro após a morte. O protestante (pentecostal ou não) é orientado a
pensar “grande”, e pensar, dessa forma, é garantir sua vida não aqui na terra, mas
também no mundo de Deus. Para que estas questões sejam respondidas à altura, o
religioso precisa ir além das conquistas materiais. Sendo assim, o dinheiro precisa ser
“recalculado” em termos de significados. O valor material que possui é insuficiente para
dar conta das questões espirituais. Portanto, passará a ter um outro valor, o de medir o
nível de dos “crentes”. A categoria servirá de elo entre o fiel e Deus. Este objeto de
troca terá que ser um dinamizador da fé. Pois assim, ele será um elemento de
“purificação”, porque “afastando-se” um pouco dele, o religioso ganha em termos
espirituais.
Como se isso? A partir da sua disponibilidade em contribuir. Por exemplo,
quanto mais estou disposto (dentro de minhas possibilidades) a dar, mais Deus me
recompensará com algo. A relação se dá (aproximadamente) no seguinte esquema:
116
Fiel X dinheiro X divindades
Veja, que este esquema resume como se dá a relação: fiéis, dinheiro e divindades
cristãs nos dois grupos analisados. Um contato muito difícil e perigoso, na visão dos
fiéis.
O livro bíblico base para solidificar o discurso das contribuições está, segundo
meus informantes, em Malaquias 3: 10:
Roubarás o homem a Deus? Todavia vós me roubais, e dizeis: em que te
roubamos? Nos dízimos e nas ofertas alçadas. Vós sois amaldiçoados com a maldição;
porque a mim me roubais, sim, vós, esta nação. Trazeis todos os dízimos à casa do
tesouro, para que haja mantimento na minha casa, e depois fazei prova de mim, diz o
senhor dos exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu, e não derramar sobre vós
tal bênção, que dela vos advenha a maior abastança. (A bíblia Sagrada, livro de Malaquias
Antigo Testamento – Cap. 3: 8,, 9, 10).
Neste texto expõe-se como o fiel deve se posicionar no tocante ao sacrifício. Se
não der dízimo será considerado um ladrão. O religioso então, não faz mais do que a
obrigação ao doar. “Ladrão” no sentido mágico, pois no momento da conversão, o
devoto passa a ter mais contato com este modelo, onde a idéia de sacrifício por
intermédio do dinheiro é estrutural.
Todos os ensinos religiosos dos quais participei nestes grupos focalizam esta
problemática. Na EBD dos batistas, quando o assunto era contribuição financeira,
Sempre havia opniões, no sentido de mostrar o ritual como parte importante da vida
cristã. Num destes encontros ouvi a seguinte frase: quer conhecer de início se uma
Devoção
Obediência
Pecador
Doador
Poluição
Profano
Bênção
Isca do Diabo
Conquista material
Sacrifício
Nivelador da fé
Pureza
Abençoador
Salvador
Punidor
Batizador
Orientador
117
pessoa é cristã de verdade? Pergunta se ela é dizimista. Depois, você pergunta outras
coisas.
No entanto, no mundo espiritual há alguém interessado para que isto não ocorra,
e esse alguém é o “devorador”, o Demônio. Esta entidade do mal não tolera o cristão
que cumpre com o seu papel de dizimista.
Irmãos, o devorador está sempre às espreitas do povo de Deus. Ele não gosta quando o
crente os dízimos e ofertas, pois demonstra a que o crente tem em Deus. (Dirigente num
culto doutrinário na IPDA).
Num outro culto perguntei a um membro da IBC por que trabalhar com a
temática do dinheiro, se Deus, como eles dizem, não precisa disso para ajudar o
religioso. Ele me disse:
O dinheiro contribuirá para ver o grau de que a pessoa tem em Deus. E o
quanto ele confia na providência do mesmo. Além do mais, na terra, nós precisamos do
dinheiro para administrar a igreja e ajudarmos outras pessoas. Deus o coração de
cada um no momento em que eles estão contribuindo. Se a pessoa está dando com
interesse de receber em troca será castigada como os personagens da bíblia, no Novo
Testamento (se referindo a uma “passagem bíblica no livro de Atos, onde os
personagens mentiram em relação ao real valor em dinheiro que estavam dando para a
igreja, por isso, foram mortos).
118
Os cuidados com o dinheiro
Um outro ponto que merece ser analisado aqui é o cuidado que se deve ter com o
dinheiro. A doação quando é depositada passa a ter um outro valor ritual. E mexer com
qualquer objeto associado a Deus é perigoso. O dinheiro deve ser guardado por pessoas
autorizadas pela igreja. Na IPDA, as “obreiras” e “obreiros” são os responsáveis pela
tesouraria. Nenhum dinheiro pode sair sem a autorização do pastor. As somas
arrecadadas ficam guardadas num cofre, para serem transportadas para a sede do Rio de
Janeiro (isto, no caso da igreja de Belford Roxo). Durante um culto de domingo à noite,
onde estava acontecendo uma “celebração da ceia”, ao chegar, deparei com vários
obreiros carregando um cofre, para pôr num caminhão que estava estacionado em frente
à igreja. Conversando com um fiel sobre o fato, ele me contou para onde iria tal cofre.
Disse ainda, que tal prática é comum nas igrejas da IPDA de grande “porte”. Todo
dinheiro arrecadado, aproximadamente em um mês, vai para a sede regional, depois
para a sede mundial.
Entre os batistas, toda soma depositada no gazofilácio, pode ser manuseada
pelos tesoureiros, mesmo assim, com alguma testemunha. A urna não deve ser aberta a
qualquer hora, mas somente quando o tesoureiro desejar recolher alguma soma para
contabilizar e promover a distribuição; pois diferentemente da IPDA, as igrejas batistas
possuem uma administração própria.
Sendo assim, as somas em dinheiro arrecadadas nestas igrejas seguem uma regra
rígida, no tocante a quem deve mexer, e qual fim que elas devem tomar. Isto tudo é
acompanhado de perto pelo pastor e sua equipe fiscal; além da igreja, nos dias de leitura
de relatórios.
A arrecadação de dinheiro é feita na IPDA por obreiros e obreiras. Estes fazem
tal serviço quando solicitados pelo dirigente do culto. Por exemplo, o ritual começa
quando um dirigente diz:
Irmãos, vou pedir agora uma oferta para o aluguel da igreja, eu gostaria que
vocês colaborassem com aquilo que Deus colocar no seu coração.
O pedido é feito de acordo com a necessidade exposta pelo apresentador de
culto. Neste momento, os obreiros pegam as salvas e vão para a parte final do templo
119
esperar o comando do dirigente. Este inicia um cântico religioso e os obeiros começam
a passar as salvas entre os presentes, onde o fiel pode colocar a sua oferta, o seu dízimo,
voto. Após este período, o culto prossegue, mas os obreiros iniciam o processo de
contagem do dinheiro arrecadado. Saliento, entretanto, que são feitos,
aproximadamente, uns cinco pedidos de ofertórios na IPDA (por culto). Entre dízimo,
ofertas e votos.
O nível de participação deste ritual varia de um grupo para o outro, conforme
descrição anterior, pois na IPDA o fiel é convidado a participar diretamente. O mesmo
“deve” colocar o dinheiro na salva. Às vezes, os obreiros e tesoureiros contam as
arrecadações na “frente” dos presentes.
Já os batistas põem o dinheiro na urna, mas não vêem a sua contagem. O
interessante é que o responsável pela manipulação do dinheiro no momento do ritual e
depois de sua distribuição, não é o pastor, e sim, pessoas relacionadas à tesouraria. A
escolha da pessoa para este cargo entre os batistas é feita pela igreja, embora seja, em
alguns casos, indicação do pastor.
Na IPDA, o líder tem autoridade para escolher periodicamente sua equipe fiscal.
Do ponto de vista dos fiéis, os escolhidos o são por orientação divina, através das
orações dos líderes.
Não há entre os que arrecadam, e os que ficam com a responsabilidade de
guardar o dinheiro, receio em lidar com as somas doadas pelos fiéis. Apesar de alguns
órgãos de imprensa destacarem o lado de “charlatanismo” que possa haver entre alguns
grupos protestantes, a liderança, de uma certa forma, tem a legitimidade dos religiosos.
Mas, em minhas observações e entrevistas sempre evitei tocar na questão de
utilização do dinheiro, pois é um assunto tabu para tais religiosos.
de uma certa maneira entre os grupos, uma vigilância por parte da
“membresia”. Como frisei nos capítulos iniciais, o poder exercido pela liderança é
muito relativo, pois uma vez quebrada a confiança entre liderança e fiéis, a legitimidade
do líder e sua equipe pode ser desfeita. A categoria dinheiro é, às vezes, a balança desta
mútua vigilância. O mesmo discurso usado pelos líderes, sobre não ter “amor” ao
dinheiro é observado pelos fiéis. O exemplo mais claro que notei, foi o da entrevistada
de Osíris, fiel da IBC. Ela me disse explicitamente que a direção da outra igreja, na qual
era membro fazia mau uso do dinheiro religioso, mas não entrou em detalhes. Quando
insisti, ela resumiu dizendo que eram problemas administrativos com o dinheiro da
igreja. Mas que isto, não seria motivo para desacreditar na instituição dízimo. Ela agiu
120
de forma oposta a muitos membros, pois parou de dar os dízimos e ofertas até encontrar
uma igreja em que pudesse confiar. Vários destes entrevistados falavam implicitamente
sobre a preocupação, e da possibilidade do desvio. Mas, o que não negavam era que a
contribuição financeira deve ser feita, e também vigiada.
A relação conflituosa que as igrejas protestantes mantêm com a imprensa é
destacada por Gomes (2004) e outros. Isto, de uma certa forma, dificulta o trabalho dos
cientistas sociais. Sempre me perguntavam se eu era um jornalista, pois segundo eles, os
profissionais de alguns órgãos de imprensa entrevistam os fiéis e depois publicam o que
de fato não foi abordado na entrevista. Às vezes alteram a informação. A autora destaca
também que vários processos de “charlatanismo” relacionados aos líderes da IURD
nunca foram concluídos (ver também, Giumbelli, 2002), gerando conflitos entre o que é
propriedade institucional e individual. Considerando que a denominação e o seu
patrimônio é um bem coletivo.
Eu não me preocupo sobre o que os líderes farão com o dinheiro arrecadado,
pois cada um prestará conta de suas atividades aqui na terra. Se ele esdesviando o
dinheiro do Senhor, o mesmo cobrará dele nesta, ou na outra vida. (fiel da IPDA, num culto
de domingo).
Cada um prestará conta de suas atitudes, portanto, não me preocupo com o que
vão fazer com o dinheiro, mesmo porque, entre os batistas se presta um relatório
mensalmente sobre as atividades financeiras. Se alguma fé, e pode haver, a
responsabilidade é de quem faz, a nossa obrigação como fiel é dar o dízimo e as
ofertas. (fiel da IBC, numa conversa informal).
A destinação do dinheiro
Sendo assim, a categoria dinheiro contribui para compreendermos a organização
dos grupos nesta questão, pois cada denominação fará uso do mesmo, para fomentar seu
projeto de igreja. O projeto maior da IPDA, como denominação, é centrar tudo na sede
mundial. É lá, que se concentra um dos principais pontos de peregrinações dos fiéis de
121
vários lugares e países, onde existe uma igreja da “Deus é amor”. Dinheiro, neste caso,
simboliza a conclusão da igreja paulista, programação radiofônica, avanço desta igreja
em outros países. O projeto expansionista que é uma das principais características do
protestantismo ganha fôlego na IPDA a partir de tais ações. Com exceção da televisão,
que faz parte, no dizer dos devotos, de um “poder satânico” para enganar os povos.
Assim, a denominação se organiza para transformar a matriz paulista numa “catedral de
Nossa Senhora Aparecida” dos crentes. O projeto de construção objetiva mostrar que o
dinheiro na IPDA aparece em forma de templo, e o mesmo, tem que ser o melhor, pois
pertence ao “dono do ouro e da prata”.
O plano dos batistas se limita mais ao lado missionário, pois boa parte do
dinheiro arrecadado é destinado a missões: missões mundiais, nacionais, Convenção
Batista, etc. Enquanto a IPDA concentra numa igreja-mãe, os batistas aplicam suas
somas nas instituições ligadas à Convenção Batista Brasileira ou mundial. Em ambos os
casos investe-se na divulgação do trabalho expansionista. Dinheiro usado como moeda
de troca para conquistar almas.
O argumento mais usado neste meio é o de que o evangelho precisa ser pregado
a outras pessoas. Não deixam de lado em nenhum momento, a idéia expansionista.
Destacando que o termo evangelho tem valor diferente para cada igreja, pois
interpretam o vocábulo a partir dos seus respectivos sistemas de crença.
Um dia, vivíamos no lamaçal do pecado e fomos alcançados pela misericórdia de Deus.
Mas, para que isto acontecesse, alguém veio nos pregar. É necessário construir novos lugares
para a divulgação do evangelho. (pastor da IBC num culto matinal domingo, outubro de
2003).
Quantos povos ainda não foram alcançados pelo evangelho? Por isso, a Deus é Amor
mantém igrejas espalhadas e rádios que transmitem o programa A Voz Da Libertação. Se vocês
não contribuírem, como iremos continuar com esse trabalho? (missionário D. Miranda, num
programa de rádio, dezembro de 2003).
Irmãos, chegou o momento do ofertório. Eu costumo dizer para, quem conhece a IPDA,
que ninguém é obrigado a dar nenhum dinheiro. Mas, nós, temos uma série de compromissos
como: aluguel deste salão, programa de rádio, a construção da sede mundial, dinheiro para os
missionários que estão fora do país, etc. Sem dinheiro é impossível continuar a obra de Deus; a
122
igreja acaba fechando, pois nós não temos apoio do governo. (líder da IPDA num culto,
sábado, outubro de 2004).
Apelam para a continuidade da obra religiosa como um dos principais
argumentos. Este sem dúvida é o discurso mais utilizado nos cultos que assisti. Uma
certa vez perguntei a uma fiel da IPDA sobre o porquê falar tanto em dinheiro. Ela me
disse que, o fato de servir a uma entidade que não pode ver, não significa uma paralisia
cristã a espera de uma intervenção direta, pois a igreja é terrena; portanto, as ações têm
que acontecer com objetos daqui, (ela estava se referindo ao uso do dinheiro, que é uma
prática humana, e não divina). E que, portanto, a função de seu Deus era direcionada em
outro âmbito – o espiritual.
O valor do sacrifício em dinheiro segue uma série de regras normativas descritas
anteriormente. Qualquer quebra de um tabu poderá desfazer o esforço do membro. Ou
seja, não basta o fiel fazer uma parte colaborando com suas doações. Ele precisa
saber que o ofertório é um dos elementos do sacrifício, mas há outros como: freqüentar
os cultos, ler a bíblia, desenvolver algum trabalho na igreja, cumprir com as regras
estabelecidas pela denominação. Do contrário, o ritual do ofertório se torna vão.
A entrega do dinheiro cumprirá seu papel, se for complementada com uma
vida ascética na igreja e no “mundo”. O ritual inicia-se quando o fiel separa uma soma
de dinheiro em relação aos valores estabelecidos pela igreja, mas termina quando
alcança todo o processo da conversão do devoto. É a partir desta idéia que tento
desenvolver meu raciocínio nesta dissertação, onde três categorias básicas:
conversão, dinheiro e batismo. Estas três etapas funcionam como formadores do self de
um batista ou de um pentecostal.
Faz parte do processo de formação do devoto batista ou pentecostal a idéia de
acompanhar e contribuir com os projetos da igreja. No caso da IPDA criou-se a
necessidade da construção de um novo templo, mas isto, foi acordado entre fiéis e
liderança. Seria impossível a obra, se não houvesse dinheiro suficiente e a legitimidade
dos fiéis. Portanto, a liderança faz questão que todo o membro da denominação visite
sua sede, e comprove onde está sendo empregado o dinheiro das campanhas.
Ao passo que o projeto da igreja batista é mostrar em cada assembléia mensal,
como está sendo empregado o dinheiro pedido aos membros. Colocando a disposição de
todos, os livros contábeis e outros relacionados para que não haja qualquer dúvida.
123
Mesmo assim, observei que entre os pentecostais mais disposição para a prática do
sacrifício com dinheiro, do que entre os batistas.
2.2 Dinheiro, homens e deuses
A partir desta nova compreensão da categoria dinheiro em nossa sociedade, onde
a mesma possui um duplo significado, podemos ampliar nossa idéia de como os grupos
religiosos existentes em nosso meio tentam se estruturar no seu espaço. Isto nos permite
perceber outros modelos sociais. Uma vez que as religiões analisadas trabalham um
mesmo objeto social, mas com uma abordagem diferente. Mesmo sabendo da
importância do dinheiro para desempenharem seus papéis como atores sociais, tais
religiosos possuem outras formas de pensar a relação: homem X meio social. A partir
deste binômio, toda a idéia sobre a categoria dinheiro ganhará novas interpretações, de
acordo com o grupo em questão.
Seguindo a análise de Geertz
42
, os fenômenos culturais (aqui representados pela
prática do sacrifício com dinheiro), não podem ser feitas como se fossem fórmulas
matemáticas, onde só um caminho analítico. A maneira de lidar com tal objeto social
demonstra que os pentecostais e os batistas pesquisados buscam novos caminhos para
conciliar o religioso e o cotidiano. Seguindo esta trilha, as opções religiosas se dão por
vários fatores. Digo, isto, para destacar que não podemos reduzir o fenômeno
pentecostal ou outro qualquer a questão de “classe” social. Uma vez que razões
específicas dos próprios nativos para fazerem parte de um grupo. Os grupos são abertos
a pessoas de qualquer posição social, os discursos construídos não objetivam
determinadas camadas sociais, mas almejam alcançar pessoas. E os problemas
abordados dentro de uma determinada denominação protestante são amplos.
O fato de usarem a categoria dinheiro como elo de estruturação dos discursos,
não significa que estas igrejas funcionem exclusivamente com a meta de melhorar as
condições sócio-econômica de seus membros.
42
Geertz, Clifford. A Interpretação das Culturas. Caps. I – Uma Descrição Densa... e II A religião como
Sistema Cultural. Editora: LTC. Ano: 1989.
124
Muitos fiéis convivem neste ambiente desde a infância; outros, buscam este
caminho por algum problema de ordem emocional. Ouvi vários testemunhos de fiéis
que se sentiram melhor na IPDA, do que em outra igreja pentecostal. As escolhas são
feitas, não por questões de ordem financeiras, mas também por necessidades
religiosas.
Um outro motivo de permanência de um fiel num grupo protestante é o ritual
dos cultos. Enfatizo aqui, o caso de Neli, uma batista com pensamento e atitudes
pentecostais. No entanto, gosta da liturgia batista. Segundo ela, esta é uma maneira de
conciliar a crença no batismo com Espírito Santo ao pensamento teológico batista. A
religiosa procurou mesclar os diferentes modelos de culto e a maneira de servir a Deus,
segundo cada denominação.
Enfim, a relação homem X deuses entre estes religiosos obedece a critérios
pessoais: experiências passadas, relação com a liderança, confiabilidade, etc. Falar em
melhora financeira num país como o Brasil que concentra uma das maiores
desigualdades sociais comparados aos países industrializados, não deve significar,
exclusivamente, uma referência a um credo religioso. Uma vez que vejo opção religiosa
como um fenômeno social que envolve várias questões como as abordadas ao longo
deste trabalho. E uma delas é o fato do religioso ter a convicção de que o seu Deus é o
“verdadeiro”.
Uma sociedade com uma diversidade religiosa como a nossa permite que as
ações capitalistas, sejam misturadas ao pensamento mágico
43
. Uma mostra de que
ambos os pensamentos convivem paralelamente. O chamado mundo racional dos
negócios, representado no atual período histórico, pelo dinheiro, sede espaço ao
pensamento religioso, e faz com que a dinâmica social caminhe por várias vias. Não
como pensar as classes sociais brasileiras trilhando um único caminho, onde a questão
de “ascensão social” seria o ponto final.
Portanto, reduzir o fenômeno religioso à questão de melhoria social seria
inconveniente, uma vez que os grupos aqui analisados demonstraram ter inúmeros
motivos para pensar as questões sociais. As explicações para os problemas sociais e
econômicos podem variar amplamente. A começar pela divisão que os grupos fazem de
mundo humano X mundo espiritual. Isto, na prática, faz com que as atitudes destes
43
Strauss, Claude L. O Pensamento Selvagem – Cap. I A Ciência do Concreto. Papirus Editora.
Edição, ano 2002.
125
devotos sejam canalizadas para outros modos de viver: consumo diversificado, outras
noções de lazer, outras teorias sobre a convivência humana.
Portanto, o dinheiro do “crente” passa a gerar novos hábitos e atitudes. Deus
requer o sacrifício em forma de papel moeda, mas também deseja que seu seguidor
tenha um comportamento ético. Assim, o dinheiro divino (as doações) deverá ser gasto
nas coisas sagradas e, o dinheiro dos homens, deve ser utilizado de uma forma que não
contrarie os princípios doutrinários de sua igreja.
Um exemplo muito usado pelos fiéis pentecostais é a teoria para o crescimento
econômico do país. Segundo eles, algo que impede as ações de Deus no plano
humano, pois o plano religioso é que estrutura o plano material. Esta inversão não afasta
o grupo de debater suas dificuldades, mas coloca a denominação em um outro nível de
análise. Não nesta forma de pensar, uma reprodução do modelo econômico social
sobre o religioso, os dois planos se intercomunicam e elaboram outras opções para as
questões a serem enfrentadas. Para estes religiosos, não há um “plano econômico
salvador” para as questões sociais se antes, os homens não se converterem a Deus. Ação
religiosa está intimamente ligada ao plano político institucional. Numa entrevista, um
fiel da IPDA disse: Para mim, o país é muito injusto, mas a questão é espiritual. Se os
homens se converterem, Deus irá colocar uma pessoa adequada para administrar. Ou
melhor, ele próprio será o administrador.
No discurso mítico elaborado pelas duas igrejas, o personagem bíblico Jesus
voltará pessoalmente para administrar a terra em que vivem os homens convertidos a
Deus. Enquanto tal, evento, não acontece, a solução dos evangélicos é continuar
“orando” pelos políticos que administram a nação, na esperança de que Deus ilumine as
ações políticas dos homens.
Algumas pregações feitas nos cultos têm como objetivo explicar que o mundo é
controlado por Deus. Independente da vontade humana. No entanto, o Diabo, inimigo
dos cristãos, também está por perto, interferindo no plano divino. Para perceber como
funciona estes dois modelos de pensar, o mítico X material, é interessante observar que
o cumprimento dos papéis sociais dos devotos: votar, cumprir as leis, ter documentos,
etc. Está em segundo plano. Ou seja, serve apenas como cumprimento do mandamento
bíblico de obedecer às leis da terra. Geralmente dizem nas pregações:
Irmãos, nós devemos obedecer às leis da terra, não porque elas são maiores que
a de Deus. Mas, para que se cumpram os mandamentos do Senhor.
126
Uma noção de política mesclada aos pensamentos religiosos
A idéia de cumprir as leis humanas (representada pela política do voto) é
complementar à lei espiritual (representada pelas leis da bíblia), as duas são contíguas.
O papel social do fiel faz parte do pensamento religioso, desde que o mesmo não
suplante as leis de divinas. Sendo assim, para a cosmologia batista, um fiel ser político
não é problema, contanto que o suposto candidato, não use o espaço religioso para tal
fim. Ele precisa ter suas estratégias para desenvolver a campanha entre os irmãos.
A IPDA, por sua vez, condena oficialmente a atividade política, pois a vêem
como coisa de não crente. Nas últimas eleições municipais entrevistei um fiel que me
falou da sua repugnância sobre o tema:
A política é importante para o país, mas não para o cristão. Nós oramos por todos os
políticos aqui na Deus é Amor, no entanto, não permitimos que o fiel tenha contato com isto.Se
algum membro da igreja for pego no dia de hoje fazendo campanha política ou qualquer
atividade relacionada a candidatos ele será punido. Ser fizer mais de uma vez é excluído.
Porque para nós a política é coisa suja.
Para estes pentecostais a categoria política é bem mais dramática do que para os
batistas, pois a vêem como algo ruim, mas necessária. Não admitem oficialmente que
seus fiéis se candidatem a qualquer posto dessa natureza. Para eles, o mundo seria
melhor sem esta prática social. Consideram que a idéia de corrupção está associada
diretamente a política.
O que acontece na arena política é uma conseqüência do mundo espiritual.
Portanto, preferem pensar que agir eticamente é afastar-se da política, valorizando as
ações religiosas na promoção do crescimento do grupo.
Para que um grupo religioso cresça é necessário uma variedade de questões que,
às vezes, estão imbricadas em novos e antigos significados, pois como Cecília (1994)
argumenta, a criatividade de um fenômeno religioso permite-nos ver outros aspectos da
sociedade que antes não estavam esclarecidos. É difícil compreender a existência de
mulheres com hábitos tão diferentes como as da IPDA, onde a parcela feminina é vista
por outros olhos. Pintar cabelo, unhas dos pés e das mãos, utilização de cordões ou
qualquer outra jóia significa ser do lado do mal. Numa caravana que a igreja fez para
127
uma “concentração” na Praça XV (R.J.) no mês novembro de 2004, observei com mais
cuidado a relação indumentária e maneira de usá-la entre eles.
As mulheres utilizavam roupas e formas de se vestir completamente diferentes
do que se tem como tradicional numa cidade com altas temperaturas como o Rio de
Janeiro. A idéia é não expor partes consideradas prejudiciais a vida espiritual do
“crente” ou demonstrar qualquer ato de vaidade. Os homens por sua vez, todos sem
barbas ou bigodes. Cabelos curtos, blusas compridas.
A “auto-inspeção” é uma importante preocupação do grupo. Fiquei me
questionando, enquanto os observava, como compram roupas, pois o estilo é muito
diferente. Sobre tal situação constatei que muitos mandam fazer uma roupa sob medida,
em alguma costureira particular. O pensamento é desenvolver uma vida ascética na
prática, onde as roupas e o não uso da televisão, diferentemente dos batistas, constrói a
idéia de santidade, muito importante no modelo estrutural do grupo.
Antes de pesquisar a IPDA, já tinha ouvido falar sobre o comportamento de seus
fiéis contrários à televisão, por intermédio dos batistas. que, estes, comentam no
sentido pejorativo, de pessoas “atrasadas” e “loucas”. No entanto, quando passei a
conviver entre os pentecostais percebi que os motivos de tal proibição são relacionados
à idéia de santidade. Segundo eles, a forma de obter informações sobre o cotidiano
social é através do rádio, e raramente na internet. Televisão é sinônimo de
desagregação, não de informação, afirmam. Foi difícil entender tal lógica durante um
período. Com o passar do tempo fui percebendo que a referida prática está estruturada
na cosmologia do grupo em relação à visão. A imagem é um dos maiores problemas a
ser enfrentado no cotidiano destes religiosos. Sendo assim, a aversão a este aparelho,
ganha sentido. Para eles, a televisão expõe tudo o que contraria os mandamentos
divinos: nudez, brigas familiares, marginalidade, imoralidade etc. Neste caso, a imagem,
um dos ícones do nosso modelo social moderno é considerada negativamente pelo
grupo. Tudo o que se refere a esta questão é combatido. O olhar do fiel da IPDA precisa
estar focado para as coisas de Deus. Neste caso, o devoto deve usar seus olhos para ler a
bíblia e olhar para situações que não gerem pensamentos de adultérios ou coisa dessa
natureza. Dizem que os programas televisivos, com exceções dos evangélicos,
promovem a degradação religiosa. Dessa forma, o religioso desta igreja não deve ter tal
aparelho, pois mesmo que esteja assistindo a uma programação evangélica, ele será
tentado a ver outras coisas.
128
Em relação ao aspecto do consumo ou de melhoria na escala social, o dinheiro
funciona como graça. Possuir uma determinada profissão, adquirir bens são elementos
que dependerá de como o fiel se comporta no cotidiano, e a forma como administra a
vida religiosa. Os fiéis entrevistados não vêem o dinheiro isolado das ações religiosas.
Se um fiel batista estiver enfrentando alguma dificuldade, ele primeiro verifica qual a
área da sua vida que está problemática. Isto é feito através da oração.
Nas aulas de doutrina sempre destacam que o fato de possuir força para
trabalhar, estudar ou fazer qualquer coisa, é porque Deus está permitindo. Ninguém
um passo sem a permissão do Senhor, afirmou um senhor batista num culto fúnebre.
Aproveitando a oportunidade em que uma fiel da igreja estava sendo velada, ele me
disse: Tá vendo, esta foi porque o Senhor quis. Com o ímpio também acontece a
mesma coisa. Você não ganha um tostão sem a permissão de Deus. Toda relação entre
batistas e pentecostais é pautada na lógica de que os fiéis foram convidados por Deus
para fazerem parte do seu reino . Os que aceitam e cumprem as leis da bíblia são bem
aventurados”; quem não acredita ficará à disposição do Diabo, que também tomará
conta da pessoa e de sua vida, nesta lógica.
As etapas da vida cristã, seguindo este raciocínio, são demarcadas entre graça X
maldição. O lado financeiro de um devoto será alvo do Demônio, se o religioso
consentir. A permissão é quando ele não cumpre as regras. Não dar o dízimo ou oferta
ao Senhor, já é a quebra de um tabu.
Comer alimentos oferecidos por alguém sem saber sua confissão religiosa, o
ler a bíblia diariamente, usar a maior parte o tempo com as coisas do “mundo” do que
com as coisas de Deus. São alguns dos exemplos citados nas pregações para servir
como modelo para os que estão enfrentando problemas.
Vou dizer uma coisa aqui, que vai espantar algumas pessoas. Todo crente que
procura a assistência social da igreja, não é um bom dizimista. Aí, o devorador entra
na vida e no dinheiro dele, e faz a festa. Fica devendo, enrolado; enfim, sempre tem
problemas com relação ao dinheiro. Quem cumpre as ordens de Deus não tem este tipo
de problema. Podem fazer um teste. (fiel batista falando sobre dízimo, numa viagem que
fazíamos para visitar outra igreja).
129
O descumprimento das normas significa trazer para a vida do cristão a maldição
divina. O próprio fiel é o responsável quando não obedece aos preceitos bíblicos
interpretados pelo grupo.
Eu falo com o Senhor todos os dias, e quando estou enfrentando alguma
dificuldade de ordem material ou espiritual não é diferente. Ao orar, eu já tenho
consciência do que fiz antes. Se cometi algum pecado, procuro me arrepender para ser
abençoado e afastar a maldição de minha vida. (pregação de um fiel da IBC, num culto de
oração).
O devoto batista apela para o intelecto quando precisa lidar com qualquer
questão.Uns chegam a dizer que ter dificuldades financeiras é uma forma de Deus
provar o crente. Dizem que quem está sendo provado por Deus deve agradecer, pois até
para passar este tipo de luta, os fiéis são escolhidos por Deus. Prova neste caso é
enfrentar uma dificuldade com resignação.
A reconstrução da vida de um fiel que, outrora não era batista, se faz por
compreender que a ação de Deus em sua vida é diária. E o Espírito Santo ocupa um
papel de conciliador, mostrando ao fiel que ascensão social e dinheiro são elementos
que fazem parte do círculo da crença. Isto pode ser compreendido na prática, quando
mencionam exemplos de fiéis que se dão bem por cumprirem as regras, e os que se o
mal por estarem fazendo algo contrário à bíblia.
O lado emocional
44
destas pessoas travará uma batalha constante, entre realizar
ou não, determinadas práticas.
Você me perguntou por que pedimos tanto dinheiro, se a maior batalha nossa é a
espiritual; pois, digo a você que estamos no caminho certo ao utilizar este método. Faço uma
pergunta: Qual a coisa mais importante no mundo em que vivemos? Certamente dirá que é o
dinheiro, pois sem ele, não damos um passo. Aí, é que está o xis da questão, se o fiel da IPDA
abandonar esse apego excessivo a essa coisa, ele está pronto para ser abençoado por Deus
nessa, e na outra vida. A disposição dele em contribuir, sem pensar em receber de volta, é a
44
Chamo aqui de emocional o que os nativos chamam de consciência do espírito. Para ambos os grupos,
a vida de um fiel é monitorada diariamente pelo Espírito Santo. Quando um fiel não tem esta consciência,
ele está como um não crente, entregue as influências do Diabo.
130
questão. Alguns estão com problemas espirituais pelo fato de colocar as conquistas financeiras
em primeiro lugar. (Entrevista com um fiel da IPDA, novembro 2003).
O que o devoto mencionou acima não é uma declaração contra a posse, ou uma
exaltação ao dinheiro; pelo contrário, ele está mostrando em seu discurso a íntima
conexão que há entre cumprimento de regras e fé. Se der uma parte de seu dinheiro, isto
faz parte da lógica do sacrifício da denominação; o não cumprimento traz maldição.
Não como deixar de fazer. O sacrifício neste caso, não é apenas dádiva, ele é um
“mandamento” e, portanto, deve ser obedecido. Uso a categoria sacrifício aqui,
diferentemente de tais religiosos. Eles dizem que dar o zimo não é um sacrifício, pois
para eles, quem fez isto foi Jesus. No entanto, mantenho a categoria, por acreditar que a
rejeição se dá, por considerarem que a palavra sacrifício os associa aos afro-brasileiros.
A lógica da entrega é semelhante a do sacrifício, porque o fiel algo que pode até lhe
fazer falta. No entanto, não deixam de contribuir com suas ofertas, pois o que vale é a
confiança de que alguma coisa será feita por Deus, ao ver o esforço do devoto.
Considerando que se consideram “eternos devedores” de Deus.
2.2.1 A categoria Voto
Esta questão está diretamente associada a IPDA. Um termo, porém, muito
conhecido dos religiosos católicos. Digo isto, pelo fato destes fazerem promessas aos
chamados santos. “Voto” para estes pentecostais também está relacionado a promessas.
Todavia, tem como alvo principal as “batalhas” cotidianas da vida. O voto é feito com
somas específicas em dinheiro, estipuladas por um dirigente de culto ou a critério do
fiel. Destaco, porém, que enquanto um católico primeiro pede as divindades para depois
receber, o pentecostal paga o pedido antes da conquista. Ou seja, a antecipação do fiel
pentecostal em cumprir uma promessa ainda não recebida, simboliza uma fé diferente
131
dos católicos. Antes de pensarmos que isto seja um pensamento utilitarista, digo que
pagar promessa aqui tem o sentido de fazer um sacrifício.
A lógica desta atividade é referente às batalhas cotidianas. Só que, neste sentido,
não é obrigatória. Seria uma forma de testar a fé. Por exemplo, se um devoto faz o voto
Modelo de Envelope Relacionado ao
voto “desmancha da macumba”.
Cartão contendo o salmo 91 bíblia. A
referente leitura é muito utilizada nos
cultos de oração desta denominação.
132
da bala perdida, significa que ele crê que Deus o livrará de qualquer problema
relacionado a tal questão. A prova de que o pedido foi alcançado pelo devoto é o
testemunho público feito nos cultos. muitos relatos de fiéis que fizeram o voto da
bala perdida ou outro qualquer, e foram protegidos por Deus. Votar com dinheiro
significa mostrar ao Diabo que o religioso está totalmente dependente do Senhor. Além
do que, o devoto mostra que está abrindo mão de seu sustento como prova de fé.
O fiel da IPDA ao dar seu dinheiro para uma campanha de voto age como os
nativos de Malinowiski que faziam circular seus cordões e braceletes. Aqui, no entanto,
funciona a lógica que o maior parceiro é Deus. Qualquer fiel, independente de seu
cargo, é igual nessa transação. O dinheiro representa o suor do doador que será ligado
ao mundo divino.
Numa campanha do “desmanche da macumba”
45
de um domingo, um diácono
dizia antes do voto começar:
Esperem, vocês estão vendo? Neste momento vejo uma senhora aparentando uns 60
anos diante de um túmulo. Ela está fazendo um despacho para alguém. O número do túmulo que
ela está é 6455. Ela está arriando todo seu trabalho, vem chumbo grosso aí. (diácono num culto
de domingo à noite).
Este diácono mencionava uma revelação diante de um público com cerca de 150
pessoas. Todos atônitos diante desta visão do dirigente de culto. Quando algum fiel faz
um voto, a divindade permitirá que ele veja o que está oculto no mundo espiritual, onde
os seres espirituais transitam. Dessa forma, o devoto entra com o seu objeto pessoal,
o sacrifício, representado pelo seu dinheiro; enquanto que Deus entra com seus poderes.
O mundo do desconhecido, no caso da “feitiçaria” é “revelado” a partir do voto feito
pelo fiel.
Numa sociedade violenta como a nossa, o crente que não faz voto está correndo um
grande perigo. Esta prática é que me segurança de pegar um trem, um ônibus para ir
trabalhar, pois sei que o Senhor está comigo pelo voto que fiz. (testemunho de uma fiel num
culto da IPDA agosto 2004).
45
Este tipo de “voto” é feito com freqüência na IPDA. Tem como objetivo, segundo os nativos, desfazer
trabalhos de “feitiçaria” nos terreiros de candomblé, umbanda etc. Para participar, o fiel deve fazer uma
contribuição escrevendo no envelope qual o tipo do trabalho que gostaria que Deus “desfizesse”.
133
Mas além da referida funcionalidade dos votos há o caráter estruturador do
mesmo. Abordar tal questão na IPDA é pensar que o sacrifício é diário, onde o devoto
precisa estar constantemente em contato com Deus para que ele o oriente sobre como
proceder e revele o que está oculto. Percebam que o fiel não mencionou a polícia ao
falar de violência, pois deposita toda confiança no voto. Observei isto nos cultos, os
religiosos ao falarem de temas do cotidiano enfatizam mais o lado religioso.
Ser fiel da Deus é Amor sem fazer votos não significa ser pentecostal. Porque esta
prática é que vida a nossa fé. É um meio de exercermos a nossa crença em Deus. (fiel da
IPDA num culto à noite. Domingo, março de 2003).
Os votos são feitos diariamente. Em cada culto votos diferentes e que são
comumente chamados de “campanhas”: voto da família, da casa própria, de libertação,
voto para ajudar na construção do templo sede, voto do livramento, do desmanche da
macumba, etc. Todas as igrejas da IPDA desenvolvem este tipo de prática, mas cada
uma elabora suas campanhas temáticas. Os votos são representados por vários
envelopes de papel, em forma de carta, na qual o fiel põe seu nome e seu pedido de
oração, além da quantia em dinheiro correspondente à campanha. Por exemplo: um voto
do livramento pode ser de R$ 50, 30, 20, 10, 5 e por aí, vai.
Um fiel numa entrevista me contou que antes de ser evangélico, sua família
enfrentou um problema de doença com relação a sua irmã. Tudo o que ela comia
vomitava, a mesma já não tinha mais ânimo para fazer nada. Sua mãe que, antes
freqüentava centros de Candomblé, não conseguia encontrar ninguém para que
resolvesse o problema da filha. Até que certo dia, uma pessoa aconselhou-a a ir até a
IPDA na rua Senador Pompeu, no centro do Rio de Janeiro. Ao chegar lá fez a
campanha do “desmanche da macumba”. Sua mãe pegou o voto e colocou na “salva”.
Imediatamente, sua irmã começou a vomitar. O dirigente na época (em 1979), segundo
o entrevistado, disse à sua mãe que o problema da garota era uma comida que uma
grande amiga tinha oferecido a ela.
134
Culto ao ar livre (concentração) na praça
XV(R.J.)
(outubro 2004)
135
O mesmo entrevistado disse ainda que diante de tal situação, sua mãe o levou
também para a igreja. Ele tinha uns 15 anos e sofria de problemas dos “nervos”, doença
que nenhum médico descobria, nem mesmo os pais de santo que outrora freqüentava
com sua mãe. No dizer dele, um pai de santo de São João de Meriti o havia orientado a
fazer cabeça para resolver tal questão. No entanto, sua mãe o levou a IPDA para fazer a
campanha da quebra de maldição. A partir deste voto, sua doença foi curada e ele nunca
mais deixou de fazer votos, pois acredita que Deus revela o “oculto” nesta prática.
Os valores referentes a este ritual são estipulados por cada dirigente de culto. Na
IPDA um revezamento de dirigentes nas reuniões. Um procedimento que contribui
mais ainda para que a dinâmica do voto funcione. A lógica dos votos é a seguinte: o fiel
pode fazer individualmente ou acompanhar os que são feitos na igreja. O valor depende
da condução do dirigente: por exemplo, se o dirigente do culto achar que um voto pode
ser feito por R$15.00, ele faz o apelo a igreja. Alguns dirigentes dizem que o voto é
orientado pelo Espírito Santo. Por isso, iniciam o pedido da seguinte forma:
Irmãos, o Senhor através do Espírito Santo está me dizendo no meu ouvido que
devo fazer este voto a R$50.00. Quem puder colaborar e tiver faz, quem não confiar
no poder de Deus é melhor não fazer. Quem aqui nesta noite crer que o Senhor vai te
dar condições de fazer este voto para o próximo domingo levanta as mãos. Se você
acha que não vai dar, é melhor não pegar. (obreira da IPDA, dirigindo um culto à noite,
setembro de 2004).
Na verdade, a igreja possui uma programação sobre o valor de quanto vale cada
voto. No entanto, dependendo da situação, a direção deixa por conta do apresentador do
culto.
R: Por que vocês fazem os votos?
C: Nós fazemos votos porque é bíblico. Voto é você com Deus.
R: Mas, se o fiel não fizer voto, não implica...?
C: Se você não fizer voto, você não recebe a tua vitória.
R: Então, tem que fazer voto?
C: Jacó, Jacó... ele falou ali na bíblia que ia fazer um voto ao Senhor, né? Se Deus fosse
com ele na batalha, se o Senhor desse a vitória a ele, tudo o que conquistasse, daria a
décima parte ao Senhor.
136
(Entrevista com Carlos comerciante em 17/04/04, pastor-dirigente de uma congregação da
IPDA em Belford Roxo).
Os envelopes possuem vários versículos bíblicos para estimular a do fiel. Os
valores financeiros são variados, mas nem sempre a pessoa que pegou o voto põe o
valor estipulado por quem está fazendo a campanha. Há casos de fiéis pegarem o voto e
não devolverem, ou devolverem vazios. Por isso, alguns líderes advertem que devem
pegar o envelope quem for tocado pela divindade, pois tal prática “não é brincadeira”, é
“coisa séria”.
Irmãos, nós iremos passar agora o voto da família. Quem tem um problema
familiar: desaparecimento do filho, doença de um parente, desentendimento conjugal e
acredita que Deus pode resolver, pegue este voto no valor de R$10.00, pois nós vamos
levá-lo para o monte de oração para Deus lembrar de você. Agora, se você não crer e
não pode contribuir, por favor, não pegue. Estou dizendo isto, porque membros que
pegam um monte de votos no mês e não cumpre nenhum. Quero dizer que quem faz isso
será cobrado por Deus, pois é melhor não fazer o voto, do que fazer e não cumprir.
(diácono dirigindo um culto à noite, janeiro de 2003).
Mas não são todos os fiéis que concordam com a forma em que são pedidos os
votos. Dizem que há dirigentes que acabam constrangendo os membros.
Eu sou a favor dos votos, mas não quando um dirigente fica estipulando valores
e insistindo: tanto, tanto, tanto...Entendeu? Eu acho que a pessoa deve fazer um voto
que sentir no coração. Se eu sentir de fazer um voto, eu vou e faço, de R$100.00,
20.00, 10.00 ou R$1.00. Eu não posso fazer um voto e depois não cumprir. Aí, eu votei
e não cumpri. Por quê? Às vezes, por causa da insistência do dirigente, não porque
senti no coração. Eu preciso sentir antes de fazer o voto. Muitos fazem pela insistência.
Se o fiel pegar um envelope acerca de algum voto, num determinado culto
deverá trazê-lo na outra semana. Uma vez que cada envelope corresponde a uma
determinada campanha. Mas nem sempre acontece assim. Os fiéis, às vezes, entregam
em datas não equivalestes às campanhas. No dia 14/11/03 estava viajando num ônibus
de volta para casa, e ao sentar num dos bancos, havia uma senhora de seus 55 anos
137
aproximadamente. A mesma iniciou uma conversa comigo e descobri que estava vindo
de um culto da IPDA na rua Senador Pompeu (Rio de Janeiro). Esta senhora iniciou
uma conversa comigo e falou sobre o que pensava acerca dos votos da IPDA:
O voto que mais gosto é o da família e o da prosperidade, pois além de ser uma
pessoa pobre, também tenho vários problemas familiares. Acredito que fazendo esses
votos serei abençoada por Deus. Eu freqüentei vários centros terreiros de Umbanda,
mas não cheguei a fazer nenhum trabalho. Agora, considero tais práticas como
diabólicas. Lá, eu fiz alguns pedidos e recebi poucos. Mas aqui, acredito mais, mas o
voto é coisa séria.
Durante a nossa conversa, misturavam-se várias questões de ordem financeira e
familiar. Mas, segundo a personagem do ônibus, os problemas familiares eram
relacionados a votos não cumpridos:
O meu esposo, durante um período anterior, pegou muitos votos, mas não
cumpriu com nenhum. Ele chegou a colocar envelopes vazios na urna, e por isso, nós
estamos pagando até hoje por esses erros.
Uma observação importante sobre os votos é que, ao participar de uma
campanha, ou seja, pegar um envelope correspondente a um “propósito”, o devoto
precisa pôr o seu nome e seu pedido. A lógica desse ritual não é a da oferta, onde o
religioso põe um valor como cumprimento das normas da igreja. percebi, isto, após
uma pregação de uma fiel da IPDA no bairro de Heliópolis (B. R). Durante a pregação,
a mesma enfatizava a importância do voto na vida do fiel desta igreja. Destacava,
entretanto, que o mais importante numa participação deste tipo de ritual é colocar o que
você deseja de Deus. Ela relatou na pregação, que um dia fez um voto, mas não colocou
seu nome ou pedido de oração. O líder da congregação a questionou: Por que você está
fazendo a contribuição, se não tem nenhum pedido em mente? A pregadora disse que
fez por fazer; ao passo que o dirigente do culto retrucou dizendo que, dessa forma, era
melhor ofertar do que fazer voto, pois a razão do voto é o pedido, não a oferta.
Num dos cultos realizados na IPDA de Belford Roxo, um cooperador fez uma
campanha no valor de R$23.00, este voto, era o da libertação. Dizia o dirigente do culto
que, se o fiel participasse de tal campanha, além de pôr a soma estipulada deveria
138
Um dos quatros mapas espalhados no templo de São Paulo. Nos mesmos há uma
relação dos que transmitem a programação radiofônica da igreja.
139
redigir uma carta descrevendo o seu problema. Cada participante desse voto deveria
especificar a sua dificuldade a Deus, pois a carta seria levada ao monte para ser orada.
A uma certa altura da pregação, ele disse:
pessoas que pegam os envelopes, põem o valor e não explicita o seu pedido.
Eu não entendo, pois quem faz o voto está desafiando a Deus. Você participa, porque
acredita no poder de Jesus e do Espírito Santo. Agora, contribuir e não expor o seu
pedido é perda de tempo. (Diário de campo - 02/11/03).
O que o pregador destacava é que o fiel precisa saber que voto não é oferta. Voto
é desafio, ou melhor, é entrar no reino do desconhecido através da fé. Portanto, não
adianta pôr o dinheiro na salva como se tivesse ofertando, porque o dinheiro utilizado
neste ritual possui um significado diferente daquele do dízimo e da oferta. O dinheiro do
voto pode até ser como agradecimento, mas de algo que o fiel já tenha pedido.
O “voto do livramento” é o mais utilizado nos cultos da IPDA, pois o mesmo
trata de questões que envolvem as lutas do dia-a-dia dos fiéis: trabalho, viagens em
transportes coletivos, violência, escola, casamento; enfim, tudo relacionado ao religioso
na esfera de sua vida intramundana. Ou melhor, os fiéis fazem este voto para serem
livres de algum imprevisto. Para se ter uma idéia da dimensão desta crença observe o
relato de alguns fiéis em relação a tal campanha:
Vou contar um testemunho do que aconteceu comigo, e do livramento que recebi
do Senhor, após fazer este voto.
Todo dia ao ir para o trabalho eu pego o mesmo trem, no mesmo horário. Mas
num dia desses que, o me lembro quando, cheguei à estação e o trem referente ao
meu horário costumeiro tinha ido embora. Fiquei muito chateada, mas dei graças a
Deus assim mesmo. Peguei outro, e o trem no qual estava, ao avançar mais à frente
mostrou numa outra linha, um outro trem parado, porque havia começado a pegar
fogo. Para minha surpresa, honra e glória de Deus, era o trem que costumo viajar. Dai
glória a Deus irmãos! Dai aleluia! Porque o senhor está com aqueles que fazem os
votos com sinceridade de coração e sem interesse. (testemunho de uma fiel da IPDA de
Belford Roxo, 05/11/04).
140
Modelos de envelopes utilizados nas utilizados nas
campanhas dos votos.
141
Outra fiel também relatou uma conquista ao fazer o voto do livramento:
Estava num ônibus no Rio de Janeiro, pois havia saído para resolver um
problema, quando, de repente, ouvi uns gritos no interior da condução. Quando me dei
conta havia uma briga entre o motorista e um passageiro. Pensei que algo pior fosse
acontecer e comecei a orar; lembrei do voto do livramento que havia feito. Pedi a Deus
que me livrasse de qualquer tiro que, porventura, pudesse acontecer. Logo depois
separaram os dois e tudo acabou bem. Então digo a vocês que, o voto do livramento, é
muito poderoso. (testemunho de uma fiel da IPDA, 05/11/03)
No mesmo culto, um diácono que comandava a reunião disse:
Quem vai participar do voto do livramento hoje? É sobre bala perdida. Quem
gostaria de ser atingido por uma bala perdida? Sabemos que isto é possível num
Estado violento como o Rio de Janeiro. Então, irmãos, deixem de ser medrosos e
participem, pois o que é mais vantajoso: um voto de livramento de R$10.00 ou um
caixão? Quanto custa um caixão mesmo? Mais de R$500.00, não é? Creio que é mais
vantajoso fazer os votos, pois quem não faz é porque não tem ou está sem dinheiro.
(pregação de um diácono, 05/11/03).
O voto do livramento está relacionado a uma luta coletiva. Os fiéis que
participam consideram que após participar dele, sentem-se mais seguro. Alguns
colocam o voto na bolsa, carteira, mochila, nos seus automóveis, em alguma parte da
casa. Guardam o envelope até o dia de entregá-lo, pois crêem que isso é uma forma de
se protegerem. O voto para eles funciona como se fosse um galho de arruda, espada de
São Jorge, etc. É um objeto que após a oração se transforma num protetor, num escudo
contra as forças do mal. Várias vezes nos cultos, eu verifiquei os fiéis tirando os
envelopes de suas bolsas ou carteiras, para colocá-los na salva.
A crença no voto e no Espírito Santo (intermediado pelos testemunhos) são os
elementos fundamentais nas reuniões da IPDA, pois com estas ferramentas os devotos
142
estruturam seus cultos. Principalmente, as pregações de cura, libertação dos possessos,
batismo com Espírito Santo, relatos de conquistas materiais e espirituais, etc. conforme
o esquema abaixo:
Introdução Momento Parte
Intermediário Final
Do culto
Lembrando que em cada culto, se programam os votos da semana vindoura.
Assim, o círculo da magia do voto percorre todo o modelo organizacional da IPDA.
Destaco aqui, que os dízimos e ofertas exercem a mesma função que tem nos cultos da
igreja batista; servem, principalmente, como cumprimento de um mandamento divino,
além de ser um meio de agradecimento. os votos têm como idéia básica permitir ao
devoto conhecer o reino do oculto. Lembrando que os batistas analisados não crêem no
ritual do voto como os pentecostais.
Todavia, a relação entre líderes e liderança na questão dos votos não é tão
cordial como possa parecer. muitos fiéis que não concordam com a rotatividade dos
votos, pois fazem deles uma espécie de leilão, como foi relatado por um membro.
Num dos cultos, enquanto uma líder colocava seus “lances” da noite, um fiel que estava
Oração
Final
E
Oração
Pelas
Pessoas
Que
Vão
À
frente
Do
altar
testemunhos
Pedidos de
Dízimos e
votos
Cânticos
Clamor
Pelo
Batismo
Com E. S.
Em
qualquer
Momento
Do culto
Oração
Inicial
143
ao meu lado resmungava contra tal procedimento. Primeiro, vou expor as palavras da
dirigente do culto e, logo após, a fala do fiel:
Irmãos, esta campanha que vou fazer agora é chamada o desmanche da
macumba, pois o Senhor está me mostrando agora, em visão, que vários trabalhos
de bruxaria sendo feito nos cemitérios e nas cachoeiras. Então, Deus me pediu que
fizesse esse voto. Aqui está um envelope e nele deverá existir a quantia de R$51,00.
(dirigente de um culto, 05/11/03)
Enquanto aguardava as contribuições, ela abriu a bíblia e leu um trecho no
Salmo 91, que fala das lutas espirituais. Isto durou cerca de uns 40 minutos e estava
difícil completar o alvo estipulado por ela. As pessoas colocavam R$10, 5 e 2 reais. Até
que chegou um fiel e completou os R$16.00 que faltavam. Ela orou e disse que apesar
da pouca da igreja iria levar aquele envelope para o monte; e pedir para Deus
abençoar as pessoas que contribuíram.
Agora, vamos ao fiel que cochichava ao meu ouvido:
Esta mulher é mendiga. Pede muito. obreiros aqui que levam R$40.00 para
casa todo dia. (fiel da IPDA me relatando esta informação durante um culto. Mesmo sem querer
obtive uma informação importante deste drama vivido pelo grupo).
Em certo momento percebi que um outro fiel olhava para ele, de uma forma
controladora. Notei que havia um clima tenso em pleno culto. Aproveitei a situação (já
que ele insistia em me dar informação, sem que eu o pedisse) e fiz uma pergunta: o
senhor acredita em votos?
Ele me respondeu:
Eu acredito, mas não dou votos em qualquer campanha. líderes sérios e que você
percebe a presença de Deus no rosto deles. Nestes, eu confio em dar meu voto que faço
a Deus.
Percebe-se então, que entra em cena uma disputa pelo espaço para saber quem
de fato é líder, ou não. O que, de certa maneira, coloca em xeque a credibilidade de
alguns. Situações semelhantes a descrita anteriormente são demonstrações das
constantes disputas pelo sagrado entre tais religiosos, quando participam do ritual do
144
voto. Fazer voto significa lidar com o reino do desconhecido, e o dirigente de culto que
consegue fazer uma boa arrecadação pode representar o nascimento de um futuro líder.
Liderança neste grupo surge, principalmente, quando o fiel demonstra confiança no que
faz. Para citar um exemplo, o missionário David M. quando pede votos consegue obter
uma grande resposta do público. Isto, não é porque ele é o líder principal da
denominação, mas também, porque os fiéis acreditam no seu poder de curar e revelar.
Como venho destacando ao longo deste capítulo, a questão do dinheiro é
ambígua na cosmologia das referidas igrejas, e quando partimos para analisar a
chamada teologia da prosperidade
46
percebemos o quanto é complexo tal assunto. Os
líderes das igrejas acusadas como, a IPDA, destacam que é importante se ter os bens
materiais, mas isto, é uma conseqüência da vida espiritual. Líderes religiosos como R.
R. Soares (Igreja Internacional da Graça), Miguel Ângelo (Igreja Cristo Vive), Bispo
Macedo (IURD), entre outros, sempre dizem em seus programas televisivos que ter uma
vida material boa é uma bênção de Deus. No entanto, é necessário o crente” não
descuidar da vida espiritual. Dizem ainda que a salvação é a maior graça de todas. No
entanto, a questão da prosperidade é um tema que divide as opiniões no meio
protestante, pois uns consideram importante destacar esta parte, outros o. A divisão é
mais forte ainda entre os pentecostais. Mas, numa questão, a maioria dos fiéis concorda:
a vida espiritual do “crente” deve estar em primeiro lugar.
Sendo assim, a prosperidade desenvolve um paradoxo na visão destes
protestantes analisados, pois tem o seu lado positivo e negativo. E se por um lado a
prosperidade é algo bom para a vida material; para a vida espiritual ela pode ser
prejudicial. Isso, porque pode deixar o religioso num constante conflito interior sobre
qual área privilegiar: a material ou a espiritual. Weber na Ética, no tópico sobre o
Pietismo desenvolve o seguinte raciocínio:
No lugar da busca racional e planejada para adquirir e conservar o
conhecimento certo da bem-aventurança futura (no Outro Mundo). Entra aqui a
necessidade do sentimento da reconciliação e comunhão com Deus (neste mundo).
46
Esta categoria é uma forma de acusação usada por algumas igrejas evangélicas como Batista,
Presbeteriana, Assembléia de Deus, etc. ao se referirem às igrejas como: IPDA, IURD, e outras igrejas
pentecostais. Significa que os grupos acusados desenvolvem um modelo de culto pautado na pregação da
prosperidade. É uma espécie de teologia, ou ensino, de como progredir no meio protestante. Em tais
cultos, segundo os acusadores, a idéia principal é focar na melhora financeira do fiel.
145
Mas, do mesmo modo que na vida exterior, “material”, [econômica,] a tendência à
fruição no presente entra em luta com a organização racional da “economia”, que está
ancorada na preocupação com o futuro, assim também ocorre, em certo sentido, no
campo da vida religiosa. (Pág. 125)
47
De uma certa forma, os religiosos pesquisados enfrentam o problema analisado
por Weber, pois a idéia de riqueza não é classificada como negativa entre eles, desde
que seja trabalhada no campo do espiritual. Para citar um exemplo deste tipo de
comportamento, menciono que num dos momentos, anterior a um culto na igreja de
Belford Roxo. Presenciei uma conversa entre três fiéis da IPDA sobre a compra de um
automóvel por um deles. Na conversa, um dos interlocutores perguntou a um outro
sobre um carro que estava estacionado em frente ao templo, e alguém disse: É a bênção
que o Senhor me deu. Iniciou-se um grande bate papo sobre o tal automóvel. Percebi
que o dono do veículo associava a compra do mesmo à interferência divina. Numa certa
altura da conversa, eu ali no meio sem entender bem o que estava acontecendo, o
comprador disse: muito tempo queria um automóvel como aquele, mas Deus não
tinha permitido, porque eu precisava resolver algumas pendências em minha vida
espiritual. O que ele quis dizer com tal raciocínio é que quando um “crente” pede
alguma coisa a Deus (material ou espiritual), precisa está com a vida no Prumo, pois
Deus conhece a vida de cada fiel. Segundo ele, às vezes a pessoa não recebe algo
material do Senhor é porque está com a vida religiosa desalinhada quando comparada
com os princípios doutrinários.
Sendo assim, falar em voto na IPDA implica necessariamente em vida ascética
no plano do discurso. Para que a eficácia do voto seja real é necessária uma avaliação
por parte do fiel de como está conduzindo sua vida espiritual. Num culto de doutrina
pela manhã, o pastor no monumento em que fazia uma campanha dizia:
Irmãos, qualquer voto que você fizer com fé ele vai acontecer na sua vida, desde
que não tenha problema espiritual. Por que estou falando isto? Porque tem irmãos que
acha que Deus vai abençoar a vida dele, porque faz voto. Aí, não acontece nada, ele
ainda acha que a culpa é de Deus. Antes de fazer qualquer voto, ou participar de
47
Weber, Max. A Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo. Parte II 1. Os Fundamentos religiosos
da ascese intramundana Edição comemorativa da Companhia Das Letras, Elaborada por Antônio Flavio
Pierucci. 2004.
146
qualquer atividade da igreja, veja como está sua vida diante do altar do Senhor. Amém,
igreja?
O que o pastor dizia é que dinheiro, santidade, participação, fé, comunhão entre
os fiéis são alguns dos componentes que fazem parte do sistema de crença da IPDA. O
afastamento de um destes itens pode acarretar numa penalidade divina ao fiel, em vez
de uma graça.
Um outro ponto relacionado à questão do voto que gostaria de enfatizar é a relação
voto X líder (ou dirigente) do culto. Este contato será fulcral para o sucesso de uma
campanha. O carisma de um líder, ou a imagem de um “verdadeiro” homem ou mulher
de Deus é que determinará a participação do público, mais especificamente, dos
membros da igreja
48
. Como um dos devotos anteriormente destacou: se os fiéis
confiarem no que o dirigente está dizendo, as doações podem tomar um outro rumo. A
questão da credibilidade no líder não é uma crença específica da IPDA, pois na IBC
como em outras denominações cristãs esse tipo de “controle” por parte da
“membresia” sobre as ações de seu líder. É como se os fiéis dependessem da imagem do
líder para desenvolver sua fé. Mais do que pensar em “comandantes” e “comandados”
ou dominantes e dominados, o que é uma dupla vigilância, complementaridade de
ações no lugar da verticalidade de comando.
Mesmo respeitando o poder mágico que os líderes possuem na hora de pedirem
os votos, muitos não contribuem ou se o fazem levam em conta a pessoa que está
administrando a situação. Em várias reuniões percebi que o dirigente do culto é um dos
maiores responsáveis pelo sucesso de uma determinada campanha. Um deles, um
diácono de uma IPDA de São Gonçalo que vem com freqüência a Belford Roxo sempre
consegue estimular os fiéis a contribuírem através de seu jeito extrovertido que, de uma
certa forma, consegue agradar ao público. Sua forma de dirigir os cultos cativou a
liderança local, pois esse diácono é sempre convidado a retornar. Num desses cultos,
enquanto o mesmo fazia um pedido de votos, alguns líderes da igreja, que estavam no
segundo piso deram uma olhada para verem quantos estavam participando da
48
simpatizantes que freqüentam esta igreja e que participam das campanhas. A denominação aceita
qualquer contribuição em relação a votos ou ofertas, independentemente se o fiel é membro ou não.
Em todas às vezes que participei dos momentos do ofertório nunca contribuí com os votos ou dízimos,
por considerar que esta prática exige uma certa identidade religiosa que não tenho com o grupo.
Entre os batistas também não participei com os dízimos, somente com ofertas.
147
campanha. Ou seja, mais do que poder de convencimento do dirigente do culto ao fazer
os pedidos de votos, ele demonstra também que possui poderes mágicos, pois para estes
religiosos o Espírito Santo é quem convence o fiel a participar de todas as campanhas
de ofertórios.
“Naqueles dias apareceu João, o Batista, pregando no deserto da Judéia, dizendo: Arrependei-vos, porque é
chegado o reino dos céus. Porque este é o anunciado pelo profeta Isaías que diz: voz do que clama no deserto,
preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas”.
Ora, João usava uma veste de pelos de camelo, e um cinto de couro em torno dos seus lombos; e
alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre. Então iam ter com ele os de Jerusalém, de toda a Judéia, e de toda a
circunvizinhança do Jordão. E eram batizados no rio Jordão, confessando os seus pecados”. (bíblia, o evangelho
segundo são Mateus Cap. 3, Vers. 1 a 6).
III – Batismo
3.1 O mito de origem: João Batista e a exigência do batismo
O presente capítulo terá como meta expor a configuração do batismo entre os
grupos pesquisados. Levando em conta que o considero a base central de toda a
dissertação; procurei nos capítulos precedentes analisar como se a construção da
pessoa entre os pentecostais ou batistas tendo como backgroud a categoria batismo.
Trabalhar com o tema requer a discussão de uma série de questões: purificação, relações
sociais, construção de identidade. São estes alguns pontos que tentarei analisar a partir
de agora.
O termo batismo nesse segmento religioso designa, principalmente, um ato de
delimitação de fronteiras e tem, como características básicas, a iniciação dos neófitos ao
novo ambiente socioreligioso. Além do que desenvolve princípios de crenças em vários
modelos de ação: imersão, infusão, aspersão; abrangendo várias faixas etárias (de
acordo como o modelo religioso e doutrinário): infância, adolescência, juventude,
adultos.
148
A palavra “mergulhar” que é a tônica desse ritual evangélico vem de bapto,
vocábulo grego que deu origem a sua forma intensiva batptizo. A princípio o que era
desenvolvido por João Batista (personagem bíblico do Novo Testamento) tinha como
alvo a expansão, pois qualquer pessoa, independente, da sua nacionalidade poderia ser
batizada, desde que decidisse aderir ao novo movimento.
Os grupos que pesquisei usam o modelo de imersão e, quanto à idade, costumam
aceitar para o batismo dos sete anos em diante. Tal questão será abordada melhor nas
próximas seções. Por ora, enfatizo que tais igrejas não permitem o batismo de crianças
com menos de sete anos, pois segundo tais modelos doutrinários é necessária uma
“consciência” do pecado, ou seja, o novo convertido que deseja ser batizado precisa
estar “ciente” de que é um “pecador” arrependido e que, portanto, necessita de tal rito
para purificar sua vida.
Saliento, entretanto, que não há um consenso quanto à questão da purificação ou
não do batismo no meio “cristão”. Começando entre católicos X evangélicos. Os
primeiros têm como noção básica de batismo a idéia de salvação conforme o Concílio
de Trento e que, portanto, admitem o batismo a partir do nascimento da criança, uma
vez que neste pensamento religioso, todos são pecadores, independentemente, da faixa
etária. É o chamado pecado natural no mundo cristão. Mesmo entre os evangélicos há
grupos como, os presbeterianos e metodistas, que batizam em qualquer faixa etária, e
com propósitos variados. Percebam que a categoria é um dos divisores de águas entre
os cristãos, uma vez que entram em cena interpretações teológicas e doutrinárias das
mais variadas formas. Mais antes de entrarmos nas formas e motivos do batismo retomo
a questão do mito de origem.
Para os evangélicos de forma geral, o batismo é um ato de arrependimento que
teve início com um personagem chamado João (o Batista). Uma história relatada na
bíblia, mais precisamente, nos “livros Evangelhos” que fazem parte do Novo
Testamento. Conta-se nos mesmos que era preciso vir alguém, para preparar o caminho
do “verdadeiro” filho de Deus, no caso, Jesus. O designado para a referida missão era
um homem por nome João que de alguma forma fazia parte da parentela do “futuro
salvador”, de acordo com o destacado mito cristão.
O batismo nas águas correntes é o mais correto, pois era no rio que acontecia o
batismo que João Batista fazia. Era feito no rio Jordão, então, qualquer rio hoje que você
149
batiza significa o rio Jordão. Batizou ali, o pecado desce rio abaixo, e vai lá para o fundo do
mar. (Entrevista feita com Manoel, fiel da IPDA – 03/2004).
Eu fui batizada na igreja católica e metodista por aspersão, ao vir para a igreja
batista, o pastor não exigiu que eu fosse batizada. Mas, eu sempre quis o batismo nas
águas correntes, no rio; pois, é um modelo que lembra o batismo praticado por João
Batista, no rio Jordão. Então, qualquer rio hoje que você batiza significa o rio
Jordão. João Batizou ali. Sempre pensei assim, desde o dia em que vim para o meio
evangélico. Tinha um sonho em ser batizada por imersão. Não quero dizer com, isto,
que os dois batismos anteriores não valeram, eu apenas, queria viver de uma forma
simbólica, a ordenança da bíblia. (14/07/04 – Entrevista com Neli, fiel da IBC).
João teve como tarefa central propagar um novo modelo religioso que, tem como
idéia básica, a confissão de erros cometidos anteriormente pelo neófito. O discurso do
mesmo era de que não como fazer parte deste tipo de cristianismo, sem passar pelo
processo de “arrependimento” e logo após, o batismo por imersão. Este modelo de
afiliação religiosa não é exclusividade dos novos cristãos da época do citado
personagem, pois o judaísmo desenvolvia prática semelhante com relação aos não
judeus. Se alguém desejasse pertencer ao judaísmo nesse período que, João divulgava
seu movimento, precisava passar pelo processo de batismo, que se configurava da
seguinte forma: a pessoa que não fizesse parte da religião, era classificada como
“gentio”, e uma vez tomando a decisão de ser um novo judeu, ela precisava batizar a si
própria (imersão), para purificar a sua vida, de antigas crenças. Enquanto o ritual
acontecia, dois oficiais judeus ficavam próximos ao local, recitando passagens do Torah
(o livro sagrado para os judeus – a lei do Pentateuco). Simbolizando que, naquele
momento, o batizando estava assumindo a obrigação de obedecer à lei.
Percebe-se no exemplo acima que, o rito de batismo por confissão e imersão,
revela um caráter de alívio. Ao confessar os seus “pecados”, o novo convertido terá a
água, como simbolismo de “limpeza”. A declaração pessoal e pública de seus erros”,
representa sua humildade; enquanto que, a água, tipifica um poder restaurador.
O neófito neste ritual precisa se “desfazer” de algumas práticas anteriores, se
quiser fazer parte do novo grupo. O que nos permite configurar os seguintes elementos:
sinal de identificação com o novo grupo, purificação cerimonial, preparação para o novo
modelo de vida , reavaliação de sua vida em sociedade, mudança de antigos hábitos, etc.
150
A idéia está associada diretamente às práticas sociais do devoto, pois o mesmo
precisa ter em mente que, as “velhas” práticas, precisam ser extirpadas. No entanto, o
que acontece de fato é uma mistura” de atos, e ensinamentos, que os fiéis trazem de
experiências anteriores, fazendo com que se reelabore uma nova forma de viver, a partir
da nova crença. O batismo por imersão que, tem como base a confissão do religioso
sobre seus “erros”, possui a força criadora de novos hábitos sociais.
O batismo é tudo, ? Ele é a comunhão perfeita, né? Agente ali, morre para o velho
homem, e nasce uma nova criatura. Ali, você muda todos os seus hábitos, com certeza, porque
nossos hábitos começam a ser mudados, a partir do momento que aceitamos a Jesus, né? Se
nós éramos brigão, deixamos de ser , né? Se éramos do mundo, deixamos de ser do mundo, né?
Então, ali s começamos a viver uma nova vida, né? Viver em comunhão com Deus,
né? Não podemos viver em pecado como diz a palavra do Senhor, né? Então foi por aí. Eu
tenho recebido muitas bênçãos, após ter me batizado.
R: Existe a possibilidade de ser cristão, sem ser batizado?
C: Olha! Se você não for batizado, você não está cumprindo com a lei de Deus. Porque no livro
de Lucas capítulo 15, versículo 16 diz que aquele crê, e for batizado será salvo, se você não for
batizado, você não está participando da salvação. Porque, tem que ser batizado, para que
venha morrer o velho homem, e uma nova criatura possa nascer dentro de você. E muitas
pessoas são batizadas com Espírito Santo, sem ser batizadas nas águas, mas o batismo nas
águas é o cumprimento da lei. (Entrevista com Marcio em 22/01/05).
Para estes evangélicos, o batismo entra como confirmação da “aceitação” a
Jesus. De acordo com o mito joanino, não bastava a adesão ao grupo ou, o
arrependimento, sem que fosse acompanhado pelo batismo nas águas do rio Jordão.
João, não foi o primeiro, no sentido diacrônico, a desenvolver a prática de
batismo como elemento purificador, mas com certeza é um ícone do modelo cristão, a
iniciar este ritual. Além do mais, o discurso dele trazia uma novidade para este tipo de
rito, pois no modelo de batismo exigido pelo judaísmo, era necessário a própria pessoa
se batizar; entre os cristãos primitivos elaborou-se a idéia de um líder, para ministrar
tal prática. Fazendo com que o novo convertido confesse publicamente a sua nova fé,
relatando aos presentes no momento, do batismo, através das perguntas feitas pelo
batizador. Observe as perguntas e respostas num ritual de batismo batista.
Pastor: Irmão, você tem certeza do ato que está praticando?
151
Batizando: Sim.
P.: Você sabe que a partir de agora, não pode praticar atos como: consumir bebidas
alcoólicas, fumar, adulterar. Que também precisa contribuir com os dízimos e obedecer
às normas doutrinárias da igreja?
B.: Sei do que preciso abandonar e fazer daqui para frente. E concordo com a prática
do dízimo.
P.: Baseado em sua confissão pública, diante da igreja de Deus presente, eu vos batizo
em nome do Pai, Filho e do Espírito Santo. (Batismo realizado na IBC em 2004).
A lógica da confissão pública a partir da idéia de um arrependimento se
configura quando o fiel é orientado pelo mito joanino, a reconstruir sua vida social para
se enquadrar na nova vida cristã, ou melhor, se comportar de forma intramundana. O
batismo após, a conversão inicial, é o responsável pelas novas ações que o “crente” terá
que desempenhar a partir de um esforço pessoal, e coletivo. Como frisei em linhas atrás,
a conversão não se resume a “aceitar a Jesus”, ela é um processo contínuo, e tem no
batismo uma certa “garantia” de que o crente tentará manter uma vida perfeita, a partir
dos princípios doutrinários da igreja. Na história relatada pela bíblia, não como uma
pessoa querer ser cristã sem, o binômio arrependimento-batismo. Uma vez que isto, se
configura na estrutura principal da crença protestante. E o que, de uma certa forma, os
diferencia da concepção cristã do batismo católico. Para estes, o rito confere um grau de
salvação, independente, da opção do devoto; enquanto que, entre os evangélicos, o
batismo representa o início de uma passagem (Van Gennep) de uma condição, a outra:
velho homem X novo homem.
Um fiel da IPDA relatando o testemunho sobre sua conversão e batismo, num
culto do dia 07/11/03, dizia que antes, de ser evangélico, ele freqüentava vários clubes
de dança. No carnaval, ele desfilava pela Beija flor de Nilópolis, mas que agora, ele é de
Deus. No antigo ambiente, ele fazia coisas como fumar, consumir bebidas alcoólicas,
relacionava-se com rias mulheres; enfim, coisas que no testemunho dele só
prejudicavam a sua saúde, e vida moral. Foi preciso no, dizer dele, que Jesus o tirasse
desse “lamaçal” do pecado, senão ele morreria sem salvação.
O tipo de argumentação descrito acima é muito usado pelos devotos da IPDA,
em suas pregações. É comum ouvir as pessoas dizerem que antes, de se batizarem, eram
“bruxos”, pai, ou mãe de santos, e que foi preciso um esforço pessoal, e do Espírito
Santo, para que abandonassem tais práticas. os batistas não dão tanta ênfase ao
152
passado religioso preferem centrar seus discursos no, comportamento do fiel; o que
fazia antes, e o que pratica após o batismo.
Osíris, a fiel batista em sua entrevista contou-me que antes, de se batizar, já vivia
entre os evangélicos, pois seu pai era da Assembléia de Deus. O mesmo disse a ela e
para suas irmãs, que quando completassem entre 17, 18 anos deviam fazer o seguinte:
Agora, vocês já estão umas mocinhas e já sabem o que querem da vida.
Portanto, não vou obrigar mais que venham a igreja, se não quiserem. Façam o que
acharem melhor. Mas, cuidado, com o que vão fazer.
Osíris contou-me que, ela, e suas duas irmãs, passaram a freqüentar clubes, sair
à noite para as festas, etc. Mas que ela, Osíris, não gostou muito da experiência de ficar
fora do evangelho. Ela diz que ficou pouco tempo no mundo, ou seja, fora da igreja.
Após o período de, filho pródigo, voltou e pediu o batismo. Só, que preferiu a igreja
batista à Assembléia de Deus, pois o sistema doutrinário da primeira é mais aprazível,
em seu raciocínio.
No mito de João é necessário conviver entre, dois mundos: mundo dos homens e
mundo de Deus, tornando o ato de viver em sociedade extremamente difícil, e perigoso,
no que tange as questões de poluição (Mary Douglas, 1966). O fiel destas igrejas, não
deve freqüentar grupos religiosos que não sejam cristãos, comer alimentos consagrados
a divindades de outras cosmologias religiosas. Se possível, casar com pessoas do
mesmo grupo religioso. Enfim, uma série de prescrições que tem como idéias
implícitas, evitar o contato com uma religião estranha. São igrejas, onde não há espaços
para intercâmbio religioso com outros segmentos que não sejam cristãos (ou
evangélicos como dizem). Em outras palavras preferem contato com certos grupos. Por
exemplo, um fiel batista dificilmente, faz um intercâmbio com um grupo afro-brasileiro,
ou com uma igreja pentecostal. O pastor da IBC quando perguntado sobre tal
possibilidade me disse:
Ronald, eu até vou a um centro de macumba ou de uma igreja pentecostal,
como a Deus é Amor, pois sei que quando ali chegar, vou levar a luz de Cristo. E posso
inclusive, pregar lá, se eles quiserem. Agora, um macumbeiro ou pentecostal vir até a
minha igreja e assistir ao culto não tem problema nenhum, o que não pode é eles
subirem ao púlpito para falarem qualquer coisa.
153
Percebam que esta idéia intolerante do pastor é uma constante em muitos grupos
religiosos. Mesmo considerando que seria bom o religioso de outro credo vir até a sua,
não admite qualquer tipo de participação que não esteja dentro de seu sistema de crença,
mas admite que gostaria de “pregar” no outro grupo. Saliento que o mesmo fez questão
de dizer na entrevista que não admite, que um fiel da IPDA suba ao “seu” púlpito, pois
não considera tal grupo como evangélico.
Mas, o que mais chama a atenção é que o medo do contato faz com que uma
série de regras sejam estabelecidas. A relação é evitada para que a fronteira religiosa
seja mantida. A ojeriza do pastor citado, não é só para com um grupo de outra
cosmologia, mas também com relação a uma denominação do mesmo tronco religioso.
Um pensamento religioso que também é desenvolvido pelos pentecostais em relação aos
batistas. Chegam ao ponto, de classificarem os batistas como católicos.
O mito de João contribui para que o discurso destas igrejas sobre a construção
de pessoa, se torne mais “vivo” à medida que as denominações enfrentam as constantes
mudanças na esfera social. Digo isto, em relação às mudanças sociais que obrigam tais
igrejas a reavaliarem seus rituais de culto para atrair novas clientelas. Para se ter uma
idéia do que estou dizendo, várias práticas como canções coreografadas, vendagem de
cds no templo, etc. são atividades ritualísticas que fazem parte de uma renovação de
culto que tem como meta, adaptar a denominação aos novos tempos. Entre os batistas,
chamados “tradicionais”, um dos maiores problemas dos rituais de cultos é a
participação dos fiéis com palmas, prática considerada pentecostal. O que me levou a
compreender que certas atitudes rituais entre estes dois grupos que não são bem-
vindas no outro.
Além desta característica de dinamização, o ritual do batismo entre os
evangélicos permite uma vida cristã em constante movimento. O fiel pode se batizar
várias vezes. O batismo evangélico não é definitivo para a vida cristã. Isto acontece,
se o fiel ficar em grupos com pensamentos semelhantes. Com o ato de imersão, o
neófito assume um compromisso “eterno”, de agir conforme os padrões estabelecidos
pelo discurso oficial. Mas, se ele decidir romper com o grupo terá que ser rebatizado.
R: Mas você acha que se for o batismo por aspersão, não tem o mesmo significado?
N: Tem o mesmo significado.
R: Mas então, por que você queria este?
154
N: Era eu que queria. Eu, Neli, gostaria de ter essa experiência. Porque a bíblia fala que
uma fé, um batismo e um Deus. Então, o meu batismo valeu na metodista, até o da
igreja católica valeu. Mas como eu fui para a cristã, eu tive que renovar aquele batismo.
Agora,a minha mudança foi quando eu mergulhei. (Entrevista com Neli, fiel da IBC em
14/07/04)
A vida do fiel é monitorada constantemente pela igreja a partir do batismo.
Quando o fiel “passa pelas águas”, ele não pode agir fora dos padrões estabelecidos pela
igreja, uma vez que a mesma poderá excluí-lo. As ações de um devoto, desta corrente
religiosa, ganhará um novo significado a partir do batismo com o seguinte pressuposto:
o que ele considerava certo no passado poderá não ser mais; sendo assim, ele não pode
deixar a igreja “descobrir”, se ele faz algo no cotidiano, que contraria o discurso oficial.
Levando-se em conta as relações que ele possui na igreja. O mito de João construiu a
idéia de uma dupla vida, a religiosa e a social. O cristão terá que se adaptar, entre fazer
o que gosta e o que recomenda as normas doutrinárias. Para exemplificar este drama
vivido pelos religiosos irei relatar um caso, que ocorreu num debate entre os
evangélicos no dia 24/01/05 sobre o tema do batismo, numa rádio evangélica.
O título do debate era sobre a seguinte questão: “É necessário o cristão se batizar
para servir de fato a Deus?”.
Enquanto os participantes da mesa davam suas opiniões sobre a necessidade ou
não do batismo, o apresentador do programa leu um e-mail de um ouvinte que tinha
uma dúvida sobre o tema. Segundo este, o pastor de sua igreja estava cobrando o seu
batismo, pois ele tocava um instrumento na igreja mesmo sem ser batizado. E, segundo
o pastor, não haveria mais como sustentar sua situação perante a denominação, pois
como permitir que alguém não batizado desempenhe um trabalho religioso? O e-mail
ainda continha uma observação aos debatedores do programa: Eu gosto de tocar o
instrumento, porém não queria assumir um compromisso maior ao me batizar. O
ouvinte terminou a “carta” perguntando aos debatedores, se era correta a atitude do
pastor.
Todos na mesa concordavam com o pastor, pois para os debatedores não
como ficar na igreja sem ter um compromisso maior com Deus. Um dos pastores
155
chegou a dizer que se esse fiel fosse encontrado tomando cerveja num bar, e alguém da
igreja o visse, como ele seria punido, se não era batizado?
49
Portanto, compromisso é a categoria utilizada pelos grupos pesquisados, para se
referirem àqueles que decidem ser batizados. O mito do novo homem se concretiza
quando um processo de decisão pessoal, no qual o fiel é “obrigado” a se batizar,
dependendo da denominação em questão.
3.2 O preparo para o batismo nas águas ou com Espírito Santo
No tópico anterior procurei desenvolver a forma como é representada a idéia de
batismo entre os grupos analisados. Destacando que o ritual é indispensável, para quem
deseja fazer parte dos respectivos grupos. Mas para que isso aconteça, o fiel precisa de
um preparo. Neste tópico, aprofundo a análise de como é construído a noção de pessoa
nestas igrejas a partir deste ritual. Antes de serem classificados como evangélicos,
protestantes, cristãos, pentecostal, neopentecostal, seja qual for o nome que tais grupos
recebam, há toda uma elaboração doutrinária à qual um devoto precisa aderir. Em outras
palavras, não basta só querer entrar no grupo, é preciso estar disposto a cumprir com o
que determina a regra doutrinária da denominação.
Partindo do pressuposto de que o batismo funciona como um elemento de
ligação entre Deus e o fiel, podemos dizer que ele desempenha um caráter
disciplinador. O religioso destas igrejas precisará passar por um processo de
aprendizagem, antes do ritual propriamente dito. É necessário um ensino metódico de
comportamento moral, e teológico, para que estejam “prevenidos” contra as chamadas
falsas doutrinas. Ou melhor, o principal argumento destas denominações cristãs, IPDA
(cultos doutrinários às quintas-feiras) e IBC (na EBD aos domingos) é de que o novo
49
O debate ocorre de a (11: 00 às 12:00) na Rádio Melodia FM, uma emissora evangélica que
promove um tema novo a cada programa. Os assuntos são variados, mas sempre relacionados a problemas
que os “crentes” enfrentam para viverem a vida cristã: casamento, dízimo, surgimento de novas religiões,
procedimentos das igrejas, etc.
Os convidados fazem parte da grade de programação das igrejas. Geralmente, fazem parte da mesa
profissionais da área evangélica. As igrejas que mais são criticadas no debate são: IPDA e IURD, pelo
fato de desenvolverem um modelo de culto que atrai um considerável número de adeptos em relação às
demais denominações evangélicas.
156
convertido precisa se preparar “intelectualmente” e “moralmente”, para se defender dos
argumentos religiosos contrários. citei o caso do pastor da IBC que não permite que
nenhum líder pentecostal pregue em sua igreja. Assisti a várias pregações deste mesmo
pastor aos domingos pela manhã, onde advertia os fiéis a não freqüentarem grupos
pentecostais, para que não fossem contaminados com falsas doutrinas. Na IPDA, a
palavra chave que os devotos usam para se distinguirem dos outros grupos,
principalmente batistas, e afro-brasileiros, é de que eles possuem a doutrina. O
“cooperador” Paulo pregava o seguinte num culto do dia 03/10/04:
Irmãos e amigos ouvintes da palavra de Deus, gostaria de explicar a vocês
porque somos pentecostais da IPDA. Nós, através da orientação do missionário David
Miranda pregamos a doutrina. Por isso, dizem que esta igreja é muito rígida. Aqui
não tem moleza, ou faz o que a bíblia manda ou vai para outro grupo.
Uma pintura a óleo (semelhante a uma fotografia) do missionário está exposta
em todas as igrejas IPDA que freqüentei no período do campo. E sempre quando
questionava sobre a mesma, ouvia dos fiéis o argumento de que ele é o único que prega
a “verdadeira doutrina” da bíblia. Mas isto ficou claro para mim nas reuniões
doutrinárias de teologia e de comportamento moral. Após um período de convivência
entre estes nativos, passei a entender o porquê de tal veneração.
As reuniões citadas têm como estratégia preparar o fiel para fazer parte do
grupo, mesmo sabendo que muitos devotos após o batismo, não ficam convencidos do
que aprenderam antes. A fiel Claudia da IPDA, numa pregação, destacava que muitas
práticas ordenadas pela liderança não estavam de acordo com a bíblia, mas que ela não
ia problematizar para não atrapalhar a obra de Deus. Wendel da IBC me disse que é
batista porque gosta de alguns ensinamentos desta igreja, mas discorda com algumas
questões abordadas na EBD. Seu descontentamento principal é em relação aos rituais de
culto. Não concorda, por exemplo, na forma como os batistas entendem a crença no
Espírito Santo e na “proibição” do fiel gritar “glória a Deus!” e “aleluia!” nos cultos.
Para ele, os batistas às vezes são frios. Se o fiel Wendel quer mais liberdade, outro
como Jacinto quer tradicionalismo, pois argumenta que os batistas atuais, não são como
antes. Agora, dizia para mim antes de um culto, tudo é permitido aqui: mulheres com
roupas curtas, unhas pintadas, seios de fora; enfim, às vezes nem parece uma igreja
evangélica.
157
Vejam que a disputa sempre gira em torno de como se comportar ou proceder
nos cultos, estendendo para o comportamento fora da igreja.
No entanto, estas e outras denominações evangélicas não cansam de discursarem
que seus preceitos dogmáticos são calcados na bíblia. Este livro religioso, por sua vez,
com seus inúmeros problemas de tradução e com uma linguagem simbólica permite que
todas as denominações dessa tradição cristã utilizem o mesmo argumento. Mas sempre
procurando adaptá-la às suas regras denominacionais.
R: E como foi esse processo? Você se converteu e quanto tempo levou para se batizar, como foi
esse processo?
M: Agora, o batismo é trimestral, mas quando eu me converti era semestral. Tinha que ficar
seis meses na experiência, estudando ali. Agora, com três meses eles batizam, porque estamos
nos tempos finais, então, tem que fazer o batismo mais rápido mesmo.
R: Aí nesses seis meses o que você aprendeu?
M: Aprendi muita coisa. Fiquei estudando ali na bíblia e tal. A bíblia, li ela de gênesis a
apocalipse duas vezes. E também aprendi a me comportar como cristão.
R: E qual foi a igreja que você ficou na experiência?
M: Na própria Deus é Amor, estudando ali. Revendo as minhas antigas práticas para mudá-las,
pois quem aceita Jesus, precisar refazer sua vida.
Aí, depois que faz aquela confissão ali, aí ele diz: Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo
eu te batizo, mergulha a pessoa na água. simboliza que teus pecados vão água abaixo.
(Fiel da IPDA -Manoel 03/04/04).
Para Manoel, não como ficar na igreja sem o batismo. Esta prática é que faz
uma pessoa de fato ser cristã. Segundo ele, antes de ser desta religião pensava o batismo
como algo comum a todos, independente de idade ou faixa etária. Também enfatizou
que a idéia de ter que se arrepender , nunca passou pela sua cabeça, pois aprendeu que
tinha sido batizado, portanto, estava livre da condenação eterna conforme diz a
bíblia. Foi na IPDA que desconstruiu a idéia sobre o batismo católico. Aprendeu nas
doutrinas desta denominação que para ser batizado é necessário um arrependimento
pessoal. O batismo de criança, como entre os católicos, não vale mais para ele.
O preparo para o batismo também tem como objetivo, orientar o fiel de como
deve proceder em sua vida cotidiana, pois o devoto não ficará na igreja vinte quatro
horas por dia. Então, o ensinamento deve ser constante, para que os religiosos possam
sempre expiar os seus erros.
158
R: E além desse período de escola bíblica dominical, quando você pediu o batismo? Quando
você se sentiu pronto para batizar?
W: Quando eu me senti pronto, foi quando eu vi que aquilo era realmente para mim. Após dois
meses. Porque eu era uma pessoa que não era muito dada ao mundo, entendeu? Mas tinha
algumas coisas, tipo influências de amigos, sabe? Mas aí, eu fui tomando conhecimento e vi
que aquilo, ser crente, era a melhor opção, e ia ser melhor para mim. E também, eu fui
amadurecendo mais como cristão, espiritualmente, fui amadurecendo mais. Sempre pedindo a
Deus que ele viesse me usar para o trabalho de dele. Gosto de cantar, gosto de louvar a Deus.
Eu me lembro de uma menina que, era daqui, e começou a me ensinar um ntico para eu
cantar com Play-back, né?
Então, batismo para mim é a oportunidade de mudar de vida: espiritual e materialmente.
(Wendel, fiel da IBC 25/10/04).
Estar preparado para o batismo é desenvolver um esforço para “abandonar”
algumas práticas que antes, não era um problema a ser enfrentado. A batalha espiritual
do fiel variará, dependendo, da denominação em questão. Considerando que na IPDA
jogar futebol, assistir a programas televisivos, ir à praia, ser candidato político, por
exemplo, são práticas que o fiel terá que “deixar”. entre os batistas, estas atividades
não são problemas. No entanto, regras que aproximam os dois grupos como:
proibição de bebidas alcoólicas, fumar, comer alimentos consagrados a divindades
religiosas de grupos como católicos e afro-brasileiros. É interessante notar que o
preparo para o batismo implica numa renúncia de atividades anteriores. Isto faz com que
o discurso do arrependimento se renove não no primeiro ato de entrada no grupo,
mas constantemente. Cotidianamente, grande parte dos fiéis compara sua vida como era
antes de se converter ao que é após o batismo. Portanto, ser batizado significa passar a
viver uma batalha diária, pela busca de uma vida idealizada, aos padrões requeridos
pelo discurso bíblico da denominação em questão. Além de o fiel ter que apreender
novos hábitos para o batismo nas águas, ele necessitará obter um discernimento acerca
do batismo com Espírito Santo. Esta é uma das funções principais dos cultos de ensino,
desenvolvidos por estas denominações.
Nestas igrejas uma relação profunda entre ceia e batismo. Ou seja, o mito da
morte, e ressurreição de Jesus, solidifica os três pressupostos que desenvolvo aqui:
conversão, dinheiro e batismo. Estes elementos sustentam toda a idéia de pessoa destas
religiões. pode participar da ceia, quem for batizado e estiver cumprindo os outros
159
dois elementos: a oferta aos deuses e uma vida contínua de conversão. Dessa forma, ser
cristão nestes grupos requer principalmente, o desenvolvimento destes pressupostos que
fazem parte dos respectivos sistemas de crença.
R: Vem cá, o fiel tem que sempre ir a sede de Belford Roxo ou como funciona isso?
C: Isso se chama doutrina, né? Nós temos um culto de doutrina e não podemos falhar. Por
exemplo, eu congrego aqui em Shangrilá (bairro de Belford Roxo), o dirigente do campo
congrega na igreja que fica no centro do município, então, se ele não estiver ele não vai
saber como está tua vida espiritual ou qualquer dúvida sobre seu comportamento. Se o membro
ou o pastor não tiver fazendo a obra como tem que ser feita, o próprio membro vai e te
entrega. Olha, o pastor está fazendo algo que não está agradando, entendeu? Aí você é
cortado.
R: O membro faz isso?
C: O próprio membro, o membro fiel ele faz. Porque nós estamos servindo a Deus, não estamos
servindo ao homem, né?
R: Então, todas as pessoas na igreja têm que ficar uma vigiando a outra?
C: Exatamente, nós temos que orar e vigiar como diz a bíblia. Então veja bem, eu estou aqui na
direção do culto e se um membro está fazendo algo errado, eu tenho que chamar ele e
conversar com ele. Chamar umas testemunhas e conversar. Se eu também fizer algo errado que
Deus não goste, qualquer irmão tem todo o direito de ir no meu superior e falar: Olha, o
dirigente lá está fazendo coisa fora.
. (Carlos, Fiel da IPDA, entrevista feita em 17/04/04).
A organização social da igreja em torno dos novos adeptos permite uma relação
de cumplicidade assumida por toda a coletividade, pois até os membros mais antigos
são observados pelo futuro devoto, permitindo uma interação mais participativa de
todos.
Antes de ser batizado, o novo convertido já tem uma prévia do que o espera, pois
ele certamente terá testemunhado vários problemas de convivência como: discordância
com a doutrina, fofocas, incompatibilidade com algum líder, etc.
Muitos saem da denominação por tais motivos, uma vez que o primeiro teste a
enfrentar é como juntar discurso e prática. A fiel Osíris da IBC, e o fiel Carlos da IPDA,
são exemplos de religiosos que já vieram de outras igrejas. Saíram dos grupos
anteriores, porque consideravam que os líderes e fiéis não estavam procedendo de
acordo com bíblia. Para Osíris havia desonestidade na administração do dinheiro, além
160
do problema moral com o pastor que ela não quis revelar. Já Carlos enumerou uma série
de problemas de convivência que enfrentou em sua antiga igreja chamada Palavra da
Verdade. Problemas como fofocas, mentiras, boatos... Disse: E uma destas questões me
atingiu, pois houve uma revelação para que minha esposa adiasse o casamento comigo.
O motivo, segundo a tal revelação, era de que o Diabo estava ao meu lado, em vez de
Deus.
Percebi as descrições destes conflitos em vários momentos do campo. Às vezes,
os fiéis não percebiam, ou esqueciam, que eu era um pesquisador. Alguns pensavam que
eu estava interessado em ficar no grupo, e que talvez, estivesse sendo preparado,
mentalmente, para o que iria encontrar pela frente, caso me convertesse.
O fato do novo convertido presenciar cenas de problemas de relacionamento
entre os fiéis, também faz parte de seu preparo religioso. Assim, ele já está imergindo na
estrutura do grupo, e se antes pensava que situações dessa natureza não existiam entre
os protestantes vai vivenciá-las pessoalmente. Além do que, aprenderá um jargão desta
tradição religiosa: “muitos são chamados e poucos são escolhidos”. Ou seja, pessoas
que estão no meio do grupo, mas estão sendo usadas pelo Diabo. O novo fiel precisa ter
conhecimento de todas estas intrigas, pois uma vez batizado, os problemas tendem a
aumentar, mesmo porque, ele terá acesso a pessoas e lugares aos quais antes do batismo
não tinha.
a preparação para o chamado batismo espiritual, que Deus pode fornecer,
exige uma aprendizagem mais rigorosa no âmbito do ethos moral. O fiel precisará orar
mais, consagrar sua vida a Deus, desenvolver a prática do jejum; enfim, terá que manter
uma relação mente e corpo mais próxima das coisas sagradas em comparação com as
coisas profanas na lógica do grupo em questão. Neste sentido, as referidas categorias
estão sendo usadas para diferenciar as atividades dos homens (profana) frente às
“práticas celestiais(sagradas). O que nos faz lembrar a sugestão de polaridade social
Durkheimiana no texto A Dualidade da Natureza Humana. Entretanto, observei que
entre os evangélicos pesquisados, a idéia de pensamento religioso X desejos humanos
ganha um caráter de complementaridade em vez de separação. Por exemplo, a
abstinência sexual que um fiel da IPDA pratica quando objetiva o batismo com Espírito
Santo é feita no sentido de expor que o tempo dos deuses e o tempo dos homens. O
fiel precisa saber agir de acordo com o momento. Isso significa dizer que a prática do
sexo é positiva fora do momento ritual. Em outras palavras o momento dos desejos
161
humanos entrar em ação, e também haverá o espaço reservado as atividades de Deus.
Uma não anula a outra. É necessário que o fiel use as duas no tempo “adequado”.
R: Você usou a palavra consagrar a vida. O que é consagrar a vida?
M: Você consagrar a sua vida, por exemplo. É você concordar, o homem que é casado,
concordar com sua esposa. Está de acordo sobre determinado assunto. Se você diz: Olha,
minha esposa, essa semana nós não vamos ter relação sexual porque eu quero consagrar minha
vida. Você está de acordo? Se ela disser: estou, meu esposo, estou sim. Também vou fazer.
É preciso os dois estarem em acordo. Tem que estarem de acordo. Porque eu não posso
consagrar minha vida, uma semana, ou três dias, se a minha esposa não estiver de acordo
comigo. Entendeu? Porque eu vou ter, eu vou ter que... eu não vou ter nada com ela. Relação
nenhuma com ela, então, ela tem que está de acordo. Isso também vale para ela, se ela quiser
fazer uma consagração, eu como cristão tenho que aceitar. (Marcio, entrevista em janeiro de
2005)
3.3 A importância do ritual para “a vida cristã”
Nenhum dos meus entrevistados deixaram de enfatizar a importância do batismo,
para o prosseguimento da “vida cristã”. Afirmavam que, além de estarem cumprindo
uma ordenança de Jesus expressa nos, evangelhos, o novo convertido ao se batizar
expressa, publicamente, seu compromisso com o grupo. Seria como dizer: sem o ritual
do batismo, o cristianismo não tem razão de ser.
Não, não se está na vida cristã sem o batismo, tem que se batizar. O problema é que
vários tipos de batismo, e a, nossa, batiza na água. Água corrente, no rio. Outras
igrejas já batizam no tanque que, elas constroem, no fundo dos templos, batizam lá. Mas pela
bíblia eles estão errados, mas cada um faz do seu jeito, no entanto, na Deus é amor é assim.
Outras batizam colocando um pouquinho de água na cabeça e pronto.
Mais mesmo com todas essas divergências, não podemos afirmar que uma pessoa é cristã sem o
batismo. (fiel da IPDA – Entrevista 03/10/04).
162
Cartão para que o fiel marque os
períodos em que faz jejum e oração.
163
Na verdade, o caráter de importância ganha, dimensão, quando o religioso
associa o ritual, a mudança de vida. A prática possui um valor simbólico de,
transformação, que mescla vontade do fiel, e poderes divinos. Seja qual for o motivo
que faz o “crente” tomar tal decisão, o que importa é a atitude dele, em querer mudar.
Alguns dizem que a, partir do dia em que aceitam a Jesus, até o momento do batismo,
há um grande abismo, pois parece que nunca vai chegar o dia. O fiel Wendel mencionou
que com, freqüência, participa do batismo de outros fiéis e sempre sente vontade de se
batizar novamente, pois considera um momento mágico. Disse que no dia do seu
batismo sentiu uma mão pegar a, sua, representando uma idéia de proteção. É como se
Deus estivesse confirmando a sua decisão e a sua coragem. Para ele, tal opção requer
coragem, pois o novo convertido terá que lutar consigo, diariamente, sobre o que deve
ou não fazer.
A “consciência” em relação ao batismo
Retomo agora, a questão da consciência necessária para o batismo. O fato
destas, e outras, igrejas protestantes, não permitirem o batismo de “menores” tem como
princípio a escolha, objetiva, e responsável, por parte do novo convertido. Para tais
grupos é importante que o fiel, reconheça, a sua condição de pecador “natural”, segundo
o mito de Adão e Eva relatado na bíblia. Até mesmo um menino ou menina, entre sete,
oito ou nove anos precisa confessar, publicamente, caso queira se batizar. Precisam
reconhecer que são pecadores arrependidos. Caso contrário, o ritual passa a não ter, o
sentido expresso na bíblia. Falar em batismo é remeter o, fiel, para sua memória de
pecador.
A vida cristã passa a ter importância, quando a pessoa expõe publicamente
sua fé, e isso é feito, através do batismo. Após este ato, o religioso passa a ser visto com
outros olhos, pois qualquer ato que venha cometer contrariando o, discurso dogmático,
que possuem estas igrejas, vira alvo de críticas, segundo afirmam os fiéis.
Depois que a pessoa se batiza, ela passa a ser alvo de muitas críticas, pois as pessoas
dizem: Ué, você não é crente? Como fez isso? Agiu assim, assado... Ser cristão, batizado, não é
fácil, mas é muito bom, você saber que um dia vai morar no u com o Senhor. Por isso, a
164
pessoa que aceita a Jesus e não se batiza, ainda não se sente muito bem. (Fiel, num culto da
IBC, março de 2003).
A vida cotidiana do fiel destas denominações de alguma forma, é afetada após o
batismo, mas ao, mesmo tempo, estes religiosos afirmam que a força que possuem para
lidar com as dificuldades no dia-a-dia é obtida através dele. Garantem que os problemas
tendem a aumentar na, medida em que o novo convertido um passo à frente, após a
primeira conversão.
Depois que eu me batizei, né? Eu comecei a me dedicar mais, ainda, na obra de Deus,
e ele começou a abençoar a minha vida. Porque a palavra, dele, diz que nós temos que buscar o
reino o seu reino e a sua justiça, pois as demais coisas serão acrescentadas em nossa vida.
Então, o que eu fiz? Comecei a buscar a Deus, e a orar. Acompanhar os cultos, né? Que têm na
igreja todos os dias, então Deus começou a acrescentar na minha vida aquilo que eu precisava.
Porque muitas vezes a gente não consegue ter um móvel novo dentro de casa, não consegue ter
uma promoção no trabalho, não é? Às vezes... Nessa época mesmo eu tinha uma promoção
onde eu trabalhava que não saía. Não saía de jeito nenhum. Eu tinha que andar com roupa de
motorista porque eu não tinha dinheiro para pagar a passagem. Mas depois que eu me batizei e
me afirmei na casa de Deus. Comecei a acompanhar os cultos direitinho, a servir ao Senhor
direitinho, aí, saiu minha promoção, a minha situação financeira melhorou. Não que esteja na
igreja por esse motivo, pois mesmo tendo problema financeiro até, hoje, estou na igreja...
Meu interesse não é situação financeira. Não é ser rico materialmente, não. Eu quero ser, rico,
da graça de Deus. (Marcio, 22/01/05).
O batismo dos batistas tem como objetivo, principal, formar uma identidade
religiosa de compromisso ético, e religioso. A partir desta idéia, o fiel será responsável,
não só, por representar o povo evangélico, mas terá como princípio, demonstrar um
comportamento social diferente, para que seja reconhecido como um crente batista.
Procurando um bom relacionamento com os outros, demonstrando um bom
conhecimento teológico. Precisa mostrar que há um diferencial entre, ser um protestante
qualquer, e ser, um batista, pois é tal atitude ascética que convencerá os outros a se
converterem.
No caso da IPDA, o batismo representa uma, extensão, das atividades espirituais
e religiosas, pois quando alguém se dispõe a pedir o batismo por esta denominação,
deve saber das regras necessárias. O regulamento interno da igreja (R. I) é a “carta
165
magna” da IPDA. Qualquer batizando ou membro batizado, não pode passar pelas
águas, sem antes conhecê-lo.
Com a idéia de uma constante luta entre indivíduo-no-mundo e ao, mesmo
tempo, fora dele, permite-se uma recriação de valores, tanto no âmbito do social, quanto
no religioso. Uma vez que os fiéis buscam com o ritual do batismo nas águas, a idéia de
uma vida cristã perfeita. A diferença é que os batistas encaram esta “ordenança” divina,
como um caminho para que o novo cristão tenha uma, vida social, mais próxima dos
valores divinos. Para estes religiosos, muitas práticas que o novo batista praticava antes,
continuará valendo, só que dentro de novos pressupostos denominacionais. Mas, para os
pentecostais, não. Batismo, neste caso, significa rompimento total, com práticas
consideradas normais no passado. Sendo assim, no primeiro caso, o ritual apenas
reorientará o religioso sobre como viver em sociedade. Enquanto que no segundo, o fiel
deve “romper” com a antiga sociedade.
3.4 Tipos de batismos entre os grupos
A lógica do ritual do batismo entre os grupos varia, como venho afirmando
desde o início. Mas em vez de falarmos em batismo, no singular, seria mais conveniente
usarmos a categoria no plural. Em vez de pensarmos a palavra no sentido de imersão
em água, seria interessante ampliarmos a compreensão para o lado simbólico. Ou
melhor, batismo com Espírito Santo. As principais metáforas associadas a essa prática é
o fogo, e a água. Os devotos da IPDA afirmam que, ao serem batizados desta forma,
sentem um calor muito forte por dentro. Isto, segundo eles, simboliza o poder que
possui o Espírito Santo. Sentimento totalmente descartado pelos batistas, pois vêem a
166
referida divindade como um ser que habita no coração do “crente”, diariamente, e o
em alguns momentos.
A minha experiência com o Espírito Santo começou no, momento, em que aceitei Jesus
como meu salvador. Antes de aceitar a Jesus, eu era um homem, como outro qualquer, que se
orientava por si mesmo. Eu me orientava, me controlava, eu tinha meus próprios caminhos.
Mas, a partir do momento que decidi ser um, seguidor de Cristo, minha vida tomou outro rumo.
Naquela noite mesmo, eu fui batizado, com o Espírito Santo, pois ele me visitou. Então, a
partir, daí, começou minha trajetória. Tudo o que passei a fazer, depois do momento que aceitei
Jesus, e me batizei, deve está baseado, não em minha vontade, mas na de Deus. Isso é que
significa ter uma vida, caucada, na vontade do Espírito Santo, pois é ele que convence o homem
do pecado, e está em pecado, é não fazer a vontade de Deus; todos os que aceitam a Jesus, e
desejam acompanhá-lo devem ter um coração obediente. Esta obra quem faz é o Espírito Santo,
pois além de convencer o homem do pecado, ele sustentação, diária, para que você possa
caminhar até o fim.
Quem é orientador do crente? É o pastor da igreja? Não, é o Espírito Santo. O crente não deve
fazer o que a igreja quer, o que o pastor quer, mas sim o que o Espírito de Deus quer que ele
faça. Mas quando falamos sobre a língua estranha do Espírito Santo é que é o problema.
Porque a minha posição enquanto pastor batista é de que se uma ovelha minha estiver
pensando dessa forma eu a orientarei. Penso que para falar uma língua diferente eu preciso de
um intérprete, do contrário não tem sentido.
(Entrevista com o pastor da IBC em 21/12/03).
A crença no Espírito Santo faz parte dos sistemas de crença de batistas, e
pentecostais. Mas para um pentecostal, a crença se refere a, uma atitude corporal,
metodicamente, desenvolvida. Se por exemplo, um devoto da IPDA for à praia, ou a
uma piscina pública, ele estará quebrando um tabu. A concepção de Espírito Santo que
possuem, não permite a presença dos fiéis em lugares como os mencionados. Lá, no
chamado ambiente mundano, o fiel irá deparar-se com homens, e mulheres seminus, o
que contraria a idéia de santidade, relacionada à crença. A IPDA trabalha a questão,
santidade-Espírito Santo, que é uma representação da vida ascética do grupo, a partir da
imagem.
Eu fui batizado com o Espírito Santo e no, dia, foi uma coisa tremenda. Você não
consegue entender bem, vamos supor, você não consegue distinguir, o que acontece. Você sente
uma coisa tremenda. Você fica trêmulo, você chora, é uma emoção tremenda. Você fala outras
167
coisas que, entendeu? Como diz a bíblia, vo fala a língua dos anjos, né? E ali, é uma
comunhão perfeita, como diz a bíblia no livro de Atos dos apóstolos, né? Aquele grande dia,
onde estavam todos reunidos num só, lugar, e todos foram batizados com Espírito Santo.
Exemplos de batismos na IPDA. Fotos que estão no site da
denominação.
168
Ir à praia para um devoto batista, não é problema, desde que ele se comporte
como um cristão. Ou seja, para este tipo de evangélico é necessária uma autocontenção.
Se por exemplo, estiver na frente de uma mulher, ou homem seminu, o (a) fiel deve
saber controlar a situação para não pecar: desviar o olhar, puxar uma conversa; enfim,
não é problema estar num, ambiente, como a praia. A idéia da doutrina batista é que
seus fiéis tenham, cuidado, com o que vêem, mas isso não significa proibição, como no
caso da IPDA.
Ao cumprir-se o dia de pentecostes estavam todos reunidos no mesmo lugar. De repente
veio do céu um ruído, como que de um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam
sentados. E lhes apareceram umas línguas como que de fogo, que se distribuíram, e sobre cada
um deles pousou uma. E todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar noutras
línguas, conforme o Espírito lhes concedia que falassem. (Bíblia, livro de Atos dos Apóstolos,
Cap. 2 vs. 1,2,3,4)
50
.
Há dois modelos de batismos: o tradicional e o espiritual. O batismo nas águas
(representante do primeiro exemplo) depende da vontade do fiel, e de como ele
procedeu, durante o período de aprendizagem. Antes do batismo, o religioso aprende
mais do que um modelo de comportamento, do mundo cristão: ele precisa demonstrar
isto, com suas atividades. Significa dizer que se no, período da EBD, ou dos cultos
doutrinários, o fiel evidenciar um comportamento diferente do que é ensinado, ele será
penalizado. E se, por exemplo, for visto pela liderança, ou por algum membro fazendo
algo contrário as normas da igreja, pode ter seu pedido de batismo cancelado.
Exemplifico tal pensamento, com uma frase que disse o fiel da IPDA, Marcio, em sua
entrevista: A igreja tem uma programação para efetuar os batismos. Sendo assim, não
basta apenas a vontade do fiel em querer se batizar nas águas, ele precisa estar
cumprindo as determinações da denominação. Uma vez que o fiel, antes do ritual, está
no período de experiência.
Se antes ele fumava, consumia bebidas alcoólicas, assistia a algum programa de
televisão, brincava carnaval, etc. não poderá mais fazer coisas semelhantes, uma vez
que não condiz com as normas da igreja em questão. Portanto, o fiel precisará fazer um
50
Este versículo da bíblia é muito usado nos cultos da IPDA, quando falam do tipo de batismo destacado.
O discurso também tem como objetivo, principal, falar do tipo de batismo do período inicial ao
movimento cristão. Por sua vez, os batistas fazem uma interpretação bem diferente sobre o citado
versículo, quando comparado aos pentecostais.
169
Batismo efetuado no tanque batismal da IBC.
(2004).
170
esforço, ou como dizem precisa estar preparado para o batismo. E está nesta condição,
é quando apresenta mudanças de hábitos e novas atitudes em função da “nova vida”.
Antes de entrar na questão do batismo com Espírito Santo propriamente dito,
gostaria de mencionar que ambos os grupos pregam o batismo nas águas por imersão,
em crianças, a partir dos sete anos, aproximadamente. No entanto, divergem quanto ao
local a ser efetuado. Para os batistas, não problema em se batizar numa piscina
(batistério como chamam). Uma construção feita dentro dos templos, habitualmente,
próxima ao altar, o que facilita a participação maior da “membresia”. Uma vez que não
precisará deslocar as pessoas, para participar deste ato que é considerado o mais
importante para estes cristãos. para a IPDA, vale o batismo feito em um rio de
águas correntes. No caso das igrejas do Estado do Rio de Janeiro, se faz num rio
chamado Mazomba situado no Estado do Rio de Janeiro. Segundo os fiéis é necessária
esta prática, para que seja lembrado o batismo feito por João Batista no rio Jordão,
localizado no Oriente Médio. Os devotos dizem que batizar em água parada, não é
muito “higiênico”.
Eu fui batizado na Igreja Pentecostal Deus é Amor. No rio. No rio Mazomba, né? Como
é de costume dos fiéis desta igreja no Rio de Janeiro. Eu fui batizado, no rio Mazomba. (Carlos,
fiel da IPDA numa entrevista).
Mas além do discurso histórico e prático, desenvolvido por estes pentecostais, há
em tal pensamento uma elaboração simbólica entre, natureza e divindade. O espaço
físico torna-se o ambiente ideal. O rio é um elemento que faz parte da crença, pois o
batismo só passa a ter eficácia simbólica, quando relacionado a esta situação geográfica.
O que, de uma certa forma, faz lembrar a crença dos afro-brasileiros, ao fazerem uso de
lugares naturais como: cachoeiras, esquinas, cemitérios, etc. Uma vez que as atividades
sacrificiais feitas nestes ambientes são criticadas pelos líderes da IPDA.
Portanto, o discurso destes pentecostais centra-se com muita ênfase nas práticas
de cultos que tem a natureza como background
51
. Sendo assim, não melhor maneira
51
Lembro-me neste momento, dos cultos que realizam nos montes (morros), as concentrações de cura ao
ar livre, a utilização de objetos humanos como : roupas, fotografias, azeite de oliva, etc. Todos estes
elementos fazem lembrar, sob o ponto de vista da IPDA, que a natureza humana e as divindades mantêm
uma íntima relação de ação visando combater o “mal”. Mal este, que é representado por outros grupos
religiosos.
171
de representar a purificação, senão através de um elemento concreto como um rio.
Considerando que a maior parte destes religiosos veio de religiões afro-brasileiras.
Assim, a lembrança das referidas práticas com relação à natureza, no meio evangélico,
não é tão estranha para este tipo de cristão. Num culto que assisti da IPDA, na rua
Senador Pompeu, em fevereiro de 2005, o pastor pediu para que todos os freqüentadores
de religiões afro-brasileiras que estivessem presentes fossem até à frente, para serem
libertos. E como ninguém se manifestou, ele disse: Gente, não tenham vergonha, pois
aqui na Deus é Amor, 90% dos membros são oriundos de religiões da macumba.
Candomblé, Umbanda, Quimbanda.Querem ver? Quantos membros da IPDA vieram da
macumba? Após esta pergunta do líder, quase todos os fiéis levantaram as mãos. O
templo tinha nesse dia entre, 1500 a 2000 pessoas, entre membros e visitantes.
Passarei agora, a analisar o batismo com Espírito Santo, em maiores detalhes.
Este ritual depende mais do fiel, do que da igreja. Uma vez que se trata de um assunto,
que coloca fiel e Deus, frente a frente, sem intermediário. Por conseguinte, o religioso
só receberá o batismo, se agir de acordo com o que prescreve as normas da igreja. O que
segundo a instituição significa cumprimento das regras doutrinárias. O interessante a
notar nesta crença é que a idéia, de “derramamento”, continua. Tanto no batismo nas
águas, quanto no batismo com Espírito Santo. Enquanto naquele, o fiel é imerso numa
porção de água, neste, o devoto recebe uma porção energética”. O que de, alguma
maneira, nos conduz à idéia de “possessão” desenvolvida no pensamento afro-brasileiro.
que a categoria possessão, entre os pentecostais, ganha um significado negativo,
porque será a principal “arma” contra as religiões citadas. Assim, em vez de possessão,
os pentecostais construíram a categoria de pensamento “batismo com Espírito Santo”,
ou recebimento. Mas para mim, a idéia de ser “possuído” por entidades do “bem” ou do
“mal” representa uma espécie de “possessão” por seres divinos. Considerando, que o ser
que “adentrou” o corpo do devoto, passa a controlar a situação momentânea.
Eu fui batizado com Espírito Santo quando eu saí das águas. Eu fiquei assim flutuando,
nem sabia o que estava acontecendo. Os irmãos é que me pegaram, pois eu fiquei meio tonto.
Quando saí das águas é que eu fui batizado com o Espírito Santo. (Manoel, fiel da IPDA dando
um testemunho).
R: Você foi batizado com o Espírito Santo?
172
M: Eu fui. Inclusive, Jesus quando foi batizado por João Batista, após ele ter sido batizado, o
Espírito Santo desceu sobre ele em forma de pomba, como fogo. Desceu sobre o corpo dele em
forma de pomba. Isso também está na bíblia. Então, hoje em dia... na bíblia tem uma
passagem... É porque eu não sei, eu não consigo guardar na memória o livro, o versículo, o
capítulo, entendeu? Mas que numa certa época, ali, o povo estava ali, buscando, umas 150
pessoas foram batizadas com o Espírito Santo. Cada um falando uma língua diferente da outra.
E isso continua acontecendo. Se a pessoa estiver na igreja, buscando a Deus com sinceridade,
andando correto, tendo amor no seu coração que é o principal. A pessoa é batizada com o
Espírito Santo, recebe os dons de Deus todos, que estão prometidos na bíblia, né? Dom de
profecia, dom da palavra, dom de discernimento de língua estranha. Porque na igreja
pentecostal, você pode ver, é um irmão falando em profecia, um profeta de Deus, sendo usado
em línguas estranhas, e o outro profeta traduzindo aquela língua. Então, existe também o dom
de traduzir as línguas estranhas. Porque, o que fala língua, ele está falando a língua dos anjos.
Então, para a igreja não tem proveito nenhum. Porque ninguém entende, se não tiver alguém
que tenha o dom de traduzir aquelas línguas.
R: A língua no caso, não é idioma? Por exemplo, inglês, alemão... é esse tipo de língua, ou
não?
M: Não. Não é não. São tipos de línguas que não é inglês, não é francês, o é espanhol. É um
tipo de língua estranha. Conforme a bíblia fala.
R: E você fala essas línguas?
M: Então, quando eu estou buscando a Deus eu falo, mas a pessoa que fala aquela língua, nem
ela sabe o que está falando. Nem a pessoa sabe.
R: Não é consciente?
M: Não. A pessoa não sabe. A não ser que tiver um que tenha o dom de traduzir línguas
estranhas. Aí, quando você fala uma língua estranha, aquele que tem o dom de traduzir fala em
português.
(Entrevista com Marcio presbítero da Assembléia de Deus, ex-fiel da IPDA).
A forma como os fiéis descrevem a experiência do batismo revela a intimidade
que se construiu, entre Deus, e homens. Os pentecostais fazem questão de dizerem que
para receber este tipo de batismo, o fiel precisa ter uma vida santificada, sem pecado.
Não pode desenvolver uma conduta “mundana”, pois agindo assim, impedirá que o ser
divino faça morada em seu coração. Acreditam que os batistas, e outros evangélicos
descrentes no batismo com Espírito Santo, são “frios” espiritualmente; vivem uma vida
cristã, que não agrada a Deus, apesar de se considerarem cristãos.
173
Os batistas, e outros evangélicos são frios e anêmicos espiritualmente falando, pois
não crêem no batismo com Espírito Santo, porque não tiveram esta experiência. Mas como vão
ter, se vivem uma vida cristã igual ao pessoal do mundo. Bebendo, jogando futebol, indo à
praia etc. Fazem tudo o que não agrada a Deus, como o ter o Espírito? (Conversa informal
de uma fiel da IPDA antes do culto).
Os batistas, entretanto, defendem-se dizendo que o referido ser habita no
corpo do cristão, quando o mesmo decidiu aceitar Jesus; portanto, o que os pentecostais
pregam são práticas de “seitas” que não têm base bíblica. Os batistas afirmam que tais
religiões fazem uma interpretação equivocada da bíblia. Percebe-se que ambos os
grupos, se acusam no terreno da utilização do corpo, ter o espírito santo ou recebê-lo. A
concepção batista de que o corpo do cristão deve ser a morada constante do Espírito
Santo e não, momentânea, tem como objetivo principal, desqualificar a crença do
pentecostal, e também expor que o seu modelo é mais individualista do que coletivista
com relação a esta crença.
Como venho expondo, antes do batismo, seja ele qual for, o fiel não se sente
responsável pelos seus atos. Inclusive, garantem que a própria “sociedade” não exige
dele, o que cobra de um devoto batizado. O ritual do batismo impõe sobre os ombros de
cada fiel uma grande responsabilidade. Seja por parte de Deus, seja por parte dos não
crentes. Sempre dizem nos cultos: Quando você está no mundo, ninguém te cobra tanto,
mas basta tornar-se crente que vem alguém e diz: Tá, vendo, é crente e fez isso, fez
aquilo. Ninguém cobra isso de um macumbeiro, de um católico.
O termo cristão para estes devotos é antes de tudo, adequar a vida social, aos
padrões religiosos, considerando as respectivas doutrinas. Ou melhor, fazer com que os
dois níveis de vida possam conviver. O que nem sempre acontece harmoniosamente.
3.5 A “sensação” dos batismos
O sentimento difere, pois o batismo nas águas demonstra, principalmente, que o
fiel cumpriu um papel social perante a comunidade religiosa e a sociedade dos não
crentes. Já o batismo com Espírito Santo é um “presente” da divindade, e requer
174
atitudes de maior consagração dos fiéis. Ou melhor, o “crente” que deseja obter esse
“privilégio” terá que fazer por onde. E o esforço necessário, isto no que diz respeito ao
pensamento da IPDA, não é só diante dos homens, mas também diante de Deus.
Portanto, faltar aos cultos, as santas ceias, cultos doutrinários são péssimos exemplos
que um pentecostal pode dar perante o Senhor.
R: E como foi a sua experiência do batismo com Espírito Santo?
N: Ah! Foi uma experiência tremenda.Sempre quis dar o melhor de mim para Deus. Eu sempre
fui muito chata com as coisas de Deus. Para mim, as coisas de Deus têm que ter prioridade. Em
relação a jejum, a oração, a cultos, as tarefas, ali tudo certinho. Mas o batismo com Espírito
Santo é uma coisa incrível, sabe? É divino. É muito bom ser batizada com ele.
R: E você foi batizada quando?
N: Quando? O meu batismo foi num culto de jovens, onde estava louvando a Deus, sabe? O
pastor estava pregando, e eu estava glorificando ao Senhor, mas de repente, eu comecei a
glorificar sem parar. É algo que dá na gente assim, não é emoção. É algo sobrenatural mesmo.
A gente sente nosso corpo todo como se fosse assim, um fogo, sabe? É uma coisa muito
diferente, é como se você tivesse voando. E o pastor estava ministrando a palavra e todo mundo
cantando louvores. E eu comecei a glorificar direto, aí, ele botou a mão na minha cabeça,
ele começou a falar em línguas e traduzia tudo o que ele estava falando.
R: Mas é uma língua idioma?
N: Não. Eu conversava com ele. Eu respondia a ele, e entendia tudo o que ele estava falando.
(Neli, fiel da IBC – 14/07/04).
Um fiel batista, após o período de preparação na escola bíblica dominical espera
com grande expectativa, o dia do batismo. Além de se sentir mais aliviado, por ter
conseguido passar pelas “provas” de conhecimento teológico, e de experiência de vida,
o devoto acredita que com o ritual, sua vida será melhor. A presença da trindade
santíssima: Deus, Espírito Santo e Jesus Cristo torna-se mais “real” para ele. Enquanto
que para um seguidor da IPDA, o momento que antecede o batismo nas águas pode ser
compensado com os dons espirituais.
Eu não via a hora de me batizar nas águas, pois antes de me batizar eu era muito
brigão, bebia, fumava muito, então sabia que após o batismo eu não poderia fazer isso, senão
seria excluído da igreja. No dia do batismo, você fica muito emocionado e na, expectativa, pois
175
todos estão te observando, inclusive seus parentes. É um sentimento de alívio e satisfação, mas
também de grande responsabilidade, pois o crente sabe que a partir dali, ele terá muito mais
lutas. O inimigo das almas, o Diabo, não gosta que as pessoas aceitem Jesus e se batizem, pois
é mais uma derrota para ele. Cada alma que se converte ao Senhor significa uma vitória para o
reino dos céus. (Manoel, fiel da IPDA, testemunho num culto de domingo - agosto de 2003).
O corpo do religioso crente no batismo com Espírito Santo, sofre uma grande
transformação. Segundo os nativos, após tal acontecimento, o membro vive como se
houvesse duas pessoas habitando no mesmo corpo. Com isto, o religioso passa a ter
uma voz interna para o orientar, sobre determinadas situações. Mas também surgem
mudanças “reais”, pois no momento processual do ritual visões, revelações, variação
de temperaturas, etc.
A minha experiência ao ser batizado com Espírito Santo foi a partir de uma busca
intensa. Eu busquei muito por esse batismo, pois eu estava querendo muito ser batizado dessa
forma. Nessa minha busca, eu passei a freqüentar várias vigílias, e numa delas, ao chegar,
quando começaram a fazer a oração de pentecostes, uma oração muito fervorosa, eu comecei a
sentir algo em meu corpo. Comecei a sentir algo sobrenatural, e nesse momento, minha língua
começou a enrolar.
Quando dei por mim, estava falando língua estranha. Nesse momento, todo mundo na igreja
tinha parado de orar, mas eu continuava a falar em línguas estranhas. Sentia estranho, um
fogo, uma coisa que queima no coração. Você sai desse mundo e entra em outro mundo, o
espiritual.
Isso não é consciente, o meu batismo não foi consciente. Mas, o Espírito Santo é sujeito ao
profeta. Se você disser não, agora já acabou a oração, e eu vou parar de falar língua estranha,
para. Porque o espírito é sujeito a você. É uma coisa consciente e inconsciente ao mesmo
tempo. Você consegue parar ele, mas quando fala língua estranha, você sai deste mundo, você
não sabe que língua está falando. Porque é uma língua que não tem tradução, é a ngua dos
anjos”. (Entrevista com Paulo, fiel da IPDA em 07/11/03).
Dos fiéis que entrevistei da IPDA e com outros batistas com quem tive uma
conversa informal, todos asseguraram ter tido um sentimento de “sobrenatural” no
momento deste tipo de batismo. Lembrando, que fiéis na IBC que dizem ter sido
batizado com o Espírito Santo. Mas nem todos concordam quanto à questão da chamada
língua estranha não ser traduzida. Uns defendem que, ao ser batizado com o referido ser
176
espiritual, o fiel, mesmo não tendo estudado determinado idioma, recebe uma força
divina para falar, e um outro para traduzir. No entanto, alguns religiosos defendem que
a habilidade espiritual é um dom de Deus e faz parte da linguagem celestial, não pode
ser entendida por mentes humanas. Lembro ainda que os entrevistados crentes no
batismo com Espírito Santo disseram ter tido uma experiência anterior com religiões
mediúnicas. O que leva a crer que a convivência na antiga religião desenvolveu uma
influência em, algum momento, na atual crença do devoto. Mas não explorei com
profundidade nesta pesquisa, tal aspecto. Deixo essa análise aberta para possíveis
debates em torno da categoria possessão.
177
Conclusão:
Nos três capítulos precedentes procurei analisar como as igrejas pesquisadas
diferem no aspecto de formar uma identidade de grupo, mesmo classificadas como
sendo da mesma tradição religiosa. Os contrastes se mostram nas práticas sociais,
crenças, hábitos e formas da interpretação da bíblia, uma vez que desenvolvem cultos
diferentes e vêem personagens bíblicos: (Deus, Espírito Santo e Jesus) de acordo com
suas respectivas estruturas doutrinárias.
Na IPDA insistem que quanto mais gritarem nos cultos, maior e mais intensa
será a manifestação de Deus. Na IBC a utilização da voz de forma “cadenciada”, sem
muitos gritos de louvor, facilita, segundo os Batistas, a ação de Deus. A maneira como
cada denominação conduz suas reuniões corrobora o que a instituição espera de seus
seguidores na vida social.
O discurso oficial da IPDA é de que a política institucional não é algo divino.
No entanto, o máximo que os fiéis devem fazer é orar pelos governantes para que façam
uma boa administração; não que esperam destes uma ação concreta. A oração é no
sentido de estar cumprindo um mandamento bíblico e de pedir a Deus pelas autoridades.
Observei esse raciocínio em várias ocasiões. Não percebi entre eles uma “abertura”
para uma possível coalizão com outras igrejas na questão de uma política comum a
todos os evangélicos. Sempre demonstraram uma posição contrária as atividades de
“crentes” nas questões políticas. Isto, foi algo que não observei no meio batista, pois
neste aspecto estão mais dispostos a um diálogo. Este parece ser um elemento de
estruturação dos pentecostais, já que possuem um modelo organizacional, onde os
meios de comunicação e a relação com outras igrejas protestantes se torna impossível.
Não me lembro nestes dois anos de pesquisa de qualquer evento ecumênico que tivesse
a participação da IPDA. Isto faz um contraste com os batistas, que não vêem problemas
numa possível participação de um encontro interdenominacional, desde que não seja
utilizado o púlpito da própria igreja. Assinalei esse ponto anteriormente, na entrevista
do pastor da IBC, onde diz que aceitaria o convite para pregar numa igreja pentecostal,
desde que não tivesse que ceder “seu” púlpito para um pentecostal, uma vez que está em
jogo um modelo doutrinário oposto ao seu.
Não descarto a possibilidade da IPDA agir na arena política, porém não observei
nestes dois anos entre eles qualquer atividade que objetivasse tal propósito. Mesmo na
178
inauguração da matriz paulista, não notei nada que lembrasse um possível apoio
político. entre os batistas é possível a permissão de políticos utilizarem faixas nas
entradas dos templos promovendo alguma festividade da igreja, desde que se reconheça
que deve ser respeitado o ambiente interno dos mesmos.
Todo modelo ritual de culto da IPDA tem como alvo a aparência física: obreiras
uniformizadas, obreiros de ternos, fiéis com roupas não curtas. Qualquer
comportamento de um membro precisa está enquadrado. Isso é o que solidifica a crença
no pentecostalismo da IPDA. Para tais religiosos estas práticas simbolizam a “sã
doutrina” que David Miranda tem coragem de pregar. Apostam num modelo
comportamental e físico como meio de receber os bens materiais e espirituais.
A preocupação com a questão estética não é fundamental entre os batistas, pois
visam uma experiência com o divino mais centrada na ação. Para um batista, mais do
que mostrar ao não crente sua indumentária como fazem os pentecostais da IPDA
fazem-se necessárias atitudes práticas (além da roupa) que convença ao não crente de
que o melhor caminho é ser cristão. Em outras palavras, ser batista é comportar-se
perante o não crente de modo a impressioná-lo: Conversar sobre diversos assuntos,
freqüentar lugares onde não existam evangélicos, recepcionar bem um não protestante
na igreja. Enfim, dar exemplos de interação com o mundo dos homens. Arrisco-me a
dizer que a atitude do batista é mais intramundana; ao passo que do fiel da IPDA é
extramundana.
Antes de iniciar o trabalho de campo tinha como instrumento de diferenciação
dos grupos a glossolalia. Esta é valorizada pelos pentecostais e criticada pelos batistas.
No entanto, pude perceber que tal questão faz parte de um sistema de crenças amplo, e
não um traço isolado. E tem como principal diferenciador os rituais de culto e o
comportamento dos fiéis.
Entre os contrastes percebidos, um outro ponto que chamou minha atenção foi a
forma como recepcionam seus visitantes. Entre os batistas esse ponto é indispensável,
pois o visitante precisa ser bem tratado para ter isso como exemplo. Mesmo que depois
tenha vários problemas de relacionamento como foi demonstrado ao longo do trabalho.
O que deve contar ou impressionar o visitante é o tratamento que lhe é oferecido, uma
vez que entre os batistas as ações práticas de relacionamento é o que estrutura a
denominação. Dessa forma, além da recepção inicial em qualquer culto da igreja é
necessária a ida dos dirigentes do culto até a porta do templo, para que todos sejam
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cumprimentados pessoalmente, uma representação de que a instituição preocupa-se com
seu “rebanho”.
O fato dos líderes da IPDA não valorizarem esse aspecto, não significa um
desprezo das relações pessoais, pois ela é desenvolvida ao longo da experiência cristã,
dependendo da participação nas reuniões. Um visitante ao adentrar em um culto destes
pentecostais precisa compreender que a experiência da recepção é adquirida no ritual do
culto: ao sentir o Espírito Santo durante os cânticos, as manifestações corporais e as
ofertas. A experiência do contato é construída na participação do culto, pois assim você
entra diretamente em contato com Deus, sem precisar de nenhuma intervenção. Isso
várias vezes me causou uma certa estranheza. Imaginava que em cada igreja da IPDA
seria recepcionado na porta. após um tempo é que fui perceber que um visitante
neste grupo é considerado um estranho, e com pessoas classificadas, nessa categoria, é
preciso observação e cuidado.
À medida que fui desenvolvendo a pesquisa também percebi que os batistas
buscam controlar a entrada de alguém através da recepção. Não como entrar numa
igreja Batista e ficar a margem. Todos na IBC são monitorados” constantemente. Na
IPDA, o “controle” é feito a partir do desprezo. Se o visitante for um enviado de Deus,
só o tempo mostrará. Não há como detectar isso, logo no início. Neste sentido, a IPDA é
uma igreja mais pública; ao passo que a IBC é uma denominação privada quando o
assunto é ritual de culto.
O “monitoramento” faz parte da estrutura religiosa de ambas as igrejas, pois a
igreja pentecostal se constitui numa organização que procura deixar a cargo do devoto
como deve se comportar. Se após um período, esse religioso não se adequar será
desprezado. E não encontrará um ambiente propício de relacionamento. Lembro-me de
uma conversa que mantive com um fiel da Assembléia de Deus sobre a possibilidade de
ser membro da IPDA, considerando que ele mantém um respeito pelo missionário
David Miranda. Disse ele:
De fato eu considero o missionário David M. um homem de Deus, mas não
acho o ambiente nesta igreja bom. As pessoas são muito fechadas e olham para você
com desconfiança.
O mesmo sentimento descrito pelo fiel da Assembléia de Deus eu também
experimentei quando entrei pela primeira vez na IPDA. No entanto, é aí que se constitui
180
a construção de pessoa entre os membros desta igreja. Ele precisa aprender que o
visitante é um estranho até ser de fato um pentecostal da IPDA. Isso é representado por
meio das seguintes categorias: ser batizado com Espírito Santo, praticar a glossolalia,
fazer revelações, votos, etc. Estas práticas sucessivamente desenvolvidas são as maiores
demonstrações de interação com o grupo. Enquanto pesquisador, até o último dia em
que estive com eles não consegui de fato ser visto como um “amigo”, pois esta categoria
não é relevante. Você é um pentecostal ou um estranho.
A boa recepção entre os batistas, desde o primeiro dia, foi interpretada por mim
como tentativas de conversão. Sempre perguntavam o que fazia entre eles e se não
queria ser “crente”. Ao contrário da IPDA, sempre faziam “apelo” para que fizesse parte
do grupo. A “amizade” adquirida entre os batistas, de certa forma, tinha como alvo uma
tentativa de que me convertesse a esta denominação.
Não entre estes pentecostais uma busca incessante de novos fiéis durantes os
cultos. Pouquíssimos “apelos” eu assisti, se comparado às reuniões da IBC. Notei que o
maior interesse da IPDA é manter os membros dentro de uma rígida doutrina, para que
a mesma seja o diferencial na conquista de novos adeptos. Na IBC a preocupação é
atrair novos fiéis, abrindo mão, inclusive, de seus tradicionais rituais de culto.
A IPDA procura se “fechar” mais em suas doutrinas visando ser um exemplo do
“verdadeiro” cristianismo. A IBC procura crescer objetivando que uma grande parte de
seu público não seja atraída pelos cultos dos concorrentes. Por mais que abram as portas
doutrinárias, não conseguem atrair novos fiéis. Sempre ouvi dos líderes da IBC que a
igreja necessitava de um projeto para reerguer a denominação, que, segundo os mesmos
havia perdido terreno para outras igrejas.
Termino destacando que duas lógicas parecem prevalecer : a do corpo e a da
ordem. No primeiro caso está evidentemente a IPDA que procura construir a noção de
pessoa a partir da categoria santidade. Para que o devoto consiga atingir este nível de
comportamento que o aproximará de Deus, o mesmo precisará combater o que não é
valorizado entre os batistas. Ou seja, o controle do corpo. Por sua vez, os batistas
estruturam sua membresia” em torno da ordem, estendendo-se esta categoria como
uma forma orientada dos cultos frente à “espontaneidade” dos pentecostais.
Não há entre esses grupos uma unanimidade de ações. A partir desse traço
podemos dizer que se constroem como igrejas, mas com modelos lógicos
completamente diferentes. O comportamento pentecostal durante os cultos e a vida
cotidiana precisam ser calcados na aparência física, pois é ela que permitirá ao fiel da
181
IPDA amadurecer sua vida espiritual. Já entre os batistas há uma necessidade de maior
comedimento nas ações: a maneira de falar, o que falar, na direção dos cultos, no
cotidiano extra-igreja. Estes são os pontos centrais que envolvem os dois sistemas de
crenças destas igrejas classificadas como evangélicas.
O desenvolvimento desta pesquisa teve como objetivo expor que as formas de
construção de um batista e de um pentecostal precisam ser realizadas a partir do sistema
de crenças e não por meio de ideologias políticas. A pesquisa procurou expor que para
ser um batista da igreja da Califórnia em Nova Iguaçu, por exemplo, o devoto deverá
responder a uma série de prescrições rituais diferentemente de um pentecostal da IPDA.
Se este trabalho contribuiu para complexificar o entendimento de algumas das
categorias usadas por esses grupos religiosos, sinto-me com o dever cumprido.
182
GLOSSÁRIO
A PAZ DO SENHOR – Saudação utilizada pelos pentecostais, equivale a um “bom dia” ou
“boa noite”.
APELO convite feito nos finais de cultos para que o visitante se converta ao grupo.
Geralmente, fazem uma pergunta: Alguém aqui gostaria de aceitar a Jesus? A pessoa que
quiser fazer parte da igreja deve levantar as mãos em público, e caminhar até o altar.
AMIGO – A forma como os batistas cumprimentam os não crentes.
BATALHA ESPIRITUAL - As lutas enfrentadas pelo religioso no campo do oculto.
BATISMO NAS ÁGUAS - É o batismo por imersão feito num rio (IPDA), ou no batistério
(I. Batista). O Pastor imerge o batizando nas águas apoiando-o pelas costas. Simbolizando
a morte do velho homem e o renascimento de um novo. Após o candidato vir à tona, ele é
considerado uma nova criatura.
BATISMO COM ESPÍRITO SANTO – É o chamado batismo espiritual, onde o fiel
(pentecostal ou renovado) recebe o Espírito de Deus. A partir daí, o religioso pode falar a
língua dos anjos e ter os dons concedidos por Deus como: cura, revelação, visão, etc.
BATISTA TRADICIONAL São aqueles grupos que se consideram não “contaminados”
por costumes pentecostais. Enquanto os batistas renovados optam pelos costumes dos
pentecostais, dentre eles, a crença no batismo com o Espírito Santo.
CAMPANHAS – São temas de votos (propósitos) feitos pelos pentecostais.
CATECÚMENOS – Termo usado pelos batistas para classificar um fiel recém convertido e
que está se preparando para o batismo nas águas. Os Pentecostais preferem o termo novo
convertido.
CEIA Ritual feito nas igrejas evangélicas que consiste em lembrar a morte do
personagem bíblico Jesus. Uma forma de renovar constantemente a fé.
CLASSES DA ESCOLA BÍBLICA – São as separações por faixas etárias: criança, jovens,
adultos, novos convertidos, etc. feitas pelos batistas para as aulas doutrinárias.
CORINHOS Pequenos cânticos entoados nas igrejas, mais especificamente, nas
pentecostais.
183
CONCÍLIO PASTORAL Um grupo liderado pelo pastor de uma igreja Batista,
responsável por examinar em termos teológicos e doutrinários, um novo pastor que
assumirá uma igreja Batista.
CRENTE Termo usado pelos protestantes e não protestantes para se referirem as pessoas
que professam a religião cristã diferente dos católicos.
CULTO NO MONTE Um modelo de reunião religiosa onde os evangélicos ficam num
determinado monte (um morro sem habitação), orando e cantando por algum propósito
específico.
ELEMENTOS DA CEIA Objetos que fazem parte do ritual. Pão (cortado em pequenos
pedaços) representa o corpo de Jesus; Suco de uva em pequenos cálices representando o
sangue.
ESPÍRITO SANTO Divindade responsável pela conversão e distribuição dos dons
espirituais.
EXAMINADOR DO CONCÍLIO O pastor presidente que passa a conduzir um concílio
para “consagrar” um novo líder.
DENOMINAÇÃO – Termo genérico usado pelas respectivas igrejas que designa uma
determinada igreja. Os fiéis da IPDA preferem o termo ministério.
DIZIMISTA Devoto que contribui mensalmente com 10% (dez por cento) do que ganha
(salário ou não) com a obra da igreja.
DEUS – Divindade maior no panteão religioso dos evangélicos.
DEVORADOR Demônio responsável por destruir as finanças dos “crentes” e não
crentes.
DIÁCONO Um cargo religioso que se refere a um 3º auxiliar do Pastor. Os diáconos são
os responsáveis por conduzirem o ritual da ceia, isso entre pentecostais e batistas.
DOM DE LÍNGUAS – (Glossolalia) Habilidade para falar uma linguagem divina.
DONS ESPIRITUAIS São habilidades adquiridas para lutar contra o reino do mal e
também para louvar a Deus. Eles são os dons de língua (glossolalia), visão, cura,
exorcismo, oração.
FILHO PRÓDIGO – Pessoa que está afastada do Evangelho. Também usam o termo
desviado do evangelho.
GLORIFICAR Maneiras de agradecer as divindades durante o culto. Consiste em gritos
aleatórios de: aleluia! Glória a Deus! Amém! Cada fiel pratica de acordo com o toque do
Espírito Santo.
184
HINO São canções religiosas contidas nos livros: Harpa Cristã (pentecostal) Cantor
Cristão (batista) . Mas cada segmento protestante desenvolve seu método de canções.
IGREJA – Vocábulo referente aos membros, para diferenciar as pessoas do local de culto.
IRMÃO NA FÉ – Membros de uma igreja, mas também pode designar pessoas “crentes”.
IRMÃ CARNAL – Referência a irmão (ã) consangüíneo.
ÍMPIOS – Pessoas não crentes, ou do “mundo”.
SENHOR Referência a Deus. Usa-se a primeira letra em maiúsculo para diferenciar o
pronome de tratamento dado as pessoas em geral.
TEMPLO Local das reuniões difere do termo igreja (pessoas). Mas, os próprios fiéis
trocam o termo por igreja.
LOUVOR – Cânticos ou glorificação as divindades.
MACUMBEIRO – Categoria de acusação aos chamados afro-brasileiros.
MENSAGEM Uma referência aos discursos proferidos no culto. Os nativos preferem o
termo pregação.
MISSIONÁRIO Para os batistas, membro formado em seminários teológicos da
denominação, para trabalhar como pregador (a) em alguma região designada pela igreja.
Para a IPDA, o termo é específico a função do líder David Miranda. No entanto, para a
IPDA também os missionários pregadores espalhados em alguma região do planeta,
mas diferentemente dos batistas não precisam ter um curso teológico.
NEÓFITO – Recém convertido. Equivale a catecúmeno ou novo convertido.
OBREIROS – (AS) Auxiliares de Culto da IPDA.
ORDENANÇAS - Termo utilizado pelos batistas que consiste em cumprir duas regras
básicas: a ceia (ou santa ceia como dizem) e a prática do batismo por imersão. Apesar de
não constar, o dízimo também possui tal caráter.
PARTE – Divisões do culto na IPDA.
PASSAR A PALAVRA Quando um dirigente de culto concede a um membro, a
oportunidade para desenvolver alguma tarefa durante os cultos.
PASSAGEM – Referência às histórias da bíblia.
PASTOR O maior cargo religioso na hierarquia dos batistas. na IPDA, os Pastores
estão abaixo do Missionário David Miranda.
PECADO Termo que significa tudo o que é contrário a denominação. Embora os nativos
digam que é em referência a bíblia.
PRESBÍTERO Equivalente a um Pastor na Assembléia de Deus e em outras igrejas
protestantes. Não há tal cargo entre os Batistas.
185
PÚLPITO Um suporte de madeira com um 1,10 cm. de altura. Serve de apoio aos
“pregadores”. Também é utilizado para manter um modelo de bíblia exposto.
REVELAÇÃO Termo usado pelos fiéis da IPDA, que consiste em desvendar a vida de
outrem que está em oculto. Equivale ao dom da visão. É considerado um dom pelos fiéis.
Em todos os cultos há uma parte reservada para tal prática.
REBANHO – Palavra que designa uma igreja, com um pastor e fiéis.
REGULAMENTO INTERNO Regras de comportamento da IPDA em forma de livro
entregue a um membro recém convertido ou batizado.
REGENTE – Responsável entre os batistas para liderar um hino ou cântico espiritual.
SEMINARISTA – Estudante de teologia para os batistas.
SANTUÁRIO Palavra referente a templo. Usada pelos batistas em referência ao templo
de Salomão (personagem bíblico) exposto na bíblia. Os fiéis da IPDA preferem a palavra
“Casa do Senhor”.
TEOLOGIA DA PROSPERIDADE É uma categoria de acusação para dizer que o outro
grupo, não está baseado na bíblia. pensa nas questões materiais. Na pesquisa, observei
que somente os batistas utilizam este termo contra a IPDA e também contra outras igrejas
pentecostais.
TESTEMUNHO Declaração pública feita na IPDA sobre o passado do fiel ou algum
acontecimento recente.
UNGIDOS Homens ou mulheres considerados “santos”. Ou seja, possuem mais poderes
espirituais do que os demais religiosos.
UNGIR Na IPDA são os responsáveis por passar azeite ou óleo de cozinha sobre o
público (na cabeça ou em outra parte do corpo), para curar ou espantar algum mal.
podem desempenhar tal função, pessoas autorizadas (homens), mulheres não podem ungir.
VAIDADE – Consiste em atividades contrários a denominação: uso de roupas curtas,
assistir televisão, ir à festa “mundana”, etc. Os pentecostais usam mais o temo do que a
IBC.
VISITANTES Classificação na IPDA e entre os Batistas para os que freqüentam, mas
não são membros.
186
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