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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
CENTRO DE EDUCAÇÃO
CURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
Mariza Felippe Assunção
A POLÍTICA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO NOS ANOS
DE 1990 NA ILHA DE CARATATEUA/BELÉM-PARÁ
Belém
2005
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
CENTRO DE EDUCAÇÃO
CURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
Mariza Felippe Assunção
A POLÍTICA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO NOS ANOS DE
1990 NA ILHA DE CARATATEUA/BELÉM-PA
Dissertação apresentada para obtenção do Título de
Mestre em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Orlando Nobre Bezerra de Souza.
Belém
2005
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
CENTRO DE EDUCAÇÃO
CURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
Mariza Felippe Assunção
A POLÍTICA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO NOS ANOS DE 1990 NA
ILHA DE CARATATEUA/BELÉM-PARÁ
Dissertação apresentada para obtenção do Título de
Mestre em Educação.
Defesa: Belém (PA), 30 de junho de 2005
Conceito:
Banca Examinadora
Prof. Dr.Orlando Nobre Bezerra de Souza
Centro de Educação/UFPA, Orientador
Prof. Dr. Gutemberg Armando Diniz Guerra
Centro Agropecuário/UFPA
Profa. Dra. Ney Cristina Monteiro de Oliveira
Centro de Educação/UFPA,
4
À Nina (in memoriam), que em pouco
tempo na escola da vida acumulou grande
sabedoria.
Ao Kauê e à Tainá por quem tenho grande
amor.
5
AGRADECIMENTOS
Ao meu pai, Justo, minha inspiração primeira, retirante nordestino, que
bandeou para as terras do Norte, fugindo da seca de 1937, aqui fez família e me
ensinou que o espírito de conquista é a maior das virtudes e que esse valor deve ser
buscado na educação.
Ao fiel escudeiro, amigo, companheiro e amante Daniel, pelo carinho,
dedicação, apoio e cumplicidade que ao longo dos anos tem perseguido o ideal de
um mundo mais justo para os nossos filhos.
Ao meu orientador, Orlando Nobre de Souza, por mim escolhido, que me
acolheu e que aceitou o desafio de me orientar, meu carinho, respeito e admiração.
À amiga educadora, Jacqueline Serra Freire, grande incentivadora de minha
carreira profissional.
À amiga educadora, Diana Lemes, que desde a sua vinda do Vale do
Jequitinhonha vem construindo sua trajetória no campo educacional com sabedoria.
Às amigas vizinhas educadoras, Cely Nunes e Sônia Bertolo, que
contribuíram com suas críticas sempre em boa hora.
À minha irmã Marilene, meio irmã-meio mãe, pelas orações e apoio espiritual.
À Marly e à Márcia, também educadoras que me acolheram nesta empreitada.
Aos professores Gutemberg Guerra e Ney Cristina que nortearam o meu
caminho na ocasião do exame de qualificação.
A Faculdade Ideal (FACI), pelo incentivo a participação em eventos, em
especial a Coordenadora do Curso de Pedagogia, professora Ana Célia Bezerra, e a
professora Socorro Hage.
Aos senhores Biribá e Mariano Klautau, moradores de Caratateua meu
respeito e admiração, pela forma como conduzem suas vidas perseguindo o sonho
de que a ilha possa um dia ser compreendida para além das margens insulares,
onde a cidadania seja realmente exercida.
6
“É impossível teorizar a sociedade,
teorizar a educação, sem uma
compreensão das formas e processos
pelos quais ambos são constituídos
culturalmente.”
Tomaz Tadeu da Silva (1994)
7
RESUMO
Esta pesquisa analisa a política municipal de educação da ilha de Caratateua na
cidade de Belém-Pará e tem como objeto de investigação a análise das Políticas
Públicas Educacionais implementadas pelo poder público municipal na referida ilha,
no marco das gestões governamentais no período de 1993 a 1996 e 1997 a 2000. O
problema de pesquisa diz respeito a política de expansão da Rede Municipal de
Ensino (RME), sendo que o acesso à educação é uma das diretrizes da política
municipal de educação implementada em cada uma das gestões governamentais.
Nesse sentido, o desenho institucional da RME na década de 1990 evidencia
distintas concepções de democratização do acesso à educação e de inclusão social,
instigando-me às seguintes questões orientadoras desta pesquisa: a) Quais os
fundamentos políticos e pedagógicos das políticas públicas educacionais
implementadas pelas administrações municipais na ilha de Caratateua na década de
1990? b) Quais as concepções de democratização do acesso, de inclusão social e
de educação subjacentes às diretrizes e estratégias das políticas educacionais na
ilha de Caratateua no referido período? A pesquisa teve como objetivos: a)
Caracterizar as ações implementadas na esfera educacional pelo poder público
municipal na ilha de Caratateua na década de 1990; b) Analisar os fundamentos da
política municipal de educação implementada na ilha de Caratateua na referida
década. Com relação aos procedimentos metodológicos, optei pelo estudo de caso,
por entender que este vem ao encontro do reconhecimento de que o problema de
pesquisa ora proposto assume uma especificidade no contexto da ilha de
Caratateua. Destaca-se também o cotejamento da análise dos documentos e as
entrevistas realizadas com os gestores da política municipal e com os moradores da
ilha, que me permitiram articular as seguintes categorias de análise: democratização
e inclusão. Os resultados evidenciam que: os avanços proporcionados pela inserção
da parte insular de Belém na discussão do desenvolvimento sustentável ampliaram
as demandas educacionais e a necessidade de desenvolvimento nos diferentes
espaços da cidade; houve uma efetiva participação dos movimentos sociais em prol
da educação da ilha; e que a descontinuidade das gestões obstaculizou um
aprofundamento dos processos de democratização e inclusão educacional.
PALAVRAS-CHAVE: políticas públicas educacionais, democratização, inclusão
social.
8
ABSTRACT
This research analyses the Municipal Educational Politics of the Caratateua’s island
on the Belém/PA city and has an investigation object the public educational politics
inserted by the Municipal public Government on the mentioned island, on the
government mandates of the 1993 to 1996 years and of the 1997 to 2000 mandate.
The research problem is about the spread politics of the Municipal Teaching Net
(RME) that makes the education access one of the basis of the government
mandates. On this way, the RME’s institutional on the 90’s proves different
conceptions of how to make popular the education access and the social inclusion,
that urged me to ask myself the following questions that will orientate this research:
a) Which are the politics and teaching fundaments of the educational public politics
inserted by the municipal administration on the Caratateua’s island on the 90’s? b)
Which are the conceptions of the popular access, of the social inclusion and the
second basis and strategies of the educational politics on the Caratateua’s island on
the same period? The research has the following objectives: a) Show the
characteristics of the actions inserted on the educational sphere by the municipal
public government on the Caratateua’s island on the 90’s; b) Analysis the
fundaments of the municipal educational politics inserted on the Caratateua’s island
on the same decade (90’s). About the method proceeding, I opted for the case study,
because it recognizes that the research problem assumes a specificly proposal on
the context of the Caratateua’s island. Also emphasizes the comparison on the
analysis of the documents and the interviews made with the municipal politics
managers and with the island’s local residents, that allow me to articulate the
following analysis category: democrate process and inclusion. The results proves that:
the progress proporcionate by the placing of Belém’s insular part on the sustainable
development discussion has enlarged the educational demands and the
development needs on different city spaces; had an effective participation of the
social movements in favour of the island education; and that the uncontinuated
management has created an obstacle to make deeper the democrate process and
the educational inclusion.
KEYWORDS: educational public politics, democrate process, social inclusion.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................................
10
CAPÍTULO 1- UM JEITO DE SER INSULAR ..................................................................
20
1.1 BELÉM: CIDADE DAS MANGUEIRAS E DAS ILHAS -
PRAZER EM CONHECE-LA! ...........................................................................................
20
1.2 REFLEXÕES ACERCA DA INSULARIDADE ............................................................
28
1.3 A ILHA E A CIDADE: O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO ........................................
31
CAPÍTULO 2- PLANEJAMENTO E EDUCAÇÃO NA ILHA DE CARATATEUA ............
38
2.1 O PAPEL DO ESTADO NO CONTEXTO DA POLÍTICA EDUCACIONAL
BRASILEIRA .....................................................................................................................
38
2.2 PLANEJAMENTO NO BRASIL E NA AMAZÔNIA .....................................................
45
2.3 O PLANO DIRETOR DAS ILHAS DE BELÉM E O TRATAMENTO
DA QUESTÃO EDUCACIONAL ........................................................................................
53
2.4 A GESTÃO 1993 – 1996. OS SISTEMAS MUNICIPAIS DE
EDUCAÇÃO: ELEMENTOS CONTEXTUAIS ...................................................................
60
2.4.1 Belém: A vanguarda dos sistemas municipais? .................................................
64
2.5 A GESTÃO 1997 – 2000: DEMOCRATIZANDO O ACESSO
À EDUCAÇÃO NA ILHA DE CARATATEUA ....................................................................
68
CAPÍTULO 3- DERIVAS E DERIVAÇÕES DA EDUCAÇÃO ...........................................
71
3.1 MOVIMENTOS SOCIAIS NA ILHA DE CARATATEUA .............................................
71
3.1.1 Movimentos sociais e educação: uma interação necessária ...........................
76
3.1.2 Um cenário particular: Movimentos sociais na ilha de
Caratateua em prol da educação ...................................................................................
78
3.2 REPERCUSSÕES DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS EM
AÇÃO NA ILHA DE CARATATEUA ..................................................................................
85
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para além das margens insulares... ...............................................................................
100
REFERÊNCIAS .................................................................................................................
105
ANEXOS ........................................................................................................................... 112
10
INTRODUÇÃO
Parafraseando Thiago de Melo, poeta amazonense, não tenho um caminho
novo a percorrer por entre a ilha de Caratateua, mas um jeito novo de caminhar por
ela e com certeza com outro olhar, e é este novo olhar que proponho mostrar no
presente texto que se constitui no exercício de produção textual de minha
Dissertação de Mestrado e reflete os rastros do caminho que até então percorri, dos
olhares que lancei para o problema que venho investigando, revelando um processo,
uma construção.
Trata-se de uma autodenúncia - denúncia autorizada, de uma exposição
autenticada - por vezes dolorosa, por vezes docemente conquistada e acolhida.
Trata-se do registro do que andei pensando, tateando, ruminando. Produto de minha
experiência, afinal aprendi com Bondía (2002, p. 21), (e não quero desaprender) que:
A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. [...]
É incapaz de experiência aquele a quem nada lhe passa, a quem nada lhe
acontece, a quem nada lhe sucede, a quem nada lhe toca, nada lhe chega,
nada o afeta, a quem nada o ameaça, a quem nada ocorre.
É então produto da necessidade do meu olhar, de ir além do que está
estabelecido, de ser visionária, pois, “Ver é olhar para tomar conhecimento e para ter
conhecimento”. (CHAUÍ, 1988, p. 35).
Tenho como marco temporal da experiência dessa construção do olhar, as
minhas inquietações tecidas durante meu processo de formação acadêmica, desde
a graduação em Ciências Sociais, e posteriormente a experiência no Curso de
Especialização em Educação e Problemas Regionais, do Centro de Educação da
Universidade Federal do Pa(UFPA), nos primeiros anos da década de 1990, que
me oportunizaram importantes reflexões sobre a política educacional vigente no país,
no Estado e no município àquela época.
11
As razões de cunho profissional estão relacionadas inicialmente a minha
experiência como professora do Sistema Modular de Ensino, da Secretaria de
Educação do Estado (Seduc), que me propiciou o conhecimento acerca da realidade
educacional de vários municípios de diferentes regiões do estado do Pará, onde
pude presenciar o cotidiano de localidades e conseqüentemente de escolas que
dependem das condições físicas da Rodovia Transamazônica, como algo
determinante para o seu dia-a-dia; a realidade de alunos do nordeste do Pará que,
para ter acesso ao então grau, precisavam caminhar cerca de 8 km e, enfim, as
aulas a luz de vela ministradas na região do Médio Amazonas. Foi um momento
ímpar de minha carreira, pois me valeu para lançar um olhar crítico sobre os
problemas educacionais, vivenciados com meus alunos e colegas professores e por
todos aqueles que de alguma forma fazem a história da educação em nosso Estado.
Também considero como algo de suma importância o exercício da docência
como Professora Substituta no Centro de Educação da UFPA na disciplina
Problemas Regionais e Educação, que requeria um processo permanente de
estudo/compreensão sobre a problemática educacional da região. A experiência no
ensino superior evidenciou as limitações em termos de produção acadêmica sobre
esse nível da realidade amazônica, instigando-me a nesse momento, propor um
estudo que se somasse a outras pesquisas comprometidas com a reversão desse
quadro ainda tímido de produção acadêmica na área, considerando-se a
envergadura do desafio educacional da região.
Alia-se a essa experiência, a docência em diferentes níveis de ensino na
Fundação Centro de Referência em Educação Ambiental Escola Bosque Professor
Eidorfe Moreira, localizada na ilha de Caratateua - lócus do meu estudo. O ingresso
na Escola Bosque no ano de 1998, atuando na Educação de Jovens e Adultos (EJA);
12
e no processo de formação de nível médio nas habilitações de Técnico em Manejo
de Fauna, Técnico em Manejo de Flora e Técnico em Ecoturismo, instigou-me a uma
série de reflexões sobre a realidade da educação na ilha, que se somaram às
experiências vivenciadas, sendo que esta última, busco esboçar no contexto da
problemática da pesquisa.
Naquele momento eu refletia acerca do contexto educacional que os ilhéus
vivenciavam, na condição de moradores tão próximos da parte continental do
município e ao mesmo tempo tão distantes do acesso a bens e serviços destinados
e/ou usufruídos por aqueles que moravam mais próximo do centro da cidade. O ano
seguinte foi marcado pela experiência na pesquisa acerca do Inventário Turístico
das ilhas de Belém, atividade desenvolvida pela Fundação Escola Bosque em
conjunto com outras instituições que me valeu o acesso ao conhecimento de outras
ilhas de Belém, de relativa proximidade com Caratateua. E me questionava se a
distância era algo determinante ou o fato de ser uma Ilha? Era preciso então ter um
entendimento conceitual acerca da questão da insularidade. O ano de 2000 se
constituiu no momento de maior envolvimento com as questões mais pungentes da
ilha, pois assumi a Coordenação de Educação Infantil e Ciclos Básicos I e II, de 06
(seis) Anexos da Escola Bosque que se localizavam na própria ilha
1
, mas em
diferentes e distantes pontos da mesma, onde através de reuniões com os pais,
reuniões de Conselho de Ciclo, e reuniões com a comunidade local; pude ter acesso
a informações importantes de ordem econômica e social, como por exemplo: nos
anexos do Fama e do Tucumaeira que se localizavam em áreas do mesmo nome, a
economia local mais marcante se voltava para o desenvolvimento de atividades
agrícolas e de pesca, a coleta de frutos para posterior venda no distrito de Icoaraci
1
Compunha o corpo discente da Escola Bosque os alunos da sede e de 13 anexos, sendo que 07
desses anexos se localizavam em outras ilhas que fazem parte do território de Belém.
13
também compunha o orçamento das famílias. Nos anexos da Brasília, Água Boa e
Primavera, também localizados em áreas do mesmo nome, a venda de produtos na
praia se constituía como importante fonte de renda, sendo uma atividade
desenvolvida tanto pelos pais ou responsáveis dos alunos, como pelos próprios
alunos em alguns casos comprometendo o aproveitamento escolar. Percebi portanto
quão era importante o papel desempenhado pela escola e a expectativa dos alunos
e pais para com a mesma, que mesmo fazendo a crítica sobre a infra-estrutura dos
Anexos e as condições de acesso, reconheciam a plena importância de seus filhos e
netos obterem acesso à educação. Passei então a questionar: Que educação a
esfera municipal estava destinando a essas crianças? Quais as limitações? Quais os
avanços?
Optei então pela investigação acerca da política municipal de educação na
ilha de Caratateua, estabelecendo como marco temporal a década de 1990, por esta
se constituir em um período de intenso debate e efetivação de reformas
educacionais em todo o Brasil, no município de Belém e conseqüentemente na Ilha
de Caratateua, discussão que será fomentada em todo o estudo. A esse respeito a
análise de Silva (1992) sobre a política educacional brasileira, para os anos de 1990
é elucidativa sobre a realidade educacional até os anos de 1980. Afirma a autora
que:
O sucateamento da nossa educação se expressa nos indicadores
educacionais da década de 80, que retratam estagnação ou até mesmo
retrocesso no atendimento quantitativo em todos os veis de ensino com
exceção da pré-escola, cuja matrícula inicial cresceu 4,82% em 1980 para
9,8% em 1989, aumento que, embora significativo em termos absolutos,
pouco quer dizer quando se considera a magnitude da demanda a ser
atendida (SILVA, 1992, p. 232).
Naquele momento o Pará era marcado por um expressivo crescimento
econômico, que pode ser traduzido pelo incremento do Produto Interno Bruto (PIB)
14
do estado em 5,08 vezes, enquanto o PIB brasileiro cresceu 2,85 vezes, no período
de 1970-1985. Em que pese esses dados, o cenário educacional expresso no Plano
Estadual de Educação 1995-1999 é uma evidência inequívoca da incompatibilidade
entre os indicadores econômicos e sociais.
Consta no referido Plano que o déficit escolar em 1994 correspondia a
545.690 vagas, os índices de desqualificação docente eram de 40,2% no ensino
fundamental e 55,1% na educação infantil, aliado a um elevado índice de
analfabetismo entre pessoas na faixa de 15 anos em diante, que ultrapassava 20%.
Diante do quadro acima mencionado e na certeza de que a ampliação do
conhecimento sobre a realidade educacional da Amazônia se constitui em um
importante empreendimento teórico e prático para o desenvolvimento da referida
região, o objeto de investigação desta pesquisa consiste na análise das Políticas
Públicas Educacionais implementadas pelo poder público municipal na Ilha de
Caratateua, no marco de duas gestões governamentais da década de 1990, a partir
da compreensão dos fundamentos político-pedagógicos das diretrizes educacionais
e das ações implementadas pelos governos municipais nos quadriênios 1993-1996 e
1997-2000
2
. O problema de pesquisa diz respeito à política de expansão da Rede
Municipal de Ensino (RME) que no primeiro governo eleito na década de 1990
privilegiou a implantação de Unidades Educacionais de Desenvolvimento
Sustentável (UEDS), instituídas por meio do Subsistema Educacional de Unidades
para o Desenvolvimento Sustentável, no escopo da institucionalização do Sistema
Municipal de Educação, que também constituiu as Unidades de Educação Básica
(UEB), enquanto outro subsistema educacional. O segundo governo eleito naquela
2
Ao longo do texto utilizarei a nomenclatura governo, que compreende o período de 1993 a 1996,
que se refere a administração do então prefeito Hélio da Motta Gueiros, e 2º governo que
compreende o período entre 1997 a 2000, que se refere ao mandato do então prefeito Edílson
Brito Rodrigues.
15
década, elegeu as UEB como objeto de sua prioridade de acesso à educação, e
assumiu a reconfiguração institucional das UEDS, política essa consolidada na I
Conferência Municipal de Educação, realizada na cidade de Belém em 1998.
A prioridade conferida às UEDS traduziu-se pela implantação de quatro
estabelecimentos de ensino, contemplando educação formal e não-formal - o Liceu
de Artes e Ofícios (Guamá), o Liceu Escola Mestre Raimundo Cardoso (Icoaraci), a
Escola Parque Amazônia (Terra Firme) e o Centro de Referência em Educação
Ambiental Escola Bosque Professor Eidorfe Moreira (Ilha de Caratateua) - sem
investimentos na construção de UEB e conseqüente limitação de expansão de
vagas nesse subsistema. A construção de 21 escolas no quadriênio 1997-2000, a
implantação do turno noturno nas UEDS, e a conseqüente expansão de vagas
retratam sinteticamente a prioridade conferida as UEB no segundo governo.
O acesso à educação é uma das diretrizes da política municipal de educação
implementada em cada uma das gestões governamentais. Tal diretriz não se traduz
apenas pela questão da expansão de vagas, expressando concepções políticas e
educativas. Nesse sentido, o desenho institucional da RME na década de 1990
evidencia distintas concepções de democratização do acesso à educação e de
inclusão social, pelo fato de:
a) A ilha de Caratateua sediar a UEDS Escola Bosque, definida na legislação
educacional instituída em 1994, como referência ecológica e técnica da educação
ambiental, passando a ser considerada como prioridade relevante do Sistema
Próprio de Educação;
b) A implantação de UEBS como estratégia do segundo governo.
Portanto a década de 1990 evidencia diferentes (re)configurações
institucionais, instigando-me às seguintes questões orientadoras desta pesquisa:
16
a) Quais os fundamentos políticos e pedagógicos das políticas públicas
educacionais implementadas pelas administrações municipais na ilha de Caratateua
na década de 1990?
b) Quais as concepções de democratização do acesso, de inclusão social
subjacentes às diretrizes e estratégias das políticas educacionais na ilha de
Caratateua no referido período?
Tendo em vista a formulação do problema, a pesquisa teve como objetivos:
a) Caracterizar as ações implementadas na esfera educacional pelo poder
público municipal na ilha de Caratateua na década de 1990;
b) Analisar os fundamentos da política municipal de educação implementadas
na ilha de Caratateua na referida década.
A TRILHA METODOLÓGICA
Com relação aos procedimentos metodológicos, optei pelo estudo de caso,
por entender que este vem ao encontro do reconhecimento de que o problema de
pesquisa ora proposto assume uma especificidade no contexto da ilha de
Caratateua pelos seguintes aspectos:
A ilha sedia a UEDS instituída como referência ecológica e técnica, devendo
dispensar atenção especial ao complexo de ilhas, de acordo com a legislação
educacional estabelecida em 1994 (Lei Municipal 7.722, de 07 de junho de
1994).
A Fundação Escola Bosque foi instituída como a referência de educação
ambiental para a cidade e para a RME;
17
O Distrito Administrativo de Outeiro (DAOUT), cuja sede é a ilha de
Caratateua, é o único distrito que em área de expansão urbana sedia UEDS e
UEB no município de Belém;
O convívio dialético entre a dinâmica de expansão urbana e a dinâmica rural,
constituindo-se como um pólo irradiador da política de democratização do
acesso à educação nas ilhas abrigadas no DAOUT, o que confere
singularidade à ilha de Caratateua.
A pesquisa bibliográfica faz parte de todo o processo de investigação. As
análises dos documentos oficiais representaram uma importante fonte de informação
“natural”, obrigatória, uma vez que estes não estão desprovidos de sua
contextualização histórico-social (LUDKE, 1986). Considero os documentos abaixo
citados como os mais relevantes, por entender que os mesmos se coadunaram com
o meu objeto de pesquisa, sendo estes:
I- Plano Decenal de Educação para Todos do Município de Belém (1993 -
2003);
II- Plano Diretor das Ilhas de Caratateua e Mosqueiro (1994);
III- Sistema de Educação para o Desenvolvimento Sustentável no Município
de Belém (1995);
IV- I Conferência Municipal de Educação. Escola Cabana: dando futuro às
crianças (1998);
V- Escola Cabana: Construindo uma Educação Democrática e Popular.
Cadernos de Educação n. 1 (1999).
18
A análise documental e as entrevistas
3
se constituíram também nos
instrumentos de apreensão e compreensão do objeto-problema. A análise e
interpretação de dados referem-se à fase final da pesquisa, o que demandou um
exaustivo aprofundamento teórico, sendo também este o momento propício para a
construção das categorias de análise, que se constituíram em: democratização e
inclusão, uma vez que os dois governos pesquisados se valeram desses dois
conceitos e/ou referenciais para efetivar seus programas.
Considerando os procedimentos acima apresentados, os entrevistados foram
fundamentalmente, os gestores da política municipal de educação dos períodos
citados, dois moradores de Caratateua, sendo que estes obedeceram aos seguintes
critérios:
I- Foram membros do Conselho de Representantes da Ilha de Caratateua
(Consilha)
4
, entidade representativa, que tinha como uma de suas diretrizes as
discussões acerca das questões educacionais.
II- Foram militantes dos movimentos sociais que vivenciaram o processo de
transformação educacional da ilha de Caratateua na década em estudo.
Os roteiros utilizados para a realização das entrevistas constam nos Anexos 1
e 2.
O texto da dissertação perfaz três capítulos assim estruturados:
No Capítulo 1, intitulado Um jeito de ser insular, é apresentada uma
abordagem histórico-social da origem da cidade de Belém, considerando aspectos
3
As entrevistas foram do tipo semi-estruturadas, que segundo M. Thiollent (1987), se constituem em
questões abertas tendo como referência um roteiro básico, que dão liberdade ao entrevistador
flexibilizar os questionamentos conforme a necessidade da investigação.
4
O Consilha congregava representantes de 13 centros comunitários, na década de 1990
desempenhou importante papel nas decisões da Ilha, a exemplo da não emancipação do distrito em
1993, bem como o processo de construção e implantação do Centro de Referência em Educação
Ambiental Escola Bosque em 1994.
19
importantes acerca de sua formação, de sua fundação e da sua importância
socioeconômica no contexto da Região Amazônica. Situa também a Ilha de
Caratateua como parte insular da cidade de Belém, demarcando sua origem e
história.
No Capítulo 2, intitulado Planejamento e educação na ilha de Caratateua,
são abordadas as discussões acerca do papel desempenhado pelo Estado no
âmbito das políticas educacionais e análise do planejamento para o
desenvolvimento no Brasil e na Amazônia e a origem dos Planos Diretores
Municipais, tendo como conseqüência o Plano Diretor das Ilhas de Belém e o
tratamento da questão educacional.
No Capítulo 3, intitulado Derivas e derivações da educação contempla, de
forma concludente, as proposições acerca da ampliação do conhecimento sobre as
políticas públicas educacionais de Caratateua, tendo por base os fundamentos e as
ações educacionais materializadas na ilha, derivadas pelas duas gestões municipais
do período estudado.
Nas considerações finais há uma abordagem sobre os resultados obtidos pela
pesquisa e sua contribuição para a política educacional da cidade de Belém, em
especial a destinada à ilha de Caratateua.
20
CAPÍTULO 1
UM JEITO DE SER INSULAR
“Pego as rédeas e o dorso
desta imaginária Ilha
e cavalgo mudo
na trilha dos deserdados
O vento nem parece o vento,
Mas choramingo de ventres
e desnascidos.”
Araújo (2004, p.13)
1.1 BELÉM: CIDADE DAS MANGUEIRAS E DAS ILHAS - PRAZER EM CONHECÊ-
LA!
Tendo a baía do Guajará como cúmplice dos dias chuvosos que caracterizam
seu clima, a cidade de Belém inspira poetas, e angaria dia após dia, amantes
apaixonados por sua beleza, sua arquitetura (mesmo que violentada pelo tempo),
sua gente, seu verde, imprecisão dos seus traços, enfim pelo encanto de suas
águas, águas que se misturam com as águas do rio Guamá. Águas que inquietam e
motivam conhecer e questionar dentre tantas coisas, a história da sua gente em
busca da sua verdade, do que lhe foi imposto, a sua organização, seu movimento, a
intervenção pública na área educacional desta cidade. Para tanto é necessário situá-
la no tempo e no espaço.
Capital do estado do Pará, a maior cidade da região Norte do Brasil e da linha
do Equador, o território que compreende a Região Metropolitana de Belém, possui
uma área de 51.569,36 ha, sendo que 17.317,24 ha referem-se à porção continental
e uma porção insular de 34.252,12 ha que compreende 42 ilhas, sendo Mosqueiro a
maior delas, seguida por Caratateua e Cotijuba. Segundo dados do Anuário
Estatístico de Belém de 1999, a cidade limita-se ao norte pela baía do Marajó; ao
nordeste, pelo município de Santo Antônio do Tauá; a leste, pelo município de Santa
21
Bárbara; a sudeste pelos municípios de Benevides e Ananindeua; ao sul, pelo
município de Acará; a sudoeste, pelo município de Barcarena; e a oeste, pelo
arquipélago do Marajó.
Quase um terço da população do estado do Pará concentra-se na Grande
Belém, isso significa que a população da RMB se aproxima de 1,8 milhão de
habitantes em contraste com a população de todo o Estado que é de 6.192.307
segundo dados do IBGE / Censo 2000. Situada próximo à linha do Equador (01° 27’
21) o que lhe confere um clima quente e úmido (2600 a 3300 mm/ano) é
entrecortada por bacias hidrográficas, sendo que as principais são: a bacia do Una
(36,64 km²); a do Tucunduba (10,55 km²); Armas e do Reduto (2,74 km²); Estrada
Nova (9,64 km²); e Comércio-Tamandaré (2,11 km²).
65,64%
34,36%
1
2
Insular
Continental
Figura 1 – Área terrestre do município de Belém
Do ponto de vista topográfico, trata-se de uma cidade predominantemente
insular, sendo a única capital do país que possui tão numeroso conjuntos de ilhas, o
que lhe confere singularidade. Daí a poética afirmação de Eidorfe Moreira, misto de
filósofo e geógrafo ao identificar que nenhuma capital brasileira apresenta tão
numeroso constelário de ilhas, afirmando que: “Se o rio define o plano e engrandece
22
a perspectiva, nas ilhas, no entanto, é que reside a graça da paisagem belenense. A
cidade nasceu por assim dizer insular” (MOREIRA, 1966, p. 65)
De características tipicamente amazônicas, a cidade expressa sua
particularidade, seja pela beleza das conjugações arquitetônicas (aqui me refiro aos
sedutores casarões do bairro da Cidade Velha), seja pelo túnel de mangueiras da
antiga avenida 15 de Agosto, atualmente denominada de Presidente Vargas, e ainda
pela diversidade cultural que a qualifica, constituída pelas lendas, histórias, arte
indígena, costumes, sotaques, o que reforça seu emblema de tipicalidade.
Denominada de Santa Maria de Belém do Grão Pará, anteriormente Feliz
Lusitânia, a definitivamente chegar a denominação atual - Belém, a cidade foi
fundada no século XVII, por Francisco Caldeira Castelo Branco, capitão do exército
português, enviado pela coroa lusa para defender o território contra as tentativas de
conquista da França, da Holanda e da Inglaterra, tendo como primeira iniciativa o
levantamento do Forte do Presépio, hoje conhecido como Forte do Castelo. A
adesão à independência do Brasil se deu praticamente um ano depois porque a
cidade se distanciava do centro de decisões, dificultando a comunicação entre as
províncias, ficando um longo período ligada à Coroa Portuguesa. Inicialmente
contemplada por edificações civis e eclesiásticas, sendo o Forte do Castelo e a
Igreja de Nossa Senhora das Graças, o ponto de partida para o surgimento de casas
de taipa, material muito utilizado na época.
Mais tarde o comércio de produtos da floresta tropical (as drogas do sertão
conhecidas como o ouro verde da floresta), realizado por meio das exportações
significaria um salto econômico para a cidade, refletindo na expansão do centro
urbano, com a abertura de novas ruas e travessas. Segundo Lago (2005, p. 6) o
primeiro patrimônio territorial do município é área definida como Primeira gua
23
Patrimonial (Cidade Velha) concedida à Câmara Municipal por meio da carta de
Doação e Sesmaria em 01.09.1627, onde até hoje a Prefeitura recebe enfiteuse.”
No século XVIII, mais precisamente em 1753, chega a Bem, Antônio
Giuseppe Landi, arquiteto régio, professor do Instituto de Ciências de Bolonha, que
imprime sua marca indelével da arquitetura setecentista, muito festejada até os
nossos dias
5
. A cidade passa então a reverenciar o estilo Art Noveau.
6
Por volta de 1830 a província do Grão-Pará, que compreende territorialmente
os atuais estados do Pará, do Amazonas e do Amapá, vivenciaram a mais
importante revolta popular do período da Regência, denominada Cabanagem,
alusão feita à origem social de seus integrantes - os cabanos, moradores de casa de
palha, que se rebelaram contra os abusos de portugueses e ingleses. Naquele
momento, índios e tapuios (indígenas não aldeados), bem como os escravos negros,
não mais aceitavam trabalhar em regime de escravidão nos aldeamentos, e
encontraram apoio em parte do clero e em profissionais liberais nacionalistas, que
também se opunham ao controle político e econômico dos colonizadores. A partir da
prisão dos líderes cabanos, Batista Campos e Eduardo Angelim, os revoltosos
planejaram a luta armada dando início, na ótica dos historiadores, à mais notável
revolta popular brasileira, que levou as camadas populares ao poder, aclamando
Clemente Malcher como presidente da Província, seguido mais tarde por Francisco
Vinagre.
Enfrentando repressão e tendo como inimigo maior a fome, a população que
era composta de aproximadamente 80 mil pessoas, foi reduzida a 30 mil, ou seja,
5
Várias obras arquitetônicas são de autoria de Landi, a exemplo da Catedral da Sé, Igreja do Carmo,
Igreja São João Batista, Palácio do Governo, Igreja e Convento dos Mercedários, Igreja Santana, e
Igreja do Rosário dos Homens Pretos, tendo como área de concentração os bairros da Cidade Velha
e do Comércio.
6
Estilo arquitetônico europeu, muito difundido no Brasil no início do século, que se peculiariza pela
exuberância decorativa, formas ondulantes e elegantes.
24
62,5% da população havia morrido de fome ou em combate. Em 1839 toda a revolta
teria sido sufocada pelas forças do poder institucionalizado e o governo do Rio de
Janeiro anistiou os líderes revolucionários (DI PAOLO, 1990). É digno de nota que a
gestão da prefeitura de Belém referente ao mandato da década de 1990 se
apropriou do ideário cabano, enquanto metáfora para designar um governo do povo,
pautado pela participação popular.
Bem mais tarde, no período compreendido entre 1897-1910, a cidade
experimenta o apogeu de sua urbanização pela administração de Antônio Lemos
que revitalizou a estética urbana da cidade, sob os auspícios do tempo áureo da
economia da borracha (Hevea Brasiliensis), considerado o período da Belle Époque
7
belenense, tendo atingido nessa época grande importância comercial. Desta fase
datam edificações importantes que deixaram sua marca para a história de Belém; a
exemplo do Teatro da Paz (1878), Palácio Antônio Lemos e o Mercado do Ver-o-
Peso (1901).
Ao longo da história, vários povos estrangeiros fizeram parte do cotidiano de
Belém, foram povos de diversas nacionalidades que aqui chegaram com diferentes
interesses e/ou objetivos, se fixando na capital ou se embrenhando pelo interior do
estado, estabelecendo as matrizes da formação sócio-cultural dos povos
7
A Belle Époque é o período caracterizado pela expressão de grande entusiasmo vinda do triunfo
das conquistas materiais e tecnológicas, como a luz elétrica e o telefone, entre outras invenções, nas
últimas décadas do século XIX e primeiras do XX. A época é também marcada pela ampliação das
redes de comércio internacional e pela crença de que o progresso trazido pelas mais diversas
máquinas resolveria todos os problemas da humanidade. As cidades tornam-se o local privilegiado
desse momento, em que o otimismo predomina. Elas passam a se modernizar esteticamente com o
objetivo de se tornar mais progressistas” e “civilizadas”, termos comuns no período. O marco dessa
busca é a grande reforma urbana implementada em Paris pelo Barão Georges Eugène Haussmann,
entre 1853 e 1869, que tornou a cidade o modelo urbano do período (FOLLIS, 2004). Na Amazônia
esse período coincide com a fase áurea da borracha, o que favoreceu as elites locais a viverem esse
período intensamente. Em Belém, o Teatro da Paz foi palco de intensas atividades culturais e
artísticas.
25
amazônicos. O catálogo da exposição “Belém dos Imigrantes - história e memória,”
8
indica a presença de pelo menos dez nacionalidades que pluralizaram a história de
Belém, a saber: portugueses, espanhóis, ingleses, franceses, italianos, alemães,
marroquinos, libaneses, barbadianos e japoneses. A referência a essas
nacionalidades denota o amálgama da cultura brasileira e amazônica, ou seja, o
legado de diferentes nacionalidades na composição da identidade cultural e
amazônica. Na verdade esses povos vieram se somar com aqueles que
representam a origem da população da região que são os índios, inicialmente da
tribo tupinambá, nossa principal herança cultural.
Assim como outras capitais do país, a cidade de Belém chega ao século XX
com problemas administrativos, de infra-estrutura, de investimentos em diversos
setores, bem como, com a ausência de políticas públicas, que garanta uma
qualidade de vida para uma parcela significativa de seus habitantes. O crescimento
da cidade obedeceu aos ditames do poder econômico, onde a polarização social
entre ricos e pobres se expunha cotidianamente, passando a população
economicamente bem aquinhoada a ocupar as terras altas ou secas, restando para
a população de baixa renda, as áreas das baixadas, porção significativa da cidade,
uma vez que a “Cidade das mangueiras”, como é carinhosamente chamada, é
entrecortada por pequenos rios e igarapés, a despeito do projeto de saneamento e
urbanização realizado em Belém, nas décadas subseqüentes, em nome do
progresso, levando ao comprometimento de vários acidentes geográficos que
compunham a paisagem de Belém.
8
A exposição se realizou no contexto da reinauguração do Palacete Bolonha, como parte do projeto
de revitalização histórica de Belém, em outubro de 2004, tendo a frente o Museu de Arte de Belém
(MABE).
26
Um morador da ilha chama a atenção para o tratamento que historicamente a
cidade de Belém (a parte continental) e não apenas as ilhas vêm recebendo, onde
houve uma confusa interpretação acerca do caráter insular conferido a Belém, visto
claramente quando afirma em entrevista concedida a esta pesquisa que a paisagem
geoambiental de Belém foi mutilada:
Os acidentes geográficos que caracterizavam Belém, em a cidade das
águas se transformaram em canal, por isso que eu digo que Belém é
falsamente um continente. Na verdade é rigorosamente um arquipélago,
por que quando se atravessa a ponte do Galo, se atravessa da ilha da
Sacramenta para a ilha do Telégrafo, basta pegar o relatório do Antônio
Lemos, que tem em desenhos a proposta de comunicação entre da cidade
de Belém através dos rios, através dos recursos hídricos, e os bairros
estão colocados como ilhas [...] (Depoimento verbal - Morador A).
Às margens do rio Guamá, o cleo urbano historicamente foi se
consolidando, constituindo-se num entreposto comercial, sendo que na década de
1950, a cidade respira os ventos modernistas, iniciando um processo de
verticalização e novos bairros passam a fazer parte do cenário belenense, revelando
sinais claros da urbanização da pobreza e da exclusão social, que vai se acentuar
na cada de 1970, uma vez que o deslocamento humano das áreas rurais em
direção à cidade ocorreu sem planejamento.
Importante ressaltar que é somente por volta dos anos de 1980, que o poder
público do município de Belém procura ampliar seu raio de ação para a sua porção
insular
9
, mais como uma ação reativa à expansão do processo de urbanização, do
que como uma ão intencional, capaz de inserir em seu território, o
desenvolvimento de políticas públicas, que pudessem oferecer respostas aos
anseios, dificuldades e expectativas, dos segmentos que habitavam a ilha de
Caratateua naquele momento.
9
Em que pese os interesses de ordem política, a construção da ponte Enéas Martins na década de
1980, ligando o continente à ilha de Caratateua, se constitui num marco histórico, em torno do
reconhecimento e da importância desta ilha para a cidade.
27
É sob o signo das contradições características da história da Região
Amazônica que a cidade de Belém revelou em seu cotidiano, modelos diferenciados
de dominação, dada a sua herança européia em contraste com sua identidade
regional. A grande expansão do capital, desde o Ciclo Genovês
10
, marca a origem
da cidade ainda na época de sua fundação, em 1616, diante de sua posição
geográfica estratégica para os colonizadores lusos, tornando-se a principal fortaleza
portuguesa, oficialmente estabelecida pela União Ibérica assim como, nas mais
recentes investidas de perpetuação deste modo de produção nos séculos XIX e XX;
visível através da história, da sucessiva modernização, e do seu padrão de
urbanização, conseqüentemente de um processo de exclusão historicamente
desmedido, revelando as diferentes formas de como os povos amazônicos curvam-
se à nova lógica civilizatória, da crise da modernização, do estabelecimento de
novos valores e modelos de organização social.
E todas essas transformações que fazem parte da história do município,
influenciaram para que a parte insular de Belém fosse colocada num plano
secundário e conseqüentemente desconsiderado o seu potencial ecológico, turístico,
socioeconômico e cultural, restando apenas ações pontuais voltadas para minimizar
e/ou amenizar problemas de infra-estrutura. Desencadeada pelas exigências da
Constituição Federal de 1988, por meio de um capítulo especial do Plano Diretor de
Belém e da Lei Orgânica do Município datada de 1990, é que a compreensão de
Insularidade se manifesta mais fortemente, atendendo aos anseios dos movimentos
sociais provenientes das ilhas
11
. Esses documentos passam a conferir às Ilhas de
Belém, relevância socioambiental. Esse entendimento é conseqüência de novos
10
Arrighi (1994) considera que o processo de acumulação do capital em escala mundial se deu
através de 4 ciclos sistêmicos, a saber: o ciclo genovês, o ciclo holandês, o ciclo britânico, e o ciclo
norte-americano sendo que o primeiro compreende o período que vai do século XV ao início do
século XVII.
11
Um tópico do Capítulo 3 trata especificamente dos movimentos sociais da ilha de Caratateua.
28
paradigmas voltados para o desenvolvimento sustentável, a exemplo do
zoneamento ecológico econômico, pressuposto científico para qualquer tipo de
ocupação de espaço, que se refere à necessidade cada vez maior de planejar a
cidade, congregando aspectos econômicos com a realidade social e ambiental.
Surge então a necessidade de se reportar à questão da insularidade do ponto de
vista sociológico, pois não se trata aqui de se ater ao espaço insular apenas
enquanto categoria geográfica
12
uma vez que este não é o cerne da pesquisa, no
entanto será apreendido como uma dimensão analítica adicional e importante.
Constitui-se como mais um elemento que se somará à discussão acerca das
políticas blicas educacionais no contexto singular da ilha de Caratateua, e/ou as
peculiaridades que a diferem da parte mais urbanizada da cidade, uma vez que
ambas têm uma proximidade tanto espacial como social, entendendo essa relação
como uma totalidade, o que justifica inclusive, o estudo de caso como opção
metodológica para esta investigação científica. Daí o entendimento de que Belém
tem um jeito de ser insular.
1.2 REFLEXÕES ACERCA DA INSULARIDADE
Insularidade é entendida aqui como a relação estabelecida entre os ilhéus e a
barreira natural (ilha) e o exterior (a cidade) que assume uma relevância
socioeconômica cíclica e sociocultural, o que deriva na demanda de políticas
públicas (GONÇALVES, 2002).
12
Segundo (SANTOS, 2002, p. 25), a construção do discurso geográfico se faz em torno de duas
linguagens intercomplementares: a cartográfica (que foi o ponto de partida da geometria e que hoje,
numa reversão espetacular, tem nela a sua base cnica) e o texto discursivo propriamente dito.
Ambas são, sem dúvida, leituras socialmente construídas do mundo.
29
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base nos
resultados do Censo Demográfico de 2000, analisa a realidade socioeconômica
brasileira, a partir da malha dos municípios, sendo que um dos indicadores se refere
à inserção de pessoas no mercado de trabalho e rendimento familiar. A cidade de
Belém, em especial a ilha de Caratateua, por fazer parte da área periférica da cidade
se inscreve na lógica da estrutura familiar diversificada, onde o nível de desemprego
e subemprego é acentuado. As condições de vida da população são deficientes no
que se refere ao acesso de bens e serviços. A mão-de-obra vincula-se ao emprego
informal, condicionada à venda de alimentos na orla com predomínio do trabalho
infantil, e a participação feminina na condição de chefe de família é marcante,
quadro revelado pela matéria publicada em jornal de grande circulação na cidade
afirmando que:
No Pará, 22,3% das famílias são chefiadas por mulheres, só perdendo para
Roraima (23,5%). O rendimento mensal das mulheres na Região
Metropolitana de Belém é de R$ 449,20 e dos homens é de R$ 603,60.
(CAVALCANTI, 2005, p. 3).
A ilha de Caratateua ao constituir-se como um espaço historicamente
construído, que convive com a dicotomia dos conflitos produzidos no continente e no
seu interior, vivencia a precariedade de atendimento de serviços básicos advindos
de ordem política, social e cultural, refletindo em sua ilheidade, esta entendida pela
subjetividade própria dos ilhéus, da construção de sua identidade imposta pelas
diversas instâncias de poder, que pode ser compreendida se levar em
consideração seus referenciais físicos, sua memória coletiva, suas práticas
econômicas, simbólicas e não supervalorizar seu possível isolamento e dificuldades
de acesso num determinado período histórico (DIEGUES, 1997), uma vez que o
cotidiano da ilha não se constitui apenas pelo fato de estar cercada de água, mas
acima de tudo, pelas práticas sociais que lhe são inerentes, onde a organização
30
social pode aprofundar processos de exclusão social ou de um desenvolvimento
endógeno (DIEGUES, 1986), com diferentes graus de autonomia.
Convém a apreensão de que o espaço usufruído pelos ilhéus é um espaço
dialético, cujo cotidiano estabelece a produção das mais diversas e possíveis
relações e, portanto antagônicas e complementares.
O espaço insular caracteriza-se pelo fato de ser uma estrutura territorial
cujos limites se impõem à atenção e à ação humana. Defini-se por uma
extensão naturalmente limitada por referências definitivas, as fronteiras que
não podem ser alargadas pela ação humana. (GONÇALVES, 2005, p. 4).
Trata-se de um território, estudado conceitualmente por vários autores. Para
SILVA (apud DIEGUES, 1986), o território é a primeira concretude do lugar: o as
relações de produção num lugar apropriado da natureza ou de outros pela conquista.
Ainda para Gonçalves (2005, p. 6), os componentes fundamentais variáveis do
território insular são: a superfície, a orografia, a distância ao continente mais
próximo, a distância à ilha mais próxima e que define um outro conceito de
arquipélago”.
O território é definido pelas relações de poder/domínio para Santos (apud
DIEGUES, 1986); enquanto que para Freire (2002), ao estudar as sociedades
tradicionais, assim conceitua:
O território transcende a dimensão física do ambiente, englobando as
relações sociais existentes, os elementos visíveis, invisíveis e simbólicos.
É o espaço de reprodução econômica, social e cultural dessas sociedades
vivenciadas por várias gerações, cujos saberes são transmitidos por via
oral, e a valorização das simbologias, dos mitos e dos rituais, são
elementos do modo próprio de viver (p. 78).
A partir da compreensão do conceito de território, posso inferir que se ele é o
espaço da reprodução, está, portanto vinculado à idéia e/ou à lógica da conquista e
da acumulação, da produção e da reprodução do processo de trabalho, revelando as
condições favoráveis ou não de sobrevivência, que no caso específico da ilha em
31
estudo, induz à necessária compreensão do espaço e do jogo simbólico que este
conceito envolve.
No projeto de Plano de Desenvolvimento Sustentável das Ilhas de Belém,
com relação à dimensão insular consta uma crítica acerca de que existe uma visão
dicotômica por parte da administração pública:
Uma prioridade compulsiva do “pensar e do fazer” sobre o suposto
continente e a omissão com o arquipélago, cujas ilhas são “cogitadas”
apenas como colônias de férias-espécie de catarse urbana - ou no
máximo, exóticas, como cenários perfeitos para a literatura de “novos
viajantes” (ARAÚJO, 2000, p. 2).
O projeto acima referido revela a fala de moradores da ilha, refletindo um
certo ressentimento com relação ao caráter secundário dirigido historicamente a
Caratateua e afirma que, sem necessariamente retirar sua essencialidade
amazônica, as ilhas podem representar:
sustentabilidade do ponto de vista da produção, a partir da agricultura
familiar, não a partir de uma indústria sofisticada, mas uma atividade
voltada para o desenvolvimento sustentável, que é a agregação de
valores, você agrega aquele valor, aquele produto do extrativismo, que era
matéria bruta exportada por uma agroindústria, numa linha de agricultura
familiar (Depoimento verbal - Autor do projeto).
A afirmação anterior retrata a crítica feita ao poder público, que historicamente
não a atenção apropriada a ilha, como um espaço que deve se voltar para uma
garantia de melhor qualidade de vida, situação que poderá ser claramente percebida
na contextualização a seguir.
1.3 A ILHA E A CIDADE: O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO
duas versões para a origem do nome Caratateua. Uma delas refere-se ao
fato de ter havido uma plantação muito grande de batata nas proximidades do bairro
32
da Brasília e as pessoas mais antigas assim se referiam, “vou em Caratateua”; a
outra versão refere-se ao fato de que em tupi-guarani “cará” significa batata, e “teua”
significa grande, portanto o sentido etimológico refere-se a “batata grande”, e é este
o desenho geográfico visto no mapa da Ilha, estando situada no centro-leste do
município de Belém e vinculada administrativamente ao Distrito Administrativo do
Outeiro (DAOUT). Contempla uma área de 3.165 ha ou 31,65 km
2
distante
aproximadamente 35 km do centro da cidade, a ilha conta com uma população de
15.797 habitantes, segundo dados do Censo 2000. É separada da sede do distrito
de Icoaraci a sudoeste, e da ilha de Mutum; a sudeste pelo furo do rio Maguari, da
baía de Santo Antônio; e da Ilha de Mosqueiro, a noroeste do município.
Popularmente conhecida como Outeiro, cuja denominação também é usada
por geomorfólogos para descrever os aspectos geográficos e as pequenas
elevações que a ilha possui, a Vila do Outeiro surgiu em 18 de novembro de 1918,
pela Lei nº 1743, que desapropriou a Fazenda São João do Outeiro para loteamento
e conseqüente povoação, embora haja registro de emissão de carta de Sesmaria a
Raimundo Santos, datada de 06 de abril de 1731
13
. As terras de Caratateua
compreendiam uma área dividida em quatro grandes fazendas, a São João do
Outeiro, Redentor, Água Boa e Santa Cruz. Naquele momento teve início a
Construção do Instituto Organológico, que se tornou mais tarde uma hospedaria,
depois Escola Agrícola, onde atualmente funciona o Centro de Formação e
Aperfeiçoamento de Praças da Polícia Militar (CEFAP).
A Lei Municipal n. 7806, de julho de 1996, dispõe apenas sobre a existência
de quatro bairros na ilha: Brasília, São João do Outeiro, Itaiteua e Água Boa.
13
Dados recolhidos da reportagem do Jornal local “O Liberal” em matéria de autoria de Júnior
Guimarães, datada de 20.11.1997, Caderno Atualidades. Segundo a matéria, a planta do novo
povoado foi feita pelo técnico C. Henry e publicada em 14 de novembro de 1918, contendo um
traçado de poucas ruas, destacando-se apenas a atual Manuel Barata, a Beira-Rio.
33
Entretanto, existem também os bairros do Fidélis, do Fama e do Tucumaeira. O
bairro mais antigo é denominado de Itaiteua onde se originou a concentração
populacional na ilha. Ocupada por segmentos populacionais de baixa renda, a ilha
sofre com a carência de serviços urbanos, sendo composta por quatro praias: do
Amor, do Outeiro, da Brasília e do Redentor, se constituindo numa alternativa de
lazer para a população de baixa renda de Belém.
A história de Caratateua não se destoa da história das Ilhas de Belém como
um todo, que segundo Guerra (2003), a respeito da expansão do território de Belém
para as ilhas, assim se refere:
Ocupadas desde tempos imemoriais por populações indígenas e mais
recentemente por populações tradicionais, as ilhas de Belém receberam
durante muitos governos o tratamento de periferias que se prestavam ao
isolamento de categorias consideradas perigosas, possíveis portadoras de
doenças infecciosas ou de comportamento marginal. Caratateua serviu de
quarentena para migrantes, no início do século XX. Cotijuba abrigou,
depois da década de 30 um reformatório para menores, uma colônia penal
e famílias de japoneses discriminadas no período pós-Segunda Guerra
Mundial. As Ilhas cumpriram igualmente papel estratégico em momentos
de conflitos armados como a Cabanagem e estiveram sob o domínio e
controle das Forças Armadas e União (p. 157).
Reflexo da influência dos projetos de colonização para a Região Amazônica,
gestado nos governos pós-1964, a capital paraense sofre sérias transformações
dentre elas as referentes à questão urbana, uma vez que as condições de vida na
cidade estão condicionadas à correlação de forças entre as classes sociais
(RODRIGUES, 1998). A pobreza urbana é sem dúvida o maior problema enfrentado
pela capital paraense, mesmo que contraditoriamente, na década de 1980, o registro
do Produto Interno Bruto apresentou um crescimento de 3% na Região
Metropolitana de Belém; enquanto que a média nacional é de 1,8%, levando a
análises incorretas, uma vez que os Grandes Projetos implantados na Região
Amazônica não repercutiram em números significativos de emprego ou geração de
34
trabalho e renda, para a maioria da população das cidades do estado do Pará, bem
como para a sua capital.
A organização interna da cidade, bem como o conseqüente processo de
metropolização
14
, típico das grandes cidades, são fatores que denotam alguns
questionamentos relacionados à construção/negação do direito à cidade e à
cidadania (TRINDADE, 1994, p. 271). Dentre outros conceitos, a cidade aqui é
entendida como um campo de lutas, de experiências, de vivências e não apenas
como uma simples aglomeração de pessoas e capitais, colocando em relevo a luta
pela cidadania, pelas transformações socioespaciais (CORREA apud TRINDADE,
1994, p. 272).
A urbanização acelerada ocorrida no Brasil a partir da década de 1950,
equivale ao processo de internacionalização da economia, e mais precisamente pós-
1964, quando a industrialização no país se coloca enquanto padrão definitivo, onde
a presença do Estado e do capital internacional estabelecem um caráter planejador
para enfrentar as novas contradições relacionadas, por exemplo, a questão urbana,
uma vez que esta modifica as formas de produção historicamente existentes,
desencadeando um crescimento populacional desordenado, impulsionando a
migração para as cidades, valendo o posicionamento de Trindade (1994, p. 277),
quando afirma que: A cidade que se agiganta em termos de extensão territorial e
número populacional se torna relativamente mais esvaziada quanto ao número de
cidadãos. Esta parece ser uma das principais contradições da metropolização”.
Conseqüentemente o ritmo do crescimento demográfico, reduz o território e
compromete a qualidade de vida. A Tabela 1 revela o crescimento populacional da
14
Pela Lei complementar de 14.08.1973, cria-se a Região Metropolitana de Belém ou a Grande
Belém, composta por seus distritos e Ananindeua. Representa 1/3 da população do estado e se
constitui na capital mais populosa da Região Amazônica.
35
ilha de Caratateua, na virada da década de 1980 para 1990, com grande
repercussão para a década de 1990, período estudado nesta pesquisa.
Tabela 1 – Crescimento da população da área metropolitana de Belém
Município de
Belém
População residente
1988
População residente
1990
Crescimento
%
BELÉM 1.492.973 1.573.286 5,4
MOSQUEIRO 22.945 24.341 6,08
CARATATEUA 7.096 15.976 125,00
Fonte: IBGE/CEF, 1990.
Especificamente em Caratateua, os fatores que concorrem para o
crescimento exponencial da população em 125%, num curto espaço de tempo,
referem-se a: a) construção da ponte Enéas Martins, que liga a Ilha ao continente
urbanizado de Belém; b) condições físicas e estruturais da periferia de Belém,
caracterizada por áreas alagáveis - as baixadas
15
, que sofrem com a morosidade
das ações requeridas pelos movimentos sociais
16
ao estado, no que tange ao
atendimento de serviços básicos; c) valorização do solo e/ou a especulação
imobiliária no centro da cidade; impulsionando a população a se afastar para áreas
mais distantes, onde o solo enquanto reserva de valor ainda não atingiu cifras
incompatíveis com as camadas sociais menos aquinhoadas economicamente.
Os dois exemplos mais marcantes na cidade de Belém do avanço da
população em direção à periferia da cidade, pelos motivos acima mencionados,
referem-se ao surgimento do Conjunto Habitacional Cidade Nova, em Ananindeua
15
Na topografia de Belém, 40% de sua extensão é composta por áreas alagáveis, denominadas
culturalmente de baixadas, que são terrenos que exigem vultuosas somas de recursos do Estado,
para permitir uma urbanização em níveis humanos (RODRIGUES, 1998, p. 108).
16
Aqui me refiro as comunidades que vinculados a Centros Comunitários e/ou Associações de
Bairros, exercem seu papel de reivindicadores de atendimentos básicos como serviço de água e
esgoto, coleta regular de lixo, etc.
36
(município que faz parte da Região Metropolitana de Belém) ainda na década de
1970; e o inchamento populacional ocorrido na ilha de Caratateua.
Observa-se, inicialmente, no primeiro exemplo uma padronização imposta ao
modelo de habitação (urbanização planejada e periférica) e, no segundo um
desordenamento com relação ao tipo de moradia, e formas de apropriação do
espaço, ambos tendo íntima relação com a questão da precariedade das periferias
das grandes cidades do Brasil.
Na cidade de Belém precisamente esse processo está vinculado às ações
governamentais presentes nas décadas de 1970 e 1980, mencionados
anteriormente, em que programas, planos e projetos se realizaram e que podem ser
entendidos a partir de vários fatores, dentre estes o papel desempenhado pelo
Estado nacional, que naquele momento:
O Estado defendeu e viabilizou o interesse do grande capital nacional e
multinacional. Estes precisavam ver redefinido o papel da Amazônia na
divisão internacional do trabalho,como fornecedora de matérias-primas
semi-elaboradas ou não e como espaço de reprodução da força de
trabalho, retendo os fluxos populacionais que crescentemente se dirigiram
do Nordeste e do Centro-Sul para a região. Dessa forma a ação do Estado
na Amazônia pôs em prática o projeto resultante de descobrir novas fontes
de fornecimento de matéria prima, para atender às necessidades
crescentes do capitalismo (SILVA, 1995, p. 65).
Nesse contexto, a cidade de Belém assume uma configuração urbana de
acordo com a evolução do modo de produção capitalista, resguardando as devidas
proporções, seguindo um trajeto temporal indicado por Rodrigues (1998), em três
momentos históricos: o colonial, o moderno e o pós-moderno. Este último é
caracterizado pela autora como o período compreendido a partir de 1964, onde situa
a cidade entre aquelas que apresentam:
Uma natureza metropolitana, sujeita à perda de posição na hierarquia
urbana regional, cuja definição de estrutura encontra-se em transição pela
37
multiplicidade de intervenções no espaço de sua polarização. Produção do
espaço influenciada por programas de renovação urbana e pelo desafio
das camadas populares em habitar em áreas insalubres, e em questionar
a estrutura fundiária [...] apresenta posição de destaque para o capital
imobiliário [...] onde os agentes principais de organização do espaço são:
o Estado, o capital imobiliário, as camadas populares (invasões) (1998, p.
121).
A política habitacional
17
empreendida pelo Governo Federal se caracterizou
por grandes conjuntos habitacionais em áreas periféricas, e isso corresponde ao fato
de Belém ter se expandido prioritariamente em direção ao município de Ananindeua
e ao distrito de Icoaraci. Segundo Lago (2005), “essas áreas têm infra-estrutura
precária e péssimas condições de saneamento básico que foram agravadas por
loteamentos clandestinos, invasões e ocupações de áreas alagadas.”
As considerações realizadas neste capítulo são importantes para
compreender as políticas de educação municipal no contexto social e cultural da ilha
de Caratateua, abrigadas nos dois governos da década em estudo e nessa
discussão, compreender o papel do Estado que é fundamental para fomentar o
debate acerca do tema proposto, dando seguimento ao próximo capítulo.
17
A política habitacional do Governo Federal nos anos de 1970 tem como referência principal o
Projeto Promorar, sendo que nas duas décadas seguintes contou com os referidos órgãos:
Companhia de Habitação do Estado do Pará (Cohab-PA), Caixa Econômica Federal (CEF), Instituto
de Previdência e Assistência aos servidores do Estado do Pará (Ipasep) e a Companhia de
Desenvolvimento e Administração da Área Metropolitana de Belém (Codem) (LAGO, 2005, p. 6).
38
CAPÍTULO 2
PLANEJAMENTO E EDUCAÇÃO NA ILHA DE CARATATEUA
“A educação de base é necessária,
gratuita e obrigatória.
Aí se planta o grão da liberdade.
Aí se planta o sonho e a esperança.
Educação integradora na cultura,
capaz de abrir a todas as crianças
O campo da igualdade no trabalho,
Uma terra de iguais para viver.”
Poema dos Direitos da Criança
Loureiro (2001)
2.1 O PAPEL DO ESTADO NO CONTEXTO DA POLÍTICA EDUCACIONAL
BRASILEIRA
Rever as teorias de Estado, cunhadas ao longo da história da civilização, é
algo interessante que demanda um esforço intelectual muito grande, já realizado por
um significativo número de teóricos. Por isso a intenção aqui é acima de tudo,
estabelecer o debate em torno do papel desempenhado pelo Estado no contexto da
política educacional brasileira mais recentemente, com vistas à compreensão da
educação enquanto um bem público.
A construção do conceito de Estado obedeceu ao longo de sua história a uma
ideologia formalista e/ou instrumentalista, supervalorizando seu aspecto jurídico.
Farias (2000) chama atenção para a necessidade de compreensão do papel do
Estado enquanto um instrumento político, social, histórico e contraditório; no marco
do entendimento de que este é o caminho para estabelecer análises que não sejam
estéreis. O mesmo autor defende que a natureza do Estado está assentada no
entendimento de seu silogismo, de sua estrutura, de seu fetichismo, de sua
genealogia, da fisco-finança e de sua teleologia, ou seja, é preciso compreendê-lo,
39
dentro de um corpus dialético que justifique sua própria contradição, organicidade e
complexidade. Conseqüentemente, o Estado poderá desempenhar um papel de
mediador, principalmente com relação à sociedade, assim como, com o próprio
modo de produção capitalista; de agente interventor e ainda um papel espacial
(FARIAS, 2000).
Nesta perspectiva, o Estado sustentação à implantação e permanência do
processo de acumulação do capital, resguardando suas diferenças temporais e
territoriais.
Historicamente o Estado capitalista sofreu transformações, permeadas por
crises que abalaram suas estruturas, sendo estas estudadas por alguns estudiosos
como ciclos sistêmicos de acumulação (ARRIGHI, 1994, p. 1).
Para alguns estudiosos, a queda da Bolsa de Valores de Nova York em 1929,
constituiu-se num marco histórico como a grande crise do capitalismo, que tem como
pano de fundo o estremecimento das bases da democracia liberal, sendo que suas
conseqüências visíveis diziam respeito, na época, ao desemprego em massa, bem
como na abrupta queda das taxas de acumulação do capital.
Alguns mecanismos foram utilizados enquanto saída para a referida crise e
dentre esses mecanismos, podemos considerar que a utilização do fundo público,
enquanto padrão de acumulação capitalista, bem como, de financiamento da força
de trabalho, representado pelos gastos sociais, foi de fundamental importância para
aquele momento histórico, derivando o chamado Estado-providência (OLIVEIRA,
1998).
A entrada do Estado como imposição necessária no enfrentamento da
crise de 29 foi, ao mesmo tempo, um mecanismo de superação da
virulência da crise e um agravador da mesma nas cadas subseqüentes.
A volta às teses monetaristas e mercantilistas protagonizadas pelo ideário
neoliberal explicita a ilusão de que o problema crucial esteja nos
processos de planejamento e, portanto, de interferência do Estado na
economia. (FRIGOTTO, 1996, p. 70).
40
A supremacia keynesiana se inicia na década de 1930 e se consolida no pós-
guerra, enquanto referencial inovador para a organização do Estado, bem como das
sociedades capitalistas, se constituindo numa política antecíclica e tendo como
concepção teórica a centralidade no modelo de crescimento, no pleno emprego e na
distribuição de renda.
As idéias de Keynes dão adeus ao laissez faire, ou seja, ao Estado não
intervencionista liberal, implicando em profundas mudanças, não só econômicas
como também na dinâmica social, estabelecendo novas formas de relação entre a
sociedade e o Estado e, preponderantemente implantando uma nova divisão do
trabalho, evidenciando novas teorias econômicas, com base no binômio
taylorismo/fordismo (FRIGOTTO, 1996), onde o modelo de intervenção está
centrado no tripé Estado/capital/trabalho (LEAL, 1990).
No âmbito internacional, plantam-se as bases para o Estado de Bem-Estar
Social, tendo como característica principal o estabelecimento de políticas sociais
voltadas para a garantia e a permanência no emprego, políticas de renda com
ganhos de produtividade e de previdência social, onde mais uma vez o Fundo
Público, os salários indiretos se estabelecem na tentativa de sustentação do padrão
de acumulação capitalista. Segundo Frigotto (1996, p. 71) trata-se de um pacto, em
que o Fundo Público irá garantir o financiamento do capital privado, bem como da
reprodução da força de trabalho.
A partir do acordo de Bretton Woods
18
, que origem a instituições
reguladoras, a exemplo do Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e do
Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), instala-se um Estado regulador, de
18
Segundo Silva (2002), o modelo de desenvolvimento econômico, implementado na América Latina,
era produto de acordos efetuados na Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas ou
Conferência de Bretton Woods, realizada em 1944, no estado de New Hampshire, Estados Unidos.
41
caráter reformista, que conta com um período considerável de crescimento e
estabilidade, em que a hegemonia americana se consolida, bem como a ascensão
do Bloco Socialista. É este o ambiente que facilita a ampliação das políticas sociais,
configurando o chamado Welfare State, trazendo em seu bojo, segundo Leal (1990).
a própria contradição capitalista: tanto é funcional ao processo de
acumulação - na medida em que o setor público arca com parte dos
custos de reprodução - quanto atende à classe trabalhadora, via
concessões de benefícios sociais, promovendo sua reprodução e
possibilitando as condições de sua manutenção.(p. 9) [...] O Welfare
State desempenha funções fundamentais: de um lado, retirando do
campo da luta de classes o conflito político, através da satisfação das
necessidades da classe operária e da promoção dos meios para seu
atendimento de forma coletiva. De outro, propiciando uma maior
regularidade ao processo de produção, dando uma maior estabilidade à
economia através da desconexão entre mudanças na demanda efetiva e
no emprego (p. 8).
No Brasil este momento apresenta nuances no período desenvolvimentista,
conferido a Era Vargas, chamando atenção para a necessidade de uma significativa
intervenção do Estado, com o propósito de estimular a industrialização com vistas ao
progresso, mas não se pode afirmar que no Brasil o Welfare State se materializou,
uma vez que a ele é atribuído o acesso à melhoria de vida, à garantia de direitos
sociais, e de um padrão de qualidade nas áreas de saúde, educação, moradia,
emprego, seguro desemprego, salários indiretos, sendo que estas melhorias não
correspondem na sua totalidade com a história do nosso país.
No plano internacional, a revolução tecnológica, a supervalorização do dólar,
o fim da paridade ouro/dólar, a crise do modelo taylorista, a alta do petróleo,
contribuíram de forma significativa para a crise que vai se substanciar na década de
1970.
Com relação às crises historicamente enfrentadas pelo modo de produção
capitalista, Frigotto entende que:
42
A literatura que analisa a gênese e o desenvolvimento histórico do
capitalismo, começando pelas análises de Marx, Engels e Rosa de
Luxemburgo, nos conta que, de tempos em tempos, o sistema, de
forma global, enfrenta crises violentas e colapsos que não vêm de fatores
exógenos, mas justamente do caráter contraditório do processo capitalista
de produção. As crises de 1914, 1929 e agora a crise que se apresenta de
forma brutal dos anos 70/90, exemplificam estas erupções violentas de um
processo de crises cíclicas. Os conteúdos, as formas, os atores e forças
em jogo e a gravidade dos destroços são diversos no tempo e no espaço.
Cabe, pacientemente, perquirir estas especificidades e evidenciá-las
(1996, p. 65).
Concordando com as idéias de Frigotto (1996), é necessário evidenciar as
conseqüências desse momento histórico no que se refere à efetiva necessidade de
uma reestruturação produtiva, em que a globalização e o neoliberalismo se
constituem como marco neste momento histórico. Otávio Ianni, em sua obra clássica
intitulada “A sociedade global”, afirma que a idéia de globalização está em muitos
lugares, e muitas interpretações podem ser atribuídas a ela, mas quando analisamos
o modo de produção capitalista a partir de sua crise mais recente percebemos que:
As sociedades contemporâneas, a despeito das suas diversidades e
tensões internas e externas, estão articuladas numa sociedade global.
Uma sociedade global no sentido de que compreende relações,
processos e estruturas sociais, econômicas, políticas e culturais, ainda
que operando de modo desigual e contraditório. Nesse contexto, as
formas regionais evidentemente continuam a subsistir e atuar. [...] Mas o
que começa a predominar, a apresentar-se como uma determinação
básica, constitutiva, é a sociedade global, a totalidade na qual pouco a
pouco, tudo o mais começa a parecer parte, segmento, elo, momento.
São singularidades, ou particularidades, cuja fisionomia possui ao
menos um traço fundamental conferido pelo todo, pelos movimentos da
sociedade global (1995, p. 39).
A globalização é um fenômeno que afeta múltiplas dimensões da vida
humana, mas para se materializar, utiliza centralmente a economia, para o
estabelecimento das leis de acumulação, de concentração e de centralização do
capital, que rompem os limites reguladores dos estados nacionais.
Nesse processo, o neoliberalismo, como postulado teórico-ideológico, se
estabelece por meio de seu vínculo direto com os princípios da concorrência. Mas é
na virada de 1970 para 1980 que ele se constitui com mais força, a partir de
43
governos conservadores da Europa e dos Estados Unidos, abrindo as portas para o
processo de intensificação da economia, sendo que este momento é chamado por
alguns autores, a exemplo de Frigotto, de a 3ª Revolução Industrial.
Pode-se perceber que globalização e neoliberalismo, caminham pari passu na
busca da efetiva supremacia do capitalismo, gerando a exclusão social, dada a
contribuição de ambos para a fragilização do Estado Nacional, bem como para a
destruição e/ou desarticulação dos movimentos sociais. Aqui me refiro
particularmente aos países do Terceiro Mundo.
A periodização do receituário neoliberal na América Latina não se
uniformemente, entre 1989 e 1990, é que a maioria dos países latino-americanos
desencadeiam suas reformas (CANO, 1999, p. 300), onde o ajuste político e o ajuste
econômico deram conta de estabelecer as normas herdadas dos países centrais;
bem como flexibilizar os postulados do capitalismo, o que demonstra uma grande
preocupação, por parte dos neoliberais com relação aos limites e alcances do poder.
Sobre este assunto Bianchetti avalia que:
Toda a problemática dos neoliberais com o Estado está em relação com o
conflito entre concentração e distribuição do poder, como também, com os
mecanismos utilizados para a tomada de decisões. Este último aspecto
mostra uma diferença importante do neoliberalismo com relação a outras
posições liberais de orientação democrática, pois este modelo é partidário
da distribuição do poder nas instituições sociais de alcance reduzido,
rechaçando a democratização ampliada da sociedade por temor a uma
possível “tirania da maioria” (1997, p. 80).
Para os neoliberais, o mercado se constitui enquanto eixo das relações
sociais, defendendo a limitação do poder, e é por isso que ao longo da década de
1990, assistimos a intensas ações das agências internacionais, como FMI, Banco
Mundial, que inspirados na lógica neoliberal, estabeleceram metas, políticas, e/ou
econômicas, voltadas para o mercado, bem como claramente distantes do ideal de
democracia almejado pela sociedade civil, na maioria das vezes representada pelos
44
movimentos sociais; trazendo em seu bojo conseqüências danosas para os diversos
segmentos da sociedade.
Portanto, não podemos crer que as conseqüências da crise do capital se
direcionam a um caminho, basta que compreendamos a partir da dialética
marxista, por exemplo, o modo como homens e mulheres produzem e reproduzem a
sua existência, isto significa apreender o plural de onde só se fala no singular.
Uma das conseqüências visíveis da referida crise diz respeito às políticas
públicas e mais precisamente no âmbito do planejamento urbano no Brasil, que
diante da conjuntura política dos anos de 1980, planos e programas regionais e
nacionais são sufocados pelos credores externos e internos e seus representantes
(ARAÚJO, 1993).
Importa, portanto teorizar acerca do planejamento para o desenvolvimento
brasileiro, aspecto que considero de grande importância para compreensão do
surgimento dos planos diretores das cidades, valendo, entretanto antecipar a
afirmação de que tanto as mudanças de concepção de Estado, da reestruturação
econômica dos anos de 1960 e 1970 e a crise econômica vivenciada pelo país,
provocada pela crise fiscal e financeira dos anos de 1980, anteriormente
mencionada, geram rebatimento no desempenho do planejamento e das questões
regionais de nosso país como veremos a seguir.
45
2.2 PLANEJAMENTO NO BRASIL E NA AMAZÔNIA
No Brasil, a experiência de planejamento urbano se a partir da década de
1930, mais especificamente no Centro-Sul, e tem a ver com a redefinição do modo
de produção capitalista que àquela época passava de agro-exportador para urbano-
industrial, reflexo da negação do modelo liberal econômico (MENDES, 1978).
Somente na década de 1940 o planejamento se volta para as questões
especificamente regionais, pois até então apenas a seca do Nordeste é que
movimentava ações setorizadas, mesmo assim voltadas para o atendimento aos
flagelados. O país precisava então se adequar à nova ordem e portanto a
necessidade de planejamento era premente, com vistas ao desenvolvimento
recorrente das determinações da Cepal, como afirma Mendes (1978) acerca da
filosofia desenvolvimentista imposta ao planejamento econômico naquele momento
histórico:
A Cepal propagou a idéia de que a industrialização planejada constituía
em uma condição sine qua non para superar as barreiras do
subdesenvolvimento. Por estas razões, a implantação do grupo misto
BNDE-Cepal
19
apresenta-se importante tanto para a prática do
Planejamento no Brasil como para a decolagem industrial que se
verificaria no país no qüinqüênio (1957-1961) com a execução do
Programa de Metas (p. 87).
Na década de 1950, o plano de metas representa o marco da experiência
brasileira em planejamento. Constitui-se em um Plano Nacional de Desenvolvimento
Econômico que estabelece diretrizes e medidas referentes às ações governamentais
e do setor privado. Nas décadas de 1950, 1960 e 1970 a experiência em
planejamento foi crescendo a partir da conjugação de vários fatores. Trata-se de
19
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico/Comissão Econômica para América Latina e
Caribe.
46
políticas públicas de caráter macrorregional, (inicialmente setorial), uma vez que
anterior a década de 1950, a relação comercial das regiões brasileiras se dava de
forma expressiva com outros países, em detrimento da relação entre as próprias
regiões. A partir de 1960, a economia se torna mais regionalizada em função da
mudança de padrão de acumulação industrial, a nova constituição do mercado
nacional e conseqüentemente da crescente urbanização.
Nesse período um bom exemplo de ação planejada se refere ao surgimento
de órgãos de fomento e instituições financeiras que no caso particular da região
Norte do país se materializou na emblemática Operação Amazônia.
20
Outro exemplo se refere à experiência do país em recorrer a organismos
internacionais de financiamento, que se de forma sistemática a partir da
elaboração de planos, programas e projetos
21
, derivando no reconhecimento oficial
por parte dos países desenvolvidos, de que “a atuação planejada do Estado na
economia poderia representar uma garantia, para seus investimentos e transações.
Estimulou -se assim a elaboração de planos nacionais tendentes a racionalizar e a
coordenar a política econômica governamental” (op cit). Na verdade a experiência de
20
Lançada em 1966, a “Operação Amazônia” se constituía num amplo conjunto de políticas de
Estado e reformas institucionais, objetivando em última instância, adequar a região às necessidades
do novo padrão de acumulação nacional, apoiado no tripé Estado/grande capital
internacional/capital nacional, ao qual caberia o papel de sócio menor. (BRAGLIA, 1993). A exemplo
de reformas institucionais efetivadas por esta operação, podemos citar a criação da Superintendência
de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), em substituição a Superintendência do Plano de
Valorização Econômica da Amazônia (SPEVEA); a transformação do Banco de Crédito da Amazônia
(BCA) em Banco da Amazônia (BASA S/A). Com relação às políticas de Estado, podemos citar a
alteração da política de incentivos fiscais; a reorganização da Zona Franca de Manaus, todos
ocorridos em 1966. A institucionalização do Programa de Integração Regional (PIN), o Programa de
Redistribuição de Terras e Estímulo à Agro-Indústria do Norte e Nordeste (Proterra), ocorridas em
1970.
21
Segundo Araújo (1993), a partir de 1961, com a Carta de Punta Del Leste (Uruguai), os países
latino americanos vêem-se na contingência de elaborar Planos como forma de recorrer aos
organismos mundiais de financiamento (p.91).
47
planejamento no Brasil assim como em alguns países da América Latina é marcada
pela direta influência da filosofia cepalina.
22
No seguimento do seu curso o planejamento regional no Brasil apresenta
como característica, segundo Araújo (1993), “uma natureza compensatória, uma
tônica complementar e acessória”, ou seja, essa experiência supervalorizou a
dimensão econômica de forma hegemônica, enquanto que a dimensão social foi
comprometida pelo quadro social perverso da época e o que é mais grave, a
dimensão política refere-se ao período da ditadura militar.
As superintendências
23
, como um esforço de regionalizar o planejamento, no
contexto da ditadura militar, são órgãos que têm como característica um centralismo
administrativo muito acentuado, amargando na década seguinte a crise vivenciada
pelo Estado e legitimada nos anos de 1980 pela crise fiscal e financeira abordada
anteriormente, derivando no desaparecimento de tal lógica de planejamento mais
setorizado.
Até a década de 1970 as mais importantes ações na área do planejamento no
Brasil foram:
- Programa de Metas (1957-1961)
- Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social (1963-1965)
- Plano de Ação Econômica do Governo (1964-1966)
- Plano Estratégico de Desenvolvimento (1968-1970)
- Programa de Metas e Bases para a Ação do Governo (1970-1972)
- I Plano Nacional de Desenvolvimento (1972-1974)
22
O diagnóstico da CEPAL apontava para imensos desequilíbrios sociais e econômicos tanto no
plano interno dos países latino-americanos, como destes em relação às nações de Primeiro Mundo.
Para superar as desigualdades e diminuir as defasagens existentes seriam necessárias reformas
estruturais profundas. O agente fundamental para implementar essas reformas seria o Estado
nacional e seu principal instrumento: o planejamento governamental.
23
Como por exemplo, a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam),
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), Superintendência de Desenvolvimento
do Centro Oeste (Sudeco), Superintendência de Desenvolvimento da Região Sul (Sudesul).
48
- II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975-1979)
Somente com a movimentação da Constituinte de 1988, é que volta a cena, o
apelo ao planejamento regional que resulta em um número considerado de artigos
voltados para essa questão. No que se refere aos aspectos regionais contidos nos
planos acima mencionados, sem incorrer no aprofundamento da questão, concordo
com Mendes (1978), quando afirma que no II Plano Nacional de Desenvolvimento a
questão urbana é evidenciada, mesmo que timidamente, em função do modelo de
desenvolvimento anteriormente referido, prevendo-se, portanto o processo de
metropolização das cidades como inevitável, com vistas a uma geopolítica de
desenvolvimento urbano. A este respeito a mesma autora afirma:
A estrutura urbana que se deseja estabelecer, nacionalmente, é concebida
em função dos objetivos e programas de desenvolvimento nacionais e
regionais. Tal concepção leva a definição de uma série de diretrizes que
se desdobram em estratégias regionais, específicas para cada
macrorregião brasileira. Sob este aspecto, o Plano contém uma ampla
listagem de objetivos, onde as medidas e prioridades para a sua
consecução não estão determinadas (p. 137).
Em tese, o planejamento tem por objetivo atender os anseios de uma
sociedade democrática, ou seja, que aspira por ações objetivas. No entanto, o Brasil,
ao longo de sua história, teve experiências de ações tecnocráticas de planejamento,
seja por questões de ordem política, econômica e/ou ideológica, contribuindo
significativamente para que a questão urbana não tivesse o devido tratamento. O
papel do Estado é preponderante nesse caso, uma vez que todo planejamento
voltado para o serviço público, pressupõe organicidade, instrumentação financeira e
econômica com vistas à diminuição das desigualdades sociais. Desigualdades estas
que no caso do Brasil se agravam conjuntamente com o processo de urbanização
acelerado, herança do Golpe Militar de 1964 que criou mecanismos de
49
internacionalização da economia brasileira, onde a dimensão tecnocrática do
planejamento se constituiu como um entrave para atender às reais demandas da
população, dificultando a visibilidade para encarar todas as mudanças advindas das
transformações políticas da época, onde a precarização das condições de vida de
grande parte dos brasileiros se evidenciou. Daí, o surgimento das determinações da
política urbana inscritas na Constituição Brasileira Federal de 1988 e
conseqüentemente nos planos diretores das cidades, questão que ainda se
evidenciada neste texto.
Cabe ao poder público dirigir uma política urbana que, através de planos
diretores urbanos e planos de desenvolvimento, conjuntamente com as constituições
dos estados, leis orgânicas dos municípios e lei federal de desenvolvimento urbano,
conduzam à evolução do ambiente urbano e social democrático (MIRANDA, 2000, p.
3), com vistas à redução das desigualdades sociais através do uso público do
espaço da cidade, este entendido como algo em constante processo de construção
de forma sustentável, para garantir a dignidade e a qualidade de vida da população.
O artigo 182 da Constituição Federal de 1998 estabelece o ordenamento jurídico
para o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e conseqüente garantia
do bem-estar de seus habitantes.
- O plano diretor aprovado pelas câmaras municipais, obrigatório para as
cidades com mais de 20 mil habitantes, é o instrumento básico da política de
desenvolvimento e da expansão urbana.
- A propriedade urbana cumpre a sua função social, quando atende às
exigências fundamentais de ordenação na cidade expressa no plano diretor.
- As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa
indenização em dinheiro.
50
- É facultado ao Poder Público Municipal mediante a Lei específica para a
área incluída no Plano Diretor exigir nos termos da Lei federal, do proprietário do
solo edificado, subutilizado, que promova seu adequado aproveitamento sob pena
sucessiva de:
I- Parcelamento ou edificação compulsória.
II- Imposto sobre propriedade predial e territorial urbana progressiva no tempo.
III- Desapropriação com pagamento mediante título de dívida pública de
emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo até o resgate de 10
anos em parcelas iguais anuais e sucessivas, assegurando o valor real da
indenização e os juros legais.
Os planos diretores originalmente se efetivam como instrumento de gestão
política da cidade, estabelecendo um pacto territorial com vistas à “conformidade” do
usufruto do espaço da cidade, uniformizando a qualidade de vida. Na verdade, os
Planos Diretores fazem parte de uma estratégia do governo brasileiro de
planejamento para o desenvolvimento, uma vez que o país vivenciava o processo de
transição pós-ditadura militar X abertura política. Vê-se claramente o papel
desempenhado pelo Estado, aqui entendido como produto das relações sociais, nas
formas de produção do espaço e no caso do meu objeto de estudo em particular,
SILVA (1995), assim se posiciona:
No que diz respeito à relação entre a classe hegemônica e o Estado, este
em alguns casos, como é o que ocorre em micro escala na ilha de
Caratateua, não é apropriado pela classe dominante, mas se
consubstancia numa verdadeira fusão entre ambos, não se distinguindo,
em alguns momentos, que decisões concernem ao poder público e aos
capitalistas (ou parte significante deles) no que diz respeito às decisões e
transformações do espaço urbano (p. 163).
Para o estudo sobre Caratateua é importante contextualizar o Plano Diretor
de Belém em sua relação com o Plano Diretor das Ilhas e seu rebatimento nas
51
políticas públicas educacionais destinadas à Ilha. Aspectos importantes precisam ser
considerados, inclusive do ponto de vista cronológico que assim se posiciona:
Como já foi afirmado, o Plano Diretor de Belém herda as determinações da
Constituição Federal de 1988. Com a promulgação da Lei 7.603 de 13 de janeiro
de 1993, no Capítulo IV referente à produção do espaço urbano, tem-se a primeira
indicação com relação à política de ordenamento do espaço das ilhas de Belém, e a
determinação para a elaboração de um plano diretor próprio, assim definida:
Art.152 - A ordenação dos espaços das ilhas de Mosqueiro e Caratateua,
como áreas de recreação e lazer, por serem as únicas com
disponibilidade de praias fluviais próximas de Belém, de fácil acesso à
população belenense de média e baixa renda, respectivamente, e
CONSTITUIÇÃO FEDERAL
1988
CONSTITUIÇÃO ESTADUAL
1989
LEI ORGÂNICA DO MUNICIPIO
DE BELÉM 1990
PLANO DIRETOR DE BELÉM
1993
PLANO DIRETOR DAS ILHAS
CARATATEUA E MOSQUEIRO
1994
SISTEMA DE EDUCAÇÃO
1994
52
possuírem grande potencial turístico, receberão tratamento urbanístico
especial, através de planos diretores próprios.
Parágrafo - As ilhas de Mosqueiro e Caratateua deverão ser objeto de
plano diretor específico, a ser elaborado com a participação de
entidades representativas da sociedade, especialmente as do
movimento popular, e a partir das propostas existentes da
Associação dos Moradores e Amigos do Mosqueiro (ASMAM) e do
Conselho de Representantes da Ilha de Caratateua (Consilha)
24
.
Vale ressaltar que a promessa de tratamento urbanístico apropriado para as
ilhas, aqui entendido como atendimento referente a saneamento, iluminação pública,
segurança e equipamentos públicos, o vem se concretizando ao longo do tempo.
Sem necessariamente se aprofundar na questão, a tabela abaixo revela esta
afirmação.
Tabela 2 - Recuperação e criação de áreas verdes (praças, canteiros e trevos),
segundo distrito administrativo, no município de Belém, 1999-2000
RECUPERAÇÃO (m
2
) CRIAÇÃO (m
2
)
DISTRITO
ADMINISTRATIVO
1999 2000 1999 2000
DAMOS - - - -
DAOUT - - - -
DAICO 538,88 - - -
DABEN 3 718,04 - - 6 911,00
DAENT - 5 458,00 2 630,00 13 983,00
DASAC - 47 396,00 23 733,00 2 203,00
DABEL 35 557,22 9 899,00 21 723,24 352,00
DAGUA - 1 395,00 - 10 925,00
TOTAL 39 814,14 64 148,00 48 086,24 34 374,00
Fonte: Fundação de Parques e Áreas de Belém (Funverde)
24
Especificamente no Capítulo 3, faço a discussão acerca da participação dos movimentos sociais na
ilha e conseqüentemente sua influência na formulação do plano.
53
Os dados acima indicam que mesmo depois da existência do Plano Diretor de
Belém e instituído o Plano Diretor das Ilhas e, portanto ambos estando
solidificados, Caratateua não recebe um tratamento urbanístico adequado, mesmo
sendo reconhecido juridicamente a sua importância enquanto área de lazer, para a
cidade, onde o crescimento populacional da Ilha, bem como o seu potencial turístico,
foi pouco considerado
2.3 O PLANO DIRETOR DAS ILHAS DE BELÉM E O TRATAMENTO DA
QUESTÃO EDUCACIONAL
O Plano Diretor das Ilhas surge em 1994, com a promulgação da Lei n. 7.684
de 12 de janeiro, enquanto herança do Plano Diretor de Belém e como resultado da
organização do Conselho de Representantes da Ilha de Caratateua (Consilha). O
Plano definia naquele momento 39 ilhas sob o domínio da administração do
município de Belém, sendo 26 ilhas pertencentes ao distrito do Outeiro e 13 ilhas
pertencentes ao distrito de Mosqueiro
25
, o que acarreta transformações de cunho
político e social para as ilhas, assim como a diferenciação entre elas, respeitando a
essencialidade amazônica comum a todas elas, cada ilha traz consigo uma
especificidade própria. As ilhas de Belém assim como os bairros estão vinculados a
um distrito administrativo (Quadro 1 e Figura 2).
25
Lei n. 7682 da Distritalização do Município de Belém, de 05 de janeiro de 1994.
54
Quadro 1 - Divisão político-administrativa, por discriminação, segundo distrito
administrativo, no município de Belém, 1999
DISTRITO
ADMINISTRATIVO
DISCRIMINAÇÃO
DAMOS
Ilhas de Mosqueiro: São Pedro, Maracujá, Pombas, Papagaio,
Canuari, Conceição, Maruim I, Maruim II e 04 ilhas sem
denominação.
Bairros: Maracajá, Vila, Mangueiras, Praia Grande, Aeroporto,
Farol, Chapéu Virado, Natal do Murubira, Porto Arthur, Murubira,
Ariramba, São Francisco, Bonfim, Carananduba, Marahu,
Caruara, Paraíso, Sucurijuquara e Baía do Sol.
DAOUT
Ilhas de Outeiro (Caratateua): Santa Cruz, Jutuba,
Coroinha/Nova,Croinha, Urubuoca/Paquetá-Açu, Cotijuba,
Itatuoca, Urubuoca/Papagaios/Jararaca,
Barra/Patos/Jararaquinha, Redonda/Jararaca/Longa,
Patos/Nova/Mirim, Cruzador, Fortinho, Fortim/Barra,
Cintra/Maracujá, Marineira/Combu, Murutura/Murutucu, Paulo da
Cunha/Grande, Poticarvônia/Ilhinha, Negra, Viçosa e 06 ilhas
sem denominação.
Bairros: Água Boa, Brasília, São João do Outeiro e Itaiteua.
DAICO
Bairros: Cruzeiro, Ponta Grossa, Maracacuera, Campina de
Icoaraci, Águas Negras, Agulha, Paracuri, Parque Guajará e
Tenoné.
DABEN
Bairros: Tapanã, Coqueiro, Pratinha, São Clemente, Parque
Verde, Benguí, Cabanagem, Una e parte do bairro do
Mangueirão.
DAENT
Bairros: Val-de-Cães, Souza, Castanheira, Guanabara, Águas
Lindas, Aurá, Universitário e parte dos bairros do Curió-Utinga,
Mangueirão e Marambaia.
DASAC
Bairros: Sacramenta, Maracangalha, Miramar, Barreiro,
Telégrafo, Pedreira, Fátima e parte dos bairros da Marambaia,
Marco, Umarizal e São Brás.
DABEL
Bairros: Reduto, Campina, Nazaré e parte dos bairros do Marco,
Umarizal, São Brás, Guamá, Cremação, Batista Campos,
Cidade Velha, Jurunas e Canudos.
DAGUA
Bairros: Montese (Terra Firme), Condor e parte dos bairros do
Jurunas, Batista Campos, Cidade Velha, Cremação, Guamá,
Canudos, São Brás, Marco e Curió-Utinga.
Fonte: Companhia Desenvolvimento e Administração da Área Metropolitana de Belém (Codem)
Nota: Bairros definidos conforme a Lei 7.806, publicado no Diário Oficial do Município de Belém,
em 30 de julho de 1996, tendo esta mesma conformação até os dias atuais.
55
Figura 2 – Distritos administrativos de Belém
A partir do Quadro 1 e da Figura 2, percebe-se que as ilhas de Belém
concentram–se em dois diferentes distritos administrativos, devidamente abrigadas
considerando sua proximidade espacial, sendo que a ilha de Caratateua é a mais
56
importante do distrito a qual está vinculada, por ter acesso por via terrestre e por ser
a mais urbanizada, o que lhe confere uma posição de vantagem diante das demais e
tendo uma organização social significativa.
As questões educacionais sempre estiveram na pauta de discussões dos
movimentos sociais, obtendo um lugar de destaque do plano diretor. No que
concerne à questão educacional, o plano assim estabelece:
Art. 93 São programas prioritários da educação nas ilhas de Caratateua e
Mosqueiro:
I- Adequação e recuperação de espaços escolares disponíveis;
II- Universalização da educação básica e erradicação do analfabetismo;
III- Construção de novos prédios escolares fundamentados em estudos
anuais de demanda escolar;
IV- Pesquisa educacional fundamentada nas dimensões administrativa,
pedagógica e política;
V- Capacitação e aperfeiçoamento dos profissionais de educação;
VI- Educação sanitária, humanitária e ambiental;
VII– Compreensão histórica do município fundamentada na análise de
seus distritos e bairros; e
VIII- Práticas de educação ambiental com equipamentos escolares
localizados em Caratateua e Mosqueiro (Escola Bosque) (BELÉM, 1993, p.
27).
Consoante ao estabelecido no referido plano, o governo da década de
1990 assume a implantação da Escola Bosque como um dos mecanismos de
reversão do quadro do déficit escolar em Caratateua e da inexpressiva presença do
poder público municipal na esfera educacional na ilha, uma vez que a Escola
Bosque se constituiu na única ão do poder blico municipal no referido período.
Em contrapartida, ressalto que com relação ao inciso I do artigo acima citado, houve
por parte do 2º governo, que pautado na lógica da democratização do acesso, voltou
a atenção para a adequação dos espaços escolares, levados a efeito pela expansão
do número de alunos da Escola Bosque alocados em 11 anexos, no ano de 1997,
fazendo com que este número na mesma unidade de ensino, salte de 756 alunos
57
regularmente matriculados em 1996, para 1617 alunos no ano seguinte
26
. Essa ação
também é uma tentativa de atender a definição do inciso II do plano, ou seja, a
necessidade de universalizar a educação básica e a possibilidade de erradicação do
analfabetismo, onde a Ilha de Caratateua no mesmo ano foi atendida com a abertura
de turmas da Educação de Jovens e Adultos (EJA), ainda no primeiro ano de
governo da referida gestão.
Especificamente com relação ao inciso III, posso preliminarmente inferir que a
ilha de Caratateua não foi atendida com relação ao número de unidades de ensino,
como bem mostra a tabela do Anuário Estatístico de Belém de 2000. As
determinações contidas no plano datam de 1993, entretanto a tabela abaixo revela
que quatro anos depois, o DAOUT foi contemplado com apenas uma unidade
escolar.
Tabela 3 - Demonstrativo de escolas da rede municipal, segundo distrito
administrativo, no município de Belém, 1990-2000
Distrito
Administrativo
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
DAMOS 7 7 7 7 7 7 7 7 7 10 10
DAOUT 1 1 1 1 1 1 2 2 2 2 2
DAICO 4 4 4 4 4 4 4 6 7 8 8
DABEN 4 4 5 5 5 5 5 6 7 7 8
DAENT 2 2 2 2 3 3 3 3 3 2 3
DASAC 7 7 8 8 8 8 8 8 9 9 9
DABEL 5 5 5 5 5 5 5 5 5 4 4
DAGUA 11 11 11 11 11 11 12 12 13 14 14
TOTAL 41 41 43 43 44 44 46 49 53 56 58
Fonte: Anuário Estatístico Belém 2001.
Nota: Em 1997 funcionaram 55 anexos. Em 1998 funcionaram 58 anexos e 33 creches. Considera-se
como escola, Theodor Badotti, no bairro do Tenoné (DAICO).
26
Dados obtidos através de pesquisa documental realizada na Secretaria da Escola Bosque.
58
Na verdade a realidade educacional da ilha se consubstanciou naquele
período por um expressivo aumento de vagas, como foi mencionado
anteriormente; entretanto prevalecendo o mesmo número de unidades escolares,
uma vez que a política adotada pelo governo foi de implantação dos anexos,
discussão que ainda será feita neste texto.
O inciso V, que se refere à capacitação e aperfeiçoamento dos profissionais
de educação, constituiu-se como a preocupação inicial da gestão referente ao
governo, materializado pela criação do ISEB
27
, podendo ser visualizado pelo
depoimento a seguir:
[...] começamos logo com a melhoria da formação do professor, para que
ele tivesse um lugar para discutir, para fazer seminários, para formar
grupos de estudo, uma biblioteca, enfim para dar condições de qualificação
permanente ao professor. Para isso criamos então o ISEB, que era
formado por um grupo de professores selecionados que ganhava um pouco
melhor pra estimular o pessoal a estudar [...] o professor nunca era
esquecido [...] Gestor da educação do 1º Governo.
Esta ação contraria o pensamento de um número significativo de pensadores
e/ou gestores da educação brasileira e local, acerca da implantação dos institutos
superiores, que entendem que a formação de professores tem que se dar no espaço
escolar, no cotidiano de trabalho e o necessariamente em um lugar
institucionalizado para tal ação, como demonstra a declaração a seguir:
[...] a percepção é de que a escola é o lócus de formação do educador, que
todo investimento tem que ser feito pra trabalhar dentro da dinâmica da
escola com os atores que atuam lá, [...] a história tem nos mostrado que
estes investimentos pouco respondem a realidade [...] tira o professor, ele
volta, e o que muda na escola. Era preciso então reorientar toda essa
política.(Gestor da educação do 2ºgoverno)
27
Foge ao escopo da pesquisa perquirir acerca das ações do ISEB, uma vez que as mesmas se
destinaram para toda a Rede Municipal de Belém e não especificamente para a ilha de Caratateua.
59
Importa relembrar que ainda na década de 1980, no que se refere à oferta de
unidades escolares, a ilha contava com apenas duas escolas, a Escola Estadual de
Ensino Fundamental e Médio do Outeiro, fundada em maio de 1951 e a Escola
Municipal de Ensino Fundamental Monsenhor Azevedo, fundada em março de 1969,
enquanto que, a partir da década de 1990, foram construídas mais três escolas,
sendo duas da esfera estadual; a Escola Estadual de Educação Infantil e Ensino
Fundamental Colônia do Fidélis, fundada em novembro de 1991 e a Escola Estadual
de Ensino Fundamental da Brasília, fundada em maio de 1992. Da esfera municipal,
a Fundação Centro de Referência em Educação Ambiental Escola Bosque Professor
Eidorfe Moreira, acima referida, inaugurada em 1996 e a mais recente, Escola
Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Professor Helder Fialho, cujas
atividades iniciaram em maio de 2002, sendo que esta última não faz parte deste
estudo pelo fato de não se constituir numa ação da década de 1990.
Posso constatar que até 1996, excetuando a presença da Escola Municipal
Monsenhor Azevedo, o município, esfera responsável constitucionalmente pela
oferta de educação infantil e ensino fundamental, aliada ao regime de colaboração
com o Estado, não assumira a contento a educação na ilha, importando ressaltar
que tal afirmação não se constitui como prerrogativa dos poderes públicos do Pará
ou de Belém, na verdade esta é a tônica da história da educação brasileira, marcada
por uma dívida social muito grande com a educação desse país.
Como parte das transformações ocorridas no campo da educação, o
município de Belém, ainda em 1994, implanta o Sistema Municipal de Educação,
instituído pela Lei 7.722/94, sendo de fundamental importância a discussão desta
temática, uma vez que se constituiu numa ação com conseqüências para toda a
década em estudo.
60
2.4 GESTÃO 1993-1996. OS SISTEMAS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO:
ELEMENTOS CONTEXTUAIS
É sabido que anterior à Constituição Federal de 1988, a educação dos
municípios brasileiros era vinculada ao Sistema Estadual de Educação e, portanto
vista como um sistema menor, subordinado às prescrições do Sistema Estadual e
seus respectivos conselhos. O município e o estado dividiam a tarefa de oferecer o
ensino fundamental, entretanto as decisões eram de propriedade do poder público
estadual.
É oportuno então a apropriação do conceito de sistema definido por Cury
(2000), contido no parecer 30/2000 - CEB/CNE, a respeito da institucionalização dos
sistemas municipais, em que o autor assim se posiciona:
Sistemas de ensino são o conjunto de campos de competência e
atribuições voltadas para o desenvolvimento da educação escolar que se
materializam em instituições, órgãos executivos e normativos, recursos e
meios articulados pelo poder público competente, abertos ao regime de
colaboração e respeitadas as normas gerais vigentes [...] Dada a
pluralidade e assimetria dos municípios, tal institucionalização deve se
consubstanciar juntamente com a assistência técnica e financeira da União,
em seu papel redistributivo, e também dos estados para que os municípios
possam exercer na plenitude sua autonomia por meio da instituição efetiva
dos seus próprios sistemas de ensino.
A discussão sobre Sistema Municipal de Educação historicamente tem sido
bastante polêmica, uma vez que a idéia de sistema pressupõe articulações entre
instituições, poder público e sociedade, e mais propriamente entre Estado e Governo,
algo bastante questionável em se falando de educação brasileira
28
. Entretanto, a
partir da Carta Magna de 1988, quando faz referência à autonomia dos municípios,
como já foi mencionado anteriormente, abre-se a oportunidade da educação se
estabelecer enquanto um sistema educacional nos municípios, tendo como órgão
28
Desde a educação jesuítica até nossos dias a história da educação brasileira é marcada pelo
distanciamento entre a demanda educacional e o efetivo apoio por parte das diferentes esferas de
poder no que se refere às políticas públicas educacionais.
61
normativo os Conselhos Municipais de Educação. No artigo 211 (CF/88), em seu
caput, fica estabelecido que: “A União, os estados, o Distrito Federal e os municípios
organizarão em regime de colaboração, seus sistemas de ensino”. Ainda no artigo
acima citado, no parágrafo é definido o regime de colaboração: “Na organização
de seus sistemas de ensino, os Estados e os Municípios definirão formas de
colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório”.
Esse artigo é interpretado por Areralo, (1997, p. 3) da seguinte maneira:
[...] significa que esta tarefa de universalização do ensino fundamental, por
um lado, não é tarefa exclusiva do estado, por outro lado, em nome desta
tarefa /dever comum, o estado não pode obrigar o município a adotar uma
única visão ou alternativa para a solução deste problema. A busca de
estratégias deverá ser comum, mas não única para enfrentar este
problema. E não deverá ser responsabilidade de uma esfera. Insistimos
neste aspecto, pois, em muitos municípios, principalmente os menores, os
órgãos regionais estaduais de educação (delegacias de ensino ou
equivalentes) costumam impor uma só solução, que traduzem as suas
(deles) decisões, argumentando que o fazem por força de lei, decisões
estas, exclusivamente fruto de discussões entre especialistas das cúpulas
das secretarias de educação dos estados e não de uma discussão conjunta
estado-município [...]
O grau de responsabilidade do município para com a educação cresce e
impõe um novo olhar por parte dos gestores municipais. Trata-se então de uma
árdua tarefa, uma vez que aos municípios compete atribuições voltadas para o
planejamento, assim como para a gestão do sistema de ensino, o que deriva na
necessidade de uma infra-estrutura e de uma capacidade de gestão,
tradicionalmente não existente na grande maioria dos municípios do nosso país,
principalmente se considerarmos o crescimento numérico de municípios brasileiros
na década de 1980
29
, bem como a capacidade de administrá-los, a competência
política em relação ao patrimonialismo.
29
Nos anos de 1980, no estado do Pará foram criados 23 novos municípios, elevando de 82 para
105 o mero total dessas unidades político-administrativas, uma das marcas do processo de
transformação ocorridas na Região Amazônica (BRAGLIA, 1988). A partir da década de 1990 o
mesmo estado conta com 143 municípios.
62
Os estados brasileiros em suas respectivas constituições
30
revelam seu grau
de relacionamento com os sistemas municipais, onde muitos deles buscam através
da sociedade civil, mecanismos de atendimento à melhoria de ensino; entendendo
que introduzindo no texto legal conteúdos de caráter democratizador, alterassem a
situação da educação no país (CATANI; OLIVEIRA, 2000, p. 61).
Na Constituição do Estado do Pará, promulgada em 05 de outubro de 1989,
os sistemas municipais assim se inscrevem:
Art.279. Os municípios instituirão seus sistemas próprios de ensino, que
integrarão o sistema estadual, baseado nos princípios desta Constituição.
Parágrafo Único. O estado prestará assistência técnica e financeira aos
municípios na organização de seus respectivos sistemas.
O artigo anteriormente mencionado revela a necessidade de articulação entre
estados e municípios e a isto se somam interesses de ordem política, bem como
modifica o grau de responsabilidade destes, evidenciando as transformações
estabelecidas a partir da Constituição Federal de 1988. Conseqüentemente os
municípios precisam investir nas novas determinações e para tanto é através da Lei
Orgânica dos Municípios que estes também se institucionalizam.
Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) n. 9.394/96, a
organização dos sistemas de ensino se inscreve a partir da opção que julgar mais
adequada, que segundo Gracindo (1997, p. 176), são as seguintes: “(a) um sistema
de ensino próprio, b) integrar-se ao sistema estadual de ensino; c) compor com o
sistema estadual, um sistema único de educação básica”.
A mesma autora elenca as competências do município definidas na LDB:
30
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, os estados brasileiros tiveram prazo de um
ano para elaboração de suas Constituições Estaduais. A exceção se deu apenas para os territórios
do Amapá e Roraima e para o estado do Tocantins.
63
organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais do seu
sistema de ensino, integrando-os às políticas e planos educacionais da
União e do estado;
exercer ação redistributiva em relação a suas escolas;
baixar normas complementares para o seu sistema de ensino;
autorizar, credenciar e supervisionar os estabelecimentos do seu
sistema de ensino;
oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas;
oferecer, com prioridade, o ensino fundamental;
matricular todos os educandos a partir de sete anos de idade e
facultativamente, a partir dos seis anos, no ensino fundamental;
promover cursos presenciais ou a distância aos jovens e adultos
insuficientemente escolarizados;
realizar programas de capacitação para todos os professores em
exercício utilizando também, para isto, os recursos da educação à distância;
integrar todos os estabelecimentos de ensino fundamental do seu
território, ao sistema nacional de avaliação de rendimento escolar;
estabelecer estratégias para que, até o fim da Década da Educação,
sejam admitidos em seus quadros apenas docentes habilitados em vel
superior ou formados por treinamento em serviço;
31
estabelecer mecanismos para a progressão da sua rede escolar pública
de ensino fundamental, para regime de escolas de tempo integral;
estabelecer mecanismos para autorizar o funcionamento e para avaliar a
qualidade do processo educativo desenvolvido pelas escolas de iniciativa
privada.
Cabe refletir sobre tais competências considerando as disparidades regionais
e o grau de competência administrativa que os municípios brasileiros vêm assistindo
ao longo de sua história. Na cidade de Belém, com base na CF/88 e se antecipando
à LDB, foi criado o Sistema Municipal de Educação ainda no ano de 1994. Vejamos
a seguir o contexto.
31
O Conselho Nacional de Educação, com base na Resolução CNE /CEB 01, de 20 de agosto de
2003, dissipa a ambigüidade no entendimento de que depois de 2006 só permaneceriam no exercício
do magistério profissionais com nível superior.
64
2.4.1 Belém: a vanguarda dos sistemas municipais?
Apoiado no ideário cepalino
32
, a Prefeitura Municipal de Belém, na gestão
(1993-1996), lançou três estratégias de Planejamento para o Município, a saber: a)
O tratamento do município sob a ótica do desenvolvimento sustentável, b) Definição
da qualidade de vida a perseguir, c) Destaque da educação sica, reconhecida
como principal fator do desenvolvimento humano moderno (BELÉM, 1996, p. 102).
O discurso em torno das políticas públicas para a educação básica se
pautava na qualificação e expansão da rede de ensino. Criou-se então em 1994, o
sistema de educação, com lei própria (7.722/94) e tendo como premissa sica o
desenvolvimento sustentável, sendo que em 1996, conforme explicado
anteriormente, passa a fazer parte do Sistema Municipal, dois subsistemas. A idéia
era incluir o município de Belém na ótica moderna do desenvolvimento sustentável,
noção que inclui pelo menos três componentes /desafios básicos que formam um
todo concatenado: econômico, social e ambiental (BELÉM, 1996). Tratava-se,
portanto de uma rede sistêmica de educação ambiental e profissionalizante. Daí o
surgimento de dois subsistemas: as Unidades de Educação para o Desenvolvimento
Sustentável (UEDS) e as Unidades de Educação Básica (UEB), e que tinha como
diretrizes segundo Gueiros (1996, p. 13-14):
profissionalização criativa no aspecto formativo e diretamente voltada à
premência de trabalhar e produzir;
inserção comunitária valorizando tanto o controle democrático da
Instituição quanto as formas compartidas de gestão voltadas para o
fomento da qualidade formal e política;
contemporaneidade, representada seja pelo compromisso de oferecer o
que de melhor em termos de tecnologias educativas e
profissionalizantes, seja por colher as necessidades urgentes da população,
em termos de luta pela sobrevivência, ou por integrar os recursos
disponíveis na rede do subsistema;
inovações educativas não só observáveis no nível tecnológico mas,
sobretudo, em currículo criativo que garanta ligação ostensiva entre teoria
e prática, maior tempo de contato na pesquisa, elaboração própria do aluno
e do docente, exercício docente em prática exclusiva ou tempo integral;
32
Ver Demo (1996).
65
inserção cultural, por conta da relevância da identidade cultural nos
processos de desenvolvimento humano, que implica na coerência entre os
objetivos perseguidos e a realidade concreta das localidades
microrregionais, evidenciando o respeito à bagagem própria das
comunidades;
união do saber pensar com o saber fazer, para usar a energia inovadora
do conhecimento na ligação justa entre teoria e prática;
inserção econômica para garantir a necessária implicação com a vida
das pessoas e da comunidade, tendo em vista que a inserção política se
torna retórica quando desgarrada de oportunidades econômicas;
abrangência da educação para além das crianças e adolescentes,
incluindo adultos, o que recomenda a mescla adequada entre preocupação
de teor mais formativo e a de teor mais profissionalizante.
Efetivamente o sistema educacional daquele período foi contemplado pelo
subsistema referente as UEDS, revelando uma concepção de governo, pautada na
ótica do desenvolvimento sustentável, que assim se constituíram ao longo dos 04
(quatro) anos de gestão.
Quadro 2 – Unidades de desenvolvimento sustentável no município de Belém
UNIDADES DE
DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL
PERFIL LOCALIZAÇÃO
Liceu de Artes e Ofícios Rui
Meira
Oferece cursos de reparos
residenciais, de atividades artesanais
e consertos de eletro-eletrônico.Não
oferece educação formal.
Bairro do Guamá - Distrito
do Guamá (DAGUA)
Liceu de Artes e Ofícios
Mestre Raimundo Cardoso
Escola com Educação Infantil, Ensino
Fundamental Ciclado e Oficinas
regulares voltadas para o campo da
Madeira e da Cerâmica.Educação de
Jovens e Adultos.
Bairro do Paracuri -
Distrito de Icoaraci
(DAICO)
Complexo Educacional
Parque Amazônia
Escola com Educação Infantil, Ensino
Fundamental Ciclado e Educação de
Jovens e Adultos.
Bairro da Terra Firme
Distrito do Guamá
(DAGUA)
Fundação Centro de
Referência em Educação
Ambiental Escola Bosque
Prof. Eidorfe Moreira
Com arquitetura sui generis, Escola
inserida na Fundação, com
Educação Infantil, Ensino
Fundamental e Médio, sendo este
com habilitação em Fauna, Flora e
Ecoturismo.Desenvolvimento de
Projetos Pedagógicos voltados para
a área ambiental. Educação de
Jovens e Adultos.
Ilha de Caratateua -
Distrito do Outeiro
(DAOUT)
Fonte: Elaborado a partir dos dados da pesquisa.
66
Segundo Gueiros (1996), os maiores problemas enfrentados pela
administração daquele período se referiam à pobreza urbana e ao estado de
abandono das áreas rurais, e para tanto, caberiam duas estratégias para fazer frente
às ões desencadeadas, a saber: “(a) políticas de indução direta e indireta de
estímulo às atividades econômicas, isto é, ao crescimento da produção, em contexto
de convivência ecológica adequada; b) ações de natureza social visando melhorar o
nível das populações carentes” (p. 11).
A concepção de desenvolvimento sustentável estabelecida para a criação dos
subsistemas, precisamente para a criação das unidades para o desenvolvimento
sustentável se pautou no enfoque integrado de desenvolvimento, estabelecido pela
ONU e seus órgãos, que na década de 1990, apontou três indicadores, sendo a
educação o enfoque mais evidenciado. Segundo Demo (1996, p. 10-13), isto se
pelos seguintes fatores:
a) o desenvolvimento é definido como “oportunidade”, ou seja, como
fenômeno fundamentalmente histórico [...] b) o conceito de oportunidade
realça a referência humana do desenvolvimento; [...] c) a pergunta sobre o
que melhor abriria tais horizontes do fazer oportunidade e sobretudo do
fazer-se oportunidade, recebe como resposta mais consensual a educação,
por estar mais próxima da qualidade humana; [...] d) entre os três
indicadores de desenvolvimento humano, o da educação deverá ser o
primeiro e o mais básico, em seguida a expectativa de vida e o poder de
compra; e) o enfoque integrado, desenhado mais concretamente pela
Cepal, leva a considerar o desenvolvimento como fenômeno tipicamente
interdisciplinar, a saber, matricial, composto de inúmeros fatores relevantes
de toda ordem, mas organizado estrategicamente pelo binômio educação e
conhecimento (grifo meu).
Reitero que claramente nos documentos que norteiam o referido sistema,
o apoio nas determinações da Cepal, como podemos observar a seguir:
Educação e conhecimento formam o eixo da transformação produtiva com
eqüidade, no contexto da discussão cepalina. Este debate privilegia a
relação da educação com competitividade, trazendo uma colaboração
importante, em que pese a resistência de educadores que temem
subordinar educação ao mercado, a exemplo da tradicional “teoria dos
recursos humanos”. Bem colocadas as coisas o risco sempre presente
compensa a possibilidade de valorizar a necessidade de educação do
67
trabalhador, favorecendo um desdobramento bem mais visível de sua
cidadania, além da competência produtiva. [...] Uma das maiores virtudes
cepalinas, é o enfoque integrado, conjugando competitividade e cidadania
numa matriz global única. Desde logo, é fundamental não separar o desafio
da cidadania do desafio da transformação produtiva, ainda que uma seja
fim e a outra meio (DEMO, 1996, p. 19-22) (grifo meu).
O mesmo autor propõe uma revisão no processo de reconstrução do
conhecimento que deve desaguar em uma política de conhecimento tendo como
desafio maior a eqüidade, bem como, em sua análise revela naturalidade a relação
existente entre desenvolvimento sustentável e a lógica de mercado, quando afirma
que:
A visão do desenvolvimento sustentável trouxe, entre outras preocupações
relevantes, aquela voltada para a necessária integração do social no
econômico, bem como a importância da cidadania culturalmente fundada.
Ao marcar fortemente o mercado como instrumento, o o secundarizou,
como querem muitos educadores, mas colocou em seu devido lugar. Quer
dizer não desenvolvimento sustentável sem mercado [...] Ademais, a
tendência excludente (do capitalismo) é peculiar a qualquer mercado, pela
razão simples de que as necessidades humanas sempre são maiores do
que as condições históricas de as satisfazer [...] (DEMO, 1996, p.49) (grifo
meu).
Como a LDB define a criação dos sistemas municipais somente em 1996, a
implantação do Sistema Municipal de Educação do Município de Belém, ainda em
1994, bem como a criação de seus subsistemas considerando suas peculiaridades,
confere a educação belenense uma posição de vanguarda. Transcorrido o
mandato administrativo da Prefeitura Municipal de Belém da cada de 1990, o
Sistema Municipal de Educação revela concepções ideológicas e políticas que
pouco traduzem o ideal de democracia e até mesmo de qualidade de vida que este
mandato propunha alcançar. Importa me apropriar da contribuição de Lima (2001) e
afirmar que no plano das orientações, a Secretaria Municipal de Educação em
questão, naquele momento histórico, desempenhou o papel a que se propôs, mas
no plano da ação organizacional as lacunas ficaram evidentes. Entretanto, é
68
imperioso considerar que a iniciativa de colocar a discussão da questão ambiental
na agenda educacional do município revela uma característica inovadora da referida
gestão.
2.5 GESTÃO 1997-2000: DEMOCRATRIZANDO O ACESSO À EDUCAÇÃO NA
ILHA DE CARATATEUA
Ancorada no princípio da inclusão social, a administração municipal do
governo da década de 1990 estabeleceu como diretrizes prioritárias a
democratização do acesso e garantia de permanência na escola, a qualidade social
na educação, a gestão democrática e a valorização do profissional da educação
para a sua política educacional (SEMEC,1999, p. 1), conseqüentemente ações
voltadas para:
a) O Programa Bolsa Familiar para a Educação;
b) O Projeto de Alfabetização de Adultos Professor Paulo Freire;
c) A Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva;
d) O Programa de Alimentação Escolar no Município de Belém.
Consoante às diretrizes da política municipal de educação, a Secretaria
Municipal de Educação (Semec), estabeleceu para a expansão da Rede de Ensino a
implantação de UEB, contrapondo-se à estratégia primordial do primeiro governo.
33
No que diz respeito ao DAOUT as transformações se dão, a partir da
implantação de anexos vinculados à Escola Bosque na própria Ilha de Caratateua,
assim como em outras ilhas que fazem parte do referido Distrito.
33
Refere-se à gestão 1993-1996, que, conforme mencionado acima, implantou exclusivamente
UEDS, o que caracteriza a prioridade conferida a elas.
69
Quadro 3 – Anexos da Escola Bosque, 1997-2000
Ilha de Caratateua Anexo da Brasília
Anexo de São João do Outeiro
Anexo do Fidélis
Anexo do Fama
Anexo da Primavera
Anexo da Água Boa
Anexo do Tucumaeira
Ilha de Cotijuba Anexo da Faveira
Anexo do Seringal
Anexo da Fleixeira
Ilha de Jutuba Anexo do Jutuba I
Anexo do Jutuba II
Ilha de Paquetá Anexo do Igarapé do Jamaci
Ilha do Combu Anexo do Igarapé do Combu
Fonte: Elaborado a partir dos dados da pesquisa.
É notável que o papel da Escola Bosque na ilha de Caratateua é
redimensionado no governo da década de 1990, atendendo as exigências
contidas no plano diretor das ilhas, mais precisamente referente aos incisos VII e VIII
que diz respeito à questão educacional, bem como as exigências da própria gestão,
que naquele momento histórico se pautava nos documentos que tratavam do Projeto
Político Pedagógico da Escola Cabana.
Vale ressaltar que a Escola Bosque
34
, ao implantar o ensino médio
profissionalizante, com as Habilitações Técnicas em Manejo de Fauna, Manejo de
Flora e Ecoturismo, assumiu um nível de ensino que extrapola sua competência
constitucional, em que pese não ter universalizado o ensino fundamental, obrigação
efetiva da esfera municipal, do ponto de vista das estruturas formais, das práticas
normativas (LIMA, 2000).
34
Única escola da esfera municipal com ensino médio.
70
A educação na Ilha de Caratateua no período de 1997 a 2000, assim se
estruturou:
Quadro 4 – Educação na ilha de Caratateua, 1997-2000
ESCOLA BOSQUE ESCOLA MONSENHOR AZEVEDO
Educação infantil - Sede e anexos
Educação fundamental - Sede e anexos
Educação de jovens e adultos – Sede
Ensino médio Sede
Habilitações: Fauna/Flora/Ecoturismo.
Educação infantil Sede
Educação fundamental – Sede
Educação de jovens e adultos - Sede
Fonte: Elaborado a partir dos dados da pesquisa.
Para instrumentalizar o estudo, há necessidade de fazer o contraponto entre a
demanda educacional da ilha e as ações efetivadas na década de 1990, seguindo o
caminho metodológico trilhado até então, onde as discussões terão como pano de
fundo as entrevistas e as análises dos documentos, na tentativa de suscitar a crítica
entre o prescrito e o efetivado.
71
CAPÍTULO 3
DERIVAS E DERIVAÇÕES DA EDUCAÇÃO
"A utopia está no horizonte. Me
aproximo dois passos, ela se afasta dois
passos. Caminho dez passos e o horizonte
corre dez passos. Por mais que eu caminhe,
jamais alcançarei. Para que serve a utopia?
Serve para isso: para que eu não deixe de
caminhar".
Galeano (1971)
Segundo o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa a palavra deriva significa
desvio que um instrumento sofre com o tempo, a partir de seu ponto de repouso (...)
à deriva, sem rumo, solto, arrastado (...) e derivar, resultar fluir, originar-se. Esses
termos podem metaforicamente ser aplicados aos caminhos tomados pela educação
na cidade de Belém, que historicamente vivenciou períodos onde esteve à deriva, ou
seja, à mercê de práticas clientelistas, e portanto estando de certa forma de repouso,
sendo que mais tarde a partir do avanço e da organização da sociedade, mesmo
que ora de forma tímida, ora de forma mais aparente vê-se fluir, resultar em ações.
Para melhor entendimento acerca dessas ações educacionais efetivadas
precisamente na ilha de Caratateua na década de 1990, é necessário primeiramente
evidenciar o papel desempenhado pelos movimentos sociais de educação na
referida ilha e posteriormente estabelecer o debate acerca das repercussões das
políticas públicas em ação.
3.1 MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO NA ILHA DE CARATATEUA
Falar de movimentos sociais necessariamente remete à idéia de direitos, que
não estão garantidos apenas na inscrição das leis, mas acima de tudo como uma
construção histórica, ultrapassando as garantias formais e determinando a
72
equivalência entre a igualdade e a justiça, dois valores em tese perseguidos pelos
movimentos sociais, cabendo aqui lançar um olhar histórico acerca da trajetória
desses movimentos no Brasil, sem necessariamente fazer uma revisão exaustiva da
literatura, porém evidenciando o período compreendido entre 1980 e 1990 que
serviu de palco para o fortalecimento dos movimentos sociais, que assistiam naquele
momento a escalada da crise fiscal por que passava o Estado capitalista. Esses
movimentos remontam a décadas passadas, mas, precisamente aos anos de 1980.
Experimentaram seu apogeu se manifestando a partir de causas como: a busca
efetiva da democracia, sufocada pelo regime ditatorial; as lutas sindicais de garantia
de emprego e abertura de novas frentes de trabalho; perseguição ao ideal de
cidadania e do real papel a ser desempenhado pela sociedade civil.
Cardoso (1994, p. 81) distingue a trajetória dos movimentos sociais em duas
fases: “a emergência heróica dos movimentos”, que compreende o período de 1970
a 1980; e a segunda fase como a institucionalização da participação e da relação
dos movimentos com o Estado”, que se dá a partir da primeira metade da década de
1980, identificada por alguns autores como um refluxo dos movimentos; ambas
ocorrendo em contextos políticos completamente diferenciados.
Na verdade, os movimentos sociais trilham caminhos diferentes, mas m
como ponto de unidade a reconstrução da cidadania, negada ou perdida ao longo da
história do Brasil, na tentativa de conceber uma sociedade assim descrita por Telles
(1994, p. 101), onde:
as relações sociais são mediadas pelo reconhecimento de direitos e
representações de interesses, de tal forma que se torne factível a
construção de espaços blicos que confiram legitimidade aos conflitos e
nos quais a medida de eqüidade e a regra de justiça venham a ser alvo de
debate e de uma permanente negociação.
73
A trajetória percorrida pelos movimentos sociais refere-se desde o
reconhecimento da existência de uma demanda social marcadamente voltada para
prestações de serviços, passando pelos processos políticos (formação de partidos
35
)
e também as lutas pela afirmação da identidade cultural e étnica, recorrente das
organizações de base cunhadas historicamente no país. Em que pese o percurso
histórico trilhado pelos movimentos, é importante frisar que o que qualifica o discurso
e a prática dos movimentos é a noção de direitos que subjaz sua essência. Aqui a
noção de direitos é definida pela mesma autora como: “práticas, discursos e valores
que afetam o modo como as desigualdades e as diferenças são figuradas no cenário
público, como os interesses se expressam e os conflitos se realizam” (p. 91).
Os movimentos sociais se consolidam, sendo que os atores sociais se
amparam em dois patamares: nas estruturas formais (consolidação dos sindicatos,
surgimento de partidos políticos), e nas organizações populares diversas
(movimentos comunitários, surgimento de associações de bairros, etc.), derivando
uma nova definição do papel do Estado e conseqüentemente a necessidade da
institucionalização de políticas públicas.
É reconhecido o avanço qualitativo que esses movimentos denotam, a exemplo
de processos organizativos em favor da ética (Campanha Diretas Já, impeachment de
Collor
36
), pressionando a revisão do papel do Estado.
A partir da segunda metade da década de 1980 muitos dos novos movimentos
sociais
37
reorientam sua forma de atuação no sentido de uma participação em redes
mais amplas de pressão e resistência (BASTOS, 2000, p. 33), levando nos anos de
35
É importante valorizar aqui a questão do pluripartidarismo para compreender a dinâmica interna
dos movimentos com os partidos, bem como a abertura ocorrida por parte das agências públicas. Ver
Cardoso (1994).
36
Fernando Collor de Melo, presidente eleito pelo voto direto no período pós-ditatorial, tendo um
governo marcado pela corrupção, sofreu um processo de impeachment após seu 2º ano de mandato.
37
O Movimento dos Sem-Terra, o novo sindicalismo, o movimento de bairro, são exemplos dos novos
movimentos sociais. Ver Bastos (2000, p. 33).
74
1990 a enveredarem para as reivindicações em torno da melhoria das condições de
vida, como saúde, educação, seguido ainda pelos movimentos de natureza cultural e
étnica, bem como a defesa dos direitos humanos, contra as desigualdades sociais,
estabelecendo o limiar entre movimentos sociais e movimentos sindicais, sem negar
sua ligação, sendo que ambos tem como marca o enfrentamento às grandes
corporações capitalistas.
Ainda na mesma década, a conjuntura nacional é marcada pelo paradoxo da
exclusão e das lutas sociais, uma vez que a globalização da economia e as políticas
neoliberais se apresentaram com mais força, reverberando na natureza dos
movimentos sociais, à medida que estes não pertencem aos centros de processos
decisórios, ou quando chamados a opinar, é apenas para sacramentar o que
previamente foi definido, a exceção de experiências de governos locais de caráter
progressista.
38
Outra alternativa utilizada pelo Estado capitalista refere-se às políticas
compensatórias (frentes de trabalho, bolsa-escola, vale-gás, entre outras), mas isso
não significa que a desigualdade social foi atenuada e os movimentos sociais têm
outro papel a ser desempenhado, que é o de concorrer com o discurso imposto pelo
Estado capitalista de que as políticas assistencialistas (distribuição de cestas básicas,
por exemplo), se constituem na forma mais acertada de combate à pobreza, tendo
agora as Organizações Não Governamentais (ONG), que desempenhar papel
preponderante no cenário dos direitos humanos como um todo; etnia, nero, opção
sexual, etc., passando pelas questões referentes a meio ambiente (historicamente sua
área de atuação), nacionalidade, religião.
38
Aqui me refiro a duas iniciativas de participação popular estabelecidas a partir dos governos de
esquerda no Brasil, que são os conselhos setoriais e o orçamento participativo.
75
Gohn (2002) entende que atualmente um novo cenário com novos atores,
graças a políticas sociais de cunho reformista, com uma nova configuração jurídica - o
chamado terceiro setor
39
, privado sem fins lucrativos, de caráter associativista e
cooperativista. A autora denuncia as contradições do terceiro setor, afirmando que
este intermedia a relação entre Estado e sociedade, papel antes desempenhado pelos
movimentos sociais, só que agora é para “implementar e executar políticas sociais,
desativadas nas instâncias de execução pertencentes aos órgãos estatais transferidas
para a sociedade civil organizada em parcerias entre o setor público e o público não
estatal” (p. 94).
A década de 1990 também representa o momento de declínio desses
movimentos, seja pela multiplicação de canais de pressão política, ou pelo possível
populismo imprimido por seus dirigentes e/ou práticas de cooptação, ou até mesmo
pela chegada ao poder de partidos comprometidos com as causas populares, ou
ainda pela necessidade de mudar o foco do debate, que antes era o embate contra a
ditadura militar, pela democratização, confluindo forças para questões mais difusas
como os aspectos culturais possam ter tornado mais confusa a luta dos movimentos
sociais, tornando-os mais vulneráveis e desarticulados. A verdade é que
claramente uma redução da força e/ou alcance que estes revelaram no contexto dos
espaços de reprodução social, na década anterior, redefinindo o diálogo com o Estado.
Mas também o indispensável reconhecimento do papel exercido por estes,
no processo de construção da democracia e da cidadania, solidificando a idéia de que
a participação popular imprime a marca do avanço da sociedade brasileira nas duas
últimas décadas, seja pela construção de projetos voltados diretamente para
minimizar as desigualdades sociais; seja pela influência decisiva nos processos de
39
Não cabe aqui um maior detalhamento dos fundamentos político-econômicos do terceiro setor,
sugiro como aprofundamento da discussão Gohn (2002) In: Gentilli, P.; Frigotto, G. (Orgs.), 2002.
76
organização política e de mudanças de condições, restando como desafio, o contínuo
enfrentamento junto às instituições sociais, provocando maior rigor no desempenho de
seus papéis; como também enquanto referencial de análise para as Ciências Sociais,
consolidando a legitimação acadêmica dessa temática, em que pese esquemas
interpretativos diversos. A este respeito, Arroyo (2003, p. 32), se posiciona afirmando
que os movimentos sociais:
Revelam à teoria e ao fazer pedagógicos a centralidade que têm as lutas
pela humanização das condições de vida nos processos de formação. Nos
relembram quão determinantes o, nos constituir-nos seres humanos, as
condições de sobrevivência. A luta pela vida educa por ser o direito mais
radical da condição humana.
Importa reafirmar que há um entendimento de que os movimentos sociais,
independente do percurso histórico por eles seguido, ecoam na definição e/ou
implementação de políticas públicas, e que estas possibilitam os elementos básicos à
formação de composições e vínculos solidários, sendo elas que concorrem
decisivamente para uniformizar ações políticas de grupos sociais não homogêneos do
ponto de vista econômico (ALMEIDA, 1989, p. 4), colocando na agenda a participação
enquanto exigência política para a consecução de uma configuração dessas políticas,
o que denota a relação dialética estabelecida entre os movimentos sociais e as
políticas públicas, interessando, neste caso, as de cunho educacional.
3.1.1 Movimentos sociais e educação: uma interação necessária
As demandas sociais pela educação no Brasil nos anos de 1980 impulsionaram
o surgimento de políticas públicas educacionais que se apresentaram com maior
clareza na década seguinte, sendo necessário ressaltar aqui que o entendimento
77
acerca de educação ultrapassa os ditames da escola formal e considera os processos
de aquisição de conhecimentos, sejam eles de diferentes formas, hábitos e valores,
realizados em lugares que não necessariamente sejam a sala de aula formal, ou que
tenham necessariamente a figura de um professor.
Segundo Gohn (2001, p. 59), as demandas educacionais nos anos de 1980
eram significativas e revelavam a urgência da sociedade para com a resolução e/ou
equacionamento de problemas estruturais, recorrentes do modelo de desenvolvimento
estabelecido pelo Estado brasileiro. A autora assim sistematizou as demandas acima
mencionadas na referida década:
DEMANDAS EDUCACIONAIS NA
SOCIEDADE
DEMANDAS POR EDUCAÇÃO
ESCOLAR
Educação ambiental
Educação infantil: creches e pré
escolas
Educação sobre patrimônio histórico cultural
Ensino de 1º e 2º graus
Educação para a cidadania As demandas da Universidade
Educação Sanitária e de Saúde Pública
As demandas por novas leis
educacionais do ensino
Educação Popular Ensino noturno
Educação de menores e adolescentes
Educação de minorias étnicas: índios
Educação contra discriminações: sexo,
idade, cor, nacionalidade.
Educação para deficientes
Educação para o trânsito e de convivência
em locais públicos
Educação contra uso de drogas
Educação sexual
Educação contra o uso da violência e pela
segurança pública
Fonte: GONH, M. Movimentos sociais e educação. São Paulo: Cortez, 2001.
Essas demandas fazem parte de um conjunto maior de demandas sociais, que
se inscrevem no bojo das pressões pela redemocratização do país e se tornam
imperativas, levando o Estado a repensar a questão educacional do país. Na verdade,
uma parcela de dirigentes brasileiros se apropria da idéia de “Qualidade total da
78
Educação”, muito difundida pelas leis de mercado e como forma de controle social,
atendem aos imperativos dos organismos internacionais, gerando as reformas
impostas para a década de 1990, sendo estas bastante criticadas por um número
significativo de teóricos da educação brasileira, que inclusive afirmam que as reformas
no campo da educação serviram como arrefecimento na relação entre movimentos
sociais e a sociedade civil.
Daí a necessária interação entre movimentos sociais e educação, pois importa
reconhecer o caráter educativo desses movimentos
40
e mais a centralidade da
categoria trabalho conjugada a pluralidade de direitos no processo de formação e
deformação humana (ARROYO, 2003, p. 34).
Diversas experiências podem ser citadas para demonstrar a persistência
gerada pelos movimentos sociais em prol de uma educação de qualidade e
transformadora, em todo o país, sendo que aqui é necessário fazer um recorte
metodológico e pontuar a experiência vivida pelos movimentos sociais da ilha de
Caratateua, que é o objeto de estudo desta pesquisa.
3.1.2 Um cenário particular: movimentos sociais em prol da educação na ilha de
Caratateua
Os movimentos sociais na ilha datam da década de 1980 e giram em torno das
reivindicações por equipamentos públicos, como abastecimento de água e esgoto, luz
elétrica, melhoria de transporte, incluindo a construção da ponte Enéas Martins, que
se deu em 1986, que liga a ilha à porção continental de Belém. Essa movimentação
se em função do crescimento populacional ocorrido na ilha, produto da
urbanização acelerada que Belém vivenciou na referida década, assunto
mencionado no Capítulo 1 deste texto.
40
Ver Gohn (2001) e Arroyo (2003).
79
O crescimento metropolitano de Belém repercutiu de modo muito intenso sobre
os arredores da cidade, onde uma série de núcleos suburbanos preexistentes as
respectivas áreas edificadas fundirem-se entre si e com Belém (SILVA, 1995, p. 226).
Importa registrar que alguns acontecimentos marcam a trajetória dos
movimentos sociais na ilha no início década de 1990, quando Caratateua enfrenta
plebiscito com vistas ao projeto de emancipação política que tinha como propósito a
separação das ilhas de Caratateua, Mosqueiro e demais ilhas, bem como o distrito de
Icoaraci do jugo da capital paraense, onde a população local, através da
movimentação do Conselho de Representantes das Ilhas (Consilha), diz não à
emancipação. O entendimento do Conselho na época era que a emancipação não
garantia a melhoria de qualidade de vida dos ilhéus e nem tampouco representava na
prática sua autonomia, se constituía na verdade em uma grande jogada político-
partidária para futura alocação de cargos, prática muito comum em se tratando de
política brasileira e paraense, uma vez que a oligarquia de famílias tradicionalmente
“donas do poder” na cidade de Belém remonta a tempos imemoriáveis.
O Consilha reforça a campanha pelo “não” dizendo que as 29 ilhas da área
perderão anos de luta e debates para o reconhecimento da relevância do seu
patrimônio socioambiental. ”Essas ilhas são e querem continuar a ser
territórios de Belém” afirmam os membros do Conselho (Jornal O Liberal,
15.02.1993).
Vários segmentos sociais da Ilha também se uniram na luta contra a instalação
do Porto da Sotave
41
, na mesma época, tendo grande repercussão na sociedade local,
como mostra a reportagem do Jornal “O Liberal” em entrevista com o sociólogo
Mariano Klautau Araújo, em 25 de abril de 1993.
41
Empresa multinacional ligada a produção de adubos e defensivos agrícolas, que construiu um porto
na ilha de Caratateua na década de 1980, e por questões de ordem política, teve o mesmo
expropriado no ano de 1988 pelo então governo Sarney. Desde de a causa se arrasta na justiça
tendo passado por cinco governos federais, sem que haja uma definição de valores ou de posse
definitiva. Hoje se encontra sob gestão da Companhia das Docas do Pará (CDP), instituição ligada ao
Ministério dos Transportes. A população da ilha se posicionou contra a transferência do porto de
Belém para o porto construído na ilha alegando dentre outras razões, a questão da agressão
ambiental.
80
O turismo e o lazer, aliados ao entreposto produtivo de alimentos, (a pesca
artesanal, sobretudo) - isto é, uma política de desenvolvimento auto
sustentável - esta é a vocação do Outeiro e de todas as ilhas, que
conformam a moldura geográfica de Belém e não um porto que se tente
impringir como progresso ou solução portuária [...] o porto e em risco todo
o patrimônio ambiental de cerca de 50 ilhas adjacentes a Belém ( Caderno).
É notória a importância e o papel desempenhado pelo Consilha, enquanto
representante que congrega 13 centros comunitários da ilha, no que concerne às
questões voltadas para as demandas sociais vivenciadas pelos ilhéus, desde as
carências mais objetivas até movimentos amplamente requisitados, referentes às
áreas da saúde, segurança, educação e meio ambiente, a exemplo da descrição feita
pelo Jornal local “O Liberal”:
Com a intenção de tirar dos discursos e palestras a luta pela defesa
ambiental e para preservar e ordenar a ocupação dos 12 km de praia da ilha
do Outeiro, o Consilha elaborou o projeto Desenvolvimento e meio
ambiente” [...] o projeto apresenta sugestões e soluções concretas para a
questão ambiental da Ilha [...] o projeto do Consilha abrange três partes,
envolvendo os aspectos urbanos e turísticos do Outeiro ( Caderno,
26.03.1991).
O surgimento do Consilha data de 1990, e demonstra a urgência da população
em se unir em prol de uma necessidade comum, conforme coloca o morador A,
fundador e primeiro presidente do conselho:
Nós começamos a discutir o Conselho em 1987, mas ele foi se
materializar por volta de 1990, por que era uma coisa nova, e todo
governador ou prefeito que entrava a gente fazia um plano de trabalho pra
ilha e entregava [...] é que eu tenho 48 anos de militância, Para a
distritalização
42
do Outeiro, nos reunimos e eu escrevi um artigo intitulado:
“Poder e alienação ou o pedreiro Valdemar”,fazendo menção aquela
marchinha de carnaval, que ele constrói a casa, mas não tem onde morar, ou
seja, cada vez que a gente vota em alguém, a gente anula esse voto porque
as pessoas ficam cada vez mais distante da gente [...] o poder ele foi
alienado de quem o sufraga pelo voto, então a distritalização ela traz de volta
a Redenção de Agora na democracia grega, que o pode ser feita
tecnicamente, porque você não tem condições de chamar um milhão de
pessoas para discutir a política da pólis, então a distritalização é a redenção
de Agora [...] esse é o fundamento (Depoimento verbal).
42
Ver sobre distritalização no Capítulo 1.
81
Em entrevista realizada com um morador (B) da ilha, ele assim se posiciona
acerca do papel desempenhado pelo Consilha na época de seu surgimento:
O Consilha quando começou, foi pra gente resolver a questão de transporte,
nós discutimos com a antiga EMTU
43
, a questão do transporte, a melhoria do
transporte naquela época. Sentamos com todos os membros do Consilha
pra discutir a proposta geral e depois ela foi pra cada comunidade [...] e
depois fizemos uma grande assembléia. Eu me lembro como se fosse hoje a
EMTU chegou com o mapa do Outeiro e eu o entendia nada aí eu fui
pegar meu mapa velho pra localizar meu bairro e depois da exposição foi
aprovado o nosso sistema de transporte pela empresa [...] Isso tudo antes da
quebra do monopólio, eu digo assim que não houve quebra de monopólio,
houve umas concessõezinhas [...] pra tu ter uma idéia através do
Consilha, nós conseguimos fazer o Plano Diretor da Ilha (Morador B,
depoimento verbal).
Fazendo a análise das transformações ocorridas ao longo da década de 1990,
o mesmo entrevistado assim se posiciona:
Hoje nós regredimos [...] na época da abertura do Consilha, para ter uma
idéia, o Consilha se reunia e definia qual o problema de hoje, é educação,
então marca uma audiência pública, com a secretaria aqui na ilha [...] e ela
vinha, a gente fazia uma exposição [...] e hoje regrediu, porque a gente
chama a secretaria pra ele se posicionar dentro da área da educação, o cara
diz: não é uma proposta de governo [...] eu não posso (depoimento verbal).
O movimento em torno das questões educacionais, precisamente na ilha,
reflete o acirramento das desigualdades sociais, proveniente da divisão de classe por
ela historicamente vivenciada. Nessa lógica, a busca do conhecimento ganha
centralidade e com ele as reivindicações em prol de uma educação de qualidade, para
que sirva de instrumento de libertação e melhoria das condições de existência. A esse
respeito, Gohn (2002, p. 96) teoriza:
À escola, como à cidade, é atribuído o espaço para o exercício da
democracia e conquista de direitos, da mesma forma que a fábrica foi o
espaço de luta e conquista dos direitos sociais dos trabalhadores. O número
de anos de escolarização, associado à qualidade da educação recebida, é
apresentado como fator determinante para o acesso ao mercado de trabalho,
nível de renda a ser auferido etc.
43
Empresa Metropolitana de Transportes Urbano, hoje denominada de Companhia de Transportes de
Belém (CTBEL).
82
Tornou-se, portanto, urgente a implementação de políticas sociais voltadas
para o campo da educação, onde os movimentos sociais da ilha vão desempenhar
importante papel. Especificamente na ilha a educação era vista pelos movimentos
sociais da seguinte maneira, e reflete o que a autora teorizou acima:
Quando a gente sentava no Consilha pra discutir sobre educação, é que a
gente queria uma educação de qualidade, com professores formados [...] Se
você hoje aqui na ilha, no bairro de Itaiteua onde eu moro, professores
que ainda estão tentando curso superior, por que antes, eram aquelas
pessoas que acabavam o grau e vinham dar aula aqui no Outeiro, por que
era filha de fulano de tal, de líder comunitária, colocava sua filha, seu
sobrinho, e a gente não queria isso, queria educação de qualidade, com
professor formado pra ensinar nossos filhos, igual como é em Belém [...]”
(Depoimento verbal, Morador B)”.
A fala do entrevistado retrata o caráter secundário dado à educação brasileira
historicamente, onde qualquer pessoa que não tivesse emprego ou uma profissão
definida poderia assumir uma sala de aula, o que contava na realidade era o grau de
parentesco ou acesso para inserção nesse mercado de trabalho, à medida que a
formação desse profissional tinha uma importância menor, e daí vale ressaltar mais
uma vez a necessidade de valorizar a importância desses movimentos.
O mesmo entrevistado entende que o maior empreendimento na área da
educação na ilha se refere à construção do Centro de Referência em Educação
Ambiental Escola Bosque Professor Eidorfe Moreira e declara que foi uma conquista
do Consilha:
a questão do projeto da Escola Bosque que é o primeiro na América Latina,
você formar um técnico em meio ambiente, por quê? A Lei federal é bem
clara sobre o direito de ir e vir do cidadão, bem clara, você vai ali e pode
voltar, e Escola Bosque ela veio com uma proposta nova, diz até um
pensamento do Mariano que na época foi roubado num jornal por cidadão
como se fosse dele, “o direito do cidadão ficar” você se prepara para
trabalhar ficando na sua terra (Depoimento verbal).
83
Diante da declaração do entrevistado posso parafrasear Arroyo (2003), quando
afirma que os movimentos sociais repõem a centralidade dos sujeitos, valorizando o
caráter educativo, questionando: “como pensar currículos, conteúdos e metodologias,
como formular políticas e planejar programas educativos sem incorporar os estreitos
vínculos entre as condições em que os educandos reproduzem suas existências e
seus aprendizados humanos?” (p. 33).
É pela participação construída em um contexto sócio-político, ou seja, pautada
na intervenção política e na representação que estabelece a diferença no plano da
ação organizacional, desses movimentos, que no caso em estudo revela uma
participação voltada para o jeito de ser insular, e aqui me refiro especificamente a
forma e ao conteúdo dessa participação que se constituiu a partir das necessidades
mais prementes dos ilhéus, revelada pelo surgimento, constituição e implantação do
Consilha naquele momento histórico na ilha. Revela também a forma de
relacionamento estabelecida entre as instituições públicas e os moradores
sistematicamente organizados e mais ainda como os mesmos visualizam esta relação:
Antes a gente era recebido, mas depois faziam a escuta, se beneficiaram
como cidadãos, engordaram o currículo e a comunidade teve perda. No
segundo governo o houve tentativa de encaminhar os projetos de
educação aqui na ilha, como foi o caso da Escola Bosque, eles o deram o
pontapé inicial, se beneficiaram como cidadãos e não trouxeram retorno
pra escola e nem pra ilha (Morador B).
Ao examinar mais detidamente a reflexão feita pelo entrevistado, observa-se a
evidente relação conflituosa
44
estabelecida entre os que compõem a linha de frente
dos movimentos sociais e o poder público, bem como a expectativa daqueles para
com a continuidade de ações que supostamente se constituíram como benéficas para
a comunidade. um entendimento na mudança cíclica de poder e
44
O conflito deve ser entendido como o primeiro elemento formador dos movimentos sociais, à
medida que estes surgem a partir da constatação da incapacidade do Estado em atender as
necessidades básicas da sociedade civil organizada.
84
concomitantemente a busca incessante da recriação desse poder que a qualquer
momento possa ser questionado, que Faundez (1993 p. 89) denomina de consciência
crítica: “A consciência crítica o pode ser formada sem a criação desse novo poder.
É uma nova luta por esse novo poder que deverá ordenar as relações humanas com
justiça e criatividade”. A respeito do conflito este é assim entendido pela gestão do
governo:
[...] A disputa é uma experiência conflituosa, às vezes com agressividade,
depois vai se atenuando [...] é um exercício muito interessante, rico e
cansativo [...] Uma coisa é eu estar aberto enquanto governo para o diálogo,
e outra coisa são os nossos princípios, tudo na vida é político. Nós temos na
vida princípios, nós temos projetos que são estruturais para nós, pra nossa
concepção de cidade, pra nossa concepção de desenvolvimento humano.
Então nós vamos disputar com a população nosso projeto [...] o governo
disputava seus projetos e a população disputava o seu. Isso é política
(Depoimento verbal).
Os depoimentos dos entrevistados revelam discussões variadas acerca das
políticas públicas educacionais na Ilha, bem como da participação e do jeito de ser
insular. Aqui me refiro à participação enquanto um valor qualitativo, ou seja, que se
efetiva a partir do estabelecimento de condições favoráveis a prática da democracia,
que é permeada pela contradição, mas, possivelmente superada pela dialeticidade
das relações, uma vez que toda transformação da realidade não exclui o conflito, ele é
intrínseco a todo processo de transformação. Essa participação revela na prática,
interesses individuais e coletivos se constituindo em extremidades de uma mesma
tensão, e enquanto prática política deveria se constituir como valor na cultura
nacional.
45
45
RICCI, R. (2004) afirma que este parece ser o cerne das contradições e impasses das práticas
participacionistas no país, se referindo a uma das conclusões a que chega a pesquisa ”Projeto
metrópoles, desigualdades socioespaciais e governança urbana”, coordenada pela PUC de Minas,
Ipardes, UFRGS, PUC-SP, FASE, UFRJ, que envolveu 1540 conselheiros de sete capitais brasileiras,
dentre elas a cidade de Belém.
85
3.2 REPERCUSSÕES DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS EM AÇÃO NA ILHA DE
CARATATEUA
A discussão feita anteriormente solidifica a idéia de que as classes populares
quando organizadas, mesmo enfrentando todos os ditames do Estado burguês,
conseguem provar que nos dias atuais um esgotamento do modelo centralizado
de gestão. E no caso especifico da história da educação da cidade de Belém é a
década de 1980, que representa o marco temporal para o movimento de abertura
política mesmo que ainda mido, mas de fundamental importância para as décadas
subseqüentes. Dirigir a política municipal de Belém naquela década, se constituía
como um grande desafio, uma vez que o momento histórico carecia de uma política
educacional, comprometida com um projeto que minimamente comungasse com os
ideais de democracia, voltada para a realidade local, à medida que o déficit
educacional da cidade, embora não fosse prerrogativa apenas de Belém, era algo
considerável. Era imperioso um projeto que mudasse a cara da educação do
município. Assim se reporta a autora que analisou a política educacional de Belém
no referido período acerca da implantação da Proposta Modular Integradora de
Educação e Cultura, enquanto ação que norteou as gestões educacionais do
município:
[...] Essa face da realidade de Belém, não se pode entender a partir de
certezas estabelecidas, exigia um esquecimento parcial de um certo saber
oficial para mergulhar nesse aparente não-saber que constitui a grande
sabedoria das camadas populares, dos homens e das mulheres simples, das
soluções encontradas na prática da vida. Por isso tornou-se necessário, a
crítica, o estranhamento do modo oficial, tradicional, do saber apropriado pela
classe dominante, provocando o confronto com a prática de uma outra
realidade, com esse saber advindo das escolas ou atividades culturais, que
nascem onde morrem as estratégias convencionais (OLIVEIRA, 1996, p.
107).
Os primeiros passos são dados, tropeçando nas raias da descentralização
rumo à tão propalada necessidade de equacionar os danos deixados por anos a fio
86
de práticas educacionais elitistas. As pedras que fazem parte desse caminho ainda
vão perdurar por muito tempo, sendo que num outro rumo, onde os movimentos
populares (ou a sociedade civil organizada), vão ter a incumbência de ir retirando-as
entremeados por um debate mais evidente acerca da democratização, da busca do
pleno exercício da cidadania, da revisão do papel a ser exercido pelo governo
municipal, da tão questionada municipalização, da tão almejada qualidade do ensino,
na tentativa de reverter as taxas de evasão e repetência próprias daquele período.
Ainda no final da mesma década a sociedade civil se mobiliza para conceber
uma nova Carta que possa fazer com que o país caminhe pari passu com as
transformações sociais, culturais e políticas mais pungentes. Intelectuais expressivos
comprometidos com a causa do exercício da cidadania, políticos, representantes de
movimentos sociais da cidade de Belém, vivenciam esse processo e mais do que
isso, contribuem de forma considerável para traçar novos rumos para a educação do
país, que conseqüentemente vai interferir de forma direta na política educacional
local. As experiências da “década perdida” devem servir para rever conceitos,
qualificar o discurso e imputar ao fortalecimento do poder local a prática de uma
gestão realmente democrática, à medida que houve uma intencionalidade
significativa de romper com as práticas clientelistas tão presentes na realidade local
e, mais que isso, para além da intencionalidade uma ação que, resguardando suas
limitações, apontou as bases para uma nova cultura de gestão da educação de
Belém.
Era imperioso olhar para a cidade para além de Icoaraci
46
, para além das
águas e para os saberes que se encontram e que se cruzam do outro lado da
ponte
47
, afinal, a existência de um distrito composto por ilhas era uma realidade e
46
Distrito limítrofe entre a parte continental e a parte insular da cidade.
47
Ponte Enéas Martins que une o continente à ilha de Caratateua.
87
não mais cabia a invisibilidade de homens, mulheres e crianças à margem do
acesso a equipamentos públicos básicos e onde a educação tem um valor
significativo. Nesse sentido, é importante considerar o perfil dos dois gestores da
educação de Belém na década de 1990, onde ambos são provenientes da docência
de nível superior que, resguardando suas identificações ideológicas e partidárias,
diferente dos períodos anteriores, têm uma vivência educacional, uma trajetória
significativa no campo da educação, uma vez que a última década do milênio
impunha que estivessem para além da mera articulação político-partidária, podendo
ser observados nos depoimentos a seguir, quando interrogados pelo critérios e
fatores que contribuíram para ocupação do cargo:
[...] A experiência, o desempenho na Secretaria Estadual de Educação, o
que eu vi na Universidade na época da ditadura militar e a minha
participação nos movimentos sociais, tudo foi válido como aprendizado
para por em prática na gestão municipal (Depoimento verbal, Gestão 1º
governo).
Eu sempre tive uma atuação a nível local e nacional, inserção em grupos
de trabalho da ANPED e atuação decisiva na pró-constituinte, bem como
no Fórum de Defesa da Escola Pública e uma longa atuação no sindicato
de professores. Essas, dentre outras experiências serviram como critério
para ocupação na gestão da secretaria municipal (Depoimento verbal,
Gestão do 2º governo).
A experiência expressa pelos gestores se constitui em um diferencial diante
do enfrentamento a ser vivenciado na nova década, marcada pela presença das
orientações dos organismos internacionais na política educacional brasileira,
48
recorrente das diretrizes do modelo neoliberal de governar, onde mais do que nunca
a educação vai se adequar às formas de produção e reprodução da organização do
48
Foge ao escopo dessa pesquisa fazer uma revisão bibliográfica em torno da reformas educacionais
preconizadas e/ou implantadas pelo governo brasileiro ao longo da cada de 1990, uma vez que
uma vasta bibliografia acerca de assunto, a exemplo de Shiroma (2004); sendo mais interessante
entendê-las no contexto da realidade local. Também é importante esclarecer que o termo organismos
internacionais se refere a: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco), ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a Comissão Econômica
para a América Latina e Caribe (Cepal) e ao Banco Mundial.
88
trabalho. A eficácia ideológica que compreende a filosofia neoliberal, a rigor, diz
respeito à desregulamentação, ao Estado mínimo, a flexibilização e as privatizações,
sendo que estas últimas, em Belém, foram amplamente criticadas, provocando
reações diversas por parte da sociedade civil local, estabelecendo uma nova visão
em torno do papel a ser desempenhado pelo Estado.
As novas condições culturais induzem a uma nova roupagem para as ações
municipais da década de 1990, também influenciadas pelas determinações
estabelecidas na Conferência Mundial de Educação Para Todos, ocorrida em
Jomtien, Tailândia, em 1990, que juntamente com as determinações da Cepal, darão
origem no município de Belém, ao Plano Decenal de Educação Para Todos (1993-
2003), tendo por princípio a necessidade de adequar a educação às novas
demandas de mercado. ”Disseminou-se a idéia de que para “sobreviver” à
concorrência de mercado, para conseguir ou manter um emprego, para ser cidadão
do século XXI, seria preciso dominar os códigos da modernidade(SHIROMA, 2004,
p. 56). As transformações ocorridas na Secretaria Municipal de Educação de Belém,
dizem respeito inicialmente à implantação do Sistema Municipal de Educação e seus
dois subsistemas
49
e obedece sumariamente à seguinte cronologia:
1- CONFERÊNCIA MUNDIAL DE EDUCAÇÃO PARA TODOS
50
- 1990;
2- PLANO DE AÇÃO PARA SASTIFAZER AS NECESSIDADES BÁSICAS DE
APRENDIZAGEM-1990;
3- PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO-1991;
49
Temática já abordada no capítulo II desta pesquisa.
50
Em sua ação prioritária a nível nacional, a Conferência chama atenção para 06 áreas que devem
ser consideradas para execução do plano de ação, a saber: avaliar necessidades e planejar ações;
desenvolver um contexto político favorável; definir políticas para a melhoria da educação básica;
aperfeiçoar capacidades gerenciais, analíticas e tecnológicas; mobilizar canais de informação e
comunicação e, estruturar alianças e mobilizar recursos.
89
4- PLANO DECENAL DE EDUCAÇÃO PARA TODOS DO MUNICÍPIO DE
BELÉM (1993-2003).
Universalizar o acesso à educação e promover a eqüidade refere-se ao artigo
3, da Conferência Mundial de Educação para Todos, que no inciso 4 fortalece a idéia
de democratização e inclusão social, conceitos bastante discutidos e ideais
perseguidos pelas duas gestões municipais de Belém da década de 1990,
importantes para este objeto de estudo, uma vez que o referido inciso assim dispõe:
Um compromisso efetivo para superar as disparidades educacionais deve ser
assumido. Os grupos excluídos - os pobres; os meninos e meninas de rua ou
trabalhadores; as periferias urbanas e zonas rurais; os nômades e os
trabalhadores migrantes; os povos migrantes; os povos indígenas; as
minorias étnicas, raciais e lingüísticas; os refugiados; os deslocados pela
guerra; e os povos submetidos a um regime de ocupação - não devem sofrer
qualquer tipo de discriminação no acesso às oportunidades educacionais.
(Conferência Mundial de Educação Para Todos, 1990) (grifo meu)
O Plano Decenal de Educação para Todos do Município de Belém indica a
necessidade de democratizar a educação em vista da situação educacional
considerada preocupante, uma vez que em 1993, contabilizava 46 escolas, com
1349 turmas, somando 47.347 alunos assim distribuídos:
a) em Belém, 28 escolas, 964 turmas, com 1261 alunos de pré-escolar,
21282 de 1ª a 4ª série, 7472, de 5ª a 8ª série, somando ao todo 34927;
b) em Val-de-Cães, 1 escola, 54 turmas, com 116 alunos de pré-escolar,
930 de a 4ª série, 84 de 5ª asérie, 512 de ensino supletivo, somando
1642;
c) em Mosqueiro, 10 escolas, 144 turmas, com 586 alunos de pré-escolar,
2317 de 1ª a série, 403 de 5ª a 8ª série, 694 de ensino supletivo,
somando 4000;
d) em Icoaraci, 7 escolas, 187 turmas, com 251 alunos de pré- escolar,
4294 de a série, 1562 de a série, 671 de ensino supletivo,
somando 6678. (Plano Decenal de Educação para Todos do Município de
Belém 1993-2003,. p. 5)
O mesmo documento chama a atenção para a oferta escolar que se refere
diretamente à Secretaria de Educação (Semec) e a parte conveniada com entidades
90
comunitárias
51
(educação Infantil), que àquela época se constituía numa tradição do
município, a Secretaria então se compromete a absorver esta demanda. Vale
ressaltar que na distribuição explicitada acima não se considerou a situação
educacional da ilha de Caratateua, que naquele momento contava com uma única
escola municipal como foi exposto anteriormente. Somente no estabelecimento de
desafios e prioridades do Plano Municipal de Educação, é que a ilha de Caratateua
será considerada - precisamente no item referente à educação ambiental, podendo
ser visualizado a seguir:
Foram definidas 6 prioridades básicas para o decênio 1993-2003,
tomando-se em conta as características históricas do município e os
compromissos de educação para todos:
1-Universalização quantitativa e qualitativa da educação de 1º grau.
2-Formação permanente e valorização dos profissionais de educação.
3-Aperfeiçoamento sistemático da rede e dos espaços didáticos.
4-Educação infantil.
5-Educação ambiental.
6-Apoio às ofertas específicas. (Plano Decenal de Educação para Todos do
Município de Belém 1993-2003. p. 8-13)
No que se refere ao item 5, o Plano estabeleceu como desafio:
A Semec entende que o município de Belém, por sua ecologia notória,
pode representar uma vanguarda na educação ambiental, em particular
quando se fala de projeto pedagógico próprio das escolas. A circunstância
histórica e ecológica das escolas é parte integrante deste esforço. Além do
esforço de desenvolver a concepção de educação ambiental, o desafio
maior será a implantação da Escola Bosque”, em Outeiro, em andamento,
onde será possível criar condições particularmente favoráveis à educação
ambiental na educação básica. Trata-se de uma escola dotada de pré-
escolar, e graus, admitindo no grau relativa auto-sustentação
dentro do contexto profissionalizante comunitário. O manejo adequado da
natureza será diretriz essencial. A Escola Bosque” deverá funcionar como
referência ambiental para a Rede toda e, juntamente com o ISEBE,
desenvolver estratégias atualizadas nesta área, inclusive produção
constante de material didático (BELÉM, 1993, p. 10).
Quanto às metas e estratégias:
- terminar a construção da “Escola Bosque”;
51
A situação educacional do município da época compreendia as escolas oficiais da Semec e um
número significativo de escolas comunitárias. Ver Oliveira (1996).
91
- desenvolver concepção atualizada e localmente circunstanciada de
educação ambiental;
- impregnar a rede municipal ;
- incrementar e formar competência local para o desenvolvimento de
proposta; fomento de intercâmbio técnico;
- dotar a Escola Bosque de qualidade eminente. (BELÉM, 1993, p. 11)
Das ações acima mencionadas, no que se refere às direcionadas à Ilha de
Caratateua, ainda no ano de 1995 em caráter experimental, se deu a inauguração
da Escola Bosque, com personalidade jurídica de direito público
52
, uma vez que se
trata de uma Fundação Municipal de Referência em Educação Ambiental
(Funbosque), onde dentro funciona uma escola, sendo esta vinculada à Secretaria
Municipal de Educação.
O Artigo da Lei 7.747 estabelece os objetivos do Centro de Referência em
Educação Ambiental, assim descritos nos incisos:
I- Atuação e manutenção da educação infantil, e Escola de 1º grau, em
regime de tempo integral, com currículos próprios e ênfase para a
educação ambiental na integração harmônica entre o homem e a natureza
que o cerca;
II- Atuação e manutenção da escola de grau, em tempo e atenção
integral, em caráter profissionalizante, voltados para cursos que preparem
os estudantes para o gerenciamento dos bens da Amazônia e em
especial- do arquipélago do Guajará, com ênfase aos cursos de formação
de técnicos em manejo da fauna, da flora e em ecoturismo;
III- Atuação e manutenção, por meios próprios ou por convênios e
acordos a serem celebrados com outras instituições, nacionais e
internacionais, governamentais e não governamentais de cursos, oficinas,
encontros e programas de educação formal e não formal, assim entendidos
os projetos de pesquisas e de atendimento comunitário em todas as áreas
do conhecimento que envolvam o estudo do meio ambiente, incluídas
até experiências inovadoras em termos de desenvolvimento humano
sustentado.
O ano letivo regular se deu a partir de 1996, tendo como parâmetro de
competência a pesquisa como princípio educativo, sem perder de vista a promessa
feita no Plano Diretor das Ilhas de que a Escola Bosque deveria irradiar práticas de
52
Lei Municipal n. 7.747, de 02 de janeiro de 1995.
92
educação ambiental, não só para a ilha mas, para o município como um todo. Daí a
procedência da afirmação de Demo (1996), seguida de justificativa com relação à
escolha dos profissionais que deveriam atuar na Escola Bosque naquele momento:
A Escola joga tudo na qualidade humana de seus profissionais. Decorre
disto de que precisam ser poucos e bons, também para poderem ser
melhores remunerados. É mister adiantar, imediatamente, que não se faz
isso por opção neoliberal, mas por compromisso qualitativo (grifo meu) (p.
28).
A Pedagogia de Projetos
53
enquanto perspectiva metodológica vai nortear
todo o processo educativo ainda na referida gestão, na tentativa de atendimento a
educação formal e não-formal, sendo desenvolvidos projetos de caráter
ambientalista com vistas a preservação e conservação ambiental, obedecendo as
diretrizes estabelecidas para as UEDS, sendo os seguintes:
1- Arborização e implantação de sistemas alternativos à sustentabilidade.
2- O lixo nosso de cada dia.
3- As plantas medicinais como suporte didático-pedagógico.
4- Educação alimentar: uma prática pedagógica da Escola Bosque.;
5- Projeto horticultura.
6- Projeto horti-criança como prática pedagógica na educação infantil.
7- Arte e estética ambiental.
Importa considerar a responsabilidade legada à Escola Bosque no que se
refere ao papel a ser desempenhado tanto no âmbito do município como o referente
à ilha, valendo ressaltar que empreender ações de educação ambiental para a ilha e
para a cidade requer uma construção cultural, que em parte não foi dado conta pela
gestão do governo, em função do término do mandato, sendo que a iniciativa
53
Eixo teórico metodológico assumido pela gestão do 1º governo, inspirado na perspectiva do
conhecimento globalizado e relacional, apoiado no referencial dos teóricos Kilpatrick e Paulo
Abrantes. Ver Cadernos de Educação n. 5, p. 117.
93
indiscutivelmente é inovadora, uma vez que entre a inauguração da Escola Bosque
e o encerramento do mandato transcorreu apenas um ano, período considerado
pequeno para uma ação de caráter social. Percebe-se claramente que a partir dos
projetos acima mencionados, houve uma tentativa de pôr em prática ações que
ainda estavam no plano teórico, uma vez que houve uma preparação específica dos
profissionais que deveriam atuar na Funbosque, o apenas na sala de aula, mas
em todos os espaços da Fundação, que como tal possui uma estrutura diferenciada
das outras unidades escolares do município.
Figura 3 - Organograma do Centro de Referência em Educação Ambiental
Escola Bosque Professor Eidorfe Moreira
CENTRO DE REFERÊNCIA EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL
ESCOLA BOSQUE
DIRETORIA
EXECUTIVA
CONSELHO
CONSULTIVO
CONSELHO
DELIBERATIVO
CÂMARA
ESCOLAR
CÂMARA
COMUNITÁRIA
CÂMARA
ADMINISTRATIVA
ASSESSORIA
TÉCNICA
GABINETE
COORDENADORIA DE
DESENVOLVIMENTO
COMUNITÁRIO
COORDENADORIA
DE PLANEJAMENTO
E PESQUISA
COORDENADORIA
ADMINISTRATIVA
COORDENADORIA
DE EDUCAÇÃO
INFANTIL E 1º GRAU
COORDENADORIA
DE 2º GRAU
95
O organograma acima revela a viabilidade de uma gestão diferenciada, que
obedeça aos ditames estabelecidos para as UEDS, onde a ilha de Caratateua a
partir de 1995 passa a vivenciar a nova possibilidade de uma educação voltada para
a sua própria realidade.
Em 1997 ao iniciar a nova gestão, a Prefeitura Municipal de Belém se depara
com um momento delicado da educação brasileira, período em que a investida
neoliberal está em pleno vigor no Brasil e conseqüentemente interferindo
diretamente no setor educacional. Novos caminhos são traçados para e/ou pela
Secretaria Municipal de Educação, onde a proposta político-pedagógica da Escola
Cabana expressou uma concepção política de educação em que no seu discurso
valorizava a participação popular, tendo como princípio a inclusão social, que se
caracteriza por:
- Trabalhar com as diferenças, mas reagir às desigualdades;
- Compreender os tempos e ritmos diferenciados de aprendizagem dos
sujeitos do conhecimento, daí a importância da organização do ensino em
ciclos, permitindo-lhes darem saltos qualitativos no processo de aquisição e
construção do conhecimento;
- Conceber todos os envolvidos na ação educativa escolar (professores,
alunos, técnicos, diretores, funcionários, pais) como sujeitos do
conhecimento, sendo este compreendido enquanto processo cultural de
apreensão da realidade.
- Admitir que a ação educativa escolar é fruto das relações culturais
vivenciadas dentro e fora da escola, muitas vezes conflitivas e
contraditórias, perpassadas por inúmeros preconceitos. Desvelar e
enfrentar criticamente esses conflitos, é tarefa de uma escola competente
(BELÉM, 1999, p. 120).
A dimensão político-pedagógica da proposta baseia-se:
na visão de homem enquanto sujeito histórico, produto e produtor das
relações econômicas, sociais, culturais e políticas que o transformam e são
transformadas pelos conflitos estabelecidos nas diferentes classes sociais,
que se antagonizam na disputa pelo poder hegemônico (BELÉM, 1999, p.
4).
96
Esta concepção denota a tentativa de dar um caráter dialético para as ações
empreendidas pela nova gestão, considerando o ideário cabano difundido em todos
os setores do governo municipal, também conhecido pelo lema de “Governo do
Povo,”
54
que, diferente da gestão anterior, opta pelo Tema Gerador
55
enquanto
perspectiva metodológica, sendo que na ilha de Caratateua exclusivamente na
Escola Bosque, se manteve a Pedagogia de Projetos enquanto referencial
metodológico, por entender que a especificidade da instituição requereu tal
referencial.
O então Governo do Povo recebe a cidade de Belém com um déficit
educacional significativo,
56
não se constituindo como prerrogativa exclusiva da
cidade de Belém, mas da maioria das cidades brasileiras. As tentativas desse
governo de implantação e estabelecimento de ações voltadas para o ideário cabano,
na perspectiva da inclusão social se referem basicamente:
Ao Programa Bolsa Familiar para a Educação;
Ao Projeto de Alfabetização de Adultos - Professor Paulo Freire;
À Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva;
Ao Programa de Alimentação Escolar no Município de Belém.
A I Conferência Municipal de Educação, ocorrida em 1998 e que se constituiu
na tentativa de consolidação do projeto-político pedagógico da Escola Cabana, que
em tese oportunizou os educadores vivenciarem as diversas discussões acerca da
expansão da rede municipal, sobre a questão dos educandos portadores de
necessidades especiais, sobre a organização educativa fundamentada nos ciclos de
54
Ao chegar ao poder em 1997, o governo municipal representava a coligação Frente Belém Popular
da qual fazia parte os partidos considerados de esquerda PT/PCdoB/PPS/PSTU/PCB, para exercer o
mandato da Prefeitura Municipal de Belém, no período 1997-2000, tendo sido reeleito no período
subseqüente.
55
Eixo teórico-metodológico baseado na concepção freireana de educação, referência das gestões
democráticas-populares.
56
Dentre outros fatores que concorrem para esse déficit, está a questão da Municipalização do
ensino que ocorreu de forma problemática em todo o Brasil. Ver Oliveira (1999).
97
formação e dentre outras questões sobre a educação ambiental. Falar de educação
ambiental para Belém, diz respeito à Fundação Centro de Referência em Educação
Ambiental Professor Eidorfe Moreira (Funbosque) e conseqüentemente a ilha de
Caratateua, uma vez que os documentos da referida Conferência mencionam o
Artigo 7º da Lei Municipal 7.722/94 que estabelece:
Art.7º “A educação ambiental é considerada prioridade relevante do Sistema
Próprio de Educação e tem na Escola Bosque do Outeiro sua referência ecológica
técnica, merecendo particular atenção ao complexo das ilhas.”
O documento da I Conferência reconhece e/ou reafirma o papel a ser
exercido pela Secretaria Municipal de Educação, juntamente com a Funbosque, no
sentido de gerir ações voltadas para a educação ambiental para a cidade, bem como
para as ilhas, mas adverte que a mesma não terá primazia sobre as demais escolas.
Não cabe aqui neste texto aprofundar a discussão teórica sobre educação ambiental,
mas é necessário reforçar que as políticas públicas educacionais destinadas para
Caratateua demandaram ações que englobam espaços para além das salas de aula
da Escola Bosque. Nesse sentido, várias ações foram empreendidas pela
Funbosque em parceria com outras instituições ou com outras secretarias do próprio
governo municipal, sendo que algumas devem ser consideradas:
- Inventário faunístico e florístico nas ilhas de Cotijuba e Mosqueiro em
parceria com o Museu Emílio Goeldi;
- Projeto “Mutirão pra limpar e educar” em parceira com Sesan, Sesma,
Funverde;
57
57
Secretaria Municipal de Saneamento (Sesan); Secretaria Municipal de Saúde (Sesma); Fundação
Parques e Áreas Verdes de Belém (funverde).
98
- Projeto “Limpeza é nossa praia”, realizado nas praias de Caratateua e
Cotijuba no mês de julho, enquanto atividade específica do verão, em parceria com
as administrações dos distritos regionais, dentre outras.
Essas ações revelam o reconhecimento da gestão do governo para com a
questão ambiental, que no Brasil entra em cena a partir da ECO92 e
conseqüentemente no documento da Agenda 21, que:
[...] estabeleceu as diretrizes para a busca de um patamar de
desenvolvimento socioeconômico e ambiental assentado sobre novas
bases, na perspectiva da sustentabilidade, constituindo-se num importante
planejamento estratégico participativo no vel local e/ou macro (BELÉM,
1999, p. 49).
Em que pese os questionáveis processos globalizantes estabelecidos pelas
organizações multilaterais nas últimas décadas para os países da América Latina e
conseqüentemente para o Brasil, os elos cognitivos entre poderes locais,
desenvolvimento e gestão são evidentes neste início de milênio” (FISCHER, 2002, p.
12), derivando a necessidade de uma releitura nos modelos de gestão. Na verdade
não havia como fugir em pleno final de milênio de algo tão pungente como a questão
ambiental. A implantação de uma Fundação Municipal como Centro de Referência
em Educação Ambiental no Município de Belém e mais precisamente na ilha de
Caratateua é potencialmente uma ação inovadora, que denota uma visão mais
ampla e complexa, mais sintonizada com o contexto amazônico e que se desdobra
em uma concepção mais alargada de cidadania, pela compreensão de que o
educando passa a considerar e lutar pela preservação do uso racional do meio
ambiente e conseqüentemente pode tornar-se um agente ativo de um processo
avançado de desenvolvimento integrado e sustentável, com vistas a perseguir os
princípios de democratização e inclusão.
99
Falar de princípios como democratização e inclusão, do ponto de vista
educacional, significa reiterar que estes termos obedecem a uma construção
histórica, onde suas bases, queiramos ou não, se inscrevem na luta pela educação
para todos, inicialmente enquanto princípio liberal e que ao longo da história vai se
apropriando de vários matizes políticos. Entretanto, no Brasil e, em particular, na
cidade de Belém, estes princípios são apregoados com mais força por parte das
instâncias governamentais a partir da Conferência Mundial de Educação Para
Todos, referência da política educacional para os países da América Latina e do
Caribe.
Mais uma vez é imperioso recorrer a Lima (2001), para solidificar a idéia da
contradição que é pungente no contexto da gestão e concluir que embora no plano
das orientações os dois governos municipais em estudo, tenham sido muito mais
eficientes do que no plano das ações, vale reafirmar que ambos os planos em grau
maior ou menor, representam em sua essência a mudança, a transformação, e por
fim revelam a lei da dialética marxista, que diz respeito à unidade e luta dos
contrários, em que numa realidade coexistem os elementos contraditórios que
devem servir para transformar.
100
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para além das margens insulares...
Cumprir uma meta estabelecida o é uma tarefa fácil, mas a tentativa é
louvável. Como em nenhum momento me propus a definir certezas e nem verdades,
me sinto muito a vontade em afirmar que ao longo da pesquisa procurei evidenciar
respostas aos meus questionamentos, respostas estas que com certeza serão
interpretadas a partir de um olhar (daquele olhar a que Chauí (1988) se remete),
mas é imperioso afirmar que aqui se encontra o meu olhar, direcionado, que revela o
meu juízo de valor sobre o mundo, sobre a vida, sobre a cidade, sobre a ilha de
Caratateua.
Sempre reflito sobre a trajetória do meu olhar sobre a ilha, que em tempos
passados se voltava para uma visão romântica, talvez idílica, talvez telúrica... A
lembrança era apenas do Outeiro - a travessia de balsa era uma aventura, lugar
legal pra tomar água de coco na beira da praia, e pra assistir e/ou desvendar os
mistérios da Festa de Iemanjá. Essa é a visão de um tempo em que a infância ainda
se fazia presente. O tempo passou - a ponte chegou, a infância e a adolescência
agora fazem parte do passado. Agora são outros valores, a vida na academia requer
um outro olhar para o mundo. Mas ainda vejo a ilha como Outeiro, tão somente
como Outeiro. As raras idas no fim de tarde pra tomar água de coco são
revestidas de um certo medo. Se o suposto desenvolvimento chegou para a Belém,
para Outeiro restaram as mazelas desse desenvolvimento: a violência, como perigo
iminente - essa era a leitura possível!
Mas a vida impõe novas conquistas, dentre elas o reconhecimento
profissional e nessa história fui parar em Outeiro, ainda era Outeiro. Somente na
101
primeira semana de trabalho na Ilha comecei a (des)entender a então ilha de
Caratateua. Agora se inicia a construção de um novo olhar - de um olhar para além
do Outeiro, para além do medo da violência, para além da praia e da água de coco e
para além da Festa de Iemanjá. Nessa construção do novo olhar o contato com a
gente de lá foi fundamental. Fui percebendo que tinha gente - gente que
trabalhava, que comia e que não comia, que chorava e festejava, que compreendia
e que ignorava e gente que sonhava. Dentre esses sonhos, o mais presente era o
sonho de uma vida melhor. Quando eu perguntava sobre o jeito pra ter uma vida
melhor, as respostas eram semelhantes: “Estudando professora! Estudando como a
senhora estudou, pra ter emprego, pra ter salário e parar de fazer bico”! Isto se deu
no contexto da experiência como professora de Educação de Jovens e Adultos -
experiência ímpar que me valeu para um novo olhar para a educação. Lembrava-me
das aulas de sociologia da educação quando discutíamos “Educação redentora”.
Novas experiências se colocaram na minha trajetória profissional na ilha de
Caratateua, agora não apenas Outeiro, já havia então acumulado o entendimento de
que esta nomenclatura o se referia a ilha de Caratateua como um todo, mas
apenas a sua parte central, mais conhecida, culturalmente mais aceita.
Discussões acerca do projeto político-pedagógico da Escola Bosque, sobre
educação ambiental, sobre ecoturismo, sobre insularidade, sobre Tema Gerador,
sobre Pedagogia de Projetos, passaram a fazer parte da minha vida profissional e
do meu cotidiano.
O tempo, mesmo que de forma implacável, não apagou as lembranças da
infância e da adolescência, mas me premiou com o amadurecimento pessoal e
profissional construído/contraído cotidianamente atravessando a ponte, o que me
valeu mais elementos na construção daquele olhar que mencionei há pouco. Agora
102
mais do que nunca era preciso caminhar para além de uma visão romântica e
estabelecer a crítica (construída na academia e na trajetória profissional), para além
das margens insulares.
Por essas e outras, trago nesse texto algumas impressões cunhadas ao longo
desse processo - de uma leitura crítica em que as disciplinas e as discussões
propiciadas pelo curso de mestrado tiveram papel fundamental. Mesmo assim reitero
que não se trata de uma conclusão, mas de fazer proposições acerca do
entendimento da política municipal empreendida ao longo da década de 1990 para a
ilha de Caratateua.
Para compreender o objeto de estudo foi necessário inicialmente me apropriar
de conhecimentos acerca da história da cidade de Belém, sua gente, seus
movimentos populares até chegar ao processo de urbanização vivenciado a partir da
inauguração da Belém-Brasília (a primeira “ponte”) e a importância de suas ilhas
nesse momento.
Posteriormente, foi necessário fazer a relação entre as transformações
ocorridas na cidade e sua ligação com o Estado capitalista, uma vez que uma coisa
não se desliga da outra, os acontecimentos o são lineares, portanto o
embricamento das questões políticas e econômicas se interconectam. Foi nesse
momento que fui compreender que a existência dos planos diretores da cidade e das
Ilhas são filhos legítimos da Constituição Federal de 1988, mas com um adendo: o
Plano Diretor das Ilhas de Belém, mas precisamente das ilhas de Mosqueiro e
Caratateua tem uma singularidade - tem a participação efetiva dos ilhéus, dos
movimentos sociais organizados, que se referem ao Consilha, onde este teve plena
participação nos rumos da educação na ilha de Caratateua e mais precisamente nas
políticas públicas a ela destinadas, onde reitero a idéia de Fischer (2002) de que
103
“toda ação gestora, seja ela exercida por indivíduos ou coletividades, orienta-se por
princípios de mudança e desenvolvimento, seja de microunidades organizacionais,
seja de organizações com alto grau de hibridismo e complexidade.”
Embrenhar-me pelo terreno dos movimentos sociais da ilha não foi um único
vetor para compreender as políticas públicas educacionais, mas foi de suma
importância para sustentar as minhas categorias de análise.
Democratização e inclusão o, portanto os fundamentos políticos
construídos historicamente, nas duas gestões da década de 1990, em que pese a
coloração partidária, ou seja, identificações com partidos de direta ou de esquerda,
os caminhos trilhados na busca pela democratização da educação e inclusão social
foram diferenciados, como explicitado no texto, o que derivou em resultados
diferentes.
O primeiro governo (1993-1996) se pauta no referencial de desenvolvimento
sustentável e estabelece ao longo de sua permanência a possibilidade da
construção de uma educação voltada para um ambiente ecologicamente viável,
valorizando as Unidades para o Desenvolvimento Sustentável (UEDS) e não
consegue universalizar a educação básica, mas reitero que a discussão sobre meio
ambiente inaugurada a partir desta gestão é inovadora e muda os rumos da
educação do município.
O segundo governo (1997-2000) tem como marco a I Conferência Municipal
de Educação, precedida de fóruns e debates, onde mais uma vez a universalização
da educação básica é a tônica. Esta gestão então valoriza as Unidades de
Educação Básica e reconfigura o papel das UEDS, aumenta significativamente o
número de vagas nas escolas, a partir da abertura de unidades escolares e
104
principalmente de anexos - que no caso específico da ilha de Caratateua, a infra-
estrutura dos mesmos era comprometedora.
A pedagogia de projetos refere-se aos fundamentos pedagógicos de ambas
as gestões, pois embora na segunda gestão o Tema Gerador tenha norteado a
orientação metodológica para a Rede, especificamente na Escola Bosque essa idéia
não vingou amparados na justificativa de que esta escola tem um diferencial do
ponto de vista organizacional.
As gestões da década em estudo trazem a marca da discussão nacional da
defesa da escola pública, se constituindo em elementos unificadores. Identificar seus
limites, fazer a crítica e elucidar suas possibilidades é um dever, pois possibilita o
diálogo e o confronto de idéias entre a pesquisa acadêmica e o objeto pesquisado
para posterior materialização de ações, caminho possível a partir da não
descontinuidade das gestões que obstaculiza um aprofundamento dos processos de
democratização e inclusão educacional.
Deixo como sugestão a abertura de uma agenda, como aquela que se abre a
cada início de ano, onde possa enumerar prioridades e realizá-las a partir do que os
próprios ilhéus elegerem como prioridades, para que possam construir a sua própria
história e quem sabe uma nova configuração entre Estado e movimentos sociais,
celebrando o novo e então possam ser reconhecidos para além das margens
insulares.
105
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______. Secretaria Municipal de Educação. Caminhos da Educação. Belém:
PMB/SEMEC, 1996, p. 145-159. (Série Planejamento, n. 3).
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112
ANEXOS
113
ANEXO 1
ROTEIRO DE ENTREVISTA I
GESTOR DA POLÍTICA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO
I- Identificação pessoal:
a) Nome:
b) Período de gestão:
c) Nível de escolaridade:
d) Tempo de atuação na área de gestão:
II- Enfoque do objeto de pesquisa:
a) Como se deu sua forma de ingresso no cargo de gestor da política municipal de
educação? O que foi levado em consideração para a sua escolha?
b) Faça um breve panorama de sua atuação no cargo, levando em consideração o
quadro geral da educação do município no período referente a sua gestão.
c) Que considerações você tem a fazer sobre a mesma questão, no que diz respeito
à ilha de Caratateua?
d) Faça um comentário acerca da implantação do Subsistema Educacional de
Unidades para o Desenvolvimento Sustentável que atribui a existência das UEDS
e das UEB.
e) Houve prioridade por parte de sua gestão em atuar efetivamente em uma dessas
duas Unidades de Educação? Como se deu esta decisão?
f) Segundo registram os documentos oficiais da Secretaria de Educação, sua
gestão ancorou-se nos princípios X, Y, Z. Como se deu esta decisão?
114
g) Comente sobre a política e/ou ações implementadas, a partir desse princípio,
especificamente, na ilha de Caratateua?
h) Que relação existe entre a política e/ou ações implementadas na ilha de
Caratateua e os planos estabelecidos no decorrer da sua gestão?
i) Que relação existe entre a política e/ou ações implementadas na ilha de
Caratateua e o Plano Diretor das Ilhas de Caratateua e Mosqueiro, instituído em
1994?
j) Durante o período de sua gestão, como você avalia a sua relação com os
movimentos sociais da ilha, no que se refere à questão educacional? E com os
pais e a comunidade local?
115
ANEXO 2
ROTEIRO DE ENTREVISTA II
MORADOR DA ILHA DE CARATATEUA
I- Identificação pessoal:
a) Nome:
b) Tempo de moradia na ilha de Caratateua:
c) Nível de escolaridade:
II- Enfoque do objeto de pesquisa:
a) Faça um relato acerca da ilha de Caratateua referente à década passada,
considerando aspectos como: as transformações que ocorreram na ilha (se você
considera que houve), a relação com o poder público (a Prefeitura ou Agência
Distrital) e mais detidamente sobre a educação.
b) Comente a sua atuação em entidades, movimentos sociais, instituições
episódicas ou orgânicas.
c) Comente sobre a sua atuação nos movimentos sociais, mais especificamente no
Consilha, e se fez parte da criação desse Conselho. Se exerceu algum cargo,
enfatize o período, bem como a sua atuação.
d) Qual era o entendimento do Consilha sobre as questões referentes à educação?
e) Que ações no âmbito da educação o Consilha considerava mais urgentes para a
ilha de Caratateua? Por quê?
f) Qual a relação do Consilha com o Poder Público, mais especificamente com a
Secretaria de Educação (Semec)?
116
g) Que ações no âmbito educacional foram implementadas na ilha de Caratateua
que você considera que tenham sido frutos dos anseios da comunidade? Comente
sobre elas.
h) Como você avalia a presença e/ou a ausência da Semec nos dois governos da
década de 1990? Enfatize as ações ou a não realização de ações que
correspondem à sua avaliação.
i) Você considera que a ilha de Caratateua foi beneficiada com políticas públicas
educacionais ao longo da década de 1990? Em que medida?
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