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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
André Renato Servidoni
Delineamentos da Responsabilidade Penal Individual na direção de
Empresas
Mestrado em Direito Penal
São Paulo
Março / 2.006
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11
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
André Renato Servidoni
Delineamentos da Responsabilidade Penal Individual na direção de
Empresas
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de
MESTRE em Direito Penal, sob a
orientação do Professor Doutor
Dirceu de Mello.
São Paulo
Março / 2.006
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12
Comissão Julgadora
______________________________________
______________________________________
______________________________________
13
Dedico este trabalho primeiramente
a meus pais Agostinho e Marlene
que,
embora junto de Deus, me
acompanham espiritualmente.
Além disso, não poderia esquecer
da minha esposa querida, Heloísa,
mulher exemplar, mãe dedicada e
advogada brilhante, pelo incentivo e
compreensão, bem como a minhas
filhas Ana Clara e Sofia, fontes do
meu viver.
14
"Para encontrar a justiça, é
necessário ser-lhe fiel. Ela, como
todas as divindades, se manifesta
a quem nela crê"
Piero Calamandrei
15
SINOPSE
O direito penal evoluiu muito com o passar dos anos.
Calcado inicialmente na responsabilidade objetiva, prescindia da
discussão da devida culpa para punir o agente criminoso. Porém,
percebeu que esta responsabilização era inconsistente e, assim,
iniciou o estudo da responsabilidade subjetiva, atualmente presente
em nossa legislação, inclusive no âmbito constitucional.
Sendo assim, o objetivo deste trabalho foi abordar a
evolução da culpabilidade, inicialmente pela doutrina estrangeira e,
posteriormente, na nacional, inclusive com conotação da legislação
pertinente.
Este estudo tem fundamental importância para o deslinde
dos processos em julgamento, principalmente nos casos que
envolvam a punição dos responsáveis por empresas, quando estas
são acusadas de alguma infração penal, isto porque o Poder
Judiciário, em algumas oportunidades, dispensa o estudo sobre a
culpabilidade de cada agente na condução destas pessoas jurídicas,
imputando a responsabilidade sobre eles de forma generalizada,
ferindo, conseqüentemente, o princípio da culpabilidade.
Desta forma, através do estudo da doutrina, legislação e
jurisprudência, ficou constatado que o princípio da culpabilidade deve
ser respeitado e aplicado, sob pena de infringência a vários princípios,
entre eles da individualização da pena e responsabilidade objetiva.
16
ABSTRACT
Penal law had a great evolution with the years.First
basedon the objective responsibility, it did without the guilt to punish
the criminal agent. However, this responsibility was not consistent and
therefore, it starts the subjective responsibility study, present in our
legislation currently, including the constitional sphere.
Therefore, the purpose of this work was to broach the guilt
evolution, first through the foreign doctrine legislation connotation.
This study is important for the lawsuit under process
conclusion, mainly in the cases wich the responsible for companies
punishment when they are charged with some penal lawsuit because
the judicial power, disenses the study about the guilt of each agent in
some opportunities attributing the responsibility for them in a
widespread way, injuring the culpability principle.
Anyway, through the doctrine study, legislation and
jurisprudence, it was said the culpability principle must be respected
and applied under to break the law of many principles, among them the
sentence individuality and objective responsibility.
17
Agradeço a toda a minha família,
notadamente a minha avó Doracy,
irmã Mônica, meu sogro José Mauro
e sogra Regina pelo apoio
incondicional.
Não poderia deixar de registrar meu
agradecimento eterno ao meu
orientador Prof. Dr. Dirceu de Mello
pela atenção e oportunidade.
Por fim, agradeço a bolsa concedida
pela CAPES, pois, sem ela,
dificilmente conseguiria terminar este
curso, tão sonhado.
18
SUMÁRIO
Resumo
Introdução.................................................................................................. 10
Problemática e Objetivos-.......................................................................... 13
Metodologia - ............................................................................................. 14
Capítulo I – Culpabilidade – Histórico e Evolução Doutrinária
1.1 – Noção histórica.................................................................................. 15
1.2 - A culpabilidade pela doutrina estrangeira........................................... 20
1. 2.1– Das concepções: normativa e psicológica................................ 26
1. 2.2 – Da culpabilidade: pelo fato singular e pela conduta na vida.... 32
1.2.3 - Da culpabilidade: personalidade e capacidade para delinqüir... 35
1.2.4- Culpabilidade e periculosidade.................................................. 37
1.2.5 – Concepção da culpabilidade na doutrina finalista..................... 39
1.2.5.1 – Elementos da culpabilidade, segundo a doutrina finalista. 46
Capítulo II - A Culpabilidade no Brasil
2.1-Evolução doutrinária............................................................................ 53
2.2 – Evolução legislativa........................................................................... 58
2.2.1.– Do fundamento constitucional........................................................ 58
2.2.2 – Apontamentos relativos às teorias constitucionalistas do
Direito penal......................................................................................... 61
2.2.3 – Dos princípios constitucionais do direito penal........................ 62
2.2.4 – Da culpabilidade nas Constituições Brasileiras........................ 71
2.2.5 – Análise da culpabilidade nos Códigos Penais Brasileiros......... 74
Capítulo III – Culpabilidade e Responsabilidade Penal
3.1 – Delineamento da culpabilidade e responsabilidade penal................ 87
3.2 – Responsabilidade penal da e na empresa......................................... 90
3.3 A individualização da responsabilidade penal nos crimes cometidos por
meio da empresa........................................................................................ 93
3.4 – Culpabilidade e justificação da pena................................................. 95
19
3.5 – Questões processuais....................................................................... 99
3.5.1 – Denúncia genérica.......................................................... ........100
3.5.2 – Individualização da pena........................................................ 104
3.5.3 – Responsabilidade penal da pessoa judica............................ 107
Considerações Finais............................................................................... 111
Referências Bibliográficas........................................................................ 116
10
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como finalidade tecer algumas
considerações sobre a teoria da culpabilidade aplicada nos “crimes
empresariais”, com reflexos nas obrigações e responsabilidades
empresariais.
O direito penal, de cunho eminentemente individual, tem se
alterado com o passar do tempo. Observa-se especificamente que a partir
da Revolução Industrial, houve um avanço nos novos centros de mão-de-
obra – a empresa – e, com ela, seu estudo dentro do seio jurídico. A
empresa sendo uma das fontes essenciais do modo de ser das
comunidades das atuais sociedades pós-industriais é o lugar onde ou por
onde a criminalidade econômica pode advir.
Conseqüentemente, cresce a importância do, assim chamado,
Direito Penal Econômico, hoje, um fenômeno notório e de escala mundial.
Neste sentido, há uma ampliação da intervenção do direito penal sobre
novas áreas das atividades econômicas desenvolvidas, notadamente, pelas
empresas.
Assim, os delitos econômicos estão se alterando e
criminalizando cada vez mais as condutas sociais, com vários propósitos,
entre eles, a ânsia de o Poder Público em angariar mais recursos para seus
cofres, ou até com o propósito ilusório de manter a “paz social”, esquecendo-
se de que cada conduta criminalizada significa uma liberdade a menos para
os cidadãos.
Em decorrência, um dos principais alvos dessa ânsia pública
está na empresa, que, além de arcar com altos índices de impostos,
necessita de extrema atenção para não incidir em crime.
11
Recentes alterações legislativas dão mostras deste intuito, por
exemplo, as Leis 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), 8.137/90
(Crimes contra a Ordem Tributária), 9.605/98 (Crimes contra o meio-
ambiente) e 9.983/00, que acrescentou os artigos 168-A e 337-A no Código
Penal.
Por outro lado, a pessoa jurídica, em algumas circunstâncias, é
instituída e utilizada para a prática de crimes, utilizando-se os agentes da
dificuldade de identificação da responsabilidade na condução da empresa.
Neste aspecto, deve ser lembrado que a globalização
possibilitou a criação e surgimento de grandes empresas multinacionais
dentro de nosso território, sendo certo que as dificuldades operacionais de
punição a condutas transnacionais são evidentes, o que pode ser um
caminho para a impunidade.
Entretanto, em quaisquer dos casos, a responsabilidade penal
deve ser altamente discutida para se evitar equívocos indesejáveis, assim,
na instauração do inquérito policial, durante o processo e no julgamento da
causa, a discussão sobre a culpabilidade deve ser evidenciada, até para que
pessoas não participantes do ilícito penal não sejam processadas ou
condenadas sem a necessária responsabilidade.
Desta forma, neste trabalho, abordaremos as questões mais
importantes para o deslinde da culpabilidade, passando por uma análise na
visão da doutrina estrangeira, nacional e, em seguida, delimitando a
responsabilidade penal na atuação da empresa, dentro dos critérios exigidos
pelo direito penal.
Em suma, sabe-se que o tema da culpabilidade é um dos mais
complexos no âmbito do direito penal, o que torna a discussão de sua
aplicação nos “crimes empresariais” um desafio, mas, sem dúvida, é muito
importante para a ciência penal e para atualidade forense, principalmente,
12
porque a tendência é a incriminação cada vez maior das condutas
praticadas no gerenciamento da empresa, com o claro objetivo de aumentar
a arrecadação fiscal do Estado.
13
PROBLEMÁTICA E OBJETIVOS
Embora admitida pela legislação e, muitas vezes, necessária, a
intervenção penal vem sendo aplicada, na maior parte das vezes, como a
prima ratio ao invés da ultima ratio, desrespeitando o princípio da
intervenção mínima, propalado pela doutrina como um dos pilares do direito
penal.
Assim, por parte do Estado uma vontade desenfreada de
criminalizar condutas com o objetivo de supostamente pacificar a sociedade.
Todavia, várias dessas condutas criminosas estão voltadas
para a atuação empresarial, com objetivos arrecadadores, esquecendo-se o
Estado de que possui os meios legais para a fiscalização e cobrança dos
tributos devidos decorrentes desta atividade empresarial.
Além disso, os responsáveis por essas empresas, após
incidirem em crime, são considerados co-autores e punidos de uma mesma
forma, sem que o Poder Judiciário tenha prescindido da devida discussão a
respeito dessa responsabilidade, pois cada sócio tem, normalmente, uma
participação diferenciada no gerenciamento da empresa.
É com essa preocupação que será analisada a teoria da
culpabilidade para se desvendar e descrever a possível responsabilidade
penal de cada cio, uma vez que a Constituição Federal também preserva
a individualização da pena, e, por outro lado, pretende-se auferir se o Poder
Judiciário está respeitando este princípio.
14
METODOLOGIA
O método a ser empregado na elaboração do presente projeto
foi escolhido de maneira a preencher os requisitos necessários para sua
perfeita elaboração.
No que tange à coleta de dados, foi utilizado como material de
pesquisa as legislações vigentes, revistas especializadas, jurisprudência,
bem como a doutrina referente ao assunto.
Foram, ainda, adotados os seguintes procedimentos:
levantamento dos pontos importantes do trabalho, análise do material
coletado, desenvolvimento do texto e conclusões acerca dos problemas
detectados.
Por fim, para ilustrar a abordagem dada à matéria pelo Poder
Judiciário foram analisados alguns casos concretos de crimes societários a
serem selecionados de acordo com os tópicos envolvidos.
15
Capítulo I
Culpabilidade – Histórico e evolução doutrinária
1.1- Noção histórica
A história da culpabilidade sofreu considerável evolução no
decorrer da história da humanidade. Por culpabilidade, no aspecto histórico,
devemos analisar a responsabilidade penal, uma vez que o conceito técnico
de culpabilidade é bem recente, com implicações diretas na justificação do
próprio direito de punir do Estado e na finalidade da pena.
Como assevera Francisco Assis de Toledo, o direito penal, em
sua origem, foi de cunho eminentemente intimidativo
1
.
A pena criminal assim entendida como instrumento de
intimidação e de prevenção geral adquire algum sentido se estiver
presente a noção de evitabilidade do fato praticado.
Nos tempos primitivos, a responsabilidade penal estava ligada
tão somente a uma relação de causalidade com o fato, isto é, a
responsabilidade penal era objetiva, onde desconsiderava-se a existência de
alguma ligação, além da simples causalidade física, entre o fato causado e o
agente.
Na fase arcaica e jusprivatista do direito penal, quando a pena
era considerada “vingança de sangue”, encomendada como direito-dever à
parte ofendida e ao seu grupo familiar, a responsabilidade penal equiparava,
solidariamente, o ofensor e seus parentes, como conseqüência quase
1
Princípios Básicos de Direito Penal, p. 217.
16
exclusiva do elemento objetivo da lesão, e não da imputação direta a seu
autor, nem sequer das suas intenções.
2
Na verdade, acreditava-se que a paz era uma dádiva
assegurada pela vontade dos deuses e que o infrator deveria ser punido
para satisfação da vingança divina, pouco importando se teve culpa ou não.
Em um momento posterior, surgiu a Lei de Talião, que acabou
sendo adotada no Código de Hamurabi e pelos hebreus, bem como a Lei
das XII Tábuas, que podem ter representado, a seu tempo, uma certa
evolução nos costumes, posto que, embora expressão de vingança, o
castigo estava limitado à ofensa praticada e era disciplinado pelo poder
público.
Na Idade Média, fortemente influenciada pela filosofia cristã, a
justiça passou a ter como base o livre-arbítrio, onde todo homem era livre
para decidir entre o bem e o mal, sendo o crime um pecado derivado da
vontade humana, assim, não se justificava uma punição a quem não agia
com dolo ou culpa, nem de modo reprovável na causação de um resultado,
portanto, o nexo meramente causal entre a ação e dano não era mais
suficiente.
Essa concepção da culpabilidade atrelada à intencionalidade
da ação, desenvolvida pelo pensamento iluminista, onde a vontade humana
era a base do direito penal, foi integralmente acolhida pela Escola Clássica,
que, como se sabe, especialmente em Carrara, fundava a responsabilidade
penal no livre arbítrio e entendia a pena com caráter meramente retributivo,
ao contrário da Escola Positiva, criada por Lombroso, que defendia que a
criminalidade derivava de fatores biológicos, contra os quais era inútil o
homem lutar.
2
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão, p. 390.
17
É claro que esta evolução histórica da culpabilidade contém
algumas concepções extravagantes que vicejaram em determinadas épocas
e locais, como por exemplo, a responsabilização de animais e coisas. Neste
sentido, FERRAJOLI explica que:
“a igualdade e a identidade subjetiva de todos os
seres humanos no âmbito penal é uma conquista
relativamente recente. Assim, por exemplo, e
deixando de lado os diferentes privilégios e
imunidades penais que abundam no direito pré-
moderno, as mulheres têm sido, por muito tempo,
consideradas inferiores, sujeitas à
responsabilidade atenuada “quia minus rationis
habent, quam masculi”.
3
Assim, com o passar do tempo e com o aprimoramento da
cultura, começou-se a perceber a diferença existente entre a evitabilidade e
a inevitabilidade de um dano, bem como que este fato residia no interior do
ser humano.
Este descobrimento deu origem à previsibilidade e à
voluntariedade do resultado danoso e, a partir de então, foram iniciados os
estudos sobre a culpabilidade, dentro do chamado “elemento subjetivo”.
Na verdade, não se pode apontar com exatidão o momento
histórico em que tal fenômeno ocorreu. Fora de dúvida, porém, é que, deste
fato, é que começou a ser construída a noção de culpabilidade, com a
introdução, na idéia do crime, de alguns elementos psíquicos, ou anímicos
a previsibilidade e a voluntariedade como condição da aplicação da pena
criminal – nullum crimem sine culpa.
4
Por outro lado, não se pode olvidar que, concebida
normativamente como reprovabilidade pelo fato cometido, a culpabilidade
3
Ibidem, p. 390
4
TOLEDO, Francisco de Assis, obra citada, p. 219.
18
carregou e carrega evidentes conotações éticas, mesmo porque a culpa é
um juízo indicativo de desvalor ou demérito moral e social.
Neste diapasão, BETTIOL assevera que:
“na concepção teleológica do direito penal é
sempre lesão do bem jurídico que assume relevo
e função de critério diretivo, porque a
culpabilidade adquire também um conteúdo e um
significado somente quando posta em contato
com o mundo dos valores tutelados. Não
culpabilidade vazia de conteúdo, mas uma
culpabilidade em razão do que foi realizado. A
culpabilidade, como juízo de reprovação, postula
sempre uma coisa qualquer em relação à qual se
endereçava a vontade que se considera
reprovável.”
5
Porém, essa maior ou menor conotação moral está ligada à
missão e modelo do direito penal, que, numa primeira posição, apregoa uma
intervenção ampla do Estado na vida social, até para uma conformação
moral dos cidadãos, ou uma função estritamente protetiva, como ultima ratio,
sem qualquer pretensão de transformação moral do homem.
É certo, ainda, que toda a teoria do delito evoluiu durante o
passar dos tempos, sendo esta o fundamento básico para o direito penal e,
conseqüentemente, da aplicação da pena.
Entretanto, a culpabilidade é um dos temas mais importantes
dentro desta teoria, sendo muito questionada e debatida, ou nas palavras de
ZAFFARONI e PIERANGELI: quando os alicerces de um edifício são mal
construídos, o problema mais árduo é conseguir que suporte os últimos
andares da obra. Por essas razões, a culpabilidade é o mais apaixonante
estrato da teoria do delito.”
6
5
BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal, p. 320
6
Manual de Direito Penal Brasileiro, p. 601.
19
É claro que não é uníssono o entendimento acerca da
culpabilidade, principalmente no que diz respeito ao seu conceito e posição
jurídica, como poderá ser verificado durante este trabalho, mas é inegável a
sua vital importância nos dias atuais, ou nas palavras do mestre ROXIN:
“Nenhuma categoria do direito penal é tão
controvertida quanto a culpabilidade, e nenhuma
é tão indispensável. Ela é controvertida, por uma
série de mal-entendidos; indispensável, por
constituir o critério central de toda imputação.
Essa imputação de um acontecimento exterior a
um homem determinado e, no futuro, talvez a
pessoas jurídicas é o objeto único da dogmática
jurídico-penal. É por isso que não pode existir
direito penal sem princípio da culpabilidade; é
possível conferir a este outra denominação, mas
não se pode eliminá-lo.”
7
Outrossim, a culpabilidade é o pressuposto necessário para a
punição pelo Estado, ou melhor, “el principio de culpabilidad significa que la
culpabilidad es um presupuesto necesario de la legitimidad de la pena
estatal. A su vez, la culpabilidad es el resultado de uma imputación
reprobatoria, en el sentido de que la defraudación que se ha producido viene
motivada por la voluntad defectuosa de una persona.”
8
Portanto, a culpabilidade evoluiu com o passar do tempo,
sendo, atualmente, um dos pilares do direito penal e pressuposto para
aplicação da pena, calcada no princípio nullum crimem sine culpa, onde a
punibilidade está direcionada apenas nos atos intencionais, considerando
injusta qualquer forma de responsabilidade objetiva ou sem culpa.
7
ROXIN, Claus. A culpabilidade e sua exclusão no direito penal, Revista Brasileira de Ciências
Criminais, n. 46, p. 46
8
JAKOBS, Günther. Fundamentos Del Derecho Penal, p. 15.
20
1.2 – A culpabilidade na doutrina estrangeira
Será abordada a culpabilidade na visão da doutrina estrangeira,
somente através de alguns doutrinadores, ante a complexidade do tema e a
vastidão de posições doutrinárias.
Para a doutrina italiana, nos dizeres de BETTIOL, o princípio da
culpabilidade está ligado, a partir da Revolução Francesa, com as garantias
fundamentais, embasando a constitucionalidade do Direito Penal com o
brocardo latino nullum crimen sine culpa. Explica que “para que um fato
constitua crime não basta que o sujeito-agente o tenha realizado
materialmente, enquanto lesivo do bem juridicamente protegido, mas é
necessário que o tenha realizado também culpavelmente. Em outras
palavras, não há crime sem culpabilidade”
9
.
Assim, a culpabilidade é o principal elemento constitutivo do
crime, onde se tem construído a idéia humana e moral da noção de delito.
Na verdade, nem sempre fôra assim, pois em tempos remotos o direito penal
utilizou-se da premissa de um simples nexo objetivo de causalidade,
buscando estabelecer uma relação entre a ação humana e o evento, sem
fornecer a menor importância à possível existência de um liame de caráter
subjetivo-psicológico, que pudesse ligar o evento ou fato ao agente.
Desta forma, era aplicada a responsabilidade penal objetiva.
Buscava-se, assim, uma supremacia dos conceitos de lesão e dano
ocorrido, sem nenhuma análise das condições psicológicas da atuação do
agente. BETTIOL explica que “com o burilar do espírito humano, o legislador
percebeu que era errado colocar, no mesmo plano, o dano ocasionado pelo
raio ou pelo animal e o produzido pela ação do homem. Enquanto os dois
primeiros devem ser considerados inevitáveis, o último, pelo contrário, é
evitável porque o homem pode prever as conseqüências do seu atuar e
abster-se assim de agir em face delas”
10
.
9
Idem, p. 317.
10
Ibid., p. 318.
21
Conseqüentemente, a argumentação feita por BETTIOL fez surgir a doutrina da imprescindibilidade de divisão
entre um dano ocorrido mediante ação humana, de um elemento de formação psicológica e de um aspecto voluntário do fato
ocorrido.
Nascem, portanto, às concepções psicológica e normativa da
culpabilidade, pois, até então, o direito penal prescindia do caráter culpável
do delito, inclusive, no seu anseio de exercício do ius puniendi, considerava
suficiente a vontade delituosa, sem a devida prestação ao evento lesivo.
BETTIOL, então, leciona que o direito penal ficou dividido entre a doutrina da
concepção do evento e do resultado da ação, e a doutrina da concepção da
vontade delituosa. O que fez com que tal divisão ficasse conhecida como
sendo “direito penal de fundo objetivo, o primeiro; de fundo subjetivo, o
segundo
11
.
A questão que surge de tal definição é que mesmo antes de uma
análise do princípio da antijuridicidade, aufere-se o conceito e a existência
da culpabilidade, desprezando-se o aspecto material do acontecimento, do
fato.
Destarte, a idéia de auferir a culpabilidade ficou dividida entre a
atuação estatal se efetivar seja diante da figura do delito de resultado ou de
vontade. Podendo-se afirmar que uma atuação estatal em função da prática
de um delito de resultado é bem mais democrática, é legitimante para o
sistema penal, que se ausenta de uma atuação intempestiva, não
determinando uma limitação à liberdade de ação do agente. A essa
concepção BETTIOL chamou de concepção liberal.
Por sua vez, a atuação estatal em função da prática do delito de
vontade, que objetiva apenas a vontade delituosa do agente, desde o seu
primeiro momento de exteriorização, caracteriza uma ação deslegitimada
determinando o poder estatal de punição sem nenhuma preocupação com a
análise de um evento lesivo. A essa concepção BETTIOL chamou de
concepção antiliberal.
Porém, para o jurista italiano, o melhor caminho a ser percorrido
é o de uma idéia intermediária acolhida pela legislação. Diz ele: “o melhor
11
Ibid., p. 319.
22
caminho é o intermediário, que foi escolhido por nossa legislação. Nem de
um lado a presença de um evento lesivo independente da voluntariedade
do próprio evento pode ser suficiente para estabelecer a responsabilidade
penal, nem, de outro, a vontade que não seja exteriorizada num ato idôneo
(tentativa) pode ser objeto de reprodução penal”
12
.
A última via, mencionada por BETTIOL, e acolhida pela
legislação italiana, assim como pela brasileira, é a concepção resultante da
combinação do delito de resultado com o delito de vontade delituosa. Porém,
alerta BETTIOL que as legislações que adotam a concepção da vontade
delituosa, independente de uma ação idônea, ou os chamados crimes de
consumação antecipada, não significa uma substituição da concepção de
lesão do bem jurídico pela da culpabilidade.
BATTAGLINI, entende a culpabilidade ou a culpa em sentido
lato, como sendo o segundo elemento do delito, diante de uma relação
psíquica existente entre o agente e o fato, apontando sua previsão no
Código Penal italiano. Na sua doutrina, busca por um entrelaçamento,
colocando a imputabilidade como pressuposto da culpabilidade. Assim como
BETTIOL identifica na legislação a adoção de um caminho intermediário, na
teoria do delito, entre crime de resultado e de vontade delituosa.
Leciona BATTAGLINI que “analisando-se o fato considerado pela
lei penal, verifica-se ser o mesmo constituído pela ação e pelo evento, que é
o produto da ação. Se o agente tiver vontade consciente tanto da ação
quanto do evento, haverá dolo; se, pelo contrário, o agente quiser apenas a
ação, haverá culpa em sentido estrito. Dolo e culpa constituem as duas
espécies fundamentais da culpabilidade”
13
.
Um ensinamento claro e irrefutável na doutrina de BATTAGLINI,
é que o é possível discutir a culpabilidade sem antes realizar uma análise
profunda da tipicidade. E, uma discussão da culpabilidade apenas é admitida
mediante uma associação de análise do seu pressuposto que é a
12
Ibid., p. 319
13
Direito Penal Parte Geral. Tradução por PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR e ADA
PELLEGRINI GRINOVER, notas por EUCLIDES CUSTÓDIO DA SILVEIRA. São Paulo : Saraiva,
1964, p. 217
23
imputabilidade. Portanto, diante da constatação da imputabilidade é que
se começa a discussão em torno da culpabilidade.
Para BATTAGLINI, o estudo da culpabilidade se refere a uma
verificação quanto ao agente (concretamente) ter praticado uma ação em
que estejam presentes os requisitos de natureza psíquica. Não se faz
necessária apenas a existência de uma causalidade material, mas também,
a presença de causas psíquica e moral.
BATTAGLINI, ao contrário de alguns outros autores, o
considera a culpa como qualidade do agente. Para ele, a culpa deve estar,
obrigatoriamente, relacionada com o fato. A qualidade do agente não é a
culpa, mas sim, a imputabilidade. Provavelmente, o fundamento dessa
afirmação de BATTAGLINI venha do ensinamento de que o importante é a
ação humana. O direito penal deve se preocupar com a conduta do agente,
pois é a ação que é criminosa e não o homem. É, simplesmente, a negação
ao Direito Penal do autor.
Destarte, para BATTAGLINI, culpabilidade “é a relação psíquica entre o agente reconhecido (enquanto capaz
de entender e de querer) como válido destinatário da norma abstrata de conduta, e o fato por ele praticado em concreto.
Sabemos que o fato típico do delito é formado pela ação e pelo evento. Ora, a culpabilidade resulta exatamente de dois
elementos: um relativo à ação; outro, ao evento
14
.
Neste sentido, CONDE explica que “a distinção entre
antijuridicidade e culpabilidade, e, conseqüentemente, entre causa de
justificação e causa de exclusão da culpabilidade, é uma das descobertas
técnico-jurídicas mais importantes da ciência do direito penal em nosso
século. Tal descoberta não é uma pura lucubração teórica, pois tem base no
direito penal vigente e importantes conseqüências práticas.”
15
Continuando, o jurista espanhol explica que não
culpabilidade em si, mas culpabilidade em relação aos demais, isto é, a
culpabilidade não é um fenômeno individual, mas social. Não é uma
qualidade da ação, mas uma característica que se lhe atribui para poder
imputá-la a alguém como seu autor e lhe fazer responder por ela. Portanto,
tem um aspecto social, sendo produto da correlação de forças sociais
14
Op. cit., p. 251
15
CONDE, Francisco Muñoz. Teoria Geral do Direito, p. 125
24
existentes em um determinado momento histórico, que define os limites do
culpável e do não culpável, da liberdade e da não liberdade.
Conseqüentemente, antes que psicológico, o conceito da culpabilidade tem
fundamento social.
Por fim, a doutrina alemã, vem disciplinando a culpabilidade de
uma outra forma.
WESSELS, ao elaborar seu estudo sobre a culpabilidade, parte
de uma associação entre culpabilidade e censurabilidade pessoal,
apontando o conceito normativo de culpabilidade, identificando os
pressupostos e elementos da culpabilidade e as causas de exculpação.
Assim, diante da diferenciação entre injusto e culpabilidade
efetuada pelo Código Penal alemão, WESSELS vai dizer que, “enquanto que
no campo do injusto a ação punível é investigada em sua conformidade com
as normas do dever da ordem jurídica, isto é, em sua ‘antijuridicidade’, no
campo da culpabilidade trata-se da questão de se o fato antijurídico deve ser
censurado pessoalmente ao autor”. Conclui: “culpabilidade é
censurabilidade da formação e da manifestação da vontade
16
.
Correspondendo ao aspecto humanista da Lei Fundamental, o
Direito Penal Alemão vai, então, buscar uma fundamentação no princípio da
culpabilidade e responsabilidade, sendo a pena pressuposto para a
culpabilidade.
Daí, leciona WESSELS que “o fundamento do princípio da
culpabilidade e responsabilidade é constituído pela capacidade do homem,
de se decidir livre e corretamente entre Direito e o Injusto. quando exista
esta liberdade de decisão é que terá sentido se impor uma censura de
culpabilidade contra o agente”
17
16
WESSELS, Johannes. Direito Penal – Parte Gera, p. 82
17
Op.cit., p. 83
25
Conclui o renomado autor que “culpabilidade significa, assim, a
censurabilidade do fato com consideração sobre o ânimo ativo juridicamente
repreensível”.
18
A propósito, JESCHECK explica que “El principio de culpabilidad
tiene em Alemania la consideración de pensamiento rector de la Justicia
penal; la pena criminal solo puede basarse em la constatación de que cabe
reprochar al autor la formación de voluntad conducente a la decisión del
hecho, y tampoco puede superar nunca a la que el autor merezca según su
culpabilidad..”
Continua o emérito jurista, “El principio de culpabilidad tiene
como presupuesto lógico la libertad de decisión del hombre, pues solo
cuando existe basicamente la capacidad de dejarse determinar por las
normas jurídicas puede el autor ser hecho responsable de haber llegado al
hecho antijurídico em lugar de dominar los impulsos criminales. Si toda
actuación activa o pasiva se hallara definitivamente determinada, a
semejanza de los sucesos naturales, por el efecto causal de fuerzas
objetivas y sustraídas a la influencia de la voluntad, tendría tan poço sentido
reprochar al hombre sus hechos como hacerle responsable de sus
enfermedades. Pero, incluso si todas lãs acciones humanas, aunque no
naturalísticamente, estuvieram psicologicamente fijadas de modo inevitable
por las peculiaridades del carácter, la prevalência de los motivos
concurrentes y los estímulos del mundo exterior, la pena no podría ser
concebida como juicio de desvalor éticosocial, antes al contrario, debería
recibir um significado neutral.”
19
Por fim, WELZEL assevera que culpabilidade “é a
reprovabilidade da resolução de vontade. O autor podia adotar no lugar da
resolução de vontade antijurídica – tanto se esta se dirige à realização
dolosa do tipo como se não se aplica à direção final mínima exigida uma
resolução de vontade conforme a norma. Toda culpabilidade é, pois,
18
Idem, p. 84
19
JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho Penal – Parte Geral, p. 367.
26
culpabilidade de vontade. Apenas aquilo que depende da vontade do
homem pode ser-lhe reprovado como culpável.”
20
Em apertada síntese, o exposto acima retrata a doutrina a
respeito da culpabilidade na visão de renomados juristas estrangeiros.
1.2.1 - Das concepções: psicológica e normativa
A divisão clássica da culpabilidade efetuada pela doutrina é a
das concepções: psicológica e normativa.
A primeira concepção surge com Liszt e Beling quando a
doutrina volta seus estudos para o campo subjetivo da ciência penal, numa
análise dúplice de dolo e culpa. É a visão de buscar uma ligação existente
entre o fato ocorrido e o agente, é a chamada verificação do previsto ou do
querido, ou ainda, do não querido podendo ser previsto ou previsível,
apresentando-se como querido apenas a conduta praticada pelo agente.
Daí o magistério de BETTIOL acerca da concepção psicológica
da culpabilidade, “(...) se Fulano previu e quis a morte de Beltrano como
conseqüência da própria ação ou omissão, afirma-se que dolo; ao passo
que se Fulano quis apenas a conduta da qual derivou a morte de Beltrano,
prevista ou previsível, diz-se que culpa. Portanto, o liame psicológico que
une um evento ao sujeito agente pode ser doloso ou culposo: doloso quando
foi previsto e querido; culposo quando o evento, não querido, é previsto ou
ao menos era previsível. A concepção psicológica da culpabilidade
fundamenta-se pois sobre um vinculo de caráter subjetivo que relaciona o
fato ao seu autor, nos limites respectivos do dolo ou da culpa”
21
Assim, o importante era o liame subjetivo que unia o autor ao fato típico e antijurídico, por meio do dolo
ou culpa. Daí a afirmação, até os dias atuais, que a culpabilidade constitui o momento subjetivo do crime.
Na verdade, como explica Luiz Regis Prado, a teoria psicológica ou subjetiva reunia os elementos
subjetivos do delito na culpabilidade, conforme uma orientação naturalista e considerava a imputabilidade como seu
pressuposto, enquanto não afetava a relação psíquica entre autor e fato. Era característica determinante da noção de
20
WELZEL, Hans. O Novo Sistema Jurídico-Penal, Tradução de Luiz Regis Prado, p. 88.
21
Op. cit., p. 321
27
culpabilidade, como elemento do crime, a rígida separação entre o objetivo e o subjetivo, sendo aquele equiparado à ilicitude e
este último à culpabilidade propriamente dita. Era assim definida como o nexo subjetivo (psicológico ou psíquico) entre a
vontade do agente e o resultado, apresentando como suas formas o dolo e a culpa. Essa orientação sofreu com o passar dos anos
severas críticas. Em primeiro lugar, não ordenava sistematicamente a imputabilidade, que ora era pressuposto do dolo e da
culpa, ora era pressuposto da pena; não explicava convincentemente a culpa inconsciente, onde era inexistente a relação
psicológica; não era tampouco capaz de explicar adequadamente o estado de necessidade exculpante, visto que mesmo presente
o dolo, não havia culpabilidade; não compreendia a culpabilidade como um conceito graduável e, por fim, agasalhava uma
metodologia científica positivista naturalista e jurídica, já superada pela dimensão axiológica de cunho neokantiano
22
.
No entanto, surge a concepção normativa da culpabilidade, que
objetiva uma análise recheada por outros elementos que não apenas o do
liame psicológico.
Segundo WELZEL, “o primeiro passo para a compreensão do
caráter normativo da culpabilidade foi dado por Frank (Aufbau dês
Schuldbergriffs, 1907) e seguiram-no de pronto Beling (Unschuld,
Schuldproblem, 1913), Freudenthal (Schuld und Vorwurf, 1922) e a doutrina
majoritária”
23
Na verdade, Reinhard Frank, ao analisar o dolo no caso do
estado de necessidade exculpante, salientou que a culpabilidade não se
esgotava no nexo psicológico entre o agente e o resultado. Desta forma,
acrescenta à imputabilidade, ao dolo e à culpa, a normalidade e
concomitância das circunstâncias nas quais o agente praticou conduta
delitiva. Assim, a culpabilidade é reprovabilidade, como juízo de valor sobre
o fato em relação ao seu autor, diante das circunstâncias reais em que agiu.
De seu lado, Freudenthal contribui para aperfeiçoar essa idéia,
dizendo que a reprovabilidade da conduta depende da possibilidade de
exigir-se do agente comportamento diverso do previsto na norma, o poder
atuar de outro modo, assim, a inexigibilidade de outra conduta exclui a
reprovação, servindo de base para exclusão de toda culpabilidade.
Essa concepção de culpabilidade, entretanto, ainda não havia
determinado a exclusão do dolo e da culpa, que haviam deixado de ser
entendidos como suas formas, para serem apenas seus elementos. Assim,
22
Curso de Direito Penal Brasileiro, p. 397.
23
Op. cit. p. 91
28
poderia concorrer o dolo e faltar a culpabilidade quando existisse uma causa
de exculpação, ou na culpa inconsciente.
Na verdade, a concepção normativa não se divorcia do vínculo
psicológico como alguns autores buscando sua eliminação procuram dar
a entender em seus escritos. Não quer também significar que a concepção
normativa procure efetivar uma associação entre o liame psicológico com o
caráter normativo de exigência da norma penal. A norma penal tem a sua
exigência de valoração por essência, pois o direito penal é um sistema de
proteção de bens valorados. O que ocorre na concepção normativa da
culpabilidade, é que o vinculo psicológico continua a existir e de forma
objetiva, no entanto, sua valoração vai ser determinada pela norma penal, no
âmbito de uma hierarquia presente nesse sistema de valores.
O que a concepção normativa da culpabilidade descobriu é que
a culpabilidade é um juízo de reprovação, é uma situação de antítese entre
vontade do agente e o preceito determinado pela norma penal. “Ela é o
resultado da filosofia dos valores no campo do direito penal, daquela filosofia
que, contrapondo o fato ao valor, não podia, numa ciência valorativa como a
jurídico-penal, manter-se, a propósito da culpabilidade, atada a uma
concepção psicológica e, portanto, naturalística. Não é o nexo psicológico
como tal, mas a valoração deste nexo em relação às exigências de uma
norma que dá significado à doutrina da culpabilidade
24
.
O conceito normativo de culpabilidade fornecido por BETTIOL é
no sentido de que “podemos, pois, definir a culpabilidade, sob o prisma
normativo, como ‘um juízo de reprovação pessoal pela prática de um fato
lesivo a um interesse penalmente protegido’. Os elementos sobre os quais o
juízo se baseia são a capacidade de entender e de querer, a voluntariedade
do fato nos limites respectivos do dolo e da culpa e a possibilidade de uma
motivação normal da vontade
25
.
O que não pode ser esquecido é que a origem remota da
culpabilidade e responsabilidade pressupõe o homem como ente livre e
24
BETTIOL, op. cit., p.
25
Idem, p.
29
auto-determinável para o exercício de suas ações, é vislumbrar que o “objeto
da censura de culpabilidade é a defeituosa posição do autor para com as
exigências de conduta da ordem jurídica, manifestada no fato antijurídico”
26
.
WESSELS procura efetuar uma purificação na sua elaboração
de conceito normativo da culpabilidade, afirmando que não existe uma
reprovação de caráter moral ou social, as reprovações existentes não
determinadas pela norma penal. Diz ele que “culpabilidade em sentido
jurídico-penal, por outro lado, é culpabilidade jurídica, não culpabilidade
moral ou social. Decisivas para a censura de culpabilidade são apenas as
representações de valor da ordem jurídica (...) A teoria normativa, fundada
por FRANK, a essência da culpabilidade na censurabilidade da formação
da vontade, portanto, na valoração normativa de uma relação de fato
psíquica”
27
.
Destarte, como decorrência natural da adoção da concepção
psicológica, sérias dificuldades se evidenciaram no plano da culpabilidade,
gerando mais tarde o abandono de sobredita concepção. Por outro lado, o
normativismo não passou ileso de críticas, notadamente pelos defensores da
teoria finalista, adotada pelo Código Penal Brasileiro, onde a estrutura
analítica é modificada para extrair os elementos subjetivos da culpabilidade.
Com efeito, a manutenção do dolo na culpabilidade é
insustentável na medida em que ele é afastado dos elementos subjetivos do
tipo ou do injusto. Não há, desta forma, razão para o dolo e para os demais
elementos subjetivos caracterizadores da conduta serem tratados em
setores diversos.
Finalmente, fruto da doutrina finalista da ação, criada por
Welzel e seguida por tantos outros, nasce a teoria normativa pura ou
finalista, entendendo que a culpabilidade é juízo de censura pela realização
do injustopico, quando podia o autor ter atuado de outro modo.
26
WESSELS, op. cit., p. 84
27
Idem, p. 86
30
Exatamente nesse poder de agir de outro modo é que reside a
essência da culpabilidade.
Assim, excluem-se do conceito de culpabilidade a maioria dos
elementos subjetivos, anímicos ou psicológicos, integrantes do tipo do
injusto, conservando-se essencialmente o critério da censurabilidade ou
reprovabilidade (elemento valorativo), conseqüentemente, este juízo de
reprovação vai se fundamentar sobre a imputabilidade, a consciência da
ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa, que serão abordadas mais
adiante.
Na verdade, ao transferir o dolo e a culpa stricto sensu para o
tipo, a culpabilidade fica sem alguns corpos estranhos, sem todavia perdê-
los, visto que são apenas transferidos de localização. Com isso, foi permitido
que o juízo de culpabilidade possa, retornando a suas autênticas origens,
ocupar-se verdadeiramente com a evitabilidade ou a inevitabilidade do fato
praticado
28
.
Portanto, toda culpabilidade, na doutrina finalista, é
culpabilidade de vontade. Somente se pode reprovar o sujeito como culpável
quando pode realizar algo voluntariamente.
Vê-se, pelo exposto, que WELZEL ao limitar-se a apanhar os
resultados da teoria psicológica e da teoria normativa e, a partir da
arrumação de um novo quadro do sistema do direito penal, dar uma nova
redistribuição sistemática aos elementos estruturais do crime,
conseqüentemente, possibilitou uma superação de impasses a que haviam
chegado penalistas anteriores.
Hodiernamente, aponta-se a evolução da teoria normativa pura
para a extremada e limitada da culpabilidade, calcadas nos mesmos
fundamentos jurídicos, mas com algumas diferenças entre elas,
notadamente para as causas de justificação, sendo para a primeira erro de
proibição, para a segunda, uma espécie anômala de erro que produz os
28
TOLEDO, Francisco de Assis, obra citada, p. 232.
31
mesmos efeitos do erro sobre elemento do tipo, ensejando, portanto, o
aparecimento da modalidade culposa.
Em síntese, estas são as principais correntes a respeito da
culpabilidade, sendo certo que será abordada em tópico próprio e, com mais
ênfase, a teoria finalista da ação.
1.2.2- Da culpabilidade: pelo fato singular e pela conduta na vida
Aqui se encontra presente uma enorme problemática do Direito
Penal enquanto ciência humana, que é auferir a culpabilidade levando-se em
consideração o fato ocorrido, a conduta praticada pelo agente, e, não, a sua
personalidade, o seu caráter, enfim, a sua conduta de vida.
Um direito penal de índole democrática, de obediência à
legalidade é direcionado para uma apuração do fato, do acontecimento
como fenômeno social. A lição de BETTIOL, pautada nos ensinamentos de
BINDING, é no sentido de que é um fragmento, um segmento da vida de
um homem que é objeto de censura (...) um acontecimento singular da vida,
uma ação instantânea talvez de todo excepcional no teor de vida mantido
até então pelo agente torna-o culpável e somente por isto torna-o
penalmente responsável, o pelo seu caráter, não pelo seu temperamento
permanente, não pela sua conduta antecedente ou subseqüente à ação
29
.
O que não quer significar a existência de uma culpabilidade
reduzida ou simplificada ao fato, a proclamação do divórcio entre ação e
agente, mas sim, uma análise da culpabilidade como regra que leva a
uma maior consideração os fenômenos que envolvem o fato, e uma menor
envolvendo o agente. O que se quer afirmar é que a maioria dos
acontecimentos no campo do direito penal se refere ao fato, enquanto, que
uma minoria se refere ao agente. Tal concepção não se furta ao
29
Op., cit., p. 20
32
reconhecimento de que alguns casos ligados à figura do homem,
enquanto ser.
A lição de WESSELS é no sentido de que “o ponto de
referência para o juízo de culpabilidade é constituído pela ação do injusto. A
culpabilidade do direito penal é culpabilidade do fato isolado, não
‘culpabilidade de caráter’ e indiretamente ‘culpabilidade pela conduta de
vida”
30
. A doutrina considera o conceito (indiretamente) dado por WESSELS,
questionável.
MEZGER foi o primeiro a conceituar a culpabilidade
direcionando uma análise única e total sobre o agente, em desprezo à ação
singular, como sendo culpabilidade pela conduta de vida “a reprovação
atém-se a toda personalidade. E é por isto que na doutrina mais recente se
acentuou que nem sempre a culpa do autor’ é uma culpa pela conduta’ de
vida, podendo-se perfeitamente admitir esta figura também na hipótese em
que, independentemente de uma série mais ou menos ampla de ações
delituosas, o agente tenha, num determinado momento, decidido dar
orientação determinada à sua vida”
31
.
Na verdade, direito penal do fato é o sistema jurídico-penal que
leva em consideração a ação concreta realizada pelo autor como requisito
da punibilidade, isto é, a punição recai sobre o fato individual e não sobre
modo de vida do autor.
Contrariamente, no direito penal do autor, a punibilidade está
vinculada à personalidade do autor ou ao seu modo de vida, ou seja, a
sanção penal representa uma resposta não a um determinado fato praticado,
mas a toda uma forma de ser do autor.
Em outras palavras, para a primeira posição, censura-se o
autor em face de seu ato típico e antijurídico na medida de sua culpabilidade
de determinar-se no caso concreto, enquanto para a segunda, o seu ato
30
Op., cit., p. 84
31
BETTIOL, op., cit., p. 24
33
exsurge como manifestação de sua personalidade, não pelo que fez, mais
sim pelo que é.
O certo, porém, é que a opção por um sistema penal do fato ou do autor é uma opção política criminal,
cabendo observar que o Estado mais liberal tende à criminalização do fato, até mesmo em respeito ao princípio da legalidade
que estipulará o ato ilícito criminal com maior precisão em relação à proibição de determinada forma de ser, necessariamente
mais genérica que fatos verificáveis.
Por outro lado, um direito penal do autor contém maiores possibilidades preventivas na medida em que se
pode prever melhor a ocorrência de futuros delitos com base na personalidade dos delinqüentes.
Entretanto, o ideal é a fusão das duas correntes, como
assevera JESCHECK
32
ao explicar a reforma penal no Código Alemão.
Desta forma, nenhum sistema é totalmente puro, ou seja,
mesmo um direito penal calcado no fato, por vezes também criminaliza
condutas de vida, como acontece no Código Penal Brasileiro quando tipifica
os crimes de rufianismo e vadiagem, ou como explica TOLEDO
33
:
“Entre essas duas posições opostas,
situam-se as correntes moderadas
em prol de um direito penal do fato
que considere também o autor. Esta
é a posição do moderno direito
penal, predominantemente um
moderado direito penal do fato.
Assim é na Alemanha, na Itália, no
Brasil e em outros países
civilizados.”
1.2.3 - Da culpabilidade: personalidade do réu e capacidade de
delinqüir
A questão da culpabilidade se torna de difícil resolução para o
direito penal quando se chega na problemática da personalidade do réu.
Geralmente o que se nota é uma confusão rotineira na apuração da culpa
em função de uma interpretação da pessoa em particular do réu. O fator
fundamental reside no empreendimento ilimitado que o direito penal
dispensa para relacionar a ação ao agente, objetiva um enquadramento da
culpabilidade na personalidade do agente de forma a descobrir a sua face
criminológica.
32
Tratado de Derecho Penal – Parte General, p. 382
33
Ibidem, p. 251.
34
Daí BETTIOL realizar uma diferenciação fundamental no que
concerne à problemática da culpabilidade do agente e à personalidade do
réu, dizendo que “as finalidades das duas questões são diversas: na
primeira a personalidade é considerada enquanto objeto de censura, na
segunda, é sempre a ação que é objeto da reprovação; mas a culpabilidade
pela ação é compreendida apenas com referência à personalidade do réu”
34
.
Diante da diferenciação mencionada por BETTIOL, passa-se a
enxergar a capacidade limitada da concepção psicológica da culpabilidade
para o direito penal, principalmente, por ser este pautado no princípio
constitucional da individualização na aplicação da pena. De que serve
estabelecer um nexo psicológico entre a mens de um indivíduo e um evento
lesivo a fim de determinar a culpabilidade, se não pode ser negado que esta
varia de indiduo para indivíduo conforme a sua personalidade naturalística
e ética, ou conforme o caráter das condições que podem ter influído na sua
ação”
35
.
Nessa relação da forma de culpabilidade e da personalidade do
réu para alguns autores a solução encontra-se no conteúdo dos seus
elementos de composição, um fato punível e punível de forma mais ou
menos gravosa conforme a conduta praticada. Basta se analisar os crimes
nas suas formas: culposa e dolosa.
A lição de WESSELS parte da premissa de que “assim como
‘injusto’ e ‘culpabilidade’ se correspondem um ao outro, subsiste uma
relação de trocas entre a forma de conduta e a forma de culpabilidade do
acontecimento punível. A realização dolosa ou negligente do tipo de injusto
constitui, como forma de conduta, o correlato para a forma de culpabilidade
estampada pelas ponderações da censurabilidade (= estágios da
culpabilidade); à forma de comissão dolosa ou negligente corresponde o tipo
de culpabilidade dolosa ou negligente”
36
.
34
Op. cit., p. 27
35
Idem, Ibidem, p. 27
36
Op., cit., p. 89
35
Outro problema, no campo da culpabilidade, é a capacidade de
delinqüir, já que o direito penal insiste em afirmar que é possuidor de
mecanismos capazes de identificar tal capacidade. A capacidade de
delinqüir, necessariamente, deve ser analisada à luz da correlação existente
entre culpabilidade e personalidade do réu, ou seja, essa capacidade de
delinqüir não poderá ser auferida de maneira divorciada da ação.
Entretanto, aparentemente o direito penal insiste em fornecer os
instrumentos necessários para a identificação dessa capacidade de
delinqüir. Neste diapasão, o direito pátrio no artigo 59, do Código Penal,
primeira parte (fixação da pena privativa de liberdade), abre um leque de
instrumentos que devem ser utilizados pelo magistrado, na busca da
chamada capacidade de delinqüir.
A lição de BETTIOL, portanto, é que “a capacidade de delinqüir
não pode ser apreciada independentemente da ação, como se pudesse
constituir por si o objeto de uma censura: ela é sim, uma qualificação
subjetiva, mas deve ser relacionada com uma ação a fim de interpretar de
forma retributiva a própria ação (...). Ora, capacidade de delinqüir não é
senão um sinônimo da personalidade moral do réu, no sentido de que a
culpabilidade pela ação assume grau mais ou menos intenso desde que
maior ou menor a ‘perversidade’ moral do sujeito agente”
37
.
1.2.4 - Culpabilidade e periculosidade
de ser identificado um aspecto de conflito ou contrariedade
entre culpabilidade e periculosidade, principalmente, quando diante da
concepção normativa da culpabilidade. Mas onde se encontra, exatamente,
este conflito? Pode-se afirmar que, em função do aspecto de valoração
(FRANK) atribuído à culpabilidade normativa, é que surge a contrariedade
com a periculosidade, pois, esta tem finalidades diversas da primeira,
podendo-se vislumbrar o caso concreto de se constatar um vínculo efetivo e
37
Op. cit., p. 32-4
36
real na personalidade criminológica do agente que o leve de forma irrefutável
à ação.
Diante deste aspecto valorativo fornecido à culpabilidade
normativa, com um elemento ético e social como imperativo para uma
reprovação, requerendo a presença de um elemento subjetivo, seja de
cunho perverso ou anti-social, para se falar em culpabilidade do agente, é
que se diz “entre culpa normativa e periculosidade não portanto nexo
algum, mas antes contradição: uma coisa é julgar um fato merecedor de
censura porque fruto de uma motivação que podia ser evitada, outra coisa é
dizer que um individuo podeno futuro vir a cometer crimes ulteriores. Se
os dois juízos devem ser igualmente circunstanciados, para aderir à
realidade ética e naturalística, a individualização é para fins tolo coelo
diversos: num a reprovação’ importa em retribuição e portanto em pena, no
outro a previsão do dano postula uma medida preventiva. Também a
capacidade de delinqüir, como critério de medida de culpabilidade, não tem
a ver com a periculosidade: uma é um juízo ético, a outra um juízo
naturalístico. A primeira diagnostica para fins retributivos, a segunda
prognostica para fins preventivo”
38
Portanto, vislumbra-se na lição de BETTIOL, o núcleo de conflito
e contrariedade entre culpabilidade e periculosidade, pois, enquanto uma se
trata de juízo ético a outra se refere a um juízo naturalístico. Daí o autor
elaborar sua diferenciação definitiva no campo da possibilidade e da
probabilidade. A primeira dirigida a todos, e a segunda, apenas a alguns.
No entanto, se a periculosidade não enseja uma desaprovação
ou reprovação por parte da ordem jurídica, pois, não chega a ofender o
elemento ético e social, o que é a periculosidade? Utilizando-se dos
ensinamentos PETROCELLI para a construção de um conceito de
periculosidade, BETTIOL vai dizer que é considerada como o complexo de
condições, subjetivas e objetivas, sob cuja ação é provável que um indivíduo
cometa um fato socialmente lesivo ou perigoso” Continua o autor “a
periculosidade é destarte uma qualidade pessoal de um indivíduo enquanto
38
BETTIOL, Giuseppe, op. cit., p. 36-7
37
causa provável de crimes e a providência que se deve aplicar para eliminá-la
é a medida de segurança”
39
.
Daí a discussão em torno da sua antijuridicidade. Porque (a
priori) não estar diante de uma violação da norma jurídica, provocaria a
dispensabilidade de um exame do direito objeto, uma vez que a constatação
da ilicitude é apontada quando do cometimento de uma ação que colida com
os ditames da norma jurídica, portanto, através da ação é que o homem
realiza o vínculo de conflito existente entre a sua vontade de ação e as
determinações da norma jurídica, surgindo então o juízo de desaprovação
pelo ato lesivo e de reprovação pela ação culposa.
A solução é encontrada no momento tanto da culpabilidade
quanto da periculosidade, que são totalmente distintos. Pois, enquanto a
primeira enseja a retribuição, a segunda obriga a prevenção. “Logicamente
tudo que é predisposto por medidas de caráter preventivo não pode ser
suscetível de um juízo de antijuridicidade, porque a antijuridicidade reivindica
necessariamente a idéia de reação peculiar a qual medida repressiva”
40
.
São estas, portanto, algumas ponderações a respeito da
culpabilidade.
1.2.5 – Concepção da culpabilidade na doutrina finalista
No sistema da teoria finalista, criada por WELZEL, o crime é compreendido, assim como nos demais
sistemas, como uma ação típica, antijurídica ou ilícita e culpável, todavia, analiticamente esta estrutura foi modificada pelo
finalismo.
WELZEL inicia seu estudo asseverando que a ação humana é
exercício de uma atividade final, isto é, “a atividade final é uma atividade
dirigida conscientemente em razão de um fim, enquanto o acontecer causal
39
Idem, p. 38
40
Idem, p. 39
38
não está dirigido em razão de um fim, mas é a resultante causal da
constelação de causas existentes em cada momento. A finalidade é, por isso
– dito de forma gráfica – “vidente”, e a causalidade, “cega”.
41
Mais à frente, o jurista alemão explica que uma ação converte-se em delito se infringe a ordem da
comunidade de um modo previsto em um dos tipos legais e pode ser reprovável ao autor no conceito de culpabilidade. A ação
tem que infringir, por conseguinte, de um modo determinado a ordem da comunidade, isto é, tem que ser típica e antijurídica,
além disso, reprovável ao autor como pessoa responsável, portanto, tem que ser culpável.
Desta forma, no entendimento deste doutrinador, a tipicidade, a
antijuridicidade e a culpabilidade são os três elementos que convertem a
ação em delito. A culpabilidade a responsabilidade pessoal pelo fato
antijurídico pressupõe a antijuridicidade do fato, do mesmo modo que a
antijuridicidade tem que estar, por sua vez, concretizada nos tipos legais. A
tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade estão vinculadas logicamente
de tal modo que cada elemento posterior do delito pressupõe o anterior.
42
Assim, o tipo – tanto quando está descrito na lei de modo
exaustivo, como quando deve ser complementado pelo juiz nos tipos abertos
é o conteúdo das normas proibitivas do Direito Penal, sendo uma figura
conceitual que descreve formas possíveis de conduta humana.
Entretanto, toda realização do tipo de uma norma proibitiva é
contrária à norma, mas não é sempre antijurídico, pois o ordenamento
jurídico não se compõe apenas de normas, mas também, de preceitos
permissivos. Nesse caso a realização do tipo de uma norma proibitiva é
jurídica. Antijuridicidade é, pois, no entendimento de WELZEL, ”a
contradição da realização de um tipo com o ordenamento jurídico em seu
conjunto, não apenas com uma norma isolada”
43
.
41
Idem, p. 27
42
Ibidem, p. 47
43
Ibidem, p. 51.
39
Desta forma, a antijuridicidade é sempre a contradição entre
uma conduta real e o ordenamento jurídico. Não o tipo como figura
conceitual, mas tão somente sua realização antijurídica. Não tipos
antijurídicos, mas apenas realizações antijurídicas do tipo.
culpabilidade é a reprovabilidade da resolução de vontade.
O autor teria podido adotar, em vez da resolução de vontade antijurídica,
uma resolução de vontade conforme a norma. Toda culpabilidade é,
portanto, culpabilidade de vontade, pressupondo que o autor tenha podido
adotar uma resolução de vontade antijurídica de modo mais correto, ou seja,
conforme a norma, e isso não no sentido abstrato de um homem qualquer no
lugar do autor, mas no sentido concreto de que esse homem, nessa
situação, teria podido adotar uma resolução de vontade de acordo com a
norma.
44
Portanto, o pressuposto existencial do juízo de reprovação é a possibilidade de autodeterminação do agente no
sentido de poder atender ao dever jurídico imposto pela norma, onde essa possibilidade é representada pela capacidade abstrata
de culpabilidade, isto é, a imputabilidade.
Conseqüentemente, a principal atitude da teoria finalista foi a transformação do conceito de dolo, que
perdeu um de seus elementos constitutivos, qual seja, a consciência da antijuridicidade do fato e foi deslocado para o tipo penal,
causando, de um lado, a subjetivização do injusto e, de outro, a dessubjetivização e normatização da culpabilidade.
Despida do elemento subjetivo e psicológico do delito, a culpabilidade aparece constituída por três
elementos ou pressupostos, segundo a teoria finalista:
a) imputabilidade;
b) possibilidade de conhecimento da antijuridicidade;
c) exigibilidade de uma conduta conforme a norma.
Como dito, para WELZEL, a culpabilidade fundamenta a reprovação social contra o autor, no sentido de que não
omite a ação antijurídica quando podia fazê-lo. A conduta do autor não é conforme as exigências do dever-ser do direito, apesar
de ter ele podido observar tais exigências, ou seja, motivar-se conforme a norma. WELZEL coloca ainda, que o objeto primário
da reprovação da culpabilidade é a vontade, justamente porque é por meio da vontade que o autor pode dirigir sua conduta
conforme a norma. Culpável é portanto não só a ação, mas também a vontade de ação. Somente pode ser reprovável aquilo que
o homem pode fazer voluntariamente. Por fundar a culpabilidade na vontade individual WELZEL entende que a pessoa jurídica
não pode ser considerada culpada, por não ter vontade.
45
44
WELZEL, p. 93
45
Ibidem, p. 109.
40
Entretanto, a teoria finalista da ação não passou imune a críticas e sugestões.
ROXIN
46
, sustenta que a dogmática penal somente trata de estabelecer em quais condições e em que
medida alguém pode ser considerado responsável por um ato socialmente danoso, de modo a dar lugar a alguma das sanções
deste âmbito jurídico.
Nas palavras do mestre alemão:
“A conhecida controvérsia, sobre se o dolo “pertence” ao tipo ou à culpabilidade,
é, portanto, um problema aparente. O dolo é essencial para o tipo, pois sem ele a
descrição legal do delito não poderia ser determinada como exige o Estado de
Direito; mas ele também é relevante sob o aspecto da culpabilidade, porque tem a
função de distinguir a forma mais grave de culpabilidade da mais leve (a
negligência), devendo ser formulado também levando-se em conta os princípios
valorativos desta categoria do delito.”
47
Assim, a culpabilidade no sentido do direito penal é a realização do injusto apesar da capacidade de
reação normativa e da faculdade de conduzir-se dali derivada, sendo certo que a concessão recíproca de liberdade de decisão
domina não somente o ordenamento jurídico, mas também a vida social e privada das pessoas.
Na tentativa de superação da polêmica dogmática, ROXIN reformula o conceito analítico de delito,
particularmente na culpabilidade, isto porque introduz a responsabilidade como conceito reitor, dele fazendo parte a
culpabilidade e a necessidade preventiva de pena.
Conclui ROXIN dizendo que as transformações da política criminal e de nossa consciência metodológica
ocorridas nos últimos anos precisam transformar consigo o sistema penal, se ele quiser manter sua capacidade de rendimento,
de forma que, neste campo, estamos sempre outra vez no começo.
48
Por sua vez, CONDE
49
descarta o conceito tradicional de culpabilidade, como produto de uma ideologia
individualista predominante.
Continuando, o jurista espanhol explica que não há culpabilidade em si, mas culpabilidade em relação aos demais,
isto é, a culpabilidade não é um fenômeno individual, mas social. Não é uma qualidade da ação, mas uma característica que se
lhe atribui para poder imputá-la a alguém como seu autor e lhe fazer responder por ela. Portanto, tem um aspecto social, sendo
produto da correlação de forças sociais existentes em um determinado momento histórico, que define os limites do culpável e
do não culpável, da liberdade e da não liberdade. Conseqüentemente, antes que psicológico, o conceito da culpabilidade tem
fundamento social.
46
Política Criminal e Sistema Jurídico-Penal, p. 67
47
Ibidem, p. 87
48
Ibidem, p. 88
49
Idem, p. 126
41
Desta forma, a ordem jurídica é que tem determinado certos desenvolvimentos no indivíduo, e sobre essa
base é que a norma estabelece sua conduta.
Além disso, SOLER percebeu a confusão entre o plano fático e o normativo que existe na teoria finalista:
“Me parece que a concepção pode preceder dessa forma e colocar o dolo, a culpa
e as circunstâncias, dentro do mesmo nível, para definir logo a culpabilidade como
reprovabilidade, porque previamente deu àqueles elementos um sentido puramente
psíquico e fático, neutro de valor. Como se disséssemos que em vez de incorrer em
psicologismo ao final, incorreu nele ao início da construção. Nesse ponto é
evidente que o gênio da língua jogou alguma treta. Se os latinos em vez de falar de
“dolo” falassem, como se fazia antes, de “intenção”, possivelmente teríamos
seguido caminhos semelhantes aos dos alemães. Estes podem tomar a expressão
Vorsatz em um sentido puramente psíquico equivalente ao que nós damos à palavra
“intenção”. “Intenção” é também um fato, um puro fato psíquico incolor. Quando
os alemães falam de um conceito “natural” de Vorsatz, entram em um desvio cheio
de complicações e equívocos. Tão somente a apresentação desta colocação traz
implícito um erro gnoselógico pouco explicável, ao supor que a teoria jurídica
maneja duas “classes” de conceitos: uma composta de conceitos jurídicos e outra
de conceitos naturais.”
50
O mais grave, porém, foi o desvio ideológico no sentido autoritário, decorrente da subjetivação do injusto,
com a decorrente valorização da ação em si mesma e desvalorização de seu resultado. Nesse diapasão, JUAREZ TAVARES
explica que:
“O finalismo inova em dois aspectos substanciais. Em primeiro lugar subordina
toda a estrutura do injusto ao conceito final da ação, que não é um conceito
normativo, mas um conceito antológico, quer dizer, anterior a qualquer
formulação e cujo elemento essencial – a finalidade – fora descoberto como uma
verdade incontestável. Segundo este conceito, o legislador deve submeter seus
projetos aos esquemas da ação final, que não podem ser modificados por sua
vontade ou conforme seus interesses. Este conceito, inclusive, vale não apenas para
o direito, mas para todas as ciências do comportamento. Em segundo lugar, no
campo político confere à norma penal a função primária de proteção de valores
ético-sociais. Com isso, em vez do resultado, elege o sentido da própria ação como
o elemento essencial da configuração do injusto. Mediante um raciocínio refinado
e sedutor, foi fácil demonstrar a função no injusto de uma valoração incidente
sobre o sentido da ação e não sobre o resultado, como decorrência da elaboração
de uma teoria subjetiva do injusto que, contrariamente a qualquer outra, é lançada
com o epíteto de definitiva. Quem não se ajustasse aos seus parâmetros estaria
decididamente condenado ao inferno, porque estaria contrariando a ordem natural
das coisas.”
51
Além disso, a maior crítica que se costuma fazer ao finalismo é não conseguir explicar o crime culposo,
cuja conduta é despida de qualquer sentido finalístico. Neste ponto, perfeitamente válida a observação de Aníbal Bruno:
“Se finalidade é dolosidade e o dolo é, portanto, elemento da ação, o crime
culposo, onde não há ação dirigida ao fim punível, fica fora desse conceito. Na
culpa, há um simples acontecer causal, em que o resultado típico não pertence,
como fim visado, ao querer do agente. A vontade que orienta o comportamento do
sujeito não se dirige ao acontecer.”
52
50
SOLER, Sebástian. Derecho Penal Argentino, p. 22
51
Teoria do injusto penal, p. 152.
52
Direito Penal, p. 290
42
É claro que WELZEL tentou explicar o crime culposo, dentro da teoria finalista da ação, com o
argumento de que o resultado seria evitável mediante uma ação dirigida a um fim; todavia, este caminho serve apenas para
fundamentar a reprovabilidade da conduta, mas não para incluir essa conduta culposa dentro do conceito finalista.
Por fim, observa-se que há uma incongruência na teoria finalista da ação, quando esta assevera que a
culpabilidade é um juízo de reprovação que, necessariamente, precisa de uma análise do elemento intencional do delito para
possibilitar a sua graduação, porém, não está elencado nos seus elementos esta subjetivização.
Na verdade, a partir do momento da transferência do dolo para o tipo penal, como dito alhures, a
culpabilidade passou a ser mais normativa do que psicológica, porém, como fonte para graduar e delimitar a reprovação penal,
necessariamente, ela precisa de um critério subjetivo; aliás, neste ponto, pode ser observado o Código Penal Brasileiro, no
artigo 59, quando exige que o Juiz verifique a culpabilidade do agente para estabelecer a pena que seja necessária e suficiente
para reprovação e prevenção do crime.
Portanto, a teoria finalista da ação não poupou esforços na busca de uma construção estritamente
normativa da culpabilidade, com a intenção de criar um conceito de culpabilidade como juízo de reprovação dirigido ao autor
por não haver obrado de acordo com o Direito, quando lhe era exigível uma conduta em tal sentido; porém, esta teoria ainda
contém alguns equívocos conceituais que merecem revisão.
1.2.5.1 – Elementos da culpabilidade, segundo a doutrina finalista
Como mencionado, o finalismo desloca o dolo e culpa para o
injusto, retirando-os de sua tradicional localização, a culpabilidade, com o
que a finalidade é levada ao centro do injusto. Assim, na culpabilidade
concentram-se somente aquelas circunstâncias que condicionam a
reprovabilidade da conduta contrária ao direito, e o objeto da reprovação
repousa no injusto.
53
Neste sentido, a teoria finalista da ação aponta três elementos
para a culpabilidade:
Primeiramente, a imputabilidade, derivada da palavra do latim
imputare, tem o sentido de atribuir responsabilidade a alguém, ou nas
palavras de MANZINI:
53
BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal, p. 348.
43
“Cuando en concreto concurran las condiciones
necesarias para la “imputabilidad de la violación
de un precepto penal, se tiene, como
consecuencia normal, la “responsabilidad” de
derecho penal en el autor de la violación misma.
Esta responsabilidad consiste en la atribuición de
la pena o de las penas principales y de las
eventuales penas acessorias a aquel que ha
resultado imputable (culpable). La
responsabilidad, sin embargo, puede ser
eliminada por circunstancias que se refieram
exclusivamente a ella, desejando ideológicamente
inalterada la imputabilidad del hecho, esto es, sin
tocar aquello que basta para concretar el
elemento material o psíquico del delito.”
54
A evolução da imputabilidade penal acompanha, de certa
forma, a própria história da responsabilidade, onde, no passado, até os
doentes mentais respondiam pelo delito, sendo certo que, atualmente, este
fato é afastado pelo direito penal.
De certo modo, a culpabilidade na visão da teoria finalista tem como base a capacidade de livre
autodeterminação de acordo com o sentido do autor, isto é, o poder ou faculdade de atuar de modo distinto de como atuou.
Desta forma, a primeira questão que envolve esta posição é se o agente, no momento da prática do delito,
tinha a capacidade de culpabilidade, isto é, a imputabilidade.
Ademais, para que uma ação contrária ao direito possa ser reprovada ao autor, será necessário que
conheça ou possa conhecer as circunstâncias que pertencem ao tipo e ilicitude, sob pena de excluir a reprovabilidade, quando
inevitável ou sendo atenuante quando evitável, portanto o segundo elemento da culpabilidade é a potencial consciência da
ilicitude.
É claro que o ordenamento jurídico prega que a ninguém é permitido ignorar a lei, todavia, nos tempos
modernos essa regra foi abrandada em homenagem ao princípio da responsabilidade subjetiva e da exigência de culpabilidade.
Por último, além dos requisitos acima mencionados, deverá ser analisado se o agente tomou uma
resolução de acordo com a exigência da norma penal, pois, em algumas situações não é exigida uma conduta adequada ao
direito, ainda que se trate de sujeito imputável e que realize dita conduta com conhecimento da antijuridicidade que lhe é
própria, isto é, a inexigibilidade de conduta diversa.
54
MANZINI, Vincenzo. Tratado de Derecho Penal, p. 153.
44
Todavia, dentro do sistema penal brasileiro, existem causas que excluem a culpabilidade,
conseqüentemente, isentando o agente da reprovação penal.
Inicialmente deve ser observado que a imputabilidade é definida de forma negativa, por exclusão, assim, serão
imputáveis aquelas pessoas que não são consideradas inimputáveis pela legislação.
No artigo 26, do Código Penal Brasileiro, estão sendo definidos os casos de inimputabilidade total ou parcial
decorrentes de doença ou perturbação de saúde mental.
Para definir a inimputabilidade do agente no caso de doença ou perturbação mental, existem três sistemas
ou critério. O biológico é calcado exclusivamente no estado mental do agente, independentemente de se perquirir se, no
momento do crime, tinha ele ou não capacidade de entendimento e vontade. Além deste, existe o sistema psicológico que não
indaga se há uma perturbação mental mórbida, declarando a irresponsabilidade se, ao tempo do crime, estava abolida no agente,
seja qual for a causa, a faculdade de apreciar a criminalidade do fato e de determinar-se de acordo com essa apreciação.
Finalmente, o sistema biopsicológico, adotado pelo nosso código penal, é a reunião dos dois primeiros, isto é, a
responsabilidade só é excluída se o agente, em razão de enfermidade ou retardamento mental, era, no momento da ação, incapaz
de entender o caráter ilícito e de autodeterminar-se.
Assim, para que o agente de um crime seja dotado de imputabilidade, deverá estar no gozo de certas
faculdades intelectivas e de determinado grau de saúde mental, à época do fato.
Entretanto, além da capacidade mental, o agente, para ser considerado responsável criminalmente e sofrer
uma punição, deverá possuir na época do fato a idade maior que dezoito anos, de acordo com o artigo 27, do Código Penal
Brasileiro, sob pena de ser considerado inimputável.
Razões de política criminal levaram o legislador brasileiro a optar pela presunção absoluta de
inimputabilidade do menor de dezoito anos, como, aliás, está demonstrada na exposição de motivos do Código Penal atual.
Outro fato que poderá levar à exclusão da culpabilidade é a prática do delito em razão de coação
irresistível ou à obediência hierárquica, mencionados no artigo 22 do diploma penal.
Observe-se, porém, que a coação que exclui a culpabilidade não se confunde com o estado de
necessidade, excludente da antijuridicidade. Neste, há um comportamento típico, praticado para a salvação de direito próprio ou
alheio, enquanto que, na coação, há uma pessoa (o coator) que obriga outra (o coato) a realizar um fato típico e antijurídico.
Sendo ilícita a conduta do coator, a do coato não deixa também de ser antijurídica, mas, como não age livremente, não enseja a
reprovabilidade social (culpabilidade).
Já na obediência hierárquica, a ordem deve ser ilegal, mas não manifestamente ilegal, não flagrantemente
ilegal. Na verdade, quando a ordem for ilegal, mas não manifestamente, o subordinado que a cumpre não agirá com
culpabilidade, por ter avaliado incorretamente a ordem recebida, incorrendo no erro de proibição. Entretanto, quando cumpre
ordem manifestamente ilegal, tanto o superior hierárquico quanto o subordinado são puníveis. O subordinado não tem a
45
obrigação de cumprir ordens ilegais, mas tem a obrigação de cumprir ordens inconvenientes, inoportunas, mas não ilegais. Não
tem o direito, como subordinado, de discutir a oportunidade e conveniência de uma ordem, mas se for ilegal tem o dever de
apontá-la e negar-se a cumprí-la.
Também pode ser apontado como excludente da culpabilidade a embriaguez completa proveniente de
caso fortuito e força maior (art. 28, §1°) e o erro de proibição (art. 21, caput), ambos do Código Penal.
No caso da embriaguez, somente poderá ser apontada como excludente da culpabilidade se for completa,
acidental e proveniente de caso fortuito e força maior. Neste ponto devem ser questionados os postulados da actio libera in
causa, com a determinação mencionada no artigo 28, II, do Código Penal.
Os elementos decisivos para o estabelecimento da imputabilidade, nos termos do artigo 28, II, são os
processos psicológicos existentes no momento da prática do fato, assim, para que haja responsabilidade penal no caso da actio
libera in causa, é necessário que no instante da imputabilidade o sujeito tenha querido o resultado, ou assumido o risco de
produzi-lo. Na hipótese de imprevisibilidade, não há que falar-se em responsabilidade penal ou em aplicação desta teoria, assim
o Código Penal admite a responsabilidade penal objetiva neste aspecto.
Portanto, criada para analisar as ações livres na causa, essa teoria ainda configura resquício da
responsabilidade objetiva em nosso sistema penal, sendo admitida excepcionalmente quando for de todo necessário para não
deixar o bem jurídico sem proteção, segundo parte da doutrina. Todavia Damásio E. de Jesus afasta completamente a utilização
desta teoria do sistema penal brasileiro, asseverando que não é mais possível a responsabilidade penal objetiva diante do
princípio constitucional do estado de inocência
55
.
Também, a errada compreensão de uma determinada regra legal pode levar o agente a imaginar que certa conduta
injusta seja justa, lícita uma conduta ilícita, nesse caso, surge o erro de proibição, diferentemente do erro de tipo, onde o agente
tem uma visão distorcida da realidade, não vislumbrando na situação que se lhe apresenta a existência de fatos descritos no tipo
como elementares ou circunstâncias.
Por fim, embora não previstas em lei, existem causas
supralegais de exclusão da exigibilidade de conduta diversa, que levam à
exclusão da culpabilidade, muito embora parte da doutrina e jurisprudência
não reconheçam esta possibilidade.
Neste diapasão, Francisco de Assis Toledo
56
, assevera que a
inexigibilidade é um verdadeiro princípio do direito penal, acentuando que
inexiste razão para o temor que muitos demonstram na aceitação da tese,
55
Direito Penal, p. 513.
56
Op. cit. P. 329.
46
posto que o juízo de reprovação compete ao juiz do processo e a ninguém
mais.
Destarte, em apertada síntese, estes são os elementos da
culpabilidade, segundo a teoria finalista da ação.
Capítulo II
A Culpabilidade no Brasil
2.1- Evolução doutrinária
A discussão ocorrida na doutrina estrangeira a respeito das
concepções psicológica e normativa também atingiu os juristas nacionais,
que buscavam suporte neles quanto à estruturação e desenvolvimento da
teoria da culpabilidade.
Pela primeira corrente, a culpabilidade era uma ligação de
natureza psicológica que havia entre a conduta e o resultado, assim como a
relação física era a causalidade. O injusto se ocupava, pois, dessa relação
física, enquanto à culpabilidade cabia a missão de tratar da relação
psíquica
57
.
Por sua vez, “a chamada concepção normativa da culpabilidade
de que é um reflexo à inserção do elemento valorativo na noção do dolo,
floresceu na Alemanha, a partir de 1907, com aprofundado estudo de
REINHARD FRANK, seguido por GOLDSCHMIDT, FREUDENTHAL,
MEZGER e outros. O cleo comum da teoria reside em que a culpabilidade
não é mero fato psicológico intelectual-volutivo, mas um juízo valorativo.
Efetuado por quem? Pelo próprio agente (normativismo subjetivo), ou por
quem julga a conduta, considerando-a ou não como um processo censurável
do autor, que se colocou ou não em contrariedade à norma (normativismo
objetivo).”
58
A concepção psicológica acabou por fundir-se com a
normativa, completando uma a outra. Desse modo, o elemento psicológico-
normativo da culpabilidade passou a integrar-se de consciência e vontade,
rumo a um fim previamente desejado, que se sabe injusto. Não se trata de
57
ZAFFARONI, Raul Eugênio. Manual de Derecho Penal, p. 513
58
GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal, p. 251.
48
um entendimento e uma vontade potencial ou estática, como na
imputabilidade, mas de um processo dinâmico, in fieri
59
Na verdade, “a culpabilidade, portanto, não tem por base
puramente o vínculo psíquico que prende o agente ao seu ato, mas resulta
de um conjunto de condições, entre as quais aquele vínculo psicológico, que
justificam a reprovação. Os que pretendem expurgar o conceito de
culpabilidade de todo elemento psicológico, na realidade esvaziam o
conceito de uma parte de seu conteúdo. A culpabilidade não é
psicológica, mas também não pode ser exclusivamente normativa. Na
realidade, situação de fato, situação do próprio agente, em si mesma
reprovável, que provoca o juízo de reprovação e que através desse juízo
penetra, como elemento do crime, com o sentido de culpabilidade, no
domínio do Direito Penal”
60
.
Em sua redação original, o Código Penal adotou a concepção
psicológica-normativa da culpabilidade, como assevera ARIEL DOTTI
61
,
fundamentando seu argumento no item 13 da exposição de motivos do
mencionado diploma.
Mas, pela teoria finalista, o dolo e a culpa são deslocados para
o tipo, com o que a finalidade é levada ao centro do injusto, desta forma, na
culpabilidade somente subsistem circunstâncias que condicionam a
reprovabilidade da conduta contrária à ordem jurídica.
Destarte, a doutrina brasileira encara a culpabilidade, com a
adoção do finalismo, extraindo dela todos os elementos subjetivos que a
integravam, tornando-a puramente normativa.
Como pondera TOLEDO, a conseqüente lógica da adoção da
teoria normativa-pura foi à localização do dolo e da culpa no tipo legal de
crime, pois, se este é a descrição da ação proibida, e se o dolo e a culpa
59
COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal, Vol. I, p. 84.
60
BRUNO, Aníbal. Direito Penal – Parte Geral, p. 31.
61
DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal – Parte Geral, p. 345.
49
pertencem à ação, não se pode deixar de situar no tipo todos os elementos
estruturais da ação
62
.
Na verdade, a culpabilidade é um juízo de valor, uma censura,
que se faz do agente que pratica uma conduta criminosa.
Desta forma, a maioria dos juristas brasileiros adota esta
posição, e entre eles, podemos apontar os seguintes:
Segundo Miguel Reale Jr, “a culpabilidade é, a nosso ver, um
puro juízo de valor que incide sobre a formação do querer do
comportamento. Dolo e culpa são incompatíveis com um juízo de “dever-ser”
expresso pelas teorias ora criticadas, cuja incongruência está em reuni-los
sob um mesmo conceito. Dolo e culpa não são elementos ou condições de
culpabilidade, mas o objeto sobre o qual ela incide.”
63
Por sua vez, TOLEDO explica que a culpabilidade é o terceiro
elemento do conceito jurídico do crime, devendo ser entendida como
exigência de um juízo de reprovação jurídica que se apóia sobre a crença de
que ao homem é dada a possibilidade de, em certas circunstâncias, agir de
outro modo. A não-utilização dessa faculdade, quando da prática do ilícito
penal, autoriza aquela reprovação. A noção de culpabilidade está, pois,
estreitamente vinculada à de evitabilidade da conduta ilícita, uma vez que
se pode emitir um juízo de reprovação ao agente que não tenha evitado o
fato incriminado quando lhe era possível fazê-lo
64
.
René Ariel Dotti
65
, conceitua a culpabilidade como sendo a
reprovabilidade pela formação da vontade, em outras palavras, é a
reprovabilidade de um fato típico e ilícito, quando o autor, na situação
concreta, podia sujeitar-se aos comandos e às proibições do direito.
Por fim, José Frederico Marques
66
, assevera que a
culpabilidade traduz a relação do ato ilícito com o homem: pode haver fato
típico não punível, apesar de antijurídico, se não existir culpa em sentido
62
Op. Cit. p. 228
63
Teoria do Delito, p. 146.
64
Idem, p. 87.
65
Curso de Direito Penal, p. 335.
66
Tratado de Direito Penal, p. 10
50
lato, de quem o praticou. Não se deve, assim, atribuir esse fato típico e
antijurídico ao agente do ato ilícito quando há ausência de culpabilidade.
Outra discussão que ocorre na doutrina brasileira é se a
culpabilidade é elemento da teoria do crime ou somente pressuposto para
aplicação da pena.
Citando René Ariel Dotti, Damásio E. de Jesus assevera que a
culpabilidade é um dos pressupostos e não requisito ou elemento do crime,
principalmente, em razão da sanção penal ser imposta quando houver um
juízo de reprovação que recai sobre um comportamento passado
67
.
Argumenta que quando o Código Penal trata de causa excludente da
ilicitude, emprega expressões como “não crime”, “não constitui crime”,
porém, quando cuida das causas excludentes de culpabilidade, utiliza
expressões como “é isento de pena”.
Destarte, para que exista crime são necessários dois requisitos:
fato típico e antijuridicidade. A culpabilidade liga o agente à punibilidade, ou
seja, a pena é ligada ao agente pelo juízo da culpabilidade. Esta posição
também é adotada por MIRABETE
68
.
Por outro lado, BITENCOURT não compartilha da mesma idéia,
anotando que a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade são
predicados de um substantivo, que é a conduta humana definida como
crime.
69
Este pensamento é reforçado por FRAGOSO
70
, ao asseverar
que a expressão “elemento” é inadequada, pois idéia de partes simples
de um composto, logo depois conceitua crime como ação ou omissão típica,
antijurídica e culpável.
Na verdade, dizer que a culpabilidade não integra o conceito de
delito é asseverar que o crime não pressupõe censura, possibilitando o
inconveniente de se imputar uma prática criminosa ao agente, cuja
67
Idem, p. 457.
68
Manual de Direito Penal, p. 98.
69
Tratado de Direito Penal, p. 331.
70
Lições de Direito Penal, p. 150.
51
respectiva conduta não é censura pelo ordenamento jurídico. Ou melhor,
separar a culpabilidade da referência obrigatória à estrutura do crime é
esvaziar o conceito de ilícito criminal, sendo certo que as expressões
utilizadas pelo Código Penal, acima mencionadas, não podem ser utilizadas
como fonte desta divisão.
Neste sentido, José Frederico Marques
71
destaca:
“Não resta dúvida de que o crime é, em si, fato
jurídico uno, como proclamam os sequazes do
unitarismo. Isso, todavia, não significa que, para
uma tarefa eficiente de pesquisa, e para melhor
aplicação dos cânomes legais, a análise não se
torne necessária, e dela resulte a decomposição
do conceito nos seus elementos essenciais e
fundamentais. o irracionalismo de concepções
instuicionistas pode prescindir desse trabalho
analítico, no qual os elementos estruturais do
instituto jurídico sejam separadamente estudados,
para que se realize uma decomposição do todo,
que possibilite um conhecimento mais perfeito dos
fenômenos jurídicos-penais, e uma aplicação mais
segura, justa e acertada das normas que
disciplinam o crime.”
Esta posição também é defendida, entre outros, por E.
Magalhães Noronha
72
, Francisco de Assis Toledo
73
, Eugenio Raúl Zaffaroni
e José Henrique Pierangeli
74
.
Assim, no conceito dogmático, a ação humana, para ser
criminosa, de corresponder objetivamente à conduta descrita na lei,
contrariando a ordem jurídica e incorrendo seu autor no juízo de censura ou
reprovação social, e, considera-se delito como ação típica, antijurídica e
culpável, pois ele não existe sem uma ação ou omissão, a qual se deve
ajustar à figura descrita na lei, opor-se ao direito e ser atribuível ao indivíduo
através de um juízo de reprovação.
71
Op. cit. p.13.
72
Direito Penal, p. 97.
73
Op. cit. p. 80.
74
Manual de Direito Penal Brasileiro, p. 390.
52
2.2 – Evolução legislativa
Agora, se faz necessária a análise da evolução legislativa da
culpabilidade no Brasil, do ponto de vista das Constituições Federais e dos
Códigos Penais, uma vez que a evolução doutrinária foi abordada em
tópico próprio.
2.2.1 – Do fundamento constitucional
A origem dos princípios do direito penal está na Constituição
Federal, como sendo o norte para todas as legislações infraconstitucionais.
Neste ponto, manteve-se tradição nascida com a Constituição do Império, de
1824. Alguns constavam das Bases da Constituição Política da Monarquia
de 1821. As Constituições seguintes dispuseram no mesmo sentido.
75
Na verdade, a relação do direito penal com o direito
constitucional deve ser sempre muito estreita, pois o estatuto político da
Nação que é a Constituição Federal constitui a primeira manifestação
legal da política penal, dentro de cujo âmbito deve enquadrar-se a legislação
penal propriamente dita, em face do princípio da supremacia
constitucional.
76
Ou, nos dizeres de CERNICCHIARO:
“como se expressou o doutor Professor José Frederico Marques, na aula inaugural
proferida na Faculdade de Direito de Curitiba, em 1958, “a Constituição de um
país – segundo exprimia PELEGRINO ROSSI – é a tête de chapire de todas as
75
CERNICCHIARO, Luiz Vicente e COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito Penal na Constituição,
p. 13.
76
LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Princípios Políticos do Direito Penal, p. 181
53
disciplinas do Direito, visto que traz inscritas, em seus textos e cânones, normas
reguladoras de caráter geral, para os diversos setores da ordem jurídica
Continua o grande jurista:
“nessa interpenetração, ressalta-se o Direito
Penal, um dos mais sensíveis a sofrer os reflexos
de qualquer alteração no Direito Constitucional,
que, por sua vez, recolhe e exprime as marcantes
oscilações políticas. Toda vez que a ordem
política e social sente transformação de estrutura,
modifica-se o Direito Penal. E essa modificação
varia na proporção direta das transformações
políticas. A história de nosso Direito ilustra a
conclusão, em 1830, tínhamos um Código
Penal, conseqüência da emancipação política em
1822; no ano seguinte à proclamação da
República, era sancionado o Código Penal de
1890. Entretanto, apenas em 1850 entrou em
vigor o Código Comercial, e as Ordenações
Filipinas foram mantidas até 1917, data em que o
Código Civil passou a reger as relações jurídicas
de âmbito privado.”
77
Desta forma, como assevera Luiz Regis Prado:
“a Constituição, como marco fundante de todo ordenamento jurídico, irradia sua força normativa para todos os setores do
Direito. Todavia, tem ela particular e definitiva influência na seara penal.
Isso porque cabe ao Direito Penal a proteção de
bens e valores essenciais à livre convivência e ao
desenvolvimento do indivíduo e da sociedade,
insculpidos na Lei Fundamental, em determinada
época e espaço territorial. A relação entre a
Constituição e o subsistema penal é tão estreita
que o bem jurídico-penal tem naquela suas raízes
materiais.
A Constituição, fonte primeira da lei penal,
contempla uma série de normas de Direito
Público, dentre as quais se destacam as
referentes às garantias e direitos individuais.
Essas normas consubstanciam explícita ou
implicitamente princípios basilares do Direito
Penal princípios constitucionais penais -,
próprios do Estado de Direito democrático, que
77
CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Estrutura do Direito Penal, p. 126.
54
impõem limitação infranqueável ao juis puniendi
estatal.”
78
Com efeito, diante do princípio de supremacia da Constituição
na hierarquia das leis, o direito penal deve nela enquadrar-se e, como o
crime é um conflito entre os direitos do indivíduo e a sociedade, é na Carta
Magna que se estabelecem normas específicas para resolvê-lo de acordo
com o sentido político da lei fundamental, exercendo-se, assim, influência
decisiva sobre as normas punitivas
79
.
Desta forma, a Constituição Federal é o norte para toda
disciplina infraconstitucional, ressaltando que os seus princípios irradiam
eficácia e vigência por toda a legislação.
2.2.2. Apontamentos relativos às teorias constitucionalistas do direito
penal
Em um Estado de Direito democrático e social, a tutela penal
não pode ser dissociada do pressuposto do bem jurídico, sendo considerada
legítima, sob a ótica constitucional, quando socialmente necessária.
Na verdade, o conceito de bem jurídico penal florece da própria
sociedade, sendo reconhecido pela lei e na Constituição. Assim, pode-se
deduzir que, enquanto o constituinte busca os bens jurídicos penais na
sociedade, o legislador os retira da Constituição.
80
Ou nas palavras de Luiz Regis Prado:
“O legislador ordinário deve sempre ter em conta
as diretrizes contidas na Constituição e os valores
nela consagrados para definir os bens jurídicos,
78
Curso de Direito Penal, p. 59
79
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, p. 28
80
PASCHOAL, Janaina Conceição, Constituição, Criminalização e Direito Penal Mínimo, p. 49.
55
em razão do caráter limitativo da tutela penal.
Aliás, o próprio conteúdo liberal do conceito de
bem jurídico exige que sua proteção seja feita
tanto pelo Direito Penal como ante o Direito
Penal.
81
Além dessa relação entre valores sociais e Constituição,
também tem fundamento constitucional o fato de o direito penal atingir, direta
ou indiretamente, a liberdade individual, que tem raiz constitucional, sendo
coerente pretender que o bem, cuja lesão poderia ensejar a máxima
intervenção estatal, possua, igualmente, natureza constitucional.
Assim, se a liberdade é um preceito constitucionalmente
relevante, o bem cujo ferimento pode ensejar a privação da liberdade,
necessariamente, de ter relevância constitucional, isto é, o bem de
merecer tutela penal ou ser digno dela.
Conseqüentemente, a doutrina começa a debater se a
Constituição pode ser considerada como limite negativo ou positivo ao
Direito Penal.
Para os partidários da limitação negativa, o Estado pode
tipificar condutas atentatórias a valores que o tenham sido reconhecidos
pela Constituição, desde que tal criminalização não fira os valores
constitucionais.
Paralelamente à posição da Constituição como limite negativo
ao direito penal, existe a teoria que vê a Constituição como um limite positivo
ao direito penal.
Com efeito, para a máxima intervenção estatal ser admissível,
não basta que a lei penal não entre em conflito com a Constituição, devendo,
necessariamente, recair sobre condutas que firam os valores de relevância
constitucional.
81
Bem Jurídico- Penal e Constituição, p. 67.
56
Porém, independentemente da posição negativa ou positiva, o
que se deve entender é que o direito penal deve estar em consonância com
o texto constitucional, até para limitar o poder punitivo estatal.
2.2.3 - Princípios constitucionais do direito penal
A Constituição Federal brasileira, em seu artigo , caput,
definiu o perfil político-constitucional do Brasil como o de um Estado
Democrático de Direito, significando não apenas que todos devem ser
submissos ao império da lei, mas que as leis possuam conteúdo e
adequação social, descrevendo como infrações penais somente os fatos que
realmente colocam em perigo bens jurídicos fundamentais para a sociedade.
Na verdade, os princípios constitucionais e as garantias
individuais devem atuar como balizas para a correta interpretação e a justa
aplicação das normas penais, não se podendo cogitar de uma aplicação
meramente automática dos tipos incriminadores, ditada pela verificação
rudimentar da adequação típica, olvidando-se de qualquer apreciação do
injusto.
Por reflexo, o direito penal de ser legítimo, democrático e
obediente aos prinpios constitucionais que o informam, que atuam como
garantias do cidadão perante o poder punitivo estatal.
Vários são os princípios penais contidos na Carta Magna,
porém, somente alguns serão abordados, em consonância com o tema
deste trabalho:
a) princípio da legalidade ou da reserva legal:
exercendo efetiva limitação
ao poder punitivo estatal, por este princípio a elaboração de normas
incriminadoras é função exclusiva da lei, isto é, nenhum fato pode ser
considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que
57
antes da ocorrência desse fato exista uma lei definindo-o como crime e
cominando-lhe a sanção correspondente.
Este princípio costuma ser enunciado por meio da expressão
latina nullum crimem, nulla poena sine lege, construída por Feuerbach, no
começo do século XIX, difundida pela obra do Marquês de Beccaria, Dos
Delitos e das Penas. Entretanto, este princípio se encontrava na Magna
Charta Libertatum (século XIII), no Bill of Rights das colônias inglesas na
América do Norte e na Déclaration des Droits de l’Homme et du Citoyen, da
Revolução Francesa, de onde se difundiu para os demais países.
82
Considerada a primeira legislação penal genuinamente
brasileira, e seguindo a tendência jurídica da época, o Código Criminal do
Império estabeleceu no seu artigo , que “Não haverá crime ou delicto sem
uma lei anterior que o qualifique.”, princípio que foi mencionado pelas
legislações posteriores.
Assim, seguindo uma orientação mais avançada, a
Constituição brasileira estabelece no seu artigo , inciso XXXIX que “não
haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação
legal”, conteúdo que é repetido no artigo 1° do Código Penal atual.
Ressalte-se que modernamente a doutrina vem apontando
para a existência do princípio da reserva legal, significando que somente a
lei, na sua concepção formal e estrita, emanada e aprovada pelo Poder
Legislativo, por meio de procedimento adequado, pode criar tipos e impor
penas, fato que foi corroborado pela Emenda Constitucional n. 32, que
incluiu no artigo 62, §1°, I, “b” da Constituição Federal a vedação de medidas
provisórias para regulamentar a matéria penal.
Portanto, o princípio da legalidade é hoje universalmente
reconhecido em seu sentido básico de garantia essencial do cidadão em
face do poder punitivo do Estado, determinando com segurança a esfera da
ilicitude penal.
82
TOLEDO, obra citada, p. 22
58
b) princípio da anterioridade da lei: corolário da legalidade, este prinpio
exige que o fato tenha sido cometido depois de a lei entrar em vigor, para
que haja punição.
Na verdade, um dos efeitos decorrentes da anterioridade da lei
penal é a irretroatividade, pela qual a lei penal é editada para o futuro e o
para o passado.
Contudo, a despeito do princípio da irretroatividade, deve ser
lembrado que ele somente vige em relação à lei penal mais severa, sendo
certo que pode ser retroativa a lei mais favorável.
c) princípio do estado de inocência:
previsto no artigo , inciso LVII,
assevera que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado
de sentença penal condenatória”, conseqüentemente, o agente somente
poderá sofrer as agruras da pena, após o trânsito em julgado da sentença.
Na verdade, o Estado, em relação aos suspeitos da prática de
crimes ou contravenções, deverá proceder a sua acusação formal e, no
curso do devido processo, provar a autoria do crime pelo agente.
Por fim, deve ficar consignado que este princípio sofre algumas
limitações, notadamente nas prisões processuais, fato reconhecido pela
jurisprudência
83
.
d) princípio da proporcionalidade: este princípio sempre esteve presente
nos diversos ramos do Direito, seja na aplicação da pena criminal, na noção
de abuso do civilista ou, ainda, como meio de conter a discricionariedade do
poder estatal no âmbito administrativo.
As controvérsias, no ordenamento jurídico brasileiro, acerca de
sua fundamentação constitucional, uma vez que não está expresso no texto
constitucional, muito embora majoritariamente aceito pela doutrina, referem-
se ao questionamento sobre seu caráter de princípio autônomo ou quanto a
sua derivação de outros princípios expressamente consagrados na
83
A Súmula 09 do STJ estabelece que a exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a
garantia constitucional da presunção de inocência.
59
Constituição, entre eles do devido processo legal, da isonomia e
individualização da pena.
Por sua vez, FERRAJOLI explica que o fato de que entre pena
e delito não exista nenhuma relação natural não exime a primeira de ser
adequada ao segundo em alguma medida. Ao contrário, precisamente o
caráter convencional e legal do nexo retributivo que liga a sanção ao ilícito
penal exige que a eleição da qualidade e da quantidade de uma seja
realizada pelo legislador e pelo juiz em relação à natureza e à gravidade do
outro.
84
O certo é, porém, que a jurisprudência brasileira vem aplicando
este princípio em vários ramos do Direito, notadamente na área penal ao
estabelecer a coerência entre a conduta e a sanção criminal.
85
A proporcionalidade, assim, é a exigência de racionalidade, a
determinação de que os atos estatais não sejam desprovidos de um mínimo
de sustentabilidade.
Com efeito, um direito penal democrático não pode conceber
uma incriminação que traga mais temor, mais ônus, mais limitação social do
que benefício à coletividade.
Ou nas palavras de ZAFFARONI e PIERANGELI:
“A coerção penal deve reforçar a segurança
jurídica, mas, quando ultrapassa o limite de
tolerância na ingerência aos bens jurídicos do
infrator, causa mais alarme social do que o
próprio delito.”
86
Ademais, a resposta punitiva estatal ao crime deve guardar
proporção com o mal infligido ao corpo social. Deve ser proporcional à
84
Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal, p. 320.
85
O Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial n. 736432/DF, julgado em 05.12.2005, tendo
como relator o Ministro Arnaldo Esteves Lima, aplicou o princípio da proporcionalidade para adequar
a dosimetria da pena. Este mesmo tribunal, no Habeas Corpus n. 44301/DF, julgado em 28.11.2005,
tendo como relator o Ministro Paulo Medina, possibilitou a progressão de regime, na hipótese de
crime hediondo, tendo como um dos argumentos o princípio da proporcionalidade.
86
Manual de Direito Penal Brasileiro, p. 95.
60
extensão do dano, não se admitindo penas idênticas para crimes de
lesividade distintas, ou para infrações dolosas e culposas.
Assim, desde o Iluminismo procura-se eliminar, dentro do
possível, toda e qualquer intervenção desnecessária do Estado na vida
privada dos cidadãos.
Portanto, com base no princípio da proporcionalidade podemos
afirmar que um sistema penal somente estará justificado quando a soma das
violências crimes, vinganças e punições arbitrárias que ele pode prevenir -
for superior a das violências constituídas pelas penas que cominar. Enfim, é
indispensável que os direitos fundamentais do cidadão sejam considerados
indisponíveis, afastados da livre disposição do Estado, que, além de
respeitá-los, deve garanti-los.
87
e) princípio da intervenção mínima:
antes de se recorrer ao Direito Penal
deve-se esgotar todos os meios extrapenais de controle social.
Desta forma, o princípio da intervenção mínima orienta e limita
o poder incriminador do Estado, entendendo que a criminalização de uma
conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de
determinado bem jurídico, tendo como corolário o princípio da
subsidiariedade.
Por isso, o direito penal deve ser a ultima ratio, isto é, deve
atuar somente quando os demais ramos do Direito revelarem-se incapazes
de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do indivíduo e da própria
sociedade.
Porém, hodiernamente os legisladores contemporâneos têm
abusado da criminalização e da penalização, em franca contradição com o
princípio em exame, levando ao descrédito não apenas o Direito Penal, mas
a sanção criminal, que acaba perdendo força intimidativa diante da “inflação
legislativa”.
87
BITENCOURT, Tratado.., p. 24.
61
f) princípio da insignificância:
cunhado pela primeira vez por Claus
ROXIN, significa que o Direito Penal não deve preocupar-se com bagatelas,
do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que
descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico.
Na verdade, a tipicidade penal exige um mínimo de lesividade
ao bem jurídico protegido, ou melhor, é imperativa uma efetiva
proporcionalidade entre a gravidade da conduta que pretende punir e a
drasticidade da intervenção estatal.
Assim, a irrelevância ou insignificância de determinada conduta
deve ser aferida não apenas em relação à importância do bem juridicamente
atingido, mas notadamente em relação ao grau de sua intensidade.
Isso significa, pois, que o sistema jurídico de considerar a
relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de
direitos do indivíduo somente se justificarão quando estritamente
necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens
jurídicos que lhes sejam essenciais.
Com efeito, segundo a maior parte da doutrina e da
jurisprudência, o princípio da insignificância é vetor interpretativo do tipo
penal, tendo por escopo restrição impeditiva da abrangência de condutas
provocadoras de ínfima lesão ao bem jurídico por ele tutelado.
Neste diapasão, o Ministro Celso de Mello, integrante do
Supremo Tribunal Federal, ao relatar o Habeas Corpus n. 84.412-0, julgado
em 19/10/2004, aplicou o princípio da insignificância e descaracterizou a
tipicidade penal de um delito de furto, imposta a um jovem desempregado,
com apenas 19 anos de idade, onde o objeto furtado foi avaliado em R$
25,00.
Portanto, este princípio tem relevante aplicação dentro do
Direito Penal.
62
g) princípio da humanidade: por este princípio, o Direito Penal não pode
impor penas que criem um impedimento físico permanente (morte,
amputação etc), como também qualquer conseqüência jurídica indelével do
delito.
Toda a conseqüência jurídica de um delito seja ou não uma
pena deve cessar em algum momento, por mais longo que seja o tempo
que deva transcorrer, mas não pode ser perpétua no sentido próprio da
expressão.
Assim, o poder punitivo estatal não pode aplicar sanções que
atinjam a dignidade da pessoa humana ou que lesionem a constituição
físico-psíquica dos condenados, isto é, que atente contra a incolumidade da
pessoa como ser social.
h) princípio da culpabilidade:
segundo este princípio, não crime sem
culpabilidade. Assim, a pena pode ser imposta a quem, agindo com dolo
ou culpa, e merecendo juízo de reprovação, cometeu um fato típico e
antijurídico.
Com efeito, o juízo de reprovabilidade (culpabilidade) elaborado
pelo juiz, recai sobre o sujeito imputável que, podendo agir de maneira
diversa, tinha condições de alcançar o conhecimento da ilicitude do fato.
Assim, o juízo de culpabilidade serve de fundamento e medida da pena,
repudiando a responsabilidade penal objetiva.
É certo que parte da doutrina rechaça o entendimento de que o
princípio da culpabilidade estaria esculpido na Carta Magna, uma vez que
não há menção expressa neste sentido.
Todavia, mesmo não estando expressamente previsto na
Constituição Federal, este princípio está implicitamente elencado, decorrente
de outros princípios, tais como da dignidade da pessoa humana,
63
individualização da pena e outros, sendo abordado, neste sentido por
Damásio E. de Jesus
88
e Luiz Regis Prado, asseverando este último que:
“Igualmente, encontram agasalho constitucional
implícito ou indireto outros princípios também
importantes. Assim, o postulado da culpabilidade,
que rechaça toda e qualquer hipótese de
imposição de pena sem culpabilidade e fixa nesta
última os limites da responsabilidade penal, é
implicitamente acolhido pelo texto constitucional
no artigo 1º, III (dignidade da pessoa humana),
ratificado pelos artigos 4º, II (prevalência dos
direitos humanos), 5º, XLVII (individualização da
pena) e 5º, caput (inviolabilidade do direito à
liberdade), além de vincular-se estreitamente ao
princípio da igualdade (art. 5º, caput)”
89
.
Ressalte-se que o entendimento de que a culpabilidade está
implicitamente acolhida no texto constitucional também é adotado por Cezar
Roberto Bitencourt
90
, Maurício Antônio Ribeiro Lopes
91
e René Ariel Dotti
92
,
quando este último assevera que o princípio da culpabilidade está elencado
no artigo 1º, III, da Carta Magna.
Não se pode olvidar, ainda, que o prinpio da culpabilidade é
uma garantia do cidadão, ou melhor, nas palavras de Cezar Roberto
Bitencourt:
“poderíamos chamar de princípios reguladores do
controle penal princípios constitucionais
fundamentais de garantia do cidadão, ou
simplesmente de Princípios Fundamentais de
Direito Penal de um Estado Social e Democrático
de Direito. Todos esses princípios são de garantia
do cidadão perante o poder punitivo estatal e
estão amparados pelo novo texto constitucional
de 1988 (art. 5º)”
93
.
88
Ibidem, p. 11.
89
Ibidem.
90
Manual de Direito Penal, p. 09
91
Princípios Políticos do Direito Penal, p. 75
92
Curso de Direito Penal, p. 64
93
Tratado de Direito Penal, p. 09.
64
Na verdade, todos esses princípios, hoje insertos, explícita ou
implicitamente, em nossa Constituição (art. 5º), têm a função de orientar o
legislador ordinário para a adoção de um sistema de controle penal voltado
para os direitos humanos, embasado em um direito penal da culpabilidade,
um direito penal mínimo e garantista.”
94
2.2.4 – Da culpabilidade nas Constituições Brasileiras
Como dito alhures, é estreita a ligação do direito penal com a
Constituição Federal, sendo esta a fonte para a tipicidade infraconstitucional.
Assim, é mister a verificação se nas Constituições Brasileiras
houve a menção expressa ou implícita da estipulação da culpabilidade.
A primeira Constituição Federal do Brasil entrou em vigor em
1824, muito embora outorgada, ela marcou o início da institucionalização da
monarquia constitucional e, a partir daí, instituiu os Poderes do Estado,
garantiu os direitos e conteve os abusos.
Não houve menção expressa ao princípio da culpabilidade,
porém algumas normas podem ser interpretadas como tendo o propósito de
limitar a atuação estatal frente ao criminoso.
Assim, no artigo 179, estão contidos os direitos civis e políticos
dos cidadãos. Entre eles podemos citar os incisos:
“I Nenhum cidadão pode ser obrigado a fazer,
ou deixar de fazer alguma cousa, senão em
virtude da Lei;”
“VIII - Ninguém poderá ser preso sem culpa
formada, exceto nos casos declarados na Lei; e
nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da
entrada na prisão, sendo em cidades, vilas ou
povoações próximas aos lugares da residência do
Juiz; e nos lugares remotos dentro de um prazo
razoável, que a Lei marcará, atenta a extensão do
território, o Juiz por uma nota, por ele assinada,
94
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, p. 09.
65
fará constar ao réu o motivo da prisão, os nomes
do seu acusador e os das testemunhas, havendo-
as.”
“XIIII A Lei será igual para todos, quer proteja,
quer castigue, e recompensará em proporção dos
merecimentos de cada um.”
“XXI As cadeias serão seguras, limpas e bem
arejadas, havendo diversas casas para separação
dos réus, conforme suas circunstâncias e
natureza dos seus crimes.”
a Constituição de 24 de fevereiro de 1891 era vazada em 91
artigos e mais oito das Disposições Transitórias e, por isso, caracteriza-se
como a mais concisa das seis Constituições da República, advindas da
primeira Assembléia Constituinte, convocada após a proclamação da
República em 15.11.1889.
Por orientação de Rui Barbosa, nossa Primeira Constituição
Republicana tomou por modelo a Constituição norte-americana, cujos
princípios fundamentais foram adotados pelos constituintes pátrios.
95
Assim, podemos mencionar os seguintes parágrafos do artigo
72 da mencionada Carta Política, que podem ser entendidos em favor do
cidadão e limitador do jus puniendi:
“1° - ninguém pode ser obrigado a fazer, ou deixar
de fazer alguma cousa, senão em virtude de lei”;
“14 ninguém poderá ser conservado em prisão
sem culpa formada, salvas as exceções
específicas em lei, nem levado à prisão, ou nela
detido, se prestar fiança idônea, nos casos em
que a lei a admitir”;
“16 aos acusados se assegurará na lei a mais
plena defesa, com todos os recursos e meios
essenciais a ela, desde a nota de culpa, entregue
em vinte e quatro horas ao preso e assinada pela
autoridade competente, com os nomes do
acusador e das testemunhas”;
“19 nenhuma pena passará da pessoa do
delinqüente.”
95
CRETELLA JR, J. Elementos de Direito Constitucional, p. 34.
66
Por fim, ressalte-se que esta Constituição determinou o fim da
pena de galés, de banimento judicial e de morte, reservada esta última
apenas para a legislação militar.
Por sua vez, a Constituição de 1934 representou um progresso
na direção do realismo constitucional, no cotejo com o idealismo de 1891.
Não obstante ideológico, resultaram em ineficácia em razão do golpe de
1937, porém, servirá como repositório valioso de temas constitucionais.
Da mesma forma que as Constituições precedentes, não houve
menção expressa ao princípio da culpabilidade, apenas dos direitos e
garantias individuais, fato corroborado pelas Constituições posteriores.
Entretanto, como já mencionado neste trabalho, a Carta Magna
de 1988, implicitamente, elenca a origem da culpabilidade, no artigo 1º,
inciso III, que estabelece a dignidade da pessoa humana, ainda, pelo artigo
4º, II, pela prevalência dos direitos humanos e artigo 5º, caput, que descreve
a inviolabilidade do direito à liberdade e princípio da igualdade. Por fim, o
inciso XLV do prefalado artigo 5º, estabelece o princípio pessoal da
responsabilidade penal, onde cada agente responderá por sua conduta.
96
Portanto, o princípio da culpabilidade não foi mencionado
expressamente por nenhuma Constituição, talvez por entender o Poder
Constituinte que este tema deveria ser tratado na esfera infraconstitucional,
como realmente aconteceu.
O certo, porém, é que esse tema tomou maior relevância com o
passar do tempo, ante a evolução da doutrina e jurisprudência, o que
autorizou alguns juristas a auferirem que ele está previsto na Constituição,
mesmo que implicitamente, provavelmente por entenderem que uma norma
constitucional proporcionará maior proteção ao cidadão em face à ânsia
punitiva do Estado.
96
LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. op. cit, p. 101.
67
2.2.5 – Análise da culpabilidade nos Códigos Penais Brasileiros
Agora, se faz necessária a análise da evolução do princípio da
culpabilidade dentro do Direito Penal Brasileiro.
a) Legislação indígena
Quando se deu o descobrimento do Brasil, os nossos indígenas
não ostentavam um grau de desenvolvimento cultural semelhante a outros
povos que habitavam outros continentes.
Entre os indígenas brasileiros, havia uma série de crimes que
eram punidos exemplarmente, e, entre eles, podemos citar o homicídio, as
lesões corporais, o furto, o rapto, o adultério da mulher, a deserção.
Além disso, não houve um aprofundamento dos indígenas sobre
a responsabilidade penal, de modo que não existia, por exemplo, uma idade
limite para que o agente pudesse responder pelos atos criminosos.
b) Ordenações Filipinas
Com o descobrimento do Brasil e a sua colonização, verificou-se
o traspasso da civilização européia para a colônia portuguesa da América.
Durante este período colonial é acentuada a influência
portuguesa. A legislação da metrópole é válida na colônia. Assim, registram-
se como leis nacionais as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas.
68
Entretanto, foram as Ordenações Filipinas que, a partir de 1603,
projetaram-se como verdadeira legislação, notadamente depois de
proclamada a independência política.
Nas Ordenações o vigia o que hoje denominados de
princípio da legalidade (nullum crimen nulla poena sine lege), desta forma,
compreende-se que para alguns delitos fosse cominada a chamada pena
arbitrária, exatamente aquela que ficava ao talante do julgador.
Com efeito, essa legislação era um misto de despotismo e de beatice,
híbrida e feroz, inspirada em falsas idéias religiosas e políticas que,
invadindo as fronteiras da jurisdição divina, confundia o crime com pecado, e
absorvia o indivíduo no Estado fazendo dele um instrumento. Na previsão de
conter o mau pelo terror, a lei o media a pena pela gravidade da culpa; na
graduação do castigo obedecia, só, ao critério da utilidade.
Assim, no Livro V das Ordenações do Reino, não consta
qualquer delimitação da responsabilidade penal, abrangendo todos os
agentes que praticassem os crimes descritos na lei, sem qualquer discussão
sobre sua culpabilidade.
c) Código Criminal de 1830
Proclamada a independência, em 04 de março de 1823, o
Imperador D. Pedro I determinou a elaboração de uma Constituição que foi
outorgada somente em 25 de março de 1824.
No artigo 179 da Carta Magna, foram fixadas várias regras que teriam
que ser observadas pelo legislador ordinário, e que, desde logo, alteravam
todo o sistema penal.
69
Neste sentido, em 16 de dezembro de 1830, foi promulgado o
Código Criminal do Império, com a influência dos códigos francês e italiano,
muito embora este fato seja discutível no âmbito da doutrina.
Ou nas palavras de PIERANGELI:
“Alguns autores, muitas vezes sem explicitar
quando e onde, têm assinalado a influência do
Código francês de 1810 e do Código Napolitano
de 1819, como, aliás, o fizemos na primeira
edição desta obra. Hoje, embora assinalado o
fato, salientamos que é bem mais provável que
essa influência derive do Projeto de Mello Freire,
anterior ao Código Francês, mas que refletia as
idéias iluministas da época, das quais também se
serviu a legislação francesa da época, inclusive o
Código Napoleônico de 1810”.
97
Na verdade, o referido código foi muito festejado pela doutrina
brasileira, principalmente por suas idéias liberais e humanistas, nascidas
com o iluminismo.
Neste aspecto, “o Código Criminal do Império no Brasil constitui
o primeiro grande estatuto jurídico elaborado na América Latina. Baseado
em projeto apresentado por um dos mais ilustres políticos brasileiros dos
anos que sucederam a independência, Bernardo Pereira Vasconcelos, após
uma relativamente rápida tramitação parlamentar, passou a vigorar em
meados de dezembro de 1830.”
98
Entretanto, como bem definiu o jurista Francisco Assis de
Toledo:
“Vê-se, pois, que o festejado Código em exame,
ao lado das virtudes inegáveis que o ornavam,
exibia, ainda, alguns resíduos de uma sociedade
escravocrata, que não abria o de certos
instrumentos de repressão, utilizados no passado.
97
PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil, p. 70.
98
LUISI, Luiz. Os princípios Constitucionais Penais, pg. 75.
70
Mas, para surpresa dos pesquisadores de hoje, as
críticas da época se concentravam não sobre
esses aspectos mas sobre o caráter liberal do
novo código que se supunha responsável pelo
recrudescimento da criminalidade.E, assim, não
tardou o surgimento de uma reação antiliberal
que, durante a vigência do novo estatuto, logrou
editar algumas leis de cunho retrógrado,
principalmente contra escravos.
99
No tocante à culpabilidade, podemos verificar a existência de
alguns artigos que dão guarida ao início de sua existência. Vejamos:
“Artigo - Não haverá criminoso ou delinqüente
sem fé, isto é, sem conhecimento do mal e
intenção de o praticar.”
“Artigo 10 – Também não se julgarão criminosos:
(.................)
- Os loucos de todo o gênero, salvo se tiverem
lúcidos intervallos e nelles commetterem o crime.
- Os que commetterem crimes violentados, por
força ou por medo irresistíveis.”
“Artigo 14 Será o crime justificável, e não terá
lugar à punição delle:
(.................)
- Quando fôr feita em resistência a execução
de ordens illegaes, não se excedendo os meios
necessários para impedila.”
“Artigo 33 Nenhum crime será punido com
penas que não estejão estabelecidas nas leis,
nem com mais ou menos daquellas que estiverem
decretadas para punir o crime no grão máximo,
dio ou mínimo, salvo o caso em que aos juízes
se permittir arbítrio.”
99
Princípios Básicos de Direito Penal, Saraiva, 5ª ed. p. 59
71
“Artigo 36 Nenhuma presempção, por mais
vehemente que seja, dará motivo para imposição
de pena.”
Neste ponto deve ser lembrado que a doutrina estava iniciando
o seu estudo sobre a culpabilidade, sendo certo que o caráter normativo da
culpabilidade, por exemplo, começou a surgir no ano de 1907, através da
obra de Reinhard Frank.
Portanto, calcado nas idéias do Iluminismo, o Código Criminal
de 1830 trouxe várias inovações para o mundo jurídico da época, entre elas
podemos anotar a individualização da pena, co-delinqüência como
agravante, responsabilidade sucessiva nos crimes praticados por meio da
imprensa, levando-o a ter expressiva repercussão na Europa.
Todavia, não passou imune a críticas, sendo certo que, em
1832, foi promulgado o Código de Processo Criminal e, posteriormente, o
Código Criminal de 1890.
d) Código Penal de 1890
Com a proclamação da República, foi editado em 11/10/1890 o
novo estatuto básico, agora com a denominação de Código Penal. Logo, foi
ele alvo de duras críticas pelas falhas que apresentava e que decorriam,
evidentemente, da pressa com que fora elaborado. Aboliu-se a pena de
morte e instalou-se o regime penitenciário de caráter correcional, o que
constituía um avanço na legislação penal.
Na verdade, o referido código o levou em consideração
notáveis avanços doutrinários que então se faziam sentir, oriundos do
movimento positivista, bem como o exemplo de códigos estrangeiros mais
72
recentes, especialmente o Código Zanardelli, conseqüentemente, o CP de
1890 apresentava graves defeitos de técnica, aparecendo atrasado em
relação à ciência de seu tempo. Foi, por isso mesmo, objeto de críticas
demolidoras, que muito contribuíram para abalar o seu prestígio e dificultar
sua aplicação.
100
Além disso, o código era mal sistematizado e, por isso, foi
modificado por inúmeras leis até que, dada à confusão estabelecida pelos
novos diplomas legais, foram todas reunidas na Consolidação das Leis
Penais, pelo Decreto n. 22.213 de 14/12/1932.
101
Todavia, alguns artigos disciplinam a questão da culpabilidade,
notadamente do artigo 24 ao 35, com o título “Da Responsabilidade Criminal;
as Causas que Dirimem a Criminalidade e Justificam os Crimes”. Vejamos
os mais importantes:
“Artigo - Crime é a violação imputável e
culposa da lei penal.”
“Artigo 25 A responsabilidade penal é
exclusivamente pessoal.”
“Artigo 29 Os indivíduos isentos de
culpabilidade em resultado de affecção mental
serão entregues ás suas famílias, ou recolhidos a
hospitaes de alienados, si o seu estado mental
assim exigir para segurança do publico.”
Artigo 31 A isenção da responsabilidade
criminal não implica a da responsabilidade civil.”
Ainda no tocante à culpabilidade, o referido código disciplina os
casos que o excluem a intenção criminosa no artigo 26, as hipóteses de
inimputabilidade no artigo 27 e os isentos de punição nos artigo 32, 33 e 34.
100
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal, p. 62.
101
MIRABETE, Julio Fabbrini. obra citada, p. 43.
73
Destarte, este código acabou sendo excessivamente criticado
na época, pois, analisando-se as suas disposições, percebe-se que, num
aspecto geral, contém normas condizentes com a ciência criminal, como
pode ser constatado na questão da culpabilidade.
e) Consolidação das Leis Penais de 1932
As inúmeras alterações do Código Penal de 1890 tornaram-no
de consulta difícil. A prudência recomendou a unificação das leis vigentes. O
trabalho foi operado pelo Desembargador Vicente Piragibe, tornado
obrigatório pelo Decreto n. 22.213/1932.
O texto era composto de quadro Livros, onde obedeceu ao
sistema da legislação vigente e a matéria foi distribuída em quatrocentos e
dez artigos, sendo certo que vários artigos foram repetidos do Código
Criminal de 1890, entre eles os da culpabilidade.
Assim, situa-se a Consolidação como um texto de transição
entre o Código de 1890 e a grande reforma penal que seria empreendida
durante o Estado Novo, em 1940/1941, sob os auspícios do Ministro da
Justiça Francisco Campos, abrangendo não a legislação penal material
como também a processual.
f) Projeto Virgílio de Sá Pereira (1935)
Neste projeto, não houve expressiva mudança no tocante à
culpabilidade, sendo certo que no artigo 33, a menoridade ficava
estabelecida em 14 anos, da mesma forma que o Código Criminal de 1890,
e em consonância com o Código de Menores, vigente na época do projeto.
g) Código Penal de 1940
74
Após a implantação do regime político da Constituição de 1937,
o Ministro da Justiça, Francisco Campos, solicitou ao Professor Alcântara
Machado, da Faculdade de Direito de São Paulo, a redação do projeto de
Código Penal.
Registre-se, contudo, que a redação final do referido projeto
sofreu várias transformações da Comissão Revisora, mantida, entretanto, a
contribuição de seu autor.
No novo projeto de Código Penal, que foi convertido em lei pelo
Decreto 2.848 de 07 de dezembro de 1940, ficou consignada nos artigos 22
ao 24 a questão da culpabilidade, sob o título de “Da Responsabilidade”.
Na exposição de motivos, quando trata da responsabilidade, o
ministro Francisco Campos, assevera que “na fixação do pressuposto da
responsabilidade penal (baseada na capacidade de culpa moral),
apresentam-se três sistemas: o biológico ou etiológico (sistema francês), o
psicológico e o biopsicológico. Mais adiante, o ministro assevera que o
critério mais aconselhável, de todos os pontos de vista, é, sem dúvida, o
misto ou biopsicológico”
Em seguida, o ministro acaba explicando cada sistema, não
chegando a asseverar expressamente qual o adotado para a delimitação da
responsabilidade penal, no tocante à idade acolhida.
Todavia, quando o projeto delimitou a responsabilidade penal
na idade, acolheu o critério biológico, justamente porque declara a
irresponsabilidade se, ao tempo do crime, estava abolida no agente, seja
qual for a causa, a faculdade de apreciar a criminalidade do fato,
entendendo-se que, abaixo de 18 anos, o agente não teria esta capacidade.
75
Também, deve ficar consignado que na exposição de motivos,
o Ministro Francisco Campos definiu a orientação doutrinária seguida pelo
projeto:
“Coincidindo com a quase totalidade das
modificações modernas, o projeto não reza em
cartilhas ortodoxas, nem assume compromissos
impenetráveis ou incondicionais com qualquer das
escolas ou das correntes doutrinárias que se
disputam o acerto na solução dos problemas
penais. Ao invés de adotar uma política
extremada em matéria penal, inclina-se para uma
política de transação ou de conciliação. Nele, os
postulados clássicos fazem causa comum com os
princípios da Escola Positiva.”
Por fim, segundo a melhor doutrina, o projeto do Código Penal
de 1940 recebeu influência do Código Italiano de 1930 e do suíço de 1937,
verbis:
“O Código Penal de 1940 recebeu influência
marcante do Código italiano de 1930 (o famoso
Código Rocco) e do suíço de 1937. Essa
influência é geralmente reconhecida e foi atestada
por Costa e Silva. O curioso é que, fruto de um
Estado ditatorial e influenciado pelo código
fascista, manteve a tradição liberal iniciada no
Código do Império.”
102
h) Código Penal de 1969
Ao eminente jurista Nelson Hungria, o governo conferiu a tarefa
de elaborar o anteprojeto de Código Penal que rapidamente foi apresentado.
O anteprojeto Nélson Hungria mantinha, basicamente, a
mesma estrutura do Código de 1940, procurando apenas excluir os defeitos
mais graves que aquele apresentava.
102
TOLEDO, Francisco de Assis. obra citada, p. 63.
76
Na exposição de motivos, ficou consignado que o projeto
seguiu a orientação de outras legislações, pautando com base na escola
clássica e positiva. Vejamos:
“O Código Penal vigente será, talvez, a melhor de
nossas codificações. Sua técnica bem revela o
elevado desenvolvimento da Ciência do Direito
Penal entre nós. Por isso mesmo, não se
pretendeu elaborar um Código totalmente novo,
abandonando-se a sistemática de nossa atual
legislação. Ao contrário, o propósito foi sempre o
de manter, tanto quanto possível, as soluções da
lei vigente, cuja eficiência e correção foram
demonstradas em longos anos de aplicação, por
todos os tribunais do País. Procurou-se
aperfeiçoar nossa lei penal, com a correção de
reconhecidos defeitos e a introdução de
contribuições novas, fruto do desenvolvimento
notável da Ciência Penal de nosso tempo.”
No projeto, em seus artigos 31 a 34, ficou delimitada a questão
da responsabilidade penal, sob o título de Da Imputabilidade Penal”,
disciplinando quem seriam os inimputáveis, o efeito da embriaguez e
redução da pena em razão de incapacidade mental.
Na própria exposição de motivos, o Ministro da Justiça, Alfredo
Buzaid, explicou que:
“Dando aplicação ao princípio básico da
inexistência de responsabilidade penal sem culpa,
o projeto incorporou a regra, hoje generalizada,
de que o agente só responde pelos resultados
que especialmente agravam as penas, quando os
houver causado pelo menos culposamente.Isso
se aplica a todas as causas de aumento situadas
no desdobramento causal da ação, e, em
particular, aos crimes qualificados pelo resultado.
O princípio nullum crimem sine culpa é uma das
constantes do projeto e sua significação exegética
não deve ser esquecida.”
77
Desta forma, o projeto pautou-se pela responsabilidade
pessoal, calcada na culpabilidade do agente.
Porém, esse anteprojeto veio a transformar-se, em
circunstâncias pouco esclarecidas (consta que o projeto não estava
concluído), no Código Penal de 1969, editado pela Junta Militar então no
Poder. Mal recebido pela crítica, teve o novo estatuto o seu início de
vigência adiado por mais de uma vez até que, no Governo do Presidente
Geisel, optou-se pela reforma parcial do digo de 1940 e pela revogação
definitiva do Código de 1969, o que de fato se deu, respectivamente, pelas
Leis n. 6.416, de 24 de maio de 1977, e 6.578, de 11 de outubro de 1978.
103
i) A Reforma Penal de 1984
Após a revogação do Código de 1969, prossegue, então, o
Código de 1940, com as alterações determinadas pela Lei 6.416/77, que
nele introduziu significativas modificações no título relativo às penas.
Tais modificações, porém, embora bem recebidas nos meios
jurídicos, caracterizaram uma providência urgente e de transição, até uma
efetiva reforma penal.
Esta reforma, com efeito, foi encetada em outro Governo, com
o Ministro da Justiça Ibrahim Abi-Ackel, nomeando Francisco Assis de
Toledo como presidente da Comissão Revisora.
A nova parte geral introduziu numerosas disposições que
aperfeiçoaram tecnicamente o Código Penal, no que diz respeito à aplicação
da lei penal e ao fato punível (teoria do delito). Sua característica mais
relevante, no entanto, está no abandono do sistema do duplo binário, depois
da malograda experiência com as medidas de segurança detentivas para
103
TOLEDO, Francisco Assis de, obra citada, p. 66.
78
imputáveis, que apareceram, a seu tempo, como uma das grandes
inovações do Código Penal de 1940.
104
Assim, adota-se o sistema vicariante (pena ou medida de
segurança), naqueles casos em que o agente é semi-imputável.
Ademais, na conferência proferida pelo referido jurista e
presidente da Comissão Francisco Assis de Toledo, anexada em seu livro, a
reforma adotou, sem as restrições e as reservas do passado, o princípio da
culpabilidade. Assim, com a reforma em exame, não se admitirá a aplicação
de pena sem que se verifique a culpabilidade do agente por fato doloso ou
pelo menos por fato culposo.
Prosseguindo, o eminente jurista esclarece que o resultado
dessa tomada de posição aponta em duas direções com importantes
conseqüências, isto é, a primeira delas revela a dupla função limitadora do
princípio da culpabilidade, uma com poder de despenalização e a outra
sobre a dosimetria da pena, a segunda direção com três colunas de
sustentação de um direito penal de índole democrática (nullum crimem nulla
poena sine lege, direito penal do fato e a culpabilidade do fato).
Finalizando, o jurista assevera que, apesar do crescimento do
crime atroz, violento, ao lado do aparecimento de novas formas
delinqüenciais que se valem dos próprios instrumentos da técnica e do
progresso, a procura de instrumental mais adequado de combate ao crime
deve ser feita com muito engenho e arte, para não se pôr em risco o que
constitui valiosa conquista da humanidade.
105
Este entendimento é refletido na exposição de motivos da Lei
7.209 de 11 de julho de 1984.
Desta feita, estão disciplinados nos artigos 26 a 28, sob o título
Da Imputabilidade Penal” as causas de exclusão ou diminuição da
imputabilidade, conseqüentemente, da própria culpabilidade, além de outros
artigos dispersos pelo Código.
104
FRAGOSO, Heleno Cláudio, obra citada, p. 68.
105
Obra citada, p. 73.
79
Portanto, estas são as considerações a respeito da evolução
da culpabilidade no Brasil, de forma sintetizada.
80
CAPÍTULO III
Culpabilidade e Responsabilidade Penal
3.1 – Delineamento da culpabilidade e responsabilidade penal
Como mencionado durante este trabalho, a culpabilidade é um dos
elementos da teoria do crime, desta forma, para que o sujeito ativo de um fato
criminoso seja punido, é imprescindível a existência de um fato típico e
antijurídico.
Porém, existindo estes dois elementos, necessidade de se auferir
sobre a culpabilidade.
Primeiramente, somente existirá um juízo de reprovação se o agente
possuía a liberdade de decisão no momento da ação
106
, ou como assevera
JESCHECK
107
“el principio de culpabilidad tiene como pressupuesto lógico la
libertad de decisión del hombre, pues solo cuando existe basicamente la
capacidad de dejarse determinar por las normas jurídicas puede el autor ser
hecho responsable de haber llegado al hecho antijurídico en lugar de dominar los
impulsos criminales.”
Em seguida, serão analisados os elementos constantes da
culpabilidade, ou seja, imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e
inexigibilidade de conduta diversa.
Ressalte-se, inicialmente, que imputabilidade, culpabilidade e
responsabilidade são conceitos distintos, mas extremamente ligados.
Com efeito, estes conceitos designam garantias, isto é, condições
que podem também faltar e que faltam de fato nos sistemas que admitem figuras
de responsabilidade não pessoal e objetiva.
Por sua vez, imputabilidade é o conjunto de condições psicológicas
capazes de tornar alguém apto a assumir as conseqüências jurídico-penais de
106
No entender de ROXIN a base real da verificação da culpabilidade é a idoneidade para ser destinatário de
normas.
107
Tratado de Derecho Penal, p. 367
81
seus atos, sendo diferente da capacidade porque esta é a aptidão, em tese, para
responder pelas conseqüências penais da conduta, enquanto a imputabilidade é
essa aptidão em concreto, verificada no caso específico, isto é, a capacidade é
gênero do qual a imputabilidade é espécie.
culpabilidade é um dos elementos do crime, que pressupõe a
existência da imputabilidade, como dito alhures.
Por fim, responsabilidade é a aptidão para responder e sofrer uma
sanção penal, após a análise dos outros requisitos legais. Assim, o sujeito pode
ser imputável, mas não responsável pela infração praticada, quando não tiver a
possibilidade de conhecimento do injusto ou quando dele for inexigível conduta
diversa.
Como explica MANZINI:
“La capacidad de derecho penal, por consiguiente, es
el presupuesto de la imputabilidad y de la
responsabilidad, y no debe confundirse con éstas. La
primera concierne a las condiciones por las cuales un
hombre puede considerarse sujeto de derecho penal en
general; las otras se refieren a un hecho concreto,
contrario al derecho penal, llevado a cabo por tal
hombre. Cualquiera, que no esté afectado por causas
extintivas de la capacidad penal, es sujeto de derecho
penal; pero son imputables y responsables, solamente
aquellos que efectivamente fueron causas eficientes de
un delito.”
108
É certo, porém, que ROXIN apresenta um outro posicionamento
sobre a culpabilidade.
Assim, o mestre alemão assevera que para a imputação subjetiva da
ação injusta deve concorrer a culpabilidade do autor e a necessidade preventiva
de pena. Por isso, propõe chamar a categoria do delito que sucede ao injusto não
de “culpabilidade” mas “responsabilidade”, pois, na teoria da imputação subjetiva
devem ser integradas, ao lado da culpabilidade, aspectos preventivos, de maneira
que a culpabilidade representa somente um aspecto, daquilo que denomina
“responsabilidade”.
109
108
Obra citada, p. 126.
109
A culpabilidade e sua exclusão no direito penal in Revista Brasileira de Ciências Criminais n. 46.
82
Desta forma, arremata ROXIN repudiando as críticas de outros
juristas:
“Se a doutrina tradicional, após o injusto, somente
analisa se está presente a “culpabilidade” do autor, isto
é conseqüência de uma concepção outrora dominante,
hoje de muito ultrapassada, a respeito dos fins da
pena, que faz tudo depender da mera retribuição,
exigindo a punição também nos casos em que,
presente a culpabilidade, inexista qualquer
necessidade social para tanto.”
110
De qualquer forma, Cezar Roberto Bitencourt
111
atribui, em direito
penal, um triplo sentido ao conceito de culpabilidade:
Em primeiro lugar, a culpabilidade, como fundamento da pena,
refere-se ao fato de ser possível ou não a aplicação de uma pena ao autor de um
fato típico e antijurídico, isto é, proibido pela lei penal. Para isso, exige-se a
presença de uma série de requisitos capacidade de culpabilidade, consciência
da ilicitude e exigibilidade da conduta - que constituem os elementos positivos
específicos do conceito dogmático de culpabilidade. A ausência de qualquer
desses elementos é suficiente para impedir a aplicação de uma sanção penal.
Em segundo lugar, a culpabilidade, como elemento da determinação
ou mediação da pena, onde funciona não como fundamento da pena, mas como
limite desta, impedindo que a pena seja imposta aquém ou além da medida
prevista pela própria idéia de culpabilidade, aliada, é claro, a outros critérios,
como importância do bem jurídico, fins preventivos e outros.
Por fim, explica o autor que a culpabilidade, como conceito contrário
à responsabilidade objetiva, isto é, o princípio da culpabilidade impede a
atribuição da responsabilidade objetiva. Ninguém responderá por um resultado
absolutamente imprevisível se não houver obrado com dolo ou culpa.
Em síntese, não pena sem culpabilidade, necessitando do
delineamento de seus elementos para que exista a possibilidade de
responsabilização do sujeito ativo de um delito.
110
Obra citada, p. 66.
111
Tratado de Direito Penal, p. 14.
83
3.2- Responsabilidade Penal da e na Empresa
No exercício da atividade empresarial, como de resto em qualquer
atividade humana, existe sempre a possibilidade de condutas ilícitas. Porém, na
atividade empresarial essa possibilidade é aumentada pelo próprio objetivo
essencial da atividade, que é o lucro.
Assim, na tentativa de coibir as práticas ilícitas que ocorrem no
âmbito das empresas, o legislador brasileiro optou pela criminalização de certos
atos, e até chegou a atribuir a prática de ilícitos penais à própria pessoa jurídica,
como no caso dos crimes ambientais, que será comentado em tópico próprio.
Neste diapasão, vários artigos da nossa legislação avançam para
penalizar os participantes de empresas como, por exemplo, o artigo da Lei
9.605/98 ao estipular a responsabilidade concomitante dos diretores,
administradores, membros do conselho e de órgão técnico, auditor, gerente,
preposto e mandatário da pessoa jurídica que, sabendo do ilícito ambiental,
deixarem de impedir sua prática, quando podiam agir para evitá-la.
Entretanto, a questão da responsabilidade penal de sócios e de
administradores de empresas suscita, ainda, muita discussão.
Na prática, muitos têm sido os casos em que diretores são
denunciados simplesmente porque ocupam este cargo, prescindindo da análise
da responsabilidade penal.
É claro, porém, se ficar comprovado que o acusado exerce de fato a
administração da empresa e participou ou anuiu com a conduta ilícita, a sua
punição emerge claramente.
Por outro lado, a responsabilização individual não exonera a
discussão em torno da punição da pessoa jurídica, dentro dos casos previstos em
lei.
84
Como observa Sérgio Salomão Shecaira
112
, para o reconhecimento
da responsabilidade penal das pessoas jurídicas é necessário que a infração
individual seja praticada no interesse da pessoa coletiva e não pode situar-se fora
da esfera da atividade da empresa, bem como que a infração executada pela
pessoa física seja praticada por alguém que se encontre estreitamente ligado à
pessoa coletiva, mas sempre com o auxílio do seu poder, o qual é resultante da
reunião das forças econômicas agrupadas em torno da empresa.
Desta forma, o fato punível pode ser obra de um ou de vários
agentes, havendo concurso de pessoas quando houver pluralidade de agentes
concorrendo para a consecução do delito, dentro da esfera da teoria do donio
do fato, disciplinando quem é o autor, co-autor ou partícipe do crime.
Segundo Damásio E. de Jesus
113
, autor é quem detém o domínio do
fato; co-autor, o domínio funcional do fato, tendo influência sobre o “se” e o
“como” do crime; partícipe possui o domínio da vontade da própria conduta,
tratando-se de um “colaborador”, uma figura lateral, não tendo o domínio finalista
do crime. O delito não lhe pertence: ele colabora no crime alheio.
A empresa, todavia, o comete atos delituosos por si mesma. Ela
o faz através de alguém, objetivamente uma pessoa natural, conseqüentemente,
não se deixará de verificar a existência inicial de um concurso de pessoas.
Porém, ela poderá ser enquadrada como co-autora ?
A idéia de co-autoria encontra seu fundamento na concepção da
divisão de trabalho. crimes que podem ser praticados individualmente ou por
mais de uma pessoa. Porém, aqueles que, por sua natureza de execução,
pressupõem a existência de mais agentes para a coordenação dos atos que
redundarão na prática da conduta típica. Assim, co-autor é aquele que intervém
na execução do delito, agindo como co-titular da decisão anteriormente
engendrada, pois só assim pode ter domínio sobre o fato.
112
“Responsabilidade dos Sócios, Gerentes, Diretores e da Pessoa Jurídica nos Crimes Ambientais”, in
SALOMÃO, Heloísa Estellita (Org.), Direito Penal Empresarial, p. 284.
113
Direito Penal, p. 412.
85
Especificamente no crime praticado pela empresa, poderemos ter a
autoria mediata, pois ela sempre agirá através de alguém, seu co-autor
imediato
114
.
Ressalte-se que a empresa não poderá ser enquadrada como
partícipe, assim, instigação não poderá ocorrer, logicamente, pela própria
natureza do ato, bem como o induzimento e o auxílio.
Na verdade, embora defendida por parte da doutrina, entende-se
que a empresa não pode ser responsabilizada como autora mediata do dano
criminal, simplesmente porque estará agindo através de outras pessoas, ante a
teoria da ficção que perdura sobre a pessoa jurídica.
Destarte, ou seus agentes são penalizados e punidos pela conduta
criminosa ou somente a empresa receberá a punição, sendo incompatível o
concurso de agentes entre eles.
3.3 A individualização da responsabilidade penal nos crimes cometidos
por meio de empresa
No estágio atual da legislação criminal brasileira, o princípio da
subsunção típica é de indeclinável necessidade, apontando-se a realização de
uma conduta por parte do acusado, seja ação ou omissão.
Desta forma, a autoridade policial e o Ministério Público devem
narrar, com clareza e exatidão, o comportamento típico e o resultado naturalístico,
com todas as suas circunstâncias.
No tocante aos crimes envoltos à empresa, a delimitação desta
responsabilidade será atribuída à conduta de cada agente.
Primeiramente, deve ser observado que a pessoa jurídica pode ser
constituída de várias formas, tudo dentro da legalidade.
114
SHECAIRA, Sérgio Salomão, “Responsabilidade dos Sócios, Gerentes, Diretores e da Pessoa Jurídica nos
Crimes Ambientais”, in SALOMÃO, Heloísa Estellita (Org.), Direito Penal Empresarial, p. 284.
86
A partir de sua formulação
115
, a pessoa jurídica adquire direitos e
obrigações, podendo responder pelos seus atos em várias áreas do direito,
notadamente a cível, penal e tributária.
Por disposição legal, os sócios, administradores e gerentes
possuem as obrigações estabelecidas, como podem ser observados nos artigos
1001 e seguintes do Código Civil.
Se a conduta praticada estiver dentro dos limites da lei, logicamente,
que o participante da sociedade não sofrerá qualquer repreensão.
Porém, se a ação ou omissão for contrária aos ditames legais ou
contratuais poderá haver sanção, desde que a conduta encontre no Código Penal
e leis extravagantes a devida tipicidade, até por respeito ao princípio da
legalidade e anterioridade.
Na área penal, a conduta punida deverá ser individualizada, a fim de
que recaia sobre o agente a responsabilidade subjetiva.
Assim, quando se trata de crime cometido por intermédio de
empresa, não é suficiente à autoridade policial ou ao Ministério Público a
descrição genérica e impessoal do fato, como se tivesse sido cometido pela
pessoa jurídica.
Portanto, a plenitude da democracia depende da obediência aos
preceitos legais, dentre os quais se projeta a responsabilidade pessoal, onde o
cidadão só responde pelo que fez ou, devendo fazê-lo, omitiu-se voluntariamente.
3.4 – Culpabilidade e justificação da pena
O conceito de culpabilidade, basicamente, está relacionado com o
conceito mais genérico de responsabilidade, com implicações diretas na
justificação do próprio direito de punir do Estado e na finalidade da pena, aliás, na
115
O artigo 985 do Código Civil estabelece que a sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição,
no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos.
87
linguagem popular costuma-se empregar a voz culpa como sinônimo de
responsabilidade.
Na verdade, a culpabilidade está estritamente ligada com a
aplicação da pena.
Um sistema jurídico próprio de um Estado Democrático de Direito
rejeita a periculosidade como fundamento ou limite da pena, assim como ocorre
nos regimes autoritários quando a imprecisão das normas incriminadoras se
acumplicia com o caráter fluído do estado perigoso e permite a imposição de uma
sanção de caráter evidentemente preventivo. Ao reverso, nos regimes inspirados
pela efetiva democracia, a culpa pelo ato concreto deve ser a base sobre a qual
incidirão a qualidade e a quantidade da pena adequada.
116
Com efeito, o juízo de reprovabilidade (culpabilidade) elaborado pelo
juiz, recai sobre o sujeito imputável que, podendo agir de maneira diversa, tinha
condições de alcançar o conhecimento da ilicitude do fato. Assim, o juízo de
culpabilidade serve de fundamento e medida da pena, repudiando a
responsabilidade penal objetiva.
Ou como diz Jorge de Figueiredo Dias
117
, num Estado de Direito, de
cariz social e democrática, a compreensão dos fundamentos, do sentido e dos
limites das penas deve partir de uma concepção de prevenção geral de
integração, ligada institucionalmente a uma pena da culpa, a ser executada com
um sentido predominante de (re)socialização do delinqüente.
Desta feita, nas palavras do jurista português:
“A função da culpabilidade, deste modo inscrita na
vertente liberal do Estado de Direito, é, por outras
palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda
compatível com as exigências de preservação da
dignidade da pessoa e de garantia do livre
desenvolvimento da sua personalidade nos quadros
116
DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal – Parte Geral, p. 64
117
“Breves Considerações Sobre o Fundamento, o Sentido e a Aplicação das Penas em Direito Penal
Econômico”, “In” PODVAL, Roberto (Org.). Temas de Direito Penal Econômico, p. 124.
88
próprios de um Estado de Direito democrático. E a de,
por esta via, estabelecer uma barreira intransponível ao
intervencionismo punitivo estatal e um veto
incondicional aos apetites abusivos que ele possa
suscitar.”
118
Conseqüentemente, o momento inicial e decisivo de fundamentação
da pena deve residir na necessidade de estabilização das expectativas
comunitárias na validade da norma violada, pela reafirmação das orientações
culturais e dos critérios ético-sociais de comportamento que naquela se contém.
No tocante aos crimes fiscais, por exemplo, é inequivocamente o
critério político-criminal da necessidade que se reconhece como critério decisivo
legitimador da criminalização de comportamentos que implicam fuga ilegítima ao
Fisco.
Significa isto, então, que a decisão de criminalização está
legitimada se revela, primeiramente, dimensão de ultima ratio, bem como se os
meios de natureza penal utilizados são aptos a tutelar, de modo eficaz, os bens e
valores que importa garantir.
Entretanto, embora estes crimes não causem um grande alarme
social, a punição penal se justifica, desde que legítima, proporcional e adequada.
Mas, dentro do sistema penal brasileiro, a prioridade não é a punição
e sim a arrecadação.
Neste diapasão, o artigo 34 da Lei 9249/95 possibilita a extinção da
ação penal se houver o pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia
pelo Ministério Público, nos crimes tratados nas Leis 8.137/90 e 4.729/65.
Em seguida, as Leis 9.964/00 e 10.684/03, que disciplinaram o
programa de recuperação fiscal federal, autorizaram a suspensão da ação penal
se houver o parcelamento do tributo questionado.
Além dessas, o §2º do artigo 168-A do digo Penal julga extinta a
punibilidade se houver o pagamento da contribuição social, antes do início da
ação fiscal.
118
Questões Fundamentais do Direito Penal Revisitadas, p. 134.
89
Ora, se a justificação da pena é de prevenção e ressocialização, as
determinações legais acima mencionadas não estão de acordo com esta
finalidade, em verdadeira contradição.
E pior, dificultam a atuação do juiz ao apreciar e limitar a pena, uma
vez que a reprovação social da conduta (culpabilidade) não está definida de forma
coerente dentro do seio social e jurídico.
É certo, porém, que a fixação da pena estará limitada à quantidade
prevista em lei, ou como assevera ROXIN
119
:
“O prinpio da culpabilidade exige, portanto,
determinação do tipo, a proibição estrita de leis
retroativas e a proibição de toda analogia em prejuízo
do agente. Deste modo liga o poder estatal à lex scripta
e impede uma justiça arbitrária. Mas também limita o
ximo de pena permitido em caso de clara violação
da lei escrita.”
Assim, a repreensão penal será necessária quando o juízo de
reprovação estiver presente, com todos os elementos da culpabilidade, a partir de
então, o juiz poderá fixar a pena ao agente, de acordo com os critérios legais.
A propósito, JESCHECK
120
afirma que:
“El juicio de desvalor sobre la actitud interna del autor
respecto al Derecho no se formula globalmente,
atendiendo a la impresión conjunta de la personalidad,
sino que descansa en la comprobación de los
elementos de la culpabilidad previstos por la ley. Esto
representa, de un lado, uma garantía del Estado de
Derecho para el acusado, por cuanto no se confía, sin
s, al arbitrio del juez la decisión acerca de las
condiciones bajo las que procede afirmar el reproche
de culpabilidad, pero, de otto, también una relativa
severidad del Derecho penal, ya que los elementos de
la culpabilidad se configuran negativamente (como
causas de exclusión de la culpabilidad) de manera que
la culpabilidad ha de tenerse ya por presente cuando
en el caso concreto faltan los puntos de apoyo para su
exclusión.”
119
A culpabilidade como critério limitativo da pena in Revista de Direito Penal n. 9/10.
120
Obra citada, p. 387.
90
De toda sorte, por exigência legal estampada no artigo 59 do Código
Penal Brasileiro, a quantidade e qualidade de pena aplicada ao sujeito está
limitada principalmente à sua culpabilidade, de modo que a discussão deste
instituto durante a tramitação do processo é indispensável.
Inclusive é reforçado pelo artigo 19 do mesmo diploma legal ao
determinar que, pelo resultado que agrava especialmente a pena, responde o
agente que o houver causado ao menos culposamente.
Neste diapasão, ao comentar o artigo 59 acima referido, René Ariel
Dotti
121
assevera que a culpabilidade será esteio para fundamentar e escolher a
pena, fixar seus limites, o regime inicial e substituição da pena privativa de
liberdade por restritiva de direito.
Finalmente, deve ficar consignado que é equivocado o entendimento
que a culpabilidade liga o agente diretamente ao crime. O crime é um todo
unitário, estando seus requisitos ou caracteres englobados e inter-relacionados.
Não ligação da pena com o agente. Mas sim, da pena com o crime praticado
com o agente. A pena traduz-se em legítima conseqüência do delito praticado
pelo sujeito ativo. O sujeito já se encontra ligado ao fato criminoso, pelo simples
fato de tê-lo cometido. Se o autor do fato delituoso não puder ser
responsabilizado por ausência de censura, não há que se falar em crime e,
conseqüentemente, em aplicação da pena.
Destarte, a culpabilidade é o primeiro pressuposto para a justificação
e aplicação da pena.
3.5- Questões processuais envolvendo a culpabilidade
Em decorrência das questões de direito material, surgem as de
direito processual, entre elas podemos anotar algumas que afligem diariamente
os nossos tribunais.
121
Curso de Direito Penal, p. 40.
91
3.5.1 - Denúncia Genérica
A primeira questão processual que surge nos “crimes empresarias” é
a denúncia em face ao acusados.
Calcado na dificuldade de delimitação da responsabilidade, o
Ministério Público vem utilizando a chamada denúncia genérica para dar início à
ação penal, desprezando os requisitos elencados no artigo 41 do Código de
Processo Penal que determina que toda exordial acusatória deverá descrer, de
forma individualizada, a conduta do réu, bem como a exposição do fato criminoso
com todas as suas circunstâncias.
Damásio E. de Jesus, quando ensina sobre a denúncia coletiva,
assevera que "no estágio atual da legislação criminal brasileira, para processar-se
o princípio da subsunção típica, é de indeclinável necessidade apontar-se a
realização de uma conduta por parte do acusado, seja ação, seja omissão.
Significa que a autoridade policial e o Ministério Público devem narrar na portaria
ou denúncia, com clareza e exatidão, o comportamento típico e o eventual
resultado naturalístico (fato material), com todas as suas circunstâncias (artigo 41
do CPP)"
122
.
Esta posição é adotada por parte da jurisprudência, ao impedir a
denúncia genérica.
A propósito, o Superior Tribunal de Justiça, no HC n. 9.906-PE,
julgado pela Turma em 05.09.2.000, rel. Ministro Vicente Leal, publicado no
DJU de 23.10.2.000 e na RT 786/585, asseverou que:
"Denúncia - Inépcia - Ocorrência - Crime contra a
ordem tributária - Inicial acusatória que formula
acusação genérica sem apontar de modo
circunstanciado a participação da no fato delituoso -
Mera qualidade de sócio ou diretor de uma empresa,
na qual se constatou a ocorrência de crime de
sonegação fiscal que não autoriza que contra o mesmo
diretor seja formulada uma acusação penal em juízo -
Inteligência do artigo 41 do CPP".
122
Código de Processo Penal Anotado, p. 44
92
Ainda:
"Crime societário - Denúncia - Invocação da condição
de sócio, gerente ou administrador da sociedade, sem
descrição de condutas específicas - Inadmissibilidade -
Imprescindibilidade de que a inicial acusatória
descreva, pelo menos, o modo como os co-autores
concorreram para o crime".(STJ - HC 8.258-PR -
Turma - j. 20.04.1999 - rel. Min. Edson Vidigal - DJU
06.09.1999 - RT 771/547).
"Crime contra a ordem tributária - Denúncia -
Necessidade de a peça inicial acusatória definir a
participação de cada acusado no delito - Irrelevância
dos denunciados serem diretores da empresa, pois tal
fato não basta por si para caracterizar a
responsabilidade penal".( TRF Região - HC n.
98.02.51905-7 - RJ - 5ª Turma - j. 04.05.1999 - rel. Des.
Federal Chalu Barbosa - DJU 06.07.1999 - RT
722/709).
Outra parte da jurisprudência e da doutrina, admite a possibilidade
da denúncia genérica nos crimes societários, em razão da dificuldade da
individualização da conduta de cada sócio, o que seria feito durante a tramitação
do processo.
O que acontece, normalmente, nestes casos, é que o Ministério
Público é instado através de uma representação do órgão fiscal, após a autuação
de uma infração tributária na empresa.
Porém, partindo do pressuposto que o inquérito policial é
dispensável ou que pode ocorrer a prescrição, o Ministério Público oferece a
denúncia contra os sócios da empresa fundamentado nos documentos levantados
pelo fiscal de renda, olvidando-se da devida individualização da conduta de cada
agente.
Na verdade, o sistema penal permite esta conduta da acusação,
entretanto, ocasiona vários problemas processuais, tais como:
Primeiramente, nem sempre existe a devida tipificação da conduta
do agente ao crime denunciado, isto é, a partir do momento em que não foi
discriminada a conduta precisa de cada agente, poderá, então, ocorrer uma
93
tipificação inadequada como, por exemplo, do sócio que não possui qualquer
participação administrativa na empresa, que, mesmo assim, é denunciado.
Neste ponto deve ser lembrado que o nosso sistema jurídico veda a
responsabilidade objetiva, como mencionado neste trabalho, e mais uma vez
explicado pelos doutrinadores Luiz Vicente Cernicchiaro e Paulo José da Costa
Júnior, ao comentarem o princípio da responsabilidade pessoal:
"O Direito Penal moderno realça, cada vez mais, a
importância da responsabilidade subjetiva, banindo
categoricamente a responsabilidade objetiva. Os
códigos mais modernos conferem roteiro seguro para
ilustrar a afirmação: República da Alemanha, Áustria,
Portugal e Espanha..... Giuseppe Bettiol escreveu: o
princípio da personalidade da responsabilidade penal
importa também que o fato delituoso possa ser
imputado a uma pessoa ratione personae, vale dizer,
não sob a constatação de um nexo material e objetivo
entre a ação e o evento lesivo (critério mecanicístico),
mas com base em uma imputação humana, que deve
poder resolver-se em juízo de reprovação. Tal juízo é
excluído quando o feito é debitado apenas material e
objetivamente ao sujeito. A responsabilidade objetiva
deve pois considerar-se em contraste com a letra e o
espírito da Constituição"
123
.
Além disso, pode acontecer da denúncia asseverar que os fatos
ocorreram em concurso de pessoas, mas não descrever o liame subjetivo entre
os sócios da empresa, ferindo o princípio constitucional da ampla defesa e o
artigo 41 do CPP.
“A co-autoria ou a participação exigem liame subjetivo
(acordo de vontades, que o é imprescindível, ou
induzimento, instigação ou auxílio). Esse elemento
subjetivo, que se manifesta na adesão de uma vontade
a outra, faz parte do tipo penal. Em conseqüência, é
necessário que o Promotor de Justiça, na denúncia,
descreva o fato constitutivo desse elemento subjetivo
do tipo, sob pena de narrar um fato atípico sob a ótica
do concurso de pessoas: a ausência da narração da
conduta que configura a co-autoria leva a crer tratar-se
123
Direito Penal na Constituição, p. 93
94
de autoria colateral, em que um sujeito desconhece o
comportamento do outro”
124
Ademais, a responsabilidade penal é diferente da responsabilidade
tributária, sendo a primeira de caráter individual e subjetiva e a segunda, objetiva;
conseqüentemente, a menção feita pelo fiscal de renda no auto de infração deve
ser levada com ressalva pelo representante do Ministério Público, quando do
oferecimento da denúncia, a título de autoria, co-autoria ou participação.
O que o pode ser olvidado é que a acusação formulada em juízo
contra uma pessoa integrante de uma sociedade empresarial provoca várias
conseqüências, entre elas a moral, psicológica e até comercial, dependendo da
repercussão que o caso alcançar, sem se falar que o próprio Poder Judiciário se
obrigado a julgar, após anos, inocente a pessoa processada, gerando
descrédito social.
Todos estes equívocos poderiam ser sanados se houvesse a
utilização efetiva do inquérito policial como meio de delimitar a responsabilidade
penal de cada agente, que, normalmente é dispensado, como dito alhures.
Com efeito, uma inversão de valores, uma vez que se parte do
princípio que o inquérito policial somente irá atrasar o trabalho da acusação ou
que ocorre a prescrição da ação penal, esquecendo-se que nosso sistema
penal é baseado na legalidade e, hodiernamente, na culpabilidade do agente, de
modo que somente os agentes envolvidos no fato criminoso devem ser
processados pelo Estado.
Este argumento é reforçado se imaginarmos a rápida tramitação do
inquérito policial e do próprio Poder Judiciário em investigar o fato imputado.
Portanto, o cidadão está padecendo as agruras de uma acusação
processual, às vezes injustamente, em razão da própria justiça entender que não
é ágil para investigar o fato criminoso.
3.5.2 – Individualização da pena
124
JESUS, Damásio E. de. Código de Processo Penal Anotado, p. 42
95
Outro ponto de vital importância para o deslinde do processo é a
individualização da pena de cada agente criminoso.
Na Idade dia, o arbítrio judicial, imposto por exigências políticas
da tirania, era produto de um regime penal que não estabelecia limites para a
determinação da sanção penal.
Com a evolução do direito penal, o arbítrio judicial passou a ser
cerceado pela adoção da pena fixa, onde o juiz limitava-se à aplicação mecânica
do texto legal.
Entretanto, se a pena absolutamente indeterminada deixava
demasiado arbítrio ao julgador, com sérios prejuízos aos direitos fundamentais do
indivíduo, igualmente, a pena absolutamente determinada impediria o seu
ajustamento, pelo juiz, ao fato e ao agente, diante do fato concreto.
Assim, como explica BITENCOURT:
“Essa constatação determinou a evolução para uma
indeterminação relativa: nem determinação absoluta,
nem absoluta indeterminação. Finalmente, abriu-se um
grande crédito à livre dosagem da pena, pelo juiz,
estabelecendo o Código Penal francês de 1810 limites
mínimo e máximo, dentre os quais pode variar a
mensuração da pena. Essa concepção foi ponto de
partida para as legislações modernas, fixando os
limites dentre os quais o juiz deve pelo princípio do
livre convencimento estabelecer fundamentadamente
a pena aplicável ao caso concreto.”
125
Assim, partindo do princípio da responsabilidade penal do sujeito
ativo, cabe ao juiz estipular a retribuição penal, sendo certo que o se resolve
com fundamento na interpretação dos elementos da hipótese delituosa, porque,
125
Tratado de Direito Penal, p. 604.
96
se assim fosse, superadas as dúvidas interpretativas, a aplicação da pena deveria
traduzir-se em simples automatismo.
Com efeito, BETTIOL explica que, se considerar a pena sob o perfil
retributivo, vê-se que a retribuição não pode ser considerada em abstrato, mas
apenas em concreto. É o legislador que determina as orientações cogentes em
abstrato para o juiz, limites que não poderá superar, mas em concreto é o juiz que
determina a atualidade ou a quantidade de pena que, tendo-se em conta critérios
vários, aparece como verdadeira pena retributiva, como pena justa. Não existe,
portanto, uma pena retributiva que não seja pena justa, que não leve em conta
todas as características do caso concreto, a fim de que a relação entre crime e
pena não se considere, inexoravelmente, rompida.”
126
Neste sentido, seguindo as orientações das legislações mais
modernas, o inciso XLVI, do artigo 5°, da Constituição Federal, determina que a
lei regulará a individualização da pena, fato que é corroborado pelas normas
contidas nos artigos 32 e seguintes do Código Penal.
Deve ser observado, principalmente, o disposto no artigo 68, do
Código Penal, que determina o sistema trifásico para o cálculo da pena, isto é, a
estipulação da pena base diante das condições estabelecidas no artigo 59, após
as circunstâncias atenuantes e agravantes e, por fim, as causas de diminuição e
de aumento.
No caso dos “crimes empresariais”, também tem aplicação o
princípio constitucional da individualização da pena.
Nos delitos empresariais uma dificuldade maior na delimitação da
culpabilidade de cada participante, adstritos na formação contratual e
hierarquizada da empresa, notadamente as de grande porte. Assim, durante a
126
Direito Penal, p. 686.
97
tramitação do processo, o juiz não deve prescindir da investigação da descoberta
do verdadeiro responsável, bem como de sua participação no crime.
Ressalte-se que, normalmente, nestes crimes, os sócios da empresa
são denunciados pelo simples fato de constarem no contrato social, porém, no
dia-dia da empresa, cada agente possui sua participação.
Neste caso, a juiz deve analisar com cautela a conduta de cada
agente criminoso, determinando a responsabilidade penal e conseqüentemente a
punição proporcional.
Portanto, a conduta criminosa deve ser rigorosamente analisada
pelo juiz e aplicada a pena de acordo com as determinações legais, com
discricionaridade e não arbitrariedade.
3.5.3 – Responsabilidade penal da pessoa jurídica
A responsabilidade criminal das pessoas coletivas representa um
novo e mais decidido impulso em relação ao princípio clássico da culpa individual.
Na sua origem estão as dificuldades e limitações de uma
responsabilidade exclusivamente pessoal, aliadas à punição individual de
pessoas por condutas que, via de regra, redundam em benefício direto da própria
empresa.
A responsabilidade criminal das pessoas coletivas é aceite, sem
reservas, em países como: Japão, Israel, Estados Unidos e, em geral, nos países
fiéis ao sistema do common law. Também o Conselho da Europa se tem
pronunciado favoravelmente a um princípio de ampla punibilidade das pessoas
coletivas.
Por seu turno, também o artigo 11°, do Código Penal português,
acaba de abrir a via à idéia de admissibilidade desta responsabilidade penal.
98
Pelo contrário, a Alemanha Federal, a Áustria, a Espanha, a
Finlândia e a Grécia contam-se entre os países cujo ordenamento jurídico não
admite esta derrogação ao caráter pessoal da responsabilidade penal.
Como soluções intermediárias, admitindo a responsabilidade
criminal das pessoas coletivas em áreas mais ou menos limitadas, podemos
mencionar a França, Bélgica e Suíça
127
.
Ora, independentemente das dificuldades teóricas que se pode
mergulhar a questão da definição jurídica da empresa, é indiscutível que, se a
empresa adquire uma forma jurídica e, neste sentido, aparece no mundo da
normatividade jurídica, como pessoa coletiva ou como pessoa jurídica, então,
aquilo que era tão-só uma ficção passa agora a ser um centro autônomo de
imputação jurídica.
Partindo deste preceito, a doutrina nacional discute a viabilidade de
punição em face da pessoa jurídica.
Na opinião do jurista Sérgio Salomão Shecaira
128
, existem
argumentos favoráveis e contrários à responsabilização penal da pessoa jurídica,
ocorrendo a discussão em torno dos seguintes temas: a) o responsabilidade
sem culpa; b) princípio da personalidade das penas; c) inaplicabilidade das penas
privativas de liberdade; d) a impossibilidade de arrependimento pela pessoa
jurídica.
O referido autor, conclui asseverando que devem ser alcançadas
pela responsabilidade penal da pessoa jurídica todas as pessoas jurídicas de
direito privado, desde que se reconheça o desvio de finalidade das empresas com
a utilização de sua estrutura para a prática de crimes. as pessoas jurídicas de
direito público não devem ser punidas, dada sua natureza e em face de não dever
o Estado punir-se a si próprio.
Por outro lado, este assunto tem pertinência neste trabalho quando
existe um crime praticado pela empresa, a partir de então, inicia-se a discussão
sobre a culpabilidade, também aplicada nestes casos.
127
“Sobre a Concepção e os Princípios do Direito Penal Econômico”, “In” PODVAL, Roberto (Org.). Temas
de Direito Penal Econômico, p. 113
128
Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica,p. 103
99
Assim, a grande questão que envolve estes fatos é identificar o
responsável pelo ato criminoso que, conseqüentemente, será processado e
punido, notadamente em empresas de grande porte, multinacionais.
Este debate foi agravado pela chegada da globalização que produziu
novas formas de criminalidade que se caracterizam, fundamentalmente, por ser
uma criminalidade supranacional, sem fronteiras limitadoras, por ser uma
criminalidade organizada no sentido de que possui uma estrutura hierarquizada,
quer em forma de empresas lícitas, quer em forma de organização criminosa e
por ser uma criminalidade que permite a separação tempo-espaço entre a ação
das pessoas que atuam no plano criminoso e a danosidade social provocada.
Neste diapasão, Alberto Silva Franco, ao escrever sobre a
globalização e a criminalidade, assevera q ue:
“A inexistência de um Estado mundial ou de
organismos internacionais suficientemente fortes que
disponham do ius puniendi e que possam, portanto,
emitir normas penais de caráter supranacional, a
carência de órgãos com legitimação para o exercício do
ius persequendi e a falta de concretização de tribunais
penais internacionais agravam ainda mais as
dificuldades do enfrentamento dessa criminalidade
gerada pela globalização. Além disso, o Estado-nação,
derruído na sua soberania e tornado mínimo pelo poder
econômico global não tem condições de oferecer
respostas concretas e rápidas aos crimes dos
poderosos, em relação aos quais há, no momento, um
clima que se avizinha à anomia”
129
.
Além disso, o que demonstra de forma cabal a necessidade do
reestudo da criminalidade cometida no seio da empresa é o fato de que raras
vezes são aplicadas sanções punitivas a pessoas diversas dos agentes diretos
das transgressões, lembrando-se que esses agentes diretos são funcionários ou
empregados de nível inferior. A punição a esses agentes é ineficaz, posto que são
eles intercambiáveis e também em face da quase inexistente possibilidade de
influírem sobre o comportamento da empresa a que estão vinculados. Ademais,
129
“Globalização e Punição dos Poderosos”, “In” PODVAL, Roberto (Org.). Temas de Direito Penal
Econômico, p. 257
10
0
sempre que se pretende a punição dos prováveis responsáveis aqueles que
normalmente detêm os cargos de direção esbarra-se na notória dificuldade da
falta de provas no âmbito da criminalidade das empresas
130
.
Dentro desse contexto, globalizante, com que se observa a
empresa, o se pode deixar de notar que a empresa deve ter sob seu estrito
controle a atividade de seus funcionários, posto que as vantagens conseguidas
em face de um ato ilícito a ela beneficiam. Ademais, a punição eventual de um
autor imediato, que muitas vezes sequer tem consciência da prática do ato ilícito,
apresenta o inconveniente de não dissuadir a empresa como um todo dos crimes
que venha a cometer. Desta forma, a prevenção especial não será atingida, a
despeito da punição individual do autor físico do delito. Nesse sentido mais geral,
está a empresa numa função de “garante” em face do seu empregado. Deve ela
ser reprovada como tal, por poder e dever agir para evitar o resultado. A empresa
poderá, pois, não ser punida quando deliberar e praticar um ato ilícito, mas
também quando não impedir que ele seja praticado em seu benefício exclusivo.
131
130
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica, p. 112.
131
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Obra citada, p. 115.
10
1
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Inicialmente, a culpabilidade não era afeta à discussão sobre a
existência do crime, fato que começou a ser discutido com o passar do tempo.
Assim, com a evolução do direito penal a questão sobre a
culpabilidade começou a ter início, passando da teoria normativa para a
psicológica e, após, pela teoria finalista da ação.
Portanto, a culpabilidade evoluiu com o passar do tempo, sendo,
atualmente, um dos pilares do direito penal e pressuposto para aplicação da
pena, calcada no princípio nullum crimem sine culpa, onde a punibilidade está
direcionada apenas nos atos intencionais, considerando injusta qualquer forma de
responsabilidade objetiva ou sem culpa.
Inclusive, como mencionado durante este trabalho, a teoria da
culpabilidade tem origem constitucional e está elencada no artigo 29 do Código
Penal, justamente para que cada agente responda na medida de sua participação
no crime.
Todavia, esta teoria tem sido desprezada pelo Poder Judiciário,
notadamente nos crimes societários, uma vez que não está sendo observada a
conduta e a individualização da pena dos sócios de uma empresa.
Esta desatenção pode ter origem no acúmulo de processos ou na
falta de estrutura do Poder Judiciário, por exemplo, mas, mesmo assim, não são
motivos para a existência de uma denúncia e processo criminal contra um
cidadão inocente.
Na impossibilidade de investigação e apreciação do delito de forma
ágil e coerente, dentro dos limites da lei, o Poder Judiciário dá início à ação penal,
sem qualquer delimitação da responsabilidade penal, porém, dentro do inquérito
policial este debate poderia ser efetuado, sem maiores complicações.
Como assevera Francisco Assis de Toledo, “a experiência do direito
penal, por vezes dramática, tem revelado que juízes e tribunais, na grande
10
2
maioria dos casos, dentro de uma concepção tradicional, esquecem-se da própria
culpabilidade, o mais importante elemento do crime, ao confundi-la com o dolo e a
culpa. Verificando que o agente atuou com dolo, encerram o julgamento e aplicam
a pena criminal. Não pesquisam a evitabilidade do fato e, pois, a sua
censurabilidade. Com a nova construção, ver-se-ão os julgadores,
necessariamente e sempre, diante do problema da culpabilidade. De uma
culpabilidade concreta do aqui e agora. De uma culpabilidade deste homem nesta
situação, não do homo medius, abstrato, inexistente, de triste memória.”
132
.
Assim, verificando a existência da culpabilidade, o próximo passo é
a sua utilização para delimitação e aplicação da pena.
Porém, a quantificação da culpabilidade é arbítrio do juiz, dentro dos
padrões legais, ou como assevera ROXIN:
“É certo, evidentemente, que não é possível uma exata
quantificação da culpabilidade, de tal modo que para
um fato determinado lhe corresponda uma pena
matemática e univocamente calculável. Mas isto
tampouco é necessário. que a função político-
criminal do princípio da culpabilidade consiste,
sobretudo, como vimos, em impedir abusos da pena,
de caráter geral ou especial preventivos, e estes
abusos (nos quais a pena está fora de relação como
respeito à culpabilidade do agente) podem ser
reconhecidos perfeitamente.
133
Na verdade, ao decidir a causa, o juiz deve se ater à questão da
culpabilidade, isto é, ao decidir, num instante derradeiro, pela aplicação da pena
criminal, antes de proferir seu julgamento final, haverá o juiz que defrontar-se com
a advertência de Welzel: A censura de culpabilidade pressupõe tenha podido o
autor formar sua resolução de ação antijurídica mais corretamente, ou seja, de
acordo com a norma. E isto não em um sentido abstrato de algum homem no
lugar do autor, mas no mais concreto sentido de que este homem, nesta situação,
tenha podido formar sua resolução de vontade de acordo com a norma.
134
132
Obra citada, p. 232.
133
ROXIN, Claus. A culpabilidade como critério limitativo da pena, Revista de Direito Penal, p. 12.
134
TOLEDO, Francisco de Assis. Obra citada, p. 233.
10
3
É certo, ainda, que “a justiça perfeita não é deste mundo, e qualquer
pretensão de tê-la realizado por parte de um sistema penal não é ilusória,
como também um sinal da mais perigosa das imperfeições: a vocação
totalitária.
135
De qualquer forma, esta nova concepção do direito penal, calcado
no princípio da culpabilidade pode desagradar à opinião pública, cada vez mais
adepta da utilização do aumento das penas para apaziguar os delitos, no
momento em que as penas poderão ser menores e mais proporcionais ao fato
criminoso, porém, os aplicadores do direito não podem sucumbir com este
propósito.
Neste sentido, Roberto Lyra assevera que:
“O certo é que o Direito Penal se elastece em perfeito e
incessante synchronismo com os factos. É um para
cada emergência, ora sob as formulas desesperadas
de “salvação pública”, ora sob a fraude dos sophismas
machiavelicos. Não uma sciencia criminal, mas uma
política criminal traçada na água revolta. Os Códigos
vão adaptando formulas vagas e complacentes. Defesa
social e temibilidade são conceitos relativos e
malleaveis bem da época.”
136
Tudo isto significa que poucas disciplinas jurídicas são, como o
direito penal, infiltradas pelo conteúdo das concepções dominantes, por aquele
complexo de elementos que determinam a “atmosfera cultural” do momento
histórico em que a norma vem à luz. Não se pode, na verdade, estudar e
compreender o direito penal, com mentalidade agnóstica e com critérios de pura
lógica formal, que poderão ser úteis na fixação da estrutura do sistema penal,
mas não ajudam absolutamente a penetrar no “espírito” do próprio sistema. Estes
critérios podem ter validade para o estudo de outros complexos jurídicos, nos
quais se repercutam menos o desenvolvimento cultural de um povo ou onde, pela
natureza das ações que disciplinam, possam com algumas de suas normas
afastar-se dos limites políticos nacionais de um Estado e, assim,
“internacionalizar-se”. Tais considerações valem, por exemplo, para o direito das
135
FERRAJOLI, idem, p. 370
136
LYRA, Roberto. Economia e Crime, página 96.
10
4
obrigações ou para o direito matimo, onde o momento político se faz sentir em
menor intensidade.
O direito penal, ao contrário, está totalmente imerso nos valores que
exprimem um determinado ambiente cultural, de modo que não se pode deles
prescindir se quiser entender o espírito de uma legislação penal. Isto, no entanto,
não significa negar a existência dos valores universais e absolutos, ligados à
essência da natureza humana e subtraídos, desta forma, ao curso variável da
história.
137
Mais uma vez, deve ser lembrada a advertência proferida por
ZAFFARONI e PIERANGELI:
“A coerção penal deve reforçar a segurança jurídica,
mas, quando ultrapassa o limite de tolerância na
ingerência aos bens jurídicos do infrator, causa mais
um alarme social do que o próprio delito.”
138
Neste sentido, o teor do presente trabalho apresentou a evolução da
culpabilidade, como também sua aplicação nos “crimes empresariais”, com a
delimitação e individualização da pena, bem como a desatenção do Poder
Judiciário ao tratar de tão complexo assunto.
137
BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal, p. 24
138
ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELI, JoH.. Manual de Direito Penal Brasileiro, p. 95
10
5
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10
6
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