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PRISCILA PERIPATO
A REPRESENTAÇÃO DISCURSIVA DA
IDENTIDADE DO ADOLESCENTE NO
FOLHATEEN
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PRISCILA PERIPATO
A REPRESENTAÇÃO DISCURSIVA DA IDENTIDADE DO
ADOLESCENTE NO FOLHATEEN
Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação da
Universidade Estadual Paulista lio de Mesquita Filho,
Campus Araraquara, para obtenção do título de Mestre em Letras
(Área de Concentração: Lingüística e Língua Portuguesa)
Orientadora: Maria do Rosário de Fátima Valencise Gregolin
ARARAQUARA
OUTUBRO/2006
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PRISCILA PERIPATO
A REPRESENTAÇÃO DISCURSIVA DA IDENTIDADE DO
ADOLESCENTE NO FOLHATEEN
COMISSÃO JULGADORA
DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE
_____________________________________________________
PRESIDENTE E ORIENTADORA:
Profa. Dra. Maria do Rosário V. Gregolin
_____________________________________________________
1º EXAMINADORA
Profa. Dra. Maria Isabel de Moura Britto
_____________________________________________________
2º EXAMINADORA
Profa. Dra. Cássia Regina Coutinho Sossolote
4
A Deus, por ter me concedido a graça de
concluir mais uma etapa da minha caminhada;
a meus pais, pelo carinho, amor e dedicação
que muito contribuíram para minha formação
5
AGRADECIMENTOS
Gostaria de manifestar minha gratidão a todas as pessoas e
instituições que, direta ou indiretamente, contribuíram para que este
trabalho se realizasse, e em particular:
Ao Programa de Pós-Graduação de Lingüística e Língua Portuguesa
da Universidade Estadual Paulista Campus Araraquara, pelo apoio
burocrático durante o curso.
À Banca de Qualificação, Maria Isabel e Cássia, pela leitura atenta
do relatório e pelas contribuições oferecidas.
À minha orientadora, Profa. Maria do Rosário, pela dedicação e
doação dispensadas para a elaboração dessa dissertação.
Aos meus amigos que compartilharam comigo essa mesma jornada,
em especial à minha querida amiga Ana Carolina.
6
SUMÁRIO
LISTA DE IMAGENS ................................................................................................... 8
Resumo ............................................................................................................................9
Astract ............................................................................................................................10
CONSIDERAÇÕES INICIAIS ...................................................................................11
1.1 Relevância da Pesquisa ......................................................................................... 11
1.2 Objetivos ................................................................................................................. 12
1.2.1 Geral .............................................................................................................. 12
1.2.2 Específico ...................................................................................................... 13
1.3 Pressupostos Teóricos ............................................................................................ 14
1.4 Metodologia ............................................................................................................ 21
1.5 A Organização dos Capítulos ............................................................................... 25
ADOLESCÊNCIA, IDENTIDADE E MÍDIA ......................................................... 29
2.1 Considerações sobre a adolescência: a adolescência no discurso científico ..... 29
2.1.1 - A adolescência e a modernidade .................................................................. 30
2.1.2 - As diferentes visões da adolescência ........................................................... 32
2.2 Identidade ............................................................................................................... 39
2.3 A mídia e o poder disciplinar ................................................................................ 47
GÊNERO TEXTUAL E AUTORIA .......................................................................... 54
3.1 Autoria no discurso ............................................................................................... 54
3.2 O gênero epistolar .................................................................................................. 62
3.2.1 Uma breve história do gênero epistolar .......................................................... 62
3.2.2 O Gênero epistolar .......................................................................................... 65
3.2.3 A carta enquanto exercício pessoal ................................................................ 68
A ANÁLISE .................................................................................................................. 71
4.1 O suplemento Folhateen ........................................................................................ 71
4.2 Considerações sobre a seção de cartas ................................................................. 77
4.3 A análise .................................................................................................................. 82
7
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 125
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 133
ANEXOS ..................................................................................................................... 139
Tabela classificatória das cartas analisadas ............................................................ 140
8
LISTA DE IMAGENS
Imagem da Seção de Cartas com o antigo visual gráfico .............................................. 73
Imagem da Seção de Cartas com o novo visual gráfico ................................................ 74
9
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo analisar a construção da identidade do
adolescente a partir de representações discursivas na dia, especificamente na
representação presente na coluna de cartas do leitor do suplemento Folhateen, publicado
pelo jornal Folha de S. Paulo. Para isso, vamos utilizar os pressupostos teóricos da
Análise do Discurso, derivada da linha de Michel Pêcheux, para encontrar nas cartas
enviadas formulações que remetam às identidades construídas pelos próprios
adolescentes, por meio do que é dito e como é dito, e pelo jornal, por meio da seleção e
edição das cartas que serão publicadas. Nelas podemos ainda encontrar vestígios da
representação dessa identidade, múltipla devido às múltiplas posições assumidas pelos
adolescentes, além de podermos encontrar ligações com o interdiscurso e com a
memória discursiva.
Palavras-chave: adolescente, identidade, mídia, representação discursiva.
10
ABSTRACT
The present work intends to make an analysis of the construct of the identity of
the adolescent starting from discursive representations in the media, specifically in the
representation present in the readers letters column of the supplement Folhateen,
published by Folha de S.Paulo newspaper. For this, we will use the theoretical concepts
of Discourse Analysis, derivative from Michel Pêcheux studies, to find in the letters that
were sent formulations that are related to the identity constructed by the adolecents,
through what is said and how is said, and by the newspaper, through the selection and
edition of the letters that will be published. In them, we can find tracks of the
representation of this identity, multiple due to the multiple positions assumed by the
adolescents, besides being able to find out connections with the interdiscourse and with
the discursive memory.
Key words: adolescent, identity, media, discoursive representation.
11
CAP. 1: CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1.1 RELEVÂNCIA DA PESQUISA
Existem hoje, no Brasil, cerca de 21 milhões de pessoas cuja idade está entre os
12 e 18 anos. Essa faixa etária corresponde às pessoas as quais convencionamos chamar
de adolescentes. Se estendermos um pouco mais esses limites etários para 10 a 24 anos -
pois muitos estudiosos consideram que essa faixa também pode corresponder à
adolescência -, temos no Brasil 52 milhões de pessoas, ou seja, aproximadamente 1/3 da
nossa população, o que faz com que o nosso país ainda seja considerado um país jovem
(http://www.fundabrinq.Org.br/portal/alias__abrinq/lang__en/tabid__137/default.aspx).
Mas o que é ser adolescente? muitas tentativas de se conceituar a
adolescência, mas qualquer que seja a classificação usada, ela será reducionista, haja
vista essa fase não ser um período marcado apenas por mudanças biológicas, mas
também sociais. De qualquer modo, adolescência recebe, em nossa sociedade, uma
atenção especial por parte de vários profissionais, sejam eles ligados à educação, à
saúde ou à política. Isso porque, socialmente e historicamente, concebeu-se,
principalmente nas sociedades ocidentais, a adolescência como um período que carece
de atenção específica.
A experiência do adolescente ocorre hoje em condições muito particulares, em
uma época de rápidas e variadas transformações da sociedade. A conjuntura na qual ele
se encontra envolve modernidade, alta tecnologia, rapidez, sociedade de mercado e
globalização. O adolescente constitui-se, inclusive, tanto por representar um contingente
quantitativamente importante quanto pelas características que lhe foram socialmente
atribuídas, um mercado consumidor em potencial – por isso, o grande número de
produtos voltados para ele. A mídia também tem um interesse especial pelos
adolescentes. um grande número de programações na televisão, no rádio, assim
como publicações na mídia impressa voltadas especificamente para os adolescentes.
É inegável que os meios de comunicação têm uma influência grandiosa na
sociedade. Eles não apenas relatam fatos, mas os constroem, produzem os sentidos, que
serão absorvidos pelos sujeitos, na grande maioria das vezes, incontestavelmente. É por
isso que a mídia é conhecida como mass media, ou seja, a mediadora das massas, que
oferece as informações prontas, em um processo que priva o sujeito de pensar e
12
refletir. Nas palavras do jornalista José Hamilton Ribeiro, a imprensa livre é o quarto
poder de um país (RIBEIRO, 1997, p. 97). A mídia é uma instituição complexa e, para
tentar entendê-la, é necessário perceber o seu envolvimento com questões de tecnologia,
história, economia e política.
É por isso que se faz importante analisar como os adolescentes são
representados pela mídia. Mais do que orientar esses jovens e possibilitar o
aparecimento de um espírito crítico, os programas e publicações voltadas para esse
público ajudam a criar uma identidade para ele, por meio dos símbolos que divulgam. A
mídia participa na formação das pessoas, produz subjetividades, “sugere modos de ser
e de agir, fabricando comportamentos. Não é a mídia que reflete a realidade, que a
imita, mas, muitas vezes, são as pessoas do mundo real que a copiam.
Para a presente pesquisa, foi tomada como córpus uma publicação voltada para o
público adolescente, o caderno Folhateen, veiculado pelo jornal Folha de S.Paulo. Em
específico, serão analisadas as cartas que os leitores desse suplemento enviam a ele. É
na materialidade discursa que podemos achar pistas das identificações que o sujeito
assume, como elas são representadas e perceber quão heterogêneas e até contraditórias
elas podem ser. Por isso, é importante perceber qual é o papel de fala do adolescente na
mídia e estudar os procedimentos discursivos dessa construção identitária, a fim de
compreender o papel da mídia na formatação das representações para os jovens
contemporâneos.
1.2 OBJETIVOS
1.2.1 OBJETIVO GERAL
Este trabalho tem como objetivo geral estudar a construção da identidade do
adolescente pela mídia, em específico pelo suplemento Folhateen, produzido pelo jornal
Folha de S.Paulo, analisando as cartas enviadas pelos adolescentes-leitores ao referido
caderno. Ao estudarmos as representações discursivas das identidades dos adolescentes,
queremos encontrar direções para duas perguntas principais: a primeira é como o jornal
os adolescentes, quais concepções de adolescências cria e quais identidades formula
para eles por meio da seleção das cartas que serão publicadas e da possível edição pela
qual elas passam. A segunda questão é como o adolescente o adolescente, como o
13
representa e se representa discursivamente por meio das cartas que produz e envia. A
partir daí, tentaremos analisar se a identidade que assume é uma reprodução da
identidade criada pela mídia ou se há resistências.
1.2.2 OBJETIVO ESPECÍFICO
Ao pensar nestas questões mais amplas descritas acima, podemos formular
muitas outras questões, subdividindo-as com relação à atitude do jornal, com relação à
atitude dos adolescentes e com relação às cartas enviadas.
Com relação ao jornal, analisaremos primeiramente como é pensada a identidade
do adolescente em uma conjuntura como a atual, onde os valores são descartáveis,
assim como os gostos. E, em um país tão repleto de desigualdades como o Brasil,
tentaremos analisar se o jornal abarca toda a diversidade existente entre os adolescentes,
se todas as diferenças são levadas em conta e como elas são nomeadas. Tentaremos
ainda verificar se algum tipo de comportamento adolescente que é preferencialmente
veiculado e se outros que são excluídos, analisando ainda como a seleção das cartas
que foram publicadas privilegia alguns assuntos em detrimento de outros. Podemos
ainda nos perguntar como e por que são criadas as representações para os jovens, e
quais as conseqüências disso.
Com relação aos adolescentes, analisaremos se eles reconhecem o jornal
enquanto um formador de opinião e se eles se sentem representados no suplemento.
Também podemos pensar se os próprios adolescentes reconhecem que diferenças
entre eles e se eles se incluem na concepção que eles próprios fazem da adolescência.
Com relação às cartas que os adolescentes escrevem para o jornal, analisaremos
se é possível perceber o adolescente enquanto autor de sua carta, e se as cartas enviadas
para o jornal podem ser percebidas enquanto um exercício da escrita de si. Também
queremos analisar como a memória discursiva funciona na fala dos adolescentes, ao
escreverem as cartas, e na atitude do jornal, ao selecioná-las.
Para conseguirmos resposta para todos esses questionamentos, escolhemos como
princípios teóricos os estudos da Análise do Discurso francesa.
14
1.3 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
É importante, antes de começar uma pesquisa, ter certeza das bases teóricas que
serão usadas. E conhecer essas bases implica conhecer um pouco de sua história. Sem
essa, os conceitos em que se apóiam a pesquisa podem perder sua espessura polêmica
e podem acabar banalizados (GREGOLIN, 2004a). Por isso, cabe neste momento
discutir, ainda que brevemente, a história da Análise do Discurso francesa derivada da
linha de Michel Pêcheux (doravante AD), cujos pressupostos irão nortear a presente
pesquisa. Segundo Maingueneau (1990), é imprescindível estudar os fundamentos da
AD por eles serem estreitamente ligados às investigações empíricas.
Maldidier (2003) atribui o início da AD a uma dupla fundação, a partir dos
trabalhos de Jean Dubois, lingüista e lexicógrafo, e Michel Pêcheux, um filósofo mais
interessado na história das ciências. É importante ressaltar que ela não nasceu de um
gesto fundador específico, mas constituiu-se como uma renovação de estudos antigos,
como a Retórica, a Filologia, a Hermenêutica. Segundo Maingueneau (1990), ela
também não seria uma mera evolução da Lingüística. Para Possenti (2004c), a AD
deriva de múltiplas rupturas com relação ao que vinha sendo pensado e estudado e,
assim como ela não é fruto específico de um único acontecimento, mas sim resultante
de transformações, também os seus dispositivos teóricos não são estáticos, nem foram
formulados de forma pacífica e definitiva, mas foram conseqüências de muitas reflexões
e reformulações.
Durante a década de 60, o estruturalismo triunfava e a Lingüística, considerada
como ciência piloto, possuía metodologia e suportes teóricos bem definidos, que
serviam de base para as outras ciências humanas. Embora Saussure nunca tenha usado o
termo estrutura, ele deriva a partir da noção de sistema lingüístico, presente no Curso
de Lingüística Geral. Saussure percebeu a complexa relação da linguagem e rompeu
com análises anteriores que consideravam palavras isoladas como objetos de estudo e
que procuravam relacioná-las com idéias e objetos do mundo. Para Saussure, a partir da
teoria do valor lingüístico, tudo no sistema lingüístico estava relacionado e deveria ser
analisado a partir de relações internas, afirmando, assim, uma teoria imanentista. O
objetivo do estruturalismo era a língua fechada em si mesma, o sistema lingüístico,
regular e abstrato, estudado independentemente de influências externas, estas que não
eram consideradas partes da estrutura.
15
Mas, no final dos anos 60, a Lingüística encontrava-se em meio a uma crise
epistemológica. Nessa época, a Semântica, cujos estudos apontavam para o exterior,
para a sociedade, conduzia os estudos lingüísticos para fora da frase, que se mostrava
difícil estudá-la dentro dos limites do sistema. A noção de estrutura começou, então, a
ser questionada, por não abranger essa exterioridade.
No final de década de 70, o estruturalismo, que era criticado principalmente
pela fenomenologia, que o acusava de abolir o tempo e o sujeito, e por certas linhas
marxistas, que o acusavam, e também a Althusser, de privilegiar mais métodos e teorias
do que a luta de classe, passa a ser duramente questionado, fazendo com que diversos
outros grupos de estudiosos começassem a buscar soluções e a problematizar o corte
lingüístico, feito entre língua/fala. As críticas a Saussure também eram feitas pelo fato
de se considerar a significação sem tratar de fatores históricos e ideológicos e pelo fato
de conferir ao sujeito, na sua definição de parole, uma liberdade muito grande, livre de
qualquer tipo de coerções (ILARI, 2004).
A AD nasce dentro desse contexto de questionamento do estruturalismo. E
também do marxismo e da política, compartilhados tanto por J. Dubois quanto por M.
Pêcheux. Seguindo caminhos paralelos, independentes um do outro, eles partilhavam a
mesma crença sobre a luta de classes, sobre o movimento social (MALDIDIER, 2003,
p. 17). O objetivo de ambos estava inserido em propósitos políticos e a Lingüística foi o
meio encontrado para abordá-los. Assim, tanto a Lingüística como o marxismo estavam
na base do início da AD.
A AD toma o discurso como objeto. O discurso não é análogo ao conceito de
fala de Saussure, não é a passagem da língua para a fala, mas vem tratar da língua em
uso. A fala é assistemática e individual, enquanto o discurso é social e sistemático.
Nascendo como um lugar de entremeio, a AD não é uma disciplina, mas relaciona-se
com várias outras, como a Lingüística, a Sociologia, a Psicanálise, constituindo-se como
um espaço de problematizações.
Mais do que a versão melhorada dessas ciências, a AD também não surgiu para
suprir uma falta. Ainda segundo Maingueneau (1990), dentre os motivos que
propiciaram o seu aparecimento estaria a necessidade de refletir sobre a língua, um
modo de substituir as explicações de textos escolares (MAINGUENEAU, 1990, p. 66),
além da conjuntura estruturalista na qual se achavam as ciências humanas, e a adesão ao
projeto althusseriano, que possibilitou que a AD transbordasse os limites do
16
estruturalismo e não se limitasse apenas ao córpus literário, chamando, assim, a atenção
de outros estudiosos das ciências humanas.
A AD não é, portanto, o acréscimo de uma pitada histórica, cultural,
ideológica, psicológica ou psicanalítica ao que diz a Lingüística, em
seus diversos compartimentos, não é simplesmente a fonoestilística, a
conotação, a sintaxe voltada para o falante, a semântica a que se
acrescenta o tempero do contexto, ou o texto como efeito de um
processo. A AD pode tratar cada um desses “temas mas o tratará
rompendo com o que a lingüística fez em cada um deles.
(POSSENTI, 2004c, p. 357)
Para abarcar todos esses questionamentos, foi necessário que a AD recorresse a
uma heterogeneidade teórica, articulando-se em um campo interdisciplinar,
interessando-se por novos objetos. A enunciação assume um papel central, mas não
como um conceito pronto, mas sim como o signo de um problema (GREGOLIN,
2003a). O grupo de AD filiado a Michel Pêcheux tem como característica principal a
transdiciplinaridade. A noção de discurso articulava uma teoria lingüística, uma teoria
social e uma teoria do sujeito, baseadas em releituras feitas de Saussure, de Marx e de
Freud.
O marxismo foi nela introduzido por meio das releituras de Marx feitas por
Althusser que, por meio do estruturalismo, tentou dar ao marxismo bases mais seguras.
A AD buscou, no projeto althusseriano, uma ciência da ideologia, por meio da qual
estudava a deformação imaginária que sofriam as relações reais dos indivíduos em face
de suas posições na formação social.
Freud também tinha uma postura anti-humanista, que com a descoberta do
inconsciente, o sujeito perdia o controle sobre si mesmo. Lacan, ao reler Freud, diz que
o inconsciente se estrutura como uma linguagem, como uma cadeia de significantes,
latente, que se repete e interfere no discurso efetivo, como se houvesse sempre, sob as
palavras, outras palavras, como se o discurso fosse sempre, sob as palavras, outras
palavras, como se o discurso fosse sempre atravessado pelo discurso do Outro, do
inconsciente (MUSSALIM, 2003, p.107). Assim como para Saussure, em que os
elementos da língua podem ser definidos em relação a outro elemento, o sujeito
também se define em relação ao Outro, que condiciona a sua posição, como se
fossem lugares na estrutura. No entanto, destoa do Estruturalismo ao considerar o papel
do sujeito neste sistema e, principalmente, a primazia do Outro sobre ele.
17
Desde o seu início, embora não reconhecida desde logo como uma ciência, a AD
atraiu o interesse de lingüistas e pesquisadores das ciências humanas, dentre eles
historiadores, haja vista sua grande divulgação, mas também foi alvo de críticas. Dentre
elas, Maldidier (2003) relata que, ironicamente, elas recaíam principalmente naquilo
que, inicialmente, constituía a AD e que, paradoxalmente, a bloqueava, como o córpus
restrito e fechado e a busca por córpus homogêneo. Essas críticas impulsionaram a
busca por novos posicionamentos, períodos de reconstrução e produziram
questionamentos que ainda hoje não foram recobertos. Hoje, ainda critica Maldidier,
os conceitos de Pêcheux são banalizados e usados em contextos diversos.
O próprio Pêcheux costumava dividir a história da AD em 3 épocas
(PÊCHEUX, 1990), que revelam os embates e as reconstruções operadas na
constituição desse campo teórico. Em um primeiro momento, o do surgimento, a AD
filia-se ao Estruturalismo principalmente por querer encontrar métodos para proceder à
análise. O texto Análise Automática do Discurso” (AAD - 1969), de Pêcheux, já reflete
no nome a preocupação com a metodologia, que buscava a aplicação automática de
técnicas de computação para o tratamento de córpus.
O córpus era predominantemente político e produzido em situações
homogêneas. O fato de essa análise ser automática superaria o problema da extensão do
córpus e, para garantir o resultado, os corpora deveriam ser produzidos nas mesmas
condições de produção. Como resultado, pretendia-se obter efeitos de sentidos das
frases analisadas, estudando-se a seqüência e o contexto em que elas apareciam.
A noção de sujeito assujeitado estava fortemente enraizada nesta época, sendo
que o sujeito era considerado apenas como um reprodutor da ideologia que circulava
pela sociedade em uma determinada época. Predominava a idéia de um sujeito que,
interpelado por essa ideologia, não era a fonte dos sentidos, embora tivesse essa ilusão,
e nem tinha consciência desses sentidos.
Em um segundo momento, a AD é fortemente marcada por um movimento em
direção à heterogeneidade, ao OUTRO, e à problematização da ideologia, em uma
época de polêmicas e reajustes. É um momento essencial de teorização das mudanças,
ao se propor uma teoria materialista do discurso: é sobre a base lingüística que se
desenvolvem os processos discursivos, mas, ao mesmo tempo, todo processo discursivo
se inscreve em uma relação ideológica de classe. A noção de máquina estrutural fechada
começa a explodir.
18
Durante esse segundo momento, as idéias de Foucault começaram a ser
estudadas (embora com certa ressalva), com o início de debates sobre a
heterogeneidade. O conceito de formação discursiva, tomado por empréstimo de
Foucault, desencadeia um processo de transformação e, com isso, a influência de
Althusser foi amenizada. O conceito de formação discursiva foi formulado por
Foucault, em Arqueologia do Saber (escrito em 1969), que o definia como “um
conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço que
definiram em uma época dada, e para uma área social, econômica, geográfica ou
lingüística dada, as condições de exercício da função enunciativa (FOUCAULT, 1986,
p.136). Transposta para os estudos da AD, formação discursiva é entendida não como a
visão de mundo de um grupo social, mas como um domínio inconsistente, aberto e
instável e deve ser buscada na dispersão, na heterogeneidade dos lugares enunciativos
do sujeito, observando-se de qual posição ele enuncia.
Começa a surgir, ainda, uma nova concepção de história e ocorre uma mudança
no córpus (de político e escrito, passa a abranger qualquer texto, mesmo oral),
passando-se à análise de discursos menos estabilizados e não produzidos nas mesmas
condições de produção.
O último momento é conhecido como o momento de “desconstrução dirigida,
em uma espécie de fase de autocrítica do que já se havia feito anteriormente, como
crítica à política e às posições derivadas da luta na teoria. É uma fase de aproximação
ainda maior com Foucault e com as idéias oriundas da Nova História, principalmente a
que diz respeito à descontinuidade. Passa-se a se considerar uma nova concepção de
sujeito, não mais totalmente assujeitado à ideologia. Tendo, a partir de 1980, adotado a
perspectiva de que o discurso é, ao mesmo tempo, da ordem da estrutura e do
acontecimento, torna-se insuportável a defesa tanto do ‘assujeitamento radical’ quanto o
de ‘máquina discursiva’ (GREGOLIN, 2004a, p.159-160). As mudanças que operaram
nessa fase estavam em total desacordo com o que havia sido repetido durante as fases
anteriores. Esse deslocamento da centralidade sempre atribuída à ideologia revela a
aproximação com Foucault (GREGOLIN, 2004a).
O discurso passa a ser visto pela ótica da heterogeneidade, destruindo, de uma
vez por todas, a Análise Automática do Discurso que, buscando apenas a
homogeneidade nos córpus, engessava a leitura.
São as concepções (re)formuladas nesta época que constituem a fundamentação
da nossa pesquisa que incluem a questão da heterogeneidade, do predomínio do
19
interdiscurso, do OUTRO, da memória, do acontecimento, do arquivo. Pêcheux
explicita claramente as mudanças de rumo imprimidas aos trabalhos dessa época devido
à aproximação com a Nova História:
Aos pesquisadores da ‘Nova História’ (...) Pêcheux atribui o mérito
de tratarem das lutas políticas, dos funcionamentos institucionais a
partir da tematização da discursividade, colocando em causa a
transparência da língua, (...) problematizando as certezas
tradicionalmente associadas ao enunciado documental e com os
estudos de Foucault, já que este mostra como a história se recorta (e
se define) em função de uma combinação sincrônica de discursos,
que se contra-distinguem mutuamente e remetem às regras comuns de
diferenciação (GREGOLIN, 2004a, p. 172).
É por isso que Pêcheux diz que as investigações da Análise do Discurso deviam
passar a ser o interdiscurso, confrontando a memória sob a história. O primado do
interdiscurso sobre o discurso implica construir um sistema no qual a definição da rede
semântica que circunscreve a especificidade de um discurso coincide com a definição
das relações desse discurso com seu Outro. Assim, sempre haveria um espaço de trocas
entre discursos, que não poderiam ser uma identidade fechada. (POSSENTI, 2004 c, p.
384).
O interdiscurso é uma região de encontros e confrontos de sentidos. Ao
enunciar, o sujeito insere-se em uma rede de formulações precedentes que o obriga a
construir o seu discurso a partir de uma tradição. Assim, em cada enunciação intervêm
tanto a situação imediata quanto a história e a memória e por isso qualquer enunciado
será sempre uma resposta a enunciados passados. É no interdiscurso que reside a
identidade passada, presente e futura dos enunciados. A interdiscursividade é
constitutiva de qualquer enunciado. Às vezes, ela pode vir marcada, como é o caso da
citação, do uso de aspas, da negação, etc. Tem-se estabelecido então a relação entre o
interdiscurso e o intradiscurso, em que se busca no fio do discurso os vestígios da
memória discursiva (GREGOLIN, 2004a).
Nos anos 60, essa visão de interdiscurso era muito diferente. Como se
estudavam apenas discursos políticos, restringindo-se o campo de estudo da FD, não
havia preocupação com a relação que ela poderia ter com outras FDs. Aliás, essa
relação com outras FDs era pensada apenas como uma forma de justaposição de
unidades exteriores umas às outras. Dentro desse quadro, o interdiscurso poderia ser
compreendido como um conjunto de relações entre diversos intradiscursos compactos
(BRANDÃO, 2002, p. 74).
20
A noção de acontecimento também começou a ser priorizada pela AD a partir do
contato com os historiadores da Nova História. De um modo geral, acontecimento é
considerado aquilo que rompe, em certo momento, com uma tendência anterior.
Possenti (2004b) diz que, para a AD, acontecimento deve ser entendido como aquele
que foge à estrutura e que promove sua retomada ou repetição. Possenti ainda
exemplifica o acontecimento, dizendo que podemos considerar o estruturalismo, o
feminismo, o nacionalismo como acontecimentos discursivos. De acordo com Pêcheux
(1999), mecanismos pelos quais um acontecimento torna-se passível de se inscrever
na memória. ainda certos acontecimentos que não se inscrevem na memória,
escapando dela, e acontecimentos que se inscrevem na memória como se não
tivessem ocorrido.
A questão da memória também é uma reflexão que vem da história e possibilita
para a AD trabalhar com a noção de interdiscurso. Para Dosse (2004), a memória não é
apenas uma conservação de discursos, mas também é constituída por apagamentos,
esquecimentos. Ela é, assim, um recorte do passado, e não tudo que aconteceu nele.
Durante muito tempo instrumento de manipulação, a memória pode
ser reconsiderada em uma perspectiva interpretativa aberta em
direção ao futuro, fonte de reapropriação coletiva e não simples
museografia isolada do presente. Supondo a presença da ausência, ela
permanece o ponto de contato essencial entre passado e presente,
desse difícil diálogo entre o mundo dos mortos e o dos vivos. Ciência
da mudança, como dizia Marc Bloch, a história envereda cada vez
mais pelos caminhos obscuros e complexos da memória, até em seus
modos extremos de cristalização, tanto ideais quanto materiais, a fim
de compreender melhor os processos de transformação, as
ressurgências e as rupturas instauradoras do passado. Bem longe das
leituras esquemáticas cuja única ambição é preencher lacunas e
buscar suas causas, a história social da memória permanece atenta a
qualquer alteração como fonte de movimento da qual é preciso
acompanhar os efeitos. (DOSSE, 2004, p. 184)
Dosse (2004) estabelece uma relação entre memória e história. A primeira, por
ter caráter subjetivo, fragmentado, se opõe à história, no sentido tradicional, para a qual
os acontecimentos são transparentes, portadores de um sentido único que devem passar
pelo “crivo da razão. Dosse (2004) ainda alerta para os excessos aos quais a memória
pode ser submetida. Essa supervalorização da memória, que ao passado um ar de
presente, pode impedir, segundo Rousso, o entendimento do passado, sua duração, o
tempo decorrido e sua influência sobre a nossa capacidade de ver o futuro (DOSSE,
2004). Por sua vez, um esquecimento que também é necessário para nos afirmar que
21
não podemos viver de passado, mas o excesso de esquecimento é prejudicial ao nos
encaminhar a um tipo de patologia de memória e, consequentemente, de identidade.
Emprestando o conceito de memória, Pêcheux diz que a memória discursiva
seria aquilo que, face a um texto que surge como acontecimento a
ler, vem restabelecer os implícitos (quer dizer, mais tecnicamente,
os pré-construídos, elementos citados e relatados, discursos
transverso, etc.) de que sua leitura necessita: a condição do legível em
relação ao próprio legível. (PÊCHEUX, 1999, p. 52).
Ao ler um texto, que surge como um acontecimento, os implícitos são
restabelecidos. Não uma palavra original – o seu sentido será recuperado se
recorrermos à memória. Mas também um novo acontecimento pode deslocar os
implícitos associados a um acontecimento anterior, a um sistema de regularização, ou
passar a coexistir junto a ele.
Assim, em cada enunciação intervém tanto a situação imediata quanto a história
e a memória e, por isso, qualquer enunciado será sempre uma resposta a enunciados
passados. Os sentidos de um discurso são possíveis porque recuperamos o seu já-dito
por meio dessa memória. Portanto, toda formulação deve ser analisada por meio de dois
eixos: o vertical, que inclui a memória discursiva, o interdiscurso, e o horizontal, que é a
materialidade discursiva.
1.4 METODOLOGIA
Como o objetivo do presente trabalho é a análise da identidade do adolescente
de hoje construída pela mídia, o córpus necessariamente deveria constituir-se ou por
publicações voltadas a esse público ou que dele falam. O objeto de análise escolhido,
como dito, foi a seção de Cartas que faz parte do suplemento Folhateen, que circula
semanalmente no jornal Folha de S.Paulo, dentre um período de tempo específico, e
contemporâneo à produção da análise, cujo recorte se inicia em agosto/2005 e se
estende até julho/2006, ou seja, pelo período de um ano. Este suplemento foi escolhido
tendo em vista pertencer ao jornal de maior circulação no estado e destinar-se ao
público adolescente. Segundo definição encontrada no site do jornal, destinado aos
jovens, o Folhateen, escrito na linguagem deles, traz reportagens sobre temas que os
preocupam. Em tamanho tablóide, conta com diversas seções fixas sobre sexo, música e
22
comportamento. Enviado aos sábados, para publicação simultânea com a Folha às
segundas
(http://www.folhapress.com.br/web/produtos/descricao_sng.php?cd_produto=cadernos
&PHPSESSID=6605e94aba4413ac68b9e23158b4249a).
Para a análise, primeiramente, foi imprescindível haver uma leitura
bibliográfica, que ajudou na fundamentação teórica. A leitura estendeu-se de textos
teóricos sobre a AD a textos sobre a adolescência, tendo em vista serem os adolescentes
o público–alvo do nosso córpus. Também foram lidos textos específicos sobre mídia,
sobre a questão da autoria, sobre a identidade e sobre cartas, enquanto gênero
discursivo.
A seleção do córpus deu-se a partir das cartas enviadas pelos adolescentes ao
jornal, durante o período de agosto de 2005 a julho de 2006. Após a seleção, a análise
do córpus foi realizada com base nas leituras feitas, procurando, então, perceber como
as representações identitárias dos adolescentes são construídas. Procuramos tabular
todas as cartas deste período em uma tabela contendo três colunas: uma com as datas
em que os suplementos circularam, outra na qual consta o número de cartas publicadas
naquela edição e a última com uma classificação dada às cartas de acordo com o tema
do qual tratavam. Ainda foi feita uma outra tabela contendo, em ordem decrescente,
todos os temas mais abordados, e o número de vezes que eles apareceram no período
estudado. Por fim, ainda se fez necessário uma última tabela para tratar de um tema
classificador específico, nomeado como opinião sobre o jornal. Por ser abrangente,
esta última tabela distingue dentre essas cartas as que fazem elogios e as que fazem
críticas ao jornal. Depois, procuramos transcrever algumas cartas, para, logo em
seguida, procedermos à análise, sempre tendo em vista os nossos objetivos.
Para a constituição do córpus, usamos um conceito muito útil aos analistas do
discurso, o de arquivo, emprestado de Michel Foucault, que operou grandes mudanças,
especialmente com relação ao tratamento do córpus.
Chamarei arquivo não a totalidade de textos que foram conservados
por uma civilização, nem o conjunto de traços que puderam ser
salvos de seu desastre, mas o jogo das regras que, numa cultura,
determinam o aparecimento e o desaparecimento de enunciados, sua
permanência e seu apagamento, sua existência paradoxal de
acontecimentos e de coisas. Analisar os fatos de discurso no elemento
geral do arquivo é considerá-los não absolutamente como
documentos (de uma significação escondida ou de uma regra de
23
construção), mas como monumentos (...) (FOUCAULT, 1968 apud
REVEL, 2005, p.18).
Para a AD, na década de 60, o córpus era dado a priori. Segundo Pêcheux,
durante a primeira fase, não havia necessidade nenhuma de diversificação do córpus,
restrito a textos escritos e de teor político. No entanto, à medida que a AD parte para
novos rumos, passando a considerar aquilo que instala o social no político, quando
começa a considerar o OUTRO, abrindo-se para novas concepções de sujeito e de
sentido, a abrangência quase ilimitada do arquivo não podia mais ser ignorada. Assim, a
questão do córpus, complicada para a AD, se reencontrou com o conceito de arquivo.
Para o estudo do arquivo, Pêcheux adverte que é necessário mergulhar na sua
materialidade, que é uma tarefa complexa, dada a sua dispersão máxima.
A escolha de um córpus no arquivo não pode servir para justificar um tema dado
a priori ou para exemplificá-lo. Ao escolher o córpus, o analista vai se deparar com
relações e sentidos diversos, os quais vão emergir durante a análise. Assim, a pesquisa
que será realizada e a qual fez referência este trabalho terá como córpus, conforme
dito, as cartas enviadas ao suplemento Folhateen, que serão analisadas a partir do viés
identitário do sujeito. A construção da identidade do adolescente, principal leitor desse
caderno, feita tanto por ele como pelo jornal, poderá ser analisada por meio do recorte
do córpus, ou seja, ele é fundamental para a constituição da pesquisa. Mas não se deve
ir a ele com idéias pré-concebidas sobre o que procurar, mas ir até ele sem saber
exatamente o que encontrar. E para a análise do arquivo é imprescindível que se
proceda não somente a uma análise da língua enquanto sistema passível de descrição,
mas que ela venha associada à discursividade, como inscrição de efeitos lingüísticos
materiais na história (PÊCHEUX, 1994, p. 63).
Pêcheux também diz que há diferentes gestos de leitura, ou seja, diferentes
modos de se ler o arquivo, de interpretá-lo, e que interferem na construção do córpus. E
não se pode ser ingênuo em pensar que o recorte do arquivo é imparcial. Segundo
Pêcheux:
Não faltam boas almas se dando como missão livrar o discurso de
suas ambigüidades, por um tipo de terapêutica da linguagem, que
fixaria enfim o sentido legítimo das palavras, das expressões, e dos
enunciados. É uma das significações políticas do desígnio
neopositivista, esta de visar construir logicamente, com a benção de
certos lingüistas, uma semântica universal suscetível de regulamentar
não somente a produção e a interpretação dos enunciados científicos,
24
tecnológicos, administrativos, mas também (um dia, por que não?)
dos enunciados políticos. (PÊCHEUX, 1994, p. 60).
Assim, a interpretação do arquivo não se deve configurar como única ou
original, nem se pode estudar o arquivo com a finalidade de conseguir resultados
estatísticos e numéricos, já que a materialidade do arquivo não é, segundo a metáfora de
Pêcheux, um vidro transparente.
O arquivo também não é um mero reflexo da sociedade no qual foi produzido,
ele não é evidente, mas ele “permite uma leitura que traz à tona dispositivos e
configurações significantes (GUILHAUMOU, MALDIDIER, 1994, p. 164).
Assim, ao estudar as cartas, ao estabelecer esse córpus, não podemos apenas
enxergá-lo como uma manifestação do que é a sociedade hoje, mas devemos procurar
nelas as relações que se estabelecem entre o que é dito acerca da identidade dos
adolescentes em conjunto com certos acontecimentos discursivos, sociais e políticos,
procedendo-se a uma descrição e a uma interpretação, não como duas fases sucessivas,
mas alternadas, ambas importantes.
A descrição de um enunciado ou de uma seqüência coloca
necessariamente em jogo (por meio da detecção de lugares vazios, de
elipses, de negações e interrogações, múltiplas formas de discurso
relatado...) o discurso - outro como espaço virtual de leitura desse
enunciado ou dessa seqüência. Esse discurso - outro, enquanto
presença virtual na materialidade descritível da seqüência, marca, do
interior dessa materialidade, a insistência do outro como lei do
espaço social e da memória histórica, logo como o próprio princípio
do real sócio-histórico. E é nisto que se justifica o termo de disciplina
de interpretação (...) (PÊCHEUX, 2002, p. 54-5).
A mídia, por sua vez, faz trabalhar o acontecimento, fazendo-o aparecer como
único, transparente, respondendo a nossa necessidade de homogeneização e lógica. Mas
o real é inapreensível, objeto de múltiplas interpretações e o não logicamente estável
não é “um furo no real (PÊCHEUX, 2002, p.43). Assim, ao analisarmos um córpus, e,
dentro dele um acontecimento, não devemos nos preocupar em achar um real, mas em
realizar uma interpretação.
A noção de acontecimento considera as redes de memória e os trajetos sociais.
As identificações, as posições dos adolescentes nas cartas são momentos de
interpretação aos quais chegamos por meio da descrição. Como o acontecimento é
apreendido na materialidade dos enunciados produzidos em determinado momento
(GUILHAUMOU, MALDIDIER, 1994, p. 166), e assim não é dado a priori, podemos
25
analisar as cartas enviadas, perceber certo acontecimento, que aparentemente pode não
ser visível. Foi desse modo que procedeu Foucault (2000) ao analisar os documentos do
século XVI do porto de Servilha. Por meio da história serial, Foucault não estabeleceu
objetivos prévios para fazer o seu estudo, mas definiu seu objeto a partir dos
documentos de que dispunha. Também não procurou decifrar alguma coisa importante
com relação ao porto, mas sim estabelecer relações. E assim fez emergir
acontecimentos, ignorados.
A história serial permite de qualquer forma fazer aparecer diferentes
extratos de acontecimento, dos quais uns são visíveis, imediatamente,
conhecidos até pelos contemporâneos, e em seguida, debaixo desses
acontecimentos que são de qualquer forma a espuma da história,
outros acontecimentos invisíveis, imperceptíveis para os
contemporâneos e que são de um tipo completamente diferente.
(FOUCAULT, 2000, p. 291)
1.5 A ORGANIZAÇÃO DOS CAPÍTULOS
Para conseguirmos atingir os objetivos propostos, torna-se necessário abordar os
assuntos que esta pesquisa envolve. Por isso, o capítulo seguinte pretende tratar o tema
da adolescência, da identidade e da mídia, uma vez que a pesquisa gira em torno deles,
apoiando-nos em estudos sobre esses temas.
Com relação à adolescência, tentamos oferecer uma definição ampla e um breve
histórico sobre a criação da adolescência, relacionando o seu início com o começo da
modernidade, especialmente nas sociedades ocidentais. Além disso, tentaremos
caracterizá-la principalmente por meio da concepção que duas correntes distintas
possuem sobre a adolescência: uma é derivada da corrente psicanalista e outra é
derivada da Psicologia Sócio-Histórica. Embora essas correntes possam ter pontos em
comuns, é certo que cada uma foca diferentes aspectos da adolescência. Enquanto a
primeira tem como aporte parâmetros psicológicos e biológicos, a segunda baseia-se em
aspectos sociais, políticos e econômicos para oferecer sua visão. Tentaremos, ainda que
de uma forma geral, explicitar essas concepções, mas sem a preocupação de termos que
julgar uma ou outra mais “correta, que não é esse o nosso objetivo. O que queremos
ao tratar dessas diferentes concepções é mostrar como a adolescência é vista no campo
acadêmico, na expectativa de que conhecer um pouco mais sobre ela possa nos ajudar
na produção da análise do nosso córpus.
26
E como a análise terá como foco a representação da identidade do adolescente
na mídia, é importante discutirmos a questão identitária. Para isso, partimos dos estudos
de Stuart Hall (2002), especialmente baseando-nos no livro A identidade cultural na
pós-modernidade, no qual ele trata dos conceitos de sujeito por meio da modernidade.
Para Hall (2002), o sujeito pós-moderno não apresenta uma identidade fixa, única, que o
caracterize singularmente. Mas ao contrário. O sujeito é fragmentado, cindido e
portador de várias identidades, como conseqüência de um processo que acompanha o
sujeito por toda a vida.
Assim, tomando por base as considerações de Hall, vamos oferecer uma
abordagem sobre a formação da identidade do adolescente, tendo em vista a
multiplicidade que lhe é característica, relacionando-a com as características próprias da
adolescência, como a procura por grupos de amigos e por ídolos.
Por fim, haverá também uma discussão sobre a mídia. Essa possui, na nossa
sociedade, um poder quase ilimitado, fazendo com que tenha um importante papel na
construção de fatos e na formação de opiniões. Para o estudo da mídia, também vamos
nos apoiar nos estudos de Foucault sobre o poder disciplinar. Não é ousadia afirmar que
a mídia também trabalha para a construção de corpos dóceis, para o controle da
sociedade ao construir subjetividades. Antônio Alberto Prado, jornalista, que foi
presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Empresarial (Aberje), de São Paulo,
admite: (...) a imprensa é constituída por um grupo relativamente pequeno de
jornalistas profissionais, que têm o poder de fazer a cabeça de milhões de pessoas (...).
(PRADO, 1997, p. 93). Por isso, a mídia, ao construir uma representação do
adolescente, não atua como um mero suporte, mas constitui-se em uma formadora de
representações.
O 3º capítulo pretende fazer uma discussão sobre a carta, enquanto gênero
discursivo, e a autoria. Com relação a esta última, tomaremos as considerações de
Foucault sobre o discurso e sobre a função-autor. Para Foucault, a noção de autor não
deve remeter a uma pessoa física, mas é um conceito mais abstrato: O autor, não
entendido, é claro, como o indivíduo falante que pronunciou ou escreveu um texto, mas
o autor como o princípio de agrupamento do discurso, como unidade e origem de suas
significações, como foco de sua coerência (FOUCAULT, 2002b, p. 26). Também nos
apoiamos em Chartier, que oferece um estudo sobre o autor por meio do
desenvolvimento da história do livro.
27
A função-autor é assumida pelo adolescente ao escrever a carta para ser enviada
ao jornal. Interessa-nos descobrir como o adolescente, enquanto autor, por meio de uma
maneira particular de produção, representa sua identidade, e como ele se constitui como
autor, e não um mero reprodutor dos discursos que circulam pela mídia. O texto a ser
produzido não segue apenas regras imanentes ao sistema lingüístico, mas ele adquire
suas significações pela subjetividade de seu autor, que é o foco de expressão.
A autoria do adolescente, nesta pesquisa, será mostrada na produção de cartas. E
assim como um autor tem regras a seguir, o gênero textual usado também oferece certas
normas. O autor sofre coerções pelo gênero discursivo e, assim, usar um determinado
gênero e não outro traz implicações para o discurso.
Assim, o capítulo 3 também trará uma discussão sobre as cartas enquanto gênero
epistolar. Procuramos fazer um relato sobre a história desse gênero, apoiando-nos, para
isso, nos estudos de Ucy Soto (2001) feitos em sua tese sobre o assunto. Segundo ela,
existem muitos tipos de cartas: carta de alforria, carta de sesmarias, carta magna, carta
celeste, carta geográficas, carta de baralho, carta de motorista. Embora vamos usar
apenas o termo “carta nesta pesquisa, ela refere-se apenas às cartas-missivas. Os
estudos de Bakhtin sobre gêneros discursivos também foram importantes para analisar
as cartas, observando-se as suas considerações sobre forma composicional, conteúdo
temático e estilo.
Para finalizar o capítulo, será analisado a escrita da carta como um exercício
de si, como uma técnica de cuidado de si, fundamentando-nos nos trabalhos de Foucault
sobre a escrita de si.
O capítulo começa com um breve comentário sobre o suplemento e sobre a
seção de cartas em específico, enquanto espaço discursivo e suporte das representações
identitárias feitas sobre os adolescentes. A partir daí, damos início à análise. Foram
produzidas algumas tabelas, como já mencionado, com o intuito de ajudar na
quantificação e na visualização das cartas, cujos dados ainda foram úteis para análise.
Para a realização desta, algumas cartas foram transcritas para depois serem analisadas,
tentando sempre observar as representações dos adolescentes feitas pelo jornal e pelo
próprio adolescente autor da carta.
Nas considerações finais foram retomados os principais pontos da pesquisa,
relacionando as análises feitas com os objetivos propostos. Nesta última parte está uma
tentativa de estabelecer um fecho da pesquisa, mas sem a preocupação de oferecer
28
respostas exatas e certas para as indagações iniciais. Também se encontram algumas
reflexões para futuras reflexões.
Por fim, após as considerações finais, estão as referências bibliográficas usadas
nesta pesquisa e o anexo, contendo a tabela classificadora das cartas publicadas pelo
Folhateen no período analisado.
29
CAP. 2: ADOLESCÊNCIA, IDENTIDADE E MÍDIA
2.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ADOLESCÊNCIA: A
ADOLESCÊNCIA NO DISCURSO CIENTIÍFICO
A adolescência constituiu-se historicamente, na sociedade ocidental, como uma
fase da vida muito especial. Não é à toa que existem muitos livros, estudos, pesquisas
sobre a adolescência pois ela ganhou um papel social muito grande. Pais e
professores, muitas vezes, ficam receosos ante a entrada de seus filhos e alunos na
adolescência, como se eles fossem se tornar uma outra pessoa. Por ter essa importância
social, vamos, nesta primeira parte deste capítulo, tentar falar um pouco sobre os
adolescentes, como eles são vistos na sociedade hoje, e quais concepções se têm a
respeito deles.
Antes de tentar buscar uma definição, é preciso ter o cuidado para não cair em
estereótipos, classificando o adolescente segundo características gerais. Defini-lo
também se caracteriza como um trabalho difícil devido às mudanças do mundo
contemporâneo que tornam a adolescência um conceito volúvel. Os adolescentes de
cada parte do mundo podem compartilhar certas características, mas é certo que eles
conservam suas singularidades. Os adolescentes brasileiros, por exemplo, são marcados
por fortes desigualdades sociais étnicas e culturais. Alguns têm a adolescência
prolongada; outros, abreviada.
duas confusões muito freqüentes quando se tenta definir quem é o indivíduo
que pode ser considerado adolescente. A primeira diz respeito a qual classificação etária
adotar ao se falar em adolescência. De acordo com o ECA (Estatuto da Criança e do
Adolescente Lei 8.069/90), a adolescência é o período que vai dos 12 aos 18 anos
incompletos
1
. A legislação brasileira toma como referencial a classificação feita pelo
Unicef, que, por sua vez, se pauta nos Direitos da Criança e do Adolescente, da
Organização das Nações Unidas. a Organização Mundial de Saúde, por sua vez,
divide a adolescência em dois períodos: o primeiro que vai dos 10 aos 16 anos e o
segundo que vais dos 16 aos 20.
1
ART. 2° - Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e
adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Parágrafo Único - Nos casos expressos em lei,
aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.
30
A segunda confusão, que acaba decorrendo da primeira, refere-se à diferença
que pode (ou não) existir entre adolescente e jovem. Os indivíduos considerados jovens
seriam, para a ONU, aqueles cuja idade está entre os 15 a 24 anos. ainda um critério
mais amplo que se refere à população jovem, e que engloba a faixa etária dos 10 a 24
anos.
muitas pesquisas que utilizam os termos adolescente e jovem como
equivalentes. Neste trabalho, em específico, será considerada a classificação feita pelo
ECA para os adolescentes (12 a 18 anos), mais devido a uma comodidade didática do
que pelo rigor que ela encerra. No entanto, precisamos ser flexíveis e considerar que,
em muitas ocorrências da palavra “jovem nas cartas analisadas neste trabalho, ela fará
referência a “adolescente”. De qualquer maneira, é certo que classificar os adolescentes
por meio de faixas etárias é uma escolha arbitrária e que nem sempre condiz com a
realidade. Segundo especialistas, é arriscado considerar apenas o critério da idade para a
classificação de jovens e de adolescentes, sendo mais adequado e confiável pautar-se
por critérios comportamentais, porque é possível encontrar adolescentes antes ou até
mesmo depois das idades estipuladas.
Segundo Outeiral (2003), médico psicanalista, é preciso, também, distinguir
adolescência da puberdade. Enquanto esta última caracteriza-se por ser um processo
biológico, marcado pelo início de uma atividade hormonal, que se inicia normalmente
entre os 09 e 14 anos, a adolescência é um fenômeno psicológico, cultural, político e
social, o que faz com que ela não se caracterize como uma fase universal e homogênea
estando condicionada a fatores externos.
A adolescência é um período de rápidas mudanças para o individuo, tanto em
termos de aspectos físicos, como emocionais, psicológicos e sociais. É muito comum
hoje, na sociedade ocidental, que os indivíduos deixem a infância mais cedo para
tornarem-se adolescentes, mesmo que não tenham ainda atingido a puberdade. São as
regras sociais e culturas que definem quando a adolescência irrompe e quais rituais de
passagens são empregados para essa mudança. Mais abaixo serão discutidas duas
concepções de adolescências, que embora divirjam sobre alguns aspectos, levam em
consideração um mesmo pano de fundo, que é o contexto da pós-modernidade.
2.1.1 A ADOLESCÊNCIA E A MODERNIDADE
31
O termo adolescência é recente, não tendo mais do que 200 anos. Ele teria sido
empregado pela primeira vez por Rousseau, em Emílio ou da educação, em que ele
considerava a adolescência um segundo nascimento, no qual se misturariam sentimentos
fortes como paixão, desejo sexual, necessidade de revolução (CALIL, 2003, p. 144).
Segundo Outeiral (2003), o termo começou a ser usado com mais intensidade entre o
final da Primeira Guerra Mundial e o início da Segunda Guerra, quando até então era
mais comum que a criança saísse da infância direto para a fase adulta. Mesmo Freud
não usou a palavra adolescente em seus estudos. A puberdade, por sua vez, já era
conhecida, inclusive nas mais variadas culturas, desde a Grécia Antiga até pequenos
povos tribais. O início da puberdade era marcado por rituais de passagens nos quais se
submetiam os indivíduos, em um sinal de abandono do corpo infantil para a afirmação
do corpo adulto e das responsabilidades decorrentes dessa nova fase.
Na nossa sociedade, em contrapartida, não mais rituais coletivamente
compartilhados que anunciem a entrada do indivíduo na adolescência como sendo uma
nova etapa social na sua vida. Atualmente, começar a freqüentar lanchonetes, boates,
começar a beber, ou experimentar outras drogas, são atitudes que podem servir para
indicar a entrada na nova fase, podendo ser entendidas como indicadores de que o
indivíduo quer se auto-afirmar, deixando claro que não quer mais ser visto como uma
criança.
O início da adolescência teve relação com a modernidade e com a
industrialização. Até a idade média, a criança era vista como um adulto em miniatura e
a ausência da infância implicava também na ausência da adolescência, fazendo com que
a criança fosse logo integrada ao mundo adulto. No século XIX, por exemplo, era
comum que as pessoas não vivessem mais do que 30 anos, e com uma expectativa de
vida tão baixa, um indivíduo com 12 ou 13 anos era considerado grande e empurrado
para o mundo do trabalho. Até recentemente, a educação gratuita em muitos países era
para crianças com 13 ou 14 anos. A partir dessa idade, eram consideradas boas para o
trabalho. No início do século XX, a expectativa de vida no Brasil estava em torno de 33
a 35 anos. Atualmente, ela é de aproximadamente de 63,5 anos para o homem e de 70,9
para a mulher. Nos países mais desenvolvidos, ela já passa dos 80 anos. Com o aumento
no tempo de vida, as pessoas precisaram se manter mais tempo trabalhando, e por isso
já não podiam entrar tão cedo no mundo profissional.
Assim, a melhoria das condições de vida, o aumento da expectativa de vida e o
desenvolvimento do mundo tecnológico forçaram as crianças a permanecerem mais
32
tempo na escola. Consequentemente, os anos de adolescência aumentaram também,
como se isso se tornasse necessário para conseguir dar conta do aumento da
complexidade da vida. E ficar mais tempo na adolescência pode implicar maior tempo
de dependência econômica dos pais. Mesmo a idade limite da adolescência ou da
juventude, como muitos preferem dizer – , 24 anos, já é questionada, pois muitos
indivíduos, nessa fase, ainda não estão financeiramente e nem emocionalmente prontos
para o ingresso na vida adulta.
A adolescência, na sociedade moderna, passou a ser, então, um período de
moratória, como descreve a psicanalista Maria Rita Kehl, um período de espera,
porque se passou a considerar que o indivíduo não é mais criança, mas também que
ainda não está pronto para a entrada na vida adulta.
O conceito de adolescência é tributário da incompatibilidade entre a
maturidade sexual e o despreparo para o casamento. Ou também o
hiato entre a plena aquisição de capacidades físicas do adulto – força,
destreza, habilidade, coordenação, etc., e a falta de maturidade
intelectual e emocional necessária para o ingresso no mercado de
trabalho (KEHL, 2004, p. 91).
A modernidade força os indivíduos, principalmente os de classe média e alta, a
permanecerem mais tempo nessa fase de transição, adiando a hora de assumir as
responsabilidades de adultos. É cada vez mais tarde que os filhos deixam a casa dos
pais, arrumam filhos e começam a trabalhar. Hoje, os estudos levam mais anos para
serem concluídos e falta de emprego no mercado de trabalho, fatores que também
contribuem para deixar os jovens mais dependentes dos pais.
A modernidade interferiu até na puberdade. No séc. XVII, por exemplo, era
comum que as meninas começassem a menstruar a partir dos 17 anos, enquanto hoje é
comum que a menarca ocorra por volta dos 12 anos, e a tendência, segundo especialista,
é que cada vez mais a maturidade sexual comece antes.
2.1.2 AS DIFERENTES VISÕES DA ADOLESCÊNCIA
A psicanálise é responsável por oferecer as bases e conceitos para uma definição
de adolescência que iniciou no começo do século XX e que se mantém predominante
até hoje. A concepção da adolescência derivada desses estudos é a mais difundida na
sociedade, em especial porque conta com o apoio dos meios de comunicação.
33
Outeiral, citando Luiz Carlos Osório, psicanalista gaúcho, diz, entre outras
coisas, que a adolescência é o período em que ocorre:
- redefinição da imagem corporal, propiciada na perda do corpo
infantil e da conseqüente aquisição do corpo adulto (em particular,
dos caracteres sexuais secundários);
- culminação do processo de separação/individuação e substituição do
vínculo de dependência simbiótica com os pais da infância por
relação objetais de autonomia plena;
- elaboração de lutos referentes à perda da condição infantil;
- estabelecimento de uma escala de valores ou código de ética
próprios;
- busca de pautas de identificação no grupo de iguais;
- estabelecimento de um padrão de luta/fuga no relacionamento com
a geração precedente;
- aceitação tácita dos ritos de iniciação como condição de ingresso no
status adulto; e
- assunção de funções ou papéis sexuais auto-outorgados, ou seja,
consoante com as inclinações pessoais independentemente das
expectativas da família e, eventualmente, até mesmo das imposições
biológicas do gênero a que pertence (homossexuais). (OUTEIRAL,
2003, p. 06)
Segundo a corrente da psicanálise, um dos maiores conflitos enfrentados pelos
adolescentes diz respeito à mudança do corpo. As transformações que levam ao corpo
adulto, e que independem da vontade da pessoa, que ainda pode ter a mente infantil,
geram insegurança e medo, além de uma sensação de impotência. As reações dos
adolescentes frente a essas mudanças podem ser as mais diversas, como fingir-se
indiferente ou negar essas transformações. Essas ansiedades podem, inclusive, resultar
em distúrbios alimentares e emocionais. Um outro quesito importante para o
adolescente, com a qual ele passa a se preocupar é com o seu vestuário. A roupa passa
ser uma continuação do corpo e, por meio dela, podemos perceber uma certa
constituição da identidade. Além disso, elas exprimem os conflitos relacionados com a
perda do corpo infantil. Como exemplo, Outeiral (2003) diz que a relutância em trocar
roupas sujas e velhas por novas e limpas pode mostrar a dificuldade em aceitar um
corpo novo.
Além das mudanças biopsicosociais, a adolescência é marcada por flutuações
progressivas e regressivas. As primeiras são caracterizadas pelo pensamento
abstrato e pelo desenvolvimento da comunicação verbal, enquanto as segundas são
marcadas pela necessidade de concretização do pensamento e por uso de níveis não
verbais para a comunicação. São marcas da instabilidade de fase, porque não se é mais
34
criança, mas também não se é adulto, e essas flutuações refletem essas alternâncias
entre a fase a vir e a que já foi. É uma época de desenvolvimento do pensamento formal
e de mais comunicação verbal, ao mesmo tempo em que o ego do adolescente ainda é
instável e frágil, o que acaba gerando ambigüidades e contradições na leitura do mundo.
Durante a adolescência, também pode ser comum uma ânsia por
questionamentos, críticas. Variando entre pensamentos infantis e adultos, eles podem ter
uma percepção aguda dos desajustes sociais, mas que nem sempre conseguem expressar
verbalmente. Os jovens têm ânsia de transformarem a si mesmo e ao mundo, mas, no
início, essa ânsia pauta-se em uma visão idealizada de suas ações, como se não
existissem obstáculos à tarefa. Participar de assuntos políticos pode ser conseqüência da
vontade de ter inserção e visibilidade social. No entanto, muitas vezes, a ação política
também pode ser mediada por valores padronizados e difundidos de maneira que limita
a participação do jovem a questionamentos superficiais. Também a rebeldia dos
adolescentes com relação à família pode ser importante no sentido de fazer dele um
sujeito na sociedade, contanto que ele não ultrapasse os limites de uma contestação
saudável.
Ribeiro (2004) diz que, até a Revolução Francesa, as pessoas, inclusive as mais
jovens, usavam perucas para parecerem mais velhas. No entanto, a partir da Revolução
Francesa, ser jovem passa a ser algo positivo e, no século XX, boa parte das revoluções
foi levada adiante por jovens. Hoje, uma oscilação entre a comodidade
proporcionada pela vida moderna e a necessidade de contestar. Sobre isso, Ribeiro ainda
diz:
É certamente este quadro que dita, ao longo dos últimos 200 anos, o
papel da juventude. Uma certa fase da vida, quando já se saiu da
infância e da dependência, e ainda não se entrou na fase marcada
pelas exigências do casamento, da paternidade, da produção, desenha
um espaço livre para a busca do próprio caminho e a contestação
sistemática do que até hoje funcionou. Esses 10 a 20 anos assumem,
assim, vários sentidos. São fundamentais, para cada um, na sua
escolha do rumo a tomar na vida. Dotam-se, assim, de um sentido
pedagógico, marcando o tempo em que cada um revê o que recebeu e
pode pensar o que quer dar. Mas também constituem um importante
fenômeno social. Uma proporção significativa da população está
sempre nesse limiar, nessa passagem, nesse momento indeterminado.
E, terceiro ponto, essa parcela da sociedade assume cada vez mais
uma posição de proa, com um peso no conjunto das coisas bem maior
do que seu número ditaria. É precisamente essa indeterminação que
faz ou fez dela o emissor por excelência dos discursos
alternativos. É também essa indeterminação que faz dela o
destinatário por excelência das peças publicitárias. Sua posição
35
pendular assim favorece tanto a emancipação quanto a subordinação.
Depende (RIBEIRO, 2004. p.24).
Assim, os jovens se vêem diante de duas forças: uma que o chama para a
revolução, para o protesto, e outra que o quer convencer pelo conforto, comodidade, que
é a força publicitária. No entanto, nada o impede que sucumba a essas duas forças,
que as identidades que um adolescente constrói podem ser contraditórias entre si.
Ribeiro, como ilustração, cita o filme Made in USA, de Godard, que se referiria aos
jovens da Paris dos anos 60 como sendo filhos de Marx e da Coca-Cola.
Os problemas com as drogas, o grande fantasma dos pais, na maioria das vezes,
inicia-se quando o indivíduo ainda é um adolescente. Os motivos que levam muitos
deles a experimentá-las é o sentimento de querer sentir-se pertencente a um grupo, de
querer evitar a solidão, a baixa auto-estima, ou de querer resolver problemas sociais ou
familiares.
Com relação à vida sexual, os jovens estão se iniciando cada vez mais cedo e
falar de sexo e gravidez para eles não é mais um tabu. Mesmo uma adolescente
grávida na família, apesar dos transtornos que isso pode ocasionar, não acarreta mais
sentimento de vergonha para a família, ou de que esta foi incapaz de transmitir os
valores morais corretos para a menina, como ocorria antes.
Hoje, os adolescentes começam a sair de casa cada vez mais cedo, ficando
com outras pessoas independentemente de compromisso. Nos anos 70, os adolescentes,
influenciados principalmente pelo movimento hippie, já mostravam vontade do sexo
antes do casamento. No entanto, a ditadura militar impedia que tais aventuras, que
aconteciam às escondidas, fossem anunciadas, que o governo zelava pela moral e
pelos bons costumes. Já na década de 80, o novo governo era mais liberal e a indústria
cultural incutia nos jovens a necessidade de explicitar o desejo sexual. No entanto,
ainda havia a barreira da repressão familiar e social, e até mesmo a auto-censura, que
inibiam o afloramento de tais comportamentos. Na década de 90, o assunto de sexo,
mesmo por causa da AIDS e de outras doenças sexualmente transmissíveis, passou a ser
muito divulgado, sendo debatido nas escolas, nos meios de comunicação, em
campanhas e até dentro de casa.
Ainda são muitos os casos de meninas grávidas na adolescência, o que prova
que as campanhas de prevenção não estão chegando a todos. Mas, em muitos casos,
longe de ser indesejada, a gravidez é ostentada como um prêmio, que demonstra até
onde a menina foi capaz de chegar. Tal sentimento ainda é despojado das
36
responsabilidades até então ignoradas que um filho traz, pela falta de projeção para
si e para criança. A gravidez funciona ao mesmo tempo como testemunha do gozo e
proteção contra o pesado encargo de ter que gozar mais (KEHL, 2004, p. 109).
A obtenção do gozo seria ainda, para a corrente psicanalista, a responsável pela
rebeldia de muitos adolescentes, quando estes não encontram imposições na vida
familiar. Ao sentir-se livre para fazer o que quiser e do modo como quiser, e para obter
gozo, ele manifesta os sintomas da rebeldia. Gozo seria tudo aquilo que força o
indivíduo a ir além dos limites do prazer, e a adolescência é o período em que mais se
quer atingir essa sensação. Incentiva-o, para isso, várias propagandas que o levam a
sempre querer mais: querer o aparelho de som mais potente, o carro que corre mais, o
corpo mais malhado, etc. Na falta de outra opção a oferecer aos adolescentes, os pais
podem sentir-se minimizados e não-autorizados a barrar a busca por mais prazer.
Drogadição e delinqüência: 2 modalidades de recusa da castração produzidas em
massa pela lei do mais gozar que rege o laço nas sociedades de consumo (KEHL,
2004, p. 100).
A relação entre pais e filhos adolescentes pode ser muito delicada. Contribui
para isso também o grande período em que o adolescente passa dependendo da família,
que acaba gerando tensões dentro de casa. Enquanto crianças, era cil controlar os
filhos, mas enquanto adolescentes, eles são mais questionadores. Ter que sustentar
adolescentes, que se ressentem de sua dependência dos pais, quando com toda razão se
sentem perfeitamente adultos, é psicologicamente muito mais exigente e problemático.
(FERNANDES, 2004, p. 266). Segundo psicólogos, os filhos sentem culpa por essa
dependência, por tudo o que seus pais fazem por eles, sem poderem dar nada em troca.
No entanto, é uma culpa reprimida, nem pais nem filhos são conscientes desse
sentimento e a rejeição dos filhos adolescentes, que tanto magoa os pais, é uma forma
de eximirem-se dessa culpa, pois reconhecê-la seria um fardo grande demais para os
adolescentes.
Além disso, pode ocorrer de os pais, muitas vezes, transferirem para os filhos
adolescentes questões com as quais têm dificuldade de conviver. Nos adolescentes estão
as projeções dos pais, no que dizem respeito à carreira, ao trabalho, aos estudos, e nem
sempre as aspirações dos adolescentes são compatíveis com as dos pais.
Freud, que desenvolveu grandes estudos com relação a essa fase, enquanto
puberdade, no adolescente o amadurecimento de uma nova finalidade sexual,
impulsionado pelo também amadurecimento dos órgãos sexuais, fato este que
37
acarretaria uma intensificação do Complexo de Édipo. É como se alguns aspectos do
complexo ficassem adormecidos por um certo tempo dos 7 aos 12, 13 anos, vindo a
acordar na adolescência, com desejos incestuosos e rivalidades com a mãe ou o pai.
Esta visão de adolescência, baseada na corrente da psicanálise, como dito, é
muito difundida, especialmente pela mídia. Mas também uma outra concepção de
adolescência, não tão divulgada quanto a anterior, derivada da corrente conhecida como
Psicologia Sócio-Histórica, baseada em critérios sociológicos, antropológicos e
políticos, que se opõe a algumas concepções formuladas pela corrente da psicanálise,
por considerá-las naturalizantes, universalizantes e patologizantes.
Essa corrente é inspirada nos estudos do cientista russo Vygotski,
fundamentados na concepção materialista do mundo. Vygotski iniciou, no começo do
século XX, a construção de uma psicologia de fundamentação marxista. Para ele, o ser
humano é um ser histórico, com ações e pensamentos definidos a partir de experiências
sociais ocorridas em uma determinada época. A relação do indivíduo com a sociedade é
de troca, ou seja, um constitui o outro.
Para esta corrente, pensar na adolescência como um período natural, inerente ao
desenvolvimento humano e marcado por períodos críticos não deixa de ser uma criação
da sociedade, porque, por si só, as transformações biológicas e psicológicas não são
capazes de conferir aos adolescentes o ar de rebeldia, de contestação que tanto se
propaga. Pelo contrário, a adolescência seria uma criação histórica, mais
especificamente uma criação da sociedade moderna ocidental, que não ocorre
necessariamente em todas as culturas, e cujas características são construídas a partir de
um processo. Assim, o papel atribuído aos adolescentes e o valor que lhes é dado varia
de cultura para cultura.
A partir desta perspectiva, a adolescência é entendida como uma
construção histórica, que tem seu significado determinado pela
cultura e pela linguagem que media as relações sociais, significado
este que se torna referência para a constituição dos sujeitos. Neste
sentido, a compreensão da totalidade constitutiva da adolescência
passa não pelos parâmetros biológicos, como idade ou
desenvolvimento cognitivo, mas necessariamente pelo conhecimento
das condições sociais, que constroem uma determinada adolescência
(CALIL, 2003, p. 145).
A concepção de adolescência derivada da psicanálise é contestada por muitos
pesquisadores, que alegam que pensar no adolescente como um indivíduo agressivo,
38
impulsivo, marcado por problemas e conflitos nada mais faz do que contribuir para sua
despolitização, o que acaba também se refletindo nas políticas governamentais
destinadas a ele. Ao trabalhar com conceitos genéricos, apagando a gênese social, a
corrente psicanalista ocultaria as desigualdades existentes entre os diversos
adolescentes. Segundo os pesquisadores dessa corrente, é imprescindível estabelecer a
diferença entre adolescentes que pertencem à classe alta e os que pertencem à classe
baixa, porque é possível perceber que a adolescência não é um fenômeno natural,
biológico. Não estamos nos referindo, portanto, a condições sociais que facilitam,
contribuem ou dificultam o desenvolvimento de determinadas características do jovem;
mas sim de condições sociais que constroem uma determinada adolescência
(KAHHALE, 2003, p. 92).
Ao se divulgar que os adolescentes são marcados por conflitos inerentes a essa
fase, o próprio adolescente assume essa imagem, que não deixa de ser negativa, na
formação de sua identidade. As pessoas com as quais ele convive também incorporam
essa concepção. Como conseqüência, acaba-se jogando a responsabilidade de muitos
atos e situações no fato de o individuo ser adolescente, como se isso fosse um salvo-
conduto, eximindo-o de culpa.
A identidade é construída, para a Psicologia Sócio-Histórica, a partir de
possibilidades historicamente construídas, em um processo no qual a linguagem serve
como intermediadora, pois é por meio dela que o homem desenvolve sua consciência.
Talvez aqui esteja uma das fortes razões para se discutir pouco o
projeto de vida de jovem propriamente dito, pois como a
adolescência passa, ela é pouco valorizada e a juventude terá seus
projetos vistos pela sociedade adulta como provisórios, frutos de um
tempo de imaturidade e, portanto, não devendo ser levados tão a
sério. (BOCK, LIEBESNY, 2003, p.205)
Para Calligaris, a adolescência tomou o estatuto de problemática em nossa
sociedade pela falta de definição das competências dos adultos e dos adolescentes.
Estes, não sabendo qual o papel deles na sociedade, acabam passando por um período
de moratória forçada (CALLIGARIS, 2000, apud
BOCK, LIEBESNY,
2003). O
adolescente seria um individuo que tem poderes para fazer muitas coisas, mas que não
estaria autorizado pela sociedade, pois seria uma fase de não assumir responsabilidades.
Pergunta-se quais são os projetos dos adolescentes para quando ficarem adultos, mas
esquecem-se de inquirir sobre os projetos que querem enquanto estiverem nessa fase.
39
Seria, então, esta contradição entre saber fazer, mas não poder fazer a responsável pelas
características tributadas aos adolescentes: rebeldia, indefinição de identidade, conflito
geracional, etc.
Os adolescentes não formam uma classe unívoca e o mais correto, e o que torna
a questão mais complexa, é falar de adolescência observando-se a classe social. Nas
classes mais baixas, a tendência à dependência dos pais não se concretiza totalmente,
que é comum, aqui no Brasil, que adolescentes, e até mesmo crianças, deixem a escola
para ir trabalhar.
A adolescência nada mais seria do que uma criação da sociedade pós-moderna,
transformada em marketing pelo atual modelo sócio-econômico, oferecendo um modelo
de identificação para todos aqueles que estão nessa faixa etária. De nenhum modo essa
fase da vida seria um processo universal, mas sim um processo histórico. Assim, é
perfeitamente compreensível encontrar um jovem que não tenha vivido a adolescência.
Conhecer essas diferentes concepções de adolescência pode ser importante para
ajudar na análise que sefeita no capítulo 4, especialmente pelo fato de lidarem com
aspectos diferentes de um mesmo processo. No entanto, como dito, não é o nosso
objetivo julgar uma ou outra. De qualquer forma, ambas nos oferecem pressupostos
para lidarmos com a questão da identidade do adolescente, que ambas consideram o
contexto da pós-modernidade.
2.2 IDENTIDADE
A conjuntura atual, caracterizada pelas rápidas mudanças, pela era da
informação, da internet e da globalização, pelo grande desenvolvimento das máquinas,
pelo aumento da influência dos meios de comunicação na sociedade, pela prioridade do
individual sobre o coletivo e pelas incertezas em relação ao futuro é chamada, por
muitos, de pós-modernidade. A pós-modernidade tornou-se um conceito que precisava
ser analisado, e passou a ser alvo de muitos estudiosos. Segundo Boaventura de Souza
Santos (1989, apud OUTEIRAL, 2003, p. 109), a época em que vivemos deve ser
considerada uma época de transição entre os paradigmas da ciência moderna e um novo
paradigma, de cuja emergência vão se acumulando os sinais. E que, na falta de uma
designação, chamo de ciência pós-moderna.
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A pós-modernidade, em geral, refere-se ao período de tempo que inicia na
segunda metade do século, estendendo-se até os dias de hoje. As mudanças ocorridas
durante este período, longe de serem pontuais no espaço, atingem várias partes do
planeta ao mesmo tempo. Os sujeitos não escapam ilesos aos efeitos da pós-
modernidade, pois ela altera modos de produção, de comunicação, de relacionamento,
de compreensão.
Entre os vários estudiosos da pós-modernidade, podemos citar Stuart Hall
(2002). Este estudioso, pertencente à chamada Escola de Birmighan, desenvolve
reflexões, dentre outras questões, sobre a crise de identidade do sujeito na pós-
modernidade, também chamada de modernidade tardia.
A pós-modernidade é um processo de mudanças que desloca estruturas na
sociedade e essas mudanças afetam a sociedade e são responsáveis por interferir na
idéia que nós temos de nós mesmos enquanto sujeitos unos e na nossa percepção de
espaço, deslocando-nos daquele que achávamos ser reservado para nós.
Associado ao conceito de mudança, Hall também enfatiza o conceito de
descontinuidade. Em seu livro A identidade cultural na pós modernidade (2002), Hall a
define como algo que rompe com o passado por meio de mudanças profundas,
deslocando o centro de uma estrutura e substituindo-o não por um outro, mas por vários.
Assim, as sociedades são compostas não por um núcleo rígido, mas por várias filiações,
que produzem diferentes “posições-sujeitos.
Se tais sociedades não se desintegram totalmente, não é porque elas
são unificadas, mas porque seus diferentes elementos e identidades
podem, sob certas circunstâncias, ser conjuntamente articulados. Mas
essa articulação é sempre parcial: a estrutura da identidade permanece
aberta. Sem isso, argumenta Laclau, não haveria nenhuma história
(HALL, 2002, p. 17).
Ao caracterizar a identidade do sujeito na pós-modernidade, Hall (2002) a
diferencia de outras duas concepções de identidade de outras épocas, uma que se refere
à identidade do sujeito construída com base nas idéias do Iluminismo e a outra a que ele
chama de identidade do sujeito sociológico.
A primeira concepção percebe o sujeito como um ser racional, totalmente
consciente de seus atos. Esta concepção, que se inicia junto com a modernidade, entre o
Humanismo do século XVI e o Iluminismo do século XVIII, foi favorecida devido ao
avanço nas ciências, especialmente nas ciências naturais, às revoluções científicas, e à
41
Reforma de Lutero, causando mudanças espistemológicas e o abandono do teocentrismo
que vigorava na idade média, libertando o homem das explicações divinas e dando a ele
o poder da mudança. Liberto das amarras da igreja, foi conferido ao homem o status de
independente, dono da vida e da história. Esse sujeito tinha uma identidade estável, bem
definida, livre de conflitos.
Entre as figuras individuais que contribuíram para a difusão da concepção desse
sujeito pensante estava Descartes e John Locke. O primeiro, matemático e cientista
também foi atingido, segundo Hall, pela mesma dúvida que se seguiu ao deslocamento
de Deus do centro do universo. Como solução, Descartes conferiu a Deus a
responsabilidade pelo primeiro passo. O resto era por conta dos homens. Locke, por sua
vez, definiu a identidade como algo estável por toda a vida do sujeito.
A segunda concepção descrita por Hall, a do sujeito sociológico, revela um
deslocamento do pensamento da época, em grande parte devido ao fato de as sociedades
tornarem-se mais complexas e ao desenvolvimento das ciências sociais e da psicologia.
Passa-se a não mais creditar totalmente ao homem a causa de todos os fatos, que ele
era visto imbricado em meio a estruturas sociais sustentadoras da sociedade moderna.
Nesta época começou-se a acreditar que o homem, longe de ser totalmente autônomo,
era condicionado por forças que estariam fora dele, especialmente as advindas da
interação entre um eu e os outros, em uma sociedade, que iam transformando o eu
real que existe em cada sujeito. As ciências sociais, assim, desenvolveram uma teoria
alternativa à racionalidade do sujeito em que, não os homens sofrem influências das
estruturas, mas também as modificam é o que Hall classifica como reciprocidade
estável entre interior e exterior do sujeito.
Embora essa concepção se caracterize como um avanço em relação ao sujeito
cartesiano, ela também se vale da estabilidade da identidade: a identidade seria aquilo
que ligaria o sujeito ao mundo externo. Ao internalizar alguma coisa nova, esta passaria
a ser parte da identidade. Esta estabilidade começa a ser questionada no início do século
XX, especialmente com os movimentos advindos com o Modernismo.
O sujeito pós-moderno, por sua vez, é, segundo Hall (2002), fruto de processos
estruturais e institucionais, rupturas em discursos modernos, que acarretam mudanças
nos sujeitos e nas identidades, iniciado principalmente na segunda metade do século
XX. O sujeito deixa de ser uno, racional, para agora ser considerado fragmentado, não
possuidor de uma identidade fixa e estável, mas de várias identidades, provisórias,
inconstantes, estraçalhadas. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de
42
significação e representação se multiplicam, somos confrontados por uma
multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das
quais poderíamos nos identificar ao menos temporariamente (HALL, 2002, p.13).
Segundo Hall, temos a ilusão de possuir uma identidade homogênea, ou algum
aspecto que nos caracterize por toda a vida. No entanto, essa sensação nada mais é do
que uma construção de um sentimento de comodidade, que, por ser confortante, nos
eximi da obrigação de lidarmos com conflitos. As identidades são, na verdade,
contraditórias, podendo encontrar-se ou afastar-se. Além disso, elas estão tanto na
sociedade quanto no indivíduo.
As rupturas, responsáveis pelo deslocamento, pelo descentramento do homem,
seriam, segundo Hall, possíveis de serem classificadas em cinco grandes rupturas, as
quais ele considera cinco grandes avanços na teoria social e nas ciências humanas
ocorridos no pensamento, no período da modernidade tardia (HALL, 2002, p. 34). A
primeira delas seria a ruptura causada pelo marxismo e a reinterpretação dos trabalhos
de Marx na década de 60, ao retirar do homem o papel de sujeito ativo que
movimentava a história, papel este que seria então preenchido pelas relações sociais.
Althusser dizia que Marx, ao desconsiderar a essência racional e autônoma do homem,
rompia como a teoria humanista que era tão difundida.
O segundo deslocamento foi a descoberta do inconsciente, por Freud, que, assim
como Marx, também deslocou o homem do status de racional, autônomo, para, nesse
caso da psicanálise, fazê-lo submisso a essa região do pensamento à qual não se pode
controlar. O inconsciente, e com ele a formação da identidade do indivíduo, funcionam
independentemente da vontade dele, diferentemente do que se pensava do sujeito
cartesiano. E o desenvolvimento do indivíduo não seria apenas conseqüência do
desenvolvimento biológico, mas também da relação com os outros, com sistemas
simbólicos, em uma relação cheia de conflitos e contradições, que conferem ao
indivíduo uma identidade dividida, embora haja a ilusão de unicidade.
O terceiro grande deslocamento é aquele praticado por Saussure, ao predizer que
a língua era um sistema social e não individual, e que assim o sujeito não era livre para
dizer o que quisesse, mas teria que se inserir nas regras do sistema lingüístico e nem a
ele pertencia o controle do significado das palavras.
O quarto deslocamento refere-se aos estudos de Foucault, especialmente os que
se referem ao poder disciplinar. Foucault estudou como esse poder vinha se
43
desenvolvendo ao longo do século XIX por meio de instituições que disciplinavam as
populações modernas.
A quinta ruptura diz respeito ao movimento do feminismo, tanto como uma
crítica como um movimento (HALL, 2002, p. 44), que, mais do que se caracterizar
como uma política de identidades, questionou o sujeito cartesiano, a divisão entre
público/privado, dentro/fora, e a formação das identidades relativas à sexualidade.
Todos esses cinco deslocamentos foram questionados e estudados com algumas
ressalvas, mas todos, de alguma forma, contribuíram para novas reflexões com relação
ao sujeito.
Além das identidades individuais sofrerem deslocamentos, para Hall as
identidades nacionais, que se pretendiam unificadas e homogêneas, mais do que nunca,
também se encontram enfraquecidas e estão sendo deslocadas, principalmente devido à
globalização, que se caracteriza por processos que transpassam fronteiras do espaço e
do tempo, constituindo os laços mais improváveis entre várias partes do mundo. A
globalização implica um movimento de distanciamento da idéia sociológica clássica da
‘sociedade’ como um sistema bem delimitado (HALL, 2002).
Assim, um efeito da globalização sobre as identidades nacionais é o seu
enfraquecimento, o que não quer predizer seu desaparecimento, pois, de um modo,
ainda continuam no forte, mas outras vêm se firmando e tomando espaço, como as
identidades locais, comunitárias.
A interdependência de relação entre todas as partes do mundo possibilita que
todos tenham acesso aos mesmos objetos. O consumismo global, efeito dessa
interrelação global, faz com que pessoas até mesmo em áreas mais remotas tenham
como modelo o mesmo modo de agir, de ser, de se comportar. Quanto mais a vida
social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens
internacionais da mídia e pelos sistemas de comunicação, globalmente interligados,
mais as identidades se tornam desvinculadas desalojadas, de tempos, lugares, história
e tradições específicos parecem flutuar livremente” (HALL, 2002).
Hall fala sobre um processo de “homogeneização cultural, em que as diferentes
culturas, que antes definiam as identidades, ficam reduzidas. A conjuntura para as
identidades, então, permeada pela globalização, leva a três conseqüências: ou as
identidades nacionais o se desintegrar gradativamente, por causa dessa
homogeneização, ou vão se fortalecer em um esforço de resistência, ou vão entrar em
declínio e serão substituídas por outras identidades, mais maleáveis, híbridas.
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Sousa e Santos (2005) também compartilha com Hall algumas mesmas idéias
sobre identidade. Os processos de identificação são, segundo ele, sempre transitórios e
escondem negociações de sentido, jogo de polissemias, choques de temporalidade
(SANTOS, 2005 p. 135). As identidades são dominadas pela obsessão da diferença e
pela hierarquia das distinções. Quem pergunta pela sua identidade questiona as
referências hegemônicas, mas, ao fazê-lo, coloca-se na posição de outro,
simultaneamente, em uma situação de carência e por isso mesmo de subordinação
(SANTOS, 2005, p. 131).
O sujeito não tem uma identidade única, homogênea. Por isso, é preferível falar
em identificações do que em identidade, que pode parecer algo estável. O processo de
identificação não termina, ele não tem fim e vai se modificando durante toda a vida do
sujeito, sendo construído pela linguagem (CORACINI, 2003).
O adolescente é um ser social, marcado pela interação com outros sujeitos, e,
assim, ele vai se constituindo por meio do olhar do outro, formando representações do
mundo. As representações são decorrentes do processo de identificação pelo qual o
adolescente passa. “[...] As representações que, na perspectiva da teoria cultural pós-
estruturalista na qual nos apoiamos, são entendidas como sistemas de significação que
não veiculam como também atribuem sentido às coisas num processo de construção
do real [HALL, 1997; SÏLVA, 2000] (GRIGOLETTO, 2003, p. 354-5). Segundo
Násio, para Lacan, a identificação designa o nascimento de um lugar novo, a
emergência de uma nova instância psíquica (1995, p. 111). Ao identificar-se com
alguma coisa ou pessoa, o sujeito não a captura, mas é capturado, é aprisionado pelo
objeto da identificação. O sujeito, identificando-se com algo, torna-se o elemento
passivo do processo, enquanto o objeto é o ativo (NÁSIO, 1995, p. 101-2).
O sujeito é inconsciente. Assim sendo, os sentidos que produz também o são;
não são intencionais, pois o inconsciente se materializa por meio da linguagem, do
discurso, do simbólico. A clivagem do sujeito permite que ‘escapem’ atos falhos,
marcas de incompletude, lapsos, fragmentos censurados, desejos recalcados como o
controle, o poder, a completude, fiapo do(s) outro(s) que o habita(m)
(VASCONCELOS, 2003, p. 166). Assim, a língua tem um papel muito importante
porque as identidades se constituem por meio dela.
Essas representações, identificações, sofrem deslocamentos dependendo das
experiências pelas quais o sujeito passa, e também das experiências do outro. O
processo de identificação não se no vazio, mas no contexto político-ideológico em
45
que o sujeito está inserido, que o pode influenciar ou lhe causar repulsa, fugindo do seu
controle o poder de escolher com o que se identificar (CORACINI, 2003). O sujeito não
é autônomo, controlador do seu dizer. Suas palavras são sempre palavras do outro com
as quais se identifica, carregadas de ideologia e de outros discursos.
A família é o primeiro ponto de apoio para o indivíduo, dando à criança e,
posteriormente, ao adolescente, um sentimento de proteção. O grau de dependência
pode variar de acordo com a cultura, mas é certo que nunca irá existir alguém com total
independência emocional. E a família também é o primeiro ponto de identificação.
Os processos de identificação dos indivíduos, assim, têm nos pais e familiares os
primeiros referenciais de comportamento, modelos a serem seguidos. Ao escolher o
grupo de amigos e eventuais parceiros, o adolescente também mostra com o que está se
identificando. O outro é, na verdade, uma projeção do que ele gostaria de ser. A
fantasia, também muito comum nessa fase, são mostras das projeções dos adolescentes
em relação ao corpo, emprego, parceiros, amigos, etc.
Psicanalistas consideram que os processos identificatórios dos adolescentes são
mais conflituosos do que em qualquer outra fase da vida, pois é nessa época que se
acentua a busca por “quem eu sou. É que os grupos de amigos têm grande
importância, pois ajudam na estruturação da identidade. Sobre isso, fala Outeiral:
Tendência grupal: a fragilidade egóica determina a procura de outras
identidades similares que, unidas, transmitem ao ego uma vivência de
‘poder’ pelo grupo. Por isso, são importantes as modas, costumes,
atitudes, atividades desportivas e recreativas que chegam a
estereotipar-se rigidamente, pois, do contrário, seria perdida a
fantasia de unidade que proporciona o grupo. (OUTEIRAL, 2003, p.
24).
A identidade de uma pessoa começa a ser formada desde os primeiros contatos
com o mundo e com as outras crianças. No entanto, na adolescência, os processos de
identificação estão, segundo psicanalistas, em maior movimentação e são essenciais
para o processo adolescente:
A identidade, como a própria palavra define, se organiza por
identificações: inicialmente com a mãe, logo em seguida com o pai,
depois com outros familiares, e finalmente com professores, amigos,
ídolos (esporte, cinema, música, televisão, etc.) e pessoas da
sociedade em geral. Na família é o lugar onde se ouvem as primeiras
palavras, onde se sentido à experiência vivida, é a intermediadora
da relação da criança com o mundo. Crescer deixa de ser um processo
46
puramente biológico para se tornar tamm um processo social. As
condições para que o indivíduo cresça depende do lugar que ele
ocupa na família e de como que ele estabelece vínculos com o mundo
exterior. Na adolescência inicial, a identidade se estrutura como uma
colcha de retalhos, na qual cada retalho é um “pedaço de alguém,
tornando-se difícil saber com quem estamos conversando no
momento. Posteriormente, ocorre uma amálgama em que várias
experiências de identificações se fundem. Este é um processo lento e
difícil, tanto para o adolescente como para adultos que convivem com
ele (OUTEIRAL, 2003, p. 63).
Na psicanálise, o termo identificação é normalmente usado para designar
processos que ocorrem no ego e que o estruturam, por meio de relações com o mundo
externo. O ego é, assim, constituído por várias identificações construídas ao longo da
vida. A identidade é criada a partir do reconhecimento do outro, da alteridade. Quando o
indivíduo se percebe, pela primeira vez, ele se não como ele mesmo, mas sim como
um outro, por meio de uma imagem que ele assume. Citando O Seminário, de Lacan,
Chnaiderman diz que o “ser humano não sua forma realizada, total, a miragem de si
mesmo, a não ser fora de si (CHNAIDERMAN, 2002, p. 54). E ele constitui sua
imagem sempre permeado pelo olhar do outro. É isso que Lacan chama de o estágio do
espelho.
Quando criança, o indivíduo idealiza os pais e identifica-se plenamente com
eles, mesmo pelo estado de dependência em que se encontra. À medida que cresce, o
indivíduo, adolescente, busca identificações fora do ambiente familiar, o que pode
desagradar aos pais que se sentem rejeitados por terem perdido em parte a atenção dos
filhos. Os grupos dos amigos têm papel fundamental para o processo de identificação,
tornando-se um novo campo identificatório que vai divergir das representações infantis
que o indivíduo possuía e que ultrapassa as referências familiares. Quando criança, os
limites são impostos pelo pai, independentemente de eles serem proibições próprias da
lei ou criadas pelo pai. A criança, nessa fase, apresenta um perfil transgressor, mas
não procura desafiar o pai para provocá-lo, e sim por moções de liberdade, testes que a
criança faz tentando ampliar seu campo de possibilidade de ação (KEHL, 2004, p.
112). Ao fazer parte de um grupo, o adolescente começa a se sentir autorizado e seguro
a realizar outras experiências transgressoras e vai percebendo que algumas imposições,
as quais sempre obedeciam, podiam ser facilmente ultrapassadas sem graves
conseqüências: (...) o adolescente amplia o campo de exercício de sua liberdade e
aprende a separar o que é da ordem da Lei, do que são as limitações humanas e banais
do chefe da família. É o que chamamos de simbolizar a Lei (KEHL, 2004, p. 103).
47
Assim, as referências familiares vão sendo questionadas e relativizadas, acarretando
mudanças nos lugares ocupados pelo adolescente.
O grupo de amigos, com o qual se estabelecem relações horizontais, diferentes
das ligações verticais que são estabelecidas com os pais, revela os modelos de
representação que os jovens estão buscando, assim também quando começam a idolatrar
artistas, na maioria das vezes, os construídos pela mídia. A idolatria transfere para o
OUTRO a projeção do que gostaria de ser e como gostaria de ser. Muitas vezes, os pais
também começam a se identificar com o filho adolescente, assumindo gostos e posturas
idênticos aos deles, e aspectos adolescentes que até então estavam adormecidos passam
a aflorar, muitas vezes acompanhados de questionamentos sobre a vida que levaram e
até levando-os a uma crise.
As identificações que o adolescente pode assumir, enquanto indivíduo ou
enquanto pertencente a um grupo, tanto em termos de comportamento, de gostos, de
ídolos, podem ser influenciadas pela mídia. Novelas, programas de televisão, programas
de rádio oferecem modelos para o adolescente. A mídia fornece ídolos que influenciam,
mas que também são influenciados pelos adolescentes. Os ídolos fabricados têm em
comum características com um certo tipo de comportamento adolescente, com um certo
segmento, ao mesmo tempo em que o influencia, numa relação recíproca.
Assim, nos meios de comunicação são achados muitos dos ídolos que os
adolescentes possuem, e muitas das projeções feitas por eles têm por base o
comportamento, a atitude, o modo de se vestir desses ídolos. E constantemente a mídia
troca velhas opções de modelo por novos: em tempos de indústria cultural, é preciso
renovar sempre, o que ajuda no deslocamento das identificações. Os ídolos, a partir do
momento em que têm aprovação de muitos outros adolescentes, passam a ser visto
como um aporte seguro para muitos adolescentes. Como sua identidade também é
influenciada pelo olhar do outro, identificar-se com alguém com comportamentos já
aprovados proporciona ao adolescente um sentimento de aprovação de si mesmo por
parte dos outros. Assim a mídia, tanto como a família quanto como o grupo de amigos,
é fundamental no processo de identificação dos jovens.
2.3 A MÍDIA E O PODER DISCIPLINAR
48
O discurso midiático está imbuído de poder. É ao mass media que se deve o
reaparecimento do monopólio da história. Navarro- Barboza, citando Nora (1995), diz
que “a imprensa, o rádio, as imagens não funcionam somente como meios dos quais os
acontecimentos seriam relativamente independentes, ‘mas como a própria condição de
sua existência’ (NAVARRO BARBOSA, 2004, p. 118). A mídia produz o fato, cuja
historicidade não deriva da possibilidade de ele ter ocorrido, mas de ter sido contado.
A mídia também ajuda na construção de identidades, produzindo significações,
impondo saberes que servem para oferecer uma “direção. Fisher (2003, p.25), citando
Stuart Hall, diz que estamos vivendo uma revolução cultural, pelo fato de hoje as
atividades relacionadas à expressão e comunicação de sentidos terem grande
importância. Essa revolução é conseqüência de um considerável aumento dos meios de
produção e circulação da cultura. Há uma indissolubilidade entre o que é econômico e o
que é cultural hoje mais do que nunca, com a superposição dos dois campos. Os
discursos, ao se tornarem presentes no grande espaço da mídia, não ampliam seu
poder de alcance público como conferem à própria mídia, ao próprio meio, um poder de
verdade, de ciência, de seriedade (FISHER, 2003, p. 50).
O jornal, por sua vez, como uma mercadoria como outra qualquer, tem interesse
em fazer com que o seu leitor se sinta singularizado e que estabeleça para com ele uma
relação de fidelidade. Para isso, o jornal se subdivide em cadernos para públicos
específicos, como um mosaico de informações e interesses, criando estratégias
particulares para atrair o seu leitor. Sobre isso, Fisher, retomando a norte-americana
Elizabeth Ellsworth (1997), que usa o termo modos de endereçamento, exemplifica:
Não basta, por exemplo, pesquisar os hábitos e desejos dos
adolescentes brasileiros das grandes cidades, e depois produzir um
programa como o Erótica, da MTV, para obter sucesso. Não. Os
modos de endereçamento constituem estratégias bastante complexas
de interpelar algm, um certo público, como se literalmente assim
acenasse: Ei, você, veja o que fiz para você, exatamente para você.
São estratégias que não se produzem de uma hora para outra. Elas
têm uma longa história de educação dos espectadores, de formação
de um público. (FISHER, 2003, p. 79)
Falar para os adolescentes, especificamente, virou um ótimo produto de
consumo. Por isso, há tantas publicações voltadas para esse público. Elas buscam
assuntos variados, os quais não deixam de espetacularizar, e os impregnam da influência
da indústria cultural, a qual ajuda a difundir, publicando assuntos efêmeros, que perdem
49
a validade com rapidez. O jornal foi o meio de comunicação que mais duramente sofreu
com o impacto da popularidade da internet. Devido à pressão exercida pelos provedores
eletrônicos, os jornais estão se adaptando a essa nova tecnologia, em um processo de
digitalização da imprensa. O Folhateen, por exemplo, assim como o jornal do qual faz
parte, pode ser lido na internet na íntegra por seus assinantes e assinantes de um
determinado provedor, o que pode aparecer mais atraente para os adolescentes, mais
suscetíveis às novas tecnologias.
Foi nos anos 60 que descobriram que vender a juventude era um bom negócio e
que ser jovem era um poderoso slogan. Jovem passou a ser associado à liberdade,
aquele que podia deixar os sentimentos pulsarem sem freios, aquele que podia ter
muitos privilégios da vida adulta ao mesmo tempo em que podia eximir-se de suas
responsabilidades. Associar a juventude com consumo propiciou o aparecimento de
uma geração de jovens totalmente hedonista. Segundo Kehl (2004), houve, a partir de
então, uma mudança na concepção de adolescente: no início do século XX, o indivíduo
entre 10 a 18 anos era ainda uma criança desajeitada, ingênua, inibida, mas a partir da
segunda metade do século XX, esse mesmo indivíduo passou a ser um modelo de
beleza, de liberdade, com malícia.
A mídia contribui para criar uma adolescência desejosa de produtos para
consumir. Esses produtos não se referem apenas a objetos materiais, mas a produtos
culturais e comportamento, como a vontade de conhecer uma banda, de participar de um
evento, de ir a um show, de pintar os cabelos com uma certa cor, de passar a usar
determinadas gírias, etc. Segundo Costa (2004), o consumismo é uma necessidade
imaginária que se torna tão essencial quanto uma necessidade biológica. Os jovens e
adolescentes são os principais alvos das campanhas publicitárias, que o preparam para
estarem sempre prontos a consumirem o que é oferecido. O capitalismo produz em larga
escala objetos materiais e culturais, e para perpetuar esse ciclo de produção, precisa
vendê-los, usando para isso um bombardeio de novos produtos anunciados em
substituição aos anteriormente propagados, em um círculo ininterrupto de
produção/consumo. Ou seja, o circuito de produção cultural enquadra-se nas relações de
poder. A tarefa das propagandas é seduzir as pessoas, fazendo com que elas acreditem
que o produto é essencial para elas enquanto sujeito. As propagandas não se limitam às
campanhas publicitárias propriamente ditas, que qualquer tipo de discurso pode ter a
intenção de persuadir. Assim, até mesmos as reportagens de um jornal podem ser
consideradas propagandas.
50
A dia vende a ilusão de diversidade, de escolha, quando na verdade pode
impor como o adolescente tem que ser, como deve pensar, de qual banda gostar, e qual
CD deve comprar, construindo imagens simbólicas e induzindo a comportamentos e
pensamentos por meio da materialidade discursiva. Poderíamos associar a mídia a um
sistema de apropriação do discurso, usando os conceitos elaborados por Foucault
(2002). Seus profissionais seriam aqueles que constituem não sociedades de discurso,
por que não fazem o discurso circular em um espaço fechado, mas que constituem
verdadeiras doutrinas, pois, de certa forma, compartilham certos princípios, e a
verdade dos fatos está em suas mãos, cabendo-lhes o papel de decidir o que será
divulgado ou não, difundido esta verdade. Eles também promoveriam interdições,
ocultando aquilo que não pode e que não deve ser dito. Também seriam responsáveis
por operarem separações, ou seja, rejeições arbitrárias de certos discursos, proibindo
aqueles que, de certa forma, não lhes convêm. Também procuram adequar os discursos
àquilo que Foucault chama de oposição verdadeiro/falso, ou vontade de verdade, que
não se caracteriza por ser arbitrária, mas os discursos são excluídos por não pertencerem
a de um sistema de saberes historicamente constituído. A mídia, ao construir fatos,
trabalha na construção de comentários, que seriam novos discursos, criadores, e
discursos que reiteram outros, que vão permanecendo e se remodelando por meio da
repetição. Todos estes procedimentos cercam, de alguma forma, o discurso,
estabelecendo a eles e aos sujeitos uma certa ordem (FOUCAULT, 2002). A mídia
também impede a livre circulação do discurso, cuja produção acaba sendo controlada e
selecionada.
Para Foucault, vivemos em uma sociedade disciplinar, nas quais o poder,
exercido sobre os corpos, obedece a técnicas e mecanismos que organizam o sistema de
poder e de submissão (FOUCAULT, 1983, p. 99). Quando prescreve uma identidade
para o jovem atual, quando oferece determinados produtos, comportamentos, a mídia
está vivendo um momento das disciplinas, fornecendo, desse modo, os mecanismos
disciplinares para o controle do comportamento e pensamento do jovem, revestidos e
mascarados com uma linguagem atual, com gírias, fingindo oferecer a oportunidade de
escolha sutil tecnologia de submissão que é internalizado pelo sujeito
(FOUCAULT, 1983). Em situações como essa, ela finge oferecer a possibilidade de
criticar, ao publicar reportagens superficiais e sem questionamentos, que apenas visam a
formação de corpos ceis, os quais se podem moldar. Assim, por meio de técnicas
51
aparentemente inofensivas e ingênuas, a mídia pode trabalhar para a padronização do
sujeito.
Como disse Foucault, essas técnicas, contínuas e ininterruptas, são como um
olhar invisível que é incorporado pelos sujeitos, que passam a se auto-vigiar e a vigiar
os outros. “A vigilância é, pois, um olhar invisível que deve impregnar quem é vigiado
de tal modo que este adquire de si mesmo a visão de quem o olha. (FOUCAULT,
1983, p. 100).
A disciplinarização da sociedade induz os sujeitos a deixarem de lado a
criticidade, por meio desses mecanismos que, por sua vez, nem são percebidos. O poder
presente na sociedade, oriundo de qualquer instituição social ou política, é
constantemente reelaborado, e organiza-se de forma a se adequar melhor aos indivíduos.
Na mídia, um processo de adição, de justaposição de informações, mas sem
estimular o espectador, o leitor a estabelecer relações entre elas. Mas nenhum poder é
absoluto, e sim transitório, o que ocasiona o aparecimento de resistência. E para
compreender as relações de poder é preciso buscar as formas de resistências. Lutas na
sociedade são, segundo Foucault, busca pela identidade. Elas são uma recusa às
abstrações, uma recusa à violência do Estado econômico e ideológico que ignora que
somos indivíduos, e também uma recusa à inquisição científica e administrativa que
determina a nossa identidade (FOUCAULT, 1983, 102). Assim, essa luta não é contra
uma instituição em particular, mas contra uma certa forma de poder.
Esse poder contra o qual os sujeitos se digladiam em microfísicas
cotidianas classifica os indivíduos em categorias, designa-os pela
individualidade, liga-os a uma pretensa identidade, impõe-lhes uma
lei de verdade que é necessário reconhecer e que outros devem
reconhecer neles (FOUCAULT, 1983).
O indivíduo vive oscilando entre a aceitação do poder e a luta contra ele. Nas
sociedades modernas, o papel centralizador do Estado, que foi adquirindo constante
força desde o século XVI, instituindo-se como um aglomerado de técnicas
individualizadas, por meio de vários poderes, aparentemente inocentes, como o exercido
pela família, pela comunidade, pela escola, pela medicina, etc., que forjam
subjetividades e impõe formas de individualidades. Para Foucault, o indivíduo deveria
lutar contra essas formas de individualização, que os moldam e fazem-no acreditar que
aquilo seja uma verdade.
52
Ainda segundo Foucault, durante a época clássica o corpo foi descoberto como
objeto. Ele exemplifica com a figura do soldado que, até o início do século XVIII,
possuía características ideais por meio de uma “Retórica corporal da honra”. a partir
da segunda metade do século XVIII, o soldado passou a ser um produto fabricado, cujas
características eram ensinadas e aprendidas.
Antes dessa época, também existia uma preocupação com o corpo, mas é a partir
daí que se verificou “uma grande atenção dedicada ao corpo ao corpo que se
manipula, se modela, se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças se
multiplicam. O corpo perde a sacralidade que até então lhe era conferida e os estudos
da anatomia permitem esquadrinhar o corpo para descobrir suas partes, surgindo
também novas características para o adestramento.
Os esquemas de docilidade começaram, assim, no século XVIII. Em toda a
sociedade, os corpos são presos à cultura. É dócil um corpo que pode ser submetido,
que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado (FOUCAULT, 1983,
p. 126). Neste trabalho rumo à docilidade, participam escolas, hospitais, forças
militares, família, igreja, dentre outras instituições. É no micropoder que ela se
estabelece: não lugares sem regras para serem seguidas. Entre elas, é preciso hoje
ressaltar a mídia, que funciona como orientadora” de comportamentos.
O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma
arte do corpo humano, que visa não unicamente o aumento de suas
habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação
de uma relação que no mesmo mecanismo o torna obediente quanto é
mais útil, e inversamente. (...) A disciplina fabrica assim corpos
submissos e exercitados, corpos dóceis. A disciplina aumenta as
forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas
mesmas forças (em termos políticos de obediência). (FOUCAULT,
1983, p.127).
Assim, para Foucault, a disciplina serve para elevar ao máximo a capacidade
produtora, ao mesmo tempo em que ela institui a submissão, por meio da vigilância e
punição. O comportamento que não é aceito pelas normas deve ser eliminado. As
técnicas disciplinares agem sobre o espaço, o tempo, a vigilância, por meio do saber que
garante a subordinação. O controle é exercido por meio de infinitas formas, o panóptico,
que vão desde as câmeras colocadas em cada canto dos prédios, até as estatísticas e os
sistemas de segurança, que são usados para aferir e modelar o cotidiano (FOUCAULT,
1983, p. 101).
53
Para Foucault, a disciplina é ainda responsável pela distribuição dos indivíduos
em lugares. Eles podem ser agrupados, como o que acontece em cadeias, escolas,
fábricas, quartéis, etc., mas podem também ser isolados, evitando o agrupamento e suas
conseqüências. A primeira das grandes operações da disciplina é então a constituição
de ‘quadros vivos’, que transformam as multidões confusas, inúteis ou perigosas em
multiciplidades organizadas (FOUCAULT, 1983, p. 135).
Hoje, podemos dizer que a mídia agrupa adolescentes por meio de grupos
definidos por critérios comportamentais, sociais, econômicos, criando uma “massa
organizada. A exposição a uma determinada concepção criada e divulgada de
adolescência causa um grande impacto na vida dos adolescentes. Primeiro porque exclui
muitos dessa imagem vendida como ideal, obrigatória e, segundo, porque acaba se
constituindo como um poder disciplinar, que molda o comportamento adolescente. O
sentimento de não se sentir integrado àquilo que é moda, tanto em termos de objetos
materiais quanto de comportamentos, pode gerar revolta, angústia, problemas de auto-
estima e ainda pode gerar atos de violências, percebida para muitos como a solução para
se conseguir o que se deve ter/ser.
A mídia, no entanto, embora tenha um enorme papel na transmissão das relações
de poder, não deve ser vista apenas como um suporte das ideologias dominantes, pois
ela pode ser também um espaço de produção de estratégias de resistências contra tais
discursos, que ela opera retornos figurativos, o que possibilita retomadas de sentidos
e seus deslocamentos. Além disso, toda forma de poder gera resistências, e muitos
adolescentes contestam o estilo divulgado pela mídia. Essa resistência ao poder
disciplinar da mídia pode ser realizada por meio de críticas, sugestões, negações feitas
pelos adolescentes em suas cartas, conforme veremos mais adiante no Cap. 4.
54
CAP. 3: GÊNERO TEXTUAL E AUTORIA
3.1 AUTORIA NO DISCURSO
Na aula inaugural pronunciada ao assumir uma cátedra no College de France,
Michel Foucault procurou relacionar as práticas discursivas com o poder que permeia a
sociedade. Para ele, o discurso construído é controlado por alguns procedimentos, como
se fossem regras que regulassem o que dizer, como, quando, etc., e que têm como
função “conjurar seus poderes e perigos, dominar seu conhecimento aleatório, esquivar
sua pesada e temível materialidade (FOUCAULT, 2002, p. 09). Entre esses
mecanismos de organização do discurso, ele identifica interdição, separação, vontade
de verdade, classificando-os como mecanismos de exclusão, externos; comentário,
autor, disciplina, que seriam mecanismos de controle interno; ritual, sociedade de
discurso, doutrina e apropriação sociais, classificados como mecanismos de restrição.
Para este trabalho, interessa-nos principalmente as considerações feitas sobre o
autor, enquanto mecanismo de controle do discurso. O autor é entendido como aquele
que agrupa, que organiza o seu discurso. É aquele que unidade a vários discursos, a
várias vozes presentes na sociedade, dando coerência a elas, colocando-as sob o
resguardo de uma única voz, a do autor. Este, então, deve ser aquele que se
responsabiliza por aquilo que está dizendo. Para os discursos que exigem um autor,
pede-se que o autor “preste conta da unidade do texto posta sob seu nome; pede-se-lhe
que revele, ao menos sustente, o sentido oculto que os atravessa, pede-se-lhe que os
articule com sua vida pessoal, com a história real que os viu nascer (FOUCAULT,
2002, p. 27-8). E, sendo um princípio de rarefação do discurso, o autor, ao mesmo
tempo em que coloca sob sua voz outras vozes, unificando-as, exclui outras, impedindo
a livre circulação.
Já no artigo O que é um autor?, Foucault, ao fazer uma análise histórica sobre as
condições de produção e de apropriação dos textos para procurar mostrar os dispositivos
de controle e restrição dos discursos, diz que a noção de autor constitui o momento
forte de individualização na história das idéias” (FOUCAULT, 1992b, p. 33). Essa
individualização caracteriza-se pelo fato de que é o autor que, de maneira única,
organiza as idéias de seu texto.
55
A preocupação de Foucault, neste artigo, não é achar uma resposta para as
questões que se podem levantar sobre a figura do autor, mas procurar saber como o
autor se individualizou na nossa cultura, quando ele começou a ser importante para uma
obra e quando ele começou a ser valorizado. Para isso, faz uma análise histórica, com o
intuito de descobrir como a função-autor se constitui no contexto da sociedade moderna,
em especial a européia, depois do séc. XVII.
Na sua análise, ele vê um apagamento da figura do autor, apagamento este que
se em proveito das formas próprias do discurso.. Ao discursar sobre o
desaparecimento do autor, Foucault diz que essa é uma tendência que vem se afirmando
na crítica literária moderna (que importa quem fala, disse alguém, que importa quem
fala disse Beckett). Essa indiferença é, para Foucault (1992b, p. 34), um dos
princípios éticos fundamentais da escrita contemporânea. Mas, embora seja essa a
tendência, não se pode ver em Foucault um estruturalista que negava o autor. Ele
próprio não se considera estruturalista e considera oca a afirmação de que o autor
desapareceu.
O nome do autor é muito mais do que um nome próprio. Portar o nome de um
autor assegura a um discurso uma certa classificação, que permite agrupá-lo a outros
textos ou opô-lo a eles. Além disso, entre textos que pertencem a um mesmo autor é
possível estabelecer relações, encontrar homogeneidades e explicações (GREGOLIN,
2003c). Em suma, o nome do autor organiza os textos e indica que um discurso não é
um mero discurso passageiro e cotidiano, mas que se trata de um discurso que deve ser
recebido de certa maneira e que deve, numa determinada cultura, receber um certo
estatuto (FOUCAULT, 1992b, p. 45).
O nome do autor, diferentemente de um nome próprio, não remete a uma pessoa
física no mundo exterior, mas é uma propriedade de um texto, que limita-o, recorta-o e
caracteriza-o, causando uma ruptura ao instaura-lo.
Foucault ainda afirma que discursos que circulam sem autor, como conversas
cotidianas, decretos ou contratos e receitas técnicas. Função-autor é, assim,
característica do modo de existência, de circulação e de funcionamento de alguns
discursos no interior de uma sociedade (FOUCAULT, 1992b, p. 46).
Os discursos que portam a função-autor e os que dela são desprovidos têm
características diferentes. Segundo Foucault, os textos que trazem o nome de um autor
têm, dentre outras, quatro características específicas. A primeira delas refere-se a estes
discursos como objetos de apropriação, tanto em termos de direitos autorais como em
56
termos de punições penais. Os textos começaram a ter nome de autores, segundo
Foucault, na medida em que começaram a ser transgressores. Era necessário que a obra
tivesse um responsável, e, assim, o regime de propriedade foi uma necessidade para que
se pudesse aplicar punição. Isso não quer dizer que antes do estabelecimento do regime
de apropriação não houvesse textos que infringiam as leis. Na antiguidade cristã, os
transgressores eram aqueles textos considerados blasfemos e profanos. No entanto, diz
Foucault, com a emergência das leis de mercado, no fim do século XVIII e início do
século XIX, passou-se a considerar que a punição por causa de transgressões era, em
certa medida, uma condição para o novo estatuto alcançado pelo autor, de dono de sua
propriedade.
A segunda característica elencada por Foucault diz respeito à condição de
existência da função-autor. Esta não se exerce de maneira uniforme em todos os
discursos, recebendo diferentes estatutos dependendo da época e das sociedades em que
circulou, constituindo-se, assim, como uma noção histórica. Para exemplificar, Foucault
fala sobre os diferentes modos de recepção entre o discurso literário e o discurso
científico. Houve um tempo em que epopéias, tragédias, comédias não precisavam de
um nome de autor para circular. Em contrapartida, na Idade Média, textos científicos só
eram recebidos se portassem o nome de seu autor. Caso contrário, seu valor de verdade
seria questionado. A partir do século XVII ou século XVIII, essa situação se inverteu:
textos científicos não prescindiam mais de um nome próprio, mas sim de conjuntos
sistemáticos que lhe permitissem serem provados. Já os discursos literários só
receberiam valor na medida em que sua origem fosse esclarecida, não só com relação ao
seu autor, mas também com relação à época em que fora produzida, em que situações,
etc.
A terceira característica da função-autor é o fato de ela não se formar de maneira
espontânea, pelo simples gesto de conferir um discurso a uma pessoa. Não é a existência
de um autor cartesiano, racional e realista, com um poder criador. Para Foucault (1992b,
p. 51), a função-autor é uma operação complexa e abstrata, é o tratamento a que
submetemos os textos, as aproximações que operamos, os traços que estabelecemos
como pertinentes, as continuidades que admitimos ou as exclusões que efetuamos
(p.51). Essas operações variam conforme a época e o discurso.
A quarta característica é o fato de a função-autor não remeter a um indivíduo
real, uno e homogêneo, mas ser constituído por várias funções-sujeito, com todas as
suas contradições.
57
Em A ordem dos livros, o historiado francês Chartier, ao traçar a história dos
livros, discorre longamente sobre o tema do autor e da propriedade literária. Acredita
que a história do livro pode trazer algumas reflexões para a questão do autor, que ele
está “no centro de todos os questionamentos que ligam o estudo da produção de textos
ao de suas formas e de seus leitores (CHARTIER, 1999, p. 58).
Chartier diz que, ao escrever, o sujeito tem certas regras a seguir, certas
determinações que fazem com que ele não faça, ou não escreva o que quiser. Ao mesmo
tempo, ele tenta controlar o sentido do texto, buscando direcionar a leitura e ter o
controle total do sentido, tanto com relação ao texto como com relação às suas formas
de edição. A escrita estabelece um lugar para o seu autor. Embora tente cercar os seus
sentidos do texto, ele vai realmente existir a partir do ato da leitura, quando um
sentido lhe vai ser dado e que nem sempre vai corresponder com o que era previsto pelo
autor.
Assim como Foucault, Chartier também ressalta o caráter histórico da escrita.
Por ser também ela regulada por práticas sociais, ela não se de forma universal no
tempo e no espaço. Em cada época, os textos são recebidos e apropriados pelos leitores
de diversas maneiras. Essa mudança na forma de recepção está correlacionada com
modificações nas relações de poder. Há, assim, várias maneiras de ler, que não são
totalmente espontâneas, mas orientadas por certas determinações.
A Idade Média é tida, por Foucault, como um marco na concepção de autor. O
autor, como princípio de agrupamento, de unidade, começou a ser assim concebido
principalmente a partir dessa época. Chartier também procura enfatizar que o início da
função-autor não remonta à sociedade moderna.
Chartier ainda retoma muitos pontos do artigo de Foucault, adicionando ainda
alguns elementos à análise da função-autor, sempre pelo viés da história do livro. Para
ele, Foucault oferece, em seu artigo, três indicações cronológicas que marcariam o
início da emergência da função-autor. A primeira delas, como citada acima, seria o
início do regime de propriedade, entre o fim do século XVIII e início do século XIX. A
segunda refere-se à apropriação penal que, segundo Chartier, é bem mais antiga que a
primeira e a verdadeira precursora da emergência da função-autor. A terceira
periodização é aquela que diferencia os diferentes regimes atribuídos aos discursos
literários e científicos.
Para Chartier, a noção dos direitos do autor não foi suficiente para estabelecer a
função-autor e nem mesmo Foucault, segundo ele, associava o surgimento do autor com
58
a instauração de regras de propriedade. Segundo Chartier, a propriedade literária esteve
ligada, antes de tudo, a interesse de livreiros, que eram eles, e não os autores de
livros, que desfrutavam dos benefícios financeiros de uma obra. O livreiro se
encarregava dos gastos de impressão e privilégio, e o autor recebia como retribuição um
certo número de exemplares, os quais ele iria ofertar a reis, ou a outros mecenas. Tanto
na França como na Inglaterra, até mais ou menos a metade do século XVIII, o autor não
tinha total poder sobre sua obra. Corroborava para isso uma idéia de que, se as idéias
podiam ser comuns e partilhadas, o mesmo devia se estender aos livros, que não era
assim uma exclusividade do autor. Para defender os interesses do autor, no entanto,
passou-se a argumentar que era a forma que exprimia a singularidade do estilo e do
sentido de uma obra.
Se as idéias podem ser comuns, partilhadas, o mesmo o acontece
com a forma que exprime a singularidade irredutível dos estilos e do
sentimento. A legitimação da propriedade literária é, assim, apoiada
sobre uma nova percepção estética, que designa a obra como uma
criação original, identificável pela especificidade de sua expressão.
(CHARTIER, 1999, p. 41)
Assim, um texto é uma invenção única quando se considera o modo como foi
organizado, produzido, já que o autor dá uma unidade singular a várias idéias, ao
mesmo tempo em que circunda seus sentidos.
Ainda segundo Chartier, foi, a partir do século XVIII, que o autor começou a
viver do ofício da escrita. No entanto, esta situação levantou uma condição paradoxal,
pois as regras do mecenato não foram totalmente abandonadas.
Da coexistência dos dois regimes, do patronato e do mercado, sobreviveu o
influenciado pelas regras do mercado: o nome do autor começou a ser associado à obra,
e passou-se a depositar nele, e não mais na obra anônima, o meio de obtenção de
dinheiro. A mudança de regime acarretou, além de mudanças relacionadas às condições
financeiras, o surgimento de uma outra concepção de escrita e de autor.
Antes, a submissão dos autores às obrigações decorrentes de
pertencerem a uma clientela, ou estabelecidas por laços de
mecenatos, faziam par com uma incomunicabilidade radical da obra
com bens econômicos. Depois de meio século, as coisas se
inverteram, pois é sobre a ideologia do gênio criador e
desinteressado, garantia de originalidade da obra, que se baseia a
possível e necessária apreciação monetária das composições
literárias, remuneradas como um trabalho e submetidas às leis do
mercado (CHARTIER, 1999, p. 43).
59
Para Chartier, no entanto, nada contribuiu mais para a emergência da função-
autor do que a da propriedade penal. uma relação entre a censura realizada pelo
Estado e pela Igreja, com a emergência da figura do autor, que alguém precisava ser
responsabilizado em caso de transgressões. O controle sobre a publicação e a circulação
dos livros tornou-se mais intensa a partir da impressão do livro, que era então produzido
em maiores quantidades.
Por fim, Chartier discorda de Foucault no que tange à questão da atribuição de
autor a textos científicos e textos literários. Ele diz que tanto os textos antigos quanto os
textos em língua vulgar sempre foram atribuídos a um nome próprio. E mesmo durante
o século XVII e XVIII os textos científicos ainda traziam um nome próprio. Para ele, os
autores se encobriam atrás de autoridades aristocráticas, mas isso não queria dizer que
eles passassem para o anonimato. Assim como na época Medieval, era imprescindível
que a obra tivesse o nome de seu autor, pois era ele que dava legitimidade àquele
discurso, além de transferir para ela a posição social derivada da posição social do autor.
Chartier, analisando a história do livro, diz que o autor foi esquecido tanto pela
história inglesa como pela francesa. Para ele, segundo a tradição da história social da
impressão, o estudo dos autores dos livros não interessava aos historiados, ao contrário
do que acontecia com o estudo dos leitores. Este esquecimento, diz ele, se prolongou até
aos primeiros nomes da escola de Annales, mas, nos últimos anos, estaria ocorrendo a
volta do autor, numa rearticulação com a obra. Essa volta é objetivo de comum de
várias abordagens diferentes, como a estética da recepção, o new historicism, a
sociologia, etc.
Apesar de suas grandes diferenças e até mesmo de suas divergências,
todas essas abordagens têm como ponto comum rearticular o texto ao
seu autor, a obra às vontades ou às posições de seu produtor. É certo
que não se trata de restaurar a figura romântica, magnífica e solitária
do autor soberano, cuja intenção (primeira e última) encerra a
significação da obra, e cuja biografia dirige a escrita em uma
transparente nitidez. O autor, tal como ele faz a sua reaparição na
história e na teoria literária, é, ao mesmo tempo, dependente e
reprimido. Dependente: ele não é o mestre do sentido, e suas
intenções expressas na produção do texto não se impõem
necessariamente nem para aqueles que fazem desse texto um livro
(livreiros-editores ou operários da impressão), nem para aqueles que
dele se apropriam para a leitura. Reprimido: ele se submete às
múltiplas determinações que organizam o espaço social da produção
literária, ou que mais comumente, delimitam as categorias e as
experiências que são as próprias matrizes da escrita. (CHARTIER,
1999, p. 35-6).
60
Chartier também considera importante haver coerência para a instituição da
função-autor, a importância de uma unidade textual e unidade codilógica. Desde a
Idade Média, sempre houve uma preocupação com o controle do texto, cujo conteúdo
original poderia ser alterado durante sua impressão ou sua cópia manual. Muitas vezes
os livros eram copiados pelos próprios leitores, independente de qualquer ordem, ou
inserindo trechos de outros autores. Esta, que era uma prática muito comum, sofreu
alterações durante a Idade Média, que refletem uma evolução na concepção da função-
autor. Analisando os manuscritos de Petrarca, por exemplo, pode-se concluir que a
noção de autor vai se delimitando na medida em que se percebe que os copistas iam
progressivamente diminuindo as inserções de outros autores na obra para, no final do
século XV, ela ser composta apenas por obras suas.
Tanto Chartier quanto Foucault vêem no autor um mecanismo de restrição do
discurso, ao mesmo tempo em que é nele que se encontram as marcas das identidades
dos sujeitos e suas resistências por meio dos discursos retomados. Além disso, a função-
autor não é homogênea e desprovida de contradições, mas ela pode dar lugar a uma
multiplicidade de vozes e de discursos. É essa dispersão que a caracteriza. Foucault
refuta a idéia de um individuo que tem plenos domínios de si, e, consequentemente, de
seu discurso. Ao falar, o autor mais é falado do que fala.
Nas cartas que serão mais adiante analisadas, poderemos encontrar vestígios da
função-autor por meio do discurso do adolescente. Também ele tem a preocupação de
produzir um texto coerente e também ele será responsabilizado pelo que está dizendo,
porquanto seu texto é um objeto de apropriação, tornando-se assim passível de punição,
que pode vir em forma de críticas a seu texto.
Não podemos associar, também, o autor ao redator do texto, no caso, ao redator
da carta. A função-autor não preexiste a um texto, mas é constituída ao longo dele.
Assumindo a função-autor, o sujeito será afetado por coerções tanto externas (ideologia,
contexto sócio-histórico) como internas. Estas últimas são regras que exigem do autor a
não contradição, progressão, coerência, etc. Trabalhar com essas coerções é o que
Orlandi (1998 apud ORLANDI 2002) chama de assunção da autoria. É assim que ele
assume a responsabilidade pelo que diz. “Não basta falar para ser autor. A assunção da
autoria implica uma inserção do sujeito na cultura, uma posição dele no contexto
histórico-social (ORLANDI, 2002, p. 76).
61
Sendo os discursos e os sujeitos considerados como uma dispersão, cabe ao
autor, em seu texto, organizá-los de forma a criar uma ilusão de unidade. Se o sujeito é
histórico, porque fala de determinado tempo e espaço, dentro de práticas discursivas,
também é um sujeito ideológico. “Assim, ao invés de fazermos perguntas sobre o autor
e sua obra da maneira tradicional, levaríamos questões sobre as condições e modos de
inserção do sujeito na ordem do discurso, o lugar que pode ocupar em cada tipo de
discurso, as funções que pode assumir e as regras a que tem de obedecer
(CARMAGNANI, 1999, p. 161).
As marcas de autoria podem ser percebidas nas escolhas de determinadas
palavras ou expressões, sendo que o uso de diferentes combinações lexicais, sintáticas,
etc., pode produzir efeitos variados para o texto, em correspondência com a posição do
autor. Por que uma palavra foi usada, ou não, não se deve a uma escolha aleatória, mas
pelo contrário, se deve a uma escolha bem fundada, que posiciona o texto de acordo
com a determinada situação interdiscursiva, produzindo determinado sentido. Por isso
a necessidade de se estudar os lugares da autoria no texto. Como diz Foucault, o
autor não remete a uma pessoa do mundo exterior, mas a função autoria vai ser
assumida pelas posições–sujeitos daquele indivíduo, que não são fixas, nem
homogêneas. Essas funções-sujeitos também nos permitem o estudo da identidade do
sujeito. Por isso, o estudo da materialidade da carta pode nos proporcionar pistas sobre a
assunção da autoria do sujeito e de suas identificações.
Ao falar sobre a questão do estilo, Possenti diz que ele não é conseqüência de
uma subjetividade de tipo psicologizante, mas de um posicionamento. Ao estender a
discussão para a questão da autoria, ele completa dizendo que alguém se caracteriza
como autor tomando posição e fazendo com que seu texto vá além da adequação
(necessária, mas insuficiente), dando-lhe algum sal (POSSENTI, 2004a, p. 7). Esse sal,
esse estilo, se caracteriza pelas marcas próprias de cada sujeito.
As cartas que serão analisadas poderão nos mostrar como os adolescentes
assumem a função-autor e como eles podem exercer o mecanismo de restrição do
discurso. E as cartas, muito mais do que um simples suporte, também funcionam como
organizadoras do discurso, que elas impõem coerções a este autor. As condições de
produção de um discurso e o gênero discursivo por meio do qual será feito o discurso
também controlam e selecionam o que dizer. É por isso que também o estudo do gênero
epistolar merece uma discussão, o que vamos tentar fazer abaixo.
62
3.2 – O GÊNERO EPISTOLAR
3.2.1 Uma breve história do gênero epistolar
Ao acompanharmos a história do gênero epistolar, podemos afirmar que ele
sofreu inúmeras transformações, desde a antiguidade até os dias de hoje, principalmente
com relação à sua forma, ao seu suporte (tabuinhas, papiro, papel, meio eletrônico) e ao
seu sentido.
Na Grécia clássica, era comum a troca de correspondência entre mestre e
discípulos. É analisando algumas dessas cartas, dentre elas as trocadas entre Sêneca e
Lucilio, Marco Aurélio e Frontão, que Foucault produz uma parte do artigo A escrita de
si. No entanto, não há conhecimento de nenhum tratado que tivesse por objetivo o
estudo das normas epistolares nesta época, o que pode nos levar a concluir que o seu
uso não suscitava grandes questões. O primeiro trabalho sobre o gênero de que se tem
notícia antes do século IX data do século IV, de autoria de Caius Julius Victor, que
elaborou um estudo no qual tentava adaptar normas da Retórica à escrita das cartas.
Segundo Soto:
A forma epistolar e seu/s sentido/s foram se definindo, ou pelo menos
consolidando determinadas formas e não outras, conjuntamente com
as práticas do Cristianismo e a expansão das artes notarial e
legislativa durante a Idade Média. É nesse período que acontece o
que poderíamos chamar de a invenção do que hoje chamamos
carta. (SOTO, 2002)
Com o advento do Cristianismo, as cartas adquirem um caráter sacro. O Novo
Testamento, por exemplo, possui 27 livros, dentre os quais 21 são transcrições de cartas.
Só as escritas por Paulo, por exemplo, constituem 13 (Romanos, 1 e 2 Coríntios,
Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, 1 e 2 Tessalonicenses, 1 e 2 Timóteo, Tito e
Filemom.). Essas cartas eram usadas para transmitir a palavra de Deus, a vida e
ressurreição de Cristo e para aproximar comunidades cristãs, servindo como um meio
de vencer a distância geográfica. Também na liturgia católica, as cartas tinham grande
importância, servindo como uma mediação entre o céu e a terra. Era como se elas
possibilitassem uma comunicação direta com Deus: familiar e/mas sacralizada, direta
e/mas formalizada, íntima e/mas socializada. Ainda segundo Soto:
63
Na missa católica romana, no final do primeiro milênio, a autonomia da
liturgia epistolar já se encontra bem marcada, da carta se proclama o
título e o tratamento (irmãos”, “meu muito caro amigo”, “meus muito
caros amigos”) antes de sua leitura. (SOTO, 2001, p. 106).
Soto ainda lembra que as autoridades eclesiásticas faziam a jurisdição pontifical
por meio de cartas, recebendo estas as denominações dependendo do status do
enunciador, podendo, assim, ser encíclica, bula, pastoral e breve.
As cartas deixam de pertencer com exclusividade à esfera da Igreja
principalmente a partir do século XII. Nesta época, a carta começa a funcionar como
uma espécie de intermediária entre o indivíduo e as questões jurídicas. É dessa época o
surgimento de uma regra que permanece até hoje: a de citar o nome do destinatário no
início da carta e o nome do autor apenas no final. No início, essa regra valia apenas para
casos em que o destinatário tinha uma posição social mais elevada do que a do autor,
mas, com o passar do tempo, ela se generalizou.
Em Bolonha e em outras cidades italianas, o surgimento de uma nova classe de
intelectuais traz como mostra de sua independência a arte epistolar. Conhecidos como
mestres epistolários, ganham importância pública nessa época por serem os que
produziam cartas que mediavam as relações entre o indivíduo e a Justiça e também por
serem aqueles que produziam as normas desse gênero (SOTO, 2001).
A partir do desenvolvimento do Estado, no entanto, e com a complexidade de
sua estrutura, surgem figuras com funções políticas e jurídicas responsáveis por
estabelecer essa relação, que antes ficava a cargo dos mestres. Abdicados da tarefa
pública, eles passam, então, a ocupar-se da arte epistolar voltada para a esfera privada,
para as cartas pessoais.
A importância representada pela carta como um meio de comunicação pode ser
medida analisando os mais diferentes tratados escritos sobre o gênero. Entre os
primeiros trabalhos que procuraram mostrar a produção de carta como disciplina
autônoma estão os do monge Albericus de Mont Cassin (1030-1105,
aproximadamente). Os mestres epistolares também produziram trabalhos sobre o
assunto. Já na França durante o século XIX, foram publicados 195 manuais de redação
de cartas, também conhecidos como secretários, desdobrando-se estes em 616 edições
diferentes. Os manuais dessa época voltavam-se para temas da vida privada, e os
modelos, na sua maioria, procuravam dar às cartas uma ilusão de oralidade (SOTO,
2001). Tanto nos secretários quanto nos tratados da Idade Média, o objetivo era a
criação de uma teoria da carta e o desejo de se obter o exemplo mais correto. Essa
64
proliferação de tratados sobre o gênero reflete a preocupação com a escrita da carta
como um gênero que deveria ter formas pré-estabelecidas.
A sociedade atual ainda confere as cartas um certo status. Prova disso é o fato de
as correspondências serem objetos de artigos do código Penal e da Constituição. Pela
lei, é assegurado o caráter privado e inviolável de uma carta, para assim resguardar o
direito do autor, do destinatário e de eventuais terceiros citados na carta. É proibido a
qualquer um publicar uma carta sem permissão do seu autor, mesmo se a publicação
partir da vontade do destinatário.
Apesar do aspecto íntimo, a carta pode ter outros fins. Pode servir a propósitos
literários, testamenteiros, como a carta que Getúlio Vargas escreveu antes de se matar,
ou políticos, como a Carta ao Povo Brasileiro, feita pelo presidente Lula.
A carta também sofreu modificações causadas pela modernidade. A rapidez
imposta pelo processo de globalização torna possível o conhecimento de fatos ocorridos
do outro lado do planeta em questão de minutos. É quase inconcebível, hoje,
demorarmos dias ou semanas para ficarmos cientes de uma notícia. Assim as cartas,
enquanto veículos de comunicação, perderam espaço neste atual contexto pós-moderno,
para os e-mails. Hoje, a popularidade do correio eletrônico não abrange as pessoas
que não possuem ou não utilizam computador. Mas um não exclui o outro o e-mail,
inclusive, pode ser considerado uma evolução da carta, uma renovação, que em
muitos aspectos eles são parecidos, especialmente quanto à forma e à finalidade, embora
a linguagem utilizada possa ser muito diferente. Ainda poderíamos arriscar dizer que o
e-mail, devido à comodidade que se usufrui ao escrevê-lo e ao enviá-lo, que exige um
mínimo de esforço, e devido à rapidez com a qual é transmitido, permitiu que as pessoas
redescobrissem a correspondência.
O e-mail, assim como a carta, serve a diversas finalidades, servindo tanto a
interesses pessoais quanto profissionais. Nos mais informais, a linguagem usada
caracteriza-se por ser marcada por abreviações e recursos lingüísticos próprios (como o
uso do h no fim da palavra para indicar que a palavra é acentuada na última sílaba).
Grandes empresas e pessoas comuns aderiram ao correio eletrônico pela sua facilidade e
rapidez de transmissão, mas ele não pode ainda ser considerado substituto da carta. De
qualquer forma, ambos são correspondências que possuem em comum muitas regras
constitutivas do gênero no qual podemos classificá-los, o gênero epistolar.
No entanto, ambos, carta e e-mail, devem ser analisados enquanto práticas
sociais e discursivas. Eles nos permitem conhecer o mundo do outro, sujeito-autor e
65
portador de várias identidades. É por isso que existem tantos estudos e pesquisas que
tomam como objeto correspondências de uma certa época ou de determinadas pessoas.
Quando dizemos que o nosso objetivo nesta pesquisa é o estudo das cartas
enviadas pelos adolescentes ao Folhateen, incluem-se os e-mails, que também serão
analisados. Com relação ao jornal, a maioria das manifestações é feita pelas cartas
convencionais, sendo que, dentre às enviadas por e-mail, poucas foram publicadas. O
caderno especifica no final da carta, junto ao nome do adolescente, se ela foi enviada
por e-mail. Neste caso, a cidade onde reside o adolescente não é informada, ao contrário
do que acontece com a carta enviada via correio.
De qualquer modo, assim como a carta, o e-mail também permite reflexões
sobre o gênero epistolar, podendo ser considerado pertencente a ele. Assim, cabe aqui,
ainda, fazer um breve comentário sobre este gênero que será o nosso objeto de pesquisa.
3.2.2 O Gênero epistolar
Quando pensamos em cartas, logo nos vem à cabeça uma prática de escrita com
formas pré-estabelecidas e, assim, facilmente reconhecíveis. Segundo Soto, é um gênero
que se auto-identifica, apresentando aspectos que nos parecem evidentes (a presença de
data e local, seguidos pela saudação, depois pelo texto, terminando com uma despedida
e a assinatura do autor). Mesmo pessoas não alfabetizadas poderiam reconhecer, entre
vários tipos de textos, aquele cuja forma esteja ligada às normas epistolares.
Na verdade, a carta constituiu-se historicamente como um gênero discursivo que
apresenta uma certa homogeneidade quanto à sua forma composicional. E dizer que ela
é um nero discursivo não é fazer referência apenas à forma, ou tratá-la apenas como
uma tipologia textual.
Segundo Bakhtin (1997), os gêneros são formas relativamente estáveis por meio
das quais falamos e moldamos nossa fala, dependendo da esfera da utilização da língua.
Por serem infinitas estas esferas, também os gêneros serão infinitos. Qualquer atividade
de expressão verbal está dentro de um gênero, dentro de certas características de tema,
estilo e construção composicional. Segundo Bakhtin, o gênero discursivo a ser utilizado
depende da esfera da comunicação verbal em que o locutor está inserido, de sua posição
social, de quem é o seu interlocutor. É possível reconhecer a existência de gêneros mais
livres, como uma conversa, e gêneros mais padronizados, como um ofício. Bakhtin
66
classifica os gêneros em primários (que organizam a comunicação ordinária) e
secundários (formas discursivas mais complexas). Embora os gêneros sejam tipos
relativamente estáveis, eles não constituem categorias fixas, mas estão em um processo
constante de transformação, até mesmo se sobrepondo um ao outro. É comum, por
exemplo, encontrarmos no gênero epistolar aspectos de algum gênero literário, ou
propagandas se valendo de cartas, cartas aparecendo em filmes, etc. Em qualquer caso,
a sobreposição acarreta mudança nos sentidos.
O gênero é um “espaço enunciativo, uma forma de articular os conteúdos
enunciáveis em certo momento histórico e que aponta para uma identidade enunciativa
(GREGOLIN, 2004b). Ao escolher falar por um gênero e não por outro, o sujeito
começa a produzir sentidos. Ele, sofrendo as coerções, sabe o que pode e deve ser dito,
mostra qual posição ocupa na sociedade. É se posicionando dentro de um gênero que ele
vai exercer a função–autor, já que o gênero também institui um lugar.
Com relação às cartas, uma forma composicional relativamente estável, um
estilo e um tema. Ela ainda apresenta uma regularidade com certas formas lingüísticas,
como as palavras e expressões usadas para iniciar (meu querido filho, meu amor,
etc.) e para terminar a carta (um beijo, um abraço,amais, etc.), que imprimem
ao texto um grau de maior ou menor intimidade. No entanto, podem ser consideradas
um exercício de estilo e são totalmente híbridas quanto ao tema. Podem conter
confissões, narrativas, conselhos, pedidos de desculpa, ou serem apenas documentais,
ou afuncionarem como testamento. Nas cartas (ou e-mails) objeto desta pesquisa, o
tema normalmente é a opinião ou um comentário sobre o que foi veiculado no
suplemento Folhateen.
Quando falamos em gêneros, é necessário também pensar no seu suporte.
Segundo Marcuschi (2003), que se considerar este aspecto como um caso de co-
emergência, que o gênero ocorre (surge e se concretiza) numa relação de fatores
combinados no contexto emergente. O suporte é normalmente entendido como o lugar
físico, material em que o gênero é materializado. No caso dessa pesquisa, as cartas estão
publicadas no caderno Folhateen, que se configura assim como o seu suporte e que é
responsável pela sua circulação social. Assim, as cartas publicadas no Folhateen não
são iguais a cartas que enviamos para um amigo ou para qualquer pessoa pelo fato de
ela vir impressa no suplemento. O suporte confere a essas cartas algo mais,
características que meras cartas não têm. No entanto, elas não perdem o status de cartas,
pois continuam existindo com a mesma finalidade. É diferente, por exemplo, de cartas
67
pessoais publicadas em livros. Essas, segundo Marcuschi, podem até perder o caráter de
epístolas para adquirirem um aspecto literário, pela mudança de função e da natureza.
os e-mails podem ser considerados como suporte e como gênero. Enquanto
suporte, ele carrega vários gêneros (propagandas, ofícios, classificados), mas a própria
palavra e-mail carrega uma acepção especificamente relativa a cartas, funcionando
como gênero. E o mais comum é que o e-mail seja associado a sua função.
A carta é uma prática discursiva que sempre se apresentará na forma escrita, e
sem a presença física do interlocutor. Como é uma prática discursiva regulada pela
historicidade, o gênero sofre coerções e assim também o sujeito que por meio dele fala.
Em específico, as cartas analisadas nesta pesquisa foram produzidas seguindo condições
especificas, ou em uma esfera da atividade verbal específica: é direcionada ao jornal,
que tem legitimidade e autoridade para dialogar como o autor da carta. Esta ainda pode
ser publicada, o que implica que muitas outras pessoas podem ter conhecimento do seu
conteúdo, e as cartas publicadas podem servir de base para outras cartas que serão
escritas.
Estes são fatores que, de uma forma ou de outra, condiciona a escrita do
adolescente. Assim, supõe-se que o autor da carta pense nessas condições e que, ao
tomar a decisão de escrever, ele tenha tudo isso em mente, principalmente com relação
àquilo que ele pode e deve dizer, inserido em um gênero como este. E, ao dizer, o
sujeito se revela. E é por meio do estudo da materialidade que vamos encontrar traços
de elementos de discursos heterogêneos, contraditórios ou que podem estar em relação
de aliança, que refletem também a posição que o sujeito ocupa na sociedade. E é
pensando nas práticas discursivas como um espaço enunciativo que se poderá encontrar
no objeto de análise dessa pesquisa formulações que remetam às identidades construídas
pelos adolescentes, a partir da representação discursiva na mídia. Além disso, por meio
do que é dito e como é dito podemos também encontrar ligações com o interdiscurso,
com a memória discursiva, e como ele foi mobilizado para produzir sentido.
O leitor de uma coluna, como no caso “cartas do leitor, e mesmo um autor que
escreve para essa coluna mobilizam conceitos desse gênero, e sobre qual o papel dele
dentro do suplemento. Portanto, o gênero é um operador da memória social e assim
nele vamos encontrar encontros e desencontros de discursos, relações com o
interdiscurso, negociação de sentidos e a construção de identidades.
68
3.2.3 A carta enquanto exercício pessoal
Ao fazer um estudo sobre as maneiras pelas quais os homens elaboram saberes
sobre eles mesmos, Foucault considerou a importância que o cuidado de si tem e teve na
antiguidade e nos primeiros séculos da era cristã. Analisando essas técnicas
desenvolvidas pelos homens e que constituem saberes sobre eles mesmos, Foucault as
dividiu em 4 grandes grupos, entre os quais estão técnicas de produção, técnicas de
sistemas de signos, técnicas de poder e técnicas de si. Estas últimas são definidas como
técnicas que
permitem aos indivíduos efetuarem, sozinhos ou com a ajuda de
outros, um certo número de operações sobre seus corpos e suas
almas, seus pensamentos, suas condutas, seu modos de ser, de
transformarem –se a fim de atender um certo estado de felicidade, de
pureza, de sabedoria, de perfeição ou de imortalidade (FOUCAULT,
1994).
Entre as técnicas que permitem um cuidado de si, e que necessitam de um
adestramento de si, está a escrita. A escrita, que segundo Foucault tardiamente
encontrou um papel de relevância nessa cultura, era importante enquanto um exercício
do pensamento, uma meditação, que obrigava o seu autor a organizar o seu
conhecimento.
Foucault ainda identificou, entre as formas escritas que funcionavam como
técnicas de si, os hypomnematas e as correspondências. Os primeiros possibilitavam a
constituição de si a partir da escrita de discursos de outros, servindo como uma
memória material de coisas que haviam sido ouvidas, lidas ou vivenciadas. Entre os
hypomnematas estariam as agendas, cadernos de notas e cadernos de contabilidade.
Estes não deviam ser vistos como um diário, que serviam não para dizer o que estava
oculto, mas para captar o já dito.
A correspondência, por sua vez, também se constituía como um exercício
pessoal. E mais do que os hypomnematas, a carta constitui também uma certa maneira
de cada um se manifestar a si próprio e aos outros. A carta faz o escritor presente
àquele a quem se dirige (FOUCAULT, 1992a, p.149). Por meio da carta, o escritor
olha para si e para o seu remetente, ao mesmo tempo em que também é olhado para ele.
A carta possui, assim, dupla função, atuando sobre quem a envia, pelo fato de escrevê-la
e de relê-la, e sobre quem a recebe, pelo fato de lê-la e meditar sobre ela.
O conteúdo das correspondências analisadas por Foucault, mais do que conter
narrativas de si, enquanto relatos de fatos dos quais se é o autor, são narrativas da
69
relação a si. Nestas cartas, eram contadas banalidades do cotidiano, não por que o autor
quisesse contar os momentos de seu dia, mas para mostrar que, seguindo a rotina de
sempre, nada o havia interrompido na sua tarefa do cuidado de si, à qual devia se
dedicar. Além disso, a narrativa de um dia qualquer também servia para um outro
exercício importante para o cuidado de si: o exame de consciência. Por meio dessa
atividade, ele avaliava o que fora feito no dia, quais haviam sido suas faltas e o que
precisava fazer para melhorar. Ainda para ajudar nesta tarefa, era comum as cartas
relatarem os cuidados com o corpo e com a saúde.
O objetivo dessas correspondências analisadas por Foucault era o defazer
coincidir o olhar do outro e aquele que se volve para si próprio quando se aferem as
acções quotidianas às regras da técnica de vida (FOUCAULT, 1992a, p.160). A
verbalização do pensamento em palavras escritas ou faladas requer cuidados de seu
autor, que o expõe ao olhar do outro. Por isso, o autor sempre se policia ao escrever
ou falar.
Citando Sêneca, a verbalização por meio da escrita, mas também por meio da
fala, era uma maneira de organizar as leituras realizadas, evitando assim uma dispersão
do pensamento, devendo-se então tomar notas daquilo que foi considerado importante.
A carta a ser enviada ao jornal, assim como qualquer outra, também organiza o
pensamento. Escrever uma carta implica em pensar, em subjetivar-se, em fazer uma
autobiografia involuntária. Por meio da escrita, segundo Demétrio, cada um deve
desvelar a sua alma (FOUCAULT, 1992a, p.151).
Ao escrever uma carta ao jornal, o adolescente opera uma prática pessoal,
expondo-se à opinião externa. A carta destinada ao jornal perde o caráter privado ao ser
publicada. É uma escrita de si, destinada à publicação. A carta enviada ao jornal pelo
adolescente encerra muitas das características que Foucault descreve: elas são escritas
como uma forma de explicitar o pensamento do adolescente, e de compartilhá-lo com
outros, criando assim laços com os demais leitores do jornal. Além disso, ao explicitar o
pensamento, educa-se a si mesmo, que a necessidade de organizar o pensamento
que será colocado no papel. Assim, a carta serve como um adestramento de si, por
forçar o adolescente autor da carta a refletir, e escrever ajuda a reter e a organizar o que
foi lido e ouvido. Em alguns casos, ela não deixa também de ser um exercício de
exibicionismo, pois a motivação da escrita da carta pode ser a vontade de se mostrar,
mais do que simplesmente compartilhar experiências ou opiniões de forma
descompromissada.
70
Por meio da verbalização do pensamento e de sua organização, podemos
perceber as posições do sujeito adolescente na sociedade. Algumas vezes podemos
perceber que o pensamento explicitado ainda não é muito maduro ou se mostra um
pouco confuso. No entanto, é uma forma de querer se dizer e, consequentemente, se
mostrar para o outro, e de se revelar para ele, assim como para si mesmo. É um
exercício de disciplinarização, que força o sujeito a se centrar sobre ele mesmo. Abaixo
está reproduzida uma carta publicada na edição de 10/04/2006:
Nós e as utopias
Oi, eu sou uma grande do Folhateen. Amo a maneira como vocês abordam os
assuntos, provando que o importante não é sobre o que se escreve e sim como se
escreve! A juventude atual não gosta muito de ler, mas o mundo está centrado
somente nas coisas que beneficiam o ego do eu-lírico em cada um de nós. Por isso,
acho importante a existência de um caderno destinado aos adolescentes!! Quando eu
tinha 17, enxergava muitas oportunidades e pensava que um dia fosse mudar o
mundo... Ainda não desisti, que agora vejo tudo com mais clareza... E a real é
que, quando descobrimos o universo além do nosso umbigo, o castelo de areia
desmorona!!! Obrigada por nos mostrar um leque de informações úteis sem deixar
de lado notícias sobre entretenimento. Afinal, nem só de tragédias e corrupção
vivem os jovens!!
Débora Kaoru Tanaka, 18 – Suzano-SP
71
CAP. 4: A ANÁLISE
4.1 O SUPLEMENTO FOLHATEEN
Publicações destinadas a segmentos específicos da população nunca tiveram
tanta popularidade quanto nos dias de hoje. Essas publicações atraem um grande
número de leitores, uma fatia importante que gosta de sentir-se individualizada em meio
a reportagens amplas e gerais. O Folhateen é uma dessas publicações, um caderno
específico para adolescentes criado em 1991. Teen, em inglês, significa todo aquele que
está na idade dos teens, ou seja, dos treze aos dezenove anos (thirteen, fourteen,
fifteen, ..., nineteen). O uso da palavra em inglês, no entanto, não impede que o público
leitor seja bem mais amplo do que o compreendido pelo significado da palavra.
O suplemento é veiculado uma vez por semana, às segundas-feiras, pelo jornal
Folha de S.Paulo, que conta com uma tiragem diária de aproximadamente 300 mil
exemplares, o que o faz ser o jornal mais lido no estado. Nenhum outro jornal no país,
inclusive, tem tiragem maior que a do jornal paulista.
Na sua origem, o caderno Folhateen era impresso em formato standart,
acompanhando o tamanho do resto do jornal, mas agora possui o formato tablóide, mais
fácil de ser manuseado, o que, aliás, tem se tornado uma tendência entre jornais do
mundo, porque, além de ser considerado mais fácil de carregar, é mais agradável aos
olhos das novas gerações, segundo a revista Veja (26/04/06). A reforma gráfica não
foi, assim, uma mudança aleatória.
O objetivo do caderno é atingir pessoas em uma determinada fase da vida, na
adolescência, abordando assuntos variados que podem ser de interesse a eles, como
sexo, saúde, música, cinema, comportamento, drogas, entre outros, em uma linguagem
específica para eles. A diagramação é cuidadosamente realizada, especialmente para
atrair os jovens e adolescentes, mais suscetíveis a outras tecnologias e, por isso, mais
difíceis de serem conquistados.
Em 2004, a editoria do caderno foi assumida por Sylvia Colombo. Tenho
tentado fazer um caderno mais voltado às questões mais próximas do dia-a-dia do
jovem urbano, além de dar mais atenção a temas ligados à globalização (COLOMBO
apud MARQUES, s/d). Ao afirmar isso, a editora faz uma distinção, por excluir o
jovem que não vive nas cidades do foco do jornal. As reportagens que o jornal traz
72
tentam sempre se referir a novidades, tanto em termos de comportamento como de
música e cinema, em uma necessidade de ser considerado atento, antenado.
Recentemente, todo o jornal Folha de S.Paulo passou por uma reforma gráfica e, a
partir da edição do dia 22/05/2006, o Folhateen apareceu com nova cara e a Seção de
Cartas passou a se chamar “Meu Espaço. Abaixo, estão reproduzidas imagens de duas
edições da Seção de Cartas, a primeira com o formato gráfico antigo e a segunda, com o
novo.
73
74
75
Além das matérias, o jornal conta com colunas fixas, como a seção de Cartas,
que será analisada, Escuta aqui, normalmente ligada à música, 2 Neurônios, escrita por
três mulheres que se propõe a comentar o universo feminino, além de contar
semanalmente com a participação de nomes já conhecidos da mídia, como o do médico
Jairo Bouer, que responde às cartas com dúvidas dos leitores, normalmente relacionadas
a sexo.
ainda um grupo de apoio do Folhateen, formado por adolescentes, que são
escolhidos por meio de uma seleção, visando ajudar a equipe do jornal, e que é
temporariamente substituído por outro grupo. O jornal não oferece maiores explicações
sobre como se esse apoio, informando apenas que, para participar dessa seleção, o
adolescente deve enviar cartas dizendo o que acha do caderno. O nome desses
adolescentes e a idade, que varia atualmente entre 13 a 16 anos, aparecem logo embaixo
da seção de cartas.
A seção de cartas, por sua vez, forja uma relação mais direta entre o jornal e os
seus leitores, constituindo-se como um espaço em que supostamente se pode oferecer
sugestões, opinar e comentar experiências próprias. Muitas vezes, essas cartas também
servem para a promoção do próprio suporte em que são veiculadas.
Nem toda carta recebida é publicada. A seleção, por sua vez, não é aleatória,
mas procura mostrar o jornal como uma instituição democrática, que publica e aceita
(ou finge aceitar) críticas a ele e sugestões, o que oferece também a imagem de um
jornal aberto a outras opiniões. De qualquer forma, as cartas são como peças de um
quebra-cabeça que ajudam a formar uma representação sobre o jovem. E essas cartas
publicadas podem também ter o intuito de, em vez de oferecer um modelo de
adolescente a ser seguido, oferecer modelos aos quais se devem rejeitar. No entanto, se
o motivo da escolha de certas cartas não nos é explicitamente revelado, ele nos fica
implícito.
As cartas publicadas no jornal têm omitidas partes da forma composicional
típicas desse gênero. Não temos, por exemplo, indicações de como o adolescente inicia
a carta, qual o tipo de tratamento que usa, para quem ele dirige especificamente a carta e
qual a despedida usada. Estes termos omitidos poderiam nos dar dicas de como o
adolescente percebe a sua relação com o jornal, qual posição assume perante ele e qual
posição confere ao jornal. E, ainda, sem acesso às cartas originais, temos que nos ater ao
modo como ela é publicada.
76
Além disso, mesmo o teor das cartas publicadas pode sofrer mudanças,
justificadas pela falta de espaço físico do caderno: elas podem ser parafraseadas,
resumidas ou ter informações ocultadas. Isso acaba “por configurar-se como uma carta
com co-autoria: o leitor, de quem partiu o texto original, e o jornalista, que o
reformulou (BEZERRA, 2002, apud ANDRADE, s/d).
Do mesmo modo, no caso do jornal, o autor da carta tem como destinatário
primeiro a equipe do jornal, mas todos os seus leitores são transformados em co-
remetentes, diante da possibilidade de ela vir a ser publicada. A escrita é um processo
em que a incorporação do interlocutor, a incorporação do outro na escrita, na medida
em que o mantém presente, ao antecipar, na sua escrita, resposta a possíveis
questionamentos e críticas. Assim, a ausência física de um enunciatário é substituída
pela imagem que se tem dele.
O aspecto de inviolabilidade não abrange as cartas enviadas ao jornal, e qualquer
outra mídia impressa em geral, que os seus autores sabem de antemão que, ao
escrever uma, ela podeser publicada. Ou seja, a carta, neste caso, assume um caráter
público. Aliás, a possível publicação pode ainda funcionar como uma motivação para se
escrever a um jornal ou revista, pelo fato de ter sua crítica, opinião ou experiência
compartilhada.
Podemos notar que toda a seção de Cartas traz uma imagem, que normalmente
está relacionada com algum tema ou algum comentário feito nela, e toda carta recebe
um nome, como se fosse o título de uma manchete. E, no alto da seção, também um
comentário do jornal sobre aquelas cartas, como se fosse um resumo do que o leitor
fosse encontrar. Este comentário e o título dado às cartas são a única opinião explícita
do jornal sobre a seção, e por meio deles também podemos perceber como o jornal
representa o adolescente.
Por fim, mais abaixo estão algumas cartas do córpus transcritas para
procedermos à análise. Dentre o período escolhido, apenas algumas foram tomadas
como exemplos, escolhidas aleatoriamente ou por apresentarem conexão com outra
carta escolhida, devido à impossibilidade de todas serem comentadas. As escolhidas,
no entanto, mais do que tentarem generalizar todas as demais, acabam por configurar-se
em um recorte desse córpus. Segundo Pêcheux (1994), o recorte é uma marca de
interpretação e, ao analista, é impossível analisá-lo à distância. Do mesmo modo, o
resultado obtido com a análise não é o único possível ao córpus.
77
Além disso, temos que ter cuidado para não ter uma atitude de policiamento dos
enunciados, tendo em vista que a materialidade do arquivo não é uma evidência e a
interpretação do córpus não é um atestado de sua comprovação. E, segundo Paul Henry,
não fato ou evento histórico que não faça sentido, que não
peça interpretação, que não reclame que lhe achemos causas e
conseqüências. É nisso que consiste para nós a história, nesse fazer
sentido, mesmo que possamos divergir sobre esse sentido em cada
caso (HENRY, 1994, p. 51-2).
Assim tentaremos proceder à análise, com a modesta intenção de apenas tentar
oferecer uma interpretação e questionamentos sobre esse córpus, sem ambicionar fazer
aparecer uma verdade pelo ato de retirar dos enunciados o véu da opacidade. Com essas
considerações feitas, podemos agora proceder à análise.
4.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A SEÇÃO DE CARTAS
Para facilitar a análise, primeiramente procuramos tabular todas as cartas
enviadas ao jornal no período de 01 de agosto de 2005 a 31 de julho de 2006, que
perfazem um total de 231 cartas em 45 edições do jornal. A tabela, em anexo, apresenta
três colunas, sendo que uma contém a data do jornal, a outra o número de cartas
publicadas naquela edição e a última, a classificação das cartas por meio de temas,
temas estes atribuídos por nós, seguido da idade do seu autor. A classificação das cartas
por meio da tabela permite visualizá-las tanto em termos quantitativos quanto
qualitativos.
Para fazermos a divisão por temas, tentamos nos pautar no que de mais relevante
era tratado na carta. Apesar de tentarmos impor um padrão rigoroso a seguir para
proceder à classificação, os parâmetros usados não tiveram como não deixar de estar
imunes à subjetividade. Isso porque o texto da carta é marcado pela incompletude e o
ato de leitura, longe de ser uma ação passiva, não é uma mera decodificação de letras,
mas mobiliza conceitos em nossa memória, constituindo-se em um ato único. Assim, as
cartas analisadas não são um depósito de sentido que está a espera do leitor para ser
resgatado. As cartas publicadas no jornal, embora relativamente curtas, apresentam
discursos relacionados a diversos outros, e cujo sentido nunca se esgota. Assim,
nenhuma classificação conseguiria ser uma representação fiel dos discursos tratados em
78
uma carta, mas, mesmo imperfeita, era necessária para termos uma idéia do que era dito
nas seções de cartas. Para a classificação, assim, procuramos nos ater ao que estava
mais marcado na materialidade lingüística do texto. Como exemplo, abaixo está
reproduzida uma carta publicada na edição do dia 07/11/2005, classificada como sendo
trabalho e adolescência:
O teor da carta vai muito além da classificação que lhe foi dada. No entanto,
tivemos que nos ater ao que parecia mais explícito e deixar os implícitos para o
momento da análise. Uma classificação exaustiva não seria viável, na tabela, para os
nossos propósitos.
Algumas cartas, como se pode perceber na tabela, foram classificadas com dois
ou mais temas. Como exemplo, transcrevemos abaixo uma carta da edição do dia
03/04/2006, classificada como crítica de filme e opinião sobre o jornal:
Podemos ainda perceber, de acordo com a tabela, que a grande maioria das
cartas recebeu a classificação de opinião sobre o jornal. Cumpre esclarecer que este
tema foi dado quando algum comentário foi feito ao jornal ou especificamente a alguma
reportagem ou seção. No total, 69% das cartas traziam em seu teor algum tipo de
comentário sobre o suplemento. Poderíamos até tentar subdividir estas cartas com
Crash
Discordo plenamente da resenha do filme ‘Crash’ (ed. de 27/3). Primeiro porque o
filme tem um aspecto inovador muito interessante, além de poder prender o
espectador a cada minuto pelo menos naqueles que sabem apreciar uma obra.
Segundo porque a jornalista acabou com o filme ao contar as principais partes. Uma
reportagem ou crítica não deveria estragar o produto sobre o qual está informando,
pois o objetivo principal, acredito, é informar, não degradar.
Flávio Croffi, 19 – Bauru - SP
Loucos por trabalho
Eu acho que esses jovens que batalham para conseguir sua grana dão muito mais
valor para tudo, pois eles sabem o quanto se cansaram, sentem-se independentes e
impõe regras para o seu dinheiro, pois foram eles que o conseguiram.
Maurício Felippi, 14 – Jundiaí - SP
79
relação ao assunto em que o autor da carta se propunha a opinar. No entanto, isso seria
um trabalho dispendioso demais, e até talvez inútil, uma vez que mais importante do
que se é falado é a crítica ou o elogio em si:
O que achamos importante foi quantificar, dentre as cartas que receberam a
classificação por darem opinião ao jornal, as que faziam críticas (negativas) e/ou elogios
ao jornal. A tabela abaixo apresenta esses dados:
Podemos também subdividir todos os temas encontrados na tabela em quatro
grandes grupos: o primeiro contém cartas que apresentam sugestões para o jornal; o
segundo, cartas que dão opiniões sobre o jornal; o terceiro, cartas que comentam
reportagens ou seções publicadas em edições passadas; e o quarto contém cartas com
assuntos que não fazem referência a nenhuma reportagem ou seção do suplemento,
assim como também não oferecem sugestões ou opiniões. Este último grupo, no
entanto, é muito pequeno. De todas as cartas analisadas, apenas 10 se enquadram nele, e
se referem à política ou música.
A maior parte das cartas analisadas fazia retomada de matérias ou colunas
publicadas no Folhateen. Em poucos momentos o conteúdo da carta era independente,
sem relação com algum assunto que tivesse sido abordado pelo caderno. Esta inter-
Tipo de opinião
Elogio Crítica
Quantidade de Cartas
111 61
Nickelback
Ficou superlegal a matéria com o Nickelback (ed. de 2/1). Foi bom vocês
explicarem o lance da diferença do rock americano e do canadense. O Folhateen
abala, ainda que de vez em quando algumas matérias deixem um pouco a desejar.
Mas tá valendo. As colunas ‘2 Neurônios’ e a ‘Escuta Aqui’ são perfeitas.
Luiz Cláudio, 15 – Juiz de Fora-MG
Vou de ônibus? 2
Lamentável a matéria ‘Nunca andei de ônibus’. Ela foge completamente à realidade
da maioria dos adolescentes.
Clara Nascimento, 19, por e-mail
80
relação fica explícita na própria carta, pela inserção da data em que foi publicada a
reportagem ou seção a que ela faz referência.
A intertextualidade, assim, está presente em quase todas as cartas. Algumas
vezes, ela pode vir marcada também pelo autor da carta, que se utiliza de citações, de
discurso direto ou indireto para reproduzir um trecho daquilo que está comentando. Ela
ainda pode ser vista como um recurso usado pelo jornal, que mostra ao adolescente a
necessidade de ter que conhecer o teor da reportagem ou da seção para recuperar
implícitos da carta, atuando assim como uma própria promoção para o caderno.
O fato de a maior parte das cartas constituírem um intertexto de outras edições
do jornal, em detrimento de cartas com teor avulso, mostra que a seção de cartas é um
espaço dado para o leitor, mas com restrições, que privilégios sobre um tipo de
carta. Do mesmo jeito, alguns temas que são muito mais recorrentes nas cartas
publicadas pelo jornal durante o período analisado, o que nos permite dizer que o jornal
tenta controlar e vigiar os discursos do qual é suporte.
Na tabela abaixo, estão tabulados, em ordem decrescente, os temas mais
abordados durante o período analisado:
Tema Quantidade de cartas
Opinião sobre o jornal 147
Crítica de música 56
Sugestão 41
Comportamento 29
Crítica de filme 12
Política/ política e adolescência 11
Relacionamento homens/mulheres 9
Trabalho e adolescência 9
Andar de ônibus 7
Identidade do adolescente/jovem 6
Relacionamento familiar 3
Desarmamento 3
Jogos (eletrônicos) 3
Fanfic sobre Harry Potter 3
Esporte 3
UNE 2
Relacionamento entre amigos 2
Crítica à mídia em geral 2
Serviço militar 2
Superstição 2
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Desigualdade social 1
Estudo (profissão) 1
Leitura
1
HIV
1
Ajudas humanitárias 1
Álbum de figurinhas 1
Arte de defesa para mulher 1
Voluntariado 1
Linguagem na internet 1
A maior parte das cartas contém opiniões sobre o jornal, num total de 147. As
cartas que oferecem sugestões também são numerosas, perfazendo um total de 41 cartas.
No entanto, essas cartas têm assuntos variados, podendo envolver questões políticas,
sociais ou de entretenimento. Entre aquelas que tratam de algum assunto específico, o
que podemos perceber é que o tema envolvendo músicas foi o assunto mais comentado
nas cartas, aparecendo em 56 delas. a maioria das cartas que tratavam de questões
políticas se encaixa naquele grupo de cartas com teor avulso, ou seja, independente de
quaisquer reportagens ou seções publicadas pelo jornal em edições passadas. Já os
temas crítica de filme, relacionamento homem/mulher, trabalho e adolescência,
andar de ônibus e comportamento são todos classificações para cartas que se
referiam a reportagens publicadas no suplemento. Depois ainda temos identidade do
adolescente/jovem, no alto da tabela, mas que também não necessariamente se refere a
matérias do jornal. O restante dos temas são todos referentes a reportagens publicadas,
mas que, por algum motivo, não tiveram tanto espaço cedido pelo jornal, como atesta a
mínima quantidade de cartas publicadas para cada um. É fácil perceber que poucos
assuntos aparecem muito e muitos aparecem poucos.
Por meio desta ordenação, podemos ter uma pista sobre a percepção que o jornal
tem do adolescente. Podemos sugerir que a quantidade de cartas publicadas sobre um
assunto reflete o que o jornal acha que o adolescente gosta de ler ou que ele precisa ler.
Vê-se, principalmente, que ele concebe o adolescente como um indivíduo que gosta de
música, muito mais do que de cinema (de televisão, quase nada), ou questões políticas
ou sociais. Mas é analisando algumas dessas cartas que podemos perceber mais
explicitamente qual a representação que o jornal faz do adolescente, o que faremos
abaixo.
82
4.3 A ANÁLISE
A maior parte das cartas constitui-se de opinião sobre o jornal e crítica de
música, como a que esta transcrita abaixo. Diversos estilos musicais são tratados pelos
adolescentes em suas cartas e quase a maioria delas é escrita para concordar ou
discordar de matéria publicada pelo jornal. Apenas 03 das cartas versando sobre música
(uma na edição do dia 16/01/2006, nomeada “Música internacional, uma na edição do
dia 06/03/2006, nomeada “U2 e outra do dia 17/04/2006, chamada de Kurt Cobain)
não são intertextos de matéria do jornal.
Abaixo está reproduzida uma carta publicada na edição do dia 15/08/2005:
Esta carta pode demonstrar o poder da mídia em criar novos gostos, novos
ídolos, novas subjetividades. A resenha sobre uma banda de rock influenciou a
adolescente autora desta carta a ouvi-la e a gostar dessa banda, fazendo com que ela
encontrasse novos ídolos, com os quais pôde se identificar. Não fosse a resenha,
provavelmente ela não teria conhecimento, ou pelo menos não nesta época, desta banda.
O fato de o jornal oferecer uma crítica, que no caso foi positiva, e de publicar
uma carta, corroborando com o teor da matéria publicada, contribui para influenciar
ainda outros adolescentes. O jornal poderia ter publicado uma carta que criticasse o teor
da resenha, mas preferiu não fazer isso. É a preparação de um esquema de docilidade: a
mídia controlando o que deve ser escutado, funcionando assim como uma sociedade
disciplinar. E isso independe do fato de a banda ser boa ou ruim - o que queremos
enfatizar é a mídia construindo identidades para o adolescente. Ao publicar uma carta
como esta, destaca um tipo de adolescente que ouve as coisas certas, exemplo este que
deve ser seguido.
Kaiser Chiefs
Depois de ler a resenha sobre o Kaiser Chiefs no Folhateen (ed. de 25/7), resolvi
escutar a banda. Vocês acertaram em cheio. Eles são muitos bons, fazem um rock
bem mais básico que o do Franz Ferdinand. Além disso, lembram todo aquele punk
e pop das antigas sem descuidar de aspectos sociais, como na música I Predict a
Riot
Thais Pinhata, 15 – Caçapava-SP
83
A retomada pela carta de uma resenha publicada em duas edições anteriores
constitui um jogo de paráfrase e polissemia. É como se a resenha funcionasse como um
comentário, no sentido foucaultiano, que possibilitasse, por meio de sua retomada, a
produção de novos sentidos. A carta não repete a crítica positiva da resenha, mas
acrescenta novos aspectos a ela, misturando elementos próprios do sujeito-autor da
carta, que assume uma posição de conhecedor de músicas de rock, punk e pop. O
sujeito, assim, vai construindo sua identidade na relação com os outros e com os demais
discursos.
A adolescente compara a banda-assunto da carta, Kaiser Chiefs, com outra,
Franz Ferdinand, dizendo que a primeira faz um rock bem mais básico que a
segunda. Não é explicitado que tipo de rock faz a banda Franz Ferdinand, e, assim, para
entendermos a comparação, seria necessário mobilizar conceitos em nossa memória
sobre a referida banda, que os sentidos de um discurso se tornam legíveis por
causa da nossa memória discursiva. Quem não conhecer as bandas que a adolescente
cita em sua carta pode ficar sem referências para confrontar com o que é dito por ela.
Na ausência deles, a única referência que temos é que o Kaiser Chiefs faz “todo aquele
punk e pop das antigas sem descuidar de aspectos sociais. Essa afirmação cria uma
imagem de uma banda preocupada com questões sociais, com letras engajadas.
A carta ainda faz uma crítica positiva ao jornal: a afirmação vocês acertaram
em cheio funciona para conferir ao jornal o status de caderno antenado com os
adolescentes, tendo em vista a afirmação ter partido de uma adolescente de 15 anos que
tem legitimidade para julgar o que é bom para a sua faixa etária. A carta pode ainda
ajudar a induzir outros leitores a ler a reportagem já publicada.
A adolescente autora desta carta faz ainda um conceito de adolescência
compatível com o do jornal, que se mostra como um adolescente apaixonado por
música e que se identifica com o tipo de música que é priorizado nele, identificando-se
ainda com os ídolos oferecidos pela mídia.
Grande parte dos ídolos dos adolescentes normalmente vem do campo musical.
Os cantores e bandas se oferecem para os adolescentes, principalmente, como um
exemplo a ser seguido, como um comportamento a ser imitado. E a identidade é
formada a partir do reconhecimento do outro. Identificar-se com alguma banda ou
cantor pode dar ao sujeito capturado a sensação de estar autorizado a fazer alguma
coisa. É por isso que falar de música para adolescente é quase sempre despertar o
84
interesse deles, e por isso o jornal produz tantas reportagens relacionadas à música, mais
do que qualquer outro campo de entretenimento.
A indústria cultural, no atual contexto da pós-modernidade, ainda produz, em
grande escala, novas bandas e cantores, que fazem sucesso repentinamente e que do
mesmo modo também saem de cena, para a entrada de outras bandas e cantores. Esse
ciclo de criação de ídolos tem a ajuda da mídia, já que a divulgação é importante para
alcançar o sucesso. Por causa desse processo, abre-se, diante do adolescente, uma vasta
gama de comportamentos, de atitudes, os quais poderão até provocar deslocamento em
suas identificações. Perante a essa grande variedade de ídolos produzidos, Hall (2002)
diz que somos clientes de um “supermercado cultural. Ao oferecer um novo produto
ao adolescente, cria-se uma necessidade de consumi-lo, de conhecê-lo, necessidade essa
que vem acompanhada de uma ansiedade, satisfeita ao adquirir o produto. O jornal
funciona como uma propaganda para os adolescentes, contribuindo assim também para
a homogeneidade cultural de que Hall fala. Essa homogeneidade é decorrência da vida,
mediada pelo mercado global, que pulveriza sobre todo o mundo, com ajuda da mídia,
as mesmas novidades do mercado.
Mas nem sempre as cartas que tratam de música mostram a aceitação pacífica de
uma subjetividade oferecida. E nem sempre as cartas vêm com elogio. Algumas, como a
transcrita abaixo, publicada na edição do dia 01/08/2005, diferentemente da acima
reproduzida, apresenta sinais de resistência:
Nesta carta, o adolescente confere ao caderno legitimidade para falar sobre a
adolescência. Isto está explicitado em duas passagens da sua carta: caderno destinado
Música erudita
Como leitor assíduo da Folha, fico triste por ter me identificado com o Folhateen,
caderno destinado ao público da minha faixa etária, apenas na edição sobre o
Festival de Campos do Jordão (ed. 25/7). São muitos os jovens que apreciam música
erudita, e apreciam durante todo o ano, não apenas durante o mês de julho, quando
ocorre o festival, que foi o que levou o suplemento a citar a música de concerto pela
primeira vez, desde que acompanho o caderno. Imagino que, sendo um jornal sério e
comprometido, a Folha deveria preocupar-se em não falar apenas ao grande público,
e incluir um espaço fixo para a música erudita neste caderno para adolescentes.
Luiz Guilherme de Godoy, 17 – São Paulo- SP
85
ao público da minha faixa etária e neste caderno para adolescentes. Ou seja, ele
confere autoridade para que o caderno dialogue com ele e com os demais adolescentes.
Mas, ao mesmo tempo, ele questiona esta autoridade. E faz isso ao acusar o caderno de
excluir certos assuntos que agradariam um determinado grupo de adolescentes. Ainda
que não de uma forma escancarada, ele denuncia o jornal, criticando-o por assumir-se
como um caderno para adolescentes quando na verdade ele não poderia gozar deste
rótulo, por não voltar-se para as diferenças de gostos, comportamentos que existem
entre os adolescentes.
A crítica é feita porque este adolescente–autor identifica-se com um tipo de
adolescente que não é, segundo ele, o priorizado pelo jornal. Ou seja, ele foge àquilo
que o jornal considera como adolescente e, assim, sente-se excluído da representação
que é veiculada sobre adolescência no Folhateen.
A identificação, neste caso, também ocorre pelo viés da música. Este
adolescente distingue diferentes tipos de adolescentes de acordo com as diferentes
identificações advindas de tipos de músicas variados: uns estariam incluídos no que ele
chama de “grande público, e os demais, aos quais não nomeia, e no qual ele se inclui,
seria o público não suscetível às imposições da mídia. Ao fazer esta distinção, é
possível perceber um ar de superioridade, ao não se incluir neste grande público.
Segundo Souza e Santos (2005), as identidades envolvem negociações de sentido e são
obcecadas pela diferença. O adolescente quer firmar sua identidade por meio da
diferença, em um processo que também tenta satisfazer a necessidade de
homogeneidade, de se sentir possuidor de uma identidade estável e bem definida, e quer
mostrar-se diferente do “grande público aos olhos dos outros, do jornal e dos leitores,
afirmando não se interessar por assuntos populares, mas ter um gosto mais “erudito. A
música erudita não costuma ser tocada em rádios, não aparece em programas de
televisão. É conhecida, mas não é divulgada. Além disso, em nenhum momento o
adolescente diz que gostaria que o jornal publicasse mais matérias sobre o assunto para
que outros adolescentes pudessem também conhecer sobre música clássica. O seu
desejo é ver a pequena parcela dos adolescentes que não faz parte do “grande público
feliz por ter com o que se identificar ao ler o suplemento. Ele pede, assim, a manutenção
das diferenças que existem entre os adolescentes.
O adolescente ainda critica o suplemento mais explicitamente. Para isso,
classifica a Folha, jornal que o veicula, como um jornal sério e comprometido. O
verbo no gerúndio sendo imputa uma característica permanente, e não momentânea. E
86
como ele carrega essas atribuições, não deveria tratar apenas de assuntos populares,
duas atitudes que seriam incompatíveis. Ou seja, o Folhateen adota uma postura
contraditória com relação ao jornal do qual faz parte e, consequentemente, corre o risco
de não ser sério e comprometido. O adolescente, no entanto, não diz abertamente qual a
sua concepção de seriedade e de compromisso, mas provavelmente elas estão
relacionadas com o fato de o jornal massificar as informações dadas aos adolescentes e
de ele se vender, ao priorizar a publicação de assuntos que dão mais repercussão.
Ele, na posição de um adolescente, com 17 anos, considera-se estar em uma
posição que lhe permite criticar e dar opiniões ao caderno e aos demais adolescentes
leitores. É por isso que afirma, com um tom de correção, que muitos jovens gostam de
música erudita. O caderno, então, não estaria totalmente correto ao afirmar-se como
publicação para adolescentes.
Poderíamos dizer que esta carta configura-se também como um discurso de
resistência às divulgações que se fazem da imagem do adolescente. O autor desta carta
não aceita as representações que o jornal faz sobre os adolescentes, haja vista nunca ter
se identificado com nenhuma reportagem antes, embora se assuma como um leitor
assíduo. Ele ainda diz ficar “triste com a situação. Triste, e não surpreso ou indignado.
Poderíamos sugerir que ele não fica surpreso por estar acostumado com o fato de a
mídia privilegiar aquilo que venda mais, que agrade a mais pessoas. Também não fica
indignado, que talvez ele não se sinta revoltado de estar em um país em que as
pessoas não tenham conhecimento de outra coisa que não aquela veiculada pela mídia.
O adolescente, nesta carta, assume várias posições-sujeito. No entanto, ele
construiu para si, por meio do seu discurso, uma identidade que, embora não seja fixa e
homogênea, é assim percebida, tanto pelo adolescente como para os leitores do seu
texto.
Ao publicar a reportagem sobre música erudita, no mês de julho, que é, segundo
o autor, quando o ocorre o festival em Campos do Jordão, o jornal aproveitou o
acontecimento para diversificar o tema de suas reportagens. Nunca antes havia sido
publicada uma reportagem com tal assunto. Assim, provavelmente queria mostrar que
abrangia toda a diversidade de gostos. O adolescente contestou este fato por meio de sua
carta. O jornal, nestas condições, ainda serviu como um espaço de resistência ao poder,
poder do qual ele próprio se apropria, ao domesticar, ao publicar opiniões, resenhas e
reportagens sobre determinados assuntos, que aos poucos vão docilizando seus leitores,
induzindo-os a elogiar ou a criticar. Vale ressaltar que nesta mesma edição foi publicada
87
uma outra carta também criticando a reportagem sobre música erudita O tema em
questão, embora mencionado no caderno, não é recorrente. Música erudita foi assunto
de uma outra reportagem, quase 1 ano depois desta mencionada na carta acima, na
edição do dia 29/05/2006, talvez também devido à proximidade do festival que ocorre
em Campos do Jordão.
Foucault (1983), ao analisar o processo de disciplinarização da sociedade, apesar
de todos os instrumentos usados por ela, não concebe os sujeitos como passivos,
despojados de resistência. Podemos perceber nesta carta a manifestação de uma voz
discordante. O jornal produz um conceito de adolescência que envolve a diferença.
Assim, o caderno torna-se suporte de uma outra identidade alternativa para o
adolescente. Mas isto pode ter muitos efeitos: ou caracterizar a mídia realmente como
um espaço de produção de estratégias de rebelião e resistência (GREGOLIN, 2003b, p.
108) ou perceber esta publicação em especial como uma estratégia do jornal, feita com
o intuito de passar uma imagem positiva, como reconhecedor de erros, ou aberto a
críticas, o que não quer dizer que ele seja.
Com relação ao tema música, fica claro que o gênero musical do rock é o mais
divulgado pelo suplemente quando percorremos suas páginas. Assim como o
adolescente acima reclama de falta de espaço para a música erudita, os adolescentes das
cartas abaixo, publicadas na edição do dia 20/03/2006, reclamam da falta de outros
estilos, dentre eles o rap:
Nestas duas cartas acima, os adolescentes questionam a ausência de um outro
estilo musical, o rap e o hip hop, em contraponto à presença maciça do rock. Na
Cadê o rap?
Cao Fugees? Ninguém fala deles, falam dessas bandas de rock. Também tem
que falar de rap.
Willian Roberto Souza dos Santos, 20 – São Paulo-SP
Cadê o rap? 2
Adoro o Folhateen, mas, na maior parte das reportagens, o rock predomina. Vocês
não acham que deveria haver um espaço maior para a galera do hip hop e do rap?
Tâmara Rodrigues da Silva, 15 – São Carlos-SP
88
primeira, o adolescente assume um ar de mais crítica do que a adolescente da segunda
carta, que começa elogiando o suplemento para depois introduzir a oração adversativa,
que contém o questionamento, como se o elogio fosse um contrabalanço à sugestão que
vai fazer, que poderia ser entendida como um descontentamento total para com o
caderno. A primeira carta é mais direta, na qual o adolescente já começa perguntando:
Cao Fugees?. Para quem não conhece o Fugees vai saber que se trata de uma
banda de rap porque o adolescente termina com uma cobrança: “Também tem que falar
de rap, mas nenhuma outra explicação é dada sobre a banda. A adolescente autora da
segunda carta é mais amigável: também usa uma pergunta, mas o tom de cobrança é
mais amenizado pelo uso do futuro do pretérito: Vocês não acham que deveria....
Mas, ao mesmo tempo, a indignação do garoto não é voltada apenas para o
suplemento Folhateen, haja vista que ele não usa a pessoa na carta, mas o pronome
indefinido “ninguém e o sujeito indeterminado (“ falam dessas bandas de rock), ao
contrário da adolescente que usa vocês, dirigindo-se especificamente a grupo de
jornalistas, editores, fotógrafos e demais profissionais que fazem o jornal. Ela parece
mostrar uma relação mais íntima com o caderno, diferentemente do garoto.
O caderno ainda se apropria da construção lingüística feita pelo adolescente na
primeira carta para nomear as duas cartas “Cadê o rap? e Cadê o rap? 2, assumindo,
assim, a voz dos adolescentes, que sugerem mais publicações voltadas para o rap, para
também afirmar que o rap não está mesmo nas publicações do caderno. Essa pretensa
sintonia com os adolescentes também pode ser percebida por meio da imagem
reproduzida nesta edição, que é, não por acaso, uma foto de “Wyclef Jean, em show dos
Fugees, como diz a legenda. Podemos supor que, se sentindo acuado pelas acusações
de privilegiar um único estilo musical, o caderno quis mostrar que não desconhece os
interesses dos adolescentes e que também entende de rap, ou que possui em seus
arquivos materiais sobre o rap.
Estas cartas também podem ser percebidas como sinais de resistências contra
aquilo que a mídia apresenta como representações para a adolescência, contra a
disciplinarização do comportamento adolescente. Na fala do garoto, principalmente, fica
claro que a banda que ele menciona é desconhecida da grande mídia. Ao negar a
pretensa identidade que a mídia confere para esses adolescentes, é possível reconhecer
nessas falas lutas do cotidiano contra um poder, que, todavia, não é absoluto. Além
disso, as formas de resistências são muito importantes para a construção da identidade.
89
No alto da coluna de Cartas desta edição está escrito Leitores pedem mais
espaço para o rap; e garota fala dos pontos positivos e negativos do caderno. A
primeira frase sintetiza o conteúdo dessas duas cartas. Mas perceber o que os leitores
querem não é a condição para que o caderno os escute. Nas três edições seguintes, e
nesta em cartas foram publicadas, por exemplo, nada sobre o rap, ou hip hop, foi
mencionado, apenas rock. E apenas uma outra carta pedindo mais rap foi publicada até
o fim do nosso período de análise (na edição do dia 03/04/06).
Essas duas cartas foram precedidas, no entanto, de uma publicada na edição do
dia 09/01/2006, que também pedia mais rap, e que também soou como um tiro no
vácuo:
Poderíamos apenas dizer que, como as duas outras cartas, ela também pede mais
espaço ao rap. Mas, embora semelhante, ela não é igual às outras - assim como
nenhuma carta é igual a nenhuma. Este adolescente, enquanto sujeito-autor, com uma
vivência singular, acrescenta seu sal à carta, e faz isso oferecendo uma crítica num tom
mais ameno, e especificando que gostaria de ler reportagens sobre o rap nacional. A
afirmação no final da carta, que exclui o rap internacional e traz o nome de bandas de
rap nacional, pode trazer implícito uma negação a uma banda de rap internacional que
vem tendo muito espaço na mídia. Linkin Park é uma banda (a qual o caderno classifica
como rap metal), de renome internacional, que aparece constantemente em jornais,
revistas, programas de televisão e de rádio, além de possuir músicas em novelas. Esse
implícito, presente pela ausência, pode ser recuperado pelo fato de a banda ter sido
objeto de reportagens e entrevistas anteriormente publicadas no Folhateen. O autor da
carta provavelmente o se identifica com a banda, caso contrário a teria citado como
exemplo de rap. Não é nela que ele se reconhece, e por isso, não se identifica. “O eu
se identifica seletivamente com as imagens em que se reconhece. (NÁSIO, 1995, p.
116). O rap nacional, por sua vez, acaba sendo deixado de lado na dia regida pela
Rap Nacional
Acho que o Folhateen tinha que falar sobre todos os gêneros musicais de maneira
equilibrada, pois eu curto rap e o jornal só fala de rock. Para quem gosta, é um prato
cheio, mas nós também gostaríamos de ler reportagens sobre rap nacional,
Racionais, MV Bill e outros. E parabéns ao Folhateen, que é excelente.
Fabrício Pereira, 20 – Patos de Minas - MG
90
globalização, que pode causar um enfraquecimento de segmentos nacionais para
privilegiar outros universais.
O adolescente ainda usa o pronome da pessoa no plural, indicando não ser
uma reivindicação pessoal, mas de um grupo que se supõe ser leitor do jornal. O
processo de incorporação do Outro na escrita permite que ele antecipe discursos desse
outro, que, no caso, são os demais adolescentes. Ao mesmo tempo, usar o nós em vez
de eu serve para criar para o jornal uma prova de verdade do que ele está dizendo,
pois confere um sentido de veracidade para a sua afirmação. Este uso ainda pode ser
defesa contra eventuais cartas publicadas contra a sua sugestão. Essa antecipação é
própria do gênero em que, estando o interlocutor ausente, é necessário fazer projeções
sobre ele. Carta que pode ser publicada necessita, mais ainda, realizar cuidadosamente
essas projeções, porque muitos serão os leitores, e normalmente procura-se evitar
contestações sobre o que foi dito.
Para terminar a carta, há um elogio ao jornal, que, segundo ele, é excelente.
Há, assim, uma crítica positiva feita explicitamente, e uma crítica negativa formulada
por meio de uma sugestão. Mais uma vez, o jornal se auto promove por meio da carta. E
as considerações feitas acima valem para aqui também: mostrar a diversidade dos
adolescentes nas cartas não necessariamente significa incorporar essa diversidade no
suplemento.
Essa carta mereceu ser citada ainda por uma razão especial: ela é uma das
poucas cartas que ensejaram o envio de outras cartas que acabaram também sendo
publicadas. Barzotto, ao comentar sobre as cartas enviadas à revista Realidade por
leitores, afirma: Despertar interesse nos leitores e definir-se politicamente são duas
coisas que andam bastante interligadas. É nessa relação, a meu ver, que o texto, seu
suporte e os modos de inserção dos leitores do discurso vão produzir seus efeitos
(BARZOTTO, 1998, p. 35). Despertar interesse nos demais leitores pode ser uma das
metas a serem alcançadas quando se escreve para o suplemento. Qualquer que seja o
teor da carta, uma sugestão, uma opinião, um comentário, espera-se que o que foi dito
encontre repercussão, e essa atitude pode conter aquela amostra de exibicionismo,
procurando definir-se perante os outros enquanto adolescente conhecedor de uma
verdade. No entanto, essas retomadas são muito importantes porque ajudam a criar uma
interação entre os leitores, e revelam a seção de cartas de cada edição como um capítulo
de um livro, que vai desvelando a adolescência, por meio da mediação do caderno.
91
Com relação a carta acima, estão transcritas abaixo as duas, publicadas na edição
de 16/01/2006, que a retomam explicitamente:
As duas cartas acima têm em comum o fato de terem partido de um mesmo
assunto. É interessante notar que, assim, as cartas publicadas no jornal formam, no seu
todo, um discurso, sem começo e sem fim, mas que é interligado por essas retomadas
ou pela repetição do tema. A publicação de cartas sobre outras cartas mostra como os
adolescentes podem dialogar entre si por meio do jornal, e, consequentemente, mostra a
seção de Cartas como um espaço aberto a eles.
Essas cartas acima, no entanto, são bem diferentes entre si, pois enquanto uma
discorda da carta-origem, a outra a complementa. A primeira carta repudia a sugestão
anteriormente oferecida de ser dado mais espaço ao rap. A autora dessa carta, como uma
adolescente, tem legitimidade para contestar o pedido feito, especialmente por estar
falando para um outro adolescente em um caderno para adolescente.
A carta começa com uma crítica positiva ao jornal e, implicitamente, pede que
ele não mude, ou seja, que continue privilegiando os mesmos ritmos musicais. O rap é o
único estilo que ela especifica quando diz: discordo do leitor que escreveu que deveria
haver matérias de outros estilos, como o rap. A falta de nomeação de outros estilos
pode indicar desconhecimento deste assunto, e talvez o rap tenha sido citado apenas por
ter sido mencionado na carta do outro adolescente. No entanto, para ela, “Linkin Park é
Linking Park
Gosto muito do Folhateen. Gosto de suas matérias e discordo do leitor que
escreveu que deveria haver matérias de outros estilos, como o rap. Linking Park é o
limite.
Joice Esteves, 14 – Monte Mor-SP
Reggae
Aproveitando a carta do leitor de rap que reclamou da falta de outros ritmos no
Folhateen (ed. 9/1), gostaria de enfatizar que ainda temos o reggae nacional. É um
estilo que embala nossos litorais no verão e um mercado quase todo independente
que, em São Paulo, realiza um grande trabalho alternativo e quase sempre não
recebe apoio da mídia em geral.
Jovi Saraiva Barboza, 26 – São Paulo-SP
92
o limite, ou seja, o rap é associado a esta banda. Verifica-se, por aí, a leitura que ela fez
da carta, que ignorou o pedido de rap nacional feito pelo outro adolescente. Por mais
que o autor da carta acima tivesse tentado circundar os sentidos do seu texto, o seu
sentido somente foi dado pelo ato da leitura, como o desta adolescente.
Como dito, diferentemente de outros grupos de rap, o Linkin Park tem grande
projeção na mídia, o que faz com que ele tenha muitos adoradores, mas que também
contribui para que ele tenha muitos críticos. De qualquer modo, a mídia contribui para
associar em nossa memória, como provavelmente ocorreu com a garota Joice, um estilo
musical a uma banda em específico. Esta carta pode ser considerada, em suma, uma
apologia ao caderno: faz elogio e pede para que não mude. Este ato pode até constituir-
se como uma auto-vigilância: o rap, de um modo geral, não faz parte da grande mídia, e
ela apenas pede a manutenção do discurso que já está em evidência.
O curioso é como o jornal nomeia carta, chamando-a de Linkin Park, pois não
parece ser este o assunto principal da carta. Pelo contrário, a autora parece não gostar da
banda e o fato de a carta receber como título o seu nome pode ser visto como uma
propaganda para a banda. Isso pode até ser visto como uma estratégia do jornal, que, em
meio a vários outros nomes, escolhe justamente este em razão de a banda vender muito,
ter muitos fãs, que podem se sentir atraídos a ler a carta.
A publicação da carta do adolescente que pede que o caderno se volte para o rap
mostra-o como uma publicação aberta, que espaço para as diferenças entre os
adolescentes, as reconhecendo. Por outro lado, com a publicação de uma carta, como a
da adolescente Joice, que contesta a outra, o jornal pode querer afirmar que, embora
reconheça, não aceita as diferenças. A carta acima transcrita, por exemplo, pode levar
um adolescente a não se identificar com a outra que roga pelo rap. Assim, a publicação
de uma carta pode servir também de exemplo para aquilo que o adolescente não deve
ser. Desse modo, o caderno delega para o próprio adolescente a função de exercer
censura sobre o teor da carta, sem envolver-se diretamente O suplemente consegue,
assim, fazer um jogo duplo, fingindo agradar a todos os adolescentes.
A segunda carta, enviada pelo adolescente Jovi, complementa a do dia
09/01/2006 pelo fato de fazer o mesmo pedido que ela, mas para o reggae. Ele ainda
oferece uma qualificação para esse estilo, como sendo um ritmo de praia, de litoral,
informação esta que movimenta uma série de outras informações em nossa memória: é
um ritmo tranqüilo, de sossego, de paz, despojado, sem toques apressados, etc. E ele
também informa que o reggae consegue ser conhecido apesar de não ser divulgado pela
93
mídia: é um mercado independente, ou seja, não está ligado a grandes gravadoras e,
desprovidos de jabá, não aparecem constantemente nos meios de comunicação, não
recebendo, portanto, apoio da mídia em geral. A informação de que o reggae faz um
trabalho alternativo em São Paulo precisa ser recuperada por meio de outras
informações em nossa memória, que o autor da carta não especifica o que seria este
trabalho, mas talvez ele seja realizado junto à comunidades carentes, especialmente
junto à população afro-brasileira, ensinando-as música, valorizando a cultura negra,
oferecendo formação cultural e artísticas (como oficinas de dança, de percussão, de
reciclagem, de futebol, etc.) para jovens moradores da favela, de modo com que eles
tenham meios de construir sua cidadania e escapar do caminho do narcotráfico.
Essa segunda carta não faz elogios de nenhum tipo ao jornal, mas também o
tem um ar de crítica, apenas oferece uma sugestão. E mais diretamente ele faz uma
crítica à mídia em geral, que ignora movimentos musicais importantes do Brasil.
O poder que a mídia tem em formar opiniões é muito forte e ela quase que
impede que as pessoas enxerguem além do que ela mostra. A carta reproduzida acima
reconhece este poder de manipulação dos meios de comunicação, e o adolescente, ao
falar sobre o reggae, mostra que é possível haver resistências a este poder.
É interessante citar que, ao contrário do que aconteceu com as cartas pedindo
para o rap ter mais espaço, o reggae acabou ganhando uma reportagem na edição do dia
06/02/2006. A reportagem da capa foi intitulada de “Reggae enraizado, e a matéria no
interior do caderno recebeu o nome de Vamos Fugir. A matéria traz o depoimento de
muitos de muitos jovens ligados ao reggae, e tenta convencer que, mesmo que as bandas
de reggae nacional neguem, o reggae daqui é uma cópia do reggae jamaicano dos anos
70. A publicação dessa matéria ajuda a vender a ilusão de ligação entre os adolescentes
e o caderno.
E, como uma coisa puxa outra, na edição do dia 13/02/2006 e do dia 20/03/2006
foram publicadas as seguintes cartas:
Reggae
Apesar de não conhecer e de não curtir nada do estilo reggae, eu não pude evitar de
ler a grande matéria que destinaram a esse gênero tão popular entre os jovens de 11
a 25 anos (ed. de 6/2). Essa reportagem foi muito bem elaborada, e o reggae ganhou
mais uma admiradora na segunda-feira passada.
Helena Lucas, 15 – Barretos-SP
94
A publicação destas cartas também serve como auto-promoção do jornal, para
afirmá-lo como um suposto importante meio de divulgação da diferença, como faz
parecer o elogio contido nas cartas das adolescentes. Para a segunda adolescente, a
matéria ainda serviria como um meio para exposição do ritmo, e para que o reggae
perdesse os estereótipos que carrega e o preconceito que ela percebe que as outras
pessoas podem ter contra o estilo. Esta adolescente revela-se como apreciadora do
reggae, retomando e negando o discurso do senso comum que o associa à
vagabundagem e maconha. Mais uma vez, assim, a mídia é reconhecida como
formadora de opiniões, o que realmente pode ser comprovado haja vista o teor da
primeira carta. A adolescente, ao ser confrontada com outras identidades possíveis, de
algum modo foi capturada, e passou a ser uma nova admiradora do reggae, ainda que
isso possa durar um pequeno período de tempo ou por toda a sua vida.
Ambas as cartas corroboram para afirmar o jornal enquanto uma publicação para
o adolescente e que cumpre bem o seu papel. A segunda, especialmente, traz uma
concepção de adolescente inteligente, não-preconceituoso. Conseqüentemente, sua
publicação faz com que o caderno expanda para todos os seus leitores essas mesmas
adjetivações e, por fim, toma-as para si mesmo.
Na carta abaixo, publicada na edição do dia 15/08/2005, o adolescente também
mostra a mídia como controladora de discursos, de práticas discursivas, e também de
práticas não-discursivas. A carta abaixo é, ainda, uma das apenas três que mencionam o
assunto de esportes durante o período analisado.
Capoeira
Bacana o destaque para a capoeira (ed. 1º/8). É um esporte bonito por juntar música
e dança e por ter a cara do Brasil. Às vezes fechamos nossa cabeça e vemos só o que
a mídia coloca em evidência, como é o caso do futebol.
Aline Pereira dos Santos, 16 – São Paulo-SP
Reggae
Gostaria de agradecê-los pela reportagem sobre o reggae (ed. de 6/2), um estilo não
de música como de vida. tempos o estilo vem se popularizando no país e é
preciso dar valor e mostrar que reggae não quer dizer vagabundagem e maconha
como muitos pensam... Espero ver mais vezes matérias sobre o estilo.
Aline Pereira dos Santos, 17 – São Paulo-SP
95
A carta mais uma vez começa com um elogio ao jornal: bacana o destaque para
a capoeira, destaque este que se refere a uma reportagem publicada na edição anterior
sobre o esporte. Mais uma vez o caderno parece querer abranger as diferenças, para
tentar agradar todo mudo. A adolescente, por sua vez, mostra-se como um sujeito que
conhece os perigos que a mídia pode trazer para a alienação das pessoas. Não fica
explícito na carta se ela é praticante de capoeira ou apenas a conhece e queria conhecer
mais. Isso porque ela usa o verbo com a desinência da primeira pessoa do plural
fechamos, ao instituir a sua fala como se ela fosse de todo um grupo, e se inclui como
objeto que é manipulado, a que às vezes não consegue escapar desse poder. O uso da
primeira pessoa, no entanto, também pode servir como um atenuante para a crítica aos
demais adolescentes, mesmo que ela não se perceba incluída neste grupo. De qualquer
forma, a primeira pessoa do plural traz neste caso um sentido de indeterminação parcial,
já que, com exceção do autor da carta, as outras referências pessoais são desconhecidas.
Implicitamente, ela ainda diz que a capoeira não está em evidência na mídia e
que esta privilegia outros esportes, como o futebol, que agrada a muito mais pessoas e
que rende muito mais no Brasil, em detrimento de outros. foi dito aqui e cabe ser
reiterado que os gostos podem ser fabricados, que a mídia assume função de
construtora de tecnologias que influenciam na constituição de subjetividades.
A crítica da adolescente, ainda que suave à mídia, refere-se à mídia em geral. O
caderno pode, assim, se aproveitar de um comentário como este para se excluir dele,
aproveitando ainda o elogio que a adolescente faz à reportagem, mostrando-se diferente
dos demais veículos de comunicação.
Com relação a todas as cartas analisadas durante este período, pudemos perceber
que o caderno possui mais cartas que o elogiam do que que o criticam. A autopromoção
é visível nas cartas, mesmo que por meio de um simples comentário. Essa
autopromoção concorre ainda para criar não uma imagem para o jornal, mas também
para os adolescentes, imagem esta que é passada para outros adolescentes: uma imagem
de adolescentes críticos, que vêm no caderno uma excelente publicação e que percebem
a influência midiática na vida deles, e que, ao elogiar o caderno, mostra-o como
prestador de serviço.
Abaixo ainda está uma outra carta, publicada na edição do dia 29/08/2005, que
também promove o caderno por meio da opinião de duas adolescentes:
96
A carta acima teve como motivação não o conteúdo da reportagem, a cantora
Avril Lavigne, mas como a reportagem foi escrita. Elas afirmam ser o jornal imparcial,
pelo fato de conter diversas opiniões sobre a referida cantora. Para elas, isso é suficiente
para que o jornal não tome partido e não induza o adolescente a gostar ou a não gostar
da cantora. Assim, esta é uma carta que, embora não claramente, elogia o jornal, que
imparcialidade é uma qualidade, impossível, que se cobra de qualquer meio de
comunicação. Elas, enquanto adolescentes, e provavelmente enquanto conhecedoras da
cantora que esta também está freqüentemente nos holofotes da mídia, assumem a
autoridade para conceder ao caderno esta qualidade. O jornal, assim, usa a carta como
uma forma de domínio de saber sobre seus leitores, que terá o mesmo poder de
influência que uma reportagem. Ainda ele cria a imagem do adolescente-leitor-crítico, o
que não necessariamente diz que ele concorde com esta imagem. As adolescentes
autoras também se colocam na posição de leitoras experientes, de leitoras que são
capazes de perceber as intenções de uma publicação.
Mas o jornal o publica elogios para si. Acima, tínhamos visto algumas
cartas portando críticas ao jornal, publicadas embora em menor quantidade. Na carta
abaixo, publicada na edição do dia 22/08/2005, assim como em outras acima analisadas,
podemos encontrar filamentos de resistência, e que neste caso se dá por meio da
abordagem política do caderno:
Você acredita em Avril?
Lemos a matéria ‘Você acredita em Avril? (ed. 1º/8) do Folhateen. Estamos
escrevendo pois a achamos interessante. O que chama a atenção é que diversas
opiniões sobre Avril Lavigne. Matérias desse tipo não favorecem nem a gostar nem
a não gostar da pessoa que está sendo comentada. Por isso, gostamos dela.
Laís Aquemi Ohara, 12 e Flávia Gomes Molinari, 12 – Maringá - PR
97
Nesta carta, temos claramente explicitado a representação do adolescente sobre
o jornal, a sua representação sobre adolescência e sua representação sobre como o jornal
percebe o adolescente.
Para começar, ele faz uma crítica positiva ao caderno: sou um grande entusiasta
do caderno Folhateen. Gosta dos quadrinhos, das colunas e das seções de cartas, ou
seja, ele é um entusiasta das seções fixas do jornal. O seu descontentamento é com
relação às reportagens, para as quais falta um pouco de ‘coisa séria’. E para este
adolescente, “coisas sérias abrangem questões políticas e questões sociais. Diversão e
sexo, o que ele acha que tem bastante no caderno, não são coisas sérias.
Podemos então pressupor que ele pensa o caderno como formador de
representações fúteis para os adolescentes, que os vê como indivíduos que querem se
divertir. Essa afirmação não é original, mas está inserida em uma série de outras
formulações precedentes, as quais o autor retoma para criticar o jornal, ainda que sub-
repticiamente. O sujeito constrói o seu discurso no espaço da memória, do
interdiscurso. Ele dialoga com outros discursos, que pintam o adolescente como
descompromissado e livre de responsabilidades, mas para afastá-los. E insere-se em
discursos que pensam que o adolescente não vive simplesmente numa fase de moratória,
mas que deve assumir desde já responsabilidades e deveres. E o jornal, ao priorizar
assuntos ligados à diversão, contribuiria, assim, para a formação de adolescentes
alienados. O autor da carta percebe o poder que a mídia possui na formação de
identidades e qual o tipo de representações ele apresenta.
O seu discurso procura dialogar com os discursos do politicamente correto, da
cidadania. Fica claro que a sua concepção de adolescente é aquele que deve ser
politizado e que deve conhecer as questões políticas e sociais do país. Ele é portador da
Mais política
Sou um grande entusiasta do caderno Folhateen. Gosto das colunas, dos
quadrinhos e do espaço, embora pequeno, cedido para os leitores expressarem sua
opinião. Porém, acho que falta um pouco de ‘coisa séria’ no caderno. O assunto
política raramente é tocado. Quando é, isso acontece de modo preconceituoso e
pessimista. Questões sociais também quase nunca são discutidas. É importante que,
além de diversão e sexo, os jovens sejam incitados a discutir questões de cidadania.
O cidadão crítico e politizado nunca é enganado.
Vitor Geromel, 17, - São Paulo-SP
98
ânsia de revolução que muitos adolescentes possuem, mas que por vezes vem
acompanhada por uma visão idealizada dos fatos.
Podemos perceber, então, as posições-sujeitos desse autor. Ele assume a posição
de adolescente que sabe o que é melhor para a sua faixa etária, e tem legitimidade,
autoridade para afirmar isso. Refuta a posição de adolescente irresponsável para assumir
a posição de adolescente cidadão responsável. Ele sabe a sua posição enquanto
adolescente permita que ele fale: uma crítica ao jornal, que não é “sério. Sabe ainda o
que deve falar para assumir, perante os outros, a posição de jovem politizado,
distinguindo-se dos demais adolescentes. Além disso, o seu nome ao final da carta
assegura uma propriedade ao seu discurso, fornecendo a ele um responsável por aquilo
que está dizendo. Ele constrói uma imagem, para, a partir dela, poder ser admirado pelo
olhar do outro, que vai além da concepção que é proposto para um adolescente. O
conhecimento, a politização, colocam-no num patamar acima. Assim ainda pode criticar
o jornal.
O fato de apenas o querer ser enganado, como mostra a sua última frase, no
entanto, mostra que, embora assuma o discurso de cidadão, sua politização limita-se à
esfera individual, que não menção a ações coletivas que poderiam ser decorrentes
do discurso cidadão que adota. Isso também seria resultado da ânsia que os jovens têm
de transformação, mas muitas vezes baseada em ações idealizadas, com efeitos
superficiais e sem resultados práticos.
O adolescente é, assim, enquanto autor, uma dispersão. E este autor não remete
a pessoa física, mas a todas essas posições que ele assume em seu discurso e as
retomadas que faz, que possibilitam a emergência de novos sentidos. O seu texto recebe,
pela atuação da função-autor, uma ilusão de unidade, completude, com começo, meio e
fim, mascarando sua incompletude, decorrente da relação com outros textos, com suas
condições de produção e com o interdiscurso (GREGOLIN, 2003c).
A marca do autor ainda está ligada ao gênero discursivo: a carta ao jornal é um
espaço para que os leitores comentem, e é uma oportunidade para ser ouvido. E talvez o
mais importante é despertar a admiração por parecer uma pessoa consciente e antenada.
O jornal, por sua vez, ao publicar uma carta como essa, que não deixa de
oferecer-se como uma resistência ao discurso predominantemente divulgado, pode
querer mostrar que é um jornal lido por pessoas críticas. O objetivo dele ainda pode ser
o de publicar uma carta de crítica para ela poder ser contestada por demais leitores.
99
Na edição do dia 05/09/2005, questões políticas voltam a ser requisitadas e uma
carta com mais ou menos o mesmo teor volta a ser publicada:
A carta desta adolescente é mais extensa que as que normalmente são
publicadas, e trata de vários assuntos diferentes. A comparação com a carta transcrita
anteriormente se pela crítica decorrente da falta de assuntos políticos no suplemento.
Mas é só.
A adolescente se insere em diversas posições-sujeitos: a do adolescente
autorizado a curtir, a do aluno que precisa passar de ano e no vestibular, a de leitora que
pode fazer críticas a um caderno voltado para sua faixa etária e apontar suas falhas. Ela
ainda consegue tecer um discurso em que unifica todas essas posições e as práticas
discursivas decorrentes delas.
A carta enviada por ela critica e elogia. E o elogio fica por conta das reportagens
sobre rock. Como já discutido, o jornal privilegia esse estilo de música, e a adolescente,
auto declarada fã de rock, se identifica com as matérias, as quais caracteriza como
aprofundadas. No entanto, ela sente falta de outros estilos e igualmente de matérias de
política.
Esta adolescente sente necessidade de entender sobre assuntos políticos, mas ela
também afirma que essa vontade de politização não é espontânea, mas forçada. Os
adolescentes têm como grande dever na sociedade estudar: nas famílias de classe média
e alta, os adolescentes são poupados do serviço até que completem seus estudos. Nas
Rock e política
Como de rock, gostei das últimas matérias do Folhateen sobre o gênero, uma
vez que o assunto é mais aprofundado no caderno do que nas populares revistas
adolescentes. Penso, no entanto, que o suplemento poderia abranger outros estilos,
novos cantores e bandas.
Considero igualmente importante que vocês apresentem matérias sobre política
numa linguagem jovem, que todos sabem que o país está em crise, mas muitos
não têm idéia do que realmente acontece. No colégio ou no cursinho, somos
pressionados a saber o que acontece no Brasil, vendo as notícias na televisão ou
lendo os jornais. E, sem dúvida, é um assunto incompreendido parcialmente por
causa da linguagem empregada.
Camila Noronha, 17 – Curitiba – PR
100
famílias de classes mais baixas, muitas vezes os adolescentes têm que ajudar com a
renda em casa e podem deixar os estudos.
De qualquer modo, é consenso na nossa sociedade o papel do adolescente:
estudar. A autora da carta afirma que “no colégio ou no cursinho, somos pressionados a
saber o que acontece no Brasil. Ela confere à escola o papel de semeadora da
politização nos jovens. Estes, ainda longe de assumirem as responsabilidades da vida
adulta, podem também não se interessar pela vida política da cidade ou do país,
sentindo-se eximindo dessa obrigação. Saber política é, assim, uma tarefa forçada.
No entanto, ela afirma que reportagens sobre política podem ser encontradas em
jornais ou televisão, mas os adolescentes as compreendem parcialmente por causa da
linguagem empregada. É por isso que ela faz a sugestão: traduzir política para os
adolescentes, com uma linguagem acessível a eles. Essa sugestão mascara alguns fatos
oriundos da concepção de adolescência que se faz na mídia. É perfeitamente
compreensível para um adolescente entender o que o jornal e a televisão divulgam, eles
não têm o hábito de acompanhar essas notícias, e ao lê-las, podem não conseguir
estabelecer implícitos necessários para depreender um sentido que lhes satisfaça. Na
verdade, a sugestão dela provavelmente não se refere ao uso de gírias para explicar
política, mas que o caderno faça resumos, tirando dos adolescentes o esforço maior de
compreensão.
O que realmente parece é que a adolescência é, então, para ela, incapaz ou
preguiçosa. Além disso, eles não têm porque querer saber política, mas são pressionados
a isso. Provavelmente muitos leitores do caderno compartilham essa opinião: é
importante saber política, mas é chato. A publicação dessa carta pode servir para
identificação de muitos outros adolescentes.
O jornal não apresenta realmente muitas matérias sobre política. Ele
provavelmente tem a mesma percepção de adolescência que a garota produtora da carta:
os adolescentes não gostam de política, preferem música, cinema, assuntos banais, etc.,
e para agradar o seu público consumidor, investe no que dá mais retorno.
O tema política ou política e adolescência apareceu apenas 11 vezes durante
todo o período de um ano. É muito pouco se compararmos com a repercussão que
tiveram determinadas matérias. A reportagem Passageiros de primeira viagem (da ed.
de 21/11/2005), por exemplo, ensejou a publicação de 7 cartas; a reportagem Neo
Românticos, de 22/08/2006, 9 cartas e a reportagem Loucos por trabalho, de
10/10/2005, também recebeu 9 cartas publicadas. Essas cartas, que serão discutidas
101
abaixo, tratam de assuntos que podem parecer corriqueiros, embora tragam diluídas em
si questões políticas, mas nem sempre elas são consideradas pelos adolescentes.
Passageiros de primeira viagem traz o relato de vários adolescentes que nunca
haviam andado de ônibus, fato esse que se justificava por medo da violência e pela falta
de necessidade do uso do transporte coletivos. Alguns dos entrevistados, em seus
depoimentos, afirmaram que andam de ônibus, mas só quando viajam para o exterior.
Todas as cinco cartas publicadas na edição seguinte, do dia 28/11/2005, tiveram
como tema a reportagem em questão, assim como duas outras publicadas na edição do
dia 05/12/2005. E as cartas publicadas, embora com o mesmo tema, apresentam
aspectos diferentes:
Nesta carta acima, publicada na edição do dia 28/11/2005, o adolescente faz uma
crítica ao jornal. Primeiro por que ele considera o jornal um caderno voltado para
TODO o público jovem” e a reportagem em questão não se estenderia a todo esse
público. Podemos afirmar então que uma das imagens que este adolescente faz do
caderno é a de uma publicação que deve abranger todas as diferenças entre os
adolescentes, e a de que ele não deve privilegiar uns em detrimento de outros. Assim,
ele esperava que o jornal publicasse temas para todos os jovens e não apenas temas com
os quais se identificasse apenas uma pequena minoria.
Se a revolta deste adolescente partiu desta reportagem, provavelmente ele nunca
teve problemas antes em não se sentir identificado antes. O adolescente ainda diz que o
jornal deu legitimidade ao teor da reportagem ao usar depoimentos de jovens
abastados, excluindo das entrevistas a grande maioria que precisa andar de ônibus.
Assim, a reportagem carece de crédito. Podemos perceber, no entanto, que ele, em
Vou de ônibus? 2
É um absurdo que um caderno voltado para TODO o público jovem de um dos
principais jornais do Brasil tenha como reportagem central ‘Nunca andei de ônibus’!
Teria algum crédito ainda se os entrevistados não fossem jovens abastados que
nunca precisarão andar de ônibus.
Como vocês podem dar mais atenção a isso do que aos dias de inferno pelos quais
passou a França, resumindo esse fato a uma página e ainda com um texto tão
imparcial?
Renato Mattar, 18 – São Paulo – SP
102
nenhum momento, não se inclui e nem se exclui explicitamente entre esses jovens
abastados.
A sua opinião é a de que o jornal errou ao publicar uma matéria que não
despertaria interesse na maioria dos jovens do caderno. Vê-se aí que ele ainda considera
que o público-leitor do suplemento não é uma parte da população jovem, mas toda ela,
independentemente da classe social.
A sua crítica, então, é à publicação de uma reportagem de teor fútil, bobo, que
corresponde a uma minoria dos jovens. Além disso, ele ainda questiona o fato de o
jornal não ter dado a devida atenção, na sua opinião, a outros fatos mais importantes.
No caso, esses fatos mais importantes referem-se aos dias de inferno pelos quais
passou a França, quando milhares de franceses e imigrantes que viviam em subúrbios
passaram a protestar contra a discriminação, preconceito, desemprego. Como protesto,
vários carros foram incendiados. A repercussão da mídia sobre esses dias na França foi
alta e, para o adolescente, o caderno deveria ter privilegiado este fato como matéria
central da publicação, e não ter resumido-o em apenas uma página.
O adolescente faz uma representação para o adolescente: é aquele que não deve
se ocupar com problemas banais e se interessar por política. E falar sobre política parece
ser, para os adolescentes, uma mostra de sabedoria. Por um caminho diferente, ele
também cobra, como a carta anterior, mais espaço para a política.
A carta transcrita abaixo foi publicada na mesma edição (de 28/11/2005), mas,
diferentemente da de cima, sua crítica não é contra o jornal:
A adolescente, neste casou, gostou da matéria, embora faça uma ressalva por
não ter concordado com alguns pontos, aos quais, no entanto, ficamos sem saber. A
crítica aqui não é, então, contra o teor da reportagem, mas contra os adolescentes
entrevistados, e os demais, que nunca andaram de ônibus. Tanto nesta carta como na de
cima, os adolescentes empregam a palavra absurdo. Mas, neste caso, o contra-senso, a
Vou de ônibus? 5
Achei um absurdo que os jovens nunca tenham andado de ônibus na vida.
Francamente, seremos os futuros médicos, advogados, juízes, jornalistas ou qualquer
outra profissão de grande importância para o Brasil. Para isto temos que conviver
com a realidade do nosso país bem de perto desde cedo. À propósito, adorei a
matéria abordada. Mas não concordei com alguns pontos que li.
Helena Lucas, 15 – Barretos-SP
103
incoerência é que uma viagem de ônibus nunca tenha sido feita na vida de muitos
adolescentes. O uso advérbio francamente, que incide sobre a enunciação, apóia o
sentido de absurdo do fato. E a razão para ela considerar este fato uma aberração beira
mais um sentido de obrigação: “temos que conviver com a realidade do nosso país bem
de perto desde cedo. Ou seja, é quase que uma obrigação que todos tenham que andar
de ônibus, não porque se pode precisar, mas porque é lá que vamos conhecer a realidade
do país. Ou seja, ela não se inclui entre os adolescentes que andam de ônibus porque
fazem dele um veículo de transporte, mas porque quer conhecer um mundo, diferente do
seu. Ela ainda usa a expressão desde cedo, ou seja, os adolescentes m que sair do
casulo agora, e não esperar virar adulto para começar a assumir responsabilidades e
enfrentar o mundo.
Esta adolescente faz uma divisão dos adolescentes: os que têm melhores
condições econômicas e que andam de ônibus como se isso fosse uma diversão, e os
que, ao contrário, fazem do ônibus uma necessidade. A crítica da adolescente é que os
que nunca andaram não vão conhecer a realidade do país, e assim, não vão ser bons
profissionais. Segundo ela, eles os adolescentes mais abastados serão médicos,
advogados, juízes, jornalistas, que são profissões que gozam de status, adquirido
historicamente na nossa sociedade, e que dependem de muito estudo, facilitado para
quem não precisa trabalhar. E para serem bons profissionais, tem que andar de ônibus,
para conviver com a realidade do nosso país. Ela, no entanto, exclui, entre as profissões
de grande importância do Brasil, as que têm menos valor social: ela não quer ser
professora, atendente, enfermeira, doméstica, secretária. Exclui também da sua
afirmação os adolescentes com baixa renda, que não têm as mesmas condições
financeiras de ser estes futuros profissionais.
Ela assume nesta carta uma posição: a de adolescente rica que se preocupa
apenas com o seu futuro. Na materialidade do seu discurso, podemos encontrar
vestígios do interdiscurso, da sua memória discursiva: o seu discurso está imbuído de
traços discriminatórios, que divide os adolescentes e as profissões em dois grupos bem
diferentes. Ela dialoga principalmente com discursos da classe média alta, com
discursos socialmente engajados e ainda com os discursos que os pais e escolas sempre
repetem: tem que estudar para ser alguém, e de preferência, ser um profissional que
tenha conceito na sociedade. Todas estas posições, embora dispersas, ainda criam a
ilusão de unidade de sentido de seu texto e dão à adolescente ilusão de uma identidade
única, fixa.
104
Numa
perspectiva histórica, o sujeito se constrói em uma dispersão
de enunciados da qual ele é o elemento unificador, sem entretanto,
introduzir a homogeneidade no interior da heterogeneidade. Nesse
caso, o sujeito se instala nos dispositivos de arquivo espaços não
institucionais, mas historicamente comprovados pela diversidade do
arquivo e intervém no exato momento em que algo é enunciado,
relatado, categorizado, conceituado (GUILHAUMOU,
MALDIDIER
, 1989, p. 66)
Por fim, o jornal, ao publicar na mesma edição cinco cartas sobre o mesmo
assunto, mostra diferentes concepções de adolescentes, cada discurso com uma verdade
diferente. No alto da seção de cartas, ele diz: Reportagens sobre os adolescentes que
nunca andaram de ônibus provoca controvérsias. E é isso que as cartas mostram: cinco
diferentes visões sobre o mesmo tema, com diferentes enfoques. A reportagem sobre
andar de ônibus não abrange toda a diversidade de adolescentes, mas uma parcela dela,
e o jornal afirma isso ao usar o artigo definido os para acompanhar o substantivo
adolescentes. Além disso, os adolescentes mostrados na reportagem são pertencentes
às classes mais altas, que costumam apenas andar de carro e que viajam para o exterior.
O caderno oferece, desse modo, uma identidade para o adolescente, e explicita quem é o
seu público alvo. Além disso, apenas duas criticam o jornal, o que mais vez constitui-se
como um ponto positivo para o jornal.
A imagem usada na seção de cartas desta edição foi a foto de pôsteres colados
em vitrines, que refletiam a Torre Eiffel ao fundo, pedindo paz. A imagem retoma a
segunda carta publicada nesta edição, também transcrita aqui, como que para acalmar a
reclamação do adolescente Renato.
Por fim, está transcrita uma das cartas, também da edição do dia 28/11/2005,
que elogia a reportagem:
Vou de ônibus? 4
Muito legal a matéria sobre os adolescentes que o andam de ônibus. Tenho 14
anos e andei de ônibus milhares de vezes e nunca me aconteceu nada. Todos os
adolescentes que têm esse medo deveriam dar uma chance ao busão, nem que seja
acompanhado. É um pequeno passo para uma pessoa e um salto para a
independência.
Diana Gomes Ragnole Silva, 14 – São Paulo
105
As diferentes opiniões sobre um mesmo tema são decorrentes do fato de os
adolescentes terem diferentes perspectivas, assumirem diferentes funções na sociedade e
falarem por meio delas. Cada um, ao dizer o que pensa do tema, se mostra mais do que
mostra, e é por meio da materialidade de cada carta que podemos perceber as
identificações que os adolescentes assumem.
Ao contrário das duas cartas acima sobre o mesmo tema, esta é a que tem menos
teor político explícito. Esta adolescente não achou a atitude do jornal um absurdo, e nem
a dos adolescentes que nunca andaram de ônibus. Pelo contrário, gostou da reportagem,
para a qual ainda faz um elogio, chamando-a de muito legal. Ela usa a carta para fazer
um relato de sua experiência, para que esta seja como um exemplo para os adolescentes
que são mencionados e relatados na matéria. Quer se mostrar aos olhos dos outros como
uma adolescente com prática no assunto, motivo talvez de orgulho para ela. O discurso
dela parece não abranger questões políticas ou sociais que o tema pode encerrar. Para
ela, é como se o fato de as pessoas citadas na matéria não andar de ônibus fosse
resolvido simplesmente dando uma chance ao “busão. Ela simplesmente fala da
posição de um sujeito que anda de ônibus e que o nenhum problema nisso. Não
nos fica claro a que classe social ela pertence, mas pelo fato de ela não se sentir nem
indignada com o fato de ter pessoas que esnobam o ônibus e nem inferiorizada,
podemos arriscar dizer que ela não é proveniente de classe baixa. Ela sugere que andar
de ônibus seria como uma aventura, e que, por isso, a pessoa pode ir acompanhada. E
ela ainda se sente autorizada a dar um conselho para esses outros adolescentes menos
experientes. Fica claro que ela possui uma visão simplista e não madura da questão.
Assim, o modo como ela a percebe pode nos dizer que ela é de classe economicamente
mais favorável.
Uma das críticas do adolescente Renato era que, ao publicar uma reportagem
como essa, o caderno se dirigia apenas para uma parcela dos adolescentes, a que ele
chamava de abastada. Semelhante fato ocorre com a reportagem Loucos por
Trabalho, em que é relatada a experiência de muitos jovens que arrumam serviços ou
bicos. No entanto, nenhum desses adolescentes trabalha por necessidade, mas para
adquirir independência. A recorrência de comportamentos típicos da classe média não
faz do caderno uma publicação voltada para adolescentes, na sua totalidade. Isso ainda
pode ser mostrado pelo teor das seguintes cartas publicadas na edição do dia
31/10/2005:
106
Em ambas as cartas, escrita por duas meninas com a mesma idade, mostram a
relação que a adolescência deve ter com o trabalho: não deve ser uma relação de
necessidade. Na primeira carta, a adolescente conta sua experiência fazendo ‘bicos’, ou
seja, ela tinha um trabalho informal, fazendo bijuterias de miçangas, mas sem nenhum
tipo de compromisso. O dinheiro era bem vindo para complementar a renda, e não para
garanti-la.
A segunda carta não contém nenhum tipo de relato pessoal, apenas a opinião da
menina sobre trabalhar na adolescência. O discurso dela, mais que o da adolescente
acima, apresenta mais traços do discurso que se divulga sobre a adolescência,
principalmente na mídia e nas escolas: é uma época para curtir, e não para assumir
responsabilidades que não os estudos. O adolescente tem que primeiro estudar para
depois estar preparado para entrar no mercado de trabalho. O adolescente que trabalha
formalmente perde os anos de vida mais gostosos.
Existem no Brasil milhares de adolescentes que têm que trabalhar para ajudar
em casa e abandonam os estudos, e para estes é voltado um olhar de preocupação, por
estarem à margem do que se convencionou historicamente, socialmente e politicamente
atribuir como papel aos adolescentes. Se pensarmos que décadas antes era normal o
Loucos por trabalho 1
tive várias experiências semelhantes às narradas nos depoimentos da reportagem
‘Loucos por trabalho’ (ed. de 10/10). Faz tempo que faço ‘bicos’. Quando morava
em São Paulo, minhas melhores amigas e eu fazíamos pulseirinhas, colares e anéis
de miçangas para vender na porta de minha casa, em cima de uma mesa de plástico.
Morando agora em Jundiaí, ajudo minha mãe a fazer e a vender trufas. É lógico que
eu faço uma e a segunda deixo de lado para comer (risos). Não é um trabalho
externo, mas é uma boa experiência para a independência econômica.
Larissa Ussui Benedetti, 14 – Jundiaí - SP
Loucos por trabalho 2
Acho muito legal os jovens terem vontade de trabalhar por conta própria para
serem independentes. Todavia não acho positivo quando o trabalho é para conseguir
o pão de cada dia. Assim é muita responsabilidade para alguém que deveria estar
estudando e se divertindo”.
Vivian Pisky, 14 - Jundiaí
107
sujeito com essa idade parar de estudar para ir trabalhar, fica claro perceber a
adolescência como um período criado, cujas atribuições são definidas pela sociedade de
uma determinada época, marcado por fatores externos.
As duas adolescentes incorporaram o discurso em voga sobre trabalho e
adolescência, e as duas deixam claro que trabalhar nessa fase pode ser legal, desde que
seja apenas para obter independência. Assim, embora o ato de trabalhar seja o mesmo, o
que o difere é a sua finalidade. Mas qual seria, por exemplo, a diferença da adolescente
que faz bijuterias em casa fora do horário da escola como um bico e o adolescente que
faz a mesma coisa, mas que para conseguir o sustento? Ambos trabalham do mesmo
jeito. É uma contradição que existe no próprio discurso que envolve adolescência: o
trabalho é permitido aos adolescentes, mas com uma ressalva que não se sustenta.
Além disso, os adolescentes de hoje, em especial os de classe média e alta,
passam mais tempo dependendo dos pais, demoram mais para casar, para sair de casa.
Isso, como vimos, é decorrência do aumento de anos de estudos e a dificuldade em
achar um bom serviço para começar a se sustentar. Os adolescentes acabam ficando
dependentes não economicamente dos pais. Os pais gostam de agradar os filhos e
oferecer a eles tudo o que não tiveram. Isso inclui comprar muitas roupas, deixar viajar
e não deixar trabalhar. Esse comportamento acomoda os adolescentes, que são eximidos
de enfrentar dificuldades para conseguir certas coisas. É por isso que talvez o
adolescente diz achar legal os jovens que trabalham por conta própria, ou seja, que
tem força de vontade para abandonar o comodismo oferecido pelos pais.
Além dessas cartas, outras duas foram publicadas na edição anterior, do dia
24/10/2005, sobre o mesmo tema:
Trampo 1
o me imagino trabalhando agora. Sou muito preguiçosa. Mas adoraria ter meu
próprio dinheiro, pois sou muito consumista e adoro comprar roupas. Minha mãe
também não deixaria, porque ela quer que me dedique aos estudos, ao lazer e a
aproveitar minha adolescência. Quando eu sentir que está na hora, vou, sim,
trabalhar e muito. Admiro muito esses adolescentes (‘Loucos por trabalho’, ed. de
10/10) que trabalham e adquirem responsabilidades desde cedo
Lívia B. Costa, 14 – Jundiaí - SP
108
Em ambas as cartas, prevalece o mesmo discurso: adolescente tem que estudar.
Na primeira carta, a menina afirma que agora ela não se imagina trabalhando, mas
quando sentir que está na hora, vai trabalhar sim, enfatizando assim que um tempo
certo para se começar a trabalhar. Além disso, esse discurso é repetido inclusive por sua
mãe, que quer que ela se dedique aos estudos. A adolescente ocupa bem a posição que a
sociedade e que o atual momento conferem aos indivíduos dessa fase: a adolescência é
realmente, em nossa sociedade, uma fase de moratória, forçada, a que os adolescentes se
adaptam muito bem. Aos sujeitos é permitido serem preguiçosos enquanto estiverem
nessa fase. A sua única obrigação é estudar, esta é a sua obrigação social mais
importante. O adolescente da segunda carta assume a mesma posição: para os
adolescentes, o estudo vem em primeiro lugar, repetindo discurso de pais e professores.
Cabe aqui refletirmos sobre a situação desses jovens: têm condições
plenas de inserção no mundo do trabalho, pois estão com seu corpo,
sua cognição e seus afetos desenvolvidos, aproximando-se dos
adultos. Poderiam por isto ocupar um lugar no mundo adulto, bastaria
que um ritual os iniciasse. Mas não: estarão fora deste mundo adulto
do trabalho, que possibilita independência financeira, ainda por
algum tempo ou por muito tempo
(BOCK, LIEBESNY, 2003, p.
211).
Mais algumas cartas foram publicadas sobre esse assunto em edições seguintes,
e todas com o mesmo discurso. Na materialidade discursiva dessas cartas, podemos
perceber a interferência do interdiscurso no intradiscurso: podemos achar vestígios da
memória enraizada pelo discurso que a sociedade faz circular. Nenhuma carta criticou a
reportagem ou tentou argumentar que existem muitos adolescentes que trabalham por
que necessitam. Mais uma vez, temos a recorrência de um discurso que atravessa várias
edições e reforça um tipo de adolescente: o da classe média e alta. Para os leitores do
caderno, essa imagem de adolescência passa a ser a única possível e àquela a qual se
deve seguir. O jornal contribui assim para construir e reforçar um modelo de
Trampo 2
Li a reportagem ‘Loucos por trabalho’ e acho que, por um lado, não há nada que
nos mais orgulho do que podermos comprar nossas coisas com o dinheiro que
batalhamos para conseguir. Por outro lado, é muito importante se lembrar de que os
estudos vêm em primeiro lugar. O trabalho não pode atrapalhar.
Vinícius Debastiani, 14 - Jundi
109
adolescentes, por meio do controle do discurso que circula em suas edições. Mesmo que
entre os leitores do jornal sejam adolescentes que não se têm experiências semelhantes,
eles acabam incorporando as que o jornal publica como as certas, e as demais como
erradas, diferentes. A dia constrói uma univocidade lógica, apagando resistências,
conflitos, oferecendo a este modelo de adolescência que divulga o estatuto de
logicamente estabilizado.
A outra matéria que também recebeu um número relativamente alto de cartas foi
a publicada na edição do dia 22/08/2005, sobre os “Neo-românticos:
A reportagem em questão mostrava casos que demonstravam que o amor não
estava fora de moda, trazendo várias falas de meninos (apenas meninos) que contaram
o que costumam fazer de romântico para agradar a pessoa de quem gostavam (como por
exemplo, grafar no calendário a data em que se conheceram, dar buquê de flores todo o
mês, aprender a cozinhar, etc). A carta acima (da edição de 05/09/2005) retoma uma das
idéias principais da reportagem: os homens não costumam ser românticos. Ainda ajuda
a reafirmar as tão discutidas diferenças entre homens e mulheres.
Esta condição de diferença entre os sexos é parte do imaginário da nossa
sociedade, criado a partir de jogos de poder. Assim, as diferenças ente os gêneros
refletem o modo como cada cultura lida com as relações de poder. Em geral, a nossa
sociedade ainda conserva traços machistas, que permitem ao homem uma certa
liberdade com relação a aspectos sexuais, que não é conferida às mulheres sem um olhar
enviesado. Como conseqüência disso, é o homem que o tem por que ser romântico,
querer ficar com uma única mulher ou querer agradá-la. A memória destas diferenças
entre homens e mulheres está arraigada no corpo da coletividade, que compartilha este
imaginário.
Meninos Apaixonados 2
Gostei da reportagem sobre os neo-românticos. Está muito difícil encontrar
meninos como os que a matéria apresentou. Vivemos em um tempo em que tudo
passa rápido. As novidades chegam, no outro dia se tornam velhas e, com esse
ciclo, a maioria dos garotos não quer um relacionamento sério, que, no outro dia,
podem provar a novidade.
Aline, Vitale, 16 – Jales-SP
110
A autora da carta ainda mescla este discurso com o da globalização, que prioriza
a produção de objetos descartáveis para acelerar o processo de produção e venda,
estendendo este processo para o campo das relações humanas. Para ela, os meninos
também querem uma troca rápida de meninas, para provar novidade. Pressupõe-se,
pela fala da adolescente, que muita oferta de meninas, o que faz com que os
meninos prefiram estar sempre trocando do que continuar muito tempo com uma só.
Ela também faz uma demarcação temporal: vivemos em um tempo em que tudo
passa rápido. Para ela, o fato de não se encontrar mais meninos como os descritos na
reportagem é por causa desse ciclo, desse tempo em que vivemos. No entanto, a
autora não estende este comportamento para as garotas, que também ganharam mais
liberdade neste tempo em que vivemos. Ela, enquanto mulher, exclui o grupo
feminino das pessoas que não querem compromisso, provavelmente por se tomar por
base.
Os adolescentes hoje experimentam relações amorosas com outras pessoas cada
vez mais cedo. Além disso, desde a década de 90 até hoje, a tendência é que estas
relações sejam bastante numerosas. Hoje, é normal durante a adolescência que os
indivíduos tenham um grande número de parceiros, ou ficantes, como eles preferem
dizer, e é normal que esses relacionamentos venham desacompanhados de nenhum
compromisso. Aliás, esse tipo de relação é abertamente divulgado pela dia em geral,
especialmente em filmes, novelas e revistas. Os adolescentes, na sua maioria,
incorporam esta representação.
Abaixo, temos outras cartas que comentam a reportagem, publicadas,
respectivamente, em 05/09/2005 e 12/09/2005:
Meninos Apaixonados 3
Sou fã do caderno Folhateen e gostaria de parabenizar as matérias que vocês
fazem. Amei a matéria sobre os meninos apaixonados. É difícil encontrar meninos
românticos e meninos que se revelam românticos. Mostrei a matéria ao meu
namorado e ele disse que não é romântico, mas eu o considero muito romântico.
Ana Carolina Bispo de Souza, 16 – Guaratinguetá-SP
111
A identidade envolvendo os gêneros está em processo infinito de transformação.
As diferenças entre os gêneros e as significações atribuídas a eles são socialmente
construídas, mas também classificadas e organizadas. Segundo Dornelles, no momento
em que se classifica, se normatiza e se elege um modo de subjetivação e na medida
em que uma subjetividade se afirma, apresenta distinções do que está dentro ou fora, do
que pertence a, ou não pertence a, isto é, separando, dividindo, demarcando fronteiras,
desse modo, classificando e atribuindo diferentes valores aos grupos classificados
(DORNELLES, s/d).
Qualquer assunto, por estar na mídia, tem um alcance maior sobre as pessoas, e
adquire um estatuto de verdade. A mídia faz trabalhar o acontecimento dando a ele um
sentido único. Segundo Gregolin, os fatos parecem únicos, lógicos e fixos por estarem
na mídia. “A criação dessa ilusão de ‘unidade’ do sentido é um discurso discursivo que
fica mais evidente nos textos da mídia (GREGOLIN, 2003b, p. 97). Por isso, essa
diferença entre os gêneros, por mais simples e batida que possa parecer, ainda não saiu
de moda. Pelas cartas e pela reportagem, podemos dizer que é reafirmada pelo caderno
uma dicotomia simples e velha: mulher = romântica x homem = não-romântico. A
própria reportagem, ao mostrar que existem meninos românticos, afirma que eles são
uma minoria, e, assim, estão fora daquilo que é mais comum. Como dito, esse
imaginário ainda está presente na memória de muitas pessoas, e os adolescentes, embora
iniciando a vida amorosa, carregam essa concepção, que, assim, tende-se a perpetuar.
A identidade de um grupo é uma representação construída, que envolve processos
sociais, históricos e econômicos, mas que sempre depende do reconhecimento. No
relato da adolescente que mostra a reportagem ao namorado, por exemplo, embora ela o
ache romântico, ele se afirma não romântico, como se para os homens fosse proibido
carregar tal estigma. Talvez a existência de homens românticos seja muito mais comum
do que imaginamos, mas o discurso que continua circulando, e assim normatizando,
disciplinando e regulando o comportamento, é o que diz que homens não tomam
Meninos Apaixonados 2
Sou leitora nata do Folhateen, toda segunda-feira eu aguardo o caderno! Uma
matéria que eu amei foi a dos meninos apaixonados. Um menino que gostava de
mim com certeza leu! Ele fez quase todas as coisas que estão escritas na matéria.
Gostaria então de agradecê-los, porque hoje estou com ele!
Marina Bufon Nunes, 13 – Cerquilho - SP
112
atitudes românticas, estipulando assim verdades sobre o que é ser homem e o que é ser
mulher.
A reportagem foi feita com base em depoimentos de meninos, e serviu para
agradar as meninas, mais do que os meninos leitores do caderno. Assuntos que
envolvem vida amorosa têm grande repercussão entre adolescentes, e estão presentes
em qualquer roda de amigos adolescentes, não importa a classe social. Assim, é natural
que o relacionamento entre homens e mulheres seja um assunto que atraia as pessoas, e
particularmente mais os adolescentes, que podem namorar sem compromisso. Além
disso, nenhuma das cartas publicadas trazia críticas ao jornal, o que, mais uma vez,
concorre para que ele seja visto como uma publicação que vai ao encontro das
necessidades dos jovens.
Todas as cartas contêm em seu teor pistas sobre a identidade do adolescente, as
quais podemos resgatar para fazermos suposições sobre como o adolescente percebe a
adolescência. Algumas cartas, como as que serão transcritas abaixo, no entanto, falam
sobre a identidade do adolescente de forma mais aberta, deixando mais fáceis de serem
percebidas as concepções de adolescência para os adolescentes.Essas duas cartas abaixo
revelam, especialmente, concepções sobre o período da adolescência, e foram
publicadas, respectivamente, nas edições de 29/08/2005 e de 26/09/2005:
02 Neurônio
O que está acontecendo com as garotas da coluna ’02 Neurônio’? Percebe-se que
elas vivem uma realidade que pouco se encaixa na da juventude contemporânea.
Qual é o problema de crescer? Qual é o problema de enfrentar problemas? Digo
problemas de verdade, não problemas do tipo comprar mais roupas do que pode e
ficar devendo no banco, dar satisfações para as nossas mães e não ter os peitos
ideais.
Érica Almeida, 17 – Tatuí-SP
Culto à juventude
Estou escrevendo para criticar a coluna ‘02 Neurônio’ de 15/8. As articulistas se
referem às pessoas de trinta e poucos anos como ‘velhas’. Isso não é legal, pois
pessoas com essa idade são jovens. Não são adolescentes, mas são jovens. Essa
matéria é mais um sinal do culto doentio à juventude que nossa sociedade vive.
Marilia Thomaz da silva, 15 – Osasco - SP
113
Em comum, as duas cartas retomam a coluna do jornal 02 Neurônio, escrita
por 3 mulheres que não são mais adolescentes, e conhecida por debater assuntos banais
que afligem as mulheres. Ambas as cartas também fazem uma crítica à coluna.
Podemos dizer que a primeira carta tem dois pontos que se referem à identidade
do adolescente: o primeiro é com relação à faixa etária que inclui a adolescência. Para a
autora da carta, pessoas com 30 anos não podem ser consideradas adolescentes, mas
podem ser consideradas jovens. Essa distinção deve ser baseada principalmente no
conceito etário, que acaba incluindo fatores biológicos. O segundo se refere a fatores
comportamentais, tendo em vista que aos adolescentes são permitidas muitas atitudes
que são consideradas normais para a fase. Ao reconhecer que existem pessoas que
desejam retornar à juventude, ela reconhece que comportamentos que distinguem
adolescentes de não-adolescentes.
Ainda segundo esta adolescente, existe hoje um culto doentio à juventude. A
crítica que ela faz é à mídia, em especial à coluna do suplemento, que rotula pessoas de
30 anos como velha e vende a adolescência ou a juventude como a melhor fase da vida.
Em grande parte, o saudosismo de produtos (culturais ou materiais) que não existem
mais e a vontade de poder gozar de privilégios permitidos aos adolescentes e que agora
não possuem mais são aproveitados pela mídia para exercer um poder sobre os que não
são mais adolescentes.
Isso faz com que se torne comum hoje pessoas que desejam voltar à juventude,
fazendo disso um objetivo de vida. Recuperar a juventude é incorporar muito de seus
atos, que pode se dar com a decisão de iniciar novos relacionamentos ou novos
empregos. Ser jovem é vendido pela mídia como a melhor forma de viver a vida,
corroborado pelas propagandas que incorporam características juvenis. Muitos adultos,
atraídos a se comportarem como adolescentes e jovens, acabam muitas vezes se
eximindo das responsabilidades de adultos. Não é difícil encontrar pais que vão para as
boates junto com os filhos, fumam e bebem com eles e até aceitam comportamentos
transgressores. Isso cria uma certa cumplicidade entre pais e filhos, o que não é ruim,
mas a falta de regras impostas por pais a impressão aos filhos de que eles estão
sempre certos em seus comportamentos e atitudes e não vão aceitar outras regras
impostas por outras pessoas. “Poderia ser uma atitude saudável se, em vez de tolerância
e compreensão, não revelasse uma grande omissão em oferecer parâmetros mínimos
para orientar o crescimento dos filhos (KEHL, 2004, p. 96). O adolescente pode ainda
ficar com receio de se tornar adulto, afinal, se fosse bom, por que as pessoas adultas
114
iriam querer voltar a ser jovens? Para que entrar em uma fase em que ninguém quer
ficar? É preciso que os pais valorizem a sua experiência, pois essa valorização é
importante para servir de suporte para atitudes dos adolescentes.
A adolescente da segunda carta também faz menção a esse culto doentio da
juventude ao refutar a concepção de adolescente, muito comum nos discursos das
instituições sociais e que ela retoma como também sendo o discurso da coluna: para esta
autora, o adolescente não é fútil, tem pensamentos e atitudes sérias e enfrenta
problemas. Ela ainda diz que os comportamentos que a coluna divulga não se aplicam a
juventude atual, ou seja, ela se exclui e exclui os demais adolescentes do quadro que a
coluna faz para eles.
Ambas as cartas reconhecem a vontade de juventude exercida sobre as pessoas e
criticam essa busca - no entanto, elas falam do lugar de adolescentes e esse discurso
pode mudar quando ficarem mais velhas e talvez mais suscetíveis a esses apelos da
mídia. A estrutura da identidade permanece sempre aberta, segundo Hall. Ela é
inconstante e vai se transformando, dependendo das posições que assume e das
experiências pela qual o sujeito passa, e por isso não cabe a ele escolher com o que se
identificar.
Além disso, as adolescentes reconhecem uma identidade para o adolescente,
como portadora de diferentes comportamentos, em contrapartida a comportamentos de
outras fases, mas enquanto a primeira não se mostra crítica a essas atitudes, a segunda
claramente os refuta, discordando da visão da adolescência propagada pelo caderno e
pela coluna, que seria uma concepção que contribui para a despolitização do
adolescente.
Muitas das cartas enviadas, ao contrário das transcritas acima, não apresentavam
nenhum tipo de comentário sobre o teor de alguma reportagem ou coluna do caderno.
Essas cartas são as que trazem opinião e sugestões. Estas cartas, ainda são como as
outras, trazem implicitamente rastros das identificações que os adolescentes assumem,
como as abaixo, publicadas na edição de 29/05/2006 e 19/06/2006 respectivamente:
115
Ambas as cartas das adolescentes têm uma mesma estrutura: começam com um
elogio ao jornal e depois oferecem uma sugestão. O elogio, como dito acima, é uma
forma de promoção do caderno, que o seu consumidor o aprova publicamente.
Poderíamos também dizer que aparentemente elas se identificam com o que o caderno
diz ou com as representações que ele faz. A ausência de críticas não deve ser entendida
como uma anuência tácita ao caderno, mas o fato de ser fã do caderno ou gostar muito
dele pode nos levar a pensar que ele mais agrada do que causa repudio, e se agrada é
porque com alguma coisa o adolescente se identifica.
O fato de as adolescentes também oferecerem uma sugestão depois de terem
dado um comentário positivo sobre o jornal é um sinal de que elas reconhecem o
caderno como uma publicação que realmente fala para os adolescentes e por isso é
possível oferecer a sugestão. A primeira pede que o caderno publique matérias sobre
seriados que passam na televisão, enquanto a segunda pede para o caderno matéria com
a banda Good Charlotte. Os pedidos, por si só, são reveladores: os seriados são uma
forma de entretenimento que agrada muitas pessoas, inclusive adolescentes; a banda
Good Charlotte, que ainda não é muito divulgada no Brasil, sendo mais conhecida no
exterior, também agrada. Pelo fato de terem sido essas as sugestões feitas, e não outras,
Louca por seriados
O que mais gosto no Folhateen é coluna ‘02 Neurônio’. As autoras são muito
engraçadas! Adoraria ver no caderno matérias sobre seriados, como ‘Smallville’,
‘The OC’, e em especial, ‘Anos Incríveis’, exibido pela TV Cultura. É que sou
apaixonada pelo Kevin e quero informações sobre ele e os outros personagens da
série, porque parece que, depois do seriado ter feito sucesso, eles foram esquecidos.
Nara F. Leão da Costa, 14, Sorocaba – SP
Fã pede Good Charlotte
Olá, pessoal! Quero dizer que eu sou do caderno, adoro as entrevistas, adorei a
matéria sobre o dia 06/06/06, muito legal. Gostaria de pedir uma entrevista com o
Good Charlotte. Eu amo a banda!!! Em relação aos emos, quero dizer que emo é um
estilo de música e não estilo de vida, então parem com esses tipos de
preconceitos!!!
Estela Rodrigues, por e-mail
116
percebemos um aspecto identificatório comum nos adolescentes: eles gostam de
diversão, proporcionada principalmente pela música e também pela televisão. Do
mesmo modo, por terem sido publicadas estas sugestões e não outras, o caderno
também procura afirmar este aspecto identitário para o adolescente.
Do mesmo modo, as cartas abaixo, publicadas na edição do dia 24/04/2006 e
08/05/2006, também trazem sugestão e opinião:
As duas cartas divergem basicamente porque uma faz uma crítica junto com uma
sugestão, enquanto a segunda faz um elogio. No entanto, tem um aspecto comum nas
duas cartas, que se refere à questão da linguagem.
A primeira carta diz que a leitura do jornal não é tão prazerosa quanto poderia
ser, e parece que a adolescente está se referindo à matérias que tratam de política. No
entanto, não fica claro se as matérias que ela menciona são as do caderno em específico
ou as de outros veículos de comunicação, por faltar especificação em sua fala: gosto
muito de notícias sobre política. A sua sugestão é que o caderno crie uma coluna em
que apresente notícias sobre política numa linguagem fácil para adolescentes. houve
outra carta, que foi transcrita acima, fazendo o mesmo pedido. Quando ela diz que a
coluna deveria ser direcionada aos jovens, ela faz uma separação: existe um tipo de
Mais política
Gosto muito de notícias sobre política e sempre leio o Folhateen, mas acho que
falta algo para que a leitura seja mais prazerosa. Sugiro a criação de uma seção que
contenha as notícias diárias, porém direcionadas aos jovens. Isso seria um estímulo
para nos manter informados, porque, às vezes, não conseguimos entender algumas
matérias. Também seria bom que o passado do assunto em questão fosse
mencionado para ficar mais fácil entendê-lo.
Fernanda Berezorsky, 14 anos – Campinas.
“02 Neurônio”
Gostaria de parabenizar as autoras da coluna 02 Neurônio’. É a minha coluna
favorita, pois aborda diferentes assuntos ligados a nós, jovens, e escritos em uma
linguagem fácil e divertida. A última coluna (‘Só faltava essa: Orkut com bina!’, ed.
de 1º/5), foi uma das minhas favoritas.
Pámela Fernanda Fidelis, 16 – Jundiaí - SP
117
relatar política para adultos e um outro tipo para adolescentes. Por fim, ela também pede
que nessa coluna esteja o “passado do assunto em questão. Dessa afirmação podemos
depreender que ela considera que os adolescentes não têm o hábito de se informarem a
respeito de assuntos políticos, motivo pelo qual eles não teriam informações que
tornariam legíveis para eles o sentido de um texto.
Na segunda carta, a adolescente faz um elogio às autoras da coluna 02
Neurônio, pois, além de abordar temas ligados aos jovens, elas usam uma “linguagem
fácil e divertida.
Nas duas cartas acima, então, temos uma recorrência comum: as duas
adolescentes pensam nelas e nos demais adolescentes como sujeitos que não gostam ou
não podem entender matérias escritas em uma linguagem que não seja própria para eles.
Elas consideram assim a adolescência como uma fase que necessita de cuidados
especiais, e a linguagem fácil é uma delas. Essa imagem, no entanto, é recorrente na
sociedade, em que muitos programas voltados para o público nesta faixa etária gabam-
se de terem uma linguagem própria para adolescente. Na primeira carta, ainda, temos
também a recorrência de outro aspecto da adolescência veiculado na sociedade, que
considera que o adolescente não precisa saber política, e, para isso, precisa ter
estímulos.
A carta abaixo, publicada em 22/05/2006, também nos oferece uma visão sobre
a identidade do adolescente:
O adolescente da carta acima estabelece uma identidade para os adolescentes:
eles gostam de modinhas, de ter um rótulo, vivem em grupos e não tem poder de
decisão. E dessa identidade ele se exclui, embora seja um adolescente.
Como dito, a família é o primeiro ponto de apoio da criança, mas conforme
ela vai ampliando seu círculo social, passa a se identificar com outras pessoas, como o
Contra-modinhas
A repercussão da matéria sobre os emos’ publicada semanas atrás exemplifica a
que ponto chegou a cultura jovem. Tendo que se basear em rótulos e estilos para ‘se
dar bem’, segundo um leitor da semana passada, o adolescente esquece a tal da
personalidade e as experiências que deveriam construir uma. Isolar-se em grupos na
era da internet e evitar pensar com a própria cabeça, seguindo modas, é assassinar o
papel social de cada um.”
Marcos Ritel, 16 – Poços de Calda- MG
118
professor, outros parentes, amigos e artistas. É normal que os adolescentes busquem
rodas de amigos, que eles têm grande responsabilidade no processo de identificação
pelo qual todo adolescente passa.
E nos grupos é comum surgir comportamentos que buscam diferenciar os
adolescentes de outros grupos, e é normal que esses grupos tenham um nome. Ser
emo ou “emocore, por exemplo, é uma definição recente que passou a ser dada para
pessoas, na maioria adolescente, que se caracterizam por serem emotivos, por gostarem
de um estilo de música denominado “emotional hardcore (daí a origem da nomeação),
por andarem maquiados, vestindo calças justas e com a franja dos cabelos nos olhos.
Independentemente de ser este ou qualquer outro tipo de comportamento
assumido, o adolescente busca uma identidade, algo com o que ele possa se sentir
capturado e se distinguir do Outro. É importante para os adolescentes se sentirem
confortáveis em uma representação que os distinga de outras, que os faça parecer ter
uma identidade e que os faça ser diferentes dos demais. O grupo de amigos é uma
projeção do sujeito. No entanto, o adolescente autor desta carta isso como algo
negativo, como um defeito, como se precisar de um grupo fosse sinônimo de não
pensar com a própria cabeça e de esquecer a personalidade. Dessa forma, ele
assume uma posição que o diferencia dos demais adolescentes, e assume para si todas as
características que nega para os demais adolescentes.
Esta carta abaixo, publicada na edição do dia 01/05/2006, também oferece uma
crítica a comportamentos dos adolescentes:
Dessa vez, a crítica que esta adolescente faz para os adolescentes é com relação
ao descompromisso e com a despolitização. Embora ela reconheça que existem jovens
que lutam e que protestam e jovens que são acomodados, ela não se inclui em nenhum
grupo. Ela não se assume ou nega ser uma jovem batalhadora, preferindo usar o termo
Anarquismo 3
Gostei muito da capa sobre os anarquistas. Ela mostra que, apesar do comodismo
de muitos jovens, ainda os que lutam pelos seus direitos. Tenho certeza de que o
Brasil poderia ser melhor se os jovens se unissem mais e lutassem contra uma das
maiores injustiças, que é essa corrupção que envergonha nosso país.
Nadia Campos da Silva, 17 – Carapicuíba- SP
119
os jovens, indicando a não-pessoa, fazendo referência a um grupo como se não fosse
uma adolescente/jovem e assim parte dele.
Além disso, a solução que ela apresenta para que o Brasil seja melhor é
idealizada e faz parte do senso comum, podendo ainda ser caracterizada como um
cuo semântico, ou seja, é um discurso bonito de ser falado, mas que na prática não
tem aplicação, mesmo porque ela pode não saber o que se deve fazer para lutar pelos
direitos. Aparece aqui de novo aquela contradição, posição ambígua, existente entre a
vontade de lutar, de mudar, ou de aceitar o poder porque é um jeito cômodo de viver.
(...) o sujeito vive numa constante tensão entre a aceitação e a recusa do poder, numa
espécie de batalha entre a relutância do querer e a intransitividade da liberdade
(GREGOLIN, 2003b, p. 103). Essa contradição ainda pode ser considerada como uma
herança de práticas escolares, já que este discurso também está presente dentro de
instituições de ensino, em especial em redações.
As cartas que estão transcritas abaixo, publicadas respectivamente na edição de
24/07/2006 e de 31/07/2006, apresentam uma particularidade: apresentam apenas
críticas para o jornal, e críticas mais ferozes. Elas demonstram, assim como outras que
aqui não foram transcritas, que a passividade não é característica dos sujeitos, que não
ficam inertes perante o poder veiculado pela mídia, mesmo que por meio de técnicas
muitos simples de submissão. Assim, nem sempre a mídia é bem sucedida quando
investe na formação de comportamentos e pensamentos, pois sempre resistências,
como veremos abaixo:
Eu gostava do Folhateen...
Oi, estou aqui para dizer uma coisa muito triste. Quero deixar claro que eu gostava
do Folhateen. Não muito, mas tinha qualidade. Entretanto, o caderno está cada vez
pior. O novo formato é muito chato de ler, está esquisito, numa ordem estranha e
cansativa. Algumas matérias são legais, somente as que transmitem informações
importantes, mas aquelas que são sobre modas, gostos, grupos, tendências são
horríveis. Este tipo de matéria aumenta o preconceito e a discriminação dos jovens.
Como um gosto musical, uma roupa, ou um cabelo podem definir a personalidade de
cada um? (...) Acho que vocês não vão publicar isso, mas, se publicarem, pelo
menos tenham a dignidade de não cortar o que escrevi, pois já enviei minhas
opiniões e vocês cortaram algumas coisinhas.
Ricardo O. Carvalho, 19, Taubaté – SP
120
Esta carta pode ser vista como uma insatisfação escancarada para com o jornal.
Com exceção de um elogio morno (algumas matérias são legais), todo o teor da carta
é destinado a fazer críticas ao caderno: não tinha muita qualidade, está cada vez pior,
está chato de ler, etc. Conseqüentemente, podemos dizer que, assim, o adolescente-autor
discorda do caderno no que tange á identidade que este faz para o adolescente, que o
adolescente assume que as reportagens e matérias que versam sobre moda, gostos,
grupos e tendências o horríveis, por achar que elas agrupam e classificam os
adolescentes. Mas são nessas reportagens que estão construídas identidades que os
adolescentes leitores podem assumir. Portanto, ele não se identifica com a representação
que o caderno constrói para o adolescente e nem o jornal como autorizado para falar
com o seu público-alvo.
O fato de ele ficar triste em dizer que não gosta mais do Folhateen pressupõe
que ele esperava que o caderno fosse melhorar, pois, embora não gostasse muito, “tinha
qualidade. Assim, parece que ele se ressente por não ter uma publicação voltada para
adolescente com os requisitos que ele espera encontrar. Para ele, o caderno seria bom se
tivesse informações importantes, informações essas que, no entanto, ficamos sem
saber do que tratam. No entanto, ao refutar matérias sobre moda, gostos, etc.,
percebemos que ele também acha que o adolescente deve dispensar assuntos cujo teor
pode parecer fútil.
Dessa forma, esta carta é uma forma de resistência ao jornal. O adolescente está
certo em dizer que algumas dessas reportagens podem gerar preconceito e
discriminação. A carta é publicada em um momento em que o caderno se preocupa em
fazer reportagens sobre os emos, indies, etc., que prescrevem um tipo de
comportamento para cada um desses grupos, como se fossem fórmulas a seguir.
Vale a pena ainda destacar a última afirmação presente na carta, onde é
explicitado que o caderno procede a uma edição das cartas que são publicadas. O autor
mesmo diz que já teve outras cartas anteriores em que cortaram algumas coisinhas.
Provavelmente, a carta publicada nesta edição também sofreu cortes, como pode atestar
a presença das reticências em seu teor, mostrando que o jornal tem o poder de publicar
aquilo que mais lhe convém, e desconsiderando, assim, o pedido do adolescente.
O caderno, por sua vez, ao publicar uma carta que tem em seu teor o receio do
autor de que ela não será publicada, pode usá-la de exemplo, para mostrar que não tem
medo de expor as críticas que recebe. Poderia, ainda, ter omitido o final da carta, mas
prefere publicá-lo, talvez para agradar mais ao autor da carta do que aos demais leitores.
121
Esta carta pode ser considerada a mais dura crítica recebida pelo caderno durante o
período de análise.
Por fim, vale também dizer que, no alto da seção de cartas, o comentário feito
pelo jornal sobre ela diz: O Folhateen é legal ou não é? Eis a questão que fez a cabeça
de nossos leitores durante as férias de julho.... De fato, das seis cartas publicadas nesta
edição, todas trazem opinião sobre a qualidade do jornal, e as opiniões vêm de forma
balanceada: duas cartas criticam o caderno; duas cartas elogiam; e duas cartas
apresentam críticas e elogios.
As críticas publicadas nessa edição e nas demais também nos mostram que a
mídia não é apenas um lugar de onde apenas emana poder, mas que ela também se
constitui como um espaço de resistências, em que os adolescentes sabem se mostrar
críticos. Essa resistência influencia na reelaboração poder, que são essas críticas,
feitas por meio de microlutas, que fazem com que o poder não seja absoluto. As críticas
formuladas podem ter um impacto muito grande na configuração do jornal, que buscará
um novo meio para atingir esse público que lhe foge. De qualquer forma, na edição
seguinte, do dia 31/07/2006, foi publicada uma carta que saiu em defesa do caderno,
contestando todos os pontos apontados na carta acima.
Na edição do dia 31/07/2006, havia ainda mais duas cartas que faziam elogios ao
jornal, em contrapartida com apenas uma que fazia crítica, conforme transcrita abaixo:
Esta carta, semelhante a anterior, também foi escrita por uma adolescente que
gostava mais do jornal antes. Durante os 10 anos em que ele acompanha o caderno, ele
pensa que é agora que ele está muito ruim. O autor da carta questiona reportagens que
foram publicadas pouco antes, como as de tribo, também questionadas a carta anterior.
E, a picaretagem, segundo ele, é decorrente do uso de fotos grandes e textos pequenos
nas matérias, que pode ser entendida como uma forma de enganação dos leitores.
Haja picaretagem
Acompanho o Folhateen cerca de 10 anos e posso dizer que o caderno nunca
esteve pior. A única coisa que merece ser lida é a coluna do Álvaro Pereira Junior.
Reportagens dando dicas de maquiagem pseudomangá? Cartilhas de como fazer
parte de uma tribo? Como assim? E isso tudo sempre com um texto mínimo
acompanhado de fotos gigantescas. Haja picaretagem.
Fernando Mafra, 25, São Paulo – SP
122
Assim, como nada merece ser lido, apenas a coluna do Álvaro Pereira Junior,
intitulada Escuta Aqui, que trata de assuntos sobre músicas, o adolescente também
desconsidera o caderno como uma publicação para adolescentes.
Neste caso também, acima como aconteceu com a carta anterior, a publicação da
crítica se mostra como uma resistência ao poder. Os adolescentes não são passivos
diante do que ouvem ou lêem, mas sabem se posicionar diante de fatos para negá-los ou
deles discordar.
Por fim, para terminar as análises, estão transcritas logo abaixo algumas cartas
publicadas no caderno, mas que não foram escritas por adolescentes pelo menos se
considerarmos o critério etário. A publicação de cartas escritas por pessoas mais velhas,
que não são consideradas mais teens pode ter um propósito maior: embora seja um
caderno para adolescentes, o Folhateen também é lido por pessoas de outras faixas
etárias, por se mostrar interessante a elas. As cartas abaixo, por exemplo, foram
publicadas nas edições do dia 21/11/2005, de 03/10/2005, e 05/06/2006,
respectivamente:
Irmãos
Muito legal as matérias sobre irmãos, publicadas na Folhinha (‘Meu irmão mais
velho’, ed. de 24/9) e no Folhateen (‘Meu irmão mais novo’, ed. de 26/9). Li com
atenção e saudades dos tempos em que meus filhos, Pedrão e Pedrinho (Toquinho),
viviam literalmente naquele ‘pega-prá-capá’ e eu tentando livrar a barra ora de um
ora de outro. Sempre sendo condenada por aquele que se sentia injustiçado. Olhando
agora, ou melhor, revendo a situação, dá saudades. falta publicar algo sobre o
‘irmão sanduíche’ e ‘a mãe do irmão mais velho e do irmão mais novo no fogo
cruzado’. Gostei das matérias.
Marisa de Paula Souza, 53 – São Paulo-SP
Sexo e saúde
Gostaria de sugerir ao doutor Jairo Bouer que, ao responder às questões dos nossos
jovens, não faça tantos rodeios repetitivos em cima da necessidade do uso da
camisinha, pois todos estão carecas de saber. Toda coluna incorre nesse caso e
acaba, às vezes, minando o estímulo para lê-la, pois deixa-se de aproveitar um bom
espaço em prol do aprofundamento do tema específico suscitado pelo adolescente.
Marcio Antonio Chaves Pinto, 34 – Rio de Janeiro-RJ (ed. 03/10)
123
A autora da primeira carta acima se posiciona principalmente no papel de mãe
para comentar duas reportagens: uma publicada no Folhateen sobre irmãos mais novos
e outra no Folhinha, outro caderno publicado pela Folha de S. Paulo, que circula aos
sábados e destinado para crianças, sobre irmãos mais velhos. As duas reportagens
podem ser consideradas um intertexto, que procuram abordar um mesmo tema -
irmãos - sobre diferentes pontos de vista. Esta carta foi a única publicada comentando a
reportagem, e mostra uma voz mais experiente, de 53 anos, falando sobre o assunto. Ao
fazer um elogio para o caderno, a autora confere a ele legitimidade, haja vista ela ser
mãe e saber o que é ter filhos mais velhos e mais novos.
o autor da segunda carta não faz um elogio ao caderno, mas sim uma crítica,
especificamente para a coluna escrita pelo médico Jairo Bouer, que responde às
questões feitas pelos adolescentes relacionadas a sexo. O autor desta carta não se
considera um adolescente nem jovem. E justamente por não se enquadrar nesta posição,
por ser mais velho e por sentir-se mais experiente que os adolescentes, sente-se na
condição de poder falar para o colunista que escreve para adolescentes, equiparando seu
conhecimento ao dele. E é por achar que entende tanto do assunto quanto o médico é
que a sua carta tem um tom de correção, e até de uma certa ironia. A produção desta
carta também mostra uma concepção de adolescência: sujeitos que ainda têm que
aprender sobre sexo, mas que não são ingênuos e não devem ser subestimados por
estarem “carecas de saber certos assuntos. A necessidade do adolescente estaria muito
além daquilo que o colunista fala em suas respostas. Por sua vez, também podemos
Sou dark, não gótico
Na década de 80 não éramos góticos e sim darks. Esse é o termo certo. Acho que
seria bom explicar para os góticos quem começou o movimento que atualmente
evoluiu para o emo (se é que podemos chamar de ‘evolução’ a postura e a filosofia
que eles assumem). Fico deveras chateado quando cruzo com pessoas na rua que me
chamam de gótico. Tenho que retrucar e falar: ‘Não, eu sou dark’. Afinal, sei que é
estranho ver um dark de 34 anos (risos). Mas, mesmo sendo casado e pai de dois
filhos, não recuso ficar uma horinha no meu quarto, escondido de todos, curtindo o
bom e velho Sister of Mercy.
Paulo Sosa, 34 – São Paulo - SP
124
depreender que a concepção de adolescente que o autor da carta acha que o caderno tem
está muito aquém do que o adolescente realmente é para ele.
Na terceira carta, por sua vez, o autor faz um recorte do passado e uma
valorização da memória para falar sobre o movimento dark, que repercute até hoje em
forma de outros movimentos, como o movimento gótico e o recente emo. Lendo esta
carta sentimos que a sua carta é uma resposta ao que se vem falando sobre os emos,
como se o autor tivesse necessidade de fazer lembrar aos outros que os “emos não são
uma novidade e que os góticos não são os inspiradores dessa nova tendência, mas que o
início de tudo aconteceu com os darks. Na carta está expressa também uma necessidade
de impor diferença entre esses movimentos, diferença essa que ele procura acentuar
dizendo que o dark não é simplesmente uma moda, ao contrário do que nos parece que
ele acredita que o movimento emo é. Corrobora sua afirmação o seu relato pessoal: ele
tem 34 anos, ou seja, não é mais um adolescente, e mesmo saído dessa fase, não
abandou o que ele considera como um estilo. Antecipando ainda possíveis
questionamentos, ele afirma ser casado e ter filhos, numa tentativa de querer evitar que
as pessoas o achem estranho, palavra que ele mesmo usa, por já ser velho e
continuar com comportamentos normalmente creditados aos adolescentes.
Essas foram algumas das cartas que foram publicadas no jornal no período
analisado. Diante da impossibilidade de todas serem comentadas, as que foram
transcritas aqui foram selecionadas para tentarmos perceber a produção da identidade do
adolescente pelo caderno Folhateen. Para finalizarmos a análise, vale ressaltar que todas
as cartas possuem o nome de seu autor ao final. Esta característica, própria do gênero
epistolar, indica que o sujeito se apropriou de vários discursos, trabalhando em cima
deles, relacionando-os, controlando-os, delimitando-os. Como diz Foucault, o nome do
autor é muito mais do que um nome próprio, é muito mais do que a referência a um
indivíduo real. Segundo Gregolin (2003c, p.51), a atribuição de uma assinatura de
autoria a um texto constitui a escrita como expressão de uma individualidade, que
fundamenta a autenticidade da obra, atribuindo ao autor a idéia de invenção individual e
criação original.
125
CAP. 5: CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao tentarmos traçar concepções sobre a identidade do adolescente no Folhateen,
sabíamos desde o início que não conseguiríamos ter uma apreensão global dessa
identidade, em decorrência da impossibilidade de conhecermos o sujeito e os fatos em
sua totalidade. Assim, a fragmentação do real e a dispersão do arquivo tornam a tarefa
de interpretação muito delicada.
De qualquer forma, o trabalho feito até aqui foi uma tentativa de depreender a
identidade do adolescente por meio de sua fala, de seu discurso contido nas cartas
enviadas e por meio da escolha das cartas a serem publicadas pelo caderno. Nas cartas,
pudemos encontrar resquícios da memória discursiva e traços de suas identificações. A
linguagem é importante porque é ela que regula a relação entre o eu e as imagens que
ele percebe. É na linguagem que os sujeitos constroem sua identidade e as projetam.
A adolescência não é um período homogêneo, pelo qual todos passam de forma
igual. Todos os pesquisadores que tomam a adolescência como estudo afirmam que,
embora existam semelhanças entre os sujeitos dessa fase, suas características dependem
em grande parte da posição que o adolescente ocupa na sociedade e como lhe é
permitido ocupar este lugar. Assim, as diferenças não se restringem somente a gostar ou
não de um determinado filme ou esporte, mas são mais acentuadas quando observamos
comportamentos e pensamentos de diferentes adolescentes.
As cartas publicadas apresentam muitas particularidades. O caderno reconhece
que existem diferenças entre os indivíduos dessa fase, sejam elas de qualquer ordem, e
inclusive chega a expor algumas delas, como vimos em certas cartas transcritas pedindo
outros gêneros musicais ou criticando a abordagem de determinadas matérias ou
colunas. Muitas dessas cartas mostraram resistência à concepção de adolescência feita
pelo caderno. Mas este, embora reconheça a existência dessas diferenças, as ignora, para
divulgar apenas uma identidade de adolescente, homogênea e estável, que não se aplica
a todos os adolescentes do país e nem a todos os adolescentes leitores. Dessa forma, o
caderno retira da heterogeneidade dos assuntos presentes nas cartas uma forma de
homogeneidade, dando a ilusão de que apenas uma maneira de ser é a verdadeira.
Para podermos reconhecer como o caderno o adolescente, quais concepções
de adolescência cria e quais identidades formula para os adolescentes foi necessário
observar as imagens que ele divulgava, e se considerarmos os motivos que levaram
126
determinados temas a aparecer no caderno e não outros, teremos uma forte pista sobre a
identidade que o caderno faz do e para o adolescente.
Tanto nas reportagens do jornal, que conhecemos ao serem retomadas pelas
cartas, quanto nas cartas propriamente, que trazem configurações importantes sobre os
adolescentes, há a recorrência de um tipo de adolescente: o de classe média e o de classe
alta. Esse encadeamento de discursos, de sentidos que encontramos nas cartas ajudam a
formar um outro discurso, sem começo e sem fim, mas interligado. As cartas enviadas
ao caderno sobre o tema trabalho e andar de ônibus, por exemplo, confirmam o público-
alvo do caderno, pois, embora até tenham sido enviadas cartas criticando as reportagens,
não houve nenhuma publicada em que o adolescente autor dissesse: eu ando de
ônibus porque não tenho carro ou eu trabalho porque preciso ajudar a sustentar minha
casa. Assim, nas cartas relatos de adolescentes que, na sua maioria, não andam de
ônibus, que o ser juízes, médicos e advogados, que o trabalham. Nenhuma carta,
por exemplo, tratou sobre drogas, bebidas, conflitos com os pais, violência, meninos de
rua, gravidez na adolescência, prostituição, agressões físicas dentro de casa,
delinqüência, FEBEM ou funk, como se esses fossem temas que não os interessassem.
No próprio site do jornal é falado que o caderno conta com colunas e reportagens sobre
sexo, música e comportamento, tidos como temas que preocupam os adolescentes, e
vemos aí que não se incluem temas políticos ou sociais.
Em um país tão repleto de desigualdades como o Brasil, dizer que toda a
multiplicidade de adolescentes é contemplada pela mídia é cair em um reducionismo.
Os meios de comunicação têm claramente definido quem é o seu público-alvo.
Também não se pode esquecer que quase a totalidade dos meios de comunicação no
Brasil pertence a grupos privados, que atendem, antes de tudo, aos anunciantes, sua
fonte de renda. Como conseqüência, a publicação é destinada para aqueles cujo poder
aquisitivo permite a compra de determinado produto. Um outro efeito é incutir naquele
que não tem condições o desejo de possuir o produto.
As notícias são, assim, redigidas pensando-se nos possíveis leitores, ou seja, com
base nas imagens que são feitas dos adolescentes. Embora seja teoricamente um caderno
para os teens, não são todos os adolescentes que constituem o seu público, mas apenas
uma parcela dele, especialmente os que pertencem à classe média e alta, e é com base na
imagem destes adolescentes que o suplemente é feito, ao mesmo tempo em que serve de
imagem para eles. Assim, ele também procede a uma distribuição de lugares,
classificando os adolescentes, excluindo os que não se constituem como seus leitores, os
127
que não estão incorporados nas suas representações. Por causa disso, o caderno
apresenta modos de endereçamento, estratégias bem planejadas para interperlar o seu
público alvo. Para Barzotto, as publicações querem despertar o interesse
especificamente de um modelo de leitor. Segundo Chartier:
(...) as formas se modelam graças às expectativas e competências
atribuídas ao público por elas visado, mas, sobretudo, porque as obras
e objetos produzem o seu nicho social de recepção tanto mais quanto
forem produzidas por divisões cristalizadas e prévias. (CHARTIER,
1994, p. 21, apud BARZOTTO, 1998, p. 36).
Se observarmos a quantidade de cartas enviadas para cada assunto, vai ficar
claro perceberemos que, mais do que tudo, o assunto mais debatido pelos adolescentes é
a música (que aparece 56 vezes em 231 cartas analisadas). Se formos nos guiar pelos
temas recorrentes no caderno, então podemos afirmar que um dos traços identitários que
mais caracteriza a adolescência é o fato de os adolescentes gostarem de ouvir e de
discutir música. Mas não qualquer tipo de música, como dito acima, pois o estilo
musical rock é o que predomina no caderno. Assim, para o caderno, adolescente é
aquele indivíduo que gosta, ou deve gostar, muito de música, principalmente rock, que
não se interessa muito por política, nem por assuntos sociais, esporte, gosta de filme,
não anda de ônibus, não trabalha, e é crítico.
Temas sociais e políticos mencionados nas cartas não tinham relação com
reportagens do caderno, não constituíam um comentário sobre elas, e, na maioria das
vezes, ainda criticavam o descompromisso do jornal com estes temas. O caderno, assim,
não fazia uma apologia contínua para o desenvolvimento de uma adolescência engajada,
mas, pelo contrário, omitindo de suas folhas conteúdos políticos e sociais, contribuiu
para a sua despolitização, não incentivando ainda a criação de projetos e nem
incentivando os adolescentes como sujeitos capazes de mudanças. Isso fica claro nas
cartas publicadas pedindo mais conteúdo político. O caderno, no entanto, assume uma
postura compartilhada com outras instituições sociais e políticas que pensam na
juventude/adolescência como um período isento de compromisso. Na nossa sociedade,
assumiu-se que a juventude está autorizada a curtir a vida e não precisa e nem pode
assumir responsabilidades: não sendo solicitada a participação da juventude, a
sociedade, de seu lado, se isenta de pensar políticas públicas para este grupo social,
dado que é passageiro (BOCK, LIEBESNY, 2003, p. 206).
128
Foram publicadas cartas que discordavam do jornal, de sua posição e de suas
preferências. Estas cartas, no entanto, a curto prazo, não tiveram o poder de mudar a
concepção do caderno. A nosso ver, e como dito algumas vezes, durante a análise,
essas cartas foram publicadas para passar uma imagem do caderno, como sendo uma
publicação aberta, democrática e compreensiva. Essa abertura a outros pensamentos, no
entanto, é ilusória, embora o caderno dê espaço ao leitor, cedendo algumas vezes.
Barzotto, comentando sobre a seção de cartas de revistas periódicas, diz que o principal
objetivo não é agradar a todos, embora finja querer abarcar todos. (...) não é de
concessões ao leitor que vive uma revista periódica. Ela também investe na constituição
de um grupo bem delimitado de leitores (BARZOTTO, 1998, p.36). Pedidos de
leitores podem gerar uma reportagem sobre o assunto requisitado, antes ignorado, como
foi o caso do reggae, mas esta é solução pontual, pois na maioria das vezes o pedido
pode não render fruto nenhum, como foi o caso das cartas pedindo mais assuntos
políticos. O espaço concedido ao leitor é, dessa forma, manipulado e provavelmente
também deve haver uma certa censura com algumas cartas cujo teor não se deve
publicar. Às vezes, a publicação de uma carta cujo discurso é contrário ou diferente de
sua concepção pode servir para ensejar o envio de outras cartas para discordar da
anterior e desse modo corroborar ainda mais a representação divulgada pelo caderno,
transferindo a responsabilidade da censura para os próprios adolescentes.
Assim, encontramos no jornal a recorrência de certos tipos de comportamento
que representam uma parcela dos adolescentes como se fosse sua totalidade. A mídia
ainda, por ter uma relação de poder/saber muito grande, exerce sobre os adolescentes
uma certa disciplina, podendo controlar e vigiar os comportamentos e pensamentos. As
falas dos adolescentes nas reportagens também garantem uma forma de saber, que
predomina, impondo um controle de comportamento. Quando o adolescente não se
encaixa na representação feita pelo caderno, que por estar na dia acaba sendo
considerada a correta, pode iniciar uma mudança em seu comportamento, especialmente
por meio da auto-vigilância, para se adequar àquilo que passa a considerar correto e
com o que passa a se identificar.
É esse o caráter consumista da mídia: vende comportamentos, gostos, produtos
culturais que se tornam uma necessidade para o adolescente, uma questão vital para
estar sempre na moda e, principalmente, para sentir-se admirado pelo outro. Vivemos
hoje um tempo de relações descartáveis, tanto com relações a objetos como com
pessoas. Os próprios objetos hoje são feitos para durarem menos, e para logo saírem da
129
moda. Isso para não haver rupturas em uma cadeia produtiva que precisa fabricar e
vender. Ao mesmo tempo em que lança um produto, retira outro, em uma tarefa que
muitas vezes cabe à mídia. Kehl ainda sugere que a necessidade de comprar objetos
deve-se a uma necessidade de se afirmar, tentando entender o próprio corpo que passou
a ser um estranho para ele.
O caderno ainda acompanha a tendência globalizada de entrada de novos
produtos no caderno. Ao falar sobre determinadas bandas, certos comportamentos, ele
está acompanhando a moda, ensinando aos adolescentes a terem desejos. Provavelmente
a banda que aparece em algumas edições durante algum tempo logo sumirá de suas
páginas para a entrada de outra, que também ficará por algum tempo até desaparecer.
Adquirir um produto, de qualquer tipo, define quem a pessoa é e os objetos de
consumo não estão disponíveis para todas da mesma forma. Não possuir determinado
bem gera exclusão, condição esta que, se não aceita, pode acarretar outros problemas,
como a violência. A sociedade cria, fabrica desejos nas pessoas, desejos artificiais,
que acabam sendo incorporados, mesmo que momentaneamente, à essência do sujeito.
Stuart Hall fala sobre a existência de um processo de mercantilização em escala mundial
da imagem do jovem consumidor. Embora a cada dia novos produtos sejam anunciados,
é difícil adquirir todos eles, inclusive para os que têm mais condições financeiras. A
obtenção de um ícone de consumo gera prestígio e satisfação, pois agregam valor aos
seus possuidores. A satisfação de sentir que o outro te admira é importante para o
equilíbrio emocional do sujeito (COSTA, 2004). A identidade existe no espelho, e
esse espelho é o olho, é o reconhecimento dos outros. É a generosidade do olhar dos
outros que nos devolve nossa própria imagem ungida de valor, envolvida pela aura da
significação humana da qual a única prova é o reconhecimento alheio (SOARES, 2004,
p. 137).
A exposição na mídia e a recorrente reiterabilidade de certos comportamentos
são técnicas de governabilidade, oriundas da relação de poder/saber que o caderno
exerce sobre seus leitores. O suplemento é portador de uma tecnologia de governo e de
auto-governo. As identidades são construídas com base em determinados saberes, que
são sustentados por uma rede de experts cuja função é a manutenção de uma
discursividade sobre a verdade.
Com relação a identidade dos adolescentes feita por eles mesmos, pudemos
perceber quatro coisas importantes: a primeira é que os adolescentes não se vêem como
um grupo homogêneo; a segunda é que eles querem continuar sendo diferentes um dos
130
outros, a terceira é que eles percebem a adolescência como um período de necessidades
especiais, diferente de outras fases, e a quarta é que, na maioria das vezes, eles não
possuem senso de coletividade.
Os adolescentes, primeiramente, conferem ao caderno o poder para falar para os
adolescentes, pois, na maioria das vezes, eles o reconhecem, o autorizam como uma
publicação para adolescente, como atesta vários trechos encontrados nas cartas. Eles
também têm uma relação muito delicada com a mídia, mas boa com o suplemento
particularmente, pois em muitas cartas enviadas pudemos perceber que o adolescente
reconhecia a mídia como um poderoso meio de formação de opinião e de manipulação.
No entanto, a maioria dessas cartas não era uma forma de acusação ao suplemento,
que a crítica se dirigia a todos os meios de comunicação. Havia, na verdade, o
reconhecimento de que esta publicação estava prestando um importante serviço ao
divulgar determinados assuntos, popularizando-os e quebrando a exclusividade de
certos assuntos na mídia.
Esta relação amigável estabelecida com o caderno também nos permite afirmar
que a maioria dos adolescentes ainda se sente representada por ele. Uma das coisas que
também nos levam a essa conclusão é a quantidade de cartas que elogiam o jornal.
Quase todas as cartas possuem um comentário sobre o jornal, mesmo que curto e
independente do assunto da carta. A maioria desses comentários é constituída de
elogios, ou para uma matéria, uma coluna, ou para todo o caderno. Muitas cartas
publicadas até discordavam do suplemento em algum ponto, mas também traziam um
elogio. Esse comportamento presente nas cartas pode ser visto também como um
protocolo que deve ser seguido para ser aceito e ter sua carta publicada.
De qualquer forma, a ausência de crítica, ou de críticas mais ferozes, pode ser
entendida como um sinal de que o que foi lido agradou. Foram publicadas cartas
contendo críticas, mas essas são em menor número. Essas críticas, por sua vez,
mostram sujeitos lutando contra a univocidade lógica oferecida, e que se constituem
como confrontos. A dia se esforça, mas nem sempre consegue a docilização. A
ausência de um número significante de críticas também pode ser decorrência da
censura realizada pelo caderno ao selecionar as cartas, para mais uma vez reafirmar
uma concepção de adolescência em desfavor de suas diferenças.
De qualquer modo, a maioria das cartas serve como uma auto-promoção para o
caderno, mesmo quando elas fazem críticas, o que pode aservir ainda para difundir
uma imagem de adolescente, crítico, contestador. O caderno se aproveita desse fato para
131
também passar uma imagem sua, como de suplemento lido por pessoas inteligentes, que
lêem publicações inteligentes. E poderíamos até afirmar que a resistência encontrada na
seção de cartas é formada pelo jogo discursivo do próprio jornal.
No que concerne a identidade do adolescente feita por ele próprio, podemos
dizer que na grande maioria das cartas foi possível perceber que os adolescentes
reconhecem que existem grandes diferenças entre eles, seja no campo da música, do
comportamento ou da política. No entanto, em algumas das cartas pudemos perceber
que, longe de quererem ultrapassar essas diferenças ou serem tolerantes com elas, os
adolescentes pedem pela manutenção dessas diferenças. Pudemos perceber que o
adolescente quer ser diferente do outro e quer ser reconhecido por ter características que
o identifique. Por causa disso, foi possível encontrar nas cartas concepções de
adolescentes feitas pelos adolescentes nas quais eles não se incluíam. Nestes casos, a
concepção feita tinha sempre alguma conotação negativa, tomando assim, para si,
aspectos positivos.
Do mesmo modo, assim como os adolescentes se vêem diferentes um dos
outros, eles também se vêem diferentes, enquanto um grupo, de outros sujeitos que não
são mais considerados adolescentes. Em vários trechos de cartas, os adolescentes
procuravam afirmar o agora (= adolescência) em contraponto com um tempo que está
por vir (= vida adulta): agora eles podem certas coisas e não podem outras; depois,
quando não mais adolescentes, eles vão poder outras coisas e não outras. Assim, eles
procuravam marcar bem as diferenças entre adolescentes e não-adolescentes. Com tudo
o que vimos pelas cartas, o que os diferencia são o fato de ter que estudar, não ter que
trabalhar, não ter que saber política, poder se entreter sem preocupações e ter-saber uma
linguagem especial, para quando quiserem ou tiverem que saber algo que não
precisariam saber por ser adolescentes.
O coletivo é ignorado pelos adolescentes na verdade, por todos os indivíduos
da sociedade: é como se o fracasso ou o sucesso de alguém fosse culpa ou mérito de
uma ação individual apenas, como se não houvesse situações sociais que favorecessem
ou não esse sucesso ou fracasso. A conjuntura neo-liberal, que privilegia o individual
em detrimento do coletivo, também atinge os adolescentes, que possuem projetos de
vida focados na vida pessoal querem estudar, trabalhar e constituir uma família. Não
se incluem em seus projetos nenhuma ação coletiva e, embora queiram mudanças na
sociedade, elas nunca parecem estar a seu alcance, e por isso, eles consideram que não
possuem responsabilidade com o coletivo.
132
As cartas direcionadas ao jornal podem conter testemunhos de ações, opinião,
sugestões, que revelam um exame de consciência feito pelo autor. Essas cartas deixam à
mostra um sujeito que vai se desvendando ao criticar, dar uma opinião, narrar algum
fato. As cartas escritas são formas de explicitar o pensamento, pelas quais os
adolescentes compartilham com outros seus pensamentos e deixa à mostra vestígios das
posições que assume na sociedade. As cartas o uma manifestação a si próprio e ao
outro e uma maneira de educar-se a si mesmo, que força uma reflexão. Segundo
Foucault (1994), o si é algo sobre o qual assunto para escrever, um tema ou um
objeto (um sujeito) da atividade da escrita.
Esses aspectos discutidos acima são características gerais que pudemos
depreender lendo as cartas dos adolescentes. No entanto, em cada carta em particular
muitos outros pontos que remetem às identificações feitas pelos adolescentes, e que
diferem de uma para outra. Assim, procedemos, neste trabalho, a uma leitura do
arquivo, que não é a mais correta, nem achou grandes respostas e que nem deve ser vista
como um reflexo da sociedade atual, pois foi feita por meio de um recorte parcial. Não
conseguimos achar respostas diretas para os objetivos propostos, apenas referências
para entendermos a identidade do adolescente vista pelo caderno e pelo próprio
adolescente ao escrever a carta.
A identidade não passa de um constructo lingüístico, uma representação criada, e
não algo dado a priori. Nas cartas pudemos encontrar vestígios da representação dessa
identidade, múltipla devido às múltiplas posições assumidas pelos adolescentes. Essas
posições podem ser reconhecidas nas cartas, que se mostram algumas vezes portadoras
de discursos diferentes entre si, unificados pela função-autor assumida pelo adolescente,
mas sempre homogeneizados pelo caderno. Segundo Navarro-Barboza (2004, p. 118),
a sociedade assiste hoje à história do tempo presente sendo construída no interior dos
aparelhos de comunicação de massa.
133
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139
ANEXOS
140
TABELA DE CLASSIFICAÇÃO DAS CARTAS ANALISADAS
DATA
EDIÇÃO TEMAS ABORDADOS
01/08/2005 5 cartas
Fanfic sobre Harry Potter (15);
leitura (14);
crítica de música, opinião sobre o jornal e
sugestão (17);
opinião sobre o jornal e crítica de música
(20);
política e adolescência (21).
15/08/2005 6 cartas
Opinião sobre o jornal (12);
crítica de música e opinião sobre o jornal
(15);
opinião sobre o jornal (17);
esporte e crítica à mídia (16);
crítica de música (16);
crítica de música (13).
22/08/2005 4 cartas
Crítica de filme (17);
opinião sobre o jornal (16);
opinião sobre o jornal e sugestão (17);
opinião sobre o jornal e sugestão (17).
29/08/2005 5 cartas
Relacionamento entre homens/mulheres
(14);
opinião sobre o jornal (12 e 12);
opinião sobre o jornal (15);
política e adolescência (17 e 16);
crítica de filme (16).
05/09/2005 5 cartas
Relacionamento entre homens/ mulheres e
opinião sobre o jornal (19);
relacionamento entre homens/ mulheres e
opinião sobre o jornal (16);
relacionamento entre homens/ mulheres e
opinião sobre o jornal(16);
fanfic sobre Harry Potter (19);
opinião sobre o jornal e sugestão (17).
12/09/2005 6 cartas
Crítica de música e opinião sobre o jornal
(16);
opinião sobre o jornal e crítica de música
(17);
opinião sobre o jornal e relacionamento
entre homens/mulheres (18);
relacionamento entre homens/mulheres e
opinião sobre o jornal (13);
opinião sobre o jornal (17);
fanfic sobre Harry Potter (19).
141
19/09/2005 5 cartas
Opinião sobre o jornal, sugestão e crítica
de música (17);
opinião sobre o jornal e crítica de música
(24);
opinião sobre o jornal (34);
opinião sobre o jornal e relacionamento
entre homens/mulheres (19);
opinião sobre o jornal e crítica de música
(22);
26/09/2005 5 cartas
Política e adolescência e opinião sobre o
jornal (29);
relacionamento entre homens/mulheres
(14);
opinião sobre o jornal e identidade do
adolescente (17);
crítica de música (16);
opinião sobre o jornal e crítica de música
(18).
03/10/2006 5 cartas
Crítica de música e identidade do
adolescente (18);
crítica de música, identidade do
adolescente e opinião sobre o jornal (19);
opinião sobre o jornal e identidade do
adolescente (19);
opinião sobre o jornal (12);
opinião sobre o jornal (34).
10/10/2005 6 cartas
Desarmamento (21);
desarmamento (17);
opinião sobre o jornal e relacionamento
familiar (17);
opinião sobre o jornal (20);
opinião sobre o jornal (20);
opinião sobre o jornal (25).
17/10/2005 5 cartas
Política e desigualdade social (17);
política (15);
desarmamento (17);
opinião sobre o jornal e sugestão (17);
crítica de música e opinião sobre o jornal
(16).
24/10/2005 6 cartas
Crítica de filme (16);
trabalho e adolescência (14);
trabalho e adolescência (14);
opinião sobre o jornal (19);
opinião sobre o jornal (20);
opinião sobre o jornal e sugestão (12).
142
31/10/2005 5 cartas
Opinião sobre o jornal (19);
opinião sobre o jornal (17);
trabalho e adolescência (14);
trabalho e adolescência (14);
opinião sobre o jornal e comportamento
(18).
07/11/2005 5 cartas
Política e adolescência (12);
serviço militar (16);
serviço militar (19);
trabalho e adolescência (14);
trabalho e adolescência (14).
14/11/2005 4 cartas
Opinião sobre o jornal e crítica de música
(16);
política e adolescência (15);
comportamento (16);
trabalho e adolescência (14).
21/11/2005 4 cartas
Opinião sobre o jornal e sugestão (14);
opinião sobre o jornal e relacionamento
familiar (53);
trabalho e adolescência (14);
trabalho e adolescência (15).
28/11/2005 5 cartas
Andar de ônibus e opinião sobre o jornal
(15);
andar de ônibus e opinião sobre o jornal
(18);
andar de ônibus e opinião sobre o jornal
(18);
andar de ônibus e opinião sobre o jornal
(14);
andar de ônibus e opinião sobre o jornal
(15).
05/12/2005 4 cartas
Crítica de filme (16);
Opinião sobre o jornal e crítica de filme
(14);
andar de ônibus (19);
andar de ônibus e opinião sobre o jornal
(19).
12/12/2005 4 cartas
Opinião sobre o jornal e crítica de filme
(15);
crítica de filme (17);
sugestão para o jornal (13);
relacionamento entre homens/mulheres
(16).
19/12/2005 3 cartas
Crítica de música (16);
opinião sobre o jornal e sugestão (15);
opinião sobre o jornal e sugestão(25).
143
02/01/2006 5 cartas
opinião sobre o jornal e sugestão (16);
opinião sobre o jornal e sugestão (12);
opinião sobre o jornal (25);
crítica de música e opinião sobre o jornal
(19);
crítica de música (42).
09/01/2006 4 cartas
Opinião sobre o jornal (16);
opinião sobre o jornal e sugestão(20);
opinião sobre o jornal (15);
opinião sobre o jornal e sugestão (24).
16/01/2006 6 cartas
Crítica de música (21);
crítica de música e sugestão para o jornal
(26);
opinião sobre o jornal e crítica de música
(14);
crítica de música (16);
opinião sobre o jornal e sugestão (11);
opinião sobre o jornal e crítica de música
(17).
30/01/2006 5 cartas
Opinião sobre o jornal (14);
opinião sobre o jornal (20);
opinião sobre o jornal e sugestão (15);
opinião sobre o jornal (17);
crítica sobre música (17).
06/02/2006 5 cartas
Opinião sobre o jornal (17);
opinião sobre o jornal (27);
sugestão para o jornal (13);
esportes (n/c);
opinião sobre o jornal (20).
13/02/2006 4 cartas
Opinião sobre o jornal (28);
opinião sobre o jornal e crítica de música
(15);
opinião sobre o jornal e sugestão o jornal
(14);
crítica de música e sugestão para o jornal
(16).
20/02/2006 5 cartas
Opinião sobre o jornal e jogos eletrônicos
(24);
jogos eletrônicos (15);
crítica de música e opinião sobre o jornal
(23);
opinião sobre o jornal e crítica de música
(17);
opinião sobre o jornal e sugestão (12).
144
06/03/2006 4 cartas
Opinião sobre o jornal (14);
opinião sobre o jornal e crítica de música
(15);
jogos (17);
crítica de música (18).
13/03/2006 5 cartas
Opinião sobre o jornal (14);
opinião sobre o jornal e crítica de música
(38);
relacionamento entre amigos (15);
relacionamento entre amigos (13);
opinião sobre o jornal e sugestão (19).
20/03/2006 5 cartas
Opinião sobre o jornal (16);
sugestão para o jornal (17);
ajudas humanitárias (50);
sugestão para o jornal (20);
sugestão para o jornal (15).
27/03/2006 4 cartas
Opinião sobre o jornal e crítica de música
(22);
política, adolescência e mídia (22);
opinião sobre o jornal, comportamento e
sugestão para o jornal(14);
opinião sobre o jornal e sugestão para o
jornal (14).
03/04/2006 5 cartas
opinião sobre o jornal e estudo (profissão)
(18);
comportamento (15);
comportamento (17);
crítica de filme e opinião sobre o jornal
(19);
voluntariado (18).
10/04/2006 4 cartas
Opinião sobre o jornal e identidade do
adolescente (18);
opinião sobre o jornal e relacionamento
familiar (44);
identidade do jovem (20);
crítica de música e opinião sobre o jornal
(16).
17/04/2006 2 cartas
Crítica de música (16);
crítica sobre música e opinião sobre o
jornal (18).
24/04/2006 5 cartas
Crítica de música e opinião sobre o jornal
(15);
crítica de música (19);
opinião sobre o jornal (19);
opinião sobre o jornal e sugestão (14);
opinião sobre o jornal e HIV (17).
145
01/05/2006 4 cartas
Política e adolescência (17);
política, adolescência e sugestão para o
jornal (18);
opinião sobre o jornal e política e
adolescência (17);
opinião sobre o jornal, adolescência e
realidade social (24).
08/05/2006 3 cartas
Opinião sobre o jornal (n/c);
opinião sobre o jornal e comportamento
(18);
opinião sobre o jornal (16).
15/05/2006 4 cartas
Opinião sobre o jornal e crítica de música
(16);
opinião sobre o jornal e crítica de música
(19);
crítica de música (22);
opinião sobre o jornal e comportamento
(16).
22/05/2006 6 cartas
Crítica de música (16);
identidade do adolescente (16);
opinião sobre o jornal e crítica de filme
(17);
crítica de filme (18);
opinião sobre o jornal e esportes (16);
crítica de música (17).
29/05/2006 5 cartas
Comportamento (17);
opinião sobre o jornal (15);
opinião sobre o jornal e crítica de música
(17);
opinião sobre o jornal e crítica de filme
(16);
opinião sobre o jornal e sugestão (14).
05/06/2006 5 cartas
Comportamento (17);
opinião sobre o jornal e comportamento
(22);
comportamento (34);
comportamento, opinião sobre o jornal e
crítica de música (26);
álbum de figurinhas (16).
146
12/06/2006 5 cartas
Opinião sobre o jornal e arte de defesa
para mulher (16);
opinião sobre o jornal e crítica de filme
(32);
opinião sobre o jornal e crítica de música
(18);
opinião sobre o jornal e comportamento
(18);
opinião sobre o jornal e crítica de música
(19).
19/06/2006 4 cartas
Opinião sobre o jornal e comportamento
(16);
comportamento (17);
opinião sobre o jornal, sugestão para o
jornal e comportamento (n/c);
superstição e comportamento (17).
26/06/2006 5 cartas
Opinião sobre o jornal, crítica de música
(20);
superstição e religião (16);
comportamento (n/c);
opinião sobre o jornal e sugestão (26);
hackers e crackers (12).
03/07/2006 5 cartas
Opinião sobre o jornal e sugestão (13);
opinião sobre o jornal e crítica de música
(21);
comportamento (n/c);
comportamento e opinião sobre o jornal
(16);
opinião sobre o jornal e comportamento
(13).
10/07/2006 7 cartas
Opinião sobre o jornal e rótulos (15);
Comportamento e opinião sobre o jornal
(16);
opinião sobre o jornal (16);
opinião sobre o jornal e comportamento
(13);
comportamento (n/c);
comportamento (12);
opinião sobre o jornal e comportamento
(n/c).
17/07/2006 6 cartas
Opinião sobre o jornal e diários (18);
opinião sobre o jornal (46);
opinião sobre o jornal e comportamento
(20);
opinião sobre o jornal e comportamento
(16);
crítica de música (25);
opinião sobre o jornal (n/c).
147
24/07/2006 6 cartas
opinião sobre o jornal (21);
opinião sobre o jornal (18);
opinião sobre o jornal (19);
opinião sobre o jornal e sugestão (13);
opinião sobre o jornal e sugestão (17);
opinião sobre o jornal (27).
31/07/2006
6 cartas
opinião sobre o jornal (25);
opinião sobre o jornal (21);
opinião sobre o jornal e comportamento
(16);
UNE (n/c);
Opinião sobre o jornal e UNE (22);
Linguagem na internet (31).
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