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I
JULIO CESAR COSTA DA SILVEIRA
DA PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA E O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA:
SIGNIFICADO E SENTIDO.
Tese apresentada como requisito parcial para obtenção
do grau de Doutor em Direito, no Programa de Pós-
Graduação em Direito do Setor de Ciências Jurídicas da
Universidade Federal do Paraná.
Orientador: Prof. Dr. Romeu Felipe Bacellar Filho
Curitiba
2005
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II
TERMO DE APROVAÇÃO
JULIO CESAR COSTA DA SILVEIRA
DA PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA E O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA:
SIGNIFICADO E SENTIDO
Tese aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor no Programa
de Pós-Graduação em Direito do Setor de Ciências Jurídicas da Universidade
Federal do Paraná, pela Comissão Julgadora formada pelos professores:
Orientador/Presidente Prof. Dr. Romeu Felipe Bacellar Filho
Prof. Dr. Luiz Alberto Machado
Prof. D. Paulo Roberto Ferreira Motta
Prof. Dr. Egon Bockmann Moreira
Prof. Dr. Sérgio Augustin
Curitiba, 14 de julho de 2005.
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III
SUMÁRIO
RESUMO.................................................................................................................VI
ABSTRACT.............................................................................................................VII
RESUMEN ..............................................................................................................VIII
INTRODUÇÃO........................................................................................................01
1. DO TEMPO E DO DIREITO................................................................................12
1.1. O HOMEM E O TEMPO...................................................................................12
1.2, OS CONCEITOS CONTINGENTES: O DIÁLOGO E O DISCURSO DE
CONSTRUÇÃO RACIONAL....................................................................................19
1.3. O DIREITO CIVIL COMO GÊNESE .................................................................29
1.4. SISTEMATIZAÇÃO PELO CÓDIGO CIVIL ......................................................34
1.5. A ESFERA PRIVADA E A PRESCRIÇÃO........................................................38
1.6. DA DECADÊNCIA............................................................................................42
2. DA SEGURANÇA JURÍDICA .............................................................................52
2.1. O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA; ...................................................52
2.2. A CERTEZA .....................................................................................................58
2.3. SEGURANÇA JURÍDICA E JUSTIÇA..............................................................60
2.4. SEGURANÇA JURÍDICA COMO PRINCÍPIO..................................................62
2.5. SEGURANÇA JURÍDICA COMO VALOR........................................................70
2.6. SEGURANÇA JURÍDICA COMO DIREITO......................................................78
3. OS SENTIDOS DA TRANSCENDÊNCIA...........................................................83
3.1. PRESCRIÇÃO E VALOR JURÍDICO ...............................................................83
3.2. PRESCRIÇÃO E SACRIFÍCIO EM FAVOR DA ORDEM JURÍDICA ...............84
3.3. PRESCRIÇÃO COMO GARANTIA CRIADA PELA ORDEM JURÍDICA..........87
3.4. PRESCRIÇÃO COMO PRINCÍPIO INFORMADOR DO ORDENAMENTO
JURÍDICO ...............................................................................................................89
4. A PRESCRIÇÃO: O MITO DA SANÇÃO ...........................................................93
4.1. O MITO DO CASTIGO .....................................................................................93
IV
4.2. PRETENSÃO SACIONADORA, PRESCRIÇÃO E PROCESSO DISCIPLINAR
................................................................................................................................96
4.3. MOMENTO INICIAL DO PRAZO .....................................................................104
4.4. PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA E CONDUTA HAVIDA COMO CRIME......107
4.5. RESSARCIMENTO DO ILÍCITO ......................................................................119
5. DO INTERESSE COMO MÓVEL........................................................................126
5.1. PRESCRIÇÃO E INTERESSE SOCIAL...........................................................126
5.2. PRESCRIÇÃO E SEGURANÇA DAS RELAÇÕES SOCIAIS ..........................132
5.3. PRESCRIÇÃO E INTERESSE PÚBLICO ........................................................138
5.4. PRESCRIÇÃO E ORDEM PÚBLICA................................................................145
5.5. PRESCRIÇÃO E INTERESSE JURÍDICO-SOCIAL.........................................147
5.6. PRESCRIÇÃO E FIXAÇÃO DE RELAÇÕES INCERTAS ................................150
5.7. PRESCRIÇÃO E ABUSO DO ESTADO...........................................................154
6. DA PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA...............................................................162
6.1. DIREITO POSITIVO: EVOLUÇÃO HISTÓRICA...............................................162
6.2. PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA: ESTRUTURA E SENTIDO.......................172
6.3. PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA E ANULAÇÃO DE ATOS
ADMINISTRATIVOS ...............................................................................................186
6.4. PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA JUDICIAL..................................................194
6.5. PRESCRIÇÃO E RECLAMAÇÃO ADMINISTRATIVA .....................................199
6.6. PRESCRIÇÃO DAS DECISÕES ADMINISTRATIVAS ....................................203
7. DA IMPRESCRITIBILIDADE COMO AVESSO ..................................................208
7.1. IMPRESCRITIBILIDADE..................................................................................208
7.2. AÇÕES IMPRESCRITÍVEIS.............................................................................219
7.3. DIREITOS IMPRESCRITÍVEIS ........................................................................222
7.4.CAMPO DE INCIDÊNCIA DA IMPRESCRITIBILIDADE: TEORIA DAS
NULIDADES............................................................................................................227
7.5. PRESCRIÇÃO E RESGATE DO DIREITO: CONVALIDAÇÃO........................248
V
8. FORMAS JURÍDICAS EXTINTIVAS ..................................................................256
8.1. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA......................................................................256
8.2. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA...........................................................................263
8.3. PRESCRIÇÃO E PRECLUSÃO .......................................................................267
8.4. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE..................................................................273
9. CAUSAS MODIFICATIVAS................................................................................282
9.1. A LEI, O LIMITE, A CERTEZA .........................................................................282
9.2. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO.................................................................284
9.3. ÂMBITO ADMINISTRATIVO ............................................................................292
9.4. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO ....................................................................296
9.5. REDUÇÃO DE PRAZO ....................................................................................301
9.6. RENÚNCIA DA PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA .........................................303
9.7. TERMO INICIAL DA CAUSA EXTINTIVA ........................................................306
9.8. SILÊNCIO LEGISLATIVO E PRAZO PRESCRICIONAL..................................316
10. REMANESCÊNCIAS: DISTINÇÕES E DIFERENÇAS.....................................329
10.1. ALÉM DO ADMINISTRAR..............................................................................329
10.2. AÇÕES PESSOAIS MOVIDAS PELO PARTICULAR CONTRA PESSOAS
JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO E FUNDO DE DIREITO.................................330
10.3. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO RÉS - DIREITO POSTULADO
E NEGADO ADMINISTRATIVAMENTE..................................................................341
10.4. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO COMO AUTORAS..............345
10.5. PRESCRIÇÃO E RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO .......................355
10.6. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA - PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO
PRIVADO ................................................................................................................362
10.7. EXECUÇÃO FISCAL......................................................................................366
10.8. CRÉDITOS E DÍVIDAS PREVIDENCIÁRIAS.................................................369
CONCLUSÃO .........................................................................................................372
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................392
VI
RESUMO
Análise a respeito do instituto jurídico designado por prescrição administrativa, em
face do princípio da segurança jurídica, visando precipuamente determinar-lhe o seu
sentido e o seu significado, a partir do exame das várias formas que a prescrição
administrativa assume no âmbito da regulação jurídica nacional. Nesse caminho é
identificada tal forma de prescrição a partir de um método de natureza dialógica e
marcado pela premissa da admissão de uma postura crítica permanente, visando
identificar a natureza estrutural de tal fenômeno extintivo, na busca de visualizá-lo
como uma totalidade dotada de um significado e de um sentido independente do
locus em que é identificado o evento prescricional, o que culmina por identificar a
prescrição administrativa como um princípio informador de toda a ordem jurídica,
mostrando-se como um valor jurídico a ser preservado, dado constituir-se numa
garantia ao administrado, na medida em que configura um limite a atuação da
Administração blica, que gera certeza jurídica e promove a garantia ao bem-
estar da sociedade em geral, dando azo a recuperação da confiança do cidadão e
do administrado. Por tais característicos, a prescrição administrativa assume a
condição mediata de princípio de orientação-garantia, gerando, em razão do
princípio da segurança jurídica, uma forma de proteção constitutiva de uma espécie
de justiça material, assumindo, também, uma força sanatória, como evento de
convalidação objetiva, relativizando o princípio da legalidade estrita, a partir de uma
atuação informada pela perspectiva de uma subjetividade interessada, razão pela
qual resulta totalmente afastada a possibilidade de acolhimento do princípio da
imprescritibilidade, salvo na hipótese restrita e pontual de sua previsão
constitucional. Por tais razões a prescrição administrativa deve restar interpretada,
aplicada e executada como um das garantias inerentes ao Estado Democrático de
Direito, sob o pálio, entre outros, dos princípios da igualdade e da segurança
jurídica.
VII
ABSTRACT
Analysis regarding of the juridical institute designated by administrative prescription
facing the guarantee of the juridical principal on the view of determinating its meaning
and signification after the exam of several forms that the administration prescription
sets on the national juridical regularization. On this way it is identified as such form of
prescription through a method of dialogical nature and set by the admit ion premise
of a permanent critical posture, trying to identify the natural structure of such
extinctive phenomenon. Searching to visualize it as a totality endowed of a meaning
and signification undependable of the locus where the prescriptional event is
identified. What is up for an administrative prescription as a principal informer of the
entire juridical order, showing it as a juridical valor of being preserved to be built as a
guaranty for the administrator as it forms an activity limit of the public administration,
it begets juridical sureness and raises the general society situation giving the
opportunity for the citizens and administrator recover their trust. For such
characteristics the administration prescription assume through the condition of
guaranteed-orientation being on the reason of a juridical principal guarantee, a way
of a constitutive protection of a material justice species assuming a healing power as
an objective convalesce event, making relative a strict legality after an action
informed by an interested subjective perspective, the reason that is totally away the
possibility of principal reception of a nonprescription, except on the restrict
hypotheses and straight constitutional preview. For such reasons the administrative
prescription must be interpreted, applied and executed as an inherent guarantee of
the Law Democrat State, under the palio among others, and of the principal of
equality and juridical safety.
VIII
RESUMEN
Análisis al respecto del instituto jurídico designado por prescripción administrativa,
en virtud del principio de seguridad jurídica, visando precipuamente su sentido y su
significado, a partir del examen de las varias formas que la prescripción
administrativa asume en el ámbito de la regulación jurídica nacional. En ese camino
es identificada tal forma de prescripción a partir de un método de naturaleza
dialógico y marcado por la premisa de la admisión de una postura crítica
permanente, visando identificar la naturaleza estructural de tal fenómeno extintivo,
buscando visualizarlo como una totalidad dotada de significado y de un sentido
independiente del locus en que es identificado el evento prescriptible, el que culmina
por identificar la prescripción administrativa como un principio informador de todo el
orden jurídico, mostrándose como un valor jurídico a ser preservado, dado
constituirse en una garantía al administrado, en la medida en que configura un límite
a la actuación de la Administración Pública, ya que genera certitud y certeza jurídica
como medio de garantía al bien estar de la sociedad en general, dando oportunidad
de la recuperación de la confianza del ciudadano y del administrado. Sin perjuicio de
lo constatado, es también identificado que la prescripción administrativa asume la
condición mediata de principio de orientación garantía, generando, en razón del
principio de la seguridad jurídica, una garantía semejante a una justicia material,
asumiendo también una fuerza sanadora, como evento de convalidación objetiva,
relativizando el principio de legalidad estricta, debiendo actuar a partir de la
perspectiva de una subjetividad interesada, razón por la cual resulta totalmente
disipada la posibilidad de admisión del principio de la imprescriptibilidad, salvo en la
hipótesis restricta y puntual de su previsión constitucional. Por tales razones la
prescripción administrativa debe restar interpretada, aplicada y ejecutada como una
de las garantías inherentes al Estado Democrático del Derecho, bajo el palio, entre
otros, de los principios de la igualdad y de la seguridad jurídica.
INTRODUÇÃO
Da análise da multiplicidade de fenômenos e de institutos que povoam a
esfera de regulação jurídica inerente ao Direito Administrativo, o instituto, ou
fenômeno, da prescrição administrativa situa-se entre àqueles que menos
indagações específicas e sistemáticas tem sofrido, naquilo que diz respeito ao
conteúdo efetivo de seu significado e das repercussões atribuídas a tal sentido. Em
geral, a doutrina pátria tem-se limitado a inserir o exame do instituto da prescrição
administrativa embutido junto a indagações que envolvem outros temas.
Constata-se, portanto, que a investigação doutrinária tem-se restringido,
primordialmente, a uma categorização marcadamente analítica, plasmada pela
diferenciação de cunho de natureza incidental em relação a tal fenômeno,
perquirição esta que, comumente tem-se situado no âmbito de outros temas, aos
quais tem atribuído maior importância, tais como os relativos ao processo
administrativo, às licitações, e aos atos administrativos. A análise jurisprudencial, por
seu turno, contenta-se com a explicitação funcional da prescrição administrativa,
contrapondo tais análises, quase sempre submetida a uma visão generalizante, e
em relação aos interesses do Estado, quando então o princípio da legalidade e o da
supremacia do interesse público, mostram-se como os limites derradeiros de
qualquer indagação.
De tal sorte, em quase todos os exames que se tem procedido em relação à
prescrição administrativa, percebe-se que o desiderato imediato está informado pela
busca da compreensão de tal fenômeno, visando a interpretação e aplicação das
regras jurídicas que explicitam tal instituto jurídico, no fito de buscar, exclusivamente,
dar uma solução concreta aos eventuais casos conflituosos que se apresentam no
âmbito das relações cotidianas e que, por sua natureza e formulação específica,
exigem, tão-somente, a mera aplicação de uma norma jurídica.
Forma-se, portanto, tanto pela contribuição doutrinária, quanto pela prática
judicial, uma centralização ossificada e sistematizada de tal fenômeno, o qual
assume a condição de mero conceito de natureza operacional restrita, o qual, por
uma ausência de indagações a respeito de seu significado efetivo, acaba
conformando-se a um modelo estéril, sem que se questione a respeito daquilo que
lhe está subjacente.
2
Nessa senda, em face do não exercício de uma indagação vocacionada ao
desvelamento da estrutura essencial da prescrição administrativa, buscando-se à
essência de tal instituto, acaba-se, de modo mediato e quase que de forma
inconsciente, por privilegiar alguém ou a algo, dentro de uma ótica de natureza
estritamente mecanicista, resultando a práticas jurídica inerente a tal evento
extintivo, quase sempre, limitada à já ultrapassada e inadequada prática de
simplesmente aplicar-se a lei pela lei.
Importa, portanto, que se faça um esforço no sentido de que, por primeiro,
pela identificação dos contornos que delimitam o instituto da prescrição
administrativa, sejam desvelados os seus múltiplos sentidos possíveis, de modo que
se possa compreender o seu significado, o seu efeito, a sua abrangência, e a sua
conseqüência no plano da cotidianeidade, mormente em razão de estarmos situados
e submetidos a um sistema mediado pelos paradigmas de um Estado Democrático
de Direito.
Contudo, tal tarefa não pode dar-se sem que se observe uma estratégia
prévia, em razão da sua complexidade. Exige-se que, de modo específico, seja dada
a atenção necessária à conformação interna do fenômeno configurado pela
prescrição administrativa. Ademais, para que isto se torne possível, não se mostra
necessário que se muito além das fronteiras do direito brasileiro, até porque a
investigação que se pretende dar curso, por si, possui como sua característica mais
marcante o traço da transcendentalidade.
Para tanto, as presentes indagações haverão de construírem-se,
primordialmente, pela compreensão do objeto caracterizado pela designação de
prescrição administrativa, a partir da forma pela qual a sua regulação é
compreendida, aplicada e executada. Entretanto, haver-se-á de avançar além de tais
limites, no fito de tentar fugir ao singelo limite de uma razão imutável, Nos dias de
hoje, não mais é possível nos mantermos aferrados a uma razão substancialista, a
qual induz, com a força inerente aos dogmatismos, em geral, a submissão a
determinadas estruturas invariáveis, às quais, negando a própria dinâmica da vida,
do direito e da sociedade, impossibilitam a compreensão das transformações
necessárias à evolução da própria razão.
Por isso, o caminho a se palmilhado, em cada um dos capítulos, assume,
apenas, a condição de mero trajeto, não configurando o fim a que se almeja, já que
3
a doutrina pátria, de forma competente, como se verificará, tem-se desincumbido de
tal missão.
Em realidade, o que aqui se pretende é identificar-se em que se constitui, na
sua essência, o fenômeno da prescrição administrativa. Tal pretensão visa, portanto,
identificar os elementos essenciais que permitem a corporificação de tal instituto,
intento este que, até o momento, não foi ainda realizado, no que atine ao exame
exclusivo da prescrição administrativa como fenômeno específico, independente de
seu campo de incidência prática.
De tal sorte, não se há de buscar saber, como escopo final a ser perseguido,
quais são os prazos específicos em que pode ser esgrimida a aplicação do instituto
da prescrição administrativa, mas sim qual é o fundamento de sua existência, como
também em que sede se pode encontrar a sua legitimação. Buscar-se-á identificar,
também, a natureza do conteúdo jurídico da prescrição administrativa sob a ótica de
sua funcionalidade, de molde a identificar-se qual é a sua tarefa, no âmbito de um
Estado Democrático de Direito.
Portanto, o se será adotado nas presentes indagações um método que
possa se caracterizar por uma prática voltada a um mero reducionismo, no qual a
análise da prescrição administrativa deverá restar submetida aos limites que a
doutrina e a jurisprudência lhe tem submetido.Importa que se tenha sempre em
consideração que o fenômeno prescricional dá-se, também, em razão do
acoplamento de uma determinada estrutura jurídica a uma determinada estrutura
sócio-cultural
Ademais, a compreensão do fenômeno prescricional deverá estar imantada
pelas características, pelas peculiariedades e pelas possibilidades imanentes à
esfera de regulação em que deverá restar reconhecido, qual seja a o Direito
Administrativo, tornando visíveis, só após tal aproximação, as feições inerentes a um
determinado sítio da esfera de normatização jurídica, de modo a evitarmos que, por
excesso de objeto, acabemos nos perdendo em uma multidão de perspectivas
inconciliáveis.
De qualquer modo, tomando em conta a própria complexidade inerente ao
fenômeno da prescrição administrativa, não se poderá permitir que as indagações
ampliem-se a ponto de facultar uma percepção vinculada a uma liberdade de
compreensão irrestrita. Haveremos de nos limitarmos às matrizes sicas
4
delimitadas pela Constituição Federal, como também pela demais regulação
infraconstitucional, em seus níveis de produção necessários, tão-somente, à
compreensão da essencialidade do objeto de estudo.
Tal limite resulta admitido a partir da constatação de que, tanto a
Administração Pública, quanto o particular, em nossa realidade nacional, submetem-
se aos preceitos fundamentais conformadores do Estado Democrático de Direito.
Tanto a esfera pública, quanto a esfera privada, por decorrência de tal modelo
estatal, submete-se ao Direito, o qual, conformado por uma praxis de estrita vocação
democrática, não tolera a possibilidade de qualquer violação da ordem jurídica.
Não se pode olvidar que o exercício de qualquer prerrogativa, no âmbito de
uma sociedade democrática, deve assegurar, de forma efetiva, a existência de um
sistema mínimo de garantias, os quais constituem os limites necessários à
preservação da ordem jurídica, a qual deve caracterizar-se, antes de mais nada,
como sendo uma ordem de natureza democrática.
Releva destacar, por substancial ao trabalho realizado, que aqui se
considera o Direito, enquanto sistema de normas jurídicas, explicitadas por regras e
por princípios, ou até sob a designação de ciência, como meio adequado a permitir a
criação de critérios próprios e específicos, voltados, no caso em tela, a
compreender, a lidar e a disciplinar o fenômeno da prescrição administrativa, tão-
somente, como um fenômeno jurídico.
É de restar realçado que a prescrição administrativa também haverá de
restar desvelada como sendo uma das formas pelas qual a realidade resulta
estruturada, assumindo, primordialmente, a feição e a função de um instrumento ou
mecanismo voltado à idéia de ordem.
Por isso é de império que, pelo exame e compreensão do conteúdo de
abstração oriundo das normas jurídicas que disciplinam a prescrição administrativa,
possamos identificar um sentido que se mostre consentâneo com os fins que o
direito positivo diz almejar.
Tal sentido deverá de ser encontrado, por primeiro, através de uma via
analítica, a qual permita a constatação da existência de uma simbiose entre os
interesses da sociedade e o instituto da prescrição administrativa. Por segundo,
buscar-se-á demonstrar a visceral ligação entre o instituto da prescrição
administrativa e os princípios estruturais do Estado Democrático de Direito.
5
Contudo, para evitar-se a queda num vazio oriundo dos conceitos lidos a
partir deles mesmos, inserindo-nos num círculo vicioso, ou na submissão inerente às
posições inconsistentes retratadas em mera opinião pessoal, a visão da prescrição
administrativa haverá de ser procedida, durante todo o trajeto de explicitação de
suas feições, a uma leitura subliminar, na forma estabelecida a partir de uma
paradigma construído segundo um modelo de pragmática de cunho retórico, ao
modo da concepção explicitada por TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ Jr.
Tal opção visa assegurar que a investigação, em suas indagações, sempre
tome em conta as três esferas básicas de sua estruturação, quais sejam: a esfera
judicial, a esfera normativa, e a esfera da Ciência do Direito, enquanto referenciais
continuamente buscados, buscando-se compreender o fenômeno da prescrição
administrativa, pelo desvelamento do sentido de cada um desses discursos, em
relação ao fenômeno extintivo ora investigado, conforme, no corpo das próprias
indagações, restará devidamente explicitado.
Contudo, a escolha de tal concepção buscará, por força de decisão
metodológica, conformar um diálogo com o instituto da prescrição administrativa a
partir de critérios associados com um compromisso de busca permanente de maior
objetivação possível, sempre visando buscar conhecer e explicitar a função, o
propósito e a motivação da prescrição administrativa.
Para tanto, subliminarmente ao caminhar investigatório, a compreensão do
problema que envolve a prescrição administrativa deverá estar fundada nos
parâmetros inerentes a um discurso racional submetido à discussão. Tal
discutibilidade deverá ser configurada visando estabelecer um horizonte de sentido
comum, de modo a possibilitar o diálogo teórico. Tal diálogo, enquanto exame das
produções do pensamento examinado será sempre submetido a uma relativização
de interesses determinada pelas circunstâncias, de forma ad hoc, em relação às
figuras da Administração Pública, do administrado, e, eventualmente, do servidor,
consolidados tais personagens a título de figuras generalizadas.
Tal perspectiva deverá, portanto, pressupor, implícitamente, a existência de
uma discussão entre tais partícipes discursivos, de modo a possibilitar a explicitação
de suas perspectivas genericamente admitidas, compreendidas a partir dos
respectivos discursos em conflito, admitidos na forma de expectativas genéricas, as
quais serão postas em cotejo com os parâmetros de informação do interesse
6
público, do interesse privado, da segurança jurídica, e do Estado Democrático de
Direito.
Por isso, buscar-se-á demonstrar o conjunto de razões que buscam legitimar
as várias formas de compreensão da prescrição administrativa, admitindo-se-as
como sendo o referencial ético e lógico de toda a discussão, as quais deverão
assumir a condição de paradigma referencial de cotejo entre as várias concepções
analisadas.
Portanto, em presença do dizer de cada concepção, tornar-se-á possível a
instauração de uma reflexão que deverá tornar compreensível à discussão como
unidade estruturada, excluindo o mero dizer por dizer e exigindo o dever de provar o
que se diz, que todo discurso poderá ser questionado. Embora, por tal
procedimento, buscar-se-á a construção de uma estrutura de natureza dialógica,
como meio de possibilitação da própria discussão.
Também se buscará a conformação de uma homologia, de modo a
assegurar a que cada objeto discutido seja situado a partir de um procedimento
informado por uma efetiva e concreta igualdade.
Na busca de resposta às indagações conformadas a partir do instituto da
prescrição administrativa, todas as dúvidas surgidas deverão assumir a condição de
invariantes genéricas, induzindo, por tal condição, a uma prática de natureza
reflexiva, mas que, em respeito a um acervo de múltiplas possibilidades
generalizadas, responsáveis pela complexidade das posições em conflito, deverão
tais dissonâncias estar sempre submetidas às regras do diálogo e ao paradigma
ético-lógico do sistema, qual seja, o da comprovação de sua adequação ao sistema
jurídico nacional positivado.
Por fim, no que atine à concepção teórico-metodológico adotada, importa
que se diga que tal escolha buscou afastar o risco de acabarmos, por um lado,
submetidos à singeleza do sistema jurídico nacional positivado, numa ótica de
natureza formal estrita, transformando o esforço investigatório numa leitura linear do
direito positivo. Por outro lado, ante a possibilidade de que, após o cotejo das
argumentações divergentes, não se conseguisse chegar a conclusão alguma, aos
frustrantes contornos de um monólogo solitário. De qualquer sorte, o que se buscou
foi encontrar-se o sentido do fenômeno jurídico conformado sob a designação de
prescrição administrativa.
7
Portanto, a todo o momento, de forma subliminar estar-se-á a proceder o
exame da prescrição administrativa pela via de uma operação dialógica, na medida
em que os argumentos da Administração Pública e do administrado,
respectivamente, serão considerados como produtos argumentativos que sintetizam
as posições em controvérsia, como resultado de operações estruturantes voltadas à
construção de uma conclusão racionalmente elaborada, possibilitando, como efeito
de tal procedimento, distinguir o discurso racional do discurso irracional.
Por isso, toda a divergência não dará causa a exclusão mútua dos
argumentos, mas sim como identificação de incompatibilidades em busca de uma
solução pela via de uma decisão racional, a qual deverá, pela absorção da
insegurança inerente ao próprio dissídio, por força das garantias constitucionais,
garantir a obtenção da segurança jurídica. Ou seja, a partir de um processo dialógico
e racional, com aspiração ao entendimento, as presentes indagações deverão
construir uma resposta que assegure, observe e respeite a segurança jurídica no
que se refere ao fenômeno da prescrição administrativa.
Firmadas tais premissas, portanto, as presentes indagações transitarão por
dez sítios distintos, todos voltados à compreensão da essência da prescrição
administrativa.
Por primeiro visitaremos a relação conformada entre o tempo e o Direito. Em
tal sede, além da explicitação mais pormenorizada do modelo teórico-epistemológico
que deverá informar a construção das presentes indagações, buscar-se-á visualizar
as relações entre o homem e o tempo, como também a influência da esfera privada
na conformação do fenômeno da prescrição administrativa, na medida em que a
sistematização da prescrição pelo Código Civil, a forte influência do Direito Civil na
gênese do instituto prescricional, a convivência entre a prescrição e a esfera das
relações privadas, como também o reconhecimento do fenômeno decadencial como
instituto assaz semelhante à prescrição, importam em trajetos aos quais não se
pode deixar de palmilhar.
Em um segundo momento, antecipando o relevo do princípio da
segurança jurídica, proceder-se-á ao exame de tal paradigma, bem como da sua
importância como critério de justiça, como garantia de certeza, como também em
razão de sua multíplice característica como valor, como direito e como princípio.
8
Contudo, num terceiro momento, buscaremos demonstrar que o fenômeno
da prescrição administrativa transcende aos seus meros contornos de instituto
jurídico. Para tanto, buscaremos demonstrar que a prescrição é também um valor
jurídico, que pode ser visualizada como um sacrifício em favor da ordem jurídica,
mas que caracteriza uma garantia da ordem jurídica, na medida em que configura
um princípio informador de proteção.
Outro ponto a merecer exame diz com relação a leitura da prescrição
administrativa a partir de um mito que lhe configura como se fosse, tão-somente,
uma forma de sanção. Para tanto, deveremos situar a análise a partir da pretensão
sancionadora associada às figuras do processo administrativo e da própria
prescrição administrativa. Em razão de tais limites, proceder-se-á ao exame do
prazo inicial do prazo prescricional, enquanto pretensão sancionadora, em presença
da falta administrativa, como também em razão das condutas que, além da falta,
configuram prática criminosa, culminando pela análise das questões decorrentes, no
âmbito estrito do fenômeno prescricional, da necessidade de ressarcimento dos
ilícitos adminsitrativos.
Outro aspecto a merecer análise, diz com o cotejo entre o fenômeno da
prescrição administrativa e o interesse juridicamente relevante. Para tanto, proceder-
se-á a análise da prescrição administrativa em face ao interesse social, em face da
necessidade de segurança das relações sociais, como também em presença do
interesse público, ante à ordem pública, perante o interesse jurídico-social, para o
efeito da fixação das relações incertas, como também em presença de eventual
abuso do Estado.
Situadas tais conformações de conteúdo generalizante, passamos, então, ao
exame da prescrição administrativa, em-si. Contudo, por uma singela percepção da
impossibilidade metódica do exame de tal instituto em todas as suas variáveis, tal
exame resta limitado em presença de circunstâncias pontuais, dado que o escopo
primordial a ser perseguido é o da compreensão da essência do instituto da
prescrição administrativa, mediada tal compreensão a partir do princípio da
segurança jurídica. Nessa senda, após um exame da evolução histórica do instituto
junto ao direito nacional, buscamos entender a prescrição em sua estrutura e
sentido. Firmada tal perspectiva, é em presença da prática de anulação dos atos
administrativos que buscamos desvendar o sentido do evento extintivo, finalizando
9
pelo exame dos vínculos existentes entre a prescrição administrativa, percebida na
via judicial, em face da reclamação administrativa e, por último em presença das
decisões de natureza administrativa.
Em razão do exame anteriormente procedido, exsurge a figura da
imprescritibilidade, a qual passa a ser examinada ao avesso da prescrição
administrativa. Tal intento, portanto, implica que se busque conhecer da existência,
não só de ações imprescritíveis, como também, de eventuais direitos imprescritíveis,
buscando visualizar-se, também, da existência, ou não, da imprescritibilidade em
presença da teoria das nulidades, culminando-se pelo exame da possibilidade de
compreensão da prescrição como fator de resgate a um direito de convalidação.
Na seqüência, passamos ao exame das formas jurídicas extintivas e das
formas jurídicas modificativas. Em relação às primeiras, as investigações avançam
na pretensão de examinar a prescrição administrativa em face da decadência,
perante o princípio da actio nata, como também em presença da preclusão e da
prescrição intercorrente.
No que atine às formas jurídicas modificativas, o exame da interrupção da
prescrição, bem como do âmbito jurídico de tais causas, como também a suspensão
da prescrição, a eventual redução do prazo prescricional, a renúncia à prescrição
administrativa, a análise de seu termo inicial, como causa extintiva, e o silêncio
legislativo em relação ao prazo prescricional, buscam aclarar o fenômeno
prescricional em sua essência, tarefa a ser realizada de forma permanente.
Por fim, as presentes investigações, porquanto voltadas a compreender a
essência do fenômeno prescricional, no âmbito do direito Administrativo, transitam
por espaços situados além do mero administrar, buscando compreender o fenômeno
da prescrição administrativa, por primeiro, nos limites do espaço processual estrito,
enquanto resultado ou produto do discurso jurisprudencial, mormente me presença
das ações pessoais movidas pelo particular contra as pessoas jurídicas de direito
público e a figura do fundo de direito, como também em relação às circunstâncias
que envolvem às pessoas jurídicas de direito público como rés, visualizando as
circunstâncias decorrentes do direito postulado e negado administrativamente, além
das circunstâncias decorrentes dos conflitos nos quais as pessoas jurídicas de
direito público figuram como autoras.
10
Na mesma senda, embora agora nos limites de circunstâncias alheias ao
sentido estritamente público, analisamos o fenômeno prescricional em presença da
responsabilidade civil do Estado, como também nas circunstâncias que envolvam a
a Administração Pública indireta e as pessoas jurídicas de Direito Privado, além dos
sítios relativos às execuções fiscais e aos crédito e dívidas previdenciárias.
De qualquer modo, como realçado ao início da presente introdução, importa
que, mais uma vez, seja destacado que o esforço teórico aqui desenvolvido não
pretendeu, por nenhum momento, elencar, mesmo no âmbito das hipóteses restritas
escolhidas, a forma, o modo, as circunstâncias, e a explicitação dos casos e dos
prazos em que se pode reconhecer a incidência da prescrição administrativa. O que
se pretendeu foi, pela análise dos correspondentes discursos produzidos em cada
uma das instâncias examinadas, desvelar a natureza essencial do instituto da
prescrição administrativa. Ou seja, o que é o ente cognominado prescrição
administrativa. Ou seja, como se conforma a prescrição administrativa, qual é a sua
essência e de que modo a prescrição administrativa e o princípio da segurança
jurídica se associam.
Por isso, o só as contribuições oriundas do presente esforço
investigatório, mas, em especial, as conclusões a que se aportará, deverão dizer,
fundamentalmente, o que é a prescrição administrativa, servindo todos os espaços
de discussão que se construíram no trajeto das indagações procedidas, tão-
somente, como premissas necessárias à identificação do sentido primordial da
essência do instituto jurídico designado por prescrição administrativa.
DO TEMPO E DO DIREITO
1.1. O HOMEM E O TEMPO
O tempo, em todas as esferas do mero existir, enquanto fatualidade abstrata
percebida na linearidade do cotidiano mostra-se, também, como fator significativo e
instituidor, entre outros fenômenos, de uma individualidade objetualizada. Entretanto, o
tempo não se limita a um simples fato restrito à explicitação de seu significado, ou como
mero móvel de instituição de outros fenômenos. Embora seja possível, entre tantas
outras formas de percepção, entre as quais às que lhe buscam compreender num
horizonte de transcendentalidade, impõe-se, nos limites destas indagações, que tal
busca pela compreensão do tempo seja marcada, contudo, por sinais e eventos
capazes de mostrá-lo na sua feição "concreta", a partir do agir humano.
Entretanto, o agir humano, em sua significação mais abrangente, não gera
efeitos de produção de uma identidade universalizável em todos os planos em que
venha a repercutir a ação do homem. Quando defrontamos os interesses emergentes
na cotidiana dinâmica social, adstritos a um elenco que configure, ou possa configurar,
a uma ambivalência dialética, emergem múltiplas significações de matiz contraditório.
Entretanto, embora diante dos conteúdos mais diversos que cada interesse elencado
possa guardar no seu bojo, resulta incontrastável que nada escapa ao tempo.
O tempo, além de situar-se como demarcação abstrata do horizonte de
presença dos fenômenos sociais, assume, entre outras características, a condição de
medida que se mostra, entre outras aptidões, capaz de permitir a compreensão da
existência do homem e da sociedade. Resulta, portanto, inquestionável que o
transcurso da vida individual, tanto das pessoas físicas, quanto das pessoas jurídicas,
públicas ou privadas, dá-se, também, no horizonte da temporalidade.
Isso se segundo formas diversas. Como: um mero receptáculo de um
conjunto de experiências; como força de delimitação abstrata das múltiplas visões
assumidas e professadas por cada pessoa, ou por cada instituição; como limite à ação
12
do indivíduo. Enfim, o tempo permite e possibilita a percepção de cada existência a
partir de uma síntese assentada por um início, um transcurso, e por um fim.
Entretanto, a própria idéia de tempo, por sua singularidade e por sua estreita
ligação com cada um de nós, dificulta-nos, na reflexão imediata, a compreensão de seu
próprio conteúdo. Isto porque:
O nculo que cada um de nós tem com o tempo é tão antigo que remonta não aos
primórdios da nossa própria história individual, mas aos primórdios da história de toda
humanidade. Em função disso, a ligação que temos com o tempo é tão estreita, tão
íntima e, portanto, repleta de cumplicidades, que isso pode dificultar e mesmo impedir
a objetivação da teia complexa de relações que constitui um dado fenômeno, em que o
tempo é um dos seus principais elementos.
1
Da teia complexa e objetivadora de ltiplas relações constitutivas que
emergem da dinâmica social, marcada por feições de conteúdo generalizante,
possibilita-se ao tempo também alcançar aos fenômenos jurídicos, enquanto produtos
de um sistema simbólico de regulação de cada sociedade. Tal circunstância decorre do
fato de que: (...) inúmeras expressões referentes à vivência do tempo, constituem o
homem na sua relação dialética com o real. Essa relação é construída num
determinado tempo e espaço, com base no pensado e no vivido e está articulada aos
sistemas simbólicos variados que configuram/definem/integram a dinâmica e a
complexidade de um determinado contexto social.
2
Tal perspectiva, autoriza-nos a admitir o tempo como um referencial capaz de
possibilitar a compreensão de outros fenômenos sociais, entre os quais o Direito. A
partir de tal percepção, torna-se possível então afastarmo-nos do senso comum,
direcionando nossa reflexão, no caso das indagações em tela, ao fenômeno decorrente
da inter-relação entre tempo e Direito, na medida em que o fenômeno jurídico é, entre
outras tantas circunstâncias, fundamentalmente marcado pela idéia e pelo sentido de
um devir.
1
DESAULNIERS, Julieta Beatriz Ramos. Tempo - uma categoria, várias abordagens,
p.232;
2
DESAULNIERS, J. B. R. Idem, ibidem;
13
Entre uma miríade de formas percebidas, resulta também possível identificar-
mos um tempo jurídico. Isto porque o Direito, fundamentalmente marcado por um
desiderato de pacificação dos conflitos sociais, guarda, não por sua natureza
regulatória, as feições de evento que, na teia complexa de seu sistema normativo, o
encargo de limitar, de cortar, e de fragmentar, como salienta Wilson de Souza Campos
Batalha.
3
Por outro lado, numa categorização de conteúdo materialista, mostra-se visível
a diversidade substancial existente entre tempo e Direito. Ante tal variabilidade,
portanto, poderíamos imaginar estar-mos diante de uma dicotomia marcada pela
incompatibilidade, circunstância essa, portanto, geradora de uma mútua e recíproca
exclusão.
Entretanto, a partir de sua percepção como um dos elementos constitutivos
do real, resulta possível a aceitação de tal inter-relação. Contudo, a constituição do real
pode dar-se de múltiplas formas e sob uma multiplicidade de perspectivas. Ante tal
constatação, impõe-se, ou seja, torna-se necessário que: se admita o tempo como
relação, como invenção e como construção, de modo que o tempo passe a expressar
uma estrutura cio-cultural, estruturada socialmente, de molde a atuar como uma
estrutura estruturante do real. Tal compreensão, portanto, torna possível entender-mos
a possibilidade de que tempo e Direito possam, pela conjugação de suas esferas
constitutivas, atuar conjuntamente na expressão e na regulação dos conflitos oriundos
dos entrechoques gerados nas sociedades humanas. Até porque: (...) analisar um
fenômeno dissociando-o da dimensão temporal é efetuar uma explicação mutilada do
mesmo, pois o tempo existe de alguma forma, nas coisas.
4
No Direito, o tempo também assume uma feição de relevância intransponível,
conforme explicita WILSON DE SOUZA CAMPOS BATALHA, ao destacar que:
O tempo jurídico é dividido em pedaços, como o espaço. Significativo, a propósito, o
intento de Savigny ao pretender elaborar teoria conjunta para a solução dos conflitos
legais no tempo e no espaço.
3
BATALHA, Wilson de Souza Campos. Direito intertemporal, p. 38;
4
DESAULNIERS, Julieta Beatriz Ramos. Obra citada, p. 234;
14
(...)
O tempo jurídico corta, opera ‘dividindo, secando’. Não é fluxo contínuo, não constitui-
se um desenrolar-se, um evolver, um transformar-se. Opera por ‘cortes’ e ‘saltos’ numa
realidade que ‘insta’, dura e se transforma paulatinamente.
5
Mas é acolhendo a expressão do tempo como relação, como invenção e como
construção, que se há de dar a tais conteúdos um limite material, sob pena de assentar-
mos às dimensões apontadas no rol das abstrações estéreis. Para efeito de construção
de uma metodologia adequada ao indagado, assume-se então, a título de limite
possibilitador de uma convergência de presenças, a conformação delimitadora a ser
conformada pelo Direito.
Nessa ótica então, a idéia de relação de ser e passa a ser informada pela
idéia de relação jurídica. Por seu turno, a idéia de invenção assume a condição de
possibilidade permanente de reconhecer a emergência do novo. Enquanto descoberta
situa-se no contexto de uma conflituosidade oriunda do entrechoque permanente de
interesses, emergentes no âmbito da sociedade humana. Por fim, a idéia de construção
de ser estruturada a partir de uma pretensão universal de paz social, marcada,
apoiada e delimitada pelos princípios que estruturam o Estado Democrático de Direito.
Importa destacar que a adequação do tempo ao Direito não se por um mero
reducionismo com pretensões de natureza utilitarista, mas sim como um acoplamento
de uma determinada estrutura jurídica a uma estrutura sócio-cultural expressada pelo
fenômeno temporal. a partir de tal compreensão, portanto, não se cria
incompatibilidade essencial entre os dois fenômenos, na medida em que, sendo o
direito baseado na realidade empírica, evolui junto com a sociedade, até porque sendo
produto cultural, não pode, pela própria natureza intrínseca da cultura em-si, ficar inerte.
É consabido que a idéia de relação jurídica não se consolida num modelo único.
Dependendo da esfera de regulação a que se mostra adstrita, variados são os
significados que pode assumir. Uma relação jurídica plasmada no âmbito de relações
contratuais de natureza privada e consubstanciada por interesses disponíveis, mostra-
se absolutamente diversa de uma relação jurídica submetida aos ditames do Direito
5 BATALHA, W. de S. C. Obra citada, p. 15;
15
Público, no qual, como regra quase sem exceção, o interesse público assume condição
de diretriz inafastável ao ajuste delimitador de eventuais acertamentos.
De tal sorte, o tempo, ao efeito de sua face de relação, deverá estar imantado
pelas características, pelas peculiariedades e pelas possibilidades imanentes à esfera
de regulação em que deverá restar reconhecido, assumindo, só após tal adequação, a
feição de um dos mecanismos com capacidade de estruturação necessária à
pacificação de cada caso concreto.
Quanto à sua feição de invenção, não se pode falar de uma liberdade de
compreensão irrestrita. O tempo de limitar-se às matrizes básicas delimitadas pela
Constituição Federal, como também pela demais regulação infraconstitucional, em seus
três níveis de produção. Tanto a Administração Pública, quanto o particular, em nossa
realidade nacional, submetem-se aos preceitos fundamentais conformadores do Estado
Democrático de Direito. Tanto a esfera pública, quanto a esfera privada, por decorrência
de tal modelo estatal, submete-se ao Direito, o qual, conformado por uma praxis de
estrita vocação democrática, não tolera a possibilidade de qualquer violação da ordem
jurídica.
O exercício de qualquer prerrogativa no âmbito de uma sociedade democrática
assegura junto ao rol das liberdades inerentes a tal sistema, a garantia de prevenção e
de proteção, em face de qualquer violência, ou ameaça de violência a direito,
estabelecendo o sistema normativo, por força das variadas formas assumidas ao
momento de sua criação, os limites necessários à preservação da ordem jurídica,
mostrando-se o tempo como um dos limites institucionalizados à feição de garantir tal
ordem democrática.
Por fim, o sentido dado à idéia de construção do tempo de mostrar-se, entre
outras concepções possíveis, na sua tarefa de estruturação da realidade, como
instrumento voltado à idéia de ordem. Temerário seria admitir-se que os reconhecidos
efeitos decorrentes do tempo, no âmago de uma determinada sociedade, estariam
vinculados, tão-somente, à esfera de atuação dos interesses em confronto. Isto poderia
dar azo a uma legitimação formal e espúria de interesses contrários à própria ordem
jurídico-social democrática.
16
Releva destacar que as forças sociais de uma sociedade complexa, tal como se
mostra a sociedade contemporânea, caracterizam-se, entre outros aspectos, pela
desigualdade na titularidade dos vários mecanismos com poder de influência, por parte
dos diversos grupos sociais que compõe tal tecitura social. De tal sorte, a leitura de uma
construção estruturada da realidade, a partir do tempo, também de restar limitada
pelo Direito, sempre sob o pálio dos princípios de um Estado Democrático de Direito.
Torna-se evidente, portanto, que o transcurso do tempo físico mostra-se
diverso, na sua forma de percepção e efeito, do tempo jurídico. Há, entre o tempo tido
por natural e o tempo categorizado como jurídico, uma não-coincidência, na medida em
que o seu transcurso é informado por critérios diferentes. Enquanto o tempo havido por
natural transcorre de forma irrefreável, o tempo jurídico pode ser suspenso ou
interrompido. Disso decorre que, no caso do Direito, enquanto sistema de normas
jurídicas, explicitadas por regras e por princípios, ou até sob a designação de ciência,
criam-se critérios próprios e específicos para compreender, lidar e disciplinar o tempo,
embora reste sempre mantida a idéia originária de passagem ou de transcurso do
tempo.
6
A partir de tal percepção, ao tempo, em sua conexão com as relações que
recebem do sistema positivo jurídico a característica marcante de uma natureza
específica, qual seja a natureza jurídica, assegura-se, entre outras peculiaridades, a de
conformar-se como fator possibilitador da aquisição e da perda de direitos, interferindo
no âmbito das faculdades inerentes ao titular de uma prerrogativa juridicamente
reconhecida e tutelada, o qual tanto poderá ser um direito de conteúdo material, quanto
o próprio conteúdo do direito processual que visa, substancialmente, assegurar tutela
jurisdicional protetiva, mas que, em qualquer das duas espécies, acaba sempre por
6
A não coincidência entre o transcurso do tempo natural e jurídico pode ser
compreendida a partir de dois espaços distintos. Por primeiro, a partir do reconhecimento da
possibilidade de retroatividade de lei ou de ato de natureza jurídica. Por segundo, pela admissão
da suspensão ou interrupção da prescrição. Já a coincidência entre o tempo jurídico e o tempo
natural, no que diz respeito ao seu transcurso inexorável, situa-se com maior proximidade em
relação ao fenômeno jurídico da decadência. De qualquer modo, o que resulta incontroverso é
que o Direito tem critérios próprios, mas materialmente diversos do decurso natural do tempo.
Embora os fenômenos da prescrição e decadência; em cada ramo do Direito adquiram aspectos
peculiares, mantida a idéia essencial da passagem do tempo, sem dúvida alguma se tratam de
fenômenos situados no estrito espaço de compreensão da esfera jurídica;
17
limitar o modo de vigência das normas jurídicas, produzindo modificações significativas
na eficácia decorrente de todas as relações submetidas ao controle de regulação
jurídica.
7
De tudo que resta possível perceber, verifica-se que, mesmo admitindo-se que
o tempo seja um fenômeno radicado na percepção individual de cada indivíduo, não
na esfera de sua compreensão natural, mas, primordialmente, na sua visualização a
partir de uma ótica jurídica, o tempo determina limites, cortes e fragmentações na vida e
nas relações entre as pessoas, mostrando-se, concomitantemente, como fator capaz de
possibilitar a compreensão de muitos outros fenômenos sociais, nos quais, por certo,
situa-se o Direito.
É certo, contudo, que tais peculiaridades não resultam como decorrência de
uma incidência automática e sem qualquer espécie de mediação. No caso do Direito, as
normas jurídicas, entre as quais às de natureza constitucional e infraconstitucional,
atuam de modo a construir uma compreensão limitada do fenômeno temporal, sendo
uma das formas pelas qual a realidade resulta estruturada, assumindo,
primordialmente, a feição e a função de um instrumento ou mecanismo voltado à idéia
de ordem.
Por outro lado, não se pode desconhecer que as relações decorrentes do
tempo, sob a ótica do Direito, acabam por promover a construção de realidades
diversas das vivenciadas pelas percepções do cotidiano. Isto se torna visível na medida
em que, mesmo sendo o sistema jurídico um conjunto ordenado de normas voltadas ao
atendimento primordial de uma idéia de ordem estrita, marcada, na contemporaneidade,
pela legalidade e por uma principiologia específica, torna-se admissível a conversão de
tal sentido diretivo, a partir da idéia de transcurso do tempo. Ou seja, um sentido que se
constrói pela intermediação entre um sistema normativo, portanto de natureza abstrata,
7
A atuação do fenômeno temporal no âmbito jurígeno opera de maneira multifária. Inicialmente,
constitui nota demarcadora da aquisição de direitos, como no nascimento, fato gerador da personalidade,
no implemento da maioridade civil, criminal e política; outras vezes estatui os limites de vigência das
normas retoras da conduta, bem como das avenças convoladas entre os indivíduos (termos inicial e
final); ainda se pode utilizá-lo como motivo da extinção de determinadas faculdades jurídicas. NOBRE
JÚNIOR, Edílson Pereira. Prescrição: decretação de ofício em favor da Fazenda Pública, p. 55;
18
com uma representação necessária ao homem, como uma das condições gerais de
possibilidade de compreensão da própria existência humana.
Em razão disso, passam a ser acolhidas circunstâncias avessas a tal ordem,
por força, especialmente, de irregularidades nas práticas perpetradas no contexto das
relações sociais juridicizadas, sob o arrimo e justificação de uma concepção que admite
ser possível ao tempo, por força de uma consolidação abstrata dos atos irregulares,
transformar uma situação de fato irregular em uma situação de Direito, ao modo de
recepcioná-la como adequada à ordem jurídica.
8
Portanto, de tudo o que acima restou realçado, deparamo-nos com a
circunstância de que o tempo passa a interagir no espaço humano, modificando
sentidos oriundos de uma mera fatualidade tida por inexorável, para o efeito de
conformar a vida cotidiana a parâmetros recepcionados além de sua mera
compreensão material, enquanto circunstância dada a objetivos e a fins sociais havidos
por valiosos.
1.2. OS CONCEITOS CONTINGENTES, O DIÁLOGO E O DISCURSO DE
CONSTRUÇÃO RACIONAL
Todo o conjunto diferenciado de conhecimentos, aos quais se possa, numa
categorização assimilada como visão ordenada da realidade, busca, nos conceitos
estruturados a partir da percepção de tais categorias, a explicação formal de uma
realidade a ser vivenciada. O homem constrói sua percepção da realidade através de
representações por ele próprio imaginadas. Isto porque:
O ser humano, antes de pensar logicamente as coisas, imagina-as. A pessoa, por
diversos motivos, seleciona do fluir caótico de sensações que invadem os sentidos,
determinadas imagens e as institui com um sentido específico. Da amálgama de
sensações ‘sem sentido’ que fluem perante ele, algumas são captadas e
transformadas em imagens. Essas imagens são imediatamente significadas. Desse
8
Em razão de tal circunstancia, qual seja o decurso do tempo, consolida-se uma irregularidade
pela sua conversão de situação de fato em situação de direito, gerando-se uma transmutação de
natureza modificativa, cujo resultado final é o da adequação de um situação fática repelida pela regra
positivada, como elemento acolhido pelo sistema;
19
modo, o caos fugidio das impressões sensoriais se organiza como um cosmo de
sentidos imaginados. A imaginação é muito mais que a mera possibilidade de fantasiar
a realidade; ela constitui a potencialidade que o ser humano tem de impregnar de
sentido de modo volitivo e afetivo as sensações. A imaginação possibilita ao ser
humano que o mundo deixe de ser para ele uma mera apresentação, como é o caso
da consciência animal, para transformar-se numa ‘representação’. Os objetos passam
de elementos sem sentido a ser coisas com significado.
9
No caso da dita Ciência do Direito, uma das primeiras vias de compreensão dos
fenômenos jurídicos, parte-se da idéia, numa visão liberal-positivista, de que os direitos
subdividem-se em direitos objetivos e direitos subjetivos. Desse modo, tem-se que, de
forma genérica, por força de uma cisão imaginada, o fenômeno jurídico recebe uma
organização assentada em tais sentidos, a partir dos quais se passa a organizá-lo em
conceitos relacionados a essas duas esferas, quais sejam: a esfera do objeto e a esfera
do sujeito.
Admitidas tais categorias, quais sejam os direitos objetivos e os direitos
subjetivos, percebe-se que, independentemente de sua origem abstrata, resta
evidenciado que, tomados sob a ótica decorrente do fenômeno temporal, também
nesses dois planos imaginados direito objetivo/direito subjetivo há, também, a
influência do tempo.
Tal circunstância não pode mascarar, ou ignorar, o fato concreto de que,
fundamentalmente, tal influência decorre por força da atuação do legislador, quando
então são criadas, a partir de um processo abstrato e reconhecido como processo
legislativo, múltiplas formas de adequação do fato único do transcurso do tempo natural
à realidade juridicamente regulada.
Ora, ao tomarmos conhecimento da possibilidade de que uma norma não mais
em vigor volte a produzir efeitos jurídicos vinculativos, fenômeno jurídico caracterizado
pelo nomen juris de repristinação, de ter-se em conta que tal evento não assume a
sua existência a partir de algo independente da vontade e da percepção que o homem
a tal evento, de modo específico. A repristinação de uma regra jurídica não é algo
que existe independentemente da ficção oriunda do processo de criação abstrata de
uma norma. A repristinação não é algo imanente ao tempo natural, mas sim algo que
9
RUIZ, Bartolomé Castor. Os paradoxos do imaginário, p. 48;
20
transcende o conceito instituído pela Física, inserindo-se na esfera restrita do mundo
jurídico por força de um agir dirigido a fins.
10
Por tal peculiaridade, tanto a prescrição quanto a decadência, assumem desse
modo, a princípio, na esfera da regulação jurídica, a condição de referências
constitutivas oriundas da inexorável circunstância da interferência do tempo no Direito.
Contudo, tal interferência esta mediada pela intervenção do homem, na figura do
legislador. Oportunistas de tal desiderato, portanto, vestem-se tais categorias jurídicas
ao caráter de pressupostos oriundos de uma prática jurídica que se quer, por força de
lei, conjugar, de modo artificial, abstração, realidade concreta e sociedade.
Tais circunstâncias, entretanto, pela sua percepção lastreada numa visão
submetida a uma realidade informada pela mera fatualidade dos fenômenos que se dão
a ver, servem para justificar, de forma mediata, tão-somente, entre outros fins, o
embaraço de limitação ao agir do Estado ou do cidadão, na proporção da desigualdade
de seus respectivos interesses. É claro, contudo, que nunca se pode perder de vista
que: As significações sociais são determinações possíveis, nunca necessárias, do
modo de ser da sociedade e das pessoas. Porém o ser da sociedade e das pessoas
não pode ser reduzido ou induzido de nenhuma dessas significações nem do conjunto
delas.
11
Isso tudo, primacialmente tomando-se a sua origem abstrata, não implica que,
paradoxalmente, com possível intuito inconfessado, tais significações assumam a
condição de permissão para que tal embaraço se prolongue por um tempo marcado
pela imprevisibilidade, focado na perspectiva da consolidação definitiva de uma
expectativa eterna. De tal sorte, ante tal indeterminação, no mínimo incômoda, mostra-
se necessário ao início, que se diga de forma não mais que suficiente, em que
consistem tais conceitos, de molde a identificar-lhes o seu caráter e as suas marcas de
peculiaridade.
10
A atuação do legislador, atribuindo efeitos à lei, independente do tempo físico, mostra-se a
partir de várias formas jurídicas, tais como os fenômenos da retroatividade, da repristinação, da fixação
de um termo legal, pelo reconhecimento de um prazo preclusivo, pelo instituto do usucapião, pelo termo
presuntivo, como também pela prescrição;
11
RUIZ, B. C. Obra citada, p. 51;
21
À primeira vista, resta inexoravelmente manifesto a necessidade de que, a partir
da compreensão do conteúdo de abstração oriundo das normas jurídicas que
disciplinam tais fenômenos, possamos identificar um sentido que se mostre
consentâneo com os fins que o direito positivo diz almejar. Tal sentido há de ser
buscado, por primeiro e provisoriamente, numa seqüência de tonalidade analítica, de
modo a permitir a constatação da identidade, ou não, de semelhante desiderato com os
interesses da sociedade. Tal perspectiva se mostra inafastável, porquanto não se pode
nunca esquecer que o fenômeno prescricional não pode, sob hipótese alguma, assumir
a condição de um ente autônomo, não em relação ao sistema jurídico no qual está
inserido, como também em relação à sociedade que está a regular as condutas.
Portanto, resta inadmissível qualquer hipótese que pudesse vir a dispensá-lo de sua
inexorável associação aos interesses da sociedade em si.
É óbvio, contudo, sob pena de cair-mos numa perspectiva de conteúdo vazio e
sem pretensão teleológica voltada ao interesse social, que não se pode desconsiderar
que, do simples transcorrer do tempo, deve consolidar-se, naturalmente, uma pretensão
de solução dos eventuais conflitos por parte dos interesses atingidos. Ademais, que o
transcurso do tempo assuma também o sentido permanente de esforço comum para
construção de uma conciliação consentida, a partir, por óbvio, dos lineamentos
estabelecidos pela ordem jurídica positivada.
Portanto, tal perspectiva deve considerar que ante ao simples fato mutacional
determinante de que o que até então era permitido e que agora, por força do fenômeno
prescricional, não poderá constituir-se como tal, a admissão da possibilidade de
surpresa ao cidadão de restar totalmente afastada. Embora a atribuição de efeitos
legais ao transcorrer do tempo decorra diretamente do ordenamento jurídico, a
sensação de perplexidade em sua presença é sempre a característica marcante. Por
isso, os fenômenos da prescrição e da decadência serão admitidos a partir de sua
estrita e antecipada previsão inscrita em uma norma jurídica.
Tomando-se em conta de que é a força extintiva contingencial dos fenômenos
jurídicos extintivos, os quais atuam sobre parcelas do acervo jurídico do cidadão e do
Estado, o fato de maior repercussão, tanto coletiva, quanto individual, na
22
correspondência de cada situação subjetiva, importa, sobremaneira, conhecer-lhes a
face, a origem, e as conseqüências.
Por isso, para que possamos olhar nos olhos de tais fenômenos, impende que
tenhamos um paradigma implícito que nos permita a construção de uma reflexão não
matizada pela própria natureza dos objetos em análise, ou, o que seria pior, a partir de
uma visão marcada por mera subjetividade. Em assim não procedendo, cai-se no vazio
dos conceitos lidos a partir deles mesmos, inserindo-nos num círculo vicioso, ou, o que
é mais danoso, no âmbito cientificamente inconsistente da mera opinião pessoal. De tal
sorte, é imperioso que se busque de modo provisório, uma referência de compreensão
de tais realidades que não se constitua a partir delas mesmas, ou de mera opinião
despovoada de qualquer critério cientificamente válido.
Para tanto, num primeiro momento, a visão da prescrição administrativa de
ser submetida, na sua leitura subliminar, a um modelo de pragmática de cunho retórico,
ao modo das concepções explicitadas por TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ Jr
12
. Tal opção
justifica-se por duas circunstâncias fundamentais. A primeira, na medida em que tal
investigação assenta suas indagações no fenômeno jurídico tomando em conta as três
esferas básicas de sua estruturação, quais sejam: a esfera judicial, a esfera normativa,
e a esfera da Ciência do Direito. Estes, portanto, serão os referenciais continuamente
buscados, sem que haja, contudo, a preponderância de um ou de outro. Em tais
espaços, portanto, é que se buscará compreender o fenômeno da prescrição
administrativa, desvelando-se, de cada um desses discursos, o sentido a tal fenômeno
atribuído.
Como decorrência do próprio paradigma de reflexão prévia, importa realçar que
resta acolhida a diretriz de que tais tarefas são exercitadas sob o prisma do discurso
jurídico. Dá-se tal opção, não só por decorrência lógica do próprio modelo
provisoriamente adotado, mas fundamentalmente para permitir que se entabule um
diálogo com tais vertentes de visualização do fenômeno em tela, a partir de um critério
conhecido em sua objetivação. Por isso, antes que se prossiga, importa que se explicite
a razão da eleição de tal critério científico provisório, como o acima referido.
12
FERRAZ JR, Tércio. Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática
do discurso jurídico;
23
Tal eleição provisória resulta da percepção do conteúdo das próprias
indagações em si. O que se busca conhecer e explicitar são a função, o propósito e a
motivação da prescrição administrativa. Por isso, tal referencial teórico assume, como
matriz informadora da compreensão do objeto da indagação, uma tendência
marcadamente analítica, a qual, em sua generalidade, parte de três premissas básicas.
A primeira premissa está fincada na concepção de que o discurso mostra-se, de
início, como um ato que possibilita discutir. Ou seja, mesmo que estejamos diante de
uma concepção doutrinária sedimentada, de submetê-la a um momento de
discutibilidade. Todas as eventuais conclusões produzidas ao final do esforço
investigatório para a compreensão do problema que envolve a prescrição
administrativa, deverão estar sedimentadas a partir de um discurso racional submetido
à discussão.
Por segundo, tal discutibilidade é configurada por um ato procedido entre
homens, perfectibilizando-se, portanto, como uma ão lingüística de homens dirigida a
outros homens, com a finalidade de permitir uma comunicação intersubjetiva. Há,
portanto, um consentimento prévio que visa estabelecer um horizonte de sentido
comum
13
, de modo a possibilitar o diálogo.
E, por terceiro, tal concepção constrói-se a partir da idéia de que o discurso é
produção do pensamento, no âmbito de uma situação comunicativa discursiva,
efetivado entre um sujeito emissor e um sujeito receptor. Tais sujeitos serão
adequados, observada a relativização de interesses determinada pelas circunstâncias,
de forma ad hoc, às figuras da Administração Pública, do administrado, e do servidor,
tomados em conta a título de figuras generalizadas.
13
O sentido da linguagem possibilita o consentimento do mundo em que se habita, a
empatia com nosso entorno; ele permite a comunicação intersubjetiva, e é por meio dele que a
intersubjetividade se ‘epifaniza, o outro mostra seu rosto singular no consentimento coletivo de
um sentido comum. Não são possíveis a comunicação ou a relação sem a existência do
horizonte do consentimento, no qual coincidem as subjetividades. É esse consentimento
comum que integra as diferenças num consenso prévio; só a partir dele são possíveis a
comunicação e a singularidade irredutível das diferenças. Sem o horizonte do sentido comum, do
consentimento, os ruídos mais estranhos interferem na comunicação dos sujeitos e inviabilizam
o diálogo. Sem o consentimento simbólico não é possível o diálogo intersubjetivo. Sem diálogo,
nem consentimento, não existe sociedade. In: RUIZ, C. B. Obra citada, p. 244;
24
Em razão disso, pressupor-se-á, sempre de forma implícita, a existência de
uma discussão entre tais partícipes discursivos, visando possibilitar a explicitação de
suas perspectivas genericamente admitidas, as quais hão de ser desveladas a partir
dos respectivos discursos em conflito. Ademais, o conteúdo dos discursos em conflito
serão reconhecidos e tomados, respectivamente, sob o prisma de uma universalização
das respectivas expectativas genéricas, tendo, como efeito limitador primordial, as
esferas delimitadas por algumas das categorias inerentes ao próprio objeto dos
respectivos discursos, quais sejam: o interesse público, o interesse privado, a
segurança jurídica, o Estado Democrático de Direito.
É também de alertar-se para o fato de que tais discursos deverão ser
identificados a partir de sua produção, nos limites de sua situação comunicativa
discursiva constituída por um jogo lógico, onde a prova e a refutação de suas
proposições deverão ser reguladas por duas regras básicas iniciais. A primeira
estabelece um dever de asserção, na medida em que ambos devem sempre dizer de
suas razões. A segunda regra é a da indispensável prova de cada asserção, para o
efeito de tornar possível à análise da contenda residente no substrato das rias
circunstâncias examinadas. A partir de tal contenda, a verdade ou falsidade das
asserções
14
propostas neste contexto, deverão submeter-se à regra fundamental do
dever de prova. Este dever assume, no quadro teórico de referência aqui adotado, a
feição de centro ético e lógico de toda a discussão, o qual assumirá, também, a
condição de paradigma referencial de cotejo entre as várias concepções analisadas.
Somente então, a partir de tais regras genéricas básicas, constituir-se-á uma
reflexividade oriunda das tarefas co-respectivas de dizer e de provar, de modo a tornar
compreensível a discussão como unidade estruturada e o um mero dizer por dizer,
de modo que: se há o dever de dizer, há o dever de provar o que se diz.
14
A verdade e a falsidade referenciadas não se situam no plano da correlação direta entre a
asserção e a realidade, mas sim na sua adequação ao dever de prova situado no âmbito do discurso;
neste prisma, qualquer argumento deverá estar, a partir de cada asserção formulada, em sintonia com o
discurso no qual se constrói, mediado, contudo, pelo sistema jurídico positivado, que a discussão é
jurídica e não, por exemplo: sociológica ou política. A partir de tal referencial jurídico positivado, portanto,
instituem-se os modelos éticos e lógicos responsáveis pela verificação de coerência e de congruência
das afirmações colidentes.
25
Ademais, a regra do dever de prova implica, também, por decorrência lógica,
que todo discurso pode ser questionado, permitindo-se a refutação dos argumentos
esgrimidos pelos partícipes em conflito, os quais serão identificados a partir dos pólos
de formatação das variadas compreensões do fenômeno prescricional submetidos à
análise investigatória.
Tal dever resulta convertido em uma estratégia que se mostra necessária à
efetivação do centro ético de controle dos discursos em conflito. Tal necessidade
causa, por exemplo, a que, ao nos deparar-mos com a afirmação de que o princípio
geral da prescritibilidade deve ser, enquanto argumento do administrado, a regra geral a
ser seguida, no âmbito do sistema jurídico nacional, ao dever de que as concepções
que atribuem tal prerrogativa ao administrado, ao invocarem tal diretriz, tenham a
obrigação de provar tal assertiva pela via argumentativa.
Outra percepção importante, no que atine ao modelo teórico acolhido, é àquela
que adverte para a necessidade de impedir-se que a argumentação caia num regressus
ad infinitum argumentativo. Para evitar-se tal perplexidade, outras normas, articuladas
pragmaticamente em relação a cada situação específica, por decorrência da regra do
dever de asserção, poderão e até deverão atuar para a composição do diálogo central
do dissenso. A partir daí, a controvérsia passa a ser entendida como um evento
composto a partir do diálogo parcial instituído por cada um dos partícipes, restando, por
parte da Administração Pública e do administrado, fixados os limites da discussão,
observados os parâmetros da ordem jurídica positivada.
Busca-se com tal procedimento, portanto, construir-se uma estrutura de
natureza dialógica, a qual assume a condição de possibilitadora do contraditório e, por
decorrência, de contestação de cada uma das proposições ofertadas.
Observa-se, portanto, uma homologia, ou seja, é assegurada uma verificação
interpessoal de cada objeto discutido por parte dos partícipes discursivos, com a
finalidade de aproximar, em muito, à efetivação concreta do direito fundamental de
igualdade. Tal providência mostra-se indispensável, não só sob um ponto de vista de
sua natureza procedimental, mas substancialmente em razão da ordem jurídica
nacional estar estruturada em consonância com as diretrizes de um Estado
26
Democrático de Direito, para o qual tal direito é e há de ser um dos pilares
fundamentais de estruturação de tal Estado.
Ora, num conflito formado entre interesses, a princípio distintos, tal estrutura de
natureza dialógica permite, inevitavelmente, o surgimento de dúvidas (dubium), quais
sejam, entre outras: qual o interesse que deve preponderar? quais as razões jurídicas
que lhe autorizam tal preponderância?
Na busca de resposta a tais indagações, por força do modelo adotado, as
dúvidas, uma a uma, deverão assumir a condição de invariantes genéricas, induzindo
uma prática de natureza reflexiva, constituindo-se como um modelo diretivo composto
por um acervo de múltiplas possibilidades generalizadas, responsáveis pela
complexidade das posições em conflito. A partir daí, suas diferenças e suas
simplificações deverão estar sempre submetidas às regras do diálogo, e,
fundamentalmente, ao paradigma ético-lógico do sistema, ou seja, a comprovação de
sua adequação ao sistema jurídico nacional positivado.
Importante destacar que pela escolha de tal referencial teórico, buscou-se não
correr o risco de acabarmos restritos a duas situações problemáticas. A primeira, por
uma submissão ao sistema jurídico nacional positivado, numa ótica de natureza formal
estrita, a qual transformaria às presentes indagações numa mera leitura do direito
positivo. A segunda, pela possibilidade de que, após o cotejo das argumentações
divergentes, não se cheque a conclusão alguma, dado que tanto a Administração
Pública, quanto o administrado, acabaram por deduzir argumentos distanciados da
estrutura jurídica de sistematização e de solução dos conflitos, na forma do estruturado
pela ordem jurídica nacional, à semelhança de um monólogo solitário.
Para evitar-se tal risco, dever-se-á tomar como referência metodológica, duas
espécies de cuidados. No que se refere ao primeiro problema, as regras que integram o
sistema jurídico referido, deverão submeter-se, dinamicamente, à possibilidade
permanente de interpretação. Isso restara procedido a partir da possibilidade constante
de que as estratégias dos diálogantes possam ser alteradas de modo a adequarem-se
ao momento situacional da discussão, evitando-se que os discursos assumam posições
unilaterais exacerbadas, desconectadas com o mundo. Isto porque: O sentido o é
27
algo objetivo ou unívoco que está no objeto. O sentido é sempre uma construção
significativa, realizada pelo sujeito em interação dialética com o mundo.
15
No que se refere ao segundo problema, a partir das posições em conflito,
buscar-se-á identificar a presença de cada um dos argumentos sedimentados por força
desta operação dialógica. Ou seja, os argumentos da Administração Pública e do
administrado, respectivamente, serão considerados como produtos argumentativos que
sintetizam as posições em controvérsia.
Identificados os argumentos, após análise das razões deduzidas, tais pontos de
divergência serão considerados e ordenados de modo a permitir a caracterização dos
respectivos interesses, devendo, portanto, as atuações empreendidas serem
consideradas como operações estruturantes. Com isso então o discurso transforma-se
em uma operação construtiva, permitindo a formulação de uma conclusão
racionalmente elaborada, sem afastar-se dos parâmetros de referência afeiçoados ao
centro ético e lógico de toda a discussão, cujo conteúdo de ser reforçado por cada
um dos contendores, no exercício de seu dever de prova.
Firma-se, então, uma situação comunicativa onde a compreensibilidade das
ações deve ser manifesta, determinando-se, por decorrência do dever de provar, que o
discurso se constitua ao modo de uma discussão fundamentante. Por conseqüência,
torna-se inexorável a busca de um mútuo entendimento, para o fim de que se possa
distingüir, no mínimo, o discurso racional do discurso irracional.
Acentua-se, portanto, mais ainda, o aspecto pragmático do discurso. Se a
Administração Pública manifesta que a possibilidade de rever qualquer ato
administrativo é imprescritível, deverá, atenta ao sistema jurídico nacional positivado,
fundamentar sua posição não a partir de seus argumentos, mas, também, a partir
dos argumentos do administrado, já que este último, em sua argumentação, também
está adstrito ao dever de provar cada uma das suas asserções, não podendo, portanto,
restarem desconsiderados os seus argumentos.
A partir de tal acervo teórico, parte-se, então, da hipótese de que a
fundamentação do discurso deve ser vista e instituída a serviço do mútuo entendimento,
15 RUIZ, C. B. Obra citada, p. 230.
28
mostrando-se, este último, como elemento de ligação e de controle da discussão
racional que haverá de integrar, configurar e informar a cada passo das presentes
indagações, na busca da compreensão e solução do conflito.
Em presença das inexoráveis incompatibilidades, as possibilidades invocadas
pelos contendores não se excluem mutuamente, dado que os conflitos passam a ser
vistos como alternativas incompatíveis que buscam uma decisão. A partir de tais limites,
as decisões, na sua condição de ações lingüísticas submetidas ao critério da
racionalidade, visam alcançar uma decisão racional, mediante um procedimento inicial
de configuração das alternativas incompatíveis.
Nesse rumo, fundamentalmente em razão do intento de natureza pragmática, a
finalidade da decisão passa a ser a de absorção da insegurança oriunda das
incompatibilidades em confronto. Deve restar assegurada, por força das garantias
constitucionais, com atuação no processo decisório, a transformação das
incompatibilidades indecidíveis em alternativas decidíveis, implicando na consolidação
de uma ordem fundamentada e justificada, face ao ordenamento jurídico na sua
totalidade, buscando, de forma incansável, a obtenção da segurança jurídica.
É visado, portanto, a partir de um processo dialógico e racional, fundado na
busca de um entendimento, a construção de um resposta que assegure, observe e
respeite a segurança jurídica no que se refere ao fenômeno da prescrição
administrativa.
1.3. O DIREITO CIVIL COMO GÊNESE
Sendo a segurança jurídica um dos escopos primordiais a ser buscado, ante ao
fenômeno da prescrição administrativa, além de pretender-se a compreensão mais
aproximada possível da essência de tal fenômeno, de ter-se em vista que o
fenômeno da prescrição, como também o da decadência, necessita de início, ser
indagado a respeito do que é e de que como é respectivamente.
Tal perspectiva inicial dá-se em razão da necessidade de evitar-se do risco de
que se caia num dogmatismo irracional, ao aceitarem-se conceitos não submetidos ao
29
conhecimento de sua própria origem, enquanto mera demonstração a partir de formas
que permitem a sua compreensão, admitindo-se a existência da prescrição
administrativa a partir, tão-somente, por exemplo, da evidência de sua mera previsão
legal. Em síntese, equivocado está quem imagina que, se o Decreto 20.910, de 06
de janeiro de 1932, refere a existência de uma prescrição administrativa, tal prescrição
existe e configura-se exclusivamente a partir dos limites que o texto legal a conforma,
inexistindo qualquer necessidade de que se possa interpretar-lhe o seu sentido, entre
outros, como fenômeno extintivo de direitos.
Indubitavelmente, mostra-se necessário que se tomem em conta os fenômenos
da prescrição e, por ora, também, da decadência, em suas vertentes primitivas, de
modo a possibilitar-se o conhecimento de sua gênese, no fito de, posteriormente,
examinarem-se-lhe às estruturas no que diz respeito às suas asserções centrais. A
partir daí e, por decorrência do diálogo estabelecido entre quem indaga e o objeto
indagado, permitir-se-á que se compreendam as normas jurídicas instituidoras do
sentido de suas pretensões de regulação, na sua mera intencionalidade.
Acolhido, como na demais tradição continental européia, no âmbito do sistema
jurídico brasileiro, como um acervo designado por direito comum, o Direito Civil mostra-
se como primeiro território a ser palmilhado. Tal perspectiva avulta em importância na
medida em que o Direito Administrativo, como os demais ramos do direito pátrio, busca,
na determinação originariamente conformada pela ótica privada, subsídios para a
compreensão de muitos de seus conceitos, de molde a estruturar soluções nascidas na
órbita de suas indagações.
Não se pode olvidar que Direito Civil e Direito Administrativo configuram esferas
de regulação fundamentalmente distintas, tanto na sua essência, quanto nos fins por
tais ramos colimados. Entretanto: (...) é inevitável essa influência civilista, pela
antecedência da sistematização do Direito Privado, pela generalidade de seus
princípios e de suas instituições, amoldáveis, sem dúvida, a todos os ramos do Direito
Público.16
16
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p. 33;
30
Desse modo, tratando-se a prescrição e a decadência de institutos cujo
conteúdo e alcance resultaram previamente conceituados pelo direito privado, não nos
resta outra alternativa que o a de buscar, por primeiro, visualizar-mos os traços
marcantes de tais institutos, conforme delimitados pelo Direito Civil, em sua função de
direito comum, estabelecendo-se um breve, mas indispensável, diálogo com o Direito
Privado.
Contudo, em nenhum momento podemos perder de vista que o Direito
Administrativo, na sua condição de Direito Público interno, visa: (...) regular,
precipuamente, os interesses estatais e sociais, cuidando reflexamente da conduta
individual17, enquanto o Direito Civil, na sua condição de Direito Privado: (...) tutela
predominantemente os interesses individuais, de modo a assegurar a coexistência das
pessoas em sociedade e a fruição de seus bens, quer nas relações de indivíduo a
indivíduo, quer nas relações do indivíduo com o Estado.18
Marcantes, portanto, são os elementos que revelam uma dicotomia vincada,
entre outros meios, pela explicitação dos interesses tutelados pelo Direito Público e pelo
Direito Privado, sendo que:
Como a questão do Direito toca, essencialmente, aos fins a que ele se propõe e aos
meios por ele empregados, em termos de asseguramento de eficácia, por concluir
que a clássica divisão do Direito em público e em privado não é arbitrária, mas atende
a forma técnica de garantia dos objetivos visados na ordem jurídica, em que são
distintamente distribuídos e organizados os interesses das pessoas reconhecidas
como tais, inclusive os de ordem estatal.19
De tudo o que se viu, observada uma salutar cautela em presença das
dicotomias marcantes existentes entre tais espaços jurídicos, inexiste obstáculo algum
em que se busque, junto à esfera de cognição cível, uma idéia de cunho originário a
respeito tanto da prescrição, quanto da decadência. Mostra-se, aliás, até recomendável
que para a análise de tais fenômenos, posteriormente, no âmbito do Direito
17
MEIRELLES, H. L. Idem, p. 26;
18
MEIRELLES, H. L. Idem, ibidem;
19
VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Direito público e direito privado: sob o prisma das
relações jurídicas, p. 113;
31
Administrativo, possamos iniciar a partir de um diálogo prévio com o Direito Privado, em
especial junto aos ditames do Direito Civil.
É bom que se destaque que tal perspectiva assume aqui, tão-somente, a
condição de pressuposto heurístico. Isto não por força das circunstâncias e dos
efeitos decorrentes da explicitação legal de tais institutos, conforme promovidos pelo
direito privado, mas em razão de ter sido atribuído
20
a tal território jurídico o encargo de
funcionar como referência e orientação do que será desenvolvido e formulado pela
atividade de interpretação e de integração da legislação administrativa.
Tal alerta se mostra importante, de molde a tornar inteligível a sua delimitação e
a direção de seus enunciados, nos estritos termos de conhecer-lhes a origem, dado que
se transitará em território originário, mas de natureza singularmente diversa das feições
do Direito Administrativo.
Pelo acima dito, impende que se torne incontroverso que tais paradigmas
privados não devem assumir a condição de paradigmas absolutos. Portanto, não serão
tolerados e aceitos como absolutamente adequados à esfera pública, senão como
meras referências originárias, nos limites de modo e de forma em que o Direito Civil os
instituiu. Tal se esclarece em razão de que postura diversa tornaria a sua análise
totalmente dispensável, e, no mínimo, inadequada. Não se pode olvidar por momento
algum que a estrutura fundamental da regulação administrativa, na sua essencialidade
ôntica, se assim é tolerado perceber, não é matizada por um escopo e pelas
necessidades de natureza privada, mas sim e por óbvio, pelas demandas de natureza
pública.
Por isso, os preceitos e paradigmas a serem realçados hão de ser entendidos e
utilizados, tão-somente, como quadros referenciais. Equívoco indesculpável seria à sua
recepção pelo privilegiamento de expressão de uma ótica exclusivamente privada, sob
20
Tal atribuição decorre, por primeiro, de fenômenos vinculados à valoração do direito romano
como referencial de sentido paradigmático e de orientação aos sistemas jurídicos posteriores. De tal
sorte, sendo que tais institutos, ao início, vinculavam-se às contendas relativas a litígios regrados pelos
direitos civil e comercial, consolidou-se, de modo absolutamente empírico, um sentido de que a
prescrição tem seu substrato conceitual originário formado junto ao direito civil, razão pela qual passou-se
a buscar em tal direito os elementos essenciais de compreensão de tal fenômeno extintivo.
32
pena de criar-se uma distonia entre o posto pela regra administrativa e o pressuposto
pela informação teórica adstrita a tais parâmetros.
Caso assim não se proceda, estar-se-á, no mínimo, a manipular e distorcer as
normas administrativas, criando-se enunciados não correspondentes à realidade a ser
dimensionada, partindo-se, portanto, de falsos pressupostos. A homologia dos
discursos produzidos pela Administração Pública e pelo administrado, caso acabassem
por situar-se dentro de paradigmas oriundos da esfera privada, restaria, no mínimo,
agredida, a ponto de tornar qualquer indagação despropositada, em face de uma
injustificável submissão do Direito Administrativo ao Direito Civil.
Até porque, é consabido que: De longa data, o direito administrativo desfruta de
autonomia didática e científica, tendo princípios, conceitos e regras próprios. Trata-se
de direito comum, e não de direito cujas regras possam legitimamente ser
caracterizadas como 'excepcionais'
21
. Tal circunstância, contudo, não impede que se
busque no Direito Civil uma referência de compreensão possível, desde que estejamos
atentos à diversidade existente entre o público e o privado, naquilo que se caracteriza
como matriz fundante de tais espaços, no que se refere ao núcleo duro de cada
conceitualística própria.
A respeito de tal controvérsia, assevera CARLOS AUGUSTO DOS SANTOS
FAIAS que:
Aliás, essa tradicional separação do Direito em público e privado, de origem romana,
nos dias atuais tem contribuído para gerar infindáveis discussões, em especial aquelas
derivadas de particularidades que ensejam reforçar a autonomia de cada um desses
conhecidos ramos do Direito. E a respeito dessa autonomia, por vezes se constata que
a discussão induz o intérprete à apostasia da inegável interdependência existente no
“Direito’. Sobram pois, notórios argumentos para concluir que a unicidade do Direito
não se desfigura pela simples dispersão de seus preceitos públicos.
E esse é precisamente o caso da prescrição. O fato de a matéria prescricional se
encontrar disciplinada em Código que regula a atividade privada, conforme o
consagrado na doutrina e jurisprudência, não é suficiente para negar o seu intrínseco
caráter público que a ‘todos’ subordina. de se manter a distinção de que no Direito
21
BARROSO, Luís Roberto. Prescrição administrativa: autonomia do direito administrativo e
inaplicabilidade da regra geral do código civil, p. 89-107;
33
civil encontra-se a ‘regra geral’; e, em caráter ‘excepcional’, tem-se as regras no direito
Penal, direito Comercial e outras leis esparsas.
22
Entretanto, não se desconsidera ser o Direito Civil uma das fontes do Direito
Administrativo. Nesse sentido, HELY LOPES MEIRELES destaca que:
Com o Direito Civil e comercial as relações do Direito Administrativo são intensíssimas,
principalmente no que se refere aos contratos e obrigações do Poder Público com o
particular. A influência do Direito Privado sobre o Direito Público chega a tal ponto que,
em alguns países, aquele absorveu durante muito tempo o próprio Direito
Administrativo, impedindo sua formação e desenvolvimento, como agudamente
observou Dicey no Direito anglo-norte-americano.
Mas é inevitável essa influência civilista, pela antecedência da sistematização do
Direito Privado, pela generalidade de seus princípios e de suas instituições,
amoldáveis, sem dúvida, a todos os ramos do Direito Público. Muitos institutos e regras
do Direito Privado são adotados no campo administrativo, chegando, mesmo, o nosso
Código civil a enumerar entidades públicas (art. 14), a conceituar os bens públicos (art.
66), a dispor sobre desapropriação (art. 1.150), a prover sobre edificações urbanas
(arts. 572 a 587), afora outras disposições endereçadas diretamente à Administração
Pública.
23
Não se de ignorar os conceitos, as lições e o modo de compreensão que
restou estruturado pelo Direito Civil, no que se refere ao fenômeno prescricional.
Contudo, disso não se passará, porquanto, não só a autonomia do Direito
Administrativo a isto legitima, como primordialmente, a categoria jurídica da prescrição
administrativa há de ser lida em seu próprio espaço.
1.4. SISTEMATIZAÇÃO PELO CÓDIGO CIVIL
Tomado como regra geral, o Código Civil formula um conjunto abrangente de
regras relativas tanto à prescrição, quanto à decadência. Esta última, cuja regulação
não havia sido procedida de forma específica e pontual pelo estatuto de 1916, recebeu,
por parte da legislação civil codificada, em vigor Lei 10.406, de 10 de janeiro de
2002, disciplina melhor ordenada, tanto que ALAN MARTINS e ANTÔNIO BORGES DE
22
FAIAS, Carlos Augusto dos Santos. Prescrição no direito administrativo, p. 34;
23
MEIRELLES, H, L. Obra citada, p. 33;
34
FIGUEIREDO destacam que: A íntegra do tulo III, do Livro Terceiro, da parte Geral do
Código Civil de 1916, é reservada à prescrição, enquanto o Código Civil de 2002
reserva o título IV à prescrição e à decadência.
24
O Código Civil, iniciando com as disposições gerais (arts. 189 a 196), regula os
dois institutos de forma razoavelmente sistematizada, ao contrário do que fazia o código
revogado. Em seus arts. 197 a 201, trata das causas que impedem ou suspendem a
prescrição. Nos arts. 202 a 204, disciplina as causas que interrompem a prescrição,
seguindo-se, nos arts. 205 a 206, ao estabelecimento dos prazos da prescrição. No que
se refere à decadência, recebe este instituto, agora, disciplina incontroversa, a partir do
art. 207, estendendo-se até o disciplinado pelo art. 211.
Entretanto, não é no espaço delimitado pelo Título IV, do Livro III, da Parte
Geral do novo Código Civil que encontramos, na legislação codificada, dispositivos que
disciplinam tanto a prescrição quanto à decadência. Em vários outros artigos, tais como
o art. 1.101, no que se refere à decadência, e art. 1.109, no que atine à prescrição, o
novo estatuto civil procedeu à regulação de tais institutos extintivos, mostrando que a
pretensão de uma sistematização com vocação exaustiva, no novo código civil buscou
ser alcançada, sem, contudo, ser possível segregá-la a um espaço estrito e delimitado.
Como exemplo, pode-se destacar que, no que se refere à renúncia à
prescrição, o Código Civil de 1916 estatuiu a regra do art. 161, a qual resultou repetida
em seu teor básico pela nova codificação, nos termos do grafado pelo art. 191.
No que se refere à possibilidade de alegação da prescrição, a exemplo do
disciplinado em relação à renúncia, o novo código, nos termos do grafado pelo art. 193,
repetiu regra já constante no art. 162 da codificação revogada.
Quanto à responsabilização dos representantes legais pela não alegação, em
tempo oportuno, da prescrição, enquanto o código revogado não fazia alusão às
pessoas jurídicas (art. 164), limitando-se a assegurar ação de regresso em benefício,
tão-somente, das pessoas que a lei priva de administrar os próprios bens, o novo
código inseriu-lhes como titulares de tal proteção (art. 195), mostrando-se tal inserção
como inovação expressa.
24
MARTINS, Alan; FIGUEIREDO, Antônio Borges de. Prescrição e decadência no direito civil.
p. 22;
35
Outra inovação significativa deu-se em relação ao transcurso do prazo
prescricional em relação à sucessão. Enquanto o dispositivo revogado limitava tal
circunstância em relação aos herdeiros de determinada pessoa a prazo prescricional, o
novo dispositivo serviu-se de conceito mais amplo e com repercussão jurídica mais
abrangente, na medida em que, ao contrário de referir, tão-somente, ao herdeiro, faz
agora (art. 196) referência ao sucessor da pessoa que contra si teve iniciado o prazo
prescricional.
Omissão interessante diz respeito ao que era grafado pelo art. 167 do estatuto
revogado, no qual restava assentado que, com o principal, prescreviam os direitos
acessórios. O novo código, contudo, não fez referência a tal forma de prescrição. De
qualquer modo, diga-se de passagem, por força de uma interpretação sistemática, tal
princípio continua aplicável ao sistema civil codificado.
Quanto à decretação da prescrição, de ofício, por parte do juiz, o código
revogado, em seu art. 166, proibia tal atitude em presença de direitos de natureza
meramente patrimonial. O código em vigor promoveu pequena alteração na regra
anterior, determinando, nos termos do art. 194, que o juiz não pode, salvo no intuito de
favorecer a absolutamente incapaz, suprir de ofício a alegação de prescrição.
No que se refere à decadência, diversamente do regramento revogado, o novo
código civil estatui quatro regras expressas a respeito de tal fenômeno extintivo. Além
de reconhecer a existência de decadência oriunda de convenção, a qual proíbe seu
acolhimento por parte do juiz, quando não alegada pela parte a quem aproveita, refere
o estatuto em vigor serem inaplicáveis à decadência as regras que suspendem,
impedem ou interrompem a prescrição, salvo ao que se refere à hipótese protetiva aos
incapazes e às pessoas jurídicas, no caso de não alegação oportuna por parte dos
respectivos representantes legais, como também ao que se refere ao princípio de
inocorrência de curso, no caso da decadência, entre os cônjuges, na constância da
sociedade conjugal.
Determina, também, o código em vigor que a decadência prevista em lei é
irrenunciável, atribuindo ao juiz o dever de declará-la de ofício, face decadência
estabelecida por lei, independentemente da natureza do direito a ser extinto.
36
De todo o examinado, verifica-se que, além das inovações associadas à
previsão expressa de regras de disciplina da decadência, restaram mantidas as
diretrizes gerais até então em vigor, às quais, no que atine à sua interpretação e
aplicação, vinham sendo extendidas às regras específicas de Direito Administrativo.
Tal aplicação dava-se não no que se refere à sua complementação, como
também no que se refere a eventuais lacunas encontradas no sistema de regulação
administrativa. Portanto, tomando-se em conta as regras de Direito Civil como nese,
no fito de obter-se a uma melhor compreensão da prescrição administrativa,
circunstância também acolhida tanto pela doutrina, quanto pela jurisprudência, pouco se
percebe de mudança. Embora haja de ter-se em conta que o Direito Civil deve de ser
tido, tão-somente, como referência de auxílio à interpretação e aplicação do Direito
Administrativo, mas nunca como fator primordial de compreensão deste ramo do Direito
Público.
Tanto é assim que, no que se refere à possibilidade de renúncia da prescrição,
nos termos do grafado pelo art. 191 do Código Civil, como prerrogativa aceita e
possibilitada na esfera do Direito Privado, mostra-se como regra significativamente
problemática quando se desloca sua incidência para o âmbito do Direito Público. Isto
porque renunciar à prescrição adstrita a direito de natureza patrimonial, na esfera
privada, como comumente aceito e regulado pelo Direito Civil, resulta, a princípio, em
impossibilidade jurídica de caráter imediato na esfera pública, dado que a renúncia a
qualquer espécie de bem ou direito integrante do patrimônio público dar-se-á
exclusivamente quando tal atitude esteja permitida por lei, na medida em que tal
renúncia implica uma série de circunstâncias que escapam, de forma intransponível, à
singela vontade do administrador.
Portanto, mesmo nos casos legalmente previstos de interrupção, suspensão e
intercorrência do evento prescricional, na esfera do Direito Público e, em especial, no
âmbito do Direito Administrativo, a regulação civil surge como mero referencial de
auxílio à reflexão, mostrando-se como singela fonte de referência à interpretação de tais
possibilidades, desde que, por certo, também previstas na legislação administrativa,
37
tudo pela óbvia e singela razão de que tais regras mostram-se matizadas por outro
sentido e por outra teleologia.
1.5. A ESFERA PRIVADA E A PRESCRIÇÃO
É no Direito Romano, conforme nos ensina ANTÔNIO LUÍS DA CÂMARA
LEAL
25
, que vamos encontrar a origem mais remota do instituto da prescrição. Com o
advento da Lei Aebutia, no ano 520 de Roma, passou a ser assegurado ao Pretor a
possibilidade da fixação de prazo para a criação de ações não previstas pelo direito
honorário, as ações temporárias. Tais ações contrapunham-se às ações perpétuas cuja
sede situava-se no Direito Quiritário e, caso não exercitadas no prazo, davam causa a
extinção da possibilidade jurídica da existência da demanda, em sede judicializada. Eis
o gérmen da prescrição em sua origem mais remotamente conhecida, à semelhança
dos moldes atuais em que se conforma.
Ao início, tal instituto vinculou-se diretamente às contendas apoiadas nas
esferas dos direitos Civil e Comercial, limitando sua influência, portanto, ao território do
Direito Privado. Talvez por isso, ainda nos dias de hoje, atribua-se tanta relevância ao
modo como, principalmente, o Direito Civil procede à interpretação e a aplicação das
normas relativas à prescrição.
No plano privado, por decorrência do fenômeno extintivo, com o passar do
tempo, quatro elementos restaram formulados, ao efeito de identificar-se-lhe a
presença. Tais circunstâncias materializaram-se na: a) existência de uma ação
exercitável, a cognominada actio nata; b) a inação do titular do direito de ão; c) a
manutenção de tal inércia por um determinado período de tempo e, por fim; d) a
inocorrência de ato ou fato juridicamente relevante, com capacidade para suspender ou
interromper o denominado curso prescricional. A tais requisitos, de acrescentar-se a
não satisfação de obrigação correlata, dado caracterizar-se tal evento recíproco como
condição originária mediata da existência da atividade procedimental.
25
CÂMARA LEAL, Antônio Luís da. Da prescrição e da decadência: teoria geral do
direito civil, p. 4;
38
Contudo, tal exercício não decorre ou não se limita à vontade livre do titular do
direito. Na medida em que: Desde o momento que o titular do direito pode exigí-lo ou
defendê-lo, judicialmente, pondo em movimento a ação que o assegura, desde esse
instante começa a correr a prescrição desta, até se consumar pelo tempo, se a inércia
do titular se prolongar, continuamente, durante todo o período ou prazo fixado pela lei
como limite ao exercício da ação.
26
Veio o tempo, portanto, em seu transcurso, influir
nas conseqüências da vontade humana, tonalizando uma eventual inação como fator
determinante da perda de um direito.
Diante de tal perspectiva, é de anotar-se que, ao instituto originariamente
surgido como atividade associada à atuação do Pretor romano, marcada pela
possibilidade de atuação ou de inação por parte do titular do direito ao exercício de uma
ação, acrescentou-se a tal conteúdo, como fator necessário de delimitação, a condição
de uma fixação prévia do tempo para o exercício do próprio direito material em si.
Diz-se do próprio direito, na medida em que, àquela época, não se discernia,
ainda, a diversidade substancial entre o direito de ação e o próprio direito material a ser
exercitado. Tal circunstância, inclusive, restou consolidada pelo Código Civil de 1916,
na media em que tal diploma legal pautou-se pelas diretrizes da teoria civilista da ação.
Tal concepção teórica, à época, não via no direito ao exercício da prerrogativa
processual, nada mais do que o próprio direito material em movimento, grafando a
codificação civil revogada que: Art. 75. A todo direito corresponde uma ação que o
assegura. Entretanto, com o advento da nova legislação civil codificada, restou alterada
tal concepção, a qual, diga-se de passagem, não mais materializa aquela concepção
teórica de base em relação à prescrição, por força da reconhecida autonomia do direito
processual civil.
Com a promulgação do novo digo civil, por força da Lei 10.406, de 10 de
janeiro de 2002, prevaleceu, na esfera do próprio direito privado comum, a concepção
que reconhece na prescrição o móvel extintivo do direito eventualmente não exercitado
pelo seu titular. Diz o art. 189 do Código Civil em vigor que: Art. 189. Violado o direito,
26 LEAL. L. da C. Obra citada, p.11-12.
39
nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que
aludem os arts. 205 e 206.
Firma-se, portanto, um vínculo estrito entre o direito material e a possibilidade
processual de exercitá-lo num prazo determinado, reconhecendo-se esferas distintas de
efeito regulador no que tange ao direito material de fundo e o direito processual de
asseguramento de sua efetividade, ante à eventual lesão ou ameaça de lesão a tal
acervo jurídico.
Entretanto, no que se refere à esfera do Direito Público, a inadequação das
visões estruturadas a partir, primordialmente, da concepção romana, veio modificar o
sentido até então atribuído às duas esferas básicas de regulação social, afastando-se
daquela estrita dicotomia na qual tudo se situava ou no âmbito do Direito Público, ou no
âmbito do Direito Privado, mormente porque:
(...) a precariedade e as dificuldades em precisar-se o que se deva entender por
‘direito público’ e por ‘direito privado’, ainda como conteúdo histórico, resultam na
insustentabilidade das teorias até agora elaboradas, em virtude da evolução dos
conceitos jurídicos e da constante remodelação por que passa a ciência e a técnica de
agrupamento e apreensão de relações de vida pelas normas de direito.
27
Ademais, o fenômeno da publicização das relações privadas, em razão da
concepção contemporânea de que a Constituição se sobrepôs ao Código Civil como
núcleo do sistema, gerou significativa mudança de rumos. Tanto é assim que, no dizer
de PIETRO PERLEINGIERI:
Numerosas leis especiais têm disciplinado, embora de modo fragmentado e por vezes
incoerente, setores relevantes. O Código Civil certamente perdeu a centralidade de
outrora. O papel unificador do sistema, tanto nos seus aspectos mais tradicionalmente
civilísticos quanto naqueles de relevância publicista, é desempenhado de maneira cada
vez mais incisiva pelo Texto Constitucional.
28
Ante tais circunstâncias, não passou-se a admitir a constitucionalização de
muitas relações até então regradas exclusivamente por sistemas infraconstitucionais,
27
VILHENA, P. E. R. de Obra citada, p. 27;
28
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional, p. 6;
40
como também, no que atine ao Direito Administrativo, passou-se a visualizá-lo como
uma espécie de direito público comum, a exemplo do papel que, por muito tempo,
houvera sido assumido pelo Direito Civil, no âmbito das relações configuradas pelo
direito privado.
Tanto é assim que, DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO
29
destaca que:
O Direito Administrativo, após quase dois séculos de evolução acompanhando as
grandes transformações sociais, econômicas e políticas ocorridas nesse período, não
pode ser mais considerado, como sublinhamos, um sistema derrogatório do direito
privado concernente às atividades administrativas do Estado, mas um sistema
ordinário, destinado a conciliar a prossecução do interesse público com a proteção dos
interesses individual, coletivo e difuso.
Por isso, o direito administrativo é hoje o direito comum do direito público, assim como
o direito civil é o direito comum do direito privado. É no direito administrativo que são
encontrados os princípios, conceitos e institutos fundamentais dos demais ramos do
direito público interno.
Por tais características, em especial no que se refere à assunção dessa
condição de regramento comum, à semelhança do que ocorrera com o Direito Civil,
alguns dos institutos de aplicação geral aos ramos do Direito Privado, passaram a ser
recepcionados, na sua composição genérica, por parte do Direito Administrativo. De tal
sorte que, no dizer de CAIO TÁCITO:
O instituto jurídico da prescrição não se confina ao direito privado, sem embargo da
precedência histórica e da amplitude ontológica com que nele floresceu.
Também o direito público valoriza o decurso do ‘tempus’ como elemento tanto
aquisitivo como extintivo de direitos e obrigações.
30
Mesmo estando em seu nascedouro originariamente situado na esfera privada,
a prescrição passou a ser reconhecida, não por decorrência da lei, mas em razão
das mutações estruturais do próprio sistema jurídico positivado, na esfera de outras
regulações, entre elas a do Direito Administrativo.
29
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo, p. 40;
30
TÁCITO, Caio. Prescrição administrativa — comissão de valores mobiliários — inquérito
administrativo, p. 287;
41
Em razão de tais peculiariedades, passou a exigir-se, portanto, a modificação
da compreensão de tais fenômenos jurídicos, com a releitura e a renovação dos
pressupostos inerentes à sua interpretação, instaurando-se uma mutação de seu
significado, agora não mais limitado às lindes do direito privado. Tal concepção,
portanto, é que legitimou e legitima falar-se de uma prescrição administrativa.
1.6. DA DECADÊNCIA
Embora não se constitua no eixo central das indagações aqui procedidas, a
decadência, como fenômeno de marcante semelhança ao instituto da prescrição, exige,
ao menos de passagem, que se tenha uma noção razoável de seu conteúdo. Isto não
porque tal instituto resulte mais importante, ou de presença necessária ao fenômeno
prescricional, mas sim em razão de semelhanças relevantes entre ambos, como
também de eventuais efeitos oriundos de tal parecença. Tanto é assim que DIOGENS
GASPARINI
31
realça que:
A distinção entre prescrição e a decadência é relevante na medida em que a
prescrição somente pode ser alegada pelo interessado, enquanto o juiz pode decretar
de ofício a decadência do direito.
Como diferença entre esses institutos, cabe afirmar que o prazo prescricional pode ser
‘interrompido’ ou ‘suspenso’. O prazo decadencial, ao contrário, não se interrompe nem
se suspende.
Desse modo, vê-se, num rápido e superficial exame, que apesar de
semelhanças e de aproximações, em específico no que diz respeito à sua vocação
extintiva de direitos, prescrição e decadência caracterizam-se como fenômenos
diversos.
Enquanto na prescrição o direito material mantém-se íntegro, embora carente
de proteção, no caso da decadência é o direito material em-si que acaba por restar
extinto, mostrando-se, por conseqüência e sob determinada ótica, como fator jurídico de
maior lesividade ao acervo constituído pelo patrimônio jurídico do indivíduo atingido.
31
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo, p. 753;
42
De qualquer modo pode-se reduzir o conjunto de diversidades entre os dois
institutos a partir de uma diretriz básica, qual seja, na decadência resulta extinto o
direito, na prescrição resulta extinta a ação. Nesta ótica, aliás, adverte PONTES DE
MIRANDA que:
Os prazos prescricionais servem à paz social e à segurança jurídica. Não destroem o
direito, que é; não cancelam, não apagam as pretensões; apenas, encobrindo a
eficácia da pretensão, atendem à conveniência de que não perdure por demasiado
tempo a exigibilidade ou a acionabilidade.
32
Diversa da prescrição, a decadência, portanto, restou também instituída e
lastreada no decurso do tempo, no fito de obstar o exercício de eventual direito por
parte de seu titular em razão de sua inação. Contudo, como já demonstrado, ao
contrário da prescrição, a decadência surge com a finalidade de atingir o direito em-si e
não a mera possibilidade de sua defesa, a partir da instauração de uma eventual sede
processual.
À semelhança da prescrição, a decadência também se associa a um dúplice
pressuposto. Materializando-se, por primeiro, pela inércia do titular do direito e, por
segundo, no inexorável decurso do tempo. Como realçado, é instituto jurídico que
lesa e mata o direito em-si, e não o exercício da via processual necessária à sua
defesa. Esta é, portanto, a dicotomia essencial a ser destacada e que, por muitas
vezes, não restou bem compreendida pelos juristas, ao momento de aplicá-la,
primordialmente no que pertine ao Direito Administrativo.
A partir dessa breve compreensão prévia dos dois institutos extintivos
retromencionados, verifica-se que, independentemente das nuances específicas de
cada um, vislumbra-se, de imediato, o impacto que tais fenômenos possam vir a causar
ao acervo jurídico, tanto do Estado quanto do indivíduo. Deste modo, tais circunstâncias
encaminham e possibilitam múltiplas reflexões. Contudo, nenhuma delas nos parece
ser mais marcante do que a que se pode construir associada ao princípio da segurança
jurídica. Tal percepção dá-se a partir da idéia de que o Direito sem segurança é
32 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado: parte geral, tomo VI,
p. 101;
43
estímulo à baderna, à arbitrariedade e á desordem, e, por conseqüência, origem de
incerteza, mal-estar e caos.
Ante tais dicotomias, consideradas as conseqüências oriundas de cada uma
das formas jurídicas em tela, não se mostra admissível à concomitância de prazos de
prescrição e de decadência, devendo-se verificar qual dos interesses materiais
prevalece. Entretanto, pode-se perceber, em razão da extensão do efeito promovido,
que os prazos decadenciais mais se aproximam da teleologia informadora do Direito
Público, na medida em que não podem ser suspensos, interrompidos, ou renunciados,
devendo o juiz reconhecê-los, de ofício, dada à relevância dos interesses que o por
eles visualizados. Entretanto, considerado o estágio atual da evolução das instituições
democráticas, não mais se pode olvidar que o administrado passou, de muito, da
mera condição de servo à condição de titular de direitos fundamentais à sua existência
como cidadão e como pessoa, circunstâncias estas essenciais à própria existência de
um Estado Democrático de Direito.
Em presença de tal diversidade, nesta síntese restrita e preliminar, é
possível, portanto, identificarem-se os seus traços essenciais, asseguradores das
feições próprias e inerentes a cada um dos institutos em cotejo. O primeiro diz respeito
ao fato de que a decadência visa à extinção do direito, enquanto a prescrição busca
atingir à ação que, em tese, lhe asseguraria eventual proteção invocada. Portanto,
enquanto a decadência se mostra como causa extintiva e imediata do direito a ser
invocado, a prescrição tem feição de causa mediata, porquanto o direito mantém-se
íntegro, só restando inviabilizada a ação para a sua defesa.
Por segundo, na medida em que a decadência nasce junto ao direito que virá a
eliminar, a prescrição exige a concomitância de uma violação ou ameaça de violação a
tal direito, circunstâncias das quais sua essência mostra-se dependente. É na
desconsideração lesiva ou potencialmente agressora da esfera jurídica do titular de
direito determinado que se inicia o prazo prescricional. Tal circunstância decorre do fato
corriqueiro de que a partir da agressão, ou de sua potencial possibilidade, é que se
poderá esgrimir com a via processualizada de defesa ou contra-ataque.
44
Como terceira circunstância a ser destacada, manifesta-se o traço diferenciador
na diversidade primordial de conteúdo natural entre os dois institutos. A decadência
parte de uma suposição de não efetividade de um direito que, tendo nascido, não foi
exercitado no seu conteúdo possível por parte de seu titular. A prescrição, por seu
turno, assenta-se na percepção de um direito nascido e exercitado, mas que ao ser
agredido, ou ameaçado de agressão, não recebeu defesa, mantendo-se seu titular
inerte. Não se vê na decadência a inércia no exercício de sua defesa, mas a inação no
exercício do próprio direito em-si.
Na esfera do direito comum, portanto, a decadência em muito se assemelha à
prescrição, entretanto: O objeto da decadência [...] é o direito, que, por determinação da
lei ou da vontade do homem, nasce subordinado à condição de exercício em limitado
lapso de tempo.
33
Em refletindo a respeito de tal circunstância, é ANTÔNIO LUÍS DA CÂMARA
LEAL quem bem explicita as feições da decadência, asseverando que:
(...) decadência é a extinção do direito pela inércia de seu titular, quando sua eficácia
foi, de origem, subordinada á condição de seu exercício dentro de um prazo prefixado,
e este se esgotou sem que esse exercício se tivesse verificado.
Posto que a inércia e o tempo sejam elementos comuns à decadência e à prescrição,
diferem, contudo, relativamente ao seu objeto e momento de atuação, por isso que, na
decadência, a inércia diz respeito ao exercício do direito e o tempo opera seus efeitos
desde o nascimento deste, ao passo que, na prescrição, a inércia diz respeito ao
exercício da ação e o tempo opera seus efeitos desde o nascimento desta, que, em
regra, é posterior ao nascimento do direito por ela protegido.
34
De qualquer modo, o que pode restar assentado, em sede de senso comum, é
o de que a prescrição extingue a ação, não o direito, enquanto que a decadência
extingue o direito. A extinção do direito dá-se pelo simples transcurso de um prazo que
a lei fixa para o exercício do direito material em-si. A extinção da ação dá-se pelo não
exercício do direito público subjetivo de invocar a tutela jurisdicional, a partir do
33 CÂMARA LEAL, A. L. da Obra citada, p. 105;
34 CÂMARA LEAL, A. L. da. Idem, p. 101;
45
momento em que, tendo sido lesado, ou ameaçado de lesão, o direito permanece sem
a defesa possível.
É de império que se perceba que, no âmbito do Direito Administrativo, há de ter-
se redobrada cautela. As concepções oriundas e elaboradas pelo Direito Privado e, em
especial, pelo Direito Civil, podem gerar perplexidades significativas. A exemplo de tal
perspectiva pode-se referir o pensamento de RAPHAEL PEIXOTO DE PAULA
MARQUES, o qual assevera que:
É noção cediça, pois, unanimemente proclamada por pensadores de melhor
suposição, que se configura impropriedade terminológica a atribuição da denominação
de prescrição administrativa à perda do direito de revisão da Administração dos seus
atos pelo decurso do tempo. A Administração tem, hospedada que está no princípio da
autotutela, o direito, pretensão e ação de direito material à decretação da invalidade
dos seus próprios atos administrativos. É, portanto, prazo decadencial.
35
Do cotejo da argumentação expendida pelo autor retro-referido, -se que ele
atribui ao ato administrativo à mesma condição de ato jurídico de natureza potestativa.
Ora, em presença de tal compreensão, duas conseqüências se poderia então retirar.
A primeira seria a de que o interesse público, por força da possibilidade de
restar inviabilizada a revisão de ato administrativo, em razão do decurso do tempo,
acabaria, como conseqüência prática, equiparado ao interesse privado, bastando que,
por inação, a simples não atuação da Administração desse causa para que o próprio
direito em-si acabasse por ser atingido, o que, por óbvio caracteriza, a nosso sentir,
grave equívoco.
Ademais, o que resulta singular, é que tal concepção conflita, em tese, com
dispositivos legais que se mantêm em vigor, tais como o grafado pelo art. 114 da Lei
Federal 8.112, de 11 de dezembro de 1990
36
, no qual resta assentado que: Art. 114.
A administração deverá rever seus atos, a qualquer tempo, quando eivados de
ilegalidade, isso porque, como conteúdo da própria legislação: Art. 112. A prescrição é
de ordem pública, não podendo ser relevada pela administração. Portanto, caso a
35
MARQUES, Raphael Peixoto de Paula. O instituto da prescrição no direito
administrativo, p. 7;
36 Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União.
46
autotutela seja vista como prerrogativa submetida a prazo decadencial, tais dispositivos
legais estariam em conflito direito com a visão doutrinária mencionada, o que, num
primeiro momento, afasta a plausibilidade do alegado pelo mencionado autor, sob pena
de admitir-mos revogação de regra legal por via atípica e, no mínimo, ilegal. Contudo,
tal perplexidade, mais à frente, de receber exame adequado. De qualquer modo, o
que pode restar assentado é que as conseqüências retiradas de uma tal leitura
doutrinária, não se mostram seguras.
A segunda conseqüência diz com a percepção de um Direito Administrativo
com características de direito material privado, desconhecendo-se a específica
processualidade que caracteriza o Direito Administrativo. É consabido que, no exercício
do princípio da autotutela, a Administração Pública age de forma diversa do particular,
porquanto sua atuação tem conteúdo público e não privado. Ou seja, tratam-se de
modos de agir informados por conteúdos teleológicos completamente diversos, os quais
não podem restar confundidos pelo simples cotejo de eventuais resultados práticos.
Esse agir da Administração blica, portanto, não se caracteriza como mera
busca de satisfação a um interesse particular da própria Administração Pública, mas
sim como uma atuação direcionada à satisfação de um interesse de natureza e
conteúdo públicos, visando não preservar os interesses da coletividade como um
todo, mas, fundamentalmente, nos casos de afronta à legalidade, a busca da
recomposição da própria ordem jurídica agredida.
Em realidade, tal concepção doutrinária dá-se pela escolha de um referencial
que tal autor, indevidamente, generaliza, ao modo de tê-lo como sendo um parâmetro
central a guiar as indagações que venham a ocorrer em presença da inação da
Administração. Isso se torna compreensível na medida em que RAPHAEL PEIXOTO
DE PAULA MARQUES explicita que:
Cumpre salientar, preliminarmente, que o instituto da prescrição administrativa não se
confunde com o da prescrição civil e o da prescrição penal, pois estes se referem ao
âmbito judicial. Faz-se conveniente, pois conceituar o que venha a ser prescrição na
seara do direito civil para solidificar, então, o entendimento de que não se trata de
prescrição, mas sim de decadência administrativa.
37
37
MARQUES, R. P. de P. Obra citada, p. 5;
47
Ora, é exatamente em tal manifestação que se torna possível flagar a origem do
equívoco de tal concepção. O uso da conceitualística civil como fonte heurística de
significados para a compreensão do Direito Administrativo de ser tomada com a
máxima cautela. Embora tais ramos do conhecimento jurídico não se constituam em
esferas absolutamente antagônicas e contraditórias, buscam interesses distintos e
constroem-se por prismas diversos. Ademais, embora a prescrição produza efeito direto
em relação ao direito de ação, não se de confundir efeito com causa, porquanto a
prescrição é categoria de natureza e de conteúdo material, não sendo necessário ao
seu reconhecimento a instauração de uma via procedimentalizada. Vê-la, identificá-la, e
compreendê-la o exige, a título de pressuposto lógico de sua admissibilidade, a
presença de sede procedimentalizada.
Para que melhor se compreenda tal distinção, basta que se ouça PONTES DE
MIRANDA, o qual ensina que: a prescrição não atinge, ‘de regra’, somente a ação;
atinge a pretensão, cobrindo a eficácia da pretensão e, pois, do direito, quer quanto à
ação, quer quanto ao exercício do direito mediante cobrança direta (aliter, alegação de
compensação, que depois estudaremos), ou outra manifestação pretensional
38
. Por
este alerta, percebe-se então onde reside o equívoco apontado. Não que se
confundir pretensão de direito material com pretensão de direito processual, as quais, à
evidência, tratam-se de circunstâncias e institutos jurídicos distintos. A pretensão
material está associada com os efeitos adstritos ao direito em decorrência de sua
própria natureza. A pretensão processual diz respeito a uma garantia externa ao direito
lesado ou ameaçado de lesão. Portanto, quando o titular de determinado direito não
age em presença de lesão a seu direito, isto não quer significar que, por força do
decurso do tempo, tenha ele decaído de tal direito, mas o-somente que a pretensão
material corporificada pelo direito lesado não mais pode ser protegida.
Ademais, argumento invencível situa-se a partir de uma adequada
compreensão do fenômeno da decadência. Resulta inquestionável que, por força da
decadência, o direito material resta atingido em seu todo, desaparecendo. Ou seja, a
decadência atinge a prerrogativa e a pretensão material oriundas do direito em-si, e não
38 MIRANDA, F, C. P. de. Obra citada, p. 102.
48
simplesmente a sua possibilidade de proteção pela via da tutela jurisdicional. A
decadência atinge o direito em sua materialidade, em sua substância, em sua essência,
e não em seu exterior, em sua acidentalidade.
Diante de tal circunstância, como se poderia falar em decadência
administrativa, nos termos do acima mencionado. A uma eventual inação de um
determinado servidor público, na omissão da prática de um determinado ato submetido
às suas atribuições, estar-se-ia a atribuir duas conseqüências extintivas que a lei não
prevê, quais sejam: a admissão de que a Administração Pública teria retirada de sua
esfera de atuação a prerrogativa e o direito de anular ato ilegal de modo definitivo; e a
supressão da submissão da eventual controvérsia ao exame judicial. Por certo que tal
conclusão afronta a própria compreensão do sistema como um todo.
Importa destacar, portanto, que tal compreensão mostra-se problemática
exatamente pelo fato de pretender dar-se à prescrição administrativa as feições da
prescrição civil. Tal circunstância azo, portanto, a entendimentos discutíveis, deles
não escapando nem mesmo os seus mais renomados conhecedores. Como
comprovação de tais circunstâncias, basta que se examine o que diz, neste sentido,
HELY LOPES MEIRELLES, o qual refere que:
A ‘prescrição administrativa’ opera a preclusão da oportunidade de atuação do Poder
Público sobre a matéria sujeita à sua apreciação. Não se confunde com a prescrição
civil, nem estende seus efeitos às ações judiciais [...] pois é restrita à atividade ‘interna’
da Administração e se efetiva no prazo que a norma legal estabelecer.
39
Na mesma senda de reflexão, a nosso sentir, também se equivoca o renomado
mestre acima citado. A metafórica expressão: preclusão da oportunidade’ remete a
questão ao espaço de uma processualidade própria do direito Administrativo, mas que
destoa do sentido específico daquilo que se pode entender como prescrição
administrativa. Ao que parece, a partir da compreensão imaginada por PONTES DE
MIRANDA é que se pode buscar um entendimento mais adequado. Em realidade nos
parece que é a partir da idéia de pretensão material e, neste caso, pretensão material
39
MEIRELLES, H. L. Obra citada, p.583;
49
administrativa, que se pode melhor delimitar a controvérsia. Para tanto, basta que se
tenha claro que:
Certamente, é preciso que exista a pretensão para que se a prescrição. O que
prescreve é a pretensão, ou a ação; se não existe uma, nem outra, nada que
prescreva. Isso nos levaria a dizermos que só o titular da pretensão pode opor exceção
de prescrição; mas iríamos contra os fatos da vida e deixaríamos de atender a que
três planos: o da existência, o da validade e o da eficácia: se o cômputo de tempo
mostra que a ação, ou a pretensão, se ‘existisse’, estaria prescrita, pode o juiz acolher
a exceção, antes mesmo de outro exame concernente à existência do fato jurídico ou
da validade do ato jurídico.
40
Ora, tais reflexões, embora sediadas na esfera do Direito Privado, servem para
auxiliar no aclarar do ponto em que se conforma o equívoco. Deste modo, há de ter-se
em conta que a inação da Administração Pública dá azo a uma perda de proteção à sua
pretensão de invalidar determinado ato, mas nunca a ponto de atingir ao próprio direito
da Administração Pública de atacar a ilegalidade encontrada e percebida.
Por isso que, ao tomarmos em conta a idéia de decadência, no âmbito do
Direito Administrativo, de restar redobrada a cautela. O instituto da decadência,
quando utilizado e reconhecido na esfera do Direito blico, de ser visualizado a
partir de uma perspectiva extremamente pontual e absolutamente distante da
compreensão que se lhe é dada pelo Direito Privado. Tal instituto deve restar sempre
marcado por inequívoca previsão legal, a qual, além de tudo, haverá de restar
submetida a critérios interpretativos próprios, no caso, do Direito Administrativo, com
atenção redobrada à necessidade de dar-se efetividade material e concreta aos
princípios que orientam e direcionam a Administração Pública, tanto na esfera
constitucional, quanto na esfera de sua regulação infraconstitucional.
Se no Direito Civil temos a possibilidade de acolher e de aceitar a supressão de
um direito por força do decurso do tempo e da inação de seu titular, tal não se dá, nem
se pode dar em relação à Administração Pública e aos direitos que integram o
patrimônio público de forma generalizada, com a singeleza com que ocorrem tais
eventos no âmbito do Direito Privado, porquanto, na esfera do Direito Público há um
40
MIRANDA, F. C. P.de. Obra citada, p. 112;
50
interesse que transcende a todo e qualquer interesse que não seja o próprio interesse
da sociedade em sua concepção mais ampla possível.
2. DA SEGURANÇA JURÍDICA
2.1. O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA
A idéia de segurança jurídica, fundamentalmente, no âmbito do sistema jurídico
brasileiro, institui-se, por primeiro, como uma referência de conteúdo meramente
principiológico. Contudo a isto não se limita, dado que a partir da Constituição Federal e
do acervo de regulação legislada, de natureza infraconstitucional, tal princípio assume a
condição de paradigma — entre outros — da estrutura de regulação nacional.
De qualquer modo, resulta manifesto que tal princípio carece de uma
substancialização que o concretize junto à realidade vivenciada. Na interação complexa
das relações entre a Administração Pública e os administrados, qualquer atitude no
sentido de buscar a supressão de direitos inerentes a um desses pólos de imantação de
obrigações e de deveres na esfera jurídica, reclamam, ou melhor, exigem, no mínimo,
uma fundamentação apoiada em ações racionais justificadas por uma legitimação
conformada por um diálogo. Caso assim não seja, poderemos nos deparar com a
atuação do sistema jurídico em manifesta distonia com as regras mínimas de logicidade
e de eticidade exigíveis para tal ação.
Instituindo-se no ordenamento jurídico nacional, por primeiro, nos limites da
Constituição Federal, assume o princípio da segurança jurídica duas feições distintas.
Em seu preâmbulo, a Constituição Federal mostra-o sob a forma de valor. Já sob o
título dos direitos e garantias fundamentais, mostra-se integrado às garantias inerentes
ao Estado Democrático de Direito, materializando-se, nesse último espaço normativo,
pelo rol dos direitos e deveres individuais e coletivos.
Portanto, independentemente de tomá-lo por valor, ou por direito fundamental,
mostra-se o princípio da segurança jurídica como sustentáculo de qualquer asserção
associada à extinção ou inibição do exercício de direito, exigindo-se, entretanto, que as
razões para que se o faça estejam associadas à prova de que tais razões situam-se
numa articulação com os objetivos e os fundamentos da própria ordem jurídica como
um todo.
52
a partir de tais garantias, instituem-se às ordens social e estatal,
constituindo-se, em um primeiro plano, no tecido de regulação constitucional do Estado
e da sociedade brasileiras.
Tal ordem, num segundo momento e por derivação do estamento
constitucional, é explicitada pela rede complexa determinada pela legislação
infraconstitucional, de molde a garantir-se, em abstrato, a existência e a efetivação da
ordem jurídica nacional. Tal estrutura permite que o princípio da segurança jurídica
possa assumir a condição de fiadora formal dos interesses inerentes à sociedade
democrática, como fator imprescindível à existência efetiva do Estado Democrático de
Direito.
É manifesto que tal proteção traga ínsita em sua própria natureza constitutiva, a
idéia de segurança em si, dado que manifesta, de forma mediata, o afastamento de
qualquer espécie de fragilidade ou de incerteza, com o que assumem uma dimensão de
perfil axiológico
41
. Nesse sentido, explicita BONAVIDES que:
Os direitos representam por si certos bens, as garantias destinam-se a assegurar a
fruição desse bens; os direitos são principais, as garantias são acessórias e, muitas
delas, adjetivas (ainda que possam ser objeto de um regime constitucional
substantivo); os direitos permitem a realização das pessoas e inserem-se direta e
imediatamente, por isso, nas respectivas esferas jurídicas, as garantias nelas se
projetam pelo nexo que possuem com os direitos; na acepção jusracionalista inicial, os
direitos 'declaram-se', as garantias 'estabelecem-se'.
Entretanto, não se pode olvidar que a certeza formal oriunda de um regime
constitucional, não afasta a incerteza oriunda de conflitos intersubjetivos. Ante as
alternativas de resolução das contendas pontuais, no campo concreto das dissidências
possíveis, ofertadas pelos titulares de interesses em confronto, poderá ser
explicitada a solução do conflito a partir de uma decisão formada no âmbito de uma
unidade estruturada.
Para tanto, haver-se-á de observar-se, por primeiro, a dimensão dos limites
estabelecidos pela discussão, estando esta última conformada pela tarefa reflexiva a
ser empreendida no âmbito do sistema jurídico. Por segundo, a partir de tais fronteiras,
41
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 484;
53
de modo a que se possa estabelecer, ante a um conteúdo restrito de soluções
conectadas às normas jurídicas, uma decisão juridicamente adequada, tal conjunto
normativo deverá estar atento à intenção diretiva firmada pelo princípio da segurança
jurídica, o qual servira como diretriz genérica de adequação.
No que atine ao acervo compacto e complexo corporificado pela legislação
infraconstitucional, a pretensão à segurança jurídica manifesta-se como o espaço mais
comum de garantia de certeza assegurada aos indivíduos para a realização de seus
interesses juridicamente protegidos. Tal acervo de regulação permite, a cada pessoa,
ter o conhecimento antecipado das eventuais conseqüências de seus atos, de modo
que todas as relações efetivadas sob a égide de uma norma jurídica, mostram-se
adequadas a tal estatuto de vigência prévia. Assegura-se, a partir de então, a cada um
que, mesmo com a alteração ou supressão da regra na qual se baseia a conduta
perpetrada, em nada restarão atingidos os efeitos pretendidos pela prática do ato
específico, isso por que:
A 'segurança jurídica' consiste no "conjunto de condições que tornam possível às
pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das conseqüências diretas de seus
atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida". Uma importante condição da
segurança jurídica está na relativa certeza que os indivíduos tem de que as relações
realizadas sob o império de uma norma devem perdurar ainda quando tal norma seja
substituída.
42
Contudo, nem sempre o ordenamento jurídico infraconstitucional mostra-se
afinado com os preceitos de índole constitucional, o que gera, por diversas
circunstâncias, um choque manifesto em razão de diretrizes inconciliáveis plasmadas
nos dois espaços distintos de normatização.
Importa destacar, entretanto, que tal falta de conciliação, abstraídas às de
ofensa formal à estrutura do sistema, naquilo que caracteriza à sua funcionalidade pré-
ordenada, é produto de interpretações, resolvendo-se suas distonias por meio de
mecanismos estatuídos pelo próprio sistema, o qual estabelece técnicas decisionais
42
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 373;
54
implicadas por ações legalmente previstas, tais como as de declaração de
inconstitucionalidade de determinado preceito legal.
Tal problemática então busca encontrar no sistema jurídico nacional,
mecanismos de solução de tais conflitos, os quais, contudo, refogem à órbita das
presentes indagações. De qualquer modo, importa destacar a supremacia do texto
constitucional, o que, de certa forma, nos permite intuir a prevalência do valor sobre a
regra. Valor, aqui, no sentido de um fundamento axiológico de conteúdo transcendental
e não meramente pragmático, de molde a possibilitar que se tenha o princípio de
segurança jurídica tanto como um valor-fim, quanto um valor-meio43.
Como conseqüência, verifica-se que o Estado Democrático de Direito assume
condição marcante em presença e por decorrência do princípio da segurança jurídica, o
qual, por força de sua própria natureza, resulta por institucionalizar-se. Isso não implica,
contudo, que, ante tal constatação, possamos simplesmente darmo-nos por satisfeitos,
deixando de indagarmos a respeito da conformação da mencionada segurança. Isso
porque importa questionar até que ponto: é o Estado Democrático de Direito o
pressuposto ou antecedente lógico do instituto da segurança jurídica? No mesmo
sentido, é relevante que se tenha claro a forma pela qual a segurança jurídica se
materializa, na medida em que de nada vale tal princípio sem a sua efetiva
concretização na esfera das relações jurídicas.
No plano internacional, muitas foram as iniciativas de assegurar ao homem um
mínimo de segurança. A Declaração da Virgínia de 12 de junho de 1776, em seus arts.
1º e 3º, estabelecem que: Todos os homens nascem igualmente livres e independentes,
têm direitos certos, essenciais e naturais dos quais não podem, pôr nenhum contrato,
privar nem despojar sua posteridade: tais são o direito de gozar a vida e a liberdade
com os meios de adquirir e possuir propriedades, de procurar obter a felicidade e a
segurança, e que: O governo é ou deve ser instituído para o bem comum, para a
proteção e segurança do povo, da nação ou da comunidade. Dos métodos ou formas, o
melhor será que se possa garantir, no mais alto grau, a felicidade e a segurança e o
que mais realmente resguarde contra o perigo de má administração.
43
REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito, p. 88;
55
No mesmo sentido, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de, 26
de agosto de 1789, assevera, entre outros dispositivos, que: Art. 2.º A finalidade de toda
associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem.
Esses direitos são a liberdade, a prosperidade, a segurança e a resistência à opressão,
agregando, ainda, que: Art. 16.º A sociedade em que não esteja assegurada a garantia
dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações
Unidas (ONU), por seu turno, entre outros aspectos, estabelece que: Artigo VII - Todos
são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei.
Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente
Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.
Do mesmo modo, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem,
aprovada na IX Conferência Internacional Americana, em Bogotá, em abril de 1948,
disciplina que: Artigo - Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra os ataques
abusivos à sua honra, à sua reputação e à sua vida particular e familiar; e: Artigo 18 -
Toda pessoa pode recorrer aos tribunais para fazer respeitar os seus direitos. Deve
poder contar, outrossim, com processo simples e breve, mediante o qual a justiça a
proteja contra atos de autoridade que violem, em seu prejuízo, qualquer dos direitos
fundamentais consagrados constitucionalmente. Da mesma forma, a Convenção para a
Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais determina que: Artigo
5.º Direito à liberdade e à segurança. Toda a pessoa tem direito à liberdade e
segurança. Ninguém pode ser privado da sua liberdade.
Como visto, muitas o as manifestações, no plano internacional, no sentido de
reconhecer ao homem, genericamente falando, entre outros direitos, o direito à
segurança jurídica.
De tal forma, resulta evidente que, tanto no plano externo, quanto no plano
interno da relação conflitiva inerente ao entrechoque entre a segurança jurídica e o
conjunto complexo de interesses tolerados pelo Estado Democrático de Direito, exsurge
a necessidade de uma certeza do direito, como faculdade ante ao fato dado de um
direito objetivamente positivado. Assim: (...) a segurança é um 'a priori' jurídico para os
56
cidadãos; e a certeza é a confiança do cidadão nas leis, que lhe permitem agir
eticamente, adotando condutas razoáveis e previsíveis, (...)44. De tal assertiva, retira-se
então que: segurança é fato, enquanto a certeza pode ser havida como valor, na
medida em que:
A segurança se traduz objetivamente (Direito objetivo 'a priori') através das normas e
instituições do sistema jurídico (como a norma agendi dos romanos). a certeza do
direito (como um 'posterius') se forma intelectivamente nos destinatários destas normas
e instituições (a 'facultas agendi', embora esta analogia não seja completa)
45
.
Em realidade, tais acepções não podem ser aceitas sem qualquer crítica. A
idéia de que a segurança jurídica decorre do direito como um efeito das leis vigentes
em um determinado momento histórico, sendo a certeza decorrente do conhecimento e
da valoração dessas leis 46, não se mostra como enunciado seguro por si só. Sabe-se,
mormente em países como o Brasil, que as leis necessariamente não são cumpridas
ante ao simples fato de estarem em vigor. Ademais, o mecanismo de explicitação de
sua existência, a partir da associação de sua certeza ao fenômeno do conhecimento de
sua vigência, como modo de justificação de tal estado, caracteriza-se como uma
afirmação desprovida da própria certeza invocada, dado tratar-se de um raciocínio
conformado em manifesto desacordo com a realidade vivenciada. Isso porque: A lei,
para a grande maioria da população, nas sociedades latino-americanas, é um dado de
pura abstração, inteiramente dissociado da realidade na qual imersa essa maioria. 47
Importa, e muito, que se afirme que em nada resta invalidada a percepção de
que a segurança jurídica depende da aplicação efetiva do Direito na expressão de sua
legalidade, na medida em que: (...) o Direito corresponde à exigência essencial e
44
MOTA DE SOUZA, Carlos Aurélio. Segurança jurídica e jurisprudência: um enfoque
filosófico-jurídico, p.26;
45
MOTA DE SOUZA, C. A. Idem, p.26-27;
46
MOTA DE SOUZA, C. A. Idem, ibidem;
47
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto, p. 124;
57
indeclinável de uma convivência ordenada, pois nenhuma sociedade poderia subsistir
sem um mínimo de ordem, de direção e solidariedade. "48
É consabido que: (...) não há ninguém que não viva sob o Direito e que não seja
por ele constantemente afectado e dirigido. O homem nasce e cresce no seio da
comunidade e à parte casos anormais jamais se separa dela. Ora o Direito é um
elemento essencial da comunidade. Logo, inevitavelmente, afecta-nos e diz-nos
respeito. 49 Portanto, reconhecido e aceito o princípio da segurança jurídica como, no
mínimo, um pressuposto de garantia ao cidadão e ao próprio Estado, mostra-se
necessário que se compreenda em que consiste e como se efetiva a certeza de que tal
segurança emerge.
2.2. A CERTEZA
De início, de asseverar-se que a certeza se mostra, para os fins das
presentes indagações, como um fenômeno cognitivo de natureza objetiva. de ser
caracterizada pela sua concretude, a qual permite a percepção de uma evidência que
afasta qualquer dúvida formal. Mostra-se indispensável realçar que muitas são as
formas de certeza. Contudo, tais qualificações refogem a órbita destes
questionamentos, na medida em que assumem um conteúdo de natureza
marcadamente filosófico e não jurídico.
CARLOS AURÉLIO MOTA DE SOUZA esclarece que: (...) Certeza é conceito
relativo a conhecimento e que diferença evidente entre Segurança e Certeza. A
Segurança é objetiva, visível, publicada, está nas leis, nos sinais, e a própria Lei é um
sinal, pode-se dizer. Certeza é a confiança em algo que a segurança projeta em cada
um de nós: a Segurança externa nos dá Certeza interna. Se a lei diz que temos direitos,
estamos 'seguros'.50
48
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, p. 2;
49
ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico, p. 6;
50
MOTA DE SOUZA, C. A. Obra citada, p. 27;
58
A certeza, portanto, mostra-se, por primeiro, como uma garantia objetiva e
racionalmente fundada no conhecimento de uma verdade presumida, conhecimento
este que gera um sentido de segurança psíquica. Por isto, concomitantemente à
certeza psíquica, a certeza assume, também, a condição de uma garantia de natureza
subjetiva, possibilitando a geração de um sentido de estabilidade internalizado pelo
indivíduo. Em síntese: (...) a Certeza de um conhecimento pode vir pelo objeto ou pela
causa: pelo objeto, predomina a Razão; pela causa, predomina a Fé. Então, a Certeza
objetiva é mais razão do que vontade, enquanto a Certeza subjetiva é mais vontade do
que razão.51.
É vital, entretanto, que se entenda essa certeza como originária e justificada por
uma razão prática. Prática na medida em que ela assume a feição de uma forma
jurídica de garantia de resolução dos conflitos, pela instituição de possíveis relações
pacíficas entre os homens. A partir daí a certeza passa a corporificar um ente que se
institui como fiador da realização de um direito adequado à solução dos conflitos. Esses
vínculos adstritos à certeza, como elementos de composição da tecitura da segurança
jurídica, é que poderão atribuir à prescrição administrativa a capacidade de legitimação
necessária em presença de eventuais conflitos protagonizados pelos interesses da
Administração Pública, em confronto com os interesses do administrado.
Tomada, portanto, como elemento oriundo de uma reflexão informada por uma
razão prática, a certeza passa a vincular-se a outras formas ou sinais de compreensão.
Entre outros, à justiça. Não como idéia, mas primordialmente como tarefa e como
expectativa possível. Por este modo então, a idéia de justiça assume uma vinculação
peculiar à constituição da certeza, concretizando-se, contudo, a partir dos limites
instituídos pela segurança jurídica. Tais limites, entretanto, não resultam de uma
determinação puramente lógica, mas de uma indeterminação a ser dissolvida pelo
processo histórico no qual o Direito se constitui cotidianamente.
51
MOTA DE SOUZA, C. A. Obra citada, p. 30;
59
2.3. SEGURANÇA JURÍDICA E JUSTIÇA
Fator fundamental a ser explicitado diz respeito à questão da justiça. Isto
porque mostra-se, no mínimo, incômodo que uma ordem jurídica válida, mas injusta,
possa prevalecer reivindicando a pretensão de paradigma de pacificação dos conflitos
emergentes de determinado espaço social. Contudo, a coexistência entre segurança e
justiça não pode restar limitada à exclusiva esfera da intencionalidade. Importa,
primordialmente que se explicite: qual seria o nculo necessário entre segurança e
justiça?
É incontroverso que a segurança jurídica, enquanto valor, e enquanto norma,
não pode pretender instituir-se, mostrando-se alheia aos reflexos e aos efeitos práticos
oriundos de uma idéia de justiça. Contudo, a partir de tal constatação, de imediato
impõe-se a indagação relativa ao que se poderia ter como justo. Muitas foram as
concepções que pretenderam elucidar tal conteúdo, não se tendo logrado, ainda, a
concretização de um conceito universalmente aceito. Ademais, descambar para o
intento utópico de construção de um conceito de justiça, mostrar-se-ia, no mínimo,
como uma tarefa alheia aos limites da dogmática jurídica, deslocando-se para as teias e
para as armadilhas da filosofia, aduzindo-se a isso a circunstância, por demais
conhecida, de que, ao empreenderem suas buscas, nem mesmo os seus mais ilustres
cultores do Direito a lugar nenhum chegaram.
Diante de tal perplexidade, a idéia de valor assume uma condição mais
propícia. Isso porque, em assim procedendo, não se mostraria contraditório assumir-se
o conteúdo do princípio de segurança jurídica como um dos elementos da idéia de
justiça, enquanto valor. Alerte-se, entretanto, da inviabilidade da construção em reverso,
qual seja o conteúdo do princípio de justiça como um dos elementos de conformação da
idéia de segurança jurídica. Isso porque sendo a certeza jurídica a materialização do
princípio da segurança jurídica conformado pela percepção subjetiva de cada um,
estaríamos a gerar a possibilidade do surgimento de conflitos insolúveis, dado que se a
cada um fosse assegurado ter como adequado o seu conceito de segurança, a natural
60
conflituosidade dos interesses individuais, na maioria dos casos, permitiria a invocação
de tantos conceitos quantos fossem as partes em dissenso.
Ante tal perspectiva, surge então a necessidade de que se possa identificar os
requisitos mínimos e específicos de constituição daquilo que se constitui como
segurança jurídica. Nesse sentido, MOTA DE SOUZA explicita que temos duas ordens
de requisitos vocacionados a tal explicitação. Tratam-se de exigências de duas índoles
distintas, quais sejam: exigências objetivas e exigências subjetivas. As exigências
objetivas assumem uma dúplice tipologia, configurando-se como modos de correção de
natureza estrutural e de natureza funcional.
A correção estrutural: (...) é tarefa do Legislativo na formulação das normas: a
estrutura do ordenamento jurídico.52 A correção funcional: (...) está no campo da
negociação, da Administração e da Jurisdição, ou seja, no campo particular, na área
administrativa (Executivo) e na jurisdicional (Judiciário), respectivamente; refere-se ao
cumprimento do Direito por seus destinatários, e em especial pelos órgãos aplicadores
ou intérpretes do Direito.53
No que atine às exigências subjetivas, e aqui reside ponto a exigir profunda
reflexão, dado envolver critérios informados primacialmente por forte conteúdo de
subjetivação, é a garantia estrutural oriunda do sistema legal, encontrada na lei e na
sua aplicação, o referencial pressuposto de previsibilidade, na medida em que torne
possível aos cidadãos o conhecimento antecipado das conseqüências jurídicas de seus
atos. De modo que: No momento em que o sujeito se conscientiza plenamente do que
pode fazer, ou não, ele tem a 'certeza do direito'54.
Mas se a certeza jurídica, ao final de tudo, decorre da segurança jurídica, em
razão da estrutura do ordenamento jurídico na sua funcionalização, vinculando-se,
portanto, ao cumprimento do Direito por seus destinatários de modo geral, impõe-se
que a idéia de segurança jurídica assuma a conformação de um instituto de múltiplas
feições, no fito de impedir que da possibilidade de particularização individualizada de
52
MOTA DE SOUZA, C. A. Obra citada, p. 79;
53
MOTA DE SOUZA, C. A. Idem;
54
MOTA DE SOUZA, C. A. Idem, ibidem;
61
seu conteúdo, possibilite-se a escolha da conformação conceitual de tal garantia,
conforme o interesse pessoal de quem a venha invocar. Para tanto, mostra-se oportuno
que a segurança jurídica possa de ser vista, concomitantemente, como: um princípio;
como um valor; e como um direito.
2.4. SEGURANÇA JURÍDICA COMO PRINCÍPIO
A primeira questão que se impõe ao pretender-mos visualizar o instituto da
segurança jurídica como princípio, diz respeito à sua própria categorização como tal.
Desse modo, impõe-se indagar: de que modo, ou por que forma a segurança jurídica é
um princípio?
Como nexo intransponível à compreensão do indagado, importa,
preliminarmente, que se tenha claro o conteúdo da expressão princípio. NICOLA
ABBAGNANO refere, entre outras conceituações, que princípio é o: (...) ponto de
partida e fundamento de um processo qualquer.55 AURÉLIO BUARQUE DE
HOLLANDA FERREIRA assevera que princípio é o: (...) momento em que alguma coisa
tem origem; origem; começo, causa primária; elemento predominante na constituição de
um corpo orgânico; teoria; preceito; estréia; germe ...56.
Face tais parâmetros, pouco se esclarece a respeito da idéia da segurança
jurídica como princípio, embora possamos vislumbrar elementos indicativos da
possibilidade de que a segurança jurídica possa ser vista como tal. Entretanto, não se
pode negar que a assunção, por parte da idéia de segurança jurídica, da tonalidade de
fundamento e de preceito, em nada conflitaria tal instituto com as normas jurídicas
residentes, tanto na Constituição Federal, quanto no demais corpo normativo
infraconstitucional.
Diante de tal perspectiva, a idéia de segurança jurídica assumiria, na esteira de
tal delimitação, a mera condição de fator de operacionalização para a garantia da
55
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia, p. 792;
56
FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda. Pequeno dicionário brasileiro da língua
portuguesa, p. 981;
62
certeza do direito. Assume, portanto, a condição de uma mera estrutura prévia, com
natureza de pressuposição de conteúdo explicitante, voltada a compreensão racional do
Direito, assumindo as feições de garantia vocacionada à pacificação dos conflitos. Isto,
contudo, não gera a garantia de que a segurança jurídica possa mostrar-se como a
diretriz capaz de possibilitar uma composição adequada dos conflitos.
Em razão de tais circunstâncias, a segurança jurídica, como valor, deve ser
tomada como ponto de partida, como um caminho passível de objetivação, voltada ao
fim da pacificação da sociedade, de modo que os contendores possam sentir-se
seguros, mesmo sendo protagonistas de um processo marcado pela indeterminação,
mas que busca descobrir, entre as múltiplas soluções implícitas que integram a ordem
jurídica positivada, a solução para o seu caso concreto através de uma segura escolha
de uma solução viável.
Por tal ótica, a indagação que, em seqüência, se apresenta, diz respeito à
possibilidade de ser a segurança jurídica um princípio jurídico. Tal questionamento, de
início, poderia parecer desnecessário, porquanto sendo a segurança qualificada de
jurídica, por decorrência lógica, em sendo-lhe reconhecida a condição de princípio, a
sua categorização de princípio jurídico resultaria como fator de mero reconhecimento
silogístico. Entretanto, a partir do momento em que se busca junto à dogmática o
conceito de princípio jurídico, percebe-se que tal justaposição de raciocínio não se
mostra tão evidente, ante à sua multifacetada compreensão.
CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO diz ser princípio jurídico um: (...)
mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental
que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério
para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido
harmônico.57 Ora, diante de tal assertiva é de indagar-se: a segurança jurídica é
passível de ser entendida como um mandamento nuclear do sistema jurídico brasileiro?
Em assim se reconhecendo, o princípio da segurança define a gica de tal sistema
57
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, p. 450;
63
normativo? E, por fim, o princípio da segurança jurídica um sentido harmônico ao
ordenamento jurídico brasileiro?
Procedendo-se, tão-somente, por ora, de forma heurística, embora seja
necessário reconhecermos a abrangência e a natural indeterminação do conceito, o que
lhe gera manifesta imprecisão, não se pode negar, nessa ótica restrita, à segurança
jurídica, as feições de um princípio jurídico. Tal conclusão prévia encontra apoio no
próprio reconhecimento de tal condição, a partir de uma frágil leitura linear, por parte da
própria Constituição Federal, a qual o nomina, por primeiro, sob o prisma de valor
(preâmbulo da Constituição Federal), e, por segundo, como elemento conformador dos
direitos e garantias fundamentais (art. 5º, da Constituição Federal), permitindo a
possibilidade de que assim seja entendido.
Entretanto, a sua intelecção como princípio jurídico, a partir, tão-somente, do
pressuposto de que sua conformação como mandamento lógico-racional do sistema
normativo, com o poder vitalizador do sistema jurídico, dando-lhe sentido e harmonia,
mostra-se, no mínimo, como uma radicalização problemática. Isto porque tal visão
resulta ontológicamente estreita, na medida em que visualizar o princípio da segurança
jurídica como uma espécie de norma fundamental de legitimação e de fundação original
do próprio sistema, capaz de revogar eventuais normas positivas que com ele se
mostrassem incompatíveis, não lhe explica, nem lhe explicita a sua própria constituição
essencial, legitimando-se a partir de uma mera abstração oriunda da escolha procedida
pelo legislador constitucional.
HUMBERTO ÁVILA, por seu turno, assevera que os princípios: (...) são normas
imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de
complementariedade e de parcialidade, para cuja aplicação demandam uma avaliação
da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da
conduta havida como necessária à sua promoção.58 Também aqui se reforça a
percepção da segurança jurídica como princípio. Contudo, tal conceituação resulta
marcada pelo relevo dado à figura do aplicador, na medida em que, conforme a
tonalidade do conceito, submete-se a idéia de segurança jurídica a uma avaliação
58
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios
jurídicos, p. 119;
64
prévia entre um conjunto de circunstâncias e os efeitos da adoção de tal princípio a
serem sopesados. Tal sopesamento, por óbvio, de ser procedido pelo aplicador da
norma. A idéia de necessidade, por seu turno, decorre de uma opção historicamente
situada, o que pode vir a gerar um afastamento estratégico do preceito, com manifesta
lesão a intencionalidade do texto constitucional. Para que se visualize tal perplexidade,
bastaria que se indagasse, a partir de tal conceituação, quais seriam as justificativas
que indicam uma conduta necessária, com força suficiente para legitimar uma avaliação
de natureza correlativa.
Embora não se possa negar que, também nesse prisma, a idéia de segurança
jurídica assume a condição de princípio, submetê-lo ao pressuposto de uma avaliação
por parte de um eventual aplicador da norma, incumbido de proceder à mencionada
correlação, mostra-se, de imediato, como circunstância extremamente problemática,
que a necessária valoração de efeitos decorrentes de uma conduta, tida por necessária,
resulta no deslocamento da indispensável racionalidade jurídica prática para um
particularismo de natureza política, o que pode gerar distorções ideológicas graves ao
próprio sistema normativo. Ou seja, a aplicação do princípio poderia restar submetida a
uma correlação de forças informadas por fatores alheios ao sistema normativo, mas
com forte grau de influência na seleção dos critérios tidos por adequados por parte de
tal aplicador e, eventualmente, a quem ele se encontra submetido59.
ROBERT ALEXY destaca, como ponto decisivo, a necessidade prévia que
se diferencie60, no âmbito das normas como gênero, as regras dos princípios. A partir
de tal diferenciação, deverá restar perfeitamente caracterizado o princípio como um
mero mandato de otimização, a ser cumprido a partir de um conjunto de possibilidades
demarcadas pela constatação da existência o de regras, mas de princípios
opostos, afirmando que:
59 Em países como o Brasil, a força de influência de determinados grupos organizados,
mostra-se sempre como uma significativa influência no modo pelo qual a lei é interpretada, o
que, por certo, gera compreensões do sentido da lei conforme o interesse de tais grupos;
60
Importa destacar que ÁVILA não só reconhece a diferença entre regras e princípios,
como realça, no seu trabalho acima referido, tal distinção;
65
El punto decisivo para la distinción entre reglas y principios es que los 'principios' son
normas que ordenam que algo sea realizado en la mayor medida posible, dentro de las
posibilidades jurídicas y reales existentes. Por lo tanto, los principios son 'mandatos de
optimización, que están caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos en
diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento no sólo depende de las
posibilidades reales sino también de las juridicas. El ámbito de las posibilidades
jurídicas es determinado por los principios y reglas opuestos.
61
Na esteira de tal proposição, ROBERT ALEXY aproxima-se mais daquilo que se
mostra, sob o prisma de uma visão ônticamente informada, significativamente
adequado à configuração da idéia de segurança jurídica como princípio. Isto porque
ROBERT ALEXY não lhe limita a compreensão à esfera única do aplicador, aduzindo a
tal operação a necessária consideração às possibilidades reais de sua aplicação,
adstrito o seu cumprimento a outras esferas além da esfera jurídica tão-somente. Ou
seja, ROBERT ALEXY privilegia o sentido empírico e factual da norma a ser aplicada
em correlação à norma de sentido oposto, diante do caso concreto. Nessa senda,
então, o princípio da segurança jurídica deve ser aplicado em presença de duas
possibilidades. A possibilidade real e a possibilidade jurídica.
Como princípio, a segurança jurídica, além de assumir a condição de meio
estratégico para a consecução de otimização das soluções normativas vocacionadas à
resolução dos conflitos, limita tal ordenação não à realidade e às possibilidades de
tal realidade, mas também às possibilidades de natureza jurídica. Ou seja, não se
afasta do jurídico em direção a outros sistemas de regulação, de modo a
descaracterizar o próprio princípio, mas, ao mesmo tempo, não desconsidera a
necessidade de sua justificação perante o mundo circundante62. Constrói-se a
segurança jurídica, na visão de ROBERT ALEXY, a partir de um processo dialético.
61
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, p. 86;
62
"Não assumimos pura e simplesmente comportamentos aprendidos, sejam eles em
termos de respeito a normas éticas, sociais ou jurídicas da tradição, mas pedimos a sua
justificação. O homem não está diante da "realidade" como consciência "sem mundo", mas se
ergue por meio da construção articulada do seu corpo e dos seus instintos herdados sobre um
"mundo circundante", o qual ele, ao 'falar', transforma no 'seu mundo', articulado de modo
infinitamente mais rico, e que, apesar de tudo, futuramente, o cerca. Dizer que estamos no
'mundo' significa, pois, que estamos situados dentro de uma possibilidade infinitamente
atualizável:"In: FERRAZ, T. S. Obra citada, p. 4;
66
Entretanto, não se pode deixar de considerar que, em presença de conflitos
emergentes na sociedade, a regulação deverá estar apoiada em regulamentações com
força inafastável de obrigação intersubjetiva. Ou seja, os contendores devem ser
submetidos por um procedimento que, estrategicamente, seja capaz de compor as
posições contraditórias de modo idêntico, sem qualquer espécie de privilégio ou
benefício.
A mera oferta de um procedimento de natureza dialética não é capaz de suprir
as diferenças existentes entre os litigantes. Portanto, a atuação de cada um dos
contendores deve estar submetida a uma força de integração que conduza à
pacificação do litígio, observada a mais estrita igualdade. Agregado à primeira
condição, o litígio deverá ser deslocado para o interior de um sistema normativo,
previamente reconhecido intersubjetivamente pelos litigantes, com força coativa
suficiente para submetê-los em um mesmo nível e com as mesmas condições, qual
seja um sistema de coação baseado em um direito objetivo. assim o princípio da
segurança jurídica torna-se viável.
Em razão do acima apontado, percebe-se então que de nada resolve identificar-
se a existência, por exemplo, do princípio da prescritibilidade das sanções disciplinares,
na esfera do Direito Administrativo, sem que a Administração Pública e o servidor
público estejam submetidos a regras jurídicas positivadas.
De outra banda, RONALD DWORKIN manifesta serem princípios: (...) a un
estándar que há de ser observado, no porque favorezca o asegure una situación
económica, política o social que se considera deseable, sino porque es una exigencia
de la justicia, la equidad o alguna outra dimensión de la moralidad.63 Assevera, ainda,
que a distinção entre princípios jurídicos e normas jurídicas nasce de uma mera
distinção lógica, que diferem na orientação que deles, respectivamente, decorre,
posto que as normas, ao contrário dos princípios o aplicadas de forma disjuntiva,
enquanto os princípios mostram-se adstritos a uma dimensão de peso e de importância
para o caso, dimensão esta a ser identificada pelo aplicador da norma64.
63
DWORKIN, Ronald. Los derechos en serio, p. 72;
64
DWORKIN, R. Idem, p. 75;
67
RONALD DWORKIN, portanto, padece dos mesmos equívocos acima
realçados. Desloca o princípio para esfera ética e submete-o a validação subjetiva do
aplicador, o qual se mostrara legitimado na medida em que se apóie em paradigmas
idealistas, tais como o referido pela expressão: desejável, circunstância esta que
poderá ser facilmente manipulada de forma ideológica, face a ambigüidade de tal
expressão. Há, em se seguindo tal concepção, portanto, o grave risco de legitimar-se
razões fundadas na relativização de conceitos não submetidos a uma crítica
intersubjetiva, privilegiando-se interesses individuais em detrimento de um
questionamento que faça àquele que invoca tal argumento demonstrar a
sustentabilidade de sua posição no âmbito de um ordenamento jurídico situado e
submetido a um Estado Democrático de Direito.
Por conseqüência, o centro ético-político a informar a aplicação do princípio da
segurança jurídica, deve estar adstrito não somente ao que é desejável, mas
fundamentalmente pela comprovação de que tal princípio está a otimizar o que a lei
estabelece de forma objetiva. Isto porque:
Uma ordem jurídica não pode limitar-se apenas a garantir que toda pessoa seja
reconhecida em seus direitos por todas as demais pessoas; o reconhecimento
recíproco dos direitos de cada um por todos os outros deve apoiar-se, além disso, em
leis legítimas que garantam a cada um liberdades iguais, de modo que a ‘liberdade do
arbítrio de cada um possa manter-se junto com a liberdade de todos’.
65
Ademais, no mesmo sentido do manifestado por HUMBERTO ÁVILA, e por
RONALD DWORKIN, vincula-se a idéia de princípio, entre outras circunstâncias, a um
ato de vontade do aplicador da norma, associando tal vontade a identificação de uma
dimensão de peso e de importância, por tal aplicador atribuídos a norma jurídica a ser
aplicada. A partir de tal valoração subjetiva individual, passa esta, a título de princípio, a
regular uma situação conflituosa sob o prisma daquilo que seria desejável. Portanto, a
idéia de segurança jurídica, também por tal ótica, pode assumir a condição de um
princípio jurídico, embora não se possa deixar de alertar para os riscos inerentes a tais
65
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade, volume I, p.
52;
68
perspectivas, na medida em que o desejável será o critério diretriz de tal escolha. Ante
tal perspectiva é de indagar-se: desejável para quem? E mesmo que se instituam
critérios éticos severos, como paradigmas de tal desejo, também de indagar-se:
quem exercerá o controle e a fiscalização de tais critérios. Em sociedades periféricas
como é o caso do Brasil, sabe-se que tais controles, dependendo em face de quem
serão exercidos, tornam-se de compreensão flexível.
Entretanto, estamos, ainda, sem uma referência pacificadora da indagação ao
início proposta, qual seja a de ser, ou de não ser a idéia de segurança jurídica um
princípio jurídico. BELADIEZ ROJO pacifica tal dissenso ao afirmar que: Averiguar
cuáles son las ideas esenciales sobre las que se construye un ordenamiento constituye
una tarea más propia de filósofos que de juristas; prueba de ello es que la
determinación del fundamento del derecho siempre dependido de las ideas
filosóficas de cada momento.66 De tal sorte, para MARGARITA BELADIEZ ROJO, os
princípios jurídicos nada mais são do que o indicativo dos valores jurídico-éticos de uma
comunidade, constituindo-se na base estrutural sobre a qual se constrói o ordenamento
jurídico. Para tanto, explicita que:
Ciertamente, los principios jurídicos constituyen la base o estructura sobre la que se
construye el ordenamiento, pero ello no quiere decir que esta estructura sea idéntica
en todos los sectores del mismo. Estas 'bases' del Derecho, puden tener una
naturaleza muy diferente según el sector concreto al que se refieran, siendo en el
conjunto de las mismas donde el Derecho se apoya. Por ello, sólo la consideración en
su conjunto de los distintos princípios jurídicos pude identificarse com 'los soportes
estructurales des sistema entero, no siendo predicable, en cambio, de cada uno de los
princípios que lo integram individualmente considerado. Por estas razones, considero
que 'princípios jurídicos', 'princípio del Derecho' y 'princípios generales del Derecho' no
son más que expresiones diferente que designam un fenómeno único: los valores
jurídico-éticos de una comunidad.
67
Mostrando-se como uma das bases estruturais do ordenamento jurídico,
parece-nos que a idéia de segurança jurídica, mormente em razão de seu sítio
constitucional, não encontra obstáculo a tê-la como um princípio do ordenamento
66
BELADIEZ ROJO, Margarita. Los principios jurídicos, p 17-18;
67
BELADIEZ ROJO, M. Obra citada, p 133;
69
jurídico brasileiro. Entretanto, tal compreensão, por si só, não se revela suficiente, dado
que a pretensão de supervalorar à vontade e a percepção do aplicador da norma,
transforma o ditame principiológico num mundo de sombras.
A nosso sentir, contudo, sua viabilidade resulta adequada dentro de limites.
Tomando-se em conta, conforme ROBERT ALEXY, o conjunto das possibilidades
jurídicas e reais inerentes ao ordenamento jurídico em que devem estar situados, tal
concepção deve ser acrescida do entendimento esposado por MARGARITA BELADIEZ
ROJO, qual seja a de compreendermos os princípios jurídicos também sob a feição de
valores jurídico-éticos de uma comunidade, culminando-se por associar estas duas
visões às leis legítimas que garantam a cada um liberdades iguais, de modo que a
‘liberdade do arbítrio de cada um possa manter-se junto com a liberdade de todos’, na
feliz expressão de JÜRGEN HABERMAS, conforme o acima mencionado.
Contudo, o reconhecimento do princípio da segurança jurídica, a partir do texto
constitucional, implica a necessidade de sua compreensão também sob outras duas
óticas distintas, quais sejam: segurança jurídica como valor, e segurança jurídica como
direito.
2.5. SEGURANÇA JURÍDICA COMO VALOR
Diz a Constituição Federal de 1988, em seu preâmbulo que:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte
para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos
direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida,
na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,
promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL.
68
(grifos nossos).
68
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro
de 1988, atualizada até a Emenda Constitucional nº 35, de 20.12.2001, 29ª edição. São Paulo:
Saraiva, 2002;
70
Da leitura do preâmbulo da constituição, percebe-se, de imediato, que tal
manifestação corporifica um conjunto de princípios destinados a orientar a
compreensão do texto constitucional em si, explicitando as diretrizes básicas da
constituição. ALEXANDRE DE MORAES esclarece que:
O preâmbulo de uma Constituição pode ser definido como documento de intenções do
diploma, e consiste em uma certidão de origem e legitimidade do novo texto e uma
proclamação de princípios que demonstra a ruptura com o ordenamento constitucional
anterior e o surgimento jurídico de um novo Estado. É de tradição em nosso Direito
Constitucional e nele devem constar os antecedentes e enquadramento histórico da
Constituição, bem como suas justificativas e seus grandes objetivos e finalidades.
Embora não faça parte do texto constitucional propriamente dito e, conseqüentemente,
não contenha normas constitucionais de valor jurídico autônomo, o preâmbulo não é
juridicamente irrelevante, uma vez que deve ser observado como elemento de
interpretação e integração dos diversos artigos que lhe seguem.
(...)
O preâmbulo constitui, portanto, um breve prólogo da Constituição e apresenta dois
objetivos básicos: explicitar o fundamento da legitimidade da nova ordem constitucional
e explicitar as grandes finalidades da nova Constituição.
(...)
O preâmbulo, portanto, por não ser norma constitucional, não poderá prevalecer contra
texto expresso da Constituição Federal, nem tampouco poderá ser paradigma
comparativo para declaração de inconstitucionalidade; porém, por traçar as diretrizes
políticas, filosóficas e ideológicas da Constituição, será uma de suas linhas mestras
interpretativas.
69
Mesmo não se caracterizando como norma constitucional, o preâmbulo formula
objetivos, explicita fundamentos e finalidades e traça diretrizes, conforme o acima
realçado, permitindo a identificação de uma concepção jurídica superior marcada por
forte conteúdo informativo.
Portanto, face tais assertivas grafadas pelo texto constitucional destacado,
resulta manifesto que, tanto os direitos, genericamente elencados, quanto a segurança
em sua feição de garantia generalizada, são instituídos a partir do pacto constitucional
nacional como valores supremos. Entretanto, a afirmação formal da segurança e dos
direitos, na forma das espécies referidas, como valores supremos, muito pouco ou
quase nada delimita, que o texto referido pressupõe uma sociedade ideal,
69 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação
constitucional, p. 119;
71
caracterizada pela fraternidade, pela pluralidade e pela ausência de preconceitos. Ante
tal expectativa de indagar-se: o valor da segurança jurídica decorre de qual
substrato?
Conforme explicita CARLOS AURÉLIO MOTA DE SOUZA
70
, a referência
constitucional aos valores por ela explicitados é caracterizada por: (...) tendências
axiológicas da Constituição: quando assegura 'valores superiores', a serem entendidos
além do que está escrito no texto constitucional, sob o prisma de algo que antecede e
transcende o próprio texto, devendo restarem garantidos pela consistência do
ordenamento jurídico, enquanto sistema normativo
71
.
Diante de tal referencial de consistência e de normatividade, CARLOS
AURÉLIO MOTA DE SOUZA no princípio da segurança jurídica três tonalidades
distintas, mas visceralmente associadas, na medida em que a reconhece como sendo:
um valor-meio, um valor necessário, e um valor adjetivo.
Como valor-meio, diz que a segurança jurídica: (...) resulta de um conjunto de
técnicas normativas dispostas a garantir a completude do sistema; ou seja, o
ordenamento jurídico tem, na Segurança, uma autocorreção, um corretivo dele próprio,
como 'meios predispostos para assegurar a observância, e, portanto, a conservação de
um determinado ordenamento constitucional'.
72
Como valor necessário, a segurança jurídica assume a condição de
pressuposto para: (...) a atuação dos valores que o ordenamento jurídico pretenda
realizar, em maior ou menor grau...
73
E, por fim, como valor adjetivo, na relação com os demais valores mencionados
pela Constituição, assevera que, sendo os demais valores identificados com condutas e
normas também valiosas, a segurança de sua realização decorre da sua qualidade de
70
MOTA DE SOUZA, C. A. Obra citada, p. 83;
71
MOTA DE SOUZA, C. A. Idem, p. 84;
72
MOTA DE SOUZA, C. A. Idem, ibidem;
73
MOTA DE SOUZA, C. A. Idem, ibidem;
72
também gerarem segurança.
74
Identifica no valor segurança, portanto, um sentido auto-
reflexivo.
Vê-se, então, que o princípio da segurança jurídica assume a condição de um
referencial de múltipla textura. Por primeiro, mostra a feição de uma referência de
conteúdo prático, auto-ajustada primordialmente ao sistema normativo constitucional.
Por segundo, assume, também, uma condição de necessariedade, a título de
pressuposto de efetivação de si próprio, corporificando, por decorrência, uma postura
autoreflexiva, da qual emanam efeitos em relação aos demais valores constitucionais,
como também em relação ao conjunto normativo que integra o sistema jurídico
nacional. E, por último, assume um conteúdo de integração aos demais valores,
visando atribuir-lhes um sentido de natureza compartilhada de sua própria essência
(segurança), de molde a matizar todo o sistema com o conteúdo de uma segurança em-
si. Tal segurança em-si, entretanto, não pode ser vista como uma mera ontologização
de um conceito, sob pena de transformar-se em mera referência de estrito cunho
formal, desprovida de qualquer efetividade.
Desse modo, essa segurança em-si passa e deve ser vista como a
radicalização oriunda do princípio que ela própria conforma, instituindo-se pela
possibilidade permanente de sua materialização em seu valor e na sua validade. Ou
seja, na medida em que o princípio torna-se presente, resulta afastada a possibilidade
de arbítrio. Portanto, vincular o princípio da segurança jurídica a uma avaliação
subjetiva de um eventual aplicador, ou ao ambígüo conceito de desejabilidade,
caracterizam-se como posturas de cunho fortemente reducionistas, capazes de impedir
a materialização do princípio na sua indispensável transcendentalidade.
Por tais circunstâncias, o princípio da segurança jurídica assume a condição de
substância originária e originante, no âmbito do sistema constitucional, mas que, por si
só, nada resolve ou impõe. Tão-somente propõe. Falta-lhe, por conseqüência, para o
efeito de assegurar-lhe um mínimo de concretude, identificar-se a existência, ou não, de
um sentido capaz de atribuir-lhe um significante com força suficiente para sustentar a
sua efetividade. Surge o impasse entre valor e sentido. Tal impasse poderá restar
74
MOTA DE SOUZA, C. A. Idem, ibidem;
73
dissolvido na medida em que se estabeleça um diálogo homólogo entre os partícipes de
todos os eventuais conflitos, na singularidade de cada situação, de modo a construir-se,
a partir do princípio da segurança jurídica, uma solução fundada no mútuo
entendimento.
Ademais, diante de tal impasse de indagar-se: valor e sentido põe-se em
que espécie de relação? Caso admitíssemos a possibilidade de mostrarem-se
excludentes, gerar-se-ia o paradoxo de uma contradição insuperável, na medida em
que estaríamos a reconhecer a existência da segurança jurídica como valor, mas, ao
mesmo tempo sem atribuir-lhe nenhum sentido.
Ora, ante a inexistência de um sentido prático, acarretaria tal pré-compreensão,
inexoravelmente, a dissolução do próprio sistema pela inaplicabilidade prática do
preceito, dado ser logicamente impossível imaginar-se um sistema jurídico
caracterizado pela insegurança. Por tais circunstâncias, a controvérsia de assumir a
conformação de uma tarefa de natureza e vocação pragmáticas, marcada por uma
busca séria de justificação da segurança jurídica como valor gerador de sentido prático
e concreto do próprio sistema jurídico em-si.
Por isso, num primeiro passo de tal tarefa de elucidação, de ter-se
redobrado cuidado em presença de singularidades agregadas numa associação de
complementaridade, com pretensão de prevalência para a solução de conflitos. A partir
de tais limites, correr-se-ia o risco de que, num processo autofágico, um sentido venha
a preponderar em relação a outros, a partir de escolhas marcadas por estrita
subjetivação, acabando, em conseqüência, por esvaziar alguns de seus conteúdos
possíveis. Tal esvaziamento decorre da impossibilidade concreta de imunização a
qualquer ideologia que se venha postar como vitoriosa, o que acabaria por inviabilizar o
princípio da segurança jurídica na sua própria singularidade, dissolvendo-o na incerteza
de sua conformação, a partir de interesses dissonantes. Em tais circunstâncias,
portanto, o princípio da segurança jurídica assumiria a mera condição de simulacro para
o efeito de legitimar, até mesmo, uma ordem de natureza antidemocrática.
Firmado o impasse, nos parece que só a partir da identificação e da delimitação
de conceitos prévios de valor e de sentido, numa ótica pragmática, é que poderíamos
74
construir uma intelecção consistente com o texto constitucional do qual tais referenciais
foram extraídos.
Até porque, muitas seriam as vertentes capazes de instrumentalizar um projeto
de desvelamento dos conteúdos adequados à delimitação de conceitos prévios de valor
e de sentido, e isto, por certo, nos levaria a um beco sem saída. Por isto, escolhida uma
orientação de justificação teórica, não se atina por quais critérios poder-se-ia questioná-
la, na medida em que a validade de tal orientação estaria situada num espaço ilimitado
de opções, bastando, para tanto, que assumisse um mero compromisso formal de
acatar os demais valores constitucionais e, em especial, o princípio democrático. Ou
seja, construir-se-ia uma autojustificação fundada em meras percepções subjetivadas
para eleição de um critério melhor, o que, por si só, demonstra a absoluta ausência de
legitimidade de tal via.
Nesse passo que surge a concepção de EROS ROBERTO GRAU, como via
possível de receber o acatamento de variável passível de universalização no estrito
espaço do aqui problematizado. Conforme tal jurista, a: necessidade de um 'retorno
à moralidade', de uma 'eticização do direito',
75
. Contudo, ante a inexistência de uma
ética que possa ser universalizada, em razão da multiplicidade de particularismos na
compreensão e na percepção de tal fenômeno humano, poder-se-ia reconhecer na
ética dos princípios jurídicos o conteúdo adequado das formas jurídicas
76
Entretanto, a simples escolha de uma ética de princípios, por si só, nada
resolve, ante a ausência de um solo adequado à sua sedimentação, podendo dar causa
à sua diluição como critério, ante a singela inexistência de um mínimo de
operacionalidade de tal opção. Ante tal perspectiva, surge a concepção do discurso
jurídico como espaço mediador dos conflitos, plasmado por uma lógica operativa que
conduz: "(...) por força de seus pressupostos, à questão do comportamento recíproco e
correto dos "jogadores"
77
.
75
GRAU, E. R. Obra citada, p. 77;
76
GRAU, E. R., Idem, p. 78;
77
FERRAZ JR, T. S. Obra citada, p. X;
75
Importa destacar que o discurso jurídico, para o efeito de possibilitar a
efetivação de qualquer conteúdo de natureza ética, de mostrar-se, antes de mais
nada, como um discurso racional e imparcial, marcado por forte distanciamento dos
interesses em conflito, de modo que:
A racionalidade do discurso jurídico não se localizaria nem nas soluções visadas
(racionalidade dos "fins" da ação), nem na programação monológica dos "meios"
(racionalidade formal dos instrumentos), mas no tratamento dialógico das alternativas,
caso em que temos um discurso que não se estrutura a partir de asserções 'certas', na
forma de regras e exceções, mas a partir de asserções 'dúbias', que permitem apenas
uma constância de problemas e uma necessidade de decisões, quando esses
problemas constituem conflitos. Vale dizer, um discurso que manipula, em princípio,
não "formas" (fixas, essenciais) e "matérias" (variáveis, contingentes), nem mesmo
"premissas" que ocorrem sempre, como componentes estruturais do decurso do
discurso, mas uma correlação funcional de questões e soluções de questões.
78
Desse modo, a partir de tal concepção, a perplexidade inicial resta
ultrapassada. A explicitação dos sentidos para a convocação de valores vocacionados à
fundamentação dos juízos jurídicos é incorporada, a partir de um discurso jurídico
racional, aos princípios jurídicos, que: (...) a validade jurídica do juízo tem o sentido
'deontológico' de um comando, e não o sentido teleológico do que podemos alcançar
sob dadas circunstâncias no horizonte de nosso desejos;
79
Isto porque os: (...)
princípios são dotados de sentido deontológico; já os valores são dotados de significado
teleológico80.
Sendo assim, o princípio da segurança jurídica de ser lido a partir de uma
lógica dos princípios jurídicos havidos como receptáculos de uma ética estruturada pelo
sistema constitucional brasileiro, no qual se situa o conteúdo de conformação
necessária à realização de uma justiça material, assegurada pela garantia de um
diálogo entre as eventuais partes em conflito, impedindo-se que, por múltiplas
circunstâncias possíveis, resulte privilegiado algum dos partícipes da discussão. O
próprio conceito de interesse público há de ser relido a partir de tal prisma. Na mesma
78
FERRAZ JR, T. S. Obra citada, p. 174;
79
GRAU, E. R. Obra citada, p. 79;
80
GRAU, E. R., Idem, ibidem, p. 78;
76
senda, a compreensão do fenômeno jurídico designado por prescrição administrativa
também há de ser compreendido a partir de tal referencial.
O princípio da segurança jurídica, como valor, assume, portanto, a condição de
invólucro de uma ética constitucionalmente construída. Tal ética, por seu turno, assume
a condição de regra prática a ser construída a partir do texto constitucional, aplicando-
se-a a partir de um discurso jurídico racional e dialógico, submetido, entre outras, à
regra do dever de prova, como centro ético-lógico81 da discussão, na medida em que:
se é assegurado ao partícipe dizer algo no arrimo de sua pretensão, de imediato surge-
lhe o dever de provar que o que diz não se mostra dissonante do sistema estruturado
pelo ordenamento jurídico positivo e, primordialmente, pela matriz constitucional.
Mas de ter-se em conta que o princípio da segurança jurídica, como valor,
constrói-se a partir da sua inserção na ordem jurídica, não de forma isolada, mas junto
a outros valores, entre os quais o da justiça. A partir de tal somatório, tais valores
passam a integrar o sistema jurídico na sua composição essencial, culminando pelo
múnus de constituírem-se em legitimadores do Estado Democrático de Direito e da
própria ordem constitucional. Tanto é assim que, no dizer de LUÍS ROBERTO
BARROSO:
Num Estado Democrático de Direito, a ordem jurídica gravita em torno de dois valores
essenciais: a segurança e a justiça, tanto material como formal, prevêem-se diferentes
mecanismos, que vão da redistribuição de riquezas ao asseguramento do devido
processo legal. É para promovê-la que se defende a supremacia da Constituição, o
acesso ao Judiciário, o respeito a princípios como os da isonomia e o da retroação da
norma punitiva mais benéfica.
A segurança, por sua vez, encerra valores e bens jurídicos que não se esgotam na
mera preservação da integridade física do Estado e das pessoas. Abrigam-se em seu
conteúdo, ao contrário, conceitos fundamentais da vida civilizada, como a continuidade
das normas jurídicas, a estabilidade das situações constituídas e a certeza jurídica que
se estabelece sobre situações anteriormente controvertidas.
82
81
FERRAZ JR, T. S. Obra citada, p. 8;
82 BARROSO, Luís Roberto. Prescrição administrativa: autonomia do direito
administrativo e inaplicabilidade da regra geral do código civil, p. 116;
77
Nessa senda, resulta impossível que se possa conceber uma ordem jurídica
desprovida da diretriz valorativa emanada do princípio da segurança jurídica, mormente
pela circunstância de que, se no deslinde dos conflitos conformados entre particulares,
no âmbito de regulação privada, tal preceito resulta inafastável, muito mais importante
se mostra a sua presença em face de litígios nos quais a Administração Pública é uma
das partes em confronto.
2.6. SEGURANÇA JURÍDICA COMO DIREITO
É, também, a partir da Constituição Federal que se poderá, de início,
compreender-se o estatuto do princípio da segurança jurídica sob o prisma da
segurança como direito. Contudo, tal constatação implica que se identifique, por
primeiro, a natureza de tal direito.
Não parece haver dúvidas de que tal direito é, não só por expressa cristalização
constitucional, mas, fundamentalmente, pela natureza e extensão de sua esfera de
regulação, um direito fundamental. Mas o que é um direito fundamental?
Partindo da lição de Carl Schmitt, BONAVIDES explicita que os direitos fundamentais,
de início, identificam-se com todos:
(...) os direitos ou garantias nomeados e especificados no instrumento constitucional.
83
.
[...] os direitos fundamentais são aqueles direitos que receberam da Constituição um
grau mais elevado de garantia ou de segurança; ou são 'imutáveis (unabaenderliche)'
ou pelo menos de mudança 'dificultada '(erschwert)', a saber, direitos unicamente
alteráveis mediante lei de emenda à Constituição
84
. [...] do ponto de vista material, os
direitos fundamentais, segundo Schmitt, variam conforme a ideologia, a modalidade de
Estado, a espécie de valores e princípios que a Constituição consagra. Em suma, cada
Estado tem seus direitos fundamentais específicos.
85
83
BONAVIDES, Paulo. Obra citada, p. 515;
84
BONAVIDES, P., Idem, ibidem;
85
BONAVIDES, P., Idem, ibidem;
78
Tratam-se, portanto, de direitos que assumem feições diferenciadas no âmbito
de sua construção formal, estando diretamente associados ao texto constitucional e à
sua ideologia.
Ora, tomando-se em conta, por primeiro, que o princípio da segurança jurídica
integra o rol dos valores supremos que compõe um Estado Democrático, sendo critério
de localização elevada e, ao contrário dos direitos fundamentais em-si, assumindo
natureza imutável salvo em caso desaparecimento do próprio Estado Democrático
de Direito, não resulta difícil identificar-se-o, também, como direito fundamental.
Contudo, tal exercício anteriormente levado a cabo, mostra-se desnecessário,
na medida em que o art. Da Constituição Federal reconhece, de forma explicita, o
princípio da segurança jurídica como uma garantia fundamental.
Mas é José Afonso da Silva quem, numa visão de conteúdo marcada mais pela
percepção de tais direitos na ótica do indivíduo e não do sistema em si, esclarece que:
'Direitos fundamentais do homem [...] além de referir-se a princípios que resumem a
concepção de mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é
reservada para designar, 'no nível do direito positivo', aquelas prerrogativas e
instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de
todas as pessoas. No qualificativo 'fundamentais' acha-se a indicação de que se trata
de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às
vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais 'do homem' no sentido de que a todos,
por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e
materialmente efetivados. Do 'homem', não como o macho da espécie, mas no sentido
de 'pessoa humana'. 'Direitos fundamentais do homem significa direitos fundamentais
da pessoa humana ou direitos humanos fundamentais.
86
Do já examinado, resta consolidado que, ao início, o princípio da segurança
jurídica constrói-se sob o solo de uma ética instituída pelo sistema constitucional
brasileiro, visando, primacialmente, a realização de uma justiça material. Ante tal
circunstância, contudo, criar-se-ia um vazio, na medida em que a segurança jurídica,
não mais como princípio, mas como direito, não resultasse explicitado de molde a
permitir a concretização de seu sentido prático. De tal sorte, corre-se o risco de que por
tal prisma acabaríamos por mantê-lo e reconhecê-lo em sua mera feição de idealidade,
86
SILVA, José Afonso da. Obra citada, p. 159;
79
limitando-se a ser, tão-somente, formalmente reconhecido, mas concreta e
materialmente não efetivado.
Da leitura do texto constitucional, bem como a partir de uma interpretação
sistemática do ordenamento jurídico nacional, verifica-se que tal não sucede. Nesse
desiderato, CARLOS AURÉLIO MOTA DE SOUZA esclarece e identifica a segurança
jurídica como direito, visualizando à sua formulação em três feições específicas. A
segurança jurídica na feição de garantia, a segurança jurídica com feição de tutela, e a
segurança jurídica com feições de proteção
87
.
Como garantia, mostra-se a segurança jurídica através de um conjunto
sistemático de normas de proteção social, política e jurídica, mediante: (...) imposições,
positivas ou negativas, aos órgãos do Poder blico, limitativas de sua conduta, para
assegurar a observância ou, no caso de violação, a reintegração dos direitos
fundamentais.
88
No que atine à percepção de sua formulação enquanto tutela, a segurança
jurídica concretiza-se a partir de:
(...) normas constitucionais que conferem, aos titulares dos direitos fundamentais,
meios, técnicas, instrumentos ou procedimentos para impor o respeito e a exigibilidade
de seus direitos. [...] não são um fim em si mesmas, mas instrumentos para a tutela de
um direito principal. [...] são instrumentais, porque servem de meio de obtenção das
vantagens e benefícios decorrentes dos direitos que visam garantir.[...] são autênticos
'direitos públicos subjetivos', no sentido da doutrina clássica, porque, efetivamente, são
concedidos pelas normas jurídicas constitucionais aos particulares para exigir o
respeito, a observância, o cumprimento dos direitos fundamentais em concreto,
importando, sim, imposições ao Poder Público de atuações ou vedações destinadas
a fazer valer os direitos garantidos.
89
Por fim, surge a segurança jurídica, em nível de direito fundamental, como
segurança de proteção específica, na medida em que delimita, entre outros, por
exemplo: a proteção ao consumidor (arts. 5º, inc. XXXII; 170, inc. V, da CF); ao meio
ambiente (arts. 170, inc. VI; 225, caput, da CF); à família (art. 226, caput, da CF); à
87
MOTA DE SOUZA, C. A. Obra citada, p. 85;
88
SILVA, J. A. da, Obra citada, p. 168;
89
SILVA, J. A. da. Idem, p. 169;
80
criança e ao adolescente (art. 227, caput, da CF); ao idoso (art. 230, caput, da CF), e
outros grupos, bens e interesses explicitados pelo texto constitucional. Há aqui,
portanto, a indicação dos caminhos necessários à positivação material da segurança
jurídica, formalizada através de regras vigentes e passíveis de assegurar sentido prático
e objetivo a tal princípio, sempre, por óbvio, nos termos e na forma da lei.
Por evidente, não se pode deixar de perceber que de tal conjunto de normas
institui-se, no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, como uma forma de
estabilidade, estruturalmente consolidada mediante direitos explicitados por positivação,
um sentido concreto de segurança, a qual, no caso, possui a especificidade de ser
jurídica.
Daí porque se mostra oportuno destacar o proclamado por CARLOS AURÉLIO
MOTA DE SOUZA, no sentido de que não se institua uma tendência de natureza
negativa para o efeito de situar: (...) no mesmo plano, sem ordem sistemática ou de
preferência, 'o todo' (segurança jurídica como totalidade) com as 'partes' (distintas
manifestações de segurança: legalidade, hierarquia normativa, irretroatividade,
publicidade, responsabilidade, proibição da arbitrariedade, etc).
90
, o que caracterizaria
evidente e inadequada assimetria. Portanto, em presença de tal desconformidade,
de ser buscada uma solução a partir de uma visão que promova a compreensão
pragmática do fenômeno jurídico, a qual deverá instrumentalizar-se a partir de um agir
reflexivo gerador de um questionamento crítico, para que a partir de tal sítio
possamos obter a justificação das assertivas em conflito.
Para tanto, a via pragmática de consolidar-se, entre outros aspectos, como
um caminho que põe à prova a sustentabilidade de cada asserção, delimitando a esfera
de cada interesse, cuja pretensão deverá sempre ser fundamentada no ordenamento
jurídico positivado. Ou seja, a segurança jurídica será instaurada a partir de um discurso
informado por um paradigma procedimentalista de natureza jurídica, permitindo a
consolidação de uma auto-compreensão prático-moral apoiada na Constituição Federal
e no conjunto de regulação infra-constitucional vigente.
90
MOTA DE SOUZA, C. A. Obra citada, p. 88;
81
Nesse sentido, a partir das referências concretizadas pelo ordenamento
jurídico, exsurgirá uma ordem seletiva e dimensionada em estamentos normativos
situados no âmbito de uma estruturação formal. A partir de tal estruturação dinâmica,
torna-se então permanentemente possível fazer migrar, para cada conflito pontualmente
considerado, a estrutura de ordenação da própria regulação convocada. Desse modo,
tal estruturação ordenada e voltada a uma pretensão de adequação à construção da
solução idealmente pretendida, dará causa, entre outros efeitos, à segurança jurídica
em sua feição concreta.
Desse modo, erige-se a segurança jurídica como um direito, não a partir de
sua associação visceral com o texto constitucional, em seu conteúdo e em sua
ideologia, mas como meio de consolidação do ordenamento jurídico como um todo. Isto
porque a segurança jurídica visa assegurar, de forma concreta, o reconhecimento de
uma ética instituída pelo próprio sistema, de modo que o próprio ordenamento jurídico
positivado seja substancialmente apto a realizar uma justiça material. Portanto, a partir
de tais parâmetros normativos, a segurança jurídica não passa a representar, mas
assume a condição efetiva de garantia, de proteção e de tutela.
Tanto é assim que, no âmbito do Direito Público, como de resto na esfera do
Direito Privado, a segurança jurídica, como direito, haverá de consolidar-se pela
conjugação harmoniosa das regras e princípios constitucionais com a demais estrutura
normativa infra-constitucional específica à disciplina de cada caso concreto. A partir de
tal referencial, por força de uma dinâmica com capacidade de fazer migrar, para cada
conflito pontualmente considerado, a estrutura de ordenação da própria regulação
convocada, possibilitar-se-á a construção da solução idealmente pretendida, dando
causa, entre outros efeitos, à segurança jurídica em sua feição concreta.
3. OS SENTIDOS DE TRANSCENDÊNCIA
3.1. PRESCRIÇÃO E VALOR JURÍDICO
A primeira indagação que se mostra necessária, diz respeito à própria idéia de
prescrição enquanto valor. De tal sorte, caso se admita a premissa de que a prescrição
é um valor, de indagar-se que valor seria esse?Nessa senda, diz JOSÉ DE
OLIVEIRA ASCENSÃO
91
que:
A cultura surge-nos como realização de valores. O direito, realidade cultural, é
necessariamente sensível aos valores. Como? Alguns afirmam mesmo um valor
“direito”, mas não é muito fácil perceber esta metamorfose dum ser, normativo embora,
em valor.
Ficamos portanto nas posições correntes: valores próprios do direito. E com isso
reencontramos a doutrina tradicional, que atribuía ao direito a função de realizar a
justiça e a segurança. Aqui temos dois valores jurídicos.
Diante de tal perspectiva há de indagar-se se a prescrição é um valor do direito.
Sendo valor jurídico, impõe-se perceber como ele se mostra ou atua, no âmbito de algo
que assume a condição de valor.
Partindo-se do locus em que se situa o fenômeno prescritivo, tem-se, como
primeira constatação, que a prescrição é instituto incrustrado na esfera da ordem
jurídica. De tal sorte, torna-se admissível que, em se tratando de instituto jurídico
associado à ordem, o valor que de imediato se mostra resulta compatível com a idéia
de segurança, a qual conduz, por decorrência de sua própria natureza, à condição de
possibilitadora da pacificação de eventuais conflitos a serem submetidos ao Direito. Isso
porque na desordem não há segurança.
De tal sorte que IRINEU PAZ DE LIMA
92
assevera que:
91
ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito: Introdução e Teoria Geral, Uma Perspectiva
Luso-Brasileira, p. 186;
92
LIMA, Irineu Paz de. A prescrição no direito administrativo, p. 183;
83
Na busca da preservação dos valores jurídicos e da paz social, emerge com enorme
importância o instituto da prescrição, como meio de impedir que controvérsias jurídicas
entre o Estado e os particulares, e/ou seus agentes, fiquem para sempre em aberto.
Assim, tem-se na estabilização das relações jurídicas entre os administrados e o Poder
Público, e entre este e os seus servidores, a justificativa da necessidade da existência
do Instituto da Prescrição no Direito Administrativo, mais conhecida na doutrina como
Prescrição Administrativa, com vistas à manutenção da segurança jurídica na
realização dos atos que os envolvam.
Assim resulta inequívoca a possibilidade de que se admita que a prescrição é
um valor jurídico, na medida em que este valor está situado numa ordem, ordem esta
que assume a função de garantir a segurança. Tal segurança, por seu turno, numa
relação de reciprocidade, está, em decorrência da própria ordem estatuída, limitada, ao
que, em razão da natureza essencial de fenômeno prescricional estar situado no tempo,
conjuga tal circunstância temporal ao anseio da garantia por segurança, possibilitando
então a estabilização dos conflitos. Por decorrência, em razão da estabilização dos
conflitos, impede-se a manutenção de um temor permanente decorrente da incerteza
das situações conflituosas não pacificadas.
Tanto é assim que a indesejada perspectiva da manutenção de uma situação
de instabilidade, decorrente de qualquer conflito não pacificado, pode então ser
afastada pela prescrição. O advento do fenômeno extintivo ao administrado e à
própria Administração Pública, a certeza de não mais temer tal instabilidade. Por
conseqüência, não mais se mostra presente a possibilidade da manutenção ilimitada do
conflito, o que, até o advento da prescrição, configurava o que se temia. Em razão de
tais circunstâncias, portanto, no âmbito da necessidade de uma sociedade confiante e
segura, a prescrição administrativa se mostra como um valor jurídico.
3.2. PRESCRIÇÃO E SACRIFÍCIO EM FAVOR DA ORDEM JURÍDICA
Admitida a idéia de prescrição como valor jurídico, nos termos do realçado
acima, de indagar-se da possibilidade de que o fenômeno prescritivo, mormente em
razão de sua natureza de conteúdo extintivo de pretensões juridicamente relevantes,
possa caracterizar um sacrifício.
84
Tal perspectiva de sacrifício, de início, decorre da idéia de que a extinção, entre
as suas possibilidades essenciais de resultado no mundo vivido, pode gerar a
supressão de algo. Ora, essa supressão estando situada no âmbito de uma relação de
conteúdo concomitantemente co-respectivo, poderá gerar um prejuízo a ser suportado
por alguém, com o concomitante surgimento de um benefício a outrem. Em razão de tal
conseqüência, àquele que, por decorrência do fenômeno prescritivo, acaba por ser
privado de um bem que até então integrava o seu patrimônio pessoal, assume, por
conseqüência, a condição de sacrificado.
Compulsando-se a significação de sacrifício, encontramos que sacrifício é:
Sacrifício, s.m. Oferta solene à divindade, em vítimas ou donativos; imolação de vítima
em holocausto; a morte de Cristo; a missa, privação de coisa apreciada; renúncia em
favor de outrem; abnegação; santo — : o sacrifício da missa.
93
Independentemente do fato de que tal idéia está mais associada a uma matriz
temática de sentido religioso do que jurídico tal concepção, qual seja de um sacrifício,
não se mostra desprovida de razoabilidade, porquanto a idéia de perda não se mostra
alheia ao mundo das relações disciplinadas pelo Direito. Tanto é assim que tal
circunstância recebe reconhecimento doutrinário por parte daqueles que estruturam
cientificamente a Ciência Jurídica.
Ante tal perspectiva, não se mostra difícil que se identifique e reconheça a
presença de tal temática no momento em que se passa a estudar o fenômeno da
prescrição. Tal reconhecimento de um sacrifício assume possibilidade de existência
quando é associado à supressão do direito de ação ao decurso do tempo, em razão da
inércia do titular do direito material em questão. A partir daí, configurando-se, nesse
limite temporal, como modo possível por incidência de força havida por natural, a perda
de um direito. Ou seja, da conjugação do decorrer do tempo em concomitância com a
inércia de um titular de um determinado direito, a prerrogativa de defesa ou de garantia
de uma pretensão juridicamente qualificada é sacrificada.
Nesse sentido, diz IRINEU PAZ DE LIMA
94
que:
93
FERREIRA, A. B. de H. Obra citada, p. 1078;
94
LIMA, Irineu Paz de. Obra citada, p. 184;
85
O instituto da prescrição está intimamente ligado ao fator tempo, pois o decurso deste
exerce importante influência sobre o mundo jurídico, razão maior para entender o
fenômeno como evento natural, que faz nascer ou desaparecer relações jurídicas.
Assim se configura como fato jurídico em que se adquire ou se extingue direito
subjetivo, em virtude do fluxo de tempo e da inércia do seu titular. Logo a prescrição
importa em sacrifício em favor da ordem jurídica, em face da necessidade de dar-
se segurança às relações jurídicas, pois, do contrário, estas seriam inseguras e
impossíveis de realização, se em qualquer tempo fosse lícito discutir fatos ou atos
ocorridos ao longo dos anos. (grifos nossos)
Contudo, esse sacrifício não se mostra de extensão ilimitada. de garantir-se
a preservação de uma proporcionalidade, porquanto o eventual sacrifício de um direito,
ou do próprio exercício da liberdade plena do indivíduo, na titularidade de seus
interesses, exige um limite. Tal limite, portanto, é estabelecido pela ordem jurídica.
Desse modo, tal limite oriundo da ordem jurídica só pode ser estabelecido a
partir de um princípio de proporcionalidade, de modo que assuma a condição de
instrumento capaz de disciplinar eventual sacrifício, tomando em conta todas as
circunstâncias que envolvem cada caso concreto. Ou seja, a proporção exigida de
estar singularmente modulada pelas próprias circunstâncias em que se haverá de
reconhecer a existência do limite. Ademais, o limite não poderá decorrer de uma
perspectiva unilateral, mas sim a partir de um conjunto de peculiariedades inerentes ao
próprio conflito e às pessoas que o integram.
Tal proporção assume então a condição de um mecanismo associado à
estrutura fundamental do Direito, atuando, primordialmente, como uma referência
marcada pelos matizes de vocação hermenêutica. No âmbito do Direito Administrativo,
o exercício de tal proporcionalidade deverá visar, no fito de temperar a atuação da
Administração Pública, como também no que se refere à inafastável garantia de direitos
individuais titulados pelos administrados, a busca de um equilíbrio na solução do
conflito instaurado, assegurando-se, acima de qualquer outra circunstância, que
Administração e o administrado só possam agir nos contornos da ordem jurídica.
Tal perspectiva é instaurada, portanto, a partir de uma percepção marcada pelo
reconhecimento da necessidade de que o sacrifício a ser exigido de uma, ou de ambas
às partes em conflito, esteja informado por um critério de equilíbrio, tomando-se,
fundamentalmente, em conta, a idéia de proporcionalidade. Tal proporcionalidade,
86
portanto, assume a condição de critério de mediação e de harmonização dos valores
jurídicos em contraste, sob as feições de um agir interpretativo restrito, qual seja, nos
estritos confins delimitados pelo conteúdo da controvérsia. Tanto é assim que MATEUS
EDUARDO SIQUEIRA NUNES BERTONCINI
95
preleciona aduzindo que:
Ademais, o princípio da proporcionalidade assim como o da razoabilidade possuem
natureza instrumental, na medida em que são eles os critérios essenciais para a
orquestração dos princípios e regras do sistema jurídico, com vista à harmonia das
normas de determinado ordenamento normativo. A aplicação dos princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade, portanto, não se restringe à atividade
administrativa, funcionando com critério essencial de hermenêutica.
Por isso a idéia de sacrifício de direito titulado pela Administração Pública ou
pelo administrado, por força da prescrição, não se mostra inadequada ou desprovida de
sentido. Embora por força de tal instituto extintivo o direito não reste eliminado, a ação
que possa, eventualmente, garantir-lhe o exercício é suprimida, sacrificando-se
portanto, por via mediata o próprio direito. Nisso se localizaria, por conseqüência, a
idéia de sacrifício, em favor, primordialmente, da ordem jurídica.
Tal compreensão resulta relevante, porquanto a idéia de perda sempre
mostrou-se, em sua associação direta ao ser humano, como algo passível de um
sentimento de dor ou de perplexidade. No caso da prescrição administrativa, embora tal
fenômeno decorra da ordem jurídica instaurada como garantia, indubitavelmente o fato
do administrado, primordialmente, ver-se privado de mecanismo para a defesa de seus
interesses, assume a condição de supressão de prerrogativa que, tão-somente por
estar apoiada no ordenamento jurídico possível, passa a ser tolerada.
3.3. PRESCRIÇÃO COMO GARANTIA CRIADA PELA ORDEM JURÍDICA
Sendo a prescrição um valor que importa em um sacrifício em favor da ordem
jurídica, face à necessidade de dar-se segurança às relações jurídicas, configurando-
se, na sua generalidade, como a perda de um direito de ão atribuída a um titular, em
95
BERT0NCINI, Mateus Eduardo Siqueira Nunes. Princípios de direito administrativo brasileiro,
p. 174;
87
verdade, também, caracteriza-se como um fato que saneia as situações conflituosas
instauradas no seio da sociedade. Erige-se, portanto, como uma garantia.
Por força do fenômeno prescricional, a situação de conflito vê-se atingida, não
se mostrando mais possível a manutenção do estado de beligerância que ela qualifica e
alimenta, forçando-se, portanto, o restabelecimento da paz social e, de certo modo, da
segurança jurídica necessária à dinâmica quotidiana inerente à via dos grupamentos
sociais.
No caso da prescrição administrativa não é diverso. Dá-se o mesmo efeito de
feições pacificadoras, na medida em que ao impedir aos interessados de perpetuarem a
sua dissensão, limita-lhes, de forma definitiva, a sua atuação, alcançando-se um estado
de equilíbrio, no âmbito das relações jurídicas de natureza intersubjetiva. Desse modo:
(...) o fenômeno da prescrição administrativa produz fato sanatório capaz de impedir a
correção administrativa de atos, a formulação de pedidos ou interposição de recurso e o
exercício do poder de punir, após o decurso do tempo fixado pela norma atinente,
deixando os interessados despojados do direito de agir, (...)
96
.
Desse modo, a prescrição agora não mais percebida a partir de uma
compreensão lastreada num possível sentido natural, porquanto situado numa esfera
de identificação marcadamente psíquica, como se dá na sua percepção como um
sacrifício, mas num sentido técnico-jurídico, atinge não só o direito de recorrer de
decisões administrativas, mas também de buscar, na via judicial, a garantia de exercício
de uma determinada prerrogativa ou interesse. Ou seja, consolida-se a partir de um
referencial concreto, material, conformado pelo Direito positivado.
Ora, tais feições decorrem da circunstância de que a prescrição é instituto de
ordem pública, não podendo, em tese, a Administração Pública deferir ou indeferir
algum pedido ofertado após o esgotamento do prazo firmado na lei. Tal conduta estaria
a agredir a ordem jurídica. Ou seja, cria-se, a partir da idéia de prescrição como
garantia da ordem jurídica, um sentido de estabilidade e de segurança garantidores das
96
LIMA, I. P. de. Obra citada, p. 187;
88
relações jurídicas, gerando-se um efeito capaz de propiciar a paz social. Tal
circunstância ocorre, primordialmente, porque, no dizer de CAIO TÁCITO
97
:
A ordem jurídica contempla entre seus pressupostos, a par da busca de justiça e da
eqüidade, os princípios da estabilidade e da segurança. O efeito do decurso de tempo
como fator de paz social, tranqüilizando as relações jurídicas pendentes, conduz a que
salvo direitos imperecíveis por sua própria natureza, como os da personalidade
as pretensões (e, por via de conseqüência as ações em que elas se possam exercitar)
tenham de regra, um limite temporal de exercício.
Portanto, a prescrição e, também, a prescrição administrativa, visam a
estabilidade e a segurança das relações sociais, produzindo, por conseqüência, efeitos
tranqüilizadores das relações jurídicas, ante ao limite temporal que estatuem para o
efeito das formulações das pretensões havidas por adequadas, tanto no que se refere
ao administrado, quanto também em relação à Administração Pública.
3.4. PRESCRIÇÃO COMO PRINCÍPIO INFORMADOR DO ORDENAMENTO
JURÍDICO
O fato de estar inserida no bojo do ordenamento jurídico, não assegura à
prescrição uma condição de instituto inerte, exigindo-se sempre à sua atuação a
presença imediata de um conflito e a pretensão de sua solução, nos termos do
consagrado por um determinado sistema jurídico positivo. Assume a prescrição,
também, a condição de diretriz retórica do próprio sistema em que está inserida. Diz-se
retórica, não no sentido de visualizá-la, tão-somente, como um meio de obter um
resultado a partir de sua adoção como uma premissa estática inerente a uma mera
condição de dado a ser considerado. Mas sim como elemento com capacidade de
informar um sentido e de estabelecer uma diretriz possibilitadora de uma melhor
adequação do sistema, sob a ótica de uma deontologia que se constrói a partir do
próprio instituto prescricional em si.
97
TÁCITO. C. Obra citada, p. 286-287;
89
Outro aspecto a destacar do fenômeno prescricional diz respeito a seu sentido
de princípio informador do próprio ordenamento jurídico. Tal perspectiva mostra-se
realizável porquanto não se pode negar, ou deixar de reconhecer que haja no fenômeno
prescricional uma relação de implicação mútua entre a prescrição em si e o próprio
ordenamento jurídico. Tal implicação dá-se a partir de um traço comum, qual seja a
necessidade de certeza. Se as relações reguladas pelo Direito Administrativo visam,
entre outros desideratos, alcançar um sentimento concreto de certeza, não se pode
olvidar que da prescrição administrativa, por força de sua incidência, decorre
sentimento idêntico.
Partindo-se de uma percepção marcada por um forte subjetivismo, a certeza
poderia mostrar-se um pouco distanciada, em sua substancialidade estrita, de um
fenômeno, tal como o prescricional, cuja característica marcante é a de estar associado
a uma força extintiva informada pela idéia de extinção pura e simples. Em tal forma de
extinção, como consabido, o convencimento decorre não de uma consensualidade
prévia obtida através de um processo argumentativo, mas simplesmente do mero
decurso do tempo qualificado pela lei. Contudo, procedendo-se a uma reflexão mais
particularizada a respeito de tal fenômeno, percebe-se a inexistência de qualquer
inadequação.
Buscando acolher a primordial idéia de estabilidade e garantia, a prescrição
administrativa e a certeza jurídica, mais do que completarem-se, constroem um sentido
de garantia e de ordem, protegendo às relações jurídicas e, por conseqüência, tanto
aos interesses da Administração Pública, quanto aos do administrado. Nesse sentido,
diz RAPHAEL PEIXOTO DE PAULA MARQUES
98
que:
No Direito Administrativo não é diferente, a prescrição é princípio informador de todo
ordenamento jurídico brasileiro, não admitindo incerteza nas relações reguladas pelo
direito. É regra geral de ordem pública, que se inscreve nos estatutos civis, comerciais
e penais, submetendo-se as relações jurídico-administrativas a tal postulado.
[...]
(...) a segurança jurídica é princípio basilar na salvaguarda da pacificidade e
estabilidade das relações jurídicas. Não é à toa que a segurança jurídica é base
fundamental do Estado de Direito; elevada que está ao altiplano axiológico.
98
MARQUES, R. P. de P, Obra citada, p. 3;
90
[...]
(...) a prescrição é regra geral em todos os campos do direito, sendo a
imprescritibilidade a exceção, dependendo, por tal excepcionalidade, de norma
expressa.
Do mesmo modo, entende RENATO SOBROSA CORDEIRO, que: A
prescrição, em qualquer área do direito, é princípio de ordem pública e objetiva
estabilizar as relações jurídicas. [...] A imprescritibilidade resulta imoral sob qualquer
aspecto na vida social, sendo exceção à regra geral do ordenamento jurídico brasileiro.
Sem a prescrição tudo seria permanente.
Não como deixar de reconhecer que o instituto da prescrição administrativa,
enquanto objeto de formulação de um princípio acolhido pelo próprio sistema jurídico,
assume a condição de referencial ao ordenamento jurídico em sua totalidade.
No caso do Direito Administrativo e, por decorrência do próprio instituto a
prescrição administrativa, independentemente de sua destinação específica de caráter
extintivo, singularizada por cada regra situada no contexto de uma regulação específica,
pode ser assimilada como um modelo de interpretação funcionalizado, a fim de informar
o próprio ordenamento jurídico administrativo em si. Ou seja, a partir das normas
jurídicas que a estatuem, a prescrição administrativa retraduz os valores e os ideais
necessários à realização da estrutura normativa corporificada pelo Direito
Administrativo. Tal perspectiva resulta bem realçada por TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ
JÚNIOR
99
na medida em que elucida tal circunstância, asseverando que:
Esse movimento contínuo, pelo qual o discurso da norma redimensiona novos valores
e ideologias e se retraduz em novos valores e nova ideologia, nos permite entender a
norma como ‘modelo’, caso em que o discurso da norma não é um ‘abstrato’ oposto à
‘realidade concreta’, mas está intimamente ligado com a sua ‘realizabilidade’. Esse
‘modelo’, ao manifestar aquele movimento, expressa uma temporalidade própria, que
não é necessariamente sucessiva e linear, mas caracteriza um permanente ‘renovar-se
e refazer-se das soluções normativas’, isto é, o tempo do discurso da norma tem, a
nosso ver, um caráter prospectivo, no sentido de um projeto que, lançado no futuro,
define significativamente o presente, outorgando (salvo exceções que ele mesmo se
encarrega de estabelecer, ainda que prospectivamente) ao passado um sentido.
99
FERRAZ Jr, T. S. Obra citada, p. 140 a 141;
91
Desse modo, a prescrição administrativa, não sua força de modelo, na sua
pretensão de realização da ordem jurídica e na força de seu discurso’, assume a
condição de parâmetro informador da própria ordem jurídica em que se situa,
realizando-a.
4. A PRESCRIÇÃO: O MITO DA SANÇÃO
4.1. O MITO DO CASTIGO
Um, entre tantos outros possíveis, dos aspectos que qualificam a idéia de
prescrição, no âmbito do senso comum, diz respeito ao mito de seu conteúdo
sancionador como sendo o caráter mais expressivo de sua singularidade.
Visualiza-se, nas esferas alheias ao conhecimento jurídico dogmaticamente
sistematizado, que o fenômeno da prescrição constrói-se significativamente a partir de
uma espécie de castigo, o qual se mostra concretizado pela força de uma sanção.
Tal percepção dá-se a partir do desconhecimento de seu sentido interno em
contraste com as feições de sua concretização, gerando-se uma compreensão baseada
exclusivamente na aparência. Entretanto, a prescrição administrativa não há de reduzir-
se à sua mera aparência, evitando-se o equívoco de buscar representá-la, tão-somente,
em razão dos efeitos decorrentes de sua imediata atividade extintiva.
Mas não se pode negar que algum tipo de sanção há. Mas qual sanção seria
essa? Qual a sua natureza? Quais os seus limites? De início se pode reconhecer
que, sem dúvida alguma, tal mito, na esfera do Direito Administrativo, construiu-se a
partir de leituras adstritas às sanções administrativas, entre às quais se isinuou a
prescrição.
Ademais, na construção da compreensão das sanções administrativas, a partir
de prejulgamentos apoiados, fundamentalmente, no Direito Penal, na medida em que
tal ramo do saber jurídico sempre se mostrou como síntese generalizadora daquilo que
se possa entender como um direito de punir foi o caminho que, muito mais do que
elucidar, mascarou o verdadeiro sentido do fenômeno extintivo.
Em face da perplexidade oriunda de tal atividade, o sistema jurídico
administrativo buscou disciplinar tal poder coercitivo, tomando em conta o conteúdo da
sua pretensão associada aos referenciais atinentes à idéia de crime. A partir de um
modelo postiço, passou a visualizar e a buscar os meios necessários à garantia da
disciplina. Visando, portanto, alcançar a higidez de seus quadros funcionais, apoiada
93
num ideal axiológicamente determinado por outros sentidos, a Administração Pública
buscou legitimar-se a punir àqueles que eventualmente se afastassem de tal
desiderato. Com tais paradigmas construiu e deu curso a um processo.
É consabido, entretanto, que a Administração Pública não se serve do processo
administrativo, tão-somente, para o efeito de controlar a conduta de seus servidores,
mas também para muitas outras atividades inerentes a seu agir finalístico e ordenador.
A respeito de tal peculiariedade, preleciona HELY LOPES MEIRELLES
100
que: O
processo administrativo é o gênero, que se reparte em várias espécies, dentre as quais
as mais freqüentes apresentam-se no processo disciplinar e no processo tributário ou
fiscal.
Em razão de tais circunstâncias, pelo fio condutor do meio necessário a
alcançar determinado fim, numa atitude de natureza estritamente epistemológica,
possibilita-se-nos então compreender que múltiplas podem ser as faces de uma sanção
na esfera do Direito Administrativo.
Contudo, é ROMEU FELIPE BACELLAR FILHO
101
que bem delimita as
circunstâncias que envolvem a prescrição administrativa, em sede do processo
administrativo disciplinar. Assevera tal doutrinador que a prescrição está voltada à tutela
do princípio da segurança jurídica, razão pela qual se integra aos ditames professados
pelo Estado Democrático de Direito, no fito de buscar estabilidade às relações jurídicas,
não admitindo a possibilidade de uma eterna possibilidade de aplicação de sanção a
um eventual administrado.
No dizer de ROMEU FELIPE BACELLAR FILHO
102
, a prescrição da pretensão
punitiva da Administração Pública resultou categorizada sob a garantia da
prescritibilidade, observada a excepcionalidade da pretensão de ressarcimento.
Ademais, destaca, a partir da leitura de posições doutrinárias que, de modo geral,
explicita, que caso inexista norma expressa há de ser buscada analogia, no seu sentido
100
MEIRELLES, Hely Lopes. Obra citada, p. 585;
101
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Processo administrativo disciplinar, p. 379;
102
BACELLAR FILHO, R. F. Idem, p. 379;
94
de processo de revelação normas, com os paradigmas insculpidos pelo Direito Público,
concepção esta que resultou acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça.
Entretanto, no que se refere à prescrição administrativa com incidência no
processo administrativo disciplinar, diz ROMEU FELIPE BACELLAR FILHO que:
Com efeito, no campo do processo administrativo disciplinar, não necessidade de
se socorrer da analogia, porque a Lei 8112/90 submete a prazos prescricionais a
faculdade da Administração Pública Federal de aplicar sanções administrativas
disciplinares a seu servidores públicos.
103
Interessante destacar que, face ao não exercício do direito-dever de sancionar
atribuído à Administração Pública, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO vê em tal
circunstância um efeito muito mais severo que o resultante do fenômeno prescricional.
Tal renomado doutrinador vê a ocorrência de decadência.
Ainda em relação ao decurso do tempo, em especial no que se refere à
prescrição administrativa do processo disciplinar, importa ter-se em conta de que a Lei
n. 8112/90 acolheu os princípios da celeridade e da oficialidade do processo
administrativo, circunstâncias essas que, de modo mediato, acabam por impor o
reconhecimento do princípio da prescritibilidade no âmbito do processo administrativo
disciplinar. Nesse sentido, diz ROMEU FELIPE BACELLAR FILHO
104
que:
A Lei 8112/90 privilegiou os princípios da celeridade do processo administrativo e da
oficialidade. Se, de um lado, o art. 142, § 3º, fixa hipótese de interrupção da prescrição
por instauração do processo administrativo disciplinar – “A abertura de sindicância ou a
instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final
proferida por autoridade competente’, o art. 152 estabelece prazo fatal para a sua
conclusão – “o prazo para a conclusão do processo disciplinar não excederá 60
(sessenta) dias, contados da data de publicação do ato que constitui a comissão,
admitida a sua prorrogação, por igual prazo, quando as circunstâncias o exigirem.
[...]
Afinal, se a instauração de processo administrativo disciplinar interrompesse
eternamente a contagem do prazo prescricional, não haveria proteção alguma à
segurança e estabilidade das relações jurídicas. Como na tese da imprescritibilidade, o
temor da sanção pairaria, indefinidamente, sobre o infrator da norma.
103
BACELLAR FILHO, R. F. Obra citada, p. 382;
104
BACELLAR FILHO, R. F. Idem, p. 386 e 388;
95
Circunstância relevante deu-se com a promulgação da Lei 9.873/99, a qual
determinou, nos termos de seu artigo que a pretensão punitiva da Administração
Pública Federal, nos estritos termos que tal regramento estabelece, prescreve em cinco
anos, fixando, portanto, com caráter de generalidade, o prazo prescricional
administrativo para tal espécie. Em razão disso, diz ROMEU FELIPE BACELLAR
FILHO
105
que:
A previsão legal vem reconhecer o que a doutrina e jurisprudência postulavam:
fixação, em caráter geral, do prazo de prescrição qüinqüenal para o exercício da
pretensão punitiva da Administração Pública. A Lei 9873/99 em nada inovou nesse
aspecto, apenas conferiu maior certeza jurídica às situações jurídicas, antes na
dependência do recurso à analogia. De todas as formas, o art. 1º, da Lei 9873/99 não
se aplica, no processo administrativo disciplinar, diante de regra expressa da Lei
8112/90 regulando a pretensão disciplinar.
Firme em tal assertiva, pode-se constatar então que o fenômeno prescricional,
a cada momento, assume as feições de um instituto marcado por uma sólida vocação
de garantia à segurança jurídica, passando a figurar, por decorrência de tal sentido,
entre uma das estruturas de configuração da base do próprio Estado Democrático de
Direito.
4.2. PRETENSÃO SACIONADORA, PRESCRIÇÃO E PROCESSO DISCIPLINAR
Não dúvida alguma que, em presença de qualquer espécie de agressão ao
sistema jurídico administrativo, exsurge, como um poder-dever inerente à Administração
Pública, o direito de sancionar as condutas que eventualmente estejam a lesar a ordem
jurídica na sua especificidade.
Tal pretensão sacionadora, no que atine ao seu exercício no tempo, de
resultar submetida a um limite. Tal limite decorre do fato que o ordenamento
constitucional impõe ao sistema normativo, como um todo, a sua submissão ao
princípio da prescritibilidade, sob a configuração de uma norma de conteúdo
generalizante. Diz-se que o princípio retro-referido assume as feições de norma geral e
105
BACELLAR FILHO, R. F. Obra citada, p. 389;
96
não de conteúdo absoluto, na medida em que o próprio regramento constitucional
estabelece, concomitantemente, regra disjuntiva de tal programa de regulação, nos
termos do art. 37, § 5º, da CF, no que se refere, contudo, de forma estrita, às ações de
ressarcimento ao erário.
Em face de tal perspectiva, portanto, poder-se-ia imaginar que o problema da
prescrição administrativa estaria solucionado, na medida em que, por força de tal
dispositivo constitucional, restaria assentado que a regra geral é a da prescritibilidade,
enquanto a exceção seria a imprescritibilidade, exigindo-se, por conseqüência, norma
expressa à identificá-la. Contudo, a solução não é tão singela assim.
Por primeiro, no que atine à pretensão sancionadora, ora aqui examinada,
impende que seja identificado o ilícito administrativo como categoria individual e
autônoma. Tal providência resulta necessária, na medida em que, em tema de
prescrição, a própria legislação vincula, em alguns regramentos legais, a prática ilícita
administrativa à prática ilícita criminosa.
Como exemplo de tal referência, pode-se indicar dois estatutos legais distintos,
contudo, com semelhante orientação. O primeiro, trata-se da Lei 8.112, de 11 de
dezembro de 1990, a qual dispõe sobre o regime jurídico dos Servidores Públicos Civis
da União, das autarquias e das fundações pública federais, dispondo, nos termos do
art. 142. § 2º, que: Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às
infrações disciplinares capituladas também como crime. O segundo, trata-se da Lei
9.873, de 23 de novembro de 1999, a qual estabelece prazo de prescrição para o
exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta, dando
outras providências, determinando, na forma de seu art. 1º, § 2º, que: Quando o fato
objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-
se-á pelo prazo previsto na lei penal.
O ilícito, pelo ilícito em si, nada esclarece. Isto porque entre o ilícito penal e o
ilícito administrativo não há uma identidade irrestrita e absoluta.
Daí se afirmar que a necessidade de distinção entre o delito e a infração e, pois,
entre pena e a sanção administrativa decorre necessidade de se reconhecer a
existência ou por que não dizer? — a inexistência de um direito penal administrativo
ou de um direito administrativo penal, ou ainda, em outra seara, de identificar um
97
específico direito administrativo sancionador constituído de um plexo de princípios e
normas a ele especialmente correlatos.
106
Em presença de tal controvérsia, qualquer dúvida resulta afastada ante a lição
de ROMEU FELIPE BACELLAR FILHO, o qual esclarece, com lógica inatacável, que:
(...) é curial evidenciar a autonomia do Direito Administrativo sancionatório em face do
Direito Penal. A questão é constitucional. Não haveria sentido na previsão constitucional
de linhas gerais de um regime administrativo sancionatório, se este não contasse com
fundamentos diversos do direito Penal.
107
Tal perspectiva decorre das inequívocas razões de que:
O Estado, através da Administração Pública, tem o poder-dever de apurar as
irregularidades relacionadas com o exercício de suas atividades. A apuração
compreende a apreciação do ilícito, a fixação dos limites da responsabilidade e, se for
o caso, a imposição e execução da sanção.
O Direito Administrativo Disciplinar cumpre, portanto, duas funções: de um lado, a
previsão de forma geral e abstrata dos fatos considerados ilícitos administrativos e as
respectivas sanções, de outro, as condições e os termos do movimento destinado à
averiguação, pela Administração, da prática por certo agente de determinado fato e a
correspondente reação.
Legítimo, por conseqüência, falar-se de um Direito Administrativo Disciplinar material
ou substancial e de um Direito Administrativo Disciplinar formal ou processual. São
duas faces da mesma unidade, ligados em uma ‘relação de mútua
complementariedade funcional’
108
Por isso, impende que, de imediato, se tenha claro que mesmo tendo a
legislação procedido à eventual vinculação de normas oriundas do Direito
Administrativo Disciplinar a normas que integram o acervo normativo do Direito Penal,
nos termos dos exemplos acima realçados, é insofismável reconhecer que o Direito
Administrativo Disciplinar possui autonomia e independência temática residentes na
Constituição Federal, na forma do grafado pelo seu artigo 5º, inciso LV, consolidando-
106
FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas, p. 53 a 54;
107
BACELLAR FILHO, R. F. Obra citada, p. 34;
108
BACELLAR FILHO, R. F. Idem, p. 36;
98
se tal constatação a partir do momento em que a Constituição: (...) junge o conceito de
processo administrativo a litigantes e acusados, sob a égide do contraditório e da ampla
defesa com os meios e recursos a ela inerentes.
109
De imediato, verifica-se que os ilícitos penal e administrativo são espécies
distintas de um gênero comum, qual seja, o gênero das normas punitivas. Ademais,
outro aspecto que merece restar aclarado diz respeito ao fato de que a matriz de
legitimação de ambas as formas de punição, encontra-se situada na mesma matriz
punitiva estatal, a título de prerrogativa exclusiva do Estado. Contudo, tal circunstância
não induz que se trata de uma mesma categoria normativa, como também não visam e
nem buscam os mesmos resultados. Com relação à prescrição, também diversos se
mostram tais institutos.
Tecendo comentário a respeito da diversidade existente em relação à
prescrição conforme regulada pelos diversos campos do Direito, no caso entre o Direito
Administrativo, o Direito Civil, e o Direito Penal, o Ministro ILMAR GALVÃO, nos autos
do Recurso em Mandado de Segurança 21.562-7, em preciosa distinção, destaca
que:
Com efeito, são ontologicamente distintos os institutos da prescrição nos diversos
campos do direito.
Enquanto no cível corresponde a uma exceção do devedor, que tem por efeito extinguir
a ação do credor designada à efetivação da prescrição (de dar, de fazer e de não
fazer) objeto de seu crédito, no crime, implica a perda, pelo Estado, do direito-dever de
perseguir a punição do autor do delito. Por sua vez, a prescrição, no campo do direito
administrativo disciplinar, a nenhum dos dois institutos se afeiçoa por inteiro.
Trata-se de discrepâncias que se devem, naturalmente, à diversidade de natureza dos
objetivos colimados nas esferas jurídicas enfocadas.
Com efeito, enquanto nos domínios do cível tem-se em mira, de modo geral, como
dito, compelir o devedor ao cumprimento de uma prestação de natureza patrimonial em
favor do credor; e ao passo que, no crime, o que se objetiva, precipuamente, é
submeter o criminosos a uma restrição em sua liberdade de ir e vir; na ordem
administrativa, nenhum comportamento concreto se pretende impor ao servidor faltoso,
inexistindo, de parte deste, possibilidade de opor-se físicamente à imposição da pena.
109
BACELLAR FILHO, R. F. Obra citada, p. 49;
99
Assim, conquanto exista, inegavelmente, alguma identidade entre os três institutos,
predominam os pontos de distinção, podendo-se indicar, entre outros, o fato de que, no
cível, a regra é que da prescrição conhece o julgador quando provocado pela parte
interessada, enquanto no crime e no processo disciplinar, deve faze-lo de ofício; de
outra parte, se, no primeiro caso, a paralisação da ação, ou da execução, por inércia
atribuível ao credor, pode reabrir ensejo à prescrição, a requerimento da parte, nos
outros dois, a simples morosidade processual, ainda que imputável ao autor da ação, é
suficiente para extinguir o próprio direito de ver punido o agente ou de ver-se-lhe
aplicada a pena.
110
Portanto, segura a distinção existente entre as diversas formas que a prescrição
pode vir a assumir, na dependência estrita ao campo do direito em que se situam às
suas correspondentes normas. Ou seja, conforme o explicitado por DANIEL
FERREIRA: (...) temos para nós, então, que o ‘fator de discriminação entre os ilícitos
penal e administrativo está no específico regime jurídico a que se subordina a sanção
correspondente’.
111
Em presença de tais circunstâncias, impende, portanto, que se identifiquem os
elementos necessários à compreensão da prescrição administrativa da falta disciplinar.
De tal sorte, não se há de confundir as pretensões sancionadoras, buscando uma
identidade que o existe entre o Direito Administrativo sancionador e o Direito Penal.
Importa destacar que no caso do Direito Penal, pela própria estrutura protetiva
instaurada a partir da Constituição Federal, constata-se que as suas prescrições não
apresentam caráter geral, restando adstritas, de forma rígida e impossibilitadora de
110
Brasil Supremo Tribunal Federal. Recurso em Mandado de Segurança nº 21.562-7. Distrito
Federal. Relator: Ministro Ilmar Galvão. Recorrente: Jair Barbosa Martins. Recorrido: Ministro da Justiça.
Primeira Turma. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PUNIDO COM PENA DE SUSPENSÃO.
ACÓRDÃO QUE ANULOU O RESPECTIVO ATO, POR INCOMPETENCIA DA AUTORIDADE, MAS
DEIXOU DE PRONUNCIAR A PRESCRIÇÃO DA INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA, POR NÃO HAVER
SIDO OBJETO DO PEDIDO. Matéria cujo conhecimento independia de iniciativa do interessado.
Prescrição verificada, jà que o biênio fluiu após a decisão anulatória da punição, não restando espaço
temporal para julgamento do processo administrativo pela autoridade competente. Recurso provido à
unanimidade. Julgado em data de 12 de abril de 1994. Publicação: DJU, em 24 de junho de 1994.
Ementário: volume 1750-01, página 80. Decisão obtida junto ao site do Supremo Tribunal Federal:
www.stf.gov.br. Acesso em data de 22 de maio de 2003;
111
FERREIRA, Daniel. Obra citada, p. 60;
100
qualquer espécie de analogia, aos casos que a lei penal especifica. Nesse sentido, bem
esclarece CARLOS AUGUSTO DOS SANTOS FAIAS
112
ao afirmar que:
A respeito dessa dúvida emergente, as lições doutrinárias retroelencadas e, ainda, a
amostra das sucessivas decisões jurisprudenciais permitem concluir que a legislação
penal é Direito Especial que encerra natureza ‘excepcional’, porque abrange situações
que restringem a liberdade do indivíduo, contudo, sob esse enfoque, sem alcançar as
pessoas jurídicas. Ademais, embora apresentem a peculiariedade de serem levadas a
efeito em função da pena aplicada, as prescrições do Direito Penal não apresentam
caráter geral, restringem-se aos casos que especificam.
Entretanto, do próprio corpo de legislação que organiza e disciplina o Direito
Administrativo, percebe-se a existência de regras jurídicas que, ao visualizarem uma
identidade fática entre a falta disciplinar e, concomitantemente, um tipo penal, vinculam
tal semelhança de natureza, ao início, descritiva, ao efeito de transpor, no caso do
fenômeno prescricional, as diretrizes de regulação situadas no plano do regramento
administrativo para o território do Direito Penal.
Ademais, a sanção decorrente da falta administrativa pode ser revista a
qualquer tempo (art. 174, da Lei 8.112/1990), não se admitindo, contudo, de que de
eventual revisão da pena imposta, resulte agravamento da penalidade (art. 182,
parágrafo único, da Lei nº 8.112/1990),
113
circunstância essa inocorrente no Direito
Penal.
Outro aspecto a ser realçado diz respeito à autonomia da sanção administrativa
em relação à sanção penal. Em razão de tratarem-se de esferas normativas diversas, o
reconhecimento da prática delitiva, na esfera criminal, não implica em seu
reconhecimento na esfera administrativa. Tratam-se, portanto, de pretensões
112
FAIAS, C. A. dos S. Obra citada, p. 33;
113
Nesse passo preleciona ROMEU FELIPE BACELLAR FILHO que: A ‘reformatio in
pejus o pode ser admitida frente ao atual ordenamento jurídico constitucional. Em sede de
revisão do processo disciplinar, conforme já referido, há expressa vedação legal (parágrafo
único do art. 182 da Lei 8112/90). Com efeito, a garantia da ampla defesa não se compadece
com essa atitude arbitrária que, no passado, quando consentida, atuava como fator de
desestímulo às postulações recursais. Nos dias atuais, tratando-se de recurso, tolera-se a
reforma em prejuízo, quando a autoridade, fazendo antever a sua intenção, faculta ao recorrente
a oportunidade de nova manifestação sobre o agravamento pretendido. In: BACELLAR FILHO, R.
F. Obra citada, p. 321;
101
sancionadoras informadas por interesses e finalidades diversas, estando adstritas, tão-
somente, aos limites da lei, a qual regula cada caso concreto em sua especificidade.
Por fim, de tomar-se em conta que os princípios que informam os
mecanismos processuais de aplicação das respectivas sanções são diversos. No que
se refere ao processo penal, vigora formalismo estrito, marcado pela permanente
possibilidade de anulação de seus atos, ante evidente desconsideração de suas formas
tidas por essenciais. no que atine ao processo administrativo disciplinar, vigora o
princípio do formalismo moderado, já que:
(...) o Estado Democrático de Direito enseja fórmula de equilíbrio entre a ordem
legítima e a ordem legal, entre o informal e o formal. A conciliação, em termos
processuais, importa não enquadrar o procedimento ou o processo administrativo
disciplinar na categoria estanque do formal, nem na categoria estanque do informal. O
formalismo moderado, como conseqüência da legalidade compreendida como
aplicação responsável e não automática da lei formal, acentua a ligação entre meios e
resultados que o instrumento processual objetiva resguardar.
O formalismo moderado exclui, por lógica, a corrente afirmação da possibilidade do
informalismo a favor do administrado. O informalismo é refutado não por ser a favor ou
contra o administrado, mas por não fornecer critérios objetivos de decisão.
114
Tomadas tais referências, pode-se então admitir que, na esfera do processo
administrativo disciplinar, a prescrição assume feições exclusivas, inclusive no que se
refere à sua força extintiva em relação a toda e qualquer sanção administrativa, não
havendo como o se ter como pacífica a compreensão de que o princípio da
prescritibilidade constitui-se como uma das regras retoras do direito brasileiro, inclusive
no que se refere à pretensão punitiva na esfera administrativa, independentemente de
sua previsão legal expressa
115
, Até porque, conforme destaca ODETE MEDAUAR: Se a
114
BACELLAR FILHO, R. F. Obra citada, p. 182 a 183;
115
Nesse sentido: Brasil. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 20.069. Distrito
Federal. Relator: Ministro Cunha Peixoto. Julgamento: 24 de novembro de 1976. Órgão Julgador:
Tribunal Pleno. Publicação: DJU em data de 02 de setembro de 1977. ementário, volume 1068, página
118. RTJ, volume 84-03, página 773. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. DEMISSAO. PRESCRIÇÃO DA
PRETENSAO PUNITIVA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, - A pretensão punitiva da Administração
Pública, no que diz respeito a faltas disciplinares não definidas também como crime, mas sujeitas à pena
de demissão, prescreve em quatro anos. Interpretação extensiva do inciso II, letra a, do artigo 213 do
Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União, cujo espírito é mais amplo do que a letra, e abarca,
102
constituição adotou o preceito da prescritibilidade de ilícitos que acarretam danos ao
erário, portanto, de graves conseqüências, evidente que prescrevem também todos os
demais ilícitos, destituídos dessas seqüelas, mas prejudiciais ao bom andamento dos
serviços.
116
Ademais, mostra-se importante que mais uma vez se reitere que, em razão de
tal princípio de prescritibilidade, no que atine a prescrição da pretensão punitiva da
Administração Pública, embora ao início se tenha considerado-a a partir das linhas
gerais delimitadas pelo Direito Penal, tal concepção não se mostra a mais adequada.
Tanto é assim que ODETE MEDAUAR manifesta haver diferenças significativas,
asseverando que:
As duas expressões aparecem quando se cuida da prescrição da pretensão punitiva da
Administração. Qual delas melhor expressa o sentido da prescrição no âmbito do poder
disciplinar?
Como bem pondera o Prof. Hélio Helene, ‘no Código Penal distingue-se a prescrição
antes de transitar em julgado a sentença e a prescrição depois de transitar em julgado
a sentença, que correspondem ... à extinção da ação penal e a extinção da
condenação, ambas reunidas hoje sob o nome de extinção da punibilidade. que se
atentar a que prescrição de penalidade disciplinar, depois de aplicada, pode dar-se
em raríssimos casos, a bem dizer, em caso de desídia da Administração, hipótese que
não se pode ter como normal. como é óbvio, grande diferença entre aplicação da
pena, no Direito Penal e aplicação da pena disciplinar. Esta se exaure em atos
administrativos (portaria de suspensão, decreto de demissão, etc.) para cuja prática
não depende da presença do punido, nem do estabelecimento de relação processual
com ele. Portanto, o legislador brasileiro com a expressão ‘prescrição da falta
disciplinar’ quis abranger ambas as hipóteses: impossibilidade de aplicação de pena e
impossibilidade de execução de pena aplicada, após o decurso do lapso
prescricional. Estabelece a lei a extinção da faculdade de aplicar penalidades, em
virtude do decurso do tempo.
117
sem limitação por omissão, todas as faltas, que não crimes, sujeitas à pena de demissão. Mandado de
Segurança concedido. Decisão obtida junto ao site do Supremo Tribunal Federal: www.stf.gov.br. Acesso
em data de 15 de setembro de 2004;
116
Importa destacar que o comando do art. 37, § 5º, da Constituição Federal de 1988,
delimitou como imprescritíveis, tão-somente às ações de ressarcimento, mas não as eventuais
sanções a serem aplicadas em razão de tais práticas lesivas ao erário;
117
MEDAUAR. Odete. Prescrição e administração pública, p. 85;
103
Poder-se-ia dizer até que uma diferença de natureza ôntica entre o ilícito ou
infração administrativa e o ilícito ou a infração penal. Dá-se tal circunstância, a nosso
sentir, nem tanto pelo fato da pena, para o efeito de sua concretização, receber
tratamento diferenciado na esfera criminal e na esfera administrativa, dado que a
presença física do punido é essencial para o cumprimento da pena criminal, o que, no
âmbito administrativo, não a mesma identidade de exigência, como realçado acima.
O ponto fulcral da diversidade está no fato de que nas lindes do Direito Penal
consolidou-se, por força de ditame legal expresso, dois espaços distintos de
possibilidade de prescrição da sanção penal, quais sejam o da pena em abstrato e o da
pena em concreto. No caso do Direito Administrativo, o que se torna visível é um
sentido de uniformidade na possibilidade prescricional. Ou seja, o decurso do tempo
impõe a impossibilidade do exercício do poder punitivo da Administração Pública no seu
todo. Ou seja, tanto na aplicação da sanção, quanto na sua execução, sem
diferenciação alguma em sua objetividade.
4.3. MOMENTO INICIAL DO PRAZO
Outro aspecto a ser melhor explicitado, de molde a demonstrar que a
pretendida semelhança guarda distinções substanciais, refere-se ao termo inicial da
prescrição administrativa em relação à prescrição criminal. De qualquer modo, de início,
importa que se alerte que não como identificar ilícito penal com ilícito administrativo.
Mesmo que a lei, eventualmente, diga que: (...) os prazos de prescrição previstos na lei
penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime
118
, tratam-
se de ilícitos singularmente diversos.
Importa destacar que ilícito administrativo e ilícito penal, na sua constituição
essencial, não configuram ilícitos do mesmo gênero, dado que, no mínimo, se mostram
qualitativamente diversos. Ademais, tomando-se em conta o próprio conceito de
autoridade processante, não se há de confundir a autoridade administrativa com a
118
Art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, a qual dispõe sobre o
regime jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das autarquias e das fundações públicas
federais.
104
autoridade policial judiciária. Há, também, que se realçar que a sede materializada da
acusação mostra-se totalmente diversa, na medida em que, no mínimo, o processo
administrativo é o nero do qual o inquérito policial é, sob um certo sentido, uma das
espécies.
Nessa senda, no que se refere ao prazo inicial de instauração do processo
disciplinar, importa delimitar se tal prazo inicia: à semelhança da lei penal, da data da
prática do ato; ou se inicia da data em que a autoridade responsável pela punição toma
ciência. Tal definição resulta de extrema importância, na medida em que o servidor que
tenha praticado um crime seria mais beneficiado que um servidor que praticou apenas
uma falta; no que se refere ao curso do prazo prescricional. Portanto, a utilização, como
dies a quo do prazo prescricional, como sendo o da data do fato, pode, em tese,
permitir o advento mais seguro da prescritibilidade da sanção, porquanto não
dependeria da ciência do fato por parte da autoridade administrativa, dado que, em
tese, entre a data do fato e o do seu conhecimento pela autoridade, poderão decorrer
dias, senão meses, até anos.
Face aos dois termos iniciais possíveis, ad argumentandum tantum, recolhe-se
que na doutrina tem preponderado como regra mais adequada à adstrita ao momento
do conhecimento do ato por parte da autoridade. Tal percepção dá-se sobretudo em
razão da necessidade permanente de preservar-se ao interesse público.
ODETE MEDAUAR, por seu turno, entende que:
A despeito da força dos argumentos de Cretella Júnior, vigora, na legislação em geral,
o sistema do conhecimento da falta. Pondere-se, em favor deste sistema, que as
condutas tipificadas como crime, de regra, revestem-se de caráter mais ostensivo que
as infrações disciplinares, havendo maior probabilidade de conhecimento na data em
que se consumaram. Além do mais, o próprio Código Penal, no art. 111, IV, prevê,
para crimes que podem permanecer ocultos por certo tempo, o curso do prazo
prescricional a partir da data do conhecimento do fato. Por outro lado como observa
Carlos S. de Barros Júnior, ‘não se pode cotejar ilícito penal e ilícito administrativo
disciplinar, como repressões de faltas mais ou menos graves, porquanto entre uma e
outra não que estabelecer tal comparação quantitativa. Elas não configuram ilícito
do mesmo gênero, mais ou menos grave, mas, qualitativamente diferentes, de
natureza e fins diversos. E, ainda: os efeitos de uma condenação criminal são muito
105
mais graves que os de uma pena disciplinar, podendo chegar à privação da
liberdade.
119
Ante tal perspectiva, ODETE MEDAUAR formula que:
A nosso ver a prescrição corre a partir da ciência de qualquer autoridade, mesmo que
não seja responsável pelo órgão onde a falta ocorreu. Isso porque os Estatutos de
funcionários, em geral, contem dispositivo que atribui a autoridade ou a funcionário o
dever de comunicar toda irregularidade de que tiver ciência e de tomar providências
para a devida apuração.
120
[...]
Entendemos que ao empregar a expressão ‘conhecimento da falta’ ou conhecimento
da irregularidade’ o legislador refere-se a fato ou ato que possa vir a ser caracterizado
como falta. Ou melhor: o início do curso prescricional conta-se do conhecimento de
fato, ato ou conduta que transparecem como falta ou que possam, em razão das
apurações, ser caracterizados como falta. Não há que se falar em, primeiro, ter certeza
da prática de falta para a partir de então correr o prazo prescricional. Entendimento
diverso levaria, na prática, à inexistência de prescrição, e à desconsideração dos
procedimentos de natureza disciplinar, o que não é correto sob o ponto de vista da
doutrina e da legislação vigente, em geral. Em decorrência, há fluxo prescricional antes
da autoria conhecida.
121
Por tais argumentos, na senda do entendido por ODETE MEDAUAR, se
consagra, a partir de tal concepção, a idéia de que basta qualquer notícia ou registro
para que, até mesmo na ausência de indícios sérios, possa o servidor público ver-se
submetido a um procedimento disciplinar. Não se necessita, nem mesmo, ter-se certeza
da existência da própria falta, isso sob a alegação de que, caso fosse necessário ter-se
tal certeza da ocorrência da falta noticiada, poder-se-ia dar causa a inexistência de
prescrição.
Tal ideologia, aliás, restou acolhida pela Lei 9.748, de 29 de janeiro de 1999.
De ofício, ou a requerimento de interessado, este último, inclusive, até mesmo de forma
oral, constituem-se nas formas legalmente previstas para dar azo a processo
administrativo, no âmbito da Administração Pública federal, orientação esta que se
119
MEDAUAR, O. Obra citada, p. 85 a 86;
120
MEDAUAR, O. Obra citada, p. 86;
121
MEDAUAR, O. Idem, ibidem;
106
torna paradigma referencial em ausência de legislação própria a cada ente federativo,
ou seja, em caso de inexistência de legislação estadual, ou municipal, específicas.
Ainda é ODETE MEDAUAR quem bem sintetiza a regra geral a ser adotada, no
que se refere ao início do prazo para a instauração do processo administrativo
disciplinar, importando tal data na condição de dies ad quo para fixação do início do
prazo prescricional, ao lecionar que:
(...) o início do curso prescricional conta-se do conhecimento de fato, ato ou conduta
que transparecem como falta ou que possam, em razão das apurações, ser
caracterizados como falta ou que possam, em razão das apurações, ser caracterizados
como falta. Não que se falar em, primeiro, ter a certeza da prática de falta para a
partir de então correr o prazo prescricional. Entendimento diverso levaria, na prática, à
inexistência de prescrição, e à desconsideração dos procedimentos de natureza
disciplinar, o que não é correto sob o ponto de vista da doutrina e da legislação
vigente, em geral. Em decorrência, fluxo prescricional antes da autoria conhecida.
122
Em razão de tal entendimento, a data do conhecimento do fato, ato ou conduta
a ser submetida a processo administrativo disciplinar, funciona como mecanismo de
garantia da segurança jurídica do próprio servidor faltoso. Garantia, na medida em que
tendo sido delimitada data precisa, o prazo prescricional inicia-se a correr a partir de
momento certo e insofismável, impedindo que a incerteza de tal termo possa vir a
prejudicar o faltoso, mesmo que ainda não se tenha conhecida à autoria do ilícito.
4.4. PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA E CONDUTA HAVIDA COMO CRIME
No âmbito do processo administrativo sancionador, muitas são as diretrizes
recolhidas junto ao Direito Penal, dado que: (...) o direito administrativo, em sua face
sancionatória, comunga dos mesmos princípios gerais de aplicação das normas penais,
(...)
123
, pelo fato de que tais esferas jurídicas originam-se, em sua especificidade, na
matriz única que configura o poder punitivo do Estado.
122
MEDAUAR, O. Obra citada, p. 86;
123
BACELLAR FILHO, R. F. Obra citada, p. 37;
107
No caso do fenômeno prescricional, também as diferenças mostram-se
singulares. Tanto é assim que RENATO SOBROSA CORDEIRO destaca que:
18. No âmbito do direito repressivo (o direito administrativo punitivo o é) a prescrição
afasta a pretensão punitiva do Estado, ocorrendo a extinção do direito de punir. A
relação jurídica objeto da prescrição civilista, seja ou não ordinária, resta adstrita aos
direitos patrimoniais, daí por que atinge as ações pessoais e reais (...)
19. As diferenças conceituais entre prescrição civil e prescrição penal refletem-se em
seus efeitos. Em seara cível, por exemplo, não solução de continuidade para o
curso da prescrição na ocorrência do falecimento da pessoa, a teor do que dispõe o
art. 165 do CC: “A prescrição iniciada contra uma pessoa continua a correr contra o
seu herdeiro” em sede repressiva, a morte extingue a punibilidade (mors omnia
solvit) considerado o princípio constitucional da individualização da pena, que não
passará da pessoa do condenado.
124
Talvez muito mais por influência de preceitos gerais de Direito Público, dada a
inquestionável discrepância entre o poder da Administração Pública em cotejo com a
pessoa do administrado, que, perante uma relação marcada pela possibilidade de
imposição de uma sanção, é tomada em conta a longa reflexão que deu azo à
aplicação das sanções penais, considerado, além das lições de natureza doutrinária,
todo o seu processo de elaboração jurisprudencial. Retira-se, por decorrência, desse
acervo de informações, diretrizes que, atentas aos pressupostos constitucionais
protetivos ao cidadão em geral, não podem deixar de restarem considerados no âmbito
da aplicação e execução das sanções administrativas disciplinares.
Nesse passo, importa destacar a existência de marcante diferença entre o ilícito
administrativo e o ilícito penal. Por tal sentido, esclarece JOSÉ CRETELLA JÚNIOR
que:
O ilícito administrativo’, consubstanciado na falta disciplinar, que pode ou não erigir-se,
também, em ‘ilícito penal’, consiste na violação de regras peculiares a grupos
diferenciados da sociedade, como magistrados, advogados, médicos, engenheiros,
professores, estudantes, todos funcionários ou a estes equiparáveis, ao passo que o
‘ilícito penal’ consiste na violação, de regras gerais, aplicáveis, sem exceção, a todo
cidadão, funcionário público ou não.
125
124
CORDEIRO, Renato Sobrosa. Prescrição administrativa, página 108;
125
CRETELLA JÚNIOR, José. Prescrição e falta administrativa, p. 63 a 64;
108
Portanto, verifica-se, de imediato, que o ilícito administrativo configura uma
forma peculiar de ilicitude, mostrando-se submetida a limites específicos, geralmente
decorrentes das condições e circunstâncias especiais tituladas pelo agente da conduta
em si, as quais o diferenciam, no espaço abstrato da realidade jurídica, das demais
pessoas em geral.
Contudo, a atuação ilícita no âmbito do Direito Administrativo, para efeito de sua
qualificação como falta, exige expressa previsão legal e atuação informada por
motivação livre, não podendo ser reconhecida a partir de mera imputação objetiva,
que: Juridicamente, o ato ou omissão do funcionário não se erige em ilícito
administrativo, a não ser que, previsto e reprimido por disposição estatutária própria
(elemento legal), tenha sido levado a termo materialmente ou, em alguns casos, tenha
tido começo de execução (elemento material), por agente público, dotado de vontade
livre e consciente (elemento moral).
126
Ponto de marcante diversidade entre a sanção administrativa e a sanção penal,
diz com a possibilidade de sua imposição. (...) ao passo que a repressão do ilícito penal
é regida pelo princípio da legalidade, a autoridade que exerce o poder disciplinar pode
aplicar, discricionariamente, sanções disciplinares, em virtude de infrações aos deveres
da profissão, a princípios de honra, de dignidade, de ética, mesmo que não haja
expressa disposição estatutária precisa a respeito. A Administração age dentro das
chamadas normas elásticas, flexíveis ou plásticas.
127
De qualquer modo, o ilícito penal-administrativo permite caracterizá-lo a partir
de dois prismas distintos. Por primeiro, configura-se como uma figura heterogênea, ou
seja, tanto configura falta administrativa, quanto configura crime. Por segundo, os
efeitos de sua prática produzem efeitos de alcance dúplice, tanto afetando à
Administração Pública, quanto afetando à sociedade. Explictando tais circunstâncias,
assevera JOSÉ CRETELLA JÚNIOR que:
126
CRETELLA JÚNIOR, J. Obra citada, p. 63;
127
CRETELLA JÚNIOR, J. Idem, ibidem;
109
O ilícito penal administrativo é um fato ilícito, capitulado nas leis penais e nas leis
administrativas. É um crime, um delito, por vezes, uma contravenção, ou, de um modo
mais genérico, ilícito ou infração que, ao mesmo tempo que afeta a sociedade, afeta a
Administração. O ilícito administrativo puro, entretanto, afeta específica e diretamente o
serviço público, a hierarquia, a ordem interna da Administração. Não transcende a
órbita administrativa.
128
Firmadas tais premissas, a título de compreensão necessária ao exame do
tema, resta necessário que se destaque, desde já, que no sistema jurídico brasileiro
vigora a regra da prescritibilidade. Tanto é assim que GERALDO DE CAMARGO
VIDIGAL explicita que:
31. No Direito brasileiro, são prescritíveis todas as hipótese de punibilidade, salvo as
expressamente ressalvadas nos textos constitucionais referidos.
Não crime, entre nós, por mais hediondo que seja, não pena, sequer a mais
intensa, que não se sujeitem ao princípio da prescrição salvo as referidas
exceções expressas.
Mesmo as pretensões de punição das culpas por crimes de latrocínio ou de estupro,
das penas máximas cominadas nos crimes contra a pessoa, a honra, a propriedade,
as instituições todas, salvo nas hipóteses de ressalva expressa perecem,
como se assinalou, pela prescrição.
129
.
Ademais, tal orientação de conteúdo heurístico, acabou por influenciar ao
próprio legislador. Tanto é assim que a Lei 9.873, de 23 de novembro de1999, em
seu art. 1º, § 2º, disciplina que: Quando o fato objeto da ação punitiva da administração
também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal. Ou
seja, a possibilidade jurídica de prescrição da ação punitiva estatal é fator
constantemente reafirmado, de molde que não surja dúvida alguma em relação à sua
existência. Mesmo que a referência ao evento prescricional esteja diretamente
associada aos limites estatuídos, neste aspecto, ao Direito Penal.
De muito, portanto, não repugna aceitar-se a vinculação entre Direito
Administrativo e Direito Penal, para o efeito de melhor compreender e alcançar uma
fórmula mais adequada de sacionar tanto ao particular, quanto ao administrado. O que,
128
CRETELLA JÚNIOR, J. Idem, ibidem;
129
VIDIGAL, Geraldo de Camargo. Prescrição no direito administrativo, p. 306;
110
entretanto, nunca é demais que se repita, é a circunstância de que tal meio de
imposição de sanção deve estar sempre submetido aos limites da lei.
No que atine à prescrição, quando a prática do ilícito administrativo também
configura crime, em nada impede que se reconheça a prescritibilidade do poder de
sanção administrativa. A prescritibilidade da sanção penal, por seu turno, é
inequivocamente disciplinada, de modo que resulta denecessário qualquer comentário a
seu respeito; até porque, a temática ora abordada diz, de forma direta, com o Direito
Administrativo e não com o Direito Penal.
A partir de tais constatações, mostra-se relevante destacar que, no sentido de
reconhecimento da prescritibilidade da sanção administrativa, o Supremo Tribunal
Federal, nos autos do mandado de segurança 20.069, na escorreita expressão do
Ministro MOREIRA ALVES, assentou que:
Essa circunstância, por si só, bastaria para demonstrar que, no direito administrativo
positivo do Brasil, a regra geral, em matéria de prescrição da pretensão punitiva da
Administração Pública no que diz respeito a sanções disciplinares, é a da sua
prescritibilidade.
Ademais, se até as faltas mais graves - e por isso mesmo também definidas como
crimes – são, de modo genérico, suscetíveis de prescrição no plano administrativo, não
como pretender-se que a imprescritibilidade continue a ser o princípio geral, por
corresponder ao escopo da sanção administrativa, ou seja, o interesse superior da boa
ordem do serviço público.
Não em razão de variadas manifestações doutrinárias, como também em
razão de sólido entendimento jurisprudencial, o modelo de uniformização de tais
semelhanças, no caso de infrações disciplinares capituladas também como crime, deu
azo a muitos estatutos legais que adotam tal diretriz. No caso da prescrição relativa aos
ilícitos disciplinados pela Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, refere o seu art.
142, § 2º, que se tratando da ação disciplinar: (...) Os prazos de prescrição previstos na
lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime. Do
mesmo modo, nos termos do grafado pelo art. 1º, § 2º, da Lei 9.873, de 23 de
novembro de 1999: (...) quando o objeto da ação punitiva da Administração também
constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal. No caso deste
111
último dispositivo, resta destacado que tal regra, nos termos do art. 5º do mesmo
diploma legal, não se aplica a infrações de natureza funcional e a processos e
procedimentos de natureza tributária.
Do conjunto de tais circunstâncias, de imediato, emerge relevante perplexidade,
a qual se constitui na medida em que, do cotejo entre determinados estatutos legais,
cria-se a possibilidade do tonalizar o fenômeno prescricional com peso e efeito
diferenciado. A regra administrativa grafada pela Lei 8.112, de 11 de dezembro de
1990 fixa, como dia inicial ao curso do prazo, o momento em que o fato tornou-se
conhecido pela autoridade administrativa (artigo 142, § 1º). a disciplina da Lei
9.873, de 23 de novembro de 1999, nos termos e seu art. 1º, fixa, como lapso inicial do
prazo, a data da prática do ato, ou, no caso de infração permanente ou continuada, o
dia em que tiver cessado. Indubitavelmente, para efeito da delimitação do início do
curso prescricional, tal dicotomia assume proporções relevantes.
No que se refere à lei penal, sabe-se que o critério referente ao dies a quo, com
conteúdo de regulação geral de início do prazo prescricional penal, resta delimitado nos
termos do estabelecido pelo art. 111, do Código Penal, o qual disciplina:
Art. 111. a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr:
I — do dia em que o crime se consumou;
II — no caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa;
III — nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência;
IV nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assentamento do registro
civil, da data em que o fato se tornou conhecido.
Em face de tais circunstâncias, de imediato e na comparação com o regramento
penal, percebe-se que há uma inadequação estrutural da disciplina relativa à prescrição
na esfera administrativa, na medida em que são adotados critérios distintos e de forma
injustificada de fixação dos prazos de início de contagem do lapso extintivo da
pretensão punitiva, os quais poderão dar margem até a grave injustiça. por
conseqüência uma distonia que poderá propiciar tratamento desigual.
Ante tal perspectiva, portanto, mostra-se necessário que se busque um critério
de orientação informada pela necessidade de uma compreensão que se constitua num
modelo marcadamente generalizador. Generalizador pela singela razão de buscar-se, a
112
partir de um critério igualitário, a conformação de uma certeza que, por sua vez, venha
constituir-se num mecanismo material de consagração da segurança jurídica. Ou seja,
pelo afastamento da variabilidade de critérios, torna-se possível assegurar-se uma
certeza marcada pela uniformidade. Não haverá desigualdade. Não haverá eventual,
injustiça. Haverá segurança jurídica.
Para tanto, o Supremo Tribunal Federal
130
, buscando evitar tal compreensão
marcada pela variabilidade de critérios, por equivocada, manifestou-se no sentido de
que as regras do procedimento administrativo são específicas, em razão da autonomia
das esferas administrativa, civil e criminal. Deu-se, portanto, um primeiro passo
significativo. Erigiu-se, por força de tal construção jurisprudencial, um critério de
diferenciação, marcado pela perspectiva da autonomia
131
132
.
Desse modo, resultou consolidada a diretriz de que não vinculação alguma
entre o processo administrativo disciplinar e a eventual ação penal. Passou-se a
reconhecer que a ilicitude administrativa, devidamente tipificada por norma integrante
do acervo do Direito Administrativo, subssume-se aos limites do processo
130
Brasil. Supremo Tribunal Federal. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. Demissão
do serviço público após regular procedimento administrativo em que suas regras específicas foram
observadas. Insubordinação do procedimento administrativo ao processo penal. Autonomia das
responsabilidades civil, disciplinar e criminal e suas respectivas sanções. Lei 1.711/52, art. 200 e Decreto
n. 59.310/66, art. 369. MS 20947 / DF – Distrito Federal. MANDADO DE SEGURANÇA. Relator: Min.
PAULO BROSSARD. Julgamento: 19/10/1989. Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO. Publicação: DJU de:
10-11-89, pág. 16880. EMENT, vol. 1562-01, pág. 116;
131
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 20.948-8. Distrito
Federal. Relator: Ministro Francisco Rezek. Impetrante: Edson Francisco dos Santos. Autoridade
coatora: Presidente da República. Data do Julgamento: 12 de outubro de 1989. FUNCIONÁRIO
PÚBLICO. PENA DISCIPLINAR. AUTONOMIA. Mandado de Segurança. Punição Disciplinar. I
ausência de ilegalidade formal no contexto da punição disciplinar. II O procedimento disciplinar
independe de inquérito de natureza penal. Mando de segurança indeferido. In: Revista de direito
Administrativo, volume 178, out./dez. 1989. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, p. 43;
132
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 20.947. Distrito Federal.
Relator: Ministro Néri da Silveira. Impetrante: João Luciano de Lucena. Autoridade coatora:
Presidente da República. Data do Julgamento: 12 de outubro de 1989. FUNCIONÁRIO
PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. PROCESSO DISCIPLINAR. Processo administrativo
disciplinar. Demissão do serviço público após regular procedimento administrativo em que suas
regras específicas foram observadas. Insubordinação do procedimento administrativo ao
processo penal.Autonomia das responsabilidades civil, disciplinar e criminal e de suas
respectivas sanções. Lei nº 1.711/52, art. 200, e Decreto nº 59.310/66, art. 369. Mando de
segurança indeferido. In: Revista de direito Administrativo, volume 178, out./dez. 1989. Rio de
Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, p. 41;
113
administrativo, mostrando comum à esfera penal, tão-somente, o prazo prescricional,
caso tal ilicitude também esteja prevista pela lei penal como crime. Nada mais, além
disso. Ou seja, o início do prazo prescricional, face à autonomia do processo
administrativo, será estabelecido pela regra de Direito Administrativo e não pela regra
de Direito Penal. Contudo, embora reconhecida a significação do reconhecimento de tal
autonomia, em muito pouco se avançou para o efeito de certeza e segurança.
Muito pouco se avançou porquanto esta proximidade legalmente forçada entre
o Direito Penal e a esfera normativa adstrita às infrações situadas na órbita
administrativa, podem produzir descompassos marcados por forte inadequação ao
sentido e ao significado oriundos do Direito Administrativo. Como exemplo de tal
inadequação, podemos referir os casos dos crimes funcionais contra a ordem tributária,
nos termos do grafado pelo art. 3º, da Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Ao
tratar dos crimes praticados por funcionários públicos, disciplina tal estatuto legal que:
Art. 3° Constitui crime funcional contra a ordem tributária, além dos previstos no
Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal (Título XI, Capítulo I):
I - extraviar livro oficial, processo fiscal ou qualquer documento, de que tenha a guarda
em razão da função; sonegá-lo, ou inutilizá-lo, total ou parcialmente, acarretando
pagamento indevido ou inexato de tributo ou contribuição social;
II - exigir, solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda
que fora da função ou antes de iniciar seu exercício, mas em razão dela, vantagem
indevida; ou aceitar promessa de tal vantagem, para deixar de lançar ou cobrar tributo
ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente. Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito)
anos, e multa.
III - patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração
fazendária, valendo-se da qualidade de funcionário público. Pena - reclusão, de 1 (um)
a 4 (quatro) anos, e multa.
Ora, verifica-se que, tomando-se em conta a rigidez das sanções, o prazo
prescricional, permeado pelas diretrizes estatuídas pelo Direito Penal, restará
excessivamente exacerbado, no que, a partir de uma análise sistêmica, distoará, em
muito, das sanções aplicadas na esfera do Direito Administrativo, em cujo sítio as
sanções avançam em rigidez e tempo bem menores. Tanto é assim que SÍDIO ROSA
DE MESQUITA JÚNIOR assevera que:
114
Parece-nos que esse não é o melhor posicionamento, visto que em determinados
casos o prazo da prescrição da sanção administrativa será aumentado, podendo
estender-se até doze anos, tendo em vista que a Lei nº 8.137/90 comina penas
máximas de cinco anos de reclusão para determinados crimes e de oito anos de
reclusão para outros. Assim, aplicando a regra do art. 109, inciso III, do Código Penal,
a prescrição se operará em doze anos. Para o Direito Penal Econômico não constitui
prazo muito longo o que ora apresentamos, mas o mesmo é muito extenso se
considerado em sede do Direito Econômico.
133
Vê-se, a partir de tal reflexão, que o critério adotado pela lei, em presença de
faltas administrativas também previstas como crimes, de sofrer imprescindíveis
temperamentos, sob pena de, em sede de prescrição administrativa, descaracterizar-se
totalmente o parâmetros e os paradigmas que incumbem, tão-somente, ao Direito
Administrativo fixar.
Ora, de tal equiparação nem tudo resulta negativo. É consabido que
reconhecida a prescrição do ilícito na esfera criminal, resulta inviável a punição
disciplinar à semelhança do crime, na medida em que o reconhecimento da prescrição
da pretensão punitiva afasta qualquer efeito civil, administrativo, processual, etc, que
decorreria do processo ou da sentença condenatória
134
. É lógico, contudo, que tal
espectro não alcança às eventuais faltas residuais, nos termos da súmula 18 do
133
MESQUITA JÚNIOR, Sídio Rosa de. A prescrição na Lei 8.884/94, com redação dada pela
MP 1708/98 (Lei 9.873/99), p. 15;
134
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. RCL 611 / Distrito Federal. Reclamação nº
1998/0095310-8. Relator: Ministro WALDEMAR ZVEITER Órgão Julgador: Corte Especial. Data do
Julgamento: 18/10/2000. Data da Publicação/Fonte: DJU de 04.02.2002, página 248. Decisão recolhida
junto ao site do STJ: www.stj.gov.br
, em 14 de agosto de 2004. RECLAMAÇÃO. ILÍCITO
ADMINISTRATIVO E PENAL. MESMA CONDUTA. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO DA
PRETENSÃO PUNITIVA NA ESFERA PENAL. INEXISTÊNCIA DE FALTA RESIDUAL.
IMPOSSIBILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO, SOB O PRETEXTO DE DAR A CONDUTA TIPIFICAÇÃO
DIFERENTE, PROSSEGUIR NO PROCESSO ADMINISTRATIVO. INTELIGÊNCIA DO PARÁGRAFO
ÚNICO DO ART. 244 DA LC 75/93. I – O reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva afasta
qualquer efeito civil, administrativo, processual, etc, que decorreria do processo ou da sentença
condenatória. O parágrafo único do art. 244 da Lei Complementar n.º 75/93 prevê: "A falta, prevista na lei
penal como crime, prescreverá juntamente com este." Reconhecida esta em função do tipo penal ao qual
o representante do Parquet – titular da ação penal, enquadrou a conduta, classificação aceita pelo Juiz
competente, não pode, a mesma conduta, continuar a ser investigada no âmbito administrativo. O
dispositivo acima mencionado estabelece tratamento específico ao procedimento administrativo
disciplinar, quando a conduta se subsumir, também, em tipo penal, certo que afirmado, pela própria
Comissão de Inquérito do Ministério Público, inexistir conduta ou falta residual a ser apurada. II – A
decisão pelo prosseguimento do processo administrativo está a negar eficácia àquela tomada no âmbito
desta Corte. Ação Penal 112/DF, onde reconhecida a prescrição e determinado o arquivamento dos
autos, conforme o Regimento Interno do STJ.. III – Reclamação conhecida e julgada procedente;
115
Supremo Tribunal Federal, a qual disciplina que: Pela falta residual, não compreendida
na absolvição pelo juízo criminal, é admissível a punição administrativa do servidor
público.
Tal circunstância decorre do fato de que, no dizer de JOSÉ CRETELLA
JÚNIOR: Nesse caso, o Judiciário entra no exame do crime, absolvendo ou
condenando, mas exime-se de apreciar a falta funcional, considerada resíduo, ou falta
residual. Interdito a apreciar a falta, o Poder Judiciário respeita o pronunciamento
administrativo.
135
Portanto, no caso de que após julgado o crime contra a Administração
Pública reste conduta, ou parte da conduta julgada, que caracterize ilícito
administrativo, o-somente, deverá a Administração Pública proceder à análise e a
eventual aplicação de sanção, aplicando-se, no que atine a tal resíduo, a regras
firmadas pelo Direito Administrativo, inclusive àquelas que disciplinam o fenômeno
prescricional.
Outra circunstância que também se mostra benéfica ao servidor faltoso, diz com
os casos em que haja na esfera criminal redução da pena, por efeito de aplicação de
sanção específica e individualizada ao fato julgado. Em tais circunstâncias, a prescrição
haverá de ser contada a partir da pena in concreto, possibilitando-se, com isso, que o
prazo prescricional, na esfera administrativa, reste reduzido, beneficiando, com tal
redução, o servidor infrator
136
. Tal adequação decorre da circunstância de que devendo
135
CRETELLA JÚNIOR, J. Obra citada, p. 66;
136
Brasil Superior Tribunal de Justiça. MS 8560 / Distrito Federal. MANDADO DE SEGURANÇA
2002/0095719-8. Relator: Ministro FONTES DE ALENCAR. Relatora p/ Acórdão: Ministra LAURITA VAZ.
Órgão Julgador: Terceira Seção. Data do Julgamento: 12/05/2004. Data da Publicação/Fonte: DJU de
01.07.2004, página 170. Decisão recolhida junto ao site do STJ: www.stj.gov.br, em 14 de agosto de
2004. ADMINISTRATIVO. PROCESSO DISCIPLINAR. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA TAMBÉM
TIPIFICADA COMO CRIME DE CONCUSSÃO. EXTINÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL
DECLARADA NA AÇÃO PENAL. ART. 142, § 2.º, DA LEI 8.112/90. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO
PUNITIVA RELATIVAMENTE AO ILÍCITO. ADMINISTRATIVO. OCORRÊNCIA. FALTA RESIDUAL. ART.
117, XII, DA LEI 8.112/90. PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. OCORRÊNCIA. 1. Nos termos do art. 142, §
2º, da Lei n.º 8.112/90, o prazo prescricional previsto na lei penal aplica-se à infração disciplinar também
capitulada como crime. 2. Tendo o TRF da 1ª Região, em sede de apelação criminal, reduzido para o
mínimo legal a pena imposta ao ora Impetrante pela prática do delito de concussão, o prazo prescricional
deve ser regulado pelo disposto no art. 109, inciso V, do Código Penal (04 anos). 3. Na hipótese, verifica-
se a ocorrência da prescrição relativamente ao ilícito administrativo previsto no art. 117, IX, porquanto em
06/09/1996 (140 dias após da instauração de novo processo disciplinar - art. 152, caput, c.c. o art. 169, §
2.º, da Lei 8.112/90) o prazo prescricional voltou a correr e, não tendo sofrido qualquer outra interrupção,
esgotou-se em 06/09/2001. 4. Ainda que se admita a existência de falta residual (Súmula nº18 do STF)
116
ser observado o prazo fixado pela lei penal, caso atribuída à falta administrativa pena
inferior à fixada pela lei, tal deverá ser o paradigma temporal para a contagem do prazo
prescricional.
137
Não se pode deixar de perceber que o fenômeno prescricional, na esfera do
processo disciplinar, toma contornos próprios, na medida em que, por força da
regulação legal positivada, o lapso prescricional, à exceção de norma expressa, tem
seu início a contar da data do fato, ou do ato a sofrer sanção e não da ciência da
autoridade com poderes para instaurar a sede persecutória administrativa, ou que
venha, eventualmente, a tomar ciência da falta perpetrada. Contudo, em presença da
cognominada infração-crime, erige-se, por força da necessidade de coerência interna
do sistema, e até mesmo sob a ótica de um sentimento de justiça, o critério que faz
prevalecer a data do fato. Tanto é assim que JO CRETELLA JÚNIOR preleciona
que: Na infração-crime, a prescrição é contada ‘a partir do fato’, tenha ou não a
autoridade administrativa tido ciência do evento, o que se dá,
138
(...). Isto por que:
Quem fixa o ‘dies a quo’ é o legislador estatutário, que remete o aplicador da pena às
regras do direito penal: a falta também prevista na lei como crime prescreverá
juntamente com este’. Nem poderia deixar de ser assim, porque só a União pode
legislar sobre direito penal.
139
Tal circunstância, relativa à fixação do prazo prescricional, mostra-se
extremamente importante, na medida em que se tratando de falta administrativa pura, o
prazo inicial para o início do lapso extintivo será, de regra, a data em que a autoridade
toma ciência da infração, por força do determinado pela grande maioria das regras de
na hipótese do inciso XII do art. 117 da Lei 8.112/90, deve a prescrição regular-se pelo art. 142 daquele
diploma legal, que prevê o prazo de cinco anos para a Administração Federal aplicar a pena de
demissão. 5. Ordem Concedida para tornar sem efeito o ato administrativo praticado pela Autoridade
Impetrada e determinar a conseqüente reintegração do Impetrante;
137
Nesse sentido, esclarece José Cretella Júnior que: Na esfera do Poder Judiciário,
depois de transitada em julgado a sentença condenatória, ainda no exemplo dado do abandono
de cargo, a prescrição é regulada pela sanção imposta, ocorrendo nos mesmos prazos fixados
para a prescrição antes do trânsito em julgado da sentença final, prazos que se aumentam de
um terço, se o condenado é reincidente. CRETELLA JÚNIOR, J. Obra citada, p. 67;
138
CRETELLA JÚNIOR, J. Obra citada, p. 68;
139
CRETELLA JÚNIOR, J. Idem, p. 69;
117
natureza estatutária. Diante de tais circunstâncias, resulta possível a consolidação de
uma situação iníqua, na medida em que a lei acaba por beneficiar o funcionário que
comete um crime, em detrimento de um funcionário que comete, tão-somente, uma
mera falta administrativa. Tanto é assim que:
Em síntese, dos fatos ocorridos na esfera administrativa, ambos paralelos, um
configurando ‘crime’ outro ‘não-crime’, podem levar e levam ao seguinte
resultado prático: o funcionário, autor de crime, pode não ser demitido, porque correu a
prescrição ‘a partir do fato’, ao passo que o funcionário, autor de mero ilícito
administrativo, pode ser demitido a qualquer tempo’, porque o início da fluência do
prazo prescricional é ‘a partir da ciência do fato’, pela autoridade, além do que a
abertura do processo administrativo interrompe sempre a prescrição.
140
Nessa perspectiva, buscando uma solução adequada à circunstância, assiste
razão a JOSÉ CRETELLA JÚNIOR ao destacar que:
Ora, se a ‘sanção’, como ‘categoria jurídica’, é sempre ligada à ‘prescrição’ e esta é
‘vinculada ao tempo’, o princípio informador do instituto prescricional não pode deixar
de ser senão este: a prescrição começa a correr ‘a partir do fato’. Por quê? Porque o
tempo vai apagando aos poucos a imagem do evento e do quadro da época. O fato e
as circunstâncias que o cercaram se esmaecem na memória dos que o presenciaram,
as provas materiais e as testemunhas percam o significado.
141
Por isso, para o efeito de garantir segurança jurídica aos eventuais funcionários
infratores, importa que se parta sempre, para o fim de fixar o início do curso do prazo
prescricional, a data em que o fato foi cometido e não da data em que possa vir a
autoridade ter ciência do evento danoso.
Contudo, sob um ângulo global de apreciação, no que se refere à prescrição
penal aplicada à falta administrativa, verifica-se que sua efetivação guarda forte
ambigüidade. Tanto que poderá exacerbar o prazo prescricional, no caso de crimes que
recebam penas com grande período de punição, como também poderá beneficiar o
servidor faltoso, na medida em que, restando reduzida a pena, a prescrição deverá ser
140
CRETELLA JÚNIOR, J. Obra citada, p. 70 a 71;
141
CRETELLA JÚNIOR, J. Idem, p. 69;
118
considerada a partir da sanção criminal fixada em concreto, com o que poderá dar azo
até a prazo prescricional inferior ao fixado pela regra legal administrativa.
Em presença de tal circunstância, não visando-se alcançar uma certeza de
justiça material, mas até como meio de assegurar segurança jurídica aos servidores em
geral, tomando-se me conta a indiscutível autonomia do Direito Administrativo, mostra-
se aconselhável que, na medida do possível, o legislador passe a revogar os
dispositivos que encaminham a regulação da prescrição administrativa para as regras
de Direito Penal.
4.5. RESSARCIMENTO DO ILÍCITO
Outra circunstância que demonstra a não semelhança entre a esfera punitiva
penal e a esfera punitiva administrativa, diz respeito ao ressarcimento de dano oriundo
de prática criminosa perpetrada por servidor público.
Tal perplexidade toma vulto, ainda, na medida em que o ressarcimento de
prejuízo ao erário, nos termos do grafado pelo art. 37, § 6º, da CF, ao não vincular,
necessariamente, ao responsável direito pela lesão o dever de ressarcir, azo, por
força de interpretação sistemática, a uma situação dúbia.
Diz o art. 91, inciso I, do Código Penal, que: Art. 91. São efeitos da
condenação: I tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime. Tal
determinação legal resulta como efeito da condenação criminal. Não resulta, portanto,
como efeito de condenação cível. Ou seja, a responsabilidade pelo evento danoso resta
configurada a partir de uma conduta tipificada como crime, tão-somente. De tal sorte,
independentemente do dano causado, só no caso do agente restar condenado pelo
crime é que se poderá exigir-lhe a reparação do dano. Tal vinculação, aliás, decorre da
dissociação que o ordenamento jurídico nacional procede em relação à
responsabilidade civil em relação á responsabilidade penal.
142
Entretanto, circunstância
a ser realçada é a que atine à certeza do direito. Conforme grafado pelo dispositivo
142
Diz o artigo 935 do Código Civil que: (...) a responsabilidade civil é independente da
criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu
autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.
119
legal referenciado, a condenação criminal torna certa a obrigação de indenizar ao dano
causado pelo crime.
Em sede de mesma temática, o Código de Processo Penal estabelece a
possibilidade de ressarcimento por dano oriundo de prática criminosa, por duas vias
distintas. Como execução da sentença condenatória transitada em julgado, e como
possibilidade de ajuizamento de ação civil, tanto face ao autor do crime, quanto em face
do responsável civil. Importa destacar que tais possibilidades jurídicas de obtenção de
indenização, o legislador às constrói a partir do instituto da ação civil. Tal diploma legal
disciplina que:
Art. 63. Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a
execução, no juízo vel, para efeito da reparação do dano, o ofendido, seu
representante legal ou seus herdeiros.
Art. 64. Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para ressarcimento de
dano poderá ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for o caso, contra
o responsável civil.
Por outro lado, estabelecem os artigos 932 e 935, ambos do Código Civil,
respectivamente, que:
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
[...]
III o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no
exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não podendo questionar
mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando esta questões
se acharem decididas no juízo criminal.
Como se verifica de todos esses dispositivos, no que atine à prescrição da
pretensão de ressarcimento, exsurge forte perplexidade. Se considerarmos o regrado
pelo art. 37, § 5º, da Constituição Federal, novamente duas circunstâncias resultam
problemáticas. No caso do dano perpetrado por qualquer agente, servidor ou não, o
prazo prescricional será o estabelecido pela lei, excepcionadas às ações de
ressarcimento. Contudo, face à primeira hipótese, resulta inescusável indagar: qual lei?
120
Por segundo, na forma do explicitado pelo Código Penal, é efeito da
condenação o dever de ressarcir o dano. Contudo, no caso do explicitado pelo Código
de Processo Penal, tal dever poderá ser procedido por mera execução de sentença
condenatória, com trânsito em julgado, ou por força de ajuizamento de ação vel,
pretensão esta última que deverá ser dirigida contra o autor do crime, ou contra o seu
responsável civil.
Ora, nos termos do disciplinado pelo artigo do Decreto 20.910, de 06 de
janeiro de 1932, qualquer direito de crédito ou dívida passiva a serem suportados pela
Administração Pública, em seus três espaços de atuação, prescreve em cinco anos,
tomando-se em conta o fato de que, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição
Federal, a responsabilidade civil estatal é de natureza objetiva.
Já na forma do determinado pelo artigo 205 do Código Civil: A prescrição ocorre
em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor. Em presença de tal
circunstância, portanto, tomando-se em conta não o servidor público como autor do
crime, mas sim a Administração Pública, a título de responsável civil, ter-se-ia a
duplicação do prazo.
O Supremo Tribunal Federal, em presença de perplexidade semelhante,
assentou, na forma do lançado nos autos do Recurso Extraordinário 78.237
143
, que o
lapso prescricional visando postulação indenizatória, inicia-se a partir do trânsito em
julgado de decisão condenatória do autor do ilícito, que a partir de tal decisão ter-se-
ia então a certeza, entre outras, da responsabilidade civil pelo ato perpetrado. Contudo,
tal decisão não responde a perplexidade decorrente da interpretação cumulativa dos
artigos 37, § 6º, da Constituição Federal, e do artigo 64 do Código de Processo Penal,
na medida em que resulta possível atribuir-se, até mesmo em razão da
responsabilidade civil objetiva da Administração Pública, tal responsabilidade ao
Estado.
143
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 78.237. Estado do
Paraná. Recorrente: Estado do Paraná. Recorrido: Elsa Echelmeier. Relator: Ministro Luiz
Gallotti. Ementa: Responsabilidade civil do Estado por morte, de que foi autor um soldado da
Polícia, em serviço. Prescrição. Corre da condenação do homicida, com trânsito em julgado.
Data do julgamento: 26 de abril de 1974. Publicado junto ao site: www.stf.gov.br, acessado em
data de 21 de dezembro de 2004;
121
JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, tentando dar solução a tal problema, refere que, no
caso de dívidas passivas da União, em razão de:
(...) interpretação sistemática da legislação vigente (Constituição Federal, art. 37, § 6º;
Código Penal, art. 91, I; Código de Processo Penal, arts. 63, 64, ‘caput’ e parágrafo
único; Código Civil, art. 1.521) deixa bem claro que a natureza jurídica da sentença
penal condenatória transitada em julgado é a de título executivo judicial, que marca o
início da contagem do prazo prescricional, permitindo o ajuizamento da respectiva
ação, contra o autor do delito ou contra o responsável civil, hipótese que não se
confunde com a prevista no art. do Decreto 20.910/32 que estabelece início de
prazo prescricional diverso, a partir do ato ou fato, já que a razão de pedir é a
responsabilidade objetiva do Estado.
144
Nesse caso, é de indagar-se: e a prescrição a atingir tal pretensão de
reparação, em que regra de estar fundada? Tal questionamento resulta inafastável,
na medida em que os caminhos, apesar da compreensão majoritária da doutrina, tratam
de interesses reflexos diversos, na medida em que não às vontades que estão
associadas a cada uma das pretensões reparatórias, como também a possibilidade de
sua disponibilidade, mostram existir, de modo concomitante, caminhos distintos.
Outro ponto controvertido emerge do momento azado para a exigência de tal
reparação. Tomando-se em conta do disposto pelo Decreto 20.910, de 06 de janeiro
de 1932, resulta limitada a responsabilidade objetiva da Administração Pública em
reparar os danos causados pelos seus prepostos à prescrição no prazo de cinco anos.
Contudo, de indagar-se: cinco anos a contar de que termo? No caso de atos
ilícitos oriundos de prática criminosa, resulta assentado que tal lapso dá-se, tão-
somente, a partir do trânsito em julgado da sentença penal condenatória
145
, a qual,
assumindo a concretude de um título executivo, a partir de tal termo passará a ser
144
CRETELLA JÚNIOR. José. Prescrição no direito administrativo dívida ativa da
união, de qualquer natureza, p. 73 a 74;
145
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 78.237.Paraná. Relator:
Ministro Luiz Gallotti. Recorrente: Estado do Paraná. Recorrida: Elsa Echelmeier. Primeira turma.
Julgado em 26 de abril de 1974. Ementa: responsabilidade civil do Estado por morte, de que foi
autor um soldado da Polícia, em serviço. Prescrição. Corre da condenação do homicida, com
trânsito em julgado. Publicado junto ao site: www.stf.gov.br, acessado em data de 21 de
dezembro de 2004;
122
exigível e a submeter-se ao lapso prescricional, a título de dívida passiva da
Administração Pública.
Isso porque, é da data da condenação do criminoso, com trânsito em julgado,
que surge a actio nata, porquanto é a partir de tal evento que o direito, por força de
preceito legal, torna-se certo (art. 91, inciso I, do Código Penal). Portanto, até mesmo a
dívida ativa da Administração Pública haverá de submeter-se a tal disciplina, caso reste
admitida como paradigma.
Desse modo, para efeito de ressarcimento do dano, o prazo prescricional que
haverá de submeter-se a Administração Pública não se restringe à data do ato ou do
fato, como pretende fazer crer uma leitura apressada do art. 1º, do Decreto 20.910,
de 06 de janeiro de 1932. que tratando-se de ilícito penal tal regra não pode restar
aplicada de forma objetiva. Portanto, no dizer de JOSÉ CRETELLA JÚNIOR:
(...) a proposição ‘prescreve em cinco anos toda e qualquer ação contra a União,
referente às dívidas passivas de qualquer natureza, devendo o prazo da prescrição
correr da data do ato ou fato do qual se origina a mesma ação’ deverá conter a
ressalva ‘exceto quando se trata de ilícito penal, quando o prazo da prescrição correrá
do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
146
Da mesma forma, como já realçado acima, dá-se também em relação às
dívidas ativas da Administração Pública, diga-se no que se refere aos três entes
federados, já que:
(...) regra geral, conforme os dispositivos legais em vigor, prescrevem em cinco anos, a
contar do ato ou fato de que se originaram, com exceção da hipótese de se originarem
de ato ilícito (administrado ou funcionário, por ação ou omissão dolosa, causando dano
patrimonial ao erário), pois, nessa hipótese, o trânsito em julgado da sentença
condenatória é que será o marco inicial da contagem do prazo prescricional.
147
Por fim, de ressaltar-se que, para efeito da prescrição administrativa, há de
discernir-se a respeito da diferença marcante que entre responsabilidade penal e
civil do servidor público, e responsabilidade civil solidária da Administração Pública.
146
CRETELLA JÚNIOR. J. Obra citada, p. 74;
147
CRETELLA JÚNIOR. J, Idem, ibidem;
123
No caso da responsabilidade penal e civil do agente causador do dano, vigoram
as regras acima realçadas. Qual seja, em decorrendo a responsabilidade pela
indenização vinculada a ato criminoso, o lapso temporal será o determinado pela
prescrição ordinária, com início a contar do trânsito em julgado da decisão
condenatória. Contudo, nada impede que a vítima, ou os seus sucessores, intente, da
data do fato delituoso, desde logo, o pedido de ressarcimento. Tanto é assim que
YUSSEF SAID CAHALY destaca que:
Uma coisa, com efeito, é a responsabilidade, ‘penal e civil’, do agente público, autor
direto da lesão imanente à prática delituosa, o qual está, pois, em tese, sujeito a ação
criminal e, de modo primário alternativo, também a ação ou a execução civil. Pode,
neste caso, a vítima, ou seus sucessores, intentar, desde logo, contra o funcionário,
ação de indenização, tendente a obter, ao cabo de processo de conhecimento,
sentença que lhe sirva, ou que lhes sirva, de título executivo. A prescrição, aí, é
ordinária (art. 177 do CC) e, entrando a correr da data do ato ilícito, encobre apenas a
eficácia da conseqüente pretensão ao título executório judicial (art. 584, I, do CPC).
Noutras palavras, a prescrição é da ação.
Contudo, outra é a circunstância atinente à responsabilidade civil solidária da
Administração Pública, que a Administração Pública não pratica crime algum, não
estando, portanto, sujeita, a um processo-crime. Por tais circunstâncias, também
destaca YUSSEF SAID CAHALY que:
Outra coisa, muitíssimo diversa, é, porém, a responsabilidade ‘civil’ solidária da pessoa
jurídica de direito público interno, a cujos quadros pertença o funcionário ofensor, a
qual — escusaria sublinha-lo não está exposta a nenhum processo crime. O
caminho da vítima, ou de seus sucessores, contra ela, é único e consiste na ação civil
de reparação de dano ‘ex delicto’, fundada, em princípio, no art. 107, ‘caput’, da
Constituição, cuja amplitude prescinde da alegação de culpa. Tal pretensão tem sua
eficácia limitada a prazo ‘especial’ de prescrição, que é o estatuído no art. 1º do
Decreto 20.910/32, e, como tal, computável da data do ato ilícito. Consumada esta
prescrição daquela ação de conhecimento, ao lesado não sobra outro instrumento
processual, de qualquer espécie, para fazer concreta a responsabilidade da pessoa
jurídica de direito público, ainda quando seja induvidosa, dos pontos de vista penal e
civil, a do seu agente. Não há aqui simetria com a responsabilidade ‘pessoal’ do
funcionário, pela intuitiva razão de que, não havendo pensar em ação criminal contra a
pessoa jurídica, não o em eventual sentença penal condenatória que, em relação a
ela, como sujeito passivo, pudesse servir de título executivo judicial, em favor do
credor, ou credores. “Exatamente porque a responsabilidade criminal é pessoal, a
124
execução civil decorrente do dano causado pelo delito recai ‘exclusivamente’ sobre o
patrimônio do próprio condenado’.
148
Não se há, portanto, de confundir a responsabilidade pessoal do agente
delituoso, com a responsabilidade objetiva da Administração Pública, face aos atos
ilícitos perpetrados pelos seus servidores, no que atine ao fenômeno prescricional.
Eleita a via da responsabilização direta, não se que falar em prescrição
administrativa, subordinando-se o evento prescricional aos parâmetros da prescrição
civil ordinária. Contudo, objetivada a pretensão de responsabilização da Administração
Pública, estar-se-á perante regime jurídico diverso, qual seja o da prescrição
administrativa, submetendo-se, portanto, ao lapso temporal de cinco anos, na forma do
regrado pelo Decreto nº 20.910, de 06 de janeiro de 1932.
Nessa senda, o princípio da segurança jurídica resulta dependente da vontade
do lesado. Se é certo o direito à indenização, a escolha do caminho na busca de tal
satisfação econômica será fator de fundamental relevância para a obtenção da proteção
jurídica alvitrada.
148
CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado, p. 238 e 239;
5. DO INTERESSE COMO MÓVEL
5.1. PRESCRIÇÃO E INTERESSE SOCIAL
Mesmo em se tratando do fenômeno da prescrição na esfera privada, resulta
inquestionável que tal instituto é informado pelo interesse social. Mas como se poderia
perceber uma vinculação direta entre prescrição e interesse social. Tal interesse, como
consabido, é marcado, fundamentalmente, pela pretensão necessária a obter-se a paz
social. Ocorre que a compreensão de um conteúdo atinente à paz social só pode dar-se
a partir de um conceito associado a uma idéia abstrata, ou a uma expectativa
consolidada na vida cotidiana de determinada comunidade. De tal sorte, para o efeito
de que não nos percamos em reflexões de natureza meramente formais, mostra-se
aconselhável que busquemos a compreensão da idéia de paz social a partir de sua
visão empírica.
Entre as categorizações possíveis, o podemos desconsiderar que a idéia de
paz social configura-se, entre outras perspectivas, como um ideal coletivo a ser
alcançado. Contudo, sob um determinado ponto de vista meramente material, dificulta-
se a sua localização. Neste intento, produz-se uma opacidade no que atine à sua
identificação como sendo uma finalidade que se possa perceber e reconhecer de forma
concreta e imediata na vida cotidiana. Ademais, tomando-se em conta a idéia de
interesse social, a qual se caracteriza também por uma certa fluidez, não se torna
possível situá-la de forma rígida, porquanto é permanentemente submetida a sofrer a
influência de um conjunto de fatores oriundos do processo histórico. Exige-se, portanto,
que o seu desenvolvimento se construa a partir de uma dinâmica marcada pela
contingencialidade.
Em face de tais dificuldades, importa que no âmbito das indagações aqui
procedidas, estruturemos a delimitação de tal conceito no próprio plano discursivo que a
ciência jurídica constrói. Isto resulta facilitado em razão da vocação fortemente adstrita
a uma visão dogmática edificada a partir de um conjunto de conceitos por ela própria
formulados. Portanto, o deslocamento da possibilidade de compreensão de tal idéia
para o âmbito da Ciência do Direito, constitui-se, a seu início, basicamente, num
126
procedimento metodológico, visando apoiar-se em critérios pré-justificados, para o
efeito de permitir gerar uma pretensão de consistência necessária à compreensão dos
efeitos jurídicos de tal aspiração.
Por outro lado, na busca de tal compreensão, mostra-se, também, necessário
agregar-se a tal formulação, como fator de natureza complementar, o conceito de
certeza. Contudo, um problema de percepção imediata surge em razão de tal hipótese.
Tal problema decorre que a pretendida certeza pode resultar explicitada por uma
multiplicidade de significados, que se trata de expressão ambígua. Ante tal
perspectiva, para o fim de afastarmos a perplexidade inicial, surge nova necessidade
metodológica, qual seja a de delimitar-se tal conceito.
Tais pressupostos não se dão por mero diletantismo, mas sim no fito de manter-
se a consistência temática. Assume-se, portanto, como viável e possível, a concepção
de que, para o Direito, a prescrição deve atender, entre outros objetivos, o de garantir
uma certeza que tenha como característica primordial a de pôr fim a um eventual
conflito jurídico infindável. Ou seja, a partir do reconhecimento do fenômeno
prescricional, assume-se que é certo que qualquer conflito situado na esfera jurídica
deve cessar. O que facilita tal compreensão é o fato de que ela não se mostra
dissociada do mundo jurídico cotidiano, na medida em que, por força de lei, tem a
prescrição a força jurídica de extinguir a possibilidade de manutenção de uma
discussão marcada por argumentos voltados a conseqüências informadas por
pretensões divergentes.
Portanto, mesmo diante de uma situação conflitiva consolidada por interesses
contrapostos, resulta a certeza jurídica como uma garantia para a obtenção da
almejada paz social, já que faz cessar o conflito.
Para o efeito de que tal certeza assuma a condição de garantia, o discurso
jurídico assume a condição de lugar adequado à formulação de pretensões
argumentativas direcionadas a solução definitiva da controvérsia. A partir de tal
território, as pretensões dissonantes passam a ser problematizadas em relação ao
conjunto de normas que integram o ordenamento jurídico positivado, o qual assume a
condição de uma estrutura que visa solucionar a controvérsia, reorganizando e
127
diferenciando os argumentos deduzidos, de modo a construir uma solução para o
conflito.
Entre as normas que visam uma solução para o conflito, situam-se as regras
que disciplinam a prescrição. Portanto, a prescrição assume a condição de regra
solucionadora do conflito, constituindo-se numa via de resolução que não pode ser
afastada pelos contendores, com o que, também, se constitui em modo de garantia da
paz social.
Assume a prescrição, então, uma tríplice função, qual seja: a de conceito
estratégico para a consecução da paz social; a de fundamentação do discurso jurídico;
e a de objetivação da certeza formal de extinção do conflito. A partir desta tríplice
formulação, torna-se possível à prescrição assumir a condição de meio jurídico
consistente na obtenção de proteção ao interesse social. Isto porque a pacificação das
controvérsias, por força de sua extinção procedimentalizada como meio de solução dos
conflitos, até mesmo no âmbito de um discurso jurídico dogmatizado, gera certeza
configuradora da tranqüilidade necessária ao desenvolvimento das potencialidades,
interesses e anseios da sociedade na sua expressão concreta.
Tal condição de mediação possibilita a recuperação da tranqüilidade do cidadão
e equilíbrio nas relações sociais, já que, como adverte SÍLVIO RODRIGUES:
Sem a prescrição, a pessoa deveria manter-se em estado de intranqüila atenção,
receando sempre um litígio baseado em relações de muito transcorridas, de prova
custosa e difícil, porque não a documentação de sua constituição poderia haver-se
extraviado, como a própria memória da maneira como se estabeleceu estaria perdida.
Com efeito. Mister que as relações jurídicas se consolidem no tempo. um interesse
social em que situações de fato que o tempo consagrou adquiram juridicidade, para
que sobre a comunidade não paire, indefinidamente, a ameaça de desequilíbrio
representada pela demanda. Que esta seja proposta enquanto os contendores contam
com elementos de defesa, pois é do interesse da ordem e da paz social liquidar o
passado e evitar litígios sobre atos cujos títulos se perderam e cuja lembrança se foi.
149
Tanto é assim que a pretensão a uma proteção ao interesse social assume
condição de significativa relevância, buscando-se, como finalidade precípua, a
impossibilitação da perpetuidade de conflitos. Como obstáculo, portanto, a prescrição
149
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: parte geral, v. 1, p. 327;
128
deve buscar, como conseqüência de sua atuação, a pacificação concreta das
controvérsias, a ponto de que, no dizer de CLENÍCIO DA SILVA DUARTE: As situações
irregulares consolidam-se com o decurso do tempo, não sendo mais passíveis de
qualquer retificação, seja para melhor, seja para pior. Isto porque, no dizer do mesmo
pareceirista:
6. o decurso do tempo [...] consolidou as irregularidades no enquadramento de que se
trata, convertendo as situações de fato em situações de direito, insuscetíveis, a esta
altura dos acontecimentos, de qualquer retificação. A prescrição, que tanto corre a
favor como contra o Poder Público, instituída no Direito em benefício da paz social,
impõe a certeza das relações jurídicas, para que não se eternizem situações dúbias.
150
Como decorrência concreta oriunda do fenômeno prescricional, gera-se a
estabilidade das relações sociais, na medida em que o conflito resulta findo. Estancado
o litígio, a sociedade deixa de ressentir-se da controvérsia, consolidando-se então a paz
social.
Visando a tal benefício, também a Administração Pública deve restar limitada
aos objetivos sociais de certeza e segurança inerentes à ordem jurídica positivada,
dado que o Estado também deve perseguir objetivos que redundem na harmonia da
sociedade. Tanto é assim que, conforme realça CAIO TÁCITO: (...) a faculdade de agir
outorgada ao administrador não é construída no vácuo, mas em função de
determinados objetivos sociais que não podem ser ignorados ou subvertidos pelo
agente.
151
Outros aspectos que se mostram associados à prescrição administrativa, dizem
respeito à circunstância de que, pela negligência do titular do direito, de suportá-la
como se fora uma forma de penalidade indireta. Isto porque pela sua inação, tanto o
administrado, quanto a própria Administração Pública demonstram o seu desinteresse
com a necessária cooperação social, assumindo uma postura negligente,
150
Parecer. Processo nº 225/73. Departamento Administrativo do Pessoal Civil, em
25.01.1974. Consultor Jurídico Clenício da Silva Duarte;
151
TÁCITO, Caio. Direito Administrativo, p. 53;
129
procrastinando ante o seu dever de evitar a mantença de um estado caracterizado pela
antijuridicidade, o que acaba por gerar permanente insegurança.
As idéias de segurança, certeza e ordem agrupam-se como razões necessárias
à existência de qualquer ordenamento jurídico, mostrando-se como seu sítio mais
natural o âmbito de regulação formatado no seio dos Estados Democráticos de Direito.
Isto porque geraria forte contradição o acolhimento de um determinado sistema
normativo, de configuração jurídica, que se mostrasse dissociado de preceitos
garantidores de segurança, de a certeza e de ordem, não se constituindo tais diretrizes
em seus desideratos permanentes, ou que pudessem restar impunemente burlados.
Não o administrado, como primordialmente a Administração Pública, hão de
restarem vinculados a tais paradigmas, sob pena de possibilitar-se a consolidação de
um sistema normativo de regulação, não contrário ao conteúdo essencial de grande
parte dos Estados contemporâneos, mas manifestamente lesivo aos interesses dos
cidadãos e da sociedade como um todo.
Tanto é assim que GERALDO ATALIBA destaca, após elencar os princípios
básicos grafados pelo texto constitucional, no rol daqueles que integram os direitos
fundamentais e às garantias individuais e coletivas, que:
Assim se que certeza, confiança, lealdade, autorização, consentimento, segurança,
previsibilidade,representatividade república, enfim —, dão consistência e dimensão
densas ao chamado princípio da certeza do direito. De fato, lei prévia é conhecida pelo
cidadão antes que tome suas decisões, antes que determine seu comportamento em
assuntos que possam sofrer direta ou indireta influência da ação dos poderes públicos.
É na linha destas diretrizes, respeitando esta tônica, caminho no rumo assim
estabelecido, que se dará interpretação às normas de direito público, acomodando a
ação do Estado às exigências capitulares do princípio republicano.
Destarte, como chave de abóbada do sistema, ele confere-lhe unidade e coerência em
todas as suas manifestações, propiciando harmonia até às suas repercussões
periféricas.
152
No caso da prescrição administrativa, sabe-se que, pelas circunstâncias
especialíssimas que orientam o agir da Administração Pública, mesmo no caso desta
última atuar sob o pálio do princípio da auto-tutela e, portanto, informada pelos critérios
152
ATALIBA, Geraldo. República e constituição, p. 187;
130
de conveniência e de oportunidade, em razão da segurança, da certeza e da ordem
jurídicas, vê-se obstada a agir em confronto com tais axiomas, dado que sua atuação
não pode, por descaso a tais referenciais, afrontar a estabilidade das relações jurídicas.
Como bem destaca IRINEU PAZ DE LIMA
153
:
A Prescrição no Direito Administrativo guarda a mesma similaridade com esse
fenômeno do direito comum, tendo em vista a sua necessidade para a segurança e
estabilidade das relações que se instauram entre a Administração Pública e os
administrados ou com os seus servidores, pois, para tanto se faz necessário considerar
que o decurso do tempo pode impedir a correção administrativa ou judiciária, bem
como a possibilidade de se requerer junto à administração Pública.
Em face de tais paradigmas, importa que se tenha claro em que consistem tais
parâmetros de segurança, certeza e ordem na sua vinculação estrita com o fenômeno
prescricional. Esclarecendo tal desiderato, JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO
154
afirma que:
(...) O fundamento da prescrição administrativa é o mesmo da prescrição comum: o
princípio da segurança e da estabilidade das relações jurídicas. [...] o direito não pode
ficar à mercê de eternas pendências, provocando uma situação de instabilidade no
grupo social. O tempo é necessário para proporcionar essa estabilização. Desse modo,
se o titular de um direito fica inerte para exercê-lo, surge, em certo prazo, situação
oposta que passa a impedí-lo do exercício. Ou seja, a inércia do titular do direito cria
situação favorável a terceiros, que acabam por se beneficiar daquela situação de
inércia. É a essa situação que se denomina prescrição.
Em conseqüência, no direito administrativo também é preciso assegurar a estabilidade
dessas relações, sobretudo entre a Administração e o administrado, daí a criação da
prescrição administrativa. Esse é o fundamento do instituto.
Portanto, no que atine à prescrição administrativa, abstraída a sua condição
imediata de fenômeno extintivo, caracteriza-se, também, pelas feições de meio de
instrumentalização, embora de forma mediata, da certeza e da segurança do Direito.
Como já realçado acima, tal efeito ou conseqüência decorre da estabilização da relação
jurídica conflituosa, por força de sua extinção. Ou seja, na medida em que a
153
LIMA, I. P. de. Obra citada, p. 185;
154
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo, p. 731;
131
possibilidade de manutenção da contenda desaparece, dissolve-se a situação de
dúvida e, por conseqüência, de incerteza, promovendo a pacificação das partes
envolvidas.
Importa que se advirta que tal forma de obtenção da paz social não implica
vínculo com a idéia de uma justiça material, porquanto tal critério, dada a sua natureza
ideal, importa em mero ajustamento formal do litígio. Tal referência se mostra
necessária, visto que a extinção da relação belicosa está plasmada por uma vontade
objetiva, não se buscando pela sua implementação reconhecer qualquer circunstância
associada a um ideal de justiça. Ou seja, a cessação do conflito dá-se a partir da
incidência de uma norma que não considera, ou coteja, para a emanação de sua força
de regulação, as razões materiais do dissenso invocadas pelas partes, visualizando-as,
tão-somente, como pontos integrantes da discussão controvertida.
5.2. PRESCRIÇÃO E SEGURANÇA DAS RELAÇÕES SOCIAIS
A instabilidade, não sob o ponto de vista da vida biológica dos indivíduos,
como também no que pertine à existência dos grupos sociais, é fator a ser
permanentemente afastada. A falta de estabilidade no âmbito das relações sociais tem
a força de um evento perturbador, atingindo não ao indivíduo, mas à própria
coletividade como um todo. De tal sorte, qualquer forma de instabilidade é fator de
desequilíbrio, gerando receio permanente. No caso da instabilidade decorrente da
insegurança jurídica, além da sensação de intranqüilidade, cria-se um ambiente de
descrédito na ordem jurídica e nas instituições que devem por ela zelar, como também
acaba por colocar em dúvida a sua efetiva atuação em presença dos conflitos que
costumeiramente quebram a harmonia necessária à adequada convivência social.
No caso de tal instabilidade, a prescrição assume, fundamentalmente, por sua
força extintiva dos conflitos, marcada por feições de conteúdo genérico, a condição de
vetor de pacificação e de tranqüilização da sociedade. Isto porque, ante a persistência
de eventuais litígios não solucionados, atua independentemente dos interesses em
confronto, para o efeito de, tão-somente, fazer cessar o conflito. Ante tal circunstância,
132
resulta manifesto que o tempo e o Direito, portanto, associam-se de modo a possibilitar
a pacificação da sociedade. Neste sentido, alerta EDILSON PEREIRA NOBRE
JÚNIOR
155
que:
A vida do ser humano, nos seus mais variados matizes, não prescinde da
intermediação do fator tempo. Esse domina o homem, quer na vida biológica, como
nas suas relações com a sociedade e no campo profissional. Mas não é só. As
relações jurídicas também não o dispensam.
A atuação do fenômeno temporal, no âmbito jurígeno, opera de maneira multifária.
Inicialmente, constitui nota demarcadora da aquisição de direitos, como no nascimento,
fato gerador da personalidade, no implemento das maioridades civil, criminal e política;
outras vezes estatui os limites de vigência das normas retoras de conduta, bem como
da eficácia das avenças convoladas entre os indivíduos (termos inicial e final); ainda se
pode utiliza-la como motivo de extinção de determinadas faculdades jurídicas.
PONTES DE MIRANDA
156
, por seu turno, bem explicita esta circunstância
atinente à segurança das relações sociais, ao referir que: (...) na ciência jurídica,
escoimada de teorias generalizantes, ‘prescrição é a exceção, que alguém tem, contra
o que não exerceu, durante certo tempo, que alguma regra jurídica fixa, a sua
pretensão ou ação’. Serve à segurança e à paz públicas, para limite temporal à eficácia
das pretensões e das ações.
Funciona a prescrição, portanto, como uma garantia criada pela ordem jurídica,
com capacidade de proporcionar segurança e paz social. Tanto é assim que, ainda,
PONTES DE MIRANDA
157
destaca que: Os prazos prescricionais servem à paz social e
à segurança jurídica. Em tal perspectiva, a prescrição deixa de caracterizar-se,
exclusivamente, pelas suas feições de fator extintivo, mostrando-se como fenômeno
capaz de, pela extinção da possibilidade de uma permanente manutenção de um
confronto, resultar num mecanismo de consolidação da paz social.
155
NOBRE JÚNIOR, E. P. Obra citada, p. 161;
156
MIRANDA, F. C. P. de. Obra citada, p. 100;
157
MIRANDA, F. C. P. de. Idem, p. 101;
133
Inscreve-se a segurança jurídica, portanto, como um pressuposto à ordenação
da sociedade onde, em decorrência do acolhimento da atuação do fator temporal,
azo à pacificação da conflituosidade inerente ao grupo social na sua cotidiana dinâmica.
Ademais, visando à harmonia social pela cessação dos conflitos, pode-se
atribuir ao transcurso do tempo, como elemento de geração do fenômeno prescricional,
um sentido de limite para os males sociais sempre advindos dos litígios. Tanto é assim
que CAIO TÁCITO assevera que:
A ordem jurídica contempla entre seus pressupostos, a par da busca da justiça e da
eqüidade, os princípios da estabilidade e da segurança.
O efeito do tempo como fator de paz social conduz a que, salvo direitos inalienáveis e
imperecíveis por sua própria natureza como, por exemplo, os direitos da
personalidade ou da cidadania as pretensões (e as ações que as exercitam)
tenham, como regra, um limite temporal.
Tanto é assim que SAN TIAGO DANTAS preleciona que:
Esta a influência do tempo, consumido do direito pela inércia do titular, serve a uma
das finalidades supremas da ordem jurídica, que é estabelecer a segurança das
relações sociais. Como passou muito tempo sem modificar-se o atual estado de coisas,
não é justo que se continue a expor as pessoas à insegurança que o direito de
reclamar mantém sobre todos, como uma espada de Dâmocles.
158
Entretanto, tal visão que quase se uniformiza, encontra resistência, no âmbito
do Direito Público, quando surge a possibilidade de que a prescrição, e até a
decadência, possam obstar a atuação revogadora da Administração Pública, em
presença de eventual ato nulo. Nesse sentido, SÉRGIO OLIVEIRA NETTO destaca
que:
(...) se o ato for nulo, a declaração da sua nulidade será imprescritível, e não sujeita a
prazos decadenciais (Lei 8.112/90, art. 114); se for anulável, deverá ser anulado no
prazo de cinco anos, salvo se comprovada má-fé ou mesmo se do ato não decorrerem
‘efeitos favoráveis para os destinatários’, hipótese em que poderá ser anulado a
qualquer momento (lei 9.784/99, art. 54), e ressalvadas as respectivas ações de
158
DANTAS, San Tiago. Programa de direito civil, Parte Geral, p. 397 a 398;
134
ressarcimento em razão da prática de ato ilícito que, por força de mandamento
constitucional, também são imprescritíveis (CF, art. 37, § 5º).
Não restando espaço, portanto, para a invocação do princípio da segurança jurídica,
que propugnaria em favor do reconhecimento da decadência ou da prescrição do
direito de se efetuar a revisão do ato inquinado de ilegalidade.
159
Destaca ainda SÉRGIO DE OLIVEIRA NETTO
160
que:
(...) nem mesmo a premissa metajurídica da segurança jurídica, poderia ser evocada
para se justificar uma suposta existência, à revelia de lei específica, de prazos
prescricionais ou decadenciais para se consumar a eliminação de um ato nulo.
Porque às relações estabelecidas somente é lícito delegar estabilidade imutável,
salvos eventuais exceções, se forem concretizadas em consonância com as leis ao
tempo vigentes, por certo que não poderá ser reputado de ato jurídico perfeito. [...] Do
contrário, seria a própria segurança jurídica que restaria prejudicada, por estar aberta a
possibilidade de sedimentação de situações consolidadas ao arrepio da lei, sem o
devido calço legal. [...] a ilegalidade corroborada pela mera alegação do decurso do
tempo, com exceção das ressalvas pontuais existentes, desacreditaria o próprio
Estado de Direito, que tem como esteio e escudo a ordem jurídica estabelecida.
Contudo, com o advento de novos ares a integrar a doutrina jurídica
contemporânea, o princípio da segurança jurídica passou a ser entendido muito além da
visão que tradicionalmente o consolidou. Caracterizado, fundamentalmente, por um
dogmatismo associado de forma irrestrita ao princípio da legalidade estrita, o princípio
da segurança jurídica, embora sempre tenha sido vocacionado à proteção dos
interesses que estejam em total adequação aos textos legais, acabou por retratar uma
certa distonia entre a sua essência protetiva e a regra jurídica formalmente produzida
pelo Estado.
Circunstâncias oriundas de comportamentos reconhecidos como lastreados,
principalmente, pela boa fé dos administrados, aos quais, por decorrência de tal
constatação, passaram a exigir uma proteção nima à da confiança decorrente de tal
postura subjetivamente alicerçada, acabaram por forçar e a exigir a garantia de uma
159
OLIVEIRA NETTO, Sérgio. Inexistência de prazo decadencial para a declaração de
nulidade de ato administrativo na Administração Pública Federal. p. 8 a 9;
160
OLIVEIRA NETTO, S. Idem, p. 9;
135
maior estabilidade para as situações jurídicas, mesmo àquelas que na sua origem
pudesse apresentar algum cio por decorrência de ilegalidade. Em razão dessa nova
visão, a própria idéia de Estado de Direito passou por mutações marcadas por uma
maior flexibilização de suas estruturas normativas, diminuindo, sob certa ótica, a força,
até então irresistível, atribuída ao princípio da legalidade estrita., Nesse passo, portanto,
assumiram, ambos os princípios, a condição de subprincípios, de molde a, por força
dessa nova concepção, passarem a integrar o conceito de Estado, não mais limitado
pela submissão inafastável ao direito positivo, mas com a maleabilidade assegurada por
um novo modelo de ordenação político-social, qual seja a do Estado Democrático de
Direito.
Tal mutação de compreensão possibilitou uma evolução tão significativa, a
ponto de ALMIRO DO COUTO E SILVA
161
manifestar que:
Um dos temas mais fascinantes do Direito Público neste século é o do crescimento da
importância do princípio da segurança jurídica, entendido como princípio da boa-fé dos
administrados ou da proteção da confiança. A ele está visceralmente ligada a exigência
de maior estabilidade das situações jurídicas, mesmo daquelas que na origem
apresentam vícios de ilegalidade. A segurança jurídica é geralmente caracterizada
como uma das vigas mestras do Estado de Direito. É ela, ao lado da legalidade, um
dos subprincípios integradores do próprio conceito de Estado de Direito.
O acolhimento do princípio da segurança jurídica, nos termos dessa nova visão,
possibilitou, mormente pela força integradora da democracia como fator de busca
permanente da equalização e uniformização das diferenças, que se utilizasse tal
princípio como forma de instrumento de obstaculização da atividade da Administração
Pública, em específico nas circunstâncias em que a sua inação a caracterizava por um
período dilargado de tempo, desde que inocorrendo qualquer conduta informada por
má-fé dos administrados interessados, ou eventualmente beneficiados por tal inação
administrativa.
161
SILVA, Almiro do Couto e. Prescrição qüinqüenária da pretensão anulatória da
administração pública com relação a seus atos administrativos, p. 24;
136
Transpondo tais princípios para a esfera das relações disciplinadas pelo: (...)
direito público, a prescrição funciona também como fator de estabilidade na relação dos
administrados com a Administração Pública, e vice-versa.
162
Entretanto, o princípio da segurança jurídica não se mostra como um obstáculo
intransponível, cedendo passo, tão-somente, nas circunstâncias que caracterizam má-
dos administrados ou de todos àqueles que firmam qualquer espécie de negócio
jurídico com a Administração Pública. Tanto é assim que, no caso das alienações de
bens públicos sem a observância do determinado pela lei, surge uma forma distinta de
imprescribilidade. Tal forma poder-se-ia qualificá-la como forma material estrita de
imprescritibilidade. Diz-se estrita, em razão de estar diretamente associada à natureza
do bem público a ser protegido. Nesse sentido, JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO
FILHO preleciona que:
A imprescritibilidade significa que os bens públicos são insuscetíveis de aquisição por
usucapião, e isso independentemente da categoria a que pertençam.
Houve, é bem verdade, inúmeros questionamentos a respeito dessa característica
especial de bens públicos. Contudo, o direito brasileiro sempre dispensou aos bens
públicos essa proteção, evitando que, por meio de usucapião, pudessem ser alienados
como o são os bens privados, quando o possuidor mantém a posse dos bens por
determinado período.
Atualmente, a Constituição estabelece regra específica a respeito, dispondo, no art.
183, § 3º, que os imóveis públicos não são adquiridos por usucapião, norma, aliás,
repetida no art. 191, relativa a imóveis públicos rurais.
Desse modo, mesmo que o interessado tenha a posse de bem público pelo tempo
necessário à aquisição do bem por usucapião, tal como estabelecido no direito privado,
não nascerá para ele o direito de propriedade, porque a posse não terá idoneidade de
converter-se em domínio pela impossibilidade jurídica do usucapião.
163
Tal destaque, portanto, ressalta da circunstância de que não se de confundir
tal espécie de imprescritibilidade com o instituto da prescrição administrativa. A
mencionada imprescritibilidade inerente aos bens públicos decorre daquilo que a
162
MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Da prescrição intercorrente no processo
administrativo disciplinar, p. 58;
163
CARVALHO FILHO, J. dos S. Obra citada, p. 835 a 836;
137
doutrina qualifica como alienabilidade condicionada
164
, por decorrência expressa do
grafado pelos artigos 100 e 101 do Código Civil.
165
Portanto, no caso em tela, a
prescrição, no que atine à segurança social, independe de uma leitura fundada no
princípio da segurança jurídica, a partir de sua emanação constitucional, mas sim de
uma determinação legal expressa voltada a regular circunstância distinta das que
venham a, eventualmente, envolver prescrição e interesse da Administração Pública,
como também, o fenômeno da prescrição administrativa, no que atine à sua
essencialidade de fenômeno em-si.
5.3. PRESCRIÇÃO E INTERESSE PÚBLICO.
Não dúvida alguma de que entre os conceitos mais referidos, quando se
invoca qualquer circunstância associada à atuação da Administração Pública, o
conceito de interesse público assume destaque relevante. Contudo, o que seria esse
interesse público. O consagrado HELY LOPES MEIRELLES
166
, tratando da natureza e
dos fins da Administração Pública, refere que:
Em última análise, os fins da Administração consubstanciam-se na defesa do ‘interesse
público’, assim entendidas aquelas aspirações ou vantagens licitamente almejadas por
toda a comunidade administrada, ou por uma parte expressiva de seus membros.
Ou seja, para HELY, interesse público caracteriza-se como uma aspiração,
como uma vantagem lícita desejada e, portanto, como um desejo de toda a comunidade
administrada. De tal sorte, nada se percebe como incontroverso, ante a fragilidade do
conceito, cujo conteúdo limita-se à esfera das aspirações e desejos lícitos de uma
determinada comunidade. Ante tal perspectiva é de indagar-se: como se pode saber de
164
CARVALHO FILHO, J, dos S. Idem, p. 833;
165
Dizem os artigos 100 e 101 do Código Civil: Art. 100. Os bens públicos de uso
comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação,
na forma que a lei determinar; Art. 101. Os bens públicos dominicais podem ser alienados,
observadas as exigências da lei;
166
MEIRELLES, H. L. Obra citada, p 82;
138
modo inequívoco quais são os desejos e as aspirações lícitas de uma determinada
comunidade? À evidência. Tal concepção não passa de mera idealidade. Não há em tal
visão um sentido com um mínimo de concretude pragmática que possa assegurar um
mínimo de operacionalidade objetiva.
Por seu turno, tratando dos princípios informativos do Direito Administrativo,
DIOGENS GASPARINI diz que interesse público é aquele: (...) que se refere a toda
sociedade. É o interesse do todo social, da comunidade considerada por inteiro. (p. 13).
Após analisar as lições de De Plácido e Silva, de Renato Alessi e de Celso Antônio
Bandeira de Mello, DIOGENS GASPARINI
167
formula um conceito negativo de interesse
público, asseverando que:
É fácil de ver, portanto, que não se caracteriza como de interesse público o relativo a
certo grupo de pessoas, a uma família, a uma sociedade civil, mercantil ou industrial, a
um sindicato. Estes podem ter, como comummente têm, um interesse expressivo que,
no entanto, não chega a ser interesse público, dado não ter pertinência com toda a
sociedade. Nem poderia ser de outro modo, uma vez que todo o poder emana do povo
e, por evidente, em seu nome e benefício será exercido (art. 1º, parágrafo único, da
CF), isto é, há de ser exercido em prol da coletividade (povo) por inteiro.
Ora, a alegação de pertinência a toda a sociedade, associada tal circunstância
ao poder emanado do povo, vinculando-o ao benefício popular. Portanto, a exemplo da
concepção esposada por HELY, em nada esclarece o conteúdo de um interesse como
sendo público. Mostra-se tal entendimento equivocado pela parcialidade de seu
conteúdo. Ademais, o que podemos identificar como sendo o povo?
Não tratando de forma direta o conteúdo conceitual de interesse público, JOSÉ
DOS SANTOS CARVALHO FILHO
168
preleciona, ao tratar do princípio da supremacia
do interesse público, que:
As atividades administrativas são desenvolvidas pelo Estado em benefício da
coletividade. Mesmo quando age em vista de algum interesse estatal imediato, o fim
último de sua atuação deve ser voltado para o interesse público. E se, como visto, não
estiver presente esse objetivo, a atuação estará inquinada de desvio de finalidade.
167
GASPARINI, D. Obra citada, p. 14;
168
CARVALHO FILHO, J. dos S. Obra citada, p. 18 a 19;
139
Desse modo, não é o indivíduo em si o destinatário da atividade administrativa, mas
sim o grupo social num todo. Saindo da era do individualismo exacerbado, o estado
passou a caracterizar-se como o Welfare State (Estado/bem-estar), dedicado a
atender o interesse público. Logicamente, as relações sociais vão ensejar, em
determinados momentos, um conflito entre o interesse público e o interesse privado,
mas, ocorrendo esse conflito, há de prevalecer o interesse público.
Trata-se, de fato, do primado do interesse público. O indivíduo tem que ser visto como
integrante da sociedade, não podendo os seus direitos, em regra, ser equiparados aos
direitos sociais.
Benefício da coletividade, para CARVALHO FILHO, é o que caracteriza o
interesse público, devendo sempre prevalecer tal interesse face ao interesse privado. A
individualidade há de ser vista então como fator integrado ao social. Este social, por seu
turno, passa a ser o sítio cujos direitos, nele residentes, devem sempre prevalecer a
título de interesses sociais. Há, portanto, em tal percepção, uma justificação de
natureza circular, a qual inviabiliza a sua idéia central, a título de fundamento. De tal
sorte, de indagar-se: como se poderia ter conhecimento a respeito do conteúdo de
tais interesses sociais? Ou, quem explicita tais interesses sociais
169
?
Sem dúvida alguma, a nosso sentir, tais interesses podem ser tidos como
explicitados a partir de uma sede formal de manifestação fundada na Constituição.
Contudo, tal pressuposto não resolve a questão, já que resulta possível questionar-se a
respeito da forma pela qual a legitimidade efetiva da Constituição, de modo pontual e
referido a cada caso concreto, como manifestação dos interesses sociais na sua
concretude, será viabilizada. Isto em razão da forte idealidade que caracteriza tal
perspectiva.
Em realidade, a impossibilidade de identificação plena do conteúdo do interesse
social, para efeito de caracterização do interesse público, resta produzida pela
circunstância de que tal conceito é construído pela mediação de um determinado
pensamento jurídico. Ou seja, pela abstração referida a uma idéia de compreensão do
169
Questão relevante de tal proposição resulta, também, da necessidade, a título de
pressuposto, da demonstração e consolidação incontroversa da legitimidade desse alguém que
deverá proceder à explicitação de tais interesses, sob pena de tal explicitação resultar viciada
por interesses contrários ao postulado interesse público;
140
Direito busca-se explicitar a realidade da vida. Ademais, muitas são as formas de
compreender o fenômeno jurídico.
De qualquer modo, não se pode afirmar que o interesse público caracteriza-se,
tão-somente, com o que venha a interessar exclusivamente à comunidade, estando, de
modo visceral, em contrário ao interesse individual. Tal pressuposto é de todo
insubssistente. Ponto nodal da questão há de ser remetido à análise material do
conteúdo inerente aos valores que devam informar a atividade da Administração
Pública, aos quais o se pode afirmar ou atribuir, com um mínimo de racionalidade,
que não possam restar aplicados a um interesse, circunstancialmente particular. Tal
constatação, portanto, de imediato, esfacela o senso comum irrefletido, fundado na
concepção circular de que o interesse se caracterizaria como público a partir de sua
vocação exclusiva para o atendimento do coletivo. Tal senso constrói-se a partir de uma
perspectiva totalizadora que se o exclui, entre outros, a própria figura do
administrado, no mínimo não o considera como peça essencial a tal compreensão, o
que, por óbvio, resulta inaceitável. Desse modo, importa que se tenha claro que:
Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que o interesse público não está na oposição
ao interesse particular. Não é essa a lógica. Do mesmo modo, também é redutora a
visão liberal da questão, quando se define o interesse público como a soma dos
interesses particulares atendidos. Trata-se, certamente, de um modo prático,
relativamente eficaz, de lidar com o problema, pois pode supor-se que quanto maior é
o atendimento dos interesses particulares melhor será o nível de realização do
interesse público. Mas não podemos acolher como satisfatória a explicação liberal do
interesse público, porque existe na questão uma dimensão filosófica essencial,
relacionada com os valores que produzem as regras do jogo. Frequentemente, o
interesse público está simbolizado em determinados interesses particulares, o que
evidencia a inexistência de oposição entre as duas instâncias.
170
Isso não quer dizer que o interesse particular seja o principal dos pontos de
apoio para a compreensão do interesse público. Tal visão reducionista acarretaria a
mesma má compreensão estruturada a partir da visão contrária. O que se mostra
válido, contudo, é que a partir de uma associação construída para a identificação e
compreensão de qualquer agressão a um dos valores coletivos de uma determinada
170
CHAPARRO, Carlos. A luz do interesse público não está nos códigos, p. 2;
141
sociedade, torna possível a delimitação da existência, ou não, de agressão ao interesse
público. Entretanto, tal agressão não necessita ter efeitos lesivos ao coletivo, podendo
referir-se ao espaço de um interesse individual. O interesse público, portanto, de
restar dissociado da tradicional visão reducionista que o se tem colocado.
Portanto, para que se lhe possa identificar, basta que se tenha claro que, antes
de qualquer coisa, os valores estatuídos por uma determinada sociedade, em um
determinado momento histórico, são o que poderão indicar o que realmente importa
àquela sociedade, ou não. Até por que:
O interesse público não está no fato isolado. Mas o fato isolado simboliza o interesse
público, porque manifesta a agressão a um valor ou princípio estabelecido com bom
pela sociedade e aí, no valor agredido e não no fato, estão as raízes do interesse
público. Até o traduz. Mas não está na deontologia a luz do interesse público. Onde
está o interesse público, então? Está na instância da ética, nos valores que a
deontologia procura preservar.
171
.
É certo que a técnica jurídica, dado materializar as suas normas através de
estruturas de linguagem própria, deverá construir meios adequados de acolher tais
valores, que seu desiderato final é sempre o de alcançar uma decisão juridicamente
adequada. Contudo, logrará tal escopo a partir do momento em que, além dos
direitos fundamentais grafados pela Constituição, acolha, em suas formulações, os
valores supralegais ou pré-positivos oriundos de uma determinada sociedade. Nesse
sentido, KARL LARENZ
172
orienta, alertando para o fato de que:
A ciência jurídica labora [...] com base em modos de pensamento como a analogia,
comparação de casos, conformação de tipos e ‘concretização’ de critérios ‘abertos’ de
valoração, que possibilitam essa abordagem. A passagem a uma ‘Jurisprudência de
valoração’ requer que a metodologia clarifique e especificidade destes modos de
pensamento e a sua relação com os instrumentos tradicionais do pensamento e a sua
relação com os instrumentos tradicionais de pensamento (elaboração de conceitos,
construção jurídica, subsunção).
171
CHAPARRO, Carlos. Obra citada, p. 2;
172
172
LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito, p. 167;
142
A partir de tais pressuposições a respeito de um conceito de interesse público,
torna-se possível admitir que a prescrição administrativa assume a condição de um
referencial de identificação de tal interesse. A par de receber um reconhecimento
jurídico que a legitima e, por força de sua inserção na estrutura normativa positivada,
torna-se elemento necessário à paz e à própria ordem social. Diante de tal perspectiva,
a prescrição administrativa azo a que se lhe atribua à força de um motivo que serve
para identificar um interesse público justificado. É claro que aqui admite-se a prescrição
administrativa como um referencial de natureza heurística. Tal compreensão se
estrutura na medida em que os lineamentos ofertados pela doutrina, à força de
estipularem os limites de categorização conceitual do interesse público, mostraram-se
excessivamente opacos a um entendimento passível de generalização.
Em tal visão, o acolhimento da prescrição administrativa como um referencial
apto à concretização do interesse público, toma em conta à circunstância de que: Há,
pois, um interesse de ‘ordem pública’ no afastamento das incertezas em torno da
existência e eficácia dos direitos, e este interesse justifica o instituto da prescrição, em
sentido genérico.
173
Portanto, a prescrição mostra-se diretamente associada à idéia de
interesse público na medida em que esta, de modo reflexivo, lhe outorga, por força de
sua essencialidade ôntica, não as feições de segurança, mas de uma certa
indisponibilidade em benefício não restrito a interesse exclusivamente privado. É claro,
entretanto, que tal indisponibilidade de estar associada à prescrição, tão-somente,
no sentido de sua caracterização a partir das feições de instituto garantidor do próprio
interesse público, de modo que a sua compreensão também possa ser determinada a
partir da compreensão do interesse público. É importante que se advirta que não há um
circulo vicioso nesta perspectiva, na medida em que a prescrição administrativa e o
interesse público podem, portanto, restar determinados e identificados
independentemente um do outro.
Ademais, não se pode olvidar que o interesse blico e a sua eventual
disponibilidade pelo administrador, constrói-se a partir de referenciais marcados pela
estrita referibilidade a um mandamento legal expresso, o qual, na dependência das
173
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, vol I, p. 437;
143
circunstâncias que envolvem a cada caso concreto poderá, ou não, permitir o exercício
de tal prerrogativa. Tal disponibilidade resulta referida, dado que essa também é a
lógica que direciona a compreensão do fenômeno da prescrição administrativa.
Em razão de tal compreensão, a liberdade possível para o exercício das
prerrogativas inerentes à prescrição administrativa, tanto no que atine ao administrado,
quanto ao que atine à Administração Pública, pode ser pensada a partir daquilo que,
de modo mediato, a legitima, qual seja o ordenamento jurídico.
Como conseqüência, o exercício das práticas informadas pelos respectivos
interesses em conflito, por força do interesse público, transformam a eventual alegação
da prescrição administrativa muito mais numa tarefa do que num mero exercício de
asseguramento de interesses unilaterais. Tal tarefa, contudo, deverá sempre estar
vinculada ao ordenamento jurídico positivado.
Tal tarefa, como o acima referenciado, está, portanto, determinada, circunscrita
e delimitada pela lei, de modo que, primordialmente, ao contrário da esfera privada,
onde a vontade, na maioria dos casos, é o norte das ações e das intenções, a
Administração Pública está submetida à lei, de modo que a vontade do administrador,
bem como, de forma mediata, a vontade do administrado, não são exercitadas segundo
os seus interesses pessoais, mas sim permanentemente subordinadas ao interesse
público, o qual tem como marca distintiva a sua indisponibilidade, criando-se, por
decorrência de sua supremacia, a figura ambivalente do poder-dever da Administração
Pública de atuar em sua proteção. Tal circunstância resulta bem explicitada por MARIA
SYLVIA ZANELLA DI PIETRO:
Precisamente por não poder dispor dos interesses públicos cuja guarda lhes é
atribuída por lei, os poderes atribuídos à Administração têm o caráter de poder-dever;
são poderes que ela não pode deixar de exercer, sob pena de responder pela omissão.
Assim, a autoridade não pode renunciar ao exercício das competências que lhe são
outorgadas por lei; não pode deixar de punir quando constate a prática de ilícito
administrativo; não pode deixar de exercer o poder de polícia para coibir o exercício
dos direitos individuais em conflito com o bem-estar coletivo; não pode deixar de
exercer os poderes decorrentes da hierarquia; não pode fazer liberalidade com o
dinheiro público. Cada vez que ela se omite no exercício de seus poderes, é o
interesse público que está sendo prejudicado.
174
174
PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito administrativo, p. 70;
144
Contudo, tal poder-dever é limitado no tempo. Admitir-se a sua não limitação
seria negar-lhe em sua própria essencialidade, na medida em que tal interesse deixaria
de existir em função da sociedade e passaria a existir, tão-somente, no interesse da
própria Administração Pública. De molde que, nesse passo, é a prescrição
administrativa que virá a por limites a tal exercício, assegurando a paz e a ordem
públicas.
5.4. PRESCRIÇÃO E ORDEM PÚBLICA
Se visualizarmos todos os agrupamentos humanos, veremos que a idéia de
ordem caracteriza-se como um fator comum a tais segmentos. É certo que tal fenômeno
formula-se e formulou-se sob a ótica de prismas variados, construídos a partir da
liberdade inerente a cada sistema, como conteúdo conformador de cada visão de
mundo, a qual buscava e busca a instituição de uma totalidade que assegure uma
certeza de adesão, capaz de evidenciar um sentido. Por isto:
A idéia de mundo aponta para uma totalidade. Não é, entretanto, a totalidade que une
a multiplicidade das coisas. É uma perspectiva sobre a totalidade. Não é uma procura
simples da totalidade, mas é procura, na medida em que já, previamente, está de
posse da certeza da totalidade. É uma certeza de adesão e não tanto de evidência. É a
certeza da posse do sentido do mundo como totalidade.
A visão de mundo não se estabelece, assim, sobre a evidência teórica, ainda que dela
se utilize, mas sobre a evidência de sentido, isto quer dizer, sobre a adesão ao sentido
do homem e da história, ao sentido do mundo, que se revela num horizonte de
valoração. Ao sentido está ligado o valor. Sentido, quer dizer referência a valor, dentro
de uma visão de mundo. É uma tomada de posição dentro da ordem universal do
mundo.
175
Mas a evidência de sentido de restar delimitada. Tal necessidade decorre da
circunstância de que as investigações, ora procedidas, se mantenham adstritas a seu
fio condutor, qual seja à esfera jurídica. Nesta perspectiva, portanto, o sentido de ordem
não pode permanecer como mera tomada de posição dentro de uma ordem universal
175
STEIN, Ernildo José. História e ideologia, p. 51;
145
de mundo, conforme o acima realçado, mas sim a partir de um referencial jurídico.
Nesse sentido, DE PLÁCIDO E SILVA explicita que por ordem pública:
(...) entende-se a situação e o estado de legalidade normal, em que as autoridades
exercem suas precípuas atribuições e os cidadãos as respeitam e acatam, sem
constrangimento ou protesto. Não se confunde com a ordem jurídica, embora seja uma
conseqüência desta e tenha sua existência formal justamente dela derivada.
176
Nesse passo, tomando-se em conta a idéia de ordem não só como um
horizonte de valoração instituído a partir de uma visão de mundo marcada como
totalidade, mas a partir das referências de legalidade e de normalidade, percebe-se que
a prescrição administrativa também se mostra como instrumento adequado à
perfectibilização de tal ordem.
Tal percepção torna-se possível a partir de dois planos de observação distintos,
embora concorrentes. O primeiro, na razão de que o fenômeno prescricional, no
atinente à sua manifestação de concretude positiva, decorre de previsão estrita em lei.
O segundo como decorrência de uma circunstância de implicação lógica imediata, qual
seja: em presença de norma legal observada, respeitada e acatada por determinado
grupo social, a constatação de uma situação de normalidade social e institucional
resulta como decorrência lógica.
Em razão de tais circunstâncias, a prescrição administrativa assume então a
condição de instituto de ordem pública
177
, atuando como elemento de certeza, garantia
e segurança da própria ordem social, na medida em que impede que se perpetue uma
situação de insegurança. Tal peculiariedade é destaca por GERALDO DE CAMARGO
VIDIGAL
178
, o qual alerta para o fato de que:
176
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, p.1101;
177
A prescrição é instituto de ordem pública, imposta pela necessidade de estabilidade,
certeza e segurança das relações jurídicas, pelo que não pode ser previamente renunciada.
CRETELLA Júnior. José. Prescrição de direito e ações contra a Fazenda Pública, p. 7;
178
VIDIGAL, G. de C. Obra citada, p. 306;
146
28. O direito prescricional é de ordem pública; é odiosa a ressureição de uma lide,
após inércia prolongada de quem devida promover os atos indispensáveis ao curso do
processo.
Precária é apreciação de litígio baseada em relações muito transcorridas, cuja
prova se torna problemática, pois a própria memória dos fatos esmaece com o decurso
do tempo.(...).
Mas tal ordem, certeza e segurança não se diluem na simples consolidação
decorrente de seus efeitos naturais, como se destinadas a uma atuação de mera tarefa
autoreflexiva, voltadas, como singulares guardadoras de lugar daquilo que representam,
exaurindo-se na consolidação de um mecanismo de autoreprodução de tais garantias;
exige-se-lhes um efeito concreto.
Ora, tal efeito concreto, a par de outros institutos jurídicos, exsurge por força do
fenômeno prescricional, tornando possível a transcendência de tais efeitos primários,
alvitrando-se mais do que cada uma dessas garantias promete. Busca-se muito mais do
que a pacificação dos conflitos informados pela singularidade específica de cada um
dos seus conteúdos concretos, busca-se, também, o resguardo e a proteção do
interesse social.
5.5. PRESCRIÇÃO E INTERESSE JURÍDICO-SOCIAL
Entre os sistemas idealizados e construídos pelo homem, tanto o Direito quanto
a sociedade refletem não a engenhosidade de seu criador, como também o produto
de cadas de permanente convivência sob normas de organização e de regulação
social. Tais normas constituem-se como elementos de disciplina das relações sociais,
transcendendo ao indivíduo em si, de molde a construir uma ordem social. Contudo:
Nenhuma ordem social se esgota porém nesta ordem do ser. Entram necessariamente
na sua composição também considerações de dever ser. Não se pode dizer que é
assim; em relação a certo setor da ordem social teremos de dizer que o seu sentido só
se apreende como um ‘dever ser assim’. A convivência humana é uma realidade ética,
que acorda considerações de dever ser.
147
Na ordem social encontramos uma bipolaridade, ou uma tensão, entre ser e dever ser,
que nos vai acordando para a complexidade do fenômeno jurídico.
179
No caso do Direito brasileiro não é diferente. A complexidade da tecitura
constitutiva da sociedade e a necessidade de que se estruturem formas adequadas de
pacificação dos conflitos sociais, exigem de todas as esferas jurídicas de regulação, a
partir da compreensão de nossa realidade em sua contingencialidade, a preservação de
valores mínimos, mas necessários para a proteção dessa mesma sociedade. Neste
intuito, o Estado e a Administração Pública passam a exercitar papéis relevantes, de
modo que, na percepção de RENATO SOBROSA CORDEIRO
180
:
(...) às novas missões que a Administração Pública recebe do modelo constitucional
adotado, passam-se em revista os principais institutos a ela inerentes nas relações
subjetivas instrumentais e finais com o administrado. Quanto maior o grau de
intervenção do Estado na atividade privada, tanto maiores serão, sem dúvida, as
formas de salvaguarda das garantias individuais.
Tal circunstância dá-se, ainda sob a ótica de RENATO SOBROSA CORDEIRO,
em razão da vinculação temática conformada entre o direito Administrativo e os
preceitos de ordem constitucional, cuja abrangência avança, hodiernamente, no sentido
precípuo de tutelar, primordialmente, aos direitos e garantias individuais, de modo que:
A evolução das relações sociais e políticas impõe às relações jurídicas novo desenho,
com o fim de colmatar novas questões a traços mais contemporânea, reinterpretando-
se conceitos.
181
Nessa senda, acresce de importância a proteção aos interesses jurídico-sociais.
Entre os meios possíveis de promoção da proteção de tais interesses, encontra-se a
prescrição administrativa. Isso porque: A inércia fere o alto interesse social em que se
estabeleça, nas relações entre os homens, um clima de segurança e harmonia.
182
De
179
ASCENSÃO. J. de O. Obra citada, p. 21;
180
CORDEIRO, R. S. Obra citada, p. 106;
181
CORDEIRO, R. S. Idem, ibidem;
182
VIDIGAL, G. de C. Obra citada, p. 306;
148
tal sorte, os interesses da coletividade acabam restando protegidos pela prescrição. Tal
fenômeno extintivo, na sua modalidade atinente ao Direito Administrativo, resulta por
assegurar a segurança jurídica, princípio que, entre às suas características principais,
mostra-se como um dos fiéis fiadores dos interesses de toda a sociedade, na medida
em que: Ao invés de representar pena ao inerte, funda-se a prescrição no princípio da
segurança jurídica, a reputar como atentatório da paz social que as relações jurídicas
perdurem, insolúveis e definitivamente, no tempo.
183
Na busca permanente de proteção aos interesses jurídico-sociais, tem-se dado
privilégio exagerado ao princípio da legalidade. o que a lei não deva ser observada.
Ao contrário, tão-somente com a observação permanente do regramento legal positivo
é que a sociedade poderá manter-se estável a ponto de permitir a adequada evolução e
desenvolvimento dos indivíduos e das instituições sociais.
Entretanto, de atentar-se a certo temperamento na sua aplicação. O
princípio da legalidade não pode ser erigido como o único receptáculo de normas com
capacidade de dar solução a todo sorte de conflitos que surgem na dinâmica da vida
em sociedade. Portanto, não o cidadão, mas primordialmente a Administração
Pública, hão de atentar para a necessidade inafastável de observar-se,
concomitantemente ao princípio da legalidade, o princípio da segurança jurídica. De
qualquer modo, tal agir nem sempre tem sido observado. Tanto é assim que ALMIRO
DO COUTO E SILVA
184
adverte que:
A dificuldade no desempenho da atividade jurídica consiste muitas vezes em saber o
exato ponto em que certos princípios deixam de ser aplicáveis, cedendo lugar a outros.
Não são raras as ocasiões em que, por essa ignorância, as soluções propostas para
problemas jurídicos têm, como diz Bernard Schwartz, ‘toda a beleza da lógica e toda a
hediondez da iniqüidade’.
A Administração Pública brasileira, na quase generalidade dos casos, aplica o princípio
da legalidade, esquecendo-se completamente do princípio da segurança jurídica. A
doutrina e jurisprudência nacionais, com as ressalvas apontadas, têm sido muito
tímidas na afirmação do princípio da segurança jurídica.
183
NOBRE JÚNIOR, E. P. Obra citada, p. 222;
184
SILVA, Almiro do Couto e. Princípios da legalidade da administração pública e da
segurança jurídica no estado de direito contemporâneo, p. 62;
149
Ao dar-se ênfase excessiva ao princípio da legalidade da Administração Pública e ao
aplicá-lo a situações em que o interesse público estava a indicar que não era aplicável,
desfigura-se o Estado de Direito, pois se lhe tira um dos seus mais fortes pilares de
sustentação, que é o princípio da segurança jurídica, e acaba-se por negar justiça.
Firmada a convicção de que o princípio da legalidade não deve erigir-se no
modelo único de resolução das controvérsias sociais, exigindo-se a presença e a
consideração do princípio da segurança jurídica, surge a figura da prescrição
administrativa como um modo possível de conformação de tal ideal. Ou seja, por força
de tal fenômeno extintivo, a Administração Pública, fiel observadora da lei deverá, no
fito de evitar lesão irreparável a um escopo de justiça, visar e assegurar à segurança
dos administrados.
Como realçado acima, a prescrição administrativa, instituto jurídico adstrito,
de forma inafastável, à sua anterior previsão legal, deverá restar compreendido a partir
de um sentido que lhe outorgue as feições e os efeitos decorrentes da necessária
segurança jurídica, fazendo cessar os conflitos por força de sua intervenção oportuna e
adequada, de molde a, fundamentalmente, pacificar as dissonâncias ocorrentes no seio
da sociedade.
Tal segurança jurídica decorrente da prescrição administrativa advém de um
sentido de extinção da controvérsia. De tal sorte, nos limites do que aqui se indaga, os
interesses jurídico-sociais subssumem-se à ordem social pela via institucionalizada da
prescrição administrativa, a qual objetiva uma ordem, sedimenta uma solução e
acumula referências necessárias para construção de alternativas vocacionadas à
solução dos conflitos sociais.
5.6. PRESCRIÇÃO E FIXAÇÃO DAS RELAÇÕES INCERTAS
Da convivência cotidiana e diuturna, muitas são as relações que se entabulam
entre os indivíduos. Em face de tais relações, afastadas às de natureza puramente
social, limitando-nos à esfera restrita das relações de natureza jurídica, percebendo-se
que tais nculos buscam instituir-se como um lugar que possibilite garantia e certeza
para os múltiplos interesses que integram o patrimônio individual de cada pessoa. Entre
150
outras e tantas circunstâncias possíveis, direitos a prestações, tanto em seu conteúdo
positivo, a exigir a atuação de alguém, como em seu conteúdo negativo, a exigir uma
abstenção, mostram-se como a face mais comum dessa busca de viabilidade
direcionada à obtenção de uma solução adequada.
Na esfera estrita das relações jurídicas, além das relações triviais acima
realçadas, aquelas que, informadas pela categoria designada genericamente por
direitos potestativos, dão azo à submissão de uma ou mais vontades a uma vontade
alheia. Não em tais circunstâncias um direcionamento da solução da controvérsia, a
partir de uma mera pretensão a prestação, mas sim a partir de um manifesto estado de
sujeição. Por decorrência de tal situação, em especial e fundamentalmente em razão da
severidade de seu conteúdo e efeito, tais direitos, por decorrência da força coativa que
os caracterizam, e por conseqüência as relações deles originadas, devem submeter-se
de modo irrestrito aos ditames da lei.
Importa destacar que, mesmo na variabilidade dos direitos que estruturam a
base das relações submetidas à regulação jurídica em seus multifários contornos, a
arquitetura da relação jurídica é sempre informada por um conjunto de pressupostos
que se repetem em sua base material de conformação mais singela. Tanto é assim que
ORLANDO GOMES
185
explicita que:
Toda relação, humana ou material, compõe-se de dois elementos: a) um fato; b) um
vínculo. Esse fato, que estabelece um vínculo entre homens ou a submissão de uma
coisa à vontade individual, torna-se jurídico, se a lei lhe confere ‘efeitos’, formando o
que já se chamou expressivamente de esqueleto da relação jurídica.
Toda relação social, ou de fato, que produz conseqüências jurídicas, é relação jurídica.
Ante tal perspectiva, torna-se possível então visualizar a prescrição
administrativa como um modo juridicamente relevante de fixar relações jurídicas.
Ademais, na medida em que resulta incontroverso que das relações jurídicas, ante a
possibilidade quase infinita dos interesses que a integram, a certeza não se mostra
como um elemento que, necessariamente, esteja sempre presente. Portanto, não no
185
GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil, p. 116;
151
caso das relações jurídicas sobre as quais não paira nenhuma dúvida ou incerteza, mas
primordialmente em relação às relações jurídicas incertas, a prescrição vem atuar como
um fator de cessação de tal estado marcado por eventuais controvérsias.
Tal circunstância assume relevo significativo no âmbito do Direito Público e, em
especial, na esfera das relações jurídicas disciplinadas pelo Direito Administrativo.
Tanto a Administração Pública quanto o administrado poderão estar a titular pretensões
a respeito das quais a certeza não seja a tonalidade mais marcante. Portanto, a
prescrição administrativa, caracterizada pela sua força extintiva, surge como uma forma
legal de fazer cessar qualquer forma de incerteza ou dúvida.
Isso se torna possível, na medida em que a prescrição administrativa, tomada
em conta a partir de sua conformação como resposta a qualquer espécie de conflito
juridicamente relevante, não por estar previamente integrada a estrutura do
ordenamento jurídico, por força de expressa previsão legal, ou como princípio acolhido
pelo sistema a partir de um referencial plasmado pela Constituição Federal, afasta
qualquer incompatibilidade pré-existente, gerando, por força de seu poder extintivo, a
supressão da situação de dúvida e de incerteza, a partir de uma decisão, nela arrimada,
que põe fim ao conflito.
Importa destacar que tal supressão do conflito, a partir de uma decisão
estruturada nos ditames concretizados pela via da prescrição administrativa, não
pressupõe a situação ideal de uma obtenção de consenso entre os interesses em
conflito. O que se busca é a cessação pura e simples da situação de incerteza que está
a marcar determinada relação jurídica. Portanto, não se pode deixar de reconhecer no
fenômeno prescricional, como fator marcante de suas peculiares feições, a busca, por
força de uma decisão, tanto judicial quanto administrativa, da absorção de toda e
qualquer insegurança.
Para que melhor se compreenda tal assertiva, merece realçar que a vocação
primordial da decisão aqui acolhida como modelo é, tão-somente, a de absorção da
insegurança resultante de eventuais relações jurídicas marcadas pela dúvida ou pela
incerteza. Nesse sentido, esclarece TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR
186
que:
186
FERRAZ JÚNIOR, T. S. Obra citada, p. 43 a 44;
152
(...) a finalidade imediata da decisão está na ‘absorção de insegurança’, no sentido de
que, a partir das alternativas incompatíveis, enquanto premissas relativamente
inseguras da decisão, novas alternativas são obtidas, sem necessidade, em princípio,
de um retorno constante às incompatibilidades primárias, tendo em vista decisões
subseqüentes.
[...]
A ‘absorção da insegurançanão significa, por outro lado, necessariamente, obtenção
de consenso, nem como pressuposto nem como conseqüência imediata da decisão.
Sua função específica não é a diminuição ou a eliminação de incompatibilidades.
Por tal razão, a prescrição administrativa apresta-se, também, a fazer cessar a
incerteza, a dúvida e toda e qualquer espécie de controvérsia que possa vir a marcar
relações jurídicas informadas pela conflituosidade. Se o administrado deixou de
exercitar o seu direito de buscar prestação fundada em dívida passiva da Administração
Pública Estadual, por exemplo, por prazo superior a cinco anos, a prescrição
administrativa exsurge, forte no grafado pelo art. do Decreto 20.910, de 06 de
janeiro de 1932. Por força do evento prescricional, portanto, põe-se fim à pretensão
obstada pela prescrição, consolidando como certo e induvidoso, independentemente da
vontade ou entendimento de ambas as partes, que tal pretensão não pode mais restar
exercitada, absorvendo toda e qualquer insegurança que possa advir de tais
circunstâncias.
Que se destaque, contudo, que tal absorção de insegurança importa,
primordialmente, na cessação do conflito. Não há, portanto, a pretensão à obtenção de
satisfação dos interesses individuais de cada uma das partes ou a obtenção de seu
consenso a respeito de uma forma específica de composição de sua dissenção. A
certeza e a cessação da insegurança dão-se, portanto, tão-somente, pela supressão do
conflito em razão do evento prescricional.
187
187
Nesse sentido, de modo a melhor elucidar tal circunstância, basta que se verifique o
conteúdo do aresto, abaixo transcrito em sua ementa, oriundo do STF, senão vejamos: Prescrição
Qüinqüenal. Decreto nº. 20.910/32, Art. 1º. Estabilidade no serviço público (Art. 177, parágrafo 2º, da C.F.
de 1967). É prescritível a pretensão à estabilidade. O prazo prescricional tem início, ao menos, no
momento em que a administração pública nega ao servidor esse direito. Hipótese em que isso teria
ocorrido, por força de decreto estadual, insuscetível de interpretação pelo Supremo Tribunal Federal.
Recurso Extraordinário conhecido e provido. RE 102534 / SP – São Paulo. Relator: Min. SYDNEY
SANCHES. Julgamento: em 15/04/1986. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJU em 30/05/86,
pág. 9277. Ementário, volume nº 1421-02, pág. 352. Nesse decisório, além da irrelevância da existência
ou não do direito postulado, a inércia, como fator impeditivo da discussão, deu-se pela inação do servidor
público, face à norma constitucional atributiva do direito pretendido e a assunção de uma conduta
153
Em realidade, as decisões judiciais, como de resto todas as decisões que
resultam como produto de um determinado procedimento institucionalizado, no fito
específico de por fim a um conflito, no caso de alcançarem tal desiderato extintivo pela
via de reconhecimento do fenômeno prescricional, em razão da própria estrutura da
ordem jurídica nacional, revelam uma peculiaridade oriunda de sua própria essência,
qual seja a de que:
Essa peculiariedade, em oposição a outros meios de solução de conflitos (sociais,
políticos, religiosos etc.), revela-se na sua capacidade de ‘terminá-los’ e não de
‘soluciona-los’. [...] decisões não eliminam conflitos no sentido de que a questão dúbia
jamais perde esse seu caráter. Que significa, pois, a afirmação de que as normas
‘terminam’ conflitos? Isso significa, simplesmente, que a norma (a lei, a norma
consuetudinária, a decisão do juiz etc.) impede a continuação de um conflito: ela não o
termina por meio de uma solução, mas o soluciona, pondo-lhe um fim.
188
Portanto, a prescrição administrativa, entre tantas outras peculiariedades a tal
instituto inerentes, atua pela necessidade de estabilidade, certeza e segurança das
relações jurídicas, conforme explicita JOSÉ CRETELLA JÚNIOR
189
, gerando-se, de tal
atuação, a indispensável segurança jurídica, na medida em que, por força de tal evento,
cessa todo e eventual conflito.
5.7. PRESCRIÇÃO E ABUSO DO ESTADO
Entre os elementos que caracterizam o Estado de Direito, na compreensão da
possibilidade de limitação ao poder do próprio Estado e, por conseqüência, da própria
Administração Pública, o compromisso com a democracia configura uma das mais
importantes garantias ao cidadão e ao administrado em geral, na medida em que a sua
negativa ao reconhecimento da pretensão, no caso, titulado pelo servidor. De tal sorte, ante a
circunstância fática conformada, a prescrição, após o seu regular reconhecimento, vem pacificar a
controvérsia, suprimindo a possibilidade de conflito;
188
FERRAZ JÚNIOR, T. S. Obra citada, p. 64 a 65;
189
CRETELLA JÚNIOR, J. Obra citada, p. 69;
154
vinculação com o ideário democrático legitima a sua própria existência. Conforme
assenta JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO
190
:
O Estado constitucional não é nem deve ser apenas um Estado de direito. Se o
princípio do Estado de direito se revelou como uma “linha Maginot” entre “Estados que
têm uma constituição” e “Estados que não têm uma constituição”, isso não significa
que o Estado Constitucional moderno possa limitar-se a ser apenas um Estado de
direito. Ele tem de estruturar-se como ‘Estado de direito democrático’, isto é, como uma
ordem de domínio legitimada pelo povo. A articulação do direito” e do poder” no
Estado constitucional significa, assim, que o poder do Estado dever organizar-se e
exercer-se em termos democráticos. O princípio da soberania popular é, pois, uma das
traves mestras do Estado constitucional. O poder político deriva do “poder dos
cidadãos”.
Nunca se pode esquecer que no espaço de exercício de poder por parte do
Estado Democrático de Direito, o poder não é absoluto. Tal submissão ao Direito erige-
se como garantia ao cidadão e ao administrado, em geral. Tal perspectiva dá azo a que
se perceba, entre outros efeitos, a submissão do Estado ao Direito, gerando-se e
possibilitando-se um sentimento de segurança. Desse modo, ninguém poderá ser
atingido por qualquer atividade estatal sem que tal agir esteja assentado sob o
pressuposto fundamental de sua submissão à ordem jurídica.
Tal pressuposto decorre da circunstância de que o Estado deve estar sempre
voltado aos interesse da sociedade como um todo, mesmo no momento em que passa
a disciplinar as relações sociais, que, conforme explicita JOSÉ DOS SANTOS
CARVALHO FILHO:
O Estado, embora se caracterize como instituição política, cuja atuação produz efeitos
externos e internos, não pode deixar de estar a serviço da coletividade. A evolução do
Estado demonstra que um dos principais motivos inspiradores de sua existência é
justamente a necessidade de disciplinar as relações sociais, seja propiciando
segurança aos indivíduos, seja preservando a ordem pública, ou mesmo praticando
atividades que tragam benefício à sociedade.
191
190
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p.
91 a 92;
191
CARVALHO FILHO, J. dos S. Obra citada, p. 27;
155
Ora, entre os mecanismos criados pelo Direito para resguardar o cidadão, em
face de eventuais atividades da Administração Pública, a prescrição administrativa
mostra-se como um dos modos essenciais a tal proteção. Dessa forma, se até o Estado
é limitado pelo Direito e se, no corpo de regulação de uma determinada ordem jurídica,
a prescrição assume a condição de limitação ao agir de qualquer interessado, por força
do reconhecimento de tal evento, a prescrição assume a condição de instituto
assegurador da própria segurança jurídica. Contudo, mesmo com o reconhecimento do
evento prescritivo por parte da Administração Publica, de tal percepção poderá resultar
dano aos interesses e às pretensões do administrado em geral, dado que:
Cresce ultimamente no âmbito da Administração Pública a utilização dos institutos da
prescrição e da decadência. Os administradores e agentes públicos ao aplicarem estes
institutos, na maioria das vezes, não se preocupam em fazer um estudo mais
aprofundado destes, não conhecendo seus conceitos, deixando-se levar a par da
novidade.
Em nome da tão aclamada ‘estabilidade das relações jurídicas’ invocam estes
institutos, demonstrando, talvez, um reflexo da nossa Constituição Garantia, que
resguarda o cidadão, através de uma série de mecanismos, de eventuais abusos
praticados pelo Estado.
192
O que importa realçar é a circunstância de que a prescrição assume a condição
de controle da própria atuação da Administração Pública, buscando, entre outros
desideratos, a atenuação da força lesiva oriunda de algumas de suas ões. Isso por
que: No campo do direito público, a prescrição funciona também como fator de
estabilidade na relação dos administrados com a Administração Pública, e vice-versa.
193
Caso não fosse possível reconhecer-se a submissão do Estado e, por
decorrência, da Administração Pública, à força do evento prescricional, o Estado
poderia abusar de suas prerrogativas, servindo-se até, como i acontecer, do caminho
assegurado pelas largas portas da argumentação apoiada no dúbio e impreciso
conceito do interesse público, no fito de manter, por força de tal abuso, em permanente
192
CAETANO. Fabiano de Lima. Prescrição e decadência no âmbito da Administração
Pública e sua relação com o poder de império: alguns apontamentos, p. 1;
193
MATTOS, M. R. G. de. Obra citada, p. 58;
156
instabilidade as relações, eventualmente, marcadas por alguma espécie de
irregularidade. Nesse sentido, CLENÍCIO DA SILVA DUARTE
194
alerta que:
10. Não tem sentido que o Estado mantenha em suspense, durante dez anos,
situações funcionais, para, depois, desfaze-la, sob pretexto de irregularidade, que, em
última análise, teria sido praticada pelas autoridades que deveriam velar pelo
cumprimento das leis, num compasso de espera inédito na história da ineficiência de
alguns serviços públicos.
11, Se, nesta altura dos acontecimentos, tais situações fossem despeitos,
desprezando-se todos os prazos de prescrição que correm inclusive, como se sabe,
também contra a Administração Pública, as vítimas desse procedimento contrário ao
Direito seriam esses servidores que, de qualquer modo, ficaram em situação de
expectativa infindável, sem que nenhuma responsabilidade se lhes pudesse atribuir
pelas irregularidades capituladas.
Mas a só submissão da Administração Pública a um regime democrático de
direito não é garantia da devida proteção à segurança jurídica do Administrado. de
evitar-se, de forma concreta, qualquer abuso por parte do Estado. Exige-se, antes de
tudo, que se tenha bem claro os contornos dessa nova concepção, mormente ante ao
fato de que muito se tem confundido o Estado Democrático de Direito como sendo
àquele no qual simplesmente se aplica à lei. ALMIRO DO COUTO E SILVA bem
explicita esses novos contornos, na medida em que destaca que:
hoje pleno reconhecimento de que a noção de Estado de Direito apresenta duas
faces. Pode ela ser apreciada sob o aspecto material ou sob o ângulo formal. No
primeiro sentido, elementos estruturantes do Estado de Direito são as idéias de justiça
e de segurança jurídica. No outro, o conceito de Estado de Direito compreende vários
componentes, dentre os quais têm importância especial: a) a existência de um sistema
de direitos e garantias fundamentais; b) a divisão das funções do Estado, de modo que
haja razoável equilíbrio e harmonia entre elas, bem como entre os órgãos que as
exercitam, a fim de que o poder estatal seja limitado e contido por ‘freios e
contrapesos’ (checks and balances); c) a legalidade da Administração Pública e, d) a
194
DEPARTAMENTO ADMINISTRATIVO DO PESSOAL CIVIL. Parecer. Processo nº
225/73. Funcionário Público. Enquadramento. Prescrição. As situações irregulares consolidam-
se com o decurso do tempo, não sendo mais possíveis de qualquer retificação, seja para melhor,
seja para pior. Consultor Jurídico: Clenício da Silva Duarte. Revista de Direito Administrativo,
vol. 116, p. 369;
157
proteção da boa ou da confiança (Vertrauensschutz) que os administrados têm na
ação do Estado, quanto à sua correção e conformidade com as leis.
195
Entretanto, por força da complexidade das variáveis que interagem em tal
sistema, conforme o acima destacado, torna-se excessivamente complexa a
identificação do referencial objetivo de orientação ao agir estatal, acabando-se por
supervalorizar a lei como fator de demarcação para tal atuação, tão-somente. Portanto,
a adequação das atividades da Administração blica passa a ser considerada
justificada, também, a partir de sua adequação ao texto conformado pela regra legal,
sem excluir-se, contudo, os paradigmas contemporâneos plasmados pelo Estado
Democrático de Direito.
Tal circunstância resultou reforçada pelo advento da Constituição Federal de
1988. Nos termos do preceituado pelo art. 37 do estatuto fundamental, inseriu-se como
princípio a ser obedecido pela Administração Pública, entre outros ali previstos, o
princípio da legalidade. A partir de tal referência normativa, fortaleceu-se, mais ainda, a
concepção de cunho estritamente legalista, o que, na esteira dos avanços percorridos
pelo Direito Administrativo, exige uma leitura menos estrita de tal mandamento
constitucional.
Isso porque tal perspectiva revelou-se frágil, na medida em que: A tolerada
permanência do injusto ou do ilegal pode dar causa a situações que, por arraigadas e
consolidadas, seria iníquo desconstituir, pela lembrança ou pela invocação da
injustiça ou da ilegalidade originária
196
. Nessa nova perspectiva, portanto, consolidou-se
um paradoxo, revelando-se, a partir de tal constatação, a necessidade de uma
dessabsolutização de tal compreensão de feições puramente legalistas.
Fator fundamental para a releitura dos enunciados gerais que disciplinam a
atividade do Estado, de molde a possibilitar uma mutação de compreensão, a idéia de
segurança jurídica assumiu, quase que como a título de uma ntese, a condição de
diretriz maior, afastando a superada concepção da preponderância do critério da
legalidade estrita sobre qualquer outra diretriz, já que: (...) quando se diz que em
195
SILVA, A. do C. e Obra citada, p. 46;
196
SILVA, A. do C. e. Idem, p. 47;
158
determinadas circunstâncias a segurança jurídica deve preponderar sobre a justiça, o
que se está afirmando, a rigor, é que o princípio da segurança jurídica passou a
exprimir, naquele caso, diante das peculiariedades da situação concreta, a justiça
material.
197
Ademais, por força do princípio da segurança jurídica, o qual resulta
concretizado, entre outros institutos, pela prescrição administrativa, permitiu-se e
possibilitou-se, fundamentalmente em razão da cessação do conflito instaurado entre a
Administração Pública, que o administrado, ou o servidor, atribuissem um sentimento de
confiança, não só ao Estado em si, mas também na própria Administração Pública.
Mas não se pode esquecer que nem sempre foi assim, que tal circunstância
imantada de confiança e de garantia, em sua origem, paradoxalmente, não restou
gerada pela mera aplicação da lei. Tanto é assim que ALMIRO DO COUTO E SILVA
198
alerta para o fato de que:
relativamente pouco tempo é que passou a considerar-se que o princípio da
legalidade da Administração Pública, até então tido como inconstrastável, encontrava
limites na sua aplicação, precisamente porque se mostrava indispensável resguardar,
em certas hipóteses, como interesse público prevalecente, a confiança dos indivíduos
em que os atos do Poder Público, que lhes dizem respeito e outorgam vantagens, são
atos regulares, praticados com a observância das leis.
Plasmado sob a influência do ideário liberal, o princípio da legalidade começou
a mostrar-se em descompasso com as exigências oriundas do Estado contemporâneo.
A complexidade das relações submetidas à sua regulação e normatização específica,
no fito de melhor organizar a sociedade, passou a exigir muito mais do que a simples e
mecânica aplicação da lei. Contudo: A dificuldade no desempenho da atividade jurídica
consiste muitas vezes em saber o exato ponto em que certos princípios deixam de ser
aplicáveis, cedendo lugar a outros.
199
Ante tal dificuladade, portanto, assumiram maior
relevância as idéias de segurança, certeza e harmonia, afastando, ou. no mínimo,
197
SILVA, A. do C. e. Obra citada, p. 47;
198
SILVA, A. do C. e. Idem, ibidem;
199
SILVA, A. do C. e. Idem, p. 62;
159
buscando afastar as desilusões que a simples aplicação do princípio da legalidade não
conseguia afastar.
Mas não é a inadequação da concepção legalista de uma Administração
Pública primordialmente submetida à lei que está a exigir uma atenuação do princípio
da legalidade. também um esquecimento da circunstância de que a lei deve, além
de assegurar certeza e garantia às relações jurídicas que disciplina, atuar no sentido de
proteger o administrado contra o Estado. De modo que:
Faz-se, modernamente, também, a correção de algumas distorções do princípio da
legalidade da Administração Pública, resultante do esquecimento de que sua origem
radica na proteção dos indivíduos contra o Estado, dentro do círculo das conquistas
liberais obtidas no final do século XVIII e início do século XIX, e decorrentes,
igualmente, da ênfase excessiva no interesse do Estado em manter íntegro e sem
lesões o seu ordenamento jurídico.
200
Nesse passo, portanto, o instituto da prescrição administrativa assume feição
significativa. Formado o conflito após longo decurso de tempo, não se pode pretender
solvê-lo pela imediata aplicação da lei, sem que restem consideradas um conjunto de
circunstâncias que delimitam cada caso concreto, e que resultam da cristalização de
condutas, de anseios e de expectativas por parte daqueles que restaram acolhidos no
âmbito de uma situação jurídica que, por peculiaridades específicas, acabou
consolidando-se em descompasso com alguma regra legal, pura e simplesmente.
Assim, nos dias de hoje, mostra-se possível admitir-se que a mera aplicação da
lei pode acabar por consolidar uma forma de abuso do Estado, sendo que a prescrição
administrativa, por decorrência de tal situação, surge como fator de impedimento de tal
atitude marcadamente prepotente.
É óbvio que, como fator de mediação da seletividade do critério mais adequado,
busca-se sempre, substancialmente, a implementação de uma atuação vocacionada a
uma pretensão de regulação, por parte da Administração Pública, onde a consideração
do interesse público caracteriza-se como trajeto inafastável, dado que seria
inadmissível qualquer espécie de agressão a tal desiderato, que tal diretriz nunca
200
SILVA, A. do C. e. Obra citada, p. 54;
160
poderá implicar numa concepção adstrita a um tudo ou nada, esmagando todas as
razões e interesses que se mostrem em desacordo com eventual critério eleito.
De qualquer forma, a prescrição administrativa admite, entre suas
características estruturais, um sentido de cessação de instabilidade das relações
jurídicas, o qual, como se sabe, assume uma condição de valor. A partir de tal tipologia,
a prescrição administrativa passa a funcionar como um fenômeno articulador de todas
as circunstâncias juridicamente relevantes alcançadas por um determinado período de
tempo, submetendo-se-lhes à extinção. De tal sorte, a possibilidade de uma atuação
abusiva da Administração Pública resulta atingida em sua vitalidade, fazendo com que o
Estado, como também o administrado, subordinem-se a seus ditames, sob a força de
sua função modificadora da situação jurídica em espécie. Põe-se fim a possibilidade de
uma manutenção permanente do conflito resultante de uma vontade irracional de
aplicação perpétua da lei, a qualquer momento e a qualquer tempo. Cessa, por
conseqüência, qualquer forma de instabilidade, instaura-se o primado da segurança
jurídica. Neutraliza-se a incerteza.
6. DA PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA
6.1. DIREITO POSITIVO: EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Para o efeito de que se possa melhor compreender o instituto da prescrição
administrativa, impende que se proceda a uma ruptura. Tal ruptura inicialmente mostra-
se factível a partir de diversos critérios necessários ao compromisso de efetivá-la.
Contudo, caso se pretenda fragmentá-la, ao invés de lograrmos encontrar o sentido
específico da prescrição administrativa, vamos, tão-somente, limitarmos-nos a um mero
exercício de rememoração. Desse modo, portanto, como, aliás, resulta do intento
primordial das presentes indagações, vamos, ao início, examinar os detalhes marcantes
de cada uma das regulações que se sucederam no tempo, até os dias de hoje. Importa,
entretanto, que mais uma vez se destaque que a intenção de tal exame não está
associada a uma análise do universo que caracteriza a prescrição administrativa no
sistema jurídico nacional, através do exame de toda a legislação que disciplina tal
fenômeno extintivo, mas sim, fundamentalmente, em desvelar o significado de tal
instituto, servindo-se, num plano paralelo do princípio da segurança jurídica, no fito de
que tal diretriz funcione como um indicador daquilo que, muitas vezes, não se consegue
visualizar.
É, hodiernamente, aceita, quase pela totalidade dos juristas nacionais, a
circunstância de que a Administração blica sempre buscou privilegiar aos seus
interesses a partir das largas portas que identificam os motivos de ordem pública. Ou
seja, todos os seus benefícios e privilégios sempre buscaram romper as resistências
contra eles alegadas, a partir da assertiva de que a Administração Pública sempre
esteve voltada, em suas exigências e em seu proceder a motivos de ordem pública. Tal
perspectiva sempre resultou esgrimida, na medida em que na história do Direito Público
nacional, tais privilégios e prerrogativas nem sempre se mostraram adequados aos fins
aos quais o Estado alegava buscar.
A primeira legislação que tratou da prescrição em nosso país, fê-lo de modo
geral; até porque, embora delineados os contornos entre o público e o privado, não
162
se poderia, ainda, pretender identificar a existência de um Direito Administrativo, nos
termos em que hoje se encontra estruturado tal ramo do saber jurídico. Tal legislação,
como ao início referido, tratava-se das Ordenações Filipinas, as quais, em seu tulo
79, de seu Livro IV, estabelecia
201
, de modo geral, a possibilidade de invocar-se a
prescrição em prazo de trinta anos, a contar do dia em que a obrigação deveria ser
cumprida, norma esta que era aplicável à Fazenda Pública. Acrescia tal regramento
regras singulares e reveladoras de um pensamento muito bem delineado.
Assentava que, passados os trinta anos necessários ao advento do evento
extintivo, o obrigado não mais poderia ser demandado, face a negligência presumida
com que havia se portado o credor, ou titular do direito lesado. Contudo, tal regramento
trazia em seu bojo um princípio ético com vigor suficiente para afastar o fenômeno
prescricional, qual seja o fato de ter agido o devedor com má-fé, quando então,
comprovada o agir marcado por tal vício, tal legislação passava, em tal caso, a admitir a
imprescritibilidade, sob a argumentação de que o poderia restar beneficiado aquele
que havia se locupletado de modo indevido.
Tal regulação admitia, ainda, a possibilidade de interrupção do lapso
prescricional, tanto pela citação, quanto por qualquer outra forma em Direito admitida,
quando então, ocorrida tal exceção, o prazo iniciava seu curso novamente e de forma
integral. De outra banda, tal legislação resguardava, de modo absoluto, do curso
201
Se alguma pessoa for obrigada à outra em alguma certa cousa, ou quantidade, por razão de
algum contracto, ou quasi-contracto, poderá ser demandada até trinta annos, contados do dia que essa
cousa ou quantidade haja de ser paga, em diante. E passados os ditos trinta annos, não poderá ser mais
demandado por essa cousa, ou quantidade; por quanto por a negligencia, que a parte teve, de não
demandar em tanto tempo sua cousa, ou divida, havemos por bem, que seja prescripta a aução, que
tinha para demandar. Porém esta Lei não havera lugar nos devedores, que tiverem má fé porque estes
taes não poderão prescrever per tempo algum, por se não dar ocasião de peccar, tendo o alheo
indevidamente. Porem, se a dita prescripção for interrompida por citação, feita ao devedor sobre essa
divida, ou per outro qualquer modo, per que per Direito deva ser interrompida, começara outra vez de
novo correr o dito tempo. E se aquelle a que for a cousa, ou quantidade devida, for menor de quatorze
annos, não correra contra elle o dito tempo até que tenha idade de quatorze annos cumpridos. E tanto
que chegar a ella, correra contra elle. E postoque o dito tempo corra contra o maior de quatorze annos, e
menor de vinte e cinco, poderá elle pedir restituição contra sua negligencia, que teve em não demandar
dentro de dito tempo, até chegar a idade de vinte e cinco annos; com tanto que do tempo, que elle chegar
a idade de vinte e cinco annos, até quatro annos cumpridos, em que fara vinte e nove annos, a peça e
impetre. E pedida e impetrada a restituição, podera haver e cobrar toda sua divida, como se nunca o dito
tempo de trinta annos corresse contra ele. E quanto aos bens obrigados a outrem em geral, ou em
especial, se guarde o que temos dito no Título 3: Que quando se rende a cousa, que he obrigada, sempre
passa com seu encargo.
163
prescricional, os menores de quatorze anos cumpridos. Entre àqueles que, dos
quatroze aos vinte e cinco mostrarassem-se negligentes, poderiam demandar, no
sentido de obterem a restituíção do prazo, para o efeito de ser-lhes restituído tal lapso
em detrimento de sua negligência. Contudo, o direito à restituição só poderia ser
postulado por aqueles que, no prazo de quatro anos, após terem completado vinte e
cinco anos, ingressassem com a demanda, até completarem a idade de vinte e nove
anos, quando então poderiam postular o valor total de sua dívida, como se contra eles
nunca tivesse corrido prazo prescricional algum.
Contudo, foi a partir da edição do Regimento da Fazenda, do ano de 1516, que,
pela primeira vez estabeleceu-se, visivelmente a título de privilégio, o prazo de cinco
anos para o recebimento, por parte dos credores do erário, de dívida passiva de
responsabilidade da Fazenda Pública.
Entretanto, por força do Alvará de 9 de maio de 1810, o Príncipe Regente, além
de declarar antigas todas as dívidas contraídas pela Real Fazenda do Rio de Janeiro,
até o ano de 1797, em razão de não terem sido habilitadas para pagamento perante o
Conselho Fazendário Imperial, fixou o prazo de três anos, contados da data do
mencionado alvará, para o efeito de serem postulados tais valores, sob pena de, em
não o habilitando os respectivos credores, restarem tais crédito prescritos, não mais
podendo restar ajuizada nenhuma ação em busca de seu adimplemento.
202
Passados, praticamente, trinta e um anos do retro-referido alvará, foi
promulgada a Lei 243, de 30 de novembro de 1841
203
, determinando, em seu art. 20,
202
Dizia, no que aqui interessa, o referido alvará que: E tendo consideração a todo referido, hei
por bem, conformando-me com o parecer da referida consulta, ordenar: que todas as dividas contrahidas
até o fim do anno de 1797 se considerem antigas, como fora assentado na extincta Junta de Revisão, e
que todas as dividas desta natureza, cujas letras e documentos não forem apresentados no Conselho da
minha Fazenda para as suas respectivas habilitações, dentro do prazo de tres annos contados da data do
presente alvará se entenderão prescriptas, e sem acção os Credores para as pedirem jamais, como se
não tivessem sido contrahidas, ou estivessem totalmente pagas;
203
LEI Nº 243 de 30 de Novembro de 1841. Fixando a Despeza, e Orçando a Receita
para o Exercício do anno financeiro de 1842 1843. Dom Pedro Segundo, por Graça de Deos,
e Unanime Acclamação dos Povos, Imperador Constitucional, e Defensor Perpetuo do Brasil,
Fazemos saber a todos os Nossos Subditos, que a Assembléa Geral Decretou, e Nós Queremos
a Lei seguinte. [...] Art. 20º Do 1º de Janeiro de 1843 em diante não terá mais lugar inscripção
alguma da devida passiva fluctuante, mandada fundar pela Lei de 15 de Novembro de 1827, á
excepção daquellas que nessa epoca se acharem em liquidação, ou penderem de processo
164
que, a partir de 01 de janeiro de 1843, passasse a vigorar o que era determinado pelos
artigos 209 e 210 do Regimento da Fazenda, retornando, para efeito da contagem do
lapso prescricional, então o prazo de 5 anos. Entretanto, tal regra legal inscreveu, além
de diretrizes procedimentais específicas, modificação de importância singular, qual seja,
regulou, para o efeito de prescrição, tanto as pretensões relativas às dívidas passivas
da Fazenda Pública, quanto àquelas relativas à dívida ativa da Administração Pública.
Destaca-se aqui a importância de tal inovação, na medida em que, hodiernamente, de
forma injustificável, o legislador não buscou agregar, em um mesmo estatuto legal, a
disciplina prescricional tanto em relação à dívida passiva da Fazenda Pública, quanto
em relação à sua dívida ativa.
Em 12 de novembro de 1851, veio à lume o Decreto nº. 857
204
, o qual visava
explicar o art. 20 da Lei nº 243, de 30 de novembro de 1841. Tal explicação buscava
judicial, ficando inteiramente prescriptas, e perdido para os credores o direito de requerer a
liquidação e pagamento dellas. Da mesma data em diante ficão em vigor os Capitulos 209 e 210
do regimento de Fazenda, assim pelo que respeita à divida passiva posterior ao anno de 1826,
existente até hoje e á divida futura, como pelo que respeita a toda divida activa da Nação. O
Governo dará toda publicidade á disposição deste Artigo e dos referidos Capitulos.
204
DECRETO Nº 857 - de 12 de Novembro de 1851. Explica o art. 20 da Lei de 30 de
Novembro de 1841 relativo á prescripção da divida activa e passiva da Nação. Considerando que o Art.
20 da Lei de 30 de Novembro de 1841, relativo á prescripção da divida passiva e activa da Nação, exige
explicações claras e explicitas, que sirvão tanto para dirigir os executores, como para instruir as partes no
que toca a seus direitos e interesses, Hei por bem Determinar o seguinte: Prescripção de 5 annos. Art.
A prescripção de 5 annos, posta em vigor pelo Art. 20 da Lei de 30 de Novembro de 1841, com referencia
ao Capitulo 209 do Regimento da Fazenda, a respeito da divida passiva da Nação, opera a completa
desoneração da Fazenda Nacional do pagamento da divida, que incorre na mesma prescripção. Art. 2º
Esta prescripção comprehende: 1º o Direito que alguem pretenda ter a ser declarado credor do Estado,
sob qualquer título que seja. 2ºO direito que alguem tenha a haver pagamento de huma divida já
reconhecida, qualquer que seja a natureza della. Art. 3º Todos aquelles, que pretenderem ser credores
da Fazenda Nacional por ordenados, soldos, congruas, ou gratificações e outros vencimentos de
empregos; por pensões, tenças, meio soldo e monte pio; por preço de arrematações e contractos de
qualquer natureza, e pagamento de despezas feitas e serviços prestados; e por quaesquer reclamações,
indemnisações, e restituições, deverão requerer o reconhecimento e liquidação de suas dividas, a
expedição de despachos, ordens, e titulos para o pagamento, e fazer o assentamento das que o
precisarem dentro dos 5 annos; e passado este prazo, ficará prescripto a favor da Fazenda Nacional todo
o direito que tiverem. Art. 4º Todos aquelles que depois de haverem os seus despachos correntes para o
pagamento, tiverem feito o assentamento, ou estiverem lançados na folha, não requererem que
effectivamente se lhes pague o que lhes for devido dentro dos 5 annos, perderão o direito a esse
pagamento em virtude da prescripção a favor da Fazenda Nacional. Art. 5º Quando o pagamento que se
houver de fazer aos credores for dividido por prazo de mezes, trimestres, semestres ou annos, e se der a
negligencia da parte dos mesmos credores, a prescripção se irá verificando a respeito d'aquelle ou
d'aquelles pagamentos parciaes, que se forem comprehendendo no lapso dos 5 anos; de sorte que por
se ter perdido o direito a hum pagamento mensal, trimestral, semestral, ou annual, não se perde o direito
aos seguintes a respeito dos quaes ainda não tiver corrido o tempo da prescripção. Art. 6º Os 5 annos
165
tornar claros e explícitos a regulação referida, de molde a facilitar à compreensão de
seus executores, quanto também instruir os administrados em geral, no que atine aos
seus direitos e interesses.
Tal estatuto legal, à exceção de alguns de seus aspectos peculiares à sua
época de vigência, também se mostrou de relevância significativa. Além de regular
conjuntamente a prescrição em relação às dívidas passiva e ativa da Fazenda Pública,
estendeu a compreensão do conceito de dívida para a concepção de crédito de
qualquer natureza. Ademais, limitou em cinco anos o prazo para a postulação, em
esfera administrativa, das pretensões que elencava, tanto para o reconhecimento,
meramente administrativo, de tais pretensões, quanto para o requerimento do efetivo
pagamento das dívidas reconhecidas. Configurou àquilo que hoje se conhece, por força
de criação jurisprudencial, como fundo de direito, reconhecendo a prescrição a respeito,
tão-somente, das parcelas não reclamadas no qüinqüídio. Estabeleceu vedações ao
prazo prescricional no que se referem a todos aqueles sujeitos à tutela ou à curadoria.
para a prescripção começão a correr, para as dividas reconhecidas ou não até o ultimo de Dezembro de
1842, do dia 1º de Janeiro de 1843; e para as dividas posteriores, dadata da publicação dos despachos
ou ordens definitivas para o pagamento. Art. 7º Os 5 annos não correm para a prescripção: 1º Contra
aquelles que dentro d'elles, não puderem requerer nem por si nem por outrem: taes são os menores, os
desassisados, e quaesquer outros que, privados d'administração de suas pessoas e bens, estão sujeitos
á tutela ou curadoria. 2º quando a demora for occasionada por facto do Thesouro, Thesourarias ou
Repartições, a que pertença fazer liquidação, e reconhecimento das dividas e effectuar o pagamento. Art.
8º A prescripção dos 5 annos he extensiva ás letras do Thesouro em virtude da disposição da Lei de 30
de Novembro de 1841, e do Art. 443 do Codigo Commercial, começando a correr os 5 annos da data do
vencimento. Art. 9º A prescripção de 40 annos posta em vigor pelo citado Art. 20 da Lei de 30 de
Novembro de 1841, com referencia ao Capitulo 210 do Regimento da Fazenda, a respeito da divida
activa da Nação, opera a completa desoneração dos devedores da Fazenda Nacional do pagamento das
dividas, que incorrem na mesma prescripção, de maneira que, passados os 40 annos, não póde haver
contra elles penhora, execução, ou outro qualquer constrangimento. Art. 10. Os 40 annos para a
prescripção da divida activa começão a correr, para as dividas contrahidas até o ultimo de Dezembro de
1842, do dia 1º de Janeiro de 1843, e para as posteriores, desde o ultimo dia do prazo estabelecido para
o pagamento por Lei, regulamento, ou contracto, huma vez que passem continuada e seguidamente sem
interrupção. Art. 11. O curso dos 40 annos interrompe-se, impedindo a prescripção: 1º Pela citação,
penhora, ou sequestro feito aos devedores para se haver pagamento. 2º Por qualquer outro
procedimento judicial ou administrativo havido contra elles para o mesmo fim. 3º Pela concessão de
espaço aos devedores, admitindo-os pagar por prestações. Art. 12. Aquelles que quizerem segurar o seu
direito obstando á que corra para a prescripção o tempo consumido por demora e embaraços das
Repartições, poderão requerer, e se lhes dará hum certificado da apresentação do requerimento e
documentos com especificada declaração do dia, mez e anno. Joaquim José Rodrigues Torres, do Meu
Conselho, Senador do Imperio, Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios da Fazenda, e Presidente do
Tribunal do Thesouro Nacional, assim o tenha entendido, e faça executar. Palácio do Rio de Janeiro em
doze de Novembro de mil oitocentos cincoenta e hum, trigesimo da Independencia e do Imperio. Com a
Rubrica de Sua Magestade o Imperador. Joaquim José Rodrigues Torres.
166
Reconheceu a responsabilidade da Administração Pública pela demora na liquidação,
no reconhecimento de dívidas e na efetivação do pagamento, de modo a suspender o
curso prescricional. Contudo, manteve prazo diverso e exacerbado no que se refere às
dívidas ativas, em benefício da Fazenda Pública, configurando-o no largo período de
quarenta anos, determinando à sua interrupção, contudo, em razão de citação, penhora
ou seqüestro, ou em razão de qualquer procedimento judicial ou administrativo.
Estabeleceu como forma de interrupção, o parcelamento da dívida ativa. Ademais,
como garantia do direito, em razão de demora por parte da Administração Pública,
determinou a expedição de um certificado de comprovação da apresentação de
requerimento em tempo hábil. Portanto, à exceção da diversidade gritante de
tratamento entre a Fazenda Pública e o administrado, no que se refere ao prazo
prescricional, vê-se que tal regramento caracterizou-se como um estatuto digno de
destaque.
Com a promulgação do Código Civil de 1916, através da Lei 3.071, de 1º de
janeiro de 1916, a prescrição relativa às dívidas passivas a serem suportadas pela
União, pelos Estados e pelos Municípios, no que atine à prescrição, em relação à
Fazenda Pública, passaram a ser disciplinadas pelo grafado em seu art. 178, § 10,
inciso VI, repetindo-se a orientação anteriormente delimitada pela Lei 243, de 30
de novembro de 1841, de modo a estabelecer que prescrevem em cinco anos: As
dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, e bem assim toda e qualquer
ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, devendo o prazo da prescrição
correr da data do ato ou do fato do qual se originar a mesma ação.
Em tal perspectiva, novamente rompeu-se a vontade de disciplinar, em um
mesmo estatuto, os lapsos prescricionais relativos às dívidas passiva e ativa da
Fazenda Pública, dando-se início a modelo diverso de regulação, o que acabou por
gerar dicotomia notoriamente inadequada, dado que, por força de interpretação
generalizada, as dívidas ativas da Fazenda Pública passaram a receber regulação a
partir do estatuto civil, situando-se-as a título de direito pessoal, em lapso, por primeiro,
de trinta anos, e, por segundo, em vinte anos. Mantinha-se, portanto, novamente, uma
diversidade muito grande em relação a tais prazos.
167
Em 25 de junho de 1930, foi promulgado o Decreto 5.761
205
, iniciando-se os
remendos, já que, ao contrário do que tão bem disciplinava o Decreto 857, de 12 de
novembro de 1851, em razão da revogação de tal estatuto pelo Código Civil, o qual se
limitou, tão-somente, a fixar o prazo prescricional relativo às dívidas passivas da
Fazenda Pública, nada dizendo a respeito dos casos de eventual demora, por parte da
Fazenda Pública, no curso de procedimento de estudo, de reconhecimento ou de
liquidação da dívida passiva fazendária; de modo que tal legislação veio suprir tal falta.
Contudo, como se verifica do exame de tal estatuto, muitas foram às lacunas que
surgiram a partir da vigência de tal regulação.
205
DECRETO N. 5.761 - DE 25 DE JUNHO DE 1930. Regula a prescripção quinquennal. O
Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brasil: Faço saber que o Congresso Nacional decretou e
eu sancciono a seguinte resolução: Art. 1º Não corre a prescripção de que trata o art. 178, § 10, VI, do
Codigo Civil, durante a demora que, no estudo, no reconhecimento, na liquidação e no pagamento da
divida, tiverem as repartições ou funccionarios que della se occuparem. Paragrapho unico. Corre
entretanto, durante o tempo em que o credor se retardar em satisfazer as informações que lhe forem
reclamadas, relativas ao esclarecimento de seu direito. Art. 2º A prova de entrada do requerimento do
credor, nos livros ou protocollo, das repartições publicas, com designação de dia, mez e anno, bem como
o certificado do Correio, da remessa, em tempo, dos esclarecimentos reclamados, provam a data em que
se interrompeu a prescripção. Art. 3º Quando o pagamento se dividir por dias, mezes ou annos, a
prescripção attingirá progressivamente ás prestações, á medida que completarem o quinquennio. Art. 4º
O disposto nos artigos anteriores não altera as prescripções de menor prazo, constantes de leis e
regulamentos fiscaes. Art. 5º Revogam-se as disposições em contrario. Rio de Janeiro, 25 de junho de
1930, 109º da Independencia e 42º da Republica. WASHINGTON LUIS P. DE SOUSA. F. C. de Oliveira
Botelho;
168
Em 06 de janeiro de 1932, foi promulgado o Decreto nº 20.910
206
, o qual
passou a disciplinar a prescrição administrativa, com a fixação do prazo de cinco anos
para a cobrança das dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem
assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal,
seja qual for a sua natureza. Como se vê, tal regramento limitou-se a disciplinar a
prescrição no que se refere, tão-somente, às dívidas passivas, bem como todo e
qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública em geral, nada mencionando em
relação às dívidas ativas tituladas pela Administração Pública. Além disso, manteve a
suspensão do prazo em relação ao período de verificação da pretensão, negando tal
benefício em razão de omissão de informações por parte do credor. De inovação, criou
a figura da reclamação administrativa, à qual se submeteu ao prazo prescricional de um
ano, a contar da data do ato ou do fato de que tenha se originado. Estabelecendo a
possibilidade de uma única interrupção da prescrição, passando a correr novamente tal
lapso, tão-somente, pela metade do prazo, determinou que, em face de processo
anulado, a impossibilidade de argüir-se interrupção da prescrição em razão da citação.
206
DECRETO N. 20.910 - DE 6 DE JANEIRO DE 1932. Regula a prescrição quinquenal. O
Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, usando das atribuições
contidas no art. 1º do decreto n. 19.398, de 11 de novembro de 1930, DECRETA: Art. 1º As dívidas
passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a
Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos
contados da data do ato ou fato do qual se originarem. Art. 2º Prescrevem igualmente no mesmo prazo
todo o direito e as prestações correspondentes a pensões vencidas ou por vencerem, ao meio soldo e ao
montepio civil e militar ou a quaisquer restituições ou diferenças. Art. 3º Quando o pagamento se dividir
por dias, meses ou anos, a prescrição atingirá progressivamente as prestações à medida que
completarem os prazos estabelecidos pelo presente decreto. Art. 4º Não corre a prescrição durante a
demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as
repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la. Parágrafo único. A suspensão da
prescrição, neste caso, verificar-se-á pela entrada do requerimento do titular do direito ou do credor nos
livros ou protocolos das repartições públicas, com designação do dia, mês e ano. Art. 5º Não tem efeito
de suspender a prescrição a demora do titular do direito ou do crédito ou do seu representante em prestar
os esclarecimentos que lhe forem reclamados ou o fato de não promover o andamento do feito judicial ou
do processo administrativo durante os prazos respectivamente estabelecidos para extinção do seu direito
à ação ou reclamação. Art. 6º O direito à reclamação administrativa, que não tiver prazo fixado em
disposição de lei para ser formulada, prescreve em um ano a contar da data do ato ou fato do qual a
mesma se originar. Art. 7º A citação inicial não interrompe a prescrição quando, por qualquer motivo, o
processo tenha sido anulado. Art. 8º A prescrição somente poderá ser interrompida uma vez. Art. 9º A
prescrição interrompida recomeça a correr, pela metade do prazo, da data do ato que a interrompeu ou
do último ato ou termo do respectivo processo. Art. 10. O disposto nos artigos anteriores não altera as
prescrições de menor prazo, constantes das leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas às
mesmas regras. Art. 11. Revogam-se as disposições em contrário. Rio de Janeiro, 6 de janeiro de 1932,
111º da Independência e 44º da República. GETULIO VARGAS. Oswaldo Aranha.
169
Firmou a estrutura jurídica designada, hodiernamente, por fundo de direito, como
também determinou, no que se refere aos prazos prescricionais menores que cinco
anos, a sua submissão ao estatuto legal específico que os determinou.
Em data de 19 de agosto de 1942, entrou em vigor o Decreto-lei 4.597
207
, o
qual também dispôs a respeito da prescrição de ações contra a Fazenda blica. No
que se refere às suas inovações, tratou a respeito da competência judiciária relativa a
às dívidas passivas do Estado, dos Municípios e do Distrito Federal. Incluiu sob sua
regulação as ações relativas às dívidas passivas, bem como todo e qualquer direito ou
ação contra as autarquias e as entidades e órgãos paraestatais criados por lei e
mantidos mediante a arrecadação de tributos. Inscreveu a possibilidade de prescrição
intercorrente, estatuindo, também, a possibilidade de alegação e decretação da
prescrição a qualquer tempo e em qualquer instância.
Esses, portanto, foram os regramentos legais que disciplinaram e no que se
refere aos estatutos em vigor e disciplinam o fenômeno da prescrição administrativa
em nosso país. Advirta-se, contudo, sob uma ótica de maior generalidade, como dito ao
início, não é pretensão das presentes indagações, até para evitar injustificável equívoco
metodológico, o exame de todos os estatutos em vigor.
De tal acervo normativo, recolhe-se, ao início, que a regulação da prescrição,
em relação à Fazenda Pública, assumiu e assume, ainda hoje em dia, quase que uma
207
DECRETO-LEI N. 4.597 - DE 19 DE AGOSTO DE 1942. Dispõe sobre a prescrição das
ações contra a Fazenda Pública e dá outras providências. O Presidente da República, usando da
atribuição que lhe confere o artigo 180 da Constituição, DECRETA: Art. 1º Salvo o caso do foro do
contrato, compete à Justiça de cada Estado e à do Distrito Federal processar e julgar as causas em que
for interessado, como autor, réu, assistente ou opoente, respectivamente, o mesmo Estado, ou seus
Municípios, e o Distrito Federal. Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica às causas já
ajuizadas. Art. 2º O decreto n. 20.910, de 6 de janeiro de 1932, que regula a prescrição qüinqüenal,
abrange as dívidas passivas das autarquias, ou entidades e órgãos paraestatais, criados por lei e
mantidos mediante impostos, taxas ou quaisquer contribuições, exigidas em virtude de lei federal,
estadual ou municipal, bem como a todo e qualquer direito e ação contra os mesmos. Art. 3º A prescrição
das dívidas, direitos e ações a que se refere o decreto n. 20.910, de 6 de janeiro de 1932, somente pode
ser interrompida uma vez, e recomeça a correr, pela metade do prazo, da data do ato que a interrompeu,
ou do último do processo para a interromper; consumar-se-á a prescrição no curso da lide sempre que a
partir do último ato ou termo da mesma, inclusive da sentença nela proferida, embora passada em
julgado, decorrer o prazo de dois anos e meio. Art., 4º As disposições do artigo anterior aplicam-se desde
logo a todas as dívidas, direitos e ações a que se referem, ainda não extintos por qualquer causa,
ajuizados ou não, devendo prescrição ser alegada e decretada em qualquer tempo e instância, inclusive
nas execuções de sentença. Art. 5º Este decreto-lei entrará em vigor na data da sua publicação,
revogadas as disposições em contrário. Rio de Janeiro, 19 de agosto de 1942, 121º da Independência e
54º da República. GETULIO VARGAS. Alexandre Marcondes Filho. A. de Souza Costa.
170
feição de privilégio. Tal característica esta basicamente assentada em razões de
resguardo a motivos de ordem pública, motivos estes que deveriam sempre ser o
escopo fundamental a ser perseguido pelo legislador. Tal perspectiva resulta reforçada
na medida em que, depois do Decreto nº 857, de 12 de novembro de 1851, o qual
inaugurou a perspectiva da possibilidade de formular uma regulação da prescrição sob
um prisma de regra geral, em relação à Fazenda Pública, tal concepção acabou sendo
fragmentada, ante a singela constatação de que, nos dias de hoje, os prazos
prescricionais, sob a ótica de um estatuto singular, passaram a ser ordenados,
exclusivamente, em relação às dívidas passivas da Fazenda Pública, nada se referindo
em relação às dívidas ativas.
Ademais, o legislador contemporâneo preocupou-se em tratar do fenômeno
prescricional a partir da natureza do objeto jurídico a ser regulado. Por tais razões,
acrescentou dispositivos relativos à prescrição em vários estatutos legais, inserindo tal
fenômeno extintivo de forma tópica, qual seja, sob uma ótica marcada pela
generalidade, em relação às normas estatutárias de regulação das carreiras públicas,
em relação aos contratos firmados pela Administração Pública, como também em
relação aos procedimentos administrativos. De tal sorte, houve uma fragmentação do
fenômeno designado pelo nome prescrição administrativa. Em razão de tal diluição,
impende que se busque identificar tal evento extintivo a partir de diretrizes previamente
delimitadas, o que, no caso das presentes indagações será procedido em relação ao
princípio da segurança jurídica.
Tal escolha dá-se, fundamentalmente, em razão da circunstância de que, por
força de um conjunto amplo de regras tratando da prescrição administrativa, resulta,
quase que como por efeito de uma força natural, um certo receio e uma certa
perplexidade em relação a tal instituto. Nessa linha de raciocínio, portanto, não se
mostraria razoável que buscássemos, tão-somente, analisar todos os regramentos que
disciplinam, atualmente, a prescrição administrativa. Impõe-se, portanto, que
busquemos compreender tal fenômeno a partir de sua inserção no âmbito de um
Estado Democrático de Direito, remetendo-nos, basicamente, a questão da existência,
ou não, de uma garantia, ou de um princípio de prescritibilidade. Provada a sua
171
existência, poder-se-á, na seqüência, constatar-se os limites que o ordenamento
jurídico convalida a partir da tensão existente entre os interesses da Administração
Pública e dos administrados. Não provada a sua existência, irremediavelmente estar-
se-á, pela constatação da possibilidade de eventual imprescritibilidade, diante da
hipertrofia dos interesses da Administração Pública, face a quaisquer outros direitos.
6.2. PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA: ESTRUTURA E SENTIDO
O instituto da prescrição administrativa presta-se a muitas análises. Contudo,
nas indagações em tela, busca-se, fundamentalmente, a construção de uma reflexão
em relação à prescrição administrativa, tomando-se em conta a sua vinculação com o
princípio da segurança jurídica. Ante tal perspectiva, de imediato, poder-se-ia imaginar
que tal reflexão resulta singela. Contudo, em se procedendo uma meditação a respeito
das várias implicações decorrentes de tal cotejo, verifica-se que, nessa senda,
aprestam-se questões de complexidade variada, tais como a existência, ou não, em
nosso sistema jurídico, do princípio da prescritibilidade; o alcance e a extensão do
princípio do interesse público; a força de inflexão dos paradigmas do Estado
Democrático de Direito, o princípio da boa-fé do administrado; a natureza ontológica da
própria prescrição administrativa, qual seja: a de valor, a de garantia, a de princípio
informador. De tal sorte, é nesse caminho que deveremos buscar uma compreensão de
tal fenômeno extintivo. De modo que, o que aqui se perquire o são as meras formas
legais em que tal evento se mostra, mas sim a de uma busca de compreensão da
essência de seu conteúdo.
Diante da limitação ao poder da Administração Pública, mostra-se necessário
que se perquira, de início, qual seria o efeito concreto decorrente da prescrição
administrativa. Quase que como um reflexo da opinião generalizada, resulta
fundamental que se tenha em conta a sua finalidade pública, associada aos limites
exigidos pelo bem-estar da sociedade, e a estrita submissão aos contornos da lei. Tal
perspectiva consolida-se a partir dos paradigmas de conformação liberal, circunstância
essa que, por si só, se mostra problemática, na medida em que toda a estrutura
172
jurídica nacional, por força dos parâmetros constitucionais estatuídos a partir da
Constituição Federal de 1988, assumiu uma orientação dogmática de conteúdo
marcadamente social.
Em um nível de imediação mais restrita, em um exame preliminar, na busca das
características marcantes do instituto da prescrição administrativa, na sua estreita
relação com o ordenamento legal que disciplina a atuação da Administração Pública,
pautada tal constatação com o princípio da segurança jurídica, a primeira perplexidade
que se mostra reconhecida, como a sua feição mais singular, está associada a
ausência de normas legais de disciplina dos prazos prescricionais, sob o prisma de uma
ordenação de natureza geral. Ou seja, no âmbito do direito brasileiro, inexiste um
estatuto, ou um conjunto ordenado de normas jurídicas, destinado a estabelecer regras
gerais de base para a disciplina da prescrição administrativa no território do Direito
Público brasileiro.
Tão-somente por tal constatação, emerge problema relevante a ser solvido, na
medida em que as indicações pontuais a respeito de normas que explicitam o fenômeno
prescricional em sedes específicas de regulação, ao invés de pacificarem os espíritos,
promovem a incerteza e a sensação de uma certa desarmonia sistêmica, circunstância
esta que acaba por dar azo, sob um certo prisma, a um viés marcado pela insegurança.
Ademais, o fato de haver em vários diplomas legais de Direito Público
referências ao fenômeno prescricional, como realçado acima, em nada auxilia no que
atine ao desejo de encontrar e identificar a essência de tal instituto, servindo tal
situação, tão-somente, para muito mais confundir do que esclarecer a respeito da
substância essencial do evento extintivo em tela.
Por conseqüência, do marcante silêncio em relação a prazos de ordenação do
fenômeno prescricional, com alcance de natureza geral, tal como ocorre na
normatização procedida, por exemplo, por parte do Código Civil, no que atine àquele
ramo do direito pátrio, surge lacuna singular a abarcar o instituto prescricional junto aos
espaços dominados pelo Direito Público. De modo que, por tal circunstância, oportuniza
que se mantenha variada polêmica a respeito, mormente no que diz respeito à
necessária igualdade entre às partes envolvidas em relação jurídica de natureza
173
pública, como também a respeito da legitimidade da Administração Pública no que se
refere ao exercício de sua autonomia administrativa, no que atine à sua legitimidade.
De tal sorte, a prescrição administrativa passa a ser reconhecida de forma
imprecisa, dado não estar retratada por um conjunto de concepções que buscam
estatuir e permitir compreender-lhe o seu sentido genérico e essencial de forma
inequívoca, tudo em razão de estar sendo categorizada a partir de variados perfis.
Em razão de tais circunstâncias, até mesmo aqueles que, em presença de
omissão legislativa, negam a possibilidade de sua existência, ao modo de um instituto
de conteúdo meramente subsidiário, caracterizando-a, portanto, como mero evento
adstrito à esfera restrita do direito processual, não se lhe reconhecendo, por tal
concepção, o conteúdo de natureza autônoma, pelo qual se mostra, por exemplo, no
âmbito do Direito Privado. Afeiçoado a tal concepção, para o pensamento de RAPHAEL
PEIXOTO DE PAULA MARQUES208, a prescrição não opera no âmbito administrativo,
haja vista a sua natureza meramente processual. Destaca tal autor que: Cumpre
salientar, preliminarmente, que o instituto da prescrição administrativa não se confunde
com o da prescrição civil e o da prescrição penal, pois estes dois se referem ao âmbito
judicial. Ou seja, a prescrição administrativa caracteriza-se como fenômeno de
conteúdo subordinado à esfera do direito processual, carecendo de autonomia material.
Tal compreensão não se mostra dissociada do entendimento manifestado por
HELY LOPES MEIRELLES, o qual explicita que:
(...) a prescrição, como instituto jurídico, pressupõe a existência de uma ‘ação judicial’
apta à defesa de um direito, porque ela significa a perda da respectiva ação, por
inércia de seu titular. Mas impropriamente se fala em ‘prescrição administrativa, para
indicar o escoamento dos prazos de interposição para interposição de recurso no
âmbito da Administração, ou para a manifestação da própria Administração sobre a
conduta de seus servidores ou sobre direitos e obrigações dos particulares perante o
Poder Público.
209
Percebe-se, portanto, do entendimento manifestado por tais doutrinadores que,
em sua ótica, impropriedade marcante em falar-se na existência de uma prescrição
208
MARQUES, R. P. de P. Obra citada, p. 21;
209
MEIRELLES, H. L. Obra citada, p. 383;
174
administrativa, sob o prisma do reconhecimento do instituto a partir de feições materiais,
a exemplo de como tal fenômeno é tratado, entre outros ramos do saber jurídico, tais
como pelo Direito Civil e pelo Direito Penal. O que se vislumbra, até aqui, portanto, é
que ambos administrativistas associam o fenômeno prescricional, como realçado
acima, como figura residente na estrita esfera de dependência do direito processual.
Entretanto, forte perplexidade surge na medida em que nos damos conta de
que na via procedimental administrativa, a exemplo no caso do procedimento
administrativo sancionador, procedimento de natureza estritamente administrativa,
sem necessidade alguma de intervenção do Poder Judiciário. De modo que, por tal
circunstância, exsurge dúvida significativa, salvante a hipótese de pretender categorizar
tal evento a partir do acatamento de uma processualidade administrativa, o que aqui
não se pretende, na medida em que tal agir implicaria no nosso afastamento em relação
ao foco principal visualizado pelas presentes indagações, em razão de que em tal sede
conflito de pretensões, embora resulte inequívoco que, em tal sede, não
necessidade alguma de ação a ser ajuizada, por desnecessária.
Ora, em razão de tal peculiariedade, não se pode admitir como adequada à
concepção que só visualiza a possibilidade do evento prescricional, no âmbito do Direito
Administrativo, a partir de uma perspectiva situada na esfera do Direito Processual,
local esse em que então não haveria problema algum em reconhecer-lhe a existência.
Por evidente, tal concepção não se mostra suficientemente passível de um
sentido de universalização, até porque pela mera leitura do regramento legal que
disciplina a atuação da Administração Pública, vamos encontrar normas jurídicas que
diluem, de imediato, a pretensão da inexistência de uma prescrição administrativa
genérica e de natureza material, ao contrário dos moldes identificados pelos
doutrinadores retro-referidos.
Mas para que melhor se reflita a respeito de tal circunstância, basta que
invoquemos o conceito de processo administrativo. Na lição de DIOGENES
GASPARINI
210
:
210
GASPARINI, D. Obra citada, p. 781-782;
175
A locução ‘processo administrativo’ é formada pelo substantivo ‘processo’ e pelo
adjetivo ‘administrativo’. Enquanto ‘processo’ designa o conjunto de atos ordenados,
cronologicamente praticados, e necessários a alcançar uma decisão sobre certa
controvérsia; ‘administrativo’ indica, além da sede em que se desenvolve o processo, a
natureza do litígio. Assim, tecnicamente pode-se definir o processo administrativo
como ‘o conjunto de atos ordenados, cronologicamente praticados e necessários a
produzir uma decisão sobre certa controvérsia de natureza administrativa. De sorte que
somente os processos administrativos que encerram um litígio entre Administração
Pública e o administrado (recurso contra lançamento tributário) ou o seu servidor
(aplicação de pena disciplinar) são merecedores dessa denominação.
(...)
Destarte, processo administrativo, em sentido prático, amplo, é o ‘conjunto de medidas
jurídicas e materiais praticadas com certa ordem e cronologia, necessárias ao registro
dos atos da Administração Pública, ao controle do comportamento dos administrados e
de seus servidores, a compatibilizar, no exercício do poder de polícia, os interesses
público e privado, a punir seus servidores e terceiros, a resolver controvérsias
administrativas e a outorgar direitos a terceiros.
Nessa ótica, portanto, exsurge visível à existência de um processo
administrativo, diverso do processo descrito e assimilado pelas diretrizes da ciência do
Direito Processual Civil ou Penal, na medida em que se mostra segura a presença de
um objeto próprio caracterizado por uma controvérsia de natureza estritamente
administrativa. Tanto é assim que, no deslinde de controvérsias conformadas a partir de
tal objeto temático, o praticados um conjunto de atos tendentes a obter uma decisão
situada na mesma esfera e conteúdo, corporificada e submetida a um conjunto de
regras de natureza estritamente administrativa, sem que haja necessidade alguma de
buscar-se instrumental procedimental em esfera diversa do estatuído pelo Direito
Administrativo.
Importa, isto sim, que a partir da percepção da circunstância de que a decisão a
ser prolatada no âmbito de um processo administrativo, afetando a direito titulado, ou
pela Administração Pública, ou pelo administrado, gerando conseqüências
jurídicamente relevantes em favor ou contra a um determinado interesse, há de indagar-
se, entre tantas outras questões possíveis, a respeito da possibilidade de que se tal
atividade estaria, ou não submetida a algum critério de limitação temporal.
Isso porque, em se tratando de instituto situado dentro de uma esfera de poder
que auto-executa às suas próprias normas, submetida, entre outros princípios
constitucionais, aos princípio da legalidade e da eficiência administrativa, poder-se-á,
176
por tal reconhecimento, agredir-se, de forma direta, o princípio da segurança jurídica.
Tudo porque, na medida em que a estabilidade das relações jurídicas conformadas com
a presença da Administração Pública pode passar a ser regida pelo princípio da
incerteza, o que, à evidência, resulta incompatível com o ordenamento jurídico nacional,
enquanto sistema estruturado de garantias, como característica haurida junto ao Estado
Democrático de Direito.
A partir de uma compreensão de conteúdo meramente informativa, oriunda da
tecitura normativa objetivada pelo direito pátrio, percebe-se que tal compreensão resulta
impossível. Partindo-se dos paradigmas estatuídos pela Constituição Federal,
realçando-se a natureza de Estado de Bem Estar Social assumida pela República
Federativa do Brasil, resulta incontroverso que há, portanto, no mínimo, um significado
proibitivo à ausência de limitação do atuar da Administração Pública, como também,
diga-se de passagem, à própria atuação do administrado.
Tal percepção, aliás, não escapa nem mesmo àqueles que negam a
possibilidade de uma prescrição administrativa dissociada da esfera meramente
processual. Tanto é assim que ODETE MEDAUAR211 refere que:
Sem a preocupação de discutir o objetivo de proteção do direito do funcionário ou
particular, que também informa, a nosso ver, o procedimento sancionador, inegável
que se regula precipuamente o exercício do poder atribuído à Administração.
Quando a legislação respectiva menciona o termo ‘prescrição’ ou ‘prescrever’ ou
quando tais obstáculos dizem respeito a prazos para apresentar reclamação ou
recurso de particulares ou servidores na via administrativa, não se trata do mesmo
instituto da prescrição tradicionalmente contraposta à decadência pela doutrina
especializada.
O que se utiliza é a idéia essencial de uma figura que impede a atuação da
Administração ou o uso da via administrativa pela passagem do tempo. Essa figura, em
virtude daquela idéia essencial, tem sido denominada prescrição administrativa porque
dotada de características próprias, sem envolver ação em juízo.
De tal compreensão, percebe-se que ODETE MEDAUAR configura sua
conclusão a partir de uma realidade conformada por categorias havidas a partir de um
sentido meramente marcado por uma razão situada sob a designação de idéia
211
MEDAUAR, O. Obra citada, p. 82 a 83;
177
essencial. Tal razão entretanto, na forma do acima explicitado pela eminente
doutrinadora, é construída a partir de uma idealização do conceito de prescrição como
possível partir de outros ramos do conhecimento jurídico, que não o Direito
Administrativo. Ou seja, a prescrição, enquanto tal, conforma-se como tal, tão-somente,
na esfera do Direito Civil, por exemplo.
Contudo, de sua própria argumentação, pode retirar-se que, a nosso sentir, de
modo inconsciente, ODETE MEDAUAR admite a possibilidade de uma prescrição
administrativa. Isso é possível perceber-se na medida em que se identifica que tal
autora reconhece a possibilidade de utilização da mencionada idéia essencial, com
força de uma figura que impede a atuação da Administração em razão da passagem do
tempo, mas que, na sua percepção, por si só não configura a existência de uma
prescrição administrativa, a exemplo de um instituto autônomo, concreto, à semelhança
do que ocorre na senda do Direito Civil.
Em realidade o que ocorre, por força de tal compreensão, é a submissão de tal
perspectiva idealizadora do conceito de prescrição a uma relativização, limitando-se-á,
fundamentalmente, à esfera do Direito Privado, o que, à evidência, é um grande
equívoco. Ante tal perspectiva, resta gerada uma confusão entre razão idealizada e
realidade. O que nos parece fundamental é atentar-mos que a mencionada idéia
essencial referida por ODETE MEDAUAR caracteriza, independente de qualquer
compreensão individual, um significado idêntico, independente do locus em que se
possa encontrá-la, e com conseqüências idênticas, decorrentes da impossibilidade da
prática de atos jurídicamente relevantes tão-somente em razão do decurso do tempo,
sem que, contudo, reste extinto o direito que os apóia.
Mas a questão da prescrição administrativa desborda para outros rumos.
DIÓGENES GASPARINI212 esclarece que: A prescrição administrativa não se
confunde com a 'decadência', dado que esta consubstancia a perda do próprio direito,
por o ter sido utilizado pelo seu titular no prazo legalmente previsto para seu
exercício. Destaca ainda que:
212
GASPARINI, D. Obra citada, p. 753;
178
Os direitos dos administrados diante da Administração Pública devem ser exercitados
dentro dos respectivos prazos administrativos ou judiciais. O não-exercício do direito
dentro de tais tempos desencadeia a prescrição, donde as duas espécies: 'prescrição
administrativa e prescrição judicial'
213
.
Diante de tais referências, percebe-se que tal doutrinador aceita a existência de
uma prescrição administrativa, a qual contrapõe duas circunstâncias com tendência
distintiva. A primeira no sentido de que uma prescrição administrativa e uma
prescrição judicial. A segunda, a partir da idéia de que há, também, distinção
fundamental entre dois espaços distintos, o administrativo e o judicial, induzindo,
contudo, a possibilidade de uma subordinação, a qual, a nosso sentir, mostra-se
inaceitável. É, ainda, DIOGENES GASPARINI
214
que assevera que:
A reclamação administrativa, consoante previsto no Decreto federal n. 20.910/32, deve
ser interposta no prazo de um ano, salvo outro prazo previsto em lei especial. A
impugnação do instrumento convocatório da licitação deve ocorrer até cinco dias úteis
antes da data fixada para a abertura dos envelopes de habilitação. A interposição de
recursos administrativos, também chamados ‘recursos hierárquicos’, contra atos da
Administração Pública federal deve ocorrer no prazo de dez dias, conforme estabelece
o art. 59 da Lei federal n. 9.784/99, chamada de lei do Processo Administrativo, salvo
se norma específica não estabelecer outro, como ocorre com a Lei federal das
Licitações e Contratos da Administração Pública, cujo art. 109, II, fixa o prazo de cinco
dias úteis para a interposição do ‘recurso de representação’. O descumprimento
desses prazos impõe ao interessado a prescrição do direito de interpô-los, porque
medidas iniciais ao exercício desses direitos. Não se trata, pois, de preclusão, que
acontece no interior do processo administrativo.
Em se tratando do instituto da prescrição, chama a atenção o rumo tomado por
GASPARINI, na medida em que, mesmo tratando-se de prescrição administrativa,
admite que a Administração Pública possa rever o ato contestado, servindo-se de uma
categorização ad hoc para tal compreensão, a partir da designação de que tal revisão
configura uma resposta a uma 'denúncia' recebida. A partir de tal circunstância, a
Administração Pública, mesmo em presença da prescrição administrativa, deve adotar
as medidas necessárias à recomposição da ordem jurídica lesada, de modo a efetivar o
conteúdo do princípio da ilegalidade. Tal atuação, contudo, não poderá ocorrer no
213
GASPARINI, D. Idem, p. 754;
214
GASPARINI, D. Idem, ibidem;
179
caso de encontrar-se prescrita a via judicial, por decorrência do princípio da segurança
jurídica e da estabilidade das relações jurídicas. Resta mantida, portanto, a idéia de
subordinação.
Como se verifica de tal assertiva, mesmo tendo sido admitida, conceitualmente,
a existência de prescrição administrativa, GASPARINI nega-lhe a própria essência, na
medida em que possibilidade à Administração Pública, independentemente da
ocorrência de prescrição administrativa, de atuar, sob o pálio do princípio da legalidade.
Atua, em tais circunstâncias, por atribuição de força transcendente ao fenômeno
prescricional, alimentando-se tal força da idéia da supremacia do poder administrativo
fundado na pretensão de proteção ao interesse público, o qual, por tal concepção, deve
sempre preponderar, sem que se possa deixar de visualizar grave afronta ao princípio
da segurança jurídica.
Resta evidente que tais autores equivocam-se a partir de três premissas, estas
dissociadas de logicidade, apresentando-se tal equívoco, portanto, a partir de
pressuposições truncadas. Por primeiro, desconhecem que o processo de assimilação
do fenômeno prescricional, por parte do Direito blico, ao qual ele é incorporado,
mesmo em se tendo originando de formas externas, tais como as constituídas a partir
do Direito Civil, não impede ao Direito Administrativo que construa formas particulares
de organização de tal fenômeno, materializando, portanto, uma prescrição
administrativa. Não se pode esquecer que o direito é uma ciência abstrata e não o
resultado de uma geração espontânea por parte da natureza.
Por segundo, se a prescrição administrativa surge, inexoravelmente, dentro de
um processo associado e atento aos princípios gerais do Estado Democrático de
Direito, não se vislumbra razão pela qual ela o possa existir. Em realidade, a
prescrição administrativa decorre da própria dinâmica do Direito Administrativo, na
medida em que as suas formas de organização não repudiam a possibilidade de que,
com o passar do tempo, alguns efeitos decorram em relação, entre outros, aos atos
administrativos, independentemente da necessidade de qualquer forma de intervenção
do Direito Processual.
180
Por terceiro, o reconhecimento da prescrição administrativa não desestabiliza o
sistema. Ao contrário, por força do princípio da segurança jurídica, visando à
estabilidade das relações jurídico-sociais, o estabiliza e lhe assegura credibilidade. Ou
seja, a prescrição administrativa decorre de uma lógica que se desenvolve buscando a
um equilíbrio final do sistema de Direito Administrativo, tal como outros institutos
reconhecidos por tal ramo do conhecimento jurídico, sem que haja necessidade alguma
de força supletiva externa.
Por conseqüência, da conjugação de tais fatores, não se mostra de imediato
possível negar-se a existência de uma prescrição administrativa, independente de uma
ação judicial a conferir-lhe existência concreta como pressuposto necessário à sua
existência material e autônoma.
Hodiernamente, um dos motivos que embaraçam tal percepção, dá-se a partir
da possibilidade de que tal reconhecimento pode tornar-se problemático, em razão da
própria estrutura e natureza do Estado Democrático de Direito. Isto porque, em se
admitindo a existência de uma prescrição administrativa e, por conseqüência, a
impossibilidade de atuação da Administração Pública, ou do administrado, em razão
unicamente do decurso do tempo, não mais se pode admitir qualquer atuação da
Administração Pública, com desatenção ou desconsideração ao fenômeno
prescricional, até mesmo impedindo providências necessárias à recomposição do
ordenamento jurídico violado, o que, à evidência, geraria conflito direito com o princípio
da legalidade.
Mas, ao mesmo tempo, a razão de tal conseqüência estaria adstrita ao fato de
que tal atitude de desconsideração da prescrição, em sede estritamente administrativa,
poderia ser compreendida como forte agressão ao princípio da confiança do
administrado, mormente em razão de ofensa direta ao princípio da segurança jurídica a
ser inflexivelmente observado. Isso porque, conforme destaca JOSÉ JOAQUIM
GOMES CANOTILHO215:
215
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p.
250;
181
O homem necessita de ‘segurança’ para conduzir, planificar e conformar autônoma e
responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da
‘segurança jurídica’ e da ‘proteção da confianç como elementos constitutivos do
Estado de direito.
Estes dois princípios segurança jurídica e proteção da confiança andam
estreitamente associados a ponto de alguns autores considerarem o princípio de
proteção como um subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança
jurídica. Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com
elementos objetivos da ordem jurídica garantia de estabilidade jurídica, segurança
de orientação e realização do direito — enquanto a protecção da confiança se prende
mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a
calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos
actos dos poderes públicos. A segurança e a protecção da confiança exigem, no fundo:
(1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder; (2) de forma
que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições
pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios atos. Deduz-se já que os postulados
da segurança jurídica e da protecção da confiança são exigíveis perante ‘qualquer acto
de qualquer poder’ — legislativo, executivo e judicial.
Portanto, sob tal ótica, a própria idéia de revisão unilateral de ato administrativo
caracterizaria, em princípio, um modo de lesar o princípio da confiança do administrado,
como também se constitui em uma afronta ao princípio da segurança jurídica.
Contudo, tais circunstâncias, por si só, não implicam que se deva desconhecer
um fenômeno concreto, tornando-se necessário que se continue a buscar entender o
fenômeno da prescrição em suas feições meramente administrativas. JOSÉ DOS
SANTOS CARVALHO FILHO
216
, de modo explícito, atribui um sentido mais preciso ao
fenômeno da prescrição administrativa, asseverando que:
(...) no caso da prescrição administrativa não como confundi-la com a prescrição
das ações judiciais. A prescrição administrativa se consuma na via administrativa, ao
passo que a prescrição comum alcança o direito de ver a pretensão apreciada no
Judiciário. Em ambos os casos, entretanto, a prescrição ocorre em razão da inércia do
titular do direito, e é por esse fator comum que a matéria é tratada no direito
administrativo.
Prescrição administrativa, podemos conceituar, é a situação jurídica pela qual o
administrado ou a própria Administração perdem o direito de formular pedidos
ou firmar manifestações em virtude de não o terem feito no prazo adequado.
216
CARVALHO FILHO, J. dos S. Obra citada, p. 731;
182
Veja-se, pois, que a chamada prescrição administrativa atinge duas esferas jurídicas: a
de um administrado que, por exemplo, perdeu o prazo para interpor recurso
administrativo; e a da Administração que, também como exemplo, perdeu a
oportunidade de punir um servidor, ou de rever determinado ato administrativo. Em
todos esses casos, poderá dizer-se que a perda do prazo ocasionou a prescrição
administrativa.
Para que se possa avançar nestas indagações, resulta possível que se assuma,
ao menos para efeito metodológico, a posição de que a prescrição, no âmbito do Direito
Administrativo, assume condição de singularidade e autonomia, diferenciando-se,
portanto, do fenômeno prescricional reconhecido por outros ramos do Direito. Tal
postura, aliás, transcende a condição oriunda de um mero artifício metodológico, na
medida em que TEMÍSTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
217
reconhece que:
A matéria de prescrição, embora tenha base doutrinária, no direito civil, que precedeu o
direito administrativo, em seu conjunto de princípios autônomos, tem, nesta última
disciplina, singular importância, porque se desenvolve em esfera própria, obedecendo
a preceitos peculiares e a prazos especiais, fixados nas leis próprias à vida
administrativa. O que varia são os preceitos quanto aos prazos, à forma de interromper
a prescrição e a outras peculiariedades que se encontram nas leis administrativas.
Desse modo, associada a essa pré-compreensão da possibilidade de existência
de uma prescrição puramente administrativa, surge outro prisma de avaliação dizendo
respeito à duplicidade possível de análise do fenômeno prescricional, tanto no que se
refere aos titulares dos direitos em conflito, quanto mais especificamente no que se
refere à Administração Pública e ao administrado. o que a matéria, em sua
plurivalência temática, não seja, ou não possa ser avaliada concomitantemente, mas
sim em razão de que tal análise, comumente, deve ser tratada de modo estanque, sem
que se perceba uma vinculação da problemática correspondente, de modo a tornar
possível compreender o fenômeno em sua totalidade.
Tal percepção parcial e rígida encontra, de há muito tempo, diga-se de
passagem, exceções. Nessa senda, embora, tão-somente, sob o prisma de natureza
217
CAVALCANTI, Temístocles Brandão. Tratado de direito administrativo, vol. IV, p.
561;
183
patrimonial, JOÃO LEITÃO DE ABREU218 asseverava que: quanto ao direito
administrativo, cumpre que o problema prescricional seja examinado sob duas faces: a
das dívidas ativas e a das dívidas passivas das pessoas de direito público. Tal
perspectiva, apesar de diretamente associada ao dado material econômico,
abstratamente tomado como objeto do direito em discussão, visualizava, portanto, a
possibilidade, embora de forma mediata, de tomar-se em conta de que as
circunstâncias inerentes à prescrição administrativa devem e podem ser examinadas a
partir de um pressuposto da existência de uma duplicidade de interesses, isto no
atinente às esferas intersubjetivas envolvidas.
Diante de tal perspectiva, um novo problema surge, qual seja a respeito da
geração espontânea da incidência, ou não, do princípio da igualdade, face a tal
dicotomia. Entretanto, a solução de tal contenda há de buscar um solo específico para a
sua análise, na medida em que buscar compreender tal perspectiva a partir do
fenômeno em si nos leva a um universo infinito de questões, dada à multiplicidade de
circunstâncias em que poderia ser invocada a prescrição administrativa, porquanto a
Administração blica atua num espaço extremante complexo, qual seja o da
sociedade humana.
No que se refere ao conteúdo primordial investigado, é de destacar-se que
múltiplas podem ser as abordagens necessárias à compreensão do fenômeno
prescricional, sob os ditames do Direito Administrativo. Tal complexidade, contudo,
resulta do próprio conceito de Direito Administrativo brasileiro, o qual, por si só, resulta,
também, problemático. Tal complexidade mostra-se como uma das dificuldades
situadas numa esfera de compreensão do próprio fenômeno jurídico, na medida em que
este assume variadas combinações possíveis, a partir de uma autotematização
associada a cada concepção nacional de sistema jurídico. Explicitando tal perplexidade,
HELY LOPES MEIRELLES219 destaca que:
A doutrina estrangeira não nos parece habilitada a fornecer o exato conceito do Direito
Administrativo Brasileiro, porque a concepção nacional desse ramo do Direito Público
218
ABREU, João Leitão de. Da prescrição em direito administrativo, p. 46;
219
MEIRELLES, H. L. Obra citada, p. 28 a 29;
184
Interno é, na justa observação de Barros Jr., ‘algo diversa, propendendo mais para
uma combinação de critérios subjetivo e objetivo do conceito de Administração Pública,
como matéria sujeita à regência desse ramo do Direito’, o que levou o mesmo
publicista a concluir que ‘abrangerá, pois, o Direito Administrativo, entre nós, todas as
funções exercidas pelas autoridades administrativas de qualquer natureza que sejam;
e mais; as atividades que, pela sua natureza e forma de efetivação, possam ser
consideradas como tipicamente administrativas.
Aplaudimos inteiramente essa orientação, porque o Direito Administrativo, como é
entendido e praticado entre nós, rege efetivamente não os atos do Executivo mas,
também, os do Legislativo e do Judiciário, praticados como atividade paralela e
instrumental das que lhe são específicas e predominantes, isto é, a de ‘legislação’ e a
de ‘jurisdição’.
O ‘conceito de Direito Administrativo Brasileiro’, para nós, sintetiza-se no ‘conjunto
harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades
públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo
Estado’.
Pelo acervo de tais argumentos, devemos então caracterizar o Direito
Administrativo como receptáculo capaz de abranger todas as funções exercidas pelas
autoridades com atribuições de conteúdo administrativo, independentemente da sua
natureza, além de todas as outras atividades que, por sua substância e forma de
concretização, possam vir a ser consideradas como atividade administrativa.
Impõe-se, portanto, desse modo, também a título de método, no escopo de
afastar-mo-nos de uma fragmentação inviabilizadora do próprio esforço de
compreensão, que se reserve um dos fenômenos mais significativos de tais atividades,
no fito de submeter-mos-lhe à reflexão, situando-o diante do fenômeno da prescrição
administrativa. Isto porquanto resultaria impossível, por caracterizar-se como
cientificamente inadequado, buscar-mos aqui avaliar todas as circunstâncias, espaços e
territórios possíveis de restarem submetidos ou atingidos pelo fenômeno da prescrição
administrativa. Há de restar delimitado um objeto.
Para tanto, busca-se na complexa matéria da anulação dos atos
administrativos, o território colimado para a análise do fenômeno prescricional. Tal
escolha dá-se, não pela importância de tal esfera de reflexão, mas,
fundamentalmente, em razão de caracterizar-se como tema vitalizado por um conjunto
significativo de opiniões divergentes.
185
Desse modo, no fito de dar possibilidade concreta às presentes indagações, as
reflexões a respeito de uma prescrição puramente administrativa, passam a ser
localizadas no âmbito da possibilidade de anulação de atos administrativos por parte da
própria Administração Pública. que desvendar-se da existência de uma lógica de tal
proceder, de modo a visualizarmos, caso existente, a funcionalidade própria do
fenômeno estudado, a partir de um dos mecanismos formadores de sua noção, de sua
idéia, de seu conceito e da sua própria formulação teórica.
6.3. PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA E ANULAÇÃO DE ATOS ADMINISTRATIVOS
Firmado o espaço limitado de questionamento, de alertar-se desde que,
para o efeito de tal percepção, o Direito Administrativo assume, nas presentes
indagações, a condição de matriz de coordenação e de regulação das interações entre
prescrição administrativa, Administração blica e administrado. A partir da formulação
teórica do Direito Administrativo, portanto, é que deverão ser construídas as formas de
organização das relações jurídicas submetidas à análise. Ou seja, a realidade será
compreendida a partir, tão-somente, das inferências permitidas pelo Direito
Administrativo, de modo que tais formas constituam a lógica capaz de formalizar o
entendimento da prescrição administrativa em si220.
A partir de tais limites epistemológicos, o se vê obstáculo algum que tais
reflexões possam iniciar-se pela análise da compreensão da possibilidade de anulação
dos atos administrativos, pela própria Administração Pública, destacando-se, ao início,
a percepção do STF, na forma pela qual restou consolidado o entendimento daquela
Corte Superior. Neste sentido, a Suprema Corte nacional, nos termos de sua súmula
220
A adoção de tal postura epistemológica está fundamentalmente associada ao
desiderato de romper, definitivamente, com o costumeiro hábito de buscar em outros ramos do
conhecimento jurídico, em especial, no caso, no Direito Civil, paradigmas de regulação para a
prescrição administrativa. É, por outro lado, importante que se destaque que não há, em tal
postura, o intuíto de regredir-se no modo de fazer ciência, voltando-se ao modelo de
compreensão estanque dos fenômenos conforme o ramo do conhecimento que lhes examine. O
que se busca, contudo, é a compreensão da prescrição administrativa a partir do Direito
Administrativo, de modo que se possa desvelar a existência de um conjunto de reorganizações
sucessivas procedidas por tal ramo do saber jurídico, as quais foram capazes de elaborar tal
forma jurídica específica.
186
473, estabelece que: A administração pode anular os seus próprios atos quando
eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou
revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos
adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
Portanto, como preceituado pelo STF, a Administração Pública pode anular, por
si própria, a seus próprios atos, desde que marcados, grosso modo, por alguma forma
de ilegalidade decorrente de um vício a eles inerentes. Tal perspectiva resulta
importante, na medida em que, a partir de tal preceito sumulado, em sede de prescrição
administrativa, anota-se a circunstância de que, incidindo o evento prescricional, o
efeito jurídico decorrente do vício encontrado, no sentido de nulidade ou de
anulabilidade de determinado ato administrativo, resultaria indiferente, desde que
respeitados os direitos adquiridos e ressalvada a hipótese da busca de proteção por
força de tutela jurisdicional.
Tal compreensão havia recebido explicitação anterior, pela mesma corte, na
forma do grafado pela súmula 346, na qual é realçado que: A administração pública
pode declarar a nulidade dos seus próprios atos. Contudo da análise de tais preceitos,
de imediato, percebe-se que nada esclarecem no que atine à prescrição da reconhecida
pretensão anulatória ou revogatória de modo expresso. Ambas manifestações judiciais
mantém-se silentes a tal respeito. Diante de tal perspectiva, a doutrina buscou construir
e formular opções à interpretação de circunstâncias que envolvam o poder de auto-
tutela anulatória da Administração Pública.
Contudo, um pensamento interessado em compreender o fenômeno da
prescrição administrativa poderia, por primeiro, dirigir seu olhar para a Constituição
Federal e, no que é de específico interesse, tentar localizar tal tema no bojo daquela
que é tido, metaforicamente, como sendo a Lei Maior.
Da leitura do art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal, no sentido mais
próximo daquilo que se está a buscar explicitar, qual seja o da possibilidade de
anulação de atos jurídicos associados ao interesse público, de modo genérico,
retiramos que:
187
(...) qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato
lesivo ao patrimônio blico ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor,
salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.
Ora, de tal direito e garantia constitucionalmente assegurada, em cotejo com os
preceitos sumulados pelo STF, uma primeira constatação se mostra inquestionável,
qual seja: não só a Administração Pública, mas também o cidadão e administrado, pode
buscar anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe
como também àqueles atinentes à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao
patrimônio histórico e cultural, lugares marcados por profunda vinculação com o Direito
Público e, em especial, com o Direito Administrativo.
De tal percepção, contudo, visualizam-se, de imediato, diferenças substanciais
encontradas entre a visão judicial e o preceito constitucional. Por primeiro, no fato de
que as súmulas não referem à necessidade de que a Administração Pública deva fazê-
lo pela via de ação judicial, enquanto que, no que atine ao cidadão, tal caminho resulta
obrigatório. Por segundo, a atividade do cidadão-administrado estaria submetida a
um caminho determinado por legislação específica, ante a indicação explícita de uma
ação popular, enquanto que a atuação da Administração Pública está submetida, tão-
somente, à sua vontade de administrar.
Em prosseguindo, a partir de tais proposições, embora as súmulas destacadas
não mencionem prazo algum para a atuação da Administração Pública, no que se
refere à atuação do cidadão, vinculada a uma ação popular, não se pode perceber o
mesmo. Isto porque, nos termos do grafado pelo art. 21, da Lei 4.717 de 29 de junho
de 1965, (...) A ação prevista nesta Lei prescreve em 5 (cinco) anos. Ora, a partir de tal
regulação expressa, vê-se que a prescrição de pretensão anulatória de ato lesivo aos
bens tutelados pela via da ação popular, inclusive atos de natureza administrativa, dá-
se em cinco anos.
Ante tal perspectiva, afastando-se, se possível, de qualquer reação de conteúdo
emocional, exsurge um sentimento de marcante desigualdade. Não em razão da
necessidade de ação judicial para o agir originário do administrado, que, no teor da
súmula nº 476, tal possibilidade, também no que atine à Administração Pública, é
188
ressalvada a apreciação judicial, em todos os casos, desde que respeitados os direitos
adquiridos, mas, fundamentalmente, no que diz respeito ao prazo para agir. Na sede do
tempo não se estaria diante de uma desigualdade injustificada? De início, nos parece
que sim.
Percebendo tal dissonância, ALMIRO DO COUTO E SILVA
221
destaca que:
O prazo de cinco anos, que é o prazo prescricional previsto na Lei da Ação Popular,
seria, no meu entender, razoável e adequado para que se operasse a sanação da
invalidade e, por conseqüência, a preclusão ou decadência do direito e da pretensão
de invalidar, salvo nos casos de má-fé dos interessados. A isso poder-se-ia chegar por
elaboração doutrinária e por construção jurisprudencial. Dadas, porém, as resistências
que, nesse particular, existem no nosso Direito, como tive ocasião de observar, a
matéria seria ‘de lege ferenda’. É tempo, na verdade, de editar-se norma legal
instituindo prazo preclusivo do direito da Administração Pública a invalidar seus
próprios atos administrativos, a fim de que se reforce, no nosso país, o princípio da
segurança jurídica, que tem aqui um relevo modesto e desproporcionado, se posto em
cotejo com o princípio da legalidade.
O exímio administrativista, a nosso sentir, foi suave. Talvez por pressupor na
força da segurança jurídica, o resguardo da igualdade inerente a qualquer Estado
Democrático de Direito. Ou quem sabe, o que é improvável, não se tenha dado conta
da irracionalidade
222
da desigualdade apontada. Diz-se irracionalidade porquanto
situada, tão-somente em relação ao prazo, mas não em relação ao direito. Ou seja,
talvez alguém informado por um estatalismo desmesurado pudesse imaginar que ao
221
SILVA, Almiro do Couto e. Prescrição qüinqüenária da pretensão anulatória da
administração pública com relação a seus atos administrativos, p. 30-31;
222
A referência a um modo de irracionalidade aqui realçado diz respeito àquilo que
ALEXY refere como o valor das regras e às formas do discurso jurídico, o qual: (...) não se limita
à explicação do conceito de argumentação jurídica racional (e assim à exigência de correção) e
à sua função como critério hipotético de correção. Elas também contêm exigências de que os
argumentos de fato ocorram. Como tal, formam um padrão contra o qual medir as limitações
necessárias em determinações jurídicas e nos litígios. In: ALEXY, Robert. Teoria da
argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica, p. 273.
Portanto, na esteira de tal pensamento, tem-se como irracional um discurso jurídico que é
construído sem considerar que o princípio constitucional da igualdade esteja simplesmente
sendo ignorado, na medida em que tal princípio traz ínsito em si, além de um conjunto
significativo de efeitos, a exigência de que qualquer argumento contra ele esgrimido, de forma
explícita ou de forma implícita, como é o caso, seja verbalizado. Ou seja, ocorra, seja
explicitado, para que, a partir daí se possa medir a limitação apontada, no caso concretizada
pelo prazo prescricional expresso só em relação ao administrado;
189
cidadão o se poderia reconhecer o direito de postular a anulação de ato oriundo da
vontade da Administração Pública, a qual, como soberana intocável deveria dar conta,
por si própria, de tal agir. Contudo, não é disso que se trata. A própria Constituição
Federal já reconheceu tal direito. Irracional, portanto, a dicotomia constatada.
A origem histórica de tal circunstância, talvez esteja situada no fato de que
anteriormente à vigência da ação popular, a proteção de interesses de natureza pública
era adstrita à atuação do próprio Estado. Assim se compreendia por força de uma
vinculação subliminar entre o interesse a ser protegido e a pessoa que titulava tal
interesse. Tal concepção situava-se numa compreensão plasmada por idéia lastreada
pelo individualismo de orientação liberal, a partir da qual só se admitia atuar em
proteção a um determinado interesse, o titular do próprio interesse.
Contudo, a partir da Lei 4.717 de 29 de junho de 1965, os bens e, por
conseqüência, os interesses por ela destacados, em razão de configurarem interesses
adstritos a toda a coletividade, passaram a ser passíveis de proteção também por parte
do cidadão, o qual passou a ser legitimado, de forma individual até, a agir pro populo.
Em razão de tal regramento legal, gerou-se uma mutação da compreensão
legitimadora para a ação de proteção ao patrimônio público. Torna-se possível a
instauração de um contencioso objetivo223, assumindo relevância jurídica a mera
violação do ordenamento jurídico, a simples desconsideração do direito objetivo em-si.
Não mais se exige, a título de pressuposto, a existência de qualquer lesão ao direito
subjetivo daquele que, eventualmente, venha a ajuizar a ação popular. Afasta-se,
portanto, o preconceito de natureza individualista e a necessidade de uma relação
linear entre sujeito titular do direito e dano produzido.
223 Contencioso objetivo: O processo é quase inevitavelmente pensado em termos de um litígio
em que se defrontam um autor e um réu, o primeiro afirmando-se titular de um direito subjetivo contra o
réu, seja um direito de crédito, seja um direito formativo; o segundo negando a pretensão do autor ou,
pelo menos, a ela resistindo. Ao lado, porém, desse contencioso subjetivo, delineia-se outro tipo de
contencioso, dito objetivo. Incluem-se nessa categoria a ação direta de inconstitucionalidade, a ação
popular para anular ato administrativo ilegal ou imoral, as ações intentadas para tutela do meio ambiente,
bem como a ação penal. Não se trata, nesses casos, de se afirmar ou fazer valer o direito de um contra o
outro, mas de tutelar um interesse público. Por isso mesmo, o autor não se apresenta na condição de
titular de um direito subjetivo, nem na condição de substituto processual de quem quer que seja. É autor
simplesmente porque provoca o exercício da jurisdição;
190
A esse respeito, bem esclarece COUTO E SILVA
224
ao destacar que:
(...) a introdução da ação popular no direito nacional inaugurou forma de contencioso
ou de jurisdição objetiva. Isto porque: (...) o povo, por seus cidadãos cuida para que o
Estado não se desvie das normas jurídicas a que está sujeito. O administrado,
portanto, posta-se contra lesão ao direito objetivo, não exercitando nenhuma pretensão
de direito subjetivo. Contudo, destaca o renomado autor que: (...) a pretensão à
invalidação de atos administrativos, e que o povo, por seus cidadãos, está investido,
não é nem pode ser diferente da pretensão que tem o Poder Público de invalidar
aqueles mesmos atos jurídicos
225
.
Ora, em se deslocando a questão investigada para tal sede, qual seja a da ação
popular, uma possibilidade imediata exsurge. Qual seja a de que, entre o conjunto de
possibilidades de solução do conflito, reste promovida a extinção da pretensão
anulatória de ato administrativo, pela via da denominada exceção de prescrição.
Diante de tal circunstância, duas seriam as conseqüências resultantes. A
primeira, no sentido de que a Administração Pública ver-se-ia impossibilitada, de modo
reflexo, de anular aos seus próprios atos, em caso de ação popular ajuizada pelo
administrado, na qual restou reconhecida tal circunstância. Ou seja, por força do
grafado pelo art. 21 da Lei 4.717 de 29 de junho de 1965, ficaria a pretensão da
Administração Pública obstada, não podendo mais invalidar o ato, nem invocar as
súmulas 346 e 473 do STF, uma vez que a sentença considerou prescritas as
pretensões do autor da ação e, por via indireta, do Poder Público.
Tal perspectiva decorre da circunstância de que:
Seja como for, quer se cogite de litisconsórcio ativo facultativo ou de assistência
litisconsorcial, ou até mesmo de assistência simples, em todas as situações a pessoa
jurídica que praticou o ato está inteiramente submetida aos efeitos da coisa julgada,
dada a eficácia ‘erga omnes da sentença proferida na ação popular, exceto quando
julgada improcedente por insuficiência de provas.
Nessa conformidade, reconhecida na ação popular a ocorrência da exceção de
prescrição, a pretensão da Administração Pública à invalidação do ato administrativo
fica encoberta ou bloqueada pela prescrição em todas as hipóteses, ou seja, tenha ela,
ou não, contestado a ação ou haja preferido tomar posição ao lado do autor.
224
SILVA, A. do C. e. Obra citada, p. 27;
225
SILVA, A. C., Idem, ibidem;
191
Isso significa, pois, que não poderá mais invalidar o ato administrativo, invocando, por
exemplo, as Súmulas 346 e 473 do STF, uma vez que a sentença considerou
prescritas as pretensões do autor da ação e do Poder Público, seja qual for a posição
que este haja assumido no processo.
Como prescrição é matéria de mérito (CPC, art. 269, IV), também não haverá como
pretender aplicar o art. 268 do CPC, que é restrito aos casos de extinção sem
julgamento do mérito.
226
Manifesto então que, na visão de ALMIRO DO COUTO E SILVA227, não só
ante a necessidade de que se preserve a harmonia do sistema jurídico, de modo a
tomá-lo como um todo coerente, lógico e racional, a prescrição de toda e qualquer
pretensão que tenha a Administração Pública com relação à invalidação de seus atos
administrativos deverá ter o prazo de cinco anos.
Ora, do somatório das razões que integram tal concepção, gerou-se uma
espécie de ideal de justiça material. Isto porque, na identificação de um preceito
singular, com força de universalização de sua eficácia extintiva, estar-se-ia a gerar uma
impossibilidade uniforme, tanto para a Administração Pública, quanto para o
administrado, alcançando-se, por força de tal regra, uma eficácia de espectro amplo e
irrestrito.
Ademais, também por força de tal regra, não resta excluída a aplicação do
Código Civil, no que atine ao prazo prescricional para anulação, por parte da própria
Administração Pública, dos atos por ela praticados, como também por quem quer que
seja.
Contudo, de forma indireta, tal interpretação deu azo à possibilidade de que se
compreenda tal vedação como uma espécie de decadência do poder de autotutela
administrativa. O que, em princípio, haverá de restar melhor explicitado.
A segunda possibilidade estaria adstrita ao fato de que a prescrição, no âmbito
de sua declaração, em sede de ação popular, estaria restrita a atuação do administrado
e não da Administração Pública. Isto porque basta que a Administração Pública não
226
SILVA, A. C., Obra citada, p. 29;
227
SILVA, A. C., Obra citada, p. 30;
192
resolva atuar ao lado do autor (art. 6º, § 3º, da Lei 4.717/1965228). Deste modo,
caso reconhecida a prescrição em relação à pretensão aforada pelo administrado, em
nada atingiria a posterior pretensão da pessoa jurídica de direito público em promover a
anulação do ato administrativo tido por lesivo ao patrimônio público, argüindo, para
tanto, a aplicação dos princípios da supremacia do interesse público e da autotutela
administrativa.
Nesse passo, contudo, nova situação problemática se apresenta, na medida em
que torna viável indagar-se a respeito da ocorrência, ou não, da violação do princípio da
igualdade. Para o deslinde de tal perplexidade, haver-se-ia de indagar, por primeiro,
qual o sentido a ser atribuído à idéia de igualdade. Igualdade material ou igualdade
jurídica. Em nível de igualdade jurídica, é consabido que a Constituição Federal remete
a compreensão de tal princípio ao parâmetro formal estabelecido pela lei.
Nos termos do caput do art. 5º, da Constituição Federal, é destacado que: todos
são iguais perante a lei, [...]. Ora, no caso em tela, ao tratar-se da possibilidade de
anulação de atos administrativos, pela via da ação popular, a lei destaca a possibilidade
de reconhecimento da exceção da prescrição face ao administrado, tão-somente. Deste
modo resultaria, em princípio, atingida a Administração Pública a tal efeito extintivo,
caso àquela tivesse integrado à lide na figura de assistente, dado que é a lei quem
estabeleceu não o prazo, como também a possibilidade da Administração Pública
poder assistir, ou não, ao administrado.
Em não havendo a obrigatoriedade de integrar a relação jurídica processual,
não se lhe pode atribuir, automaticamente, a submissão aos efeitos da decisão
extintiva, sob a forma de reconhecimento da prescrição, caso não tenha integrado o
feito.
228
A respeito de tal possibilidade, e não do dever de integrar a lide na condição de
assistente ao autor, diz HELY LOPES MEIRELLES que: A pessoa jurídica de Direito Público ou
Privado chamada na ação poderá contestá-la ou não, como poderá, até mesmo, encampar o
pedido do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo exclusivo do
representante legal da entidade ou da empresa (art. 6º, § 3º). In, MEIRELLES, Hely Lopes.
Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, ‘habeas data
ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade e argüição de
descumprimento de preceito fundamental, p. 133;
193
Portanto, em princípio, tomando em conta essa segunda hipótese, não se
poderia falar em prescrição, face à Administração Pública. Contudo, como realçado ao
início, mostra-se fundamental que se tenha em conta, não a existência de uma
prescrição administrativa, como também de sua distinção face a uma prescrição
reconhecida judicialmente, embora com efeitos na esfera administrativa.
6.4. PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA JUDICIAL
Tomando-se em conta que a compreensão da prescrição administrativa tanto
pode ser explicitada a partir da figura da Administração Pública, quanto da figura do
administrado, importa que se lhe destaque as feições sob tais ângulos distintos. Nesse
caminho, diz RAPAHAEL PEIXOTO DE PAULA MARQUES229, no que atine à
possibilidade atuação distinta por parte da Administração Pública, ou pelo administrado,
que:
Na primeira, é a perda do prazo para que a Administração reveja os próprios atos ou
para que aplique penalidades administrativas, de outro, é a perda do prazo de que
goza o particular para recorrer de decisão administrativa.
Desse modo, portanto, admissível passa a ser o deslocamento da força
extintiva existente no fenômeno prescricional situado no âmbito das relações jurídicas
processuais, na medida em que: (...) prescrita a ação na esfera judicial, não pode mais
a Administração rever os próprios atos, quer por iniciativa própria, quer mediante
provocação, sob pena de infringência ao interesse público na estabilidade das relações
jurídicas. 230
Tal circunstância, portanto, permite que se assuma uma perspectiva construída
a partir de sentidos diversos. Não há, de tal sorte, a possibilidade de que se restrinja o
conceito de prescrição administrativa a um conceito de natureza absoluta. Tanto é
assim que MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO explicita que:
229
MARQUES, R. P. de P. Obra citada, p. 6;
230
DI PIETRO, M. S. Z. Obra citada, p. 634;
194
Em diferentes sentidos costuma-se falar em prescrição administrativa: ela designa, de
um lado, a perda do prazo para recorrer de decisão administrativa; de outro, significa a
perda do prazo para que a Administração reveja os próprios atos; finalmente, indica a
perda do prazo para aplicação de penalidades administrativas.
231
Firmada tal dicotomia informada por uma compreensão de ordem subjetiva,
importa, também, que se tenha claro o significado e a extensão dogmatizados de
prescrição administrativa. Conforme explicita RAPAHAEL PEIXOTO DE PAULA
MARQUES:
Cumpre salientar, preliminarmente, que o instituto da prescrição administrativa não se
confunde com o da prescrição civil e o da prescrição penal, pois estes se referem ao
âmbito judicial.Faz-se conveniente, pois, conceituar o que venha a ser a prescrição na
seara do direito civil para solidificar, então, o entendimento de que não se trata de
prescrição, mas sim, de decadência administrativa.
[...]
A prescrição seria, em singelas palavras, a extinção do direito de ação em razão da
inércia do seu titular pelo decurso de determinado lapso temporal. O que se extingue é
a ação e não propriamente o direito, ficando este incólume, impoluto. Entretanto, este
não terá nenhuma eficácia no plano prático, porquanto não poderá ser efetivamente
desfrutado.
232
No que se refere à prescrição administrativa, no âmbito das dívidas passivas a
serem suportadas pela Administração Pública, em sua esfera judicial, dá-se,
hodiernamente, a sua inserção no sistema jurídico especializado, a partir do Decreto n.
20.910, de 06 de janeiro de 1932. Tal decreto, contudo, não discerniu, de modo
expresso e explícito, a natureza das ações que devam submeter-se a seu prazo
prescricional, de modo que poderiam, em tese, restarem submetidas a ele tanto as
pretensões de conteúdo real, quanto de conteúdo material. Tal diferenciação,
entretanto, veio a surgir, tão-somente, por força de interpretação jurisprudencial
233
.
234
231
DI PIETRO, M. S. Z. Idem, p. 633;
232
MARQUES, R. P. de P. Obra citada, p. 5;
233
Para efeito de meditação, há de tomar-se em conta a circunstância, no mínimo, controvertida
decorre do determinado pelo Decreto-lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941. Tal decreto dispõe sobre
desapropriações por utilidade pública. Em suas disposições preliminares, especificamente em seu art. 10,
resta disciplinado que: Art. 10. A desapropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se
judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do respectivo decreto e findos os
quais este caducará. Neste caso, somente decorrido um ano, poderá ser o mesmo bem objeto de nova
195
Conforme o delimitado pelo Supremo Tribunal Federal, às ações reais não se aplica o
prazo qüinqüenal concedido à Fazenda Pública
235
. Tanto é assim que, HELY LOPES
MEIRELLES destaca que:
A ‘prescrição das ações pessoais contra a Fazenda Pública e suas autarquias’ é de
cinco anos, conforme estabelece o Dec. ditatorial (com força de lei) 20.910, de 6.1.32,
complementado pelo Dec.-lei 4.597, de 19.8.42. Essa prescrição qüinqüenal constitui a
regra em favor de todas as Fazendas, autarquias, fundações públicas e paraestatais.
A ‘prescrição das ações reais contra a Fazenda Pública’ tem sido considerada pelos
tribunais como sendo a comum de dez ou quinze anos, e não a qüinqüenal do Dec.
20.910/32. E sobejam razões para essa orientação jurisprudencial, uma vez que não
se pode admitir pretendesse o legislador alterar o instituto da propriedade, ao abreviar
a prescrição em favor da Fazenda Pública. Na verdade, como acentuam os julgados de
todas as instâncias que perfilham essa interpretação, admitir-se a prescrição
qüinqüenal nas ações reais equivaleria a estabelecer um usucapião de cinco anos em
favor da União, dos Estados-membros e dos Municípios, o que seria um novo meio de
adquiri, não admitido por lei.
236
declaração. Tal redação decorreu da Medida Provisória n
o
2.183-56, de 24 de agosto de 2001, a qual
acresceu e alterou disposições no Decreto-Lei n
o
3.365, de 21 de junho de 1941, e nas Leis n
o
s 4.504, de
30 de novembro de 1964, 8.177, de 1
o
de março de 1991, e 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Por força
de tal medida, restou delimitado que o art. 1
o
do Decreto-Lei n
o
3.365, de 21 de junho de 1941, passaria a
vigorar, entre outras, com as seguintes alterações: Art. 10 (...) Parágrafo único. Extingue-se em cinco
anos o direito de propor ação que vise à indenização por restrições decorrentes de atos do Poder
Público. (NR); Como realçado pelos dispositivos legais referidos, o prazo prescricional de validade do
decreto desapropriatório é o de cinco anos. Destoa, portanto, de forma mediata, da concepção que a
jurisprudência construiu a respeito do prazo prescricional a ser observado quando os efeitos de ato
administrativo, de conteúdo patrimonial passivo, deva ser suportado pela Administração Pública, em
tratando-se de propriedade imóvel o objeto do ato perpetrado;
234
Tal regramento legal acima referenciado (), também se mostra contrário ao preceituado pela
súmula 119 do STJ, a qual consolida que: A ação de desapropriação indireta prescreve em vinte anos.
(DJU de 16/11/1994, p. 31143; RSTJ, vol.72, p. 17; e RT, vol. 711, p. 195); Comentando tal circunstância,
assevera JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO que: é compreensível, até mesmo, criticar o
dispositivo pelo fato de ter fixado prazo qüinqüenal para a prescrição. Contudo, essa é a questão que
envolve exercício do poder de legislar: pode não gostar-se da lei, mas outra coisa é tê-la por
inconstitucional. Diga-se, aliás, que a prescrição qüinqüenal em favor do Poder Público já tem
consignação normativa há muitos anos (Decreto nº 20.910/32 e Dec.-lei nº 4.597/42), de modo que
nenhuma grande novidade representaria o dispositivo em foco. In: CARVALHO FILHO, José dos Santos.
Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001, p. 647;
235
STF: RE nº 47.584 Paraíba; RE nº 57.966 São Paulo; RE nº 54.991 Goiás; e
RE nº 65.776 Paraná;
236
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, 17ª edição.o Paulo:
Malheiros, 1992, 623;
196
Portanto, de tudo o até aqui lançado, torna-se possível concluir que, a exemplo
do acima destacado, também a prescrição das pretensões tituladas pela Fazenda
Pública, assume contornos de identificação diferenciada, observado para tanto a
natureza dos direitos em conflito. Ademais, há de realçar-se que, conforme o explicitado
por JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, a prescrição administrativa não pode ser
confundida com a prescrição incidente nas ações judiciais. Isso por que
237
:
A prescrição administrativa se consuma na via administrativa, ao passo que a
prescrição comum alcança o direito de ver a pretensão apreciada no Judiciário.[...]
Prescrição administrativa (...) é a situação jurídica pela qual o administrado ou a
própria Administração perdem o direito de formular pedidos ou firmar manifestações
em virtude de não o terem feito no prazo adequado.
Ademais, outra característica encontrada na prescrição administrativa, é a de
que tal fenômeno:
(...) atinge duas esferas jurídicas: a de um administrado que, por exemplo, perdeu o
prazo para interpor recurso administrativo; e a da Administração que, também como
exemplo, perdeu a oportunidade de punir um servidor, ou de rever determinado ato
administrativo. Em todos esses casos, poderá dizer-se que a perda do prazo ocasionou
a prescrição administrativa.
238
Tal prescrição, portanto, resta possibilitada a partir de uma certa forma de
especialização das partes submetidas a tal fenômeno extintivo, categorizando-se-as,
para tanto, de forma particularizada. Tal particularização decorre, substancialmente, de
estarem tais atores submetidos à esfera de normatização do Direito Público e não do
Direito Privado. Portanto, as pessoas envolvidas na contenda assumem as feições
abstratas de Administração Pública e de administrado, respectivamente, tipificando-as,
em sua identidade singular, de um modo preciso e limitado. Há, portanto, uma espécie
de criação de sujeitos marcados por uma distinção apoiada no Direito e não na
natureza em si. Constrói-se uma abstração.
237
CARVALHO FILHO, J. dos S. Obra citada, p. 731;
238
CARVALHO FILHO, J. dos S. Obra citada, p. 731;
197
Entretanto, importa que se destaque a circunstância de que os efeitos da
prescrição administrativa não se mostram absolutos. Em relação ao administrado, por
exemplo, a perda do direito de interpor recursos administrativos contra os atos
praticados pela Administração Pública, não o impedem de buscar a via da ação judicial,
caso remanesça lesão ou ameaça de lesão a seu direito. A atividade administrativa,
quando decide qualquer matéria, no âmbito estrito de suas atribuições, não está
investida de poder jurisdicional, submetendo-se, por conseqüência, ao exame de suas
atividades por parte do Poder Judiciário.
No que se refere à Administração Pública, a partir do acatamento da concepção
da impossibilidade de que ela, após o transcurso de determinado período de tempo,
não mais possa revogar seus próprios atos, tornando definitiva a situação jurídica deles
decorrentes, também não se consolida como uma situação definitiva, no plano global
das relações jurídicas submetidas ao direito nacional. Pelas mesmas razões alvitradas
em relação ao administrado, o Poder Judiciário poderá rever tal ato, no fito de
identificar, ou não, lesividade ao interesse ou ao patrimônio públicos.
De outra banda, no que diz respeito à impossibilidade da Administração Pública
vir a impor punição a seus servidores, trata-se de circunstância especialíssima e com
conteúdo limitado, no caso da esfera federal, ao grafado pelo art. 54 da Lei
9.784/1999. Importa destacar que isto não implica na perda do direito de punir, mas sim
na perda da possibilidade de punir num determinado caso concreto, em razão de norma
legal expressa.
Por isso, para que se melhor compreenda o que ocorreu, devemos partir de
uma abordagem mais ampla, a qual se desvela pela delimitação de uma restrição legal
ao direito de autotutela titulado pela Administração Pública, isto na esfera do processo
administrativo. Tanto é assim que MAURO ROBERTO GOMES DE MATTOS239 realça
que: Espancando qualquer dúvida sobre a matéria, mesmo sendo um dever do Estado
rever o seu ato nulo, o art. 54 da Lei Federal nº 9.748/99, restringe o direito do
autocontrole, fixando o prazo improrrogável de 5 (cinco) anos.
239
MATTOS, M. R. G. de. Obra citada, p. 59;
198
Contudo, é vital que se perceba que tal regra legal gerou a prescrição do direito
de punir, em cada caso concreto, e não a decadência de tal direito. Além de esdrúxulo,
resultaria em compreensão absurda da extensão, natureza e categoria da regra em
tela, admitir-se interpretação em sentido diverso, porquanto não se mostra sequer
plausível que se pudesse admitir que, pelo decurso do tempo, a Administração Pública
restasse privada do direito de punir em-si próprio.
De qualquer modo, na forma do realçado por CIRNE e LIMA (Princípios de
Direito Administrativo) a lei federal poderá atribuir prescrição aos direitos em geral da
União, dos Estados e dos Municípios. É, portanto, a lei o paradigma estrutural básico a
reger o fenômeno prescricional.
6.5. PRESCRIÇÃO E RECLAMAÇÃO ADMINISTRATIVA
Como se mostra incontroverso, a idéia de prescrição administrativa, no
âmbito do direito administrativo brasileiro, constrói-se de modo fragmentário. Alguns
percebem-na como fenômeno adstrito ao instituo da autotutela administrativa. Outros
situam-na no âmbito estrito da regulação legal, de modo a instituir-se a partir de um
plano exterior ao meio administrativo burocrático. Muitos, por fim, situam-na a partir de
paradigmas associados de modo mais estrito junto ao espaço da anulação e da
revogação dos atos administrativos, deslocando a sua análise a partir de parâmetros
vinculados aos princípios constitucionais, em especial no que se refere aos princípios
do interesse público e da legalidade, este último, quase sempre, tomado a partir de uma
visão de legalidade estrita.
No território da autotutela administrativa, o tempo também possibilita, mediante
mecanismos assegurados pelo sistema normativo positivado, tanto à Administração
Pública, quanto ao administrado, meios destinados a estruturar um conjunto de relações
possíveis à construção de soluções vocacionadas a estabelecer um diálogo entre o
Estado e o cidadão. Tais mecanismos não decorrem das relações naturais entre tais
protagonistas, mas se originam da inventividade legislativa, buscando assegurar à
Administração Pública o controle sobre seus próprios atos.
199
Diz ANTÔNIO A QUEIROZ TELLES
240
que:
Um dos mais importantes princípios que regem o direito administrativo é o denominado
de autotutela administrativa. (...) Através dele a Administração Pública fiscaliza e revê
seus próprios atos, retirando-os de circulação quando não sejam mais interessantes,
convenientes e oportunos ou manifestamente ilegais.
Tal controle, entretanto, assume uma feição generalizante, estando adstrito a
cada uma das esferas de poder que compõe a tecitura administrativa nacional.
DIOGENES GASPARINI
241
, a esse respeito, assevera que:
O controle administrativo, também chamado de autocontrole, é o exercício pelo
Executivo e por órgãos de administração do Legislativo e do Judiciário sobre suas
próprias atividades administrativas, visando confirmá-las ou desfazê-las, conforme
sejam, ou não, legais, convenientes, oportunas e eficientes. É controle, como se vê,
que ocorre tanto no Executivo como nos setores de administração dos demais
Poderes, que se realiza nas duas direções, ou seja, em relação à legalidade e ao
mérito das atividades administrativas. É controle interno, porque o órgão controlador
bem como o controlado integram a mesma organização.
Tal entendimento ganhou acolhimento por parte da Suprema Corte judicial do
país, na medida em que o Supremo Tribunal Federal
242
, nos termos de sua súmula 473,
240
TELLES, Antônio A Queiroz. Introdução ao direito administrativo, p. 390 a 391;
241
GASPARINI, D. Obra citada, p. 744;
242
RE 27031/SP - SAO PAULO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. LUIZ
GALLOTTI. Julgamento: 20/06/1955 Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA. Publicação: DJ DATA-04-08-
55. EMENT VOL-00221-02 PG-00605 ADJ DATA-03-12-56 PG-02280 LOTEAMENTO DE TERRENOS.
NÃO PREVALÊNCIA DE LEIS LOCAIS EM FACE DO DECRETO-LEI FEDERAL n. 58 de 1937 e
DECRETO FEDERAL n. 3.079 DE 1938. Não cabimento do recurso extraordinário, uma vez que este não
se destina a corrigir a falta de aplicação de leis locais. Revogabilidade e anulação dos atos
administrativos pela própria administração. Distinção entre revogação e o anulamento: A primeira,
competindo à própria autoridade administrativa, e o segundo à própria autoridade administrativa ou ao
Judiciário. A revogação se dá por motivos de conveniência ou oportunidade, e não será possível quando
do ato revogado já houver nascido um direito subjetivo. A anulação caberá quando o ato contenha vício
que o torne ilegal (Não será possível falar então de direito subjetivo que haja nascido, pois do ato ilegal
não nasce direito). MS 13942 / DF – Distrito Federal. MANDADO DE SEGURANÇA. Relator: Min. Antônio
Villas Boas, Julgamento: 31/07/1964 Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ em data de: 24-09-
64, pág. 3447. EMENT. Vol. 595-02, pág. 514. ADJ. Data de 29-10-64, pág. 848; Mandado de segurança
concedido por voto de desempate. Os atos administrativos podem ser rescindidos. Mas, quando já
operaram efeito, tomando o caráter de direito adquirido, a autoridade deve indicar, precisamente, o vício
ou ilegalidade de que se achem contaminados, para se possibilitar o controle judicial sobre a revogação.
200
estatuiu que: A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios
que os tornam ilegais porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo
de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em
todos os casos, a apreciação judicial.
243
Firmado tal cenário, surge a figura da reclamação administrativa como uma
forma de concretizar eventual manifestação de desacordo entre a vontade do
administrado e o agir da Administração Pública. A partir de tal dicotomia, mormente na
forma do explicitado pelo art. 6º, do Decreto 20.910, de 6 de janeiro de 1932, é
reconhecida tal possibilidade de manifestação de irresignação, também restando
firmado prazo para o seu exercício, o qual, nos termos da regra legal retro-referida,
restou delimitado em um ano, salvo a hipótese de que outro prazo não seja
determinado em lei.
Contudo, como bem esclarece MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, em
referindo-se ao ditame legal acima referenciado, que:
A análise desse dispositivo permite concluir que ele não teve por objetivo disciplinar as
hipóteses em que cabe a reclamação ou mesmo o seu procedimento, mas apenas
estabelecer normas sobre ‘prescrição administrativa’ e sua interrupção e suspensão.
244
Ante tal perspectiva, a formulação do instituto da reclamação administrativa
recebeu rechaço de parte minoritária da doutrina, naquilo que se configura como sendo
o sumo de sua pretensão regulatória. Ou seja, em realidade o Decreto 20.910, de 6
de janeiro de 1932 não visou criar uma forma expressa de manifestação de
inconformidade, mas sim visou conformar um limite. Entretanto, numa interpretação
sistemática do próprio decreto em tela, percebe-se que do exame conjunto de suas
Configura abuso de poder, quando a hipótese se verifica, a rescisão pura e simples, ou não idoneamente
motivada. Writ outrogado para convalescimento do Dec. nº 52.379, de 19 de agosto de 1963;
243
MS 12512 / DF - Distrito Federal. MANDADO DE SEGURANÇA. Relator: Min. Lafayette de
Andrada. Julgamento: 22/07/1964 Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ em data de: 01-10-64,
pág. 3543 EMENT. Vol. 596-01, pág. 296;
Os atos administrativos de que resultam direitos, a não ser quando expedidos contra disposição
expressa de lei, são irrevogáveis;
244
DI PIETRO, M. S. Z. Obra citada, p. 629;
201
regras, resta possível vislumbrar-se que tal regulação conforma, em princípio, uma
contradição intrínseca. Conforme alerta OSCAR DE ARAGÃO, percebe-se, de imediato,
que:
Ora, para a vindicação de qualquer direito contra a Administração Pública, estatue o
mesmo Decreto, no seu art. 1º, que prescrevem em cinco anos, não somente as
dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, como também ‘todo e
qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for
a sua natureza, contado da data do ato ou fato do qual se originarem.
Daí se tira que toda reclamação administrativa que envolveu matéria de direito
oponível judicialmente à Administração e que se possa tornar objeto de ação, no
Judiciário, contra a União, Estados e Municípios, tem prazo assinado em lei, de cinco
anos, do artigo do Decreto 20.910 de 1932, não havendo, pois, nenhuma colisão
entre este dispositivo e o do artigo do mesmo Decreto, que ressalva,
expressamente, a hipótese de haver prazo fixado em lei para a reclamação ser
formulada. Ao revés, as duas presceituações se harmonizam se completam, sem
necessidade de qualquer recurso exegético ou de complicada hermenêutica.
Parece fora de dúvida que, se a lei faculta ao particular o direito de ajuizar a sua
pretensão contra a Fazenda Pública dentro em cinco anos do ato impugnado,
implicitamente daí se conclui que esse mesmo direito, acionável, poderá ser pleiteado
por via administrativa, igualmente no prazo de cinco anos.
245
Entretanto, o que resulta visível é que o ilustre administrativista restou
equivocado. É bem verdade que a fórmula legal adotada pelo legislador, sem dúvida
alguma, presta-se para tal confusão. Contudo, o dispositivo em exame não pode ser
interpretado sem o concurso do grafado pelo art. do mesmo Decreto 20.910, de 6
de janeiro de 1932. Sendo o ato de reclamação administrativa ato em que se deduz
pretensão perante a Administração Pública, no fito de obtenção de reconhecimento de
um direito ou de correção de um ato lesivo ou portador de ameaça de lesão
246
, não se
que vê-lo pela exclusiva janela de instância normativa instada a delimitar a
prescrição de tal manifestação de vontade deduzida tanto pelo administrado, quanto
pelo servidor. A fórmula legal firmada pelo art. 4º do mesmo estatuto legal, dá azo a que
se perceba que, formulada a reclamação, instaura-se a suspensão do prazo
245
ARAGÃO, Oscar de. Prescrição quinquenaria reclamação administrativa, p. 179;
246
DI PIETRO, M. S. Z. Obra citada, p. 629;
202
prescricional. Isso porque, ante a manifestação configurada pela reclamação, incumbira
a Administração Pública, mediante a atuação de seus servidores, estudar,
reconhecendo, ou não, a legitimidade daquilo que, perante ela, está-se a postular.
Desse modo, portanto, a regra legal, de modo adequado, determina a suspensão do
prazo prescricional, o qual, após manifestação incontroversa da Administração
Pública, iniciará a correr, tendo início, tão-somente, o prazo de cinco anos.
6.6. PRESCRIÇÃO DAS DECISÕES ADMINISTRATIVAS
A partir do prisma retro-realçado, há de reconhecer-se como questão
fundamental a ser atacada àquela que diz respeito às decisões administrativas,
enquanto decisões administrativas estritas. Para tanto, tomando-se em conta a
processualidade inerente a tais decisões, poderíamos, a princípio, pressupor que o
dado de identificação marcante desse decidir poderia, em nível meramente
metodológico, ser identificado a partir das concepções conformadas pela Teoria Geral
do Processo. Contudo, tal caminho se mostra inadequado.
Tal inadequação resulta da impossibilidade de admitir-mos o pressuposto
básico inerente à decisão conformada pela teoria Geral do Processo. Tal pressuposto
configura tais decisões como adstritas a conteúdos de natureza jurisdicional, ou seja,
decisões legitimados no espaço originário dos atos judiciais, tendentes a prestar a tutela
jurisdicional como fim almejado. Desse modo, não que se confundir decisão
administrativa com decisão judicial. Tratam-se de esferas distintas, situadas em
espaços normativos distintos, produzindo, respectivamente, efeitos jurídicos distintos.
Ora, no caso dos atos praticados pela Administração Pública, não tal fim
primordial almejado, qual seja o de prestar a tutela jurisdicional, isso porquanto tal
atividade há de ser prestada pelo Poder Judiciário. Na esfera administrativa há isso sim
uma vontade-dever de administrar, em face e como resposta a um conjunto contingente
de circunstâncias emergentes da sociedade que, submetidas ao conjunto normativo de
regulação das atividades inerentes à Administração Pública, exigem, primordialmente
do Poder Executivo, a ordenação das relações sócio-políticas de uma determinada
203
comunidade. A natureza de tal agir mostra-se, portanto, como sendo de uma atividade
informada por um conteúdo de estrita atuação orientada a fins. É óbvio que tal atuação
de estar em perfeita consonância com a lei, em razão de encontrar-se situada no
bojo de um Estado Democrático de Direito.
Ora, não em relação às decisões inerentes ao “munus” da Administração
Pública exercitada pelo Poder Executivo, mas, primordialmente, no tocante às decisões
administrativas em geral, permitem constatar que, quanto à sua essencialidade,
refletem um conteúdo meramente determinativo
247
, no sentido de que trazem, ínsitas a
si próprias, a possibilidade permanente de revisão de suas próprias deliberações.
Presente alguma modificação no mundo fático no qual estão inseridas,
independentemente de qualquer provocação oriunda de interesse externo ao da própria
Administração, surge a possibilidade de serem modificadas.
Entretanto, tomando-se em conta o conteúdo normativo de algumas decisões
administrativas, e a possibilidade permanente de sua revisão, resulta, de imediato,
indispensável o estabelecimento de um limite a tal revisionismo, porquanto o sistema de
regulação administrativa pressupõe que até mesmo tais modificações assumem um
caráter estruturante do próprio sistema. Em razão de tal caráter, portanto, não se pode
conceber, por afronta ao princípio da segurança jurídica e à estabilidade das relações
jurídicas, que esta possibilidade reste exercitada, entre outros aspectos, ad infinitum, o
que geraria profunda instabilidade nas relações sociais, dando azo a uma espécie de
institucionalização da desordem.
Para delimitar-se tal limite, surge, entre outros mecanismos jurídicos, a
prescrição administrativa. Ocorre que, pela própria natureza do limite prescricional a ser
imposto, verifica-se que tal prescrição, nesta esfera restrita, assume condição
específica, dado que não seria admissível a configuração de tal instituto à estrita
semelhança da prescrição civil. aqui, diverso da esfera privada, o interesse público,
exigindo-se, portanto, um conjunto de critérios que sempre tenham em vista tal
247
Nesse sentido, preleciona Sídio Rosa de Mesquita Júnior que: As decisões administrativas
tem natureza determinativa, contendo, portanto, a cláusula ‘rebus sic stantibus’. Dessa forma, como
corolário da cláusula que contém, a decisão poderá ser revista todas as vezes que houver transformação
na situação fática. MESQUITA JÚNIOR, S. R. de. Obra citada, p. 6;
204
interesse e a sua supremacia, na medida em que sua finalidade deve estar adstrita, de
um modo amplo, aos interesses da sociedade como um todo.
Consoante entendimento doutrinário pacificado, a prescrição, na esfera de
regulação privada, assume a condição de mecanismo de controle do exercício do direito
em-si. Está, portanto, diretamente condicionada à pretensão de buscar a tutela
jurisdicional a este direito, reconhecendo-o como patrimônio de um sujeito privado. De
tal sorte, lesado ou ameaçado de lesão algum direito privado individual, o ordenamento
jurídico apresta-se a facultar ao titular do patrimônio jurídico em perigo, a medida
judicial adequada, de molde a protegê-lo em seu acervo patrimonial lato sensu.
Em presença do Direito Público, contudo, ficamos situados num espaço restrito
de interesses. Tal conjunto configura um sistema complexo que assume a condição de
uma totalidade. Totalidade na medida em que os interesses que gravitam no seio de
uma determinada comunidade ultrapassam as meras categorizações formais,
consolidando modelos rígidos instituídos para o efeito de proceder à sua própria
diferenciação. De tal sorte, observada a sua vinculação à capacidade jurídica do titular
do direito juridicamente protegido, embora possa assumir um conjunto muito amplo de
alternativas para a composição da controvérsia, a lei será o seu referencial inescusável.
Na esfera do Direito Administrativo, entretanto, apesar da submissão inafastável
ao princípio da legalidade, surge a possibilidade de flexibilização da atuação
administrativa. É consabido que a Administração blica, entre os princípios que
estruturam tal atuação estatal, resta protegida pelo princípio da autotutela. Através de
tal princípio, a Administração Pública, em percebendo ter praticado ato marcado por
irregularidade, pode rever, por sua própria conta e independente de qualquer motivação
externa a ela própria, a sua prática, de modo a fazer cessar eventuais efeitos danosos à
legalidade, conforme a sua própria ótica.
Por tal razão, a Administração Pública pode atuar independentemente de
qualquer provocação ou pedido. Tanto é assim que tal atividade recebe o
reconhecimento do próprio Supremo Tribunal Federal, o qual, nos termos das súmulas
205
346
248
e 473
249
, assegura-lhe a revisão de seus atos, independentemente de qualquer
participação ou motivação externa à própria Administração Pública. Configura-se e
reconhece-se à Administração Pública, portanto, um poder a ser individualmente
exercido e, também, dependente, tão-somente, de sua estrita percepção de
conveniência e de oportunidade para tanto.
Entretanto, tal atuação de revisão não pode perder-se, ilimitadamente, entre
outros aspectos, no tempo. É inequívoco que no Estado Democrático de Direito o poder
é sempre limitado. De tal sorte, a Administração Pública está submetida a um limite. Tal
limite emerge naturalmente, por primeiro e de modo genérico, do sistema jurídico
nacional, independentemente de previsão legal expressa para tanto. Decorre do próprio
sistema. É por força interna de um conjunto de princípios que regem a Administração
Pública que surge tal limite. Caso assim não o fosse, estar-se-ia a permitir à
Administração Pública a possibilidade de uma atuação ilimitada, com flagrante abuso de
poder. Nesse sentido, esclarece HELY LOPES MEIRELLES
250
que:
O ‘uso do poder’ é prerrogativa da autoridade. Mas o poder há de ser usado
normalmente, ‘sem abuso’. Usar normalmente do poder é empregá-lo segundo as
normas legais, a moral da instituição, a finalidade do ato e as exigências do
interesse público. Abusar do poder é empregá-lo fora da lei, sem utilidade pública.
O poder é confiado ao administrador público para ser usado em benefício da
coletividade administrada, mas usado nos justos limites que o bem-estar social
exigir.
Portanto, ante a possibilidade permanente de que a Administração Pública, em
praticando atos de administração e que, não por força do princípio da autotutela,
possa buscar a revogação ou até mesmo a anulação de tais práticas, impõe-se que se
reconheça um limite a tal agir. Entre tais limites surge o instituto da prescrição
248
Súmula 346: A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios
atos;
249
Súmula 473: A administração pode anular seus próprios atos quando eivados de
vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revoga-los, por motivo de
conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os
casos, a apreciação judicial;
250
MEIRELLES, H. L. Obra citada, p. 94;
206
administrativa, cujas feições espelham as linhas gerais de uma garantia, a garantia da
segurança jurídica.
7. DA IMPRESCRITIBILIDADE COMO AVESSO
7.1. IMPRESCRITIBILIDADE
Analisando-se a prática jurídica, sob um ponto de vista estritamente empírico
251
,
percebe-se que esta sempre buscou, talvez até a partir de uma visão inconsciente,
consolidar-se pelo acolhimento de um comportamento irrefletido e muito próximo de um
dogmatismo natural, para a conformação do qual restaria dispensada qualquer forma de
racionalidade.
Isso se revela na medida em que, com o passar do tempo, formaram-se
pressupostos factuais que se tornaram quase que indiscutíveis. Não se trata aqui, é
importante que se advirta dos parâmetros construídos pela jurisprudência, mas sim de
referenciais idealizados a partir de um mero fazer contextualizado, informado por
práticas meramente burocratizadas, onde a ausência de reflexão é a característica
marcante das condutas.
Entretanto, independentemente da mecanização das condutas, o sistema
jurídico sempre mostrou-se como uma via de acesso flexível, não se podendo afirmar
que, também, em relação à prescrição, tal dogmatismo empírico tenha efetivamente se
consolidado pelo acolhimento de argumentos tendentes a legitimar, em alguns casos e
de modo absoluto, a possibilidade de aceitação inquestionável da imprescritibilidade.
Para tanto, a partir de um conceito genérico de regra jurídica, vista esta última sob a
ótica de uma determinação inquestionável, resultaria inaceitável que, em manifesto
confronto com a própria dinâmica social, passasse tal regrar a caracterizar-se como um
embaraço à própria evolução vital do indivíduo e, por conseqüência, da própria
sociedade. De tal modo, em face de tal percepção, um sentimento de repulsa ao
possível engessamento apoiado em interpretações de cunho eventual de normas
jurídicas topicamente selecionadas, deu azo a uma repercussão de natureza refratária a
251 Como se nota, o direito não é imutável, posto que é baseado em realidade empírica, tendo,
por isso, que evoluir junto com a sociedade. Já que é produto cultural, não pode o direito ficar inerte.
MARQUES, R. P. de P. Obra citada, p. 7;
208
tal forma de absolutização dos preceitos legais, a ponto de NÉLSON EIZIRIK asseverar
que:
Não sistema jurídico civilizado que aceite a existência de normas punitivas
imprescritíveis; somente ordens míticas ou religiosas, cujo fundamento de legitimidade
repousa em uma esfera supra-humana, a sanção pode ser dotada do predicado da
perenidade, não se extinguindo jamais a possibilidade de ser o pecador castigado por
sua falta.
252
de ter-se em conta que tal sentimento não se limita ao regulado pelas
normas de conteúdo estritamente punitivo, até porque as regras jurídicas, no seu todo,
não são caracterizadas, de modo marcante e exclusivo, por uma vocação de natureza
punitiva, tão-somente. Em razão de tal peculiariedade, o próprio sistema jurídico
encarrega-se de deixar claro que: Em toda regra de conduta sempre a ‘alternativa’
do adimplemento ou da violação do dever que nele se enuncia. Não é dito que o
legislador queira a violação; ao contrário ela a condena, tanto assim que lhe impõe uma
sanção penal, embora sem poder deixar de pressupor a liberdade de opção do
destinatário.
253
Ademais, se não por outros motivos, tomando-se em conta a figura da lei, dada
a sua abrangência e universalidade como forma de regulação social, sabe-se que, após
a sua promulgação, tal regra jurídica assume múltiplos significados, nada podendo fazer
o legislador em relação ao caráter evolutivo que o preceito assume. Nesse sentido,
adverte MIGUEL REALE que:
Uma lei, por exemplo, uma vez promulgada pelo legislador, passa a ter vida própria,
liberta das intenções iniciais daqueles que a elaboraram. Ela sofre alterações
inevitáveis em sua significação, seja porque sobrevêm mudanças no plano dos fatos
(quer fatos ligados à vida espontânea, quer fatos de natureza científica e tecnológica)
ou, então, em virtude de alterações verificadas na tela das valorações. É sobretudo
neste domínio que as ‘intuições valorativas’, em curso no mundo da vida, sempre em
contínua variação, mas nem sempre de caráter evolutivo ou progressivo, atuam sobre
o significado das normas jurídicas objetivadas e em vigor. A ‘semântica jurídica’, em
suma, como teoria das mudanças de conteúdos significativos das normas de Direito,
252
EIZIRIK, Nelson. Reforma das S.A. & dos Mercados de Capitais, p.188/189;
253
REALE, M. Obra citada, p. 101;
209
independentemente da inalterabilidade de seu enunciado formal, não se explica
apenas em função do caráter expansivo ou elástico próprio dos modelos jurídicos, mas
sobretudo em virtude das variações operadas ao vel da ‘Lebenswelt’, na qual o
Direito afunda as suas raízes.
254
Acatando-se a caracterização de nosso sistema jurídico como um sistema
jurídico civilizado, agregando-se a isto a inconteste alteração permanente e evolutiva
dos significados possíveis das regras jurídicas, como fator associado à mudança de
visão-de-mundo, naturalmente exsurge a idéia de que o fenômeno da imprescritibilidade
ressoa como algo inaceitável. Ora, se tudo muda, se tudo evolui, por que motivo
determinada possibilidade jurídica há de manter-se eternamente disponibilizada, para o
efeito de manter instável determinada relação jurídica?
de realçar-se, no que atine à imprescritibilidade, que a origem de tal
percepção dá-se a partir do fato de que: A ‘praescriptio temporalis’ ou’ temporis’ não era
conhecida no velho ‘jus civile’ dos romanos. Durante largo tempo, as ações todas, ou
quase todas, tinham-se como perpétuas.
255
Entretanto, tal concepção nunca logrou manter-se. Isto porque, no que se refere
à prescrição, não há de se presumir que vigore orientação diversa ao demais do
regulado pelo sistema jurídico positivado. Tanto é assim que, sensível a tal sentido
adstrito a aceitação da mutabilidade, PONTES DE MIRANDA destaca que: A
prescrição, em princípio, atinge todas as pretensões e ações, quer se trate de direitos
pessoais, quer de direitos reais, privados ou blicos.
256
Por isto, a inadequada
argumentação de que o reconhecimento do princípio da prescritibilidade estaria a
colocar a sociedade em risco, estimulando a impunidade e sacrificando os interesses
coletivos, em benefício de eventual interesse individual, caracteriza postura em afronta
aos ditames do Estado Democrático de Direito, resultando, tão-somente, como um
resíduo das concepções que instrumentalizaram os regimes ditatoriais. O que
prevalece, portanto, é um interesse de ordem pública na medida em que visa
254
REALE, Miguel. Direito natural, direito positivo, p. 56;
255
ABREU, J. L. de. Obra citada, p. 45;
256
MIRANDA, F. C. P. de. Obra citada, p. 127;
210
substancialmente o afastamento de qualquer incerteza; ou seja, um interesse
indissociavelmente marcado pela necessidade inafastável de segurança.
Sob tal prisma, CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA bem explicita o sentido do
não acolhimento de um princípio de imprescritibilidade, ao assentar que:
Há, pois, um interesse de ‘ordem pública’ no afastamento das incertezas em torno da
existência e eficácia dos direitos, e este interesse justifica o instituto da prescrição, em
sentido genérico.Poder-se-á dizer que, assim procedendo, o direito dá amparo ao
relapso, em prejuízo do titular da relação jurídica. E até certo ponto é uma verdade: em
dado momento, o ordenamento jurídico é chamado a pronunciar-se entre o credor que
não exigiu e o devedor que não pagou, inclinando-se por este. Mas se assim faz é
porque o credor negligente teria permitido a criação de uma situação contrária ao seu
direito, tornando-se a exigência de cumprimento deste um inconveniente ao sossego
público, considerado mal maior do que o sacrifício do interesse individual, e tanto mais
que a prolongada inatividade induziria a presunção de uma ‘renúncia tácita’. É por
esta razão que se dizia ser a prescrição ‘patrona generis humani’, produtora do efeito
sedativo das incertezas.
257
Uma outra perspectiva que pode ser assumida, para o efeito de buscar-se a
compreensão de uma possível imprescritibilidade, diz respeito à circunstância da
omissão legal, ou seja, a lei não estatui prazo prescricional em relação à determinada
situação jurídica. No caso então, poder-se-ia admitir a imprescritibilidade, ad
argumentandum tantum, no âmbito da esfera de regulação administrativa, na medida
em que o ordenamento jurídico omite-se, em cada espaço de tal regulação, a referir os
co-respectivos prazos prescricionais em todas as hipóteses reguladas. Entretanto,
resta-nos impossível avançar-mos em tal perspectiva, sem que antes possamos
entender em que consiste a mencionada omissão.
De início, embora se trate de uma obviedade, importa realçar que é consabido
que, por mais visionário que seja o legislador, dada a multiplicidade de circunstâncias
que envolvem a vida cotidiana, permeada por um complexo multifário de relações, a
ordenação legal não consegue, por impossível, regular todas as circunstâncias em que
se poderia exigir uma regulação de natureza jurídica estrita e minudente. Em presença
de tal circunstância, gera-se daí então aquilo que se convencionou designar por uma
lacuna.
257
PEREIRA, C. M. da S. Obra citada, p. 437;
211
Importa que se destaque, contudo, que tal lacuna deve decorrer não da
inexistência de regra específica, como também de regra genérica a regular determinado
caso concreto. Ou seja, deparamo-nos, ora com a ausência de norma expressa a
delimitar determinado conteúdo factual, ora nos deparamos com a ausência de norma
que embora regule determinado conteúdo, não estatui regra para um determinado fato
juridicamente relevante em sua especificidade. Em presença de tais circunstâncias,
exsurge, como regra dedutível de tal anomia, a diretriz principiológica de que: não
lacuna da lei quando a própria lei indica um direito subsidiariamente aplicável.
258
Tal
lacuna, portanto, caracteriza uma omissão de regulação, a qual poderá dar-se de três
formas distintas, quais sejam: a) por deficiência de previsão; b) por intenção de não
regular desde logo; ou em razão de situações novas.
259
No caso da deficiência de previsão, a lacuna resulta em razão da
impossibilidade de previsão de todas as situações a serem reguladas pela lei, ante a
multiplicidade de circunstâncias e de situações que surgem na dinâmica da vida
cotidiana. Na sociedade contemporânea, entre os muitos característicos que se prestam
para identificá-la, encontramos o da contingencialidade das condutas humanas. Ou
seja, muitas são as formas de ação e de expressão que caracterizam os seres
humanos, resultando impossível antecipá-las e regulá-las em suas múltiplas e possíveis
formas.
Por outro lado, a lacuna de regulação pode dar-se a partir de uma intenção de
não proceder à regulação de determinadas circunstâncias de imediato. Tal intento dá-se
porquanto: (...) em matérias ainda em evolução, o legislador conscientemente, deixa por
vezes aspectos por regular.
260
Isto ocorre, basicamente, por três razões:
a) por se tratar de matéria ainda fluida, a ser arriscado encerra-la desde logo num
regime preciso. Deixam-se então esses setores à reação da prática, apesar das
dificuldades que assim revertem para esta. É que o legislador confia mais na
capacidade de acomodação da vida que nos seus próprios prognósticos;
258
ASCENSÃO, J, de O. Obra citada, p. 395;
259
ASCENSÃO, J. de O. Idem, p. 395 a 396;
260
ASCENSÃO, J. de O. Idem, ibidem;
212
b) por querer deixar aos órgãos de aplicação do direito, sobretudo aos órgãos judiciais,
um espaço livre em que se pensa ser útil que eles dêem o seu contributo, através da
integração da lacuna;
c) por falta de capacidade dos órgãos legiferantes para encontrar a solução adequada
ou o acordo que torne possível a sua implantação.
261
Por fim, em razão de situações novas, também pela: (...) evolução incessante
das circunstâncias faz com que a lei feita hoje se aplicar amanhã em condições
muito diversas. E pode acontecer mesmo em situações que ainda não ocorriam no
momento da elaboração da lei exijam depois disciplina própria.
262
Desse modo, a omissão da regra jurídica, como visto, não se caracteriza como
um fato de natureza inusitada, mas sim como decorrência da própria dinâmica da vida
em sociedade. O que não pode ser olvidado, contudo, é que os eventuais conflitos
surgidos na interação diuturna entre às pessoas acabe por resultar sem nenhuma forma
de regulação. Ou seja, independentemente da omissão legal encontrada, o caso
concreto deve receber normatização.
Ora, sabe-se que a idéia de imprescritibilidade abebera-se, basicamente, de
eventual omissão legal do prazo prescricional, autorizando, de forma provisória, que se
pense que, em não havendo previsão legal de prazo expresso de prescrição, ante o
silêncio do legislador, estejamos diante do acolhimento e aceitação do fenômeno da
imprescritibilidade.
Tal circunstância em favor da imprescritibilidade resulta reforçada até com
cores de racionalidade, na esfera do Direito Administrativo, ante a proibição do uso da
analogia, ou da interpretação extensiva no âmbito do Direito Público. Tal perspectiva
constrói-se singularmente pela convicção da indispensável observância ao princípio
constitucional da legalidade, como paradigma inafastável, dada a sua condição de
diretriz estruturante da esfera pública, baseando-se então na assertiva cronificada pelo
aforismo de que: 'ubi lex non distinguitnec nos distinguere debemus' (onde a lei não
distingue, não pode o intérprete distinguir).
261
ASCENSÃO, J. de O. Obra citada, p. 396;
262
ASCENSÃO, J. de O. Idem, ibidem;
213
Por isso, no que diz respeito à analogia, JOSÉ CRETELLA Jr. assevera que:
Não é lícito, entretanto, à doutrina, quando é omisso o direito positivo, criar direito novo
e conceder benefícios que o legislador pode outorgar. Cabe à lei fixar, de modo
absolutamente preciso, o prazo prescricional.
263
Na mesma senda, CARLOS MAXIMILIANO ensina que: (...) em matéria de
‘privilégios’, bem como em se tratando de dispositivos que limitam a ‘liberdade’, ou
‘restringem quaisquer outros direitos’, não se admite o uso da analogia.
264
Ademais: (...)
O recurso à analogia tem cabimento quanto a prescrições de Direito ‘comum’; não do
‘excepcional, nem do penal. No campo destes dois a lei se aplica aos casos que
especifica.
265
Em caminho idêntico de reflexão, constrói-se entendimento semelhante no que
atine à interpretação extensiva, por decorrência da inexistência do preceito legal,
conforme o até aqui destacado. Qualifica-se então tal circunstância como omissão de
regulação, resultando absoluta, lógica e concretamente inviável a sua utilização em
presença de lacuna encontrada em sede de Direito Público. Isso resulta
exacerbadamente valorizado pela simples e pueril circunstância de que não é:
(...) lícito equiparar a analogia à ‘interpretação extensiva’. Embora se pareçam à
primeira vista, divergem sob mais de um aspecto. A última se atém ‘ao conhecimento
de uma regra legal em sua particularidade em face de outro querer jurídico, ao passo
que a primeira se ocupa com a semelhança entre duas questões de Direito’. Na
analogia um pensamento fundamental em dois casos concretos; na interpretação é
uma idéia estendida, dilatada, desenvolvida, até compreender outro fato abrangido
pela mesma implicitamente. Uma submete duas hipóteses práticas à ‘mesma’ regra
legal; a outra, a analogia, desdobra um preceito de modo que se confunda com ‘outro’
que lhe fica próximo.
A analogia ocupa-se com uma lacuna do Direito Positivo, com hipótese não prevista
em dispositivo ‘nenhum’, e resolve esta por meio de soluções estabelecidas para casos
afins; a interpretação extensiva completa a norma existente, trata de espécie ‘já
regulada pelo Código’, enquadrada no ‘sentido’ de um preceito explícito, embora não
se compreenda na ‘letra’ deste.
263
CRETELLA Jr., José. Dicionário do direito administrativo, p. 252;
264
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, p. 213;
265
MAXIMILIANO, C. Idem, ibidem;
214
Os dois efeitos diferem, quanto aos pressupostos, ao fim e ao resultado: a analogia
pressupõe ‘falta’ de dispositivo expresso, a interpretação pressupõe a ‘existência’ do
mesmo; a primeira tem por escopo a pesquisa de uma idéia superior aplicável também
ao caso não contemplado no texto; a segunda busca o sentido amplo de um preceito
estabelecido; aquela de fato revela uma norma ‘nova’, esta apenas esclarece a ‘antiga’;
numa o que se entende é o ‘princípio’; na outra, na interpretação, é a própria ‘regra que
se dilata’.
266
Desse modo, ante a ausência de regra jurídica a regular a prescrição no âmbito
de uma relação jurídica submetida ao Direito Administrativo, mormente em razão do
princípio constitucional da legalidade, ao qual deve submeter-se, de modo
intransponível, a Administração Pública direta, indireta, ou fundacional, nos termos de
preceito constitucional incontroverso (art. 37 da CF), resta inaplicável, para efeito de
legitimar-se uma idéia de prescritibilidade, o uso de analogia ou de interpretação
extensiva. Até porque, eventual desatenção a tal orientação caracterizaria, de forma
reflexa, no mínimo, invasão da esfera de atuação do Poder Legislativo, dado ser este o
poder constitucionalmente destinado a legislar.
Caso pretendêssemos utilizar a analogia ou a interpretação extensiva em
matéria de incontroversa submissão à lei, de indagar-se: qual seria o pensamento
fundamental, ou a idéia a ser estendida, dilatada ou desenvolvida a tal ponto de afrontar
diretamente preceito principiológico constitucional? À evidência, numa ótica liberal-
legalista, não subsistiriam nenhuma nem outra.
Entretanto, ao contrário de uma visão informada por um dogmatismo inflexível,
a prescritibilidade avulta em nosso ordenamento jurídico como diretriz de elucidação do
próprio sistema normativo nacional, mostrando-se inviável qualquer outra concepção
que pretenda afastar tal concepção. De tal sorte, tudo dá-se de tal forma, na medida em
que, conforme alerta JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO:
Relativamente aos actos da administração, o princípio geral da segurança jurídica
aponta para a idéia de força de caso decidido dos actos administrativos. Embora não
haja um paralelismo entre sentença judicial e força de caso julgado e acto
administrativo e força de caso decidido (‘Bestandkraft’) entende-se que o acto
administrativo gera uma tendencial imutabilidade que se traduz: (1) na ‘autovinculação’
da administração (‘Sellstbindung’) na qualidade de autora do acto e como
266
MAXIMILIANO, C. Obra citada, p. 214 a 215;
215
conseqüência da obrigatoriedade do acto; na ‘tendencial irrevogabilidade’ a fim de
salvaguardar os interesses dos particulares destinatários do acto (proteção da
confiança e da segurança).
Repare-se que se falou de ‘força de caso decidido’ e de ‘tendencial imutabilidade’. Na
actual sociedade de risco’ cresce a necessidade de ‘actos provisórios’ e de ‘actos
precários’ a fim de a administração poder reagir à alteração das situações fáticas e
reorientar a prossecução do interesse público segundo os novos conhecimentos
técnicos e científicos. Isto tem de articular-se com a salvaguarda de outros princípios
constitucionais, entre os quais se conta a proteção da confiança, a segurança jurídica,
a boa fé dos administrados e os direitos fundamentais.
267
Portanto, na linha do explicitado pelo Mestre português, mesmo admitindo-se e
reconhecendo-se a necessidade da imutabilidade da ão da Administração Pública,
porquanto necessário salvaguardar-se à segurança jurídica dos administrados em geral,
não mais resulta possível admitir-se que, a qualquer tempo, possa essa mesma
Administração Pública desconhecer o rol de princípios constitucionais que, além da
necessária proteção à confiança dos administrados, resguarde aos seus inalienáveis
direitos fundamentais, os quais restariam gravemente lesados caso a Administração
Pública pudesse, a qualquer tempo, rever aos seus próprios atos.
Na esteira do acima realçado, resulta incontroverso que, no direito brasileiro: A
prescrição, em princípio, atinge a todas as pretensões e ações, quer se trate de direitos
pessoais, quer de direitos reais, privados ou públicos. A imprescritibilidade é
excepcional.
268
Tanto é assim que, no que se refere à visão jurisprudencial, paradigmática é a
manifestação do Supremo Tribunal Federal, nos termos do lúcido voto de lavra do
Ministro MOREIRA ALVES, lançado nos autos do mandado de segurança 20.069 -
DF, no qual avulta a concepção de que a imprescritibilidade é exceção, não podendo o
intérprete alegá-la, na medida em que: (...) em matéria de prescrição em nosso sistema
jurídico, inclusive no terreno do direito disciplinar, não há que se falar em ‘ius singulare’,
267
CANOTILHO, J. J. G. Obra citada, p. 258;
268
MIRANDA, F. C. P. de. Obra citada, p. 127;
216
uma vez que a regra é a da pescritibilidade.
269
. De tal sorte, resta possível afirmar-se
que a prescrição é regra geral e a imprescritibilidade é exceção. Portanto, mesmo que
se admitisse a dependência instransponível de norma expressa para o reconhecimento
do evento prescritivo, sendo a imprescritibilidade a exceção, o intérprete não pode
alegar imprescritibilidade, como regra geral. Tanto é assim que, na esfera do Direito
Administrativo, a Constituição Federal, na forma do grafado pelo art. 37, § 5º, de forma
expressa e incontroversa, diz serem imprescritíveis, tão-somente, as ações que visem
buscar ressarcimento a eventuais prejuízos ao erário. De tal sorte, havendo norma
expressa em relação à imprescritibilidade, não se mostra admissível usar de analogia
ou de interpretação extensiva para buscar identificar eventual imprescritibilidade, a título
de preceito a ser generalizado.
Por tal contingência, alguns autores, na busca desenfreada de justificar, de
forma transversal, a possibilidade permanente de correção de atos administrativos
marcados pela característica da nulidade, buscaram, na figura da decadência e não da
prescrição, a justificação para a sua revisão a qualquer tempo. Neste sentido assevera
SÉRGIO OLIVEIRA NETTO que:
(...) se for constatada a existência de um ato praticado pela Administração Pública
Federal, que esteja estigmatizado pela mácula indelével geradora de sua 'nulidade',
nada impede - ressalvados eventuais hipóteses expressamente previstas em lei, para
as quais seja conferido tratamento diferenciado - seja promovida a sua revisão a
qualquer tempo, mediante o devido processo legal, tendente a desconstituir a situação
irregularmente consolidada, posto que imune aos efeitos dos prazos decadenciais
outorgados às demais categorias dos atos meramente 'anuláveis'.
270
Em realidade, na assertiva acima transcrita, verifica-se uma compreensão
inadequada do fenômeno da prescrição, em face de eventual nulidade.
Lamentavelmente, mesmo após o advento da Constituição Federal de 1988, uma
permanente tentativa de buscarem-se motivos gicos e racionais para legitimar um
poder estatal inquestionável, onde a nulidade de ato administrativo passa a ser, entre
269 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Revista Trimestral de Jurisprudência, volume
84/. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, junho de 1978, p. 789;
270
OLIVEIRA NETTO, Sérgio. Inexistência de prazo decadencial para a declaração de nulidade
de ato administrativo na Administração Pública Federal, p. 11;
217
outras imagináveis por tal compreensão, a explicação pueril de um poder estatal sem
limites.
Há, portanto, uma supervalorização do Estado em relação ao indivíduo,
construída a partir da negativa de aceitação dos paradigmas de um Estado Democrático
de Direito, servindo-se tais concepções de conceitos fragmentários associados a
vinculações acidentais, de modo a negar-se a estrutura do ordenamento jurídico
nacional, mormente a partir de seus parâmetros constitucionais positivados, a
característica, entre tantas outras, de um sistema normativo de garantias.
Contudo, como bem adverte e revela GERALDO DE CAMARGO VIDIGAL:
Posições doutrinárias que se opõe à imprescritibilidade das faltas administrativas
trazem o estigma de haverem florescido no odioso canteiro de legislações totalitárias,
que faziam caso omisso da dignidade do homem e desejavam fosse todo-poderoso o
Estado.
271
Desse modo, resulta manifesto que, a partir da Constituição Federal de 1988, a
ordem jurídica nacional recolhe as restritas situações em que se reconhece a
possibilidade de imprescritibilidade. Inquestionável, portanto, que vigora em nosso
sistema jurídico o princípio da prescritibilidade, salvo exceções expressamente
previstas, as quais restam grafadas pelos: art. 5º, incisos XLII e XLIV, e art. 37, § 5º, da
Constituição Federal, de modo que: Ao afastar possibilidade de prescrição somente nas
hipóteses excepcionais desses incisos, a Lei Maior admite a prescritibilidade das ações
e condenações pelas demais práticas ilícitas, mesmo criminosas.
272
Tanto é assim que:
Em face dos comandos e vetos da Constituição de 1988, bem como dos princípios
hermenêuticos, não podem sustentar-se suposições de imprescritibilidade de
responsabilidade por quaisquer atos, práticas, condutas ou situações quando não
tenham sido objeto de norma que expressamente as torne imprescritíveis.
273
Por fim, de modo que não mais padeça dúvida alguma a respeito da
prevalência do princípio da prescritibilidade em nosso ordenamento jurídico positivado,
271 VIDIGAL. G. de C. Obra citada, p. 300;
272 VIDIGAL. G. de C. Idem, p. 301;
273
VIDIGAL. G. de C. Idem, ibidem;
218
vale trazer à baila a manifestação de GERALDO DE CAMARGO VIDIGAL, o qual, ao
exame do parágrafo 5º, do art. 37, da Constituição Federal, alerta para o fato de que:
Mesmo quando ilícitos causem prejuízos ao erário, portanto, o texto constitucional
inadmite a suposição de imprescritibilidade de penas, ações ou processos tendo por
objeto tais ilícitos, de qualquer natureza, sempre que praticados por qualquer agente,
servidor ou não.
Esse parágrafo, situado entre os textos constitucionais que regem a administração
pública, obriga a que a lei defina os prazos da prescrição, nessas hipóteses. Eventual
descumprimento, pelo legislador, do preceito constitucional, não poderia ter o condão
de tornar imprescritíveis faltas que, por força desse preceito e do princípio geral, estão
necessariamente submetidas a regime de prescrição.
Assinale-se ter sido clara intenção do dispositivo ressalvar o direito do Erário ao
ressarcimento dos prejuízos sofridos. Ao estabelecer a ressalva, todavia, preocupou-se
o legislador constitucional em evidenciar o respeito ao princípio geral de
prescritibilidade.
274
Por isso, não se mais que falar em eventual imprescritibilidade no âmbito do
ordenamento jurídico brasileiro, em especial no que se refere ao sistema de regulação
configurado pelas regras do Direito Administrativo, tanto em presença de eventual
omissão legislativa, quanto por força de uma compreensão dogmática lastreada no
princípio constitucional da legalidade, enquanto, este último, princípio inerente à
Administração Pública, que tal compreensão está em choque direto com os preceitos
inerentes aos paradigmas estatuídos pelo Estado Democrático de Direito, em especial
no que atine ao princípio da segurança jurídica.
7.2. AÇÕES IMPRESCRITÍVEIS
Tendo resultado induvidosa a prevalência do princípio da prescritibilidade na
esfera de regulação do Direito Administrativo, à exceção da pontual determinação em
relação às ações visando ao ressarcimento do Erário, também de acolher-se tal
princípio no que atine ao efetivo exercício do direito fundamental, subliminarmente
inserido no direito de ação. Tal direito de invocar a tutela jurisdicional, porquanto
274
VIDIGAL. G. de C. Obra citada, p. 301 a 302;
219
apoiado no princípio da inescusabilidade de controle judicial, em face de qualquer dano,
ou ameaça de dano, resulta, de modo indireto, na diretriz que determina o não
acolhimento, por parte do ordenamento jurídico nacional, da tese da imprescritibilidade.
Tal perspectiva, aliás, vinha sendo reconhecida no que pertine a determinadas
formas processuais de ação. Entre estas últimas encontramos àquelas vinculadas ao
estado das pessoas e as relativas aos direitos de personalidade, de modo geral.
Tal diretriz restou consolidada a partir da adoção de alguns critérios prévios de
delimitação dos interesses vinculados à Administração Pública. No que se refere ao
Direito Administrativo, a doutrina optou, na senda do determinado pelo regramento legal
que disciplina a espécie, no que se refere às pretensões formuladas face à
Administração Pública, pela adoção de critério genérico, não discernindo entre ações de
natureza pessoal ou ações de natureza patrimonial. Nessa senda, bem aponta JOÃO
LEITÃO DE ABREU, quando assevera que:
Não distinque, pois, a nossa ordem jurídica, nas pretensões, direitos e ações pessoais
contra as entidades públicas, os de natureza patrimonial e os de objeto não
patrimonial, para submetê-los, no primeiro caso, à prescrição quinquenária, e, no
segundo, à vintenária, tal como se daria, se essa distinção se houvera feito. Todos os
direitos e ações pessoais, qualquer que seja a sua natureza, contra as pessoas
jurídicas de direito público, incorrem na quinquenária ou nas prescrições de prazo
menor previstas em lei especial.
275
Do mesmo modo, no que se refere às ações de natureza real, restou
consolidado pela doutrina e pela jurisprudência, a necessidade de que restassem
observados os paradigmas delineados pelo Código Civil. Tal critério decorreu da
circunstância inerente à natureza do direito regulado. Relações envolvendo o direito de
propriedade ou a posse de bens receberam regulação específica por parte do Direito
Civil, de modo que a prescrição das ações a tais direitos inerentes, deve restar
subssumida às regras de tal ramo da regulação jurídica. Tanto é assim que HELY
LOPES MEIRELLES destaca que:
275
ABREU, J. L. de. Obra citada, p. 52;
220
A prescrição das ações reais contra a Fazenda Pública’ tem sido considerada pelos
tribunais como sendo a comum de dez ou quinze anos, e não a qüinqüenal do Dec.
20.910/32. E sobejam razões para essa orientação jurisprudencial, uma vez que não
se pode admitir pretendesse o legislador alterar o instituto da propriedade, ao abreviar
a prescrição em favor da Fazenda Pública. Na verdade, como acentuam os julgados de
todas as instâncias que perfilham essa interpretação, admitir-se a prescrição
qüinqüenal nas ações reais equivaleria a estabelecer um usucapião de cinco anos em
favor da União, dos Estados-membros e dos Municípios, o que seria um novo meio de
adquirir, não admitido por lei.
276
Entretanto, no que se refere a possibilidade de ações imprescritíveis, tem-se
que situa problema fora da esfera do Direito Administrativo. Tal perspectiva de restar
avaliada no âmbito do Direito Processual. Desse modo, resulta manifesto que, tão-
somente, as ações de natureza condenatória assumem a condição de ações
prescritíveis. Ações de natureza declaratória, como também àquelas de natureza
constitutiva, sem prazo específico para o seu exercício, mostram-se como ações
imprescritíveis, além das relativas ao estado das pessoas e às relativas aos direitos
personalíssimos, porquanto essas últimas envolvem direitos indisponíveis. Nessa
senda, preleciona AGNELO DE AMORIM FILHO que:
Deste modo, fixada a noção de que a violação do direito e o início do prazo
prescricional são fatos correlatos, que se correspondem como causa e efeito, e
articulando-se tal noção com aquela classificação dos direitos formulada por
Chiovenda, concluir-se-á, fácil e irretorquivelmente, que só os direitos da primeira
categoria (isto é, os ‘direitos a uma prestação’), conduzem à prescrição, pois somente
eles são suscetíveis de lesão ou de violação, conforme ficou amplamente
demonstrado. Por outro lado, os da segunda categoria, isto é, os direitos potestativos
(que são, por definição, ‘direitos sem pretensão’, ou ‘direitos sem prestação’, e que se
caracterizam, exatamente, pelo fato de serem insuscetíveis de lesão ou violação), não
podem jamais, por isso mesmo, dar origem a um prazo prescriocional.
Por via de conseqüência chegar-se-á, então, a uma segunda conclusão importante:
as ações condenatórias podem prescrever, pois são elas as únicas ações por meio das
quais se protegem os direitos suscetíveis de lesão, isto é, os da primeira categoria da
classificação de Chiovenda.
277
Ademais, como ainda salienta AGNELO DE AMORIM FILHO:
276
MEIRELLES, H. L. Obra citada, p. 623;
277
AMORIM FILHO, Agnelo de. Critério científico para distinguir a prescrição da
decadência e para identificar as ações imprescritíveis, p. 19 a 20;
221
(...) não há qualquer razão para o legislador subordinar as ações declaratórias a prazos
extintivos, pois o seu uso, ou não-uso, não afeta, direta ou indiretamente, a paz social,
uma vez que elas nada criam e nada modificam — apenas modificam a ‘certeza
jurídica’. vimos, também, que até mesmo uma impossibilidade lógica em filiar as
ações declaratórias aos institutos da prescrição ou da decadência, uma vez que elas
não são meio de restauração de direitos lesados, nem meio de exercício de direitos
potestativos.
Quanto às ações constitutivas, a lei fixou prazo para a propositura de algumas
delas: são aquelas que se encontram enumeradas no art. 178, ao lado de várias ações
condenatórias. As demais ações constitutivas, não estando, como não estão, sujeitas a
qualquer prazo extintivo, devem ser classificadas como imprescritíveis, (ou perpétuas,
segundo a denominação que propusemos).
278
Conforme o acima realçado, não as ões de natureza declaratória, como
também às de natureza constitutiva, sem prazo fixado em lei, poderão, tanto pelo
administrado, quanto pela Administração Pública, serem ajuizadas a qualquer tempo,
não estando submetidas a qualquer prazo prescricional, como também as ações de
ressarcimento (art. 37, § 5º, da Constituição Federal), as quais assumem este caráter
de imprescritibilidade, não pela sua expressa previsão no texto constitucional, mas
também por força da via mediata decorrente dos princípios da supremacia do interesse
público e da moralidade administrativa, assegurando à Administração blica o direito
de a qualquer tempo reaver o que lhe foi ilicitamente subtraído, embora tal orientação
decorra, por razão mediata,, dos ditames inerentes ao Direito Processual em-si, e não
do Direito Administrativo, não havendo modo algum que permita afastar tal diretriz,
dado estar diretamente subordinada ao princípio da especificidade.
7.3. DIREITOS IMPRESCRITÍVEIS
Embora, a princípio, tenhamos alguma dificuldade para, de pronto, elencar um
conjunto significativo de direitos imprescritíveis, no âmbito da regulação privada, na via
da esfera pública alguns direitos mostram-se, mais de imediato, como uma
possibilidade de que se lhes reconheça a condição de que nunca serão atingidos pelo
evento prescricional.
278
AMORIM FILHO, A. de. Obra citada, p. 34;
222
Importa destacar, de imediato, contudo, que a terminologia ora adotada, qual
seja a de direitos imprescritíveis, sob uma certa forma, refoge do conceito usualmente
adotado, ou seja, naquele em que se cristalizou a idéia de que o que prescreve é a
ação e não o direito.
Ora, tal possibilidade decorre muito mais de uma visão estruturada a partir dos
limites e diretrizes estatuídas pela Constituição Federal, do que a partir do regramento
legal ordinário, como também da visão ortodoxa consolidada pelo pensamento
doutrinário com forte vocação dogmática. Tal perspectiva resulta fortalecida pela visão
de JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, o qual, nesse sentido, preleciona que:
Não é assim tão absoluta e rígida a regra, ainda em vigor, do D. n. 20.910, de 1932,
art. 1º, ao preceituar que ‘todo e qualquer direito ou ação, seja qual for sua natureza,
prescrevem em cinco anos’. De maneira alguma. Existem direitos e ações contra a
Fazenda Pública que nunca prescrevem. São direitos imprescritíveis embora pessoais.
São direitos subjetivos públicos, que, por sua natureza intrínseca, ficam imunes à
prescritibilidade, quer pelo caráter alimentar, quer pela índole previdenciária de que se
revestem.
O direito ao estipêndio, ‘pro labore facto’, por exemplo, é ‘imprescritível’. Se, por
qualquer motivo, o Estado deixa de pagar vencimentos ao funcionário, no todo ou em
parte, o direito público subjetivo de reivindicar esse pagamento, por ação própria, é
imprescritível.
Ligadas a algumas vantagens estão as denominadas licença-prêmio e a licença
especial, benefícios outorgados ao servidor público que trabalha durante dois, cinco ou
dez anos, conforme seu Estatuto e que, por isso, pode descansar durante alguns
meses, contar este tempo em dobro para alguns efeitos, ou, mesmo, converte o
repouso ‘in pecunia’. Esses direitos são imprescritíveis, ao contrário do que diz o direito
positivo pátrio. Podem ser pleiteados a qualquer tempo.
Embora desde se alerte para a possível impropriedade de algumas das
assertivas lançadas pelo insigne doutrinador, fruto da dinâmica legislativa, avulta, como
significativa, a possibilidade de que, em determinados casos, possamos reconhecer a
existência de alguns direitos imprescritíveis. Em realidade, tais direitos devem ser
buscados, por primeiro, no elenco concretizado pelas normas constitucionais
pertinentes; por segundo, não se há de confundir o direito em si com o seu exercício, ou
com a possibilidade de seu exercício.
223
No que se refere ao direito à aposentadoria, por exemplo, abstraída a
possibilidade da sua determinação compulsória, não se verifica muita dificuldade para
que se reconheça que, até o advento da determinação legal compulsória, na forma do
texto constitucional positivado (art. 40, § 1º, inciso II, da Constituição Federal), mesmo
tendo sido preenchidos os requisitos que possibilitam a aposentadoria voluntária do
servidor público, tal direito é imprescritível, mesmo que passados cinco anos da data
em que se viabilizou o exercício de tal pretensão.
Portanto, todos os direitos que tenham sido reconhecidos por força de norma
constitucional e que não tenham seu reconhecimento condicionado à regra jurídica
infraconstitucional, por ditame expresso da própria Constituição Federal, sob a
costumeira fórmula: nos termos da lei, não podem ser atingidos pela prescrição, salvo
àqueles em que a própria Constituição Federal estabeleça, ou venha a estabelecer,
prazo para o seu exercício ou reconhecimento, no fito de assegurar-lhe a sua
concretização.
Desse modo, caso a Administração Pública venha, por atuação da respectiva
esfera político-administrativa autônoma, observada a iniciativa constitucionalmente
fixada, a delimitar ou restringir, de qualquer forma, o exercício de algum direito
constitucionalmente fixado, de modo a afrontar os correspondentes preceitos
constitucionais, tal regramento resultará marcado por nulidade insanável decorrente de
sua inconstitucionalidade.
Portanto, nos termos do acima realçado é que se pode assentar que, nos
termos da Constituição Federal e, por decorrência do princípio da simetria, na forma do
disciplinado pelas correspondentes Constituições Estaduais, não se poderá estatuir
nenhuma forma de prescrição em relação a tais direitos, de modo a pretender
inviabilizá-los ou desconstituí-los. Tanto é assim que a Constituição Federal, no que se
refere à disciplina dos eventos prescricionais relativos aos agentes ou servidores
públicos, ou não, determinou a necessidade de lei de regulação a prazos prescricionais,
excluindo de tal diretriz, tão-somente, em relação a ilícitos por tais pessoas perpetrados,
desde que com causação de prejuízo ao erário.
224
Ademais, ao estender os direitos sociais previstos em seu art. 7º, a Constituição
Federal, em seu art.39, § 3º, em benefício dos servidores ocupantes de cargo público,
no que se refere a prestações de natureza patrimonial, de modo geral, não inseriu entre
tais regras legais, a prevista no inciso XXIX, do referido art. 7º, deixando claro que nem
mesmo os créditos resultantes das relações de trabalho, observada a sua
especificidade e sede, estão sujeitos ao prazo prescricional estatuído pela norma
constitucional, o que implica, contudo, o seu envio à regulação normativa
infraconstitucional.
de reconhecer-se, portanto, que, no caso em tela, a regulação passa a
submeter-se aos ditames do determinado pelo Decreto 20.910, de 06 de janeiro de
1932, e pelo Decreto-lei 4.597, de 19 de agosto de 1942. Ou seja, ao prazo de cinco
anos, no que se refere, tão-somente, às prestações devidas e vencidas, desde que
reconhecido o fundo de direito, o qual, no caso, por força do regramento constitucional,
torna-se, por via reflexa, imprescritível. De tal sorte, por força do conteúdo ideológico do
próprio sistema, no que se refere ao direito de, por exemplo, não receber remuneração
inferior ao valor correspondente ao salário mínimo, trata-se de direito imprescritível.
Outro direito imprescritível trata do direito à revisão do processo disciplinar, nos
termos do grafado pelo art. 174, da Lei Federal nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, o
qual por ditame legal expresso, poderá ser revisto a qualquer tempo, mostrando-se,
portanto, como pretensão informada a título de direito imprescritível. Dá-se, também,
como acima realçado, por preceito geral de cunho ideológico, ou seja, por força de uma
diretriz principiológica decorrente do próprio estatuto constitucional como fonte.
Por fim, não se pode olvidar a disciplina constitucional no que se refere à
pretensão de ressarcimento de prejuízo a ser suportado pelo Erário. À evidência, a
regra constitucional, por ora, afastou toda e qualquer discussão, na medida em que tais
ações assumem a condição de pretensões imprescritíveis. Contudo, tal compreensão
possui visões a ela contrárias. FÁBIO MEDINA OSÓRIO, analisando o grafado pelo art.
37, § 5º, da Constituição Federal, refere que:
Melhor refletindo sobre o assunto, parece-me que, ideologicamente, se mostra
inaceitável tal tese, embora, pelo ângulo dogmático, não haja alternativa hermenêutica.
225
Até mesmo um crime de homicídio (art. 121, ‘caput’, CP) sujeita-se a prazo
prescricional, por que uma ação por danos materiais ao erário escaparia desse
tratamento? Dir-se-á que essa medida não constitui uma ‘sanção’, eis a resposta. Sem
embargo, tal medida ostenta efeitos importantes e um caráter nitidamente ‘aflitivo’ de
um ponto de vista prático. Ademais, gera uma intolerável insegurança jurídica a
ausência de qualquer prazo prescricional. A melhor solução talvez fosse fixar um prazo
(elevado) mínimo de prescrição para essas demandas, jamais proibir, expressamente,
a configuração legislativa de prazos prescricionais para os casos de ressarcimento.
279
E mais, ainda:
Nada impede, todavia, sob o ângulo doutrinário, uma crítica a essa espécie de postura.
Aos operadores jurídicos, de qualquer sorte, cumpre respeitar a soberana decisão do
constituinte, ajuizando e julgando as ações cabíveis.
280
Assevera, por fim, o insigne doutrinador, que:
Não é possível uma ausência de limites para que alguém acione o outro por suposotos
danos materiais ao erário. Inexistindo prazo prescricional a determinada sanção
administrativa, imperioso o recurso à analogia, suprindo-se eventual omissão do
legislador, que está obrigado, constitucionalmente, a regular essa matéria.
281
Das assertivas lançadas pelo doutrinador retro-referido, avultam significados
relevantes. Por primeiro, verifica-se que tal visão, embora não concorde com a
mencionada imprescritibilidade, reconhece-a. Por segundo, em detrimento de sua
própria posição, destaca a impossibilidade de se confundir pretensão de ressarcimento
com pretensão punitiva, a título de sanção. É consabido que a pretensão de
ressarcimento não configura uma sanção administrativa. Por terceiro, há de destacar-se
que se mostra inadequado a utilização de analogia para o efeito de regular a questão
controvertida.
Ora, se a Constituição Federal assim definiu tal imprescritibilidade, tão-somente
em presença de outra norma constitucional poder-se-ia, em tese, buscar-se preceito a
ser esgrimido a título de modificação do sistema. Contudo, tal norma o existe, não se
279
OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador, p. 413;
280
OSÓRIO, F. M. Idem, ibidem;
281
OSÓRIO, F. M. Idem. p. 414;
226
podendo, de modo algum, pretender-se a construção de uma aplicação analógica a
partir de regra infraconstitucional, de molde a atenuar o rigor de regra constitucional.
Até mesmo a sugestão final de regulação da regra constitucional, por parte do
legislador infraconstitucional, mostra-se inadequada, na medida em que, caso assim
proceda, estar-se-á a gestar norma inconstitucional, no mínimo, em nível material. a
supressão da regra constitucional é que poderia dar azo a compreensão diversa. De tal
sorte, por ora, inequívoca é a imprescritibilidade das pretensões de ressarcimento de
prejuízos causados ao Erário, mostrando-se tal regra como exceção expressa às
diretrizes do sistema.
De tudo o que foi destacado acima, sem que se mostre necessário avançar-
mos mais em tal circunstância, resta seguro que, por força de mandamento
constitucional expresso, as ações de ressarcimento de prejuízos ao Erário, configuram-
se como ões imprescritíveis, repercutindo tal ditame, na esteira da fórmula de
compreensão aqui destacada, a imprescritiblidade estrutural do próprio direito.
Por fim, é de alertar-se que, no que atine a esfera de aplicação de sanções pela
prática de atos ilícitos ou irregulares, trata-se de matéria que deverá ser apreciada em
sítio próprio, o que se fará mais adiante, restando, portanto, redundante, passarmos à
sua análise no presente momento, já que, em breve, o faremos.
7.4. CAMPO DE INCIDÊNCIA DA IMPRESCRITIBILIDADE: TEORIA DAS NULIDADES
Matéria que até os dias de hoje tem-se mostrado controversa, diz respeito à
questão da possibilidade de identificar-se uma teoria que estabeleça as diretrizes
mínimas necessárias a respeito das nulidades no âmbito do Direito Público, em especial
no que se refere ao Direito Administrativo.
Contudo, a discussão que aqui interessa diz respeito ao evento prescricional
situado no âmbito da regulação administrativa, de modo que impende que, por primeiro,
situemos a questão, de forma brevíssima, de molde a não resvalarmos para uma
discussão alheia à questão prescricional, em si.
227
Toda questão pode ser localizada a partir de uma perplexidade específica, qual
seja a que diz respeito aos casos de invalidação dos atos administrativos. É evidente
que muitas outras circunstâncias poderiam ser elencadas, tais como a prescrição das
sanções administrativas, como também, o reconhecimento da prescrição, por parte do
Poder Judiciário, em relações jurídicas nas quais a Administração Pública é
protagonista. Contudo, não é isso que se buscará.
O ponto nodal a ser examinado será situado a partir da compreensão
preliminar, a título de pressuposto, de que tal matéria resulta controvertida, na medida
em que alguns acreditam que a perda da possibilidade de a administração prover sobre
dada matéria, em decorrência do transcurso do prazo dentro do qual poderia se
manifestar, não se assemelha à prescrição, mas sim à decadência. Tal visão, portanto,
determina um deslocamento da controvérsia da querela da teoria das nulidades, no
âmbito do Direito Administrativo. A partir de tal sítio não mais se trata, como naquela, da
possibilidade de uma atuação positiva da Administração Pública, para o efeito do
restabelecimento da ordem jurídica violada, tão-somente, mas do não exercício
tempestivo de um meio, de uma via prevista para defesa de um direito que se entenda
ameaçado ou violado, optando-se então pela própria extinção do direito de invalidar.
Neste sentido, destaca WEIDA ZANCANER que:
Se, em razão do exposto, podemos concluir que no Direito Privado a prescrição basta
para garantir a segurança jurídica, o mesmo não se no Direito Público, pois o
princípio da segurança jurídica fica resguardado através do instituto da decadência,
em se tratando de atos inconvalidáveis, devido ao fato de a Administração Pública ‘não
precisar valer-se da ação’, ao contrário do que se passa com os particulares, para
exercitar o seu poder de invalidar. Logo, o instituto da prescrição não seria suficiente
para pacificar a situação que advém da matéria objeto desse estudo. Tanto é exata tal
assertiva que não se concebe a possibilidade de interrupção ou suspensão do prazo
para a Administração invalidar, característica essa da decadência, em oposição à
prescrição.
Assim, muito embora a doutrina tenha utilizado o prazo prescricional como forma de
sanação dos atos inválidos, este consiste em prazo decadencial, para poder surtir os
efeitos em razão dos quais é invocado.
Ora, do próprio conteúdo de tal compreensão doutrinária, verifica-se que a
questão das nulidades persiste. Mesmo que se tenha deslocado a sua controvérsia
228
para fenômeno extintivo diverso. Na medida em que são referidos atos inconvalidáveis,
retorna-se à questão. Em realidade, o problema subliminar que persiste é o de que na
invalidação de algum ato administrativo, poderá ocorrer eventual conflito entre os
princípios da segurança jurídica e da legalidade, firmando-se o desacerto a partir de
uma compreensão de que, nessa hipótese, a indisponibilidade do interesse blico
deve sempre se sobrepor, mesmo que para isto tenha-se que admitir a supressão dos
direitos do administrado.
Por isso o que aqui se mostra relevante destacar é que a questão temporal
também se coloca como fator problemático. Faz-se necessário, portanto, perquerir se a
Administração Pública pode, a qualquer tempo, invalidar seus atos. De qualquer modo,
impende que se adote, como pressuposto inafastável, uma classificação doutrinária que
explicite as categorias que possam ser aceitas, na esfera do Direito Administrativo, a
respeito de seus atos viciados. HELY LOPES MEIRELLES destaca que:
Ato nulo é o que nasce afetado de vício insanável por ausência ou defeito substancial
em seus elementos constitutivos ou no procedimento formativo. A nulidade pode ser
‘explícita’ ou ‘virtual. É ‘explícita’ quando a lei comina expressamente, indicando os
vícios que lhe dão origem; é virtual quando a invalidade decorre da infringência de
princípios específicos do Direito Público, reconhecidos por interpretação das normas
concernentes ao ato. Em qualquer destes casos, porém, o ato é ilegítimo ou ilegal e
não produz qualquer efeito válido entre as partes, pela evidente razão de que não se
pode adquirir direitos contra a lei. A nulidade, todavia, deve ser reconhecida e
proclamada pela Administração ou pelo Judiciário (cap. XI, itens II e IV), não sendo
permitido ao particular negar exeqüibilidade ao ato administrativo, ainda que nulo,
enquanto não for regularmente declarada sua invalidade, mas essa declaração opera
‘ex tunc’, isto é, retroage às suas origens e alcança todos os seus efeitos passados,
presentes e futuros em relação às partes, só se admitindo exceção para com os
terceiros de boa-fé, sujeitos às suas conseqüências reflexas.
Embora alguns autores admitam o ‘ato administrativo anulável’, passível de
convalidação, não aceitamos essa categoria em Direito Administrativo, pela
impossibilidade de preponderar o interesse privado sobre o público e não ser
admissível a manutenção de atos ‘ilegais’, ainda que assim o desejem as partes,
porque a isto se opõe a exigência da ‘legalidade administrativa’. Daí a impossibilidade
jurídica de se convalidar o ato considerado ‘anulável’, que não passa de um ato
originariamente ‘nulo’. O que a doutrina admite é a chamada ‘conversão’ ou ‘sanatória’
de ato administrativo imprestável para um determinado negócio jurídico mas
aproveitável em outro, para o qual tem os necessários requisitos legais.
282
282
MEIRELLES, H. L. Obra citada, p. 156 a 157;
229
OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO, por seu turno, destaca que: Não
obstante dissenções na doutrina e na legislação dos povos cultos, na sistematização
dos princípios atinentes à teoria da invalidade dos atos jurídicos, no direito privado,
prevalece a distinção entre atos nulos e anuláveis.
283
Assume o festejado mestre tal
postura, na medida em que:
A distinção entre atos nulos e anuláveis, embora objeto de sistematização, pelos
civilistas, não envolve matéria jurídica de direito privado, mas de teoria geral do direito,
pertinente à ilegitimidade dos atos jurídicos, e, portanto, perfeitamente adaptável ao
direito público, especialmente, ao direito administrativo. Não se trata, por conseguinte,
de transplantação imprópria de teoria do direito privado para o direito público
inconciliável com os princípios informadores do ato administrativo.
Os atos administrativos ora padecem de vícios que os tornam juridicamente
insanáveis, e, destarte, não se admite a sua convalidação, ora de vícios sanáveis, e,
então, suscetíveis de convalidação.
284
MIGUEL SEABRA FAGUNDES, por seu turno, destaca que:
Atenta, porém, à particular natureza dos atos administrativos, não pode ser acolhida,
sem reserva, a sistematização da legislação civil, que é, em muitos casos,
evidentemente inadaptável àqueles atos. A nulidade como sanção com que se pune o
ato defeituoso por infringente das normas legais tem no direito Privado, principalmente,
uma finalidade restauradora do equilíbrio individual perturbado. No Direito Público já se
apresenta com uma função muito diversa. O ato administrativo, em regra, envolve
múltiplos interesses. Ainda quando especial, é raro que se cinja a interessar um
indivíduo. Há quase sempre terceiros cujos direitos afeta. 285
Por tal prisma, portanto, MIGUEL SEABRA FAGUNDES constrói concepção
diferenciada da haurida no Direito Privado. Para tal doutrinador, em razão,
primordialmente, da natureza pública de tais atos, por ele reconhecida, qualifica-os, em
razão de eventuais vícios, como: atos absolutamente inválidos, atos relativamente
inválidos, e atos irregulares. Ou seja, constrói sistema classificatório apoiado no
283
MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de direito administrativo,
volume I, Introdução, p. 576;
284
MELLO, O. A. B. de. Idem, p. 580;
285 FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder
Judiciário, p. 250;
230
fenômeno da validade do ato o que, de qualquer modo, remete a questão ao sistema de
direito positivo, a partir da restrita concepção de legalidade ou de ilegalidade do ato,
dado que a validade, ou a invalidade de um ato administrativo de ser apurado, ao
início, face aos termos da lei.
Visando proteger-se de eventual ataque, mormente em face da posição de
SEABRA FAGUNDES, OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO assevera, em
defesa de sua concepção, que: (...) a aplicação da teoria da nulidade e anulabilidade
dos atos em um outro ramo jurídico se adota pela semelhança de situação e identidade
de razão. Jamais pela identidade de situação. Consiste em aplicação analógica.
286
Em
tal posição, verifica-se, novamente, a referência a uma diretriz geral, a qual, sem dúvida
alguma, está assentada na lei e, por decorrência, no princípio da legalidade.
WEIDA ZANCANER, por seu turno, assevera que: (...) no estudo da invalidade,
o que se deve levar em conta são as conseqüências jurídicas que o direito objetivo
assinala, quando da emanação de atos que não lhe o acordes.
287
. Portanto, o que
sobreleva para tal doutrinadora é a conseqüência face à ordem jurídica positiva e não a
eventual categorização abstrata do ato a ser procedida pela doutrina ou pela
jurisprudência. De tal sorte, assevera a eminente Professora que:
Tendo em vista as conseqüências jurídicas que nosso ordenamento jurídico imputa aos
atos que não lhe são acordes, necessário se faz uma classificação dicotômica. Ei-la:
atos absolutamente sanáveis, atos absolutamente insanáveis, atos relativamente
sanáveis e atos relativamente insanáveis.
Os absolutamente sanáveis são aqueles que, apesar de produzidos em desacordo
com o Direito, este, pela irrelevância do defeito os recebe como se fossem regulares.
Seu reverso, os absolutamente insanáveis, são aqueles que o ordenamento jurídico
repele com radicalismo total, pois nem o tempo, nem a boa-fé, nem ato algum lhes
poderá conferir estabilização em razão da gravidade do vício.
Os relativamente sanáveis são aqueles que devem ser convalidados pela
Administração Pública ou sanados por ato do particular interessado. O tempo, contudo,
os estabiliza em cinco anos, ainda que não hajam sido convalidados ou saneados. Os
relativamente insanáveis são os que não podem ser convalidados, nem sanados por
286
MELLO, O. A. B. de. Obra citada, p. 583;
287 ZANCANER, Weida. Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos, p.
84;
231
ato do particular afetado, podem ser estabilizados ‘longi temporis’, ou, quando
concessivos de benefícios, ‘brevi temporis’, se existir boa-fé do beneficiado e norma ou
princípio que lhe serviria de apoio se houvessem sido regularmente expedidos.288
MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO acolhe a teoria geral das nulidades,
na forma do consolidado, em gênero, pelo Direito Civil, ou seja da existência de atos
nulos e de atos anuláveis, observando, contudo, que: (...) dispondo a Administração do
poder de autotutela, não pode ficar dependendo de provocação do interessado para
decretar a nulidade, seja absoluta seja relativa. Isto porque não pode o interesse
individual do administrado prevalecer sobre o interesse público na preservação da
legalidade administrativa.
289
MIGUEL REALE, por seu turno, ao tratar da teoria dos vícios e dos defeitos que
possam vir a impregnar os atos administrativos, além dos consagrados atos nulos e
anuláveis, acresce uma terceira categoria, a qual denomina de atos administrativos
inexistentes. Assevera o nominado Mestre que:
Focalizada a questão, agora sob o prisma da ‘praxis administrativa’, a ‘fidelidade’
aos objetivos da lei pode sofrer duas espécies fundamentais de infração; no caso das
‘nulidades de pleno direito’, é a lei mesma que em sua essência é ferida, por ter-se
deixado, intencionalmente ou não, de atender a uma exigência posta pelo legislador
como condição ‘sine qua non’ do ato administrativo; no caso das ‘nulidades relativas’, o
vício se refere a elementos extrínsecos, pertinentes, não à estrutura do ato em si, mas
às condições em que ele surge e se ‘efetiva’. Assim, nulo é o ato administrativo por
falecer competência a quem o pratica, ou por ter-se constituído com violação de
exigências essenciais expressamente enunciadas na lei para cada caso particular;
anulável é o ato, se resultante de cio de vontade, de erro, simulação ou fraude, não
se ‘efetivando’ a finalidade da lei senão de forma aparente, ou pela carência de
requisitos de caráter complementar ou acessório.
290
(...)
Em suma, enquanto o ato inexistente carece de algum elemento constitutivo e
permanece juridicamente embrionário, o ato nulo reúne todos os requisitos aparentes
de uma realidade jurídica, mas inidôneos, como tais, a produzir efeitos válidos, desde o
seu nascimento. o ato anulável reúne requisitos aptos a produzir efeitos até e
enquanto alguém não lhe conteste legitimamente a validade.
288
ZANCANER, W. Obra citada, p. 90 a 91;
289 DI PIETRO, M. S. Z. Obra citada, p. 235;
290
REALE, MIGUEL, Revogação e anulamento do ato administrativo: contribuição ao
estudo das figuras que integram o instituto da revisão dos atos administrativos pela própria
administração, p. 53 a 54;
232
20. O sentido da expressão ‘ato inexistente’ prende-se, pois ao fato de poder ser ele
considerado como tal, destituído ‘per se’ de qualquer relevância jurídica, por qualquer
do povo, sem necessidade de se recorrer ao pronunciamento, quer da autoridade
judiciária, quer da administrativa.
291
DIOGENES GASPARINI. De forma pontual, no que se refere aos atos
administrativos inválidos, de forma geral, diz que:
A nosso ver, uma espécie de ato administrativo inválido: o comumente chamado
de ato nulo. Desse modo, não se tem no Direito Administrativo, como ocorre no Direito
Privado, atos nulos e atos anuláveis, em razão do princípio da legalidade, incompetível
com essa dicotomia. Ademais, os atos anuláveis ofendem direitos privados, disponíveis
pelos interessados, enquanto os nulos agridem interesses públicos, indisponíveis pelas
partes. são anuláveis, aqui são nulos. O ato administrativo sempre ofenderá,
quando ilegal, um interesse público, sendo, portanto, nulo. Destarte, não como ser
aplicada no Direito Administrativo a teoria dos atos nulos e anuláveis do Direito
Privado.
292
Por seu turno, JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, após destacar que tal
matéria esta informada por forte controvérsia, refere que:
A adaptabilidade ou não da teoria das nulidades ao Direito Administrativo provocou
funda cisão na doutrina, dividindo-a em dois pólos diversos e antagônicos.
De um lado, a teoria monista, segundo a qual é inaplicável a dicotomia das nulidades
ao Direito Administrativo. Para estes autores, o ato é nulo ou válido, de forma que a
existência de vício de legalidade produz todos os efeitos que naturalmente emanam de
um ato nulo.
De outro lado está a teoria dualista, prestigiada por aqueles que entendem que os
atos administrativos podem ser nulos ou anuláveis, de acordo com a maior ou menor
gravidade do vício. Para estes, como é evidente, é possível que o Direito
Administrativo conviva com os efeitos não da nulidade como também da
anulabilidade, inclusive, neste último caso, com o efeito da convalidação de atos
defeituosos.
Na doutrina estrangeira, encontramos inúmeros adeptos da doutrina dualista, como
CASSAGNE, MARCELO CAETANO, GUIDO e POTENZA, RENATO ALESSI etc.
291
REALE, M. Obra citada, p. 50 a 51;
292
GASPARINI, D. Obra citada, p. 103;
233
Permitimo-nos perfilhar a doutrina dualista, embora não possamos deixar de assinalar
um aspecto que nos parece fundamental. É que a regra geral deve ser a da nulidade,
considerando-se assim graves os cios que inquinam o ato, e somente por exceção
pode dar-se a convalidação de ato viciado, tido como anulável. Sem dúvida é o
interesse público que rege os atos administrativos, e tais interesses são indisponíveis
como regra. Apenas quando não houver reflexo dos efeitos do ato viciado na esfera
jurídica de terceiros é que se poderá admitir seja convalidado; a não ser assim, forçoso
seria aceitar que a invalidade possa produzir efeitos válidos.
293
Contudo, sob a ótica da teoria da prescrição, independentemente das variadas
classificações apresentadas, tal discussão, em especial no que se refere aos atos
administrativos qualificados como inexistentes, se encontra, de muito superada,
na medida em que a possibilidade de prescritibilidade da prerrogativa inerente à
Administração Pública de rever aos seus próprios atos, configura circunstância
reconhecida como possível pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, seja qual for a sua
natureza.
Após tal trajeto pelas variadas concepções doutrinárias a respeito da nulidade,
da anulabilidade, e até da inexistência, enfim, da invalidade dos atos administrativos,
resulta viável examinar-mos, portanto, os efeitos de tais concepções a partir do prisma
da prescrição administrativa. Tal prisma há de ser visto, contudo, a partir de uma
pretensão que visa examinar a possibilidade, em um sentido positivo, ou a
impossibilidade, em um sentido negativo, de que a Administração Pública possa, ou não
possa, a partir, por primeiro, de um determinado momento, revisar os seus atos, ou
então, por segundo, a partir de qualquer momento, proceder a tal revisão.
Contudo, de qualquer modo, impende que manifestemos, de pronto, a posição
que aqui se assume em relação à cognominada teoria das nulidades do atos
administrativos. A nosso sentir, respeitadas às doutas opiniões em contrário, parece-
nos que o melhor caminho a ser seguido transita pela concepção dualista, ou seja: os
atos administrativos inválidos poderão ser categorizados como nulos, ou como
anuláveis. Tal perspectiva, contudo não nasce de uma mera adoção de critério por
simpatia, mas sim a partir da construção de um critério que busca sua concretização
293
CARVALHO FILHO, J. dos S. Obra citada, p. 119;
234
pela interpretação do conteúdo das súmulas 346 e 473, ambas do Supremo Tribunal
Federal.
Diz a súmula 346 daquele Egrégio Tribunal que: A administração pública
pode declarar a nulidade dos seus próprios atos. Ora, de tal preceito resulta seguro
afirmar dois pontos incontroversos. O primeiro, no sentido de que a Administração
Pública pode rever seus próprios atos, na medida em que a Suprema Corte nacional
acolhe tal concepção. Por segundo, torna-se incontroverso que se a Administração
Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos, por conseqüência, também
pode não declarar. Contudo, o divisor de águas de tais prerrogativas, a nosso sentir,
situa-se no princípio da legalidade. De tal sorte, se o ato fere, de modo grave e
insanável, a algum ditame legal, resulta ser dever da Administração Pública anular tal
ato. Contudo, se o vício mostra-se factível de ser corrigido, porquanto não ofensa
insanável à lei, a Administração Pública, após a adequação do ato aos ditames legais,
não necessitará anulá-lo.
Tal concepção resulta reforçada a partir do preceituado pela súmula nº 473, a
qual disciplina que: A administração pública pode anular seus próprios atos, quando
eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou
revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos
adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. Portanto, sendo o
ato administrativo portador de vício de ilegalidade estrita, a Administração Pública não
tem outro caminho senão o de anulá-lo. Por raciocínio ao reverso, sendo o ato portador
de vício de ilegalidade relativa, não há porque a Administração Pública anulá-lo. Tudo,
em princípio, porque da ilegalidade não se originam direitos.
Voz marcante na defesa da tese da imprescritibilidade do poder-dever de
anular, a qualquer tempo, atos administrativos marcados pelo vício da nulidade, RÉGIS
FERNANDES DE OLIVEIRA assenta sua concepção em duas premissas básicas. A
primeira, no sentido de que: Ao administrador cabe sempre reconhecer a nulidade de
algum ato, desde que praticado com vício, bem como decretar-lhe a nulidade, que
235
qualquer deles é incompatível com a indisponibilidade do interesse público.
294
A
segunda, ao assentar que:
Partilha-se, nesse passo, da orientação de Hely Lopes Meirelles, ao afirmar que ‘o ato
administrativo é legal ou ilegal; é válido ou inválido. Jamais poderá ser legal ou meio
legal; válido ou meio válido, como ocorreria se se admitisse a nulidade relativa ou
anulabilidade, como pretendem alguns autores que transplantam teorias do Direito
Privado para o Direito Público sem meditar na sua inadequação aos princípios
específicos da atividade estatal. O que pode haver é correção de mera irregularidade
que não torna o ato nem nulo, nem anulável, mas simplesmente defeituoso ou ineficaz
até a sua ratificação.
Discorda-se, no entanto, do renomado autor, quando admite a prescrição dos atos,
pelos motivos já anteriormente expostos.
295
No sentir de RÉGIS FERNANDES DE OLIVEIRA, conforme o acima explicitado,
tanto a indisponibilidade que caracteriza o interesse público, quanto a ilegalidade do
ato, caracterizam-se como fatores impeditivos da convalidação do ato administrativo
nulo, devendo a Administração Pública proceder à sua anulação, prerrogativa esta que
tal doutrinador entende imprescritível.
296
294
OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Ato administrativo, p. 132;
295
OLIVEIRA, R. F. de. Obra citada, p. 134;
296
Em arrimo de sua tese, Régis Fernandes de Oliveira refere, à fl. 133, de sua obra
denominada: Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos, o Recurso Especial n°202.362,
oriundo da Paraíba (99/0007364-9), tendo como relator o Min. Edson Vidigal e, como Recorrente, o
Estado da Paraíba (Advogado: Joas de Brito Pereira Filho e outros), e como recorrido José Valdevino
Filho (Advogado: José Hiram de Castro Veríssimo), cuja ementa explicita que: PROCESSUAL CIVIL.
MANDADO DE SEGURANÇA. ATO OMISSIVO DO SECRETÁRIO DE FINANÇAS. DECADÊNCIA. NÃO
CONFIGURAÇÃO. Não se verifica a decadência do direito de anular Ato Administrativo se a
Administração, devendo agir de oficio, não o faz; a cada ato omissivo resta configurada uma lesão ao
direito do impetrante. 2. Recurso não conhecido. Interessante destacar, contudo, o teor do voto condutor
da decisão, no qual resta explicitado pelo Exmo. Sr. Ministro EDSON VIDIGAL que: (...) o recorrido,
Fiscal de Tributos no Estado da Paraíba, foi descredenciado pela Portaria n° 027/GSF, de 23.04.97, do
Secretário de Finanças, por suposto envolvimento de extorsão com a empresa DISPABEL —
Distribuidora Paulista de Bebidas LTDA, muito embora tenha a Comissão de Inquérito formada para
apurar os fatos opinado pela sua suspensão por 90 (noventa) dias. Pediu o servidor a revisão do
inquérito, em petição juntada aos autos às lis. 14/18, tendo a Comissão Especial de Revisão opinado pela
absolvição do acusado, por absoluta falta de provas, e seu conseqüente arquivamento (fis. 19/21).
Parecer levado ao conhecimento do Sr. Governador do Estado, que opôs seu acordo (fl. 23). Foi a partir
dessa decisão que nasceu para o ora recorrido o direito líquido e certo de retomo ao cargo antes
ocupado. Não obstante a decisão tomada pelo Chefe do Poder Executivo estadual, o Secretário de
Finanças omitiu-se quanto à revogação da Portaria de descredenciamento. Cada mês em que não
realizada, da omissão desse ato renasce a ofensa do direito e a conseqüente pretensão a obter
judicialmente a satisfação. Ademais, não há de se reconhecer, como quer o recorrente, que o ato de
236
Para que bem se compreenda tais variáveis, importa que atentemos para a
preciosa e precisa lição de WEIDA ZANCANER, quando tal doutrinadora preleciona
que:
(...) a Administração Pública não tem por função dizer o Direito. A necessidade de
completa subsunção da Administração à lei não é um fim em si, mas constitui meio
para que ela possa cumprir o fim ao qual se encontra adstrita, isto é, a consecução do
interesse público.
Óbvio está que o interesse público deve ser conseguido através da fiel subsunção à lei;
todavia, esta assertiva não implica dizer que cabe à Administração Pública a aplicação
de normas jurídicas com o fito de dizer o Direito. Ao Judiciário é atribuída essa função,
e não ao Executivo.
O administrador público utiliza-se da lei e a ela se vincula para perseguir o interesse
público, mas a Administração Pública não é o órgão guardião da lei, e haverá
momentos em que não poderá mais invalidar seus próprios atos; em outros, verá a
sanação dos vícios que os afetam independentemente de seu querer.
297
Por isso, em razão de tão acertada assertiva, há de tomar-se em conta a
advertência formulada por ALMIRO DO COUTO E SILVA, no sentido de que:
A consagração dessa idéia importou que se formasse obstáculo intransponível à
integral transposição para o Direito Administrativo da teoria das invalidades do direito
privado. É sabido que, desde o Direito romano, prevalece no Direito privado a regra de
que o ato jurídico nulo de pleno direito jamais pode gerar efeitos jurídicos: ‘quod nullum
est nullum producit effectum’. Daí se extrai o corolário de que a nulidade absoluta é
perpétua. Ela é insuscetível de sanar ou de convalescer. A essas características
associam muitos autores a imprescritibilidade da pretensão à decretação de invalidade
do ato absolutamente nulo. E é por isso, também, que, em face de deficiência tão
grave, pode o juiz decretar de ofício a nulidade, enquanto que, em se tratando de
anulabilidade, seu pronunciamento fica condicionado à provocação dos interessados.
descredenciamento foi discricionário, tendo em vista a natureza jurídica da função exercida pelo servidor,
exonerável de oficio; essa conclusão não explica o fato de ter o impetrante continuado a exercer a
função, mesmo depois do rotulado ‘descredenciamento’, conforme demonstra os contracheques juntados
à fl. 24. Assim, não conheço do Recurso. É o voto. Da análise da decisão em tela verifica-se, contudo,
que o exemplo não se presta à tese defendida pelo autor, já que o direito à anulação do ato
administrativo de credenciamento está abarcado pelo acervo jurídico do servidor e não da Administração
Pública, o que, aliás, foi-lhe reconhecido em sede de mandado de segurança. Portanto, não se há que
falar em decadência, mas sim poder-se-ia falar em prescrição de direito pessoal do então impetrante, o
que, à evidência, fica subordinado ao disciplinado pelo Decreto nº 20.910, de 06 de janeiro de 1932;
297
ZANCANER, W. Obra citada, p. 23 a 24;
237
Ora, esses traços que compõe o quadro geral da invalidade dos atos jurídicos no
direito privado não podem ser deslocados por inteiro para o direito público porque a
noção de interesse público ou de utilidade pública, em torno da qual se estrutura e gira
todo aquele setor do direito, pode exigir, em certas situações, a permanência no
mundo jurídico do ato originariamente inválido, pela incidência do princípio da
segurança jurídica.298
A pretendida transposição dos conceitos que integram a teoria das nulidades no
âmbito do Direito Privado não se mostra de toda adequada. Aliás, é a partir de tal
transposição pura e simples que originou-se a base da concepção que, tomado em
conta o interesse público face a ato nulo, em sendo tal nulidade na conformidade da
concepção firmada pelo Direito Privado absoluta e perpétua, insanável e não
convalidável seria a pretensão de decretação da nulidade de ato administrativo nulo,
tornando-se, portanto, imprescritível tal possibilidade de atuação da Administração
Pública, o que, à evidência, face ao sistema jurídico nacional, mormente a partir das
diretrizes constitucionais, resulta, hodiernamente, em gritante absurdo.
De tal modo, tornou-se evidente que as noções de interesse público ou de
utilidade pública, em sua caracterização de elementos estruturais do Direito
Administrativo, em certas situações podem exigir a permanência no mundo jurídico do
ato originariamente inválido, não por força do princípio da segurança jurídica, para o
efeito de que o ato possa ser convalidado, de molde que a nulidade possa ser sanada,
mormente quando passado longo período. Tudo se em razão da circunstância de
que, a partir da imobilidade do administrador público, gera-se a crença na legitimidade
do ato. De modo que restabelecer uma formal legalidade poderá causar mal maior,
restando, aí sim, lesados, de forma reflexa, o interesse e a utilidade pública.
Portanto, em razão da evolução das concepções que estruturam a
compreensão da indispensabilidade de um vínculo lógico e racional entre realidade e
sistema jurídico normativo, tem-se que, no cotejo entre os princípios da legalidade e da
segurança jurídica, prepondera o da segurança como imposição de uma justiça
material. Ou seja, em tais circunstâncias, no cotejo dos dois subprincípios do Estado de
298
SILVA, Almiro do Couto e. Prescrição qüinqüenária da pretensão anulatória da
administração pública com relação a seus atos administrativos, p. 24 a 25;
238
Direito, o da legalidade e o da segurança jurídica, este último prevalece sobre o outro,
como imposição da justiça material.
299
Por tais razões, portanto, desde se pode afirmar, embora tal questão resta
tratada em espaço próprio, não há mais sentido algum em que se possa insistir,
salvante a hipótese constitucional realçada, na assertiva de que as pretensões da
Administração Pública são imprescritíveis com relação aos administrados e aos
servidores, em geral, em especial no que diz respeito às eventuais nulidades de que
possam padecer os atos administrativos.
Equívoco eventual poderia surgir na medida em que procedêssemos tal análise
a partir da qualificação do ato administrativo em relação às suas feições de ato de
império, para o efeito de reconhecer-mos, ou não, a possibilidade de perda, por parte
da Administração Pública, da prerrogativa de, a qualquer tempo, poder rever seus atos
e, no que aqui interessa, de decretar a nulidade de ato administrativo que entenda estar
maculado por algum cio. Contudo, tal perspectiva de reconhecimento da
impossibilidade de perda de tal prerrogativa de revisão, mostra-se totalmente
desconforme com o contemporâneo sistema jurídico positivado, exigindo, dos que
assim pensam, a construção de teorias singularmente interessantes. Nessa senda,
FABIANO DE LIMA CAETANO afirma que: Ao nosso sentir, o que realmente ocorre é a
aquisição de um direito por parte do administrado pela inércia da Administração e o
decurso do tempo, pela validação do ato. É a prescrição aquisitiva.
300
Diante de tal perspectiva, o que se verifica na posição retro mencionada é um
exercício de verdadeiro malabarismo argumentativo, no fito de reconhecer, por uma via
totalmente transversal à orientação doutrinal majoritária, uma circunstância consolidada
pela própria ordem jurídica positivada. Tanto é assim que a idéia de uma prescrição
aquisitiva à não revisão do ato administrativo marcado por alguma espécie de vício
capaz de nulificá-lo, estaria a caracterizar, a partir do mesmo raciocínio desenvolvido
pelo mencionado doutrinador, uma afronta ao poder de império do Estado, dado que, do
299
SILVA, A. do C. e. Obra citada, p. 25;
300
CAETANO, F. de L. Obra citada, p. 5;
239
mesmo modo, estaria a imobilizar a Administração Pública, o que, de forma absoluta,
resultaria inaceitável.
É consabido que: Imperatividade é o atributo pelo qual os atos administrativos
se impõe a terceiros, independentemente de sua concordância.
301
Contudo, como bem
explicita HELY LOPES MEIRELLES:
A ‘imperatividade’ decorre da existência do ato administrativo, não dependendo da
sua declaração de validade ou invalidade. Assim sendo, todo ato dotado de
imperatividade deve ser cumprido ou atendido enquanto não for retirado do mundo
jurídico por revogação ou anulação, mesmo porque as manifestações de vontade do
Poder Público trazem em si a ‘presunção de legitimidade. ’
302
Ora, não se pode confundir poder de império com a própria existência e
validade dos atos administrativos. Enquanto tal poder, à evidência, nunca decai e nunca
prescreve, o mesmo não se dá em relação aos atos por ela perpetrados em razão das
praticas que a Administração Pública exercita, a cavaleiro das prerrogativas a ela
asseguradas, em razão de tal poder. Portanto, limites à possibilidade de que a
Administração Pública revise seus atos, sem que isso implique na perda ou na
diminuição de seu poder de império, tanto que, na lição de ALEXANDRE GROPPALI:
Nem o direito é qualquer coisa que está por si mesmo, fora e acima do Estado, uma
vez que ele representa o procedimento e a forma através dos quais o Estado se
organiza e ordens; nem o Estado, por outro lado, pode agir independentemente do
direito, porque é através do direito que ele forma, manifesta e faz atuar a própria
vontade.
O Estado é órgão do direito, assim como o direito representa a função específica do
Estado, e entre eles, conseqüentemente, ocorrem as mesmas relações que
normalmente ocorrem entre órgão e função, isto é, relações de correlação e
compenetração. Sob esse aspecto pode admitir-se com Binder, que o Estado
representa ‘a unidade vivente de um povo na forma do direito’, mesmo sem aderir à
sua idéia de que o Estado seja um fenômeno de criação do Espírito objetivo.
303
301
DI PIETRO, M. S. Z. Obra citada, p. 193;
302
MEIRELLES, H. L. Obra citada, p.143;
303
GROPPALI, Alexandre. Doutrina do estado, p. 168;
240
Por outro lado, da lição de ALEXANDRE GROPPALI, resulta manifesto que o
nominado poder de império titulado pelo Estado e, por decorrência, pela Administração
Pública, não configura um poder isento de qualquer limite e de qualquer controle. Está
submetido ao direito. Desse modo, os atos administrativos, mesmo àqueles que o
oriundos, de forma direta, de tal poder de império, não se mostram como manifestações
isentas ao controle pela lei.
Nessa senda, a partir da própria Teoria Geral do Estado exsurgem duas
concepções relevantes. A primeira, no que atine à diretriz no sentido de que, em sendo
o ato nulo, a Administração Pública deverá atuar, de molde a resguardar a ordem
jurídica violada. Por segundo, no que atine ao fato de que, mesmo tendo a
Administração Pública percebido a nulidade de algum de seus atos, deverá submeter-
se ao ordenamento jurídico, no fito de que a sua eventual atuação deva estar limitada
pelo direito e, por conseqüência, como decorrência da própria natureza do direito,
limitada a um determinado período de tempo.
Desse modo, tudo se dá, além das circunstâncias e fatores acima apontadas,
em presença de uma razão pela qual a Administração Pública não mais poderá rever
aos seus atos, que o Estado, como organização política, tem como fim a promoção
do bem comum, estando as suas decisões e o seu poder limitados, estruturalmente,
pelo direito.
Em realidade, o que se mostra indispensável reconhecer é que a teoria das
nulidades, independentemente dos institutos que possam vir a integrá-la, assume, na
esfera da regulação administrativa, um sentido diverso do assimilado pela ordem
privada,
304
como também, de modo concomitante, tal circunstância não implica que a
Administração Pública não deva submeter-se a um prazo prescricional para agir.
Ademais, tal posição resultou fortalecida a partir da lúcida posição assumida
pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de que:
304
Nesse sentido, assevera Vital Moacir Silveira que: As súmulas 346 e 473 do STF
reconhecem à Administração a faculdade de decretar a invalidade dos seus próprios atos quando
eivados de vícios ou de revoga-los por razão de oportunidade e conveniência. Inobstante, a
administração não disponha de séculos et séculos para agir. É que a teoria das nulidades
nulidades e anulabilidades não é axiologizada do mesmo modo no Direito Público e no Privado.
In: Revista dos Tribunais, fascículo cível, ano 89, março. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000, p. 129;
241
(...) se a decretação de nulidade é feita tardiamente, quando a inércia da Administração
permitiu se constituíssem situações de fato revestidas de forte aparência de
legalidade, a ponto de fazer gerar nos espíritos a convicção de sua legitimidade, seria
deveras absurdo que, a pretexto da eminência do Estado, se concedesse às
autoridades um poder-dever indefinido de autotutela. Desde o famoso ‘affaire Chachet’,
é esta a orientação no Direito francês, com os aplausos de Maurice Hauriou, que bem
soube pôr em realce os perigos que adviriam para a segurança das relações sociais se
houvesse possibilidade de indefinida revisão dos atos administrativos.
305
de ter-se em conta, por questão de singela razoabilidade, que a garantia à
Administração Pública de, a qualquer tempo, atuar para o efeito de proceder à anulação
de seus próprios atos eivados de vício que os qualifique como nulos, estar-se-á, não só
estimulando a intranqüilidade social, como também ferindo ao próprio Estado
Democrático de Direito, sob o arrimo de uma exagerada fidelidade ao princípio da
legalidade, em seu senso mais estrito. Nessa senda, bem alerta ALMIRO DO COUTO E
SILVA que:
A dificuldade no desempenho da atividade jurídica consiste muitas vezes em saber o
exato ponto em que certos princípios deixam de ser aplicáveis, cedendo lugar a outros.
Não são raras as ocasiões em que, por essa ignorância, as soluções propostas para
problemas jurídicos tem, como diz Bernard Schwartz, ‘toda a beleza da lógica e toda a
hediondez da iniqüidade’.
A Administração Pública brasileira, na quase generalidade dos casos, aplica o princípio
da legalidade, esquecendo-se completamente do princípio da segurança jurídica. A
doutrina e jurisprudência nacionais, com as ressalvas apontadas, tem sido muito
tímidas na afirmação do princípio da segurança jurídica.
Ao dar-se ênfase excessiva ao princípio da legalidade da Administração Pública e ao
aplica-lo a situações em que o interesse público estava a indicar que não era aplicável,
desfigura-se o Estado de Direito, pois se lhe tira um dos seus mais fortes pilares de
sustentação, que é o princípio da segurança jurídica, e acaba-se por negar justiça.
306
Resulta insofismável que, mesmo em presença de atos marcados pela
nulidade, mostrando-se inerte a Administração Pública, não porque deixar-se de
305
Brasil. Supremo Tribunal Federal, 1ª Turma, Relator: Min. Bilac Pinto. Recorrente:
Estado do Rio de Janeiro. Recorridos: Lindalva Medeiro de Garrido e outros. Recurso
Extraordinário nº 85.179. Rio de Janeiro. Revista Trimestral de Jurisprudência, volume 83.
Brasília, p. 923;
306
SILVA, A. do C. e. Obra citada, p. 62;
242
reconhecer que a possibilidade de atuação do Estado de restar atingida pela
prescrição.
Contudo, de indagar-se se eventual ausência de previsão legal de prazo
específico, poderia dar azo ao reconhecimento de que a atuação da Administração
Pública restaria inviabilizada para agir, ante a presença de um princípio de
prescritibilidade.
ALMIRO DO COUTO E SILVA, por seu turno, refere, a título de regra geral
implícita, o prazo de cinco anos, buscando tal referência, por analogia, junto grafado
pelo art. 21, da Lei n. 4.717/65, agregando que tal compreensão está visceralmente
associada à própria lógica do sistema jurídico, de modo que, por tal percepção, além de
obter-se a solução da controvérsia no âmbito do próprio sistema jurídico positivado,
estar-se-ia, também, a preservar a própria harmonia do sistema;
Entretanto, na busca de resposta à perplexidade acima realçada, não há
de deixar de reconhecer a existência de uma tendência, de uma forma
generalizada, por parte da doutrina nacional, em lastrear tal delimitação a partir
do regulado pelo Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932 e pelo Decreto-lei nº
4.597 de 19 de agosto de 1942. Contudo, é consabido que, além de existirem
outros regramentos legais a estabelecer prazos prescricionais, tais paradigmas
hão de ser considerados a partir de suas próprias limitações.
Conforme adverte PAULO DE TARSO DRESCH DA SILVEIRA:
(...) é possível afirmar-se que na realidade nacional, tanto o Decreto nº
20.910/32 como o Decreto-Lei nº 4.597/42 têm o seu campo de aplicação
limitado, apenas, às pessoas jurídicas de direito público, quais sejam: União
Federal, Estados-Membros, Municípios, Distrito Federal, autarquias e Fundações
Públicas, sendo aplicados, para as demais pessoas jurídicas da Administração
Pública Indireta, os prazos previstos no artigo 177 do Código Civil brasileiro.
307
É necessário salientar-se, a fim de que se tenha clara visão da aplicação do
instituto da prescrição no campo do direito administrativo nacional, que os dois
307
Nos dias de hoje, em razão da revogação da Lei nº 3.071, de 01 de janeiro de 1916
pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, a qual instituiu o novo código civil brasileiro, tal
dispositivo restou substituído pelo disposto no artigo 205 do novo estatuto civil brasileiro, ora
vigente, o qual disciplina que: Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe
haja fixado prazo menor. O anterior dispositivo dispunha que: Art. 177. As ações pessoais
prescrevem, ordinariamente, em 20 (vinte) anos, as reais em 10 (dez), entre presentes, e entre
ausentes em 15 (quinze), contados da data em que poderiam ter sido propostas;
243
decretos acima referidos deixam de ser utilizados, mesmo em se tratando de
pessoas jurídicas de direito público, quando a ação ajuizada pelo particular
contra essas for de natureza real, sendo, nessa hipótese, aplicados os prazos
previstos nodigo Civil brasileiro, quais sejam: dez anos entre presentes e
quinze entre ausentes, conforme já teve condições de se manifestar o Supremo
Tribunal Federal desde longa data.
Buscar-se em tais referenciais normativos o prazo de cinco anos como sendo
um prazo passível de ser universalizado, à exceção de outros diplomas legais que
estabelecem prazos específicos, resulta, portanto, de todo impróprio. Ademais, outra
tendência que se mostra em evolução, diz respeito à utilização, por analogia, do prazo
grafado pelo art. 54, da Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Diz tal dispositivo legal
que:
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram
efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que
foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da
percepção do primeiro pagamento.
§ Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade
administrativa que importe impugnação à validade do ato.
A respeito de tal tipologia, chama a atenção, por primeiro, a designação legal do
prazo como sendo de decadência e não de prescrição. A respeito de tal qualificação
conceitual, refere RAPHAEL PEIXOTO DE PAULA MARQUES que: (...) a natureza do
prazo de que a Administração goza para invalidar seus atos viciados é decadencial,
pois não pressupõe uma ação processual.
308
. A nosso sentir, contudo, tal conclusão
resulta equivocada. Não é a ausência de possibilidade jurídica para o ajuizamento de
uma ação que transforma um prazo prescricional em decadencial, mas sim a natureza
do fator impeditivo em si. No caso em tela, o fato de a Administração Pública não mais
poder anular ato administrativo viciado, nas condições do explicitado pelo dispositivo
em questão, não implica em perda do direito de anular, mas sim perda da possibilidade
de atuação de natureza invalidante. Portanto, se a Administração Pública não age no
308
MARQUES, R. P. de P. Obra citada, p. 17;
244
lapso legalmente fixado, o seu direito de invalidar continua intacto, restando, tão-
somente, obstada em agir. O direito em-si não desaparece.
Tanto é assim que, caso o ato tenha provocado efeito desfavorável ao
administrado, tal prazo não mais se aplica. Como também, caso o administrado ou a
Administração Pública, por seus agentes, tenham agido de má-fé, tal prazo, novamente,
não se aplica. Ora, admitir-se que o evento extintivo de uma prerrogativa única, qual
seja a de invalidar os atos viciados, assume naturezas distintas, tão-somente, em
relação às conseqüências, ou a informação subjetiva que imantaram o ato
administrativo em si, redunda em manifesta incoerência, além de ferir com gravidade o
interesse público, no que se refere à hipótese de efeitos adversos ao administrado, na
medida em que se privilegia o interesse privado sem qualquer justificativa plausível.
Para que tal pretensão restasse dotada de um mínimo de racionalidade, deveria
a regra estabelecer prazos idênticos, até porque se a lei assim não o fez pode estar
dando azo para que, em razão da omissão legal apontada, possam alguns invocar o
malsinado preceito da imprescritibilidade. Ou seja, no caso de atos administrativos
perpetrados sob a influência de má-fé do administrado, ante a não previsão legal
expressa do prazo para a invalidação do ato, teria a Administração Pública, em tese,
oportunidade para agir a qualquer tempo, o que, como já realçado acima, se mostra de
todo iníquo, e em colisão direta com o âmago do sistema.
de advertir-se que não a categorização da lei, como também de parte da
doutrina, encontra apoio na assertiva lançada por WEIDA ZANCANER, a qual refere
que:
(...) podemos concluir que no Direito Privado a prescrição basta para garantir a
segurança jurídica, o mesmo não se no Direito Público, pois o princípio da
segurança jurídica só fica resguardado através do instituto da decadência, em se
tratando de atos inconvalidàveis, devido ao fato de a Administração Pública ‘não
precisar valer-se da ação, ao contrário do que se passa com os particulares, para
exercitar o seu poder de invalidar. Logo, o instituto da prescrição não seria suficiente
para pacificar a situação que advém da matéria objeto desse estudo. Tanto é exata tal
assertiva que não se concebe a possibilidade de interrupção ou suspensão do prazo
para a Administração invalidar, característica essa da decadência, em oposição à
prescrição.
245
Assim, muito embora a doutrina tenha utilizado o prazo prescricional como forma de
sanação dos atos inválidos, este consiste em prazo decadencial, para poder surtir os
efeitos em razão dos quais é invocado.309
Entretanto, tal assertiva encontra resposta na manifestação de ODETE
MEDAUAR, a qual, com clareza inatacável destaca:
Sem a preocupação de discutir o objetivo de proteção do direito do funcionário ou
particular, que também informa, a nosso ver, o procedimento sancionador, inegável
que se regula precipuamente o exercício do poder atribuído à Administração.
Quando a legislação respectiva menciona o termo ‘prescrição’ ou ‘prescrever’ ou
quando tais obstáculos dizem respeito a prazos para apresentar reclamação ou
recurso de particulares ou servidores na via administrativa, não se trata do mesmo
instituto da prescrição tradicionalmente contraposta à decadência pela doutrina
especializada.
O que se utiliza é a idéia essencial de uma figura que impede a atuação da
Administração ou o uso da via administrativa pela passagem do tempo. Essa figura, em
virtude daquela idéia essencial, tem sido denominada prescrição administrativa porque
dotada de características próprias, sem envolver ação em juízo.
310
Trata-se, como destacado acima, de uma idéia essencial, cuja denominação diz
respeito, tão-somente, a um impedimento de atuação da Administração Pública, e não
da perda de seu direito de invalidar atos marcados por vício de ilegalidade.
Por isso, de indagar-se, por primeiro, em que sentido a segurança jurídica
restaria atingida, caso o prazo fosse de prescrição. À evidência, em nenhum sentido.
Em realidade, tal perspectiva que recepciona a visão decadencial, parte do pressuposto
de que em se reconhecendo que tal anulação dar-se-ia, no lapso máximo de cinco
anos, a título de prescrição, tal atividade poderia restar submetida a exame judicial,
enquanto que, dizendo a lei que se trata de prazo decadencial, tal invocação à tutela
jurisdicional não mais poderia ser efetivada. À evidência que não. Mesmo dizendo a lei
que se trata de prazo decadencial, tanto como se fora previsto prazo prescricional, em
caso de possibilidade de atuação do Poder Judiciário, nada muda, porquanto os efeitos
práticos seriam os mesmos. Basta que se reflita a partir do grafado pela súmula 473,
309
ZANCANER, W. Obra citada, p. 77;
310
MEDAUAR, O. Obra citada, p. 82 a 83;
246
a qual disciplina que: A administração pública pode anular seus próprios atos, quando
eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou
revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos
adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
Ou seja, na medida em que sempre resta ressalvada a apreciação judicial não
se que falar em decadência. Ademais, o direito de invalidação a ser exercitado pela
Administração Pública não perece, o que perece é a possibilidade de fazê-lo. Tanto é
assim que DIOGENES GASPARINI alerta para o fato de que: A prescrição
administrativa não se confunde com a ‘decadência’, dado que esta consubstancia a
perda do próprio direito, por o ter sido utilizado pelo seu titular no prazo legalmente
previsto para seu exercício.
311
Ademais, inusitado seria, até porque possível que um Estado da Federação, ou
até mesmo um Município, ambos no seu pleno exercício de legislar a respeito de
processo administrativo, venham a disciplinar tal matéria de forma diversa, asseverando
que, em idênticas hipóteses, trata-se de prescrição. De qualquer forma, o que é
importante que reste realçado é que é constitucionalmente assegurado a tais entes
federados assim atuar, de modo que, insistindo-se na tese da decadência, estar-se-ia,
no mínimo, diante de uma situação esdrúxula. Portanto, importa que se destaque que,
também, o prazo grafado pelo art. 54, da Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999, além
de configurar uma inadequação terminológica, caracteriza-se, o-somente, como mais
um mero referencial, em nada se mostrando apto para assumir a configuração de
orientação a ser universalizada. Não se de olvidar nunca a especificidade que há de
ser dada a interpretação de tal dispositivo. Qual seja a partir de uma especificidade que
nasce e se fortalece na compreensão inabalável da autonomia teórico-científica do
Direito Administrativo, o qual de ser compreendido como um sistema autônomo e
não mais como um complexo conjunto de normas fragmentariamente associadas.
311
GASPARINI, D. Obra citada, p. 753;
247
7.5. PRESCRIÇÃO E RESGATE DO DIREITO: CONVALIDAÇÃO.
Entre as perspectivas decisórias possíveis à atuação do administrador, a
convalidação de atos viciados inscreve-se como uma alternativa. É evidente, contudo,
que, em princípio, o cio o pode estar marcado por grave defeito, de molde a
possibilitar, substancialmente, qualquer espécie de lesão ao interesse público, ou
afronta direta ao texto da lei.
Tal atuação resulta firmemente delimitada. DIOGENES GASPARINI312 destaca
que:
Se os atos administrativos afrontam o ordenamento jurídico e, por essa razão, são
tidos como inválidos, não cabe falar em convalidação (supressão retroativa da
ilegalidade de um ato administrativo). Não se convalida o que é inválido. O que se
admite é a correção de pequenas irregularidades, que não consubstanciam a
invalidade, a exemplo de vícios gráficos (trocas de letras e números). Os que admitem
a anulabilidade podem falar em convalidação.
Entretanto, a manifesta impossibilidade de convalidar um ato administrativo
viciado, mas tão-somente a possibilidade de proceder à correção de eventuais
irregularidades, não é concepção que se mostra facilmente aceita pela unanimidade da
doutrina. Àqueles que admitem a doutrina dualista313, em presença de um ato
administrativo portador de vício sanável, reconhecem, por conseqüência, a
possibilidade de sua convalidação. Isto porque:
O instituto da convalidação tem a mesma premissa pela qual se demarca a diferença
entre vícios sanáveis e insanáveis, existente no direito privado. A grande vantagem em
sua aceitação no Direito Administrativo é a de poder aproveitar-se atos administrativos
312
GASPARINI, D. Obra citada, p. 107;
313
A doutrina dualista está delimitada pela categorização dos atos administrativos
viciados em duas espécies distintas. Os atos nulos e os atos anuláveis. Já a doutrina monista
não aceita tal dicotomia, na medida em que para tal concepção o ato administrativo ou é válido,
ou é nulo, resultando, por conseqüência, inaceitável a possibilidade de convalidação. Na
primeira compreensão, inscrevem-se, entre outros, Celso Antônio Bandeira de Mello, Osvaldo
Aranha Bandeira de Mello, Seabra Fagundes, José Cretella Júnior, Sérgio de Andréa Ferreira e
Lúcia Valle Figueiredo. Adotando a visão dualista estão, entre outros, Hely Lopes Meirelles,
Diógenes Gasparini, Regis Fernandes de Oliveira e Sérgio Ferraz;
248
que tenham vícios sanáveis, o que freqüentemente produz efeitos práticos no
exercício da função administrativa.314
Tal diretriz não se revela como caminho único a ser seguido. Sob a ótica de
preservação do interesse público, mesmo os atos que configurem nulidades de pleno
direito podem restar convalidados. Tal perspectiva decorre da necessidade de que se
tenha sempre a considerar os critérios especiais que informam o Direito Administrativo.
Neste sentido, significativa é a lição de MIGUEL REALE
315
, o qual assevera que:
(...) No Direito Administrativo, em suma, é necessário o trato da matéria com critérios
especiais: as nulidades de pleno direito configuram-se ‘objetivamente’, mas a
Administração, desde que não se firam legítimos interesses de terceiros ou do Estado
e inexista dolo, pode deixar de proferi-la, ou, então optar pela sua validade, praticando
ato novo: a sanatória excepcional do nulo, ‘retroagindo os seus efeitos até à data da
constituição do ato inquinado de vício’, pode ser uma exigência do interesse público,
que nem sempre coincide com o restabelecimento da ordem legal estrita.
Na mesma senda, preleciona ALMIRO DO COUTO E SILVA que:
Quer isso significar, em outras palavras, que no direito público, não constitui uma
excrescência ou uma aberração admitir-se a sanatória ou o convalescimento do nulo.
Ao contrário, em muitas hipóteses o interesse público prevalecente estará
precisamente na conservação do ato que nasceu viciado mas que, após, pela omissão
do Poder Público em invalidá-lo, por prolongado período de tempo, consolidou nos
destinatários a crença firme da legitimidade do ato. Alterar esse estado de coisas, sob
o pretexto de restabelecer a legalidade, causará mal maior do que preservar o ‘status
quo’. Ou seja, em tais circunstâncias, no cotejo dos dois subprincípios do Estado de
Direito, o da legalidade e o da segurança jurídica, este último prevalece sobre o outro,
como imposição da justiça material. Pode-se dizer que é esta a solução que tem sido
dada em todo o mundo, com pequenas modificações de país para país.
Entretanto, a doutrina não se limita em buscar justificativas para a invalidação
dos atos administrativos viciados, tomando em conta, tão-somente, a sua possibilidade
sob a ótica da natureza do vício. A recepção de princípios, a título de diretrizes com
força de orientação ao agir do administrador público, permitiu que se visualizassem tais
314
CARVALHO FILHO, J. dos S. Obra citada, p. 126;
315
REALE, Miguel. Revogação e anulamento do ato administrativo, p. 63;
249
circunstâncias sob o prisma da passagem do tempo. Tanto é assim que, na visão de
ALMIRO COUTO E SILVA
316
:
(...) os atos inválidos praticados pela Administração Pública, quando permanecem por
largo tempo, com a tolerância do Poder Público, dando causa a situações
perfeitamente consolidadas, beneficiando particulares que estão de boa fé,
convalidam, convalescem ou sanam. [...] É importante que se deixe bem claro,
entretanto, que o dever (e não o poder) de anular os atos administrativos inválidos
existe, quando no confronto entre o princípio da legalidade e o da segurança jurídica o
interesse público recomende que aquele seja aplicado e este não. Todavia, se a
hipótese inversa verificar-se, isto é, se o interesse público maior for de que o princípio
aplicável é o da segurança jurídica e não o da legalidade da Administração Pública,
então a autoridade competente terá o dever (e não o poder) de não anular, porque se
deu a sanatória do inválido, pela conjunção da boa dos interessados com a
tolerância da Administração e com razoável lapso de tempo transcorrido.
Ora, a partir de tal compreensão, em aceitando-a, o que nos parece, no mínimo,
razoável, nada obstaria que se possa admitir que, muito mais do que a mera
convalidação do ato administrativo viciado por força do decurso do tempo, o
acatamento da possibilidade do reconhecimento da prescrição administrativa exsurge
como fator com conseqüência fática idêntica, no sentido de impedir que tais atos
possam vir a ser revogados ou anulados por parte da Administração Pública.
Importa destacar que o que aqui se busca evidenciar diz respeito à prescrição
administrativa, ou seja, fator impeditivo do exercício do poder-dever de anular o ato nulo
a ser reconhecido pela própria Administração Pública.
Tal compreensão, aliás, não se mostraria esdrúxula e totalmente dissonante no
espaço da regulação jurídica, na medida em que tal reconhecimento é fator indiscutível
na esfera regulada pelo direito privado, não se criando, ante tal compreensão, nenhuma
circunstância que possa ser tida como absurda, face aos parâmetros do ordenamento
jurídico pátrio.
Ora, reconhecida a possibilidade de convalidação, enquanto ato jurídico de
maior abrangência, em caso de inexistência de um tempo legalmente determinado para
tal atuação, possibilitado também estará o reconhecimento da prescrição administrativa,
na medida em que tal efeito extintivo também pode restar compreendido como evento
316
SILVA, A. do C. e. Obra citada, p. 61;
250
que, em razão de seus particulares efeitos, acabaria por produzir efeito de natureza
sanatória.
É intuitivo, no mínimo, que, na esfera de regulação pública, não exsurge, de
imediato, nenhuma circunstância que pudesse impedir o advento da prescrição,
salvante o continuamente esgrimido princípio da legalidade estrita. Contudo, tal
perspectiva de ser redimensionada, assumindo outro relevo a partir do realçado por
JUAREZ FREITAS, porquanto o princípio da legalidade estrita, por força do sistema
constitucional em vigor, passou a ser visto de forma relativizada:
Assim, a subordinação da Administração Pública não é apenas à lei. Deve haver o
respeito à legalidade sim, mas encartada no plexo de características e ponderações
que a qualifiquem como razoável. Não significa dizer que se possa alternativamente
obedecer à lei ou ao Direito. Não. A legalidade devidamente adjetivada razoa´vel
requer a observância cumulativa dos princípios em sintonia com a teleologia
constitucional. A submissão razoável apresenta-se menos como submissão do que
como respeito. Não é servidão, mas acatamento pleno e concomitante à lei e,
sobretudo, ao Direito. Assim, desfruta o princípio da legalidade de autonomia relativa,
assertiva que vale para os princípios em geral.
É óbvio, contudo, que tal efeito é aqui reconhecido sob um prisma de conteúdo
essencialmente pragmático e não num ângulo de natureza conceitual dogmática,
porquanto se tratam, à evidência, de circunstâncias substancialmente diversas. De
qualquer modo, reconhecida a incidência do fenômeno prescricional, nada mais se
pode dizer a respeito do vício portado pelo ato administrativo, na medida em que ação
alguma poderá ser esgrimida para o efeito de buscar atingir-lhe em sua validade e, por
conseqüência, em seu poder de vinculação às partes, às quais alcança em razão de
sua força normativa.
Estar-se-ia, portanto, diante de uma espécie de resgate do próprio direito
enquanto ideal almejado por aqueles a quem tal direito acolhe. Por isto, em se
admitindo circunstância contrária, estar-se-ia, por conseqüência, a reconhecer a
possibilidade da imprescritibilidade como princípio integrante do rol de instituições
integradoras do direito público, o que, por força do sistema constitucional em vigor,
resulta reconhecido no que atine à possibilidade de exercício de pretensão de
251
ressarcimento a eventuais prejuízos causados ao erário, na forma do preceituado pelo
art. 37, § 5º da CF; nada mais, além disso.
Até mesmo nos casos em que inexiste regra expressa a legitimar uma
pretensão apoiada na idéia de prescrição, torna-se possível, portanto, acolher a tese da
incidência do instituto extintivo em relação a determinado ato administrativo nulo, já
que:
(...) se a decretação de nulidade é feita tardiamente, quando a inércia da Administração
permitiu se constituíssem situações de fato revestidas de forte aparência de
legalidade, a ponto de fazer gerar nos espíritos a convicção de sua legitimidade, seria
deveras absurdo que, a pretexto da eminência do Estado, se concedesse às
autoridades um poder-dever indefinido de autotutela.
317
Em realidade, o que se vislumbra em tal concepção não é tanto o intento de
extinguir a possibilidade jurídica do exercício de um direito de anulação, assegurado por
força do sistema de direito positivo, à Administração Pública, mas sim de buscar, pela
via transversa da prescrição, a utilização de um critério de matiz fortemente axiológico,
dentro de um prazo havido por razoável. Tanto é assim que:
Escreve com acerto José Frederico Marques que a subordinação do exercício do poder
anulatório a um prazo razoável pode ser considerado requisito implícito no princípio do
‘due process of law’. Tal princípio, em verdade, não é válido apenas no sistema do
direito norte-americano, do qual é uma das peças basilares, mas é extensível a todos
os ordenamentos jurídicos, visto como corresponde a uma tripla exigência, de
‘regularidade normativa, de economia de meios e formas e de adequação à tipicidade
fática’. Não obstante a falta de termo que em nossa linguagem rigorosamente lhe
corresponda, poderíamos traduzir ‘due processo of law por devida atualização do
direito’, ficando entendido que haverá infração desse ditame fundamental toda vez que,
na prática do ato administrativo, for preterido algum dos momentos essenciais à sua
ocorrência; porém destruídas, sem motivo plausível, situações de fato, cuja
continuidade seja economicamente aconselhável, ou se a decisão não corresponder ao
complexo de notas distintivas da realidade social tipicamente configurada em lei. 318
Portanto, como acima realçado, torna-se plausível, senão aconselhável, que
passemos a visualizar a convalidação o como uma prática que possa dar azo ao
317
REALE, M. Obra citada, p. 71;
318
REALE, M. Idem, ibidem;
252
corriqueiro preconceito de constituir-se numa violação da lei, pura e simples, mas sim,
como acima destacado, num modo de atualizar o direito. Atualização esta que visa,
singularmente, evitar a destruição de situações de fato consolidadas pelo tempo.
Significativa é a lição de JUAREZ FREITAS ao afirmar que:
A despeito da ausência lastimável de disposição legal expressa no Direito brasileiro,
parece inequívoco, entre nós, que o princípio da confiança estatui o poder-dever de o
administrador público zelar pela estabilidade decorrente de uma relação timbrada de
autêntica fidúcia mútua, no plano institucional. Em sentido mais amplo, possível dizer
que se trata de um dos princípios constitucionais de que mais carece o País para obter
a estabilidade em termos duradouros.
319
Na mesma senda, assevera JAUREZ FREITAS, mais ainda que:
Como se vê, o princípio da confiança do administrado na Administração Pública e vice-
versa deve ocupar, sob vários matizes, lugar de destaque em qualquer classificação
dos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito brasileiro, precisando
operar como um dos norteadores supremos do controle das relações de administração,
inclusive e especialmente para bem solver o problema da imprescritibilidade e da
eventualíssima não-decretação de nulidade dos atos administrativos, assim como,
numa evidente correlação temática, para fixar limites à cogência anulatória de atos
maculados por vícios originários. Força sopesar a íntegra das argumentações, dos
bens e dos males, em confronto com tal princípio, antes mesmo de efetuar a requerida
anulação em casos de longo curso temporal. Com efeito, às vezes impor-se-á, em seu
obséquio, sanar ou convalidar atos inquinados de vícios formais, no justo resguardo
das diretrizes cogentes do sistema, contanto que não haja prejuízo a terceiros e se
cristalizem situações marcadas por aquela nota de excepcionalidade, acentuada no
capítulo precedente. 320
À evidência, contudo, que tal fato não se equipara aos efeitos produzidos no
âmbito privado. As peculiariedades que tornam o Direito Administrativo um território
marcado por contornos extremamente específicos, exige que a atividade de
convalidação reste balizada por critérios de natureza pública. Entretanto, no que se
refere ao fenômeno prescricional, não obstáculo algum que se lhe reconheça, na
hipótese de que o ato administrativo não reste convalidado, resulte sanado por força do
319
FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais,
p. 73;
320
FREITAS, J. idem, p. 75;
253
evento prescricional. Isto porque a estabilidade e a ordem das relações jurídicas
caracterizam-se como um objetivo fundamental a ser observado da Administração
Pública. Neste escopo a prescrição administrativa virá a estatuir a indispensável
segurança jurídica. De tal sorte, impende que se atente para a advertência de JUAREZ
FREITAS, o qual destaca que:
É que sem estabilidade não justiça, nem paz, tampouco respeito às decisões so
soberano. Por mais incertas que sejam as circunstâncias da vida, esta somente se
torna racionalmente experimentável se houver um horizonte de previsibilidade estatal,
em que a entropia ceda lugar à organização, ao método, à fundamentação, ainda que
com o resguardo da abertura ao diálogo e à mudança. A antinomia ordem-justiça foi
um dos maiores equívocos registrados na jusfilosofia, tão grave quanto o corte rígido
entre ser e dever-ser. É que, sem estabilidade, a justiça não se afirma, carecendo do
alicerce da ação estatal, que de ser a inspiradora dos laços de coesão,
permanência e de respeitabilidade mútua.
321
Desse modo, conforme o até aqui realçado, no caso dos atos nulos, a
prescrição administrativa assume, além da condição de fenômeno extintivo do poder de
autotutela peculiar à Administração Pública, a feição de força sanatória dos eventuais
vícios portados pelo ato administrativo. Neste sentido, DIOGO DE FIGUEIREDO
MOREIRA NETO explicita que:
A prescrição produz, assim, uma sorte de sanatória indireta ou ‘não-voluntária’, como
preferimos classifica-la (...), considerando ‘interna’, aquela que se no âmbito da
Administração, impedindo-a de rever seus próprios atos, seja ‘ex-officio’ seja sob
provocação, e, ‘externa’, aquela que impede o Judiciário de operar a correção da
violação de direitos subjetivos acaso ocorrida.
Como se vê, em ambos os casos produzem-se ‘efeitos sanatórios’, ainda que os atos
ininquinados como tal permaneçam.
322
Desse modo, resta inexorável reconhecer-se que a prescrição administrativa
exerce, entre outros de seus efeitos, a força de evento convalidador dos vícios
eventualmente portados pelos atos administrativos, ante a imobilidade da Administração
Pública no exercício de seu poder de autotutela. Dá-se tal circunstância em razão de
321
FREITAS, J. Obra citada, p. 76;
322
MOREIRA NETO, D. de F. Obra citada, p.156;
254
diversas diretrizes que, hodiernamente, o Direito Administrativo vê-se submetido,
conforme acima explicitado. O primeiro de tais paradigmas é a relativização do princípio
da legalidade. O segundo diz respeito ao acatamento do princípio da boa fé dos
administrados e dos servidores, os quais acreditam na legitimidade e na legalidade dos
atos administrativos, além da presunção que lhes é inerente e integrante. Por fim, o
terceiro referencial está diretamente associado ao princípio da segurança social, no fito
de que a ordem, a estabilidade e a certeza das relações jurídicas nas quais intervém a
Administração Pública, não restem marcadas pela desconfiança e pela insegurança,
gerando-se, de tal circunstância, forte instabilidade social, o que se mostra totalmente
inadequado ao Estado Democrático de Direito.
8. FORMAS JURÍDICAS EXTINTIVAS
8.1. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA
Decadência e prescrição mostram-se como institutos cuja semelhança quase
nos induz a confundi-los. Em realidade, não possuem tamanha identidade a tal ponto
relevante, de modo a persistir tal confusão.
Trata-se, de forma inequívoca, por primeiro, de modos de extinção de direitos.
Por segundo, caracterizam-se, ainda, pela circunstância de surgir em razão da inércia
do titular de determinado direito ou pretensão. Por fim, ambos tomam em conta um
determinado período de tempo transcorrido, previsto previamente na lei.
Marcantes o as diferenças de substância entre tais institutos. Enquanto na
prescrição, sob a ótica da Teoria Geral do Direito, é o direito de ação que resulta
atingido, na decadência é o próprio direito quem desaparece. No caso da prescrição, tal
instituto mostra-se consolidado pela legislação antes mesmo do surgimento do direito a
ser protegido pela via da tutela jurisdicional. no caso da decadência, tanto a ação
quanto o direito a restar protegido, surgem de forma concomitante. É gico que, no
caso da decadência, tal geração concomitante não decorre de uma espécie de geração
espontânea, porquanto, além dos casos em que a lei a refere de modo expresso,
nasce, primordialmente, da compreensão sistematizada do ordenamento jurídico
positivo, em seu todo, devendo, contudo, estar sempre lastreada por preceito legal
informado pela sua anterioridade ao caso concreto, no fito de não lesar o princípio da
segurança jurídica.
Ademais a decadência, ao contrário do fenômeno prescricional, não possibilita
ou admite a sua suspensão ou a interrupção de seu curso. no caso da prescrição,
como antecipado acima, tanto a suspensão, quanto à interrupção do transcurso de seu
prazo, são tolerados pela lei. Em síntese, no que atine ao curso temporal gerador da
extinção, característica conformada pelos dois institutos em tela, aquele atinente à
prescrição poderá restar suspenso ou interrompido.
Nesse sentido, assim preleciona HELY LOPES MEIRELLES:
256
Prescrição é a perda da ação pelo transcurso do prazo para seu ajuizamento ou pelo
abandono da causa durante o processo. Não se confunde com ‘decadência ou
caducidade’, que é o perecimento do direito pelo não exercício no prazo fixado em lei.
A prescrição admite suspensão e interrupção pelo tempo e forma legais; a decadência
ou caducidade não permite qualquer paralisação da fluência de seu prazo, uma vez
iniciado.
323
Mas é ODETE MEDAUAR quem, de forma pedagógica, explicita tal
diferenciação entre prescrição e decadência. Diz tal doutrinadora que, entre os vários
critérios cunhados para evidenciar tais distinções, resulta que:
O mais usual menciona que na prescrição fenece a ação e em decorrência desaparece
o direito; na decadência extingue-se o direito e por via reflexa desaparece a
possibilidade de ação.
(...)
Outro critério diz respeito ao momento que surge a possibilidade da ação. Tratando-se
de prescrição, o direito existe antes da ação, esta tem por fim proteger o direito quando
violado; na decadência, ação e direito tem origem simultânea, constituindo a ação em
si, o próprio exercício do direito.
Usando-se como referência o tipo de direito, dois modos de diferenciar m
mencionados na doutrina civilista. Um deles baseia-se na distinção de Chiovenda entre
direitos a uma prestação positiva ou negativa de outrem e direitos potestativos, isto é,
direito a criação, modificação ou extinção de situação jurídica que o titular pode realizar
por ato unilateral de sua vontade; os primeiros sujeitam-se a prazo prescricional porque
suscetíveis de lesão; os segundos, à decadência.
Antunes Varela, com fulcro no art. 166 e § do art. 219 do CPC, afirma que o ‘critério
de divisão da prescrição e decadência passa pela linha demarcatória dos direitos
patrimoniais (direitos de créditos; direitos reais; direitos patrimoniais de autor; direitos
sucessórios; etc.) em face dos direitos não patrimoniais (direitos de personalidade;
direitos pessoais familiares, direitos morais de autor, etc.)’.
O modo como pode ser invocado em juízo também distingue os dois institutos: a
prescrição pode ser invocada pelo prescribente, vedada menção ‘ex officio’ pelo
juiz; a caducidade pode ser declarada pelo juiz.
Encontra-se ainda na doutrina o critério da possibilidade de paralisação do curso do
tempo: a prescrição admite suspensão e interrupção: a decadência corre fatalmente.
324
323
MEIRELLES, H. L. Obra citada, p. 623;
324
MEDAUAR, O. Obra citada, p. 82;
257
De tal lição, além das características mais visíveis já realçadas, resta possível
identificar-mos novos sentidos distintivos entre prescrição e decadência. De início, o
sentido atribuído à idéia de extinção pura e simples, mostra-se como um critério de
natureza concreta. Ou seja, o reconhecimento de que um direito, enquanto integrante
de um determinado acervo jurídico, pelo decurso do tempo, poderá sofrer duas formas
de “desmaterialização de sua existência”. A primeira, no caso da decadência,pela
extinção do próprio direito em si. A segunda, no caso da prescrição, pela extinção da
ação.
Ora, em presença da decadência, resta atingido o próprio direito material, ou
seja a substância jurídica que assegura consistência e relevância às pretensões de um
determinado titular, cujos interesses são reconhecidos por uma determinada ordem
jurídica.
No caso da prescrição não se questiona da vitalidade das pretensões e dos
interesses em si. O que resulta atingido é o meio protetivo a uma determinada
pretensão ou a um determinado interesse, qual seja o mecanismo institucionalizado e
garantido pelo Estado para o efeito de tutelar o direito, ou o interesse, lesado ou
ameaçado de lesão.
Em seguindo, percebe-se que um segundo sentido é construído a partir da idéia
de emergência dos fenômenos em si, em concomitância com os direitos a que estarão
agregados. Ou seja, segundo este outro critério, tanto a prescrição, quanto a
decadência constituem-se a partir da percepção do momento em que surge a
possibilidade extintiva. Aqui o sistema convoca fenômeno alheio à estrita esfera dos
fenômenos jurídicos em sua especificidade. Aqui o sistema e a ordem jurídica,
enquanto estrutura possibilitadora de um modo próprio de compreensão, traz ao seu
meio o fenômeno do tempo e, por força da sua jurisdicização, a atribuição de
conseqüências em razão de seu transcurso, o qual resulta jurisdicizado.
Por tais circunstâncias, no caso da decadência, tal possibilidade nasce junto ao
direito que irá extinguir. Concomitante à força que cria, emerge a força que extingue.
no caso da prescrição a extinção estará associada não ao nascimento da pretensão
originária, mas sim estritamente vinculada ao momento em que se torna possível
258
buscar o remédio processual adequado a fazer cessar a lesão, ou a ameaça de lesão
ao direito. Ou seja, ao contrário das circunstâncias que envolvem a decadência, como
consabido, o direito em si não resulta extinto, apenas desprovido de proteção por parte
do Estado. Há, portanto, no caso da decadência, a construção de um destino
inexorável, enquanto que, no caso da prescrição, emerge um paradoxo, ante a
circunstância de que o direito permanece desprovido de qualquer força para a sua
própria proteção.
Um terceiro sentido é percebido a partir de uma esfera de reflexão de natureza
puramente processual, embora diretamente associada à natureza do direito de fundo a
ser tutelado. Enquanto por força do primeiro critério a substância da pretensão ou do
interesse são os critérios que permitem identificar a dicotomia. Enquanto, pelo segundo
critério, é a instrumentalização das expectativas que gestam as fronteiras da
diversidade. No caso do terceiro critério, os direitos associados a uma pretensão de
prestação (positiva/negativa), a qual, em razão de sua eventual ofensa ou ameaça de
ofensa, podendo, ou não, dar azo a uma manifestação estatal, resulta ressaltado que o
comportamento do titular do direito é que constituirá a pedra angular da ocorrência, ou
não dos fenômenos em tela. Contudo, tal conduta exige que se compreenda e
identifique a relevância da diversidade de efeitos decorrentes da natureza dos direitos
titulados, no que diz respeito à extensão e vigor da vontade que possa promovê-los.
No caso dos direitos nominados como de natureza potestativa, quais sejam
aqueles que, de modo singelo, tem o seu exercício garantido no âmbito da vontade
exclusiva de seu titular, sem necessidade alguma da co-participação de outra pessoa,
estaremos, ante ao fato resultante da inação do titular de tal direito, em presença do
fenômeno da decadência. Essa não é outra senão a visão de AGNELO DE AMORIM
FILHO, o qual preleciona que:
Deste modo, fixada a noção de que a violação do direito e o início do prazo
prescricional são fatos correlatos, que se correspondem como causa e efeito, e
articulando-se tal noção com aquela classificação dos direitos formulada por
Chiovenda, concluir-se-á, fácil e irretorquivelmente, que só os direitos da primeira
categoria (isto é, os 'direitos a uma prestação'), conduzem à prescrição, pois somente
eles são suscetíveis de lesão ou de violação, conforme ficou amplamente
demonstrado. Por outro lado, os de segunda categoria, isto é os direitos potestativos
259
(que são, por definição, 'direitos sem pretensão', ou 'direitos sem prestação', e que se
caracterizam, exatamente, pelo fato de serem insuscetíveis de lesão ou violação), não
podem jamais, por isso mesmo, dar origem a um prazo prescricional.
Por via de conseqüência chegar-se-á, então, a uma segunda conclusão importante:
as ações condenatórias podem prescrever, pois são elas as únicas ações por meio das
quais se protegem os direitos suscetíveis de lesão, isto é, os da primeira categoria da
classificação de Chiovenda.
325
Contudo, em se tratando de direito que exige como condição intransponível à
sua fruição, vontade outra além da do titular da prerrogativa de exigir uma determinada
satisfação a seu interesse ou pretensão, na forma de uma determinada prestação,
estaremos diante do fenômeno prescricional. Isto porque, no caso de descumprimento
do avençado, por não se tratar de direito potestativo descumprido, pela via de uma
condenação judicialmente obtida é que o direito poderá restar exercitado, o que não
ocorre, como consabido, no caso dos direitos designados por potestativos.
Em prosseguindo, um quarto critério resulta visceralmente associado ao sentido
de conteúdo patrimonial, ou não patrimonial do direito a ser extinto. Dá-se relevância,
neste caso, ao bem jurídico do mundo-da-vida que resta tutelado pelo direito em si, sob
a ótica específica de seu conteúdo informado por uma substância de natureza como
valor econômico. Nessa senda, a distinção estaria associada ao valor pecuniário a ser
protegido, embora se saiba que, ao reverso, o que se visa é um direito pessoal a ser
tutelado.
Tal dicotomia guarda sua origem numa das distinções estruturais do fenômeno
jurídico, oriunda no alvorecer dos modos de regulação informados pelo direito. Esta
distinção foi cunhada a partir de uma abstrata dicotomia existente entre os direitos
associados à pessoa e os direitos associados ao patrimônio submetido ao domínio
desta pessoa. A partir de tal referencial, portanto, a prescrição exsurge então sempre
associada a todo direito marcado por conteúdo essencialmente patrimonial, ao qual, por
sua natureza, admite-se a possibilidade de disponibilidade, o que, por força da evolução
do processo civilizatório resultou vedado no que se refere à objetualização de seres
325
AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da
decadência e para identificar as ações imprescritíveis, p. 19 a 20;
260
humanos. Aqui, a idéia de prescrição constrói-se a partir de um referencial marcado
pela relação sujeito-objeto, tão-somente.
No que atine à decadência, ao contrário, o direito de reportar-se a direito de
conteúdo não patrimonial e, por isto, indisponível. Importa que se destaque, contudo,
que tal restrição não se dá em relação à natureza essencial do bem jurídico tutelado em
si, mas sim em relação aos limites que a ordem jurídica, em um determinado momento,
impõe à vontade do titular do direito, por força de um modelo estrutural, abstratamente
composto a partir da dissociação entre o direito em-si e a explicitação limitada de seu
conteúdo, atenta à diretriz ideológica idealizada pelo próprio sistema.
Ou seja, o óbice não se origina do bem jurídico, mas sim da possibilidade
jurídica do exercício de um direito a ser unilateralmente exercitado, a partir da vontade
exclusiva de seu titular. Aqui a decadência estrutura-se a partir de uma diretriz que
assegura o exercício de um direito a partir, tão-somente, da figura do sujeito, sem
consideração alguma em relação ao seu objeto.
Num quinto critério, a racionalidade distintiva objetiva-se a partir da viabilidade,
ou não, da prerrogativa de alegação do fenômeno extintivo, tomando, nesta esfera de
diferenciação, como fator identificador de uma contraposição encontrada, a
possibilidade de sua declaração, de ofício, pelo Estado-juiz, ou pelo Estado-
administração, de forma autônoma e suficiente. De tal sorte, em sendo prerrogativa
exclusiva do interessado, independentemente da vontade do Estado, a alegação da
ocorrência do fenômeno extintivo, tem-se como materializada a prescrição. Ao
contrário, se, independentemente da alegação do beneficiário do evento extintivo, o
Estado-juiz, ou o Estado-administração, puder decretar de ofício tal evento extintivo,
tem-se então como presente o instituto da decadência.
No âmbito de uma relação procedimental, lato sensu”, a prescrição também
pode restar reconhecida pelo Estado-Administração, independentemente da vontade do
administrado, em razão do exercício do poder de auto-tutela da Administração Pública.
Prepondera, no caso, um sentido de proteção marcado por uma subjetividade
interessada, sem que, como fator essencial, no núcleo duro de tal perspectiva, tenha-se
em conta a natureza do direito material tutelado. É lógico que a natureza do direito, por
261
força de uma opção de valor formulada pela própria ordem jurídica, historicamente
situada, irá influenciar. Contudo, o critério, na sua feição ontológica, não necessita de
tal juízo prévio, porquanto tal correspondência haver-se-á de dar a partir de uma
valoração marcadamente cultural, a qual resulta, por força do direito, institucionalizada.
Isto por que:
Pelas instituições o espírito humano se limita, a subjetividade canaliza seu
comportamento. É que o espírito humano somente pode comunicar-se na história,
somente pode relacionar-se na cultura, na medida em que se põe em seus gestos,
suas atitudes, sua obra. O espírito encontra seu caminho para os outros pelo desvio
das instituições, que sob certo aspecto são a alienação do próprio espírito.
(...)
O problema está em determinar a verdadeira relação entre instituição e subjetividade.
O fato da tradição histórica e cultural, na qual nascemos infalível e inelutavelmente,
mostra que dependemos, como espíritos das instituições.
326
Por fim, busca-se como referencial distintivo a possibilidade de interromper-se,
ou não, o transcurso natural do tempo. De tal forma, admitindo-se, por expressa
previsão legal, a possibilidade de que o fenômeno extintivo reste interrompido, ou
suspenso em seu curso, resta reconhecida a figura da prescrição. Contudo, caso seja
impossível qualquer forma interruptiva ou suspensiva do eventos extintivo, estar-se-á
em presença da decadência. Ou seja, o sentido de diversidade nasce da possibilidade
de intervenção no próprio transcurso do tempo, configurando-se como critério
estritamente abstrato e associado a uma ideologia vinculada através de uma política
legislativa, pela qual o legislador estabelece o que pode e o que não pode ser
interrompido.
A partir de tais referenciais, o legislador optou pela utilização conjunta de tais
critérios. No âmbito do direito privado, esta múltipla escolha de fundamentação o
gera problemas de solução complexa. Contudo, no âmbito do direito blico, em
especial na esfera do Direito Administrativo, surgem várias hipóteses que configuram
dificuldades relevantes, como por exemplo, o caso de decretação de ofício, por parte do
juiz, da prescrição de pretensão de natureza patrimonial associada a direito titulado pela
Administração Pública. Ante tal perspectiva seria de perguntar-se: em tal caso qual o
326
STEIN, Ernildo J. Obra citada, p. 41;
262
papel do interesse público? É nosso intento, portanto, no que se segue, encontrar, entre
outras indagações possíveis, tal resposta.
8.2. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA
Entre os princípios que gravitam junto ao instituto da prescrição, o princípio da
actio nata assume posição de destaque. Isto porque, tomando-se em conta a diretriz de
que é a partir da lesão, ou da ameaça da lesão, que surge o direito de ão, torna-se
possível admitir que, por força de tal articulação, inicia-se o prazo prescricional.
Tal compreensão, contudo, decorre, em grande parte, de construção
jurisprudencial. A premissa da lesão, ou da ameaça de lesão, como um a priori, não se
constitui num elemento de composição necessária para o fenômeno da prescrição. Tal
concepção, contudo, visa estabelecer uma espécie de termo inicial da prescrição.
Estabelece a possibilidade de agir como uma atividade que se torna só então possível a
partir do momento em que passa existir uma circunstância de faticidade concreta que
agrida, ou ameace de agredir o direito a ser tutelado.
Tal raciocínio mostra-se adequado na medida em que não se poderia falar em
prescrição, salvo em presença de algum fato ou conduta que tenha, efetivamente,
colocado em risco o direito a ser protegido pela via de uma ação. Tal conseqüência
gera efeito em contrário na presença da decadência. Neste último caso, como
realçado, a necessidade de proteção ao direito é concomitante ao seu surgimento, não
exigindo pressuposto externo para constituição do fenômeno extintivo.
Vê-se então que, em presença de uma percepção instaurada a partir do
princípio da actio nata, a prescrição passa a ser visualizada sob uma ótica pragmática e
não mais puramente abstrata. Ou seja, a prescrição passa a ser compreendida não
mais na sua feição puramente idealizada de fenômeno potencialmente extintivo de um
determinado direito, mas sim a partir da compreensão da necessidade inafastável de
um agir para proteger. Proteger a um determinado sujeito, em uma determinada
circunstância, cujo desenlace, ante a inação reiterada de seu titular, encaminhar-se-á
263
para a extinção da possibilidade de defesa de um direito agredido ou ameaçado, num
movimento ao reverso, quase que numa autofagia.
Desse modo, a partir, tão-somente, da compreensão estatuída pelo mecanismo
principiológico da actio nata, o termo inicial da prescrição decorre, em sua imediação,
de duas condições empíricas específicas, quais sejam: a) a existência de uma
pretensão à tutela jurisdicional, em benefício de um determinado direito; b) a violação,
ou a ameaça de violação, a tal direito.
Transfunde-se, portanto, o fenômeno material extintivo para uma esfera de
compreensão prática, qual seja: para a sede processual de intenção protetiva. Tal
intenção, contudo, poderá restar frustrada em razão do decurso do tempo, por força de
um paradoxo inerente à própria ordenação do sistema jurídico, em sua totalidade. O
fenômeno prescricional, no âmbito do espaço processual instaurado e em movimento,
poderá determinar o não reconhecimento da possibilidade da própria proteção
invocada.
Portanto, nessa ótica, a prescrição é deslocada de sua condição de fator
material extintivo de proteção a um determinado direito, previsto dentro das
circunstâncias cotidianas e contingentes em que está inserido como mera possibilidade,
para uma esfera de imediação de seus efeitos em razão da ocorrência de um fato lesivo
ou possibilitador de causação de eventual lesão. Nesse sentido, ANTÔNIO LUÍS DA
CÂMARA LEAL explicita que:
Enquanto o direito tem uma existência normal, sendo por todos respeitado, e
cumpridas as obrigações positivas a que corresponde, ele, por si, provê à sua
conservação, bastando-se a si mesmo. Mas, no momento em que sofre alguma
perturbação, ou pelo desrespeito, por parte dos que tinham a obrigação geral-
negativa de respeitá-lo, ou pelo não-cumprimento das obrigações correlativas, por
parte dos que estavam a elas diretamente vinculados, ele já não pode, por si, prover
à sua conservação, já não se basta a si mesmo, e necessita de um meio de
proteção que o assegure e defenda. Esse meio protetor é a intervenção do poder
público, pelos seus órgãos judiciários, mediante o exercício da ação promovida pelo
titular. Tendo por fim proteger e garantir o direito, a ação tem uma individualidade
própria, distinta do direito, em benefício do qual exerce a sua atividade, e, por isso,
diferentes são as suas origens. É assim que o direito nasce do fato que o gera, ‘jus
oritur ex facto’; e a ação da violação por ele sofrida. enquanto nenhuma perturbação
sofre o direito, nenhuma ação existe que possa ser posta em atividade pelo seu
titular.
264
Ora, sendo o objetivo da prescrição extinguir as ações, ela é possível desde que
haja uma ação a ser exercitada, em virtude da violação do direito. Daí sua primeira
condição elementar: existência de uma ação exercitável. É a ‘actio nata dos
romanos.
327
Resta incontroverso que é a partir da ocorrência de lesão, ou da ameaça de
ocorrência de lesão a um determinado direito, que teremos o início do prazo
prescricional instaurado, configurando-se tais circunstâncias como causa originária de
seu termo inicial. São desse modo, portanto, a conduta lesiva, ou com potencialidade
efetiva de lesão, os estímulos à geração do fenômeno prescritivo em sua concretude e
singularidade.
É a partir da possibilidade concreta da propositura da ação com vocação
protetiva de natureza genérica, que, a qualquer momento, surge o território propício ao
início do transcurso do prazo prescricional.
Entretanto, importa ter-se presente que a extensão da expressão a qualquer
momento, impõe duas elucidações formais. Dizem-se formais em razão da necessidade
de ter-se incontroverso que a sensação de insegurança gerada pela lesão, ou pela
ameaça de lesão, não se a partir do puro imaginário do titular do direito. Exige-se a
presença de fato de existência concreta, tanto da lesão, como da ameaça, concreta, de
lesão.
Importa ainda, também, realçar que não se pode desconhecer que a
propositura de uma ação, mesmo que sua força esteja vocacionada para a
institucionalização de um conflito, gera intranqüilidade social. Isto porque os interesses
em colisão estão, ainda, sob o pálio da incerteza, e as partes em dissenso não sabem
como restará composta a lide. Desse modo, no escopo de buscar o restabelecimento
da paz social, o instituto da prescrição surge com a pretensão de recomposição da
tranqüilidade perturbada.
Entretanto, não se pode olvidar que, por força do evento prescricional, o direito
não recebe golpe mortal em sua existência, como ocorre no caso da decadência, mas
sim resulta extinto, tão-somente, o direito público subjetivo de invocar a tutela
jurisdicional. Qual seja, é extinta a ação e não o direito.
327
LEAL, A. L. da C. Obra citada, p. 21 a 22;
265
Tanto é assim que EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR destaca que:
Ao invés de representar pena ao inerte, funda-se a prescrição no princípio da
segurança jurídica, a reputar como atentatório da paz social que as relações jurídicas
perdurem, insolúveis e definitivamente, no tempo.
A sua caracterização requer o concurso dos seguintes fatores: a) ocorrência de
violação do direito positivo, a ensejar uma ação exercitável; b) situação de passividade
do titular da pretensão pela não dedução desta perante o Judiciário; c) prolongamento
dessa inércia por um lapso de tempo, previsto em lei, sem a ocorrência de causas
impeditivas, suspensivas e interruptivas.
328
Ao cabo de tudo o que até aqui se asseverou, importa destacar que a alegação
de prescrição, no âmbito das relações jurídicas disciplinadas pelo Direito Público, em
geral, e, em específico, no caso do Direito Administrativo, situa-se no limite das ões
ditas de natureza pessoal
329
, porquanto as ões de natureza real não podem restar
obstadas pela alegação de prescrição, em benefício de algum ente público. Tal posição
resultou assentada a partir de jurisprudência consolidada pelo Supremo Tribunal
Federal. A base racional de tal entendimento está arrimada, fundamentalmente, no juízo
de que, caso assim não o fosse, estar-se-ia a criar nova forma de aquisição, ou de
perda, de direito real, cujo tio adequado está sedimentado pela esfera de regulação
do Direito Civil
330
.
328
NOBRE JÚNIOR, E. P. Obra citada, p. 55;
329
Tal distinção entre ações de natureza real e ações de natureza pessoal, para efeito
da prescrição na esfera do Direito Administrativo, era adotada a partir do grafado pelo código
civil revogado, na forma de seu art. 177. Contudo, com o advento da nova legislação civil
codificada, tal distinção restou excluída em sua forma explícita, mantendo-se tal norma,
entretanto, como integrante do sistema, na forma de uma pré-compreensão consensualizada
junto ao ordenamento jurídico brasileiro;
330
Tanto é assim que o Superior Tribunal de Justiça, no sentido de tal compreensão, editou a
súmula 119, cujo verbete determina que: A AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA PRESCREVE EM
VINTE ANOS;
266
8.3. PRESCRIÇÃO E PRECLUSÃO
Figura adstrita à meditação a respeito da prescrição administrativa, a preclusão
mostra-se como evento, a princípio, de efeito semelhante àquela. Contudo, seu espaço
de regulação configura-se de modo diverso. Situa-se o instituto da preclusão,
originariamente, no âmbito do Direito Processual. Esclarece JOSÉ FREDERICO
MARQUES
331
que:
465. Um dos institutos processuais que possibilitam, com mais eficácia, o impulso ‘ex-
officio’do procedimento, é o da ’preclusão’.
(...)
466. Sob o ponto de vista objetivo, a preclusão é um fato impeditivo destinado a
garantir o avanço progressivo da relação processual e a obstar o seu recuo para fases
anteriores do procedimento. Do ponto de vista subjetivo, é a perda de uma faculdade
ou direito processual que, por se haver esgotado ou por não ter sido exercido em
tempo e momento oportuno, fica praticamente extinto.
(...)
Ela é fato processual porque é um acontecimento decorrente, ou do decurso do tempo,
ou de uma incompatibilidade lógica, ou da consumação de uma faculdade processual,
que produz efeitos jurídico processuais.
Os efeitos desse fato ou acontecimento que se verifica na relação processual resultam
da necessidade de que a marcha do procedimento se opere com rapidez e sem
recuos.
(...)
A preclusão não é uma sanção processual. Tal fato processual não provém de violação
ou inobservância de um ‘preceptum juris’, e sim, da consumação de um interesse ou
de uma incompatibilidade do direito subjetivo com o desenvolvimento processual até
aquele momento realizado.
Um dos traços básicos e capitais da preclusão é o confinamento de seus efeitos à
relação processual em que se o fato preclusivo. Fora da relação processual, e em
outro processo, a preclusão não produz conseqüências que dela se derivem de forma
imediata.
332
Mas, para o efeito das reflexões em tela, o que mais interessa realçar, ainda
sob a ótica de JOSÉ FREDERICO MARQUES, é que:
331
MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil, volume II, p. 284
a 287;
332
MARQUES, J. F. Idem, ibidem;
267
470. A preclusão não se confunde com institutos afins, como a decadência, a
prescrição e a perempção.
Com a prescrição, impossível é qualquer confusão. O referido instituto atinge o próprio
direito subjetivo material em que se esteia a pretensão, enquanto que a preclusão
torna inoperantes tão-só faculdades processuais.
Da decadência, distingue-se a preclusão, em primeiro lugar, por seus efeitos. A
decadência, embora possa alcançar direitos processuais, impede o exercício destes
em qualquer processo, ao contrário da preclusão cujos efeitos estão restritos à relação
processual onde ocorreu.
Por outro lado, a decadência tem no fator tempo um requisito do ato a ser praticado,
pelo que a decadência é sanção decorrente da inobservância do prazo estabelecido. A
preclusão, porém, não é sanção. Seus efeitos se produzem, não como providência
sancionadora, e sim para impedir, a quem perdeu um prazo, o retorno do processo à
fase anterior.
Da perempção ela se distingue também pelos efeitos produzidos. O instituto
mencionado impede o autor ‘de demandar o réu sobre o mesmo objeto’, não podendo
ele, assim, instaurar relação processual eficaz para o julgamento da lide. A preclusão,
no entanto, no processo onde se verificou é que produz efeitos. Além disso, a
perempção é uma ‘sanctio juris’, o que não se dá com a preclusão.
333
Entretanto, na esfera do Direito Administrativo, duas situações podem
configurar caminhos distintos. No espaço da atuação puramente material da
Administração blica, resta caracterizado, de modo geral obstáculo à possibilidade da
ocorrência do fenômeno preclusivo, em razão do exercício permanente e contínuo do
princípio da autotutela administrativa, por parte dos agentes públicos. Isto porque tal
agir de correção é de trânsito permanente, inerente às rotineiras e às reiteradas
atuações administrativas perpetradas na contidianeidade do administrar, sempre
focado, contudo, nos termos do possibilitado pela lei.
Contudo, mesmo sendo da própria essência do sistema a possibilidade jurídica
de que o autocontrole das decisões administrativas resulte procedido por parte da
própria Administração, em processo contínuo, o fenômeno procedimental preclusivo
pode resultar como obstáculo a tal possibilidade de alteração permanente. Isto porque,
no âmbito das atividades de controle promovidas pela própria Administração Pública,
onde os atos de regulação restam materializados com a observância formal a
determinados ritos de natureza procedimentalizada, a inexistência de prévia fixação de
333
MARQUES, J. F. Obra citada, p. 289 a 290;
268
tempo, para o exercício de tal atividade, resultaria por permitir a instauração de
insegurança permanente, em razão da perpetuação ilimitada da possibilidade da prática
de atos de natureza corretiva.
Ou seja, em não se reconhecendo um termo final à possibilidade do exercício
da autotutela, o administrado estaria, a todo tempo, a ver-se sujeitado a mutações
significativas na regulação de circunstâncias juridicamente relevantes a seu interesse
específico.
Não se pode olvidar que se tal controle: (...) para que a atividade pública em
geral se realize com legitimidade e eficiência, atingindo sua finalidade plena que é a
satisfação das necessidades coletivas e atendimento dos direitos individuais dos
administrados.
334
Contudo, tal atividade há de ter um limite. De qualquer forma,
importa, mais uma vez destacar, como já realçado acima, que:
A prescrição e a decadência também não se confundem com a 'preclusão', instituto
que delas muito se aproxima. A preclusão é a perda, em termos de processo, da
oportunidade de agir, em razão do decurso do prazo para essa ação. Com a preclusão
não se tem mais como voltar a esse momento do processo. Não se confunde com a
prescrição, nem com a decadência. Na prescrição a perda do direito de ação,
operando-se antes da possibilidade de interposição da ação. Na preclusão a perda
da oportunidade de volver-se àquele momento do processo, operando-se depois do
início e no transcorrer do processo. Também não se confunde com a decadência, pois
nesta perde-se direito substantivo, enquanto na preclusão perde-se o direito
subjetivo.
335
Portanto, não pelo acolhimento do princípio da prescritibilidade por parte do
ordenamento jurídico nacional, limitado, tão-somente, em presença de dispositivo
constitucional expresso, o fenômeno preclusivo exsurge como fator de limitação das
atividades da Administração Pública, situando-se no contexto dos atos de exercício
procedimentalizado por parte da Administração Pública. Tal circunstância dá-se,
fundamentalmente, em razão do princípio da segurança jurídica, no fito de estabilizar o
próprio sistema em si.
334
MEIRELLES, H. L. Obra citada, p. 573;
335
GASPARINI, D. Obra citada, p. 753;
269
Sob a mesma inspiração temática, relevante equívoco pode emergir como
obstáculo de natureza formal à garantia da segurança jurídica, como também em
afronta ao princípio da prescritibilidade, qual seja o da possibilidade de reconhecer-se a
existência de uma coisa julgada administrativa.
Entretanto, como destaca MAURO ROBERTO GOMES DE MATTOS
336
: a
doutrina e a jurisprudência nacional não seguiram os passos da corrente doutrinária
argentina e da austríaca, desprestigiando a coisa julgada administrativa.
337
. O que se
reconhece e categoriza, em presença de tal fator impeditivo à prática do ato
administrativo, assume a identidade de preclusão administrativa. Tal evento, portanto, à
semelhança da preclusão processual, limita-se a produzir, tão-somente, efeitos com
repercussão interna junto aos respectivos sistemas de produção de atos praticados pela
Administração Pública. Nesta esfera limitada e sob tais contornos restritos, é que a
constatação do transcurso do tempo impossibilitaria a revisão de determinados atos.
Isso porque, conforme explicita HELY LOPES MEIRELLES:
(...) a denominada ‘coisa julgada administrativa’, que na verdade, é apenas uma
‘preclusão de efeitos internos’, não tem o alcance da ‘coisa julgada judicial’, porque o
ato jurisdicional da Administração não deixa de ser um simples ato administrativo
decisório, sem força conclusiva do ato jurisdicional do Poder Judiciário. Falta ao ‘ato
jurisdicional administrativo’ aquilo os publicistas norte-americanos chamam ‘the final
enforcing power’ e que se traduz livremente como opoder conclusivo da Justiça
Comum’. Esse poder, nos sistemas constitucionais que não adotam o ‘contencioso
administrativo’, é privativo das decisões judiciais.
(...)
Realmente, o que ocorre nas decisões administrativas finais é, apenas, preclusão
administrativa, ou a ‘irretratabilidade’ do ato perante a própria Administração. É a sua
imodificabilidade na via administrativa, para estabilidade das relações entre as partes.
336
MATTOS, M. R. G. de. Obra citada, p.14;
337
Tal posição doutrinária no Brasil, contudo, não se mostra pacífica. Diógenes
Gasparini, por seu turno, assevera que: Quando inexiste, no âmbito administrativo, possibilidade
de reforma da decisão oferecida pela Administração Pública, está-se diante da coisa julgada
administrativa. Esta não tem o alcance da coisa julgada judicial, porque o ato jurisdicional da
Administração Pública é tão-só um ato administrativo decisório, conforme ensinança de Hely
Lopes Meirelles [...] destituído do poder de dizer do direito em caráter definitivo. Tal prerrogativa,
entre nós, é só do Judiciário. Em outros países, pode caber a tribunais Administrativos o
exercício dessa competência. GASPARINI, D. Obra citada, p. 757-758; Portanto, depreende-se
da, embora confusa, manifestação de GASPARINI, a possibilidade reconhecer-se a existência de
uma coisa julgada administrativa, resultando restrita, por conseqüência, a tal esfera;
270
Por isso, não atinge nem afeta situações ou direitos de terceiros, mas pemanece
imodificável entre a Administração e o administrado destinatário da decisão interna do
Poder Público. Essa imodificabilidade não é efeito da ‘coisa julgada administrativa’,
mas é conseqüência da ‘preclusão’ das vias de impugnação interna (recursos
administrativos) dos atos decisórios da própria Administração.
338
.
Por outro lado, mostra-se importante realçar que de tais assertivas se destaca a
constatação de que, os efeitos internos dos atos perpetrados pela Administração
Pública, atingem, tão-somente, os direitos e pretensões titulados pela Administração e
pelo administrado, não se admitindo que tais decisões possam vir a atingir interesses
ou direitos de terceiros. Permanecem, tão-somente, intocáveis para a Administração e
para o administrado destinatário da decisão, como identificado acima.
Diante do apontado, resulta manifesto que a prescrição não pode ser havida
como semelhante à preclusão, embora ambas acabem por gerar efeitos extintivos. A
preclusão, à semelhança da decadência, configura-se como mero fato de natureza
objetiva e autônoma, decorrendo, exclusivamente, do decurso initerrupto do tempo.
Contudo, ao contrário da decadência e da prescrição, a preclusão opera
independentemente do exercício, ou do não exercício de determinado direito, já que sua
finalidade primordial reside em dar garantia e seguimento ao conteúdo da
processualidade inerente à atividade administrativa, servindo, portanto, para impedir
que determinados atos venham a ser praticados em desatenção, tão-somente, ao prazo
legalmente delimitado para tanto.
De qualquer modo, o que importa destacar, no preciso dizer de MAURO
ROBERTO GOMES DE MATTOS é que:
A indeterminação e a perpetuidade de a Administração Pública rever seus atos ‘ad
eternum’ criariam verdadeiro caos para a sociedade, administrados e servidores
públicos, em razão da criação da instabilidade jurídica que seria vivida por todos.
(...)
Assim, nessa moldura, a prescrição e a preclusão funcionam também em favor da
coletividade, estabilizando situações jurídicas constituídas sob o manto da boa-fé, e
acabando com o velho dogma de que a Administração Pública pode fazer tudo o que
338
MEIRELLES, H. L. Obra citada, p. 582 a 583;
271
entender ser necessário, inclusive rever os seus atos sepultados pelo decurso dos
anos, sob o argumento de que, por serem nulos, não geram direitos.
339
.
Apesar das manifestas diferenças entre os institutos da prescrição
administrativa, da decadência e da preclusão, ainda há quem não tenha percebido a
ausência de identidade entre essas formas de extinção. A exemplo disto, VITAL
MOACIR DA SILVEIRA, partindo de uma interpretação equivocada do grafado pelo art.
2º, do Decreto 20.910, de 06 de janeiro de 1932, conclui que: (...) a administração
possui a faculdade de invalidar seus atos no prazo de cinco anos. Não o fazendo,
preclui o direito de autotutela. Tanto para os atos anuláveis como para os atos nulos.
340
Tal compreensão mostra-se equivocada, na medida em que VITAL MOACIR
DA SILVEIRA, na esteira da idéia de que o art. do Decreto 20.910, de 06 de
janeiro de 1932, estabelece prescrição a todo e a qualquer direito titulado pela
Administração blica, inclusive no que se refere à possibilidade de revogação de atos
administrativos, assevera, em justificando sua compreensão, que:
Esse raciocínio lógico depreende-se do próprio texto legal, visto que o art. do Dec.
20.910/32 impõe prazo prescricional de 5 (cinco) anos para o exercício de ‘todo o
direito’, sem exceção. O que leva o intérprete a concluir que pela dicção do sadio
princípio da igualdade, norma assente no ‘caput’ do art. da CF, a consumação do
lapso prescricional é endereçada tanto para o ente público como também para o
administrado.
341
Ora, como exaustivamente demonstrado acima, não se que confundir
preclusão com prescrição e, muito menos, com decadência. Portanto, no manejo
inadequado dos conceitos, tal autor acaba por confundir categorias jurídicas distintas.
Partindo de uma compreensão inadequada, uma interpretação não
contemplada pela possibilidade jurídica grafada pelo art. 2º do Decreto 20.910, de 06
de janeiro de 1932. Tal regramento normativo, em substância de sua regulação, trata da
339
MATTOS, M. R. G. Obra citada, p.15;
340
SILVEIRA, Vital Moacir da. Excertos doutrinários e jurisprudenciais sobre a
prescrição qüinqüenal para a administração declarar a nulidade de seus atos, p. 132;
341
SILVEIRA, V. M da. Idem, p. 129;
272
prescrição em relação a dívidas passivas da Administração Pública em geral,
disciplinando, pontualmente, no que se refere ao dispositivo referenciado, a prestações
relativas a pensões vencidas ou por vencerem, ao meio soldo, ao montepio civil e
militar, a quaisquer restrições ou diferenças, e a todo direito relativo a tais prestações e
não a todo e qualquer direito titulado pela Administração Pública.
Ademais, ad argumentandum tantum, caso tal interpretação fosse correta, a
identificação do instituto extintivo também se mostra equivocada em relação aos efeitos
por tal doutrinador identificados. Caso a Administração Pública, por força do dispositivo
invocado, acabasse por ter a sua faculdade de invalidar ato administrativo, posto
decorrido o prazo de cinco anos, não se estaria em presença de fenômeno preclusivo
da prerrogativa legal de autotutela, mas sim diante do fenômeno da prescrição
administrativa, independentemente dos atos serem nulos ou anuláveis, questão esta
última que, aliás, além de ser extremamente complexa, mostra-se segmentada por forte
debate doutrinário, a partir de respeitáveis posições sustentadas por ínsignes
doutrinadores.
Portanto, como demonstrado, não se há de confundir prescrição, decadência ou
preclusão, porquanto se tratam de fenômenos extintivos com sede, oportunidade e
características configuradas a partir de sólidas diferenças.
8.4. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE
Não se pode duvidar que a idéia que configura a figura jurídica da prescrição
intercorrente está marcada pelo mesmo sentido de abandono que informa às demais
formas de prescrição, em todas as esferas do ordenamento jurídico positivado. A
exemplo disto, entre tais circunstâncias, pode-se elencar os casos que envolvem
pretensões de natureza executiva, partindo-se do pressuposto, por óbvio, de que o
direito de fundo se encontra reconhecido, não mais podendo restar questionado, a
modo de tornar possível à inviabilização de uma pretensão de conteúdo material.
Em tais circunstâncias, nos limites do exemplo aventado, é possível encontrar-
se referência a tal fenômeno até mesmo na Constituição Federal. Tal é o caso dos
273
créditos trabalhistas. Conforme delimita o art. 7º, inciso XXIX, da Carta Constitucional,
na medida em que, caso o titular de crédito de tal natureza, não promova os atos
necessários ao andamento do processo, verá restar extinto, de modo inexorável, o seu
direito de proteção à sua pretensão deduzida.
Tal compreensão, aliás, recebeu forte reforço a partir da visão estatuída por
força de interpretação oriunda do STF, nos termos da súmula 150, na qual resta
assentado que: prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação.
Portanto, percebe-se que tal compreensão permite recepcionar um novo sítio de origem
para o fenômeno prescricional. Lastreada a partir das fronteiras de delimitação
edificadas pelo direito material, encontra a prescrição, a partir de tal compreensão, a
possibilidade de gerar efeitos extintivos no âmbito de uma relação jurídica de natureza
processual, deslocando o eixo de matriz genética de tal fenômeno de seu lócus
originário, mantendo, contudo, a sua essencial característica de fenômeno extintivo.
Em presença de tais fatos, resulta possível, numa primeira localização do
instituto em tela, asseverar que: recebe a denominação de prescrição intercorrente o
fenômeno extintivo de ação que ocorre e é argüível no curso de um processo judicial
em tramitação. Ademais, a prescrição intercorrente tanto pode ocorrer após a citação
válida, quanto após a sentença de primeiro grau de jurisdição. Portanto, tal forma de
prescrição pode surgir em duas circunstâncias processuais distintas. Numa primeira
forma, ela é alegável no curso do processo de conhecimento, gerando, caso reste
reconhecida, decisão extintiva do processo, com julgamento de mérito. Isto poderá vir a
ocorrer porquanto não se mostra como causa absolutamente suficiente, a obstar o
curso prescricional, o mero ajuizamento da ação, exigindo-se do autor, por
conseqüência, que promova todos os atos necessários ao desenvolvimento regular do
processo, sob pena de, em assim não procedendo, ver frustrada a sua pretensão de
recebimento da tutela jurisdicional invocada, não porque não se lhe reconheça a
titularidade de eventual direito invocado, mas, tão-somente, pelo fato de sua inação em
relação aos atos processuais necessários ao andamento do processo.
Para efeito de que se melhor compreenda tal instituto, importa destacar que a
omissão geradora do evento prescricional não se dá por força de omissão específica do
274
exeqüente, ao qual se estaria a exigir uma determinada conduta positiva, a partir da
qual resultaria então gestada determinada situação de fato exigida pelo trâmite
processual. Além de tal hipótese genérica, outras circunstâncias tornam possível a
ocorrência da prescrição intercorrente. Nessa senda, por exemplo, ocorre a prescrição
intercorrente quando não são encontrados bens do devedor para penhora e o credor
deixar de movimentar, de modo injustificável, o processo por um determinado prazo,
que a doutrina aponta ser de cinco anos. Ou seja, a inação se qualifica a partir de uma
carência externa à esfera de interferência do credor, resultando o seu direito atingido,
de forma reflexa, pela prescrição intercorrente, na medida em que o exeqüente, sem
justificativa plausível, deixa de agir na movimentação do instrumental processual
instaurado.
No caso do direito público, ainda seguindo no território das pretensões
executórias, para efeito de argumento, é consabido que em relação à execução de
crédito titulado pela Administração Pública, marcada pela pretensão executória contra
particular, é pacífico o entendimento da possibilidade de restar reconhecida a
prescrição intercorrente. Contudo, já contra a Fazenda Pública, o reconhecimento e o
acolhimento da prescrição intercorrente levanta significativa polêmica. Isto porque
existem inúmeras decisões judiciais de segundo grau de jurisdição mostrando
entendimento visceralmente contrário à possibilidade da existência da prescrição
intercorrente contra a Fazenda Pública, pensamento e construção jurisprudencial que
acabou por se consolidar como se regra legal fosse.
Tal perspectiva constrói-se a partir da percepção da existência de um obstáculo
intransponível, obstáculo este que se constrói pela associação dos princípios da
indisponibilidade dos bens públicos e da supremacia do interesse público sobre o
interesse privado. Em tal visão estritamente dogmática, assentada na compreensão
inflexível dos preceitos legais que disciplinam, a um modo geral, a tutela do interesse
público, tal corrente de pensamento impossível falar-se de prescrição intercorrente,
na medida em que tal aceitação geraria o perigoso alargamento das possibilidades de
lesão ao erário, ante simples circunstância de natureza processual, na qual a lei não
expressa tal sentido, de forma manifesta, sendo, por conseqüência, intolerável tal
275
extinção em detrimento dos interesses da coletividade social, face aos quais é dever da
Administração Pública assumir a condição de guardiã severa.
Contudo, tal compreensão recebe posição adversa, no sentido de que, mesmo
em se tratando de interesses de natureza pública, o como desconsiderar a inação
e o descaso, até mesmo, da Administração Pública. Tal corrente de pensamento
assenta nas razões de legitimação de tal possibilidade, fundamentada na necessidade
de estabilização e de segurança das relações jurídicas, bem como da impossibilidade
da execução durar eternamente, de modo a inviabilizar àquilo que comumente se
reconhece sob a designação de paz e harmonia social. Em tal compreensão, portanto,
nada legitima a Administração Pública omissa a beneficiar-se de seu próprio descaso.
O cidadão, portanto, não pode ficar a mercê do Estado, de um modo geral, submetido
ao constrangimento de um processo, pelo tempo que a Fazenda Pública entenda
oportuno, ou que venha a manifestar interesse no prosseguimento da demanda. A
Administração Pública há de estar submetida à lei de modo inflexível.
De este modo, los difusos o débiles vínculos legales son complementados por un
sometimiento general al sentido político de la legislación y, a través de este, a las
normas y valores constitucionales. La generalidad o imprecisión de la ley no será así
uma invitación a la arbitrariedad de la actividad administrativa o que se pretenda su
inmunidad al control. Si el legislador no es absolutamente libre em su capacidad de
decisión mal podría serlo la administración que viene habilitada por este: nunca podría
delegarse aquello de lo que no se dispone.
342
Hodiernamente, contudo, há uma forte tendência doutrinária em pretender
consolidar como melhor entendimento àquele em que o acatamento da prescrição
intercorrente deve estar sedimentado por duas circunstâncias básicas. A primeira, no
sentido de que há de restar demonstrada a desídia por parte da Administração Pública.
A segunda, como condição de complementação empírica do sentido da primeira
circunstância, de que a paralisação do feito não tenha decorrido da atuação, ou da
inação do particular. aqui, como se percebe, uma tentativa de construir uma
justificativa de caráter ético, associada a uma visão voluntarista do impasse criado no
342
FREIRE, Antonio Manuel Pena. La garantia em el estado constitucional de derecho,
p. 277;
276
curso da contenda, o que se mostra totalmente em desacordo com o preceituado com o
disposto pelo art. 3º do Decreto-lei n. 4.597, de 19 de agosto de 1942.
Do simples exame do texto legal em comento, percebe-se que: (...) consumar-
se-á a prescrição no curso da lide sempre que a partir do último ato ou termo da
mesma, inclusive da sentença nela proferida, embora passada em julgado, decorrer o
prazo de dois anos e meio. De tal sorte, o legislador não quis atrelar à consumação da
prescrição intercorrente, no âmbito da regulação administrativa, nenhuma outra variável
que o a do simples passar do tempo, resultando forçada a pretensão de que para tal
consumação haja a necessidade de identificar-se o modo pelo qual se comportou a
Administração Pública no curso da contenda. Por força do regramento legal, tal
concepção voluntarista é totalmente descabida. Tanto é assim que o legislador, de
modo a não deixar dúvida alguma a respeito de seu intento, determinou no art. 4º, do
mesmo Decreto-lei n. 4.597, de 19 de agosto de 1942, que: Art. As disposições do
artigo anterior aplicam-se desde logo a todas as dívidas, direitos e ações a que se
referem, ainda não extintos por qualquer causa, ajuizados ou não, devendo a prescrição
ser alegada e decretada em qualquer tempo e instância, inclusive nas execuções de
sentença.
Ora, da leitura de tal dispositivo legal, percebe-se, de modo insofismável que o
legislador ratificou o reconhecimento da prescrição intercorrente como um fato
inapelável, reprimindo qualquer pensamento capaz de buscar, para efeito de aplicação
de tal regra, motivação diversa daquela que a lei estabelece de forma objetiva, qual seja
o decurso do tempo. De tal sorte, buscar na comprovação da desídia da Administração
Pública, ou na atuação omissa do particular, motivos qualificados como pressupostos
ao reconhecimento, ou não, da prescrição administrativa, em modo intercorrente,
configura racionalização inaceitável, dado que a lógica, a racionalidade e a aceitação da
prescrição intercorrente de ser buscada do estatuto legal que a disciplina e no qual
nenhum outro fator, que não o mero decurso do tempo, resta exigido para o seu
reconhecimento.
277
Desse modo, resulta inaceitável a visão de JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO
FILHO
343
, ao assentar que:
Se, no litígio, a alegação da prescrição couber ao particular, não pode o juiz decreta-la
de ofício, visto que a omissão poderia ser tida como renúncia tácita por parte do
interessado. É o caso, por exemplo, de execuções fiscais promovidas pela Fazenda
Pública. Se o executado não suscita a prescrição em seu favor, não pode o juiz
substituir sua vontade e declará-la existente. Incidem, pois, normalmente, os arts. 166
do Código Civil, e 219, § 5º, do CPC. Caso, contrariamente, a prescrição beneficie a
Fazenda e não tenha ela sido invocada por seus Procuradores, deve entender-se
inaplicáveis aqueles dispositivos, admitindo-se que o juiz possa decidir de ofício sobre
a prescrição porque favorável à Fazenda. Aqui não há falar-se em interesse privado ou
em renúncia tácita; tratando-se de direito em favor da Fazenda, caracteriza-se como
direito indisponível e atrelado ao interesse público por ela protegido.
Inaceitável por dúplice motivo. Primeiro porque tal autor busca, em um
referencial normativo de natureza estritamente processual, identificar limites
inexistentes na regra material de natureza administrativa, ou seja criando obstáculo que
a lei de modo expresso não cria. O que é pior, presumindo estado de espírito de
renúncia, sem que estabeleça nenhum critério para que se possa identificar, de modo
unilateral, de que modo de ter-se certeza de que o particular efetivamente queria
renunciar a seu direito Por segundo, ante a dualidade de pesos expressados pela
principiologia esgrimida pelo jurista em tela, trata de forma absolutamente desigual a
Administração Pública e o particular, no âmbito de uma relação de conteúdo meramente
econômico, asseverando agora que, em se tratando de silêncio dos Procuradores da
Administração Pública, a presunção de renúncia não há de vigorar, sob a alegação de
que se trata de interesse público e, por conseqüência, indisponível.
É consabido que a indisponibilidade do interesse público, por força da evolução
do Direito Administrativo, como também pela submissão do ordenamento jurídico aos
princípios informadores do Estado Democrático de Direito, não se mostram mais a partir
de uma face absoluta e inquestionável, na superada dicotomia entre o servo e o senhor.
A garantia da segurança jurídica de caracterizar-se como princípio informador de
natureza superior a um presumível interesse público, sob pena de admitir-se, na senda
343
CARVALHO FILHO, J. dos S. Obra citada, p. 775 a 776;
278
de tal pensamento, que qualquer direito ou garantia individual do cidadão pode
simplesmente restar suprimida ante a singela invocação de interesse público.
É lógico que o interesse público de restar sempre protegido. Contudo, o
particular não pode ser despojado de seu direito e agredido em seus interesses em face
de alegação o genérica. Conforme destaca Floriano Peixoto de Azevedo Marques
Neto
344
:
7. Não se pode mais entender por ‘interesse público’ algo tão genérico a ponto de se
resumir ou pela negativa como interesses não privados ou a partir dos abstratos
interesses definidos por um Estado plenipotenciário e distante dos reais interesses no
cada vez mais complexo corpo social. Ao nosso ver , deve-se hoje enfocar o interesse
público como um elo de mediação de interesses privados dotados de legitimidade.
8. A partir dos processos de internacionalização e de fragmentação vistos acima, e de
suas conseqüências no colapso do conceito de soberania e na separação
público/privado, sucumbe o pressuposto universalizante e homogêneo da sociedade,
bem como o caráter monopolista e autoritário do Estado.
Por tais circunstâncias, não como pretender recusar o acolhimento da
prescrição intercorrente, sob a singela alegação da presença obstativa de eventual
interesse público. Até porque importa destacar que ante a inexistência de norma
expressa, não como negar a incidência da prescrição intercorrente em sua
aplicabilidade ao processo administrativo. Injustificado seria que tão-somente na esfera
das relações conformadas pelo Direito Público, o passar do tempo, no curso de
tramitação de uma contenda administrativa, não pudesse gerar, por força do fenômeno
prescricional, a estabilização da relação jurídica conflituosa. O princípio da segurança
jurídica há de prevalecer.
Ademais, por força de um contínuo processo gerador de maior complexidade
das relações conformadas no âmago da sociedade contemporânea, tornou-se
extremamente vital que o Estado deixasse de agarra-se a preceitos de natureza
344 MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Regulação estatal e interesses
públicos, p. 148 a 149;
279
absolutizante, assumindo a postura de um mediador. Nessa senda, alerta Norberto
Bobbio
345
que:
A vida de um Estado moderno, no qual a sociedade civil é constituída por grupos
organizados cada vez mais fortes, está atravessada por conflitos grupais que se
renovam continuamente, diante dos quais o Estado, como conjunto de organismos de
decisão (parlamento e governo) e de execução (o aparato burocrático), desenvolve
uma função de mediador e de garante mais do que a de detentor do poder de império
segundo a representação clássica da soberania.
Em realidade, mais por falta de percepção da dinâmica evolutiva que permeia a
sociedade humana, gerou-se, a partir de posições marcadas por um imobilismo
injustificável, a concepção de que as esferas pública e privada são incompatíveis, não
se percebendo que, hodiernamente, ambas interpenetram-se. É, ainda, Norberto
Bobbio quem ensina, ao asseverar que:
Os dois processos, de publicização do privado e de privatização do público, não são de
fato incompatíveis, e realmente compenetram-se um no outro. O primeiro reflete o
processo de subordinação dos interesses do privado aos interesses da coletividade
representada pelo Estado que invade e engloba progressivamente a sociedade civil; o
segundo representa a revanche dos interesses privados através da formação dos
grandes grupos que se servem dos aparatos públicos para o alcance dos próprios
objetivos. O Estado pode ser corretamente representado como o lugar onde se
desenvolvem e se compõe, para novamente decompor-se e recompor-se, estes
conflitos, através do instrumento jurídico de um acordo continuamente renovado,
representação moderna da tradicional figura do contrato social.
346
de realçar-se que a idéia equivocada de inadmissão da prescrição
intercorrente, azo a uma compreensão em colisão direta com o sentido do sistema
jurídico nacional. É consabido que a regra geral, ou até mesmo o princípio angular, é a
da prescritibilidade. Tal concepção está associada, fundamentalmente, com o princípio
da segurança jurídica. De modo que, caso se pretenda ter como inviável a ocorrência
da prescrição intercorrente, até mesmo sob a ultrapassada e gasta alegação da
supremacia do interesse público — em qualquer circunstância ou condição, estar-se-á a
345
BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política, p.
26;
346
BOBBIO, N. Obra citada, p. 27;
280
garantir a qualquer processo administrativo a condição de evento eterno, deixando que
a Administração blica, a seu puro e exclusivo talante, resolva, quando a seu bel-
prazer quiser resolver, dar fim aos eventuais conflitos em que esteja figurar na condição
de parte. Por óbvio, tal pensamento não se sustenta por si só.
Por fim, importa destacar manifestação do Supremo Tribunal Federal, na esteira
de voto prolatado pelo Ministro Marco Aurélio, do qual se retira que:
(...) não se coaduna com o nosso sistema constitucional, especialmente no campo das
penas, sejam de índole criminal ou administrativo, exceto relativamente ao crime
revelado pela ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional
e o Estado democrático - inciso XLIV do artigo da CF/88, a inexistência de
prescrição. Inconcebível é que se entenda, interpretando os preceitos das Lei nº 8.112,
de 11 de dezembro de 1990, que, uma vez aberta a sindicância ou instaurado o
processo disciplinar, não se cogite mais, seja qual for o tempo que se leve para a
conclusão do feito, da incidência da prescrição. É sabido que dois valores se fazem
presentes: o primeiro, alusivo à Justiça, a direcionar à possibilidade de ter-se o
implemento a qualquer instante; já o segundo está ligado à segurança jurídica, à
estabilidade das relações e, portanto, à própria paz social que deve ser restabelecida
num menor espaço de tempo possível. Não é crível que se admita encerrar a ordem
jurídica verdadeira espada de Dâmocles a desabar sobre a cabeça do servidor a
qualquer momento.
347
Desse modo, portanto, nas palavras de MAURO ROBERTO GOMES DE
MATTOS, torna-se possível reconhecer que: (...) fica bem nítido que a prescrição
intercorrente é plenamente aplicável ao processo administrativo, estabilizando as
relações jurídicas no decurso do tempo, como uma forma de garantir a paz social.
348
Admitir-se compreensão em contrário, não caracterizaria grave distonia com relação
ao ordenamento jurídico nacional, como também ausência de percepção da evolução
histórica do direito e da sociedade contemporâneas, estimulando-se a insegurança e a
desarmonia entre a Administração blica e o particular, ou seja entre o Estado e a
sociedade.
347
Brasil. Supremo Tribunal Federal. RMS nº 23.436/DF. Relator: Min. Marco Aurélio.
Julgamento: em 24/08/1999. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJU de 15/10/1999.
Pág. 28. Ementário, volume 1967-01, página 35;
348
MATTOS, M. R. G. de. Obra citada, p. 61;
9. CAUSAS MODIFICATIVAS
9.1. A LEI, O LIMITE, A CERTEZA
A prescrição não se caracteriza como um fenômeno sem limites, passível de
suspensão ou de interrupção encontra na lei delimitação. Tal diretriz, além de mostrar-
se em consonância com o princípio constitucional da legalidade, ao qual a
Administração Pública está adstrita, busca, por outro lado, consolidar a certeza e a
segurança jurídicas, não permitindo que as relações jurídicas de natureza
intersubjetivas possam permanecer submetidas a alguma espécie de incerteza ou de
insegurança.
Caso assim não o fosse, mesmo reconhecendo-se a impossibilidade da
imprescritibilidade em favor da Fazenda Pública, em não havendo previsão expressa a
respeito das causas de suspensão, ou de interrupção, da prescrição, acabar-se-ia, em
razão de uma força intuitiva oriunda do sistema jurídico como um todo, pela simples
razão de acolhermos a existência de limites ao agir da Administração Pública. A
concepção que pretendesse albergar a possibilidade de um curso indefinido, acabaria
por gerar perplexidade ao administrado, como também, de certo modo, à própria
Administração Pública. Não se pode olvidar que a prescrição é: (...) instituto de ordem
pública, imposta pela necessidade da estabilidade, certeza e segurança das relações
jurídicas, (...)
349
.
Tal delimitação mostra-se relevante na medida em que, pelo advento da
prescrição, extingue-se a ação que, em tese, estaria a materializar uma pretensão de
garantia ao direito, sem que este último, contudo, reste também extinto. O que ocorre,
em realidade, é a perda da possibilidade de defesa do direito ofendido ou ameaçado de
ofensa. Contudo, importa que seja destacado que o direito não desaparece, apenas
torna-se, em presença de eventual espécie de agressão, inerte. Inércia que decorre de
seu reconhecimento pela lei.
349
CRETELLA JÚNIOR. J. Obra citada, p. 69;
282
Entretanto, é importante que resulte salientada a constatação problemática de
que, na prática, a prescrição extintiva, na esfera de regulação do Direito Administrativo,
em presença de direito subjetivo público do titular, corporificado tanto pelo Estado,
quanto pelo particular, perde a possibilidade de sua efetivação material, isto, tão-
somente, por causa do decurso do tempo que atinge fatalmente o direito de ação.
Outro aspecto a destacar, no que atine à regra geral da prescritibilidade, na
esfera das relações disciplinadas pelo Direito Público, às quais a Administração Pública
se encontra submetida, é a da ruptura situada na regulação constitucional, nos termos
do disciplinado pelo art. 37, § 5º, o qual disciplina que:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte:
(...)
§ A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer
agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao erário, ressalvadas as respectivas
ações de ressarcimento.
Como se vê, a possibilidade de prescrição, em detrimento dos interesses
situados no rol de prerrogativas da Administração Pública, encontra embaraço, tão-
somente, ao tratar-se de pretensões de ressarcimento ao erário, restando tais
interesses, ao que parece de imediato, excluídos da possibilidade de serem atingidos
pelo fenômeno prescricional.
Desse modo, eventuais causas modificativas, no que atine ao curso da
prescrição administrativa, sofrerão, apenas, a restrição grafada a título constitucional,
mantendo-se, nas demais hipóteses, eventuais limites a tal categoria jurídica
350
, desde
que submetida à previsão legal prévia.
Contudo, há de atentar-se que, enquanto a prescrição admite a possibilidade de
suspensão e de interrupção de seu curso, observando-se, entretanto, o tempo e a
350
A expressão categoria jurídica, no que se refere à prescrição administrativa, é
oriunda da percepção de tal fenômeno sob a ótica de JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, o qual
assevera que: (...) interessa-nos firmar o princípio de que a prescrição, quer extintiva, quer
aquisitiva, é categoria jurídica, que tem como causa única determinante, o decurso do tempo,
.... Obra citada, p. 69;
283
forma legais, a decadência ou caducidade não permitem suspensão e interrupção, uma
vez iniciado o prazo. Neste sentido, diz HELY LOPES MEIRELLES que
351
:
Prescrição é a perda da ação pelo transcurso do prazo para seu ajuizamento ou pelo
abandono da causa durante o processo. Não se confunde com a ‘decadência’ ou
caducidade’, que é o perecimento do direito pelo não exercício no prazo fixado em lei.
A prescrição admite suspensão e interrupção pelo tempo e forma legais; a decadência
ou caducidade não permite qualquer paralisação da fluência de seu prazo, uma vez
iniciado.
Portanto, ao início da busca de compreensão das causas de suspensão e de
interrupção da prescrição, enquanto causas modificativas do lapso temporal em curso,
no que atine aos seus efeitos concretos de extinção da possibilidade do exercício do
direito em-si, ou de sua proteção pela via de ação judicial, é de anotar-se que tanto as
interrupções, quanto a suspensão de seu curso, configuram circunstâncias de natureza
restrita a tal fenômeno, o que, conforme o explicitado, não se dá com relação à
decadência.
9.2. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
De início, não se pode desconsiderar que se mostra fundamental que se
compreendam tais circunstâncias interruptivas, na medida em que mostram,
indubitavelmente, como singularidades diversas. Portanto, não se de confundir
suspensão com interrupção da prescrição, que os resultados práticos decorrentes de
tais eventos resultam significativamente diversos.
No que se refere à interrupção da prescrição administrativa, não qualquer
circunstância imediata que possa revelar, de início, grave perplexidade, no sentido da
possibilidade jurídica de tal causa modificativa da prescrição.
Diz o Decreto nº 20. 910, de 06 de janeiro de 1932, na sua condição de estatuto
geral de regulação da prescrição administrativa, no atinente às dívidas passivas da
Administração Pública, em seus arts. 8º, 9º, e 10 que:
351
MEIRELLES, H. L. Obra citada, p. 623;
284
Art. 8º A prescrição somente poderá ser interrompida uma vez;
Art. A prescrição interrompida recomeça a correr pela metade do prazo, da data do
ato que a interrompeu ou do último ato ou termo do respectivo processo;
Art. 10. O disposto nos artigos anteriores não altera as prescrições de menor prazo,
constantes das leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas às mesmas regras.
Por seu turno, o Decreto-lei 4.597 de 19 de agosto de 1942, disciplina, em
seus arts. 3º e 4º, que:
Art. A prescrição das dívidas, direitos e ações a que se refere o Dec. 20.910, de 06
de junho de 1932, somente pode ser interrompida uma vez, e recomeça a correr, pela
metade do prazo, da data do ato que a interrompeu, ou do último do processo para a
interromper; consumar-se-á a prescrição no curso da lide sempre que a partir do último
ato ou termo da mesma, inclusive da sentença nela proferida, embora passada em
julgado, decorrer o prazo de dois anos e meio.
Art. As disposições do artigo anterior aplicam-se desde logo a todas as dívidas,
direitos e ações a que se referem, ainda não extintos por qualquer causa, ajuizados ou
não, devendo a prescrição ser alegada e decretada em qualquer tempo e instância,
inclusive nas execuções de sentença.
Como resta incontroverso, na esteira do disciplinado pelos diplomas legais
acima transcritos, é indubitável a possibilidade de que a prescrição administrativa tenha
seu curso temporal interrompido. Ademais, desde já que se ressaltar que, na forma
do disciplinado pelo art. 3º, do Decreto-lei 4.597 de 19 de agosto de 1942, resta
inserido no sistema prescricional administrativo a figura da prescrição intercorrente
352
,
caracterizada como àquela que ocorre no curso de relação de natureza processual
litigiosa em andamento, ou até mesmo após o trânsito em julgado de decisão que visou
por fim a conflito.
Nesse último caso, ante a força de uma decisão judicial de natureza definitiva,
consolida-se muito mais do que o fenômeno prescricional, mas circunstância muito
próxima da decadência. Entretanto, de tal dicotomia, de alertar-se para a
352
É de destacar-se que tal referência legislativa apenas reforça a existência de instituto
prescricional situado no âmbito de uma relação jurídica de direito processual civil. Não
possibilita, portanto, visualizar-se, por tal regra jurídica, a figura de uma prescrição
administrativa estrita, ou seja, marcada por um conteúdo de natureza puramente material,
embora submetida aos contornos do Direito Público;
285
necessidade de uma reflexão mais particularizada em razão de tal evento. Tal reflexão
resulta necessária ante a circunstância do não reconhecimento da existência de uma
coisa julgada puramente administrativa, nos termos ou conforme o modelo que restou
teoricamente consolidado no âmbito do Direito Processual. Portanto, a compreensão do
fenômeno sob a ótica de uma possível decadência, está diretamente ligada à
pressuposição da necessidade de uma decisão judicial, sob a ótica de uma
compreensão de natureza puramente doutrinária, nos limites das perquirições
procedidas em presença e nos contornos do Direito Administrativo brasileiro, o que, por
óbvio, não ocorre na espécie.
O efeito primordial de tal pré-compreensão, no caso de uma decisão
administrativa, mormente por tratar-se de uma solução estritamente vinculativa ao
âmbito puramente administrativo, é o de que tais decisões poderão restar sempre
reexaminadas pelo Poder Judiciário, circunstância essa que permite afirmar-se da
impossibilidade do cognominado fenômeno decadencial situado na esfera puramente
administrativa. Tal visualização mostra-se necessária, na medida em que as regras que
integram o ordenamento administrativo brasileiro podem gerar uma má compreensão
da estrutura sistemática conformada pelo direito positivo, em sua totalidade. Como
exemplo de tal circunstância podemos referir o regrado pelo art. 54 da Lei 9.784, de
29 de janeiro de 1999, a qual regula o processo administrativo no âmbito da
Administração Pública Federal. Diz tal dispositivo que:
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorrem
efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que
foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da
percepção do primeiro pagamento.
§ Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade
administrativa que importe impugnação à validade do ato.
Da singela leitura de tal dispositivo, verifica-se que a pretensa decadência, ao
contrário do instituto da decadência conforme o modelo integrado ao ordenamento
jurídico nacional, mostra-se submisso a exigências incompatíveis com a sua vocação
286
de instituto voltado à extinção do direito, nos termos como a decadência, estrito senso,
assim o produz. Basta que reste comprovada a existência de má-fé para que seus
efeitos não se produzam. Ademais, tal comprovação poder-se-á dar tanto na esfera
administrativa, quanto na esfera judicial, de modo que, em se comprovando tal vício, a
inusitada decadência perde seu vigor e seus efeitos. Em realidade, portanto, não se
trata de decadência estrito senso, mas sim de uma redesignação do fenômeno
prescricional. Tanto é assim que o que resulta obstado está associado a efeitos
favoráveis e não à substância do direito em si. Por fim, de realçar-se que o pretenso
direito de anular assume feições extensas, podendo ser concebido, tudo por força da
descrição normativa estatuída pelo dispositivo nominado, até mesmo a de mera
impugnação à validade do ato, o que fragmenta à própria idéia de decadência em-si.
Por outro lado, dado que a lei explicita a natureza e as feições do exercício do
direito de anular, descrevendo-o como qualquer medida que importe impugnação à
validade do ato, não por força do sumulado pelo STF, mas primordialmente em
razão do princípio constitucional da inafastabilidade do controle judiciário, nos termos
do grafado pelo art. 5º, inciso XXXV, da CF, a referida decadência poderá restar
reexaminada e afastada, com sua pretensão extintiva resultando totalmente
desconsiderada.
Ora, diante de tais circunstâncias, que decadência é esta que, ante
comprovação de má-fé, ou, tão-somente por força de reexame do ato por parte do
Poder Judiciário, resulta liminarmente desconsiderada? Por óbvio decadência o é.
Tanto é assim que, no caso de agressão ao interesse público, ou por violação ao
princípio da legalidade, qualquer ato administrativo pode restar, por força de decisão
judicial, eliminado do mundo jurídico, circunstância essa que, por si só, demonstra a
impropriedade da terminologia apontada. Isso porque o direito à anulação não decorre
de uma vontade absoluta, identificada por um conteúdo potestativo, conforme se
caracterizam os direitos submetidos ao fenômeno extintivo da decadência, mas sim de
fenômeno prescricional, que não há, por exemplo, possibilidade de reconhecer-se,
em nenhuma circunstância, a possibilidade de que o direito do Estado possa a vir
suprimido em seu exercício.
287
Em realidade, tal efeito, muito semelhante ao da decadência, mostra-se
diferenciado daquela, na razão em que o lapso prescricional se mantém adstrito a prazo
com início a contar da decisão judicial, tomado em conta o momento em que nasce o
direito de ação para eventual prejudicado. Portanto, mostra-se incontroverso que, em
realidade, os efeitos decorrem de evento oriundo de uma relação jurídica processual e
não de direito material estrito, afastando-se, portanto, do modelo institucionalizado e
recepcionado tanto pela doutrina, quanto pela jurisprudência, sob o nomem juris de
decadência.
Tal perspectiva, aliás, embora a partir de argumentação semelhante à acima
referida, é destacada por ARNOLD WALD
353
, o qual refere que:
4. A leitura dos textos transcritos linhas atrás esclarece, sobejamente, que se trata de
prazo prescricional. Não somente os textos legais se referem expressa e
explicitamente à ‘prescrição’, como ainda admitem a possibilidade de interrupção e
suspensão de prazos, o que caracteriza a existência de prazo prescricional em
oposição à decadência e aos termos extintivos, que não se suspendem, nem se
interrompem.
5. A doutrina também reconhece que os prazos de decadência são aqueles em que a
parte pode praticar ou deixar de praticar um ato, enquanto, ao contrário, na hipótese de
lesão de direito, o prazo é sempre de prescrição.
Concluímos, pois, atendendo tanto à letra da lei e às palavras por ela empregadas,
como à sua interpretação sistemática, que o ‘prazo para intentar a ação contra a União
Federal é de prescrição e não de decadência’.
Mormente, face ao grafado pelo art. 3º, do Decreto-lei nº 4.597, de 19 de agosto
de 1942, surgiu dúvida a respeito da correta interpretação de tal dispositivo, na medida
em que, por interpretação de natureza linear e restrita, poderia o administrado restar
injustificadamente beneficiado, caso a interrupção da prescrição viesse a ocorrer em
período anterior à metade do decurso do prazo de cinco anos.
Em razão de tal circunstância, o Supremo Tribunal Federal editou a súmula nº 383, cujo
verbete disciplina que:
353
ARNOLD WALD. Prescrição contra as pessoas jurídicas de direito público, p. 543 a
544;
288
Súmula 383. A prescrição em favor da Fazenda Pública recomeça a correr, por dois
anos e meio, a partir do ato interruptivo, mas não fica reduzida aquém de cinco anos,
embora o titular do direito a interrompa durante a primeira metade do prazo.
Tal concepção originou-se de precedentes do STF, os quais, em razão de
reiterado entendimento, visualizaram, por outro lado, a possibilidade de benefício
ilegítimo à Fazenda Pública, com manifesto prejuízo ao administrado. Nesse sentido,
restou decidido nos autos do Recurso Extraordinário nº 45.030, em julgamento de
embargos
354
, em voto de lavra do Min. HENRIQUE D’ÁVILA que:
O acréscimo de dois anos e meio à prescrição qüinqüenal, constitui uma ampliação,
em benefício da parte.
Conseqüentemente, não se me afigura lícito interpretar a franquia de modo a restringir
ou encurtar o próprio prazo primitivo de cinco anos.
Depois de promovida a ação, se a parte permitir sua estagnação em Juízo por mais de
dois anos e meio, operar-se-á, sem dúvida alguma, a prescrição intercorrente.
Mas, se não a tiver promovido; e inadvertidamente, antes do decurso da metade do
qüinqüênio, haja interrompido a prescrição pelos meios regulares, seria injusto e incivil
reconhece-la antes de decorridos os cinco anos.
Tal tese jurisprudencial nada mais fez que repetir entendimento anterior,
quando do julgamento do Recurso Extraordinário 43.346, tendo o Min. Luiz Gallotti,
entre outros argumentos, assentado que:
que distinguir. Ao estabelecer que a prescrição, além de se interromper uma
vez, recomeça, quando interrompida, pela metade do prazo, o legislador teve em
mente a interrupção pelo protesto, que habitualmente se faz quase ao completar-se o
qüinqüênio, de modo a dever a ação ajuizar-se, no máximo dentre o de sete anos e
meio, a contar do ato que lhe deu origem.
Mas não poderia o legislador ter pretendido que quem protestou logo após o ato
ficasse, quanto ao prazo prescricional, em situação pior do que quem se conservou
inerte e até quase o fim do qüinqüênio.
354
RE. nº 45.030. São Paulo. Embargos ao Recurso Extraordinário. Relator: Min.
Henrique DÁvila. Julgamento em 03.08.1962. STF. Tribunal Pleno. Publicado em 16.11.1962 no
DJU, p. 3441. RTJ 24-1/160;
289
Faze-lo seria desatender ao próprio fundamento filosófico da prescrição, que constitui
uma sanção contra a inpercia do credor, a bem da paz social.
A inércia mais prolongada corresponderia melhor tratamento, o que é ilógico.
A interpretação razoável de ser esta: o prazo da prescrição é de cinco anos, dentro
no qual pode ser iniciada a ação contra a Fazenda Pública. Se o credor protesta na
primeira metade do período, não se pode atribuir ao protesto o efeito de encurtar
aquele prazo, que prevalecerá, não obstante terminar antes dele o de dois anos e
meio, contado da data do protesto. Se este se faz na segunda metade do qüinqüênio, a
prescrição se consumará dois anos e meio após o protesto, pois não haverá o risco
de que a medida acauteladora produza ilógicamente o efeito de reduzir o prazo da
prescrição.
355
Ora, como restou explicitado, a interrupção da prescrição, em detrimento dos
interesses da Administração Pública recebeu tratamento diferenciado do atribuído ao
administrado. O modelo construído a partir do grafado pelo Decreto-lei 4.597/42, em
seu art. , permite a ocorrência interruptiva do fenômeno prescricional por uma vez,
resultando possível seu recomeço pela metade do prazo, tomando em conta, como
lapso de referência a tal reinício, a data do ato que a interrompeu. Ademais, na forma
dos ditames legais retro-referidos, a prescrição restará consumada no curso da
tramitação processual, a partir do último ato ou termo do processo, não excluída a data
da sentença prolatada, mesmo que tenha transitado em julgado, desde que decorrido o
prazo de dois anos e meio, a contar do evento interruptivo, mas sempre preservando o
prazo-base de cinco anos.
Tal circunstância revelou-se questionável, dado que em se tratando de
interrupção do prazo prescricional de ações aforadas pelo particular, face à
Administração Pública, a doutrina e a jurisprudência firmaram entendimento de que,
nesses casos, o prazo interruptivo de tomar em conta o regramento legal estatuído
pelo Código Civil. A questionabilidade de tal entendimento não se dá no que se refere à
355
No mesmo feito, asseverou o Min. Vítor Nunes que: (...) No tocante à primeira tese
discutida nestes autos, estou de acordo com o sr. Ministro Relator e, consequentemente, com o
acórdão recorrido: o protesto interruptivo da prescrição qüinqüenal não pode encurtar o prazo
originário de cinco anos, porque isto seria contra a índole da medida processual, acautelatória
de direitos, e contra a intenção da parte. [...] Não tem, porém, o efeito de aumentar aquele
prazo, em qualquer caso, para sete anos e meio. O termo do prazo suplementar de dois anos e
meio, resultante da interrupção, deve ser observado, desde que recaia além dos cinco anos
originários, ainda que apenas alguns dias depois;
290
circunstância da possibilidade restrita a tão-somente uma interrupção, mas sim ante ao
fato de que a lei civil não refere que o recomeço do prazo prescricional dever-se-á dar
pela metade do prazo inicialmente previsto, conforme se recolhe do disciplinado pelos
arts. 202 a 204 do estatuto civil. Desse modo, caracteriza-se pela diversidade de
prerrogativas asseguradas à Administração Pública e ao administrado,
respectivamente, tratamentos diferenciados, o que, de início, mostra-se injustificável.
Surge aqui, portanto, a necessidade gritante de construir-se um modelo de natureza
puramente administrativista, abandonando-se, de vez, a doutrina civilista.
De outra banda, ainda no que atine à possibilidade de interrupção do lapso
prescricional, em favor da Fazenda Pública, perspectiva interessante resta aventada por
JOÃO LEITÃO DE ABREU. Tal doutrinador visualiza, na possibilidade restrita da
interrupção dar-se por uma vez, com devolução do prazo por metade, a construção
de um sentido marcado por um conteúdo de sentido preclusivo.Desse modo, para que
não se gere uma incoerência sistêmica, a qual tal autor categoriza como inconsistência,
identifica a necessidade de que, em havendo interrupção da prescrição administrativa, o
demais prazo deverá ser dado de modo a integrar o prazo pleno de cinco anos. LEITÃO
DE ABREU destaca a circunstância interruptiva como um problema a ser solvido pela
preservação, no seu todo, do prazo de cinco anos. Nesse sentido, diz LEITÃO DE
ABREU
356
que:
Problema interessante é o que tem suscitado no tocante à prescrição quinqüenária,
quando interrompida esta antes do transcurso de dois anos e meio. Indaga-se se, em
tal hipótese, o prazo novo será, ainda, o mesmo, isto é, de dois anos e meio. A
resposta afirmativa acarretaria a incongruência de se ter por encurtado o prazo de
cinco anos precisamente para os que mais vigilantes se hajam mostrado na defesa de
seu direito ou pretensão, como se daria quanto aos que interrompessem a prescrição
logo no primeiro ano. Poderia consumar-se, a respeito destes, a prescrição pouco após
o decurso de dois anos e meio a contar do ato ou fato de que tivesse resultado a
ofensa ao direito ou pretensão, quando, se não tivessem interrompido a prescrição,
esta se consumaria ao cabo de cinco anos. Para que se não ocorra, pois, nessa
inconsistência, mister é que se empreste acolhida ao princípio de que, em tais casos, o
prazo prescricional se devolve pelo tempo que faltar para a integração do qüinqüênio.
Poderia parecer ‘prima facie’, que essa inteligência do texto legal briga com os
princípios que informam a prescrição. O certo é porém, que a chamada prescrição
quinqüenária, tal como se acha desenhada no Decreto nº 20.910, é instituto em que se
356
ABREU, J. L. de. Obra citada, p. 53;
291
não guardam, na sua pureza, os elementos que são que são característicos da
prescrição, tais como a interrupção indefinida e a devolução do prazo por inteiro. A
prescrição quinqüenária, com admitir uma interrupção e com o devolver do prazo
por metade, está, contudo, a meio caminho entre a figura da prescrição e do prazo
preclusivo ou preclusão. Com fundamento nas notas preclusivas do instituto é que se
reputa aceitável a solução que ao problema se tem oferecido, quando a interrupção se
registre antes do transcurso dos dois anos e meio a contar da ofensa do direito.
É da leitura do determinado pela Lei Federal 9.873, de 23 de novembro de
1999, na qual resta estabelecido o prazo prescricional relativo ao exercício de ações
punitivas por parte da Administração Pública Federal, direta ou indireta, que resulta
possível compreender o móvel teleológico que vem diferenciando o conceito material de
prescrição, oriundo do direito privado, do escopo finalístico da prescrição situada nos
limites e para os efeitos do Direito Administrativo.
Examinando-se às causas interruptivas da prescrição, em tal estatuto legal
referenciado (art. 2º), verifica-se que, em tal senda, não as formas de interrupção,
mas o próprio instituto em si assumiu as feições de um mecanismo de natureza
meramente processual. Já, no caso da suspensão da prescrição (art. 3º), a prescrição
administrativa assume as feições de um pressuposto de ajuste entre a Administração
Pública e o particular, relativizando o interesse público, como também assumindo uma
forma de garantia indireta do cumprimento do ajustado.
À evidência, portanto, resta evidenciado que, por força de uma nova ideologia,
a prescrição administrativa, a cada momento, distancia-se do fenômeno extintivo
marcado por força características extintivas, assumindo a condição de pressuposto
passível de afastamento por força da manifestação da vontade das partes. Ou seja,
àquilo que deveria, a princípio, estar indelevelmente marcado pelo espírito público,
assume, cada vez mais, coloração de feições privadas.
9.3. ÂMBITO ADMINISTRATIVO
Como visto até aqui, em geral, o tratamento legal do fenômeno da interrupção
da prescrição, dá-se sempre a partir de sua localização no âmbito de um processo,
deslocando tal evento da possibilidade de que possa ser questionada tal interrupção a
292
partir da idéia de uma prescrição puramente administrativa, no que atine às
conformações de natureza estritamente material, ou seja, na esfera limitada dos
deveres e das obrigações regulados pelo Direito Administrativo.
Entretanto, nada impede, resultando até razoável, que se vislumbre, também, a
partir de reflexões associadas à idéia genérica de interrupção da prescrição, a
possibilidade de existência de uma prescrição puramente administrativa, a qual, por seu
turno, em princípio, também haveria de reconhecer como possível a sua interrupção,
porquanto em sua essência em nada proíbe tal circunstância.
Num sítio propício a tal concepção, SÍDIO ROSA DE MESQUITA JÚNIOR
357
,
procedendo à análise da Lei 8.884/94, com redação que lhe foi dada pela Medida
Provisória 1.708/98, tendo esta última sido convertida, posteriormente, na Lei
9.873/99, construíu um entendimento de que é da instauração do processo
administrativo que ocorre a interrupção da prescrição. De tal sorte, assevera, em
referindo-se ao grafado pelo inciso II, do art. 2º, da Lei 9.873, de 23 de novembro de
1999, que:
As causas suspensivas e interruptivas da prescrição devem estar expressas em lei. O
preceito do inciso II é muito vago, gerando certa insegurança jurídica, mormente
porque pode criar em favor da Administração Pública o entendimento de que é
admissível a imprescritibilidade. Estando a prescrição sujeita a inúmeras causas
interruptivas, ou seja, podendo ser interrompida a cada ato inequívoco de apuração
dos fatos”, poderá o prazo estender-se indefinidamente, por meio de diligências vazias
de objetivos, sem escopo prático significativo. Assim, melhor seria a determinação
exata de quais são os atos administrativos que interrompem o prazo da prescrição. Por
tais razões, entendemos que a instauração do processo administrativo é quem vai
gerar a interrupção do prazo, mas para a sua convalidação é necessária a notificação
do indiciado ou acusado.
no atinente ao inciso I, do art. 2º, da Lei 9.873, de 23 de novembro de
1999, refere que:
O preceito do art. 2o, inciso I, tem a grande vantagem de esclarecer a dúvida outrora
reinante sobre o momento da interrupção. Hoje, a conclusão que se impõe é a de que
somente a instauração do processo administrativo é quem interrompe a prescrição.
Esse entendimento, outrora manifestado,13 está melhor solidificado, em face da
357
MESQUITA JÚNIOR, S. R. de. Obra citada, p. 6;
293
previsão legal, pois na averiguação preliminar não existirá nenhuma notificação
semelhante à citação.
358
Como visto, portanto, não seria de todo inusitado pretender-se identificar e
compreender o fenômeno da interrupção da prescrição, a partir do reconhecimento da
existência de uma prescrição estritamente administrativa. Para o exame de tal
perspectiva, realçamos que outro espaço de regulação onde se percebe a presença do
fenômeno prescricional interrompido, numa esfera puramente administrativa, é
encontrado, geralmente, nos estatutos de regime jurídico dos servidores públicos.
Para efeito de análise de tal fenômeno e em tal sede, limitar-nos-emos ao
disciplinado pela Lei Federal 8.112, de 11 de dezembro de 1990
359
. Tal escolha,
desde já se alerta, dá-se em razão de tratar-se de texto legal cuja vigência torna
incontroversa a existência do fenômeno interruptivo da prescrição administrativa em-si.
Tal fenômeno está previsto de forma expressa pela regra mencionada. Portanto, de tal
estatuto resulta ser inconteste a possibilidade jurídica da interrupção e da suspensão do
prazo prescricional, porquanto decorrente de lei
360
.
Diz o art. 142, em seus parágrafos e 4º, da Lei 8.112, de 11 de dezembro
de 1990, que:
Art. 142. A ação disciplinar prescreverá:
(...)
§ 3º. A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a
prescrição, até decisão final proferida por autoridade competente.
§ 4º. Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em
que cessar a interrupção.
358
MESQUITA JÚNIOR, S. R. de. Obra citada, p. 11;
359
A Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, dispõe sobre o regime jurídico dos
servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais;
360
Não se pretende aqui, dado que avançaríamos além dos limites a que se destina a
presente investigação, tratar da divergência terminológica na denominação dos tipos de
procedimentos disciplinares conformados em cada estatuto, e da linguagem adotada por cada
legislação. Nesse sentido, Odete Medauar, em tratando da interrupção da prescrição alerta para
que: Ressalte-se, em primeiro lugar, a diversidade terminológica, no tocante à denominação dos
tipos de procedimento disciplinar, existentes na legislação específica. In: Obra citada, p. 86. O
queo implica, contudo, por tal circunstância, a possibilidade de negarmos a existência da
interrupção;
294
Ora, da singela leitura da lei, verifica-se o a existência de uma prescrição
de contornos puramente administrativos, como também da possibilidade de sua
interrupção. Diz-se de uma prescrição de feições puramente administrativas no sentido
de que, ao reverso de outras circunstâncias, não referência alguma, ou vinculação
necessária, ao fenômeno prescricional encontrado no bojo de uma ação judicial.
Contudo, como visto acima, como pressuposto necessário a presença indispensável
de um procedimento em curso, cujo final a lei não refere, conduzindo, de início, o
intérprete à aceitação de uma possível imprescritibilidade, o que, à evidência, colide, de
forma inaceitável, como princípio geral da prescritibilidade.
Ademais, é de anotar-se que, por força de tal regra, a Administração Pública, ao
contrário do grafado pelo Decreto-lei 4.597 de 19 de agosto de 1942, em seus arts.
3º e 4º, não estabelece redução alguma ao prazo por força de reinício do prazo
prescricional, como também nada é dito a respeito de que tal interrupção possa ser
efetivada, tão-somente, por uma vez. Tais circunstâncias, ao início, podem parecer
configurar, tão-somente, singela peculiariedade. Contudo, em meditando-se a seu
respeito, resulta possível identificar-lhes como características próprias de um fenômeno
que se esforça por assumir feições de uma identidade própria. aqui, de forma
subliminar, um início de ruptura em relação ao modelo consagrado.
Diante de tais assertivas, não como recusar que resulta demonstrado, mais
uma vez, a existência de uma prescrição administrativa marcada por contornos
totalmente autônomos em relação à legislação privada. De tal sorte, não mais se
justifica, a título de condição necessária, a sua adoção como modelo de elucidação de
circunstâncias controversas, surgidas no âmbito do Direito Administrativo. Ao que tudo
indica, passa a despontar um equívoco a ser eliminado.
Tal perspectiva, portanto, deve restar acolhida. No mínimo porque se percebe
que a forma como que o fenômeno prescricional é tratado, nos diversos sítios em que
se configuram relações jurídicas em que atua a Administração Pública, configuram-se
sentidos e tratamentos marcados por uma ausência de identidade. Ora, em presença
de um ordenamento jurídico informado por preceitos gestados no seio de Estado
295
Democrático de Direito, resulta inaceitável, senão profundamente injusto que ainda se
insista num pensamento marcado por uma uniformidade totalizadora. A diversidade
retratada por uma prescrição administrativa não retrata a subversão do sistema, mas
sim a quebra de um pensamento acomodado e sem compromisso com os paradigmas
do Direito Público. Entretanto, de reconhecer-se a necessidade de uma
sistematização de todas essas variáveis, a partir de razões que possam ser
confrontadas, na mesma senda de pretensões de validade estatuídas com atenção aos
paradigmas do Estado Democrático de Direito.
9.4. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
Face a face com a idéia de suspensão da prescrição, de imediato, percebe-se
que a vocação associada a uma condição de causa interruptiva é o seu caráter
marcante. Não se pode, contudo, confundirem-se tais causas modificativas do
fenômeno prescricional. Nada impede, entretanto, ao vislumbrarmos na suspensão,
como seu ponto de referência marcante, o reconhecimento de sua característica
estrutural de meio de interrupção. Contudo, não há porque confundi-la com o fenômeno
da interrupção em si. Ontologicamente a suspensão interrompe. Contudo, faticamente,
a suspensão não interrompe, mas sim suspende. Tal dicotomia apontada pode parecer
de uma obviedade instransponível. Contudo, tal obviedade só se mostra redundante a
partir de uma ótica de natureza descritiva. Basta que se visualize a suspensão da
prescrição com olhos marcados por uma intuição de natureza racional, de imediato
emergem questões indagando a respeito de um inquestionável relativismo subjascente
a tal normatização.
A caracterização da suspensão da prescrição administrativa de ser
visualizada, portanto, a partir da estrutura formal das questões que ela permite elucidar,
só se esclarecendo, portanto, a partir de sua função prática, de seu propósito e de seus
motivos. Portanto, embora fundamentalmente não possamos desconhecer que a
suspensão da prescrição, na sua existência transcendente, interrompe o lapso temporal
delimitado pela lei, mostra-se necessário, nos estritos termos de uma ratio cognoscendi
296
do próprio fenômeno suspensivo, que sendo o transcurso do tempo a feição primordial
do fenômeno prescritivo, a suspensão passa também a apresentar-se como uma causa
modificativa da prescrição em si. Este, portanto, de ser a sua primeira referência à
elucidação de seu sentido específico.
A suspensão, a exemplo da interrupção, também, de modo inafastável, de
decorrer da lei. A lei deve, não estatuir a sua possibilidade jurídica, como também
disciplinar a sua forma e o seu modo. Neste sentido, disciplina o Decreto 20.910/32,
em seu art. 4º, que: (...) a entrada do requerimento a suspende até a decisão final; não
importa se a dívida é liqüída ou não. Para efeito da compreensão mais adequada do
modo de interpretar tal evento, são significativas as manifestações grafadas nos
recursos extraordinários 69.571, e 101.212
361
. Explicitando a adequada
interpretação do dispositivo legal retrocitado, o eminente Ministro Carlos Madeira,
referiu, na situação fática descrita no aresto mencionado, que:
Vê-se, assim, que seis anos depois da autora haver se dirigido ao Governador, foi
respondido que não constava existir qualquer ação de indenização. Vale dizer, o
Estado pagaria quem o acionasse judicialmente. E deixou fluir o prazo prescricional
para responder à reclamação da autora. Claro que, nos termos do art. 4º do D.
20.910/32, não ocorreu a prescrição durante a demora, no reconhecimento ou no
pagamento da dívida. Sendo clara a responsabilidade do Estado, tanto que
reconhecida de público pelo Governador, não se de argüir que a dívida não era
liqüída.
Tendo sido a ação proposta em 30 de novembro de 1977, um mês depois do
recebimento da carta pela recorrida, o prazo qüinqüenal da prescrição começara a
fluir a partir da resposta do Secretário de Governo do Estado.
361
RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO. A Ação de reparação do dano causado
por obra pública prescreve em cinco anos (Art. 178, § 10, nº.VI do Código Civil). Entretanto, se a
reparação foi reclamada à autoridade administrativa e só seis anos depois foi indeferida, o prazo
prescricional começa fluir a partir dessa data, a teor do disposto no artigo 4º do Decreto 20910, de 1932.
Recurso conhecido e improvido. RE 101212 / RJ – Rio de Janeiro. Recurso Extraordinário. Relator: Min.
CARLOS MADEIRA. Julgamento: 01/04/1986. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJU de 09-
05-86, pág. 07628. Ementário, volume nº 01418-02, pág. 00323. Site do STF; No mesmo sentido: Ato
Administrativo. Ação para anulá-lo. Prescrição. Reclamação Administrativa. Efeitos. II. A reclamação
administrativa cabe para todos os direitos a que se refere o Art. 1 do Decreto n. 20910/1932. Seu
tempestivo ingresso faz suspender o fluxo do prazo prescricional. III. Exegese dos Arts. 1, 4 e parágrafo
6, do Decreto n. 20910/1932. Precedentes. Recurso conhecido e provido. RE 69571 / SP – São Paulo.
Recurso Extraordinário. Relator: Min. Thompson Flores. Julgamento: 23/10/1970. Órgão Julgador:
Segunda Turma. RTJ, vol 55, pág. 725;
297
Analisando-se às razões transcritas, verifica-se, por primeiro em um nível
meramente factual, que o requerimento, na decisão cognominado como reclamação, é
fator de suspensão do curso prescricional, até a manifestação da Administração Pública
a respeito daquilo que foi requerido. Por segundo, não necessidade alguma que se
tenha aforado ação judicial para o efeito de postular direito face à Administração
Pública, desde que presente a responsabilidade do Estado. Ante tal perspectiva,
resultam manifestas três conclusões. A primeira, no sentido de que um curso
prescricional situado, exclusivamente, na órbita administrativa. Segundo, que tal curso
pode restar suspenso no mesmo âmbito, qual seja, na esfera puramente administrativa.
Terceiro, se há um curso de prescrição em andamento, já que só se suspende àquilo
que existe e que está a transcorrer, resulta viável visualizarmos a existência de uma
prescrição administrativa de feições materiais e concretas e a possibilidade jurídica da
suspensão do seu curso, sem que para isso tenha que ser instaurada sede
procedimentalizada.
Como se vê, não obstáculo algum para que se reconheça, não só o
fenômeno da prescrição administrativa, em sua existência autônoma, como também a
possibilidade da suspensão de seu curso, também, no mesmo espaço puramente
administrativo. Entretanto, nem sempre foi assim. JOÃO LEITÃO DE ABREU
362
realça
que:
Debates acesos sempre se feriram a respeito dos meios de se interromper a
prescrição. Concentrou-se a polêmica, invariavelmente, em torno do efeito da
reclamação administrativa, a fim de se apurar se era interruptiva ou se apenas
suspensiva do prazo prescricional. Sob o regime do Decreto nº 857 prevaleceu à
opinião que dava à reclamatória eficácia interruptiva.
(...)
Diante da fórmula ambígua que ai se utiliza para determinar-se a eficácia da
reclamatória administrativa e da assertiva corrente em doutrina, de que a suspensão
ex tunc corresponde à interrupção, é de convir-se em que havia lugar para a exegese
segundo a qual a reclamação administrativa constituía meio de interromper a
prescrição. Com o advento do Código Civil reacendeu-se, porém, a querela em torno
do problema. A prescrição, ainda a tocante à matéria administrativa, fez-se, por obra
da codificação, tema de direito civil. As formas estatuídas, pois, no direito civil, como
capazes de operar a interrupção da prescrição, deviam, pois, em boa hermenêutica,
ter-se como as sós idôneas para operar esse efeito. Cumpria se repelisse a
362
ABREU, J. L. de. Obra citada, p. 53 a-54;
298
reclamação administrativa como meio de interromper a prescrição, por isso que não
contemplado esse procedimento, peculiar no âmbito da administração, entre as causas
que o Código dá como instrumento de interrupção do prazo prescricional.
(...)
Com a promulgação, porém, do Decreto nº 20.910 ganhou terreno, conquanto em meio
a vacilações, o princípio de que a reclamação administrativa apenas suspende o curso
prescricional. A tornar esse princípio irrecusável concorrem, de maneira categórica, os
termos inequívocos dos arts. 4º e 5º desse ato legislativo.
O efeito da reclamação administrativa, quanto à prescrição das dívidas passivas do
Estado e de qualquer direito ou ação pessoal contra ele é, pois, o de suspender o
curso da prescrição, ficando-lhe a interrupção na dependência da utilização pelo credor
ou titular da pretensão, direito ou ação de um dos meios que, pela lei civil, operam
esse efeito. Importa, ainda, se observe que a suspensão da prescrição, por via da
reclamatória administrativa, somente ocorrerá quando esta se apresente ou produza
dentro do prazo estatuído para a sua formalização. A reclamatória que se deduzir, pois,
fora do prazo, ainda que não prescrita a pretensão ou ação, não obstará, destarte, o
curso do prazo da prescrição de direito material.
Da análise da manifestação de JOÃO LEITÃO DE ABREU retira-se, além da
certeza da possibilidade da suspensão da prescrição administrativa, em meio e sob a
tramitação de um procedimento de natureza administrativa, a origem de um
pensamento dependente aos ditames do Direito Civil, que, lamentavelmente, até os
dias de hoje, ainda insiste na pretensão de traçar diretrizes para o Direito
Administrativo.
Como realçado por tal doutrinador, o Código Civil e a sua interpretação, numa
perspectiva marcada pelo pensamento da época, arvorou-se em paradigma para a
interpretação da prescrição administrativa. Tal postura, além de inadequada, retratava
injustificável amnésia com relação à legislação anterior que bem disciplinava tal instituto
do Direito Administrativo. A exemplo é de destacar-se o Decreto 857, de 12 de
novembro de 1851, o qual, ao explicar o art. 20 da Lei de 30 de Novembro de 1841,
assumia a condição de regramento geral da prescrição administrativa. Portanto, da
análise, não do estatuto civil referenciado, como também da legislação especial que
ao depois passou a regrar a prescrição administrativa, verifica-se a ocorrência de
evidente retrocesso, o que, a nosso sentir deu-se em razão do excessivo
conservadorismo dos juristas da época, no sentido de manterem-se amarrados aos
paradigmas do Direito Civil, como uma reminiscência da visão romana de Direito.
299
Contudo, o fenômeno da suspensão da prescrição, nos limites da legislação
que o disciplina, recebeu outras contribuições de vocação regulatória. Entre essas
pode-se destacar a grafada pela Lei Federal 9.873, de 23 de novembro de 1999, a
qual estatuí acréscimo pontual de conteúdo significativo, nos termos de seu artigo 3º
363
.
Nesse sentido, SÍDIO ROSA DE MESQUITA JÚNIOR
364
destaca que: A prescrição não
pode correr enquanto o órgão competente estiver impossibilitado de atuar. Pôr essa
razão, a lei prevê causas impeditivas (suspensivas) da prescrição, a saber, por
exemplo, o compromisso de cessação e compromisso de desempenho.
É no Decreto nº 20.910, de 06 de janeiro de 1932, em seu art. 4º, que o instituto
da suspensão recebe regramento havido por geral, embora tal estatuto se refira às
dívidas passivas e a qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, remanescendo,
portanto, outros conflitos delimitados em contornos de relações jurídicas diversas das
acima explicitadas.
De tal sorte, o que ao início da regulação do fenômeno suspensivo do prazo
prescricional, na esfera restrita do Direito Administrativo, mostrava-se controverso,
assumiu, hodiernamente, não a condição de fenômeno corriqueiro, como também
prestou-se a informar tal evento através de regulações específicas, ao que, em tudo
associado à interpretação jurisprudencial, tornou-se fenômeno de feições pacíficas,
afastando-se as antigas incompreensões que viscejavam ao seu redor.
363 Art. 3o Suspende-se a prescrição durante a vigência: I - dos compromissos de cessação ou
de desempenho, respectivamente, previstos nos arts. 53 e 58 da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994;
II - do termo de compromisso de que trata o § 5o do art. 11 da Lei no 6.385, de 7 de dezembro de 1976,
com a redação dada pela;
364
No sentido de que: Durante o cumprimento das condições do compromisso de
cessação, ou de desempenho, não há como o Estado impulsionar o processo para apuração da
infração. O processo, necessariamente ficará suspenso. Assim, estando o Estado impedido de
agir, nada mais justo que suspender o lapso prescricional. Mas, uma vez descumpridas a
condições e restabelecido o processo, o prazo volta a correr a partir da data do restabelecimento
do processo, o que deve ocorrer antes de expirar o prazo fixado, considerando-se o prazo que
fluiu antes do compromisso. MESQUITA JÚNIOR, S. R de. Obra citada, p. 8;
300
9.5. REDUÇÃO DO PRAZO
Mas nos meandros da análise do fenômeno suspensivo, surge um evento que
exige atenção. Trata-se do fenômeno da redução de prazo. Tal atenção se mostra
necessária na medida em que, numa análise apressada, pode sugerir tratar-se de uma
forma de prescrição intercorrente. Contudo, o primeiro óbice à sua adequada
compreensão diz respeito ao fato de que a interrupção no curso prescricional não se
daria como fato ocorrente na formação de conteúdo da causa modificativa em si, mas
sim de fator caracterizado por uma autonomia diversa da suspensão, quanto da
interrupção.
Importa destacar que a redução aqui referida não é a destacada pelo art. 9º, do
Decreto 20.910, de 06 de janeiro de 1932, como também a referida pelo art. 3º do
Decreto-lei nº 4.597, de 19 de agosto de 1942, na medida em que a redução dos prazos
prescricionais, na forma dos estatutos retro-referidos deve dar-se a partir de um evento
prévio e necessário de interrupção do prazo prescricional e não da redução decorrente
de regra que não vincula tal redução a evento modificativo anterior, em nível de
suspensão ou de interrupção.
Desse modo, no caso em tela, o que aqui se refere diz respeito a circunstâncias
tais como as referidas pela pela Lei 6.385, de 7 de dezembro de 1976 , a qual dispõe
sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários, a qual
foi alterada pela Lei 9.457, de 05 de maio de 1997, onde o prazo da prescrição, por
determinação expressa de lei, foi reduzido, passando a ser de quatro anos
365
. O que
365
Art. 3º Fica incluído na Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, o seguinte art. 33,
renumerando-se os demais: Art. 33. Prescrevem em oito anos as infrações das normas legais cujo
cumprimento incumba à Comissão de Valores Mobiliários fiscalizar, ocorridas no mercado de valores
mobiliários, no âmbito de sua competência, contado esse prazo da prática do ilícito ou, no caso de
infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado; § Aplica-se a prescrição a todo
inquérito paralisado por mais de quatro anos, pendente de despacho ou julgamento, devendo ser
arquivado de ofício ou a requerimento da parte interessada, sem prejuízo de serem apuradas as
responsabilidades pela paralisação, se for o caso; § A prescrição interrompe-se: I - pela notificação do
indiciado; II - por qualquer ato inequívoco que importe apuração da irregularidade; III - pela decisão
condenatória recorrível, de qualquer órgão julgador da Comissão de Valores Mobiliários; IV - pela
assinatura do termo de compromisso, como previsto no § do art. 11 desta Lei. § Não correrá a
prescrição quando o indiciado ou acusado encontrar-se em lugar incerto ou não sabido. § Na hipótese
do parágrafo anterior, o processo correrá contra os demais acusados, desmembrando-se o mesmo em
301
resultou criado pela regra legal mencionada. Portanto diz respeito a uma causa legal de
redução de prazo prescricional. Importa destacar, contudo, que tal regra pressupõe,
sempre, a existência de um procedimento administrativo, mas que, tão-somente por
isto, não pode ser confundida com a prescrição intercorrente.
Por outro lado, a idéia de redução de prazo, em realidade, nos termos do
regramento legal referenciado, gerou uma circunstância, a primeira vista, muito
semelhante à da prescrição intercorrente. Tal perspectiva, ad argumentandum tantum,
portanto, sob a forma de uma interpretação sistemática, poderia dar azo ao não
reconhecimento da possibilidade, por força de tal categorização, do acolhimento da
possibilidade de suspensão do curso prescricional, em razão da ocorrência de algum
dos eventos com força de interrupção da prescrição.
Contudo, resulta manifesto que a possibilidade de redução não se dá, aos olhos
do legislador, como um evento atrelado a qualquer causa legal de natureza interruptiva,
lato senso, a título de pressuposto, mas sim, primordialmente, como sanção à
imobilidade do administrador. Ou seja, ante a mera circunstância da paralisação de
inquérito administrativo em razão de pendência de despacho ou de julgamento, por
mais de quatro anos, a lei determina o seu imediato arquivamento.
De outra banda, resulta importante que mais uma vez se demonstre da
impossibilidade de confundir-se tal redução de prazo prescricional aos limites do
conceito de prescrição intercorrente. Tal perspectiva resulta facilitada a partir do
reconhecimento de que o regramento legal apontado estatuiu causa de suspensão
permanente da prescrição, bastando para tanto que o indiciado ou acusado esteja em
lugar incerto e não sabido (art. 33, § 3º, da Lei 6.385, de 7 de dezembro de 1976).
Ou seja, no caso de inação da Administração blica, o prazo prescricional,
independentemente de qualquer causa, que não a inação referida, é reduzido. No caso
de encontrar-se o indiciado ou acusado em lugar incerto e não sabido, o prazo é
suspenso sine die, o que, a rigor, configura medida em afronta ao ordenamento jurídico
nacional, como sistema.
relação ao acusado revel. Art. Para os inquéritos administrativos pendentes ou fatos ocorridos, os
prazos de prescrição previstos no art. 33 da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, começarão a fluir a
partir da data de vigência desta Lei;
302
Entretanto, até que tal regramento legal receba o devido controle abstrato de
sua constitucionalidade, de observar-se a sua vigência, e, por conseqüência, além
das causas comuns modificativas da prescrição administrativa, de ter-se em conta a
existência de causa de redução, e de causa de prorrogação associadas a um limite
marcadamente empírico, qual seja o do comparecimento do indiciado, ou do acusado à
sede procedimental à qual ele de submeter-se. Tal perspectiva, por conseqüência,
apesar de sui generis, recolhe a sua validade jurídica por força da regra legal que a
estatuiu, a qual, por seu turno, recolhe a sua validez dos pressupostos empíricos que
ela normatizou, embora caracterize uma orientação que destoa do demais acervo
normativo. Em realidade, tais circunstâncias refletem a total ausência de uma
sistematização, em nível genérico, do instituto da prescrição administrativa, gerando-se
excrescências como o acima referenciado.
9.6. RENÚNCIA DA PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA
Em todos os âmbitos de uma reflexão sediada nos limites da compreensão do
fenômeno jurídico, a partir do Direito Administrativo, dificilmente consegue-se subtrair
qualquer análise ou avaliação sem que se tenha em conta o princípio do interesse
público. Desse modo, tanto o relevo quanto a renúncia à prescrição, tomando-se em
conta, por exemplo, a possibilidade de relevar à prescrição para evitar eventual decisão
condenatória, configura-se como atividade a ser sopesada a partir do princípio acima
referido, mormente em razão de seu conteúdo marcadamente de natureza negativa.
A possibilidade de renúncia está diretamente associada à esfera de regulação
do direito privado, de modo que, por tal circunstância, em se ratando de Direito
Administrativo, os cuidados devem ser redobrados. Isto resulta a exigir maior cuidado
ainda na medida em que, como destacado por PONTES DE MIRANDA: (...) Para
renunciar à exceção de prescrição, é preciso que o titular desse direito tenha ‘poder de
dispor’.
366
. Desse modo, caso o haja decisão judicial que tenha expressamente
declarado a prescrição, impedindo a Administração Pública de continuar a buscar a
366
MIRANDA, F. C. P. de. Obra citada, p. 269;
303
pretensão atingida pelo fenômeno extintivo, em tratando-se de patrimônio público, só
mediante autorização legislativa poder-se-á cogitar de renúncia, salvo a hipótese da
promulgação de lei que venha a autorizar tal ato.
Em razão de tal compreensão, a possibilidade de renúncia à prescrição
administrativa, por parte da Administração Pública, resulta resguardada em razão do
interesse público, cuja existência se presume, enquanto que, no âmbito do regramento
legal privado, em específico, por exemplo, no caso do art. 194 do Código Civil, resulta
vedado ao juiz suprir a alegação de prescrição, à exceção no caso de proteção ao
absolutamente incapaz. Deste modo, resta caracterizado, mais ainda, que, em se
tratando de bens que integram ao patrimônio público, a prescrição não poderá ser
renunciada, mesmo até que se tenha consumado e não esteja a prejudicar interesse
de terceiro. Tal perspectiva decorre da circunstância associada à indisponibilidade do
patrimônio público, não se caracterizando, em presença de tais circunstâncias, a figura
da renúncia tácita. Isto por que: A renúncia à prescrição é ato de disposição; depende
de poderes especiais e expressos.
367
Ante tal peculiaridade, o que se mostra fundamental à compreensão da
impossibilidade de renúncia à prescrição administrativa, dá-se em razão da natureza
indisponível inerente a todos os bens e interesses marcados pelo interesse público, em
relação aos quais o administrador não se posta como titular do poder de dispor. Tanto é
assim que MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO assevera que:
Apesar das críticas a esse critério distintivo, que realmente não é absoluto, algumas
verdades permanecem: em primeiro lugar, as normas de direito público, embora
protejam reflexamente o interesse individual, têm o objetivo primordial de atender ao
interesse público, ao bem-estar coletivo. Além disso, pode-se dizer que o direito
público somente começou a se desenvolver quando, depois de superados o primado
do Direito Civil, (que durou muitos séculos) e o individualismo que tomou conta dos
vários setores da ciência, inclusive a do Direito, substituiu-se a idéia do homem como
fim único do direito (própria do individualismo) pelo princípio que hoje serve de
fundamento para todo o direito público e que vincula a Administração em todas as suas
decisões: o de que os interesses públicos têm supremacia sobre os individuais.
368
367
MIRANDA, F. C. P. de. Idem, p. 270;
368
DI PIETRO, M. S. Z. Obra citada, p. 69;
304
De tudo o que restou realçado, percebe-se então que os paradigmas oriundos
do direito Civil não mais viscejam na esfera do Direito Público, em especial no que se
refere ao Direito Administrativo. Nessa senda esclarece EDILSON PEREIRA NOBRE
JÚNIOR que: (...) no campo do Direito Público, os interesses curados pelo
administrador, por pertencerem à sociedade, encontram-se afetados por uma finalidade
legalmente prevista, não possuindo aquele capacidade, aqui denominada de
competência, para livremente praticar atos de disposição, os quais somente emergirão
válidos quando autorizados por lei específica.
369
São, isto sim, o bem comum e os relevantes interesses da comunidade os
qualificativos essenciais à conformação da idéia de indisponibilidade dos bens e
interesses públicos e, por conseqüência, da impossibilidade de renúncia à prescrição
administrativa, a qual poderá restar acolhida na medida em que tal decisão esteja
qualificada normativamente. Ademais, ainda na visão de EDÍLSON PEREIRA NOBRE
JÚNIOR, importa destacar que: No campo do Direito Público, o vocábulo ‘capacidade’
transmuda-se em ‘competência’, elementar do ato administrativo integralmente
vinculada. Assim, cabe à lei dispor qual o agente que possui o poder-dever de praticar
determinado ato e a forma de praticá-lo.
370
Importa destacar, contudo, que:
O Poder Público pode renunciar a direito próprio, mas esse ato de liberalidade não
pode ser praticado discricionariamente, dependendo de lei que o autorize. A renúncia
tem caráter abdicativo e em se tratando de ato de renúncia por parte da Administração
depende sempre de lei autorizadora, porque importa no despojamento de bens ou
direitos que extravasam dos poderes comuns do administrador público.
371
Embora tal diretriz resulte inquestionável no seio da doutrina, como também
merece reconhecimento uníssono da jurisprudência, significativo foi o reconhecimento
de tal diretriz, no âmbito do direito positivo pátrio, na forma do grafado pelo art. 112 da
Lei Federal 8.112, de 11 de dezembro de 1990, na qual restou grafado que: A
prescrição é de ordem pública, o podendo ser relevada pela Administração. Ou seja,
369
NOBRE JÚNIOR, E. P. Obra citada, p. 55;
370
NOBRE JÚNIOR, E. P. Idem, p. 59;
371
NOBRE JÚNIOR, E. P. Idem, p. 60;
305
a natureza pública do instituto, quando inserida na esfera das relações regradas pelo
Direito Público, assume a condição de bem e de valor a ser tutelado de forma
incondicional pela Administração Pública, o que resulta possível concluir no sentido de
que, salvo o caso de autorização legislativa, a prescrição administrativa é irrenunciável.
9.7. TERMO INICIAL DA CAUSA EXTINTIVA
Sendo o fenômeno prescricional evento extintivo de repercussões graves e
severas, o início do prazo prescricional há de ser marcado de modo incontroverso.
PONTES DE MIRANDA realça que: O prazo da prescrição começa de correr desde que
nasce a pretensão.
372
. Mas destaca, ainda que:
(...) As pretensões que se adquirem mediante exercício de direito de impugnação,
denúncia ou reclamação, começam de prescrever desde o momento em que a
impugnação, denúncia ou reclamação é admissível, sem se indagar de quando o que
poderia impugnar, ou reclamar, conhecia, ou não, o direito de fazê-lo. Dá-se o mesmo
em caso de anulabilidade. Todavia, se a pretensão teria nascido no intervalo, atende-
se a esse momento.
373
Ou seja, por tratar-se de fenômeno associado diretamente ao transcurso do
tempo, configura-se a partir dos eventos que venham a suceder no seu curso. Ademais,
ainda é PONTES DE MIRANDA quem preleciona que:
(...) outras espécies em que o exercício, e não o nascimento da pretensão,
depende da vontade do credor. Rege o ‘princípio da exercibilidade da pretensão’: se
depende, não o nascimento da pretensão, mas o exercício (pretensão que se
pode exercer depois, ou após algum fato ou ato), é da exercibilidade que se conta o
prazo. Como, de regra, exercibilidade e pretensão nascem juntas, nada obsta a que se
enuncie o princípio da coincidência do começo do prazo com o nascimento da
pretensão. Se ao credor é que cabe fazer nascer a pretensão, desde o momento em
que o pode se inicia o prazo prescricional: ‘Toties praescribitur actioni nondum natae,
quoties nativitas eius est in potestate creditoris’
374
.
372
MIRANDA, F. C. P. de. Obra citada. p. 148;
373
MIRANDA, F. C. P. de. Idem, p. 149;
374
MIRANDA, F. C. P. de. Obra citada, p. 150;
306
Aqui se percebe então a possibilidade de uma compreensão diversa a respeito
do nascimento do fenômeno prescricional conforme é comumente percebido. Na esfera
de um pensamento voltado à generalização e caracterizado pela feição de acríticidade,
o princípio da actio nata assumiu as feições de regra inquestionável para a fixação de
tal termo. Contudo, não se pode olvidar que o princípio retromencionado guarda uma
subserviência desnecessária aos ditames do direito processual. Conforme tal
compreensão, só a partir do momento em que determinado titular de direito possa fazer
uso da via processual para garantia de seu interesse juridicamente relevante é que teria
início o prazo prescricional.
Nunca é demais realçar que, PONTES DE MIRANDA, com visão percuciente,
aponta para um caminho diverso. No sentir do insigne jurista, o que delimita o início do
prazo prescricional é o nascimento da pretensão, início esse consolidado pelo princípio
da exercitabilidade de tal pretensão. Ou seja, o início do prazo prescricional passa a
vincular-se com a sua origem de instituto jurídico de natureza material, o que, no caso
da prescrição administrativa, assume relevância significativa.
Por conseqüência, nessa senda, por analogia ao raciocínio formulado por
PONTES DE MIRANDA, já que o festejado mestre cunhou sua interpretação nos limites
da regulação privada, torna-se significativamente oportuno que se tenha como diretriz o
reconhecimento fático de que a prescrição administrativa passa a gerar seus efeitos
extintivos não a partir do momento em que o eventual prejudicado, ou interessado,
possa ingressar em juízo para proteger o seu direito de lesão ou de ameaça de lesão,
mas sim a partir do momento em que nasce a pretensão, tanto a do administrado,
quanto à da Administração Pública.
Ante a um ato ou fato juridicamente relevante, independentemente de sua plena
conformação, com força suficiente à geração da pretensão do titular de um determinado
direito a ser exercitado processualmente, nasce, a partir daí, a fluência do prazo
prescricional. É lógico, contudo, que tal concepção não invalida a percepção comum do
início do prazo prescricional a partir do momento em que o direito de ação passa a ser
possível de ser invocado. Entretanto, na visão de PONTES DE MIRANDA, o
fundamental é o surgimento do direito material lastreado, tão-somente, por uma
307
pretensão a seu exercício, independentemente da necessidade de que tal exercício
esteja, de alguma forma, sendo obstado, ou a exigir proteção pela via da tutela
jurisdicional.
O que se afigura relevante é a possibilidade de que a idéia de pretensão possa
assumir a coloração de um instituto autônomo. Tal independência pode restar
materializada na percepção de que a pretensão não só nasce a partir da insatisfação de
um determinado direito subjetivo, mas também junto a formação da própria relação
jurídica. Nesse sentido, preleciona ANDRÉ FONTES que:
A determinação do momento em que nasce a pretensão ensejou a elaboração de duas
teorias que se tornaram partes fundamentais para a compreensão do instituto. Seja
pela aplicação de uma, seja pela da outra, os contrastes desses elementos
verdadeiramente conceituais definiriam decisivamente o próprio instituto da pretensão,
além de consagrar a sua função diferenciada do direito subjetivo. Podem ser reunidas
como sendo ‘uma’ a teoria que sustenta o nascimento coetâneo ao da insatisfação do
direito subjetivo e ‘outra’ a de que a pretensão é contemporânea à própria relação
jurídica.
375
Mas não é o princípio da pretensão que se mostra diverso da compreensão
generalizadora vulgarizada pelo princípio da actio nata. RENATO SOBROSA
CORDEIRO, por seu turno, constrói sua percepção a partir do paradigma conformado
pelo princípio da igualdade, justificando sua concepção apoiando-se na lição do Mestre
português
376
. Para tanto, nas pegadas do constitucionalista lusitano, assume a
categorização de tal princípio como sendo uma das diretrizes estruturantes do regime
geral dos direitos fundamentais, a partir de paradigmas que tenham como pilares: a
exigência de igualdade na aplicação e na criação do direito; da construção de uma
igualdade que se mostre justa, assumindo, por conseqüência, a condição de valor a ser
observado, de modo que qualquer violação arbitrária do princípio da igualdade jurídica,
caracteriza e confroma uma regulação jurídica sem fundamento sério, não produzindo
nenhum sentido de legitimidade, na medida em que tolera a presença de diferenciações
375
FONTES, André. A pretensão como situação jurídica subjetiva, p. 18;
376 Tal referência diz com a pessoa de José Joaquim Gomes Canotilho;
308
desprovidas de razoabilidade. De tal sorte, RENATO SOBROSA CORDEIRO
377
destaca
que:
Ninguém desconhece que o princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes
do regime geral dos direitos fundamentais, que se desdobra, segundo Canotilho, em
‘igualdade na aplicação do direito’ e ‘igualdade na criação do direito’.
(...)
A criação de direito igual significa que ‘para todos os indivíduos que tem as mesmas
características devem prever-se, através de lei, iguais situações ou resultados
jurídicos.
(...)
A igualdade justa, assim, segundo Canotilho, assume caráter valorativo, ou seja,
‘existe observância da igualdade quando indivíduos ou situações iguais não são
arbitrariamente (proibição de arbítrio) tratadas como desiguais. Por outras palavras: o
princípio da igualdade é violado quando a desigualdade de tratamento surge arbitrária
(...) Existe uma violação arbitrária da igualdade jurídica quando a disciplina jurídica (i)
não se basear em fundamento sério; (ii) não tiver um sentido legítimo; (iii) estabelecer
diferenciação jurídica sem ser razoável’.
Tal perspectiva, no que se refere ao núcleo de legitimação de tal raciocínio,
refere, a partir da esfera da experiência prática, por conseqüência, a construção
concreta da idéia de igualdade perante à lei, em razão da substancial e até mesmo
ingênua crença de que a ordem é decorrência natural da lei.
Por isso que, a partir do momento em que se passa a questionar a respeito de
qual seria o momento em que teria início o prazo prescricional, surge, antes que se
responda à indagação de fundo, a pressuposição de que o início de tal prazo deverá,
antes de qualquer circunstância, ser igual tanto para o administrado, quanto para a
Administração Pública. A ordem construída a partir da lei deverá vincar as relações a
partir de um sentido prévio de igualdade.
À evidência, tal percepção resulta problemática, porquanto sabe-se que a idéia
dogmatizada de interesse público tem-se mostrado como o principal embaraço a tal
concepção de natureza igualitária. Não porque à Administração Pública resulte
inaceitável a possibilidade de assimilar uma igualdade juridicamente delimitada pela lei,
mas fundamentalmente pela circunstância de que a questão do prazo está, entre outros
377
CORDEIRO, R. S. Obra citada, p. 115 a 116;
309
aspectos, diretamente associada à possibilidade de anular atos administrativos
marcados por algum vício que lhes corrompa a indispensável higidez.
Entretanto, a contar de tal perspectiva, emerge a possibilidade do surgimento
de um problema. A partir do momento em que se passa admitir prazos iguais, tanto
para a Administração Pública, quanto para seu eventual antagonista, para o efeito de
início da contagem inicial do evento prescricional, sob um certo sentido, numa ótica
estritamente legalista, a Administração Pública estaria, de modo ‘inconsciente’, em
tolerando tal igualdade, acolhendo, de forma mediata, a orientação de que, pelo simples
decurso do tempo, atos nulos possam resultar intocáveis. Isto porque não resultaria
irracional admitir-se que a força principiológica da diretriz de isonomia pudesse estender
seus efeitos além da mera similitude de oportunidades.
Contudo, a doutrina não se mostra uníssona na construção de paradigmas que
digam respeito ao acolhimento de tal concepção isonômica de forma generalizadora,
apoiando-se, para tanto, com destacada relevância, em referenciais situados fora dos
estritos limites conformados pela lei. Desconsiderando referenciais metanormativos,
como os informados, entre outros, pelo princípio da igualdade e do exercício da
pretensão, numa visão marcada por um fatualismo estrito, SÍDIO ROSA DE MESQUITA
JÚNIOR
378
manifesta que:
O que marcará o termo inicial da prescrição é a data do fato, ou seja, quando o mesmo
se concretiza. que se verificar, no entanto, que existem infrações permanentes e
infrações continuadas. Nestas, o termo inicial será a data que cessar a conduta, ou que
a reiteração da mesma for interrompida.
Entretanto, a adoção do princípio da igualdade também se configura, em nosso
sistema jurídico, como mecanismo próprio a preservar uma determinada compreensão
da ordem normativa. Tal compreensão, entretanto, não se conforma a partir de uma
concepção marcada por um subjetivismo estrito, mas sim a partir de uma visão que
privilegie o direito e o interesse de um conjunto de interessados, conforme a própria
lógica do sistema, a qual se reconstrói a partir do princípio em tela. Ou seja, a partir de
um legalismo, hodiernamente atenuado, estrutura-se um modelo de mediação visando,
378
MESQUITA JÚNIOR, S. R. de. Obra citada, p. 4;
310
na maioria das vezes, um resultado técnico, para a confecção do qual corresponde, não
o dispositivo legal, mas, fundamentalmente, a expectativa da realização do direito.
Ou seja, o móvel substancial para a construção do critério há de ser aquele que
possibilita a efetivação do direito. No caso da prescrição administrativa, portanto, tal
critério há de apontar, além da prescrição administrativa em-si, a sua efetiva ocorrência,
dando azo que ela gere o efeito extintivo que lhe constitui a substância e vocação.
Tal perspectiva mostra-se salutar, na medida em que consegue sobrepujar a
própria abstração inerente a todo e qualquer instituto jurídico. Entretanto, é fundamental
que se concretize a partir da estruturação de um modelo de regulação, no qual não haja
discrepância alguma, de molde a gerar uma contradição insuperável, tanto em relação a
prazos recursais, quanto à demarcação de início e de fim dos efeitos relativos às
decisões administrativas, no que se refere à possibilidade de sua revisão, em especial
no que atine aos atos administrativos vistos como portadores de algum vício. Desse
modo, o remédio não pode matar o doente. Contudo, mesmo buscando-se a
conformação de um critério informado pela coerência e pela adequação ao sistema
jurídico positivo, controvertidas, porém, são as posições, no que atine ao início do prazo
de demarcação do fenômeno prescricional, não no que se refere á sua identificação a
partir da sua característica de inicialidade, mas sim em razão da possibilidade de
mostrar-se como o elemento inaugural da conduta inerte da Administração Pública,
após o transcurso de um prazo legal não previsto.
Importa destacar que tal delimitação resulta dificultada na medida em que, pela
transmutação de princípios estruturados no âmbito do Direito Romano, é quase que
unânime a concepção de que ao administrador cabe sempre reconhecer a nulidade de
algum ato, desde que tal ato seja portador de algum cio. Ou seja, todo ato
administrativo que esteja maculado por grave violação ao determinado pela lei, de
ser anulado e a qualquer tempo. Gesta-se, por tal raciocínio a concepção de que não
há, portanto, no que atine às nulidades, no âmbito do Direito Público, limitação temporal
ao poder da Administração Pública de anular aos seus próprios atos, salvo em
presença de norma legal expressa.
311
Como resultante de tal concepção, a singela e superficial conduta de e, tão-
somente, aplicar à lei, ou de buscar assegurar à Administração Pública um lugar
marcado pelo reconhecimento de seu poder absoluto, pode dar azo a danos muito
maiores do que se imagina. Isto porque o administrado e a própria Administração
Pública não estão resguardados, em seus interesses e em suas prerrogativas, grosso
modo, exclusivamente pelo ordenamento jurídico legal ordinário. Importa que sempre
tenhamos presente que estamos situados sob uma ordem delimitada pelos contornos
de um Estado Democrático de Direito. Portanto, a lei e a ordem não podem se restringir
aos limites estreitos da regra jurídica estatal. Conforme destaca CLARISSA SAMPAIO
SILVA:
Em um Estado de Direito, a produção de atos administrativos em desconformidade
com o ordenamento jurídico determina que estes tenham de ser eliminados, em virtude
da necessidade de observância do princípio da legalidade, procedendo-se a tal fim por
meio da invalidação dos referidos atos. A desconstituição desses atos e de seus
efeitos pode acarretar, em algumas situações, a violação de outros princípios e
valores, como a segurança jurídica e a boa-fé dos administrados. Por esta razão, faz-
se mister reconhecer a existência de limites à atividade invalidatória, dentre os quais se
destacam o decurso de tempo, a criação de situações ampliativas de direito dos
particulares, o exaurimento da competência administrativa e a possibilidade de
convalidação do ato, quando este possa ser repraticado sem vício. Além dos limites de
ordem material, há ditames de ordem constitucional estabelecendo que o desfaziemnto
dos atos administrativos deve ser realizado por procedimentos que assegurem a
participação daqueles atingidos por suas disposições.
379
Ora, no estádio em que se encontra a ciência jurídica contemporânea, não
resulta mais possível que se mantenha assegurado à Administração Pública a
perpetuação de seus poderes de invalidação de seus próprios atos, sem qualquer
limite. A aplicação da lei pela lei agride a Constituição Federal, na medida em que
inviabiliza, ou o que é pior, desconhece os princípios da segurança jurídica e do devido
processo legal. Desse modo, de ter-se em conta que o início do prazo prescricional
não de estar adstrito ao momento em que o ato administrativo é praticado, o-
somente, em sua generalidade de configurações, mas sim ao momento em que tal
prática restou conhecida daqueles a quem se dirige. O velho paradigma positivista da
379
SILVA, Clarissa Sampaio. Limites à invalidação dos atos administrativos, p. 13;
312
impossibilidade de alegação do desconhecimento da regra jurídica, presumindo-se-a
conhecida de todos, não mais viceja. Não mais como pretender-se exigir a
onisciência, de quem quer que seja. Tal perspectiva, portanto, resulta inafastável, dado
que caso assim não o fosse, estar-se-ia, de forma mediata, a ferir o princípio da
isonomia, como parâmetro angular do fenômeno prescricional. De tal modo: O prazo da
prescrição começa a correr desde que nasce a pretensão.
380
, ou seja, desde o
momento em que conhecido o fato, a consciência o processa e o assimila a partir de
uma vontade livre.
De outra banda, analisando-se a transmudação da teoria das nulidades do
direito privado para o direito público, forçando uma analogia a partir de uma
pressuposta lógica do sistema jurídico como um todo, percebe-se que tal postura nada
trouxe de positivo ao deslinde da controvérsia. Se, no caso das nulidades, tal orientação
de feição privada, por muito tempo, serviu de norte ao Direito Administrativo,
seguramente não tem mais se mostrado tão útil quanto o foi. O advento do Estado
Democrático de Direito baniu qualquer possibilidade de um absolutismo incontrastável,
a ponto de RAPHAEL PEIXOTO DE PAULA MARQUES asseverar que o prazo de que
dispõe a Administração Pública para anular os seus próprios atos é de natureza
decadencial, na medida em que não necessita da via judicial para fazê-lo.
381
De
qualquer modo, não se afastando a possibilidade de considerar exagerada tal assertiva,
importa que se lhe desvende às razões, quais sejam a proteção do terceiro de boa-fé e,
primordialmente, a proteção da confiança do administrado.
Por fim, para o efeito de delimitar o início do prazo prescricional, como também
identificar a origem remota das concepções que associam a prescrição administrativa
com a decadência, basta que se examine a posição consolidada pelo Egrégio Supremo
Tribunal Federal, o qual, de há muito, delimitou que o início do prazo prescricional dá-se
a partir do momento em que nasce para o titular do direito a ser protegido, ou seja a
partir do momento em que se torna juridicamente possível o exercício do direito de
380
MIRANDA, F. C. P. de. Obra citada, p. 148;
381
MARQUES, R. P. de P. Obra citada, p. 16;
313
ação. Configura-se, a partir de tal paradigma, o princípio da actio nata.
382
Entretanto,
além do parâmetro diretamente delimitado pela Excelsa Corte, veio à baila a questão
relativa ao fundo de direito. Ou seja, no caso de créditos a serem pagos em prestações,
criou-se o entendimento de que, em razão do decurso de tempo sem o exercício da
postulação relativa aos créditos vencidos, estes prescreveriam, mantendo-se intactos,
tão-somente, os vincendos, caso não prescrito o direito que os legitima, ou seja, o fundo
de direito de sustentação dos créditos, em prestação, pagos. A partir de tal perspectiva
então, emergiu a idéia de que caso negado, possível seria a decadência do direito de
fundo.
382
Brasil. Supremo Tribunal Federal. RE 101082 / SP – São Paulo. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. Relator: Min. ALDIR PASSARINHO. Julgamento: 15/06/1984. Órgão Julgador:
SEGUNDA TURMA. Publicação: DJU de 31-08-84, p. 13938. Ementário, vol. 01347-03, p. 00561 RTJ,
vol. nº 112-01, p. 391. PRESCRIÇÃO. APLICAÇÃO DA SÚMULA 443. Se nada há que indique haver a
Administração negado implícita ou explicitamente o direito vindicado mas, ao contrário, deixou assinalado
não ter havido qualquer manifestação sua a respeito, e, a par disso, a lei complementar do Estado de
São Paulo n. 75 não estipulou prazo para que fosse requerida a vantagem nela prevista e pleiteada pelo
postulante, cabe a aplicação da jurisprudência fixada no enunciado da súmula 443. Recurso conhecido e
provido. RE 106956 / PR – PARANÁ. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator: Min. ALDIR
PASSARINHO. Julgamento: 05/06/1987. Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA. Publicação: DJ DATA-07-
08-87 PG-15436 EMENT VOL-01468-03 PG-00479. FUNCIONALISMO. PRESCRIÇÃO. Não prescrevem
apenas as prestações, mas o próprio fundo do direito se a Administração, por ato expresso, ou
implicitamente, nega o direito vindicado, e a ação não é ajuizada, no prazo prescricional. A prescrição
incide apenas sobre as prestações anteriores ao qüinqüênio quando não há tal negativa. Precedentes.
Óbice regimental ultrapassado: súmula 443. RE 102071 / SP - SÃO PAULO. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. Relator: Min. OSCAR CORREA. Julgamento: 18/06/1984. Órgão Julgador:
PRIMEIRA TURMA. Publicação: DJ DATA-10-08-84 PG-12451 EMENT VOL-01344-05 PG-00759.
PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. VANTAGEM NÃO INCORPORADA (ADICIONAIS POR TEMPO DE
SERVIÇO). Prescrição do direito. Decreto 20.910/32, Art. 1. Distinção entre a simples prescrição das
prestações vincendas, regulada pelo art. 3. do Decreto 20.910, e a prescrição do fundo de direito prevista
no art. 1., que está em causa. Jurisprudência do STF consubstanciada em que a prescrição, pelo
princípio da "Actio Nata", atinge o próprio direito instituído quando não reclamado "oportuno tempore".
Recurso Extraordinário conhecido e provido; RE 99544 / SP – São Paulo. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. Relator: Min. CARLOS MADEIRA. Julgamento em: 26/11/1985. Órgão Julgador:
SEGUNDA TURMA. Publicação: DJU de 19-12-85, p. 23627. Ementário, vol nº 1405-03, p. 600.
FUNCIONALISMO. PRESCRIÇÃO. A prescrição do artigo 1. do Decreto n. 20.910, de 1932, refere-se ao
próprio direito, não se confundindo com a prescrição de prestações. Assim, o direito a que a
Administração Pública pratique um ato, de que decorrem benefícios a funcionários, prescreve em cinco
anos; Importa destacar que a referência à prescrição do fundo de direito pressupõe sempre um direito
não reconhecido. Desse modo, tão-somente, no caso de não reconhecimento do direito, por parte da
Administração Pública é que se poderá falar em prescrição do direito. É justamente nessa filigrana que
reside à confusão de ver na inação do administrado, face ao não reconhecimento de seu fundo de direito,
a sua submissão a um evento decadencial. Tal circunstância não ocorre, porquanto não se poderia falar
em decadência de um direito que não era reconhecido e, por conseqüência, não atributivo de
prerrogativa, crédito ou vantagem alguma;
314
Em realidade, a confusão restou situada no fato de que se confundiu
denegação de direito material com preclusão de direito reconhecido. Ou seja, não há
como equiparar a direito reconhecido eventual prerrogativa não exercitada, dado que,
como bem identificou o Egrégio Supremo Tribunal Federal, o que prescreve são as
prestações e não o direito reconhecido. Caso tal direito de base venha a não ser
reconhecido, não há que se falar em decadência de tal acervo, na medida em que, não
tendo sido reconhecido, não se lhe pode reconhecer eficácia alguma.
Tanto é assim que a lógica do sistema resulta de mais fácil compreensão a
partir do grafado pelo art. 4º, do Decreto 20.910, de 6 de janeiro de 1932, no qual se
assevera que: (...) o corre a prescrição durante a demora que, no estudo, no
reconhecimento ou no pagamento da dívida considerada qüida, tiverem as repartições
ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la. Ou seja, impende destacar que,
mantendo-se silente a Administração Pública, no que se refere a eventual direito
titulado pelo administrado, não se caracterizando lesão alguma capaz de legitimar o
ajuizamento de pretensão pela via judicializada, não se que falar de início de prazo
prescricional, como também não se poderia pressupor decadência, dado que esta
restaria possível ser considerada com o reconhecimento do direito por parte da
Administração Pública. Ademais, mesmo assim, caso o direito reconhecido seja
daqueles que se exercitam mediante pagamento por prestações, tão-somente estas
restariam atingidas, mas não por decadência, mas sim por prescrição, ante aos
incontroversos termos do art. 2º do Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932.
de realçar-se, ainda, que, em mantendo-se silente a Administração Pública
quanto ao reconhecimento de direito do administrado, o fato de ser possível o
ajuizamento de ação declaratória não caracterizaria a ocorrência da prescrição
administrativa. Isto porque tal prescrição restaria caracterizada e, por conseqüência,
iniciado o curso do prazo prescricional, caso a inação da Administração Pública
estivesse a gerar lesão a direito patrimonial do administrado, propiciando então, por tal
razão, o ajuizamento de ão própria. Ora, no caso de ação declaratória, o
administrado não obtém prestação alguma, mas, tão-somente, o reconhecimento da
existência de uma relação jurídica de natureza material. Portanto, caso ajuizado pedido
315
declaratório, mesmo após o trânsito em julgado de tal pretensão, o lapso prescricional
iniciaria o seu curso a partir do momento em que o administrado passasse a exigir o
seu direito reconhecido pela via declaratória, porquanto a decisão declaratória nada
determina, tão-somente reconhece a existência do direito.
Desse modo, há de reconhecer-se que o início do prazo prescricional, na esfera
administrativa, nasce a partir do momento em que surge, de forma concreta, tanto para
o administrado, quanto para a Administração Pública, a pretensão a direito
incontroverso, a qual poderá ser reconhecida pela Administração Pública,
independentemente de manifestação judicial, em razão de sua autonomia político-
administrativa. Supera-se, com isso o princípio da actio nata, dado que o
reconhecimento do direito independe da mediação pelo Poder Judiciário.
9.8. SILÊNCIO LEGISLATIVO E PRAZO PRESCRICIONAL
Questão controvertida, entre tantas outras que gravitam em torno do instituto da
prescrição administrativa, diz respeito ao silêncio do legislador em relação ao prazo
prescricional. No âmbito das relações em que atua a Administração Pública, aqui
delimitada a controvérsia, para efeitos puramente heurísticos, no que se refere ao prazo
de que dispõe tal ente estatal para o efeito de anular aos seus próprios atos, tal
problema assume significado transcendente, na medida em que, a partir de tal omissão
do legislador, poder-se-ia concluir, até mesmo, pelo acolhimento, em nosso sistema
jurídico positivo, do princípio da imprescritibilidade.
Ao exame da controvérsia, tem-se que, nos dias de hoje, em relação à
prescrição administrativa, tanto a doutrina nacional, quanto a jurisprudência pátria, em
sua maioria, a visão ofertada pelo Direito Privado, em específico pelo Código Civil
383
,
constitui-se num referencial a ser, no mínimo, observado. Tanto é assim que ALMIRO
DO COUTO E SILVA refere que:
383
Importa destacar que o estatuto civil, ao qual o autor se reporta, é o regramento de
1916, revogado pelo novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002). Contudo, para
efeito do qual aqui se menciona, à exceção do tempo, o qual restou modificado de 20 anos para
10 anos, em nada resta prejudicada a assertiva do ilustre administrativista;
316
Sobre a prescrição em Direito Administrativo pode-se dizer que o entendimento até
hoje basicamente prevalecente é o mesmo que acabou por cristalizar-se na
interpretação que a doutrina e a jurisprudência deram às disposições do nosso Código
Civil. Em outras palavras e em termos práticos, o prazo geral da prescrição a que se
sujeita a Administração Pública, relativamente as suas pretensões contra os
particulares, é o de vinte anos, se prazo menor não tiver sido especialmente previsto
em lei federal.
384
Entretanto, a posição acima referida não pode ser assumida como uma visão
granítica. Trata-se, tão-somente, da posição de um insigne autor, entre tantos outros,
em relação à prescrição administrativa. De tal sorte, a assertiva da vinculação dos
prazos prescricionais, em sede de Direito Administrativo, ao regrado pelo estatuto civil,
diz, tão-somente, em relação àquilo que poderia restar caracterizado como um prazo
geral de prescrição administrativa, a muito mais na direção de um sentido associado a
uma tentativa de colmatar uma falta.
A exemplo do acima mencionado, no caso da inexistência de prazo
prescricional, expressamente previsto em lei, para o efeito de anotar-se a prescrição
administrativa em relação à anulação de atos administrativos lesivos a bens, valores ou
interesses tutelados pelo grafado a partir do art. 5º, LXXXIII, da Constituição Federal e,
por decorrência do mandamento constitucional, nos termos do art. da Lei 4.717,
de 29 de junho de 1965, a qual regula os casos de ação popular, o prazo prescricional
resulta delimitado em cinco anos, asseverando tal administrativista que: O prazo de
cinco anos, que é o prazo prescricional previsto na Lei da Ação Popular, seria, no meu
entender, razoável e adequado para que se operasse a sanação da invalidade e, por
conseqüência,a preclusão ou decadência do direito e da pretensão de invalidar, salvo
nos casos de má-fé dos interessados. A isso poder-se-ia chegar por elaboração
doutrinária e por construção jurisprudencial.
385
A postura de buscar apoio no sistema legislado, a partir de um caso de
regulação particular, para o efeito de situar um prazo que possa ser generalizado, de
modo que, nos casos de omissão de manifestação legislativa, tenha-se uma parâmetro
a ser universalizado, esbarra na circunstância de que, além do fato de que muitas leis,
384
SILVA, A. do C. e. Obra citada, p. 22;
385
SILVA, A. do C. e. Obra citada, p. 30;
317
na esfera de regulação administrativa, estatuem lapsos temporais diversos, a escolha
de um só critério mostra-se extremamente problemático, ante a razão de que, de
imediato, o primeiro gesto a ser praticado diz respeito à necessária demonstração da
legitimidade da escolha procedida.
Tanto é assim que a própria escolha, tradicionalmente procedida, qual seja em
relação aos prazos estatuídos pelo Direito Civil, padece da mesma ilegitimidade, dado
que a escolha de tal critério não espelha ou indica a sua origem a partir de critério que
possa ser havido, no âmbito do direito público, como um critério inquestionavelmente
adequado.
Em presença de tal perplexidade, manteve-se e, sob um certo sentido, mantém-
se acesa a polêmica. Enquanto LÚCIA VALLE FIGUEIREDO assume posição no
sentido de que a Administração blica detém o prazo de cinco anos para anular a
seus próprios atos, qualificando-o a título de um prazo geral, RÉGIS FERNANDES DE
OLIVEIRA manifesta-se no sentido de que a Administração Pública não tem prazo
algum para desfazer os seus atos. Na mesma esteira de LÚCIA VALLE FIGUEIREDO,
HELY LOPES MEIRELLES assevera que: (...) quando a lei não fixa o prazo da
prescrição administrativa, esta deve ocorrer em cinco anos, à semelhança da prescrição
das ações pessoais contra a Fazenda Pública.
386
Ante tais perspectivas, não resulta inviável, portanto, deixar-se de envidar um
esforço preliminar para a identificação de um prazo a ser universalizado. Poderíamos,
por exemplo, partir de um critério inicial apoiado em diplomas legais, no âmbito da
regulação administrativa, nos quais tal lapso resta fixado entre dois e cinco anos. Para
tanto se usaria, como referência, às Leis: nº 8.429, de 02 de junho de 1992
387
; nº 8.112,
de 11 de dezembro de 1990
388
; e nº 4.717, de 29 de junho de 1965
389
, as quais, devem,
386
MEIRELLES, H. L. Obra citada, p. 583;
387
A Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992, dispõe sobre as sanções aplicáveis aos
agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego
ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências;
388
A Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, dispõe sobre o regime jurídico dos
servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais;
389
A Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965, regula a ação popular;
318
por óbvio, serem compreendidas a partir do estabelecido pelo art. 37, § 5º, da
Constituição Federal. Como conseqüência deste primeiro movimento de intelecção, de
imediato exsurgem duas variáveis de identificação de tal concepção, quais sejam: a de
que inexiste prescrição na esfera administrativa, salvo com expressa previsão legal; e
que tais prazos serviriam como uma forma de identificação daquilo que se
convencionou designar como sendo o espírito do legislador.
Percebe-se desde logo que a simples utilização de um ou mais diplomas legais
para o efeito de assumirem, a título de referência, a função de identificação de um
prazo a ser universalizado, caracteriza tarefa que se depara com embaraço
intransponível, na medida em que a própria lei abstém-se de firmar, de modo claro,
incontroverso e pontual, um prazo fixo para as hipóteses que ultrapassam o seu
conteúdo normativo. Ou seja, tais estatutos legais, de início, manifestam, de forma
incontroversa, os limites e a temática que visam obedecer e regular, respectivamente,
não dando, contudo, um passo além de si próprios.
Ante tal perspectiva, construiu-se uma nova tentativa de solução. Qual seja:
ante a ausência de previsão legal expressa a respeito do prazo para correção dos atos
administrativos ilegais, por parte da própria Administração blica, deslocaram-se os
intentos para a construção de um critério a partir dos paradigmas estatuídos pelo
estudo das nulidades e anulabilidades, no âmbito do Direito Administrativo, cuja
característica maior é a de ter-se sedimentado sob a influência do Direito Civil. De tal
sorte, como bem salienta MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO:
Existem muitas controvérsias doutrinárias a respeito dos vícios dos atos
administrativos, girando principalmente em torno da possibilidade ou não de aplicar-se
aos mesmos a teoria das nulidades do Direito Civil. Sendo o ato administrativo
modalidade de ato jurídico, é evidente que muitos dos princípios do Código Civil podem
ser aplicados; porém, não se pode deixar de considerar que o ato administrativo
apresenta certas peculiariedades que têm que ser levadas em consideração; de um
lado, com relação aos próprios elementos integrantes, que são em maior número e de
natureza um pouco diversa do que o ato de direito privado; de outro, com relação às
conseqüências da inobservância da lei, que são diferentes no ato administrativo.
De qualquer forma, mesmo tendo-se presente tal advertência, a qual nunca
passou despercebida dos administrativistas, porquanto a falta de previsão legal sempre
319
se mostrou como uma lacuna importante, mormente sob o ângulo da necessidade de
restar resguardada a segurança jurídica dos administrados, cunharam-se, no dizer de
SÉRGIO DE OLIVEIRA NETTO, sob a inspiração do princípio da isonomia, três teorias:
(...) Pela primeira, propugna-se pela inexistência de prazo decadencial, podendo a
Administração a qualquer momento retirar o ato viciado da arena jurídica. [...] De
acordo com a segunda, seria de se aplicar os critérios de direito privado, ou seja,
prazos curtos para a invalidação de atos anuláveis, e longos para os atos nulos; E,
sendo o maior prazo instituído no CC de 20 anos, este seria aplicado para a eliminação
dos atos nulos. Enquanto que para os anuláveis seria empregado, por analogia, os
critérios reinantes para os casos em que se verifique vícios de vontade, para o qual o
prazo de invalidação seria de 4 anos. [...] E, para uma outra corrente de pensamento,
deveria ser utilizado, analogicamente, o Decreto 20.910/32, [...] Bem como com
base no prazo instituído para a interposição da ação popular, que prescreve em cinco
anos (Lei nº 4.717/65, art. 21).
390
Como se percebe, tal construção teórica em nada resolveu o problema. Ao
contrário, além de misturar decadência e prescrição, buscou solucionar a lacuna de três
modos distintos. Primeiro admitiu a possibilidade de imprescritibilidade, o que conflita
com o regramento constitucional. Por segundo, intentou-se o deslocamento da teoria
das nulidades do direito privado para o direito público, o que, à evidência, mostra-se
inoportuno, na medida em que a idéia de vontade, por constituir-se em peça angular do
sistema privado, recebe, no âmbito do direito público, cores totalmente diversas. Por fim
a solução ofertada transferiu o problema para o uso da analogia. Neste último caso,
portanto, resultaria admissível servir-se tanto de normas de Direito Público, quanto de
normas integrantes do sistema de Direito Privado.
Essa última solução, de imediato, deparou-se com a peculiariedade de não
conseguir ultrapassar o princípio da legalidade estrita, na forma do disciplinado pelo art.
37 da Constituição Federal, posto que se mostra inadmissível, no âmbito da atuação da
Administração Pública, buscar-se a possibilidade de suprimir-lhe algum direito ou
prerrogativa, sem que se tivesse norma expressa para tanto. Ante tal perspectiva,
portanto, restou fortalecida a concepção daqueles que, na ausência de prazo legal
390
NETTO, S. de O. Obra citada, p. 01;
320
determinando e disciplinando a prescrição administrativa, a Administração Pública
estaria livre para agir a qualquer tempo.
Mantida a perplexidade, em nada restou, entretanto, obstada a tentativa de
encontrar-se um critério, face ao silêncio do legislador. Partindo do pressuposto de que,
no direito brasileiro, a regra é a prescritibilidade das pretensões
391
[...] e que: De longa
data, o direito administrativo desfruta de autonomia didática e científica, tendo
princípios, conceitos e regras próprios.
392
, LUÍS ROBERTO BARROSO assentou que:
O fato de não haver uma norma dispondo especificamente acerca do prazo
prescricional, em determinada hipótese, não confere a qualquer pretensão a nota da
imprescritibilidade. Caberá ao intérprete buscar no sistema normativo, em regra
através da interpretação extensiva ou da analogia, o prazo aplicável. Com efeito, o
argumento de que o tema da prescrição seria de ‘direito estrito’, não admitindo por isso
a analogia, não tem fundamento. Como se sabe, a analogia só é vedada nas hipóteses
de disposições excepcionais. Como a exceção, no caso, é que os direitos sejam
imprescritíveis, não se poderão criar novas situações de imprescritibilidade mediante
analogia. A prescritibilidade, ao contrário, sendo a regra, admite a integração.
Ora tal concepção, no que atine a uma solução efetiva, pouco avançou. O uso
da analogia no âmbito da regulação delimitada por normas de Direito Público,
caracteriza-se, a princípio, como meio inadequado, porquanto, por força de ditame
constitucional expresso, a Administração blica deverá obedecer, sempre, o princípio
da legalidade. Ou seja, a existência de lei é fator fundamental a atividade estatal. De tal
sorte, com o máximo respeito à formulação de LUÍS ROBERTO BARROSO, embora
seja inescusável a sua assertiva de que a ausência de prazo não pode implicar em
aceitação de eventual imprescritibilidade, a analogia, face ao princípio da legalidade
estrita, ou a interpretação extensiva, por ora, em nada nos auxilia.
Ademais, atentos, ainda, a posição de LUÍS ROBERTO BARROSO, resta
manifesto que a sua preocupação, no que atine à qualificação da prescrição como
direito estrito ou não, diz com a provável intenção de evitar o obstáculo criado,
391
BARROSO, L. R. Obra citada, p.115;
392
BARROSO, L. R. Idem, ibidem;
321
fundamentalmente, por CARLOS MAXIMILIANO. Do exame do clássico:
Hermenêutica e Aplicação do Direito, encontramos que:
(...) O recurso à analogia tem cabimento quanto a prescrições de Direito ‘comum’; não
do ‘excepcional’, nem do penal. No campo destes dois a lei só se aplica aos casos que
especifica.
O fundamento da primeira restrição é o seguinte: o processo analógico transporta a
disposição formulada para uma espécie jurídica a outra hipótese não contemplada no
texto; ora, quando este encerra exceções, os casos não incluídos entre eles
consideram-se sujeitos à ‘regra geral’. Não se confunda, entretanto, o Direito
‘excepcional’ com o ‘especial’ ou ‘particular’; neste cabem a ‘analogia’ e a exegese
‘extensiva.
393
Mas não é só LUÍS ROBERTO BARROSO que na analogia a solução do
problema. RENATO SOBROSA CORDEIRO, além de identificar na analogia, enquanto
regra de integração, a solução do problema, funda sua perspectiva no princípio da
plenitude do ordenamento jurídico.
Tal concepção estaria, portanto, assentada nos critérios estatuídos pelo art.
da Lei de Introdução ao Código Civil, no caso da inexistência de regras de Direito
Administrativo. Para tanto; RENATO SOBROSA CORDEIRO
394
assenta que: a) a
integração de lacunas, pela via analógica, por parte da Administração Pública, não se
mostra inconciliável como o princípio da legalidade; b) sendo as normas que
estabelecem a prescrição, regras gerais de ordem jurídica, não se pode objetar o seu
uso a partir de sua qualificação como sendo direito singular
395
, com o que resulta
possível a utilização de integração analógica, para efeito de integração de lacuna; c)
sendo agir irrecusável à Administração Pública a atuação direcionada a não lesar, ou
tolerar que se lese, às garantias constitucionais dos administrados, incumbe ao
administrador blico o dever de efetivar a completude do ordenamento jurídico,
393
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, p. 213;
394
CORDEIRO, R. S. Obra citada, p. 118 a 119;
395
Nesse sentido, aliás, assevera o Ministro Moreira Alves, em seu voto nos autos do
Mandado de Segurança nº 20.069 (RDA vol. 155), que: (...) em matéria de prescrição em nossos
sistema jurídico, inclusive no terreno do direito disciplinar, não há que se falar em ‘ius singulare,
uma vez que a regra é a da prescritibilidade;
322
servindo-se para tanto, face à lacuna legal, do processo analógico; d) a ausência de
regra expressa prevendo prazo prescricional, desafia e exige do administrador público
uma conduta interpretativa que situe a Constituição Federal como elemento normativo
com força mediadora entre o interesse blico e os interesses dos administrados em
geral, de modo a não ofender ou por em risco bens e interesses juridicamente
relevantes.
Portanto, do acima mencionado com base na concepção conformada pelo retro-
referido autor, há de ter-se em conta que eventual vazio de regra, em sede de
prescrição administrativa, exige a sua suplementação. A partir de tal circunstância,
portanto, torna-se possível a atuação tanto da analogia como regra de integração,
quanto de eventual interpretação analógica, caso exista norma que possibilite tal
atuação interpretativa.
Tal atuação, contudo, de estar direcionada, primordialmente, ao bem
comum, visando, a partir de tal desiderato, assegurar à eficácia ao princípio sistêmico
da prescritibilidade. Desse modo, em caso de ausência de norma legal expressa, há de
reconhecer-se que o sistema não proíbe a identificação de preceito que possa, por
analogia, vir a suprir a lacuna encontrada, até porque, em sentido contrário, por via
mediata, ante a não formulação de meio capaz de suplantar a lacuna, estar-se-ia a
fomentar o intolerável acolhimento da idéia da imprescritibilidade.
Na mesma senda, em havendo norma cuja interpretação permita a extensão de
seu conteúdo normativo, em favor do reconhecimento do fenômeno prescricional, o fato
de inexistir norma expressa a respeito de prescrição administrativa, em nada impede ao
administrador, e, por decorrência, ao próprio administrado, em defesa de seus
interesses, de buscar, no âmago do sistema jurídico positivo, norma que, por força de
interpretação extensiva, possibilite fixar um prazo a ser aplicado.
Importa que resulte destacado que a analogia e a interpretação extensiva não
se caracterizam como mecanismos idênticos.
(...) Do exposto ficou evidente não ser lícito equiparar a analogia à 1interpretação
extensiva’. Embora se pareçam à primeira vista, divergem sob mais de um aspecto. A
última se atém ‘ao conhecimento de uma regra legal em sua particularidade em face de
outro querer jurídico, ao passo que a primeira se ocupa com a semelhança entre duas
323
questões de Direito’. Na analogia há um pensamento fundamental em dois casos
concretos; na interpretação é uma idéia estendida, dilatada desenvolvida, até
compreender outro fato abrangido pela mesma implicitamente. Uma submete duas
hipóteses práticas à ‘mesma’ regra legal; a outra, a analogia, desdobra um preceito de
modo que se confunda com ‘outro’ que lhe fica próximo.
A analogia ocupa-se com uma lacuna do Direito Positivo, com hipótese não prevista
em dispositivo ‘nenhum’, e resolve esta por meio de soluções estabelecidas para casos
afins; a interpretação extensiva completa a norma existente, trata de espécie
‘regulada pelo Código’, enquadrada no ‘sentido’ de um preceito explícito, embora não
se compreenda na ‘letra’ deste.
396
Tal intento de ser viabilizado, na medida em que, na lição de CAIO TÁCITO,
não se pode olvidar que:
A ordem jurídica contempla entre seus pressupostos, a par da busca de justiça e da
eqüidade, os princípios da estabilidade e da segurança. O efeito do decurso de tempo
como fator de paz social, tranqüilizando as relações jurídicas pendentes, conduz a que
salvo direitos imperecíveis por sua própria natureza, como os da personalidade
as pretensões (e, por via de conseqüência as ações em que elas se possa exercitar)
tenham de regra, um limite temporal de exercício.
397
Não se vê, de início, embaraço algum para o uso da analogia, em matéria de
prescrição Administrativa. Tanto é assim que HELY LOPES MEIRELLES assevera que:
A analogia admissível no campo do Direito Público é a que permite aplicar o texto da
norma administrativa à espécie não prevista, mas compreendida no seu espírito; a
interpretação extensiva que negamos possa ser aplicada ao Direito Administrativo, é a
que estende um entendimento do Direito Privado, não expresso no texto administrativo,
nem compreendido no seu espírito, criando norma administrativa nova.
398
Na mesma senda, CAIO TÁCITO reverbera que:
Firmado o princípio geral da prescritibilidade, cumpre ao intérprete construir o
suprimento da lacuna legal, recorrendo ao método previsto no art. 4º da Lei de
396 MAXIMILIANO, C. Obra citada, p. 214 a 215;
397 TÁCITO, C. Obra citada, p. 286 a 287;
398 MEIRELLES, H. L. Obra citada, p. 40;
324
Introdução ao Código Civil: omissa a lei, cabe aplicar o apelo à analogia como recurso
de integração.
A norma jurídica vai além do comando explícito. Da virtualidade de seus princípios
promana a força expansiva que projeta a vontade do legislador, nos interstícios do
silêncio não intencional.
399
Ante tais perspectivas, tem-se então que o uso da analogia de permitir, em
casos semelhantes, usar-se de norma que, em regulando circunstância específica,
possa restar utilizada para a fixação da regulação a caso análogo. Já no caso da
interpretação extensiva, de tomar-se em conta a utilização de regra jurídica cujo
conteúdo esteja imantado pelo acolhimento de duas idéias fundamentais. A primeira, no
sentido de tornar concreto o princípio da prescritibilidade, salvante a exceção
constitucional expressa (art. 37, § 5º, da Constituição Federal), a segunda, no escopo
de garantir a efetividade do princípio da segurança jurídica.
Desse modo, há de ter-se sempre em conta a advertência de CAIO TÁCITO, ao
momento em que alerta para o fato de que:
A estabilidade interna na sociedade tem um preço político que supera a vantagem
corretiva que a sanção exprime. [...] Inexistindo norma específica, a prescrição
administrativa, que se impõe,deverá ser determinada pelo processo da analogia,
fundado na semelhança de situações. [...] O silêncio da autoridade terá efeito positivo
de inexistência de responsabilidade.
400
Por conseqüência, tomando-se em consideração, fundamentalmente, o
princípio da segurança jurídica, considerando-se, também, os contornos que resultam
delimitados a partir das concepções inerentes ao Estado Democrático de Direito, torna-
se possível assegurar que o princípio da prescritibilidade, com as suas exceções
realçadas, permeia o ordenamento jurídico nacional, no qual, por óbvio, encontra-se,
também, inserida a regulação conformada pelo Direito Administrativo.
Equivocada, portanto, qualquer resistência ao reconhecimento de tal fenômeno,
sob a alegação de que o uso da analogia, especificamente, estaria vedado ao âmbito
399 TÁCITO, C. Obra citada, p. 289;
400
TÁCITO, C. Obra citada, p. 290 a 292;
325
da prescrição administrativa, porquanto sua sede estaria delimitada a partir do art. 4º da
Lei de Introdução ao Código Civil, o qual, por sua natureza específica, destina-se a
regular relações situadas no âmbito das relações privadas, o que, por si só, se
mostraria incompatível com as relações submetidas à esfera do Direito Público. Tal
argumento, de há muito restou superado.
Superado, basicamente, em razão das normas constitucionais em vigência,
face às quais, em razão de sua interpretação extensiva, permitem perceber que os
casos exíguos de imprescritibilidade encontram-se perfeitamente delimitados pelo
sistema constitucional, resultando seguro que, no demais, resulta inviável falar-se de
imprescritibilidade.
Tal conclusão resulta da simples compreensão de que o legislador
constitucional, quando pretendeu regular a prescrição, no que atine a possibilidade de
firmar situações em que o evento extintivo não de ser reconhecido, identificou-os de
forma explicita. Ou seja, disse que são imprescritíveis os casos que envolvam a prática
de racismo (art. 5º, inciso XLII, da CF), as ações de grupos armados, civis ou militares,
contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, inciso XLIV, da CF), e
para o ajuizamento de ações de ressarcimento, em razão de prejuízos causados ao
erário (art. 37, § 5º, da CF). Ou seja, nestes casos é que se pode falar de
imprescritibilidade.
De tal forma, tanto a analogia, quanto a interpretação extensiva, podem ser
utilizadas para estabelecer prazo prescricional, sendo tal interpretação o resultado da
observância do princípio da supremacia da Constituição. Nesse sentido, esclarece LUÍS
ROBERTO BARROSO que: Toda interpretação constitucional se assenta no
pressuposto da superioridade jurídica da Constituição sobre os demais atos normativos
no âmbito do Estado
401
. De modo que, conforme ainda ensina o festejado mestre: Por
força da supremacia constitucional, nenhum ato jurídico, nenhuma manifestação de
vontade pode subsistir validamente se for incompatível com a Lei Fundamental. Ou
seja, se o legislador constitucional disse, de forma pontual, expressa e incontroversa
quais seriam os casos em que se toleraria a possibilidade de imprescritibilidade, resulta
401
BARROSO, L. R. Obra citada, p. 158;
326
manifesto que, caso pretendesse ampliar tal espectro a todos os casos em que a lei
ordinária não faz referência a tal fenômeno, também o haveria de dizer. Ora, se não
disse, resta logicamente incontroverso que optou pelo princípio da prescritibilidade.
Tanto é assim que GERALDO CAMARGO VIDIGAL alerta que:
(...) A conduta do legislador constitucional, ao declarar expressamente
imprescritibilidade daquelas situações em que a desejou, ao silenciar em hipóteses de
crimes gravíssimos, intercaladas na declaração de princípios do art. 5º, patenteou
haver a Constituição reconhecido a presença do princípio geral de Direito de que
nasceu o instituto da prescrição. Este princípio geral é que reclama a preservação da
dignidade humana, afirmado no art. da Constituição do Brasil: afronta a exigências
da Ética, possa alguém ser submetido a qualquer tempo, ao longo da vida, à
exumação de possíveis faltas de um momento remoto de seu passado.
402
E, no que atine ao Direito Administrativo, assevera, ainda, GERALDO
CAMARGO VIDIGAL que:
Na análise e interpretação dos diferentes textos constitucionais que regem a
prescrição, o parágrafo do Artigo 37, especificamente voltado para os fatos
administrativos; os três incisos referidos do Artigo 5º, dois deles afirmando
imprescritibilidade excepcionalmente estabelecida para condutas determinadas, o
terceiro silenciando, em face do princípio geral de direito que afirma a prescritibilidade
inciso do artigo 1º, reivindicando respeito à dignidade humana — conduzem à
certeza de que também são prescritíveis os ilícitos de natureza administrativa, impondo
a aplicação das regras legais da analogia, quanto aos prazos, nos casos em que
houvesse omissão do legislador.
403
Ora, não padece dúvida alguma que, em havendo omissão do legislador, não
que pretender construir entendimento em afronta direta ao texto constitucional, até
porque caso: (...) adotado o critério de interpretação da ‘ratio legis’, chegar-se-ia, no
caso do princípio geral da prescritibilidade, a conclusão idêntica: desumano seria
submeter alguém ao perpétuo questionamento da regularidade de todos os seus atos
passados.
404
Portanto, em presença de silêncio do legislador, não o sistema
402
VIDIGAL. G. de C. Obra citada, p. 301;
403
VIDIGAL. G. de C. Idem, p. 302;
404
VIDIGAL. Geraldo de C. Idem, ibidem;
327
constitucional, mas o conjunto universal dos princípios que permeiam a ordem jurídica
nacional, resulta seguro manifestar que, tanto por analogia, quanto por interpretação
analógica, de restar reconhecido, em nome da segurança jurídica, o princípio da
prescritibilidade a alcançar todos os atos e todas as condutas abrangidos pelo Direito
Administrativo, à exceção de norma constitucional expressa, em sentido contrário.
10. REMANESCÊNCIAS: DISTINÇÕES E DIFERENÇAS
10.1. ALÉM DO ADMINISTRAR
À evidência, resulta plenamente possível que as indagações relativas à
prescrição, no caso específico em que se refere à prescrição administrativa, situem-se,
também, além dos contornos estabelecidos pela prática cotidiana do mister objetivo de
administrar. No inter-relacionamento entre a Administração blica e o administrado,
permeiam direitos informados por interesses que resultam, eventualmente não
atendidos. Dá-se tal defasagem tanto no que se refere aos interesses da Administração
Pública, quanto aos interesses titulados pelo administrado. Nessa esfera multifacetada,
por óbvio, sobre tais direitos e interesses também há de reconhecer-se a possível
incidência do evento prescricional. Ante tal perspectiva, pode-se indagar: qual seria
então o fio condutor adequado à solução das controvérsias resultantes de tal
entrechoque.
Em princípio, parece-nos que o princípio da legalidade seria, indubitavelmente,
o mais adequado. Contudo, no caso das dívidas ativas de titularidade da Administração
Pública carência de regulação legislada de forma expressa, a qual discipline de
forma incontroversa e pontual tal espaço de controvérsia, além de eventuais
circunstâncias atinentes aos ditos direitos pessoais. De tal sorte, ante este vazio
normativo específico, a referência mais imediata a ocupar tal território, passa a ser
assumida pelo princípio da igualdade, porquanto tal princípio, entre as múltiplas feições
que possa vira a assumir, azo a um sentimento de equilíbrio e de justiça, capaz de
legitimar as atitudes que venham, eventualmente, a pacificar tais confrontos. Ademais,
tal escolha dá-se, fundamentalmente, em razão da ordem jurídica estar situada num
Estado Democrático de Direito, exigindo-se, portanto, que a proteção jurídica deva dar-
se a partir de critérios que não gerem desigualdade injustificada
405
, o que por certo
acabaria por afrontar a própria ordem constitucional.
405
A idéia da existência de uma desigualdade injustificada está diretamente associada a
uma conduta que se mostra afrontosa, de início, a um preceito legal, ou, de forma mediata, a um
princípio situado no âmago do sistema jurídico, com os quais, norma e princípio, estejam em
329
10.2. AÇÕES PESSOAIS MOVIDAS PELO PARTICULAR CONTRA PESSOAS
JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO E FUNDO DE DIREITO
Por óbvio, o são somente as pretensões da Administração Pública que
restam atingidas pela prescrição. As dívidas passivas a serem suportadas pela Fazenda
Pública também prescrevem. Neste caso, a legislação mostra-se marcada por um
número maior de peculiariedades e de especificidades, dado ser incontroverso que o
sistema jurídico há de estar atento ante à perspectiva de ser o Estado o devedor ou o
responsável por uma prestação positiva ou negativa, visando, basicamente, o
atendimento ao direito de outrem, sem, contudo, conseguir despir-se do móvel
ideológico informado pelo princípio da supremacia do interesse público.
Ademais, tal dicotomia resta exacerbada em razão das novas feições que está
a assumir o Direito Administrativo contemporâneo, na medida em que:
O individualismo jurídico se decompõe sob a pressão poderosa de causas e concausas
sociais. A socialização do Direito transcende ao plano doutrinário e se afirma na
criação legislativa e na hermenêutica constitucional. Não se trata apenas disse o
professor Afonso Arinos de Melo Franco — de crise do Direito, mas de Direito da crise.
As condições sociais atribuem ao Estado uma posição de tutela e gerência de
interesses individuais. A manutenção e sobrevivência do indivíduo, a sua proteção
contra riscos e incertezas sociais, a própria defesa da soberania nacional motivam a
revisão de alicerces, a propriedade, a família, o trabalho, a autonomia da vontade ou a
liberdade de contrato, obedecem a novos pressupostos de inspiração coletiva.
406
De tal forma, a partir de tal perspectiva, o servidor, em geral, e o administrado
não podem mais figurar como sendo personagens antagônicas à Administração Pública
e aos interesses que a lei lhe determina defender, até porque não são seus, mas muito
mais da sociedade e de cada um dos indivíduos que a compõe. Tanto é assim que
conflito evidente. Portanto, o sentido de não justificação da conduta só pode ser identificado a
partir do próprio sistema jurídico consolidado segundo as diretrizes do Estado Democrático de
Direito. Há, portanto, um deslocamento da percepção racional dos sentidos possíveis da
desigualdade, como categoria, para os limites estritos da ordem jurídica, de modo a evitar-se
que tal circunstância possa ser discutida em parâmetros de referência puramente abstratos,
inviabilizando uma intencionalidade reguladora de tal fenômeno, sob o prisma necessário de uma
igualdade material a ser reconhecida;
406
TÁCITO, Caio. Perspectivas do direito administrativo no próximo milênio, p. 6;
330
desde os albores da regulação em relação às dívidas passivas da Administração
Pública, restaram resguardados os interesses dos particulares.
Nos termos da Lei nº 243, de 30 de Novembro de 1841, que fixava a
despesa, o orçamento e a receita para o exercício do ano financeiro de 1842
1843, já restava determinado, em seu art. 20 que:
Do 1º de Janeiro de 1843 em diante não terá mais lugar inscripção alguma da
devida passiva fluctuante, mandada fundar pela Lei de 15 de Novembro de 1827,
á excepção daquellas que nessa epoca se acharem em liquidação, ou penderem
de processo judicial, ficando inteiramente prescriptas, e perdido para os
credores o direito de requerer a liquidação e pagamento dellas. Da mesma data
em diante ficão em vigor os Capitulos 209 e 210 do regimento de Fazenda,
assim pelo que respeita à divida passiva posterior ao anno de 1826, existente
até hoje e á divida futura, como pelo que respeita a toda divida activa da Nação.
O Governo dará toda publicidade á disposição deste Artigo e dos referidos
Capitulos.
Ou seja, reconhecendo a existência de dívida passiva, não se omitia a
Administração blica, da época, em delimitar o prazo prescricional para o seu
exercício, com o que, indubitavelmente, de forma expressa, assegurava aos credores
da Fazenda Pública uma referencial legislado, donde, inequivocamente, exsurgia
segurança jurídica. Ademais, ao contrário da legislação contemporânea, também
estabelecia limite expresso às suas pretensões no tocante à dívida ativa.
No mesmo sentido e de modo mais minudente, demonstrando significativa
preocupação com a segurança jurídica dos administrados, embora com visível
desigualdade no que se refere ao prazo prescricional em benefício da Fazenda
Pública
407
, determinava o Decreto nº 857, de 12 de novembro de 1851, ao explicar o
407
Art. 9º A prescripção de 40 annos posta em vigor pelo citado Art. 20 da Lei de 30 de
Novembro de 1841, com referencia ao Capitulo 210 do Regimento da Fazenda, a respeito da divida
activa da Nação, opera a completa desoneração dos devedores da Fazenda Nacional do pagamento das
dividas, que incorrem na mesma prescripção, de maneira que, passados os 40 annos, não póde haver
contra elles penhora, execução, ou outro qualquer constrangimento; Art. 10. Os 40 annos para a
prescripção da divida activa começão a correr, para as dividas contrahidas até o ultimo de Dezembro de
1842, do dia 1º de Janeiro de 1843, e para as posteriores, desde o ultimo dia do prazo estabelecido para
o pagamento por Lei, regulamento, ou contracto, huma vez que passem continuada e seguidamente sem
interrupção; Art. 11. O curso dos 40 annos interrompe-se, impedindo a prescripção: 1º Pela citação,
penhora, ou sequestro feito aos devedores para se haver pagamento. 2º Por qualquer outro
procedimento judicial ou administrativo havido contra elles para o mesmo fim. 3º Pela concessão de
espaço aos devedores, admitindo-os pagar por prestações.
331
disposto pelo art. 20 da Lei de 30 de Novembro de 1841, relativo à prescrição da divida
ativa e passiva da Nação, extensa regulação a respeito da prescrição administrativa.
Com um escopo de muito maior abrangência, tal legislação, não só, regulava a
prescrição das dívidas passivas, mas também delimitava prazo para a busca de
satisfação de dívida a ser suportada pela Administração Pública, independente da
natureza do direito em que se fundava.
408
Outra previsão de natureza significativa delimitada pelo Decreto 857, de 12
de novembro de 1851, diz respeito à inscrição da dívida junto aos assentamentos da
Fazenda Nacional, no prazo de cinco anos, reconhecendo-se, posteriormente, aos
credores, novo prazo de cinco anos, caso não tivessem suas pretensões satisfeitas. Vê-
se, portanto, de tal dispositivo, que se encontrava o germe da diversidade entre
prescrição administrativa e prescrição processual.
409
A própria idéia fundante do conceito de fundo de direito, resultava também
prevista por tal legislação imperial
410
, sendo que a possibilidade de suspensão do curso
408
Art. 1º A prescripção de 5 annos, posta em vigor pelo Art. 20 da Lei de 30 de Novembro de
1841, com referencia ao Capitulo 209 do Regimento da Fazenda, a respeito da divida passiva da Nação,
opera a completa desoneração da Fazenda Nacional do pagamento da divida, que incorre na mesma
prescripção. Art. 2º Esta prescripção comprehende: 1º o Direito que alguem pretenda ter a ser declarado
credor do Estado, sob qualquer título que seja. 2ºO direito que alguem tenha a haver pagamento de
huma divida já reconhecida, qualquer que seja a natureza della.;
409
Art. 3º Todos aquelles, que pretenderem ser credores da Fazenda Nacional por ordenados,
soldos, congruas, ou gratificações e outros vencimentos de empregos; por pensões, tenças, meio soldo e
monte pio; por preço de arrematações e contractos de qualquer natureza, e pagamento de despezas
feitas e serviços prestados; e por quaesquer reclamações, indemnisações, e restituições, deverão
requerer o reconhecimento e liquidação de suas dividas, a expedição de despachos, ordens, e titulos
para o pagamento, e fazer o assentamento das que o precisarem dentro dos 5 annos; e passado este
prazo, ficará prescripto a favor da Fazenda Nacional todo o direito que tiverem; Art. 4º Todos aquelles
que depois de haverem os seus despachos correntes para o pagamento, tiverem feito o assentamento,
ou estiverem lançados na folha, não requererem que effectivamente se lhes pague o que lhes for devido
dentro dos 5 annos, perderão o direito a esse pagamento em virtude da prescripção a favor da Fazenda
Nacional;
410
Art. 5º Quando o pagamento que se houver de fazer aos credores for dividido por prazo de
mezes, trimestres, semestres ou annos, e se der a negligencia da parte dos mesmos credores, a
prescripção se irá verificando a respeito d'aquelle ou d'aquelles pagamentos parciaes, que se forem
comprehendendo no lapso dos 5 anos; de sorte que por se ter perdido o direito a hum pagamento
mensal, trimestral, semestral, ou annual, não se perde o direito aos seguintes a respeito dos quaes ainda
não tiver corrido o tempo da prescripção;
332
prescricional podia restar obtida por mera postulação administrativa, face à demora da
Administração Pública e atender o pleito de seus credores.
411
Na mesma senda, a Lei de 28 de agosto de 1908, em seu art. 9º, delimitou,
para efeito de prescrição, no que se refere a direitos patrimoniais ou não, o prazo de
cinco anos, prazo este que resultou consolidado pelo Código Civil de 1916, nos termos
de seu artigo 178, § 10, inciso VI, embora tenha regulado a matéria de forma
reducionaista, face à sua vinculação normativa estrita à União, aos Estados e aos
Municípios. Tal orientação codificada veio a ser acolhida pelo Decreto 20.910, de 06
de janeiro de 1932, o qual, contudo, alargou seu espectro a todo e qualquer direito ou
ação, embora restrita às pretensões de natureza passiva, tão-somente.
Com uma pequena ampliação do arco regulatório, embora, ainda, restrita às
dívidas passivas, o Decreto-lei 4.597, de 19 de agosto de 1942, estendeu o prazo
prescricional em relação às dívidas a serem suportadas pelas autarquias, ou entidades
e órgãos paraestatais, criados por lei e mantidos mediante impostos, taxas ou
quaisquer contribuições, exigidas em virtude de lei federal, estadual ou municipal. Tal
legislação também manteve o dever de responsabilidade passiva em relação a todo e
qualquer direito e ação contra tais entes da Administração Indireta eventualmente
postulados.
Entre uma multiplicidade de conflitos possíveis, as pretensões pessoais, face à
Administração Pública, não se mostram como algo inusitado. A contínua interferência
do Estado na vida dos cidadãos acaba por gerar pontos de entrechoque entre os
interesses privados e o interesse público. É o redobrado cuidado com tal interesse que
se constitui em uma categoria de mediação para efeito de solução das contendas nesta
esfera de litígio. Tanto é o cuidado e tão relevantes são os valores envolvidos na
pacificação de tais colisões de interesses, dado serem juridicamente relevantes em um
nível tido por superior, que a lei avoca para si, em específico, o controle de tais
situações, o que, indubitavelmente, se mostra acertado.
411
Art. 12. Aquelles que quizerem segurar o seu direito obstando á que corra para a prescripção
o tempo consumido por demora e embaraços das Repartições, poderão requerer, e se lhes dará hum
certificado da apresentação do requerimento e documentos com especificada declaração do dia, mez e
anno;
333
Hodiernamente. no caso da prescrição administrativa, no que atine às dívidas
passivas da Fazenda Pública, observa-se que o Decreto nº 20.910 de 1932 início a
seu escopo regulatório, em matéria prescricional, tratando, especificamente, das dívidas
passivas da Administração Pública, em suas três esferas, bem como de todo e qualquer
direito ou ação contra a Fazenda Pública, no fito de exigir-lhe alguma prestação de
conteúdo pessoal. Tal orientação restou mantida na forma do Decreto-lei 4.597, de
19 de agosto de 1942. Portanto, o legislador demonstra, de modo inconteste, que as
ações de cunho pessoal, oriundas de interesses privados, face à Administração Pública,
no geral, possuem significação e importância de destaque.
Nesse caminho, não padece dúvida alguma, não só da possibilidade de
prescrição das dívidas passivas a serem suportadas pela Administração Pública, como
também por uma decorrência reflexa decorrente da própria certeza da existência
concreta do direito pessoal titulado pelo administrado, ou titular de direito inadimplido ou
não reconhecido, gerando-se, por conseqüência, colisão de interesses com a esfera
pública. Desse modo: “A prescrição das ações pessoais contra a Fazenda Pública e
suas autarquias’ é de cinco anos, conforme estabelece o Decreto ditatorial (com força
de Lei) n. 20.910, de 06.01.1932, complementado pelo Decreto-Lei n. 4.597, de
19.08.1942.
412
Contudo, importa destacar que a aplicação do regramento legal retro-referido
destina-se a atuar, tão-somente, na esfera restrita dos direitos categorizados como
direitos pessoais, na medida em que:
As ações pessoais’ têm por finalidade fazer valer direitos oriundos de uma obrigação
de dar, fazer ou não fazer algo, quer assumida voluntariamente pelo sujeito passivo,
quer imposta por norma jurídica. São aquelas correspondentes a direitos cujo objeto
seja uma prestação. Neste sentido direcionam-se para defesa dos direitos creditícios,
ou direitos pessoais, não abrangendo a garantia dos direitos privados da personalidade
que, embora constituam direitos pessoais por excelência, são imprescritíveis.
413
412
NASSAR, Elody. Prescrição na administração pública, p.153;
413
NASSAR, E. Idem, ibidem;
334
Em presença de tais circunstâncias, resulta, por conseqüência lógica, a
conclusão de que direitos reais não se submetem a tais referenciais normativos, não
no que atine ao prazo prescricional, como também a respeito da própria matéria de
fundo a sofrer regulação. Tal assertiva prende-se ao fato de que:
A ‘prescrição das ações reais contra a Fazenda Pública’ tem sido considerada pelos
tribunais como sendo comum (agora dez anos), e não a qüinqüenal do Decreto n.
20.910/32, a teor do art. 205 do Código Civil de 2002.
Esse entendimento vigora para as ações indenizatórias por desapropriação indireta,
também denominadas por apossamento administrativo.
Verdadeiramente, admitir-se a prescrição qüinqüenal nas ações reais importaria em
estabelecer um usucapião de cinco anos em favor da União, dos Estados e dos
Municípios, o que redundaria em nova forma de aquisição, não permitida em lei.
414
Tal compreensão, aliás, restou consolidada nos termos da súmula 119, do
Egrégio Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que: A ação de desapropriação
indireta prescreve em vinte anos.
415
Mas o problema maior situa-se na medida em que é consabido que não resulta
impossível que o interesse privado, materializado por um direito integrado ao patrimônio
de um titular, possa restar atingido em razão de um agir situado na esfera de auto-
gestão da própria Administração Pública, e que, pelo seu reconhecimento em tal sede
estrita, não se necessite buscar a prestação dele decorrente junto ao Poder Judiciário.
Ademais, importa destacar que em circunstâncias diversas, a própria
Administração não reconhece tal direito e, de certo modo, sanciona a inadequação do
pretendido, negando ou revendo situação concreta, a titulo de restaurar,
primordialmente, a legalidade. Diz-se primordialmente, dado que tal princípio assume
uma prevalência significativa na condição de diretriz fundamental de atuação da
Administração Pública. Contudo, nada a impedir que a atuação corretiva da
Administração Pública esteja informada, em suas razões de base, por outros dos
princípios que regem à sua atuação.
414
NASSAR, E. Obra citada, p.155;
415
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Brasília. Distrito Federal;
335
Dá-se tal agir de natureza recompositiva, sob o pálio daquilo que se reconhece
como Princípio da Autotutela, porquanto, no mínimo, não seria admissível que se
imaginasse que o particular possa cometer equívocos. Ademais, não se pode olvidar
que a Administração Pública configura uma abstração, atuando no mundo da vida
através de pessoas físicas, às quais é inerente, dada a sua condição humana, a
possibilidade de falha. No sentido das razões que possibilitam tal atuação corretiva,
JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO
416
preleciona que:
A Administração Pública comete equívocos no exercício de sua atividade, o que não é
nem um pouco estranhável em vista das múltiplas tarefas a seu cargo. Defrontando-se
com esses erros, no entanto, pode ela mesma revê-los para restaurar a situação de
regularidade. Não se trata apenas de uma faculdade, mas também de um dever, pois
que não se pode admitir que, diante de situações irregulares, permaneça inerte e
desinteressada. Na verdade, restaurando a situação de regularidade é que a
Administração observa o princípio da legalidade, do qual a autotutela é um dos mais
importantes corolários.
[...]
Registre-se, ainda, que autotutela envolve dois aspectos quanto à atuação
administrativa:
1. aspectos de legalidade, em relação aos quais a Administração, de ofício, procede à
revisão de atos ilegais;
2. aspectos de mérito, em que reexamina atos anteriores quanto à conveniência e
oportunidade de sua manutenção ou desfazimento.
Portanto, resulta plenamente possível que a Administração Pública, no
exercício de sua autotutela, passe a disciplinar relação jurídica entre ela e o particular,
suprimindo direito, ou reconhecendo-o, nos limites que a lei, a juízo do gestor público, o
possibilita.
De qualquer modo, no caso de supressão ou não acolhimento de pretensão a
direito, o credor deverá buscar a via jurídica adequada para a ressalva dos seus
jurídicos interesses, em sua singularidade, no que atine ao exaurimento da pretensão
por ato de adimplemento único. Buscará, portanto, aquilo que entenda estar protegido
pela ordem jurídica positiva.
416
CARVALHO FILHO, J. dos S. Obra citada, p. 19;
336
Isso, a nosso juízo, de modo geral, poderá dar-se tanto na esfera puramente
administrativa, quanto, ao depois, perante o Poder Judiciário. É de alertar-se, desde já,
que no caso das relações jurídicas de trato sucessivo, estando a Administração Pública
obrigada a adimplir suas obrigações por atos que se repetem no transcurso do tempo,
poderá, na esfera dos efeitos decorrentes do fenômeno prescricional, surgir situação
diferenciada.
Diferenciada, no sentido do ao final destacado, por peculiar, entre às
possibilidades do exercício da mencionada autotutela, é de se destacar situações
caracterizadas por aquelas em que a Administração Pública já havia reconhecido o
direito do administrado, agindo, entretanto, em presença de uma pontual inação do
particular credor, em detrimento da forma de implementação concreta de tal pretensão
já reconhecida.
Em tais circunstâncias, partindo de uma compreensão obstativa do
reconhecimento absoluto de tal direito, a Administração Pública identifica um fato ou
circunstância com matiz, a seu juízo, constitutivo, ao qual atribui feição negativa, de
modo a gerar evento que lhe atribua a possibilidade jurídica de negar o adimplemento
de uma particular obrigação a ser cumprida por reiteração de conduta, a qual se
identifica sob o título de relação jurídica de trato sucessivo. Ou seja, a Administração
Pública encontra e identifica um modo de não cumprir com o atendimento de um direito
reconhecido, negando-se, contudo, a adimpli-lo, no que se refere à sua prestação
sucessiva.
Muitas podem ser as razões de tal agir, desde que sempre lastreadas na
observância da lei. Mas, no caso em tela o que nos interessa é o fenômeno prescritivo.
De tal sorte, categorizando tal direito a partir de sua singular autonomia, a
Administração Pública esquiva-se de adimplir sua genérica obrigação passiva, por
pretendê-la alcançada pela prescrição.
Visando solver a controvérsia oriunda do rechaço à obrigação passiva, deu azo
ao Supremo Tribunal Federal formular solução concretizada em súmula. De tal sorte,
diz a súmula 85 do STF que: Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a
Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio
337
direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do
qüinqüênio anterior à propositura da ação.
Ora, como efeito de tal autorizada mediação interpretativa, o que se
percebe, de imediato, é que houve uma relativização do grafado pelo art. 1º do
Decreto nº 20.910, de 06 de janeiro de 1932. Diz-se relativização na medida em
que a intelecção judicial autoriza a incidência da prescrição, tão-somente, no que
se refere às prestações já vencidas há mais de cinco anos. Mantêm-se intacto,
portanto, àquilo que recebeu a denominação de fundo de direito, o qual
permanece íntegro. Devendo, portanto, ser reconhecido pela Administração.
Nesse aspecto, diz PAULO DE TARSO DRESCH SILVEIRA
417
que:
A súmula nº 85, acima transcrita, relativiza, sem qualquer dúvida, o rigor do art.
1º do Decreto nº 20.910/32, permitindo que esse atinja, apenas, as prestações já
vencidas há mais de cinco anos, mantendo, intacto o fundo de direito. Esse,
contudo, poderá desaparecer no qüinqüênio se já tiver sido objeto de postulação
junto à administração Pública e tenha sido negado.
Entretanto, no momento em que se passa a indagar a tal perplexidade,
sob a ótica da prescrição, surge o vazio legislativo como fator provocador de
dúvida imediata. Ante tal perplexidade, há de perquerir-se então qual seria, além
da interpretação judicial, o critério adequado a formatar regulação para tais
circunstâncias. Impende que se conheça de algum critério, na medida em que a
orientação jurisprudencial situa-se em mera análise de relação de conseqüência a
partir de um entendimento historicamente situado em face de um determinado
caso concreto. Isto tudo porque tal entendimento, como é de sua própria
natureza, poderá resultar alterado. Portanto, para efeito de que seja resguardada
a segurança jurídica, mostra-se necessária a localização de preceito jurídico que
autorize tal perspectiva.
Entender-se, em razão de tal vazio, que a Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de
1999 restringiu, de modo generalizado, o direito de autocontrole, fixando o prazo
417
SILVEIRA, Paulo de Tarso Dresch. Breves apontamentos sobre a prescrição no
direito administrativo brasileiro, p. 2;
338
improrrogável de 5 (cinco) anos, parece-nos configurar uma interpretação, no mínimo,
forçada. O que é possível vislumbrar da norma grafada pelo art. 54 da Lei
9.784/1999, é o estabelecimento de um regramento básico para o processo
administrativo, no âmbito da Administração Federal direta e indireta, devendo atuar,
também, na proteção do administrado, como também para o melhor cumprimento dos
fins da Administração. Contudo, tal regulação não vai além disso.
Por primeiro, constata-se que da análise do cipoal de normas administrativas
componentes da tecitura de regulação do Direito Administrativo pátrio, são encontráveis
outras regras que também disciplinam matéria prescricional. Isto, contudo, não legitima
imaginar-se que devam, tão-só por isso, assumirem a condição de preceitos de
aplicação universalizada para a regulação do fenômeno prescricional. De modo que
pretender generalizar o peculiar comando extintivo grafado pela Lei nº 9.784/1999, além
de caracterizar atitude precipitada, cria manifesto equívoco, estabelecendo alcance que
a própria lei não reconhece a si própria.
Nessa senda, o STF, ao que parece, sem formular uma estrutura conceitual de
solução, buscou no princípio da actio nata uma solução que nos parece provisória, dada
a possibilidade permanente de alteração de tal compreensão jurisprudencial. Conforme
lançado nos autos do recurso extraordinário nº 99.544, oriundo do Estado de São
Paulo, restou assentado que:
‘Funcionalismo’. Prescrição. A prescrição do art. do Decreto 20.910, de 1932,
refere-se ao próprio direito, não se confundindo com a prescrição de prestações.
Assim, o direito a que a Administração Pública pratique um ato, de que decorrem
benefícios a funcionários, prescreve em cinco anos.
418
419
418
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Conhecimento e deferimento de recurso Recurso
Extraordinário nº 99.544-SP. Estado deo Paulo e Ireno Perassi e outros. Relator: Ministro
Carlos Madeira. Brasília, 26 de novembro de 1985. Revista Trimestral de Jurisprudência, vol.
117, p. 122;
419
No mesmo sentido: a prescrição qüinqüenal a favor da Fazenda Pública,
estabelecida pelo Decreto nº 20.910, de 1932, alcança todo e qualuer direito e ação, seja qual
for a sua natureza, sem exceptuar os assegurados em lei ao servidor público. A prescrição
apenas das prestações pressupõe que a Administração Pública não tenha praticado ato de que
decorra o não pagamento delas. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Conhecimento e
deferimento de recurso Recurso Extraordinário nº 95.592-2-SP. Relator: Ministro Soares Muñoz.
Brasília. Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 117, p. 123, mês e ano; e: Quando é um
direito reconhecido, sobre o qual não se questiona, aí, são as prestações que vão prescrevendo,
339
Entretanto, importa que se destaque que tais: quaisquer direitos estão situados
na esfera dos direitos pessoais, conforme realçado acima. De modo que resulta
consagrado, portanto, que em se tratando de dívidas passivas da Administração
Pública, a prescrição da ação necessária à recomposição do patrimônio privado lesado,
ocorre no prazo de cinco anos, sendo tal limite adstrito a qualquer direito de natureza
pessoal. Quanto ao cognominado fundo de direito, também ocorre a prescrição no
mesmo prazo, independentemente de eventuais prestações devidas, não porque o
princípio da igualdade constitua a razão de tal reconhecimento, mas sim em razão do
princípio da actio nata. Nessa senda, encontram-se posições dissonantes, Nesse
sentido, diz JOSÉ CRETELLA JÚNIOR
420
que:
Não é assim tão absoluta e rígida a regra, ainda em vigor do D. n. 20.910, de 1932, art.
1º, ao preceituar que ‘todo e qualquer direito ou ação, seja qual for a sua natureza,
prescrevem em cinco anos’. De maneira alguma. Existem direitos e ações contra a
Fazenda Pública que ‘nunca prescrevem’. São direitos subjetivos públicos, que, por
sua natureza intrínseca, ficam imunes à prescritibilidade, quer pelo caráter alimentar,
quer pela índole previdenciária de que se revestem.
Nos dias de hoje, tal compreensão não mais se sustenta. Por força da
Constituição Federal de 1988, restou claro que o princípio geral atinente à prescrição,
enquanto fenômeno extintivo resultou universalizado. Tanto é assim que o regramento
constitucional explicitou, de forma pontual, específica e incontroversa as situações que
escapam à regra geral da prescritibilidade. Ora, entre essas não se encontram os
mencionados direitos referidos por CRETELLA JÚNIOR. Portanto, à exceção das
hipóteses constitucionalmente explicitadas, o não exercício de direito a ser postulado ao
cumprimento da Administração blica, no prazo de cinco anos, restará,
inexoravelmente, atingido pelo evento prescricional, sob pena de afronta mediata ao
mas, se o direito às prestações decorre do direito à anulação do ato, é claro que, prescrita a
ação em relação a este, não é possível julgar prescritas apenas as prestações, porque
prescreveu a ação para o reconhecimento do direito, do qual decorreria o direito às prestações.
Do contrário seria admitir o efeito sem causa. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso
Extraordinário conhecido e não provido. Relator: Ministro Luiz Gallotti. Brasília. Revista
Trimestral de Jurisprudência, vol. 117, p. 123, Brasília, agosto de 1966;
420
CRETELLA JR. J. Obra citada, p. 8;
340
ordenamento constitucional positivo, tomando-se em conta, contudo, a dicotomia
existente entre direitos pessoais e direitos reais.
10.3. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO RÉS - DIREITO POSTULADO E
NEGADO ADMINISTRATIVAMENTE
Como já realçado acima, a posição passiva da Administração Pública, no
que se refere ao fenômeno da prescrição, não gera maior perplexidade. Tal
circunstância decorre da existência de regulação expressa neste sentido, através
do disciplinado, primordialmente, pelo Decreto 20.910, de 06 de janeiro de
1932, em seu art. 1º. Contudo, como já realçado, tal disciplina é de abrangência
estrita.
No caso das obrigações de trato sucessivo, também é o mesmo
regramento legal quem estabelece às diretrizes gerais ao adimplemento de tais
obrigações a serem suportadas pela Fazenda Pública, em especifico na forma do
estatuído pelo art. 2º do Decreto nº 20.910/1932, conforme o acima destacado.
No que se refere à especificidade apontada, qual seja às das obrigações
de trato sucessivo onde surge, por vínculo estrito, a figura do denominado fundo
de direito, há de ter-se em conta, como pressuposto de existência e de arrimo
mediato, a necessidade de que tal direito não tenha sido negado na via
administrativa.
Tratando-se, contudo, de situação peculiar, ou seja, em presença de
negativa do direito postulado, face a negativa de seu reconhecimento por parte da
Administração Pública, nos termos do invocado pelo administrado, gera-se
questão problemática, no que se refere ao evento prescricional, na medida em
que se cria impasse a partir da possibilidade, ou não, de aplicar-se, em princípio,
a disciplina formatada pelo art. 1º do Decreto nº 20.910/1932.
A delimitação judicial sumulada pouco auxilia, na medida em que a súmula
nº 85 do Superior Tribunal de Justiça estabelece que: Nas relações jurídicas de
trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não
341
tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as
prestações vencidas antes do qüinqüênio anterior a propositura da ação. Nada
afirma, portanto, com relação ao direito de base, ou, como reiteradamente
sedimentado, ao fundo de direito.
A regulação legal, por seu turno, sofreu forte influência de tal orientação
jurisprudencial, embora tenha inserido uma compreensão de conteúdo ideológico
diverso, porquanto ampliou o efeito extintivo dimensionado pela compreensão judicial.
Tal assertiva é percebida da leitura do art. 103 da Lei Federal nº 8.213, de
24.07.1991, o qual, como exemplo do que aqui se aponta, dispõe:
Art. 103. É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação
do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a
contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou,
quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória
definitiva no âmbito administrativo. (grifos nossos).
Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter
sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer
restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos
menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil. (grifos nossos).
Tomando em conta a legislação acima transcrita, resulta interessante
destacar que, por força de tal regra legal, resta, por primeiro, reconhecido que o
evento extintivo é consolidado através de prazo categorizado como de
decadência e não de natureza prescricional, a atingir o próprio fundo de direito.
Gestou-se, a partir de tal regra, o apoio legal que possibilita à Administração
Pública,o considerado aqui, por óbvio, a própria ausência do direito em-si,
negar o direito em-si na esfera administrativa, atribuindo a tal ato um efeito
extintivo perpétuo.
A repercussão de tal regulação mostra-se significativa, a partir do
momento em que submetemos à análise, num movimento de descentramento da
razão formal de legitimação do agir da Administração Pública, o conteúdo
ampliativo propiciado pela norma legal em tela. Ou seja, tal negativa não decorre
de um mero juízo de conveniência ou oportunidade da Administração Pública,
342
mas sim que, apoiada na força do evento extintivo decadencial, nega o direito na
esfera administrativa, atingindo-o de morte, já que o prazo decadencial atinge o
próprio fundo do direito em-si.
Do cotejo de tais circunstâncias, percebe-se que o conteúdo ideológico da
legislação que disciplina a matéria prescricional, em sede administrativa, evoluiu,
mostrando-se ideologicamente dissidente das diretrizes estabelecidas pelo
próprio Estado Democrático de Direito. Percebe-se, portanto, que, a
Administração Pública busca isentar-se, de forma definitiva, de seu dever, caso o
administrado não tenha agido em tempo oportuno para revisar àquilo que lhe está
sendo prestado em desacordo com a lei, ou até mesmo negado.
Tal perspectiva, além da desconsideração à observância do princípio da
boa-fé do administrado, revela profunda insensibilidade, dado que a maioria
desses direitos foram adquiridos mediante o custeio de sua aquisição por
dispêndio retirado do patrimônio do administrado, durante o largo transcurso dos
anos, o que revela, até mesmo, sob um ângulo de percepção construído a partir
de uma idéia singular de justiça, uma forma insidiosa de enriquecimento ilícito.
No que se refere às prestações vencidas ou quaisquer valores devidos a
título de restituições ou diferenças, o preceito legal remete ao prazo prescricional
de cinco anos. Não inova, apenas resguarda-se em seus interesses. Portanto,
mantém-se, no que atine ao efeito prescricional, a regra grafada pelo art. 1º do
Decreto nº 20.910, de 06 de janeiro de 1932, em seu artigo primeiro.
Vê-se, portanto, no caso dos direitos negados administrativamente, que a
Administração Pública, em uma de suas variáveis de regulação, estatui regra
extintiva de direito do administrado, cuja rigidez, dada à natureza do direito em
tela, não é encontrável nem mesmo na esfera privada. Sabe-se, ad
argumentandum tantum, que os alimentos e os benefícios previdenciários tem
este conteúdo são irrenunciáveis, bastando ao exercício da pretensão ao seu
recebimento que resulte comprovada a necessidade. Tal reconhecimento dá-se
343
inclusive no caso do cônjuge culpado pela dissolução da sociedade conjugal, ao
qual a lei busca assegurar a sobrevivência
421
.
Estranhável, portanto, que a Administração Pública, em tratando-se de
direitos semelhantes quanto à sua natureza, qual seja direito pessoal à
sobrevivência, insira, por ora, no caso de revisão de benefício, regra extintiva do
direito em-si, limitando os efeitos extintivos da prescrição, tão-somente no que se
refere a eventuais prestações associadas ao fundo de direito.
Dessa forma, em razão de eventuais conflitos nos quais a matéria
controvertida esteja situada, a partir da discussão da viabilidade da categoria que
se convencionou designar por direitos de fundo, ou fundo de direito, resulta
inadequado limitá-lo por efeito de decadência e não de prescrição. Em realidade,
tal concepção decorre da superada compreensão dualista do fenômeno jurídico,
na qual a legitimidade decorre, tão-somente, como efeito direto do processo de
regulação estatuído a partir do modelo que só exige um comportamento objetivo
conforme a norma. Como resultado de tal visão não democrática do direito, ao
optar-se pelo instituto da decadência ao invés da prescrição, o sistema acaba
sendo permeado pela imoralidade e pela ausência de um alicerce ético. Não se
pode, nunca, esquecer que, num Estado Democrático de Direito:
(...) a legitimidade de regras se mede pela resgatabilidade discursiva de sua
pretensão de validade normativa; e o que conta, em última instância, é o fato de
elas terem surgido num processo legislativo racional ou o fato de que elas
poderiam ter sido justificadas sob pontos de vista pragmáticos, éticos e morais.
A legitimidade de uma regra independe do fato de ela conseguir impor-se.
422
Já a visão jurisprudencial com maior acatamento assume postura mais
consentânea com as diretrizes do Estado Democrático de Direito, estatuindo que
a pretensão a destempo ajuizada, dá causa à prescrição e não a decadência do
direito, na forma do disciplinado pelo art. 1º, do Decreto nº 20.910, de 06 de
421
Tal disciplina é conformada pelo Código Civil, nos termos dos artigos. 1.694 a 1.710;
422
HABERMAS, J. Obra citada, p. 50;
344
janeiro de 1932.
423
Ou seja, a compreensão jurisprudencial reconhece que a
prescrição referida pelo art. 1º, do Decreto nº 20.910/1932, diz respeito ao próprio
direito, não se referindo à prescrição que atinge às prestações. Ou seja, a não
atuação do administrado dá azo à perda da possibilidade de reconhecimento do
fundo de direito e não apenas ao de pagamento das sucessivas prestações.
424
A partir de tal entendimento jurisprudencial, formou-se compreensão
doutrinária no sentido de que: Não , por conseguinte, prescrição do fundo de
direito, se não foi indeferida, expressamente, pela Administração, a pretensão ou
o direito reclamado.
425
Desse modo, mais uma vez, resta configurada a existência
de uma prescrição administrativa, na medida em que, caso o direito postulado
seja negado pela Administração Pública, tal evento dá causa a prescrição do
próprio direito, no prazo de cinco anos, nos termos do grafado pelo art. 1º, do
Decreto nº 20.910, de 06 de janeiro de 1932, o que, em princípio, não exclui, de
forma definitiva, o restabelecimento de uma situação eticamente justificável.
10.4. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO COMO AUTORAS
A Administração Pública, por óbvio, não se inscreve, no âmbito das
relações jurídicas que integra, tão-somente, na condição de parte passiva.
Assume, também, a condição de credora e, por decorrência de tais feições,
eventualmente ocupa o espaço processual na condição de autora.
423
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 116.732. Rio de Janeiro.
2ª Turma. Relator: Ministro Carlos Madeira. Recorrente: o Estado do Rio de Janeiro. Recorrido:
Milton Corrêa da Silva e outros. RTJ 129/431. Prescrição qüinqüenal. Pretensão ajuizada
dezesseis anos após o transcurso do prazo prescricional. Prescrição do direito. Decreto nº
20.910/32, art. 1º. Segundo o princípio da actio nata’, prescreve, no qüinqüênio, o próprio direito
não postulado oportunamente e não as prestações sucessivas não alcançadas pelo decurso do
tempo. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal;
424
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 99.544. São Paulo. 2ª
Turma. Relator: Ministro Carlos Madeira. Recorrente: o Estado de São Paulo. Recorridos: Irene
Perassi e outros. RTJ 117/122. Funcionalismo. Prescrição. A prescrição do artigo 1º do Decreto
nº 20.910, de 1932, refere-se ao próprio direito, não se confundindo com a prescrição de
prestações. Assim o direito a que a Administração Pública pratique um ato, de que decorrem
benefícios a funcionários, prescreve em cinco anos;
425
NASSAR, E. Obra citada, p. 161;
345
Tal condição dá azo, no que atine ao fenômeno jurídico da prescrição
administrativa, à perplexidade marcada por forte relevância. Tal perplexidade
configura-se na medida em que, à exceção de regulação específica, no geral, não
se encontra, hodiernamente, dispositivo legal que refira, de modo expresso, geral
e direto, estrutura de regulação em relação às dívidas ativas da Administração
Pública
426
.
Nesse caso, tais pretensões são acolhidas pelo sistema jurídico como um
todo, observada, tão-somente, a especificidade da matéria. Mesmo assim, tal
tolerabilidade, para o efeito de opção, de interpretação, e de aplicação de uma
determinada regulação legislativa, não gera nenhuma uma espécie de
circunstância impeditiva à Fazenda Pública Federal. Esta pode buscar,
indubitavelmente, os créditos dos quais é titular. No caso, no que atine à
prescrição, é reconhecida a legitimidade do sistema que disciplina a relação
jurídica de base. Contudo, muitas são as omissões legais, inexistindo regramento
específico.
Desse modo, tal circunstância exige atenta reflexão por suas eventuais
conseqüências. Importa que se destaque que tal carência legislativa poderia dar
azo, por ausência de regra legal expressa, em presença de pretensão lastreada
pelo princípio constitucional da igualdade, a que o administrado, viesse exigir o
reconhecimento da prescrição de todas as suas eventuais obrigações não
reclamadas pela Administração Pública no prazo de cinco anos. Visualizar-se-ia,
portanto, uma ilegítima e inadequada reciprocidade entre interesse público e
interesse privado, igualdade esta que nem mesmo a lei e muito menos a
Constituição Federal reconhecem.
426
Importa destacar que tal afirmação assume aqui uma condição de pressuposto
heurístico, de molde a possibilitar a construção das hipóteses necessárias ao deslinde das
controvérsias em nível de solução. De tal sorte, toma-se como modelo empírico a submeter-se a
tais contingências, a Administração Pública Federal. Tal atitude vincula-se, não só a
necessidade de um referencial concreto a submeter-se aos necessários questionamentos, como
também a impossibilidade de buscarem-se outros referenciais, tais como os regramentos
administrativos estaduais e municipais, porquanto tal opção redundaria em imprecisão
inaceitável, na medida em que restaria impossível, nos limites aos quais se propões as
presentes indagações, examinar-se toda a legislação relativa a tais entes federados;
346
Portanto, face à possibilidade concreta de que a Administração Pública seja
titular de créditos, importa, por primeiro, que se tenha bem claro o que significam tais
pretensões. Ora, tais pretensões, na sua variabilidade concreta, significam àquilo que,
genericamente, passou a ser cognominado de dívida ativa. JO CRETELLA
JÚNIOR
427
explicita o que são dívidas da Fazenda Pública, asseverando que:
Dívida ativa é o mesmo que crédito. É a obrigação jurídica vista pela ótica do credor,
que pode contabilizá-la na coluna do ativo, que se integra em seu patrimônio É o
crédito a ser recebido pelo titular da dívida proveniente de impostos, direitos ou
indiretos, concernentes a dado exercício financeiro e que não tenha entrado para os
cofres públicos, no devido tempo. Dívida ativa é, assim, o somatório de impostos
atrasados e devidos, não recebidos ainda pelo Estado e cuja cobrança, amigável ou
judicial, pode ser promovida tempestivamente, dentro do prazo fixado em lei. Não só.
dívidas provenientes de diversas naturezas, como, por exemplo, entre outras, as
relativas ao quantum pago a mais, por erro de cálculo, ao funcionário público federal e
que a União tem o poder-dever de pedir de volta, administrativa ou judicialmente. E
ainda dívidas ativas originadas de ilícito penal.
O problema decorrente de tal compreensão que, de início, pareceria, tão-
somente, um falso problema, exsurge como forte perplexidade, na medida em que
se o visualiza a partir dos contornos inerentes ao princípio da supremacia do
interesse público. Tanto é assim que, equivocadamente, a esse respeito,
referindo-se, ainda, ao sistema de regulação estatuído pelo Código Civil de 1916,
diz JOSÉ CRETELLA JÚNIOR
428
que:
Não só o art. 178, § 10, VI do Código Civil Brasileiro, como também o art. 1º do
Decreto nº 20.910 de 6 de janeiro de 1932, fazem referência apenas a dívidas
passivas, determinando que elas prescrevem em cinco anos, contados da data
do ato ou fato do qual se originaram.
Esses dispositivos, assim como os da Lei nº 5.761, de 25 de junho de 1930, os
do Decreto-lei nº 4.597, de 19 de agosto de 1942, e os da Lei nº 2.221, de 31 de
maio de 1954, estão na mesma linha do Código Civil e do Decreto nº 20.910/32.
Nenhum desses dispositivos, repetimos, emprega a expressão dívidas ativas.
Nesse caso, existe, portanto, uma lacuna da lei a respeito do prazo prescricional
para este tipo de dívida, assim como falta, na legislação, dispositivo expresso,
427
CRETELLA JR. J. Obra citada, p. 67 a 68;
428
CRETELLA JÚNIOR. J. Idem, p. 71 a 72;
347
que indique o momento preciso em que se começara a contar o prazo
prescricional, na hipótese de dívida ativa da União. Entretanto, como todos,
Estado e particular, são constitucionalmente iguais perante a lei, os dispositivos
concernentes às dívidas passivas, relativas à União, aos Estados e aos
Municípios, seja qual for a natureza, aplicam-se às dívidas ativas, fazendo-se
abstração, no caso, da qualificação do credor ou do devedor. Basta que haja
relação jurídica de crédito e débito, para que se apliquem as regras do prazo
prescricional e o momento em que se principia a contagem desse prazo.
De imediato se percebe que tal critério, no mínimo, é fonte de sérias
dúvidas quanto à sua adequação. Isto porque funda a sua racionalidade em
compreensão de extensão generalizadora, igualando, em tabula rasa,
Administração Pública e administrado, embora ninguém duvide, ou saiba, de que
se tratam de desiguais. Desiguais, entre outros aspectos, em razão de uma
marcante desigualdade no que atine aos seus correspondentes interesses. Se
resultar admissível que interesses privados podem estar, eventualmente,
alinhados a interesse públicos, também resulta seguro que tal identidade de
interesses, quase sempre, mostra-se absolutamente dissonante, bastando, para
tanto, que o objeto almejado seja identificado por sua unicidade, como também
pelo fato de que deve ser assegurado a tão só um dos interessados.
Não há dúvida de que a expressão: todos são iguais perante à lei, gera, de
imediato, uma certeza transitória de que a Administração Pública e o administrado
estão em identidade de direitos. Contudo, tal assertiva não se revela verdadeira, na
medida em que não se pode olvidar que a igualdade dá-se, tão-somente, em face da
lei. E lei, neste sentido, não há. Ademais, como acima realçado, mostra-se
seguramente preocupante o fato de que tal equiparação pode se mostrar lesiva ao
interesse público.
Portanto, no que se refere ao prazo relativo à prescrição das dívidas ativas da
Fazenda nacional, como tê-lo por igual ao assegurado ao particular, quando na
condição de credor, se a própria Constituição Federal diz ser a lei o parâmetro da
pretendida igualdade e, no caso, lei não há.
De tal sorte, retornando-se ao problema anteriormente destacado, tomando-se
em conta de que a lei é, em princípio, o divisor de águas para o acolhimento de tal
348
igualdade, e que, no caso em tela, a lei nada diz em relação às dívidas ativas, impende
que se identifique a existência, ou a inexistência de um critério de solução para tal
perplexidade. Mas qual critério?
Em razão de tal perplexidade, outra circunstância que tornou tal pretensão de
delimitação de um prazo geral complicada, é aquela que, por absoluta falta de
convicção na possibilidade de formulação de um determinado critério, reconheceu, por
uma via de solução mais fácil, a simplificadora aceitação da existência de direitos
imprescritíveis em favor da Fazenda Pública. Entretanto, trata-se de perplexidade que já
recebeu exame adequado em sítio específico das presentes indagações.
O que se buscou com a reflexão acima reaada, além de destacar-se da
inadequação específica do princípio da igualdade, foi identificar-se o surgimento de um
novo complicador, ou seja, a vazia e fácil aceitação da imprescritibilidade em favor da
Administração Pública, servindo-se, para tanto, do surrado argumento de proteção
inafastável do interesse público.
A nosso sentir, o problema em tela pode ter sua solução estruturada a partir
de uma argumentação relativa aos limites estabelecidos pelo princípio geral da
prescritibilidade. Até porque, caso ainda se pretendesse esgrimir com a pretensão de
igualdade, a supremacia do interesse público, enquanto diretriz basilar de nosso
sistema jurídico normativo de Direito Administrativo, poderia acabar sendo vítima de um
outro sentido de natureza simplificadora, marcado por uma racionalidade que,
estrategicamente, acabaria por tolerar praticas, sob tal premissa construída e
direcionada, voltadas ao atendimento de interesses privados, em detrimento dos
interesses da própria Administração Pública.
Como se vê, as posições formuladas pela doutrina e pela jurisprudência não
encaminham para a construção de uma solução que se mostre plenamente justificada.
O ponto fulcral da questão dá-se na medida em que, na ausência de preceito legal
expresso, a adoção do princípio da igualdade pode dar azo à legitimação de condutas
lesivas ao interesse público e, por decorrência, à própria sociedade como um todo. Ante
tais circunstâncias, portanto, de buscar-se a solução da controvérsia, a partir da
349
construção de um critério de mediação de natureza ético-jurídica. Mas qual seria tal
critério?
No que se refere às dívidas ativas, em razão das quais a Administração Pública
assume a condição de credora, podemos encontrar, por primeiro, nas Ordenações
Filipinas
429
as primeiras regras que garantiram tal espécie de pretensão. Ali, o prazo
prescricional restava limitado, como regra geral, ao transcurso de trinta anos. Contudo,
tal lapso temporal, nos dias de hoje, mostra-se como totalmente inadequado.
Contudo, é o Decreto n. 857, de 12 de novembro de 1851, que consolida, em
nosso ordenamento jurídico, pela primeira vez, no que atine à Fazenda blica, a
regulação da prescrição sob uma ótica generalizadora. Tal regramento estabeleceu
prazos diversos para incidência do fenômeno extintivo, tendo, à época de sua vigência,
diferenciando o lapso temporal a ser exaurido, tanto no atinente às condições de
credora, quanto de devedora, assumidas, respectivamente, pela Fazenda Pública.
No que se atine à Fazenda Nacional, na condição de devedora, o Decreto n.
857, de 12 de dezembro de 1851, delimitou o curso do lapso prescricional em cinco
anos. no que se refere à dívida ativa sob a titularidade da Administração Pública,
qual seja naquela em que a Fazenda é credora, tal regramento legal fez ressurgir o
429
A primeira legislação de que se tem notícia, a respeito da prescrição administrativa, está
fundada nas Ordenações Filipinas, a qual, em seu título 79, de seu livro IV, estabelecia o prazo de 30
anos em relação às dívidas ativas, norma esta que era aplicável à Fazenda. Dizia tal dispositivo que: Se
alguma pessoa for obrigada à outra em alguma certa cousa, ou quantidade, por razão de algum
contracto, ou quasi-contracto, poderá ser demandada até trinta annos, contados do dia que essa cousa
ou quantidade haja de ser paga, em diante. E passados os ditos trinta annos, não poderá ser mais
demandado por essa cousa, ou quantidade; por quanto por a negligencia, que a parte teve, de não
demandar em tanto tempo sua cousa, ou divida, havemos por bem, que seja prescripta a aução, que
tinha para demandar. Porém esta Lei não havera lugar nos devedores, que tiverem má fé porque estes
taes não poderão prescrever per tempo algum, por se não dar ocasião de peccar, tendo o alheo
indevidamente. Porem, se a dita prescripção for interrompida por citação, feita ao devedor sobre essa
divida, ou per outro qualquer modo, per que per Direito deva ser interrompida, começara outra vez de
novo correr o dito tempo. E se aquelle a que for a cousa, ou quantidade devida, for menor de quatorze
annos, não correra contra elle o dito tempo até que tenha idade de quatorze annos cumpridos. E tanto
que chegar a ella, correra contra elle. E postoque o dito tempo corra contra o maior de quatorze annos, e
menor de vinte e cinco, poderá elle pedir restituição contra sua negligencia, que teve em não demandar
dentro de dito tempo, até chegar a idade de vinte e cinco annos; com tanto que do tempo, que elle chegar
a idade de vinte e cinco annos, até quatro annos cumpridos, em que fara vinte e nove annos, a peça e
impetre. E pedida e impetrada a restituição, podera haver e cobrar toda sua divida, como se nunca o dito
tempo de trinta annos corresse contra ele. E quanto aos bens obrigados a outrem em geral, ou em
especial, se guarde o que temos dito no Título 3: Que quando se rende a cousa, que he obrigada, sempre
passa com seu encargo;
350
prazo prescricional de quarenta anos, conforme já estabelecera o Capítulo 210 do
Regimento da Fazenda de 1516. Contudo, foi a Lei 243, de 30 de Novembro de
1841
430
quem melhor delimitou tal questão, no que se refere a tal prazo prescricional
para o exercício da pretensão de recebimento das dívidas ativas da Fazenda Nacional.
Tal regramento legal assentava que:
Considerando que o Art. 20 da Lei de 30 de Novembro de 1841, relativo á prescripção
da divida passiva e activa da Nação, exige explicações claras e explicitas, que sirvão
tanto para dirigir os executores, como para instruir as partes no que toca a seus
direitos e interesses, Hei por bem Determinar o seguinte:
[...]
Art. A prescripção de 40 annos posta em vigor pelo citado Art. 20 da Lei de 30 de
Novembro de 1841, com referencia ao Capitulo 210 do Regimento da Fazenda, a
respeito da divida activa da Nação, opera a completa desoneração dos devedores da
Fazenda Nacional do pagamento das dividas, que incorrem na mesma prescripção, de
maneira que, passados os 40 annos, não póde haver contra elles penhora, execução,
ou outro qualquer constrangimento.
Vê-se, portanto, que o legislador, apesar da meritória conduta de disciplinar a
prescrição em relação aos créditos titulados, tanto pela Fazenda Pública, quanto pelos
administrados, primou por injustificada diferenciação no que atine ao lapso temporário
necessário para o reconhecimento do fenômeno extintivo. Isto porque em se tratando
de dívidas passivas a serem suportadas pela Administração Pública, o prazo
prescricional não ultrapassava aos cinco anos, enquanto que, em se tratando de dívida
ativa, qual seja em presença da pretensão da Fazenda Pública, enquanto credora, o
prazo prescricional recebeu o dilargado prazo de quarenta anos. Gritante, portanto, a
desigualdade de tratamento acolhida por tal regramento.
430
Lei nº 243 — de 30 de Novembro de 1841. Fixando a Despeza, e Orçando a Receita para o
Exercício do anno financeiro de 1842 — 1843. Dom Pedro Segundo, por Graça de Deos, e Unanime
Acclamação dos Povos, Imperador Constitucional, e Defensor Perpetuo do Brasil, Fazemos saber a todos
os Nossos Subditos, que a Assembléa Geral Decretou, e Nós Queremos a Lei seguinte. [...] Art. 20º Do
1º de Janeiro de 1843 em diante não terá mais lugar inscripção alguma da devida passiva fluctuante,
mandada fundar pela Lei de 15 de Novembro de 1827, á excepção daquellas que nessa epoca se
acharem em liquidação, ou penderem de processo judicial, ficando inteiramente prescriptas, e perdido
para os credores o direito de requerer a liquidação e pagamento dellas. Da mesma data em diante ficão
em vigor os Capitulos 209 e 210 do regimento de Fazenda, assim pelo que respeita à divida passiva
posterior ao anno de 1826, existente até hoje e á divida futura, como pelo que respeita a toda divida
activa da Nação. O Governo dará toda publicidade á disposição deste Artigo e dos referidos Capitulos;
351
Com o advento do Código Civil, a prescrição, no que se refere às pretensões
creditícias da Administração Pública, à exceção do regulado por lei especial, passou a
ser regrada pelo estatuto civil, dado que tal legislação codificada, em seu art. 163
431
,
estabelecia que: As pessoas jurídicas estão sujeitas aos efeitos da prescrição e podem
invocá-los sempre que lhes aproveitar. Portanto, ante a inexistência de regra especial,
todos os créditos ativos titulados pelas pessoas jurídicas de Direito Público, passaram a
submeter-se aos prazos prescricionais estabelecidos pelo Código Civil.
Tal entendimento não se mostrou isento de contrariedade. Clóvis Beviláqua,
apoiado no disposto pelos artigos. 66, inciso III, e 67, ambos do estatuto civil revogado,
manifestava que os créditos relativos às dívidas ativas das pessoas jurídicas de Direito
Público eram imprescritíveis, dado que sendo tais bens integrantes do patrimônio
público, assumiam a condição de inalienáveis, não podendo, portanto, prescrever a
ação que os assegurava, salvo que tal inalienabilidade lhes fosse retirada por força de
lei.
De tal modo, a prescrição em desfavor da Fazenda Pública é hoje reconhecida,
por grande parte da doutrina, como sendo a comum da lei civil ou comercial, salvo as
exceções previstas em lei especial. Tanto é assim que HELY LOPES MEIRELLES
432
preleciona que:
A ‘prescrição das ações da Fazenda Pública contra o particular’ é a comum da lei civil
ou comercial, conforme a natureza do ato ou contrato a ser ajuizado. Entretanto, para a
cobrança do crédito tributário, qualquer que seja a origem ou espécie, a prescrição é
de ‘cinco anos’, consoante estabelece o Código Tributário Nacional (art. 174), e em
igual prazo ocorre a decadência do direito de constituir esse crédito (art. 173).
Nesse passo, entretanto, importa realçar que circunstância diferenciada surge
do grafado pelo art. 37, § 5º, da Constituição Federal. Do exame de tal dispositivo,
consolidou-se na doutrina o entendimento de que em se tratando de ões de natureza
431
República Federativa do Brasil. Lei nº 3.071, de 01 de janeiro de 1916;
432
MEIRELLES, H. L. Obra citada, p. 624;
352
indenizatória, tratam-se de pretensões imprescritíveis, sendo: (...) inextinguíveis pelo
decurso do tempo, embora extinguíveis são os ilícitos que lhes deram causa
433
.
Tal preceito, contudo, é caso de regulação pontual, sofrendo explicitação
marcada por forte diferenciação em favor da Administração Pública e de seus agentes,
em relação ao administrado em geral. Isto porque, quando algum agente público,
servidor ou não, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração
pública direta, indireta ou fundacional, venha a perpetrar ato que configure improbidade
administrativa, com conseqüente prejuízo ao Erário, incide a regra do art. 23 da Lei
8.429, de 02 de junho de 1992, delimitando o prazo prescricional de cinco anos, o que
acaba por gerar, manifesta lesão ao princípio da igualdade, na medida que, em outras
circunstâncias que reste possível a pretensão a indenização por prejuízo sofrido pelo
Erário, a Administração Pública não estará sujeita a prazo prescricional algum, nos
termos do regramento constitucional acima realçado. Nesse sentido, esclarece PAULO
DE TARSO DRESCH DA SILVEIRA que:
No que se refere aos prazos prescricionais a serem aplicados quando as pessoas
jurídicas de direito público figurem como autoras das demandas, cabe observar-se que,
regra geral, esses são os previstos no artigo 177 do Código Civil brasileiro.
A regra geral, contudo, encontra exceções, sendo possível citar-se, como exemplo, o
disposto no § 5º do artigo 37 da Constituição Federal de 1988 que assim dispões: ‘A lei
estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente,
servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de
ressarcimento.’
Da leitura do dispositivo acima é possível verificar-se que o constituinte de 1988
afastou-se, no que se refere às ações de ressarcimento, o princípio básico de nosso
direito que prevê a prescritibilidade de todas as ações de natureza condenatória.
A previsão expressa à imprescritibilidade das ações de ressarcimento de danos
causados ao erário, por servidor ou não, representa clara opção do constituinte na
proteção, em primeiro lugar, do interesse público, demonstrando o claro cunho social
de nossa Constituição Federal.
[...]
Quanto às sociedades de economia mista, as empresas públicas e as fundações
privadas instituídas e mantidas pelo Poder Público, cabe observar-se que essas, tendo
433
GASPARINI, D. Obra citada, p. 756;
353
em vista a natureza privada que possuem, estão sujeitas, da mesma forma como
ocorre quando são rés, aos prazos previstos no art. 177 do Código Civil brasileiro.
434
De tudo o que até aqui se afirmou, não mais dúvida que as dívidas ativas
das pessoas administrativas são prescritíveis; importa, tão-somente, fixarem-se os
prazos, no que duas posições. A compreensão fundada no entendimento
jurisprudencial situa-se a partir de duas óticas específicas. A primeira atine aos casos
em que legislação especial, pela qual restam fixados prazos prescricionais próprios,
tais como no caso do Direito Tributário, no que se refere às dívidas fiscais. A segunda
visão situa-se, por força de compreensão a partir da substância da controvérsia, ou
seja, tomando-se em conta a natureza do direito em conflito.
Por isso, a partir de tais referenciais, podemos admitir como critério válido
aquele que toma em conta o direito de substância a permear o conflito. Tratando-se,
portanto, de direito de natureza privada, têm-se nos prazos prescricionais grafados pelo
Código Civil o referencial normativo adotado, situando-se, a título de prazo prescricional
geral, o grafado pelo art. 205 do novo Código Civil, o qual preceitua que: (...) A
prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.
435
Ora, tal perspectiva, hodiernamente, resulta perfeitamente adequada, na
medida em que, cada vez mais:
(...) O direito Administrativo contemporâneo tende ao abandono da vertente autoritária
para valorizar a participação de seus destinatários finais quanto à formação da conduta
administrativa. O Direito Administrativo de mão única caminha para modelos de
colaboração, acolhidos em modernos textos constitucionais e legais, mediante a
perspectiva da iniciativa popular ou de cooperação privada no desempenho de
prestações administrativas.
436
[...]
Paralelamente, as Constituições mais recentes prestigiam a proteção da cidadania,
revitalizando os clássicos princípios da liberdade, da igualdade e fraternidade.
437
434
SILVEIRA, P. de T. D. da. Obra citada, p. 4;
435
República Federativa do Brasil. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002;
436
TÁCITO, C. Obra citada, p. 8;
437
TÁCITO, C. Idem, p. 9;
354
Observada então não só a orientação jurisprudencial consolidada, há de
tomar-se em conta a inexorável tendência de flexibilização do Direito
Administrativo, de sua cada vez mais significativa aproximação em direção à
esfera privada, a qual deixa, a cada dia que passa, de ser vista como um território
antagônico, e, fundamentalmente pelo forte prestígio assegurado ao rol de direitos
que integram o amplo conceito de cidadania. De modo que, inexistindo regulação
expressa, para o efeito de regulação da prescrição administrativa, de buscar-se o
prazo estruturado de forma geral pelo grafado pelo art. 205 do Código Civil, conforme
acima já referenciado.
10.5. PRESCRIÇÃO E RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
Delimitação que, em um primeiro momento, podia dar azo a uma
compreensão, resulta plasmada pela expressão: (...) bem assim todo e qualquer direito
ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza,
(...), conforme grafada pelo art. do Decreto 20.910, de 6 de janeiro de 1932. De tal
assertiva legal, poder-se-ia formar a compreensão equivocada de que, no caso de
pretensões a serem deduzidas face à Administração Pública, independentemente da
natureza do direito lesado, ou ameaçado de lesão, o prazo para o exercício da ação
estaria associado à natureza do direito invocado, de molde a excluir-se o prazo de cinco
anos, observando, para efeito prescricional, o prazo previsto pela respectiva legislação
que disciplina o direito violado.
Fator primordial a bem aclarar tal controvérsia, diz respeito ao fato de que no
referente às dívidas passivas da Fazenda Pública, o Decreto 20.910/1932 revogou o
normatizado pelo artigo 178, § 10, VI, do então vigente Código Civil, de modo que a
prescrição, em benefício do Estado devedor”, escapou da regulação atinente à esfera
privada, passando a ser disciplinada por regulação vinculada à esfera blica. Nesse
sentido, ensina GILBERTO DE ABREU SODRÉ CARVALHO que:
(...) no primeiro período ditatorial do Sr. Getúlio Vargas, esse, como Chefe do governo
Provisório, baixou o Dec. 20.910, de 6.1.32 [...] O mencionado decreto, com força de
355
lei, atribuiu também para os direitos seja qual for sua natureza (palavras essas não
constantes do n. VI, do § 10, do art. 178, do CC, que até então cuidava da prescrição
das ações contra as fazendas públicas) o prazo de prescrição de cinco anos. Fez mais:
retirou a prescrição contra o Estado, antes em sede de direito civil positivo, para um
sistema a parte, de direito público, em que a ‘ratione personae’, o Estado é favorecido.
Ocorre que formalmente o decreto getuliano não alterou a redação do n. VI, do § 10 do
art. 178 do CC; simplesmente o revogou por tratar da mesma matéria.
438
Importa que se destaque que, com o advento da nova legislação codificada
civil, manteve-se a ausência de qualquer regulação, pela esfera e ótica privadas
439
,
relativa à prescrição administrativa. Contudo, o advento de tal cisão de conteúdo
material recolhe maior significação no disciplinado pela Constituição de 1946. É a partir
de tal texto constitucional que a Administração Pública deixa de receber privilégio no
prazo e no tratamento para o efeito de pedidos de indenização e de responsabilidade
civil extracontratual, em face de pretensões a serem ajuizados pelo cidadão. O Estado,
portanto, a partir de tal estatuto constitucional passa a ser, de modo incontroverso,
civilmente responsável. Ou seja, a Administração Pública, em se tratando de
responsabilidade civil e de eventuais pedidos de indenização por danos por seus
agentes causados, passa a submeter-se à disciplina do Direito Civil. Nessa senda, é,
ainda, GILBERTO DE ABREU SODRÉ CARVALHO quem destaca que:
Expressamente, a constituição de 46, estabeleceu, pelo seu art. 194, ‘caput’, cobrindo
mais ou menos o que era e é constante do art. 15, do CC, que: ‘as pessoas jurídicas
de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus
funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros.
Esse dispositivo constitucional combinado com o princípio da isonomia, contido na
mesma constituição, no art. 141, § 10 e no art. 144, que determina terem valor como
direito e garantia individual outros direitos e garantias estipulados em outras partes
daquela Carta Magna leva ao entendimento de que: I Com a Constituição de 46,
deixa de haver suporte constitucional para prazos prescricionais privilegiadores do
Estado para pleitos de indenização por responsabilidade civil extracontratual: II
438
CARVALHO, Gilberto de Abreu Sodré. Fundamentos para reconhecimento da prescrição
vintenária para as ações contra o Estado em matéria de responsabilidade civil extracontratual, p. 34;
439
Independente da exclusão da matéria prescricional relativa à Fazenda Pública da
esfera de regulação privada, é de destacar-se a existência de outras circunstâncias que
escapam até mesmo ao grafado pelos: Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932, e Decreto-Lei
nº 4.597, de 19 de agosto de 1942, tais como as atinentes às atividades nucleares (Lei n. 6.453,
de 17.10.77); ao FUNRURAL; ao Código Tributário Nacional.
356
‘Civilmente’ quer dizer: segundo o previsto no direito civil ou no direito privado. Isto é, o
Estado e as pessoas de direito público são responsáveis de conformidade com o
Código civil, especialmente o art. 159 e os demais relativos ao ilícito civil, como
qualquer outra pessoa, não lhes cabendo privilégios por ser Estado. Se a expressão
‘civilmente’ é redundante no corpo do Código civil, art. 15, não o é absolutamente em
um artigo de Constituição, o referido art. 194.
440
Cria-se, então, a partir de sede constitucional, um princípio implícito de
isonomia entre à Administração Pública e o administrado, no que se refere à
responsabilidade civil extracontratual, podendo tal normatização ser ainda lida como
uma garantia individual do cidadão. A partir de tal simetria, portanto, resulta
possibilitada a implementação do princípio da segurança jurídica, na media em que,
mesmo consideradas as diferenças inerentes aos interesses eventualmente em conflito,
estabelecem-se parâmetros previamente conhecidos, os quais, situados na lei,
permitem a antecipação das condutas numa perspectiva de uma previsibilidade limitada
pela ordem jurídica.
No que atine à questão da responsabilidade civil, tomada a partir do ângulo
privado, não se pode olvidar que a dualidade de expressão oriunda de tal instituto
jurídico recebe, em presença do Estado, por força de determinação constitucional,
regramento específico, nos termos do art. 37, § 6º, da CF de 1988. Diz tal dispositivo
constitucional que: § As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável
nos casos de dolo ou culpa. Portanto, conforme esclarece ALEXANDRE DE MORAES:
(...) a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas
jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público baseia-se no risco
administrativo, sendo objetiva. Essa responsabilidade objetiva exige a ocorrência dos
seguintes requisitos: ocorrência de dano; ação ou omissão administrativa; existência
de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão administrativa e ausência de causa
excludente da responsabilidade estatal.
440
CARVALHO, G. de A. S. Obra citada, p. 35;
357
A adoção constitucional da Teoria do Risco Administrativo veda qualquer possibilidade
de previsão normativa de outras teorias, inclusive da Teoria do Risco Integral.
441
Por tal vertente de regulação, na esfera da responsabilidade civil, resulta
desnecessário continuar-se na prática de buscar, em tais casos, o uso irrefletido da
analogia com o Direito Civil. Isto porque, a partir do ditame constitucional, a
responsabilidade civil da Administração Pública de ser tomada como
responsabilidade objetiva. O retorno permanente à esfera privada sempre deu causa a
uma multiplicidade de posições, cuja marca principal sempre foi a da polêmica e de
uma infindável busca de sentido, capaz de atribuir às relações jurídicas conformadas no
âmbito do Direito Público um mínimo de segurança jurídica. Tais controvérsias
envolviam a circunstância de que:
O tema da responsabilidade civil do Estado tem inspirado vasta literatura, na justa
medida das incertezas e variações que suscita. A causa principal dessa situação, que
os juristas desejam ardentemente modificar, como o testemunha o renovado esforço
dedicado a clarear o problema, está, em grande parte, no fato de contemplar a
responsabilidade do Estado como instituto de direito civil, pois é certo que a tal anseio
não satisfaz a simples transposição, para o seu domínio, dos princípios de
responsabilidade do direito privado. A responsabilidade civil do Estado é matéria de
direito administrativo.
442
Como decorrência de tal visão, impõe-se, então, que se busque delimitar o
prazo para o exercício de eventual pretensão do administrado, no fito de
responsabilizar, civilmente, ao Estado, grosso modo, sem que se perca de vista,
entretanto, que, como realçado acima, a noção de que a responsabilidade civil do
Estado é matéria de direito administrativo. Ora, tomando-se em conta que a
Constituição Federal não delimita prazo, mas reconhece tal responsabilidade, tudo leva
a indicar que o prazo prescricional será o de cinco anos e não mais o previsto pela
legislação privada. Tal conseqüência resulta construída a partir da certeza de que o
Direito Administrativo constitui-se, hodiernamente, em sistema com autonomia temática
e regulatória suficiente à delimitação dos contornos de sua disciplina. Não se mostra
441
MORAES, A. de. Obra citada, p. 899;
442
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, p. 223 a 224;
358
mais adequado, portanto, que se continue a buscar, primordialmente, no Direito Civil a
solução de conflitos que passaram a ser suficientemente regulados no âmbito da
regulação de Direito Público. A esse respeito, diz DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA
NETO que:
O Direito administrativo, após quase dois séculos de evolução acompanhando as
grandes transformações sociais, econômicas e políticas ocorridas nesse período, não
pode ser mais considerado, como sublinhamos, um sistema derrogatório do direito
privado concernente às atividades administrativas do Estado, mas um sistema
ordinário, destinando a conciliar a prossecução do interesse público com a proteção
dos interesses individual, coletivo e difuso.
Por isso, o direito administrativo é hoje o direito comum do direito público, assim como
o direito civil é o direito comum do direito privado. É no direito administrativo que são
encontrados os princípios, conceitos e institutos fundamentais dos demais ramos do
direito público interno.
443
Nesse sentido, e tomando-se em conta que a prescrição administrativa
inscreve-se como diretriz autônoma em relação ao demais regramento ordinário que
disciplina o fenômeno extintivo, o Supremo Tribunal Federal assentou que a
responsabilidade civil do Estado há de ser buscada no tempo possível de cinco anos
444
,
observadas as diretrizes firmadas pelo Decreto nº 20.910, de 06 de janeiro de 1932.
Na mesma senda de delimitação temporal, YUSSEF SAID CAHALI também
assevera, em tese singular, que a responsabilidade civil do Estado de ser buscado
nos limites do grafado pelo Decreto nº 20.910, de 06 de janeiro de 1932. Diz o festejado
mestre que o ponto nodal da questão está associado à distinção teórica das
responsabilidades, distinguindo a responsabilidade do agente público da
responsabilidade da Administração Pública, pelo que destaca que:
443
MOREIRA NETO, D. de F. Obra citada, p. 40;
444
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 101.212, Rio de Janeiro.
Relator: Min. Carlos Madeira, 2ª Turma. RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO. A ação de
reparação do dano causado por obra pública prescreve em cinco anos (Art.178, § 10, VI, do Código Civil).
Entretanto, se a reparação foi reclamada à autoridade administrativa e só seis anos depois foi indeferida,
o prazo prescricional começa a fluir a partir dessa data, a teor do disposto no artigo 4º do Decreto 20910,
de 1932. Recurso conhecido e improvido.Julgamento: 01 de abril de 1986. Publicação: DJU em 09 de
maio de1986, página 7628. Ementário, volume nº 1418-02, página 323;
359
Uma coisa, com efeito, é a responsabilidade, ‘penal e civil’, do agente público, autor
direto da lesão imanente à prática delituosa, o qual está, pois, em tese, sujeito a ação
criminal e, de modo primário alternativo, também a ação ou a execução civil. [...] Outra
coisa, muitíssimo diversa, é, porém, a responsabilidade ‘civil’ solidária da pessoa
jurídica de direito público interno, a cujos quadros pertença o funcionário ofensor, a
qual — escusaria sublinha-lo não está exposta a nenhum processo crime. O
caminho da vítima, ou de seus sucessores, contra ela, é único e consiste na ação civil
de reparação do dano ‘ex delicto’, fundada, em princípio, no art. 107, ‘caput’, da
Constituição, cuja amplitude prescinde da alegação de culpa. Tal pretensão tem a sua
eficácia limitada a prazo ‘especial’ de prescrição, que é o estatuído no art. 1º do
Decreto 20.910/32, e, como tal, computável da data do ato ilícito. Consuma esta
prescrição daquela ação de conhecimento,ao lesado não sobra outro instrumento
processual, de qualquer espécie, para fazer concreta a responsabilidade da pessoa
jurídica de direito público, ainda quando seja induvidosa, dos pontos de vista penal e
civil, a do seu agente. Não há, aqui, simetria com a responsabilidade ‘pessoal’ do
funcionário, pela intuitiva razão de que, não havendo pensar em ação criminal contra a
pessoa jurídica, não o em eventual sentença penal condenatória que, em relação a
ela, como sujeito passivo, pudesse servir de título executivo judicial, em favor do
credor, ou credores. “Exatamente porque a responsabilidade criminal é pessoal, a
execução civil decorrente do dano causado pelo delito recai ‘exclusivamente’ sobre o
patrimônio do próprio condenado.
445
Por fim, culmina o insigne doutrinador que:
Em suma, sentença penal condenatória de agente público figura título executivo judicial
contra o condenado, não, porém, contra a pessoa jurídica de direito público, cuja
responsabilidade, adstrita à esfera civil, só é demandável em ação específica de
conhecimento, sujeita a prescrição qüinqüenal, cujo prazo se inicia da data em que, por
obra do ato delituoso, surge o dano.
446
Não se pode olvidar que a compreensão de YUSSEF SAID CAHALI constrói-se
a partir dos limites de uma única hipótese, qual seja a oriunda de dano ex delicto, a
qual, à evidência, não se constitui no único caso em que a Administração Pública
deverá indenizar. Há outras hipóteses. Para estas últimas, o prazo legal haverá de ser o
grafado pelo art. do Decreto 20.910, de 06 de janeiro de 1932, salvo regra legal
que estabeleça outro prazo.
Não se trata, entretanto, tão-somente, dos danos ex delicto que deverão sujeitar
a Administração Pública à reparação civil, mas sim, nos termos do regramento legal
445
CAHALI, Y. S. Obra citada, p. 238 e 239;
446
CAHALI, Y. S. Idem, p. 240;
360
retrolançado, em razão de todos os danos que: seus agentes que nessa qualidade
causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano,
se houver, por parte deste, culpa ou dolo.
Em realidade, sem que com isso se desqualifique a própria autonomia do
Direito Administrativo, não se pode perder de vista que, por força do grafado pelo artigo
43 do Código Civil: As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente
responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a
terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por
parte deste, culpa ou dolo. Tal dispositivo legal, contudo, de ser lido, o-somente,
como uma diretriz de natureza geral atinente ao tema da responsabilidade civil, o qual,
por óbvio, resulta concretizado na sede legislativa natural à sua essencialidade.
Ora, a responsabilidade civil da Administração Pública situa-se, na sua
implementação concreta, segundo os parâmetros atinentes ao Direito Administrativo,
não guardando nenhuma dependência em relação ao normatizado pelo Direito Civil.
Para que melhor se compreenda tal circunstância, basta que se reflita a partir do locus
estrutural da vontade como elemento desencadeador da aplicação da ordem jurídica.
Na esfera do Direito Privado, tal vontade dá-se a partir de um juízo subjetivo informado
pelos interesses individuais do sujeito de direito. Na esfera pública, ao contrário, tal
vontade constrói-se a partir da lei, devendo o Administrador Público submeter-se,
enquanto pessoa física, àquilo que, para efeito de compreensão significante, está
concretizado pela lei.
Não se confunda, entretanto, a partir de uma leitura apressada do texto legal
configurado pelo artigo 43 do Código Civil, que se tenha modificado o critério de
responsabilidade civil objetiva a ser suportada pela Administração Pública. Em
realidade, a presença de dano ou de culpa prende-se, tão-somente, para o efeito de
legitimar a atuação regressiva da Administração Pública. De qualquer sorte, impende
que se tenha claro que, no caso da responsabilidade civil da Administração Pública, o
prazo prescricional para a busca da satisfação dos interesses lesados resulta
361
submetida aos parâmetros estatuídos pelo Decreto 20.910, de 06 de janeiro de
1932.
447
10.6. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA - PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO
PRIVADO
No que atine às pessoas jurídicas de direito privado, vinculadas à
Administração Pública indireta, tais como: as sociedades de economia mista,
empresas públicas e fundações privadas instituídas e mantidas pelo Poder
Público, não há como inseri-las no grafado pelo art. 2º do Decreto-Lei nº
4.597/1942. Isso porque nenhuma é mantida, ou recebe custeio oriundo de
tributos, dado que desenvolvem atividades econômicas, retirando do lucro obtido
pelo recebimento de preços públicos a sua manutenção. Tanto é assim que JOSÉ
DOS SANTOS CARVALHO FILHO destaca que:
As sociedades de economia mista e as empresas públicas, como se tem
observado até o momento, exibem dois aspectos inerentes à sua condição
jurídica: de um lado, são pessoas jurídicas de direito privado e, de outro, são
pessoas sob o controle do Estado.
Esses dois aspectos demonstram, nitidamente, que nem estão elas sujeitas
inteiramente ao regime de direito privado nem inteiramente ao de direito público.
Na verdade pode dizer-se, como fazem alguns estudiosos, que seu regime tem
certa natureza híbrida, já que sofrem o influxo de normas de direito privado em
alguns setores de sua atuação e de normas de direito público em outros desses
447
Nesse sentido: Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 288.724.
Paraná. Relatora: Ministra Laurita Vaz. Recorrente: Instituto de Desenvolvimento Educacional do
Paraná FUNDEPAR. Recorrido: Maurício Vialle. Julgado em 28 de maio de 2002.
PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE ATIVA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. AUSÊNCIA DE
RECURSO. PRECLUSÃO CIVIL. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO. AUTARQUIA ESTADUAL.
PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. 1. Não merece conhecimento o recurso especial na parte que
veicula matéria apreciada em decisão interlocutória não impugnada. Ocorrência de preclusão. 2.
O prazo prescricional para propositura da ação de indenização por danos morais segue aquele
previsto para pleitear a reparação dos prejuízos patrimoniais. 3. Sendo qüinqüenal o prazo para
pleitear a indenização dos prejuízos materiais causados pela Fazenda Pública, a teor do art. 1º
do Decreto nº 20.910/32, qüinqüenal também será o lapso temporal para se demandar a
compensação dos danos morais. 4. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.
Decisão acessada em data de 20/08/2003, no site do Superior Tribunal de Justiça
(www.stj.gov.br);
362
setores. E nem poderia ser de outra forma, quando se analisa seu revestimento
jurídico de direito privado e sua ligação com o Estado.
[...]
Aliás, essa é que deve ser a regra geral, o que se confirma pelo art. 173, § 1º, II,
da CF, que é peremptório ao estabelecer sua sujeição ao regime jurídico
próprio das empresas privadas quanto a direitos e obrigações civis,
comerciais, trabalhistas e tributárias. Em outras palavras, não devem ter
privilégios que as beneficiem, sem serem estendidas às empresas privadas, pois
que isso provocaria desequilíbrio no setor econômico em que ambas as
categorias atuam.
448
Por tal compreensão, no que se refere à prescrição, na esteira desse
entendimento, o Superior Tribunal de Justiça consolidou jurisprudência, nos
termos de sua súmula 39, disciplinando que: Prescreve em vinte anos aão
para haver indenização, por responsabilidade civil, de sociedade de economia
mista. Com isto aquela Corte superior reconhece a vinculação de tais entes ao regime
jurídico privado no que atine à regulação de eventuais conflitos oriundos de atos
perpetrados por tais pessoas jurídicas e que tenham gerado alguma espécie de dano a
terceiros.
Portanto, no que se refere à prescrição administrativa, o Decreto nº
20.910/1932 e o Decreto-Lei nº 4.597/1942 tem suas aplicações limitadas às
pessoas jurídicas de direito público. Entretanto, é oportuno que se destaque que
tal interpretação não tem pertinência exclusiva às ações de natureza pessoal.
No caso de ações envolvendo pretensões associadas a direitos reais
contudo, mesmo gravitando interesse da Administração Pública, haverá de incidir
a disciplina do Código Civil. Tal entendimento decorre de interpretação
jurisprudencial paradigmática, estando assentada, basicamente, na idéia de que
as regras de Direito Administrativo não podem tratar da disciplina que envolva,
fundamentalmente, o direito de propriedade, o que, em princípio, caso o contrário
se admitisse, estar-se-ia a quebrar os paradigmas conceituais de constituição do
448
CARVALHO FILHO. J. dos S. Obra citada, p.375 e 376;
363
Direito Privado. Nesse sentido, reiteradamente vem decidindo o Supremo Tribunal
Federal.
449
Para que melhor se compreenda tal distinção em relação às pretensões
de natureza real, elucidativo é o voto do insigne ministro OROZIMBO NONATO,
nos autos do Recurso Extraordinário nº 3.968, julgado em 23 de janeiro de 1942,
no qual firmou-se a concepção da não submissão dos prazos prescricionais
firmados pelo Decreto nº 20.910/1932, para as ações de natureza real. Retira-se
do voto do Ministro OROZIMBO NONATO que:
Se a interpretação puramente gramatical leva a resultados contra a lógica,
contra o sistema jurídico, contra a harmonia do direito, será necessário ir além
dessa para-exgese literal.
[...]
O jus reivindicandi é um dos direitos elementares que entram na noção
complexa do domínio ao lado do jus utendi, do fruendi e do abutendi. A lei
assegura ao proprietário, dispõe o art. 524 do Código Civil, o direito de usar,
gozar e dispor de seus bens e rehavê-los do poder de quem quer que
injustamente os possua.
A perda do jus reivindicandi somente pode ocorrer com a perda da propriedade
mesma, o que, por força de prescrição, somente se verifica pelo usucapião.
Vivo o direito de propriedade, não pode deixar de ser considerada viva a ação,
que o protege. A prescrição extintiva, no caso, somente pode ser conseqüência
do usucapião.
[...]
À ação de reivindicação não é possível aplicar as disposições legais invocadas
pelo recorrente sem criar, do mesmo passo, em favor da Fazenda um usucapião
de cinco anos, que a lei não conhece ou concluir pela existência de um direito
sem sujeito (a propriedade deixou de ser do antigo titular sem passar ao
prescribente’) ou de um direito sem ação (a propriedade continua a ser do
449
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 57.966. São Paulo.
Recorrente: Fazenda do Estado deo Paulo. Recorrido: Indaiá Imobiliária e Construtora.
Relator: Ministro Luiz Gallotti. Julgado em 25 de março de 1966. Terceira Turma. Prescrição
qüinqüenal, de que goza a Fazenda Pública. Não se aplica àsões reais. Brasil. Supremo
Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 54.991. Goiás. Recorrente: Radif Kosac e outros.
Recorridos: Urbano de Almeida Fernandes e outros. Relator: Ministro Osvaldo Trigueiro. Julgado
em 25 de fevereiro de 1969. Primeira Turma. Prescrição qüinqüenal em favor da Fazenda
Pública, desde que não se trata de ação real. Inocorrência de dissídio de jurisprudência. Recurso
não conhecido. Brasil. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraodinário nº 65.776. Paraná.
Recorrente: Estado do Paraná. Recorrido: Aprígio Alves de Almeida Filho. Relator: Ministro Luiz
Gallotti. Julgado em 12 de setembro de 1969. Primeira Turma. Prescrição qüinqüenal, de que
goza a Fazenda Pública. Não se aplica às ações reais. Ação de reivindicação julgada
procedente. Recurso Extraordinário conhecido e não provido;
364
antigo titular que, entretanto, não poderá reivindicá-la). Todas essas
conseqüências chofram contra os princípios e contra a lei.
Nestes termos, para compor as leis citadas com o próprio sistema jurídico em
que se integram a claúsula seja qual for a sua natureza do Dec. Nº 20.910,
deverá ser entendida, como observava o eminente Sr. Ministro CARVALHO
MOURÃO, como extensiva da referida prescrição a toda e qualquer ação
pessoal, na qual pleiteiem direitos contra a União, os Estados ou os Municípios.
Seja qual for a sua natureza’, quer dizer sejam ouo direitos patrimoniais
(...)
450
Consequentemente, tal especialização de compreensão da matéria legislada,
cunho de especificidade e de autonomia temática ao regramento administrativo,
buscando-se, fundamentalmente, a partir de um critério de racionalidade material,
estabelecer ponto de limite entre o interesse público e o interesse privado. Nessa
senda, diz PAULO DE TARSO DRESCH DA SILVEIRA que:
(...) é possível afirmar-se que na realidade nacional, tanto o Decreto nº 20.910/32 como
o Decreto-lei 4.597/42 têm o seu campo de aplicação limitado, apenas, às pessoas
jurídicas de direito público, quais sejam: União Federal, estados-Membros, Municípios,
distrito Federal, autarquias e Fundações Públicas, sendo aplicados, para as demais
pessoas jurídicas da Administração Pública Indireta, os prazos previstos no artigo 177
do código Civil brasileiro.
É necessário salientar-se, a fim de que se tenha clara visão da aplicação do instituto da
prescrição no campo do direito administrativo nacional, que os dois decretos acima
referidos deixam de ser utilizados mesmo em se tratando de pessoas jurídicas de
direito público, quando a ação ajuizada pelo particular contra essas for de natureza
real, sendo, nessa hipótese, aplicados os prazos previstos no Código Civil brasileiro,
quais sejam: dez anos entre presentes e quinze entre ausentes, conforme teve
condições de se manifestar o Supremo Tribunal Federal desde longa data.
451
450
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 3.968. Rio de Janeiro.
Recorrente: Fazenda do Estado de São Paulo. Recorrido: Carlos Alberto Barbosa Aranha.
Julgado em 23 de janeiro de 1942. Relator: Ministro Orozimbo Nonato. Revista Forense, volume
91, agosto. Rio de Janeiro: Forense, 1942, p. 401 a 404. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL NÃO
ABRANGE AS AÇÕES REAIS SUBSISTÊNCIA DA AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO. Não abrange
as ações reais a prescrição qüinqüenal estabelecida em favor das pessoas jurídicas de direito
público. Enquanto subsiste o direito de propriedade, perdura a ação de reivindicação, que a
assegura.
451
SILVEIRA, P. de T. D. Obra citada, p. 2;
365
Tal critério, portanto, dá-se a partir do pressuposto de diferenciação de
matérias e não a partir de eventual conteúdo patrimonial, ante a imediata e
inexorável colisão com a idéia e princípio de proteção ao interesse público, já que
o gestor público não tem a disponibilidade do patrimônio público. Esclarecedora é
a pontuação de EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR, quando assevera que:
É pacífico competir ao organismo estatal curar os interesses da coletividade e,
somente, indiretamente, as aspirações individuais. Centrando-se tais interesses
no bem comum, pertencem ao grupamento de indivíduos que habitam a porção
territorial do Estado.
Não pertencendo o interesse público, calcado no bem-estar da sociedade, ao
gestor administrativo, mas sim àquela, remata-se que, não sendo este dono,
dele não poderá, em nenhum instante, dispor.
Todo e qualquer ato de disposição, de liberalidade, somente poderá ser
perpetrado se autorizado por lei expressão da volanté générale. Do contrário
será inválido.
452
Ora, além da natureza da pessoa jurídica envolvida no litígio, como
também em razão da matéria, a prescrição administrativa resultará afastada em
se tratando de pessoas jurídicas de direito privado não criadas por lei e não
mantidas por recursos oriundos de impostos, taxas, ou quaisquer contribuições
exigidas em virtude de lei, ou quando a controvérsia versar a respeito de direito
de natureza real.
10.7. EXECUÇÃO FISCAL
Outro aspecto a ser destacado no que se refere à prescrição de pretensões de
titularidade do administrado, ou em benefício da Administração Pública, diz respeito ao
âmbito do Direito Tributário.
Conforme o regrado pelo art. 174 do Código Tributário Nacional (Lei 5.172,
de 25 de outubro de 1966): a ação de cobrança do crédito tributário prescreve em cinco
anos, contados da data da sua constituição definitiva. De modo que em tal sede não
452
NOBRE JÚNIOR, E. P. Obra citada, p. 163;
366
espaço para dúvidas imediatas, nos estreitos âmbitos em que se desenvolvem as
presentes indagações, ao contrário do que se nas demais esferas em que a
Administração Pública possa vir a buscar o reconhecimento de sua pretensão em
relação a crédito de que seja titular.
No que se refere à execução fiscal, embora se trate de terreno inçado de
perplexidades, no que atine à prescrição de pretensões tituladas, tanto pela Fazenda
Pública, quanto pelo administrado, tido por contribuinte, configura sítio regulado, em
princípio, de modo suficiente. Dado que as normas que disciplinam a espécie não
guardam perplexidades relevantes, embora se reconheça a existência de algumas
especificidades caracterizadas por uma certa controvérsia, tal como as relativas ao
autolançamento e a respeito da existência, ou não de prescrição intercorrente.
Em seu significado estrito, a prescrição tributária qualifica-se de forma indireta.
Não há no regramento tributário codificado a sua explicitação objetualizada, sob as
vestes de uma tipologia formalmente materializada em regras estritas, ao modo de um
conjunto de regras topicamente localizadas, assumindo as feições de uma regulação
geral, para o efeito de traçar-lhe, com minúcias, as feições particulares, ou para o efeito
de vislumbrar-lhe as características. Em tal sede, portanto, torna-se necessário, por
primeiro, encontrarem-se os seus vínculos ao sistema.
De qualquer modo, o primeiro nexo de sua identificação está associado à idéia
de efeito extintivo. Tanto a prescrição, quanto a decadência, estão associadas ao fim de
extinção do crédito tributário. Diz o art. 156 do CTN que: Extinguem o crédito tributário:
(...) V - a prescrição e a decadência. Contudo, à exceção do pagamento, o também
tratadas, com as demais modalidades previstas em lei, em uma esfera de regulação
que às vincula de modo explícito ao instituto do lançamento (arts. 173 a 174 do CTN).
Repete-se, no território tributário, a ideologia conformada pelo direito privado, cujo matiz
de feições extintivas é a tonalidade marcante dos dois institutos. Repete-se, também,
na idealização do modelo adotado pelo Código Civil de 1916, o tratamento conjunto dos
dois institutos, exigindo a sua diferenciação por exclusão de circunstâncias
pontualizadas pela lei.
367
De outra banda, outros dois nexos orientam o locus dos institutos junto ao CTN.
O primeiro associado à idéia central da regulação, cuja vinculação mostra-se em estrita
subordinação à figura do lançamento e não o que se mostra interessante ao
crédito tributário. O segundo, com coerência sistêmica pela reiteração mediata da
importância reconhecida à figura do pagamento, ao tratar do pagamento indevido e de
sua restituição.
Numa análise prévia e imediata, resta possível vislumbrar-se que, para o
sistema tributário codificado, mais importante que o crédito tributário são o seu
pagamento e a atividade de sua constituição pela via do lançamento. Tal perspectiva,
de início, revela a visão sobrevalorizada da importância redobrada que o Estado atribuiu
à arrecadação, como móvel privilegiado do intento estatal contemporâneo.
Por decorrência, para uma compreensão possível da figura específica da
prescrição tributária, ora demarcada, resta inadiável visualizarem-se os dois pontos de
amarração do sistema, corporificados pelo lançamento e pelo pagamento. Isso porque
não há, por parte do legislador, a vontade de explicitar o conteúdo autônomo de tal
fenômeno extintivo.
No que atine à prescrição tributária, à semelhança dos contornos estabelecidos
pelo direito privado, vincula-se tal instituto a uma vocação inspirada em muito pelo
direito processual. Dá-se, portanto, a prescrição quando, constituído e não pago o
crédito tributário, a contar do lançamento, a Fazenda Pública não busca, pela via
processual adequada, o recebimento do valor compulsoriamente devido, no lapso
temporal delimitado pela lei (Art. 174 do CTN). De tal sorte, firmado o lançamento como
termo inicial do prazo prescricional, a inação fazendária passa a permitir a fluência do
prazo extintivo. Emerge aqui o mencionado princípio da actio nata, dado que o prazo
prescricional somente passa a fluir a partir do dia em que a ação de cobrança passa a
ser possível juridicamente.
Desse modo, pela natureza especialíssima da matéria, não há que se lhe
confundir com o tema submetido à análise nesta investigação. Contudo, não se de
negar que as vinculações são tão estreitas que, não fosse o inafastável dever de
observar preceitos irredutíveis de investigação científica, em especial aquele que exige
368
a não tergiversação em presença da necessidade de delimitação do tema, a prescrição
tributária poderia, aqui, também restar investigada. Contudo, como realçado, não é o
caso.
10.8. CRÉDITOS E DÍVIDAS PREVIDENCIÁRIAS
A regulação da prescrição administrativa no que atine às contribuições
previdenciárias esteve sempre associada, nos últimos tempos, a duas vias distintas. A
primeira relativa às normas constitucionais reguladoras de tais institutos jurídicos. A
segunda, caracterizada pela interpretação dado pelo Supremo Tribunal Federal em
relação a tal matéria. O que é certo, contudo, é que a prescrição a incidir sobre as
contribuições previdenciárias tem a natureza de prescrição administrativa. De qualquer
modo, impende que se conheça como se formulou tal discussão, de molde que melhor
possamos conhecê-la, até o presente momento.
Até ao advento da Emenda Constitucional 08 de 14 de abril de 1977, as
dívidas previdenciárias, no que atine à incidência da prescrição, eram tomadas como
débitos fiscais, incidindo, por conseqüência, o lapso prescricional de cinco anos, nos
termos do disciplinado pelo Código Tributário Nacional. Contudo, com o advento da
mencionada EC 08/1977, tais contribuições perderam tal natureza jurídica. De
qualquer modo, o que importa é não se confundir as contribuições a serem procedidas
no interesse da Previdência Social, com as contribuições instituídas a partir do
disciplinado pelo art. 149 da Constituição Federal. As primeiras dizem respeito ao que
se determina na Lei 8.212, de 24 de julho de 1991, a qual dispõe sobre a
organização da Seguridade Social e institui seu Plano de Custeio. As segundas
formulam-se como mecanismos de intervenção social do Estado, assumindo, portanto,
a força de tributos. No caso das primeiras, o seu prazo prescricional é o de dez anos.
No caso das segundas, o seu prazo prescricional é o de cinco anos, nos termos do
determinado pelo art. 174 do Código Tributário Nacional.
A legislação que disciplina a matéria transitou por três espaços distintos. Por
primeiro, nos termos da Lei 3.807, de 26 de agosto de 1960, a qual dispunha sobre a
369
Lei Orgânica da Previdência Social, restava firmado em seu art. 144, que: O direito de
receber ou cobrar as importâncias que lhes sejam devidas, prescreverá, para as
instituições de previdência social, em trinta anos. Em face de tal disposição, inexistia
dúvida alguma que, mesmo estando presente a idéia de que as contribuições
previdenciárias constituíam-se em tributos, o seu prazo prescricional não observava o
grafado pelo Código Tributário Nacional.
Com o advento da Emenda Constitucional 8, de 14 de abril de 1977, à
Constituição Federal de 24 de janeiro de 1967, a qual deu nova redação ao inciso I, do
parágrafo segundo, do art. 21, o Supremo Tribunal Federal passou a entender que as
contribuições previdenciárias não mais se constituíam em tributos, de modo que se lhes
tornava inaplicável o Código Tributário Nacional.
Tal prazo prescricional, tomando-se ainda as contribuições previdenciárias
como não-tributos, restou ratificado pelo disposto pelo art. 9º, da Lei nº 6.830, de 22 de
setembro de 1980, a qual dispõe sobre a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda
Pública, e outras providências, disciplinando que: - O prazo para a cobrança das
contribuições previdenciárias continua a ser o estabelecido no artigo 144 da Lei
3.807, de 26 de agosto de 1960. Com o advento da Constituição Federal de 1988, o
Supremo Tribunal Federal alterou, novamente, à sua interpretação a respeito da
natureza jurídica das contribuições previdenciárias.
Com a promulgação da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991 que dispõe sobre a
organização da Seguridade Social e institui Plano de Custeio, dando outras
providências, embora o Supremo Tribunal Federal não se tenha manifestado a respeito
de alteração de interpretação a respeito da natureza jurídica das contribuições
previdenciárias, restou assentado por tal legislação que:
Art. 45. O direito da Seguridade Social apurar e constituir seus créditos extingue-se
após 10 (dez) anos contados:
I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o crédito poderia ter sido
constituído;
II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal,
a constituição de crédito anteriormente efetuada.
370
Parágrafo único. A Seguridade Social nunca perde o direito de apurar e constituir
créditos provenientes de importâncias descontadas dos segurados ou de terceiros ou
decorrentes da prática de crimes previstos na alínea j do art. 95 desta lei.
Art. 46. O direito de cobrar os créditos da Seguridade Social, constituídos na forma do
artigo anterior, prescreve em 10 (dez) anos.
Ou seja, restou delimitado prazo específico, diverso do previsto no digo
Tributário Nacional, o que, sob a ótica da necessidade de sistematização da cobrança
de tributos, caracteriza-se como uma quebra do estatuído pelo Código Tributário
Nacional. Tal circunstância, que a princípio pode mostrar-se como tolerável, cria
perplexidade na medida em que a Constituição Federal estabelece, em seu art. 146,
inciso III, alínea ‘a’, caber à lei complementar: (...) estabelecer normas gerais em
matéria de legislação tributária, especialmente sobre: b) obrigação, lançamento, crédito,
prescrição e decadência tributários.
Ora, tal legislação complementar existe, estando materializada pela Lei
5.172, de 25 de outubro de 1966, qual seja o Código Tributário Nacional, o qual foi
recepcionado pela constituição Federal em vigor. Diante de tal perspectiva, cria-se a
dúvida a respeito da constitucionalidade dos arts. 45 e 46 da Lei 8.212, de 24 de
julho de 1991, na medida em que tais dispositivos estão, de forma mediata, em conflito
com a determinação constitucional acima realçada. De qualquer modo, por ora, resulta
manifesto que o prazo para que se verifique a prescrição administrativa, em se tratando
de contribuições previdenciárias, mesmo que se lhes atribua à natureza jurídica de
tributos, é o de 10 (dez) anos, nos termos do disciplinado pelos dispositivos
infraconstitucionais acima realçados. De qualquer sorte, tal controvérsia deverá receber
exame específico em sede de indagação específica, que não a do presente trabalho,
dado extrapolar os limites desta investigação.
CONCLUSÃO
De tal sorte, em conclusão, após o breve trajeto procedido na senda da
prescrição administrativa, resulta viável identificar-lhe os contornos.
De tudo que restou examinado, por opção metodológica, a prescrição
administrativa foi desvelada, no fito de buscar identificar-lhe à essência, a partir do
princípio da segurança jurídica, funcionando tal diretriz, portanto, como moldura de tal
fenômeno extintivo, para o efeito de sua compreensão e de sua aplicação.
Tal perspectiva mostra-se adequada, no escopo de buscar-se a preservação de
uma igualdade possível em face de eventuais conflitos firmados entre a Administração
Pública e o administrado, embora a Administração Pública sempre tenha buscado, de
forma unilateral, privilegiar aos seus próprios interesses, esgrimindo, para tanto, com os
conceitos de ordem pública e de legalidade estrita, a título de tentar conformar um
sentido de legitimação de sua atuação, na construção de uma compreensão dogmática
impermeável a qualquer outro critério.
Contudo, tal perspectiva sempre deixou clara à sua insuficiência, dado
caracterizar um critério desprovido de vinculação direta a um princípio ético, mormente
no momento em que visava afastar o fenômeno prescricional. Para tanto, a
Administração Pública sempre buscou servir-se de conceitos marcados por um extremo
subjetivismo, como os da e da boa-fé, oriundos, em sua vertente mais primitiva, da
teoria dos negócios jurídicos privados, o que, pela própria natureza e origem de tais
institutos, configura, de imediato, em relação à esfera do direito Público, importante
inadequação técnico-ideológica.
Ademais, a malsinada e reiterada tentativa de acolher como possível o instituto
da imprescritibilidade, sempre deixou claro um intento de buscar garantir uma
determinada forma de privilégio ilegítimo e antidemocrático a ser assegurado à
Administração Pública. Para isto, o legislador contemporâneo, enquanto manteve-se
dissociado dos paradigmas inerentes ao Estado Democrático de Direito, ao momento
de pretender proceder à regulação da prescrição administrativa, sempre buscou
associar o fenômeno extintivo com a natureza jurídica do objeto regulado, em
372
associação direta às idéias de interesse público e de salvaguarda estrita e inflexível do
princípio da legalidade, no intento espúrio de legitimar a inaceitável figura da
imprescritibilidade.
Ora, a partir de tal concepção, o fenômeno extintivo, no âmbito do Direito
Administrativo, sempre foi tratado a partir de uma forma marcada por uma
instrumentalidade de natureza tópica, com o que se gerou a fragmentação do fenômeno
designado por prescrição administrativa. Como resultado de tal compreensão,
significativas dúvidas surgiram em relação à possibilidade da existência, ou o, de tal
forma de prescrição, em uma conformação de natureza autônoma e independente,
situada na sede exclusiva do Direito Administrativo, sem que fosse necessário qualquer
apelo a paradigmas situados no direito processual, quanto no Direito Civil, sendo tal
concepção, portanto, um dos maiores equívocos a permear a análise e a aplicação do
instituto prescricional, em sede de regulação administrativa.
Em presença de tal categorização, criou-se, por conseqüência, a dúvida em
relação à existência ou não de um princípio de garantia da prescrição administrativa,
incerteza esta que, em presença da tensão eventualmente conformada entre os
interesses do administrado e os da Administração Pública, deu azo a graves danos, em
especial, aos interesses dos administrados, ante a prevalência de um dogmatismo
positivista-legalista de feições intransigentes, cujos olhos sempre dirigiram-se ao
acolhimento irrefletido dos interesses da Administração Pública, como um dogma.
Contudo, não mais se pode negar que, em presença de um conflito configurado
entre o princípio da prescritibilidade e o princípio do interesse público, por força dos
paradigmas que alicerçam ao Estado Democrático de Direito, a prescrição
administrativa de ser reconhecida, assumindo, a partir daí, a tríplice condição de:
princípio informador de toda ordem jurídica; de valor jurídico social a ser preservado; e
de garantia ao administrado, como um limite a atuação da Administração Pública em
geral.
Tais circunstâncias decorrem do fato de que a prescrição administrativa gera
um efeito desencadeador de certeza jurídica, no fito de garantir ao bem-estar da
sociedade em geral, com a submissão da atuação da Administração Pública aos limites
373
da ordem jurídica positivada, mesmo ante a inexistência de um regime ou de um
regramento de natureza geral a disciplinar a instituição da prescrição administrativa de
forma estrita.
De tal sorte, não mais como não reconhecer que a própria dinâmica do
Direito Administrativo contemporâneo caracteriza-se como fator positivo, no sentido de
que os atos administrativos podem, e em face de determinadas circunstâncias devem,
ser atingidos pela prescrição, mesmo em face da ausência de texto legal expresso,
porquanto em presença do princípio da segurança jurídica, como também em atenção
aos paradigmas do Estado Democrático de Direito, não se mostra mais viável erigir a
insegurança e a incerteza como fatores inerentes a uma realidade possível.
Por isso, não faz mais sentido continuarmos vinculados a antigos e irracionais
mitos, tais como àqueles que divulgam ser a prescrição administrativa fator de
desestabilização do sistema jurídico. Conforme o realçado nas presentes indagações,
mostra-se inequívoco que tal fenômeno extintivo, ao contrário do mito da
desestabilização e da desordem, estabiliza e assegura credibilidade ao Estado e à
Administração Pública, em específico, dando azo que o administrado e o cidadão, em
geral, possam vir a novamente confiar no Estado.
Importa destacar, portanto, que, ao contrário, o não reconhecimento da
prescrição administrativa gera afronta direta ao princípio da segurança jurídica,
institucionalizando a desordem, a descrença e a insegurança social e política.
Nos dias de hoje, o Direito Público deve ser lido, compreendido e aplicado,
como um conjunto de regras e de princípios que configura um sistema complexo, cujo
desiderato maior é o de assumir a condição de uma totalidade tonalizada pelo sentido
de garantia. De tal sorte, em presença da lei, tomando-se em conta que o território
cognominado por sistema jurídico não se limita, exclusivamente, aos textos legais, o
aplicador da regra jurídica, ao momento de sua aplicação, deverá ter sempre presente a
possibilidade de flexibilização da atuação administrativa, lastreando o seu agir no
conjunto de regras e princípios que informam o Estado Democrático de Direito, no qual
o exercício do poder é e deverá ser sempre limitado.
374
Portanto, em face dos paradigmas estatuídos pelo Estado Democrático de
Direito, resulta inadequada a argumentação de que o princípio da prescritibilidade
coloca a sociedade em risco. Tal compreensão constitui-se em um estimulo à
impunidade, com manifesto sacrifício dos interesses coletivos, para o efeito de, tão-
somente, proteger ao interesse pontual da Administração Pública. Nunca se poderá
perder de vista que tal concepção é mero resíduo do pensamento que instrumentalizou
os estados ditatoriais, nos quais a democracia e os princípios a ela inerentes sempre
restaram afrontados.
Por isso, em face de tal momento histórico e do modelo político-jurídico em
voga, em especial no que se refere ao regime jurídico-constitucional em vigor em nosso
país, não há mais necessidade alguma de recorrermos ao uso da analogia ou da
interpretação extensiva, como paliativos ante a eventual ausência de previsão de prazo
prescricional expresso. Urge, em presença da necessidade de proteção à confiança do
administrado, como também em razão da inafastabilidade do princípio da segurança
jurídica, o reconhecimento da prescrição administrativa.
Nessa senda, portanto, o princípio da prescritibilidade de ser categorizado a
título de norma jurídica geral, tolerando-se a imprescritibilidade, tão-somente, como
critério de exceção e, portanto, expressamente previsto no texto constitucional. Em um
Estado de Direito, qualquer forma de manifestação ou de atuação de um dos poderes
de estruturação do próprio Estado, de estar inquestionavelmente submetida a
limites, limites estes que devem estar inseridos na estrutura de regulação constitucional,
assumindo a dupla condição de princípio de orientação-garantia. Orientação à
Administração Pública; garantia ao administrado.
Nessa senda, no que se refere aos atos administrativos, como conseqüência
direta da concepção ora esposada, é momento mais do que azado que excluamos da
esfera do Direito Administrativo a teoria das nulidades deslocada do âmago do Direito
Privado, Deve, como máxima urgência, restar construída uma teoria das nulidades
fundada nos estritos parâmetros do Direito Público, na qual a prescrição administrativa
haverá de ser um dos elementos de informação do sistema. Com isto poder-se-á não só
esquecer, como também eliminar, de uma vez por todas, a cansativa querela da teoria
375
das nulidades que, de forma mais suave, ainda grassa, no seio dos cultores do Direito
Administrativo.
Portanto, a questão das nulidades, no âmbito do Direito Administrativo, de
ser vista a partir de um sentido dual, ou seja pela ótica que permita identificarem-se e
diferenciarem-se os atos válidos dos atos inválidos, com fundamento prévio, mas não
absoluto, no princípio da legalidade, sob o temperamento do preceituado pelar súmula
nº. 473, do Supremo Tribunal Federal. Contudo, no confronto dos princípios da
segurança jurídica, com o princípio da legalidade estrita, deverá preponderar o princípio
da segurança jurídica, de molde a buscarmos, sempre, alcançar a consecução de uma
justiça material, para o efeito de solucionar os conflitos sob o pálio da certeza, da
segurança e da garantia.
Importa, portanto, que afastemos, para sempre, a possibilidade de cogitarmos,
à exceção de preceito constitucional expresso, do acolhimento da idéia ou da aceitação
da imprescritibilidade da revisão ou da anulação dos atos administrativos, como de
resto nos demais temas situados no espaço regulado pelo Direito Administrativo.
Outro aspecto a restar destacado diz que, sob um ponto de vista prático, no
Direito Administrativo, prescrição e decadência produzem, em princípio, os mesmos
resultados. Contudo, em nenhuma das hipóteses em que a Administração Pública
venha a atuar lastreada em algum de tais institutos, não resta nunca afastada a
possibilidade de buscar-se a via judicial, para efeito de contrapor-se a qualquer ato
ilegal ou abusivo da Administração Pública, mesmo que tal atuação esteja lastreado em
tais fenômenos extintivos.
Por tais circunstâncias, portanto, resta possível afirmar que, sob a ótica da
possibilidade de admitirmos a existência de um fenômeno extintivo, passível de
universalização, por força das diretrizes de um Estado Democrático de Direito, na
esfera do regulado pelo Direito Administrativo, o grafado pelo art. 54, da Lei Federal nº.
9.784, de 29 de janeiro de 1999, configurada evidente perplexidade. Embora deva ser
considerado como um mero referencial restrito à lei que o capitula, não possuindo e
nem legitimando qualquer pretensão que se situe na vontade de universalizar tal
preceito.
376
Tudo porque, em realidade, a denominada decadência assume a condição de
uma mera redesignação imprópria do fenômeno prescricional. A ninguém resulta seguro
olvidar que, em face do princípio da inafastabilidade do controle e exame de toda lesão
ou ameaça de lesão por parte do Poder Judiciário, o qual, em sendo invocado pela via
própria, simplesmente arrasará os pretensos efeitos extintivos, em nível decadencial,
caso reste comprovado que tenha o ato, em sua concretização, sido praticado com
comprovada má-fé, circunstância esta que, à evidência, não se coaduna com as
estruturas essenciais do instituto da decadência.
Ora, caso estivesse a lei tratando efetivamente de decadência, o seu
reconhecimento não poderia permitir, em hipótese alguma, que, posteriormente,
restasse restabelecido o direito, sob a alegação de ter sido perpetrado o ato maculado
por vício de origem subjetiva.
É consabido que, ao contrário da prescrição, a decadência nasce com o próprio
direito ao qual irá fulminar, não sendo possível, portanto, que, posteriormente aos seus
efeitos de extinção, venhamos a desconsiderar a sua existência, em face de vício de
natureza subjetiva, o qual, em princípio, a qualquer tempo poderia vir a restabelecer o
direito de anular, reconhecendo-se, por via transversa, com graves danos à segurança
jurídica, a possibilidade de um direito imprescritível de anular em favor da
Administração Pública, lesando, por conseqüência, pelos mesmos fatos, o princípio de
proteção à confiança do administrado.
Em prosseguindo-se, do exame do sistema normativo positivado, importa
destacar que a prescrição administrativa, além das suas outras peculiaridades, assume
a condição de evento de natureza sanatória. A forma de convalidação que dela decorre,
pode ser vista como uma forma de atualização do direito e não como ato de violação da
lei. Ou seja, não sendo mais possível à Administração Pública ou ao administrado
agirem, respectivamente, o direito não desaparece, tão-somente, por força do evento
prescricional, o vício é que é considerado sanado.
Isso porque a prescrição administrativa caracteriza-se como evento de
convalidação objetiva dos vícios eventualmente perpetrados pela atuação da
Administração Pública, ou do administrado, relativizando o princípio da legalidade.
377
Tal perspectiva se mostra inquestionável, na medida em que, apoiados nos
parâmetros estatuídos pelo Estado Democrático de Direito, invocamos, como
realçado acima, diretrizes de proteção à boa-fé dos administrados. Ou seja, proteção à
confiança daqueles que se submetem aos atos perpetrados pela Administração Pública,
como também em razão da necessidade de que seja respeitada uma mínima segurança
jurídico-social, na qual o desejo e a expectativa pela garantia de ordem, certeza e
segurança a reger as relações jurídicas nas quais intervém a Administração Pública,
passam a ser exigidas, de molde a evitar a desconfiança, a insegurança e a
instabilidade social.
A partir dos pressupostos acima referenciados, também resulta possível
concluir que as formas jurídicas extintivas surgem como um critério de natureza
concreta, que se mostram a partir da própria emergência do fenômeno prescricional
em-si, devendo-se reconhecer-lhes a sua eficácia direta e imediata. Ou seja, a extinção
decorre do fenômeno prescricional, o qual pode restar reconhecido pela própria
Administração Pública, em razão de tratar-se de instituto de direito material, o
necessitando da via processual para restar reconhecido.
Desse modo, a prescrição administrativa, enquanto fenômeno extintivo
convocado pelo sistema, em presença de uma ordem jurídica possibilitadora de um
modo próprio de compreensão reconhecido e residente no âmbito do próprio Direito
Administrativo, afastada da idéia e dos limites impostos pelos modelos kantianos de
categoria e de conceito, assume sua condição de limite jurídico a partir de uma idéia
que não se mostra avessa aos característicos inerentes ao Direito Público.
É claro que tal possibilidade é informada por uma ideologia mediada por uma
determinada política administrativa, a qual resulta conformada por um legislador que
estabelece tal possibilidade de poder, ou não, interromper o tempo. Contudo, não se
pode desconhecer que tal possibilidade jurídica nasce a partir de uma escolha
ideológica marcada por uma forma de conveniência politicamente demarcada e não
pela natural possibilidade de interromper. Contudo, tal conveniência o é ilimitada,
mas submetida aos paradigmas estatuídos pelo ordenamento constitucional positivado.
378
Ademais, tal possibilidade será sempre vinculada à substância das pretensões
e dos interesses delimitados pelo próprio sistema jurídico em sua totalidade, o qual
formulará os critérios que devem servir para mediarem os conflitos, mediante uma
instrumentalização das expectativas do administrado, em geral, como também, de certo
modo, das expectativas da própria Administração Pública.
De tal sorte, por tais critérios institucionalizam-se fronteiras tolerantes da
diversidade norma/natureza, permitindo a possibilidade de entrega de uma prestação
positiva/negativa, em face da qual o comportamento dos titulares dos direitos em
conflito, na extensão das suas expectativas, deverão, entre o arsenal de mecanismos
jurídicos próprios ao atendimento das pretensões deduzidas, postular o reconhecimento
do próprio fenômeno extintivo, caso adequado e aplicável à espécie concreta.
Nesse prisma, portanto, a própria necessidade permanente da superação da
dicotomia entre valor econômico e não valor econômico, para efeito de reconhecimento
não provocado da prescrição em-si, perde o seu significado mais corriqueiro, que o
valor passa a ser o próprio bem jurídico a ser tutelado. Ou seja, o que de restar
protegido é o valor oriundo do mundo-da-vida, sendo sua natureza, tão-somente, um
conteúdo informado a título de mera abstração, a partir de um arbitrário critério seletivo.
Portanto, acima de tudo isto é imprescindível que o sentido de proteção seja
primordialmente marcado pela idéia de uma subjetividade interessada.
Tal subjetividade interessada nasce da concepção da necessidade de proteção
ao sujeito e aos seus interesses, e não em razão da coisa em-si. Afasta-se, por
conseqüência, a possibilidade de que a mera alegação de um conceito indeterminado,
tal como o do interesse público, possa obstar, por si só e de forma irrefletida, a
ocorrência do fenômeno extintivo, que a idéia de subjetividade interessada está, em
razão dos paradigmas inerentes ao Estado Democrático de Direito, limitada, tão-
somente, à comprovação de sua legitimidade.
Por isso, até mesmo a prescrição administrativa intercorrente não pode deixar
de ser acolhida, sob a alegação de não haver regra geral expressa, que por força do
princípio da segurança jurídica não há mais sentido em se tutelar ao imobilismo
injustificável. Também por isto, é de afastar-se a ultrapassada idéia de que as esferas
379
pública e privada são incompatíveis, dado que, hoje em dia, resulta inexorável perceber
que ambas, ao invés de repelirem-se, interpenetram-se.
Portanto, na esteira do acima realçado, a prescrição administrativa há de ser
entendida e aplicada a partir de uma subjetividade interessada. Subjetividade esta
legitimada a partir dos bens valorados pelo mundo-da-vida, os quais devem ser
tutelados e protegidos pela interferência e atenção direta, entre outros princípios aqui
destacados, do princípio de proteção à confiança do administrado, visando, em
conjunto, à obtenção da segurança jurídica.
No caso das causas modificativas do fenômeno prescricional administrativo,
não se põe em dúvida, ao início, de que o princípio da legalidade configura um limite ao
fenômeno prescricional. Isto porque devemos partir de uma pré-compreensão da
decisão administrativa como fenômeno jurídico situado (âmbito administrativo), embora,
como se sabe, sempre sujeito tal limite à possibilidade de reexame pelo Poder
Judiciário.
Entretanto, por força do estádio atual de evolução do mundo contemporâneo,
surge a possibilidade de que o fenômeno prescricional se afaste, cada vez mais, dos
paradigmas inerentes ao Direito Público ortodoxo, aproximando-se de feições
semelhantes às que configuram as relações privadas.
Em razão de tais circunstâncias, o fenômeno da prescrição administrativa passa
a assumir feições inerentes a uma identidade própria. Identidade que, embora se
consolide a partir dos próprios paradigmas do Direito Público, afasta-se, cada vez mais,
dos modelos configurados pelo Direito Civil, assumindo, paulatinamente, um significado
e um sentido informado por uma dinâmica mais flexível em sua aplicação às relações
regradas pelo Direito Administrativo.
De qualquer modo, a diversidade retratada por uma prescrição administrativa
não pode, sob pena de grave retrocesso, ser caracterizada como uma forma de
subversão ao sistema, mas sim como sendo o surgimento de uma força significativa de
renovação dos alicerces do Direito Público. Isto tudo porque a nova concepção da
prescrição administrativa deve estabelecer a relativização das estruturas normativas
positivadas a partir de um modelo que afronta a confiança do administrado, que agride
380
aos paradigmas do Estado Democrático de Direito e que privilegia, de forma irracional,
os interesses da Administração Pública.
É, portanto, a partir da estrutura formal das questões por ela elucidadas,
informada por um funcionalismo prático, nascido de seus propósitos e de seus motivos,
que tem permitido o afastamento da prescrição administrativa, como também de outros
institutos do Direito Administrativo, de um modelo de Direito Público de natureza rígida
e antidemocrático.
Por isso, cada vez mais tal percepção passa a não mais legitimar o Direito Civil
como paradigma do Direito Administrativo, no que se refere à questão da prescrição.
Em realidade, o uso do Direito Civil reflete muito mais uma tentativa de buscar colmatar
uma falta, no caso pontual de ausência de prazos de prescrição administrativa, do que
o reconhecimento de que tal sistema caracteriza um critério de natureza transcendente
a ser universalizado como regra geral.
Contudo, tal concepção não implica conseqüências ilimitadas, as quais,
considerada a natureza específica da prescrição administrativa, por exemplo, permitam
resultar incontroverso que não só por autorização legislativa expressa, tal forma de
prescrição poderá ser renunciada. um limite. Por mais flexível que seja o sistema
normativo, não se pode olvidar, jamais, que a prescrição administrativa assume a
condição de um bem e de um valor tutelado pela Administração Pública, em razão de
sua natureza pública, mostrando-se, portanto, indisponível ao agir do administrador, o
qual não age por sua vontade livre, mas sim por estar formalmente adstrito à
necessidade de observar a lei.
Nesse mesmo caminho, outra questão problemática a restar destacada diz
respeito ao início do prazo prescricional. Por óbvio, aqui não se está a pretender discutir
tal evento em face de prazo objetivamente fixado pela lei, mas sim buscando articular o
sentido da fixação do prazo com o evento que, a priori, deve determiná-lo. De tal sorte,
restou evidenciado que o melhor critério a explicitar tal sentido, de início, deve ser
reconhecido a partir do nascimento da pretensão juridicamente relevante, dado que a
prescrição administrativa se trata de instituto de natureza material e não processual, em
sua essência. A idéia de pretensão, portanto, assume a condição de variável autônoma,
381
isto, de forma mediata. Tal concepção nasce por força dos reflexos inerentes ao
crescimento da relevância das diretrizes que estruturam a teoria de regime geral dos
direitos fundamentais, tema que, embora não vinculado com as investigações ora
procedidas, permeia toda a problemática jurídica contemporânea, mormente no que se
refere à sua influência direta na construção de um novo modelo de interpretação, a
partir de uma postura pós-positivista.
De tal sorte, em razão de tal articulação inafastável com as concepções
oriundas das teorias do direitos fundamentais e, fundamentalmente, em presença da
exigência de igualdade na aplicação do direito, associada a uma forte demanda social
voltada para a busca permanente da exclusão da possibilidade da perpetuação de
práticas marcadas pela injustiça, visando-se o afastamento de qualquer violência
arbitrária, resulta inexorável que se fixe tal prazo a partir do momento em que o
indivíduo formula uma pretensão juridicamente relevante, afastando-se, portanto, a
necessidade da existência prévia de um prazo expressamente previsto.
Ademais, a necessidade de legitimidade formal e material a permear as
estruturas inerentes a qualquer ação da Administração blica, não mais permite que
se tolere quaisquer formas de diferenciação, as quais possam, por tal falta ou agressão
ao princípio constitucional da isonomia, gerem em tais atos um sentido marcado por
uma ausência injustificável de razoabilidade.
Importa, contudo, que se advirta que se há de ter em conta que a diretriz
principiológica da isonomia deve estender sua força para além da mera similitude de
oportunidades, e que um dos critérios primordiais a ser observado deve ser o da
efetividade do direito, dando causa que a prescrição administrativa efetivamente gere
efeito extintivo, a partir da formulação de uma determinada pretensão, não importando
que tal pretensão seja oriunda de manifestação advinda do administrado, ou da própria
Administração Pública. Tudo porque é momento de reconhecermos a efetiva
autonomia do Direito Administrativo, como também, a partir de uma leitura
contemporânea a respeito do agir administrativo adstrito às práticas diuturnas inerentes
ao administrar, assegurar à Administração Pública idêntica autonomia, desvencilhando-
a de um subordinação injustificada a qualquer outro segmento de composição ou de
382
estruturação do Estado contemporâneo, devendo, contudo, manter-se atenta ao que
resta determinado pela lei.
Contudo, nunca se poderá olvidar que o só aplicar a lei, pela lei, conflita com os
paradigmas do Estado Democrático de Direito. de se reconhecer a existência de
limites. A prescrição administrativa é um deles.
Portanto, o prazo inicial do curso da prescrição administrativa inicia-se desde o
momento em que nasce uma pretensão incontroversa, independente de qualquer
manifestação exterior à esfera administrativa, à exceção, por óbvio, das circunstâncias
em que a lei torna específico e incontroverso o início de tal prazo, de modo que não se
encontraria justificativa alguma para não reconhecer a previsão legal em sua
especificidade.
Em prosseguindo-se, resta impossível desconhecer, portanto, a existência de
um princípio sistêmico de reconhecimento da prescritibilidade, mesmo no caso de
ausência de norma legal expressa. Tal princípio é retirado do próprio âmago do sistema
jurídico positivo, que a ordem jurídica, apoiada nas idéias de justiça e de eqüidade,
busca sempre a garantia de segurança e de estabilidade das relações jurídico-sociais.
A tais idéias a Administração Pública não pode mostrar-se avessa.
Por tais razões é que não mais necessidade alguma em se admitir o uso
da analogia, como meio de reconhecimento do princípio da prescritibilidade, em sede
de Direito Administrativo, com apoio no grafado pela lei de introdução ao código civil
(art. 4º). Ou seja, o sistema normativo de regulação do Direito Administrativo, associado
aos paradigmas constitucionais do Estado Democrático de Direito, impõe, por
conseqüência lógico-normativa, o reconhecimento de um princípio geral de
prescritibilidade.
Mas, em face de todas as manifestações do fenômeno prescricional
identificadas, até naquelas cunhadas a partir da possibilidade de sua transcendência
em face da mera previsão legal, a prescrição administrativa permite, também, que se
consolide uma certeza de que não há mais nenhum sentido em se continuar a temer à
instabilidade social, argumento este esgrimido a partir de uma visão positivista-legalista
que não mais se sustenta. Por tal circunstância, portanto, a prescrição administrativa
383
assume a condição de valor jurídico. Ou seja, a prescrição administrativa assume,
enquanto valor jurídico, a condição necessária à instauração de um processo de
autocontrole do próprio agir da Administração Pública, afastando-se de todos os
pressupostos não demonstrados que estruturam a visão dogmática positivista.
Por outro lado, a submissão aos efeitos da prescrição administrativa gerando,
por outro lado, uma idéia da necessidade de um sacrifício em favor da ordem jurídica,
não mais se mostra como um dever de natureza ilimitada. Exige-se que, para tanto,
reste, em tal sacrifício, a preservação de uma certa proporcionalidade, a qual deve
tomar em conta as circunstâncias que envolvem cada caso concreto, devendo tal
análise restar sempre modulada pelas circunstâncias inerentes ao caso concreto,
observado, contudo, de modo insofismável, o limite estabelecido pela ordem jurídica.
Contudo, tal limite deve ser construído tomando-se em conta às peculiariedades
do próprio conflito e das pessoas e dos interesses que o integram. Tudo porque a
garantia criada pela ordem jurídica, há, primordialmente, de evitar agressões a qualquer
direito ou pretensão juridicamente tutelada, propiciando a paz social, pela certeza de
garantia de segurança e de estabilidade. Ou seja, a pretensão de validade da
prescrição administrativa não nasce exclusivamente de um texto legal, estrito senso,
mas sim a partir dos pressupostos que ela própria tematiza, os quais são subjascentes
à própria ordem jurídica positivada.
Desse modo, a prescrição administrativa há, também, de produzir um sentido
marcado pela oferta de uma diretriz possibilitadora de uma melhor adequação ao
sistema, assumindo, numa deontologia construída em atenção direta aos princípios
inerentes ao Estado Democrático de Direito, a condição de princípio informador do
próprio ordenamento jurídico, o qual deve assumir, entre outras atividades, a de
configurar-se como um modelo de interpretação funcionalizado, que a prescrição
administrativa também realiza a ordem jurídica.
Em prosseguindo, agora em presença das vinculações possíveis entre a falta
administrativa e a prática criminosa, nunca podemos olvidar que a analogia, como
processo de conformação de um sentido de revelação de normas, devemos tomar em
conta, de início, no caso das investigações em tela, a diferença que existe entre ilícito
384
penal e ilícito administrativo, porquanto, no nimo, tratam-se de institutos jurídicos
qualitativamente diversos.
Como premissa inicial, portanto, em tal sede de regulação, é inarredável que a
data do conhecimento do fato, ato ou conduta indicadora ou caracterizadora de falta
administrativa a ser submetida a processo administrativo disciplinar, enquanto indicativo
do início do prazo prescricional, deve, independentemente do critério escolhido, assumir
as feições de garantia ao próprio servidor faltoso, devendo tal marco estar assentado
em prazo certo, tanto para o servidor, quanto para a Administração Pública. Com isto há
de evitar-se a possibilidade de que se acabe por propiciar eventual impunidade
éticamente inaceitável, com colisão frontal ao princípio constitucional da moralidade
administrativa.
Contudo, quando a conduta havida como crime azo a instauração de
procedimento punitivo, as circunstâncias relativas à prescrição administrativa devem ser
sopesadas de forma distinta. Devem os prazos prescricionais estar com seu início
demarcado expressamente previsto em lei, não sendo o bastante a pretensão de punir
manifestada pela Administração Pública. Tudo porque a falta administrativa que
também configura ilícito penal, mesmo em presença do pressuposto fictício de que sua
prática esteve, ao momento do seu cometimento, marcada por uma atuação informada
por motivação livre, no sentido de que o servidor de compreender, perfeitamente, a
extensão resultante de seu ato, não autoriza que, nesses casos, se reconheça a
possibilidade de imputar e punir tal conduta a partir de um critério de imputação
puramente objetiva. Tal atenção está direcionada a evitar que, por uma inadequação
estrutural da disciplina relativa à prescrição administrativa, gere-se uma distonia
causadora de um tratamento desigual, propiciando uma incoerência sistemática.
Portanto, mais do que nunca, há de reconhecer-se a autonomia do Direito
Administrativo e, por conseqüência, da especificidade do conteúdo, da natureza e das
conseqüências das suas faltas.
Desse modo, ao contrário do mencionado em relação à mera falta
administrativa, a data do fato e não a da ciência da autoridade com poderes para
instaurar a sede persecutória administrativa é que deverá ser tomado como critério do
385
início do prazo prescricional. Tudo porque importa observar a necessidade de coerência
interna do sistema penal/administrativo, evitando-se, por desatenção a tal coerência
sistêmica, consolidar-se situação iníqua. Ademais, importa que não se canse de repetir
que, o reconhecimento da prescrição administrativa visa certeza de justiça material,
como também garantia de segurança jurídica. Interessante e adequado seria se o
legislador revogasse, o mais breve possível, os dispositivos que encaminham a
regulação da prescrição administrativa, no caso em que as faltas administrativas
também configuram ilícitos penais, para as regras de Direito Penal, tudo pela simples
razão de que um agir danoso situado no âmbito de uma prática administrativa não pode
ser equiparado como se fora uma prática criminosa planificada de forma consciente.
O instituo da prescrição administrativa, além de estar informada pela idéia de
consecução da paz social, deve restar, primordialmente, informada pelos interesses da
sociedade em que figura como regra de natureza extintiva. Ademais, importa que tal
demanda social seja acolhida a partir, inicialmente, de uma visão empírica construída
com atenção à dinâmica desse mesmo grupo social. Tal visão, contudo, deverá estar
associada, em seu escopo, à contingencialidade inerente ao próprio processo político-
histórico que configura e modifica, constantemente, tal sociedade.
Tais parâmetros, então, deverão ser recepcionados pelo Direito Administrativo,
a partir de um conjunto de ões estratégicas, cuja delimitação deverá restar
estruturada no próprio plano discursivo de recepção, o qual servirá como móvel
ideológico necessário à adequada interpretação e aplicação das normas jurídicas que
disciplinam o instituto jurídico da prescrição administrativa. Ou seja, a partir de tal
estratégia, permite-se que os valores sociais inerentes a uma determinada comunidade
passem a permear a interpretação e a aplicação do fenômeno extintivo, não se
produzindo, por conseqüência, um vazio entre os interesses da sociedade e a práxis
administrativa.
A partir de tais premissas, portanto, a prescrição administrativa passa, entre
outras determinantes, a garantir a certeza jurídica, cujo desiderato deverá estar voltado
para a extinção de eventuais conflitos jurídicos, de molde a impedir que se tornem
infindáveis, e que, por tal circunstância, mantenham uma permanente situação de
386
incerteza e de insegurança jurídicas, em relação às demandas conformadas no seio de
uma determinada sociedade.
Por conseqüência, a prescrição administrativa passa a assumir, não só como
uma das idéias centrais a informar um discurso de dissolução das pretensões
dissonantes, a condição de meio de organização e de reorganização do sistema
jurídico-normativo positivado, em sua dinâmica, permitindo que, independentemente de
um processo de mera diferenciação dos argumentos em conflito, atue para o efeito de
construir uma solução pela extinção da controvérsia. Nesse passo, portanto, como
destacado acima, a prescrição administrativa assume a condição de instrumento
estratégico, visando à objetivação de uma certeza formal pela extinção do conflito,
independentemente do conteúdo específico das posições em dissenso.
Portanto, as expectativas de segurança, certeza e ordem, além de agruparem-
se como razões necessárias para a consolidação da prescrição administrativa,
assumindo a condição de elementos essenciais à sua própria estrutura, passam, de
modo reflexo e mediato, a garantir, com isto, a extinção dos conflitos.
De tal sorte, a prescrição administrativa assume as feições, à forma e a tarefa
de meio de instrumentalização necessário à garantia de certeza e da segurança
jurídica, no Direito Administrativo. Contudo, importa que reste destacado que tal função
não se como meio de buscar alcançar um resultado inerente a um escopo de mera
justiça material, situada num plano muito próximo da utopia, mas sim como meio efetivo
e concreto, dado que a sua aplicação está vinculada à sua vontade objetiva de extinguir
os conflitos em que venha a incidir, atuando, portanto, como norma jurídica efetiva de
dissolução das discussões de natureza controvertida.
Portanto, em relação às relações sociais conflituosas, a prescrição
administrativa assume a condição de vetor de pacificação e de tranquilização da
sociedade, atuando independentemente dos interesses em confronto, porquanto
marcada pelo fito objetivo e incontroverso de fazer cessar o confronto.
Ademais, em face ao interesse público, a prescrição administrativa causa
não a uma irrefletida proteção do interesse público por si só, a partir de uma visão
dogmática e de natureza positiva, mas sim permite identificar e justificar, de modo
387
legítimo, a um interesse público justificado, podendo ser pensada e exercitada pela
sua legitimação a partir de uma tarefa assegurada pelo ordenamento jurídico plasmado
pelo Estado Democrático de Direito, assumindo, portanto, a condição de limite que
busca assegurar a paz e a ordem públicas, como objetivos primordiais de uma
sociedade democrática.
Por isso, em face da necessidade de manutenção da ordem pública, a
prescrição administrativa deve configurar-se como um mecanismo de substituição da
controvérsia, o qual, por força de uma implicação lógica imediata, torna possíveis, em
sua feição concreta, às idéias de certeza e de garantia jurídicas, fatores necessários à
própria ordem social. Ou seja a determinação que é posta em relevo pela prescrição
administrativa diz com a busca permanente da segurança jurídica, entendida esta última
como sendo uma das expressões mais significativas e mais importantes do Estado
Democrático de Direito.
No mesmo escopo teleológico, em presença da necessidade de proteção aos
interesses jurídico-sociais, a prescrição administrativa configura-se como fonte de
preservação dos valores mínimos a serem observados por uma sociedade democrática,
dado que tais valores, pela sua necessidade de presença inafastável, resultam
indispensáveis à proteção da própria sociedade em-si. Na medida em que a inércia
estabelece um clima de insegurança e de facilitação da desarmonia social, maculando
às relações jurídicas com a incerteza, mormente por tonalizá-las por um matiz de
insolubilidade, o que, à evidência, mostra-se extremamente danoso, exsurge a
prescrição administrativa como meio de possibilitação de um relacionamento pacífico
entre os homens.
Ademais, em face das relações incertas, a prescrição administrativa fixa as
relações jurídicas, de modo a fazer cessar a controvérsia, permitindo o afastamento de
qualquer incerteza ou dúvida. Tudo porque pela prescrição administrativa dá-se a
absorção da insegurança, visando, primordialmente, a cessação do conflito, de forma
imediata.
Importa destacar, contudo, que a prescrição administrativa não visa à satisfação
dos interesses individuais, em seu conteúdo de pretensão material, ou a obtenção de
388
consenso entre às partes em conflito de interesses, mas sim, de forma objetiva e
concreta, a cessação do conflito. Ou seja, em sua vocação de pacificação, a prescrição
administrativa assume a condição de meio orientado para a cessação do conflito.
No que atine a eventuais abusos perpetrados pela Administração Pública, a
prescrição administrativa, em face dos paradigmas configurados no âmbito de um
Estado Democrático de Direito, explicita que o poder do Estado não é absoluto, mas
sim limitado. De tal sorte, resulta manifesto que a prescrição administrativa assume,
entre outras formas jurídicas, além de todas as suas características já realçadas, a
condição de controle da própria atuação da Administração Pública, agindo como fator
de mediação e de garantia da necessária estabilidade das relações jurídicas.
Nesse passo, portanto, procede a uma readequação do princípio do interesse
público, afastando-o da tradicional e vetusta concepção adstrita ao princípio da
legalidade estrita. Tal perspectiva constrói-se a partir da compreensão de que a
complexidade das relações inerentes ao mundo contemporâneo, ultrapassa a singela
dinâmica da simples aplicação da lei.
Portanto, é o caso concreto, é a cristalização das condutas identificadas, são os
anseios e as expectativas dos integrantes da situação jurídica em análise que deverão
informar a solução do conflito, atuando a prescrição administrativa como modo de
suprimir qualquer espécie de abuso, mesmo àqueles aos quais a lei, em tese, estaria,
de forma objetiva, a proteger. Ou seja, a prescrição administrativa estabelece, de um
certo modo e de forma concreta, as bases de uma ética nima, visando, por força de
sua condição de fenômeno extintivo, demonstrar que nenhuma forma de poder é
ilimitada.
Desse modo, de reconhecer-se que a prescrição administrativa afasta a
vontade irracional de aplicação perpétua e irrefletida da lei, ou seja, a aplicação da lei,
pela lei, permitindo, de forma concreta, objetiva e imediata, a cessação da instabilidade,
instaurando o primado da segurança jurídica pela neutralização da incerteza.
Por fim, não se pode olvidar que a prescrição também envolve duas
circunstâncias específicas, situadas além da esfera de regulação disciplinada pelo
389
Direito Público, mas com vínculos muito próximos ao conjunto de regras que constituem
a tessitura básica do Direito Administrativo.
A primeira diz como o âmbito configurado pelo espaço processual estrito, como
resultado, primordialmente, da compreensão jurisprudencial, no qual a prescrição
administrativa assume a condição de elemento moralizador, na condição de alicerce
ético, ao afastar a permanência infindável dos conflitos. Contudo, tal influência, no
momento em que o Direito Administrativo se aproxima dos paradigmas inerentes ao
Direito Privado, deverá ser compreendido, ao início, pelo afastamento de um
equivocado antagonismo entre tais esferas, admitindo-se então, por exceção, a
mediação, para efeito da configuração, reconhecimento e aplicação da prescrição
administrativa, de parâmetros integrantes do direito civil, os quais, contudo, deverão ser
lidos a partir de uma ótica que transcende os meros interesses privados.
Por segundo, no caso dos espaços informados por circunstâncias alheias a um
sentido estritamente público, há de visualizar-se que a prescrição administrativa permite
a criação de um princípio de isonomia entre a Administração Pública e o administrado,
devendo tal formulação ser compreendida como uma nova forma de garantia
ambivalente e concomitante de interesse público, na medida em que permite proteger
tanto aos interesses da Administração Pública, quanto aos interesses dos
administrados em geral.
Para isso, em tal senda, o prazo da prescrição administrativa de ser lido a
partir do regime jurídico delimitado pelo Direito Administrativo, afastando-se a
necessidade do desaconselhável eterno retorno ao Direito Privado. Isto porque,
hodiernamente, é incontroverso que o Direito Administrativo configura um sistema ao
qual não se pode mais negar o reconhecimento de sua autonomia temática e científica.
Até porque, além de seus paradigmas teórico-doutrinários refletirem uma maturidade
suficiente à legitimação de sua individualidade, como ramo autônomo da ciência
jurídica, sua malha de regulação está suficientemente estruturada, de molde a permitir,
a partir de seus parâmetros, a delimitação dos conflitos em que direito ou interesse
da Administração Pública, mormente nos casos relativos a tributos ou em relação a
dissídios de natureza previdenciária.
390
Desse modo, pode-se afirmar que a prescrição administrativa é o instituto de
Direito Administrativo que estabiliza o sistema jurídico, assegura credibilidade à ordem
jurídica positivada, protege à confiança dos cidadãos em geral na Administração
Pública, garante a segurança jurídica, atuando como limite à ão estatal, impondo
certeza na concretização das normas jurídicas, tudo por determinar a extinção das
relações jurídicas marcadas pelo conflito, atuando como mecanismo efetivo da
consecução da paz e da harmonia sociais.
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