Download PDF
ads:
1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
TRILHOS ARRANCADOS :
História
da
Estrada de Ferro
Bahia e Minas
(1878 – 1966)
JOSÉ MARCELLO SALLES GIFFONI
Belo Horizonte
Inverno
2006
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
JOSÉ MARCELLO SALLES GIFFONI
TRILHOS ARRANCADOS :
História
da
Estrada de Ferro
Bahia e Minas
(1878 – 1966)
Tese apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em História da
Universidade Federal de Minas
Gerais, como requisito parcial para a
obtenção do título de Doutor.
Orientador: Prof. Dr. Douglas Cole Libby
Belo Horizonte
Inverno
2006
ads:
3
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
Tese defendida e aprovada pela banca examinadora
constituída pelos professores:
4
RESUMO
Este trabalho dedica-se ao entendimento da relação entre o Estado e a ferrovia no
período de 84 anos de existência da EFBM. Estrada de Ferro que ligou o extremo sul da
Bahia e o nordeste de Minas Gerais entre 1882 e 1966.
A partir do estudo da ocupação do nordeste mineiro, da análise das políticas de
desenvolvimento nacionais e locais que atravessaram o período acima, pretendemos refletir
sobre o processo de mudança do discurso estatal com relação ao transporte ferroviário no
Brasil, culminando na política de erradicação dos trilhos e em grande impacto econômico e
social para a região atendida pela ferrovia em questão.
RESUMÉ
Ce travail a comme but l’entendement du rapport entre l´Etat et le chemin de fer
dans la période de quatre-vingt quatre années de l’existence de l’EFBM, qui a lié la partie
extrême sud de l’état de Bahia au nord-est de l’état de Minas Gerais, entre 1882 et 1966.
À partir de cette etude, de l’analyse des politiques de développement nationales et
locales qui ont traversé la période sus-citée, nous voulons réfléchir sur le processus de
chengement du discours de l´État relativement au transport par chemin de fer au Brésil, en
aboutissant à la politique d’éradication des voies férrées sans qu’il ya ait eu un si grand
impact économique et social pour la région desservie par cette ligne.
5
AGRADECIMENTOS
Das Utopias
Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A mágica presença das estrelas!
Mário Quintana
Trabalho pronto. Posso dizer que foi extremamente prazeroso realizá-lo. Missão
cumprida, ciclo fechado, compromisso realizado. Ao lado de todas as angústias, decepções,
terrorismos, exclusões, medos, dificuldades materiais e individuais que este trabalho me
trouxe, tive também o privilégio de conviver com pessoas especiais que sempre me
avisaram da existência da música, da poesia, da solidariedade, sensibilidade, afetividade,
cuidado, humildade, a sinceridade de olhar no olho e enxergar a alma do outro.
Instrumentos e sentimentos que me deram força para continuar firme e acreditar que
podemos fazer diferente. E, como o poeta, ainda pensar na utopia, por mais distante que
esteja.
Espero passar ao leitor o prazer que foi, para mim, fazer este trabalho. Um trabalho
de compromisso com a universidade pública e tudo de positivo que ela pode gerar. Fruto de
uma relação de dezessete anos com o meio acadêmico com o qual acredito colaborar na
abertura de uma fronteira pouco freqüentada pela historiografia regional que é o nordeste
mineiro.
Este trabalho conclui um importante ciclo na minha vida. Para acabá-lo, com prazer
e consistência, os desafios foram muitos e, no seu percurso, diversas pessoas e instituições
contribuíram.
Agradeço e compartilho esta tese de Doutorado com:
Fernando Brant e Milton Nascimento pela autoria de Ponta de Areia, música que despertou
o interesse pelo tema desta tese;
Neilton Lima pela divulgação da exposição Trilhos Arrancados, a semente deste trabalho,
no sítio
www.onhas.com.br desde 1998;
Aos alunos e a todos os meus colegas da Faculdade Ciências Humanas de Pedro Leopoldo
que, de alguma forma, colaboraram para a minha estada em Belo Horizonte, com dicas de
6
leituras, receitas e prosas agradáveis nas viagens de ida e volta: Rafael, Rogério, Edna,
Ulisses, Júnia, Beth, Washington...;
Marivone Rausch pela indicação das informações do livro Tortura Nunca Mais sobre
funcionários da EFBM e a indicação de seu irmão Marcelo para uma boa prosa final a
respeito da velha Bahiminas;
A região e a população que provocou este trabalho desde 1996. Gente de coração aberto
para o mundo, pejado de alegria e sonho, prontos para dar um sorriso, lançar um verso e
enfrentar o destino material nem sempre agradável;
Os amigos cariocas dos tempos do sonho da Instantes: Sandor Buys, Sérgio Paulo
Aunheimer Filho, Marcos José Caldas (compadre e co-orientador), Fernando César, Raul
Motta, Mônica Torres (que me acompanhou nas primeiras empreitadas da Bahia e Minas),
Marcelo Oliveira (compadre e poeta retratista), Alexandre Feitosa, Carlos Arimatheia, Löis
Lancaster, Carlos Guerreiro;
Os poetas Paco Cac e Wlademir Dias Pino por tudo que me ensinaram sobre o fazer da
poesia e do sonho;
Dilma Andrade de Paula, pelo apoio intelectual, inspiração profissional e na fé pela
universidade pública, gratuita e de qualidade;
Os amigos Miguel Renato, Adriana e Beatriz (para lembrar a importância de ser criança e
da amizade fraterna);
A família Casa Nova (Vera, Andrea, Túlio e Clarice) pela recepção em BH, cumplicidade
carioca, carinho, apoio acadêmico e gosto pela poesia;
A família pirlimpimpim: Tânia Grace, Darkan, Clara, Darta, George, Dona Julieta e Izabel
Ribeiro (pelas prosas com boa comida, violadas, cantigas, danças e contradanças do Vale);
Mara Isabel Chanoca pela revisão dos textos finais;
Todos os funcionários das bibliotecas e arquivos que freqüentei em todos esses anos:
Ministério da Fazenda, RFFSA (Rio de Janeiro e Belo Horizonte), IHGB, Biblioteca
Nacional, Arquivo Público Mineiro, UFMG (Fafich e Face), Hemeroteca do Estado de
Minas Gerais;
A natureza do Campus Pampulha (principalmente no outono azul e temperado de Minas);
Antonio Greco e todos os apaixonados por ferrovia que me ajudaram a estudar e entender
os caminhos dos documentos e, é claro, pelas boas prosas;
7
A arte do Tai Chi Chuan pelo equilíbrio de mente, corpo e espírito;
José Moura e Clarice pelo carinho e reconhecimento do meu trabalho;
A irmandade marcial da Brazil Hung Fut (em especial Ivan Pinheiro e Marcone Abdo) e
todos os meus alunos de Tai Chi Chuan (Parque Municipal, Espaço da Harmonia,
Funed/Escola de Saúde), que me receberam de braços abertos em BH e alimentam o sonho;
Os Embaixadores da Lua Josino Medina e Paulinho Amorim e a Companhia Pra Sonhar;
Maria do Carmo do Centro de Estudos Mineiros por todo o apoio prestado e pela parceria
poética em, chá, verso, origami e imagem;
Todos os funcionários do Departamento de História e da Pós que me acompanharam nesses
quatro anos;
Alessandro Magno da Silva do setor de matrícula da UFMG que acompanhou toda minha
trajetória acadêmica com carinho, atenção e respeito;
Os heróicos alunos do Estágio Docente (2º semestre/2004) que resolveram topar a
empreitada de estudar Gramsci;
Todos os entrevistados da família ferroviária da Bahia e Minas que abriram suas casas e
corações para mergulhar em suas memórias de ferro: Adaltiva Teixeira da Silva; Alyrio
Gomes Eusébio; Arani Santana Campos; Ciro Flávio Bandeira de Melo; Epaminondas
Conceição Cajá; Geralda Chaves Soares; José Alves dos Reis; José Penna Magalhães
Gomes; Josefa Alves dos Reis; Júlio José de Barros; Leonídia Silva Brauer; Luis Henrique
Guimarães Lisboa; Luiz Eloy de Almeida; Manoel Otoni Neiva; Maria da Conceição
Pereira; Nadege Aparecida da Silva Carvalho; Nilton Ferreira de Souza Curió; Olivier
Alves Ferreira; Orlando Machado Barreto; Therezinha Guimarães; Valdete Tarone Tomich;
Zenith França Cajá;
Rodney Ruas e família pela recepção em Carlos Chagas com indicações preciosas de
entrevistados e prosas quase sem fim no seu quintal com direito a café e biscoito de goma.
As Professoras Regina Horta, Heloísa Starling, Eliana Dutra e Regina Helena. Mulheres
que contribuíram de forma importante e desafiadora no processo de construção desta tese;
O Professor “Bebeto” da Ciência Política que me acolheu nas aulas e debates sobre
Gramsci;
O Professor e Orientador Douglas Cole Libby, pelo apoio importante nos meandros da
universidade, sempre pronto/disponível para conversar e localizar minhas contradições e
8
exageros/disparates acadêmicos. Proporcionou total liberdade de elaboração sem deixar de
fazer suas críticas. Meu único leitor no período entre qualificação e defesa;
Os professores que me formaram nos tempos de Niterói: Ilmar Mattos, Margarida de Souza
Neves, Ciro Flamarion Cardoso, Geraldo Beauclair, Leandro Konder, impossível esquecê-
los;
As professoras Virgínia Fontes e Márcia Motta, pessoas também importantes na minha
formação de historiador e colaboradoras importantes no início deste trabalho pelas cartas de
indicação para o Programa de Pós da UFMG;
A CAPES pela concessão de três anos de bolsa;
Denise Sena, Moisés Pereira de Barros, Renato Paixão, Rubensmidt Riani, e Maria do
Carmo Daldegan por acreditarem no meu trabalho e me receberem com muito carinho na
Fundação Ezequiel Dias/Escola de Saúde de Minas Gerais. Apoio importantíssimo;
Minha Família mineira e carioca que deu o apoio de várias formas do início ao fim: José
Carlos de Meirelles Giffoni (pai), Évora Salles Giffoni (mãe e corretora dos textos finais),
Carlos Guilherme S. Giffoni (irmão), Elizamar dos Santos Ramos (irmã), Maria da
Conceição Laurita (pela ajuda fundamental no primeiros anos de Miguel), família
Albuquerque (em especial Vanda pela atenção de Tia participante e amiga), meu avô
Manoel Ramalho da Silva (o exemplo que carrego pelos tempos) e finalmente, minha
esposa Iomara Albuquerque (fada azul que me trouxe a BH e despertou toda essa história) e
nosso rebento Miguel que nos desperta desafio e encantamento.
Belo Horizonte,
Invernoquaseprimavera, 2006
9
(...) a estrada de ferro avança sobre as ondas que são chinesas e sobre a mortalha e o mar do
Oriente. Prossegue irregular até as nuvens do planalto e Pucalpas e perdidas alturas andinas
muito além dos limites do mundo, também perfura um buraco profundo na mente de um
homem e transporta um bocado de cargas interessantes dentro e fora dos buracos, e também
esconderijos e horrorosos pesadelos semelhantes à eternidade, como você verá.
1
1
KEROUAC, Jack – A terra das ferrovias In: Viajante Solitário – Porto Alegre, L&PM, 2005 p. 91-2.
10
SUMÁRIO
RESUMO/RESUMÈ 4
AGRADECIMENTOS 5
ABREVIATURAS 11
INTRODUÇÃO 13
CAPÍTULO I – O Grande Norte 28
CAPÍTULO II “Guerra Justa” 52
CAPÍTULO III – Estado e Desenvolvimento 78
CAPÍTULO IV – Expansão e Recolhimento 126
CAPÍTULO V Trilhos Arrancados 160
CONCLUSÃO 197
ANEXO I – Dados Econômicos da EFBM 205
ANEXO II – Produção Agropecuária Da Área De Influência da EFBM 216
ANEXO III – Memórias de Ferro 219
ANEXO IV – Municípios e Estações da EFBM 295
DOCUMENTOS 300
BIBLIOGRAFIA
11
ABREVIATURAS
APBH - Arquivo Público de Belo Horizonte
APM – Arquivo Público Mineiro
BMF – Biblioteca do Ministério da Fazenda
BRFFSA/BH – Biblioteca da RFFSA/BH
BRFFSA/RJ – Biblioteca da RFFSA/RJ
BN – Biblioteca Nacional
DNEF – Departamento Nacional de Estradas de Ferro
DNER – Departamento Nacional de Estradas de Rodagem
EFBM – Estrada de Ferro Bahia e Minas
HEMG – Hemeroteca do Estado de Minas Gerais
IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
MT – Ministério dos Transportes
MVOP – Ministério de Viação e Obras Públicas
12
Dedico este trabalho a gente do Jequitinhonha e Mucuri que cultiva a vida com alegria,
canto, dança e fé.
13
INTRODUÇÃO
O conceito do equilíbrio entre ordem
social e ordem natural com fundamento
no trabalho, na atividade teórico-prática
do homem, cria os primeiros elementos
de uma intuição do mundo, liberada de
qualquer magia e bruxaria, e dá o
pretexto para o ulterior desenvolvimento
de uma concepção (uma maneira de
pensar) histórica, dialética, do mundo,
para compreender o movimento e o
devir, para valorizar a soma dos esforços
e dos sacrifícios que o presente custou ao
passado e que o futuro custa ao presente,
para conceber a atualidade como síntese
do passado, de todas as gerações
passadas, a qual se projeta no futuro.
1
Tudo começou no ano de 1996, nas salas de leitura da Biblioteca Nacional e do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro em tardes azuis do Rio de Janeiro. Uma música
na cabeça (Ponta de Areia) e uma História por pesquisar nos levou a um projeto de viagem
a fim de desvendar/conhecer o que tinha sobrado daquele caminho de ferro que ligava
Minas ao mar. Viagem que se transformou em exposição fotográfica e documental sobre a
Estrada de Ferro Bahia e Minas. Exposição que se materializou em alguns lugares do
nordeste mineiro, passando pelo mercado de Itinga, a Câmara de Nanuque e a Biblioteca de
Jordânia.
2
Tudo isto gerou uma experiência de vida e encantamento com o que há de mais
precioso naquelas paragens: a boa gente que, mesmo diante das adversidades materiais,
cultiva a vida com alegria, canto, dança e fé, sempre mantendo a casa e o coração abertos
para quem chega. Diante de todo este estímulo, saber do destino da EFBM passou a ser
compromisso e tema de Doutorado.
1
Antonio Gramsci – Caderno 12, parágrafo 2º In: FERREIRA, Oliveiros S. – Os 45 Cavaleiros Húngaros:
uma leitura dos Cadernos de Gramsci – Brasília, Hucitec/UnB, 1986 p. 56
14
Para além da motivação pessoal, podemos dizer que o tema ferroviário possui
relevância atual diante das demandas em que vivemos sobre transporte no Brasil, como a
do quase colapso da malha rodoviária nacional. A partir de fins da década de 80, até hoje,
temos acompanhado uma maior produção acadêmica sobre história da ferrovia no Brasil
com temas bem variados que passam pela análise econômico-social, a questão indígena, a
escravidão, a modernidade/modernização e com uso freqüente de entrevistas na produção
de documentos.
3
Uma produção acadêmica que ainda carece de projeção pois, são poucas
as iniciativas que buscam uma integração entre pesquisadores e uma quase ausência de
debate e encaminhamento sobre políticas de preservação e conservação da massa de
documentos deixada pela RFFSA.
***
O presente trabalho propõe um estudo do caso da Estrada de Ferro Bahia e Minas,
buscando em sua história o comportamento do Estado sobre a ferrovia no Brasil. Para isso
utilizamos documentos diversos como relatórios de Estado, periódicos, legislação,
memorialistas, dados estatísticos (produção e população) e entrevistas com ferroviários e
passageiros que de alguma forma se relacionaram com a EFBM.
É uma ferrovia que tem sua origem intimamente ligada ao projeto liberal mineiro de
descentralização do Império, principalmente, o projeto pensado por Teófilo Otoni e sua
Companhia de Navegação do Mucuri. Sua história faz parte da constituição de uma
2
Esta exposição foi realizada por meios próprios e o apoio das organizações dos Festivales de Itinga (1998),
Jordânia (1999) e do médico e ecologista Ivan Claret de Nanuque em 1999.
3
Como trabalhos significativos citamos HARDMAN, Francisco Foot – Trem fantasma: a modernidade na
selva – SP: Cia das Letras, 1988; EL-KAREH, Almir Chaiban - Filha Branca de Mãe Preta: a Companhia
Estrada de Ferro D. Pedro II, 1855-1865 - Petrópolis, RJ: Vozes, 1982; MAIA, Andréa Casa Nova – Nos
Trilhos do Tempo: memória da ferrovia em Pedro Leopoldo – Belo Horizonte, Mazza Edições, 2003;
QUEIROZ, Paulo Roberto Cimó – Uma Ferrovia Entre Dois Mundos: a EF Noroeste do Brasil na primeira
metade do século 20 – Bauru, SP: EDUSC, 2004. Mais sobre esta diversidade ver Bibliografia.
15
identidade regional que conhecemos hoje como nordeste mineiro. Isto é, a zona entre os
vales do Jequitinhonha e Mucuri e a fronteira do Sul da Bahia e Espírito Santo.
A questão central do trabalho é o entendimento do processo de como esta ferrovia
se estabeleceu com o signo do progresso e redenção de uma região e foi erradicada sob o
signo do atraso. Ambas ações financiadas pelo Estado.
É importante ressaltar que quando tratamos de Estado significa a relação
permanente, intensa e orgânica entre sociedades civil e política elaborada por Antonio
Gramsci. O Estado é a arena em que se decidem os embates políticos, especialmente e
sobretudo aqueles referentes à difusão das concepções de mundo; é o locus de unificação,
de realização da hegemonia das classes dirigentes. Concepções de mundo que verificamos
nos embates entre as elites e suas orientações morais e intelectuais para a sociedade,
localizadas nas diferentes políticas de transporte por que passa a relação da ferrovia com o
Estado no correr do tempo.
4
A documentação analisada nesta tese foi garimpada nas seguintes instituições:
Suplemento Anual Da Revista Ferroviária (1940 – 1966) Biblioteca da RFFSA/BH;
Relatórios de Província/Estado e do Ministério de Viação e Obras Públicas [MVOP]
(1879-1952) - Internet:
http://brazil.crl.edu Center for Research Libraries/ Latin American
Microfilm Project / Brazilian Government Document Digitization Project / Funding
provided by the Andrew W. Mellon Foundation
; Legislação Provincial/Estadual sobre
ferrovias – Arquivo Público de Belo Horizonte; Legislação Imperial/Federal sobre
ferrovias – Biblioteca do Ministério da Fazenda – RJ; Contrato entre a Companhia EFBM
e Província de Minas Gerais, 1886 – IHGB/RJ; Relatório da CMBEU (Comissão Mista
4
Sobre Estado em Antonio Gramsci ver FERREIRA, Oliveiros S. – Os 45 Cavaleiros Húngaros: uma leitura
dos Cadernos de Gramsci – Brasília, Hucitec/UnB, 1986 p. 206.
16
Brasil Estados Unidos) – 1953 - BMF – RJ; Relatórios da VFCO (Viação Férrea Centro
Oeste) – 1965-1969 - BRFFSA/BH; Guia de Horário de 1949/EFBM – acervo do
pesquisador; Dossiê descritivo da história administrativa da EFBM do MVOP
BRFFSA/RJ; Resoluções administrativas e legislação ferroviária do período das
erradicações - BRFFSA/BH e BRFFSA /RJ; Planos Viários de Minas Gerais de 1896 e
1923 - APM; Jornal Folha de Nanuque (década de 60) – HEMG.
Outro documento importante que utilizamos foram as entrevistas. Montamos um
roteiro que partia da mesma pergunta: Quais as lembranças da EFBM? A partir da resposta
de cada entrevistado seguiam-se assuntos diversos que normalmente envolviam a trajetória
de cada um: sentimentos; o uso do trem; qualidades/problemas; peculiaridades/causos; a
importância da estrada; relações de trabalho; presença comunista; relação com os índios;
relação com os “coronéis”; greve; corrupção; o fim da ferrovia e suas causas. Além disto,
foi feita uma pequena biografia do entrevistado que identifica sua relação com a estrada e
sua origem social. Foram realizadas vinte e três entrevistas, das quais catorze estão
presentes nesta tese.
O processo de abordagem variou de acordo com a forma como o depoente foi
apresentado. Normalmente se deu por um contato telefônico, no qual se faziam as devidas
apresentações, explicava-se a intenção do trabalho e marcava-se um primeiro encontro. Na
maioria dos primeiros encontros a entrevista foi realizada na íntegra sem necessidade de
retorno. Apenas em uma entrevista tal não aconteceu. O encontro começava sempre com
uma conversa descontraída, para quebrar a inibição causada pela presença do gravador.
17
Para que os entrevistados se sentissem mais à vontade, os encontros foram marcados em
local por eles escolhido.
5
Vemos a história oral como metodologia cujo uso sistemático possibilita esclarecer
trajetórias individuais, eventos ou processos que, às vezes, não têm como ser entendidos ou
elucidados de outra forma. São histórias de movimentos sociais populares, de lutas
cotidianas encobertas ou esquecidas, de versões menosprezadas. É claro que tomamos o
devido cuidado para não cair no erro de considerar seu uso como a “verdadeira” história
dos excluídos.
6
Ao mesmo tempo pretendemos tratá-la como documento tão importante
quanto as outras formas de registro e evidências e não como simples suporte para estes.
Nesse caminho, seguimos a orientação de Alessandro Portelli:
7
Fontes orais contam-nos não apenas o que o povo fez, mas o que
queria fazer, o que acreditava estar fazendo e o que agora pensa que
fez.
8
A história oral nos apresenta mais significados do que eventos. “Isso não implica
que a história oral não tenha validade factual.” As entrevistas revelam situações ou aspectos
desconhecidos de eventos conhecidos. Apresentam nova luz sobre as áreas inexploradas da
vida diária das classes não-hegemônicas. Não fornecem dados estatísticos, mas custos
psicológicos dos eventos.
9
A importância do testemunho oral pode se situar não em sua aderência
ao fato, mas de preferência em seu afastamento dele, como
imaginação, simbolismo e desejo de emergir.
10
5
Além de Belo Horizonte, visitamos Betim; Carlos Chagas, Nanuque, Ponta de Areia, Araçuaí e Teófilo
Otoni. Sobre Roteiro ver Anexo V.
6
Sobre História Oral ver FERREIRA, Marieta de Moraes (org.) - Usos e Abusos da História Oral - RJ, FGV,
2000.
7
PORTELLI, Alessandro – O que faz a história oral diferente In: Projeto História, n. 14, SP, fev. 1997 pp.
25-39.
8
Idem p. 31
9
Idem
10
Idem p. 32
18
Dentro dessa importância do documento oral, frisamos que “... o controle do
discurso histórico permanece firmemente nas mãos do historiador. É o historiador que
seleciona as pessoas que serão entrevistadas, que contribui para a moldagem do testemunho
colocando as questões e reagindo às respostas; e que dá ao testemunho sua forma e
contexto finais.”
11
A opção por esse tipo de documento está carregada por um envolvimento profundo,
político e pessoal, que traz o historiador para dentro da história, assumindo suas
responsabilidades e compromissos.
12
Os depoimentos têm um papel importante para entender a relação do Estado com os
trabalhadores e a população atendida pela EFBM e o enraizamento, ou não, do sentido
antieconômico da ferrovia na opinião das pessoas. Além disto os depoimentos contribuem
como parceiros na confirmação de fatos ou conjunturas apresentadas em outros
documentos.
Buscamos nos documentos citados as nuanças, ambigüidades e estratégias dos
discursos do Estado durante o tempo de existência da EFBM (1878 – 1966). Pretendemos
assim, localizar na política de transportes (especificamente ferroviário e o caso da EFBM)
os agentes sociais e os interesses que defendem no embate pela hegemonia do país (direção
intelectual e moral), em seus diversos momentos/temporalidades que a existência da
ferrovia atravessa.
O corte cronológico extenso está ligado à questão sobre a relação do Estado com a
ferrovia. Para isso precisei estudar toda a trajetória da EFBM. O tempo que tive na
11
Idem p. 37
12
Idem p. 38
19
realização deste trabalho não permitiu fôlego suficiente para aprofundar todo o período
proposto. De acordo com os documentos encontrados, privilegiei os cortes temporais
referentes à Primeira República e as conjunturas pós-1945 até a instalação da ditadura
militar, buscando entender e deixar claro o processo de mudança do olhar do Estado sobre a
EFBM. Por ser um trabalho pioneiro no tocante a esta ferrovia, pensamos que a opção por
um corte longo contribui também para evidenciar todo um leque de questões que ainda
estão por ser trabalhadas tanto sobre a ferrovia quanto no processo de formação do nordeste
mineiro. Temas ainda carentes de trabalhos acadêmicos.
REGIÃO, FRONTEIRA, TERRITÓRIO, DES-TERRITÓRIO
“A procura de uma mais-valia máxima conduz a uma especialização
relativa dos centros industriais, sem preocupações de equilíbrio entre
as cidades ou entre as regiões. Nas mãos das burguesias urbanas, a
acumulação do capital efetua-se desigualmente consoante as épocas,
as especulações e os lugares. Mas, de maneira geral, as concentrações
tendem a acentuar-se, aglomerando os meios de produção, a mão-de-
obra e as atividades à volta dos lugares mais polarizantes. O
desenvolvimento desigual do espaço aparece pois como uma regra
e não como um acidente do crescimento. Os desequilíbrios regionais
são normais. A reordenação do território manifesta-se como um
reboco tardio e nem sempre eficaz.”
13
Pensando na multiplicidade de realidades que a região de fronteira proporciona,
adotamos o conceito de região fluida de Frémont. Segundo o autor francês a região fluida
ocorre em países onde o campesinato não possui raízes profundas e os domínios da
civilização industrial são reduzidos.
14
Características que se aproximam do caso do
nordeste mineiro no período estudado. No primeiro momento, podemos considerar a região
como espaço de refúgio e fuga permanente de povos indígenas do colonizador em diversas
13
FRÉMONT, Armand – A Região, Espaço Vivido – Coimbra, Livraria Almedina, 1980 p. 85. Grifo meu.
14
Idem p.168.
20
temporalidades. Em segundo lugar, a presença ocidental/colonizadora foram incipientes até
a segunda metade do século XIX, sendo um espaço pouco enraizado com movimento
migratório intenso. Um lugar de muitas promessas de riqueza e prosperidade.
Nestas condições, a região não pode de maneira nenhuma definir-se
num espaço bem delimitado, tão nítido nos seus contornos como na sua
duração. A região existe de fato, mas numa certa fluidez. Fluidez em
ligação direta com a prevalecente nas relações que unem os homens e os
lugares. Fluidez, quer dizer o caráter daquilo que, como um líquido, é
facilmente deformável, móvel e cambiante, e, deste modo, bastante difícil
de captar.
15
Verificamos esta fluidez na forma como a região é chamada pelo discurso estatal
até meados do século XX e, até hoje, pelo senso comum, como integrante do norte mineiro.
Apesar de alguns autores considerarem o conceito de região um obstáculo, que
estaria obsoleto e sendo sobrepujado pela lógica das redes, acompanhamos o argumento de
Rogério Haesbaert de que o conceito possui vigor e incorporou a idéia de rede.
É o caso, por exemplo, da região funcional (baseada nas redes
urbanas de comércio e serviços) e da região como produto da divisão
territorial do trabalho (fundamentada nas redes de reprodução do capital),
ambas admitindo amplamente a sobreposição de limites regionais.
16
Neste ponto consideramos importante o exemplo de região funcional e de produto
da divisão territorial do trabalho para entender a importância e o papel da Estrada de Ferro
Bahia e Minas.
A partir do entendimento da ocupação deste trecho do nordeste mineiro que liga os
vales do Jequitinhonha e Mucuri ao extremo sul da Bahia, mapeamos o processo de
urbanização e, por conseguinte, da lógica capitalista. Pensando esta região podemos indicar
que a EFBM possui um papel importantíssimo na introdução de um ritmo capitalista e na
15
Idem p. 169-70.
16
HAESBAERT, Rogério – Territórios Alternativos – SP, Contexto, 2002 p. 134.
21
formação da rede urbana que se estabelece entre os vales citados. Por conta deste papel
consideramos que a ferrovia também contribuiu de maneira efetiva na constituição de uma
identidade regional da qual localizamos sinais expressivos na década de 1960.
17
Além
disso, há também uma série de impactos sociais, econômicos, políticos e ambientais no
correr de sua existência e após sua erradicação.
Consideramos o quanto é importante, atualmente, a articulação entre região,
território e rede para dar conta da multiplicidade de campos de ação e análise que existem.
São conceitos que mostram “...a emergência concomitante de situações mais complexas e,
em parte, ambivalentes, em que o controle e os enraizamentos convivem numa mesma
unidade com a mobilidade, a fluidez e os des-enraizamentos”
18
Nossa experiência com a região em estudo nos aponta para este tipo de abordagem
do espaço, com o intuito de nos levar para a questão principal desta tese que se encontra no
olhar do Estado sobre a EFBM em diversas temporalidades.
Antes de chegar neste ponto é importante definir como vemos território e rede.
Para entender território nos remetemos ao “espaço social” de Frémont. Este define
o território de um grupo ou de uma classe numa dada região proporcionando “...uma malha
na trama das relações hierarquizadas do espaço e dos homens...”.
19
Nesta malha/rede
localizamos movimentos e mutações dos espaços sociais que, no nosso estudo, se
encontram no campo da fronteira. Espaço de movimento, conflito, conquista, imposição,
convencimento. Vemos fronteira como agente histórico, sendo “um espaço privilegiado da
produção de antagonismos e laços de solidariedade, da afirmação e negação de identidades,
17
Analisamos este fato por meio de artigos de jornais da região que se encontra no capítulo V que trata do
processo de erradicação dos trilhos.
18
HAESBAERT, op. cit. p. 137
19
FRÉMONT, op. cit. p. 145
22
da (re)elaboração de representações, da (re)invenção de lendas e tradições, do desencontro
dos homens, dos conflitos e das conquistas materiais.”
20
Conflitos entre concepções de
vida, visões de mundo e tempos históricos.
Francisco Antônio Zorzo, a partir das referências de Deleuze, Guattari e Foucault,
propõe o conceito de território como a expressão de uma força social que singulariza o
espaço e deve ser pensado como um fluxo, apresentando uma multiplicidade que se
sobrepõe, se prolifera, se desdobra, se soma espacialmente.
21
Segundo Haesbaert, território sempre esteve mais próximo das idéias de controle,
domínio e apropriação (políticos e/ou simbólicos).
22
Através das práticas sociais e da técnica, o espaço natural se transforma e
é dominado, tornando-se um espaço quase sempre “fechado, esterilizado,
vazio”, como o espaço dos aeroportos e das auto-estradas. Esse conceito
de espaço dominado só adquire sentido quando contraposto “ao conceito
inseparável de apropriação.
23
A partir do conceito de apropriação de Lefebvre temos “...um processo efetivo de
territorialização, que reúne uma dimensão concreta, de caráter predominantemente
“funcional”, e uma dimensão simbólica e afetiva. A dominação tende a originar territórios
puramente utilitários e funcionais, sem que um verdadeiro sentido socialmente
compartilhado e/ou uma relação de identidade com o espaço possa ter lugar.”
24
Ainda, com Haesbaert, “... o território é o produto de uma relação desigual de
forças, envolvendo o domínio ou controle político-econômico do espaço e sua apropriação
20
MYSKIW, Antôno Marcos - Verbete Fronteira In: MOTTA, Márcia (org.) - Dicionário da TerraRJ,
Civilização Brasileira, 2005 pp. 226 – 229
21
ZORZO, Francisco Antonio – Ferrovia e Rede Urbana na Bahia (1870-1930) – Feria de Santana,
Universidade Estadual de Feira de Santana, 2001 p. 6
22
HAESBAERT, op. cit. p.119
23
Idem p. 120
24
Idem
23
simbólica, ora conjugados e mutuamente reforçados, ora desconectados e
contraditoriamente articulados.”
25
Nas leituras que adotamos é recorrente a ligação entre território e rede, tornando
mais complexas as realidades sociais estudadas. A idéia de rede surge no século XIX para
explicar as formas espaciais disseminadas pelo capitalismo: redes de transporte articuladas;
redes urbanas; redes técnicas... Redes para “destruir e reordenar territórios”
“Poderíamos afirmar, então, que as sociedades tradicionais eram
mais territorializadas, enraizadas, e que a sociedade moderna foi se
tornando cada vez mais “resificada” ou reticulada, quer dizer,
transformada através de fluxos cada vez mais dinâmicos, marcados
pela velocidade crescente dos deslocamentos, passando de um mundo
“tradicional” mais introvertido para um mundo “moderno” cada vez
mais extrovertido e globalizado. Isso não significa, entretanto, (...) que
a desterritorialização, através de redes (especialmente as redes do
capital financeiro e da sociedade de consumo), torna-se cada vez mais
dominante, como se um processo inexorável rumo a um mundo “sem
territórios” estivesse em vias de concretização.”
26
No caminho desta reflexão sobre espaços sociais, fluidez, fluxo, apropriação,
controle, domínio, relações desiguais de força, espaço de fronteira, territorializações, des-
territorializações pensamos a ferrovia como elemento que carrega tudo isso ao se instalar
em determinada região. Instaura um território fértil de representações de diferentes grupos
sociais e códigos de um movimento mundial de modernização que fez parte da expansão
capitalista em diferentes regiões do mundo. Ao mesmo tempo des-territorializou os
“códigos culturais baseados em ritmos locais tradicionais, remodelando o alinhamento das
instituições existentes.”
27
As práticas territoriais tornam-se, portanto, uma fonte privilegiada
para o estudo de uma sociedade que pegou o trem da modernização sem
25
Idem p. 121
26
Idem p. 122
27
ZORZO, op. cit. p. 2
24
passar pela revolução burguesa nem pelos outros acontecimentos da era
industrial, tidos como os grandes relatos da modernidade. O estudo
territorial, por meio de análises aparentemente simples dos movimentos
da população, dos limites e fronteiras, da conectividade de redes de
comunicação e transporte reintroduz o estudo das diferenças de
desenvolvimento econômico no processo de expansão do capitalismo e
pode tornar compreensível a complexidade e a singularidade daquela
realidade regional.
28
O caso da EFBM possui o perfil acima citado, mostrando a importância de
entendimento da construção do espaço vivido do nordeste mineiro. Agregamos a esse olhar
das práticas territoriais a perspectiva gramsciniana de Estado ampliado e Hegemonia,
aprofundando os campos de disputa de poder, mostrando a existência de uma autonomia
estatal diante dos interesses diretos dos grupos dominantes.
Ter hegemonia é assegurar a direção intelectual e moral do
processo político-social, impondo uma concepção de mundo que seja
aceita por meio de convencimento ou de ações coercitivas ampliando
o espaço social em que atua ao longo de determinado período
histórico.
29
Sobre esta perspectiva recorremos ao argumento do território ferroviário e de seu
ritmo de máquina que impõe determinadas formas de vida do mundo do trabalho e do
consumo. A ferrovia pode ser vista como uma manifestação cultural de determinada classe
social (a burguesia) que penetra os corpos e as almas dos outros tornando-se bem universal.
A ferrovia faz parte de um processo de orientação “moral e intelectual”, fruto das disputas
de poder e visões de mundo da elite brasileira, que se faz pelo uso de coerção e
convencimento. Coerção na perseguição eliminação/aculturação dos povos indígenas, na
ocupação das terras e imposição de regras e hábitos. Convencimento pelo argumento
modernizador, velocidade, surpresa, promessas de riqueza e prosperidade, aproximação do
28
ZORZO, op. cit. p. 3
29
Ver FERREIRA, Oliveiros op. cit. p. 221
25
centro da civilização.
30
Elementos que contribuem e podem ser aprofundados se pensarmos
a reprodução ampliada do capital ocorrida pela moldagem do Estado e o estabelecimento e
imposição de uma ação econômica universalmente aceita pelo senso comum – ação que
exclui de sua órbita de interesses e benefícios a grande maioria da sociedade.
31
Desde o início devemos deixar bem claro que não pretendemos defender o retorno
da EFBM ou encontrar os culpados de seu arrancamento. Por mais dramático que sua
história se mostre e emocione, nossa intenção é tentar trazer um caminho de entendimento
do processo que levou a esse drama. Um processo que se encontra muito além do período
autoritário da ditadura militar ou do nacional-desenvolvimentismo de JK. Um processo que
tem sua essência no comportamento e resultado dos embates das diferentes elites gestoras
das políticas públicas do Brasil desde o Império. Representantes de um Estado que
interfere, muda vidas, concentra riquezas, exclui, divide, e conduz a mudança do seu jeito.
***
A partir dos referenciais teóricos e dos documentos apresentados acima, dividimos
esta tese em cinco capítulos. O primeiro faz um resumo da ocupação da região onde foi
instalada a ferrovia e que hoje é denominada nordeste mineiro. Além disso, mostramos uma
leitura da formação da elite liberal do Serro e Diamantina cujos projetos são fundamentais
para entender a ocupação intensa do espaço existente entre a margem direita do
Jequitinhonha, a bacia do Mucuri e o extremo sul da Bahia. Ocupação que explicita o
conflito com os povos indígenas da região e o processo de des-territorialização desses
mesmos povos. O instrumento representativo deste processo foi o empreendimento da
Companhia de Navegação do Mucuri realizado pelo liberal do Serro, Teófilo Otoni.
30
ZORZO, op. cit. p. 122
31
FERREIRA, Oliveiros op. cit. p. 84 -5.
26
O segundo capítulo continua a mostrar o processo de formação do nordeste mineiro,
sendo foco principal o momento posterior ao fim da Companhia de Navegação de Teófilo
Otoni. Tratamos então da instalação do aldeamento capuchinho de Itambacuri e da EFBM.
Dois instrumentos importantes para entender o processo de des-territorialização do
elemento indígena e de formação de um outro território que começa a apresentar uma elite
proprietária com certa influência política e econômica.
O capítulo seguinte trata exclusivamente da EFBM e sua relação com o Estado
Republicano do final do século XIX e início do século XX. Relação pautada por uma
política que caminhou no fio da navalha entre valores liberais que propunham uma
autonomia da ferrovia com a administração pública e valores intervencionistas que
possuíam a preocupação estratégica de Minas Gerais em estimular intensamente o
desenvolvimento econômico das diversas regiões do Estado.
O penúltimo capítulo analisa o processo de enraizamento do território ferroviário
que ganha força na década de 20 e se cristaliza com a chegada dos trilhos em Araçuaí, no
ano de 1942. Ao mesmo tempo mostramos o processo de mudança da administração
estadual para a federal e como ganha força a mudança de olhar do Estado sobre a ferrovia.
Analisamos os problemas estruturais que se agravam com a conjuntura de Guerra Mundial
e crescimento da opção rodoviária que surge com força a partir dos resultados apresentados
pela Comissão Mista Brasil Estados Unidos. Resultados que vão ter papel importante na
definição das políticas de desenvolvimento do país principalmente durante e depois do
governo do presidente JK.
O quinto e último capítulo dá continuidade à análise das políticas de
desenvolvimento do país após os estudos da CMBEU até a ditadura militar e a tendência da
27
política de transportes em privilegiar a construção de rodovias e implementar um plano de
erradicação de ramais ferroviários antieconômicos.
No plano da região procuramos analisar o processo de erradicação da EFBM que é
marcado por um embate entre os argumentos macroeconômicos do Estado
Administrativo/Tecnocrata e parte da elite/sociedade civil organizada da região que
pretendia manter a ferrovia em função de um projeto político emancipacionista do nordeste
mineiro e extremo sul da Bahia.
Além disto oferecemos ao leitor a possibilidade de aprofundar as leituras que
propomos na presença de cinco anexos que tratam dos seguintes assuntos, respectivamente:
I - registro da trajetória de receita e despesa da EFBM em quase toda sua existência;
estatísticas variadas (densidade de tráfego, quantitativo de cargas e passageiros; despesas de
pessoal e equipamentos); quadro sobre o comportamento da quilometragem das ferrovias
no Brasil; II - trata das estatísticas de produção agropecuária do nordeste mineiro; III -
registro de 14 entrevistas na íntegra e do roteiro de entrevista elaborado para esta tese; IV –
dados da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros com que indicam a contribuição da
EFBM na formação da rede urbana montada no entorno de seus trilhos e a relação das
estações da ferrovia.
Terminadas as devidas explicações, convidamos o leitor a seguir pelos meandros
dos trilhos do Caminho de Ferro que ligou o extremo sul da Bahia e o nordeste mineiro
durante 84 anos.
Boa Viagem!
28
CAPÍTULO I
O GRANDE NORTE
“Toda a região, desde o rio das Pedras até as cabeceiras
do Mucuri, forma uma das regiões agrícolas mais
extensas e uniformemente férteis do Brasil, que fica ao
sul do Amazonas, e não posso deixar de exprimir a
minha firme crença de que, tendo a natureza tão
abundantemente favorecido o Mucuri, em dias não
muito distantes vê-lo-ei regurgitando de gente e
constituindo a principal via de comércio com o interior
de Minas.”
(Charles F. Hart – Geologia e Geografia Física do Brasil)
1
Sabemos que Minas são muitas. As minas do centro com sua formação
colonial/barroca, sede da capitania, província e estado. As do sul e seu diálogo profundo
com São Paulo e seus bandeirantes tendo o Rio Grande como divisa. As do Oeste que se
juntam ao Triângulo no caminho para o planalto central. A Mata que divisa com Rio de
Janeiro e Espírito Santo. O Norte que segue os cursos do São Francisco e Jequitinhonha,
com seus diamantes e gado. O Vale do Rio Doce que caminha para o Espírito Santo e
compõe o Leste mineiro. Por último, deixamos o nordeste das Minas. Parte do nosso objeto
de estudo e região que tem pouca influência da civilização ocidental até pelo menos o início
do século XIX. Território quase exclusivo de vários grupos indígenas genericamente
chamados de botocudos pelo colonizador. A Coroa portuguesa deixou praticamente
intocada a área cujas fronteiras naturais podemos situar entre o vale do Jequitinhonha (sua
margem direita), o sul da Bahia entre Belmonte/Porto Seguro até a fronteira com o Espírito
Santo, fechando no território mineiro pelo vale do rio Mucuri. Como se forma essa região?
Como se relaciona com o Estado?
1
CHAGAS, Paulo Pinheiro -Teófilo Otoni: ministro do povo – Belo Horizonte, Itatiaia, 1978 p. 162
29
Enquanto boa parte de Minas Gerais possui uma história de colonização que
remonta aos séculos XVII, XVIII e sua constituição de região
administrativa/política/cultural, o nordeste mineiro (como também o rio Doce) se constitui
representativamente a partir da segunda metade do século XIX e primeira do XX.
Quanto ao debate sobre a nomeação norte mineiro não é nossa intenção polemizar
tal assunto. O uso deste termo é feito a partir das evidências que mostram como os atores
históricos se nomeavam regionalmente. No correr deste e do próximo capítulo temos vários
exemplos dessa nomeação em mapas, passando por periódicos de Serro e Diamantina e em
documentos que tratam da questão indígena do Itambacuri. A nomenclatura norte mineiro,
válida para toda área acima da região ferrífera de Minas, se estende nas evidências até o
início do século XX. Em 1901 começamos a perceber uma diferenciação nesta
nomenclatura que passa a distinguir o norte do nordeste. Distinção que pretendemos
acompanhar durante todo o trabalho.
Antes do século XIX, a região foi visitada e em parte ocupada pelo colonizador
português da capitania de Porto Seguro na sua busca de pedras e metais preciosos.
Uma ocupação rarefeita de expedições exploradoras, sem enraizamento. Como
Francisco Bruza de Espinosa e o jesuíta Azpicuelta Navarro que em 1554 seguiram o
Mucuri rumo ao norte acreditando na existência do Eldorado (Lagoa Vupabuçu, Serra
Resplandecente...) no Jequitinhonha. Na mesma trilha encontramos Martim Carvalho
(1567), Sebastião Fernandes Tourinho (1573), Antonio Dias Adorno (1580), Diogo Martins
Cão e Marcos de Azeredo (1598).
A partir de 1674 tem-se notícias da formação de povoados na expedição de Fernão
Dias Pais: Ibituruna, Itacambira, Itamarandiba, Serro Frio, Rio Doce, sertões da Bahia e a
lagoa de Água Preta no Mucuri, onde encontra turmalinas.
30
Em 1752, ainda em busca de pedra preciosas, o Mestre-de-Campo João da Silva
Guimarães instalou uma fazenda no Mucuri durante três anos, sendo rechaçado pelos índios
forçando o retorno a Minas Novas, cidade polarizadora da região. Na mesma época
Teixeira Guedes encontra o Rio Todos os Santos (afluente do Mucuri, onde mais tarde será
instalada a cidade de Filadélfia)
2
A ocupação mais efetiva da região tem início com a chamada guerra justa
incentivada por D. João VI em 1808. Uma Carta Régia ordenava a formação de militares
para a guerra e liberava a escravização de índios “enquanto durasse a sua ferocidade”.
Além disso incentivava o povoamento da mata, dispensando os colonos do pagamento de
impostos por dez anos e perdoando por seis anos aos devedores do governo que fossem
abrir posses no que hoje conhecemos como nordeste de Minas.
3
Diante desses incentivos encontramos a parceria do Coronel Bento Lourenço Vaz
de Abreu e Lima e o ministro da Coroa Conde da Barca na abertura de uma estrada pelo
vale do Mucuri, ligando Minas Novas à foz do mesmo rio em S. José do Porto Alegre. O
ministro financiou a expedição do Coronel e instalou uma fazenda às margens do Mucuri
com a intenção de explorar as madeiras de lei ali abundantes. Chegaram a construir pontes,
mas tanto a fazenda como a estrada não resistiram à pressão dos ataques indígenas e foram
esquecidas após a morte do Conde.
4
2
CHAGAS, Paulo Pinheiro op. cit. p. 150
3
RIBEIRO, Eduardo Magalhães (org.) - Lembranças da Terra: histórias do Mucuri e Jequitinhonha –
Contagem, Cedefes, s/d p. 183. O incentivo da ocupação reforça a vontade da Coroa Portuguesa de estar
presente em todo território de seus domínios, não só ocupando, mas produzindo riquezas. No mesmo período
temos registros de doações de salinas na Lagoa de Araruama. Ver Giffoni, José Marcello - Sal: um outro
tempero ao Império (1801-1850) – Rio de Janeiro, APERJ, 2000.
4
CHAGAS, Paulo Pinheiro op. cit. p. 151 e MATTOS, Izabel Missagia - Civilização e Revolta: os botocudos
e a catequese na província de Minas – Bauru, EDUSC, 2004 pp. 98-99 - de acordo com as memórias sobre o
Mucuri escritas pelo Barão de Tschudi
.
31
Em 1834 o governo provincial buscou um lugar para instalar um presídio,
suscitando a navegabilidade do Mucuri. O local do presídio e a confirmação da
navegabilidade ficou a cargo do engenheiro francês Pierre Victor Renault em1836, por
ordem da Província de Minas. O engenheiro considerou que os “bugres” que habitavam o
Mucuri eram o único obstáculo que se oferecia a uma comunicação, por água, entre a
comarca de Minas Novas e o litoral.
5
Em 1845 a província da Bahia realizou uma expedição sob o comando do tenente
de navegação Hermenegildo Barbosa de Almeida que explorou os rios Mucuri e Peruípe,
confirmando a navegabilidade do primeiro de sua foz até a cachoeira de Santa Clara.
Almeida descreveu os povos do Baixo Mucuri e indicou o excesso de hostilidades das
autoridades locais com os índios.
6
Em 1847, o presidente da província Quintiliano José da Silva retoma a questão do
povoamento do Mucuri:
Em todo o sistema fluvial de Minas, é o rio Mucuri um daqueles que no
presente, oferecem maiores vantagens, não só por sua fácil navegação como
pela fertilidade de suas matas e pela salubridade de seu clima. (...) O meu plano
é, além da complexa exploração do rio, torná-lo quanto antes navegável, ao
menos por canoas, desde a barra de Todos os Santos até sua foz no oceano, na
Vila de São José do Porto Alegre [hoje Mucuri -BA].
7
As promessas de riquezas, terras ubérrimas e prosperidade atravessaram os anos
que nos levam à aventura do liberal histórico Teófilo Otoni. Segundo Paulo Pinheiro
Chagas, ainda em 1836 Otoni tinha olhares para o nordeste mineiro, especificamente a
região do Suaçuí Grande. Em 1841, como deputado, entrou no debate sobre a comunicação
de Minas com o mar, colocando vantagem no plano de ligar Minas-Novas a Caravelas:
5
CHAGAS, op. cit. p. 152
6
MATTOS, op. cit. p. 102-03
32
O município de Minas Novas se aproveita já do Jequitinhonha e de sua
nascente e insignificante navegação para obter alguns gêneros de primeira
necessidade da Bahia; muitos outros desses gêneros, ou se vão buscar em
costas de bestas à cidade da Bahia ou ao Rio de Janeiro, caminhando-se por
terra a distância de cento e cinqüenta para duzentas léguas. Toda esta
interessante comarca está, entretanto, em muita vizinhança com Porto Seguro e
Caravelas. A população tem afluído para aquele lado e se facilitarem as
comunicações, o algodão, interessante ramo da produção agrícola de Minas
Novas, e que hoje talvez não se produza em maior escala em razão das
despesas extraordinárias de transporte, imediatamente terá um incremento
considerável (...)
8
É a partir da experiência proporcionada por Teófilo Otoni que vislumbramos uma
ocupação mais sistemática da região que nos interessa. Precisamos fazer um desvio para
buscar algumas explicações que vão nos dar alguns fios a serem puxados e tecidos sobre a
origem de Otoni e seus projetos.
Entender a formação do nordeste mineiro para além da seqüência cronológica
apresentada acima nos levou a um mergulho que passa pela biografia de Teófilo Benedito
Otoni e aprofunda para antes do século XIX remetendo-nos à formação e participação
política das elites do chamado Norte Mineiro que possuía como cidades pólo Diamantina e
Serro.
Uma história que começa na exploração do diamante pela coroa portuguesa com
seus rigores e vícios de poder. Uma relação de opressão baseada na exploração mercantil
que contribuiu na formação de uma elite questionadora da ordem monárquica e que vai se
impor e provocar debates e ações importantes no cenário político do Império.
No Norte Mineiro o policial precedia o judicial, a justiça se fazia pelas forças
aquarteladas no Tijuco demonstrando que o interesse da interiorização da Coroa visava
7
CHAGAS, op. cit. p.153
8
CHAGAS op. cit. p. 154
33
apenas ao “exclusivo mercantil”.
9
O Estado é o responsável pela instalação da cidade e de
seus aparatos oficiais e a Igreja, sendo uma instância de poder.
10
A instalação da cidade por conta da exploração de diamantes e ouro provocou
também a construção de uma vocação agrícola e pecuária para a periferia (a região do
Serro, mata do Peçanha e Rio Vermelho) do distrito diamantino diante da carência de bens
de primeira necessidade do mesmo.
Segundo José Moreira de Souza “a vigilância da ordem territorial” instalada no
distrito diamantino desenvolveu “uma consciência anti-realeza, anticlerical e,
aparentemente, anti-absolutista, ao mesmo tempo que cuidará de manter clandestinos os
processos que conduzem a tal.”
11
Ainda o mesmo autor nos mostra que a elite do norte mineiro se constituiu por
uma estratificação étnica que passa dos valores econômicos e institui a dominação pela
ameaça e emulação de seus valores firmando sua hegemonia. Uma elite forjada não só pelo
estrato étnico dominante e “civilizador” branco – representado principalmente pelas ações
das irmandades religiosas leigas – mas também pela incorporação de valores de outros
estratos étnicos como o lundu, o quimbete, o candombe, o reinado, a dança de caboclo,
assim como valores brancos (a modinha, a marujada, doces e quitandas) que se
“mulatizam”:
É a crioulização do branco e do negro que enseja a estratificação étnica.
Diferenciando-a da estratificação por casta ou por estamentos, encobrindo-as
quando tentam se afirmar como diretoras. Afinal, o processo determinante
maior é o que aponta para a explicitação do problema do Estado mercantil, da
independência política de uma elite que se criouliza, ou seja, constrói valores
9
SOUZA, José Moreira de – Cidade: momentos e processos Serro e Diamantina na formação do Norte
Mineiro no século XIX – São Paulo, Marco Zero, 1993 p. 29
10
SOUZA, op. cit. p. 33
11
SOUZA, op. cit. p. 33 e 42
34
próprios perante situações concretas de dominação, criando o espaço
apropriado.
12
O espaço construído por esta elite crioula difere da oligarquia, propõe a integração
nacional, promove uma convergência que fixa uma identidade regional e aponta para um
discurso nacionalista.
13
Discurso construído pela leitura de clássicos e da formação dos
filhos desta elite na Europa iluminista que busca o fim da dominação do território pelo
processo mercantil, passando a promover a construção de novo espaço social que implique
viver e defender seus interesses no lugar da exploração querendo mudar sua condição de
subsidiário do processo mercantil.
14
Como exemplo deste posicionamento político temos a “Conjuração do Tijuco
(1798-1801) que tem início na insatisfação do excesso de poder delegado ao intendente e os
fiscais do distrito diamantino que se desenrola por uma luta pela privatização do direito às
lavras e num debate sobre a participação do Estado, cidadania e inserção de Diamantina no
processo político regional.
15
O esforço da elite do Tijuco na transição de Reino Unido para
a Independência é o de se aproximar e identificar com as Minas do Norte, as Minas do
espaço clandestino dos caminhos da Bahia e construir, através da representação da
“liberdade”, o conceito de cidadania.
Busca-se um direito à cidade que vai além do acesso de morar num sítio com ruas
e praças, igrejas e teatros, Câmaras. A elite diamantina se sentia aprisionada, limitada, sem
o direito do livre encontro à manifestação e a condições de construir sua própria linguagem.
A Conjuração do Tijuco terminou favorável à elite local que desenvolveu
comércio e aumentou sua influência, dando fôlego para a construção de um espaço de
12
SOUZA, op. cit. p. 47
13
Segundo SOUZA este comportamento é “útil à gestação de uma “burguesia” crioula – patriciado – com
pretensão de ser apenas preposto dos centros de consumo.” op. cit. p. 49
35
poder no Norte Mineiro que se concentrava entre a Vila do Príncipe (Serro) e Diamantina.
Ambas com elite letrada, a primeira era sede da Comarca e a segunda possuía população e a
força do diamante.
16
Espaço de poder que gesta a “organização de um governo provisório que se
deveria estabelecer em Vila do Príncipe”, com o apoio de Rio Pardo e Minas Novas.
17
O despertar do Distrito Diamantino para a cidadania é o despertar
de uma nova região, o Norte Mineiro, que, durante o século XIX, se
esforçará, através de suas elites, por ter voz e espaço próprios,
representação e propostas específicas da urbanidade. (...) caberá ao Tijuco
concentrar população, enquanto Vila do Príncipe continuará a promover o
surgimento de povoados e estabelecer neles, através das ações do Senado
e da Casa da Câmara, as formas de dominação discutidas que, sem
transigir, civiliza os moradores, indicando-lhes a convivência pacífica.
18
Da união de Serro e Diamantina surge um projeto de articular o Norte Mineiro
como espaço regional, sendo suas fronteiras a Comarca do Serro Frio, o sertão do São
Francisco e os limites desconhecidos com o Espírito Santo.
19
Delimitação geográfica que
confirmamos em mapas do século XIX mostrando um norte que transcende aos pontos
cardeais.
20
14
SOUZA, op. cit. p. 48
15
Sobre a Conjuração do Tijuco ver SOUZA, op. cit. p.51-58
16
Segundo SOUZA - “A aliança entre as elites crioulas da Vila do Príncipe e os proprietários do Distrito
Diamantino, (...) permite que não se confunda a presença de prepostos da dominação mercantil com a aliança
dos moradores. A escolha de vila do Príncipe como lugar apropriado para sediar o governo provisório indica
suficientemente que as elites da região reconheciam os méritos dos moradores daquela localidade para se opor
às pretensões de continuísmo que se desenvolviam na capital.” op. cit. p. 61
17
SOUZA, op. cit. p. 60.
18
SOUZA, op. cit. p. 63.
19
SOUZA, op. cit. p. 62. Grifo meu.
20
Mapa encontra-se em BLASENHEIM, Peter L. – As Ferrovias de Minas Gerais no século XIX In: LOCUS:
Revista de História, Juiz de Fora, vol 2, n.2 p. 81-110.
36
Constitui-se uma elite que busca a cidadania como uma forma de afirmação
regional, mudando as relações com a região de que depende. Diamantina concentra
população e mantém o poder de decisão na cidade, chamando as elites locais a se reunirem
lá para negociar o processo de urbanidade. O Serro reconhece a importância de Diamantina
e se especializa em atividades de abastecer o mercado florescente do Tijuco.
Em 1821 a região apresentava elevada taxa de alforrias, um terço de pretos livres,
e números expressivos de reprodução interna de escravos, metade da população escrava era
formada por pardos. Para o mesmo ano, os brancos contam 14% da população livre e pretos
forros são 25% entre os livres.
21
No correr do século XIX a denominação regional de Serro perde espaço para a
denominação de Norte. Na verdade há uma ampliação das fronteiras regionais que passam a
abranger a Mata do Suaçuí, Doce e Turvo chegando à região de pecuária de Montes Claros,
Salgado e Minas Novas. A imprensa desenvolvida entre Serro e Diamantina
21
SOUZA, op. cit. p. 64 – 65.
37
(respectivamente 17 e 77 periódicos entre 1820 e 1910) mostra o esforço de disseminar a
representação do Norte em âmbito regional e nacional.
22
Um esforço de industrialização ganha força com a chegada da Corte Portuguesa ao
Brasil. A política de D. João VI estimulou a introdução da indústria têxtil e gráfica no
Serro, gerando os primeiros jornais. Constituem-se também sociedades de capital dando
outro proveito ao que foi entesourado ou era consumido com produtos manufaturados na
Europa, sendo uma dessas sociedades a de industrializar o diamante, “setor que mantinha a
dependência da região para a dominação mercantil.”
23
Ao mesmo tempo a instituição de privilégios privados de exploração das lavras e a
exploração direta do Estado monárquico fortaleceram os conflitos na ordem espacial que se
mostra na crioulização da elite regional que aspirava a ser dirigente. No processo de
Independência mostram seu projeto alinhado aos ideais da Revolução Francesa:
federalismo, industrialização e desenvolvimento de mercado autônomo.
24
Tal projeto esbarrava na conjuntura de formação do Estado Brasileiro que, para
manter a unidade territorial e política, exigia a continuidade do empreendimento de uma
oligarquia mercantil-escravista centralizadora. Aliado a esse quadro encontramos as regiões
“centrais” num esforço de obter produtos de exportação e consolidação de seus mercados
regionais por meio de suas forças produtivas e redirecionamento do capital/dinheiro
acumulado no interior do empreendimento.
25
Forma-se a percepção de articulação entre os lugares do interior da região
mercantil-escravista gerando força econômica e política que prepara a formação de uma
22
SOUZA, op. cit. p. 67.
23
SOUZA, op.cit p. 68.
24
SOUZA, op.cit p. 70.
25
Idem
38
identidade norte mineira agregando os interesses das zonas dos currais com a mineração
(ouro e diamante).
26
“Os interesses regionais não se mostram apenas nos aspectos de
representação do espaço e de suas especificidades; a idéia básica é a de
ampliação do direito do cidadão, conduzida pela condição de participar da
vida econômica, eliminados os entraves da dominação mercantil e, por
conseqüência, na vida política, determinando o próprio destino.
Resultará disso o desenvolvimento de propostas de formação de uma
região específica, com políticas adequadas de colonização, entendida
em sentido estrito, de consolidação de mercado regional e de ruptura
definitiva com o modelo oligárquico que cria constrangimentos ao
desenvolvimento regional.”
27
Diante deste quadro desenvolvem-se duas correntes entre as elites locais: aqueles
que são a favor do regime monárquico representativo e mantêm a dominação mercantil e os
que defendem as idéias federalistas e liberais radicais apostando nas mudanças de relações
de produção e na industrialização.
Dessas duas correntes seguimos o rumo dos radicais e seu projeto liberal para
entender os caminhos que levam à formação do nordeste mineiro.
28
Em Minas, a ideologia liberal vinha-se formando desde que o regime
“colonial” entrou em crise. A formação do projeto liberal no Norte Mineiro,
além da figura do Padre Rolim, contará com a dos irmãos Vieira Couto e,
posteriormente, o outro ramo dessa família, os Vieira Otoni, a que se alinham
os Queiroga e os Machado.
29
Proprietários ilustrados e abastados que consideravam ter acesso à representação
legítima de nação e à percepção da inconveniência da ordem territorial que coage
“inconscientemente” os não-proprietários e os pequenos proprietários. Liberdade é sentido
e resultado da luta contra a limitação de ser abastado sem poder sobre a ordem espacial que
26
SOUZA, op.cit p. 70-71.
27
SOUZA, op.cit p. 71. Grifo meu.
28
Sobre a chamada corrente conservadora tratamos dela no processo de formação da região salineira de Cabo
Frio (RJ) em GIFFONI, op. cit.
39
se quer nacional. Pensa-se um Estado republicano que vem de uma ilustração mais clássica
(Cícero, Tácito, Cornélio, Plutarco) do que francesa/iluminista. Um projeto que bate de
frente com o Estado monárquico e seu Poder Moderador que se impõe aos “povos” e os faz
reconhecê-lo. Os povos deviam instituir o Estado e não reconhecê-lo simplesmente.
Politicamente, o projeto liberal do norte mineiro busca o poder constituinte dentro
do Estado Monárquico e, economicamente, propõe uma outra ordem visando à criação de
uma nação na qual só a propriedade estabeleceria uma ordem espacial fundamental. O
proprietário é cidadão portador do esclarecimento que é traduzido pelos ideais de
progresso.
Ideais presentes nos componentes básicos do programa liberal: colonização,
industrialização e desenvolvimento técnico, mas que não se mostram questionadores da
ordem escravista, mantendo assim um dos pilares da hegemonia oligarca do Império.
A construção do projeto liberal norte mineiro pode ser dividido em três períodos:
um que abrange a Inconfidência e Independência e tem como autor principal os irmãos
Vieira Couto; outro que vai de 1831 a 1869 que incorpora os ideais representados por
Teófilo Otoni; e por último a geração que passa pela transição de Império/República e tem
como expoentes Josefino Vieira Machado e os irmãos Felício dos Santos.
30
Em Teófilo Otoni, filho da elite crioulizada e ilustrada do Serro, o foco teórico
muda dos franceses para os norte-americanos, em especial T. Jefferson e B. Franklin.
(...)Em Otoni, os EUA aparecem como lugar perfeito, definitivo, acabado. Ali a
história cumpriu, completamente, seu caminho. (...) Otoni dá os EUA como o
tempo e o local da completude histórica: tudo já foi conquistado. O progresso
passa a ser apenas cumulativo na autopreservação da utopia.
31
29
SOUZA, op.cit p. 73.
30
SOUZA, op.cit p. 73-5.
31
DUARTE, Regina Horta – História, Verdade e Identidade Nacional: quatro panfletos políticos do Segundo
Reinado In: LOCUS: revista de História, Juiz de Fora, vol. 2, nº 2.p. 121.
40
Mantém a figura do “cidadão ativo”/esclarecido que entra em defesa dos
“oprimidos” que são considerados irresponsáveis e sem controle. O alvo principal é o
absolutismo e a oligarquia, ao mesmo tempo que é importante negociar diante de uma
possível rebelião irresponsável dos “oprimidos” – a “anarquia”.
32
Seu projeto se mostra
mais político em suas ações como o 7 de abril de 1831; a “republicanização da
constituição” que vem da Constituição de Pouso Alegre e o Ato Adicional de 1834; a
revolta de 1842.
33
Após a derrota em Santa Luzia sua atuação política se reduz, voltando suas forças
para um projeto econômico que se propõe não estar atrelado aos interesses agro-exportador-
escravista, buscando uma descentralização econômica do porto do Rio de Janeiro. No
tocante à escravidão constrói-se um discurso a favor da imigração estrangeira com o intuito
de colonizar o território e reforçar a construção de uma nação.
34
O meio mais seguro de favorecer a emigração para o nosso país será fazer crer,
nos países onde a população pode emigrando dar vantagens ao Brasil, que a
constituição e as leis são uma realidade do nosso país. E os que vierem abrigar-
se debaixo dessa salvaguarda, serão protegidos em suas pessoas e fortuna
contra todos os atentados.
Teófilo Otoni
35
32
SOUZA, op.cit p. 76.
33
SOUZA, op.cit p. 77.
34
Neste ponto recordamos os debates sobre o preconceito da elite letrada quanto a capacidade do trabalhador
nacional e o plantel de escravos para se construir o conceito de nação que pretendiam. Ver COSTA, Emília
Viotti da – Da Monarquia à República: momentos decisivos – SP, Brasiliense, 1987 e COSTA, Emília Viotti
da – Da Senzala à Colônia – SP, Brasiliense, 1989.
35
Segundo SOUZA (...) não é um projeto revolucionário, nem tem poder “intrínseco” de mudar o cotidiano,
lugar privilegiado da reforma da “cultura popular” e das representações. (...) Otoni é pouco explícito quanto a
um programa secularizante. Ataca apenas os aspectos decorrentes da imigração, sem ir ao cerne do
problema(...) In: SOUZA, op. cit. p. 79.
41
Este projeto econômico possui o desenvolvimento técnico e a imigração como
eixos principais na luta contra a opressão do cidadão pelo Estado. Um Estado que
desconhece a nação e quer apenas o domínio do território.
As colônias do Mucuri surgem como ponto convergente dos esforços do norte
mineiro de conquistar seus canais de comunicação e desenvolvimento e também uma
confrontação ao Estado Absolutista/Monárquico.
36
Voltamos do nosso desvio à linha principal com outros olhos sobre a construção
do espaço social do nordeste mineiro.
Em maio de 1847 legaliza-se a Cia. de Navegação do Mucuri. Organizada por
Teófilo e Honório Otoni, tendo como sócios parentes e amigos como Irineu Evangelista de
Souza, o Barão de Mauá. Com aprovação do Império, a Província de Minas entra como
acionista (1/4 das ações) e autoriza:
1. A construção de duas estradas do armazém superior da Companhia para a
cidade de Minas Novas e outra para as de Serro e Diamantina, com faculdade
de cobrar pedágio;
2. Isenção por oitenta anos dos impostos provinciais;
3. Obrigação por parte do governo de não permitir a abertura de outras estradas
que vão ter às margens do Mucuri, da barra do Todos os Santos para cima;
4. Construção de um quartel nas matas do Mucuri.
37
Descobrir os limites quase desconhecidos com a Bahia
38
, colonizar com mão-de-
obra livre européia – germanizar o Mucuri, colonos como associados e não proletários.
Construir uma democracia pela posse da terra baseada na experiência dos EUA de Jefferson
e Franklin. Valorizar as riquezas do norte cortando o nordeste mineiro de estradas.
Respeitar e convencer os povos indígenas dos valores da civilização ocidental. Comunicar
36
SOUZA, op.cit p. 82-3.
37
CHAGAS, op.cit. p. 155.
38
Em mapa do Atlas Chorographico Municipal mostrado por MATTOS, op. cit. p. 323, ainda no ano de 1926
existem áreas de floresta consideradas “pouco conhecida” no município de Teófilo Otoni.
42
o Norte de Minas com o Rio de Janeiro, através do rio Mucuri e do oceano, criando, assim,
um porto de mar para a província central.
Em seus discursos podemos localizar uma vontade represada na experiência como
político e o potencial sonhador de realizar como empreendedor.
39
Da Tribuna da Câmara dos Deputados, pedi ao governo que pusesse o norte de
Minas em comunicação com o litoral do Mucuri. Estava longe de mim fazer
monopólio desta idéia generosa. Mas, depois de bradar em vão seis anos,
procurei realizar, como industrial, o que não tinha podido conseguir como
político.
40
No embalo do sonho descentralizador surge Filadélfia à margem do rio Todos os
Santos evocando a liberdade americana de Thomas Jefferson.
41
Localizada em ponto
estratégico para a comunicação do litoral com o sertão tendo Minas Novas e Peçanha como
pontos de passagem para se chegar ao Serro e Diamantina
42
. Corria o ano de 1853 entre
antigas e novas promessas de riquezas e junto às divergências no trato com os índios
43
dificultando o acesso às suas terras, a mata se fazendo presente nos civilizados com calor,
chuva, doenças (malária), animais, parasitas, muralhas de espinhos e cipós. Desmatar era
necessário para ter saúde. Seguem-se também dificuldades políticas e econômicas com
questionamentos sobre a produção e a qualidade de vida dos colonos ali chegados. Entre
estes vieram indivíduos arregimentados em prisões alemãs que trouxeram outros valores
civilizados diferentes das idéias de progresso, trabalho e modernidade. Eram poucos os que
aceitavam aventurar-se nas fronteiras do nordeste mineiro e Otoni é forçado a usar braço
escravo e contratar colonos que não desejava.
39
CHAGAS, op.cit. p. 156-7.
40
OTONI, Teófilo B. – Breve Resposta In: CHAGAS, op.cit. p. 157.
41
CHAGAS, op.cit. p. 176.
42
CHAGAS, op.cit. p. 199.
43
Ver MATTOS, op.cit. que analisa as contradições da política indigenista do Império e República Velha.
43
A polícia de Potsdam aproveitou o ensejo para depurar a população
daquela cidade, descartando-se de uma centena de indivíduos onerosos e
suspeitos.
44
Quanto à navegação do Mucuri, Teófilo Otoni esbarrou nos dados equivocados de
quem os precedeu causando atrasos e prejuízos.
45
Ainda sobre as dificuldades impostas pela natureza, frei Serafim de Gorizia ,
quarenta anos depois da experiência de Otoni, dizia o seguinte:
Os mosquitos eram insuportáveis, representavam para nós um verdadeiro
martírio, zombando até das fogueiras e da fumaça, e nos causando tão grande
fadiga que, em poucas horas, além de nervosos, nos deixavam extenuados.
46
Aproveitamos o depoimento de frei Gorizia, um dos responsáveis pelo aldeamento
de Itambacuri no final do século XIX, para fazermos outro importante desvio na construção
do espaço social do nordeste mineiro.
São os rumos da espinhosa relação com os povos indígenas da região, os famosos
botocudos. Botocudos que na verdade eram diversos grupos com língua e costumes
diferentes. Segundo Chagas, se dividiam em Giporoks, Macunis, Aranás, Ta Monhecs,
Bakuês, Porukuns, Pojichás, Nak-Nanuks – estes divididos em Potés, Potones,
44
OTONI, Teófilo B. – A Colonização do Mucuri In: DUARTE, Regina Horta (org.) – Notícias Sobre os
Selvagens do Mucuri – BH, Ed. UFMG, 2002.
45
A Companhia do Mucuri se baseou nos estudos feitos por Hermenegildo de Almeida (1846) e do
engenheiro da Companhia em 1851 (Wisenski) que afirmavam a navegabilidade do Mucuri para definir o tipo
de embarcação que circularia pelo rio. Os cálculos foram feitos no período de cheia do rio, no tempo de seca
apenas barcos de calado reduzido poderiam navegar. Isto provocou prejuízos a Cia. Ver
OTTONI, Teófilo B.
– Considerações Sobre Algumas Vias de Comunicação Férreas e Fluviaes a Entroncar na Estrada de Ferro de
D. Pedro II e no rio de S. Francisco Acompanhadas de um Estudo Especial sobre o modo de ligar a mesma
Estrada de Ferro de D. Pedro II com as Secções navegáveis dos rios Verde e Sapucahy. – Rio de Janeiro, Typ.
Do Correio Mercantil, Rua da Quitanda n. 55 – 1865 p. 27 (Documento cedido atenciosamente pela
professora Regina Horta Duarte)
46
Fr. Jacinto de Palazzolo, O. F. M. Cap. Nas Selvas dos vales do Mucuri e do Rio Doce. Apud. CHAGAS,
op.cit. p. 180.
44
Krakatans...
47
Povos que, segundo Teófilo Otoni, tiveram participação decisiva no
estabelecimento da Cia do Mucuri.
48
No século XIX localizamos dois olhares que se completam sobre a questão
indígena do Mucuri: de um lado, vemos a contradição do chamado indigenismo de gabinete
que previa o aldeamento dos povos indígenas e sua absorção pela sociedade majoritária
contra o comportamento hostil com relação aos índios das autoridades e moradores/colonos
da região. Além disso, temos bem claro o esforço do governo imperial de se fazer presente
em todo território nacional por via da ocupação de áreas pouco habitadas.
Pensando a questão indígena no Mucuri confirmamos o que indicam outros
pesquisadores no tocante do olhar sobre os índios no século XIX. A exploração de seu
trabalho perde importância para o interesse por suas terras.
49
Autores como Izabel Missagia de Mattos e Eduardo Magalhães Ribeiro nos
mostram o quanto foi cruel e sofrido o processo de absorção das populações indígenas
daquela região. Um processo que envolve diversas questões passando pela pressão da
sociedade majoritária que empurra diferentes grupos para áreas de florestas cada vez mais
restritas. A obtenção de alimentos se agrava provocando conflitos inter/intratribais que
expulsam grupos da mata, obrigando-os a conviver com a sociedade brasileira. A cultura
desses povos ficou fragilizada ainda mais com as estratégias tanto violentas quanto
“pacíficas” de contato. Enfrentava-se o horror do seqüestro de crianças
50
, a matança de
47
CHAGAS, op. cit. p. 183.
48
OTONI, Teófilo Benedito – Noticia sobre os Selvagens do Mucuri em uma carta dirigida pelo Sr. Teófilo
Benedito Otoni ao Sr. Dr. Joaquim Manuel de Macedo – In: DUARTE, op. cit.
49
Autores que confirmam esta interpretação: CARNEIRO DA CUNHA, Manuela (org.) – História dos Índios
no Brasil – SP, Cia. das Letras, 1992 e SILVA, Francisco Carlos Teixeira da – Camponeses e criadores na
formação social da miséria: Porto da Folha no Sertão do São Francisco (1820-1920) – Niterói, UFF, 1981.
Dissertação de Mestrado em História.
50
Teófilo Otoni denuncia este tráfico de crianças indígenas (kurucas) In: DUARTE, op. cit. p. 49. Também é
comum encontrar o registro na memória das famílias da região o fato de que algum parente, principalmente
45
aldeias por ou sem motivos, a criação de presídios indígenas onde era proibido falar outra
língua que não fosse a língua portuguesa entre outras estratégias. Junto com esta violência
encontramos a imposição de valores como obrigação de trabalho, lucro, propriedade e
religiosidade.
Teófilo Otoni registra, em texto sobre as populações indígenas do Mucuri, a
brutalidade exercida pelos colonizadores/civilizadores da região que usavam de recursos
hediondos como oferecer carne indígena aos cães sob o argumento de caçá-los com mais
eficiência. Tudo muito distante do modelo de civilização.
51
Diante do que viu da relação entre luso-brasileiros e índios, o príncipe alemão
Maximiliano Wied considerou que não haveria memória dos “tapuios”, “pois é indiferente
para as futuras gerações, se um botocudo ou uma fera tenham vivido, outrora, nesse ou
naquele lugar.”
52
É desse conflito que surge a cultura e a identidade que conhecemos hoje dos vales
do Jequitinhonha e Mucuri. Segundo Izabel Mattos, o processo de “civilização” indígena
mostrou-se como uma via de mão dupla em que o “colonizador” também foi “colonizado”
ao ter que se submeter a valores indígenas no processo de negociação de ações para atingir
seus objetivos assimiladores. Isto estabeleceu novas conexões identitárias não previstas
provocando fundamentos para outras formações culturais que se fazem presentes na
região.
53
Podemos também agregar a influência do elemento indígena nas reflexões sobre a
crioulização da elite norte mineira levantada por Souza.
mulheres, tenha sido “pego no laço” ou “pego no perro” (perro – cachorro em espanhol). Memória que
carrega o valor/argumento de que aquele parente “era bugre, mas ficou manso.”
51
DUARTE, op. cit. p. 31-2.
52
RIBEIRO, op.cit. p. 183.
53
MATTOS, op. cit. p. 442. Quanto às manifestações desta influência citamos o sem número de
manifestações culturais ligadas a festas católicas, mas que estão recheados de signos/valores africanos e
indígenas como os Caboclinhos, Catopês, Marujadas, Bois de Janeiro, Folias de Reis.
46
Hoje vemos o quanto essas culturas possuem raízes como no exemplo dos Krenak,
dos Machacalis, dos Aranãs, Pancararus, Patachós que mesmo massacrados fazem-se
presentes com seus valores e estratégias de sobrevivência diante da sociedade majoritária.
54
EVIDÊNCIAS DO CAMINHO DE FERRO
A linha principal vem chegando para desenrolar mais fios de olhares carregados de
cores do passado que pintam um quadro recheado de adjetivos nem sempre de boas
lembranças.
Mesmo diante de problemas, a região continua recebendo colonos, desmatando e
abrindo estradas. Estas últimas tornam-se o principal investimento diante das dificuldades
de navegação do Mucuri, sendo a principal delas a que ligava a cachoeira de Sta. Clara a
Filadélfia, surgindo um plano de uma rede rodo-ferroviária entre Caravelas, Filadélfia,
Minas Novas e Diamantina.
55
Após dez anos de presença no Mucuri, surge a idéia de constituir-se uma nova
província. Projeto que contava com o apoio do Marquês do Paraná, mas não saiu do papel e
de debates legislativos.
A nova província compreenderia a comarca de São Mateus, no Espírito Santo; as
comarcas de Caravelas e Porto Seguro na Bahia; a comarca de Jequitinhonha e parte das do
Serro e S. Francisco em Minas. Seus limites seriam à leste, o oceano; ao norte o rio Pardo,
que deságua no atlântico e o rio Verde, afluente do S. Francisco; à oeste o rio S. Francisco;
e, ao sul o rio Doce e alguns de seus afluentes do noroeste. Com o nome de Santa Cruz,
Mucuri ou Porto Seguro, com uma população de aproximadamente 200.000 habitantes.
56
54
Verificamos isto na presença do índio em várias universidades e a existência de projetos de educação
indígena, com a formação de professores índios como o que existe na aldeia Krenak de Resplendor (MG).
55
CHAGAS, op.cit. p. 202.
56
CHAGAS, op. cit. p. 203. Só vamos ter notícias de uma certa autonomia do nordeste mineiro diante da
influência do norte no período da morte de João Pinheiro (1908).
47
Em 1857, Teófilo Otoni faz algumas considerações logísticas sobre a possibilidade
de uma nova província:
Esta situação foi criada pela Companhia do Mucuri. Todos os que reconhecem
como palpitante esta necessidade pública confessam que só as nossas estradas
tornarão possível a sua realização, e que a estrada de Sta. Clara para Filadélfia
será a principal artéria por onde se comuniquem as marinhas da nossa
província, com seus 30 mil habitantes e o interior (...) Apenas tome algum
incremento as populações das matas ao norte do vale do Paraíba, as
necessidades públicas criar-lhe-ão novos mercados no litoral adjacente. Mas
daqui até os Abrolhos não oferece a nossa costa outros portos onde se possa
imaginar levantado no futuro o comércio estrangeiro, senão o porto da de
cidade de Vitória e o de Caravelas. O porto de Vitória terá de ser utilíssimo às
populações a leste de Ouro Preto, Mariana, Itabira e uma parte do Serro (...) Do
Serro para o norte, porto vizinho, com barra e ancoradouro capaz de sustentar
uma alfândega e um vasto comércio, é o porto de Caravelas. (...) A simples
enunciação destes dados prova que a grande artéria de comunicação, que deve
ligar Caravelas ao interior, tem de seguir o vale do Mucuri, ou, por outra, tem
de ser a nossa estrada de Sta. Clara a Filadélfia, prolongada para o oeste até
Diamantina e, para leste, até Caravelas.
57
Teófilo Otoni nos apresenta um projeto descentralizador do porto do Rio de
Janeiro para toda a província de Minas Gerais a partir das necessidades logísticas de cada
região, no caso o centro e o norte de Minas. Necessidades que não convencem à elite
centralizadora do Império.
Apesar de todo esforço investido na região, o caminho da Companhia é a
encampação pelo Governo Imperial que se nega a ceder empréstimo para manter o
funcionamento das atividades. O dinheiro não vem e governo e Companhia entram num
acordo desfavorável para Teófilo Otoni. Depois de encampada, a Companhia deixa de
existir.
Mesmo com o fim da Companhia, as notícias de fertilidade e promessas de futuro
promissor continuam a surgir dizendo que a terra é ubérrima com sinais de fartura de
57
CHAGAS, op. cit. p. 203-4.
48
gêneros alimentícios. O café introduzido por Otoni apresenta resultados.
58
Fartura
confirmada por Eduardo Ribeiro que localiza em depoimentos de agricultores o registro de
um tempo de “harmonia” com a natureza e abundância de alimentos.
59
Muitos estrangeiros fixam moradia e a violência contra e dos índios recrudesce.
Aumenta a necessidade de terra e a fronteira empurra/massacra/absorve os povos
autóctones.
60
Todos os municípios da zona fisiográfica do Mucuri pertenceram ao primitivo
município de Teófilo Otoni, sem exceção de um só. O município de Teófilo Otoni era
constituído de toda a atual zona do Mucuri. Águas Formosas, Carlos Chagas, Itambacuri,
Malacacheta, Pavão e Poté tiveram seus territórios desmembrados diretamente do de
Teófilo Otoni. Os demais, Ataléia, Bertópolis, Campanário, Frei Gaspar, Frei Inocêncio,
Ladainha, Machacalis, Nanuque, Nova Módica, Pampã, Pescador, S. José do Divino e
Umburatiba desmembram-se dos primeiros. Ampliando a região para o que conhecemos
hoje como nordeste mineiro temos outro município pólo que é Araçuaí, do qual
desmembram-se outros como Itinga e Novo Cruzeiro. E uma parte significativa destes
municípios surge a partir dos acampamentos da EFBM.
61
Em 1857, Teófilo Otoni, no Relatório apresentado aos acionistas da Cia. do
Mucuri, mantém o projeto descentralizador acima citado e adianta a possibilidade da
ferrovia:
58
No início do século XX localizamos uma produção significativa de café no município de Teófilo Otoni
entre outros produtos. No Anuário Estatístico de Minas Gerais para os anos de 1922-1925 (APM) Teófilo
Otoni e Araçuaí aparecem entre os dez maiores produtores do Estado em produtos como: algodão, mamona,
mandioca, café, feijão, batata (doce e inglesa), arroz em casca, amendoim, milho, rebanho bovino e suíno,
charque, mostrando uma produção significativa não só de subsistência, mas voltada para o mercado interno.
Voltaremos a esses dados mais adiante.
59
RIBEIRO, op. cit.
60
CHAGAS, op. cit. p. 246.
49
Não é possível que a alfândega do Rio de Janeiro continue a ser a de toda
a Província de Minas.
Apenas tomar algum incremento a população das matas ao norte do vale
do Paranaíba as necessidades públicas criar-lhes-ão novos mercados no litoral
adjacente.
Mas daqui até os Abrolhos não oferece a nossa costa outros portos, onde
se possam imaginar, levantados no futuro comércio estrangeiro se não o porto
de Vitória e o de Caravelas.
Toda a população da comarca do Serro e a mór parte das do município de
Minas Novas demora ao sul de Caravelas.
O vale de Caravelas e o do Peruípe morrem na cordilheira do mar, e o
vale vizinho que atravessa a cordilheira do lado sul e vai ao interior de Minas
Novas, é o Mucuri.
A simples enunciação destes dados prova que a grande artéria de
comunicação que deve ligar Caravelas ao interior, tem de seguir o vale do
Mucuri, ou por outra, tem de ser a nossa estrada da Sta. Clara a Filadélfia
prolongada para o oeste até a Diamantina e para leste até Caravelas.
Sou de parecer que a Companhia do Mucuri deve se apresentar ao
Governo Imperial oferecendo-se para estender a sua estrada até Caravelas e
mediante os favores que for possível obter, tomar o compromisso de , dentro de
um lapso de tempo, que deve ser longo, estender trilhos de ferro sobre a sua
estrada, ou para serem tirados os carros por animais ou locomotivas.
62
Na mesma linha de raciocínio de Teófilo Otoni, e para além, o engenheiro Miguel
de Teive e Argolo, em sua Memória Descritiva da Estrada de Ferro Bahia e Minas, cita o
professor C.F. Haitt que diz o seguinte sobre a região do rio Mucuri ainda no século XIX:
(...) em uma palavra posso dizer que todo o terreno, do Riacho das Pedras até
as cabeceiras do Mucuri, forma uma das regiões mais extensas e
uniformemente férteis do Brasil, ao sul do Amazonas e não posso deixar de
experimentar minha crença firme de que a natureza tendo tão abundantemente
abençoado o Mucuri, um dia não muito distante o verá coberto de habitantes e
o caminho principal do comércio com o interior de Minas.
63
61
Sobre formação dos municípios do vale do Mucuri - CHAGAS. op. cit. p. 249 - Ver também BRASIL,
IBGE - Enciclopédia Dos Municípios Brasileiros - RJ, 1959.
62
MINAS GERAIS, Relatório de Província – 1882 – p. 45-6. Grifo meu.
63
Revista Ferroviária de 1949 p. 62-66.
50
Na década seguinte, a falência da Companhia de Navegação do Mucuri, as
notícias são de abandono e estagnação das atividades comerciais.
64
Em 1865 encontramos um outro Teófilo Otoni. O tempo provocou mudanças ao
político mineiro que apresenta um olhar diferente sobre a experiência do Mucuri. Aponta o
RJ como porto principal e a importância da Estrada de Ferro Pedro II na conexão com o S.
Francisco e um complexo de comunicação fluvial-ferroviária. Mostra-se atento à
efervescência da economia informal/interna do sul mineiro, como o exemplo do fumo de
Baependi, considerando a colonização do nordeste mineiro uma ação que deu prejuízo
apesar de ter estabelecido cidades, pessoas e comércio. A importância do porto de
Caravelas desaparece:
(...) este magnífico porto do Rio de Janeiro, que é o mercado mais vasto da
América Meridional com a sua vantajosa situação, com as correntes de
comércio interprovincial que nele convergem, com a sua população talvez
maior de 400.000 almas, com a sua proeminência de grande empório deste
continente logo que, por uma estrada de ferro contínua ou intermeiada pela
navegação à vapor dos rios interiores, se lhe aproximem essas morigeradas
populações de Minas Gerais, que herdaram de seus maiores os hábitos de
trabalho e economia, há de operar no futuro político e industrial do Brasil uma
transformação maravilhosa.
65
O projeto de ferrovia centraliza-se, ganhando força a EF D. Pedro II e a posição
estratégica do porto do Rio de Janeiro pensando a unidade do Império.
* * *
64
Segundo SOUZA, após o fracasso da Companhia do Mucuri a mesma elite ilustrada do norte mineiro
investe, sem vínculos com o Estado, numa ocupação dos territórios do S. Francisco e do Rio Doce com mão-
de-obra nacional. Diamantina fortalece sua influência política e econômica no primeiro e o Serro no segundo,
mostrando forte crítica ao modelo de imigração estrangeira. “Não é de colonos que precisamos, mas de meios
para fazer valerem nossas riquezas com o desenvolvimento da indústria do país. Bem sabemos que clamamos
no deserto, e que continuará a mania da colonização estrangeira” (O Jequitinhonha, 1869) In: SOUZA, op.
cit. p. 81
51
A ocupação do Vale do Mucuri no século XIX é, pois, uma triste história,
marcada pela violência e pela miséria, pelo desprezo das diferenças e pelo
predomínio de uma relação predatória com o meio natural.
66
Assim como Regina Horta nos indica, vamos apresentando uma história de
fronteira. Fronteira que nos mostra o processo de des-territorialização dos povos indígenas
e construção/imposição de outros territórios vinculados à modernidade, aos interesses de
expansão/ocupação da autoridade do Império em seus domínios. Uma territorialização que
se faz sob o conflito de projetos liberais e conservadores.
Adiante da linha que indicamos ao leitor, encontramos a tensa e dramática relação
entre des-territorialização e territorialização, agora com nosso personagem principal: a
Estrada de Ferro Bahia e Minas. Ferrovia projetada pela iniciativa privada aliada aos
subsídios do Império, mas que também carrega as vontades/desejos do projeto liberal norte
mineiro até pelo menos o governo de João Pinheiro (1908).
65
OTTONI, Teófilo B. – Considerações Sobre Algumas Vias de Comunicação Férreas e Fluviaes (1865) op.
cit., p. 09 Sobre a Companhia do Mucuri – p. 17.
66
DUARTE, op. cit. p. 37.
CAPÍTULO II
“GUERRA JUSTA”
(...) Ordenar-vos em primeiro lugar que
desde o momento que receberdes esta minha
Carta Régia deveis considerar como
principiada contra estes índios e
antropófagos, uma Guerra ofensiva que
continuareis sempre em todos os anos nas
estações secas e que não terá fim, senão
quando tivéreis a felicidade de vos
senhorear de suas habitações, e de os
capacitar da superioridade das Minhas Reais
Armas, de maneira tal, que movidos do justo
terror das mesmas peçam a Paz (...)
1
A vida continuou intensa e violenta entre as florestas e rios de Bahia, Espírito Santo
e Minas Gerais. Continuamos a levar o leitor pelo processo de desterritorialização, antes de
tratar especificamente da EFBM, começando este capítulo com uma pequena mostra do
ocorrido na ocupação e estabelecimento do espaço conhecido como nordeste mineiro.
Mesmo depois do fim da Companhia do Mucuri as promessas de uberdade e riqueza
da região continuaram a ecoar na opinião e no imaginário do Estado Imperial, das elites
provinciais que desejavam ocupar e produzir as terras até então pouco conhecidas do país
dos Botocudos.
Nesse processo temos de um lado, os herdeiros políticos de Teófilo Otoni com seu
projeto civilizador leigo e de outro, o exemplo do aldeamento de Itambacuri, território do
município de Teófilo Otoni. Aldeamento montado pela Igreja, com o apoio do Estado
Imperial, para manter sob controle e absorver culturalmente os povos indígenas ali
estabelecidos.
53
Segundo Izabel Mattos, este aldeamento surgiu sob a influência do processo
eclesiástico de romanização que se mostra como um esforço da Igreja Católica visando a
substituir os modelos da Cristandade colonial que carregavam um vínculo profundo com o
Estado (as leis do Padroado). Desta forma, as representações regionais da Igreja ficariam
ligadas diretamente ao Papa.
2
Em 1873, data de fundação do aldeamento, Itambacuri fazia parte de um território
que foi pouco explorado durante a ocupação da Companhia do Mucuri, tornando-se área de
refúgio dos grupos indígenas acossados pelos colonos.
O Frei capuchinho Serafim de Gorízia, primeiro responsável pelo aldeamento, e Frei
Ângelo de Sassoferrato chegaram a Itambacuri embebidos de um projeto “redentor” e
“civilizatório”
3
. Em seus relatórios de 1882, Frei Serafim visualizava o “desenvolvimento
de uma população nova e espalhada” que substituiria o “mato virgem”, “abrigo de índios e
feras” transformando-se num “vasto, salubre e ubérrimo território, muito próprio para toda
cultura e indústria agrícola.”
4
A ocupação das matas do Itambacuri, a exemplo do ocorrido no
Jequitinhonha, realizou-se principalmente por levas de mestiços que abriam
posses e praticavam agricultura de subsistência, dirigindo-se aos arraiais
somente aos domingos e dias santos, onde participavam de ritos religiosos e
atividades de lazer.
5
Em 1893 temos notícias do aldeamento:
1
Carta Régia de Constituição da Junta de Civilização e Conquista dos Índios e Navegação do Rio Doce de 13
de maio de 1808, emitida pelo Príncipe Regente D. João ao Governador da Capitania de Minas Gerais, D.
Pedro Maria Xavier e Mello. APM – Sessão Colonial (SC) Códice 335.
2
MATTOS, Izabel Missagia - Civilização e Revolta: os botocudos e a catequese na província de Minas –
Bauru, EDUSC, 2004 p. 262.
3
MATTOS, op. cit. p. 265.
4
MATTOS, op. cit. p. 267.
5
Esta citação nos indica uma das características de toda região que se pereniza e influencia na construção de
uma identidade regional que vai constituir as formas de manifestação artística, cultural, religiosa existente até
hoje no espaço entre os rios Jequitinhonha e Mucuri. Um exemplo disso são os mercados municipais que até
hoje marcam presença importante. MATOS, op. cit. p. 268.
54
“O aldeamento do Itambacuri, talvez o mais importante deste país, tem
prosperado de maneira tal, que possui hoje uma grande população que
impulsiona uma imensa lavoura, talvez a primeira daquela zona que é por
excelência agrícola. Em seu seio encontram-se 42 engenhos movidos a bois,
além do engenho de ferro. Esses engenhos fabricam grande quantidade de
rapadura, açúcar e aguardente que abastece a cidade de Teófilo Otoni que por
sua vez exporta grande parte destes produtos para a estrada de ferro “Bahia e
Minas”. A cultura de cereais é importantíssima, pois ... é o Itambacuri o
inesgotável celeiro da cidade de Teófilo Otoni.”
6
Nos primeiros anos da república aparecem também a relação da ferrovia com
a produção local que proporciona a vinda de migrantes da seca que afetava o nordeste
brasileiro à época.
Segundo Izabel Mattos, o trabalho coletivo entre indígenas e brasileiros
pobres/mestiços foi uma estratégia importante para o desenvolvimento do aldeamento e
conseqüente conversão e acomodação dos índios. Foram construídas igrejas, casas, escolas,
aquedutos, além de plantios comunais e grandes derrubadas.
7
Lugar de exílio e esperanças que agregou missionários, índios, mestiços,
livres/pobres numa “promessa” de prosperidade baseada na idéia de uma nação construída
sob o esforço de transformação das matas impenetráveis em terras
agricultáveis/produtivas.
8
A prosperidade parece ter chegado em Itambacuri ao considerarmos o comentário
do engenheiro Pedro José Versiani, inspetor da EFBM sobre a sua infra-estrutura em 1893.
(...) o Itambacuri , apesar de aldeia, é sob alguns pontos de vista superior à
cidade de Teófilo Otoni.
Ali estão as duas casas de escola, o que não temos, a igreja muito
superior à nossa, que é um casebre velho.
6
Relatório do diretor geral dos índios, Antonio Alves Pereira da Silva, ao secretário da Agricultura, Comércio
e Obras Públicas do Estado de Minas Gerais, 4 de novembro de 1893. MATTOS, op. cit. p. 270
7
MATTOS, op. cit. p. 280.
8
MATTOS, op. cit. p. 284.
55
Se lá não existe uma rua calçada e nem um lampião de iluminação
pública, também aqui acontece o mesmo; estando nós em piores condições,
porque a nossa rua principal e de mais ativo comércio é um extenso atoleiro,
ladeado por dois charcos de lama podre que exala pestilentos miasmas.”
9
Neste mesmo ano ocorreu uma revolta indígena que ameaçou a existência dos freis
capuchinhos e do aldeamento. Revolta que possivelmente teve origem na separação das
crianças indígenas de seus pais para serem educadas dentro dos parâmetros católicos –
dentro da perspectiva do Decreto nº 426 de 1845 que incentivava a conquista do sertão e
das almas dos índios – e a uma epidemia de sarampo que em apenas um dia matou dezoito
pessoas. No dia 24 de maio cerca de setecentos índios organizaram um levante tendo como
alvo principal os dois capuchinhos fundadores do aldeamento.
10
Reforços chegaram de Teófilo Otoni, os índios recuaram para a mata e em alguns
dias a revolta foi reprimida, violentamente, provocando uma verdadeira diáspora da maioria
da população indígena que se estabeleceu no aldeamento durante vinte anos de trabalho
missionário. Os resultados foram dramáticos para esses grupos que passaram a ser
perseguidos, ferozmente, por colonos e fazendeiros e dizimados por doenças
(principalmente o sarampo).
Desta forma, Itambacuri passou a representar uma frente pioneira que seria capaz
de absorver/acomodar novos contingentes populacionais, já que o elemento indígena
passou por um processo de eliminação material e cultural, levando-se em conta que, após a
revolta de 1893, várias sanções foram impostas aos indígenas remanescentes: como não
falar o idioma nativo, não realizar festas/cerimônias não católicas. Além disso, incutiu-se
uma memória negativa da herança indígena em seus descendentes que até hoje se
9
Pedro José Versiani, inspetor da EFBM em 1893 In: MATTOS, op. cit. p. 284.
56
envergonham de seus antepassados por terem tentado matar os venerados missionários
capuchinhos fundadores da cidade. Os índios praticamente desaparecem, sendo registrados
como mestiços, abrindo a fronteira para a sociedade majoritária. O aldeamento cumpriu sua
missão. “Civilizou”.
11
Acirra-se o processo de desterritorialização do elemento indígena que é visto pelo
colonizador brasileiro como um empecilho à ocupação das terras. No caso da região, o
“desaparecimento” dos índios também seria interessante para diluir os direitos indígenas e
assimilar sua mão-de-obra, já que era difícil conseguir braços por aquelas bandas.
A abertura de estradas foi uma das principais atividades econômicas do
aldeamento. O interesse do governo e dos políticos em financiá-la era óbvio:
demarcação e registros de propriedades caminhavam ao longo das estradas.
Muitos pioneiros assim enriqueceram, aumentando a distância social que
relegava aos índios cada vez mais à condição de excluídos.
12
Para reforçar o sentido deste processo desterritorializante, Izabel Mattos nos
mostra o olhar dos missionários sobre o meio ambiente e a idéia de conversão do indígena.
O primeiro era visto como “medonho”, “hediondo”, “bruto”, “inóspito” à “civilização” que
se fazia presente nas construções, derrubadas e queimadas. Cria-se uma oposição entre o
espaço sagrado cristão (o aldeamento, a civilização) e o espaço sem salvação (a floresta
impenetrável). A conversão do índio acontece à medida que há um afastamento da floresta,
isto fica claro com a separação das crianças índias dos pais para serem educadas na visão de
mundo católico/ocidental. Olhar que fica nítido no trecho do sermão de frei Ângelo:
13
10
Para aprofundar os motivos e a análise desta revolta ver MATTOS, op. cit. pp. 325-388 e GAGLIARDI,
José Mauro – O Indígena e a República – SP, Hucitec, 1989 pp. 92 – 97.
11
MATTOS, op. cit. pp. 381-2.
12
Idem p. 387.
13
Idem p. 423.
57
(...) Se não cultivamos nossa alma, ela procederá como a floresta, que depois
de ser limpa e queimada, não sendo cuidada, volta ao estado primitivo (...)
14
A tentativa de domesticar a floresta e eliminar a presença indígena franqueiam as
fronteiras do Mucuri e arredores para os mais diferentes interesses, provocando um
crescimento econômico da região que constatamos nas primeiras décadas do século XX,
que veremos adiante.
14
Idem p. 424
58
A CIA. EF BAHIA E MINAS (1878 – 1897)
Logo que os produtos agrícolas e o
comércio avultarem no vale do Mucuri e
adjacências, Caravelas será o empório do
comércio estrangeiro, será a nossa
alfândega e o nosso Rio de Janeiro: o
Mucuri será tributário de Caravelas.
15
Em sincronia com a ocupação das florestas do Itambacuri por freis capuchinhos,
localizamos outro movimento que nos ajuda a entender o processo de formação do nordeste
mineiro e seu esforço de integração com outras partes do território brasileiro.
Uma integração que agrega mais impactos para a desterritorialização dos povos
indígenas que vimos acima, mas também é a construção de um território que representa a
civilização.
16
Demarca, impõe, assusta, domina.
Encontramos na Decisão 331 da pasta de Agricultura, Comércio e Obras Públicas
do Império, de agosto 1875, a orientação ao engenheiro baiano Miguel de Teive Argolo e
equipe de agrimensores para “medir e demarcar lotes coloniais e legitimar, posses no
Mucuri”.
17
Os parágrafos IX e XVIII dessas instruções indicam um interesse/esforço do
governo imperial de conhecer melhor a região explorada por Teófilo Otoni, regulamentar a
posse da terra dos colonos por lá estabelecidos e de localizar e mapear as terras devolutas e
suas condições de fertilidade, salubridade e acesso para que pudessem ser divididas em
lotes para o estabelecimento de imigrantes.
18
15
Fragmento de discurso de Teófilo Otoni aos acionistas da Cia do Mucuri em 1857 In: CHAGAS, Paulo
Pinheiro -Teófilo Otoni: ministro do povo – Belo Horizonte, Itatiaia, 1978 p. 178. Grifo meu.
16
Sobre indígenas e ferrovia ver QUEIROZ, Paulo Roberto Cimó – Uma Ferrovia Entre Dois Mundos: a EF
Noroeste do Brasil na primeira metade do século 20 – Bauru, SP: EDUSC, 2004.
17
BRASIL, IMPÉRIO - DECISÃO N. 331 - Agricultura, Commercio e Obras Publicas - em 10 de agosto de
1875.
18
IX - Nas medições que se efetuar ter-se-á em vista o estudo de todos os dados necessários, a fim de obter-se
no fim dos trabalhos, não só uma planta exata da topografia de toda a colônia, discriminada a área ocupada
59
Confirmam-se os sinais de vida econômica para dentro dos sertões a oeste do sul
da Bahia que serão percebidos por alguns homens como o próprio engenheiro Argolo que
lidera a constituição de companhia de estrada de ferro para construir uma ferrovia que
ligasse, mais uma vez, a produção e riquezas naturais do norte/nordeste de Minas Gerais
com o litoral.
Daí constituiu-se todo um processo político e econômico que se aproxima do
esforço da Companhia de Navegação do Mucuri e de várias ferrovias construídas no final
do Império. Subvenções por quilômetro construído, empréstimos no estrangeiro, decretos e
leis se sucedem.
Fixou-se o primeiro trilho no dia 16 de maio de 1881, dando início a uma presença
de 85 anos que trouxe mudança e transformação.
(...) Partimos com o primeiro trem inaugural às 6 horas da manhã com
velocidade de 42 a 45 km por hora, e tendo parado no caminho por duas vezes,
uma para tomarmos refeição e outra para a máquina tomar água, chegamos à
estação de Aimorés às 11 horas da manhã.
19
Encontramos no Relatório provincial mineiro de 1879, um texto, com um discurso
voltado para a agricultura, de H. Gorceix (fundador da Escola de Minas de Ouro Preto)
20
que analisa as condições da região do vale do Jequitinhonha para um fortalecimento da
produção local. Avalia positivamente os aspectos climáticos e geográficos e apresenta
como principal problema da região a falta de comunicação/transporte. Aponta para uma
pela lavoura da que estiver em mata virgem, como a extensão das estradas de rodagens e caminhos, planta dos
rios e seus afluentes, condições de navegabilidade, etc., e a estatística da lavoura colonial.
XVIII - Informara aproximadamente nos Relatórios desde que apresentar a zona das terras devolutas que
percorrer, precisando a situação, fertilidade, salubridade, meios de transporte e outros predicados, que as
recomendem á colonização e possam ser oportunamente divididas em lotes para o estabelecimento de
imigrantes.
19
Miguel de Teive e Argolo – empreendedor da EFBM In FILHO, José Nogueira – Carlos Chagas 50 anos de
História – Carlos Chagas, edição do autor, 1989 p. 10-1
60
fartura regional, compara preços e indica quantidade de riquezas que só podem ser
encontradas na terra da promissão. Bem ao estilo das primeiras navegações na América.
Cita os portos de S. Mateus (ES) e Canavieiras como portos possíveis para uma ligação do
norte mineiro com o litoral. Fala de um projeto de ferrovia entre o porto capixaba e
Filadélfia. Mesmo assim o autor ainda vê seca e fome na região.
A agricultura liga-se intimamente à indústria, e nem eu creio possível que
um país possa dispensar esses dois auxiliares de riqueza a menos que um deles
não haja atingido a um desenvolvimento considerável.
Feliz do país como o Brasil onde existem os elementos necessários à sua
igual prosperidade.
Descambando do vértice da linha de separação das águas do S. Francisco e
Jequitinhonha, deixando os terrenos auríferos e diamantíferos, que vão da
Diamantina ao Araçuaí, encontra-se um primeiro oásis na bacia do Araçuaí e
Rio Preto onde a cultura e criação de gado podem tomar grande
desenvolvimento; é, porém, principalmente depois de ter atravessado a chapada
e carrascos de S. João Batista e Minas Novas que os terrenos se tornam de
admirável fertilidade.
As bacias de Gravatá, de Setúbal e Piauí, que se vão prender pela Capelinha
e Alto dos Bois aos terrenos virgens do Suassuhy e de S. Felix, podem rivalizar
em riquezas com a terra da promissão.
O algodão ergue-se de toda a parte, o milho produz uma média de 150 a 200
por 1, a cana desenvolve-se também como nas melhores e tão afamadas terras
do litoral da Bahia e Pernambuco, e, apesar da seca, que havia, quando passei,
o gado estava todo gordo e sadio. Entretanto o progresso ali não se produz;
a dez ou quinze léguas distante desses celeiros manifestou-se a fome, e em
parte alguma há colonos estabelecidos.
Porque? Não há meios de comunicação!
21
Diante desta questão de Gorceix, vamos encontrar sua resposta no Relatório da
província mineira de 1880 com a notícia de que o engenheiro Miguel de Teive e Argolo
requereu a construção de uma estrada de ferro econômica de Filadélfia às divisas desta
província com a da Bahia em direção ao porto de Caravelas.
20
Sobre a Escola de Minas de Ouro Preto ver CARVALHO, José Murilo de – A Escola de Minas de Ouro
Preto; o peso da glória – SP, Nacional, 1978.
21
MINAS GERAIS, Relatório de Província de 1879 p. 47-8. Grifo meu.
61
O presidente da Província apontava um grande futuro para a estrada com o
interesse do norte de Minas por suas demandas de transporte de produtos. Além disso, já
havia a sintonia com a província da Bahia que autorizou o mesmo Argolo construir uma
ferrovia entre Caravelas e a fronteira com Minas.
No mesmo Relatório é dito, por notícias não oficiais da imprensa, “que já está
levantado o capital necessário para realização de tão importante empresa, que dotará em
breve o norte desta província com um excelente porto marítimo.”
22
Em agosto de 1881, Argolo anuncia que duas turmas trabalhavam em
reconhecimento e exploração e que 30 km de estudos já estavam realizados em território
mineiro. Além disso pede a Província proteção de oito praças para cada turma de trabalho
“para prevenir qualquer tentativa de assassinato por parte dos indígenas que assolam o
norte da província.”
23
A ajuda foi negada, sendo indicada a formação de uma guarda
armada da própria Companhia.
Para além deste confronto com os índios, a construção da estrada enfrentava uma
realidade difícil para os trabalhadores que se aventuravam pelo extremo sul da Bahia
naqueles tempos. Um quadro semelhante ao encontrado na instalação da Companhia do
Mucuri e na construção da EF Madeira Mamoré.
24
Seria fastidioso narrar todas as peripécias que se deram durante a construção da
estrada. Logo no seu princípio, sendo o terreno baixo, foi ela construída em
aterro. Surgiram febres perniciosas, que muitas vezes degeneravam em tifo.
Essa epidemia não respeitou nada, nem sub-empreiteiros, nem trabalhadores e
muitos destes fugiam da estrada como quem foge da morte, de maneira que era
preciso constantemente importar trabalhadores e, por todos os vapores, vinha
novo pessoal substituir o que o vapor anterior tinha fugido. Muitas vezes
aconteceu virem trabalhadores do Rio que, ao chegarem, ouvindo a notícia da
22
MINAS GERAIS, Relatório de Província de 1880, p. 19 – Presidente - Cônego Joaquim José de San'Anna.
23
MINAS GERAIS, Relatório de Província de 1881, p. 12 - presidente - senador João Florentino Meira de
Vasconcellos.
24
Sobre a EF Madeira Mamoré ver HARDMAN, Francisco Foot – Trem fantasma: a modernidade na selva
SP: Cia das Letras, 1988.
62
epidemia, voltavam no mesmo vapor, sem mesmo desembarcarem. Em turmas
de 150 trabalhadores, muitas vezes só encontrei trabalhando 30 homens, por
estarem os demais doentes.
25
Ainda no mês de agosto, Argolo pede permissão para abrir quatro vias de
comunicação (estradas de rodagem) do porto terminal da estrada, na divisa da Bahia, a
encontrar-se com a de rodagem de Filadélfia a Sta. Clara; De Filadélfia à cidade de
Araçuaí; De Filadélfia, pelo município do Rio Doce, a diversos pontos do município do
Serro; De Filadélfia, pelo Ribeirão Santo Antonio, a Setubinha.
Sendo as três últimas para conduzir a produção de Araçuaí, Minas Novas, Serro e
Rio Doce para Filadélfia e dela para Caravelas pela estrada Filadélfia a Santa Clara. Sua
intenção era conseguir uns primeiros rendimentos enquanto se construía a via férrea..
26
O
senador João Florentino Vasconcelos permite a construção com a condição “de não cobrar
a companhia taxa ou qualquer outro imposto pelo transporte por essas estradas, que não
gozarão do privilégio, nem das garantias e vantagens estipuladas no contrato para
construção da via férrea.”
27
Em 1882, o presidente da Província, Teophilo Ottoni, anuncia o que seria o
primeiro trajeto da EFBM para além de Filadélfia:
Partindo de Caravelas, esta ferrovia atravessa a colônia da Leopoldina
(atual distrito de Helvécia) no km 66 e, penetrando na mata no km 78, margeia
o rio Paraíba até o km 125, donde segue em direção ao ribeirão Pau D’Alho até
atravessar, no km 134, a serra dos Aimorés no território da Província da Bahia;
entrando no território mineiro margeia o rio Mucuri até a barra de Todos os
Santos, e subindo até Filadélfia prolongar-se-á pela Mata do Peçanha até a
cidade do Serro, estendendo de Filadélfia uns ramos para o vale do
Jequitinhonha.
28
25
Miguel de Teive e Argolo – empreendedor da EFBM In FILHO, José Nogueira op. cit. p. 10-1.
26
MINAS GERAIS, Relatório de Província de 1881, p. 12
27
Idem
28
MINAS GERAIS, Relatório de Província 1882 p. 45
63
Este trajeto representa bem o projeto liberal de Teófilo B. Otoni que vimos no
primeiro capítulo, sendo a linha principal Filadélfia ao Serro pela mata do Peçanha. Os
caminhos do Jequitinhonha seriam ramais, completando o que seria a integração regional
do norte/nordeste mineiro.
Os anos de 83 e 84 do século XIX mostram a ilusão moderna sobre a instalação de
trilhos em “desertos humanos” e a fronteira econômica e política que se estabelece aos
empreendimentos ferroviários.
Antonio Gonçalves Chaves apontava para a máxima urgência do desenvolvimento
de caminhos de ferro no Brasil. Reclamava a ausência e a necessidade de um plano de
Viação para obter uma rede nacional bem delineada. Considerava que havia uma
necessidade dos vales “ubérrimos” que não podia ser adiada. Zonas onde a natureza
achava-se inexplorada e a população rarefeita.
A locomotiva além de despertar os fatores da indústria, aproveitará as
fontes da produção e aumentará a população em proporções imprevistas; a
corrente de imigrantes encontrará nos caminhos de ferro o alvo por onde
naturalmente irá precipitar-se.
29
Utiliza o exemplo norte-americano para ser adotado, as ferrovias ocupariam
regiões habitadas por índios, proporcionando fácil saída para os mercados e atraindo
imigrantes. E compara com a EFBM:
A parte o que diz respeito ao gênio empreendedor daquele grande país, a
nossa situação assemelha-se um pouco quanto às riquezas naturais, e a
necessidade de vencer o obstáculo das distâncias. A via férrea Bahia e Minas
faz o seu percurso pelo deserto entre Caravelas e a Serra dos Aimorés, aí
entra nesta província também por uma zona habitada por algumas tribos
de índios.
30
29
MINAS GERAIS, Relatório de Província 1883 p. 74-75
30
Idem
64
Ainda garante que a mesma ferrovia oferece um futuro auspicioso, onde
imigrantes procuram terrenos nos arredores.
Neste Relatório encontramos um segundo trajeto baseado num plano de ligação de
grandes rios e à principal artéria viária, a D. Pedro II.
(...) as linhas de Filadélfia estendendo-se por Minas Novas, S. João Batista,
Montes Claros até a Extrema no Médio S. Francisco – a Jequitinhonha partindo
do porto dos Italianos a província da Bahia até o povoado do Itinga as margens
do Jequitinhonha – a da Natividade pela margem direita do Rio Doce
acompanhando o vale do Suassuí Grande em procura das águas do Rio das
Velhas em Santo Hipólito.
31
Reforça seus argumentos:
A coesão de todas as suas partes por este meio será ainda sob o ponto de
vista econômico e social a satisfação de uma necessidade inelutável.
(...)
Esta progressão aumentando-se pela ação do tempo e dos poderosos
elementos de prosperidade de que dispomos, não tardará muito a execução dos
mais instantes projetos.
32
1883 parece ter sido um ano de boas notícias e projetos, apesar das dificuldades
apresentadas, como vemos na troca de telegramas entre o então presidente da província e o
engenheiro Argolo:
Preparam-se os primeiros trilhos de nosso prolongamento. A ninguém
competia mais a glória de presidir os destinos da província no dia em que um
dos mais poderosos elementos da civilização tivesse de atravessar o solo
norte mineiro.
33
A resposta...
Agradeço as expressões benévolas com que obsequiou-me o seu ilustre
diretor, que, superando as dificuldades, trata de realizar o auspicioso
projeto.”
34
31
Idem
32
Idem
33
MINAS GERAIS, Relatório de Província de 1883 p. 80-81. Grifo meu.
34
Idem
65
Sobre as dificuldades, ficamos com a descrição do Diretor da EFBM Pompílio de
1949, baseado nas memórias de Argolo:
Teive e Argolo teve de vencer muitas dificuldades no início de sua
atividade. Primeiro medindo a possibilidade do insucesso ou do sucesso do
empreendimento a que se atirava; depois, no saneamento e na colonização da
zona que deveria atravessar, à data insalubre e virgem. (...)
Após muitos estudos, Teive e Argolo estabeleceu que a ponta dos trilhos
deveria alcançar Ponta de Areia, a quatro quilômetros ao norte de Caravelas; os
caravelenses opuseram-se a isso, intercederam junto à Corte, e em certa
ocasião chegaram a abrir uma grande praça no centro da cidade, seguida de
uma larga avenida, a fim de que nesse caminho, desse modo preparado, fossem
assentados os dormentes para receber os trilhos.
O construtor contudo não cedeu.
Argumentando convincentemente e antepondo razões de ordem técnica,
Teive e Argolo justificou e insistiu pela localização da estação inicial em Ponta
de Areia, tanto por melhor ser satisfeita a técnica do serviço, como por ser mais
abrigado o porto nessa vila. Lembrou também que Ponta de Areia poderia ser
considerada como subúrbio de Caravelas e mandando proceder levantamentos
topográficos, traçou futuras ruas e praças, conseguindo, afinal, o assentimento
do comércio e da população.
35
Os deputados João da Mata Machado e Joaquim Onofre Pereira da Silva
apresentaram projeto de ferrovia entre Filadélfia (já Teófilo Otoni) e a fronteira com a
Bahia. Desta vez o trajeto reforça a idéia de se estender até o rio S. Francisco.
“Por essa direção acompanhará o objetivo do ramal de vias férreas, que vão
ter a essa via de comunicação colossal, o rio de S. Francisco que, tendo o seu
extremo norte navegável ligado às águas do Amazonas, e o seu extremo sul às
do Prata, constitui um plano grandioso de viação.
Não é só deste ponto de vista que ressalta a importância desta via férrea.
Além de sua construção rápida e dos terrenos férteis que percorre, veio ela dar
saída aos produtos de uma zona riquíssima pelo porto de Caravelas, reputado o
mais acessível entre os do Rio de Janeiro e Bahia.”
36
Quem financia esses projetos com subvenções e juros? O Estado.
35
Revista Ferroviária de 1945 pp. 116-118 BRFFSA/BH.
36
MINAS GERAIS, Relatório de Província de 1883 p. 80-81.
66
No ano seguinte, as notícias chegam diferentes e o mesmo presidente de província,
Antonio Gonçalves Chaves, dá sinais de preocupação com os trilhos e seus limites
econômicos e sociais que não fazem da EFBM um exemplo de ferrovia norte-americana.
Cumpre, porém, confessar que esse esforço no sentido de acelerar por todo o
território mineiro a viação férrea, nos há colocado em situação difícil.
Certo, não podemos ter o arrojo da união americana, que por via de estradas
de ferro, colonizara os seus desertos e fertilizara terras, onde o trabalho do
homem civilizado era desconhecido.
(...) Mas entre nós pode-se contar com os milagres americanos?
Baldos de capitais que importamos caro do estrangeiro, com uma
população rarefeita, pouco habituada ao trabalho e atrofiada em seu
desenvolvimento industrial por processos rotineiros e emprego de
instrumentos rudimentares, tendo por principal agente produtor o braço
escravo, não nos é lícito esperar esses brilhantes resultados dos caminhos de
ferro e forçosamente somos levados a cotejar as vantagens possíveis com os
empenhos do tesouro provincial.
Nenhuma estrada de ferro importante entre nós tem-se construído sem o
auxílio dos cofres provinciais e assinalando os benefícios que a viação férrea
tem produzido, não posso, entretanto, deixar de reconhecer que eles não são tão
amplos que nos animem a novos empreendimentos que virão avultar a
importante soma de capitais garantidos pela província.
37
Apesar de reconhecer que o prolongamento da Pedro II em Minas melhorou muito
a vida financeira da província, Antonio Chaves encontrava-se convencido de que as
estradas não teriam renda líquida suficiente para colocar em dia suas dívidas com o Tesouro
Provincial. Sugere ainda a revogação de todas as concessões não firmadas em contrato e
esperar o lucro das ferrovias já instaladas para se reverter à província.
Sobre a Bahia e Minas temos o primeiro atrito com o até então esperançoso
governo provincial. Foram impugnados alguns preços do orçamento dos estudos dos
primeiros quilômetros da 2ª seção (o trecho mineiro), considerados exagerados e reduzidos
pelo diretor geral das obras públicas. A Companhia EFBM protestou baseando-se nas
37
MINAS GERAIS, Relatório de Província de 1884 p. 93-94.
67
cláusulas 10ª e 19ª do contrato de 23 de abril de 1880. Seguiu-se toda uma contenda
judiciária/contratual que no final ficou prevalecendo a opinião da província.
Ainda neste mesmo Relatório a lei do orçamento autorizou a substituição da
subvenção quilométrica pela garantia de juros de 7% sobre o capital empregado até
6.000:000$. Tendo recebido até então 90:000$000 por 10 km construídos.
38
Em 1885 o desembargador José Antonio Alves de Brito, então presidente da
província mineira, autorizou as contas da EFBM no valor de 54:000.000$000,
correspondentes à subvenção de 6 km de estrada construída, na conformidade do contrato
de 23 de abril de 1880.
39
Em 1886, outro desembargador e presidente, Francisco de Faria Lemos, questiona
a política desordenada de concessões e subvenções de ferrovias sem um plano geral de
viação férrea na província - parece que o Plano de 1881 não saiu do papel - e cita a lei nº
3231 que revogou todas as leis em vigor, ainda não executadas, que autorizavam contratos
para construção de estradas de ferro.
40
Faria Lemos não concordou com a mudança de financiamento (de subvenção para
garantia de juros de 7%) autorizada pela lei orçamentária de 1884 por considerar as
informações “desacordes e não oferecem base suficiente para proferir decisão”.
41
Mandou
o caso para a diretoria geral das obras públicas para emitir parecer com os valores
envolvidos.
A resposta veio um ano depois com outro presidente, depois de considerados os
pareceres responsáveis (obras públicas e fazenda). O presidente provincial Carlos Augusto
38
MINAS GERAIS, Relatório de Província de 1884 p. 100-101.
39
MINAS GERAIS, Relatório de Província de 1885 p 45-46.
40
MINAS GERAIS, Relatório de Província de 1886 p. 123-124
41
Idem p. 135
68
de Oliveira Figueiredo autorizou a mudança de financiamento da ferrovia de acordo com o
art. 7º da lei nº 3117 de 17 de outubro de 1883. O contrato de 23 de abril de 1880 foi
modificado não só neste ponto, mas também o prazo da garantia de juros que passou para
30 anos (máximo da lei nº 2815) e o privilégio de 50 anos.
42
Antes de assinado o novo contrato, a companhia fez entrada no Banco do
Brasil, por conta da província, da quantia de 144:000$, importância de
subvenções já recebidas, satisfazendo assim uma das exigências da citada lei nº
3117.
Coincidência ou não, o engenheiro Epaminondas Esteves Otoni pediu demissão do
cargo de fiscal da estrada, sendo nomeado o engenheiro Joaquim da Silva Leite Fonseca.
Além dessa operação contratual, o ano de 1887 registrou a aprovação dos últimos
145 km da EFBM, isto é, até Teófilo Otoni.
Feitas as devidas glosas e correções, ficaram reduzidos os orçamentos
respectivos: o dos primeiros 105 km, que subia a 3.205:556$000, a
2.542:234$670, e o dos 40 restantes, na importância de 1.014:019$688, a
892:417$695.
43
No último ano do Império, o vice-presidente da província, o barão de Camargos,
apresenta um quadro moroso da construção da linha entre Bahia e Minas. Há dificuldades
de levantamento de capitais e de recursos regionais que auxiliem a construção da linha,
sendo difícil manter os trabalhadores. Podemos considerar neste último ponto a mata muito
presente, doenças tropicais, índios não aldeados e terrenos alagadiços.
44
A expedição era composta de 45 homens com carregamento em
lombos de animais, chegaram ao lugar de nome Juerana e aí começaram a
surgir os problemas: as fortes chuvas que caíam impediam os homens de
trabalharem, ficando estes por mais de dez dias parados. Com a umidade do
42
MINAS GERAIS, Relatório de Província 1887 p. 59
43
Idem p. 15-16.
44
A estrada foi construída margeando o curso dos rios Mucuri e Todos os Santos que possuíam grandes
alagadiços que exigiram grandes esforços de engenharia.
69
terreno começaram a aparecer as doenças, mas mesmo assim, tão logo
melhorou o tempo, os trabalhadores penetraram nas densas florestas,
enfrentando todo tipo de perigo, chegando ao ponto de muitos deles não
suportar mais os ataques dos índios, as picadas e cobras, insetos que causavam
febres...”
45
A construção tinha avançado 60 km, com promessas da Companhia de acelerar os
trabalhos apesar das dificuldades citadas acima. Além disso, os juros vencidos da
Companhia no 1º semestre de 1889 chegaram a 24:457$437.
46
O Barão de Camargos anunciou a assinatura da inovação do contrato em virtude da
lei nº 3648 de 01/09/1888, também assinada por ele, que elevou o capital da Companhia. de
6 mil para 7 mil contos. Ficou incluído ainda no mesmo contrato a obrigação da EFBM de
fundar dois núcleos coloniais à margem da estrada, em pontos determinados pelo governo.
(Parágrafo 7º da lei 3648).
47
A ferrovia se mostra como um esforço estratégico do Estado de se impor numa
região “inóspita” e “deserta”.
VIAS DE COMUNICAÇÃO E O PROJETO LIBERAL DO SERRO
Após uma saraivada de Leis e Decretos que nos dão um rumo sobre a trajetória
inicial da EFBM, voltamos nossa atenção para a questão das vias de comunicação entre o
norte e o nordeste mineiro. Reencontramos então o projeto liberal de Teófilo Otoni e da
elite do Serro de buscar um caminho alternativo para o escoamento de sua produção,
fugindo dos portos de Rio de Janeiro e Santos.
45
ELEUTÉRIO, Arysbure Batista – Estrada de Ferro Bahia e Minas: a ferrovia do adeus – Teófilo Otoni:
publicação do autor, 1996 p. 24
46
MINAS GERAIS, Relatório de Província 1889 p. 38
47
Ainda não conseguimos localizar esses núcleos, caso tenham existido. Sabemos da existência de núcleos
anteriores relativos à Companhia do Mucuri, como a colônia do Urucu.
70
Há um debate sobre ferrovia durante o Império de que os filhos do Serro participam,
como Teófilo Otoni e seu irmão Cristiano Otoni. Entre 1864 e 1878, a Câmara do Serro
pede à província atenção quanto a uma ligação com o Espírito Santo e integração com o
Vale do Mucuri por uma estrada de ferro entre Caravelas e Serro, passando por Filadélfia.
48
Para Otoni, as ferrovias têm um papel integrador regional, movimentando a população,
facilitando a colonização de áreas “desocupadas”, algo além do escoamento de produtos.
49
Brevemente , a locomotiva vitoriosa cortará as nossas montanhas, e seu silvo é
qual clarim sonoro que anuncia o progresso. A sua aproximação dá vida,
encoraja e faz surgir em suas múltiplas manifestações, a indústria e as artes.
Unamo-nos, promovamos a realização para o Serro, a empresa que nos traga
movimento comercial e fecunda o crescimento da riqueza pública e
particular.
50
Na euforia da estrada de ferro e condução dos negócios da Viação Central do
Brasil e de todos os movimentos que deram origem ao encilhamento, organiza-
se no Rio a “Companhia. Indústria e Comércio do Norte de Minas”. Constituía-
se de uma holding reunindo empreendimentos dispersos na região, com capital
de 2.000:000$ e projeto de ampliação para 5.000:000$. Definia sua atuação em
doze ramos de atividades, compreendendo a mineração de ouro, diamantes e
assemelhados, criação, abate, charque e comércio de gado, pesca e indústria
pesqueira, cultura de uva e indústria vinícola cera e velas, curtumes e solas,
comércio de borracha de mangabeira, cacau e baunilha, empresas de
iluminação elétrica, linhas de bondes, canalização de água e esgotos,
exploração e industrialização de minerais não-metálicos, exploração de matas
para construção de vias férreas e, por último, colonização e assentamento de
operários e “classes pobres”.
51
Os nossos agricultores, afinal despertados pela facilidade de transportes que se
anuncia na aproximação das vias férreas que demandam os riquíssimos vales
de Guanhães e Suassuí, vão já rompendo com a rotina e se preparando para, no
futuro próximo, atestarem nos mercados consumidores quanta riqueza jazi
adormecida em nosso ubérrimo solo... Quando, assim a lavoura se transforma
ao sinal da locomotiva que se aproxima não é exagero prenunciar riqueza e
48
SOUZA, José Moreira de – Cidade: momentos e processos Serro e Diamantina na formação do Norte
Mineiro no século XIX – São Paulo, Marco Zero, 1993 p. 156.
49
Idem
50
Trecho do Jornal O Serro de 1891 In: SOUZA, op. cit. p. 158-9.
51
Trecho do Jornal O Serro de 1891 In: SOUZA, op. cit. p.159.
71
felicidade de nossa zona que definhava somente à mingua de vias de
comunicação.
52
Esse olhar da imprensa do Serro é uma boa mostra da força “civilizadora” da
ferrovia e seu impacto na região. Sua promessa provocou um investimento de peso na
produção agrícola e industrial. Toda uma expectativa foi criada, o tempo passou, a
produção chegou mas não foi escoada pelos velozes trilhos. A mudança de regime
suspendeu todos os projetos de ferrovia.
53
Os investimentos da Companhia se mostram para além da ligação Minas e Bahia
tendo em vista o prolongamento da linha que ainda não tinha sido construída. Entre 1889 e
1890 encontramos dois decretos presidenciais que mostram a intenção de ampliação da
linha entre Filadélfia e Minas Novas e desta cidade até o ponto mais “conveniente” do Rio
São Francisco
54
e a permissão para construir uma ferrovia que ligasse Vitória (ES) a
Peçanha (MG).
55
Projetos de estradas que não saem do papel, permanecendo o problema da
comunicação do nordeste de Minas. Região de produção e população expressivas nas
primeiras décadas do século XX, que vemos a seguir.
POPULAÇÃO E PRODUÇÃO
De acordo com os mapas do IBGE, entre 1907 e 1912 verificamos uma pequena
tendência de aumento da população dos dois únicos municípios da região da EFBM em
Minas Gerais: Araçuaí e Teófilo Otoni (o registro de Caravelas – BA é a partir de 1936).
Em 1912 há uma queda de 15.721 habitantes em Araçuaí que acreditamos ter ocorrido por
conta da emancipação de algum distrito. Teófilo Otoni era considerada pólo regional, mas
52
Trecho do Jornal O Serro de 1890 In: SOUZA, op. cit. p. 160.
53
SOUZA, op. cit. p. 158-9.
54
BRASIL, Coleção de Leis do - Decreto n
o
10.153, de 5 de janeiro de 1889. BMF
72
Araçuaí possuía, no período, população bem maior. Ainda não sabemos o motivo, levando
em conta que o acesso às duas cidades era bem difícil, principalmente para Araçuaí que
ainda não contava com a EFBM.
56
Mesmo assim temos um registro, ainda do século XIX,
que mostra um retrato das condições de comunicação e a importância econômica dessas
duas cidades que se confirmam nos dados a seguir.
Todas as aspirações dessas regiões se resumem em dois nomes de
cidades, que a todo momento se reproduzem na conversação: Filadélfia e
Calhau [antigo nome de Araçuaí]! Mas as vias de comunicação para a primeira
estão ainda em projeto, para a segunda são as mais precárias (...)
Em Araçuaí efetivamente a navegação até Cachoeirinha apenas se faz em
canoas de índios (...) o transporte longo e perigoso, e mesmo assim em poucos
anos, Araçuaí tornou-se uma cidade comerciante, um centro ativo e inteligente
(...) haveria grande economia em comunicar com esta cidade, porém não há
caminhos. (...) todo o sal consumido até o Serro é vindo pelo Araçuaí.
57
Em 1936, comparando com 1912, a população de Araçuaí aumenta 67.832
habitantes possuindo maior densidade que Teófilo Otoni que, por sua vez, chegou a
128.948 habitantes no mesmo ano. Um aumento de 110.456 habitantes. Ambos municípios
estão entre os mais populosos de Minas Gerais à época.
58
TABELA I
POPULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DA EFBM ENTRE 1907 E 1912 (habitantes)
59
Município/Ano 1907 1908 1909 1910 1911 1912
Teófilo Otoni 17 021 17 325 17 635 17 950 18 219 18 492
Araçuaí 55052 55878 56717 57567 58431 42710
Total 72073 73203 75517 75517 76650 61202
55
BRASIL, Coleção de Leis do - Decreto nº 574, de 12 de julho de 1890. BMF
56
As informações sobre a população da região encontram-se em IBGE – Estatísticas do Século XX In:
www.ibge.gov.br.
57
MINAS GERAIS, Relatório de Província 1879 – p. 47 – texto de Henri Gorceix.
58
Não foi possível realizar uma comparação mais esmiuçada por falta de dados para outros anos.
59
BRASIL, IBGE – www.ibge.gov.br no link Estatísticas do Século XX
73
TABELA II
POPULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DA EFBM EM 1936
60
Município Habitantes
Araçuaí 110 542
Teófilo Otoni 128 948
Total
239490
Este crescimento entre 1912 e 1936 pode ser avaliado pelo bom desempenho da
agricultura local que verificamos nos anos de 1922 e 1925, em dados que veremos adiante.
Em 1937 ainda há uma tendência de alta nos dois municípios principais, aliando-se
a eles Itambacuri (antigo distrito de Teófilo Otoni) somando 50.823 habitantes.
A medida que os distritos vão se emancipando, a população de Araçuaí e Teófilo
Otoni reduz, mas no cômputo geral da região da ferrovia (por este motivo agregamos a
população de Caravelas), a população registra aumento para 306.769 habitantes em 1937.
TABELA III
POPULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DA EFBM EM 1937:
61
Município Habitantes
Caravelas (BA) 12 914
Araçuaí 112 177
Itambacuri 50 823
Teófilo Otoni 130 855
Total
306769
Para entender este aumento da população da região de influência da ferrovia entre
1912 e 1937 temos os dados referentes ao ano de 1923 do Anuário Estatístico de Minas
Gerais.
62
60
Idem
61
Idem
62
MINAS GERAIS – Anuário Estatístico do Estado de Minas Gerais – 1922-25 – BH, Imprensa Oficial,
1926.
74
TABELA IV
PRODUTOS AGRÍCOLAS DA REGIÃO DA EFBM EM 1923
63
Município/Produto Algodão
(kg)
Amendoim
(kg)
Arroz em
Casca (kg)
Batata
Inglesa
(kg)
Batata
Doce (kg)
Café em
Grão (kg)
Cana de
Açúcar
(kg)
Araçuaí 992.000
7ºprodutor
240.000
6ºprodutor
2.960.000 175.000 7.300.000
4ºprodutor
1.100.000 64.000.000
10ºprodutor
Teófilo Otoni - 250.000
5ºprodutor
4.880.000
12ºprodutor
1.075.000
4ºprodutor
11.480.000
2ºprodutor
7.180.000
8ºprodutor
60.000.000
14ºprodutor
TABELA V
PRODUTOS AGRÍCOLAS DA REGIÃO DA EFBM EM 1923
64
Município/Produto Feijão
(kg)
Fumo
(kg)
Mamona
(kg)
Mandioca
(kg)
Milho
(kg)
Charque
(kg)
Queijo (kg)
Araçuaí 2.700.000 139.500 400.000
7ºprodutor
20.000.000
1ºprodutor
10.000.000 - -
Teófilo Otoni 4.595.000
1ºprodutor
100.000 530.000
2ºprodutor
19.000.000
5ºprodutor
36.000.000
6ºprodutor
227.050
8ºprodutor
130.000
14ºprodutor
A região possuía uma produção agrícola, extrativista e uma indústria artesanal
agropecuária significativa, ocupando em diversos produtos as primeiras colocações. Por ser
região de fronteira aberta, atraía naturalmente fluxos migratórios como percebemos
anteriormente no final do século XIX devido à seca prolongada do Nordeste.
Entre 1912 e 1937 a população cresceu muito, mantendo uma produção voltada para
o mercado interno, apresentando um montante de produção que, certamente circulava pela
ferrovia se pensarmos o importante movimento das feiras municipais dos finais de semana.
Outro sinal significativo para o movimento de mercadorias na região é o registro de firmas
comerciais no início do século XX, no qual encontramos 261 comerciantes estabelecidos
em Araçuaí e 151 em Teófilo Otoni. Número de firmas próximo e superior, no caso de
Araçuaí, se comparados com os comerciantes de Belo Horizonte e algumas cidades do sul
de Minas: Araçuaí – 261 comerciantes: 107 de 1ª classe e 154 de 2ª classe; Belo Horizonte
63
MINAS GERAIS, Anuário Estatístico de Minas Gerais de 1922-25 – Belo Horizonte, 1926.
64
Idem
75
– 289 comerciantes: 62 de 1ª classe e 227 de 2ª classe; Teófilo Otoni – 151 comerciantes:
65 de 1ª classe e 86 de 2ª classe.
65
O quadro econômico-social dessa região se aproxima da realidade do Sudoeste
baiano estudado por Antonio Zorzo entre o final do século XIX e início do XX:
(...) eram simples cidadezinhas ou povoados até a primeira década do século
XX, quase totalmente desprovidas de serviços urbanos e vida cultural moderna.
Influenciadas por interesses rurais, naquela época e ainda por muito tempo, não
constituíam centros políticos, pois o grupo de cidadãos votantes atingia apenas
a ordem de 1 a 3% do total da população.
66
Cidades que se sustentavam do universo rural e tinham nas feiras sua principal
atividade comercial.
Para tais assentamentos, a feira era o grande evento semanal onde a sociedade
se media. (...) A feira dava a medida dos futuros movimentos de concentração
mercantil de um povoado. No entorno do local onde se armavam a feira
prosperavam as lojas do comércio local. (...) A feira era um grande
acontecimento urbano nas pequenas cidades que, para a sua realização
semanal, constituíam-se em dormitórios de gente e depósito de mercadorias.
67
Ainda pensando o aumento da população para o período citado, temos outros
chamarizes que são a extração de madeira de lei, a mineração e o comércio de pedras
preciosas e semipreciosas. A região ainda possuía produtos de exportação como a Cal
(construção civil); Laticínios; Muares (levando-se em conta que boa parte do transporte no
interior ainda era feito em lombo de burro); e Solas e Peles Curtidas. Indícios de uma
região em desenvolvimento econômico e social apesar de todas as questões em torno do
indígena e da ocupação da terra.
65
1ª Classe: atacadista e 2ª Classe: varejista In: JACOB, Rodolpho – Minas Gerais no XXº século – RJ,
Gomes Irmão e C., 1911 p. 430.
66
ZORZO, Francisco Antonio – Ferrovia e Rede Urbana na Bahia (1870-1930) – Feria de Santana,
Universidade Estadual de Feira de Santana, 2001 p. 135.
67
ZORZO, op. cit. p. 137.
76
TABELA VI
POPULAÇÃO PECUÁRIA DA REGIÃO DA EFBM EM 1923
68
Município/Produto Bovinos
(cabeças)
Eqüinos
(cabeças)
Asininos e
Muares
(cabeças)
Ovinos
(cabeças)
Suínos
(cabeças)
Araçuaí 38.000
5º produtor
6.200
2º produtor
5.570
3º produtor
2.350
5º produtor
32.000
16º produtor
Teófilo Otoni X X X X 55.000
5º produtor
TABELA VII
PRODUTOS EXTRATIVISTAS E MINERAIS DA REGIÃO DA EFBM EM 1923
69
Município/
Produto
Cal
(toneladas)
Cristais de Rocha
(kg)
Lenha
(m
3
)
Madeira
(m
3
)
Pedras Preciosas
e Semi Preciosas
(g)
Araçuaí X X X X 258.000
2º produtor
Teófilo Otoni 1558
9º produtor
2.000
12º produtor
552.000 m
3
1º produtor
9.800 m
3
2º produtor
482.000
1º produtor
TABELA VIII
PEQUENAS INDÚSTRIAS RURAIS E URBANAS DA REGIÃO DA EFBM EM 1923
70
Município/
Produto
Açúcar e
Rapadura
(kg)
Bebidas
Alcóolicas
(l)
Farinha de
Mandioca
(kg)
Laticínios
(kg)
Sola e Peles
Curtidas
(kg)
Araçuaí 2.470.500
13º produtor
285.000
8º produtor
X X 27.000
17º produtor
Teófilo Otoni 2.680.000
12º produtor
488.500
1º produtor
1.010.000
2º produtor
995.060
1º produtor
56.000
1º produtor
Aliada a este crescimento econômico aumenta a segregação/eliminação do elemento
indígena. Segundo Mattos, o Estado laico apóia o aldeamento do Itambacuri diante do seu
potencial de absorção/incorporação da população mestiça aos valores cristãos civilizados.
As estatísticas de casamentos, batismos, crismas e confissões são maiores que de Teófilo
Otoni.
71
68
MINAS GERAIS, Anuário Estatístico de Minas Gerais de 1922-25 – Belo Horizonte, 1926.
69
Idem
70
Idem
71
MATTOS, op. cit. p. 380-1
77
CONCLUSÃO
Até então verificamos que, na verdade, a ocupação do nordeste mineiro não pára
com o fim da Companhia do Mucuri. Há uma ausência do Estado neste processo no qual
prevalece a lei da violência e do revide indígena diante do movimento de ocupação de seu
território. A resposta do Estado tanto imperial quanto republicano se encontra em duas
vertentes: em primeiro lugar a tentativa de aldeamento dos índios bravos em Itambacuri
para “amansá-los”, absorvê-los na população nacional como mão-de-obra, reconhecendo
sua superioridade numérica e a geografia desfavorável para uma perseguição
implacável/guerra aberta de eliminação física. Propõe-se e realiza uma eliminação cultural
absorvendo o elemento indígena entre os brasileiros livres e pobres; em segundo lugar, a
instalação de uma ferrovia como signo da modernidade com o intuito de animar a indústria
e agricultura do norte/nordeste de Minas Gerais, baseado ainda no projeto liberal de Otoni e
marcar a presença do Estado/Civilização como mais uma forma de ocupar a terra indígena e
torná-la produtiva e inserida no território nacional.
Vislumbramos também a formação de uma rede urbana, ainda que com uma elite
incipiente/sem expressão política, à medida que a ferrovia proporciona uma ampliação da
capacidade dos assentamentos urbanos de conexão com o resto do país, de concentrar/atrair
população e distribuir produtos.
72
A seguir temos mais Leis, Decretos, estatísticas, saldos, déficits, cargas, túneis
abertos a picareta, oficinas, locomotivas e algumas lembranças a percorrer nas várias
direções que as linhas do passado se apresentam para nós.
72
Sobre este papel da ferrovia ver ZORZO, op. cit. p. 138
78
CAPÍTULO III
ESTADO E DESENVOLVIMENTO
Chamo especialmente vossa patriótica atenção para
as importantes zonas do norte e leste do Estado.
O aproveitamento de todas estas riquezas depende da
máquina, que só a via férrea pode transportar, e é
este o melhoramento primordial para aquela porção
do território mineiro.
Querer explorá-las pelos métodos bárbaros e
primitivos dos tempos coloniais, será, no meu
entender, um tentâmen improfícuo e até absurdo.
Tenho plena convicção de que, uma vez servida por
vias férreas, será tal o desenvolvimento destas zonas
que os sacrifícios feitos pelo Estado serão farta e
sobejamente compensados.
1
A partir dos primeiros passos sobre a formação da região do nordeste mineiro e da
percepção dos processos de desterritorialização e territorialização implementados naquele
espaço social, assumimos de maneira intensa a análise da trajetória da EFBM tendo como
foco principal a sua relação com o Estado e suas políticas de transporte durante o período
que conhecemos como Primeira República.
Neste capítulo acompanharemos essa relação, principalmente, de 1897, ano de
encampação da ferrovia pelo Estado de Minas Gerais, até 1934, ano em que a União
assumiu a administração da EFBM. Por meio dos discursos oficiais e pelas evidências dos
embates entre as elites e seus projetos de desenvolvimento, pretendemos mostrar como
muda o olhar sobre a ferrovia e qual é o comportamento da mesma nesse período que
abrange muitas transformações políticas, econômicas e sociais.
2
1
MINAS GERAIS - Relatório do Estado de - 1902 p. 29-31
2
Sobre este período ver SOUZA, Maria do Carmo C. – O Processo Político-Partidário Brasileiro na
Primeira República In: MOTA, Carlos Guilherme (org.) – Brasil em Perspectiva – SP, DIFEL, 1981;
CARVALHO, José Murilo de – Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi – SP, Cia das
Letras, 1987; CARVALHO, José Murilo de – A Formação das Almas: o imaginário da República no Brasil –
SP, Cia das Letras, 1990; FRAGOSO, João Luís – A política no Império e no início da República Velha: dos
barões ao coronéis In: LINHARES, Maria Yedda (org.) História Geral do Brasil – RJ, Campus, 1990;
79
Como estratégia de análise dividimos o capítulo em tópicos que acompanham o
desenrolar da trajetória da EFBM, estabelecendo um diálogo entre os discursos do
executivo estadual/federal e os dados econômicos da empresa que conseguimos levantar
para o período.
GESTÃO MINEIRA (1897 – 1904)
Como indica a fala do governador mineiro, Joaquim Cândido da Costa Sena, na
abertura do capítulo, a região estudada ainda alimentava a promessa de riquezas e falta de
desenvolvimento pela carência de transporte/comunicação. A ferrovia ainda era também a
panacéia para o povoamento e o crescimento do norte/nordeste mineiro.
A República começou com promessas de expansão, orçamentos elevados e tráfego
curto para a EFBM, pois até 1892 seus trilhos atendiam o trecho baiano e duas estações em
Minas (Mairinque e Urucu, atual Carlos Chagas).
3
Em 14 de junho de 1890 a Companhia EFBM celebrou contrato de seu
prolongamento entre a cidade de Filadélfia e a do Peçanha (Rio Doce), demonstrando sinais
da continuidade do projeto liberal da elite do Serro que observamos nos dois últimos
capítulos. Antes da conclusão da linha até Filadélfia, já se celebram contratos que não se
materializam, demonstrando uma ansiedade de Estado e iniciativa privada em instalar um
sistema de comunicação na região com o intuito de estar integrando-a ao sistema vigente de
transporte e circulação de mercadorias – pensamos para este momento a expansão da
Central do Brasil no território mineiro.
MENDONÇA, Sônia Regina de – Estado e Sociedade: a consolidação da República Oligárquica In:
LINHARES, op. cit.; VISCARDI, Cláudia Maria R. – O Teatro das Oligarquias: uma revisão da “política do
café com leite” – Belo Horizonte, C/Arte, 2001.
3
JACOB, Rodolpho Minas Gerais no XXº século – RJ, Gomes Irmão e C., 1911 p.535.
80
O contrato foi autorizado pela lei nº 3704 de 29 de julho de 1889 que concedia
também 50 anos de privilégio e incentivos financeiros bem demarcados:
(...) garantia de juros de 6% durante o tempo da construção, a razão de 25:000$
por km, no máximo; bem assim com garantia complementar de juros até 7%,
depois de entregue a estrada ao tráfego, não excedendo, porém, de 5% a quota
com que haja de entrar o Estado, sendo a garantia por 25 anos.
4
Em 1893, o governante do Estado, Afonso Augusto Moreira Pena, reclamava da
morosidade da construção da estrada e teceu alguns comentários sobre a importância da
EFBM para o norte mineiro e suas regiões “ubérrimas” que ainda tinham no transporte um
grande problema.
Região ubérrima e apropriada para as mais variadas produções, tem o norte de
Minas jazido em profundo letargo, devido a dificuldades de transporte e
comunicações com os mercados de exportação.
A penetração da Estrada Central, que tocou já no Rio das Velhas e da Bahia e
Minas até o Urucu, a 91 km da divisa do Estado, tem já contribuído para
despertar a atividade e a esperança daquele povo, que via seu trabalho
inutilizado pela impossibilidade de exportar seus produtos.
5
Além disso, também reclama dos valores elevados dos fretes da EFBM tanto no
trecho do território baiano quanto nos vapores da mesma Companhia que levavam as
mercadorias do norte mineiro ao Rio de Janeiro.
Outro ponto interessante que Afonso Pena nos mostra é, já na época, o problema
da migração de trabalhadores – fato que dificulta/encarece a instalação da ferrovia – em
busca de salários melhores diante das dificuldades da agricultura escoar sua produção e das
secas cíclicas.
6
Percebemos ainda a inexistência do que se conhece hoje como nordeste
mineiro ainda sendo a nomeação da região de norte.
4
MINAS GERAIS – Relatório Estadual de 1891 p. 36.
5
MINAS GERAIS – Relatório Estadual de 1893 p. 15-16 grifo meu.
6
Situação diferente do aldeamento do Itambacuri que recebe migrantes como verificamos no capítulo II.
81
Daí o desânimo, a penúria, a necessidade de imigração de trabalhadores para
lugares, onde melhor salário obtenham.
7
Afonso Pena se mostrava preocupado com os interesses do norte/nordeste mineiro
e procurou a Companhia para pressioná-la a cumprir o contrato firmado com a antiga
província. A Companhia afirmou que romperia os quilômetros que restavam até Teófilo
Otoni em pouco tempo.
O político mineiro ainda tomou outras providências. Para estimular o contato entre
a mata do Peçanha (área projetada para ser prolongamento da EFBM) e Teófilo Otoni,
autorizou a abertura de uma estrada de rodagem entre Sta. Maria e Peçanha; requisitou ao
ministro da Fazenda a abertura de uma Alfândega no porto de Caravelas, com o intuito de
agilizar o comércio do norte mineiro. Ainda com esse intuito, conseguiu baixar os fretes do
trecho baiano da estrada e dos vapores que se dirigiam à Capital Federal.
Em 1894 a situação financeira e política da Companhia EFBM mostrava-se
complicada, levando o governo estadual a interceder e assumir a conclusão da linha até
Teófilo Otoni. Essa decisão se dá diante das expectativas e dos interesses regionais do norte
e nordeste mineiro sobre a EFBM.
A Companhia Bahia e Minas, cujo estado financeiro é deplorável, tem quase
que paralisados os trabalhos a seu cargo.
O presidente da companhia dirigiu requerimento ao governo para lhe serem
concedidos auxílios, a fim de concluir a linha até Teófilo Otoni.
(...)
O alargamento da produção do café e de outros gêneros de lavoura
naquela zona, que por tão largo espaço de tempo tem lutado com as
dificuldades mais sérias pela carência de transportes, seria com certeza
paralisado se falhasse a esperança que depositam os lavradores na linha
Bahia e Minas.
8
7
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1893 p. 15-16.
8
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1894 p. 22 grifo meu.
82
Diante deste quadro, Afonso Pena se valia da lei nº 64 de 1893 que, segundo ele,
tinhas as autorizações necessárias para levar à frente a construção da linha podendo
decretar a caducidade da concessão feita à Companhia.
9
Além disto, há a indicação de que
a produção da região cresce, como constatamos no final do segundo capítulo no tocante à
agricultura e indústria artesanal que se desenvolve até a década de 1930, aumentando a
importância estratégica e econômica da estrada para a região.
Março de 1894 era o prazo oficial da caducidade da concessão da EFBM para
concluir o trecho até Teófilo Otoni. O governo mineiro resolveu comprar os títulos da
dívida da Companhia de um empréstimo feito no exterior em 1893 no valor de 16.500.000
francos. Seguiu-se todo um trâmite financeiro que vem a seguir:
Não convindo a compra de tais títulos na praça, por isso que, estando eles
depreciados, seus portadores certamente os valorizariam, uma vez que no
mercado aparecesse quem os pretendesse, mormente sabendo-se que esse
pretendente era um Estado próspero como o de Minas, foi celebrado com o
Comitê Belga um acordo para aquisição desses títulos, os quais, obtidos pelo
Estado, pelo preço de 160$000, moeda brasileira, foram convertidos em
debêntures obrigatórios do valor de 200$000, ao juro de 5%, resgatáveis em 33
anos, a contar do de 1896, restando ao Estado a faculdade de resgatar na bolsa,
por antecipação, por meio de coupons, os debêntures de 500 francos do mesmo
empréstimo.
Operação foi esta de grande alcance financeiro, feita pelo meu ilustrado
antecessor, pois, por meio dela tornou-se o Estado possuidor da dívida da
Companhia, no valor de 16.500.000 francos, despendendo para esse fim apenas
a quantia de 5 mil contos. Demais, realizada ela, ficou o tesouro do Estado
aliviado de uma grande despesa anual; qual a que era feita para pagamento de
juros do capital garantido a essa companhia, e desembaraçada esta dos
encargos de tão grande dívida, pode hoje prosseguir com mais facilidade na
construção de suas obras.
10
Além disso, o Estado acertou um empréstimo de 3.200 contos para concluir as
obras até Teófilo Otoni. Neste acordo (9 de julho de 1895), também ficou bem marcada a
9
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1894 p. 22.
10
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1895 p.15.
83
presença do governo mineiro na fiscalização das obras, intervenção no tráfego e demais
serviços que fossem de seu interesse. Todas as estradas e bens da Companhia foram
hipotecados, incluindo uma caução prestada pelo banco Crédito Real, em 100.000 letras
hipotecárias, de juros de 5%, ouro.
11
No Arquivo Público Mineiro encontramos dois livros de atas das sessões da
diretoria da Companhia EFBM. Nesses documentos podemos vislumbrar um pouco mais a
precariedade da administração da estrada. Um ponto problemático era a localização do
escritório central no Rio de Janeiro. Em Ponta de Areia havia um gerente que
periodicamente vinha de vapor dar notícias da vida na estrada. A comunicação era
precariíssima. Do presidente ao tesoureiro ficavam todos na capital federal.
12
A partir de 1893, quando o Estado começou a se preocupar mais com os rumos da
Companhia., houve a constituição de uma nova diretoria e o registro de uma série de
reclamações sobre a ausência da contabilidade da EFBM.
Segundo as atas, o guarda-livros desapareceu com todo o material contábil e a
chave do cofre/arquivo. Além disso, descobriu-se que a diretoria anterior não tinha pago o
seguro dos vapores da Companhia. Em 1896 esse vapores foram liquidados para pagar
dívidas e por falta de recursos para mantê-los, quebrando assim a autonomia que a empresa
tinha na comercialização da carga transportada até Ponta de Areia .
13
No Relatório de 1896, o governo mostrou seu empenho/sacrifício em favor do
desenvolvimento da viação férrea em Minas Gerais.
11
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1895 p.17.
12
COMPANHIA ESTRADA DE FERRO BAHIA E MINAS - Atas das Sessões da Diretoria da - 1893-1895
e 1895-1896 – encadernação: 651 e 660 - APM – Fundo Secretaria de Agricultura Série: Viação, estradas de
ferro, navegação, linhas telegráficas.
13
Idem
84
Continua a sentir-se o impulso dado pela lei nº 64, de 1893, no
desenvolvimento da viação férrea do Estado. Durante o ano findo foram
entregues ao tráfego mais 220 km de estradas de ferro custeadas ou auxiliadas
pelo Estado.
Comparado esse número com o da extensão inaugurada no ano anterior, que foi
de 97 km, verifica-se um aumento de 127%, progressão que nunca fora antes
atingida e que basta para mostrar quão eficazes e benéficos têm sido os
esforços e sacrifícios dos poderes públicos de Minas em favor do
desenvolvimento da viação férrea no Estado.
14
Esforços e sacrifícios eficazes e benéficos para as empresas que se achavam
falidas e receberam do Tesouro Estadual recursos para impedir a paralisação das ferrovias
mineiras. Seguem-se cifras e mais cifras.
15
Mesmo assim os trabalhos do trecho até Teófilo Otoni se mostravam lentos aos
olhos de Crispim Jacques Bias Fortes. Ao final de 1895 foram entregues 21,7 km, faltando
ainda 96 km para se chegar à antiga Filadélfia. Então o Estado assumiu a responsabilidade
da direção do prolongamento da estrada.
16
Junto com essa responsabilidade também enfrentou a primeira greve dos
trabalhadores da Bahia e Minas:
Telegrama Urgente – 27/10/1896
Pessoal conserva e trabalhadores linha em tráfego revoltados, exigindo
pagamento atrasado. Diretoria sem recursos pecuniários, como os já os
certificou ontem, pede garantia seus auxiliares Pontareia. Governo Bahia peço
providências combinação Banco República Brasil e ordem a respeito...
Brandão – Presidente
Telegrama Urgente – 28/10/1896
14
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1896 p.22.
15
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1896 p. 23 (...) As quantias para esse fim pelo Estado despendidas,
com empréstimos a diversas empresas, em virtude da lei n. 64 atingiram em 1895 a soma de 4.443:947$707.
Se adicionarmos essa importância à dos empréstimos feitos em 1894, no valor de 5.090:401$961, e à dos
feitos em 1893, na importância de 1.590:632$000, e à dos feitos até a presente data na importância de
2.919:849$520, assim distribuídos: A Cia. VF Sapucahy : 1.100.000$000; A Cia. EF Muzambinho :
1.100.000$000; A EF Bahia e Minas : 719.849$520.
16
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1896 p. 26.
85
Ameaça saquear Caravelas e estações da estrada. Cidade sem força pública.
Peço providências para garantir vida e propriedades ameaçadas.
Brandão - Presidente
17
O Estado mineiro assumiu a direção da ferrovia neste clima de crise financeira e de
atrito com o corpo funcional. Um pouco antes, em maio, o Estado havia elaborado um
Novo Plano de Viação Ferroviária que dividia as linhas em dois tipos: “irradiações” e
“industriais”, sendo as primeiras instrumentos políticos de integração de todas as zonas do
Estado com Belo Horizonte, enquanto as segundas, reconheciam que a “principal função
econômica exercida pelas estradas de ferro era reduzir o custo dos transportes a taxas tais
que permitam a valorização de regiões mortas para a produção intensiva, enquanto a
elas não tivesse chegado os trilhos e a locomotiva.”
18
O plano definia como linhas estaduais aquelas “principais de drenagem comercial
dos produtos”, cabendo aos municípios providenciar “em combinação uns com os outros as
vias férreas adutoras de tráfego às linhas-tronco”. Assim “ao Estado caberá a concessão dos
troncos de viação e aos municípios a dos afluentes de transporte.”
19
As linhas de “irradiações” dividiam o território mineiro em quatro quadrantes
vinculados a Rosa dos Ventos nos quais estavam inseridas as linhas industriais. Entre eles o
que nos interessa diretamente é o quadrante Nordeste (NE), que tinha como objetivo
17
COMPANHIA ESTRADA DE FERRO BAHIA E MINAS - Correspondência da – 1896/1897 – Arquivo
Público Mineiro - Encadernação: 711.
18
JACOB, Rodolpho op. cit. – Anexo I, p. 571 grifo meu.
19
SOUZA, José Moreira de – Cidade: momentos e processos Serro e Diamantina na formação do Norte
Mineiro no século XIX – São Paulo, Marco Zero, 1993 p. 162.
86
principal proporcionar o acesso dos produtos mineiros aos portos do litoral da Bahia e
Espírito Santo.
20
Pensando esta opção pelos portos, o plano partia da estrutura já montada pela
EFBM, criando roteiros de possíveis conexões entre as quais Araçuaí e Teófilo Otoni são
apresentadas como referências importantes como a ligação da primeira com o Salto Grande
(Salto da Divisa) para chegar a Belmonte/Porto Seguro. Teófilo Otoni liga-se com
Caravelas (já construída) e com Araçuaí para ligar esta com Salinas que teria uma linha
para Rio Pardo e Tremedal (fronteira mais ao norte com Bahia, hoje Monte Azul) até
chegar a um ponto navegável do rio Verde Grande (afluente do S. Francisco). Araçuaí é
referência para conquistar o interior no rumo de Grão Mogol, chegando a Montes Claros e
Extrema no S. Francisco. No rumo sul mantinha-se o projeto liberal do Serro, projetava-se
uma ligação entre Teófilo Otoni e Santo Antonio do Peçanha, como foi visto em 1893 com
Afonso Pena. Neste último ponto haveria uma bifurcação que chegaria ao Serro e
Diamantina, com direito a chegar ao S. Francisco e conectar-se à Central do Brasil. Outro
ramal chegaria a Itabira e Santa Bárbara.
O tempo passou e nenhuma dessas ligações foi levada a termo. De todo este plano
só se realizou a ligação entre Teófilo Otoni e Araçuaí, mais de quarenta anos depois da
elaboração do mesmo.
A falta de cumprimento do plano de 1896, assim como do plano de 1881, pôs fim ao
clima de promessa de progresso que a região do Serro vivia na transição de século e de
regime político. A região viveu um período de recessão diante da superprodução agrícola
20
JACOB, Rodolpho op. cit. pp. 575 e 581 Os portos: Canavieiras, Belmonte, Bahia Cabrália, Santa Cruz,
Porto Seguro, Caravelas, Rio Doce Vitória. “... de acordo com as exigências da nova fase para a qual se
encaminha a evolução econômica do Estado: o aproveitamento dos portos do litoral, que são os verdadeiros
pontos iniciais da viação férrea em Minas.”
87
sem vias de comunicação que escoassem a mesma. Reservou-se ao Norte Mineiro o lugar
de criatório de trabalhadores e de policiais da força pública, isto é, reserva de mão-de-obra
que os jornais da região denunciavam como um “tributo de sangue” e lamentavam a
ausência da ferrovia, visualizada no texto abaixo como uma entidade portadora do
progresso que é impedida de chegar à região por motivos políticos. A locomotiva fala ao
povo do Serro:
Vinde ao meu encontro, festivos e alegres, trazei-me flores e coroas de
louro para com elas me coroar porque eu sou a vida e a animação e o progresso
dos povos civilizados e trabalhadores. (...) De tempos em tempos, mormente em
certos períodos da vida política nacional, ecoam aos nossos ouvidos notícias
semelhantes que se vão gradualmente amortecendo até desaparecer de vez e por
completo, voltando as cousas ao seu estado anterior.”
21
Segundo Souza, neste mesmo período Diamantina recebeu quantidade considerável
de capital estrangeiro para a exploração de diamantes e passou a reivindicar a instalação de
uma ferrovia, que se realizou com o ramal da EF Central do Brasil que a ligava a Curvelo.
21
Trecho do Jornal Estrela Polar, Diamantina 1903 In: SOUZA, op. cit p. 164.
88
A NOVA COMPANHIA EF BAHIA E MINAS (1904-1911)
É tempo de crise na lavoura do café...
(...) tormentosa crise que de presente apavora a lavoura em nosso Estado,
incutindo-lhe apreensões as mais graves e receios tanto mais justificados
quanto, com natural espanto, somos testemunhas do anômalo fenômeno
econômico da baixa do câmbio paralelamente com a desvalorização do preço
do café, lavoura a que a preferência dedicam-se os fazendeiros mineiros e que
contribui com três quintas partes das rendas do Estado.
22
Período que marca uma mudança na política de desenvolvimento de Minas Gerais.
O Estado passa a apostar na policultura, tentando reduzir a predominância do café nas
exportações do estado. Tendência que se explicita no Congresso Agrícola, Industrial e
Comercial de 1903.
23
Bias Fortes retomou o tema dos sacrifícios do Estado na construção de ferrovias e
diz que é tempo de deixar as estradas em atividade desenvolver seu tráfego e aliviar os
referidos sacrifícios do tesouro estadual. Considera “imprudente, perigosa e impatriótica” o
investimento estatal em novas linhas sem que as existentes conquistassem autonomia
econômica.
24
Durante os quatro anos de governo de Bias Fortes, a EFBM cresceu 75 km e
fechou o trecho até Teófilo Otoni - “ficando assim completo o tronco da viação férrea do
extremo Norte do Estado.”
25
O preço desse avanço foi uma dívida de números
22
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1897 p. 14.
23
DULCI, Otávio Soares – Política e Recuperação Econômica em Minas Gerais – Belo Horizonte, Editora
UFMG, 1999 pp. 43 e 60.
24
(...)deixar às estradas existentes o necessário espaço para que desenvolvam o seu tráfego e possam destarte
compensar o sacrifício com que sobrecarregaram o tesouro e, só conseguido este desideratum, afigura-se-me
lícito contrair novos compromissos para à custa deles dar maior desenvolvimento à nossa viação férrea. (...)
impõe-se a necessidade suprema, inelutável, de restringir ao seu volume atual a corrente oficial dos
melhoramentos materiais; de parar, de modo absoluto, no caminho dos empreendimentos desta espécie; (...) a
concessão de novas estradas de ferro ou de novos favores, que importem ônus adicionais para o tesouro, seria,
no presente momento, (...) uma medida imprudente, perigosa e impatriótica. MINAS GERAIS, Relatório
Estadual de 1897 p. 12.
25
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1898 p. 21.
89
estratosféricos.
26
Como pagamento o governo de Minas recebeu o trecho mineiro no valor
de 18.281:556$031 e o trecho baiano em escritura de anticrese.
27
Ainda em 1898 encontramos a Lei n.138, de 20 de julho de 1895 que mandava
fazer os estudos do prolongamento da EFBM até Araçuaí. Roteiro de linha se faz presente
no Plano de Viação Férrea de 1896.
28
Silviano Brandão ressaltou novamente a importância da lei n. 64 de 1893 no
desenvolvimento das ferrovias pelo aumento da produção em regiões atendidas pelo
transporte – o sul de Minas, segundo o Relatório, triplicou a produção, principalmente a de
café num período de cinco anos. Ao mesmo tempo as empresas ferroviárias continuavam
em crise – citava a liquidação forçada da Viação Férrea Sapucaí.
29
Sobre a EFBM, o governador informava a inauguração da estação de Teófilo
Otoni. Considerava-a uma estrada de grande futuro apesar dos gastos impostos ao tesouro
estadual. Criticou a administração estatal da ferrovia dizendo que não é “profícua a ação
quase exclusiva dos poderes do Estado na vida de indústrias, que se devem manter à
custa dos seus próprios elementos de prosperidade, ou devem desaparecer, se tais
elementos não existirem.”
30
O otimismo sobre a EFBM vem do resultado da redução das despesas da estrada.
Mesmo com a dificuldade de fiscalização devido ao difícil acesso à região, o governo
26
A Bahia e Minas teve como garantia de juros a quantia de 1.199:238$055, sendo entregues até o momento
247:435$697. Pela lei n. 64 de 1893, o Estado emprestou a Bahia e Minas 4.433:672$108. “Atingindo, até 14
de Abril de 1897, a dívida da Companhia Bahia e Minas, para com o Estado, à elevada quantia de
20.029:616$401, não incluída a parte do empréstimo por ela levantado em 1888, na Europa, e do qual já era o
Estado credor, como possuidor da quase totalidade dos respectivos debêntures...” In MINAS GERAIS,
Relatório Estadual de 1898 p. 21.
27
Segundo o Dicionário Houaiss, anticrese é substantivo feminino. Termo jurídico relativo a contrato em que
o devedor entrega um imóvel ao credor, transferindo-lhe o direito de auferir os frutos e rendimentos desse
mesmo imóvel para compensar a dívida; consignação de rendimento.
28
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de1898 p. 22.
29
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1899 p. 27-29.
30
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1899 p. 27-29 Grifo meu.
90
tentou reduzir o déficit orçamentário com corte de pessoal - “grande massa de operários
inúteis”
31
- e acúmulo de funções. O discurso liberal de Bias Fortes e a busca por um
acerto nas finanças da ferrovia já indica a vontade do governo estadual de passar o controle
da empresa para a iniciativa privada. Além disso, a falta de tranqüilidade no trabalho
mostra que o conflito com o indígena não se resolvera até aquele momento.
32
Para atingir esse desiderato, foi ordenada uma nova organização no pessoal de
conserva, de acordo com as condições especiais da linha, criando grandes
turmas ambulantes, de preferência aos pequenos grupos de operários, que não
têm tranqüilidade suficiente para trabalhar naquela região.
Só a diminuição do número de feitores e cozinheiros, que pesa muito na
organização de pequenas turmas, reduz consideravelmente as despesas da
linha.
(...)
O desaparecimento do déficit é, pois, questão de pouco tempo. Nestas
condições, conhecidos os inconvenientes da direção oficial, mormente a tão
longa distância da sede do governo, é fácil concluir que se a linha fosse
administrada comercialmente por uma empresa particular, ela produziria uma
renda compensadora do capital empregado.
33
Essa política de redução do déficit da EFBM continuou em 1900 e atravessou os
governos de Silviano Brandão e Francisco Salles, mantendo a redução de pessoal e
introduzindo a necessidade de um regulamento geral de serviços.
No ano de 1898, montou a receita a 630:268$977, e a despesa a 927:230$707,
havendo por conseguinte, o déficit de 297:961$730.
Esse déficit era em sua maior parte devido ao pessoal em excesso, pois a
verba à essa despesa chegou a atingir a 639:336$457, em 1898.
Em 26 de abril de 1899, o governo, após minuciosos estudos, aprovou novo
quadro para o pessoal, reduzindo a despesa anual com essa verba a
395:320$000.
Foi assim que, aplicado o novo quadro somente no segundo semestre, a
despesa, em 1899, foi de 556:717$866, contra 927:230$707, no ano anterior.
31
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1899 p. 40-41.
32
Sobre a questão indígena ver GUIMARÃES, Therezinha – Depoimento – Carlos Chagas, 14/09/2002 p.
281.
33
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1899 p. 40-41 Grifo meu.
91
Em agosto, houve um saldo de 8:441$372 e em outubro, de
15:314$000.
34
Em 9 de janeiro de 1900 foi decretado o novo regulamento, mas despesas de troca
de trilhos no trecho baiano mantiveram o déficit da empresa.
No Relatório de 1901 o governador continuou com os esforços em reduzir o déficit
da ferrovia atentando para a safra de café que se anunciava na região, apesar da
precariedade de funcionamento da linha e da crise por que passava o país na indústria e no
comércio. É interessante registrar a preocupação em tornar a ferrovia rentável, mostrando
uma mudança no olhar do sacrifício estatal que tinha os trilhos como instrumento de
progresso.
35
Continua a ser feito com a possível regularidade o serviço do tráfego da estrada
de ferro Bahia e Minas, administrada diretamente pelo governo.
Apesar dos esforços empregados para reduzir as despesas dessa via férrea, os
quais chegaram ao limite de diminuir de metade a verba do respectivo pessoal,
despesas de outra ordem, provenientes de substituição de trilhos, reparação do
material rodante e conservação das obras estragadas pelas chuvas, aliadas a um
notável decrescimento da receita, conduziram a um déficit no ano findo.
(...)
É de esperar que no exercício corrente se eleve a renda da estrada, atenta a
quantidade de café a transportar.
Estes resultados demonstram que uma administração bem feita e econômica
pode transformar aquela via férrea, de modo que se torne uma fonte de
receita.
36
No mesmo Relatório, Silviano Brandão comenta a grave crise da agricultura no
estado e no país, principalmente a desvalorização do café e lista uma série de medidas para
34
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1900 p. 28-29.
35
Vivia-se os efeitos da política econômica do governo Campos Sales, sob o comando de Joaquim Murtinho
que estabeleceu moratória com banqueiros ingleses, formou um “Funding-Loan”(
concessão de um
empréstimo novo para unificar anteriores empréstimos em uma só dívida)
, buscando uma deflação dos preços
e fortalecimento do Tesouro, provocando um quadro de salários congelados e aumento de impostos. Política
caracterizada também pela suspensão de obras públicas e desestímulo à indústria. MARANHÃO, Ricardo -
Brasil História: texto e consulta, República Velha – SP, Brasiliense, 1979 p. 197.
36
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1901 pp. 25-26 grifo meu.
92
ajudar a indústria nacional, entre elas a redução dos fretes de transporte, inclusive da Bahia
e Minas.
Pelo decreto n 1448 de 1/02/1901 – que precisou também da aprovação do
governador da Bahia -, reduziu-se as tarifas para cereais, madeiras, querosene e café da
EFBM.
O frete de Teófilo Otoni ao Rio de Janeiro era de 1$951 por arroba, sendo
1$428 de frete na estrada de ferro e $523 por mar.
O governo conseguiu que a Companhia de Navegação do Rio de Janeiro
fizesse em seu frete a redução de $150, e por sua vez mandou que a tarifa
ferroviária fosse reduzida de $226, de sorte que ficou sendo 1$575 o frete total
até o Rio, sendo a redução total por arroba de $376.
37
Encontramos aí uma situação ambígua, pois de um lado há a crise do café, de outro
as ferrovias precisando sair do déficit e deixar de onerar o Estado. Como uma empresa que
procura eliminar seu déficit e ganhar autonomia da tutela estatal pode se dar ao luxo de
reduzir tarifas?
Neste ponto percebemos que, mesmo em processo de saneamento de suas finanças
para passar à iniciativa privada, a ferrovia ainda é vista pelo Estado, prioritariamente como
um instrumento de desenvolvimento que precisa do seu suporte, e não empresa capitalista.
Em 1902 voltaram as atenções para a linha Teófilo Otoni a Peçanha, com 242,6
km.
38
Por enquanto percebemos dois rumos da EFBM ao norte de Minas. Um que se
mantém fiel ao projeto liberal de Teófilo Otoni ligando o Serro ao litoral baiano e outro que
busca o Jequitinhonha com direção a Montes Claros, mostrando ainda uma estratégia de
integrar o imensurável norte de Minas do século XIX.
39
37
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1901 pp. 36-37.
38
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1902 p. 27.
39
Norte de Minas que continua sem medida no discurso de Nelson de Sena na Câmara Federal de 1928.
93
No curto governo de Joaquim Cândido da Costa Sena, o Estado manteve seus
incentivos por subvenções quilométricas, garantias de juros e empréstimos.
Até 31 de dezembro o Estado tinha despendido com a construção de suas
estradas de ferro:
Em subvenções, 892:764$000.
Em garantia de juros, 24.162:191$938 (...)
Em empréstimo, 15.875:412$051
(...)
Ao todo – 57.122:235$777, é a quantia despendida com as estradas de ferro, no
Estado de Minas.
O total da renda bruta destas ferrovias do Estado, que em 1889 foi de
3.983:990$482, e em 1900 de 8.213:057$312 – elevou-se em 1901 a
10.222:688$247.
40
Sobre a EFBM podemos dizer que déficit e precariedade de tráfego se
mantiveram.
Despendeu com a EFBM (compra, empréstimo, construção do prolongamento
até Teófilo Otoni, estudos até Araçuaí) 16.191:867$788.
O ano de 1901 encerrou-se ainda com déficit de 169:379$233.
41
Costa Sena retomou o argumento das riquezas intocadas/pouco aproveitadas da
construção da Bahia e Minas.
O discurso se aproxima do projeto liberal de Teófilo Otoni que apostou na
“uberdade inexcedível” das terras, suas planícies para gado, as matas, os minerais por se
descobrir
42
e a proximidade com o litoral baiano e capixaba. Uma região ainda por ser
40
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1902 pp. 27-28.
41
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1902 p. 28.
42
Se as imensas planícies do norte oferecem, com suas pastagens, campo vasto para grande desenvolvimento
da indústria pastoril, se suas terras, cobertas de preciosas matas, asseguram ao Estado abundância de quase
toda sorte de produtos agrícolas, não é menos certo que suas riquezas minerais hão de constituir uma das mais
fortes alavancas de seu desenvolvimento e riqueza. Além das pedras coradas que já constituem importante
ramo de comércio, lá estão jazidas de ouro, de diamante, de grafite, de galena argentífera e indícios seguros
da existência de minérios de estanho e clorofosfato; e força é confessar, que debaixo do ponto de vista de
riquezas minerais, o norte de Minas é ainda uma região a descobrir-se (...) MINAS GERAIS, Relatório
Estadual de 1901 p. 29-31.
94
descoberta. Essas potencialidades apontavam para um futuro promissor e novamente a
validade do sacrifício do Estado.
Chamo especialmente vossa patriótica atenção para as importantes zonas do
norte e leste do Estado.
O aproveitamento de todas estas riquezas depende da máquina, que só a
via férrea pode transportar, e é este o melhoramento primordial para
aquela porção do território mineiro.
Querer explorá-las pelos métodos bárbaros e primitivos dos tempos coloniais,
será, no meu entender, um tentâmen improfícuo e até absurdo.
Tenho plena convicção de que, uma vez servida por vias férreas, será tal o
desenvolvimento destas zonas que os sacrifícios feitos pelo Estado serão farta e
sobejamente compensados.
43
Segundo o governador Silviano Brandão, um dos fatores que provocava o
isolamento da região era sua carência de mão de obra e caminhos de ferro. Argumentos que
continuaram valendo na década de 30, como veremos adiante.
Lá estão, por assim dizer, estranhos à vida econômica e financeira do Estado,
poderosos elementos e incalculáveis riquezas, esperando apenas meios de
comunicação para entrar como importantes fatores de aumento da
fortuna pública e particular.
(...)as searas, porém, são imensas e, infelizmente, ainda bem poucos os
operários.
44
Sobre a mão de obra, fez um elogio ao trabalhador nacional procurando mostrar
que tinha o mesmo valor que o estrangeiro.
Bem falsa é a idéia dos que, vendo o pouco que produz o trabalhador
nacional, apregoam a superioridade do estrangeiro.
(...)
Se os colonos europeus, nascidos em países onde a escassez de terras traz
acesa, dia e noite, a luta pela vida, só prosperam nas vizinhanças das ferrovias,
como poderá progredir o nacional, delas separado por incalculáveis distâncias,
em terras que, obedecendo ao mais elementar dos esforços, lhe proporciona o
que lhe é indispensável?
45
43
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1902 p. 29-31 Grifo meu.
44
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1901 p. 29-31 Grifo meu.
45
Outra consideração interessante é a questão da falta de mão de obra da região que não significa vazio
demográfico, levando-se em consideração o discurso de Nelson Coelho de Sena (op. cit. p. 73) contabilizando
95
Durante o governo de Francisco Salles, a EFBM continuou com sua política de
redução de déficits para realizar a concessão a particulares.
O governo considerava, em 1903, o transporte ferroviário quase paralisado
mostrando sua dependência do prolongamento da Central do Brasil até o S. Francisco para
fazer a integração entre as regiões do Estado. É um período de déficits pesados para as
estradas de ferro de Minas. A crise anunciada nos governos anteriores continuava.
46
Na política de redução de déficits houve um aumento da receita. Considerava-se a
estrada com um potencial econômico bom que dependia da melhoria de comunicação do
seu leito com as cidades que ficavam afastadas. Há o registro de uma iniciativa do governo
estadual de planejar essas comunicações.
47
Com os bons resultados obtidos, com a redução de custos e aumento da receita, o
Estado anunciou o arrendamento da ferrovia para a iniciativa privada. Em 1904, foi
arrendada por José Bernardo de Almeida.
Não obstante a mais rigorosa economia observada no seu custeio, ainda a
despesa acusa um déficit de 23:958$488 no ano de 1902, que, comparado com
o do exercício anterior, na importância de 169:379$233, se verifica uma
economia em favor daquele de réis 145:420$745, devido em grande parte ao
aumento de receita.
48
***
a população do norte mineiro em 1.749.360 habitantes na década de 20. Podemos considerar alguns fatores
como a falta de operários qualificados (fato que vai acompanhar a ferrovia até o seu final, pois nenhum
profissional qualificado desejava morar na região diante da falta de recursos) e também a preferência dos
moradores da região pela lida no eito, na agricultura de subsistência ou para o mercado interno. Desta forma a
escassez de mão de obra no nordeste mineiro não entra em contradição com a informação de MATTOS, que
verificamos no segundo capítulo, sobre o movimento de migração registrado no final do século XIX no
aldeamento de Itambacuri. MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1901 p. 29-31.
46
A Bahia e Minas apresentou no ano de 1902 um déficit de 23:958$488, num ano em que a Leopoldina,
Muzambinho, Sapucahy e João Gomes a Piranga apresentaram déficit pesados. Só escaparam a Juiz de Fora a
Piáu e a Oeste de Minas. MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1903 p. 39.
47
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1903 p. 40.
48
MINAS GERAIS, idem.
96
A anulação completa destes e a segurança de melhor situação econômica para
essa estrada, acreditou o Governo poder obter por meio de administração
particular.
Nesse pressuposto foi anunciada a hasta pública para o seu arrendamento,
tendo-se apresentado duas propostas. Aceita a mais vantajosa, celebrou-se
contrato com o respectivo licitante, sr. José Bernardo de Almeida, a 22 de abril
do corrente ano.
49
No contrato o governo procura garantir o retorno do investimento com um
aumento de 15% do arrendamento nos três primeiros qüinqüênios e de 50% nos
qüinqüênios a seguir. Celebrou o mesmo contrato a título precário, podendo suspender a
sua execução a qualquer momento. O arrendatário ainda teve que depositar no Tesouro uma
caução de 50:000$000.
50
Com a estrada de ferro Bahia e Minas em 1903 e 1904, para cobrir o déficit
proveniente do desequilíbrio entre a receita e a despesa, o Estado despendeu a
quantia de 98:760$000 antes de iniciar o período de arrendamento.
51
O único retorno para o arrendatário foi a promessa do governo de retomar o
esforço de abrir estradas de rodagem para facilitar a comunicação entre a linha e as cidades
produtoras com o objetivo de aumentar o tráfego. Foi anunciada a construção da estrada
entre Urucu (Carlos Chagas) e S. Miguel do Jequitinhonha.
52
Mais um trecho que indica
um movimento de integração regional que não se realizou.
Em 1905 voltamos à situação ambígua da crise econômica e a visão do Estado
sobre a ferrovia como instrumento de desenvolvimento e não empresa capitalista. Para
ajudar a agricultura o Estado, além do crédito facilitado, o fornecimento de trabalhadores
49
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1904 p. 46-48. Não conseguimos levantar outros dados sobre este
arrendatário.
50
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1904 p. 46-48.
51
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1906 p. 63.
52
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1904 p. 46-48.
97
imigrantes e a constituição de colônias, impõe, mais uma vez, reduções de tarifas ao
transporte ferroviário que continua com suas finanças precárias.
No tocante à redução das tarifas de estradas de ferro, a ação do Governo tem-se
feito sentir, não poupando esforços para obter delas essa medida em benefício
da exportação dos nossos produtos.
53
As ferrovias concedem transporte gratuito para sementes, mudas, adubos
químicos, animais reprodutores e máquinas agrícolas.
54
Não tem o Governo poupado esforços no sentido de conseguir redução das
tarifas das diversas estradas que servem o Estado de Minas.
(...)
Determina esse empenho do Governo em obter reduções de tarifas das estradas
de ferro a convicção que tem de que o mais eficaz fator do desenvolvimento
econômico do Estado é a facilidade e modicidade de preços na circulação dos
produtos.
As estradas pertencentes ao Governo e por ele custeadas e administradas
devem ser consideradas antes instrumento de progresso e de
desenvolvimento econômico do que empresas industriais com fito de lucro,
de vantagens diretas.
55
O arrendamento da EFBM tem seus primeiros resultados apresentados no
Relatório de 1906 chegando a ter uma renda anual de quarenta contos. A projeção do
governo estadual era otimista apostando no aumento do tráfego e no estabelecimento de
acerto com alguma companhia de navegação para tornar o tráfego marítimo mais regular
em Caravelas.
56
No último ano de governo de João Pinheiro, 1908, localizamos sinais de uma
política de construção de estradas de rodagem auxiliares das ferrovias.
Julga o governo conveniente construir algumas estradas de rodagem, que
liguem as vias férreas aos centros produtores e para isso importou dos Estados
53
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1905 p. 48.
54
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1905 p. 49.
55
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1906 p. 64 grifo meu.
56
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1906 p. 62.
98
Unidos, não só as máquinas que lá se empregam em trabalhos similares, como
veículos de tração animal, que não estragam o leito das vias e, além disso, com
a mesma força, transportam carga muito superior à do sistema condenado do
nosso carro de bois.
(...)
A questão do tráfego para automóveis de mercadorias é outro problema
importante, sendo mister que se continuem as experiências, atento os grandes
benefícios que podem provir para os transportes à pequena distância.
57
Para João Pinheiro, as estradas de rodagem também são importantes para a região
de influência de Diamantina que possuía uma vocação econômica (pecuária e mineração de
ouro e diamante) que dispensava a ferrovia. Esta seria importante para o Serro e sua
agricultura que exigia transporte de grandes cargas a baixos custos.
58
O projeto de João Pinheiro considerava a importância da formação de centros
de consumo e a consolidação de mercados regionais. Para tal, dever-se-ia
equilibrar alinhamento à economia exportadora pelas estradas de ferro e
navegação e formação da economia regional pelas autovias e programas de
animação, colonização, cooperativas agrícolas e incentivo à formação técnica
para o trabalho.
59
Encontramos o mesmo assunto em seu discurso de abertura do Congresso das
Municipalidades do Norte de Minas em 1907, na cidade de Diamantina:
60
Em tão extensos chapadões, a construção das estradas de rodagem é facílima.
Afora as pontes, pode-se dizer que as estradas estão feitas por natureza e a sua
conservação será mínima para esperar as estradas de ferro. (...) preparando,
assim, a estrada para os automóveis que, por sua vez, concorrerão com as
estradas de ferro, preparando a produção...
61
57
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1908 p. 20.
58
Trecho do jornal O Norte de 1907 In: SOUZA, op. cit. p. 168.
59
SOUZA, op. cit. p. 171.
60
Este Congresso reuniu o grande e amorfo/indefinido norte mineiro (Serro, Conceição, Itabira, Ferros,
Guanhães, Peçanha, S. João Batista, Minas Novas, Araçuaí, Teófilo Otoni, Salinas, Grão Mogol, Rio Pardo,
Tremedal, São Francisco, Januária, Montes Claros, Bocaiúva, Curvelo e Sete Lagoas)
sendo sua pauta de
debate:
auxílio ao ensino primário e técnico; auxílio à indústria extrativas em todas as suas variantes;
colonização dos municípios fixando o colono ao solo; estabelecimento de prêmios de animação para adoção
de processos na agricultura; abertura de estradas vicinais e de rodagem; melhoramentos higiênicos e de
polícia das cidades; exposições locais e regionais. Trecho do jornal O Norte de 1907 In: SOUZA, op. cit. p.
167.
61
BARBOSA, Francisco de Assis- João Pinheiro: documentário sobre a sua vida – BH, APM, 1966 p. 255.
99
Em discurso ao governador da Bahia faz referência ao nordeste mineiro, “as
exuberantes matas virgens do Mucuri”, e a comunicação com o litoral, frisando a
importância de ocupação e modernização de um vazio sertão que já possuía trilhos.
(...) até que o formoso estuário entregue ao mar a sua imensa massa de
águas, o que temos é o sertão e o deserto nas suas margens férteis e
abandonadas, nas suas melancólicas e ricas campinas (...)
É preciso, nele [sertão], pôr em comunicação os núcleos de população já
existentes, criar novos, dar vida às terras, que as estradas de ferro já trilham,
continuá-las, substituir pelo arfar do vapor o silêncio triste das águas desertas
dos rios navegáveis, criar a produção, tornando, conjuntamente, para ela, certo
o mercado.
62
Ainda em 1908 João Pinheiro retoma o problema de falta de planejamento
ferroviário presente nos discursos de Faria Lemos (1886) e Bias Fortes (1897).
O que cumpre, a todo o transe, é sistematizar os traçados, visando, nas novas
construções, os que tornem econômicos os transportes, por caminhos mais
curtos para os portos de saída, de sorte que a mercadoria chegue sempre, em
busca dos mercados de consumo, o menos onerada que for possível.
63
Para isso, encampou a EF Muzambinho e pretendia expandir as linhas da
Leopoldina. Além disso, surgiu uma outra alternativa de porto para o Norte mineiro. Pelo
Rio Doce vislumbrou-se a EF Vitória a Diamantina. Enquanto isso, a Bahia e Minas não
era vista com bons olhos, apresentando “uma situação que não é lisonjeira.”
64
As mudanças políticas após a morte de João Pinheiro provocaram perda de espaço
político dos interesses agrícolas do Serro. Diamantina com sua opção mineradora e de
grandes investimentos estrangeiros conquistou este espaço conseguindo levar para si um
ramal da Central do Brasil.
62
Discurso de saudação ao Governador da Bahia, José Marcelino, em visita ao Estado de Minas, Belo
Horizonte, 10/01/1907 In PINHEIRO, João – Idéias políticas de João Pinheiro – RJ, Fundação Casa de Rui
Barbosa, 1980 p. 240.
63
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1908 p. 20.
64
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1908 p. 20.
100
Mudaram-se os rumos da política ferroviária, saindo de cena o projeto do ramal de
Serro a Ferros e colocando em prática a construção de Curralinho a Diamantina para mais
tarde se juntar a Central do Brasil. O Serro e região entraram em decadência, marcando a
preferência do Estado por uma orientação econômica voltada para o mercado externo.
65
Esta conjuntura política provocou a perda da hegemonia que as duas cidades (Serro
e Diamantina) tinham sobre o Norte de Minas e a dissolução do projeto de construção de
uma grande unidade regional como vimos no final do século XIX. Começaram a ganhar
força elites menores como os grupos de Montes Claros, Teófilo Otoni e Araçuaí que
conquistavam autonomia e desejos próprios.
66
O ano de 1909 anunciava possíveis problemas com a Bahia e Minas diante do
registro de gastos do governo com a mesma.
Despendeu o Estado com a aquisição e tráfego das estradas de ferro
Bahia e Minas e João Gomes a Piranga 166.574:329$958, sendo com a
primeira 16.350:627$788 e com a segunda 306:875$170.
67
Mesmo assim, em 1910 há sinais de investimento em ferrovias, sendo o exemplo
principal a inauguração da estação de Pirapora da Central do Brasil e do início dos
trabalhos que ligariam Curralinho a Diamantina, sendo ministro da Viação o político
mineiro Francisco Sá. Mantinha-se a crença de um grande futuro para o norte de Minas
como “extensa e fértil região”.
68
Sobre a Bahia e Minas, o arrendamento com o sr. José Bernardo de Almeida segue
inalterado, considerando-o vantajoso para o Estado. Cita também um acordo entre o
governo mineiro e os síndicos do Banco de Crédito Real do Brasil para resolver a
liquidação da antiga Companhia Bahia e Minas.
65
SOUZA, op. cit. p. 168.
66
SOUZA, op. cit. p. 163 e 171.
101
Só as terras devolutas mineiras numa faixa de seis km para cada lado do eixo
da linha, as quais, no estado em que se achava a questão, ficariam perdidas e
que pelo acordo foram recuperadas e mais as outras vantagens do acordo
constituíam motivo suficiente para justificá-lo, uma vez que o valor dessas
terras pode ser calculado em mais de trezentos contos, preço do acordo a que
me refiro. Para liquidação do compromisso assumido pelo Estado em virtude
desta combinação, foi expedido o dec. N. 2771, de 2 de março último,
autorizando a emissão de 353 apólices nominativas de um conto de réis.
69
Na mudança de ano e de governador a situação do arrendamento mudou
radicalmente. Apesar da empresa ter apresentado saldo regular desde 1904, Julio Bueno
Brandão rescindiu o contrato com José Bernardo de Almeida alegando que o mesmo “não
estava produzindo para a região que ela percorre os resultados econômicos que era lícito
esperar-se.”
70
Então, a EFBM foi incorporada à Rede de Viação Baiana, por uma transação de
venda ao sr. João Américo Machado, madeireiro em São Mateus (ES) e proprietário de
terras na fronteira nordeste de Minas Gerais com Bahia, onde conseguiu concessão do
Estado para instalar indústria madeireira e estabelecer colônia de trabalhadores. Entre 1911
e 1912, trouxe para a gleba concedida vasto material, ferramentas, famílias de
nacionalidades diversas, operários especializados e um carro da EFBM com aparelho
Morse que serviu de estação levando o nome de Presidente Bueno (em homenagem ao
presidente do Estado Júlio Bueno Brandão). Em sete de setembro de 1912 foi inaugurada a
Serraria Industrial do Mucuri com o intento de explorar as ainda imensas reservas de
madeira da região.
71
67
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1909 p. 27.
68
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1910 p. 29.
69
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1910 p. 33.
70
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1911 p. 51.
71
Território do atual município de Nanuque ver FONSECA, Ivan Claret Marques – Nanuque, seu povo, sua
história – Brasília, 1986 p. 19.
102
A incorporação à rede Baiana estimulou a perspectiva de prolongamento de
Teófilo Otoni até Tremedal que faria a comunicação com a capital baiana (Salvador). Ao
mesmo tempo a Central do Brasil estava construindo a linha entre Curralinho e Montes
Claros com a perspectiva de chegar a Tremedal para realizar a conexão com a rede baiana.
Desta forma o governador vislumbrava a constituição, “em suas linhas gerais”, da
viação férrea do norte mineiro. Os caminhos de ferro pareciam avançar para a região após
tantos anos de idealização e percalços.
72
Avanço esperançoso que encontramos no registro
oral/musical da população do distrito de São Julião (município de Carlos Chagas):
Bahia Nova
Quando ‘ocê’ for me leva
‘pras’ estradas novas da linha de ferro
O meu sofrer é aonde eu vou morar
Na beira do rio
Nas ondas do mar
73
Mais um ano e mais mudanças. O Relatório de 1912 anunciava a encampação da
EFBM pelo Governo Federal.
Por acordo de 31 de dezembro de 1911, celebrado entre este Estado, o governo
federal, a Nova Companhia EFBM, sucessora de João A. Américo Machado e
a Compagnie de Chemins de Fer Federaux de l’Est Bresilien, para a execução
do decreto federal n. 9278, de 30 do mesmo mês e ano, ficou pactuada a
aquisição pela União, da linha da EFBM (...)
Nesse acordo o Estado de Minas assumiu a obrigação de tornar a transferência,
para o domínio da União, daquela estrada de ferro livre e desembaraçada de
qualquer ônus e em plena propriedade.
74
Decreto um dia e acordo no seguinte. O fato é que esta situação também gerou
polêmica e acordo entre Minas e Bahia por conta do trecho baiano. Retomaram temas como
72
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1911 p. 51.
73
Música de Domínio Público, informante: Mãe Augusta - São Julião/Carlos Chagas/MG – recolhida em
julho de 1998.
103
o contrato de Miguel de Teive e Argolo com a província da Bahia em 1880 e os direitos
mineiros sobre a linha em 1897.
Depois de sucessivas conferências e negociações com o governo baiano,
conseguiu o representante de Minas realizar o acordo de 11 de março deste
ano, em razão do qual este Estado se constituiu na obrigação de pagar à Bahia,
logo que se torne efetiva a alienação de toda a estrada à União Federal, a
importância de 3.323:000$000 a título de reembolso integral do capital e juros
da subvenção baiana e de extinção completa do ônus de reverter ao Estado
concedente, findo o prazo do privilégio, o trecho ferroviário de Caravelas a
Aimorés.
75
Júlio Bueno considerou o negócio muito vantajoso para Minas.
76
E seguem mais
promessas de um futuro tráfego intenso e vigoroso para a Bahia e Minas.
É extremamente auspiciosa para a região norte mineira e para o Estado essa
encampação que, com a incorporação da EFBM à rede de Viação Federal da
Bahia, permite não só melhorar e desenvolver o seu tráfego atual, como
também prolongar a sua linha nas condições e vantagens a que fiz referência
na Mensagem de 1911.
77
74
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1912 p. 57-59. Sobre esta encampação não conseguimos encontrar
debates tanto no Legislativo quanto no Executivo.
75
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1912 p. 57-59.
76
Foi uma excelente operação para o Estado de Minas, uma vez que, na exposição de
motivos que precedeu o decreto federal n. 9278, era calculada em 3.700:000$000 – a parte
que no preço da encampação, - que é de 12.000:000$000 – caberia ao Estado da Bahia.
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1912 p. 57-59.
77
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1912 p. 57-59.
104
ARRENDAMENTO A COMPANHIA EF FEDERAL LESTE DO BRASIL
(1911 – 1934)
As negociações da encampação da EFBM atravessaram o ano de 1913. Foi pago
ao Estado de Minas, 12.000 contos de réis. Desses, 7.500 contos ficaram com o Estado;
3.323 contos com o governo da Bahia e 1.177 contos com a Nova Companhia Bahia e
Minas para pagamento de material, melhoramentos e desistência de seus direitos sobre a
mesma via férrea.
Mais uma vez, Júlio Bueno considerou a operação vantajosa para o Estado, pois
trouxe melhoramentos urgentes (não explicitados) da EFBM e o encaminhamento da
constituição da via férrea do norte mineiro.
78
Em 1914 reencontramos o sr. João A. Américo Machado, o mesmo que comprou a
EFBM em 1911 para logo depois passá-la para a União. Entre tantas concessões de
ferrovias, conquistou uma de bitola de um metro, com privilégio de 50 anos, entre Teófilo
Otoni (ou outro ponto mais conveniente da EFBM) e os municípios de Peçanha e Guanhães
para entroncar com a Central do Brasil em ponto julgado interessante pelo governo do
Estado.
79
Voltamos a ter notícia da Bahia e Minas em 1916, governo Delfim Moreira,
quando encontramos o registro de construção de 49 km de Teófilo Otoni a Tremedal,
prolongamento que passaria por Araçuaí, de um total de 587, 206 km.
80
Desse total, 140,
629 km encontravam-se em construção à época e o reconhecimento feito de 389,371 km.
78
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1913 p. 84.
79
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1914 p. 87. No Relatório de 1918 verificamos que João A.
Américo Machado tem mais negócios com ferrovias e é coronel. Na página 83, numa das propostas de
negociação de dívidas e prazos da Cia. EF Paracatu com o Estado, há uma garantia de empréstimo que tem o
mesmo como responsável.
80
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1916 p. 106 e 115.
105
Isto é, os trabalhos de prolongamento estavam bem adiantados segundo o Relatório
Estadual.
81
Nesse mesmo ano foi apresentado o movimento financeiro da EFBM para período
entre 1911 e 1914. O que nos faz pensar sobre esse momento de transição da estrada.
82
Apesar de apresentar saldo positivo, o mesmo é irregular, com grandes variações e
pequeno para uma ferrovia.
83
Sinal de fragilidade nas finanças que se mostra em 1917 com
um déficit de 84:638$296.
84
Além disso, os trabalhos de prolongamento apresentavam-se
sem modificações do ano anterior.
Mesmo sendo um ano sem concessões para ferrovias, o governo vê a questão do
transporte como estratégica para o desenvolvimento de vários aspectos do país. Com este
entusiasmo vemos a prorrogação de entrega dos estudos de mais um prolongamento da
EFBM, cujo concessionário era José Caetano Pimentel. Esse prolongamento sairia da
colônia Julio Bueno, margem esquerda do Rio Doce, no sentido de Urucu (Carlos
Chagas).
85
A guerra mundial marcou sua presença problemática no setor ferroviário. Para
além das dificuldades financeiras e políticas – nenhuma estrada gozou de garantia de juros -
, a importação e substituição de materiais importantes ficaram mais difíceis.
86
A economia
brasileira sofreu muito com a inflação, a redução crítica de maquinaria e combustíveis. O
setor industrial não aumentou seu estoque de capital, nem sua produtividade com o
81
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1916 p. 116.
82
Ver movimento financeiro da EFBM no Anexo I.
83
Sobre análise de saldo de ferrovia ver MARTINS, Margareth Guimarães – Caminhos Tortuosos: um painel
entre Estado e as Empresas Ferroviárias Brasileiras (1934-1956) – USP, Tese de Doutorado, 1995.
84
A receita foi de 625:609$735, e a despesa foi de 710:248$031. MINAS GERAIS, Relatório Estadual de
1917 pp. 83-84.
85
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1917 pp. 76-77.
86
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1918 pp. 72 e 84.
106
predomínio de uma produção artesanal. Mantém-se forte a dependência dos setores de
exportação e das condições do mercado mundial.
87
Os anos em que Arthur Bernardes ocupou o governo de Minas foi um tempo de
incentivo aos caminhos de ferro. Incentivo em tempo de pós-guerra baseado na boa vontade
do governo federal ou na construção de ferrovias de bitola estreita, baratas e de retorno
econômico questionável. Sempre com recursos/sacrifícios do Estado. Mais uma vez se
reforça a visão da ferrovia como instrumento estratégico de desenvolvimento do
país/estado, com um olhar de complementaridade dos modais de transporte
(ferrovia/rodovia) e o estímulo de povoamento e produção.
Cada dia mais me convenço da necessidade de impulsionar a construção de
vias férreas num estado como o nosso, em que extensas regiões de terras
férteis, com grandes possibilidades econômicas, não dispõem ainda de outros
meios para o intercâmbio de mercadorias a não serem os lotes de burros e
morosos carros de bois.
O nosso povo, com uma percepção instintiva das coisas realmente práticas,
anseia pela locomotiva com a fé inabalável de que esse melhoramento
acarretará todos os demais.
Tenho para mim que o maior benefício a prestar-se ao Estado será o de
estender as redes de sua viação férrea e completá-la por meio de estradas de
rodagem que lhe alimentem o tráfego. Aí está, a meu ver, a chave do nosso
problema econômico.
(...) hei de envidar esforços para que o Governo Federal dê maior expansão às
grandes redes existentes e continue a construção de importantes ramais já
iniciados.
E logo que o consinta a situação financeira do Estado, espero poder favorecer a
construção de estradas econômicas, de bitola estreita, que concorram para
povoar alguns trechos do nosso território e estimular-lhes a produção.
88
Ainda para contribuir com essa perspectiva do Estado sobre as ferrovias, em 1921
há uma preocupação desse mesmo governo em incentivar o plantio de árvores (eucaliptos)
87
FAUSTO, Boris – História Geral da Civilização Brasileira: O Brasil Republicano, v. 8: estrutura de poder e
economia (1889-1930) – RJ, Bertrand Brasil, 2006 pp. 310-313.
88
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1919 p. 102. Grifo meu.
107
devido a uma possível escassez de madeira. Para distribuir as mudas, as ferrovias entraram
com sua contribuição.
O Estado fornece a cada lavrador, livres de quaisquer despesas, inclusive a de
transporte em estradas de ferro, até 5.000 dessas mudas (...)
89
Bernardes apontava para a necessidade de aumentar as redes de ferrovias e
hidrovias tendo estradas de rodagem como auxiliares do tráfego. Em 1922 ressaltou a
hegemonia das ferrovias como transporte principal e parecia estar preocupado com a
política dos municípios, pois valorizou demais os pequenos ramais. Vemos isto na lei
n. 760 de 1920 que autorizava
o poder Executivo a subvencionar as Câmaras Municipais e as empresas que se
organizarem, para a construção de estradas de ferro de bitola de 0,60m a 1m,
com a importância de 5:000$000 a 15:000$000 por quilômetro, uma vez que se
destinem ao tráfego público e ao transporte de mercadorias e passageiros.
90
Mas não há a evidência de algum plano viário, tanto que a solução que propõe ao
problema ferroviário mineiro é “de acordo com as circunstâncias do momento”.
91
Não há
um planejamento a médio/longo prazo. Nunca houve, apesar do esforço de planos viários
nacionais e regionais que acompanhamos desde 1874.
92
No caso ferroviário, Bernardes é o primeiro governador em citar a região Nordeste
de Minas. Até então considerava-se o que hoje se entende como nordeste mineiro como
Norte ou extremo Norte mineiro.
93
Enquanto os trabalhos da Bahia e Minas seguiam a passo lento e saldo irregular,
foi noticiado que em 1918, deu-se uma concessão de ferrovia de uso industrial a Rubens
89
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1921 p. 71.
90
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1921 p. 94-95.
91
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1921 p. 93. Grifo meu.
92
Alguns planos: Rebouças (1874); Bulhões (1882); Calógeras (1926); Frontin (1927); Brandão (1932); Geral
(1934); Nacional (1951-6). In:
http://www.brazilia.jor.br/TrilhosPlanos.htm
93
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1922 p. 80.
108
Maximiniano de Figueiredo que ligasse a EF Vitória a Minas à Cachoeira Grande no
município do Peçanha.
94
Sinal de mudança no itinerário do caminho de ferro que ligaria o
norte mineiro de Serro e Diamantina ao mar, sendo Vitória o porto da vez.
No segundo ano de governo de Arthur Bernardes, os contratos entre a União e a
Compagnie des Chemins de Fer Fédéraux de l’Est Brésilien foram revistos
95
, mas
mantiveram-se os compromissos da arrendatária de concluir os prolongamentos até Araçuaí
e Tremedal, além da reparação do trecho em tráfego.
96
Em 1920, o governo federal considerava a encampação um mau negócio ao se
comparar o valor pelo qual foi comprada com os freqüentes déficits apresentados. Sobre
essa renovação de contrato, o Relatório do Ministério de Viação e Obras Públicas (MVOP)
do mesmo ano mostrava que o arrendamento não rendeu o suficiente e provocou rearranjos
dos compromissos e intervenção da União.
(...) A Companhia. concessionária dessas importantíssimas obras públicas já
veio pedir revisão do seu contrato, acedendo em reduzir o vulto da empreitada
para melhorar as condições do arrendamento.
A partir de 1910, quando a rede baiana contava com 1.351 km, o seu
arrendamento deixou saldo em três anos, e déficit em seis exercícios. (...)
Os grandes lucros que deixa a empreitada de construção podem fazer face aos
prejuízos do arrendamento.
Ligados a dois contratos, o da exploração do tráfego e o da construção de
novas linhas, o Governo terá de encarar em conjunto a situação, de tal maneira
que se possam reduzir os compromissos da construção e melhorar as condições
do arrendamento, alterando-se a cota paga ao Governo ou elevando-se numa
revisão racional e cuidadosa, as tarifas da Viação Baiana.
Seja como for, o Governo é neste momento chamado a intervir nas estradas de
ferro da Bahia, para atender às queixas cada vez mais clamorosas das
populações servidas por essas ferrovias.
97
94
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1919 pp. 103 e 105.
95
MINAS GERAIS, Decreto n.º 14068 de 19/02/1920.
96
MINAS GERAIS, Relatório de 1920 pp. 103-104.
97
BRASIL, MVOP/1920, p. 114.
109
A revisão desse contrato passou por um veto do Tribunal de Contas em 20 de abril
de 1920.
98
Um decreto de maio aprovou as cláusulas complementares e em 11 de junho o
Tribunal de Contas emitiu despacho favorável ao contrato.
99
Neste contrato vamos ter a cláusula 39, parágrafo 2º, que determinava as linhas em
construção com prazo fixo. Neste trecho se enquadrava o prolongamento até Araçuaí, no
caso a complementação de Ladainha a Araçuaí (137,535 km). No parágrafo 3º da mesma
cláusula foram designadas “as linhas cuja construção só se fará quando o Governo entender
conveniente”. Neste caso entraram dois prolongamentos vinculados à EFBM: o da EF de
Nazareth, no caso de ser encampada, de Jequié à EFBM (927 km) e o da EFBM de Araçuaí
a Tremedal (376,829 km).
100
O prolongamento até Tremedal fica ao sabor dos ventos da
política do momento e o projeto de ligação com a Central do Brasil é suspenso e prometido
até a década de 1960, como veremos no próximo capítulo.
Entre 1919 e 1920 o movimento financeiro da estrada mostrava melhoria
considerável. Um déficit de 160:145$286 para um saldo de 164:090$061.
101
Mesmo assim a realização de obras na Viação Baiana se apresentava parada há
três anos, não tendo trabalho nem nos trechos de leito pronto.
102
Em 1920, o governo estadual não realizou concessões de ferrovias, mas tratou de
uma série de antigas, entre elas um privilégio
103
aos engenheiros Alceu Soares de Lellis
Ferreira e Carlos de Figueiredo Rimes para construir uma ferrovia entre a estação da Pedra
Corrida da EF Vitória a Minas, passando por S. Miguel de Guanhães, S. Sebastião dos
Correntes, S. João Batista e Minas Novas, entroncando com a EFBM em Araçuaí. Os
98
Ver razões do veto no ofício de 24/04/1920 no DO de 25/04/1920.
99
BRASIL, MVOP/1920 pp.191-192.
100
BRASIL, MVOP/1920, pp. 193-194.
101
BRASIL, MVOP, 1920, p. 195.
102
BRASIL, MVOP, 1920, p. 197.
110
estudos definitivos não foram entregues
104
e o contrato foi rescindido em 28 de outubro de
1920 (dec. N. 5443) após prorrogações e multas contratuais.
105
À Nova Companhia EFBM (dec. N. 3348 de 21 de outubro de 1911) foi concedido a
construção de ferrovia entre Mairinque (EFBM) e a cidade de Conquista na Bahia,
passando por S. José do Pampam e Rubim em Minas.
Esse privilégio foi por essa Companhia. transferido à Companhia. EF
Nordeste de Minas, que se obrigou a todas as suas vantagens, regalias e ônus.
A concessionária, porém, não cumpriu as obrigações assumidas nas
cláusulas do contrato e, incidindo em caducidade, o governo, pelo dec. N. 5259
de 14 de novembro de 1919, rescindiu o respectivo contrato e declarou caducas
as concessões a ela feitas.
106
Entre os governos de Raul Soares, Mello Viana e Antonio Carlos vamos encontrar
ambigüidades nos discursos sobre ferrovia/rodovia e uma ausência quase completa de
notícias sobre a EFBM.
A partir do final do governo de Raul Soares percebemos a manutenção da ferrovia
como meio de transporte principal, mas a política de transporte para o norte e Nordeste
mineiro voltava-se para o investimento em rodovias como vemos na seqüência a seguir:
Por outro lado, não será muito difícil ligar a Capital com o Nordeste do Estado
por meio de estradas de rodagem, uma vez que se realize completamente o
projeto da estrada Diamantina – S. J. Batista – Capelinha – Teófilo Otoni, visto
como a excelente estrada construída entre Diamantina e Serro poderá ser
adaptada ao tráfego de automóveis com a abertura de pequenas variantes para
evitar curvas apertadas e rampas excessivas. O trecho entre Serro e Conceição
não oferece dificuldades por acompanhar o vale do Rio do Peixe, e a estrada
que parte desta capital deverá dentro em breve transpor a Serra do Cipó para
chegar à Conceição.
107
***
103
MINAS GERAIS, Decreto N. 3348, de 21 de outubro de 1911, e contrato de 16 de fevereiro de 1912.
104
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1920 p. 107-108.
105
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1921 p. 94-95.
106
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1920 p. 107-108.
107
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1923 p. 182.
111
A região norte mineira é a menos favorecida em matéria de vias de
comunicação, podendo-se dizer que só possui até agora os velhos caminhos
de tropas, pelos quais os próprios carros de bois, tardos e antiquados,
transitam com dificuldade.
Se bem que o curto prazo do meu governo não me permita resolver o problema
de comunicações naquela rica e populosa região, tomei sobre mim a tarefa de
encaminhar a sua solução e pus corajosamente mãos à obra, mandando
proceder imediatamente aos estudos de três grandes vias de penetração – as de
Montes Claros a Salinas e Fortaleza (Pedra Azul), com cerca de 500 km, a de
Diamantina a Teófilo Otoni, com mais de 300 (...)
(...)
Não preciso encarecer a importância dessas estradas sob os dois aspectos a que
já me referi – econômico e político.
As duas primeiras vão facilitar grandemente as comunicações de uma vasta
zona com esta Capital e os outros centros mais adiantados do Estado, aos quais
os habitantes de uma parte daquela região só conseguem chegar depois de
longuíssima travessia por caminhos ásperos e perigosos, e outros após um
trajeto dispendioso por fora de nosso território, utilizando-se até de viagem
marítima, como os que habitam Teófilo Otoni e municípios vizinhos.
108
***
(...) iniciei a [estrada de rodagem] de Montes Claros a Salinas, com 266.540
metros, dos quais 62 já em construção, e a de Diamantina a Teófilo Otoni, com
17 km já construídos e 32 em construção.
(...) a de Diamantina a Montes Claros integrará o norte remoto, desfavorecido
até hoje da assistência do Estado, na nossa comunhão, servindo às suas terras
riquíssimas e fazendo circular a sua farta produção agrícola.
109
Sobre a EFBM só vamos ter informações desse período em documentos do
governo federal enquanto o governo mineiro voltava seus olhares e investimentos para a
expansão da Vitória a Minas, Central do Brasil, Leopoldina, Paracatú e Rede Sul Mineira.
É grande, pois como vedes, nossa atividade em matéria de construção de
estradas de ferro; podemos esperar, em futuro não remoto, comunicações
rápidas entre quase todas as zonas do Estado.
110
Nesses três governos que antecederam à Revolução de 1930, a EFBM só apareceu
nas estatísticas de quilometragem, numa nota sobre a inauguração do trecho Ladainha a
108
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1925 p. 324. Grifo meu.
109
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1926 p. 259.
110
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1925 p. 288. Grifo meu.
112
Queixada e da instalação da colônia de imigrantes de Francisco Sá à beira de sua linha no
município de Teófilo Otoni.
Além disso, temos o Plano de Viação Férrea de 1923 durante o governo Raul
Soares. Plano montado por uma equipe de engenheiros
111
que visava o estabelecimento de
linhas de comunicação compatíveis com a “real importância da vida econômica”, cujo
centro de investimento eram os caminhos de ferro. Consideravam que “... um Estado
moderno bem organizado não pode deixar de seguir uma política de transportes
predeterminada e bem orientada.”
112
A partir desta preocupação caracterizaram as vias de
comunicação em dois tipos: Econômica e Política. A primeira atenderia a ligação entre
centros de produção e consumo; a segunda às exigências de ordem administrativa da
distribuição das ações do Estado por todo o seu território.
113
A construção de uma via de comunicação que não se apresente
economicamente vantajosa deve ser naturalmente evitada, a menos que não
seja imposta por motivos ou razões políticas porque o seu estabelecimento nos
leva a um consumo de riqueza, destruindo uma quantidade de bens superior
àquela que cria.
114
Em termos políticos a intenção do plano tinha Belo Horizonte como centro de toda a
viação férrea do Estado, fazendo a ligação com todos as regiões. No campo econômico o
esforço estava voltado para o estabelecimento de ferrovias que ligassem os centros
produtores de Minas Gerais com os portos de mar mais próximos e um custo baixo de
tarifas. Mais uma vez o desafio de conciliar tarifas baixas e boa qualidade nos serviços da
ferrovia. Como? Com investimento do Estado.
115
111
Equipe elaboradora do Plano de Viação de 1923: João Teixeira Soares, Olegário Dias Maciel, Arthur da
Costa Guimarães, Caetano Lopes JR, Ismael Coelho de Souza.
112
MINAS GERAIS – Plano de Viação Férrea do Estado – Governo Raul Soares de Moura, Belo Horizonte,
Imprensa Oficial, 1923. p.21. Ver mapa deste Plano no final do capítulo.
113
Idem p. 3.
114
Idem pp. 3-4.
115
Idem p. 4.
113
Minas Gerais nunca poderá concorrer com a produção de outros Estados, se
tais transportes não se fizerem a baixo preço, permitindo a circulação mesmo
de produtos de pequeno valor venal e, para isso realizar, é preciso que ele
disponha de linhas de comunicação, o que quer dizer de boas condições
técnicas.
116
Com esta perspectiva determinaram três categorias de estradas:
Primeira Categoria: as ligações entre a capital do Estado e os portos de mar
ou os pontos de maior importância das fronteiras.
Segunda Categoria: as linhas de intercomunicação dos grandes troncos ou as
que atravessarem zonas de grande produção.
Terceira Categoria: os pequenos ramais que servem as cidades de pequeno
movimento comercial ou as regiões de fraca produção.
117
Apesar do foco principal ser ferrovias o plano também indica para a importância da
instalação de rodovias em “regiões de escasso tráfego”. Classificação em que a região da
EFBM não se enquadrava ao ser considerada estrada de Primeira Categoria, ressaltando sua
importância econômica por ligar ricos municípios do Estado (Guanhães e Peçanha) ao porto
de Caravelas e, conseqüentemente, ao mercado do Rio de Janeiro. Além disso apresentam
projetos de linhas de Segunda Categoria que incluem o traçado da EFBM com o intuito de
estabelecer, semelhante ao projeto liberal do Serro, uma integração do norte e nordeste
mineiro por trilhos. Traçados que achamos importante mostrar ao leitor
BH – Ilhéus
Esta linha aproveita o ramal de Montes Claros da Central do Brasil
apresentando desvio para o Jequitinhonha passando por Fortaleza (Pedra Azul)
para chegar a cidade baiana de Conquista, ligando-se a EF Ilhéus a Conquista.
Esses interesses aliás têm um caráter mais geral, porque a conclusão desta
construção representará muito mais do que a simples ligação de dois Estados,
uma vez que, efetivamente, será esse ramal o traço de união a ligar o sistema
ferroviário do sul do país ao do norte.
118
116
Idem.
117
Idem p.5.
118
Idem p. 9.
114
Figueira (Governador Valadares) – Teófilo Otoni
(...) já foi estudada e projetada pelo engenheiro Schnoor e recomendamos a
aceitação daquele traçado (...) onde entroncará na Bahia a Minas.
119
Guinda – Araçuaí
A fim de atingir o extremo nordeste do Estado, poder-se-á prolongar como um
ramal de tronco Belo Horizonte – Ilhéus, uma linha que (...) vá por fim atingir
o distrito fronteiriço de S. Sebastião do Salto Grande. Mais tarde, si se verificar
a possibilidade de aproveitamento do porto de Belmonte, esta linha poderá com
facilidade ser até prolongada.
120
Vila Jequitinhonha- Presidente Bueno
Quando de futuro se povoar mais densamente a região nordestina do
Estado, pode-se estabelecer uma linha, na direção mais ou menos Norte-Sul
(...) subindo pelo vale do rio São Miguel até as suas cabeceiras, e transpondo o
divisor de águas que o separa do rio Pampam, desça pelo vale deste até a
estação de Presidente Bueno na EF Bahia a Minas.
121
No entanto, todos esses projetos são deixados “para mais tarde”, prevalecendo na
seqüência dos governos a construção de rodovias para a região.
A orientação rodoviária para o nordeste mineiro e a ausência de investimentos na
EFBM indicam, para nós, o sentido do desenvolvimento das riquezas do estado e sua
concentração no centro sul – mais próximo do eixo Rio/São Paulo –, lugar de crescimento
das linhas construídas. Norte e Nordeste mineiros continuaram com o problema da
comunicação, dificultando seu desenvolvimento econômico e estimulando a migração.
119
Idem p. 13.
120
Idem p. 14.
121
Idem pp. 14-5.
115
Entre 1924 e 1927 a EFBM apresentava saldos significativos se comparados com
os anteriores.
122
As principais mercadorias que circulavam eram madeira, café, sal e cereais
e o material rodante foi avaliado como precário.
123
Nos anos de 1924 e 1927 conseguimos algumas informações sobre os
investimentos específicos na EFBM e o estado geral da Rede Baiana concedida a Chemin
de Fer. Há um aumento de tarifas, na EFBM chegando a 105%, ao mesmo tempo em que é
anunciada a redução de 30% em algumas tabelas especiais.
Sobre investimentos e planos temos os estudos preliminares das linhas de ligação
da EFBM com Montes Claros (390,1 km), uma variante desta linha para Bocaiúva (24,7
km) e com a EF Vitória a Minas (avisos n. 120 e 121 ambos de 13 de maio).
124
Um dia
depois desses avisos sai a aprovação da construção das oficinas de Ladainha com
orçamento no valor de 163.571,00 dólares para a aquisição de máquinas.
125
Incluí-se a
aquisição de dois automóveis de linha para o serviço de inspeção
126
; ficam prontas as
oficinas de Ladainha; e são substituídos 87.701 dormentes.
127
Sobre o arrendamento, encontramos mais concessões. Desta vez para os prazos de
entrega/conclusão dos postos de parada que foram prorrogados por seis meses.
128
Quanto aos prolongamentos, as obras são custeadas pela empresa e pela conta de
“Despesas de Melhoramentos e Obras Novas” a juros de 5% ao ano. Esse empréstimo era
pago em apólices e dinheiro.
129
122
BRASIL, MVOP/1927, p. S1 176 a 181.
123
BRASIL, MVOP/1924, p. 161. Movimento financeiro/EFBM/1923: Receita: 1.450:050$125, Despesa:
1.328:117$549, Saldo: 121:932$576/EFBM/1924: Receita: 2.301:358$071, Despesa: 1.649:495$116, Saldo:
651:862$955. Principais mercadorias, em toneladas: 1923 - Madeira – 16.148; Café – 5.784; Cereais – 1.451;
Sal – 3.074; Outras – 19.667. 1924 - Madeira – 27.491; Café – 9.046; Cereais – 942; Sal – 3.365; Outras –
10.440.
124
BRASIL, MVOP/1924 p.166.
125
BRASIL, Decreto 1648 de 14 de maio de 1924 e BRASIL, MVOP/1924 p. 167.
126
BRASIL, MVOP/1924, p. 167.
116
A vida financeira da Companhia francesa de 1912 a 1927 foi de seis saldos e dez
déficits. Com um saldo irregular e insuficiente diante do tamanho da malha. Os maiores
prejuízos ocorreram no final da 1ª Guerra Mundial e os principais saldos no início da
mesma.
TABELA IX
MOVIMENTO FINANCEIRO DA REDE LESTE BRASILEIRO/1912 - 1927
130
Anos Extensão em
Tráfego/km
Saldo Déficit
1912 1.385,012 33:389$445
1913 1.545,648 204:634$709
1914 1.623,250 561:168$484
1915 1.653,352 261:801$189
1916 1.705,042 274:709$303
1917 1.749, 499 52:029$956
1918 1.868,327 938:786$825
1919 1.874,631 1.109:838$755
1920 1.936,015 212:682$439
1921 1.983,121 1.482:775$229
1922 2.028,320 423:237$734
1923 2.057,608 418:632$734
1924 2.123,454 361:471$229
1925 2.219,752 443:262$760
1926 2.227,060 207:903$668
1927 2.256,055 2.783:561$439
Total
1.582:537$394 8.187:348$548
Individualmente a EFBM não escapou da situação acima. Saldo pequeno e déficit
se alternaram apenas obtendo saldo em 1927 com aumento da receita por conta da safra de
café e fluxo de passageiros.
131
Mesmo assim seu saldo é muito pequeno diante dos déficits
anteriores.
132
127
BRASIL, MVOP/1927, p. S1 181.
128
BRASIL, MVOP/1924, p. 167.
129
BRASIL, MVOP/1927 p. S1 174.
130
Idem p. S1 176.
131
Idem p. S1 181.
132
Idem p. S1 179.
117
QUADRO I
DESPESAS DA EFBM
133
Ano/Atividade
Administração Tráfego Locomoção Via permanente
e edifícios
Total
1926
644:777$747 462:359$195 1.071:846$749 1.256:739$043 3.435:722$734
1927
545:267$937 501:408$834 1.196:668$892 1.261:200$022 3.504:546$022
Observando as despesas dos anos de 1926 e 1927 percebemos que a folha de
pagamento não se apresenta como grande vilã do prejuízo. O problema parece estar na
gestão do arrendamento, na política de redução de tarifas e/ou na demanda da região.
134
Para se ter uma idéia da lentidão da construção do leito da EFBM, os trabalhos no
trecho Gravatá – Araçuaí são iniciados em 1927, quando seus estudos já estavam prontos e
aprovados desde 1913.
135
Este mesmo trecho tem as obras suspensas antes de chegar a
Araçuaí por conta da “possibilidade de modificação da linha, já prevista pelo aviso n. 121,
de 3 de setembro de 1924, que aprovou o reconhecimento de Araçuaí a Montes Claros, com
uma variante para Bocaiúva.”
136
Prolongamento que nunca veio e os trilhos só tocaram
Araçuaí quinze anos depois.
133
BRASIL, MVOP/1927, p. S1 181.
134
Fato que corrobora para a análise de que “(...) As ferrovias operadas pelos estados davam lucro e aquelas
operadas pelo governo federal tinham relativamente baixos custos operacionais. Todas eram
empreendimentos saudáveis, não apenas cabides de emprego para os amigos dos poderosos.” Também sobre a
relação Estado e ferrovia na República Velha ver TOPIK, Steven – A presença do Estado na Economia
Política do Brasil de 1889-1930 – RJ, Record, 1987 p. 149.
135
Decreto n. 10.315 de 3 de julho BRASIL, MVOP, 1927 p. S1 181.
136
BRASIL, MVOP, 1927, p. S1 182.
118
CONCLUSÃO
A partir de 1896 a reformulação da política viária dá sinais da concentração
econômica nas áreas próximas do eixo Rio/SP, mostrando também o processo de divisão da
elite norte mineira gerando outros grupos regionais que se distinguiam de Serro e
Diamantina e mostravam anseios/interesses próprios, quebrando a hegemonia dessas duas
cidades e mudando os rumos do projeto econômico regional enraizado no século XIX. A
ferrovia mostrou isso com a não construção da linha entre Teófilo Otoni e Serro, fazendo-se
a opção pelo rumo do médio Jequitinhonha como área de influência política e econômica de
Teófilo Otoni.
A EFBM cumpriu seu papel de marcar a presença da sociedade majoritária em
território nitidamente fora de controle do Estado tanto monárquico quanto republicano.
Apesar de todo movimento de prejuízo e má administração da EFBM, o governo estadual e
a iniciativa privada investiram na ferrovia com as recorrentes promessas de riqueza natural
cujo grande problema eram os meios de comunicação e transporte para desenvolver.
A partir dessas promessas se implementou de forma contundente a eliminação do
elemento indígena, como vimos no capítulo anterior, sendo suas terras franqueadas aos
brasileiros e estrangeiros ali presentes.
Apesar de não despertar muito entusiasmo de seus investidores e do Estado, a
ferrovia foi mantida como elemento estratégico com a promessa de algumas conexões com
a Vitória a Minas, com a EF Nazareth no sudoeste baiano, com a Central do Brasil em
Monte Azul (Tremedal) e conseqüente ligação com a capital baiana pela rede daquele
estado. Nos anos 20 foi introduzido o discurso das rodovias e em especial para a região do
imenso norte mineiro.
119
Entre os anos finais do século XIX e a década de 1920, a duras penas, a EFBM
conseguiu estabelecer a comunicação entre Bahia e Minas, cidades surgiram do movimento
dos acampamentos de trabalhadores, construindo uma rede urbana até então impensável no
nordeste mineiro ainda no final do século XIX. Espaço repleto de matas, doenças e índios
resistentes. Gerou emprego e renda transportando a produção agrícola basicamente de
produtos de mercado interno, com exceção do café e da exploração da madeira que
abundava por aquelas bandas. Mercado interno que mostra sua força no número
significativo de casas comerciais registradas na primeira década do século XX, como vimos
anteriormente.
Para entender o quadro acima descrito adotamos a análise de Otávio Soares Dulci
sobre as políticas de desenvolvimento de Minas Gerais.
Desde 1897, com a crise de superprodução do café, o governo mineiro e as elites
econômicas passaram a apostar mais na policultura do que numa retomada da primazia do
café, distinguindo a economia mineira do padrão agro-exportador da República Velha.
137
Ao longo do período há um esforço institucional no sentido de procurar novas
possibilidades de produção que no caso da política de transporte verificamos nos diversos
projetos de conexões que pretendiam integrar as regiões do Estado, como vimos no Plano
de Viação de 1896. Um esforço de crescer para dentro por meio de uma substituição
gradual de importações partindo dos gêneros de consumo interno (cereais sobretudo),
estendendo-se às indústrias mais simples para alcançar, oportunamente, as mais
complexas.
138
137
DULCI, op. cit. p. 60.
138
Idem p. 59.
120
Dulci localiza uma primazia de fatores políticos sobre a lógica do mercado por
conta do “caráter diretivo de que se reveste o processo de desenvolvimento” de Minas
Gerais.
O Estado, seus aparelhos e sua burocracia assumem particular
importância como espaços de coordenação estratégica da economia e de
articulação dos interesses dos diversos atores – tradicionais e emergentes –
envolvidos no empreendimento da modernização.
139
Uma modernização conservadora que tenta aglutinar dois projetos distintos: um de
economia diferenciada, com agropecuária forte como base de uma indústria que se desejava
dinamizar; outro de especialização produtiva com foco na expansão da indústria,
especificamente no setor de produtos intermediários.
140
Ambos projetos partem de “... um diagnóstico pessimista, amplamente
compartilhado, acerca da realidade econômica e social do estado, a qual seria assinalada
por estagnação e mesmo decadência econômica e demográfica e, além disto, por acentuada
desarticulação interna.”
141
Diagnóstico reconhecido por Afonso Pena no período anterior à
construção de Belo Horizonte.
Ninguém desconhece que há uma grande emigração de dinheiro e de
pessoal para a capital federal e para São Paulo ultimamente. Nós devemos,
pois, por todos os meios, provocá-los para o nosso estado, porque aí não
ficarão dormentes, hão de entrar em circulação e fomentar a indústria, a
lavoura, a viação férrea e tantos outros elementos de riqueza que jazem
amortecidos no solo mineiro.
142
A partir desta realidade entendemos ainda mais a insistência no discurso das
potencialidades inexploradas e o papel da ferrovia no desenvolvimento das mesmas, que
139
Idem p. 37.
140
Idem p. 38
141
Idem p. 38 Este quadro de estagnação se devia, segundo Dulci, pela comparação com um passado de
riqueza e prestígio e pelo avanço econômico de São Paulo. Sobre este diagnóstico de estagnação para Minas
Gerais e divisão interna da elite mineira ver também VISCARDI, op. cit.
121
verificamos nos diversos momentos de sacrifício do Estado em investir nas linhas sem
esperar lucro das mesmas, reduzindo tarifas, fazendo concessões, tendo como fachada um
discurso liberal. Daí o desejo de constituir Belo Horizonte como centro aglutinador das
riquezas do Estado e integrador do mesmo, como vimos no Plano Viário de 1896.
Outro fato significativo desse esforço mineiro de crescimento diversificado foi o
Congresso Agrícola, Industrial e Comercial realizado em maio de 1903. Uma parceria entre
governo e elite econômica que se propôs discutir e encaminhar projeções para superar a
crise derivada da baixa dos preços do café. Além do café, montaram-se comissões sobre
Agricultura; Pecuária; Vinicultura/Viticultura; Indústria; Tecidos/Fiação; Curtume;
Mineração/Águas Minerais; Bancária; Comércio; Viação Férrea e Estradas de Rodagem.
143
Este Congresso, segundo Dulci, assumiu “ (...) enorme significação como fonte de
uma estratégia econômica cuja influência seria bastante duradoura”
144
, sendo um de seus
primeiros resultados o programa econômico de João Pinheiro entre 1906 e 1908. Programa
preocupado em evitar a tutela estatal, baseado no auxílio indireto do Estado no
estabelecimento de cooperativas de produção, crédito e circulação, tendo como foco
principal a modernização e diversificação agrícola (setor de maior capacidade de gerar
emprego) sem descuidar das questões do café.
145
Para João Pinheiro, o papel principal da
recuperação econômica de Minas Gerais estava nas classes conservadoras que receberiam
ajuda da administração pública num processo de organização empresarial e agregação de
142
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE MINAS GERAIS – As Constituintes Mineiras de 1891, 1935 e 1947;
uma análise histórica – Belo Horizonte, 1989 p. 48 In DULCI, op. cit. p. 41.
143
Idem p. 44.
144
Idem p. 246.
145
Idem pp. 45-6.
122
interesses. Exemplo desta ajuda foi a formação da Sociedade Mineira de Agricultura em
1909, recomendada pelo Congresso de 1903.
146
Uma modernização que se realizou de cima para baixo diante do quadro econômico
e social de zonas diferenciadas entre si e de comunicação/transporte precários ou
inexistentes provocando o isolamento de uma população espalhada sobre um vasto
território; zonas carentes de centros urbanos e arraigadas à agricultura de subsistência ou
vinculadas à economia dos estados fronteiriços, principalmente Rio de Janeiro e São
Paulo.
147
A função econômica do Estado, nesse contexto, é a de coordenar os
agentes privados, apoiando-os em suas atividades e dirigindo-os para os
objetivos modernizantes que se tem em vista.
148
É o que ocorre, por exemplo, no esforço estatal de sanar as dívidas da EFBM e
arrendá-la para particulares entre 1904 e 1934. Esta política modernizadora com raízes na
agricultura e montagem de um sistema de transporte/comunicação/integração se estenderá
até a década de 40, momento em que as políticas de desenvolvimento de Minas e do Brasil
tomam outros rumos.
Junto à análise das políticas de desenvolvimento de Minas, pensamos ainda o papel
da ferrovia e sua relação com Estado para o período analisado, no qual há uma certa
continuidade no tratamento da ferrovia apesar das mudanças políticas e econômicas vividas
146
“... o Congresso de 1903 manteve-se como o grande ponto de referência da modernização de Minas Gerais,
até meados do século, ao qual se reportavam outras reuniões do gênero, realizadas nos anos 20 e 30...”
DULCI, op. cit. p. 47-8.
147
Este quadro foi descrito como “Mosaico Mineiro” por WIRTH, John D. – O fiel da balança; Minas Gerais
na Federação Brasileira, 1889-1937 – RJ, Paz e Terra, 1982.
148
“Ao Estado, portanto, é reservada uma esfera de atuação muito maior do que aquela admitida pelo
liberalismo canônico.” DULCI, op. cit. p. 49.
123
entre 1889 e 1930. O Estado via a ferrovia como agente povoador, pejada de progresso que
seria semeado por onde passasse a locomotiva.
149
Segundo Steven Topik, o Estado brasileiro chegou a ser proprietário de 2/3 da
malha ferroviária do país, mesmo sofrendo pressões externas e internas que não
acreditavam na eficiência de empresas públicas. Foi esse comportamento que conduziu a
política de incorporação das linhas, passando por grandes negociações políticas e
financeiras para tentar aliviar o persistente “sacrifício” do Estado, como vimos acima.
Foi construído um consenso em torno da ferrovia que a constituía como “um elo
central para o progresso econômico, a segurança nacional e a integração territorial.
150
Esse consenso obrigou o Estado a assumir uma posição muito ativa. Este ponto
de vista certamente já existira no tempo do Império, manifestando-se na
nacionalização da Central do Brasil. Depois da 1ª Guerrra Mundial o
sentimento fortaleceu-se ainda mais. No fim da República, até o Jornal do
Commércio, normalmente defensor do laissez-faire, argumentava que as
ferrovias públicas eram necessárias porque o Estado podia harmonizar e
planejar uma rede nacional em vez de ser guiado por estreitos “interesses locais
(...) e preocupações imediatistas” das ferrovias privadas. O Estado não devia
limitar-se à função de comprador de último recurso; ele deveria assumir uma
presença agressiva no setor. (...) a participação estrangeira na gerência de
ferrovias no Brasil diminui de 2/3 do sistema antes da guerra para ¼ em 1930.
Para Summerhill, esta intervenção do Estado na transição de séculos é, para além do
setor exportador, importante para o desenvolvimento de um mercado interno com novas
oportunidades de imigração e instalação de indústrias. Assim como provocou uma maior
integração do mercado de trabalho ao facilitar a circulação de trabalhadores e a oferta de
149
Sobre esta ilusão da modernidade ver HARDMAN, Francisco Foot - Trem fantasma: a modernidade na
selva – SP, Cia das Letras, 1988.
150
TOPIK, op. cit. p. 149.
124
postos de trabalho entre as cidades das áreas de influência ferroviária. Tudo isso devido a
uma preocupação política de manter tarifas baixas.
151
Verificamos também que apesar da elaboração de vários planos de viação tanto
nacionais quanto estaduais e o não cumprimento dos mesmos, há um esforço do Estado em
ter um planejamento de desenvolvimento econômico que aparece no constante investimento
em ferrovias. Ferrovias que foram mais importantes para a construção/fortalecimento de
mercados internos/regionais do que propriamente à exportação como vimos no caso da
EFBM. Tanto é que, segundo Topik, São Paulo com suas características agro-exportadoras
recebeu, proporcionalmente, menos recursos federais para suas ferrovias do que o Nordeste
em cujas linhas prevalecia uma orientação doméstica.
152
Este período entre as décadas de 1920 e 1930 registra para nós o enraizamento do
território ferroviário no nordeste mineiro que culmina em 1942 com a chegada dos trilhos a
Araçuaí. No capítulo seguinte acompanhamos sua chegada ao coração do Jequitinhonha e o
processo de desmantelamento deste território.
Agora respiramos um pouco e voltaremos ao próximo capítulo conduzidos pela
revolução de 30, o Estado Novo e todos os seus efeitos.
151
Sobre ferrovias no Brasil para o período entre séculos ver SUMMERHILL, William R. – Order Against
Progress: government, foreign investment, and Railroads in Brazil (1854-1913) – California, Stanford
University Press.
152
TOPIK, op. cit. p. 150.
125
CAPÍTULO IV
EXPANSÃO E RECOLHIMENTO (1930 – 1954)
O projeto mineiro de diversificação
econômica – se considerado em termos da
configuração típica dos casos de desenvolvimento
tardio – apresenta-se como um modelo misto que
segue em parte os cânones da economia clássica e, ao
mesmo tempo, em aspectos importantes, deles se
desvia. (...) É um modelo de “crescimento para
dentro”. Tal como foi formulado por João Pinheiro,
sua meta é a substituição gradual de importações que,
partindo dos gêneros de consumo interno (cereais
sobretudo), estende-se às indústrias mais simples
para alcançar, oportunamente, as mais complexas.
1
Começamos este capítulo com o heteróclito caminho das políticas de
desenvolvimento de Minas Gerais. Um caminho repleto de ambigüidades entre as doutrinas
liberais e a participação ativa do Estado em empreendimentos infra-estruturais, como
podemos constatar em algumas páginas idas.
Incertezas de condução da política econômica que se desfazem após a crise de 1929
e a revolução de 30. Fatos que mudam o olhar do Estado ocidental sobre a naturalidade das
leis do mercado e a orientação da vocação econômica do Brasil.
2
No caso mineiro, durante a Primeira República, há uma aproximação de se construir
uma modernização por meio da espontaneidade do mercado, fiel ao liberalismo, com a
1
DULCI, Otávio Soares – Política e Recuperação Econômica em Minas Gerais – Belo Horizonte, Ed. UFMG,
1999 p. 48.
2
Nota sobre bibliografia para revolução de 30 e crise de 1929. FAUSTO, Boris – A Revolução de 1930São
Paulo, Brasiliense, 1991; WIRTH, John – Minas e a Nação. Um estudo de poder e dependência regional,
1889 – 1937 In FAUSTO, Boris, HGCB: o Brasil Republicano, vol. 8: estrutura de poder e economia (1889 –
1930) – Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2006 pp. 84-110; IANNI, Otávio – Estado e Planejamento
Econômico no Brasil (1930-1970) – Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1977; MONTEIRO, Hamilton de
Mattos – Aprofundamento do Regionalismo e a Crise do Modelo Liberal In: LINHARES, Maria Yedda (org.)
– História Geral do Brasil – Rio de Janeiro, Campus, 1990 pp. 211-228; MENDONÇA , Sônia Regina de –
Estado e Sociedade: a Consolidação da República Oligárquica In: LINHARES, op. cit. pp. 229 - 242.
126
crença de que o desenvolvimento de uma agricultura forte, “crescimento para dentro”,
caminharia naturalmente para a constituição de um parque industrial. Pós 29 e 30
acompanhamos uma orientação de intervenção ativa da administração pública no
desenvolvimento econômico do Estado. Uma marcha acelerada para o futuro.
3
Segundo Otávio Dulci há “uma nítida linha de continuidade no que se refere à
concepção do papel do Estado como agente da recuperação econômica regional.”
4
O que
varia é o foco na indústria ou na agricultura. Entre 1930 e 40 mantém-se ainda um
programa voltado para o fortalecimento de uma diversificação agrícola juntamente com o
crescimento da construção de rodovias e ampliação do quadro técnico do setor.
5
O governo Valadares (1933-1945), apesar de sua posição de interventor, estabeleceu
bom relacionamento com a elite econômica mineira possuindo dois momentos nítidos. Um
primeiro que mantém a estratégia de diversificação produtiva (vista no último capítulo),
interrompida por um surto da cafeicultura nos anos 20. O capital gerado pelo café neste
momento proporcionou uma dinamização da economia mineira com destaque para a
construção de rodovias e reforma do ensino público – o café representou 60% da
exportação do estado em 1929.
6
Com a crise mundial, o café perdeu força e conduziu Valadares a um plano de
emergência que envolvia empréstimos com bancos, corte de despesas e investimento na
agricultura voltada para a indústria. Incentivos para produtos como algodão (Norte), fumo
(Mata), mamona (Rios Doce e S. Francisco), trigo e frutas (Sul e Mata), que atendiam a
todas as regiões do estado, caracterizando-se por um desenvolvimento desconcentrado.
7
A
3
DULCI, op. cit. p. 48.
4
Idem p. 61.
5
Idem.
6
DULCI, op. cit. pp. 62-3.
7
Idem p. 64-6.
127
conjuntura externa de crise fez retomar o intuito de integrar o Mosaico Mineiro de Afonso
Pena por meio de uma estrutura produtiva diferenciada.
O segundo momento do governo Valadares tem registro na perda de Minas na
disputa de instalação da CSN para Volta Redonda e se estende até 1946. Diante desta perda
de espaço no desenvolvimento econômico do país, constituiu-se uma estratégia endógena
de industrialização.
Com a Segunda Guerra Mundial, o governo de Minas viu-se diante de
sérios obstáculos à continuidade da experiência de diversificação agrícola que
vinha praticando, sobretudo no que diz respeito à interrupção dos fluxos
tradicionais de comércio que a sustentavam. (...) o crescimento industrial era
limitado pela dificuldade de obtenção de insumos essenciais e de bens de
capital. (...) Nesse sentido, o segundo conflito mundial prolongou e aprofundou
o efeito da Grande Depressão, ao estimular, no Brasil, novas iniciativas de
substituição de importações industriais.
8
Aliado a esses obstáculos há uma outra questão que conduziu Valadares à política
industrial: à migração. Entre os censos de 1920 e 1940 Minas registrou um grande êxodo
rural, demonstrando poucas oportunidades de emprego urbano, levando um número
considerável de trabalhadores para o eixo Rio - São Paulo, tornando-se fornecedora de
mão-de-obra no mercado nacional de trabalho. Esta situação refoou o debate sobre o
atraso de Minas em comparação com as regiões mais ricas do país e a necessidade de uma
alternativa de crescimento e de geração de empregos em face das limitações
experimentadas pelo esforço de diversificação agrícola que vinha realizando até então.
9
Diante da política centralizadora do Estado Novo e seu espírito anti-regionalista, a
política econômica mineira passou a articular a projetada expansão da indústria local ao
circuito do capitalismo industrial brasileiro que o regime estimulava. Prevaleceu a
8
Idem p. 70-1.
9
Idem p. 73.
128
identificação com o centro dinâmico da economia nacional e a integração ao mesmo. Ficou
de lado uma política que buscava uma certa autonomia da economia mineira da
monocultura com uma proposta integradora (como vimos desde a crise do café de 1897).
Inaugura-se um período em que as diferenças entre as regiões do estado se mostram cada
vez maiores à medida que a política econômica se volta para o eixo RJ-SP.
10
Em 1941, cria-se a Cidade Industrial em Contagem (planejada desde 1935), com um
sistema de distritos industriais que seria gradualmente construído em Minas ao longo das
décadas seguintes. Tudo com estímulos do Estado: área urbanizada; vias de transporte (rede
ferroviária); energia a baixo custo. Tentava-se estabelecer um pólo para a economia
estadual.
Diante desta política industrializante, os anos 40 ficaram marcados pela busca de
soluções (hidrelétricas) para a questão energética do estado, alcançando forma definitiva
nos ano 50. Ao Estado coube a montagem de todo um sistema elétrico com o intuito de
gerar energia para o parque industrial a se instalar em Minas.
11
Com isso, estavam sendo gestadas pela equipe econômica de Valadares
[Lucas Lopes, Israel Pinheiro] as linhas mestras de um modelo de
desenvolvimento a ser aprofundado nos anos seguintes. (...) apenas em 1951,
quando o PSD voltou ao poder com Juscelino Kubitschek, é que as diretrizes
econômicas da última fase de Valadares seriam efetivamente retomadas,
transformando-se num programa definido de desenvolvimento regional.
12
Entre Valadares e JK há o governo de Milton Campos (UDN), eleito em 1947, que
mudou um pouco a busca de uma industrialização urgente para um incentivo maior à
agricultura.
10
Idem p. 71.
11
Idem p. 74-5.
12
Idem p. 76.
129
O Plano de Recuperação Econômica e Fomento de Produção aproveitou grande
parte da experiência e ações de Valadares e tentou envolver, simultaneamente, agricultura e
indústria. Um casamento que vinculava o crescimento de uma indústria que movesse a
agricultura, como, por exemplo, a produção de insumos agrícolas e maquinários. Dois
exemplos interessantes pois estavam também relacionados com dois problemas do
momento: migração do campo para a cidade, daí a necessidade de mecanização do eito e a
constatação do enfraquecimento do solo e a precisão de tratamento da terra.
13
A conjuntura pós-guerra abria espaço para a expansão de uma estrutura produtiva
diferenciada em escala regional, o que permitia a melhora de Minas no quadro da economia
nacional.
14
Foi a última grande aposta neste modelo de crescimento abrangente “para
dentro”, de que o governo estadual abdicaria logo em seguida para adotar sem
rebuços a estratégia da industrialização acelerada. (...) a persistência do atraso
relativo levou à alternativa da marcha forçada para superá-lo.
15
No governo de Juscelino Kubitschek, em Minas, verificamos as origens da
orientação modernizadora que se instalaria no país a partir de 1955. Na busca da melhoria
da infra-estrutura de Minas para instalar e aumentar seu parque industrial optou-se pelo
desenvolvimento de toda uma estrutura de produção de energia e transporte.
O Plano de Eletrificação do governo de JK (1950) fez um diagnóstico econômico de
Minas para definir as áreas com potencial de industrialização.
Entre as metas deste plano, nas áreas desenvolvidas, a atuação do Estado estaria
vinculada à construção e operação de grandes usinas e linhas de transmissão.
13
Idem p. 77.
14
Idem p. 91.
15
Idem.
130
“Nas regiões menos desenvolvidas, o Estado não deveria atuar, mas apenas auxiliar
as empresas privadas ou municipais em suas necessidades técnicas e de financiamento.”
16
Mais um sinal que mostra a exclusão do grande norte mineiro de um projeto de
desenvolvimento econômico.
O Binômio Energia e Transporte é o caminho escolhido por JK para acelerar o
processo de modernização regional, acreditando que o desenvolvimento se irradiaria da
cidade para o campo. Mesmo assim o próprio JK reconhece o custo da empreitada
industrializante:
A concentração cumulativa de recursos, sob a forma de investimentos
industriais é, todavia, um processo moroso e, muitas vezes, marcado por
inegáveis injustiças sociais. A intervenção do Estado, visando a provocar o
aceleramento dos investimentos industriais, torna-se uma imposição lógica nas
regiões subdesenvolvidas.
17
No tocante ao transporte, o governo JK vai ter a rodovia como um de seus pilares,
passando a administração das principais ferrovias para o governo federal, além da EFBM
há a passagem da RMV.
18
O DER mineiro, criado em 1946, tinha construído, durante a
gestão de Milton Campos, 615 km (financiados pelo Fundo Rodoviário Nacional e pelo
Tesouro). Na administração de JK a extensão construída foi de 3.725 km, com recursos do
Fundo, do Tesouro estadual, do governo federal, de empréstimos internacionais e da Taxa
de Serviços de Recuperação Econômica – que o governo Milton Campos havia instituído
para financiar o seu Plano de Recuperação e que, sob Kubitschek, foi canalizada,
fundamentalmente, para os projetos de infra-estrutura. O plano desta ampliação concentrou
16
Quarto princípio do planejamento do setor elétrico de Minas. In: DULCI, op. cit. p. 101
17
Discurso de Juscelino Kubitschek: 1953 In: DULCI, op. cit. p. 103 Grifo meu.
18
Sobre a RMV, ver MAIA, Andréa Casa Nova – Encontros e Despedidas: ferrovias e ferroviários do Oeste
de Minas – Niterói, Universidade Federal Fluminense, Tese de Doutorado, 2002.
131
obras na comunicação com a capital, reiterando o que vimos nos planos estaduais anteriores
(1896 e 1923) onde BH é o centro para onde convergem as radiais.
19
O estudo dessa trajetória demonstra, por outro lado, que houve uma
importante linha de continuidade no tocante ao projeto de industrialização, a
despeito das imagens diferentes que se cultivaram sobre a economia regional.
As administrações se encadearam umas às outras, não desfazendo o que
encontraram, ainda que redefinindo prioridades. Esta linha de continuidade
coloca a questão do consenso ou da convergência estratégica das elites em
torno da meta do desenvolvimento.
20
Mesmo com todo um discurso e prática modernos, JK também aglutinou entre seus
aliados políticos mineiros que defendiam a vocação agrícola do estado como é o caso de
Tristão da Cunha, secretário da agricultura de JK, cujas bases políticas eram de Teófilo
Otoni:
O Brasil, um país essencialmente agrícola, não pode progredir porque é
sobre os ombros frágeis da agricultura que pesam todos os encargos e ônus do
governo, dos institutos e ônus também, de uma indústria que se quer criar à
força, (...) A natureza não dá saltos. Não podemos alcançar a meta da
industrialização fazendo chegar sobre a lavoura todos os encargos de uma
indústria nova. (...) se matarmos a galinha dos ovos de ouro, mataremos,
consequentemente, a indústria nascente.
21
A preferência por rodovias que assistimos com JK e em governos anteriores,
acompanhou um processo de redefinição do padrão de transportes no Brasil que mostra
sinais desde a década de 20, ainda que predominando a relação complementar entre modais:
ferrovia, hidrovia e rodovia, como vimos em discursos anteriores - ver capítulo III.
As estradas de ferro de penetração são os primeiros pioneiros da civilização,
mas a sua ação é lenta ou incompleta, se ela não se continuar pelas estradas de
rodagem. A estrada de ferro não é mais hoje o único meio rápido de
comunicação e não corresponde a todas as necessidades (...) precisa da
19
DULCI, op. cit. p. 98.
20
Idem p. 105.
21
Idem p. 96.
132
colaboração rodoviária. Para isto devemos fazer estradas de rodagem
interligando as estradas de ferro.
22
Em 1937 foi criado o DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem)
para atender a demanda de construções de rodovias que ganha mais força na segunda
metade da década de 1940. A partir deste momento dá-se início a uma concorrência entre
rodovia e ferrovia ao se construir rodovias paralelas a ferrovias, mudando a orientação
complementar e justamente num momento de guerra em que as importações de material
ferroviário estavam prejudicadas causando problemas de manutenção. Ferrovia sem
manutenção é um transporte falho e inseguro.
A solução, caso houvesse interesse, seria a formação do próprio parque
de fabricação de materiais, tarefa dificultada, naquela altura, pelo altíssimo
custo desse empreendimento e devido ao fato de que o capital internacional
disponível era empregado na reconstrução dos países europeus, cuja principal
fonte eram os financiamentos norte-americanos, estabelecidos pelo Plano
Marshall.
23
Além desta dificuldade de investimento, no momento pós guerra há entrada no país
de grande quantidade de equipamento e material de construção de rodovias, oriundos dos
Estados Unidos e utilizado na reconstrução européia, por preços muito baixos. Desta forma
houve um fortalecimento da alternativa rodoviária, pois representava um retorno financeiro
rápido, com investimentos baixos em comparação com a instalação de trilhos.
24
Em 1946, o DNER é transformado em autarquia, criando-se também o Fundo
Rodoviário Nacional, dando início à formação dos DER’s (Departamentos Estaduais
Rodoviários) e de planos rodoviários.
22
OLIVEIRA, Maria Chambarelli de - Achegas à história do rodoviarismo no Brasil - Rio de Janeiro:
Memórias futuras, 1986, p. 75 Apud. PAULA, Dilma Andrade de – Fim de Linha: A extinção de ramais da
Estrada de Ferro Leopoldina, 1955-1974 – Niterói, Universidade Federal Fluminense, Tese de Doutorado,
2000. p. 97.
23
PAULA, op. cit. p. 100.
24
Entrevista com Célio Debes realizada no dia 08/10/1981, por Mivaldo Messias Ferrari. In: PAULA, op. cit.
p. 100.
133
Entre os objetivos emergenciais, trechos considerados de maior relevância
geoeconômica e geopolítica do DNER, encontramos a construção da Rio-Bahia (atual BR-
116, pavimentada e concluída em 1963). Rodovia que, veremos adiante, está diretamente
ligada ao desmantelamento do território ferroviário da EFBM.
25
Durante a revisão do Plano Nacional de Viação de 1934, o discurso do Ministro da
Viação e Obras Públicas de 1946, engenheiro Maurício Joppert da Silva, mostra muito bem
a mudança de olhar que o Estado passa a ter da ferrovia e de seu papel na sociedade. A
ferrovia deixa de ser elemento de integração nacional mantido pelo Estado e começa a ser
vista como empresa que precisa se auto-sustentar economicamente. A rodovia, mais barata,
ganha o papel de integração, ao mesmo tempo em que compete comercialmente com a
ferrovia.
a extensão da rede ferroviária a zonas fracamente povoadas e de escassa
produção é contrária ao aumento da densidade de tráfego; que a ida da estrada
de ferro a regiões economicamente inexpressivas, com a finalidade política e
administrativa de integrar na comunidade brasileira populações que aí habitam,
não tem a importância que antes apresentara, porque essa integração se opera
pela aviação e pelo rádio; que o papel pioneiro de despertar essas zonas e aí
criar riquezas, cabe às estradas de rodagem; que a extensão da rede ferroviária
brasileira, quando não exigida para interligação de sistemas regionais já
existentes, deve processar-se, portanto, apenas sob critérios econômicos e
eventualmente militares; que essa é a orientação a seguir-se num moderno
plano de viação férrea
26
.
25
Outros trechos emergenciais do DNER: nova Rio-São Paulo (via Presidente Dutra, concluída em 1951),
conclusão do seguimento São Paulo-Curitiba-Lajes-Porto Alegre (BR-2, atual BR-116, concluída na Segunda
metade dos anos 50), nova Rio-Belo Horizonte (antiga BR-3, atual BR-135, concluída na segunda metade dos
anos 50) etc. No Nordeste, as principais vias estavam a cargo do DNOCS -Departamento Nacional de Obras
Contra as Secas, e só passaram à jurisdição do DNER em 1951. No estado de São Paulo, em 1944, foi
construída a Via Anchieta, primeira auto-estrada brasileira, ligando a cidade de São Paulo a Santos, marcando
uma importante evolução técnica no domínio da construção de rodovias. Informações obtidas da seguinte
matéria: 1947/1972: reformulação geral no sistema de transportes. Conjuntura Econômica. Rio de Janeiro,
26 (11), novembro de 1972, p. 102-110. MF.
26
Ministério dos Transportes - Planos de Viação – Evolução Histórica (1808-1973). Rio de Janeiro: CNT,
1974, p. 180-181. BRFFSA/RJ.
134
Esta revisão culminou na elaboração do Plano de Viação de 1951 que impediu as
construções ferroviárias que não atendessem a objetivos “econômicos” ou “militares”.
Recomendava-se a ampliação da malha ferroviária nacional, visando a atender o
escoamento de mercadorias entre as principais regiões do país. Como verificamos no
discurso do Engenheiro Edson Passos:
A propósito da política de expansão ferroviária, pensamos com os ilustres
autores do Plano, que a função pioneira outrora exclusiva das estradas de ferro,
passou aos transportes rodoviários e aeroviários.
Daí a acentuada redução feita no plano de 1934, quanto ao desenvolvimento
da rede ferroviária nele prevista, que se substitui, em grande parte, por estradas
de rodagem. Isso não impede, contudo, que, no futuro (...) venha a ser
expandida a rede de ferrovia, excedendo estas a sua função própria do
transporte terrestre das grandes massas a grandes distâncias.
27
Segundo Margareth Martins, é um plano que visava a constituir “sistemas
harmônicos, mais independentes quanto à função própria de cada um”.
28
Esta
“independência” era uma dissociação prática dos vários módulos de transporte constantes
do mesmo.
No tocante específico da EFBM, este plano a considera num tronco secundário que
ligaria os estados de Bahia, Minas e Goiás.
29
Durante o segundo governo Vargas, vamos ter um primeiro momento cuja
preferência é o transporte ferroviário, no qual acreditava-se num desenvolvimento nacional
independente, com base na indústria pesada e intervencionismo estatal. Esta preferência
dura apenas dois anos e não sai do papel, pois a conjuntura econômica não permitia diante
da dependência do setor agro-exportador. Fazer rodovias era mais econômico. Vargas
27
Edson Passos In: MARTINS, Maragareth Guimarães – Caminhos Tortuosos: um painel entre o
Estado e as empresas ferroviárias brasileiras (1934-1956) – São Paulo, Universidade de São Paulo,
Tese de Doutorado, 1995 p. 305.
28
MARTINS, op. cit. p. 304.
135
cedeu ao uso político de construção de rodovias, inclusive concorrentes com ferrovias; não
havia uma indústria consistente voltada para a ferrovia.
30
O Plano de 1951 virou letra morta e nem o plano de 1934 prevaleceu, pois foi posto
em prática um redirecionamento da política de transporte no país. O próprio Getúlio Vargas
reconheceu a preferência por rodovias:
(...) mesmo nos casos em que, tecnologicamente, a estrada de ferro seja a
melhor solução, como quando trata de atender a um volume ponderável de
carga ou de passageiros, a distâncias consideráveis"
31
Este posicionamento de Vargas pode ser melhor entendido ao nos atermos à
contribuição da Comissão Mista Brasil Estados Unidos de Desenvolvimento Econômico
(CMBEU). Criada e instalada no início da década de 50, era formada por técnicos e
funcionários públicos brasileiros, dirigidos por Ary F. Torres e por técnicos norte-
americanos, contratados por uma empresa particular e dirigidos por Merwin L. Bohan.
32
Entre 1951 e 1953, a CMBEU elaborou um diagnóstico da economia brasileira no
qual apresentou projetos de financiamento (Banco Mundial e do Eximbank),
principalmente nas áreas de transporte e energia, com o intuito de preparar o terreno para
uma indústria pesada.
33
29
Seria o Tronco 3: Ponta de Areia – Teófilo Otoni – Araçuaí – Montes Claros – Pirapora – Paracatu –
Cristalina – Leopoldo Bulhões e Anápolis. In: MARTINS, op. cit. p. 306 nota 4.
30
MARTINS, op. cit. pp. 308-10.
31
VARGAS, Getúlio - Mensagem Presidencial, 1953, p. 154. Internet: www.crl-jukebox.uchicago.edu. In:
PAULA, op. cit. p. 103.
32
DRAIBE, Sonia. Rumos e Metamorfoses: um Estudo sobre a Constituição do Estado e as Alternativas de
Industrialização no Brasil, 1930-1960. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985 p. 196 Apud.: PAULA, op. cit. p.
104.
33
Desde o Estado Novo se elaboravam alguns planos parciais ligados à energia e transportes, que seriam
aprofundados a partir da década de 50. Em maio de 1952 foi criado o Plano Geral de Industrialização do
País, pela Comissão de Desenvolvimento Industrial. Pregava-se pontos comuns à CMBEU: incremento na
produção energética, na expansão dos transportes e comunicações, intensificação dos fluxos de capitais,
melhoramento do sistema de crédito, formação de técnicos e aperfeiçoamento dos métodos de trabalho.
DRAIBE, op. cit. p. 194.
136
Orientações que, assim como Vargas, também serão seguidas por JK no seu Plano
de Metas, dando continuidade ao binômio Energia e Transporte que vimos na sua
administração em Minas Gerais.
Os projetos da CMBEU foram patrocinados pelo BNDE (Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico)
34
e seus relatórios são os primeiros estudos que recomendam
a extinção de ramais ferroviários, como veremos adiante no caso da EFBM, e a substituição
dos mesmos por rodovias.
35
***
Após sobrevoarmos as políticas de desenvolvimento de Minas e do Brasil entre
1930 e 1954, retomaremos o mergulho nos meandros da relação entre o Estado e a EFBM
mostrando o que acontece com a ferrovia diante de toda o período apresentado acima.
Entre 1930 e 1942, a EFBM vive um momento de expansão do seu território ao
concluir a linha até Araçuaí. Expansão conquistada devido ao crescimento da população, do
vigor da economia das cidades da região (ver capítulo II pp. 21-2) e pelo momento de
afirmação do Estado após o processo de pulverização das oligarquias cafeicultoras do
poder.
34
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico – BNDE, foi criado pela Lei 1.628, de junho de 1952,
visava dar suporte à viabilização de financiamento (e para oferecer garantia aos créditos externos) aos
projetos gerados pela CMBEU e pelo Programa de Reaparelhamento Econômico, criado em novembro de
1951. Idem p. 196.
35
De acordo com Maria Antonieta Leopoldi, cumprindo a função de assessoramento técnico, que também lhe
cabia, a CMBEU completou a formação de toda uma geração de policy-makers, que participou ativamente das
políticas nos anos 50 e 60: Lucas Lopes, Roberto Campos, Otavio G. Bulhões, San Tiago Dantas, Alexandre
Kafka, Rômulo Almeida. Conforme é possível verificar no Quadro I, dos Agentes e Atividades, no anexo 5,
grande parte desse grupo também atuou no BNDE (por sua vez, criado como sugestão da Comissão) e ajudou
na formulação do Plano de Metas, sob a direção de Lucas Lopes e de Roberto Campos. Ver Leopoldi, M.A. -
Crescendo em meio à incerteza: a política econômica do governo JK (1956-60). In: Gomes, A. C.(org.) - O
Brasil de JK - Rio de Janeiro, FGV, 1991, p. 71-99. Também tiveram participação destacada no Plano vários
membros do ISEB - Instituto Superior de Estudos Brasileiros, fundado em 1955 e vinculado ao MEC Apud.
PAULA, op. cit. pp.105.
137
Diante deste quadro, o arrendamento com a Compagnie de Chemins de Fer
Federaux de l’Est Bresilien, iniciado em 1911, é finalizado sob o argumento de que houve
pequeno retorno ao país e à falta de cumprimento dos prazos prometidos nos contratos.
36
“A Chemins de Fer, completamente alheia aos interesses nacionais, nunca
cuidou da estrada. Tratava, somente, dos dividendos de seus acionistas e a tal
ponto desprezou a antiga Bahia e Minas que o mesmo governo federal em
1934, tornou o arrendamento sem efeito.”
37
As estradas que estavam sob a responsabilidade da “Chemin de Fer” foram passadas
à administração direta da União sendo criada a “Viação Férrea Federal Leste Brasileiro.” A
Bahia e Minas teve sua administração desmembrada da Leste Brasileiro em 1936, de
acordo com a Lei 570 de 31/12/1935, por não possuir nenhuma ligação com a mesma.
Passou a ser subordinada diretamente ao Departamento Nacional de Estradas de Ferro
(DNEF).
38
O suplemento da Revista Ferroviária de 1945 nos apresenta um discurso positivo
quanto ao fim do arrendamento à concessionária francesa apresentando melhorias no saldo,
nos serviços e o interesse dos diretores na empresa. Segundo Otacílio Pereira, entre 1935 e
1936 a EFBM apresentou saldo de 43:291$107 e 514:376$650 respectivamente.
39
36
Sobre o contrato da “Chemin de Fer” ver capítulo III.
37
Revista Ferroviária - Suplemento Estradas de Ferro do Brasil, Rio de Janeiro, 1945 p. 19 BRFFSA/BH.
38
BRASIL, MVOP - Dossiê sobre a EFBM – Rio de Janeiro, s/d pp.114 – 115. Sobre DNEF: Criado pelo
Decreto-lei n
o
3.136, de 1941. O DNEF tinha por função: a) estabelecer metas para o cumprimento do Plano
de Viação; b) propor normas gerais para a atividade ferroviária; c) superintender a administração das
empresas a cargo da União; d) fiscalizar as empresas não administradas pela União; e) elaborar e rever
projetos sobre novas linhas e obras gerais; f) elaborar legislação apropriada ao funcionamento das ferrovias;
g) organizar e atualizar as estatísticas das atividades ferroviárias no país. Em 1946, a estrutura organizacional
do DNEF sofreria novas modificações, especificando melhor as suas atribuições quanto a execução direta ou
indireta de novas ligações ferroviárias, elaboração de normas gerais para todo o serviço ferroviário do país, de
acordo com a política traçada pelo governo, bem como a fiscalização de seu cumprimento e a
superintendência da direção das ferrovias diretamente administradas pelo Governo Federal. PAULA, op. cit.
p. 97.
39
PEREIRA, Otacílio - A Autonomia Administrativa das EF do Brasil: o Problema Ferroviário – Porto
Alegre, Typographia Gundlach, 1937 - p. 18.
138
Outro fator positivo colocado pelo periódico foi a instalação da administração da
ferrovia na zona de influência que trouxe uma maior obtenção de recursos. Além disso, em
1939, a ferrovia ganhou autonomia na administração, sendo diretamente subordinada ao
Ministério da Viação e não mais ao DNEF.
Entrando no ritmo regular das estradas nacionais, essa ferrovia vem
consolidando sua economia progressivamente. Os serviços estão regularizados,
o tráfego atende satisfatoriamente as solicitações de transporte que lhe são
feitas e os trilhos já progrediram para o interior de Minas Gerais. (...)
Os trabalhos de prolongamento correm regularmente e ficaram algum tempo na
dependência da conclusão de algumas obras, como aconteceu com a ponte
sobre o rio Calhao [Araçuaí]; é de supor que com o correr do tempo, a EFBM
esteja também ligada à Central do Brasil, em Bocaiúva, na linha de Montes de
Claros, de acordo com o estabelecido o Plano Geral de Viação Férrea
Nacional.
40
Mesmo com um quadro internacional de pós-guerra, a revista mostra um esforço
interno da ferrovia em reparos e reconstrução nas oficinas e do governo federal que teria
encomendado, no exterior, novas locomotivas e vagões.
41
Além disso, a orientação do
plano mantém viva a possibilidade de integração Norte e nordeste mineiro que
acompanhamos desde meados do século XIX.
Um ano depois, o discurso da revista muda sobre a EFBM. Apesar dos avanços
após o rompimento do arrendamento, a ferrovia apresenta um “desenvolvimento (que) vem
sendo demoradamente lento”
42
provocando o baixo aproveitamento da região atendida por
seus trilhos. Falta eficiência no transporte segundo o periódico.
Toda extensa zona de muitos quilômetros em derredor de seus trilhos é
influenciada por sua existência e ao longo da extensão que busca o vale do rio
Jequitinhonha, muitas são as povoações formadas a espera do progresso que a
ferrovia pode proporcionar.
43
40
Revista Ferroviária – Suplemento Estradas de Ferro do Brasil – Rio de Janeiro, 1945 p. 19 - Grifo meu
BRFFSA/BH.
41
Idem
42
Revista Ferroviária – Suplemento Estradas de Ferro do Brasil – Rio de Janeiro, 1946, p. 71 BRFFSA/BH.
43
Idem
139
Uma espera pelo progresso que localizamos no jornal Correio do Sertão quando
noticia a inauguração da estação de Araçuaí, em 1942, e ressalta a tempera de aço de
Vargas para realizar a chegada do ferro e do vapor ao coração do Jequitinhonha. A ferrovia
estabelece seu território, integrando e formando uma rede urbana carregada de esperanças.
A entrada da primeira locomotiva da EFBM nesta cidade constituiu um dos
feitos mais importantes na história deste município, que ficará gravado nos
seus anais, para conhecimento da futura geração.
O povo sentiu-se possuído de verdadeiro e justo entusiasmo, reconhecendo
que uma nova vida surgia incentivando a todos para a produção.
(...)
Há sessenta anos que vivemos lutando para esta conquista, até que a
ação do ilustre presidente Getúlio Vargas fez se sentir, com a sua tempera de
aço dando a sua voz de ordem, que foi cumprida a risca, porque todos sabemos
que sua Exca. não admite tapeação nas medidas que interessam a ordem e a
coletividade.
É com maior prazer que damos nossa opinião sobre a nova aurora que
nos vem bater às portas, nos despertando do sono em que vivíamos
completamente alheios do mundo e de sua evolução.
44
Após sessenta anos de luta e espera as notícias não são boas:
Nesses últimos anos, com seu desligamento da Leste Brasileiro, à qual foi
subordinada durante algum tempo, e sua administração direta pelo
“Departamento Nacional de Estradas de Ferro”, a Baía a Minas melhorou em
parte. Ainda assim, contudo, é uma estrada precária, de más condições
técnicas, onde são parcos os recursos materiais e escasso o braço do homem
para a sua condição de melhor satisfazer.
45
A precariedade da linha é grande. Traçado defeituoso; falta de recursos; trilhos
muito leves (18 kg) e antigos; curvas apertadas; na baixada baiana o leito fica no nível do
terreno, proporcionando freqüentes inundações/deslizamentos. O melhor trecho é o de
Teófilo Otoni a Araçuaí,
44
CORREIO DO SERTÃO, Araçuaí – 01/11/1942/EFBM: sua chegada na cidade 1ª página. Grifo meu.
45
Revista Ferroviária - Suplemento Estradas de Ferro do Brasil – Rio de Janeiro, 1946 p. 72 BRFFSA/BH
140
(...) isso porque havendo sido construído nesses últimos anos, recebeu
melhor técnica. Ainda assim excetua-se, nesse permeio, a extensão de
Engenheiro Schnoor a Alfredo Graça onde, a despeito do traçado ser novo, os
trilhos já foram assentados usados.
46
Além disso, há o registro de que falta mão de obra na região. Sinais da migração
registrada entre os censos de 1920 e 1940.
POPULAÇÃO E PRODUÇÃO
Entre 1936 e 1955, no tocante à população, achamos importante fazer uma parada
para registrar e analisar os dados que mostram uma realidade diferente do quadro de
migração de Minas para outros estados. Assim, contribuímos para uma compreensão mais
profunda do comportamento da região, de influência da ferrovia, diante do processo de
mudança da condução das políticas de desenvolvimento do país e de Minas Gerais.
Segundo dados do IBGE, os números da população à época para a região atendida
pela EFBM varia consideravelmente.
47
Como verificamos no capítulo II, a região apresenta números prósperos na produção
agrícola durante a década de 1920. Em 1937 ainda há uma tendência de alta populacional
nos dois municípios principais (Araçuaí e Teófilo Otoni), aliando-se a eles Itambacuri
(antigo distrito de Teófilo Otoni).
À medida que os distritos vão-se emancipando a população de Araçuaí e Teófilo
Otoni reduz, mas no cômputo geral da região da ferrovia (agregamos também a população
de Caravelas) a população registra 306.769 habitantes em 1937, conforme vimos no
capítulo II.
46
Idem
47
Contabilizamos as cidades que faziam parte da linha e de sua zona de influência, que é o caso de
Itambacuri. Com relação à falta de mão-de-obra pode estar ligado a carência de trabalhadores especializados
para trabalhar na ferrovia. No Anuário Comercial e Industrial de 1946 encontramos dados que mostram uma
141
Em 1939 reduz para 255.209. Em 1940 aumenta para 272.075, predominando a
atividade rural. Em 1950 é de 299.763 chegando a 3,8% da população de Minas. O ano de
1955 apresenta 321.076 habitantes. Números que indicariam um certo crescimento da
região, mas quando nos voltamos para a produção, verificamos outras evidências da
economia da época.
Comparando os registros de produção da década de 20
48
e os registros de 1949 e
1955 há um quase desaparecimento de Araçuaí da produção para o mercado interno e
reduções em Teófilo Otoni. Mesmo considerando a divisão dos dois municípios, alguns
produtos desaparecem como o exemplo de Araçuaí que, na década de 20, registra colocação
entre os dez principais produtores de Minas Gerais em produtos como amendoim (6º
produtor); mamona (7º produtor); mandioca (1º produtor); batata doce (4º produtor);
algodão (7º produtor); cana de açúcar (10º produtor). Para os anos de 1949 e 1955 temos o
registro de produção (sem figurar entre os dez primeiros produtores) em cana-de-açúcar,
abacaxi e mandioca. Vamos encontrar alguma produção expressiva em Novo Cruzeiro
(antigo distrito de Araçuaí) com o alho, colocando-se entre os dez primeiros produtores.
TABELA X
PRODUTOS AGRÍCOLAS DA REGIÃO DA EFBM EM 1923
49
Município/Produto Algodão
(kg)
Amendoim
(kg)
Arroz em
Casca (kg)
Batata
Inglesa
(kg)
Batata
Doce (kg)
Café em
Grão (kg)
Cana de
Açúcar
(kg)
Araçuaí 992.000
7ºprodutor
240.000
6ºprodutor
2.960.000 175.000 7.300.000
4ºprodutor
1.100.000 64.000.000
10ºprodutor
Teófilo Otoni - 250.000
5ºprodutor
4.880.000
12ºprodutor
1.075.000
4ºprodutor
11.480.000
2ºprodutor
7.180.000
8ºprodutor
60.000.000
14ºprodutor
evasão de quadros técnicos, como engenheiros, para o eixo Rio – São Paulo. MINAS GERAIS – Anuário
Comercial e Industrial de 1946 – Belo Horizonte, 1946 pp. 141-143. APM.
48
Ver Capítulo II.
49
MINAS GERAIS, Anuário Estatístico de Minas Gerais de 1922-25 – Belo Horizonte, 1926.
142
TABELA XI
PRODUTOS AGRÍCOLAS DA REGIÃO DA EFBM EM 1923
50
Município/Produto Feijão
(kg)
Fumo
(kg)
Mamona
(kg)
Mandioca
(kg)
Milho
(kg)
Charque
(kg)
Queijo (kg)
Araçuaí 2.700.000 139.500 400.000
7ºprodutor
20.000.000
1ºprodutor
10.000.000 - -
Teófilo Otoni 4.595.000
1ºprodutor
100.000 530.000
2ºprodutor
19.000.000
5ºprodutor
36.000.000
6ºprodutor
227.050
8ºprodutor
130.000
14ºprodutor
TABELA XII
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DA REGIÃO DA EFBM DE 1949
51
Município/Produto Alho
(arrobas)
Amendoim
(kg)
Arroz em
casca
(sacos)
Batatinha
(sacos)
Café
Beneficiado
(arrobas)
Cana de
Açúcar
(toneladas)
Milho
(sacos)
Araçuaí - - - - - 10.000 a
15.000
-
Carlos Chagas - - - - - - -
Itambacuri - - 25.000 a
50.000
- - 75.000 a
100.000
-
Nanuque - - - - - - -
Novo Cruzeiro + de 8 mil
3º produtor
40.000 a
45.000
- - - -
Pote - - - - - - -
Teófilo Otoni - 45.000 a
50.000
50.000 a
75.000
5.000 a
7.500
222.816 /
11ºprodutor
75.000 a
100.000
180.500
5º produtor
TABELA XIII
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DA REGIÃO DA EFBM DE 1949
52
Município/Produto Cebola
(arrobas)
Feijão
(sacos)
Abacaxi
(frutos)
Banana
(cachos)
Laranja
(centos)
Fumo
(arrobas)
Mandioca
(tonelada)
Araçuaí - - 20.000 a
40.000
- - 5.000 a
10.000
Carlos Chagas - 20.000 a
30.000
- - - 12.000
14ºprodutor
-
Itambacuri - 78.000
6º produtor
- - - 10.000 a
20.000
Nanuque - - - - - - -
Novo Cruzeiro 4.000 a
6.000
- - - - - 15.000 a
20.000
Poté - 54.750
13º
produtor
- - - - -
Teófilo Otoni - 45.000 - 300.000
13ºprodutor
120.000
10ºprodutor
- 56.800
3º produtor
50
Idem
51
MINAS GERAIS, Anuário Estatístico de Minas Gerais de 1949 – Belo Horizonte, 1949 Produção Agrícola
pp. 111-118.
52
Idem
143
TABELA XVI
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DA REGIÃO DA EFBM DE 1955
53
Município/Produto Alho
(arrobas)
Cana de Açúcar
(toneladas)
Feijão
(sacos)
Mandioca Brava
(toneladas)
Araçuaí - - - -
Carlos Chagas - - - -
Itambacuri - - 81.500
6º produtor
-
Nanuque - - - -
Novo Cruzeiro 17.600
4º produtor
- - -
Poté - - - -
Teófilo Otoni - 97.000
8º produtor
- 38.500
2º produtor
No caso de Teófilo Otoni, temos um quadro que apresenta menos impacto em
comparação com Araçuaí, mas com reduções na produção. Para a década de 20 temos
produtos como amendoim (5º produtor); arroz em casca (12º produtor), batata inglesa (4º
produtor), batata doce (2º produtor), café em grão (8º produtor), mamona (5º produtor),
queijo (14º produtor). No período de 1949 e 1955 a produção do município mostra números
significativos no milho (5
o
produtor), fumo (10
o
produtor), mandioca (3
o
produtor), cana de
açúcar (8
o
produtor) e mandioca brava (2
o
produtor). Dos municípios que se originaram do
território de Teófilo Otoni temos Poté e Itambacuri como destaques na produção para o
mercado interno, principalmente na produção de feijão e farinha de mandioca. Mantém-se a
exploração de pedras preciosas e semipreciosas como a atividade mais lucrativa da região
junto com a madeira que ganha força na década de 1950.
O que aconteceu com esta produção? No caso específico de Araçuaí, a resposta vem
junto com o acompanhamento da população que também sofre redução considerável nos
dando indícios, já nas décadas de 40 e 50, de êxodo rural, prejudicando a produção
53
MINAS GERAIS, Anuário Estatístico de Minas Gerais de 1955 – Belo Horizonte, 1955 Produção Agrícola
pp. 119 – 20.
144
agrícola.
54
Quadro curioso se pensarmos que a ferrovia se fez presente em Araçuaí neste
período não se mostrando como elemento estimulador da produção que tanto esperava a
chegada do trem de ferro como vimos acima.
TABELA XV
POPULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DA EFBM EM 1939
55
Município Habitantes
Caravelas BA 13.292
Araçuaí
81.472
Carlos Chagas 14.015
Itambacuri 47 882
Poté 35 017
Teófilo Otoni 63 531
Total
255209
TABELA XVI
POPULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DA EFBM EM 1940
56
Município Habitantes
Caravelas 14 550
Araçuaí
66 905
Carlos Chagas 29 431
Itambacuri 51 685
Poté 24 250
Teófilo Otoni 85 254
Total
272075
TABELA XVII
POPULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DA EFBM EM 1950
57
Município Habitantes
Caravelas 20 820
Araçuaí
23 842
Carlos Chagas 32 823
Itambacuri 58 545
Ladainha 16 732
Nanuque 17 123
Novo Cruzeiro 28 581
Poté 10 953
Teófilo Otoni 87 316
TOTAL
296735
54
Ao mesmo tempo percebemos um crescimento da população da região que pode indicar que não houve,
necessariamente, migrações para outras regiões, mas para cidades próximas.
55
BRASIL, IBGE – www.ibge.gov.br no link Estatísticas do Século XX.
56
Idem
57
Idem
145
A presença forte do rebanho de muares mostra ainda a força das tropas de burros no
sistema de transporte da região, denunciando sua precariedade de comunicação num
momento em que rodovias e seus automóveis apresentam-se como o que há de progresso e
moderno no país. Mais um sinal do abandono da região que registra também a tendência da
concentração da terra e da opção produtiva da pecuária (gado de pequeno porte) em
detrimento da agricultura para o mercado interno.
Evidências da mudança de foco da política de desenvolvimento voltada para o
aceleramento da industrialização de Minas. A continuação desta história encontra-se no
capítulo a seguir.
Nossa reflexão sobre população e produção fica por aqui para retomarmos a linha
central do capítulo: a trajetória da EFBM e sua relação com o Estado.
***
Em 1949 o Coronel Adalberto Pompílio, diretor da EFBM, nos apresenta um
relatório minucioso. Descreve todas as características da linha, trecho por trecho,
mostrando seus problemas e potenciais, além de indicar o esforço de sua diretoria em
pensar soluções/ações para o crescimento da linha de ferro. Mostra que a região mantém
uma economia voltada para o mercado interno e carece de uma estrutura de estradas para
escoar a produção citando a rodovia como elemento complementar.
(...)
Nos vinte e cinco primeiros quilômetros de seu percurso, sendo o terreno baixo
e alagadiço, foi ela construída em aterro com terras tiradas de valetas
marginais.
Em seguida, entra em terreno mais ondulado, com muitos espigões e ribeirões
que foram atravessados normalmente, sem grandes cortes e aterros,
produzindo, por isso, uma linha com muitas rampas e contra-rampas, em geral
com declividades muito fortes e curvas de raios reduzidos.
(...) essas duas condições se aliam, como acontece nas ladeiras do Ariri (km
62) e do Peruípe (km 66).
Estes são os pontos críticos da linha no trecho baiano;
146
(...)
Nestes pontos há freqüentes desastres porque os maquinistas, na ânsia de
vencerem as ladeiras, dão arrancos nas composições e nessas ocasiões
acontecem arrebentarem-se ou abrirem-se os engates e descerem os veículos
em grande velocidade, indo descarrilar e tombar, sempre com prejuízo do
material da estrada.
A administração da estrada já tem prontos os estudos e projetos de uma
variante com rampas suaves e curvas de raios amplos...
58
Remete às riquezas e potenciais econômicos da região:
Nanuque é um núcleo de população bastante desenvolvido, com futuro muito
promissor, localizado dentro da mata, à margem esquerda do rio Mucuri,
possui boas serrarias, fábrica de compensadores e laminados, boas terras que
tudo produzem e desenvolvida indústria de extração de madeiras, principal
produto de exportação da estrada.
59
***
Teófilo Otoni é, com justiça, considerada a melhor cidade do Nordeste
Mineiro, possuindo numerosa população e adiantado comércio.
60
***
Percorre uma região muito fértil, grande produtora de café, cana-de-açúcar,
feijão, cereais, servindo a vários municípios prósperos do Estado de Minas,
entre eles o de Poté, grande e único produtor de cal que abastece toda a região
servida pela estrada, que ressentem da falta de transporte, necessitando, por
isso, ser ligados a esta por rodovias que venham facilitar o escoamento de
sua produção que, muitas vezes, fica na fonte por falta de meios de transporte,
pois os existentes são falhos e desaparecem na estação das chuvas.
61
É crítico com relação aos trechos ruins:
Do km 130 até as divisas dos estado de Minas e Bahia, km 142,4, a linha é má.
Entrando no estado de Minas, vamos logo atravessar a Serra dos Aymorés e o
fazemos em condições técnicas bastante precárias, com rampas fortes e curvas
de pequeno raio até a estação de Nanuque que fica além da Serra.
62
***
58
Revista Ferroviária - Suplemento Estradas de Ferro do Brasil – Rio de Janeiro, 1949 p. 62 Grifo meu
BRFFSA/BH.
59
Revista Ferroviária – op. cit.1949 p. 62-66 grifo meu BRFFSA/BH.
60
Revista Ferroviária op. cit. 1949 p. 62-66 grifo meu BRFFSA/BH.
61
Revista Ferroviária op. cit. 1949 p. 62-66 BRFFSA/BH.
62
Revista Ferroviária op. cit. 1949 p. 62-66 BRFFSA/BH.
147
Há, entretanto, o inconveniente de ser uma linha muito baixa, margeando os
rios Mucuri e Todos os Santos, cujas águas nas enchentes médias, invadem o
seu leito, danificando-a todos os anos.
Este é um problema de difícil solução, pois para ser satisfeito seria preciso que
fosse toda a linha abandonada e se construísse outra de grade mais alta, de
Nanuque a Teófilo Otoni.
63
Coronel Pompílio nos faz retomar os possíveis prolongamentos da EFBM. Em seu
Relatório, o diretor usa os mesmos argumentos de H. Gorceix de 1879 (ver capítulo II)
sobre a fertilidade das zonas de caatinga do Jequitinhonha e Pardo e a importância de se
facilitar o transporte daquela produção agrícola. Lembra que os estudos para ligar Araçuaí a
Monte Azul (Tremedal) já existiam e levanta a possibilidade, já aventada no plano de
Viação Férrea Estadual de 1923, de conexão dos vales do Mucuri e Doce fazendo a ligação
entre Bahia e Minas e Vitória a Minas. Prometendo mais agilidade no escoamento da
exportação e fortalecendo o mercado interno entre Nordeste e Leste mineiro.
Pompílio é portador de um discurso integrador entre ferrovia e rodovia. No caso da
EFBM sua referência é a Rio – Bahia (atual BR-116) apresentando um potencial pecuário
no qual os dois tipos de transporte se completariam. A rodovia para pequenas distâncias e
cargas e a ferrovia para grandes distâncias e cargas.
Segundo o diretor da extinta ferrovia, o general Dutra e o deputado Alfredo Sá
estavam cientes da importância dessas ligações. Tanto que o último encaminhou um projeto
sobre o caso à Câmara Federal.
As vantagens com a ligação em Monte Azul são indiscutíveis.
Irá servir uma vasta e rica região do Estado de Minas Gerais, canalizando para
um porto mais próximo, o de Caravelas, produtos que hoje descem pela linha
de Montes Claros, num percurso muito maior, retardando e onerando a
produção.
Efetivando-se essas ligações, estamos certos que se farão, a Bahia e Minas
deixará de ser uma estrada isolada no “hinterland” brasileiro para ser
integrada na rede de suas co-irmãs, tornando-se uma estrada estratégica,
63
Revista Ferroviária op. cit. 1949 p. 62-66 BRFFSA/BH.
148
servida pelo porto de Caravelas, melhorando para atender a sua
finalidade.
64
Pois não é só esperança que o Coronel Pompílio enxerga. Localiza também os
problemas estruturais que afetam a região e comprometem a existência da EFBM num
futuro próximo. São elas o abandono do porto de Caravelas; a falta de colonização efetiva
na região; os defeitos técnicos da linha e a falta de reposição de trilhos, alguns com
cinqüenta anos de uso e leves demais.
Além disso, denuncia a concorrência da Rio – Bahia no percurso entre Teófilo
Otoni e Rio de Janeiro e o abandono/sucateamento das ferrovias. Os caminhões não
possuíam tarifas
65
e ofereciam melhores preços e rapidez no transporte. Enquanto uma
saca de café custava Cr$ 25,00 para chegar em dois dias ao seu destino – porta a porta -,
pela Bahia e Minas a mesma saca custava Cr$ 32,00 com todas as taxas incluídas e tempo
indeterminado para chegar. A irregularidade de vapores no porto de Caravelas podia
provocar uma espera de 30 dias pagando armazenagem.
66
A preferência do comércio era a
rodovia, mesmo sem asfalto. Para completar o quadro, as mercadorias importadas para a
região também vinham de caminhão pelos mesmos motivos e os baixos preços de frete para
o caminhão não retornar vazio.
Apesar do recente aumento nas tarifas ferroviárias, agravadas em cerca de
quarenta por cento em média, a receita da estrada vem diminuindo
sensivelmente, e será impressionante declarar que seu transporte está reduzido
ao de exportação de madeiras, que é bastante volumoso e o de importação de
sal, cimento e outros artigos que não interessam ao transporte rodoviário.
Assim sendo, urgem providências na salvaguarda deste patrimônio nacional
(...)
67
64
Revista Ferroviária – op. cit 1949 p. 62-66 Grifo meu BRFFSA/BH.
65
Sobre isenção de tarifas rodoviárias ver PAULA, op. cit.
66
Revista Ferroviária – op. cit. 1949 p. 62-66 BRFFSA/BH.
67
Idem
149
O diretor Pompílio não pára nas reclamações e lamentos, segue em seu texto
fazendo uma série de “providências na salvaguarda deste patrimônio nacional”.
A nosso ver, um entendimento do Governo com as empresas de navegação
marítima, que queiram colaborar no sentido dos transportes voltarem a ser
feitos pela via marítima, de forma a ficar assegurada a viagem de um navio
todas as semanas para o sul, e outra quinzenalmente para o norte; revisão nas
tarifas ferroviárias e marítimas, de forma que os principais produtos da zona
cheguem ao seu destino por essas vias, mais barato que pela rodovia;
celebração de tráfego mútuo entre a estrada de ferro e uma das empresas de
cabotagem; melhoria do porto de Caravelas, considerado o melhor entre Rio e
Bahia, dragando-se o canal de acesso, de forma a permitir a entrada de navios
de maior calado ligação por meio de rodovias dos centros de produção à
estrada; revisão do seu traçado, com redução nas rampas de declividade
excessiva; substituição das curvas de pequeno raio por outras de raio maior;
diminuição das taxas cobradas pela estiva do porto de Caravelas; substituição
no trecho do km 283 ao km 313 dos trilhos de 18 quilos por outros de maior
peso.
Se nada disso se fizer, a Estrada de Ferro Bahia e Minas, que foi
idealizada e criada para fazer prosperar e engrandecer um povo laborioso
como o do Nordeste Mineiro, terá que desaparecer.
68
Toda uma gama de problemas e soluções permanecem desde o governo de Afonso
Pena: falta de articulação com o porto de Caravelas; problemas técnicos diversos; falta de
mão-de-obra; aliando-se agora à concorrência desequilibrada do modal rodoviário.
A estrutura e administração da estrada também são abordadas no Relatório de
1949. Descreve o sistema de premiação de maquinistas que fizessem os trajetos em menos
tempo e conservando o material rodante; Ladainha possui uma vila com 63 casas para
operários e mais 53 sendo construídas pela Caixa de Aposentadoria e Pensões. Era projeto
da Administração construir casas “com os requisitos indispensáveis de higiene” para os
trabalhadores que normalmente viviam em habitações precárias/acampamentos ao longo da
linha. Mas tudo dependia do orçamento da União. Ainda sobre moradia o Relatório nos
informa que existiam 48 alojamentos para as turmas de conserva, faltando apenas 10 para
150
completar o número necessário para toda extensão da linha e mais 8 unidades para mestres
de linha.
É uma empresa que apresenta um esforço de ampliação com promessas de
aumento de material rodante, de acordo com estudo do DNEF; a construção de uma usina
hidroelétrica de 345 HP em Ladainha para melhorar os serviços das oficinas e levar luz
elétrica para a região. Fato que possibilitou a instalação de um cinema (cujo prédio ainda
existe) para os ferroviários. Pelo cinema, vale a pena fazer uma pausa para saber um pouco
do cotidiano ferroviário do período e vislumbrar uma pequena parte da estrutura montada
por esta ferrovia no correr do tempo numa região que começa a sentir o isolamento das
opções/orientações econômicas, morais e intelectuais da sociedade brasileira pós 1945:
Passou “Luzes da Ribalta”. Assisti a muito filme brasileiro... O Cangaceiro,
Luzes da Ribalta que é de Chaplin, Vendaval, um filme sobre Castro Alves,
muito bonito. Filmes baseados em romances de Jorge Amado... O preço do
Pecado, Veneno Lento, tinha Oscarito, Mazaropi... filmes mexicanos,
americanos.
O cinema funcionava num prédio feito de madeira. Depois que acabou fizeram
por lá uma boate que se chamava Caixotão!
Os eventos que tinham em Ladainha eram todos nesse prédio do cinema. Era
muito bom. Era melhor ainda porque não tinha que pagar, a não ser que não
fosse ferroviário. Mas quem fosse ferroviário era descontado na folha de
pagamento. Então meu irmão morou comigo lá em Ladainha e não perdíamos
uma sessão. A gente chamava os bilhetes de entrada, os ingressos de “boró”.
Porque quando eles estavam construindo a Bahiminas, o povo que construía
pagava mal os trabalhadores da construção. Era a troco de feijão e açúcar. Foi
quando começou a ter açúcar cristalizado em Araçuaí que não tinha. Traziam o
açúcar para vender aos que trabalhavam na construção da estrada. Quando eles
precisavam de dinheiro eles davam um cartãozinho com um valor. Mil réis,
duzentos réis, quinhentos réis... e chamava de “boró”. Então eu mais Raimundo
chamava o ingresso de “boró” porque nós comprávamos o ingresso para
descontar no pagamento que era o que acontecia com o “boró”. O negociante
recebia o “boró” e descontava no pagamento.
69
68
Idem
69
PEREIRA, Maria da Conceição - Depoimento – Betim, 17/12/2002 p. 264.
151
Seguindo as ações administrativas de Pompílio, verificamos, na construção de um
depósito para conservação de veículo, uma exceção nas ferrovias mineiras que é a fartura
de madeira da região. Enquanto vamos encontrar todo um esforço público no início do
século na organização de hortos para plantio de eucaliptos para reposição de madeira, ainda
em 1949, a EFBM não tem escassez de madeira como problema. A ilusão dessa fartura e a
falta de planejamento ambiental provocaram impactos à região, a partir, principalmente,
da década de 80.
70
Ainda na questão do meio ambiente Pompílio anuncia o problema com a natureza
e a necessidade de planejamento.
Não há deficiência no fornecimento de combustível, existindo lenha em
abundância ao longo da nossa linha e por preço razoável. (...) Nenhum
inconveniente existe, entretanto, na organização de um horto florestal, apesar da
grande reserva de madeira existente naquela zona.
É mesmo aconselhável fazer o reflorestamento técnico das zonas desmatadas, à
margem do leito da estrada e ministrar ensinamentos e dar assistência aos
habitantes daquela zona, para que nos locais das derrubadas seja feito o plantio
dos vegetais necessários à alimentação.
71
Sobre a estrutura da estrada havia três depósitos de tração (Teófilo Otoni, Nanuque
e Ponta de Areia) contando 270 trabalhadores, sendo que só em Ponta de Areia havia
moradia (10 casas) para os mesmos.
O método de trabalho nas oficinas, é o de divisão por turmas
especializadas em cada serviço. Cada turma é dirigida por um operário
escolhido como o mais capaz dentro de sua especialidade. (...)
72
70
RIBEIRO, Eduardo Magalhães (org.) - Lembranças da Terra: histórias do Mucuri e Jequitinhonha –
Contagem, Cedefes,
1998.
71
Revista Ferroviária – op. cit. 1949 p. 62-66 BRFFSA/BH.
72
Revista Ferroviária op. cit. 1949 pp. 62-66 BRFFSA/BH.
152
O estado do material rodante é regular e o diretor apresenta renovações diante
da importância econômica e militar da estrada. Das 31 locomotivas apenas 13 estavam em
bom estado e a necessidade de 10 novas para melhorar os serviços.
O nosso equipamento de transporte é o seguinte: 102 vagões fechados para
mercadorias; 3 para inflamáveis; 7 para transporte de animais; 10 gôndolas e
143 plataformas. (...)
Também temos 10 carros de passageiros de 1ª classe; 10 de 3ª; 2 mistos; 5 de
inspeção; 1 pagador; 1 restaurante; 3 de socorro; 2 para cozinha 2 dormitórios;
e 2 automotrizes para 60 passageiros. As automotrizes ainda não estão em
tráfego pela dificuldade não pequena de obtenção de transporte do álcool,
combustível usado pelos seus motores.
Na maioria, o material acima discriminado é novo e o restante em regular
estado de conservação. (...)
Para renovação e ampliação do nosso parque de material rodante (...)
necessitamos de mais de 60 vagões fechados para mercadorias, 20 para animais
e 100 vagões pranchas.
73
O Relatório termina com uma análise do quadro precário da linha, com maior
ênfase no trecho entre Ponta de Areia e Teófilo Otoni, com soluções técnicas para os
problemas e a necessidade de aumentar para três homens por turma na conservação da
linha, o que significava 171 trabalhadores, e a presença de três engenheiros residentes, pois
não havia um sequer.
A ausência de engenheiros vai permanecer até o final da estrada como localizamos
no depoimento de um dos seus últimos diretores, o engenheiro civil José Pena Magalhães
Gomes, que nos disse que a equipe da estrada só tinha três membros com curso superior:
um advogado, um médico e o diretor geral (normalmente engenheiro). Os outros provinham
dos trabalhadores da estrada que apresentavam liderança e habilidade.
Só que, naquela época tinha filho pequeno. Fui sozinho primeiro para
conhecer a região. A cidade de Teófilo Otoni era muito inóspita na época. Os
paulistas, médicos especialistas em doenças tropicais faziam de Teófilo Otoni o
ponto de estudo das verminoses. Teófilo Otoni não tinha estrutura de
73
Idem
153
abastecimento de água. A água era bombeada do rio. O índice de
esquistossomose era muito grande. Senti que não havia condição de levar
minha família.
74
Na mesma gestão do coronel Pompílio, temos o Guia de Horários da EFBM que
apresenta um projeto abrangente da estrada, acreditando na fertilidade da região e na
esperança de conexão com a Central do Brasil. Com um discurso nacionalista, agrega
importância estratégico-militar e econômica à ferrovia até então malcuidada e ainda cheia
de esperanças de um futuro de fartura e crescimento que nunca chegou – há até menção do
turismo como alternativa de renda. Neste guia ainda há um farto material de propaganda de
empresas da região e de outros estados.
Na feitura material e intelectual deste Guia, tivemos em mente, dar a seus
passageiros, maior conhecimento do que é a Bahia e Minas, assim como da
zona por ela servida. Este trabalho representa algo de nosso interesse pela
divulgação de coisas necessárias. O Brasil tem sido um país pouco conhecido e
o mais estranho é que esse desconhecimento do que é nosso, atinge à maioria
dos brasileiros.
Considerando que o turismo entre nós é apenas uma tentativa, temos como
objetivo, divulgar a vasta e rica região do Vale do Mucuri, para que todos
possam, também como nós, amá-la, pois partimos do princípio de que ninguém
ama o que não conhece. A Estrada de Ferro Bahia e Minas é mais do que
uma simples via férrea ligando cidades distantes. É antes de mais nada um
organismo vivo, socialmente dinâmico a executar na hora presente uma
tarefa de supremo esforço no sentido progressivo de nosso alevantamento
econômico.
75
Quatro anos depois desse discurso revitalizador, encontramos a ação da Comissão
Mista Brasil Estados Unidos (CMBEU) que apresenta um estudo sobre a situação
econômica da EFBM e sugere encaminhamentos:
Devido à sua posição isolada, a EFBM não foi incluída no Plano Federal de
Transportes Ferroviários;
É relativamente baixo o desenvolvimento agrícola da área servida por essa ferrovia;
74
GOMES, José Pena Magalhães - Depoimento - Belo Horizonte, 09/09/2003 p. 241.
75
EFBM - Guia de Horário de 1949 – Teófilo Otoni, Gráfica da EFBM, 1949 p. 17 Grifo meu. Acervo do
autor.
154
a produção agrícola da zona servida pela EFBM é quase que totalmente absorvida pelo
consumo local;
As instalações portuárias de Caravelas, que muito deixam a desejar, também
desencorajam os exportadores a utilizarem a Estrada de Ferro no transporte de qualquer
carga, quando a mesma pode ser transportada muito mais eficiente e economicamente,
para o porto de Vitória, em caminhões;
a Comissão Mista, entretanto, considera ainda um ponto questionável, se o
investimento necessário para o programa de remodelação ou para o de novas
construções, seria justificado por um aumento do volume de tráfego, que viesse aliviar
de maneira apreciável o atual déficit de operação da Estrada (Cr$ 25.660.000,00 em
1951);
desenvolvimento do sistema rodoviário dessa área deve ser encarado com especial
atenção, juntamente com a circunstância de que a Estrada de Ferro não desempenha
nenhum papel estratégico. Desde que 70% da carga total atualmente transportada pela
EFBM consistem de madeira sob várias formas, deve-se dispensar atenção, às
proporções e ao possível esgotamento dos recursos florestais da área em questão;
Não obstante acreditar a Comissão Mista que a maioria das recomendações formuladas
pelo seu Escritório Técnico Especial são tecnicamente bem fundamentadas e devem
constituir a base de qualquer futuro plano de remodelação, acha-se que quaisquer
novos planos para o desenvolvimento da Estrada devem ser baseados numa cuidadosa
apreciação do estudo econômico sugerido.
76
76
Comissão Mista Brasil Estados Unidos para Desenvolvimento Econômico - Nota Sobre a Estrada de Ferro
Bahia-Minas In: Projetos: Transportes – Brasil, Rio de Janeiro, vol. 4, 1953 pp. 675-6.
155
CONCLUSÃO
Como vimos no início do capítulo, a CMBEU com seus argumentos
macroeconômicos exerceu forte influência na condução das políticas de desenvolvimento
de Vargas e JK, favorecendo a construção de rodovias e não estabelecendo convivência
entre diferentes modais de transporte.
O que verificamos no caso da EFBM é um processo de expansão de suas linhas até
1942 . Uma expansão baseada ainda nos planos de desenvolvimento econômico da Primeira
República (policultor voltado para o mercado interno, tendo no campo do transporte a
orientação de integração estadual do Plano Viário de 1923
77
- passando por uma crise de
manutenção e financeira. A orientação industrializante do pós-guerra coloca em dúvida a
existência de uma ferrovia em região sem vocação urbana/industrial. Começa então um
processo de recolhimento que culmina com a erradicação dos trilhos durante o regime
militar.
Entre 1943 e 1953, a relação receita e despesa da EFBM é de déficits
ininterruptos.
78
Nosso olhar sobre esse comportamento deficitário da estrada recai na
maneira como o Estado se relacionou com as empresas ferroviárias em quase todo período
anterior à criação da RFFSA, em 1956, e a política de erradicação de ramais
antieconômicos. Algumas leis entre 1930 e 40 mostram o olhar estratégico e utilitário da
empresa ferroviária que permanece desde o Império apesar das ambigüidades do Estado.
Uma empresa sem fins lucrativos, voltada para o estímulo das forças produtivas do país e
elemento estratégico de delimitação do território estatal em todas as regiões do país.
79
77
Sobre o Plano de Viação de 1923 ver Capítulo III.
78
Ver Anexo I.
79
BMF/Seção Legislação:
Decreto nº 21744 – 19/08/1932
156
Como vimos no capítulo anterior para o período da Primeira República, ainda há um
esforço estatal de manter tarifas baixas e promover maior locomoção de trabalhadores e
serviços entre as cidades das linhas.
Um esforço que, entre 1935 e 1951, consumiu entre 30% e 45% da carga total
transportada pela ferrovia – chegando a 64,19% em 1944, como podemos visualizar na
tabela abaixo.
Concede aos jornalistas profissionais o abatimento de 50% nas passagens simples de ida e volta nas E.F. da
União.
(Coleção de Leis do Brasil 1932 – III – 50)
Decreto nº 21996 – 21/10/1932
Dispõe sobre concessão de abatimento até 50% nos transportes destinados as feiras e exposições oficiais ou
oficializadas.
(Coleção de Leis do Brasil 1932 –IV – 370)
Decreto nº 23655 – 27/12/1933
Consolida disposições sobre passagens gratuitas com abatimentos nos transportes nas E.F. da União ou por
ela administradas.
(Coleção de Leis do Brasil 1933 – IV – 622)
Decreto nº 24406 – 15/06/1934
Estende aos congressos de operários sindicalizados as vantagens de que trata o artigo 4º do Decreto nº 23655
de 27/12/1933.
(Coleção de Leis do Brasil 1934 – III – 598)
Decreto nº 3590 – 11/01/1939
Aprova o regulamento para concessão de transporte gratuito em E.F.
(Coleção de Leis do Brasil 1939 – I – 82)
Decreto nº 1062 – 20/01/1939
Concede abatimento de 50% nos fretes de materiais e animais de serviço destinados ao fomento da produção
agrícola.
(Coleção de Leis do Brasil 1939 – II – 37)
Decreto nº 2003 – 03/02/1940
Eleva a 75% o abatimento nos transportes a que se refere o artigo 30º do Decreto 3590 de 11/01/1939.
(Coleção de Leis do Brasil 1940 – I – 68)
Decreto nº 22.835 – 16/06/1933
Aprova o Regulamento para o Serviço Militar das Estradas de Ferro.
(Coleção de Leis do Brasil – 1933 – II – 559)
157
TABELA XVIII
PORCENTAGEM DE MERCADORIAS GRATUITAS, serviço de Colonização e outros sobre o total
de mercadorias transportadas
80
ANO %
1935 38,83
1936 34,70
1937 50,22
1938 52,52
1939 23,25
1940 48,00
1941 45,06
1942 Não há registro
1943 33,33
1944
64,19
1945 40,03
1946 46,03
1947 31,13
1948 39,53
1949 33,62
1950 29,60
1951 Nada
Em oposição ao discurso da CMBEU, encontramos a diretoria da EFBM que
apresenta investimentos estruturais com uma perspectiva de ampliação das atividades
diante da riqueza potencial da região. Numa tentativa de incluir a região no processo de
modernização do país.
Fica claro um embate de visões sobre a EFBM e o país quando recorremos à
lógica do pensamento desenvolvimentista localizado, segundo Ricardo Bielschowsky, entre
1930 e 1964. Pensamento definido como a “ideologia de superação do subdesenvolvimento
através de uma industrialização capitalista planejada e apoiada pelo Estado”
81
Segundo o mesmo autor encontramos o lugar dos grupos assinalados acima nas
duas principais correntes desenvolvimentistas. Uma nacionalista e outra a favor da presença
predominante do capital estrangeiro. O primeiro estaria ligado à Assessoria Econômica de
Getúlio Vargas e “advogava o controle por empresas estatais do setor de infra-estrutura de
80
MARTINS, op. cit. Grifo meu.
158
serviços e de mineração, mas, no geral, não se opunha ao capital estrangeiro.”
82
O segundo
atuou junto ao BNDE e à CMBEU e era favorável “ao planejamento da industrialização via
incorporação de investimentos estrangeiros”
83
Adiante veremos o encaminhamento do embate localizado acima e como foi imposta a
orientação da CMBEU por meio da coerção instituída pelo estado de exceção.
O território ferroviário começa a ser desmantelado.
81
BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento Econômico Brasileiro. O ciclo ideológico do
desenvolvimentismo. 3a ed. RJ: Contraponto, 1996.
82
PAULA, op. cit. p.106.
83
Idem
159
CAPÍTULO V
TRILHOS ARRANCADOS
Chora ó meu povo, chora ó meu maquinista
quem leva os trilhos mata um pouco sua vida
pois o fim da linha é um pulo no vazio
Último Trem - Milton Nascimento e Fernando Brant
Nossa viagem vai ganhando suas últimas curvas. No sibilar da composição vamos
nos dedicar ao entendimento do processo de erradicação da Bahiminas, como era chamada
por funcionários e usuários.
Para isto, retomamos o embate pelo desenvolvimentismo no Brasil que
localizamos no capítulo anterior. Embate que se acirra e define entre os governos Vargas e
JK e nos leva à conjuntura do regime autoritário instalado pelos militares.
A partir do último governo Vargas, verificamos uma forte tendência para uma
retração do setor ferroviário e influência da CMBEU na política de desenvolvimento do
país. Influência que se firmou nos governos seguintes apesar do complexo e instável quadro
político-econômico nacional e internacional.
Segundo Otávio Ianni, as relações entre Estado e Economia se aprofundaram
durante o governo JK com o intuito de acelerar o desenvolvimento econômico voltado para
a indústria e impulsionar o setor privado nacional e estrangeiro no país. Um projeto de
desenvolvimento em que industrialização e agro-exportação estabeleceram uma relação de
interdependência e complementaridade, cujo foco estava no investimento em diversas áreas
de infra-estrutura como energia e transporte.
1
O Plano de Metas de JK se aplica diante de uma conjuntura interna e externa
favorável, pois a economia européia deixava de ser preocupação após a realização do
160
“Plano Marshall” e do fim da Guerra da Coréia. O capitalismo norte-americano buscava
novas fronteiras.
2
Uma expansão que se baseava nas orientações da Doutrina Truman de 1949:
Mais da metade da população mundial está vivendo em condições que se
aproximam da miséria. Sua alimentação é inadequada. São vítimas de doenças.
Sua vida econômica é primitiva e estagnada. Sua pobreza é um obstáculo e uma
ameaça, tanto para eles próprios como para as áreas mais prósperas (...)
O velho imperialismo – a exploração para o lucro estrangeiro – não encontra
lugar em nossos planos. O que almejamos é um programa de desenvolvimento
baseado em conceitos democráticos de negociações francas.
3
Discurso politicamente correto que vê com bons olhos a intervenção estatal na
economia “primitiva” dos países mais pobres. Fato que amenizava as tensões sociais e
políticas e proporcionava maiores garantias econômicas para as empresas estrangeiras.
4
Além disso, internamente o governo JK conquistou legitimidade política construída em
torno da ideologia nacional-desenvolvimentista.
5
O plano de Metas foi gestado nesta
conjuntura favorável sob a hegemonia dos Estados Unidos sobre o sistema econômico
mundial.
6
O Governo JK adotou uma política de desenvolvimento que consolidou e
expandiu o capitalismo dependente ou associado, segundo a perspectiva do governo da
época.
7
Perspectiva bem diferente do capitalismo nacionalista de Vargas.
Segundo Sônia Mendonça:
1
IANNI, Octavio – Estado e Planejamento Econômico no Brasil (1930-1970) – RJ, Civilização Brasileira,
1977 pp. 142-3.
2
IANNI, op. cit. pp. 143.
3
Doutrina Truman – discurso em 20/01/1949 In: IANNI, op. cit. pp. 143-4.
4
IANNI, op. cit. p. 149.
5
Sobre a ideologia nacional-desenvolvimentista ver GOMES, Ângela de Castro (org.) – Minas e os
Fundamentos do Brasil Moderno – Belo Horizonte, editora UFMG, 2005 e TOLEDO, Caio Navarro de –
ISEB: Fábrica de Ideologias – SP, ed. Unicamp, 1997.
6
IANNI, op. cit. pp.145-6.
7
IANNI, op. cit. p. 149.
161
O governo Kubitschek conseguiu alcançar elevado grau de
coordenação econômica, incorporando níveis avançados de planejamento
setorial voltados para a montagem de novos ramos e a instalação integrada dos
setores básicos de infra-estrutura. Isto se realizou através da criação de
instâncias decisórias superiores, capazes de articular políticas globais e
particulares com o mínimo possível de tensões políticas, acabando por
introduzir no funcionamento do aparelho estatal uma dinâmica de alta eficiência
burocrática.
8
Constituiu-se a administração paralela que respondia diretamente à Presidência e
era formada por novos órgãos cujo destaque estava com os Grupos de Trabalho e os Grupos
Executivos
9
ligados ao Conselho de Desenvolvimento que centralizava os investimentos
em áreas estratégicas. Esta estrutura burocrática esvaziou o Legislativo de matérias
econômicas, passando as decisões cruciais da política pública para os gabinetes dos
técnicos.
Para além dos avanços econômicos/estruturais que o país vivenciou durante os anos
JK, há também uma herança que favoreceu ostensivamente a concentração de capital e
empresas, principalmente multinacionais. Constituiu-se também uma demanda de
fornecimento dos demais setores que só poderia ser atendido com investimentos de grande
porte, levando o país ao endividamento externo.
10
No período Kubitschek, ao se optar por um elevado nível de investimentos e ao
se manter as importações de equipamentos necessários ao desenvolvimento
econômico, apelou-se para um progressivo endividamento externo. No período
de 1956/60, mostram os dados oficiais, o deficit nas transações correntes
(mercadorias e serviços) alcançou a elevada cifra de 1,2 bilhões de dólares. (...)
8
MENDONÇA, Sônia Regina de – As Bases do Desenvolvimento Capitalista Dependente: da
Industrialização Restringida a Internacionalização In: LINHARES, Maria Yedda – História Geral do Brasil –
RJ, Campus, 1990 p. 254.
9
Grupos de Trabalho: preparação de projetos de leis e decretos em linguagem politicamente adequada à sua
tramitação e aprovação no Congresso. Grupos Executivos: aprovavam os projetos empresariais a eles
apresentados, segundo os interesses definidos no Plano de Metas, órgãos mistos, compostos pelos técnicos do
Estado e das empresas privadas. Esses grupos controlavam a oferta de tecnologia e financiamento aos
empreendimentos particulares, driblando os conflitos parlamentares. (...) aprofundava-se, por essa via, a
dependência do capital privado com relação ao Executivo, gerando instâncias de relacionamento
Estado/sociedade extra-corporativas. MENDONÇA, op. cit. pp. 254-5.
10
MENDONÇA, op. cit. pp. 254-5.
162
A taxa inflacionária elevou-se significativamente nos últimos anos do governo
Kubitschek, agravada fundamentalmente pela deterioração das relações de
troca, acúmulo de estoques invendáveis de café adquiridos pelas autoridades
monetárias; crescimento insuficiente da oferta de produtos agrícolas e
oligopolização do comércio atacadista de gêneros alimentícios.
11
Quadro desequilibrado entre indústria e agricultura que, com o aumento da
população urbana e do poder de compra dos assalariados, provocou as agudas crises de
abastecimento do governo posterior. Situação que contribuiu para o agravamento das
tensões sociais de movimentos reivindicatórios tanto no campo como na cidade.
12
Ainda segundo Sônia Mendonça:
A “digestão” de uma capacidade produtiva de tamanha envergadura
instalada em bloco, em tão curto espaço de tempo, não poderia processar-se
sem o agravamento das tensões político-sociais latentes. O governo Kubitschek
conseguiu adiar suas manifestações em função de uma legitimidade política
construída em torno da ideologia nacional-desenvolvimentista, a qual,
ocultando a internacionalização, engajava segmentos sociais de peso na
construção do “país do futuro”. A recessão dos anos 1960-62 revelaria que o
preço político da nova opção econômica seria o esgotamento do regime.
13
Os investimentos estrangeiros, principalmente norte-americanos, a partir da década
de 1950 podem ser lidos também como conseqüência de toda uma política anterior de
acordos bilaterais que datam de 1942-3 (missões Taub e Cooke respectivamente) e 1949 a
Missão Abbink que visava, de acordo com a Doutrina Truman, estimular o fluxo de capital
estrangeiro para o país. Esta Missão sistematizou recomendações de política monetária e
fiscal, bem acolhidas pelas autoridades econômicas brasileiras. Também se identificou um
conjunto de prioridades que vieram a originar o Plano Salte (1949).
14
O resultado foi a
instalação, no ano seguinte, da Comissão Técnica Mista Brasil-Estados Unidos. A comissão
foi co-presidida pelo representante brasileiro Otávio Gouveia de Bulhões e pelo
11
TOLEDO, Caio Navarro de – O Governo Goulart e o Golpe de 64 – SP, Brasiliense, 1984 p. 22-4.
12
Idem
13
MENDONÇA, op. cit. pp. 256-7.
14
Sigla que representa as primeiras letras de Saúde, Alimento, Transporte e Energia.
163
representante americano John Abbink, de quem tomou o nome, e contou com a participação
de técnicos e empresários de ambos os países. O relatório da Missão Abbink não passou do
diagnóstico dos “pontos de estrangulamento da economia brasileira, mas influenciou a
política governamental com sua visão conservadora, que privilegiava a estabilidade
financeira, considerando-a o fator fundamental para o desenvolvimento econômico. Além
de repreender o aumento de salários e fazer restrições ao crédito, recomendava
enfaticamente a cooperação do capital estrangeiro nos setores de combustíveis,
energia e mineração.”
15
Orientações vistas com bons olhos ao lermos o trecho da carta do Ministro Correia e
Castro para o secretário norte-americano John Snyder em 1947: "Ou os Estados Unidos
estendem a mão, ou terão de carregar-me às costas." Carta que se faz presente como
prefácio na primeira versão do relatório da Missão Abbink.
16
Apesar de todas essas recomendações e de uma postura receptiva do governo
brasileiro, ainda na gestão Dutra, vemos sinais de força dos grupos nacionalistas que se
colocavam resistentes à entrada de capital estrangeiro em setores estratégicos do país cujo
exemplo pode ser a não aprovação do Estatuto do Petróleo, em 1949, que permitiria a
entrada no Brasil de companhias petrolíferas. Esta situação levou o governo norte-
americano a segurar a entrada de capitais privados até “... quando o Congresso [brasileiro]
aprovar uma lei adequada.”
17
Quando voltamos os olhos para o governo JK verificamos uma entrada maciça de
capital estrangeiro de maioria norte-americano. Entre 1955 e 1959 chegamos perto da cifra
15
Sobre Missão Abbink ver www.cpdoc.fgv.br/dhbb Grifo meu.
16
Ver www.cpdoc.fgv.br/dhbb
17
Trecho de memorando do secretário de Estado interino James Webb para o presidente Truman. In:
www.cpdoc.fgv.br/dhbb p.17.
164
de 400 milhões de dólares. Deste total de investimentos, mais da metade foi aplicado no
setor máquinas-automóveis, consolidando a indústria automobilística como líder do
processo de industrialização.
18
Esta importância do setor automotivo, prevista pelo Grupo
Executivo da Indústria Automobilística – GEIA, faz-se presente na importância dada à
construção de rodovias no Plano de Metas de Kubistchek.
Os setores de transporte e energia seguiram as orientações da CMBEU.
19
Sobre
ferrovia, o Plano de Metas ratifica o diagnóstico da Comissão Mista prevendo o
reaparelhamento das linhas existentes e a construção de 1.500km de novos trechos:
(...) o Plano avaliava que com as vias permanentes em estado precário,
locomotivas a vapor com muito tempo de uso, vagões de carga e de passageiros
em número insuficiente, o sistema ferroviário não tinha mais condições de
atender suficientemente o transporte de cargas e das safras, tampouco o de
passageiros. O reaparelhamento envolvia o assentamento de 410 mil toneladas
de trilhos, 5 milhões de dormentes, 11 milhões de metros cúbicos de pedra
britada, reforço de pontes, aquisição de cerca de 5400 vagões de carga e carros
de passageiros, 153 locomotivas a diesel, além de equipamentos para oficinas e
conservação de linhas. Indicava, ainda, a necessidade de uma reformulação
administrativa urgente, com a transformação da rede ferroviária em uma
empresa de economia mista. Era o primeiro passo para a criação da Rede
Ferroviária Federal S.A., englobando todas as empresas ferroviárias da União.
20
De acordo com a análise de Paula, é a partir da década de 50, com suas missões
bilaterais e a formação do aparato da administração paralela de JK, que vamos encontrar
sinais fortes de uma política de desativação de trechos ferroviários com o argumento
antieconômico. Como exemplo temos o Grupo Informal de Trabalhos sobre Transportes
Ferroviários, formado por membros do DNEF (Departamento Nacional de Estradas de
18
Ver DOURADO, Anísio Brasileiro de Freitas - Aspectos sócio-econômicos da expansão e decadência das
ferrovias no Brasil - Ciência e Cultura, v. 36, n. 5, p. 733-736, maio de 1984. Apud. PAULA, Dilma
Andrade de – Fim de Linha: A extinção de ramais da Estrada de Ferro Leopoldina, 1955-1974 – Niterói,
Universidade Federal Fluminense, Tese de Doutorado, 2000. p. 137.
19
Segundo Lucas Lopes, à época presidente do BNDE, a liberação de recursos do Eximbank para os projetos
da equipe de JK, deveu-se, inicialmente, à apresentação dos já conhecidos projetos da Comissão Mista. Ver
PAULA op. cit. p. 139.
165
Ferro) e DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem) que teve a existência de
um mês (04/06/1956 a 05/07/1956) e diagnosticou a situação das ferrovias, expondo um
plano dos ramais antieconômicos apontando a malha ferroviária brasileira como um
“sistema ferroviário heterogêneo e ineconômico
21
. Foram considerados trechos de
importância estratégica os corredores de exportação de minérios e grãos, desconsiderando
os mercados regionais e sua importância social. Valiam os argumentos macroeconômicos
que vão ser a base do processo de erradicação de ramais ferroviários.
O Grupo Informal apresentou um quadro deficitário das ferrovias - falta de
conservação, material rodante desgastado, baixa tarifação de minérios e matérias-primas -
que prejudica o escoamento da produção de modo eficiente. Além disso, o Grupo sugere a
atualização e revisão dos projetos da CMBEU incorporando uma programa mínimo de
reaparelhamento ferroviário e a formação da Rede Ferroviária Federal com o objetivo de
melhor coordenar as ferrovias da União.
22
Em 1957 foi criada a RFFSA (Lei 3.115, de 16 de março de 1957), empresa de
sociedade anônima vinculada ao Ministério de Viação e Obras Públicas (depois ao
Ministério dos Transportes) e controlada pelo Governo Federal que proporcionou debates
acalorados entre privatistas e estatistas no Congresso Nacional e que tinha como objetivos
20
Ver DIAS, José Luciano. O BNDE e o Plano de Metas. Rio de Janeiro: FGV/CPDOC, 1995 (mimeo.).
p.30 Apud. PAULA, op. cit. p. 140.
21
Grupo Informal de Trabalho sobre Transportes Ferroviários. C. D. Relatório. Doc. no 9. Rio de Janeiro,
1956 (mimeo.). BRFFSA/RJ. Grupo coordenado por Otávio Augusto Dias Carneiro e Lucas Lopes, na época,
presidente do Conselho de Desenvolvimento, e formado por Othon Álvares de Araújo Lima; Marcos
Valdetaro da Fonseca; Antônio Furtado da Silva; Luis Burlamaque de Mello; Joaquim Francisco Capistrano
do Amaral; Jacintho Xavier Martins Jr.; Djalma Maia e Renato de Azevedo Feio. A maioria dos membros
desse grupo era formada por engenheiros de profissão e ocuparam postos de chefia após a formação da
RFFSA. Ver PAULA, op. cit. p. 198 Grifo meu.
22
Grupo Informal de Trabalho sobre Transportes Ferroviários. C. D. Relatório. Doc. no 9. Rio de Janeiro,
1956 (mimeo.), p. 22. BRFFSA/RJ Apud. PAULA, op. cit. p. 198
166
centrais a correção da insuficiência crônica dos transportes ferroviários no país e a redução
do deficit de operação.
23
O deficit ferroviário fez parte do conjunto de argumentos macroeconômicos que
norteavam a política de desativação de ramais considerados antieconômicos. O termo
antieconômico ganhou sentido natural no caso ferroviário com o passar dos anos –
chegando ao senso comum quando o assunto é o porquê de a ferrovia não ter dado certo no
Brasil. Segundo Paula, verificamos um embate com relação à análise dos números desse
deficit e a forma de ser conduzida a política ferroviária da União.
Segundo a Revista Ferroviária: "o sistema deficitário das ferrovias brasileiras foi,
ao mesmo tempo, causa e efeito da não realização dos investimentos necessários à
expansão e melhoria da capacidade de transporte [...]".
24
Em outro número da Revista
Ferroviária, Capistrano do Amaral, presidente da AFB - Associação Ferroviária Brasileira,
aponta para a condução do argumento deficitário como uma contra-propaganda do sistema
ferroviário tentando mostrar que a solução do problema seria a extinção do mesmo sendo
substituído pela rodovia. O mesmo sugere o reaparelhamento das ferrovias, deixando às
rodovias o tráfego leve de distribuição.
25
Ainda neste embate sobre o argumento do deficit, dentro do próprio governo havia
dúvidas com relação à confiabilidade das estatísticas que definiam o comportamento
deficitário das ferrovias. Segundo Alain Abouchar (Professor Assistente de Economia na
Universidade da Califórnia e, na época, Coordenador do Setor de Transportes do Escritório
de Pesquisa Econômica Aplicada, do Ministério do Planejamento e Coordenação
23
Para entender melhor o processo de formação e trajetória da RFFSA ver GRECO, Antonio do Monte
Furtado – As Estradas de Ferro em Minas Gerais: a Rede Mineira de Viação de sua criação à privatização –
Fipe – PUC Minas BH, junho de 2004.
24
Revista Ferroviária - Ago. 1971, p. 27. Apud. PAULA, op. cit. p. 202.
167
Econômica) a pesquisa era insuficiente pois não apurava as origens e destinos do transporte
ferroviário por Estado ou região e por mercadoria. As ferrovias também não registravam de
onde procediam as cargas que se destinavam às suas estações. Portanto, essas e outras
falhas dificultariam um planejamento racional porque limitavam bastante os dados
disponíveis para o analista e perturbavam a interpretação das outras estatísticas.
26
A partir do caso da EFBM corroboramos para a confirmação de que o deficit
ferroviário é muito mais uma questão de política de desenvolvimento econômico e de
transporte, principalmente após a II Guerra Mundial, do que um problema exclusivo das
empresas ferroviárias. Como vimos no capítulo anterior, a EFBM vivia, no final da década
de 40, uma concorrência desleal da Rio-Bahia diante das baixas tarifas de frete em
decorrência da quase ausência de taxas para o transporte rodoviário
27
e um quadro de
tarifas baixas e total abandono em termos de investimentos da União em todos os setores da
ferrovia, principalmente a manutenção da via permanente.
28
Sinais das mudanças de
orientação da política econômica do país sob influência das missões bilaterais, como vimos
acima.
Mudanças que verificamos no programa de reaparelhamento ferroviário que atende
apenas as linhas existentes e dos corredores de exportação. Segundo Natal, os objetivos
principais do governo JK no setor de transporte ferroviário eram: a) reduzir os antigos
ramais, construídos em função da agroexportação; b) modernizar os trechos prioritários do
25
"Trem é a solução". Revista Ferroviária, Rio de Janeiro, ago. 1967, p. 20. BRFFSA/RJ Apud. PAULA, op.
cit. p. 203.
26
ABOUCHAR, Alain. Deficiências das Estatísticas Brasileiras de Transporte. Ferrovia, São Paulo, março
1968, p. 40. BRFFSA/RJ Apud. PAULA, op. cit. p. 203.
27
Favorecimento a determinado modal, resultado de “uma política cambial de subvenção às importações,
somada à de prioridade aos investimentos rodoviários, gradativamente reduziu a capacidade competitiva do
sistema ferroviário, ao mesmo tempo que uma política de tarifas baixas diminuía, em termos reais, o preço
cobrado pelas estradas.” MVOP/RFFSA. Relatório anual de 1959. Rio de Janeiro, 1960, p. 39. BRFFSA/RJ
Apud. PAULA, op. cit. p. 203.
168
ponto de vista do processo de industrialização em curso; c) promover tais racionalizações e
modernizações tendo em vista o sistema existente.
29
A ferrovia deixou de ser um elemento
de ampliação de fronteira e presença do Estado no interior passando este papel para as
rodovias. A empresa ferroviária passou a ter obrigação de lucrar, por isso o problema do
deficit chamar tanta atenção para a época, enquanto à rodovia cabia a função de pioneira do
território nacional por meio de investimentos estatais (um exemplo significativo deste
quadro é a rodovia Transamazônica durante a ditadura militar).
Esta mudança de olhar sobre a ferrovia fica também marcada pela substituição de
ramais ferroviários por rodovias como sinaliza a Lei 2.698, de 27/12/1955 que prevê a
aplicação de recursos pelo BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento) na construção,
pavimentação e revestimento de rodovias destinadas a substituir ramais ferroviários
reconhecidamente deficitários.
30
A questão de ramais antieconômicos/deficitários segue para além do governo JK e
atravessou toda a crise política e econômica do momento anterior à instalação do Governo
militar: luta pela terra, desequilíbrio regional, reivindicações trabalhistas/estudantis, crise
de abastecimento, motins populares.
31
Em 1961 foi formado um Grupo de Trabalho sobre o assunto e apresentaram o
seguinte argumento:
julgamos que os recursos deveriam ser aplicados, de preferência nas linhas que
viessem a favorecer a circulação de riquezas entre os centros de produção e de
consumo, em condições eficientes, e custos reais reduzidos de maneira a
28
Ver capítulo IV principalmente a análise do relatório do diretor Coronel Pompílio p. 146.
29
NATAL, Jorge Luis Alves. Transporte, ocupação do espaço e desenvolvimento capitalista no Brasil:
história e perspectivas. Campinas, SP: 1991. Tese (Doutoramento em Economia) – Universidade Estadual
de Campinas p.140 Apud. PAULA, op. cit. p. 204.
30
Lei n.º 2.698, de 27/12/1955. CLB. Atos do Poder Legislativo, 1955, p. 149-151. BN
31
Sobre este momento pós JK de conjuntura que leva ao golpe militar ver TOLEDO, op. cit p. 25 e SILVA,
Francisco Carlos Teixeira daA Modernização Autoritária: do Golpe Militar à Redemocratização (1964-
1984) In: LINHARES, op. cit. p. 284.
169
permitir o desenvolvimento harmônico das atividades agro-pecuárias e
industriais.
32
Previa-se a supressão de 4.996 km e, segundo a RFFSA em 1961, a maioria dessa
quilometragem se encontrava em regiões cujo "nível de produção não permite a exploração
econômica, nem oferecem perspectivas em futuro previsível, de propiciar estas
condições"
33
. A atenção principal estava no escoamento de minério, reforçando nossa
vocação exportadora de matéria-prima.
A erradicação de ramais foi um processo político, institucional, jurídico,
técnico e estratégico que envolveu a constituição de Grupos de Trabalho
formados por consultores estrangeiros, diretores do DNEF, DNER, RFFSA,
Ministério do Planejamento e representantes das Forças Armadas que
programavam e selecionavam não só os ramais a erradicar, mas também a
construção de rodovias substitutivas. Foi necessária a elaboração de leis e
decretos que garantiam verbas e disciplinavam o programa. Não bastava retirar
as linhas, precisava-se criar a cultura do anti-ferroviarismo. Literalmente,
significava erradicar, termo originado do latim erradicare, que significa
desarraigar; arrancar pela raiz, geralmente empregado para o ato de exterminar
pragas da agricultura. Para desarraigar, foi preciso produzir e cultivar o discurso
do deficitário, do antieconômico, do empreguismo das ferrovias, do seu atraso
tecnológico crônico em contraponto ao progresso que chegava pela via
rodoviária. Nesse sentido, a civilização do automóvel ganhava espaço,
legitimidade e força política e o transporte ferroviário estrangulava-se, de fato e
culturalmente falando.
34
A instalação da ditadura militar favoreceu a política/cultura rodoviária e o
desenraizamento ferroviário que pode ser verificado no Plano Nacional de Viação de 1964.
Na questão da ferrovia, este plano manteve o foco na mineração e nos transportes de
massa.
35
De acordo com documento do período as ferrovias prioritárias seriam aquelas que
estivessem vinculadas ao desenvolvimento do país nos seguintes pontos:
- na economia regional e nacional, ligando zonas geográficas a pontos econômicos;
32
MVOP/DNER/CFN. Relatório do ano de 1963. Rio de Janeiro, 1965, p. 127. BRFFSA/RJ.
33
MVOP/RFFSA. Relatório anual de 1961. Rio de Janeiro, 1962, p.03. BRFFSA/RJ Apud. PAULA, op. cit.
p. 206. Grifo meu.
34
PAULA, op. cit. p. 189.
170
- na economia Continental, favorecendo a emergente integração latino-americana;
- na Segurança Nacional, ligando zonas ou pontos estratégicos;
- na segurança Continental, favorecendo a cooperação com nações amigas
36
.
Sobre a importância da ferrovia para o Regime Militar achamos significativos alguns
trechos da biografia do primeiro ministro dos transportes do período autoritário, Juarez
Távora, ao tratar sobre as verbas e ações de sua gestão no Ministério de Viação e Obras
Públicas (MVOP) entre abril de 1964 a março de 1967:
(...) tiveram de ser relegadas as construções ferroviárias.
(...)Dois motivos de alegria:
o primeiro foi a entrada, em 9 de março, em Vacaria, num Trem Minuano da
RFRGS, após percorrer trecho do tronco Sul (...) sobre linha cuidadosamente
assentada, nivelada, retificada e empedrada pelo 1º Batalhão Ferroviário; o
outro foi a chegada, já ao anoitecer de 14 daquele mês, no Núcleo Bandeirante
de Brasília, puxando o apito de velha locomotiva do 2º Batalhão Ferroviário
– Mauá. (...) a parte central da ligação Pires do Rio – Brasília tivera sua linha
apressadamente lançada sobre aterros ainda mal consolidados e através de
longos cortes não drenados, para que o seu avançamento ficasse concluído,
sem interrupções ao longo de todo o trecho, antes de expirar o mandato do
Presidente Castelo Branco. Por isso, a pequena locomotiva em que entrei em
Brasília (...) teve de ser conduzida, cautelosamente, de véspera, até uma
parada distante cerca de 20km da Capital a fim de evitar seu descarrilamento
no trecho central da ligação, cujos últimos 30 km de linha haviam sido
assentados, debaixo de constantes chuvas, no tempo recorde de quinze dias,
pelo Batalhão Mauá! Apenas os automóveis de linha arriscaram-se a fazer todo
o percurso da ligação, naquele dia, sofrendo dois deles descarrilamentos, que
determinaram um atraso de quatro horas no chegada do conjunto a Brasília.
Essa longa espera (...) foi logo compensada pelo entusiasmo com que a
população brasiliense, apinhada desde cedo ao longo de mais de um quilômetro
de linha, nas proximidades da Estação Bernardo Saião, acolheu a chegada da
pequena locomotiva, acompanhada do comboio de automóveis de linha. Essa
chegada significava apenas, na verdade, que Brasília acabava de ligar-se,
por trilhos, à Rede Ferroviária Centro-Oeste e ia integrar-se, afinal, por
meio dela, ao Brasil litorâneo e desenvolvido.
37
***
35
PAULA, op. cit. p. 219.
36
MT/DNEF. Unificação da Administração Ferroviária Nacional - Operação Desemperramento v. 1 .
Parte I. Rio de Janeiro: DNEF, 1967, p. 11. BRFFSA/RJ Apud. PAULA, op. cit. p. 222.
37
TÁVORA, Juarez – Uma Vida e muitas Lutas: memórias – RJ, Biblioteca do Exército, 1977 3 vol. pp. 199-
200. Grifos meus.
171
No MVOP procurei ainda, na medida dos parcos recursos disponíveis, atenuar
a desproporção existente entre os investimentos consignados ao subsetor de
transportes rodoviários, de um lado, e os destinados aos subsetores ferroviário
e hidroviário, do outro.
38
Segundo Távora, a repartição orçamentária no período 1956-63 foi de 15,4% para o
hidroviário (CMM E DNPVN); 24,12% para o ferroviário (RFFSA E DNEF); e 60,6% para
o rodoviário (DNER). Na sua gestão de 1964-66 foi de 20,5% para o hidroviário; 34% para
o ferroviário; e 45,5% para o rodoviário. Mais não foi feito porque a destinação obrigatória
de recursos do Fundo Rodoviário para a construção e pavimentação de rodovias e a
precariedade continuada dos recursos orçamentários disponíveis para investimentos nos
outros dois setores de transporte não permitiu beneficiá-los em maiores proporções.
39
Para o então ministro havia uma hipertrofia do sistema rodoviário que poderia ser
diferente caso ocorresse uma mudança de mentalidade dos usuários que escapava da ação
corretora do Ministério.
Na verdade, o que pôde fazer o MVOP, nos três primeiros anos de
administração revolucionária, foi muito mais uma obscura e desagradável
tarefa de remover entulhos e acertar caminhos no amplo campo de suas
atividades do que nele semear e, menos ainda, obter colheitas.
40
Ainda sobre erradicação de ramais deficitários no Brasil, temos uma legislação que nos
faz refletir sobre o processo de exclusão vivido pela região em estudo. Em três de maio de
1966 foi publicado o Decreto 58.341 que disciplinava a erradicação de ferrovias e ramais
antieconômicos cujo teor do artigo nono nos interessa ao considerar que a supressão de
ferrovias ficaria subordinada, entre outras condições:
38
Idem pp. 205-6.
39
Idem
40
Idem. Grifo meu.
172
(...) à existência ou construção de outra via de transporte em condições de
atender satisfatoriamente às necessidades do tráfego, assegurado o transporte
de passageiros e cargas, em caráter permanente, para todos os núcleos
populacionais servidos pelas linhas a levantar.
41
Rodovias que seriam construídas sob a supervisão do Conselho Rodoviário Nacional
que encaminharia relatórios trimestrais sobre a fiscalização das obras ao Conselho Nacional
de Transportes.
42
Até 2004, em trabalho de campo, constatei que o trecho entre Teófilo
Otoni e Araçuaí encontrava-se sem qualquer tipo de pavimentação que atendesse
“satisfatoriamente” a população local e seus visitantes.
Para colaborar com nosso argumento sobre o esquecimento de uma região “sem futuro
previsível” há o decreto nº 58.992, de 04/08/66, alguns meses depois de ter sido suspenso o
tráfego da EFBM, que tratava da implementação da Lei nº 4.452 de 5 de novembro de 1964
sobre a política governamental de supressão de trechos ferroviários antieconômicos.
43
Neste decreto dividiram-se as ferrovias e ramais ferroviários em três grupos por ordem de
prioridade e a EFBM encontrava-se no segundo grupo que considerava as rodovias
substitutivas em construção sob responsabilidade do Departamento Estadual de Estradas de
Rodagem de Minas Gerais (DER-MG). Além disso, repete o mesmo artigo nono do decreto
acima citado. Rodovias que nunca foram construídas. A principal via da região tornou-se a
Rio-Bahia (atual BR-116). O caminho mais rápido para migrar.
***
No caso da EFBM, o processo de erradicação passará pelo debate de sua
importância regional/nacional e sua viabilidade econômica. Debate que entramos agora
41
Documento sobre Legislação Federal p. 682 – Biblioteca da RFFSA – RJ. Menos de um mês antes a
RFFSA, pela Resolução nº 396/66 (25/05/66), determinou a suspensão do tráfego nas linhas da antiga EFBM
In: ESTRADA DE FERRO BAHIA E MINAS - Dossiê MVOP – p.15 Biblioteca da RFFSA/RJ.
42
Idem.
43
Idem pp. 1169-73 – Biblioteca da RFFSA/RJ.
173
retornando aos meandros dos trilhos que atravessaram os vales do Jequitinhonha e Mucuri
durante 84 anos.
Diante do quadro mostrado até este momento, verificamos que na década de 60
nos defrontamos com o ápice da política de abandono das estradas de ferro.
A modernização pedida por Pompílio em 1949, as ligações planejadas desde o
final do século XIX e início do XX, a melhoria do tráfego, normalização do trânsito de
navios no porto de Caravelas, não vieram e o abandono fica marcado pela troca constante
de diretores a partir de 1961
44
, com a saída do engenheiro Wenefredo Bacellar Portella, um
dos diretores que permaneceram na memória dos ferroviários de maneira positiva. Seu
sucessor, o engenheiro civil Oscar Leite Pires, ainda conseguiu estabelecer uma relação
amistosa e rígida com os funcionários. No seu período, segundo os ferroviários, o trem
passou a andar no horário e com muito rigor nas relações de trabalho que ficou marcado
pelas punições de atos de corrupção.
Ele entrou com muito rigor. Dr. Oscar chegou e falou “quem estiver...
aliás, o Jânio falou “quem estiver ocupando duas cadeiras tinha que deixar
uma.” Começou daí. Na Bahiminas ele mandou uma comissão. Essa comissão
tinha um coronel do Exército que estava sem uniforme para despistar, tinha um
tenente Ivon, tinha um advogado, Dr. Poncioni. Então me apresentaram e
disseram: “Boca de Siri”. Ninguém podia saber o que eles eram. Então
começaram a investigação aqui dentro. Levaram um livro, uma relação das
coisas que o pessoal andava vendendo da Bahiminas. Trilhos novos que nunca
foram usados, fizeram a relação de tudo. “Seu Epaminondas faz favor... procura
fulano de tal e manda vir aqui...” Então a polícia vinha e chamava o cara. Só
que já ia pegar as coisas direto. “Você comprou isso, isso e isso, onde é que
está? Vá buscar!” Saía com um soldado e um cabo e trazia tudo. Começou daí o
Jânio Quadros com Dr. Oscar Leite Pires. Em Artur Castilhos ele ficou mais ou
menos uns quinze dias, ouvindo todo o processo que estava na mão dele e
também estava franco pro pessoal da cidade vir falar alguma coisa que sabia e
aí ia lá todo mundo e metia o cassete.
45
44
As informações sobre a sucessão dos diretores da EFBM foram conseguidas, respectivamente, nos livros de
Resoluções da RFFSA dos anos de 1960 a 1968. Existentes na precária Biblioteca da RFFSA em BH.
Resoluções: Nº 119/61 de 29/03/1961; Nº 202/62 de 26/06/1962; Nº 210/ 62 de 28/08/1962; 308 – A/63 de
16/10/1963.
45
CAJÁ, Epaminondas Conceição – Depoimento – Betim, 18/12/2002 p.226
174
Um ano e três meses depois, Oscar Leite Pires foi substituído, com direito a
agradecimento pela sua colaboração pelo engenheiro Roberto Costa de Almeida. Para o
jornal Folha de Nanuque, Oscar Leite Pires reduziu os deficits “tradicionais”, buscou
alternativas de carga para Caravelas ao incentivar a descoberta de minérios na região e
moralizou a estrada: “Os trens passaram a correr no horário e foram aumentadas as viagens.
Passamos a ter diários entre Teófilo Otoni e Caravelas e vice-versa”.
46
Dois meses depois o mesmo Roberto foi substituído por Josias Coelho Jr., também
engenheiro. Josias permaneceu um ano e dois meses no cargo, mas não conseguimos
coletar informação sobre o seu período. Foi substituído por José Pena Magalhães Gomes,
engenheiro da Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM). Pena viveu o período do golpe e
em julho de 1964 conseguiu ser substituído por Lélio Garcia Porfírio, pois, segundo seu
depoimento, não conseguiu se adaptar às condições de vida oferecidas na região – tanto que
não se dispôs a levar a família para a sede da ferrovia em Teófilo Otoni. Lélio foi o último
diretor da EFBM antes de ser incorporada à Viação Férrea Centro Oeste (VFCO) em
1965.
47
Também não conseguimos informes sobre sua administração. Neste ano, uma junta
de três engenheiros liderados por Luiz Eloy de Almeida chegou com o argumento de tentar
salvar a EFBM, mas em um ano, mais ou menos, o tráfego foi suspenso:
Em 1965 eu fui mais três ou quatro engenheiros para tentar recuperar
economicamente a estrada de ferro que na época arrecadava onze milhões de
cruzeiros e sua despesa era de 600 milhões de cruzeiros. Com muito esforço
conseguimos elevar a receita para 57 milhões de cruzeiros, mas a despesa
continuava 600 milhões de cruzeiros. O governo viu que era inviável. A Bahia e
46
Folha de Nanuque – 26/07/1963 p.04 - Hemeroteca do Estado de MG.
47
A VFCO foi criada por uma política de regionalização da malha ferroviária criada pela RFFSA, “...
visando racionalizar os métodos administrativos e operacionais, com alívio de despesas e melhor
atividade funcional da empresa.” Ela aglutinou a Rede Mineira de Viação, a Estrada Goiás e a EFBM
que passou a ser denominada 5ª divisão. Fusão realizada em 15/02/1965. Somava 4.105,012 km.
VIAÇÃO FÉRREA CENTRO OESTE – Relatório Anual/1965 – Belo Horizonte, Setor de Estatística,
1965 – RFFSA – SR-2 / Documentação. Biblioteca da RFFSA/BH.
175
Minas teve sua falência decretada depois da construção da rodovia Rio – Bahia.
Tudo que poderia ser transportado por estrada de ferro passou a ser transportado
por caminhão. Ela não tinha mais nada o que transportar. Só transportava um
pouco de passageiros. Não tinha como subsistir. O Jânio Quadros quando foi
eleito decretou a extinção da estrada de ferro. Quando veio a revolução me
mandaram para lá fazer a extinção da estrada, mas primeiro com a tentativa
de procurar aumentar a receita, o que foi impossível porque não tinha nada o
que transportar. Ela ligava Caravelas a Araçuaí. Uma região muito pobre em
material para ferrovia transportar. Ferrovia é carga a grandes distâncias.
(...)
A gente fazia de tudo para arranjar dinheiro, mas era impraticável. Assim foi
até que em 1966, o trem estava tão atrasado que ele chegou numa ponte. Ele
deveria passar nesse local à noite, mas ele chegou lá de dia. Ele estava com 196
passageiros. Quando o trem se aproximou e viu que a ponte estava queimada
ainda deu tempo de parar. Se fosse à noite possivelmente ele não pararia. Eu fui
mandado para lá tinha dois anos de formado. Então eu, um engenheiro novo,
me comprometer com um acidente desta ordem eu fiquei apavorado. Dei um
rádio para o meu chefe dizendo que a partir daquele dia nenhum trem rodaria
mais na Bahia e Minas sob a minha responsabilidade. Me chamaram para
conversar com o governador. Estou salvando a minha responsabilidade.
Qualquer coisa que acontecia na Bahia e Minas eu era o responsável. Se o
pagamento atrasava eu era o responsável. Se havia uma punição lá eu era o
responsável. Imagina eu ser responsável por um acidente desta ordem? Eu
fiquei em pânico.
Me perguntaram se eu faria um Relatório a respeito. Então, cheguei em Teófilo
Otoni, peguei um fotógrafo bom e nós viemos de Caravelas até Teófilo Otoni
tirando retratos dessas [pontes] provisórias. O estado de podridão, de carência
era fantástico. Foi trazido para o governador e concluíram que não tinha
condições de recuperar.
48
Em momento anterior encontramos discurso oposto ao do engenheiro Luiz Eloy.
Alguns sinais da elite local que abraçava a manutenção/ampliação do discurso da diretoria
da EFBM de 1949 desejando dar fôlego à estrada e montar um projeto político maior. Uma
série de artigos do Jornal Folha de Nanuque nos mostra um movimento político que
propunha a formação de um Estado que abrangeria os vales do Jequitinhonha/Mucuri e o
extremo sul da Bahia de Belmonte até a fronteira com o Espírito Santo. Para esse projeto, a
EFBM era ponto importante de infra-estrutura sendo elemento de integração regional.
48
ALMEIDA, Luiz Eloy de – Depoimento – BH, 31/10/2003 p.255. Grifo meu.
176
Propõem soluções econômicas para a mesma e reproduzem um dos argumentos de Teófilo
Otoni para justificar a exploração e colonização do nordeste mineiro que seria a opção de
conexão do centro do país com o porto de Caravelas para desafogar os portos de Santos e
Rio de Janeiro.
49
Esta conexão seria feita pela extensão dos trilhos da EFBM até a Estrada de Ferro
Central do Brasil que, segundo o jornal, tornaria Caravelas um importante porto ferroviário
e industrial.
O dia que pudermos transformá-la no porto ferroviário do Brasil Central,
desafogando Santos e Rio, Caravelas terá seu novo esplendor e grande
progresso.
Poderá ter seu frigorífico de peixes articulando com a Frimusa de Teófilo
Otoni.
Quem sabe terá também seu frigorífico de boi. Indústria de óleos vegetais com
o aproveitamento do coco, dendê, amendoim etc... Também poderia exportar
laranjas ou seus derivados industrializados. Abacaxis e outras frutas.
O simples reaparelhamento da Bahia e Minas e sua interligação com a Central
do Brasil e o melhoramento do porto decidirão o futuro da cidade.
50
Além disso apreciava-se a opção rodoviária tentando mostrar que a região possuía
um potencial econômico que poderia estar fazendo parte do desenvolvimento do país.
O litoral do novo estado que vai de Belmonte a Mucuri possui vários portos
aproveitáveis. Mas, estendendo os trilhos de Araçuaí à Central, quer em Montes
Claros, Diamantina ou Pirapora poderíamos fazer de Caravelas o porto
ferroviário do Brasil central. Também a ligação de Porto Seguro através da
projetada rodovia BR – 48 que passando por Jacinto, Almenara, Jequitinhonha,
Itaobim, Itinga, Araçuaí, atingindo Montes Claros e continuando com a BR 61,
até Formosa em Goiás permitiria que a histórica cidade servisse de porto
rodoviário para Brasília.
Isto é de elevado significado econômico para o país, pois já é sobejamente
conhecido o tremendo congestionamento dos portos de Santos e Rio.
51
49
Sobre Teófilo Otoni e seus argumentos ver Capítulo I pp. 26-28.
50
Folha de Nanuque – 13/12/1963 – p. 04 Caravelas Hospitaleira - Hemeroteca do Estado de MG Grifo meu.
51
Folha de Nanuque – 15/11/1963 p. 01- Divisas Para O Estado de Cabrália – HEMG.
177
Uma região que, segundo a Folha de Nanuque, aproximava-se do milhão de
habitantes.
52
Uma população crescente que precisaria do estabelecimento de outras
conexões de transporte para estimular seu desenvolvimento.
Bahia e Minas impõe-se reaparelhamento completo extremo ao outro. A
extensão dos seus trilhos de Arassuaí a Montes Claros ou mesmo a Bocaiúva
para o tráfego com a Central do Brasil e fazer de Caravelas porto do Brasil
Central através da extensão dos trilhos de Pirapora a Brasília é objetivo
estudado mas não levado a sério. Santos e Rio são portos congestionados. O
aproveitamento da Bahia e Minas e a recuperação do porto de Caravelas será
uma predestinação histórica acentuada com a construção de Brasília e a
abertura da Brasília-Belém e Brasília-Acre.
O interesse da ligação da Vitória-Minas com a Bahia e Minas de Governador
Valadares a Teófilo Otoni é assunto digno de estudo e discussão.
Além do porto de Caravelas o aproveitamento de outros existentes é desejável.
A própria navegação fluvial no curso de certos rios não poderá ser desprezada.
As comunicações aéreas exigem construção de mais campos de pouso e
aumento de pistas e pavimentação como o caso de Nanuque.
53
Os artigos são publicados até os últimos meses de 1964. À medida que o regime
endurece, o argumento emancipacionista some do noticiário.
Na memória de alguns ferroviários este projeto se faz presente como no exemplo
do agente de estação Orlando Machado Barreto:
(...) era uma estrada que não poderia ter acabado. Por quê? Porque hoje
talvez ela fosse o mais forte pólo turístico, porque teria melhorado o sistema de
tráfego, com equipamento moderno de transportes e fortalecendo o sul da
Bahia. Porto Seguro, Teixeira de Freitas, Alcobaça, Nova Viçosa que o pessoal
gosta muito de lá porque ainda são as praias naturais. Ela poderia estar
satisfazendo a nação brasileira no aspecto turístico hoje. Ou até mesmo de
carga, quem sabe? A BR 101 passa lá embaixo, ia cruzar com ela lá. Seria
Valadares hoje e a Vale do Rio Doce aqui.
54
52
“Segundo o censo de 01/09/1960 a população da região coberta por estes municípios era de 947.256
habitantes. Hoje, com o notável crescimento demográfico (....) é provável que deveremos ser cerca de
1.200.000 almas. A superfície é de 81.876 km
2
...” In: Folha de Nanuque – 15/11/1963 p. 01- Divisas Para O
Estado de Cabrália – HEMG.
53
Folha de Nanuque 30/10/1964 – p. 08 - ESTADO DE CABRÁLIA - HEMG.
54
BARRETO, Orlando Machado – Depoimento – BH, 18/12/2002 p. 275.
178
Sobre a repressão na região temos alguns dados que mostram um outro olhar do
regime sobre a ferrovia: foco de comunistas.
55
O mesmo agente de estação Orlando e seu
colega José Alves de Oliveira nos contam algo sobre:
O único elemento que falava que era comunista, dizem que ele falava,
chamava-se Pedro Umbilino. Esse Pedro Umbilino veio com uma turma de
Salvador, eram pessoas super competentes, inteligentes, equilibrados, nunca vi
nada que desabonasse a pessoa dele. Os outros que foram taxados de
comunistas são pessoas que eu conheci. Acho que o cara nem sabia. Te dou o
nome de um. Chamava-se Mauro Esquepe que morava no meu bairro, jogava
futebol com a gente, tinha um serviço de auto falante que ele era locutor.
Gostava muito de rezar e ajudar os padres em procissão.
56
(...)
Porque todo elemento que eles pegaram sem saber quem que era ficou
um, dois meses sumido. Depois que alguns foram aparecendo e sendo liberados
em Juiz de Fora. E depois disso, em 1966, tivemos que passar por um processo
de inquérito com o pessoal daqui com o pessoal do Exército, só comandante e
major. E lembro bem de um dos comandantes de cara vermelha, me perguntou:
“O sr. conheceu Mauro de Carvalho Esquepe, ele era comunista!” Cheguei a
sumir no sofá, acho que era de medo. “Conheci. O que sei dele desde menino
é que são pessoas amigas da gente. Eles gostam muito de rezar, de falar no auto
falante e jogar futebol. Não estou sabendo que ele é comunista.” Foi a
informação que eu dei nos processos do Exército aqui no prédio da Sapucaí.
57
(...)
Um dos outros que sofreu com isso também foi o agente de estação Manoel dos
Santos Cardoso. Esse também ficou preso um bocado de tempo em Juiz de
Fora, mas o que ele gostava era de trabalhar e trabalhar sério. Na EFBM sabe o
que ele criou? Na década de 50 o pessoal ia muito para Alcobaça e o único
meio de transporte era a EFBM. Ele conseguiu colocar dois trens por dia. Um
de madrugada e um à noite. E saía lotado. Conseguiu também, em Caravelas, já
criar um sistema de transporte rodoviário para as pessoas não chegarem e ficar
dependendo de condução. Os trens chegavam e já tinha condução para
Alcobaça, onde a família teofilotonense fazia questão de ir.
58
***
Quando houve a Revolução prenderam muito ferroviário. Em Teófilo Otoni
limparam um bocado. (...) Foram metendo a metralhadora e prendendo.
59
55
(...) tarefa delicada e ingrata de repressão e de prevenção contra as pragas da corrupção e da subversão,
enquistadas em todos os níveis da administração. In: TÁVORA, op. cit. p.204.
56
BARRETO, op. cit. p.275.
57
BARRETO, op. cit. p.276. Grifo meu.
58
Idem
59
OLIVEIRA, José Alves de – Depoimento – BH, 17/09/2002 p. 238.
179
Prisões que confirmamos no livro Brasil: Nunca Mais em informação de processos
militares na área de transporte que “... inculpava líderes ferroviários de Teófilo Otoni por
terem promovido greve e interrupção do tráfego entre aquela cidade e Ladainha, no dia 1º
de abril (...).”
60
***
Em outubro de 1964 localizamos notícia que reconhece a situação precária da
estrada, mas alimenta a possibilidade de seu aproveitamento num sistema conjugado com
rodovias por ser ainda o melhor, às vezes o único meio de transporte da região.
Não teve significado a propalada extinção da nossa estrada de ferro.
A concorrência que as ferrovias sofrem com o avanço do nosso parque
rodoviário é espantosa.
Todavia não seria o caso da Bahia e Minas, ilhados que estamos, com
precaríssima comunicação com Teófilo Otoni que nos abre as possibilidades
com a pavimentação da Rio-Bahia.
Mas o acesso a Teófilo Otoni pela centenária estrada Sta. Clara é uma
lástima, apesar do estado haver encampado sua manutenção e melhora.
Com a Bahia e Minas em ordem eficiente e pontual só seria possível estimular
o sistema de auto-trem em nossa ligação com Teófilo Otoni o que seria
duplamente significativo.
Em São Paulo, na estrada Santos-Jundiaí e principalmente na Cia. Paulista já
funciona o serviço de auto-trem onde, todos nós sabemos, existem excelentes
rodovias pavimentadas.
Pleiteamos este tipo de transporte conjugado aqui na Bahia e Minas. É muito
oportuno, pois é enorme o desgaste de um caminhão lotado daqui para
Teófilo Otoni, considerando o que se consome em combustível, pneus,
peças, sacrifício do veículo, sofrimento da máquina e do sistema de tração,
sem se atentar para os riscos que a estrada oferece. E a impossibilidade de
tráfego nos dias chuvosos!
A Bahia e Minas necessita de frete. Urge que a direção da estrada cuide disto.
Isto é, defenda sua economia e normalize sua horrível situação financeira.
61
60
SÃO PAULO, Arquidiocese de – Brasil: Nunca Mais – Petrópolis, Vozes, 1985 p. 129.
61
Folha de Nanuque - 16/10/1964 – p. 05 - Não Será Extinta A Bahia e Minas. Grifo meu – HEMG.
180
VIAÇÃO FÉRREA CENTRO OESTE
Neste mesmo artigo encontramos, simultaneamente, a reprodução do argumento
deficitário e o questionamento acerca do anúncio da incorporação da EFBM a Viação
Férrea Centro Oeste (VFCO)
62
, dirigida à época por Oscar Leite Pires, ex-diretor da
Bahiminas. Uma ferrovia cujas principais linhas estavam no Oeste mineiro (Rede Mineira
de Viação/RMV) e em Goiás (EF Goiás), sem a menor possibilidade de conexão. Na
verdade, esta incorporação provocou perda de autonomia da EFBM, tornando-a um ramal
de 582 km cuja direção saiu da região, ficando todas as decisões centralizadas em Belo
Horizonte. Estratégia que consideramos significativa no processo de erradicação, pois
diluiu administrativamente a ferrovia possibilitando a sua inclusão no plano de erradicação
de ramais antieconômicos que apresentamos acima.
(...) E, ademais, o que este relegado nordeste mineiro tem que ver com a
RMV que funciona justamente no Oeste e notadamente no Sudoeste do Estado
em ponto diametralmente oposto ao nosso?
A Bahia e Minas necessita e exige uma administração especializada,
regionalizada, vivendo bem, dentro das características da zona que cobre e
influencia, explorando as possibilidades do transporte em todas as fontes
possíveis para que venha emergir do poço de deficits em que se meteu a
tantos e tantos anos.
Aliás, havendo na sua direção um sub-diretor do gabarito do engenheiro
Oscar Pires, versátil, arejado, operoso e interessado legitimamente em
recuperar a Velha Estrada, não temos dúvidas que relevantes serviços
poderemos ainda esperar da Bahia e Minas.
63
Para o final da década ainda temos notícias a favor da ferrovia e crítica à atuação
dos políticos locais sobre o caso. Sinais de que houve espaço para expressar algum tipo de
resistência à tendência de paralisação da EFBM. Resistência que partiu da sociedade civil e
62
Incorporação que ocorre em 1965 conforme vimos acima.
63
Folha de Nanuque - 16/10/1964 – p. 05 - Não Será Extinta A Bahia e Minas – Hemeroteca do Estado de
MG. Grifo meu.
181
nos mostra a importância regional dos trilhos que deveriam ter sido substituídos por
rodovias e não foram.
A paralisação da EFBM, apesar de deficientíssima, está causando enormes
prejuízos em todo vale do Mucuri, onde ela servia, inclusive grande parte do
extremo sul da Bahia até Caravelas.
A suspensão temporária da Bahia e Minas deixou milhares de pessoas pobres
sem condições de viajarem, além de prejudicar seriamente todos os lugarejos
por onde ela passava, prestando serviços.
Segundo circular expedida à estação da BM de Nanuque pelo Diretor
Superintendente da VFCO Ten. Cel. Júlio Ribeiro Gontijo, a suspensão do
tráfego de passageiros e cargas da ex-EFBM foi decretada devido a deficiência
e insegurança da ferrovia.
A propósito da paralisação da BM o Diário de Minas teceu severa crítica ao
Governo federal no seu editorial do dia 10 deste mês asseverando: “A desculpa
não muda: acabar com serviços em situação deficitária.
Seria o caso de perguntar-se, no momento de condenar a Estrada, o Governo
não pensou também na possibilidade de recuperá-la. É uma opção para ser
considerada...”
E o vespertino da capital mineira, com sua independência de sempre, comenta
ainda no editorial que: “A BM não vem produzindo o que se esperou dela.
Correto. Mas, também, não lhe acrescentaram nada, nos seus anos de
funcionamento claudicante...”
É verdade que muitos perderam a vida nos trens da Bahia e Minas, por causa
de seu lamentável estado de trafegação, mas agora acontece coisa também
dolorosa a este respeito: é que a própria BM que matou tanta gente, também
acaba de morrer abandonada e desprestigiada pelos poderes públicos que a
enxergaram toda vida como uma velha mendiga e nada mais.
64
***
No corre-corre para evitar a saída da Bahia e Minas somente a Associação
Comercial e os clubes de serviço atuaram de maneira significativa. Políticos?
Estes desapareceram como por encanto da região. Nossos deputados?
Quais deputados? Demos uma azar danado de não se ter dado o fato em
época de eleições, senão seria aquele berreiro. E a defesa da Bahia e Minas
seria feita a ferro e fogo, porque dela dependeria o voto dos ferroviários,
da população que vivia em função da Bahia e Minas nos 23 núcleos
populacionais que praticamente deixaram de existir, e nas cidades que
perderam a possibilidade de comercializar seus produtos.
Os políticos não apareceram. Agora já começaram as visitas cordiais, depois
virão as visitas eleitorais, depois as campanhas, e finalmente, será eleito mais
64
Folha de Nanuque - “Paralisação da Bahia e Minas deixa Milhares de Pobres sem condições de Viajarem
- 21/05/1966 – p. 06. HEMG.
182
um salvador da região. Ó senhores deputados. Salvai-nos de vez da ameaça do
progresso. Ninguém suporta viver aqui com o barulho do progresso.
65
A ferrovia foi passada à condição de um Divisão Regional e o engenheiro Lélio
Garcia Porfírio foi dispensado do cargo de superintendente; foram extintos todos os cargos
de chefia, direção e funções gratificadas, ficando todos ligados a RMV que também
recebeu o prazo de 60 dias para apresentar nova lotação do pessoal excedente da estrada
diante da redução ao número de dois homens por km de linha.
66
A mudança de ferrovia autônoma para Divisão ganha mais sentido no depoimento
do ex-diretor da EFBM José Penna Magalhães Gomes.
A Bahia Minas perdeu sua autonomia administrativa já com a finalidade de ser
desativada. Foi subordinada a Viação Férrea Centro Oeste e o superintendente
da VFCO nomeou uma comissão para materializar a extinção da Bahia Minas,
tomando todas as providências necessárias do acervo móvel e imóvel.
67
Quando perguntado pelo processo de erradicação o eng. Luiz Eloy nos diz o
seguinte:
Na época que foi mandado iniciar o arrancamento existia uma firma em BH que
cuidava do arrancamento de linhas chamada RODOCAR. Essa firma com
ordem daqui de BH foi à Teófilo Otoni, me pegou e nós sobrevoamos a linha
por cerca de seis horas. Fizemos uma reunião em BH onde o pessoal da
RODOCAR disse o seguinte para o coronel Gontijo: “o arrancamento de Ponta
de Areia a Teófilo Otoni é o filé e de Teófilo Otoni até Araçuaí é o osso.” Aí o
coronel respondeu assim: “Então você vão ficar com o filé e de Araçuaí a
Teófilo Otoni fica a cargo do Luiz Eloy” E eu arranquei. Bolei um sistema para
arrancar. Modéstia à parte, eles arrancavam uma média de 100 metros de linha
por dia com o sistema deles. Eu arrancava 1.200 metros de linha por dia. O
sucesso desse sistema que bolei foi tão grande que eles mandaram para lá um
diretor para ver o que eu estava arrumando.
Mandei o pessoal todo embora e contratei gente particular para fazer o serviço.
A medida que o arrancamento ia andando, eu ia contratando gente da região. O
trabalho deles era simples. Era só arrancar os pregos, jogar dentro do vagão,
arrancar o trilho, separar e botar no trem. Era muito fácil.
65
Tribuna Do Mucuri - Economia Regional - 05/08/1969 p. 04. Grifo meu. HEMG.
66
RFFSA, Livro de Resoluções de 1965 - Resolução nº 347/65 de 01/02/1965 – BRFFSA/BH.
67
GOMES, José Penna Magalhães - Depoimento - BH, 09/09/2003 – p. 246.
183
Teófilo Otoni é 376 (km) e lá em Araçuaí era 582 (km). Então esse trecho todo
eu mantinha as estações funcionando que era para liberar os trens com a sucata
que descia para Teófilo Otoni.
Tem uns fatos curiosos. Eu tenho conhecimento sem ser presunçoso que outra
pessoa não faria o que eu fiz. Eu bolei esse sistema e o diretor que foi lá avaliar
o andamento do serviço, chamado João Batista, ficou tão encantado que ele
autorizou que eu desse alimentação para esse povo. Aí o rendimento melhorou
mais ainda. O sistema que bolei, modéstia à parte, era incrível. Simples, com os
recursos que tinha, mas era maravilhoso. Possibilitou um desenvolvimento
muito grande.
Eu comecei em 66, não sei o mês. Em 68 eles me tiraram de lá. Quando estava
terminando o meu serviço me tiraram de lá sem me perguntar, sem ordem de
nada. Me trouxeram para cá e me deixaram encostado aqui. Isso aí é outra
coisa.
Saiu de Teófilo Otoni, da Bahia e Minas, uma fábula de sucata. Uma sucata de
primeira, porque o aço para ser bom tem que ter uma parcela de sucata. A
sucata que veio da Bahia e Minas era tudo aço polonês. Isso aí foi um
aproveitamento maravilhoso. Outra coisa. Os dormentes reaproveitáveis nós
trouxemos também.
68
Então nos defrontamos com dois grupos de posições divergentes quanto ao destino
da EFBM. O primeiro, apresenta como remota o reaparelhamento da ferrovia,
apresentando argumentos puramente econômicos, trajados de competência inquestionável,
sem levar em conta aspectos sociais e de investimento a longo prazo na região para
incentivar o fortalecimento da produção e comércio, independente de seu isolamento. O
segundo monta um discurso que aponta para uma possível remodelação da estrada,
chegando a citar as possíveis conexões com Monte Azul, ou até mesmo Governador
Valadares (E.F. Vitória Minas), com o intuito de levar adiante um projeto de
desenvolvimento regional integrando-se à economia do país. Embate de projetos que nos
remete à disputa de grupos a favor do desenvolvimento nacionalista e da presença
marcante do capital estrangeiro que verificamos no capítulo anterior.
69
68
ALMEIDA, op. cit. p. 258.
69
Ver capítulo IV.
184
Entre esses grupos encontravam-se os ferroviários e a população de Jequitinhonha
e Mucuri que, via memória, denunciam a estrutura corrompida e deficitária. Chegam a
concordar com os argumentos oficiais para o fim da estrada mas permanecem órfãos da
mesma e do braço administrativo do Estado.
Há uma carga negativa nos depoimentos sobre a corrupção mostrando a divisão
social entre os ferroviários, ficando os engenheiros, altos funcionários burocráticos de um
lado e, do outro, os “de baixo”, telegrafistas, chefes de estação, conferencistas, mestres de
linha, garimpeiros, sendo estes os últimos da hierarquia ferroviária. Há um certo gosto de
revanche pelo fim da estrada e o conseqüente fim da “mamata” e do “cabide de emprego”.
Acho que foi 1955. Eu fui substituir o seu Jules Frederico chefe da
estação de Aparaju. Ao chegar apresentei, que ele tinha recebido punição
porque atrasou o diretor Wenefredo Portella que ia para socorrer o navio que
estava preso em Caravelas, navio de carga. (...) Aí fui substituí-lo. Ao chegar,
deparando-se com o depósito de lenha, estava faltando 4.800 e mais um pouco
de lenha. Comuniquei a diretoria de imediato. Não tive solução. Tornei o
telegrama. Sem solução. Depois apareceu o Coronel de Brasil que era o chefe
do serviço de lenha. O Coronel chega todo sorridente e falou: “Ô chefe, o que
está acontecendo aí?” Falei: “Ó Coronel o problema meu aqui é esse aqui, a
lenha tá faltando. Estou sem poder fazer a escrita da lenha.” “Deixa eu ver a
relação da escrita” Passei para ele. Sorrindo pegou a caneta ficou brincando
com a caneta na mão e fez um zero em cima da escrita, dos quatro mil
oitocentos e poucos... fez um zero ali e disse: “Continua daqui pra frente.” E
agora aquele buraco? Quem vai pagar? Ninguém. (...) “Isso aqui é de uma
viúva muito rica! Nós somos os filhos dela e cada um come o que pode. Falou
comigo assim. E não teve foi nada com ele e o homem começou a me perseguir
que eu fui obrigado a largar a estrada de ferro.
70
(...)
O negócio era mais com o pessoal de dentro da estrada de ferro mesmo.
Mais os grandes, deitavam e rolavam.
71
***
Aquilo era demais, só servia para os grandes. A gente sofria. A gente tinha o
quadro de provisórios, mensalistas, diaristas e titulados. Titulados eram os
funcionários bem velhos que tinham uma nomeação dada por Getúlio Vargas.
Então esses se consideravam os donos da estrada. Eram os funcionários
públicos federais mesmo. Depois disso tinha os diaristas e nós provisórios é o
70
CAJÁ, op. cit. p. 227.
71
Idem
185
que é hoje a CLT, não tinha nenhum valor, qualquer coisinha mandava embora.
Então com isso ficava um ano sem pagar nós. O dinheiro vinha todo mês lá do
Ministério só que não pagavam. E nós passando dificuldade, trabalhando todo
dia sem dinheiro para comprar nenhum pão. Eu não sofria porque era
solteiro(...) mas meus colegas que não tinham como correr por fora? Levavam
desvantagem. Muitos largavam o emprego naquela época. Não agüentavam
ficar seis, oito meses sem receber. Como fazia? Então é isso aí. O regulamento
era muito pesado e tinha essa parte de safadeza demais e aquilo tinha que
acabar. E para acabar, acabaram com a estrada. Foi o único recurso.
72
E seguem inúmeras histórias de corrupção e uso político em todos os níveis da
estrada. Corrupção que também reforça o argumento antieconômico para a extinção da
ferrovia.
Eu estava numa estação na Bahia, não lembro mais, aí o diretor, acho
que o dr. Portela, precisava de muito eleitores pro partido dele em Teófilo
Otoni. Mandou que todos nós transferíssemos os títulos para Teófilo Otoni.
Agora você vê que barbaridade. Todo mundo transferiu o título, a linha toda, de
Ponta de Areia a Araçuaí. Aí uns dias antes das eleições, mandou um especial
buscar nós. Toda estação que ia passando ia fechando, fechando. Chegamos em
Teófilo Otoni. Quando nós chegamos na estação, uma faixa: “Aquele que
estiver sem dinheiro pode procurar a Tesouraria”
73
***
Eles falam por causa da corrupção, da ineficiência, não era eficiente a
Bahiminas. A verba que era destinada a Bahiminas não tinha reposição
nenhuma quase. Havia uma aplicação do dinheiro sem retorno, não havia
lucro.
74
***
Tinha um diretor antigo lá que havia muito roubo e não estava ligando
para a coisa. Excesso de gente. Gente que só ia receber o pagamento. Então foi
para lá um coronel de nome Pompílio, levou um major com ele, um tenente.
Chegou lá e tirou o diretor antigo que a coisa não valia mais nada. O povo
tomou conta. Sabe como é? Casa da Mãe Joana. Aí foi o pessoal do Exército,
mandou o pessoal para lá. No tempo de Eurico Dutra. Botou a coisa em dia.
(...)Tinha uma mulher lá maquinista, protegida de uma família rica, mas nunca
trabalhou. (...)Chegou lá, dia do pagamento. Os envelopes. Sentou lá para
pagar. Terminou. Ué! E esses envelopes? Chama o pessoal. Eles não
trabalhavam. Tinha que acabar [a estrada] mesmo porque estava desse
jeito. Essa maquinista, ele mandou: “prepara um trem, bota fogo na máquina e
72
Idem
73
Idem
74
PEREIRA, Maria da Conceição - Depoimento – Betim, 17/12/2002 p. 263.
186
chama a moça. A sra. vai dirigir essa máquina. Ah não sei não. Rua!” Fez isso o
Exército! Civil? O que acontece, a política tirou o homem. Tiraram ele de lá.
75
***
Quando estava no grupo escolar que no mapa a gente via o município de
Teófilo Otoni, era um dos maiores de Minas Gerais. Você vê, era juntar o
nada a coisa nenhuma em termos financeiros e econômicos. Nunca se
desenvolveu nada em termos industriais na região.
A justificativa era que a estrada era muito cara. Recuperar a estrada
do ponto de vista econômico era impraticável (...) eu tinha um professor que era
engenheiro e ele falava, não sei se ele trabalhava na estrada naquela época, mas
ele justificava que a estrada era extremamente ociosa e muito cara para manter
aquela ociosidade toda e a estrada na época era uma espécie de cabide de
emprego de políticos de lá.
Então a justificativa era o preço, tinha que praticamente reconstruir a
estrada toda, era impraticável na época essa dinheirama toda. E tinha outro
detalhe, a estrada não transportava nada. Não tinha circulação de mercadoria
que justificasse e a estrada ligava o Jequitinhonha ao mar. Não é nada. Ou
então estrada de ferro que vai transportar passageiro é um negócio que precisa
de ser muito organizado e é antieconômico. A estrada não tinha condição de
sobrevivência.
76
Para estes entrevistados e outros encontramos também um sentimento de
orfandade diante do fim da ferrovia e o reconhecimento de sua importância para a região
apesar do quadro apresentado acima e diante da falta das rodovias substitutivas.
Nós da região acreditamos em vingança do Juarez Távora ministro da
Viação e Obras Públicas. E o presidente Castelo Branco da mesma região lá do
Norte. A revolução acabou. Ela estava funcionando bem. Agora há poucos anos
que foi asfaltar de Teófilo Otoni para Nanuque. Nós ficamos sofrendo as
conseqüências. Estrada de chão. Tempo chuvoso não ia a Teófilo Otoni. Não ia
a Caravelas. Ficávamos isolados de todos. Há poucos anos que asfaltaram a
estrada do Boi.
77
***
E era ansiosamente esperado o pagamento porque a cidade vivia e
dependia da estrada, mas então para poder dar um tchan na cidade precisava
sair o dinheiro de natal da estrada que geralmente só saía no dia 23 de
dezembro.
Inegavelmente era o pessoal da estrada que tinha importância.
(...)
75
OLIVEIRA, op. cit. p. 239. Grifo meu.
76
MELO, Ciro Flávio Bandeira de – Depoimento – BH, 03/09/2002 p. 224. Grifo meu.
77
OLIVEIRA, op. cit. p. 239.
187
Depois da estrada, exatamente esta época eu mudei para cá (BH) e ia lá
uma vez por ano, às vezes. Então depois da estrada houve muita reclamação e o
pessoal se sentiu profundamente, pessoal que eu digo principalmente os
fazendeiros. A Rio-Bahia só vai ser asfaltada em 1963-64 e quando eu vim para
cá, em janeiro de 63 eu tive que vir de avião porque não tinha estrada e estava
chovendo muito. Eu vim fazer vestibular aqui.
78
***
Para mim foi essa política que o Brasil está tendo aí. Dia a dia só
acabando com as coisas. A estrada não era para acabar, porque fez muita falta
aquela região como faz até hoje. Sempre vou à Caravelas, o pessoal está sempre
se queixando, chorando, principalmente aquele pessoal mais antigo. Aquela
Maria Fumaça, lembrando... Que colocasse as máquinas à diesel, que a diesel
dá muito mais produção, porque a Maria Fumaça carregava poucos veículos,
mas as diesel já carregavam maior quantidade.
79
***
Para quem já estava acostumado aquilo foi uma tristeza. Foi o mesmo
que acabar com uma coisa que a gente mais amava. Tudo era alegria
naquele tempo. Era simples, sem luxo sem nada. E a gente nem esperava. Já
tinham falado há bastante tempo que ia acabar a EFBM, mas a gente não
acreditava naquilo não. Não parecia uma coisa que ia acontecer. E no final
aconteceu rápido e tanta gente chorava, desanimado. Teve pessoas que até
morreu. Ficaram tão impressionados que achava que não acabava aquilo. Como
foi com a família dos Bessa. Ficou muita gente desempregado e muita gente
parada porque não sabia fazer outra coisa. Quando você tem muitas artes,
muitas profissões, não fica parado. Acabou um você começa outro. A sorte do
meu marido é que naquela época ele já estava aposentado. Mesmo assim ele
ficou apaixonado. Tanto material que você jogado por essas estradas. Não foi
fácil.
80
Esse sentimento de orfandade pode ser visto, vivido, sentido na ficção escrita por
Maria da Conceição Pereira para expressar a maneira como eram tratados os trabalhadores
da ferrovia. A narrativa abaixo demonstra o ponto de vista de quem sofreu o processo de
erradicação de perto. Mostra a relação autoritária do Estado com a população local. Uma
realidade bem diferente da vivida pelo engenheiro Luis Eloy de Almeida e seu processo
“maravilhoso” de arrancamento de trilhos.
78
MELO, op. cit. p. 225.
79
CAJÁ, Epaminondas C. op. cit p. 229 Tecnicamente o uso de locomotivas à diesel era complicado na
EFBM pois os trilhos eram leves demais e não suportavam o peso da mesma, provocando descarrilamentos.
188
Foi nos últimos dias do ano de 1968 que um trem de lastro, como é chamado
uma locomotiva com pranchas, saiu da estação de Araçuaí levando os últimos
garimpeiros, homens que trabalhavam na conservação da estrada. Deixavam a
cidade como levas de fugitivos. Levavam seus poucos pertences, coisas de
pouquíssimo valor. Era a ordem do último diretor que todos os trabalhadores
daquela estrada tinham que sair de qualquer jeito. Muitos com filhos doentes
sem dinheiro, coisa peculiar àquela gente que recebia um salário de fome. Um
dos garimpeiros estava em pior situação. Sua mulher abortara aquela noite, mas
a ordem era severa. Você vai ou perde o emprego. Que fazer? Sair assim e levar
sua mulher naquele estado? Vamos rapaz! Você sabe que vocês são como
animais. Uma mulher não precisa dessas delicadezas. Que importância tem que
ela suba numa dessas pranchas que nelas não tem nenhum conforto e nem lugar
para sentar, nem cobertura... O importante é que você cumpra a ordem do chefe.
Se vier uma chuva, que vocês molhem. Se o sol estiver forte, que peguem fogo
as suas cabeças, mas não adianta. Tem que partir agora, já nem pensar em outra
alternativa. Para vocês pobres garimpeiros, considerados a classe ipsilon (Y) –
referência a Aldous Huxley – na estrada sempre foi assim. Vocês às noites sem
dormir porque houve um descarrilamento ou porque a chuva levou trechos
enormes da estrada. Ou mesmo um raio tenha caído e jogado uma montanha de
terra no leito da linha. Para vocês sempre sobrou o pior, chuva sem agasalho,
sol sem proteção, mal alimentados e mal vestidos.
Agora chegou mais uma vez uma ordem que vocês vão cumprir sem admitir
recusa. O coração está partido. Vão lhes tirar a última alegria. Pois vocês eram
daqueles lugares. Ali nasceram e cresceram. Amaram e ali nasceram seus
filhos. Aquela terra fazia parte do seu sangue. Por ela vocês dariam tudo. Ali
ficava o irmão, a mãe velhinha, por isto era tão duro partir. Mas tinha que
atender ao patrão, pois sem aquele emprego como iriam viver aqueles pobres
diabos? Então pegam os filhos, a mulher sã ou doente, os poucos trastes, suba
naquele trem... se chover você seca quando o sol despontar e assim foi aquele
quadro assolador, quando me vem a memória aqueles dias ainda lembro do
trem saindo da última estação daquela ferrovia, uma sanfona tocando e aqueles
homens com os olhos cheios de lágrimas cantando um dos versos populares...
“adeus Corina que já vou me embora levo pena deixo pena nas asas da
sericora”. No topo a bandeira nacional tremulava. Fez lembrar-me dos versos
de Castro Alves:
“Existe um povo que a bandeira empresta para cobrir tanta infâmia e
covardia.”
81
Para além da ficção temos registros do olhar de quem foi transferido:
O pessoal sofreu muito com a falta da ferrovia e deslocou o povo.
Deixaram a família lá para ira para todo canto, sem saber onde é que ia. Muitas
80
BRAUER, Leonídia Silva – Depoimento - Carlos Chagas, 15/09/2002 p. 252.
81
PEREIRA, op. cit. p. 265.
189
saíram de Nanuque para aqueles lados de Volta Redonda Barra Mansa, Goiás,
São Paulo.
82
***
Meu Deus. Quando cheguei em Belo Horizonte foi para mim um caos.
Um desespero danado quando desci em BH com cinco filhos pequenos. Viemos
de ônibus, aí não conhecíamos pensão aí o pessoal na Rodoviária ficava “vamos
para pensão tal” Aí coitado, o meu marido levou a gente para uma pensão lá
que depois ficou sabendo que aquela pensão ali era lugar suspeito. Acontece o
seguinte, já estávamos ali e ficamos, mas tinha medo de chegar na porta com
medo de meus filhos sumirem de alguém passar a mão nos meus filhos. Então
foi terrível. Nessa mesma noite nós pegamos o trem que nos levou para
Formiga. Só que nós descemos em Garças de Minas para no dia seguinte para
pegar o trem para Formiga. Um frio em pleno mês de junho. Nós chegamos lá
no dia 12 de junho de 1968. Eu tinha um filho com uma alergia terrível. Não
podia por coberta nele, não podia por meia. Aí então nós dormimos na estação
mesmo, emboladinho, tudo mundo encostando ali. Eu peguei uma coberta e
joguei em cima dos meninos, em mim também. Igual mendigo mesmo. Ficamos
a noite inteira lá num frio terrível.
83
***
A Bahia Minas foi assim. Criaram uma situação de hora para outra e
acaba e acaba e quem sofreu com isso foram as famílias ferroviárias porque o
deslocamento sem nenhuma condição, sem nenhum preparo, sem nenhum
transporte programado. Muitas famílias foram trazidas. Usaram do poder para
transferir as famílias de ferroviários de lá para cá. Pessoas que nunca saíram das
cidadezinhas deles para ir à Teófilo Otoni que era como se fosse Belo
Horizonte para as cidades adjacentes. Teófilo Otoni era a capital e tinham
famílias de ferroviários que quando iam à Teófilo Otoni era uma vez no ano
para fazer uma comprinha, alguma coisa. E foram tirados assim na marra.
Transportados em carros, vagões de boi. Coisa absurda. Nós sentimos esse
reflexo aqui em Belo Horizonte. Fomos discriminados, humilhados. Tem muita
coisa. A extinção da Bahia Minas marcou muito, machucou muita gente. Não
só machucou como prejudicou o aspecto econômico, cultural e social de 583
km que ia de Araçuaí a Ponta de Areia. Esses lugares para se refazerem
sofreram talvez mais de vinte e tantos anos.
84
Para além da reprodução/reforço do discurso oficial, cabe na visão dos
ferroviários outras interpretações sobre o fim da Bahiminas:
(...)
82
OLIVEIRA, op. cit. p. 239.
83
CAJÁ, Zenith França – Depoimento – Betim, 18/12/2002 p. 288.
84
BARRETO, op. cit. p. 274.
190
porque existia em Caravelas uma base aérea que foi feita durante a
guerra para os americanos. E se tivesse uma guerra civil a estrada poderia servir
ao interior do Brasil porque ela poderia receber reforços, por exemplo, do Leste
Europeu. Eles achavam que era o socialismo, o comunismo que estava por
detrás de Jango, João Goulart. Então eles acham que a Bahiminas tinha acabado
por essa razão. Foi um golpe de interesse deles de acabar. A base aérea não
recebeu mais aviões, acabou o movimento, não sei se ainda existe a base aérea e
a Bahiminas também recebia navios, que naquela época a mercadoria ia de
navios para Caravelas e o trem levava até o interior de Minas.
85
Quando a pergunta é sobre a existência de algum movimento para tentar impedir o
fim da estrada, a resposta vem carregada do medo da violência do Estado e a forma
repentina de extinção dos trilhos.
Não houve nada. Foi uma carneirada. Foram passivos demais. Porque
foi na época de 1966 e naquela força do regime militar que as pessoas não
tinham reação. Eles matavam mesmo as pessoas. Houve muita morte. Você
sabe disso.
(...) Eles já sabiam que era um ato de força e que se eles fossem contra
não tinham como reagir. Não tinha ninguém com condições para reagir, não
tinha ninguém preparado para uma guerrilha. Ninguém preparado para uma
reação armada.
Então eles receberam passivamente. Só revoltaram assim... ficaram
angustiados, amargurados, mas sem movimento de rebeldia. Não teve
movimento de rebeldia.
86
No final, “viúvas nos portais” e o lamento de uma população excluída do ferro e
do asfalto durante muito tempo.
População que na década de 60 registrou um aumento do território ferroviário
(390.998 habitantes) em comparação com o ano de 1955 (321.076 habitantes) que
apresentamos no capítulo anterior. No caso de Teófilo Otoni há uma recuperação do
patamar populacional do início da década de 1930 (128.948 habitantes em 1936 e 134.476
habitantes em 1968), sendo a terceira cidade mais populosa de Minas Gerais, perdendo
85
PEREIRA, op. cit. p. 263.
86
PEREIRA, op. cit. p. 268.
191
apenas para Belo Horizonte e Juiz de Fora. Um contraste quando verificamos a sua
população em 1955: 92.499 habitantes.
TABELA XIX
POPULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DA EFBM EM 1955
87
Município Habitantes
Araçuaí 25.405
Carlos Chagas 28.135
Itambacuri 62.131
Ladainha 17.693
Nanuque 52.784
Novo Cruzeiro 30.638
Poté 11.791
Teófilo Otoni 92.499
Total
321.076
Acompanhando o movimento populacional desde 1939, verificamos uma oscilação
entre 250.000 e 300.000 habitantes até a década de 1960 para a região de influência da
ferrovia. A variação de população é pequena até o início da década de 1970. Quadro
diferenciado do que encontra Margarida Maria Moura no seu trabalho sobre o
Jequitinhonha no final da mesma década e início de 1980 - realidade a qual podemos incluir
o vale do Mucuri.
88
As mudanças econômicas ora em curso no Vale do Jequitinhonha
caracterizam-se, de maneira marcante a partir da década de 60, por dois fatos
simultâneos e complementares que devem ser vistos como marcos cheios de
significação. Trata-se de impor bases diretamente capitalistas ao uso da terra,
valendo-se de relações de produção não especificamente capitalistas, excluindo
frações camponesas da roça e morada permanente. O agregado já não controla
uma roça de milho e feijão, já não tem casa de morada. O pequeno sitiante está
cada vez menos presente nas fazendas.
(...)
Muitos lavradores migram temporariamente para Belo Horizonte,
Triângulo Mineiro, São Paulo, em busca de trabalho na indústria, na agricultura
e no baixo terciário.
(..)
87
População dos municípios da EFBM In: MINAS GERAIS, Anuário Estatístico de Minas Gerais de 1955 –
Belo Horizonte, 1955 pp.77-106.
88
MOURA, Margarida Maria – Os Deserdados da Terra – RJ, Bertrand do Brasil, 1988. Para entender esta
realidade regional sugerimos a leitura de FONTES, Virginia Maria e MENDONÇA, Sonia Regina de.
História do Brasil Recente, 1964-1980. São Paulo: Ática, 1988.
192
A lógica dos conflitos sociais nessa área sertaneja é a expulsão e a
invasão das terras de lavradores. A mudança dramática [como a ferrovia] supre
exigências de redefinição da lógica econômica. O peso maior da mudança recai
sobre as relações sociais que unem lavradores a terra e ao trabalho.
89
Uma região que mostra aumento populacional e vontade de crescer e se incluir no
desenvolvimento do país. No correr de três décadas registrou a formação de outros núcleos
urbanos (cidades e distritos) ao longo da linha.
90
Além disso a ferrovia promovia movimento populacional entre as cidades da linha
com participação importante na realização das feiras e na oferta de postos de trabalho,
como é o caso de Jarbas Cerqueira, de Bias Fortes (lugar que em 1998, quando chovia, o
único ônibus que atendia a localidade, uma vez por dia, não se arriscava pela estrada de
barro que virava lama) que guardou com muito carinho e honra duas portas, um trilho de
porta e a passagem de sua última viagem pela Bahiminas. “Não ia sobrar nada, seu moço!
A gente precisava, pelo menos, guardar uma lembrança.”
91
Ainda podemos dizer que a EFBM instalou na região outros serviços como energia
elétrica (hidrelétrica de Ladainha); telégrafo em toda a linha; hospital em Teófilo Otoni;
escola técnica em Ladainha, proporcionando a formação de mão de obra qualificada para a
região. Mas de acordo com o olhar dos tecnocratas o nordeste mineiro era uma região sem
“futuro previsível” com uma ferrovia antieconômica.
Uma ausência de futuro que pode ser entendida a partir da modernização da
agricultura montada pela ditadura militar. Uma modernização que mantém/amplia o
território do latifúndio
89
MOURA, op. cit. pp. 7-8.
90
Sobre a influência da EFBM na formação e desenvolvimento dos municípios da região ver Anexo IV.
91
Depoimento recolhido manualmente em trabalho de campo de 1998. Grifo meu.
193
(...) em políticas públicas voltadas para uma agricultura “moderna”, eficaz e
altamente tecnizada, capaz de superar o dito “atraso” com que a atividade era
representada no pensamento social brasileiro. Suas diretrizes, para tanto,
consistiam em : 1) colonizar fronteiras em favor do grande capital nacional e
estrangeiro, expandindo o latifúndio improdutivo; e 2) farta concessão de
créditos e subsídios, seletivamente direcionados para a agricultura patronal,
tendo em vista dois tentos, disseminar tecnologia e privilegiar produtos de
exportação ou vinculados a programas energéticos, como o Proalcool, por
exemplo.
92
Este modelo de agricultura adaptou-se ao capitalismo sem criar a necessidade de
efetivar uma reforma agrária contribuindo ainda mais para o aumento da concentração de
renda, do êxodo rural e do inchaço dos grandes centros.
TABELA XX
POPULAÇÃO DA REGIÃO DA EFBM EM 1967
93
Município Habitantes
Caravelas 31 154
Araçuaí 30 241
Carlos Chagas 36 289
Itambacuri 29 942
Ladainha 21 169
Nanuque 50 884
Novo Cruzeiro 28 091
Poté 20 160
S. dos Aimorés 12 939
Teófilo Otoni 130 129
TOTAL
390.998
TABELA XXI
POPULAÇÃO DA REGIÃO DA EFBM EM 1971
94
Municípios População residente
Caravelas 25 995
Araçuaí 30 313
Novo Cruzeiro 31 454
Ladainha 17 076
Poté 15 767
Teófilo Otoni 132 960
Nanuque 49 016
Pampam 6 015
Serra dos Aimorés 10 415
Carlos Chagas 32 718
Itambacuri 29 355
Total
381.084
92
MOTTA, Márcia e MENDONÇA, Sônia Regina - verbete modernização da agricultura In: MOTTA,
Márcia (org.) - Dicionário da Terra – RJ, Civilização Brasileira, 2005 pp.307-9.
93
IBGE – www.ibge.gov.br
94
Idem
194
CONCLUSÃO
A música Último Trem que colocamos no início do capítulo, nos apresenta o
sentimento do telegrafista Epaminondas Cajá:
Não teve argumento para o fim da EFBM. Eu era o chefe da estação de
Caporanga, recebi um telegrama: “A partir de amanhã será paralisado o trem de
passageiro”. Ficou todo mundo ali estarrecido. Por que? Ninguém sabia. Não
tem mais trem nem para Araçuaí e para Caravelas. Só que ninguém levantou
assunto nenhum, ficou quieto, todo mundo de braços cruzados esperando. E lá
vai passando, passando, passando aí ficaram correndo só os cargueiros para
evacuar com algumas pranchas, vagões que ainda estavam com mercadoria.
Quando acabou isso aí acabaram os cargueiros também. Ficou só andando os
trens VP, da Via Permanente, os automóveis de linha carregando os
engenheiros para lá e para cá, alguns da panelinha deles lá e foi ficando,
ficando, até que vão arrancar os trilhos. Foi quando fui convidado para ir a
Novo Cruzeiro. (...) Fiquei como chefe especial em Novo Cruzeiro. Aí fomos
arrancando os trilhos.
Quem fazia o arranque dos trilhos nesse momento era o pessoal da
turma. Tinha o mestre de linha e os feitores. A locomotiva levava as pranchas
na frente e tinha uns canos de ferro que eles adaptaram, tinha uma ferramenta
para não empenar. Eram seis homens que pegavam naquilo: dois no meio, dois
numa ponta e dois noutra ponta. O da primeira encostava e os de trás
empurravam e caía dentro da gôndola. Assim num instantinho eles arrancavam.
Aí a locomotiva ia puxando aos pouquinhos até encher aquela prancha.
Colocava outra, ia enchendo, vinha para Novo Cruzeiro e trazia. Era assim que
fazia. (...)
A parte mais chocante é essa hora aí. Quando nós saímos da estação, o
povo aglomerava todo mundo de lencinho branco, acompanhava as duas
locomotivas uma saía na frente apitando a outra atrás e o pessoal tudo chorando
aquele pranto. E nós também chorando e o mais chocante foi isso aí.
Todo mundo chorando. O que nós íamos fazer? Nada.
95
Podemos ler o vazio da letra como ausência de futuro determinada pelas políticas de
desenvolvimento entre 1949 e 1964. No lugar do trem ficou o vazio das rodovias
prometidas. A rede urbana é partida, o território ferroviário desfeito e a exclusão econômica
reiterada junto com a vocação da região de fornecedora de mão de obra barata. O tributo de
sangue denunciado nos jornais da transição de século mostra-se mais forte. Tributo
95
CAJÁ, Epaminondas – op. cit. p. 2-4.
195
responsável pelas viúvas de marido vivo nos tempos de colheita da laranja, da cana, do café
e que fica na música popular:
O dinheiro de São Paulo é dinheiro excomungado
O dinheiro de São Paulo que levou meu namorado
No estado de São Paulo não precisa mais chover
Só os olhos do meu bem faz o mato enverdecer.
96
Arrancaram os trilhos e o país mergulhou no vazio acreditando num outro tipo de
progresso, de modernidade, de modernização, outras velocidades. Montou-se um território
hegemônico e incompetente no setor de transporte, se pensarmos a realidade da malha
rodoviária do país literalmente sobrecarregada, entravando o escoamento de riquezas e o
desenvolvimento nacional. Um território precário que se tornou a única opção de transporte
gerador de outros dramas mais particulares cujos números assistimos e lemos todos os dias.
96
Versos fornecidos por Izabel Ribeiro, natural de Rubim, Vale do Jequitinhonha.
196
CONCLUSÃO
Vou de Queixada a Salinas
Na velha estrada da Bahia-Minas
As paisagens tão belas
São doces Quimeras
Do povo dali.
Eros Januzzi
1
Quem percorre o antigo caminho de ferro no sentido Araçuaí/Ponta de Areia
encontra cortes e túneis abertos a picareta e dinamite, uma estrada de rodagem estreita
cheia de costelas, ruínas de pontes, pontes, contenções, canaletas de pedra e estações de uso
variado (posto telefônico, policial, correio, depósito de esquifes, clube familiar, moradia,
centro cultural). O clima quente e seco de Araçuaí, a vegetação de cerrado com seus
pequizeiros retorcidos, o ribeirão Gravatá, a mata densa entre Novo Cruzeiro e Ladainha,
árvores altas, muita chuva durante o verão, atoleiros. O ônibus só chega quando dá. Um
antigo cinema, a oficina que virou ginásio, o almoxarifado tornado oficina. A nascente do
rio Mucuri e a represa da ferrovia. As grandes pedras entre Teófilo Otoni e Carlos Chagas
e a Pojichá (primeira locomotiva da EFBM) na praça de Teófilo Otoni como símbolo de um
passado escasso de memória entre as pessoas do lugar. A Bahia está próxima. A umidade se
faz unida ao calor. Pastos e grandes retas compõem a paisagem, algumas árvores solitárias
remanescentes da Mata Atlântica insistem em existir. No horizonte apontam imponentes as
plantações de eucalipto num quase sem fim. Argolo, Posto da Mata, Candido Mariano,
Helvécia, Aparaju, Juerana, Ponta de Areia... ruínas do porto. Trilhos e pátios de manobra
que viraram trilhas/casas, mata-burros.
Em outro ponto da Ponta de Areia, outro porto a carregar madeira/eucalipto. À sua
porta assistimos a filas e filas de caminhões compridos de toras e toras. O passado aparece
sem transformação para o lugar. Para além da pesca artesanal e o turismo do arquipélago de
197
Abrolhos, há a falta de trabalho, estudo, transporte e saúde. Ausências que levam à
migração.
O esquecimento da Bahia e Minas tem muito o que contar. Precisamos ter um olhar
sobre o passado que reformule o senso comum que apresenta respostas simplistas como a
de que o problema é apenas da região que não se adequou ao mercado, não se mostrou
produtiva ou de que a ferrovia deveria acabar porque a corrupção e o empreguismo
afundavam suas finanças.
A EFBM montou uma rede urbana que verificamos ainda em alguns números
ligados ao transporte de passageiros e de carga. A ferrovia manteve sua característica
cargueira, principalmente de madeira para o mercado externo, mercadorias de importação,
mas o mercado interno (produção agrícola e artesanal) e a oferta de postos de trabalho
provocaram a circulação de pessoas entre as cidades.
2
Lembramos que a ferrovia, com
todos os seus problemas, era o meio de transporte principal entre as localidades.
Importância que vai ser percebida com sua retirada.
Era só o trem. Eu trabalhei na estação[Teófilo Otoni], lá na agência de
fins de 55 até fins de 59, em 60 fui para o departamento de pessoal, saíam os
trens sempre cheios, nunca vi assim sair os vagões vazios. E mais era o pessoal
humilde que usava muito o trem. Quer dizer, pessoas de uma colocação melhor,
mas mais o pessoal humilde. Acho que no Brasil o trem foi sempre dos
humildes.
3
Constatamos que as perguntas dos problemas da ferrovia no Brasil possuem
respostas mais complexas que nos remetem às políticas de desenvolvimento estabelecidas
no final do Império, passando por toda a República antes da Ditadura Militar.
1
Trecho da Música “Jequitinhonha”.
2
Sobre esses números da EFBM, ver Anexo II: TABELA II/Porcentagem Das Receitas De Passageiros Sobre
A Receita Total; TABELA XVIII/Transporte De Passageiros/Quantidade
3
BARRETO, Orlando Machado – Depoimento – p. 275
198
A partir do governo militar, os grupos da sociedade que defendiam o
investimento em transporte sobre trilhos perderam o embate hegemônico diante da coerção
que estabeleceu outra direção para a política de transportes. Além disso, o meio ferroviário
é abafado pela repressão também por ser um centro organizado de trabalhadores e com
poderes ressonantes para as reivindicações sociais.
Os jornais anunciam ainda hoje uma relação precária com os transportes. Não há
notícia de continuidade de um planejamento. Normalmente surgem ações emergenciais do
Estado para reparar a malha rodoviária. Quando se fala de trem é com nostalgia ou para
mostrar a precariedade/abandono dos trilhos ou a necessidade de melhoria e ampliação das
ferrovias diante da má conservação e alto custo das rodovias para o transporte de cargas.
4
A falta de um sistema eficiente e prioritário nos planos do governo para o
transporte por ferrovia encarece em pelo menos R$ 4,16 bilhões por ano as
despesas das empresas, limitadas ao uso das rodovias, em lugar do trem de
ferro. A perda estimada nas estradas leva a custos 32% mais altos, em média,
para levar à população produtos como os agrícolas (...) Representa também
pouco menos do dobro da receita atual das companhias privadas que assumiram
o transporte ferroviário em 1996, quando as linhas da antiga Rede Ferroviária
Federal foram arrendadas.
(...)
As ferrovias respondem por 20, 7% do transporte de carga do país.
5
***
É terrível a falta que a ferrovia faz para a produção agrícola. Se quisermos
expandir o comércio de produtos agropecuários no Brasil e aumentar a nossa
capacidade de competir no exterior, temos de resgatá-las rápido e ampliar o
sistema.
6
***
4
Sobre a memória do trem pouco se faz em ações no sentido de preservação do patrimônio ferroviário.
Prefere-se investir na revitalização de trens turísticos com grande apelo de propaganda do que investir na
conservação e organização dos acervos das bibliotecas da RFFSA, por exemplo.
5
VIEIRA, Marta e ALVES, Rafael - Estado de Minas de 21/03/2004 – caderno de economia pp.1e 3
6
Gilmar Viana Rodrigues – vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) In:
VIEIRA, Marta e ALVES, Rafael op. cit. p. 01
199
O fardo anterior à concessão das ferrovias está tão presente quanto antes: linhas obsoletas e
precárias, elevado número de pontos críticos e interligação deficiente com os portos.
7
***
Para a agricultura, o próprio ministro da pasta, Roberto Rodrigues, admitiu
recentemente que as possibilidades de crescimento do setor alcançaram o
limite, em função da deficiência no escoamento da produção. Segundo Gilmar
Rodrigues, da CNA, 60% a 70% dos produtos agrícolas trafegam por caminhão
pelo País. Em grandes regiões produtoras de grãos como Unaí, no Noroeste de
Minas Gerais, as fazendas não têm acesso às ferrovias. A indústria mineira do
açúcar e do álcool, da mesma forma, vai investir R$ 700 milhões até 2007,
contudo não tem a garantia do reforço do sistema ferroviário até lá.
***
Não há dúvida de que o sistema ferroviário seria mais eficiente para o setor e
vamos, sim, perder competitividade se não tivermos a ferrovia como alternativa
logística para a produção.
8
Sobre o transporte de passageiros, as notícias também não são boas. Quando o
metrô de Belo Horizonte comemorou 20 anos, o ministro dos transportes avisou, em seu
discurso de “comemoração”, que não há previsão de verba para a implementação de novas
linhas já projetadas. Péssima notícia para uma cidade que vive um quase colapso do trânsito
com um sistema de transporte coletivo rodoviário que traz e leva 1,4 milhões de
passageiros enquanto o metrô faz 130 mil. O metrô é considerado pelos especialistas em
transporte como a principal alternativa para o transporte de massa para aliviar as ruas da
capital mineira que hoje possui 865 mil automóveis particulares circulando.
9
Esta situação dos transportes no país é, com certeza, reflexo de toda a política de
desenvolvimento que acompanhamos no correr deste trabalho e sua opção hegemônica do
modal rodoviário, construindo todo um conjunto de valores na sociedade de que o único e
melhor transporte seria o veículo automotor colocando o trem no passado da “Maria-
7
Omar Silva Jr., presidente da Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga (Anut) e da Cia
Siderúrgica Paulitsa (Cosipa) controlada pela Usiminas In: VIEIRA, Marta e ALVES, Rafael op. cit. p. 1
8
Luiz Custódio Cotta Martins, presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool de Minas In:
VIEIRA, Marta e ALVES, Rafael op. cit. p. 01.
200
Fumaça” e de algo que não merece sair da nostalgia e do pitoresco de um tempo que não
volta mais.
A partir deste olhar sobre a ferrovia no Brasil defendemos as seguintes hipóteses:
1 – Entre 1882 e 1942, o território ferroviário da EFBM montou uma rede
urbana que demonstra uma relação dinâmica com a sociedade para além do uso agro-
exportador, questionando o argumento antieconômico do trecho. A partir da
montagem desta rede urbana a ferrovia contribuiu para a construção de uma
identidade regional do nordeste mineiro que fica explícita no exemplo do projeto do
Estado da Cabrália trabalhado no capítulo V.
2 Pensando a reprodução ampliada do capital ocorrida pela moldagem do
Estado e o estabelecimento e imposição de uma ação econômica universalmente
aceita pelo senso comum – ação que exclui de sua órbita de interesses e benefícios a
grande maioria da sociedade:
10
consideramos que a população incorporou o discurso
hegemônico sobre a erradicação dos trilhos, ficando entre as lembranças de um tempo
próspero e outro de decadência marcado por corrupção e privilégios.
3 – A relação entre moderno e atraso nas políticas de transporte tanto no auge
como na decadência das estradas de ferro no Brasil estão diretamente ligadas à
pressão de interesses estrangeiros e manipulação de diferentes grupos de poder que
disputam a hegemonia do Estado brasileiro.
4 – O estudo de caso da EFBM na sua duração de 84 anos indica um
comportamento da relação acima que marcamos no processo de des-territorialização
do elemento indígena e instalação do território ferroviário e, da mesma forma, a
eliminação da ferrovia em nome da substituição dos trechos erradicados por rodovias
pavimentadas.
5 – A partir do exemplo da EFBM, verificamos como se deu no local, pós-45, o
processo de erradicação de trechos ferroviários e a centralização da economia
nacional, provocando a criação de zonas de esquecimento como os vales do Mucuri e
Jequitinhonha. Junto desta realidade há também a mudança do olhar do Estado, via
9
Jornal Estado de Minas dia 02/08/2006 - Caderno Gerais pp. 21-2.
10
FERREIRA, Oliveiros S. – Os 45 Cavaleiros Húngaros: uma leitura dos Cadernos de Gramsci – Brasília,
Hucitec/UnB, 1986 p. 84-5.
201
Gramsci, sobre a ferrovia que deixou de ser elemento estratégico de integração
nacional e propulsor de desenvolvimento que dependia de investimento estatal para
ser vista como empresa capitalista com a obrigação de lucrar. Mudança esta que
tornou difícil a existência de vários trechos ferroviários.
***
Para terminar fazemos uma última reflexão com o leitor para levar consigo e tentar
entender um pouco mais os tempos que vivemos.
É interessante perceber, no caso de Minas Gerais, como se manteve entre o século
XIX e início do XX o discurso da promessa de riqueza, diante do desconhecido que eram as
matas do norte/nordeste mineiro. A medida que o desenvolvimento econômico e social se
concentrava no eixo RJ-SP e nas fronteiras mineiras desse eixo, a riqueza desapareceu
diante da exploração predatória da natureza sem deixar recursos na região, fazendo
circular/gerar pouca riqueza econômica nas cidades. A partir da erradicação da ferrovia,
fica mais marcado o discurso da pobreza, da seca, da migração, começando um novo ciclo
de promessas, agora para tentar salvar/tirar o norte/nordeste mineiro da miséria que se
encontra.
Nas décadas de 1970/1980 temos a monocultura do eucalipto para carvão e da cana
para montagem de usinas de álcool; nas décadas de 1990 e 2000 – investimentos em
hidroelétricas de grande porte como Irapé e Itapebi.
11
Todos esses projetos trouxeram
pesados impactos ambientais e sociais, aumentando as influências do desmatamento
ocorrido anteriormente; aumentando a área de seca; reduzindo a produção de subsistência e
de mercado interno/regional; e provocando aumento da migração de mão-de-obra não
especializada para os grandes centros ou regiões de monocultura de exportação. Além
disso, a maioria dos postos de trabalho qualificado (formação superior) é contratada fora da
202
região dos projetos, ficando apenas o trabalho braçal e temporário para os moradores locais,
já que são raras as políticas de melhoria dos níveis de ensino.
Situação semelhante ao que apresenta Noam Chomsky sobre a ingerência norte-
americana na América Latina, em especial o caso do Haiti:
O Haiti, na verdade, é uma parábola da selvageria ocidental. Foi um dos
primeiros lugares em que Colombo desembarcou, e ele achou que era um
paraíso – era o lugar mais rico do mundo e também provavelmente o lugar
mais densamente populoso do mundo. E, na verdade, continuou assim: a
França é um país rico em grande medida porque roubou os recursos do Haiti, e
mesmo no início do século XX, antes de Woodrow Wilson mandar nossos
fuzileiros invadirem e arrasarem o país, em 1915, estudos governamentais e
acadêmicos ainda o descreviam como um importante centro de riquezas – era
um lugar extremamente rico. (...) A ilha consiste no Haiti e na República
Dominicana (...) olhando-se a ilha do avião: de um lado é castanho, do outro
lado é um tipo de semiverde. O lado castanho é o Haiti, o lugar mais rico do
mundo. Ele pode não durar mais algumas décadas – pode literalmente tornar-se
inabitável.
12
Lugares “ubérrimos” cuja riqueza esvaiu-se por meio de uma rapina ecológica
gerando exclusão, seca, miséria e violência.
11
Sobre estes projetos de hidroelétricas ver www.uai.com.br/em.htm
12
CHOMSKY, Noam – Para entender o Poder – RJ, Bertrand do Brasil, 2005 p. 534. Livros sobre o Haiti
indicados pelo autor (nota 104 do capítulo 10): Paul Farmer – The Uses of Haiti - Monroe, ME: Common
Courage, 1994; Hans Schmidt – The United States Occupation of Haiti, 1915-1934 – New Brunswick, NJ:
Rutgers University Press, 1971; William A MacCorkle – The Monroe Doctrine in Its Relation to the Republic
of Haiti – New York: Neale, 1915.
203
ANEXOS
204
ANEXO 1
DADOS ECONÔMICOS DA EFBM
205
TABELA XIX
MOVIMENTO FINANCEIRO DA EFBM (1883-1908)
1
(1911-1914)
2
(1926-1927)
3
(1935-1942)
4
(valores em mil-réis) (1943-1953)
5
ANO RECEITA DESPESA SALDO DEFICIT
1883 250:814$060 380:322$538 129:508$478
1884 89:932$695 217:406$141 127:473$446
1885 152:226$136 143:646$748 8:579$388
1886 150:211$029 121:653$899 28:557$130
1887 218:745$439 140:459$495 78:285$944
1888 243:485$786 162:620$246 80:865$540
1889 108:487$650 70:687$942 37:799$708
1890 308:925$304 180:531$060 128:394$244
1891 553:947$160 388:577$979 165:369$181
1892 518:433$999 388:577$979 129:856$020
1893 258:726$542 191:765$484 66:961$058
1894 214:836$120 259:787$161 44:951$041
1895 190:904$240 408:009$056 217:104$816
1896 173:439$473 472:973$840 299:534$367
1897 363:997$735 772:660$279 408:662$544
1898 630:268$977 927:230$707 296:961$730
1899 459:930$235 556:717$866 96:787$631
1900 266:802$253 401:133$149 134:330$896
1901 374:636$046 544:024$267 169:388$221
1902 472:272$254 496:230$742 23:958$488
1903 403:342$283 445:763$370 42:421$087
1904 514:730$764 441:991$115 72:739$649
1905 428:500$957 397:529$122 30:971$835
1906 484:289$137 345:043$285 139:245$852
1907 502:144$138 510:840$444 8:696$306
1908 561:078$896 501:097$365 59:981$531
1911 648:046$382 479: 678$067 168:368$315
1912 923:083$184 830:231$855 92:851$329
1913 893:779$140 778:570$626 115:208$514
1914 753:007$984 669:522$401 83:485$583
6
1926 2.643:891$588 3.435:722$734 791:831$146
1927 3.540:572$529 3.504:546$022 36:026$507
1935 - - 294:000
1936 - - 810:994
1937 - - 42:502
1938 - - 812:594
1939 - - 210:233
1940 - - 826:331
1941 - - 159.614
1
JACOB, Rodolpho Minas Gerais no XXº século – RJ, Gomes Irmão e C., 1911 pp. 452 e 542
2
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1917 pp. 83-4
3
BRASIL, MVOP/1927, p. S1 181.
4
MARTINS, Margareth Guimarães – Caminhos Tortuosos: um painel entre Estado e as Empresas
Ferroviárias Brasileiras (1934-1956) – USP, Tese de Doutorado, 1995.
5
Suplemento da Revista Ferroviária (1949-1953).
6
Para o ano de 1914 o Ministério de Viação e Obras Públicas (MVOP) mostra um movimento financeiro
deficitário. Uma contradição que ainda não encontramos explicação. Movimento Financeiro/Receita:
553:008$384/Despesa: 669:522$401/Déficit: 116:514$017 BRASIL, Ministério de Viação e Obras Públicas:
Relatório de 1914 p. 123.
206
1942 - - 637.234
1943 4.569.000,00 5.115.000,00 546.000,00
1944 6421.000,00 8.499.000,00 2.078.000,00
1945 6.107.000,00 13.337.000,00 7.230.000,00
1946 6.403.000,00 8.060.000,00 1.657.000,00
1947 7.177.000,00 22.391.000,00 15.214.000,00
1948 7.389.000,00 25.646.000,00 18.257.000,00
1949 8.727.000,00 32.364.000,00 23.637.000,00
1950 9.997.000,00 34.098.000,00 24.101.000,00
1951 11.929.000,00 36.773.000,00 24.844.000,00
1952 11.249.000,00 38.652.000,00 27.403.000,00
1953 12.320.000,00 60.569.000,00 48.249.000,00
1954
7
- - 53.040.394,00
1955 - - 51.425.086,00
TABELA XX
PORCENTAGEM DAS RECEITAS DE PASSAGEIROS SOBRE A RECEITA TOTAL
8
ANO %
1935 09,10
1936 10,20
1937 15,88
1938 18,62
1939 14,80
1940 19,53
1941 18,65
1942 23,44
1943 21,38
1944 21,68
1945 24,44
1946 28,08
1947 20,51
1948 23,38
1949 19,74
1950 15,00
1951 Não há registro
1952 31,94
1953 31,72
1954 34,85
1955 33,33
7
Os dados de 1954 e 1955 estão presentes em MARTINS, op. cit.
8
MARTINS, op. cit.
207
TABELA XXI
PORCENTAGEM DAS RECEITAS DE MERCADORIAS SOBRE A RECEITA TOTAL
9
ANO %
1935 75,14
1936 75,42
1937 67,89
1938 65,13
1939 57,80
1940 63,43
1941 64,85
1942 56,76
1943 54,53
1944 55,54
1945 59,30
1946 60,79
1947 59,29
1948 44,37
1949 42,81
1950 39,32
1951 Não há registro
1952 36,39
1953 32,74
1954 26,64
1955 31,10
TABELA XXII
PORCENTAGEM DAS RECEITAS DE ANIMAIS SOBRE A RECEITA TOTAL
10
ANO %
1935 00, 44
1936 00,30
1937 00,53
1938 00,52
1939 00,30
1940 00,29
1941 00,50
1942 01,52
1943 00,63
1944 00,73
1945 00,31
1946 00,58
1947 00,42
1948 00,94
1949 00,74
1950 01,06
1951 01,51
1952 0,35
1953 0,26
1954 0,34
1955 0,89
9
MARTINS, op. cit.
10
MARTINS, op. cit.
208
TABELA XXIII
PORCENTAGEM DE DESPESAS SOBRE A DESPESA TOTAL
ADMINISTRAÇÃO E DIREÇÃO GERAL
ANO %
1935 10,63
1936 07,11
1937 06,99
1938 06,81
1939 09,96
1940 09,17
1941 11,07
1942 14,23
1943 13,30
1944 09,07
1945 18,63
1946 Não há registro
1947 07,04
1948 Não há registro
1949 10,52
1950 15,45
1951 10,47
TABELA XXIV
PORCENTAGEM DAS DESPESAS (SOBRE A DESPESA TOTAL)
MOVIMENTO
ANO %
1952 40,09
1953 39,90
1954 42,49
1955 52,61
TABELA XXV
PORCENTAGEM DE DESPESAS SOBRE A DESPESA TOTAL
TRÁFEGO
ANO %
1935 14,50
1936 15,32
1937 20,55
1938 17,48
1939 15,14
1940 13,84
TABELA XXVI
PORCENTAGEM DE DESPESAS SOBRE A DESPESA TOTAL
LOCOMOÇÃO
ANO %
1935 40,48
1936 45,86
1937 34,88
1938 36,30
1939 38,08
1940 29,37
209
TABELA XXVII
PORCENTAGEM DE DESPESAS SOBRE A DESPESA TOTAL
VIA PERMANENTE
ANO %
1935 33,96
1936 27,59
1937 37,58
1938 39,39
1939 30,39
1940 22,43
1941 Não há registro
1942 20,94
1943 26,21
1944 24,33
1945 37,08
1946 Não há registro
1947 37,43
1948 Não há registro
1949 32,40
1950 44,35
1951 27,55
TABELA XXVIII
PORCENTAGEM DE DESPESAS SOBRE A DESPESA TOTAL
TELÉGRAFO E TELEFONE
ANO %
1935 incluída no Tráfego
1936 00,83
1937 Não há registro
1938 00,02
1939 00,02
1940 00,01
TABELA XXIX
PORCENTAGEM DE DESPESAS SOBRE A DESPESA TOTAL
DIVERSAS, ACESSÓRIAS E EVENTUAIS
ANO %
1935 03,95
1936 03,39
1937 Não há registro
1938 Não há registro
1939 06,41
1940 24,47
210
TABELA XXX
NÚMERO DE EMPREGADOS POR KM DE LINHA
ANO EMPREGADOS
1935 01,53
1936 01,55
1937 01,56
1938 01,56
1939 01,72
1940 01,54
1941 1,52
1942 1,58
1943 1,68
1944 1,99
1945 2,34
1946 2,29
1947 3,45
1948 3,45
1949 3,52
1950 3,49
1951 3,67
TABELA XXXI
PORCENTAGEM DAS DESPESAS SOBRE A DESPESA TOTAL
MOVIMENTO E TRÁFEGO
ANO %
1941 36,44
1942 40,29
1943 33,29
1944 39,10
1945 46,00
1946 Não há registro
1947 34,00
1948 Não há registro
1949 48,24
1950 Não há registro
1951 36,99
TABELA XXXII
PORCENTAGEM DAS DESPESAS SOBRE A DESPESA TOTAL
CONSERVAÇÃO DO MATERIAL RODANTE
ANO %
1941 24,46
1942 24,43
1943 29,20
1944 27,50
1945 11,55
1946 Não há registro
1947 21,53
1948 Não há registro
1949 20,49
1950 19,05
1951 22,38
211
TABELA XXXIII
TRANSPORTE DE PASSAGEIROS/QUANTIDADE
ANO PASSAGEIROS
1935 51.346
1936 73.229
1937 89.574
1938 102.318
1939 105.952
1940 111.480
1941 122.529
1942 133.483
1943 145.829
1944 174.359
1945 161.676
1946 179.723
1947 199.538
1948 230.630
1949 243.953
1950 303.868
1951 329.822
1952 341.182
1953 389.234
1954 399.244
1955 373.043
TABELA XXXIV
TRANSPORTE DE PASSAGEIROS/DENSIDADE DE TRÁFEGO (TKU)
ANO TKU
1941 8.625.438
1942 10.678.000
1943 11.564.297
1944 15.171.789
1945 14.208.205
1946 13.408.509
1947 13.753.280
1948 15.337.679
1949 17.202.350
1950 21.342.618
1951 25.373.128
1952 27.325.321
1953 30.035.611
1954 33.283.502
1955 31.683.412
212
TABELA XXXV
TRANSPORTE GRATUITO DE PASSAGEIROS, Serviço de Colonização e outros.
ANO PASSAGEIROS
1935 3.476
1936 3.845
1937 7.136
1938 8.934
1939 Não há registro
1940 7.574
TABELA XXXVI
PORCENTAGEM DO TRANSPORTE GRATUITO, EM SERVIÇO DE COLONIZAÇÃO E
OUTROS SOBRE A QUANTIDADE DE PASSAGEIROS TRANSPORTADA
ANO %
1935 06,77
1936 05,25
1937 07,97
1938 08,79
1939 Não há registro
1940 06,79
TABELA XXXVII
TRANSPORTE DE MERCADORIAS
ANO TONELADAS
1935 76.874
1936 77.763
1937 81.334
1938 97.950
1939 93.369
1940 97.213
1941 106.041
1942 113.414
1943 88.404
1944 174.161
1945 59.430
1946 83.222
1947 124.971
1948 150.949
1949 142.689
1950 139.239
1951 134.522
1952 109.857
1953 97.537
1954 77.937
1955 91.675
213
TABELA XXXVIII
TRANSPORTE DE MERCADORIAS – DENSIDADE DE TRÁFEGO ( TKU)
11
ANO TKU
1935 12.885.016
1936 13.317.401
1937 17.900.394
1938 13.344.969
1939 15.968.615
1940 13.369.531
1941 16.150.799
1942 15.310.301
1943 18.045.833
1944 Não há registro
1945 14.148.704
1946 16.473.268
1947 18.544.115
1948 22.518.527
1949 21.045.473
1950 20.211.258
1951 20.428.716
1952 18.553.944
1953 17.686.721
1954 13.915.879
1955 15.229.895
TABELA XXXIX
TRANSPORTE DE MERCADORIAS GRATUITAS, Serviço de colonização e outros
12
ANO TONELADAS
1935 30.653
1936 26.982
1937 40.487
1938 51.444
1939 21.853
1940 46.665
TABELA
PORCENTAGEM DE MERCADORIAS GRATUITAS, serviço de Colonização e outros sobre o total
de mercadorias transportadas
13
ANO %
1935 38,83
1936 34,70
1937 50,22
1938 52,52
1939 23,25
1940 48,00
1941 45,06
1942 Não há registro
1943 33,33
1944 64,19
1945 40,03
11
MARTINS, op. cit.
12
MARTINS, op. cit.
13
MARTINS, op. cit.
214
1946 46,03
1947 31,13
1948 39,53
1949 33,62
1950 29,60
1951 nada
TRANSPORTE DE ANIMAIS/QUANTIDADE
ANO CABEÇAS
1935 3.321
1936 2.911
1937 4.211
1938 3.733
1939 2.252
1940 1.342
QUADRO I
EXPANSÃO E DECADÊNCIA DAS FERROVIAS NO BRASIL, 1854-1979.
14
Períodos
Extensão da rede no final
do período
Acréscimos durante o
período
Percentagens
construídas em
relação a 1960 (%)
1854-1859 109,4 109,4 0,3
1860-1875 1.801,0 1.691,6 4,4
1876-1885 6.930,3 5.129,3 13,4
1881-1896 13.576,7 6.646,4 17,4
1897-1902 15.680,4 2.103,7 5,5
1903-1907 17.605,2 1.924,8 5,0
1908-1914 26.062,3 8.457,1 22,2
1915-1920 28.535,0 2.472,7 6,5
1921-1930 32.478,0 3.943,0 10,3
1931-1940 34.252,0 1.774,0 4,6
1941-1945 35.280,0 1.028,0 2,8
1946-1960 38.173,0 2.893,0 7,6
1961-1970 31.335,0 -6.838,0 -17,9
1971-1979 29.909,0 -1.426,0 -3,7
.
14
DOURADO, Anísio Brasileiro de F. - Aspectos sócio-econômicos da expansão e decadência das ferrovias
no Brasil - Ciência e Cultura, São Paulo, v. 36 , n. 5, p. 734, maio de 1984. In: PAULA, Dilma Andrade de –
Fim de Linha: A extinção de ramais da Estrada de Ferro Leopoldina, 1955-1974 – Niterói, Universidade
Federal Fluminense, Tese de Doutorado, 2000.
215
ANEXO II
PRODUÇÃO
AGROPECUÁRIA DA ÁREA DE INFLUÊNCIA DA EFBM
216
TABELA XIX
PRODUÇÃO PECUÁRIA/POPULAÇÃO DE REBANHO DE 1949
1
Município/Produto Eqüinos
(Cabeças)
Asininos
(Cabeças)
Muares
(Cabeças)
Ovinos
(Cabeças)
Caprinos
(Cabeças)
Suínos
(Cabeças)
Peles de
animais
silvestres
(kg)
Charque
(kg)
Araçuaí 4.000 a
6.000
2.000 - 2.000 a
3.000
5.000
produtor
- 2.000
produtor
-
Carlos Chagas - - 7.000
produtor
- - - - 1.095.050
produtor
Itambacuri - - 12.000
produtor
- - 43.000
produtor
- -
Nanuque - - - - - - - -
Novo Cruzeiro - 4.000 - - - - - -
Poté - - - - - - - -
Teófilo Otoni - - 7.200
produtor
2.000 a
3.000
- 40.000
11º
produtor
15.000
produtor
-
TABELA XX
PRODUÇÃO DA INDÚSTRIA AGRÍCOLA DA REGIÃO DA EFBM DE 1949
2
Município/Produto Artefatos de Tecido
(unidades)
Aguardente de Cana
(litros)
Farinha de Mandioca
(kg)
Farinha de Milho (kg)
Araçuaí - - 600.000 -
Carlos Chagas 1.156 - - -
Itambacuri 657 - - 302.300
12ºprodutor
Nanuque - - - -
Novo Cruzeiro 946 - - -
Poté - - - -
Teófilo Otoni 3.736 778.700
4º produtor
- -
1
MINAS GERAIS, Anuário Estatístico de Minas Gerais de 1949 – Belo Horizonte, 1949 Rebanho/População
Pecuária pp. 128 – 130; Charque p. 190
2
MINAS GERAIS, Anuário Estatístico de Minas Gerais de 1949 – Belo Horizonte, 1949 Indústria Têxtil p.
180; Aguardente de cana p. 199
217
TABELA XXI
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DA REGIÃO DA EFBM DE 1955
3
Município/Produto Alho
(arrobas)
Cana de Açúcar
(toneladas)
Feijão
(sacos)
Mandioca Brava (toneladas)
Araçuaí - - - -
Carlos Chagas - - - -
Itambacuri - - 81.500
6º produtor
-
Nanuque - - - -
Novo Cruzeiro 17.600
4º produtor
- - -
Poté - - - -
Teófilo Otoni - 97.000
8º produtor
- 38.500
2º produtor
TABELA XXII
POPULAÇÃO PECUÁRIA DA REGIÃO DA EFBM DE 1955
4
Município/Produto Eqüinos
(cabeças)
Asininos
(cabeças)
Muares
(cabeças)
Ovinos
(cabeças)
Caprinos
(cabeças)
Suínos
(cabeças)
Araçuaí - - - - - -
Carlos Chagas - 780 / 5º 4.300
8º produtor
17.000
1º produtor
4.000
3º produtor
60.000
4º produtor
Itambacuri 14.000
6º produtor
- 6.000
2º produtor
7.200
4º produtor
- 60.000
4 º produtor
Itinga - - - 9.000
3º produtor
- -
Nanuque - - - - - -
Novo Cruzeiro - - 6.500
1º produtor
- - -
Poté - - - - - -
Teófilo Otoni - - 6.500
1º produtor
3.750
10º produtor
- 65.000
3º produtor
TABELA XXIII
PRODUÇÃO DA INDÚSTRIA AGRÍCOLA E INDÚSTRIA MANUFATUREIRA E FABRIL DA
REGIÃO DA EFBM DE 1955
5
Município/Produto Aguardente de Cana
(litros)
Farinha de Milho (kg) Madeira Tipografia
Araçuaí - - - -
Carlos Chagas - - - -
Itambacuri - 352.000 produtor - -
Nanuque - - Pólo
Madeireiro
de MG
-
Novo Cruzeiro - - - -
Poté - - - -
Teófilo Otoni 650.000
4º produtor
- - Parque
tipográfico
de MG
3
MINAS GERAIS, Anuário Estatístico de Minas Gerais de 1955 – Belo Horizonte, 1955 Produção Agrícola
pp. 119 – 20
4
MINAS GERAIS, Anuário Estatístico de Minas Gerais de 1955 – Belo Horizonte, 1955 População Pecuária
p. 125
5
MINAS GERAIS, Anuário Estatístico de Minas Gerais de 1955 – Belo Horizonte, 1955 Produção da
Indústria Agrícola p. 128 e Indústria Manufatureira e Fabril p. 138
218
.
ANEXO III
MEMÓRIAS DE FERRO
219
ENTREVISTA 1
16/11/2002 - Araçuaí
Adaltiva Teixeira da Silva
Professora de Ciências
Idade:
Natural de Araçuaí
Tempo estimado: 20 min
Assuntos relevantes: cotidiano de Araçuaí, descrição de viagem, opinião sobre o fim.
LADO A:
Quais as lembranças que o sra. tem da Estrada de Ferro Bahia e Minas?
Eu tenho lembrança até hoje do apito. Dava cinco horas na hora que ele apitava lá na ponte do Calhauzinho,
bem distante daqui, parava para tomar água. “O trem vai beber água”. Apitava três vezes. Todo mundo na
cidade corria para esperar o trem chegar. Aquilo era uma festa. Todo mundo ia. Os pais, as avós para
justamente ver o trem chegar. Não sei se era curiosidade, só sei que a gente ia porque não tinha outro lugar
para poder ir, para passear. Cidade era só esse miolinho aqui. Outra lembrança boa que tenho era quando meu
irmão chegava. Ele estudava em Teófilo Otoni e falavam assim: “Os estudantes vão chegar!” O que a gente
fazia? Trocava de roupa e ia para a estação. Chegava lá perguntava ao guarda: “Cadê? Já comunicou?” “Já
está perto de chegar. Já saiu de Schnoor.” Íamos a pé até a ponte do Calhauzinho porque lá era parada
obrigatória do trem para tomar água e colocar lenha. Quando chegava era aquela folia dentro do trem.
Cantava, abraçava, encontrava os namorados. Meu pai e minha mãe não sabiam. Ia buscar o irmão, mas o
namorado estava lá dentro também.
Outra lembrança boa que tenho são as viagens. Íamos a Teófilo Otoni visitar parentes ver alguma coisa. Toda
bonitinha, direitinha, mas não podia sair da linha porque o pai e a mãe eram muito rígidos. Ficava namorando
de longe. Aqueles flertes, olhares... o trem mais gostoso do mundo foi esse tempo. Hoje nem namora! Para
pegar na pontinha do dedo era uma dificuldade! E se pegasse no dedim já falavam que não era moça mais.
Tinham essa mania aqui em Araçuaí. Nunca vi perder virgindade só tocando no dedo. Naquele tempo era
desse jeito.
Então nós fomos para Teófilo Otoni. Fui mais uma irmã. Fiquei no orfanato. E essas irmãs no dia seguinte
foram embora para outro lugar. Quando deu de ir embora fui falar com as irmãs do orfanato e avisei que
minhas férias estavam acabando. Compraram a passagem e levamos quase oito dias para chegar em Araçuaí.
Choveu, o trem desencarrilou, caiu barreira. Até tirar aquele tanto de terra do trilhos... quando tirou o trem
desencarrilou e foi esperando. Dentro do trem tinha rapadura, porco, galinha. A poltrona era coisa dura e
balaio de um canto, balaio de outro, frango. Aquele povo de terno com gente simples de chapéu na cabeça.
Não tinha aquela divisão. Todo mundo era amigo.
Gostava muito das paradas. Comprar biscoitos, doces. Sinto até hoje o gosto do salgadinho que comprava na
estrada. Um tempo muito bom.
Depois conseguiram colocar o trem de volta na linha mas quebrou uma peça. “Sinfão” sei lá o nome que dava
para a peça. E foi esperar essa peça chegar. Tinha um moço que tocava violão e começamos a fazer um baile.
Aí um moço chamou para a fazenda dele e nós fomos. Lá dançamos e arrumei um namorado que era o dono
da fazenda. Não sei como ficaram sabendo, quando cheguei aqui a primeira coisa foi pai me xingar. Quase
que apanho. Desse dia em diante só ia para os lugares com Jessé (irmão?). Não podia olhar nem para esquerda
e nem para a direita.
Como dormia numa situação dessa?
Não lembro como dormia. Geralmente a gente sentava e cochilava no ombro do outro. Às vezes acordava
com aquele montueiro de gente em cima, empurrava. Era desse jeito. Tinham uns balaios com rapadura que
220
beliscávamos durante a viagem. Quando chovia o trem enchia de água, tinha que levantar o pé. Era um
passeio muito bom, gostoso.
Quando foi ano retrasado fui para Colatina. Fui de Valadares a Colatina de trem. O gente, quando passava
naquelas curvas e apitava eu ficava toda emocionada. Na hora que cheguei na estação e o trem veio: “Acho
que não vou controlar”. Eu sou muito emotiva. Lembrei de Araçuaí. Até hoje escuto o apito do trem e o sinal
que dava a usina. A luz aqui era de gerador a óleo. Dava dez e meia era o primeiro apito e a luz piscava.
Depois de onze horas acabava. Quem estava na rua tinha que correr logo para casa. Duas coisas aqui que
tenho muita saudade. A usina, seu piscar, o barulho do motor e do trem.
Como a sra. viu o fim da estrada?
Fiquei muito triste. Não sabia porque e para falar a verdade até hoje não muito porque. Naquele tempo meus
pais eram muito rígidos. Chegava uma visita a gente não podia ficar na sala. Só de passar o rabo de olho
senão a taca comia. Se tinha gente adulta conversando ninguém entrava no meio, não dava palpite. Naquele
tempo se falava muito de comunismo, revolução que a gente Não entendi o porque. Então acabou. Quando
assustamos já não tinha nenhum trilho mais. Fiz a última viagem.
A gente caminhava muito nos trilhos para pegar manga. No caminho até a ponte do Calhauzinho tem muita
mangueira. Em época de manga a gente ia para lá chupar manga, passar o dia, fazer piquinique. Só sei que o
trem acabou. Era uma tristeza.
Adorava andar de trem justamente na hora de passar no túnel. O túnel fica entre Valão e Ladainha. Era escuro
e via aquelas faíscas, a fumaça entrava, a gente ficava asfixiado. Mas a gente achava tudo uma beleza. De vez
em quando a gente andava no trole quando ia passear. Às vezes saía daqui de Araçuaí lá para a ponte e a gente
pegava carona. Sempre fui medrosa de fica em pé em canoa e no trole. Até hoje. No trole, eu sentava e eles
remavam. Era de remo. A gente sente muito por ter terminado e não entende o porque. Era bom para todo
mundo. Todo mundo podia pagar sua passagem, era baratinho.
Nesses dias fui em Tiradentes e andamos de trem. São uns momentos que tem o gostinho do passado mas não
é igual. O apito é diferente, não tem aquela fumaça, o toc toc do barulho da roda.
Lembro muito bem dos maquinistas que trabalhavam lá. Eram fortes aqueles morenões, chegavam a brilhar.
Os ferroviários impunham respeito. E tinha nossa vizinha aqui a Lia, traziam de Caravelas caranguejo e nem
conhecia caranguejo aqui na região. Era um barato. Colocava aqueles caranguejos para andar no meio da casa
com os cambões pretos, cheios de lama. A gente ficava curioso de como fazia aquilo. São lembranças que não
paga nunca da memória da gente. Tem hora que perco o sono e tem umas coisas que a gente esquece, mas
uma hora aflora.
Eu gosto muito de viajar assim. Tenho uma imaginação. Mesmo dentro de casa estou viajando. A gente tem
que ter a memória e a vontade de viver igual de criança. A gente não pode perder a fantasia. Se a gente perder
a fantasia o mundo acaba.
SOBRE O FIM
Uma coisa impossível. Tudo que vem de cima o povo o questiona, não acha ruim nem nada. Não pergunta
se é bom. Eu fico indignada com isso porque, principalmente nessa região, eles acabam com as coisas assim
de uma hora para outra. Sem avisar, sem falar, justificar. E quem é que sofre? As pessoas mais pobres. Aqui
tinha ponte aérea. Acabou de uma hora para outra. A mesma coisa foi a linha e beneficiava tanto rico como o
pobre. Todo mundo que fazia sua rapadura na zona rural ia diretamente vender em Teófilo Otoni, no caminho
ao longo da ferrovia. Trazia querosene que não existia nessa região, levava verdura, galinha, ovos. Acabou de
uma hora para outra. E quem sofre? O pobre. Nós brasileiros precisamos questionar mais as coisas. Não
aceita o que vem de cima.
Depois falaram que ia refazer essa estrada novamente. Mas acho mais difícil. Acho que tirou os trilhos daqui
até Ponta de Areia, não sei.
A sra. lembra quando?
A época não lembro não. Faz uns dois anos que falaram que ia refazer. Nós até comentamos que ia ser ótimo
porque os mais novos iam saber o que é uma viagem de trem. Mas agora com ônibus e caminhão, acho muito
difícil.
FIM DA ENTREVISTA
221
ENTREVISTA 2
03/09/2002 - BH
Ciro Flávio Bandeira de Melo
Professor Universitário - 59 anos
Natural de Teófilo Otoni
Tempo estimado: 45 min
Assuntos relevantes: a natureza, o movimento/uso do trem, política, relações sociais
entre o Jequitinhonha e Mucuri.
LADO A:
Quais as lembranças que o sr. tem da Estrada de Ferro Bahia e Minas?
Devia ter uns oito anos, mal tinha a idéia de que Teófilo Otoni era um centro de produção, de atividades,
sendo o pólo principal da região. Eu fui comprar uma manivela para soltar papagaio. E lá na estrada que fazia,
muita gente trabalhava lá e tinha um senhor que fazia manivela. Eu fui lá... Fez a manivela bonita... mas uns
detalhes da manivela chamava atenção pelo seguinte: a manivela precisa de ser furada para atravessar o lado
que você vai enrolar a linha através de um mecanismo de madeira. Aquilo ali, uma oficina numa estrada era
para ter uma furadeira, não tinha, os buracos foram feitos com ferro quente. Esquentava o ferro, enfiava o
ferro na madeira para conseguir fazer um buraco. Bom, você vai dizer, ele trabalhava por conta própria e ele
não podia utilizar o material da estrada. Como não podia? Para fazer dois, quatro buracos numa manivela? É
que na verdade você tem uns limites enormes de manutenção da própria estrada. Uma estrada que não
consegue ter nem furadeira.
Bom, o que eu lembro... Lembro dos trens fazendo manobra, meia dúzia, muito poucas... devia ter
umas quatro máquinas de vapor... Lembro no tempo final da estrada de uma máquina grande que era a óleo
diesel que me parece foi montada lá na cidade.
E das viagens que fiz dentro dos trens da Bahiminas. Estrada natural...
O sr. fazia viagem normalmente para onde?
Para Alcobaça. Porque Alcobaça era um centro das féria dos teofilootonenses. Se a gente queria conhecer o
mar ia facilmente para Alcobaça... Só que tem que não era tão facilmente assim... Lá pelos anos 50, 51, 52
foram as primeiras vezes que eu fui. Eu não sou tão velho, mas eu só tinha sete anos de idade em 51. A gente
saía cinco horas da manhã de Teófilo Otoni e chegava à noite em Caravelas... A primeira vez fui com meu
pai. Nós tínhamos que dormir em Caravelas para no dia seguinte ir para Alcobaça. Alcobaça e Caravelas hoje
é dez minutos de carro. Na época você tinha que ir num caminhão pau de arara. Era o único meio que tinha.
Tem muita gente que viveu essas coisa muito mais intensamente.
Me recordo da primeira vez em Caravelas. No dia seguinte saímos cedo... A ida para Alcobaça era
uma beleza, mas vou falar de Caravelas... Caravelas da época as casas eram todas cobertas de ladrilhos
portugueses, das cavalhadas entre mouros e cristãos. Disso me recordo.
As coisas que mais me recordo dessa primeira viagem é que de Caravelas para Alcobaça você ia de
caminhão e você passava, e isso eu me recordo muito bem, no que era ainda grande mata atlântica. Coberto,
você passava dentro da mata. Como o trem também uma parte como Posto da Mata era posto da mata mesmo.
E era dentro da Mata Atlântica, que já é o sul da Bahia e cidade antes de Minas é Nanuque. Aquela área era
toda de Mata Atlântica ainda em 1950 e 51. E foi tudo arrancado.
Lá tinham várias serrarias...
Muitas. Na cidade de Nanuque em 1960 tinha ainda serrarias, que tinha gente que morava em Teófilo Otoni e
era de lá e era colega da minha irmã e ele era dono de serraria lá. Mas o que queria falar no caso dos anos 60.
A eleição presidencial Lott e Jânio andaram passando por Nanuque e uma das promessas que o Jânio fez era
de arrancar a Bahiminas e substituir por uma estrada de rodagem e o Lott, pelo menos é o que me recordo de
222
ter ouvido em Teófilo Otoni todo mundo rindo, foi ridicularizado pelo seguinte: ele falou na cidade que era
uma necessidade recuperar a mata Atlântica. Que ele ia incentivar o replantio da Mata Atlântica e que ele ia
mandar que plantasse de novo o jacarandá e todo mundo riu porque o jacarandá leva uns 200 anos para chegar
ao ponto.
Isso foi o discurso do Lott, o do Jânio era...
Arrancar a estrada de ferro que foi arrancada logo depois...
Mas as pessoas queriam que ela fosse arrancada, o sr. tem essa lembrança?
Queriam, porque na época a estrada já era muito precário o funcionamento dela. Era só em cima da terra, não
tinha brita nenhuma... Por exemplo na rua em que eu morava era terra e os dormentes viviam dando
problemas e os trens desencarrilando. Muito pobre tudo sem nenhuma manutenção real.
O sr. viveu até que idade a região convivendo na estrada?
Até os 17 anos. Eu vim pra cá com 18, mas a estrada acabou antes de vir para BH. A estrada deve ter acabado
em 62 ou 63. Por que eu vim para cá em 63. Em 62 eu tinha colega que morava numa rua e eu tinha que
atravessar a estrada e quando passei lá já estavam arrancando os trilhos.
Nunca peguei o trem para a região do Jequitinhonha, de Araçuaí, que era o bispado de Teófilo Otoni.
Chamava D. José Diaz. Mas no Vale do Jequitinhonha eu me recordo... duas empregadas que trabalhavam lá
em casa eram de Araçuaí. E Araçuaí era um grande fornecedor de mão de obra de Teófilo Otoni. E era uma
região, como até hoje, paupérrima e nunca entrei na Rio Bahia lá pra cima. Quando fiz meu Mestrado eu usei
um material que fala da construção nos relatórios de governo de 1902, 1903 o Arquivo Público, inclusive o
nome da família, quem era o organizador, o gerente do negócio, mas nunca fui à fundo.
Como o sr. viu o fim da estrada de ferro? O que o sr. sentiu?
Eu tinha 18 anos e nunca fui muito ligado com a EF. A única ligação que tinha era ver o trem passando na rua
descendo em direção à Bahia. Lembro muitas vezes de transporte de gado que vinha de Carlos Chagas e
quando não era gado, o que havia mais era pedra paralelepípedo e madeira. Toda rua que ia ser calçada em
Teófilo Otoni lá vinha pedra no trem. Nesse trecho o gado era o único transporte principal, pelo seguinte...
deve ter sido em 52 porque em na época eu tinha me mudado para essa casa mais perto da estrada. E eu me
recordo de uma tropa de uma boiada gigante pois deve ter chovido muito, a estrada ficou interditada e tiveram
que descer com tropa e eu morava muito antes da ponte que ficava no meio da uma rua comprida e essa
boiada vinha lá da estrada e seguia para sair na Rio Bahia no outro lado da cidade. Foi a única vez que vi uma
tropa passando.
Não tinha ligação emocional maior com a EF. Eu acho linda a música do Milton e do Fernando
Brant... eles devem ter ido lá alguma vez para Alcobaça...
Meu pai tinha uma loja na cidade de Teófilo Otoni. E era ansiosamente esperado o pagamento do 13º
porque a cidade vivia e dependia da estrada. Aa cidade precisava do dinheiro de natal da estrada que
geralmente só saía no dia 23 ou 24 de dezembro.
Quem tinha maior poder de compra na cidade eram os funcionários da estrada?
Em quantidade era. Entre os comerciantes isso era comentado, mas o tipo de loja do meu pai atingia pouco o
pessoal da estrada. Inegavelmente era o pessoal da estrada que tinha importância. A cidade era polo de uma
região enorme, tanto do Mucuri quanto do Jequitinhonha.
Quando estava no grupo escolar que no mapa a gente via o município de Teófilo Otoni, era um dos
maiores de Minas Gerais. Você vê, era juntar o nada a coisa nenhuma em termos financeiros e econômicos.
Nunca se desenvolveu nada em termos industriais na região.
E a população? O sr. se recorda do uso que as pessoas faziam do trem para além do transporte de
passageiros?
223
Eu me recordo que na estação é que o trem sempre saía às cinco horas da manhã. Então em frente da estação
tinha sempre um pequeno hotel, e era intenso o movimento. Assisti a esse movimento em 51, 52 com meus
pais e em 1958 fui com um rapaz que trabalhava na loja do meu pai. Ele tinha casado e foi passar a lua de mel
em Alcobaça e ainda me levou. Já viu que loucura?
Tinha um negócio muito bom, naquela época você passava vinte dias, um mês de férias.
E o trajeto do trem?
Das paradas. Nas várias que tinham era aquela quantidade de meninos/adolescentes vendendo coisas.
Vendendo produtos igual hoje nas cidades do interior o ônibus para e vem o pessoal para vender.
Uma coisa que mais tinham para vender era pamonha.
Fim do lado A
LADO B:
O trem andava numa velocidade. Eu me recordo dessa viagem de 58... eu ficava andando no final de tarde,
depois de Nanuque. Ficava do lado de fora do trem para ver a paisagem porque o trem andava devagarzinho
demais. Eu acho que ele não devia passar de 30m km por hora. Coisas que me recordo... a quantidade de
passarinhos no fim de tarde nos fios de telégrafo... a quantidade que tinha.... a quantidade de madeira que
arrancavam da mata.
O trem cumpria horário mesmo?
Tinha jeito de cumprir horário? Ele ia chegar, mas não tinha nada de horário certo não. Devia ser assim...
quatro horas é a hora de chegar, mas se chegar às cinco está dentro do horário. Eu imagino que devia ser
assim. O horário é uma hora a mais.
Quais as justificativas para terminar a estrada que o sr. ouviu na época?
A justificativa era que a estrada era muito cara. Recuperar a estrada do ponto de vista econômico era
impraticável porque a estrada não tinha... Coisas que me recordo na escola... eu tinha um professor que era
engenheiro e ele falava, não sei se ele trabalhava na estrada naquela época, mas ele justificando que a estrada
era extremamente ociosa e muito cara para manter aquela ociosidade toda e a estrada na época era uma
espécie de cabide de emprego de políticos de lá.
O político mais importante era do antigo PR de MG, o Partido Republicano. Ele era um partido pequeno e
praticamente o lugar de maior força dele era a região de Teófilo Otoni. Não era o PR antigo de 1930, mas se
não me engano aquele pessoal de 30 também estava. O político principal era o avô do Aécio Neves, o Tristão
da Cunha. E o deputado estadual e depois federal de lá era o pai do Aécio Neves.
Então a justificativa era o preço, tinha que praticamente reconstruir a estrada toda, era impraticável na época
essa dinheirama toda. E tinha outro detalhe, a estrada não transportava nada. Não tinha circulação de
mercadoria que justificasse e a estrada ligava o Jequitinhonha ao mar. Não é nada. Ou então estrada de ferro
que vai transportar passageiro é um negócio que precisa de ser muito organizado e é antieconômico. A estrada
não tinha condição de sobrevivência. Como era um negócio muito vagaroso... porque se não me engano era
duas vezes por semana que o trem ia para o litoral e voltava de lá. Ia Segunda voltava Terça, ia Quarta,
voltava Quinta. Era isso. Era um trem só. Muito pouco. As máquinas eram pouquíssimas.
Acho que para os interesses do pessoal das fazendas da região e para haver o escoamento da produção da
região a estrada não era interessante.
O sr. se lembra de algum movimento da população para defender a EFBM?
224
Não. Eu me recordo um pouco que o pessoal da própria estrada porque na verdade era o emprego deles. A
cidade não teve envolvimento. Não havia meio de mantê-la do ponto de vista econômico.
A principal mercadoria da estrada era madeira?
Madeira subindo para Teófilo Otoni, vindo de Nanuque em toras. Para manter uma serraria que tinha em
Teófilo Otoni ao lado da estrada. Onde era essa serraria é hoje a prefeitura da cidade.
Em alguns jornais da década de 60 há uma proposta de se montar um Estado do Jequitinhonha e Mucuri e um
dos argumentos era a EFBM...
Isso desde o início do século. Me recordo que encontrei alguma coisa sobre isso num jornal chamado o
Mucuri que era de Teófilo Otoni, em torno da idéia de que Teófilo Otoni seria a capital do Estado. Mas
durante o período que eu vivi lá não tenho qualquer coisa que possa ter desenvolvido muito. Não sei. Meu pai
não era político, a gente não tinha jornal, na época o Mucuri já não existia, havia um jornal chamado O
Liberal já com a imagem do Teófilo Otoni.
Seu pai era comerciante de quê?
Tinha uma loja de produtos variados, de presentes, roupas...
E depois da Estrada, como ficou a região?
Depois da estrada, exatamente esta época eu mudei para cá (BH) e ia lá uma vez por ano, às vezes. Então
depois da estrada houve muita reclamação e o pessoal se sentiu profundamente, pessoal que eu digo
principalmente os fazendeiros. A Rio-Bahia só vai ser asfaltada em 1963-64 e quando eu vim para cá, em
janeiro de 63 eu tive que vir de avião porque não tinha estrada e estava chovendo muito. Eu vim fazer
vestibular aqui.
Eu tive um professor de História que contava muitas coisas da cidade e nasceu lá e quando ele veio estudar
em BH. Para vir a BH não tinha estrada, em 63 também não tinha.
Como fazia?
Ele pegava o trem, ia para o litoral, pegava um navio, ia para o RJ e do RJ ia de trem de ferro para BH.
FIM DA ENTREVISTA
225
ENTREVISTA 3
18/12/2002 - Betim
Epaminondas Conceição Cajá
Telegrafista e Agente de Estação – filho de ferroviário
Natural de Juerana
Tempo estimado: 45 min
Assuntos relevantes: Corrupção, cotidiano funcional, o processo de erradicação, a
transferência depois do fim.
LADO A:
Quais as lembranças que o sr. tem da Estrada de Ferro Bahia e Minas?
São muitas. O pior que tenho mais sofrimento do que lembrança. Sofri demais. A gente trabalhava dia e noite,
só ganhava o dia, quando errava à noite perdia o dia, às vezes uma punição de quinze dias devido ao atraso de
um trem por exemplo. Não podia atrasar os trens. Lembrança foi muito pouquinho que me deixou.
Como o sr. entrou na EFBM?
Eu entrei em 01/09/1950. Já entrei como telegrafista porque eu aprendi. Lá praticávamos nas estações.
Primeiro a gente entrava como aprendiz, aprendia todo serviço telegráfico e de estação para depois fazer o
teste para passar. Tipo um concurso hoje.
Era comum os filhos de ferroviários terem acesso a cargos na EFBM?
Não. Todo mundo que os pais gostavam que fosse telegrafista, na oficina... Não tinha salário, mas ficava
como aprendiz. Quando ganhava prática ganhava uns trocadinhos já.
O sr. desde cedo escolheu o telégrafo?
O meu pai era telegrafista, só não exerceu a função porque ele era chefe de trem. Então ele me ensinou a
telegrafia. Desde pequeno eu já sabia bater o “pinica-pau” como é que chama o serviço telegráfico.
Qual era a importância da estrada para a região?
Muito importante. Logo no começo dela os navios que chegavam traziam muita coisa do Rio, de São Paulo...
desembarcava em Ponta de Areia e daí que vinha para Minas Gerais. No caso vinha muito sal, muito açúcar,
café, todo tipo de cereais... e para lá ia madeira em tora. Madeira serrada de Nanuque, Artur Castilhos. A
principal mercadoria que saía da região era madeira, muita madeira. De Argolo dava aquela madeira preta, o
jacarandá. Artur Castilhos e Nanuque tinham outros tipos de madeira em tora.
Em Artur Castilhos eu era chefe na ocasião em que chegou o Dr. Oscar Leite Pires. Nosso presidente da
República era aquele que saiu rapidamente, o Jânio Quadros. Se ele ficasse lá para mim ia concertar.
Que lembrança o sr. tem desse momento?
Ele entrou com muito rigor. Dr. Oscar chegou e falou “quem tiver... aliás, o Jânio falou “quem estiver
ocupando duas cadeira tinha que deixar uma. Começou daí. Na Bahiminas, ele mandou uma comissão. Essa
comissão tinha um coronel do Exército que estava sem uniforme para despistar, tinha um tenente Ivon, tinha
um advogado, Dr. Poncioni. Então me apresentaram e disseram: “Boca de Siri”. Ninguém podia saber o que
eles eram. Então começaram a investigação aqui dentro. Levaram um livro, uma relação das coisas que o
pessoal andava vendendo da Bahiminas. Trilhos novos que nunca foram usados, fizeram a relação de tudo.
“Seu Epaminondas faz favor... procura fulano de tal manda vir aqui...” Então a polícia vinha e chamava o
226
cara. Só que já ia pegar as coisas direto. “Você comprou isso, isso e isso, onde é que está? Vá buscar!” Saia
com um soldado e um cabo e trazia tudo. Começou daí o Jânio Quadros com Dr. Oscar Leite Pires. Em Artur
Castilhos ele ficou mais ou menos uns quinze dias, ouvindo todo o processo que estava na mão dele e também
estava franco pro pessoal da cidade vir falar alguma coisa que sabia e aí ia lá todo mundo e metia o cassete.
Uns por vingança, política, saiu muita coisa.
O momento antes era de muita corrupção?
Corrupção demais, mesmo. Eu estava precisando fazer um desvio lá (Artur Castilhos) e não tinha trilho...
como faz como não faz, derepentemente apareceu esses trilhos. O próprio mestre de linha tinha vendido.
Tinha uma pilha de trilho no quintal do moço. Não sei pra quê tanto trilho. Aí veio trilho que sobrou para
fazer o desvio. É assim a Bahiminas.
O sr. falou que ia contar um caso de Aparaju?
Acho que foi 1955. Eu fui substituir o seu Jules (?) Frederico chefe da estação de Aparaju. Ao chegar
apresentei, que ele tinha recebido punição porque atrasou o diretor Wenefredo Portella que ia para socorrer o
navio que estava preso em Caravelas, navio de carga. Então ao Dr. Portela descer com muita urgência, o
Frederico atrasou em dez minutos a dar licença porque só podia com a licença de um telegrafista para o outro.
Atrasou, o diretor ficou muito nervoso e ele mandou dar dez dias de punição. Aí fui substituí-lo. Ao chegar,
deparando-se com o depósito de lenha, estava faltando 4.800 e mais um pouco de lenha. Comuniquei a
diretoria de imediato. Não tive solução. Tornei o telegrama. Sem solução. Depois apareceu o Coronel de
Brasil (?) que era o chefe do serviço de lenha. O Coronel chega todo sorridente e falou: “Ô chefe, o que está
acontecendo aí?” Falei: “Ó Coronel o problema meu aqui é esse aqui a lenha tá faltando. Estou sem poder
fazer a escrita da lenha.” “Deixa eu ver a relação da escrita” Passei para ele. Sorrindo pegou a caneta ficou
brincando com a caneta na mão e fez um zero em cima da escrita, dos quatro mil oitocentos e poucos... fez um
zero ali e disse: “Continua daqui pra frente.” E agora aquele buraco? Quem vai pagar? Ninguém. Aí, eu não
tinha dinheiro, estava lá substituindo, acabou os dez dias, o cara pegou mais trinta de férias, fiquei quarenta
dias lá. Quando terminou, eu estava comendo na casa desse cara que era o chefe. Lá não tinha pensão. Aí eu
falei: “Seu Frederico eu vou me embora amanhã e estou sem dinheiro para poder acertar com Dona Maria que
era a esposa dele. Só que Frederico tinha três mulheres lá. Então: “você devia ter dinheiro! Você não
comunicou que eu estava roubando lenha aqui! Você devia ter dinheiro. Eu não tenho nada a ver com isso não
você tem que acertar a pensão com minha esposa. Nunca cozinhei pra você um café! Tem que acertar com
ela. Dona Maria disse que era Frederico que resolvia, ficou um jogando pro outro. Naquilo, no dia seguinte o
trem chegou. O sr. João Gouvea Filho que era o nosso chefe de transporte estava enfezado porque ele também
estava comendo. Ele ficou muito nervoso que eu comuniquei. No dia que entreguei a estação a Frederico, ele
já me autorizou que eu fosse para o km 36 que chama hoje Taquari. Fui para abrir o Taquari porque José
Onofre Marques que era o telegrafista que estava chefiando a estação mandou que regressasse à Teófilo Otoni
e eu fosse reabrir o posto telegráfico. “Mas tenho que pagar a pensão a D. Maria e não tenho dinheiro, quero
fazer um vale para o sr. mandar para Teófilo Otoni e descontar do meu pagamento.” Aí tornou a falar: “Você
devia ter dinheiro! Você comunicou que estava roubando aqui e não sei o quê...” Aí chamou uns particulares
que estavam ali “Ó vem cá! O moço comunicou para o nosso chefe lá que está faltando lenha aqui, agora está
sem dinheiro para ir embora!” gozando da minha cara. Aí chegou e meteu a mão no paletó e falou: “me dá o
talão de lenha” Talão de lenha para nós significava um talão de cheque. Pegou preencheu um cheque de 70
metros e me deu e tirou um de mais mil metros. Já estava em 4.800, foi para cinco mil e cassetada.
“Frederico! O que vou fazer com esses 70 metros?” “Entrega para o rapaz do restaurante que ele vai passar o
dinheiro para você. Fui lá no restaurante e o rapaz me deu mil e tantos cruzeiros, naquele tempo era dinheiro
para chuchu, setenta metros de lenha. “Não precisa pagar a pensão não, isso aí é pra você comer pra frente.
Isso aí é para você aprender quando você receber outro depósito não ficar comunicando para a administração.
Isso aqui é de uma viúva muito rica! Nós somos os filhos dela e cada um come o que pode. Falou comigo
assim. E não teve foi nada com ele e o homem começou a me perseguir que eu fui obrigado a largar a estrada
de ferro. Daí quando saí do km 36 fui para o 87, aí veio o Carnaval aí peguei para tocar no Nanuque Club. Fui
para Nanuque para tocar o Carnaval, ganhei uns trocados, vim para Teófilo Otoni e me deu 30 dias de pau seu
João Gouvea, porque fechei o km 87. Aí fui obrigado a largar a E.F. e fui para o Correio em Itambacuri. Com
dois meses e pouco o salário não dava e voltei para a Bahiminas.
227
Como foi esse regresso para a Bahiminas?
Quando cheguei em Teófilo Otoni, eles já estavam sabendo que eu tinha largado o Correio. Porque o seu Peri
que era o chefe do Correio de Teófilo Otoni andou comunicando para estação, para eu voltar para Itambacuri.
Então eles ficaram sabendo que tinha largado o Correio. Aí me mandaram chamar de novo para a Bahiminas
porque estava faltando telegrafista. Telegrafista era difícil.
Quais os lugares que o sr, trabalhou na EFBM?
Ponta de Areia, Caravelas, Aparaju, Taquari, km 60 que é o Peruípe, Helvécia, km 87, Posto da Mata, aí pula
Argolo, Engenheiro Artur Castilhos, Aimorés, Nanuque. Mairinque, onde nasceu meu filho mais velho que é
o Jorge, km 203, Pampam, Pedro Versiani, Teófilo Otoni, Caporanga, Novo Cruzeiro, que quando a
Bahiminas acabou eu fui destacado para Novo Cruzeiro para recolher todos os trilhos que vinham. A parte
mais chocante é essa hora aí. Quando nós saímos da estação, o povo aglomerava todo mundo de lencinho
branco, acompanhava as duas locomotivas uma saía na frente apitando a outra atrás e o pessoal tudo chorando
aquele pranto. E nós também chorando e o mais chocante foi isso aí.
Explica melhor essa situação...
Quando arrancavam o último trilho da estação a locomotiva ia embora. Aí já arrancava aparelho, tudo e
aquela estação não funcionava mais. Então eu fiquei responsável por esse serviço. Eu fui o chefe que fiquei
por essa arrancação de trilhos. O Jaime (marido de D. Maria Pereira) ficou responsável por Araçuaí. Quando
arrancou Araçuaí o Jaime veio embora. Aí foram passando as outras estações e eu estava em Novo Cruzeiro.
Todos esses trilhos eram jogados em Novo Cruzeiro. De Novo Cruzeiro nós mandávamos para Ponta Leite
que era um comércio pegado a Novo Cruzeiro que lá pegava a BR. Aí pegava as carretas que já saíam para
BH. Quando saía o trem era uma choração danada. Aí eu fui para Caporanga, arrancou Caporanga. Aí íamos
arrancar para baixo quando o Dr. Luis Elói de Almeida recebeu uma ordem que era para parar por uns dias.
Aí foi Dr. Cléber Antônio, Dr. Luís foi dispensado para BH. Dr. Cléber pegou, um engenheiro novinho muito
educado, o outro Dr. Luís era muito ignorante, bravo demais. Nego até queria matar ele, até comigo mesmo
nós tivemos uma discussão muito pesada. Muito ignorante ele. A partir daí entrou uma empresa particular
para arrancar os trilhos. Aí dispensou todos os ferroviários. Foi em junho de 1968 que fui embora para
Formiga.
Foi um maquinista que me deu a orientação, ele foi lá passear, eu criava muito porco lá em Caporanga, muita
galinha, peru, aquela coisa, aí nós conversando na estação o cara fazia aniversário amanhã. “Eu sou de
Divinópolis, minha mulher estava me esperando para fazer uma festinha de aniversário” “Que dia vai ser o
aniversário?” “Amanhã”. “Não, vamos fazer a farra aqui mesmo e você vai lembrar lá de sua Divinópolis!” Aí
mandei matar a leitoa, fizemos uma farofa para ele, cerveja, cachaça, tudo... Ficou muito alegre, até chorou e
falou: “Baiano, quando você for lá pra Minas não esquece de mim pra você me procurar que vou arrumar uma
estação boa pra você trabalhar. Aí foi quando o Dr. Luís me chamou para escolher estação para vir trabalhar
aqui. Eu não sabia. Como eu fazia? Como vou pedir se não conheço nada lá? “Mas tem que pedir!” Aí eu pedi
uma cidade lá, não lembro mais. Quando ia saindo encontrei o maquinista e ele me mandou voltar e pedir
Formiga. “Formiga é uma cidade boa mulher bonita pra diabo!” Aí eu voltei e falei: “Dr. Luís!” “Que foi
Cajá?” “Minha tia mandou um recado pra mim, ela está morando lá em Belo Horizonte e me disse para
escolher a cidade de Formiga, que é uma cidade muito boa.” “Como é que ela sabe?” “Ela passou lá conheceu
coisa e tal...” Aí me mandou pra Formiga.
Quantos anos o sr. morou em Formiga?
De 1968 a 75, quando veio a opção que ela (a esposa Zenith Cajá) contou o sofrimento nosso aqui. Cortou
meu salário, passei miséria aqui nesse Betim.
Dentro dessa realidade da corrupção da estrada, os coronéis da região participavam?
O negócio era mais com o pessoal de dentro da estrada de ferro mesmo. Mais os grandes, deitavam e rolavam.
Tenho uma história pra contar de um cara que era feitor de turma, seu Riquilino Felix lá de Juerana, da turma
06. Ele me contou, que foi entregar setenta metros de dormentes para o seu Japiassu. Ele tinha a língua meio
228
apegada, falava meio diferente... Ele foi para receber o vale com seu Osvaldo Prates que era o chefão que
assinava, estava registrado setecentos dormentes. Osvaldo Prates falou assim: Olha Riquilino, você melhorou
muito a produção. Você entregava pouquinho e entregou agora setecentos!” “Não só entreguei setenta!” “Não
Riquilino aqui tem setecentos” Não. É setenta!” Honesto né! Aí chegou o Japiassu: “Não rapaz! Fala direito.
É setenta ou setecentos?” “É setenta!” “Então é isso!” Tiveram que fazer outro vale. Quase bateram nele
(Riquilino) depois na rua, podendo dividir os 630 metros. Então é isso aí. Era uma cachorrada aquela
Bahiminas.
Tinha festa nas estações? Vocês participavam de alguma festividade?
Não. Na estação não tinha tempo pra nada. Virava dia e noite.
Arrumava tempo para criar um porco, galinha... como era isso?
Naquela estaçãozinha do mato, igual Caporanga, um lugar deserto. Lá só tinha uma estação que está lá até
hoje, deserta, que nem Ladainha. Uma rua de cá, outra de um lado. A casa do chefe da estação, D. Maria Tud.
Um quintal muito grande, aí a gente comprava uns porquinhos, soltava lá... porque porco não dá muito
trabalho, galinha essas coisas...
E horta?
Não. Essas coisas não fazia porque o tempo era mais.
Por que acabou a EFBM?
Para mim foi essa política que o Brasil está tendo aí. Dia a Dia só acabando com as coisas. A estrada não era
para acabar, porque fez muita falta aquela região como faz até hoje. Sempre vou à Caravelas, o pessoal está
sempre se queixando, chorando, principalmente aquele pessoal mais antigo. Aquela Maria Fumaça,
lembrando... Que colocasse as máquinas à diesel, que a diesel dá muito mais produção, porque a Maria
Fumaça carregava poucos veículos, mas as diesel já carregavam maior quantidade.
Qual foi o argumento que o pessoal usou para acabar com a estrada?
Não teve argumento. Eu era o chefe da estação de Caporanga, recebi um telegrama: “A partir de amanhã será
paralisado o trem de passageiro”. Ficou todo mundo ali estarrecido. Por que? Ninguém sabia. Não tem mais
trem nem para Araçuaí e para Caravelas. Só que ninguém levantou assunto nenhum, ficou quieto, todo mundo
de braços cruzados esperando. E lá vai passando, passando, passando aí ficou correndo só os cargueiros para
evacuar com algumas pranchas, vagões que ainda estavam com mercadoria. Quando acabou isso aí acabou os
cargueiros também. Ficou só andando os trens VP, da Via Permanente, os automóveis de linha carregando os
engenheiros para lá e para cá, alguns da panelinha deles lá e foi ficando, ficando, até que vão arrancar os
trilhos. Foi quando fui convidado para ir a Novo Cruzeiro. Porque eu tinha tido uma discussão muito forte
com Dr. José Luis Elói e ele ficou meu inimigo um bocado de tempo. Mas depois ele me chamou:
“Epaminondas!” “Fala doutor” “Estou precisando do seu serviço.” “Perfeitamente, estou aqui para trabalhar”
“O sr. não vai mais para Formiga” Eu falei: “vou sim senhor. Sou funcionário público federal, não trabalho na
roça não senhor. Eu pedi para Formiga e é para lá que vou.” Respondi assim batido. “O senhor está nervoso
comigo” “Não estou nervoso, estou respondendo o que o sr. me perguntou” “Fiz um apanhado entre todos os
chefes e vi que você é o único que pode trabalhar comigo.” “Muito bem dr., muito obrigado.” “Então você vai
partir amanhã para Novo Cruzeiro. Vamos começar arrancar os trilhos de Araçuaí para baixo e você vai ficar
com diária especial” O primeiro pagamento era o dele e o segundo era o meu. Um dinheirão cada um bolo
assim. Dinheiro demais que eles me pagavam lá. Fiquei como chefe especial em Novo Cruzeiro. Aí fomos
arrancando os trilhos.
Quem fazia o arranque dos trilhos nesse momento era o pessoal da turma. Tinha o mestre de linha e os
feitores. A locomotiva levava as pranchas na frente e tinha uns canos de ferro que eles adaptaram, tinha uma
ferramenta para não empenar. Eram seis homens que pegavam naquilo: dois no meio, dois numa ponta e dois
noutra ponta. O da primeira encostava e os de trás empurravam e caía dentro da gôndola. Assim num
229
instantinho eles arrancavam. Aí a locomotiva ia puxando aos pouquinhos até encher aquela prancha. Colocava
outra, ia enchendo, vinha para Novo Cruzeiro, trazia. Era assim que fazia.
Como o sr. sentiu o fim da EFBM?
Foi esse mais aí de quando nós saímos da estação. Todo mundo chorando. O que nós íamos fazer? Nada.
Ninguém tentou se organizar para evitar isso?
Ninguém mexeu com nada. O diretor que foi para lá foi Dr. Luis Elói de Almeida e depois o Dr. Cléber
Antonio que não tinham muito interesse. Eram cariocas, vindos lá do Rio. Então ele veio só para desmanchar
e acabou. Depois logo passou para essa empresa e pronto. Mas os prefeitos ainda quiseram balançar, mas era
tarde demais. Eles chegaram até querer ir para Brasília, mas ficou por isso mesmo.
Seu pai contava histórias do tempo da estrada de quando ele trabalhou?
Contava, como por exemplo essa época que Minas ia tomar Caravelas. Os revoltosos foi em 1930. Eles foram
até Juerana. Duas locomotivas com as oito pranchas com os homens em cima, com os lenços vermelhos, iam
para tomar Caravelas. Aí o prefeito só estava ele e dois soldados em Caravelas e um delegado mandou cortar
a ponte de Juerana, no km 52. Tirou os trilhos, dormentes. Meu era guarda-chaves em Juerana. Quando o trem
chegou as duas locomotivas não puderam passar. Aí logo tinha um comunicado de Salvador, eles mandaram
um avião e um navio de guerra para guarnecer Ponta de Areia. Enquanto navio de guerra chegava o avião
passou na frente e os revoltosos ficaram com medo e ó! Deixaram de tomar Caravelas, porque não tinha
ninguém em Caravelas para não resolver nada. Em 1930. Foi quando eu nasci.
Sua mãe também era de Juerana?
Minha é de Alcobaça. Bernarda da Conceição.
O sr. tem notícia de comunistas na estrada?
Não. Até por sinal eu não estava lá quando houve um problema lá que fiquei sabendo. O que foi meu
encarregado de serviço, Manoel Santos Cardoso e outros colegas telegrafistas, saiu uma conversa de que eles
estavam envolvidos nesse negócio. De repentemente chegou o Exército em peso e cercou a estação toda,
oficina e prendeu um bocado daquela turma lá. Inclusive esse meu compadre foi que é Manoel Santos
Cardoso. Antes da Estrada acabar. Foi quando houve esse movimento aí e não sei se eram ou não eram.
Depois eles foram soltos? O que aconteceu?
Sofreram muito lá. Não sei qual foi o lugar que eles foram, mas minha comadre, a Nilza, que morreu à pouco
tempo, ela me falou que eles sofreram muito lá onde estavam. Mas depois soltaram eles. Hoje o Cardoso mora
no Rio. Ele era chefe dos telegrafistas na sala de Teófilo Otoni.
Os Bahiminas se envolviam com política?
Mais os chefes. Por exemplo, eu tenho um colega que hoje mora em Belo Horizonte, Orlean Bonfim
Guimarães, ele foi telegrafista depois se envolveu com política e se deu bem. Foi bem votado em Teófilo
Otoni, na Câmara dos Vereadores, e com isso ele cresceu. Quando a Bahiminas acabou ele veio para cá, já
veio como chefão. Ficou com um salário muito alto. Para ele foi beleza ter influído o negócio da política.
Agora, tinham os nossos diretores, por exemplo o Dr. Portela, faziam parte daqueles partidos lá: PSD, UDN,
PR que até comentaram muito que foi um desses políticos que ajudou a Bahiminas acabar também. O pai do
Aécio Neves, o Aécio Cunha. Era do PSD, parece. Comentaram muito que ele se envolveu lá com essa
situação da Bahiminas acabar.
Os funcionários como telegrafistas, mestres de linha se envolviam com política? Era cabo eleitoral?
230
Não se envolvia.
Mas votava...
Votava e até vou contar uma história bonita. Eu estava numa estação na Bahia, não lembro mais, aí o diretor,
acho que o dr. Portela, precisava de muito eleitores pro partido dele em Teófilo Otoni. Mandou que todos nós
transferíssemos os títulos para Teófilo Otoni. Agora você vê que barbaridade. Todo mundo transferiu o título,
a linha toda, de Ponta de Areia a Araçuaí. Aí uns dias antes das eleições, mandou um especial buscar nós.
Toda estação que ia passando ia fechando, fechando. Chegamos em Teófilo Otoni. Quando nós chegamos na
estação, uma faixa: “Aquele que estiver sem dinheiro pode procurar a Tesouraria” O tesoureiro pagador
era (....) Martins. Metido a bravão, valentão. Eu mesmo não peguei na hora, porque banquei o besta, deixei
pra depois. Esqueci o partido que era, mas tinha o Tim Garrucha que era candidato a vereador. Novinho na
época... Tim Garrucha começou a captar o pessoal todo para ir para casa dele tomar cerveja, comer farofa. Já
era proibido vender bebida alcóolica, mas ele tinha guardado lá. De noite nos levou para a rua Francisco Sá,
para a muiezada . Fomos para lá com a turma toda. Aí fomos dormir na casa do Tim Garrucha, já de
madrugada. No outro dia cedo, que era o dia da eleição, nós dormimos na sala, aquela turma de rapazes. Bom,
vamos votar em Tim Garrucha que deu cachaça para nós.
FIM LADO A
LADO B:
Mas lá nosso chefe queria que votássemos no partido contra. Mas passamos boca na turma toda lá. Aí
votamos no Dr. Sidônio Otoni que era o candidato contra o partido da Bahiminas. Era médico. Já ouviu falar
nele? Contra o pessoal da Bahiminas. Rapaz! Quando começou a apurar os trens primeira coisa que eles só
falavam na Rádio de Teófilo Otoni. Tantos votos para o Dr. Sidônio Otoni. Toda urna que abria... Tantos
votos para o Dr. Sidônio Otoni. Os homens ficaram furiosos e mandaram a gente de volta tudo para a Bahia.
Fui lá pegar o dinheiro e o tal Martins quase me bateu.
Como era o regulamento dos ferroviários? Era muito rígido?
O regulamento nosso era pesado. Nós tínhamos o regulamento que era chamado o “ISM” do Ministério. Tudo
era dentro daquela pasta. Tínhamos o livro e qualquer coisa nós consultava ali. Agora, nós tínhamos os chefes
que eram muito rigorosos. Qualquer coisinha, um minuto era um dia de pau, ou seja, de punição deixava de
receber que às vezes era cinco dias dependendo do motivo que atrasou aquele trem. Trabalhava e não recebia,
era o que chamava convite de multa. Era obrigado a trabalhar sem receber. Mas muita gente facilitava.
Houve um caso comigo sobre regulamento quando esse João Gouveia Filho, que era chefe de transporte,
segundo a história que não posso provar mas o comentário foi muito forte, ele colocou uma moça para
trabalhar com ele lá no escritório, Lili Barata Godim, lá de Teófilo Otoni, bem clara, gordinha. Então
inventou o horário telegráfico, nós tínhamos que cumprir, vamos dizer assim... trabalhava na sala de Teófilo
Otoni, Novo Cruzeiro tinha que entrar sete horas, tivesse ou não o que falar ele tinha que falar sete horas. Sete
e cinco entrava Araçuaí, sete e dez entrava Schnoor, uma suposição, naquele horário certinho todo mundo
tinha que entrar para mim colocando os horários de entrada, dando visto. Se ele atrasava eu marcava o minuto
que ele atrasou. Sete horas entrava sete e cinco, eu anotava sete e cinco. A Lili Godim ganhou esse emprego
só para fiscalizar isso aí. Com isso era punição demais nos telegrafistas, um minuto que o cara perdia era um
dia de punição.
Conta uma história de traição que faz dona Lili sair do cargo e acabar o controle
telegráfico.
O sr. acha que ela devia acabar mesmo por causa da corrupção?
Eu acho que sim. Aquilo era demais, só servia para os grandes. A gente sofria. A gente tinha o quadro de
provisórios, mensalistas, diaristas e titulados. Titulados eram os funcionários bem velhos que tinham uma
nomeação dada por Getúlio Vargas. Então esses se consideravam os donos da estrada. Eram os funcionários
públicos federais mesmo. Depois disso tinha os diaristas e nós provisórios é o que é hoje a CLT, não tinha
nenhum valor, qualquer coisinha mandava embora. Então com isso ficava um ano sem pagar nós. O dinheiro
231
vinha todo mês lá do Ministério só que não pagavam. E nós passando dificuldade, trabalhando todo dia sem
dinheiro para comprar nenhum pão. Eu não sofria porque era solteiro, já tocava. Tocava no cassino, no
cabaré, uma noite me pagavam cinqüenta mil réis. Cabarés e cassinos (cassino do Filhinho) na rua Francisco
Sá em Teófilo Otoni. Tocava a noite todinha. Eu não sofria muito a situação, mas meus colegas que não tinha
como correr por fora? Levavam desvantagem. Muitos largavam o emprego naquela época. Não agüentavam
ficar seis, oito meses sem receber. Como fazia? Então é isso aí. O regulamento era muito pesado e tinha essa
parte de safadeza demais e aquilo tinha que acabar. E para acabar, acabaram com a estrada. Foi o único
recurso.
OS SINOS:
Tem os sinos par e ímpar. O ímpar, o trem que vem pro lado de cima. Vamos dizer que eu estava em
Ladainha, suponhamos. Ai saiu o trem de Brejaúba, descendo, dava duas pancadas no sino, tá vindo um trem
de Brejaúba, da rua você sabia. Quando vinha de Teófilo Otoni batia três, tá vindo de Caporanga. Tá vindo
um cargueiro quando não era horário de passageiro. Quando chegava na estação, na hora de sair o maquinista
apitava, o chariteiro (?) dava o sinal dele que era um apito. Aí o chefe da estação batia no sino. Aí ia embora.
MILTON NASCIMENTO
O Milton Nascimento foi na Rede Mineira me procurar porque foi lá em Teófilo Otoni para saber quem era o
último chefe que saiu com os trens de lá. Então eu fui o último chefe. Eu encerrei em Novo Cruzeiro,
Caporanga e Teófilo Otoni, onde a gente foi dispensado. Informaram que eu estava em Formiga só que eu já
estava em Betim. Aí ele foi em Formiga e disseram pra ele que o Cajá tinha ido para Belo Horizonte. Só que
nessa época estava em disponibilidade e a Rede não soube dizer onde me encontrar. Aí me perderam. Ficou
sem fazer a segunda música por que ele queria colocar o Último Apito que era comigo.
PROTESTO
Nós ganhávamos da RFFSA uma complementação de salário desde o tempo da Bahiminas. Porque nós
tínhamos dois salários, um do governo Federal... por exemplo no meu caso. Eu era agente de estação nível 10
que era do quadro federal. E era chefe de estação nível 27 que era da CLT. Então meu salário vinha dois
pagamentos unidos, um da CLT e outro do governo federal e outros direitos. Só que quando deixamos de
optar esse nível 27 eles cortaram. Ficou só o nível 10. Nosso salário ficou bem achatado porque toda vez que
tínhamos uma promoção a Rede é quem dava e não mais o governo. O governo dava a quem estava adido ao
governo. Nós estávamos emprestados a Rede Ferroviária e não tínhamos melhoramento nenhum de salário.
Entramos na justiça, em BH. Nunca conseguimos receber esse dinheiro.
No tempo da estrada vocês se uniam assim para reivindicar seus direitos?
Não, porque nós lá muitas coisas a gente nem sabia como fazer. Não tinha informação. Você via os homens
lá, os Martins, botavam o revólver na cintura, parecia pistoleiro, fazia o que queria, só falava em matar. Eram
tesoureiros nossos. Um sujeito assim. Tinha que receber o que dava e ficar calado. Então nós éramos quase
tipo escravos. Fazia o que eles queriam e pronto. Lá não tinha sindicato. Não tinha nada lá para nós. Tinha a
Caixa de Aposentadoria e Pensões, mas acabou. Nós era isolado de tudo.
FIM DA ENTREVISTA.
232
ENTREVISTA 4
16/11/2002 - Araçuaí
Geralda Chaves Soares
31/12/1954 - Pedagoga indigenista
Natural de Santana do Araçuaí
Tempo estimado: 15 min
Assuntos relevantes: meio ambiente, casos pitorescos, importância da estrada,
experiência com transporte rodoviário.
LADO A:
Quais as lembranças que o sra. tem da Estrada de Ferro Bahia e Minas?
Quando vim de Santana, era pequena e ficava na casa de meus tios que era bem perto da estação. Na
Esplanada, um dos bairros mais antigos e lembro muito da movimentação. Quando falava que o trem
apitando, chegando, todo mundo corria para a rua para ver o pessoal que chegava de trem na cidade. Vinham
para a pensão Novo Cruzeiro e outras pensões que tinham aqui embaixo. O grande ponto da cidade era o trem.
Muita gente que ia para Teófilo Otoni, considerada uma cidade grande, desenvolvida. Comércio de
mantimentos, coisas que iam daqui para lá e vinham de lá.
Tem histórias engraçadas do pessoal da roça que vinha para pegar o trem e tinha que dormir em Araçuaí. Uma
vez, um senhor me contou, chegou um casal de velho na pensão Novo Cruzeiro, dormiram e acordaram de
madrugada em cima da hora, o trem saía às cinco horas. Saíram arrumando as trouxas e correndo... daí uns
dez minutos voltaram correndo e gritando porque tinham esquecido as dentaduras debaixo do travesseiro.
Perderam a viagem por causa dos dentes. O trem tinha aquela hora certa de sair, quem atrasasse perdia
mesmo.
Outra história é do pessoal que se vestia bem naquela época. Viajavam de linho, terno, chapéu engomado na
primeira classe. Sempre que se sentavam tiravam o jornal para ler. Ler naquele tempo era um negócio
especial. O trem produzia muita faísca e furava o jornal todinho mas o pessoal não perdia a pose.
Ouvi muitas histórias do pessoal que conduzia o trem. Era um pessoal simples, amigo dos moradores à
margem dos trilhos. Tinham as paradas certas, mas paravam centenas de vezes. Paravam antes para pegar
frango, um feixe de lenha. Havia uma solidariedade muito grande. Não eram apenas funcionários da estrada,
eram pessoas conhecidas que tinham relações de amizade muito grande.
Ouvi também que na época que abriram a estrada eles saíram em cima de uma aldeia de índios. Os índios
flecharam várias vezes os trabalhadores que estavam abrindo a estrada.
Acho que a estrada foi economicamente importante demais para essa região. Não tinha a Rio-Bahia, não tinha
asfalto. Tinha uma jardineirinha, até hoje tem o pessoal que é parente dos proprietários da jardineira tipo
aquela da Bolívia que cabe “mil” pessoas dentro e outras em cima. O transporte que tinha era essa jardineira
que ia daqui até Teófilo Otoni, mas tudo em estrada de chão. Imagina essa Rio-Bahia quando chovia. Ainda
mais indo para a região considerada da mata, a última fronteira do desmatamento, essa área do Mucuri. Eu
mesma viajei várias vezes nessa jardineira. Chegava no entroncamento de Joaíma, a gente parava e tinha que
descer para poder ir a Santana. Eram 11 km de Jipe. Isso quando eu estudava no Colégio Nazaré.
Essa coisa da estrada foi fundamental na região. Muita gente se queixa diz que quando acabou a estrada
acabou com a vida da região. Isolou esse povo todo aqui de dentro. Hoje que nós temos um estrada razoável
para Novo Cruzeiro. Todo aquele fluxo de mercadorias que vinha no trem acabou. Nessa época não tinha esse
mercado. A feira desse material que vinha eram vendidos no mercado antigo que é hoje a praça Valdomiro
Silva. Ali era o mercadinho. Depois a cidade foi mudando, tem outro rosto, mas acho que se tivesse um meio
de transporte hoje como a Bahia Minas ia revitalizar muito essa região para cá. É uma região praticamente
isolada. O povo de Novo Cruzeiro tem mais relação com Teófilo Otoni do que com Araçuaí. Participam muito
pouco das coisas daqui do médio Jequitinhonha.
Sobre o fim da estrada. Você tem alguma lembrança disso?
1966. Foi a época que sai para estudar fora. Não recordo.
233
Eu tenho pouca lembrança da viagem no trem. A única lembrança que tenho é da mata. A gente sempre que
falava que ia a Teófilo Otoni falava que ia para a região da mata. Porque Teófilo Otoni era a última fronteira
de mata que existiu. Depois da falência da Cia de Colonização do Mucuri faliu essa região ficou abandonada
por mais 60 anos. Tudo que era de violência que podia acontecer aconteceu. Quem tinha ido para mata
possear um pedacinho levou o pé na bunda, os latifundiários chegavam e se apossavam com jagunço e tudo
mais.
Teófilo Otoni era uma cidade maior e lembro que vejo a mata fechada dos dois lados do trem como em
Queixada.
Tinha a história de que vinha um ladrão no trem e todo mundo corria para a estação ver a polícia prender o
ladrão. Eu nunca vi, mas sempre ouvi dizer.
FIM DA ENTREVISTA
234
ENTREVISTA 5
17/09/2002 – BH
José Alves de Oliveira
Conferente de Estação e Chefe de Trem
Natural de Pedro Versiani mora em Nanuque
Tempo estimado: 60 min
Assuntos relevantes: comunicação, transporte, comércio, exploração da madeira,
período da administração do coronel Pompílio.
LADO B: (lado A contém entrevista de Therezinha Guimarães)
Quais as lembranças que o sr. tem da Estrada de Ferro Bahia e Minas?
Em primeiro lugar é um prazer de você estar aqui. Fico muito feliz de rever coisas da antiga estrada de ferro
Bahia e Minas que foi extinta mas fez muita falta a região, transporte mais barato e nos deixou muita saudade
mesmo. Foi uma tristeza para a nossa região.
Quando a gente fala da Bahia Minas o que o sr. lembra em primeiro lugar?
A gente lembra dos tempos bons que a gente passava. Aquela alegria de sempre estar viajando. Um dia você
estava em Ponta de Areia e passava por várias estações até findar em Arassuaí. Você sabe que quando o trem
chegava, não tinha outro transporte, então o povo vinha tudo para a estação esperar o trem, aquela alegria. Até
hoje a gente tem muita saudade daquilo. Lembrança que não acaba.
Como era essa tempo em que o sr. trabalhou na estrada de ferro?
Em Teófilo Otoni eu trabalhava como conferente, depois eu fui para Nanuque e lá comecei a viajar como
chefe de trem. Tinha muito movimento para Ponta de Areia porque puxava madeira, peroba, exportava
madeira. Depois passei a viajar até Arassuaí algumas vezes substituindo outros colegas. Meu setor era
Nanuque. Mas não era constante e era muito grande o movimento. Porque na região todinha desses 580 km
dependia da estrada de ferro. Trazia de outros estados, de fora do Brasil. A mercadoria vinha toda, sal de
Aracaju, medicamentos, bebidas. A região não produzia nada. Tudo que vinha para as estações, para os
comércios vizinhos dependia da estrada de ferro. Aí ela descia trazendo de Arassuaí muita farinha, feijão
daquela região, descia para Teófilo Otoni, muito café, tinha charqueada também. Carlos Chagas tinha uma
charqueada que exportava carne. E da Bahia para baixo era muita madeira, peroba nas pranchas e exportava
cacau também. Chegava no porto marítimo, o navio conduzia. E nós tínhamos uma comunicação com o Rio
de Janeiro por um cabo submarino do Rio de Janeiro a Caravelas. Quando precisava um telegrama mais
rápido, pagava mais caro e ele ia via West para o RJ. E na estação nós tínhamos um telefone daqueles antigos,
tocava e colocava no ouvido para chamar. Só a estrada de ferro entre Caravelas e Arassuaí tinha telefone.
Quando o trem parava na estrada por algum defeito, dentro do trem tinha um telefone. Aí subia num poste e
isolava um cabo e falava com a estação qual trecho que estava. Era aquela dificuldade toda. Aí você vê como
a coisa evoluiu. Hoje estamos em movimento está falando, celular, avanço tecnológico né? Nós estamos
comunicando com o mundo todo com muita rapidez. E transportando também. Você vai hoje a Miami com
oito horas de vôo. Na Holanda com 11 horas. Antigamente só era estrada de ferro e o barco.
Nós tínhamos lá uma indústria a Brasil Holanda, que era a maior da América do Sul e Central que
cortava a madeira em tora, madeira serrada, aplainada e compensado. Exportava para vários lugares. Tudo
dependia da estrada de ferro. Aqueles vagões lotados de toras, compensados, chegava em Caravelas carregava
o navio, ia para o RJ e de lá para o Rio Grande do Sul, vários lugares do país. Uma grande fábrica. Foi extinta
e fez falta demais a região.
O que cresce a região é a indústria, então acabou a madeira da região, mas a cidade ainda ficou assim boa para
se morar. Nanuque é muito boa. Sem indústria, mas para morar está boa.
Então não tinha ligação com o Espírito Santo e Nanuque, Carlos Chagas, Teófilo Otoni só tinha a estrada de
ferro. O comércio vizinho dependia dos animais. A carga era levada em burro, tropa. Trazia para embarcar a
235
produção que eles tinham e levava querosene, açúcar, sal, tudo passava pela estrada de ferro e para os
comércios vizinhos era levado em lombo de burro. Era um sacrifício aquele povo. Hoje tudo que é lugar tem
estrada para rodar.
O transporte de passageiros era importante na Bahia Minas?
Era. Não tinha outro transporte que não fosse a estrada de ferro. Foi uma pioneira. Para ir a Porto Seguro você
precisava ir de barco. Vitória, SP, RJ, tudo de barco. Era um tempo mas era muito difícil. Hoje está tão fácil,
para qualquer lugar você vai de automóvel. Hoje tem em Nanuque um aeroporto muito bom, desce qualquer
avião.
Quando sr. começou a trabalhar na estrada de ferro, o sr. começou em qual função?
Conferente.
Tinha festa no tempo da estrada?
Muita, naquele tempo o povo fazia porque era a diversão, não tinha outra coisa. S. João, S. Pedro. Não tinha
rádio.
Os funcionários participavam das festas?
Participavam. Nós tínhamos as pastorinhas que saíam cantando nas casas.
Qual era a relação da estrada com os fazendeiros locais, os chamados “coronéis”?
Era tudo bem ligado porque eles dependiam de nós. Para viajar e transportar todo tipo de mercadoria, gado,
suínos para levar para Teófilo Otoni e pegar o caminhão para Juiz de Fora. Havia muito suíno na região de
Nanuque.
Tinham momentos em que esses fazendeiros tentavam dar um ordem para vocês da estrada de ferro, impor
situações?
Não. Todos os fazendeiros eram muito ligados. Primeiro que eles forneciam lenha para a estrada de ferro.
Tirava da mata e colocava na beira da linha. Dormente. Dependia dela para vender o produto e dependia de
viajar, dos filhos saírem para estudar, essa coisa toda. Era um relacionamento muito bom com os fazendeiros,
com o comércio todo, pois todos dependiam de nós.
Era muito importante o pagamento dos funcionários da Bahia e Minas para a região...
Muito importante. Nós da Bahiminas tínhamos um depósito, oficinas, tinha muita gente. Os trens desciam e
subiam carregando mercadoria. Veja bem o sal em Arassuaí. Se demorasse muito... Tinha vez que davam uma
ordem assim: “o trem sai daqui e não tem pernoite não.” Rodava direto para ir até Arassuaí porque o povo
estava reclamando pelo telegrama que não tinha sal na cidade. Eu mesmo já fui levar carregamento de sal lá.
O povo todo esperando. Quando falo com o povo que o Brasil não está atrasado. Já foi muito atrasado, hoje
não está. Para meu tempo de 78 anos ele não está atrasado. Evoluiu muito mas ainda tem gente atrasado. Você
estudar um filho de Nanuque aqui era um sacrifício. Descia até Caravelas, ficava três a quatro dias esperando
o navio carregando para ir ao RJ o Salvador para estudar. Era uma demora, meses viajando. Hoje você vai a
qualquer lugar do mundo porque o Japão que está mais longe é 22 horas.
O sr. chegou a conviver com os índios no leito da estrada?
236
Na nossa região não tinha índio. Tinha os Machacalis que não é longe de Nanuque. Antes do meu tempo,
abaixo de Nanuque, em Sete de Setembro tinha uma tribo chamada Bueno. Colônia também uma tribo de
índios chamada botocudos, mas não conheci.
O sr. conheceu sua esposa na estrada de ferro?
Lá em Nanuque. Na beira da estrada de ferro. Passando pela fazenda, as meninas estudavam na cidade, meu
sogro tinha a fazenda e morava na cidade. Ela pegava o trem, fomos fazendo o conhecimento, amizade, aí
passou. Foi a primeira que fiquei noivo e casei. Casamos no dia cinco de abril. Casei para criar uma família
com oito filhos. Formei todos.
O sr. teria um causo que foi marcante no tempo da estrada de ferro?
Caso mesmo para contar eu não tenho porque eu sempre convivi com o povo e nunca tive um problema, nem
colegas e nem com o comércio. Os que estão vivos hoje são meus amigos e os fazendeiros, comerciantes são
amigos. Porque se eu atender bem a parte. Tinha colega que criava problema, eu não criava problema.
Quando falo causo pode ser uma história pitoresca, que tenha sido marcante...
Sempre foi uma vida muito boa, mas não tive assim... Inclusive muitos colegas saíram de lá transferidos
porque tinham problemas. Eu continuei lá.
Tinham desentendimentos?
Tinha. Eles achavam que eram funcionários federais, do governo e podiam atender mal a parte. Eu nunca fiz
isto. Nunca tive uma reclamação.
Em 1958, quando criou a Comarca, fui convidado para Conselho de Sentença, do corpo de jurado. O Juiz me
convidou na casa dele, me nomeou Comissário da Comarca para poder ajudar ele. De Araçuaí, Dr. Colares.
“Mas Dr....” “Não, isso não precisa de trem. Você vai ser um comissário da Comarca, você está na estação,
tem muito movimento ali você procura me ajudar, traz o problema para mim...” E assim fiquei 25 anos.
Entrou e saiu Juiz, fiquei ali. Agi dentro da Lei. Sentava no banco para julgar o elemento com a minha
consciência tranqüila.
Fim do LADO B
LADO A:
O trem chegava na hora?
Sempre atrasava. Muita serra. No tempo chuvoso tinha que jogar areia nos trilhos para conseguir. No ponto de
lenha parava para abastecer. Viajava mais 15 quilômetros tinha que abastecer de novo. Atrasava muito. Às
vezes chegava na hora, mas mais atrasava. Descarrilava muito em tempo chuvoso porque embaixo do
dormente não tinha brita, quebrava o trilho, a máquina descarrilava, o vagão, aí tinha que chamar socorro.
Tinha casos do pessoal, por exemplo, antes de chegar na estação passava na fazenda do fulano aí pedia para
parar no meio do caminho...
Aqueles mais distantes tinham o privilégio de pedir. Eles arrumavam lugar para pegar água, forneciam lenha e
dormentes para a estrada de ferro. O diretor da estrada pedia para parar e pegar passageiro no meio da estrada.
O maquinista parava e sabia que era longe da estação. Dependia do maquinista.
De Calos Chagas ao Pena, o fazendeiro que tinha lá mexia com corte de lenha, dormentes, ele fez uma estação
e doou à estrada de ferro. Acima de Carlos Chagas, km 243, chama-se Paulino Benevides.
As regras de trabalho na estrada de ferro eram muito rigorosas?
237
Eram. Qualquer coisa que você cometesse era punido, suspendido por cinco, dez dias. Tinha uma fiscalização.
Cortava o ponto.
Como era o entendimento entre vocês funcionários?
Tinha muita briga entre os ferroviários. Brigavam com polícia. Achavam que eram homens, mas eu nunca
briguei com eles. Eles procuravam e eu saía fora. Tinha aqueles cachaceiros, procurava ficar fora daquele
grupinho. Em Caravelas por exemplo tinha muito navio no porto, em Ponta de Areia. Tinha muito marinheiro.
Brigava com marinheiro, polícia era uma briga fora de série. Marinheiro, polícia e ferroviário por causa de
mulher. Aquele movimento danado.
Tinha casas de prostituição?
Tinha demais. Caravelas tinha muita.
Apesar da briga tinha união entre os ferroviários?
Tinha. Mas tinha colega que brigava e tirava o outro da estação. O agente tinha que pedir a saída dele para
outro lugar. Moço, comigo procuravam briga só que não encontravam. Tinha pouco tempo eu tinha saído do
exército. Eu devo muito ao exército. Saí do interior, não tinha nada. Foi lá que me preparei, desenvolvi mais a
disciplina. Estudei pouco. Parti para Ouro Preto depois o Rio de Janeiro, o convívio com militar, tirando
serviço, patrulha na rua e tudo. Aprendi muito a respeitar para ser respeitado. Você vê que criei oito filhos em
Nanuque.
Tinha alguma atividade política entre os ferroviários?
Tinha. Um colega nosso foi vereador, depois prefeito em 1958. Era nosso chefe, Alfredo Melgaço.
Que partido que ele era?
PSD. Havia uma união entre PSD e PR. Tinha também a UDN. O pai do Aécio Neves que era o deputado da
região lá. Aécio Cunha. O avô era Tristão da Cunha.
Tinha partido comunista na estrada de ferro?
Tinha uns elementos com uma tendência comunista. Aquilo era ignorância deles. Quando houve a Revolução
prenderam muito ferroviário. Em Teófilo Otoni limparam um bocado. A estação de Nanuque não deu
problema nenhum. O chefe era o Alfredo. Graças à Deus nós não tínhamos ninguém lá. Foram metendo a
metralhadora e prendendo.
Como sabiam que era comunista?
Eles vinham pesquisando. Inclusive até um que foi prefeito por duas vezes em Nanuque, Nansel, que tem uma
farmácia. Trabalhava com um Marcelo. Teve uma reunião sobre o petróleo é nosso. O Marcelo entrou na
farmácia e mandou o Nansel representa ele. Assinaram. Eles chegaram no arquivo, viram o nome deles,
pegaram todo mundo, trouxeram para Valadares e depois soltaram. Prenderam um bocado em Nanuque, mas
não tinha nada a ver. Os que tinham mesmo, correram, saíram fora. Os que não tinham ficaram. Prendeu
muita gente da prefeitura que era inocente.
Os países comunistas sabem que atrasou. A Alemanha dividiu. Atrasou tanto que os alemães estavam
fugindo de lá para a outra Alemanha por causa do regime. Cuba fracassou. Comunismo não é coisa boa não.
Como o sr. viu o final da estrada de ferro?
Muito triste. Porque era uma alegria do povo. Transportava mais barato e acabou assim tragicamente sem
nenhum outro transporte. Isolou a estrada. Ficamos sem rodovia, sem transporte. Os armazéns cheios de
mercadoria. Depois criou um trem que pegava mercadoria que descia e que subia para esvaziar os armazéns.
238
Deixou tudo. Trancaram. Devia dar um prazo. Você vê como é a coisa de um ministro atrasado daqueles lá do
norte. Porque isso é um atraso, uma loucura. Tinha que haver um prazo para circular nas estações, com o
pessoal. A partir de tal data não receberia mais mercadorias nas estações. Mas não deu não. Nós da região
acreditamos em vingança do Juarez Távora ministro da Viação e Obras Públicas. E o presidente Castelo
Branco da mesma região lá do Norte. A revolução acabou. Ela estava funcionando bem. Agora há poucos
anos que foi asfaltar de Teófilo Otoni para Nanuque. Nós ficamos sofrendo as conseqüências. Estrada de
chão. Tempo chuvoso não ia a Teófilo Otoni. Não ia a Caravelas. Ficávamos isolados de todos. Há poucos
anos que asfaltaram a estrada do Boi. O pessoal sofreu muito com a falta da ferrovia e deslocou o povo.
Deixaram a família lá para ira para todo canto, sem saber onde é que ia. Muitas saíram de Nanuque para
aqueles lados de Volta Redonda Barra Mansa, Goiás, São Paulo.
Antes do governo militar não se falava sobre o fim da estrada de ferro?
Não. Nem passava pela idéia de que seríamos suprimidos. Uma coisa trágica que deixou o povo no ar.
O governo Jânio Quadros? O sr. lembra como foi a política com a estrada de ferro?
Jânio foi um dos piores governos desde 45.
Escutei uma história de que o Jânio colocou um diretor na estrada na época que tentou colocar o trem no
horário, fazer algumas mudanças na estrada de ferro. O sr. lembra disso?
Olha, não foi no tempo de Jânio Quadros não. Melhorou o seguinte. Tinha um diretor antigo lá que havia
muito roubo e não estava ligando para a coisa. Excesso de gente. Gente que só ia receber o pagamento. Então
foi para lá um coronel de nome Pompilho, levou um major com ele, um tenente. Chegou lá e tirou o diretor
antigo que a coisa não valia mais nada. O povo tomou conta. Sabe como é? Casa da Mãe Joana. Aí foi o
pessoal do Exército, mandou o pessoal para lá. No tempo de Eurico Dutra. Botou a coisa em dia. O trem saía
de Caravelas de manhã cedo, chegava em Nanuque de noite. O trem de passageiro No outro dia saía às seis
horas da manhã chegava em Teófilo Otoni à noite. Ou então no outro dia. Sabe o que aconteceu? Ele chegou e
mandou ver na turma. O trem saiu às 4:15 de Caravelas e às 8:00 estava em Teófilo Otoni. O mesmo
maquinista, o mesmo foguista, chefe de trem e guarda freio. Vê a diferença, quanta economia. Outra coisa.
Pagamento saía de lá. Dia dois fazia o pagamento. Liberava o dinheiro e ficava alguém com o dinheiro, um tal
Jean Martim, tesoureiro. Quando aí engatava uma classe no trem de carga. Com cozinha montada, cozinheiro
em Araçuaí. Aí descia quando chegava era lá pelo dia 22 do mês. Isso em Nanuque. Chegava em Caravelas,
sabe o que fazia? Ia para Alcobaça. Abusava. Quando eles vinham colocava uma máquina para fazer o
pagador. Ele colocou um automóvel de linha, o coronel Pompilho. Uns achou ruim. Eu achei bom. Um dia
falei para ele: “Coronel fiquei tão feliz que o senhor colocou ordem aqui.” Ele ia a Araçuaí e voltava a Teófilo
Otoni com o automóvel de linha. Ele criou ma guarda. Sargento, cabo, soldado, tudo armado com revólver 38
Smith novo, tudo fardado. Ele fardou os ferroviários. Eles iam no carro. “Amanhã às 4 horas sairá o “PG”,
pagamento. Sairá da Ponta de Areia, são trezentos e setenta km. Quando era nove, dez horas estava parando
em Nanuque. Parava nos garimpeiros, na estação. No outro dia estava em Teófilo Otoni. Quanta economia.
Outra coisa. Tinha uma mulher lá maquinista, protegida de uma família rica, mas nunca trabalhou. Quando
tinha um maquinista, puxando a máquina ganhando como ajudante de máquina, tinha maquinista ganhando
como maquinista. E muita gente. Chegou lá, dia do pagamento. Os envelopes. Sentou lá para pagar.
Terminou. Ué! E esses envelopes? Chama o pessoal. Eles não trabalhavam. Tinha que acabar mesmo porque
estava desse jeito. Essa maquinista, ele mandou: “prepara um trem, bota fogo na máquina e chama a moça. A
sra. vai dirigir essa máquina. Ah não sei não. Rua!” Fez isso o Exército! Civil? O que acontece, a política
tirou o homem. Tiraram ele de lá. Nós tínhamos um colega lá, chamava Gilson, já morreu ele, era conferente.
O trem chegou, o araponga descendo, quer dizer o tenente. Estava dentro do trem. Chegou lá carrega
passageiro, o carro do chefe do trem, carro de bagageiro de volume pequeno. Ele chegou e botou o pé em
cima da mercadoria e ficou conferindo. O tenente chegou e pediu para ele tirar o pé da mala do passageiro.
Ele disse: “Não tiro não. A mala não é sua, você não tem nada com isso.” Respondeu ao tenente que estava à
paisana. Não falou nada não. O trem foi embora. Pernoitou lá. Voltou no outro dia. Quando chegou lá em
Caravelas o colega nosso agente recebeu ordem para botar ele na rua. Aí o povo começou a dar graças a Deus
e ficar feliz. Fui substituir um agente em Teófilo Otoni, quando cheguei lá ele estava lá perguntou “como vai
239
o senhor? Tudo bem?”. Ele não ficou. É igual ao Collor. Botou o ferro num monte de bandido. O partido dele
era pequeno, botaram ele para fora e colocaram o Itamar Franco.
Tinha notícia de assalto ao trem?
Na nossa região não. Teve um caso desse, mas aqui na Central do Brasil. Tem até um filme. Ele colocava um
ferroviário fardado e armado dentro do carro e o trem pagador ia com uma metralhadora. Polícia Ferroviária.
Farda, arma tudo direitinho. Os guardas da estação eram fardados.
Tinha time de futebol a estrada de ferro?
Tinha. Era na estação mesmo, hoje tem uma feira coberta, um colégio estadual perto da rodoviária. Ali era
uma campo de futebol. Inclusive fui um dos diretores do futebol lá. Tinha campeonato.
O sr. poderia falar um pouquinho mais sobre esse sentimento de tristeza com relação ao final da estrada.
Para nós. Não só nós ferroviários. Comerciantes, fazendeiros sentiram tristeza com o fechamento da ferrovia.
Mas vou repetir, deixou o povo sem transporte. Não tínhamos ferrovias para escoar as mercadorias e nem
passageiro. Até hoje o povo reclama a falta da estrada de ferro. O pessoal despachava animal. Na Quarta-feira
o trem descia com um vagão só para embarcar os animais, pequenos e grandes. Suínos, cavalos, vaca... tinha o
lugar de carregar. Na Quinta subia e na Quarta descia. Então isso aí tudo o povo sentiu falta. Hoje precisa
levar no caminhão.
SOBRE A ESTRADA DO BOI
Antigamente, não sei se explicaram a você, estrada do Boi porque os barcos vinham de fora e pegavam as
canoas até a cachoeira de Sta. Clara. Dali as canoas o passavam. Pegavam um carretão de madeira puxado
por dois bois. Saía de lá passando por fora, subia e passava na Colônia. Naquele tempo não tinha Carlos
Chagas, Nanuque não era nada ainda. Chamava então estrada do Boi que levava as mercadorias e passageiros
para a região. Eu tinha um conterrâneo que fez engenharia no Rio de Janeiro, antigo, descia lá para pegar o
barco em Caravelas para ir para o Rio de Janeiro. Depois veio a ferrovia. Você vê aquela máquina de 104
anos fez agora dia dois de maio.
FIM DA ENTREVISTA
240
ENTREVISTA 6
09/09/2003 – Belo Horizonte
José Penna Magalhães Gomes
76 anos - 08/06/1927 – Engenheiro Civil e ferroviário – Professor Universitário
Pai engenheiro ferroviário da EFOM
Natural de Oliveira/MG
Tempo estimado: 120 min
Assuntos relevantes: Processo de desativação; condições técnicas, econômicas e sociais
da estrada; relação funcional e política.
LADO A:
Quais as lembranças que o sr. tem da Estrada de Ferro Bahia e Minas?
Fui para a Bahia Minas numa época que a região era um reduto político muito forte. Ela atingia o centro de
uma região de 500 km de extensão. Região realmente pobre, mas que tinha uma influência política muito
grande e por convite do deputado Salim Nakur que era apoiado pelo Santiago Dantas do governo João
Goulart. Ele queria mudar a direção da Bahia Minas porque a direção da Bahia Minas o estava prejudicando
politicamente. Eu então disse para ele que aceitaria desde que não houvesse ingerência política na
administração. Ou seja, não perseguir ninguém, não iria demitir ninguém. Somente iria lá para trabalhar como
ferroviário. Eu só aceitaria se tivesse direito de escolher quem eu achasse competente para ocupar os lugares
chaves. Somente demitiria se eles não correspondessem ao meu plano de trabalho. Como ele era um homem
muito sensato, ele concordou e eu fui para a Bahia Minas. Só que, naquela época tinha filho pequeno. Fui
sozinho primeiro para conhecer a região. A cidade de Teófilo Otoni era muito inóspita na época. Os paulistas,
médicos especialistas em doenças tropicais faziam de Teófilo Otoni o ponto de estudo das verminoses.
Teófilo Otoni não tinha estrutura de abastecimento de água. A água era bombeada do rio. O índice de
esquistossomose era muito grande. Senti que não havia condição de levar minha família. Fui para lá em
novembro. Ainda me lembro que estava fazendo um curso no Rio de Janeiro quando recebi o convite e estava
na estação Central do Brasil esperando o noturno, Vera Cruz, quando deu notícia do assassinato do Kenedy. É
uma data que a gente realmente não esquece. Fui novembro, quando chegou fevereiro. Senti que não dava e
pedi ao Salim, você me arruma outro que não posso continuar aqui porque não posso trazer minha família.
Nesse ínterim estourou a revolução em 31 de março e eu fiquei preso na Bahia Minas até julho. Apesar de
todas as tentativas de conseguir um substituto, porque a revolução entrou, houve intervenção na rede
ferroviária e fiquei amarrado. O interventor não queria me liberar. Só me liberou quando conseguiu um
substituto para ir no meu lugar. Mas tive uma impressão... Porque a estrada de ferro Bahia Minas foi
construída para atender ao sonho do Teófilo Otoni que queria construir um pólo industrial em Teófilo Otoni.
Só que falhou porque a região é muito pobre. Não tinha luz. Teve que montar em Ladainha a oficina de
reparação, que é uma necessidade de toda ferrovia, porque em Teófilo Otoni não tinha luz. Em Ladainha
construiu-se uma usina de uma pequena cachoeira que fornecia a energia para a as máquinas que constituíam
a oficina de manutenção. A preocupação maior da Bahia Minas, considerando que ela não tinha um transporte
garantido. Porque naquela época as ferrovias no Brasil transportavam miudezas, em pequena escala. Mesmo a
Rede Mineira de Viação transportava galinha, ovo, pequenas encomendas. A Bahia Minas era o único sistema
de transporte daquela região. Na época das enchentes do Mucuri, várias cidades ficavam ilhadas e o acesso a
elas era feito só pela ferrovia. A ferrovia foi construída com uma tecnologia mais avançada do que as estradas
de terra da época, praticamente estradas de carroça melhorada. A Bahia Minas tem uma semelhança muito
grande com a Vitória Minas. Todas duas era pequenas, curtas, construídas em condições técnicas precárias,
com raios de curva muito pequenos, trilhos muito leves. Mas a Vitória Minas tinha garantido o transporte de
minério. Isso virou uma potência. A Bahia Minas não tinha nada para transportar. Então foi morrendo aos
poucos. Mas o prestígio político fez com que ela se mantivesse. A Bahia Minas tinha um hospital que era o
melhor de Teófilo Otoni. Começaram a caminhar pelo lado social para justificar e aumentar o poder político
da Bahia Minas. Era um núcleo muito pesado. É a terra do pai do Aécio Cunha, Tristão da Cunha. A Bahia
241
Minas trouxe mais benefício para Teófilo Otoni na área social do que na área comercial. Só em Teófilo Otoni
a Bahia Minas devia ter uns 600 funcionários. Quando a Bahia Minas foi fechada houve um baque muito
grande na economia de Teófilo Otoni. Eram 600 bons salários. Teófilo Otoni era uma cidade pequena sem
infra estrutura, não tinha água, luz e praticamente toda a vida de Teófilo Otoni girava em torno da Bahia
Minas. Era Teófilo Otoni, Ladainha e Nanuque. Araçuaí era ponta de linha, tinha somente uma estação. Ponta
de Areia e Caravelas eram os dois portos. Ponta de Areia tinha condições técnicas melhores porque Caravelas
tinha a calagem muito baixa e Ponta de Areia tinha condição de atracar navios de calado maior. Esse porto,
na época áurea atendia a Bralanda que era uma madeireira holandesa em Nanuque. A madeira era exportada
pelo porto de Ponta de Areia. Eu tive uma lua de mel muito curta com a Bahia Minas. Não tinha nada para
fazer. Era inviável. No relatório que assinei em 1964 para a RFFSA, sugeri veementemente que a Bahia
Minas tinha que ser desativada porque para cada um real que ela produzia ela gastava dez ou quinze reais. Era
um número deste tipo. Era dez quinze vezes mais. O déficit era muito grande que era alimentado pelos
recursos provenientes da RFFSA. Ela não tinha a menor condição de dar lucro. Realmente estrada de ferro
não é para dar lucro. Ela tem um cunho mais de serviço público. Na Europa a SNCF (?) não dá lucro mas
também não pode dar prejuízo. Não é possível você manter uma estrutura que consome vinte reais para cada
real que ela produz. Esse meu relatório foi ponto de partida quando houve a intervenção na RFFSA pelos
militares. Começaram a enxugar e a Bahia Minas foi uma das primeiras a ser desativada. Todo o pessoal foi
transferido para BH, para a Rede Mineira de Viação. Quem tinha tempo para aposentar, aposentou e
continuou em Teófilo Otoni. Mesmo na minha época a RFFSA já estava desativando devagar a Bahia Minas
porque em Teófilo Otoni uma empreiteira estava reformando os vagões ociosos da Bahia Minas que eram
transferidos para a Leopoldina por carreta. A própria RFFSA já estava esvaziando a Bahia Minas com essa
providência de transferir o material ocioso. Não tinha muita condição de tomar uma iniciativa mais forte
porque a política era muito pesada. O prestígio político da região não iria permitir o fechamento da Bahia
Minas. Só foi possível depois que a revolução chegou e essa influência política acabou. Foi uma das primeiras
estradas a serem desativadas. Foi ainda na época do governo Castelo Branco. Pouco tempo depois que sai,
desativaram a Bahia Minas. Retiraram os trilhos que foram trazidos para BH, vendidos, material rodante
também foi transferido.
O sr. sabe dizer quem são os interventores do governo militar que substituem o sr. na direção da estrada?
Quando sai, consegui levar para lá o engenheiro Lélio Garcia Porfírio. Levei o nome dele para o presidente da
rede ferroviária e para minha sorte um dos engenheiros que ficou ocupando um cargo de primeiro escalão
abaixo dos militares na RFFSA era um grande amigo do meu pai, Dr. Geraldo Bergarim. Ele me conhecia e
brincava comigo: “você foi a primeira e única pessoa que brigou e lutou para deixar um cargo de chefia de
uma estrada de ferro.” O problema era só arrumar um substituto e consegui esse Lélio Garcia Porfírio que foi
nomeado diretor. Passei o cargo para ele e voltei para Belo Horizonte. Mas logo depois houve a ordem de
desativação. A circulação do trem foi paralisada. O Lélio que era contratado foi dispensado e assumiu lá na
Bahia Minas um trio de interventores nomeado pelo Coronel Júlio Gontijo que era o superintendente da
RFFSA, a SR-2. Foram três engenheiros, um de via permanente, outro de patrimônio, foi uma espécie de
comissão para assumir o encargo de fechar a Bahia Minas. Era uma comissão de engenheiros de Belo
Horizonte. Dr. Luís Elói de Almeida... Ficaram responsáveis pela desativação total, destinação de patrimônio,
o Hospital da estrada em Teófilo Otoni, que era ao lado da estação foi arrendado pela maçonaria. A estação
foi entregue ao Estado e virou rodoviária. Nunca mais voltei a Teófilo Otoni mas já tive essas informações.
Os prédios de estação e a usina de Ladainha não sei que destino tiveram. Lá na Bahia Minas não tinha nada de
mal feito era tudo bem feito. Eles eram caprichosos. A ferrovia tinha uma estrutura muito boa na área técnica,
tinha garagens, oficinas de automóveis, de locomotiva. Os administradores que por lá passaram tinham um
respaldo político muito grande e conseguiam recursos. Para você ter uma idéia, você manter uma ferrovia que
para cada um real que ela produzia gastava quinze, dezoito. Era uma força muito grande. Tanto que depois
foram desativados trechos importantíssimos que foram implantados em Minas Gerais nos séculos XIX e XX.
Porque mudou a diretriz de prestígio e um exemplo disso é a estrada de ferro Paracatu. Era uma ferrovia que
ia ligar Azurita e automaticamente Belo Horizonte porque entre Azurita e BH são oitenta e poucos
quilômetros. Ia ligar BH a Paracatu no Planalto Central. O que seria hoje o menor caminho ferroviário para
atingir Brasília. Só que a construção da Paracatu foi paralisada por falta de recurso quando atingiu a serra da
Saudade. Enquanto estava no planalto, com custo pequeno de construção ela foi tocando. De Pará de Minas
para lá é vale. Passava por Pitangui, Velha da Taipa, Bom Despacho, Dores do Indáia, aquele chapadão.
Quando chegou a serra da Saudade o negócio começou a complicar. Túnel, terraplanagem muito grande. O
242
dinheiro foi acabando, a ferrovia não estava dando rentabilidade... Paralisaram a construção em Barra do
Funchal.
Em 1949 a diretoria da Bahia Minas apontava para duas alternativas de expansão: uma entre Araçuaí e
Monte Azul, fazendo ligação com a Leste Brasileiro e outra ligando Teófilo Otoni com Gov. Valadares. Esses
planos existiam na sua época? Trariam algo de novo para a ferrovia?
Isso já tinha sido abortado. Não iria acrescentar nada porque o porto não oferecia a menor condição de
expansão. A ligação com Valadares não ia acrescentar nada porque Valadares já estava ligada ao porto de
Vitória. Em 1949 –51 a Vitória Minas estava em remodelação para tirar o minério de Itabira. Foi feito um
estudo detalhado de viabilidade econômica e remodelação da Vitória Minas com vistas em aumentar a
capacidade de transporte para escoar o minério de Itabira. Nem com Monte Azul ia acrescentar nada porque
não traria nenhuma carga. Porque estrada de ferro é transporte de grandes cargas a grandes distâncias. A
estrada de ferro não pode fazer varejo. Ela tem que trabalhar no atacado. Só funciona e é rentável no atacado.
Você vê a ferrovia que o Olacir Moraes plantou no Maranhão. A Carajás, por exemplo, foi implantada para
tirar o minério de Carajás. Tinha uma garantia de uma massa para ser transportada e o porto de Itaqui no
Maranhão para receber essa carga. O Olacir Moraes então pegou o rabicho da Carajás e começou a construir a
Norte Sul politicamente, porque os primeiros anos da Norte Sul a carga transportada era 50 mil toneladas/ano
de grão de soja. Só uma composição em Carajás transporta 25 mil toneladas. Quatro composições de Carajás
lotam um navio de 100 mil toneladas. Mas como o Olacir tinha muita força com o Sarney, eles construíram a
ferrovia para depois buscar a carga. “Agora vocês plantam soja aqui.” A maior rentabilidade de soja por
alqueire é naquela região. Tanto que quando começaram a operar pesado houve um baque nos produtores de
soja do Sudeste porque o porto de Santos vivia congestionado e o frete rodoviário muito mais caro. Enquanto
no nordeste o porto de Itaqui, com alta tecnologia de carga e descarga. Chegava uma composição de 100 mil
toneladas em pouco tempo é jogado nas esteiras, carregava os navios. O que onera a soja é o transporte.
Aqui, o teófiloniense é apaixonado pela terra. Fala em Bahia Minas os teofiloniense ficam doidinhos. Eles
ficavam querendo achar minério não sei aonde, quem sabe consegue. Isso tudo era sonho.
Como o sr. enfrentou a resistência política desse momento em que o sr. estava como direção?
Quando assumi a Bahia e Minas, realmente a coisa lá corria meio bamba. Eu entrei com mão de ferro. Para
você ter uma idéia, aconteciam casos interessantíssimos lá. No frete ferroviário temos o ad valorem. Você
declara o valor da mercadoria que está sendo transportada. Se essa mercadoria extraviar a estrada indeniza o
dono.
FIM DO LADO A:
LADO B:
Ladainha era uma produtora muito grande de cachaça e eles despachavam para Teófilo Otoni tonéis de 200
litros de pinga. Chegava em Teófilo Otoni, quando o dono ia tirar a mercadoria a pinga tinha desaparecido,
tinha vazado, o tonel estava vazio. Para diminuir o custo do frete os comerciantes declaravam o preço da
pinga de dez centavos e a pinga realmente valia um real. O que acontecia? O pessoal desviava uma pinga, a
estrada pagava ao dono dez centavos pela pinga e eles vendiam a pinga por um real. E quando apurava
responsabilidade eles eram punidos a pagar dez centavos, mas eles já tinham vendido a pinga por um real.
Isso é só um exemplo. Em alguns desses casos eu me lembro de um processo de reclamação. Tinham quatro
envolvidos. Dei vinte dias de punição para um, vinte dias para outro, trinta dias para um e trinta dias para
outro. Os envolvidos foram punidos com 100 dias de punição. Realmente eu criei arestas grandes com a turma
porque comecei a cercar essas coisas erradas com punições pesadas. Inclusive cheguei a destituir meu chefe
de departamento de pessoal porque ele se recusou a cumprir uma ordem minha. Ele estava agindo de uma
forma, com relação a um advogado da estrada. Na ferrovia é plano de classificação de cargo. Quando havia
um plano de classificação os funcionários eram enquadrados. Ele tinha enquadrado errado um advogado. Eu
mandei que ele retificasse o enquadramento e ele se negou. Dei a ordem por escrito, ele se negou a responder.
Tornei a voltar o processo: “Sr. fulano, cumpra minha ordem no prazo de 24 horas. Ele se negou. Então
destitui ele do cargo e suspendi ele por trinta dias. Eu despertei muitas inimizades dentro da Bahia Minas
tanto que quando houve a revolução esse engenheiro meu amigo que indiquei para me substituir recebeu carta
243
desse funcionário que destitui do cargo de chefe do departamento de pessoal dizendo que eu era subversivo
que era isso e aquilo. Ele chegou e mostrou a carta e me perguntou: “O que você aprontou com esse povo?”
Foi cair nas mãos dele que me conhecia desde menino. O cara quebrou cara.
Mas não fiz nenhuma destituição de caráter político. Porque o Salim Nakur cumpriu fielmente o que me havia
prometido. Nunca interferiu, nunca me pediu para perseguir, demitir, nomear ninguém. Tive inteira
autonomia. Ele queria simplesmente tirar o diretor que estava lá que estava atrapalhando a vida dele.
Qual era o outro diretor?
Eu substitui o Josias Coelho que é pai do Sacha Calmon Coelho esse professor de Direito que escreve muito
no Estado de Minas. O Sacha morou em Teófilo Otoni muito tempo, ele era rapazinho.
Existia do Partido Comunista na ferrovia?
Na época da revolução eu estava em Belo Horizonte visitando minha família. Era véspera de uma semana
Santa. Fiquei preso em BH sem condição de chegar em Teófilo Otoni. As ferrovias pararam. Tentei ir até
Valadares de trem para assumir a Bahia Minas. Passou quatro dias e tudo regularizou e voltei para Teófilo
Otoni. Cinco ou seis dias depois – eu ocupava um quarto do hospital porque eu tinha um problema gástrico
originado por causa da comida de Teófilo Otoni eu então passei a morar no hospital – eu saio para trabalhar e
na hora que quero entrar no pátio estava tudo cercado. O sexto batalhão de Valadares tinha baixado em
Teófilo Otoni, cercou a ferrovia porque aqueles ativistas que eram do PTB, do João Goulart, eram tidos como
comunistas. O soldado de metralhadora não me deixou entrar. “Por que não posso entrar? Sou o diretor daqui.
O senhor vai me impedir de trabalhar?” Me levou num capitão, acho que era major que tinha assumido. Eles
cercaram tudo para prender três ferroviários que eram tidos como líderes comunistas. Coitados. Não tinham
nada de comunistas. A política contrária lançou essa pecha nos três porque eles eram ativistas do PTB de João
Goulart. Foram presos e levados para Valadares. Foi o único caso. Eram os líderes ferroviários na região.
Líder, coitado, porque na Bahia Minas não tinha – para você ter uma idéia esse meu chefe de departamento de
pessoal só tinha o secundário. O único pessoal formado lá era o advogado que é irmão do Alfredo Baracho e o
chefe de serviço médico. Tinha também um engenheiro na época, mas ele era muito complicado e acabou
indo para a Noroeste do Brasil. Logo que assumi ele começou a dar muito trabalho e consegui e ele também
concordou ele se transferiu para a Noroeste do Brasil. Então eu não tinha um engenheiro para me substituir.
Era sozinho. Meu chefe de departamento de Mecânica, muito inteligente, só tinha o primário. Um excelente
mecânico. A mão de obra lá tinha uma qualificação muito pequena.
A gerência da via permanente não era feita por um engenheiro?
Da via permanente era o pai desse que era do departamento pessoal. Tinha também o curso primário. Eu o
classificaria como mestre de linha, um homem que toma conta dos trabalhadores de via permanente. Mas era
um cara muito competente, muito disciplinado. Tanto que destitui o filho dele e ele continuou como chefe do
departamento de via permanente. Chamava-se Pimpa Colen, Olímpio Colen. Ele é tio desse que é
farmacêutico da Drogaria Araújo, da família Colen. Lá na Bahia Minas, tinham muitos descendentes de
estrangeiros que são os remanescentes do pessoal que o Teófilo Otoni levou quando ele teve um plano de
implantar um pólo industrial. Lá você encontra pessoal praticamente analfabeto com sobrenome estrangeiro.
Alemães, ingleses, que vieram como mão de obra qualificada.
Além do problema da estrada ser deficitária por falta de carga, existia o problema da corrupção que
agravava essa questão?
Faziam vista grossa. Mas a corrupção era na baixa camada. Chamavam conferente e agente de estação e chefe
de trem, condutor de trem. Saía uma carga por exemplo de farinha trigo de Teófilo Otoni para Nanuque.
Chegava em Nanuque a carga tinha sumido. Mas como tinham declarado um ad valorem muito baixo eles
eram punidos para pagar o preço que tinha sido declarado e já tinham repassado aquilo por um preço seis,
sete, oito vezes maior.
Como era relação dos chamados coronéis com a estrada de ferro?
244
Na minha época isso não existia mais. O Tristão da Cunha que era o coronel, o próprio Aécio Cunha pelo
menos em cima de mim ele não fez nenhuma pressão. Ele simplesmente me ligou quando soube que eu tinha
sido nomeado. Ele já sabia da condição que tinha imposto ao Salim Nakur para assumir. Não iria perseguir
ninguém Iria simplesmente administrar uma ferrovia que eu pensaria que poderia ser salva. Tanto que eu
nunca mais ocupei ou pleiteei cargos políticos de mando em ferrovia. Simplesmente ocupava cargos técnicos.
Então o sr. chegou acreditando que poderia dar um jeito na estrada de ferro?
Já naquela época a própria rede apresentava condições muito precárias também. Para você ter uma idéia, eu
era residente em Itaúna, meu trecho abrangia Carlos Prates até Garças de Minas, tinha 295 quilômetros e tinha
o ramal de Contagem. Cheguei a ter por ano mais de 500 acidentes, mais de um por dia. Devido a má
condição da infra-estrutura, trilho gasto, dormente podre. Dava um acidente o maquinista era obrigado a dar a
causa num XW, que trem, que hora, que quilômetro. O que mais se lia era trilho gasto e dormente podre.
Você imagina um trecho de 300 km com mais de um acidente por dia. Nossa situação não era melhor. Ela
melhorou depois que chegou em Brasília quando começaram a remodelá-la com trilhos e dormentes novos.
Aumentando o peso do trilho e o lastro. O índice de acidentes caiu demais. Mas eu sabia que ia encontrar uma
Bahia e Minas claudicante. Eu não tinha idéia. Só passei a ter uma idéia concreta depois que me informei da
coisa. Lá também tinha muito acidente. Aqui na minha ferrovia (RMV) quando tinha acidente a gente era
obrigado a ir. Então eu estava com um diretor e recebi um aviso: “Houve um acidente perto de Pedro Versiani
e tem três mortos.” Imediatamente levantei e falei com meu chefe de gabinete: “Prepara um automóvel de
linha que nós vamos lá!”. Então prepara tudo e estou sentindo que o meu chefe da guarda. Lá tinha uma
guarda armada de mais de 50 homens, tudo com fuzil, armamento pesado. Essa guarda era comandada pelo
Fausto. Entrei no automóvel de linha, entrou o Fausto e mais dois ou três guardas armados. Não falei nada.
Eles são da polícia às vezes vão mexer com a parte de mortos. Chegamos no local, já tinham tirado. O pessoal
morreu afogado porque descarrilou na margem do Mucuri. O vagão caiu dentro d’água e morreram quatro
afogados. Botamos os corpos no carro de administração e voltamos para Teófilo Otoni. Quando cheguei em
Teófilo Otoni eu falei: “Fausto, porque você foi e levou quatro ou cinco guardas?” “Uai doutor porque aqui os
chefes quando tinha acidente eles não iam não. Eles ficavam com medo de ser linchado pelos passageiros.
Nós fomos para garantir a segurança do senhor.”
Trouxemos os cadáveres para Teófilo Otoni, fretei um avião para mandar um morto que era de Caravelas.
Tomei todas as providências.
Na época de férias tinha muito movimento de passageiros por causa da praia de Alcobaça. Todo cara mais ou
menos abonado de Teófilo Otoni tinha um lote, uma casinha em Alcobaça. Chegava nas férias era aquele
movimento. O trem descia lotado. Tinha que colocar seis, sete carros de passageiros, transportando 400, 500
pessoas, todo mundo indo para Alcobaça. O acidente foi justamente nesta época. O trem estava lotado. Foi o
vagão da cauda que tombou. Rabiou, descarrilou e caiu dentro do rio. Mandei continuar a viagem e só ficaram
os parentes dos mortos. O trem continuou para Caravelas.
O fluxo de passageiros era grande fora de temporada?
Pouco, mas não era pequeno porque era o único sistema de transporte daquela região. Ao longo dos 500
quilômetros eram poucas cidades. Realmente tinha Araçuaí, Ladainha, Teófilo Otoni, Carlos Chagas,
Nanuque, Serra dos Aimorés. Dali para cima era região muito pobre e pouco habitada.
Transportava muita miudeza e madeira. Madeira tinha muito, era uma região de jacarandá. Ia tudo para São
Paulo. A princípio ia pelo porto de Ponta de Areia, depois passou as toras virem para Teófilo Otoni e de lá
iam na carreta para São Paulo, para fazer compensado de jacarandá.
Em outro documento da estrada há a informação de um sistema de transporte de caminhões que pertenciam a
EFBM. O sr. pegou este tipo de serviço?
No meu tempo chamaria de transporte complementar. Esse transporte já não estava funcionando. Mas tinham
uns remanescentes de caminhões que devem ter sido usados nesse tipo de integração.
E esse serviço foi desativado por falta de carga?
245
Isso não posso te dizer, mas quem dá prestígio ao transporte é o usuário. A partir do momento que o
transporte começa a não funcionar ou a funcionar mal o próprio usuário se afasta. Hoje você vê na estrada
para São Paulo muitas carretas com bobinas enormes de aço. Transporte tipicamente ferroviário, mas por
ineficiência, falta de competência, por não saber articular carga e descarga.
O sr. chegou a ter algum relacionamento com os índios da região?
Não. Os índios se situam mais para o norte, para a Bahia. Mesmo no correr o trecho você não encontra
assentamento indígena. Acho que nunca cruzei com um índio em Teófilo Otoni.
A Bahia Minas foi integrada VFCO para ser desativada?
Enquanto a RMV era estadual, a Bahia Minas era federal. Não sei quando o Teófilo Otoni construiu, mas ela
sempre foi federal. Ela pertencia ao DNEF. Quando criou a RFFSA, ela foi encampada e somente ficou fora
da rede as estradas paulistas estaduais que depois virou FEPASA. A Bahia Minas era uma estrada
independente.
FIM DO LADO B
Fita 02
LADO A:
A Bahia Minas perdeu sua autonomia administrativa já com a finalidade de ser desativada. Foi subordinada a
Viação Férrea Centro Oeste e o superintendente da VFCO nomeou uma comissão para materializar a extinção
da Bahia Minas, tomando todas as providências necessárias do acervo móvel e imóvel.
Qual era o tipo de trilho usado na Bahia Minas?
Era um trilho inglês de 24,8 kg por metro linear. Para você ter uma idéia, hoje o normal é o trilho 57. Ou seja
57 kg por metro. Já na Carajás é 68 kg por metro. É uma verdadeira viga.
Qual era a bitola da Bahia Minas?
Métrica.
Na década de 60 foi montada uma locomotiva a diesel da Bahia Minas. Foi na época do sr.?
O meu chefe do departamento de mecânica, Geraldo Ramos, que morreu tragicamente em Ibiá, montou uma
locomotiva e era o “Ai Jesus” dos funcionários da Bahia Minas. “Nós construímos uma locomotiva a diesel!”
Você sabe que a falta de competência das administrações da RFFSA foram também uma das causas
predominantes da falência do sistema. Nós chegamos a ter um ministro dos transportes que me permito não
dizer o nome que ao ser questionado se a tração elétrica não era melhor para as ferrovias ele disse
textualmente: “Eu considero que a tração elétrica é melhor, tanto que já dei ordem para a Rede Ferroviária
para comprar as locomotivas diesel-elétrica. Porque quando for eletrificada a locomotiva já tem eletricidade.”
Ele não sabe que a locomotiva diesel é uma mini usina com um gerador. O motor diesel toca o gerador que
fornece energia para os motores.
A Bahia Minas chegou a ter uma U-5, pequenina, mais própria para manobra. Lá a tração era toda a lenha. As
locomotivas à vapor operadas por lenha, mas nós tínhamos locomotivas à vapor aqui na RMV operadas por
óleo, maçarico de óleo. A caldeira foi adaptada e este sistema evitava as brasas que faziam as pessoas
viajarem de guarda-pó. Até contam uma piada de quando eletrificou o trecho BH – Divinópolis, um
passageiro virou para o outro: “Ô sô! Caiu uma brasa no meu olho!” E o outro disse: Que é isso? Sô. Não tem
brasa. Agora é locomotiva elétrica!” “Então deve ter sido um Quilowatt!”
A EFBM não tinha a brita. A máquina à óleo funcionava bem neste lastro de terra?
246
O lastro é para construir uma base elástica entre o dormente e o solo. Na via permanente o trilho apoia no
dormente, o dormente no lastro e o lastro no chão. Ele é poroso, feito de brita, devido à necessidade de
drenagem, para evitar os problemas que o lastro de terra possui. A água não escoa e vai formando o que nós
chamamos de laqueado na linha. O trecho de Pitangui a Barra do Paraopeba que foi extinto com a barragem
de Três Marias, era de terra. Na época de chuva vira lama. Na Bahia Minas chegaram a montar uma pedreira
em Pedro Versiani que iria empedrar alguns trechos. Lá tinha um trecho empedrado entre Teófilo Otoni e
Pedro Versiani, se não me engano. Essa pedreira estava desativada por falta de recurso para explorar. Para
explorar uma pedreira é caro: explosivo, britador, a mandíbula, dependendo da rocha ela desgasta muito, as
perfuradoras têm um desgaste muito rápido.
Bonito é aquele trecho na chegada de Caravelas. Um retão perto da base americana que fazia o
acompanhamento dos submarinos alemães. Muito coqueiro. Aparaju, Juerana.
O pessoal que usava a Bahia Minas era apaixonado pela estrada.
O sr. se baseou em algum estudo externo para fazer o seu relatório sobre a viabilidade da estrada?
Normalmente quando não existe um planejamento dirigido para algum tipo de transporte. Seria o caso de
Carajás. Você já tinha o que transportar, um porto para ser construído, uma mina para ser montada. Um
planejamento bem definido. Na Bahia Minas a gente se baseou na produtividade da estrada, nos números. O
que transportou, o tku, o tkb. O que é tkb? Tonelagem km bruto. Tku? Tonelagem km útil. Relação tkb e tku.
O dinheiro gerado. A despesa efetuada. O custo da mão de obra, da manutenção. Isso tudo no final gera uma
relação de cruzeiro produzido e cruzeiro gasto.
Como estava o estado geral de manutenção da linha, vagões e locomotivas?
Muito precário. Os vagões, como já disse, estavam sendo remodelados e mandados para Caratinga. Os
veículos de passageiros eram truque aranha, antigo, sem rolamento no encaixe do eixo. Era um bronze em que
o eixo apoiava e ali rodava. Como era a lubrificação? Estava encerrado numa caixa e embaixo enchia com
óleo. No que ele rodava trazia o óleo da estopa. De vez em quando queimava, incendiava, estragava a cabeça
do truque. O calor temperava o aço, o que muitas vezes inutilizava o rodeiro.
O material rodante da Bahia Minas não era moderno. Agora tudo é rolamento.
Qual era o papel das oficinas de Ladainha?
A locomotiva à vapor operava no sistema de braçagem. Tem um cilindro de vapor de onde sai aquele braço
que transmitia o movimento para as rodas motoras. E essas braçagens precisavam sempre de regulagens. Uma
locomotiva à vapor tem um limite de ação. Você não pode pegar uma locomotiva à vapor e andar mil km com
ela. De tempos em tempos tem que regular a braçagem. O limite máximo de atuação é de uns 200 km. Senão
o rendimento cai demais. De pontos em pontos tinha que ter uma oficina ou um depósito. O depósito era de
menor porte só para fazer a regulagem da locomotiva. Quando o problema era maior tinha que ir a oficina. A
Bahia Minas tinha um depósito em Ladainha e Nanuque.
Ponta de Areia também tinha uma oficina?
Você vai rir. Só fui a Ponta de Areia uma vez. O tempo que fiquei lá foi tão pequeno. Os problemas
administrativos eram tão grandes e já estava com a predisposição de não ficar. O Salim já estava procurando
um substituto.
O sr., chegou a correr toda a linha?
Corri toda a linha.
Como a população se relacionava com a estrada neste momento que o sr. estava lá?
O ferroviário Bahia Minas era um privilegiado da região. Tinha um excelente hospital etc. Tanto que quando
a Bahia Minas terminou houve um choque térmico em toda extensão da região. Eles ficaram completamente
ilhados. Teve um caso interessante do irmão de um colega meu que morava em Pedro Versiani, fazendeiro.
Na época da enchente de 1963. Eu estava no meu gabinete por volta das 8:30 da noite quando entrou o irmão
247
dele pedindo para arrumar um automóvel de linha porque o irmão tinha sido mordido por uma cobra e não
havia como sair. Só pela ferrovia. Imediatamente foram buscar. Era a ferramenta de trabalho de todo mundo.
O que produzia vinha vender em Teófilo Otoni pela ferrovia. Teófilo Otoni era o centro que aglutinava todas
as necessidades da região. Araçuaí tinha algum recurso, mas Teófilo Otoni até hoje é um centro de referência
da região. Se houve alguma referência negativa da Bahia e Minas foi daquele que quis entrar e não conseguiu.
Era um privilegiado. Salário em dia. Não atrasava. Era Federal. Não era feito o governo do Estado na RMV
que ficava três, quatro meses sem receber. Dinheiro Federal.
Qual era a velocidade do trem?
Aqui na RMV era uns 30 km por hora a velocidade de tráfego. Com as paradas... Daqui a Divinópolis o trem
saia às 4h e chegava 8:30 em Divinópolis. Na Bahia Minas era menor. A velocidade comercial devia ser de
uns dezoito, vinte km por hora. Não dava mais do que isso.
FIM DA ENTREVISTA
248
ENTREVISTA 7
16/11/2002 - Araçuaí
Luis Henrique Guimarães Lisboa
14/07/1957 - Representante Comercial
Natural de Queixada
Tempo estimado: 15 min
Assuntos relevantes: Cotidiano; causos; o fim da estrada.
LADO A:
Quais as lembranças que o sr. tem da Estrada de Ferro Bahia e Minas?
As minhas lembranças são as melhores possíveis. Na época da Bahia e Minas existia progresso na nossa
região. As pessoas faziam um intercâmbio comercial, tudo que era vendido no trem. Lembrança das
brincadeiras, quando nós queríamos que o trem ficasse parado a gente colocava lenha no trilho para o trem
desencarrilar e a gente ficar brincando. Nós corremos muito do chefe da chave. Antes da estação tinha uma
chave. Quando tinha bandeira branca a gente já sabia que o trem ia passar direto e quando não tinha a gente
virava a chave. Aí o chefe corria atrás da gente. Chamava-se José Fraga.
Também tem algumas pessoas que me marcaram muito. Tinham dois maquinistas: seu Malaquias que andava
na 280, um trem tocado a lenha e água. Era um maquinista que andava bem devagar. Já tinha um outro que se
chamava Vadinho que foi o primeiro trem à óleo que conheci. Quando ele apitava. Sai fora que lá vem
Vadinho.
Comigo aconteceu uma história. Uma vez estava tocando umas vacas para a fazenda Borá, perto da Queixada
e nesse dia esqueci que quando você está no corte da linha você colocava o ouvido no trilho você sabia se o
trem estava vindo se era um kilômetro. Nesse dia esqueci e quando estava no meio do corte o trem “evem”.
Como vou fazer. Tinha um pontilhão no corte e quando vi que não dava mais tempo pulei dentro do buraco e
o trem passou por cima. Na época matou umas 4 ou 5 vacas. Lembro muito bem disso porque meu pai, minha
avó, meu pessoal, ficou muito preocupado comigo sem saber se eu tinha morrido. Com medo de apanhar
porque as vacas tinham morrido, machucado fiquei o dia todo no mato escondido.
Quando já estava saindo para estudar fora, a gente não usava carona, a gente pongava no trem. Quando
chegava no Borá tinha uma curva e a gente sabia que o trem não tinha como andar muito, ia bem devagar e a
gente descia. Acontecia também da gente comprar a passagem no trem de terceira e a gente viajava no trem
de primeira. Ficava a viagem inteira correndo do chefe de trem quando eles iam picotar a passagem da gente.
Antigamente tinha uma maquininha que picotava a passagem. Aí o cara sabia que não podia voltar com ela.
Foi quando pela primeira vez eu conheci a violência também. Tinha um senhor que se chamava Pacífico que
ele foi assaltado no bar. Na hora que o cara o roubou o trem estava saindo e ele pongou no trem e foi embora.
O pão de sal vinha de Novo Cruzeiro e um rapaz do correio de nome Pedro chegava trazendo o saco de pão
para gente.
Outra que me marcou foi a primeira vez que comecei a militar no movimento político. Era muito pequeno e
perguntei ao meu pai: “Pai o que eu posso fazer? Estão arrancando o trem. Os trilhos da estrada estão indo
embora e não podemos fazer nada? Hoje a nossa região enxergamos que os políticos devem muito a essa
região do Vale do Jequitinhonha que fazia de Araçuaí até Ponta de Areia. Eles tiraram o único meio de
transporte que tínhamos com os meios grandes. Nos deixou sem nada. Demorou uns dez, doze anos para
termos acesso a uma estrada. Para você ter uma idéia de Araçuaí a Queixada que são 66 km naquela época
gastava um dia e meio de viagem. Isso quando não estava chovendo.
Tem outras coisas mas o tempo foi apagando, apagando....
Como foi esse processo de fim da estrada?
Naquela época as pessoas mais velhas conversavam muito pouco com a gente. Quando eles queriam
conversar uma coisa mais séria eles tiravam a gente de perto. Mas a gente era curioso e ia enxergando as
coisas e meu pai era mais aberto e conversei com ele que me disse assim: “É meu filho, não tem jeito. A
249
estrada vai embora e nós não podemos fazer nada. Se a gente falar alguma coisa a gente apanha ainda.” Foi a
única coisa que meu pai me passou.
Chegou para vocês o motivo, qual a razão da estrada estar acabando?
A razão que nos deram na época é que estavam acabando com a estrada de ferro porque iam fazer uma
rodovia para gente. Íamos ter acesso às grandes cidades com maior rapidez de ônibus ou de jipe. Naquela
época era jipe, rural ou picape. Tinha o caminhão à manivela. Foi um período muito difícil. Por isso que na
nossa região hoje existe muita parteira. Eu tenho um irmão que nasceu debaixo de uma goiabeira. Minha mãe,
já em trabalho de parto, pegou o carro para chegar em Araçuaí e não deu tempo de chegar. O carro atolou e
teve que fazer ali mesmo. Não teve jeito.
Muita gente morreu por falta de atendimento.
Se você quisesse vir com um cavalo era muito fácil. A estrutura da Bahia e Minas era muito bem montada.
Tinha um curral onde o trem encostava, o cavalo saía andando do curral. Até hoje temos água dentro da
cidade graças à Bahia e Minas. Em Queixada tivemos uma briga com a COPASA. Ela queria cobrar a água da
gente. De jeito nenhum. Acharam a água por gravidade pronta. Até hoje, 16/11/2002, acho que ainda não
cobra. Não aceitamos. Tiraram tanta coisa da gente. O que tem ainda querem cobrar.
Muita gente foi embora. Já fiz o trajeto de Araçuaí a Ponta de Areia, conheci algumas cidades, conversei com
algumas pessoas. Você vê muita tristeza nas pessoas. Tem muita família que implodiu porque o único meio de
vida que ela tinha era aquilo. De repente você sair para um grande centro. Como? Muitas famílias se
desestruturaram por causa disso. O cara tinha um comércio e não tinha carro para comprar as coisas em
Teófilo Otoni ou vinha até Araçuaí porque o comércio vinha da Bahia. Quando o governo, na ditadura,
acabou com isso, você ficou a ver navios.
Quais os problemas da EFBM?
Os problemas maiores que lembro era animal na linha e a malandragem nossa também que morava nos
lugares pequenos. Quando chegava o trem era uma festa. Tinha um ditado popular que não estou lembrando
que era igual à chuva no Amazonas. O trem passava era 11 h da manhã, 3 da tarde passava voltando (de
Teófilo Otoni). Tem outra história. Quando não tinha o trem o chefe de turma ficava dando manutenção a
estrada nos troles. Eles prestavam grandes serviços quando tinha uma pessoa muito doente, mulher para
ganhar menino. Colocava dentro do trole e trazia na mão. Era uma canoa em cima do trilho.
FIM DA ENTREVISTA
250
ENTREVISTA 8
15/09/2002 – Carlos Chagas
Leonídia Silva Brauer
76 anos – Dona de Casa (viúva de ferroviário – chefe de estação Lincon Brauer)
Natural de Pam Pam/município de Carlos Chagas
Tempo estimado: 30 min
Assuntos relevantes: cotidiano de trabalho, índios, relações pessoais, trajetória
individual, o processo de erradicação.
LADO A:
Quais as lembranças que o sra. tem da Estrada de Ferro Bahia e Minas?
Tinha muito movimento em Pam Pam naquela época. Era tanta barraquinha na hora do trem. Tinha tanta
gente que reunia para vender cafezinho, galinha. Naquela época era bem difícil porque o trem passava uma
vez por semana. Um subia e outro descia. Com o tempo a coisa foi melhorando. Todos os dias tinha o trem de
ferro levando, deixando passageiro, levando carga. Ela durou muito tempo. Teve aquela época de revolução.
O pessoal era quase ditador na roça. Era todo mundo bravo. Tinha os coronéis. Tinham aquela influência, mas
os agentes de estação, os ferroviários eram protegidos pelo governo. Nem sei se hoje ainda existe essas coisas.
Antigamente não existia. A desvantagem é que você não se mandava. Você estava aqui como agente e em
poucas horas chegava uma carta para você ir para outra estação. E tinha que mudar. Nós tivemos dificuldade
para educar os filhos por causa disso. Não ficava muito tempo num lugar só. Tinha um carro fechado próprio
para pegar mudança. Naquele tempo se trabalhava muito. Maquinista como doido, guarda-freio trabalhava dia
e noite, o agente tinha vez que nem encerrava o expediente, virava a noite toda. Os cargueiros para colocar a
madeira em cima das pranchas. Essas pranchas iam para Caravelas, Ponta de Areia para embarcar em navios.
Não tinha outro jeito de transporte para madeira. Tudo era mais difícil. Hoje não. A gente vai até esquecendo
as lembranças. Outro dia teve um moço aqui e ele achava que o escritório da Bahia Minas era em Teófilo
Otoni, porque tudo era em Teófilo Otoni, a Caixa de Aposentadoria. Nós não tínhamos INSS como tem hoje,
nós tínhamos Caixa de Aposentadoria. Então tudo tinha que ser resolvido em Teófilo Otoni. Então ele
descobriu que o escritório da Bahia Minas era no Rio de Janeiro. Isso aqui era só para anotar e mandava para
o Rio, nem tudo ficava em Teófilo Otoni.
Eu sei que a pessoa trabalhava dia e noite e não tinha sossego não. Eu sei que o pobre do meu marido chagava
com o dia amanhecendo, quando chegava tarde morto de sono e logo tinha que voltar para trabalhar.
Qual era o serviço dele?
Ele era agente de estação. Recebe o trem, tem que saber muito bem o telégrafo. Ele aprendeu muito bem ler
de ouvido e passar para o papel. Era interessante aquilo. Não era para todo mundo não. Registrava tudo
direitinho. Foi uma vida muito puxada a dele. Não só dele, mas de todos que trabalharam na Bahia e Minas e
os deles era mais pesado. Nunca tinha dois. Sempre era um só. Tinha o agente, o que faz a chave dos desvios
e outro para limpar, capinar. E tinha que esperar o trem passar não importando o horário.
O pessoal da Bahia e Minas trabalhou muito e desfrutou pouco. Na época o dinheiro tinha mais valor, mas
não era essa dinheirada que a gente ganha hoje. Hoje trabalha pouco e ganha menos. O nosso melhor era a
Cooperativa em Teófilo Otoni, quando precisava de mantimento, de roupa, essas coisas. Mas a coisa que mais
necessitava naquela época era o estudo e não tinha. Era o mais difícil. Meus filhos estudaram com muita luta,
começaram a trabalhar muito cedo. Não tinha nem um grupo para estudar. Não tinha professor, não pagava
professor. Eu sei que meu marido arranjava assim: os primeiros filhos estudaram em Ladainha, com o
professor Antonio Elias. Era um internato. Quando dois aprendiam a ler e escrever tirava eles e colocava mais
dois porque não podia colocar todos na escola. Isso para não deixar ninguém sem saber ler e escrever. Era
muita dificuldade. Hoje essas coisas são muito fáceis.
Como era a relação dos coronéis com a estrada de ferro?
251
Eles eram os mandantes. A gente ficava mais submisso aos coronéis. Se você chegasse num lugar como
Mangalô, era a família Tomich, ali se ele quisesse arranjar a casa para você morar, você morava. E se não
quisesse tinha que ficar dentro da estação. No armazém da estação até que você desse um jeito de fazer uma
casa ou rancho. Tinha que se virar desse jeito. Em Pam Pam era o coronel Adelino de Lins e Silva que
também era do mesmo jeito. E teve uma época de Getúlio que ele mandou desarmar com aqueles coronéis.
Tinha muita arma, morria muita gente, eram muito cruéis. Aí ele deu uma ordem para desarmar. Tinha vez
que enchia o armazém de tanta arma. Vinha os policiais para carregar as armas. Foi melhorando. Tinha vez
que para trabalhar era autorizado para colocar um flaubert (espingarda) para mostrar que não tinha medo.
O que a sra. achou do final da estrada de ferro?
Para quem já estava acostumado aquilo foi uma tristeza. Foi o mesmo que acabar com uma coisa que a gente
mais amava. Tudo era alegria naquele tempo. Era simples, sem luxo sem nada. E a gente nem esperava. Já
tinham falado há bastante tempo que ia acabar a EFBM, mas a gente não acreditava naquilo não. Não parecia
uma coisa que ia acontecer. E no final aconteceu rápido e tanta gente chorava, desanimado. Teve pessoas que
até morreu. Ficaram tão impressionados que achava que não acabava aquilo. Como foi com a família dos
Bessa. Ficou muita gente desempregado e muita gente parada porque não sabia fazer outra coisa. Quando
você tem muitas artes, muitas profissões, não fica parado. Acabou um você começa outro. A sorte do meu
marido é que naquela época ele já estava aposentado. Mesmo assim ele ficou apaixonado. Tanto material que
você jogado por essas estradas. Não foi fácil.
A sra. acha que a estrada acabou por que?
Minha opinião é de que foi o governo que mandou acabar com a estrada.
Mas qual a razão?
Isso que não sei. Para ele aquilo não daria lucro. Só pensou nisso. Vamos acabar com a Bahia e Minas e
colocar ônibus que deve dar lucro. Mas demorou muito para colocar ônibus. Muita gente ia daqui para Teófilo
Otoni de pé. Naquela época nem todo mundo tinha carro. Era aquele jipão. O que eu acho que fez ele acabar
com a Bahia e Minas e criar essas estradas de ônibus para aqui e acolá. Fez tanta estrada que hoje todo lado
que você vai tem uma saída para você. Naquela época você era obrigado a ficar preso porque só tinha a
EFBM. Acho que ele cortou por causa disso. Não está tendo movimento como deveria ter.
Era verdade? Não tinha movimento?
Tinha movimento mas era muito menos. Era no lombo do animal, vivia mais da terra, plantando. Se você
colhesse muito era só para sua despesa, não tinha valor essas coisas como tem hoje. Hoje as coisas são
valorizadas, naquele tempo não eram. Acho que isso que fez com que o governo mandou acabar com isso. Aí
virou estrada para tudo quanto é lado. Você chega em Nanuque você vai para onde quer. Teófilo Otoni a
mesma coisa. Hoje você vai para Belém tudo de ônibus. Isso foi o governo senão não poderia ter acabado se
era uma coisa do governo.
O trem chegava no horário?
Não. Muitas vezes atrasava. Até hoje o ônibus atrasa. Nunca que chegava no horário. Muitas vezes chegava,
mas muitas vezes atrasava. É difícil as coisas serem assim retinhas, tudo certinho como a gente quer. Ainda
mais tocada à lenha. Depois que mudou para o óleo melhorou bastante. Chegava mais na hora, as coisas eram
mais limpas. Era um trabalho pesado, os guarda-freio eram uns negões fortes para trabalhar. E trabalhava dia
e noite. Quantas pessoas morriam antes do tempo, mexia com água, mexia com lenha.
A sra. conheceu que trechos da linha?
Nós moramos em Mangalô, Pam Pam, Mairinque, Bias Fortes e, parece que eles gostavam mais de mudar ele,
até Araçuaí. Em Ladainha que esses meninos dele estudaram. Ladainha é perto de Araçuaí. O lugar que nós
252
moramos menos foi Teófilo Otoni, onde o pai dele tinha até uma casa. Depois acabou tudo. Foi bonito
naquela época, parece que a gente tinha mais direito, mais segurança.
A sra. pode me lembrar um detalhe que é o sistema de batidas do sino...
Quando o trem ia chegar você dava uma batida só. Na hora de sair eram duas batidas e já sabiam que o trem
ia partir e para não deixar ninguém para trás. Aquilo era cheio de gente, o pessoal era muito simples. Todo
mundo fazia uma lata de farofa, entrava no trem de qualquer jeito, brincando. Existia muita alegria.
Tinha festa?
O pessoal da Bahiminas gostava muito de uma festinha, tomar uma pinguinha.
Participavam dessas festas como Folias de Reis, Divino?
Não era o pessoal da Bahiminas. Todo ano tem os reiseiros e eles marcavam para visitar a casa da gente. Eles
cantavam. Hoje está tudo mudado. Aos poucos vai indo vai se apagando, mas existia muita coisa boa naquele
tempo. Seu Amadeus Tavares, conheceu muito bem essa Bahiminas. Não cansava de falar que até para educar
os filhos a Bahiminas ajudou muito que ele tinha uma espécie de cooperativa, a gente comprava na mão dele.
O pessoal vai se acabando.
A sra. teria algum causa para contar?
o que mais guardo é o meu marido que trabalhou muitos anos na EFBM e os filhos quase todos também
trabalharam. O Noé, mora lá em Alcobaça, trabalhou bastante tempo na Bahiminas, foi uma herança que ele
deixou para o filho. Tem o Moisés que mora em Belo Horizonte, trabalhou bastante tempo com ele também.
Tinha o irmão dele o Sebastião que trabalhava na Bahiminas. O pai dele foi chefe de tráfego. Um bocado da
família foi encaminhado a EFBM.
A sra. conheceu ele na estrada de ferro? Como foi isso?
Eu perdi meus pais muito criança. Nós morávamos numa fazenda, meu pai tinha um pedacinho de terra.
Depois que ele morreu ficamos sem porque aquela época não tinha recursos. No parto do quarto filho minha
mãe ganhou o neném mas não conseguiu. Até que meu pai foi a Teófilo Otoni, o trem passava uma vez na
semana, e voltou mas ela não agüentou e morreu. Nós fomos criados na casa dos outros, cada padrinho tomou
conta de um. A família de meu pai é alagoana, eu nem conheci a família dele. Minha mãe era de Salinas e
casou com ele quando ele morava nessa mata aqui.
Um dia meus padrinhos disseram que iam para a Lapa de Bom Jesus, e foram. Nós ficamos na mesma casa.
Meu padrinho se chamava Teófilo Dias e mandou me chamar para a festa, eu era a mais velha, eu não quis ir
porque eles eram muito rígidos, se dessem uma ordem você teria que cumprir. Ficamos na casa de dona
Josina. Ela era viúva, fazia aqueles altares bonitos, tanta festa, tanto biscoito, tanta coisa gostosa. Eu nunca
tinha pensado em conhecer ele, tinha muita gente na festa. Agente de estação Lincon. Eu não pensava quem
poderia ser Lincon na minha vida. Quando chegou nesse dia, nessa festa de São Pedro, dia das viúvas, a gente
se encontrou e começou conversar, perguntar de quem era filho, como estava sendo criado. Aí ele falou
assim: “Por que você não vai brincar?” Aí eu falei que não. Porque naquele tempo a gente não podia dançar
senão deus me livre. Aí a gente ficou se conhecendo. Antes da minha avó chegar ele mandou um bilhetinho
perguntando se eu queria namorar com ele. Deus me livre, era couro na certa. Depois que minha família
chegou ele foi lá. Foi com uns colegas da bahiminas. Minha madrinha achava que não ia dar certo. Mas meu
padrinho não, era uma pessoa mais esclarecida.
Tanta coisa. Tem hora que você deita assim coloca a cabeça no travesseiro vai lembrar do passado... é muito
difícil esquecer do passado. Pelo passado a gente se entende, a gente vê o que é, o que a gente passou. A boa
lembrança, a má lembrança. Os momentos felizes e infelizes. Essa é amargosa mesmo. Eu reclamava muito
com Deus. Achava que Deus fez uma coisa injusta conosco. Mas hoje estou aceitando porque foi uma das
coisas mais certa que Deus fez com a gente para aprender a viver, respeitar os outros, tratar os outros como
merecem. A gente tendo tudo não sabe respeitar ninguém, acha que vida é só mar de rosas, não tem espinhos.
Se existe rosa tem que ter espinho.
253
A sra. teve contato com os índios da região?
Só com os de Porto Seguro e Machacalis. De vez em quando circulavam pela estrada. Gostavam de beber
cachaça e fumo. Aquela região de Novo Cruzeiro, eles passavam muito por ali. Ali vendia muito fumo, muita
cachaça e eu nunca vi um bicho gostar de cachaça e fumo igual a índio.
E não tinha problema?
Os homens brancos corriam com os índios. Queriam desterrar os índios. Viviam escondidos naquelas grotas,
matas. Existia muita mata por aqui, muito fechada. Hoje que não tem mais, acabaram com tudo, derrubaram
toda a madeira Eles viviam naquelas ocas, em choças, em raiz de pau, assim que viviam os índios. Engraçado,
eles só viviam de pesca e caça. Hoje eles estão até civilizados. Até na Assembléia tem índio. Como melhorou,
evoluiu bastante. Porque hoje não está tendo essa desigualdade. Era uma desigualdade muito séria.
A sra. conheceu Ponta de Areia?
Ponta de Areia. Conheci. Ainda existe lá só não é como era. A estação era maiorzinha, elas normalmente são
pequenas. Tinha a parte de telégrafo, a parte de conferência de botar os mantimentos que recebiam, tinha as
partes de bebida, tinha balança para pesar. Todas essas coisas. E lá entrava o navio em Caravelas para poder
colocar madeira. Navio para carregar passageiro acho que devia levar uns seis meses para chegar no Rio de
Janeiro.
Mudou muito para melhor.
A sra. acha que mesmo com o fim da estrada de ferro as coisas melhoraram?
Melhoraram. Ainda mais nessa parte de transporte.
FIM DA ENTREVISTA
254
ENTREVISTA 9
31/10/2003 – Belo Horizonte
Luiz Eloy de Almeida
Idade:
Engenheiro Ferroviário
Natural de Diamantina
Tempo estimado: 50 min
Assuntos relevantes: Processo de erradicação, relações políticas e profissionais,
estatísticas.
LADO A:
Quais as lembranças que o sr. tem da Estrada de Ferro Bahia e Minas?
Em 1965 eu fui mais três ou quatro engenheiros para tentar recuperar economicamente a estrada de ferro que
na época arrecadava onze milhões de cruzeiros e sua despesa era de 600 milhões de cruzeiros. Com muito
esforço conseguimos elevar a receita para 57 milhões de cruzeiros, mas a despesa continuava 600 milhões de
cruzeiros. O governo viu que era inviável. A Bahia e Minas teve sua falência decretada depois da construção
da rodovia Rio – Bahia. Tudo que poderia ser transportado por estrada de ferro passou a ser transportado por
caminhão. Ela não tinha mais nada o que transportar. Só transportava um pouco de passageiros. Não tinha
como subsistir. O Jânio Quadros quando foi eleito decretou a extinção da estrada de ferro. Quando veio a
revolução me mandaram para lá fazer a extinção da estrada, mas primeiro com a tentativa de procurar
aumentar a receita, o que foi impossível porque não tinha nada o que transportar. Ela ligava Caravelas a
Araçuaí. Uma região muito pobre em material para ferrovia transportar. Ferrovia é carga a grandes distâncias.
Quando fui para Teófilo Otoni em 1965, a estrada estava com 86 anos de existência. Essa ferrovia foi
construída por firmas francesas para explorar nossa reserva florestal. Era uma região muito irrigada, com
muitos rios e quando chegava um rio ou um vão para ser transposto, cortavam uma árvore e a deitavam no
local e lançava a ferrovia em cima. Com o correr do tempo eram 40 pontes nesta situação feita com madeira
roliça e alinha em cima. O sul da Bahia é uma região de muita chuva e muito calor o que acelerava o
apodrecimento de qualquer madeira derrubada. Ainda tinha um problema, quando a locomotiva estava com o
borralho muito pesado ela soltava automaticamente. Às vezes soltava em cima de uma ponte e queimava uma
parte da ponte. As condições eram muito precárias.
Fui mais quatro engenheiros. O primeiro engenheiro era meu irmão. Me levou para ajudá-lo e acabou ele
vindo embora e eu fiquei sozinho com esses outros três. A gente fazia de tudo para arranjar dinheiro, mas era
impraticável. Assim foi até que em 1966, um dia o trem estava tão atrasado que ele chegou numa ponte. Ele
deveria passar nesse local à noite, mas ele chegou lá de dia. Ele estava com 196 passageiros. Quando o trem
se aproximou e viu que a ponte estava queimada ainda deu tempo de parar. Se fosse à noite possivelmente ele
não pararia. Eu fui mandado para lá tinha dois anos de formado. Então eu, um engenheiro novo, me
comprometer com um acidente desta ordem eu fiquei apavorado. Dei um rádio para o meu chefe dizendo que
a partir daquele dia nenhum trem rodaria mais na Bahia e Minas sob a minha responsabilidade. Me chamaram
para conversar com o governador. Estou salvando a minha responsabilidade. Qualquer coisa que acontecia na
Bahia e Minas eu era o responsável. Se o pagamento atrasava eu era o responsável. Se havia uma punição lá
eu era o responsável. Imagina eu ser responsável por um acidente desta ordem? Eu fiquei em pânico.
Me perguntaram se eu faria um relatório a respeito. Então, cheguei em Teófilo Otoni, peguei um fotógrafo
bom e nós viemos de Caravelas até Teófilo Otoni tirando retratos dessas provisórias. O estado de podridão, de
carência era fantástico. Foi trazido para o governador e concluíram que não tinha condições de recuperar.
O estado da ferrovia era crítico. Não existia manutenção. Ferrovia para transportar passageiros aqui no Brasil
é inviável. O prejuízo dela era muito grande. Era um estrada de ferro independente que ligava duas regiões
relativamente pobres. Acabou a madeira e a firma francesa vendeu a ferrovia para o governo.
255
Antes de fechar a estrada de ferro foi mandada daqui de BH uma equipe para estudar a viabilidade de
restaurar essas provisórias. Isso foi estimado na época em 40 bilhões de cruzeiros. Era jogar muito dinheiro
fora. Resolveram fechar mesmo.
Essa equipe foi mandada quando?
Foi em 1966. Depois que pedi para fechar a estrada eles mandaram essa equipe lá com base no meu relatório.
O sr. enfrentou resistência de funcionários ou da comunidade por ter parado o tráfego?
Eu enfrentei porque o Coronel Gontijo me mandou que eu saísse ao longo da linha explicando o por que do
fechamento. Lá no Sul da Bahia o pessoal me rodeou e queria me dar uma surra porque eu era o culpado. Eu
estava com um investigador do DOPS, armado que disse assim: “Conversa é com o Dr. Luiz. Briga é
comigo.” Aí o pessoal desfez. Não teve muita resistência, mas o povo não me aceitava. Eu chegava numa
roda, eu falava quem era e saíam acintosamente de perto de mim.
Muitas firmas viviam em função da arrecadação de vendas para a Bahia e Minas.
O sr. encontrou problemas sobre corrupção na estrada?
A estrada de ferro foi vendida para o governo porque não tinha mais madeira para derrubar e era independente
e muito longe da administração central que era o Rio de Janeiro. Montou-se lá uma corrupção violenta. Foi
mandada para lá uma comissão de inquérito que botou na rua muita gente. A roubalheira lá era um troço
seríssimo.
O sr. tem algum exemplo?
Quando cheguei lá acabei com isso tudo. Separei todo mundo. Botei para trabalhar só gente que conhecia. Eu
era forte, estava com ordem do governo federal. Era roubalheira de toda natureza. Concorrência pública para
fazer pequena obra que tinha superfaturamento, desvio de pagamento. Funcionários que não existiam mais e
continuavam recebendo. Quando cheguei lá em 1965, a estrada de ferro tinha 1712 empregados mal
acostumados.
Como os trabalhadores foram aproveitados?
Com a notícia da extinção, recebi a instrução de pegar os funcionários e mandá-los para onde eles queriam ir.
Com isso comecei a desmobilizar a ferrovia. Tirei oito mil funcionários e familiares. Foi um serviço
fantástico. O pessoal já saía de lá transferido para uma determinada área da regional de BH. Sul da Bahia, por
exemplo, eles tinham que sair de ônibus até a ponte queimada, pegava o trem do outro lado e chegava até
Teófilo Otoni. Lá eu fazia o pagamento deles e botava dentro de um ônibus e eles tinham que chegar em
determinado horário para daqui pegar o trem para ir aonde eles queriam. Não poderia nunca haver
desencontro desses transportes. Porque ficaria na estação de Belo Horizonte duzentas pessoas. Como
resolveria alimentação e hospedagem? O pessoal saía lá da região para Teófilo Otoni, onde pegava um ônibus
que vinha para Belo Horizonte e pegavam os trens para os locais de transferência. Foi um trabalho maluco.
Mas toda vida deu certo. Graças a Deus.
Quem eram os outros engenheiros que trabalharam na equipe do senhor?
Edson de Araújo Queiroz, Alfredo Domingos JR., Aloísio Silva Ladares Bahia. Meu irmão veio só para me
apresentar e voltou logo.
O diretor que vocês substituíram foi o Lélio Garcia Porfírio?
É. Era um rapaz novo que tinha pouco conhecimento de ferrovia que puseram lá não sei porquê.
256
Qual foi o destino do material rodante?
A ferrovia tinha 582 km de linha e nunca tinha sido vendido sucata dessa ferrovia. Então desmontei essa
estrada de ferro, sou muito cuidadoso. Vim desmontando a estrada de ferro a partir de Ponta de Areia.
Colocava pessoas para andar por volta para recolher todo material que era sucata para mandar para a
Manesmann. Foi tudo vendido para a Manesmann. Eu piquei 44 locomotivas à vapor para mandar para a
Manesmann.
Como é picar uma locomotiva?
Desmonta ela toda com maçarico. Mas é preciso falar o seguinte: coloquei pessoas de confiança nessa época e
tudo que era pedaço de bronze, latão, chumbo e cobre, mandei para BH 64 toneladas desse material. Tudo já
fundido em tarugos e numerado para evitar desvio. As carretas que transportaram esse material vieram em
comboio com guarda de pessoal do exército para evitar roubo. Era material caríssimo. Através da EF Vitória
Minas tirei 57 vagões carregados de material da EFBM. As máquinas todas devidamente embaladas. A sucata
... pensa aí ... são 582 km de trilho ... para avaliar o volume é isso multiplicado por dois porque são dois
trilhos e multiplicado por 25 que era o tipo de trilho de lá. Ao lado disso tinha os pregos, as arruelas, os
parafusos, as talas de unção. Foi mandado uma fábula de material para a Manesmann. Isso tudo foi muito
controlado. Foi feita uma concorrência aqui em BH para uma empreiteira transportar o material da região de
Teófilo Otoni para BH. Quem ganhou foi a transportadora Ramos. Ela deu o preço de 23 cruzeiros por quilo
para fazer o transporte. No contrato pedia que tinha que ter frota própria. Na época verifiquei que eles não
tinham frota própria. Com isso consegui cancelar o contrato e eu mesmo passei a transportar através do
retorno de veículo vazios do Norte do Brasil. Ficava na Rio Bahia, de noite, com lanterna, pedindo para os
motoristas que vinham vazios carregarem o material. Foi uma coisa maluca, dia e noite carregando. Os trens
chegavam com os trilhos, eu picava os trilhos, carregava em caminhões. Nunca tive um problema de estrago
de caminhão.
Aqui na Manesmann ficava um funcionário da rede, da SR-2, que recebia o caminhão e conferia tudo. Se for
calcular o volume de toneladas de sucata é uma loucura. As locomotivas pesavam 44 toneladas cada uma,
além do mais catei sucata em todo canto. Por exemplo, dentro do rio Mucuri, uma certa época caiu uma
locomotiva com vagões de sal. Eles tiraram a locomotiva e deixaram os sete vagões de sal. Muitos anos
depois fui lá ainda tirei o que sobrou lá dentro. Bolei impressos para o controle que, modéstia a parte, foi
maravilhoso.
O processo de erradicação começou em Ponta de Areia e terminou em Araçuaí?
Na época que foi mandado iniciar o arrancamento existia uma firma em BH que cuidava do arrancamento de
linhas chamada RODOCAR. Essa firma com ordem daqui de BH foi à Teófilo Otoni, me pegou e nós
sobrevoamos a linha por cerca de seis horas. Fizemos uma reunião em BH onde o pessoal da RODOCAR
disse o seguinte para o coronel Gontijo: “o arrancamento de Ponta de Areia a Teófilo Otoni é o filé e de
Teófilo Otoni até Araçuaí é o osso.” Aí o coronel respondeu assim: “Então você vão ficar com o filé e de
Araçuaí a Teófilo Otoni fica a cargo do Luiz Eloy” E eu arranquei. Bolei um sistema para arrancar. Modéstia
a parte, eles arrancavam uma média de 100 metros de linha por dia com o sistema deles. Eu arrancava 1.200
metros de linha por dia. O sucesso desse sistema que bolei foi tão grande que eles mandaram para lá um
diretor para ver o que eu estava arrumando.
Quantos trabalhadores para fazer isso?
Mandei o pessoal todo embora e contratei gente particular para fazer o serviço. A medida que o arrancamento
ia andando, eu ia contratando gente da região. O trabalho deles era simples. Era só arrancar os pregos, jogar
dentro do vagão, arrancar o trilho, separar e botar no trem. Era muito fácil.
Funcionários da estrada ainda existiam? Chefes de estação, telegrafistas?
Teófilo Otoni é 376 (km) e lá em Araçuaí era 582 (km). Então esse trecho todo eu mantinha as estações
funcionando que era para liberar os trens com a sucata que descia para Teófilo Otoni.
257
Tem uns fatos curiosos. Eu tenho conhecimento sem ser presunçoso que outra pessoa não faria o que eu fiz.
Eu bolei esse sistema e o diretor que foi lá avaliar o andamento do serviço, chamado João Batista, ficou tão
encantado que ele autorizou que eu desse alimentação para esse povo. Aí o rendimento melhorou mais ainda.
O sistema que bolei, modéstia parte, era incrível. Simples, com os recursos que tinha, mas era maravilhoso.
Possibilitou um desenvolvimento muito grande.
Em quanto tempo foram arrancados os trilhos?
Eu comecei em 66, não sei o mês. Em 68 eles me tiraram de lá. Quando estava terminando o meu serviço me
tiraram de lá sem me perguntar, sem ordem de nada. Me trouxeram para cá e me deixaram encostado aqui.
Isso aí é outra coisa.
Saiu de Teófilo Otoni, da BM, uma fábula de sucata. Uma sucata de primeira, porque o aço para ser bom tem
que ter uma parcela de sucata. A sucata que veio da BM era tudo aço polonês. Isso aí foi um aproveitamento
maravilhoso. Outra coisa. Os dormentes reaproveitáveis nós trouxemos também.
FIM DO LADO A:
INÍCIO DO LADO B:
O maquinário daquela região era todo importado, coisa muito boa.
Tinha uma hidrelétrica em Ladainha...
Tinham duas hidrelétricas. A de Ladainha e de Teófilo Otoni. Quando cheguei lá já existia.
O material da oficina também foram para a Manesmann?
Não. O maquinário e o mobiliário foi todo reaproveitado. O maquinário todo importado, muito bom, foi tudo
mandado para as instalações da SR-2 em BH.
Em 1949 há um Guia de Horário da EFBM que tem um texto da diretoria que apresenta um esforço de fazer
ligações da estrada com Monte Azul, na Leste Brasileiro, ou com Valadares na Vitória Minas para tentar dar
uma arejada e conseguir carga, uma interligação que desse um outro ritmo para a estrada. Isso na época do sr.
não foi cogitado?
De jeito nenhum. Não existia mais essa idéia. Eu falei com você que ela era uma estrada independente com
uma fiscalização muito precária porque o escritório central dela era no RJ. Ficaram donos de si. Político você
sabe como é. Aprontou uma roubalheira que era uma tragédia.
Tinha um tal de Aécio Cunha que quis enfiar a mão lá mas não recebeu boa acolhida, então ele desistiu.
Pensando o período de ditadura, houve algum tipo de perseguição a comunistas na estrada? Existiu algum tipo
de problema?
Eu estive sujo, ou estou sujo no SNI, porque uns caras de Teófilo Otoni que não simpatizavam comigo por
causa da minha função, disseram que eu era muito severo com o pessoal da BM porque eu era de Diamantina
e a Revolução tinha perseguido muito o Juscelino que era de Diamantina. Mas isso é papo furado. Eu cheguei
lá e era severo porque era novo e fui lá para tentar evitar aquela roubalheira. Não podia ser muito manso
senão eles me dominavam. O negócio era sério. Tive algum tempo lá com um investigador do DOPS me
dando cobertura porque eles tentaram me matar duas vezes. Um dos casos foi na minha porta, um ferroviário
apareceu só de calção e me desafiava para sair e brigar com ele. Quando saí para encontrar com ele, a minha
sorte foi que vinha um contínuo que trabalhava para mim. Quando ele enfiou a mão no calção e tirou o
revólver e me deu o tiro o contínuo voou em cima dele e desviou o tiro para cima. Da outra vez foi uma
tentativa de emboscada no Sul da Bahia, mas não deu em nada. Estavam me esperando para me matar, mas o
pessoal interferiu e não foi adiante.
258
Os outros engenheiros também sofreram esse tipo de ameaça?
Os outros ficaram comigo muito pouco tempo. Fiquei muito tempo sozinho. O Alfredo Domingos JR. Era um
sujeito esquisito, reclamava de tudo e acabou sendo transferido para BH, o Edson de Araújo Queiroz foi eu
que pedi a volta dele para BH, os procedimentos dele não estavam me agradando. O Aloísio Silva Ladares
Bahia foi muito infeliz na administração dele em Ladainha, andou batendo em filho de ferroviário, o pessoal
juntou e bateu nele e veio embora e fiquei lá sozinho ajudado com os funcionários que vieram daqui para me
ajudar que eram dois.
Como era o seu cotidiano em Teófilo Otoni?
Quando comecei a arrancar linha passava às vezes 15 dias sem ir em casa. Minha esposa tinha certeza de que
ia sair de lá viúva que meu trabalho era muito ingrato, arrancar linha.
Levou a família para lá?
Fiquei quatro anos e meio lá, era recém-casado não podia deixar minha esposa para trás. Tenho um filho que
nasceu lá. Para você ter uma idéia a região de Araçuaí é uma região muito seca, tinha lugares que tinha que
providenciar água para o pessoal trabalhar. Andava com um jipão que eles mandaram para mim procurando
onde é que tinha água. Foi um tempo de muita luta.
Quando chegamos lá existia uma lenda que em determinado km existia uma pedra muito preciosa debaixo da
linha. Quando comecei o arrancamento de Araçuaí para Teófilo Otoni, num dia dos pais, que fui passar com a
família em Teófilo Otoni, me procurou um senhor. No Domingo: “ó Dr. Luiz, o senhor tá vindo arrancar a
linha. Se o sr. parar onde está por três dias sem passar nada lá o sr. ganha ...” é difícil de saber, só sei que era
uma fábula de dinheiro se eu suspendesse o arrancamento da linha por três dias. Aí chamei o advogado da
estrada, botei esse homem para fora de casa como se põe um cachorro porque tentou me subornar. Chamei o
advogado da estrada para assistir a conversa.
E eu vim com o arrancamento de linha. Quando chegou no ponto onde possivelmente haveria a pedra nós
passamos um rádio para BH, chamei o coronel (Júlio Gontijo) para avisar que eu estaria me aproximando do
local onde estaria a pedra. Aí ele me perguntou: “Você já fez prospecção no lugar?” eu disse que não e ainda
brinquei com ele dizendo que era engenheiro ferroviário e não minerador. “Luiz, só existe conversa?” “Só
existe conversa, mas conversa muito séria” “Pois estamos na área de suposição. Esquece disso e cuida da sua
obrigação.” Quando aproximei do local onde estaria a pedra deixei três trabalhadores tomando conta da
composição e fui para Teófilo Otoni. Era pertinho. Na segunda feira cedo, antes de sair para ver o serviço lá,
BH já tinha mandado um rádio dizendo que a conversa que surgiu lá era de que eu tinha roubado a pedra para
mim, que era para eu esclarecer. Peguei o auto de linha com minha guarda. Quando cheguei lá, um preto
velho que morava no alto que era próximo a hidrelétrica de Teófilo Otoni. “É Dr. Luiz, o sr. perdeu a farra da
noite. Teve pá carregadeira, teve caminhonete, teve guincho. Esse pessoal se divertiu à noite aí. Pena que o sr.
não veio ver. Realmente tinha uma cratera enorme com sinal de pneu, escavação debaixo da linha e o que
tinha ali foi levado. Não sei o que era. E a conversa em BH era de que eu tinha tirado a pedra e estava rico.
Pareceram índios na época do sr.?
Não de jeito nenhum.
Como era a relação com os coronéis da região?
Me acolheram muito bem. Os fazendeiros compreendiam que eu estava ali cumprindo ordens. Aquela região
toda, principalmente de Carlos Chagas para baixo é região de muito gado. Dava mais gado que no sul do
Brasil. O volume de gado era tão grande que existia um tal de França que tinha um fazenda de búfalo. As
fazendas lá pareciam fazendas americanas, com as casas e o hangar do lado. Aviões novos. Uns dois
fazendeiros da época da erradicação me procurou se eu vendia para eles as pontes. Não posso arrancar ponte
porque ponte é de utilidade pública.
O gado não seria uma carga preciosa para a ferrovia numa tentativa de recuperação dela?
259
Pensa o seguinte. O estado da ferrovia era muito precário. Não tínhamos gaiolas para transportar o gado.
Poderia vir a ser uma carga preciosa, mas devido ao estado da linha e a falta de gaiolas não havia como
transportar esse gado. O transporte não era confiável.
Todo processo de erradicação vem junto com a proposta de substituição imediata da ferrovia por rodovias. O
sr. presenciou esse processo? Isso aconteceu?
Olha. Para substituir a ferrovia... A ferrovia era o meio de comunicação de muita gente vizinha. Eu tive
notícia, porque já tinha saído de lá, de que no lugar da linha foi construída a chamada rodovia do boi em
direção ao sul da Bahia. Com o arrancamento da linha teria que ser feita uma estrada que atendesse a região e
alinha telegráfica seria entregue ao Correio para continuar operando para possibilitar a esse povo um meio de
comunicação. O telégrafo foi mantido funcionando nas estações.
Como ficou o patrimônio da ferrovia?
O diretor da RFFSA era maçom. O patrimônio imobiliário da Bahia Minas em Teófilo Otoni era muito
grande, tinha até um hospital. Era o melhor hospital da região. Isso foi tudo entregue para a Maçonaria. Os
imóveis de Teófilo Otoni que eram os mais valiosos passou tudo para a mão da Maçonaria.
FIM DA ENTREVISTA
260
ENTREVISTA 10
17/12/2002 - Betim
Maria da Conceição Pereira
Dona de Casa - Viúva de ferroviário (telegrafista e chefe de estação)
Natural de Araçuaí
Tempo estimado: 60 min.
Assuntos relevantes: cotidiano, versões sobre o fim da estrada, literatura, o drama do
fim, exemplos de corrupção, reiteração do discurso estatal.
LADO A:
Quais as lembranças que o sra. tem da Estrada de Ferro Bahia e Minas?
Eu tenho muitas lembranças. Porque meu marido trabalhou lá. Quando casei, a viagem de núpcias foi feita na
Bahiminas. Jaime foi trabalhar em Queixada de agente substituindo o agente de lá que estava de férias. Então
nós aproveitamos para ir para lá. Depois tive meus filhos nas estações onde Jaime estava trabalhando, tinha
muitos amigos, gostava demais da turma toda, Era um pessoal muito amigo, muito calor humano. Muito
pobre, a região muito pobre, os empregados também. A Bahiminas era uma estrada que não pagava bem aos
funcionários/ferroviários. Tinha um serviço que se chamava obras novas que ficavam até um ano sem receber
pagamento. Mesmo assim era muito bom, era uma região boa, só o trem atrasava demais nas viagens. Você
saía de Ladainha a Araçuaí tinha que levar a panela com o mingau do neném se tivesse o neném na época
porque podia o trem parar e você tinha que fazer a mamadeira com fogo recolhido os gravetos no leito da
linha e fazer a mamadeira porque podia ficar até um dia o percurso de Ladainha e Araçuaí.
Lembro de quando morei em Brejaúba, era um lugar que só tinha as casas de turma. Nós morávamos numa
casa de turma que era um posto telegráfico. Meu marido era telegrafista e agente deste posto. E vendia os
bilhetes que a gente chamava “partu”. Era o bilhete partido. Era destacado do cupom e preenchido para o
destino que a pessoa ia. Eu até fiz uma festa de natal na época em que morava lá. Eles não conheciam festejo
natalino. Então eu programei o festejo natalino com a turma toda e cotizamos lá e fizemos uma ceia na frente
da estrada, colocamos as lanternas na frente das casas, à meia-noite o sino tocou, o sino que chamava os
garimpeiros para o serviço. O feitor usava o sino para chamar os garimpeiros que trabalhavam na conserva da
estrada.
A senhora fez a festa para quem? Só para os garimpeiros ou para os moradores de Brejaúba?
Tinha o fazendeiro que tomou parte também, que era o dono das terras onde ficava a estaçãozinha, era o
Sebastião Pereira. Não tinha festa, não tinha nada. Fiz a festa para os garimpeiros e para a família dos
garimpeiros. E foi muito boa. Quando sai de lá eles até choraram porque não iam ter mais festa de natal.
Lembranças boas.
Lembranças como Ladainha. A turma lá era muito boa, muito unida. Tive uma filha lá. Tive um problema de
febre puerperal e fui assistida por elas, a solidariedade das outras mulheres de ferroviários. Tinha um médico
lá, o Dr. José Reis, mas não tinha enfermeira que era substituída pelas próprias esposas de ferroviários.
Estive em Helvécia. Era muito bonito.
Tinha assistência médica a EFBM?
Tinha uma assistência médica. Chamava Caixa de Aposentadoria e Pensões, CAP. Essa caixa de
Aposentadoria tinha médicos. E tinha também uma associação de ferroviários que tinha médicos. As
farmácias mesmo eram da associação da Bahiminas que forneciam os remédios para os filhos, esposas de
ferroviários que estivessem doentes, compravam os remédios através da associação. Organizada por
ferroviários mesmos. Cotizaram e fizeram a associação. Tinha os médicos da casa que eram bons médicos que
eram lá de Teófilo Otoni e aqui em BH se havia a necessidade de vir tinha os médicos da CAP em BH.
261
Antes de serem todos incluídos no INPS, tinham diversos institutos como esse dos ferroviários.
A senhora se casou quando?
1944. Dezesseis de junho de 1944.
Quanto tempo a senhora morava nos lugares?
Morava um ano, dois, três... Em Ladainha eu morei quatro anos, em Schnoor três anos, Brejaúba uma ano,
Caporanga morei dois, Helvécia morei um ano. Sempre assim. Mas nosso ponto de apoio, a gente falava até
que era adido. A estação de Araçuaí, porque qualquer coisa a gente voltava de novo para Araçuaí. Era o ponto
nosso de partida. Fomos para Queixada, voltamos para Araçuaí, Brejaúba voltamos Araçuaí, Caporanga
voltamos Araçuaí, Ladainha, Schnoor depois Araçuaí e de lá foi quando acabou a Bahiminas e de lá nós
viemos para Betim.
A senhora conheceu seu marido em Araçuaí mesmo?
Em Araçuaí mesmo. Ele trabalhava na estação da Bahiminas como telegrafista. O agente na época que Jayme
foi para lá se chamava José Isidoro Lopes. Era um nortista, alagoano.
Como era a transferência dos funcionários?
A transferência acontecia por uma necessidade da estrada ou pedido do funcionário. Meu marido foi
transferido de Araçuaí para Helvécia por pedido dele. E quando veio de Helvécia para Ladainha foi a pedido,
porque minha filha adoeceu em Helvécia e lá não tinha tratamento médico. Então a gente veio para Teófilo
Otoni, depois para voltar para lá era perigoso pois ela teve impaludismo. Nós fomos para Ladainha porque
tinha assistência médica.
Como era o dia-a-dia como esposa de ferroviário?
A gente marcava pela... o Domingo não porque não tinha trem, mas no Sábado você ficava sempre esperando
o trem passar. Muitas vezes a casa do agente era na própria estação. Então tinha aquele movimento do povo
que vinha pegar o trem, despachar alguma mercadoria e ficava aquele movimento. Você ficava envolvida com
aquilo, você passava o dia envolvida com aquilo, você esperava o trem passar para poder voltar à sua rotina.
A maioria das vezes você ficava envolvida mesmo com o pessoal que vinha, passava um conhecido,
cumprimentava, conversava, sempre se envolvia muito com o movimento dos trens. O tempo era marcado
pelo trem. Era muito engraçado que o povo chamava o trem de “horal”.
Era comum mesmo, sempre estava atrasado o trem?
Sempre estava atrasado. Muito difícil mesmo. Tinha um trem que era chamado expresso. Ele chegava às
quartas-feiras. Esse trem era o que não atrasava muito porque ele quase não parava nas estações e também não
parava para refeições, as refeições eram feitas dentro do trem.
Era o trem de Quarta-feira que saía de Teófilo Otoni às 6 horas da manhã e chegava às duas da tarde em
Araçuaí. Mas na maioria dos casos o trem atrasava. O trem levava às vezes até dois dias de Araçuaí a Teófilo
Otoni ou vice-versa. Mas os maquinistas tinham muitos amigos às vezes o trem parava até para um. Não tinha
parada naquele trecho. Mas era um fazendeiro amigo do maquinista o maquinista parava para ele descer do
trem para ir para a fazenda dele porque tinha muita fazenda na margem da linha. Aí atrasava um pouco. Teve
uma época que minha filha morava em Caporanga. Minha filha adoeceu, foi logo no princípio, minha segunda
filha, meu primeiro foi um homem. Jayme pediu substituto e eles não mandaram. Jaime fechou a estação e
nós fomos de “trole” para Teófilo Otoni. De Caporanga à Teófilo Otoni de “trole” com Maria Eulália
passando muito mal. Uns 20 Km de “trole”.
Seu marido foi punido por isso?
262
Não teve não. Só falaram que nunca uma estrada de ferro se fechou a estação e o agente saiu levando a chave
no bolso. Era inédito. Mas tinha necessidade de sair porque não tinha médico.
As regras da EFBM eram muito rigorosas?
Não era tanto assim. Era bem como eles falavam assim que a Bahiminas era uma mãe carinhosa. O ferroviário
falava isso. Não tinha muita punição, mesmo que ele fizesse alguma coisa errada ele não era punido. Podia
suspender um dia ou dois. Era uma mãe carinhosa que estava sempre perdoando os erros.
Havia muito desvio de verba, de material. Quando acabou a Bahiminas eles dizem que sobraram dentro da
oficina cento e tantos envelopes de pagamento de fantasmas. Não é de hoje a corrupção.
O número de funcionários era maior do que a necessidade da estrada.
Tinha atraso de pagamento?
Era freqüente. Tinha as obras que chamavam de “obras novas”. Eram obras que começavam... trechos mesmo
da estação... tanto que teve uma variante que iam fazer num trecho de Helvécia a Juerana. Então esse trecho,
nós fomos para lá, já tinha muito tempo eles tinham começado não chegava a três km de variante. Acabou a
estrada sem acabar o trecho. O trecho ficava sem ter verba que muitas vezes era desviada, devia ser, ninguém
sabe. E tinha também o atraso. Os funcionários de “obras novas” ficavam sem receber o pagamento até um
ano. E mesmo o de carreira como meu marido que já era efetivo na estrada, ficavam um mês, dois sem
receber o pagamento, depois eles começaram a regularizar mais. No princípio demorava muito.
Chegou a ter greve no período que a senhora viveu na EFBM?
Não, mas antes teve uma greve foi no trecho antes de chegar em Araçuaí. Mas dessa aí não posso falar muito
porque eu não vivi nessa época lá. O líder dessa greve se chamava Antenor de Aragão Gonçalves. Ele tem um
filho em Araçuaí, Ubirajara Brasil. Ele teve um bocado de mulher.
A sra. soube dessa greve...
Dos comentários que eles faziam. Ficou na história dos funcionários essa greve. Tanto que eles falam que
quando a Bahiminas acabou, ela acabou depois de 64, em 66, que talvez... porque existia em Caravelas uma
base aérea que foi feita durante a guerra para os americanos. E se tivesse uma guerra civil a estrada poderia
servir ao interior do Brasil porque ela poderia receber reforços, por exemplo, do Leste Europeu. Eles achavam
que era o socialismo, o comunismo que estava por detrás de Jango, João Goulart. Então eles acham que a
Bahiminas tinha acabado por essa razão. Foi um golpe de interesse deles de acabar. A base aérea não recebeu
mais aviões, acabou o movimento, não sei se ainda existe a base aérea e a Bahiminas também recebia navios,
que naquela época a mercadoria ia de navios para Caravelas e o trem levava até o interior de Minas.
Teve comerciante de quebrar por falta quando começou a falhar o trem de carga, de não carregar mercadoria e
um negociante em Schnoor mesmo, um alto negociante, a mercadoria ficou toda nos armazéns de Caravelas
sem eles mandarem a mercadoria para o seu destino, deteriorou toda, foi preciso jogar fora. Além dele pagar a
mercadoria, ainda pagou o armazenamento e quem ficou de jogar fora a mercadoria. A Bahiminas funcionava
muitas vezes assim, precariamente.
Por que terminou a estrada de ferro?
Eles falam por causa da corrupção, da ineficiência, não era eficiente a Bahiminas. A verba que era destinada a
Bahiminas não tinha reposição nenhuma quase. Havia uma aplicação do dinheiro sem retorno, não havia
lucro.
Muita gente acredita que talvez seja um golpe militar.
Tinha a presença de comunistas na EFBM? Células do PC?
Não sei se tinha células. Tinha comunistas com jornal e tudo. Eu mesma recebi muito jornal comunista.
Feito por funcionários da estrada?
263
Não. Vinha para ser distribuído. De Teófilo Otoni. Tinha o Nestor Medina mesmo que era ativista e
ferroviário. Antes de 64 havia muitos.
Uma das versões que escutei sobre o fim da EFBM foi devido a presença de comunistas. A sra. ouviu falar
isso também?
Não ouvi isso. Pode ser por conta de que podia receber reforços de fora se tivesse uma revolução socialista
poderia receber. A base aérea poderia ser servida pelo Leste Europeu e também havia o porto de Caravelas
que podiam atracar navios. Eles falam que foi um golpe militar por essa razão. Porque havia mesmo
comunistas.
A sra. falou de JK...
Quando começou as estradas de ferro a não ter eficiência que era necessária para continuar, foi porque ele
começou a fazer as fábricas de caminhões, abrir rodovias. O governo de Minas era Energia e Transporte, o
binômio de Juscelino K.. O caso dele era o transporte, mas não era o transporte ferroviário. Era o transporte
rodoviário.
Durante o governo dele em Minas o transporte ferroviário foi prejudicado?
Foi prejudicado no Brasil todo e depois de 64 a quantidade de estradas que foi acabando e que está acabando
até hoje. Enquanto em outros países o transporte ferroviário é o transporte principal, no Brasil acaba o
transporte. Madeira-Mamoré foi feita com sangue dos que trabalharam lá.
Os ferroviários da Bahiminas tinham sindicato?
Quem pode te dar mais informação é seu Epaminondas Cajá.
A estrada tinha importância para a região?
Tinha um importância muito grande. A região servia aquele trecho de Caravelas a Araçuaí e tinha aqueles que
trabalhavam, pequenos comerciantes que se serviam da estrada para levar as mercadorias. Tanto que quando
acabou a Bahiminas muita gente mudou da região. E atrasou muito. Agora que dizem que a região está
melhorando.
Tinha muita ineficiência mesmo a Bahiminas. Porque, por exemplo, no caso de estudos. Só tinha o primário.
Tinha o SENAI que funcionava em Ladainha. Era uma escola profissionalizante muito boa.
A sra. pegou o cinema em Ladainha?
Peguei. Eu falo do cinema aqui nesse conto meu. O cinema era dos ferroviários. Passava bons filmes.
Que filmes passava?
Passou “Luzes da Ribalta”. Assisti a muito filme brasileiro... O Cangaceiro, Luzes da Ribalta que é de
Chaplin, Vendaval, um filme sobre Castro Alves, muito bonito. Filmes baseados em romances de Jorge
Amado... O preço do Pecado, Veneno Lento, tinha Oscarito, Mazaropi... filmes mexicanos, americanos.
O cinema funcionava num prédio feito de madeira. Depois que acabou fizeram por lá uma boate que se
chamava Caixotão!
Os eventos que tinham em Ladainha eram todos nesse prédio do cinema. Era muito bom. Era melhor ainda
porque não tinha que pagar, a não ser que não fosse ferroviário. Mas quem fosse ferroviário era descontado na
folha de pagamento. Então meu irmão morou comigo lá em Ladainha e não perdíamos uma sessão. A gente
chamava os bilhetes de entrada, os ingressos de “boró”.
Porque quando eles estavam construindo a Bahiminas, o povo que construía pagava mal os
trabalhadores da construção. Era a troco de feijão e açúcar. Foi quando começou a ter açúcar cristalizado em
Araçuaí que não tinha. Traziam o açúcar para vender aos que trabalhavam na construção da estrada. Quando
eles precisavam de dinheiro eles davam um cartãozinho com um valor. Mil réis, duzentos réis, quinhentos
264
réis... e chamava de “boró”. Então eu mais Raimundo chamava o ingresso de “boró” porque nós
comprávamos o ingresso para descontar no pagamento que era o que acontecia com o “boró”. O negociante
recebia o “boró” e descontava no pagamento.
Qual era a relação dos coronéis como a estrada?
FIM DO LADO A
LADO B:
Havia desvio de lenha. Havia os metros de lenha eram aumentados na hora de receber o pagamento. Para o
fazendeiro, para o que trabalhava no trem de lenha havia corrupção. Para o fazendeiro, a terra era servida pela
Bahiminas, não deixava de ser um benefício para a fazenda. Quando fazendeiro vinha para a fazenda, o
maquinista até parava o trem para ele descer.
Ficção baseada na transferência dos funcionários depois do fim...
Foi nos últimos dias do ano de 1968 que um trem de lastro como é chamado uma locomotiva com pranchas,
saiu da estação de Araçuaí levando os últimos garimpeiros, homens que trabalhavam na conservação da
estrada. Deixavam a cidade como levas de fugitivos. Levavam seus poucos pertences, coisas de pouquíssimo
valor. Era a ordem do último diretor que todos os trabalhadores daquela estrada tinham que sair de qualquer
jeito. Muitos com filhos doentes sem dinheiro, coisa peculiar àquela gente que recebia um salário de fome.
Um dos garimpeiros estava em pior situação. Sua mulher abortara aquela noite mas a ordem era severa. Você
vai ou perde o emprego. Que fazer? Sair assim e levar sua mulher naquele estado? Vamos rapaz! Você sabe
que vocês são como animais. Uma mulher não precisa dessas delicadezas. Que importância tem que ela suba
numa dessas pranchas que nelas não tem nenhum conforto e nem lugar para sentar, nem cobertura... O
importante é que você cumpra a ordem do chefe. Se vier uma chuva... que vocês molhem. Se o sol estiver
forte, que peguem fogo as suas cabeças, mas não adianta. Tem que partir agora, já nem pensar em outra
alternativa. Para vocês pobres garimpeiros, considerados a classe ipisilone (Y) – referência a Aldous Huxley –
na estrada sempre foi assim. Vocês às noites sem dormir porque houve um descarrilamento ou porque a chuva
levou trechos enormes da estrada. Ou mesmo um raio tenha caído e jogado uma montanha de terra no leito da
linha. Para vocês sempre sobrou o pior, chuva sem agasalho, sol sem proteção, mal alimentados e mal
vestidos.
Agora chegou mais uma vez uma ordem que vocês vão cumprir sem admitir recusa. O coração está partido.
Vão lhes tirar a última alegria. Pois vocês eram daqueles lugares ali nasceram e cresceram. Amaram e ali
nasceram seus filhos. Aquela terra fazia parte do seu sangue. Por ela vocês dariam tudo. Ali ficava o irmão, a
mãe velhinha, por isto era tão duro partir. Mas tinha que atender ao patrão, pois sem aquele emprego como
iriam viver aqueles pobres diabos? Então pegam os filhos, a mulher sã ou doente, os poucos trastes, sobe
naquele trem... se chover você seca quando o sol despontar e assim foi aquele quadro assolador, quando me
vem a memória aqueles dias ainda lembro do trem saindo da última estação daquela ferrovia, uma sanfona
tocando e aqueles homens com os olhos cheios de lágrimas cantando um dos versos populares... adeus
Corina que já vou me embora levo pena deixo pena nas asas da siricora”. No topo a bandeira nacional
tremulava. Fez lembrar-me dos versos de Castro Alves:
Existe um povo que a bandeira empresta para cobrir tanta infâmia e covardia.
É que a estação nunca foi inaugurada! Porque o trem chegou para depois ser inaugurada. Depois o ministro
Mendonça Lima que era o ministro da Viação ficou de ir para lá inaugurar e nunca foi e os trens continuaram
sempre funcionando, veio o agente, tomou posse da agência e não teve inauguração. Só quando foi lançada a
pedra fundamental da estação é que teve uma festa. A estação foi construída por um português, Manoel Belo.
A sra. acompanhou a construção da estrada de Queixada a Araçuaí?
Não. Quando começou em Queixada eu estava bem pequena ainda. Queixada, depois o trem começou a
chegar em Schnoor, depois o Graça e chegou na Várzea dos Perus. Perto de Araçuaí, no Gravatá. O trem
parava lá antes de chegar em Araçuaí. O trem ficou parando uns tempos lá e eles construindo a estrada. Agora
a construção da Bahiminas do trecho do Alfredo Graça até Araçuaí esse eu me lembro quando começaram a
265
construir. Levou muito tempo. A estrada levou 100 anos pra chegar de Caravelas à Araçuaí, né? E em pouco
tempo eles destruíram ela.
A ponte sobre o Calhauzinho foi construída por russos e poloneses. Tinha o Nicolau, o Alexandre cantavam
muito, bebiam... quando o Calhauzinho estava cheio eles desciam o rio cantando e ainda pediram para uma
moça de Araçuaí para dar para eles uma cópia de “Sertaneja” e deu para ela uma cópia de “Olhos Negros”
que disse que é a canção nacional do coração dos russos.
O Alexandre que era um russo... era um russo branco. Ele ficou morando... era um tipo meio do sangue azul
da Rússia que veio fugido. Era um tipo muito bonito, muito fidalgo. Andava de robe chambre dentro de casa.
Depois o Alexandre morava mais uma mulher de Araçuaí e depois ele deixou essa mulher e casou com uma
mulher que se chamava Maria e passou a ser funcionário da Bahiminas e trabalhava na reconstrução de pontes
e foi morar em Nanuque, foi lá que ele morreu.
Era um povo muito interessante, muito pitoresco. Eles enchiam a cara e saíam caminhando o Calhauzinho que
tinha umas enchentes de repente que ninguém atravessava, o rio ficava cheio. E eles acostumados a nadar,
entravam dentro da água e desciam para a zona boêmia da cidade. E voltava por dentro do Calhauzinho até no
acampamento de lá da ponte. Ali tinha muita gente que estava trabalhando no leito da linha, construindo a
estrada que morava nesse acampamento. E quem dirigiu a construção da estrada até Araçuaí foi o Juvenal
Dolabella Portela, do RJ. A mulher dele se chamava Luci e ela que dirigia mais que o Juvenal. Ela montava
num cavalão de toda altura e metia o chicote na cara dos empregados se não fizesse direito.
De onde vinham esses operários?
De muitos lugares. Tinha nortista, tinha daqui de minas, baianos, muita gente de muito lugar. Depois que
acabou , muita gente ia embora para suas terras como teve gente que foi trabalhar na Bolívia, quando fizeram
a estrada na Bolívia, na Madeira Mamoré...
É muito interessante se falar do histórico da Bahiminas.
História do mestre de linha Japiassu....
Tinha muito nortista na Bahiminas. Um dos diretores, o Dr. Wenefredo Portela, era nortista. Então ele
protegia o nortista que chegasse de Alagoas, Pernambuco, todos tinham um lugarzinho na Bahiminas.
Eu conheci um na Bahiminas que a primeira vez que eu vi ele era mestre de linha. Chamava Japiassu, não sei
o primeiro nome dele. Chegou com uma roupa simples, um tênis que usava antigamente, mas não era esses
tênis de moda de hoje não. Era um tênis que eles chamavam “pé de anjo”. Conheci ele quando morava em
Caporanga. Passou muito tempo eu voltei a encontrá-lo, já em Helvécia, quando Jaime foi transferido para
Helvécia. Eu morava numa pensão porque nossa mudança ainda não tinha chegado. E vinha muita gente, era
época de veraneio e chegou um moço e me cumprimentou, bateu no meu ombro e perguntou como estava,
mas não dei muita conversa. Com linho, sapato deve ser italiano, uma camisa de cambraia de linho, uma calça
de linho, um relógio de ouro, um cordão... todo bonitão, 100% veranista de classe. O ponto de almoço do trem
que vinha de Caravelas era Helvécia. E eles gostavam dessa pensão porque D. Isabel era boa cozinheira.
Depois que acabou que o trem foi embora eu perguntei para Jaime: “O Jaime quem é aquele moço que me
cumprimentou?” Japiassu. Quem te viu quem te vê. Já estava enfronhado na Bahiminas. Eles falavam que
desviava o cimento que ia para a construção da represa de Ladainha, era desviado para um depósito dele. Ele
vendia cimento. Então, se fosse 400 sacos para a represa, ficava cem na represa e trezentos voltava de novo
para o depósito dele. Então ele estava bem de vida. Depois ele foi embora, a filha entrou na Bahiminas como
maquinista e nunca entrou numa locomotiva e eles moravam no RJ. Depois que acabou a Bahiminas eles
compraram um apartamento no RJ, não sei se na Vieira Souto.
Os ferroviários eram unidos?
Teve uma época na política que um ferroviário era candidato, nós morávamos em Ladainha. O candidato era
ferroviário, chamava João Caiô e meu marido era contra a candidatura dele. Meu marido teve que sair, ir para
Araçuaí porque ele perdeu a política e começaram a persegui-lo na estrada porque os outros o apoiavam.
Meu marido foi presidir a seção eleitoral de Brejaúba. E lá tinha um eleitor do Espírito Santo. Meu marido
caçoava porque o título dele era do tamanho de um papel almaço. Ele falou: “Vota Zinho, vota! Porque com
seu título você é brasileiro, em qualquer estado que você chegar você é brasileiro e pode votar”. O Zinho foi
lá e votou. O Zinho também era ferroviário e era namorado de uma lá que apoiava a candidatura do Caiô. E o
266
Zinho pega e vota. Era a urna que ia dar a vitória para o Caiô. Anularam a urna porque votou um eleitor que
não era da seção. Era do Espírito Santo.
O candidato que ganhou, o Dr. Artur Hausch (?) ele batia no ombro de Jaime e dizia: “você me deu a
prefeitura, Rapaz. Você tem que cair fora mesmo!” E Jaime fez o Zinho votar e sabia que ia prejudicar a urna.
Qual era o partido?
O partido naquele tempo tinha o PTB, o PSD, o PR e a UDN. Eram os partidos mais fortes.
Os ferroviários tinham mais filiação com determinado partido ou era misturado?
Era justamente com o partido do Jango. O PTB. Por isso que falavam que eles estavam envolvidos com o
socialismo porque eles eram mais do PTB.
Qual foi o melhor presidente para os ferroviários?
O Jango. João Goulart foi o melhor. Deu um aumento de 110% que eles cortaram e deu só 30% e os 80%
estão na Justiça.
O Governo de Jânio e a Bahiminas...
No governo do Jânio começou a valorização. Então isso começou a mexer com a turma da Bahiminas que
tinha lá seus movimentos de corrupção começou a ficar com receio e diminuiu mesmo, mas o Jânio foi pouco
tempo que ele foi presidente.
Quando ele entrou ele começou a moralizar, foi um outro diretor para a Bahiminas. Para moralizar a
Bahiminas. Foi justamente na época que eles falam que sobrou não sei quantos envelopes para funcionários
fantasmas. Tinha corrupção muito grande. A Bahiminas acabou pela sua ineficiência. E por esse motivo...
desse medo deles da Bahiminas servir como um ponto de apoio no caso de uma revolução.
Trabalhei uma época como enfermeira na Associação dos ferroviários que era particular, organizada por
funcionários da Bahiminas. Aplicava injeção, tinha um médico que trabalhava nesse posto. Trabalhei quase
um ano. Depois fui afastada porque tinha ganho uma filha, não tinha licença maternidade naquele tempo.
Depois adoeci e não voltei a trabalhar mais.
Comentário do conto O Beijo que a Rosa guardou...
É verídico. Quando acabou a Bahiminas, Ladainha era um centro operário, tinha uma oficina onde tinha mais
de cento e tantos funcionários. Todos os operários tinham ali a família... era uma grande família, todo mundo
muito amigo e tudo.
Quando chegou para acabar a estrada e a notícia, foi um abalo tão grande, eles me contaram em Ladainha, fui
lá depois, que ouvia o choro a uma distância de mais de 500 metros. O choro do pessoal que tomou o trem
para ir embora. Eles fizeram uma promessa de que se a Bahiminas voltasse eles vinham a pé de onde eles
estavam até lá uma capela de Nossa Sra. da Ajuda, lá em Ladainha. Então teve uma mulher que ela não
resistiu ao abalo de deixar a casa, de deixar a cidade. Ela morreu em conseqüência disso. Eu transformei esse
caso em conto.
Houve algum movimento para tentar impedir o fim da estrada?
Não houve nada. Foi uma carneirada. Foram passivos demais. Porque foi na época de 1966 e naquela força do
regime militar que as pessoas não tinham reação. Eles matavam mesmo as pessoas. Houve muita morte. Você
sabe disso.
No tempo da desativação da estrada, o Exército esteve presente?
267
Não precisou porque ninguém ia reagir. Eles já sabiam que era um ato de força e que se eles fossem contra
não tinham como reagir. Não tinha ninguém com condições para reagir, não tinha ninguém preparado para
uma guerrilha. Ninguém preparado para uma reação armada.
Então eles receberam passivamente. Só revoltaram assim... ficaram angustiados, amargurados, mas sem
movimento de rebeldia. Não teve movimento de rebeldia.
O marido da sra. participou da desativação da estrada?
Quando eles estavam acabando com a estrada, ele que foi o agente de Araçuaí que era a última estação que
ofereceu trilho para aquelas prefeituras de perto da cidade. Se queria comprar trilhos para aproveitar. Foi
último agente que ficou na estrada, foi Jaime. Até 68.
Que lembrança que a sra. tem de estarem arrancando os trilhos?
O sentimento foi de estar destruindo um patrimônio do país pelo bel prazer, que era uma estrada que servia a
dois estados e tinha um movimento grande porque servia e tinham os micro negociantes que usavam a
Bahiminas, sentiram falta, muita gente mudou de lá da região. Mas em alguns pontos também foi benéfico
depois que acabou. O caso de lá da Bahiminas era de que não havia organização social. Não havia nada social
em benefício do ferroviário. O caso foi que saímos de lá, viemos para cá, deu mais condição de estudar, dos
filhos estudarem e se ficasse lá não teria condição porque a região é pobre.
FIM DA ENTREVISTA
268
ENTREVISTA 11
18/12/2002 - BH
Orlando Machado Barreto
1942 - 60 anos – Supervisor de Administração – filho, neto e sobrinho de ferroviários
Natural de Teófilo Otoni
Tempo estimado: 90 min
Assuntos relevantes: Centro de memória ferroviária; burocracia ferroviária; processo
de erradicação; cotidiano; vida funcional.
LADO B: (fita que possui lado A com entrevista com José Alves de Oliveira)
Quais as lembranças que o sr. tem da Estrada de Ferro Bahia e Minas?
As lembranças são as melhores, porque nasci à margem da estrada de ferro, por incrível que pareça onde
estava começando o conhecido bairro das Palmeiras e a casa do meu pai, ele era mestre da estrada de ferro,
muito conhecido por todos os ferroviários. Então esse bairro das Palmeiras começou a partir da nossa casa.
Em 1939-40 e em 42 eu nasci nesse local. Onde a gente, menino é muito levado toda hora você estava
pulando igual a um saci pisando em brasa, aquelas locomotivas passava e largava as brasas e pisa daqui corre
dali. Isso era muito gostoso e onde minha família foi formada. Tinha uma irmã que nasceu em Caravelas, ali
foram nascendo os outros irmãos e tal. Ainda tem nossa casa até hoje lá.
Então a lembrança é a melhor e a amizade que existia. Não tem nada mais gostoso do que você conviver num
ambiente onde você trabalha, na ferrovia, em que todos os ferroviários conheciam todo mundo. Era a coisa
mais gostosa do mundo. Conhecia os familiares de maneira geral, filhos, esposas, era compadre. “Olha, fulano
está doente vamos lá ver o que tem lá, o que está acontecendo com ele”. Acho que o ser humano nunca mais
vai ver esse tipo de estrutura. Isso é muito difícil e deixa marcas violentas. Tem dia que às vezes estou em
casa e fico revivendo. Às vezes ouço a música aí vejo todos os meus amigos que já faleceram e ferroviários
que já faleceram com quem conversava que me viram crescer, eram amigos do meu pai que estavam sempre
juntos, reunidos, conversando. Não existe coisa mais gostosa. Uma lembrança muito forte. Aí retrata toda
Bahiminas. Até mesmo o pessoal do bairro que não era ferroviário mas era integrado na família ferroviária.
O sr. pode contar um pouco a história do seu pai?
Meu pai é de uma família de Ponta de Areia que é distrito de Caravelas e o meu avô, pai dele, parece que foi
ferroviário também e era pescador lá da barra. Eles falavam até o nome da embarcação que eles usavam para
pescar. Baleeira ou Baleeiro, barcão grande antigo tipo barco de pirata. Eles contavam que fisgavam as
baleias e tinha que deixar correr até cansar, depois tinha um cara que já sabia fazer aquilo com perfeição,
mergulhava e cortava qualquer coisa da baleia para que ela viesse a boiar depois de cansada. Então era a
família dele. Depois ele foi para a Bahiminas. Entrou para a Bahiminas em, não sei se me recordo bem se foi
1918-19 por aí e ficou até 1922, depois ele saiu porque o pessoal de Caravelas. Porque o meio de transporte
do pessoal de Caravelas e Ponta de Areia era navio. Só falavam em Rio de Janeiro, não tinha transporte a não
ser a ferrovia para ir à Teófilo Otoni. Eles iam muito para o Rio de Janeiro de navio. Parece que o percurso
era mais curto. Então ele foi para o Rio e ficou oito anos no Rio de Janeiro. Depois voltou e reingressou na
Bahiminas e ficou até aposentar. Aposentou com 36 anos de serviço. Foi muito conhecido no meio ferroviário
da EFBM. Era conhecido como mestre Olivo.
Qual era a função dele?
Era ferreiro, mestre de ferraria e comandava a turma de carpintaria. O setor dele, por exemplo, tinha uma
carpintaria muito grande. Tinha mais de vinte carpinteiros. Em Teófilo Otoni. Ele trabalhou em Ladainha
também. Em 1937 ele veio de Ladainha para Teófilo Otoni e já foi designado como encarregado de turma.
Então ele comandava carpintaria, ferraria, turma de funileiros e o pessoal de via permanente que era o pessoal
de Turma, era todo mundo ligado a área dele. Por exemplo, a ferraria dele consertava aquelas antigas
picaretas. Não comprava não. Estragava na Turma vinha aquela quantidade imensa. Então na ferraria dele
269
aquilo punha nas forjas, esquentava batia marreta, arrumava picareta, alavanca não sei o quê... Estou fazendo
esse tipo de comentário porque em 1951-52, eu entrei em 51 com nove anos na Bahiminas, eu já vivenciava
isso e às vezes ele mandava “Vai lá na estação despachar um bocado de...” aqueles parafusos que prendem o
trilho numa chapa de ferro. O documento de despacho se chamava “X1” então ia lá com um cara levava no
carrinho, despachava na estação para as Turmas de conservação de via permanente. Eram os conhecidos
garimpeiros. De tantos em tantos quilômetros tinha uma turma de trabalhadores de linha. Então ele trabalhava
nessa área. Mexia com ferraria, carpintaria, funilaria, tinham muitos funileiros, serviço de calha, ele dava
manutenção à ferrovia na parte de carpintaria, ferraria. Caixas d’água também. Era o pessoal que trabalhava
com ele, os bombeiros, que cuidavam, davam assistência aquelas caixas antigas. Este era o setor dele.
Inclusive a primeira locomotiva em 1960, de 59 para 60. A locomotiva diesel da Bahiminas, a 800. Ele fez
parte da equipe para ajudar a construir essa locomotiva.
Ela foi construída lá?
Lá em Teófilo Otoni. Tinha um engenheiro que não me lembro o nome. Eu tinha 17 para 18 anos, ele era
conhecido como canarinho belga. Ele era muito clarinho, era gringo, cabeça branquinha e coordenava tudo
montando essa locomotiva. E se não me falha a memória ela foi montada com equipamentos, motores que a
estrada de ferro já tinha. Não sei se era de automotriz e eles conseguiram montar lá a primeira diesel à óleo. A
conhecida 800. Ela tinha duas frentes. Modelo meio esquisito mas foi feita lá.
E a história do sr.? Como foi sua trajetória na estrada de ferro?
Foi gozado porque o meu pai, naquela época tinha na estrada de ferro. Era uma estrada de administração
direta subordinada diretamente ao governo federal. O pessoal tinha estabilidade. Por exemplo, lá tinha o extra
numerado diarista e o extra numerado mensalista que era pessoal efetivo. Tinha o titulado que era um pessoal
do segundo grau. Engenheiro era muito pouco tinha um ou dois que comandavam a ferrovia toda. E tinha o
diarista, o provisório, o conhecido diarista de obras que era um pessoal que era pago com recursos da própria
estrada. Mas tinha muita gente. Então só ficava lá quem não precisava, não tinha compromisso de manter uma
verba todo fim de mês para cuidar de si, da família, qualquer coisa. Porque demorava o pagamento a sair. Era
recurso da estrada. Às vezes o pagamento desse pessoal ficava três meses, até uma ano sem pagar. Chamava-
se provisório, era o diarista de obras. Dentro do diarista de obras tinha plano de taxa, verba capital, verba três,
verba especial.... Também o dia que saía era uma festa. A gente enchia os bolsos. Era uma nota violenta.
Alguns elementos casados nessa época de quarenta e poucos para cá que pertenciam a essa tabela de
funcionários gastava o dinheiro todo comprando na cooperativa. Porque na cooperativa tinha tudo. Fazia um
biscate para ter um trocado ou alguém da família cuidava desse aspecto financeiro. Aí que comecei, na tabela
de obras porque era fácil. Era só falar com o superintendente que era o Dr. Portela e incluía a gente na folha
de pagamento que era o diarista de obras e eu entrei em primeiro de junho de 1951 com nove anos de idade.
Era um expediente na ferrovia e outro expediente no grupo escolar de Teófilo Otoni.
Na nossa ferrovia houve oito ou dez casos nessa situação. Inclusive amigos meus naquela época “Poxa fala
com seu pai vamos embora para lá.” E eu “não vamos mexer com isso não, salário demora a sair...” Por aí
passou e alguns desses elementos que eu convidei não quiseram e não conseguiram assim, não sei qual a
razão, manter um serviço. Talvez eu fui um privilegiado porque eu nunca trabalhei em outro lugar, só na
ferrovia. Trinta e oito anos, quatro meses e oito dias com a licença especial contada em dobro. Então comecei
na ferrovia assim, varrendo carpintaria, lubrificando máquinas e plainas que eram setores que meu pai
comandava, era todo mundo amigo e então tinham um carinho todo especial comigo e com outros meninos da
minha época. Tinha mais dois meninos comigo lá.
Depois, em fins de 55 eu mudei para o departamento de tráfego. Meu pai falou “Olha, gostaria que você fosse
trabalhar no tráfego”. Tudo bem. Ele arranjou, fui para o tráfico. Fui trabalhar na estação, na sede. E lá na
estação depois de um ano, mais ou menos de trabalho, me dei muito bem e passei a trabalhar como
conferente. Conferente era o elemento que fazia cálculo de mercadoria, frete pago, frete a pagar, que pagava
no destino, tráfego mútuo que era um tipo de transporte que a Bahia Minas fazia. A mercadoria vinha de
Caravelas, chegava de navio, tinha um porto lá que era a coisa mais gostosa da época. Navios pequenos, mas
possantes. Muita coisa que vinha de fora vinha através de Ponta de Areia. Então a mercadoria chegava lá,
café, sal ou gado do sul, subia de trem. A estrada na época tinha uns caminhões aí chamava-se de tráfego
mútuo. Era um frete direto. Aí só mudava a documentação em Teófilo Otoni. Punha numa outra
documentação de outro talão para poder transitar no tráfego rodoviário e aí os caminhões da estrada de ferro
270
trazia até Valadares. Chegava em Valadares embarcava na Vitória Minas. A estrada de ferro nessa época tinha
inclusive jardineira porque. Chamava-se de jardineira aquilo que hoje chamam de Van. Naquela época
chamava de jardineira. Aquelas jardineiras antigas que pareciam ser de madeira com material fibra parecendo
jardineira de fazendeiro americano. Transportava passageiro que chegava de avião em Valadares. O transporte
era feito pela Bahia Minas em convênio com um ferroviário antigo que chamava-se Aristeu Neves que tinha
uma agência de aviação em Teófilo Otoni. Vendia passagem nessa época.
O sr. conhece como conferente toda estrada ou algum trecho específico?
Eu viajava mais de Teófilo Otoni para Ponta e Areia, porque os meus familiares, tios e avós eram todos de lá
e lá tinha mar. Todo fim de ano, você já viu, janeiro a gente passava lá. Para Araçuaí acho que só fui...
Ladainha fui muitas vezes. Depois que eu joguei muito futebol era muito conhecido a gente sempre ia jogar
em Ladainha. Tinha dois campos muito bons lá. Tinham dois times lá da cidade, um da estrada, o Bahia
Minas e tinha o Comerciário. Agora Araçuaí, final de linha aonde eles pretendiam ligar com Montes Claros eu
só fui uma vez em 1952, tinha dez anos. Meu pai foi fazer um serviço lá. Um serviço da estrada de ferro e me
levou. Tenho uma lembrança muito grande dessa viagem que chegando em Ladainha. Tem um besouro preto,
que não lembro bem o nome, não sei se seria o mangangá e tinha um arvoredo e a locomotiva passava por
baixo chegando em Ladainha e eu lembro quando ela passou aquele barulhão soltando aquele fumaceiro o
diabo do bicho saiu de lá e entrou dentro da classe. “Baixa, baixa, olha o bicho!!!” O desgraçado do besouro
me pegou. Cheguei em Ladainha quase morto. Na farmácia compraram álcool, me deram comprimido. “E
agora o filho do mestre Olivo?” Nunca vi doer daquele jeito. E todo mundo já sabia que esses besouros
moravam naquele arvoredo. Fui para Araçuaí e meu tinha mania de ferroviário porque ele era muito
conhecido ao longo da ferrovia e tinha muito convite para a estadia dele ser na casa de um amigo, de um
ferroviário e ele nunca aceitava. “Você vai comigo para o dia que você tiver de viajar para uma cidade grande
e você estiver em dificuldade você não vai sentir tanto e aí você vai saber dormir em qualquer lugar sem fazer
nenhuma exigência.” Esse era o tratamento que ele dava para gente como pai. E nós dormimos na estação de
Araçuaí. Aquelas caponas antiga que os vaqueiros usavam antigamente, grossona, estendeu lá. Não ia para
casa dos amigos dele quando ele ia assim olhar serviço da ferrovia. Uma coisa que me encantou em Araçuaí
também foi o rio. Tem uma igreja lá, na posição que ela ficava nessa época de lá vo via o rio lá embaixo.
Então você descia a rua e a rua era calçada com aquelas pedras redondas parecendo um ovo. Você não pisa
direito de jeito nenhum. Isso até a beira do rio e me encantou porque eu conhecia o mar, mas rio igual aquele
que passa em Araçuaí, aquele leito caudaloso, aquela loucura, fiquei boquiaberto.
No período em que o sr. viveu na estrada de ferro ou escutou do seu pai alguma história, do seu avô... Chegou
a conviver com seu avô também?
O avô só por parte de mãe. O avô por parte de pai eu não tenho muita lembrança.
Ele também era ferroviário?
Ele chegou a ser ferroviário. E os irmãos do meu pai. Da minha mãe não. Da minha mãe era mais aquele
sitiante de litoral, gostava de mexer com canoa, atravessar aquele largo de Caravelas. Eu já atravessei aquilo
de canoa três vezes com ele em vida. Saía de Ponta de Areia de canoa, quatro horas da manhã, a última vez
que nós fomos nesse sítio dele tinha dezessete pessoas na canoa, igual pau-de-arara. Tinha lenha lascada,
papagaio, cachorro. Conhecido por Saco Furado. Esse era o trabalho do meu avô, mexer com roça, pesca, ele
e as minhas tias. Agora, a família do meu pai foram mais ferroviários. Meu avô por parte de pai, os meus tios.
O sr. teve alguma convivência ou ouviu histórias sobre os índios no trecho da Bahia Minas?
Ouvi histórias que eles contavam de quando eles estavam preparando o leito, as dificuldades que eles tiveram,
que muitas pessoas chegaram a ser flechadas. Eram apanhados de surpresa e até perderam vidas nesse
trabalho. Não sei com muitos detalhes.
E o sr. chegou a ter alguma convivência com eles, ou já estavam afastados da linha da estrada?
271
Não. Talvez eles tivessem assim, integrados, modificados porque o pessoal de Caravelas por exemplo quase
todos eles eram descendentes direto de índios. Meu avô mesmo, as características era própria. Um tratamento
que eles usavam muito na época era caboclo que era aquele da família indígena, as características físicas, o
cabelo, o rosto. Isso é que eu sei.
A história carnavalesca lá do sul da Bahia era só bloco de índio e eles faziam aquilo com tanta perfeição que
todo mundo queria ir para lá assistir o carnaval lá em 1957, 58. Por aí. E era dança típica, a ornamentação
deles, a indumentária de penas e arcos e flecha. Se você chegasse naquela época você diria “estou na aldeia”.
Então você vê que havia uma interação muito forte. Eu era menino nessa época.
Como era a relação dos funcionários da estrada com os chamados coronéis da região?
Eu acho que não havia diferenças. Não havia uma preocupação. Eu acho que era um tipo assim: eles coronéis
para lá que são donos do poder e os ferroviários para cá com sua importância porque era funcionário público.
Era o que comandava a região, tinha renda todo mês, não dependia de favores. Era uma classe respeitada. Ao
contrário, talvez os coronéis nas estações, nas localidades ficassem a mercê dos antigos agentes de estações
que era verdadeira autoridade no lugarejo onde ele era o agente. Ele era Juiz de Paz, algumas vezes ele era o
delegado. Havia um respeito mútuo. Coronel é coronel, é muito forte, mas...
Seriam duas autoridades então?
Eu imagino isso.
E era pacífica essa relação de autoridades?
Nunca ouvi falar em conflito. Pode ser até que não tenha conhecimento disso, mas nunca durante o tempo,
comecei em 51, nunca vi esse tipo de problema.
Sabia que tinha os coronéis, os manda-chuva. O dono das terras. Ao contrário, a ferrovia até fazia para
atendê-los a contento. A administração, os ferroviários. Havia uma integração deles com os ferroviários. Se
não me falha a memória em Francisco Sá, logo abaixo de Teófilo Otoni, havia fazendeiros, coronéis que eram
turcos e tinham uma integração perfeita. Inclusive eles tinham armazém e ferroviário mandava e desmandava.
Tinha um tratamento todo especial. Havia outro pessoal em Bias Fortes. Família Tomich, teve Tomich que foi
ferroviário. Teve o Zé Bernardo tradicional (coronel) que tinha uma irmã que era da Bahia e Minas Aidée
Barbosa. Eles mexiam com madeira. Tinha em Nanuque a Bralanda que era muito forte e teve muita
importância na vida da Bahia Minas no transporte de madeira.
FIM DA FITA
LADO A: FITA III - BH
O pessoal que prestava serviço no tráfego, aonde cuidava da escala do chefe de trem, do bagageiro, do
chefe da bagagem, dos guarda-freios, chamava-se departamento do tráfego, a administração era muito
rigorosa. Muito rigorosa mesmo. Tive a oportunidade de ver isso em 56-57. O antigo guarda-freio
chegava na estação e falava com a gente. Sempre gostava de tomar um “mézinho”, mas não mascava
para o serviço não. “Não tem comida lá em casa” Dificuldade, a renda era pequena. “Eu não posso
viajar porque lá em casa a situação”. O agente de estação simplesmente falava: “Você está escalado.
Você vai ou vai ficar? Você que sabe.” O cara, eu vi alguns elementos que saía assim como se fosse
chorar. “Não tem jeito não.” O rigor que era, a disciplina que havia. E qualquer coisinha o guarda-
freio era suspenso ou convertido em multa. Assim como o pessoal da locomoção que compreendia a
equipe de operação das máquinas. O maquinista, auxiliar de maquinista, pessoal de eletricidade que
acompanhava os trens. Era gerador, às vezes dava um problema, precisava comunicar. Tinha que ter
os guarda-fios, que era da inspetoria de telégrafo. A própria linha dava uma crenca. Era uma equipe
completa: guarda-fios, pessoal de eletricidade 1 ou 2, guarda-freio, maquinista, auxiliar de maquinista.
Então havia rigor. Qualquer coisinha eles estavam na caneta, era punido.
Inclusive o atraso?
272
O atraso às vezes era deficiência ou da locomotiva por falta de força, problema de pressão, ou de lenha, às
vezes a lenha não estava boa para ser usada, no corte de lenha poderia ter colocado muita lenha verde. Apesar
da temperatura da locomotiva ser violenta, mas demanda tempo para chegar naquele nível ali. Com relação ao
atraso, exigia, cobrava o horário certinho de chegada. Aí era questionado porque atraso. Tudo era feito e
comunicado. Na estação onde acontecia esse fato ou no trecho. Eles pegavam aquele telefone antigo, o
elemento do guarda-fios. O telefone era uma caixa, eu achava até gozado, tinha um espécie de um gancho
assim que jogava lá em cima no fio do telégrafo, ou levava uma vara de bambu e enganchava aquilo lá. Aí
que comunicava com a próxima estação ou com a sede. “O trem está com tal problema assim assim” E
mandava socorro, o auto de linha ou o lastro que era um tipo de trem de transporte de coisas da estrada e de
socorro de arrumar o leito da linha, quando dava alguma zebra. Essa comunicação de atraso era feita assim.
Isso impedia que alguém fosse punido.
Sobre o leito ser sem brita...
Eu estou com sessenta anos e me deixa encabulado até hoje porque no bairro aonde eu nasci, subindo para as
palmeiras, depois que sai daquele pontilhão de ferro, subindo ali. Locomotiva passava ali apitando, aquela
confusão toda, nunca deu desastre, nunca água de chuva criou problema ali. E quando a chuva muito forte
criou problema lá perto dos túneis, no Valão. Esse fato é até pitoresco porque esse acontecimento veio para
beneficiar alguém. Lá onde a enxurrada, descendo do barranco, fez uma cratera por baixo da linha, levou
tudo. Sabe o que aconteceu em 1968? Me parece que em agosto ou setembro de 1968. Tinha lá um cristal de
não sei quantas toneladas. Há anos quando eles começaram a fazer o leito da linha, para calçar o terreno eles
tinham encontrado esse cristal numa lavra e estava ao lado do barranco. Como não tinha muito valor naquela
época, pegaram o cristal e puseram no leito da linha para fortalecer o leito da linha. E por incrível que pareça
em 68 a chuva fez o arraso e foi bem onde estava o cristal. Descobriu o cristal. Aí a Bahia Minas que vinha
sofrendo esse processo opressor e todo mundo lá assombrado, com medo, porque era um pessoal muito
humilde o pessoal da Bahia Minas. Ficou todo mundo calado e falaram para um diretor da época que era
daqui de Belo Horizonte, tenho até o nome dele. “Avisa o diretor da Bahia Minas”. Rapaz, diz que foi uma
caminhonete para lá e ficou lá, chegou a tardinha, ficou a noite e tal. E esse cristal foi avisado a polícia, foi
valorizado, foi avaliado e esse cristal desapareceu da noite para o dia. Falaram na época em torno de cinco
milhões de cruzeiros e ninguém sabe onde foi para esse cristal. Mas o diretor da EFBM sabe. Deve saber o
que aconteceu com ele. A Polícia Federal esteve por lá. Eu estava de férias na época, cheguei a ver carro da
polícia rodando por lá.
1968? Depois que a estrada terminou?
Depois que a estrada terminou. É possível até que você consiga isso no Estado de Minas, se você fizer uma
pesquisa a respeito dessa história. Foi o único caso que trouxe estrago, mas beneficiou alguém. No mais eu
nunca soube a não ser no lado da Bahia onde era mais baixo. Às vezes época de chuva, chovia muito, talvez
tivesse um trecho mais baixo então a água incomodava, mas para arrasar, desmantelar, não passar trem, não
lembro não. Nenhuma vez. Teve uma vez de um desastre, tem até fotografias, para o lado da Bahia em
conseqüência de chuva. Não sei como foi, a máquina muito pesada com a composição e descarrilou, caiu
dentro do brejo, atolou tudo, acho que até morreu gente. Isso tem muito anos, não lembro como foi. No mais,
fora disso, nunca soube. Agora o leito, volto a repetir, o trabalhador de linha não sabia nem assinar o nome
direito e fazia aquilo com uma perfeição, com uma segurança e com soca, alavanca, soca, picareta, pá e
enxada. E o transporte era aqueles troles, usavam aqueles varões compridos para empurrar o trole. Isso que
me encabula, como passava aquela montoeira de ferro, com carga pesada, nas beiradas dos morros. A
impressão que você tem é que aquilo poderia virar. O leito me encabulava, da Bahia Minas sempre me
encabulava. Não quero puxar sardinha porque eu sou da Bahia Minas é um negócio.
O tempo que o sr. trabalhou na Bahia Minas não teve muito acidente. Como foi. Teve muito ou depois de uma
época começou a ter muito?
Acidente grave eu acho que foi só esse lá pro lado de (Bahia?). Teve outros. Descarrilamento, mas não assim
para você receber aquele impacto. Acidente que matou alguém. Isso não. Foram, da história, me parece que
ocorreram uns três no máximo. Então você vê que o leito era muito bom. Uma ferrovia de 1898, se não me
273
falha a memória. Pode ter tido outros, mas na minha época de quarenta e poucos para cá, que eu lembro acho
que fora três, parece. Descarrilamento não. Dificuldade de por na linha. Mas acidente, acidente não.
O sr. teria mais alguma coisa para falar sobre o rigor do trabalho, das cobranças, das regras que tinham que
cumprir?
Era muito rigoroso. Apesar de que havia uma integração como se fosse uma família. Era um rigor e o respeito
ao mesmo tempo. Todo mundo conhecia todo mundo. Esse rigor talvez não tivesse tanta transparência em
conseqüência do comportamento do sistema de vida que o pessoal tinha. Teófilo Otoni tinha duas forças.
Quem eram as duas forças? Os fazendeiros e os ferroviários e no meio o pessoal do sistema bancário, que
eram poucas agências naquela época, Banco do Brasil, Banco Minas, Banco da Lavoura, Cred Real. A força
mesmo era ferroviários e fazendeiros. Comércio não era grandes coisas.
Os ferroviários se envolviam com política?
A partir de 1957 alguns ferroviários começaram a mexer com política e parece que andou complicando
porque... Quando a política entra em algum lugar, se é uma boa política tudo bem. Mas se esse elemento que
se propõe a ser político deixa ser levado por pessoas que não são comprometidas com nada. Aí complica. E
foi o que ocorreu lá na década de 1950. Tinha o PSD e o PR. Então começou a criar umas polêmicas de
política, não sei o quê e teve elemento nosso, até muito amigo meu, foi vereador e a política começou a querer
falar, mandar na ferrovia. Para época seria uma vontade de mandar em proveito próprio. “Estou precisando de
um caminhão”; “Estou precisando de um serviço do pessoal da Bahia Minas. Favores. Não era o aspecto
financeiro de tirar proveito da ferrovia. Favores de ser humano com ser humano. O pessoal da Bahia Minas
era mais do lado do PSD, depois o pessoal do PR, aí começou a complicar. E na época, na década de 50, tem
um político muito forte que tomou proveito dessas mexidas todas para começar a usar essa sementinha de
acabar com a Bahia Minas. Eu não lembro o nome dele mas era alguém.
Da região mesmo?
Que região. Gente forte. Acho que era do Exército Brasileiro ou da Aeronáutica, não sei bem. Porque ele
contava com ferroviário no país para ser eleito e os ferroviários não votaram nele. Aí começou.
Juarez Távora é unânime em todos os depoimentos. Ainda sobre a Bahia Minas, o sr. teria algum causo que
marcou o sr., gostaria de registrar?
Agora. (silêncio)
O sr. viveu alguma greve na Bahia Minas?
Não. Ferroviário da Bahia Minas nunca fez greve. uma vez em 1961 ou 62, quando começou aquele
negócio de CGC na Rede Ferroviária. CGT, Central Geral dos Trabalhadores. Quando começou aquilo na
Rede Ferroviária muito forte então começou a dar alguns reflexos na Bahia Minas. Reflexos assim de pessoas
fazerem algum comentário. Não que fosse realmente um grevista de cria tumulto, de vandalismo, de paralisar
serviço. Nunca houve isso. Às vezes o simples fato de falar. Eu tive a oportunidade uma vez, os elementos
falar de aumento, negócio de governo e tal. Aí veio a CGT e alguns elementos que subiam nas locomotivas,
mas aí já estava perto de estourar a Revolução. Greve, greve de parar, de tumultuar nunca vi.
Como o sr. viu o fim da EFBM?
Olha. Tudo na vida um dia acaba. Agora, eu acredito que mesmo você tendo um trabalho, um estudo para
alguma coisa que você sabe que vai acabar, você cria, tem aquela expectativa, cria situações. A Bahia Minas
foi assim. Criaram uma situação de hora para outra e acaba e acaba e quem sofreu com isso foram as famílias
ferroviárias porque o deslocamento sem nenhuma condição, sem nenhum preparo, sem nenhum transporte
programado. Muitas famílias foram trazidas. Usaram do poder para transferir as famílias de ferroviários de lá
para cá. Pessoas que nunca saíram das cidadezinhas deles para ir à Teófilo Otoni que era como se fosse Belo
Horizonte para as cidades adjacentes. Teófilo Otoni era a capital e tinham famílias de ferroviários que quando
274
iam à Teófilo Otoni era uma vez no ano para fazer uma comprinha, alguma coisa. E foram tirados assim na
marra. Transportados em carros, vagões de boi. Coisa absurda. Nós sentimos esse reflexo aqui em Belo
Horizonte. Fomos discriminados, humilhados. Tem muita coisa. A extinção da Bahia Minas marcou muito,
machucou muita gente. Não só machucou como prejudicou o aspecto econômico, cultural e social de 583 km
que ia de Araçuaí a Ponta de Areia. Esses lugares para se refazerem sofreram talvez mais de vinte e tantos
anos.
Qual foi o argumento usado para terminar com a estrada?
Não sei se é bem isso, mas parece que a administração de lá era corrupta. Desviava recursos da estrada. Tinha
uma turma envolvida em processos e foram dispensados. Ela acabou em 65, foi suprimido o tráfego
ferroviário. E esses elementos que eles usaram, eu até usei uma expressão nesses dias para um trabalho que
estou fazendo para uma cara que está tentando restabelecer os direitos dele como anistiado político, que era da
Bahia Minas. Boi de piranha. A Bahia Minas foi Boi de piranha para muito nego incompetente. Entendeu? Na
época utilizaram da força da revolução e temos que pegar alguém para ser o Cristo e a Bahia Minas foi o
Cristo e os ferroviários. Dispensaram 17 de uma porretada do serviço público. Em 17 de abril de 1970.
Por que dispensaram?
Porque diz que estavam trabalhando em proveito próprio, desviando dinheiro. Mas todos esses elementos
foram reintegrados. Tiveram suas aposentadorias cassadas, foi tudo restabelecido. Ontem mesmo estava
fazendo um trabalho em cima disso.
Quando usei a expressão que a Bahia Minas foi Boi de Piranha era uma estrada que não poderia ter acabado
por quê? Porque hoje talvez ela fosse o mais forte pólo turístico, porque teria melhorado o sistema de tráfego,
com equipamento moderno de transportes e fortalecendo o sul da Bahia. Porto Seguro, Teixeira de Freitas,
Alcobaça, Nova Viçosa que o pessoal gosta muito de lá porque ainda são as praias naturais. Ela poderia estar
satisfazendo a nação brasileira no aspecto turístico hoje. Ou até mesmo de carga, quem sabe? A BR 101 passa
lá embaixo, ia cruzar com ela lá. Seria Valadares hoje e a Vale do Rio Doce aqui.
Tinha o argumento de que ela era antieconômica? Tinha tráfego de mercadoria, circulava, ou a madeira foi
acabando com o tempo?
Tinha muita madeira ali em Nanuque, Argolo, Posto da Mata, Serra dos Aimorés, Carlos Chagas e só madeira
boa. Madeira de primeira. Muito jacarandá, muita peroba rosa, jequitibá, e gado. Transportava-se muito gado
de lá para cá. Café, sal. Depois, não resta dúvida que isso foi diminuindo. Então teria que criar uma outra
situação de transportes. Talvez seria com o melhoramento do tráfego ficasse até melhor, carga mais leve. E
madeira, Teófilo Otoni era abastecido de madeira vinha tudo de lá. É como se fosse a Amazônia para os
grandes centros do Brasil. Manda madeira para todo lado.
E do Jequitinhonha vinha o quê?
Mais era gado, acho que café, muita fruta, aves, muita galinha de lá de cima de Araçuaí, Schnoor, Novo
Cruzeiro. Muitas frutas, manga, laranja. Essa era a carga que vinha lá de cima.
E o transporte de passageiro era importante? A população usava muito o trem?
Usava muito porque não tinha o transporte rodoviário. Era só o trem. Eu trabalhei na estação, lá na agência de
fins de 55 até fins de 59, em 60 fui para o departamento de pessoal, saíam os trens sempre cheios, nunca vi
assim sair os vagões vazios. E mais era o pessoal humilde que usava muito o trem. Quer dizer, pessoas de
uma colocação melhor, mas mais o pessoal humilde. Acho que no Brasil o trem foi sempre dos humildes.
Como o sr. viveu esse processo da desativação da Bahia Minas?
Me parece que era uma conversa mais antiga. Parece que meu pai já falava. Porque quando ela foi
desvinculada da Leste Brasileiro em junho de 1934, ela ficou com personalidade própria, EFBM. Eu não sei
se era uma questão política, mas desde aquela época que vêem falando que a Bahia Minas vai acabar. Mas só
275
isso e pronto. Agora o processo que veio mesmo com acabar com a ferrovia veio de impacto. E, por incrível
que pareça, até peguei o Diário Oficial de 1966 que fala nisso. Lá está “suprimir o tráfego ferroviário da
EFBM”. Em troca dessa supressão é criar rodovias do Conselho Nacional, DNER ia levantar e nunca foi dado
esse tratamento. Teria que tirar a ferrovia e ter uma rodovia boa e não aquela que está lá. Você vê que há um
aspecto entrelinhas aí quando você fala da extinção, supressão do tráfego. A questão é política porque a
existência da ferrovia, ela existe porque tem o tráfego. Você tira o tráfego dela é a mesma coisa que tirar as
pernas de um ser humano. Queriam acabar com a ferrovia e extinguiram o tráfego. Acabaram com a ferrovia.
Eu não conheço um ato de extinção da EFBM. Pode ser que tenha, não discordo, mas o que conheço é o de
supressão que peguei no Diário Oficial de 1966.
Escutei uma história em Helvécia de que presenciaram a perseguição pelo Exército, na época que estava
terminando a estrada, de comunistas que seriam funcionários da estrada. Houve isso mesmo?
O único elemento que falava que era comunista, dizem que ele falava, chamava-se Pedro Umbilino. Esse
Pedro Umbilino veio com uma turma de Salvador, eram pessoas super competentes, inteligentes, equilibrados,
nunca vi nada que desabonasse a pessoa dele. Os outros que foram taxados de comunistas são pessoas que eu
conheci. Acho que o cara nem sabia. Te dou o nome de um. Chamava-se Mauro Esquepe (?) que morava no
meu bairro, jogava futebol com a gente, tinha um serviço de auto falante que ele era locutor. Gostava muito
de rezar e ajudar os padres em procissão.
FIM DO LADO A
LADO B:
No dia em que aconteceu a revolução, no dia 31 de março, eu estava no departamento de pessoal pela manhã
eu e um compadre meu. No alto da nossa sala. “O que está acontecendo que está cheio de soldado aí e pessoal
do Exército. Estão montando umas metralhadoras, fuzis, canhões. Uai compadre nós vamos morrer. O que
está acontecendo?” Ficamos olhando. Nós gostávamos tanto de ser ferroviários que tinha ido para lá trabalhar
de manhã sem hora extra sem nada, para adiantar os processos de aposentadoria e outras coisas que eram
mandados para Brasília. Ficamos assustados com aquilo. Nunca fui ligado a política. Aí voltei para máquina e
quando olhei para o lado tinha um cara com uma metralhadora. “O sr. está trabalhando? A partir deste
momento ninguém entra nem sai.” Aí voltei para perto do compadre. Aí começou o processo de pegar gente
dentro do recinto da estrada de ferro. Pegaram meu irmão que estava saindo da minha casa e entrava na
estação. Quando ele está passando pela guarita, o policial... Tinha cinco elementos com o nome de Osvaldo. O
primeiro que apareceu eles prenderam. Quando estão saindo com ele na borboleta da estação alguém falou
“Peraí! O que está acontecendo com Vavá? É filho de mestre Olimpo, pessoal conhecido aqui! Verificaram
que tinham cinco Osvaldo e os caras ficaram sem ação e liberaram ele. Se ele tivesse passado pela borboleta
eles tinham ferrado ele. Porque todo elemento que eles pegaram sem saber quem que era ficou um, dois meses
sumido. Depois que alguns foram aparecendo e sendo liberados em Juiz de Fora. E depois disso, em 1966,
tivemos que passar por um processo de inquérito com o pessoal daqui com o pessoal do Exército, só
comandante e major. E lembro bem de um dos comandantes de cara vermelha, me perguntou: “O sr. conheceu
Mauro de Carvalho Esquepe (?), ele era comunista!” Cheguei a sumir no sofá, acho que era de medo.
“Conheci. O que sei dele desde menino é que são pessoas amigas da gente. Eles gostam muito de rezar, de
falar no auto falante e jogar futebol. Não estou sabendo que ele é comunista.” Foi a informação que eu dei nos
processos do Exército aqui no prédio da Sapucaí.
E o moço continuou preso?
Não. Depois com o tempo eles todos foram liberados. Esse Mauro Carvalho Esquepe até morreu num
acidente de carro vindo de Vitória, em Manhuaçu. Não aconteceu nada com os que a cidade dizia que eram
comunistas.
Lembrei! Tinha outro Osvaldo Reis que era um elemento de projeção da ferrovia. Ele criou a escola
ferroviária das turmas. AS professoras de trabalhadores de linha que tinha algum estudo. Ele criou o CACEF
(?) que tinha as aulas de corte e de costura, datilografia Tudo isso. Ele colocou em prática a função social
dentro da EFBM. Esse que era o homem que eles falavam que era comunista.
Era diretor da estrada?
276
Não. Era chefe de escritório. Era aquele elemento que gosta de fazer movimento, de fazer o ser humano sentir
que ele representa alguma coisa. Não tinha nada a ver com comunistas.
Nunca chegou um panfleto comunista? Partido Comunista?
Nada. Nada. Um dos outros que sofreu com isso também foi o agente de estação Manoel dos Santos Cardoso.
Esse também ficou preso um bocado de tempo em Juiz de Fora, mas o que ele gostava era de trabalhar e
trabalhar sério. Na EFBM sabe o que ele criou? Na década de 50 o pessoal ia muito para Alcobaça e o único
meio de transporte era a EFBM. Ele conseguiu colocar dois trens por dia. Um de madrugada e um à noite. E
saía lotado. Conseguiu também, em Caravelas, já criar um sistema de transporte rodoviário para as pessoas
não chegar e ficar dependendo de condução. Os trens chegavam e já tinha condução para Alcobaça, onde a
família teofilotonense fazia questão de ir. E só a classe rica. Pobre não ia lá não. Os Lemos, Gazineli (?) e
outros nomes, os Tomich, os Alaor, os Lins, os Otoni. Esse é o agente de estação que ficou preso porque era
comunista. Eu trabalhei com ele. Era muito competente. Em 1956, eu tinha 14 anos, lá em casa tinha aquele
telefone antigão que sempre precisava se comunicar com meu pai. Meu pai era muito ligado a administração
da estrada, o finado Dr. Portela. Ligava para minha casa, às vezes domingo pela manhã: “Orlando estou
precisando de você aqui para a gente cuidar de uns despachos de mercadoria aqui”. Depositavam confiança
em mim naquela época com 14 anos. Era uma criança para fazer cálculo de mercadoria, preencher o talão de
despacho de mercadoria. Ele angariava recursos para a estrada para fortalecer a receita de transporte. Esse foi
um dos que mais sofreu.
Tinha sindicato na Bahiminas?
Nunca teve. Teve um sindicato lá, me parece, ligado a ECB (?), não lembro qual era sigla. Chegaram a tentar
mas não foi a frente. Tinha uns três elementos que gostavam, fazia movimento, falavam muito, mas não...
Não era típico do pessoal. Acho que era uma situação que não era típica do trabalhador da ferrovia. Era
Associação dos Servidores Públicos do Brasil, parece que era isso. Não conseguiram instalar nada. Esse
mesmo grupo fazia movimento. Na minha visão de ferroviário, esse grupo de elementos às vezes eles
encrencavam com alguma coisa. Lá tinha uma associação dos ferroviários que era tinha, meu pai foi até
presidente dela em 1959, médico, dentista, laboratório, farmácia. Era um complexo anexo a EFBM e o
presidente era ferroviário. Esse grupo criava questões mais porque queria tomar a presidência, mas poucas
vezes e por causa disso eles conseguiram acabar com essa associação em 1960. Meu pai ficou muito triste, foi
bem na época que foi presidente. Elementos perniciosos que dificulta em vez de somar e ajudar. Um deles se
chamava Antonio Melgaço e um outro chamado Antúlio Antonio dos Santos.
A ferrovia teve um hospital que causava inveja em qualquer cidade do porte de Teófilo Otoni na época,
porque era um hospital com o melhor equipamento. Chamava-se Balbina Bragança.
O sr. poderia falar um pouco sobre a questão da EFBM ser de administração direta?
Ela era subordinada ao governo federal. Nós que trabalhávamos no departamento de pessoal, não tínhamos
um departamento jurídico. Tínhamos advogado mas trabalhando junto com o superintendente na secretaria.
Na área de pessoal não tínhamos advogado. Tinha pessoas que se interessavam, liam o Diário Oficial. Quando
tinha alguma dificuldade de aplicar alguma lei, algum tratamento de legislação, as consultas eram feitas de
imediato para Brasília que preparava o parecer. Inclusive, grande parte da documentação dela que veio para
cá, que eu trouxe mais a minha equipe. Dia 15 de março de 1965 trouxemos aqui para Belo Horizonte. Se
existir um terço dessa documentação é muito. Escolhemos a melhor documentação para trazer para Belo
Horizonte. Eu era o elemento aqui que falavam que quem gosta de coisa velha aqui é o Orlando. Eu não
deixava. Guarda tudo, vamos arrumar direito. Eu tenho relatório disso que fiz em 1982. Me parece que
andaram jogando fora ou vendendo como papel velho Só a União poderia, através de ato federal, mandar
incinerar uma documentação de um órgão público da administração direta. E mais ninguém. Como aqui quem
mandava na época era um pessoal de autarquia, de administração indireta, não conhecia nada disso. Isso
incomodava muita gente e depois nós tínhamos duas aposentadorias. Uma pelo Tesouro, como prêmio, por
causa da nossa origem e outra pela Previdência que era a antiga Caixa de Aposentadoria e Pensões que é o
INSS. Isso incomodava.
277
Lembrou de algum causo?
No setor do meu pai, na ferraria, às vezes alguém deixava uma feira. E ele era muito sério, sistemático, uma
pessoa que deixou uma imagem muito boa na cidade. Caladão, fechadão, muito simples, mas todo mundo
sabia quem era mestre Olivio. Enchiam a feira do cara de ferro, ficava todo mundo na porta rindo do cara.
Para você vê com era o pessoal, não tinham nada de maldade, de comportamento estranho.
Em briga de Bahiminas nem polícia se metia. Era isso mesmo?
Exato, mas não era generalizado. Havia esse conceito, mas o que lembro é que lá tinha um clube de
ferroviários que eu gostava muito de lá. Desde novo gostava de dançar. Todo Sábado tinha dança lá. Música
antiga, um conjunto bom, também era cinema. Onde o ferroviário se sentia bem, o lazer dele. Tinha muita
gente particular que gostava e freqüentava. Uma vez... aquelas brigas de baile, o sujeito bebe muito, quer
dançar com a namorada do outro. A moça não queria dançar e o sujeito quer criar caso. Esse clube só
funcionou até 1955, porque em 1955 houve um fato. Um ferroviário chegou na porta do clube num Sábado e
tinha uma patrulha da polícia militar que era como se fosse o esquadrão da morte no Rio de Janeiro. Batia em
todo mundo, pintava o sete e bordava, mas nessa patrulha tinha muito cara de vida irregular. E aí tinha um
ferroviário que era auxiliar de maquinista, o foguista, e ele estava armado e um da polícia civil era ferroviário
também, metido a James Bond, gostava de andar com um chapelão, uma piteira, era motorista, trabalhava na
garagem, chamava-se Paulo Otoni. Então, para mostrar o poder dele ele mandou alguém cercar esse
ferroviário e questionar qualquer coisa com ele. Esse ferroviário estava meio chapado. Estava bem vestido de
terno de linho, branquinho. O ferroviário gostava muito disso, usar roupa de linho. Ele chegou na porta do
clube e essa patrulha já estava comunicada e entrou no clube e fez uma confusão. Foi um tiroteio e mulher
pulando, gritando. Resultado, ficou um soldado morto. Até muito conhecido da cidade. O pai dele era cabo,
mexia muito com armas, reformava aramas da polícia. A partir daí o clube acabou.
Fato mais grave foi esse, a não ser que fosse briga de família entre ferroviários, ninguém entra ninguém mexe.
Tem detalhes interessantes da ferrovia. O que mais me fascina e me deixa triste e eu sempre faço esta
retrospectiva, é a amizade, os amigos de pelada, era muito comum a turma de ferroviários por apelido no
outro. Tinha cara que você punha apelido que quando te encontrava no centro da cidade te olhava de lado
achando que você já estava aramando alguma gozação. Depois aceitava o apelido. Coisas gostosas da vida.
O sr. conheceu a sua esposa na Bahiminas?
Filha de ferroviário.
Como vocês se conheceram?
Desde menino. Eu era muito namorador e jogava de futebol. Tinha facilidade para namorar. Cara que aparece
em público, falava que era bom de bola e era convidado para jogar em tudo quanto é lugar. Tinha uma platéia.
Tinha umas duas, três namoradas na cidade e em bairros diferentes, mas era muito calado e muito tímido. E só
andava mais de bicicleta e sozinho. Só andava com amigos no futebol ou no centro da cidade parado em
algum lugar. Era difícil saber por onde eu andava. Lembro bem que em 09 de maio de 1963, tinha um time
em Itambacuri, lá tinham dois times fortes, O Cruzeiro que era dos fazendeiros e o Atlético que era da massa.
O time dos fazendeiros tinha contratado eu, um outro ferroviário para zagueiro, um goleiro de Teófilo Otoni e
um outro rapaz. Na época pagava cinco cruzeiros. Iam de carro particular me buscar em casa próximo da hora
do almoço e levava para Itambacuri. Jogava e trazia de volta, depois do banho. E nesse dia eu fui jogar lá e
ganhamos. Eu marquei um gol e o nosso zagueiro marcou outro. Deixei de ficar na festa da vitória para voltar
para casa e encontrar com uma namorada. Quando cheguei na casa dela, fui recebido com uma cara fechada e
ela terminou comigo porque tinha conhecido uma outra namorada minha numa festa na cidade. Se chamava
Rosinha, trabalhava na loja de mecânica. Eu era safado.
Trabalhavam mulheres na estrada de ferro? Quais eram as funções delas?
Trabalhavam na tipografia, no escritório do tráfego...
FIM DA ENTREVISTA
278
ENTREVISTA 12
14/09/2002 – Carlos Chagas
Therezinha Guimarães
62 anos – Enfermeira/Parteira (filha de ferroviário e viúva de marceneiro)
Natural de Carlos Chagas
Tempo estimado: 30 min
Assuntos relevantes: cotidiano da turma de garimpeiros, processo de erradicação,
reminiscências e contato com índios.
LADO A:
Quais as lembranças que o sra. tem da Estrada de Ferro Bahia e Minas?
Muitas mesmo. Lembranças da minha infância, passei toda lá. Corria por aquelas beiras de estrada, levava o
meu almoço para meu pai. Quando estava trabalhando mais próximo a gente ia levar o almoço. Era festa, eu
criança de nove, dez, onze anos, aquela turma de crianças da Turma de garimpeiros as mandavam a gente
levar o almoço. Então era a festa para a gente. Ia até o ponto em que eles estavam trabalhando. Eles
trabalhavam das seis e meia até as quatro horas da tarde. Nesses trechos. Acontece que a gente tinha muito
prazer. As mudanças que a gente fazia de Caravelas, Ponta de Areia até pra lá de Teófilo Otoni, Ladainha.
Ainda lembro de Ladainha. Lembro dos túneis, de dois túneis, era menina. Mas a gente passava naqueles
túneis. Lembro desses túneis. Não era igual aqueles túneis de Belo Horizonte não. Eram menores. Encantava
com aquilo. Trago a lembrança daqueles túneis até hoje. De Ladainha não lembro, mas dos túneis que passava
eu lembro.
A sra. morou em quais lugares da linha?
Quase em todos. Nós moramos em vários lugares de Ladainha até Ponta de Areia. Meu pai trabalhou nesses
trechos todos, mas o que recordo mesmo é Teófilo Otoni, meu pai trabalhou na turma parece que era 29 ou 39
não sei. Não lembro. Lembro Pedro Versiani, Mairinque, turma 24, 25, 26, 27 parece que é na Charqueada.
Nós moramos nessas turmas todas aí. Meu pai era o feitor, era o líder, respeitado, era um tipo para eles o
feitor era uma pessoa nobre, era considerado pelos fazendeiros por aquele povo ali. Era uma autoridade, era
um mito quase para eles. Chegava o feitor na turma e aqueles fazendeiros para levar as homenagens para eles,
os prestígios deles, levar aquelas vantagens né? “Cê quer fazer roça?” Tinha terra e dava não sei quantos de
terra para eles fazerem. Tinha as vaquinhas de tomar leite. Quando a gente mudava levava tudo. Tinha um
vagão só para levar a mudança, outro vagão para levar os bichos que era cachorro, gato, tudo que tinha. Tinha
os pangarés velho da gente montar, levava tudo.
A gente tinha muito privilégio. A Bahiminas dava muito privilégio para a gente. Tínhamos direito a
cooperativas muito boas em Teófilo Otoni, onde a gente comprava as coisas, muito bem atendidos nos
hospitais, hotéis da Bahiminas que acho que até hoje existe esse hotel em Teófilo Otoni.
Meu pai na turma 24 passou um bom tempo lá. Passou uns seis anos mais ou menos sem a gente mudar. Foi
quando chegou a época dele aposentar e ele nem queria aposentar não, 42 anos de serviço, mas ele estava bem
cansado. Então meu pai aceitou a aposentadoria. Aceitou mas ainda ficou seis meses trabalhando. Nesses seis
meses eu tinha que estudar, nós éramos igual cigano estudava aqui uma fase numa escolinha, em outro lugar
outra escolinha e nunca completava. Já estava num período no início do ano e eu fiquei internada no
Educandário Brasil. Colégio muito que tinha aqui em Carlos Chagas mesmo, do professor Antonio Elias,
famoso professor que era de Ladainha também. Então fiquei seis meses interna lá. Meu pai completou a época
dele mudar, formou outro funcionário para ocupar o lugar dele que morreu até esses dias.
279
A sra. teve irmãos?
Não. Tive de criação. Fui filha única. Então estudei, meu pai completou a época dele sair e nós já construímos
essa casa aqui que ele construiu aqui. Essa casa tem quase sessenta anos de construção. Essa casinha que
moro. Eu não trocava essa casa por um palacete. Isso aqui foi minha infância. Casei aqui.
Levanta e mostra parte do assoalho marcado pelo sangue do pai. Mancha com a qual a entrevistada
conversa e reverencia.
Eu falo com ele todo dia, olho para ele, não piso nele e respeito ele. Então a hora de tirar o piso, que agora
esse ano estou com vontade de fazer isso eu já vou tirar esse quadrinho e guardar num lugar muito guardado,
uma lembrança de meu pai em vida. Para mim ele está aí. Esse sangue foi isso. Ele já era muito velhinho. Ele
cortou o dedo do pé. Deu uma trombada na unha. Eu trabalhava no hospital e ele foi lá me procurar do tanto
que o sangue pingou. Eles limparam essas duas gotinhas ali e duas lá na porta. Nunca saiu, não tem nada que
tira. Nem bombril as meninas passaram e não conseguiu tirar. É a vida dele.
Acontece que eu fiquei mocinha e minha mãe para não ficar parada ela gostava muito de trabalhar e arranjou
um hotelzinho aqui em casa. Você vê que aqui mesmo é coisa de hotel, tem nove quartos aqui. Quando nós
mudamos para aqui a estrada ainda o tinha acabado. Ela foi extinta depois que nós mudamos para aqui.
Com pouco tempo, parece que uns dois anos depois ela foi extinta. Meu pai chorou tanto quando ele soube
que essa Bahiminas ia acabar. Eu chorei tanto que parece que o mundo ia acabar. E outra, quando foi para me
mudar... Porque eu ficava no colégio durante a semana e no final de semana ia para casa. Quando foi para
mudar você acredita que eu não queria vir embora. Foi o maior trabalho para me tirar lá da turma. Para mim
muita coisa ia mudar, muita coisa ia acabar. E acabou mesmo. Em primeiro lugar logo a Bahiminas acabou.
Meu pai chorou tanto. Quando ele ouvia o apito do trem ele podia estar onde estivesse ele saía para ouvir o
apito do trem. Ele ia para a estação na hora do trem chegar, já aposentado. Era uma coisa que ele dedicou
desde criança, tinha muito amor mesmo. Até eu que já tinha não muitos anos a gente tinha um amor imenso
pela Bahiminas.
O que a sra. achou do final da estrada? Por que a estrada acabou para sra.?
Creio assim é evolução. Eles acharam que a Bahiminas não tinha tanta evolução igual hoje a rodovia. Essa
rodovia hoje evoluiu. Cada dia a coisa vai evoluindo e a gente tem que aceitar a evolução. Não como nos
velhos tempos que a gente vivia.
Não foi fácil essa mudança...
Não foi fácil porque a gente tinha nosso ambiente. Mesmo um pouco rústico. Era um pouco rústico a
Bahiminas. Tinha suas prioridades, seus confortos. Tinha a primeira categoria, segunda categoria. A gente
tinha as prioridades da gente, mas mesmo assim era um pouco rústico para a evolução.
Quais eram os problemas da estrada?
Hoje você viaja no ônibus. É o que estou te falando de evolução. Cada dia evolui mais. Daqui uns dias
inventam uma coisa que chega lá em Teófilo Otoni com meia hora. Em algum tempo eles vão fazer isso. Eu
não vou viver mais, mas vocês que são jovens ainda vão ver. O negócio é esse, você vê o trem. Saía daqui,
passava aqui mais ou menos dez horas, ele ia chegar em Teófilo Otoni cinco da tarde. Porque vai devagar, não
corria muito, parava em toda estação e o ônibus não. Em duas horas, uma hora e meia está em Teófilo Otoni.
Mudou muito.
O trem tinha horário certo?
Tinha. Só se quebrasse, como acontece com o ônibus também. Parava para manutenção, alguma coisa, mas
tinha horário certinho.
A sra. tem algum causo, história sobre a Bahiminas para contar?
280
Uma coisa que me chocou muito, inclusive um sobrinho do meu pai. Ele trabalhava na reserva dos lastros.
Viajava nesses lastros que meu pai antigamente viajava. Lastro é o que transporta mantimentos, trens
cargueiros. Acontece que ele, não sei se ele tinha bebido umas a mais, caiu entre os troncos que ligam o
engate. Ele foi passar de um para outro e caiu dentro. Então o engate comeu a perna dele até na coxa.
Quebrou os ossinhos todinhos. Precisou amputar a perna. Ele ainda é vivo esse rapaz, mas está velho. Quando
vi aquilo, quando fomos visitar ele, aquilo me chocou muito. Eu tinha catorze anos quando nós mudamos para
cá. Não tenho muita coisa histórica assim para contar só mesmo coisa que passou comigo na infância. Lembro
quando meu pai adoeceu, ele esteve muito ruim. A gente foi para Teófilo Otoni com ele, passou muito mal,
mas voltou para trabalhar. As festinhas a qualquer hora da noite. Tudo era alegria pra gente de roça. No S.
João chegava aquelas coisas, no Natal, eles davam brindes da Bahiminas. Sacos de brindes para a turma toda
da Bahiminas, vinha das cooperativas da Bahiminas. Primeira coisa que eu ia revistar eram os meus. Para
cada criança tinha um pacote de trem. No meu pacote vinha boneca, vestidinho de chitão, aquilo era a festa,
vestia logo e ficava toda bonita. Vinha perfume, aqueles perfumes fedorentos. Latinha de talco, cashimer
buquê, pó de arroz, esponjava aquilo na cara e ficava vermelhinha igual um peru. Era bom. Tudo era alegria e
vai passando a gente não sente mais aquela alegria. Tudo muda, vai mudando, mudando, passa mesmo. Então
passou. Aí eu vim para cá, depois passou um tempo eu casei com o meu marido José Alves do Vaz (?),
marceneiro. Dele eu tive dois filhos, Marcos e a Margarete que mora em BH.
Quando termina a estrada como ficam as coisas aqui? Melhoram as condições de transporte? Como fica a
cidade?
A cidade fica um caos, porque a gente acostumou com aquele transporte. Aquele movimento, a evolução do
vai e vem do trem. Aquela espera, alegria da chegada do trem. Era a festa. Todo dia que o trem chegava, todo
mundo se aglomerava na porta da estação. Podia Ter nossa estação onde é construído o prédio do Fórum hoje.
Devia ter, era um marco da cidade aqui, uma gracinha. E aglomerava aquele povão. Não é como o ônibus que
você nem quer ver.
As pessoas vendiam coisas na estação?
Vendia biscoito, bolo, tudo quanto era coisa. Frutas, passava um bem danado. Comia a vontade, tudo
baratinho nesse tempo. Acontece que custou ainda a evoluir. Lembro que quando casei, já estava extinta a
estrada de ferro, aqui tinha dois ou três jipes na cidade. Quem tinha jipe era poucas pessoas, esses fazendeiros
antigos de roça costumava ter um jipe para viagem deles. Para a população não tinha. Era o cavalo mesmo,
vinha fazer feira à cavalo, trazia as coisas no cavalo. Aqui tinha uma pensão, minha mãe tinha esse hotelzinho
aqui. Isso aqui enchia. Tinha um cômodo grande embaixo. Enchia de sela, aquela mocofaia toda dos feirantes,
do povo que vinha. O povo da roça quase tudo hospedava aqui e enchia. Era um trabalho muito grande. Hoje
tem tudo. E custou a chegar esse negócio de ônibus. Isso é moderno agora, tem pouco tempo. Carro mesmo,
foi um comprando, as estradas melhorando. Hoje tem carro na cidade que acaba até tropeçando, tem até
demais. Meu genro fica admirado aqui de cidade pequena Ter tanto carro. Até nós temos o marronzinho que
transporta nós para todo lado. Até hoje eu lembro muito da Bahiminas e tenho saudade ainda. Tem um trem
que passa no sítio de meu genro, toda vez que passa eu vou olhar e dá uma saudade da maquininha puxando
um tanto de vagão.
SOBRE ÍNDIOS
Conheci a história dos índios. No final ainda tive a oportunidade de conhecer uns índios não domesticados
direito. Ainda eram muito bravos. Meu pai contava na abertura que isso aqui era mata que foi desbravado, foi
derrubando as matas, fazendo picada para construir a Bahiminas. Era mata virgem mesmo. Então tinha esses
índios, eram botocudos e tinha outra também. Tinham duas tribos aqui, uma eram esses botocudos que comia
gente, matava gente para ó, papar mesmo. Eram canibais mesmo. Bravo. Aí veio uma pessoa do Rio, uma
turma de engenheiros, de pessoas formadas com esse tipo de pesquisa para pesquisar os índios e domesticar,
mas eles eram difíceis. Ainda estavam muito bravos, não vestiam roupa, não comia sal, muita coisa não sabia
comer. Na época eles nunca tinham visto o trole que os garimpeiros puxavam. Eles estavam puxando as
madeiras. Sabe o que eles faziam? Saíam da mata e ficavam aglomerados em cima dos trilhos e o feitor e os
garimpeiros tinha que colocar cinco, seis, oito deles no trole e empurrar. Empurrava para lá, empurrava para
cá... era uma bagunça e se não fizesse isso eles matavam. Os garimpeiros faziam com medo. Era um grupo
281
muito grande, uns índios com cara muito fechada. Aí que eles foram domesticando, ficando mais manso.
Ficou mais calmo com eles. Inclusive um dia passou lá na turma, já na turma 24. Uma tribo muito brava,
umas mulherona feia, falava cada linguajar que ninguém sabia, eu era mocinha, vige eu fiquei com medo
desses índios, lembro até hoje. Fiquei apavorada quando eu vi. Usavam coisas na orelha, trens nos beiços,
furava corpo todo, tatuados, tudo armado. Dormiram uns três dias lá na turma e a gente com medo deles
também. Pai hospedou eles lá uns dias, deu comida. Eles não comiam sal nenhum. E daí para cá eles foram
domesticando e saíram daqui, foram procurar um lugar para eles sobreviver. O governo mandou eles para... é
que eles estavam matando muito garimpeiro, muitas pessoas, atacando fazendas e tudo. Tiraram e ficou livre
deles e os mandaram para outro lugar que ninguém sabe onde foi. Meu pai contava que eles mataram muita
gente e eles respeitavam e tinham medo dos índios.
Seu pai era de onde?
Meu pai nasceu em Teófilo Otoni. Foi criado lá até quatorze anos.
A sra. conhecia seus avós?
Não. Não conheci. De meu pai só conheci um irmão dele. Arlindo, pai desse rapaz que caiu no engate.
O seu avô não trabalhou na estrada de ferro?
Não. O pai dele teve um caso com a mãe dele e teve os dois e moravam numa fazenda do finado João Pinto.
Minha avó morreu na cozinha desses Pinto. Meu pai foi criado com eles. Depois ele inventou um namoro com
a filha do grandão lá. Ficou medo do grandão matar ele e chispou fora.
E sua mãe?
Minha mãe era natural de Salinas. Meu pai era escuro, bem escurão. Meu pai era bem moreno, bem turvo,
bem marronzão e minha mãe era branca, muito bonita. Branquinha, uma senhora muito elegante.
Eles se conheceram onde?
Minha ficou viúva e meu pai também era viúvo. Eles se conheceram em Teófilo Otoni. E lá arranjaram esse
casamento e sei que só eu que fiquei de frutinha no mundo. Tenho uma foto do meu pai.
FIM DA FITA.
282
ENTREVISTA 13
18/12/2002 - Betim
Zenith França Cajá
Dona de Casa, costureira e comerciante, filha e esposa de ferroviário
Natural de Ponta de Areia
Tempo estimado: 40 min
Assuntos relevantes: Processo de Transferência; cotidiano, o final, relações de
trabalho.
LADO A:
Quais as lembranças que o sra. tem da Estrada de Ferro Bahia e Minas?
Minhas lembranças são aquelas dificuldades. Uma lembrança que me dói muito, me marcou muito foi eles
acabarem com a EFBM lá em ponta de Areia. Derrubaram mesmo a estrada toda, tinha um chalé que eles
podiam ter... tinha a estação, um depósito e um chalé onde ficava a diretoria. Era uma coisa muito importante
que era ainda do tempo do Império. Eles foram lá e puseram tudo abaixo. As autoridades deviam ter tombado
aquilo, aquele patrimônio.
Quem foi que destruiu?
A população de Ponta de Areia fala que foi o prefeito, Damor que era o prefeito da época, mas alguns
políticos falam que foi a própria população. Ficou só o chão puro, não ficou nada. Aquilo, tenho até vontade
de chorar, com sinceridade. Todas as estações eles preservaram, só o patrimônio de Ponta de Areia, que era o
mais bonito eles destruíram.
Quais os lugares da Estrada que a sra. morou?
Eu morei... Ponta de Areia, onde nasci por ser filha de ferroviário. Depois que casei fui morar em Mairinque.
De Mairinque voltei, fui para Aparaju. De Aparaju fui para Ponta de Areia novamente. De Ponta de Areia fui
para Caporanga. De Caporanga fui para Teófilo Otoni. E de lá aqui para Formiga.
Como filha de ferroviário, seu pai não morou em outros lugares?
Foi só Ponta de Areia e lá onde ele nasceu em Helvécia. Até porque viveu tão pouco, não deu tempo nem de
conhecer. Ele viajava, porque ele era guarda-freio, fazia Ponta de Areia a Teófilo Otoni, a Ladainha, mas foi
só.
A sra. conheceu pouco seu pai?
Quando ele faleceu eu tinha seis anos. Aí começou minha caminhada de sofrimento porque eu sofri muito
com a perda do meu pai. Passei dificuldades várias, porque minha mãe não tinha condições financeiras para
sustentar seis filhos. Tivemos muita dificuldade, sofrimento mesmo.
Nesse período entre a morte de seu pai e o casamento, a sra. vivia ali próximo da estrada,
usava a estrada?
Não. Quando meu pai morreu, mais ou menos com seis anos e meio, sete anos eu tinha uma madrinha no Rio,
então a minha madrinha pediu a minha mãe para me dar para ela para cuidar de mim. Eu fui morar no Rio
com a minha madrinha. Só que ela não cuidava. Sofri muito com ela. Ela judiava de mim demais. Ela impedia
de conversar com as pessoas para não contar o que eu passava. Ela queria que eu trabalhasse para ela e
judiava bastante que chegava ao ponto dos vizinhos me chamar pedir para fazer algum servicinho para eles
283
para poder me aconselharem para poder fugir da casa dela porque de lá eles ouviam os gritos das surras que
eu tomava dela. Com isso devo a minha volta para a Bahia a um comerciante que tinha lá em Ponta de Areia
chamado Manoel Pimenta e ao diretor da Estrada na época que se chamava Dr. Portela. Ele foi ao Rio visitar
a minha madrinha porque o marido dela havia falecido.
O marido dela também era da ferrovia?
Era também. Então lá ele pôde observar. O pouquinho tempo que ele ficou lá, só o período de almoço até
depois do almoço ele pôde perceber que eu era maltratada até na hora da comida, da alimentação. Eu só comia
depois que eles terminavam.
Essa sra. (Zulmira Gonçalves) era esposa de um ferroviário?
Ele fazia parte da diretoria da Bahiminas, só que ele já estava aposentado. Morava no Rio.
E a sua mãe deu você como afilhada para eles?
Ela prometeu que ia cuidar de mim, porque ela não teve filhos não. Minha mãe, iludida, achando que de fato
eu seria uma filha para ela. Lá eu sofri muito, vim com marcas de unha delas no corpo, vim com marca de
descanso de ferro elétrico na cabeça que ela me batia na cabeça. E então esse moço indo lá viu que enquanto
eles almoçavam eu ficava na cozinha sentada só para servir. Só depois que eles terminaram a refeição,
tomaram cafezinho, comeram sobremesa que ela pediu licença para servir meu almoço. Ele observou aquilo
tudo e sem eu precisar falar nada, ele chegando em Ponta de Areia, as duas irmãs minhas mais velhas foram
na loja dele comprar e ele mandou recado para minha mãe. Que fosse me buscar no Rio porque eu estava
sendo maltratada. A minha mãe não tomou atitude, mas a minha tia e a minha avó mandaram uma carta
pedindo para me devolver. Então já marcou o dia, a hora que o navio ia sair de lá e me colocou no navio e ela
teve que fazer roupa para mim correndo porque eu não tinha roupa. Nem o uniforme do colégio ela me dava.
O colégio que tinha que fornecer o uniforme e tinha festas na vila que ela não deixava eu freqüentar as festas
e disse que eu era negra e negro não podia estar no meio de brancos. Era terrível. E aí com isso ela me levou
para a casa do comandante e eu voltei. Quando cheguei em Ponta de Areia tive uma crise de nervos, de
emoção que eu acreditava que nunca mais ia sair daquela situação. Até porque as crianças naquela época eram
muito, não tinha a esperteza das de hoje. Tinha medo de tudo, de polícia, de tudo. E com isso aí eu retornei ao
Rio, mas aí já foi para trabalhar quando a minha mãe estava lá trabalhando. Trabalhei até os 17 anos e voltei
para um casamento da minha irmã e não retornei para o Rio mais não. Fiquei em Ponta de Areia até me casar.
Lá em Ponta de Areia, nesse tempo, a sra. usava o trem?
Usava. Ia para Caravelas. Nosso transporte lá era o trem que tinha duas vezes ao dia. Um pela manhã às seis
horas, onze e dezesseis horas que saía de Ponta de Areia para Caravelas, porque tinha que comprar tudo em
Caravelas. Porque tudo que precisava para costura era em Caravelas. Tirando isso tinha que ir a pé mesmo.
Para Teófilo Otoni... Para o Rio, naquela época, tinha que ir para Teófilo Otoni, de lá pegar um transporte
para Governador Valadares para então pegar outro transporte para ir para o Rio. Tinha de navio também, mas
os navios lá não tinha passageiro, era cargueiro. Quando a gente conseguia uma passagem, um comandante
que se prontificava em levar um passageiro, inclusive as vezes que fui e voltei com minha madrinha foi de
navio.
A sra. trabalhava com quê?
Cheguei a trabalhar numa loja como balconista e costurava, eu aprendi a costurar pela prática sem Ter
diploma. Eu costurava, colocava uma roupa por cima da outra e fazia os moldes e comecei a costurar. Só
depois de casada que fui tirar o diploma de corte e costura. Meu enxoval eu comprei com dinheiro de costura.
Como a sra. conheceu seu Epaminondas?
Eu estava na loja trabalhando e era ligado a um bar que era do mesmo dono e eu tomava conta tanto da loja
quanto do bar. Tinha uma porta que quando tinha freguês na loja passava de um para o outro. Eu estava no
284
bar quando ele chegou pedindo uma cerveja e um maço de cigarro. Aí ele começou a me dar aquelas
cantadinhas ali. Com aquelas cantadas... “eu sou filho de sr. Nominando” nunca ouvi falar. Eu não conhecia o
pai dele pelo nome não, conhecia como seu Nego. Era um apelido porque o pai dele era chefe de trem e
inclusive a gente pintava e bordava com ele porque ninguém pagava passagem com ele. A gente embarcava
no trem, ele vinha tranqüilo demais. Dava um prejuízo a Bahiminas danado. Aí quando ele vinha já dizia que
não tinha dinheiro e ele nem ligava.
Então eu disse: “Não conheço essa pessoa, não” Aí ele: “Conhece sim. É o chefe de trem que faz
Ponta de Areia a Caravelas”. “Eu conheço seu Nego.”
Aí ele começou, voltou novamente... até porque eu tinha outro namorado e não tinha terminado. Ele
não sabia. Aí ele foi insistindo, insistindo, até que começamos a namorar sem terminar com o outro. Ficamos
namorando um ano, ficamos noivos. Quando fez um ano, dez meses e vinte e dois dias que nós nos
conhecemos nós nos casamos. Depois de casada foi que morei em Aparaju, Mairinque, Caporanga e Teófilo
Otoni.
Como era o dia a dia da vida de uma esposa de ferroviário?
O que eu lembro é que ao mesmo tempo que era agradável, tivemos muitas dificuldades e principalmente eu
que morei em lugares mais assim sem recurso. Morei em lugares que tinha que pegar água no rio, tinha que
lavar roupa no rio, não tínhamos uma farmácia para comprar um remédio. Era bastante dificuldade mesmo,
quando adoecia uma criança nós tínhamos uma dificuldade tremenda. Inclusive eu guardo uma lembrança
muito triste foi em Caporanga. Nós morávamos em Caporanga e a estrada acabou. Nós ficamos
completamente isolados, sem Ter transporte nenhum. Uma certa vez eu precisava levar meu filho ao médico e
ele (Sr. Epaminondas) pediu uma autorização para eles fornecerem um automóvel de linha para me pegar e
eles negaram esse transporte. O diretor era Dr. Luis Elói de Almeida e o Dr. Edson era o do transporte. Ele já
despachava mesmo, não levava ao conhecimento do diretor, já dizia que não tinha transporte. Eu tive que
caminhar doze quilômetros até Sucanga, o lugar mais próximo que eu podia pegar um transporte. Embaixo de
um sol tremendo com um filho de dez quilos e duzentos gramas no braço com uma sombrinha e nós
chegamos a Sucanga e não consegui dormir por tanta dor no corpo. Andar esse tanto com uma criança no
braço não é fácil. Eu e a esposa de um feitor de linha que também estava na mesma situação. Chegando lá em
Teófilo Otoni eu disse: “não volto a pé de forma alguma.” Fui lá levei meu filho ao médico, aproveitei
consultei, eu e minha comadre e ela também estava com uma filha com a mesma idade do meu filho que tinha
quatro meses na época. Fiz as compras, porque tinha que levar pão tudo porque lá não tinha nada. Carne para
a gente comer lá o fazendeiro tinha que combinar com os ferroviários que moravam lá, matavam uma vaca só
se eles combinassem se cada um ficasse com uma parte da vaca para poder matar. Nós tínhamos uma
geladeira a querosene porque não tinha energia para poder conservar a carne. Outra metade a gente tinha que
salgar porque tinha sempre que ter uma carne. Verdura nem pensar. Pão tinha que fazer biscoito no forno,
essas coisas porque não tinha onde comprar um pão. Quando terminei de fazer as compras depois das
consultas eu fui até a diretoria e chegando lá eu pedi que queria falar com o diretor. A secretária falou comigo
assim: “eu não tenho ordens para deixar ninguém entrar para falar com o diretor.” Eu falei assim: “minha
filha, eu vou entrar porque eu preciso conversar com ele. Ela então falou comigo: então dona, eu vou sair, faz
de conta que fui tomar um cafezinho e a senhora invade a diretoria.” Ela saiu e eu invadi. Quando Dr. Luis
deu por mim eu estava lá diante dele. Cumprimentei. “Antes que o sr. pergunte quem eu sou vou me
apresentar. Sou a esposa do agente de estação de Caporanga.” “Mas o que trouxe a sra. até aqui?” O motivo é
que estou sem transporte para voltar, estou com filho doente, a minha comadre esposa do feitor também está
na mesma situação e nós não vamos andar mais doze quilômetros a pé de volta.” Aí ele também não
questionou. Apenas perguntou que dia queria voltar. Eu disse que queria voltar hoje ainda. Ele perguntou se
podia deixar para o dia seguinte. “Sim posso”. Perguntou onde eu estava e disse que às sete da manhã o
automóvel de linha nos pegaria lá. Quando deu sete horas estava com a bagagem toda na porta era até um
compadre meu que era maquinista, o Odilon. Estava na porta com a bagagem toda na porta esperando e nada
do automóvel chegar. Eu peguei a bagagem e fui lá para a estação e botei tudo na porta da diretoria. Aquela
sacolada danada. Passaram lá, procuraram saber de quem era aquela bagagem e perguntaram para mim e disse
assim: “a bagagem é minha e da mulher do feitor. Aí alguém foi lá e falou com ele lá dentro. Aí ele mandou
me pedir paciência. Pediu aos guardas para pegar a minha bagagem e levar para a plataforma. Pediu para ter
paciência porque o automóvel que ia me pegar às sete horas tinha quebrado e tinha chegado de Ladainha e
estava na oficina. E que não demorar me pegar não. Aí eu fui, fique na plataforma, ele chegou me pegou e
285
levou até Caporanga. Só que o Dr. Edson virou uma onça e disse que passou por cima dele. Então virou a
briga dele com o meu marido.
Nesse tempo a estrada já tinha acabado?
Já tinha acabado.
Tinham arrancado os trilhos?
Não. Ainda tinha os trilhos. Por isso que ele ficou lá ele era o chefe da estação. E deixou nós lá num
isolamento terrível. Eu falei assim: “sr. Edson eu embarco sempre que precisar porque eu não nasci lá em
Caporanga não. E se o senhor achar que nós temos que morrer, então me devolva. Pega um transporte e
manda a gente para Ponta de Areia porque lá é minha cidade. Então lá eu morro satisfeita. Agora me deixar
em Caporanga, deixar meus filhos morrerem lá por falta de recurso e falei algumas coisas que ele precisava
ouvir e falei o sr. sabe porque nós estamos dependendo de transporte da Bahiminas, porque o meu marido foi
um bobo. Ele trabalhou a vida inteira dele e não roubou da Bahiminas. Se ele tivesse roubado nós teríamos
um carro na nossa porta à nossa disposição. Meu marido foi um bobo, um tolo, ele não roubou por isso nós
estamos nessa situação dependendo de favor. Falei algumas coisas para ele porque é lógico eu estava na época
com quatro filhos. Todos pequenos. Então são essas as lembranças eu me marcou muito porque nós sofremos
muito quando terminou a estrada, sofri porque morei em lugares sem recurso. Na época meu marido sofreu
demais, todos os funcionários da Bahiminas não sabiam o que era uma folga semanal. Só sabia quando tinha
férias de ano em ano. Ele por duas vezes teve estafa por perda de noite. Trabalhava e não sabia que horas
deitava e nem que horas ia levantar. Eu tinha que toda noite fazer café e deixar na garrafa térmica em cima da
mesa com copo para quando ele chegar às três da manhã. Ele nem para cama ia porque tinha medo de perder a
hora. Debruçava na mesa da sala poder soltar o trem que saía de Ponta de Areia. E ficou assim por muito
tempo sem ter uma folga semanal sem ter direito de sair. Eram uns verdadeiros escravos o pessoal que
trabalhava na Bahiminas. Os depósitos não sofria não, mas os da estação, os agentes, telegrafistas, sofreram
demais mesmo. Por duas vezes ele teve que internar por estafa de serviço de perda de noite.
Ele foi internado onde?
Num hospital em Teófilo Otoni, não me lembro o nome do hospital, a gente apelidou de hospital dos
ferroviários e por duas vezes fui fazer pré natal e ele passou mal dentro da sala do consultório. O
ginecologista teve que atendê-lo e mandá-lo para o hospital porque ele estava esgotado por perda de noite. E
nós não tiramos fruto nenhum. Continua hoje salário terrível sem reconhecimento nenhum. Ainda entram uns
presidentes da República como esse Fernando Henrique que acabou com a classe do funcionalismo, oito anos
sem ter um centavo de aumento. A gente continua sofrendo e não sofremos mais porque somos equilibrados
graças à Deus. Porque se não fossemos equilibrados nossos filhos estariam como marginais. Não teriam
estudado. Então são dificuldades que a gente fica um dia inteirinho falando e ainda é pouco. Nossos filhos
chegaram ao ponto de para estudar de trocar duas camisas para quatro filhos. Para poder freqüentar escolas.
Tudo culpa dos governos que nós temos que nunca olhou para essa classe do funcionalismo. Esses
ferroviários, agentes de estação sofreram demais. Para conseguir uma promoçãozinha há quase uns dez anos
atrás aí foi preciso fazer uma carta porque senão o salário ia estar pior, para o presidente da República no
tempo do Itamar Franco que concedeu uma promoção para ele, muito insignificante também. Até a idéia do
Itamar era boa que ele queria fazer uma isonomia salarial. Só que o sr. Fernando Henrique entrou, travou
tudo, tornou sem efeito e o salário continuou a mesma miséria. Não passamos fome porque nós somos pessoas
equilibradas, procuramos lutar e nós temos filhos excelentes. Tenho um filho formado em engenharia elétrica,
está lá no Rio. Ele saiu da PUC a pé para aqui porque não tinha dinheiro para pagar passagem.
Como fazia para ter filhos no tempo da Bahiminas? Ia para Teófilo Otoni ou fazia o parto no lugar da
estação?
Eu tive o primeiro filho em casa com parteira. Era até minha avó a parteira. Ele nasceu em Mairinque na casa
da estação. Só que comecei a ter problema desde o primeiro filho. Fiquei com queda de bexiga, com rotura
tudo conseqüência do primeiro parto que foi muito forçado. Daí do segundo eu tinha eu tinha que ir para o
hospital. Quando tive o quinto filho, tive um problema sério que com quarenta dias eu tive que voltar para o
286
hospital para ser operada por conseqüência ainda do primeiro parto. Tinha que sair de Aparaju, Ponta de Areia
para Teófilo Otoni para poder ir pra lá no oitavo mês, nono mês, passando aquela preocupação na estrada.
Porque a estrada já estava acabada, quebrava, às vezes passava a noite toda na estrada. Então era uma
preocupação terrível que a gente tinha. Porque já no oitavo, nono mês eu passava um aperto terrível. Se eu
entrasse em trabalho de parto no meio de uma estrada daquela que não tinha recurso nenhum e o parto não
podia ser feito por parteira. Meu terceiro filho tive uma rotura no útero que se tivesse fora do hospital o
médico disse assim: “ela não durava nem uma hora”. Terrível né? E eu tive oito filhos. E ainda um aborto.
Como a sra. viu o fim da EF? Qual foi o argumento que usaram porque ela estava terminando?
Eu achei um descaso. Foi falta de competência, eu acho até dos governos federais. Por ser uma estrada federal
deveria ser olhada com mais carinho porque fez muita falta para aquela população. Muita falta mesmo.
Acabou com a vida de muita gente, até hoje. Ligava ao litoral. Se pudesse voltar essa estrada novamente... eu
fiquei com muita tristeza acho que não só eu, mas acho que todas as pessoas até que não são habitantes
daquela região devem ter sentido bastante eles terem acabado com a estrada, porque era um meio de
transporte mais fácil, mais barato e que também até os próprios produtores, pessoal da roça que vendia seus
produtos. Coitados eles sofreram muito e sofrem até hoje por isso. A gente passava naquelas estações estava
todo mundo ali vendendo suas mercadorias. Todo mundo podia fazer a sua viagem, comprar sua passagem de
segunda, de primeira, mas ia. Até era um meio de transporte mais seguro também. Jamais aquela estrada
deveria se acabar. Acho que foi um descaso mesmo dos governos. Todos eles. Cada um que ia entrando foi
piorando mais a situação. Acho que a época dos militares foi a té pior porque eles se preocuparam com tantas
outras coisas que esqueceram a estrada de ferro lá. Por último já não tinha mais dormente nas linhas.
Praticamente os trilhos estavam andando em cima da terra. É uma pena. É lastimável.
A sra. já ouviu falar de histórias de índio na Estrada de Ferro?
Ouve sim. Inclusive tinham até pessoas que era descendentes. Na época, em Ponta de Areia tinham muitos
que eram índios, que traziam muitos traços de índios, mas convivência com índio mesmo não. Não cheguei a
alcançar isso não. Acho que eles estão mesmo para Porto Seguro. Caravelas e Ponta de Areia nem tanto.
FIM DO LADO A:
INÍCIO LADO B:
Sua mãe chegou a contar alguma história antiga da estrada?
Minha avó que contava mais, a mãe da minha mãe. A minha mãe também contava mas era bem pouco. Minha
avó que era assim mais de guardar, de relatar aquelas histórias, os lugares que ela ia. Ela morou em lugar onde
chegava que naquela época eles chamavam de deportado. As pessoas que eram deportadas lá do Rio que eram
pessoas que cometiam até políticos. Até pessoas que os políticos queriam se ver livre mandavam para lá.
Então aparecia esse pessoal que eles jogavam no mar e conseguiam nadar e chegavam em Ponta de Areia
como deportados. Tinha um moço lá que eles apelidaram de boca larga, ele foi deportado e jogado em alto
mar. Lá chegavam alguns que o povo tinha medo: “Oh! Tem deportado aí!” Tinha outros que conseguiam se
relacionar bem e viveram lá e alguns até pouco tempo até residiam lá e tem filhos. Foram pessoas que saíram
que chegaram lá, mudaram a sua vida, trabalharam lá honestamente. Isso acontecia muito. A gente teve uma
época mesmo que nós fomos para a praia e nós corremos não sei quantos quilômetros porque nós vimos um
moço que nem era deportado, mas estava saindo do serviço com aquela roupa cheia de graxa e a gente andava
tão assustada com medo desses deportados que o pessoal gritou: “Lá vem um deportado lá!” Aí nós
começamos a correr. Corremos tanto. Eu devia estar mais ou menos com oito anos. Eu sou de 1940. 1948. No
final das contas encontramos com o sobrinho do marido da minha tia e uma das minhas tias disse: “Toma faca
aqui Laurenço. Vai matar o homem que é um deportado que não sei que lá...” O moço estava correndo em
direção a Caravelas e nós indo para Ponta de Areia. Só que nós resolvemos correr dele em direção a
Caravelas. Aí quando foi ver, quando o moço chegou perto, não era deportado nada. Era um moço que tinha
largado o serviço lá na oficina e ele estava com a roupa suja de graxa e estava correndo para pegar um
companheiro eu estava indo para Caravelas e queria alcançá-lo. Então tinha muita história de deportado lá. E
era real mesmo. Muitos morreram por lá.
287
A sua avó foi casada com um maquinista?
Minha avó foi amigada por muito tempo, com esse maquinista chamado Epifânio. Minha avó teve quatorze
filhos.
Sua mãe teve algum irmão que trabalhou na Estrada de Ferro?
Minha mãe não. Minha avó não tinha muitas condições, os filhos dela foram saindo para trabalhar fora e uns
sumiram que minha avó morreu sem saber notícia de filhos dela.
Por parte de pai, o seu avô também era ferroviário?
Meu avô não. Meu avô que criou meu pai. Ele trabalhava em lavoura e minha avó trabalhava em lavoura. Ela
era uma negra Nagô. Africana mesmo que gostou de um francês que se chamava Bornan e que nasceu meu
pai em Helvécia. Nem meu pai ficou conhecendo o próprio pai dele. Minha avó morreu um pouquinho antes
de eu casar, aos oitenta e cinco anos e a minha avó por parte de mãe ainda fez o parto do meu primeiro filho.
Aos oitenta e quatro anos ela fez o parto do meu primeiro filho. Foi o último neto. No dia que ela fez meu
parto ela me disse: “Minha filha esse é o último neto que estou fazendo parto. Eu não vou fazer parto mais de
uma neta minha.” E foi o último mesmo, logo depois ela adoeceu aí ela teve uma cirrose e veio a falecer
quando eu estava grávida do segundo filho.
Ela tinha sangue índio?
Tinha não.
Para terminar dona Zenith. A sra. teria alguma história, algum causo que a senhora lembre que gostaria de
falar, de comentar?
São muitos. Já contei tantos que não tem mais nenhum a relatar. Se tiver também tem horas que é até bom a
gente esquecer, alguns casos tristes que não convém a gente falar mais. Foram tantos sofrimentos na nossa
vida de casados. Estamos com 41 anos de casados e são tantas coisas, sofrimentos quando nós estávamos lá,
quando nós morávamos naqueles lugares sem recurso e sofrimento quando nós viemos para aqui também.
Viemos transferidos com aquela meninada.
Como foi essa transferência?
A transferência foi um barato. Linda Belo Horizonte. Tinha ido a capital mas quando ainda era solteira no
Rio. Depois com cinco filhos eu nunca tinha ido a capital. Meu Deus. Quando cheguei em Belo Horizonte foi
para mim um caos. Um desespero danado quando desci em BH com cinco filhos pequenos. Viemos de
ônibus, aí não conhecíamos pensão aí o pessoal na Rodoviária ficava “vamos para pensão tal” Aí coitado, o
meu marido levou a gente para uma pensão lá que depois ficou sabendo que aquela pensão ali era lugar
suspeito. Acontece o seguinte, já estávamos ali e ficamos, mas tinha medo de chegar na porta com medo de
meus filhos sumirem de alguém passar a mão nos meus filhos. Então foi terrível. Nessa mesma noite nós
pegamos o trem que nos levou para Formiga. Só que nós descemos em Garças de Minas para no dia seguinte
para pegar o trem para Formiga. Um frio em pleno mês de junho. Nós chegamos lá no dia 12 de junho de
1968. Eu tinha um filho com uma alergia terrível. Não podia por coberta nele, não podia por meia. Aí então
nós dormimos na estação mesmo, emboladinho, tudo mundo encostando ali. Eu peguei uma coberta e joguei
em cima dos meninos, em mim também. Igual mendigo mesmo. Ficamos a noite inteira lá num frio terrível.
Isso foi desagradável, mas tem coisas que a gente lembra e dá graças a Deus. A gente tem muita fé, nós somos
católicos e sempre agradeço a Deus por tudo. Por estarmos aqui juntos, nossos filhos estudados, os que não
concluíram seus cursos ainda estão caminhando para isso. Todos os dias dobro meu joelho no chão e agradeço
a Deus por tudo que passamos e por nós termos conquistado o que nós conquistamos acho que é pouco.
FIM DA ENTREVISTA
288
ENTREVISTA 14
17/11/2002 - Araçuaí
Nilton Ferreira de Souza Curió
12/03/1935 – Sapateiro e mecânico – regente do Coral Vozes de Fátima
Natural de Araçuaí
Tempo estimado: 30 min
Assuntos relevantes: cotidiano, relações de trabalho com a ferrovia, relações sociais,
trajetória individual.
LADO A:
Quais as lembranças que o sr. tem da Estrada de Ferro Bahia e Minas?
É uma lembrança muito importante. Antes de chegar a Araçuaí eu tinha meu avô que se chamava Sebastião
Maria Preta, comprava laranja para esperar no Favaco. Era um grande movimento de Araçuaí para ver a
máquina chegando. O Domingo todo nós passávamos lá.
Era uma situação muito difícil. Eu lembro que logo quando chegou a Bahia e Minas que construiu a estação,
era uma pobreza danada. Eu tinha um tio que se chamava Osvaldo Curió e levava o curiozinho pequeno.
Naquela época não tinha taxi, carro não tinha nada. Então meu tio pegava as malas com os passageiros e
botava na minha cabeça e na dele para fazer um dinheirinho e ter alimentação dentro de casa. Era uma
pobreza mesmo. Hoje quem vê o Araçuaí, igual ao que eu vi, é de admirar.
O sr. chegou a andar no trem?
Quando ia pegar a mala eu andava pegando atrás. Um dia meu tio chegou na Bahia e Minas e não conseguiu
pegar mala, ele era um pouquinho mais velho e tinha um negócio de pongar. Ele pongou e eu não consegui.
Foi quando naquela época teve um desastre de um menino de nome Alceu filho de Dona Maria de Orlando.
Quando passava num corte a cabeça dele bateu numa pedra. Ele caiu e morreu.
O sr. chegou a pegar o trem até Teófilo Otoni?
Eu jogava no quadro do Calhauzinho esporte clube. Era um time de criança, juvenil. Nós viajamos para
Teófilo Otoni para jogar contra o Atlético Mineiro de Teófilo Otoni. Nós perdemos de 5 x 2. Naquela época o
Atlético tinha muito jogador que era da Bahia e Minas. Um tal de Jésus, Ratinho. Depois disso viajei também
para fazer o serviço militar em Belo Horizonte.
Qual era o caminho que se fazia de Araçuaí na época para ir a Belo Horizonte?
Pegava o trem em Araçuaí e tinha uma baldeação em Teófilo Otoni. De Teófilo Otoni a Valadares tinha que
pegar o carro. Naquela época não tinha ônibus e nós fomos num caminhão que tinha acabado de carregar cal.
Chegamos em Valadares todos sujos de cal. De Valadares a Belo Horizonte pegava o trem de ferro.
O sr. conheceu algum ferroviário?
Conheci o Badu e outro que se chamava Licindo. Nessa época eu trabalhava na sapataria. Eles tomava as
encomendas porque nós fazíamos botinas de solado de pneu, de “pé bufo”. Eles compravam na mão do moço
que me criou que se chamava Felício Sapateiro. Compravam as botas para poder trocar nas roças por saco de
feijão, alho, milho. Chegava aqui para vender essas coisas. Compravam duas, três dúzias de botas para trocar
por produtos da roça. Era um quebra galho deles. Conheci também um grande jogador de futebol que
trabalhou na Bahia e Minas que se chamava Cabo Verde, mas que tinha o nome de João.
A Bahia e Minas era importante para o movimento do comércio aqui?
289
Eu acho que fez muita falta. Uma máquina só puxa quantos carros? Na época, essa região nossa de Teófilo
Otoni até Araçuaí era um movimento grande. A terra produzia. Tinham muitos agricultores. Fez muita falta
para a classe pequena.
Que mercadoria vinha para cá?
Feijão, café, milho, alho, o sal, a farinha. Chegava aqui super lotado só de coisas de gêneros.
Como o sr. viu o fim da estrada?
O fim da estrada foi no regime militar. Castelo Branco. Falavam que a Bahia e Minas dava prejuízo. Não sei
porque, não entendo nada. Não deram muita explicação.
O sr. viu arrancarem os trilhos?
Cheguei a ver. Uma tristeza. Esse processo, mesmo não sendo uma pessoa instruída, a gente sentiu dentro do
coração da gente. “Vai acabar com nossa máquina!” Vão tirar nossa máquina” Eu conheci um máquina de
nome 17. Foi a primeira que cegou aqui. Foi uma máquina pretinha e miudinha. Tudo isso eu conheci.
E o povo não se revoltou, não questionou o fim da estrada?
De maneira nenhuma. Acredito que naquela época era de muito “atrasamento”. Hoje não, se acontece uma
coisa dessas todo mundo briga, discute, vai para rádio, televisão. O progresso é muito grande.
Tinha problemas a estrada de ferro ou ele funcionava direitinho?
Na época do nosso presidente Jânio Quadros ela chegava muito atrasada, um dia, dois dias. Acho que por falta
de administração. Isso que levou a acabar com a Bahia e Minas. Quando o Jânio chegou aqui mais o Milton
Campos e o Tristão da Cunha. Fizeram um grande comício na praça do coreto. O homem da vassoura
prometeu que se ele fosse eleito presidente da República ele consertaria a Bahia e Minas. E consertou. Era um
problema de política. Aí chegou o regime militar e eles resolveram terminar com a estrada.
O sr. achou que foi bom o fim do trem?
Eu digo sinceramente. Foi bom para alguém. Para as fábricas de automóveis. Uma máquina puxa quantos
carros? Aumentou muito a oportunidade de ganhar dinheiro para quem trabalha com transporte e fábrica de
carros.
O sr. lembra a chegada do trem?
Quando o trem chegou foi uma festa. Mas eu já tinha costume com ele porque ia com meu avô vender laranja
para o povo. Mas quando ele chegou aqui eu ficava de longe meio com medo, acostumando. Muito menino e
gente velha correu de medo antes dele chegar aqui. Nos primeiros dias que chegamos com meu avô ficamos
assustados, mas acostumamos. Mas não é costume de chegar pertinho. Era ficar de longe, cabreiro. Era medo.
Para ir nos Favaco meu avô alugava animal na mão do finado Antônio Tanure ou Paulino Pereira. Meu a
levava os filhos dele para estudar. Era família rica.
Aqui não tinha carro, no máximo era o jipe do bispo D. José Diaz. Meu avô trabalhava guiando os animais.
Era de Tropa. Meu avô era um velhinho pretinho mas de grande prestígio também na sociedade. Ele era
viajante. Era o negro de confiança que levava as filhas das famílias para viajar por muitos dias.
Perdi minha mãe com seis anos, fiquei morando com meu avô. Perdi meu avô e a mulher dele que era minha
madrasta e logo fui passado para mão de Felício Sapateiro. Ele foi meu terceiro pai, quem me criou bem
criado, nunca bebi, nunca fumei devido a criação. Eu peço a Deus por ele e falo muito nele. Pai que conheci
foi Felício Sapateiro. Criou muitos filhos dos outros. Me ensinou a profissão que até hoje eu gosto, mesmo
aposentado. Sento para fazer minha sandalinha e faço meu trocado para comprar o pão.
290
O sr. conheceu seu pai?
Eu conheci. Ele me deixou cedo e ficou muito tempo longe. Na época de Revolução Militar, eu já era casado,
pai de família, ele adoeceu em Nanuque. Cheguei em Nanuque para pegar ele e não me reconheceu como
filho. Estava muito doente. Ele tinha o nome de Sebastião bico doce. Ele era violonista. Dr. Múcio disse que o
Tião era o violonista da elite da cidade. Tocava para eles com o conjunto do Zé da Maria Preta que era irmão
da minha mãe.
FIM DA ENTREVISTA
291
ROTEIRO DE ENTREVISTA
TRILHOS ARRANCADOS
BIOGRAFIA CURTA:
Nome completo
Idade/data de nascimento
Cidade natal
Cidade que reside
Atividade profissional
Origem dos pais
PERGUNTA INICIAL:
Qual a lembrança que você tem da E. F. Bahia e Minas?
Aprofundar questões de acordo com o depoimento
Sentimentos;
O uso do trem;
Qualidades/problemas;
Peculiaridades/causos;
A importância/o valor;
Presença comunista;
Relação com os índios;
Relação com os “coronéis”;
Greve;
Corrupção;
O fim: suas causas, o resultado...
O tempo das entrevistas, por conta da proposta do roteiro, varia entre 45 e 80
minutos. Apenas duas entrevistas possuem mais de 120 minutos de duração.
292
RELAÇÃO DO ENTREVISTADOS E SUA OCUPAÇÃO
1 – Adaltiva Teixeira da Silva - passageira
2 – Alyrio Gomes Eusébio - passageiro
3 – Arani Santana Campos - passageira
4 – Ciro Flávio Bandeira de Melo - passageiro
5 – Epaminondas Conceição Cajá - ferroviário
6 – Geralda Chaves Soares - passageira
7 – José Alves dos Reis - ferroviário
8 – José Penna Magalhães Gomes - engenheiro
9 – Josefa Alves dos Reis - passageira
11 – Júlio José de Barros - ferroviário
12 – Leonídia Silva Brauer – esposa de ferroviário
13 – Luis Henrique Guimarães Lisboa - passageiro
14 – Luiz Eloy de Almeida - engenheiro
15 – Manoel Otoni Neiva - passageiro
16 – Maria da Conceição Pereira – esposa de ferroviário
17 – Nadege Aparecida da Silva Carvalho - passageira
18 – Nilton Ferreira de Souza Curió – trabalhou no comércio de beira de linha
19 – Olivier Alves Ferreira – filho de ferroviário
20 – Orlando Machado Barreto - ferroviário
21 – Therezinha Guimarães – filha de ferroviário
22 – Valdete Tarone Tomich - passageira
23 – Zenith França Cajá – esposa de ferroviário
24 – Fernando Brant - compositor
293
ANEXO IV
ENCICLOPÉDIA DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS
E
ESTAÇÕES DA EFBM
294
Estão presentes neste anexo todos os municípios formados até a década de 1950 que tiveram uma
influência direta da EFBM no seu desenvolvimento econômico e social.
ARAÇUAÍ
1
Lei provincial no. 1870 de 21/09/1871
Pertencia à Minas Novas.
Comércio e Bancos: 5 atacadistas na sede e 228 varejistas, sendo 137 na sede.
Escolaridade: 78,02% de analfabetos
3 hotéis; 4 pensões; 1 jornal; 3 bibliotecas; 2 tipografias; 1 hospital com 50 leitos e 2 serviços de saúde e 3
médicos
CARLOS CHAGAS
2
Criado pela lei estadual no. 843 de 7 de setembro de 1923.
O antigo distrito de Urucu pertencia à Teófilo Otoni. A estação da EFBM existia desde 1892 com o nome de
Urucu.
Comércio e Bancos: 2 atacadistas na sede 152 varejistas, sendo 118 na sede. Uma agência bancária e 2
correspondentes.
Escolaridade: 86,55% analfabetos
3 bibliotecas (dois grupos escolares e igreja)
LADAINHA
3
Ladainha acha-se situada numa sesmaria, antigamente denominada Jacinto Mendes, sesmaria doada
pelo Imperador D. Pedro II, em 1877, a um velho soldado veterano da guerra com o Paraguai. Com referência
ao nome de Ladainha dado ao local, não se pode precisar nada. Contam os antigos que se originou pelo fato
de residir nas proximidades de onde hoje se acha a cidade de Ladainha um velho conhecido pela alcunha de
“Podô”, assíduo rezador de terços onde incluía sempre uma ladainha.
De meados de 1914 a princípios de 1915, quando chegaram àquelas paragens o coronel José Ribeiro
de Oliveira, empreiteiro da Estrada de Ferro Bahia e Minas, e o pessoal que o servia, armou aquele um
barracamento, que foi o marco inicial do povoado.
(...)
Um dos fatores primordiais para o rápido desenvolvimento do povoado foi a localização e construção, em
suas terras, das Oficinas borais da Bahia e Minas, em 1926, época em que foram construídas cinqüenta e uma
casas para residência dos empregados da ferrovia. O terreno para construção foi doado pelo cel. Ribeiro (...)
Pertencia à Teófilo Otoni
Instituído município pela lei estadual no. 336 de 27/12/1948
Comércio e Bancos: 3 estabelecimentos comerciais atacadistas na sede e 9 varejistas, sendo 7 na sede. Possui
um correspondente bancário.
Escolaridade: 86,61% de analfabetos
3 médicos, 2 serviços de saúde; 3 pensões, dois cinemas; duas unidades de ensino industrial pertencentes à
EFBM.
1
BRASIL, IBGE - Enciclopédia Dos Municípios Brasileiros - RJ, 1959 VOLUME XXIV, 88-93
2
BRASIL, IBGE - Enciclopédia Dos Municípios Brasileiros - RJ, 1959 VOLUME XXIV, p. 380-3
3
BRASIL, IBGE - Enciclopédia Dos Municípios Brasileiros - RJ, 1959 VOLUME XXV, p. 411-414.
295
NANUQUE
4
(...) Em 1912, em terrenos de uma antiga fazenda denominada “7 de Setembro”, a Estrada de Ferro Bahia e
Minas, em construção, fixou aí um posto de abastecimento de combustível vegetal, que recebeu o nome
de Estação Presidente Bueno. Este foi o núcleo inicial da povoação que serviu de base à atual cidade de
Nanuque.
Município criado pela Lei estadual no. 336 de 27/12/1948.
Pertencia à Carlos Chagas
p. 174-5
Comércio e bancos: 12 estabelecimentos comerciais atacadistas na sede e 367 varejistas, sendo 234 na sede.
Duas agências e 3 correspondentes bancários.
Escolaridade: 76,64% da população analfabeta
6 médicos; 2 serviços de saúde; 4 hotéis; 7 pensões e 2 cinemas; uma tipografia e uma livraria.
NOVO CRUZEIRO
5
A origem do topônimo Novo Cruzeiro se prende à denominação que foi dada à moeda nacional em
1942, sendo resultado de uma proposta feita nesse sentido pelo cidadão Olímpio Alves, e aceita
unanimemente, numa reunião íntima que se realizou no local (...)
Os primitivos habitantes da região foram os servidores do latifundiário Joaquim Esteves da Silva
Pereira, cuja vasta propriedade, em 1880, se estendia até as afastadas terras pertencentes ao então município
de Araçuaí. Não há vestígios de que os índios se tenham localizado no território do município (...) Sabe-se
que o povoado que deu origem à atual cidade de Novo Cruzeiro foi fundado em 1917, com a construção da
capela de São Bento, por ordem de frei Serafim Gomes Jardim, surgindo, em torno dela, pouco depois, as
primeiras moradias, todas de aspecto rústico e edificadas em terrenos pertencentes à igreja. (...) Em 1924 foi
inaugurada, com grande júbilo, a estação de São Bento.
O distrito foi criado pela Lei estadual no. 843, de 7 de setembro de 1923 com a denominação de Gravatá e
sede no povoado de São Bento. Fazia parte de Araçuaí.
Comércio e Bancos: 7 estabelecimentos comerciais atacadistas, sendo 5 na sede e 253 varejistas, dos quais 84
na sede. Uma agência e 4 correspondentes bancários.
Escolaridade: 89,16% da população analfabeta
1 biblioteca com 100 volumes; 1 hospital de 20 leitos; 1 serviço de saúde; 2 hotéis e 1 cinema.
MUCURI
6
Povoamento datado do século XVI (...) formação de colônia de suíços e alemães por volta de 1720 e 1730 (?)
em fazendas de café chamada “Colônia Leopoldina” que se chama hoje o distrito de Helvécia.
O distrito de Helvécia localiza-se onde outrora estava situada a “Colônia Leopoldina”; o distrito de Aimorés
surgiu em face da criação da Estrada Santa Clara – Filadélfia (...) Esse distrito teve grande desenvolvimento
em conseqüência da chegada à sua sede dos trilhos da Estrada de Ferro Bahia e Minas.
Posto da Mata (Mata) também distrito e km 87 (hoje Cândido Mariano)
Outros locais servidos pela ferrovia em território baiano: Argolo e Ibiranhém
A EFBM dispõe de cinco agências telegráficas em serviço no território.
4
BRASIL, IBGE - Enciclopédia Dos Municípios Brasileiros - RJ, 1959 VOLUME XXVI, p.172-75
5
BRASIL, IBGE - Enciclopédia Dos Municípios Brasileiros - RJ, 1959 VOLUME XXVI, p.204-7
6
BRASIL, IBGE - Enciclopédia Dos Municípios Brasileiros - RJ, 1959 VOLUME XXI, p. 55-8
296
TEÓFILO OTONI
7
(...) sede de próspero e rico município do nordeste mineiro, as terras que hoje experimentam o progresso
dinâmico previsto por aquele grande homem (Teófilo Otoni) (...)
O mestre-de-campo João da Silva Guimarães foi quem primeiro se decidiu a fixar-se na região, quando
saindo de Minas Novas acampou às margens do rio Mucuri, onde fixou residência por alguns anos, abrindo
lavouras e fazendo explorações das terras vizinhas. Foi expulso pelos índios.
Comércio e Bancos: 25 atacadistas na sede; 315 varejistas , sendo 207 na sede. Cinco agências bancárias.
Escolaridade: 78, 26% de analfabetos.
15 telefones; 13 hotéis; 21 pensões e 5 cinemas; 7 hospitais com 275 leitos; 2 serviços de saúde e 29 médicos;
2 periódicos; 1 rádio-emissora; 6 bibliotecas, 6 tipografias e 2 livrarias.
7
BRASIL, IBGE - Enciclopédia Dos Municípios Brasileiros - RJ, 1959 VOLUME XXVI, pp. 347-52
297
ESTRADA DE FERRO BAHIA E MINAS
ESTAÇÕES PELA ORDEM DE SUCESSÃO NAS LINHAS
8
Número
de
ordem
Nomes Nome anterior Distância do
ponto inicial
(metros)
Altitude
(metros)
Data de
inauguração
LINHA TRONCO
(Bitola de 1,00 m)
BAHIA
1
PONTA DE AREIA
0.000 3 9/11/1882
2 Aparaju (PE) 20.080 15 10/03/1927
3 Juerana 51.227 45 9/11/1882
4 Helvécia 73.696 60 3/12/1897
5 Mata 102.910 88 1/11/1939
6 Argolo 122.580 119 9/11/1882
MINAS GERAIS
7 Aimorés 142.400 120 9/11/1882
8 Artur Castilho [Serra dos
Aimorés]
1.080 157.130 202 -
9 Nanuque 991 171.420 97 30/03/1918
10 Mairinque 191.200 114 15/03/1891
11 Pampam 210.270 137 15/03/1926
12 Charqueada 221.666 145 13/06/1936
13 Carlos Chagas 992 223.400 152 30/07/1892
14 Presidente Pena 255.100 163 30/09/1895
15 Mangalô (PE) 270.800 182 01/03/1926
16 Francisco 290.580 201 31/06/1896
17 Bias Fortes 308.370 221 28/02/1897
18 São João (PE) 336.090 251 15/03/1926
19 Pedro Versiani 346.800 264 30/10/1897
20 Planice 358.000 - -
21 Itamunheque 360.500 258 03/05/1898
22 Cantinho (PE) 367.200 297 03/05/1898
23 TEÓFILO OTONI (v.
Governador Valadares
VM-44)
376.270 318 03/05/1898
24 Aliança 384.980 451 01/06/1918
25 Valão 401.610 550 01/06/1918
26 Sucanga 409.050 441 02/07/1927
27 Caporanga 420.660 404 01/06/1918
28 Icaraí 430.540 410 26/12/1918
29 Ladainha 440.967 449 26/12/1918
30 Brejaúba (PE) 462.240 681 12/02/1924
31 Novo Cruzeiro 1.287 481.112 771 13/02/1924
32 Queixada 512.478 587 07/06/1924
33 Engenheiro Schnoor 532.270 449 07/09/1930
34 Alfredo Graça 550.280 349 31/05/1940
35 Araçuaí 577.780 292 07/09/1942
RAMAL DE
CARAVELAS
(Bitola de 1,00 m)
36 Caravelas 4.244 3 17/06/1926
8
BRASIL, IBGE – I Centenário Das Ferrovias Brasileiras – RJ, 1954 p. 25.
298
DOCUMENTOS
RELATÓRIOS
MINAS GERAIS, Relatório de Província de 1879
MINAS GERAIS, Relatório de Província de 1880
MINAS GERAIS, Relatório de Província de 1881
MINAS GERAIS, Relatório de Província de 1882
MINAS GERAIS, Relatório de Província de 1883
MINAS GERAIS, Relatório de Província de 1884
MINAS GERAIS, Relatório de Província de 1885
MINAS GERAIS, Relatório de Província de 1886
MINAS GERAIS, Relatório de Província de 1887
MINAS GERAIS, Relatório de Província de 1889
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1891
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1893
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1894
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1895
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1896
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1897
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1898
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1899
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1900
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1901
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1902
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1903
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1904
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1905
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1906
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1908
299
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1909
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1910
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1911
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1912
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1913
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1914
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1916
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1917
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1918
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1919
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1920
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1921
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1922
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1923
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1925
MINAS GERAIS, Relatório Estadual de 1926
MINAS GERAIS, Relatório do diretor geral dos índios, Antonio Alves Pereira da Silva,
ao secretário da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Estado de Minas Gerais,
4/11/1893.
MINAS GERAIS – Plano de Viação Férrea do Estado – Governo Raul Soares de
Moura, Belo Horizonte, Imprensa Oficial, 1923.
MINAS GERAIS – Anuário Estatístico do Estado de Minas Gerais – 1922-25 – BH,
Imprensa Oficial, 1926.
MINAS GERAIS – Anuário Comercial e Industrial de 1946 – BH, Imprensa Oficial,
1946
MINAS GERAIS, Anuário Estatístico de Minas Gerais de 1949 – Belo Horizonte, 1949
MINAS GERAIS, Anuário Estatístico de Minas Gerais de 1955 – Belo Horizonte, 1955
BRASIL, IBGE – Estatísticas do Século XX In:
www.ibge.gov.br.
BRASIL, IBGE - Enciclopédia Dos Municípios Brasileiros - RJ, 1959.
BRASIL, Relatório do MVOP/1920
300
BRASIL, Relatório do MVOP/1927
BRASIL, Relatório do MVOP/1924
BRASIL, Comissão Mista Brasil Estados Unidos para Desenvolvimento Econômico -
Nota Sobre a Estrada de Ferro Bahia-Minas In: Projetos: Transportes – Brasil, Rio de
Janeiro, vol. 4, 1953
BRASIL, MT - Planos de Viação – Evolução Histórica (1808-1973). Rio de Janeiro:
CNT, 1974
VARGAS, Getúlio - Mensagem Presidencial, 1953
BRASIL, Grupo Informal de Trabalho sobre Transportes Ferroviários. C. D. Relatório.
Doc. n.º 9. RJ, 1956 (mimeo.).
LEIS E DECRETOS
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE MINAS GERAIS – As Constituintes Mineiras de
1891, 1935 e 1947; uma análise histórica – Belo Horizonte, 1989.
BRASIL, Carta Régia de Constituição da Junta de Civilização e Conquista dos Índios e
Navegação do Rio Doce de 13 de maio de 1808, emitida pelo Príncipe Regente D. João
ao Governador da Capitania de Minas Gerais, D. Pedro Maria Xavier e Mello.
BRASIL, IMPÉRIO - DECISÃO N. 331 - Agricultura, Commercio e Obras Publicas -
em 10 de agosto de 1875
BRASIL, Coleção de Leis do - Decreto n
o
10.153, de 5 de janeiro de 1889.
BRASIL, Coleção de Leis do - Decreto nº 574, de 12 de julho de 1890
BRASIL, Coleção de Leis do - Decreto n
o
10.153, de 5 de janeiro de 1889.
BRASIL, Coleção de Leis do - Decreto nº 574, de 12 de julho de 1890.
BRASIL, Decreto n.º 1648 de 14/05/1924
BRASIL, Decreto n.º 10.315 de 3/07/1927 (MVOP)
BRASIL, Decreto n.º 21744 – 19/08/1932 (Coleção de Leis do Brasil 1932 – III – 50)
301
BRASIL, Decreto n.º 21996 – 21/10/1932 (Coleção de Leis do Brasil 1932 –IV – 370)
BRASIL, Decreto n.º 22.835 – 16/06/1933 (Coleção de Leis do Brasil – 1933 – II –
559)
BRASIL, Decreto n.º 23655 – 27/12/1933 (Coleção de Leis do Brasil 1933 – IV – 622)
BRASIL, Decreto n.º 24406 – 15/06/1934 (Coleção de Leis do Brasil 1934 – III – 598)
BRASIL, Decreto n.º 3590 – 11/01/1939 (Coleção de Leis do Brasil 1939 – I – 82)
BRASIL, Decreto n.º 1062 – 20/01/1939 (Coleção de Leis do Brasil 1939 – II – 37)
BRASIL, Decreto n.º 2003 – 03/02/1940 (Coleção de Leis do Brasil 1940 – I – 68)
BRASIL, Lei n.º 2.698, de 27/12/1955. (Coleção de Leis do Brasil - Atos do Poder
Legislativo, 1955)
MINAS GERAIS, Decreto n.º 14068 de 19/02/1920.
MINAS GERAIS, Decreto n.º 3348, de 21/10/1911
FERROVIAS
OTTONI, Teófilo B. – Considerações Sobre Algumas Vias de Comunicação Férreas e
Fluviaes a Entroncar na Estrada de Ferro de D. Pedro II e no rio de S. Francisco
Acompanhadas de um Estudo Especial sobre o modo de ligar a mesma Estrada de Ferro
de D. Pedro II com as Secções navegáveis dos rios Verde e Sapucahy. – Rio de Janeiro,
Typ. Do Correio Mercantil, Rua da Quitanda n. 55 – 1865
COMPANHIA ESTRADA DE FERRO BAHIA E MINAS - Atas das Sessões da
Diretoria da - 1893-1895 e 1895-1896 – encadernação: 651 e 660
COMPANHIA ESTRADA DE FERRO BAHIA E MINAS - Correspondência da –
1896/1897 Encadernação: 711.
ESTRADA DE FERRO BAHIA E MINAS - Guia de Horário de 1949 – Teófilo Otoni,
Gráfica da EFBM, 1949
MVOP/RFFSA. Relatório anual de 1959. Rio de Janeiro, 1960
MVOP/DNER/CFN. Relatório do ano de 1963. Rio de Janeiro, 1965
MVOP/RFFSA. Relatório anual de 1961. Rio de Janeiro, 1962
RFFSA, Livro de Resoluções de 1961 – Resolução n.º 119/61 de 29/03/1961
RFFSA, Livro de Resoluções de 1962 – Resoluções n.º 202/62 de 26/06/1962 e n.º 210/
62 de 28/08/1962
302
RFFSA, Livro de Resoluções de 1963 – Resolução n.º 308 – A/63 de 16/10/1963
RFFSA, Livro de Resoluções de 1965 - Resolução n.º 347/65 de 01/02/1965
VIAÇÃO FÉRREA CENTRO OESTE – Relatório Anual de 1965 – Belo Horizonte,
Setor de Estatística, 1965
MT/DNEF. Unificação da Administração Ferroviária Nacional - Operação
Desemperramento v. 1 . Parte I. Rio de Janeiro: DNEF, 1967
PERIÓDICOS
REVISTA FERROVIÁRIA – Suplemento Estradas de Ferro do Brasil – Rio de Janeiro,
1945
REVISTA FERROVIÁRIA – Suplemento Estradas de Ferro do Brasil – Rio de Janeiro,
1946
REVISTA FERROVIÁRIA – Suplemento Estradas de Ferro do Brasil – Rio de Janeiro,
1949
REVISTA FERROVIÁRIA – Suplemento Estradas de Ferro do Brasil – Rio de Janeiro,
1971
JORNAL O SERRO de 1891
JORNAL O SERRO de 1890
JORNAL ESTRELA POLAR de1903 (Diamantina)
JORNAL O NORTE de 1907
CORREIO DO SERTÃO – 01/11/1942 (Araçuaí)
FOLHA DE NANUQUE – 26/07/1963
FOLHA DE NANUQUE – “Não Será Extinta A Bahia e Minas” – p. 05 – 16/10/1964
FOLHA DE NANUQUE – “Estado De Cabrália” – p. 08 – 30/10/1964
FOLHA DE NANUQUE - “Paralisação da Bahia e Minas deixa Milhares de Pobres
sem condições de Viajarem” - 21/05/1966
TRIBUNA DO MUCURI - Economia Regional - 05/08/1969
VIEIRA, Marta e ALVES, Rafael - ESTADO DE MINAS de 21/03/2004 – caderno de
economia pp.1e 3
ESTADO DE MINAS de 02/08/2006 - Caderno Gerais pp. 21-2.
303
DEPOIMENTOS
ALMEIDA, Luiz Eloy de – Depoimento – BH, 31/10/2003
BARRETO, Orlando Machado – Depoimento – BH, 18/12/2002
BRAUER, Leonídia Silva – Depoimento - Carlos Chagas, 15/09/2002
CAJÁ, Epaminondas Conceição – Depoimento – Betim, 18/12/2002
CAJÁ, Zenith França – Depoimento – Betim, 18/12/2002
GOMES, José Pena Magalhães – Depoimento - BH, 09/09/2003
GUIMARÃES, Therezinha – Depoimento – Carlos Chagas, 14/09/2002
MELO, Ciro Flávio Bandeira de – Depoimento – BH, 03/09/2002
OLIVEIRA, José Alves de – Depoimento – BH, 17/09/2002
PEREIRA, Maria da Conceição - Depoimento – Betim, 17/12/2002
304
BIBLIOGRAFIA
ABOUCHAR, Alain - Deficiências das Estatísticas Brasileiras de Transporte - Ferrovia, São Paulo, março
1968.
ANDERSON, Perry – As Antinomias de Gramsci In: Afinidades Seletivas – SP, Boi Tempo, 2002.
BARBOSA, Francisco de Assis - João Pinheiro: documentário sobre a sua vida – BH, APM, 1966
BERMAN, Marshall – Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade – SP: Cia das Letras,
1986.
BIELSCHOWSKY, Ricardo - Pensamento Econômico Brasileiro: O ciclo ideológico do desenvolvimentismo
- 3a ed. RJ: Contraponto, 1996.
BLASENHEIM, Peter Louis - As ferrovias de Minas Gerais no século dezenove- Locus, Revista de História.
Juiz de Fora, MG: Núcleo de história Regional/Editora UFJF, v. 2, n. 2, pp. 61-80.
CARNEIRO DA CUNHA, Manuela (org.)História dos Índios no Brasil – SP, Cia. das Letras, 1992
CARVALHO, José Murilo de – A Escola de Minas de Ouro Preto; o peso da glória – SP, Nacional, 1978.
Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi – SP, Cia das Letras, 1987;
A Formação das Almas: o imaginário da República no Brasil – SP, Cia das Letras, 1990
CASTRO, Hugo de - O Drama das Estradas de Ferro no Brasil - São Paulo: LR Editores, 1981.
CHAGAS, Paulo Pinheiro – Teófilo Ottoni: ministro do povo – Belo Horizonte, Itatiaia, 1978.
CHOMSKY, NoamPara entender o Poder – RJ, Bertrand do Brasil, 2005
COSTA, Emília Viotti da – Da Monarquia à República: momentos decisivos – SP, Brasiliense, 1987
Da Senzala à Colônia – SP, Brasiliense, 1989.
DIAS, Edmundo Fernandes et al. – O outro Gramsci – SP, Xamã, 1996.
DIAS, José Luciano - O BNDE e o Plano de Metas - RJ: FGV/CPDOC, 1995 (mimeo.).
DOURADO, Anísio Brasileiro de Freitas - Aspectos sócio-econômicos da expansão e decadência das
ferrovias no Brasil - Ciência e Cultura - maio 1984, v. 36, n. 5, pp. 733-736.
DRAIBE, Sonia - Rumos e Metamorfoses: um Estudo sobre a Constituição do Estado e as Alternativas de
Industrialização no Brasil, 1930-1960 - Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985
DUARTE, Regina Horta – História, Verdade e Identidade Nacional: quatro panfletos políticos do Segundo
Reinado In: LOCUS: revista de História, Juiz de Fora, vol. 2, nº 2.p. 121.
ELEUTÉRIO, Arysbure Batista – Estrada de Ferro Bahia e Minas: a ferrovia do adeus – Teófilo Otoni:
publicação do autor, 1996.
EL-KAREH, Almir Chaiban - Filha Branca de Mãe Preta: a Companhia Estrada de Ferro D. Pedro II,
1855-1865 - Petrópolis, RJ: Vozes, 1982.
FAUSTO, Boris – História Geral da Civilização Brasileira: O Brasil Republicano, v. 8: estrutura de poder e
economia (1889-1930) – RJ, Bertrand Brasil, 2006.
FERREIRA, Marieta de Moraes (org.) - Usos e Abusos da História Oral - RJ, FGV, 2000.
FERREIRA, Oliveiros S. – Os 45 Cavaleiros Húngaros: uma leitura dos Cadernos de Gramsci – Brasília,
Hucitec/UnB, 1986.
305
FILHO, José Nogueira – Carlos Chagas 50 anos de História – Carlos Chagas, edição do autor, 1989
FONSECA, Ivan Claret Marques – Nanuque, seu povo, sua história – Brasília, 1986
FONTES, Virgínia Maria e MENDONÇA, Sonia Regina de - História do Brasil Recente, 1964-1980 - São
Paulo: Ática, 1988.
FRAGOSO, João Luís – A política no Império e no início da República Velha: dos barões ao coronéis In:
LINHARES, Maria Yedda (org.) História Geral do Brasil – RJ, Campus, 1990
FRÉMONT, Armand – A Região, Espaço Vivido – Coimbra, Livraria Almedina, 1980.
GAGLIARDI, José Mauro – O Indígena e a República – SP, Hucitec, 1989
GIFFONI, José Marcello – Sal : um Outro Tempero ao Império (1801-1850) – RJ, APERJ, 2000.
GOMES, Ângela de Castro (org.) – Minas e os Fundamentos do Brasil Moderno – Belo Horizonte, editora
UFMG, 2005
GRAMSCI, Antonio - Concepção Dialética da História - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
___ - Maquiavel, a Política e o Estado Moderno - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1988.
___ - Os intelectuais e a organização da cultura - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
GRECO, Antonio do Monte Furtado – As Estradas de Ferro em Minas Gerais: a Rede Mineira de Viação de
sua criação à privatização – Fipe – PUC Minas BH, junho de 2004.
HAESBAERT, RogérioTerritórios Alternativos – SP, Contexto, 2002.
HALBWACHS, Maurice - Memória Coletiva - SP, Vértice, 1990.
HARDMAN, Francisco Foot – Trem fantasma: a modernidade na selva – SP: Cia das Letras, 1988.
HOBSBAWM, Eric J. – A Era do Capital (1848 – 1875) – RJ: Paz e Terra, 4 ed. 1988.
- Era dos Extremos. O breve século XX, 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
IANNI, Otávio – Estado e Planejamento Econômico no Brasil (1930-1970) – Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 1977
JACOB, Rodolpho – Minas Gerais no XXº século – RJ, Gomes Irmão e C., 1911
KEROUAC, Jack – A terra das ferrovias In: Viajante Solitário – Porto Alegre, L&PM, 2005.
LEOPOLDI, M.A. - Crescendo em meio à incerteza: a política econômica do governo JK (1956-60). In:
Gomes, A. C.(org.) - O Brasil de JK - Rio de Janeiro, FGV, 1991
MAIA, Andréa Casa Nova – Encontros e Despedidas: ferrovias e ferroviários do oeste de Minas – Niterói,
Tese de Doutorado/UFF, 2002.
Nos Trilhos do Tempo: memória da ferrovia em Pedro Leopoldo – Belo Horizonte, Mazza Edições,
2003.
MARANHÃO, Ricardo - Brasil História: texto e consulta, República Velha – SP, Brasiliense, 1979
MARTINS, Margareth Guimarães – Caminhos Tortuosos: um painel entre Estado e as Empresas
Ferroviárias Brasileiras (1934-1956) – USP, Tese de Doutorado, 1995.
MATTOS, Ilmar R. – O Tempo Saquarema – SP, Hucitec, 1987.
MATTOS, Izabel Missagia - Civilização e Revolta: os botocudos e a catequese na província de Minas
Bauru, EDUSC, 2004
306
MENDONÇA, Sônia Regina Estado e Sociedade In: MATTOS, Marcelo Badaró (org.) - História: Pensar &
Fazer – RJ: Laboratório Dimensões da História, 1998. pp. 13-32.
Estado e Sociedade: a consolidação da República Oligárquica In: LINHARES, Maria Yedda (org.)
História Geral do Brasil – RJ, Campus, 1990
MONTEIRO, Hamilton de Mattos – Aprofundamento do Regionalismo e a Crise do Modelo Liberal In:
LINHARES, Maria Yedda (org.) História Geral do Brasil – Rio de Janeiro, Campus, 1990 pp. 211-228
MOURA, Margarida Maria – Os Deserdados da Terra – RJ, Bertrand do Brasil, 1988.
MOTTA, Márcia e MENDONÇA, Sônia Regina - verbete modernização da agricultura In: MOTTA, Márcia
(org.) - Dicionário da Terra – RJ, Civilização Brasileira, 2005
MYSKIW, Antôno Marcos - verbete Fronteira In: MOTTA, Márcia (org.) - Dicionário da Terra – RJ,
Civilização Brasileira, 2005 pp. 226 – 229
NATAL, Jorge Luis Alves - Transporte, ocupação do espaço e desenvolvimento capitalista no Brasil:
história e perspectivas - Campinas, SP. Tese (Doutoramento em Economia) – Universidade Estadual de
Campinas, 1991.
OTONI, Teófilo – Notícias sobre os Selvagens do Mucuri / org. Regina Horta Duarte – Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2002.
PALAZZOLO , Fr. Jacinto de, O. F. M. Cap. Nas Selvas dos vales do Mucuri e do Rio Doce – s/d
PAULA, Dilma Andrade de - Fim de Linha: a extinção de ramais da Estrada de Ferro Leopoldina – Niterói:
Tese de Doutorado/UFF, 2000.
PEREIRA, Otacílio - A Autonomia Administrativa das EF do Brasil: o Problema Ferroviário – Porto Alegre,
Typographia Gundlach, 1937.
PINHEIRO, João – Idéias políticas de João Pinheiro – RJ, Fundação Casa de Rui Barbosa, 1980
PORTELLI, Alessandro – O que faz a história oral diferente In: Projeto História, n. 14, SP, fev. 1997.
PORTELLI, Hugues - Gramsci e o bloco histórico - RJ: Paz e Terra, 1977.
POSSAS, Lidia Maria Vianna – Mulheres, trens e trilhos – Bauru, Edusc, 2001.
QUEIROZ, Paulo Roberto Cimó – Uma Ferrovia Entre Dois Mundos: a EF Noroeste do Brasil na primeira
metade do século 20 – Bauru, SP: EDUSC, 2004.
RIBEIRO, Eduardo Magalhães Ribeiro (org.) – Lembranças da Terra: histórias do Mucuri e Jequitinhonha
BH, CEDEFES, 1996.
ROUSSO, Henry . A memória não é mais o que era In: FERREIRA, Marieta de Moraes - Usos e Abusos da
História Oral - RJ, FGV, 2000.
SAES, Flávio Azevedo Marques de – As Ferrovias de São Paulo (1870-1940) – SP, Hucitec, 1981.
SÃO PAULO, Arquidiocese de – Brasil: Nunca Mais – Petrópolis, Vozes, 1985
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da – Camponeses e criadores na formação social da miséria: Porto da
Folha no Sertão do São Francisco (1820-1920) – Niterói, UFF, 1981. Dissertação de Mestrado em História.
SOUZA, José Moreira de – Cidade: momentos e processos/Serro e Diamantina na formação do Norte
Mineiro no século XIX – SP, Marco Zero, 1993.
307
SOUZA, Maria do Carmo C. – O Processo Político-Partidário Brasileiro na Primeira República In: MOTA,
Carlos Guilherme (org.) – Brasil em Perspectiva – SP, DIFEL, 1981
SUMMERHILL, William R. – Order Against Progress: government, foreign investment, and Railroads in
Brazil (1854-1913) – California, Stanford University Press, 2003.
TÁVORA, Juarez – Uma Vida e Muitas Lutas: memórias 3º volume: Voltando à Planície – RJ, Bibliex,
1977.
TOLEDO, Caio Navarro de – ISEB: Fábrica de Ideologias – SP, ed. Unicamp, 1997.
O Governo Goulart e o Golpe de 64 – SP, Brasiliense, 1984
TOPIK, Steven – A presença do Estado na Economia Política do Brasil de 1889-1930 – RJ, Record, 1987
VISCARDI, Cláudia Maria R. – O Teatro das Oligarquias: uma revisão da “política do café com leite”
Belo Horizonte, C/Arte, 2001.
WIRTH, John D. – O fiel da balança; Minas Gerais na Federação Brasileira, 1889-1937 – RJ, Paz e Terra,
1982.
ZORZO, Francisco AntonioFerrovia e Rede Urbana na Bahia (1870-1930) – Feira de Santana,
Universidade Estadual de Feira de Santana, 2001
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo