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José Zacarias de Souza
“O sinal de Deus”
A experiência de glossolalia em carismáticos católicos e
as transformações identitárias
Dissertação de Mestrado
apresentada à
Universidade São Marcos
como parte dos requisitos
para obtenção do grau de
Mestre em Psicologia
Orientador: Prof. Dr.
Ricardo F. Ferreira
Universidade São Marcos
São Paulo
2006
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ABSTRACT
SOUZA, José Zacarias de. The signal of God. The identitárias experience
of glossolalia in charismatic catholics and transformations, 2006, 110 p.
Dissertação de Mestrado em Psicologia, Universidade São Marcos.
This research studied the experience of glossolalia in charismatic
catholics and its identitárias transformations. It looked for to understand
the influence of the glossolalia in the subjectivity of the people who
reveal this phenomenon and, if for revealing this "gift", the individual if it
considers to possess a signal, an approval of God, feeling itself different
of the others. The work presents, in way reduced, the history of Catholic
Charismatic Renewal (CCR), its sprouting in U.S.A. and its expansion for
Brazil, as well as the influences that this movement brought for the
society. Its relation with the eclesial hierarchy was salient. Moreover,
studies had been emphasized that understand the phenomenon of the
glossolalia in its aspects linguistic, anthropologyc and psychological.
They had been used as theoretical supports the concept of identity-
metamorphosis-emancipation, developed for Ciampa (2001), and with the
concepts developed for Berger and Luckmann (1974) on the social
construction of the reality. The empirical part of the work was based on
three interviews with three charismatic catholics who had counted its
history of religious life. The interviews had been recorded, transcribing,
and had served of base for a content analysis. The results had shown to
have a relation dialectic enter the social construction of the reality, the
religion and the constitution of the subjectivity. The religion can be
considered as one of significant the symbolic universes in the construction
of the identity. The research suggests that the participants had expressed a
self-centered form of if relating with God, who "gift" of languages for
they is a signal of Gods and that they had been felt transformed from the
moment who had started to participate of the group prayer and "to speak
in tongues". For the participants, the participation in the religious group
gave sensible to its lives, mainly for its existenciais crises, and the
glossolalia represents a signal of its contact with the the holy ghost. It is
concluded that, exactly that they have presented a self-centered form to
live deeply the faith, the religious behavior of the participants can be
considered important, therefore suggests one of the forms of these people
to give sensible to its lives, mainly for favoring a way to deal with the
anguish in the existenciais situations.
Word-key: glossolalia; identity; charismatic; catolicismo; faith
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APRESENTAÇÃO
4
1. CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE,
SUBJETIVIDADE E RELIGIÃO
8
1.1. Construção social da realidade 8
1.2. Constituição da subjetividade e transformações identitárias 11
1.3. Sociedade e religião 25
2. RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA (RCC) E A
GLOSSOLALIA
41
2.1.Um pouco de história 41
2.2. RCC e Hierarquia eclesial 49
2.3. Glossolalia 53
2.3.1. Explicação lingüistica
54
2.3.2. Explicação Antropológica
55
2.3.3. Na história da Igreja
58
2.3.4. Explicação psicológica
59
3. MÉTODO
63
3.1. Participantes da pesquisa64
3.2. Procedimento 65
4. A HISTÓRIA RELIGIOSA DE NAIRA, RODRIGO E
FABIANO
67
4.1. Perfil do grupo de oração67
4.2. Análise das entrevistas 69
4.2.1. A história religiosa de Naira
69
4.2.2. A história religiosa de Rodrigo
75
4.2.3. A história religiosa de Fabiano
81
4.3. Algumas reflexões sobre as histórias religiosas de Naira, Rodrigo e
Fabiano 86
5 . CONSIDERAÇÕES FINAIS
90
ANEXOS
94
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
107
Apresentação
A curiosidade sempre me instigou a buscar o conhecimento e o entendimento
sobre as coisas. Isto me faz lembrar Aristóteles (Metafísica, I,1) que dizia que é a
maravilha que fez os homens principiarem a filosofar. Os homens se surpreendem
com as coisas mais simples e vão passando às mais complexas. Ou seja, é
reconhecendo-se ignorante que o homem buscou e busca uma explicação e desta
forma faz surgir a filosofia. E o que me chama a atenção são fenômenos que o homem
ainda não possui explicações, se levarmos em consideração o conhecimento atual que
a humanidade possui. Este conhecimento só pode chegar até um certo ponto, de certa
forma fica limitado às condições histórico-sociais e econômicas. Mas, com o passar
do tempo, sabemos que este conhecimento evolui e chega a descobrir novas coisas. A
história da ciência e das descobertas humanas nos provam isto. Assim, sabemos que
há vários fenômenos que, com o conhecimento atual e com a tecnologia disponível,
ainda estamos aquém da compreensão. Por exemplo, no passado não muito distante,
isto é, início do século XX, nossos avós leram as obras de Júlio Verne e as encaravam
como pura ficção. Porém, hoje podemos encontrar várias coisas que apareciam em
seus livros utilizadas cotidianamente. Outro dia, eu revia uma série antiga de
televisão, a “Jornada nas Estrelas”. Nesta série, aparecia um intercomunicador muito
pequeno que os viajantes da nave “Interprise” utilizavam. Atualmente podemos ver
estes intercomunicadores nos minúsculos aparelhos celulares. Veja, aquilo que existia
na imaginação das pessoas, e às vezes transportado para os livros, filmes, charges de
revistas e jornais, pôde sim se tornar realidade. À medida que o homem adquiriu
novos conhecimentos, estes geraram novas tecnologias. Isto que dizer que aquilo que
seria possível somente no campo da ficção, hoje, em virtude de novos conhecimentos,
é um fato, às vezes até transformado num eletrodoméstico, como, por exemplo, o
forno microondas.
Assim, fenômenos que hoje não compreendemos e que alguns atribuem ao
sobrenatural, ao misterioso, poderão ser compreendidos e a aura de mistério deixará
de existir. Ora, mas porque estou escrevendo estas coisas? É porque o meu problema
de pesquisa está relacionado com algo que neste momento ainda suscita alguma
polêmica, sem uma resposta clara e definitiva sobre o mesmo. Alguns desses
fenômenos aos quais eu me refiro e me trazem muitas indagações podem ser
verificados nas reuniões dos grupos de oração da Renovação Carismática Católica
(RCC). Pois, em suas reuniões se impõem as mãos e operam-se curas, falam-se
línguas, tiram-se demônios, tudo através do Espírito Santo, segundo os próprios
carismáticos. Outras pessoas podem ter uma outra interpretação, ou seja, que tudo isto
não passa de imaginação e da persistência de um pensamento mítico. Entretanto,
alguns fatos ocorrem e não conseguimos explicações. Um fato que me intriga é o
chamado “dom de línguas” ou muitas vezes chamado de “língua dos anjos” pelos
participantes da RCC. E ao longo da história ocorreram muitos fatos desses, como
deixarei mais claro adiante. Então, como uma pessoa pode utilizar uma língua que
desconhece, como ocorre nos grupos carismáticos?
Os carismáticos fundamentam suas ações no texto bíblico dos Atos dos
Apóstolos, em que aparece o dom de línguas em Pentecostes (At 2,5-13). E também
se alicerçam freqüentemente no apóstolo Paulo, principalmente nas cartas aos
Coríntios, quando ele fala dos dons do Espírito Santo.
É claro que podemos encontrar algumas explicações para este fenômeno, a
maioria levando em consideração o aparelho psíquico do indivíduo e toda uma série
de teorias desenvolvidas pela psicologia. Por sua vez, religiosos também oferecem
explicações apoiadas em suas crenças, com toda uma doutrina teológica. Embora seja
muito interessante refletir sobre o fenômeno, qual seria sua gênese, qual o mecanismo
que desencadeia este acontecimento. Mesmo porque seria interessante aprender e
utilizar várias línguas sem precisarmos passar por todo aquele processo de ensino-
aprendizagem de uma nova língua. Creio que uma pesquisa deste porte demoraria
muito tempo e muito esforço, não só teórico, mas também na elaboração de um
experimento que norteasse a uma resposta satisfatória e conclusiva. Para que, ao
compreendermos o mecanismo desta capacidade humana que ora desconhecemos,
pudéssemos usufruir os seus benefícios.
Nesta pesquisa que ora desenvolvo, o objeto é mais simples e humilde, embora
também demande esforço e muito trabalho teórico, que por sua vez quem sabe poderá
no futuro auxiliar quem se disponha a estudar o propriamente dito mecanismo de
funcionamento da glossolalia.
O meu objetivo é estudar, não o fenômeno da glossolalia, mas o glossólalo, ou
seja, o indivíduo que manifesta este fenômeno. Como se constitui a subjetividade de
uma pessoa que passa a pertencer a um grupo carismático e descobre este “dom”
(segundo a visão dos próprios) de falar e orar em línguas.
Neste caso, não vou entrar no mérito da questão e procurar averiguar se o que
se fala no grupo é realmente uma língua. Pode não ser uma língua, um idioma com
um conjunto de termos e regras e com uma gramática constituída. Mas podemos
entender sim como uma linguagem, ou seja, uma forma de expressão que de certa
forma está comunicando algo. Para aqueles que pertencem ao universo simbólico do
grupo carismático, há sim uma mensagem expressa por aquele que está falando,
orando ou cantando em línguas, embora para aquele que está fora do grupo possa ser
algo sem sentido.
Então, o que procuro é compreender a influência da glossolalia na
subjetividade da pessoa que vive este fenômeno e se, por manifestar este “dom”, ela
se considera possuir um sinal, uma aprovação de Deus. E se este sinal o faz diferente
dos demais.
Antes de procurar as pessoas para propor a entrevista e dar esclarecimentos
sobre a pesquisa eu freqüentava os grupos para observa-los. Este procedimento era
necessário para que assim eu pudesse verificar a participação daqueles que pretendia
entrevistar. As pessoas sempre me trataram de forma cortês, sendo acolhedoras, mas
quando eu lhes falava da minha intenção, ou seja, da pesquisa e da necessidade da
entrevista, eu sentia que as pessoas mudavam. O que freqüentemente eu ouvia era:
“vamos verificar”, “precisamos conversar com o padre e ver se ele autoriza”, “não sei,
isto é coisa de fé e não de pesquisa”. Quando eu procurava novamente as pessoas para
saber a decisão de participar ou não da pesquisa havia a negativa. “O padre não
autorizou”, “a pessoa que podia falar com você, adoeceu e não vai poder”. Estas
atitudes se repetiam de comunidade para comunidade. As pessoas se comportavam
como que se houvesse um certo desconforto. E somente na quarta comunidade que eu
observei é que obtive sucesso. Prontamente as pessoas se dispuseram a colaborar e já
gentilmente forneciam o número do telefone para que pudéssemos combinar mais
detalhes sobre a entrevista.
São estas questões que me levaram a elaborar esta pesquisa, para que eu possa
realmente estudar o tema e desenvolver uma pesquisa científica com objetividade. As
interrogações que tenho e as possíveis explicações são frutos de um incômodo, de
uma inquietação que necessitam de resposta. No momento são explicações que
surgem de uma forma a priori e que requerem um aprofundamento cientifico para não
ficarem no campo da opinião.
Para compreendermos melhor a questão da glossolalia nos grupos carismáticos
e a subjetividade do glossólalo se faz necessário entendermos que o ser humano
constrói a realidade onde está inserido. E que esta realidade criada por ele também
trará influência sobre ele mesmo. É o que veremos no próximo capítulo.
1. Construção social da realidade, subjetividade e religião
1.1. Construção social da realidade
Como sabemos, a sociedade é produto do homem e o homem é produto da
sociedade. Homem e sociedade que, segundo Berger e Luckmann (1974), se
constróem através de um processo dialético, podem ser descritos por uma relação
entre três momentos: a sociedade é um produto humano (exteriorização); a sociedade
é uma realidade objetiva (objetivação) e o homem é um produto social
(interiorização).
A exteriorização é a contínua efusão do ser humano sobre o mundo,
quer na atividade física quer na atividade mental dos homens. A
objetivação é a conquista por parte dos produtos dessa atividade
(física e mental) de uma realidade que se defronta com os seus
produtores originais como facticidade exterior e distinta deles. A
interiorização é a reapropriação dessa mesma realidade por parte
dos homens, transformando-a novamente de estruturas do mundo
objetivo em estruturas da consciência subjetiva (Berger, 1985, p.
16).
Sendo o homem um ser social, podemos compreender que cada pessoa
aprende a ser o que é no contato com os demais, com o outro, quando o indivíduo se
apropria da realidade já existente. A realidade da vida diária apresenta-se ao homem
de forma pronta e acabada. Ele nasce num determinado local, numa determinada
época, em uma família com suas influências políticas, religiosas e culturais. Passa a
incorporar estes aspectos mesmo antes de poder criar condições de exercer influência
sobre eles.
Outro processo importante presente na realidade cotidiana é a
intersubjetividade. É através dela que os homens têm uma participação, junto com os
demais, na própria realidade que é por eles interpretada e sobre a qual eles agem. A
realidade partilhada por todos, nas relações face a face, é a realidade que chamamos
de senso comum.
Para Berger (1985, p. 23-24), “em outras palavras, o mundo cultural é não só
produzido coletivamente como também permanece real em virtude do
reconhecimento coletivo. Estar na cultura significa compartilhar com outros de um
mundo particular de objetividades”. Ou seja, a realidade da vida cotidiana é partilhada
com outros, e daí ocorre a interação social. Este intercâmbio depende dos significados
subjetivos e das interpretações que fazemos e dos esquemas tipificadores, ou seja,
esquema de interpretação compartilhados pelas pessoas. “As tipificações da interação
social tornam-se progressivamente anônimas à medida que se afastam da situação
face a face” (Berger e Luckmann, 1974, p. 50). À proporção que isto ocorre, os
homens produzem significações, sendo a linguagem o mais relevante sistema de
sinais da sociedade humana. Compreendendo-a, compreende-se a realidade da vida
cotidiana. A linguagem transcende o aqui e agora, embora tenha a qualidade da
objetividade. O uso da linguagem aumenta significativamente a possibilidade da troca
de experiências, fazendo com que o homem interfira no mundo social do qual faz
parte (Berger e Luckmann, 1974). Nesse processo, o homem construindo a si mesmo,
constrói também a sua história e a própria sociedade da qual é parte.
O que é criado permanece real porque é reconhecido coletivamente como tal.
“A sociedade confere ao indivíduo não só um conjunto de papéis, mas também uma
identidade designada” (Berger e Luckmann, 1974, p. 27). Daí a importância da
socialização, que é um processo contínuo ao longo da existência do indivíduo.
A identidade vai constituindo-se em virtude da posição que a pessoa ocupa em
determinado grupo (sou pai, sou filho, sou amigo) com determinado gênero (sou
homem, sou mulher). Os processos de formação da identidade e do acúmulo social de
conhecimento ocorrem ao mesmo tempo. Estar na sociedade é participar desta
dialética; ser um ser social é fazer parte desses processos de interiorizar, subjetivar e
exteriorizar, objetivar.
As estruturas sociais, por sua vez, definem os tipos de identidade considerados
aceitos. Por várias razões, certas pessoas se distanciam do padrão definido
socialmente. Geralmente este distanciamento é decorrente de um processo de
socialização primária diferente dos aceitos pelas estruturas sociais. Assim, passa a
existir um conflito entre a identidade individual e o modelo desenhado pela
sociedade. As terapias e procedimentos psicológicos aparecem com a finalidade de
suavizar o efeito deste afastamento, de buscar a reintegração do sujeito à sociedade.
Para a construção da identidade, devemos considerar o outro, uma vez que o
homem é um ser social. O indivíduo reconhece o seu eu no momento que ele se
diferencia do outro e recebe desse outro o reconhecimento de si. “A identidade é
evidentemente um elemento-chave da realidade subjetiva, e tal como toda realidade
subjetiva acha-se em relação dialética com a sociedade. Assim, a identidade é
formada por processos sociais” (Berger e Luckmann, 1974, p. 228). Por isso, não
podemos estudar a identidade do indivíduo desvinculada da identidade social.
Outro aspecto importante em relação à identidade é que ela não pode ser
considerada como algo estático. Pelo contrário, segundo Ciampa (2001a), a
identidade é vista como metamorfose, como algo que se renova, se reestrutura, muda
com as transformações objetivas e subjetivas do indivíduo. Identidade que se constrói
na articulação dos vários papéis a serem desempenhados pela pessoa no decorrer da
vida.
Como estamos tratando de religião e sociedade, pode-se, então, afirmar que as
pessoas que participam de um grupo religioso terão suas identidades transformadas
por esta vivência. E também em vista da pluralidade de religiões, de várias
alternativas e possibilidades, qualquer um sente-se no direito de abraçar qualquer
religião ou não abraçar nenhuma, mudar e converter-se, pois a conversão não é uma
adesão definitiva e permanente. Porém, àqueles que aderem à Renovação Carismática
Católica (RCC) se enfatiza a vida nova que recebem e que deixem o Espírito Santo
atuar. Aí entra a comunidade dando apoio e sustentação.
Ter uma experiência de conversão não é nada demais. A coisa
importante é ser capaz de conservá-la, levando-a a sério, mantendo
o sentimento de sua plausibilidade. É aqui onde entra a comunidade
religiosa. Esta fornece a indispensável estrutura de plausibilidade
para a nova realidade (Berger e Luckmann, 1974, p.209).
Para a RCC, aqueles que aderem à sua visão de mundo devem ser capazes de
mudar, de transformar sua vida. Neste aspecto, há uma aproximação com a visão de
identidade formulada por Ciampa (2001a), a de identidade-metamorfose, que tende
para a transformação do indivíduo. Identidade-metamorfose que visa à emancipação
humana, e há emancipação quando é possível identificar no discurso do sujeito o
movimento de mudança significativa. Ou seja, as várias mudanças quantitativas, que
muitas vezes não têm grande significado, devem levar a uma mudança qualitativa.
Mas será que os testemunhos que são dados nas celebrações, nos grupos de
oração refletem realmente uma transformação, uma metamorfose da identidade? Ou
as pessoas pensam estar transformadas em virtude de sua conversão e na realidade só
estão repondo um tipo, um personagem criado sob a influência do grupo, processo
que Ciampa (2001
a) denomina de mesmice.
Entretanto, este tipo de análise só ficará completa quando pudermos
entrevistar pessoas que passaram por essas experiências e verificarmos, através de
suas histórias de vida, se realmente o processo de conversão e mudança de vida não
foi meramente superficial, mas realmente trouxe uma mudança qualitativa para suas
vidas.
1.2. Constituição da subjetividade e transformações identitárias
A pergunta central para quem pesquisa identidade é “quem sou eu?” A
resposta a esta pergunta que o indivíduo desenvolve está relacionada não somente à
consciência de si mesmo, mas também acompanha o movimento da realidade que é
construída socialmente.
A identidade, ao mesmo tempo em que representa a pessoa, gera sentimentos
que a pessoa produz a respeito de si, e é construída na interação com o outro, a partir
de seus dados pessoais, de sua história de vida e de seus atributos (dados por si
mesmo e pelos outros indivíduos). Por isso, é importante compreendermos a dialética
existente entre o ser humano e a sociedade; “ela se centra na relação, mostrando que, não há
um sem o outro. (...) E essa ligação é tornada possível através de dois conceitos fundamentais:
a consciência e a relação (Guareschi, 2004, p. 9)”.
E nesta dinâmica entre o indivíduo e a sociedade, em sua mútua construção,
pensar a identidade é recuperar as atividades e processos de consciência do indivíduo,
é ver as mudanças que ocorreram em sua história pessoal e em suas relações. Temos
que pensar nestas relações e interações porque “ninguém de nós caiu pronto do céu,
ou é geração espontânea. Nós somos, para inicio de reflexão, o que nossos pais,
nossos amigos, a escola, a igreja, os meios de comunicação etc. fizeram de nós. Não
há como negar esta constatação” (Guareschi, 2004, p. 18).
Claro que nós não somos somente o que os outros fizeram de nós; há aspectos
que são nossos. Por exemplo, o carismático se expressa através daquilo que o grupo
tem como inerente ao próprio grupo, mas há aspectos que são somente daquele
indivíduo. Ou seja, vivenciamos aspectos que são próprios dos grupos que
participamos, mas também há aspectos que são somente nossos.
Nesta perspectiva, fica claro que o importante é a relação indivíduo-sociedade
e que nesta relação se constitui a identidade. A própria noção de identidade deve ser
considerada enquanto processo. Ela não é vista como algo pronto e acabado.
Nesse sentido, cada indivíduo personifica as relações sociais dando forma a
uma identidade pessoal, uma história de vida. Assim, podemos entender que o
conjunto de identidades formam a sociedade e ao mesmo tempo essas identidades são
produtos da sociedade.
Para compreendermos a identidade precisamos resgatar algumas referências
teóricas e metodológicas que embasam este conceito. Minha análise terá como base
principal a tese de Ciampa (2001a) da identidade enquanto um processo de
metamorfose, através da qual o indivíduo se identifica e é identificado pelos outros
em sua busca de emancipação pessoal. Os pressupostos que subsidiam Ciampa foram
desenvolvidos por Berger e Luckmann (1974) e Habermas (1990) que, explicaram
este processo de construção da identidade como construção social, a partir de uma
abordagem dialética. Este referencial teórico fundamenta minha análise sobre o
processo identitário do carismático católico, principalmente dos glossólalos da
paróquia em que fiz minha pesquisa e sobre o sentido que eles atribuem ao dom de
línguas. As conjecturas teóricas de Berger e Luckmann são importantes para
compreendermos esse processo, pois analisam a sociedade tendo como base seus
aspectos objetivos e subjetivos. Como já vimos anteriormente, a sociedade é
entendida em seu aspecto dialético em três momentos exteriorização, objetivação e
interiorização. São estes três momentos que explicam que é o processo de
socialização que produz, constrói e explica o processo de individualização, e de forma
especial a construção da identidade. Não quer dizer que estes momentos ocorram em
uma seqüência temporal.
Para entendermos como o mundo objetivado é ‘reintroduzido’ na consciência
do indivíduo, me apoio em Berger e Luckmann (1974) que apresentam o conceito de
socialização primária e de socialização secundária.
A socialização primária é desenvolvida na infância. É através dela que a
pessoa se torna um membro da sociedade. A socialização secundária, por sua vez,
introduz o indivíduo já socializado em novos setores da sociedade. É dentro das
instituições que se dá a socialização secundária. O indivíduo nesse momento começa
a interiorizar conceitos inerentes àquela instituição em que ele tem que viver, ou
trabalhar, ou se divertir, ou viver sua experiência religiosa.
Diferentemente da socialização primária que ocorre no seio da família e está
cercada de afetividade; na socialização secundária o indivíduo passa a interagir com
um grupo maior, com instituições que constituem a sociedade, por isso nesse
momento essas
instituições passam a oferecer modelos de identidades coletivas,
com os quais as identificações possam ser estabelecidas. Em geral, é
nesse tipo de contexto que se dá a aprendizagem de papéis
profissionais e, assim, a constituição das identidades profissionais
(Baptista, 2002, p. 147).
No nosso caso, podemos falar da constituição dos papéis religiosos e portanto,
da constituição das identidades dos carismáticos católicos e em especial do
glossólalo.
É nas relações sociais, nas relações com os outros, que a pessoa vai
interiorizar valores, normas, papéis sociais etc., e, assim, a ela vai se socializando,
formando uma identidade e, em conseqüência, torna-se um ser socialmente
identificável, isto é, um indivíduo.
Se pensarmos nos pressupostos de Habermas, veremos que este autor
desenvolve a noção do “eu” concatenado com o desenvolvimento moral, explicando
como ocorre a formação do eu autônomo e da sociedade emancipada. Para isto
Habermas (1990) recorreu a diferentes concepções teóricas sobre o desenvolvimento
humano.
Os problemas de desenvolvimento que podem ser agrupados em
torno do conceito de identidade do Eu foram elaborados em três
diferentes tradições teóricas: na psicologia analítica do Eu (H. S.
Sullivan, Erikson); na psicologia cognoscitiva do desenvolvimento
(Piaget, Kohlberg); e na teoria da ação definida pelo interacionismo
simbólico (Mead, Blumer, Goffman, etc.) (Habermas, 1990, p. 53).
Tendo como base estas tradições teóricas, Habermas formula o conceito de
identidade do “eu”, compreendendo o processo de socialização. Para ele,
a identidade é gerada pela socialização, ou seja, vai se processando
à medida que o sujeito -apropriando-se dos universos simbólicos -
integra-se, antes de mais nada, num certo sistema social, ao passo
que, mais tarde, ela é garantida e desenvolvida pela
individualização, ou seja, precisamente por uma crescente
independência com relação aos sistemas sociais (Habermas, 1990, p.
54).
Fica claro que tanto Berger e Luckmann como Habermas afirmam que o
processo de formação, conservação e transformação da identidade do indivíduo está
apoiado no processo de socialização.
O indivíduo nasce numa sociedade que já está aí e precisa socializar-se. Neste
processo entra em interação e interioriza o mundo à sua volta. Conforme Habermas
(1990), há três fases que marcam o processo de desenvolvimento da identidade, que
são denominadas “identidade natural”, “identidade de papéis” e “identidade do eu”.
Na primeira fase, como o indivíduo não desenvolve uma linguagem para se
comunicar ele não pode incorporar o universo simbólico à sua volta, logo a
interferência da socialização, nessa fase, ocorre de maneira tênue. Dessa forma, o
indivíduo adquire “uma identidade ‘natural’, devida ao caráter transtemporal do seu
corpo, ou seja, de um organismo que conserva os seus limites” (Habermas, 1990, p.
62).
Apenas na segunda e terceira fases de desenvolvimento da identidade é que
podemos observar uma influência do processo de socialização na formação do
indivíduo. É nesse momento que podemos compreender o que Berger e Luckmann
(1974) chamam de socialização primária e secundária.
Como vimos, a socialização primária torna o homem membro da sociedade, e,
à medida que ele interage com os demais que lhes são significativos, ele se apropria
dos universos simbólicos que lhes são possíveis, dos poucos papéis sociais acessíveis
a ele e, assim, desenvolve sua identidade.
É através da identificação com os outros significativos, referências para ele,
que o indivíduo passa a ter competência para identificar a si mesmo e a construir uma
identidade subjetivamente coerente e plausível. Este processo de identificação com os
outros que lhes são significativos não ocorre de forma automática. Pressupõe
uma dialética entre a identificação pelos outros atribuída e a
identidade subjetivamente apropriada. A dialética, que está presente
em cada momento em que o indivíduo se identifica com os outros
para ele significativos, é, por assim dizer, a particularização na vida
individual da dialética geral da sociedade (Berger e Luckmann,
1974, p. 177).
O mais importante é que os indivíduos não só absorvem os papéis dos outros
que lhes são significativos, mas também o mundo deles, gerando na consciência o
conceito do outro generalizado. Se observarmos um indivíduo que participa do grupo
carismático podemos compreender esta questão da identificação com os outros
significativos. O indivíduo que não pertence àquele universo simbólico, quando
começa a participar parece estar “meio perdido”, não sabe como se comportar. Mas à
medida que participa, que tem algumas experiências no grupo e com o grupo, inicia
uma assimilação de comportamentos que antes não possuía. O indivíduo passa a
priorizar valores que antes não faziam parte da sua escala de valores. Ou seja, o
carismático começa a identificar-se
agora não somente com os outros concretos, mas com uma
generalidade de outros, isto é, com uma sociedade. Somente em
virtude desta identificação generalizada sua identificação consigo
mesmo alcança estabilidade e continuidade. O indivíduo tem agora
não somente uma identidade em face deste ou daquele outro
significativo, mas uma identidade em geral, subjetivamente
apreendida como constante, não importando que outros,
significativos ou não, sejam encontrados (BERGER e
LUCKMANN, 1974, p. 178).
Logo, a socialização deve ser entendida como processo que nunca se
completa. Sendo assim, na socialização secundária, o indivíduo amplia o contato com
o mundo simbólico, com os outros significativos e firma na identidade independente
dos papéis sociais e dos sistemas de normas prescrito pela estrutura social. É neste
momento da socialização que a “identidade de papel” é substituída pela identidade do
“eu” que, de fato, “é garantida e desenvolvida pela individualização, ou seja,
precisamente por uma crescente independência com relação aos sistemas sociais”
(Habermas, 1990, p. 54).
Como já destaquei a socialização não termina completamente, pois o
indivíduo vive numa realidade muito intrincada, dinâmica e que está em constantes
mudanças. Por isso, a sociedade cria mecanismos para conservar a realidade com a
legitimação e assim haver um equilíbrio entre a realidade subjetiva e a realidade
objetiva. Por isso, podemos observar que
no processo social de conservação da realidade é possível distinguir
entre os outros significantes e os outros menos significantes. De
modo considerável, todos os outros - ou pelo menos a maior parte -
encontrados pelo indivíduo na vida cotidiana servem para reafirmar
sua realidade subjetiva. [...] Seria, por conseguinte, um erro admitir
que somente os outros significativos servem para manter a realidade
subjetiva. Mas os outros significativos ocupam uma posição central
na economia da conservação da realidade. São particularmente
importantes para a progressiva confirmação daquele elemento
crucial da realidade que chamamos identidade (BERGER e
LUCKMANN, 1974, p. 198-200).
Para estes dois autores, é a linguagem um elemento fundamental para uma
pessoa falar de si mesma e conhecer a si mesma. A linguagem, usada na vida
cotidiana, fornece continuamente as objetivações necessárias, além de determinar a
ordem em que estas adquirem sentido e na qual a vida cotidiana ganha significado.
Por isso, que é tão fácil identificarmos a qual grupo religioso pertence um indivíduo.
Pois, a sua linguagem está carregada de palavras que são significativas para aquele
grupo. E os glossólalos do grupo carismático católico não são diferentes. Ou seja,
passam a se expressar conforme a linguagem utilizada nos grupos de oração da RCC.
Por sua vez, Habermas também valoriza a linguagem à medida que fala da
comunicação como elemento importante no processo de socialização. É a
comunicação que possibilita a apropriação do mundo, e a formação, conservação e
transformação da identidade.
O indivíduo constitui sua identidade no processo de socialização, mas esta
identidade pode ser transformada. Como já foi exposto anteriormente, a identidade
não é algo pronto e acabado. Ela é definida em um processo contínuo de
representação de si mesmo e de seu “estar” no mundo. Uma análise da identidade nos
remete a pensar nas mudanças que o indivíduo efetua em sua história pessoal e em
suas relações com os outros.
Por sua vez, Ciampa (2001b), ao estudar a identidade, deixa clara a influência
do materialismo histórico de Hegel, Marx e Habermas. A compreensão do conceito de
identidade é norteado por uma concepção sócio-histórica de homem. Para ele, a
compreensão da identidade requer como ponto de partida a representação da
identidade como produto, e depois é que se passa para a análise do processo da
construção. Quando respondemos a pergunta “quem sou eu?” só estaremos fazendo
referência ao aspecto representacional da noção de identidade (enquanto produto),
deixando de lado os aspectos constitutivos da produção. Por isso, Ciampa diz que:
a primeira observação a ser feita é que nossa identidade se mostra
como descrição de uma personagem (como em uma novela de TV),
cuja vida, cuja biografia aparece numa narrativa (uma história com
enredo, personagens, cenários, etc.), ou seja, como personagem que
surge num discurso (nossa resposta, nossa história). Ora, qualquer
discurso, qualquer história costuma ter um autor, que constrói a
personagem (2001b, p. 60).
Com relação a nós mesmos, somos ao mesmo tempo autores e personagens.
Vivemos papéis sociais que nos são impostos desde o nosso nascimento. Estes papéis
são assumidos pelo indivíduo à medida que este se comporta de acordo com as
expectativas da sociedade. Por exemplo, na presença do filho o homem se relaciona
como pai; na presença de seu pai, comporta-se como filho. Se por sua vez, professor
do filho, o pai será pai/professor e aquele será filho/aluno. O papel de pai, bem como
o de filho, materializa a identidade como totalidade/parcialidade, pois sendo a
expressão de uma parte não revela a identidade na sua totalidade. Com a manifestação
de cada personagem a identidade assegura de certa forma a totalidade, mas esta
totalidade não esgota nem se resume a concretização de personagens. As personagens
são partes constitutivas da identidade, e ao mesmo tempo, configura-se como um todo
que se cria a si mesmo, enquanto fenômeno de uma totalidade concreta. Ao mesmo
tempo que nos apresentamos como uma personagem, também somos autores de nossa
história. Entretanto,
a trama parece complicar-se, pois é sabido que muitas vezes nos
escondemos naquilo que falamos; o autor se oculta por trás da
personagem. Mas, da mesma forma como um autor acaba se
revelando através de seus personagens, é muito freqüente nos
revelarmos através daquilo que ocultamos. Somos ocultação e
revelação (Ciampa, 2001b, p. 60).
A identidade também é ocultação e revelação. A revelação é também
circunstância para a ocultação. Diante de determinadas condições objetivas é revelada
a uma dada pessoa uma personagem e ocultadas outras.
Desta forma, na relação com os outros indivíduos, o homem não apresenta-se
somente como portador de um único papel, pois diversas combinações configuram
uma identidade como totalidade. Uma totalidade contraditória, múltipla e instável, no
entanto, una. Ao se apresentar diante de uma pessoa, comporta-se de uma maneira,
neste momento as “outras identidades” pressupostas estão ocultadas.
A identidade é entendida como totalidade não apenas no sentido da
multiplicidade dos personagens, mas também no que se alude ao conjunto de
elementos biológicos, psicológicos e sociais que a forma.
Não podemos isolar de um lado todo um conjunto de elementos -
biológicos, psicológicos, sociais, etc. - que podem caracterizar um
indivíduo, identificando-o, e de outro lado a representação desse
indivíduo como uma duplicação mental ou simbólica, que
expressaria a sua identidade. Isso porque há como que uma
interpenetração desses dois aspectos, de tal forma que a
individualidade dada já pressupõe um processo anterior de
representação que faz parte da constituição do indivíduo
representado (Ciampa, 2001b, p. 65).
Por isto, respostas para as indagações: “quem sou eu?” e/ou “quem é você?”
não ajudam para o conhecimento da identidade, porque ao apreender apenas o aspecto
representacional de identidade, o produto, deixa de lado seu aspecto constitutivo, de
produção, assim como as implicações recíprocas desses dois aspectos.
Desta forma, para entendermos a identidade necessitamos mostrar sua
dinâmica, isto é, o movimento dialético que a constitui. Como a identidade é
movimento, ao invés de perguntar como ela é constituída, seria mais correto indagar
como vai sendo construída. Seria mais sensato abordá-la enquanto processo de
identificação, e não apenas como produto. Para tanto, é necessário entender porque a
identidade é movimento, transformação, metamorfose, mas que na sua aparência se
mostra como não-movimento, como “estática” (como em uma fotografia) como não-
metamorfose ocultando sua dinâmica real de permanente transformação. Por isso, é
necessário “considerar o jogo das aparências. A preocupação é com que se oculta,
fundamentalmente com o desvelamento do que se mostra velado” (Ciampa, 2001a, p.
139).
Para entendermos a identidade como algo dinâmico necessitamos
compreender a identidade como um processo de construção do eu, que ocorre durante
toda a vida do indivíduo.
Anteriormente vimos como ocorre o processo de desenvolvimento,
conservação e transformação da identidade no processo de socialização. Mas, para
compreendermos a identidade como um processo de metamorfose, isto porque a
pessoa tende a buscar a sua emancipação, temos que analisar (na perspectiva de
Ciampa) como o indivíduo interioriza seu nome, os papéis sociais, as personagens e
demais atributos que lhes são concedidos ao longo da vida e, com isto, constitui-se em
um ser único, com um modo próprio de sermos mundo e que poderá se tornar um
indivíduo emancipado.
Nossa identidade é constituída conforme interagimos nos vários grupos
sociais, isto não quer dizer que nos tornarmos uma manifestação daquele grupo, pelo
contrário é nas interações sociais que vamos nos igualando e nos diferenciando dos
outros e assim nos tornando sujeitos únicos com uma maneira própria de ser e pensar.
Assim, é na vida em sociedade que o indivíduo vai combinando igualdades e
diferenças em relação a si e aos outros e formando sua singularidade e identidade.
Nas várias atividades que o indivíduo desempenha ele incorpora os diferentes papéis
sociais que lhes são outorgados e ao desempenhá-los, os faz em relação a outros, que
também estão desempenhando estes papéis. O indivíduo que assume o papel de pai,
mas que o faz de uma forma própria e singular está diante de outros que também estão
desempenhando estes papéis. Cada indivíduo faz uma interpretação do papel que lhe
foi conferido pela sociedade. Assim como cada indivíduo que participa de um grupo
religioso. No nosso caso, os carismáticos católicos. O indivíduo desempenha seu
papel religioso mas o faz de uma forma particular, ou seja, vive um personagem pois
está interpretando um papel, que é um padrão social. Assim, como os demais do
grupo. É desta forma que a identidade é em parte igualdade (semelhança) entre
indivíduos que exercem os mesmo papéis, mas é também diferença (distinção de
como cada um se identifica e desempenha estes papéis).
As formas de representação da identidade do indivíduo como a atribuição do
nome, dos papéis sociais a serem desempenhados e das personagens que são
representadas, estão inseridos num processo de interiorização através do qual as
referências sociais tornam-se individualizadas. O indivíduo se integra nos vários
grupos sociais a partir do seu agir (fazer e dizer), interagindo com os outros, com a
cultura e com a estrutura social, apropriando-se de um universo de significados
compartilhados pelos indivíduos da sociedade. Isto é, a pessoa dá um sentido
particular a estas significações, constrói e reconstrói as personagens que constituirão
sua história de vida e assim se torna um ser humano.
Se nós somos nossas ações, a prática religiosa envolve uma pessoa (no nosso
caso o carismático) em seu fazer (atividade) e dizer (consciência), então revelar a
identidade de um carismático pressupõe estudá-la em sua totalidade, em especial em
sua atividade e consciência; não como elementos separados e justapostos, mas como
uma unidade que constitui a pessoa.
Entretanto, é através da atividade que a identidade vai se construindo.
Contudo, pelo fato de estarmos mergulhados nas organizações, a ação é fragmentada,
agora sou aluno, em outro momento professor, em outro carismático. Eu sou o que
faço em determinado momento, e não é possível repor o tempo todo meus outros
aspectos, minha ação em outros grupos.
Em família o indivíduo é reconhecido como um bom filho, na escola como um
estudante aplicado; no seu grupo de amigos como um bom conselheiro. O bom
conselheiro não inclui o papel de filho, embora ambos se refiram à mesma pessoa.
A atividade se concretiza sob a forma de personagem. A forma como
apresentei o exemplo já mostra isso. Sou estudante porque estudo e um bom
conselheiro porque dou bons conselhos. Se desistir de estudar, não serei mais
estudante.
Porém, a construção da personagem cristaliza a atividade, e perde-se a
dinâmica da própria transformação. A identidade, então, que é metamorfose,
apresenta-se como não-metamorfose.
A identidade é sempre pressuposta, mas, ao mesmo tempo, tal pressuposição é
negada pela atividade, já que, ao fazer, eu me transformo, o que faz da identidade um
processo em constante movimento. Como a personagem que eu represento é
cristalizada pela pressuposição, eu procuro repor a minha identidade pressuposta
durante a atividade. O processo de reposição gera a ilusão de que “o mesmo” está
produzindo esta nova ação. Isso gera a identidade-mito (personagem congelada,
independente das ações), em que a atividade aparece padronizada previamente, e
passo a ter certa ilusão de substancialidade.
Neste momento, poderíamos pensar na conversão; muitos que participam do
grupo de oração acreditam que tiveram uma transformação de vida. Será que houve
uma conversão e uma transformação de vida? Ou ele só está repondo uma
personagem que é própria do grupo que ele participa? A comunidade está fornecendo
uma estrutura de plausibilidade, conforme vimos com Berger e Luckmann (1974)? A
política identitária da Renovação Carismática Católica está oferecendo possibilidades
de transformação para o indivíduo ou só oferece meios para que ele mantenha o papel
que o grupo acha ser o mais viável? Pois como sabemos:
grupos sociais lutam pela afirmação e pelo desenvolvimento de suas
identidades coletivas, no esforço de controlar as condições de vida
de seus membros; indivíduos buscam a transformação e o
reconhecimento de suas identidades pessoais, na tentativa de
resolver conflitos em face de expectativas sociais conflitantes
(Ciampa, 2002, p. 134).
Pois, na vida cotidiana nós nos apresentamos aos outros representando vários
papéis que, por sua vez, é a predicação de atividades, que é a forma empírica de nossa
identidade se expressar. Assim, a identidade se apresenta como uma unidade
construída pela totalidade das múltiplas personagens que ora se conservam, ora se
sucedem; coexistem ou se alternam. Estas formas diferentes das personagens se
estruturarem indicam modos de produção da identidade; a identidade-mito e a
identidade-metamorfose. São as duas maneiras dominantes.
Na história de constituição da identidade, as várias personagens coexistem na
vida do indivíduo. Estas personagens aparecem como possibilidade quando são
respondidas as perguntas: “quem sou eu?” e/ou “quem é você?”. Estas possibilidades
dependem das condições objetivamente dadas, não somente daquilo que foi
interiorizado pelo indivíduo, mas também das expectativas dos outros. Isto ocorre à
medida que o indivíduo interioriza os dados atribuídos socialmente a ele e o seu
processo interior de representação é incorporado na objetividade social.
Daí a expectativa generalizada de que alguém deve agir de acordo
com suas predicações e, conseqüentemente, ser tratado como tal. De
certa forma, re-atualizamos, através de rituais sociais, uma
identidade pressuposta, que assim é vista como algo dado (e não se
dando continuamente através da re-posição), Com isso, retira-se o
caráter de historicidade da mesma, aproximando-a mais da noção de
um mito que prescreve as condutas corretas, re-produzindo o social
(Ciampa, 2001a, p. 163).
Por isso, para o indivíduo sair da identidade pressuposta e encaminhar-se para
uma transformação tanto na consciência (dizer) quanto na atividade (fazer), e
provocar um salto qualitativo na estrutura psíquica é necessário mudanças. Porque “à
medida que vão ocorrendo transformações na identidade, concomitantemente ocorrem
transformações na consciência (tanto quanto na atividade)” (Ciampa, 2001a, p. 186).
Logo, cada vez que a consciência se amplia mais se concretiza a identidade.
Mas quando o indivíduo interioriza uma identidade pressuposta que passa a ser
permanentemente reposta acaba dando à identidade uma aparência de permanência e
ao indivíduo a sensação de ser igual a si sempre (mesmice).
Na “mesmice” temos uma identidade que se desenvolve apenas como
reposição de padrões coercitivamente impostos, enquanto na “mesmidade”, o
desenvolvimento acontece como superação da coerção social, embora limitada pelas
condições históricas e materiais dadas.
Desta forma é que podemos entender a proposta de Ciampa de discutir o
sentido da metamorfose como emancipatório ou não. Pois, segundo o autor, se
predomina a “mesmice”, o movimento das personagens ao longo da história de vida
se dá como simples reposição; quando há uma superação de personagens, na busca de
emancipação, eliminando as coerções sociais, temos a “mesmidade”.
Para que possamos entender este aspecto da identidade que da “mesmice” se
encaminha para a “mesmidade” é importante ver o indivíduo como “autor” de sua
história e também do reconhecimento dado pelos outros, pois é no grupo que
produzimos sentido e com o reconhecimento deste temos uma co-autoria coletiva.
Como nas nossas relações sociais sempre envolvemos relações de papel é
importante que saibamos distinguir entre “ator” e “autor”. A personificação do “ator”
expressa a noção de “singularidade”, mas somente a noção de “autor” ilumina a noção
de “individualidade”, fornecendo-lhe o significado de subjetividade, como sujeito-
agente fornecendo ao longo de sua história de vida.
O glossólalo que se coloca no mundo, fundamentando-se em princípios
passíveis de justificação racional face ao outro, expressa uma crítica social que o leva
a dizer “sim” ou “não” a normas sociais que regulam sua vida, personificando
personagens que façam sentido para ele e também para o outro quando busca seu
reconhecimento.
Ainda assim, o ser humano se transforma, isto é, por mais que resista a
mudanças ou seja impedido de mudar por alguma circunstância, mesmo reproduzindo
uma cópia de si diariamente, ele é mudança. É claro que com o glossólalo também à
medida que não ocorram somente reposições, poderá ocorrer metamorfose, levando-o
à emancipação.
Nessa perspectiva, uma transformação significativa da identidade, leva a uma
metamorfose que faz a pessoa chegar à emancipação. Isto só acontece quando o
indivíduo se torna o outro que está contido nele como possibilidade; quando é capaz
de cessar a reposição da sua identidade, superar a si mesmo e se tornar o outro-outro
que estando em estado latente também pode ser ele. No nosso caso, ou seja, dos
carismáticos há a necessidade de ocorrer uma conversão significativa.
Quando o indivíduo aprende a ser outro,
exterioriza-se na realidade. O subjetivo torna-se objetivo; e a
recíproca também. Aprender e ser, então, é o mesmo. (...) A unidade
da subjetividade e da objetividade. Sem essa unidade, a
subjetividade é desejo que não se concretiza, e a objetividade é
finalidade sem realização (Ciampa, 2001a, p. 145).
Em outras palavras, na práxis, que é a articulação da objetividade e da
subjetividade, o homem é capaz de produzir e transformar as condições (objetivas e
subjetivas) necessárias para se exteriorizar no mundo e concretizar sua identidade
humana - uma identidade livre.
As condições para que o indivíduo consiga sua transformação depende das
estruturas sociais e das políticas identitárias. Por isso, podemos dizer que as
identidades refletem a estrutura social conservando-a ou transformando-a.
Cabe lembrar que diferentes estágios evolutivos das sociedades
tendem a aumentar alternativas de opções identitárias individuais e
coletivas, ao mesmo tempo em que criam novas situações
problemáticas, decorrentes do aumento de intensidade de tensões
sociais, sejam elas anteriores não resolvidas, sejam elas novas
criadas pelas transformações sociais (Ciampa, 2002, p. 133).
E nesse sentido que procuramos entender as transformações identitárias dos
glossólalos no grupo de oração da RCC. Pois os fenômenos que lá acontecem
suscitam indagações àqueles que pertencem ao grupo e principalmente aos de fora,
aos que não participam desse universo simbólico.
Por isso, temos que destacar o movimento de transformação do indivíduo que
o leve a buscar procedimentos emancipatórios favoráveis para a construção de uma
realidade mais humana, na qual as instituições sociais possam dar espaço para o
desempenho de papéis sociais menos austeros, que ao serem materializados na forma
de personagens permita a renovação da identidade e a emancipação dos indivíduos.
No que diz respeito às metamorfoses da identidade do glossólalo do grupo
carismático católico, estas transformações serão analisadas com base na entrevista de
participantes do grupo de oração de uma paróquia em São Bernardo do Campo. Nesse
processo de constituição da identidade do glossólalo, devemos verificar qual o sentido
que ele atribui ao “dom de línguas”. É com sua história de vida religiosa que iremos
analisar as transformações identitárias desses sujeitos.
Ora, para compreendermos como o indivíduo se comporta nessa realidade
social criada por ele, em que um aspecto muito importante para muitas pessoas é a
dimensão religiosa, passo a refletir um pouco sobre a relação entre a sociedade e a
religião.
1.3. Sociedade e religião
O homem é o único animal que tem consciência da sua existência, ou seja,
sabe que é, que existe. Esta consciência lhe traz também a consciência de sua finitude.
Esta, por sua vez, lhe traz a angústia de saber que deixará de ser. Assim, o homem
procura um sentido para esta experiência concreta de ser. Esta busca fará surgir a raiz
da religiosidade que é a abertura do horizonte cognoscitivo e sensitivo do homem
para o infinito. E por se perceber assim, por perceber uma ordem estabelecida no
universo desde seu início, surge na maioria das culturas a idéia de que a ordem
imposta e a governabilidade do universo está nas mãos de um ser divino. Este
pensamento está presente nos mitos, e é através deles que a realidade é compreendida
e interpretada. Para Mircea Eliade, filósofo romeno, estudioso do mito e das religiões,
a definição de mito é a seguinte:
o mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento
ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do ‘princípio’. Em
outros termos, o mito narra como, graças às façanhas dos Entes
Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade
total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie
vegetal, um comportamento humano, uma instituição. É sempre,
portanto, a narrativa de uma ‘criação’: ele relata de que modo algo
foi produzido e começou a ser (1986, p. 7).
Entretanto podemos dizer que o mito autêntico não tem sentido informativo,
filosófico e normativo, ainda que reconheçamos que nele encontramos uma
mensagem através de seus símbolos. E embora o mito se refira aos primórdios da
criação, ele não procura o passado, mas o presente, já que nele se busca a atualização
daquilo que ocorrera anteriormente. Neste sentido, o mito será ritualizado. Esta
ritualização que acontece, geração após geração, favorece a memorização e desperta
para a compreensão do mundo.
A imagem mítica de mundo se confunde com sua própria ordem,
faltando-lhe, assim, consciência de ser ‘representação’ do mundo, e,
portanto, algo suscetível de crítica e revisão. Mas o caráter
‘fechado’ da imagem mítica de mundo não está vinculado somente à
falta de reflexividade. O mundo aqui é entendido como ‘unidade’
(Araújo, 1996, p. 72).
Neste sentido, podemos dizer que o mito é real e objetivo à medida que
procura dar um sentido e apresentar soluções aos problemas enfrentados pelo homem
na sua vida concreta. É por isso que podemos notar as semelhanças e diferenças entre
os diversos mitos da criação do mundo, por exemplo. Há aspectos que se repetem em
culturas muito diferentes, como a produção dos homens através do barro ou argila.
Muitos temas e idéias básicas se repetem, como por exemplo: a origem do mal, a idéia
de um dilúvio universal.
Veja que o sentido para o mundo é buscado no tempo das manifestações
sagradas, que deve ser atualizado e repetido com o mesmo caráter sagrado, daí
surgindo os ritos, que por sua vez fará surgir a idéia da religião. Por isso podemos
dizer que a religião busca dar um sentido às coisas e ao agir dos seres humanos.
Embora, segundo Cassirer (1972, p. 143), “no desenvolvimento da cultura humana,
não podemos fixar um ponto onde termina o mito e a religião começa. Em todo curso
de sua história, a religião permanece indissoluvelmente ligada a elementos míticos e
repassados deles”.
Assim como no mito, a religião se apresenta como uma fala, uma narrativa,
um discurso carregado de símbolos. Com estes símbolos, os objetos, o tempo e o
espaço tornam-se sagrados, ocorrendo, pois uma transformação, uma mudança de
sentido, ou seja, de profano em sagrado. A linguagem utilizada fará referências a
realidades invisíveis, que estão além dos sentidos comuns do ser humano que somente
terão significação aos olhos da fé. No âmbito filosófico, a fé tem uma diversidade de
matizes: a pístes de Platão, o belief de Locke, o glaube de Kant... Mas também se
pensa numa adesão cujas bases estão fora do demonstrável. Segundo Amatuzzi, “a fé
se pronuncia ativamente sobre um sentido de vida, traz significados sobre o mundo”
(2003, p. 569). Assim, a fé é um aspecto muito importante para compreendermos
grande parte dos seres humanos. É através dela que estes têm uma interpretação
própria da realidade social que os cercam. A adesão total do homem a certas crenças
fará surgir a religião.
Etimologicamente, a religião vem do verbo latino religare, que quer dizer
“ligar novamente”. Esta explicação encontra-se na literatura clássica e foi adotada
pela Patrística cristã (S. Agostinho) e pelos doutores da Idade Média (Santo Tomás).
Segundo esta explicação, religião quer dizer prender o indivíduo a determinada fé e
moral.
Cícero, autor latino, pensa que religião vem do verbo re-ligere (reler), que
significa uma atitude de reflexão frente à divindade, o que vem determinar um
comportamento respeitoso e submisso.
Como já mencionei, é muito difícil vermos os limites entre mito e religião. De
certa forma eles permanecem indissoluvelmente ligados, buscando explicações para o
mundo ao redor do ser humano, tanto o mundo físico, quanto o mundo social. É nesta
busca do ser humano para o sentido da vida que a religião nos oferece a possibilidade
de atribuir a um Deus pessoal e inteligente a criação do universo, da realidade que nos
circunda.
Por isso, Severino (1992, p. 70) nos fala que “a criação pela subjetividade
humana, de uma divindade inteligente e poderosa, é um recurso da ascendente
consciência para ampliar sua capacidade de explicação e de compreensão da realidade
natural e humana.”
Esta visão de mundo é tão forte entre os homens que podemos observar isto
nas artes, literatura como, por exemplo, a Divina Comédia de Dante Alighieri, a
música de J. S. Bach, as catedrais góticas, o canto gregoriano, as pinturas belíssimas
de Hieronymus Bosch, tudo isto demonstrando que grande parte da humanidade pensa
a realidade através da religião.
Embora tenhamos várias formas histórico-religiosas, o homem religioso
assume uma forma de existência específica no mundo e que é sempre reconhecível.
Segundo Mircea Eliade (1992), o homo religiosus acredita sempre numa realidade
absoluta que é o sagrado. Este sagrado transcende o mundo, embora se manifeste nele
e o santifique tornando-o real. E conforme Berger:
A religião é o empreendimento humano pelo qual se estabelece um
cosmos sagrado. Ou por conta, a religião é a cosmificação feita se
maneira sagrada. Por sagrado entende-se aqui uma qualidade de
poder misterioso e temeroso, distinto do homem e todavia
relacionado com ele, que se acredita residir em certos objetos da
experiência (1985, p. 38).
Ao procurar a compreensão desta ordem estabelecida, o que deixa o homem
perplexo e o atemoriza é a morte e o caos. Estes são ameaças à ordem construída pelo
homem, e o ameaçam constantemente. Por isso:
A teodicéia é uma tentativa de se fazer um pacto com a morte.
Qualquer que seja o destino de uma dada religião histórica, ou o da
religião como tal, podemos estar certos de que a necessidade dessa
tentativa persistirá enquanto os homens morrerem e tiverem que
compreender esse fato (Berger, 1985, p.92).
A religião se enraíza no íntimo do ser humano e dá sentido à sua caminhada
sobre a terra, apontando-lhe um caminho. Do ponto de vista social, as religiões são
sistemas de símbolos, dependentes de um fundador, que teve a experiência religiosa
original como modalidade própria. Este sistema organizado de símbolos, ligado à
tradição, contribui para que os indivíduos concretos adotem sua atitude religiosa
pessoal.
Como vemos, embora seja uma atitude pessoal do homem frente aos
problemas de sua presença no mundo, a religião, apresenta uma função social, isto
porque o indivíduo mesmo é um ser social.
Anteriormente vimos que a sociedade é um produto humano e que por sua vez
o homem é um produto social, gerando a dialética do homem criador/homem criado.
Devemos considerar que os indivíduos analisam o seu mundo social pela ótica
construída a partir do próprio mundo. Assim o mundo funciona, para o indivíduo,
como ele o vê, e como deveria funcionar para ele. Dessa forma ocorre o reforço do
discurso que leva à legitimação da realidade social. A legitimação ocorre para manter
a realidade tanto do nível objetivo como subjetivo e a religião é o maior instrumento
de legitimação. “A religião legitima de modo tão eficaz porque relaciona com a
realidade suprema as precárias construções da realidade erguidas pelas sociedades
empíricas” (BERGER, 1985, p. 45).
Achar solução no transcendente confere à vida humana e à sociedade humana
um sentido próprio, que não está na contingência do mundo circunstante, mas em um
valor absoluto e irredutível, que tanto leva à submissão como aos grandes
empreendimentos.
Por isso, Peter Berger nos diz que “a religião é a ousada tentativa de conceber
o universo inteiro como humanamente significativo” (1985, p. 41).
Embora a religião dê plausibilidade ao mundo real criado pelo homem, com o
Iluminismo no século XVIII, a modernidade passou a ter uma nova visão a respeito da
interpretação da realidade através da religião. Com a valorização da ciência e da
rejeição de toda explicação que não se subordinasse aos princípios da razão, a religião
passou a ser vista como um fenômeno ligado a um estágio não evoluído da história
humana (positivismo de Comte). Contudo surge um novo mito que é a valorização do
progresso científico e tecnológico em detrimento da visão religiosa.
Em virtude desta atitude, temos no Ocidente um humanismo que “vem
elaborando seus fundamentos num terreno de onde as referências religiosas são
excluídas ou tratadas como objetos de cultura e não como princípios explicativos ou
legitimadores da realidade material ou social” (Lima Vaz, 1988, p. 27).
As características da nossa sociedade moderna que procedem desde o
Iluminismo foram moldando uma ideologia individualista dos nossos dias, em que
percebemos um processo secularizador. “O Sagrado religioso deixa de ser
considerado uma esfera instituidora da sociedade e fonte de legitimação. Ele é
relegado, quando muito, para o campo das necessidades subjetivas individuais” (Lima
Vaz, 1988, p. 33).
O discurso filosófico da modernidade fica caracterizado pela supremacia da
racionalidade instrumental e pela generalidade dos valores. O positivismo é
apresentado como paradigma filosófico e o liberalismo como doutrina econômica que
marcam o contexto da modernidade.
O discurso moderno separa o sistema religioso dos outros sistemas
declarando-se superior ao pensamento religioso. Considera que à razão, “e somente a
ela, cabe explicar e dominar a natureza, organizar a vida social e política, estabelecer
as regras do mundo da economia, ditar padrões de moralidade e de comportamento,
planejar a humanidade futura e tornar realidade a felicidade do homem nesta vida
(Miranda, 1992, p. 201).
A cosmovisão religiosa é questionada neste contexto de modernidade,
principalmente porque se passou a considerar que é a ciência que dá resposta e
soluciona problemas que eram da alçada da divindade, como as curas físicas e
psicológicas. Neste sentido, para o homem moderno, “o recurso aos especialistas
precede o apelo a Deus, que só tem lugar em casos desesperados, quando as soluções
humanas fracassaram. A própria fé na Divina Providência parece ir cedendo lugar a
um competente planejamento racional” (Miranda, 1992, p. 202).
O que passou a ser aceito consensualmente, a partir da modernidade ocidental,
é a ciência como o principal ponto de referência para a verdade.
A sociedade moderna não busca no transcendente qualquer legitimação, ou
seja, o sagrado é abandonado. Esta crise histórica e cultural que não vê sentido no
transcendente levou a um desencantamento do mundo. “Um primeiro sintoma desse
desencantamento foi o estabelecimento de um certo agnosticismo, uma certa rejeição
da religião estabelecida. Isso é uma característica básica do que chamamos
modernidade” (Carvalho, 1992, p. 137). Mas ao mesmo tempo, em virtude da
dialética inerente à sociedade, surgem movimentos religiosos, e não podemos
esquecer a RCC, que são frutos da modernidade que se posicionam como reação ao
extremo racionalismo.
Embora este desencantamento tenha levado a uma secularização que, por sua
vez, conduziu a sociedade moderna a uma forte tendência à racionalização e à
privatização da religião. A noção de desencantamento do mundo nos leva a pensar em
uma eliminação da magia como técnica de salvação.
A modernidade, ampliando o espaço da razão, tentou empurrar para
fora de suas fronteiras o mundo do sagrado. Tempo de
secularização. Morte de Deus, que o estruturalismo, como lógica
conseqüência, continuaria com a morte do homem, entendido como
subjetividade, elemento irredutível que perturbava uma lógica social
e sistêmica auto-suficiente. Tudo isso vinha unido à idéia de
transformações científicas que, exorcizando mitos da natureza,
afastavam o mundo rural primitivo e instauravam o tempo novo do
urbano racional (Souza, 1986, p. 385).
Todo este contexto vivenciado na modernidade levou os sociólogos a
construírem o conceito de secularização compreendido como “o processo pelo qual
setores da sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das instituições e
símbolos religiosos” (Berger, 1985, p. 119).
Alguns estudiosos pensaram que com o avanço da modernidade, a religião
perderia importância, ficaria sem função e significado e cada vez mais seria
dispensável. Mas não podemos comprovar que a sociedade secularizada se impôs
diante da religião, tanto que, como já mencionei, surgiram movimentos religiosos de
reação. Isso se evidencia na chamada pós-modernidade, caracterizada “pela passagem
de um estágio de exaltação da razão para um ceticismo ou niilismo radical; por uma
guinada em direção a uma cultura de sensibilidade e emotividade” (Sousa, 2005, p.
19).
Assim, vemos no cenário religioso contemporâneo o aparecimento de novos
movimentos, com propostas alternativas e de cunho proselitista. Estes novos
movimentos incluem os de natureza esotérica e autônomas assim como aqueles que
procuram reforçar a institucionalidade de grupos já existentes. São os movimentos
conhecidos como “Nova Era” e também os pentecostais que se apegam a seus valores
tradicionais.
As fontes do pensamento da Nova Era estão nas religiões orientais e
no cristianismo, em antigas correntes gnósticas, no esoterismo e na
astrologia, na psicologia humanista e transpessoal, nas novas teorias
científicas. Na realidade, trata-se de uma mescla heterogênea de
elementos teóricos e práticos, uma tentativa sincretista de
harmonizar ciências, religiões, saberes tradicionais, práticas
psicoterapêuticas e não poucas teorias extravagantes (Moraleda,
1994, p. 16-7).
O movimento esotérico tem importância “porque ele enfatizou um hábito de
olhar para todas as religiões mundiais, em busca de equivalência, de
complementações, de sínteses” (Carvalho, 1992, p. 142). O que ocorre é o fim do
monopólio religioso, ou seja, não há mais somente uma concepção religiosa do
mundo. Neste sentido, surge uma pluralidade religiosa que fará despontar uma
concorrência.
Esta coexistência de instituições religiosas lado a lado não poderia
deixar de afetá-las. Já tendo de competir, numa sociedade pluralista,
com outras fontes seculares de sentido, elas apresentam-se como
concorrentes entre si, numa situação incômoda, agravada pelo
proselitismo fanático e interesseiro de algumas seitas. Já se escreveu
que esta situação é a de um supermercado religioso, onde a
necessidade de conquistar adeptos pode levar as instituições
religiosas a transformar e mesmo sacrificar seus conteúdos
salvíficos, condicionando-os às necessidades mais urgentes do
homem contemporâneo (Miranda, 1992, p. 213).
Este fenômeno da renovação religiosa desponta em virtude da desilusão do
racionalismo e de suas propostas salvadoras.
Na nossa época, a fé no progresso e na ciência foi colocada em questão. O
progresso obtido com a ciência e a tecnologia não conseguiu garantir a superação das
contradições próprias da modernidade, o que ocorreu foi justamente o contrário. A
natureza, cuja destruição gerada pelo progresso desenfreado, pelos riscos da produção
industrial e pelo consumo também desenfreado, pode escapar, e parece que escapou,
ao controle do homem. Este quadro nos leva a pensar que o progresso atingido pela
sociedade tecnológica não foi suficiente para responder às suas questões mais
profundas e que eram respondidas pela religião.
Nessa perspectiva, a atual retomada do interesse pelas concepções
religiosas não aparece como um fenômeno novo, mas como o
reaparecimento daquela função essencial de integração e de certeza
que, nas sociedades do passado, foi em grande parte desempenhada
pelas diversas religiões (Crespi, 1999, p. 14).
Nessas condições, o que presenciamos é a grande procura por crenças, o
aumento dos movimentos religiosos e das seitas. Este fato ocorre de uma forma mais
evidente nas sociedades que possuem um grande desenvolvimento tecnológico,
embora também se apresentem em sociedades em via de desenvolvimento.
A nova situação também se caracteriza por um deslocamento do
sagrado. O cristianismo perde importância, aparece entre as
mediações religiosas como uma a mais. Assim, enquanto por um
lado se produz o reencantamento do mundo com formas novas de
expressar o religioso, por outro o pluralismo contribui para criar
movimentos religiosos em que os diferentes se sobrepõem e se
misturam confusamente. A nova situação favorece o sincretismo,
assumido despreocupadamente por pessoas que praticam sem
problemas afiliações múltiplas e assumem crenças contraditórias. A
tudo isso se acrescente o desinteresse institucional que facilita a
segregação das organizações religiosas tradicionais e a incorporação
aos novos movimentos (Moraleda, 1994, p. 33-34).
Embora desenvolvida tecnicamente a sociedade moderna é marcada pela
desigualdade.
A desigualdade suscita perguntas acerca do sentido da vida e da
origem e fim do homem. Como o homem tem um senso
imanentemente religioso, sua reflexão deságua na transcendência e
sua consciência adere à experiência mística, ou seja, ao tentame
para além do que ver no aspecto temporal (Sousa, 2005, p.21).
Além disso, o discurso moderno guiou o comportamento humano com base em
uma ética utilitarista e os indivíduos passam a dirigir sua vida pelo bem-estar pessoal.
Com este contexto podemos observar que o processo de secularização está se
exaurindo. “O sagrado volta com força e não se trata pois de restaurá-lo, mas de
aprender a conviver com outras formas de ver e de sentir esse sagrado” (Souza, 1986,
p. 395).
A saudade do sagrado faz com que haja uma extraordinária geração de crenças
e sistemas religiosos, e isto é alimentado pela racionalização. Como se ocorresse um
movimento de reação.
As sociedades modernas estão repletas de pessoas profundamente
insatisfeitas com o funcionamento das instituições sociais,
oprimidas pelas dificuldades econômicas, impotentes diante da
burocracia e da competência, temendo a solidão e o anonimato,
pessoas que encontram nos NMR (Novos Movimentos Religiosos)
uma alternativa comunitária que as “salva” dos problemas e lhes
proporciona segurança e comunicação (Moraleda, 1994, p. 36-37).
Embora comprovemos um aumento do misticismo não podemos provar uma
diminuição da secularização. Por isso, “o pentecostalismo protestante e o movimento
carismático católico traduzem em sua natureza sociológica esse paradoxo
(modernidade e contramodernidade), que justifica o atento olhar dos pesquisadores
sobre os dois fenômenos” (Sousa, 2005, p. 23).
O que será exposto agora é um pouco sobre o contexto católico, pois até bem
pouco tempo ele era dominante, principalmente aqui no Brasil. Mas esta situação foi
sendo alterada progressivamente. O que predominava era um catolicismo popular
tradicional.
Nos termos de uma definição sociológica, compreendemos como
catolicismo popular tradicional um conjunto de crenças e práticas
socialmente reconhecidas e partilhadas por um número significativo
de católicos, que mantêm uma independência relativa da hierarquia
eclesiástica e dos quadros intelectuais a ela ligados. De um ponto de
vista subjetivo, podemos entendê-lo como uma maneira religiosa
peculiar de um grupo ou de um indivíduo viver a sua fé. Num
sentido objetivo, trata-se de um sistema religioso centrado no culto
aos santos, compreendido dentro de uma lógica contratual de
relações interpessoais, e mantido por um grupo difuso de agentes
religiosos leigos (Steil, 1998, p. 87).
Os estudos feitos sobre o catolicismo popular enfatizam a impropriedade de
suas práticas com a cultura moderna dominante, cultura esta que traz uma pluralidade
religiosa e que toca profundamente a consciência do católico. Esta dinâmica social
que produz a pluralidade e a fragmentação religiosa transforma também o catolicismo
popular. “Nesse sentido, acreditamos que a tolerância religiosa, que caracteriza a
sociedade moderna, também está permitindo uma revitalização de rituais e crenças do
catolicismo popular tradicional os quais eram abafados pelo sistema institucional
dominante” (Steil, 1998, p. 90).
A sociedade moderna possibilita que o indivíduo escolha sua religião, não é
mais algo dado de antemão, não é uma herança familiar. As formas de ser católico
também variam nestes últimos tempos. A identidade religiosa é passível de sofrer
alterações, o indivíduo rompe com a transmissão religiosa familiar e cria outros
modelos de construção da identidade religiosa.
Alguns podem ser católicos, centrando sua prática no culto dos
santos, outros participando de associações religiosas, outros, ainda,
assumindo compromissos éticos e políticos de caráter libertário. E,
há também aqueles que se consideram católicos, sem que isso os
vincule a quaisquer compromissos explícitos de ordem religioso-
institucional. Nesse mesmo sentido, os vínculos também se
diversificam dentro de um espectro de gradações, que vai das
formas mais coletivas até às mais individualistas ou sectárias (Steil,
1998, p. 90-1).
Em virtude disso, a Igreja católica delimita seu universo ou se abre e acolhe
todas considerando a fragmentação produzida pela modernidade. Porque, conforme
Ari Pedro Oro (1997), a experiência religiosa contemporânea pode ser classificada de
três formas: a privatização do sagrado, o trânsito religioso e a ampliação e o
deslocamento do sagrado. O que observamos na privatização é a apropriação
individual de vários fragmentos e elementos dos sistemas religiosos, sem que a pessoa
estabeleça vínculo institucional. O indivíduo é quem escolhe, diante da variedade de
alternativas religiosas. A segunda forma é o chamado trânsito religioso,
compreendido como uma atitude peregrina dos crentes modernos. A mudança
religiosa ocorre como alternativa na vida das pessoas. Esta mudança de religião pode
acontecer várias vezes, porque as religiões não estão em competição, mas se
completam para garantir proteção àqueles que a procuram.
Junta-se a isso a visão recorrente, na cultura brasileira, de que as
instituições religiosas não esgotam as forças do sagrado. Há
algumas dimensões do sagrado, que só se realizam para além das
fronteiras institucionais. Uma espécie de “sagrado selvagem”, que
não cabe dentro da ordem e limites, que as instituições procuram
estabelecer na distinção entre o sagrado e o profano (Steil, 1998, p.
95).
A terceira forma de manifestação da crença se refere à expansão do sagrado
para além dos seus limites tradicionais. Nesse panorama, a dimensão sagrada abarca
várias possibilidades em que se juntam ciência, arte, medicina, psicologia, filosofia,
ou seja, um religioso composto e sincrético Estas novas formas de crer (Oro, 1997)
também estão presentes no catolicismo popular e “não estão simplesmente em ruptura
com a tradição, mas estão reinterpretando-a, num esforço de traduzi-la para a esfera
do indivíduo” (Steil, 1998, p. 97).
Nessas novas formas de crer, que fazem surgir novas experiências religiosas, e
as vivenciadas no catolicismo popular, encontramos a dimensão da emoção. Essa
dimensão emocional pode ser percebida na imediaticidade do sagrado e na
valorização do simbólico. Outro aspecto ligado à dimensão emocional são os milagres
e rituais, embora para os agentes do catolicismo institucional haja um certo
desconforto em relação a estas práticas. O esforço pela construção de um culto
adequado aos parâmetros estabelecidos pela cultura racionalista dominante levou a
uma desvalorização dos rituais como elementos significativos da experiência
religiosa. “Na contramão dessa tendência, o catolicismo popular tradicional não
apenas manteve seus rituais tradicionais, mas inventou outros, para conferir sentido à
ação humana (STEIL, 1997, p. 100).
Outros aspectos importantes do catolicismo popular que se relacionam com as
novas formas de crer é a experiência místico-espiritual, e as articulações entre o
sagrado e a cura.
Carlos A. Steil (1997) pretendeu mostrar que o catolicismo popular pode
responder à busca religiosa que as pessoas fazem na atualidade. Embora o catolicismo
popular pudesse responder aos anseios das pessoas, o que ocorreu foi uma crise.
A Igreja começou a perder seu rebanho, não só para outras igrejas,
mas também para o indiferentismo religioso. Seu esforço pastoral
não conseguia nem mesmo manter os chamados “católicos
praticantes”, uma minoria de freqüentadores da missa dominical e
um número menor ainda de envolvidos nos trabalhos paroquiais. A
família, grande baluarte da fé durante décadas, perdeu sua
eficiência, e isso se evidenciou claramente quando as novas
gerações foram assumindo outras atitudes religiosas. A Igreja
Católica tornou-se, em grande parte, uma igreja das velhas gerações,
sobretudo de mulheres (SOUSA, 2005, p. 50).
Em virtude disso, o catolicismo popular que poderia estar respondendo aos
anseios das pessoas cada vez menos é transmitido pelas famílias, porque, como vimos
anteriormente, a dinâmica social existente possibilita o trânsito religioso. Há
pesquisadores, como Oliveira (1999), que vê ainda duas outras formas de experienciar
o catolicismo que são: “o catolicismo da libertação” e o do “movimento carismático”.
O catolicismo da libertação, que predominou nos anos 70 e 80, acredita numa nova
ação de Deus na história,
toda vez que os pobres se organizam e lutam por seus direitos. A
Bíblia (lida na perspectiva da libertação) torna-se o principal
veículo de acesso a Deus, deixando em segundo plano a recepção
dos sacramentos. Sendo as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs)
lugar privilegiado da junção Fé-Vida por meio da Bíblia ganham
espaço como unidades básicas da Igreja, em contraposição à
paróquia voltada principalmente para a distribuição dos sacramentos
(Oliveira, 1999, p. 829).
Conforme Oliveira, o catolicismo da libertação representa a abertura da Igreja
para o mundo dos pobres com a Teologia da Libertação, enquanto a Renovação
Carismática representaria o diálogo com o “mundo moderno” ou até mesmo pós-
moderno. Para este autor, a Renovação Carismática possui características de uma
religião de aperfeiçoamento, este termo está relacionado com as religiões do Oriente
que se baseiam na reencarnação. Esta noção está difundida no nosso meio em virtude
da pluralidade religiosa inerente na dinâmica da sociedade moderna. Aqueles que
aderem à religiões de aperfeiçoamento crêem chegar à perfeição por méritos e modos
próprios, sem a necessidade de um redentor. Porque na concepção tradicional
Deus entrava sobretudo como meio de salvação, para suprir a
impotência do homem. Daí a errônea colocação da relação graça de
Deus e liberdade humana, como se fossem duas instâncias rivais,
implicando o crescimento de uma necessariamente na diminuição da
outra, devendo-se acentuar a debilidade humana para afirmar Deus
(Miranda, 1992, p. 203).
Para o esoterismo, não existe uma idéia de salvação através de um redentor,
mas a idéia principal está na busca do aprimoramento pessoal.
Ora, há um abismo entre a concepção esotérica de salvação como
purificação progressiva pelo auto-esforço e o catolicismo de
redenção, seja de forma sacramental ou messiânica. Mas não parece
haver incompatibilidade entre aquela concepção de
aperfeiçoamento pessoal e a RC. Os dons e carismas infundidos em
cada indivíduo pelo Espírito Santo podem tornar-se o ponto de
partida do processo de auto-salvação, pois caberia a cada pessoa a
responsabilidade por desenvolver esses dons e carismas. O
indicador mais evidente dessa concepção é a ênfase dada ao
encontro com o Cristo interior e a realização do Reino de Deus no
coração de cada pessoa (Oliveira, 1999, p. 831).
O que ocorre é uma junção das duas concepções: aperfeiçoamento e salvação.
Busca-se o Cristo interior através das práticas carismáticas, mas não se desprezam os
sacramentos. Isto ocorre em virtude do cenário do mundo contemporâneo que nega a
necessidade de um salvador porque a subjetividade moderna acredita chegar à
perfeição por seus próprios méritos.
É nesse quadro de pós-modernidade e de um pluralismo religioso que vamos
encontrar a RCC, com pessoas que passaram por diversas agremiações religiosas com
as mais variadas experiências. Por isso, Oliveira (1999) sugere a hipótese de que,
ao interpretar as figuras de Jesus Cristo como o Cristo interior e a
do Espírito Santo como uma fonte sagrada de Energia, a Renovação
Carismática (aliás, já antes dela o movimento pentecostal
protestante) estaria operando um processo de subjetivação do
Cristianismo, adaptando-o assim à demanda religiosa do mundo
contemporâneo. Colocando sua ênfase na dimensão subjetiva,
interior, mas com outras formas religiosas de tipo “Nova Era”. Daí
sua expansão e sua força dentro do mundo católico (p. 834).
Além de todo este arcabouço teórico que foi exposto há também um
interessante artigo de Genia (1990) que propõe a análise do comportamento religioso
das pessoas, configurando-o em cinco estágio de desenvolvimento. O artigo sintetiza
os estudos que foram feitos sobre o desenvolvimento e a maturidade religiosa.
Os cinco estágios apresentados são: (1
º
estágio) fé egocêntrica; (2
º
estágio) fé
dogmática; (3
º
estágio) fé transicional; (4
º
estágio) fé internalizada reconstruída e (5
º
estágio) fé transcendental.
Os cinco estágios serão apresentados agora com mais detalhes.
No primeiro estágio, o de fé egocêntrica, o indivíduo não adquiriu um senso
básico de fé necessário para um conceito positivo do Self e de relações interpessoais
sadias. Não reconhece as necessidades alheias. Com relação a Deus ou a oração, este
indivíduo visa somente suas necessidades, isto dependendo das circunstâncias. Deus é
visto de uma forma narcísica como se fosse a extensão do Self (imagem
antropomórfica). A oração adquire uma característica mágica e de petição.
No segundo estágio, de fé dogmática, embora ainda estejam presentes
características residuais de egocentrismo, antropomorfismo e pensamento mágico, o
indivíduo já passa a reconhecer os direitos e necessidades dos outros. Surge a idéia de
reciprocidade e responsabilidade que o distingue do indivíduo de fé egocêntrica. O
indivíduo se apoia no dogma religioso, na autoridade das escrituras que são lidas
literalmente e o conteúdo é absolutizado.
Psicossocialmente, a pessoa valoriza muito a culpa. Esta é tão intensa que
inibe a espontaneidade e iniciativa. A repressão é fortalecida em virtude do próprio
sistema de crença. E a oração adquire um aspecto de “barganha” em que se faz
promessas de maior obediência em troca de favores pessoais. O indivíduo diz crer em
Deus por medo da perda do amor do mesmo. A imagem é de um Deus punitivo,
vingador. Ao contrário do indivíduo de fé egocêntrica, o dogmático tem uma inserção
maior num contexto sociocultural.
Há uma identificação com o grupo religioso, que é considerado superior, cuja
autoridade não é questionada. Estes indivíduos também fazem proselitismo, às vezes
até de forma fanática.
A fé transicional, característica do terceiro estágio, se desenvolve com o
processo de mudança religiosa que ocorre com maior ênfase na adolescência, assim
como tantas outras mudanças. Esta fase é cheia de dúvidas. Para muitas pessoas a
dúvida é equiparada à falta de fé. Não podemos ter uma visão pejorativa da palavra
dúvida. Por isso, a autora resolveu chamar esta fase de fé transicional.
Usualmente a transição da fé egocêntrica, dogmática inicia-se na adolescência,
embora para algumas pessoas ocorra mais tarde na fase adulta.
Esta fase ocorre paralelamente à crise de identidade típica da adolescência. As
dúvidas e questionamentos são uma marca desta transição e ocorre num período de
intensa confusão e agitação emocional. Experimenta-se ou afilia-se a vários cultos, a
seitas tanto tradicionais como não tradicionais.
O indivíduo, do quarto estágio, o de fé internalizada reconstruída, tem um
senso maior de objetivo e sentido de vida, e a adesão religiosa não tem um significado
utilitarista. Para estes indivíduos a doutrina é mais complexa, não é limitada pela
simplicidade conceitual, leitura literal ou com uma orientação dogmática.
No aspecto psicossocial, os indivíduos possuem ações de acordo com sua
crença e ideologia. Procuram converter os outros em virtude dos cuidados que sentem
que devem ter com eles. A oração transcende a petição egocêntrica e está mais
voltada para a ação de graças, louvor e devoção. A culpa ocorre em situações
específicas quando houve injustiças e não quando houve desobediência às normas
fixadas.
No quinto estágio, o de fé transcendental, o indivíduo sente uma conexão
transcendente a alguma coisa maior que si mesmo. O estilo de vida, incluindo o
comportamento moral, é compatível com os valores religiosos. A fé é mais que uma
adesão verbal, e a religião é aquela que fundamenta a decisão moral do indivíduo.
Há um compromisso, mas sem certezas absolutas, isto porque não se tem
certezas absolutas em várias esferas da vida. Na vida, o indivíduo toma decisões
baseadas em possibilidades e não em certezas absolutas. Por isso, há uma abertura
para diversos pontos de vista religiosos, levando a uma maior tolerância às diferentes
experiências religiosas e expandindo fronteiras.
A fé religiosa madura está despojada de egocentricidade, pensamentos
mágicos e conceitos antropomórficos de Deus. Isto porque devemos lembrar que
quando a pessoa está num estágio anterior à fé madura transcendental a religião é
usada como mecanismo de defesa para dar maior segurança. Isto não ocorre com o
indivíduo que possui uma fé madura, pois o religioso maduro inclui tanto
componentes racionais como emocionais.
A pessoa com uma fé madura tem uma maior participação social e interesse
humanitário. Procura, também, uma maior qualidade de vida para todos, além de
procurar integrar todos os aspectos da personalidade e promover meios de expressão
das necessidades humanas. A pessoa busca um sentido e propósito na vida, não
dependendo de um dogma ou uma estrutura religiosa formal, pois isto não é essencial
para a fé.
Para entendermos melhor o contexto em que se desenvolvem os movimentos
carismáticos e, até podermos compreender melhor como se comporta o grupo e seus
participantes, se faz necessário vermos um pouco da história do movimento
carismático. Deixo claro que veremos alguns aspectos principais. Não tenho a
pretensão de tratar dos detalhes exaustivamente. É num momento de extrema
valorização do sagrado, da vivência da espiritualidade é que vamos encontrar os
movimentos carismáticos.
2. Renovação Carismática Católica (RCC) e a Glossolalia
2.1.Um pouco de história
Os participantes da Igreja encontram, ao longo de toda a história, diversas
formas de anunciar sua mensagem e sua concepção de fé a Jesus. Uma das formas
atualmente muito presente é o chamado Pentecostalismo. Esta experiência religiosa
tem como ponto principal, para alguns estudiosos, o fenômeno da glossolalia, que por
seu turno ocorreu pela primeira vez numa comunidade batista de classe média no
início do século XX (1
º
de jan. de 1901), no estado do Kansas, “quando o pastor
Charles Parham impôs as mãos sobre Agnes Ozman e esta começou a ‘falar em
línguas’” (Boff, 2000, p. 37). Este fenômeno tornou a se repetir em outra comunidade
batista, em 1906, mas, desta vez, o pastor foi demitido da igreja refugiando-se num
barracão e de lá ele propagou o movimento pentecostal para o mundo.
“Foram de experiências glossolálicas assim que surgiram as igrejas
independentes, conhecidas hoje como igrejas ‘pentecostais’, especialmente no
Terceiro Mundo” (Boff, 2000, p. 37).
Na Igreja Católica, este movimento começa logo um ano após o término do
Concílio Vaticano II, concluído em 08/12/1965. O movimento de pentecostalização,
na Igreja Católica, iniciou-se no começo de 1967, nos Estados Unidos, através de um
grupo de universitários, e se espalhou rapidamente pelo mundo.
Esse grupo era de universitários e não de gente comum. Alguns
deles tinham passagem pelos Cursilhos de Cristandade, movimento
espanhol bastante rígido. O Cursilho introduziu na Igreja Católica o
uso de técnicas fortes que mexem com o emocional do grupo e
desestabilizou os arranjos psicorreligiosos do cotidiano das pessoas
(Valle, 2004, p. 99-100).
O Movimento Católico Pentecostal iniciou em Pittsburgh, Pensilvânia, nos
Estado Unidos, na Universidade de Dusquesne, dirigida pela fundação “Padres do
Espírito Santo”. Ralph Kefer e Bill Storey, dois professores leigos de teologia, da
universidade iniciaram uma busca espiritual que os levou a ler os livros “A cruz e o
punhal”, de David Wilkerson, e um outro intitulado: “Eles falam em outras línguas”,
de John Sherrill. Após a leitura dos livros os dois professores começaram a procurar
alguém, na região de Pittsburgh, que tivessem recebido o batismo no Espírito Santo,
com a manifestação da glossolalia, ou como gostam de falar do “dom do Espírito
Santo”. Com o tempo e com a ajuda de um sacerdote da Igreja Episcopal entraram em
contato com um grupo de oração liderado por presbiterianos. Com a participação
nesse grupo de oração, Kiefer e Storey foram batizados no Espírito Santo e
começaram a falar em línguas.
Surgiu, assim, em 20 de janeiro de 1967, pela oração e pela
imposição das mãos sobre os dois primeiro fundadores, o que foi
chamado desde o início Pentecostalismo católico: uma conversão,
uma libertação de forças vivas, um repentino florescimento de
carismas esquecidos na Igreja católica, a começar pelo carisma de
falar em línguas, característico do Pentecostalismo, como também o
profetismo (no sentido de palavras inspiradas, ditas em nome de
Deus), o Dom de curas, etc (Laurentin, 1981, p. 40).
Logo, eles planejaram um retiro, num fim de semana, para vários amigos,
com a intenção de buscarem o derramamento do Espírito Santo na Igreja Católica.
Aproximadamente vinte professores, estudantes formados e suas esposas reuniram-se
durante o fim de semana, de 17 a 19 de fevereiro de 1967, em Pittsburgh, para a
primeira reunião católica de oração em busca do Espírito Santo. Aqueles que iriam
participar do grupo de oração foram convidados a ler os primeiros quatro capítulos do
livro dos Atos dos Apóstolos e o livro “A cruz e o punhal”.
Naquele final de semana, depois de estudarem intensivamente o livro dos Atos
e de uma dedicação total à oração e ao estudo, muitos participantes tiveram a
experiência do chamado “batismo no Espírito Santo”.
A notícia do final de semana e das experiências vividas pelo grupo logo se
espalharam pelo campus da Universidade de Dusquesne e, depois, por outras
universidades americanas. As experiências ocorridas em Duquesne foram agora
repetidas em Notre Dame (Indiana, EUA), a capital intelectual do catolicismo
americano. Os jornais veiculados na faculdade logo começaram a publicar as notícias
sobre tudo o que acontecia nos grupos de oração. No grupo de Notre Dame havia
vários respeitáveis professores de teologia e destacados estudantes que se tornaram
líderes nacionais do movimento. A maioria deles estava na faixa dos vinte anos. Sob
sua hábil e inspirada orientação, o movimento espalhou-se como fogo pelos católicos
americanos e posteriormente por todo o mundo.
Em virtude do clima vivido pelo Concílio Vaticano II, que buscava o chamado
aggiornamento da Igreja, o episcopado americano estava aberto a novas experiências
e mudanças, neste sentido houve uma acolhida. Por isso:
Ao episcopado americano - país que nasceu este movimento -coube
a honra de discernir que havia nele, apesar das apreensões (e de
ambigüidades ou excessos inevitáveis), um movimento do
‘Espírito’ autenticamente católico, no sentido em que esta palavra
significa a universalidade e não um particularismo. Mas, dez anos
antes esse movimento teria sido rejeitado, sem hesitação nem apelo
(Laurentin, 1981, p. 41).
Logo essa experiência extrapolou a universidade e atingiu as paróquias e
instituições católicas. Conseguiu uma forte disseminação na Europa, conquistando a
simpatia da hierarquia católica.
A partir daquele punhado de gente, a Renovação difundiu-se de
forma espetacular. Desde 1968 realizam-se congressos nacionais e
internacionais. Em 1968 havia 100 participantes; e, 1969, 300; em
1970, 1.300. Em junho de 1971, 5.000; em 1972, 12.000; em 1973,
no Congresso Internacional presidido pelo Cardeal Suenens em
South-Bend, Indiana, 25.000; em 1974, o segundo Congresso
Internacional reuniu 30.000 participantes vindos de 35 países,
estando presentes 700 padres e 15 bispos. O Congresso
Internacional de Roma, realizado de 16 a 19 de maio de 1975,
contou com 10.000 participantes provenientes de 54 países. Não há
estatísticas precisas, mas calcula-se, pelos grupos de oração de que
se tem notícia, que haja hoje no mundo inteiro cerca de 800.000
católicos carismáticos. Algo significativo que não pode mais ser
ignorado (Chagas, 1977 p. 17).
Note que Chagas escreveu isto em 1977, ou seja, dez anos após o inicio do
movimento carismático já encontrávamos 800.000 participantes, atualmente o número
é bem maior e, portanto, muito significativo como ele já havia chamado a atenção.
Aqui no Brasil, encontrou um terreno fértil. A RCC foi trazida por padres
jesuítas, em 1972, para São Paulo, mais precisamente para a cidade de Campinas,
através do Pe. Haroldo Rahm e Eduardo Dougherty (PRANDI, 1998).
O padre Haroldo
tem-se destacado como uma pessoa empreendedora, fundando o
movimento de Treinamento de Lideranças Cristãs (TLC), que
funcionou no Brasil durante a ditadura militar; a RCC; e mais de
150 fazendas de recuperação de drogados. Atualmente é presidente
fundador do Movimento Amor Exigente que fornece apoio às
famílias de narcodependentes (Carranza, 2000, p. 30).
Padre Haroldo juntamente com padre Eduardo começaram a realizar retiros
chamados de Experiência do Espírito Santo, mais tarde Experiências de Oração, que
se espalharam por todo o Brasil. Realizavam grupos de oração, reuniões de
planejamento e, desta forma, a RCC foi se expandindo pelo Rio de Janeiro, Belo
Horizonte, Brasília. Os carismáticos se fundamentam nas Sagradas Escrituras, na
parte onde é narrado o início da Igreja Primitiva, quando, segundo a Bíblia, o Espírito
Santo foi enviado aos apóstolos para que estes continuassem a mensagem de Jesus
Cristo. O fato ocorreu da seguinte forma, conforme narração bíblica do livro dos Atos
dos Apóstolos: um forte ruído, como se fosse um vento muito forte, vindo do céu fez
tremer o local onde estavam reunidos os apóstolos. No alto, surgem línguas de fogo,
que se repartem e se posicionam no alto da cabeça de cada apóstolo. O forte barulho é
ouvido por toda a vizinhança e uma multidão assustada, corre até a casa. Entre as
pessoas que lá chegaram, havia gente de toda a parte - Mesopotâmia, Capadócia,
Egito, Líbia, Frígia, Creta, Roma, Judéia -, cada um expressando-se em sua própria
língua. O susto transforma-se em espanto porque os apóstolos começam a falar com
eles. Todos os entendem no próprio idioma natal. Segundo Lucas que é o autor dos
Atos dos Apóstolos, livro bíblico, o dom de falar línguas estrangeiras foi dado aos
apóstolos. Muitas daquelas línguas eram desconhecidas por eles. O apóstolo Pedro faz
uma pregação e anuncia que ali se cumpriu o que o profeta Joel havia profetizado há
400 anos, ou seja, que Deus enviaria o Espírito Santo sobre seus servos. No final da
pregação, 3 mil pessoas converteram-se ao Cristianismo. É neste episódio que hoje se
inspiram os participantes da RCC e, em especial, os que participam dos grupos de
oração. Além de se apoiarem nos textos bíblicos, os primeiros participantes da RCC
utilizavam uma literatura, que os orientava e motivava, originária dos Estados Unidos
e que foi traduzida e adaptada para o Brasil, com um perfil mais catequético.
Sob a influência do padre Harold e baseada na literatura americana,
a própria equipe nacional da RCC tendeu para pleitear uma
experiência racionalizada e demasiadamente acoplada à hierarquia.
A Equipe Javé Nissi, da Arquidiocese de Pouso Alegre-MG, em
1977, sugeriu trocar a terminologia ‘Dom de línguas’ por ‘dom de
louvor’ e ‘dom de cura’ por ‘ministério dos enfermos’, mais
alinhados com a doutrina tradicional católica (Sousa, 2005, p. 56).
Além do incentivo dado pelos padres Haroldo e Eduardo, o livro Sereis
Batizados no Espírito, do Pe. Haroldo e de Maria Lamego, representou um forte
impulso para a propagação do movimento carismático. Este livro foi prefaciado por
Dom Antônio Maria Alves de Siqueira, na época bispo de Campinas.
Tanto no exterior como no Brasil, a RCC era tida como uma experiência
pessoal e íntima de comunicação com Deus, além disso, a intenção era a de tornar o
movimento com um caráter universal e de mostrar que era um movimento espiritual
sem relação com a estrutura eclesial.
De qualquer modo, a hoje conhecida RCC teve seu embrião em
Campinas, através dos grupos de oração no Espírito fundados pelo
Pe. Haroldo Rahm, mas seu enraizamento e expansão dependeu de
articulação dos membros disseminados em todo o Brasil e o esforço
do Pe. Eduardo junto a um grupo de leigos e religiosos (Carranza,
2000, p. 44).
Hoje, segundo dados da própria RCC, já são mais de 8 milhões de adeptos
desse movimento somente no Brasil.
A RCC se organiza tendo como base os grupos de oração e, como vimos, todo
o movimento está fundamentado nas práticas religiosas pentecostais. Podemos
observar que em suas manifestações estão incluídas
a expressão de palmas, falar em línguas estranhas (glossolalia) e
inflamados louvores e perfomances corporais. O tratamento
discursivo sobre o demônio é agressivo, desqualificando as
expressões religiosas mediúnicas, especialmente as afro-brasileiras,
embora, na prática, rituais de libertação e exorcismo incorporem
seus elementos simbólicos, apropriando-se e ressignificando aquilo
que rejeitam, atacam e demonizam (Carranza, 2002, p. 95).
Entretanto, o que observamos é que a atividade principal dos grupos de oração
é, como o próprio nome diz, a oração, que pode ser de louvor, contemplativa, de cura
e libertação, de ação de graças e em línguas.
Os encontros de oração, verdadeiras cerimônias da euforia,
semanais, com duração de duas a três horas, são marcados por uma
intensa carga emocional, que se torna cada vez mais forte no
encaminhamento da reunião. Os fiéis devem antes ‘sentir
emocionalmente’ o Espírito Santo que compreendê-lo (Prandi,
1998, p. 61).
Nesses encontros que seguem uma liturgia, um ritual esquematizado, é que
acontecem alguns fenômenos explicados como intervenção do Espírito Santo. Entre
os dons carismáticos enfatizados pela RCC, estão o dom de profecia, o dom de cura, o
dom de línguas, o dom do discernimento, da interpretação e da ciência. Os mais
populares, em virtude da freqüência, são, sobretudo, o dom de línguas e o de cura.
Para Prandi (1998, p. 46), os carismáticos consideram a oração em línguas “como o
mais perfeito louvor, e ele só é atingido porque o Espírito liberta cada indivíduo das
barreiras humanas”.
A estrutura básica existente na RCC é realizada através dos grupos de oração.
Não há necessidade de um agente eclesiástico como nas CEBS, embora o grupo não
se sustente sem a presença do padre, que se torna um diretor espiritual e legitima o
grupo dentro da própria Igreja Católica. Em alguns lugares, os grupos de oração se
formam em virtude da aceitação do padre local. A estrutura do grupo de oração é
vertical, o coordenador do grupo é que controla do inicio ao fim os momentos
existentes nas celebrações. São estes coordenadores os responsáveis pelas primeiras
experiências de oração que originarão os grupos de oração. As pessoas que participam
da RCC e principalmente dos grupos de oração têm como finalidade fazer com que os
outros descubram, em si, os dons do Espírito Santo e, para isso, são criadas Escolas
de Evangelização. Essas Escolas visam formar as pessoas e têm a Bíblia como seu
instrumento principal, embora façam uma leitura mais literal, bem diferente do que
ocorre nas CEBS. Essas escolas, ao formarem seus evangelizadores, têm como
finalidade anunciar Jesus de porta em porta. É interessante observar que o que na
verdade ocorre é um proselitismo, ação que era condenada pela hierarquia católica
quando se tratava dos protestantes.
É o clima festivo que dá um caráter especial e diferenciado à RCC. Nos
grupos de oração, em virtude de suas atividades e da ritualização da palavra, é onde
ocorre a adesão dos fiéis. Os grupos têm uma grande flexibilidade na sua estrutura, na
organização, e nos horários e locais de reunião.
Não são respeitadas as fronteiras geográficas nem divisões
pastorais, como paróquias, o que gera, constantemente, conflitos nas
localidades onde se inserem. Assim, por exemplo, o conflito
normalmente ocorre com as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base)
que acusam a RCC de deslocar os fiéis das atividades paroquiais
para fazê-los participar de atividades que não são promovidas pela
comunidade (Carranza, 2000, p. 46-7).
No início da RCC, os grupos eram formados principalmente pela classe média,
vindo de níveis sociais altos, especialmente as lideranças, com um número
significativo de mulheres. Atualmente, as camadas mais populares estão participando
cada vez mais do movimento.
Além dos grupos de oração realizados nas comunidades e paróquias, a RCC
costuma realizar encontros massivos, chamados de Cenáculo. Estes, geralmente, são
grandes concentrações realizadas em estádios de futebol. O principal é o encontro
anual no Morumbi, em São Paulo.
Os Cenáculos, além de reunir os participantes em um megaevento, pretendem
atrair para a Igreja os católicos afastados. Em 07 de agosto de 2005, foi realizado em
Campinas-SP um Cenáculo comemorando os 35 anos da RCC no Brasil. Neste
encontro que se realizou das 8 às 18 horas o tema escolhido foi “Tudo pela Unidade”,
contando com a presença tanto do padre Haroldo como do padre Eduardo, os
iniciadores da RCC em Campinas com os grupos de oração.
Em virtude dos cenáculos, a RCC adquiriu uma grande visibilidade pública.
Isto fez com que sua mensagem e proposta fossem divulgadas, o que levou a um
aumento dos participantes, embora nem sempre aqueles que participam dos cenáculos
tornam-se participantes do movimento. Outras atividades realizadas com a intenção
de atingir os jovens são os chamados Rebanhão, Encontrão, Carnaval de Jesus e os
retiros de jovens. Além dessas atividades ainda temos os “barzinhos de Jesus, que
através de músicas cantadas em ritmo de rock, samba e heavy metal, e com inspiração
na música Gospel trazida ao Brasil em 1989, pelas igrejas evangélicas, dão o tom
convocatório aos jovens para rezarem e louvarem a Deus festivamente” (Carranza,
2000, p. 54).
Estes barzinhos de Jesus fazem com que surjam várias bandas musicais que,
por sua vez animarão os cenáculos, barzinhos e grupos de oração que atrairão outros
jovens. Tanto no âmbito internacional como no Brasil, a RCC tem como prioridade a
juventude. “Em todas as atividades programadas, sejam rebanhões, retiros barzinhos
de Jesus encontra-se a mesma preocupação de moralização da juventude nos moldes
éticos propostos pela RCC”(Carranza, 2000, p. 56).
Os meios de comunicação de massa, principalmente a televisão, passam a ser
instrumentos de especial importância na divulgação do “Senhor Jesus” e das idéias da
RCC. Com o livro de Hugo Assmann (1986), ficou conhecido em toda a América
Latina o termo igrejas eletrônicas, definindo o teleevangelismo. Aqui no Brasil houve
uma grande expansão de programas religiosos na década de 90. O padre Eduardo, um
dos criadores do movimento carismático no Brasil, fundou a Associação do Senhor
Jesus (ASJ), em 1980, numa garagem emprestada que possuía 50 m quadrados. Hoje a
Associação ocupa uma área de 24 mil metros quadrados de estúdios, ginásios
cobertos, capelas, tudo voltado para a produção de vídeos e programas de
evangelização. Em 1999, recebeu a concessão de um canal de televisão: a TV Século
21, que coloca no ar toda a produção da ASJ. Um conhecido divulgador da RCC, o
Pe. Jonas Abib, tem entre outras iniciativas de sua parte, o Centro de Produção de
Vídeos e Programas para a televisão, da Associação do Senhor Jesus, a TV e Rádio
“Canção Nova”.
Com estas experiências, realizadas pela RCC, “através de suas produtoras
independentes, e ao apoio do episcopado brasileiro foi possível a criação de uma rede
de televisão: Rede Vida, o canal da família cristã” (Carranza, 2002, p. 100).
Atualmente a RCC está presente em 268 Dioceses do Brasil, chegando a
evangelizar perto de 60.000 Grupos de Oração.
Todas estas atividades da RCC se destinam aos indivíduos em particular, não
havendo enquanto movimento uma intenção explícita por transformações sociais.
Sendo assim:
o desejo de intervenção isolada termina por ser uma opção pela
conservação das situações sociais, muito embora pudesse
argumentar-se que a busca de solução de problemas pessoais, em
seu conjunto, termina por ser uma solução do coletivo. Vale lembrar
a máxima de Durkheim que a sociedade não é a soma dos
indivíduos, e o fato social não é a soma de fatos individuais
(Iulianelli, 1997, p. 26).
2.2. RCC e Hierarquia eclesial
Na Igreja Católica, é muito importante a posição e a aprovação do Magistério
para um movimento que surge dentro da Igreja.
Nos primeiros momentos de seu nascimento, a RCC começou a ser olhada
com bons olhos pela hierarquia da Igreja. C. Boff (2000, p. 39) fala de uma
“aprovação global clara” por parte dos papas, embora com algumas reservas.
A renovação surgiu no clima propiciado pelo Vaticano II, logo em 1973. Seis
anos após o surgimento da renovação, entre 08 e 12 de outubro foi realizada a
primeira conferência internacional de líderes do movimento. Esta conferência contou
com cento e vinte dirigentes de trinta e quatro países. O Papa Paulo VI recebeu uma
comissão formada por treze pessoas de oito países. Na audiência do dia 10, o Sumo
Pontífice disse que: “alegramo-nos convosco, queridos amigos, pela renovação de
vida espiritual que hoje em dia se manifesta na Igreja, sob diferentes formas e em
diferentes ambientes” (Os Papas, 1982, p. 7). A partir desse momento, sempre quando
se dava um encontro da Renovação Carismática, o Pontífice faria referência ao
movimento de forma positiva.
A aproximação da Renovação Carismática com o Vaticano foi
facilitada pela intercessão do Cardeal Leon Josef Suenens,
Arcebispo de Malines - Bruxelas (Bélgica), que procurou
acompanhar o movimento desde seus inícios, a pedido do próprio
Paulo VI. O Cardeal Suenens teve participação decisiva no Concílio
Vaticano II, onde reivindicou reformas para a Igreja e que se
propugnasse a atualidade dos carismas do Espírito Santo (Sousa,
2005, p. 66).
Foram inúmeras as citações de Paulo VI sobre a RCC, não sendo diferente a
atuação de João Paulo II, que
no IV Congresso Internacional de Dirigentes, representado já 94
países, realizado em Roma em 1981, este Papa, repetindo o anterior,
disse que a RCC representava uma ‘chance para a Igreja e para o
mundo’ e que seu desenvolvimento ‘justificava as esperanças’ que
tinha suscitado na Igreja. Pede inclusive aos sacerdotes que tenham
para com ela uma ‘atitude positiva’. Em seguida, o apoio deste Papa
nunca faltou à Renovação, bem como a outros movimentos afins
(Boff, 2000, p. 40).
Podemos ver que foi com entusiasmo a acolhida da Renovação Carismática
pelos papas. Na audiência mencionada acima o Papa João Paulo II proferiu as
seguintes palavras:
O Papa Paulo descreveu o Movimento para a Renovação como
“uma sorte para a Igreja e para o mundo”, e os seis anos que se
passaram desde aquele Congresso vieram confirmar a esperança que
animava seu pensamento. A Igreja viu os frutos de vosso zelo pela
oração num firme compromisso de santidade de vida e de amor à
Palavra de Deus. Constatamos com especial alegria a maneira pela
qual os dirigentes da Renovação desenvolveram cada vez mais uma
ampla visão eclesial, esforçando-se ao mesmo tempo para fazer
dessa visão uma realidade crescente para quantos dependem deles
em sua direção. Vimos também os sinais de vossa generosidade na
comunicação dos dons recebidos de Deus com os desamparados
deste mundo, na justiça e na caridade, de maneira que todos podem
descobrir a excelsa dignidade que têm em Cristo. Oxalá esta obra de
amor começada já em vós seja levada felizmente a plenitude! (cfr. 2
Cor 8, 6-11) (Os Papas, 1982, p. 30).
Com relação aos Episcopados locais também ocorreu apoio, embora com
algumas advertências. Os bispos dos Estados Unidos, em 1969, dois anos após seu
aparecimento, legitimaram o movimento. Em 1975, o mesmo ocorreu com os bispos
canadenses. Aqui no Brasil, embora tivéssemos alguns pronunciamentos somente em
1994, a CNBB elaborou o Documento 53 Orientações Pastorais sobre a Renovação
Carismática Católica dando uma aprovação de conjunto, mas com algumas reservas.
Desde o aparecimento do movimento aqui no Brasil em 1972 até a atualidade, há
conflitos entre a aceitação ou reprovação do movimento. A controvérsia é tal que,
quase 20 anos depois, é que surgiu um pronunciamento oficial por parte da CNBB.
Por isso, podemos inferir que:
A opinião de que a Renovação Carismática recebeu apoio
institucional da Igreja do Brasil também ignora as micro-práticas de
poder e subestima as tensões existentes entre as lideranças da RCC e
o clero nas paróquias. As paróquias são micro-igrejas particulares
de cultura centralista e às vezes autoritária. Nelas, os padres batem
de frente com os grupos da RCC e, em sua maioria, ignoram
qualquer tipo de respaldo papal ao movimento (Sousa, 2005, p. 74).
Em virtude desta situação, as relações entre os líderes da renovação e a
hierarquia oscilam em três atitudes por parte do clero: suspeita, assimilação e
domesticação (Carranza, 2002, p. 97). A suspeita ocorre por causa da grande
emocionalidade do grupo e da manipulação dos dons. Entretanto, como os
carismáticos estão em grande número não podem ser deixados de lado enquanto mão-
de-obra para as pastorais, por isso são assimilados pela estrutura paroquial. E a
domesticação ocorre porque se reconhece que o movimento barrou a saída dos fiéis da
Igreja Católica para o pentecostalismo.
Neste ponto, serão descritos algumas considerações sobre o Documento 53 da
CNBB que foram analisados pelo episcopado brasileiro. As Orientações Pastorais
sobre a Renovação Carismática Católica, além de possuir uma boa argumentação,
cita trinta e quatro vezes passagens bíblicas e também faz mais trinta e quatro citações
dos documentos oficiais da Igreja.
Após a introdução, a primeira parte que vai do n. 7 ao n. 15, mostra a ação do
“Espírito Santo no mistério e na vida da Igreja”. Com forte citação bíblica,
discorrendo sobre a atuação do Espírito Santo na Igreja.
Na Segunda parte, o documento traz “Orientações Pastorais” que se estende do
n. 16 ao n. 68. Nesta parte, fala-se da Igreja Particular, que são as Dioceses confiadas
a um bispo. Reconhece-se “a presença da RCC em muitas Dioceses e também a
contribuição que tem trazido à Igreja no Brasil”. Ao mesmo tempo em que chama a
atenção para que haja uma acolhida às diversidades dos carismas, pede que, havendo
erros, eles sejam corrigidos.
No item B, “Leitura e interpretação Bíblica”, fica claro o combate ao
fundamentalismo e ao intimismo das leituras da Bíblia. Vejamos o que diz o
documento:
Para não prejudicar uma reta leitura da Bíblia, é preciso estar
atentos para não cair, entre outros, nos seguintes perigos: 1
º
O
fundamentalismo, que é fixar-se apenas no que as palavras dizem
‘materialmente’ sem respeitar o contexto nem a contribuição das
ciências bíblicas; 2
º
O intimismo, que é interpretar a Bíblia de modo
subjetivo, e até mágico, fazendo o texto dizer o que não era a
intenção dos autores sagrados. Sobre isso, sigam-se as orientações
do Magistério, especialmente o recente documento da Pontifícia
Comissão Bíblica sobre a interpretação da Bíblia na Igreja (CNBB,
1994, n. 35)
Quando no documento são sublinhadas as questões do fundamentalismo e do
intimismo, podemos lembrar do estudo de Vicky Genia (1990), que nos chama a
atenção para esses aspectos, pelos quais o ser humano passa com relação ao
desenvolvimento da sua fé. São aspectos que devem ser superados à medida que o
indivíduo vai vivenciando aspectos mais profundos e maduros da fé.
A parte dedicada à liturgia traz elementos preciosos sobre o aspecto litúrgico.
Fala-nos do caráter celebrativo da Igreja e pede uma “especial atenção à formação
litúrgica de todos os membros da RCC”. Exorta para que, nas celebrações, sejam
observadas a legislação litúrgica, não introduzindo elementos estranhos. Que “os
cantos e gestos sejam adequados ao momento celebrativo”. O documento chama a
atenção a esse aspecto porque é comum verificarmos nas celebrações carismáticas
desmaios, choros, mãos levantadas, olhos cerrados, danças. Momentos de louvor à
Virgem Maria e aos santos de uma forma muito eufórica. Muitos fiéis nesse momento
não dispensam a oportunidade de tocar as imagens dos santos.
Já na parte D - “Dimensões de vivência da Fé” -, o documento recomenda que
os fiéis não vejam a fé como uma “busca de satisfação de exigências íntimas e de
respostas às necessidades especiais”. Segundo Vicky Genia (1990), um indivíduo que
procura somente as satisfações das suas necessidades possui uma fé egocêntrica, sua
oração tem uma característica mágica e de petição. Por isso, no documento há um
alerta para que haja a busca do sentido comunitário da fé. “Por isso, evite-se alimentar
um clima de exaltação da emoção e do sentimento, que enfatiza apenas a dimensão
subjetiva da experiência da fé”. Neste sentido, o cristão deve procurar criar uma
sociedade justa e solidária e que os “grupos de oração sejam animados a assumir
projetos de promoção humana e social, especialmente dos pobres e marginalizados”.
O Documento 53, na sua parte E - “Questões particulares” (n. 53 - 68) -,
chama a atenção para o estudo de alguns temas que são controversos. “O Batismo no
Espírito Santo, dons e carismas, dom de cura, orar e falar em línguas, profecia,
repouso no Espírito, poder do mal e exorcismo” são temas que segundo o documento
necessitam de mais aprofundamento teológico.
Finalmente os números 69 a 71 apresentam a conclusão do documento.
Não obstante a Igreja afirmar que é seu dever abrigar em seu
interior os diversos carismas e apenas corrigir o que for necessário,
o Documento 53 paira como fantasma sobre os carismáticos,
principalmente sobre aqueles mais fervorosos. Autoritário e
cerceador são alguns dos adjetivos que muitos católicos
carismáticos atribuem ao documento, que procura evitar ‘excessos’
nas reuniões carismáticas. Os ‘excessos’ de que trata a CNBB nessa
norma se referem às curas milagrosas freqüentes, ao repouso no
Espírito, à glossolalia, ao exorcismo e às profecias (Prandi, 1998, p.
58).
As opiniões dos carismáticos a respeito do Documento 53 demonstram que há
um caráter restritivo, mas ao mesmo tempo eles procuram ver um valor positivo nas
orientações.
2.3. Glossolalia
Como vimos, a RCC estrutura-se com base nos grupos de oração. Em certo
momento, em suas cerimônias, ocorre o fenômeno da glossolalia.
Mas o que é então a glossolalia? Comecemos pela origem da palavra; o
substantivo glossolalia não ocorre em grego, sendo um estrangeirismo provindo de
dois vocábulos gregos: glóssa e laliá, cuja forma gráfica é adaptada às diferentes
línguas modernas. Assim temos em grego “línguas” (glóssais) mais o verbo “falar”
(laleó) regendo o dativo de modo: “falar em” seguido do complemento glóssais, cujo
sentido é “palavras estrangeiras”, e não “línguas”. Embora exista três sentidos
estritos de glóssa: “língua”, “idioma” e “palavra estrangeira” (Stadelmann, 1998, p.
41).
2.3.1. Explicação lingüistica
Os estudos realizados por lingüistas não consideram a glossolalia como uma
língua verdadeira.
Segundo diversos teólogos, a glossolalia tratar-se-ia de uma linguagem
aconceitual ou preconceitual, não se tratando de uma língua conceitual autêntica. Este
fenômeno ocorre nos adeptos do cristianismo que partilham da idéia de que a
glossolalia, ou “falar línguas”, seja um dom do Espírito Santo (Laurentin, 1977).
Um dos melhores estudos foi feito por W. J. Samarin que, através de
gravações efetuadas com glossólalos na Holanda, Jamaica, Itália, Canadá e Estados
Unidos, concluiu que a glossolalia não tem uma das principais características de uma
língua que é a estrutura gramatical.
Samarin (1972, p. 77;83) constata que a utilização de consoantes e vogais é
análoga à língua materna do glossólalo, que realiza combinações espontâneas e livres.
O que ouvimos quando um glossólalo está orando ou cantando em línguas é
somente uma aparência de linguagem. A linguagem glossolálica também é
considerada analogamente a uma comunicação não lingüistica que ocorre em um
ritual religioso celebrado em um idioma sagrado desconhecido pela assembléia
(lembramos da missa em latim) ou a uma ópera cantada em língua estrangeira
(Jaquith, 1967).
Quando em alguns estudos aparece a glossolalia como negação da linguagem
é porque ocorre a confusão entre o conteúdo dos fonemas e o ato de fonação humana.
A glossolalia pode ser considerada uma linguagem, pois é realizada com os órgãos
vocais e tem a finalidade de comunicar um conteúdo interior. É como a expressão
mais íntima do próprio eu, embora seja uma linguagem pré-racional ou pré-conceitual
como a linguagem das crianças que produzem uma comunicação, um balbucio
tentando comunicar algo à mãe ou a outra pessoa. O glossólalo tem clara consciência
de estar se comunicando com Deus, louvando, dando ação de graças, transmitindo
amor e alegria.
2.3.2. Explicação Antropológica
Muitos estudos antropológicos demonstram que a comunicação com o sagrado
em diversas comunidades africanas e indígenas ocorre por meio de expressões e sons
incompreensíveis expressos durante estados psicológicos especiais. Esses estados são
provocados de formas diferentes e se diferenciam de religião para religião.
Dependendo da cultura e da religião, recorre-se à música ou ervas para criar o
ambiente adequado ao contato como sagrado através do transe.
Neste momento, convém fazer um esclarecimento entre transe e êxtase.
Rosileny Alves dos Santos (2004), em sua tese de doutorado, explica claramente a
diferença entre êxtase e transe. Para ela “a experiência extática inclui aspectos
psicológicos e teológicos” (p.184), enquanto que no transe não ocorre esta relação,
pois o indivíduo perde o contato com a realidade. No êxtase, as pessoas não perdem
sua ligação com a realidade, conservam-se em estado de vigília. No transe não ocorre
registro consciente, não há memória. Segundo a medicina, no transe ocorre um
“estado de dissociação, caracterizado pela falta de movimento voluntário, e,
freqüentemente, por automatismo de ato e pensamento, representado pelos estados
hipnóticos e mediúnicos” (Lewis, 1977, p. 41).
Podemos considerar o êxtase ou o transe como etapa final do misticismo.
Entendo misticismo como uma forma de imediatismo na relação com o sagrado, este
imediatismo substitui uma mediação dada pelo discurso. Por isso, a linguagem
utilizada pelo místico segue uma lógica diferente da usual e quase não é
compreendida. Podemos citar como exemplo os escritos de Teresa de Ávila, João da
Cruz entre outros. Nesse sentido, Lewis (1977, p.17) define o êxtase como “a tomada
do homem pela divindade”. Como conseqüência, podemos considerar, que os transes
e êxtases manifestam-se individualmente, mas com a ajuda e aprovação do coletivo e
do institucional. Neste caso:
O êxtase religioso constitui, dentro do misticismo, o mais
componente de recusa da intermediação do discurso articulado (a
glossolalia parece ser a negação ou inversão do discurso do sistema)
e do esforço de fuga para outro universo que corresponde a essa
negação ou inversão. Por outro lado, a “experiência espiritual” do
“dom de línguas”, característica do êxtase pentecostal, é uma
recuperação do poder perdido socialmente, uma vez que a sua
relação com a sociedade abrangente é de subordinação e
marginalização. Como essa recuperação do poder não se estende
pela sociedade, porque não é por ela reconhecida, ela se manifesta
no reconhecimento da congregação através de prestígio e acesso às
lideranças. Ao menos num universo restrito, a recuperação do poder
é real (Mendonça, 1984, p.19).
Nesta mesma linha de pensamento, podemos encontrar Nogueira (2003), ao
explicar que desde o inicio do cristianismo, era por meio do culto que se procurava
uma oportunidade de acesso místico aos poderes celestiais, o culto tinha caráter
comunitário com elementos extáticos.
O cristianismo primitivo tem como experiência fundadora o derramamento do
Espírito e a profecia extática. O relato que podemos ler em Atos 2 é visto como uma
espécie de mito fundador da Igreja. Vejamos o texto bíblico:
Tendo-se completado o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos
no mesmo lugar. De repente, veio do céu um ruído como o agitar-se
de um vendaval impetuoso, que encheu toda a casa onde se
encontravam. Apareceram-lhes, então, línguas como de fogo, que se
repartiam e que pousaram sobre cada um deles. E todos ficaram
repletos do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas,
conforme o Espírito lhes concedia se exprimissem (A Bíblia de
Jerusalém).
Este profetizar que acontece com o derramamento do Espírito é representado
pelas línguas de fogo entre os discípulos e por começarem a falar em “outras línguas”.
Neste relato aparece a profecia extática ou entusiástica que ocorre em transe, sendo o
fenômeno privilegiado da profecia extática a glossolalia.
O fenômeno da glossolalia está tão presente nas comunidades paulinas que o
apóstolo tem que controlar sua manifestação e para isso dedica toda uma parte da
primeira epístola aos Coríntios para motivar a comunidade a diversificar os dons.
Paulo ao subestimar as “línguas” em 1 Cor 12-14 tem como motivo principal a
perda do controle do culto por parte das autoridades comunitárias e do próprio Paulo.
O apóstolo diz que não é bom falar em línguas na presença de indivíduos
durante o culto, pois eles poderiam pensar que os cristãos estavam loucos (Atos 2,23).
O medo de Paulo seria porque se tratava de um falar extático em contexto cultual.
Mas é claro que a glossolalia acontece num contexto histórico-religioso que
lhe é próprio. Este contexto está relacionado à apocalíptica judaica e com o culto
celestial que, de acordo com esses círculos, acontecia em paralelo ao culto terreno. É
o próprio culto que une a realidade celestial e terrena e é nesse contexto que surge a
glossolalia, ou seja, ela é fruto de prática do culto celestial nas comunidades cristãs
primitivas. É um falar extático da língua cultual dos anjos.
Podemos encontrar nos manuscritos do Mar Morto exemplos da “língua dos
anjos”, neles são descritos diálogos entre Jacó e o anjo (A escada de Jacó) ou de
Paulo e um anjo (Apocalipse de Paulo) onde o autor recria uma espécie de “hebraico
celestial”. Neste período histórico ocorria uma mistificação das línguas orientais,
tanto do hebraico como do egípcio, tornando-as palavras mágicas de evocação.
Podemos verificar isto se consultarmos uma edição organizada por Hans Dieter Betz
(1992) sobre os Papiros Mágicos Gregos, onde fórmulas mágicas são relacionadas a
nomes orientais como, por exemplo, Salomão e ao tetragrama sagrado (YHVH).
A língua dos anjos lembra e recria o hebraico. Lembremos que as
comunidades judaico-cristãs da diáspora falavam o grego ou o latim, línguas faladas
no centro da cultura e do poder, e para cultuar o poder de Deus buscam uma língua
que era considerada bárbara. Isto porque todas as línguas orientais eram consideradas
bárbaras. No transe os primeiros cristãos das classes populares se solidarizam com
aqueles que estão dominados nas colônias orientais pelos romanos. “Falar em línguas,
neste contexto, é um exercício de poder, de pretensão de refletir as estruturas de poder
celestiais” (Nogueira, 2003, p. 73), pois nestes cultos de êxtase são praticados por
mulheres e homens destituídos de status social.
Se no culto das primeiras comunidades nós temos o falar em línguas como
uma forma de compensação em virtude de uma posição social será que hoje também
não seria uma forma do indivíduo ser reconhecido? O glossólalo não obteria um certo
destaque nos grupos de oração?
2.3.3. Na história da Igreja
Se verificarmos a história da Igreja, parece que a glossolalia só reaparece no
cenário religioso no final do século XIX, com a retomada entusiástica dos
carismáticos e pentecostais. Entretanto, se colocarmos um olhar atento, veremos que
ao longo da história houve diversas manifestações desse tipo. Tanto de forma
individual como também em determinados grupos. É certo que devemos levar em
consideração as várias histórias que não podem ser documentadas de forma rigorosa e
outras que se inserem no campo do lendário.
Levando em conta eliminações que parecem se impor (Francisco
Xavier, o Cura d’ Ars, etc.) e numerosos pontos de interrogação,
supomos que o falar em línguas não esteve ausente do monaquismo
oriental e ocidental, e que o fenômeno ressurgiu não apenas no
inicio do século XX, mas nos séculos XVII-XVIII, nos meios
protestantes pietistas. Podemos assinalar alguns casos isolados na
mística católica, como Santa Hildegarde, falecida em 1170, e o
franciscano David de Ausburgo em 1477. Citemos por exemplo: em
seu diário espiritual, de 11 a 22 de maio de 1544, Inácio de Loyola
se refere, várias vezes seguidas, à loquela, uma linguagem que lhe
vinha na oração (Laurentin, 1977, p. 93).
Na vida dos santos, é comum citar as experiências que eles tiveram e como
isso os ajudou a pregar o evangelho em línguas. Como as de Santo Antônio de Pádua,
São Domingos de Gusmão, São Vicente Ferrer, São Luís Beltrão, entre outros. Essas
histórias estão presentes demonstrando que ao longo do tempo, de uma forma ou de
outra, o fenômeno da glossolalia sempre esteve presente e causava admiração entre as
pessoas.
Entretanto, às vezes, o fenômeno de falar línguas é visto como algo diabólico,
como nos conta Oliveira Júnior:
O fato de falar em línguas aparece em todos os séculos (veja-se por
exemplo, os jansenistas da França setecentista) e é visto
alternadamente como manifestação do poder divino ou artimanha
diabólica. De exorcizandis obsessis a daemonio arrola entre os
sinais de possessão o falar línguas estranhas ou de compreender
aquele que as fala. É mesmo freqüente nos registros de casos desse
tipo referências a manifestações glossolálicas (1977, p. 37-8).
2.3.4. Explicação psicológica
Como podemos entender a glossolalia, que ressurge hoje nos meios
carismáticos, do ponto de vista psicológico? Segundo Lauretin (1997),
embora a glossolalia, lá onde é assinalada, não apresente o caráter
de língua e seja depreciada no terreno lingüístico, ainda assim os
psicólogos a valorizam, por duas razões importantes:
1. É uma tomada de palavra. E a importância desse
fenômeno tem sido muitas vezes comentada, desde maio de 1968,
como o rompimento da barreira levantada pelas inibições internas e
pressões sociais.
2. Senão é uma língua, isto é, sistema de fenômenos
articulados em palavras, gramaticalmente organizados, permitindo
comunicação entre os homens, a glossolalia guarda, contudo, seu
valor como linguagem, isto é, segundo a primeira definição desta
palavra no Petit Robert (p. 971): Uma função de expressão,
produzida pelos órgãos de fonação (p. 85) (grifo do autor).
A glossolalia é manifestação carismática mais freqüentemente observável do
ponto de vista psicológico. Como já disse, a glossolalia é uma linguagem pré-
conceitual e íntima, não podendo ser considerado um fenômeno patológico, porque
quem fala, fala fluentemente, já quem procura imitar começa a titubear nos primeiras
frases. Isto porque durante a glossolalia não se pode dar um controle consciente sobre
os fenômenos, como a pessoa que sonha não pode controlar as imagens só pode
interrompê-las. A produção do fenômeno ocorre de forma inconsciente.
Une telle construction délibérée d’un langage incohérent diffère de
la glossolalie authentique sur un point essentiel: lorsqu’il s’agit de
celle-ci, le sujet qui s’exprime ne choisit pas consciemment les
phonèmes qu’il va proférer. Il est vrai qu’il décide librement de
parler en “langues” ou non, et qu’il doit à cet effet mettre en
mouvement ses organes vocaux, de même qu’il le ferait pour parler
normalement. Mais il s’en remet, pour la production des phonèmes
eux-mêmes, à ce que je crois être un niveau subconscient de sa
personnalité (Sulivan, 1976, p.40).
Embora, se formos analisarmos o glossólalo, parece que ele está numa
condição que chamamos em Psicologia de estado alterado de consciência. Isto porque
às vezes se observa uma atividade motora involuntária ou uma perda de consciência
(que é rara). Geralmente estes comportamentos ocorrem no início da experiência
glossolálica associada ao batismo no Espírito Santo. O exercício do dom de línguas
posteriormente não pode ser relacionado a alguma alteração psicológica ou estado de
transe (Hine, 1969, p. 212).
Se fizermos uma comparação com as artes e a poesia, o indivíduo precisa
abandonar a razão e as convenções para que com a “inspiração” possa criar, produzir
algo que chamamos de arte. Ou seja, é uma forma de expressão do mais íntimo do ser
humano. E segundo Laurentin a glossolalia tem uma
função libertadora quanto aos recalques, bloqueios e alienações
psíquicas (...) reconhecida por Jung como surgimento, na
consciência, do conteúdo dos mais profundos níveis de inconsciente
coletivo, em benefício da integração da personalidade (1977, p. 86).
Sintetizando, podemos dizer que a glossolalia abrange o mais íntimo do
psiquismo, como quando a pessoa está num estado de relaxamento profundo,
relacionados com os aspectos inconscientes e espirituais que produzem uma alteração
na consciência superando o nível de expressão lógico discursivo para expressar-se no
nível emocional-espiritual.
Como se trata de um comportamento vivenciado no grupo, temos que levar em
consideração a sugestão e o contágio. Nos grupos de oração, as pessoas que
participam têm o desejo de serem batizados no Espírito Santo e de possuir carismas,
pois se trata de um sinal de Deus, de uma aprovação de Deus para com aquela pessoa.
A fé e o aumento do desejo para com a efusão do Espírito e o conseqüente
recebimento do dom de línguas é muito importante. Tanto que foi desenvolvido um
método chamado de “Seminários”. É nestes seminários que a maioria das pessoas
começam a falar em línguas.
O método funciona do seguinte modo: ensinamos a respeito do dom
das línguas; rezamos por um a pessoa, para que lhe seja liberto o
dom das línguas e ela cede ao dom (...) O que fazemos neste método
de seminários é muito importante mesmo para aqueles que já sabem
orar em línguas. Prestem atenção ao método e usem-no em seus
próprios grupos de oração. Não há razão para que, num grupo de
oração, todos não estejam orando em línguas dentro de catorze dias
(Degrandis, 1999, p. 10).
Dessa forma podemos ver que a glossolalia também é um tipo de
comportamento aprendido, inclusive J. W. Samarin tem um artigo sugestivo chamado
Glossolalia as Learned Behaviour.
Embora a glossolalia possua o caráter de ser um comportamento que possa ter
origem no contágio e na sugestão, ela pode ser um veículo expressivo à necessidade
de comunhão humana. Esta necessidade de comunhão e também de reconciliação e
união parte do mais profundo do ser humano superando as barreiras da racionalidade
e das convenções lingüísticas.
Segundo Aldunate:
Sob o aspecto psicológico, a oração em línguas é um dos muitos
meios que ajudam a entrar no “silêncio místico”. Estes meios podem
ser profanos como a meditação transcendental com sua “mantra” ou
conjunto de sílabas sem sentido; a meditação Zen, que repele o
pensamento e as imagens para aproximar-se da !iluminação”; a
contemplação de uma “mandala” ou símbolo de totalidade (1977, p.
41).
Estes métodos, para o autor, ajudam o indivíduo a entrar em meditação
profunda, a experiência do ser, a experiência da contemplação e a reconstrução da
personalidade no seu aspecto mais profundo. Eles levam a mente do indivíduo a
acostumar-se com o vazio das idéias e aos argumentos libertando a inteligência
criadora da pessoa que brota das dimensões profundas e inconscientes do eu.
Embora Aldunate considere os mantras como profanos, é interessante pensar a
analogia entre a oração em línguas e os mantras. Pois, assim como os mantras, a
glossolalia é uma língua que não pode ser traduzida como um a língua conceitual,
tanto na sua significação quanto em relação à experiência que o indivíduo vive.
As meditações que utilizam os mantras são mais conhecidas e praticadas na
Índia, China e Tibet, por isso, relacioná-las com a prática da glossolalia parece a
princípio estranha. Esta questão pode ser aprofundada posteriormente.
Encerrando esta parte, podemos dizer que sob o ponto de vista psicológico a
glossolalia tem seu valor.
A glossolalia se encontra no mesmo nível das outras possibilidades que
libertam o inconsciente pessoal e coletivo permitindo a comunhão em uma
metalinguagem, como a das artes plásticas, a música ou a dança.
O método utilizado para a análise dos dados e a entrevista em si serão
detalhados no capítulo seguinte.
3. Método
Este trabalho pode ser chamado de pesquisa exploratória que tem como
problema a compreensão da experiência da subjetividade do glossólalo a partir do
próprio indivíduo que participa da RCC.
Para compreender a constituição da subjetividade do glossólalo, utilizei a
pesquisa qualitativa. Segundo Gonzalez Rey (2002), o conceito de pesquisa
qualitativa não tem um significado único, mas está claro que ela difere bastante da
pesquisa quantitativa que predominou por muito tempo nas ciências sociais. Ainda
conforme González Rey (2002),
A pesquisa qualitativa se debruça sobre o conhecimento de um
sujeito complexo: a subjetividade, cujos elementos estão implicados
simultaneamente em diferentes processos constitutivos do todo, os
quais mudam em face do contexto em que se expressa o sujeito
concreto ( p. 51).
Em virtude desta complexidade do objeto, há uma dificuldade de definirmos o
problema. Enquanto que na pesquisa quantitativa o problema deve ser concreto, pois
assim serão determinadas as variáveis que serão analisadas, confrontadas
estatisticamente e que poderão ser replicadas. E também o problema deve ser definido
a priori, pois ao longo da análise será verificado se as hipóteses podem ser
comprovadas. Já na pesquisa qualitativa:
O problema não representa uma entidade concreta coisificada, mas
um momento na reflexão do pesquisador, que lhe permite identificar
o que deseja pesquisar e que pode aparecer em uma primeira
aproximação de forma difusa e pouco estruturada (González Rey,
2002, p. 72).
Isto ocorre porque a pesquisa qualitativa é um processo em que a produção do
conhecimento é permanente e só poderemos verificar certos aspectos ao longo do
desenvolvimento da pesquisa. Neste sentido, ao falarmos de hipótese ela também não
tem a mesma conotação que existe na pesquisa quantitativa, ou seja, o de caráter
operacional, onde o pesquisador deve analisar suas observações em relação a
conceitos passíveis de quantificação. Por isso, “as hipóteses não têm uma definição
funcional na pesquisa qualitativa; só se sucedem umas às outras como momentos do
processo de construção teórica, fora do qual não tem nenhum sentido” (González Rey,
2002, p. 74).
Para que esta pesquisa fosse realizada, utilizei a entrevista como técnica para
obtenção de dados. Pois “a entrevista, enquanto recurso metodológico legítimo na
produção de conhecimentos na psicologia, representa também uma valorização do
singular como campo produtivo de investigação e desenvolvimento teórico”
(Madureira e Branco, 2001, p. 73).
3.1. Participantes da pesquisa
Os participantes desta pesquisa foram indivíduos que fazem parte de um
mesmo grupo de oração e que participam do mesmo há pelo menos 4 anos. Este
tempo de participação significa que o indivíduo é comprometido com o grupo e com a
mensagem carismática, além de o envolvimento estar de certa forma solidificado, não
sendo algo passageiro ou movido pela curiosidade momentânea. As entrevistas se
deram com carismáticos com essas características, independente de sexo, idade ou
grau de instrução. Os três carismáticos que se dispuseram a falar após o meu convite
para a entrevista foram contatados após a participação no grupo de oração que é
realizado às quintas-feiras após a missa das 19:30 horas. Os três concordaram em
falar no domingo seguinte antes da missa que freqüentam. Fica claro que, além de
participar do grupo de oração, os participantes da pesquisa devem manifestar a
glossolalia, pois é no indivíduo glossólalo que está o foco da pesquisa.
Estudei sua subjetividade, algo que torna a pesquisa complexa, Pois:
um grande desafio do estudo da subjetividade é que não temos
acesso a ela de forma direta, mas apenas por meio dos sujeitos em
que aparece constituída de forma diferenciada. Essa situação
determina que, freqüentemente, os indicadores relevantes da
constituição subjetiva apareçam só de forma indireta, muito além da
consciência do sujeito (González Rey, 2002, p. 81).
Levando isto em consideração, foi somente no decorrer da entrevista e, depois,
com a análise dos dados que pude ver com clareza se estava conseguindo entender o
indivíduo e me aproximando de uma resposta ao meu problema, pois o que procurava
compreender a influência da glossolalia na subjetividade de carismáticos católicos
que vivem este fenômeno. Nesse sentido, um dos objetivos que pretendi verificar foi
se nestas transformações o glossólalo considera que possui um sinal, uma aprovação
de Deus que o diferencia dos demais.
A escolha dos indivíduos participantes da pesquisa se deram após eu me
dirigir algumas vezes ao grupo de oração a fim de observar os carismáticos
freqüentadores.
3.2. Procedimento
Como já mencionei anteriormente, utilizei a entrevista como instrumento
metodológico. As entrevistas foram realizadas em locais escolhidos pelos
entrevistados. As entrevistas foram gravadas em fita K7 e depois transcritas mediante
consentimento livre e esclarecido assinado pelos participantes da pesquisa. Ao longo
das entrevistas, que foram realizadas de forma aberta, foram colhidos os seguintes
dados:
1. Nome;
2. Idade;
3. Estado civil;
4. Grau de instrução;
5. Nível sócio-econômico;
6. Religião do pai e da mãe;
7. Religião dos familiares com quem a pessoa mora.
Em seguida, os integrantes da pesquisa falaram de suas vidas antes e depois de
participarem dos grupos de oração da RCC. Responderam a seguinte questão: quem
você é? E qual mudança você sentiu após participar do grupo de oração e ter o dom
de línguas? Com estas duas questões eles falaram livremente, eu não fiz intervenções.
O relato da entrevista está anexado no final (Anexo 1-2-3).
A entrevista teve a finalidade de colher dados relacionados com o universo
simbólico dos glossólalos, aspectos afetivos relacionados às crenças e aos papéis
desempenhados no grupo. Além disso, os glossólalos foram entrevistados com a
finalidade de reconhecer como a glossolalia apareceu na sua vida, procurando, à
medida do possível, reconhecer as razões que eles atribuem e o sentido que eles vêem
no dom de línguas, como eles se sentem e o que eles desejam para sua vida, em
função dessa experiência.
4. A história religiosa de Naira, Rodrigo e Fabiano
4.1. Perfil do grupo de oração
Os depoimentos são de pessoas que participam do grupo de uma Paróquia em
São Bernardo do Campo. O grupo é composto por mais ou menos 150 pessoas,
possuindo dois coordenadores e dois vice-coordenadores. Um deles foi um dos
entrevistados. O grupo é integrado por jovens e adultos, como, por exemplo, casais,
viúvos, separados, solteiros. No grupo há diversos ministérios: o de música,
intercessão, acolhida, liturgia e equipe das crianças. Esta equipe fica com as crianças
enquanto os pais participam das celebrações desenvolvidas pelo grupo de oração. Este
tipo de trabalho eu notei em outros grupos de oração que visitei.
A paróquia está localizada num bairro de classe média, próxima ao centro da
cidade. Pode-se observar que a maioria das pessoas que chegam e participam das
missas e do grupo de oração são pessoas da classe média e demonstram um certo
poder aquisitivo. O bairro possui os serviços essenciais, comércio sofisticado,
consultórios, restaurantes. As ruas são arborizadas. As casas possuem amplas
garagens para dois ou mais carros. Escolas de idiomas, academias, um bairro
tranqüilo. Em uma das visitas que fiz ao grupo, distribuí um pequeno questionário
para colher as seguintes informações: sexo, idade, profissão, estado civil, grau de
instrução, religião dos pais da pessoa e também das pessoas com as quais ela mora.
Fiz quatro questões: quanto tempo de participação no grupo; se possuía algum
carisma; qual o motivo da sua participação no grupo; e se havia ocorrido alguma
transformação em sua vida.
Consegui o retorno de 25% dos questionários distribuídos e constatei que 20%
dos participantes são homens e 80% são mulheres. A idade dos participantes varia dos
20 até os 60 anos de idade. Quanto ao estado civil, prevaleceu os dos solteiros e
viúvos, ocorrendo também uma pequena porcentagem de separados e divorciados. A
maioria dos participantes possui ensino superior ou ensino médio e 25% possuem
Ensino Fundamental incompleto. Todos responderam que seus pais são ou eram
católicos; também residem com pessoas que são católicas, embora alguns não
praticantes e 13% responderam que moram com pessoas que praticam o espiritismo.
Quanto aos dons, carisma que possuem além de orar em línguas, foi citado o
dom de cura e o dom de profecia.
Segundo o vice-coordenador, as pessoas procuram o grupo de oração porque
têm problemas de ordem emocional, espiritual, familiar, existenciais (“meio
perdido”), sociais (desemprego, drogas). E de pessoas que querem ter uma
experiência mais profunda de Deus. As respostas que obtive com os questionários
confirmam o que disse anteriormente o vice-coordenador. Um rapaz de 22 anos disse
participar do grupo para resolver “alguns problemas graves através da solução e da
intercessão de Jesus”. Já um senhor de 50 anos procura o grupo para conseguir ajuda
e parar com o vício do álcool. Na questão referente à transformação ocorrida na vida
de cada um, a maioria responde que se sente mais próxima de Deus, mais paciente e
que ainda houve muitas transformações e graças, mas não especificam quais. Segundo
Fabiano, o grupo pode ser considerado “uma grande rede de pesca”, pois as pessoas
que procuram o grupo acabam também participando de outras pastorais.
4.2. Análise das entrevistas
4.2.1. A história religiosa de Naira
“A cambona que virou intercessora”
Naira foi a primeira integrante do grupo de oração a conceder a entrevista. Ela
é uma senhora de 51 anos, separada, sem filhos e mora sozinha. Considera-se da
classe média, possui o ensino fundamental incompleto, exerce a profissão de
cabeleireira, e tem um salão de beleza. Antes de pertencer ao grupo de oração da
RCC, ela freqüentou por quase 8 anos um centro espírita. Para falar de sua
participação no grupo de oração, fez questão de mencionar sua experiência na
Umbanda, o que passou a sofrer quando resolveu sair deste grupo religioso e sua
transformação de vida que, segundo ela, se deu após ter conhecido a Renovação
Carismática, até chegar a ser intercessora no grupo de oração.
A sua religião de origem era a evangélica, assim como a de seus pais. Embora
seu pai por um período também tenha procurado a Umbanda, voltou novamente para
a igreja evangélica. Quando Naira resolveu sair do centro de Umbanda, por causa de
problemas que enfrentou com a mãe-de-santo, sentiu muitas dificuldades. Ela diz que
todo o mal que sofreu foi devido ao seu desentendimento com a mãe-de-santo e os
questionamentos que fizera, principalmente relacionados a pagamentos que deveria
fazer ao centro.
Ela começou a freqüentar o centro porque não encontrava namorado, e quando
começava a namorar não dava certo. “Eu entrei e falava que eu tinha que desenvolver
por isso os namoros não davam certo”. Ela participava dos rituais, vestia roupa branca
e usava as guias, que são os colares coloridos conforme cada tipo de espírito, e
exercia a função de “cambona” . O “cambono” é uma pessoa que ajuda os médiuns,
guiando estes quando incorporados, auxiliando, buscando algo que eles desejam na
hora para o passe ou para ajudar o consulente a entender o que o guia está falando.
Por participar do centro espírita, Naira tinha que ajudar nas despesas do local.
Segundo ela, as pessoas recebiam um papel que era sorteado e tinham que levar o
produto que nele estava escrito.
A gente tinha que pagar todo mês, e tinha que fazer a compra e
tinha um papelzinho, e caia vassoura pra um... Tinha que comprar o
ano inteiro e seria 12. E eu comecei a discutir sobre isso, se eu fico
um ano com uma vassoura, e aqui eu tinha que dar 12 vassouras no
ano? Aí, eu comecei a falar com minha irmã.
A partir daí, Naira começou a questionar os valores religiosos que até aquele
momento eram adotados por ela. Entretanto, mesmo freqüentando o centro, ela
continuava a ir à missa. Freqüentava os dois espaços religiosos, pois para ela era
considerada uma atitude correta, pois lá no centro também rezavam o terço. Os
questionamentos de Naira ficaram mais acirrados a partir do momento em que foi
cobrada a pagar a taxa mensal do centro num momento em que não tinha dinheiro.
Como foi pressionada pela mãe-de-santo e, segundo ela, estava com muitas
dificuldades que até fome estava passando, resolveu abandonar tudo. Foi nessa época
que uma amiga a convidou para ir à missa do padre Marcelo. Nessa missa,
ele falou uma coisa que tocou muito no meu coração. Para procurar
Jesus não precisava pagar. Daí, eu cheguei em casa (a cabeça da
gente é tão fraca)... cheguei em casa foi na quinta-feira... eu não me
esqueço. Mas na segunda-feira, eu fui para o espiritismo, que era o
dia que tinha trabalho.
A fala do padre Marcelo naquele momento tocou bastante nossa entrevistada,
embora o próprio padre também tenha um discurso que revela sincretismos. Isto
porque, numa missa celebrada por ele (em 04/12/2005), transmitida pela Rede Globo
de Televisão, ele se refere ao uso do sal para purificação. Ele deixou bem claro para
os assistentes que existem tanto pessoas quanto ambientes “carregados” de energia
negativa, e quando nos aproximamos delas sentimos algo diferente, um “arrepio”,
“um mal estar”, depois de lembrar isto, pediu que as pessoas ouvissem o seu
programa, transmitido pela Rádio Globo, às 9 horas da manhã, pois iria fazer a benção
do sal. Este sal seria utilizado para “purificar o ambiente”, para “purificar as pessoas”.
Ou seja, o próprio discurso do padre também está incorporando elementos simbólicos
de um outro universo, apropriando-se e dando um novo significado (Carranza, 2002).
Mas voltemos a Naira. Podemos ver que ela se encontrava num processo de
mudança, de busca, tentando ir ao encontro de algo que trouxesse maiores respostas
para seus anseios. É em decorrência desses questionamentos que ela se afasta do
centro de Umbanda, após ter pedido um sinal.
Aí eu falei, Jesus se tiver alguma coisa de errada aqui no espiritismo
que não é de agrado do senhor, eu quero que me mostre. E foi.
Coisa assim que eu nunca tinha visto... que eu... como que fala?
Estava o guia, e eu camboniava. Eu falei assim: eu quero que o
senhor me mostra. E o guia começou a falar um monte de coisa para
a pessoa que estava tomando passe. E aquilo... comecei a me
assustar. Depois daquilo eu cheguei em casa e falei pra minha irmã
(ela morava bem perto de mim). Eu falei: ‘nunca mais eu vou no
espiritismo’. Daí eu saí.
Para ela, havia a necessidade de um sinal, uma aprovação dada por Deus, para
ter certeza que a atitude que iria tomar era correta. Vemos que este processo se
intensifica até chegar o momento em que ela decide romper com os valores que até
então lhe eram significativos.
Com a decisão tomada, procurou novamente a amiga e foi à missa do padre
Marcelo. Sua amiga sugeriu que procurasse o frei, na paróquia onde hoje ela
freqüenta o grupo de oração. Procurou o frei para se confessar. Estava muito nervosa,
pois nunca havia se confessado antes. Por forças das circunstâncias, ela não conseguiu
falar com o frei no primeiro dia e nem tampouco no segundo. Somente no terceiro dia,
é que conseguiu pedir a confissão.
Daí, quando foi na terceira vez, quando eu fui entrar, o frei
Sebastião falou assim: ‘filha eu tenho que celebrar a missa agora’.
Aí eu falei: ‘frei se o senhor não me atender agora, eu estou
passando mal’. Isto, meu rosto até que estava um pimentão. Aí ele
falou: ‘entra aqui rapidinho’. Aí eu conversei e até que ele demorou
um pouco mais. Ele me atendeu e falou assim: ‘filha este lugar não
é do agrado de Deus’. Aí eu falei: ‘o que eu faço com as coisas que
eu tinha... tudo’. Aí ele falou: ‘joga tudo fora’. Foi o que eu fiz. Daí
ele falou: ‘vem na missa todo dia’.
Dessa forma, podemos ver que Naira buscou com a sua decisão mudar
totalmente uma situação existente, transformar os valores religiosos que até então
ofereciam, como sugere Berger (1985), um sistema explicativo e ordenador para os
fatos e situações vividos por ela. Seguindo a sugestão do frei, começou a freqüentar o
grupo de oração e a se dedicar muito à oração. Segundo ela, “a turma fala que quem
freqüenta o espiritismo vai lá pro fundo do poço. Eu cheguei até ir. Daí, eu comecei a
freqüentar o grupo de oração”. Este ir para o “fundo do poço” é significativo, pois
sugere que a pessoa reconhece estar numa situação insustentável e que o novo
momento vivido é muito diferente. Ou seja, a pessoa reconhece que houve uma
transformação em sua vida. Como vimos anteriormente, segundo a tese de Ciampa
(2001 a), a pessoa sempre está em processo de mudança, transformação. Entretanto,
no caso de Naira, ainda com resquícios de um pensamento mágico, de um Deus
antropomórfico e vingativo (Genia, 1990), ela acredita que sua saída do centro
espírita lhe trouxe conseqüências negativas. Como se estivesse sendo punida, pois ela
tinha um salão de beleza e não conseguia pagar o aluguel do salão e muito menos de
sua casa.
Vivendo tal situação, ela procurou uma pessoa na igreja que costuma dar
conselhos aos participantes do grupo de oração. Este é um senhor que também é
coordenador do grupo. Quando o grupo se reúne às quintas-feiras para a oração, ele se
dirige para o fundo da igreja e as pessoas o procuram para conversar. Foi através de
conversas com esse “conselheiro” que Naira sentiu a ajuda de Deus,
e foi através de conversar com ele que Jesus me ajudou muito. E
comecei... entrava cliente que eu não esperava e comecei a pagar
tudo. Foi um milagre, e, dentro de um mês, eu consegui pagar todos
os meus aluguéis atrasados. Era 600,00 reais por mês. Você imagina
quanto eu ganhei neste tempo. Vinha muito cliente. Trabalhei muito
e comecei a pagar todas as minhas contas.
Mais uma vez o pensamento mágico se revela, pois é como se ela fizesse uma
barganha com Deus, ou seja, ‘intensifico as orações e o senhor me retribui com algo’.
A retribuição que ela sente receber de Deus são os clientes que a procuram para que
ela consiga o dinheiro para saldar as suas dívidas.
Após a conversão ao grupo de oração e com sua vida se estabilizando, Naira
passa a freqüentar retiros e experiências de oração com muita fé. Já está no grupo há 7
anos. Como ela se dedicou muito à oração, tornou-se intercessora e recebeu alguns
dons.
O dom de línguas foi o primeiro dom que eu recebi, ele é o primeiro
dom que a pessoa recebe. Eu não recebi no grupo de oração... eu
recebi na Canção Nova com o padre Degrandis. Foi na missa dele
que eu recebi esse dom.
Além do dom de línguas, ela possui o dom de cura e o de visualização. Este se
caracteriza pela capacidade da pessoa “saber” através de uma “visualização” para
quem Jesus deseja que a oração seja feita. Segundo ela, somente aquele que deseja é
que recebe o dom de línguas. E aqueles que oram em línguas não sabem o que falam
porque é o Espírito Santo quem age na pessoa.
Na oração em línguas eu sinto a presença de Deus. Muito a presença
de Deus. A gente não sabe o que está rezando porque é o Espírito
Santo que reza na gente. Ninguém sabe o que está rezando, ninguém
que reza no dom de línguas sabe o que está rezando.
Observando seu discurso, podemos verificar a confirmação do que já
afirmamos anteriormente sobre o dom de línguas, como o primeiro a ser recebido e
como um fenômeno que tem sua origem no Espírito Santo, considerado o principal
agente. Naira chega a descrever as transformações fisiológicas que sentira ao receber
o dom:
quando a gente recebe o dom; ... eu senti um arrepio dos pés à
cabeça e um calor que não tem explicação. Só quem passa é que
sabe. É a presença do Espírito Santo mesmo. Quando você recebe o
dom, você fala ‘aleluia, aleluia’ ou ‘Maria, Maria’ e eu comecei
com Maria, Maria. E no dia que eu recebi, a gente percebe que a
língua muda. Não ocorre grandes mudanças como o evangélico fala,
não acontece.
Aqui, Naira além de fazer referência ao que sentiu também se refere aos
evangélicos. Não podemos esquecer que foi através do movimento pentecostal
protestante que a Igreja Católica conheceu o novo desabrochar pentecostal com os
seus fiéis. Ela reconhece que, mesmo freqüentando o grupo de oração e tendo o
carisma do dom de línguas, passou por muitas dificuldades, mas como ela mesma
disse: “se você tiver Deus, você acredita que Deus vai te ajudar”. E é nessas
dificuldades em que mais se sente a presença de Jesus, pois segundo ela, quem está
“tudo numa boa (...) não está sentindo a presença de Deus”.
Segundo ela, sente que houve muitas mudanças, principalmente a de estar
mais calma, ter arrumado mais amizades, pois participa do grupo de oração de sua
paróquia e também em outra igreja que vai às sextas-feiras, citando o nome de outro
sacerdote.
Ainda sobre o dom de línguas e também a profecia ela nos diz:
quando estamos rezando em línguas e está muito profundo, vem o
cântico em línguas, às vezes vem também a profecia. Eu não tive,
mas tem gente que tem e é a hora que Jesus fala. Pra mim, o grupo
de oração mudou muito a minha vida. Tudo o que eu vou fazer, eu
primeiro rezo e peço a Jesus. Sempre falo assim: ‘se não for de
Deus, que afaste de mim’. Alguma coisa de errado eu sinto. Se não
deve ir, não vai. É a presença do Espírito Santo. É a presença do
Espírito Santo que ilumina de fazer este tipo de coisa.
Tanto é assim na sua vida que, após terminarmos a gravação do seu
depoimento, ela me confessou que rezou e pediu a Jesus para mostrar se era do desejo
Dele que concedesse a entrevista. Pois, se não fosse do desejo Dele, aconteceria
algum imprevisto que impediria a minha ida até a igreja, o local marcado por ela para
a entrevista. Novamente se faz presente o pensamento mágico. Acredito que só houve
uma mudança de lugar, do centro espírita para a igreja. Antes era “cambona”, agora
intercessora. Antes teria que desenvolver e incorporar os guias (entidades espirituais),
agora, através do Espírito Santo, fala línguas que desconhece, mas acredita estar
fazendo uma oração movida pelo Espírito Santo. Isto sugere que ela somente assumiu
o universo simbólico do grupo que participa (Habermas, 1990). Antes era o grupo da
Umbanda, agora é o grupo de oração da Igreja Católica. O que a fez procurar a
Umbanda foi o desejo de arrumar um namorado, já que todas as vezes que tentava não
dava certo. Quando saiu do centro, achava que as coisas não estavam satisfatórias,
mas com a ida às missas e ao grupo, tudo voltou a melhorar, até o aspecto financeiro.
Cabe lembrar, neste momento, o estudo de Vicky Genia (1990), em que é feita uma
análise sobre estágios que descrevem o amadurecimento das pessoas com relação à fé.
A pessoa de fé egocêntrica visa somente suas necessidades pessoais, Deus é visto de
uma forma antropomórfica e a oração tem um caráter mágico e de petição.
Como foi visto, a identidade é construída no processo dialético entre o homem
e a sociedade, é dinâmica, está em constante transformação (Ciampa, 2001a). Houve
mudanças, não podemos negar, mas agora que ela pertence a este grupo, quais
transformações significativas estão ocorrendo? Ou somente há uma reposição do
personagem agora construído, o de carismático que possui o dom de línguas?
Naira entende que a mudança ocorrida de um grupo religioso para outro é uma
transformação, ela acredita que muita coisa mudou em sua vida. “Mudei muito, estou
mais calma, continuo ... sei lá. A gente tem mais amizade”. Aparece muito claro o
aspecto afetivo do estar calma e ter mais amizades. Mas qual transformação
significativa um movimento emancipatório? Será o próprio dom de línguas o sinal
desta transformação?
4.2.2. A história religiosa de Rodrigo
“Deus proverá”
Rodrigo é casado, tem 44 anos, também se considera da classe média, tem
ensino superior completo, exercendo a profissão de advogado. Seus pais são católicos
e sua esposa também. Ele também marcou a entrevista para ser realizada na igreja. Na
verdade, a entrevista se deu na secretaria, um pouco antes da missa dominical.
Assim como Naira, Rodrigo antes de freqüentar o grupo de oração da
Renovação Carismática passou por outras experiências religiosas. Rodrigo disse ter
freqüentado a Igreja, mas andou afastado. Recebeu convites do irmão “pastor na
igreja batista protestante”, além de ter freqüentado o espiritismo “numa tentativa de
resolver problemas filosóficos relacionados à morte”. Entretanto, diz não ter
conseguido respostas. “É uma doutrina que eu respeito, mas não me preencheu”.
Além de estar afastado da Igreja Católica, ainda fazia pouco caso, pois sua irmã
pertencia à RCC. Porém, quando começou a passar dificuldades, recorreu à Igreja.
Chegou a perder sua casa, trabalho e o escritório, e não conseguia encontrar pessoas
que necessitassem de seus préstimos. Certo domingo foi à missa, na igreja de Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro, mas não conseguiu permanecer até o final. Olhou para
a imagem de nossa senhora e disse entregar tudo a ela, para ver se recebia ajuda dos
céus. Quando saiu da igreja e andava pela praça, sentiu-se desesperado, sem algo com
que se ocupar, seu telefone celular toca. Era um antigo sócio. Pedia que fosse para
casa e ligasse para ele. Ao chegar em casa, ligou para o colega de trabalho que lhe
disse haver uma pessoa que necessitava de um advogado, mas que o contato teria que
ser naquela hora, em pleno domingo. Ele foi até o possível cliente e conseguiu firmar
um contrato com essa pessoa. Os honorários cobrados já serviram para pagar parte
das dívidas. Isto ocorreu ainda no Rio de Janeiro. Rodrigo casou-se e mudou-se para
São Paulo. Foi sua esposa que o convidou para participar mais profundamente da
Igreja.
Ela me convidou para um Cenáculo, uma reunião, em Santo André,
onde fui eu e gostei profundamente. O mais importante de tudo isso
é que eu descobri na Renovação Carismática uma nova fórmula de
relacionar-me com Deus.
Veja que Rodrigo busca na Igreja uma solução de seus problemas, pagamento
das dívidas. Depois, ao começar participar, já sente uma mudança e diz gostar. Ou
seja, algo está mexendo com ele para que as transformações sejam sentidas, a ponto
de ele afirmar que:
Seja através dos louvores, ou seja através do dons das línguas, que é
o menor dos dons que o Espírito Santo dá na Renovação
Carismática, que é parte da Igreja Católica. Me trouxe paz, me
trouxe serenidade e principalmente ela quebrou aquela ansiedade
contínua que eu tinha antes de freqüentar mais amiúde a Igreja.
Ansiedade, que atualmente, segundo ele, já é bem menos intensa do que antes,
pois agora o que sente é paz, serenidade. Isto é, um indivíduo em busca de mudança
interior, de respostas para seus questionamentos, que, de certa forma, as está
encontrando, ou tendo parte dos seus desejos realizados. Outro fato interessante de se
mencionar é que a entrevista foi marcada no grupo de oração, na quinta-feira à noite,
para ser realizada no domingo de manhã antes da missa que ele freqüenta. Parece-me
que, neste meio tempo, ele procurou se preparar para a entrevista, pois quis justificar
sua experiência religiosa citando Carl Gustav Jung. Disse também que poderia falar
de William James. Falei que não era necessário, que o importante era falar do que
ocorreu com ele antes e depois de pertencer à RCC. Vejamos o que ele disse:
e outra coisa que eu achei muito interessante, e está relacionada com
Carl Jung, que é a experiência espiritual. Quando eu tive esta
primeira experiência espiritual na Renovação Carismática, eu
consegui de alguma forma reduzir meu ego e a partir daí eu comecei
a entender o mundo e a verificar de uma forma diferente.
Vejam que ele procurou a psicologia para dar um respaldo à sua experiência
espiritual, como se assim pudesse dar um aval de que o que tinha ocorrido com ele era
algo que a ciência já teria tratado e assim pudesse ser justificado.
Ao falar do dom de línguas, ele procurou justificar e defender e, para isso,
utilizou a palavra histeria.
Através do dom de línguas que muito me acalma, não é uma histeria
coletiva. As pessoas pensam que o dom de línguas, que a pessoa
está falando línguas estranhas, a comunidade é uma histeria
coletiva. Não é uma histeria coletiva, é uma obra pura do Espírito
Santo.
O dom de línguas para ele é algo que o acalma, como se fosse uma espécie de
catarse e logo procurou fazer uma apologia do dom, ressaltando que não se trata de
histeria, como acredita que a maioria das pessoas pensa. Isto porque, como já vimos
anteriormente, se trata de um fenômeno controvertido até mesmo nas comunidades
onde há grupos de oração. As demais pessoas que participam da Igreja e dos demais
movimentos não entendem o que ocorre com os participantes dos grupos de oração.
Quando eu insisti para que ele me falasse das mudanças que ocorreram com ele,
obtive o seguinte relato:
mudou na quebra da ansiedade. Eu era uma pessoa extremamente
ansiosa. Eu não conseguia aquietar a minha alma, era sedento de
Deus, embora eu fiquei um período da minha vida afastado de Deus.
Eu tive contato com outras religiões, mas ... não foi tão mais
profundo como eu tive com esta. O ser humano busca de alguma
forma encontrar a paz para ele. E eu fui encontrar na Igreja Católica
através da Renovação Carismática.
Novamente nosso entrevistado volta a salientar algo que está intimamente
relacionado com seu aspecto psicológico e existencial, a procura de paz e de Deus. Ao
falar do dom de línguas, diz não ser algo mágico e dá a explicação que todos estão
acostumados a falar, ou seja, que é o Espírito Santo agindo na pessoa a partir do
momento que ela já não pode mais com palavras racionais louvar a Deus.
O dom de línguas é um dom primário, o menor que o Espirito Santo
dá. Significa que quando eu estou falando em línguas louvando a
Deus, junto com os anjos e arcanjos. Não é uma coisa mágica, eu
não peço para falar em línguas. Simplesmente na hora que começa o
louvor eu começo a falar, a orar em línguas. Significa, aquilo ... no
momento que eu não consigo me expressar, o Espírito Santo vem e
me socorre e eu começo a louvar a Deus, mais amiúde a Deus.
Notei que a maioria dos glossólalos começa a falar, a orar em línguas, somente
a partir do momento em que a pessoa que está presidindo as orações começa a
manifestar o dom de línguas, como se nesta hora ocorresse um contágio, ou até
mesmo uma espécie de mantra (Aldunate, 1977).
Outro aspecto interessante no depoimento de Rodrigo, é que ele sente que está
mais próximo de Deus com a oração em línguas e, ao mesmo tempo, ela é um socorro
prestado por Deus para que a pessoa possa louvá-Lo.
Com relação a outras mudanças, ele diz que as relações interpessoais
melhoraram muito, além de ver melhoras também na sua ansiedade e agressividade.
Em relação às outras pessoas, eu me tornei uma pessoa menos
agressiva, e como eu disse, eu era ansioso e a ansiedade gera
agressividade... e à medida que você não consegue respostas para
aquilo que você está buscando. Eu acredito que a minha vida mudou
do vinho pra água. Não da água pro vinho, mas do vinho pra água.
Principalmente nas relações interpessoais, eu era uma pessoa
fechada, eu tinha meus amigos, eu selecionava as minhas amizades.
E com o advento da Renovação eu comecei a me abrir mais para os
outros. E para a possibilidade de viver mais intensamente esta vida.
Para Rodrigo, o dom de línguas “é um sinal de Deus, aliás, de Deus e do
Espírito Santo, que são três pessoas distintas, mas uma só”. Dom recebido através do
seu Batismo no Espírito Santo, que, como ressaltou, é diferente do Batismo na água,
quando a pessoa se torna membro da Igreja e é realizado comumente quando o
indivíduo é criança. É através do batismo no Espírito que a pessoa reconhece o sinal
de Deus em sua vida, como se fosse uma aprovação de Deus, em virtude das
mudanças que a pessoa fez em procura do próprio Deus. O batismo no Espírito é
feito através de orações, também em línguas. Que eu recebo o
Espírito Santo na minha vida. Simbolicamente no meu coração, na
minha vida, no meu todo. E constantemente sou batizado no
Espírito Santo.
A ação do Espírito, segundo Rodrigo, é freqüente na sua vida e é através da
participação na comunidade e na oração em línguas que ele vai cada vez mais se
transformando e tendo mais fé em Deus. Por isso, ele só tem a agradecer a Deus e à
Igreja por tudo aquilo que ele é e faz atualmente.
Se levarmos em consideração o estudo sobre os estágios de amadurecimento
da fé (Genia, 1990), pode-se perceber que Rodrigo também está num estágio
denominado de fé egocêntrica. Está voltado principalmente nas suas necessidades. A
relação com Deus é na base da “barganha”. Quando estava com dificuldades, foi à
igreja para pedir que tudo fosse resolvido, e viu seu pedido ser atendido, quando no
mesmo dia conseguiu arrumar um cliente. No testemunho que deu na igreja, no
momento do grupo de oração, frisou várias vezes que se houvesse uma fé muito forte
e se a pessoa se abandonasse aos cuidados de Deus, tudo seria resolvido.
Rodrigo antes de participar da RCC, não via sentido nos carismáticos, mas
quando teve suas necessidades realizadas, mudou sua concepção e passou a olhar o
movimento de uma outra forma. Além disso, estava numa procura de sentido para sua
vida. Abandonou a igreja e procurou suas respostas no espiritismo, em um momento
de crise existencial e filosófica com questões relacionadas à morte.
Para ele, o dom de línguas é algo que o acalma, embora frise que, para as
pessoas que não conhecem o grupo carismático, tudo o que acontece no grupo poderia
parecer uma histeria coletiva. Para ele, a transformação que a glossolalia lhe trouxe
está relacionada também a aspectos psicológicos, ou seja, essa manifestação lhe traz
calma, pois se considerava agressivo. A agressão ocorria porque era ansioso. Ou seja,
ele se sente satisfeito, como se tivesse ocorrido uma catarse. Podemos notar que
Rodrigo aparentemente expressa o processo denominado por Ciampa (2001a) de
mesmice, repondo seu personagem de convertido que agora é feliz porque louva a
Deus, e sente Sua presença em sua vida. A superação dos personagens que ele
desempenha, em sua vida em constante transformação, encaminhando-se para uma
emancipação, parece que ainda não está em vias de ocorrer. O que podemos notar são
pequenas transformações, mas sem grandes mudanças de significado. Para ele,
ocorreu sim uma transformação, uma metamorfose de sua vida, e esta transformação é
sinalizada com o dom de línguas
4.2.3. A história religiosa de Fabiano
“Católico por opção”
Nosso terceiro entrevistado começou seu depoimento da seguinte forma:
meu nome é Fabiano, tenho 28 anos, sou casado, tenho dois filhos.
Minha formação... sou formado em matemática. Sou bacharel em
matemática e trabalho como analista de sistemas. E sirvo na
paróquia (...) em São Bernardo como ministro extraordinário da
Eucaristia e também ajudo no grupo de oração da Renovação
Carismática.
Note que ele começa pelo nome, como qualquer pessoa que vai se apresentar à
outra. Pois no primeiro contato é o nome que sinaliza quem a pessoa é. “Está claro
que o nome não é a identidade; é uma representação dela” (Ciampa, 2001a, p. 132). O
nome funciona como se fosse um “carimbo” que nos identifica.
Dos três participantes entrevistados, somente Fabiano sempre participou das
atividades desenvolvidas na igreja, embora só tivesse despertado para a fé na
juventude, quando passou a freqüentar o grupo de jovens. Ele diz que “até então era
católico por herança. Porque meus avós eram, meus pais são e eu também era”. A
partir do momento que faz o sacramento da crisma, começa a participar de grupos de
jovens, e desde este momento passou a ter contato com o grupo de oração, pois seu
irmão já participava.
Já havia ido em alguns cenáculos, da Renovação em São Paulo no
estádio do Morumbi, ainda não participava do grupo de oração, mas
já havia tido algum contato. Não sabia direito do que se tratava, era
bem jovem tinha 13 anos. Mas, a partir de 90, comecei a freqüentar
o grupo de oração de quinta-feira à noite. E no começo tinha várias
dúvidas, não entendia direito o dom das línguas. Mas era uma coisa
legal, era uma coisa gostosa.
Note que desde adolescente ele participa das atividades ligadas ao grupo de
oração. Diz ter dúvidas, como é freqüente nesta idade, ou seja, os questionamentos e
dúvidas relacionadas à fé, embora ele já tivesse se crismado, e ter dito que não era
mais católico por herança, mas por opção.
Outro fato que nos chama a atenção é que para ele o dom de línguas, embora
estranho, é algo legal e gostoso. A parte emocional está falando mais forte, pois de
certa forma ocorre uma satisfação, mesmo que o fenômeno não seja entendido nesse
momento. Entretanto, para poder participar da escola e depois freqüentar a faculdade,
ele disse que precisou se afastar. Somente após o término da faculdade em 2000,
ocorre o retorno para o grupo de oração e para outras atividades desenvolvidas por
sua paróquia. Para Fabiano, o dom de línguas é um carisma concedido por Deus.
Desde o inicio eu tive a graça de Deus me conceder este dom. Que é
o menor dos carismas, é a porta de entrada dos demais carismas.
Então, eu me abri aos carismas, à ação do Espirito Santo, dentro
desta espiritualidade carismática. Então, hoje o grupo de oração pra
mim é uma necessidade.
Fabiano vê o grupo carismático como uma necessidade para sua vida. Abriu-se
aos carismas, ou seja, aos dons que considera concedidos por Deus, sendo que o
principal para todo carismático é o dom de línguas. Dom que fez a marca, o sinal do
próprio despertar do movimento pentecostal na Igreja Católica, e é o primeiro carisma
que o participante dos grupos de oração recebe, como se fosse uma chancela dada por
Deus àquele que se converte e vive mais profundamente a espiritualidade carismática.
Além do grupo de oração, ele tem experiências com outros movimentos, incluindo
uma comunidade neocatecumenal.
Para ele, o grupo de oração lhe dá a oportunidade de estar mais perto de Deus,
numa experiência diária através da oração. É o momento de vivenciar isso com a
comunidade. Além disso, vê o grupo de oração como um serviço que presta à Igreja e
a Deus.
Como um dos coordenadores, eu encaro o grupo de oração também
como um serviço a Jesus Cristo, à sua Igreja. Tem esta importância
também quanto à minha missão, ao meu papel, à minha função
dentro da Igreja hoje. Então, é uma forma de eu colaborar com a
Igreja Universal, a colaborar com outras pessoas a conhecer Jesus
Cristo.
Veja a utilização clara da palavra papel, que entendemos como padrão social,
o mesmo termo utilizado por Ciampa (2001 a) para explicar que desempenhamos
funções no grupo social, e que em virtude do papel social que temos a sociedade
espera que nos comportemos de uma forma que é inerente ao papel. Fabiano entende
que o seu papel é o de colaborador da Igreja.
Quanto ao dom de línguas, ele cita a carta de S. Paulo aos Romanos 8, 26-27
para poder dar uma explicação com uma fundamentação maior, ou seja, recorre à
autoridade bíblica para sustentar sua argumentação. Ele diz que chegou à conclusão
que “o dom das línguas é um dom de oração, é um dom de serviço, é um dom de
edificação pessoal”. Ao falar que é algo que traz edificação pessoal podemos nos
lembrar o que diz Vicky Genia (1990) sobre a fé que só procura a satisfação pessoal.
Embora cite a Bíblia e procure ter todo um discurso teológico bem estruturado, sua
religiosidade demonstra sua preocupação com a “edificação pessoal”. Ou seja, que ele
ainda está num estágio de fé que mostra que o indivíduo ainda está voltado muito para
si, necessitando ainda uma transformação para se abrir ao outro.
Como ele já havia mencionado no início o dom de línguas era algo estranho e
confuso que o levava a algumas dúvidas “será que eu oro mesmo, será que eu não
estou inventando da minha cabeça”. Mas com o passar do tempo, segundo ele, a
palavra de Deus o orientou e esclareceu sobre o dom de línguas.
Eu passei a me abrir e experimentar cada vez mais o dom das
línguas e perceber realmente como a minha vida começou a se
transformar. Como o meu relacionamento com Deus foi
transformado.
A primeira transformação que ele notou em sua vida foi com relação ao seu
relacionamento com Deus. A oração em línguas o levou a ter um contato mais
profundo com Deus, a experienciá-Lo de forma diferente. O relacionamento com
Deus lhe proporcionou também uma mudança em sua vida.
Segundo Fabiano, “ninguém permanece o mesmo consigo mesmo e com os
outros depois dessa experiência de Deus”. Pois, não só houve mudança no seu
relacionamento com Deus, mas também com as pessoas. Esta transformação também
ocorreu porque, ao participar de retiros, houve uma ênfase dos pregadores na questão
do perdão. Levando a mensagem ouvida em consideração, ele procura aplicá-la em
sua vida, por isso, para ele a transformação também acontece à medida que ele hoje
perdoa mais do que antes.
Vejo que o maior desafio, pra mim, de amar, é dentro de casa, de
viver o amor, a comunhão, é dentro de casa com minha esposa.
Porque lá realmente eu não tenho nenhum tipo de... de... como
posso dizer? Mascaras, né? Que lá na nossa casa, nós somos
realmente quem somos. Às vezes na igreja, ou no trabalho devido a
situações, devido a circunstâncias, você acaba não demonstrando
tudo aquilo que você é sendo cem por cento sincero, porque você
tem os relacionamentos, não sabe como as pessoas vão agir, você
tem um objetivo de trabalho, você tem o objetivo de um serviço.
A palavra utilizada é “máscaras”, isto nos lembra a questão do personagem
que Ciampa (2001a, 2001b) utiliza para nos falar que ao mesmo tempo somos autores
e personagens em nossa história de vida, e que temos várias formas de nos apresentar
para as pessoas, ou seja, construímos personagens e vivemos papéis que nos são
dados e assumidos. Ao falar isso, “das máscaras”, nosso entrevistado parece ficar
meio embaraçado, gastando um tempo para se justificar. Pois, parece não entender
que nas nossas relações com os outros não nos apresentamos como possuidor somente
de um papel. Pois, em virtude de determinadas condições objetivas, revelamos a uma
pessoa uma personagem e ocultamos outras (Ciampa, 2001a).
Para Fabiano, o dom de língua “é um sinal de Deus, porque é uma
manifestação de Deus”, mas não quer dizer que aqueles que têm o dom são diferentes
daqueles que não têm “porém a manifestação dos carismas sem dúvida é um sinal de
Deus na vida das pessoas”.
Ao terminar seu depoimento, ele fala que sempre foi católico, mas sempre
questionou, pois acha sadio este questionamento, embora não tenha tido a necessidade
e a curiosidade de buscar respostas em outras religiões. “Desde a minha juventude,
em relação às posições da Igreja, eu nunca senti a Igreja me podando, me
prejudicando, mas ao contrário eu sempre senti a Igreja me educando. Aquela mãe
que ama e que quer o bem dos seus filhos”.
Fabiano parece ser aquele que mais representa o discurso oficial da Igreja.
Talvez, por ele ser ministro extraordinário da Eucaristia. Mas, neste trecho, seu
discurso sugere uma fé dogmática (Genia, 1990). O indivíduo que vive uma fé
dogmática, se apóia na autoridade das escrituras que são interpretadas literalmente e
seu conteúdo é absolutizado. O indivíduo se identifica com o grupo religioso e a
autoridade do mesmo não é questionada.
4.3. Algumas reflexões sobre as histórias religiosas de Naira, Rodrigo e
Fabiano
Os pressupostos teóricos explanados no decorrer desta pesquisa, acrescentados
às informações colhidas nos depoimentos de Naira, Rodrigo e Fabiano, possibilitaram
algumas reflexões expostas no capítulo anterior e agora nas considerações finais.
Com certeza este trabalho não tem a pretensão de esgotar o assunto da
glossolalia e os aspectos da subjetividade humana.
Os carismáticos entrevistados afirmam que houve grandes transformações em
suas vidas. Se analisarmos que os entrevistados freqüentam o grupo há 4 anos, 7 anos
ou mais como o caso de Fabiano, podemos ver nesta perseverança um indicativo da
mudança psicológica que ocorreu com estes participantes. Para eles estas mudanças
estão relacionadas à sua participação com maior vigor na Igreja Católica, dentro do
grupo carismático. Coloco em dúvida este dado, pois eles já participavam de grupos
religiosos, o que houve, principalmente com Naira e Rodrigo, foi uma busca de
soluções para seus problemas pessoais.
Muitas pessoas que participam dos grupos de oração já freqüentaram outras
religiões, se desencantaram ou não encontraram o que procuravam, só encontrando
suas respostas no grupo de oração. Mas por que ocorre isto? Será que são pessoas
que, segundo vimos com Genia (1990), ainda não têm uma fé madura? A fé madura
se caracteriza pelo despojamento de egocentrismo, pensamentos mágicos, conceitos
antropomórficos de Deus. A pessoa está aberta a outros pontos de vista religiosos, é
mais tolerante e tem uma preocupação social muito maior, ou seja, está voltada para
os interesses humanitários. Veja que dos três entrevistados somente um tinha uma
experiência desde a infância na Igreja Católica. Rodrigo procurou o espiritismo para
conseguir respostas para seus problemas espirituais, e Naira procurou a Umbanda,
porque seus namoros não davam certo. Isto é, buscam sanar necessidades pessoais.
Já com relação à participação nos grupos religiosos, não vêm nenhuma
contradição quanto à participação em cultos afro-brasileiros (Carranza, 2002) e nas
celebrações da Igreja Católica. É o que acontecia com Naira, que embora tivesse até
uma função (cambona) no centro espírita, também freqüentava as missas na Igreja.
Outro aspecto interessante é que embora nos grupo de oração haja uma
valorização da leitura da Bíblia, nos depoimentos de Naira e Rodrigo eles não se
referem a nenhuma passagem bíblica. Este comportamento está relacionado às
pessoas que possuem uma fé egocêntrica, já que não buscam apoio no dogma e nas
escrituras. Fabiano, que sempre esteve participando da Igreja demonstra ter uma fé
dogmática e aponta as transformações que sofreu após sua participação no grupo de
oração também relacionadas com a questão afetiva, de aceitar o outro e ser mais
paciente, exercendo com maior freqüência o perdão, que é ensinado pela doutrina da
Igreja.
Com relação à glossolalia, os carismáticos até descrevem alterações
fisiológicas que sentem quando da ação do Espírito Santo. É o caso de Naira, ao dizer
que quando recebeu o dom sentiu um “arrepio dos pés à cabeça e um calor que não
tem explicação e só quem passa é que sabe”. Demonstrando que a experiência é
intensa, acompanhada de uma mudança do que chamamos como estado “normal”, ou
seja, um estado alterado de consciência, como disse Valle (2004).
Nas minhas observações, constatei que somente após o celebrante, ou quem
coordena a oração, começar a orar em línguas é que os demais passam a também se
comportar da mesma forma. Ou seja, parece mais um contágio, ou como disse
Samarin (1969) um comportamento aprendido. Veja que para os carismáticos
começarem a orar em línguas é necessário que passem pelos “Seminários de Vida no
Espírito” (Degrandis, 1999) demonstrando que necessitam “aprender” como orar em
línguas.
Mesmo sendo um comportamento aprendido eles estão num estado alterado de
consciência (Valle, 2004), mas não estão em transe (Hine, 1969), e sim num estado de
êxtase (Mendonça, 1984). Lembro que até fiz uma distinção entre transe e êxtase
apoiado em Lewis (1977) e Santos (2004).
Parece interessante lembrar que todos os entrevistados disseram estar calmos,
deixaram de ser ansiosos, estão menos nervosos com os outros. Rodrigo insiste dizer
que sua ansiedade acabou. Laurentin (1977) nos explicou que a glossolalia tem uma
função libertadora dos recalques, bloqueios e alienações psíquicas. Por isso, as
pessoas se sentem melhor a partir do momento em que experienciam este fenômeno.
Esta pesquisa aconteceu porque eu me questionava sempre que via ou sabia da
atuação dos grupos carismáticos. Nas suas reuniões, se impõem as mãos e operam-se
curas, falam-se línguas, tiram-se demônios, tudo pelo Espírito Santo, segundo eles.
Como poderia alguém afirmar falar línguas pelo dom do Espírito Santo se nem quem
emite os sons, nem quem os ouve, entende? Como se poderia chamar isto de língua?
Eram questões que me incomodavam.
Sabemos que os carismáticos fundamentam suas ações no texto bíblico dos
Atos dos Apóstolos, onde aparece o dom de línguas em Pentecostes (At 2,5-13).
Entretanto, não podemos fazer uma interpretação mágica ou fundamentalista destes
trechos. É o que nos ensina o estudo de Genia (1990). Os teólogos costumam
interpretar esta passagem com outra perspectiva. Eles nos dizem que o que Lucas nos
transmite nos Atos é que o falar em todas as línguas do mundo é uma restauração da
unidade perdida em Babel (Gn 11,1-9), é uma antecipação da missão universal dos
apóstolos. Em Babel o orgulho separou, em Pentecostes o amor uniu. Ou seja, na
diversidade dos povos vê-se a unidade de Jesus Cristo.
Os carismáticos se fundamentam freqüentemente em Paulo, principalmente
nas cartas aos Corintios, quando fala dos dons do Espírito Santo. Mas o próprio
apóstolo diz: “suponde agora, irmãos, que eu vá ter convosco, falando em línguas:
como vos serei útil, se a minha palavra não vos levar nem revelação, nem ciência,
nem profecia, nem ensinamento?” (1Cor 14,6).
E Paulo continua a explicação fazendo uma comparação com os instrumentos
musicais: é preciso saber distinguir o som de cada um deles. Em nossos dias, ninguém
reagiria se não soubesse distinguir entre o som do alarme e o apito de uma fábrica,
entre a sirene da ambulância, bombeiros, polícia e a buzina de um carro.
Mas, adiante Paulo, continua dizendo: “Se oro em línguas, o meu espírito está
em oração, mas a minha inteligência nenhum fruto colhe” (1Cor 14,14). Por que a
inteligência não pode assimilar nada? Ora, porque a pessoa está em estado alterado de
consciência (Valle, 2004). Paulo continua dizendo na mesma carta aos Corintios:
“Numa assembléia, prefiro dizer cinco palavras com a minha inteligência, para
instruir também os outros, a dizer dez mil palavras em línguas” (1Cor 14,19).
Ora, nas cerimônias carismáticas fica claro que o falar línguas é estéril para
quem ouve. E dá a impressão que se faz a oração por puro exibicionismo. Isto só
acontece porque a própria dinâmica dos encontros favorece. Produz um ambiente
sugestivo, contagiante, induzindo os participantes a se comportarem conforme a visão
possuída pelo grupo.
São estas questões que me levaram a elaborar esta pesquisa, em que pude
realmente estudar o tema e desenvolver uma pesquisa científica com objetividade. As
interrogações que tinha, e as possíveis explicações que dava são frutos de um
incômodo, de uma inquietação que necessitavam de resposta. No momento eram
explicações que surgiram de uma forma a priori e que requeriam um aprofundamento
cientifico para não ficarem no campo da opinião.
Para compreendermos melhor a questão da glossolalia nos grupos carismáticos
se fez necessário entender que o ser humano constrói a realidade em que está inserido.
E que esta realidade criada por ele também trará influências sobre ele mesmo, (Berger
e Luckmann, 1974), e desta forma, como vimos, as pessoas podem estar somente
desempenhando um papel (padrão social) de uma forma particular, o personagem
(Ciampa, 2001 a) no grupo carismático. Ou seja, através do batismo no Espírito o
indivíduo começa a orar em línguas, mas isto na verdade é somente uma “marca” do
grupo. Pois como vimos, a construção da identidade, além das características próprias
do indivíduo ainda carrega algo que é do grupo (relação dialética
indivíduo/sociedade).
5 . Considerações finais
Confesso que o contato com o grupo de oração e a entrevistas realizadas com
estes três carismáticos também transformou minha visão sobre o grupo de oração. A
busca de compreensão e o encontro com o outro também me modificou e me ensinou
que cada pessoa tem seu universo simbólico e que não há um certo e um errado. O
que há são formas diversas de ver a realidade. Devo sim, é me abrir para a
compreensão do outro e ter uma abertura para expandir minhas fronteiras na busca de
sentido para a realidade e para as pessoas que constituem esta realidade.
O universo religioso é uma dimensão importante para a maioria das pessoas.
Por isso, a compreensão que fazemos deste universo, dos símbolos e da linguagem
utilizada, nos ajuda na compreensão destas pessoas. E como todos nós participamos
de um grupo social, sabemos que todos são atingidos de uma forma ou de outra por
este universo religioso. Tanto aquele que é crente, como aquele que se diz não crer
em nada. Segundo Genia (1990), a fé amadurecida é aquela que se abre na
compreensão aos demais, o indivíduo com fé amadurecida esta preocupado com as
questões sociais e com tudo o que diz respeito ao ser humano, sem se deixar amarrar
por dogmas. Ele não quer fazer um proselitismo e dizer que a sua maneira de ver o
mundo é correta e que as demais estão erradas. E no caso da glossolalia que
estudamos não podemos vê-la como algo patológico, sem sentido. Devemos sim,
procurar reconhecer que é uma forma do indivíduo viver a sua fé, de interpretar a
realidade que o cerca e de se ajustar ao mundo que está ao seu redor. Mas o
indivíduo que está vivenciando a sua fé no grupo carismático e tem o “dom de
línguas”, deve procurar cada vez mais amadurecer na fé, afim de conseguir realmente
se abrir aos outros. Pois se ele fica fechado nas suas necessidades, buscando somente
a sua realização estará fixado num estágio de fé egocêntrica ou dogmática, deixando
de crescer como indivíduo e de transformar a realidade.
Os carismáticos e principalmente o glossólalo para viver a fé que professam
no Espírito Santo e nos carismas poderiam buscar cada vez mais o amadurecimento
da fé, a abertura para os outros e a compreensão dos universos simbólicos que estão
presentes nas demais doutrinas e fé das pessoas, sem procurar fazer proselitismo.
Diante destes fatos podemos verificar que o relacionamento com Deus no
movimento carismático não difere muito do que ocorre no catolicismo tradicional.
Parece que existe somente uma nova “roupagem”. Embora devemos considerar que
na RCC existe diferentes exemplos de comportamentos, não podemos generalizar.
Mas diante do que foi analisado podemos atribuir tal comportamento a expressiva
parcela da RCC. Isso obrigou a CNBB a produzir o Documento 53 que chama a
atenção dos participantes da RCC para evitar práticas cujo radicalismo não está de
acordo com a doutrina da Igreja. Os dons de profetizar, curar, praticar exorcismo e
falar em línguas, são considerados possíveis pela hierarquia, mas aparecem como
dons extraordinários, reservados para momentos e pessoas preparadas, não devendo
ser utilizados amplarmente afim de que não sejam vulgarizados.
Como vimos o ser humano tem uma necessidade inerente de buscar algo que
transcenda a natureza humana, busca uma relação com a divindade. E tanto para o
Cristianismo, como para outras religiões, este relacionamento depende da conquista
da dignidade humana. Embora seja uma questão de fé, devemos levar em
consideração, que toda expressão de fé em Deus só tem razão de ser à medida que ela
seja manifestada por uma práxis cotidiana.
A RCC pode ser um instrumento de ligação do homem com Deus esta ligação
pode parecer mais claramente nos dons que são manifestados especialmente o dom de
línguas. E a Igreja aceita isto, os estudos que foram feitos e o próprio documento da
hierarquia. Mas enquanto uma grande parcela de participantes não transcender ao
simbolismo gestual (mãos levantadas, olhos cerrados, danças, lágrimas) e
permanecerem na mera emotividade, a RCC não passará de uma “válvula de escape”
para o vazio de significado do homem.
Estas pessoas que participam buscam significado, buscam algo para suas
vidas, buscam uma transformação na sua subjetividade, na sua identidade, embora
que às vezes não se dêem conta disto. Podemos ver nesse caminhar das pessoas uma
atitude sincera, embora às vezes inconsciente. O que é necessário fazer é oferecer
cada vez mais formação e conscientização para que os participantes se conscientizem
e se encaminhem para uma fé madura, conforme o que vimos com Genia (1990).
Desta forma poderemos verificar que o dom de línguas, e os demais dons foram
fenômenos que contribuíram para o crescimento do ser humano na sua totalidade.
Pois, como verificamos neste trabalho, a glossolalia influencia de forma
significativa na subjetividade dos carismáticos católicos, pois para eles é o fenômeno
que os liga mais fortemente a Deus e dá significado para suas vidas. Berger e
Luckmann nos fornece elementos para pensarmos a questão da busca de sentido. Para
estas pessoas a Igreja é a comunidade mais importante de sentido, através dela podem
realizar “uma ponte significativa entre sua vida particular e sua participação nas
instituições sociais” (2004, p. 72). É o que fazem os nossos entrevistados que através
do grupo de oração se vêem participando não só da Igreja mas se sentem integrados à
sociedade. Ainda segundo Berger e Luckmann, as pessoas que pautam sua vida pelos
valores religiosos têm outros aspectos de sua vida também influenciados, ou seja, a
pessoa entende seu agir público conforme a concepção que a Igreja tem do mundo.
Neste aspecto, há uma relação com Genia (1990) pois ela nos fala que a partir do
momento que o indivíduo vai se conscientizando da sua fé e amadurecendo este
conceito e vivência, ele vai também, atuando de forma diferente no seio da sociedade.
O que vimos anteriormente é que as estruturas da sociedade moderna criam as
condições para as crises de sentido, tanto subjetivas como intersubjetivas, e que os
nossos entrevistados demonstram é que através da participação na RCC, mais
especialmente no grupo de oração, e manifestando a glossolalia, eles estão dando uma
resposta às suas buscas de sentido.
Estes processos psicológicos que estudamos são muito importantes para
compreendermos os indivíduos e a sociedade em que vivemos. Por isso, devem ser
estudados de forma sistemática, porque é comum a religião ser vista, no campo da
psicologia, como uma simples patologia, ou seja, como uma ilusão ou como
conseqüência de uma alienação. Embora saibamos que os estudos atuais
transformaram a concepção de religião, que é entendida também como um fenômeno
politicamente significativo. O que se verifica hoje, é que há, como já foi exposto neste
trabalho, um aumento do número de pessoas envolvidas com este fenômeno. Como
assinalam alguns autores, como Genia (1990) e Berger (1985), a religiosidade madura
fornece um interesse social maior, transformando-se num ponto de referência em
todas as esferas existenciais e, principalmente, desenvolvendo um sentido de vida.
Mesmo uma religiosidade que aparece ainda de uma forma imatura, como nos mostra
Genia (1990), favorece a pessoa no seu lidar com a angústia nas situações
existenciais, o que demonstra claramente a história de vida religiosa dos carismáticos
entrevistados. Assim, independentes das concepções do psicólogo sobre a questão
religiosa, este é um fenômeno presente e que deve ser estudado com mais
profundidade.
ANEXOS
Anexo - 1
Nome: Naira Idade: 51 anos
Estado civil: separada (sem filhos) Grau de instrução: 4 ª série E.
F.
Nível sócio-econômico: classe média
Religião do pai e mãe: evangélicos
Religião dos familiares com quem mora: mora sozinha
Depoimento:
Antes de começar no grupo de oração eu freqüentei centro espírita, quase 8
anos. Eu acreditava que tinha Deus lá., sempre acreditei. Mas sempre passei por muita
dificuldade, muita dificuldade mesmo. E quando chegou bem no final, eu não lembro
a data eu sou péssima nisso, eu comecei a passar muita dificuldade e comecei a ter
problema com a mãe de santo. Porque lá tinha que pagar, lá tinha que pagar um
ordenado “x” A gente tinha que pagar todo mês, e tinha que fazer a compra e tinha
um papelzinho, e caia vassoura pra um... Tinha que comprar o ano inteiro e seria 12.
E eu comecei a discutir sobre isso, se eu fico um ano com uma vassoura, e aqui eu
tinha que dar 12 vassouras no ano? Aí, eu comecei a falar com minha irmã, minha
sobrinha estava, estava todo mundo da minha família. Eu comecei a discutir. Mas eu
sempre vinha na missa, pra mim tava tudo certo. eu freqüentava os dois juntos. Pra
mim era certo, porque lá rezava o terço. Era Umbanda, freqüentei Kardecista também.
Mas com este problema a mãe-de-santo ficou com raiva de mim. E chegou a jogar a
minha roupa no chão. Eu vestia aquela roupa rodada e com as guias, aquele monte de
coisas. Não cheguei a incorporar, graças a Deus nunca cheguei a incorporar. Eles
falavam que eu tinha que desenvolver, mas eu falava Jesus não permita que eu tenho
medo. E eu tinha muito medo, eu não sei porque eu entrei... Por que eu entrei? Porque
eu namorava e nunca dava certo os namoros. E eu entrei e falava que eu tinha que
desenvolver por isso que os namoros não davam certo. E por fim não foi, né? E
depois eu comecei a discutir, daí eu falei assim, na última vez que tinha que pagar,
que eu não paguei, a mãe-de-santo falou assim: você tem que pagar, não sei o que lá.
Aí eu falei como eu vou pagar se estou passando até fome com isto tudo. Daí eu
peguei e abandonei. Uma amiga minha me convidou pra ir no Padre Marcelo. Ele
falou uma coisa que tocou muito no meu coração. Para procurar Jesus não precisava
pagar. Daí, eu cheguei em casa( a cabeça da gente é tão fraca) cheguei em casa foi na
quinta-feira eu não me esqueço. Mas na segunda-feira eu fui para o espiritismo, que
era o dia que tinha trabalho. Aí eu falei, Jesus se tiver alguma coisa de errada aqui no
espiritismo que não é de agrado do senhor, eu quero que me mostre. E foi. Coisa
assim que eu nunca tinha visto, que eu, como que fala? Estava o guia e eu
camboniava, eu falei assim eu quero que o senhor me mostra. E o guia começou a
falar um monte de coisa para a pessoa que estava tomando passe. E aquilo comecei a
me assustar. Depois daquilo eu cheguei em casa e falei pra minha irmã (ela morava
bem perto de mim) Eu falei nunca mais eu vou no espiritismo. Daí eu saí. E a minha
amiga que me levou no Padre Marcelo falou para eu procurar o frei Sebastião. Aí eu
vim três dias em seguida, e eu não conseguia falar com o frei Sebastião. Vim a
primeira não consegui, já estava nervosa, porque nunca tinha me confessado, nada
né? Aí eu vim na segunda e quando estava pra chegar a minha vez o frei passou outra
pessoa na minha frente que tinha problema mais sério. Daí quando foi na terceira vez,
quando eu fui entrar o frei Sebastião falou assim: filha eu tenho que celebrar a missa
agora. Aí eu falei, frei se o senhor não me atender agora, eu estou passando mal. Isto
meu rosto até que estava um pimentão. Aí ele falou entra aqui rapidinho. Aí eu
conversei e até que ele demorou um pouco mais. Ele me atendeu e falou assim. Filha
este lugar não é do agrado de Deus, aí eu falei o que eu faço com as coisas que eu
tinha tudo. Aí ele falou joga tudo fora. Foi o que eu fiz. Daí ele falou vem na missa
todo dia. Aí eu falei que sentia muita tontura. Ele falou que eu ia sentir por um tempo
porque eu estava em lugar errado. Daí ele falou freqüenta o grupo de oração.
Comecei a freqüentar o grupo de oração E peguei muito forte na oração. Porque a
turma fala que quem freqüenta o espiritismo vai lá pro fundo do poço. Eu cheguei até
ir. Daí, eu comecei a freqüentar o grupo de oração. Quando eu me abandonei que eu
saí do espiritismo, eu comecei a perder. Eu tinha salão de beleza enorme, eu sai da
casa e comecei a dever aluguel, 6 meses de aluguel, 3 meses do salão. E comecei a
freqüentar retiro e experiência de oração. Tudo comecei a freqüentar, com aquela fé.
E conversei com o Ivan (ele dá conselho) e foi através de conversar com ele que Jesus
me ajudou muito. E comecei entrava cliente que eu não esperava e comecei a pagar
tudo, foi um milagre, e dentro de um mês eu consegui pagar todos os meus aluguéis
atrasados. Era 600,00 reais por mês, você imagina quanto eu ganhei neste tempo.
Vinha muito cliente. Trabalhei muito e comecei a pagar todas as minhas contas. E já
estou há 7 anos no grupo. E Jesus tinha alguma coisa pra mim e comecei a ir muito
forte na oração e acabei entrando pra interseção. Eu sou intercessora do grupo de
oração. O dom de línguas foi o primeiro dom que eu recebi, ele é o primeiro dom que
a pessoa recebe. Eu não recebi no grupo de oração eu recebi na Canção Nova com o
Padre Degrandis. Foi na missa dele que eu recebi esse Dom. E através desse dom veio
todos os outros dons. Eu tenho o dom de cura, o de visualização, onde Jesus mostra
pra quem temos que fazer a oração. É o dom que eu tenho. Na oração em línguas eu
sinto a presença de Deus. Muito a presença de Deus. A gente não sabe o que está
rezando porque é o Espírito Santo que reza na gente. Ninguém sabe o que está
rezando, ninguém que reza no dom de línguas sabe o que está rezando. Para receber o
dom de línguas temos que freqüentar o grupo de oração, tem que pedir ao Espírito
Santo, pois ele só dá se a pessoa quer. Quando a gente recebe o dom, eu senti um
arrepio dos pés a cabeça e um calor que não tem explicação só quem passa é que
sabe. É a presença do Espírito Santo mesmo. Quando você recebe o dom, você fala
aleluia, aleluia ou Maria, Maria e eu comecei com Maria, Maria. E no dia que eu
recebi a gente percebe que a língua muda. Não ocorre grandes mudanças como o
evangélico fala, não acontece. Eu passei por muita tribulação, muita dificuldade, mas
você tem uma força diferente, quando você tem Deus. Você não entra em desespero e
fala que não vai conseguir. Se você tiver Deus, você acredita que Deus vai te ajudar.
Eu passo por muita dificuldade. Mas é nas dificuldades que a gente sente mais a
presença de Jesus, porque se você está tudo numa boa, porque você não está sentindo
a presença de Deus. Mudei muito, estou mais calma, continuo...sei lá. A gente tem
mais amizade. Eu freqüento aqui, e o Padre Vanderlei na sexta-feira.
Quando estamos rezando em línguas e está muito profundo vem o cântico em
línguas, às vezes vem também a profecia. Eu não tive, mas tem gente que tem e é a
hora que Jesus fala. Pra mim, o grupo de oração mudou muito a minha vida. Tudo o
que eu vou fazer, eu primeiro rezo e peço a Jesus. Sempre falo assim: se não for de
Deus que afaste de mim. Alguma coisa de errado eu sinto. Se não deve ir, não vai. É a
presença do Espírito Santo. É a presença do Espírito Santo que ilumina de fazer este
tipo de coisa.
Anexo - 2
Nome: Rodrigo Idade: 44 anos
Estado civil: casado Grau de instrução: superior
completo
Nível sócio-econômico: classe média
Religião do pai e mãe: católicos
Religião dos familiares com quem mora: católicos
Depoimento:
O meu nome é Rodrigo, tenho 44 anos sou advogado e católico militante e
pertenço à Renovação Carismática Católica. Antes de encontrar a Renovação
Carismática eu não era muito ligado a questão religiosa. Embora no passado eu
tivesse pertencido à Igreja chegou um período da minha vida que eu me afastei da
Igreja. Consequentemente ficou um vazio dentro da minha vida. Contudo quando eu
conheci a minha esposa, ela freqüentava a Igreja Católica a Renovação Carismática.
Ela me convidou para um Cenáculo, uma reunião, em Santo André onde fui eu e
gostei profundamente. O mais importante de tudo isso, é que eu descobri na
Renovação Carismática uma nova fórmula de relacionar-me com Deus. Seja através
dos louvores, ou seja através do dons das línguas, que é o menor dos dons que o
Espírito Santo dá na Renovação Carismática. Que é parte da Igreja Católica. Me
trouxe paz, me trouxe serenidade e principalmente ela quebrou aquela ansiedade
contínua que eu tinha antes de freqüentar mais amiúde a Igreja. Volto a ressaltar que
eu freqüentei um tempo a Igreja, abandonei e fiquei perdido. Mas eu tinha um
problema muito sério na minha vida que era a ansiedade e graças a Deus a Igreja
Católica conseguiu quebrar a minha ansiedade. E outra coisa que eu achei muito
interessante e está relacionada com Carl Jung que é a experiência espiritual. Quando
eu tive esta primeira experiência espiritual na Renovação Carismática eu consegui de
alguma forma reduzir meu ego e a partir daí eu comecei a entender o mundo e a
verificar de uma forma diferente. No mais eu queria só agradecer o que a Renovação
Carismática e a Igreja Católica. Que é bom frisar que é um movimento dentro da
Igreja, não são duas igrejas. A Igreja Católica que tem na pastoral da Renovação
Carismática, o seu movimento,. Através do dom de línguas que muito me acalma, não
é uma histeria coletiva. As pessoas pensam que o dom de línguas, que a pessoa está
falando línguas estranhas, a comunidade é uma histeria coletiva, não é uma histeria
coletiva, é uma obra pura do Espírito Santo. Eu queria agradecer esta oportunidade de
poder relatar isto. Eu não sei se ficou claro, concreto mas uma coisa, pra mim, é certa,
a minha vida depois que eu conheci a Renovação Carismática, a Igreja mais amiúde,
mudou completamente.
Mudou na quebra da ansiedade. Eu era uma pessoa extremamente ansiosa, Eu
não conseguia aquietar a minha alma, era sedento de Deus, embora eu fiquei um
período da minha vida afastado de Deus. Eu tive contato com outras religiões mas ...
não foi tão mais profundo como eu tive com esta. O ser humano busca de alguma
forma encontrar a paz para ele. E eu fui encontrar na Igreja Católica através da
Renovação Carismática . O dom de línguas é um dom primário o menor que o
Espirito Santo dá. Significa que quando eu estou falando em línguas louvando a Deus,
junto com os anjos e arcanjos. Não é uma coisa mágica, eu não peço para falar em
línguas. Simplesmente na hora que começa o louvor eu começo a falar, a orar em
línguas. Significa, aquilo ... no momento que eu não consigo me expressar, o Espírito
Santo vem e me socorre e eu começo a louvar a Deus, mais amiúde a Deus.
Em relação às outras pessoas eu me tornei uma pessoa menos agressiva, e
como eu disse eu era ansioso e a ansiedade gera agressividade. E à medida que você
não consegue respostas para aquilo que você está buscando. Eu acredito que a minha
vida mudou do vinho pra água. Não da água pro vinho, mas do vinho pra água.
Principalmente nas relações interpessoais, eu era uma pessoa fechada, eu tinha meus
amigos, eu selecionava as minhas amizades. E com o advento da Renovação eu
comecei a me abrir mais para os outros. E para a possibilidade de viver mais
intensamente esta vida.
O dom de línguas é um sinal de Deus, aliás de Deus e do Espírito Santo, que
são três pessoas distintas, mas uma só. E é muito bom, desde o momento que eu
começo a rezar, por exemplo estou falando contigo aqui, você fosse o meu Deus. Vai
haver um momento que as minhas orações não vão conseguir mais expressar a minha
palavra, então vem o dom de línguas. Vem pra socorrer aquilo que eu não consigo
mais expressar. O batismo no Espírito Santo. Tem o batismo na água, que a criança
nasce e o padre vai lá e batiza em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. O
batismo no Espírito Santo, é o batismo que eu recebi dentro da Renovação
Carismática. É um batismo feito através de orações, também em línguas. Que eu
recebo o Espírito Santo na minha vida. Simbolicamente no meu coração, na minha
vida, no meu todo. E constantemente sou batizado no Espírito Santo.
Eu tenho um irmão que é pastor na igreja batista protestante, ele é batista.
Quando eu me afastei da Igreja ele me fez vários convites, mas eu não fui. Eu
procurei o espiritismo numa tentativa de resolver problemas filosóficos relacionados à
morte. Mas eu não consegui respostas no espiritismo. É uma doutrina que eu respeito,
mas não me preencheu . O que me preencheu foi a Igreja Católica, embora eu já tenha
tido contato com a Igreja Católica. Eu já conhecia o pensamento da Igreja Católica e
sabia o seu norte. E quando eu tive contato com a Renovação Carismática isto tudo
veio modificando a minha vida
Anexo - 3
Nome: Fabiano Idade: 28 anos
Estado civil: casado Grau de instrução: superior completo
Nível sócio-econômico: classe média
Religião do pai e mãe: católicos
Religião dos familiares com quem mora: católicos
Depoimento:
Meu nome é Fabiano, tenho 28 anos, sou casado, tenho dois filhos. Minha
formação... sou formado em matemática. Sou bacharel em matemática e trabalho
como analista de sistemas. E sirvo na paróquia (...) em São Bernardo como ministro
extraordinário da Eucaristia e também ajudo no grupo de oração da Renovação
Carismática.
Na minha vida eu sempre fui católico, meus pais desde pequeno me trouxeram
para a igreja. Eu sempre fui acostumado a estar na Igreja. Cresci dentro da Igreja,
desde a minha infância, a minha juventude. Quando eu comecei a participar da
comunidade de jovens, isto em final de 1989, de 1990 eu comecei a despertar pra fé, e
buscar eu mesmo a minha opção de fé, de religião. Porque até então eu era católico
por herança. Porque meus avós eram, meus pais são e eu também era. Então, a partir
do sacramento do crisma quando eu confirmei a minha fé, agora por minha própria
vontade, eu procurei buscar mais ter esta experiência de Deus, conhecer a Jesus
Cristo, puder experimentar Jesus Cristo na minha vida, não mais por testemunho dos
meus pais, dos meus avós, por outras pessoas. Mas por eu mesmo ter tido a
experiência pessoal de Jesus Cristo. A partir de então, dessa época passei a ser
católico por vontade própria, não mais por herança. Que é justamente o intuito do
sacramento do Crisma. Então, a gente acaba dando a nossa resposta, àquela fé que
nossos pais e padrinhos pediram a Igreja em nosso nome, no dia que fomos batizados.
E desde então eu já tive contato também com o grupo de oração, meu irmão
participava. Já havia ido em alguns cenáculos, da Renovação em São Paulo no
estádio do Morumbi, ainda não participava do grupo de oração, mas já havia tido
algum contato. Não sabia direito do que se tratava, era bem jovem tinha 13 anos. Mas
a partir de 90 comecei a freqüentar o grupo de oração de quinta-feira à noite. E no
começo tinha várias dúvidas, não entendia direito o dom das línguas. Mas era uma
coisa legal era uma coisa gostosa. Gostava de estar em contato com a palavra de
Deus, em oração com o grupo, gostava das músicas. Depois eu precisei me afastar um
pouco do grupo de oração, devido aos compromissos de escola. Mas depois eu senti
no meu coração a necessidade de voltar a participar do grupo de oração. Eu voltei,
mas não sei te precisar as datas que me afastei e retornei. Mas eu senti no meu
coração que eu deveria estar no grupo de oração. Que eu deveria participar, voltar a
participar do grupo de oração, senti falta. Aí então, eu voltei por volta de 93, 94 e
voltei a participar e aí permaneci até começo de 98. Quando por motivo de faculdade
eu não pude mais participar às quinta-feira do grupo de oração. Depois que eu
terminei a faculdade no final 2000 eu me casei e em 2001 eu retornei ao grupo de
oração e permaneço até agora.
Nesse meio tempo, toda esta caminhada de grupo de oração, o dom das
línguas, foi um carisma que Deus me concedeu. Desde o inicio eu tive a graça de
Deus me conceder este dom. Que é o menor dos carismas, é a porta de entrada dos
demais carismas. Então, eu me abri aos carismas, à ação do Espirito Santo, dentro
desta espiritualidade carismática. Então, hoje o grupo de oração pra mim é uma
necessidade. Eu tenho experiências com outros movimentos da Igreja, expressões de
espiritualidade, eu caminho com uma comunidade neocatecumenal. E também
participo do grupo de oração. Hoje o grupo é uma necessidade para mim. É uma
oportunidade de eu me encontrar com Deus, renovar a efusão do Espirito Santo. Ter
uma experiência semanal, diária, com o amor de Deus Não que eu não sei viver sem o
grupo de oração, claro que, o grupo de oração também nos leva a uma experiência
profunda com Deus. Que faz que a gente tenha a certeza que Deus está conosco
diariamente, todos os instantes. Não necessariamente eu preciso do grupo de oração
para experimentar Deus. Mas experimento Deus na minha vida, no meu dia-a-dia, nos
meu momentos de aflição, mas o grupo de oração é aquele momento onde toda a
comunidade, todo o grupo se reúne para louvar, bendizer e adorar Deus da nossa
vida. No seu imenso amor Deus nos acolhe, Deus nos alegra, Deus nos cura, Deus
nos restaura, é este relacionamento de amor com Deus. O relacionamento de amor
com Deus, é uma oportunidade que Deus me dá uma vez na semana de eu me reunir
com meus irmãos para ter um encontro mais profundo com Deus. E também é o grupo
de oração, hoje pra mim, é um serviço a Deus e à Igreja. Como um dos coordenadores
eu encaro o grupo de oração também como um serviço a Jesus Cristo a sua Igreja.
Tem esta importância também quanto à minha missão, ao meu papel, à minha função
dentro da Igreja hoje. Então, é uma forma de eu colaborar com a Igreja Universal, a
colaborar com outras pessoas a conhecer Jesus Cristo. E o dom das línguas é uma
experiência maravilhosa de comunhão com Deus. E como S. Paulo fala na carta aos
Romanos, ter a certeza que é o Espírito Santo que está orando em nós com gemidos
inefáveis segundo a vontade de Deus. O Espírito Santo ora em nós segundo a vontade
de Deus, que intercede pelos santos segundo Deus. Diz S. Paulo na sua carta aos
Romanos. Então, hoje a oração em línguas pra mim é tão necessária quanto beber
água, tão necessária quanto me alimentar, almoçar jantar. Porque eu cheguei a esta
experiência que o dom das línguas é um dom de oração, é um dom de serviço mas é
um dom de edificação pessoal. Onde permitimos que o Espírito Santo se utilize da
nossa voz, da nossa garganta para orar em nós, para louvar, para bendizer a Deus.
Para pedir conforme ele mesmo quer que nós peçamos, quer que nós louvemos, quer
que nós agradeçamos a Deus. Então, no começo da minha caminhada dentro da
Renovação Carismática o dom das línguas era um pouco estranho, confuso, um
pouco curioso. Eu tinha algumas dúvidas, será que eu oro mesmo, será que eu não
estou inventando da minha cabeça. Mas com o passar do tempo Deus foi me
ajudando, me esclarecendo e os irmãos foram me orientando e eu fui me abrindo e
cheguei a essa experiência. Para nós vivermos os benefícios dos dom das línguas é
preciso crer naquilo que S. Paulo fala de que na sua carta aos Romanos, S. Paulo fala
assim: O Espírito Santo vem em nosso auxilio, em auxílio a nossa fraqueza, porque
nós não sabemos orar e o que devemos pedir e nem orar como convém mas o Espírito
mesmo intercede por nós com gemidos inefáveis. Então a primeira atitude deve ser
uma atitude de fé na palavra de Deus na carta de S. Paulo e crer realmente que é o
Espírito Santo que está orando em nós. Crer, uma atitude de fé, crer no dom das
línguas. Porque se não acreditamos que é o Espírito Santo que está orando em nós.
Começamos a imaginar que somos nós, que são é coisa da nossa cabeça que nós
estamos inventando aqueles sons, aquelas sílabas as palavras que estamos falando. E
aí realmente não tem ação, não tem efeito não sei dizer,... que o dom das línguas
deveria ter. Então, ao passo que quando eu descobri isso, de que eu devo acreditar que
é Deus que está orando em mim, o Espírito Santo está orando em mim. Eu passei a
me abrir e experimentar cada vez mais o dom das línguas e perceber realmente como
a minha vida começou a se transformar. Como o meu relacionamento com Deus foi
transformado. Que o dom das línguas, não é ele em si que transforma as nossas vidas,
mas o dom das línguas nos leva ao batismo no Espírito Santo, que é realmente uma
comunhão maior com Deus, um se deixar transformar pelo Espirito Santo. E aí sim, a
transformação da vida acontece. Então no meu caso foi assim, quando eu pensei em
me aprofundar não no conhecimento, no estudo do dom das línguas, mas na
experiência no experimentar diariamente, eu percebi que a minha vida se transformou.
Porque o meu relacionamento com Deus melhorou foi mais profundo e eu me senti
mais amado por Deus, me senti mais cuidado. Deus cuidando da minha vida, da
minha história. E ter esta certeza que quando eu oro em línguas, eu deixo o Espirito
Santo orar em mim, a minha oração é uma oração perfeita, no sentido de que é deus
que está orando em mim, o Espírito Santo que está orando em mim. E o Espírito
Santo não vai falar besteira, o Espírito Santo não vai pedir, não vai interceder por algo
que seja ruim pra mim, por algo que seja contrário à vontade dele. Então, isso que me
dá esta certeza, me dá esta tranqüilidade, que quando eu oro em línguas minha oração
é uma oração perfeita.
Ninguém permanece o mesmo consigo mesmo e com os outros depois dessa
experiência de Deus. Estou longe de viver o sermão da montanha, onde Jesus fala
oferecer a face quando alguém te bate, oferecer a outra face, de amar os inimigos.
Porém Deus já me concedeu a graça de ter experiências desse tipo que me fizeram
perceber como o meu relacionamento com as pessoas mudou. Então, por exemplo, eu
tenho... Deus me deu esta graça de perdoar as pessoas, que de alguma forma acabam
machucando a gente. Não que eu não me ofenda, não que eu não me chateei com a
situação ou com as pessoas, com o que eles fizeram. Porém, da mesma forma que a
gente reza no Pai-nosso, pede a Deus que nos perdoe, da mesma forma que a gente
perdoa as pessoas. Então eu participei de alguns retiros com alguns padres, padre
Degrandis, padre Alírio, que eles falam muito da importância do perdão, da
necessidade do perdão. Que além de ser uma exigência bíblica, uma exigência
evangélica de Jesus Cristo, é algo que nos faz um bem enorme, é algo que nos
aproxima de Deus, que nos cura. Então, eu procurei esta experiência do perdão e pedi
a Deus que me ajudasse a perdoar, e peço ainda a todas as pessoas que me ofendem.
Eu vejo que uma grande transformação no relacionamento com as pessoas foi esta
capacidade, não minha, mas de Deus em mim de perdoar as pessoas muito maior que
antigamente. Porque a gente vai experimentando a nossa realidade de pecador e
experimenta o amor de Deus, que nos perdoa e isto acaba transbordando e facilitando
e dando a força necessária, a humildade necessária, o amor às pessoas o respeito. Não
que eu seja santo, muito longe de amar como Jesus pediu, amar como ele nos amou.
Mas eu percebo que Deus me cutuca, em diversas situações, em especial dentro de
casa. Vejo que o maior desafio, pra mim, de amar, é dentro de casa, de viver o amor, a
comunhão, é dentro de casa com minha esposa. Porque lá realmente eu não tenho
nenhum tipo de... de... como posso dizer? Mascaras, né? Que lá na nossa casa, nós
somos realmente quem somos. Às vezes na igreja, ou no trabalho devido a situações,
devido a circunstâncias, você não acaba não demonstrando tudo aquilo que você é
sendo cem por cento sincero, porque você tem os relacionamentos, não sabe como as
pessoas vão agir, você tem um objetivo de trabalho, você tem o objetivo de um
serviço. E você acaba vivendo de uma forma pacífica com todos, mas às vezes acaba
saindo alguns atritos, normais do relacionamento. Porém, nada assim que demonstre
cem por cento da sua personalidade. Só que nas nossas casas, ali somos quem
somemos mesmo. Ficamos nervoso, falamos alto no meu caso, né? Reclamo,
esbravejo, sou impaciente, entendeu? É ali que Deus me mostra como eu preciso viver
este batismo no Espírito Santo. Deixar o Espírito Santo me transformar em todos estes
relacionamentos, não só trabalho na comunidade, dentro da igreja, mas também
principalmente no relacionamento dentro da minha casa com minha esposa. Falando
assim, pode até parece que eu sou uma pessoa dentro da igreja e outra dentro de casa,
não, não é isso. Porém, todos nós sabemos que com as pessoas que nós temos
intimidade, temos liberdade, nós somos mais durões, às vezes. Aquele dia que
estamos mal humorados a gente responde um pouco mais áspero, assim por diante.
Enquanto que com as pessoas que estão de fora vamos dizer, não temos tanta
intimidade e liberdade, procuramos ser mais educados. E Deus me fez enxergar isto
que às vezes eu tenho uma atitude boazinha, com os outros mas na verdade eu não sou
tão bonzinho como pareço ou como as pessoas acham que eu seja. Deus me mostrou
isto fortemente no ano passado num retiro que eu participei num período de
acompanhamento, de caminhada que eu passei que eu estou longe daquilo que eu
achava que estava. A bondade, as pessoas me fizeram enxergar os meus pecados, meu
orgulho, minha vaidade. Isto fez com que o meu relacionamento com as pessoas
melhorassem. Deus me fez enxergar as minhas limitações, passei a não cobrar tanto as
pessoas. No meu relacionamento, hoje com as pessoas, resumidamente, eu amo mais.
Do que eu amava antigamente. Deus me deu esta experiência do amor, estou longe do
amor evangélico, porém estou a caminho e acredito que Deus vai fazer esta obra pra
mim. Não sou eu pelos meus esforços pessoais.
Diante dos que não oram em línguas, eu não me vejo como tendo um
privilégio nem como eu tendo mais experiência de Deus do que outras pessoas que
não oram em línguas. Não. Da mesma forma que existem outras espiritualidades
dentro da Igreja, claro que o dom das línguas não é algo da Renovação Carismática. É
algo da Igreja, que o Espírito Santo suscitou na Igreja desde o seu início. Hoje em dia
quem vive esta espiritualidade é a Renovação Carismática. Da mesma forma que a
espiritualidade franciscana, a espiritualidade jesuíta, não são só dos franciscanos ou
só dos jesuítas, mas de toda a Igreja. Então, de forma alguma eu não considero as
pessoas que não oram em línguas que tenham menos experiência de Deus. Estaria
cometendo um grande engano da minha parte. Uma grande idolatria da minha parte
ou da Renovação Carismática, achando que nós somos os que conhecemos a Deus e
que vivemos no Espírito Santo somente. Estaríamos pecando contra Deus e contra a
Igreja. Com certeza o Espírito Santo se manifesta para as pessoas como ele quer. Se
Ele quiser conceder o dom das línguas e os demais carismas para uma determinada
pessoa Ele vai fazê-lo. Se Ele não quiser ele dá outros dons para as pessoas, os
médicos, os professores, e assim por diante cada um tem os dons, os talentos que
Deus concedeu. E o dom das línguas, como os demais carismas, são dons de serviço
que Deus nos concede para colocarmos à disposição da comunidade. Não são dons de
uso pessoal, de uso particular, não é de uso e proveito exclusivamente próprio. E o
dom das línguas é o primeiro porque ele nos leva a esta experiência de Deus. Ele é
usado na minha oração pessoal, eu oro em línguas porém, eu coloco ele a serviço das
pessoas que vem, a gente reza para as pessoas, quando a gente reza junto com as
pessoas, a gente pede pelas pessoas. Nós usamos o dom das línguas pra isso também.
É um dom de serviço também. Todos os carismas que S. Paulo fala na carta aos
Corintios são dons, carismas que Deus dá conforme a necessidade para o bem da
comunidade. No fundo, no fundo eu cheguei a esta conclusão, que todos os carismas
que Deus, os carismas extraordinários, como todos os setes dons infusos, servem para
que nos vivamos o mandamento de Jesus Cristo. Amarmo-nos como ele nos amou. Se
eu rezo em línguas pelas pessoas, eu estou permitindo que o Espírito Santo ore em
mim por aquela pessoa. Pela necessidade dela, consequentemente eu estou amando
aquela pessoa. Porque eu não estou sendo egoísta achando que eu devo rezar somente
com a minha inteligência. Posso fazer isto, devo fazer isto também mas ao orar em
línguas estou amando aquela pessoa de uma tal maneira que é o Espírito Santo que
está orando em mim por ela. Então, a oração do Espírito Santo para aquela pessoa
também e uma oração perfeita perante Deus. Estou amando aquela pessoa, no fundo
no fundo eu vejo todos os carismas como ferramentas para nós vivermos o amor, o
mandamento de Jesus Cristo.
É um sinal de Deus, porque é uma manifestação de Deus. É Deus quem nos dá
o dom das línguas como os demais dons, carismas extraordinários do Espírito Santo,
então é um sinal de Deus. Isto não significa que as pessoas que não oram em línguas
não tenham Deus, não tenham o Espírito Santo. Porém a manifestação dos carismas
sem dúvida é um sinal de Deus na vida das pessoas.
Sempre fui católico, dúvidas..?? Acho que todos os que caminham na Igreja de
uma forma sincera, sempre se questiona. Acho que faz parte do nosso
amadurecimento espiritual, de fé. Questionar, perguntar se é sadio isso, porém eu
nunca tive a curiosidade e a necessidade de buscar em outras religiões. Para suprir a
minha necessidade espiritual. E sempre acreditei que a Igreja Católica é a Igreja de
Jesus Cristo. E cada vez mais eu amo a Igreja e me sinto amado e me sinto educado
pela Igreja. Desde a minha juventude, em relação às posições da Igreja, eu nunca
senti a Igreja me podando, me prejudicando, mas ao contrário eu sempre senti a Igreja
me educando. Aquela mãe que ama e que quer o bem dos seus filhos.
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