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CLÁUDIO PAIXÃO ANASTÁCIO DE PAULA
O SÍMBOLO COMO MEDIADOR DA
COMUNICAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES:
uma abordagem junguiana das relações entre a dimensão afetiva e
a produção de sentido nas comunicações entre professores do
departamento de Psicologia de uma instituição de ensino superior
brasileira
São Paulo
Universidade de São Paulo
2005
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Cláudio Paixão Anastácio de Paula
O Símbolo como mediador da comunicação nas Organizações:
uma abordagem junguiana das relações entre a dimensão afetiva e a produção de
sentido nas comunicações entre professores do departamento de Psicologia uma
instituição de ensino superior brasileira
Tese, redigida sob a orientação do Professor Doutor
Sigmar Malvezzi, apresentada como requisito parcial do
programa de pós-graduação em Psicologia Social do
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo,
para a obtenção do grau de Doutor.
São Paulo
2005
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Paula, Cláudio Paixão Anastácio de
O símbolo como mediador da comunicação nas organizações: uma
abordagem
junguiana das relações entre a dimensão afetiva e a
produção de sentido nas comuniações entre professores do
departamento de psicologia de uma instituição de ensino superior
brasileira / Cláudio Paixão Anastácio de Paula
São Paulo: Instituto
de Psicologia, 2005. 367p.
Tese (doutorado)
Instituto de Psicologia da Universidade de São
Paulo. Departamento de Psicologia Social e do Trabalho.
Orientador: Sigmar Malvezzi
1. Psicologia organizacional 2. Psicologia junguiana
3. Psicologia
analíti
ca 4. Produção de sentido 5. Teste de associação de palavras
6. Jung, Carl Gustav I. Malvezzi, Sigmar II. Universidade de São
Paulo, Instituto de Psicologia III. Título
CLÁUDIO PAIXÃO ANASTÁCIO DE PAULA
O SÍMBOLO COMO MEDIADOR DA COMUNICAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES:
uma abordagem junguiana das relações entre a dimensão afetiva e a produção
de sentido nas comunicações entre professores do departamento de psicologia
de uma instituição de ensino superior brasileira
Tese redigida sob a orientação do Professor Doutor
Sigmar Malvezzi, apresentada como requisito parcial do
programa de pós-graduação em Psicologia Social do
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo,
para a obtenção do grau de Doutor.
Tese defendida e aprovada em: _________________________
BANCA EXAMINADORA:
_______________________________________________
_______________________________________________
_______________________________________________
_______________________________________________
_______________________________________________
Para as três mulheres da minha vida:
Miranda, Antônia e Priscila.
AGRADECIMENTOS
Meus agradecimentos ao CNPq Conselho Nacional de Pesquisa, pelos recursos sem os quais esse
projeto dificilmente teria chegado a termo.
Em especial gostaria de deixar registrada minha especial gratidão algumas pessoas que, pelo carinho e
pelo conhecimento, contribuíram para a viabilização desse estudo:
Ao meu pai cuja biblioteca me apresentou o mundo...
À minha mãe que mesmo sem ter idéia de para onde eu ia me guiou pelo caminho...
À Priscila, minha esposa, soror mystica desde o sonho até o opus.
À minha filha, Miranda, cujos primeiros sorrisos me alimentaram como a Próspero e me prepararam
para a Tempestade.
Às queridas tias Sakayo e Yoshiko que me acolheram, à época praticamente um estranho, como se
fosse filho.
Ao amigo Sérgio Pereira Alves, meu primeiro professor de psicologia analítica e meu primeiro
analista, pelas lições de vida que não tem preço.
Aos Amigos Roberto Gambini, Iara Patarra e Isabel Labriola que acreditaram no sonho e me
mostraram como as pessoas em São Paulo podem ser doces...
À Professora Iris Barbosa Goulart pelo carinho, pelas sugestões e pelas críticas feitas ao meu “esboço
de anteprojeto” do ano de 1999 e que culminaram no meu projeto de pesquisa de doutoramento.
Ao professor Sigmar Malvezzi, meu orientador, que me escolheu entre tantos e acreditou em mim,
mais até que no projeto...
Às Professoras Zélia Ramozzi-Chiarottino, Vera Paiva e Anna Mathilde Pacheco e Chaves
Nagelschmidt pelas aulas inesquecíveis.
Às Professoras Denise Gimenez Ramos e Eda Tassara pelas inestimáveis contribuições oferecidas
durante o exame de qualificação. Sem elas, com certeza, o resultado seria outro...
Às queridas Cecília e Nalva, secretárias do PST, que, por várias vezes, me salvaram de encrencas.
Aos sujeitos do meu experimento, “vítimas” generosas que se dispuseram a sacrificar seu tempo
precioso e se submeter às longas entrevistas e ao experimento com as Associações.
Às(aos) colegas da International Association for Junguian Studies (IAJS): Dyane Sherwood, James
Barrett, Sloane Dugan (através de sua gentil orientanda Pamela Buckle) e especialmente, Valery
Zelensky, que forneceram importantes sugestões e um fórum excepcional para discutir algumas
questões aqui levantadas.
A Maria Alice Nascentes, minha orientanda no curso de pós-graduação em Psicologia Clínica da
FEAD – Minas, pela enorme ajuda durante a coleta dos dados da pesquisa.
Aos meus colegas nia, Cássia e Robles, que na reta final, cada um do seu jeito, me deram um
empurão final...
Às Queridas Dona Leiko e Cíntia, pelo pronto socorro: sopinhas, chocolates e biscoitos...
E, finalmente, ao amigo Inácio Cunha Teixeira que, sem restrições, compartilhou comigo sua
experiência e os conhecimentos adquiridos no Forschungs-und Ausbildungszentrum für
Tiefenspychologie, Zürich sobre o Experimento com as Associações de Palavras.
“Nas tentativas de classificação de associações acústico-verbais nunca se deve esquecer que não estamos
examinando imagens, mas símbolos verbais” (JUNG, OC II, par. 25).
“O momento propício para o diálogo é quando emerge um “afeto avassalador”. Aí os pensamentos e as imagens
dos complexos inconscientes deixam-se entrever, emergem para a luz da consciência e, então, seus conteúdos
podem ser conscientizados. Sem a conscientização desses conteúdos – às vezes com um sabor mítico,
arquetípico, arcaico – não há diferenciação; não há, portanto percepção das diferenças” (MARONI, 2005, p.36).
“Não fui eu que causei essa ação e sim Zeus, o destino e as Erínias que caminham nas trevas: foram elas que
colocaram uma atê selvagem no meu entendimento, naquele dia em que roubei, de minha iniciativa, o prêmio de
honra de Aquiles. Mas que podia eu fazer? É a divindade que leva a termo todas as coisas. Sim, é a veneranda
Atê, que ofusca a todos, aquela maldita! Ela... que não se arrasta pelo chão, mas sobe à cabeça dos homens para
obscurecer-lhes a mente... e conseguiu, uma vez, enevoar a mente do próprio Zeus, como deveis saber”
(HOMERO, A Ilíada, Canto XIX, Verso 78)
“Zeus Pai, é mesmo verdade que dás aos homens grandes atai! Senão, jamais o filho de Atreu insistiria em
excitar o thymos dentro do meu peito, nem teria levado a jovem, contra a minha vontade, na sua obstinação
irresistível” (HOMERO, A Ilíada, Canto XIX, Verso 270)
“Seguiram-no submissos e penetraram no quarto de dormir de Tan Porus. O pequeno psicólogo puxou uma
cortina e expôs um quadro em tamanho natural.
– Sabem por acaso o que é isso?
Era o retrato de um terráqueo, mas de um terráqueo como nenhum dos psicólogos havia ainda visto. Digno e
austeramente belo, com uma das mãos acariciava uma régia barba e com a outra prendia uma dobra do traje
ondulante que vestia. Parecia a majestade personificada.
– Esse aí é Zeus – disse Porus. – os terráqueos primitivos criaram-no como personificação da tempestade e do
raio. – Voltou-se para os cinco confusos colegas. – O retrato lembra-lhes alguém?
– Homo Canopus? – Aventou, incerto, Helvin.
Durante um momento a face de Porus relaxou-se
em momentânea satisfação e, em seguida, endureceu-se.
– Naturalmente – disse em voz seca. – Por que hesita a esse respeito? É Canopus redivivo, até a barba amarela
cheia. – Fez uma pausa. – Há mais alguma coisa. – Puxou outra cortina.
Desta vez era o retrato de uma mulher. Seios fortes e largos quadris. Um inefável sorriso adornava-lhe o rosto e
suas mãos pareciam acariciar talos de cereal que cresciam viçosos em torno de seus pés.
– Deméter! – disse Porus. – A personificação da fertilidade agrícola. A mãe idealizada.
Quem é que ela lembra?
Não houve hesitação dessa vez. Cinco vozes soaram simultaneamente.
– Homo Betelgeuse!
Tan Porus sorriu deliciado.
– Acertaram. Bem?
– Bem? – repetiu Tubal.
– Não compreendem? – o sorriso desapareceu. – Não está claro? Patetas! Se cem Zeus e cem Deméteres
desembarcassem na terra como parte de uma “missão comercial” e fossem psicólogos treinados... Compreendem
agora?
(Isaac Asimov, Homo Sol, 1981, p.87 e 88).
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
1. JUNG NAS ORGANIZAÇÕES, PARA QUÊ? DELINEANDO O PROBLEMA,
QUESTÃO BÁSICA E OBJETIVOS............................................................................
16
1.1 UMA JUSTIFICATIVA QUANTO AO OBJETO E A REPRESENTAÇÃO
CONCEPTUAL DO PROBLEMA.............................................................................. 16
1.1.1 DA ORGANIZAÇÃO, ENQUANTO ENTIDADE, AO SÍMBOLO,
ENQUANTO MEDIADOR ENTRE O SUPERFICIAL E O PROFUNDO: A
HISTÓRIA DE UM PROJETO................................................................................. 46
1.2 PROBLEMATIZAÇÃO E OBJETIVOS................................................................ 49
1.2.1 PROBLEMATIZAÇÃO................................................................................... 49
1.2.2 OBJETIVO GERAL......................................................................................... 50
1.2.2.1 OBJETIVOS ESPECÍFICOS.................................................................... 50
2. A PRODUÇÃO DE SENTIDO E O SÍMBOLO: DA PSICOLOGIA
ORGANIZACIONAL À PSICOLOGIA JUNGUIANA..............................................
52
2.1. PREÂMBULO: UM PANORAMA SOBRE TEMAS CORRELATOS EM
ESTUDOS ANTERIORES (LITERATURA E PESQUISAS)....................................
52
2.2 PROBLEMAS E CRÍTICAS RELACIONADOS À ABORDAGEM DO MITO
E DA ORGANIZAÇÃO PELA PSICOLOGIA PROFUNDA....................................
60
2.3 SÍMBOLOS, MITOS E PRODUÇÃO DE SENTIDO: UMA INTRODUÇÃO..... 67
2.4 O SÍMBOLO COMO UM FENÔMENO DE CONCILIAÇÃO DE OPOSTOS E
CONSTRUÇÃO DE ‘REALIDADES’........................................................................ 72
2.5 INFORMAÇÃO, COMUNICAÇÃO E SÍMBOLOS: DE NOVO A QUESTÃO
DE PRODUÇÃO DE SENTIDO................................................................................... 77
2.6 AFETO, EMOÇÃO E PRODUÇÃO DE SENTIDO: SÍMBOLO...IMAGEM...
LINGUAGEM?.............................................................................................................. 92
3 PESQUISA....................................................................................................................
108
3.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS PARA A DEFINIÇÃO DA ESTRATÉGIA.......... 110
3.1.1 ELEMENTOS PARA A CONSTRUÇÃO DO EXPERIMENTO COM AS
ASSOCIAÇÕES........................................................................................................ 129
3.1.1.1 A IMPORTÂNCIA DO EXPERIMENTO COM AS ASSOCIAÇÕES
COMO UMA ABORDAGEM EXPERIMENTAL DO INCONSCIENTE.......... 130
3.1.1.2 ADAPTANDO O MODELO DE JUNG E MEIER PARA OS
OBJETIVOS DO PRESENTE ESTUDO.............................................................. 131
3.2 PESQUISA EMPÍRICA.......................................................................................... 134
3.2.1 ESTRATÉGIA.................................................................................................. 134
3.2.2 MÉTODO......................................................................................................... 135
3.2.3 O CASO........................................................................................................... 136
3.2.3.1 SUJEITOS................................................................................................. 139
3.2.3.2 CRITÉRIOS PARA A ESCOLHA E DEFINIÇÃO DOS SUJEITOS...... 139
3.2.4 INSTRUMENTO.............................................................................................. 140
3.2.4.1 CONSENTIMENTO INFORMADO........................................................ 140
3.2.4.2 ROTEIRO PARA ENTREVISTAS 140
3.2.4.3 LISTA DE PALAVRAS-ESTÍMULO SELECIONADAS PARA O
EXPERIMENTO COM AS ASSOCIAÇÕES DE PALAVRAS........................... 142
3.2.5 LOCAL DE COLETA DOS DADOS.............................................................. 143
3.3 PROCEDIIMENTO................................................................................................. 144
3.3.1 OBTENÇÃO DA AUTORIZAÇÃO, CONSENTIMENTO INFORMADO
E QUESTÕES PRÁTICAS.......................................................................................
144
3.3.2 ENTREVISTAS................................................................................................ 144
3.3.3 EXPERIMENTO COM AS ASSOCIAÇÕES DE PALAVRAS 145
3.4 APRESENTAÇÃO DOS DADOS.......................................................................... 148
3.4.1 DADOS DOS SUJEITOS................................................................................. 148
3.4.1.1 LISTA DE ASSOCIAÇÕES PRODUZIDAS........................................... 149
3.4.1.1.1 SUJEITO 1.......................................................................................... 149
3.4.1.1.2 SUJEITO 2.......................................................................................... 158
3.4.1.1.3 SUJEITO 3.......................................................................................... 164
3.4.1.1.4 SUJEITO 4.......................................................................................... 171
3.4.1.1.5 SUJEITO 5.......................................................................................... 178
3.4.1.1.6 SUJEITO 6.......................................................................................... 184
3.4.2 AVALIAÇÃO DOS DADOS....................................................................... 191
3.5 ANÁLISE DOS DADOS......................................................................................... 200
3.5.1 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS..................................................................... 200
3.5.1.1 FUNDAÇÃO: O HISTÓRICO DA PSICOLOGIA NA CIDADE E O
SURGIMENTO DO DEPARTAMENTO ESTUDADO...................................... 201
3.5.1.1.1 DISCUSSÃO E INVESTIGAÇÃO ANALÓGICA DOS
CONTEÚDOS APRESENTADOS....................................................................... 208
3.5.1.2 SOBRE OS DESENTENDIMENTOS ENTRE OS VÁRIOS GRUPOS.. 214
3.5.1.2.1 DISCUSSÃO E INVESTIGAÇÃO ANALÓGICA DOS
CONTEÚDOS APRESENTADOS.......................................................................
219
3.5.1.3 A QUESTÃO DOS TURNOS.................................................................. 226
3.5.1.3.1 DISCUSSÃO E INVESTIGAÇÃO ANALÓGICA DOS
CONTEÚDOS APRESENTADOS.................................................................. 228
3.5.1.4 SERÃO OS MEMBROS DE DEPARTAMENTOS DE PSICOLOGIA
MAIS “DOENTES” QUE OS MEMBROS DE OUTROS
DEPARTAMENTOS? .......................................................................................... 230
3.5.1.4.1 DISCUSSÃO E INVESTIGAÇÃO ANALÓGICA DOS
CONTEÚDOS APRESENTADOS.................................................................. 231
3.5.1.5 SOBRE A CRIAÇÃO DO CURSO DE MESTRADO, LINHAS
ANTIGAS E LINHAS NOVAS: NOVOS DESDOBRAMENTOS, VELHAS
POLÊMICAS......................................................................................................... 233
3.5.1.5.1 DISCUSSÃO E INVESTIGAÇÃO ANALÓGICA DOS
CONTEÚDOS APRESENTADOS..................................................................
237
3.5.1.6 CONCURSOS E BANCAS: GUERRAS................................................... 238
3.5.1.6.1 DISCUSSÃO E INVESTIGAÇÃO ANALÓGICA DOS
CONTEÚDOS APRESENTADOS.................................................................. 241
3.5.1.7 CHOQUES PESSOAIS, CHOQUES ENTRE TEORIAS, CONFLITOS
DE GERAÇÕES.................................................................................................... 242
3.5.1.7.1 DISCUSSÃO E INVESTIGAÇÃO ANALÓGICA DOS
CONTEÚDOS APRESENTADOS.................................................................. 245
3.5.1.8 DIFICULDADE EM SE OBTER ENGAJAMENTO NAS QUESTÕES
COLETIVAS E O PODER DE ATRAÇÃO DOS ESTÍMULOS EXTERNOS... 247
3.5.1.8.1 DISCUSSÃO E INVESTIGAÇÃO ANALÓGICA DOS
CONTEÚDOS APRESENTADOS.................................................................. 255
3.5.1.9 APOSENTADORIAS SUCESSIVAS, CONTRATAÇÃO DE
PROFESSORES ASSISTENTES, RECONTRATAÇÃO DE PROFESSORES
APOSENTADOS E O EXCESSO DE PROFESSORES SUBSTITUTOS........... 259
3.5.1.9.1 DISCUSSÃO E INVESTIGAÇÃO ANALÓGICA DOS
CONTEÚDOS APRESENTADOS..................................................................
261
3.5.1.10 A EMERGÊNCIA DOS SETORES: DEPARTAMENTOS DENTRO
DO DEPARTAMENTO........................................................................................
263
3.5.1.10.1 DISCUSSÃO E INVESTIGAÇÃO ANALÓGICA DOS
CONTEÚDOS APRESENTADOS..................................................................
265
3.5.1.11 A QUESTÃO DOS TURNOS ................................................................ 266
3.5.1.11.1 DISCUSSÃO E INVESTIGAÇÃO ANALÓGICA DOS
CONTEÚDOS APRESENTADOS.................................................................. 270
3.5.1.12 “POR QUE NÃO VIRAMOS UMA FACULDADE?” 272
3.5.1.12.1 DISCUSSÃO E INVESTIGAÇÃO ANALÓGICA DOS
CONTEÚDOS APRESENTADOS..................................................................
275
3.5.1.13 AS DIFICULDADES EM SE PROMOVER UMA REFORMA
CURRICULAR...................................................................................................... 276
3.5.1.13.1 DISCUSSÃO E INVESTIGAÇÃO ANALÓGICA DOS
CONTEÚDOS APRESENTADOS.................................................................. 280
3.5.1.14 PROGRAMA DE DOUTORADO: UM SONHO CADA VEZ MAIS
DISTANTE............................................................................................................ 281
3.5.1.14.1 DISCUSSÃO E INVESTIGAÇÃO ANALÓGICA DOS
CONTEÚDOS APRESENTADOS.................................................................. 284
3.5.1.15 CONSEQÜÊNCIAS DE UM QUADRO: FALTA DE
CREDIBILIDADE................................................................................................. 285
3.5.1.15.1 DISCUSSÃO E INVESTIGAÇÃO ANALÓGICA DOS
CONTEÚDOS APRESENTADOS.................................................................. 287
3.5.1.16 IMAGENS PARA O DEPARTAMENTO............................................... 290
3.5.1.16.1 DISCUSSÃO E INVESTIGAÇÃO ANALÓGICA DOS
CONTEÚDOS APRESENTADOS..................................................................
296
3.5.2 ANÁLISE DO EXPERIMENTO COM AS ASSOCIAÇÕES......................... 306
3.5.2.1 ANÁLISE DAS CONSTELAÇÕES E COMPLEXOS OBSERVADOS
EM S1................................................................................................................... 306
3.5.2.1.1 SUJEITO 1: TEMPO DE REAÇÃO POR PALAVRA ESTÍMULO 310
3.5.2.2 ANÁLISE DAS CONSTELAÇÕES E COMPLEXOS OBSERVADOS
EM S2...................................................................................................................
312
3.5.2.2.1 SUJEITO 2: TEMPO DE REAÇÃO POR PALAVRA ESTÍMULO 317
3.5.2.3 ANÁLISE DAS CONSTELAÇÕES E COMPLEXOS OBSERVADOS
EM S3................................................................................................................... 319
3.5.2.3.1 SUJEITO 3: TEMPO DE REAÇÃO POR PALAVRA ESTÍMULO 321
3.5.2.4 ANÁLISE DAS CONSTELAÇÕES E COMPLEXOS OBSERVADOS
EM S4...................................................................................................................
323
3.5.2.4.1 SUJEITO 4: TEMPO DE REAÇÃO POR PALAVRA ESTÍMULO 325
3.5.2.5 ANÁLISE DAS CONSTELAÇÕES E COMPLEXOS OBSERVADOS
EM S5................................................................................................................... 327
3.5.2.5.1 SUJEITO 5: TEMPO DE REAÇÃO POR PALAVRA ESTÍMULO 329
3.5.2.6 ANÁLISE DAS CONSTELAÇÕES E COMPLEXOS OBSERVADOS
EM S6...................................................................................................................
331
3.5.2.6.1 SUJEITO 6: TEMPO DE REAÇÃO POR PALAVRA ESTÍMULO 332
3.5.2.7 GRÁFICO COMPARATIVO DOS RESULTADOS DE TEMPO DE
REAÇÃO POR PALAVRA ESTÍMULO (S1 A S6)........................................................
334
4 ONDE SE CHEGA A ALGUMAS CONCLUSÕES E SE INDICA UMA
PROSPECÇÃO A NOVAS PARADIGMAS................................................................
337
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................
345
APÊNDICE I....................................................................................................................
360
RESUMO
Este estudo consiste na investigação do papel do símbolo como mediador da
comunicação nas organizações de trabalho, a partir de uma abordagem das relações entre a
dimensão afetiva e a produção de sentido. Avalia-se as maneiras específicas pelas quais as
disposições duradouras dos indivíduos se exprimem na organização, considerando a
articulação das sociedades em função de imaginários e culturas que se reproduzem,
sustentando a comunicação, o reconhecimento e os comportamentos; a potencialidade da
psicologia profunda como recurso para a compreensão do trabalho humano nas organizações
racionais e o papel do símbolo, como introdutor do imaginário nesse contexto.
Este estudo assume a Psicologia Analítica uma meta narrativa que privilegia, pelo
eixo geral da imaginação, a relação teleológica entre símbolos, homem e cultura, e o processo
simbólico subjacente ao contexto emocional dos fenômenos humanos como interlocutora
entre o pesquisador em Psicologia Organizacional e a capacidade dos sujeitos de lidar com
seus desejos pelo manejo de significados nas organizações. Trabalha-se o binômio sentido-
afeto como possibilidade de alcançar a “autogestão” inconsciente, subjacente, e às vezes em
desacordo com a “realidade” oficial da organização.
Considerando a precariedade dos métodos para o estudo do processo simbólico nas
organizações para alcançar essa dimensão afetiva dos símbolos, esta investigação propõe-se a
contribuir para a superação dessa lacuna. Isso será feito a partir de um estudo de caso
realizado entre professores do departamento de psicologia de uma tradicional instituição de
ensino superior brasileira.
Para tanto, foram feitas entrevistas conduzidas de forma a despertar nos sujeitos a
faculdade poïetica, conforme proposto por Heidegger, e as formulações estéticas
organizadoras anteriores à simbólica, conforme descrito por Safra, no intuito de facilitar o
acesso à subjetividade dos pesquisados. Como forma de se localizar, no material coletado,
relações entre os complexos ídeo-afetivos e os mbolos foi programado um experimento com
associações de palavras (nos moldes propostos por Wundt e Galton e, posteriormente, Jung)
onde as reações emocionais, definidoras de mbolo para Jung, podem ser rastreadas. O
material coletado foi submetido à hermenêutica junguiana, na análise das relações de
produção de sentido.
ABSTRACT
The present study aims at investigating the mediating role of symbols in organization
communication process, from the point of view of the relationship between sense making and
the affective dimension.
The way individuals’ lasting dispositions are expressed in organizations are assessed
considering the articulation of societies influenced by imaginaries and cultures which are
reproduced sustaining communication, acknoledgement and behaviour. The potential of
psychology as a resource for the understanding of work in organizations and the role of
symbols introducing the imaginary in that context are also evaluated.
This study takes Analytic Psychology a meta narrative which, through the axis of
imagination, highlights the teleological relationship between symbols, men and culture and
the symbolic process underlying the emotional context of human phenomena as
intermediator between the Organizational Psychology researcher and the capacity of subjects
to deal with their desires through the management of meanings in organizations.
The binomial meaning-affection as an available means to reach the unconscious self-
management underlying and sometimes in disagreement with the official organizational
reality.
Considering that the methods currently available for the study of the symbolization
process in organizations are insufficient to reach the affective dimension of symbols, this
investigation aims at a contribution for the overcoming of that gap. Such a task will be carried
out through the particular case study of the lecturers of a department of Psychology of a
traditional Brazilian university.
For such a purpose, interviews were carried out in a way capable of stimulating the
Heiddegarian poietics potentiality and the aesthetics formulation previous to the symbolic
one, according to Safra, to enable the access to subjectivity of the sample.
As a means to find the relationships between ideo-affective complexes and the symbols
in the data an experiment with words association was programmed (as Galton, Wundt and
later Jung proposed) in which emotional reactions taken as determinants of symbol to Jung
were tracked down.
The data were submitted to the Jungian hermeneutics for the analysis of the sense
making relationships.
CAPÍTULO I
JUNG NAS ORGANIZAÇÕES, PARA QUÊ?
Delineando problema, questão básica e objetivos
16
Capítulo 1
JUNG NAS ORGANIZAÇÕES, PARA QUÊ?
Delineando problema, questão básica e objetivos
1.1 Uma justificativa quanto ao objeto e a representação conceptual do
problema
O presente trabalho pretende estudar o processo de produção de sentido nas
comunicações. Essa tarefa será empreendida considerando a influência de fatores conscientes
e inconscientes no processo de produção de sentido, de tal maneira que se possa compreender
as dificuldades na comunicação dentro das organizações de trabalho com especial enfoque no
papel mediador dos símbolos. Este problema será estudado a partir da aproximação entre os
esquemas conceituais da Psicologia Organizacional e da Psicologia Analítica Junguiana e,
empiricamente, através da análise das comunicações de grupo de professores de um
departamento da área de Ciências Humanas em uma tradicional instituição de ensino superior
brasileira.
A escolha do objeto deste estudo foi motivada pela observação das peculiaridades do
processo de comunicação em uma equipe heterogênea em uma organização. Observou-se que,
a cada vez que os membros se empenham na busca de significados comuns, é produzida uma
multiplicidade de leituras, seguindo constelações particulares assumidas pelos grupos em seu
interior.
A análise dessa conjuntura conduziu a uma avaliação das explicações, oferecidas por
estudiosos da informação, para as dificuldades evidentes em tornar comuns os significados em
contextos de trabalho que hoje, mais do que em tempos anteriores à globalização, demandam
sinergia, comprometimento e fluidez (PAULA, 1999).
Observou-se que as análises produzidas não consideram que as dificuldades de
comunicação repousem num nível menos consciente do que supõem aqueles que concebem os
Sistemas de Informação. Ao tomar emissores e receptores como conjuntos ideais de membros,
essas análises ignoram o contínuo processo de construção e reconstrução de dados a partir de
referenciais diversos. Esses referenciais baseiam-se em representações sociais típicas às várias
subculturas organizacionais em que os participantes desse processo se inserem. As
representações relacionam-se às variáveis de natureza afetiva, cultural e social que produzem
essas subculturas. Participam ainda, desse espectro de variáveis, as chamadas dimensões
17
inconscientes. Incluem-se, dentro da ampla categoria designada Inconsciente”, desde
aspectos das relações interpessoais, sociais e cognitivas que não estão presentes de maneira
evidente no processo comunicativo mas que o influenciam até aqueles conteúdos
específicos assim designados pelos psicanalistas. Essas dimensões inconscientes,
indelevelmente conectadas aos afetos, à cultura e à sociedade, sustentam as representações
sociais responsáveis pelas interpretações e conclusões produzidas pelos membros da
organização. Observa-se que essas interpretações, devido ao caráter lábil de suas motivações
subjacentes, divergem freqüentemente das esperadas pela liderança.
O uso feito aqui do termo “representação social” remonta à década de 60 do século XX,
quando Serge Moscovici (1961, 1978) reativa, a partir de Durkheim, o conceito de
représentation sociale para demonstrar a indissociação entre indivíduo, grupo e sociedade.
Sua obra seminal, La Psychanalyse, son image, son public, que contém a matriz da teoria,
surge em 1961 na França, tornando-se marco por apresentar uma proposta inovadora para a
compreensão de como o conhecimento é produzido, por analisar o impacto desse
conhecimento nas práticas sociais e vice-versa. Moscovici (1961, 1978), interessou-se pelo
“poder das idéias” de senso comum, por estudar como, e por que, as pessoas partilham o
conhecimento constituindo desse modo sua realidade comum e como essas idéias são
transformadas em práticas. “Representação social” seria “a verbalização das concepções que
um indivíduo tem do mundo que o cerca” (LANE 1993, p.62). Nas representações sociais, é
possível identificarem-se os valores, a ideologia e as contradições do indivíduo e de seu
grupo. A possibilidade de se encontrar, simultaneamente, comportamentos observáveis e
registráveis, e produtos individuais e sociais, viabiliza o trabalho com o elo entre aspectos
psicológicos e sociológicos que perpassam a compreensão do mundo pelos indivíduos.
O que se observa, de fato, é que as interpretações e conclusões produzidas pelos
membros da organização a partir das representações sociais (sustentadas, em parte, nas
dimensões inconscientes do processo comunicativo) entram, freqüentemente, em choque com
as interpretações esperadas pela liderança. É comum considerarem-se os veis consciente e
inconsciente duas realidades completamente estanques. Isto, talvez se deva ao fato de os
autores em psicologia organizacional tradicional, até a cada de 60 do século XX, não
haverem valorizado a noção de inconsciente. Foi somente a partir de estudos como os de
Enriquez (1974), sobre o recalcamento e a repressão nas organizações e os de Menzies
(1960), sobre as formas estruturação dos hospitais como recurso para defesa contra a
ansiedade, que a psicologia profunda começou a alcançar um lugar de relativo destaque nesse
campo e o ser humano, em sua condição de sujeito, foi redescoberto pela psicologia
18
organizacional. Embora dessa época até hoje tenham acontecido progressos na aproximação
entre esses dois campos, ainda hoje, o nível inconsciente é, freqüentemente, relegado à
categoria das lendas, e tratado como uma fantasia pouco útil ao pragmatismo fundamental à
condução dos negócios. Apesar disso, mesmo não reconhecida, a influência do inconsciente
se faz presente nos aspectos afetivos e simbólicos que permeiam todo e qualquer processo de
comunicação e interpretação. Essa influência, como foi dito, é o problema a ser estudado
aqui.
Este projeto continuidade às elaborações apresentadas em dissertação de mestrado
(PAULA, 1999) que estudou a psicodinâmica organizacional a partir de pontos de interesse da
Ciência da Informação. No estudo da influência da cultura e subculturas organizacionais no
processo de significação das informações, verificaram-se lacunas nas análises sobre o papel
do símbolo
1
nesse processo. São essas lacunas que se pretende, neste momento, preencher.
As análises acima referidas surgiram no contexto do Capitalismo Pós-Organizado,
apresentada por Lash & Urry (1993), que compreende o fim do capitalismo organizado, e o
surgimento de uma situação onde o capital variável (ou a força de trabalho) torna-se,
simultaneamente, objeto e sujeito (com um incremento da dificuldade de distinguir um estado
do outro). O fim do capitalismo organizado pode ter suas contradições inerentes analisadas,
como tantos fizeram, a partir da visão de Karl Marx, que, durante o século XX, descreveu
eficientemente a passagem de uma economia regionalizada para uma economia nacionalizada
e, finalmente, para os primórdios de uma economia internacional. É o que os autores se
propõem a fazer. Segundo eles, o Capitalismo Pós-Organizado caracteriza-se por um
capitalismo complexo onde não é mais possível se pensar em formas simples e lineares de
organização, onde o mercado tende a seguir a velocidade e a volatilidade propiciada pelos
recursos comunicacionais, e os artefatos de cultura tornam-se cada vez mais desprovidos de
sentido. Além da óbvia aceleração de velocidades, com o conseqüente encurtamento das
distâncias, e a compressão e o nivelamento das vidas econômica, social e política, e das
esferas cultural e pessoal, existe uma abertura de espaços para formas alternativas de
posicionamento na sociedade, produzida pelo surgimento de novos arranjos sócio-estruturais
nas relações. Acarreta-se um significativo aumento do grau de descartabilidade e perda de
1
Ao longo do presente trabalho serão feitas diversas referências ao conceito de símbolo. Embora possam ser
feitas citações oriundas de autores de diversas correntes, dentro e fora da psicologia, a palavra símbolo, ao longo
de todo o corpo deste estudo, será tomada na acepção conferida a ela pela literatura junguiana. Dentro desse
modelo teórico os dois usos fundamentais do termo são: 1) Expressão que usada no lugar da outra (“função
subistitutiva” do mbolo); 2) A possibilidade transformativa que certa expressão vem a ter através de certo
contexto (“função formativa” ou “função transformativa” do símbolo). Quando o uso do termo não seguir uma
das formulações acima o fato será destacado durante a argumentação, dentro do próprio texto.
19
sentido das relações, instituições, objetos e situações. Curiosamente, é nesse momento que
surgem reações a essa artificialidade crescente. Nos dizeres dos autores, surgem “peregrinos”
buscando pela experiência autêntica, completa e, talvez, profunda que os leve além do
descartável e do sem sentido. Essa busca por uma experiência de sentido aponta para um
esforço cada vez mais presente nas relações interpessoais: a tentativa de manipular o ambiente
semiótico para extrair dele ou conferir a ele um significado.
A busca por profundidade em um ambiente de possibilidades mutantes que clama por
objetividade e rapidez constitui um desafio. Aquilo que as pessoas têm buscado sob a alcunha
de “uma experiência profunda” também tem sido objeto de indagação por parte da academia.
Esse desafio foi abraçado por autores como Chanlat (1996), em seu clamor por uma
valorização da condição humana através do que ele denomina “uma verdadeira antropologia
da organização” (1996, p.26), e Dejours (1989, 1991, 1992, 1994 e 1997). Este último autor é
digno de nota. Nas décadas de 30, 40 e 50, a psicologia buscou a relação de causalidade entre
desempenho e tarefa. Foi somente, entre os anos 60 e 70 que outros tipos de preocupação,
como mencionado anteriormente, vieram a ocupar um lugar de destaque. A chamada
Psicodinâmica do Trabalho, disciplina recente, encontra em Christophe Dejours um de seus
expoentes vêm lançar um novo olhar sobre o sofrimento do trabalhador e a situação de perda
de sentido nas relações de trabalho. Dejours (1989), destaca, entre outros pontos
fundamentais, que cada tipo de organização do trabalho irá desencadear (e, por vezes,
autorizar) a constituição de procedimentos defensivos específicos, tanto individuais como
coletivos, que tem a finalidade de propiciar proteção contra o sofrimento e, particularmente,
contra o medo associado ao trabalho.
Se o cotidiano das pessoas e dos ambientes de trabalho é afetado pelas transformações
do Capitalismo Pós-Organizado, os desafios propostos ao contexto acadêmico não são
menores. Se, no dia-a-dia, o cidadão comum esbarra em múltiplas solicitações, o mesmo
ocorre com o cientista: diversas opiniões, estudos e tendências são propostas num ritmo
vertiginoso. Cabe ao pesquisador uma dupla tarefa: não lidar com as transformações na
ciência, mas convertê-las em um posicionamento responsável e engajado frente aos dilemas
da sociedade atual.
O contexto contemporâneo apresenta ao pesquisador uma questão fundamental: como
encontrar sentido num mundo onde existe um constante giro de sentidos, onde as instituições
tradicionais tornaram-se despotencializadas e as experiências ambíguas, e onde a economia
passou a governar através de meios psicológicos como o “único culto sincrético efetivo no
20
mundo de hoje, a única fé ecumênica” (HILLMAN, 2001, p. 19)
2
?
Antes, o sentido era conferido às ações e às coisas por uma relação estreita com as
tradições. Hoje, vive-se uma realidade que tem sentidos voláteis, onde as pessoas se desligam
das tradições e se abre uma possibilidade para a multiplicação dos sentidos, muitos dos quais
criados pelos meios de comunicação. Existe um bombardeio de significantes, gerando uma
rotatividade nos sentidos de tal ordem que induz as pessoas a se desconectarem do sentido
tradicional até recentemente considerado válido em sua cultura. O sentido tem sido buscado
(e, eventualmente, encontrado) por diferentes sujeitos de formas e em situações diversas.
Estudar o processo de produção de sentido, com seus facilitadores e entraves, tornou-se tarefa
preliminar e fundamental para a compreensão de problemas nesse campo.
Retome-se o presente momento histórico em relação à produção de sentido na visão de
Lash & Urry (1993). Esses autores se posicionam criticamente sobre as conseqüências do
advento da modernidade e da passagem dessa condição para a chamada pós-modernidade
(1993, p.3).
If modernism came to cut away the foundations of the western tradition with the
death of God, then postmodernism proclaming ‘the end of man’ removed even those
few foundations that remained.
Os autores propõem que exista, hoje, uma exacerbação da falta de sentido, expressa na
intensificação de características que Marx atribuiu à modernidade
3
: na perda do sentido
tradicional de identidade, na “fetichização” do mercado, na decadência das instituições
tradicionais como referencial de sentido, na valorização a-reflexiva do corpo e na
subvalorização do espírito, na cultura de massa e na virtualização e empobrecimento das
relações. Pelo que se pode apreender da visão desses autores não se trata da eclosão de um
“vazio” niilista, mas de um momento onde, pela proliferação de sentidos novos e,
simultaneamente, pela falência de boa parte das referências sociais doadoras de sentido
tradicionais, cria-se um quadro social novo: a intensificação das demandas individuais pelo
sentido em prejuízo dessa busca através das formas sociais organizadas que já não conseguem
satisfazer às necessidades contemporâneas. No entanto, o que se pode observar é que esses
sentidos pessoais novos se volatilizam e transmutam seguindo um padrão semelhante ao das
correntes da moda ou do mercado (numa constante substituição de “verdades” antigas por
2
Uma “fé” que une financiadores da campanha presidencial americana, terroristas afegãos, e a simpática
velhinha que mora ao lado nas mesmas operações financeiras.
3
Um momento iniciado com as mudanças na estrutura social da virada do século XIX para o XX e tornado
emblemático na obra O fim do Capitalismo Organizado através de sua proposição antológica segundo a qual, na
modernidade, “tudo que é sólido se desmancha no ar”.
21
novas). Uma característica bastante comum desse movimento é o de uma carência de
oportunidades para o aprofundamento na reflexão sobre as experiências subjetivas. No
ambiente organizacional isso se traduz no aparecimento de um considerável número de
“gurus” propondo soluções e trazendo novos sentidos para os conceitos empregados nas
organizações (como, por exemplo, o conceito de estratégia) e isso afeta o ecossistema” como
um todo. A partir do aparecimento desses novos sentidos tudo passa a ser reajustado ao
modelo deles derivado, até que, muito em breve, eles sejam substituídos por um novo
modismo.
Postula-se aqui que essa “falta” de sentido (ou excesso de sentidos novos e voláteis),
hoje levada ao extremo, indique a necessidade de se enfocar aspectos reflexivos da
subjetividade humana. Seria, por exemplo, necessário avaliar com maior profundidade
questões como o engajamento no processo de modernização reflexiva”, a subjetivação de
objetos, a velocidade e a mobilidade das relações. Aspectos onde se revelam, cada vez mais,
as posições estruturadas e estruturantes da sociedade pós-moderna. Nesse sentido, Lash &
Urry (1993) defendem que a abordagem dos problemas da pós-modernidade seja não um
desafio acadêmico, mas antes de tudo uma necessidade. Caberiam nesse contexto estudos
sobre a demanda que se tem da psicologia por parte dos administradores, obras como a de
Sennett (1999). Neste estudo, o autor estabelece uma comparação entre um passado recente
em que a vida e o trabalho eram lineares, o trabalho era o antídoto do fracasso pessoal, as
relações sociais eram mais profundas e valores como a ética e a temperança eram mais
freqüentemente evocadas e uma análise aprofundada do momento atual marcado pela
superficialidade e imediatismo do novo capitalismo: onde a ética do trabalho sofre
diretamente as conseqüências da falta de profundidade (densidade) das experiências. O autor
parte da idéia de que a ética, por definição, evoca o uso auto-disciplinado do tempo e o
adiamento da satisfação como um valor, e que essa situação depende em parte da existência
de instituições estáveis o suficiente para permitir a prática do adiamento. A partir desse ponto,
afirma que, quando estas instituições mudam rápida e radicalmente, a satisfação adiada perde
seu sentido. Apesar de Sennett (1999) considerar que a instabilidade e a incerteza, sempre
estiveram presentes na história humana, ele destaca que, nos dias atuais, a grande diferença é
que elas aparecem sem que nenhum desastre iminente se avizinhe. Sennett (1999) chama essa
situação instável de ansiedade trivial, uma condição onde a tensão está presente diariamente.
Este cenário desperta nos trabalhadores o que Sennett (1999) denomina um sentimento de
deriva: a falta de propósito em relação ao presente e de perspectivas futuras. Nesse sentido, a
nova realidade econômico-social, embora traga termos excitantes como agilidade,
22
flexibilidade e mudança, não se torna capaz de propiciar a realização ambicionada por estes
trabalhadores e, simultaneamente, corrói no indivíduo as qualidades que criam os laços entre
os seres humanos e lhes conferem uma identidade sustentável.
Essa reflexibilidade e a subjetividade, tão voláteis hoje, justificam a tendência de se
condenar uma perspectiva monolítica (ou unilateral) que tente compreender a complexidade
da sociedade segundo um único referencial teórico. Demanda-se dos pesquisadores uma
reflexão sobre como se a produção de sentidos na sociedade e na própria ciência, para que
se possa transitar por vários campos sem o receio da perda de identidade. Essa disposição para
se transitar por outros saberes, e dialogar com representantes de outros campos configuraria
uma abordagem para se operar com diferentes visões de mundo. Essa abordagem se
converteria em hábito (uma atitude) pelo exercício continuado, passando a ser utilizada
preferencialmente na aproximação dos problemas. Isso permitiria, num exercício de
amplificação ou de circumambulação
4
, considerar outras possibilidades, cultivar idéias novas
e questionar convicções teóricas pessoais.
Embora o trânsito por vários campos sem receio da perda de uma identidade seja
academicamente desejável, traz conseqüências que, no cotidiano da maioria dos indivíduos,
podem não ser tão favoráveis. Tome-se, por exemplo, a situação das carreiras. As pessoas
hoje são pressionadas a ter vários “eus” como uma forma de se adaptarem (e adaptarem sua
vida profissional e produtiva) às rápidas transformações do cotidiano. Em conseqüência
dessas múltiplas identidades, muitas pessoas têm seu grau de sofrimento aumentado, ficando
comprimidas, de um lado, por modelos propostos (ou, quem sabe, impostos) e, por outro, pela
cobrança por apresentar resultados. Essa situação cria, de fato, indivíduos aptos a se
encaixarem em diferentes contextos, mas os custos dessa adaptação ainda estão longe de
serem completamente determinados. Uma busca atual em psicologia organizacional é por
elucidação e soluções para dilemas como esse. Sennett (1999), por exemplo, na contramão
das solicitações contemporâneas, defende que a rotina, combatida no atual contexto sob a
acusação de degradar o trabalho, também pode proteger. O autor propõe que uma vida de
impulsos momentâneos, de ações de curto prazo e sem rotinas que se sustentem, torna-se uma
existência irracional, ausente de objetivos e propósitos. Ao se tomar a rotina como
4
Como amplificação designa-se aqui (tomando como referência SAMUELS, SHOTER & PLAUT, 1988) um
método interpretativo proposto por Jung onde, através de paralelismos entre conteúdos diversos (e provenientes
de várias fontes) relacionados a um tema se busca ultrapassar uma atitude puramente pessoal e individualista (e,
portanto, tendenciosa) sobre uma questão. como circumambulação (SHARP, 1993) entende-se uma forma
diferenciada de tratar um tema, referindo-se a ele sob diversos pontos de vista. Esse exercício tem a vantagem de
ser circular e não linear. Dessa forma, enquanto num método associativo tradicional se afasta do tema original a
circumambulação fica próxima a ele.
23
eminentemente degradante, esta desconsiderando-se uma parte fundamental da natureza do
trabalho e obstruindo o progresso moral da sociedade. Para o autor, a defesa atual da idéia de
que um ser humano adaptável e aberto à mudança é um ser humano livre evidencia um
contra-senso. Embora o ideal seja belo, a nova economia trai este desejo de liberdade: a busca
da flexibilidade e a rejeição à rotina, longe de libertar, produzem novas formas de poder e
controle. Sennett (1999) argumenta que o sistema de poder presentificado nas formas de
flexibilidade dos dias de hoje é mais sutil, mas nele continuam presentes o que o autor
denomina de ficções do trabalho: artifícios a serviço do exercício da dominação (as demandas
adaptativas das novas carreiras e da empregabilidade contemporânea por exemplo,
capacidade para trabalho em equipe, em tempo flexível e habilidade na utilização de recursos
tecnológicos).
As rápidas transformações do cotidiano não inviabilizam a adoção de categorias
previamente estabelecidas para a leitura dos sentidos, como também criam constantes
exceções às novas proposições. A insistência em se criar categorias previamente e a utilizá-las
em contextos novos (e, por vezes, diversos) tem dificultado a compreensão dos mecanismos
de produção de sentido. Cada vez que se congela a realidade em novas categorias, volatiliza-
se a produção de sentido. Fica estabelecido o desafio de se trabalhar o processo de construção
de conhecimento em uma realidade de contínua recategorização para se fazer frente às novas
questões propostas pela conjuntura do ambiente globalizado: oportunidades de negócio
voláteis, migrantes e criadas através do empreendedorismo; produção condicionada pela
automação (com conseqüente diminuição de custos e de tempo), pelas decisões dependentes
de diagnósticos, pela auto organização das competências; trabalho de conteúdo diversificado,
dependente do conhecimento, acoplado a sistemas de informação, executado em ambiente
ambíguo, incerto, automatizado, e por vezes estressante. Essa tarefa implica numa postura
diferente das ciências nela envolvidas: ao mesmo tempo em que o diálogo interdisciplinar se
torna cada vez mais necessário é, simultaneamente, preciso se trabalhar a coerência e a
identidade individual dos campos de estudo. Adotar essa nova postura se torna muito mais
complicado quando o pesquisador, pelo hábito ou por obediência cega a um determinado
referencial ou a um teórico, se vê obrigado a adaptar suas observações a categorias
totalizadoras ou pior, se constrangido em modificá-las ou mesmo abandoná-las em favor
de um processo de diferenciação.
Ao percorrer o histórico da psicologia organizacional, pode-se observar um movimento
recorrente em buscar categorizações. Essa tendência pode ser observada claramente nos
24
estudos sobre Motivação, onde, insistentemente, se busca categorizar necessidades. Boa parte
dos estudiosos que se dedicaram a investigar esse tema acabou por elaborar algum modelo em
categorias: Maslow (1954), talvez o mais clássico dentre eles, criou cinco; McGregor (1960),
duas; Herzberg (1959), duas; Alderfer (1969 e 1973), três; e McClelland (1961, 1969 e 1976),
também com três. Observando com mais severidade mesmo Adams (1965) com seus quatro
pontos de referência que podem ser usados pelo funcionário para comparas as entradas e os
resultados do seu trabalho e com suas seis escolhas possíveis de reação às injustiças
percebidas e Vroom (1964) com suas três formas de relação entre esforço, desempenho,
recompensas e metas embora proponham modelos mais dinâmicos, poderiam ter seus
modelos descritos como categorizações. A questão que se pode propor é: até que ponto essa
abordagem, que tem sido largamente utilizada em psicologia organizacional, reflete
autenticamente o ser humano?
Nesse processo de caminhar em sentido contrário à utilização de categorias previamente
definidas, poderia ser adotado, a cada estudo proposto, uma abertura ao diálogo de modo a
acenar, de forma coerente, às diversas linguagens que, hoje, apontam os limites das ciências
envolvidas na análise da situação atual. Embora sejam objeto de preocupação das ciências
como um todo, esses limites deveriam tornar-se, num momento de convocação a uma
participação transformadora da ciência no mundo, foco de atenção particular da Psicologia
Organizacional, uma vez que essa abordagem sempre teve a pretensão de produzir
conhecimentos para ajudar a solucionar problemas. Nesse caso particular, existem alguns
problemas que necessitam ser superados. Poderiam ser citados: o excessivo atrelamento às
doutrinas, práticas e tendências administrativas, sua permanente crise de identidade
(sustentada em dilemas ontológicos e epistemológicos decorrentes desse atrelamento) e a
ênfase excessiva que muitas de suas teorias dão ao patológico em detrimento da sua
normalidade.
Será feita, no capítulo seguinte, uma análise sobre o tema “produção de sentido” nos
diferentes campos que a contemplam: uma visão pluralista onde a Psicologia Social, a
Psicologia Organizacional e a Psicologia Analítica possam interagir.
A articulação entre Psicologia Organizacional e Psicologia Social será vista, dentro dos
limites do presente trabalho, como uma particularização do geral. Essa articulação pode ser
descrita nos termos do título de um livro de Weick (1973): A psicologia social do processo de
organização (The social psychology of organizing ou, psicologia social do organizar),
25
traduzido no Brasil como “A psicologia social da organização”
5
. O autor, quando
questionado, três décadas, sobre a existência de comportamentos tipicamente
organizacionais, disse ser mais provável que exista uma continuidade de um ambiente para
outro do que propriamente uma descontinuidade. Nesse sentido em vez de “procurar
comportamentos singulares que ocorrem dentro de uma organização, e depois construir uma
teoria sobre a sua singularidade, parece mais útil construir teorias a respeito das maneiras
específicas pelas quais as disposições duradouras dos indivíduos se exprimem num ambiente
de organização, e a respeito dos efeitos dessa expressão” (1973, p. 26). Dessa forma, embora
as organizações possam apresentar problemas singulares para seus membros, e dar
mecanismos singulares para que eles enfrentem tais problemas, serão as pessoas que utilizarão
tais mecanismos, e os comportamentos dessas pessoas serão os mesmos que permitem os seus
mecanismos de sobrevivência fora dela.
Dentro do viés proposto por Weick (1973) (trabalhar as maneiras específicas pelas quais
as disposições duradouras dos indivíduos se exprimem na organização), cabe aqui citar duas
leituras relevantes ao presente estudo: a análise de Giddens (1994) sobre a articulação das
sociedades em função de imaginários (culturas) que se reproduzem, sustentando a
comunicação, o reconhecimento e o comportamento das pessoas; e as reflexões de Malvezzi
(1996) sobre a potencialidade da psicologia profunda como recurso necessário para a
compreensão plena do trabalho humano dentro das organizações racionais (em especial do
símbolo, por ser o introdutor da potencialidade do imaginário nesse contexto, como um dos
elementos fundamentais na compreensão das organizações). A perspectiva evidenciada por
esses autores inspirou a abordagem deste trabalho: examinar a relação entre esses fatos
organizacionais e a capacidade dos sujeitos de lidar com seus desejos através do manejo dos
significados que eles extraem da comunicação nas organizações, utilizando, para tal, a
interlocução entre a Psicologia Analítica e a Psicologia Organizacional.
A escolha da Psicologia Analítica como interlocutora justifica-se pela tradição que essa
abordagem tem de privilegiar a relação teleológica dos símbolos com o homem na cultura
(tendo como o eixo geral a imaginação), e o processo simbólico que subjacente ao contexto
emocional dos fenômenos humanos. Pretende-se demonstrar nesse trabalho que essa relação
teleológica entre o homem, seus símbolos e o contexto emocional será de grande valor na
construção e manutenção de identidades frente a ambientes agressivos ou mutantes.
5
A tradução, de Dante Moreira Leite, considera “organização”, não como o resultado de um processo de
organizar, mas como o próprio processo, o ato de organizar. Tal interpretação está correta, parece, no entanto,
que a expressão of organizing possa expressar melhor a intenção do autor se traduzida como “do organizar”.
26
Sintetizando, a Psicologia do Organizacional é tomada aqui como uma Psicologia Social
que estuda as relações entre as pessoas, os determinantes oriundos da interação de um
indivíduo com o outro a partir do processo de produção no contexto de trabalho. a
Psicologia Analítica se integra a esse estudo oferecendo um foro privilegiado, embora não
exclusivo, para a compreensão da produção de sentido. Propõe-se, trabalhando o contexto
histórico atual, construir um estudo da produção de sentido a partir da Psicologia Analítica
(uma meta narrativa) como forma de revisão da Psicologia Organizacional (uma psicologia
social do organizar – uma psicologia temática).
Labriola (2001) aponta a possibilidade dessa interlocução ao aplicar uma análise
simbólica no contexto da Psicologia Analítica ao estudo sobre instituições. A autora faz um
considerável esforço para a composição de complementaridades e aproximações conceituais
na tentativa de entender como a instituição, enquanto expressão arquetípica da psique
coletiva, pode ser pensada como campo de aprisionamento ou de fertilização do processo de
individuação.
Diante do aparecimento dos conceitos de arquétipo (através do adjetivo arquetípico),
psique (coletiva) e individuação, torna-se necessário introduzir uma breve explanação sobre o
sentido atribuído a estes conceitos no corpo do presente trabalho.
O termo arquetípico ou arquetípica é utilizado aqui como referência a uma situação,
experiência, evento ou atributo que evoque o conceito de arquétipo. Os Arquétipos são
entidades hipotéticas utilizadas para descrever certos padrões de desempenho psicológico e
estruturação da psique que esperam o momento de se ativarem (em função das demandas da
vida humana em interação com o meio) e se realizarem na personalidade. Para Jung (OC IX),
arquétipos seriam os princípios básicos do inconsciente (archetypoi) que, embora
indescritíveis em sua riqueza de referências, seriam recognoscíveis em si mesmos. Jung (OC
XI) definiu arquétipo como formas ou imagens primordiais de natureza coletiva, que ocorrem
em praticamente todas as partes da terra como componentes dos mitos, e simultâneamente,
como produtos individuais de origem inconsciente. Campbell (1993), ressalta que Jung
buscou o termo arquétipo em fontes clássicas como Cícero, Plínio e Santo Agostinho,
acentuando ainda que o mesmo conceito recebeu de Adolf Bastian a alcunha de idéias
elementares, que nos antigos textos em sânscrito eram chamados formas conhecidas
subjetivamente e entre os aborígenes australianos de os eternos do sonho. Von Franz (1992),
destaca que, ao propor a idéia de arquétipo, Jung assumiu uma postura oposta à dos
behavioristas: não perguntar como os indivíduos se comportam e sim o que eles sentiam e
fantasiavam quando estavam fazendo essas ações. Segundo a autora, Jung não considerava os
27
arquétipos apenas idéias elementares, mas também e igualmente: sentimentos, fantasias e
visões elementares. Para ele o arquétipo é um conceito psicossomático que une corpo, psique
e instinto, constituindo-se numa “imagem” psíquica do instinto de tal complexidade que
resultaria num sistema de prontidão para a ação e para vivenciar certas emoções, onde se
assentaria a possibilidade herdada da produção das idéias que caracterizam a espécie humana
(e que poderiam ser reconhecidas como arquetípicas só pelos efeitos que produzem). Samuels,
Shorter e Plaut (1988) relacionam a noção de arquétipo, enquanto estrutura psicológica inata,
com as formulações da escola kleiniana, com os conceitos de fantasia inconsciente de
(Isaacs), preconcepção (Bion) e ao pensamento estruturalista.
A palavra “psique” é utilizada, no âmbito deste trabalho, ora para denotar a totalidade
dos processos e fenômenos psicológicos, ora para denotar parte desses processos (quando for
o caso isso será indicado através de uma adjetivação: coletiva, por exemplo). Seguindo a
tradição da psicologia analítica a designação “psique” será utilizada ainda para indicar uma
perspectiva para esses processos e fenômenos psicológicos. Essa perspectiva caracteriza-se,
de acordo com Samuels (1992), por uma atenção à profundidade e à intensidade buscando-se
um esclarecimento maior quanto à diferença existente entre um mero evento e uma
experiência. Devido a sua fluidez e às entidades relativamente autônomas (complexos e
arquétipos) que a psicologia analítica enxerga no interior dessa totalidade processual e
fenomênica, será considerada como uma pluralidade e abordada, muitas vezes, através de uma
tendência a antropomorfização (por exemplo, a psique “anseia” por alguma coisa). Mais que
um recurso retórico, isso fará referência a uma personificação implícita fundamental à
descrição da dinâmica de certos processos. Segundo o autor, de um ponto de vista prático a
psique pode ser compreendida como “um continente de esferas relativamente autônomas de
atividade e de imagens, e que, com o tempo, e de acordo com o contexto, cada esfera possa ter
sua dominância” (p. 28). Nessa visão o fenômeno denominado psique é um mosaico de
muitas vozes e imagens, desejos e necessidades, cognições e subpersonalidades, objetos
internos e complexos, atitudes, funções e tantos outros “personagens” propostos pelas
numerosas escolas psicológicas através de seus métodos descritivos e explicativos.
A conceituação de individuação demanda, por ser uma expressão utilizada de formas
diferentes por diferentes correntes, um pouco mais de atenção.
Embora o conceito de individuação possa, por exemplo, ser tomado pela Psicologia
Social Cognitivista como um campo limitador individual, construído a partir da sociedade
internalizada (em conseqüência do processo de socialização), individuação, no presente
contexto, será compreendida de forma diversa. O conceito será tomado numa visão que
28
remonta ao filósofo Schopenhauer quando este sugere
6
um principium individuationis. Para
Sharp (1993), individuação seria um processo de diferenciação psicológica que tem como
finalidade o desenvolvimento de uma personalidade individual. Individuação seria o processo
de uma pessoa tornar-se si mesma, original, inteira e indivisível, distinguindo-se das outras
pessoas e da psicologia coletiva sem, no entanto, deixar de relacionar-se com essas instâncias.
Individuação, segundo Alves (2005) significa alcançar o máximo de sua individualidade, a
mais íntima e profunda expressão de ser, com uma ampla compreensão, aceitação e permissão
desta expressão. Esse processo envolveria, ainda, o reconhecimento da ação de materiais
inconsciente sobre o eu. Individuação, em outros termos, poderia ser descrita como o processo
de reconhecer-se tal como se é, por natureza, e não como se gostaria de ser. Jung (OC VI)
aplica esse conceito à psicologia entendendo-o como um processo com os seguintes atributos:
(1) objetiva o desenvolvimento da personalidade; (2) pressupõe e inclui relacionamentos
coletivos, isto é, não ocorre em estado de isolamento; (3) envolve um grau de oposição a
normas sociais que não tem uma validade absoluta. Sintetizando, em termos bem genéricos, a
noção individuação poderia ser compreendida como um processo de diferenciação psicológica
que tem como finalidade o desenvolvimento de uma personalidade individual (in-dividual:
uma unidade indivisível, todo) despindo esse núcleo psíquico dos falsos invólucros da persona
social. Esse processo o ocorreria com a própria psicologia pessoal sendo sobrepujada em
detrimento de alguma misteriosa dimensão inconsciente, e tornando o indivíduo perfeito, mas
familiarizando-o com ambas as instâncias numa consciência crescente de sua realidade
psicológica única.
Não é freqüente encontrar, na produção de junguianos brasileiros, analistas ou não,
trabalhos que estabeleçam uma relação específica entre a psicologia analítica e a psicologia
organizacional. Esse fato, longe de ser uma peculiaridade local, segue uma tendência que, até
recentemente, era global. Hollwitz (1992), afirma que embora a psicologia aplicada tenha
endereçado estudos à natureza do trabalho a partir de múltiplas perspectivas, poucos deles
utilizaram uma perspectiva junguiana. Isso talvez possa ser explicado, segundo o autor, pela
preferência de Jung por contextualizar individuação em termos de uma experiência individual
e não grupal. Embora essa preferência apareça em muitos momentos na obra de Jung, ele
definia individuação como um processo que objetiva o desenvolvimento da personalidade
pressupondo e envolvendo sempre relacionamentos coletivos, uma vez que esse processo
6
Embora a acepção adotada aqui seja apropriada da proposição de Schopenhauer é importante ressaltar que a
expressão principium individuationis é muito mais antiga, remontando às elaborações filosóficas dos Doutores
da Igreja durante o Escolasticismo (Séc. IX ao Séc. XV) durante Idade Média, dentro do qual essa noção
constituía um grande problema (por exemplo, em São Tomás de Aquino).
29
exige um grau de oposição a normas sociais, e o reconhecimento de que as mesmas não têm
validade absoluta: uma situação impossível de se realizar em um estado de isolamento.
Individuação seria, resumidamente, uma diferenciação psicológica, fruto do embate do
homem com as forças inconscientes e com o ambiente social, que tem como finalidade o
desenvolvimento de uma personalidade em relação à persona social (vide referência anterior
ao termo).
Esse panorama de poucas correlações específicas entre os dois temas tem começado a
mudar em função de uma postura recente de psicólogos organizacionais e autores da área
organizacional, que começaram a utilizar construtos junguianos para compreender a vida
organizacional
7
.
Seguindo essa tendência, é o objetivo deste estudo analisar os problemas sobre a
questão da produção de sentido, tratados pela Psicologia Organizacional de uma maneira,
utilizando uma outra chave de compreensão: o referencial da Psicologia Analítica. Essa
revisão pode ser mais bem descrita a partir de certos questionamentos que, hipoteticamente,
poderiam ser feitos ao presente trabalho:
Se Jung nunca abordou diretamente a Psicologia Organizacional (àquela época
denominada Psicologia do Trabalho), por que a escolha de um referencial
junguiano para se abordar o problema?
Em que essa abordagem poderia contribuir para a questão?
Antes de responder sobre a escolha do referencial talvez seja conveniente iniciar
esclarecendo os motivos que levaram a adoção da designação “junguiano” para fazer
referência a este trabalho.
Durante a elaboração do presente estudo foi considerada a hipótese de não se utilizar o
termo junguiano para se referir aos resultados da presente análise. Isso se deveu à lembrança
da afirmação de Jung
8
: “Só espero e desejo que ninguém se torne ‘junguiano’. Eu não
represento nenhuma doutrina, mas descrevo fatos e apresento certos pontos de vista que julgo
merecedores de discussão (...). Não advogo nenhuma doutrina pronta e fechada e abomino
‘partidários cegos’. Deixo para cada um a liberdade de lidar a seu modo com os fatos, pois eu
também tomo essa liberdade para mim” (2002, p. 9). No entanto, no decorrer do trabalho,
ficou cada vez mais evidente a presença de um raciocínio junguiano (embora sempre com
7
Pode-se citar, por exemplo, o livro de Roberto Ziemer: Mitos organizacionais: o poder invisível na vida das
empresas, de 1996.
8
Em uma carta datada de 1946 e endereçada ao Dr. Van der Hoop, de Amsterdã, comentando fundação do
“Instituto de ensino de Psicoterapia” em 1938.
30
uma perspectiva dupla: de aproximação e distanciamento crítico
9
) e, em decorrência disso,
assumiu-se essa denominação para o estudo.
Embora os questionamentos anteriormente citados (Se Jung nunca abordou diretamente
a Psicologia Organizacional, por que essa abordagem foi escolhida e em que ela poderia
contribuir para a questão?) tenham sido parcialmente respondidos nas páginas anteriores
eles receberão, pela necessidade de se delinear a abordagem que a psicologia junguiana faz de
certos temas caros à psicologia organizacional, uma atenção um pouco mais detalhada nos
parágrafos seguintes.
A questão “Por que a Psicologia Analítica?” pode ser abordada de duas maneiras:
1ª) A partir de uma possível contribuição da Psicologia Analítica especificamente para o
universo da Psicologia Social:
A Psicologia social é descrita segundo dois enfoques básicos: como sendo “o estudo
científico da influência recíproca entre as pessoas (interação social) e do processo cognitivo
gerado por essa interação” (RODRIGUES; ASSMAR; JABLONSKI, 2000, p. 21); e, como
um esforço por compreender o ser humano como um produto histórico-social que, ao mesmo
tempo, em que é construtor da sociedade é capaz de transformar a sociedade por ele
construída (STREY, 2002). Se, buscando sintetizar as duas visões, a Psicologia Social for
definida como o estudo de como os indivíduos pensam, sentem e se comportam em situações
sociais e de como essa interação cria a sociedade e recria o indivíduo, ao fazer referência à
Psicologia Social, faz-se, obrigatoriamente, referência à idéia de interdependência
10
.
A partir dessa constatação de que falar de Psicologia Social é falar de
interdependência entre indivíduos evidencia-se um espaço para inserir a interlocução da
Psicologia Analítica com a Psicologia Social em geral e, no caso do presente estudo, com a
Psicologia Organizacional em particular (o conceito de interdependência enseja espaço
especial de interlocução entre esses dois campos não pela sua novidade em qualquer dos dois
9
Para expressar essa postura de, em suas palavras, uma "conexão com Jung e, ao mesmo tempo, uma distância
crítica de Jung", Samuels (1999, p. 2) sugeriu a utilização do termo pós-junguiano. Esse termo foi utilizado pela
primeira vez pelo autor em 1985, como um contraponto a um livro bastante conhecido nos países de língua
inglesa (intitulado Freud and the post-freudians: Harmondsworth, Penguin, 1961). No livro em questão, o termo
se referia a escolas de pensamento, oficialmente reconhecidas, surgidas a partir de uma diferenciação gradual do
pensamento original de Freud. É importante fazer notar que o mesmo não se deu no movimento “junguiano”
onde, embora informalmente diferentes escolas tenham se constituído, todas ainda são identificadas como
junguianas (dentro desse movimento, a escola chamada arquetípica talvez seja a que se encontra mais próxima
dessa tendência de diferenciação). Embora exista a concordância com Jung de que junguiano só havia ele próprio
e com Samuels, quando este afirma não parecer ser possível, hoje, considerando o status atual da ciência (onde a
vinculação a um parâmetro de visão conduz certamente à cristalização), "para os junguianos, serem qualquer
coisa, exceto pós-junguianos” (2000, p.1), optou-se, por uma questão de praticidade, utilizar a forma consagrada
(junguiano) como designação.
10
A noção de interdependência caracteriza, obviamente, o objeto e o enfoque de toda psicolgia social científica.
31
enfoques básicos de psicologia social tradicional ou sócio-histórico mas pelo fato de
nenhum dos dois enfoques enfatizar a dimensão inconsciente jubjacente a essa
interdependência). Um local onde essa inserção se faz possível, justamente pela análise dos
processos de interação, é o campo das demandas feitas às organizações na
contemporaneidade. Por exemplo, para se responder a atual demanda por competitividade nas
organizações, o trabalho gerencial teve seu foco mudado diretamente para a questão das
interações: o trabalho do gerente tornou-se, basicamente, facilitar alternativas para criar
sinergia entre os integrantes da organização. Se o objetivo dos gerentes é criar sinergia, a
comunicação é um elemento importante, uma vez que, onde existem problemas de
comunicação, existem problemas em se obter sinergia. As comunicações são atravessadas por
percepções e interpretações múltiplas e, nesse contexto, os sentimentos presentes nas relações
de poder são fatores de tal forma poderosos que podem facilitar ou se opor à criação dessa
sinergia. Deve-se ter sempre em mente que os sentimentos são mobilizados constantemente
pelas peculiaridades da interação grupal. Chanlat e Bédard (1996, p.148), ao analisarem as
comunicações nas organizações, advertem que
(...) é importante ressaltar que o fracasso nesse domínio é doloroso para as pessoas
envolvidas e custoso para a empresa em que o processo de comunicação é
deficiente. (...) podemos ficar consternados, ao ver o imenso desperdício de
tempo, dinheiro e energia consagrados a remediá-lo ou mesmo mantê-lo a despeito
de tudo.
Clegg (1996), leva, por seu turno, essa discussão para o espaço grupal da produção de
sentido. O autor destaca que o poder
11
se perpetua e se sustenta nas organizações não somente
pela força das ações, mas pela força da linguagem. Para ele, as lutas internas estão submetidas
à lógica de uma atuação segundo as interpretações das regras legitimadas pelos grupos. Essas
lutas podem “prosseguir além dos atores nas organizações, principalmente onde o combate
envolve a identidade, condições e direitos de grupos sociais como lutas de grupos por espaços
profissionais, etnia, credos políticos ou religiosos” (1996, p. 65).
Essa questão específica, a relação entre conflitos grupais e construção / manutenção da
identidade, será abordada mais à frente no presente trabalho por um prisma diverso. No
entanto, a leitura dos autores citados serve para delinear o de temas abordado no presente
estudo: emoções, linguagem, disputas entre grupos, produção de sentido, múltiplas
interpretações da “realidade”, entre outras. Todos estes temas relacionados a questões
clássicas das psicologias Social e Organizacional e que serão tratadas, aqui, segundo o
11
Deve-se ressaltar que o problema das relações de grupo não se reduz à discussão do “poder”. Muitos grupos
não estão organizados ao redor do poder, o próprio Weike (1973) coloca seus fundamentos nas relações afetivas
32
referencial da Psicologia Analítica. Nos termos deste estudo, a comunicação, além de
envolver os pontos mencionados, é mediada por fatores conscientes e inconscientes e, uma
maneira de se avaliar se a comunicação está sendo facilitada ou dificultada por esses fatores é
captar os conteúdos produzidos pelas pessoas, individual ou coletivamente, identificar os
símbolos ali presentes e mostrar que esses mbolos podem revelar conflitos evidentes ou
latentes. Embora os processos inconscientes não sejam mencionados e nem tratados
explicitamente pode-se buscar, em vários autores, suporte para esta proposta. Para Chanlat
(1996), a organização, enquanto espaço particular da experiência humana, é um lugar propício
à emergência do simbólico, um simbólico marcado simultaneamente pela tensão das
sociedades industrializadas e pela condição existencial humana. Segundo este autor, essa
mesma organização muitas vezes tende a desconsiderar e tentar suprimir a imaginação
simbólica. Ao ressaltar esse ponto o autor faz eco com uma corrente de análise das
organizações que começou a tomar corpo na década de 80 do século XX e, ainda hoje,
passada a “novidade”, se faz representar nas empresas e na academia: a corrente de tória da
gestão pela “cultura da empresa”. Embora Aktouf (1994), critique veementemente certos
modismos que cercam a ênfase na cultura empresarial, nos mitos, rituais e símbolos nas
organizações, chegando, em sua revisão sobre o tema a se referir a alguns títulos como
“demiúrgicos”, ele ressalta que a chamada “cultura de empresa” comporta “problemas reais
ao lado de uma abertura real” (AKTOUF, 1994, p. 79). Entre esses problemas a citada
questão da sinergia, descrita como “uma verdadeira cooperação entre dirigentes e dirigidos”
(AKTOUF, 1994, p.79). Essa constatação, juntamente com as críticas do autor, ressaltam a
importância de se buscar um tratamento mais atento dos símbolos que permeiam as culturas
organizacionais e suas relações com as relações afetivas e de poder. Afinal, se “o poder, a
organização e a ação exprimem-se invariavelmente nas políticas simbólicas e suas
interpretações” (CLEGG, 1996, p. 11) então já é hora de se tratar a mediação dos símbolos no
processo de comunicação com mais profundidade. Isso é, em linhas gerais, o que aqui se
propõe. O sucesso de tal empreitada poderá estimular o estabelecimento de um diálogo entre a
Psicologia Analítica e as Psicologias Social e Organizacional, aprofundando a possibilidade
de ambas oferecerem soluções para os conflitos da sociedade contemporânea “Pós-
tradicional”.
De acordo com Giddens (1994), a “falta de sentido” na “Sociedade Pós-tradicional”
parece apontar para a necessidade de se estudar alternativas “teleológicas” para as relações
humanas. Essa “Sociedade Pós-tradicional” seria, para o autor, uma sociedade
anteriores a constituição do grupo e da organização.
33
destradicionalizada: onde ocorre um processo de desvinculação do comportamento da cultura
e do imaginário coletivo tradicionais, e a conseqüente perda da profundidade da interação
entre as pessoas. Poder-se-ia sugerir que o estudo de alternativas “teleológicas” para as
relações interpessoais possa ser feito retomando algumas proposições clássicas da Psicologia
Social. Poderiam, nesse contexto, serem resgatadas idéias como: a capacidade instituidora
despertada nas bases da organização durante as crises; a noção de que as transformações
acontecem quando as bases da instituição são abordadas via negação considerando os
elementos externos determinantes (LAPASSADE, 1977), ou a concepção, proposta por Max
Pagés (1976), da existência de uma “auto-gestão inconsciente fundada na vida afetiva dos
grupos, que seria capaz de gerar uma forma de “solidariedade” ou “vínculo positivo”.
As implicações da valorização dessa última concepção merecem ser exploradas mais
atentamente. Embora, desde a escola das Relações Humanas, a chamada posição afetiva intra-
individual, bem como as manifestações simbólicas dessa “interioridade” para utilizar a
expressão de Lapierre (1994, p. 260) tenham sido objeto de estudo freqüente, as
conseqüências dessa interioridade afetiva nas relações dentro dos grupos e com os processos
de gestão tem sido tratadas, na maioria das vezes, apenas do ponto de vista das posturas
individuais: baseando-se na capacidade de sentir e compor emoções e abordando os modos de
interação e influência, mas sempre de uma perspectiva do domínio de habilidades individuais
(notadamente de comunicação e políticas). Ainda que, conforme destaca Lapierre, ao se
eliminar a interioridade, a subjetividade e a afetividade do núcleo das preocupações da gestão,
tenha-se jogado “fora o bebê com a água do banho” (1994, p. 268), mais grave ainda é a
dificuldade se operar com essa “auto-gestão” inconsciente fundada na vida afetiva dos grupos,
a que Pagés (1976) faz referência. Reconhecer que essa auto-gestão existe é muito mais fácil
que encontrar meios para que ela seja utilizada em benefício dos grupos. O primeiro passo
para essa operacionalização, dentro do proposto neste trabalho, seria compreender os detalhes
de seu funcionamento, ainda que partindo de suas manifestações disfuncionais.
Retomadas essas idéias poderia ser proposto um referencial analítico-junguiano (em sua
vinculação com o binômio sentido-afeto) como possibilidade interpretativa. Essa “autogestão”
inconsciente, subjacente à gestão oficial (e que pode entrar em desacordo com a “realidade”
superficial da organização), por exemplo, poderia ser estudada sob um referencial junguiano,
com o objetivo de se verificar até que ponto esses complexos afetivos podem ser abordados
mediante uma análise dos símbolos que emergem nas percepções dos grupos e das sub-
culturas nas organizações.
Cabe aqui destacar que a utilização que a Psicologia analítica faz da idéia de teleologia
34
possui estreita relação com a origem filosófica do conceito: uma ênfase nos fins das coisas
(Τελоѕ = fim) em oposição à mera preocupação com as causas. Esse posicionamento é útil,
por apontar falhas nas concepções causalistas tradicionais, incorporando às discussões
habituais noções como função
12
, propósito e totalidade orgânica (sistêmica). Essa inclusão
abre a possibilidade para uma interação entre as noções de “tendência” (caminho provável a
ser seguido) e “intencionalidade”, onde se deixe a idéia simplista de causa, para abraçar a
possibilidade de uma “causa final”, um modelo: “aquilo em vista do que” alguma coisa
acontece; um sentido último para as coisas. Na Psicologia analítica uma ênfase na
elucidação dos “mecanismos”
13
que oferecem sentido às experiências humanas: uma
teleologia do material psíquico. Trata-se da proposição de uma psique auto-reguladora onde
elementos psicossomáticos encerrariam um potencial teleológico. Nesse modelo é postulada
ainda a existência de um centro regulador do todo psíquico na direção de um sentimento de
totalidade (um elemento vital desencadeador da percepção de um sentido objetivo, da
sensação de alguma meta). A noção de Self
1415
é descrita simultaneamente como a totalidade
da psique e como um centro regulador. Metaforicamente, o Self é uma circunferência onde o
centro está em toda parte e o perímetro está em lugar nenhum, ou seja: ao propor que o Self
confira unidade à personalidade do homem como um todo e ocupe a posição central de
autoridade em relação à vida psíquica, Jung (OC, XII) propõe que ele não seria apenas o
centro da personalidade, mas a circunferência total que abrangeria tanto o consciente quanto o
inconsciente, o Self seria o centro dessa totalidade como o ego é o centro da consciência.
12
A palavra “função” é aqui entendida em estreita relação com as idéias de “sentido”, “propósito” e “mito” e não
como um conceito-chave da concepção causalista tradicional.
13
A utilização do termo “mecanismos” aqui não acontece por uma adesão a uma concepção causalista e sim
como uma referência “entre aspas” ao termo utilizado na abordagem "Sense-Making" que serviu de interlocutora
ao trabalho anterior do autor. Essa abordagem foi iniciada em 1972, pela Professora Dra. Brenda Dervin, Ph.D.
em Ciências da Comunicação, docente do Departamento de Comunicações da Ohio State University, na cidade
de Columbus, EUA. Mas, somente em maio de 1983, na "International Communications Association Annual
Meeting" em Dallas/TX/USA, foi publicado o documento contendo sua base filosófica, conceitual, teórica e
metodológica. Verifica-se, hoje, a crescente adoção da abordagem do "Sense-Making", tanto nas áreas de
comunicação, informação e biblioteconomia, como na educação, assistência social e psicologia.
14
O Si-mesmo ou self, tem para a psicologia analítica um sentido bastante específico, sendo compreendido,
simultaneamente, como totalidade e centro regulador da psique. Samuels, Shorter e Plaut (1988) afirmam,
acompanhando Jung conceitualmente, que o self poderia ser definido como uma incitação arquetípica para
coordenar, relativizar e intermediar tensões de opostos. Segundo Jung “Como conceito empírico, o self designa
toda a gama de fenômenos psíquicos do homem. Expressa a unidade da personalidade como um todo; mas, na
medida em que a personalidade total, devido a seu componente inconsciente, pode tornar-se consciente apenas
parcialmente, o conceito de self é, em parte, potencialmente empírico, e é, nesta medida, um postulado. Em
outras palavras, abrange tanto aquilo que é passível de experiência, quanto àquilo que não o é (ou aquilo que não
foi ainda objeto de experiência)” (OC 6, par.646).
15
Uma vez que em algumas traduções a que se faz referência no presente estudo utiliza-se o termo self e, em
outras, utiliza-se Si-mesmo para se referir ao mesmo conceito convencionou-se, como forma de buscar uma
coerência no texto, se utilizar self ao longo do presente trabalho (salvo nas ocasiões onde o conceito for
traduzido em citações como Si-mesmo, por questão de fidelidade ao autor referido).
35
Refletir sobre a perspectiva de uma auto regulação rumo a uma teleologia evoca a articulação
de Lash & Urry (1993), citada anteriormente, sobre os esforços que os teóricos em Psicologia
Social empreendem para apresentar contribuições que apontem novas perspectivas para a
busca contemporânea por sentido e profundidade num ambiente de possibilidades mutantes,
típicas de uma sociedade destradicionalizada. Numa perspectiva junguiana, a busca de sentido
seria inerente à psique. Dessa forma as múltiplas possibilidades de narrativas que surgem
constantemente no mundo pós-moderno
16
seriam conseqüência do esforço compensatório do
psiquismo humano por ordenar e conferir sentido a um mundo também mutante.
Se for solicitada uma analise das circunstâncias descritas por Lash & Urry (1993) em
termos da participação do inconsciente torna-se não estimulante como necessário
incorporar uma perspectiva teleológica ao corpo teórico da Psicologia Social (e
Organizacional). A contribuição específica da Psicologia analítica à Psicologia Social seria,
nesses termos, a própria postura que a primeira escolheu como referencial de leitura de
mundo: um olhar que busca compreender a capacidade humana de conferir atributos
teleológicos à experiência vital.
2ª) Contextualizando a abordagem junguiana, ou (como aqui proposto) pós-junguiana,
dentro de uma perspectiva da pós-modernidade e, assim considerando-a apta a contribuir
como um elemento de interface entre a Psicologia Organizacional (PO) e suas micro
fronteiras contemporâneas:
Embora Jung não tenha se dedicado ao estudo das organizações, deixou copiosas
reflexões sobre algo que se poderia denominar, com tranqüilidade, uma Psicologia Social
(aplicável a uma Psicologia da Organização). Existe “uma teoria de grupo esquecida nos
escritos de Jung que pode ser recuperada e avaliada em comparação com abordagens
psicanalíticas de processos de grupo” (SAMUELS, 1999, p.6).
Entre os muitos pontos que se apresentam para análise percebe-se que Jung oferece um
material de caráter inovador no que tange à idéia de uma psicologia da totalidade da vida.
Jung apresenta uma real meta narrativa que, não se limitando a uma psicologia (de)terminada
na infância, torna-se capaz de contribuir para as grandes discussões inerentes à psicologia
social do organizar. Assim sendo, fornece uma boa estrutura para sustentar análises sobre os
pontos de vista “da psicologia coletiva e cultural, envolvidos nas principais alterações no local
de trabalho e na conexão com condições de bem estar (...) que tem lugar atualmente no mundo
16
A constatação da luta e das enormes dificuldades para se erguer sentidos e mentalidades coletivas e individuais
no presente contexo resulta inclusive resulta, inclusive, em correntes do s-modernismo que negam qualquer
sobrevivência às narrativas.
36
inteiro” (SAMUELS, 1999, p.4).
Essa proposição remete o leitor às reflexões de Baxter (1982) acerca do conceito
maslowiano de self-atualization. O autor defende a necessidade de se abandonar a abordagem
funcional do conceito de auto-realização utilizado, por exemplo, nos esforços de redução de
absenteísmo, ou do incremento da motivação, do comprometimento, e de outras atitudes que
possam tornar o trabalhador mais eficiente em sua performance. Propõe substituir a
abordagem funcional pela compreensão dos aspectos psíquicos da natureza da interação do
homem com o trabalho, considerando, por exemplo, a self-atualization como conseqüência da
condição auto-reguladora e teleológica da psique.
Dentro dessa perspectiva Jung propôs um modelo sistêmico e flexível de psique onde o
desenvolvimento de uma determinada parte se propagaria por todo o sistema. Psique, para
Jung é uma estrutura feita para o movimento, para o crescimento, para a mudança e para a
transformação, sendo essas as características distintivas da psique humana. Isso trás para o
foco da discussão a noção de uma auto-realização, que em certo grau estaria implícito em
todos os processos psíquico. Em Jung encontramos uma espécie de tensão entre estrutura e
dinâmica, entre desenvolvimento rumo a um objetivo e crises sucessivas que se alternam e
buscam se equilibrar (SAMUELS, SHORTER e PLAUT, 1988). O processo de auto-
regulação atuaria constantemente na psique com base num movimento compensatório entre
consciente e inconsciente, com suas conseqüências manifestando-se nos sonhos, nas fantasias,
na produção de símbolos e, é o que se pretende demonstrar aqui, na produção de sentido
enquanto ação teleológica. Já que, na maioria das vezes, a ação do processo de auto-regulação
se torna visível através da eclosão dos sintomas neuróticos (confusão, ansiedade, humores,
afetos extremados...) característicos da tensão e das reações defensivas que, se corretamente
abordadas, antecedem a elaboração de conflitos, abordar algum desses sintomas (pela via
simbólica, por exemplo) seria uma interessante contribuição para os estudos sobre os aspectos
psíquicos da interação do homem com o trabalho. Esse recurso de buscar a compreensão
sobre como situações que comportam conflitos possam produzir, no âmago dos indivíduos,
soluções conciliadoras e doadoras de sentido para a experiência vital, poderia ser aplicado
com facilidade a inúmeras situações atualmente discutidas em psicologia organizacional.
Com base no mesmo ponto poder-se-ia dialogar com Jackson (1999) em diversos
aspectos:
a. na reflexão sobre a contribuição da Psicologia para pensar formas de tornar o
tele-trabalho viável e atrativo tanto para as organizações quanto para o
trabalhador;
37
b. na discussão de formas alternativas que dessem suporte à aquisição de
conhecimento organizacional no ambiente de trabalho virtual ou, ainda,
c. na proposição de formas para trabalhar relações de identidade e cooperação
entre pessoas e grupos no ambiente virtual (que transcende os limites
organizacionais e espaciais) sem que se repitam, na concepção das
interferências da Psicologia Organizacional sobre esse novo ambiente, enganos
semelhantes aos que acompanharam sua participação no processo de
industrialização.
Lamentavelmente, devido à necessidade de restringir o foco do presente trabalho, não
será possível tratar diretamente dos aspectos citados acima nesse ponto, mas, ainda assim,
assume-se que os questionamentos e conclusões a que se chega no final do presente estudo
poderão ser muito mais elucidativos às propostas do autor que qualquer elaboração teórica
passível de ser proposta nessa breve introdução.
Pode-se mencionar ainda, como uma contribuição aos estudos em Psicologia
Organizacional, a existência de uma hermenêutica junguiana típica do material analisado. É,
justamente, na especificidade dessa hermenêutica que reside sua importância para o presente
estudo. Para compreender essa especificidade seria necessário retomar o sentido original
desse termo. A palavra hermenêutica vem do Alemão hermeneutik, palavra derivada de Herm,
que significa trazer, transmitir mensagens. Outras palavras derivadas do étimo Herm são
verbum, word, wort. O próprio mensageiro dos deuses gregos, Hermes, tem nesse termo a
origem do seu nome. Grosso modo, poder-se-ia traduzir hermenêutica como a interpretação
de um texto filosófico ou religioso a partir de seu conteúdo simbólico. Num sentido mais
específico às psicologias, hermenêutica seria a tentativa de alcançar, na palavra, o sentido do
pensamento e da atividade humana individuais.
Tomando hermenêutica a partir do étimo Herm: transmitir e trazer mensagens, e
considerando o termo Grego έρ

εί
: “expressão” (de um pensamento), e a conseqüente
explicação e interpretação do mesmo, poder-se-ia dizer que a idéia de hermenêutica para a
Psicologia Analítica aproxima-se do sentido inicial aplicado ao termo. Considera o material
analisado como aquilo que ele é, não atribuindo um sentido externo ao material simbólico
estudado, mas buscando o sentido inerente à mensagem proposta pelo autor da idéia: o relato
particular e único da experiência vital da pessoa que a enviou. Isso pode ser observado
quando a Psicologia analítica propõe que o material abordado em uma determinada situação
torna-se vivo (em sua riqueza dinâmica) não devido a sua natureza causal, nem por uma
38
compreensão determinística da situação apresentada pelo universo pesquisado, mas por causa
da maneira como o sentido emerge a partir do trilhar das experiências e dos conflitos
particulares relatados no processo.
Uma abordagem por esse viés pressupõe características de intervenção, uma vez que o
olhar do pesquisador introduz uma diferença. A proposta do presente estudo, ainda que
fundamentada num referencial diverso, encontra apoio em investigações e estudos anteriores
sobre organizações. Dejours, ao abordar um tratamento diferenciado para a questão do
sofrimento no trabalho, aponta para uma situação semelhante de conexão entre dois modos
diferentes de se abordar a organização como objeto de estudo (2004, p. 19):
A ação racional no campo da saúde no trabalho exige novos meios de investigação;
a pesquisa clínica exige novos métodos, pois é necessário identificar e compreender
os processos em causa, os processos em estudo; é necessário conhecer os elos
intermediários, caso se queira ter uma oportunidade de agir com eficácia.
Essa constatação aproxima-se das proposições de Holzman (1999) em favor de uma
nova forma de abordagem do fenômeno organizacional que não se limite a uma avaliação
superficial, mas busque, como destacou Dejours (2004), uma maior profundidade tanto em
relação ao tipo de olhar (mais detido e menos imediatista), quanto de atenção aos
determinantes inconscientes e suas implicações.
Uma abordagem diferenciada do fenômeno, como a proposta aqui, demanda,
conseqüentemente, a criação de novos procedimentos de validação (HOLZMAN, 1999). No
entanto, determinar, de antemão, quais procedimentos sejam esses seria um ato temerário uma
vez que “a ‘realidade’ dos fatos psíquicos não é dada de antemão, mas procede de uma
dinâmica intersubjetiva mediada pela linguagem” (DEJOURS, 2004, p.80) onde a intervenção
do pesquisador no coletivo, dependendo do momento, da forma e da situação em que é feita,
pode afetar todo o espaço de discussão e, em decorrência todo o resultado do experimento.
Ainda que não seja possível sugerir um método de antemão, seria possível sugerir um
ambiente favorável em que esses procedimentos pudessem ser gestados. Essa validação
como propunham Bachelard (1996) e Feyerabend (1977) poderia se dar considerando os
obstáculos internos ao próprio ato de conhecer, procedendo contra-indutivamente,
fomentando a proliferação de teorias que estimulassem o poder crítico e que rompessem com
o pragmatismo e o realismo imediatos. A proposição de uma atitude diferenciada poderia
conferir à psicologia organizacional uma característica mais emancipatória (em contraposição
a sua postura anterior de atrelamento às visões administrativas) e capacitante (para auxiliá-la a
contribuir de maneira concreta para formação de um posicionamento coerente com as
necessidades suscitadas pelo contexto pós-moderno).
39
O que se chama aqui de uma busca por emancipação e capacitação, conforme referido
acima, é uma demanda recente em psicologia (os primeiros movimentos nesse sentido
remontam ao fim dos anos 50 e ao início da década de 60 do século XX), e merece ser melhor
explicitado. Desde os primeiros movimentos da administração científica, o psicólogo foi
chamado a assumir o lugar de aliado do administrador, mas, desde aí, essa aliança se baseou
em oferecer recursos teóricos e técnicos para sustentar a adaptação dos indivíduos às tarefas
que lhes eram propostas. Essa postura foi assumida sem muito questionamento e com um
sucesso significativo. Mas, com o passar do tempo foi se tornando insuficiente para responder
às demandas surgidas no mundo em geral e nas organizações de trabalho em particular. Na
conjuntura atual, onde as profissões estão sendo redesenhadas pelo fenômeno da Globalização
sofrendo os efeitos do que Malvezzi (2000, p.9) descreveu como uma diferenciação da
estrutura ocupacional, uma diversificação dos contratos e uma desenfatização das fronteiras
entre as profissões a psicologia organizacional e os psicólogos seus agentes também são
chamados a se adaptar:
Como o conhecimento independe de registro profissional e grande parte dos
instrumentos não são mais padronizados, mas criados sob medida para cada
situação, os psicólogos enfrentam a competição de outros profissionais que, não
raras vezes, conhecem a Psicologia tanto quanto eles. Por isso, os psicólogos
organizacionais estão sendo obrigados a reinventar sua atuação, modificando sua
identidade. Do agir técnico passam para o agir estratégico, com espectro mais amplo
de atividades. Por mais paradoxal que pareça, nessa forma institucional o psicólogo
tem mais autonomia, deixa de receber problemas já estruturados e de usar “pacotes”
para criar competências organizacionais eficazes no manejo da ecodinâmica do
desempenho.
Quando o administrador, às vezes competentemente, assume a tarefa do psicólogo, tem-
se mais que uma emancipação orquestrada e intencional tem-se: para muitos, a necessidade
desesperada de se adaptar rapidamente ao vazio ameaçador; para outros, a oportunidade, a
muito aguardada, de expandir horizontes; para ambos a oportunidade de se reprofissionalizar,
de se recapacitar, buscando instrumentos teórico-conceituais que possibilitem a construção de
instrumentos flexíveis e adaptáveis e o aperfeiçoamento de um olhar analítico que permita
identificar novas oprtunidades de intervenção. O presente estudo se inscreve nesse movimento
em busca de novos aportes conceituais. Dentro desta perspectiva torna-se importante analisar
as possíveis contribuições da psicologia analítica para a investigação das organizações tal
como elas se apresentam no contexto da pós-modernidade.
As leituras da Psicologia Analítica ofereceram subsídios excelentes para a reflexão
sobre a “premente questão atual de multiculturalismo versus monoculturalismo universal”
(SAMUELS, 1999, p.7). Fenômenos como a globalização originam um monoculturalismo
40
universal, onde existe uma “globalização de idéias” produzidas no contexto da hegemonia do
american way of life que abrange os mais diferentes aspectos do viver e do pensar humanos
(incluindo a psicologia). Esse processo de globalização de um único ponto de vista substitui
ou modifica violentamente as concepções autóctones (produzidas nas diversas culturas).
Segundo Samuels (1999, p. 7) as idéias da Psicologia Analítica estão em boa posição para
desenvolver uma “psicologia suficientemente universal” que forneça espaço para o estudo da
experiência da diversidade e da diferença. No mesmo sentido, Malvezzi (2000b), ao abordar
as alterações eliciadas pelo fenômeno da globalização, aponta para um incremento da
diversidade e da heterogeneidade (de gênero, etnias, idade, cultura e multidisciplinaridade),
do reconhecimento e da necessidade de uma pluralidade, dos méritos e da funcionalidade dos
trabalhadores em razão das suas diferenças individuais. Dentro deste contexto essa
aproximação deve ser avaliada como uma possibilidade real de trabalho: a criação de um
posicionamento que permitisse a preservação e o estímulo à diversidade e, ainda assim, não
colocasse em oposição trabalhadores e organizações.
Ao propor o conceito de arquétipo, Jung oferece um modelo extremamente útil para
descrever possibilidade de representar na mente as imagens e os sentimentos e para dar forma
às fantasias. Destaca-se, dentro desse esforço por analizar as imagens e fantasias pessoais
produzidas sobre e no contexto contemporâneo do trabalho, o trabalho de Tescarolli (1999),
que investiga as formas como os psicólogos, professor universitário e clínico, representam
aspectos de sua identidade no meio social em que se inserem. A análise dos modos de ser e de
fazer desse grupo reflete uma série de contradições e ambivalências em que eles se inserem, a
maioria delas relacionadas com o que se poderia (tomando as conclusões da autora dentro de
uma ótica junguiana) relacionar a um complexo paterno ou de poder. Uma análise das
fantasias desse grupo baseada nos arquétipos, enquanto formas de representação, poderia
enriquecer muitíssimo a análise dos sentimentos de superioridade e diferenciação encontrada
entre os membros dessa classe. Graças ao fato desses arquétipos inconscientes poderem ser
vivenciados no momento em que as experiências vitais são alinhadas com eles (ao se
vivenciar uma situação que se relacione aos desejos ou motivações mais sicos da natureza
humana), quando isso acontecer essa situação se revestirá um contorno significativo. Chama-
se aqui contorno significativo um incremento do sentimento de importância atribuído a uma
determinada situação não importa se ela será avaliada como positiva ou negativa
acarretado simultaneamente por uma emocionalidade em relação ao fato e pela percepção, e
consecutivo reconhecimento, de um sentido suposto que possa ser atribuído ao fato. Uma
situação que desperte tal reação passará a falar diretamente à matriz psíquica do indivíduo
41
gerando um senso de reconhecimento e significado, libertando emoções e anseios profundos
que poderão ser um veículo para despertar conexões e identificação entre os indivíduos nela
envolvidos. A adoção da idéia junguiana de que os indivíduos não precisam se esforçar para
conectarem-se uns aos outros (uma vez que os modos como eles estruturam o mundo
encontram nos conceitos de arquétipo e, principalmente, de self, naturalmente fornecem
subsídios para isso) tem interessantes desdobramentos. Esses desdobramentos apontam tanto
em relação à possibilidade do trabalho conjunto de diferentes pessoas e visões, quanto em
relação à virtualização das relações no contexto pós-moderno. Dessa forma, os seres humanos
teriam, inconscientemente, “potencial para estarem num estado primário de conexão, do qual
as sociedades capitalistas patriarcais muito suspeitam, porque esse estado de conexão
primária é a mais importante base da imaginação radical, a qual, com toda razão, assusta os
donos do capital e do poder” (SAMUELS, 1999, p.7). Essa conexão primária poderia ser
descrita como a possibilidade de buscar sentidos de maneira bastante semelhante, embora
seguindo as especificidades da individualidade de cada um. Esse fenômeno estaria na base
dos alinhamentos individuais em torno de determinadas propostas de um grupo, ou dos
alinhamentos dos indivíduos que organizam sua busca pelos sentidos de uma forma
semelhante em novos grupos. Esses alinhamentos poderia ser descritos nos termos do título
com o qual Johann Wofgang von Goethe (1998) nomeou sua obra da maturidade: afinidades
eletivas atrações inevitáveis, encantamentos que levam, como conseqüência, por um lado a
alinhamentos e, por outro, a um jogo de polaridades e repulsas. Nessa obra Goethe dedica aos
sentimentos humanos um olhar desenvolvido no seu logo percurso pelas ciências humanas e
naturais. O autor descreve, com uma visão simultaneamente clínica e literária, os modos como
os sentimentos dos indivíduos se transformam, se mesclam e, nesse movimento, mesclam o
ausente com o presente criando afinidades que, ao se tornarem imperativas e prementes
chegam ao ponto de eleger outros com quem privarão desse contato. Essas transformações,
assim como acontece na química da natureza, se dariam sob a ação de determinados
elementos. E assim que o próprio Goethe (2005), numa mescla de distanciamento e
proximidade típicos de seu estilo, analisa sua obra:
Parece que o constante estudo da física induziu o autor a esse título singular. Ele
deve ter observado que, na física, muitas vezes, nos servimos de exemplos práticos
para aproximar do alcance da ciência humana algo que esteja distante; dessa maneira
pretendeu também aplicar, num caso moral, uma fórmula química, sublimando-a à
sua origem espiritual, tanto mais que a natureza é uma só. Através dos serenos
domínios do livre arbítrio, arrastam-se, incessantemente, os vestígios da sombria e
impulsiva necessidade, que somente com auxílio de uma força superior e, decerto,
não nesta vida, serão completamente apagados
42
As repercussões dessa possibilidade de conexão atingem um espectro de possibilidades
que vai desde o trabalho com a diversidade num mesmo ambiente organizacional, até as
implicações da conexão de trabalhadores e comunidades de trabalhadores distantes entre si
via instrumentos da tecnologia. Podem-se mencionar, ainda, as implicações políticas da
constatação, por parte das organizações e dos funcionários, da existência de conexões íntimas
do psiquismo dos trabalhadores forjando identidades e sustentando uma resistência contra-
ideológica.
Essa abordagem pode significar um bálsamo para a desilusão geral, em diferentes níveis
de teoria, com a noção de um indivíduo autônomo, desconectado, separado e enraizado nas
patologias do “masculino”. A possibilidade de se considerar os indivíduos em conexão
oferece um contraponto ao contexto hierarquizado, racionalizado e vinculado a mais valia do
capital típico das ideologias gerencias das quais hoje a Psicologia Organizacional tenta se
desvincular.
A questão da vinculação inconsciente entre os indivíduos apresenta, como foi dito,
uma conexão direta com as questões do tele trabalho. Isso se torna evidente quando se
percorre as preocupações de Nandhakumar (1999) em relação a como a perda da proximidade
física nas equipes de trabalho constituídas virtualmente afeta as relações de confiabilidade
entre os participantes. Questiona-se também se relações de contato “corpo-a-corpo” pré ou
pós existentes seriam requisitos fundamentais para essa forma de trabalho. Holzman (1999)
mostra-se preocupado com a característica pós-moderna da perda do sentido das experiências
vitais caracterizada por um self
17
“saturado” por múltiplos “selves”. Em resposta a essa
preocupação, poder-se-ia sugerir, partindo de uma ótica junguiana, que a existência de
indivíduos em conexão inconsciente contribuiria para se a compreender tanto as relações à
distancia, quanto a manutenção de uma identidade diante da multiplicidade de “selves”
alternativos suscitados pelas múltiplas experiências proporcionadas pela contemporaneidade.
Como afirma Maroni, Jung, como crítico das identidades e do sujeito moderno, “tem
muito a nos dizer quando o lemos pela ótica da ‘era das catástrofes’, em que a psique padece
dos processos de cisões e dissociações” (2005, p. 35). As identidades instantâneas expostas
17
Self, nesse contexto, é utilizado pelo autor em um sentido semelhante ao proposto por James (1890): tudo
aquilo que pode "ser chamado de meu ou fazer parte de mim". Dentro desse contexto o conceito “self” adquire
uma propriedade reflexiva que expressa uma dualidade do que é “Eu” (o que é o indivíduo) e Mim ou Meu (o
que pertence ao indivíduo). Segundo Costa (2002) 0 “EU se refere à consciência sobre o que se está pensando,
ou a consciência do que se está percebendo em relação aos aspectos e processos físicos, enquanto que
MEU/MIM é muito mais subjetivo, é mais um fenômeno psicológico e se refere às idéias que as pessoas têm
sobre como elas são e o que elas gostariam de ser. Este fenômeno é caracterizado na psicologia como
pensamentos auto-referentes, também denominados como auto-imagem, identidade e autoconceito, estes termos
são inter-relacionados, todos se referem às idéias das pessoas sobre quem elas são ou quem elas gostariam de
43
à privação de partes de sua experiência subjetiva - exigidas na pós-modernidade, acarretam a
perda do sentimento de si, do sentimento de continuidade. A lógica que opera nos novos
tempos promove, para usas as palavras da autora, uma quebra do tempo histórico, uma
dissociação entre passado presente e futuro. Segundo Maroni (2005) uma das grandes
contribuições de Jung seria a proposta de uma psicologia que valorizasse não apenas o tempo
cronológico, onde metaforicamente o titã Chronos devora seqüencialmente seus filhos, mas de
um tempo mítico, kairótico
18
, não mais pensado pela homogeneidade, mas valorizado pela
diferença, pela ruptura e pela des-continuidade: “vivenciar um tempo kairótico é vivenciar
acontecimentos que cortam a sucessão temporal e, com isso, marcam uma significativa
diferença entre o que vem antes e o que vem depois” (MARONI, 2005, p. 35). Habitar o
tempo kairótico é, como faziam os heróis da hélade, aguardar o futuro desconhecido e
aguardar para responder. Segundo Maroni, a “resposta, aliás, é vital, já que no tempo kairótico
o presente não está predeterminado e plenamente formado; antes, o presente é oportunidade e
desafio: é um tempo aberto para o novo”. Uma abertura da psicologia organizacional para
essa perspectiva ofereceria à desesperadora demanda por encontrar formas de superar os
desafios da fragmentação pós-moderna um manancial de inspirações para lidar com questões
delicadas como o já citado tele-trabalho.
Em relação ao momento atual da pesquisa científica poderia ser apresentada a
contribuição da forma de trabalho da Psicologia Analítica. Esta abordagem buscou, ao longo
de sua história, ir além da divisão convencional sujeito-objeto da ciência cartesiana clássica.
Nesse sentido tornou-se um caminho epistemológico com potencial para superar a visão de
homem como objeto e não sujeito da própria organização postura típica da Psicologia do
Trabalho que ainda perdura em algumas leituras da Psicologia Organizacional. Uma iniciativa
que, por indicar um aprofundamento significativo nessa direção, merece destaque, ainda que
não ocorra dentro do espectro da psicologia analítica, é o trabalho pioneiro de Dejours (1987).
Caso, estudos como os apresentados por Hollwitz (1992) e o artigo de White e McSwain
(1983), não se configurassem apenas como felizes exceções e sim como regra, a psicologia
das organizações poderia contar com mais uma densa contribuição em sua caminhada a rumo
a uma visão mais subjetiva e rica do seu objeto de estudo.
A postura da Psicologia Analítica vem, ainda, ao encontro de movimentos que
questionam o conceito tradicional de conhecimento. Como exemplo, temos Holzman (1999)
ser.”
18
Os gregos tinham duas palavras para se referir à noção de tempo: chronos, Κρόνος, aproximação do verbo
κραίνειν: concluir, vibrar o último golpe, e kairós, cujo sentido é explicado no corpo do texto.
44
que descreve uma busca de desconstrução das concepções tradicionais de psicologia,
caminhando no sentido de pensar e agir novas metodologias de pesquisa e intervenção,
esforçando-se por ir além não apenas da psicologia científica, mas também de sua crítica pós-
moderna. Steffy & Grimes (1999) também levantam senões quanto à validação, reflexão
crítica e produção de conhecimento em Psicologia Organizacional, em especial por sua
vinculação ao gerenciamento de recursos humanos que limitaria essa produção a conteúdos
que possuíssem uma “utilidade” econômica para a organização.
Em um momento de apelo à interdisciplinaridade, pode ser evocado um considerável
interesse pela interlocução com outras áreas, expresso pela Psicologia Analítica ao longo de
sua história. Esse interesse poderia ser explorado para "criar parcerias multidisciplinares (...)
um spectrum de experts" (SAMUELS, 1999, p.7). Esse espectro de especialistas reuniria, em
um mesmo projeto, pessoas de diferentes áreas (e com diferentes graus de aproximação aos
temas estudados) envolvidas em uma atitude colaborativa e num ambiente de estimulante
debate. Samuels nos sugere que num extremo do spectrum se poderia ter um estatístico, ou
um economista e no outro um psicólogo com conhecimentos em psicologia profunda
19
, dois
pólos de um grupo de especialistas engajados na produção de novas idéias. Isso aponta para a
visão de Steffy & Grimes (1999) que defendem a importância de se transcender as limitações
dos campos de domínio biológico (as raízes biológicas da psicologia), econômico (os
“marxismos”) e filológico (as preocupações linguístico-semióticas
20
) que fornecem as bases
ontológicas da psicologia organizacional, rumo a outros campos que possam servir de turning
point para as questões fundamentais da Psicologia Organizacional contemporânea.
Finalmente, torna-se importante destacar, como uma última contribuição, que o
“método” de Jung para a condução dos estudos talvez tenha sido uma das primeiras
abordagens a desafiar “a linha divisória observador/observado e colocar em primeiro plano a
‘subjetividade’ no processo de pesquisa” (SAMUELS, 1999, p.8). Samuels (1999) propõe que
a análise sistemática (ou auto-análise pelo observador) de suas reações aos fenômenos que ele
vivencia no mundo da experiência, tal como foi proposta por Jung (e aperfeiçoada nos
desdobramentos posteriores feitos por outros autores) oferece significativas contribuições que
poderiam ser adotadas na abordagem de temáticas públicas e sociais. Essa nova perspectiva
das relações observador / observado pode enriquecer não as discussões em torno de
19
A expressão “psicologia profunda” será utilizada no presente trabalho para designar todas as tendências
psicológicas que fazem uso do conceito de inconsciente dinâmico. Segundo Samuels (2001) essa expressão, “que
soa um pouco fora de moda, é útil num momento em que tanto a psicanálise, como a psicologia analítica
encontram-se profundamente divididas em escolas” (p. 18).
20
Como aquelas inerentes à pesquisa histórica da evolução dos conceitos na área e dos embates travados em
45
métodos de pesquisa ou abordagem de problemas, como também as situações de
relacionamento entre gerentes e equipes (ou entre níveis hierárquicos) que, como foi
apresentado por Nandhakumar (1999) chegam, por vezes, próximas ao que, na clínica, se
denomina transferência e contra-transferência.
Respondendo ao questionamento inicial deste capítulo, cabe agora, sinteticamente,
resgatar os motivos pelos quais se julga que a psicologia proposta por Jung possa ser
adequada ao estudo das organizações. Justifica-se, inicialmente, essa aplicação por uma
demanda do próprio ethos
21
contemporâneo da psicologia organizacional: a demanda por uma
ação independente da administração, por uma atuação criativa e que venha a contribuir para
uma diminuição do sofrimento e o enriquecimento da experiência dos seres humanos
mergulhados nos ambientes das organizações em competição. Conforme foi demonstrado ao
longo desse capítulo, essa adequação pode ser justificada ainda, pela crescente importância
atribuída à subjetividade, à cultura, à comunicação e à criação de sinergia no campo da
psicologia organizacional. E demonstrada através das respostas que a psicologia analítica
oferece: para a necessidade de operar com a multiplicidade de idéias, tendências e temáticas
no mundo contemporâneo; para responder à busca constante de sentido no caos de
informações; para oferecer opções que contribuam para o resgate da condição humana nos
ambientes de trabalho; para responder à busca por abordagens que rompam categorizações
prévias e permitam a criação de instrumentos de investigação e intervenção em realidades
mutantes; e, finalmente, para a busca por uma abordagem teleológica das motivações, dos
símbolos e das situações conflituosas que permeiam a vida organizacional através do resgate
da importância da via régia: o inconsciente. O processo de introdução desse ponto de vista
pode ser longo e, em alguns momentos, difícil, mas, em vista do proposto, considera-se que a
psicologia junguiana tem uma contribuição original a dar para a psicologia organizacional.
Como afirmaram Ramos e Machado, ao abordarem um outro contexto, embora “a
incorporação dos elementos inconscientes na consciência seja um processo lento e doloroso,
cada passo nessa direção, mesmo que comece por um pequeno grupo, certamente contribuirá
para a melhora da qualidade de vida de todos. O desenvolvimento da consciência traz também
um aumento do padrão ético. O comportamento moral e a saúde mental sem dúvida são a base
para uma sociedade saudável” (2005, p. 49).
torno desses conceitos.
21
Ethos é tomado aqui como expressão do desejo humano. Mais especificamente sobre o que o indivíduo deseja
para sua própria vida, sobre qual é o propósito de sua existência (e DA Existência como um todo) e sobre quais
as opções que ele faz nesse caminho.
46
1.1.1 Da organização, enquanto entidade, ao símbolo, enquanto mediador entre o
superficial e o profundo: o histórico de um projeto
Uma vez abordados esses caminhos possíveis de interlocução, torna-se necessário
delinear os limites do presente trabalho e reconstruir os caminhos que conduziram até ele.
O presente estudo pretende investigar o processo de produção de sentido nas
comunicações considerando nele a influência de fatores conscientes e inconscientes através da
utilização do conceito de símbolo como um mediador. Ao considerar que o símbolo pode ser
responsável tanto pela facilitação da comunicação, quanto pelas dificuldades na comunicação
dentro das organizações de trabalho, decidiu-se utilizar como referencial para a pesquisa o
esquema conceitual da psicologia junguiana aplicado à psicologia organizacional. Nesses
termos esta investigação pretende considerar, enfaticamente, alguns dos elementos que
caracterizam as organizações: sua constante atividade e as transformações nos produtos
cognitivos nela gerados em função das interações que se processam entre as pessoas e os
grupos no seu interior. Isso será feito tomando como objeto uma situação onde a maioria das
questões citadas acima é posta em evidência. Uma vez que grupos e organizações constituem
conjuntos concretos que são criados, gerenciados e transformados pelas pessoas (servindo
como mediadores da vida das mesmas), este estudo é conduzido tendo em mente que uma
alternativa para minimizar os choques entre as realidades “superficial” e “profunda”
22
nas
relações entre os grupos nas organizações, e na relação desta (enquanto uma “entidade”
23
)
com esses grupos, seria buscar a compreensão tanto da relação dessas realidades entre si,
como da especificidade de cada uma delas.
O choque entre duas realidades, “superficial” e “profunda” / consciente e inconsciente, é
22
As expressões “realidade superficial” e “realidade profunda” no presente estudo podem ser compreendidas em
um duplo aspecto. No primeiro, conforme destaca Goulart (1996), a realidade “superficial” apareceria
explicitamente a partir da hierarquia e das redes oficiais de informação e relações tão bem “congeladas” nas
descrições das missões empresariais, nos organogramas e fluxogramas; já a realidade “profunda” seria
constituída por redes de relações construídas em paralelo às estruturas oficiais, na lateralidade, nas lacunas, no
vazio deixado entre os modelos formais de interação, produzidas tanto pelas relações interpessoais quanto pelo
universo dos desejos e dos “não-ditos”. Num segundo aspecto, baseado numa proposição de Hollwitz (1992), o
termo “realidade profunda” (deep reality) é usado em oposição ao modelo baseado no ego (oriundo do estudos
comportamentalistas e motivacionistas populares entre os estudiosos norte-americanos) e tomado como uma
“realidade superficial”. “Profunda”, nesse segundo modo de compreensão, é utilizado por referência à psicologia
profunda, “novas” concepções na teoria e na prática psicológicas surgidas à partir dos primeiros estudos de
Freud em 1896 e que, como esses, fazem referência ao inconsciente: ‘Psicologia Profunda’ é um termo
derivado da psicologia médica, cunhado por Eugen Bleuler para denotar aquele ramo da ciência psicológica
relacionado com o fenômeno do inconsciente” (JUNG, OC 18, par. 1142).
23
Termo utilizado no sentido atribuído a ele pelos lógicos ingleses: um “algo”. Em função disso, tomamos aqui
o sentido original da palavra em Inglês. Entity significa concretamente “um ser” ou “uma coisa”. Utilizou-se o
termo aqui para exprimir a tendência de se referir à organização como uma unidade “pensante” e autônoma
similar aos seres humanos que a compõe.
47
mencionado freqüentemente nos estudos sobre as representações sociais. Apesar de se
comentar, freqüentemente, que eles se apóiam em afetos e símbolos esse fato o parece ter
recebido a atenção merecida. Essa situação foi tratada em um trabalho anterior (PAULA,
1999).
Paula (1999), sugere (a partir de similaridades nas proposições de vários autores) que a
coesão dos referenciais elaborados e utilizados nessas representações sociais, com o objetivo
de conferir sentido às experiências, enraíza-se em certos núcleos de elevado conteúdo afetivo
que possuem um apelo à construção de significações coletivas, apesar dos matizes individuais
em cada membro do grupo. Esse apelo seria responsável por determinar certas ressonâncias
entre as percepções dos indivíduos. Essas ressonâncias tornam possível a existência das
subculturas citadas anteriormente em toda a sua riqueza de variações sobre os temas presentes
nos mitos específicos da organização.
Freqüentemente subculturas tendem a se identificar com variações ou elementos
presentes nos mitos construídos na organização. Esse fato obriga o pesquisador, disposto a
estudá-las, a abordar essas narrativas em seqüências de temas ou outros elementos ainda
menores. Os grandes temas presentes nos mitos, e que são responsáveis por oferecer dinâmica
para a história narrada, são chamados de mitologemas. Um exemplo bastante evidente seriam
os eventos típicos presentes no mito básico do herói. Esse mito possui em sua estrutura
elementos que tenderão a se repetir nas diversas narrativas em que se fizer presente: chamado
à aventura, a recusa do chamado, o auxílio inesperado e supostamente mágico, a passagem
por um prova inicial, o mergulho na escuridão, as provas iniciáticas, o encontro com o
feminino e o masculino e assim por diante. Cada um desses elementos constitui um
mitologema e cada mitologema tomará uma conformação específica de acordo com a história
narrada. Tome-se como exemplo as diferenças inerentes às histórias do Gautama Buda, de
Hércules, de Gilgamesh, de Cristo ou do fundador de um conglomerado empresarial. Todas
elas, embora diferentes, apresentam variações sobre esses mesmos temas.
Esses mitologemas, por conseqüência, podem ser descritos como conjuntos ordenados
de símbolos carregados de afeto que agem provendo as pessoas de referências que sustentarão
seu alinhamento em grupos. Paula (1999), sugere que esses alinhamentos (e sua vinculação
com afetos e símbolos) sejam considerados na análise dos fenômenos de produção de sentido
ocorridos nas comunicações das organizações. Segundo o autor, muito mais que informações
estão em jogo no ato comunicativo: em última instância os alinhamentos em torno de decisões
são configurados não pelo conteúdo das informações disponibilizadas, e sim pela ressonância
que os símbolos presentes nessas informações produzem em indivíduos e grupos (bem como
48
pelo sentido que essas pessoas extraem dessa ressonância).
Buscando continuar as elaborações presentes naquele trabalho, este estudo é proposto
como uma tentativa de encontrar respostas para as várias questões que, conforme foi
apresentado na primeira parte sesta introdução, são propostas à Psicologia Organizacional. É
utilizando, como pretexto, a compreensão do caminho por meio do qual a produção de sentido
(sob a mediação do Símbolo) conduz às ações (acertadas ou equivocadas) nas diversas
instâncias institucionais
24
, podendo acarretar, por um lado, um sucesso espantoso e, por outro,
significativos prejuízos às instituições em termos de desperdício de tempo, desgaste nas
relações humanas e evasão de recursos que a presente investigação pretende compor uma
revisão da Psicologia Organizacional (compreendida como uma Psicologia Social do
Organizar) a partir da Psicologia Analítica.
24
Diante da alternância na utilização, entre os autores em que nos baseamos para redigir este trabalho, dos
termos organização e instituição, acabamos por considerar esses dois termos equivalentes, embora em essência
eles guardem uma sutil diferença. Para tal aproveitamos a relação estabelecida entre os termos por Lapassade
(1977) através da utilização da designação coletividade instituída.
49
1.2 Problematização e objetivos
1.2.1 Problematização
Entendendo-se as teorias em psicologia como álgebras
25
, onde são apresentados,
consecutivamente, conceitos e uma forma de organização do mundo através desses conceitos,
pode-se descrever esse trabalho como uma tentativa da aplicação de uma “álgebra
junguiana
26
ao estudo dos fenômenos que cercam os processos de comunicação, suas
dificuldades e mecanismos facilitadores, numa organização contemporânea. Partindo dessa
proposição poder-se-ia estabelecer como a questão teórica central deste estudo: a
possibilidade de se contribuir para uma revisão da Psicologia Social (tomada como uma
Psicologia social do Organizar) a partir da Psicologia Analítica
27
.
Essa aplicação dos construtos junguianos às organizações contemporâneas pretende ser
demonstrada tomando como base a análise do fenômeno da produção de sentido entre os
membros de uma organização. Dessa forma, poder-se-ia propor algumas questões cujas
respostas serviriam para demonstrar essa aplicação:
Dado que a produção de sentido em uma organização é construída nas relações entre
seus integrantes, nas interpretações que esses integrantes extraem do contexto em que eles se
inserem e na dimensão simbólica subjacente a esse contexto, poderia o conceito junguiano de
símbolo ser aplicado à análise dessa produção de sentido?
E, dentro dessa visão:
Poderia a diversidade de interpretações de uma realidade, produzida por grupos e
subgrupos no ambiente de uma organização, ser avaliada mediante identificação das relações
de seus integrantes com os símbolos a ela inerentes?
A tentativa de obter respostas a estas questões levou à formulação dos seguintes
objetivos:
25
Conceito tomado em acepção semelhante à idéia matemática: Álgebra, variante latina da palavra árabe al-jabr
(às vezes transliterada al-jebr), é a ciência que generaliza as questões numéricas, representando ordinariamente
as grandezas por letras. Ainda que originalmente “álgebra” pudesse ser definida como a “ciência das equações” a
palavra hoje tem um significado muito mais amplo: algébrico será o método que busca solucionar problemas
pelo estudo das estruturas através da utilização de conceitos para representar grandezas, isso permitiria descobrir
relações e expressá-las de maneira simbólica.
26
Deve-se agradecer à Professora Edda Tassara do Instituto de Psicologia da USP não pela sugestão de que
teorias psicológicas são álgebras como também pela sugestão da expressão “álgebra junguiana”.
50
1.2.2 Objetivo geral
Demonstrar a viabilidade de uma aproximação entre a Psicologia Organizacional e a
Psicologia Analítica, através da análise da função mediadora da dimensão afetiva e da
produção de sentido relacionadas ao simbolismo no processo de comunicação de uma
organização, e o seu papel na produção, na mediação e na solução dos conflitos.
1.2.2.1 Objetivos específicos
1. Relacionar a leitura do fenômeno da produção de sentido feita pela Psicologia
Analítica com a leitura feita pela Psicologia Organizacional e indicar as possíveis
contribuições do primeiro olhar ao segundo;
2. Coletar símbolos, presentes em mitologemas e narrativas elaboradas no processo
histórico-social da construção de uma organização, que se tornam descritivos da
sua dinâmica;
3. Analisar o sentido que os atores dessa organização extraem destes símbolos nas
diversas situações por eles narradas;
4. Verificar as diferentes relações desses componentes simbólicos com as subculturas
dessa organização;
5. Analisar aspectos inconscientes da dimensão afetiva presente nas situações
comunicativas da organização e sua relação com o simbolismo;
6. Estabelecer uma análise da abordagem que a Psicologia Organizacional e a
Psicologia Analítica fazem do fenômeno da produção de sentido.
27
Tarefa que, se aceita em sua totalidade configurar-se-ia em uma missão sobre-humana, heróica.
51
CAPÍTULO II
A PRODUÇÃO DE SENTIDO E O SÍMBOLO:
da Psicologia Organizacional à Psicologia Junguiana
52
Capítulo 2
A PRODUÇÃO DE SENTIDO E O SÍMBOLO:
da Psicologia Organizacional à Psicologia Junguiana
2.1 Preâmbulo: Um panorama sobre temas correlatos em estudos anteriores
(literatura e pesquisas)
Com foi mencionado na primeira parte deste trabalho, não é freqüente encontrar, na
produção de junguianos brasileiros trabalhos que relacionem psicologia analítica e a
psicologia organizacional. Embora Labriola (2001) tenha sido citada no presente estudo, seu
trabalho é uma exceção. Mesmo fora do país essa produção é significativamente pequena se
comparada à enormidade dos temas cobertos pelos estudiosos da psicologia de Jung.
Conforme deixa claro Hollwitz (1992) mencionado no presente estudo poucos estudos
da psicologia aplicada à natureza do trabalho tem partido de uma perspectiva junguiana. No
entanto, deve-se ressaltar, que os autores encontrados não parecem ter como foco a produção
de uma psicologia organizacional num sentido estrito, e sim tratarem a abordagem junguiana
a partir da relação problemática do homem com o trabalho.
Por outro lado, embora, freqüentemente, pesquisadores da área organizacional tenham
se deparado com evidências de certos padrões recorrentes de comportamento (freqüentemente
denominando-os arquétipos), poucos deles realmente se basearam em um referencial
junguiano. A título de ilustração, pode-se mencionar dois trabalhos em que tal relação é
proposta: o de Moxnes (1999) sobre o alinhamento de indivíduos em grupos e organizações
segundo certos papéis que ele descreve como “papeis profundos” originados de uma “família
essencial” (arquetípica?); e o de Steyrer (1998) que utiliza arquétipo como referência aos
quatro fenótipos derivados da visão de carisma proposta por Max Weber: carisma heróico,
carisma paternal, carisma missionário e carisma magestático.
Embora esse seja o quadro geral, alguns trabalhos esparsos merecem destaque: o livro
de Hollwitz (1992) que reúne artigos de junguianos sobre problemas específicos da
organização (a maioria deles sob uma perspectiva clínica) e o artigo de White e McSwain
(1983), que aborda a psicologia analítica como a base de uma teoria transformacional para a
análise organizacional. Existe também um trabalho de Hollis (2002) que, apesar de não
abordar integralmente a condição do homem nas organizações, possui um capítulo dedicado
53
ao tema “Eros e a Organização”. Essa obra trás, não somente nesse capítulo, mas ao longo de
sua extensão, uma importante discussão sobre o efeito das projeções nas relações sociais. Esse
tema, conforme se visto em capítulos subseqüentes, se apresenta como uma interessante
possibilidade de diálogo com a noção de Complexos Culturais proposto por Kimbles (2000).
Sobre esse tema Singer e Kimbles (2004) possuem um trabalho que aborda reúne a visão de
diversos pesquisadores sobre esses Complexos Culturais (Cultural Complexes). Nessa obra os
autores recorrem à teoria dos complexos de Jung para defender a idéia de que existem
complexos culturais que operam simultaneamente tanto na psicologia coletiva do grupo,
quanto na de seus membros individualmente. Essa noção que se configura como uma nova
utilização do conceito junguiano de complexo oferece uma interessante ferramenta para a
compreensão da psicologia dos conflitos grupais e de como as crenças coletivas e as emoções
que operam na vida dos grupos se organizam profundamente na psique dos indivíduos.
Diversos estudos publicados por Gordon (1998, 2003 e 2005) apresentam uma
abordagem por ele denominada “Social Dreaming” (que, sinteticamente, aborda os modos
como cada experiência ou comportamento individual reflete e é estruturada pelos construtos
conscientes e inconscientes do grupo ou organização presentes na mente do indivíduo); essa
noção abre uma perspectiva de trabalho para os teóricos da organização que, poderiam
aprofundar a utilização prática de construtos oriundos da psicologia profunda nas
organizações de trabalho.
Um estudo que também aborda a aplicação de uma perspectiva junguiana ao universo
das organizações e o trabalho de Mark e Pearson (2003) que, ao abordar a utilização dos
arquétipos na elaboração de peças de marketing, apresenta um modelo útil de análise dos
símbolos e temas arquetípicos que permeiam certas formas de comunicação utilizadas pelas
organizações.
Outros estudos têm, embora guardando uma conexão menos específica com a temática
junguiana, estabelecido, dentro da literatura sobre estudos em organizações, uma conexão
entre as idéias de símbolo, narrativa, ritual e sentido. Dentre esses autores pode-se citar: Levin
(2000), Strati (1999), Lee & Barnett (1997), Jones (1996), Larkey & Morrill (1995), Deal
(1995) e, ainda, Gioia, Thomas, Clark & Chittipeddi (1994). As contribuições desses autores
serão abordadas mais à frente.
Devem ser mencionadas ainda duas dissertações de mestrado, recentemente publicadas
sob a forma de livros, que aplicaram conceitos junguianos ao contexto de outras áreas que não
a psicologia: Dias (2003) que, ao abordar o imaginário coletivo sobre a contabilidade e o
contabilista, buscou estabelecer um vínculo entre o conceito junguiano de arquétipo, as
54
representações sociais e a simbólica sobre a contabilidade; e Prado (2003) que utilizando os
referenciais da psicologia analítica (especialmente o conceito de anima) e dos filósofos do
direito buscou examinar a influências de fatores psíquicos, sociais, econômicos, religiosos e
históricos sobre a decisão judicial.
Um fato curioso é que na maioria das publicações junguianas (foram acessadas as
edições da Quadrant de 1995 até 2004; da Psychological Perspectives de 1994 até 2002, os
números 52 até 70 da Spring Journal, o site da Chiron Publications e o Journal of Analytical
Psychology) não foram encontradas menções à psicologia organizacional, ou a alguma
investigação do símbolo tal como é proposto no presente estudo (a grande maioria do material
encontrado nas três primeiras aborda temas clínicos, mitológicos, culturais ou sociais).
Deve-se ressaltar que embora no Journal of Analytical Psychology (acessado graças aos
recursos da PubMed Journals Database do National Library of Medicine’s Customer
Services – e do Portal Periódicos CAPES), a mais tradicional das publicações junguianas, não
tenham sido encontradas referências diretas ao tema do presente estudo, nem às possíveis
interseções entre a psicologia organizacional e a psicologia analítica, alguns estudos nele
encontrados, indiretamente, apresentam contribuições para este trabalho:
Hogenson (2004), baseando-se na teoria dos sistemas dinâmicos, na qual não se
pressupõe qualquer molde ou estrutura pré-existente para a mente ou para o comportamento,
elabora uma nova descrição para o conceito junguiano de self. O autor descreve o self como
um fenômeno emergente derivado de padrões dinâmicos existindo em um sistema complexo
que reúne características fisiológicas oriundas da infância, bem como atribuições intencionais
dos cuidadores e recursos simbólicos e culturais que constituem o ambiente. O símbolo,
dentro dessa visão, seria considerado como um elemento distinto e autônomo (de uma forma
importante) no sistema dinâmico.
Saunders e Skar (2001), ao discutir a natureza dos termos complexo e arquétipo, irão
tomar mente e cérebro como equivalentes. Os autores partem da idéia de que a auto-
organização é um processo típico de sistemas grandes e altamente complexos para sugerir que
o cérebro / mente produz complexos como uma decorrência de seus mecanismos de auto-
organização para a produção dos processos psíquicos. Os autores utilizam-se de exemplos de
auto-organização presentes na biologia para ilustrar como os processos psíquicos formam os
complexos. Uma vez que aceite-se que esse processo (de auto-organização) opere dentro do
cérebro e seja importante para seu funcionamento, os arquétipos seriam uma propriedade
emergente da atividade cerebral: uma classe de complexos. Esse modelo, segundo os autores,
55
está de acordo com o desenvolvimento original das idéias de Jung, já que ele derivou o
conceito de arquétipo de sua descoberta anterior sobre o complexo com tonalidade afetiva e se
alinha à descrição dos complexos como conglomerados de tonalidade afetiva comum,
reunidos em torno de um ou mais arquétipos.
McDowell (2001), irá descrever a personalidade como um sistema dinâmico e, como
outros sistemas dinâmicos, esse sistema estaria sob a égide de uma auto-organização. No
entanto, diferentemente do proposto por Saunders e Skar (2001), seu artigo enfoca o arquétipo
como o núcleo essencial em torno do qual imagens arquetípicas e complexos são organizados.
O autor descreve o arquétipo como um princípio de organização pré-existente. Dentro da
personalidade esse princípio se manifestaria como um “vortex psicológico” (um complexo)
em torno do qual o eu é desenhado. O “vortex” seria impessoal e seria mediado pelo eu
através de mitos e rituais ou através da própria consciência.
Knox (1999), irá sugerir que a idéia de “modelos de funcionamento interno” na
teoria sobre ligação (apego) enfatiza o mundo interno como consistindo de padrões
inconscientes de relações emocionais (afetivas) internalizados. A autora argumenta que falta
ao termo “objeto interno” essa clareza, e que os diferentes significados que ele carrega dentro
das diferentes teorias são fonte de confusão. Knox descreve o papel desempenhado pela
memória implícita na formação dos “modelos internos de funcionamento”, e sugere que estes
oferecem uma explicação alternativa para a fantasia inconsciente e para as relações objetais
(seriam relações com objetos? Ou relações entre objetos?) que não a explicação via impulsos
instintivos. Após esse preâmbulo Knox relaciona esse modelo com os conceitos Jungianos
contemporâneos de mundo interno, com uma sugestão que, vista sob essa luz, a formulação
Junguiana de complexo tem muitas características em comum com o “modelo de
funcionamento interno” da teoria de ligação (apego).
Knox (2001), utiliza-se da ciência cognitiva para investigar aspectos teóricos e
práticos da teoria psicodinâmica. A autora analisa as descobertas da ciência cognitiva sobre a
natureza da memória que é vista como uma mistura de reprodução e reconstrução. A autora
irá explorar os conceitos de memória verdadeira e falsa sob esse enfoque. Ao investigar o
papel da memória implícita (continuando elaborações propostas no artigo de 1999) e dos
modelos internos de funcionamento na produção da transferência, a autora irá explorar novas
formas de conceituar a fantasia, que a descrevem como uma outra face dos modelos de
funcionamento interno, e o papel da transmissão transgeracional dos padrões de ligação
(apego) na criação dos modelos de funcionamento interno. Esse desenho possibilitou, segundo
56
o autor, a construção de um modelo descritivo minimalista para a noção de arquétipo sob a
ótica das pesquisas da ciência cognitiva onde os arquétipos podem ser vistos como
semelhantes a esquemas de imagens, isto é, estruturas conceituais primitivas que existem sob
uma forma que jamais pode ser experienciada direta ou indiretamente.
Utilizando o INDEXPSI (Rede Brasileira de Bibliotecas da Área de Psicologia
ReBAP), o LILACS e o MEDLINE (todos através do site da Biblioteca Virtual em Saúde:
BVS / BIREME) não foram encontrados materiais relevantes para a presente investigação. No
entanto são dignos de nota os estudos de Nagelschmidt (1996) sobre a aplicação da teoria dos
tipos psicológicos de Jung ao contexto das organizações; a tese de doutoramento, publicada
em livro, de Zacharias (1995) sobre os tipos psicológicos junguianos e a escolha profissional
entre policiais militares de São Paulo; e um artigo de Grisci (1996) sobre as relações entre o
imaginário e a cultura organizacional no surgimento de conflitos em organizações.
Através do site de buscas ProQuest, utilizando todas as fontes (com destaque para
Scholarly Journals e Magazines), foram encontradas apenas 32 referências cruzadas à
psicologia analítica e organização, desse total apenas em apenas duas foram encontradas
articulações mais consistentes entre os temas. São elas: Bowles (1990) que aborda a passagem
do modelo mecanicista de descrição das organizações para um modelo contemporâneo
elaborado a partir dos insights da física do século XX e o reconhecimento das estruturas
profundas nas organizações utilizando a Psicologia Analítica para a construção de um quadro
de referências; e Egan (2003) que entrevista Arthur Colman (consultor em psicologia das
organizações, psiquiatra e analista junguiano) sobre questões relativas a grupos, criatividade,
dinâmica organizacional, diversidade e a questão dos “bodes-expiatórios”
28
no contexto
organizacional.
A questão dos “bodes-expiatórios” é abordada no livro mais importante de Colman
(1995). O tema central da discussão é, como nos estudos de Kimbles (2000) e Singer e
Kimbles (2004), o fenômeno da projeção. Nessa obra o autor faz referência ao mitologema
que nome ao livro e que tem como ponto central a idéia de que o grupo não é culpado por
seus problemas, suas derrotas, dores ou seus sentimentos negativos. A responsabilidade sobre
estes é atribuída a um indivíduo, ou subgrupo, específico: o bode expiatório. Esse indivíduo
ou subgrupo é percebido como sendo fundamentalmente diferente do resto do grupo e, a partir
dessa percepção, surge a idéia que ele deva ser excluído ou sacrificado para que o grupo
sobreviva e permaneça inteiro. Neste livro, Colman argumenta que, uma vez que o indivíduo
28
Scapegoating, no original em Inglês.
57
estará sempre imerso em algum coletivo seja ele uma família, um grupo de amigos, uma
nação, um ambiente de trabalho, ou uma sociedade profissional, para que aconteça um
processo de verdadeira individuação, deveria acontecer uma retirada de projeções depositadas
sobre terceiros. Para que as projeções possam ser retiradas é preciso que, antes, elas sejam
reconhecidas. Isso poderá acontecer quando o fenômeno projetivo acontecer e for
percebido. Ou seja, a retirada de uma projeção (e, a conseqüente tomada de consciência)
requereria, antes de tudo, a presença de alguém sobre quem o indivíduo deposita as suas
projeções. O autor descreve o fenômeno do bode-expiatório como um ponto de convergência
entre o indivíduo e o grupo, um elo entre o indivíduo que projeta e seu grupo que
reciprocamente projeta. O bode-expiatório, para Colman, é, simultaneamente, um arquétipo,
“uma interseção”, “uma justaposição” por meio da qual tanto a pessoa quanto o coletivo
podem se individuar. A consciência, nesse modelo, é um fenômeno que extrapola o
individual. Para Colman, ela existe em uma variedade de estados de consciência não-
individuais em um contínuo que vai do mais baixo até o mais elevado, passando “de uma
consciência individual até estados extáticos de fusão de consciência grupal“ (Colman, 1995,
p.22). Nesse contexto, o êxtase reflete um estado fusional que se origina na infância e é re-
experimentado na vida adulta. Assim sendo, um trabalho com grupos se assemelharia ao
trabalho individual: da mesma forma que o desenvolvimento individual exige uma
consciência da sombra, o trabalho com grupos exige que se trabalhe (através e para além) o
mecanismo do bode expiatório.
Através da entrevista com Colman (Egan, 2003) e do artigo de Bowles (1990) chegou-
se a outros livros de Colman (1983, 1993) como autor e organizador e a outras
referências: Denhardt (1981), que, utilizando-se de teóricos de diferentes orientações, aborda
os múltiplos aspectos do lado “sombrio” das organizações (sem, necessariamente, abordá-lo
numa perspectiva junguiana); Mitroff (1983 a, b), que utiliza as idéias de Jung para descrever
o que denomina stakeholders da “mente organizacional”; Krefting e Frost (1985), que
investigam as metáforas no gerenciamento da cultura organizacional; Hirsch e Andrews
(1984), que se referem à psicologia dos “tomadores de decisão”; e Kimbles (2003), que
propõe pontos chave para a avaliação de complexos culturais.
Dentre todos os autores citados neste tópico era Colman (1995) o que se configurava
como a contribuição mais promissora ao presente estudo. Em sua entrevista a Egan (2003) o
autor citava estudos onde buscava relacionar o advento dos sub-grupos, e das conseqüências
deles no que tange à dinâmica e à comunicação organizacionais, à manifestação de complexos
ideo-afetivos constelados no grupo (mais especificamente do que ele denomina complexo do
58
“Bode-expiatório”). No entanto, uma análise mais detalhada dos seus outros livros pouco
acrescentou às idéias apresentadas em sua entrevista e ao seu livro
29
de 1995. Ainda assim, a
leitura da entrevista e dos livros ofereceu insights quanto a relação entre a noção de complexo
e a investigação do simbolismo na produção de sentido nas organizações será explorada mais
à frente no presente estudo.
Utilizando-se outros recursos disponíveis via World Wide Web (o SciELO Scientific
Eletronic Library Online, o banco de teses do Ibict, e os bancos de teses da USP via
DEDALUS e de várias PUC’s por todo o país) foram feitas buscas que, infelizmente, não
trouxeram muitos resultados, além dos encontrados anteriormente. Foram encontrados (via
SciELO) apenas dois estudos irrelevantes para a investigação atual: um sobre a comunicação
de primatas não-humanos e outro sobre a problemática da interpretação dos sonhos na
abordagem freudiana. As buscas por teses e dissertações via DEDALUS o banco de dados
bibliográficos da USP e nos registros das bibliotecas das Pontifícias Universidades
Católicas revelaram uma produção relevante e no caso da PUC-SP, crescente de teses e
dissertações enfocando a Psicologia Analítica, mas que, em sua maioria, não contemplavam
de forma específica os temas abordados neste estudo. Ainda assim, seguindo indicações
obtidas da banca durante o exame de qualificação, chegou-se a dois trabalhos apresentados
nessas instituições que se mostraram relevantes para a elaboração dos métodos de
investigação para o presente estudo. A tese de Verdade (2003), uma investigação junguiana
que aborda a questão da “troca simbólica” em uma instituição de apoio a pacientes com
câncer; e a dissertação de Penna (2003) que aborda especificamente o todo junguiano de
investigação da psique. O primeiro trabalho aponta uma abordagem que se vale de uma
postura calcada nos estudos de James Hillman e que se destaca pelo respeito e incentivo à
expressão da subjetividade dos entrevistados. O segundo destaca a postura empírica de Jung e
as dificuldades que se apresentam à utilização dos métodos por ele propostos na academia,
especialmente em psicologia e na psiquiatria (onde os mesmos tiveram origem).
Utilizando-se o SciELO com o fim específico de reunir material de apoio à elaboração
das estratégias de investigação metodológica (dessa vez oferecer relevância a uma temática
“junguiana”) foram encontrados materiais interessantes
30
que, embora não contribuam
diretamente para o presente estudo, auxiliam a circunscrever o campo da investigação
empírica das subjetividades:
29
Up from Scapegoating:Awakening Consciousness in Groups (Colman, 1995)
30
As palavras destacadas entre aspas são palavras chave inseridas para definir as buscas.
59
O artigo de Serbena e Raffaelli (2003) que trata do desafio epistemológico de
se utilizar o discurso simbólico e subjetivo como complementação ao discurso racional e
objetivo. Os termos “subjetividade” e “alma” são destaque na abordagem dos autores.
“Subjetividade” e “pesquisa” são temas evidenciados no trabalho de Sato e
Souza (2001) que versa sobre a utilização da abordagem etnográfica como um instrumento
para a compreensão das formas como as pessoas coletivamente constroem e dinamizam
processos sociais, como a subjetividade se expressa, como atribuem significado às situações
sociais que ganharam uma organização formalmente constituída.
O artigo de Gomes (1997) fala sobre a utilização de “entrevistas” no estudo do
“sentido” produzido das narrativas. O autor utiliza a idéia da fenomenologia semiótica para,
de uma forma sistêmica e sistemática, buscar alcançar o sentido da fala dos entrevistados
(nesse caso, dentro dos limites da experiência consciente).
“Inconsciente” e “cognição” são temas abordados no artigo de Telles (1997)
que busca reunir elementos para construir uma reformulação epistemológica do conceito de
inconsciente à luz de uma perspectiva cognitivista.
O trabalho de Vieira e Sperb (1998), partindo da análise do brinquedo
simbólico da criança, questiona a idéia de narrativa tomada simplesmente como linguagem e
aplica a este conceito as lógicas da analogia e da imagem. Esse estudo oferece um interessante
ponto de vista sobre a relação entre os conceitos de “narrativa” e “imagem”.
Foram encontrados ainda, através do site PsycINFO, mantido pela APA (American
Psychological Association), diversas referências a artigos envolvendo psicologia analítica
que, embora enfocassem várias temáticas numa perspectiva junguiana (imagens arquetípicas,
análise e psicoterapia, transferência, inconsciente, sincronicidade, aplicações do Myers-Briggs
Type Indicator, inconsciente cultural, religião, mitologia, entre outras), não ofereceram
contribuições significativas ao presente estudo.
Encerrado esse preâmbulo, cabe iniciar um percurso de estruturação dos conceitos,
referenciais, idéias e reflexões que nortearão o presente estudo. É disso que tratarão os tópicos
seguintes.
60
2.2 Problemas e críticas relacionados à abordagem do Mito e da
Organização pela psicologia profunda
Ao dedicar esta reflexão às relações entre símbolo e organização o presente estudo se
aproxima de outras leituras que tem tratado o símbolo em suas relações com o mito e com as
organizações. Também este estudo tratará do binômio mito / organização e, nesses termos,
torna-se de fundamental importância delimitar melhor QUE conceito de mito será considerado
no presente estudo e QUAL é o tipo de relação que se percebe entre um estudo mais
aprofundado dos mitos e a Psicologia Organizacional. Será, portanto, percorrendo outros
campos que não estritamente o da psicologia organizacional que será buscada uma
fundamentação para a construção da função (proposta anteriormente para o mito) e que
acompanhará toda a extensão deste trabalho. A justificativa mais evidente para esse enfoque
se relaciona diretamente ao conceito de Psicologia Organizacional considerado neste trabalho.
Segundo MALVEZZI (2000a, p.1):
A Psicologia Organizacional (PO) é um nome dado ao conhecimento
multidisciplinar do comportamento de indivíduos e grupos situados no campo da
estrutura e funcionamento das organizações. (...) a PO configura-se como uma
interdisciplina, pelas suas interfaces com outras ciências (Biologia, Economia,
Administração, Sociologia...) igualmente interessadas no estudo do desempenho
humano no trabalho
No entanto, como o próprio autor deixa claro, o que interessa na PO não é
simplesmente o estudo do desempenho humano no trabalho. Interessam, nesse campo, alguns
aspectos subjetivos que permeiam o pensar o homem, o pensar e o sentir do homem no
trabalho e os desdobramentos desse pensar num momento em que essa mesma PO (que se
preocupa tanto com o desempenho) é chamada para pensar e “sentir” as identidades e o
sentido que os homens extraem do trabalho. Como afirmou o próprio Professor Malvezzi
(1996), a PO nasceu e se desenvolveu caudatária às práticas administrativas e é, hoje,
chamada a encontrar (ou reafirmar) a sua identidade.
Será, portanto, segundo esse posicionamento interdisciplinar que a articulação mito /
organização será feita. Mais especificamente a partir de um referencial inspirado em Joseph
Campbell e suas reflexões apoiadas na concepção difusionista dos mitos.
Como Malvezzi (1996) deixa claro, o estudo das organizações sob a ótica da psicologia
profunda é um fato relativamente recente na literatura da área. Isso, que por si é um fato
interessante torna-se, ainda mais, se considerar-se que o marco fundador da psicologia do
trabalho (os estudos de L.O. Patrizi, em Modena na Itália sobre a psicologia da fadiga -
61
Malvezzi, 2000b) é datado de 1889, sendo contemporâneo aos primeiros estudos de Freud
sobre as questões da histeria e do inconsciente (deve-se recordar que, embora as condições
fossem outras, a noção de inconsciente aparecia periodicamente no imaginário europeu
muito antes disso). É surpreendente que esses dois campos tenham esperado até a década de
60 do século XX (com os trabalhos de Enriquez e Menzies - MALVEZZI, 1996) para se
cruzar. Após o primeiro encontro os aspectos subjetivos ligados aos sentimentos, ao
inconsciente e ao imaginário tornaram-se, por assim dizer, um convidado freqüente nos
estudos em PO. Porém, malgrado essa aproximação, sua potencialidade ainda se encontra bem
longe de ser convenientemente explorada.
De um ponto de vista amplo, deve-se à psicanálise, por sua ênfase na importância dos
mitos, o acesso a um instrumental poderoso para que o homem possa entender sua própria
relação com a história, a sociedade e o imaginário. Nos dizeres de Campbell (1992, p.64):
Essa maneira de homogeneizar o pessoal e o universal, que é um método básico do
discurso mitológico, tornou possível aos psicanalistas freudianos, cujo treinamento
na linguagem dos símbolos se originou provavelmente do estudo dos neuróticos,
trocar em miúdos toda a herança cultural da humanidade.
Como afirma Malvezzi, ao abordar a importância do estudo dos mitos para a
compreensão do lado invisível das organizações e dos processos de transformação que a
globalização do trabalho trouxe, “é o símbolo que introduz a potencialidade do imaginário na
compreensão das organizações sociais” (1996, p. 8). Se é assim, talvez devesse ser vestido
nos estudos em PO o manto do imaginário e, com ele, buscar o reencontro (no mito produzido
pela coletividade) da subjetividade, do indivíduo e de suas formas de construir identidade;
buscar o reencontro da sociedade e de suas formas de se organizar. Sintetizando, buscar o
homem enquanto conceito e o produto de tudo isso na Psicologia Organizacional.
Os estudos oferecidos pela psicologia profunda para o fenômeno organizacional (por
exemplo, da psicanálise dos grupos e das organizações) tem tido uma tendência a
contextualizar suas proposições a partir de três eixos originais: 1) analogias dos grupos com a
primeira tópica freudiana (consciente, pré consciente e inconsciente), 2) com a segunda tópica
(id, ego e superego) e 3) referências ao complexo de Édipo (GOULART, 1996). Será
examinado aqui, pela óbvia vinculação com a noção de mito, apenas, este terceiro ponto.
O mito de Édipo, considerado pela Psicanálise O MITO fundador da cultura (qualquer
cultura) foi, e é, muito aplicado também aos estudos das organizações. Mesmo que,
freentemente, ele não esteja entre as linhas principais de estudos e artigos seu cater fundador
o leva a fazer aparições especiais em argumentações. Como uma ilustração é apresentado a seguir
um trecho Leite (1995, p.90(n)) sobre o imaginário e a subjetividade nas organizações:
62
A perversificação individual (Larsh, 1983) trará como conseqüência a "destruição"
das referências simbólicas tradicionais do indivíduo (o neurótico refere tudo a um
pai constituído como fruto de seu romance familiar, e essa referência simbólica se
cristaliza em sua estrutura sintomática).
Embora o enfoque dado ao presente estudo esteja distante de considerar a narrativa
edípica como O mito fundador da cultura, poder-se-ia, com bastante tranqüilidade, considerá-
lo UM DOS mitos fundadores. É dentro dessa perspectiva que a argumentação seguinte será
construída.
Retomando uma análise da acepção psicanalítica para o mito (já citada anteriormente)
pode-se iniciar um percurso crítico sobre as relações mito, indivíduo e organização. Segundo
Campbell (1992, p.64):
Mas o problema do neurótico é, precisamente, que em vez de efetivar a passagem do
difícil limiar da puberdade - morrendo enquanto criança para renascer enquanto
adulto - ele permaneceu com uma significativa parcela de sua estrutura de
personalidade fixada na condição de dependência. Rejeitando emocionalmente a
reorganização de suas experiências de infância através dos mitos e ritos de uma
comunidade madura, o neurótico consegue interpretar a linguagem pictórica de sua
civilização apenas nos termos das fontes infantis das formas desenvolvidas e
manipuladas dessa civilização; enquanto na mitologia e nos ritos essas formas foram
aplicadas a um contexto cultural e, simultaneamente, metafísico de alusões. (grifos
nossos)
Malvezzi (2000b) demonstra sua preocupação com a capacidade da PO (fixada em seu
modelo paradigmático original) de se adaptar eficientemente ao re-equacionamento dos seres
humanos frente às possibilidades (oferecidas) e dificuldades (impostas) ao seu crescimento
levantadas pela situação contemporânea e conseguir assim propor soluções aos dilemas atuais.
O autor propõe questões quanto aos riscos de se aprofundar a decadência do trabalho, na
transição das fábricas poluídas para as empresas virtuais da era pós-moderna, da mesma
forma que a PO auxiliou na legitimação da decadência do trabalho artesanal para o trabalho
operário.
As respostas a esses questionamentos, oferecidas pelos psicanalistas que analisaram as
organizações, tendem a apontar como uma solução para as complicadas relações entre homens
e organizações a superação de uma certa compulsão à repetição (que a leitura psicanalítica
empresta a noção de mito, conforme já foi visto anteriormente). Infelizmente, como toda
análise totalizadora essa visão acaba por aprisionar o próprio olhar do investigador num
modelo. Esse modelo, ao ignorar as reorganizações espontâneas dos modelos míticos, acaba
privilegiando um esquema de leitura que torna os investigadores tão dependentes quanto o
objeto estudado. Enquanto dependentes e compartilhando de uma mesma ótica
fundamentalista os investigadores se vêem impedidos, tal como um “paciente” clínico
63
regredido, de enxergar outras possibilidades. O contexto contemporâneo parece afirmar a
necessidade de galgar independência: reorganizar experiências “infantis” em modelos adultos
segundo os indicativos maiores da civilização e não se limitar à repetição de um modelo
neuroticamente manipulado das suas “origens” enquanto estudiosos da vida psíquica da
organização.
O próprio mito do Édipo pode ser tomado como um paralelo mitológico útil no processo
de análise da situação anteriormente descrita. Aparentemente, os estudiosos muitas vezes se
tornam prisioneiros de suas próprias elaborações. Ou, conforme Campbell (1992, p.64):
"Freud desvalorizou teoricamente tais "reorganizações" derivadas da cultura e da
filosofia, denominando-as meras "elaborações secundárias"- o que talvez seja
apropriado, quando o caso em questão é o pesadelo de uma "criança" de 40 anos
chorando num divã. Mas na interpretação do mito, tal método redutivo nos submete
à monotonia de identificar em cada sistema simbólico apenas as fontes infantis de
seus elementos, negligenciando como meramente secundário o problema histórico
de sua reorganização (...)." (grifos nossos)
Steffy & Grimes (1992), ao construírem sua crítica da PO, chamam a atenção para o
fato de que existem aspectos que não se limitam à micro ou a macro análises das relações
indivíduo / organização. Segundo eles, na PO prevalece a micro análise (sendo as questões
estruturantes injetadas post hoc apenas para explicar a subjetividade). Uma abordagem que,
segundo os autores, se mostra pequena frente ao domínio ontológico da PO ignorando, por
sua parcialidade, a organização como uma realidade inteira (historicamente determinada e em
constante progressão). Concordando com os autores, tornam-se louváveis os esforços de
estudiosos da psicanálise por reincerir no debate a noção de subjetividade vinculada a
preocupações histórico-estruturantes. No entanto, parece que as abordagens “psicanalíticas”
da organização repetem os mesmos enganos patologizadores de sua abordagem do mito do
Édipo e da problemática da cultura - uma ênfase excessiva na regressão, na análise de
conflitos micro parentais amplificados para explicar questões macro organizacionais “muito a
maneira de um arquiteto que, vendo as estruturas de Roma, Istambul, Mohenjo-Daro e Nova
York, se satisfizesse com a observação de que todos são de tijolos.” (CAMPBELL, 1992,
p.64)
Aproveitando as palavras do autor, deve-se examinar os tijolos, mas posteriormente,
deve-se tomar os tijolos como óbvios e ocupar-se de sua função. Campbell (1992, p.65) relata
que “Um amigo meu, Junguiano, certa vez resumiu assim o problema: ‘Pode-se atribuir ao
neurótico o fato de ele traduzir tudo em termos da sexualidade infantil; mas se o terapeuta faz
o mesmo, onde vamos parar?’”
Não se trata de advogar a causa utópica de uma sociedade (ou de organizações) sem
64
conflito. As contradições e os conflitos fazem parte do processo de “estampagem”
31
pela qual
o ser humano passa ao nascer neste mundo. Pode-se concordar com Leite (1995, p.115)
quando este afirma ser “certo que as sociedades ocidentais sustentam com sua perversificação
uma estrutura neurótica de poder, sendo esse todo o drama dos tempos atuais: uma lógica
neurótica (monoteísta
32
) sustentando uma sociedade perversificada.” (grifo nosso)
Essa perversificação é fruto de uma construção histórica judaico-cristã”. Que,
nesse sentido, tornou-se uma matriz monotéista para as formas de pensar da cultura ocidental,
como propõe Hillman (1989, p.91) ou Leite (no texto citado acima) a visão monoteísta das
coisas torna-se (como toda “visão apostólica de unidade”) fundamentalista:
Fundamentalismo serve ao mito do herói. Ele fornece princípios fundamentais -
palavras, verdades, direções. Constrói um ego forte. É a psicologia americana. Sem
Hermes, sem Dioniso, sem Afrodite. Fundamentalmente monoteísta porque
comporta um significado, uma leitura do texto.
O monoteísmo, segundo os autores, serve bem à época atual, pois por ser o mito do
Herói, do empreendedor, serve para fortalecer à vontade que, como diz Hillman (1989),
31
Essas contradições e embates ficam evidentes na fala de Campbell: “Depois do trabalho de Sigmund Freud e
sua escola sobre os estágios do processo de maturação da criança e a força das estampagens adquiridas em tais
estágios com relação às reações do indivíduo por toda a vida, dificilmente será necessário pôr em dúvida a
relevância dos conceitos de “disposição interna” e “estampagem” na esfera do aprendizado humano. (...) Na
esfera humana há, no entretanto, um fator que torna extremamente difícil todo o estudo dos instintos e das
extruturas inatas (...) na espécie humana a criança é completamente desamparada durante os primeiros doze anos
de existência e durante o período de maturação do caráter está sujeita às pressões e estampagens de sua
sociedade local (...), as três habilidades (...) a postura ereta, a fala e o pensamento, que elevam o homem acima
da esfera animal, desenvolven-se apenas após o nascimento e, conseqüentemente representam, na estrutura de
cada indivíduo, um amálgama indissolúvel de dois fatores: os biológicos inatos e os culturais adquiridos”.
(Campbell, 1992, p. 43)
32
Os conceitos de “monoteísmo e “politeísmo” (bem como, logo na seqüência, as referências à construção
histórica judaico-cristã”, “lógica neurótica = lógica monoteísta”, “visão monoteísta = visão apostólica =
funadamentalista”, “viés politeísta” e, na citação de Campbell, adoração do pai onipotente, do monarquismo,
cleros celibatários, homssexualidade, e de todo o resto”) foram aqui usados como METÁFORAS para descrever
um estilo de pensamento criticado pelos três autores (Leite, Hillman e Campbell) que privilegia apenas UMA
alternativa em detrimento da pluralidade de opções bem como fazer referência aos mecanismos de defesa e aos
sintomas decorrentes dessa escolha (por exemplo, projeções e formações reativas) e sua resultantes
comportamentais. Não foram apresentadas como conseqüência de uma abordagem superficial, ambígua e pouco
fundamentada conceitual e teoricamente de problemas contemporâneos como poderia parecer aos olhos de um
leitor conciencioso em busca de justiça e profundidade no tratamento da complexidade do seria a construção
histórica das visões monoteístas e politeístas. Esta não é a preocupação do presente estudo uma vez que o
aprofundamento histórico no embate monoteísmo / politeísmo não é relevante para a discussão apresentada. O
que é relevante, restringindo as discussões a somente um dos autores, é a ênfase numa pluralidade de
pensamento e mentalidades, fundamental para se refletir sobre os problemas em psicologia organizacional ou do
trabalho: “Como o amor e o sexo, o trabalho pode ter suas patologias. (...) Não tenho uma imagem monocêntrica
do trabalho, como se cada um tivesse uma tarefa específica. Se me pergunto. “Qual sua tarefa na vida?”, terei
uma única resposta. Questões como esta vem do ego, de forma que podem ter uma resposta ou uma escolha
dentre respostas únicas. Questões do ego estão instituídas você nunca pode respondê-las psicologicamente,
com uma resposta politeísta. Portanto não existe apenas uma tarefa específica, como um chamado ou uma
vocação. Vocação é uma idéia espiritual muito inflada. De um para um. De Deus para mim. Repare como a
65
necessita de fundamentalismo ou ela não sabe o que fazer.
Mas os heróis, como as sociedades, sofrem transformações. Deveria-se supor, então que
certas condições são imutáveis pelo simples fato de fazerem parte de uma constelação
natalícia, como propõe Leite (1995, p.113)?
A morte (impossível discursivo) e a castração (impossível imaginário) são portanto,
estruturais nos relacionamentos indivíduo/social. Assim, se localizarmos nas tensões
indivíduo/organização o essencial do que deve tratar a teoria organizacional, temos
que partir do pressuposto de que essas tensões não são elimináveis mas, pelo
contrário, são parte integrante da estrutura do relacionamento.
Seria possível abandonar uma visão monotéista, neuroticamente determinada e abordar
a questão da subjetividade por um viés politeísta que admitisse uma pluralidade de opções (e
soluções) e, quem sabe, mesmo um razoável grau de construtivismo?
Uma vez iniciada a discussão sobre a importância do estudo da relação dos mitos com
as organizações mencionando como origem dessa preocupação a utilização do mito de Édipo
como uma metáfora para a instauração da cultura no indivíduo. Talvez seja interessante
observar o que Campbell (1992, p.73-74), um mitólogo, tem a dizer sobre essa apropriação
que a psicanálise fez do mito (aplicada aos indivíduos, à cultura e à organização):
Complexo de Édipo, que, segundo a escola freudiana ortodoxa, via de regra é
firmado na criança, por volta dos cinco a seis anos e, a partir de então, constitui-se
em um padrão primário constelador de todos os impulsos, pensamentos e
sentimentos, arte criativa, filosofia, mitologia e religião, pesquisa científica,
sanidade e insanidade (...) o fato é que por volta dos cinco ou seis anos a criança se
envolve imaginativamente (em nosso mundo cultural, pelo menos) numa ridícula
tragicomédia que podemos denominar de “o romance familiar”.
Em sua estruturação freudiana clássica, este romance edipiano consiste no desejo
mais ou menos inconsciente do menino de eliminar o pai ( o tema de Jack - o
Gigante - Matador) e ficar sozinho com a mãe; mas com um medo correlativo, mais
ou menos inconsciente, de uma castração punitiva pelo pai. (...) E assim, finalmente,
a reação do menino muito pequeno, que percebe vagamente que sua mãe é uma
tentadora, seduzindo sua imaginação para o incesto e o parricídio, pode ser a de
esconder seus sentimentos de seus próprios pensamentos assumindo uma atitude
compensatória, negativa, de um Hamlet - uma postura mental de excessiva
submissão à jurisdição do pai (tema da expiação) (....). (grifos nossos)
Essa relação parece anelar-se aos reincidentes fundamentalismos que excluem sob a
égide do édipo as complexidades da vida íntima da organização como sublimações de uma
libido infantil pouco diferenciada, “(...) juntamente com uma rejeição feroz da mulher e todos
os fascínios do mundo a ela associados (as luxurias do Egito, a prostituta da Babilônia etc)
(...)” (CAMPBELL, 1992, p.74)
A insistência, descrita por Leite (1996), em considerar a estrutura das relações com a
nossa idéia de um homem da renascença é uma fantasia politeísta” (Hllman, 1989, p. 168-169).
66
coisa organizacional como perversificada (uma cafetina) desde o nascedouro (e sem muita
chance de recuperação) parece ser um dos seus efeitos. “Aqui estamos a caminho da adoração
somente do pai onipotente, do monarquismo, puritanismo, platonismo, cleros celibatários,
homossexualidade e de todo o resto.” (CAMPBELL, 1992, p.74)
Seria essa a causa do monoteísmo de Hillman (1989) e que Leite (1995) enxerga no
comércio entre a PO, empresa e as práticas administrativas? Seria essa a causa da polarização
que se pode observar na maioria das tentativas de se reivindicar a inserção da noção de
subjetividade nas organizações (amor e agressão, desejo e medo, dependência/autoridade e
desejo de liberdade)?
Propõe-se, dentro dos limites do presente trabalho, que uma abordagem mais profunda
da complexidade mítica que envolve as organizações poderia levar a conduzir os estudos em
PO a uma maturidade na maioridade. Uma condição mais rica em olhares sobre
possibilidades, uma condição mais rica em soluções para os dilemas contemporâneos. Ou,
conforme coloca Malvezzi (2000, p.12):
Se a PO colocou sua atenção nos resultados sem entender de modo consistente os
processos, é hora de rever sua abordagem. Temos buscado mais perfeição na
precisão, estratificação e validade dos dados do que na compreensão da relação entre
esses resultados e os diversos mecanismos que podemos manejar na gestão de
nossas instituições. A autonomia pela qual tantos psicólogos e trabalhadores lutaram
por muitas cadas, coloca-se agora como um imperativo, como forma de
sobrevivência do próprio trabalhador, no seu novo papel de agente econômico
reflexivo, a cartilha a ser seguida pela PO na sociedade que se globaliza.
Havendo clareado o enfoque dado, no presente trabalho, à idéia de que o mito como
uma potencialidade teleológica se distingue da visão tradicionalmente encontrada em estudos
que se baseiam na abordagem psicanalítica (onde este aparece como um impulso à repetição)
torna-se necessário agora circunscrever a relação entre a noção de símbolo e o fenômeno da
produção de sentido tal como será abordado nestas páginas.
67
2.3 Símbolos, mitos e produção de sentido: uma introdução
“Um dos significados de símbolo é o poder reunir, ligar de novo, algo que foi
quebrado. Refere-se a um costume muito antigo em que se partia ao meio um
objeto de estimação, oferecendo-se a metade àquele que fazia a visita e ficando
com a outra o que recebia a visita. Reunir, voltar a juntar estas duas partes,
compondo de novo o todo, era a promessa que ambos se faziam. A parte presente
representava a parte ausente e esta, aquele que está com ela; lembrava aquilo
que não mais podia ser esquecido” (MACEDO apud TOMAZELLI, 1998. p. 36).
Tal como é sugerido na citação que serve de epígrafe a este capítulo observar a
dimensão simbólica contempla simultaneamente uma atenção às noções de identidade
(reconhecimento), mediação, sentido, informação e comunicação. Dessa forma, como uma
alternativa para esclarecer a problemática relação das informações e sua comunicação com as
organizações, faz-se necessária uma análise do fenômeno da construção de significados ou,
utilizando uma terminologia mais abrangente, da produção de sentido
33
. Este é um conceito
central, presente em todas as situações que envolvam a presença humana. Uma vez que os
processos psíquicos internos (cognitivos, conscientes ou inconscientes) e as ações de caráter
processual no tempo e no espaço determinam a produção de sentido como um fenômeno
comunicacional e, por se tratar de um enfoque que permite o transito entre os campos da
ciência da informação, da comunicação, das psicologias e de vários outros campos de saber,
uma análise detalhada do fenômeno da produção de sentido pode oferecer subsídios para a
compreensão das perspectivas pessoais dos sujeitos e seu comportamento frente à informação.
Ao longo do presente estudo serão citadas, concomitantemente, as posições de autores
que não consideram como ponto central a atuação do inconsciente (que poderíamos
denominar não analistas: por exemplo, Weick, Dervin, Foskett, Anzieu, Martin, Girard,
Ramozzi-Chiarotino...) e autores que fazem do inconsciente o ponto nodal de sua análise (que
poderíamos chamar analistas: Freud, Hillman, Samuels, Maroni e o próprio Jung dentre
outros). Essa opção se deve à necessidade de, ainda que se opte por trabalhar dentro de uma
acepção embasada pelo pressuposto teórico do inconsciente, delimitar um quadro geral sobre
o tema. Mesmo considerando que citar autores de correntes diferentes simultaneamente possa
33
A preocupação com o conceito “produção de sentido” levou alguns pesquisadores a elevá-lo ao nível de
uma abordagem de leitura dos modelos e comportamentos de comunicação, intitulada (homonimamente): sense-
making. DERVIN, por exemplo, “sense-making é uma forma de se pensar e implementar a pesquisa e prática
em comunicação e a estruturação de sistemas e atividades baseados na comunicação. Consiste em uma série de
pressupostos filosóficos, proposições substantivas, quadros de referência metodológica, e métodos. Tem sido
aplicado em uma infinidade de contextos (ex.: bibliotecas, sistemas de informação, sistemas de mídia, web sites,
campanhas de informação ao público, salas de aula, serviços de aconselhamento, e assim por diante), em uma
infinidade de níveis (ex.: intrapessoal, interpessoal, pequeno grupo, organizacional, nacional, global), dentro de
uma infinidade de perspectivas (ex.: construtivista, crítica, cultural, feminista, pós-moderna, comunitária)”
68
dificultar a contextualização das proposições pelo leitor, essa forma de apresentação foi
tomada como uma alternativa para estimular o diálogo entre os autores. Assumiu-se que,
dentro desta postura, as próprias opiniões dos autores sobre a questão da produção de sentido
e os comentários sobre essas opiniões bastariam para indicar o posicionamento adotado pelos
mesmos diante do papel desempenhado pelo inconsciente.
O conceito de produção de sentido (WEICK, 1995) aponta para uma ação que,
literalmente, busca a “estruturação do desconhecido” pela localização de estímulos em algum
tipo de quadro de referência (um ponto de vista generalizado que dirige as interpretações).
Essa “estruturação do desconhecido” fica bastante clara em Neubern (2001) que utiliza,
segundo a referência de Gonzalez Rey, a palavra sentido, como uma organização
configuracional composta por elementos cognitivos, emocionais e motivacionais (entre
outros) que, numa constelação inconsciente e apresentando uma qualidade emocional
dominante, decodifica o mundo sem deixar de integrar emoções contraditórias
34
. Nessa
direção o fenômeno da produção de sentido teria curso transversalmente às várias dimensões
da experiência humana e, especialmente, na noosfera: no mundo das doutrinas, sistemas de
idéias e mitos que embora criados pelo homem e dependendo dele para existir possuem certa
autonomia podendo até mesmo impor-se a ele (Morin apud NEUBERN, 2001). Essa relação
entre universo cultural e produção de sentido fica evidente em Silvester, Anderson &
Patterson (1999) que, ao aplicarem um modelo sócio-cognitivo às organizações,
comprovaram empiricamente a associação feita corriqueiramente entre aquilo que se
denomina "cultura" e o produto do processo dinâmico e coletivo de produção de sentido
empreendido pelos membros da organização. Essa visão, embora contemple um pouco mais
profundamente a questão dinâmica e relativamente autônoma da produção de sentido,
necessita ser aprofundada.
O tema da “estruturação do desconhecido” retorna em Dervin (1995) que, ao refletir
sobre a natureza das relações dos indivíduos com a informação, afirma que o atributo da
informação é oferecer elementos que instruem o ser humano sobre a natureza do mundo em
que ele vive, suas ações possíveis e as conseqüências potenciais dessas ações. No entanto, a
observação de um evento e a informação que dele resulta é redefinida no tempo e no espaço
pela perspectiva do observador, numa situação de relatividade onde contextos culturais
específicos tornam-se relevantes para uma específica compreensão do mundo e da experiência
(1997, p.1).
34
“Logo, o sentido que um pai tenha para um filho pode ser de amor e compreender também emoções como
raiva e revolta” (NEUBERN, 2001, p. 66n).
69
vivida. Essa redefinição contextual da informação que provém do ambiente foi percebida pelo
próprio Freud em 1898 que, numa carta a Fliess, escreveu: “A imagem especular do
presente é vista como um passado fantasiado, que então profeticamente se torna presente”
(MASSON apud SAMUELS, 1992, p. 34) e é fundamental para o presente estudo. A
informação, segundo freqüentemente é dito, está lá fora, mas outros seres humanos estão entre
os indivíduos e a informação. Segundo Dervin (1995, p.3)., a informação pode ser tomada
(...) como construída por cada observador específico, que é visto como
desenvolvendo compreensões sobre o mundo em interação com seu próprio mundo
simbólico, social, natural e físico. No lugar de uma relatividade baseada em
coletividades, chegamos a uma relatividade pessoal. uma variedade perturbadora
de narrativas que podem ser consideradas como incluídas nessa categoria, com as
versões particulares rotuladas às vezes de cognitiva, às vezes construtiva, às vezes
simbólica, e assim por diante.
Categorizações simples de erro ou acerto e categorizações culturais não parecem ser
suficientes para explicar essa intervenção humana. Na tentativa de explicar essa dificuldade
pode-se recorrer novamente a Dervin (1995). A autora afirma que entre os esforços de
ordenação do universo circundante e a complexidade da “dimensão humana” (e determinando
a relação dessa “humanidade” com os objetos), paira a noção de que a informação é
estruturada por um constante fazer e desfazer humano. Para a autora a dimensão humana”
pode ser descrita como um plano aparentemente caótico que reúne corpo e cultura a conceitos
de difícil e perigosa delimitação como “mente”, “espírito” e “fantasia”. É justamente essa
presentificação em conceitos de difícil delimitação que caracteriza a dificuldade encontrada
ao se abordar a produção de sentido como objeto do fazer e do desfazer humano: muitas vezes
o único recurso para abordar esses movimentos é a metáfora. Metáforas em uma visão
positivista são consideradas recursos menores.
Essa referência ao constante fazer e desfazer humano remete novamente à noção de
mito. Como foi visto, intimamente relacionada à estruturação do fazer e do pensar humanos.
Também foi visto que esse é um tema relativamente polêmico sobre o qual pesam,
dependendo da abordagem, diferentes definições. Essas definições variam desde referências
ao mito como uma narrativa fabulosa, de origem irrefletida, na qual agentes impessoais são
representados sob a forma de seres pessoais, passando por narrativas fabulosas que pretendem
explicar características daquilo que é dado no presente. Outras definições se referem ao mito
ora como a exposição de uma idéia sob uma forma propositalmente poética e narrativa onde
se misturam fantasias e verdades subjacentes, ora como imagem de um futuro fictício (às
vezes irrealizável) que exprime sentimentos de uma coletividade e serve para desencadear-lhe
a ação.
70
Essas definições, oriundas, em sua maioria, dos estudos filosóficos, acabam confluindo
em uma certa visão dominante que (embora sofra alterações de autor para autor) tem por
pressuposição básica a noção de que a dimensão mítica se fundamenta em certas crenças
fantasiosas (até certo ponto limitadas e limitadoras de uma ação consciente) que devam ser
transcendidas rumo a um princípio de realidade. Chauí (2000), citada como representante
dessa visão dominante, aponta dois sentidos ou acepções em que o conceito pode ser tomado:
O sentido antropológico: solução imaginária de conflitos, tensões e contradições
que não encontram caminhos para serem absorvidos pela realidade (A narrativa
mítica traria, nesse contexto, conforto por integrar incoerências através de uma
explicação fantástica, reordenando um cosmos ameaçador e muito superior a
frágil condição humana);
O sentido psicanalítico: impulso à repetição por impossibilidade de
simbolização e, sobretudo, como bloqueio à passagem à realidade (Sob esse
ângulo, tomado num viés do psiquismo individual, um sujeito sendo incapaz de
elaborar uma situação de conflito psíquico acaba reprimindo ou recalcando esse
conteúdo que permanecerá inconsciente, retornando sempre e manifestando uma
ação patogênica);
Vê-se, portanto, que, na ótica da autora, em sua estruturação os mitos juntariam essas
duas acepções com a função de impor um vínculo interno com o passado como origem,
mantendo-se (através de uma presença difusa na cultura) recorrente nas mais diversas formas
de expressão (em linguagens, idéias e valores) de forma tal que "quanto mais parece ser outra
coisa, tanto mais é a repetição de si mesmo"(p.6).
Embora, dentro das elaborações propostas pela autora, essa leitura seja coerente, deve-
se ressaltar que, ao eleger, dentre muitos dois sentidos básicos em que o conceito mito pode
ser tomado, apenas duas, foram deixadas de lado ponderações importantes. Como uma
complementação à idéia de que o mito, embora elaborado no passado, não cessa de se repetir
na história poder-se-ia com base em Jung (OC X) e em Campbell (1990) sustentar que os
mitos possuem (dentre várias) uma outra função aplicável à presente discussão. É sobre essa
outra função que será discorrido a seguir.
Segundo os autores citados, por comportar uma potencialidade de atribuição de sentido
a uma experiência vital, o mito pode (atingindo as camadas mais profundas do psiquismo)
levar o indivíduo a vivenciar a experiência de sentido. Dessa forma, pelo fato do mito ser
construído a partir do material da vida humana (corpo e ambiente), uma mitologia viva pode
oferecer sugestões sobre alternativas para lidar de forma mais adequada com o universo
71
circundante (em termos mais próximos à natureza do conhecimento da época em que esse
homem vive). Nesse sentido, embora acreditando nas conclusões de Chauí (2000) quando
esta fala do mito criado no passado e se repetindo na história poder-se-ia propor a
possibilidade de re-conhecer construções míticas como entidades vivas de uma cultura,
criando condições de interpretá-los em termos não mecânicos. Nesse sentido, se for mantida
uma relação íntima com a realidade desses universos existe a possibilidade de se reelaborar as
formas como são solucionados os dilemas míticos em uma sociedade ou organização e,
fazendo isso, ir em direção a uma experiência vital mais saudável dessa mesma coletividade.
Havendo retomado a noção de mito e aprofundado à idéia do mito como uma
potencialidade teleológica torna-se necessário, agora, retomar a noção de símbolo e
circunscrever o sentido atribuído a esse conceito nestas páginas.
72
2.4 O símbolo como um fenômeno de conciliação de opostos e construção de
“realidades”
Uma vez que o conceito de símbolo foi escolhido como o fio condutor para o estudo ora
proposto, torna-se de fundamental importância não só, delimitar, como foi feito, a partir de
qual visão o mbolo será contemplado, mas também as características atribuídas a esse
conceito segundo essa visão e que o distinguem da forma como é considerado em outras
leituras.
Para que isso seja feito buscar-se-á, o longo desse capítulo e dos seguintes, analisar
diferentes formas simbólicas e métodos de interpretação caracterizando em linhas gerais a
natureza complexa dos símbolos; seus componentes sensoriais e conceptuais, seus aspectos
discursivos e não discursivos e suas funções expressivas, representativas e significatórias.
Uma interpretação analítica da organização, sob a inspiração de quaisquer das
orientações da psicologia profunda, compreende diferentes formas simbólicas de diálogo
típicas da visão daqueles que pela primeira vez as propuseram. Uma abordagem junguiana
comportará, assim, certos aspectos característicos uma vez que as idéias de Jung possuem,
essencialmente, uma dupla natureza: “como conceitos-limite
35
suas idéias são modelos abertos
e fechados, elas delineiam e descrevem fenomenos psicológicos definidos mas também
sustentam um excesso de sentido que nunca poderá ser adequadamente definido” (HILL,
2001, p.17). Para o autor, interpretações construídas sob essa ótica não podem ser simples
aplicações de conceitos junguianos a dados psicológicos crus. A interpretação é, nesse
sentido, ela mesma um processo simbólico no qual o sentido irrompe de uma esfera
intermediária entre o não discursivo e o discursivo: tomando corpo, por exemplo, em
diálogos, humor e jogos. É esse processo simbólico que conecta imagem e conceito,
experiência e sentido, fantasias e atitudes. Poder-se-ia dizer que há uma atitude junguiana para
com a observação do viver, do fazer e do desfazer humano e que essa atitude compreende a
vida como uma experiência limite.
Essa atitude, que perpassa a teoria de Jung, evidencia-se ao longo de sua obra, onde o
autor não propõe uma definição única para símbolo. Em alguns momentos ele o define da
seguinte forma:
O verdadeiro mbolo (...) deveria ser compreendido como uma idéia intuitiva que
ainda não pode ser formulada de outra forma, ou de uma melhor forma. (JUNG, OC
XV, par. 105)
35
No original: boudary-concepts.
73
em outros
Um símbolo sempre pressupõe que a expressão escolhida seja a melhor descrição ou
formulação possível de um fato relativamente desconhecido que, não obstante, se
sabe existir ou se postula como existente. (JUNG, OC VI, par. 814)
ou, em outros, quando, expressando-se por analogias, sendo uma experiência de
imagens e por imagens e cujo desenvolvimento seguiria o princípio da enantiodromia:
(...) emerge agora um novo conteúdo, constelado por tese e antítese em igual medida
e mantendo-se em relação compensatória com ambos. Portanto, forma o espaço
intermediário em que os opostos podem ser unidos. (JUNG, OC VI, par. 814)
Esse conteúdo chamado, por ele, símbolo presta, por sua capacidade de unir opostos,
auxílio. Embora não seja lógico - aliás, por sua natureza paradoxal, ele imita a lógica - o
símbolo torna-se um terceiro fator, a partir do qual se pode fazer uma síntese de elementos
distantes. Seu conteúdo “está longe de ser óbvio; em vez disso é expresso em termos únicos e
individuais” (SAMUELS, 1988, p.201)
Para um aprofundamento na compreensão do simbolismo tal qual proposto por Jung
pode-se, como um contraponto, lançar mão das contribuições de outros autores.
Girard (1997), por exemplo, partirá em sua análise da etimologia da palavra símbolo (o
termo grego symbolon, para chegar ao verbodeondeelederivou, sym-ballein e seu significado:
lançar com, pôr junto com, juntar) para analisar alguns dos sentidos que dele decorrem:
comparar, trocar, encontrar-se, explicar. Para ele o sentido do substantivo symbolon designava
originalmente (GIRARD, 1997, p. 26):
(...) qualquer objeto partido em dois pedaços para uma finalidade precisa: entregues
a parceiros de um contrato, os pedaços permitiam aos dois portadores ou aos seus
descendentes o eventual reconhecimento mútuo (...) uma dualidade e uma unificação
por ajustamento, sem perda da individualidade.
Essa leitura implica primeiramente uma dualidade e, depois uma unificação.
Curiosamente, até mesmo a palavra symbolon
36
é uma palavra composta. Formada por Sym
(junto, comum, simultâneo) e Bolon (aquilo que foi lançado) podendo significar, como foi
visto, junção de coisas que tem algo em comum. O equivalente alemão para símbolo também
é uma palavra composta: formada por Sinn (sentido, significado) e Bild (imagem) cuja
tradução poderia ser imagem significativa. Observando essas descrições poder-se-ia pensar
em símbolo, nesse contexto, como sendo uma imagem organizadora que busca conciliar
36
Em latim nós teremos Sumbalon uma palavra também usada para descrever um objeto, usado como sinal de
reconhecimento, cortado em duas metades cujo perfil permitia aos portadores reconhecerem-se como irmãos
mesmo sem jamais terem se encontrado.
74
opostos ou múltiplos através de certas similaridades ao tentar conferir-lhes significado:
sentido que se aproxima do proposto por Jung.
Mas, a quais partes essa conciliação diria respeito? Ramozzi-Chiarotino (1988), ao
abordar o papel das imagens mentais no processo de construção da linguagem e do real
37
, irá
falar sobre certas imagens que, para dar uma ilusão de continuidade, falseiam a continuidade e
a síntese de invariâncias e transformações inerentes às operações mentais. Esse enunciado
remete às proposições de Girard (1997), onde se pode observar o processo de simbolização
expresso sob a perspectiva de uma "equação":
simbolização = simbolizante + simbolizado
(pedaço disponível) (pedaço inacessível)
Segundo o pensamento do autor, sumarizado nessa "equação", ter-se-á, de um lado, o
pedaço simbolizado (o pedaço a reconstruir do total real, a parte ausente, de difícil, por vezes
impossível percepção) e, de outro, o pedaço simbolizante (o pedaço presente).
O simbolizante poderia ser sistematizado em alguns pontos básicos:
a) cognitivamente: o simbolizante deve ser observável ou ser objeto de conhecimento
imediato;
b) linguisticamente: o simbolizante deve ser facilmente exprimível de maneira
simples e evidente como um veículo da linguagem corrente e dessa forma
compensar a complexidade (e a inacessibilidade) do simbolizado;
c) semanticamente: ele deve ser expressivo ao máximo (transmitir claramente a idéia
a que se propõe);
d) socialmente: ele deve ser reconhecível por uma coletividade (dentro da
especificidade social onde se manifesta);
e) psicologicamente: o simbolizante deve ligar-se à vivência do indivíduo (deve ser
objeto de uma vivência de maior profundidade que o simples conhecimento).
Essas características auxiliariam na distinção entre a imagem, pura e simplesmente, e o
37
"A imagem, diz Piaget, começa sendo apenas reprodutora, nos níveis pré-operatórios, prendendo-se às
configurações (inclusive cinéticas) mais que às transformações. Procedendo através de instantâneos
descontínuos, em sí mesmo estáticos, ela fracassa, de fato, por muito tempo, ao simbolizar as transformações.
Mas uma vez construídas as operações intelectuais, cujo papel é precisamente o de alcançar as transformações
por meio de atos de compreenção dinâmica, segue-se então um novo tipo de imagens, apoiadas na imitação
dessas operações. Ora, a imitação de uma operação não é absolutamente uma operação, pois deixa escapar a
continuidade, assim como a síntse sui generis de invariâncias e de transformações. Mas ela imita essas
características novas, multiplicando os instantâneos apreendidos no movimento interno do ato operatório, dando
a ilusão de continuidade pela consciência dos saltos que conduzem de cada instante ao seguinte" (RAMOZZI-
CHIAROTINO, 1988, p. 61, grifos nossos).
75
símbolo. A imagem, em um sentido estrito, implicaria uma realidade, situando-se
exclusivamente no nível do ser (se, por exemplo, alguém imagina um ônibus, haverá apenas
uma alteridade presente: a tensão entre a realidade concreta e sua representação - onde a
memória e a imaginação desempenharão o papel de instrumentos de captação), nunca
chegando a ser totalmente conforme a coisa. Porém, ainda num sentido estrito, quando houver
um transbordamento da imagem sobre o campo simbólico have presente uma alteridade de
níveis do ser (num registro mais intuitivo que empírico de conhecimento unirá, de um lado,
uma realidade observável e, de outro, o além dela: uma demasia de sentido ou um excesso de
significação). Tem-se então que, para que um ônibus imaginado, por exemplo, alcançasse o
status de simbolizante ele deveria enquadrar-se nesse nível de alteridade (descrito nas cinco
categorias citadas anteriormente).
Embora seja tratada, no presente estudo, basicamente a noção de mbolo, talvez seja
aconselhável dedicar alguma atenção ao conceito de signo (e àquelas características que o
diferenciam do símbolo) como forma de tornar essa argumentação mais clara. Girard (1997),
irá ilustrar bem o que ele chama de diferença fundamental entre as duas noções. Para o autor,
o sinal liga duas coisas, duas realidades onde não alteridade de níveis: as duas realidades
pertencem ao mundo factível de observação e de experiência diretas. Em outras palavras, para
o autor, o sinal de-signa. Isso ocorreria em oposição ao símbolo que segundo ele as-signa
(atribui): situa uma coisa observável num sistema, numa estrutura complexa do real total, no
qual todas as coisas são suscetíveis de transbordamento de sentido. Dessa forma (GIRARD,
1977, p. 47)
(…) enquanto o sinal é adequado (claro e unívoco), o símbolo nunca o é realmente.
São impressionantes sua imprecisão, sua ambivalência e seu caráter inesgotável, que
faz com que nunca se possa explicá-lo uma vez por todas, mas sempre se deva
decifrá-lo novamente. (grifos nossos).
Da concepção junguiana de símbolo poder-se-ia destacar, resumidamente, quatro
dados principais:
o símbolo corresponde a uma realidade total (figurada por uma imagem)
onde a realidade símbolo, em sua totalidade, compreende, inclui, engloba, a realidade material
e uma outra (mais-que-material);
o símbolo resulta da conjunção de um simbolizante observável e de um
simbolizado inobservável;
o processo de simbolização se desenrola sempre seguindo um movimento
76
unidirecional de baixo para cima (simbolizante => simbolizado), partindo do observável para
reconstruir o inobservável;
a dualidade, inerente a todo símbolo, diz respeito não às realidades (existe
apenas uma no processo), mas aos níveis de realidade (o observável e o inobservável).
O “efeito simbólico” parece prevalecer desde os processos infantis de construção do real
e de aquisição da linguagem e perseverar no adulto como forma alternativa de significação do
real (e, em decorrência, de produção de sentido). Quando, imerso no senso comum, exposto a
situações novas e desconcertantes ou quando tem seus desejos (ou receios) mais íntimos
mobilizados, o adulto parece lançar mão dos mecanismos infantis, descritos por Piaget, para
preencher as descontinuidades entre o real tal como se apresenta - e a sua significação. A
“imagem” (a reelaboração da informação, dos conceitos, dos signos lingüísticos articulados),
produzida nesses casos, pode passar (como no caso do pré-conceito) a apresentar-se como
representante do objeto que desempenha a função de substituto de todos os outros
(constituindo-se um substituto de segundo grau cuja validade, porém, o indivíduo dificilmente
iria questionar). O “efeito simbólico” atribuiria, assim, um sentido àquela informação ou
situação.
Esse efeito simbólico hesitaria na linha divisória entre a pré-linguagem e a linguagem,
assimilando mais do que apreendendo semelhanças (inscrevendo-se e integrando-se na
“totalidade” de uma realidade que escapa ao conhecimento humano direto, situando-se na via
entre o sensível racional e o não-sensível-irracional, tornando-se lacônico, condensado e
simultâneo possuindo, porém, um sentido praticamente inesgotável).
77
2.5 Informação, comunicação e símbolos: de novo a questão da produção de
sentido
Partindo dessa digressão em torno dos conceitos de mito e símbolo e que culminou com
a discussão do que foi denominado “efeito simbólico”, pode-se retomar a reflexão sobre a
complexidade dos “mecanismos” de produção de sentido com um novo impulso. Retomando,
sob esse olhar, as proposições de Dervin (1983) quanto à informação como produto da
subjetividade humana pode-se vislumbrar como elas se aproximam das colocações de Foskett
(1990) e de Anzieu e Martin (1971).
Segundo a análise de D. J. Foskett (1990) informação consiste na organização, em uma
mente individual, de coleções de dados dentro de uma estrutura coerente dotada de
significância em relação à prática humana. O autor sugere que, se antes de ser comunicada,
uma informação foi elaborada a partir de dados reunidos e processados por um ato intelectual
individual. Torna-se, assim, inevitável que seu compartilhamento seja feito sem a
incorporação de contaminações provenientes da individualidade daquele que a elaborou. Do
mesmo modo, a mesma informação, quando apresentada a outros indivíduos, sofrerá todo um
processo de elaborações e interpretações segundo o contexto das outras individualidades.
Anzieu e Martin (1971) concluíram que entre os envolvidos num processo de
comunicação se produz uma considerável perda de significação, em relação postura carregada
de intecionalidade proposta inicialmente em atitudes comunicativas. A compreensão do
sentido de uma comunicação faz-se através das funções de filtro e halo: o filtro é constituído
pelo sistema de valores e crenças próprios de cada um onde, numa ação matizada pelo
inconsciente, o interlocutor elege alguns elementos da comunicação e rechaça outros; o halo é
constituído pela “ressonância simbólica”
38
despertada no psiquismo do interlocutor pela
significação do que emite ou recebe (uma palavra, uma idéia, uma interpretação, uma
comparação podem originar uma cadeia de associações pessoais que constitui obstáculo ou
facilitação da comunicação).
Pode-se concluir que a busca e o uso da informação não o uma atividade transacional
como se tem tradicionalmente suposto, mas postulados como atividades transformacionais
(criação pessoal de sentido). Essa idéia é consonante com a distinção entre “realidade
psíquica”, um conceito (originalmente sugerido por Jung e posteriormente adotado por outras
38
Essa “ressonância simbólica” pode ser compreendida como uma situação análoga àquela descrita no tópico
anterior, em termos junguianos, como inerente ao processo de simbolização e, numa perspectiva retomada de
Piaget, como fruto do “efeito simbólico”.
78
abordagens) que propõe que aquilo que é real para o psiquismo nem sempre é literalmente
real, e “verdade”. Assim, toda informação é um sentido construído por indivíduos em
momentos específicos de tempo-espaço, tornando-se consensual e sendo chamada de “fato”
para essa dada referência. Ou seja, quando se concorda com o sentido produzido, por
exemplo, numa conversação os participantes concordam que se trata de um “fato”. Já as
informações que geram controvérsias são chamadas “opinião ou “erro”, dependendo do
contexto sócio-político e/ou da disposição do observador. Essa construção es,
independentemente do contexto, envolvida nas interações de compartilhamento de informões.
O compartilhar de informões é visto, sob esse enfoque, como modificações sucessivas de
imagens internas de realidade uma rie de construções e reconstruções.
Uma vez que o ato comunicativo envolve essa série de construções e desconstruções
mentais produzidas a partir da realidade psíquica do observador (percebida por ele como a
única realidade objetiva); e que, como foi visto, a tendência teleológica desse movimento
psíquico leva o indivíduo a tentar reunir (ao invés de reduzir, ou de desmembrar) idéias e
fenômenos que diante dele se apresentem buscando apeendê-los em sua complexidade através
do exercício da simbolização. Pode-se sugerir o símbolo como um elemento fundamental para
a compreensão de como essa realidade se estrutura.
O conceito de realidade psíquica pode ser visto de pelo menos três diferentes modos,
como experiência, como imagem e como uma sugestão da natureza e da função da psique.
Segundo Samuels, Shorter e Plaut (1988):
No campo experiencial a realidade psíquica alcança tudo, afeta ou impressiona um
indivíduo como real ou com força de realidade. Em termos junguianos, pode-se dizer que
a vida e os eventos são experimentados muito mais como realidade narrativa do que como
verdade histórica. Constrói-se uma forma de “mito” pessoal onde o que se experimenta
como realidade psíquica pode ser uma forma de auto-expressão. Uma demonstração
empírica desse fenômeno é, para Jung, a existência em sistemas delirantes de conteúdos
psíquicos (opiniões, crenças, idéias e fantasias) que se tornam reais no sentido de
provocarem um forte impacto sobre o eu do indivíduo. Embora psiquicamente reais, estas
produções não terão validade objetiva. No entanto, isso não é a mesma coisa que dizer que
isso não exista ou não é verdadeiro uma vez que, para o sujeito, ela o é.
No campo imagético, sabe-se que a estrutura cerebral e o contexto cultural afetam o que é
percebido e as suas interpretações. Além disso, desejo e tendências pessoais também
contribuem, como na tradição platônica e idealista, para flexibilizar as distinções
convencionais entre “fantasia” e “realidade”. Para Jung, dizem os autores, toda a
79
consciência é de uma natureza indireta (mediada pelo sistema nervoso, pelos processos
psicosensoriais e pelas operações lingüísticas). As experiências como, por exemplo, dor
ou exitação, chegam ao indivíduo de forma secundária. Para Jung, continuam os autores,
isso imediatamente sugere imagens e que tanto o mundo interno como o mundo externo
são experimentados através de imagens e como imagens. Para ele as noções “interno” e
“externo” são elas próprias imagens (usadas metaforicamente de maneira inclusiva para
denotar a ausência de um elo direto entre estímulo e experiência): entidades espaciais que
não tem existência salvo na medida em que a realidade psíquica permite (o homem se
torna ciente de sua experiência através de um encontro com uma imagem dela).
A conclusão de Jung que, em virtude de sua composição imaginal, a realidade psíquica é a
única realidade possível de ser experimentada diretamente levou-o a apresentá-la como
sugestão da natureza e função da psique. A psique (e a realidade psíquica) funciona como
um mundo intermediário entre os reinos físico (tomado tanto como aspectos orgânicos
como inorgânicos do mundo material) e espiritual (compreendido como o universo da
ideação, dos pensamentos e conexões desenvolvidos) onde os dois podem se encontrar e
se misturar. Um terceiro fator entre o intelecto e o mundo material/sensual que, para Jung,
poria fim à fácil aceitação da existência de um conflito inerente entre mente e matéria em
que estes são considerados como radicalmente opostos.
A conexão entre a realidade psíquica e o simbolismo se torna evidente na medida em
que se pode reconhecer o processo simbólico como “uma experiência de imagens e por
imagens (SAMUELS, SHORTER e PLAUT,1988, p. 200). Dessa forma, uma vez que as
condições prévias para a formação de mitos (e que se auto-expressam através de uma
realidade muito mais narrativa que histórica) podem estar presentes na estrutura própria da
psique, padrões psíquicos regulares e recorrentes poderiam ser identificados através de
múltiplas imagens ou símbolos.
Toda esta discussão conduz a refletir sobre a proposição de Moscovici (1993), quando
esta afirma que a “compreensão da linguagem simbólica abre novas perspectivas de
participar, de forma verdadeira e integral, do universo mítico, e superar a divisão cartesiana
entre o objetivo e o subjetivo” (p.68).
A noção de que uma série de mitos, rituais e símbolos permeiam todas as práticas
humanas (as organizações inclusive) não é idéia recente. Opiniões que apontam nesse sentido
podem, embora em uma outra contextualização, ser freqüentemente encontradas na literatura
sociológica e antropológica. Para, por exemplo, Berger e Luckmann (1976) linguagem, símbolos
e rituais funcionam como aparelhos legitimadores da realidade. Para os autores, sempre que
80
houver necessidade o corpo de significações que mantém a realidade se sustentado por legitimões
que vão de simples ximas até complexas explicações mitogicas. Talvez seja por causa dessa
necessidade de sustentação que a vida organizacional, ao se tornar uma unidade social
artificial (surgida em substituição às tradicionais unidades sociais a que as pessoas se
vinculavam antes da revolução industrial), tenha se tornado bastante rica em rituais. Nesse
sentido, a pergunta que poderia ser eliciada no contexto do presente estudo é: como se dá essa
fixação da realidade através dos rituais?
Segundo a definição de Samuels, Shorter e Plaut (1988) rituais seriam serviços e
cerimônias encenados com um propósito ou intenção específicos e baseados em temas
mitológicos. Expressando suas mensagens simbolicamente, os rituais envolveriam seus
participantes totalmente, conduzindo-os a um senso de significado superior para o indivíduo
e, ao mesmo tempo, contando com representações adequadas ao espírito dos tempos ou ao fim
de compensar o estado que mudou na consciência. Funcionando como um continente psíquico
para a transformação, é comum encontrá-los relacionados às diferentes mudanças de status
dos indivíduos dentro da organização. De forma bastante semelhante aos nossos ancestrais
“primitivos”, o homem moderno exprime suas condições psicológicas mais importantes e
fundamentais nos rituais que pratica. É interessante notar que, mesmo nas organizações mais
modernas, se não forem providenciados rituais apropriados para marcar, por exemplo, o
ingresso de novos membros ou as promoções individuais, as pessoas espontânea e
inconscientemente inventarão rituais para salvaguardar a estabilidade da personalidade,
individual e do grupo, quando a transição de uma condição para outra é efetuada. Contudo,
deve-se recordar, o próprio ritual não efetua a transformação; apenas a contém. Segundo
Campbell (2001), a “função do ritual (...) é a de dar forma à vida, não à maneira de um mero
arranjo superficial, mas em profundidade” (p. 42). Em um outro ponto esse autor afirma que,
diferentemente dos animais, cujos mecanismos liberadores de ação em seu sistema nervoso
central são inatos, os determinantes da ação humana não são “estereotipados”, mas “abertos”.
Esses “mecanismos” seriam suscetíveis à influência de rápidos processos de aprendizagem
formativa por parte da sociedade onde o indivíduo se incere. Os “padrões constitucionais” do
indivíduo seriam proporcionados por formas socialmente transmitidas, inculcadas
principalmente nos “anos influenciáveis” da infância e da juventude, mas também por toda a
vida. Cambell (2001) afirma que “os rituais tem sido reconhecidos, por toda parte, como os
meios para esse tipo de impressão” (p. 43). Para o autor, os “mitos são os suportes mentais
dos ritos; e os ritos, a ratificação física dos mitos” (p. 43).
Essa conexão entre mitos, símbolos, narrativas, rituais e sentido, evidencia-se, hoje,
81
cada vez mais, quando fusões e incorporações se tornam cada vez mais freqüentes. Na
literatura sobre estudos em organizações esses temas tem sido objeto de redobrada atenção.
Pode-se destacar, dentre outros, Levin (2000) descreve de que forma fatores como liderança,
normas e práticas organizacionais encontram-se intrinsecamente conectados com a presença
de histórias, tradições, símbolos e rituais nas organizações. Ao tratar especificamente da
relação entre culturas nacionais e culturas organizacionais em bancos operando em países no
exterior Lee & Barnett (1997) vão dedicar uma considerável atenção à relação entre os
símbolos presentes em diferentes culturas organizacionais e as relações de sentido deles
extraídas. Strati (1999), ao analisar a capacidade para o julgamento estético nas organizações,
bem como a sua utilização para uma compreensão da vida organizacional afirma que esse
tema e inseparável da vida cultural e simbólica numa relação construída e destruída dia-a-dia
nas organizações. Jones (1996), por outro lado, trata o simbolismo como o processo social
elementar responsável por tornar o comportamento organizacional possível e cheio de
sentindo. Larkey & Morrill (1995) postulam que o comprometimento organizacional
envolve a construção e compartilhamento de símbolos que, servindo como elemento de
identificação incluem nculos afetivos, continuidade comportamental e obrigação moral.
Deal (1995) traçou um amplo panorama dos fundamentos históricos para o interesse pelo
simbolismo nas organizações. Destaca-se, devido à proximidade aos interesses deste trabalho,
o estudo de Gioia, Thomas, Clark & Chittipeddi (1994) que, ao estudarem os esforços
estratégicos de mudança em uma universidade, investigaram a utilização de estudos em
produção de sentido e do simbolismo nesse processo e concluíram que o símbolo
desempenhou dois papeis: simultaneamente ferramenta e instrumental expressivo. Como se
percebe não dúvida que o campo de estudos do simbolismo ligado às organizações é um
campo fértil e promissor.
A novidade do presente estudo pode estar numa leitura para questões como aquelas
investigadas pelos autores citados, conduzida através conceito de símbolo adotado pela
Psicologia Analítica. Conforme foi visto anteriormente, nessa visão os mbolos são tomados
como as melhores expressões, descrições ou formulações possíveis para um fato
relativamente desconhecido, que se sabe poder existir. Seriam ainda, segundo Samuels,
Shorter e Plaut (1988), expressões pictóricas cativantes, retratos indistintos e metafísicos da
realidade psíquica que em suas representações podem ser reconhecidos como aspectos
daquelas imagens que controlam, ordenam e dão significado à vida humana. Em
concordância, Moscovici (1993) tomando Krech, Crutchfield e Ballachey (1975) como
referência afirma que existem alguns padrões básicos de experiência presentes em toda a
82
humanidade, que se expressam de maneira cultural em seus símbolos, mitos e ritos: períodos e
rituais de iniciação, estratégias de evitação e de aproximação, anseio por um “lugar” entre os
iguais, idéia de adversário, definição de papéis masculinos e femininos, idéia de jornadas
(etapas obrigatórias de superação de dificuldades e que devem ser transpostas para que se
atinja determinado patamar na vida), “eleição” de heróis e modelos de conduta e, o mais
importante, busca por sentido e significação tal como aqui está sendo discutido (pode-se
reconhecer, nesses padrões, uma visível aproximação com os modelos exemplares que a
Psicologia Analítica descreve como arquétipos).
Outros pesquisadores da área organizacional têm se deparado com evidências de certos
padrões recorrentes de comportamento (designando-os, também, freqüentemente arquétipos
sem, no entanto, vincularem-se, estritamente, a um pensamento “junguiano”). Pode-se
destacar, a título de ilustração, dois estudos recentes em que tal relação e proposta: Moxnes
(1999) relata ter encontrado alinhamentos de indivíduos em grupos e organizações segundo
certos papéis bastante definidos que ele descreve como “papeis profundos” originados no que
ele chama família essencial. Esses papéis (pai, mãe, filho, filha) sofreriam, por influência dos
fenômenos da projeção e da dissociação (utilizados como mecanismos de defesa),
polarizações em polos positivos e negativos (pai: Deus/Demônio, mãe: rainha/bruxa, filho:
príncipe coroado/ovelha negra, filha: princesa e prostituta). Além desses papéis o autor
descreve outros quatro, de natureza auxiliar ou complementar, divididos em dois grupos: os
ajudadores (o shaman, responsável por auxílio “espiritual”, e o escravo, responsável por
auxílio material) e os de natureza transcendental (o herói/vencedor, que conseguiu um bom
papel familiar, e o palhaço/perdedor, que nunca ou poucas vezes conseguiu um bom papel). Já
STEYRER (1998) vai utilizar o termo arquétipo para se referir aos quatro fenótipos que ele
encontrou ao derivar da visão de carisma proposta por Max Weber, via uma abordagem do
processamento social-cognitivo de informações, um modelo de percepção das lideranças no
contexto de organizações de negócio. Herói (lider de carisma heróico), Pai (carisma paternal),
salvador (carisma missionário) e rei (carisma magestático) são utilizados como pano de fundo
para um modelo que tenta descrever as relações entre carisma e estigma, hiper e anti-
representatividade, além de tentar explicar como a dramatização social e a reversão social
podem ocasionar a alocação de carisma.
Sejam eles arquétipos “junguianos” ou não, esses padrões, firmemente inscritos no
psiquismo, formam a base para certas categorizações humanas, sendo que os significados e as
explicações delas extraídas muitas vezes desafiam os recursos da linguagem. que a
linguagem é um produto do intelecto e da racionalidade, e esses padrões, por sua antigüidade
83
e complexidade, aparentemente os transcendem, é por meio dos símbolos que eles encontram
sua expressão mais direta. Segundo essa ótica, isso se explica porque o símbolo como uma
realidade vívida e um mapa pragmático oriundo da mentalidade (dita) “primitiva” não faz
apelo apenas ao intelecto como se concebe no senso comum, mas também atinge uma
dimensão mais profunda à qual a psicologia se refere como “o inconsciente”.
A inserção, pelos autores citados, do binômio inconsciente / comportamento na presente
discussão conduz a uma avaliação um pouco mais profunda daquilo que Maroni (2001)
designa como o divisor de águas entre a visão da psicologia analítica e as demais visões em
psicologia profunda: o conceito de inconsciente coletivo. Para distingui-lo da idéia
(equivocada) de inconsciente filogenético a autora retoma o conceito de arquétipo
descrevendo-o como um a priori capaz de apreender a experiência. Jung (C.W. 8), afirma que
o inconsciente coletivo é formado pelos instintos e seus correlatos, os arquétipos. Maroni
(2001, p.46)) se refere a instintos e arquétipos como os dois lados de uma mesma moeda e
assim se refere à apreensão da experiência pelo arquétipo:
Jung equipara essa apreensão da situação pressuposta no agir à intuição
bergsoniana: pontual, simples, incompreensível, pois não chega a ser uma imagem.
Quando constelados ativados psiquicamente e numa situação concreta os
arquétipos produzem imagens, fantasias coletivas. A essas “formas inatas”, vazias de
conteúdo, não cabe perguntar sua origem, uma vez que teriam emergido com a
própria humanidade.
Para a autora o diferencial entre a abordagem da psicologia analítica e as demais
abordagens da psicologia profunda não se centraria na interiorização do vivido, da
experiência, no processo inconsciente (o aspecto histórico do inconsciente) e sim numa
oposição entre um a priori arquetípico e uma visão de tábula rasa. Para Jung, diz a autora, o
mundo arquetípico surgiria com a humanidade e não se originaria a partir dela. Maroni
(2001), afirma ainda que comentadores modernos, baseando-se nos estudos de Chomsky,
Lévi-Strauss e Piaget, irão reconhecer esse a priori inplícito nos estudos de, por exemplo,
Freud e Klein. Para sustentar sua argumentação a autora cita Odgden (1996) quando este,
referindo-se a temas como o complexo de Édipo, fantasias de sedução infantil, angústia de
castração e outros temas considerados universais pela psicanálise, afirma somos muito mais
parecidos do que diferentes no que se refere a nossa organização psíquica fundamental e
conjunto de crenças, fantasias inconscientes (...) [essas fantasias] representam um resultado de
prontidão para organizar experiências segundo linhas predeterminadas” (p.189). Para Maroni
(2001) a multiplicidade das formas culturais emergiria dessa matriz a priori da mesma forma
que, citando Jung, os cristais emergiriam (em suas infinitas possibilidades e arranjos) do
84
“líquido mãe”
39
.
Num outro trabalho, Maroni (1998) buscou em Nietzsche e Burckhardt elementos para
descrever esta emersão de formas culturais da matriz arquetípica proposta por Jung. Nietzsche
propõe uma conexão entre o macrocosmo político social e o microcosmo político da alma
(psique do indivíduo); o estudo do microcosmo permitiria, por analogia, a compreensão do
macrocosmo social e político. Também Burckhardt propunha que mitos típicos deveriam
oferecer a chave para o estudo do Volkgeist (daquilo que Jung poderia chamar de complexos
psicológicos dos povos). Para Burckhardt como todo grego do período clássico trazia em si
um pouco do Édipo, todo alemão de sua época traria em si um pouco do Fausto. Para a
autora, ao articular o imaginário coletivo e individual Jung, como os filósofos citados, propõe
que no psiquismo de cada povo (Volkgeist) haveria um ethos”, um imaginário coletivo
atrelado ao espírito da sua época (Zeitgeist) através do qual todas as manifestações humanas
ocorridas nesse período de tempo estariam condicionadas manifestando-se através de certas
idéias, imagens e mitos recorrentes. Isso criaria para esse período e grupamento humanos uma
individualidade peculiar com uma organização característica e uma psique própria. Para
Burckhardt, diz a autora, haveria três fatores básicos na estruturação da história da
humanidade: o Estado, a Religião e a Cultura. A relação entre eles é que determinaria o
espírito do período histórico analisado (Zeitgeist) e, nele, o caráter das instituições de um
povo (Volkgeist). Para Burckhardt a cultura como elemento dinâmico influi nas formas pelas
quais um povo se organiza. Embora se corra o risco de esbarrar nas complicações decorrentes
de se tomar o termo alemão Kultur indistintamente por cultura e civilização, poder-se-ia
recorrer a Jung (2001a) para reunir, dentro de uma visão das relações entre micro e
macrocosmo, as visões de Nietzsche e Burckhardt (2001a, p. 102).
Civilizações, para mim, parecem aquelas plantas cuja vida real e contínua encontra-
se no rizoma e não nas flores, que rapidamente fenecem, e nas folhas decíduas, que
aparecem acima da superfície e consideramos as manifestações essenciais da vida
(...) Chego a acreditar que a história real da mente humana seja um fenômeno
semelhante ao do rizoma.
39
Para Jung essa nese “(...) talvez pudesse ser comparada ao sistema axial de um cristal que, de certa maneira,
realiza sua estrutura cristalina no líquido gerador, apesar de não possuir uma existência material própria. Isto
primeiramente ocorre segundo o modo específico pelo qual os íons e moléculas se agregam. O arquétipo, em si,
é vazio e puramente formal, nada mais que uma facultas proeformandi, uma possibilidade ou representação que é
fornecida a priori. As representações, elas próprias, não são herdadas, apenas as formas, e a esse respeito
correspondem em todos os aspectos aos instintos, que também são determinados somente na forma No tocante
ao caráter determinado da forma, é elucidativa a comparação com a formação do cristal, na medida em que o
sistema axial determina apenas a estrutura estereométrica, não, porém a forma concreta do cristal particular. Este
pode ser grande ou pequeno ou variar de acordo com o desenvolvimento diversificado de seus planos ou da
interpenetração recíproca de dois cristais. O que permanece é apenas o sistema axial, ou melhor as invariáveis
proporções geométricas subjacentes. O mesmo é verdadeiro para o arquétipo (...)”(C.W. 9, I, par. 155).
85
Maroni (1998) deixa claro que embora a roupagem da planta passe por ciclos de pujança
e fenecimento o rizoma permanece como elemento sustentador dos ciclos de renovação.
Processo de mutabilidade semelhante se daria com as culturas. Ao logo da história as
transformações em uma cultura e, poder-se-ia postular, em uma organização que a passagem
do tempo traz consigo podem ser tomadas como vestimentas exteriores da vida mental dessa
comunidade. Como diria Schopenhauer a cada época uma roupa do espírito” se desgasta e é
substituída por outra diferente. Para Maroni (1998) realidade empírica que se manifesta
culturalmente sob múltiplas formas é fruto do eterno processo de construção e desconstrução
desse “espírito”. Esse “espírito” a quem os filósofos idealistas românticos se referem (e que
poder-se-ia identificar aqui com o rizoma arquétipo junguiano) construiria sempre novas
estruturas de onde derivariam constituições, classes, religiões, costumes e concepções
jurídicas sustentadas por símbolos e mitos
40
. Este “devir no ser, esta troca plástica com o
mundo” (p. 84) emergiria de uma fonte perene que teria uma energia própria e que construiria
um mundo de paisagens fugazes.
Observando-se as múltiplas manifestações simbólicas que emergem do inconsciente
pode-se notar as formas pelas quais os símbolos podem operar (isoladamente – como se teve a
oportunidade de se analisar anteriormente ou em conjunto como será visto a seguir).
Quando os símbolos se manifestam organizados de forma coerente numa narrativa, pode-se
considerá-los como constituindo “mitos” (KRECH, CRUTCHFIELD e BALLACHEY, 1975;
SAMUELS, SHORTER e PLAUT, 1988 E SHARP, 1993), como mencionado: uma
tentativa de se explicarem coisas e justificar a realidade, para elucidar “a ordem das coisas” e,
em última instância, dar sentido ao mundo. Como os símbolos que o compõem, um mito,
dependendo dos aspectos que enfatize, pode ser pessoal, grupal, ou se situar em qualquer
ponto entre uma coisa e outra, o que poderia ser chamado de “mito tribal”
41
, evocando as
proposições de Moscovici (1993) e Krech, Crutchfield e Ballachey (1975).
Em pesquisas no campo das narrativas sobre as organizações surgem, freqüentemente,
expressões míticas impregnadas desse caráter tribal. Salzer-Mörling (1998) descreve como os
40
Trata-se aqui de uma referência ao que Jung se referia como o potencial mitopoético da psique; sua capacidade
intrínseca de produzir mitos / narrativas e se expressar de forma simbólica através deles.
41
As experiências humanas, quando evocadas à memória, assumem proporções míticas, uma vez que a distância,
tanto no tempo quanto no espaço, é um fator decisivo no surgimento de um mito (MALINOWSKI apud KRECH,
CRUTCHFIELD e BALLACHEY, 1975). As situações, personagens e eventos recuados no tempo são reduzidos a
uma total simplicidade, num processo em que as complexidades desaparecem até que se evoquem apenas fatos
marcantes que despertam forte reação emocional (ELIADE, 1992). Embora, muitas vezes, o “mito tribal” inclua
componentes determinados por uma origem no espaço que, ao incorporar os anseios humanos pela busca de um
sentido teleológico para a ão humana, remeta a sentimentos de proporções e constantes universais, ele terá
como característica mais marcante, em sua busca pela construção de uma identidade, a ênfase, não no que os
homens têm em comum, mas no que os separa.
86
mitos acabam por oferecer aos membros da organização uma idéia de “self
42
” que, sustentado
em contraposição ao mundo exterior, produz a sensação de ser único e de compartilhar uma
identidade distinta do mundo. Embora essa “originalidade” não seja verdadeira, reaparecendo
em diversas organizações, essa sensação permanece (a autora se refere a ela através da
expressão, retirada de Martin et all: uniqueness paradox”) e confere a organização (aos olhos
dos seus membros e dos observadores) uma “persona” supra-individual que incorpora os
desejos, ações e pensamentos de seus membros em um único “self” corporativo pronto para
enfrentar as ameaças externas.
Fazendo oscilar o pêndulo do pólo coletivo de volta ao individual pode-se buscar nas
percepções individuais do ambiente subsídios para compreender os mitologemas advindos do
inconsciente vão se articular organizar para na elaboração de um mito, em geral, e de um
“mito tribal”, em particular. Barbosa (1997) afirma que as interpretações e as percepções do
ambiente podem ser analisadas a partir das teorias de categorização e atribuição
43
.
Considerando as duas teorias como complementares, pode-se abordar os seres humanos como
envolvidos num movimento constante por explicar e justificar tanto suas ações pessoais ou
grupais quanto os eventos ao seu redor, e reduzir a diversidade desse universo a dimensões
explicáveis e justificáveis, aproximando-se em núcleos de coincidência de idéias (subculturas)
lutando para libertarem-se da ansiedade relacionada a certos conteúdos.
Em seu esforço por integrar os acontecimentos em torno de uma narrativa produtora de
sentido, o impulso produtor de mitos nos grupamentos humanos acaba por mudar o foco da
produção mítica da busca por um sentido pessoal para um auto-reconhecimento mútuo em
uma busca semelhante atingindo, por vezes, a autoglorificação e o ufanismo. Isso ocorre
quando o impulso aparentemente saudável é desencadeado por sentimentos como medo e
insegurança gerados por situações sociais marcadas eminentemente por relações de poder.
Esse componente pode ser considerado como o sustentáculo de atitudes relacionadas ao
preconceito e à cegueira seletiva que acompanham muitas das relações organizacionais. Nesse
contexto é freqüente a criação inconsciente ou semiconsciente de um bode expiatório, onde
42
Encontramos aqui novamente um conceito de Self semelhante ao proposto por James (1890) e Costa (2002)
(vide nota 9).
43
A primeira busca explicar os princípios pelos quais os seres vivos desenvolvem categorias para reduzir a
diversidade de objetos e eventos em seu meio ambiente. A segunda afirma que as pessoas são seres racionais em
busca de informações que possibilitem a compreensão da estrutura causal do seu ambiente. Ainda que "os
estudos realizados por pesquisadores da teoria da atribuição concentrem-se nos processos pelos quais as
pessoas justificam seus próprios sucessos e fracassos, a teoria possui amplitude maior” (1997, p.48). O autor
relaciona a associação de um atributo a uma entidade como um "caso especial de explicação causal dos efeitos
associados àquela entidade - reações ou respostas a ela, julgamentos ou avaliações dela etc" (KELLEY, apud
BARBOSA, 1997, p.48) com a possibilidade de se esclarecerem os processos pelos quais as pessoas fazem
julgamentos relativos às informações emanadas do ambiente circundante.
87
um indivíduo passa a ser considerado como adversário do grupo, ampliando essa imagem
negativa para incorporar tudo o que se quer repudiar e lançar para fora de si mesmo.
A criação (ou eleição) dos chamados bodes expiatórios acontece através do mecanismo
conhecido como projeção. Projeção, segundo Samuels, Shorter e Plaut (1988), é um
fenômeno caracterizado pela transposição involuntária de características ou idéias pessoais de
um indivíduo para outro. Esse material de difícil aceitação ou reconhecimento (muitas vezes
por se tratar de conteúdos inconscientes, emoções difíceis, partes inaceitáveis da
personalidade ou que os indivíduos não toleram em si mesmos) é “projetado”, num efeito
muito parecido com o observado em um projetor cinematográfico, sobre outras pessoas, ou
objetos externos ao sujeito, podendo assim ser contactado” sem que o indivíduo tenha que
passar pelo sofrimento de lidar com ele como uma realidade pessoal. O conteúdo
problemático é por esse meio controlado causando no indivíduo um sentimento de libertação
(provisória) e bem estar. Dessa forma o indivíduo, ou grupo minoritário, eleito como bode
expiatório em uma sociedade (ou organização) é submetido a um processo semelhante ao que
sofre o animal “sacrificial” que originou o nome (uma prática bastante semelhante àquela que
ocorre até os dias de hoje no litoral do estado de Santa Catarina, a chamada “farra do boi”
onde um bovino é submetido à liberação de afetos e paixões destrutivas provenientes do
rebaixamento do nível de consciência de uma população inteira).
A oscilação das narrativas míticas nas organizações, entre seus aspectos mais universais
e mais tribais, parece apontar, ora para ênfase na busca pela geração de uma confiança na
memória de um personagem ou de um evento que propicie, via relação de identidade cultural,
um sentido ou uma aparência de sentido
44
, ora para o obscurecimento da compreensão de uma
mensagem ou situação, justamente porque a informação recebida parece não se adaptar ao
mosaico ordenador a que um grupo se encontra filiado. Os conceitos de mito e símbolo
(quando aplicados à leitura da psicodinâmica expressa através das proposições dos membros
das subculturas e dos valores
45
“tribais” de uma organização) contribuem para a construção de
44
Estudiosos dos processos de produção de sentido tem se preocupado bastante em descrever as relações entre o
construir (ou se inserir em) narrativas e o fenômeno da produção de sentido. Grant, Keenoy & Oswicjk (1998)
reuníram uma série de estudos buscando relacionar narrativas e organizações, entre outros temas é abordado o
potencial que as estórias tem para servir como indicador de possiveis caminhos através dos quais membros das
organizações possam extrair sentido de suas experiências. Boyce (1995), identificando a realidade
organizacional com a noção de sentido compartilhado, postula que as estórias compartilhadas são um veículo
para a construção de sentidos e propósitos (tanto coletivos como individuais) através do que ela chama de
produção de sentido co-criativa. Finalmente, Eberle (1997) explora em profundidade os contrastes culturais e as
contradições dentro dos limites de uma organização, sediada em uma região muito tradicional da Suíça, para
descrever como o contexto do ambiente atravessa essa organização e contribui para a formação de sub-culturas,
embates e transformações em nível sub-organizacional.
45
Krech, Crutchfield e Ballachey (1975), ao se referir ao sistema de crenças, inclui nele a noção de valor; segundo
o autor trata-se de uma classe especialmente importante de crenças, aceitas pelos membros de uma sociedade ou
88
um estudo interpretativo das organizações uma vez que oferecem novas compreensões sobre
como os indivíduos se comportam em seu esforço por significar o mundo a seu redor.
Buscando um instrumento conceitual para enriquecer a discussão em torno do papel das
subculturas, na construção da teia que matiza a comunicação das informações, recorrer-se-á
ao conceito de representação social
46
. Segundo Lane (1993), será nas representações sociais
que o sujeito recorrerá a significados socialmente construídos e a sentidos pessoais
decorrentes de suas experiências cognitivas e afetivas para elaborar e comunicar sua
cosmovisão. Para a autora toda forma de percepção social, de leitura e cognição individual do
universo circundante, poderá ser descrita como representação social. A elaboração de uma
representação social implicará um intercâmbio entre intersubjetividades e o coletivo na
construção de um saber, que não se dará apenas como um processo cognitivo (no sentido
concebido por Piaget), mas que contém ainda aspectos inconscientes, emocionais e afetivos
tanto na sua produção quanto na sua reprodução.
Lane (1993) afirma que as formações coletivas da sociedade e da cultura concernentes
aos sistemas de representação - mitos, lendas, visões-concepções de mundo, crenças e idéias -
são objeto de atenção particular. A articulação entre o universo psíquico próprio de sujeitos
singulares e sua posição enquanto membros de um conjunto social encontra organizadores
inconscientes na representação do grupo que tornam possível a elaboração simbólica do
núcleo inconsciente da representação, através da comunicação entre os membros de uma
sociedade. Encontra-se, em sua descrição, um paralelo com a Psicologia Analítica: esse
núcleo inconsciente da representação pode ser relacionado (ou mesmo identificado) com o
conceito junguiano de padrões arquetípicos para o comportamento (comportamentos
exemplares motivados pelo a priori mencionado anteriormente). Uma situação arquetípica
(situação onde esses padrões exemplares são constelados no psiquismo) é percebida em
momentos que evocam comportamentos típicos da espécie, especialmente aqueles que se
referem a experiências básicas e universais da vida, tais como nascimento, iniciação,
por ocupantes típicos de todas as diferentes posições da sociedade, e se refere ao que é desejável, “bom” ou
aquilo que deve ser aceito.
46
Deve-se lembrar que, embora Moscovici (1981 e 1984) tenha proposto o conceito de representação social
como uma forma de representação coletiva cuja origem possa ser apontada, esse último aspecto nem sempre é
lembrado pelos inúmeros autores que utilizaram o conceito e que propuseram uma definição própria, segundo
seu foco de interesse e sua posição teórica particulares. Embora a fluidez de conceituação para o termo
representação social, com seus múltiplos enunciados, seja alvo de críticas, o próprio Moscovici costuma
responder afirmando tratar-se de uma fluidez proposital, que visa permitir desenvolver a teoria e a criatividade
dos pesquisadores e, simultaneamente, oferecer uma alternativa plástica para apreender um fenômeno complexo
cuja oscilação entre o volátil e o rígido reforça a dificuldade da sua captação. Uma vez que, no presente estudo,
serão feitas referências a vários autores, essa fluidez conceitual estará evidenciada. A tentativa de incluir na
formulação de uma leitura para a relação entre o símbolo e as representações sociais na produção de sentido
poderá, inclusive, inserir um novo enunciado ao, já significativo, elenco de conceituações para o termo.
89
casamento, maternidade, morte, separação... e que exigem um equivalente psicológico que
suporte durante a experiência. Esse suporte, segundo Samuels, Shorter e Plaut (1988), é
oferecido por certos padrões (os padrões arquetípicos) que “esperam o momento de se realizar
na personalidade, são capazes de uma variação infinita, são dependentes da expressão
individual e exercem uma fascinação reforçada pela expectativa tradicional ou cultural; e,
assim, portam uma forte carga de energia”(p.39). Esses padrões tanto podem suportar ao lado
do indivíduo as pressões de sua adaptação a situações vitais quanto, por suscitar o afeto,
podem cegar o indivíduo para a realidade e tomar posse da vontade (inflação).
Dento do viés dos estudos sobre representações sociais Lane (1993), referindo-se aos
estudos desenvolvidos por Käes, afirma que as formações coletivas da sociedade e da cultura
concernentes aos sistemas de representação - mitos, lendas, visões-concepções de mundo,
crenças e idéias - devem ser objeto de atenção particular. A articulação entre o universo
psíquico próprio de sujeitos singulares e sua posição enquanto membros de um conjunto
social encontram, segundo a autora, organizadores inconscientes na representação do grupo a
que a autora se refere como “formações psíquicas intermediárias”. Essa visão segue a análise
de Serge Moscovici que apontou em seus estudos a existência de fatores inconscientes
subjacentes ao fenômeno das representações sociais e a outros processos psicossociais básicos
como valores, atitudes e ideologias (observados, por exemplo, em comportamentos de massa
e nas relações entre líderes e seguidores). Para Lane (1993) esses organizadores tornariam
possível a elaboração simbólica do núcleo inconsciente da representação, através da
comunicação entre os membros de uma sociedade.
Apoiando-se nas idéias de Käes, Lane (1993) sugere que uma análise das formações
psíquicas intermediárias permite compreender o elo que une a lógica do sujeito singular e
aquela dos conjuntos para a formação dos quais ele contribui. As formações intermediárias
articulariam, a partir desse ponto de vista, a relação dos organizadores psíquicos aos
organizadores socioculturais da representação, definindo assim seus campos específicos, os
quais seriam responsáveis por formar o tecido a partir de onde se configuram as atitudes
47
individuais.
Ao se referir à existência de organizadores inconscientes na representação do grupo,
possibilitando a elaboração simbólica do núcleo inconsciente entre os seus membros, Lane
(1993) conduz à reflexão sobre as considerações tecidas, anteriormente, sobre o papel do
47
A autora refere-se aí a um artigo de Doise, o qual sugere que uma forma de “tornar mais completos os estudos
sobre as atitudes implica sempre que elas também sejam estudadas como representações”(DOISE apud LANE,
1993, p.63).
90
símbolo na mediação do processo comunicacional: o símbolo tomado como uma imagem
organizadora que, ao tentar conferir-lhes significado, busca conciliar opostos ou
múltiplos através de certas similaridades ou, como descreve Mattoon (1981) a melhor
formulação possível de um conteúdo psíquico de difícil descrição. Essas visões sugerem que o
símbolo funcione como um instrumento que permite a indivíduos diferentes compartilharem
um sentido, não apenas pelas semelhanças da experiência de uma situação em si mas,
principalmente, pela possibilidade de serem mediadas as diferenças e as contradições entre
suas vivências e interpretações particulares. Ao símbolo nesse contexto poder-se-ia conferir a
alcunha de “formação psíquica intermediária”, utilizando conceito sugerido por Lane (1993),
onde ele funcionaria como base para a construção daquilo a que se referiu, anteriormente,
como produtos cognitivos.
Tomar os símbolos como formações psíquicas intermediárias abre uma perspectiva
integradora entre a perspectiva da psicologia analítica e os estudos em representações sociais:
a possibilidade de se considerar os núcleos inconscientes das representações como situações
arquetípicas (aquelas originadas nos a priori citadas anteriormente). Essa aproximação dos
estudos em representações sociais, a partir de Lane (1993), e as perspectivas na psicologia
analítica podem, através do presente estudo, vir a se conectar com algumas idéias
recentemente propostas por Samuels (1999). Segundo Lane (1993) diante de uma perspectiva
simbólica das interações entre pessoas, as emoções e os afetos emergiriam como mediações
tão significativas quanto pensamento e linguagem (por um lado) e os processos grupais (por
outro). Essa afirmativa aproxima-se da perspectiva de Samuels (1999) quando esse afirma ser
possível contrapor à abordagem dos arquétipos, como imagens universais ou como estruturas
subjacentes separadas das manifestações
48
, uma outra abordagem baseada nos afetos.
Segundo o autor, tudo que é arquetípico pode ser relacionado ao reconhecimento de afetos
básicos (SAMUELS, 1999, p.1,2 e 4).
(...) tudo o que é arquetípico, encontra-se em você ou em mim, como pessoas num
mundo vivido e não em partes deste mundo, tais como imagem, ou tema, ou padrão,
ou fase do desenvolvimento. O arquétipo é redefinido como a capacidade para
experimentar afetos de uma espécie muito poderosa e profunda (...) é na área dos
afetos que posso descobrir o que é conhecido por arquetípico. Normalmente
argumento que nada no universo é arquetípico, nada! Mas tudo tem a capacidade ou
potencial para estimular um nível arquetípico de excitamento emocional em nós.
Isso quer dizer que os arquétipos estão, verdadeiramente, no olhar do observador e,
assim, tão provável de ser encontrado no dia-a-dia habitual, assim como nas áreas
oficiais, onde supomos encontrá-los – tais como a religião ou a infância.
Uma idéia semelhante aparece, como se viu, em Lane (1993) onde a realidade
48
Conforme descrito anteriormente.
91
individual, construída no social, é certamente uma representação simbólica, que busca
integrar os aspectos afetivos e simbólicos dos fenômenos circundantes. Afetos, estimulados
pelos símbolos inscritos na tradição, no cotidiano e nas fórmulas que a eles se modulam e
constituem essas representações.
Outrossim, afirmar que o sujeito, ao elaborar e comunicar suas representações, recorre a
significados socialmente construídos e a sentidos pessoais decorrentes de suas experiências
cognitivas e afetivas sugere a necessidade de se avaliar mais profundamente o papel dos
afetos em um duplo aspecto: em suas relações com a linguagem e em sua relação com o
inconsciente. É o que se tentará fazer em seguida.
92
2.6 Afeto, emoção e produção de sentido: símbolo... imagem... linguagem?
Segundo Samuels, Shorter e Plaut (1988, p.20) afetos seriam sentimentos de intensidade
suficiente para
(...) causar uma agitação psíquica ou outros distúrbios psicomotores óbvios. Tem-se
comando sobre o sentimento, enquanto o afeto se introduz com a vontade e pode
ser reprimido com dificuldade. Uma explosão de afeto é uma invasão do indivíduo e
um tomar posse provisório do ego (...) o afeto ocorre no ponto em que nossa
adaptação é mais débil e, ao mesmo tempo, revela o motivo de sua debilidade (...) a
chave para a descoberta de um complexo é uma resposta imensa em afeto. O afeto
revela a posição relativa e a força de valores psicológicos. Uma ferida psíquica é
medida pelo afeto desencadeado quando ela é tocada.
O termo “vontade” que aparece acima em conexão com o afeto é usado por Jung para
denotar o aspecto energético da consciência, ou seja, o poder que a consciência tem em
relação ao inconsciente e aos instintos. Vontade é a energia disponível para que a consciência
efetue uma intervenção ativa nas questões da psique podendo (submetida a forças coletivas
como cultura, educação ou religião) alterar a intensidade e a orientação do instinto sem, no
entanto, poder coagir esses instintos ou dominar os arquétipos.
Junte-se essas idéias ao universo da comunicação e da produção de sentido e tem-se
uma situação de enorme complexidade. Se, nesse contexto, os afetos forem tomados como
sinônimo de emoção, conforme afirmam Samuels, Shorter e Plaut (1988), ficará estabelecida
uma conexão com o proposto por Neubern (2001) quando este sugere que as emoções
interagem com configurações mais amplas que integram elementos linguísticos, cognitivos e
motivacionais tornando a fala de um sujeito ligada a processos emocionais (embora não se
possa dizer que, inversamente, os processos emocionais se conectem sempre a um processo de
linguagem, ainda que, nesses casos, essas emoções apontem para um processo subjetivo).
Neubern (2001, p.66) sugere que
(...) os processos emocionais próprios da subjetividade apresentam uma
característica fundamental: permitem a constituição do humano, sobretudo pelos
vínculos que são capazes de estabelecer. Dito de outro modo, além das funções
próprias da organização interna do sujeito, as emoções permitem o acesso, dentro do
processo histórico, ao mundo social e cultural, participando de forma efetiva na
construção dos sentidos que os componentes desses universos venham a obter.
Sendo assim, não é apenas o cerco criado pela linguagem que permite a subjetivação
e o acesso ao simbólico e ao cultural, mas trata-se de um envolvimento subjetivo
mais complexo (em que as emoções adquirem um papel essencial) que passa a
permear o percurso de cada sujeito.
Essa relação entre a experiência do sentido relacionada aos processos sócio-histórico-
culturais e os processos emocionais, onde os segundos oferecem uma abertura para os
primeiros proporciona a possibilidade de se contemplar uma outra dimensão do afeto que não
93
“simples” reações emocionais marcadas por sintomas físicos e distúrbios de pensamento
freqüentemente encarados negativamente como uma incapacidade, ainda que momentânea, de
se estabelecer um julgamento moral (SHARP, 1993).
Da experiência de sentido que acompanha certas vivências afetivas emerge o conceito
de numinoso
49
. O numinoso, segundo Jung (OC 11, par. 6) é:
(...) uma instância ou efeito dinâmicos não causados por um ato arbitrário da
vontade. Pelo contrário, ele arrebata e controla o sujeito humano, que é sempre antes
sua vítima que seu criador. O numinoso indiferentemente quanto a que causa
possa ter é uma experiência do sujeito independentemente de sua vontade. (...) O
numinoso é tanto uma qualidade pertinente a um objeto visível como a influência de
uma presença invisível que causa uma peculiar alteração da consciência.
O encontro com uma situação de caráter numinoso implica no confronto com uma força
que encerra um significado intenso embora ainda não revelado uma vez que não é facilmente
passível de explicação. A constatação da existência de experiências numinosas remete a dois
pontos fundamentais: a questão das vivências profundamente carregadas de afeto ou emoções;
e, a idéia de significado.
Poder-se-ia definir significado como uma qualidade que uma vez atribuída a alguma
coisa lhe empresta um valor. Jung postulava que o lugar central do psiquismo é o significado
e que somente a psique é capaz de discernir o significado daquilo que é experimentado. Para
Samuels, Shorter e Plaut (1988) isso realçaria a função decisiva da reflexão na vida
psicológica e enfatizaria o fato da consciência não estar ligada ao intelecto. Para Jung (2001a)
“Sem a consciência reflexiva do homem, o mundo é uma máquina gigantesca e sem
significado, pois, ao que sabemos, o homem é a única criatura que pode descobrir
‘significado’” (p. 383).
Caberia aqui perguntar; o que Jung entende por essa consciência reflexiva? Para Jung,
entre as várias áreas da atividade instintiva estava a reflexão. Esta seria a capacidade de se
executar uma volta sobre o próprio eixo, virando-se para trás ou para dentro a partir da
consciência para, no lugar de uma reação imediata ou não premeditada a estímulos objetivos
executar uma elaboração psicológica. Uma vez que o efeito dessa elaboração é imprevisível
ela produzirá, como conseqüência, uma possível liberdade para encontrar respostas
individualizadas. A reflexão, segundo Samuels, Shorter e Plaut (1988), reencena o processo
de excitação, referindo o ímpeto a uma série de imagens internalizadas, intrapisíquicas, antes
de iniciar a ação. Será, portanto, mediante o instinto reflexivo que um estímulo se tornará um
conteúdo psíquico; em outras palavras, o processo reflexivo será uma experiência através da
49
Palavra orjada por Rudolf Otto em sua obra Das Heilige de 1917, por analogia com os termos latinos lumen
94
qual um processo automático pode ser transformado em outro consciente e criativo. Os
autores destacam que Jung também desenvolveu a hipótese de que a reflexão (ainda que
orientada conscientemente) teria sua parte subliminar no inconsciente, uma vez que toda
experiência é refletida através de imagens psíquicas
50
. Tal hipótese resulta de sua teoria dos
complexos e arquétipos. Apesar disso, o processo reflexivo, embora instintivo, é,
prioritariamente, consciente, envolvendo uma condução de imagens (com seu concomitante
efeito) ao limiar da decisão ou da ação.
A intensidade e a importância que Jung reconhecia nessa reação emocional que permeia
os processos de reflexão e as experiências carregadas de significado fica bastante clara no
seguinte trecho (OC 9, I, par.179):
De um lado, a emoção é o foco alquímico, cujo calor traz tudo à luz e cujo ardor
reduz todas as superfluidades a cinzas (omnes superfuitates comburit). Por outro
lado, entretanto, a emoção é o momento em que o o toca a pedra e dela salta a
faísca, que a emoção é a principal fonte de consciência. Não nenhuma
mudança, das trevas para a luz, ou da inércia para o movimento, sem a emoção.
A grande pergunta que pode ser feita é: como abordar essas reações afetivas presentes
nos atos de produção de sentido? É uma questão difícil uma vez que, muito embora elas
tenham relações estreitas com configurações inconscientes (e dessa forma teoricamente
deveriam, se tomados os pressupostos clássicos da psicanálise, ser submetidas ao regime da
libido e das estruturas) e influenciem processo consciente dos sujeitos elas são, por outro lado,
influenciadas pelo processo consciente dos sujeitos a ponto de autores como Gonzalez Rey
(1997) e Neubern (2001) insistirem que os processos emocionais não guardam
necessariamente alguma relação com conteúdos universais.
Mesmo para alguns pós-junguianos a ênfase nos conteúdos universais” subjacentes na
base psíquica é vista muito mais como um modelo ou uma “entidade teórica” que auxilia na
descrição de alguns fenômenos. Samuels irá sugerir que o arquetípico pode ser visto como
uma gradação de afeto, algo presente muito mais no olhar do observador do que naquilo que
ele observa ou vivencia. Arquetípico, para o autor, seria antes um estado que uma situação.
Segundo o autor (1992, p.43), pode-se
(...) pensar na qualidade de uma percepção, de um conjunto de percepções,
características de preocupação, de fascínio, de autonomia, de admiração. Uma
analogia poderia ser feita com um filtro sempre à mão, colorindo ou influindo
naquilo que é visto ou vivenciado. No sentido de que o filtro fosse a vivência, em
caso contrário, a experiência ficaria morta sem o filtro. O filtro é aquilo que
chamamos arquetípico. A implicação disto é que a profundidade está no filtro. O
filtro é uma espécie de distúrbio de atenção, uma distorção mesmo. É um meio de
e luminosum.
50
Conforme foi destacado anteriormente quando foi abordado o tema realidade psíquica.
95
introduzir imagens no mundo e de impor imagens a um mundo, de modo a torná-lo
um mundo vivenciado (grifo do autor).
Dentro dessa visão a própria comunicação interpessoal, com todos os seus problemas e
dificuldades, poderia ocorrer dentro de um estado arquetípico da mente. Tomada como
verdadeira, essa perspectiva converte-se em um ângulo privilegiado para analisar as questões
relativas à produção de sentido nas organizações.
O polo mais pessoal do espectro de um estado arquetípico da mente repousa, segundo
Samuels, na noção junguiana de complexo
51
(1992, p.42).:
(...) dizer que os complexos têm um núcleo arquetípico, e por isso estão sempre
presentes, significa que são concebidos como elementos capazes de influenciar uma
pessoa ao longo de toda a sua vida. Eles são eternos e, ao mesmo tempo pessoais, e a
ênfase pode ser colocada tanto na sua continuidade psicológica como no seu
desenvolvimento/evolução/mudança. (...) Jung argumentou de modo decisivo que
toda fase particular do desenvolvimento torna-se um complexo psíquico autônomo.
Isto é fases do desenvolvimento não desaparecem obrigatoriamente, nem se
transformam em versões “superiores de si próprias.
A idéia de um complexo, como uma conversão corpórea de um feixe de idéias e
imagens emocionalmente carregadas implica que, ao ser experimentado durante o ato
comunicativo, o complexo possa como um núcleo dinâmico, “que está sempre acrescendo
novas partículas a si, como um magneto, ou coalescendo com outras unidades atômicas, como
uma molécula” (HILLMAN, 1981, p.215), ou uma ferida aberta pronta para ser infectada,
contaminar-se com outras idéias (sugestibilidade) formando um potencial inicialmente
delirante e depois delirante paranóide que passe a assimilar em seu núcleo todo argumento
dissuasivo.
A posição de Samuels implica, ainda, que um estado arquetípico resultaria em uma
disposição emocional a vivenciar uma reação a uma figura, elemento ou situação (a figura do
pai, por exemplo) como dominante, numinosa, admirável, religiosa ou até mesmo psicótica.
Conforme o autor: “O elemento arquetípico está no interior da pessoa quando a imagem do
pai é confrontada, ou quando se defronta com a imagem genérica do pai. O pai arquetípico
não está de forma alguma no pa,i mas na percepção que a criança tem dele (SAMUELS,
1992, p. 44, grifo do autor).
O autor se posiciona dentro de uma postura desenvolvimentista onde esses estados
arquetípicos possuem aparentemente pontos de contato (que ele denomina “transições”) e que
parecem sugerir um movimento para frente, na direção de um objetivo. Essa idéia vem da
51
Jung chamou complexo a um grupo inconsciente de imagens, idéias e recordações, interligadas de maneira
individual, permeadas de uma única tonalidade afetiva (anseio, angústia, medo, dor) e carregadas de forte
emoção (HILLMAN, 1981). Para Jung, no núcleo de cada complexo estaria um arquétipo.
96
observação de que esses pontos de transição expressam um conflito entre vários estados
arquetípicos da mente, carregando consigo uma carga psicológica maior que a média
(SAMUELS, 1992). Segundo o autor, essa situação emocional no ponto de transição entre um
estado arquetípico e outro seria, provavelmente, uma primeira localização do arquétipo. O
arquétipo seria, portanto, um fenômeno limiar, fronteiriço que existiria entre os estados
arquetípicos da mente. Dentro desse quadro a observação feita anteriormente da relação entre
certos rituais na organização e situações arquetípicas poderiam ser reexaminados como
arranjos propiciadores situações favoráveis para mudanças transicionais em qualidades de
afeto.
Para Samuels (1992), é possível que um estado arquetípico da mente em particular
possa funcionar com a força e a autoridade da mente como um todo
52
, onde a pessoa estaria
identificada com ele ou ser inconsciente de sua ação. O autor cita o filósofo Michael
Oakeshott para descrever o modo como o estado arquetípico da mente, tomado como uma
tendência global de tentar experimentar as coisas de uma certa maneira, pode ser considerado
uma “apreensão” da experiência. Para ambos haveria a coexistência entre a experiência como
algo completo, concreto e coerente, com os “modos” de experiência inerentemente parciais e
que formam “mundos de idéias” autônomos.
Essa posição traria, aparentemente, uma solução para o ponto levantado por Gonzalez
Rey (1997) e Neubern (2001): a questão da aparente não vinculação dos processos emocionais
com conteúdos universais. Não se estaria falando em conteúdos universais e sim em
disposições emocionais “universais” para vivenciar certas experiências de sentido. Um foro
privilegiado para se investigar tais disposições talvez possa ser encontrado no estudo do
universo complexo de certas comunidades (ricas em crenças e valores compartilhados) onde
estejam presentes, velada ou explicitamente, nas relações entre seus membros, reações
afetivas que influenciem o sentido produzido por seus membros (como as organizações, por
exemplo).
Mas que elementos, dentre os produtos cognitivos gerados no seio dessas comunidades,
poderiam ser investigados? A resposta da psicologia analítica seria: as imagens.
Para entender os motivos para essa escolha poder-se-ia retomar a diferença observada
por vários autores, e considerada como fundamental, entre as visões psicanalítica e junguiana
do inconsciente. A visão da psicanálise, por julgar o pensamento/linguagem mais próximo à
52
Essa é, segundo Samuels (1992), a diferença fundamental entre o uso que este faz do termo “estado
arquetípico da mente” e o uso de Jung do termo “complexo”. Para Jung tal efeito seria considerado possessão por
uma inflação.
97
consciência valoriza a palavra como o instrumento privilegiado para o acesso às dimensões
profundas do psiquismo. Dentro da psicologia analítica, considera-se que a psicanálise, ao
reconhecer, sabiamente, a palavra como linguagem da consciência a abordagem psicanalítica
submeteu, involuntariamente, tudo de novo que emerge do inconsciente ao filtro da
consciência (e à “sua mais completa tradução”) que muitas vezes não consegue alcançar as
complexidades (e a emocionalidade”) desse material. Nas palavras de Maroni o “tornar-se
consciente por intermédio da palavra repõe, de forma indefinida, o novo no velho, o
inteiramente outro que emerge do inconsciente no mesmo, reconhecível pela consciência”
(2001, p. 58). De outra forma, através de uma valorização das imagens (tomadas como
linguagem do inconsciente, produzidas pela pujança do a priori) para que algo se torne
consciente (...) o esforço de tradução é da própria consciência porque a linguagem em que os
conteúdos emergem é a do inconsciente” (MARONI, 2001, p. 58). Segundo a autora,
procedendo dessa forma, a linguagem da consciência (o logos) é que permanecerá enredada
por imagens e fantasias. Essa linguagem mítica pode, assim, recobrir as imagens sem perdê-
las ou corrompê-las. Ao se forçar a consciência a se traduzir na linguagem do inconsciente,
privilegiando imagens míticas, produzir-se-á um veículo compatível para a expressão de
conteúdos semelhantes. A refração observada persistiria, porém em um grau
significativamente menor.
Conforme Maroni (2001) destaca, a crítica de Nietzsche à linguagem (e que Jung seguia
passo a passo) segundo a qual esta era vista como um instrumento de comunicação útil aos
fins práticos da humanidade, mas incompetente para exprimir qualquer verdade que não seja
convencional se deve a opinião que este filósofo nutria de que o desenvolvimento da
linguagem e o desenvolvimento da consciência (mas não da razão) caminharam lado a lado
sob a pressão da necessidade humana de comunicação. Será a essa forma de pensar (onde
surge a linguagem) que Jung (OC 5) irá se referir como “pensar dirigido”: produto de séculos
de cultura que culminaram, hoje, na ciência e na técnica. Maroni (2001) caracteriza essa
forma como gica, desenvolvida tardiamente e trazendo no bojo desse desenvolvimento a
distinção entre causa e efeito. É uma forma de pensar que ocorre por palavras e que é
expressão mesma do pensamento. Um pensamento que é dirigido inteiramente para fora, um
pensamento da realidade, sobre a realidade ou que se adapta à realidade. Para Jung a matéria
com que pensamos é “a linguagem e o conceito lingüístico. É um objeto que sempre foi lado
externo e ponte com essa única finalidade, a da comunicação. Ao pensarmos de modo
dirigido, pensamos para os outros e falamos a outros” (OC 5, par. 12).
Não obstante, nas mais diversas situações, o homem é, ainda, acometido, por formas
98
primitivas de pensar e, na ausência de disciplina, grande parte da vida das pessoas se sob
esse estado” (MARONI, 200, p. 60). A essa forma primitiva de pensar falta um sentido de
direção. Nela, no lugar de seguir uma determinada linha o fluxo segue espontaneamente sobre
conteúdos próprios onde: imagem segue imagem, sensação segue sensação e ambas se
interpenetram criando narrativas dirigidas por motivos inconscientes e produzidas a partir de
material semiconsciente. A essa forma, onde cessa o pensamento em forma de linguagem,
Jung denomina pensamento-fantasia (OC 5, §39):
Enquanto o pensamento dirigido é um fenômeno inteiramente consciente, não
podemos dizer o mesmo em relação ao pensamento-fantasia. Grande parte de seus
conteúdos já está na área consciente mas, pelo menos outro tanto, ainda ocorre na
penumbra ou totalmente no inconsciente e por isso pode ser desvendado
indiretamente. Pelo pensamento-fantasia se faz a ligação do pensamento dirigido
com as “camadas” mais antigas do espírito humano, que muito se encontram,
abaixo do limiar do consciente (...). (grifo nosso).
Essa posição se torna bastante inspiradora se contraposta à leitura dos escritos de Lane
(1993), feita anteriormente no presente estudo, onde se sugere a relação entre: a) imagens ou
temas arquetípicos e os núcleos inconscientes das representações sociais” e; b) os símbolos e
as “formações psíquicas intermediárias” responsáveis pelo elo consciente/inconsciente das
representações sociais. Se essa aproximação for válida poder-se-ia sugerir que talvez fosse no
solo do pensamento-fantasia onde seriam produzidas as “formações psíquicas intermediárias”.
Como conseqüência dessa conexão obter-se-iam elementos explicativos para:
a) as profundas cargas afetivas que acompanham certas representações sociais
(ligados às dimensões arquetípicas dos núcleos que as alimentariam);
b) para o caráter irreverente de algumas representações que parece desafiar o
domínio e os questionamentos que o logos faz delas (ligando a primitividade
implícita à forma de pensar desencadeadora das representações sociais)
c) para sua sustentação das representações sociais a partir de material colhido no
convívio socio-cultural do grupo (ligado às marcas que esse convívio deixaria
no pré-consciente)
d) para as maneiras como esses materiais são reunidos que, muitas vezes,
conectam opostos aparentemente irreconciliáveis (o caráter simbólico das
“formações psíquicas intermediárias”);
e) e para o caráter absolutamente individual pelos quais as reações emocionais
individuais se orquestram ao movimento emocional do grupo (ligado, por um
lado, ao conceito de realidade psíquica e, por outro, à forma particular como
cada indivíduo quando chamado a falar e a refletir sobre sua experiência
99
profunda executa a volta sob sí mesmo e a resignifica em termos lingüísticos
de elementos da consciência reflexiva a forma do “pensar dirigido”
reencenando, em novos termos, elementos de excitação).
Antes de prosseguir com a presente análise, cabe estabelecer uma análise mais
aprofundada dos “movimentos” que os conteúdos emocionais fazem entre os indivíduos e os
grupos dentro das instituições. Em sua análise das organizações, Hollis (2002) propõe que, ao
transferirem continuamente a dinâmica emocional de outros tempos e lugares para o momento
presente e as relações atuais, os indivíduos podem estabelecer relações de dois modos
distintos: como uma sociedade (onde os indivíduos se reúnem para alcançar um objetivo,
dissolvendo o grupo logo que isso aconteça) e como comunidade (quando existe uma
identificação psicológica vertical dos indivíduos com algum objetivo transcendente seja a
história comum, os ancestrais ou a mitologia). Para o autor, a maioria das pessoas encara o
seu ambiente de trabalho como uma sociedade e não uma comunidade. Na maioria delas
existe a presença do mytos, mas falta uma dimensão vertical que faça a pessoa sentir que
participa de uma comunidade viva. Especificamente sobre o mundo acadêmico Hollis (2002,
p. 128 e 129) ressalta:
O mundo da academia percebeu bem antes da grande empresa a vantagem de usar
estudantes como assistentes em tempo parcial e com salário baixo, sem direito a
benefícios nem segurança. Quem passou certo tempo nos campi universitários sabe
que os professores ficam cada vez mais paranóicos, céticos e descontentes. O amor
ao conteúdo que os levou inicialmente a ensinar fica sobrecarregado com
considerações políticas e administrativas. (...) Tanto na empresa quanto na academia
(se é que existe diferença), o moral é baixo, a desconfiança e o cinismo altos. As
instituições não são mais comunidades; elas se tornaram sociedades frágeis, com
pouco embasamento nos valores transcendentes.
Uma vez que, para o autor, as organizações são a soma dos indivíduos que a compõe
acrescida da sinergia entre eles, a vida empresarial sofrerá a transferência das dinâmicas
neuróticas na mesma proporção das neuroses individuais de seus componentes. Essa
transferência é descrita em termos de uma ativação de complexos que, em sua autonomia,
mantém os indivíduos presos ao passado, tendo sua capacidade de escolha consciente minada
pela transferência de experiências de outros tempos e lugares para o presente. Para Hollis
(2002), a situação de intimidade nas organizações torna-as muito próximas do análogo com os
relacionamentos parentais originais. Isso contribuiria para a evocação de complexos
primordiais especialmente aqueles relacionados com os pais e a sua autoridade. Como na
criança, afirma o autor, o indivíduo, ao ser atingido pela disparidade de poder entre si próprio
e o seu “pai/mãe” organizacional faz suas adaptações estratégicas (sob a forma de alternativas
100
de luta ou fuga). “No extremo, a estratégia de luta induz o empregado à agressão e à
sabotagem, enquanto a de fuga leva ao comportamento agressivo-passivo indolência e
negligência ao dever, abuso de drogas e absenteísmo”.(HOLLIS, 2002, p.130).
Além da questão da autoridade, um outro componente presente nas relações parentais
iniciais marca as projeções feitas em relação às relações interpessoais. As dificuldades na
construção dos sensos de eu e do Outro. Essas dificuldades remontam a dolorosa separação
entre a criança e a mãe: a perda desse paraíso ancestral nunca é recuperada totalmente e, em
função disso, os indivíduos tornam-se portadores de uma falha básica (BALLINT, 1993 e
MAIA, 2004) que os condena a um sentimento perene de exclusão, desgarramento e
insegurança (HOLLIS, 2002).
Hollis (2002), ao descrever essa ultima situação, afirma que, quando se constituiu a
cisão sujeito-objeto, o primeiro estilhaço da experiência fragmentada se associou com outros
estilhaços (formando, conforme discutido anteriormente, complexos ideo-afetivos) e se
tornou um isso em oposição a um aquilo, um eu em contraste com um tu interno. Para o autor,
desse momento deriva o “senso de eu”, “ego tão frágil que precisa fortificar-se com
identidades provisórias e arrogância insolente Pretendendo ser Senhor do cosmo, treme-se na
memória sombria das origens dolorosas. Com que agilidade racionalizam-se centenas de
milhares de adaptações (...)! Como se sente ameaçado pela rejeição e pela humilhação”
(HOLLIS, 2002, p. 16).
Prisioneiro da situação acima descrita, o adulto regressivo passa a comportar-se segundo
os padrões de pensamento descritos na criança como o “pensamento mágico”. Caracterizado
pela grandiosidade e pela paranóia, o pensamento mágico faz com que os adultos projetem
seu medo e sua ignorância sobre a real causa de suas angústias no mundo, passa a ler
erroneamente os dados e assim chega a conclusões onipotentes. A força dessa conjuntura fica
evidente na descrição que Maroni (2005, p.32) faz da participação dos complexos da
constituição do psiquismo e na “possessão” do eu:
O tecido da psique, para Jung, é então constituído de “pequenas ilhas afetivas de
fantasia” pequenas cisões com um colorido afetivo e imagético particular que se
tornam visíveis (...) quando ganham autonomia e atuação compulsiva em relação a
outros processos anímicos atrelados às exigências do mundo e particularmente,
sobre o eu, que passa episodicamente a ser possuído pelo complexo.
As conseqüências do quadro acima descrito nas interações entre indivíduos em um
grupo são evidentes: a vida organizacional se torna um cenário de emergência de conflitos
motivados pela interação ou que acabam envolvendo múltiplos indivíduos. Embora, conforme
recordam Singer e Kimbles (2004), até recentemente o conceito de complexo não tenha sido
101
sistematicamente aplicado à análise da vida dos grupos, esse parece ser o temo mais adequado
para descrever o que se observa nestas situações. De fato, as conseqüências turbulentas da
interferência dos complexos na vida grupal parecem evidenciar a emergência de um
fenômeno análogo àquilo que Kimbles (2000) denominou “complexos culturais”.
Esses complexos culturais agiriam no nível grupal do inconsciente cultural organizando
as crenças e emoções coletivas que operam no grupo e dentro da psique individual. Eles
funcionariam autonomamente dentro de cada indivíduo e grupo organizando atitudes,
emoções e comportamentos que constituem a vida grupal. O autor utiliza a metáfora dos
campos energéticos para dizer que, como esses campos, são dinâmicas impessoais. Esses
complexos “facilitariam” o relacionamento afetivo dos indivíduos com os padrões culturais do
grupo. Quando funcionam positivamente, os complexos culturais estruturam a senso
individual de pertença e identificação com o grupo cultural, racial ou étnico do indivíduo;
negativamente, na base do pertencimento, gerando estereótipos, preconceitos e toda uma
psicologia do outro como ameaça. Ao oferecer, tanto ao indivíduo quanto ao grupo, um
sentido de pertencimento e identidade dentro de uma continuidade histórica de pressupostos
emocionais comuns, os complexos culturais permitiriam a ativação de dramas oriundos dos
níveis arquetípicos e pessoais da psique.
A descrição acima parece ajustar-se aos fenômenos observados nas organizações, seus
reflexos podem ser sentidos na estruturação interna dos trabalhadores em subgrupos e
subculturas organizacionais, bem como nas dinâmicas de projeções e competição verificadas
no cotidiano institucional. Não seria um despropósito sugerir que, de maneira análoga aos
complexos culturais, estar-se-ia diante de complexos organizacionais.
Admitida essa hipótese, a perguntas que emergem são: como acessar os sentidos desses
indivíduos e subgrupos? Como operar com os aspectos afetivos e inconscientes presentes nas
leituras que esses indivíduos fazem da história e do cotidiano de sua organização? Como se
relacionam as vivências pessoais, os posicionamentos coletivos e as várias histórias que se
emparelham às vivências esperadas e à história oficial? Seria arriscado propor uma resposta
que se pretendesse definitiva a estas questões. Entretanto, vários autores apresentam sugestões
que merecem serem consideradas. É isso que será feito a seguir.
O desfio de acessar sentidos inconscientes expressos em comunicações verbais ou
escritas, bem como as interpretações propostas para eles pelos indivíduos, esbarra nos limites
da própria linguagem. Se, nos estudos de produção de sentido, forem privilegiadas apenas
palavras, linguagem e conceitos, as interpretações que deles advierem ficarão, como sugere
Maroni (2001), limitadas ao falar do geral, do abstrato, impossibilitadas de sair do domínio
102
das representações da consciência e dos códigos morais e incapacitadas de um acesso à
multiplicidade do acontecer inconsciente que rege as diversas descrições de realidade (e os
conseqüentes sentidos que os seres humanos extraem delas).
Salzer-Mörling (1998) irá propor que as organizações podem ser escutadas como
polifonias onde histórias alternativas são propostas, simultaneamente todo o tempo e em todos
os lugares, em contraposição ao monólogo corporativo. O discurso oficial tende apenas a
sintetizar as diferentes vozes que vêm do campo em uma história coerente. A fragmentação de
sentidos vinda da multiplicidade de vozes de histórias e versões de histórias faz pensar a
comunicação entre membros das organizações sempre em termos de tentativas de
coordenação, integração, homogeneização e compartilhamento de significados. Por um outro
lado isso indica que, muitas vezes, os sentidos podem tornar-se diferenciados e/ou
fragmentados especialmente se forem consideradas divisões de tarefas, estruturas hierárquicas
e dispersão geográfica criando esferas locais de conjuntos de sentidos. Para a autora, embora
uma saga corporativa possa ser um monólogo composto construído com força suficiente para
se sobrepor às outras vozes a periferia não é apenas uma ouvinte, ela é também uma co-autora
através das qual pessoas e grupos criam histórias organizacionais construindo,
desconstruindo, rejeitando e recriando histórias num permanente processo de produção de
sentido dentro da complexidade da organização. Essa histórias não-incorporadas a narrativa
oficial são, geralmente, reações ou rejeições à história oficial formadas dentro dessas esferas
(visões alternativas de mundo que influenciam leituras de realidade e a tomada de decisões).
Conforme foi sugerido anteriormente, os indivíduos se organizariam e organizariam o
mundo a sua volta através de posturas influenciadas por complexos ideo-afetivos e pelos seus
análogos cultural-organizacionais. Segundo este ponto de vista as histórias não-incorporadas à
narrativa oficial citadas acima encontrariam um outro ponto de amparo além dos citados por
Salzer-Mörling (1998), elas se apoiariam naquilo que Maroni chama de “um mundo de
infinitas percepções aperceptivas, de restos de afetos, lembranças, enredos, imagens,
fantasias, amor e ódio” (2005, p.37). Tratar-se-ia então de pensar, propor e atuar
inconscientemente no palco do mundo segundo as fantasias originadas das personalidades
parciais que se repetem na tentativa de se diferenciar. Segundo a autora, quando “possuídos
por fantasias arcaicas, coletivas, impessoais (de amor, de poder, de saber), não montamos um
enrredo histórico (...) não experimentamos o devir –, mas repetimos infinitamente o mesmo.
Se o indivíduo for possuído por essas fantasias mil vezes, mil vezes encenará a mesma cena”
(MARONI, 2005, p.37).
Em psicologia analítica só há repetição porque o há elaboração. Uma vez que existe a
103
inconsciência dos complexos e do seu modo de ser a repetição se impõe. Para a autora é
preciso criar oportunidades para que isso seja percebido, essa percepção permitiria o início da
diferenciação entre o complexo do eu e as fantasias coletivas, permitindo o desvendamento da
sua história e do enredo repetitivo proposto por essas fantasias.
Embora sejam fantasias, as experiências descritas acima não podem ser descritas
simplesmente como irrealidades. Henry Corbin (apud SAMUELS, 1992) introduz o termo
“Imaginativo” ou “Imaginal” para designar um lugar na psique situado entre as impressões de
sentido primárias e a cognição mais desenvolvida. Nesse “imaginal” habitariam imagens entre
o consciente e o inconsciente, entre corpo e mente e entre uma pessoa e outra pessoa. Ele
utilizou o termo “imaginal” ou “imaginativo” por julgar que este designaria melhor um modo
de ser ou perceber do que o termo tradicional: “imaginário”, que parece referir-se a uma
avaliação.
Dentro da percepção de Corbin, as imagens deixam de ser vistas como analogias
psicológicas de qualquer coisa (como versões secundárias e codificadas de sentimentos,
experiências e comportamentos) para serem vistas pela sua transitividade, sua capacidade de
fazer ou construir outras imagens sem contato direto com estímulos externos. Poderiam ainda,
ser consideradas como um fator interveniente entre os dados de entrada e os estímulos do
mundo exterior por um lado, e por outro os dados de saída, e a resposta do indivíduo (a
imagem como uma construção hipotética exigida para indicar a diferença numa situação onde
os dados de entrada psicológicos e os estímulos diferem dos dados de saída e das respostas).
Nesse sentido a imagem pode ser considerada transitiva em maior ou menor grau (imagens
menos transitivas, imagens mais transitivas...): uma imagem altamente transitiva funcionaria
como um campo de transitividade operando à distância, exercendo influência além das
aparências (SAMUELS, 1992).
Em termos de relações interpessoais poder-se-ia dizer que a psique necessita do outro
para carregar suas imagens de uma maneira projetada. Dessa forma as pessoas e objetos
seriam, segundo o autor, “sugadas” para o mundo da imaginação. A tendência seria pensar nas
ocorrências como um manancial para representar conteúdos internos de uma forma pictórica,
retratável. Para o autor, quando se sente uma emoção forte sobre alguém, ou alguma coisa,
isso produz uma imagem, como se fosse uma pintura reproduzida na mente, de tal forma que
a imagem produzida pode ser interpretada em termos do efeito geralmente provocado por
aquela pessoa. Dessa forma poder-se-ia encontrar o mundo interior de uma pessoa retratado
nas suas imagens de outras pessoas. Isso conduz à constatação de que os “fatos” relacionados
a pessoas, situações e objetos presentes nos relatos são, na maioria das vezes, de natureza
104
simbólica. E, desse modo, embora impulsionem sentimentos, pelo fato de se vincularem,
numa relação com o interior, mas que permanece invisível para o ambiente externo, essas
imagens parecem vir, do ponto de vista objetivo de um observador despreparado, de lugar
algum: tornando-se para ele incompreensíveis e atribuídas a reações inexplicáveis de seu
interlocutor. Interlocutor este que, numa relação especular, estará submetido a uma situação
semelhante.
Finalizando, as considerar essa situação deve-se considerar que (SAMUELS, 1992, p.64):
(...) levando-se em conta que o ego muda de posição ao se confrontar com modelos
alternantes de imagens. O ego está sujeito aos diversos estados arquetípicos da
mente da mesma forma que demonstra resistência à eles. O ego experimenta isso
através de imagens e em imagens. Não é como ter um ponto de observação único,
fixo e estável, oposto ao mundo imprevisível e em movimento; a consciência é tão
instável quanto os objetos da consciência.
Qualquer estudo sobre a questão da produção de sentido deverá ser conduzido com uma
atenção especial às situações descritas acima.
Considerando todas formas de percepção social, de leitura e cognição individual do
universo circundante ao membro da organização como representações sociais, e considerando
a matriz simbólica subjacente a esse processo como um elo de aproximação da concepção
junguiana da constelação de situações arquetípicas (em situações políticas, sociais e
econômicas), a aplicabilidade das idéias discutidas anteriormente pode se configurar uma
valiosa contribuição aos estudos dos processos de comunicação de informações nas
organizações. Uma vez que se estariam reunindo, sob novo ângulo, elementos para entender
as dificuldades de interpretação, de compreensão e de partilhamento de informações que estão
em destaque em inúmeros estudos sobre representações sociais. A análise observada quanto à
semelhança entre uma postura que trabalhe com a ampliação da compreensão da organização
(numa visão junguiana e através de paralelos simbólico-mitológicos) e aquela a partir da qual
Moscovici e seus colaboradores conceituam representação social (um saber desenvolvido no
cotidiano das relações sociais), leva a pressupor ser adequado considerar as subculturas
(subunidades grupais formadas em torno de variões específicas do esquema geral
sentido/afeto que norteia a produção de sentido na organização) como categorias válidas
para a descrição dos complexos comportamentos dos membros de uma organizão em
relação à circulação e à comunicação de informações. Em conseqüência, essa aceitação da
validade do conceito de subcultura como categoria que relaciona afeto e produção de sentido,
justifica uma abordagem do fenômeno comunicativo organizacional que busque identificar a
emergência de complexos para, através desse fato, identificar os símbolos que permeiam e
105
mediam esse fenômeno.
Precedentes para o estabelecimento de correlações entre os diferentes modos de leitura
das experiências das pessoas com os produtos cognitivos surgidos no interior de suas relações
podem ser encontrados entre autores junguianos. Por exemplo, é o que acontece quando
Hillman (1981), ao abordar os padrões funcionais e os motivos típicos às narrativas,
estabelece uma relação entre o campo de ação dramática da narração e o campo de forças
descrito pelos psicólogos da Gestalt e da teoria do campo (Kurt Lewin, 1965, em particular).
A aproximação estabelecida pelo autor acaba por sugerir uma analogia entre os dois modelos
(da psicologia social e da psicologia analítica) através da descrição de tensões em campos,
fluxos de energia, bloqueios, interseção e liberação de energia. Embora o conceito de energia
psíquica seja, hoje, considerado de difícil utilização
53
, se for tomada metaforicamente, essa
aproximação pode indicar formas para estabelecer um modelo de diálogo entre essas
diferentes leituras, sugerindo, ainda, que outras relações possam ser estabelecidas. Se, por
exemplo, o próprio conceito de enactment for considerado em sua raiz atuar com método,
encenar ou tomar posse de conteúdos e predicados atribuídos (como é sugerido nas
psicologias social e organizacional) e, em contapartida, o símbolo for tomado como uma
ponte entre o psiquismo e o ambiente, será possível considerar o próprio símbolo (ou o
processo de simbolização) como uma forma de enactment. Segundo esse ponto de vista o
indivíduo no ato da simbolização toma posse da experiência vivida ou observada atribuindo-
lhe um sentido. Uma sugestão de como esse fenômeno acontece pode ser extraída da
utilização que a psicologia analítica faz do conceito de enactment. Enactment, “encenação” de
uma experiência profunda no campo da consciência, dentro da visão da psicologia analítica
envolve, segundo Samules, Shorter & Plaut (1988, p. 43-4):
(...) o reconhecimento e aceitação de um estímulo arquetípico, interação com ele
sem perda do controle do ego (...) com isso, permitindo que seu significado
metafórico de desdobre de um modo pessoal e individual (...) requer empenho do
ego consciente, de modo que elementos arquetípicos invasivos possam receber
expressão individualizada. Reconhecendo a presença e o poder da motivação
inconsciente, (...) resistir à sua atuação, sem regredir ou se permitir ser por ela
subjugado (...) Fica implícito que o estímulo invasor é simbólico de algo que falta à
personalidade e de que ainda não se está ciente. Tolera-se ou sofre-se a presença do
elemento arquetípico até que seu significado implícito e simbólico se torne explícito.
Uma leitura do que propõe os autores pode levar à impressão de que o processo de
simbolização, compreendido como uma forma de enactment, possa se desenrolar de uma
maneira relativamente intencional e isenta de sofrimentos. No entanto, observar a luta dos
homens com e por causa dos significados evidencia que esse pensamento não procede. Por ser
106
autônomo o processo de simbolização acontece à revelia da vontade humana. Sendo regido
por um processo de compensação
54
ele acontece na “intenção” de que essa contradição entre
instâncias mais profundas da experiência e as impressões conscientes do mundo exterior
sejam gestadas em um esboço de sentido sem, no entanto, a garantia que esse sentido seja
compartilhado pelas outras pessoas no entorno.
Em resumo, avaliando a dimensão simbólica inerente aos processos de produção de
sentido, pode-se observar que o contato com as dimensões imaginárias do psiquismo humano
conduz os sujeitos envolvidos no ato comunicativo a um outro lugar que não a realidade assim
como ela é concebida pelo senso comum. Esse lugar, que poder-se-ia chamar imaginal (para
executar uma diferenciação em relação ao imaginário, dando-lhe uma substância topológica),
é um lugar onde a fórmula “Era uma vez...” deixa de ter a mesma conotação que nas
narrativas infantis para descrever uma condição fundamental do processo psíquico onde
símbolos e interpretação são inseparáveis. Onde símbolo e interpretação são partes de um
mesmo processo simbólico: o próprio processo de produção de sentido. O que o símbolo faz
naquele contexto sócio-cultural específico é integrar consciente, inconsciente e atitude numa
forma de Mithos. O processo de produção de sentido é, dessa forma, um modo de operação
onde, ritmicamente, construção, desconstrução e reconstrução se alternam numa situação ativa
de produção de cultura. Da mesma forma, investigar o papel do símbolo nesse processo seria
investigar algo como um complexo afetivo ou um objeto transacional
55
que faz uma ponte de
mão dupla entre a phantasia e a cultura. Esse objeto por ser passível de ser identificado e
observado pode servir de base para se compreender aquilo que se denomina processo de
simbolização: a capacidade funcional de conectar opostos que servem de base para qualquer
operação de produção de sentido.
Nesse contexto o símbolo poderia ser descrito como uma interface onde os afetos
inconscientes e conscientes interagiriam com as informações disponibilizadas e o ambiente
para desencadear a produção de sentido.
53
Esse ponto será discutido com mais profundidade no item 3.1 do presente estudo.
54
Segundo Samuels, Shorter & Plaut, “Jung asseverava que encontrou uma função compensatória
empiricamente demonstrável operando em processos psicológicos. Correspondia a funções auto-reguladoras
(homeostáticas) do organismo, observáveis na estrutura fisiológica. Compensar significa equilibrar, ajustar,
suplementar. Considerava a atividade compensatória do inconsciente como equilíbrio de qualquer tendência para
a unilateralidade por parte da consciência” (1988, p. 47-8).
55
Uma vez que o começo da capacidade de simbolização (no sentido de empregar o pensamento, a linguagem e
a emoção de modo integrado para o desenvolvimento psicológico) tem origem coincidente com o
desenvolvimento do espaço interno e a evolução das fronteiras psicológicas a partir do desenvolvimento
sensorial do bebê durante o primeiro ano de vida, pode-se considerar o objeto transacional (conforme concebido
pela psicanálise Kleiniana) como a primeira expressão da capacidade humana para a simbolização.
107
CAPÍTULO III
PESQUISA
108
Capítulo 3
PESQUISA
Como foi dito anteriormente, pretende-se demonstrar a possibilidade de se aplicar os
construtos junguianos à psicologia organizacional e, através desse exercício, aplicá-los às
organizações contemporâneas. Propõe-se que essa tarefa seja realizada através de uma
pesquisa que investigará o fenômeno da produção de sentido entre os membros de uma
organização. Essa proposta foi alicerçada na pressuposição de que a produção de sentido em
uma organização é construída nas relações entre seus integrantes, através das interpretações
que esses individuos extraem do contexto em que eles se inserem e com base na dimensão
simbólica subjacente a esse contexto. Assim, foi proposto que o conceito junguiano de
símbolo fosse aplicado na análise da produção de sentido de um grupo de professores de uma
faculdade.
Para justificar essa escolha do referencial teórico segue o resumo dos principais tópicos
abordados até aqui:
1. Foi analisada a possibilidade de se avaliar a diversidade de interpretações de
uma realidade, produzidas por grupos e subgrupos no ambiente de uma
organização mediante a identificação das relações de seus integrantes com os
símbolos a ela inerentes.
2. Foi verificado que a produção de sentido ocorre num “espaço” (ou modo de
operação) psíquico muito além dos modelos de realidade convencionados dentro
do senso comum.
3. Sugeriu-se que, num processo constante de construção e desconstrução,
identificável como um processo simbólico, o símbolo atuaria simultaneamente
como catalisador das expressões afetivas conscientes e inconscientes, e como
objeto de passagem (transacional), mediando os opostos inerentes aos atos
comunicativos interpessoais para produzir concomitantemente sentido e cultura.
A finalidade do presente capítulo é relatar a pesquisa empírica acima mencionada,
primieramente explicitando o ritual através do qual os objetivos aqui propostos podem ser
atingidos e, em seguida, revelar seus resultados. Habitualmente, isso é feito em três momentos
básicos: o planejamento, a apresentação dos dados e a análise dos dados. Neste caso
particular, essa aparente simplicidade não existe. Trata-se da tentativa de apreensão dos
109
modos como as várias subjetividades envolvidas no processo de produção de sentido se
expressam. Isso exige uma composição entre várias das abordagens possíveis para a questão
que sejam adequadas à hermenêutica da psicologia de Jung. Devido à complexidade
envolvida nessa tarefa, optou-se por inserir neste capitulo o relato dos referenciais que
compuseram a base de método empregada no presente estudo.
110
3.1 Considerações gerais para a definição da estratégia
Os caminhos que originaram o presente estudo conduziram a uma busca por
compreender um objeto volátil: a produção dos sentidos (vários sentidos, construídos a partir
de vários contextos). A compreensão dos processos de produção dos sentidos, dentro do
corpus teórico escolhido para esta investigação, envolve a compreensão de uma relação entre
subjetividades. Trata-se do estudo de múltiplas visões onde várias subjetividades interagem.
Subjetividades são plásticas e, de tal forma, não podem ser reduzidas a um dado estável e
passível de se computar numericamente (sobre a forma de freqüências, intensidade ou
amplitude) sem que seja perdido o seu caráter dinâmico. Partindo desse pressuposto tornou-se
necessário conceber um referencial de base para que o estudo pudesse ser metodologicamente
viabilizado, conteúdo que vem expresso a seguir.
Para se atingir o objeto a ser estudado na profundidade que a abordagem junguiana
pressupõe, o estudo de caso foi escolhido como a principal estratégia da pesquisa. Esse
método vem sendo adotado com uma freqüência crescente em estudos nas áreas de Ciências
Sociais e Psicologia (STAKE, 1995) pela possibilidade que oferece de se examinar o objeto
de investigação sob múltiplos ângulos. A experiência tem mostrado que o estudo de caso é um
método adequado para a investigação de situações com elevado grau de singularidade. Nessas
situações, onde, marcadamente, não existem dois grupos que se repitam ou duas experiências
vivenciais que sejam idênticas, o pesquisador o pode serializar seu objeto e o assume em
profundidade e complexidade. Em estudos como este, que relacionam, a uma tempo,
inegavelmente dinâmicos (cultura e símbolos) em um contexto complexo (um grupo de
trabalho caracterizado por conflitos em seus símbolos e sentidos) e que pretendam entender
como se da a produção de sentido, o estudo de caso impõe-se como uma escolha lógica.
Abordar um fenômeno por meio desse método traz, ainda, a vantagem de permitir o
estabelecimento de uma interface antropológica com o contexto em que os fenômenos
ocorrem, buscando sua compreensão. Creswell (1998) afirma que um estudo de caso é a
exploração de um "sistema limitado" ("bounded system") ou de uma situação, longamente
detalhada em sua variedade de dados envolvendo fontes múltiplas de informação que revelam
a riqueza e complexidade do contexto. Esse limite se refere a um tempo e a um lugar,
consistindo no "caso" a ser estudado. Também para Stake (1995) o estudo de caso oferece a
possibilidade de se apreender a complexidade de uma situação particular recoberta de uma
camada muito especial de interesse. Esse método leva o pesquisador a buscar detalhes de sua
111
interação com o contexto que a envolve. O estudo de caso é, dessa forma, o estudo da
particularidade e da complexidade de uma situação determinada nesse caso também, uma
situação específica, procurando a compreensão de seus movimentos quando da ocorrência de
circunstâncias marcantes. Dessa forma, pela singularidade da abordagem aqui proposta, o
estudo de caso coloca-se como o método de mais adequado para a investigação almejada. E
essa escolha se justifica, com foi dito, pela possibilidade que o método oferece para a
aplicabilidade dos conceitos junguianos ao campo da psicologia organizacional. Na
hermenêutica junguiana das relações interpessoais, que assume a existência de causalidade
instável dentro de uma realidade dinâmica marcada pela ação de forças inconscientes, o
objeto – a produção de sentido – e o ambiente onde ela ocorre são de caráter lábil. Conclui-se,
portanto, que a utilização desse método complexo somente se justificaria se fosse admitida a
possibilidade de se considerar cada sujeito um caso diferente, de forma a lograr a abordagem
das múltiplas fases desse contexto particular.
Investigar eventos, situações, ações, percepções e as interpretações deles decorrentes a
partir do ponto de vista dos participantes envolve um processo de apreensão dos distintos
níveis e das múltiplas conexões responsáveis pela produção de sentido em si. Cazal e Inns
(1998) afirmam que, em pesquisas como esta, os sentidos não são dados, mas construídos
pelos participantes através de interações e negociações. Os autores sugerem uma seqüência de
ações para o processo de abordagem através da qual o investigador poderia lograr penetrar a
cosmovisão dos investigados. Os autores propõem que se inicie por ganhar acesso aos
sentidos dados pelos participantes aos eventos naquele contexto específico, isso permitiria
construir uma visão dos sentimentos e percepções dos participantes sobre o tema. A partir daí,
ao reunir esses dados e sentidos e arranjá-los sob uma ordem que enfatize o que é central para
o entendimento de uma situação, torna-se possível representar essas experiências de forma
compreensível para leitores situados fora do contexto, sem perder a intensidade das
percepções dos participantes. Cazal e Inns (1998), apresentam essa sugestão apenas de como
um artifício didático porque esses passos tendem à quase simultaneidade. Ainda assim,
apontam eles, esses são cuidados a serem mantidos na aplicação de métodos e instrumentos
para investigações no contexto da produção de sentido.
Existem vários instrumentos e métodos utilizados em estudos relacionando às noções de
símbolo, mito, arquétipo e organizações. Entre os utilizados em estudos mais recentes poder-
se-ia citar: a abordagem social-cognitiva do processamento de informações utilizado por
Steyrer (1998); a abordagem das cinco janelas (liderança, normas e práticas, estórias e lendas,
tradições, rituais e mbolos organizacionais) de Levin (2000); a perspectiva de mbolos-e-
112
sentido de Lee & Barnett (1997); a abordagem estética de Strati (1999); as técnicas
interpretativas de Jones (1996); os métodos longitudinal e etnográfico como utilizados por
Larkey & Morrill (1995); a leitura culturalista de Deal (1995); e o método
etnográfico/interpretativo aplicado ao sensemaking utilizado por Gioia, Thomas, Clark &
Chittipeddi (1994).
Não cabe aqui discutir detalhadamente essas abordagens, uma vez que isso fugiria ao
propósito dessa secção, deve-se apenas, destacar que, embora elas sejam alternativas válidas
dentro da especificidade de seus contextos originais, frente aos objetivos do presente estudo
as contribuições delas derivadas seriam insuficientes.
Dentro desse cabedal de recursos, os estudos de Yves Durand (1969) sobre o AT-9 são
dignos de nota, embora o autor (conforme apresentado por Fonsi, 1998), caminhando no
sentido oposto ao que será sugerido a seguir, opte por iniciar sua investigação através da
sugestão de um elenco de personagens e situações, e por desenvolver a análise do material
coletado através da decomposição do material estudado em elementos previamente
estabelecidos. Resumidamente, o Archétypal-Test à 9 éléments, proposto por Yves Durand
(com base na Arquetipologia do Imaginário desenvolvida por Gilbert Durand) consiste num
protocolo composto de um desenho envolvendo nove elementos (queda; refúgio; monstro
devorador; algo cíclico, girante, que se reproduz ou que progride; um personagem; fogo, água,
arma e animal), uma narrativa a respeito do desenho realizado, e um questionário que busca a
função e o significado simbólico dos elementos utilizados. No entanto, dentro do presente
contexto tanto essa abordagem quanto as citadas no parágrafo anterior apresentam-se
limitadas por sua própria estrutura conforme será demonstrado a seguir.
Produzir ciência utilizando-se uma abordagem que busque a subjetividade para estudar
um objeto que pode ser visto somente de maneira indireta (a partir da linguagem) é um
desafio. Sendo a linguagem, por si mesma, um objeto ambíguo, ocorre uma sobreposição de
ambigüidades (a da subjetividade e a da própria linguagem) que induz o pesquisador à
tentação de adotar alternativas mais diretas baseadas em abordagens positivistas. Ceder a essa
tentação, no entanto, descaracteriza, pela escolha do método de abordagem, a realidade que se
tencionava estudar.
Isso pode ser exemplificado pela tendência a se utilizar categorizações prévias nos
estudos sobre a relação símbolo / sentido em organizações. A ótica da Psicologia Analítica
impõe restrições a esse método. Essas restrições dizem respeito à aplicação de categorias
prontas às narrativas coletadas em estudos sobre produção de sentido. Ao agir assim, corre-se
o risco de perder a compreensão do processo que se desenrola durante a própria narrativa.
113
Esse risco se mantém por mais que as categorizações prévias sejam as mais amplas possíveis
(refúgio, queda, etc), e mesmo quando são relacionadas a categorias ainda maiores (estruturas,
cenários e universos). Embora essas soluções sejam propostas numa tentativa de reduzir o
risco de se perder a Gestalten (como ocorreria em uma pesquisa que se baseasse numa
simples associação de componentes), o risco de se perder a compreensão do processo vivo na
própria narrativa permanece uma vez que sempre haverá conteúdos que, por não se
encaixarem nas categorias, terão dificuldade em ser integrados às análises feitas. Dessa forma,
uma alternativa seria deixar que as categorias, caso elas existam, emirjam do conteúdo
estudado. Se esses conteúdos, por ventura, puderem ser relacionados a categorias
estabelecidas na literatura fará sentido destacar esse fato. O risco das categorizações é que
elas, se adotadas anteriormente a investigação, induzam o olhar do pesquisador para só
encontrar objetos passíveis de se encaixar nelas.
O campo das pesquisas sobre produção de sentido tem tido, uma outra característica
bastante positiva. Vários autores
56
têm seguido uma tendência a não excluir a possibilidade de
se utilizar como metodologia interpretativa mais de um método científico específico para
análise (interpretações lingüísticas, etnográficas, simbólicas, psicológicas ou outras). Esta
tendência seria uma possibilidade no presente trabalho, uma vez que o objetivo seria alcançar
em um espectro mais amplo possível, um esboço de como a comunicação (enquanto um
processo de construções sucessivas de sentido) se nas interações humanas. Essa
flexibilidade é um elemento enriquecedor para o conjunto da pesquisa.
Seguindo essa linha de raciocínio, cabe fundamentar a estratégia para o estudo ora
descrito e, em tal delineamento, levar em consideração alguns elementos complicadores: Se
forem retomados alguns dos pontos fundamentais vistos até agora, tem-se que, para Jung, o
símbolo é uma formulação intuitiva. Em uma determinada passagem, Jung (OC VI) refere-se
indiretamente ao símbolo como a gravidez de uma mulher: quando a mulher se encontra nessa
condição, remete a algo que ainda não está presente e cognoscível, mas, ao dar o filho à luz,
leva a termo, de um lado, a definição daquilo que in potentia existia, embora de forma
incompleta, e do outro põe fim à tarefa de ocultá-lo da percepção. Essa formulação, atuando
em relação compensatória com tese e antítese, forma um espaço intermediário em que opostos
56
A maior parte dos esforços em se desenvolver uma abordagem da produção de sentido tem acontecido na
busca por formas alternativas para abordar o material trazido pelos entrevistados. Silvester, Anderson &
Patterson (1999) utilizaram em seus estudos um modelo sócio-cognitivo; Grant, Keenoy & Oswick (1998)
utilizaram uma forma de análise do discurso que privilegia o papel da linguagem e do simbolismo no "discurso
organizacional"; Eberle (1997) enfoca os embates culturais entre os grupos numa perspectiva etnográfica e,
finalmente, Boyce (1995) efetuará uma análise das narrativas compartilhadas entre os membros.
114
podem ser unidos. O símbolo é concebido não somente como representação, mas também
como algo que, embora permaneça na base de toda a consciência, aproxima-se dos sistemas
funcionais autônomos, tornando-se cada vez mais inconsciente, tocando a materialidade do
corpo, e exprimindo-se em reações psicossomáticas e emocionais. É nessa reação emocional,
onde se sustenta a investigação sobre produção de sentido, que reside o desafio metodológico.
A estratégia de investigação, adotada no presente estudo, levou em consideração esse aspecto.
A estratégia adotada para tentar apreender o símbolo, levando em consideração essa
reação emocional associada a ele, pode ser esboçada através de sete pontos: 1) uma
abordagem da subjetividade através do estímulo a faculdade poïetica dos entrevistados, e as
formulações estéticas organizadoras anteriores à simbólica como uma alternativa de acesso à
dimensão afetiva dos sujeitos; 2) a utilização do experimento de associação de palavras como
uma forma de acesso ao nível inconsciente dos sujeitos e de confirmação da interferência do
afeto nas formulações simbólicas por eles produzidas; 3) a utilização do mitologema como
uma alternativa à utilização de categorias previamente estabelecidas na interpretação dos
dados; 4) a utilização da noção de actante ou de uma estrutura dramatúrgica presentificada na
projeção como referencial, e sua introdução na concepção do roteiro semi-estruturado, como
um recurso complementar de estimulação à expressão de conteúdos afetivos durante a
entrevista; 5) a tomada do drama narrado como um campo de ação, um contexto, onde o
símbolo se constela; 6) a atitude do pesquisador diante do material apresentado; 7) a atitude
do pesquisador diante do entrevistado. Esses pontos serão explicitados a seguir.
O primeiro ponto (o estímulo à faculdade poïetica dos entrevistados) se justifica pela
própria extensão e profundidade do conceito atribuídoido ao mbolo na psicologia analítica.
Uma vez que a tarefa de coletar mbolos é a segunda fase um processo mais amplo cuja
primeira parte é a produção desses símbolos que se pretende coletar, uma importante questão
se apresenta: Seria possível incentivar uma abertura para a expressão de símbolos (numa
concepção junguiana) passíveis de serem apreendidos dentro dos testemunhos lingüísticos dos
entrevistados?
A tentativa de responder a essa pergunta conduz, forçosamente, à questão da produção
do mbolo. Como se viu, os símbolos são produzidos em decorrência última da necessidade
de compensação de atitudes unilaterais da consciência. Essas unilateralidades seriam
decorrentes da capacidade seletiva da consciência que necessita, para existir enquanto função,
selecionar dados e, em decorrência dessa ação, dirigir o foco e excluir elementos que não
convém. Os elementos excluídos são mantidos no inconsciente. Esse movimento cria
oposições entre dados conscientes e inconscientes, essas oposições geram polaridades e essas
115
polaridades produzem uma necessidade de compensação que visa equilibrar a tensão. Jung
oferece uma alternativa à eterna oscilação entre polaridades. Além da função compensatória,
surge uma “área intermediária” onde consciente e inconsciente estabelecem trocas. Essas
trocas produzem um terceiro elemento, carregado de emoção, integrador e mediador entre as
polaridades: o símbolo. Segundo Penna (2003, p.179):
O aspecto numinoso da vivência simbólica é o fator mais indicativo da presença do
símbolo, no entanto, gradações variadas de numinosidade na experiência
cotidiana, por isso o símbolo pode ser indicado por diferentes graus de mobilização
emocional da consciência pessoal e coletiva.
Trabalhar o símbolo é, portanto, uma forma peculiar de trabalhar a subjetividade
humana. É trabalhar o afeto através do pattos
57
. Tratar do símbolo é tratar do sentido: tratar do
sentido é tratar da poética. Tassara e Rabinovich (2001), trabalhando um contexto diverso,
sugerem uma estratégia para acessar esse nível da subjetividade humana. O caminho que
conduz a essa estratégia é descrito pelas autoras da seguinte forma: “Se o poético é uma
condição humana (Heidegger) e a subjetividade se expressa poeticamente (Safra), para Croce
(apud Bosi, 1991) a expressão poética é uma síntese entre o pathos e a figuração” (2001,
p.217).
Segundo as autoras a poética é uma dimensão humana comum a todos os homens em
que a pessoa transcende a sua própria história. Ao se referirem ao momento da poïesis, à
experiência poética, elas o definem como um “instante consagrado” (Tassara e Rabinovich,
2001, p.214):
(...) o fazer-se homem ao fazer-se poeta e, assim, recuperar em si, naquele instante, a
humanidade de todos os homens (...) a liberdade contida na condição humana (...)
presente no fazer-se poeta, levando a uma transformação. Embora a poética possa
ser um sentimento de um só, ela compartilha, de algum modo, de algo que vem da
longa cadeia dos seres humanos anteriores e posteriores: ela se nutre da história que
transcende
Para as autoras, fazendo referência a Safra (1999), a subjetividade se constituiria no
campo da expressão poética (Tassara e Rabinovich, 2001, p.216):
Haveria organizações estéticas do self, anteriores à simbólica, que seriam fenômenos
organizadores das qualidades da experiência de se estar vivo em presença de
alguém. A poética seria a capacidade de comunicação humana que ocorre,
conjuntamente, com o próprio existir humano. Donde, ele (Safra) afirma: “o homem
em seu self é ontologicamente poeta
57
Palavra grega que diz respeito à expressão apaixonada, a um sentimento comovedor ou a uma experiência
psíquica intensa, por vezes agitada e sofredora. Vincula-se, ainda, à idéia de paixão: ser afetado primariamente
por alguma coisa ou objeto e, além disso, desejá-la com ardor. Em mitologia, a palavra grega pathos indica a
"prova final" que, freqüentemente, o conduz o herói à morte. Numa acepção semelhante, pode-se dizer que, por
estar presente no homem preenchendo e penetrando sua alma inteira o pathos forma à personalidade do
indivíduo e permite a grandeza dos atos heróicos, dos seus atos de coragem e de sacrifício.
116
Essas duas últimas proposições remetem a uma afirmação de Jacobi segundo a qual
“quando o arquétipo aparece no aqui agora do espaço e do tempo, podendo ser de algum
modo percebido pelo consciente, falamos então de símbolo” (1986, p.72). Já Hillman (1998),
por seu turno, nos recorda que tudo o que o homem sabe, quer seja sobre elementos mais
concretos como o próprio mundo ou o corpo, quer seja sobre tópicos mais subjetivos como a
mente, o espírito ou a natureza do divino, vem-lhe através das imagens e é organizado em um
ou outro padrão pelos arquétipos. Se as referências, de Tassara e Rabinovich (2001), à
experiência poética compartilhada por todo o gênero humano, ao caráter definidor da
condição humana e à existência de organizações estéticas anteriores à simbólica que são
organizadoras da experiência de estar vivo forem consideradas como referências a
experiências arquetípicas, então teremos chegado à possibilidade metodológica de se utilizar o
fenômeno da poïesis (dentro das delimitações propostas pelas autoras) como um acesso à
dimensão simbólica.
Baseando-se na noção piagetiana
58
de que a imagem é a interpretação experienciada do
real
59
e, simultaneamente, anterior à linguagem, Tassara e Rabinovich (2001) afirmam que a
imagem contém as dimensões afetiva e cognitiva. Possibilidades estas que se exteriorizam
tendo como veículo e representação a linguagem enquanto representante do social. Nesse
sentido, antes da linguagem haveria o pensamento e antes do pensamento as imagens. Desse
modo, da mesma forma que não imagem exteriorizável sem alguma forma de discurso
(seja verbal ou não), também não poderá haver discurso sem imagem. Oferecendo primazia às
imagens, associando-as à condição humana (Heidegger) e à subjetividade (Safra) através da
noção de pathos (e, levando em conta, a natureza fusional deste), as autoras propõem a
validade do reconhecimento empírico deste pathos através da identificação, mesmo que
projetiva.
Assim, concluem as autoras, se “a relação entre experiência, linguagem, pensamento e
imagem for essa, podemos ter acesso à poética, que se expressa naquela subjetividade,
mediante um reconhecimento lingüístico do pathos presente nas figuras de linguagem”
(Tassara e Rabinovich, 2001, p.217). Dessa forma, buscar-se-ia a subjetividade da expressão
58
Embora haja consciência das divergências teóricas entre Piaget e Jung quanto à conceituação de símbolo, é
possível estabelecer um diálogo (e encontrar aproximações) entre as formulações dos dois autores se for
dedicada uma maior atenção às construções de Piaget sobre a noção de imagem e de Jung sobre o símbolo
conforme foi proposto nos itens 2.4 e 2.5 do presente trabalho com base nas argumentações de GIRARD (1997)
e RAMOZZI-CHIAROTINO (1988). A menção a Piaget se justifica, nesse ponto e apesar das discordâncias com
Jung, por fidelidade ao referencial utilizado por Tassara e Rabinovich (2001).
59
Avens (1993), num contexto diverso (da psicologia junguiana em sua vertente arquetípica), irá afirmar que
uma imagem é um produto com um significado próprio, um produto homogêneo e completo, uma expressão
condensada da situação psíquica como um todo.
117
poética por meio daquilo que emerge do pathos, através da linguagem, na locução do falante.
É importante ressaltar que a primazia das imagens é um tema presente em muitas
discussões dentro da psicologia junguiana em geral e da psicologia arquetípica em particular.
Avens (1993), por exemplo, ressalta que a palavra “imagem” não é equivalente à memória, à
lembrança de uma imagem num sentido convencional (um reflexo de um objeto) ou a uma
percepção. Ele afirma que em psicologia junguiana o uso do termo é poético e uma referência
indireta às coisas “reais”. Para o autor as imagens são experiências fundamentais do humano,
e o mundo (a “realidade”) é produzido da substância dessas imagens.
O caminho para se atingir aquilo que foi chamado, mais acima, de “abertura para a
expressão de símbolos através da locução" é construído sobre a noção de poïesis (que, dentro
dos parâmetros adotados pelas autoras, é descrito como o processo de subjetivação em que o
homem, ao transformar-se em outro, torna-se si próprio). Para as autoras, esse processo de
aproximação de si próprio ocorre através da experiência concreta com o meio produzido
técnico-sócio-cultural-historicamente. Tomando como base esse raciocínio buscou-se a
construção de um instrumento de entrevista semi-diretiva
60
e semi-estruturada
61 62
que,
valendo-se de uma linguagem conotativa
63
, buscasse incentivar o entrevistado a narrar sua
história pessoal em relação ao seu meio o departamento estudado oferecendo meios para
que a poética pudesse ser exercida e, através dessa poética, um acesso privilegiado ao material
simbólico.
É preciso ressaltar, no entanto, que, embora esse recurso metodológico possa, como as
técnicas projetivas e expressivas, favorecer a observação e a captação dos símbolos
60
A entrevista semi-diretiva, conduzindo o entrevistado à conversa sobre o tema em estudo e permitindo que
ele se posicione livremente sobre o tema, contribui para um conhecimento maior do caso e a obtenção de dados
mais profundos e detalhados. Essa modalidade permite ainda a flexibilidade de acrescentar ou excluir questões,
contribuindo para a obtenção de uma grande quantidade de informações para a descrição e entendimento dos
casos estudados.
61
Dentro do presente contexto, torna-se importante a utilização da forma semi-estruturada de entrevista uma
vez que existe a necessidade de se construir um referencial de comparação entre os materiais obtidos de
diferentes sujeitos. O roteiro utilizado nesse tipo de entrevista serve a esse fim, constituindo-se num importante
instrumento de avaliação dos resultados das entrevistas. O roteiro conduz ao assunto que se pretende ser
abordado pelos entrevistados, sem impedir que surjam outros assuntos durante a entrevista. (fato que pode
ocorrer dependendo da disponibilidade e dos interesses das pessoas). O que aparenta ser uma conversa fora do
tema torna-se, ocasionalmente, imprescindível para que se saiba saibamos interpretar com mais profundidade as
informações relatadas, compreender os valores e o contexto dos entrevistados e mesmo redirecionar o enfoque,
conforme sua importância.
62
Esse instrumento foi complementado com uma segunda parte onde se buscou impulsionar a emergência de
conteúdos simbólicos através de outros recursos.
63
A linguagem conotativa pode ser mais bem compreendida se analisada em oposição à denotativa. Enquanto a
linguagem denotativa está diretamente ligada à significação, ou seja, ao seu sentido real, a linguagem conotativa,
em oposição, trabalha com figurações, com uma extensão do sentido literal, denotativo. Pode-se dizer que o
estudo da conotação vai além da linguística: as conotações aparecem como um conteúdo, que tem por plano da
expressão o conjunto da linguagem de denotação. Enquanto o funcionamento denotativo da ngua é
propriamente linguístico, o jogo das conotações será superior ao nível da língua.
118
produzidos pela psique, restaria sempre um espaço desguarnecido para questionamentos que
se fundamentassem na problemática da inacessibilidade do inconsciente à observação direta.
Ainda que se considere que tal conhecimento seja possível através dos recursos propostos até
então, ainda assim poderia permanecer a dúvida: essas imagens serão realmente símbolos?
Não seriam simples figuras de linguagem fruto de mera elaboração cognitiva?
Jung teve que lidar com questionamentos semelhantes, segundo Penna (2003, p.168-
169):
O inconsciente é uma dimensão psíquica extra-consciente, não acessível ao
conhecimento por meios diretos. Assim a possibilidade de acessar os elementos do
mundo subjacente repousa na hipótese de que estes se expressam na realidade
manifesta. O modo como a realidade inconsciente se expressa e se a conhecer é o
desafio epistemológico a que Jung vai se dedicar na elaboração do modelo teórico da
psicologia analítica.
O desafio de encontrar acesso aos conteúdos psíquicos inconscientes, e comprovar
experimentalmente a sua existência foi, inicialmente, enfrentado por Jung através da
utilização do experimento de associações de palavras. Jung utilizou-se dos estudos de
Wilhelm Wundt (1832-1920), inspirados nos trabalhos de Francis Galton (1822-1911), para
desenvolver o que veio a ser conhecido como o método das associações. O método enfoca a
reação dos sujeitos a palavras-estímulo: em sua concepção original, eram extraídas do
vocabulário médio do sujeito um grupo de, aproximadamente, 100 palavras-estímulo. Essas
palavras eram ditas, uma a uma, ao sujeito, que deveria responder com a primeira palavra que
lhe ocorresse como associação. O intervalo de tempo entre a palavra-estímulo e a resposta era
cronometrado e anotado. Depois de concluída a série, a mesma seqüência de palavras era
reapresentada ao sujeito e novamente eram registrados o tempo e as associações (com
destaque para quaisquer discrepâncias em relação à primeira etapa). Jung denominou essa
inovação no procedimento “processo de reprodução” (OC 2, par. 621). Esse experimento
permitia detectar conteúdos emocionais: se houvesse conteúdo emocional na palavra estímulo
haveria, por exemplo, um prolongamento do tempo médio de reação. Aqui cabe uma
importante ressalva, ao se tomar essas palavras que despertam reações como símbolos verbais
que representam complexos (OC II), pode pairar a dúvida se esses símbolos não seriam meras
associações culturais. Para esclarecer este ponto é importante destacar a diferenciação que
Jung (OC VI) faz entre símbolo vivo e símbolo morto. Quando se fala de gestos e palavras
(por exemplo o gesto de “ok”, para os norte-americanos e sua conotação chula para os
brasileiros) que tem associações diferentes em diferentes culturas, fala-se não de um mbolo
mas de um signo convencional. Quando se aproxima dessa forma o conceito de signo e o de
119
símbolo tem-se, na acepção junguiana um símbolo morto, isto é, o termo símbolo foi
qualificado pelo cumprimento de uma tarefa: levou à realização um significado que ainda
estava incompleto, esclarecendo um ponto obscuro onde uma pessoa quer fazer presente um
sentido claro e explícito à consciência. Falta a ele, como sugeriu Pieri (2002), a ocultação
típica dos sintomas ou conteúdos dos sonhos. Esses seriam os componentes de um símbolo
vivo. A interpretação seria diferente se a organização psíquica de um indivíduo tivesse
produzido esse mesmo elemento em um sonho ou um sintoma. Ter-se-ia um símbolo vivo,
expressão de um conteúdo de difícil formulação nos termos apresentados nos capítulos
anteriores. No experimento com as associações, situações semelhantes permitiam detectar a
presença de distúrbios. Jung concluiu que na base de distúrbios como o prolongamento do
tempo de reação estava o que ele denominou complexos de tonalidade afetiva de origem
inconsciente ou complexos ideo-afetivos. Esses complexos ideo-afetivos são um instrumento
privilegiado de acesso ao simbólico na locução do falante. Para Jung, a relação entre estímulo
e distúrbio não é prontamente clara, mas “mais de um caráter “simbólico” (..) uma alusão”
(OC 2, par. 135) que deveria ser interpretada e compreendida subjetivamente e
qualitativamente. Esse caráter simbólico se evidencia na emergência do inconsciente na
consciência e se torna visível através da alteração desencadeada pela carga afetiva do
conteúdo. Para Penna (2003, p. 154):
O símbolo é a forma como o inconsciente se manifesta e se expressa na consciência.
O símbolo traz para a consciência conteúdos do inconsciente coletivo (arquétipo) e
conteúdos do inconsciente pessoal (complexo). Assim como o arquétipo está no
núcleo do complexo, ele está também na raiz do símbolo.
Dentro do proposto, o resgate de um método que ofereça acesso às manifestações do
inconsciente na consciência através da detecção de complexos, torna-se um valioso
instrumento para a investigação do símbolo. Esse é o segundo ponto a ser utilizado na
elaboração da estratégia de investigação do presente trabalho: o experimento de associação de
palavras. Com esse experimento, Jung não somente comprovou experimentalmente a atuação
de conteúdos inconsciente no funcionamento da consciência, mas também testou e validou um
instrumento dentro dos rigores do método experimental (PENNA, 2003; MEIER, 1984).
A incorporação do método das associações aos procedimentos de pesquisa empírica
oferece ao presente trabalho de coleta de símbolos a validade metodológica que se fazia
necessária. Através da utilização do método das associações, desenvolvido por Jung com a
introdução do “processo de reprodução” e com a inovação da criação de séries específicas de
palavras retiradas das entrevistas com os sujeitos, seguido de uma análise acurada dos
conteúdos através de uma hermenêutica típica da psicologia analítica, torna-se possível
120
alcançar os conteúdos simbólicos pretendidos. Em linhas gerais
64
, procurou-se extrair de
entrevistas com os sujeitos, citações que pudessem ser utilizadas como palavras-estímulo num
experimento de associação de palavras. A utilização desse experimento objetiva uma tentativa
de apreensão fenomenológica do símbolo enquanto um fato psíquico passível de ser
experimentado pelo indivíduo e pela cultura em que ele se insere. A proposta é que elementos
da vivência dos indivíduos dentro do departamento (por exemplo, palavras que remetam a
temas polêmicos) possam ser extraídos das narrativas e que esses elementos possam estar
ainda carregados de emoções e por isso, ao passarem ao primeiro plano, influenciarem as
reações dos sujeitos durante o experimento. Analisando os tempos de reação, as formas de
reação e os conteúdos das associações (individualmente e em conjunto) reuniram-se
elementos a serem utilizados numa leitura dos sentidos produzidos individualmente bem
como daqueles compartilhados pelo grupo (ou por parte dele).
Uma vez que, no presente estudo, se optou por seguir outro caminho que não a adoção
de categorias ou imagens externamente definidas o terceiro ponto a ser considerado é a opção
por trabalhar com mitologemas. Segundo Hillman (1981), mitologemas são seqüências de
ações, presentes na organização do imaginário humano quando disposto sob a forma de
narrativas (sejam escritas, orais, pictóricas ou mesmo sonhos), por meio das quais o sentido
implícito à narrativa pode ser mais bem compreendido. Mitologemas são, segundo o autor
(1981, p.229):
(...) fragmentos ou segmentos padronizados de seqüências de ações, análogos aos
episódios que aparecem em outras produções da imaginação humana. São
especificamente categorias humanas e, por essa razão, mais próximas do domínio
das Geisteswissenschaft (humanidades), da história da arte, do pensamento e da
cultura, do que do domínio das ciências naturais.
Por não serem elementos “concretos” (do ponto de vista das ciências naturais) essas
seqüências típicas, embora sigam regularidades e estejam presentes na maioria das narrativas
humanas, emergem espontaneamente destas, de forma muito peculiar, de acordo com a
individualidade dos narradores em uma linguagem mais objetiva, o estilo do indivíduo
revela o que ele é. Manter uma abertura para percebê-las, possibilita ao pesquisador um
acesso mais livre e menos tendencioso ao material trazido pelo entrevistado. Segundo esse
ponto de vista, abordar as narrativas a partir de elementos externamente definidos teria, como
conseqüência imediata, a distorção do sentido inerente ao processo, reduzindo-o a um modelo
estático do intelecto a partir do qual seria muito difícil reconstituí-lo.
O sujeito constrói as suas narrativas a partir de uma lógica muito específica. Na
64
O processo de construção da lista de palavras-estímulo será apresentado de forma detalhada mais à frente.
121
subjetividade dessa lógica ele apreende os fatos e os sentidos que estes têm a partir de
diversas ordens (identidade, contexto, familiaridade, projeções inconscientes...) constelando-
os e atribuindo-lhes um sentido pessoal. A forma subjetiva pela qual essa constelação se
nem sempre é de fácil aproximação.
O primeiro estágio de qualquer trabalho de pesquisa na área em questão consiste em
apreender o sentido particular de cada narrativa para, só num segundo momento, comparar os
motivos na fala de cada um dos entrevistados com motivos presentes nas narrativas de outros
entrevistados, ou com diferentes narrativas do mesmo entrevistado durante um certo espaço
de tempo (na hipótese de acontecerem outras entrevistas). Investiga-se a existência de ordem,
seqüência, padrões de mudança, e os relaciona com o perfil sócio biográfico do depoente.
Apreende-se fenomenologicamente a seqüência de ação para, posteriormente, compreende-la
como um mitologema.
O uso dessa categorização, dentro da sua especialização, propicia uma série de
benefícios. Consciente desses benefícios busca-se, nos estudos de Yves Durand (1969), um
conceito (extraído das experiências nessa área) que, possui um potencial significativo: a noção
de actante
65
. Embora, optando-se, diferentemente deste autor, pela não adoção de
categorizações prévias, essa noção (o actante) é o quarto ponto contemplado no presente
estudo. A idéia de adotar essa noção se origina dos protocolos de um teste (o, mencionado,
AT-9) e, como tal, tem como pretensão original permitir ao investigador um sócio-psico-
diagnóstico de uma cultura particular. O actante se constitui numa estrutura dramatúrgica
específica que se atualiza ao se presentificar no momento em que o imaginário se projeta na
vida quotidiana. Pelo fato de se vincular a subjetividade imaginária do narrador, o conteúdo
presentificado, mesmo projetado num elemento exterior, conserva o dinamismo dramático sob
a forma de uma narrativa. E esse dinamismo e sua lógica podem ser resgatados pelo leitor /
investigador.
O dinamismo do actante se expressa pela projeção dos conteúdos do imaginário em
elementos de estofo tico
66
. Esse dinamismo oferece uma descrição da posição do eu do
65
Actante é um termo que tem sua origem na lingüística e se refere ao elemento que realiza a ação denotada pelo
predicado verbal ativo ou passivo. O termo actante substitui o termo personagem podendo se referir a seres
humanos, animais, objetos ou conceitos. Ele é um termo aglutinante das relações funcionais que aparecem na
construção dos enunciados. Embora os actantes primordiais sejam o sujeito e o objeto, actantes são todos os
seres e coisas que, por qualquer motivo ou qualquer maneira, participam, ainda que de forma passiva, do
processo. Numa narrativa, um actante pode projetar-se em vários atores e inversamente um só ator pode ser lugar
da projeção de vários actantes. Yves Durand (1969), utiliza esse termo para designar certas estruturas vivas”
presentes na narrativa e que se tornam capazes de estimulá-la de uma maneira dinâmica, sustentando as
projeções dos narradores e estimulando a eclosão de conteúdos dramáticos.
66
No caso do AT-9, que não será considerado no presente trabalho, os nove elementos anteriormente citados.
122
narrador (ou do "personagem" o elemento no qual o eu do narrador é projetado) em
diferentes estruturas de situação e em cenários correspondentes. O cenário é particularmente
interessante por oferecer, partindo de delineamentos individuais, subsídios para o
desvendamento do universo mítico-arquetípico subjacente aos fenômenos coletivos, bem
como dos regimes de relação que os "personagens" (conforme explicado acima) estabelecem
com esse universo.
Embora na presente investigação se utilize o estudo de caso e se busque não utilizar
categorias previamente definidas, torna-se importante, lembrar que categorização é uma
forma válida de análise. Se dentro de uma perspectiva de subjetividade o uso de
categorizações por vezes engesse a compreensão do fenômeno, isso, conforme se fez
referência anteriormente, talvez se deva muito mais à postura do pesquisador que permita
condicionar seu olhar a buscar em todos os elementos observados conteúdos que as satisfaçam
do que à validade das categorizações em si mesmas. Nesse trabalho, em diversos momentos,
fazer referência às categorizações, isso se deve ao fato não somente de que alguns dos autores
abordados como referenciais as utilizem, mas também pelo fato de que, a posteriori, essas
categorizações possam ser úteis para esclarecer os fenômenos estudados. Uma forma de
utilização das categorizações de maneira mais fluida pode ser encontrada em Durand (1969).
O autor descreve o universo de relações entre os sujeitos, seu imaginário e as suas motivações
sob a forma de tipos e subtipos de “micro-universos” míticos (através dos quais os indivíduos
aprendem a se relacionar com a angústia existencial frente ao tempo e da morte). Esses micro-
universos (categorias) seriam alcançados através da reação aos vetores do teste (um vetor
heróico a espada, um vetor da angústia o monstro e a queda, e assim por diante) para
serem analisados segundo outras grandes categorias os regimes de relação com o mundo.
Em linhas bastante gerais, o AT-9 refere-se a dois regimes de relação com o mundo, que
são, segundo as palavras do outro Durand, “os dois aspectos dos símbolos da libido” (1980, p
137):
O regime diurno define-se como o regime da antítese (não luz sem trevas) e, de tal
forma, é marcado pela exclusão, contradição e identidade como princípios de explicação
(separar, discernir, distinguir como princípios verbais). Traços masculinos, militantes e
purificadores em luta contra a morte e seus traços de Eros noturno e feminóide. Tudo isso
resulta numa polarização de imagens em torno do brilho vitorioso da luz e em torno de sua
antítese: as trevas;
O regime noturno que, marcado por compromisso, indulgência e fusão como princípios
de explicação (marcado às vezes por conversão e eufemismo), inverte o regime afetivo das
123
imagens da morte, da carne e da noite, passando a valorizar o aspecto feminino e materno da
libido e direcionando os esquemas imaginários para a regressão transfigurando a libido num
símbolo materno. Esse regime subdivide-se em duas categorias:
mística: marcada pela vontade de união e mecanismos de explicação (analogia ou
similitude), possuindo como esquemas verbais confundir, descer, possuir, ligar,
aproximar, penetrar. É matizada por atitudes de redobramento, perseveração,
viscosidade (recusa em dividir e separar), realismo sensorial e miniaturização.
sintética: disseminatória e dramática, essa categoria enseja causalidade e fim, tem
como esquemas verbais reunir, amadurecer, progredir, voltar, enumerar, possui um
caráter copulativo unindo presente, passado e porvir. Poderia ser descrita como uma
confluência amadurecida das atitudes heróica (diurna) e mística (noturna) que pode
ser viabilizada no seio do feminino onde “o espírito procura a luz e a queda se
eufemiza em decida, (...) o abismo minimiza-se em taça enquanto (...) a noite não
passa de propedêutica necessária do dia, promessa indubitável da aurora” (Gilbert
DURAND, 1980, p 138).
Os regimes de relação acima podem ser descritos como fenômenos de “compensação”
representativa, onde a imagem surgida na narrativa tem por missão suprir, contrabalançar ou
substituir uma atitude pragmática no cotidiano. Os regimes de relação influenciam e são
influenciados pelos fatores histórico-sociais e as ocorrências do ambiente anelando-se em uma
constelação específica. Narrativas construídas segundo os regimes diurno e noturno (e as
categorias mística e sintética) apresentariam diferentes soluções para os problemas
apresentados pelo mundo. Gilbert Durand atribui esse fenômeno ao fato da imaginação
simbólica ser “dinamicamente negação vital, negação do nada da morte e do tempo” (1988. p.
99). O símbolo surge como uma tentativa restabelecer o equilíbrio vital comprometido pela
noção da morte, para restabelecer o equilíbrio psicossocial, negar a assimilação da espécie
humana pela pura animalidade e, diante da entropia positiva do universo, equilibrar frente a
um universo que passa a existência de um Ser que não passa. Nesse sentido uma narrativa em
regime diurno encontraria como alternativa para sua relação com o ambiente uma atitude
predominantemente ativa, em regime diurno místico uma atitude predominantemente passiva
e em regime noturno sintético haveria uma alternância dessas posturas de acordo com as
demandas ambientais.
Yves Durand (1969) postula que, de posse de certos “protocolos normativos” de
representações imaginárias, pode-se lograr uma hermenêutica dos símbolos, e
conseqüentemente uma leitura “diagnóstica” das relações entre os sujeitos e os mitos com os
124
quais eles e o seu universo cultural se relacionam. Tal leitura diagnóstica também, é buscada
no presente estudo. Embora a utilização dos “protocolos normativos” seja substituída pelos
símbolos presentes nas narrativas, nesta investigação se considera significativo o papel do
actante. Esses actantes, bem como a sua dinâmica dramática evidenciada nos mitologemas e
símbolos reunidos a partir do discurso dos entrevistados (evitando-se, assim, o já mencionado
aprisionamento por categorias externas) terão um papel fundamental na compreensão dos
sentidos produzidos pelos sujeitos em seu cotidiano profissional. Apesar de significativamente
mais trabalhosa, essa abordagem diminui o risco de se transformar os processos em modelos
estáticos do intelecto.
Da análise dos conteúdos desses universos, Durand (1969) sugere ser possível extrair
leituras sobre como se formulam os esquemas míticos, as situações chave, os elementos
dinamizadores da situação, os recursos criativos, identificar os mecanismos de defesa, as
redundâncias e, finalmente, chegar à(s) dificuldade(s) projetiva(s) expressa(s) no mito.
Cabe aqui reforçar (ecoando HILLMAN, 1981) que o modelo de Yves Durant (1963) é
apenas um dentre diversos outros possíveis para abordar o conteúdo simbólico/mitológico
poder-se-ia citar, além de Gilbert Durand (1980) e do próprio Jung (1986): Frazer (1982),
Campbell (1992), Neumann (1996), Bachelard (1993) e Eliade (1992) Huxley (1977) que,
dentre outros, deixaram suas contribuições. Em todas essas abordagens, o método pretende
alcançar seqüências de ações onde se procura, segundo Hillman (1981, p.230):
chegar ao significado do material pondo-se a descoberto os padrões funcionais ou
estruturais, os motivos típicos. Esses motivos podem ser considerados como a
linguagem primordial da mente inconsciente, determinando não apenas sonhos, mas
também padrões de comportamento da vontade consciente. Mark Blum notou isso e
sugere que o mesmo método possa talvez ser aplicável ao estudo da história, na
medida em que os mitologemas atuam nas biografias de personalidades históricas. A
implicação disso é que as crises históricas devam ser encaradas também a partir da
psicologia do inconsciente. (...) É um método que contém implicações para a
sociologia, sugerindo uma ponte entre as duas disciplinas.
Em qualquer dessas abordagens, deve-se ressaltar que existe um campo de ação inerente
ao drama. Hillman (1981) compara esse campo ao que os psicólogos da Gestalt denominam
um campo de forças. A esse “campo” podemos denominar o contexto onde o símbolo
aparece. Esse é o quinto ponto explorado na concepção metodológica do presente estudo. O
contexto onde o mbolo se constela é um elemento fundamental, agindo como disparador da
produção de sentido onde, grosso modo, “forças”/elementos inconscientes (os afetos) e
“forças”/elementos conscientes (informações) interagem para construir sentidos.
Deve-se ressaltar que, dada a dificuldade em se definir termos como “energia
125
psíquica
67
e “campos de força” a comparação de Hillman (1981), acima mencionada, será
tomada metaforicamente. Sendo assim, embora nas linhas subseqüentes sejam citados os
termos “fluxo energético”, “energia” e “campo de força”, esses termos serão tomados como
descrições metafóricas que se aplicam, convenientemente, à idéia da existência de um campo
de ação inerente ao drama narrado (onde o símbolo – enquanto um sistema de informações
68
se constela).
Hillman (1981) propõe que, a fim de descrever a tensão existente nesse campo e a
direção do fluxo energético, deve-se examinar os pontos nodais onde a energia é bloqueada
(peripetia), os pontos de interseção (crise) e os de liberação (lysis). Esses pontos por sua
dinâmica não podem, obviamente, ser abordados de maneira adequada se forem tomados em
categorias (refúgio, arma, etc.), elementos por demais estáticos para acompanhar o
movimento da transformação dos conteúdos. No entanto, se forem localizados mitologemas
será possível compreender o que está de fato ocorrendo, bem como a direção e a intensidade
da energia envolvida no processo de produção de sentido para utilizar termos caros a Kurt
Lewin (1965, 1983 e 1987).
Mesmo admitindo que, atualmente, a utilização de uma terminologia “energética”
(como a utilizada por Lewin e Hillman) seja pouco indicada, deve-se ressaltar que sua
utilização metafórica serve para ressaltar os aspectos dinâmicos e imprevisíveis dos sistemas
complexos e abertos. Essa complexidade é destacada por Jung quando esse enfatiza que
“deve-se fazer uma tentativa de interpretação apenas depois de captar o contexto” (C.W 12,
par.48), sob risco de preencher as lacunas encontradas com projeções pessoais. Não se deve
desconsiderar, desse modo, a influência do próprio observador. Ou seja, ao contexto vivencial
e ao contexto histórico, em que o conteúdo se insere, se somam às influências desse a que
Penna se refere como o sistema observador. Essa é uma postura que remonta ao modo como
Jung trabalhava. Segundo a autora, Jung “discute a teoria psicológica como representante de
67
Samuels, Shorter e Plaut (1988), referem-se à utilização que Jung faz do termo “energia” como uma
“complicada metáfora” uma vez que a utilização desse termo implicaria na necessidade de existirem meios
objetivos para se medir e quantificar essa energia. Uma outra dificuldade é se delimitar quais serão os canais
através dos quais flui essa “energia”, uma vez que o foco dos interesses e envolvimentos individuais é
extremamente móvel. Existe ainda, a dificuldade de conciliar essa idéia à noção de que esse fluxo não se move
ao acaso e sim seguindo uma estrutura preexistente, o arquétipo.
68
Um sistema pode ser descrito como um conjunto de partes articuladas entre si (podendo essas partes ser
compostas por subsistemas) com vistas à consecução de um objetivo. No caso de um sistema de informação
essas partes articuladas seriam formadas a partir de conjunto de funções específicas e inter-relacionadas que
interagem na solução de um problema. O sistema de informações é alimentado permanentemente por dados
oriundos dessas partes permitindo uma significação dos dados e um tratamento, organização e distribuição das
informações produzidas. Faz parte desse conceito a idéia de fluxo: existe um movimento constante de
informações que atravessam o sistema. Deve-se ressaltar que essas informações são constantemente capturadas,
analisadas e transformadas pelas partes.
126
um sistema observador interagindo com sistemas observados quando de sua formulação; na
sua divulgação a teoria se torna um sistema observado pelo público que, por sua vez, reage a
ela” (2003, p.177).
A noção de que exista um campo de ação inerente ao drama, como propõe Hillman
(1981), ou uma estrutura dramatúrgica específica que se atualiza no momento da projeção do
imaginário na vida quotidiana, como queria Yves Durand (1969), sugere uma retomada da
noção de actante como uma estrutura que confere ou intensifica a dramaticidade em um
campo de ação. Na leitura das narrativas recolhidas poder-se-ia buscar imagens (símbolos) e
seqüências (mitologemas) que desempenhassem a função de elementos estimuladores de um
“efeito” actancial (como será convencionado chamar, a partir desse ponto, a projeção de
conteúdos do imaginário em aspectos do cotidiano).
No sentido inverso, esse "efeito" actancial poderia oferecer um acesso aos
agrupamentos das representações imaginárias em torno de schèmes
69
originais, arquétipos e
símbolos presentes no âmago dos sistemas míticos da cultura do grupo pesquisado
70
e
expressos pelos sujeitos pesquisados. Isso possibilitaria inferências sobre a prevalência (ou
não) de aspectos do imaginário, do simbolismo e dos afetos envolvidos no processo de
produção de sentido desse grupo.
O sexto ponto a ser considerado (em decorrência da opção por uma não categorização
do material a ser analisado e da definição pela hermenêutica específica a ser empregada na
análise) é a escolha do posicionamento a ser utilizado quando da coleta do material a ser
69
Esquemas. Gilbert Durand (1988) nos chama a atenção para o fato de que, se observarmos o fenômeno
simbólico através de seus aspectos psicofisiológicos (em lugar de, apenas, dos aspectos psicoantropológicos),
veremos que “o fator geral de equilibração que anima todo o simbolismo não se manifesta mais sobre o aspecto
teórico de um único “impulso” (...) ; mas se manifesta sobre a aparência, confirmada pela fisiologia, de três
esquemas de ação (...) que manifestam a energia biopsíquica tanto no inconsciente biológico quanto no
consciente” (p.79). O autor descreve esses esquemas como correspondentes, numa classificação psicológica e
psicossocial dos símbolos através dos quais elas se expressam, a três grandes grupos de estruturas:
esquizomorfas (de ruptura ou de contradição), místicas (de ligação ou, nos dizeres de Lévy-Bruhl: pensamento
“primitivo”) e as sintéticas (de analogia) que permitem lançar uma ponte entre os dois precedentes. Durand
(1988) busca confirmação para seu modelo na coincidência entre essas estruturas simbólicas e as constatações
psicofisiológicas de Betcherev, Oufland e Oukhtomsky relativas aos reflexos dominantes (reflexos que
organizam outros reflexos por inibição ou reforço): dominante postural, dominante digestiva e dominante
copulativa. Cabe lembrar que esse reencontro de categorias arquetípico/axiomáticas com reflexiológicas o
“trajeto antropológico” pode ser seguido no sentido: fisiologia / sociedade; ou, ao contrário: sociedade /
fisiologia”(p.75). É mister acentuar que sempre regimes, estruturas ou classes de arquétipos serão apenas
categorias classificatórias deduzidas da convergência empírica: o impulso será sempre um postulado; um
comportamento reflexo ou social é um fato constatável.
70
Se o imaginário for considerado como conjuntos plurais de imagens em constelações (mitos) expressos em
constantes trocas entre "pulsões" subjetivas e pressões objetivas do meio cósmico e social, seria correto afirmar o
apelo destes temas chave, por um lado, ao universo histórico pessoal e às representações sociais e, por outro a
estímulos projetivos (possibilitadores do desencadeamento de inserções no universo de angústia). Dessa forma
poder-se-ia supor que a proposição de certos temas chave poderia vir a ser um constituidor de estruturas
dramatúrgicas actantes. Esse apelo ofereceria, dessa forma, um acesso ao que se referiu, anteriormente, como
127
analisado. Essa escolha, agora óbvia em vista do exposto, é, apesar da sua “antigüidade”
enquanto proposição, pelo método freudiano da atenção flutuante. Essa escolha se justifica
pelo fato desse método ter sido considerado, desde as primeiras experiências, mais adequado à
apreensão do dinamismo de como o sentido é produzido na fala dos depoentes. A atenção
flutuante se constitui numa observação errática atenta a tudo que possa perturbar a atenção do
observador. Essa “ação” se desenvolve em dois momentos:
1. O momento de experimentar, onde o olhar se depara com algo excitante que se
oferece a ele sem que, no entanto, o observador busque reconhecer nele estruturas
pré-determinadas.
2. O momento da organização, a partir do qual certos temas se alinham segundo o
padrão pelo qual o depoente organiza o seu discurso.
A apreensão de um sentido que ultrapasse os limites do depoimento emerge sob a forma
de articulações que se tornam, gradualmente, evidentes. Admitindo-se que o símbolo medeie
contrários e atribua sentidos, uma leitura flutuante de depoimentos possibilita contemplar o
observado admitindo, simultaneamente, totalidade (distância) e intimidade (proximidade).
A utilização da leitura flutuante propõe contrastar aos padrões definidos de observação
uma mobilidade psíquica disciplinada em termos de desejo e memória. Essa mobilidade busca
uma contemplação “neutra” do fenômeno, buscando perceber sentidos além daqueles
oferecidos por modelos, teorias e categorias de observação prévias. Novamente uma ação em
dois momentos: o primeiro busca captar possibilidades anteriormente indiferenciadas, e o
segundo as deixa livres para que a própria psique possa organizá-las
71
.
Segundo Boumard (2002), essa postura assemelha-se à experiência etnográfica
denominada “do bastão frouxo” onde, ao invés de se tentar recolher todo o material possível
sobre um determinado assunto ou situação é oferecido ao sujeito da observação um foro
privilegiado, livre de cadeias e referências, porém nunca neutro por estar “sempre a espera
duma eventual produção de sentido” (BOUMARD, 2002, p.3).
Após abordar a atitude do pesquisador diante do material apresentado pelo entrevistado,
seria necessário delimitar a essa atitude diante da pessoa do entrevistado. Este é o sétimo
ponto no delineamento das estratégias metodológicas para esse estudo.
Dentre as várias abordagens propostas para se focar a questão do sentido, poder-se-ia
destacar o método utilizado por Gabriel (1998) que busca na análise do discurso fundamento
núcleo inconsciente das representações sociais.
71
Uma perspectiva que, ao respeitar em igual medida todo o material, deixa agir a própria atividade
inconsciente, permitindo que a atenção do EU seja transigida em favor de outras perspectivas (em relação ao Eu)
de que a psique dispõe para se ligar aos objetos.
128
para estudar as relações entre o contar histórias e a produção de sentido. Segundo o autor, a
verdade em uma história repousa não nos fatos, mas no sentido delas decorrente. Trata-se de
uma afirmação perigosa, uma vez que é necessário considerar que existem duas ordens
envolvidas no processo de construção da verdade: a ordem dos fatos e a ordem dos sentidos.
Os fatos existem, que esses fatos podem ser encadeados a partir de diferentes propriedades
que eles possuem. O ponto fundamental é que essas propriedades se originam na atribuição de
sentido produzida na subjetividade do narrador. O questionamento a ser feito diante do autor
é: Seria possível trabalhar somente com o sentido, deixando de lado os fatos? Como as
proposições de Einstein deixam claro, a verdade o é uma coisa assim como uma coisa está
em si mesma, e sim é captar o assim como uma coisa que está no seu acontecer. Ou seja,
embora “coisa” e “coisa captada” sejam diferentes, elas são indissociáveis uma da outra.
Como dizia Jung, a verdade estará provavelmente entre a forma e a observação daquilo que se
manifesta: “a verdadeira expressão é a que forma à observação” (1989, par.770). Feita essa
pequena réplica, a proposta de Gabriel (1998) torna-se um possível norte para o presente
estudo por considerar que as histórias expressem realidades organizacionais e sentimentos de
forma mais acurada que respostas a questões diretas. Segundo o autor, o entrevistador deve
manter uma atitude de vivacidade frente ao entrevistado, valorizando a relação e o momento
vivenciado pelos dois. Nesse, sentido entrevistador passa a se posicionar como uma audiência
interessada em ouvir boas histórias, o que contrasta com outras formas de se pesquisar
histórias “cuja abordagem ‘mosca-na-parede’ enfraquece o prazer e o senso de desafio do
contador de histórias
72
(p.97), isto é, onde a “imobilidade do entrevistador despotencializa o
entrevistado.
Nesse sentido pode-se pensar (em oposição à tradicional atitude de neutralidade “fria”)
numa atitude de facilitação da narração de histórias, onde o entrevistador demonstrasse de
maneira efetiva seu interesse e abertura para interagir com o “caso” narrado. Evita-se inibir o
entrevistado no relato pleno de sua interpretação da experiência tomando, no entanto, cuidado
para que sua preocupação em demonstrar interesse não acabe se tornando um fator inibidor
para o entrevistado. Essa atitude se justificaria na seguinte observação do autor: “Se as
organizações são, por excelência, selvas de informação, histórias vêm recuperar o sentido”
(p.94). Dentro desta perspectiva, Gabriel (1998) cita Boje para afirmar que as histórias são o
principal bem de produção de sentido entre stakeholders
73
, tanto internos quanto externos.
72
No original: “Whose ‘fly-on-the-wall’ aproaches undermine the story-teller’s challenge and pleasure”.
73
O temo stakeholders será entendido aqui no seu sentido mais amplo: como todas aquelas pessoas “capazes de
influenciar e ser influenciados por um empreendimento” (MITTELDORF, 2000, p.136), ou seja, todas as
pessoas, grupos ou organizações que mantém algum tipo de vínculo com a organização.
129
Para o autor as histórias aparecem para varrer todas as outras formas de produção de sentido
(explanações, planos ou fatos) para o lado. Essa postura adequa-se aos parâmetros do presente
estudo e, dessa forma, considera-se que ofereça uma abertura para que o simbolismo possa ser
expresso em sua multiplicidade de sentidos.
Finalizando, é importante enfatizar que, ao assumir para o presente estudo uma
abordagem empírica dentro de uma hermenêutica típica da Psicologia Analítica implica que
se assuma a complexidade e a subjetividade tanto dos sujeitos e das situações estudadas como
do próprio estudo proposto. Nesse sentido, é importante frisar que, ao se trabalhar com um
conhecimento tácito, torna-se necessário adotar uma postura cuidadosa para não tentar
organizar o “inorganizável”, e sim sugerir pontos e referenciais que auxiliem na sua
compreensão. Esta é, resumidamente, a atitude proposta neste capítulo.
Cabe, nesse ponto, delinear um dos componentes da abordagem empírica desse contexto
de complexidade: o experimento com as associações de palavras. E isto que será feito no item
seguinte.
3.1.1 Elementos para a construção do experimento com as associações
Antes do relato da pesquisa empírica, propriamente dita, torna-se necessário descrever
um dos principais instrumentos utilizados nesse estudo, o experimento com as associações de
palavras, delimitando sua importância histórica e descrevendo as peculiaridades do modelo
proposto por Jung (1995) bem como as modificações introduzidas no método para atender às
necessidades do presente estudo.
3.1.1.1 A importância do experimento com as associações como uma abordagem
experimental do inconsciente
Conforme dito anteriormente, “nossos contemporâneos cientificamente orientados”
(MEIER, 1984, p. 65) julgaram importante submeter os fenômenos que estudam a um exame
experimental, quantitativo. Segundo Meier (1984), para que os efeitos do inconsciente sejam
ser sujeitados a experiências desse tipo, faz-se necessário inicialmente encontrar um
instrumento de medida adequado a esse fim ou, como uma alternativa, construir esse
130
instrumento. O autor recorda ainda que as condições sob as quais a experiência se realiza
devem ser mantidas as mais simples possíveis, de modo que não seja muito difícil lidar com
os fatores considerados na análise. Esse experimento deve também ser reprodutível a qualquer
momento por qualquer pessoa, de forma que o maior número possível de cientistas possam,
em um período curto, produzir o maior número possível de resultados que sejam comparáveis
e passíveis de tratamento estatístico.
Embora a proposta de Wilhelm Wundt (Leipzig, 1832-1920) para o experimento com
as associações atendesse, em grande parte, a essas condições, quando, em 1903, Jung
introduziu essa experiência na pesquisa psiquiátrica, não foi com qualquer intenção de usá-la
para registrar manifestações da psique inconsciente. As modificações introduzidas por Jung
objetivavam melhorar a precisão do diagnóstico em psiquiatria através da introdução de uma
técnica psicométrica.
Embora Jung tenha se frustrado quanto à esperança de utilizar o teste para refinar a
técnica diagnóstica, a forma pela qual os resultados da experiência foram avaliados permitiu a
Jung se concentrar mais profundamente nos distúrbios que pontuavam o curso da experiência.
O que investigadores anteriores ignoravam por julgar meros lapsos ou erros, Jung reconheceu
que ocorrer em alguns pontos específicos na experiência com maior freqüência que em outros.
Meier (1984) ressalta que esse tipo de ocorrência se assemelhava, de muitas formas, aos
distúrbios que eram sendo relatados por Freud no mesmo momento, e a explicação desses
fenômenos com base nos princípios por ele propostos era totalmente convincente. Essa
chamada coincidência cronológica entre esse ponto e as descobertas de Freud marcou a
aproximação dos dois. Mas foram os acréscimo de Jung ao método que primeiro forneceram a
base experimental para qualquer abordagem psicoanalítica, e que portanto, representa a
primeira contribuição fundamental de Jung para a escola psicanalítica. A descoberta, o
nomear e a avaliação clínica dos complexos, associada com técnicas quantitativas de medida,
é e permanece como a grande contribuição de Jung mesmo após a separação dos caminhos
desses dois pensadores.
Após um intervalo de 20 anos, em 1933, atuando como professor universitário no
Instituto Federal de Tecnologia da Suíça, Jung promoveu, regularmente, seminários
complementares às suas aulas. O primeiro tópico abordado era o Experimento com as
Associações, ao que dedicava um semestre inteiro. Esses seminários eram repetidos
periodicamente, e Jung os considerava pré-condição para qualquer outro estudo da psicologia
do inconsciente. C.A. Meier, como outros junguianos, manteve a tradição de Jung, prática
essa a qual ele se referia como de “grande benefício para meus alunos e para mim mesmo”
131
(1984, p.67).
Tendo verificado a ausência de um relato sistematizado desse método, que permitisse
aos seus estudantes se familiarizarem com a técnica Meier compôs uma apresentação bastante
didática da experiência de associação (Meier,1984); grande parte do material apresentado a
seguir, nela foi baseado.
3.1.1.1 A importância do experimento com as associações como uma abordagem
experimental do inconsciente
O objetivo deste tópico é apresentar uma descrição do método de condução dos
experimentos com associações de palavras bem como das alterações no ritual que se fizeram
necessárias para a adaptar o modelo proposto por Jung (1995) e Meier (1984) aos objetivos do
presente estudo.
Meier (1984) destaca que, ao se pretender replicar os experimentos de Jung com as
associações, seria necessária uma fidelidade especial ao modelo proposto por Jung (1995)
para que se possam comparar os resultados obtidos com outros experimentadores. No entanto,
uma vez que os objetivos da presente investigação solicitam a aplicação do referido
experimento a um contexto bastante específico, algumas alterações no processo deverão ser
efetuadas.
Embora se utilize aqui a estrutura básica de aplicação proposta por Meier (1984), a
composição do elenco de palavras-estímulo seguirá o modelo aplicado por Jung a um caso
específico: a investigação, concluída com sucesso, de um caso de furto ocorrido em 1905
(Jung, 1995, par.769 e seguintes). A inovação apresentada por esse caso consistiu na coleta de
parte das palavras que compuseram o experimento de uma entrevista feita com a vítima. Essa
estratégia permitiu vincular o experimento a uma situação emocional específica e investigar
os complexos ideo-afetivos relacionados ao fato em questão.
Seguindo a sugestão de Jung (1995), com o propósito de estimular ao máximo os
complexos relativos às situações de relativas às dificuldades no compartilhamento de sentidos
entre os membros da organização investigada, foi preparado um formulário de palavras-
estímulo (supostamente neutras
74
) entre as quais foram distribuídas 40 palavras que se
referiam aos temas relatados nas narrativas. A suposição de que essas palavras ao se
74
Até a aplicação do teste nunca se pode concluir, com certeza absoluta, que uma palavra específica seja
realmente neutra. Sempre existirá o risco de que um estímulo possa, contra a intenção do pesquisador,
desencadear um reação inesperada.
132
relacionarem a símbolos pudessem despertar reações emocionais e influenciar as reações dos
sujeitos durante o experimento levou a sua escolha como palavras estímulo críticas. Essas 40
palavras-estímulo referentes aos temas críticos das narrativas foram distribuídas entre 60
palavras-estímulo indiferentes, tomando-se o cuidado de inserir, na maioria dos casos, pelo
menos uma palavra-estímulo indiferente após cada crítica. Essa iniciativa se deveu à
advertência recebida do autor quanto ao fato da carga emocional perseverar na reação pós-
crítica. Evitar que duas palavras-estímulo críticas influenciassem uma a outra permitiu que a
constelação do complexo emergisse com bastante clareza. Seguindo o método tradicional o
experimento de associação foi complementado por um experimento de reprodução. Os
detalhes restantes do experimento seguiram inalterados, conforme descrito no item 3.3.2 dos
Procedimentos, e seguiram as sugestões de Meier (1984).
Como vimos anteriormente, uma vez que os estudos do processo simbólico relacionados
à produção de sentido em organizações não desenvolveram métodos para alcançar a dimensão
afetiva dos símbolos, torna-se necessário conceber uma investigação que, a partir de um
estudo de caso possa preencher essa lacuna. Para tanto é proposto que, a partir de entrevistas
baseadas num roteiro semi-estruturado, se possa alcançar a subjetividade de representantes
dos grupos da organização em narrativas que juntam autobiografia, relato da história da
organização, de seus conflitos e das alegrias, sucessos e fracassos relativos à convivência
nela. Esse roteiro é concebido de forma a despertar a faculdade poïetica, e as formulações
estéticas organizadoras anteriores à simbólica através do uso de uma linguagem conotativa.
Utiliza-se, também, como um recurso complementar de estimulação da expressão de
conteúdos afetivos, o conceito de actante, na elaboração do roteiro semi-estruturado de
entrevistas. A análise das entrevistas é concebida sob a forma de sucessivas etapas de leitura
utilizando a atenção flutuante que possibilitem eleger palavras, imagens, mitologemas,
expressões e seqüências de ação que emergiram espontaneamente dos relatos oferecendo
acesso aos símbolos a elas inerentes. Como forma de garantir que os símbolos encontrados
possam ser identificados como tal dentro de uma acepção junguiana concebe-se a
realização de um experimento com associações de palavras (nos moldes propostos,
inicialmente, por Wundt e Galton e, posteriormente, Jung) com base no material coletado nas
entrevistas. Esse experimento utiliza um conjunto de palavras-estímulo para despertar
associações verbais a partir das quais seria possível identificar as reações emocionais,
características típicas da emergência do símbolo na concepção de Jung, pudessem ser
rastreadas não somente por reações verbais, mas também, pela medição do tempo de resposta
(relação complexos ídeo-afetivos / símbolo). É proposto ainda que o campo de ação dratica,
133
onde todo esse material aparece, seja tomado como o contexto, onde afetos e informação
interagem em torno de símbolos. Concebe-se, finalmente, que esse material seja utilizado, sob
uma hermenêutica junguiana, na análise das relações de produção de sentido. Os
experimentos citados acima serão detalhados na próxima seção.
134
3.2 Pesquisa Empírica
O objetivo desta seção é explicitar a condução do grupo de experimentos que pretende
avaliar a diversidade de interpretações de uma realidade organizacional mediante a
identificação das relações dos integrantes de seus grupos constitutivos com os símbolos a ela
inerentes. Considerando que, essa produção de sentido é marcada por um processo constante
de construção e desconstrução, identificável como um processo simbólico, a pesquisa
apresentada a seguir visa verificar a atuação do símbolo como catalisador das expressões
afetivas conscientes e inconscientes, e como objeto transacional, ao mediar os opostos
inerentes aos atos comunicativos entre indivíduos produzindo sentido e criando cultura.
3.2.1 Estratégia
Ao se pretender avaliar as diversas interpretações de uma realidade que grupos e
subgrupos produzem no ambiente de uma organização mediante a identificação das relações
estabelecidas entre integrantes e símbolos, torna-se necessário produzir verbalizações dos
sujeitos sobre as interações entre eles, com o grupo como um todo e com os outros
departamentos. A partir desses relatos, é possível compor um “texto” passível de ser
submetido a um exercício interpretativo onde possam emergir elementos que conectem
“impulsos” subjetivos e pressões objetivas para, assim, poder analisar os processos e
mecanismos de produção de sentido inerentes a essa situação. Somente a partir dessas
verbalizações torna-se possível investigar: as percepções que as pessoas apresentam da
própria vida, da organização, das relações interpessoais, da própria inserção profissional e de
situações onde aconteceram conflitos como de histórias de sucesso; bem como a função
mediadora da dimensão afetiva relacionada ao simbolismo no processo de comunicação e o
seu papel na produção de sentido e, em decorrência, seu papel na produção, na mediação e na
solução dos conflitos.
Se, para se chegar ao objeto necessário à presente investigação, foi preciso colher os
relatos das pessoas, para identificar os símbolos presentes desses relatos foi preciso não
apenas recolher “imagens”, mas submetê-las a um processo de análise que confirme o seu
enquadramento na categoria de símbolo (dentro da perspectiva adotada por Carl Gustav Jung
e seus seguidores). E, somente após esse trabalho, tratar os dados colhidos com o objetivo de
135
apreender os diferentes sentidos (atribuídos às coisas, às pessoas e às situações) que são
objetivados nessas expressões, mas que não são conscientemente percebidos.
Coletados esses dados foi necessário arranja-los de forma a enfatizar os aspectos
centrais que, uma vez organizados permitem uma análise segundo uma hermenêutica
junguiana. Conduzida essa análise tornou-se possível responder à questão central desta
investigação.
3.2.2 Método
Tendo sido analisada a complexidade da investigação ora descrita e delineada a
estratégia de abordagem do problema, o estudo de caso, de acordo com o exposto
anteriormente, foi escolhido como método válido para ser utilizado no presente estudo. Nesse
caso específico, conforme descrito no item 3.1, os dados se originam de relatos orais
recolhidos através de entrevistas semi-estruturadas e semi-diretivas, bem como de resultados
colhidos através do experimento com associações de palavras baseadas em elementos
reunidos a partir dos relatos captados. Dessa forma a pesquisa de campo foi concebida em
duas etapas:
1. Entrevistas semi-estruturadas e semi-diretivas;
2. Experimento com associações de palavras.
Durante a concepção do roteiro de tópicos selecionados para nortear as entrevistas semi-
estruturadas, foi considerada a necessidade de se iniciar a coleta estimulando os sujeitos a
construir as narrativas, evocando e suscitando uma verbalização que expresse a visão dos
sujeitos sobre o tema central do estudo com um foco na subjetividade desses depoentes. Para
tanto foi planejada uma gradual evolução dos tópicos (apresentados sob a forma de perguntas
que privilegiem uma linguagem conotativa) desde o relato da história profissional e individual
dos entrevistados, passando por aspectos da história do departamento estudado até chegar a
tópicos onde se faz uma ampla utilização da concepção de actante (discutida anteriormente)
como forma de despertar projeções da parte dos sujeitos e, com isso, incluir uma outra
possibilidade para a expressão da complexidade simbólico-afetiva presente na situação de
produção de sentido.
É importante ressaltar o esforço para estimular os sujeitos a se tornarem generosos ao
assumirem a tarefa de informantes, ponto central para o sucesso da coleta, e o registro integral
136
dos dados (feito através de gravação em fita cassete, seguida de uma transcrição integral e fiel
dos conteúdos) levando em conta a necessidade de preservar os detalhes dramáticos das
situações que são narradas, os cios de linguagem, os deslizes e outras possíveis
interferências de fatores afetivo / inconscientes, bem como detalhes de como essas situações
foram percebidas e interpretadas.
Quanto à elaboração do experimento com as associações de palavras, de acordo com a
metodologia proposta por Jung (1995) e Meier (1984), a eleição de palavras e expressões
escolhidas para compor o elenco de palavras-estímulo se deu não somente em função de se
apresentarem comuns às diversas narrativas (conteúdo sincrônico), mas também daquilo que
se que se revelou diacrônico dentro do que os depoentes acharam ser digno de ser contado
dentro dos temas tratados. Seguindo o rito proposto pelos autores não se levaram em
consideração dados como número de sílabas das palavras-estímulo ou a apresentação das
palavras aos sujeitos seguindo quaisquer categorias pré-determinadas. Contrariamente, foi
tomado o cuidado de não se criar seqüências de palavras-estímulo semelhantes na forma ou
no sentido o que, segundo a sugestão de Jung, evitaria, “que a pessoa experimental se fixasse
num determinado tópico após duas ou três reações” (OC II, par. 9).
3.2.3 O Caso
O contexto onde o estudo se desenvolve é o das relações entre um grupo de professores
dentro de um único departamento (o departamento de Psicologia). Conforme foi dito o
departamento integra a uma tradicional instituição de ensino superior brasileira.
Fundada a mais de 80 anos, a Faculdade a que se vincula o Departamento de Psicologia
representava a concretização de um sonho de intelectuais das áreas de Filosofia, Letras,
Matemática e Ciências Naturais e Sociais. Aproximadamente 60 anos atrás, a Faculdade foi
incorporada à uma Instituição de ensino bem maior e cresceu em importância. Os anos 60
marcaram a história da Faculdade iniciando-se seu período de maior efervescência política e
cultural. No início dos anos 90, a Faculdade chegou a sua conformação física e departamental
atual e oferece, presentemente, 5 cursos de Graduação; 6 Mestrados; 3 Doutorados; além de
cursos de Especialização (todos na área de Ciências Humanas).
O Departamento em questão surge ainda na década de 60 do século XX, dentro do
esforço que se seguiu, após a regulamentação de diversas profissões no Brasil, por conferir
137
àquelas pessoas que exerciam uma das atividades recém regulamentadas o suporte acadêmico
para suas atividades. É nesse período que surge a demanda para a criação de cursos na área
específica de formação em Psicologia. O curso de Psicologia a que se vincula o Departamento
foi um dos primeiros cursos a serem criados na cidade. Seus primeiros professores foram
professores que, através de uma vinculação com sua atividade profissional, exerciam
atividades na área de psicologia (em sua maioria, profissionais vinculados a uma mesma
instituição prestadora de serviços) e que se juntaram, em torno de um líder fundador, para
participarem de uma formação complementar que os capacitaria a exercer a profissão de
psicólogo dentro da regularidade.
Fato relevante para o presente estudo é que os professores do Departamento vêm
tentando, desde a criação do mesmo, alcançar a autonomia em relação à Faculdade e criar
uma faculdade independente. Esses esforços, ano após ano, tem falhado em função de
divergências internas. Essas divergências tiveram início nos primeiros anos de sua
existência quando, deflagrado o regime militar o líder fundador teve seus direitos civis
cassados e, tendo sido afastado do grupo, iniciou-se uma disputa interna pelo poder. No
mesmo período, parte do grupo de professores descontentes com os rumos seguidos se separa
e funda uma outra faculdade. As pessoas restantes se polarizam em torno de dois núcleos
(sustentados por correntes teóricas diametralmente opostas em suas concepções da disciplina).
Essa situação trouxe conseqüências nefandas ao departamento que se, em seu tempo áureo,
chegou a ter em torno de cerca de 100 professores, tem hoje pouco menos que metade desse
número. É importante ressaltar que apesar disso o currículo original se mantém com poucas
adaptações e as vagas que vêm surgindo (em função de afastamentos e aposentadorias) tem
sido preenchidas, em grande parte dos casos, por uma mão de obra barata e pouco qualificada:
Professores Temporários recém saídos da graduação. Deve-se ressaltar ainda que, por mais de
uma década, vem sendo gestada uma reforma curricular sem que, até hoje, em decorrência de
conflitos internos, o processo se aproxime da conclusão. Um dado complementar, colhido de
uma fonte não oficial, tem como certo o motivo que tem adiado, por um lapso de tempo
semelhante, a criação de um programa de Doutoramento na área específica do Departamento:
“A absoluta falta de capacidade dos envolvidos de concordarem minimamente sobre as
condições e parâmetros básicos para que o curso seja oferecido”.
Por sua história de conflitos que se arrastam por décadas (fenômeno que diferencia as
subjetividades produzidas nesse espaço”) o Departamento desponta como um ambiente
apropriado para que possam ser pesquisados fenômenos como os tratados no presente estudo.
Além de possuir hoje uma cultura própria, e cheia de peculiaridades, o departamento
138
apresenta ainda, a vantagem de possuir um conjunto estabelecido de tradições e história, nos
quais os traços definidores da cultura se apresentam suficientemente claros, e a diferenciação
entre as subculturas é evidente. O departamento possui uma longa tradição em acumular
relatos “pitorescos”, onde uma relação estreita com o imaginário simbólico e mítico fica
bastante evidente, o que facilita a coleta de dados para análise e sua conseqüente
interpretação. Deve-se destacar, ainda, que, por ser suficientemente estável (apesar das
desejáveis contradições internas sem as quais seria difícil se tentar apreender seus
mecanismos de "extração" de sentido) o Departamento, não é, em termos culturais,
demasiadamente permeável a influências externas. Isso oferece um modelo que, por não ser
desnecessariamente complexo, permite buscar um modelo "simplificado" (um sistema
complexo o suficiente para fornecer sentido ao estudo e, por outro lado, bastante simples se
comparado às complexidades do universo das organizações como um todo). Esse modelo
poderia auxiliar na análise e na demonstração da existência dos diferentes "dialetos" entre
subculturas, propostos na análise monográfica anterior e, simultaneamente, proporcionar
subsídios que descrevam a dinâmica da utilização dos símbolos como um fator de
identidade/unificação de significados/busca de sentido. Esse modelo poderia, também,
oferecer um campo ideal para a demonstração da relação dos afetos associados aos símbolos
como fator desencadeador de certas ações (e, como "gatilho" para a produção de sentido).
Considerando a história e as condições atuais do departamento em questão raízes bem
fundadas no passado, auto-suficiência e autonomia e isolamento relativos que possibilitaram o
desenvolvimento de uma cultura específica apresentam-se reunidas as condições para a
realização do presente estudo:
uma história longa e marcada por conflitos e disputas internas;
uma cultura própria marcada pela diferenciação das sub-culturas;
uma tradição no acúmulo de relatos históricos pitorescos com riqueza simbólica
evidente;
um razoável grau de estabilidade ainda que comportando divergências internas.
Os fatos que compõe o caso exemplificam um problema comum em muitas
organizações: uma situação onde os conflitos impedem que se produza a sinergia necessária
para as mudanças que garantiriam a sobrevivência da organização na plenitude de seus
potenciais. Nesse caso em particular, fica evidente aquilo que nas organizações é comum
denominar-se “perda de energia”, o que acaba se traduzindo em uma série de importantes
dificuldades no trabalho, entre elas o grau de investimento e participação dos indivíduos em
139
ações coletivas. Nesses termos, o departamento em questão se configura como um objeto
válido para investigações em psicologia organizacional.
3.2.3.1 Sujeitos
Em virtude das especificidades do caso narrado é imposta ao presente estudo uma
população de sujeitos bastante específica. Para a produção dos dados que este estudo requer
foram entrevistados e submetidos ao experimento com as associações de palavras um grupo
de professores do Departamento em questão. Esses sujeitos atenderam a uma série de critérios
que objetivam garantir que eles estivessem suficientemente inseridos na cultura do
Departamento e que tivessem a vivência dos símbolos que a ela permeiam. O grupo em
questão configurou uma amostra intencional, não probabilística e não passível de
generalização. Essa amostra, por razões expostas a seguir, excluiu aqueles indivíduos
estranhos ao grupo, professores temporariamente na instituição.
3.2.3.2 Critérios para a escolha e definição dos sujeitos
Inicialmente programou-se, para os fins da presente pesquisa, adotar como sujeitos o
grupo de professores efetivos que integram o departamento. A questão que se apresentou foi o
número de sujeitos a serem abordados: com quantos sujeitos se assumiria que as variáveis
estariam sendo contempladas? Estudos semelhantes, que tem se voltado para esse tipo de
objetivo mais profundo, tem estudado poucos casos veja-se, por exemplo, o método clínico,
sugerido por Dejours (1991) e o estudo de White e McSwain (1983). Dessa forma programou-
se, tendo em vista a complexidade do experimento, seis indivíduos, sendo que, caso a análise
evidenciasse que esse número fosse insuficiente a quantidade de sujeitos pudesse ser
ampliada. O critério de escolha dos sujeitos foi, além da anuência em participar da pesquisa, o
pertencimento a grupos significativos e / ou divergentes do Departamento.
Além disso, conforme mencionado anteriormente, alguns elementos foram ser levados
em consideração na definição dos parâmetros norteadores da composição da amostra
estudada:
antigüidade no departamento (avançada, média ou recente);
dados relativos a sua colocação dentro do departamento (tanto em relação a cargos
exercidos em núcleos específicos - temporários ou não - quanto a grupos de relação
ou afinidade).
140
Os critérios definidores desse grupo de sujeitos foram estabelecidos em função do
próprio tema a ser estudado. Por levar em consideração o processo de produção de sentido
tomado a partir de narrativas sobre situações específicas gestadas no cotidiano dessa
organização considerou-se fundamental centrar o estudo em sujeitos, que conviveram sob a
cultura mãe da organização por um período de tempo considerável para nela se amalgamarem,
e que, desse processo, tenham reunido um repertório significativo de experiências. Isso
EXCLUI: professores que tenham se integrado ao grupo menos de cinco anos e
professores estrangeiros que estejam apenas em trânsito pela instituição.
3.2.4 Instrumentos
Para a condução do presente estudo foram necessários três instrumentos: um
consentimento informado para a participação na pesquisa; um roteiro de entrevistas semi-
estruturado e semi-diretivo de entrevistas e uma formulário de apresentação de palavras-
estímulo e registro de tempos e associações para o experimento com as associações de
palavras. Esses instrumentos e a sua utilização são descritos a seguir.
3.2.4.1 Consentimento informado
Formulário assinado pelo pesquisador e pelo sujeito da pesquisa onde é apresentada a
idéia geral da pesquisa, bem como dos objetivos da pesquisa (em linhas bastante gerais para
que esse conhecimento não induza ou altere os depoimentos) e dos parâmetros éticos que a
definirão (APÊNDICE I). Nesse material consta ainda endereço e telefone para contato do
orientador da pesquisa e do departamento de psicologia social da USP a quem a entrevistado
poderá recorrer no caso de alguma demanda específica.
3.2.4.2 Roteiro para as entrevistas
Um roteiro de entrevista semi-diretiva e semi-estruturada elaborado para através da
utilização de uma linguagem predominantemente conotativa, incentivar o entrevistado a
narrar sua história pessoal em relação ao departamento de psicologia oferecer meios para um
acesso do material simbólico que permeia essa relação.
Como forma de facilitar a verbalização dos conteúdos necessários à realização do
141
estudo proposto foram propostas ao entrevistado questões em torno dos seguintes temas
(adaptáveis à situação de cada entrevista):
1. Dados Bio-Sociográficos
75
. (Sexo biológico; nacionalidade; naturalidade;
backgroud étnico; backgroud religioso; estado civil; número de filhos; anos de
escolaridade; atividades paralelas ao magistério superior; anos de experiência como
professor dentro e fora da instituição; cargos que ocupa; participação em grupos
temporários ou por tarefa e grupos de referência a que se vincula dentro e fora da
instituição)
2. História pessoal e profissional. (Quem é você? Conte-me sua história... Como o
Sr.(a) chegou até aqui?O que aconteceu desde então?...)
3. História do departamento. (O que é o departamento? Conte-me história deste
departamento... Como ele surgiu?)
4. Qualidades do departamento. (O que é bom no departamento?)
5. Problemas do departamento. (O que é ruim no departamento?)
6. Ciclos. (Se o departamento fosse uma plantação... em que momento do cultivo ele
estaria? Você diria que o departamento evoluiu ou involuiu com o tempo? Você
poderia narrar casos ou situações que evidenciem essa opinião?)
7. Elementos que diferenciam o departamento de outros da faculdade. (Aproveitando
esse retrospecto, como você diferenciaria o Departamento dos outros departamentos
aqui da faculdade?)
8. Histórias e relatos sobre aspectos valorizados no departamento. (Você poderia
contar 3 coisas importantes que todo mundo valoriza nesse departamento?)
9. Histórias e relatos sobre aspectos criticados no departamento. (E se falarmos de
crítica? Você seria capaz de contar 3 coisas importantes que todo mundo critica por
aqui?)
10. Problemas renitentes ou crônicos. (Existem coisas renitentes que são discutidas
sempre e, sempre, voltam à baila?)
11. Hábitos do departamento. (Existem hábitos típicos do departamento ou hábitos
típicos das pessoas aqui do departamento?)
12. Um símbolo para o departamento. (Se eu lhe pedisse para escolher um símbolo para
descrever o departamento, que imagem o Sr.(a) usaria?)
75
A coleta de dados deste item será feita de forma a respeitar a fluência da comunicação entre entrevistador e
entrevistado não sendo, portanto, apresentada obrigatoriamente num tópico à parte, podendo ser diluída e inserir-
se diferentemente no diálogo dependendo do entrevistado e da situação.
142
13. Comparação do departamento com um estilo artístico / musical. (Se você fosse
comparar o departamento a um estilo artístico ou musical que estilo ele seria?
Porquê?)
14. Comparação do departamento com um instrumento musical, animal ou canção. (E se
você tivesse que escolher um instrumento, um animal ou uma canção para
representar o departamento, qual você escolheria? Porquê?)
15. Relato de conflitos no departamento. (Conte-me um caso ou uma situação de
conflito ocorrida no departamento. Conte-me outra.)
16. Relato de êxitos do departamento. (Conte-me uma história de sucesso do
departamento. Conte-me outra.)
17. Relato de fracassos do departamento. (Fale-me agora do oposto. Conte-me uma
história de fracasso ocorrida no departamento. Conte-me outra. )
3.2.4.3 Lista de Palavras-estímulo selecionadas para o experimento com as associações
de palavras
As 40 palavras seguintes, selecionadas a partir das entrevistas, realizadas foram
escolhidas como palavras-estímulo críticas para o experimento com as associações:
alcoólatra, aposentar, arrogante, atendimento, auto-imagem, avaliação, banca,
behavioristas, CAPES, chefia, clínica, competição, concorrentes, concurso, corporativismo,
crise, currículo, departamento, efetivo, excluído, improdutividade, individualista, interesses,
jornada, lacanianos, mal-estar, maracutaia, mestrado, orientando, panelinhas, particular,
perder, prejudicar, psicanalistas, radical, rejeitar, reprovar, setor, substituto, turno. A
escolha dessas palavras se deveu, não somente ao fato delas remeterem a situações
conflituosas no departamento, mas simultaneamente, ao fato delas, potencialmente, se
relacionarem a situações subjetivas presentes no ambiente de trabalho.
Essas 40 palavras-estímulo críticas foram distribuídas entre 60 palavras estímulos
aleatórias seguindo os critérios apresentados no item 3.1.2.2 e compuseram a folha de teste
cujo modelo é apresentado no APÊNDICE II. Para facilitar a visualização das palavras
consideradas críticas, no modelo apresentado no APÊNDICE II essas palavras encontram-se
grafadas em itálico. Nesse modelo as sílabas onde se encontram as vogais tônicas das palavras
encontram-se sublinhadas, marcando o momento de acionamento do cronômetro. Trata-se de
um recurso meramente ilustrativo, na folha utilizada durante o experimento esses
procedimentos não foram adotados.
143
3.2.5 Local de coleta dos dados
A coleta dos dados (tanto na entrevista quanto no experimento com as associações) foi
programada em três ambientes possíveis: na instituição (no gabinete do entrevistado), em sua
residência ou em outro ambiente escolhido pelo entrevistado (desde que guardadas as
condições básicas de privacidade e sigilo).
144
3.3 Procedimentos
3.3.1 Obtenção da Autorização, Consentimento Informado e questões práticas
Na primeira parte da pesquisa de campo, os sujeitos foram abordados a partir da
autorização da coordenação de curso/chefia do departamento, primeiro, por contato
telefônico, depois, pessoalmente, quando foi apresentada a idéia geral da pesquisa, bem como
os parâmetros éticos que a definirm. Obtida a anuência para a participação na pesquisa, foi
solicitado ao entrevistado que assinasse o formulário de consentimento para participação
(APÊNDICE I), e foi agendada uma entrevista para a coleta de dados.
Os sujeitos foram informados, em linhas bastante gerais, sobre os objetivos da pesquisa
para que esse conhecimento não induza ou altere os depoimentos. Esses objetivos podem ser
descritos da seguinte forma: “esse trabalho tem como objetivo analisar o processo de
produção de sentido tomando como base a dimensão afetiva e os símbolos produzidos no
cotidiano das relações interpessoais ocorridas ao logo do tempo naquele grupo”.
3.3.2 Entrevistas
As entrevistas foram gravadas com o objetivo de garantir maior mobilidade e fluidez
nas interações entre entrevistado e entrevistador.
As entrevistas gravadas foram transcritas com a maior fidelidade possível buscando
preservar o dinamismo e vivacidade originais de forma a reconstruir o diálogo registrado e
oferecer material representativo para a elaboração do elenco de palavras-estímulo para o
experimento de associação de palavras.
Ao final da entrevista o sujeito foi recordado de que, reunido o material inicial e
composto o elenco de palavras-estímulo a serem utilizadas no experimento com as
associações, seria agendado novo encontro com cada um dos sujeitos para a realização da
segunda parte da pesquisa de campo. Ele foi lembrado ainda de que a marcação de outras
entrevistas para a conclusão do estudo ficaria condicionada à necessidade, ao andamento dos
trabalhos e à anuência das partes.
145
As entrevistas, tal como verbalizadas pelos sujeitos, estão publicadas no ANEXO 1.
3.3.2 Experimento com as associações de palavras
O experimento com as associações, com base no modelo descrito por Meier (1984), foi
desenvolvido seguindo os seguintes passos
76
:
1º. O setting: o experimento foi conduzido, na totalidade dos casos, no gabinete de
trabalho do professor-sujeito onde ambos, experimentador e sujeitos, puderam
levar o experimento a cabo, sem interrupções. Esses espaços continham, pelo
menos, duas cadeiras e uma mesa. Experimentador e sujeitos sentaram-se um
defronte ao outro. Embora a formulação tradicional não requisitasse, cada uma
das “sessões” foi gravada em fita cassete, como uma maneira conferir mais
confiabilidade aos dados coletados e de dirimir quaisquer possíveis dúvidas
posteriores sobre tempos e conteúdos das reações. O tempo médio dos
experimentos foi de uma hora.
2º. Equipamentos: o experimentador utilizou uma folha de palavras-estímulo que
mescla palavras críticas retiradas das entrevistas e uma lista de palavras
indiferentes retiradas de um formulário criado por Jung (1995) em 1905. Essa
folha encontra-se reproduzida no apêndice II. Foram utilizados ainda um
cronômetro com registro para centésimos de segundo, uma caneta esferográfica
e um gravador de cassetes portátil.
3º. As instruções: O sujeito recebeu as seguintes instruções para participar do
experimento: “Eu vou apresentar ao Sr(a), uma centena de palavras dessa lista.
Essas palavras serão apresentadas, separadamente, uma após a outra, e a sua
tarefa será responder a cada uma com a primeira palavra que vier à sua mente.
Quando for possível, o Sr(a) deverá responder com apenas uma palavra e eu
medirei o tempo decorrido até que seja pronunciada a sua resposta”. Embora
essas fossem as instruções básicas, teve-se, sempre, o cuidado de verificar a
compreensão correta das instruções.
76
Embora, ao longo do restante deste tópico, sejam introduzidos comentários do autor deste estudo, será feita a
seguir uma referência extensa ao estudo de Meier (1984) sobre o experimento das associações. Nessa referência
serão buscados os referenciais básicos para a condução e a análise do experimento ora apresentado. Embora essa
digressão pareça um tanto longa ela se justifica pela carência de materiais sobre o assunto no Brasil
excetuando-se, claro, o volume de Jung (1995) – o que aponta para a necessidade de familiarizar o leitor sobre os
146
4º. O experimento: As palavras estímulo foram lidas clara e distintamente, uma
após a outra, em um volume audível, mas não alto demais. Sempre que o
experimentador pronunciou a primeira vogal tônica da palavra estímulo ele
simultaneamente iniciou o cronômetro. O cronômetro foi parado no momento
em que o sujeito pronunciou o primeiro som de sua reação. Após a palavra-
estímulo foi anotado o tempo decorrido entre a pronúncia da primeira vogal
tônica da palavra-estímulo e o início da pronúncia da resposta do sujeito; esse
tempo foi medido em segundos e centésimos de segundo. Logo se, por
exemplo, o tempo de reação for 2 segundos, o número “2,00” foi registrado no
espaço reservado. Após o tempo de reação foi anotada a reação, ou seja, o
texto completo da resposta do sujeito. Após as 100 reações terem sido
anotadas, foi dada ao sujeito mais uma instrução. Foi dito a ele que a
experiência seria repetida para observar se o sujeito ainda se recordava de suas
reações. Foi deixado bem claro que, nesse momento, não haveria mais medida
do intervalo de tempo, de modo que o sujeito de se permitir usar o tempo
que ele quisesse para lembrar de sua reação original. Nessa parte da
experiência (a experiência de reprodução), foram registradas as reproduções
corretas no esquema de palavras-estímulo escrevendo um sinal positivo (+)
depois da reação, ou um sinal negativo (-) caso a pessoa não consiga se
recordar. Onde houve uma reprodução incorreta, essa nova resposta errada foi
escrita na coluna apropriada.
5º. A discussão: Nessa etapa o sujeito foi questionado se, durante o curso da
experiência, teve consciência de algum tipo de distúrbio ou dificuldade em
pronunciar a resposta desejada ou imediata, ou se ele sabe em que lugares da
experiência (ou seja, em que palavras-estímulo) ele experimentou inibições em
responder espontânea e rapidamente, assim que a resposta lhe veio à mente.
Nos casos em que o pesquisador recebeu a resposta de que em um ponto ou
outro o sujeito esteve consciente de distúrbios ou dificuldades desse tipo foi
solicitado ao sujeito que ele descrevesse o processo que ocorreu e a oferecer
explicações para a demora ou complicação. Essas explicações também foram
registradas em outra coluna adjacente, após as palavras-estímulo relevantes e
as reações relevantes. Quando não houve espaço para isso, uma folha especial
foi anexada ao esquema de palavras-estímulo para esse propósito, de modo que
procedimentos envolvidos no experimento.
147
explicações desse tipo, que às vezes são circunstanciais, pudessem ser anotadas
sob o número da palavra-estímulo em questão. Esse último procedimento foi
seguido para que, os distúrbios que não chamaram a atenção do sujeito, ou
seja, que não chegaram à mente consciente, pudessem ser distinguidos dos
relatados. Feita a distinção entre distúrbios conscientes e inconscientes, esses
foram atribuídos à influência dos complexos. Nesse sentido, para a distinção
entre esses dois tipos de distúrbio foram utilizados os termos: complexo
consciente e complexo inconscientes.
148
3.4 Apresentação dos dados
A finalidade desta sessão é apresentar os dados reunidos durante as várias partes do
experimento. Os dados referentes aos entrevistados são apresentados abaixo. As transcrições
das entrevistas foram, devido à sua extensão, publicados em um volume à parte (ANEXO I).
As listas de associações produzidas durante os experimentos com as associações de palavras,
bem como os indicadores de complexos e os comentários feitos pelos sujeitos são
apresentados no item 3.4.1.2. A codificação explicativa utilizada na identificação de
complexos é apresentada no item 3.4.2.
3.4.1 Dados dos sujeitos
Identificação
do Sujeito
Sexo Idade
Tempo no
departamento
Titulação
S1
Feminino 64 11 anos Doutorado
S2
Masculino 54 24 anos Pós-doutorado
S3
Masculino 48 10 anos Doutorado
S4
Feminino 61 38 anos Mestrado
S5
Masculino 63 31 anos Doutorado
S6
Masculino 40 09 anos Doutorado
149
3.4.1.1 Listas de associações produzidas
3.4.1.1.1 Sujeito 1 Idade: 64 Sexo: F
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
1. Cabeça 2,47 Cérebro +
2. Verde 2,31 Mata +
3. Água 3,72 Limpeza +
4. Perfurar 7,37 Cisterna + 1 (tempo de
reação
prolongado)
5. Assassinato 3,31 Crime +
6. Alcoólatra 3,78 Doente +
7. Cinco 4,62 Mão + 1, 3
(perseveração)
e 7 (mímica)
8. Doutorado 7,56 Conclusão de
vida acadêmica /
reputação / tese
+ 1 e 14 (reação
em várias
palavras)
É o momento
em que você
se torna
respeitável. A
partir do qual
você fala e as
pessoas
valorizam a
sua fala.
9. 5,53 Aconchego + 1, 3 e 6 (ouviu
mal)
10. Aposentar 5,28 Morrer + 1 e 8
(Exclamação)
O dia que eu
parar de
trabalhar eu
vou ter a
sensação de
morte.
11. Mesa 2,69 Família +
12. Crise 3,43 Oportunidade +
13. Cadeira 4,06 Trabalho +
14. Mal-humorado 2,22 Infeliz E... / doente
talvez...
2 (reprodução
incorreta)
15. Improdutividade 9,94 Defeito Hummm...
desgaste /
prejuízo
1 e 2 Passei a vida
trabalhando
muito na
tentativa de
mostrar que eu
era produtiva.
Que eu dava
conta... tem
muito a ver
com o que eu
fiz... Era vista
como
produtiva...
Trabalhadeira,
que faz
acontecer. Eu
150
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
gostaria que as
pessoas
fossem assim
embora eu
ache que isto
tem um custo
muito alto. É a
forma como eu
gosto de ser
vista:
produtiva.
Tenho muito
medo de
adoecer e
deixar de ser
vista como
produtiva,
sabe? É uma
morte a
improdutivida
de.
16. Lago 3,22 Patos +
17. Doente 3,16 Luto Tristeza /
Morte
2
18. Efetivo 4,60 Funcionário + 1 Eu sempre
trabalhei na
área pública e
sempre
busquei ser
estável ser
efetivo para
garantir o
cotidiano, que
eu não vou
passar
dificuldade.
19. Cozinhar 7,04 Afeto Carinho /
Afeto
1, 3 e 2 Não é uma
coisa
agradável ficar
defronte ao
fogão eu faço
com muita
freqüência por
afeto aos que
eu gosto.
20. Perder 2,87 Jogo +
21. Tinta 4,12 Alegria Colorir 2
22. Mau 17,85 Mau? Meu
Deus... / Monstro
... / + 1, 8 e 14 Eu tenho muita
dificuldade de
admitir que as
pessoas sejam
más, a gente
faz maldades
não porque
queira... é
muito raro...
151
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
23. Interesses 5,54 Motivações + 1 Opções de
vida:
profissionais,
amizade, etc.
Que envolvem
emoções
24. Nadar 6,75 Recém nascido + 1
25. Concurso 7,12 Humm? Disputa + 1 e 8
(interjeição)
26. Azul 6,06 Azul? Beleza + 1, 3, 5
(repetição) e 8
27. Pão 10,22 Início do dia + 1, 3 e 14
28. Turno 5,97 Manhã + 1 Trabalho bem
de manhã...
Detesto a
noite... Está
sendo um
sacrifício
nesse final de
carreira
trabalhar à
noite.
29. Selvagem 5,19 Leopardo + 1 e 3
30. CAPES 8,88 O órgão?
Universidade
E... / + 1, 8 e 14 É um órgão
que vive
fazendo
exigências,
cobrando e não
reconhecendo.
É um órgão
que me
incomoda
apesar dela
estar voltada
para melhorar
o padrão do
pessoal de
ensino
superior. Mas
eu percebo
uma certa
injustiça nas
decisões.
31. Árvore 4,59 Proteção Sossego / + 1, 2 e 3
32. Banca 3,72 Exame +
33. Amarelo 3,46 Alegre +
34. Competição 2,63 Luta +
35. Montanha 2,94 Desafio O que eu teria
dito... / +
2 e 14
36. Concorrentes 7,81 Dificuldade E... Não
lembro / Luta
1, 2 e 14 Eu passei a
maior parte da
minha vida
fazendo
concursos,
inúmeros... até
hoje, mesmo
152
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
sem fazer
concursos eu
arranjo
concorrentes e
isso me trás
problemas.
37. Sal 6,64 + 1 e 3
38. Novo 2,78 Bom +
39. Mal-estar 3,53 Indisposição /
limite
Indesejável 2 e 14
40. Cavalgar 5,97 Vento + 1, 3 e 8
41. Reprovar 1,82 Punir +
42. Bobo 2,53 Alegre +
43. Caderno 2,07 Escola +
44. Particular 2,88 Exclusivo Individual + 2 e 14
45. Dente 8,22 Ai!... Prioridade /
gasto
Humm... / +
/ Sofrimento
1, 2, 8 e 14 Eu fiz várias
cirurgias...
Vivo com
problemas nos
dentes... Passei
a vida
gastando
dinheiro com
os dentes.
46. Correto 4,69 Mérito Moral / Ética 1, 2, 3 e 14 É muito difícil
construir sua
vida toda sem
fazer
maracutaia,
sem ser
protegido, ter
mérito é uma
coisa que
constitui uma
preocupação
muito grande
para mim. Eu
aprecio não ter
padrinhos.
47. Atendimento 3,97 Disponibilidade E... Não
consigo
lembrar... /
Atenção
2 e 14 Eu passo a
vida atendendo
as pessoas...às
vezes eu penso
em não atender
as pessoas,
mas eu acho
um absurdo
não ter
disponibilida-
de.
48. Sujo 2,88 Indesejável +
49. Livro 3,21 Escolha Não lembro... /
Sabedoria
2 e 14
50. Lacanianos 2,25 Chatos... que
horror né?!?
Indesejáveis /
+
2 e 14 A maior parte
dos meus
colegas era
153
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
lacaniana e
eles são
ensimesmados,
tem uma
linguagem
indecifrável...
e eu pensei
chatos! Se eles
souberem, vai
ser horrível...
51. Sapo 3,00 Sorte +
52. Separar 2,97 Punir Desunir 2
53. Psicanalistas 7,16 Psicólogos / Não
são né?!? Nem
sempre...
+ 1, 8 e 14 A maior parte
dos psicólogos
tem formação
psicanalítica...
Mas não tem
que ser
psicólogo.
Essa é uma
associação que
a gente da
psicologia faz,
não tem!
54. Fome 3,38 Miséria +
55. Auto-imagem 3,09 Eu +
56. Lei 3,38 Ordem +
57. Excluído 4,68 Abandonado Afastado /
separado
1, 2 e 14
58. Nublado 1,75 Triste +
59. Prejudicar 3,63 Lesar Hummm...
Atrapalhar /
Impedir
2 e 14
60. Criança 4,06 Afeição / carinho Alegria 2
61. Arrogante 2,81 Desagradável +
62. Querido 3,66 Filho +
63. Corporativismo 2,37 União +
64. Brigar 4,72 Romper Lutar 1 e 21 e 2
65. Orientando 4,75 Discípulo Aluno / + 1 e 14
66. Grande 14,53 Meu Deus... Que
dificuldade... /
Universo
+ 1, 8 e 14 Pensei em uma
pessoa, uma
escola, uma
universidade,
mas acabei
pensando que
grande mesmo
é o universo.
67. Panelinhas 6,72 Fofocas + 1 Eu exerci
chefia muitas
vezes e é
difícil
contornar
essas coisas.
68. Pintar 3,06 Colorir +
69. Behavioristas 4,57 Cientistas, / + 1 e 14 Acho que a
154
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
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complexos
Discussão
Radicais psicologia
deve o seu
estatuto de
cientificidade
a eles, a
postura deles.
Agora, eu
disse radicais
porque hoje
nós
convivemos
com pessoas
absolutamente
radicais que
não evoluíram
no conceito de
método
científico.
70. Velho 3,41 Humm...
Desagradável /
Detesto coisa
velha...
+ 14
71. Flor 4,09 Maciez / Beleza + / Suavidade 1, 2 e 14
72. Radical 3,94 Extremista +
73. Caixote 3,50 Espaço / fechado O que eu pus?
/ Madeira?
2 e 14
74. Maracutaia 8,03 Vigarice + 1 Não conseguia
vir na minha
cabeça a
palavra
vigarice... é
arranjo, coisas
para prejudicar
as outras,
custei a achar
a palavra.
75. Família 4,00 União /
Sofrimento
+ 14 É uma coisa
muito
importante
para mim e eu
vivo muitos
conflitos
familiares
porque eu
permito as
pessoas
expressarem o
que elas
querem, isso é
um preço
muito alto.
76. Chefia 4,35 Hummm...
Liderança
+ 1 Duas coisas
inseparáveis...
77. Vaca 3,10 Animal sagrado + 14
78. Estranho 5,94 Diferente /
Desconhecido
+
(desconhecido)
1 e 14 Eu me torno
familiar às
155
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
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complexos
Discussão
pessoas.
Perceber as
pessoas como
estranhas é
difícil para
mim.
79. Currículo 3,19 História de vida + 12
80. Rejeitar 8,78 Jogar fora /
Excluir
Abandonar 1, 2 e 14 Tenho
dificuldade de
rejeitar e de
ser rejeitada,
me incomoda
muito. Estou
vivendo uma
situação
chata...
81. Decência 2,84 Moral / Ética + 14
82. Estreito 4,88 Desafiador Aconchegante 1 e 2
83. Substituto 3,78 Frágil /
Temporário
Imaturo /
Provisório / +
(temporário) /
Não sei...
2 e 14 É uma coisa
que eu convivi
muito com ela,
nesses últimos
anos. Me dá
uma pena
deles e pena
dos alunos. Eu
tenho pena da
universidade.
Quando eu
estudei como
eram
importantes as
pessoas que
davam as aulas
para nós.
84. Narrar 2,33 Contar / Perceber + 14
85. Cegonha 4,75 Ave da felicidade + 1 e 14
86. Avaliação 1,56 Medida /
Desagrado
Medir 14
87. Cerveja 1,78 Lazer +
88. Mestrado 3,63 Crescimento /
Qualificação
+ 14 Essa palavra
marcou a
minha vida, foi
o primeiro
mestrado da
cidade, teve
um significado
especial para
mim...
89. Incêndio 5,44 Sofrimento /
Tragédia
+ / Tristeza / + 1, 2, 3 e 14
90. Clínica 2,25 Cura +
91. Porta 4,00 Privacidade + 1 e 3
92. Departamento 2,62 Divisão /
Desentendimento
Nossa
Senhora! / +
(divisão) /
2, 8 e 14 Porque durante
20 anos da
minha vida eu
156
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
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Separação sofri muito no
departamento
da faculdade
de educação,
onde havia um
desentendimen
to muito
grande, as
pessoas
disputavam
espaço, se
agrediam
muito e, mais
tarde, um
momento até
feliz onde eu
exerci
liderança e
onde as
pessoas
manifestavam
um afeto por
mim e uma
gratidão pela
paz que eu
consegui que
reinasse lá.
93. Serragem 4,91 Rato... Não é
aquilo que tem
no...
+ 1, 3 e 14 Pensei no
laboratório de
ratinhos...
94. Quieto 3,23 Tranqüilo / Paz Calmo 2
95. Jornada 4,47 Vida /
Movimento /
Trabalho
+ (Trabalho) 1 e 14 Desde o 1º
momento eu
pensei em
jornada de
trabalho e para
mim estar
trabalhando é
muito
importante, é
sinônimo de
vida, de
movimento.
Eu tenho muita
dificuldade de
relaxar.
96. Caçoar 3,97 Brincar /
Amizade
+ 14
97. Individualista 5,25 Separatista Egoísta 1 e 2 Incomoda a
pessoas
individualista
que vê só do
ponto de vista
dela.
98. Colorido 1,85 Alegre +
99. Setor 2,66 Divisão / Parte + 14 Nunca
157
I II III VI V VII VIII
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Discussão
consegui
formar um
departamento
na
universidade.E
les lá detestam
uma vida em
comum
100. Falar 2,56 Expressar +
Obs:
Mediana para a primeira metade do experimento: 4,015
Mediana para a segunda metade do experimento: 3,645
158
3.4.1.1.2 Sujeito 2 Idade: 54 Sexo: M
I II III VI V VII VIII
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1. Cabeça 1,16 Corpo +
2. Verde 1,84 Azul +
3. Água 3,00 Ar Terra 1 (tempo de
reação
prolongada) e
2 (reprodução
incorreta)
4. Perfurar 2,47 Fechar +
5. Assassinato 3,59 Tiro Morte... / Falei
Tiro
1 e 2 Os jovens, umas
pesquisas sobre
homicídio, 90%
das vítimas são
jovens.*
6. Alcoólatra 2,78 Bebida + 1
7. Cinco 2,22 Sete +
8. Doutorado 2,13 Mestrado +
9. 2,22 Calor +
10. Aposentar 4,15 Parar + 1
11. Mesa 1,94 Cadeira +
12. Crise 3,41 Transição + 1
13. Cadeira 3,00 Mesa + 1 e 3
(perseveração)
14. Mal-humorado 2,60 Feliz Fe... / Alegria /
Feliz!
9 (gaguejar) e
2
15. Improdutividade 5,94 Procrastinação + 1 Um texto do Padre
Manoel Bernardes,
que se chama Luz e
calor, um texto
medieval que
pergunta “porque
nossos bons
propósitos nos
falham?”. É um
termo que eu ouvia
muito quando eu
estudei nos EUA,
eles diziam: “Don’t
procrastinate!”*
16. Lago 2,75 Montanha + 1 e 3
17. Doente 2,75 Saudável + 1 e 3
18. Efetivo 5,25 Eficaz + 1 Eu... Não sei viu?
É toda essa cultura
que privilegiar a
efetividade, a
pressa...*
19. Cozinhar 4,09 Comida + 1 e 3 Eu tenho uma certa
dificuldade... A
minha mulher me
convoca para
ajudante de
cozinha. O que eu
procuro fazer com
afeto, para ocultar
159
I II III VI V VII VIII
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Discussão
minha preguiça.
20. Perder 1,50 Ganhar +
21. Tinta 2,04 Pintar +
22. Mau 1,09 Bom +
23. Interesses 4,00 Manipular + 1 Outra palavra que
eu tive
dificuldade... Tinha
uma palavra
mediadora aí que
me faltou.
24. Nadar 2,75 Mergulhar Água / Mar /
Mergulhar!
1 e 3
25. Concurso 3,47 Professor + 1 Lembrei-me de
concurso público
para professor: já
participei de
alguns.
26. Azul 1,47 Verde +
27. Pão 2,00 Manteiga +
28. Turno 1,72 Noite + Tem a ver com a
defesa que eu tenho
feito de curso
noturno de
psicologia que
permitiria às
pessoas... É
curioso, que eu
encontre resistência
numa instituição
pública e que tem
obrigação de
distribuir renda,
são interesses bem
burgueses: “Eu não
dou aula à noite”,
que bobagem é
essa? Quanto à
questão da
pesquisa, não tem
nada a ver, tem
curso que trabalha
à noite e tem
pesquisa e de
melhor... boa
qualidade.
29. Selvagem 2,31 Primitivo +
30. CAPES 2,37 CNPq + 7 (risos) A gente sempre
trata dos órgãos de
fomento
conjuntamente e
nunca sabe de onde
é que vem. Eu
achei curioso ela
estar no teste.
31. Árvore 2,81 Conceito + 1 e 3
32. Banca 4,19 Banco + 1 e 11 (reação Acho que a
160
I II III VI V VII VIII
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Discussão
sem
significado) e
13 (reação
mediada)
primeira palavra
que veio a cabeça e
foi reprimida foi
banca
examinadora. São
rituais que a gente
tem que cumprir...
Não gosto de
avaliação, não. A
associação com
banco foi uma
associação
defensiva em
relação a banca
examinadora e
concurso.
33. Amarelo 2,38 Vermelho Verde
34. Competição 1,71 Rivalidade +
35. Montanha 1,71 Lago +
36. Concorrentes 2,94 Rivais + 1
37. Sal 1,56 Terra +
38. Novo 1,21 Velho +
39. Mal-estar 1,44 Bem-estar +
40. Cavalgar 1,75 Sela +
41. Reprovar 2,22 Passar Aprovar 2
42. Bobo 2,00 Feio +
43. Caderno 2,25 Escola +
44. Particular 2,59 Geral +
45. Dente 2,72 Cárie + 1 e 3
46. Correto 2,31 Incorreto +
47. Atendimento 1,84 Cliente +
48. Sujo 1,03 Limpo +
49. Livro 2,44 Ca... / ler + 9 (gagejar)
50. Lacanianos 2,09 Freudianos + Os lacanianos me
despertam essa
oposição... Os
lacanianos acabam
deturpando o
próprio Freud e
acabam se opondo
a...
51. Sapo 5,34 Não entendi... /
Príncipe
+ 1, 3 e 6
(ouvindo mal)
52. Separar 1,82 Unir +
53. Psicanalistas 3,29 Psicólogo +(s) 1 Foi uma decisão
importante na
minha vida! Eu
sempre quis se
psicanalista. Desde
o secundário... eu
tinha dois
caminhos, devo
estudar Medicina
ou Psicologia? Fiz
psicologia, meu pai
161
I II III VI V VII VIII
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Discussão
tinha o sonho de eu
ser médico. Foi um
ato de coragem.
54. Fome 1,91 Sede +
55. Auto-imagem 3,38 Espelho + 1
56. Lei 1,81 Norma +
57. Excluído 3,25 Incluído Incluir 1 e 2
58. Nublado 2,41 Limpo Céu 2 e 7 (Mímica)
59. Prejudicar 1,34 Ajudar +
60. Criança 1,66 Adulto Velho / Adulto 2
61. Arrogante 1,57 Simples +
62. Querido 1,37 Amado +
63. Corporativismo 3,13 Individualismo + 1
64. Brigar 2,22 Amar Brincar 2
65. Orientando 2,00 Aluno +
66. Grande 1,69 Pequeno +
67. Panelinhas 3,00 Lacanianos + 1 e 7 (risos) Tem algumas
palavras às quais
eu associo a eles:
corporativistas,
individualistas. Eu
tenho criticas em
relação a alguns.
68. Pintar 2,15 Decorar Quadro 2
69. Behavioristas 4,16 Positivistas + 1 Eu tenho uma
história com o B.
Eu comecei
interessado na
Psicanálise. Mas
logo me apaixonei
pelo B. e estudei
muitos anos. Fiz
meu mestrado num
centro de B. nos
EUA. Acabei
abandonando e
retornando meu
interesse para a P.
É um sentimento
de ambivalência:
por um lado
aprecio muito, por
outro acho algumas
formas de assumi-
lo de uma
ingenuidade teórica
muito grande.
Prometeram muito,
cumpriram pouco.
70. Velho 2,66 Velho? / Já foi...
(sugerindo que a
palavra já havia
sido apresentada
antes) Foi!
Velho – Novo:
+ 1, 3, 6 e 8
(interjeição)
162
I II III VI V VII VIII
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complexos
Discussão
teria sido
imediata!
71. Flor 1,69 Cheiro +
72. Radical 2,72 Raiz + 1
73. Caixote 2,18 Quadrado +
74. Maracutaia 4,57 Macunaíma + 1 É o rei da
maracutaia é o
representante típico
do brasileiro
75. Família 2,87 Sagrada Família + 1, 3 e 12
76. Chefia 2,25 Diretoria +
77. Vaca 1,63 Boi +
78. Estranho 1,75 Novo +
79. Currículo 1,56 Vitae +
80. Rejeitar 4,28 Matar Aceitar / Eu
disse Matar
né? / Agora
que me
ocorreu...
Qued’ze... Eu
tô-tô fazendo
de novo... To-
Tô... repetindo
o experimento
fa-fa-faaaço...
derepente
venh’ cá
1 e 9
(gaguejar)
Ué eu... Eu sabia
que tinha, que tinha
que.. Ééé... que
lembrar a pa-pa
palavra mas as
vez’s ou-outra
palavra me ocorria
antes, eu falava ela
e deixava p´ra lá
aaa... o fato queu’
tinha que ter me
lembrado de
outra... que eu
tinha falado antes.
Ta-ta-ta talvez o
que tenha me
passado tenha sido
o seguinte: rejeição
é o equivalente
simbólico da morte
do outro. É uma
coisa que eu trato
muito nos meus
cursos. Que a
agressividade visa,
fundamentalmente
a morte do outro. É
representada por
outros atos que,
simbolicamente,
acabam
suprassumindo,
numa linguagem
hegueliana, o
desejo de morte em
relação ao outro.*
81. Decência 2,19 Honestidade +
82. Estreito 1,69 Largo +
83. Substituto 3,16 Professor + 1
84. Narrar 1,19 Contar +
85. Cegonha 2,03 Bebê +
86. Avaliação 1,78 Crítica +
163
I II III VI V VII VIII
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complexos
Discussão
87. Cerveja 3,72 Bebida... / P’era
aí! Acho que
pensei primeiro
Vinho
+ (Vinho) 1, 3 e 13
(reação
mediada)
88. Mestrado 1,54 Doutorado +
89. Incêndio 1,84 Fogo +
90. Clínica 1,72 Psicanalítica + 12
91. Porta 1,52 Abrir +
92. Departamento 2,06 Faculdade +
93. Serragem 3,03 Serraria + 1 e 3
94. Quieto 2,31 Loquaz +
95. Jornada 1,97 Estrelas Trabalho Riso e 2
96. Caçoar 2,59 Brincar + 1 e 3
97. Individualista 4,69 Egoísta + 1 Isso é um tema
mais... É um tema
que eu trato no
curso. A resposta
que eu tenho é
mais elaborada, por
isso eu demorei.
Indivíduo, ser
humano,
modernidade, uma
associação
filosófica
77
.
98. Colorido 2,47 Pintar +
99. Setor 3,09 Departamento + 1
100. Falar 2,12 Muito +
Obs:
Mediana para a primeira parte do experimento: 2,28
Mediana para a segunda parte do experimento: 2,165
77
“Eu fiquei percebendo que eu proponho... Algumas respostas têm a ver com a... O esclarecimento do conceito”
(essas respostas foram indicadas na coluna discussão do quadro com um asterisco “ * ”).
164
3.4.1.1.3 Sujeito 3 Idade: 48 Sexo: M
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
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reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
1. Cabeça 1,72 Pescoço +
2. Verde 1,37 Amarelo +
3. Água 2,53 Sal +
4. Perfurar 1,97 Tapar +
5. Assassinato 2,22 Condenação +
6. Alcoólatra 2,03 Tratamento +
7. Cinco 1,90 Quarto +
8. Doutorado 2,15 s-doutorado +
9. 2,63 Seda +
10. Aposentar 2,25 Vadiar +
11. Mesa 1,19 Cadeira +
12. Crise 2,00 Solução +
13. Cadeira 1,68 Sentar +
14. Mal-humorado 1,85 Bem-humorado +
15. Improdutividade 5,34 Corporativismo +
16. Lago 1,82 Pato +
17. Doente 2,81 Saúde +
18. Efetivo 9,75 Substituto Como chama?
/ +
1 (tempo de
reação
prolongado),
Riso
19. Cozinhar 1,69 Comer +
20. Perder 3,40 É ruim + 12 (reação que
completa)
21. Tinta 3,16 Caneta Não me
lembro
2 (reprodução
incorreta)
22. Mau 3,91 Bem + 1
23. Interesses 7,00 A pesquisa + 1
24. Nadar 11,44 Nadar? / Ficar
molhado
+ 1, 3
(perseveração)
5 (repetição de
palavra-
estímulo),
14(várias
palavras ou
frases inteiras)
Eu fiz uns dois
meses de aula
de natação.
Não gostei da
experiência,
muita
encheção de
saco, voltar
pra casa
molhado...
25. Concurso 7,06 Maracutaia + 1, 7 (sorriso)
26. Azul 2,50 Vermelho +
27. Pão 4,25 Mortadela + 1, 3
28. Turno 3,81 Não de noite + 1, 7 (sorriso) e
14
29. Selvagem 4,19 Bonzinho + 1, 3
30. CAPES 3,75 Encheção de
saco
+ 1, 14 Porque é uma
burocracia
infernal, né?
São critérios
assim injustos
e as pessoas
fazem as
coisas de uma
maneira que a
165
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
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de
reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
gente não
entende muito
bem como é
que funciona.
31. Árvore 3,00 Sombra Fruta? 2
32. Banca 9,88 O ápice + 1, 14
33. Amarelo 7,25 Sol + 1, 3
34. Competição 3,00 É bom + 12, 14
35. Montanha 5,47 Horizonte + 1, 3
36. Concorrentes 6,93 Lealdade + 1 Sorriso
37. Sal 2,53 Açúcar +
38. Novo 4,09 Mais novo + 1, 14
39. Mal-estar 3,21 Passageiro + 12,
40. Cavalgar 2,44 Não sei Bem-estar 2, 3, 14
41. Reprovar 2,09 Nunca fiz + Eu nunca dei
bomba pra
ninguém
78
...
42. Bobo 5,66 Quem trabalha
na universidade
+ 1 Um sujeito que
fala sobre
carreira disse
que o
verdadeiro
líder é aquele
que cria novos
líderes e faz as
pessoas
crescerem. Eu
fiquei
pensando que
nesse critério
eu sou um puta
líder. Eu
formei um
78
O comentário de S3 foi muito extenso para figurar no quadro da mesma forma que os demais, no entanto, dada a
sua importância é transcrito na íntegra a seguir: “Eu nunca dei bomba pra ninguém porque o sistema não deixa a
gente fazer isso. De cima para baixo. Agora tenho um colega aqui de um estágio probatório, o sujeito está no quarto
ano dele na universidade, aposentado, veio de uma outra faculdade, fez concurso aqui, entrou. O sujeito não
publicou nada nesses quatro anos aqui. uma colega fez uma avaliação do relatório parcial dele de produtividade
e eu vou ler aqui textualmente para você ver o ridículo: “O seu desempenho como pesquisador também atende às
expectativas para o nível de professor adjunto, suas atividade de extensão tem oferecido um atendimento à
comunidade, o relacionamento com os colegas e a chefia é respeitoso, cooperativo e amistoso. Com os alunos o
relacionamento atende aos princípios éticos além de satisfazer do ponto de vista acadêmico. O professor é pontual,
participa ativamente da vida do departamento e não tem registro de faltas ao trabalho. Pelos motivos expostos
acima sou do parecer que o estágio probatório seja considerado digno de aprovação”. Quer dizer: o sujeito não
publicou nada, então a atividade de pesquisa dele é boa. Em quatro anos não publicou nenhuma bosta, nem em
português nem nada. Não tem registro de falta ao trabalho? O relacionamento dele quer dizer... Se o
relacionamento é ético e bom isso d é o mínimo que se pode querer de um funcionário em qualquer empresa.
Agora, de um professor a gente espera um pouquinho mais... Agora se um sujeito nessas condições não leva ferro
na avaliação, como é que eu vou reprovar um aluno da graduação. Se eu dou um parecer sobre um cara desse e
reprovo o aluno ia ser incoerência. Além disso, quer dar bomba para o aluno, tem tantas provas de-de... Como
chama isso?1ª prova, prova, você tem que vir aqui nas rias... E eu nas férias tenho outra coisa para fazer. Eu
tenho que estudar, eu tenho que pesquisar, eu tenho que organizar minha vida, não vou ficar perdendo o meu tempo
com esse tipo de coisa. O sistema é corporativista se você vai julgar um colega e diz sua opinião real você cria uma
animosidade. E isso torna a convivência impossível”.
166
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
monte de
alunos nesses
dez anos estão
todos índio
super bem. O
que me
espanta é ver
que essas
pessoas que
são muito mais
jovens do que
eu, e que tem
muito menos
qualificação
do que eu
ganham um
salário mais
alto do que o
meu. Eu sou
bobo! Só
posso ser
bobo, né?
43. Caderno 7,60 Caderno? Nome
de revista de
psicologia de
segunda classe
+ 1, 3, 5
(repetição da
palavra
estímulo), 14
O sujeito foi
inquirido sobre
o fato de ter
produzido uma
grande
seqüência de
frases em
vários itens...
Ao que
respondeu:
“Não, eu não
esqueci... é
que tá vindo
essas
associações”
44. Particular 5,50 Nem morto! + 1, 8
(interjeição),
12, 14 Sorriso
45. Dente 3,93 Fio dental Não me
lembro
1, 2, 14
46. Correto 6,35 Contrato social + 1, 14
47. Atendimento 4,13 Empatia + 1
48. Sujo 3,66 Pau de
galinheiro
+ 1, 14
49. Livro 2,38 Obsoleto +
50. Lacanianos 2,90 Dementes + Sorriso
51. Sapo 6,69 É o príncipe + 1, 3, 14
52. Separar 3,78 É caro + 12
53. Psicanalistas 2,93 Sem
qualificação
Psicanalista?
Não me
lembro... Só
gosto de
xingar eles.
2, 14, Riso
54. Fome 5,90 É uma miragem + 1, 3, 14
167
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
55. Auto-imagem 8,63 Auto-engano + 1
56. Lei 6,33 Uma convenção + 1, 3, 14
57. Excluído 3,28 Barrado do baile + 14
58. Nublado 3,68 Futuro da
universidade
+ 14
59. Prejudicar 2,93 Fofoca Não me
lembro...
fofoca!
60. Criança 8,03 Que bom que eu
não sou mais
+ 1, 14 Quando você é
criança você
tem que ficar
dependendo
dos outros;
posso fazer
isso? Posso
fazer aquilo? É
uma questão
de autonomia,
né?
61. Arrogante 9,21 Vazio + 1 Acho que
gente
arrogante é
assim por um
mecanismo de
defesa, tem a
auto-estima
baixa e tem
pouca coisa
para
contribuir.
62. Querido 9,68 É melhor ser
respeitado
+ 1, 3, 14 É uma
brincadeira
que eu fazia
com os meus
alunos quando
começavam
com aquela
brigalhada
aqui... Eu não
faço questão
de ser amado
aqui, amado eu
sou em casa,
aqui eu quero
ser respeitado.
63. Corporativismo 7,28 É a mazela da
universidade
+ 1, 14
64. Brigar 11,47 É melhor não,
né?
Não é bom 1, 2, 14 Brigar traz
conseqüências,
né? Depois
tem que
conviver... O
clima fica
ruim, é melhor
evitar.
65. Orientando 6,06 A maioria + 1, 14
168
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
gratifica
66. Grande 5,75 Isso também é
uma miragem
+ 1, 3, 14
67. Panelinhas 6,03 São inevitáveis + 1, 14
68. Pintar 10,34 É bom para
fazer na aula
+ 1, 3, 14
69. Behavioristas 12,53 Baixo nível + 1, 14
70. Velho 4,28 Cada vez
melhor
+ 14
71. Flor 11,66 Me ocupo
pouco
+ 1, 7 (sorriso) e
14
A minha
esposa gosta,
ela curte. Eu
fiquei
pensando que
poderia ser um
hobby, relaxa,
mas eu acho
que não
consigo.
72. Radical 11,85 Angry man + 1, 14, 15
(reação em
língua
estrangeira)
Um amigo
meu do sul...
Brigou com
todo mundo.
Outro dia
liguei para ele
a mulher dele
havia se
separado e me
deu o número
novo, mas me
disse: “Eu não
sei se ele vai
atender, você
sabe como o
seu amigo é
bravo...” Eu
liguei e ele de
fato não
atendeu.
Angry men
eram os
Beatnicks,
aquela geração
revoltada com
tudo.
73. Caixote 2,56 Banana +
74. Maracutaia 9,09 Concurso
“público”. Bota
aspas no público
+ 1, 7 (mímica),
14 e sorriso
75. Família 3,53 É o melhor + 14
76. Chefia 2,06 Nem morto!
Pode ser duas
coisas?
Secretário dos
outros
+ 8
(exclamação),
14
77. Vaca 5,19 É o maior + 14 Blöde Kull
169
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
xingamento em
alemão
(vaca idiota) É
a coisa mais
ofensiva...
78. Estranho 4,28 Pode ser uma
fria
+ 14
79. Currículo 4,91 O Lattes é uma
boa
+ 14
80. Rejeitar 5,65 É difícil, tem
que aprender.
+ 1, 14
81. Decência 9,62 Hipocrisia + 1, 3 Aqui rola
muito um
discurso ético
para controlar
o
comportament
o dos outros, o
que é uma
hipocrisia. É
uma tática
muito usada
pelos
psicanalistas.
Você vai ouvir
muitas vezes
eles dizerem
os
Behavioristas
não tem ética.
São táticas
usadas nas
discussões
para
desqualificar o
adversário.
Quando você
leva a
discussão par
ao terreno da
ética você fica
semeando
discórdia,
incerteza e
dúvida. É uma
estratégia
retórica.
82. Estreito 5,16 A mente de
alguns colegas
+ 14
83. Substituto 3,03 Uma praga
necessária
+ 14
84. Narrar 4,88 Conhecimento +
85. Cegonha 11,72 A cegonha mexe
com a gente né?
+ 1, 14 A cegonha tem
a questão da
natalidade né?
86. Avaliação 8,03 Necessário /
Positivo
+ 1, 14
87. Cerveja 3,94 Weiss Bier é + 14
170
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
boa
88. Mestrado 2,40 Doutorado +
89. Incêndio 9,31 Bombeiro + 1
90. Clínica 4,75 Vocação +
91. Porta 3,60 Aberta + 12
92. Departamento 15,19 Ambigüidade + 1 Tem muita
coisa ruim mas
por outro lado
possibilita
outras coisas
mas, podia ser
melhor.
93. Serragem 4,35 Brincadeira +
94. Quieto 3,10 Não consigo + 14
95. Jornada 5,16 De sol a sol + 14
96. Caçoar 3,06 É preciso É necessário 2, 12, 14
97. Individualista 2,47 Eu sou Sou eu 2, 14
98. Colorido 4,81 O arco-íris Não me
lembro agora
2, 3, 14
99. Setor 3,38 Não existe + 14 O Setor não
tem estatuto
jurídico, não é
uma instância
decisória de
nada.
100. Falar 3,00 Sem parar + 12, 14
Obs:
Mediana para a primeira metade do experimento: 3,08
Mediana para a segunda metade do experimento: 5,16
171
3.4.1.1.4 Sujeito 4 Idade: 61 Sexo: F
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
1. Cabeça 1,37 Cabelo +
2. Verde 2,06 Amarelo +
3. Água 1,62 Copo
4. Perfurar 2,85 Furadeira É Fu- / +
(Furadeira)
1 (tempo de
reação
prolongado),
9 (gaguejar)
5. Assassinato 1,84 Morte +
6. Alcoólatra 1,97 Álcool +
7. Cinco 3,25 Dez + 1
8. Doutorado 2,28 Estudo +
9. 2,25 Frio +
10. Aposentar 2,10 Ócio +
11. Mesa 1,66 Cadeira +
12. Crise 1,97 Tosse +
13. Cadeira 2,12 Talher +
14. Mal-humorado 2,07 Dor +
15. Improdutividade 3,56 Falta do que
fazer
+ 1, 9
(gaguejou
muito na
discussão),
14 (várias
palavras)
Porque eu acho
que a pessoa
improdutiva é a
que não te... num
num que não faz
nada. Não éee...
Fo-Fo-Foi a
primeira coisa
que veio. Eu teria
falado outras
coisas, a
universidade
cobra da gente
produtividade,
mas a primeira
que veio foi essa.
16. Lago 4,15 Azul + 1 Pensei em lagos
gelados de algum
país do ártico,
tenho visto
muitas
expedições na tv.
Morei perto de
Yellowstone Park
e tinha lagos
assim lá.
17. Doente 1,78 Gripe +
18. Efetivo 2,25 Trabalho Produtivo /
Trabalhador /
Trabalho
2
(reprodução
incorreta), 14
19. Cozinhar 2,22 Fogão +
20. Perder 2,66 Azar Perder... / Não
me lembro vou
falar ganhar
1, 2
21. Tinta 3,53 Hum? Parede + 1, 6 (ouvindo
mal)
Minha casa está
em reforma, estou
172
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
com problemas
para escolher as
cores das paredes.
22. Mau 3,66 Maldade + 1 Fui pela raiz da
palavra, quem é
mau faz maldade.
23. Interesses 2,40 Finanças Financeiros 2, 12 (reação
que completa
a palavra)
24. Nadar 1,87 Piscina +
25. Concurso 3,07 Prova + 1
26. Azul 2,19 Piscina Céu... / +... /
Não sei...
2, 14 (reação
em várias
palavras)
27. Pão 1,94 Manteiga +
28. Turno 2,19 Diurno + Na escola quando
a gente vai
discutir reforma
curricular a
grande questão é
essa eles querem
transformar o
curso no turno
diurno. Quer
dizer fazer o
aluno ficar lá o
dia inteiro.
Quando na
realidade nós
sempre tivemos
duas turmas da
manhã e da tarde.
Se você põe o
aluno num turno
diurno ele não
pode trabalhar...
eu acho isso um
absurdo. Tem que
dar uma chance
do aluno
trabalhar. Eles
querem criar um
curso noturno.
Nós temos aulas
de manhã, à tarde
mas não temos
curso noturno.
Curso noturno vai
ser bom para
muita gente que
tem que trabalhar,
não é? Mas eu, na
minha idade, não
gostaria de dar
aulas à noite.
Agora a
173
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
produtividade vai
ser pior... Vai ter
que ter mais anos
de curso... É um
problema que eu
não sei resolver,
eu não quero
resolver...
29. Selvagem 3,25 Leão + 1
30. CAPES 6,69 A CAPES? /
C.A.P.E.S? /
Governo
+ 1, 5
(repetição),
6, 14
É um órgão de
fomento, nunca
usei nem precisei
dela, nem para
fazer mestrado,
nem para fazer
doutorado. Eu
não tenho relação
com ela.
31. Árvore 1,59 Folha +
32. Banca 3,44 Exame Concurso 1, 2
33. Amarelo 3,07 Passarinho + 1
34. Competição 2,50 Esporte Concorrência 2
35. Montanha 2,47 Fazenda +
36. Concorrentes 3,38 Competição Competidores 1, 2 Eu trabalho na
universidade, 2
ou 3 vezes por
semestre eu
coordeno
processos de
seleção de
professores
substitutos ou
estagiários e
monitores. Eu
lido com isso o
tempo todo. Eu
nem pensei em
competições
esportivas...
37. Sal 1,78 Mar +
38. Novo 2,81 Roupa + 1
39. Mal-estar 2,15 Doença Gripe 2
40. Cavalgar 1,88 Fazenda +
41. Reprovar 2,47 Nota + Professor só
pensa nessas
coisas...
Raramente eu
reprovo,
reprovo aluno
quando ele é
infreqüente,
quando ele tem
mais de ¼ de
falta.
42. Bobo 5,16 Ahnn? Idiota + 1, 6 É... Engraçado,
bobo me dá... eu
174
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
fic’ua pena.
Quando cê fala
assim bobo eu ia
falá assim pena.
Dó. Qu’eu tenho
pena duma pessoa
boba. Fico com
pena. Mas na
hora me veio na
cabeça um idiota,
uma pessoa boba,
uma pessoa
idiota. Não
necessariamente
todo bobo é idiota
43. Caderno 1,91 Lápis +
44. Particular 2,63 Privativo +
45. Dente 2,60 Sorriso +
46. Correto 2,47 Perfeito +
47. Atendimento 2,78 Ajuda Terapia 1, 2
48. Sujo 1,49 Feio +
49. Livro 2,07 Estudo +
50. Lacanianos 2,00 Freudianos +
51. Sapo 2,00 Brejo +
52. Separar 4,78 Se-sec-secção /
Cisão
Seccionar / Eu
não me lembro
/ Seccionar.
1, 2, 7
(Gesto), 9, 14
Dividir... um para
um lado, um para
o outro.
53. Psicanalistas 2,16 Freuds
Freudianos ou
Freud
Freudianos... /
Eu não sei /
Acho que foi
Freudianos
10 (lapso
lingüístico),
14
54. Fome 2,03 Dor + Na hora a
imagem que me
veio foi daquelas
crianças negras
da África,
Etiópia... Você
lembra? Eu fico
imaginando a dor
que aquelas
crianças sentem.
Sentir fome dói.
55. Auto-imagem 3,44 Self Auto-conceito 1, 2 É um capítulo do
Skinner, fala
como o senso de
Self é
desenvolvido
através da
construção da
auto-imagem.
56. Lei 2,81 O- Regra + 1, 9
57. Excluído 2,15 De fora +
58. Nublado 1,75 Chuva Nuvem 2
59. Prejudicar 1,56 Maltratar +
60. Criança 1,69 Bebê +
175
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
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Indicador de
complexos
Discussão
61. Arrogante 2,10 Infeliz +
62. Querido 2,00 Amado +
63. Corporativismo 2,62 Populismo + 1
64. Brigar 2,65 Jogar o me
lembro... /
Acho que falei
Odiar
1, 2, 14
65. Orientando 3,00 Aluno + 1
66. Grande 6,00 Mahatma
Gandhi? /
Enorme
+ 1, 6 Ouvi mal. Gandhi
é uma pessoa
deve ser imitada:
respeitável,
admirável, mas...
Só isso!
67. Panelinhas 3,03 Corporativismo + 1
68. Pintar 1,91 Quadros +
69. Behavioristas 1,43 Analistas + Subentendendo
que é analista do
comportamento e
não psicanalistas
70. Velho 1,62 Idoso +
71. Flor 2,15 Jardim +
72. Radical 2,16 Behaviorista Devia falar
Raiz / acho
que falei
Behaviorista
14
73. Caixote 2,60 Madeira + 1
74. Maracutaia 4,25 Psicanálise Psicanalista /
Psicanálise
1, 14 Risos Eu usei essa
palavra hoje.
Estava em um
congresso hoje de
manhã e uma
pessoa contava o
que um
psicanalista teria
dito sobre a
depressão em
uma outra
instituição. Eu
fiquei horrorizada
com o que eu
ouvi. Começaram
a contar coisas e
eu pensei: eu não
acredito que esse
pessoal tenha
coragem de fazer
o que eles fazem.
Que maracutaia!
75. Família 1,85 Filhos +
76. Chefia 1,75 Departamento + Ah é! É o que eu
tô dizendo. A
chefe do
departamento me
ligou, deixou dois
recados no meu
176
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
celular pedindo
que eu desse para
ela um retorno
sobre o negócio
de substituição.
Então quando fala
departamento eu
lembro logo da
chefe, digo : Ai
meu Deus... Lá
vem ela atrás de
mim. É reunião
de câmara... É
parará parará
parará...
77. Vaca 1,69 Boi +
78. Estranho 2,12 No ninho... /
Ninho
+ 12 (reação
que completa
a palavra)
79. Currículo 1,87 Escolar Estudo 2 Na primeira
lembrei de
currículum vitae
e na segunda o
histórico escolar
que eu peço para
os meus
estagiários. É a
primeira coisa
que eu olho.
80. Rejeitar 2,88 Isolar Separar 1
81. Decência 2,55 Honestidade Correção /
Caráter
1, 2, 14
82. Estreito 2,40 Reto +
83. Substituto 2,28 Professor + Nos últimos 5
anos toda vez que
me falam em
professor me vem
a cabeça
substituto. O
governo não abre
vagas e nos temos
que procurar
alguém que se
submeta a ganhar
300 Reais por
mês.
84. Narrar 1,91 Falar +
85. Cegonha 2,00 Bebê +
86. Avaliação 1,97 Prova +
87. Cerveja 1,94 Garrafa +
88. Mestrado 2,22 Estudo +
89. Incêndio 2,19 Fogo +
90. Clínica 2,00 Terapia +
91. Porta 1,84 Janela +
92. Departamento 2,32 Chefia +
177
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
93. Serragem 2,13 Rato + Preciso
providenciar
serragem para as
ninhadas de ratos
que vão nascer.
94. Quieto 1,97 Tranqüilo Calmo 2
95. Jornada 2,43 Estudo + A primeira coisa
que vem é
estudo... Nas
nossas Jornadas,
você está sempre
tendo que estudar
para apresentar
um trabalho... Um
encontro, um
evento científico.
96. Caçoar 1,31 Rir +
97. Individualista 3,00 Egoísta + 1
98. Colorido 2,00 Bonito +
99. Setor 2,03 Departamento +
100. Falar 3,66 Fa - conversar Narrar 1, 2, 9 Eu estudo o
comportamento
verbal e a fala
interna, o
pensamento.
Além disso eu
dou aulas há 24
anos... Falando,
né?
Obs:
Mediana para a primeira metade do experimento: 2,25
Mediana para a segunda metade do experimento: 2,125
178
3.4.1.1.5 Sujeito 5 Idade: 63 Sexo: M
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
1. Cabeça 2,81 E... / Cabe-
cabelo
Hum?!? / + 2 (reprodução
incorreta), 8
(exclamação) e
9 (gaguejar)
2. Verde 1,35 Amarelo +
3. Água 2,06 Gelo +
4. Perfurar 2,78 E... / Bombear + 9
5. Assassinato 1,94 Homicídio +
6. Alcoólatra 3,09 Perigo + Pensei em
coisas como
ser molestado
na rua...
7. Cinco 1,53 Sete +
8. Doutorado 1,44 Mestrado + 7 (riso)
9. 3,34 O quê? / Aahh! /
Lã? / ovelha
+ 6 (ouvindo
mal) 5
(repetição da
palavra
estímulo), 8 e
14 (reação em
várias
palavras)
10. Aposentar 3,51 Pens... É...
Pensão
+ 9 Eu falo muito
na aula o que
significa isso
em termos de
políticas de
saúde.
11. Mesa 1,31 Cadeira +
12. Crise 1,75 Perturbação Perigo / Não...
Falei +
2 e 14
13. Cadeira 3,59 Cadeira? Mesa + 5
14. Mal-humorado 2,19 Bem-humorado +
15. Improdutividade 1,85 Produtividade +
16. Lago 1,81 Mar +
17. Doente 2,34 Hospital +
18. Efetivo 2,81 Bem
funcionando
Funciona Bem 2 e 14
19. Cozinhar 2,09 Cozinha +
20. Perder 1,94 Vencer +
21. Tinta 2,15 Preta / Não é
muito correto
não
+ 7 (riso)
22. Mau 0,94 Bem Bom 2
23. Interesses 2,31 Vontade Luta 2 Por causa de
mexer muito
com questões
políticas,
então, grupos
de interesse,
política, Ahn?
Dei uma aula
179
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
ontem sobre
isso.
24. Nadar 1,75 Piscina +
25. Concurso 2,12 Esforço +
26. Azul 3,06 E... / Céu + 9 Não tem nada
de mais, não
pensei nem
senti nada, foi
direto...
27. Pão 2,91 Pão? / Manteiga Padaria... 2 e 5
28. Turno 3,69 O quê? / Ah!
Turno! / e...
Operário /
Trabalho
Trabalho 2 e 14 Pensei
fábrica... Eu
sei que talvez
você ache que
eu devia ter
pensado assim
turno no
sentido de...
de... ensino, eu
sei, mas turno
daqui, na
realidade é...
cê tem assim
manhã tarde
mas mais no
final mistura
muito, tanto é
que eu
geralmente
não dou aula.
Quando eu dou
aula em
graduação é
para os últimos
períodos onde
não tem muito
essa distinção
então eu não
vivo muito
essa coisa de...
Tem colega
que vive, dá
aula, a mesma
aula de manhã
e de tarde.
29. Selvagem 3,01 Floresta +
30. CAPES 8,12 Capes? / O
Órgão? /
Avaliação
Avaliar 2, 6 e 14 Eu não tinha
pensado qual a
finalidade do
experimento
Ahn? Então de
repente
aparece a
palavra
CAPES, então
eu pensei: Será
180
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
que eu to
ouvindo
direito?
31. Árvore 2,22 Floresta +
32. Banca 2,34 Sentar Mesa 2 Pensei em
lugar de
sentar... Isso
tem uma coisa,
eu confundo
muito
masculino com
feminino, tem
a ver com
minha região
da Holanda,
que não é no
sul, ele não faz
distinção de
masculino e
feminino. A
região onde eu
moro não faz
isso.
33. Amarelo 1,63 Verde +
34. Competição 3,60 Competir? / Não
serve né?
Luta 2 e 14
35. Montanha 2,34 Planície +
36. Concorrentes 2,06 Luta +
37. Sal 2,31 Doce +
38. Novo 1,22 Velho +
39. Mal-estar 1,36 Bem-estar +
40. Cavalgar 2,06 Cavalo +
41. Reprovar 2,25 Prova Aprovar 2
42. Bobo 2,12 Velho + 16
(estereótipo)
Apareceu... Eu
até assustei
depois: mas
como? Nem
todo velho é
bobo... (riso)
43. Caderno 1,38 Lápis +
44. Particular 1,53 Privado +
45. Dente 1,78 Boca +
46. Correto 1,50 Certo +
47. Atendimento 2,59 Gentil +
48. Sujo 1,47 Velho + 16 É mas não
passou muita
coisa pela
cabeça... Eu
acho que é
preocupante.
(riso)
49. Livro 1,81 Ler +
50. Lacanianos 1,43 Psicanálise + Essa palavra
também me
deu
181
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
curiosidade de
saber porque
apareceu...
51. Sapo 3,88 Sapo? / Verde + 5 É pelo sapo
mesmo, os
sapos na
Holanda são
verdes...
52. Separar 4,57 Separar? Tem
vez que dá um
branco / Dever
Tarefa 2, 5 e 14 Eu não sei...
Fiz essa
associação. Eu
estranhei ter
vindo, mas não
sei...
53. Psicanalistas 1,53 Lacanianos +
54. Fome 2,41 Zero +
55. Auto-imagem 3,06 Identidade +
56. Lei 3,12 Dever +
57. Excluído 2,53 Incluir +
58. Nublado 2,03 Céu +
59. Prejudicar 2,56 Lutar Derrotar /
Falei outra
coisa
2 e 14
60. Criança 2,25 Velho + 16
61. Arrogante 1,87 Preponderante +
62. Querido 1,62 Amado +
63. Corporativismo 2,78 Sindicalista +
64. Brigar 1,94 Lutar +
65. Orientando 2,28 Aluno +
66. Grande 1,69 Pequeno +
67. Panelinhas 1,91 Grupinhos +
68. Pintar 1,78 Brigar Pintar? E... + 2 e 9 Eu pensei mais
no menino
pintando... (no
sentido de
pintar o sete)
69. Behavioristas 1,58 Comportamen-
talistas
+
70. Velho 1,66 Novo +
71. Flor 1,84 Planta +
72. Radical 3,03 Verde / Não sei
porque verde...
+ 11 (reação sem
significado) e
14
Apareceu...
deve ser o
cansaço. É,
porque eu acho
que não tem
nada a ver,
porque eu acho
assim... Verde
também não é
um cor assim...
Né? Muito...
se fosse
vermelho
(riso)
73. Caixote 2,09 Madeira +
182
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
74. Maracutaia 4,47 E... / Bri... /
Não... / É... /
Não... / Bagunça
+ 9 e 14 Na realidade
não é bagunça,
mas na política
é o sentido de
uma política
bagunçada.
75. Família 3,12 Crianças +
76. Chefia 1,78 Coordenação +
77. Vaca 1,59 Leite +
78. Estranho 10,29 Eu esqueci a
palavra em
português.../
Veremd
+ 7 (riso) e 15 É estranho em
holandês. Eu
não pensei
numa coisa
estranha... Não
veio nada, eu
só traduzi a
palavra.
79. Currículo 1,5 Aula +
80. Rejeitar 1,5 Aprovar +
81. Decência 3,39 É... / É... / Ética + 9
82. Estreito 1,43 Margem +
83. Substituto 2,00 É... /
Temporário
+ 9
84. Narrar 2,03 Contar +
85. Cegonha 2,35 Nascimento +
86. Avaliação 1,78 Aprovar Prova 2
87. Cerveja 1,62 Beber +
88. Mestrado 1,78 Doutorado +
89. Incêndio 1,94 Fogo +
90. Clínica 1,81 Psicologia Psico-
Psicologia
9
91. Porta 2,22 Fechar +
92. Departamento 2,60 Sindicalização Setor 2 Me deu
curiosidade de
saber porque
essa palavra
apareceu no
teste... Não sei,
porque
sindicalização
me deu assim
que esta
associação,
porque
sindicalização
é muito
departamenta-
lizado
também. Tem
muitos
departamentos
lá dentro...
Assim,
entendeu?
93. Serragem 2,13 Madeira +
183
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
94. Quieto 1,44 Intranqüilo +
95. Jornada 1,91 Trabalho +
96. Caçoar 4,18 Não conheço
essa palavra /
Rir
+ 14 Eu não
conhecia essa
palavra...
97. Individualista 2,47 Personalista +
98. Colorido 1,78 Verde +
99. Setor 4,53 E... / Setor... /
Departamento
+ 9 e 14 Foi a segunda
vez que eu
falei
departamento,
não sei me deu
um branco
assim e eu
falei isso.
100. Falar 2,75 Prove-
Provérbio
+ 9
Obs:
Mediana para a primeira metade do experimento: 2,105
Mediana para a segunda metade do experimento: 2,03
184
3.4.1.2.6 Sujeito 6 dade: 40 Sexo: M
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
1. Cabeça 1,34 Cabeça +
2. Verde 1,56 América (time) +
3. Água 2,56 Nada Eu não lembro
/ Acho que
foi... / Nada
2 (reprodução
incorreta) e 14
(reação em
várias
palavras)
4. Perfurar 2,15 Madeira +
5. Assassinato 2,32 Que horror! Também não
sei
2, 7 (riso), 8
(exclamação),
14
6. Alcoólatra 2,04 Triste Alguma coisa
estilo / + /
infeliz
2 e 14
7. Cinco 2,10 Seis +
8. Doutorado 2,09 Trabalho Em
Psicologia?
2 e 14 Me veio o
trabalho que
eu tive para
fazer o
doutorado. O
quão foi difícil
fazer o
doutorado. O
“em
psicologia” é
porque eu
respondi
muitas coisas
“em
psicologia”, aí
eu fiquei na
dúvida se no
doutorado eu
tinha
respondido
isso. Eu falei
“em
psicologia”
porque a gente
fala muito e aí
a gente
completa.
Deveria ter
falado
avaliação do
MEC que foi a
segunda que
me veio à
cabeça. Mas
ai...
9. 1,43 Macia +
10. Aposentar 1,69 Sonho Um sonho! 14
11. Mesa 1,94 Cheia de coisas Não lembro 2 e 14
185
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
12. Crise 1,91 Passageira Não sei... /
Falei alguma
coisa assim da
vida /
existencial
2 e 14
13. Cadeira 2,00 Vazia +
14. Mal-humorado 2,53 Todo dia Falei +? 14
15. Improdutividade 2,32 Possível Não me
recordo
2 e 14 É possível ser
improdutivo.
Pode acontecer
de você ser...
16. Lago 2,28 Negro +
17. Doente 2,82 Hospital Não lembro 2 e 7 (mímica)
18. Efetivo 1,87 Professor +
19. Cozinhar 1,47 Prazeroso +
20. Perder 1,87 É ruim! + (ruim) 7 (careta) e 14
21. Tinta 1,62 Verde +
22. Mau 1,60 Caráter Não lembro 2 e 14
23. Interesses 1,26 Financeiros Não lembro 2, 12
(completar) e
14
24. Nadar 1,25 Na piscina No lago 2 e 14
25. Concurso 1,56 Público +
26. Azul 2,03 Do céu +
27. Pão 2,26 Gostoso +
28. Turno 1,69 Noturno +?
29. Selvagem 2,75 Da selva + 7 (mímica)
30. CAPES 3,85 Desconhecido Chata? Não... 2 e 14 Comigo
pessoalmente
não... com o
mestrado e
com a
universidade,
ela se
constituiu uma
nova instância
de avaliação
da
universidade.
Ela avalia a
pós-graduação
segundo os
critérios que
são próprios
dela, o MEC
avalia a
graduação
dentro de
critérios dele e
o CNPq avalia
dentro de
outros. Esses
critérios não
são articulados
entre si, então
186
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
a universidade
fica sendo
puxada entre
essas
instituições.
Daí ser sempre
uma relação
cansativa que
meus colegas
tem com ela...
31. Árvore 2,00 Grande /
Frondosa
+ 14
32. Banca 2,31 De exame + 12 (completar)
e 14
33. Amarelo 1,69 Dourado +
34. Competição 1,18 Acirrada +
35. Montanha 1,81 Grande +
36. Concorrentes 2,28 Professores +
37. Sal 4,00 Gosto de sal + 14 Me deu um
bloqueio, um
branco. Só
veio a
sensação
perceptiva,
gustativa, do
sal.
38. Novo 1,78 Carro Não lembro 2 e 14
39. Mal-estar 2,44 Psíquico +
40. Cavalgar 1,53 Prazeroso +
41. Reprovar 1,63 Aluno +
42. Bobo 1,63 Da corte +
43. Caderno 1,48 Universitário +
44. Particular 1,69 Vida +
45. Dente 2,18 De sabre +
46. Correto 2,03 Justo +
47. Atendimento 1,72 Fraterno +
48. Sujo 1,75 Mal lavado +
49. Livro 1,50 De cabeceira Falei isso? /
Fiz uma
associação de
livro? / Não
me lembro
2, 12 e 14
50. Lacanianos 2,69 Só rindo Foi alguma
coisa
depreciativa /
Irônica / Dá
vontade de
rir...
Dá vontade de
rir... O meu
juízo de Lacan
é que ele é um
autor que
escreveu sem
contribuir
muito para a
psicanálise.
Ele escreveu
muito mais
para
demonstrar
187
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
conhecimento,
erudição, do
que
preocupado
com as
pessoas.
Sempre me
recordo do
Laplanche
dizendo que
ele inventou o
tempo lógico
porque estava
com o
consultório
cheio. E... Eu
tenho um juízo
ruim dos
lacanianos
porque eu tive
muitos colegas
lacanianos que
não eram
sérios com a
psicologia. As
coisa que eu
estudei foram
suficientes
para eu querer
não aprofundar
na teoria
lacaniana.
51. Sapo 1,90 Do brejo Do rio 2, 12 e 14
52. Separar 2,22 Afastar +
53. Psicanalistas 2,19 Gente boa + Eu gosto dos
psicanalistas
de uma forma
geral... os não
lacanianos.
54. Fome 1,88 No Brasil Ruim... 2, 12 e 14
55. Auto-imagem 1,47 Boa +
56. Lei 3,16 Necessário + Me vieram
sinônimos...
Um monte de
palavras.
Procurei a de
melhor
sentido.
57. Excluído 1,28 Social +
58. Nublado 1,22 Céu +?
59. Prejudicar 1,62 Alguém +
60. Criança 1,25 Feliz +
61. Arrogante 2,28 Severa Chato 2
62. Querido 1,81 Esposa +
63. Corporativismo 2,60 Da
Universidade
+
188
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
64. Brigar 1,56 Com alguém Hum...
Hum...+
12 e 14
65. Orientando 1,96 Pessoal Não me
recordo
2 e 14
66. Grande 1,82 Montanha +
67. Panelinhas 2,12 Ta cheio Aqui + 14
68. Pintar 1,85 A sala +
69. Behavioristas 2,00 Tão aí né? Estão aí... 14
70. Velho 3,69 Velho Acho que eu
repeti / +
5 (repetição da
palavra-
estímulo) e 14
Achei
estranho... Foi
uma palavra
que parou. Eu
bloqueei nela.
Só me veio a
imagem do
velho. Pode
ser medo da
morte... Quem
sabe?
71. Flor 1,81 De alfazema + 12
72. Radical 1,88 Livre +
73. Caixote 1,71 De madeira + 12
74. Maracutaia 3,81 Ladrões Esqueci 2 Não sei
demorou...
75. Família 1,63 Bom Feliz? 2
76. Chefia 1,53 Perdida + Eu acho que a
minha chefe de
departamento
está meio
perdida agora.
Mormente,
sem direção,
sem... sem...
trocando as
mãos pelos pés
em algumas
coisas.
77. Vaca 1,60 Leiteira + 12
78. Estranho 2,87 Estranho no
Ninho
+ 12 e 14
79. Currículo 1,28 Vitae + 12 Mexi ontem
com o Lattes,
vai e volta,
aqui a gente
tem mais
dois... tem um
que carregaria
a produção
bibliográfica e
já levaria
automaticamen
te para o
Lattes só que
ele não
funciona bem
e você acaba
189
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo
Tempo
de
reação
Reação Reprodução
Indicador de
complexos
Discussão
tendo que
preencher os
três.
80. Rejeitar 2,43 Alguém Afastar 2 e 12
81. Decência 1,96 Importante Moral? 2
82. Estreito 2,09 Rio +
83. Substituto 1,43 Professor + 7 (riso)
84. Narrar 1,59 Uma história Contar 2, 12 e 14
85. Cegonha 4,50 Não sei o vem nada
à mente...
14 Eu achei
esquisito não
ter resposta...
Não sei se é
desejo de não
termais filhos
ou medo de vir
mais um...
86. Avaliação 1,69 Da Capes + 12
87. Cerveja 1,75 Boêmia +
88. Mestrado 1,66 Em Psicologia + 12
89. Incêndio 3,16 No vale + 12 Me deu um
bloqueio... É
uma palavra
comum, não
veio nada só
1,56a
imagem...
90. Clínica 1,56 Geral De psicologia 2, 12 e 14
91. Porta 1,19 De entrada Estreita 2, 12 e 14
92. Departamento 1,22 De psicologia + 12
93. Serragem 2,81 Na mão Nas Mãos 12 Eu senti a
sensação de ter
serragem nas
mãos, só... Foi
a primeira
coisa que veio
à mente.
94. Quieto 1,91 Calmo +
95. Jornada 1,39 Dura + É o que eu
estou sentido
com a carga de
trabalho como
coordenador
de psicologia...
96. Caçoar 1,88 Sorrir Rir 2
97. Individualista 2,03 Todo mundo
aqui
+ 14
Acho que na
entrevista eu te
falei isso, nada
de novo sob o
sol...
98. Colorido 2,69 Gay +
99. Setor 2,50 Psicologia do
trabalho
De Psicologia 2, 12 e 14 É o meu
setor...
100. Falar 1,13 Muuuito Contar 2
Obs:
Mediana para a primeira metade do experimento: 1,89
Mediana para a segunda metade do experimento: 1,865
191
3.4.2 Avaliação dos dados
Existindo o propósito de avaliar, entre outros pontos, a tonalidade afetiva presente nas
imagens evocadas tanto durante as entrevistas quanto no experimento com as associações,
fez-se necessário registrar a ocorrência dessas reações. Por se tratar de um evento dinâmico de
natureza involuntária em que a energia psíquica se atualiza como força, a emergência de
conteúdos cognitivo-afetivos no processo de produção de sentido dificilmente poderia ter sido
acessada de forma direta. Isso conduziu a uma abordagem indireta desses conteúdos.
Tendo em vista que o método de estudo deva se adequar ao objeto estudado e
considerando que, neste caso, o objeto é um processo, “o método deve ser capaz de delinear
seqüências e abarcar processos” (HILLMAN, 1981, p. 229). Dessa forma, as entrevistas, após
serem transcritas literalmente, foram contrapostas às fitas originais para que fossem
destacados no texto (com o auxílio da evidência sonora e da memória do entrevistador) os
trechos onde se evidenciam os conteúdos de maior carga afetiva. Devido ao fato do “afeto”
ser um dado extremamente difícil de se categorizar, para que isso fosse feito foram utilizados
como suportes os chamados fenômenos de distorção: a limitação e a perda dos nexos
associativos. Nesse sentido, foi dada uma atenção especial aos efeitos de incongruência entre
idéias semelhantes, entre as idéias e as suas ressonâncias emotivas, entre um conteúdo de
pensamento e o seu relativo comportamental. Esse cuidado foi tomado em função da
experiência indicar que símbolos e respostas imersas em afeto estão intimamente relacionados
conforme evidenciado nas experiências de Jung com as associações de palavras (OC II) e
que culminaram com a cunhagem do termo “complexo de tonalidade afetiva”.
Atenção similar foi dada aos conteúdos reunidos a partir do experimento com as
associações de palavras. Nesse ponto o trabalho foi facilitado pela presença de elementos
mais concretos. Elementos como: o prolongamento do tempo decorrido entre a apresentação
da palavra-estímulo e a emissão da associação, a incapacidade em encontrar ou expressar uma
associação, mudanças miméticas, interjeições e outras alterações são elementos indicativos da
presença dos conteúdos emocionais interferindo no processo cognitivo. Isso, para Jung, é um
elemento indicativo da presença dos símbolos: “Nas tentativas de classificação de associações
acústico-verbais nunca se deve esquecer que não estamos examinando imagens, mas símbolos
verbais” (OC II, par. 25, grifo nosso).
Meier (1984), destaca que o critério mais importante para se avaliar os resultados do
experimento é oferecido pelo tempo de reação. Embora o autor afirme que, com “base em
milhares de experiências, Jung e seus predecessores chegaram à conclusão de que o tempo
192
médio normal de reação para homens cultos era de 6 a 7 quintos de segundo, e para mulheres
cultas, 8 a 9 quintos de segundo” (Meier, 1984, p.75), optou-se, no presente estudo, a não
levar em consideração essa referência. Para a presente investigação adotou-se a sugestão de
Jung de que nos casos em que a pessoa experimental é incluída na classe culta “é de 2,0
segundos. Portanto, tempos acima de 2,0 segundos são considerados longos demais” (Jung,
1995, par.772). Ao se calcular uma média aritmética das 100 palavras-estímulo da
experiência, obter-se-ia, em tese, um critério que possibilita determinar se o sujeito se encaixa
ou não dentro dessa média normal. Essa medida de tempo, no entanto, não é sensível o
suficiente para esse propósito. A média aritmética dos tempos de reação de uma dada
experiência não deve ser considerada um padrão confiável porque em cada experiência
obtêm-se algumas respostas com tempos de reação extremamente prolongados. Como
resultado disso, a média aritmética será deslocada (aumentada) consideravelmente, de modo
que não mais seria possível usar esse método para reconhecer a verdadeira natureza das
reações menos gravemente alteradas. Segundo Meier (1984), Jung resolveu substituir a média
aritmética pela chamada média provável (probable mean) introduzida por Kraepelein. O
termo “média provável”, embora exista – é uma média probabilística, uma estimativa aplicada
a um tipo de qui-quadrado não corresponde à descrição apresentada pelo autor. Definiu-se,
pela adequação ao procedimento de cálculo dessa grandeza citado por Meier (1984) vide
descrição nas linhas seguintes e da consulta a um estatístico, a utilização da definição
mediana em substituição ao termo utilizado. A mediana foi obtida construindo uma série que
consiste de todos os tempos de reação registrados na primeira metade da experiência, ou seja,
dos tempos de reação 1 a 50. Obteve-se esse valor começando pelo menor tempo de reação e
incluindo todos os tempos de reação subseqüentes até o 26º, que a média deve ficar entre o
25º e 26º tempos de reação. Tem-se, então, a mediana da primeira metade da experiência.
Repetiu-se esse processo com as reações 51 a 100, e assim obteve-se a mediana para a
segunda metade da experiência. Segundo o autor, (1884, p.76):
(...) através desse método os tempos de reação extremamente prolongados são
eliminados do campo, já que ocorrem na segunda metade da série e essa segunda
metade não é mais levada em consideração. Assim obtemos um critério
decididamente mais sensível para a avaliação dos tempos de reação prolongados,
que os tempos de reação extremamente prolongados elevariam a média de forma
indesejada. A mediana (probable mean) para a primeira e segunda metade da
experiência foi calculada separadamente por duas razões: (1) ocorre um aumento de
sensibilidade (sensitivity) em todo sujeito durante a experiência (a assim chamada
sensibilização ao complexo complex sensitization), de modo que em toda
experiência o tempo de reação tende a aumentar entre as reações 1 e 100. (2) A
segunda metade da lista contém um número maior de palavras-estímulo que foram
calculadas para despertar distúrbios complexos e, portanto, elevar a mediana.
Consideramos qualquer aumento no tempo de reação de 2 quintos de segundo ou
193
mais como sintomático de uma dificuldade que deve ter perturbado o curso normal
do processo que liga estímulo e reação.
Embora, no presente estudo, não seja contemplada essa distribuição irregular das
palavras estímulo calculadas para despertar complexos na segunda parte do experimento, a
adoção do cálculo de duas medianas diferentes como referência para a primeira e segunda
partes do teste foi mantida, vide descrição acima, como uma forma de evitar as distorções
advindas de uma possível sensibilização ao complexo. O referencial de aumento de 2 quintos
de segundo ficou mantido, sendo feita apenas sua conversão para centésimos de segundo (2
quintos = 40 centésimos).
Jung (1995), destacou uma série de outros sinais que, ao aparecerem, só podem ser
entendidos como distúrbios e ressaltou ainda que esses distúrbios podem ser
compreendidos como efeitos de um complexo existente. Ele agrupou os critérios
encontrados sob a rubrica indicadores de complexo. Segundo Meier (1984), eles são:
1. Tempo de reação prolongado: qualquer tempo de reação que seja 40
centésimos de segundo superior à mediana;
2. Reprodução incorreta;
3. Perseveração: Isso inclui todos os ecos da emoção produzida por
uma palavra-estímulo que continuam a se manifestar na próxima reação, seja
porque produzem um tempo de reação prolongado, seja porque a reação em si se
relaciona à palavra estímulo precedente. Assim, a perserveração pode ser
percebida ou no tempo de reação ou na reação ou em ambos;
4. Falhas: usa-se esse termo quando o sujeito não consegue produzir
qualquer reação verbal para a palavra-estímulo. O que se tem nesse caso, segundo
o autor, é uma espécie de “micro” efeito similar em natureza a um estupor
emocional. Registramos uma “falha” quando tivermos esperado 40 segundos
segundo sem receber qualquer reação verbal. Meier (1984), sugere que um período
de espera maior não oferece qualquer perspectiva de obter, enfim, uma reação; o
máximo que ocorre é que a situação pode tornar-se ainda mais desagradável;
5. Repetição de palavras-estímulo: Freqüentemente o sujeito repete a
palavra-estímulo para ele mesmo antes de ser capaz de formular uma resposta.
Observou-se que isso é uma forma do sujeito ganhar tempo quando uma reação
espontânea foi inibida;
194
6. Ouvindo mal ou não compreendendo a palavra-estímulo: essa forma
de distúrbio pode ser perfeitamente entendida como uma parapraxia
79
(em inglês,
faulty action”);
7. Mímica ou gestos acompanhando a reação: esse tipo de distúrbio
também pode ser interpretado nos termos das ações sintomáticas discutidas
anteriormente;
8. Interjeição e exclamação: Esses distúrbios podem ser compreendidos
de forma semelhante aos itens 5 e 7 acima. Representam um tipo de sinal de alerta
que o indivíduo dá a si mesmo;
9. Gaguejar e
10. Lapsos lingüísticos: Esses dois distúrbios devem ser compreendidos
de forma semelhante aos mecanismos discutidos no item 6;
11. Reações sem significado: Na grande maioria dos casos há um
conexão entre o significado da palavra-estímulo e da reação. Onde essa conexão
não existe, pode-se presumir que estamos lidando com uma reação defensiva, ou
seja, que alguma razão que impede o sujeito de assimilar o significado da
palavra-estímulo;
12. Reações sonoras: Reações sonoras surgem da mesma forma que as
reações sem sentido (item 11). O sujeito não tenta considerar o significado da
palavra-estímulo, mas simplesmente toma seu conteúdo fonético e imediatamente
responde com uma reação fonética semelhante. Devem, portanto, ser interpretadas
de forma semelhante ao exposto no item 11. Reações que rimam com ou
completam a palavra-estímulo podem também ser classificadas nesse tópico;
13. Reações “mediadas”: Nesse caso supõe-se que a reação imediata é
substituída por uma reação mediada. Tais supressões da reação imediata devem ser
compreendidas da mesma forma que os distúrbios que foram descritos acima
como reações defensivas;
14. Reações que tomam forma de várias palavras ou de frases inteiras:
Tais reações mostram claramente que o sujeito foi incapaz de se ater às instruções
dadas no início. Segundo o autor, essa “tagarelice” e verbosidade desnecessárias
79
Freud o nome de parapraxias (função falha ou ato falho) aos eventos que como lapsos de escrita e leitura,
chistes, esquecimentos e atos descuidados constituem-se em funções executadas de maneira errônea e que não
aparecem com uma elucidação lógica. São perturbações momentâneas que, em principio, o sujeito não consegue
explicar.
195
devem ser interpretadas como um sinal de uma certa desonestidade em relação à
resposta, ou seja, à reação;
15. Reações em línguas estrangeiras: Pode-ser presumir que passar a
uma outra língua (isto é, uma tradução) não representa uma resposta imediata, de
modo que se justifica a hipótese de ter havido a intervenção de um fator
perturbador;
16. Estereótipos: Entende-se por reações estereotipadas aquelas que
tomam forma de repetição da mesma resposta em locais diferentes no curso da
experiência. Isso significa, freqüentemente, que o sujeito reage com uma palavra
que está à mão, a fim de encobrir a reação imediata, que talvez tenha parecido
suspeita.
Além desses 16 indicadores Jung propôs outros 2 que dizem respeito aos fenômenos
físicos que acompanham a excitação de um complexo. Esses indicadores devido à
complexidade de sua medição, e por envolverem respostas mensuráveis somente com a
utilização de um galvanômetro e de um pneumógrafo, serão apenas citados nessa introdução
não sendo objeto de avaliação no presente estudo:
17. Deflexões que excedem o provável significado na experiência
psicogalvânica;
18. Contração aguda nas excursões respiratórias do tórax registradas
quando se emprega um pneumógrafo.
Essa lista de indicadores de complexo forneceu inúmeros critérios adicionais para
avaliar a experiência. Dessa forma o número do indicador de complexo foi registrado em
outra coluna da folha de resposta, após Reprodução.
Para que fosse feita a análise dos resultados do experimento, tornou-se necessário, ainda
segundo Meier (1984), considerar-se o exercício todo como um tipo de diálogo entre o
pesquisador e o sujeito. As palavras-estímulo representam perguntas feitas pelo pesquisador
ao sujeito e as reações representam as respostas do sujeito. O autor descreve essa conversação
como um diálogo mantido em um estilo telegráfico, o que, em muitos locais, pediu uma
amplificação. Independente do quanto breve tenha sido a palavra-estímulo, do ponto de vista
psicológico, são extremamente ricas em possibilidades de significados. E, certamente, o
mesmo se aplica com ainda mais força às reações.
Além do material reunido na discussão do experimento com o sujeito constituído
basicamente de explicações dele sobre as perturbações que ele mesmo notou e que Meier
(1984) relaciona com os complexos conscientes restou o problema da investigação dos
196
complexos inconscientes. Não se poderia, como sugere o autor, contar exclusivamente com a
faculdade intuitiva do pesquisador. “Se desejarmos esclarecer essas perturbações, aconselha-
se agrupar todos as perturbações, incluindo as reproduções incorretas, e tentar combiná-las de
forma que uma história curta possa ser construída a partir das palavras isoladas” (Meier, 1984,
p.78).
O autor afirma que, na maioria dos casos, as palavras-estímulo e as reações mantêm
uma relação específica que podemos comparar, por exemplo, com a relação entre os
diferentes componentes de uma frase. Meier (1984) propõe que a palavra-estímulo seja
tomada, por exemplo, como o sujeito e a reação como o predicado ou objeto. Trabalhando
desse modo foi possível, diante de uma reação perturbada, detectar uma relação entre a
palavra-estímulo inicial e as reproduções incorretas dessa palavra. O autor afirma que isso é
viável mesmo se um número razoável de complexos forem provocados pela experiência e
derem origem a perturbações, uma vez que até mesmo os complexos mais diversos ainda
mantém uma relação interna uns com outros. Individualmente esses complexos iluminam um
aspecto dos problemas do sujeito, enquanto que em grupo, ao produzirem seu impacto total,
tornam possível ao pesquisador “um conhecimento muito mais profundo e uma apreensão
muito mais ampla da situação do sujeito como um todo” (Meier, 1984, p.79).
O autor também sugere a construção de um gráfico mostrando o movimento do tempo
de reação durante as 100 reações registradas no teste; para esse fim o tempo de reação é
marcado no eixo das ordenadas. Isso foi feito e, em seguida, registrou-se a mediana na forma
de uma linha horizontal e fazendo isso para a primeira e segunda metade do teste, (ou seja,
para as primeiras 50 e as segundas 50 reações separadamente). Esse gráfico facilitou
determinar quais reações foram prolongadas oferecendo um quadro vívido do estado
emocional do sujeito. Nesse sentido, se a curva fosse relativamente suave e próxima à
mediana, a conclusão presumível seria de que o sujeito foi capaz de participar da experiência
em estado calmo. Meier (1984), por outro lado, ressalta que onde houver oscilações violentas
e amplitudes amplas, a curva é muito mais perturbada e, presume-se, que isso reflita a
situação emocional do sujeito. Esse último ponto foi bastante importante dentro do escopo da
presente investigação, visto que a dificuldade fundamental encontrada ao lidar com a busca do
símbolo nas narrativas dos entrevistados deveu-se, conforme exposto anteriormente, à
dificuldade de se avaliar a reação emocional através da qual o símbolo se expressa nas
produções de sentido e distingui-lo das elaborações meramente cognitivas.
O autor aponta outra vantagem de tal representação gráfica do tempo de reação: ela
possibilita detectar imediatamente a presença de perturbações em série. Quando uma
197
perturbação causada por uma reação com um tempo de reação acentuadamente prolongado é
carreada (carried over) para reações subseqüentes, isso se torna facilmente visualizável no
gráfico. Tais reações são de dois tipos: (1) as que mostram um tempo de reação decrescente
em que a influência pertubadora gradualmente se esvai, pelo menos no que concerne o seu
efeito sobre o tempo de reação e; (2) as que o tempo de reação começa a aumentar nas
próximas reações – n +1 +2 + 3, etc. Dessa última situação a inferência de Meier (1984) é que
a coloração emocional da reação crítica aumenta a intensidade durante o curso subsequente da
experiência até que finalmente a palavra-estímulo 4 ou 5 consegue interromper essa
reverberação emocional e o sujeito se torna novamente capaz de reagir em tempo normal.
O produto dos testes com associações foi, ainda, ser submetido a uma análise de seus
conteúdos. Esse procedimento se fez necessário para que fosse complementada a verificação
da natureza da interferência que os conteúdos inconscientes apresentados exerce no processo
de produção de sentido. Essas narrativas foram, nesse ponto, tratadas como as histórias e as
queixas dos pacientes originais de Jung que foram utilizadas como fontes para as séries de
palavras em seu experimento original e, posteriormente, como referencial de leitura e
interpretação dos conteúdos (propiciando uma integração do método associativo com o
método analítico ou interpretativo). É importante ressaltar que esse exercício foi feito em
paralelo à análise dos conteúdos apresentados nas narrativas.
Uma vez que os mitos e símbolos, se concebidos como formas de comunicação,
utilizam diferentes níveis em múltiplas conexões para expressar seus conteúdos, as entrevistas
foram submetidas a um processo de leitura flutuante onde o material foi apreciado em várias
leituras sucessivas (tentando contemplar esses diversos níveis), sem qualquer intenção prévia
senão a própria interação do pesquisador com os resultados. Nessas leituras, além do
simbolismo mais evidente, foi conferida uma atenção especial às adjetivações, às
comparações, às ênfases, às alterações de forma e sentido, aos apelidos atribuídos a coisas e
pessoas, aos conflitos e aos propósitos explícitos e subentendidos. Todos esses dados foram
considerados os elementos a partir dos quais se constrói a identidade pessoal do mito narrado.
Foi a partir desse material que se pode perceber todo o contexto e o processo do drama de
cada narrativa em questão. então, foram avaliadas as implicações dos conteúdos presentes
nessas narrativas: os mitologemas e seqüências representativas de seu conteúdo.
Os conteúdos de cada narrativa investigada não foram tomados como uma
representação direta da história total (e do sentido) da instituição, mas como “o propósito de
uma atitude, o reflexo de uma posição, uma postura de vida, uma maneira de jogar o jogo”
(CAMPBELL, 1992, p.114). Cada narrativa foi considerada, por si mesma, a sua melhor
198
explicação, ou seja, considerou-se que seu significado estivesse contido na totalidade dos
temas que ligam o fio da história e que esta seria desvendável através deles. No entanto,
identificado esse drama particular tornou-se necessário avaliar o drama global contraposto.
Para isso cada narrativa particular foi considerada como uma tentativa de descrever um fato
psíquico: o sentido que aquele narrador extrai de sua experiência no departamento. Diferentes
narrativas proporcionarm “fotogramas” diferentes do sentido que todo o departamento
(tomado enquanto uma entidade autônoma) extrai de si mesmo. Em relação ao todo algumas
enfatizaram um aspecto, outras se fixaram em outros... Cada uma foi instrumento para o que,
na falta de um termo mais apropriado, decidiu-se por designar como o “diagnóstico” de seu
narrador. Reunidos os diagnósticos individuais foi possível chegar a um diagnóstico de todo o
departamento.
Tendo havido a opção tanto por evitar categorizações prévias, como por evitar uma
pesquisa baseada em elementos / categorias redutivas ainda que estes emergissem do próprio
material pesquisado (agressão, relações parentais, água...), e sim por privilegiar mitologemas,
foi natural que emergissem dessas leituras flutuantes uma série de fragmentos ou segmentos
padronizados de seqüências de ações. Essas seqüências dramáticas foram destacadas em cores
diferentes no texto de cada entrevista específica para, em releituras globais do material, serem
comparadas às seqüências de sujeitos diferentes em diferentes análises. Essas seqüências
foram, ainda, contrapostas a outras seqüências trazidas pelo mesmo sujeito em outros pontos
do relato. Isso permitiu, através da análise dos padrões de mudança qualitativa na seqüência, a
verificação de como (ou se) os motivos e conteúdos apresentados (bem como os sentimentos a
eles relacionados) se relacionam com o processo de produção de sentido.
Reunidas essas seqüências dramáticas, esses conteúdos foram analisados dentro do
modelo de um campo de ação dramática ou, dentro da metáfora de Hillman (1981) – discutida
no item 3.1, como campos de força onde informações (conscientes) e afetos (inconscientes)
interagem num contexto simbólico para produzir sentido. Isso permitirá (ainda utilizando a
metáfora de Hillman) uma descrição de como as “tensões” existentes nesses campos e da
“direção” que o “fluxo energético” (afetivo) se encaminhou para que se chegasse até aquele
sentido específico. Para uma correta compreensão do processo foram considerados não
somente a “direção” e a “intensidade”, como também os pontos de “bloqueio”, “interseção”
(ou crise) e “liberação da “energia” envolvida. Uma leitura dessa ordem facilitou a
compreensão do fluxo e do movimento das informações dentro do sistema que produz as
significações.
Desta feita foi buscada a relação entre os elementos psíquicos distanciados pelo
199
significado atribuído pelos sujeitos às situações. Evocando um nexo, por assim dizer “virtual”,
entre elementos não explicitamente vizinhos.
Nesse momento, foi permitida a interferência do referencial reunido ao longo dos
estudos que precederam a pesquisa empírica, bem como de informações reunidas em
observações complementares.
Finalmente, o resultado dessa análise foi contraposto às observações advindas do
experimento com as associações, aos dados dos sujeitos (tudo aquilo que foi reunido sobre
esses sujeitos e suas experiências) e aos dados da instituição (as convenções assumidas
formalmente como delineadoras dos comportamentos dos seus membros) para se elaborar
uma descrição de como se processa, nessa situação, o fenômeno da produção de sentido. Ao
longo de todo o processo de análise foi dada uma especial atenção às dimensões afetivas que
permeiam o símbolo e que produzem a ressonância simbólico-afetiva que vários autores
reconhecem como fatores excitantes (e o uso da palavra é intencional uma vez que remete a
algo da ordem do “imprevisível”) para a facilitação ou complicação do processo
comunicativo. A correlação
80
entre os afetos e os mbolos que aparecem (consciente ou
inconscientemente) nas narrativas e histórias usadas espontaneamente como elementos de
produção de sentido nessa organização ilustrou as elaborações anteriormente descritas.
80
A utilização do termo correlação em lugar de relação tem, nesse momento, o objetivo de enfatizar uma
questão. Ao se pretender uma análise das constantes reelaborações impostas pelo núcleo afeto/símbolo descreve-
se (contando com a influência da própria subjetividade do observador na análise desse contexto) uma disposição
para tratar os fatos através de uma determinação do pensamento que não pode ser trabalhada funcionalmente
como uma simples relação entre variáveis. Nesse sentido, assume-se aqui que qualquer afirmação sobre esse
ponto somente poderá ser feita sob o subsídio de algo que tem dentro de si a impossibilidade se separar
observador e objeto da observação. Portanto, escolheu-se utilizar, neste caso, um discurso probabilístico e dentro
desse viés o termo correlação. Essa escolha foi feita mesmo se assumindo que todo pensamento sobre os
fenômenos exige um determinismo, e dessa forma a construção de uma relação. A visão de Penna (2003) parece
reforçar esse ponto de vista. Segundo a autora, a interação “entre sistema observador e o fenômeno observado é
estreita e dinâmica, de mútua interferência. Está fora de cogitação uma observação objetiva (...) O processo de
observação integra sujeito e objeto em sua totalidade consciente e inconsciente, podendo ser almejado apenas um
equilíbrio entre subjetividade e objetividade, que oscila entre a objetividade possível e a subjetividade
controlável (PENNA, 2003, p. 175). Nesse ponto a condição do observador / investigador se aproxima da
condição dos sujeitos experimentais durante o exercício das associações. Em ambos os casos, torna-se muito
difícil se isolar relações, o que se obtém na realidade são pequenas redes de idéias associadas, portando:
correlações. Para Jung, em situações como as tratadas no presente estudo “uma tendência nítida de construir
algo se mistura à reação, de modo que esta é em muitos casos o produto de um processo reflexivo, portanto de
uma série inteira de associações” (OC II, par.20).
200
3.5 Análise dos dados
Devido à própria característica do processo de análise conduzido, os dados são
apresentados simultaneamente à sua discussão. Foram dispostos segundo a dinâmica das
temáticas abordadas na investigação e seguindo os seguintes critérios:
1. verticalidade: através do percurso de um dos sujeitos experimentais (quer seja na
entrevista, quer seja no experimento com as associações), onde foi acompanhada
a trajetória individual de suas respostas;
2. horizontalidade: através do percurso de cada questão dentro da amostra, onde
foram comparadas as respostas individuais para cada questão ou através da
análise de grupos de associações
Na discussão final os resultados de cada análise foram cruzados buscando evidenciar as
relações descritas no item 3.4.2 (Avaliação dos dados).
3.5.1 Análise das entrevistas
O propósito desta seção da presente investigação é construir um mapa da base
contextual através da qual os sentidos produzidos pelos indivíduos dentro do departamento.
Isso é feito aqui reunindo as interpretações dos indivíduos sobre alguns fatos marcantes ao
longo de suas existências individuais na organização, suas interpretações para as vivências
experimentadas coletivamente, e as leituras que esses indivíduos fazem de si mesmos, dos
outros e do próprio departamento. Os fragmentos das falas aqui apresentados foram retirados
das entrevistas dos seis sujeitos e reunidos, por afinidade, em torno dos grandes temas que
emergiram das narrativas. Esse material é analisado como forma de alinhavar um primeiro
esboço daquilo que, na falta de um termo melhor, se denomina aqui um mapa descritivo das
mentalidades do departamento estudado. Esse mapa auxiliará, pretende-se demonstrar, o
entendimento de como se os integrantes da organização estudada extraem sentidos da
realidade em que se inserem e na demonstração da possibilidade de se utilizar os símbolos
para compreender esse processo.
A observação de que, em algumas situações, acontece a repetição de certos motivos
vinculados a estados psicológicos ricos em emoções, leva, dentro de uma hermenêutica
junguiana, a suposição de que essas situações estejam dentro do raio de ação de complexos e
201
arquétipos. Uma vez que o arquétipo per si não é passível de ser conhecido, deve-se procurar,
ao se pretender compreender-lhe o sentido, expressões semelhantes de influência, em outras
esferas da expressão humana (VITALE, 1979).
Dramas históricos, situações manifestas nas mais diversas culturas e, especialmente, a
mitologia apresentam-se como um recurso a ser utilizado em pesquisas desse tipo. Isso se
deve à espontaneidade, à variedade e a riqueza com que essas expressões cobrem a extensão
da experiência humana. Na presente análise, após a apresentação de cada um dos temas, é
levada a cabo uma discussão do material com o objetivo de compreender as relações entre os
vários conteúdos apresentados. Essa discussão será acompanhada e sustentada, quando isso
for possível, pela busca dessas semelhanças mitológicas e culturais. Esse método, dentro da
psicologia junguiana, é denominado Amplificação
81
e é utilizado freqüentemente naquilo que
aqui se denomina, segundo a sugestão de Vitale (1979), Investigação Analógica dos
conteúdos.
3.5.1.1 Fundação: o histórico da psicologia na cidade e o surgimento do departamento
estudado
A história do departamento estudado e de seus conflitos se relaciona intimamente com a
história da psicologia na cidade (bem como com a história pessoal de alguns dos
entrevistados). Dentre os entrevistados S1 foi o quem melhor evidenciou essa relação. S1 foi
capaz de recordar o primeiro grupo de profissionais que, oriundo de uma instituição
prestadora de serviços em psicologia (“onde se fazia a aplicação de testes psicológicos para
os concursos públicos, principalmente o concurso público de juiz... cargos assim... fazia
também orientação profissional de jovens”), constituiu o núcleo dos primeiros cursos de
psicologia da cidade. Essa instituição, funcionando desde a década de 50 do século XX, “com
pessoas formadas em Filosofia, Pedagogia, Sociologia, Assistência Social que se dedicavam
a estudar Psicologia, mas na verdade elas não tinham a formação de Psicólogo” ofereceu os
primeiros professores para os cursos. Nesse ponto apropria vida do entrevistado se mistura
com a história da criação dos cursos: “Os cursos foram sendo criados e a gente atuou neles a
medida que a gente se formava, porque eu sou da criação do curso de Psicologia da G (outra
81
Sinteticamente, a Amplificação é um método associativo que utiliza, na compreensão e na investigação de
conteúdos psicológicos, o estudo comparativo da mitologia, de situações históricas, de dados culturais, da
religião e de contos de fadas.
202
instituição, a primeira a abrir um curso de psicologia) e no meio do (mesmo) ano foi criado o
da H (instituição pesquisada). Na H a equipe mais velha do I (instituição prestadora de
serviços em psicologia) foi trabalhar com o Professor Nogueira
82
(fundador dos cursos). Na
G foi a equipe mais jovem... porque... era menos... importante (risos)”. S1 transferiu-se,
posteriormente (no final da cada de 60 do século XX), para a instituição pesquisada:
desde... (data) eu estou na H, aposentei lá, fiz novo concurso voltei e estou até hoje”.
Graduado em uma área afim atuava em psicologia antes da regulamentação da profissão no
país e, por essa ocasião buscou uma formação complementar para regularizar a sua situação:
“Nós as pessoas que estavam trabalhando com Psicologia foram convidadas a fazer uma
formação rápida, de um ano, para serem professoras nos primeiros cursos de Psicologia.
Então eu comecei a dar aulas na G... Anos depois eu fazia o Mestrado... (...) quando eu
resolvi fazer o Curso de Psicologia mesmo... Eu era professora da H, eu tinha feito concurso
para a H e ai resolvi fazer o curso de Psicologia em... (final da década de 70 do século XX)
por aí... mas eu já era professora há muitos anos”.
S4 relaciona o início da sua carreira ao início do curso e conta como, ainda estudante,
recebeu um convite para começar a lecionar: eu sou da primeira turma de Psicologia, entrei
em 63 lá. Bom, nessa época que eu entrei na F, foi também a época, quando eu tava me
formando eu tava me casando, então eu me formei em 67, o curso foi de 63 a 67, no final de
66, quando eu tinha o bacharelado eu fui convidada a dar aula, em 67, no quinto ano,
pros alunos excedentes, que entraram na universidade como excedentes. Então, eu fiz o
ano de Psicologia e já dava aula”.
S6, sem ter vivido os períodos iniciais resgata da seguinte maneira bastante crítica as
conseqüências do modo como o departamento foi fundado e o curso teve início: Final dos
anos 60, ele foi criado, tá, o departamento era o curso de Psicologia, tá, era um curso de
graduação, eu não, eu não tenho documentos, mas assim, eu ouvi dos corredores, são os
fantasmas, , os fantasmas me disse que parte do corpo antigo de professores nossos não é
concursado, parte do corpo antigo de professores nossos era bolsita, era contratado, tá,
vínculo de contratação, e num ato de governo eles se tornaram servidores públicos, deram a
opção e eles se tornaram servidores públicos da noite pro dia, esse pessoal mais antigo,
raras as exceções, não tem uma visão institucional da universidade”. Segundo S6 alguns
desses “servidores” continuam na casa: alguns aposentaram e retornaram, tá, e tem uma
visão quase monitorial do trabalho de professor, o professor deve dar aula na graduação,
apenas, sem demérito da graduação, eu acho que a graduação é uma das coisas mais
82
Nome fictício, como todos os seguintes.
203
importantes que a gente faz aqui, tá, pensando socialmente, tá, mas é uma miopia em relação
ao que ta sendo exigido das universidades hoje, tá?”.
S1 remonta a origem da psicologia na cidade à vinda de uma renomada psicóloga
estrangeira que trabalhando por algum tempo na cidade deu início à prestação de serviços de
psicologia na região. Personalidade difícil essa fundadora relutou em formar continuadores à
altura de ocupar preencher o vácuo deixado por ela quando se afastasse: eles perguntaram
quem poderia subistituí-la... porque acabava de ser criada a Faculdade de Filosofia e tinha a
disciplina de Psicologia, né?!? Então perguntaram que poderia substituí-la ela disse...
Ninguém!”. Tendo, finalmente, se retirado, o cuo foi ocupado por Madame Poulain (“
eles resolveram olhar o aluno que tivesse as melhores notas. E quem tinha tido as melhores
notas em Psicologia era o Nogueira). Nogueira ocupou o espaço e deu início a uma série de
ações que culminaram na criação do I e dos primeiros cursos de psicologia da cidade. S1 se
refere a Nogueira como referência na história da Psicologia no estado; um grande
batalhador para criar um curso de Psicologia aqui”; a pessoa que deu conta de criar o I;
o centro das atenções de todos os Psicólogos. E todo mundo conseguia fazer mestrado e não
sei que lá, tudo com o Nogueira como orientador. Eu fui aluna dele e ele não era um
professor tão brilhante, mas ele era uma biblioteca ambulante. Ele tinha um domínio de
passar pelo curso inteiro que era um negócio assim fantástico. Ele era uma pessoa que lia
textos em Inglês sem ter feito o curso... sei lá! Coisas impressionantes”. O professor Nogueira
ganha contornos heróicos na narrativa de S1, a entrevistada relata da seguinte forma o ato de
coragem e ironia que ante a intenção de um comandante militar que pretendia invadir a
instituição para prender estudantes durante os anos de chumbo acabou por lhe custar o cargo:
O chefe dos militares perguntou assim: Como é que a gente faz para entrar na
universidade?” Ele falou: “Só tem um jeito: vestibular!” Isso causou o maior mal estar, e na
manhã seguinte saiu a exoneração dele”.
S4, reafirma sua presença desde a origem do departamento e narra da seguinte forma a
origem do curso e sua participação nela: eu to lá desde o primeiro dia de aula da primeira
turma de Psicologia em 63 (...) Então, eu tenho toda a história do departamento comigo, foi
um departamento que começou pequenininho, o professor Nogueira que criou aquele curso
de Psicologia, o professor Nogueira, o professor Marconi, uma turma de professores e ex-
professores meus que trabalhavam no I , antigo I, na medida que o curso foi avançando ele
foi contratando, a universidade foi contratando pessoas e professores da própria
universidade, os, os médicos da Psicopatologia, enfim, fomos montando o quadro e a
medida que a turma, que a primeira turma formou, nós mesmos fomos assumindo, né, muitos,
204
não só eu, mas muitos colegas meus, fizemos o concurso, (...), que eu te falei, em 69, e a gente
foi assumindo o departamento, e, posteriormente, chamando professores de fora, alguns
novos foram fazer, (...) mestrado e doutorado na IJS (instituição de renome nacional), (...)
foram pro Estados Unidos, a Riva; enfim, muitos saíram pra fazer mestrado e voltaram e
ficaram no próprio departamento, então ele foi crescendo”.
Apesar de sua entrada tardia em relação a S1 e S4, S5 ingressou no departamente ainda
em sua primeira década, e como S4, ainda enquanto estudante: nasci na Holanda, (...)
vim pra Brasil, em 68” (...) fiz vestibular no final do ano, comecei o curso de Psicologia em
69” (...) “antes de completar o curso de Psicologia, já comecei a dar aula também porque, né,
naquela época teve um expansão do curso da Psicologia, aumentou o número de vagas, né,
então todo semestre precisava ter mais gente, então entrei antes de completar a formação de
psicólogo, né, bacharel, né, já entrei, comecei a dar aula”. Fato curioso é que S5 se
naturalizou brasileiro muito recentemente e com um objetivo naturalizei, assim, bem mais
tarde, né, naturalizado brasileiro foi em 2003, não em 2002, pensando na possibilidade de ir
aposentar, né, mas já mudou tanta coisa, ne?”.
S1 atribui à gestão do professor Nogueira como diretor a idade de ouro da Instituição
(“Esse departamento teve uma ascensão inicial muito grande, incentivado pelo professor
Nogueira, as pessoas eram consideradas muito competentes mas digamos que eram as
mesmas pessoas que trabalhavam no I”) e faz coincidir com sua saída o início de um processo
de degeneração: com a exoneração dele eu diria que deu uma parada no departamento, uma
parada de anos e anos e anos. As pessoas começaram a brigar entre si”; com a
aposentadoria dele e com a doença dele houve assim um esfacelamento, porque a partir daí
começaram lutas internas muito grandes que eu diria que persistem até hoje”.
S4 relata a sua visão do melhor momento do departamento à época em que o seu grupo
tinha a maior representação e a descreve da seguinte forma Chegou a ter 88 professores
efetivos, era um departamento muito bom onde se trabalhava com muita alegria, as pessoas
eram, a gente sentia, era aqui na F, aqui no (Bairro X), não era no campus ainda não, as
pessoas eram muito amigas, tavam todas lá, não tinha ninguém se aposentando, era uma
época que os professores ganhavam melhor, eram mais respeitados, eh, as pessoas tinham
interesse pelo curso, eu, eu sentia isso, quer dizer, o meu setor, a área, eu sempre trabalhei
no setor de Geral Experimental, que é um dos setores maiores do departamento que ele tem
diversas disciplinas, todas as disciplinas de Metodologia, Experimental, de Psicologia Geral,
que são duas turmas, de manhã e de tarde, todas estão nessa área, nesse meu setor, eram 11
professores no setor de Experimental, então nós éramos muito amigos, a gente trocava
205
idéia, era uma época que o departamento, eu achava as pessoas muito boas como companhia,
troca de idéias e tal”.
Ao falar sobre a origem do departamento S2 faz referência às correntes teóricas que
estavam presentes no início e as transformações posteriores no cenário: A origem do
departamento de Psicologia, eh, vem de duas perspectivas importantes, né, que têm uma base
cientifica, né?! Uma tendência muito forte veio da Psicometria, né, que era, na época, uma
tentativa de dar um estatuto cientifico a investigação dos processos psíquicos. Na época,
pediam, vamos dizer assim, a Psicometria. E outra perspectiva importante acabou se
tornando o Behaviorismo (...) Nesse inicio o enfoque importante era da Psicologia de base
experimental. Outra forma de Psicologia que começou a ganhar expressão também, foi a
Psicologia Humanista, né, (...) esses humanistas, muitas vezes interessados, vindos com
interesses pastorais, vamos dizer assim, porque eles eram religiosos, grande parte deles
religiosos, né, começaram a desenvolver uma Psicologia de cunho humanista, né, ou seja,
criam uma Psicologia muito fundamentada na Filosofia, principalmente na Filosofia de
cunho existencial, Rogers, etc, que servia de base para suas propostas, né, e se apresentava
com uma leitura do homem, mas compartilha, talvez, com as raízes religiosas dos homens”.
S2, relata ainda, a introdução da psicanálise entre as correntes do departamento: E, a partir
da Psicopatologia, né, que também configuraram, né, começou a ganhar terreno a
perspectiva psicanalítica, que representa uma terceira tendência que é mais tardia dentro da
Psicologia, né”. Sobre a ascensão da psicanálise a um lugar proeminente (e competitivo) entre
as correntes teóricas presentes no departamento S2 especula: eu acho que, a partir dos anos,
talvez, pela configuração de um grupo, né, começou a trabalhar com Psicanálise , eu faço
parte desses pioneiros, eu acho, (...) acabou-se formando um grupo bom, as pessoas, eh,
competência intelectual, né, e acabou fazendo com que a Psicanálise se tornasse uma força,
vamos dizer assim, que acabou se impondo muito no curso de Psicologia. Isto também, eh, sei
lá, talvez uma aceitação social cada vez maior da Psicanálise e uma demanda maior pros
alunos”. S2 faz referência ao surgimento de outras tendências... depois outras tendências
ganharam força também, como a Psicologia Organizacional, a Psicologia do Trabalho, etc.
Hoje, o departamento é um departamento com muitas tendências, vamos dizer assim”,
somente para, em seguida, voltar a referir-se à sua abordagem e , ainda que de uma forma
indireta, à importância que atribui a ela: talvez uma das predominantes seja a Psicanálise,
mas eu não tô bem certo disso”.
S1 relaciona o fim do período áureo com a saída do fundador e a ascensão de sucessores
que não estavam à altura. Esses sucessores teriam sido incapazes de gerenciar a eclosão de
206
conflitos, as brigas internas começaram se sucederam e deram origem a outras instituições: “o
pessoal da Psicanálise começou a se desentender com o pessoal da Experimental. Enfim, as
brigas eram muitas e foi onde a Profª Martha, que era da área de Educação resolveu criar
uma faculdade de Educação e levou parte dos brilhantes para trabalhar com ela. Então, ficou
um departamento de Psicologia na F (faculdade a que se vincula o departamento), que era
responsável pelo curso (de psicologia), e um departamento de Psicologia na faculdade de
Educação”.
S4 manifesta um certo grau de ressentimento pelo fato de os psicólogos não terem se
aproveitado do movimento de saída que outros cursos promoveram na F para sair também, e
atribui isso a um erro do fundador: Bom, a gente nunca conseguiu sair das Ciências
Humanas, foi um erro eu acho, eu, pessoalmente, acredito que o professor Nogueira, na
época, deve ter sido influenciado pra ficar na F e não ir pra áreas biológicas, e a gente
nunca consegue sair de mais porque é interessante pra F que a gente fique lá, mas pra
gente não é porque nós somos um departamento muito grande, dava pra ser uma faculdade, a
gente tinha pessoal suficiente pra ser uma faculdade, como a Letras saiu, a dona Catarina
Coelho teve a brilhante idéia de puxar a Letras, né, porque antigamente era F e Letras, né?!
Ela tirou Letras de e foi a melhor coisa que ela fez, Letras virou uma faculdade separada,
com verba própria, etc e etc. E nós não conseguimos, a gente continua dentro da F, então a
gente é um mero departamento”.
Ainda sobre a criação de outras faculdades e, em certo grau, a apatia dos que ficaram,
S1 vincula esse fenômeno à origem múltipla dos seus fundadores: em determinado momento
o pessoal da faculdade de educação ganhou mais autonomia, ganhou status, criou-se a
faculdade de educação e eles expulsaram de os psicólogos: Não queremos os psicólogos
dando aula aqui... Depois adotaram seus próprios psicólogos. O pessoal das ciências sociais
teve o mesmo procedimento. E o pessoal da filosofia que investiu muito no estudo, na vida
acadêmica, esse pessoal acabou ocupando um lugar no departamento de psicologia mas
priorizando a sua própria área”.
S5 afirma que quando da sua entrada a figura do Nogueira, para mim era uma
situação existente, né, cheguei, entrei no curso em 69”, e descreve um segundo momento de
expansão eu peguei então, esse período de pido crescimento, e de entrada de muitos
docentes novos e essa situação de conflito”, por um lado a hegemonia da psicologia
Experimental que era também um grupo hegemônico, na época na década de 70 a
Experimental era, Behaviorismo a nível mundial, alguma coisa dominante e, por outro, a
psicologia social em ascendência. S5 destaca ainda a pequena identificação entre o grupo
207
“social” e o resto do departamento o setor aqui, Social que era um grupo, eh, não tão
vinculado ao departamento porque quando esse grupo quando surgiu, surgiu com
participação de docentes que eram da Ciências Sociais, né, e era um grupo que já tinha feito
alguns projetos até pra pensar um mestrado na área de Ciências Humanas, quer dizer, não
vinculado tanto a Psicologia, então era um grupo não tão identificado com o departamento”,
chegando a ser desvinculado “até em termos físicos, a antiga F, na (antiga sede), a Psicologia
funcionava no andar e o setor da Clínica Social funcionava no porão, tinha sala de aula
das Ciências Sociais e algumas salas da clínica Social”.
S2 revela que a saída de alguns professores nos primeiros anos do curso, contribuiu para
a perda de hegemonia da psicologia experimental: a Psicologia Experimental gozou de um
prestígio muito grande aqui, no fim da década de 60, início da década de 70 (...), mas,
dependia muito de duas grandes figuras que foram embora, um era o professor Castro Leite,
que acabou indo pra D (cidade de destaque na federação), depois pra IJS (instituição de
renome nacional) e o outro é o Mauro Loureiro, que debandou para a Psicanálise”.
A saída dos primeiros fundadores está associada, segundo S4, ao início do processo de
decadência do departamento, segundo ele de 90 para cá, a maioria dos professores foram se
aposentando, porque aqueles antigos tavam completando os 25 anos de magistério, os
homens 30, então foi quando os meus professores foram saindo, nós perdemos muitos
professores, o departamento ficou muito, eh, passamos de oitenta e poucos pra sessenta e
poucos. Junto com isso, veio uma reforma curricular, primeira reforma que nós tivemos foi
em 74, e essa reforma cresceu, aumentou muito o número de disciplinas, com a saída dos
professores, muitas disciplinas deixaram de ser oferecidas porque não tinha mais quem desse
e começou-se a pensar em outra reforma curricular pra gente poder manter a unidade do
curso e tal. que nesse meio tempo, a gente mudou pra (o bairro Y), em 90 a gente foi
pra lá, eh”.
S3, bem menos tempo na instituição, não faz muitas referências à história do
departamento e sim o define. Faz isso inicialmente demonstrando uma ambivalência de
sentimentos em relação à ele: É.. minha relação com o departamento de Psicologia é de
amor e de ódio, né?! e esclarece: É um negócio complicado, né?! Porque assim, o
departamento de Psicologia foi o lugar que me acolheu, né?! Quer dizer, assim, que, por um
lado, me, me, me possibilitou ter as, vamos dizer assim, concretizar esse sonho, né, de uma
vocação acadêmica, de ter uma vinculação institucional, eh, de ter, vamos dizer assim, a
liberdade acadêmica que a gente usufrui nas, nas universidades federais, públicas, gratuitas
de excelente qualidade, né, no Brasil. (...) Agora, por outro lado, o departamento de
208
Psicologia tem uma série de limitações, eh, institucionais, né, que são amarras, né, que,
vamos dizer assim, prendem, né, o crescimento da gente. De uma certa maneira, são coisas
que trancam, que são problemas, né, que são recorrentes, né, que a gente não encontra uma
solução, que não existe saída, eh, a vista, tá?!
Em sua tentativa por definir o departamento, S4 afirma “hoje, março de 2005, eu acho o
departamento de Psicologia da H o maior caos (...) um caos por isso, nós tamos cheios
de professores substitutos, não existe um controle sobre o que que esse pessoal dando em
sala de aula, o chefe de departamento não consegue, acha que não tem poder pra fiscalizar o
que sendo dado em sala de aula, nem os alunos, nem os chefes de colegiado fazem isso,
(...), todo mundo, ninguém acha que manda em ninguém, que tem autoridade sobre ninguém,
os alunos tão descontentes, mas não sabem que podem reclamar, então eles não reclamam e
justifica sua competência para expressar essa visão com o relato da história do departamento,
pelo fato de ter vivido todas as épocas e de ter visto seu declínio a partir da idade áurea que se
seguiu aos anos de fundação conforme citado acima. S4 afirma-se avalizada para dizer isso
porque eu to desde o primeiro dia de aula da primeira turma de Psicologia em 63, nunca
me afastei do departamento, nunca fiquei afastada por doença ou por motivo, aliás, mentira,
eu fiquei um ano, que eu fiquei fora, nos Estados Unidos, eh, meu marido foi fazer mestrado,
eu saí, mas, eh, fora esse ano, eu nunca me afastei do departamento”.
3.5.1.1.1 Discussão e Investigação Analógica dos conteúdos apresentados
Fundação: o histórico da psicologia na cidade e o surgimento do departamento
estudado
Canta para mim, ó Musa, o varão industrioso que, depois de haver saqueado a
cidadela sagrada de Tróade, vagueou errante por inúmeras regiões, visitou cidades
e conheceu o espírito de tantos homens”...
Homero, Odisséia, Rapsódia I, Verso I
Das narrativas que se pode reunir, vem do relato de S1 a informação mais antiga sobre o
departamento: antes que ele existisse havia a psicologia; antes da psicologia enquanto curso,
havia uma psicologia aplicada que era exercida por pessoas de muitas origens (o cleo da
instituição); antes dessas pessoas havia a instituição em que elas trabalhavam (uma instituição
que prestava serviços na área de psicologia); antes da instituição, um fundador (dos primeiros
cursos e da instituição); antes do fundador, sua mestra: “mãe” da psicologia na cidade,
dominadora e estrangeira, que não enxerga ninguém capaz de sucedê-la...
209
Feito esse prólogo, cabe aqui identificar algumas características presentes nesse
“mitologema fundador” do departamento. Ao se fazer uma leitura das narrativas sobre esse
período, aqui denominado fundação, emerge, inicialmente, a imagem de que a origem da
psicologia na cidade se relaciona à passagem de um fundador que veio de fora: a personagem
aqui identificada como Madame Poulain. Sustentando as narrativas sobre a fundação,
subjazem imagens dramáticas que ganham contornos épicos e que dão uma tonalidade
específica ao imaginário sobre esse período histórico.
Esse primeiro mitologema poderia ser denominado mitologema do Herói Fundador
Vindo de Fora. Esse é um tema universal, antigo, do qual podemos encontrar inúmeros
exemplos. Durand, por exemplo, comenta: “A Eneida fecunda o imaginário poético da época
de Augusto com a chegada do herói troiano, após ter escapado à tentação de Cartago. Vários
Deuses gregos Dionísio, Hermes e mesmo Apolo adquirem o estatuto divino pelo
prestígio de sua origem longínqua, trácia ou hiperbórea” (1986, p.11). Esse tema foi
atualizado no âmbito da cultura cristã, por exemplo, o mito da “transcendência geográfica”,
que sustenta o sonho e a política das cruzadas, é apoiado pelas origens distantes e orientais de
heróis e “organizações” (por exemplo, a lenda de que José de Arimatéia traz do oriente o
Graal para o ocidente). Parafraseando Durand, como tantos outros lugares, o departamento
“não escapa, é claro, a esse arquétipo do ‘fundador vindo de fora’. Mas a origem exterior e
transcendente é aqui consideravelmente acentuada” (1986, p.12). Esse fundador da psicologia
na cidade não é apenas um personagem mitológico, mas concreto, existiu e ainda hoje existem
algumas pessoas no departamento puderam conviver com ela. Essa fundadora veio do outro
lado do oceano, estudou com grandes mestres e civilizou a terra inculta. Essa travessia das
águas é uma espécie de consagração iniciática que traz para o local de chegada uma
mensagem e impregna profundamente a psique e a cultura da terra nova. O dado novo é que
esse fundador é uma mulher, uma mulher que ganha contornos de mãe da psicologia.
No entanto, se, por um lado, essa fundadora introduz a psicologia na cidade e se torna
mãe de uma primeira geração de psicólogos, por outro ela tem aspectos de mãe terrível e
ctônica que exige que seu filho permaneça dependente. Quando ela, tal como Hécate
83
, é
forçada a se retirar para a sombra recusa-se a indicar um sucessor... Não existe ninguém à
83
Segundo Brandão (1993), Hécate é uma deusa que, embora se saiba aparentada de Ártemis, não possui um
mito próprio. Segundo o autor, Hécate era, em princípio, uma deusa benéfica, que derramava sobre os homens os
seus favores, concedendo-lhes a prosperidade material, o dom da eloqüência nas assembléias, a vitória nas
batalhas e nos jogos. Era, no entanto, uma deusa que fazia prosperar os rebanhos ou aniquilá-lo ao seu bel prazer.
É dona de uma polaridade singular: por um lado benfazeja, ligada à fertilidade; por outro terrível e infernal uma
deusa dos espectros e terrores noturnos. É uma deusa ctônica que reúne os três veis: o infernal, o telúrico e o
celeste. Representação por um lado, do inferno vivo do psiquismo, e, por outro de uma imensa reserva de
210
altura. Cria-se um vácuo...
Esse vácuo no poder é preenchido por um jovem. O melhor aluno da mestra que no
entanto não é indicado por ela. Um sucessor “bastardo” que é reconhecido por seu
conhecimento e utiliza esse conhecimento como arma. Reúne em torno de si um grupo de
pioneiros e cria com eles, primeiro, uma instituição prestadora de serviços, depois, dois cursos
universitários. Com o tempo esse fundador se identifica com a “terra” que ele fundou e faz
com que essa terra se identifique com ele. Durante sua presença entre os companheiros as
diferenças foram mediadas, o ambiente era feliz e próspero. Com a sua doença, o seu
afastamento e, finalmente, com sua “morte” heróica, o companheirismo se converte em
disputas de poder. As diferenças entre os diversos grupos se evidenciam e os grupos começam
a perseguir diferentes projetos.
Histórias semelhantes aparecem na mitologia e nas lendas de todo o mundo. Entre nós a
mais familiar é a Lenda do Rei Artur, que chegou à contemporaneidade narrada por várias
vozes, entre elas a de Sir Thomas Malory (1987) através do livro “A morte de Arthur”. Numa
das versões cinematográficas deste livro, John Boorman (1981), a lenda é sintetizada de forma
muito competente. No resumo feito a seguir serão utilizadas algumas frases extraídas dessa
obra: Uther, rei da Inglaterra e pai de Arthur, morre sem indicar quem seria seu herdeiro.
Ferido mortalmente, o rei crava a espada gica Excalibur numa pedra e grita: “Ninguém
mais terá Excalibur além de mim”. Muitos tentam retirar a espada, ninguém consegue. No
entanto, anos depois, Arthur, seu filho, retira a espada, não por desejar o poder, mas para
servir ao seu irmão de criação. Ele não buscou a espada, foi conduzido a ela. Por sua
capacidade cimenta acordos, une opositores como irmãos (por exemplo, Leondegrance e
Uriens), sagra cavaleiros, forja a paz, funda Camelot e o reino prospera. Mas, como ensinam
em tragédias, o paraíso não dura para sempre: “O bem e o mal não podem existir separados, o
mal se encontra onde não se espera” lhe diz Merlin. Arthur é traído, adoece e a terra adoece
com ele, a desolação, a fome e a doença: o rei e terra são um (“One King, One
Land!”, um rei e a terra unida, disse Uther certa vez), mas ele não sabe disso. Seus cavaleiros
se dispersam em busca do Graal, “Só o Graal pode redimir-nos”, em busca de redenção para
seu rei e para o reino. Mordred (segundo alguns, seu filho bastardo e incestuoso, segundo
outros, apenas um sobrinho ambicioso) disputa o trono e instaura uma nova ordem. O rei
retorna, dá-se um embate final e Arthur derrota o inimigo, mas perece na luta. O paraíso se
vai, as disputas se sucederão – ensinava Merlin: “você será a terra e a terra será você, se você
for forte a terra florescerá, se você falhar a terra perecerá” – um novo tempo de crise se inicia.
energias que se devem ordenar, como o caos se ordenou pela força do espírito.
211
Excalibur é jogada no lago para aguardar tempos futuros: “um dia um rei virá e a espada
surgirá novamente”.
Como Uther que, como será visto mais à frente, lembra um filho que não consegue se
desvincular da mãe, ficando prisioneiro da animalidade, cheio de afetos reduzidos e
simplificados em sexualidade e agressão Madame Poulain se identifica com as forças
arquetípicas, tornando-se inflada
84
e perdendo seus limites ao se deixar possuir
85
por
sentimentos arcaicos que despertam fantasias de condição sobre humana. O Professor
Nogueira, como Arthur ascende ao poder e ocupa o vácuo, com seu carisma lidera, cimenta
uniões e instaura uma nova ordem. Essa ordem, no entanto, torna-se vinculada à sua pessoa.
Tem-se a fusão de outros mitologemas: o mito do Rei pela Graça de Deus, do Tolo que se
revela Herói, do Herói Civilizador e do Herói que através dos seus atos revela a sua majestade
e santidade transformando a realidade.
A primeira idéia é uma elaboração jurídico-teocrática e judaico-cristã da figura do
governante como um "rei pela graça de Deus": por uma decisão misteriosa e incompreensível
Deus concede poder a alguns homens, o governante então não representa os governados mas a
fonte transcendente do seu poder (Deus); além disso o governante possui uma natureza mista
com Jesus Cristo (corpo empírico-mortal, por um lado e corpo político-místico por outro)
como filho de Deus transforma a "res publica em dominium e patrimonium do governante
"(CHAUÍ, 2000, p.8). Esse patrimônio pode ser distribuído e concedido sobre a forma de dons
ou nomeação a cargos a que melhor aprouver ao rei.
Aquele que não era considerado digno de substituir a mestra, quando chamado a
desempenhar um papel importante, cumpre-o superando as expectativas. Como Percifal, um
jovem ingênuo que recebe a permissão do rei para tomar o cavalo e a armadura do Red Knight
e, sem saber da grandiosidade da tarefa a que se lhe impõe, consegue cumpri-la, o Professor
Nogueira assumiu a tarefa e a levou a conseqüências impressionantes.
O ato mágico do herói que se revela a transubstanciação dos fatos (ou dos atos) fica
evidente quando, colocado na liderança, o Professor Nogueira revela-se, surpreendentemente,
um criador. Esse tema, que Bachelard (apud, DURAND, 1986) chamou de “Complexo de
Canaã” é marcado por passagens, como a das famosas bodas onde a água se tornou vinho (e o
pão dos pobres... rosas, como no caso citado a seguir), que pela transmutação atestam a
84
Inflação, segundo Sharp (1993), é um estado da mente caracterizado por uma exagerada sensação da própria
importância, muitas vezes como compensação de sentimentos de inferioridade.
85
Possessão é o termo usado para descrever a identificação da consciência com um conteúdo ou complexo
inconsciente. A inflação, segundo Sharp (1993), seja ela positiva ou negativa, é um sintoma de possessão
psicológica, o que indica a necessidade de se assimilar conteúdos inconscientes ou de se desidentificar do self.
212
“santidade” dos personagens. De tal forma acontece na história de Isabel a “Rainha Santa”
que vira pães em rosas, rosas em pães para os pobres e ainda verte água em vinho e na de
Santo Antônio de Lisboa (os milagres da perna decepada, da taça caída da torre sem se partir,
da ressurreição da criança queimada, da audição ao longe do sermão pronunciado na igreja e
tantos outros).
Um elemento interessante é a arma que o Professor Nogueira utiliza para conquistar o
seu cargo: o conhecimento. A arma é um dos elementos citados no Archétypal-Test à 9
éléments (Durand, 1969), para o autor ela é uma representação dos modos como os sujeitos
concebem sua defesa contra as representações do universo da angústia. Simbolicamente
(Chevalier e Gheerbrant, 1991), a arma é um antimonstro que, por sua vez, se torna monstro.
Embora seja forjada para lutar contra o inimigo, uma de suas características e poder ser
desviada de sua finalidade e servir para dominar o amigo ou subjugar o outro. Paula, Scardua
e Santana (2000) destacaram a importância atribuída ao conhecimento na sociedade brasileira.
Em sua pesquisa, a maioria dos sujeitos entrevistados considerou que, no geral, os principais
problemas do Brasil são de cunho socioeconômico, contudo, é interessante observar que na
maioria dos depoimentos a área educacional é vista como o maior problema a ser enfrentado
pelo Brasil. A relação entre ignorância, corrupção, exploração e desigualdade aparece como
fator determinante das dificuldades enfrentadas no país. A princípio parece que haver uma
crença coletiva de que a educação pode conferir a nação os elementos necessários para
sobrepujar suas limitações, o que inevitavelmente nos remete ao Mito Prometéico
86
, em que a
idéia do conhecimento como elemento libertador é a tônica. A utilização do conhecimento
como arma não deveria ser surpreendente na vida acadêmica, surpreendente é o abandono
desse instrumento em favor de outros, conforme alguns entrevistados deixaram transparecer,
nem sempre as escolhas no departamento foram percebidas como tendo seguido o mérito
acadêmico. E, segundo um dos entrevistados, as indicações para os cargos de professor que se
sucederam ao Professor Nogueira, trouxeram conseqüências negativas que se mantêm até
hoje.
Todo esse contexto cria contornos para o líder fundador que o tornam difícil de
substituir. Embora esse seja um fato corriqueiro nas organizações, a passagem de uma
geração para outra não é um processo simples. Uma vez que a sucessão significa a morte
real ou simbólica do fundador ou do mais velho torna-se muito difícil tratar do assunto.
86
Titã, irmão de Atlas, Menécio e Epimeteu, criou os primeiros humanos do limo da terra, roubou dos deuses o
conhecimento do fogo que havia sido tirado pelos deuses dos homens deixando-os, simbolicamente, privados
de inteligência, imbecilizados – restituindo-o à humanidade.
213
Uma vez que é sempre o sucedido que se encarrega de preparar a continuidade, se é que essa
preparação é feita, ele tende, naturalmente, a conservar a estrutura e os métodos que criou.
Quando a preparação não é feita e a necessidade de substituir é premente, a situação torna-se
ainda mais séria. No caso de o fundador ter sido um líder carismático constela-se uma
situação ainda mais complexa: comparações entre o antigo e o novo serão inevitáveis. Parece
ter sido isso que aconteceu no departamento. No vácuo de uma liderança articulada três
grupos emergiram: o grupo dos behavioristas, aparentemente marcado (pelo menos
inicialmente) por um elevado grau de união e articulação; o grupo dos “sociais” (nem todos
eram psicólogos), indivíduos articulados em redes e atuantes em programas sociais, um grupo
com muitos projetos, mas com pouca identificação, com a casa e entre si; e o grupo dos
psicanalistas, contando a seu favor, com um incremento de credibilidade da psicanálise na
sociedade e com o que S2 chama de “competência intelectual”. A saída de outros cursos que
ganharam independência da F, fundando Institutos das diferentes áreas é vista por alguns dos
sujeitos com ciúme e parece denotar um sentimento de inferioridade e dificuldades no âmbito
da identidade: “somos um mero departamento”, diz S4, com ressentimento.
O afastamento do Professor Nogueira privou-os de um líder que possuía algumas das
qualidades citadas por Careless, Wearing e Mann (2000) como extremamente desejáveis:
privou-os de um líder que, pelas informações que puderam ser reunidas, possuía visão,
encorajava o desenvolvimento dos indivíduos, apoiava os membros no seu auto-
desenvolvimento e operava através do empoderamento e da criação de sinergia entre os
diversos elementos e grupos na casa. O vácuo de seu carisma e da sua condução pelo exemplo
produziu um espaço onde os diversos grupos iniciaram manobras em busca de espaço vital.
Essas características desejáveis de líder não implicam necessariamente que os membros
não percebam ou imaginem a existência de práticas equivocadas na instituição. A forma de
captar professores através de indicações, prática que parece ter sido necessária em um
momento histórico, parece ter sido, algum tempo depois, revestida por uma interpretação
pouco lisonjeira. Rememorando a fala de S6: eu ouvi dos corredores, são os fantasmas,
né, os fantasmas me disse que parte do corpo antigo de professores nossos não é concursado,
parte do corpo antigo de professores nossos era bolsita, era contratado, tá, vínculo de
contratação, e num ato de governo eles se tornaram servidores públicos, deram a opção e
eles se tornaram servidores públicos da noite pro dia, esse pessoal mais antigo, raras as
exceções, não tem uma visão institucional da universidade”. Como o fantasma do pai de
Hamlet, vozes do passado continuam a assombrar os vivos. Esse tópico deverá ser retomado,
dentro de outro contexto, mais à frente, quando forem analisadas as narrativas que dizem
214
respeito aos concursos para professor.
Deve-se destacar nesse ponto a leitura feita, pelo mesmo S6, de que “esses professores”,
escolhidos pelo líder no exercício do seu direito divino de nomear, tem uma visão quase
monitorial do trabalho de professor, o professor deve dar aula na graduação, apenas (...),
uma miopia em relação ao que sendo exigido das universidades hoje”. S6 fala de uma
cultura onde o Mestre-escola é mais valorizado que o pesquisador, uma cultura que, embora
em desacordo com os novos tempos, ainda encontra representantes entre o grupo.
A crise de autoridade que se seguiu após o afastamento do Professor Nogueira (o pai),
deixa os filhos livres para gozarem do carinho e da proteção da mãe (universidade). Porém,
parece que essa liberdade não pode ser usufruída. Como se os filhos do pai primevo morto de
Totem e Tabu (Freud, 1999) houvessem desistido de estabelecer o tabu do incesto e se
propusessem a encenar disputas ritualísticas entre si, mas ao mesmo tempo tolerar as
investidas sexuais uns dos outros sobre a própria mãe, os professores do departamento
parecem ter iniciado uma relação de simbiose ou dependência da instituição. Isso parece ter
tolhido o desenvolvimento do departamento, os progressos tornaram-se lentos e carregados de
regressões. Essa paralisia parece se evidenciar em falas como a de S5, que como um filho
solteiro de meia idade que ainda mora com a mãe, espera inerte a aposentadoria: naturalizei,
assim, bem mais tarde, né, naturalizado brasileiro foi em 2003, não em 2002, pensando na
possibilidade de ir aposentar, né, mas já mudou tanta coisa, ne?”.
3.5.1.2 Sobre os desentendimentos entre os vários grupos
S1 aponta da seguinte forma a gravidade dos desentendimentos no departamento: “uma
colega diz que a faculdade foi construída de forma que, quando um vier um por um corredor,
o outro tenha jeito de sair pelo outro, você vê de longe... Então os desentendimentos persistem
até hoje. Várias pessoas têm um sentimento persecutório, às vezes muito forte. Posturas,
assim, muito radicais, bem opostas. E à medida que vão chegando novos grupos eu estou
percebendo que não há uma melhora muito grande não”.
S2, por seu turno, também reconhece a dificuldade de entendimento entre os vários
grupos, o entrevistado considera que o departamento de psicologia reflete em suas relações a
fragmentação deste campo de saber: A Psicologia é um campo de saber fragmentado, , e
isso de forma notável em relação a outros campos de saber, e é um campo de saber
fragmentado onde os sentidos da área não partiram de nenhum consenso, com relação a
215
nada. É diferente de você entrar em outra ciência dura (...) porque os cientistas participam,
partilham de um conjunto, tem um patrimônio de conhecimentos comum. E que as questões,
as distensões, vamos dizer assim, teóricas se dão em níveis mais elevados de saber, né, eh, a
Psicologia não, as discussões começam a se intensificar nos níveis mais elementares, vamos
dizer assim, da construção teórica, ou seja, a nível de pressupostos.” S1 afirma que a
discussão fica muito difícil porque (...) quando (...) não tem pressupostos comuns não
propriamente parâmetro pra discussão, né?! Toda discussão sensata, vamos dizer assim, ela
tem que partir de um terreno comum , né?! Então, via de regra, os departamentos de
Psicologia são (...) onde as pessoas se enfrentam com discussões, né, a perspectiva de
consenso vai ficar muito distante”.
S3, expressa, enfaticamente, a sua visão sobre as diferenças de pressupostos em
psicologia: Eu acho que um vício que tem, eh, na Psicologia é essa questão do igrejismo. O
psicólogo, eu falo assim, o pesquisador de Psicologia, às vezes, ele é um indivíduo que me
a sensação assim, que para ele, é mais importante casar com o modelo teórico, do que
investigar um fenômeno, investigar uma, uma realidade, tá?”.
À discussão no nível dos pressupostos, juntou-se nos anos de expansão do
departamento, um debate que girou entorno da disputa por espaço vital. S5 descreve assim a
situação: era um grupo muito dinâmico que captava recursos, né, tinha também uma certa
disputa de outros grupos, um certo ciúme, né, então foi feito tudo pra incorporar esse grupo
mais dentro da Psicologia, o que ao longo do tempo ocorreu, mas isso não foi só dentro desse
conflito aqui, no Brasil inteiro a Psicologia Social ficou muito incorporada na Psicologia, na
realidade pra vo se tornar psicólogo social vo passa pelo curso de Psicologia, eh”, esse
esforço por incorporação parece ter se refletido em mudanças nos docentes em psicologia
social atualmente a gente não tem mais aqui docente que é sociólogo, como tinha,
diversos no inicio, não foi algum ou outro não, foi claramente um grupo muito disciplinado”.
Um outro ponto que S5 destaca foi o sucesso dos psicólogos sociais em fazer estabelecer
cooperação com grupos externos, o que elevou o grau de competição do departamento: o
setor da Psicologia Social, também, tanto em termos de docentes quanto em termos de
projetos, quando a gente trabalhava com estagiários, sempre tinha estagiários de vários
cursos, eu trabalhava assim a partir de estudos sobre representação social, sobre doença, eu
comecei a atuar mais na área de saúde, nós tínhamos alunos da Ciências Sociais e da Medicina
trabalhando conosco, tinha outros que trabalhava com arquitetura junto com pessoal da
Arquitetura, né, discussão sobre o campo. Psicologia ambiental, na época não se falava, mas
era. Então, essa atuação da Psicologia Social manteve sempre uma tensão com o
216
departamento”.
Sobre a situação atual do setor de psicologia social S5 afirma: o grupo da Social
morreu quase porque era um grupo muito grande, depois perdeu as disciplinas, outras
coisas, então nesse momento, nosso grupo de referência de setor da Psicologia Social não
existe mais... na realidade, quando eu falei no início, você começou a falar de departamento,
eu acho assim, historicamente, o que era mais forte era os setores dentro do departamento,
muito mais forte, em termos de, né, do que departamento em si”. Uma questão que poderia ser
levantada é: Se ele era tão grande, tinha tantos projetos, catalisava tanta atenção dos alunos
como foi se esvaziar?
S6 fornece, em seu depoimento, alguns indícios que parecem relacionar a situação atual
da psicologia social com um impasse entre produtividade e acanhamento: tinha um pessoal
da Psicologia Social, esse pessoal da Psicologia social, alguns eram ligados aos partidos de
esquerda, na época do governo da ditadura, eles tinham contatos com pessoal da França,
do socialismo francês” (...) “e o mal-estar entre eles e o povo da Psicologia Experimental, na
época que eu era aluno, existia esse mal-estar. Eles sempre foram muito produtivos, tá, a
época da Fulana, Beltrana, eh, Sicrano menos produtivo, Eustáquia Siqueira, também, não
era doutora e tal, mas assim, eles conseguiram secretariar a ABRAPSO aqui no
departamento, que é a Associação Brasileira de Psicologia Social, né, bancar um racha com
a concepção norte-americana de Psicologia Social, trazer a secretaria geral pra cá, fazer os
encontros mineiros, fazer as publicações, fazer volume de publicações, criar a revista Tal, tá,
ela foi criada, foi consolidada aqui dentro do departamento, então, eu sofri muita influência
da, da capacidade mesmo produtiva desse pessoal, eles nunca assim, entraram assim num
nível internacional, eu lembro de uma vez de ter conversado com a Beltrana e ter falado ‘pô,
e esse convênio com a CAPES e com a (instituição francesa), eles vêm apresentarem o
trabalho deles, beleza, mas e vocês? Vocês não vão apresentar o trabalho nosso?’ ela
virou pra mim e disse assim ‘a gente seria visto como ET’, eu pensei assim ‘mas, que’,
desculpa a expressão, ‘mas, que merda de, que merda de convênio, de relação é essa? Eles
são dominadores e nós somos dominados? Eles são’”.
Sobre as relações entre os diversos grupos, S1 descreve a emergência de temporária de
alguns núcleos e a decadência de outros e os choques resultantes dessas mudanças de status:
Houve um momento, isso aconteceu no início da década de 80, que o pessoal da Psicanálise
resolveu virar um departamento. Então virava o departamento de Psicanálise e o resto, o
resto eram os outros todos. Houve um outro momento que a Psicologia Geral e experimental
se fortaleceu muito, um grupo muito coeso, etc, e esse grupo conseguiu ascender ao
217
Ministério da Educação, a esses órgãos, à SPB Sociedade Brasileira de Psicologia então
enfim, o que você vai percebendo é que a cada momento emerge um grupo poderoso.”
Proposta da criação (e conseqüente separação) do “departamento de psicanálise” se
revelou um tema que, até hoje, mobiliza os entrevistados. S2, que tomou parte na crise que se
seguiu a proposta, recorda a questão e apresenta suas justificativas: a maior situação de
conflito que eu vivi nesse departamento, eu fui o pivô dela. É, foi o seguinte, apesar do que eu
tava falando antes, a formação em Psicanálise se configura por certas especificidades, né, eh,
então teve uma certa época em que eu me propus, fiz uma proposta, né, ao departamento de
Psicologia, de criar, e é uma tendência, o departamento de Psicologia é muito grande, então
teve uma certa época, contava com 100 professores. Isso é maior que muitas unidades dentro
da universidade, né?! Então, havia, desde muitos anos atrás, uma tendência a
departamentalizar, dividir o departamento em vários departamentos e uma possibilidade
seria dividir segundo os enfoques teóricos, né, então, eu fiz uma proposta na época de criar o
departamento de Psicanálise. Isso, para a história do departamento foi uma proposta meio,
gerou uma crise, uma confusão tão grande, né?! Eu posso dizer que eu passei um bom tempo,
foi mais de um ano, sem ser cumprimentado por grande parte das pessoas. Simplesmente por
ter levantado essa bandeira, por ter iniciado o movimento, que eu desisti logo depois porque
eu vi que tava criando muita crise, desisti de promover isso”.
S4 descreve a polêmica em torno do departamento de psicanálise da seguinte maneira:
“Em 88, é, mais ou menos em 88, houve uma cisãozinha, eu acho que houve, nós começamos
a ter algumas dificuldades, quando alguns professores da Psicanálise resolveram dividir o
departamento entre os psicanalistas e os da área de Social e o resto, claro que eu no resto,
né? (...) tinha as pessoas, eles se agrupavam pra, eh, as idéias deles eram diferentes das idéias
do resto. Então, cortaram, eh, então a gente, mas isso era uma coisa interna, né?”.
Em um outro ponto S4 retoma o tema da separação dos psicanalistas em outros termos,
um pouco mais duros: “em 80, 80 e poucos, um dos professores da área da, a turma de
Psicanálise, mas chefiada por um professor, um psicanalista, que se aposentou, e ele
resolveu, eh, ele achava que os psicanalistas eram, né, eles eram, como se diz? a classe
dominante, eram os, o cérebro do departamento, e eles queriam montar um sub grupo, um
grupo diferente, separar o departamento em dois grandes grupos, o deles e o resto. Essa pra
mim, foi a fase da cisão do departamento, foi a época da pior crise lá. Pior do que atualmente
que a gente ta tão assim separado, que ninguém sabe de ninguém, porque o departamento era
muito unido, era uma família aquilo ali, então, a gente gostava de estar trabalhando, você
esquecia que tinha que voltar pra casa, você gostava de ficar com seus colegas até tarde,
218
trocando idéias, discutindo, de repente, aconteceu isso. Eu acho que foi uma das coisas que,
uma das grandes perdas nossas pro departamento foi essa cisão aí”. É interessante observar
como nessa segunda fala fica mais evidente a sensação de queda, o “trauma” da perda do
Éden. Fica evidente ainda a sensação de ser rejeitado e o incômodo pela divisão e a perda de
uma parte, convertida em eterna busca pelo equilíbrio (como no mito platônico da origem dos
sexos).
Os comentários (e ressentimentos) que quanto à divisão do departamento entre o “setor
de psicanálise” e o “resto” talvez possam ser iluminados por uma lembrança de S2: O que
aconteceu é quando a proposta foi feita, a maior parte dos professores, cerca de 70 ou mais,
70% das pessoas aderiram ao novo departamento, e esvaziaram o antigo, né?!”. Essa dado
sugere que se possa desenvolver uma reflexão maior sobre as leituras quanto uma possível
labilidade na identidade dos grupos e indivíduos no departamento conforme sugerido no
próximo tópico e sobre as crises e disputas entre os vários grupos por espaço vital.
Ao falar de como as relações antes da polêmica com “a psicanálise”, S4 analisa
repercussões da proposta de divisão do departamento “(eram relações) Muito boas. Exato, e
até hoje a gente convive bem com esses psicanalistas, eu acho, eu acho que, eu, a impressão
que eu tenho, eu não vou nem citar nomes, mas eu acho que muitos deles devem estar
arrependidos de fazerem o que eles fizeram porque não foi bom pra muita gente, não foi bom,
pra alguns professores não foi bom, eles falaram coisas que não deviam pra essas pessoas,
afastaram, dividiram as pessoas, e pro próprio departamento não foi bom porque criou uma
certa animosidade entre grupos”.
S5 relata que sua entrada na instituição foi marcada por conflitos, pessoais e entre o
grupo a que ele se vinculou (psicologia social) e o grupo da psicologia experimental. S5 relata
ainda as estratégias que teve que empregar para ser admitido na instituição: mas era uma
situação de conflito, porque, na realidade, por exemplo, já como aluno a gente participava
das atividades de setor da Psicologia Social, que era uma marca muito forte naquela época,
né, talvez, era para nós uma marca mais forte que o próprio departamento, em termos de
identificação, né, o setor da Psicologia Social era uma coisa mais forte, né, e o setor era uma
coisa muito mal vista pra outros grupos dentro do departamento, quer dizer, eh, eh, eh, não
era exatamente, o grupo da Experimental não, porque dentro da Experimental tinha
algumas pessoas muito abertas, mas tinha algumas pessoas da Experimental, algumas
pessoas mais velhas que se sentiam um pouco ameaçadas pelas pessoas novas, né, então
tinha alguns conflitos muito marcados assim, e a minha entrada não era nada tranqüilo,
porque eu era visto, pelas conflitos que nós já tínhamos tido como aluno, ter afastado uma
219
professora de, que dava aula de Personalidade e que nós não concordamos com metodologia
dela e os conseguimos assim, que ela foi afastada e foi indicada outra professora, o que não
era uma coisa muito comum de ocorrer, naquela época a própria professora nos acusava que
tinha um grupo de doentes mentais organizados, que era fato único... e ela, essa professora
era titular na câmara então certamente na indicação, porque a gente começava como
professor temporário, certamente minha indicação não seria aprovado, né, então nós fizemos
todo um, uma estratégia pra entrar, uma outra pessoa entrou, foi indicada, mas, uma pessoa
que não ia ficar em Nossa cidade, tava, inclusive, vinculada a um grupo político, e tava
com projeto de sair daqui, ela entrou e tava no meio do semestre e seria muito difícil
indicar outra, porque nós falamos que ela ficou doente, porque essa foi a história que nós
divulgamos pra ela sair sem chamar muita atenção, que ela ficou doente e que eu tinha
dado algumas aulas pra ela, já tava trabalhando com a turma, então, nesse sentido, a câmara
aceitou, não a câmara como um todo porque ela era titular, mas foi uma coisa assim”.
3.5.1.2.1 Discussão e Investigação analógica dos conteúdos apresentados sobre o
desentendicmento entre os vários grupos
“Diz Zeus: ‘Acho que tenho um meio de fazer com que os homens possam existir,
mas parem com a intemperança, tornados mais fracos. Agora com efeito, continuou,
eu os cortarei a cada um em dois, e ao mesmo tempo eles serão mais fracos e
também mais úteis para nós, pelo fato de se terem tomado mais numerosos; e
andarão eretos, sobre duas pernas. Se ainda pensarem em arrogância e não
quiserem acomodar-se, de novo, disse ele, eu os cortarei em dois, e assim sobre uma
só perna eles andarão, saltitando.’ ”
Platão, O banquete
O relato de S1 sobre o comentário jocoso de uma colega de que o espaço físico do
prédio onde o departamento se localiza, ao permitir que se veja quem vem ao longe,
possibilita que as pessoas se preparem para encontros desagradáveis e ofereça rotas de fuga,
repete o esquema de relações entre os professores de psicologia revela que os
desentendimentos que surgiram no início do departamento persistem até hoje no imaginário
das pessoas. Embora seja óbvio que a estrutura do prédio não foi planejada com esses
objetivos, é importante observar o sistema de relações que enseja esse tipo de projeção. S2
recorda que a psicologia é uma ciência fragmentada em sua essência e sugere que o
departamento reflita essa fragmentação. A fragmentação da psicologia é um fato notório,
tanto pela sua juventude enquanto ciência, quanto pelas características singulares de seu
220
objeto de estudo. No entanto, essa fragmentação original não parece ser suficiente para
produzir a paralisia, descrita por todos os entrevistados, na condução de certas iniciativas
fundamentais. A reprodução no cotidiano da fragmentação presente no campo dos
pressupostos parece, nesse caso específico, demonstrar que abordagens teóricas podem ter
servido de tela onde são projetadas divisões mais profundas que meras visões diferentes sobre
um mesmo objeto. Posturas opostas no nível teórico servem como um excelente pretexto para
justificar as radicalizações que são apresentadas como fruto de divergências em torno desses
modelos, mas que carecem de uma elaboração mais atenta. Embora a psicologia seja uma
ciência jovem e sua puerilidade justifique a multiplicidade de visões, talvez o vigor dos
embates possa ser justificado pela projeção da puerilidade desses seus praticantes. No
desenrolar desse processo, vários mecanismos psíquicos de defesa do ego (LAPLANCHE &
PONTALIS, 2000) aparentam estar atuando. A identificação veemente de alguns membros
com certas “doutrinas” psicológicas parece revelar uma necessidade extrema de auto-
afirmação. Entende-se aqui por identificação, o processo psíquico por meio do qual um
indivíduo assimila um aspecto, uma característica de outro, e se transforma, total ou
parcialmente, apresentando-se conforme o modelo desse outro. No processo de identificação a
pessoa que se identifica substitui uma identidade parcial ou uma semelhança latente que
possua por uma identidade total do objeto da identificação: o sujeito toma para si qualidades
ou idéias de outrem. Esse fenômeno, que na grande maioria dos casos não é patológico e
serve para a construção da identidade pessoal, quando ocorre com indivíduos muito inseguros
ou com uma auto-imagem frágil ganha contornos patológicos. A carência de certezas em
psicologia, a fragmentação da formação do psicólogo e as disputas entre teorias contribuem
para formar indivíduos inseguros sobre o seu campo. Sobreviver psicologicamente à angústia
de operar com um objeto que teima em ser sujeito e que freqüentemente frustra as tentativas
de enquadrá-lo num modelo pré-estabelecido ou pior, às vezes permite ser enquadrado em
muitos modelos pode conduzir facilmente à adoção de um modelo teórico como dogma.
Essa adoção conduz a uma sensação de temporária de alívio e tranqüilidade, mas, após esse
momento de equilíbrio, pode ceder lugar à criação de defesas maníacas. A defesa maníaca se
baseia na negação das dificuldades pessoais, seguida da criação de uma fantasia de poder
onde, ao se imaginar melhor que os demais, o indivíduo consegue elevar sua auto-estima, às
custas de não encarar as suas limitações. Essas limitações são, obviamente, projetadas no
exterior, freqüentemente em outros indivíduos que se tornam depositários dos medos, das
frustrações e da angústia desses indivíduos. Os depoimentos dos sujeitos parecem confirmar a
ocorrência de fenômenos dessa ordem. As constantes competições por espaço vital, a
221
fragmentação dos interesses grupais em interesses pessoais ou de pequenos grupos e a
insegurança que muitos indivíduos evidenciam, e que os levam a tentar desqualificar os
concorrentes parecem confirmar essa hipótese.
S3 utilizou a expressão “igrejinhas”, para se referir aos grupos da instituição
provavelmente excluindo o seu próprio. A idéia de igreja apresenta uma obvia relação à
pelo menos a uma institucionalizada. Porém a sua apresentação sobre essa forma de
diminutivo, confere a idéia um tom irônico de coisa menor. O símbolo Igreja tem
características femininas, uma imagem de mulher que no imaginário e nas escrituras cristãs
(CHEVALIER e GHEERBRANT, 1991) torna-se o equivalente e substitui a Israel judaica. É
ainda o lugar onde é guardada a chama do espírito santo que se derrama sobre os homens e os
banha com seus dons. É ainda entendida como a esposa de Cristo e como mãe dos homens.
Sua qualificação no diminutivo irônico parece propor um lugar menor, onde crenças trôpegas
influenciam os ingênuos e servem como sustentação aos mal intencionados. O tom empregado
preserva a idéia de igreja como uma palavra feminina, mas, na projeção de S3, esse termo
aparece como um feminino negativo, menor, apegado a valores pequenos. Esse uso enfatiza o
desprezo que o narrador manifesta pelos indivíduos que se associam em torno desse espaço,
ao mesmo tempo em que encobre que provavelmente ele mesmo esteja associado a uma.
Além do tema dos desentendimentos genéricos, dos pressupostos teóricos e da questão
do espaço, dois outros grandes temas se evidenciaram. A tentativa de ruptura do denominado
“grupo da psicanálise” e a queda do chamado “grupo da social”. Como característica em
comum, esses dois grupos, se apresentam fracamente vinculados com a identidade de
psicólogo. Os psicanalistas, embora S2 não se enquadre nessa categoria, de forma bastante
genérica, tem por hábito ressaltar que as diferentes formas de abordagem do sujeito tornam
irreconciliáveis os pontos de vista de psicólogos e psicanalistas. O grupo da “social”,
composto inicialmente por indivíduos de outras formações, parece considerar a sua
vinculação com o departamento desnecessária, uma vez que o grupo era atuante em psicologia
social antes mesmo de existir a formação do psicólogo. Esses temas serão analisados em
seguida.
Aparentemente, para os psicólogos sociais, submeter-se à formação, ou formar outros
psicólogos, parece ter sido percebido apenas como um desagradável pré-requisito para estar
autorizado a continuar desenvolvendo suas atividades de intervenção social. Na fala de S5
pode-se, de forma bastante evidente, observar a dificuldade “do grupo da social” por se
reconhecer psicólogos: foi feito tudo pra incorporar esse grupo mais dentro da Psicologia, o
que ao longo do tempo ocorreu, mas isso não foi dentro desse conflito aqui, no Brasil
222
inteiro a Psicologia Social ficou muito incorporada na Psicologia, na realidade pra você se
tornar psicólogo social você passa pelo curso de Psicologia, eh”. A pergunta que se pode
fazer é como um grupo que chegou a ser tão poderoso, captou recursos, estabeleceu parcerias
e atraiu estudantes acabou reduzido a uns poucos elementos de restrita representatividade?
Analisando o depoimento de S5, e comparando sua visão com as dos demais entrevistados é
possível reunir elementos para uma hipótese. O grupo “de social” parecia estar mais voltado
para relações como exterior do que para as interações com o departamento. Embora tenha
revelado um potencial considerável para atrair alunos suas ações podem ter se dispersado num
excesso de entropia
87
. Ao atacar múltiplas frentes externas à faculdade, o “grupo da social”
parece ter se esquecido de providenciar o aporte da energia necessária para sustentar sua
expansão. Como essa energia não pode ser criada ela deveria ser transferida de outros
ambientes. Essa busca por energia exigiria ações coordenadas e o estabelecimento de acordos
não com fontes distantes e externas, mas com grupos internos que seriam capazes de
prover o setor em questão de uma alimentação constante. Essas ações coordenadas exigiriam
um alto grau de integração entre os membros do grupo e um certo grau de auto-sacrifício
quando certas metas individuais ameaçassem pulverizar os recursos disponíveis.
O tema do sacrifício aparece em dois momentos na análise acima: ele é parcialmente
realizado (e percebido num ponto de vista negativo) quando da necessidade de trabalhar
dentro da psicologia para se poder fazer psicologia social; e ele não é realizado quando não se
consegue abrir mão das iniciativas individuais para conter a dispersão e evitar o consumo
desnecessário de energia do sistema. O sacrifício, na origem, ato de tornar algo sagrado,
envolve a oferta de uma vida (de outro ou a própria) ou um bem a uma divindade como prova
de dependência, amor, arrependimento ou obediência (CHEVALIER e GHEERBRANT,
1991). Quanto ao sacrifício é importante destacar: o bem sacrificado torna-se inalienável
87
Entropia do grego em (en - em, sobre, perto de...) e sqopg (tropêe - mudança, o voltar-se, alternativa, troca,
evolução...) significa troca interior. O termo inicialmente usado em 1850 pelo físico alemão Rudolf Julius
Emmanuel Clausius (1822-1888) para caracterizar alguns efeitos derivados da aplicação dos princípios da
termodinâmica (Fermi, 1996). A primeira lei da termodinâmica propõe: “A variação de energia num sistema
durante qualquer transformação é igual à quantidade de energia que o sistema troca com o ambiente”. a
segunda lei da termodinâmica impõe severas limitações a essa troca: "É impossível uma transformação cujo
resultado final seja transformar em trabalho todo o calor extraído de uma fonte" (postulado de Kelvin). Ou seja,
na existe trabalho desempenhado sem consumir energia e com o tempo, todo sistema dispõe de cada vez menos
energia utilizável. A idéia de entropia propõe que a energia total do universo mantém-se constante enquanto a
quantidade de desordem (a entropia) total está em contínuo aumento. Nesta ótica, o universo se degrada
energeticamente, e esta realidade deveria conduzir a um esforço por buscar um dispêndio mínimo das energias
disponíveis uma vez que os recursos de cada subsistema são muito limitados. Dessa forma, a produtividade não
deveria ser medida pela maior quantidade de resultado produzido num determinado período de tempo, e sim pela
maior quantidade produzida com o menor dispêndio energético possível. Isso equivaleria a criar uma ordem que
deixe em seu rastro a menor quantidade possível de desordem.
223
propriedade da divindade, e é um símbolo da renúncia de um vínculo terrestre por amor ao
divino. Dessa forma o sacrifício terá real valor se o artigo sacrificado for vital ao
sacrificante, algo cuja ausência lhe fará falta. Isso parece ter faltado ao sacrifício oferecido
pelos membros do “grupo da social”. Embora fossem capazes de despertar a atração dos
alunos, o seu vínculo com eles se tornava brando pela carência de uma sinceridade, de uma
entrega ao curso que identificava esses jovens. Simultaneamente, um sacrifício foi negado: os
membros do grupo não foram capazes de abrir mão de seus projetos individuais em favor do
cuidado com o todo pela falta de um vínculo afetivo mais próximo com o curso. O sacrifício
está ligado a uma idéia de troca no nível da energia criadora. Quanto mais precioso for o
objeto oferecido, mais a energia espiritual será recebida em troca, em justa e rigorosa
compensação (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1991). Essa lição antiga parece não ter sido
observada pelos membros do grupo.
Um outro e não menos importante dado aparece na narrativa de S6. O grupo dos
psicólogos sociais, embora industrioso, parecia carecer de uma atitude mais afirmativa em
relação aos conhecimentos externos.Segundo S6 aqueles que, na época, eram seus professores
se adaptaram ao lugar de consumidores e reprodutores do conhecimento dos seus parceiros
individuais: “pô, e esse convênio com a CAPES e com a (instituição francesa), eles vem
apresentarem o trabalho deles, beleza, mas e vocês? Vocês não vão apresentar o trabalho
nosso?’ ela virou pra mim e disse assim ‘a gente seria visto como ET”... Uma resposta que se
consideraria típica do discurso de um colono ao ser indagado de porque ele não partia para
defender seu ponto de vista na metrópole colonizadora.
Ao se manifestar sobre a proposta de criação de um “departamento de psicanálise”, S4 ,
apesar de mencionar que idéias diferentes precisavam estar em grupos diferentes para
florescer, descreve a tentativa de saída do grupo como uma separação violenta, um corte:
Então, cortaram, eh, então a gente, mas isso era uma coisa interna, né?”. Em um outro
ponto referiu-se e aos que sobraram como o resto. Antes de se abordar o significado simbólico
desse corte, e do resto enquanto refugo, é importante destacar que S4 relatou que o grupo dos
“psicólogos sociais” apressou-se por se reunir aos psicanalistas no projeto de separação. S4 os
interpreta como se autopretendendo a classe dominante. Embora S2 destaque que em torno de
70% dos membros aderiram ao movimento (o que, a princípio configuraria os que sobraram
como um “resto”). A pronta união dos “sociais” com os “psicanalistas” parece sugerir que
ambos os grupos não se sentiam à vontade como “psicologia”.
O relato de S4 sobre a situação de quase ruptura formal e de uma efetiva ruptura
psíquica (“eu acho que muitos deles devem estar arrependidos de fazerem o que eles
224
fizeram”; uma das coisas que, uma das grandes perdas nossas pro departamento foi essa
cisão ”) e a ênfase na idéia de corte evoca associações com a alegoria platônica para a
origem do amor. No seu “Banquete”, Platão descreve, nos primeiros anos da humanidade,
existência de três sexos: o Macho, cuja origem seria o Sol; a Fêmea, originária da Terra; e um
Andrógeno
88
, originado da Lua e composto por elementos próprios dos outros dois. Naqueles
tempos, diz Platão, os seres humanos apresentavam uma forma muito diferente da atual: eram
redondos, tinham duas faces voltadas para lados opostos, ainda que pertencentes a uma
cabeça; quatro braços e mãos, pernas e pés tudo em dobro. Eram fortes, ágeis e muito
ambiciosos e, por isso se sentiam muito poderosos. Esses três gêneros em seu orgulho
desmedido propuseram-se a escalar o céu e bater-se contra os deuses. Zeus, o laborioso,
decidiu reduzir-lhes o poder e a insolência. Assim sendo, cortou-os pela metade, gerando-lhes
a forma atual. Desde então, conforme a lenda, o ser humano busca ansiosamente pelo seu par,
como se nele pudesse encontrar uma parte de si mesmo.
Embora descreva e critique a hybris
89
de seus colegas (“ele achava que os psicanalistas
eram, né, eles eram, como se diz? a classe dominante, eram os, o cérebro do departamento”),
S3, em seu relato, chora a parte perdida: Essa pra mim, foi a fase da cisão do departamento,
foi a época da pior crise lá. Pior do que atualmente que a gente ta tão assim separado, que
ninguém sabe de ninguém, porque o departamento era muito unido, era uma família aquilo
ali, então, a gente gostava de estar trabalhando, você esquecia que tinha que voltar pra
casa, você gostava de ficar com seus colegas até tarde, trocando idéias, discutindo, de
repente, aconteceu isso”. S3 chora a perda da parte, chora pela dispersão e, parece chorar
ainda, pela perda de uma linguagem comum como na história bíblica da torre de Babel. Mas,
acima de tudo, S3 chora pela perda da condição que usufruía antes do “pecado original” ser
cometido.
88
É importante notar que a idéia do andrógino, embora não seja mencionada por S3, remete à mesma idéia de
completude original que a idéia de paraíso. Segundo (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1991), o andrógeno
inicial não é senão um aspecto, uma figuração antropomórfica do ovo smico encontrado no alvorecer de toda
cosmogonia, assim como no final em toda escatologia. No início e no final dos opostos se confundem, seja
como nada mais que potencialidade, seja através de uma conciliação final.
89
Hybris é, para os gregos, o orgulho desmedido, o orgulho que faz homens de equipararem aos deuses. Esse
comportamento inflado é sempre punido, não por Zeus, como também por Jeová Deus em Babel e por vários
outros deuses. Hillman esclarece esse ponto: Existem muitíssimos mitos das origens; não da origem da língua,
mas da construção de uma torre que chegue a tocar o céu - os Nyambos têm uma no México, em Cholula, e,
ainda no México os Toltecas têm uma também, também se apresenta entre os Cuki em Assam e entre os Karen
na Birmânia: se trata sempre de manifestações de hybris, de soberba, de arrogância, da tentativa de escalar e
de agredir a potência de Deus. A punição divina no mito não consiste na destruição dos homens, como acontece
no caso de Sodoma e Gomorra ou no caso do Dilúvio: não se destrói o mundo, mas se dispersam os homens por
todo o mundo. Em outros termos, se cria a variedade, os vários estabelecimentos. É difícil dizer que se trata
realmente de uma punição. É para impedir o ato de hybris, para impedir a uniformidade que se tem a
diversidade. É um elemento sobre o qual refletir, em meio a tantos impulsos poderosos em direção à
225
Essa descrição da perda por S3, conforme já foi dito anteriormente, evoca o “trauma” da
perda do paraíso, onde os colegas podiam se perder no prazer das conversas e esquecer de
voltar para casa. Esse sentimento de perda do paraíso é o tema central do mitologema descrito
por Durand (1986) como a Vocação Nostágica do Impossível. Esse tema ligado por uma
lógica interna ao mitologema do Além do Oceano e de Seus Perigos, remete a busca do
reencontro no princípio de transcendência, onde, navegando no coração do desespero terrestre
com a “nostalgia dos Celtas insulares” Durand (1986, p.15), o personagem tenta retornar a
um passado irreversível e reverter a morte irremediável. O autor usa tem duas lendas para
ilustrar o que ele descreve como a ruptura do irremediável e irreversível que projeta o
princípio da esperança para o Além (o Além do fim do mundo). São elas a história de Inês e
Pedro, o Cru onde “um rei arrebata para sempre, através da morte, a amada de seu filho,
mergulhando-o numa nostalgia inconsolável e impelindo-o a uma vingança cruel” (p. 15) e
a história do amor entre Soror Mariana (que, no seu convento de Beja, teria escrito as lettres
ao seu amante francês Chamilly. A reaparição do tema imortal do amor impossível).
O tema da queda, ou do paraíso perdido, em geral, e do Éden, em particular, é de uma
rica simbologia. Eliade (2002), se refere à nostalgia do paraíso como o desejo de nos
encontrarmos sempre e sem esforços no coração do mundo da realidade e da sacralidade, de
retornar ao que um cristão chamaria de condição anterior à queda: um estado de graça
sobrenatural. É curioso recordar que a queda se deve a tentativa de Adão de praticar o único
ato que lhe era vedado: tocar na árvore do conhecimento do bem e do mal. Nas mais diversas
culturas (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1991), a idéia do paraíso liga-se à intuição
universal de um centro primordial único, sem localização fixa uma vez que essa convergência
dirige-se mais a um estado de ser do que a um lugar. No paraíso Adão nomeava os animais,
simbolicamente havia uma dominação do intelecto sobre os sentidos e os instintos que parece
ser subvertida na queda. Pode-se aqui indagar, qual é o apelo que essa dominação dos sentidos
pelo intelecto tem para S3 e alguns de seus colegas? E, qual é o apelo que essa nostalgia pelo
centro tem para todos os entrevistados? As análises que sucederão tentarão responder a essa
questão.
3.5.1.3 A questão dos turnos
Ao fazer referência às propostas de alteração no currículo e as críticas ao atual, S3 faz
uniformidade, na ciência e na economia, nos negócios, na política e assim por diante (2005 p. 2).
226
suas críticas à divisão do curso em turnos, idéia com a qual ele não compactua. Sobre essa
relação currículo / turno ele diz: “também, porque ele privilegia um tipo de interação, um tipo
de ensino que é aquele tipo de ensino assim, em sala de aula, né, com turmas pequenas,
turma da manhã, turma da tarde, que é um modelo que eu chamo, modelo coleginho de
freira, tá?! Então, você tem assim o psicólogo da manhã e o psicólogo da tarde, e eu acho
que quando entra nisso, né, e num curso de Psicologia que eu acho que é uma área bastante
complexa, né, que envolve, tem ramificações, assim do ponto de vista do trabalho, da escola,
da, da clínica e assim por diante, eh, uma mensagem muito errada pro aluno de
Psicologia no início do curso; que diz assim: o curso de Psicologia é um curso de turno
parcial; você faz seu curso de manhã, você faz suas “horas bundas” lá, né, as “horas
bundas” assistindo aula e o resto da tarde você vai vagabundear, você não precisa fazer
outras coisas, não tem que se dedicar. E isso, vamos dizer assim, é ruim para o aluno, para a
formação do aluno e é ruim para o professor, né, que ele tem que ficar repetindo aulas, né?!
Eu, por exemplo assim, eu sou uma pessoa, eu não tenho paciência para fazer dinâmica de
grupo, para fazer trabalhinho de grupo, para passar trabalho escrito pro aluno (...) Então,
isso sobrecarrega o professor porque você tem que dar aula de manhã e tem que dar aula da
tarde, que você podia só; se vai ficar todo mundo sentadinho na aula, ouvindo, você aula;
se tem 100 ou 200 não faz diferença. Você vai lá, aula e o que você vai fazer de tarde?
De tarde, você vai fazer o ‘must’ (referindo-se à pesquisa)” (...) Então, isso privilegia um
sistema de ensino que, do ponto de vista pedagógico, é arcaico. Quer dizer, não é assim,
você ir lá, dando aula magistral, ou você fazendo baboseira de grupo na aula que o aluno vai
aprender”. Partindo dessa visão, S3 comenta aquilo que acha ser o diferencial das escolas
públicas em relação às instituições privadas é isso que diferencia as universidades federais,
públicas, gratuitas, de excelente qualidade dessas biroscas particulares que tem por , que
na Alemanha elas o se chamam universidades, elas se chamam escola superior
profissionalizante, tá, onde o professor vai lá, aula e depois ele “até logo” e o aluno
não faz mais nada”. No bojo dessas considerações S3 faz um misto de elogio da universidade
pública e sua crítica aos programas de democratização do ensino superior: que nós somos
a única que consegue fazer pesquisa, nós vamos ficar dando aula para uma massa de
gente, tá, vamos aumentar, fazer turno da noite agora, como existe algumas propostas, ou
nós vamos concentrar naquilo que é nossa missão que é, na minha opinião, vamos dizer
assim, formar pesquisadores e professores que os outros não conseguem fazer e prossegue,
hoje em dia, existe um papo, né, vamos dizer assim, de cotas, tá, eles querem transformar a
universidade num sistema de equalização social. Isto é uma perversão da universidade. A
227
universidade tem que ser uma meritocracia. O que adianta eu chegar na aula, tem um
monte de gente que não sabe nada, que você tem que ficar ensinando; os caras não sabem
falar, nem escrever, não sabem ler, não tem hábito de estudar. Quer dizer, o que você vai
fazer com essa gente? Eu tô interessado nos melhores alunos. Eu não tenho interesse em ficar
dando aula para uma multidão de gente, para uma massa que não tem uma qualificação
mínima. Senão não é sério o troço. Onde é que nós vamos chegar nisso aí? Não vamos a
lugar nenhum”.
S4 relata, por sua vez, relata a perseguição de um professor que, junto com S4, havia
participado da discussão sobre os turnos de aula: Porque esse professor recém-chegado
tinha, junto comigo, em diversas ocasiões, entrado com abaixo-assinado sobre, nós tivemos
um problema na reforma curricular, houve uma, pra você ter uma idéia, eh, quiseram,
um ano atrás, mudar a entrada dos alunos na universidade, a entrada dos alunos da
universidade na sala de aula, em vez de 4 turmas de 33 como a gente tem, primeiro semestre
33, 33, segundo semestre 33, 33, tem alguns professores ali que não querem dar aula de
manhã e de tarde, ter que repetir a mesma matéria, então eles querem juntar os 66 em um
horário só, fazer uma turma só, alegando que o curso é diurno, não o duas turmas, é o
curso diurno, diurno, noturno que não existe, só que 66 numa sala de aula é diferente de você
dar aula pra 33, né, então nós somos contra, quando isso apareceu, já pronto e mandado pra
reitoria, nós ficamos sabendo na câmara, a gente, na mesma hora, fez o abaixo-assinado e
brecamos, a reitoria ficou sabendo que não tinha sido discutido entre os professores e entre
os alunos, mandou interromper o processo, então as entradas pra 2005 continua, de novo, 4
de 33. Esse professor, que foi perseguido, estava entre os que tinham assinado esse recurso,
nós ganhamos o recurso, então, esse tal cara que foi antes falar sobre ele lá, desde a época
do, da, do concurso blico, foi na outra faculdade, falar: ‘oh, esse cara aprontou,
cuidado com esse cara aí’, e o sujeito sem saber o que que esse cara aprontou, ficou meio
grilado com ele, foi procurar saber, prejudicou o sujeito”.
3.5.1.3.1 Discussão e Investigação Analógica dos conteúdos apresentados a questão
dos turnos
Um dos pontos de discordância entre os grupos no departamento, como se acima, é a
possibilidade de se reformar o modo como os turnos de aulas estão distribuídos. Atualmente
228
existem dois turnos: manhã e tarde. Existe, por um lado, a proposta de se converter esses dois
turnos em apenas um, o turno diurno, e, por outro, a proposta de se criar mais um turno, o
noturno. As posições que, de forma mais emblemática, representam essa polêmica vem de S3
e S4. No entanto, durante e após as entrevistas para a realização dos experimentos com as
associações, e, algumas vezes, de maneira informal, parte dos entrevistados se referiu a essa
questão. Boa parte dos comentários aqui colocados será feita tendo essas falas como
referência ainda que elas não possam ser resgatadas textualmente.
As opiniões referentes à mudança na distribuição dos turnos parecem distribuir-se em
dois níveis. Um nível superficial dos argumentos lógicos, e um nível mais profundo dos
desejos e interesses pessoais não admitidos formalmente, que, o tempo todo interferem nessas
colocações.
As posições favoráveis e contrárias aos dois turnos, manhã e tarde, parecem se
relacionar superficialmente à discussão sobre o que se pode entender por qualidade num curso
superior. Quando se entende que pesquisa é importante existem duas posições: a que
considera imprescindível que esta seja feita com dedicação integral e que o aluno possa ser
formado pesquisador desde os primeiros anos do curso sem dispersar energias com outras
atividades (S3) e a que sugere que o trabalho de pesquisa de qualidade possa ser feito por um
aluno de meio período ou que estude à noite (S2, informalmente). Quando se entende que o
ensino é a função mais importante existem ainda duas posições possíveis: a que devam existir
dois turnos uma vez que um número excessivo de alunos em sala de aula seria prejudicial à
condução adequada dos trabalhos (notadamente S4 que trabalha com aulas práticas) e, a que
considera que o maior número de turnos aumenta o acesso de estudantes às oportunidades de
estudo, cumprindo-se, dessa forma, a função social da universidade (S2).
No entanto, é impossível desconsiderar os interesse pessoais expressos nessa questão.
Na argumentação de S3, por exemplo, fica evidente, uma crítica emocional e, em certa
medida preconceituosa, à suposta incapacidade para o estudo dos alunos que se dispusessem a
estudar a noite: O que adianta eu chegar na aula, tem um monte de gente que não sabe
nada, que você tem que ficar ensinando; os caras não sabem falar, nem escrever, não sabem
ler, não tem hábito de estudar. Quer dizer, o que você vai fazer com essa gente?(...) Eu não
tenho interesse em ficar dando aula para uma multidão de gente, para uma massa que não
tem uma qualificação mínima.”. S3 compara ainda os alunos que estudam em meio período a
algo como alunos de coleginho de freira” que ficam desperdiçando tempo ao “vagabundear”.
Na argumentação de S4, embora menos emocional, pode-se perceber uma defesa da atividade
que lhe é mais fácil, lecionar. A defesa de S4 dos turnos, se limita à questão dos turnos
229
diurnos, quanto à noite, ela não se dispõe mais a essa tarefa...
A origem da oposição de pessoas como S3 aos vários turnos é creditada por S4 à
preguiça do professor de lecionar o mesmo conteúdo para várias turmas. A origem da
oposição de pessoas como S4 a um turno só, sugere S3 é a uma postura arcaica que privilegia
uma atitude típica do ensino médio e perverte o propósito da universidade: pesquisa.
Aparentemente, ambos fundamentam suas posições em questões mais íntimas. S3 tem
um desejo profundo fortalecer ainda mais sua imagem acadêmica, continuar sua carreira de
pesquisador e reunir em torno de si um grupo de estudantes dedicados que o possam auxiliar e
que se tornem seus orientandos futuramente; aparenta, ainda, um profundo desprezo pela
ignorância aliada a uma defesa do seu conforto e conveniência pessoais. S4, que dos
entrevistados é a que foi avaliada menos produtiva, também deseja continuar trabalhando com
conforto dentro daquilo que vem fazendo nas últimas décadas, lecionar. A atividade de
lecionar, para S4, oferece um duplo ganho, simultaneamente: pelo excesso de atividades
relacionadas (laboratórios, vários grupos) dificulta que ela dedique tempo à pesquisa; e, ao
mesmo tempo, oferece uma blindagem contra críticas quanto à baixa produtividade uma
justificativa sustentada por evidências.
Nesse quadro, enquanto são encontrados na instituição militantes que defendem o curso
noturno, baseando-se em convicções pessoais, sociais, políticas e éticas (S2), outros evitam
manifestar-se a respeito ressaltando o fato de não serem atingidos pelo problema devido ao
fato de lecionarem no final do curso as turmas e os turnos acabarem por se fundir próximo ao
final (S6).
Embora toda essa análise tenha sido proposta, é importante ressaltar que os argumentos
de que exista uma preguiça de lecionar ou arcaísmo e acomodação por parte de uns ou outros
professores não são suficientes para explicar os desentendimentos em torno da questão dos
turnos. Da mesma forma, os argumentos de queda ou incremento da qualidade do ensino não
são, igualmente, capazes de explicar a violência de algumas das críticas e a pouca abertura à
argumentação. Ainda assim, qualquer explicação para o fenômeno deve considerar a
interferência desses dois fatores, e principalmente, alguns aspectos da personalidade dos
envolvidos que possam estar na base da forma como eles interpretam os argumentos. Esse
ponto deverá ser abordado mais à frente.
3.5.1.4 Serão os membros de departamentos de psicologia mais “doentes” que os
membros de outros departamentos?
230
S2 sugere que a condição de multiplicidade de visões da psicologia enquanto ciência e
profissão trás reflexos sobre a vida psíquica dos psicólogos: Psicólogo tem também, é uma
ciência que, talvez pela própria fragmentação epistemológica, né, eh, é um campo de saber
que o profissional tem uma identidade meio lábil, vamos dizer assim, né, e que luta, vamos
dizer assim, pelo reconhecimento”.
Em um outro ponto, S2 refere-se às “patologias” no departamento e suas conseqüências
no cotidiano da seguinte forma: “Meu caro, os departamentos de Psicologia são verdadeiros
celeiros de neuróticos, né?! As relações pessoais são sempre muito difíceis, são brigas, né, eu
acho que o grande defeito é que o departamento de Psicologia o consegue se pensar como
uma comunidade de pessoas, se nós entendemos comunidade como um grupo de pessoas que
se reúnem tendo um objetivo comum, né?! Acho que é difícil pras pessoas pensarem no todo,
acabam sendo muito individualistas, pensando apenas nos próprios interesses, eh, o diálogo é
muito difícil, né, eh, a convivência é difícil no departamento, né?!”.
S1, embora reconheça os reflexos do campo de conhecimento psicológico no
comportamento dos profissionais, tem uma visão muito mais suave dessas posturas: o que é
bom é exatamente conviver com psicólogos que tem um certo autoconhecimento, isso não
significa que são todos é... autoconhecedores e pessoas fáceis da gente conviver, alguns são
até piores, eles convivem com sua neurose, às vezes até com a sua psicose de uma forma
assim... muito boa, eles aceitam, eles aceitam suas próprias limitações e querem ficar com
elas. Mas é mais fácil de conviver”.
S4, refere-se ao adoecimento” do departamento nos seguintes termos “eu costumo
dizer que nosso departamento tem que ser o departamento doente porque a gente trabalha com
Psicologia, né, as pessoas lidam com doença mental, lidam com problemas o tempo inteiro,
tem muita gente ali que é paranóico mesmo, tem muita gente com problema, e aquilo joga,
aquele negócio é uma catarse mesmo, eles jogam aquilo nas relações com os colegas, sabe?”.
S6 relata a existência de “uma certa paranóia, às vezes, com relação a certas decisões,
uma dificuldade de tomar decisões de uma forma racional dentro do departamento, muita
emocionalidade” que permeia as relações. Em outro trecho, S6 retoma esse ponto da seguinte
forma “é um pouco dessa desconfiança, o que que o outro querendo, que que o outro vai
fazer que, que pode vir a me prejudicar, tem um pouquinho de paranóia nessas relações, sabe,
as relações são muito próximas, eu acho que elas acabam se desgastando, elas não são
pautadas na confiança do seu interlocutor, elas são pautadas na desconfiança do seu
interlocutor”.
231
3.5.1.4.1 Discussão e Investigação Analógica dos conteúdos apresentados Serão os
membros de departamentos de psicologia mais “doentes” que os membros de outros
departamentos?”
Em vários pontos das entrevistas os sujeitos fizeram referência ao que poderiam se
considerar comportamentos doentios em (e pelos) seus colegas. A argumentação, citada
anteriormente, de que a fragmentação inerente à psicologia esteja no cerne dos
desentendimentos, como promotora de uma identidade profissional (e, conseqüentemente,
pessoal) lábil, é claramente exposta por S2. Essa reflexão sugere uma nova possibilidade para
se interpretar o incômodo despertado, no grupo como um todo, pelos psicanalistas, em geral, e
pelos lacanianos, em especial. Isso será feito a seguir
90
.
A psicanálise, enquanto uma meta narrativa, possui o potencial de cobrir com seu
campo de interpretação uma extensão enorme de situações. As peculiaridades da meta
narrativa psicanalítica garantem, grosso modo, uma defesa extraordinária contra as críticas
que contestem sua validade: estas seriam entendidas como resistência a aceitar a verdade de
certos argumentos presentes na formulação porque elas fariam referência a conteúdos
desagradáveis recalcados pelo crítico. Dentre todas as abordagens psicanalíticas, a mais
pródiga no uso desse tipo de argumentação é, justamente, a que foi citada negativamente pela
maioria dos entrevistados (incluindo um psicanalista): a psicanálise lacaniana. Embora um
observador possa ser tentado a considerar a validade dessa argumentação e encerrar a
discussão nesse ponto existe um outro aspecto a ser mencionado. Esse tipo de formulação
psicanalítica oferece ao adepto dessa corrente um elevado grau de segurança frente às duvidas
e inseguranças da prática psi, uma vez que a maioria das variações possíveis possam ser
explicadas pelo modelo. Simultaneamente, essa adesão à meta narrativa lacaniana desperta
naqueles que a ela aderem um senso de identidade e um fator de reconhecimento mútuo que
dificilmente poderá ser alcançado por uma outra corrente psicológica. Além disso, a
capacidade que os lacanianos apresentam de fazer-se multiplicar e atrair novos indivíduos aos
seus “cartéis” ameaça a todos aqueles que poderiam, no departamento, disputar espaço vital.
Partindo dessas observações, poder-se-ia sugerir que parte dos ressentimentos e críticas
atribuídas aos psicanalistas e, mais especificamente, aos lacanianos, possam ser atribuídas à
90
Deve-se destacar, mais uma vez, que parte das informações apresentadas nesse ponto se originaram em
conversas informais antes e após os experimentos.
232
projeção de conteúdos inconscientes relacionados à insegurança da parte dos próprios críticos.
Isso, de forma alguma, exime os psicanalistas lacanianos do ônus de certas posturas citadas
em várias etapas da investigação, como também nas conversas informais.
Outros argumentos sobre o adoecimento dos professores estiveram bem próximos das
formulações do senso comum, temas como: tem que ser doente porque lida com saúde mental.
São bem comuns tanto em grupos de estudantes como de leigos em geral.
Foram, como em outros trechos da investigação, ressaltadas as dificuldades dos
membros de pensar e agir em comunidade levando em consideração os problemas do coletivo.
Simultaneamente às posturas individualistas, foi destacada uma certa aceitação dos
adoecimentos e das patologias individuais. Embora isso tenha sido creditado a um certo grau
de autoconhecimento e auto-aceitação, é possível que essa aceitação se de muito mais aos
próprios problemas que as dificuldades dos outros. O que é interpretado como cumplicidade,
poderia também ser interpretado como uma estratégia que permitiria não abrir o flanco para
um ataque adversário numa próxima situação de inversão do jogo político.
A análise citada acima parece ser confirmada pela presença do que parte dos
entrevistados se referiram como um grau de paranóia nas relações. Essas relações marcadas
pela desconfiança poderiam conduzir a uma série de estratégias de evasão e de cuidado para
não se expor ao expor os melindres alheios.
Finalmente, dois pontos parecem se conectar: a referência ao departamento como um
celeiro de neuróticos e a idéia de que nas relações ocorre uma catarse dos problemas pessoais.
A definição clássica de neurose que reza que a mente é capaz de seguir duas linhas
simultâneas de pensamento e que uma (geralmente a inconsciente) pode interferir na outra,
parece percorrer rias falas dos entrevistados (algumas delas foram apontadas nas seções
anteriores). A fragmentação e o conflito entre idéias dentro do departamento parecem,
realmente, exprimir as cizânias intrapsíquicas de seus membros, e as relações coletivas
parecem oferecer, pelas próprias características do corpus teórico da psicologia, um local de
excelência para sua catarse. Esse ponto deverá ser explorado novamente mais à frente.
3.5.1.5 Sobre a criação do curso de mestrado, linhas antigas e linhas novas: novos
desdobramentos, velhas polêmicas
Sobre a criação do curso de mestrado em psicologia também não faltaram polêmicas. S1
descreve-as nos seguintes termos: A história do Mestrado, por exemplo, em Psicologia
233
Social é uma história de brigas. O que aconteceu foi o seguinte, o Mestrado em Psicologia foi
criado por pessoas que estavam desde o início do departamento Bernadete, por exemplo,
Vitória... O grupo delas. A formação da Bernadete é em Psicologia Social, eu não sei dizer
para você se o Mestrado começou com essa área de concentração em Psicologia Social. Mas
ele hoje é de Psicologia Social, talvez ele tenha sido em Psicologia... e... em determinado
momento elas convidaram uma pessoa que havia se formado aqui na Faculdade de Educação
que era a Glória pra fazer parte do Mestrado e, desentenderam-se. A Glória tem uma postura
assim mais voltada para o estudo histórico da Psicologia Social, formou-se em parte na
Faculdade de educação com uma visão assim mais bem marxista e parte nos Estado Unidos e
a Bernadete, é discípula do Rossi uma Psicologia bem Experimental... Social bem
Experimental. Quando elas se desentenderam, começou um mal estar no nível da
coordenação do Mestrado e... desse desentendimento resultou num rompimento tal que,
quando a comissão da Capes veio avaliar o Mestrado o grupo que o havia criado e que nesse
momento não estava dirigindo o Mestrado procurou a comissão e disse que aquelas pessoas
não eram competentes e eles deveriam não permitir e... uma coisa assim. E, em conseqüência
disso, esses dois grupos se desentenderam até o extremo... né?!?”.
S4 narra a sua versão (diferente em muitos aspectos) da criação do mestrado: Eu acho
que a criação do nosso mestrado foi bom, a minha turma, a primeira turma, que foi um
mestrado que tinha, eh, ele não chamava mestrado em Psicologia Social, como ele chama
hoje, hoje é Social, Psicanálise e Desenvolvimento. Era um mestrado que a área de
concentração chamava-se Psicologia do desenvolvimento e transformações psicosociais,
então cabia tudo, tanto que foram 15 alunos, 15 primeiros alunos, com 15 teses diferentes, eu
trabalhei com autocontrole, a Celma trabalhou com rato, a Miloca trabalhou com sistêmica,
a Kate com violência contemporânea, com televisão, cada uma trabalhou com uma coisa
diferente, então, televisão não, persuasão em televisão, enfim, cabia porque era um tema
muito amplo, foi por isso mesmo que o MEC foi lá, cortou e criou, porque nessa época, acho
que Minas, Bahia, Rio, São Paulo, Brasília não tinha nada de Social, então criou, deu
preferência a Social. Provavelmente também, por pressão dos nossos professores da Social
que queriam que ficasse. Então, os antigos saíram, os bons professores que tinham começado
com o currículo, né, com o mestrado, a Vitória, a Bernadete que tinham feito um projeto
pularam fora e ficou só a turminha da Social. Essa eu acho uma fase boa, eh, a segunda, não,
acho que foi essa aí, foi a criação do curso foi muito bom”.
S6 também oferece sua leitura da criação do mestrado e para o fato dos behavioristas
estarem fora do grupo: tem a criação do mestrado, depois da criação do mestrado, brigas,
234
brigas, brigas, conflitos, conflitos, conflitos, a área de Psicologia Experimental que ajudou a
criar o mestrado rompeu, mas foi incompetente pra poder criar uma nova área”.
S2 coloca no centro da concepção do curso de mestrado uma crise: Outra briga
importante foi uma cisão que aconteceu na pós-graduação, em que a Psicologia Social
encampou a pós-graduação, né, excluindo, com isso, as coisas..... e a divisão interna, as
brigas,vamos dizer assim, do terreno, da pós-graduação também, acabaram se configurando
num foco de conflito”. Embora descreva esse movimento e confirme os ressentimentos
gerados pela situação S2 pondera: Agora o que tem faltado a eles também, é massa crítica.
Eu acho que se o grupo quiser fazer...” deixando a frase incompleta, mas sugerindo que aos
behavioristas falta titulação.
S5, apesar de ser coordenador do curso de mestrado relata ter participado pouco dos
primeiros anos do curso, expões seus motivos e recupera algumas lembranças diferentes para
os problemas na sua criação: eu não participei muito porque foi o momento que eu tava
muito envolvido na Medicina, eh, o início, né, do mestrado aqui, também, foi uma situação de
conflito muito grande, porque na realidade, teve assim todo, quer dizer, logicamente o
mestrado tinha que reunir doutores, naquele momento tinha poucos doutores, tinha que
reunir doutores que não era de uma área, né, mas a primeira proposta foi pra criar um
mestrado em Desenvolvimento Humano, não sei o nome exato, que a CAPES não, não
chegou a aprovar isso, naquele momento, na realidade, o pessoal da Social era um grupo
mais, mais produtivo também, fizeram uma reformulação e em termos do mestrado em
Psicologia Social, quer dizer, né, primeira área de concentração em Psicologia Social, o que
foi combatido por outros de uma maneira muito forte, até quando chegou assim, quer dizer, o
pessoal da CAPES, eles tentarem convencer a CAPES que eles não deveriam aprovar esse
mestrado, então, teve também, um momento de conflito ainda, não foi assim uma coisa tão
fácil assim, quer dizer, bom, agora são 3 áreas de concentração bastante assim, né...”.
S5 aborda ainda as dificuldades na convivência entre as linhas: o Desenvolvimento
Humano tem, na realidade, tem 2 anos, Estudos psicanalíticos tem um pouco mais, mas
também começou em 99, né?! Durante muito tempo ficou assim o da Psicologia Social,
então agora, ta num processo assim, a concentração ta num processo de mudança, de ver o
que tem a ver com o próprio caráter da Psicologia, porque quando fala conflito, os conflitos
não são, eu acho que não devem ser vistos que é as pessoas na Psicologia são mais
briguentas do que na Sociologia ou na, eu acho a própria área da Psicologia é uma área
muito complexa e muito diferente assim na realidade, por exemplo, imagina, Psicologia
Social e Psicologia Experimental, são mundos muito diferentes”.
235
S6 destaca o papel que a habilidade de administrar os egos dos grupos envolvidos no
sucesso da criação do mestrado a criação do mestrado é uma história de sucesso, sabe, no
meio da Psicologia Social, da Psicologia Experimental, a Glória conseguir costurar um
acordo e fazer um mestrado avaliado, autorizado pela CAPES”.
S2 fala do processo que culminou com a inclusão de uma linha de pesquisa em
psicanálise no curso de mestrado: Houve muita resistência aqui para a criação de uma pós-
graduação em Psicanálise, eu encabecei isso. Eu tive à frente da criação das 2 primeiras pós-
graduações aqui, uma especialização em Psicanálise, muitos anos atrás, e a outra a
criação de um mestrado, né, uma das pessoas que começou esse projeto de desenvolvimento
da pós-graduação aqui na Psicologia. Mas, quando nós quisemos criar a especialização em
Psicanálise, houve muita briga, né, mas briga, eventualmente tem que brigar mesmo, né,
briga e acaba conquistando o espaço da gente, né?! acabando conquistando, você vê,
hoje, nós temos uma área na Psicanálise que é importante, né?!”. O entrevistado descreve
essa iniciativa como vitoriosa e indica que parte desse sucesso se deva à um processo
continuado que se iniciou com um curso de pós-graduação lato senso e, parcialmente, à uma
demanda reprimida na época: um projeto muito bem sucedido, a coisa de alguns anos atrás,
pela novidade que se apresentava talvez, foi o projeto de criação de uma área, um curso de
especialização em Psicanálise nos anos 80. Talvez foi a primeira, uma das primeiras, pós-
graduação em Psicanálise, no país, né, e houve muita demanda na época, a gente tinha uma
procura enorme”.
S6 destaca a importância da criação da especialização em psicanálise: a criação do
curso de especialização em Psicanálise é uma realização legal, tá, o curso de especialização
em Psicanálise, com todos os problemas que ele possa ter, foi o que puxou as
especializações”. E, da mesma forma, elogia dois colegas que são pesquisadores
internacionais e que conseguiram consolidar uma área de Psicologia do Desenvolvimento
como uma área de concentração do mestrado.
Os desentendimentos parecem se atualizar a cada nova fase do processo, S1 descreve
uma situação recente: Nesse momento está sendo criada uma nova área de concentração no
mestrado. Mas os professores da área tem um desentendimento entre si que é assim...
impressionante! O desentendimento começa na teoria, continua na forma de trabalhar, um
usa uma metodologia o outro usa outra, termina na briga por orientandos quando um
orientando passa de um para outro... meu Deus! Uma coisa que poderia ser negociada... que
em outras áreas... por exemplo, na área de trabalho todos os meus colegas que foram
incorporados ao mestrado eu passei os meus orientandos para eles, para eles terem um
236
começo. Passei para o Ubiratã, passei para Clenice, passei para a Suzanda, sabe? E isso é
um fenômeno normal, entre eles, na área de desenvolvimento, quando um orientando com
um e resolve passar para o outro porque mudou o projeto é uma briga que eles não se falam
mais, eles se ofendem mutuamente. Então são coisas assim que são características do
departamento... eles se ofendem muito, é muito estranho.
S3 faz referência às disputas que S1 sugere ocorrerem no setor de psicologia do
desenvolvimento: Nós temos nosso grupo assim, Denise, que é ótima, a Bruna, que é muito
boa, tem a Júnia e a Graziele que são da área da Psicometria que são também muito sérias,
muito produtivas e o Jorge que, também, é um sujeito agora pesquisador, fazendo pós-
doutorado, o cara não sei com quantos alunos de iniciação cientifica e tal, quer dizer, nós
temos um grupo lá de pessoas que são produtivas. Assim, a gente até pode ter as divergências
que a gente tem, mas acho que chega na hora de bater o martelo, a gente consegue fazer
uma proposta, quer dizer, ao longo dos anos a gente tem mantido uma convivência civilizada
entre a gente. Obviamente assim, um fica chateado com o outro, mas em 6 meses passa, né?”.
Ainda sobre a inclusão dessa linha de pesquisa no programa de mestrado, que S3 descreve
como uma vitória, relata: a maior história de sucesso do departamento atual é o nosso
programa de área de concentração de Psicologia do Desenvolvimento, tá, que, vamos dizer
assim, a gente orientava na Psicologia Social, uns 2 ou 3 anos, foi feita essa área, eh,
de concentração, e ela está indo muito bem. Ela tá, na minha opinião, assim ótima. A
gente, eh, vamos dizer assim, não tem tido assim, aquela procura que a gente gostaria de ter,
tem selecionado alunos, alunos bons”.
Ao fazer referência a não existência de uma linha de pesquisa em psicologia
comportamental S4 sugere que, por se sentirem ameaçados, outros grupos impediriam o
acesso do grupo a pós graduação. S4, minimiza ainda, a importância da pouca titulação dos
membros de seu grupo: a minha área especificamente, de não conseguir chegar no mestrado
e conseguir introduzir uma área de concentração em Análise do Comportamento, no nosso
mestrado, porque a Social e a Psicanálise não permitem. A impressão que eu tenho é que
eles, eles se sentem ameaçados, se a gente entrar eles vão perder alunos; atualmente, a gente
nem pode entrar porque nós nem temos doutores pra isso, mas tivemos, teve uma época
que a gente tinha doutor, número de doutores suficientes, agora eles se aposentaram e uns
saíram, foram pra Brasília e tal, a Vitória que é essa professora que eu te falando, que é
da minha geração, é doutora da IJS (instituição de renome nacional), ela tentou essa área,
uma área de concentração, fez um projeto, excelente e tal, mas eles brecaram lá, não
deixaram entrar, então essa é uma insatisfação que eu tenho anos, e vou sair de sem
237
ver esse mestrado”.
3.5.1.5.1 Discussão e Investigação Analógica dos conteúdos apresentados Sobre a
criação do curso de mestrado, linhas antigas e linhas novas:novos desdobramentos,
velhas polêmicas
Os entrevistados relatam que, desde de sua criação, o curso de mestrado foi marcado por
desentendimentos. Dos depoimentos colhidos pode-se depreender que os problemas de
identidade que marcam o departamento se refletem em grande maneira na configuração que o
mestrado foi ganhando ao longo dos tempos. Isso pode ser observado na grande disparidade
entre as interpretações sobre os acontecimentos que marcaram o processo de criação e os anos
de consolidação do programa. Foi possível reunir cinco interpretações discordantes dos
acontecimentos. Como forma de facilitar a análise essas interpretações são apresentadas,
resumidamente, a seguir:
S1 Aconteceram brigas desde o início, mesmo entre as pessoas que criaram o projeto.
Posteriormente o grupo criador se dividiu e a parte que ficou alijada da coordenação, quando
da avaliação pela Capes, procurou os representantes do órgão e fez severas críticas quanto à
competência dos que ficaram.
S4 Inicialmente a área de concentração era Psicologia do Desenvolvimento e
Transformações Sociais, posteriormente o “MEC “cortou” e deu preferência ao social
aparentemente, segundo S4, atendendo aos professores de social que fizeram pressão por essa
linha. Em função disso os antigos (behavioristas) “pularam fora”.
S6 Os behavioristas romperam com os parceiros de criação do mestrado, mas foram
incompetentes para criar uma nova área.
S2 – A psicologia Social encampou a pós-graduação excluindo os outros.
S5 A área de concentração em Desenvolvimento Humano era uma proposta que a
Capes não aprovou por reunir doutores de muitas áreas diferentes numa área. Os
professores da área social que eram os mais produtivos fizeram uma reformulação do
projeto e, quando a Capes veio avaliar, foram combatidos pelos outros (“eles”) que fizeram
pressão para não aprovar.
As polêmicas em torno da criação do programa de mestrado servem como exemplo
típico das situações que o presente trabalho pretende investigar. Nelas se presentificam as
diferentes interpretações feitas pelos sujeitos na tentativa de oferecer sentido à situação. São
238
produzidos sentidos diferentes, matizados pela subjetividade de cada um, porém portadores de
uma proximidade grande o bastante para permitir que os indivíduos se agrupassem em
núcleos menores. Esses agrupamentos se deram em torno de posições que os permitissem
oferecer um grau de coerência razoável entre sua experiência vivida, as interpretações
coletivas e a garantia mínima de uma resposta às demandas por desempenho no departamento.
Os vários depoimentos colhidos parecem reforçar essa análise. O depoimento de S6
destaca o esforço feito pela pessoa que conduziu o processo inicial de criação do programa em
administrar a complexidade e as divergências teóricas e, simultaneamente, os egos das
pessoas envolvidas. A criação da pós-graduação lato senso em psicanálise e posteriormente a
área de concentração em psicanálise no mestrado sofreram muita resistência, com reações
construídas nos moldes do que foi descrito na seção anterior embora tenham o seu mérito e
seu pioneirismo reconhecidos por parte dos entrevistados. Embora algumas pessoas analisem
negativamente o alto grau de competitividade na área de concentração em desenvolvimento e
os relacione a uma briga interna por poder e status, um de seus membros confirma que as
brigas entre si ocorrem, mas afirma que o grupo conserva, “na hora de bater o martelo”, a sua
capacidade de agir e reagir coletivamente (ou, poder-se-ia dizer, corporativamente).
Finalmente, apesar de se dizer que o grupo de comportamental não conseguiu organizar uma
área de concentração no mestrado por falta de capacidade de coordenar esforços e por falta de
titulação, seu representante afirma que não se criou essa área porque outros grupos,
psicanalistas e psicólogos sociais, se sentiram ameaçados e impediram o processo. Segundo
essa visão houve doutores em número suficiente no passado e houve um excelente projeto,
mas “eles” barraram.
3.5.1.6 Concursos e Bancas: guerras
Os alinhamentos entre grupos rivais se tornam visíveis principalmente nos momentos
em que a hegemonia, ou a esperança de hegemonia, de determinados grupos é ameaçada. S1
descreve uma situação que se tornou paradigmática na história do departamento: houve logo
depois um concurso para professor, eu não sei se era professor, eu acho que titular, e o
pessoal que... era o pessoal mais tradicional, Bernadete, acho que Rita, Marinêz... essas
pessoas foram aprovadas no concurso e a Glória que era coordenadora do Mestrado foi
reprovada, tá?!?. Na banca estava o professor Nogueira... e o professor Nogueira, eu diria
239
assim, tinha uma administração especial pela Bernadete, que tinha sido assistente dele e por
outras pessoas. E ele considerou a apresentação da Glória muito fraca. Eu to falando ele por
que é uma referência muito forte, tinha outras pessoas na banca. A própria Bernadete era da
banca, ela era titular. Ai, Cláudio... É... o resultado do concurso gerou uma briga que
percorreu todas as instâncias. O Departamento, a reitoria e hoje está na justiça comum. As
pessoas que foram aprovadas não tem o título reconhecido até hoje, né?!? Parece que não...
E a pessoa que foi reprovada recorre constantemente, então é uma briga judicial que existe
ai, entendeu? Então, além é, é, é... Dessa briga judicial ser muito forte, a Bernadete se
aposentou, tentou voltar e foi reprovada, sabe?
S1 detalha esse último caso da seguinte forma: Esse caso que ta na justiça anos...
Um concurso para professor que aconteceu e... para você ter uma idéia, nós tivemos, quando
a Bernadete aposentou, ficou uma vaga e essa vaga foi posta em concurso. Concorreram ela,
a Denise e a Bruna: dois professores que tinham uma careira curta lá, curta ainda, e
Bernadete que tinha passado a vida toda. A banca foi construída e desconstruída 8 vezes.
Quando as pessoas tinham conhecimento de que ia ser um julgamento feito elas pediam
para se afastar. Teve uma banca que a pessoa ficou tão desorientada que foi atropelada.
Então aconteceu de tudo. Finalmente nós conseguimos formar uma banca e essa banca teve
tantos desentendimentos e dificuldades que duas das pessoas voltaram para P (estado de
destaque na federação) antes. Falaram que não queriam participar”.
S6 relata suas lembranças desse mesmo concurso: eu lembro de ter participado de um
concurso de professor titular que teve aqui no departamento, que no final foi parar na justiça
comum, tá, porque o pessoal discordou, uma banca com, cheia de gente de fora, gente,
formação diferente, professora de (cidade longínqua), uma professora da Psicologia Social
da, da IJS (instituição de renome nacional), que é um nome nacional até hoje, um outro
professor que era o Nogueira e tal, o pessoal que não foi aprovado foi, foi, entrou na justiça,
o chefe do departamento na época era o Ubirajara e ele, ele teve problema, a Psicologia do
Trabalho herdou um problema da Psicologia Social por causa disso, por causa do mal estar
com uma ou duas professoras que tinham sido reprovadas e tal, uma das professoras do
grupo tinha sido, tinha ficado nos primeiros lugares e tal, umas coisas assim, sabe?!”.
Sobre a decisão da banca nesse concurso e a atuação de uma das reprovadas, S6
comenta eles fizeram a opção deles, a Glória inclusive, você viu que eu tenho um respeito
todo especial por ela, mas ela, ela foi muito infeliz na hora de escolher a tese dela, ela
escolheu uma, ela escolheu a defesa de uma pedagogia psicanalítica na, no negócio dela, a
banca colocou em questão se existe psicologia psicanalítica ou não, não se sentiu convencido
240
da elaboração, então ela fez uma coisa de risco, numa situação de avaliação ela, faz uma tese
que ou ela é brilhante porque ela é totalmente original ou ela é idiota porque não tem
fundamentação nenhuma, se ela fosse, eu acho que se ela tivesse trabalhado dentro da
bagagem dela e apresentado as coisas dela, o resultado do exame seria diferente, mas eu
achei justa a situação, a avaliação da banca, e esse troço foi parar na justiça comum, isso,
isso ter ido parar na justiça comum eu achei o fim do mundo, é uma situação acadêmica, um
concurso de titular, daí a pouco vem outro, mostra um pouco, mostrava um pouco como é que
as relações tão desgastadas, eh, isso é uma relação rancorosa, você levar uma pessoa na
justiça por causa de uma bobagem igual concurso de professor titular, pra você ganhar uma
merreca de dinheiro a mais, tá, por mês, é uma merreca, é só vaidade”.
Sobre um determinado concurso S3 relata: Uma vez eles se irritaram comigo, naquela
época eu era da câmara departamental, foi feito um concurso da Psicologia
Comportamental que foi a maior maracutaia, foi uma vergonha, tá?! Foi um concurso de
cartas marcadas. Eu, por exemplo, eu entrei aqui num concurso honesto porque ninguém me
conhecia. Eu fiz aqui o concurso, fui o melhor e entrei. E a gente acompanhou assim, outros
concursos e eu diria assim, na maioria das vezes, os concursos são honestos, mas tem
exceções e esse foi uma. Uma professora que tinha ficado 25 anos aqui, que tinha publicado
um “paper”, que foi o mestrado dela, e assim, eles botaram ela no departamento, eh, para
ficar mais 25 anos, fazendo o quê? A mesma coisa que ela tinha feito nos 25 anos anteriores?
Quer dizer, bela aquisição para o departamento”. É interessante comparar esse dado com a
fala do mesmo S3 sobre a recontratação de professores aposentados no tópico 3.5.1.7.
S4, por seu turno, tem uma visão positiva dos concursos disse relata ter trabalhado em
torno de 25 anos na casa, se aposentado, ter aguardado uma oportunidade e retornado a
lecionar para dar continuidade ao trabalho desenvolvido anteriormente, fui convidada a dar
aula, em 67 (...) no ano seguinte, em 69, eu, (...), eu fiz meu primeiro concurso na
universidade, (...) comecei a trabalhar mesmo como efetiva em 68 pra 69. Fiquei até, em
resumo, né, eu fiquei até 93, em 93 eu me aposentei, já tinha terminado meu mestrado, e
fiquei mais 4 anos como professora substituta, esperando e decidindo se eu abandonava ou
não a universidade, e nessa época nós tínhamos muitos professores da área se aposentando
também e eu não queria que o nosso laboratório e tudo que a gente tinha investido ali
naquela área de Análise do Comportamento, eh, desaparecesse na mão de professores
substitutos. Então, eu resolvi ficar, em 97 apareceu uma vaga pra minha, pro meu setor, pra
minha área, e eu me candidatei junto com outros, outros doutorandos e até ex-alunos meus,
passei e voltei a, eh, assinei um novo contrato com a universidade, e lá desde 97. Então, eu
241
sou aposentada e ativa, as duas coisas, e como ativa eu tô lá desde 97.
3.5.1.6.1 Discussão e Investigação Analógica dos conteúdos apresentados
Concuros e bancas: guerras
Os relatos sobre crises nas bancas de seleção de professores parecem seguir uma relação
de contigüidade com os outros tipos de disputa entre os grupos no departamento. Algumas
dessas polêmicas em bancas transcenderam os limites do departamento, os limites da reitoria
e chagaram a justiça comum. Um membro de um grupo envolvido numa disputa ocorrida em
outro campo foi, segundo um depoimento, reprovado num processo seletivo como um
desdobramento desse litígio. Na seqüência, um membro da banca que reprovou esse
candidato, aposenta-se, presta um novo concurso tentando reingressar no departamento, e é
reprovado no que pareceu ser uma represália por sua atuação anterior. Os relatos são confusos
e carregados de insinuações e ironias. Embora seja muito difícil fazer uma análise mais
aprofundada dos caminhos percorridos pelos narradores na elaboração de suas histórias, os
mecanismos de produção de sentido utilizados nas interpretações dos fatos parecem seguir a
mesma dinâmica de outras situações de conflito. São freqüentes relatos de pressões sobre os
membros das bancas e sugestão de que houve manipulação nos resultados. Também são
freqüentes insinuações de que simpatias individuais e interesses de subgrupos tivessem
influenciado os resultados.
Uma situação particularmente interessante envolve S3 e S4. S3, em seu depoimento
critica veementemente, o reingresso, que ele reputa de irregular, de um professor que
permaneceu no cargo por mais de duas décadas com baixa produtividade e limitando-se a
lecionar. Esse professor teria se aposentado, prestado um novo concurso e sido aprovado por
seus ex-colegas reingressando ao cargo para, segundo S3, mais duas cadas de
improdutividade. S4, por seu turno, relata seu orgulho, por haver lecionado, por mais de duas
décadas, e, após se aposentar, estando preocupado com a continuidade do trabalho por ele
iniciado, ter prestado novo concurso e, tendo tido seus méritos reconhecidos, poder retornar
ao exercício da docência, iniciando uma nova fase da sua carreira. Relatos como esses
mostram, mais uma vez, como as interpretações dos fatos podem ser matizadas por elementos
subjetivos em tal grau de complexidade a ponto de fazerem uma mesma situação parecer duas
situações completamente diferentes.
242
3.5.1.7 Choques pessoais, choques entre teorias, conflito de gerações
Os desentendimentos pessoais, entre grupos e abordagens teóricas se entrelaçam, S1 faz
um relato sintético da situação: Uma história de brigas assim muito intensas e que perpassa
a questão acadêmica, porque quando se sabe que fulano, que é meu inimigo, defende um
teórico, ai ele começa a atacar... É um negócio muito custoso, muito difícil”.
Ao se referir aos cacoetes do departamento, S2 destaca o papel que os psicanalistas
exercem nos conflitos, seja como protagonistas, seja como tema, seja como objeto de crítica:
Éh, os cacoetes eu acho que são, olha, as coisas comuns são as brigas, né, mas, eu acho que
principalmente com os psicanalistas, sabe?!”. Ao que emenda: O objeto da crítica,
geralmente são os psicanalistas”.
91
Sobre os motivos das criticas feitas aos psicanalistas S2 propõe: tem certas
dificuldades mesmo com o pessoal que trabalha com Psicanálise, né, porque todo mundo tem
clínica, muitos tem a clínica bem sucedida, assim, pessoas que se projetaram no mundo
acadêmico e, também, no mundo profissional. Eh, e que muitas vezes, falta, quer dizer, como
ganha muito dinheiro lá fora e muito pouco dinheiro aqui dentro, né, há, por parte dos
psicanalistas, eh, pouco comprometimento institucional. Pessoas, às vezes, que se dedicam
apenas ao ensino, vêm, dão suas aulas, apesar de todos atualmente terem D.E. (dedicação
exclusiva). Eh, eu acho que há, de fato, uma falta de envolvimento político, de
comprometimento profissional das pessoas. E, também, acho que é algo típico do
psicanalista, o psicanalista costuma ser muito arrogante, né, ele é meio, se posiciona como
senhor da verdade. Agora, por outro lado, as dificuldades, acho que vêm dos ciúmes, né,
porque teoricamente e, sem dúvida nenhuma, os mais importantes, os mais representativos da
Psicologia aqui dentro, né?!”.
Embora seja vinculado à psicanálise S2 faz uma análise da condição dos psicanalistas e
de sua abordagem: Psicanálise se configura como um saber crítico, toda teoria tem que ter
uma perspectiva crítica mais elaborada, mas a crítica que ela assume, vamos dizer assim,
acaba se tornando dar tiro no próprio pé, né?!” (...) “porque parece, às vezes, que é tão
crítica da própria razão, né, e não compreende, às vezes, que a razão ela é intranscendível,
ou seja, eu não posso criticar a razão a não ser dentro da razão, quer dizer, eu não saio da
razão, né, eu não posso criticar a razão, vamos dizer assim, de um ponto de vista que não é
91
Observar os comentários obtidos de S3 e S4 sobre os psicanalistas durante a fase de discussão do experimento
com as associações.
243
da razão, eu sempre na razão. Então, uma certa confusão epistemológica, por exemplo,
há, por parte dos psicanalistas, muita crítica em relação à moral, né, olha, mas se eu critico
do ponto de vista moral, eu também, só posso fazer de um ponto de vista que também é moral,
então não sai da moral”. Para S2 posicionamentos como esses legitimam as críticas: A
crítica tem que destruir, mas tem que saber construir após o momento crítico, né?! Toda
teoria tem que ser crítico-sistemático, né, ela começa pela crítica, depois se eleva nessa
sistematização. Então, certos abusos teóricos dos psicanalistas, às vezes, que se tornam
motivos legítimos desses...”.
Ao expor como explica a proposta de trabalho da terapia comportamental skinneriana
para os leigos, S4, utiliza-se de uma comparação com outras abordagens e faz uma descrição
da atuação de psicólogos e, especialmente, de psicanalistas digna de nota: ‘olha, você
ouviu falar de Freud?’, a pessoa diz que já ouviu, todo leigo conhece Freud, né, o nome, sabe
que existe a Psicanálise, então eu digo isso, a Psicanálise não se propõe a fazer nenhuma
mudança de comportamento, a Psicanálise não é ciência, a Psicanálise nem é Psicologia,
isso eu falando porque os meus colegas psicanalistas dizem isso em sala de aula pros
alunos, então é uma forma de trabalho em que ela propõe, ela dispõe um espaço de escuta,
uma escuta passiva, é claro, que eles não intervêm, eles não fazem nenhuma intervenção, eles
se propõem a escutar o cliente e ele, nessa fala, ele acaba se conhecendo; isso pode durar
meses ou anos, né?! Então ela propõe o autoconhecimento, mas não mudança”.
Longe de discussões históricas ou epistemológicas feitas por S1 e S2 para se referirem
aos conflitos entre abordagens, S3 manifesta sua opinião sobre o Behaviorismo e não poupa
críticas: é uma coisa que nas universidades, eh, estrangeiras, nível internacional, o
behaviorismo é cultivado por uma meia dúzia de sectários”; e sobre a os colegas da
psicanálise: o grupo de Psicanálise é bosta, não fazem nada, o pessoal se interessa por
consultório, eles não tem publicação, eles não seguem o critério, eh, acadêmico, assim, eles
extinguiriam do ponto de vista acadêmico, do ponto de vista dos critérios da Capes, eles
são carregados por nós, essa é a sensação que eu tenho, tá?!”.
Ainda sobre o Behaviorismo, S3 expressa certo reconhecimento sobre a validade
histórica do método: você pega assim o behaviorismo, tá, o behaviorismo foi uma coisa que,
na década de 30, quando, né, o Skinner começou a formular o behaviorismo radical,
talvez, naquela época fosse uma estratégia, vamos dizer assim, razoável, você usar uma
estratégia, tipo assim, caixa preta, né?! Então não posso investigar o que tem dentro do
cérebro, tá, então eu vou me deter no estímulo, na resposta e na conseqüência e vou fazer de
conta que aquilo ali não existe, tá?!”, mas termina com uma avaliação bem dura dos colegas
244
dessa área: “mas as pessoas continuam trabalhando como se elas tivessem em 1930, tá?!” E
continua, Agora, esse pessoal fica espiando o mundo assim, né, por um buraquinho da
fechadura, né?! Então assim, o que ali no campo de visão definido pelo buraco da
fechadura, eles vêem e consideram. Tudo que tá fora, não entra porque a teoria não prevê,
?”.
S4 expressa a importância do behaviorismo, pelo menos em sua vertente clínica em
outros termos: A Análise do Comportamento, a terapia comportamental é muito mais nova
do que a Psicanálise, né, em Nossa cidade, e ela começando a se projetar nesses últimos
anos, então agora que as pessoas tão procurando os analistas, pra procurar uma alternativa
de terapia”. S4 expressa com veemência sua vinculação ao behaviorismo o trabalho dentro
da abordagem behaviorismo radical, ta?! É Skinner. O meu trabalho é basicamente
skinneriano, né, radical, o behviorismo radical”.
S2 introduz, ao comparar o departamento com um outro departamento da mesma
faculdade, o tema do conflito de gerações: Muitas vezes, as pessoas jovens, né, entram com
perspectivas meio carreristas, meio, né, com a vaidade própria do jovem, né, criam
dificuldades nas relações, nesse enfrentamento com os mais velhos, é um conflito de gerações
muitas vezes no departamento, como acontece na Psicologia também”.
Sobre o conflito de gerações S5 se manifesta com uma queixa quanto a rigidez e
inflexibilidade dos mais novos, principalmente no trato com os alunos: quem mais tempo
aqui, quem mais novo, né, o que a gente vê e também, às vezes, a gente até comentava com
as pessoas mais antigas, tem os mais novos que são muito mais burocráticos do que nós
fomos alguma vez na vida, talvez por causa dessa história de, década de 60, porque agora
tem uma geração que dificulta, assim de tanta coisa assim, pro aluno assim, porque é contra
essa norma, é um pouco preocupante até de ver, né, porque é claro que num contexto
maior da universidade, os mais novos assimilam assim com naturalidade, falta de.........uma
coisa muito ruim de, de, né” (...) “por exemplo, aluno ta prestes a se formar e falta um
crédito, porque sempre o aluno inventa algumas coisas, né, normalmente as pessoas
procuravam alguma solução, enquanto agora ‘não, mas aqui não pode, isso não pode, agora
não pode porque’, muito complicado porque, quer dizer, cria, ao invés de, tem alguma
mentalidade ‘olha, agora essas normas são assim, vocês tem que seguir’, é claro, no passado,
teve excessos do outro lado, mas assim, quiser, né?”.
S3, por outro lado, queixa-se de que os professores da psicologia social tem uma idéia
assim que democracia é cada um dar o seu palpite, e todo mundo tem que falar e só vai poder
decidir uma coisa por consenso, quando todo mundo tiver falado a sua opinião” e de que essa
245
postura abre muitas concessões à participação dos alunos e que segundo esse grupo os
alunos é que vão decidir como é que a coisa vai ser feita”.
3.5.1.7.1 Discussão e Investigação Analógica dos conteúdos apresentados Choques
pessoais, choques entre teorias, conflito de gerações
Quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou pra tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.”
(Carlos Drumond de Andrade)
Ao se procurar uma idéia que resuma os choques e embates que emergiram dos relatos
é, mais uma vez, a análise de S1 que faz uma descrição acurada da situação do departamento.
Para S1, as “brigas” perpassam a questão acadêmica e buscam atingir indivíduos, muitas
vezes através de ataques a outros de sua relação. Esse fato foi destacado em sessões
anteriores. As opiniões sobre as próprias abordagens e as dos concorrentes são pautadas por
críticas severas e marcadas por ocasionais incongruências.
S2 prefere fazer uma análise dos motivos que levam seu grupo, os psicanalistas, a ser
objeto de críticas. Algumas desses motivos parecem confirmar a análise feita anteriormente
sobre a postura das pessoas frente aos psicanalistas. Para ele, as críticas aos membros de seu
setor se devem ao incômodo causado pelo fato de os psicanalistas terem obtido uma certa
projeção tanto no meio acadêmico, quanto fora dele, na clínica particular. O sucesso na
clínica, ainda segundo S2, traria conseqüências ao desempenho acadêmico dos seus pares,
eles teriam um menor comprometimento institucional, limitando sua participação, na maioria
dos casos, ao ensino. Esse fato forneceria motivos bem sólidos para que o grupo fosse
criticado. Isso parece ser confirmado pela crítica de S3 que afirma que os psicanalistas não
produzem e se interessam por (pelo seu) consultório. S3 afirma ainda que, do ponto de
vista da Capes, eles se extinguiriam se não fossem carregados pelos outros (colegas
pesquisadores com produção elevada). As críticas de S4 à psicanálise, são mais voltadas aos
procedimentos clínicos e à validade dos resultados dessa prática. S4 sustenta sua explicação
dos motivos pelos quais os clientes devam procurar a terapia comportamental skinneriana
246
sobre uma série de adaptações críticas construídas por ele a partir de fragmentos de
afirmações feitas pelos próprios psicanalistas sobre sua matéria: a psicanálise não propõe
mudança de comportamento, não é ciência e nem psicologia, e baseia-se numa conduta
metodológica passiva. Por conseguinte, as pessoas interessadas em um procedimento
psicológico e científico, que tenha potencial para solucionar problemas, deveriam procurar a
terapia comportamental. É um procedimento curioso que ao contrário de enaltecer as
vantagens de uma abordagem, se esmera na desconstrução e na crítica da abordagem
concorrente.
Embora S2 reconheça uma série de pontos negativos na postura de seus colegas
psicanalistas (entre eles, a arrogância e uma postura de senhores da verdade) ele reafirma que
considera os psicanalistas os mais representativos da psicologia dentro do departamento. Ao
mesmo tempo em que S2 descreve o modo como os seus colegas de setor exercitam uma
crítica destrutiva e moral das posturas denunciadas como morais nos outros, ele afirma que as
críticas ao seu grupo são motivadas pelos ciúmes que os colegas manifestam em relação ao
sucesso dos seus pares.
Normalmente as críticas aos adversários são encadeadas. Vários aspectos dessas críticas
estão associados na tentativa de desqualificar o modus operandi dos grupos concorrentes.
Dessa forma, os aspectos valorizados por uns são objeto da crítica dos outros. Enquanto isso a
validade dos pressupostos teóricos destes são objeto da contestação de terceiros, isso ocorre
em ciclos que se mantém em movimento ao longo do cotidiano do departamento. S3, por
exemplo, embora reconheça validade do método dos behavioristas no contexto histórico em
que ele surgiu, critica com veemência essa abordagem acusando-a de ter ficado paralisada em
procedimentos da década de 30, como uma abordagem que é fechada a todas as situações que
não são previstas na sua teoria e, finalmente, como uma abordagem decadente que é cultivada
apenas por sectários. S4, ao contrário, afirma que o interesse pela psicoterapia
comportamental skinneriana está em crescimento. Embora S3 e S4 discordem em muitos
aspectos, concordam num ponto, não vem com bons olhos os psicólogos sociais embora o
teor das críticas seja diferente. As críticas de S4 foram apresentadas anteriormente. S3, por
sua vez, afirma que os psicólogos sociais insistem em perspectivas equivocadas, por exemplo:
a idéia que todas as decisões devem ser tomadas em consenso e que os alunos devem
participar das decisões. Quanto a esse último ponto o entrevistado acha que, é por causa
dessas posturas que acabam sendo feitas concessões demais aos alunos e isso é um fato
negativo.
Por outro lado, S5, o representante da psicologia social, afirma que os mais novos, como
247
S3, assumem posturas de excessiva rigidez e inflexibilidade quanto às demandas dos alunos.
S2, relata que os mais jovens criam dificuldades nas relações por que aderem à instituição
imbuídos de perspectivas carreiristas.
3.5.1.8 Dificuldade em se obter engajamento nas questões coletivas e o poder de
atração dos estímulos externos
Parte dos sujeitos mencionou a falta de participação dos membros do departamento na
tomada de decisões. S1, por exemplo, atribui esse fato a ação parcial de um fenômeno
considerado positivo: o típico comportamento dos psicólogos, exatamente porque a
competição é menor do que em outros lugares, porque a pessoa tem um auto conhecimento e
ela briga menos por aparecer, em parte é até ruim, porque quando tem uma eleição ninguém
quer assumir, quando tem que tomar uma iniciativa ninguém quer tomar, as pessoas fazem
ali o essencial para continuar vivendo, elas são muito voltadas para os seus objetivos”. Em
outros momentos, no entanto, encara a situação de maneira menos favorável. Em um ponto
afirma O que é ruim é a falta de interesse de todos por assumir a condução dos processos
administrativos e pedagógicos, ninguém quer! Ah... Tendência de cada um de achar que a
sua área e importante e que não lhe interessa absolutamente ter contato com as outras áreas
e... Há essas coisas mais específicas de lá, mas há o si mesmo: cada um voltado para si, para
os seus interesses; Em outro destaca: as pessoas não aceitam assumir cargos
administrativos. Então quando chega a época de eleger chefe de departamento, coordenador
de colegiado é o maior sufoco: ninguém quer! Coordenador de Mestrado, as pessoas querem
ser professoras do mestrado, querem dizer que, que... são vinculadas à s-graduação... mas
não aparece um cristão para ser coordenador. Eles insistem em não desenvolver, posturas
assim administrativas também”. Ao fazer um elogio ao vice-diretor da faculdade indica a sua
visão sobre um grupo especifico: Nós temos nesse momento um vice-diretor que é
Psicanalista, que é uma exceção na história, porque os psicanalistas, definitivamente não
assumem cargos administrativos. E outra coisa que me assusta muito é a falta de
comprometimento das pessoas com o departamento. Tudo que elas fazem é mais importante:
o consultório, a vinculação a programas externos...”.
Segundo S4 falta às pessoas no departamento buscarem assumir cargos de chefia e se
posicionarem Nós não temos um líder na chefia, a gente não tem ninguém que queira pegar
aquela chefia pra valer, não vale a pena, é muito problema pra você resolver, não tem
248
nenhuma compensação financeira, você ganha o quê? R$500,00 a mais no seu, durante dois
anos que você fica você ganha R$500,00 a mais por mês, mas é muita amolação, porque
você tomar conta de um departamento desse tamanho, com tantos problemas, não compensa,
então as pessoas têm outros comprometimentos aqui fora, elas continuam com sua vida,
fazendo suas coisas e dão pouco tempo praquele departamento, não tem ninguém que cobre
isso”.
S5, apesar do longo tempo na instituição, tem dificuldades em definir o departamento e
a sua participação nele, dando a entender que sua vinculação à coordenação da pós-graduação
(um núcleo “autônomo”) o afasta das questões mais cotidianas. Destaca ainda que esteve
durante muito tempo vinculado a outra instituição, fato que o afastou das questões internas:
que é um departamento assim, quer dizer, é claro assim, você tem a, uma, a coisa formal, o
departamento que administra as atividades dos professores, mas na realidade como professor
você vinculado a um departamento, né, que, inclusive, querendo ou não, acaba sendo uma
até uma referência pra quase todas as atividades, na pós-graduação, um pouco menos a
gente sente um pouco menos vinculado ao departamento devido a autonomia que a gente tem
a nível de pós-graduação, então desde que eu tô assim, aqui na pós-graduação, o vínculo
com o departamento é um pouco diferente, né, mas antes, quer dizer, a referência de trabalho
é o departamento de Psicologia, né, ainda que eu tenha que falar que eu tenho esse recurso,
né, eu tava com uma perna aqui no departamento, a outra perna tava na Faculdade de
Medicina, onde, assim, eu dava aula também, quer dizer, mas o departamento é uma
referência de, né, em termos de trabalho, seus colegas, assim, o nosso departamento é muito
marcado por conflitos, quando eu entrei, assim como, como docente, já era muito marcado
por conflito”.
S1 em sua leitura da situação de falta de comprometimento com o departamento,
termina afirmando que na “medida que podem as pessoas evitam ir lá, evitam se
comprometer, sabe? Então é assim uma característica muito estranha, eu trabalhei em
outros departamentos da universidade e eles são completamente diferentes”.
S6 relaciona a falta de comprometimento à falta de profissionalismo, pela espectativa
das pessoas de que as coisas o ser tratadas com pouco profissionalismo e a uma crença de
que as coisas não vão dar certo: sempre que se cria um grupo de trabalho, as pessoas pegam
assim ‘nó, que saco, eu vou ter que participar desse grupo’, e acho que têm um pouco de
corpo mole, eu acho que tem uma crença por detrás disso aí, que é uma coisa que retorna,
que é recorrente, que é assim, acho que as pessoas entram no negócio acreditando ‘isso
não vai funcionar, isso não vai dar certo’, eu lembro do planejamento que eu fiz, uma, um
249
dos membros da comissão, ele assustou, ele olhou pro planejamento e falou assim ‘nossa,
isso parece profissional’, e eu, eu me senti quase ofendido, eu falei ‘pô, eu sou profissional,
eu sou um profissional, e isso aqui é o que? Isso aqui é a casa da mãe Joana? E tal. Onde é
que eu tô? Eu sou profissional, isso aqui é (Universidade) ou pelo menos deveria ser’, isso
aqui deveria ser, segundo os avaliadores, o melhor curso de Psicologia (do Estado), sabe, e
isso volta a baila sempre, a crença de que, talvez isso aí não funcione ou sejam feitas pra não
funcionar, isso eu acho que é uma coisa recorrente. Conflitos entre pessoas, entre algumas
pessoas, coisa recorrente, vira e mexe ‘oh, brigando, fulano brigando de novo e tal’, ta”.
S4 também se refere a uma falta de vinculação de alguns professores com a casa boa
parte dos professores da universidade que podem, mesmo os que têm dedicação exclusiva,
eles fazem a universidade de bico, eu acho, né, que eles fazem a universidade de bico, porque
eles ganham, a gente ganha muito pouco, né, e eles então complementam o salário deles
fora, os psicólogos em consultórios fazendo clínica”. Segundo S4 essas pessoas vão dão
suas aulas, fazem suas obrigações e somem de em conseqüência disso não existe mais a
proximidade do período áureo “você não tem mais aquele contato que você tinha daquela
primeira, né, os anos de 60 e, de 67 pra frente, depois que eu me formei até 90”.
S4 completa sua visão sobre o engajamento dos professores em outras atividades da
seguinte maneira: eles acham que aquilo que eles fazem vale mais do que eles ganham,
então, por isso que eles saem pra ganhar fora, tão sempre procurando projetos de extensão,
consultoria e tal, pra poder ganhar um dinheiro extra, eh”.
S6 se questiona pelos motivos que conduzem as pessoas a levar seus projetos para
outras instituições: eu vejo as pessoas, sabe, cada uma na sua, no seu projeto, fazendo
coisas fora, você tem professores que tão dando aula nos cursos fora, tá, alguns com licença
outros sem licença. Por que que não faz o curso aqui? por causa das barreiras
burocráticas da universidade? Tá?! O curso aqui traria recursos pra cá, nós temos a marca
da H que é muito mais forte do que uma marca como, sei lá, qualquer uma dessas
particulares . Por que não fazer as coisas aqui, tá?! Esse desgaste, ele dificulta um pouco
isso”.
Citando um exemplo do que considera falta de compromisso com a instituição S3 relata:
uma professora que uns anos atrás entrou num doutorado na IJS (instituição de renome
nacional), não, não, na FTT (outra instituição de renome nacional, embora menos famosa
que a primeira) de P (estado de destaque na federação), e ela pediu afastamento, e o
departamento não deu. Se o departamento deu ou não deu o afastamento, eu acho que é uma
questão, assim, discutida, eu não vou dizer que o departamento tinha razão de não ter dado,
250
eu não sei porque que não foi dado; agora, havendo-se consumado o fato, como de fato não
aconteceu. Aí como que foi resolvida essa questão? A professora se mudou para P (estado de
destaque na federação), fez o doutorado dela e deixou de, de, de comparecer, deixou de dar
as aulas, ela simplesmente se mudou pra P (estado de destaque na federação). E aí, naquela
época, eu tava na câmara, isso faz muitos anos já, e se criou uma situação assim, né, de
um fato consumado em cima de outro fato consumado. O departamento não deu a
autorização, aí a pessoa vai, e o departamento ficou no papel ridículo de ir lá na W (órgão
competente na universidade) e explicar a situação dela lá, como que ela não tinha recebido o
afastamento e foi, e aí, como que fica a história?”.
S4 manifesta sua preocupação quanto aos rumos do departamento se ninguém se
interessar em assumir a chefia ao final do atual mandato: E agora quando sair a professora
Suzana, a nossa chefe, quando chegar em julho que ela largar a chefia, eu não sei quem vai
ser o próximo chefe porque ninguém quer pegar aquilo lá, sabe, eu acho que um dia vai ter
que ter um intervenção, acho que a reitoria vai ter que mandar alguém de fora porque
atualmente é no laço que você cata alguém e coloca na sala da chefia, tá nesse ponto”.
S5 apresenta a sua visão do motivo da falta de candidatos à assumir a chefia; todo
mundo a chefia de departamento mais como um lugar de ônus, então não tem muitos
candidatos, né?!”. S5, prossegue relembrando o passado Mas teve em outros momentos
históricos, muita disputa, o pessoal fala que a pessoa saia da assembléia, bem assim, hoje
pra sair da assembléia assim, o pessoal mais novo”, para descrever aquilo que ele chama de
“o esvaziamento do papel político de chefe do departamento”: a gente volta pra essa
situação complexa da Psicologia, , eh, os projetos coletivos ao nível do departamento são
muito difíceis de serem construídos, né, você tem determinados indivíduos e pequenos grupos
que criam seus projetos, isso esvazia um pouco o papel político da chefia do departamento,
né, eu vejo assim, até em termos de simbologia, assim, a posse de um chefe de departamento
aqui é uma coisa que, né, ocorre na sala do diretor, é uma coisa pura formalidade, se é na
Medicina, é diferente, quer dizer, é uma posse assim, né, festivo, quer dizer, o pessoal faz
lá um coquetel, com discurso, é uma coisa pública, né, aqui ...”.
Sobre a falta de interesse dos professores em assumir a chefia do departamento, S6
relata uma experiência de seus tempos de estudante; quando eu fui aluno eu cheguei a me
candidatar a chefia do departamento, loucura essa que eu não cometeria hoje novamente, eu
cheguei a ser muito bem votado, viu?! Porque teve uma época que ninguém queria
candidatar então a reação enquanto movimento estudantil foi o seguinte, eu lembro da minha
campanha, a campanha foi assim, ‘se ninguém quer nós queremos’, era uma provocação aos
251
professores pra que eles lançassem a candidatura, apareceu uma professora ‘não, mas eu
quero, eu quero’, ‘não, mas quando nós lançamos a candidatura a senhora não queria não,
agora nós vamos bancar a candidatura até o final, vai ter que ter debate, vai ter que ter não
sei o que’, aquelas coisas de estudante idiota e tal, tá, fazendo, fazendo, aprendendo o jogo
da política e tal, algo pedagógico, nada sensato dentro da insensatez. Ortega Garcia é que
diz do direito que o jovem tem de cometer erros pra poder viver e tal, é um pouco assim”.
Inquirido sobre a questão do engajamento nas questões coletivas do departamento, S3
manifestou seu desinteresse em participar de um jogo onde as questões seriam discutidas com
“menos credenciais” que ele para o debate: Mas é que você tem que fazer política. Esse é
que é o problema. Você tem que ceder, e acomodar e fazer um jogo que eu não me disponho a
fazer, na medida em que eu vejo assim que tem um monte de gente que não tem essas
credenciais, que não tem as qualificações e são pessoas que não são pesquisadores de fato,
que entraram na universidade aqui numa outra época, que não se atualizaram, que não
acompanharam o avanço do conhecimento. Que, vamos dizer assim, vivem de grupos fazendo
esses joguinhos políticos, essas panelinhas. Eu até confesso que eu já, algumas vezes, eu até
tentei fazer alguma coisa assim, né, me, me misturar nisso e tal. Mas eu não tenho jeito
para isso não. Sou muito individualista”.
S6 conta as palavras que ouviu de um expoente da universidade quando ele foi eleito
coordenador do curso de psicologia: é esquisito no departamento de Psicologia porque em
boa parte da universidade, um cargo como esse meu de coordenador de colegiado, ele não é
visto como uma punição, ele é visto como espaço de poder, as pessoas costumam disputar
esse cargo pra poder implementar seus projetos, aqui não, é visto como punição, um encargo
administrativo extra, tá, dizem as más línguas que num cargo como o meu eu não vou poder
assistir a sessão da tarde, de tarde em casa e tal, tá, mas é, porque tem o ônus do cargo e tal,
sem poder, sem retorno nenhum de poder, as obrigações e tudo mais, e dificilmente tem a
colaboração institucional, isso é o que eu mais sinto no momento”. Relata também: quando
eu assumi o colegiado, sabe qual foi a palavra mais falada? Coitado”. Relata ainda que
resposta a esses comentários ele ficou de luto”: eu brinquei, eu falei que não ia na festa de
final de ano porque eu tava de luto, morreu um pesquisador, eu sabia que eu ia ter que
sacrificar a atividade de pesquisa pra poder fazer a atividade administrativa, eu não queria,
eu não quero, tá?”.
As dificuldades de se intervir institucionalmente em questões de falta de
comprometimento são muitas, segundo S4. Quanto, por exemplo, às reclamações dos alunos
contra professores: “ah, o professor tal tá fazendo isso, fulano de tal tá deixando de vir”, você
252
chega e fala com o chefe, em câmara, por exemplo, eu comunico isso pra uma chefe de
departamento, ela fala: ‘(S4), se não vier por escrito e assinado, eu não posso fazer nada.
Eu pessoalmente, acho que pode, sabe, se eu tivesse, se alguém aqui, eu sou dona dessa casa,
eu faço a gerência dessa casa, se viesse um vizinho falar: olha, eu ouvi falar que a sua
empregada passando as suas coisas, jogando pela janela, mesmo que não venha por
escrito eu vou verificar se isso é verdade, não é ?! Mas ela diz que não. Segundo S4 essa
falta de comprometimento com medo de prejudicar o colega” existe “porque amanhã você tá
lá no lugar dele e ele no seu lugar”.
S6 analisa o departamento e a falta de comprometimento com a coletividade nele da
seguinte forma: Então é uma composição de grupos, de pessoas, de poderes, muitas pessoas
pensando apenas, exclusivamente, individualmente, poucas pessoas pensando
institucionalmente, quase ninguém com uma consciência de que “escuta, existem interesses
que são do departamento, esses interesses a gente tem que preservar porque afeta todos nós,
até pra você ser individualista, eu acho que fosse teria que pensar no departamento, se o
departamento cresce, fortalece, você vai ter melhores condições de trabalho, maiores
possibilidades, tem que ajudar pra que isso aconteça”.
Segundo S4 falta um comprometimento das pessoas em lecionar tem professor que
pouco se lixando se o aluno aparece ou não aparece, desde que ele faça as provas e tenha a
nota, as minhas provas que dizer, muitas vezes nem são corrigidas, são trabalhos que ele
também não lê. Isso tudo acontece, tem acontecido ultimamente”.
S6 destaca que em alguns grupos existe a valorização da pesquisa em detrimento do
ensino e da extensão e também faz ressaltar que as pessoas procuram organizar as coisas de
forma a privilegiar as aitvidades fora da instituição e a comodidade pessoal: eu trabalhei na
oferta de disciplinas agora, eh, ter um horário que permita cada um fazer as coisas da sua
comodidade pessoal, independente das necessidades do departamento ou do curso, todo
mundo valoriza, eu te mostro os, os bilhetinhos dos professores dizendo ‘mantêm minha
disciplina no horário tal, mantêm minha disciplina no horário tal’”.
S3, propõe ainda que as dificuldades no departamento conduziram-no, a contragosto, a
buscar uma vinculação em outra faculdade Aí, o que eu fiz o ano passado foi o seguinte: eu
pedi a minha, o meu credenciamento no doutorado de Pediatria, que foi transformado em
doutorado de Saúde da Criança e do Adolescente, que começou a aceitar profissionais que
não fossem exclusivamente da Medicina, de outras áreas, tá?! E eu gosto mesmo de
trabalhar com psicólogo, não gosto de trabalhar com... assim; eu posso orientar um aluno de
Medicina, mas as questões que o aluno de Medicina vai colocar não são as questões de
253
pesquisa que me interessam, são as questões que interessam ao aluno de, de, um psicólogo”.
S3 descreve essa mudança nos seguintes termos: Eu arrumei meu caminho individual, né?!
e avalia teve um aspecto positivo porque mostra assim, né, que eu não dependendo deles lá,
né, eu não como pela mão deles, né, quer dizer assim, óbvio, valorizou de uma certa
maneira o meu passe”.
Ao falar da participação dos professores em questões coletivas, S5 estabelece uma
comparação entre os grupos e suas diferentes formas de inserção: Eu acho que esse
departamento, ao longo do tempo, foi muito marcado pelo fato, um psicólogo, quer dizer, é
um profissional também, muitos de nossos colegas são profissionais, os psicólogos sociais
distinguiam disso também, porque um psicólogo social normalmente o tinha consultório,
entendeu? E muitos outros colegas tinham consultório, e isso faz com que inserção, é
diferente, por mais que, eu até entendo que a pessoa fala “não, trabalhando com, tem a
prática do consultório”, mas cria uma inserção diferente e cria também uma questão de, de,
as pessoas não se envolverem tanto em projetos coletivos, eu acho que aqui tem uma
dificuldade de criar projetos coletivos”.
Curiosamente, S5 não considera, como a totalidade dos outros entrevistados, que a
dificuldade de atuar em projetos coletivos seja um defeito do departamento: Uma qualidade
eu vejo assim, eh, por outro lado e um pouco o estilo da F, aqui é uma, eh, aqui é um
departamento onde também por outro lado, os projetos coletivos são difíceis, mas por outro
lado tem muito espaço pra criar projetos assim, de pequenos grupos, de indivíduos, né?!”. E,
ao se posicionar, se justifica: É, tem, tem, muito espaço, tinha, tem aqueles conflitos, mas
nunca chegou ao ponto de impedir projetos, né, dificultava um pouco, mas, né?! Existe
também, eu acho que isso é ponto positivo também, tem lugares, universidades onde as coisas
também são difíceis, aqui não, eu acho assim, brigava-se muito, brigava-se muito, agora não
mais tanto, brigava-se assim quando era pra escolher um chefe, de repente, não se dava
suporte pra assembléia, nós mesmos fizemos isso também, é vai embora, esvaziando a
câmara, mas, ao mesmo tempo, sempre tinha muito espaço pra trabalho (desde que
individual?).
S5, ainda sobre a dificuldade dos grupos que atuam em projetos na instituição: “quando
foi criado o INAMPS, 78, né, foi uma expansão da Medicina Previdenciária, e o INAMPS
propôs naquela época fazer um convênio com a universidade para ter aqui uma clínica da
Psicologia pra atender aqui os penitenciários, mas aqui teve resistência porque claro isso
seria, iria dar um trabalho, teria que dedicar tempo, isso ocorreu ao longo do tempo, mas,
muitas vezes, a dificuldade, as pessoas investirem em projetos aqui, é claro nós temos uma,
254
como que chama? Tem um setor de Psicologia Aplicada, mas, quer dizer, nunca desenvolve
tanto porque funciona muito de estágio de aluno, então essa atuação do psicólogo marca
muito a história do departamento, né, a dificuldade de criar projetos coletivos”.
A atuação na clínica-escola é um dos destaques do depoimento de S4, o que não parece
ser a tônica entre os clínicos do departamento: Depois que eu voltei em 97, uma das coisas
que introduziram no meu trabalho lá, foi o estágio supervisionado, eu passei a supervisionar
estágio em clínica, pra isso então, eu comecei a atender na nossa clínica lá, tem uma clínica-
escola”, (...) e o serviço de Psicologia Aplicada então, é o meu local de trabalho, de treino
de clínica. Então, desde 97, que eu atendo as pessoas da comunidade e supervisiono meus
alunos, no estágio supervisionado”.
S6 faz uma curiosa descrição do que os outros entrevistados descrevem como clínica-
escola: o departamento conseguiu criar o órgão fantasma mais antigo da universidade, que
é o CEAPEN
92
, é órgão fantasma porque ele existe na cabeça de todos nós, mas não existe
institucionalmente, não é órgão”. S6 explica o porque desse comentário: “Centro de
Psicologia Aplicada Ernane Nogueira, ne´, então ele foi criado centro, ele tinha, ele era
chamado de clínica do departamento, depois Centro de Aplicação da Psicologia, primeiro
porque clínica é um conceito muito restrito em Psicologia, não sei se ele chegou a ser
batizado com o nome de clínica, mas sempre foi chamado de clínica, e nunca teve existência
jurídica porque não é órgão complementar, não é órgão suplementar, o é fundação, não é
associação, não é nada, nunca, nada, por isso nunca conseguiu fazer convênio com nada nem
com ninguém, nem conseguir fonte de recursos nenhuma, tá?”.
Sobre a questão dos atendimentos, S6 se manifesta da seguinte forma: ao invés de eu
perguntar porque que o professor atende no consultório particular dele e não atende no
CEAPEN, eu acho que o que que a gente tinha que perguntar era o seguinte; “escuta, o que
que é importante que seja feito pra que você atenda no CEAPEN? Precisa do quê? Do
CEAPEN ser no centro da cidade? Do CEAPEN ser no T (bairro nobre da cidade)? A gente
construir uma unidade na L (bairro nobre da cidade)? Tá, o que que faria você fazer, você
cumprir o objetivo institucional?” Sabe, eu acho que nós psicólogos temos essa mania da, de
ficar revolvendo as causas e esquecer dos efeitos, a vida continua e, ao invés de viver a vida,
a gente fica vivendo o passado e remoendo o passado”.
S6 destaca ainda uma situação emblemática que revela a dificuldade dos membros do
departamento de se encaixarem em causas coletivas: a gente conseguiu fazer um (único)
diretor, o último diretor foi no governo militar, foi o Ernane Nogueira da Psicologia, apesar
255
da gente ter o maior curso da F. Nós somos super importantes no jogo político da F, tanto é
que a maioria dos diretores que passaram por ela tem por vice alguém da Psicologia
porque necessita dos votos da Psicologia pra ser eleito, mas a gente mesmo não consegue
fazer um diretor, a não ser há quantos anos”.
3.5.1.8.1 Discussão e Investigação Analógica dos conteúdos apresentados
dificuldade em se obter engajamento nas questões coletivas e o poder de atação dos
estímulos extermos
“‘Quem não sabe que o digno Príncipe, o senhor Dom Pedro III, tem poder
legitimamente constituído por Deus para governar o Brasil? Das ondas do mar
Dom Sebastião sairá com todo o seu exército. Tira a todos no fio da Espada deste
papel da República e o sangue há de ir até a junta grossa’
DOM ANTÔNIO CONSELHEIRO, profeta e regente do Império de Belo-Monte de
Canudos, Sertão da Bahia, 1897”.
Ariano Suassuna, nas Epígrafes do Romance d’A PEDRA DO REINO e o príncipe
do vai-e-volta
“Whose pulleth out this sword of this stone is right wise king born of all England”
Sir T. Malory, A morte de Arthur
O volume de comentários produzidos sobre a falta de engajamento em questões
coletivas no departamento foi muito grande, além disso, esse tema aparece de forma indireta
em vários outros pontos das entrevistas e em relação a vários outros temas. Pouco se pode
acrescentar sobre a maioria deles, os argumentos dos sujeitos falam por si mesmos. Algumas
variações sobre temas, no entanto, se repetem com mais freqüência: não aparecem candidatos
a der; não se assume os atos e responsabilidades e não se toma decisões; existe pouco
profissionalismo e, em conseqüência, as pessoas esperam das outras atitudes pouco
profissionais; as pessoas vem para lecionar e vão embora cuidar de outros projetos assumidos
fora da instituição; finalmente, alguns professores abandonam tarefas quando estas se chocam
com seus interesses. A sensação geral que se pode perceber pela leitura dos depoimentos,
embora isso não seja expresso por ninguém, é de que falta um pai. Falta uma força gerativa,
falta autoridade e limite, falta um princípio ordenador.
Vários professores têm buscado, ainda que informalmente, contrair vínculos com outras
instituições numa valorização da sua autonomia pessoal em detrimento do coletivo. Um dos
motivos alegados (baixo salário) é realmente sério, mas insuficiente para explicar a totalidade
92
Nome fictício.
256
das condutas e a fragilidade dos vínculos com a casa. Fragilidade essa que se traduz inclusive
na resistência em se utilizar a marca da instituição em associação com seus projetos pessoais
preterindo-a em favor de marcas menores.
De todos os entrevistados apenas S5 viu como positiva a dificuldade dos membros do
departamento em entabularem projetos coletivos. Para ele, isso é uma qualidade do
departamento porque abre espaço para projetos individuais. Devem-se recordar dois pontos
em relação a esse comentário: S5 é remanescente da segundo geração do “grupo da social”,
que gozou de uma autonomia muito grande no passado e que a duras penas estabeleceu
vínculos de afinidade, ainda assim superficiais, com o departamento. Além disso, ele é um
dos indivíduos que exerce uma atividade paralela junto a uma outra faculdade da
universidade.
Dentro desse quadro, o centro de psicologia aplicada, ainda hoje chamado por alguns de
clínica, encontra-se sub utilizado S6 chega a referir-se a ele como um órgão fantasma. Essa
pouca atenção com o órgão de aplicação da psicologia dentro da instituição e ao veículo para
o exercício da formação da prática de trabalho dos estudantes denota a falta de cuidado com a
formação dos alunos e, em um grau maior, com a efetividade do curso, uma vez que se
desperdiça um dos instrumentos possíveis para sua introdução, enquanto marca, na sociedade.
Além desses pontos, três outros comentários podem ser reunidos devido a uma
proximidade desconcertante: o núcleo de pós-graduação tem pouco vínculo com o
departamento e funciona como um núcleo autônomo (dito pelo coordenador da Pós, S5); as
pessoas buscam fazer o essencial para continuar vivendo, são muito voltadas para seus
objetivos (S1); elas acham que sua área é muito importante e não têm interesse em ter contato
com as outras (S1). Esses comentários parecem descrever a tônica das relações entre os
indivíduos e setores no departamento, cleos de autonomia que disputam poder entre si e
trazem, em conseqüência, uma carência de flexibilidade que afasta possíveis interessados em
assumir a liderança. Aspectos como, a falta de comprometimento de alguns professores em
lecionar porque querem ter horários que possam favorecer sua comodidade pessoal (S4), ou a
hesitação em denunciar formalmente atitudes equivocadas dos colegas, por medo de passar de
pedra a vidraça em um futuro momento, são decorrência dos espaços abertos por lideranças
fragilmente sustentadas que, por não ter forças ou instrumentos para se posicionar contra
essas situações, acabam oferecendo espaço para que elas se institucionalizem. O comentário
brincalhão de S6 ao assumir a chefia (“morreu um pesquisador!”) revela a situação em que
são colocadas as posições de liderança no departamento atualmente. Liderar significa morrer
para a vida criativa, para a vida gerativa.
257
Quando, ao longo da história, as pessoas se encontraram diante de dilemas de grandes
proporções, onde as carências individuais e a insegurança quanto ao futuro se avolumam e a
sensação de derrota e de perda as invade, freqüentemente, conforme sugere Jung (OC X), as
pessoas sentem o desencadear “das forças adormecidas do inconsciente” (§ 448). Quando esse
movimento compensatório do inconsciente não consegue ser absorvido pelo consciente é
comum que símbolos poderosos sejam produzidos na tentativa de equilíbrio ou estabilização.
Isso produz normalmente um movimento de compensação sob a forma de fantasias de poder e
importância. Algumas vezes, quando esses símbolos ganham contornos coletivos e encerram
um conteúdo mitológico capaz de ser compartilhado por outros, podem gerar manifestações
coletivas de revolta contra o que ainda resta da ordem. Por outro lado, caso os indivíduos
consigam manter um certo grau de consciência e responsabilidade que os leve a preservar os
vínculos de relacionamento humano, é possível que do inconsciente desses indivíduos
isolados e, em certa medida, desamparados, surjam símbolos coletivos de ordenamento. Caso
vários indivíduos possam se unir em torno desses novos modelos ideais que reflitam forças de
ordenação, um novo equilíbrio poderá ser experimentado no grupo. Sinais de imersão no
universo da angústia podem ser claramente percebidos nas falas da maioria dos entrevistados,
isso fica evidente no depoimento de S4 quando este, ao observar que todos vêem a chefia do
departamento como um lugar de ônus, se questiona: O que será o futuro se ninguém assumir
(a chefia)? Parece, através desse e de outros depoimentos, estar se configurando uma abertura
para a espera de uma espécie de crise do milênio, onde uma nova ordem de coisas precisaria
surgir. Em um outro ponto S4 diz: Eu tenho uma sensação de que o curso pra acabar
(...) eu vendo que o negócio chegou num ponto que, eu não sei, pode ser que eu esteja
enganada, mas...”.
A idéia de um fim, que clama pelo surgimento de uma nova ordem, talvez tenha sido
mais bem descrita pela perspectiva profético-milenarista (CHAUÍ, 2000) alicerçada nas visões
de Joaquim de Fiori
93
. Segundo essa visão o tempo seria dividido em três eras: a era do Pai
93
Aqui vale um adendo quanto à perspectiva profético-milenarista citada por Chauí (2000) e que interessa
especialmente a esta discussão. Joaquim de Fiore foi um monge Cisterciano do Sec XII que, ao estudar o Novo
Testamento, foi acometido de visões que ele interpretou como a anunciação de uma terceira era, marcada pelo
conhecimento e integração que, depois da era do Pai (Yaweh - O Antigo Testamento) e do Filho ( Jesus Cristo -
O Novo Testamento), coincidiria com a vinda da era do Espírito Santo. Tratou-se de uma exegese da
transposição da doutrina da Trindade para uma divisão da História em idades que, referindo-se às eras antes e
depois de cristo, "propõe uma visão profética e iniciática da História". Fiore dividiu o tempo em três eras: do Pai
da lei, do conhecimento e dos escravos do Filho da graça, dos irmãos e da sabedoria, e do Espírito Santo
do amor e dos amigos. Essa divisão da História (inaugurando, antes de Marx, Hegel e da reforma protestante,
a idéia de uma evolução para a liberdade e para além das instituições da época) iria constituir-se em arcabouço
para o Mito do Milênio, em que a passagem deste implicaria num momento de transcendência para um novo
tempo, marcado fundamentalmente pela apropriação do conhecimento e pela cordialidade das relações, a era do
Espírito Santo.
258
(regida pela lei), a era do Filho (regida pela graça) e a era do Espírito Santo (regida pelo afeto
fraternal e marcada pela idéia de um embate final entre o Cristo e o Anticristo por ocasião de
um segundo advento). Esta última, seria antecedida por toda sorte de convulsões como
preparação para uma série de eventos que culminariam com a instauração do Reino Celeste de
Deus. A visão de que a vida presente era um estado de miséria marcado pelos sinais do "fim
dos tempos", pela chegada do anticristo e a espera pelo "combatente vitorioso" era a tônica
desse mitologema.
Os depoimentos dos sujeitos veremos, mais à frente, parecem descrever esse estado de
miséria. Resta, no entanto, saber se existem prenúncios que um líder possa vir instituir a
sonhada nova ordem. Embora a idéia de um salvador capaz de redimir os pecados do mundo
seja, no cenário político, muito mal visto atualmente (sendo associado ao populismo e a
manipulação das massas), sabemos, pela observação de diversas organizações de trabalho,
que, na vida empresarial, esse tipo de líder ocasionalmente tem um papel fundamental. Sabe-
se que mudanças significativas, que envolvam um nível profundo, estrutural, de mudança na
organização, somente são possíveis na medida em que os líderes tenham uma quantidade
suficiente de carisma (KIRKPATRICK, S. A. e LOCKE, E. A., 1996).
Ao abordar a questão da liderança, S5 afirma que, no passado, houve interesse em
disputar cargos. Havia disputas acirradas. Ele se pergunta: o que mudou? A resposta que ele
encontrou foi de que houve um esvaziamento do papel de líder do departamento. S5 justifica
essa idéia com uma comparação entre as posses dos chefes, na medicina e na psicologia.
Enquanto na psicologia acontece uma cerimônia tímida e envergonhada na sala do diretor, na
medicina o mesmo evento é uma ocasião festiva, com discursos e coquetéis.
Esse vazio aparece claramente no comentário de S6 que ao retomar a lembrança do
professor Nogueira parece clamar pelo surgimento de um novo líder: “a gente conseguiu fazer
um (único) diretor, o último diretor foi no governo militar, foi o Ernane Nogueira da
Psicologia, apesar da gente ter o maior curso da F. Nós somos super importantes no jogo
político da F, tanto é que a maioria dos diretores que já passaram por ela têm por vice
alguém da Psicologia porque necessita dos votos da Psicologia pra ser eleito, mas a gente
mesmo não consegue fazer um diretor, a não sei há quantos anos”.
Esse clamor pelo surgimento de um novo líder, ou pela volta do der desaparecido,
recorda o mitologema do “Salvador/Herói” que espera escondido a hora do seu regresso
(DURAND, 1986). Trata-se de um motivo celto-germânico (mas também islâmico) atualizado
no cristianismo onde o Salvador voltará no apocalipse para julgar vivos e mortos. Para os
Bretões foi o Rei Arthur, que aguardava em Avalon o momento em que seu povo precisasse
259
dele. Para os Portugueses de antanho (e quem sabe para os de hoje e, talvez, nós mesmos,
brasileiros) o Preste João (rei cristão do oriente, filho do rex regum David) se mantém oculto
no fim do mundo. O Preste João exerceria uma autoridade simultaneamente visível e invisível
(detendo um duplo poder: o sacerdotal de Melquisedeque e o poder real de Abraão) e sua
influência no imaginário português se deu por artes dos franciscanos (fraternais, otimistas
transcendentais e missionários que influenciaram sobremaneira a tendência portuguesa para
“misturar raças”) e dos Joaquiminitas
94
(que com seu messianismo puseram em relevo sonhos
sobre a “fundação de uma Segunda Roma” por um “segundo Cristo” São Francisco? e do
“quinto império”). Esse padrão mítico agiria eternamente, ao reeditar o modelo do Rei
Encoberto. Esse modelo teve sua expressão mais viva no imaginário português, no caso do
Jovem Rei D. Sebastião que, ao desaparecer em África sem deixar herdeiros, influenciou
mentalidades semeando ecos sebastianistas como em nosso querido Antônio Vieira e seus
Sermões.
Supondo que as hipóteses aqui formuladas estejam corretas, as perguntas que poderiam
ser feitas aqui são: o sentimento de incômodo no departamento estaria forte o suficiente para
possibilitar a emergência de um líder com a quantidade suficiente de carisma para
implementar as mudanças necessárias? No caso dessa força existir, seria possível que alguém
pudesse arregimentar pessoas com visões tão díspares em torno de uma proposta coletiva? Em
caso positivo, seria possível que um líder com essas qualidades existisse, dentro dos atuais
quadros do departamento? Trata-se de questões difíceis de responder, mas que retornarão
mais à frente.
3.5.1.9 Aposentadorias sucessivas, contratação de professores assistentes, recontratação
de professores aposentados e o excesso de professores substitutos
Aposentadorias sucessivas, atribuídas ao achatamento dos salários, têm motivado a
entrada de um número cada vez maior de professores substitutos. Sobre esse tema S1 afirma:
quem se aposenta são exatamente os doutores”. S1 lembra, com pesar, que o departamento
se sustenta com um número de professores substitutos que é o maior número de professores
substitutos por departamento na Universidade”.
A fala de S4 ajuda a explicitar o dilema dos substitutos, que é apresentado como um
dilema de Sísifo: Então, o meu departamento hoje deve ter 2, eh, mais de 1/3 dos, nós temos
94
ver comentários anteriores sobre CHAUÍ (2000).
260
50 e poucos professores e temos uns 27 que eu acho que são substitutos. É uma loucura,
então todo semestre, e o substituto quando ele ficando bonzinho, quer dizer, ele pode
ficar 4 semestres, quando ele melhorando, quando ele começando a dominar o assunto,
o próprio departamento muda a matéria dele, porque precisa que ele mude de área ou ele tem
que sair porque venceu o contrato, e a gente tem que pegar um novo substituto, uma pessoa
despreparada e começar tudo de novo”.
S2 atribui a perda de professores a uma série de fatores: Falta de, em última análise,
falta de competência administrativa, porque a universidade como um todo perde muito, né, já
perdeu muito nos últimos anos, perdeu cerca de 20% do seu quadro docente. A Psicologia
perdeu cerca de 45%, , a porcentagem é muito maior, mas do que depende você conquistar
vaga? Depende de ter força política na reitoria, de lutar por essas vagas, ter engajamento
institucional, que falta, né, que acaba sendo negligenciado, acabando não conquistando
aquilo que reivindica, né, uma série de problemas, falta produção acadêmica. Eu fui chefe de
departamento, durante algum tempo, eh, meu objetivo, na época, era aumentar a produção
acadêmica para conquistar vagas”.
Ao reclamar da contratação de professores assistentes, com baixa titulação, S3 propõe
um questionamento quanto a necesidade da manutenção dessa prática em detrimento da
contratação de jovens profissionais ainda tem concursos que entra professor assistente e
isso, o que que é? Hoje em dia? Não tem doutor para ocupar essas vagas? Não é verdade. Tá
cheio. Dizer que é mal pago e tal, tudo bem, é mal pago, mas tem muita gente querendo
mesmo sendo mal pago. Muita gente jovem, idealista, querendo trabalhar aí”.
S3 destaca que a recontratação de professores aposentados contribui para a lentidão nas
mudanças: Assim, o que eu vejo assim é uma questão do recrutamento do departamento
que é uma infelicidade é a recontratação de professores aposentados. Outros departamentos
como, por exemplo, a Física e a Química não aceitam isso. Se o sujeito se aposentou, ele se
aposentou. Se ele quer continuar, ele vai continuar porque ele é muito bom e vai ser bolsista
do CNPq ou ele pode continuar, ninguém impede, se o sujeito é aposentado e quer continuar
trabalhando, ele pode continuar trabalhando, fazendo as suas pesquisas e tal, mas ele não
precisa ficar ganhando dois salários para fazer a mesma coisa, então assim, gente ruim, tá,
que não fez nada”. S3 ressalta que, em uma ocasião, manifestou-se contra essa política de
recontratação de aposentados: É óbvio que quando a gente fala este tipo de coisa, isso o
fica exatamente simpático, né?! Tá, isso não é um motivo para as pessoas te amarem, né, mas
o que que eu vou fazer com; os caras tomam uma decisão dessa, quer dizer, isso para mim é
uma política errada e se você disser assim: “ah não, isso ocorreu a 7, 8 anos atrás”. Tudo
261
bem. Mas quando isso aconteceu um ano atrás, tá, pessoas assim medíocres, tá, que vêm
de outros departamentos, de outras faculdades, que não fizeram nada durante a sua carreira
e que vêm aqui fazer o quê? Vêm encher o saco, vêm fazer politicagem porque não fizeram
nada e vão continuar sem fazer nada. E aí? Quer dizer, tem que dar pau numa pessoa dessa,
nem que ele seja o único candidato. É melhor ter professor substituto então, até que apareça
alguém”.
Em relação às cobranças quanto a produtividade, S4 assim se manifesta: a gente vive
sob pressão, porque você tem que publicar, você tem que fazer pesquisa, você tem que
mostrar serviço, isso a reitoria cobra porque senão eles te cortam a dedicação exclusiva, mas
é muito difícil você trabalhar sob pressão, o pessoal mais antigo tá se aposentando por causa
disso também". Em um outro ponto completa dizendo que as pessoas estão insatisfeitas com
a cobrança que a reitoria (vem fazendo) porque tem um tanto de relatórios, a gente fica o
ano inteiro fazendo relatório”.
3.5.1.9.1 Discussão e Investigação Analógica dos conteúdos apresentados
Aposentadorias sucessivas, contratação de professores assistentes, recontratação de
professores aposentados e o excesso de professores substitutos
Avaliando a situação do volume de aposentadorias, do excesso de professores
substitutos, da ausência de vagas para a entrada de novos titulares, da contratação de
professores assistentes e da recontratação de aposentados com baixa produtividade no
departamento, emerge no ouvinte a sensação da repetição. Emerge a sensação de um eterno ir
e vir em torno de um problema, onde pelo mecanismo neurótico, o doente se aproxima da
solução, chegando quase a tocá-la, para então repeli-la. Repele-a apenas para procurar
novamente uma situação semelhante e tentar aplicar novamente a mesma solução fadada ao
fracasso.
A representação maior da repetição na mitologia é sifo, condenado a levar
eternamente uma enorme pedra a rolar até o alto de um monte, apenas para vê-la, puxada pelo
seu próprio peso, rolar de volta ao sopé. Poucos se perguntam que terrível castigo o rei de
Corinto cometeu para se tornar merecedor de semelhante castigo. Sísifo, segundo Brandão
(1992), o mais astuto e inescrupuloso dos mortais, tem sua história narrada segundo os ardis
que praticou, sua vida é indissociável dos embustes. Enganou e traiu: mentiu para homens,
mulheres e deuses. Tudo fez apenas para atender aos seus próprios desejos. Chegou a enganar
262
o próprio Tânatos, a morte, que em sua vingança instituiu-lhe a sina. É o engano que condena
Sísifo à sua pena, e parece ser o auto-engano a condenar o departamento à repetição.
Sob o pretexto dos baixos salários os doutores se afastam, o espaço que era ocupado por
eles passa a ser temporariamente ocupado por professores substitutos. Esses substitutos,
geralmente recém formados que aceitam trabalhar por salários baixos em troca de adquirir
experiência, têm um tempo limitado no departamento. Durante esse tempo são treinados,
adquirem prática e, quando estão prestes a se tornarem realmente prontos a lecionar, venceu-
lhes o prazo, têm que ceder seu lugar para um novo recém-formado. Contratar novos doutores
seria a solução, mas faltam alguns pré-requisitos, falta produtividade dos professores
remanescentes que justifique a contratação de novos pesquisadores. Na falta de produtividade,
falta força política para negociar o retorno de novas vagas. Quando as poucas vagas surgem,
abrem-se vagas para assistentes, para as quais basta o mestrado, nessas vagas muitas vezes
entram os discípulos dos que lecionam e que lhes repetem os costumes. Para as poucas vagas
para doutores são selecionados aposentados, muitas vezes de baixa produtividade, que de
outra forma não entrariam e não poderiam permanecer como pesquisadores que não são
possuem uma produção relevante. Como estes doutores produzem pouco e aqueles mestres
ainda carregam os vícios dos ancestrais, a produtividade cai (e a pedra rola de volta ao sopé).
No final de tudo, resta a fala de S4 a gente vive sob pressão, porque você tem que
publicar, você tem que fazer pesquisa, você tem que mostrar serviço, isso a reitoria cobra
porque senão eles te cortam a dedicação exclusiva, mas é muito difícil você trabalhar sob
pressão, o pessoal mais antigo se aposentando por causa disso também”. E se aposentam.
Para ocupar as vagas em aberto, novos concursos são abertos e são contratados novos
substitutos. Quanto aos professores que ficaram, muitos, apesar de desconfiarem que a
resposta não seja exatamente essa, justificam com o coro: é o salário! Respira-se fundo e,
reunidas as forças, reinicia-se a tarefa de Sísifo.
3.5.1.10 A emergência dos setores: departamentos dentro do departamento
Para S1 o que falta em alguns grupos em comprometimento com o departamento como
um todo sobra a outros em comprometimento externo ou na defesa das causas de pequenos
263
grupos: Eu me lembro de quando, no passado, o grupo de psicanálise criou um curso de
especialização em teoria psicanalítica e eles se juntavam, estudavam, produziam, etc. esse
curso continua existindo, como existe a área de concentração, mas eu não sinto que tenha
essa ligação tão grande entre as pessoas”; Tem gente que cisma que quer ficar com
quem leciona a mesma besteira. Então... não aceitam. Estou dizendo, estranhamente, o
pessoal da Psicologia Social. Se unem, fazem uma pressão para não incorporarem mais
ninguém, pra não pensarem junto com mais ninguém”.
Curiosamente, é S5, um professor de psicologia social, que sintetiza a dificuldade em se
obter consenso: nós somos historicamente, então o departamento, marcados por esses
conflitos, por certos feudos diferentes, assim, pra ter uma coisa consensual eu acho uma
coisa um pouco difícil”.
Esse fenômeno é indicado por S1 como o combustível que propiciou a emergência e
alimenta a existência de um fenômeno pico do departamento: os setores. O surgimento da
“instituição” setor é, hoje, ponto fundamental para se compreender o funcionamento do
departamento. Para S1, o departamento não é um departamento. Ele é uma faculdade com
departamentos... É como se fosse uma faculdade. Cada setor, não existe setor, setor é uma
criação que fizeram para poder agrupar as pessoas, né?!? Cada setor é na verdade um
departamento, equivale a um departamento. O setor de Psicologia é, é... Social e do Trabalho
é um departamento equivalente ao departamento de História, ao departamento de Sociologia,
ao departamento de Comunicação, entendeu?!? Em primeiro lugar não é propriamente o que
a gente... Ele não equivale em número de profissionais, em diversidade de posturas
acadêmicas, em produção científica, ele não equivale a nenhum departamento, e nem em
número de alunos, nós temos 750 alunos... os outros não têm 200, sabe? Então, ele ele é um
departamento sui generis ele não tem as características de outros departamentos, né?!”. S1
reclama da falta de iniciativa do próprio departamento por controlar a situação: Eu percebo
também que ele poderia ter evitado essas separações que existem entre os diversos setores e
isso se tornou cada vez mais arraigado. É... eu tentei, por exemplo, nessa minha chefia de 2
anos, criar núcleos, que seriam conjuntos de setores e reduzir a 4 ou 3 no departamento”.
S4 enxerga no tamanho do departamento uma justificativa para o surgimento dos setores
como é um departamento muito grande, ele acaba sendo subdividido em setores, pro chefe
dar conta de coordenar aquilo ali, não é?”.
S6, ao definir o departamento, relata, por um lado, o que poderia ser descrito como uma
sinergia de grupos mas não do todo e, por outro, destaca os perigos da massa: É um
aglomerado de professores, eu definiria, talvez até como um, um ajuntamento de indivíduos, é
264
perigoso viu?! Não é, não chega a ser um ajuntamento de indivíduos porque você tem alguns
grupos que trabalham com alguma sinergia aqui dentro, alguma identidade proposta e
alguma sinergia aqui dentro, mas enquanto, enquanto órgão, assim enquanto uma
instituição, qual é o melhor termo?”.
S3 assim se manifesta sobre o tamanho do departamento e as dificuldades em gerenciá-
lo: é um departamento muito grande, eu acho que é um departamento que não é
meritocrático, eu acho que ele é, vamos dizer assim, muito condescendente com, eh, vamos
dizer assim, é grande demais, não é administrável, acho que isso é uma coisa”. Isso, segundo
S3 favorece a divisão e a aglutinação em grupos divergentes que dificultam o gerenciamento:
Uma diversidade de interesses e visões de mundo muito grandes. Não existe assim, você não
pode aplicar critérios de avaliação, eh, de desempenho e assim por diante”.
Nesse mesmo sentido, S4, ao comentar a estrutura do departamento, sintetiza a visão de
boa parte do grupo “lá dentro; nós tínhamos 9 setores, como se fosse mini-departamentos”.
A confusão em torno dos setores é grande. Apesar da prática tê-los “oficializado”, como
uma forma de operacionalizar a administração de um grupo muito grande e diverso de
indivíduos, a se considerar o depoimento de S2 quando a proposta para formalizar parte dessa
informalidade produziu uma crise. Esse tema foi abordado no tópico 3.5.1.2 mas seria
importante retomar parte da citação e contrapor essa posição aos demais comentários sobre os
“setores”: o departamento de Psicologia é muito grande, então teve uma certa época,
contava com 100 professores. Isso é maior que muitas unidades dentro da universidade, né?!
Então, havia, desde muitos anos atrás, uma tendência a departamentalizar, dividir o
departamento em vários departamentos e uma possibilidade seria dividir segundo os
enfoques teóricos, né, então, eu fiz uma proposta na época de criar o departamento de
Psicanálise. Isso, para a história do departamento foi uma proposta meio, gerou uma crise”.
3.5.1.10.1 Discussão e Investigação Analógica dos conteúdos apresentados A
emergência dos setores: departamentos dentro do departamento
Os relatos dos sujeitos caracterizam os setores como departamentos dentro do
265
departamento. A existência do setor é justificada pelo tamanho do departamento, que foi
subdividido para que pudesse ser coordenado. Os setores são caracterizados ainda, quando
atuam como grupos autônomos, como possuidores de uma sinergia interna variável. Já,
quando reunidos na forma de departamento, mostram-se um conjunto carente de coordenação
entre as partes e possuidores de pouca sinergia.
S6 utiliza o termo aglomerado de pessoas para definir a situação do departamento e,
embora chegue a definir os grupos internos como possuidores de uma certa identidade, acaba
descrevendo o conjunto como um ajuntamento de indivíduos, é perigoso viu?!”. Faz essa
comparação referindo-se aos perigos da psicologia das massas para a desintegração da
consciência individual. S3 destaca que o departamento não é meritocrático, descrevendo ainda
como a diversidade de interesses e visões prejudica o desempenho e dificulta a adoção de
critérios de avaliação. Todas essas visões contribuem para descrever, de acordo com S5, o
departamento como um estado feudal desarticulado e os setores como feudos.
A palavra feudo, segundo Duarte (1997), significa propriedade. Na idade média um
feudo significava uma área de terra, mas podia significar também um cargo, uma função
eclesiástica ou mesmo o direito de receber alguma vantagem. Quando o feudo era uma
extensão de terra, esta era concedida a alguém como "benefício" dado em troca de serviços.
Receber um feudo era adquirir poder sobre bens materiais e sobre as pessoas que dependiam
desses bens.
Embora a descrição dos setores como feudos pareça bastante acertada (conforme será
visto no próximo item), essa “instituição” informal, vem se revelando muito menos capaz de
sobreviver que seus congêneres medievais. Talvez a metáfora que mais se adeqüe aos setores
seja a de capitanias hereditárias. Segundo Linhares (1990), as capitanias hereditárias foram a
primeira estrutura de governo colonial implantada pela metrópole para funcionar em todo o
território brasileiro. Formavam uma estrutura extremamente descentralizada de amplas faixas
de terra entregues aos nobres do reino, para povoá-las, explorá-las utilizando seus próprios
recursos e, conseqüentemente, governá-las em nome da Coroa. Em troca do compromisso de
povoar, de defender, e de bem aproveitar as riquezas naturais. Além de, simultaneamente,
propagar a católica em suas terras, o rei atribuía aos donatários inúmeros direitos e
isenções. Cabia a eles como tarefas distribuir terras aos colonos, fundar vilas e desenvolver as
burocracias necessárias para o funcionamento da coroa. Da mesma forma como foi feita a
criação das capitanias para organizar as terras do Brasil, aceitou-se a “instituição” setores
como forma de organizar o departamento enquanto uma eterna proto-universidade. Foi
delegada a eles a tarefa de administrar a condução do ensino de certas áreas da ciência
266
psicológica, cabe a eles, por força desse acordo administrativo, uma série de tarefas que
caberiam ao departamento como um núcleo central ordenador.
Curiosamente, os setores atuam na informalidade e resistem a deixar de assim fazer, a
única tentativa de se formalizar a existência de um setor culminou na crise de separação do
departamento de psicanálise. O modelo dos setores, como a maioria dos entrevistados
observa, está falido. E, mesmo nessa falência, é possível observar semelhanças com o modelo
das capitanias: o sistema das capitanias faliu porque elas não conseguiram se desenvolver por
falta de recursos ou pelo desinteresse de seus donatários. O quadro pouco animador em que
essa situação desembocou levou a Coroa portuguesa a instituir um governo mais centralizado
e capaz de uma ação mais direta, o chamado governo-geral. Da mesma forma, a dificuldade
no gerenciamento dos setores, por causa da autonomia que eles alcançaram, tem levado os
sujeitos, vide item anterior, a sugerir que a solução do problema estivesse fora deles, em uma
liderança eficiente que conseguisse centralizar os esforços dispersos.
3.5.1.11.1 Dentro dos setores: autonomia e pólos de atração
Além da dinâmica dos setores parece que, mesmo dentro destes, existem pólos de
atração que reúnem alunos e discípulos. Esses pólos, competidores entre si, se articulam
segundo características próprias ainda que mantenham a sua vinculação ao grupo maior. S1
descreve essa situação da seguinte forma: “Uma outra coisa que eu acho que é típica é que as
pessoas têm um grupo de alunos que rodeia os professores. São os alunos bolsistas, são os de
iniciação científica, é um símbolo de status você ocupar mais espaço do que simplesmente a
sua sala. Então, pessoas têm criado laboratórios mas as pessoas mais significativas têm o seu
laboratório: tem o laboratório do Tarcísio, tem o laboratório da Eveline, tem o laboratório
da... entendeu? Então por mais que a gente pense que com o laboratório vai haver uma
produção conjunta, os laboratórios nossos são... tem dono! E isso é uma coisa característica,
né? S1 destaca ainda a mobilização dos indivíduos para atraírem novos membros para os
seus núcleos: toda vez que seleção tanto para professor substituto quanto para efetivo,
cada um leva os seus discípulos e torce por eles assim... a morte, né? Acho que não muita
isenção: eu quero trazer quem é meu.”
S4 fala de sua preocupação em incentivar os novos membros que traz para o grupo
pras pessoas, os professores novos, eu não falo exatamente como eu to falando pra você pra
não desanimar, né, então, tem alunos meus que tão formando e fazendo, eh, mestrado,
267
doutorado, eu to puxando pra vir pra cá, falo: ‘não, vem e tal’, faço a maior força pra ir”. S4
diz fazer isso para Realimentar ali o sangue novo e que tem cuidado com o que fala para
eles porque se eu for falar isso que eu te falei aqui, a pessoa pula fora na mesma hora e não
vai pra lá, né, não vai querer ficar lá”.
S3 relata o que ele considera uma atuação perniciosa do setor de psicologia
comportamental no sentido de atrair novos membros ao seu grupo: Um outro exemplo
também, é de um outro professor que tinha também, problemas seríssimos de alcoolismo, e
que veio de uma outra universidade, trazido aí pelo grupo de Psicologia Comportamental e o
cara tava mal no departamento dele porque ele não produzia, porque ele tinha problemas
de saúde, e trouxeram esse cidadão pra cá, ele ficou aqui também, uns 4, 5 anos e não fez
absolutamente nada, tá?! O que ele fazia era montar e desmontar umas maquininhas lá, eh,
umas caixas mecânicas e tal, mas nunca produziu um “paper”, nunca fez nada, né, assim
do ponto de vista de algum resultado que você visse. Um sujeito que, pelo estado físico dele,
você observava que ele tava num estado avançado de deterioração causado pelo
alcoolismo, tá?!”.
Propostas para mudar essa captação dos professores para alguns grupos, pelo que se
no relato de S6, não são bem vindas, um vez que a luta pela representação é um luta pela
sobrevivência: eu sugeri que a lotação de, de professores por concurso fosse feita por
critérios técnicos, ou seja, eu tenho os professores e tenho as áreas, não tenho? Na
graduação? Então, eu pego a carga didática das áreas da graduação e da pós, se quiser, vejo
qual que mais deficitária e é essa que merece a vaga de professor, isso o pessoal derrubou
na câmara, porque a câmara é um espaço político, e o que aconteceu com o nosso
departamento com o passar do tempo é que nesse espaço político quem se fez representar, os
grupos de interesse que se fizeram representar, sobreviveram e fortaleceram, os grupos de
interesse que não se fizeram representar, minguaram e morreram. Você vai numa área igual
a Psicologia da Personalidade você não tem ninguém, Técnica de exame começou a dar um
respiro por agora, muito recentemente. Agora, você pega áreas como a Psicanálise é, por
exemplo, repleta de professores, você pega áreas como a Psicologia Experimental, apesar do
mal-estar que é histórico também, entre eles e outras áreas do departamento, tá, eles
conseguiram sobreviver, vamos dizer assim, tá, não ampliaram, mas conseguiram sobreviver
porque não entraram no projeto do mestrado”.
S4 também se queixa de que o corporativismo de alguns grupos acaba se impondo na
administração cotidiana da casa, em vários momentos: porque na hora de escolher o chefe
tem os grupos que querem fulano, tem aquele grupinho, né, os corporativistas lá, os
268
populistas que ficam atrás, né, de um, pegam um amarra cachorro qualquer e resolvem votar
nele, é, que é a pessoa que vai seguir o que aquele grupo quer, coloca ele na chefia e ele fica
lá. E nas épocas que a gente vai discutir reforma curricular que a gente não se entende, né,
tem sempre uma turma que quando o, o grupo pensante, raciocinando, querendo montar
um currículo interessante, inteligente e tal, o grupo não fecha junto e aí”.
Em um outro ponto da sua entrevista, S1 atribui a essa atração que os setores buscam
exercer sobre novos membros influências que visam a manutenção de comportamentos
passados de geração para geração de professores e que estariam na raiz das dificuldades do
departamento se adequar aos novos tempos: o grande problema que a gente tem é que tem
pessoas que têm vícios muito significativos e não querem que mude. Então essas pessoas
estão dando conta de seduzir os novatos, então eu não tenho grandes esperanças não! Não
tenho não... Infelizmente... 11... Não! Exatamente noo... 12 anos nós tentamos
implantar uma reforma curricular não conseguimos por causa da resistência de uns colegas
e esses colegas deixaram filhotes que agora vivendo o mesmo papel deles, criar caso. Não
conseguem. É muito doloroso dizer isso, mas... É por aí!”.
S4 queixa-se do ciúme e da vontade de alguns professores em relação aos ex-alunos
que retornam à casa, e atribui essas resistências ao ciúme de alguns professores ali, essas
coisas que incomodam são isso. Por exemplo, entrou um colega meu pouco tempo, um
ex-aluno meu, que ta fazendo o maior sucesso, foi homenageado pelos alunos diversas
vezes, mesmo como substituto ele era homenageado em formatura. No dia do exame dele,
um professor nosso que lá, que a mais tempo, que é da minha área, do meu setor, não
da minha área, nem da Análise do Comportamento, foi até um dos professores da banca,
falar mal desse candidato, pra não ser escolhido porque ele não gostaria que ele tivesse no
departamento, e é lógico que ele foi o melhor dos candidatos e ele entrou, esse professor teve
que engolir o outro lá, e é claro que esse que entrou fez o maior sucesso, faz o maior sucesso,
mais que o que a mais tempo, ele ainda continuou, esse professor que entrou foi fazer
um projeto, tava dentro, foi convidado pra fazer um projeto dentro da universidade, mas
numa outra escola, esse outro professor foi atrás do coordenador do projeto e falou mal
desse colega, desse rapaz, né, desse aluno recém-chegado”.
S2 deixa transparecer que as iniciativas de sucesso dependem esforços pessoais dos
indivíduos mais que dos grupos. Corroborando esse ponto, cita a sua própria passagem pela
psicologia experimental levado por seus mentores e sucessos de outros professores: esses
dois eram sangue novo, vamos dizer assim, na Psicologia Experimental, eu fui levado a
Psicologia Experimental por eles, eh, uma história de sucesso, num certo período. Hoje eu
269
acho que tem um grupo interessante também, na área de Psicologia do Trabalho (?), tem
também o trabalho da professora Denise, né, psicóloga, tem um trabalho sério na área da
Psicologia do Desenvolvimento, né, Psicologia Cognitiva, né, que eu acho que é uma grande
tendência na Psicologia, cada dia ganha mais força, mais terreno, né?!”.
Essa visão do sucesso de projetos individuais ou atrelado a projetos individuais é
confirmada por S1 Então tem umas coisas assim... que são sucessos mas... muito... mais
individuais, ou de alunos, do que do departamento como um todo”.
S4 também se refere à autonomia que as pessoas gozam para executar os seus projetos
individuais: O que eu acho que elas valorizam ali é a liberdade que elas têm pra dar os
cursos que elas dão, existe uma liberdade muito grande pro professor universitário, não
existe mais o titular, né, naquela academia de antigamente não existe mais, então eu sou
professora assistente, ou sou professor adjunto, mas eu mando”.
Essa demanda por autonomia, segundo S6 é muito freqüente no departamento, e se
manifesta numa crítica às normas e figuras de autoridade: Todo mundo critica as, as figuras
de autoridade do departamento, não interessa qual seja, tá, o chefe, coordenador e tal. Todo
mundo critica as normas da universidade, não interessa porque foram criadas nem pra que,
com que objetivo, se é que existe a limitação de uma coisa....Isso, eu acho que sim, falar todo
mundo é redução”.
Para S6 essa tendência a subverter regras se expressa numa mania pela desconstrução:
Hum, essa história, assim você tá na reunião e a pessoa querer colocar assim, eh, é o que eu
acho que é o lado nefasto dos frankfurtianos, e que espalhado aqui F afora e que a
psicologia tem um pouco, que é assim a desconstrução, sabe, então parece que o ato
intelectual, se reduz a desconstruir (...) Eu quero, eu quero desconstruir e se eu
desconstruir tá pronto o meu serviço, eu joguei no chão, ‘pô, eu sou um puta intelectual’”.
Para S6, esse tipo de exercício crítico impede o surgimento do novo Atrapalhei tudo e daí,
eu acho que isso é uma das coisas que dificulta a gente construir as coisas, porque ocê, ás
vezes a gente tem um senso crítico, isso é uma das coisas que o pessoal percebia, a gente tem
um senso crítico extremamente apurado, uma capacidade crítica ferina, mordaz, tá, mas essa
capacidade crítica, ao mesmo tempo que ela permite o surgimento do novo, ela, por si só, ela
não vale nada porque quando eu começo a pensar o novo eu vejo que o novo tem defeitos,
e eu tenho medo de propor o novo porque o novo tem defeitos, tá, isso, isso é muito nosso
aqui, tá, querer achar que basta desconstruir e que desconstruir é o sufuciente e o professor
se sentir fantástico porque ele, ele desmontou o pensamento de um grande pensador da
Psicologia. Então tá, desmontou e daí? O que que ficou no lugar? E acho que os alunos se
270
ressentem um pouco disso também. Então, o que? Tá, você desmontou esse troço, realmente
isso tá errado, isso é ruim, isso tem esse problema, mas e aí? O que que fica no lugar? Tá?”.
Apesar de ser crítico quanto ao fato dos interesses e empreendimentos individuais
triunfarem sobre os coletivos, S6 reconhece e valoriza vários projetos dignos de nota: Eu
acho que a gente tem muitas histórias de sucesso individuais porque os projetos são
individuais, têm poucas histórias de sucesso institucional, coletivo, tá, mas individualmente, é
bonito você ver uma Clenice, por exemplo, eh, vir um Dejours da França, o cara que é
babado no Brasil inteiro, tá, independente do que ele pensa, do que ele faz, e o sujeito
fazer um elogio público a Clenice, sabe, sendo que ele não foi orientador dela, nem nada,
mas fazer um elogio público e ele fez um elogio público a ela e, em demérito a, a, a
orientanda dele que tava do lado, que se sentiu meio ofendida e falou assim ‘mas, e eu?’, e
ele respondeu assim ‘ah, você também não é má’, tá, então eu acho bonito quando esse tipo
de coisa acontece, sabe, quando um colega consegue uma projeção”.
3.5.1.11.1. Discussão e Investigação Analógica dos conteúdos apresentados Dentro
dos setores: autonomia e pólos de atração
Jung referiu-se à autonomia dos complexos da seguinte forma (OC VIII, §202):
Não há, a princípio, diferença alguma entre uma personalidade fragmentária e um
complexo. Ambos têm de comum características essenciais e, em ambos os casos,
coloca-se também a delicada questão da consciência fragmentada. As personalidades
fragmentárias possuem indubitavelmente uma consciência própria (...).
Se nas amplificações anteriores foram usados paralelismos culturais, históricos ou
mitológicos para esclarecer os conteúdos trazidos pelos entrevistados, nessa seção, o
referencial que melhor se encaixa é um referencial psicológico. Quando se observa
atentamente os extratos das narrativas que mencionam a atuação e o funcionamento dos
setores, torna-se impressionante a semelhança que se pode encontrar entre eles e o conceito de
complexo tal como foi desenvolvido por Jung. Não se trata, neste momento, de se propor a
emergência de complexos culturais no sentido proposto por Kimbles (2000) no
departamento (embora essa seja uma hipótese de análise a se considerar), mas sim de um
modo de organização dos setores dentro da dinâmica do departamento que se assemelha à
forma como os complexos atuam no psiquismo humano.
Ao se referirem aos setores, os entrevistados mencionaram pólos que reuniam alunos e
discípulos e que se articulavam seguindo suas características próprias como núcleos que
271
competem entre si. Núcleos estruturados em torno de teorias psicológicas. Mencionou-se que
os setores querem crescer e atrair novos membros. Embora, ao se falar dessa atração, seja
mencionada a captação de sangue novo, o que de fato se observa é uma tendência à
endogamia, onde a cada vez se busca mais do mesmo. Ainda sobre esse ponto tem-se que os
critérios para a atração muitas vezes não são produtividade, competência ou criatividade, mas
simplesmente semelhança, onde critérios políticos valem mais que os técnico-científicos ou
acadêmicos. O poder de um setor, observa-se, é definido pelo grau de representação que ele
consegue obter diante dos outros. São características de um setor, além de uma tendência a
privilegiar seus interesses em detrimento dos do grupo, descrita por alguns como
corporativismo, a tendência permanente por proceder desconstruções constantes de idéias e
argumentos e a insistência em criticar compulsivamente qualquer autoridade constituída. Esse
ato acaba minando a autoridade, empobrecendo as relações de troca entre os diversos núcleos
e paralisando a ação. Esse último ponto é colocado claramente por S6: Todo mundo critica,
as figuras de autoridade do departamento, não interessa qual seja, tá, o chefe, coordenador e
tal. Todo mundo critica as normas da universidade, não interessa porque foram criadas nem
pra que, com que objetivo”.
Se as características atribuídas ao complexo forem rememoradas, pode-se perceber de
pronto as semelhanças sugeridas aqui: entidade autônoma dentro da psique que se comportam
como seres independentes; personalidade fragmentária; reunião de idéias em torno de um
núcleo ou mais núcleos comuns; núcleos que, ao entrarem em ação, despertam reações
emocionais, por vezes violentas; e, finalmente, núcleos que têm a capacidade de atrair para si
conteúdos semelhantes e ao, debilitar a autoridade do núcleo central paralisar a evolução do
sistema.
É S1 quem expressa melhor as conseqüências nefastas que a capacidade dos setores de
se auto-reproduzirem pode trazer para o departamento: o grande problema que a gente tem é
que tem pessoas que têm vícios muito significativos e não querem que mude. Então essas
pessoas estão dando conta de seduzir os novatos, então eu não tenho grandes esperanças
não!”.
3.5.1.12 “Porque não viramos uma faculdade?”
S1 define o departamento como uma “faculdade que não virou faculdade”. A
272
entrevistada explica seu comentário nos seguintes termos: “Quando esse departamento surgiu,
ele foi formado é... por pessoas que tinham uma formação em educação, em filosofia e em
ciências sociais. Essas pessoas se uniram, foi criado o departamento de psicologia e o
departamento ofereceu o curso que é o curso de psicologia e ele teve penetração exatamente
nessas outras áreas de onde vinham as pessoas. Área de educação, área de ciências sociais e a
área de filosofia. Eram pessoas que estavam ligadas às suas escolas de origem e com o tema
psicologia. Então em primeiro lugar eu acho que não virou uma faculdade de psicologia,
como em todo lugar, exatamente porque as pessoas ficaram com seus vínculos primitivos
mais fortes e não brigaram para que virasse uma faculdade”.
Além da forte vinculação com os cursos e profissões originais S1 destaca, como fator
desagregador e dificultador da criação de uma faculdade ou instituto de psicologia, a
dificuldade dos recém chegados de assumir o seu trabalho no departamento como a atividade
principal ante as outras tarefas e outras instituições: “uma reunião de pessoas de áreas
diferentes que foram tentar criar um curso e manter a suas... a extensão do seu conhecimento
em suas áreas de origem e o departamento acabou, a medida que ele foi renovando o seu
pessoal, sendo um conjunto de profissionais que está muito mais voltado para as suas
atividade fora do departamento, para sua clínica, para sua atividade de venda de consultoria,
enfim para as suas atividades fora do que propriamente para o departamento. Então,
infelizmente, ele tem um perfil totalmente diferente do que a universidade dita que seja um
departamento”.
Para S3, para se transformar o departamento de Psicologia num Instituto de Psicologia,
seria preciso “ter mais força, né, você teria que crescer de dentro pra fora, você teria que, lá na
congregação da F tem que ter força e poder pra... Porque eles não iriam aceitar. Porque assim
a Psicologia é o maior curso, em termos de alunos na F, e tal, né?! Mas entra nessa coisa,
né, como você vai crescer de dentro pra fora justamente se é esse o problema, né?! Agora, às
vezes, assim, um sistema muito caótico, assim, ele pode, lá pelas tantas, se auto organizar, não
sei, pode acontecer de dar uma virada aí, né?! Não sei, a esperança é a última que morre, né?”.
S4 relaciona as dificuldades em ganhar a independência à dificuldade da F aceitar a
divisão de verbas recebidas em função do tamanho do departamento “o departamento de
Psicologia é o maior departamento da F, a F existe como F, ela tem a verba que ela tem por
causa do departamento de Psicologia, porque nós temos cerca de setecentos e tantos alunos
e tínhamos, nessa época, oitenta e tantos professores, quando a média dos professores nos
outros departamentos é 12, 15, 10, no máximo 20. Então, quando a verba de uma universidade
vai pra uma faculdade, ela é dada em função do número de alunos e de professores, se nós
273
saíssemos da F e fôssemos, por exemplo, pra Medicina, como a gente quis diversas vezes ir
para a área de Ciências Médicas, Ciências Biológicas, e a congregação F nunca deixou, eles
perderiam todo esse dinheiro”.
O tema da criação da faculdade de psicologia é, segundo S1, um tema recorrente,
“Outra coisa que é retomada de tempos em tempos é essa idéia de transformar o curso numa
faculdade, que também para quando se chega a um determinado ponto da discussão, né?
Atribui-se à F, à reitoria eles dizem que pra faculdade de filosofia, pra reitoria e por pior que
seja o departamento a faculdade arrecada por causa do número de alunos, de professores etc.
Mas na verdade é muito pior do que isso é pela falta de união das pessoas, de organização, de
um projeto. Não se consegue conceber um projeto pro departamento a mais de dois anos. Ele
vai funcionando, vai... mas se vai fazer um plano de ação: nós, o que é que nós vamos fazer
nos próximos 5 anos, quantos profissionais nós podemos usar, quais as pesquisas que nós
podemos tocar...”.
S3, a sua maneira, também ressalta que o projeto de autonomia é um tema recorrente e
expõe o que ele julga serem as vantagens de tal mudança: “uma das saídas era criar o
instituto, né, como em outros lugares, né, quer dizer, você tem o instituto, tem o
departamento, cada uma das tribos vai pro seu lugar e a briga fica sendo na congregação, né,
mas permite que os departamentos tenham os seus programas independentes e tal. Essa é
uma saída que eu acho que não; essa, a idéia não é minha, várias pessoas, vamos dizer assim,
já pensaram sobre isso, essa idéia já tinha antes, mas é outra idéia que não anda, né?”.
S2 o projeto de alcançar a autonomia como “um grande fracasso, eh, uma coisa que, tem
sido a Psicologia se instituir enquanto unidade, é um projeto que presente muitos anos e
que implica dificuldades administrativas, de ordem de produção acadêmica, tudo isso é
necessário para se construir um departamento”. Curiosamente, ao se referir aos elementos
necessários para se construir uma faculdade ele comete um lapso e se refere aos elementos
necessários para “se construir um departamento”.
Para S2 “cada vez mais esse projeto de construir uma faculdade vai perdendo força”.
Segundo o entrevistado, isso se deve à redução de tamanho: “o departamento vai reduzindo, o
problema da casa é perda de pessoal. O departamento de Psicologia é um dos que mais perdeu
professores em toda a universidade”.
S5 faz a sua análise do que ele chama “esse projeto de falar ‘nós temos que virar
Instituto de Psicologia’”, ele ressalta que “nós da Psicologia Social compartilhava menos,
porque na realidade, historicamente a gente articulava muito com a Ciências Sociais, Ciências
Política, quer dizer, né, outras áreas, né, esse ideal do Instituto da Psicologia pra nós não era
274
tão importante”, mas segundo ele “isso sempre voltava” e relata as idas e vindas da idéia e os
motivos pelos quais ele acredita que o processo não caminhou: até, o até pouco tempo
quando começou a questão da reforma em termos de novos regimentos assim, voltou e,
inclusive, de repente foi um momento de conciliação, todo mundo falou ‘vamos criar o
Instituto’, mas depois vimos que não tinha condições, né, materiais e financeiras pra realizar
isso, então refrescou, mas isso ao longo do tempo sempre voltava, por qualquer coisa, ‘não,
nós temos que criar o Instituto’, o que era muito mais forte de alguns grupos, mas ninguém se
opôs a isso”.
S6 relata um fato relacionado a uma das tentativas do departamento em se tornar
independente, relata como foi o processo, as conseqüências de seu envolvimento nele e a sua
opinião sobre os motivos pelos quais ele acredita que essa independência é difícil de ser
alcançada: uma vez eu, eh, ganhei um desafeto, assim de graça, olha que coisa maluca, a
Psicologia querendo virar instituto, os estatutos da universidade tinham sido revistos todos,
na revisão dos estatutos, cada unidade podia mexer nos seus regimentos internos, então, a
diretora sinalizou pro departamento idiota que, até se eles quisessem se tornar instituto, que
poderia se fazer e o departamento idiota entendeu que a diretora tava falando que, tava
dando sinal verde pra fazer o projeto pra, pra se tornar instituto. Eu conhecia a congregação
porque eu era membro da congregação na época, o raciocínio dos membros da
congregação é, mais ou menos, o seguinte: ‘pode tudo pro seu curso desde que não me afete,
tá, nada do que venha a me afetar pode, tudo que não me afeta pode’, então eu sabia que pela
congregação a Psicologia não se tornaria e não se torna instituto autônomo, e não se torna
mesmo, ainda mais querendo separar a F e ficar com parte das instalações da F, não se
torna. Aí o povo começou um projeto maluco de construir e tal, tal, tal, que ficou engavetado,
nem foi sequer submetido pra congregação, e que eu tive a insanidade de participar dele,
sabendo que a coisa era assim, eu fui pressionado até a participar dele, e na congregação, o
pessoal que tava escrevendo o regimento da F e tal, tinha uma comissão montada, e a
comissão tava montada pra isso não funcionar, pra isso não vigir, então chegou na data
limite, a diretora virou e falou assim: ‘olha, nós queremos que a congregação vote,
aprovando o atual estatuto pra dar tempo pra comissão de trabalhar no estatuto de reforma’,
e eu como membro, virei e falei assim: ‘olha, a coisa é muito maluca porque aqui tem
interesse em conflito, quando a gente vota mantendo o estatuto como tá, a gente mantêm a F
como está, então pelo menos, como sinal de boa vontade, a gente sabe que as comissões
trabalham, nós é que criamos o tempo pras comissões trabalharem, eu gostaria que a
comissão me desse uma data pro término dos trabalhos’, né, a comissão, o chefe da
275
comissão ficou ofendido comigo por ter pedido uma data pro término dos trabalhos, então
começou um zum-zum-zum na congregação assim ‘ o professor S6 tá hostilizando o professor
Sávio, e eu falei, quando alguém falou isso, eu falei ‘olha, de forma alguma, eu não tenho
nada pessoalmente contra o professor Sávio, eu nem sabia que era o professor Sávio o
coordenador da comissão, né, eu não me referindo ao professor Sávio pessoalmente, eu
dizendo que pra eu dar um voto de que o estatuto vai ficar como está, eu quero um
compromisso duma comissão estabelecida de quanto tempo ela vai gastar pra poder fazer
isso. Quantos meses o senhor quer, professor Sávio? Quer 3 meses, 4, 5, 6? Mas eu quero
uma data, pra que isso fique acordado aqui na congregação’. Ganhamos antipatia porque ele
entendeu que eu tava querendo desmerecê-lo, que eu tava querendo, e não era, pelo menos na
minha visão do processo todo não era nada disso, tá?!”.
Ainda sobre a dificuldade de o departamento alcançar o status de faculdade
independente, S1 relata um fato simbolicamente curioso, quando da mudança de endereço da
faculdade à que se vincula o departamento, no novo prédio “era pensado que a Psicologia
deveria se constituir numa faculdade. Tanto que o prédio tinha uma entrada para o curso de
Psicologia que é isolada na F. Não é aberta a porta porque não se conseguiu criar a
faculdade”, uma porta que, concretamente, nunca foi aberta.
3.5.1.12.1 Discussão e Investigação Analógica dos conteúdos apresentados “Por
que não viramos uma faculdade?”
S1, ao oferecer a sua interpretação de porque o departamento de psicologia não foi
capaz de constituir-se uma faculdade independente, irá recordar o fato, já citado, de que os
membros fundadores do departamento permaneceram ligados aos seus vínculos primitivos: na
educação, nas ciências sociais e na filosofia, não se mobilizando em favor da causa da
independência. S5, confirma essa idéia ao recordar que, para os membros do “grupo da
social”, isso não era tão importante porque: nós da Psicologia Social compartilhávamos
menos, porque na realidade, historicamente a gente articulava muito com a Ciências Sociais,
Ciências Política”.
Parece, no entanto, que essa vinculação com outras áreas não pode ser considerada o
único motivo para a não desvinculação. São citados, dentre outros: o fato do departamento
não ser o foco principal das atividades dos membros; a organização do grupo como um
sistema caótico com dificuldade de se organizar; a resistência de F em perder os recursos
276
atraídos pelo grande numero de alunos do curso de psicologia; e, ainda, o fato do
departamento estar constantemente perdendo força (professores).
Na fala de S2, ao tentar dizer “tudo isso é necessário para construir uma faculdade” ele
disse, num ato falho: tudo isso é necessário para se construir um departamento”. Fica a
questão? Será que existe um departamento? Será que existe uma articulação de pessoas em
torno de um projeto diferenciado de F, mas coeso para seus membros?
S1, nos ajuda a responder a essa questão. S1 conta, que na construção do prédio novo,
foi criada uma porta para a entrada da futura faculdade de psicologia, uma porta que nunca foi
aberta. Não foi aberta, porque não aconteceu uma faculdade. Não aconteceu uma faculdade
porque não existe UM departamento. Ali os departamentos são muitos.
3.5.1.13 As dificuldades em se promover uma reforma curricular
A proposta curricular que até hoje vigora no curso de psicologia remonta ao início da
década de 60 do século XX, embora tenha sofrido pequenos ajustes quase vinte anos depois,
permanece praticamente a mesma. Segundo S1 tem 12 anos que ela tá sendo discutida eu
diria que mensalmente, apresentam-se propostas que são rejeitadas porque as pessoas não
conseguem chegar a um acordo sobre as ênfases, sobre a carga horária, sobre o número de
vagas para professores. Então a reforma curricular é uma questão que a 12 anos têm
discussões permanentes, têm comissões permanentes discutindo e vira e mexe retoma”.
S3, ao mencionar a reforma curricular, descreve uma estratégia que, segundo ele esse
pessoal (os behavioristas) usa muito, por exemplo, quando começa ter uma proposta de uma
reforma curricular que eles não gostam, então eles vão lá e começam a soprar no ouvido dos
alunos de graduação, que a qualidade de ensino vai baixar, que não sei mais o quê e tal. E aí
começa a fazer abaixo-assinado, os alunos entram na reitoria, que foi o que aconteceu
nessa última e detonam o processo de uma maneira vil, manipulativa assim, né?! Então
esses alunos fizeram um abaixo assinado, foi pra câmara departamental, coisa e tal,
não sei o que houve, eles não gostaram da solução que a câmara deu pra coisa e começaram
a dizer que iam recorrer na congregação, né?”.
Sobre este ponto S3 exclarece, “um problema que é a questão do currículo de
graduação, né, o currículo de graduação é um currículo extremamente, eh, vamos dizer
assim, um currículo defasado, né, do ponto de vista do estado atual do conhecimento em
Psicologia. Ele é um currículo que não reflete a importância que áreas como a Psicologia
277
Cognitiva, as Neurociências assumiram nos últimos vinte anos. Ele é um currículo que, do
ponto de vista da formação básica do aluno privilegia demais o behaviorismo” e continua,
reclamando do excessivo peso que o behaviorismo tem no currículo aqui, do ponto de vista
curricular, ele ocupa, né, toda uma, uma formação da Psicologia experimental basicamente é
behaviorista. Uma carga horária, não sei te dizer em números assim, mas é muito grande”, e
reclamando da desatualização do mesmo Do ponto de vista, isso do ponto de vista do
conteúdo, do ponto de vista da, vamos dizer assim, da sistemática de ensino, vamos dizer
assim, da filosofia pedagógica, eu acho que o currículo é muito desatualizado”.
S3 se diz prejudicado por um currículo cuja concepção ele atribui aos behavioristas
então fica sacrificando a gente com as besteiras aí, com um sistema que é um sistema
arcaico e que eu acho que deriva muito desse pessoal behaviorista que, mal mal, fez um
mestrado e que tem um poder nesse departamento aqui, eles mandam, é um grupo aí, que
eram umas 9 pessoas, acho que eles devem ter uns 9 votos em 40, hoje em dia, talvez eles
tenham meia dúzia, e eles acabam trancando os troços e não sai uma reforma curricular.
Quer dizer, eu tô aqui há 10 anos e eu acho que já vi umas 5 tentativas de reforma curricular
que são boicotadas”. Se, por um lado, S3 critica os colegas behavioristas, por outro ele critica
os professores da Psicologia Social, dizendo-os também responsáveis pelas dificuldades em
implementar reformas, por permitirem um certo assembleísmo que privilegia um excesso de
participação dos alunos: o pessoal da Psicologia Social que tem uma idéia assim que
democracia é cada um dar o seu palpite, e todo mundo tem que falar e vai poder decidir
uma coisa por consenso, quando todo mundo tiver falado a sua opinião, que os alunos é que
vão decidir como é que a coisa vai ser feita. Quer dizer, aqui no Brasil tem uma coisa assim:
você é um professor, no caso, eu comecei a me dedicar a Neuropsicologia em 1978 (...) e a
minha opinião vale a mesma que a opinião do aluno. Não pode ser assim, tá?! Eu dediquei a
minha vida a isso”.
S4, uma behaviorista, oferece a sua visão sobre os problemas com a reforma curricular,
a insatisfação com o currículo atual e os movimentos para barrar a reforma. Nesse
depoimento, também faz críticas à “turma da social”, a um professor da clínica (não
psicanalista) e defende um modelo de reforma que considerava muito bom: “o nosso currículo
é um currículo que, tentamos fazer uma mudança boa nele uns anos atrás, a professora
Vitória foi uma das pessoas que batalhou, ela tem um projeto de um currículo muito bom, que
não tava completo, ela não tinha terminado, mas foi rejeitado pelo pessoal, pela turma da
Social e da Psicanálise, por um chefe de departamento na época, esse chefe de departamento,
o senhor Pantaleone Pultinela, que era, eu não tenho a menor peja de citar o nome dele, que
278
era, eu era da câmara e ele sabe disso, esse projeto da Vitória foi aprovado no colegiado,
mas ele conseguiu, o Pantaleone conseguiu que ele voltasse pra uma assembléia
departamental, e eu acho que ele, movido pelos interesses desses dois outros grupos,
conseguiu barrar o projeto e o currículo então não foi mudado, e depois disso, até hoje, não
se conseguiu fazer mudança curricular, tem uma comissão que tentando, todo ano essa
comissão começa e vai, o MEC então, não verba, mais verba nem mais professores
porque o currículo não foi mudado”. Ao sintetizar sua visão S4 exclarece: “A impossibilidade
da gente conseguir fazer uma reforma curricular naquele departamento (acontece) porque
tem grupos ali que se travam”.
Ao falar sobre as tentativas frustradas de reformar o currículo, S5 coloca a última em
destaque: o processo de reforma curricular, eh, quer dizer, são dois momentos, mas
podemos então pegar o último, porque isso é recente que teve um projeto todo elaborado, que
foi rejeitado pela, pela assembléia departamental, e que depois a câmara não deu sua
anuência, que na realidade, foi assim elaborado por mais empenho por alguns professores
mais antigos, no qual muitas pessoas não se reconheceram, que tem exatamente a ver com
esse conflito de sempre tocar, nesse momento, então, quer dizer...”.
Em sua fala, S4 elogia o primeiro currículo da primeira reforma, explica os motivos e
critica os desdobramentos que ocorreram desde então: a primeira reforma curricular, em 74,
eu acho que foi uma época muito boa, porque o curso, o currículo mudou muito e nós
ganhamos(?) muitos professores novos, mas depois a gente foi perdendo”. Ao se referir a
um “nós” que teria ganhado insinua uma coincidência entre os interesses do departamento e
os do seu grupo e uma perda nos anos seguintes.
Ao falar sobre os conflitos que giraram em torno da reforma de 74, S5 concentra-os em
torno de uma reação dos behavioristas à ascendência do grupo de social frente aos alunos e à
insistência do grupo “social” em envolver os alunos no processo: o setor da Psicologia
Social era o setor que mais se aproximava dos alunos porque tinha muitos projetos também, e
os alunos acabavam se vinculando muito ao setor, e em 74 teve uma reforma do currículo que
foi um processo assim muito participativo, por parte de alunos também, eh, então o conflito
passou muito também por essa reforma”. (...) “Por um lado tinha algumas pessoas da área da
Experimental que tinha toda uma visão do que seria a Psicologia Científica, a Metodologia
experimental e por outro lado tinha, então o setor da clínica social apoiado por algumas
pessoas mais vinculadas a Psicanálise, né, mais pensando, naquela época, isso na década de
70 do culo XX, a questão, o papel da Psicologia em relação ao estado brasileiro, foi na
época que foi criada também aqui a disciplina Psicologia Comunitária que foi o primeiro
279
curso que criou essa disciplina, mas tudo numa perspectiva de engajar a Psicologia mais no
processo de mudança social, então isso marcou muito a discussão, é uma discussão muito
ideológica assim, não foi assim...”. É curioso observar como as relações entre a “social” e a
“psicanálise”, por um lado, e o “excesso” de participação dos alunos, por outro, são
recordados ainda por outros entrevistados e, além disso, as maneiras como essas situações são
interpretadas.
Um fato curioso acontecido logo após a conversa sobre a reforma curricular foi que S5
ao ouvir a pergunta: O senhor seria capaz de citar alguma coisa, ou algumas coisas, que
o senhor considera boas no departamento de Psicologia da F?”, manteve um longo e
inquieto silêncio, marcado por movimentos na cadeira e pequenas torções no corpo e no rosto
de difícil descrição, que culminou com uma resposta desconexa que retomava o tema da
reforma curricular: eu acho essa pergunta difícil porque o que eu vejo aqui é, não,
certamente tem, depende um pouco de quem ocupa a chefia e as pessoas que tão na câmara,
eu acho o, por exemplo, nesse processo de reforma de currículo o próprio papel do
departamento foi muito importante, o fato que virou um processo tão participativo também
foi apoiada pela chefia, , departamento, e assim, eu acho que tem vários outros momentos
que, que o departamento através da chefia, a câmara, porque isso, quando a gente fala
departamento”. Essa reação parece ser um indício de que algum complexo foi ativado.
S6 explica a dificuldade de reformar o currículo por uma incapacidade, tanto de
envolvimento com as coisas institucionais, quanto de conversar e negociar, a intolerância é
um pouco, um pouco das marcas das relações ainda no departamento, como cada um no
seu próprio umbigo, eu acho, ás vezes, que alguns professores usam do espaço aqui do
departamento da Psicologia, ‘eu venho, sou professor, tenho o nome do departamento de
Psicologia, eu venho cá, fazer minhas coisas’, e tem projetos singulares, individuais, tá, um
do lado do outro, mas poucas vezes eu vejo esforços no sentido de produzir alguma coisa de
coletivo”.
3.5.1.13.1 Discussão e Investigação Analógica dos conteúdos apresentado As
dificuldades em se promover uma reforma curriculars
As divergências sobre a reforma do currículo do curso de psicologia centralizam-se,
280
como se vê, em algumas questões fundamentais: o grau de participação dos alunos nas
discussões; a defasagem do currículo antigo em relação às novas tendências em psicologia;
críticas mútuas à concepção de curso empregada nos projetos; movimentos de alguns grupos
para paralisar as tentativas de reforma; represália de grupos preteridos em um projeto sob a
forma de movimentos por barrar as iniciativas dos concorrentes; grupos que não conseguem
se reconhecer nos projetos apresentados e que passam a interferir negativamente nas
mobilizações. Repetem-se, portanto as dinâmicas apresentadas em tantas outras situações de
conflito do departamento: grupos divergentes que competem e não conseguem chegar a um
acordo. O que se tem aqui é a evidência, um pouco mais explícita do que antes, de que os
interesses pessoais influenciam os posicionamentos tomados. A frase de S4, ao afirmar que a
reforma “foi uma época muito boa, porque o curso, o currículo mudou muito e nós
ganhamos(?) muitos professores novos, mas depois a gente foi perdendo”, é difícil de ser
interpretada. O termo ganhamos”, fará referência ao departamento como um todo? Ou ao
grupo dos behavioristas em particular? Esse tipo de questão pode ser respondido ao se
considerar as reclamações dos outros membros de que a reforma de privilegiou uma
concepção de curso típica dos behavioristas. Ou seja “ganhamos” novos professores para o
departamento e para o “nosso” setor.
Retoma-se aqui o tema da transformação da "res publica em dominium e patrimonium
do governante " (CHAUÍ, 2000), em uma de suas expressões mais típicas: a administração do
público como se fosse o “nosso” e, obviamente, a busca de obter do “nosso” o máximo
retorno para “nós” (e, possivelmente, para “mim”). Tal situação é uma expressão, branda mas
típica, de uma cultura de voracidade onde os indivíduos são incapazes de renunciar à sua
satisfação imediata em benefício do coletivo. Parece faltar a presença do pai simbólico, a
garantia da existência de uma lei justa que garanta a todos contra a voracidade de alguns.
Como herança da falta do pai, falta a capacidade de reconhecimento dos irmãos: falta criar
uma nova ordem fraterna que proponha a renúncia coletiva em nome da lei e em nome de um
prazer moderado. A lei doa, mas faz isso dentro de uma certa medida e não segundo o desejo
de poucos. Ali parecem faltar tabus. Sabe-se que o tabu é uma defesa contra o desmedido,
contra a hybris. A voracidade desmedida é uma paixão da hybris: uma paixão anti-social. Para
escapar da voracidade é preciso prestar sacrifícios, morrer um pouco para não morrer
absolutamente, buscar a contenção. Tem-se ali um reino sem pai. Um reino sem pai é um
reino onde tudo pode. Um reino de uma mãe permissiva por um lado e devoradora por outro.
Na falta de um pai e sobre os ditames da mãe torna-se difícil se pensar em um projeto
coletivo. Essa situação insinua que, no departamento, corre-se o risco de invocar o auxílio de
281
um pai brutal que venha ordenar o caos: “Antes um pai brutal que ficar entregue à e
95
”,
poder-se-ia dizer.
Para outras situações não é tão fácil encontrar uma resposta: o que teria causado a
resposta desconexa de S5 ao ser indagado sobre o que haveria de bom no departamento?
Talvez entre os resultados do experimento com as associações possam ser encontrados
elementos que lancem luz sobre essa situação.
3.5.1.14 Programa de doutorado: um sonho cada vez mais distante
Sobre a ausência de um doutorado na instituição S3 faz um longo desabafo A outra
coisa que eu acho que tranca aqui é o fato de que não tem um doutorado, tá?! Então assim,
há 10 anos eu tô aqui também, há 10 anos se fala em fazer um doutorado em Psicologia. Isso
é cobrado pela Capes. O departamento, o curso de pós-graduação recebe sistematicamente
uma avaliação negativa, por quê? Porque os alunos têm, os professores tem que dar muita
aula na graduação, tá, e não tem um doutorado. É o único lugar que eu conheço que assim,
tem um mestrado 20 anos, e esse mestrado não evoluiu pra... Enquanto isso, assim, no
departamento da minha mulher fizeram doutorado; na Ciência da Comunicação fizeram
doutorado, está funcionando, teve as primeiras teses, eh, defendidas. Então isso é uma
coisa assim, vamos dizer assim, irritante porque você tem uma vida para gastar, né?! Se
você dedicou sua vida para fazer uma coisa, né, quer dizer assim, né, você estudou, você se
preparou, você é um pesquisador, um professor, você quer orientar os alunos. Como você vai
ter um grupo de trabalho que você não tem um doutorando? Um aluno de mestrado ele não
conta de escrever um “paper” sozinho, ele precisa de ajuda, ele pode analisar os dados e
tal, mas na hora de fazer o troço, então, você tem assim, eh, 6 alunos de mestrado, não tem
como. Se você tivesse um aluno de doutorado ele podia ajudar o aluno de mestrado, ser co-
autor do trabalho, chega com uma coisa mais pronta. Poderia ter uma discussão, ,
vamos dizer assim, troca de informações entre alunos que tão em níveis diferentes, né?! Eu, o
ano passado, entrei numa espécie assim de um desespero por causa disso. Porque eu comecei
a chegar assim ao 10° ano que eu tô aqui, tá, e não consegui resolver isso. Então assim, será
que vou terminar minha carreira acadêmica sem ter nunca orientado um doutorado?”.
Prosseguindo em sua linha de raciocínio S3 propõe sua explicação para a não abertura
95
Essa frase foi retirada das notas reunidas no curso “O Brasil através das lendas”, ministrado pelo Professor
Marco Heleno Barreto, em Belo Horizonte, no ano 2000. Não foi possível verificar se a autoria da mesma.
282
de um doutorado: por que não sai o doutorado? Não sai o doutorado assim porque as 3
áreas, Psicanálise, Psicosociologia e Desenvolvimento não conseguem chegar a uma
proposta comum. A Capes recomendou que separasse, que criasse três programas diferentes
de pós-graduação. Por que que eles não criam? Não criam porque o único que se sustentaria
nas pernas seria o grupo de Desenvolvimento, porque o grupo de Psicosociologia
desfalcado, né, e o grupo de Psicanálise é bosta, não fazem nada, o pessoal se interessa
por consultório, eles não tem publicação, eles não seguem o critério, eh, acadêmico, assim,
eles extinguiriam do ponto de vista acadêmico, do ponto de vista dos critérios da Capes,
eles são carregados por nós, essa é a sensação que eu tenho, tá?! E, por causa disso, fica
esse impasse do doutorado que é assim um casamento ruim, assim, que satisfaz, mas a
separação também, eu não tenho isso aí”.
O coordenador da pós-graduação, S5, em sua análise do departamento, afirma que ele
evoluiu com o tempo e que o ápice dessa evolução foi a criação do programa de pós-
graduação: eu acho que evoluiu ao longo do tempo, certamente, aumentou muito em termos
de (inaudível), por mais que falta assim projetos coletivos, eu acho que poderia ter mais, mas
evoluiu muito em atividades de extensão, atividade de pesquisa, logicamente, o fato de ter um
programa de pós-graduação já, é um fator crucial nisso, quer dizer, né?”. S5 relaciona as
dificuldades do mestrado com as dificuldades em se iniciar o programa de doutorado (“desde
97, 96, pra criar doutorado, até agora não existe”): O que a gente vive agora ao nível de
pós-graduação, bom, nós tamos agora num projeto assim de, vi nós não temos doutorado,
coisa assim, a ser analisado, o programa existe tanto tempo porque não consegue fazer
doutorado?”. S5 responde ao seu próprio questionamento, atribuindo essa dificuldade em se
coordenar os doutores disponíveis em torno de áreas que permitam atingir o número suficiente
de professores sem melindrar nenhuma linha. Descreve como no passado esse fato foi
solucionado com medidas paliativas e propõe uma divisão do mestrado em três diferentes
programas como uma solução para o impasse: quando começou aqui o programa de pós-
graduação tinha poucos, então reunia um número, era Psicologia Social, mas dentro da
Psicossocial tava pessoas que não eram da Psicossocial, mas que dava seu jeito, criava,
tinha muitas linhas de pesquisa, tinha 7 linhas de pesquisa que dava um jeito pra (inaudível)
se incorporar, mas agora, por exemplo, quer dizer, tem muitos doutores, mas vai ser muito
difícil manter um programa, nós tamos assim com um projeto de separação porque as lógicas
de trabalho são muito diferentes,né, e não tem brigas assim fortes, não, talvez quando tem
uma briga, quando tem eleição pra colegiado, mas isso são coisas muito temporárias, mas,
eh, tem uma certa sensação de que, por exemplo, Estudos Psicanalíticos, são todos
283
psicanalistas, a maioria lacaniano, eles tem os conflitos internos ainda, são pessoas,
exatamente, são pessoas que tem seus consultórios, então até em termos, a forma de se inserir
num processo, muito diferente do Desenvolvimento e da Psicologia Social, então, nós temos
um projeto de separação, eu acho pra evitar uma situação de conflitos”. Mas, para S5,
mesmo essa idéia envolve situações delicadas: nossa idéia é Psicanálise, Desenvolvimento,
3, 3, embora a gente tenha um certo consenso de que a Desenvolvimento e a Psicologia
Social teria mais facilidade, né, mas seria politicamente mais complicado porque seria como
se tivesse uma expulsão da Psicanálise”. S5 afirma que a maior dificuldade no processo de
criação do doutorado é administrar as três principais áreas, para analisar esse fato ele usa sua
experiência pregressa de coordenador da pós: Eu fui coordenador, 99 a 2001, achei muito
mais fácil porque só tinha uma área de concentração, que, que a Psicanálise tava começando
ainda, né, é muito mais fácil, agora são 3, o tempo todo você tem que administrar assim, não
brigas pessoais, mas conflitos políticos entre as áreas, isso é, né, quando se trata de
distribuição de bolsas, na época era tudo em consenso, agora tem que criar regras porque
uma área sente mais excluída do que outra, nós temos mais regras agora pra administrar
também, porque essa coisa de 3 áreas”.
S6 concorda que a grande realização do departamento foi a criação do mestrado: o
grande projeto que a gente teve que foi o mestrado foi, é fruto do trabalho da Glória, né, e
assim na F velha (sede antiga), tá, a gente tem um programa de mestrado que tem 10, 12, 15
anos”. S6, no entanto destaca que o brilho dessa conquista é escurecido pela fato do
departamento não ter conseguido fazer um doutorado, nós temos o número de doutores
superior a qualquer um dos departamentos aqui da F que já tem doutorado há muitos anos, a
gente não consegue consolidar um programa de doutorado”. Para S6 o fato de ainda não
existir um doutorado não tem explicação, o curso, o mestrado com 10 anos de
funcionamento, com um quadro como, isso eu falei, eu falei por escrito e ao vivo e a
cores, doa a quem doer, sabe, não tem explicação, o curso de mestrado, de, de mais de 10
anos de funcionamento, com o nível de defesa do jeito que é, que é muito bom, o vel de
defesas não é ruim, ou seja, os alunos são bons, os orientadores são bons, correm atrás, tão
aprovando o pessoal, o pessoal não abandona o negócio pelo meio, tá, não ter um curso de
doutorado”.
3.5.1.14.1 Discussão e Investigação Analógica dos conteúdos apresentados
Programa de doutorado: um sonho cada vez mais distante
Dentre os argumentos explicativos dos sujeitos para a não criação de um programa de
284
doutoramento, paira uma imagem forte: a Capes. Esse órgão governamental é referido como
tendo feito sucessivas avaliações negativas e cobranças.
Mais uma vez retorna o tema da mãe terrível. Novamente, pode-se pensar em Hécate,
deusa do mundo subterrâneo, dos mortos, divindade noturna e lunar, que é considerada a
rainha dos espectros e senhora das aparições que povoam a noite. Hécate tinha por hábito
enviar os terrores da noite aos homens para torturá-los e enlouquecê-los. Exigências são
feitas, exigências consideradas ladras do tempo alheio. Exigências de uma mãe severíssima,
que por suas exigências, aprisionadora de seus filhos. As exigências da Capes, corretas do
ponto de vista do incentivo e do controle da produtividade, acabam permeando as relações
entre a instituição e as pessoas e são experimentadas, pricipalmente por aqueles professores
com problemas de produtividade, como fonte de pressão e limitação. Nesse ponto pode-se
recordar a fala de S3, citada em outro trecho: a gente vive sob pressão, porque você tem que
publicar, você tem que fazer pesquisa, você tem que mostrar serviço (...) é muito difícil você
trabalhar sob pressão (...) com a cobrança (...) porque tem um tanto de relatórios, a gente
fica o ano inteiro fazendo relatório”. Para alguns professores, estar envolvido com as
exigências da Capes se configura como estar prisioneiro no reino das mães. Dizia
Mefistófeles (GÖETHE, 1984, p.152).:
“deusas poderosas reinam na solidão, em volta de seus tronos não tempo nem
espaço, para descrevê-las não se encontram palavras. São as Mães!
Fausto As Mães!
Mefistófeles – Tens medo?
Fausto As Mães! As Mães! Que estranho é tudo isso
Como as três linhas do mestrado não conseguiram criar uma proposta comum a Capes
recomendou que os programas fossem separados. S3 afirma que essa separação não logrou
êxito porque o grupo da “psicossociologia” (sic) está desfalcado e o grupo “da psicanálise”
dispersa energia com seus consultórios particulares e outras atividades. S3 afirma que, se essa
separação tomasse corpo, o único grupo que se sustentaria é o de desenvolvimento. S5, fala da
sua dificuldade em dividir os doutores em torno de áreas que não melindrem nenhuma linha.
S5 afirma que na história do mestrado aconteceram soluções paliativas, o mestrado chegou
a ter 7 linhas de pesquisa diferentes. Segundo S5 seria bem mais simples organizar o processo
com as pessoas das linhas de desenvolvimento e social, no entanto, se eles assim o
fizessem os psicanalistas iam se sentir expulsos. S5: seria politicamente mais complicado
porque seria como se tivesse uma expulsão da Psicanálise”. Esse dilema quanto a uma
separação ou não é descrito por S3 da seguinte maneira: E, por causa disso, fica esse
285
impasse do doutorado que é assim um casamento ruim, assim, que satisfaz, mas a separação
também, eu não tenho isso aí”. Se o casamento é uma instituição que preside a transmissão da
vida, um casamento ruim é uma tentativa de união fracassada, uma união onde o princípio da
vida não penetrou plenamente. Se no casamento o homem e a mulher são meros receptáculos,
canais transitórios para que o futuro tome raízes no presente, então um casamento se torna
fracassado quando falha em sua condição de instrumento. Psicologicamente, falta-lhe uma
integração dos princípios do logos e do Eros, da alma e do espírito, do masculino e do
feminino. Essa falta de integração é, em ultima instância, uma falta de integração da
personalidade. Essa imagem descreve bem as dificuldades enfrentadas por esse ménage à trois
entre psicanálise, psicológica social (psicossociologia) e psicologia de desenvolvimento
(neuropsicologia / psicologia cognitiva). Esse ménage, se bem observado, envolve bem mais
de três... Várias tendências em conflito, uma orgia: uma manifestação regressiva de retorno ao
caos da embriagues e dos excessos. Uma expressão da perda de controle racional, da
deterioração do cotidiano e da urbanidade. Embora esse movimento possa significar uma
libertação da sensaboria do dia-a-dia, um mergulho nas forças elementares da vida e uma
erupção de criatividade subversiva, para que isso acontecesse seria necessário romper os
grilhões dos controles do ego, permitir que o macho egóico se travestisse, permitir que o rei se
tornasse mendigo e o tolo rei. Parece que tal coisa não acontece no programa de mestrado. O
arranjo de 3 parceiros foi concebido para contornar as exigências da Capes. Se a pretensão é
escapar aos controles da mãe terrível, bem mais que isso deverá ser tentado. Aqui, trata-se de
uma orgia contida, regida pelos controles higiênicos de uma mãe obsessiva. Para que essa
disposição de coisas fosse bem sucedida seria preciso transcender um limite que fica além da
banalidade, além de um acordo para que o mesmo possa ser mantido tal como era antes das
roupas terem sido tiradas.
3.5.1.15 Conseqüências de um quadro... Falta de credibilidade
Os elementos citados e a dificuldade de se construir uma postura coletiva coerente
acabaram por produzir danos à imagem do departamento. S1 descreve esses danos como
falta de credibilidade do departamento. Foi uma coisa construída porque foi uma pessoa
que tinha um cargo muito alto (na universidade), José Roberto, ele era casado com uma
professora e ela deve ter passado para ele essa imagem que eu passei para você, né? As
pessoas não são produtivas, a falta de um plano, então eu acho que, a falta de credibilidade
286
do departamento de psicologia é uma coisa muito séria, você perde um professor eles vão
questionar porque é que precisa... porque... se todo mundo está trabalhando ou se não está,
sabe? É uma coisa assim impressionante, uma ausência total de credibilidade”.
S2 descreve dessa forma a visão que a universidade tem do departamento: o que a
gente observa é que o departamento de Psicologia sempre foi um departamento problema,
não na F, é um departamento problema na F, né, como na universidade como um todo. É
reconhecidamente um departamento problemático. E problemático, principalmente pelas
divisões internas, pelas brigas internas, né?!”.
S3, ao se referir ao caso da professora que contrariou as instruções da casa, indo fazer o
doutorado a revelia da instituição comenta: Complicado o negócio, e isso é uma coisa assim,
desmoralizante, né, completamente. E assim, um precedente que fica aberto e você assim,
as pessoas que tão administrando o troço não têm, né, vamos dizer assim, institucionalmente
um. Podiam ter errado antes, mas então, voltassem atrás. De fato, acho que no fim, eles
próprios acharam que erraram porque deixaram que ela fosse lá, mas isso aí, muito errado,
na minha opinião, esta história toda”.
S5 relata que o departamento de Psicologia tem um certo estigma, eu acho que tem
uma cisma de ser um departamento ruim, um estigma que chega até a nível da diretoria”. S5,
afirma que esse estigma não é justicicado pelos fatos: não que seja o departamento excelente
assim, pela situação de profissional, por exemplo, a produção acadêmica, em termos de
artigos, poderia ser melhor, mas, por outro lado, você tem muitos, eu acho que não distingue
tanto de outros departamentos, quer dizer, não poderia dizer que a produção muito mais
baixo que outros departamentos da F não, mas tem o estigma S5 atribui este estigma a
motivos políticos porque o departamento é o maior departamento da F, então, para, por um
lado, teve um período que o próprio departamento queria se separar da F criar um Instituto
de Psicologia, como a IJS (instituição de renome nacional) tem, como muitas tem, o que
nunca foi possível, e por outro lado tem, o tempo todo fala ‘não, a Psicologia, né’, a nível da
reitoria também isso existe e isso não corresponde totalmente a realidade, eu acho que é uma
coisa um pouco criada pra evitar que a Psicologia ocupe um espaço maior dentro da F,
também”.
S6 confirma que o departamento tem uma fama na universidade e faz uma análise
dos das situações que levam aos boatos que circulam: o departamento sempre foi muito mal
visto dentro da política universitária, de uma forma geral, tá, a universidade é um lugar de
muitos boatos, tá, é um lugar muito sério, mas um lugar de muitos boatos, como todo órgão
do serviço público, então, as vezes, o boato, ele é mais forte do que o fato, o boato é mais
287
forte que o dado ou do que o fato, então o departamento de Psicologia não goza de bom
prestígio junto a administração central”. S6 descreve como as pessoas na universidade se
utilizam de casos passados para justificar situações presentes e como os boatos acabam
formando “identidades”: o pessoal pega, pega, por exemplo, situações de muitos anos atrás,
indisposições entre professores, tá, e usa aquilo ali como, como justificativa pra situações
presentes, pra atos presentes. Eu lembro de uma vez que eu tive numa reunião do (um órgão
interdisciplinar da instituição), que eu viajei com o professor Alberto Drumont (...) da Física,
então o Alberto, ele falava de coisas do nosso departamento, coisas da época, da época da
ditadura, tá, e o boato ele sobrevivia, ‘não, eu sei como são as relações no departamento de
Psicologia’, e dava exemplos de professores que já tinham aposentado”.
S6 cita o exemplo de um desses boatos. Segundo ele ao conversar com uma funcionária
ela tava explicando que lá, assim, eles tinham feito na cabeça dela a idéia de que a última
reforma curricular na Psicologia não tinha sido aprovada por causa de uma briga de
interesse ao redor de um laboratório. Cláudio, isso pode até ter acontecido, mas você não
pára um processo como a reforma curricular por causa disso, isso é um evento solto no meio
do processo como um todo”.
3.5.1.15.1 Discussão e Investigação Analógica dos conteúdos apresentados
Conseqüências de um quadro: falta de credibilidade
O Brasil não é um país sério.”
(Frase atribuída ao ex-presidente francês Charles De Gaulle)
Os depoimentos que atribuem a falta de credibilidade do departamento a um grau
elevado de desregramento, de falta de controles, de comprometimento e de postura coerente
entre seus os membros, remetem à frase do falecido ex-presidente francês citada como
epígrafe desta seção. Dizem, jocosamente, que o que Charles De Gaulle, tenha dito realmente,
em sua visita na década de 1960, foi que "o Brasil não é um país". O "sério", dizem, foi
acrescentado depois, para amenizar... Não se pôde comprovar a veracidade dessa história. No
entanto, a idéia de seriedade está relacionada, na França, como na maioria dos lugares, com as
idéias de compromisso, de rigor e de trabalho. Fala-se, dentro do departamento, de um quadro
em tudo semelhante ao sugerido pela referência de De Gaulle ao Brasil. Fala-se da
acomodação, da paralisia da produtividade e da desordem.
288
O conteúdo dos depoimentos como um todo parece refletir o aspecto negativo da visão
de paraíso. As falas são permeadas pela insinuação de que o departamento é um celeiro de
potenciais não realizados. Os depoentes se acusam mutuamente pelo desperdício dos
potenciais e oportunidades, visto como responsável pela desordem e a desigualdade frente aos
outros departamentos da F. Esse “empobrecimento”, fruto da ganância e da corrupção, é da
mesma ordem e origem do discurso do paraíso na terra.
O motivo do paraíso na terra, ou da "visão do paraíso" foi aplicado a diversas visões e
situações ao longo do temos. Floresceu na Europa e veio a ser reconhecida nestas terras como
projeção do imaginário europeu que buscava fugir da mentalidade medieval marcada por um
sentimento de caducidade do mundo passando de um "outono" dos tempos a uma nova
primavera, um retorno à origem perdida. Apoiando-se em Sérgio Buarque de Holanda, Chauí
(2000) descreve como as gentes recém chegadas (oriundas da cinzenta e brumosa Europa)
aportaram aqui acreditando haver chegado num mundo renovado, cheio de verde imutável,
primavera perene (a glória dos dias da criação) e uma gente adâmica pronta para receber o
salvador. O paraíso terrestre reencontrado
96
.
Se por um lado, alguns depoimentos dos entrevistados apontam para uma poucas
situações de potenciais não explorados, eternamente "recém-descobertas", os outros remetem
a visão do paraíso cujos potenciais não foram explorados, como de que isso foi, ou é feito,
de forma indiscriminada levando ao desperdício e a decadência da instituição e dos processos
psico-sociais. De uma forma ou outra, pode-se inferir que ambos os discursos sobre o
departamento falam do paraíso, seja o paraíso antes ou depois da queda. Seja, o departamento
dos potenciais que precisa ser "descoberto" e devidamente explorado, seja o departamento
cujos potenciais são ignorados e / ou indevidamente explorados, e que por conta disso tem
como legado a miséria tanto material e quanto espiritual.
O “não ser sério”, reflete as conseqüências negativas da vida no paraíso: “Sobretudo, o
ócio, a preguiça magnífica, a indolência como condição normal da existência, quando todos
os desejos são satisfeitos, sem esforço, pela dádiva gratuita de uma Natureza Mãe
imensamente generosa e prolífica” (PENNA, 1999). Reflete, por um lado, a indolência de
quem está “deitado eternamente em berço esplêndido”, mas, por outro, reflete também o
incômodo do olhar colorido com os tons cinza outono e o inverno europeus ao contemplar a
96
Esse tema: “Visão do Paraíso” é retomado pelo embaixador Meira Penna em seu livro “Em berço esplêndido”
em oposição a um segundo momento histórico-mitológico o “Inferno Verde” para, finalmente culminar em um
terceiro o da busca do “Eldorado”. Penna chega, em suas conclusões, a uma fascinante visão da dialética desses
três mitos na nossa psique coletiva convergindo para resultar numa leitura do “caráter brasileiro” que guarda
muitas semelhanças com os resultados do presente estudo.
289
luxúria do verão tropical.
Os conflitos internos, dizem os depoentes, trouxeram um estigma de departamento ruim.
A palavra estigma, no sentido empregado pelo entrevistado, indica uma marca concreta
(cicatriz ou sinal) ou moral de caráter infamante e vergonhoso, um labéu, uma mancha na
reputação que causa desonra. Sejam as manchas concretas ou morais, elas são símbolos de
degradação, de anomalia, de desordem associada ao monstruoso e ao antinatural, são, por
assim dizer, marcas, defeitos na perfeição. É uma imagem forte, que somada a sensação de ser
explorado pela F (que rejeita a saída do departamento para não abrir mão dos recursos) e de
aceitar passivamente essa situação pode, facilmente acabar se refletindo na auto-imagem dos
membros e, conseqüentemente, acabar se incorporando às suas identidades.
Os boatos e os estigmas podem acabar sendo adotados pelos indivíduos que, apesar de
os rejeitarem, acabam se assumindo estigmatizados. Para se utilizar uma expressão de
Malvezzi (2000) acabam por se incorporar aos predicados do indivíduo. Segundo o autor, a
identidade é uma singularidade formada por predicados (percebidos ou atribuídos) que
revelam semelhanças e diferenças do indivíduo consigo mesmo e com os outros. Os
predicados podem tanto tornar o indivíduo semelhante aos demais como diferenciá-lo de si
mesmo e dos outros. Segundo Malvezzi (2000), alguns predicados são concretos e outros são
apropriações, onde as pessoas se apropriam de um significado social e o atribuem as outras.
Os predicados são "atributos atribuídos" e observados, podendo ser: históricos, biológicos,
políticos, psicológicos, profissionais, étnicos, civis, morais (como no caso do estigma) e
sociais. Um dado importante é que a conduta individual produz reajustes de muitos
predicados, revendo o grau de identificação do indivíduo com um grupo social específico.
Para Malvezzi (2000), uma alteração na conduta pode diminuir, intensificar, confirmar ou
reverter diferenças e semelhanças de um indivíduo em relação ao modelo estigmatizante. Se,
segundo o autor, identidade é um contínuo movimento de construção de singularidades que
são desafiadas a cada nova conduta, a imagem do departamento pode ser mudada ou reforçada
a cada momento. Um fato surpreendente é que os indivíduos têm consciência do lugar em que
são colocados, mas ainda assim não existe um esforço coletivo para mudança desses
predicados. Pelo contrário, fatos esporádicos acabam confirmando e relembrando as
referências antigas. Os esforços de reversão, quando acontecem, são individuais e,
conseqüentemente, levam o indivíduo a uma negação da identidade como membro do
departamento, e a identificar-se como uma exceção. Uma exceção que serve para perpetuar o
estigma ao grupo.
290
3.5.1.16 Imagens para o departamento
Os sujeitos, ao atenderem à solicitação de comparar o departamento a uma série de seres
e objetos, produziram uma série de imagens que, na maioria das vezes, revelam uma
apreciação bastante crítica da história e da situação atual em que ele se inscreve. Isso fica
especialmente evidente quando eles foram solicitados a comparar o departamento com uma
plantação e a descrever em que momento do cultivo ela se encontra.
Essa “descrição da plantação” revela múltiplas leituras sobre os ciclos que o
departamento viveu. S1, por exemplo, assim descreve o departamento: tem uma parte dele
que em processo de crescimento, tem outra parte que deu a colheita e não quer mais nada
e tem uma parte que está sendo plantada agora, sabe?”. Faz referência a essa imagem para
descrever três grupos de professores vivendo fases diferentes das suas carreiras Os que se
aposentaram e morreram (“ deu a colheita né?”), os que estão no meio da carreira e os
recém chegados (“são pessoas que estão plantando, que estão verdes ainda”).
S2 também observa a convivência de pessoas em várias fases no departamento e, afirma
considerar esse um ponto positivo: Eu acho que o departamento evoluiu muito, mas esse
período é um período de transição, de consolidação, vamos dizer assim, de novas figuras,
novos professores, né, hoje, eu pertenço à geração dos velhos. Praticamente 30 anos de
departamento. Eu acho que, sem dúvida, evoluiu sim. Evoluiu também, no sentido de conter
mais diversidade, coisa assim”. Por outro lado S2 realça uma dificuldade: Mas, eu acho
ainda, que o ponto fraco do departamento de Psicologia em geral, é uma falta de uma
reflexão mais conseqüente dos pressupostos epistemológicos, _____, ecológicos, éticos. Nós
carecemos de uma discussão de caráter filosófico que avalie os pressupostos”.
Já, quando solicitado à comparação com a plantação, S2 afirmou: Olha, eu acho que a
universidade como um todo, assim, o departamento de Psicologia em especial, são
verdadeiros canteiros de Narcisos. Podia tá plantando mais árvores alimentícias”.
S3, assim se manifesta sobre a comparação entre o departamento e uma plantação: Eu
acho que é uma planta que definhou, tá, e que pode servir, no máximo, de cavalo para um
enxerto, tá?! E assim, cresceu, tal, deu o que tinha para dar e agora sim, você pegou assim,
por exemplo, um de limão ou um de oliva, ?! A oliva, né, se você plantar o caroço,
né, ela cresce, mas é uma oliva que um óleo ruim. É uma planta que um sabor ruim.
Então, você pega essa planta ruim, corta e faz um cavalo e bota um enxerto em cima de uma
oliva boa e aí ela floresce. É assim que eu vejo dentro dessa sua metáfora, tá?”.
291
Ao responder à alusão a uma plantação S4 disse: Ah, você não me pegou num dia
pessimista não, mas é porque eu acho que a fase da, eu acho que seria na fase da colheita e,
surpreendentemente, continuou umas assim, a última colheita da plantação. Eu tenho uma
sensação de que o curso pra acabar” (...) quando você falou em negócio de colheita eu
pensando assim, quer dizer, durante anos a gente colhia, e aquilo nascia de novo, você
plantava, né, florescia, agora eu vendo que o negócio chegou num ponto que, eu não sei,
pode ser que eu esteja enganada, mas...”.
Ao comparar o departamento com uma plantação S5 fez uma longa reflexão sobre o seu
gigantismo e os problemas em mantê-lo na situação atual de excesso de professores
temporários: Eu acho que estaria numa fase crítica assim, ter plantado muito, agora pode
assim, pode desenvolver muito, todas as árvores tão plantadas, você pode ter um grande
pomar assim, mas, quer dizer, de repente, então, é, na última década, teve muitas restrições
por parte do governo, então nós tamo atualmente assim, nós tínhamos um grupo muito
grande, quase 90 docentes, agora são 40 e tantos, né, e trabalhando com muitos docentes
temporários que é uma situação complicada porque são pessoas que ficam 1 ano, 2 anos aqui
e depois não continuam, eh, ao mesmo tempo, então , você, você criou uma estrutura muito
maior do que tinha na década de 70, na realidade, na década de 70, a pessoa dava aula e
pronto, não pensava em fazer projeto de pesquisa, outras atividades de extensão, agora tem
toda essa estrutura e para manter isso, nesse momento, tá numa fase crítica, né?”.
S6 inicia sua comparação do departamento com uma plantação propondo que ele seria
um cerrado virgem” mas, logo depois se corrige: e o pior é que nem cerrado é, porque o
cerrado tem uma certa lógica, né, o cerrado ele tem uma, uma, uma fauna de, uma fauna não,
uma flora comum e tal, ele é um ecossistema, , o departamento, o departamento sei lá, eu
acho que seria assim, modificando, seria uma ocupação de sem-terra, em que cada um pegou
um metro quadrado e plantou alguma coisa diferente, tá, o cara tem um metro quadrado com
uma cultura diferente aqui dentro, eu acho que se fosse uma plantação seria essa, seria
assim, e alguns chegam a ajuntar ‘não, se a gente ajuntar aqui o terreno, a gente
consegue fazer uma cultura mais produtiva e tal’, e é assim que eu vejo dando a entender,
como insinuaram outros entrevistados, que o departamento não é um ecossistema, não tem
como alcançar um equilibrio.
Quando foram solicitados a escolher uma imagem qualquer para representar o
departamento, as metáforas utilizadas também se tornaram bastante reveladoras. S1,
menciona, com tristeza e decepção, o abandono que ela percebe: uma cidade deserta em que
algumas casinhas estão ocupadas pêlos mesmos habitantes todos os dias e outras são nem
292
visitadas são, sabe? As salas de trabalho dos professores são assim desertas”. Ao explicar
essa escolha S1 fez referência a um professor que entrou para a instituição, que deveria
partilhar um gabinete com um outro professor que estava ocupando o espaço. O tempo
passou, ele deixou de ser um novato, se tornou sub-chefe do departamento e ainda não se
encontrou com seu colega que raramente permanece na instituição tempo suficiente para
utilizar o espaço. S1 assim resume a situação: Ele diz que tem muitas obrigações fora, que
ele é consultor e isso se repete assim... Então quando você anda é uma cidade deserta. O
estranho é que as salas que são ocupadas por professores e o grupo de alunos que trabalha
com eles... São sempre as mesmas. É uma cidade que esta sendo abandonada, embora cada
um tenha a sua sala tenha, determinadas condições de trabalho, sabe? Infelizmente”.
S2 ao escolher uma imagem para representar o departamento comenta: Olha, essas
coisas são meio arbitrárias, eu escolheria uma alegoria, eh, um quadro do Durer (Albrecht
Durer, 1514) que chama: a melancolia, que é muito rico em termos de símbolos (...) uma
mulher deitada, sentada num recinto com um monte de coisas em volta, cada uma
significando uma coisa, né, seria um bom mbolo”. E, justifica: ela explica, ela implica um
pouco dessa fragmentação. Está muito presente na Psicologia esta idéia de fragmentação”.
S3, por seu turno, manteve uma imagem anterior: Eu acho que eu tô com essa imagem
do cavalo do enxerto, ta?! Acho que aproveitar, né, porque tem coisas e tal, né?!”.
Ao escolher uma imagem para representar o departamento S4 assim se manifestou: eu
pensando em uma implosão, eu achando que aquilo ali vai implodir uma hora, vai
chegar um ponto que ninguém vai dar conta mais de gerar, gerir aquele curso, né, de
governar, né, de chefiar, se o currículo não sai, não sei, aquilo ali vai, a imagem que eu
tenho é de implosão”.
S5, secamente, compara o departamento a um mosaico com algumas cores bem
diferentes assim de, né?”.
S6, quando indagado por um símbolo para o departamento, respondeu: O nada?”,
indagado se ele se referia ao nada sartreano, esclareceu: Não, não me vem nada na cabeça,
não vem nada na cabeça que representasse, um símbolo que representasse o departamento,
não me vem nada assim, não me ocorreu nada”.
Ao escolherem um estilo artístico ou musical surgiram as seguintes respostas:
S1 sugeriu algo deformado e difícil de entender: Nossa mãe... Acho que seria
uma obra de Picasso. Aquela coisa assim, deformada! Né? Que tem traços
assim, tão... alterados, tão... que você tem que parar para entender o que é que
é aquilo”.
293
Se referindo a uma falta de harmonia, S2 faz referência à dificuldade de
caracterizar o departamento com uma única representação musical: Difícil,
viu?! Acho que é mais, não há muita harmonia, né?! Então,um lugar você ouve
vários sons, de vários, vindo de vários lugares”.
Nessa mesma linha de raciocínio S3 compara o departamento a Ah, eu acho
que há uma dissonância, né, uma coisa assim, dodecafônica (...) É isso aí, bem
por aí, cada um toca, não tem nem ritmo, nem compasso, né?”.
Ao ser perguntado por um estilo musical S5 respondeu: Eu não falaria estilo,
mas eu falaria uma orquestra onde tem uma confusão entre os, um
departamento em que cada setor quer, os violinos assim, um som mais alto.
Porque eu acho que isso marca todo esse departamento, porque isso é um,
complexidade, nossa história sempre marcada, agora mudou muito, mudaram
muitas pessoas assim, eu acho a geração atual um pouco mais individualista
ainda do que nós, eles se envolvem menos, a gente se envolvia mais com as
coisas que tavam acontecendo, tanto o pessoal da Experimental quanto a
Psicossocial, agora tem, tem mais setores que se desenvolverem”.
A resposta de S6 foi longa: Olha, jazz não pode ser porque jazz pressupõe um
profundo conhecimento musical do artista, então o que que pode ser? Samba
não pode ser porque samba propõe uma harmonia, uma alegria. Eu acho que
eu vou repetir o que eu acabei de criticar, eu vou te falar o que não pode ser.
Música clássica, de jeito nenhum, nada de Beethoven, nenhum dos românticos,
deixa eu ver, um forró, mas um forró confuso, um forró com mil melodias ao
mesmo tempo, e que cada um dança” (...) “Agitação, baixaria às vezes, sabe, e,
e cada um dançando de um jeito, e não tem uma música comum de fundo não,
um monte de música comum de fundo, se fosse colocar assim, tá?”.
Ao escolherem um instrumento, um animal ou uma canção, novamente surgiram
múltiplas imagens mas com a constância de alguns temas:
S1, por exemplo, elegeu um jacaré e ressaltou o tema da imprevisibilidade:
Tem um animal que é absolutamente imprevisível? Tem? Que você chega
perto, acha que ele não morde e ele pode te avançar? Sabe? Eu to aqui
pensando... Sei lá... tipo assim: um jacaré. Eu olho assim: Ah! Não! Ele não
vai fazer nada! Eu vou chegar perto, mas de repente ele pode te avançar ou ele
pode entender que você ia embora... é meio imprevisível o que acontece, essas
294
coisas que acontecem. É bastante imprevisível. Acho que ele é um animal que
te surpreende, ou pra te avançar ou pra fugir de você. Nunca você tem uma
previsão exata do que vai acontecer”.
Ao receber a sugestão de buscar alguma coisa mais específica, mais familiar,
uma canção, um animal ou um instrumento musical S2 encontra muita
dificuldade, pergunta várias vezes e, após ter se certificado da questão,
consome um tempo significativo (27,04 segundos) para apresentar sua
resposta. Quando o faz busca inicia com um apelo a uma imagem “mais
positiva”: Tem representações que, que, vamos dizer assim, mais positivas,
né?! Uma que eu gosto muito também, é essas representações que se derivam
do mito de Eros e Psiquê, eh, desde as mais ingênuas, como aquela de Firenze,
acho que o autor é, não sei se é Rubens, uma coisa assim, que se representa
Eros como um anjinho dotado de asas, né, e Psiquê como uma menininha com
uma asa de borboleta. Psiquê é assimilada por borboleta e Eros ao deus
alado, né?! Quando fomos reformular o site da psicologia, o que eu escolhi
como símbolo foi uma escultura de Canova representando Eros e Psiquê”. E
faz um longo comentário sobre amor e ódio: o amor desperta a alma, isso é
muito bonito. É isso mesmo, eu acho que tudo aquilo que a gente aprende,
pegando a disposição da Psicologia, o seguinte, nós somos feitos de duas
grandes tendências, todo ser vivo, de aproximar daquilo que nos convêm e nos
afastar daquilo...E chamar a tendência a se aproximar de amor, a de se
afastar, de ódio. Através do amor, a gente compõem unidades cada vez
maiores das coisas, né?! O ódio é importante também, mas aquilo que decide
o valor da nossa vida é, sem dúvida, o amor. Porque vinculado aos
sentimentos de prazer, a alegria e o ódio associado à tristeza, mas todo
ódio, mas em toda tristeza uma quantidade muito grande de ódio, seja, ou
se volta para si ou contra o outro. E na alegria sempre uma boa dose de
amor, a vitória amorosa, como se diz, a conquista amorosa, né, seja quando se
volta pra si ou quando se volta para o outro, e quando o movimento vai pra
fora, ele vai fazendo as relações, né?! A nossa vida, então, se decide, , eu
acho com relação aquilo que a gente investe amorosamente, né?!”.
S3, ao receber a sugestão de comparar o departamento a um animal, sugeriu
que o animal seria uma quimera, né, um enxerto assim, de partes diferentes
que dificilmente compõem um todo, e por causa disso uma das saídas era criar
295
o instituto, né, como em outros lugares, né, quer dizer, vo tem o instituto,
tem o departamento, cada uma das tribos vai pro seu lugar e a briga fica
sendo na congregação, né?”, uma descrição do departamento como um
ajuntamento de núcleos comportando um certo grau de autonomia patológica
em relação ao todo.
Ao ser solicitado a representar o departamento com um instrumento, um
animal ou uma canção S4 disse; eu pensei num hospício, de doidos, mas não
chega a tanto não. Tem horas que eu falo que aquilo é um hospício. Tem
dias que a gente sai de tão chateada com as coisas que acontece, você fala
mesmo num lugar de pessoas doentes que acontece isso, mas não chega a
ser o departamento todo não, tem muita gente, eh, equilibrada ainda.
Animal eu não consigo, não consigo imaginar um animal que represente o
departamento, o departamento é muito diversificado, né, música, talvez o
Fantasma da Ópera, que aquilo ali como eu falando, como eu achando
que vai, né, não sei, e eu gosto da música Fantasma da Ópera, então se eu, se,
se, pra eu me sentir bem lá, se eu tivesse essa música tocando no meu ouvindo
e o departamento desse, fizesse uma mudança, eu acho que seria uma sica
que representaria bem”.
S5, ao ser solicitado a evocar uma imagem de animal, canção ou instrumento
para representar o departamento fala: Uma canção, eu canto mal, não, eu
acho que pode ser um violino que dá, às vezes, sons muito bonitos, mas, às
vezes, também, umas, né?! (risos)”.
S6 escolheu um animal um Camaleão, camaleão, muda, muda de cor e
continua o mesmo”.
3.5.1.16.1 Discussão e Investigação Analógica dos conteúdos apresentados – Imagens
para o departamento
Ao se referirem ao departamento como uma plantação, os sujeitos produziram uma
296
variedade de imagens que reflete claramente, não as formas como vêem o departamento,
mas também os princípios pelos quais entabulam sua relação com o mesmo.
S1 faz referência a uma plantação composta de várias partes, disposta em uma certa
desordem, porém com uma certa organicidade que remete a um ecossistema que frutifica,
fenece e se renova. Uma plantação onde parte já floresceu, parte está na fase produtiva e parte
está iniciando o seu desenvolvimento. Embora se possa observar na imagem uma certa
desordem, existe uma clara percepção de ciclos e de um princípio de desenvolvimento e
renovação. Essa descrição parece refletir a experiência da depoente, que se inclui entre os que
floresceram, mas que observa com satisfação seu lugar e sua importância na ordem natural
das coisas. Os vegetais remetem, realmente, ao caráter cíclico da existência onde nascimento,
maturação e morte se completam a etapa da transformação, onde os resíduos da morte
alimentam uma nova vida. Para Chevalier e Gheerbrant (1991) a planta simboliza o
desenvolvimento de possibilidades que se atualizam a partir do grão, ou antes, da matéria
indiferenciada representada pela terra.
S2, apesar de ressaltar que o departamento evoluiu ao longo do tempo rumo à
diversidade, compara-o (e a universidade como um todo) com um canteiro de narcisos. Ao
final acrescenta: poderiam ser “árvores alimentícias”. É óbvia associação que S2 faz entre o
conceito psicanalítico “Narcisismo” e o comportamento dos colegas que, naquele
departamento, deveriam cultivar a cultura, o conhecimento, a pesquisa e a ciência, mas muitas
vezes limitam-se a cultivar a si mesmos. No entanto a simbologia do narciso estende-se para
além dessa idéia. Narciso vem, como narcose, do grego narke. Segundo Chevalier e
Gheerbrant (1991), o narciso está associado aos cultos infernais, aos cultos de mistérios
(como os de Elêusis). Narcisos são plantados sobre os túmulos por simbolizarem o
entorpecimento da morte, que talvez seja nada mais que sono. O narciso floresce nas águas e
em lugares úmidos o que o liga à fecundidade. Essa ambivalência morte-sono-renascimento
faz com que ele seja associado tanto a um quanto a outro pólo de acordo coma cultura e a
época que lhe faz referência.
S3 enxerga o departamento como uma planta que definhou e que, hoje serve, no
máximo, como um cavalo para enxertos. Compara o departamento primeiramente a um
limoeiro, e, depois a uma oliveira que, se não receber um enxerto dará um azeite ruim,
servindo, somente, de apoio para o novo. Esse último comentário é importante, uma vez que
transforma o que, a princípio, pareceria uma operação de renovação onde novo e velho se
reúnem e misturam suas potencialidades para criar algo melhor e mais capaz (uma planta
nova) – em uma situação onde uma parte (a mais jovem) tira proveito de outra que “só serve”
297
de apoio para o outro. O enxerto é uma modificação artificial do processo de fecundação. É
um símbolo muito antigo e é considerado eficaz quando associado a uma conjunção
especial do sol e da lua. Segundo Chevalier e Gheerbrant (1991), tem significação sexual e
está associado à atividade sexual daquele que o executa. Trata-se de uma intervenção contra a
ordem da geração e implica numa união sexual contra a natureza. Essa associação fez com
que frutos de árvores enxertadas fossem proibidos por várias culturas (os judeus inclusive).
Hoje não se pode considerar o enxerto, e a transgenia, como uma obra contra a natureza, mas
ao contrário uma obra conforme a natureza, mas além dos poderes dela, dependente da ação
do homem. Essa intervenção ganha, na contemporaneidade, contornos mais fluidos, podendo
ser criativa e enriquecedora ou um atentado a ordem e ao equilíbrio da natureza. S3, enquanto
o “fazedor” do enxerto executa um ato demiúrgico, executa um ato de natureza sexual, mas o
executa tirando partido de uma planta que definhou e que “só serve para isso”. A planta que
daria óleo (azeite) ruim produzirá um óleo bom. O ato proposto por S3 parece ter um caráter
menor de magia, voltado para interesses próprios.
O óleo ou o azeite são substâncias de uso ritual e sacrificial, fornece alimento e luz.
Simboliza luz, pureza e prosperidade. O azeite lançado à terra fertiliza, e aplicado na unção
confere autoridade, poder e glória introduzindo o ungido na esfera divina. A que se prestará o
azeite produzido pelo enxerto de S3? Irá fertilizar o solo, alimentar a comunidade, produzir
luz ou ungir alguém que pretenda chamar a si mesmo para a esfera da divindade?
S4, anuncia a última colheita da plantação e afirma que o ciclo de colheita e
florescimento encontra-se estagnado. A descrição que S4 faz remete ao simbolismo alquímico
de Saturno, superficialmente o chumbo, mais profundamente a cor preta, a depressão, a
matéria putrefata a dissolver-se. Segundo Chevalier e Gheerbrant (1991), indica uma função
separadora, ao mesmo tempo um começo e um fim, a interrupção de um ciclo e início de
outro. Em Saturno, porém a ênfase está no corte, no freio imposto à evolução. Na mitologia
zodiacal, Saturno, segundo os autores, encarna a contração, a fixação e a inércia. Representa a
fixação das coisas existentes na rigidez e a oposição a toda a mudança.
S5, tem muita dificuldade de articular uma imagem, com dificuldade faz referência a
uma plantação de árvores enormes, mas que não encontram como se alimentar naquele lugar.
Embora o simbolismo da árvore remeta a idéia de um cosmo vivo em permanente regeneração
tal não parece ser o sentido das árvores altas evocadas por S5. Símbolos da vida e da ascensão
da matéria rumo ao espírito, quanto mais frondosas mais as árvores evocam o ciclo
regenerativo da natureza perdem as folhas todos os anos para recuperá-las na primavera
seguinte. Chevalier e Gheerbrant (1991) destacam que, pelo fato de ligarem a terra ao céu, as
298
árvores, estendendo seus galhos às nuvens e suas raízes para dentro do subsolo, são
associadas ao eixo do mundo. Símbolo do centro é também um símbolo da vida. S5, no
entanto, menciona árvores altas às quais tem faltado alimento e que estão numa fase crítica.
As árvores de S5 estão perecendo porque lhes falta aquilo de mais básico, nutrição. São
árvores que, aparentemente, se fizeram poderosas, mas que não souberam encontrar por si
mesmas o alimento do qual dependem para sobreviver.
S6, inicia sugerindo a imagem de um “cerrado virgem”, que ele imediatamente substitui
pela de uma ocupação de sem-terras onde cada um planta um metro quadrado de uma “coisa”
diferente. Ele diz que a primeira imagem não era a melhor porque no cerrado existe uma
ordem, um equilíbrio: o cerrado é um ecossistema, já a ocupação não.
Iniciando da primeira imagem, tem-se que o cerrado, um aparentado da savana africana,
é uma região aparentemente agreste, porém carregada de vitalidade. O cerrado quando ainda
virgem é colorido com uma imensa biodiversidade e é plenamente capaz de alimentar com
seus animais e frutos quem nele souber habitar. Diferentemente disso, as ocupações de sem
terras são marcadas pelo caos típico daquilo que é provisório, feito sem método e construído
na dúvida quanto a perdurar ou não. A imagem de cada metro quadrado plantado com “uma
coisa diferente” aponta também para uma falta de método, de critério e, porque não dizer,
para um certo grau de devastação de um espaço que cumpria outra função anteriormente.
Ao serem solicitados a buscar uma imagem qualquer para simbolizar o departamento
houve uma coincidência maior na apresentação dos motivos.
S1 sugeriu uma cidade deserta, fantasma, que as pessoas vão deixando aos poucos, vão
abandonando. A cidade deserta sugere abandono, devastação, vazio de intensões. O
esvaziamento da cidade subverte-lhe o sentido de sedentarização e estabilidade. Foi
necessário mudar, perderam-se as raízes. Chevalier e Gheerbrant (1991) sugerem que a cidade
é um símbolo da mãe, do princípio feminino em seu duplo aspecto de proteção e limite. Se
isso é fato, essa referência sugere uma mãe ressecada, deprimida, minada em sua capacidade
de nutrir e circunscrever seus filhos. Uma mãe que deixau-os entregues à própria sorte, ou
tornou-se incapaz de controlá-los.
S2 indicou uma obra de arte. Um quadro intilulado “Melancolia” da autoria do pintor
alemão Albrecht Dürer (1471 - 1528). S2 fez referência a detalhes do quadro: uma mulher
sentada, “um monte de coisa em volta, cada uma significando algo diferente”. S2 encerra com
uma referência à fragmentação, do departamento e da psicologia.
Para se compreender a referência à pintura de Dürer deve-se observar um pouco mais
atentamente o quadro.
299
É curioso que S2 escolha essa obra. Dürer, artista e matemático, insere em sua obra uma
série de referências à matemática. O artista combina seus conhecimentos matemáticos de
geometria e talento artístico para criar Melancolia, onde se utiliza um simbolismo gótico
híbrido para sugerir a ida além dos domínios do mundo aparente. Dürer parece tentar resistir
ao intelectualismo de seu período (a Renascença). Um comentário do autor expessa essa
resistência : “O excessivo uso da razão engendra a melancolia” (ARTEWEBBRASIL,2005).
Em Melancolia essa parece ser a mensagem: formas extraídas da geometria espacial
materializam-se estranhamente ao lado de instrumentos de desenho ou cálculo, abandonadas,
no chão o animal adormecido no meio das ruínas. Sentada, em primeiro plano, a figura mítica
da Melancolia, girando um compasso entre os dedos e com olhos perdidos ao longe, a apoiar a
cabeça sobre o punho. O crepúsculo ao fundo parece dizer que se esforçar por aplicar a razão
à arte é um ato vão. Uma esfera e um sólido irregular de grandes proporções induzem o anjo
ao pensar… O anjo, que em profunda interrogação, está envolvido num estado de nigredo,
como na alquimia. Tem-se aqui, novamente, uma referência à simbologia de saturno, ao
chumbo, à depressão. S2 parece evocar, com sua escolha para simbolizar o departamento, não
apenas a fragmentação como ele sugere, mas o conflito entre razão e emoção, entre consciente
300
e inconsciente, entre superficialidade e profundidade, entre as várias visões da psicologia e as
humanidades por detrás delas (e, mesmo, essas humanidades com seus defeitos e virtudes em
oposição). A escolha evoca um conflito que não pode ser resolvido como um problema
matemático ou num gesto emocional. A obra de Dürer indica que a solução para esse impasse
se encontra num outro lugar, mais além, na esfera do simbólico, ou pela ação da função
transcendente (SHARP, 1993). Através da ação da função transcendente, psique se auto-
regula, os opostos se unem e formam um produto original maior que a soma das partes: o
símbolo, o mediador, o conciliador de opostos. A partir daí, se produz uma nova atitude do
indivíduo quanto a ele próprio e a vida. Isso é sugerido por uma série de detalhes no segundo
plano do quadro. No canto superior esquerdo encontra-se uma pequena cidade (a Terra) que
vai adentrando ao mar (Água), e o u (o Ar) se torna luminoso pela presença de arco-íris e
pela passagem de um cometa (Fogo). A sugestão de uma transformação é ressaltada pela
presença de um grupo de vasos alquímicos colocados discretamente por trás do grande sólido.
Uma figura curiosa chama a atenção no canto superior direito.
Nesse canto o pintor insere o que é denominado um quadrado
mágico:
“Dürer introduziu o quadrado mágico de Júpiter. Um quadrado
mágico é um arranjo de números inteiros, em linhas e em
colunas, de tal maneira que os números em cada linha, em cada
coluna e em diagonal têm sempre igual soma, a chamada soma
mágica” (UNIVERSIDADE DE LISBOA / FACULDADE DE
CIÊNCIAS, 2005).
Os matemáticos têm dificuldade em apontar uma utilidade para tal figura. Embora
alguns sugiram que se trate apenas de um jogo, Magalhães (2005) propõe que a possibilidade
de que tais quadrados servissem como de grelhas para o que é chamado de cifra por
transposição. Um recurso de decodificação. Na cifra por transposição, em vez de se
substituírem letras por outras ou por números, modifica-se a ordem das letras da mensagem.
Cada quadrado correspondia a um dia da semana: Lua, Marte, Mercúrio, Júpiter, Vênus,
Saturno e Sol. O quadrado utilizado por Dürer (Júpiter) corresponde à quinta-feira (Jovis
dies). Júpiter, Zeus para os gregos, divindade do céu e da luz diurna, simboliza a ordem
autoritária, imposta do exterior, seguro de seu direito ele não busca conversa nem persuasão:
troveja (CHEVALIER e GHEERBRANT ,1991). Simultaneamente, tem como atributo a
301
cornucópia de onde vertem permanentemente alimentos à medida que vão sendo consumidos.
É o soberano distribuidor das graças e dons para os homens. Júpiter é figura do pai por
excelência. Retornando aos quadrados gicos, esses parecem evocar a busca por sentidos
secretos e ocultos que se escondem por trás de certos limites. Tal parece ser um dos
propósitos da sua inserção nessa obra.
S4 sugeriu uma implosão. A implosão descreve um desmoronar artificial, induzido,
onde por uma interferência externa, ou uma corrupção interna das estruturas uma construção
cai, causando mínimas conseqüências ao entorno, mas tornando-se ruína em segundos. É o
resultado de um esforço coordenado, de um conjunto de explosões que, combinadas numa
ordem especial, levam seus efeitos até o eixo central. Pode ser ainda ocasionada por uma
diferença grande de pressão, quando a pressão interna produzida num recipiente torna-se
incapaz de compensar a externa. Nesse caso as paredes do recipiente ao não suportarem a
pressão externa e cedem súbita e violentamente.
S5, novamente com muita dificuldade, sugeriu um mosaico com cores diferentes. Um
mosaico sugere um trabalho feito com rias partes distintas, originalmente separadas, que,
combinadas numa certa ordem, vão formar uma figura. As cores diferentes sugerem ressaltam
a idéia da diferença e da multiplicidade. A associação parece evocar a versão de S5 para a
origem do departamento, de seu grupo de referência e, também, a sua própria forma de se
vincular à ele. As partes do mosaico, embora se juntem para criar a impressão de um todo,
nunca se integram realmente, e vão, para sempre, remeter aos materiais originais de onde elas
vieram.
S6 exclamou: O Nada?” Disse não ser capaz de ver nada, não conseguir evocar
símbolo algum: Não, não me vem nada na cabeça, não vem nada na cabeça que
representasse, um símbolo que representasse o departamento, não me vem nada assim, não
me ocorreu nada”. Chevalier e Gheerbrant (1991) sugerem que a vacuidade indica a abolição,
a negação, o desnudamento, um ato sobremaneiramente imanente: o ato da abolição de todo
ato. O nada de S6 parece sugerir o desejo, o esforço, de libertar-se de algo.
Ao compararem o departamento a um estilo musical, ou artístico mais uma vez houve
uma certa coincidência nos motivos.
S1 comparou-o a uma obra de Picasso, a algo deformado e que as pessoas tem que fazer
um esforço para compreender. A deformidade remete a mutilação, a feiúra, a tara, a inversão,
a monstruosidade, a cegueira e, principalmente, a ausência de simetria. Aanomalia, segundo
Chevalier e Gheerbrant (1991), exige que se além das normas habituais para ser
compreendida. Esse ato, segundo os autores, conduz a um conhecimento mais profundo dos
302
mistérios do ser e da vida. Pode-se pensar quais serão os modos que S1 utiliza para se
relacionar com a desordem e a deformidade que vê no departamento.
As associações seguintes seguem a mesma tendência:
S2 fez referência a uma falta de harmonia, a muitos sons, vindos de muitos lugares; S3
comparou o departamento com uma dissonância, um som dodecafônico, sem ritmo e sem
compasso; S5, sugeriu uma orquestra com muita confusão entre os instrumentos onde cada
um pretende sobressair-se mais que os outros; S6, finalmente, viu o departamento como um
forro confuso, com mil melodias tocando ao mesmo tempo. Seria interessante observar as
formas como cada um dos sujeitos encontram para se relacionar com essa condição atribuída
ao departamento.
Finalmente, quando perguntados sobre um instrumento, um animal ou uma canção que
pudessem ser associados ao departamento houve também certo padrão nas associações.
S1 sugeriu um Jacaré, segundo ela um animal imprevisível. Chevalier e Gheerbrant
(1991) sugerem que o crocodilo apresente, geração após geração, representações das forças
que dominam a morte e o renascimento. “Se parece temível, é por exprimir uma força
inelutável, como o é a noite para que se venha o dia, ou como o é a morte para que a vida
possa voltar. O mesmo acontece com todas as fatalidades” (CHEVALIER e GHEERBRANT,
1991, p. 306). Embora por habitar as margens dos rios onde da lama brota a vegetação seja
tomado como símbolo de fecundidade, sugerem os autores, também devora e destrói como um
demônio da mavadez.
S2, demorou muito para encontrar uma imagem, finalmente sugeriu uma escultura de
Eros e Psique, elaborando uma longa discussão dos motivos para a escolha citando as relações
entre amor, alegria e prazer e ódio e tristeza, e encerra a sua fala com a seguinte frase “A
nossa vida se decide com relação (na relação que temos?) com aquilo que a gente investe
amorosamente”. Embora a evocação de Eros e Psique seja tentadora, o que chama atenção
aqui foi o longo tempo que S2 levou para encontrar uma imagem, teria sido outra a imagem
recordada, essa, apenas, uma racionalização baseada na origem do nome psicologia e da
significância desse mito para essa área do conhecimento? No mito além de personagens
apaixonados, Eros e Psique são, respectivamente, princípio e substância, amor e alma. Uma
vez que uma análise aprofundada o mito e das considerações filosóficas que envolvem essa
associação, pela sua extensão, limitar-se-á aqui a citar uma frase do próprio S2: O beijo do
amor desperta a alma”.
S3 apontou para a imagem de uma Quimera, onde partes diferentes dificilmente
compõem um todo. Em tudo sua fala parece se referir a uma autonomia patológica entre essas
303
partes. A quimera é um híbrido: cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de dragão. É também
um monstro, uma deformidade que expele fogo. Chevalier e Gheerbrant (1991) associam-no
às criações do inconsciente que representam desejos frustrados que se tornam fonte de
padecimentos. Os autores ressaltam que a quimera seduz e causa a desgraça de todo a que a
ela se entrega. Não se pode combatê-la frente a frente, tem-se que pegá-la de surpresa. Os
autores sugerem que a quimera poderia encarnar, de igual maneira, tanto um monstro
devorador de um país, quanto o reinado nefasto de um soberano pervertido, tirânico ou
pusilânime.
S4 inicia comparando o departamento com um hospício para, logo em seguida, tomar
uma lembrança mais suave, a música tema de “O Fantasma da Ópera”. Parece que também
aqui, houve uma racionalização. A imagem do hospício remete a uma doença mental
institucionalizada, cronificada, submetida às relações de poder, ao controle e à opressão dos
saudáveis. Remete ainda ao perigo de se deixar perder no inconsciente, o horrível destino de
quem falhou seria o hospício. A imagem remete à idéia do rompimento do louco produz com
as convenções sociais e à conseqüente tentativa de da sociedade de controlar essas
manifestações de desvario. Essa imagem é substituída por uma imagem muito mais plástica,
a imagem do tema do musical “O Fantasma da Ópera”. No entanto, talvez a escolha da
música não venha ao acaso. O inconsciente não pode ser facilmente afastado. Em certo ponto
o Fantasma e sua amada Christine cantam juntos:
“My/your spirit and your/my voice
In one combined
The phantom of the opera is there
Inside your/my mind
He's there the Phantom of the opera
Beware the Phantom of the opera”
S5 utiliza como representação a imagem de um violino que às vezes produz sons
bonitos, e às vezes não. Mais uma vez a idéia de distorção, de alguma coisa que escapa e
subverte a ordem e a harmonia.
S6 indicou como associação um Camaleão: Camaleão, camaleão, muda, muda de cor
e continua o mesmo”. Chevalier e Gheerbrant (1991) citam uma lenda cuja evocação da
imagem do camaleão parece concordar com S6. A lenda atribui ao Camaleão sete
propriedades:
304
1. Por mudar de cor à vontade torna-se adaptável, mas também pode se tornar
hipócrita e mutável ao sabor de interesses sórdidos e inconfessáveis;
2. Sua língua comprida permite que ele apanhe sua presa sem ter que se lançar
sobre ela: possui uma avidez cuidadosamente dissimulada, possui também
um apalavra persuasiva que seduz o interlocutor;
3. É precavido, somente retira uma pata do chão após apoiar uma outra, só
toma decisões ou opina após verificar atentamente a situação;
4. Nunca se vira para observar o entorno, inclina suavemente a cabeça e gira o
olho em todos os sentidos: observador dissimulado e desconfiado que
recolhe informações sem se deixar influenciar;
5. Tem o corpo lateralmente comprimido: é susceptível, pode passar em
pequenas frestas, mas evita incomodar e estorvar.
6. Tem uma crista no dorso, o que denota a fatuidade do vaidoso;
7. Possui uma cauda preênsil: hipócrita e covarde, pode apoderar-se do bem de
outros disfarçadamente, por traz.
Analisando conjuntamente a essência da maioria das imagens evocadas pelos
entrevistados para representar o departamento, pode-se perceber um volume muito grande de
motivos relacionados. São representações da estagnação, da corrupção, da degradação, da
desarmonia, da ameaça, do enlouquecimento, da impresivibilidade e da perda de limites.
Reunidas, essas imagens evocam um grande motivo, o mitologema da Terra Devastada.
Campbell (1980) utiliza o título da obra de T. S. Eliot, “The Wast Land” (“A terra
devasta”), para descrever o estado de estagnação sociológica que mina até mesmo a coragem
física e lança os indivíduos em atitudes desumanas. O motivo da Terra Devastada faz parte da
lenda do Graal, nele a terra está devastada, e só quando o Graal for reencontrado poderá haver
a cura da terra. Para Campbell (1980), a terra devastada e a terra em que todos vivem uma
vida inautêntica, fazendo o que os outros fazem, fazendo o que são mandados fazer,
desprovidos de coragem para uma vida própria. Uma vida pautada em interesses mesquinhos
e egoístas – no individualismo e na competição, por um lado, e na apatia por outro. Uma terra
onde as pessoas se esqueceram que são seres únicos, e que cada indivíduo é uma pessoa
diferente das demais. Para o autor, a beleza de uma terra rica está exatamente na convivência
dos diferentes, não apenas na mistura deles. Segundo o autor, quando se tem um lugar ou uma
era em que todos se alienam e fazem a mesma coisa, tem-se a terra devastada.
305
Campbell (1980) conta que o rei que inicialmente cuidava do Graal, era um jovem
adorável, mas que, por ainda ser muito jovem e cheio de anseios de vida, acabou por tomar
atitudes que não se coadunavam com a posição de rei do Graal. Ele partiu do castelo com o
grito de guerra "Amor!", o que é próprio da juventude, mas que não era compatível com a sua
condição de rei do Graal. Ele parte do castelo e, quando cavalgava, um muçulmano, um não
cristão, surgiu da floresta (do nível desconhecido do nosso psiquismo). Ambos erguem as
lanças e se atiram um contra o outro. A lança do rei Graal mata o pagão, mas a lança do pagão
castra o rei Graal. Como o rei e a terra são um só, toda a terra ira se ressentir e repetir o estado
de degradação do rei.
Essa história fala da arrogância e da perda da capacidade vitalizadora. Fala,
inicialmente, do amor que rejeita o diferente, que precisa se abrir para a diversidade.
Encontrar o Graal representa uma influência vitalizadora. Para Campbell (1980), um mundo
sem alma é uma terra devastada. Ele afirma que as pessoas têm a ilusão de que vão salvar o
mundo trocando as coisas ao redor, mudando as regras e mudando quem está no comando.
Para o autor, não se trata de criar um mundo novo, uma vez que qualquer mundo se torna
válido se estiver vivo. Essa vitalidade pode ser encontrada numa visitação de Eros: “O beijo
do amor (Eros) desperta a alma (Psique)”, diz S2. A visitação de Eros rompe a Melancolia.
Essa referência parece sugerir que a coisa a solução seja trazer vida ao departamento. Para
Campbell (1980) a única maneira de isso acontecer é o indivíduo descobrir, dentro de si
próprio, onde está a vida e assim se manter vivo.
Não é o propósito do presente estudo do presente estudo oferecer soluções para a crise
no departamento estudado. O objetivo das associações aqui apresentadas é, apenas sugerir um
mapa que auxilie a compreensão do substrato sobre o qual os sentidos construídos nas
comunicações entre os sujeitos estudados se sustenta. Isso será alcançado relacionando o
quadro descrito até aqui com uma visão mais próxima dos modos como os indivíduos
produzem seus sentidos na organização. Para isso será necessário analisar mais
profundamente a relação entre certas temáticas presentes nas comunicações cotidianas entre
os sujeitos e as reações emocionais que eles manifestam ao produzir associações. Isso será
feito na seção seguinte a partir da análise dos resultados dos experimentos com as associações
de palavras.
306
3.5.2 Análise do experimento com as associações
3.5.2.1 Análise das Constelações e Complexos observados em S1
No experimento com S1 foram considerados como intervalos de tempo indicadores da
presença de complexos associados às palavras-estímulo os tempos de reação acima de 4,415
segundos para a primeira metade do experimento e 4,045 segundos para a segunda
metade. Dentre as palavras que eliciaram essas reações foram selecionadas aquelas
relacionadas aos maiores tempos do grupo, além dessa foram selecionadas aquelas palavras
que se destacaram pela presença significativa outros indicadores de complexos conforme
descrito na seção 3.4.2 (Avaliação dos dados).
As palavras que despertaram em S1 as reações mais demoradas foram: perfurar,
doutorado, improdutividade, efetivo, cozinhar, mau, concurso, pão, CAPES, concorrentes,
dente, psicanalistas, grande, maracutaia e rejeitar. Dentre essas as palavras que, inicialmente,
foram consideradas palavras estímulo críticas estão grafadas em tipo itálico. Curiosamente,
excetuando-se a palavra improdutividade (onde, por se tratar de uma palavra crítica, esse tipo
de reação poderia ser esperada), as palavras que despertaram reações mais demoradas foram
palavras supostamente neutras. Esse fato, a princípio conduz a hipótese de que elas se
relacionem a complexos que dizem respeito mais a questões pessoais e o profissionais. Ao
se confirmar esse fato sua utilização se restringiu aos aspectos onde essa pessoalidade toca as
questões do departamento estudado.
Ao serem submetidas a uma observação mais atenta essas palavras parecem reunir-se
em certos grupos de afinidade. O grupo de mau, rejeitar e maracutaia que pode-se chamar
de grupo da sombra; CAPES e grande que se pode designar como autoridade; concurso e
concorrente que se pode chamar de competição; e perfurar (pela associação: cisterna), pão,
dente e cozinhar que se pode chamar de existência. Doutorado e improdutividade parecem
fazer conectar grupos diferentes: Improdutividade parece conectar os grupos da autoridade e
da sombra; e doutorado parece postar-se entre os grupos da autoridade e da competição.
À palavra mau S1 associou a palavra monstro, e comentou ter dificuldades para aceitar
que as pessoas façam maldades. Disse ainda que pessoas como “a gente” às vezes fazem
coisas erradas, mas não intencionalmente. À maracutaia S1 associou a idéia de vigarice
“arranjo, coisas para prejudicar às outras”. À rejeitar S1 associou as idéias de excluir, de jogar
307
Concorrente
.
Improdutiv.
Existência
Autoridade:
Justiça
Sombra
Competição
Regeitar
Mau /
Monstro
Maracutaia
Grande
CAPES
Doutorado.
Concurso.
Perfurar
Pão
Dente.
Cozinhar
fora e abandonar e disse ter dificuldade de rejeitar os outros, sentindo-se muitíssimo
incomodada nas ocasiões em que se sente rejeitada. Ao comentar o tempo da palavra dente,
recordou-se de um tratamento dentário complicado a que vinha se submetendo meses.
Sobre a palavra cozinhar disse ser uma tarefa pouco agradável, mas a que ela se submete com
freqüência por afeto às pessoas de quem ela gosta. Ao buscar uma associação para grande
teve enorme dificuldade e após exclamar “Meu Deus!”, associou-a à palavra universo. Ao se
referir a palavra psicanalistas se referiu a psicólogos e, depois disse, não são, nem sempre”.
Justificou-a comentando que a maioria dos psicólogos tem essa formação e que é uma
associação que as pessoas da psicologia fazem, mas não tem que ser. Com Capes relacionou
com universidade e associou a exigências, cobranças, ao não reconhecimento e a uma certa
injustiça. Com concorrentes associou a palavra dificuldades e afirmou ter passado a maior
parte da vida fazendo concursos e até hoje sem participar de nenhum arranja concorrentes. Ao
falar de concurso, voltou ao tema: disputa. Ao mencionar doutorado associou à conclusão da
vida acadêmica, à reputação e a tese. Disse ser esse o momento em que você se torna
respeitável, onde se fala e as pessoas ouvem. Com improdutividade associou defeito, depois
desgaste e prejuízo. Sobre esse tema disse ter trabalhado a vida inteira para mostrar-se
produtiva, trabalhadeira, como gostaria que as pessoas fossem. Tem um custo alto, tem medo
de adoecer e deixar de ser produtiva. Disse que a improdutividade é uma morte. Ao pão
associou início do dia.
308
Analisando as reações trazidas por S1, a primeira avaliação que se pode fazer é da
presença de um sentimento profundo de desolação. Essa sensação de desolação parece estar
relacionada à percepção de que a justiça não pode fazer frente a certas forças muito
poderosas. Pode-se observar, ainda, como causa disso, a presença de um elevado senso de
justiça e legalidade. Sua demanda por legalidade acaba conduzindo-a a um estado de
sofrimento frente a situações que ela reputa pertencerem ao campo da ilegalidade. Pode-se
observar uma hipertrofia da vida institucional em detrimento da vida pessoal e isso é denotado
por uma identificação com a instituição. Apesar de S1 se referir à demora para encontrar
associações para a palavra dente justificando-a como reminiscência de um problema dentário
recente, a configuração dos complexos parece indicar que a reação exagerada não se deva
somente a isso. Dente, enquanto símbolo se relaciona com o modo adulto do indivíduo estar
no mundo, à proatividade ou não do indivíduo: as crianças ainda não os tem, os muito velhos
não os tem mais. Sem os dentes não se está no mundo, ou se está perto demais do início ou do
fim. Em ambos os casos não se cuida, se é cuidado. Essa perspectiva parece ser aterradora
para S1. S1 revela uma preocupação excessiva de cuidar dos outros como se lutasse o tempo
todo para ser uma boa filha. Essa tarefa árdua a qual ela se impõe resulta em uma forma
peculiar de sacrifício pelos outros. Apesar da menção do ato freqüente de cozinhar, este é
praticado com sacrifício, doando com dedicação um tempo precioso em holocausto pela
felicidade dos que lhe são caros. Outros atos de afeto mais ligados ao provimento e à vida
profissional lhe são mais fáceis e prazerosos. S1 tem uma grande preocupação em se mostrar
produtiva (produzir lhe prazer) e um profundo desprezo pela improdutividade, encarada
por ela como uma mácula, um defeito. Sua preocupação com a imagem profissional, com a
respeitabilidade é muito grande e isso se traduz na desenvoltura com a qual ela executa
atividades profissionais incluindo chefia e comando. S1 possui um animus
97
muito
desenvolvido que reflete numa competência muito grande para a ação. Essa característica se
presentifica, até certo ponto, em detrimento da sua feminilidade consciente. De S1, diria Ema
Jung (1972), é possível dizer, como no Evangelho segundo São João: “No princípio era o
verbo!”, ou o sentido, ou a ação. Dir-se-ia que o princípio mais forte em S1 é o Logos e que as
exigências do Logos fazem com que o Eros por vezes seja deixado em segundo plano. As
97
De acordo com Sharp (1993), o animus pode ser definido como a contraparte masculina da mulher, é
simultaneamente um complexo pessoal e uma imagem arquetípica, exatamente como a anima é no homem.
Como uma compensação da feminilidade da mulher o animus funciona como um depósito de todas as
experiências das mulheres em relação aos homens. Enquanto a anima exerce no homem a função de alma,
oferecendo ao homem os potenciais de um Eros Maternal, o animus exerce para a mulher o papel de espírito (no
sentido de uma palavra espermática, criadora) e oferece a ela acesso ao Logos paternal.
309
evidências da existência de um complexo paterno, expressos por sua demanda pela legalidade
e esforço pelo “bom filhismo”, embora causem algum sofrimento quando ela é cobrada pelas
demandas sociais a exercitar seus “deveres” femininos, não a prejudicam de forma alguma,
em sua existência como mulher se encontra muito além do sonho das feministas. Apesar de
seu complexo paterno, manifesto por uma elevada identificação com o animus, S1 aprendeu
que não pode e nem deve se tornar igual ao homem, porque em primeiro lugar ela é mulher e
tem que permanecer mulher, pode-se dizer porém que S1 possui uma certa dose de espírito
masculino e, como diria Ema Jung (1972), esse espírito tornou-se maduro o suficiente para
começar a procurar por seu lugar e sua efetividade no todo da personalidade. Pode-se dizer
que, se a anima ajuda o homem a perceber, o animus ajuda a mulher a reconhecer e,
especialmente, a compreender (Ema Jung, 1972). S1 encontrou uma equação que lhe permitiu
exercitar essas capacidades sem se distanciar demais das posturas tipicamente femininas. Esse
parece ter sido o instrumento que guiou o sucesso que S1 exibiu até aqui no departamento, e
essa parece ter sido a fonte de sua capacidade de liderança e negociação.
310
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1
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4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
Cabeça
Verde
Água
Perfurar
Assassinato
* Alcoólatra
Cinco
* Doutorado
* Aposentar
Mesa
* Crise
Cadeira
Mal-humorado
*Improdutividade
Lago
Doente
* Efetivo
Cozinhar
* Perder
Tinta
Mau
* Interesses
Nadar
* Concurso
Azul
o
* Turno
Selvagem
CAPES
Árvore
* Banca
Amarelo
* Competição
Montanha
* Concorrentes
Sal
Novo
* Mal-estar
Cavalgar
* Reprovar
Bobo
Caderno
* Particular
Dente
Correto
* Atendimento
Sujo
Livro
* Lacanianos
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50
C C C C C C C C C C C C C E E C E C E C E C C C C C C C C C C C C C C E C C E C C C C C E E E C E E
0 0 0 0 0 0 2 1 2 1 0 0 0 1 1 0 1 0 2 0 1 2 0 0 1 3 2 0 1 2 2 0 0 0 2 2 1 0 2 2 0 0 0 2 3 3 2 0 2 2
3.5.2.1.1 Sujeito 1: Tempo de reação por palavra-estímulo (1 – 50)
λ – reprodução certa (C) ou errada (E)
β – indicador de complexo (quantidade)
Tempo de reação em segundos
Palavras
estímulo
λ
β
4,41
311
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
Sapo
Separar
* Psicanalistas
Fome
* Auto-imagem
Lei
* Excluído
Nublado
* Prejudicar
Criança
* Arrogante
Querido
*Corporativismo
Brigar
* Orientando
Grande
* Panelinhas
Pintar
* Behavioristas
Velho
Flor
* Radical
Caixote
* Maracutaia
Família
* Chefia
Vaca
Estranho
* Currículo
* Rejeitar
Decência
Estreito
* Substituto
Narrar
Cegonha
* Avalião
Cerveja
* Mestrado
Incêndio
* Clínica
Porta
* Departamento
Serragem
Quieto
* Jornada
Caçoar
* Individualista
Colorido
Setor
Falar
51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 100
C E C C C C E C E E C C C E E C C C C C E C E C C C C E C E C E E C C E C C E C C E C E E C E C C C
0 1 2 0 0 0 2 0 2 1 0 0 0 2 1 2 0 0 1 1 2 0 2 0 1 0 1 1 1 2 1 1 2 1 1 1 0 1 3 0 1 3 2 1 1 1 1 0 1 0
Sujeito 1: Tempo de reação por palavra-estímulo (51 – 100)
λ – reprodução certa (C) ou errada (E)
β – indicador de complexo (quantidade)
Tempo de reação em segundos
Palavras
estímulo
λ
β
4,045
312
3.5.2.2 Análise das Constelações e Complexos observados em S2
No experimento com S2 foram considerados como intervalos de tempo indicadores da
presença de complexos associados às palavras-estímulo os tempos de reação acima de 2, 71
segundos para a primeira metade do experimento e 2,565 segundos para a segunda
metade. Dentre as palavras que eliciaram essas reações foram selecionadas aquelas
relacionadas aos maiores tempos do grupo, além dessa foram selecionadas aquelas palavras
que se destacaram pela presença significativa outros indicadores de complexos conforme
descrito na seção 3.4.2 (Avaliação dos dados).
As palavras que despertaram em S2 as reações mais demoradas foram: aposentar,
improdutividade, efetivo, cozinhar, sapo, behavioristas, maracutaia, rejeitar, individualista.
Dentre essas as palavras que, inicialmente, foram consideradas palavras estímulo críticas
estão grafadas em tipo itálico. Diferentemente de S1 as palavras que produziram respostas
depois dos maiores lapsos de tempo foram inicialmente propostas como sendo palavras
críticas logo, as reações se deram dentro do esperado. Do grupo das palavras que despertaram
reações mais demoradas apenas cozinhar e sapo foram palavras inicialmente pensadas como
neutras. Nesse caso, mantém-se a hipótese de que elas se relacionem a complexos que dizem
respeito mais a questões pessoais e não profissionais. Ainda assim, da mesma forma que no
experimento anterior (S1) será feita a sua utilização restringindo-se esse uso, da mesma forma
que antes, aos aspectos onde essa pessoalidade toca as questões do departamento estudado.
Diferentemente de S1, ao serem submetidas a uma observação mais atenta as palavras
do experimento com S2 não se reuniram tão facilmente em grupos de afinidade. Pelo
contrário, formaram relações de significação com as associações feitas e destacaram-se por
aparentemente girar em torno de um pequeno grupo de questões. Pares entre palavras
estímulo e associações saltaram aos olhos: improdutividade e procrastinação, sapo e príncipe,
behavioristas e positivistas, individualista e egoísta, rejeitar e matar, efetivo e eficaz,
aposentar e parar, banca e banco, e, cozinhar e comida. Houve uma palavra (velho) que
embora não tenha produzido um tempo de resposta demasiadamente intenso (ainda que
estivesse acima do limite estabelecido para os tempos de reação) caracterizou-se por uma
reação emocionada onde S2 afirmou que essa palavra já havia sido apresentada antes e, tendo
descoberto seu engano, enfatizou: Velho Novo. Ao que, logo depois completou, ainda
frustrado: teria sido imediata (a associação)!
Ao ser questionado por sua associação da palavra individualista com a palavra egoísta
S2 disse que o havia feito em decorrência da temática oferecida num de seus cursos. Disse
313
que a resposta que ele tinha era mais elaborada e que, por isso, demorou e emitir a resposta.
Disse querer se referir ao ser humano na modernidade, uma associação filosófica. Essa
explicação se repetiu em vários outros pontos do experimento. Segundo o próprio S2: Eu
fiquei percebendo que eu proponho... Algumas respostas tem a ver com a... O esclarecimento
do conceito”.
Ao ser questionado quanto a relação entre maracutaia e a figura de Macunaíma descreveu o personagem
como o rei da maracutaia, o representante típico do brasileiro.
Ao fazer a reprodução do experimento e ser apresentado a palavra matar pela segunda
vez S2 reproduziu-a erradamente, corrigiu-se e explicou gaguejando que sem perceber havia
começado a fazer o experimento de novo, buscando outras palavras. Já, num segundo
momento, quando questionado sobre a relação entre rejeitar e matar, S2 teve nova reação de
gagueira muito intensa e explicou novamente o motivo de seu engano anterior (sabia das
regras, mas sem querer, vinha outra palavra antes e ele deixava prosseguir). Somente após
isso, explicou a sua associação. Curiosamente, ao enveredar-se por uma explicação racional e
de cunho filosófico a gagueira desapareceu.
Ao se referir à associação entre behavioristas e positivistas (uma relação óbvia, mas em
um tempo muito longo), S2 afirmou ter uma história longa e ambivalente com o
behaviorismo, começou o curso interessado em psicanálise, tornou-se behaviorista, cursou o
mestrado em um centro de behaviorismo dos EUA, passou por várias abordagens até que, de
volta ao Brasil retornou à psicanálise. Disse apreciar muito por um lado e por outro critica
algumas formas como ele é assumido. É interessante lembrar que, no passado, ele foi o pivô
da disputa com os behavioristas, foi dele a idéia da criação de um departamento de
psicanálise.
Ao observar a associação entre sapo e príncipe alguns pontos se destacam, foi uma
reação demorada, S2 afirmou não ter entendido a palavra-estímulo e finalmente a associação
propriamente dita. Apesar de óbvia, pelos contos de fada, é uma associação aparentemente
infantil dentro do contexto das outras associações feitas por S2. Todos esses pontos fazem
supor que um conteúdo desconhecido tenha sido mobilizado no momento da reação.
Ao se referir à associação entre banca e banco justificou-se dizendo que a primeira
lembrança foi banca examinadora e que ele reprimiu. São rituais que devem ser cumpridos,
ele disse. E continuou: “Não gosto de avaliação, não!”
Ao se referir ao par cozinhar / comida e porque o tempo de reação prolongou-se tanto,
S2 fez referência ao fato de ter “certa dificuldade” e, quando a esposa o convoca, ele procurar
fazê-lo com afeto para ocultar sua preguiça.
314
Ao ser questionado sobre a associação efetivo / eficaz, S2 disse não saber porquê mas
ajuntou que “É toda essa cultura de privilegiar a efetividade e a pressa”.
Finalmente, ao ser questionado sobre a relação entre improdutividade e procrastinação,
recordou-se de um texto medieval do Padre Manoel Bernardes chamado Luz e Calor, onde
aparece a pergunta: “Porque os nossos bons propósitos nos falham?”, logo em seguida
recordou-se de uma frase que ouvia nos EUA: “Don’t Procrastinate!”
Analisando as reações apresentadas por S2 a primeira informação que se destaca é a
frase do Padre Bernardes: “Porque os nossos bons propósitos nos falham?”. Esse parece ser o
questionamento que S2 faz a si mesmo o tempo todo. É curioso observar que foi justamente
nessa reação palavra procrastinação) que S2 encontrou sua maior demora em responder aos
estímulos. S2 parece se questionar sobre a falha na ação, na mesma medida em que busca
refúgio no conforto da teoria, no mundo das idéias. A ambivalência que aparece nesse ponto
torna a aparecer ao se referir ao behaviorismo, e, novamente, na reação defensiva que o obriga
a alterar a resposta para a palavra banca de “examinadora” para “banco”. É difícil examinar, é
difícil cumprir o que configura ritual, é difícil cumprir essa obrigação: avaliar os outros. No
entanto, em suas críticas ao efetivo (ou eficaz), como o que privilegia a pressa, e ao
individualista, chamando-o de egoísta, S2 parece fazer um julgamento. S2 parece estar
evocando as palavras de uma mãe severa: egoísta! Apressado! S2 (o que queria brincar
despreocupadamente sem se preocupar com os outros, o que queria terminar suas tarefas
rápido), ao responder, parece referir-se de novo à frase do Padre Bernardes: por que os nossos
bons propósitos nos falham? Porque somos obrigados a guardar as nossas boas intenções não
realizadas?
De todas as palavras foi a palavra rejeitar que despertou a reação mais inesperada:
despertou a gagueira, a racionalização e, finalmente, a explicação que a rejeição é o
equivalente simbólico da morte do outro. A palavra velho também desperta uma reação
alterada. O estímulo é percebido como enunciado, e associado à palavra novo. Uma
associação relativamente óbvia, como foi também sapo e príncipe... Mas o que não parece
óbvio é o tempo que essa associação leva para aparecer. As duas imagens têm um forte
conteúdo simbólico. Nos contos de fadas o sapo é um ser que possui algo que ainda não foi
transformado. É um ser inferior que espera ser transformado em um ser superior. O sapo ainda
não se tornou homem, é um proto-homem, por assim dizer, um menino: um príncipe que foi
encantado. O príncipe, segundo Chevalier e Geerbrant (1991), simboliza uma promessa. Uma
promessa de poder supremo, mas, ainda assim, uma promessa. Ele é o puer por excelência,
exprime as virtudes régias no estado da adolescência, ainda não dominadas nem exercidas.
315
Nas lendas ele é, freqüentemente, a vítima de um encantamento, e somente recupera sua
forma original sobre o efeito do amor mágico. A essas imagens do puer se juntam outras que
foram mencionadas: a ambivalência frente ao behaviorismo, a dificuldade de exercitar a
autoridade (que é forte o suficiente para reprimir associações), a escapada para o reino das
idéias e, finalmente, a referência ao Macunaíma (que luta durante toda sua vida para recuperar
o Muiraquitã somente para perdê-lo de novo por não conseguir refrear seus impulsos)
remetem ao motivo denominado pela psicologia analítica como puer aeternus. Puer aeternos
é a expressão latina que designa o deus-menino eternamente jovem, e é usada,
psicologicamente, para fazer referência a um homem mais velho cuja vida emocional,
conforme destaca Sharp (1993), permanece num nível adolescente, freqüentemente com
excessiva dependência da mãe. São características do puer: a ânsia por independência e
liberdade e a irritação com presença de limites e fronteiras. Reações como as ocorridas na
associação entre velho e novo recordam o fato de que a sombra do puer é o senex
98
. E, sobre
esse tema, destaca Sharp (1993): quem “quer que vivencie um padrão à custa do outro arrisca
a constelar o oposto” (1993, p. 133). A análise que Franz (1992), faz dos indivíduos puer
ressalta a vinculação dessa condição a um complexo materno. Para ela o homem que possui
um complexo materno terá sempre que lutar com sua tendência a se tornar um puer aeternus.
Em uma outra obra (FRANZ, 1999), destaca que o impulso do puer será sempre levar um
estilo de vida altamente provisório, ao mesmo tempo em que sonha com a fantasia de uma
vida criativa “real”, mas fazendo muito pouco para que isso se torne realidade. Tal afirmação
remete novamente ao questionamento de S2: por que nossos nobres ideais nos falham? A
autora sugere que os puer aeterni estejam sempre prestes a vestir suas fantasias de tornar-se o
salvador, ou pelo menos, de proferir a última palavra em filosofia, arte ou política,
vivenciando como inaceitável a realidade tal como ela é. Embora Von Franz (1999) veja esse
aspecto especulativo do puer como negativo, isso não se repete sempre. Outros autores,
Hillman (1979), por exemplo, consideram que a capacidade especulativa do eternamente
jovem possa ser capaz de libertar a fantasia especulativa imanente às estruturas senex calcadas
num modelo de desenvolvimento e crescimento constantes e racionalmente programadas. S2 é
elogiado
99
por ainda conseguir, num departamento paralisado e mergulhado na descrença na
98
Senex, segundo Pieri (2002), é uma expressão latina que Jung utilizou para indicar um conjunto de traços
psicológicos: por um lado equilíbrio, sabedoria, generosidade e previsão; por outro hiperconservação,
autoritarismo e falta de imaginação.
99
S1, fazendo referência a S2, comenta: Nós temos nesse momento um vice-diretor que é
Psicanalista, que é uma exceção na história, porque os psicanalistas, definitivamente não assumem
316
mudança, abraçar o sonho de transformar a ordem vigente, por incitar participação dos outros
nas decisões coletivas e chamá-los a participar dos processos. No ambiente atual do
departamento, a atitude puer de S2 parece oferecer uma alternativa para a postura decadente
(senex) vigente e isso parece ser reconhecido pelo menos por parte dos professores.
cargos administrativos”.
317
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
Cabeça
Verde
Água
Perfurar
Assassinato
* Alcoólatra
Cinco
* Doutorado
* Aposentar
Mesa
* Crise
Cadeira
Mal-humorado
*Improdutividade
Lago
Doente
* Efetivo
Cozinhar
* Perder
Tinta
Mau
* Interesses
Nadar
* Concurso
Azul
o
* Turno
Selvagem
CAPES
Árvore
* Banca
Amarelo
* Competição
Montanha
* Concorrentes
Sal
Novo
* Mal-estar
Cavalgar
* Reprovar
Bobo
Caderno
* Particular
Dente
Correto
* Atendimento
Sujo
Livro
* Lacanianos
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50
C C E C E C C C C C C C C E C C C C C C C C C E C C C C C C C C E C C C C C C C E C C C C C C C C C
0 0 1 0 1 0 0 0 0 0 0 0 1 2 0 1 1 0 1 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 1 0 0 0 1 0
3.5.2.1.2 Sujeito 2: Tempo de reação por palavra-estímulo (1-50)
λ – reprodução certa (C) ou errada (E)
β – indicador de complexo (quantidade)
Tempo de reação em segundos
Palavras
estímulo
λ
β
2,71
318
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
Sapo
Separar
* Psicanalistas
Fome
* Auto-imagem
Lei
* Excluído
Nublado
* Prejudicar
Criança
* Arrogante
Querido
*Corporativismo
Brigar
* Orientando
Grande
* Panelinhas
Pintar
* Behavioristas
Velho
Flor
* Radical
Caixote
* Maracutaia
Família
* Chefia
Vaca
Estranho
* Currículo
* Rejeitar
Decência
Estreito
* Substituto
Narrar
Cegonha
* Avaliação
Cerveja
* Mestrado
Incêndio
* Clínica
Porta
* Departamento
Serragem
Quieto
* Jornada
Caçoar
* Individualista
Colorido
Setor
Falar
51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 100
C C C C C C E E C E C C C E C C C E C C C C C C C C C C C E C C C C C C E C C C C C C C E C C C C C
2 0 0 0 0 0 1 2 0 1 0 0 0 1 0 0 1 1 0 3 0 0 0 0 2 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 2 0 0 1 0 0 1 0 2 1 0 0 0 0
Sujeito 2: Tempo de reação por palavra-estímulo (50 – 100)
λ – reprodução certa (C) ou errada (E)
β – indicador de complexo (quantidade)
Tempo de reação em segundos
Palavras
estímulo
λ
β
2,56
319
3.5.2.3 Análise das Constelações e Complexos observados em S3
No experimento com S3 foram considerados como intervalos de tempo indicadores da
presença de complexos associados às palavras-estímulo os tempos de reação acima de 3,48
segundos para a primeira metade do experimento e 5,56 segundos para a segunda
metade. Dentre as palavras que eliciaram essas reações foram selecionadas aquelas
relacionadas aos maiores tempos do grupo, além dessas foram selecionadas aquelas palavras
que se destacaram pela presença significativa outros indicadores de complexos conforme
descrito na seção 3.4.2 (Avaliação dos dados).
As palavras que despertaram em S3 as reações mais demoradas foram: improdutividade,
efetivo, nadar, concurso, banca, amarelo, montanha, caderno, criança, arrogante, querido,
brigar, pintar, behavioristas, flor, radical, maracutaia, descência, cegonha, deapartamento.
Dentre essas, as palavras que, inicialmente, foram consideradas palavras estímulo críticas
estão grafadas em tipo itálico. Diferentemente do que ocorreu com S1 e S2, entre as palavras
que produziram respostas depois dos maiores lapsos de tempo, estavam distribuídas de modo
relativamente equitativo aquelas que, inicialmente haviam sido propostas como sendo
palavras críticas (logo, com reações dentro do esperado) e palavras consideradas inicialmente
neutras. Existe no experimento de S3 um ponto que é digno de nota: a presença de um
elevado número de reações em mais de uma palavra, especialmente na segunda fase do
experimento. Esse fato, isoladamente, conduziria a hipótese de que teria havido um boicote ao
experimento da parte de S3. Essa hipótese se justificaria pelo fato de S3 não padecer de
nenhuma limitação cognitiva que o impedisse de seguir ou de entender as instruções. No
entanto, ainda durante o experimento, ao ser questionado se havia compreendido corretamente
a instruções, S3 disse que sim e realçou o fato de que aquela era a forma como as associações
passaram a acontecer. Nesse caso, mantém-se a hipótese de que esse tipo de reação se
relacione a complexos e como tal elas são aqui tratadas. Ainda assim, da mesma forma que
nos experimentos anteriores será feita a sua utilização restringindo-se esse uso, da mesma
forma que antes, aos aspectos onde a pessoalidade do entrevistado toca as questões do
departamento estudado.
Ao se analisar atentamente as associações de S3 pode-se observar que algumas delas
podem ser reunidas em grupos de afinidade, embora com menos evidência que no caso de S1:
Departamento qual S3 associou ambigüidade), brigar qual S3 associou com “não é
bom”), radical (angry man) e Behavioristas (ao que S3 associou baixo nível) poderiam ser
reunidas num grupo de difícil denominação, S3 tem uma história de confrontos com os
320
behavioristas, o departamento é ruim e bom, um amigo do sul brigou com todos e ao ser
contatado não responde, e brigar “é melhor não” (trás conseqüências e depois se tem que
conviver). Um outro grupo também se destacou: Cegonha (mexe com a gente), pintar (bom
para fazer na aula), flor (não me ocupo muito) e criança (que bom que eu não sou mais)
apesar de serem temas aparentemente prosaicos S3 teve neles tempos prolongados de reação e
parece ter feito associações valorativas. Associações valorativas estiveram presentes também
num outro grupo de palavras. caderno (revista de 2 ª categoria), improdutividade
(corporativismo), Arrogante (vazio), maracutaia (concurso “publico”, com aspas”), concurso
(maracutaia), efetivo (substituto), todas elas tem alguma relação com o departamento e
poderiam reunir em torno da palavra estímulo decência à qual S3 associou a hipocrisia.
Uma associação interessante foi feita a palavra nadar, S3 associou-a a ficar molhado e
comentou ter tentado fazer aulas às quais suportou por apenas dois meses e abandonou, achou
“muita encheção de saco” e não gostou de voltar para casa molhado. Apesar de não se poder
desconsiderar os motivos de S3, porém ao se trabalhar com sua associação num nível
simbólico teremos que nadar implica em submergir-se em água, de certa forma se identificar
com algo, aproximar-se de forma muito intensa, se aprofundar. Nadar remete a idéia de
consubstanciação: tornar-se presente naquela coisa. Essa associação remete a uma outra,
quando apresentado a palavra querido S3 afirmou: “é melhor ser respeitado!” , como se
afirmasse é melhor o logos que o Eros. Tal tendência à racionalização e a possível rejeição à
afetividade talvez explique sua reação prolongada às palavras cegonha, pintar, flor (minha
esposa gosta, mas eu acho que não consigo). Nas associações feitas em relação ao
departamento mostrou certo grau de ambivalência e tendências para efetuar julgamentos e
construir polarizações. O próprio S3 aparenta estar entre dois pólos: talvez se envolva em
muitos projetos de departamento, é possível que enxergue com nitidez questões relevantes que
necessitem dedicação para mudar, mas, por outro lado, carece de um envolvimento pessoal
nessas questões. A fala de S3 durante o experimento e as suas reações apresentam uma
tonalidade de possessão pela anima: apresentou-se como uma titia caprichosa, volúvel,
temperamental, cínica, descontrolada e emocional, cruel, maliciosa e desbocada
100
.
100
Segundo Sharp (1993).
321
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
Cabeça
Verde
Água
Perfurar
Assassinato
* Alcoólatra
Cinco
* Doutorado
* Aposentar
Mesa
* Crise
Cadeira
Mal-humorado
*Improdutividade
Lago
Doente
* Efetivo
Cozinhar
* Perder
Tinta
Mau
* Interesses
Nadar
* Concurso
Azul
o
* Turno
Selvagem
CAPES
Árvore
* Banca
Amarelo
* Competição
Montanha
* Concorrentes
Sal
Novo
* Mal-estar
Cavalgar
* Reprovar
Bobo
Caderno
* Particular
Dente
Correto
* Atendimento
Sujo
Livro
* Lacanianos
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50
C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C E C C C C C C C C C E C C C C C C C C E C C C C E C C C C C
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 3 1 0 1 2 1 1 1 1 1 2 1 1 0 1 1 3 0 0 3 3 2 1 0 1 0 0
3.5.2.1.3 Sujeito 3: Tempo de reação por palavra-estímulo (1 – 50)
λ – reprodução certa (C) ou errada (E)
β – indicador de complexo (quantidade)
Tempo de reação em segundos
Palavras
estímulo
λ
β
3,48
322
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
Sapo
Separar
* Psicanalistas
Fome
* Auto-imagem
Lei
* Excluído
Nublado
* Prejudicar
Criança
* Arrogante
Querido
*Corporativismo
Brigar
* Orientando
Grande
* Panelinhas
Pintar
* Behavioristas
Velho
Flor
* Radical
Caixote
* Maracutaia
Família
* Chefia
Vaca
Estranho
* Currículo
* Rejeitar
Decência
Estreito
* Substituto
Narrar
Cegonha
* Avaliação
Cerveja
* Mestrado
Incêndio
* Clínica
Porta
* Departamento
Serragem
Quieto
* Jornada
Caçoar
* Individualista
Colorido
Setor
Falar
51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 100
C C E C C C C C E C C C C E C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C E E E C C
2 0 3 2 0 2 1 1 0 1 0 2 1 2 1 2 1 2 1 1 2 2 0 3 1 2 1 1 1 1 1 1 1 0 1 1 1 0 0 0 1 0 0 1 1 3 2 3 1 2
Sujeito 3: Tempo de reação por palavra-estímulo (50 – 100)
λ – reprodução certa (C) ou errada (E)
β – indicador de complexo (quantidade)
Tempo de reação em segundos
Palavras
estímulo
λ
β
5,56
323
3.5.2.4 Análise das Constelações e Complexos observados em S4
No experimento com S4 foram considerados como intervalos de tempo indicadores da
presença de complexos associados às palavras-estímulo os tempos de reação acima de 2,65
segundos para a primeira metade do experimento e 2,525 segundos para a segunda
metade. Dentre as palavras que eliciaram essas reações foram selecionadas aquelas
relacionadas aos maiores tempos do grupo, além dessas foram selecionadas aquelas palavras
que se destacaram pela presença significativa outros indicadores de complexos conforme
descrito na seção 3.4.2 (Avaliação dos dados).
As palavras que despertaram em S4 as reações mais demoradas foram: improdutividade,
lago, tinta, mau, CAPES, concorrentes, bobo, separar, auto imagem, grande, maracutaia e
falar. Dentre essas, as palavras que, inicialmente, foram consideradas palavras estímulo
críticas estão grafadas em tipo itálico. Também neste caso, entre as palavras que produziram
respostas depois dos maiores lapsos de tempo, estavam distribuídas de modo relativamente
equilibrado aquelas consideradas, inicialmente, críticas e palavras consideradas inicialmente
neutras. Nesse caso, mantém-se a hipótese de que esse tipo de reação se relacione a
complexos e como tal, essas reações são aqui tratadas. Ainda assim, da mesma forma que nos
experimentos anteriores será feita a sua utilização restringindo-se esse uso, da mesma forma
que antes, aos aspectos onde a pessoalidade do entrevistado toca as questões do departamento
estudado.
Ao se analisar atentamente as associações de S4 pode-se observar que algumas
semelhanças com o material trazido por S1: Em ambos os casos pode-se observar a presença
de uma relação vigorosa com o animus. que enquanto em S1 essa identificação se
apresenta de uma forma mais produtiva, no caso de S4 parece que existe uma forte
necessidade de atender a certas demandas que um dia foram externas, mas que hoje são
internas. Poder-se-ia levantar a hipótese de um complexo paterno muito forte que se expressa
em dificuldade de lidar com as separações: a palavra estímulo separar, por exemplo eliciou
uma resposta gaguejante “se-sec-secção” e, logo depois, cisão S4 ainda se refere ao ex-
marido, após anos de separação como “meu marido”. Suas associações algumas vezes são
expressas sob a forma de opinões, por exemplo: improdutividade / falta do que fazer (só não é
produtivo quem não tem o que fazer!) o que se torna importante se percebermos que, para S4
as demandas da CAPES não são conscientemente importantes, trata-se “apenas” de um órgão
do governo. Por outro lado, a CAPES é também um órgão do governo e por esse motivo
expressa uma idéia de autoridade.
324
Sua relação com a autoridade é bastante diferente da de S1, enquanto S1 luta para
manter sua imagem se empenhando no cuidado e na atenção para com aqueles do seu meio.
S4 aparenta um certo grau de imobilidade em função das pressões de sua autoridade
introjetada.Ela não luta para atender as demandas externas em busca de reconhecimento, ela
parece lutar para obter o seu próprio reconhecimento.
325
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
Cabeça
Verde
Água
Perfurar
Assassinato
* Alcoólatra
Cinco
* Doutorado
* Aposentar
Mesa
* Crise
Cadeira
Mal-humorado
*Improdutividade
Lago
Doente
* Efetivo
Cozinhar
* Perder
Tinta
Mau
* Interesses
Nadar
* Concurso
Azul
o
* Turno
Selvagem
CAPES
Árvore
* Banca
Amarelo
* Competição
Montanha
* Concorrentes
Sal
Novo
* Mal-estar
Cavalgar
* Reprovar
Bobo
Caderno
* Particular
Dente
Correto
* Atendimento
Sujo
Livro
* Lacanianos
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50
C C E C C C C C C C C C C C C C C E C E C C E C C E C C C C C E C E C E C C E C C C C C C C E C C C
0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 2 0 1 1 0 2 0 0 2 0 0 0 3 0 1 0 1 0 1 0 0 1 0 0 1 0 0 0 0 1 0 0 0
3.5.2.1.4 Sujeito 4: Tempo de reação por palavra-estímulo (1 – 50)
λ – reprodução certa (C) ou errada (E)
β – indicador de complexo (quantidade)
Tempo de reação em segundos
Palavras
estímulo
λ
β
2,65
326
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
Sapo
Separar
* Psicanalistas
Fome
* Auto-imagem
Lei
* Excluído
Nublado
* Prejudicar
Criança
* Arrogante
Querido
*Corporativismo
Brigar
* Orientando
Grande
* Panelinhas
Pintar
* Behavioristas
Velho
Flor
* Radical
Caixote
* Maracutaia
Família
* Chefia
Vaca
Estranho
* Currículo
* Rejeitar
Decência
Estreito
* Substituto
Narrar
Cegonha
* Avaliação
Cerveja
* Mestrado
Incêndio
* Clínica
Porta
* Departamento
Serragem
Quieto
* Jornada
Caçoar
* Individualista
Colorido
Setor
Falar
51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 100
C E E C E C C E C C C C C E C C C C C C C E C E C C C C E E E C C C C C C C C C C C C E C C C C C E
0 4 2 0 1 1 0 1 0 0 0 0 0 2 0 1 0 0 0 0 0 1 0 2 0 0 0 1 1 0 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 2
Sujeito 4: Tempo de reação por palavra-estímulo (50 – 100)
λ – reprodução certa (C) ou errada (E)
β – indicador de complexo (quantidade)
Tempo de reação em segundos
Palavras
estímulo
λ
β
2,525
327
3.5.2.5 Análise das Constelações e Complexos observados em S5
No experimento com S5 foram considerados como intervalos de tempo indicadores da
presença de complexos associados às palavras-estímulo os tempos de reação acima de 2,505
segundos para a primeira metade do experimento e 2,43 segundos para a segunda
metade. Dentre as palavras que eliciaram essas reações foram selecionadas aquelas
relacionadas aos maiores tempos do grupo, além dessas foram selecionadas aquelas palavras
que se destacaram pela presença significativa outros indicadores de complexos conforme
descrito na seção 3.4.2 (Avaliação dos dados).
As palavras que despertaram em S5 as reações mais demoradas foram: Alcoólatra, lã,
aposentar, cadeira, azul, CAPES, Sapo, Separar, Maracutaia, Estranho. Dentre essas, as
palavras que, inicialmente, foram consideradas palavras estímulo críticas estão grafadas em
tipo itálico. Também neste caso, entre as palavras que produziram respostas depois dos
maiores lapsos de tempo, estavam distribuídas de modo relativamente equilibrado aquelas
consideradas, inicialmente, críticas e palavras consideradas inicialmente neutras. Nesse caso,
mantém-se a hipótese de que esse tipo de reação se relacione a complexos e como tal, essas
reações são aqui tratadas. Ainda assim, da mesma forma que nos experimentos anteriores será
feita a sua utilização restringindo-se esse uso, da mesma forma que antes, aos aspectos onde a
pessoalidade do entrevistado toca as questões do departamento estudado.
Uma série de associações de S5 revelam características interessantes a sua reação mais
demorada foi em relação à palavra Estranho à qual reagiu traduzindo-a para o holandês, sua
língua natal, veremd. S5 teve dificuldade ao produzir uma associação à palavra separar, após
4,57 segundos de hesitação. Ele mencionou um branco e respondeu com a palavra dever. Ao
se referir a palavra radical, que, apesar de ser uma reação que superou o limite de tempo
estabelecido, não se encontrava entre os valores mais altos, associou-a a palavra verde, e não
soube explicar o porque (se ainda fosse vermelho... ele diz). A cor verde também foi
associada a sapo (na Holanda, disse, os sapos são verdes). Ao se referir a banca, outra palavra
cujos tempos não ficaram acima do limite estabelecido, S5 associou-a a banco, justificando-se
ao dizer que a sua região original da Holanda as pessoas não faz diferenciação entre
masculino e feminino (poder-se-ia perguntar aqui: S5 chegou ao Brasil na década de 60, será
que não houve tempo de aprender a diferencia os gêneros?). Curiosamente S5 associou a
palavra velho a 4 palavras estímulo diferentes: novo, bobo, sujo e criança, ele mesmo se
assustou com as referências a sujo e bobo como velhos (disse ser preocupante).
O núcleo velho / bobo / sujo evoca o senex em suas características mais negativas; de
328
alguma forma sapo e radical se associam em torno da palavra verde, poder-se-ia perguntar: o
que é verde, viçoso ou tem potenciais a desenvolver como o sapo (e se opõe ao senex) é
radical? Separar foi relacionado a dever ou tarefa; estranho não encontrou uma associação,
somente uma tradução para o holandês: será que o holandês é um estranho? Será que ele
viveu todos esses anos sem realmente se integrar? Será que a leitura que ele faz da autonomia
do seu grupo (a psicologia social) se relaciona a isso? Será que por isso ele se sente à vontade
com a falta de interesse dos seus colegas em trabalharem conjuntamente, achando-a, inclusive
produtiva?
329
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
Cabeça
Verde
Água
Perfurar
Assassinato
* Alcoólatra
Cinco
* Doutorado
* Aposentar
Mesa
* Crise
Cadeira
Mal-humorado
*Improdutividade
Lago
Doente
* Efetivo
Cozinhar
* Perder
Tinta
Mau
* Interesses
Nadar
* Concurso
Azul
o
* Turno
Selvagem
CAPES
Árvore
* Banca
Amarelo
* Competição
Montanha
* Concorrentes
Sal
Novo
* Mal-estar
Cavalgar
* Reprovar
Bobo
Caderno
* Particular
Dente
Correto
* Atendimento
Sujo
Livro
* Lacanianos
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50
C C C C C C C C C C C E C C C C C E C C C E E C C C E E C E C E C E C C C C C C E C C C C C C C C C
3 0 0 1 0 0 0 1 4 1 0 2 1 0 0 0 0 2 0 0 1 1 1 0 0 1 2 2 0 3 0 1 0 2 0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 0 0 0 1 0 0
3.5.2.1.5 Sujeito 5: Tempo de reação por palavra-estímulo (1 – 50)
λ – reprodução certa (C) ou errada (E)
β – indicador de complexo (quantidade)
Tempo de reação em segundos
Palavras
estímulo
λ
β
3,505
330
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
Sapo
Separar
* Psicanalistas
Fome
* Auto-imagem
Lei
* Excluído
Nublado
* Prejudicar
Criança
* Arrogante
Querido
*Corporativismo
Brigar
* Orientando
Grande
* Panelinhas
Pintar
* Behavioristas
Velho
Flor
* Radical
Caixote
* Maracutaia
Família
* Chefia
Vaca
Estranho
* Currículo
* Rejeitar
Decência
Estreito
* Substituto
Narrar
Cegonha
* Avaliação
Cerveja
* Mestrado
Incêndio
* Clínica
Porta
* Departamento
Serragem
Quieto
* Jornada
Caçoar
* Individualista
Colorido
Setor
Falar
51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 100
C E C C C C C C E C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C E C C C E C E C C C C C C C C
1 3 0 0 0 0 0 0 2 1 0 0 0 0 0 0 0 2 0 0 0 2 0 2 0 0 0 2 0 0 1 0 1 0 0 1 0 0 0 1 0 1 0 0 0 1 0 0 2 1
Sujeito 5: Tempo de reação por palavra-estímulo (50 – 100)
λ – reprodução certa (C) ou errada (E)
β – indicador de complexo (quantidade)
Tempo de reação em segundos
Palavras
estímulo
λ
β
2,43
331
3.5.2.6 Análise das Constelações e Complexos observados em S6
No experimento com S6 foram considerados como intervalos de tempo indicadores da
presença de complexos associados às palavras-estímulo os tempos de reação acima de 2,29
segundos para a primeira metade do experimento e 2,265segundos para a segunda
metade. Dentre as palavras que eliciaram essas reações foram selecionadas aquelas
relacionadas aos maiores tempos do grupo, além dessas foram selecionadas aquelas palavras
que se destacaram pela presença significativa outros indicadores de complexos conforme
descrito na seção 3.4.2 (Avaliação dos dados).
As palavras que despertaram em S6 as reações mais demoradas foram: Doente, CAPES,
sal, lei, velho, maracutaia, rejeitar, cegonha e incêndio. Dentre essas, as palavras que,
inicialmente, foram consideradas palavras estímulo críticas estão grafadas em tipo itálico.
Neste caso, não se manteve o equilíbrio dentro do grupo entre as palavras consideradas,
inicialmente, críticas e as palavras consideradas inicialmente neutras dentro do grupo das
palavras que produziram respostas depois dos maiores lapsos de tempo. Mantendo-se a
hipótese de que esse segundo tipo de reação se relacione a ação de complexos essas reações
são tratadas como tal. Do mesmo modo que nos experimentos anteriores será feita a utilização
desse material restringindo-a aos aspectos onde a pessoalidade do entrevistado toca as
questões do departamento estudado.
A série de associações de S6 revela uma atitude positiva e mais imparcial que a maioria
de seus colegas, ele parece afirmar: Eu não sou contra os critérios. A lei é necessária. Sua
referência ao mau humor poderia ser reflexo de um afeto não realizado (metaforicamente,
uma energia não fluindo?)? A hipótese dos potenciais ainda não realizados parece estar
novamente representada pelo fato dele ter bloqueado uma reação à palavra estímulo velho e à
palavra cegonha? A criança é uma psique em formação, o velho alguém que está doente (“no
hospital” diz ele fazendo um gesto de terminado). A associação de incêndio com “incêndio no
vale” é intrigante, foi associada a um bloqueio onde não compareceu uma associação verbal e
sim a imagem do incêndio, no entanto seria precipitado arriscar qualquer julgamento sobre
esse ponto.
A participação de S6 no departamento é considerada responsável e equilibrada e essa
condição parece se evidenciar nos resultados do experimento.
332
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
Cabeça
Verde
Água
Perfurar
Assassinato
* Alcoólatra
Cinco
* Doutorado
* Aposentar
Mesa
* Crise
Cadeira
Mal-humorado
*Improdutividade
Lago
Doente
* Efetivo
Cozinhar
* Perder
Tinta
Mau
* Interesses
Nadar
* Concurso
Azul
o
* Turno
Selvagem
CAPES
Árvore
* Banca
Amarelo
* Competição
Montanha
* Concorrentes
Sal
Novo
* Mal-estar
Cavalgar
* Reprovar
Bobo
Caderno
* Particular
Dente
Correto
* Atendimento
Sujo
Livro
* Lacanianos
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50
C C E C E E C E C E E E C C E C E C C C C E E E C C C C C E C C C C C C C E C C C C C C C C C C E E
0 0 2 0 4 2 0 2 0 1 2 2 0 1 2 0 2 0 0 2 0 2 3 2 0 0 0 0 1 2 1 2 0 0 0 0 1 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 3 0
3.5.2.1.6 Sujeito 6: Tempo de reação por palavra-estímulo (1 – 50)
λ – reprodução certa (C) ou errada (E)
β – indicador de complexo (quantidade)
Tempo de reação em segundos
Palavras
estímulo
λ
β
2,29
333
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
Sapo
Separar
* Psicanalistas
Fome
* Auto-imagem
Lei
* Excluído
Nublado
* Prejudicar
Criança
* Arrogante
Querido
*Corporativismo
Brigar
* Orientando
Grande
* Panelinhas
Pintar
* Behavioristas
Velho
Flor
* Radical
Caixote
* Maracutaia
Família
* Chefia
Vaca
Estranho
* Currículo
* Rejeitar
Decência
Estreito
* Substituto
Narrar
Cegonha
* Avaliação
Cerveja
* Mestrado
Incêndio
* Clínica
Porta
* Departamento
Serragem
Quieto
* Jornada
Caçoar
* Individualista
Colorido
Setor
Falar
51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 100
E C C E C C C C C C E C C C E C C C E E C C C E E C C C C E E C C E E C C C C E E C E C C E C C E E
3 0 0 3 0 0 0 0 0 0 1 0 0 2 2 0 1 0 1 2 1 0 1 1 1 0 1 2 1 2 1 0 1 3 1 1 0 1 1 3 3 1 1 0 0 1 1 0 3 1
Sujeito 6: Tempo de reação por palavra-estímulo (50 – 100)
λ – reprodução certa (C) ou errada (E)
β – indicador de complexo (quantidade)
Tempo de reação em segundos
Palavras
estímulo
λ
β
2,265
334
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
Cabeça
Verde
Água
Perfurar
Assassinato
* Alcoólatra
Cinco
* Doutorado
* Aposentar
Mesa
* Crise
Cadeira
Mal-humorado
*Improdutividade
Lago
Doente
* Efetivo
Cozinhar
* Perder
Tinta
Mau
* Interesses
Nadar
* Concurso
Azul
o
* Turno
Selvagem
CAPES
Árvore
* Banca
Amarelo
* Competição
Montanha
* Concorrentes
Sal
Novo
* Mal-estar
Cavalgar
* Reprovar
Bobo
Caderno
* Particular
Dente
Correto
* Atendimento
Sujo
Livro
* Lacanianos
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50
S1 S2 S3 S4 S5 S6
3.5.2.7 Gráfico comparativo dos resultados tempo de reação por palavra-estímulo S1 a S6 (1 – 50)
Tempo de reação em segundos
Palavras
estímulo
335
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
Sapo
Separar
* Psicanalistas
Fome
* Auto-imagem
Lei
* Excluído
Nublado
* Prejudicar
Criança
* Arrogante
Querido
*Corporativismo
Brigar
* Orientando
Grande
* Panelinhas
Pintar
* Behavioristas
Velho
Flor
* Radical
Caixote
* Maracutaia
Família
* Chefia
Vaca
Estranho
* Currículo
* Rejeitar
Decência
Estreito
* Substituto
Narrar
Cegonha
* Avaliação
Cerveja
* Mestrado
Incêndio
* Clínica
Porta
* Departamento
Serragem
Quieto
* Jornada
Caçoar
* Individualista
Colorido
Setor
Falar
51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 100
S1 S2 S3 S4 S5 S6
Gráfico comparativo dos resultados tempo de reação por palavra-estímulo S1 a S6 (51 – 100)
Tempo de reação em segundos
Palavras
estímulo
336
CAPÍTULO IV
ONDE SE CHEGA A ALGUMAS CONCLUSÕES E SE
INDICA UMA PROSPECÇÃO A NOVOS PARADIGMAS
337
Capítulo IV
ONDE SE CHEGA A ALGUMAS CONCLUSÕES E SE INDICA
UMA PROSPECÇÃO A NOVOS PARADIGMAS
Adotar a perspectiva do símbolo para analisar a produção de sentido nas organizações
de trabalho é, forçosamente, adotar uma perspectiva da interioridade, abordagem à qual a PO
não desenvolveu significativa tradição metodológica. O termo interioridade não é novo, mas
como descrito por Lapierre é “o aspecto mais secreto e mais misterioso do indivíduo, em seus
componentes tanto cognitivos como afetivos”(1994, p.234). A Psicologia Organizacional,
como instrumento dos gestores, tem se limitado a aspectos mais visíveis e conscientes. Assim,
tratar da questão da comunicação no ambiente de trabalho é tratar, portanto, da vida
interior”, ou melhor dizendo aquela vida que é pautada pela realidade psíquica. Samuels,
Shorter e Plaut (1988), recordam que a vida e seus eventos são experimentados muito mais
em termos de uma verdade narrativa do que de uma verdade histórica, dessa forma o que é
experimentado como realidade é uma forma de auto-expressão do experimentador, mesmo no
mundo do trabalho. O que é apreendido sensorialmente é percebido (interpretado e
organizado) para que sentidos sejam produzidos. Essa mediação foi perdida em grande parte
do desenvolvimento da Psicologia Organizacional. Toda consciência, o é de forma indireta,
mediada pelo sistema nervoso, por outros processos psicossensoriais e por operações
lingüísticas. Os autores ressaltam que, no léxico de Jung, tanto o mundo interno quanto o
externo são experimentados através de imagens e como imagens. Dessa forma, a psique
funciona como um mundo intermediário entre os reinos físicos (os aspectos orgânicos e
inorgânicos do mundo material) e espiritual (dos pensamentos e cognições desenvolvidos) que
nela podem se encontrar e se misturar. Além disso, como recorda Lapierre (1994) ao se referir
à influência da interioridade na gestão das organizações, a realidade psíquica é estruturada
pelo inconsciente que nas relações de trabalho se apresenta através de uma “objetivação
exterior”. O trabalho desenvolvido nesta pesquisa empenhou-se em demonstrar que, embora o
estudo da gestão de pessoas tenha sido desenvolvido através de um repertorio consciente, a
realidade inconsciente pode não ser reconhecida porem não deixa de estar presente.
A diversidade de movimentos executados na vida psíquica é extraordinariamente
grande. O fato de um estudo ser circunscrito ao espaço de um único departamento, e o número
338
de pessoas experimentais
101
se restringir a apenas seis, não diminui a complexidade da tarefa
de se descrever os meandros pelos quais transitam as subjetividades individuais em sua luta
para encontrar significações dentro dessa complexidade que se denomina organização. Dessa
forma, os resultados e as observações produzidas aqui, na tentativa de elucidar a participação
de instancias interiores nos processos de produção de sentido nas comunicações do
departamento, serão apresentadas a partir de dois eixos de confrontações:
A confrontação entre o simbólico individual (produzido pelo sujeito sob a
influência de seus complexos ideo-afetivos) e o simbólico coletivo (produzido
em grupo pelos indivíduos a partir da fricção entre as diversas realidades
psíquicas e seus sentidos individuais);
A confrontação entre o histórico do indivíduo (sua “história psíquica”, por
assim dizer, em torno das situações pessoais e de trabalho ao longo do tempo)
e o histórico do departamento (construído em incessantes intercâmbios entre a
experiência perceptiva da coletividade no histórico do trabalho e a realidade
psíquica de cada sujeito em interação com a atividade).
Ao longo do processo de investigação evidenciaram-se, nos materiais recolhidos na
entrevista e nos experimentos com as associações, motivos dramáticos comuns a vários
sujeitos, muito embora experienciados de forma individual por cada um deles. Nesses
motivos, estavam presentes uma série de fragmentos menores que, hipoteticamente, poderiam
ser considerados símbolos. Conforme proposto no estudo teórico que precedeu à pesquisa
empírica, esses “símbolos em potencial” deveriam ser investigados na tentativa de comprovar,
não somente a sua condição de símbolos, mas o seu papel, se houvesse, na produção dos
sentidos que os indivíduos extraiam da organização. Desses “símbolos em potencial”, pelo
menos três deles puderam ser considerados, graças aos resultados do experimento com as
associações de palavras, comprovadamente Símbolos dentro da coletividade estudada.
Originalmente palavras extraídas do conteúdo das entrevistas, esses Símbolos provaram serem
capazes de despertar reações intensas de conteúdo emocional nos sujeitos estudados. São eles:
improdutividade, maracutaia e CAPES. Simples palavras presentes no cotidiano dos
professores da organização estudada que, fazendo eco à afirmação de Jung (OCII), ao serem
apreendidas pelos indivíduos e penetrado sua realidade psíquica, alcançaram a condição de
símbolos verbais.
Muitas outras palavras despertaram reações semelhantes, algumas delas tiveram reações
101
Para utilizar o termo empregado por Jung (OC II).
339
compartilhadas (mais em intensidade do que em sentido atribuído) entre vários indivíduos. O
que destaca as três palavras, anteriormente referidas, é o fato de que a coincidência da reação
emocional entre os vários sujeitos ficou bastante evidente. Além disso, as associações
produzidas pelos indivíduos, ao se referirem a essas palavras-estímulo, configuraram-se
diferentes entre si. Essas diferenças, bem como outras presentes nos temas que os indivíduos
associavam a elas, foram grandes o bastante para sugerir que essas palavras despertaram a
reação de complexos individuais. Essas reações, ao permearem as relações comunicativas
dentro do contexto do departamento, poderiam interferir negativamente na interpretação de
mensagens que as tivessem como parte do conteúdo. Isso fica evidente se as confrontarmos
com as narrativas da outra parte do experimento. Dentro do contexto de cada entrevista essas
palavras são tomadas de forma diferente, sopesadas em graus diferentes pelos indivíduos
quando esses referem a si mesmos, aos colegas de “setor” ou a outrem. Por outro lado, existe
uma coincidência de interpretação, ainda que parcial, a que essas palavras remetem entre parte
do grupo estudado. Essa coincidência sugere que as reações emocionais podem, nesse caso,
ao invés de produzir uma intervenção negativa sob a forma de acirrar a discordância, reforçar
o vínculo, por exemplo, frente a uma situação adversa onde esse tema aparece. Poder-se-ia
dizer que, nessa situação, cria-se uma sinergia entre os indivíduos que compartilham de
reações semelhantes a esse estímulo crítico. Ter-se-ia então, ainda que provisoriamente, uma
união em torno do tema (ou contra aqueles que tivessem uma interpretação discordante do
tema).
As possibilidades interpretativas do experimento podem se estender um pouco mais.
Cada uma das rações individuais que despertou uma reação emocional é potencialmente um
complexo ou está ligada a um complexo. Nesse sentido, as discordâncias entre as reações se
tornam mais importantes que as concordâncias. Como exemplo, pode-se criar uma situação
hipotética: sabe-se que a palavra “radical” desperta reações emocionais em S2 (psicanalista) e
em S5 (psicólogo social) e, nos dois casos, essa reação é acompanhada de associações
negativas. Quando o termo for utilizado por S4 (behaviorista), para a qual essa palavra não
desperta reações turbulentas, num contexto onde os três se debrucem simultaneamente, isso
certamente interferirá na forma como S2 e S5 irão operar com os argumentos de S4. Nesse
ponto tem-se não a palavra crítica em si, mas também, a confluência dos encontros e
desencontros ocorridos na história do departamento (a disputa entre psicanalistas,
behavioristas e “sociais”), dos interesses diversos dos grupos de afinidade dos sujeitos (S2 e
S5 são doutores, ligados à Pós-graduação, estiveram juntos no caso da separação do
departamento de psicanálise e do “resto”; S4 é apenas mestra, restringe suas atividades a
340
graduação e era parte do “resto”) e, possivelmente, da subjetividade e dos complexos de cada
um deles (S2, foi durante muitos anos, um behaviorista e sente-se ambivalente quanto à
abordagem).
Esse contexto é o contexto em que se constelam os complexos autônomos, conforme a
denominação de Jung (OC VII): pequenas cisões de conteúdo imagético e afetivo particular
que se tornam visíveis ao ganhar autonomia e passar a atuar junto a outros conteúdos
psíquicos. Esses complexos não são originalmente patológicos, se tornam patológicos
quando se tornam autônomos e possuem o “eu”. Nesse momento tornam-se o que Maia
(2003) chamou “estrangeiro violentador”, possuindo e alterando toda a personalidade do
indivíduo desde a forma como ele utiliza a voz até a fixação em determinadas idéias ou
pensamentos. Uma vez que os complexos tendem a crescer atraindo para si tudo que a ele se
assemelha: palavras, lembranças, palavras, imagens do vivido, quando eles se manifestam
freqüentemente acontece uma dissociação da rede sociocultural de sentidos (MARONI,
2005). Nesse momento o indivíduo acaba por significar toda uma situação a partir da eclosão
desse conteúdo inconsciente. Isso leva a uma compreensão peculiar das informações que lhe
são apresentadas, informações essas que tendem a ser sempre reorganizadas a partir do
referencial do complexo. Quando isso acontece o indivíduo acaba sendo levado a assumir
uma posição inesperada e muitas vezes conflitante com os desejos do grupo.
Como foi mencionado, ao longo das entrevistas uma rie de motivos foi se
destacando nas narrativas individuais. Pôde-se observar que esses motivos eram, em alguns
pontos, compartilhados por todo o grupo pesquisado, o motivo da terra devastada parece ser o
mais evidente deles. A ele se relacionam vários outros, que irão compor um mapa de leitura
que os indivíduos irão utilizar para interpretar a sua própria organização. Não se trata de uma
associação consciente, mas da ação do motivo produzindo ou inibindo inconscientemente as
expectativas que o indivíduo vai nutrir em relação aos seus companheiros ou em relação à
coletividade. Semelhanças na interpretação desse mapa de leitura são, pudemos ver, o
motivador de cumplicidades entre os indivíduos: S3, S6 e S1, por exemplo, valorizam
questões relacionadas à produtividade e, dessa forma, possuem uma afinidade entre si. Os três
lutam, à sua maneira, contra o fantasma da devastação. Essa atividade é suficiente para
produzir neles, a despeito de possíveis interesses individuais um grau significativo de
colaboração em situações que se refiram a essa questão. No entanto as formas como esses
indivíduos se relacionam com a idéia de produtividade divergem. S1 e S6 são muito mais
idealistas que S6, muito mais pragmático e individualista. Esse fato poderia vir a
comprometer a sustentação dessa aliança caso fosse necessária a sua perpetuação.
341
Interpretações diferentes de partes do mapa de leitura parecem estar na base das
subculturas do departamento. Algumas delas ganharam um status de instituições: os
chamados setores. Esses setores se comportam segundo uma gica peculiar: tentam manter
sua hegemonia em relação aos outros e se impor ante à chefia do departamento e à
coordenação do curso, ganharam autonomia para conduzir os processos que dizem respeito ao
seus grupo e, nas partes em que esse controle ainda é exercido pela chefia, souberam
habilmente tornar-se co-participantes. Souberam paralisar vários processos propostos: reforma
curricular, mudanças no mestrado, oferta de um doutorado não por temerem mudanças na
sua área de influência, como também para evitar que grupos que interpretassem o
departamento segundo outra perspectiva tivessem obtivessem algum benefício. Além disso, os
setores buscam atrair para si elementos (professores substitutos, auxiliares e titulares) que
contribuam para a manutenção ou a ampliação de seu poder ou da sua área de influência.
foi dito que essa autonomia pode, metaforicamente, ser equiparada à dos complexos.
Conforme foi observado nesse estudo, essa comparação é válida. Os setores têm uma atuação
patológica dentro do departamento e, utilizando uma metáfora energética, drenam um energia
fundamental à manutenção da higidez do departamento.
Dito isto, seria importante destacar que o estudo aqui desenvolvido trouxe elementos
que possibilitariam apontar a presença de algo semelhante ao que Kimbles (2000) chamou de
complexos culturais e que aqui, numa tentativa de circunscrevê-los denominou-se complexos
organizacionais. Certos complexos detectados na investigação empírica parecem operar tanto,
individual quanto coletivamente, nos membros do departamento, na dinâmica psíquica do
grupo. Para restringir essa observação ao dado empírico mais evidente: as palavras
maracutaia, CAPES e improdutividade e suas diversas associações parecem se prestar como
evidências da presença desses complexos.
Para aprofundar essa percepção seria importante pesquisar como o conjunto das
associações que circundam essas palavras símbolo operam no nível grupal do inconsciente do
departamento. Investigar ainda como as crenças e emoções grupais e individuais são
organizadas por elas. Não se pode afirmar com certeza se essas palavras símbolo fazem
referência ao tema do núcleo central do complexo ou se são ligadas, simplesmente, a
situações periféricas. De todo modo, foram reunidos elementos suficientes para indicar que
essas palavras símbolo específicas funcionam autonomamente dentro de cada indivíduo
organizando sua interpretação da realidade e, simultaneamente, dentro do grupo organizando
as atitudes, emoções e comportamentos que constituem a vida do departamento.
Kimbles (2000), aponta para esses complexos como facilitadores ou dificultadores do
342
relacionamento afetivo dos indivíduos com os padrões culturais do grupo. Foi exatamente a
esse resultado que se chegou aqui. Poder-se-ia dizer que a dinâmica vital dos setores é regida
pela dança de complexos como os detectados. O senso individual de pertença e identificação
com o setor é sustentado por eles. Também o é toda a postura crítica e preconceituosa
manifesta em relação aos indivíduos e grupos concorrentes.
O material das entrevistas é riquíssimo e na retirada das palavras críticas para o
experimento com as associações foi necessário fazer escolhas. Provavelmente fossem outras
as palavras críticas um número diferente de respostas indicadoras de complexos
organizacionais poderia ter sido atingido. Idéias como reforma curricular ao ser transpostas
para o experimento tiveram que ter sua estrutura alterada para que pudessem se encaixar no
modelo “uma palavra” estímulo do experimento. Nessa transposição, onde se optou por
utilizar a palavra “currículo” para fazer menção ao currículo acadêmico motivo da reforma,
sua força foi muitíssimo atenuada. Em conseqüência disso, a quase totalidade das associações
feitas foi em relação a curriculum vitae. Ainda que se possa ter presente ai algum tipo de
evitação do conteúdo complexo “reforma curricular”. Tornou-se difícil argumentar com os
sujeitos durante a fase da discussão para obter informações nesse sentido. Qualquer iniciativa
mais firme nessa direção poderia funcionar como uma indução da resposta desejada o que
invalidaria a tentativa.
Finalizando, se for feita uma análise conjunta do material apresentado pelos sujeitos na
tentativa de se desenhar uma visão geral dos complexos que se postariam nos bastidores do
departamento, poder-se-ia sugerir que o departamento vive sob a inércia passiva de um
complexo materno. O departamento jamais se recompôs da perda do seu pai fundador e hoje
essa velha senhora mantém seus filhos em torno de si. Seus professores são, metaforicamente,
filhos solteiros que não saem de casa, tem amantes, mas falta-lhes a energia suficiente para
deixar a casa materna e tentar uma vida autônoma. Eles não florescem e não fazem florescer,
estão garantidos, o seio da velha mãe não nutre mais com antes, mas eles ainda tem forças
para disputar entre si o que sobrou do leite. A grande mãe sustenta-os, mas os mantém numa
relação urobórica: por mais que eles produzam, por mais que obtenham não é uma vida que
lhes satisfaz. Os filhos perderam o pai, e com ele perderam a capacidade discriminativa, a
capacidade de perceber as minúcias, as sutilezas. Utilizando as palavras de Hillman “A mãe
encoraja o filho: adiante, abrace tudo. Para ela, tudo significa todas as coisas. A instrução
do pai, ao contrário, é: tudo significa nada a menos que o tudo seja precisamente
discriminado”. Esse parece ser o drama da busca individual dos indivíduos no departamento
pelos sentidos. Muitos o buscam fora, em outras instituições, outros preferem acusar os
343
“concorrentes” de alijá-los das oportunidades de realizar sua busca, existem muitas variações,
mas a falta do pai e a abertura para o tudo que a mãe oferece parecem criar uma geração de
pessoas vorazes, incapazes de reconhecer seus irmãos e preocupados demais em buscar a
satisfação imediata para os seus próprios desejos. Isso os impede de encontrar o sentido na
sua própria existência no departamento. Talvez por isso a terra esteja devastada. Talvez seja
por isso que o departamento esteja paralisado, como dizem alguns depoentes: para que exista
autoria é preciso haver autoridade. A autoridade no departamento é buscada na instituição,
não é buscada por fatos. Talvez por isso seja tão difícil escolher um líder e a sua posse seja
feita quase às escondidas e talvez por isso quando aparece um líder ele seja destituído logo. O
vácuo na liderança do departamento parece estar longe de ser preenchido.
A clara identificação desses aspectos interiores numa investigação da comunicação
como variável significativa de um dos mais importantes processos de trabalho, indica uma
potencialidade que a Psicologia Organizacional ainda apresenta para ser desenvolvida. Talvez
os gestores pensem que eles controlam muito mais a realidade que comandam do que a
regulam de fato. Talvez isso se dê pela simples razão de que eles ainda não perceberam o peso
dessa dimensão interior. Os sentidos que energizam e sustentam o desempenho no trabalho
são assumidos por muitos estudiosos da administração como a fonte da sinergia tão necessária
na gestão dos negocios no contexto do mundo globalizado. Quando esses sentidos são
estudados sob o ponto de vista do inconsciente, como o presente trabalho procurou evidenciar,
revelam uma vereda que merece mais investigação da psicologia organizacional. Seria
possível especular que uma dedicação mais dedicada a essa abordagem ofereceria novos
recursos para os esforços que muitos psicólogos vem produzindo para a melhora da qualidade
de vida no trabalho.
Hollwitz e Stein (1992) destacam que Jung tendia a ver com suspeita as organizações
encarando-as como inimigas do processo de individuação. Essa postura acabou sendo adotada
por muitos de seus continuadores e conduziu-os a se dedicarem a outras áreas da experiência
humana com muito mais freqüência e dedicação. Em conseqüência desse hiato poucos
trabalhos, conforme foi demonstrado, tem sido produzidos buscando relacionar a psicologia
organizacional e a psicologia analítica de Jung. Durante a realização do presente trabalho
houve a possibilidade de se estudar um problema do universo organizacional a partir do
referencial analítico junguiano. A partir da consecução dessa tarefa fica a abertura para que
novas investigações possam ser conduzidas utilizando esse referencial. Nesse mesmo estudo
algumas questões permaneceram em aberto e poderiam dar origem a estudos futuros. Essas
possibilidades são apresentadas a seguir:
344
Seria viável a aplicação da metodologia empregada no presente estudo, ou de algum
processo dela derivado, no cotidiano das organizações de trabalho como um instrumento
diagnóstico para avaliação de dificuldades relacionais entre seus membros?
O reconhecimento ou detecção dos complexos organizacionais poderia ser utilizado
como um instrumento de facilitação durante a elaboração de programas de gerenciamento de
informações na organização?
Seria viável se propor um processo de “gestão” das crises organizacionais pela via
simbólica? Em que moldes essa intervenção poderia ser feita? Quais seriam os limites éticos
em que tal intervenção esbarraria?
E, finalmente, seria possível antecipar crises futuras através da análise dos mecanismos
pelos quais os símbolos coletivos e os afetos individuais interagem no cotidiano das
organizações?
345
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organizationalpsychology. Vol 72 (1), Mar, 1999.
232. SINGER, Thomas and KIMBLES, Samuel L. The Cultural Complex. London:
Brunner-Routledge, 2004.
233. SPRING JOURNALdisponível em: <http://www.springjournalandbooks.com/cgi-
bin/ecommerce/ac/ agora.cgi> Último acesso em: 17/12/2004.
234. STAKE, Robert E. The art of Case Study research. Thousand Oaks: Sage
Publications, 1995.
235. STEFFY, Brian & GRMES, Andrew. Personel/Organizational Psychology a critique
of a discipline. In: ALVESSON, M & WILMOTT, H. Critical Management Studies.
London: SAGE, 1992.
236. STEYRER, Johannes. Charisma and the archetypes of leadership. In: Organization
studies. Vol 19 (5), 1998.
237. STRATI, Antonio. Organization and aestetics. London: Sage Publications, 1999.
238. STREY, M. N. et al. Psicologia social contemporânea. Petrópolis: Vozes, 2002.
239. SUASSUNA, Ariano. O romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue
do vai-e-volta. Rio de janeiro: José Olympio, 2005.
240. TASSARA, Eda T. O. e RABINOVICH, Elaine P. A invenção do urbano e o
poético: uma cartografia afetiva: estudo sobre o bairro paulista da Barra Funda. In:
TASSARA, E. T. O. Panoramas interdisciplinares para uma psicologia
ambiental do urbano. São Paulo: EDUC / FAPESP, 2001.
241. TELLES, Vera Stela. A Leitura Cognitiva da Psicanálise: Problemas e
Transformações de Conceitos. Psicologia USP. [online]. 1997, vol.8, no.1 [citado 21
Julho 2004], p.157-182. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
65641997000100010&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 0103-6564.
360
242. TESCAROLLI, Lílian. Identidade e profissão: um estudo sobre a identidade do
psicólogo professor universitário e clínico. 1999. 206 f. Dissertação (Mestrado) –
Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.
243. TOMAZELLI, Emir. Corpo e conhecimento: uma visão psicanalítica. o Paulo: Casa do
Psicólogo, 1998.
244. UNIVERSIDADE DE LISBOA / FACULADADEDE CIÊNCIAS. Artistas matemáticos
/ matemáticos artistas: Albrecht Dürer. Disponível em:
<http://www.educ.fc.ul.pt/icm/icm2000/icm33/Durer2.htm> Último acesso em:
17/06/2005.
245. VERDADE, Marisa Moura. Uma noção de ecologia mental da morte para a
psicologia do desenvolvimento humano: a questão da "troca simbólica de alma
com a morte" numa instituição de apoio ao paciente com câncer. Tese de
Doutorado apresentada ao programa de Doutorado em Psicologia Escolar e do
Desenvolvimento Humano do Instituto de Psicologia da USP, São Paulo: USP,
2003.
246. VIEIRA, André Guirland e SPERB, Tânia Mara. O brinquedo simbólico como uma
narrativa. Psicol. Reflex. Crit. [online]. 1998, vol.11, no.2 [citado 21 Julho 2004],
p.233-252. Disponível na em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
79721998000200005&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 0102-7972.
247. VITALE, A.Oarqtipodesaturnoouatransformaçãodopai. In:HILLMAN,James et
al.Pais ees. São Paulo: Símbolo, 1979
248. von FRANZ, M.-L. Psyche and Matter. Boston: Shambhala, 1992.
249. VROOM, V. H. Work and motivation. New York: John Wiley, 1964.
250. WEICK, Karl E. Sensemaking inorganizations. Thousand Oaks: Sage, 1995.
251. WHITE, O.J. & McSWAIN, C.J. Transformational theory and organizational analysis.
In: MORGAN G. (ed) Beyond method. London: Sage, 1983.
252. ZACHARIAS, José Jorge de Morais. Tipos psicológicos junguianos e escolha
profissional: uma investigação com policiais militares da cidade de São Paulo. São
Paulo: Vetor, 1995.
361
APÊNDICE I
CONSENTIMENTO PARA PARTICIPAR DA PESQUISA
A - Identificação e Proposta
Cláudio Paixão Anastácio de Paula, doutorando em Psicologia Social da Universidade de São
Paulo, está conduzindo este estudo sobre o processo de produção de sentido, específico dos
atos comunicativos interpessoais entre professores, no contexto do departamento de
Psicologia da F/U avaliado a partir de uma análise dos Símbolos que permeiam as relações
sociais, a cultura e as subculturas organizacionais.
B - Convite e Recusa
Estou sendo convidado (a) a participar desse estudo. Meu nome foi selecionado porque todos
os professores efetivos do departamento de Psicologia da F/U serão convidados a participar.
Eu sei que a participação neste estudo é absolutamente voluntária. Eu tenho o direito de me
recusar a participar ou desistir em qualquer ponto deste estudo. Embora a iniciativa dessa
pesquisa tenha contado com o apoio e o incentivo da chefia do departamento minha decisão
em participar ou não desta pesquisa não terá influência em minha situação no departamento.
C - Procedimentos
Uma vez que eu concorde em participar deste estudo, ocorrerá o seguinte:
O entrevistador/pesquisador i me fazer perguntas segundo um roteiro previamente
estabelecido podendo, no entanto, incorporar à entrevista pequenas variações de acordo com o
fluxo da conversa e a conveniência das duas partes. O entrevistador/pesquisador irá ouvir as
minhas respostas e gravá-las. Esta entrevista será realizada em um local reservado, onde
362
somente eu e o entrevistador/pesquisador estaremos presentes. As perguntas serão sobre a
história da faculdade, do departamento, suas características e sobre acontecimentos, bons e
ruins, relacionados à comunicação e à produção de sentido nos relacionamentos entre
professores da instituição. Serão solicitadas ainda informações sobre meu histórico
acadêmico-profissional, histórico pessoal além de dados bio-sociográficos. Algumas dessas
perguntas poderão levar a exposição de detalhes e ou situações de situações interpessoais
delicadas. A primeira parte da pesquisa (entrevista) terá uma duração média de 1 h e 30 mim,
podendo, excepcionalmente, ser agendados novos encontros, para aprofundamento ou
detalhamento, desde que essa decisão conte com a anuência de ambas as partes. A partir do
conteúdo reunido no conjunto das entrevistas (com os professores que consentiram em
participar do estudo) serão selecionadas 100 palavras que a serem utilizadas como palavras-
estímulo na elaboração de um experimento com associação de palavras que irá compor a parte
final do estudo. A segunda parte do experimento será agendada previamente (após serem
escolhidas as palavras-estímulo) em dia e horário da minha conveniência. Essa etapa consiste
basicamente em ouvir as palavras-estímulo e responder com a primeira palavra que me ocorra
como associação. O tempo de resposta será cronometrado e a associação será registrada.
Depois de concluída a rie, a mesma seqüência de palavras será reapresentada e novamente
serão registrados o tempo e as associações. Esses dados serão utilizados como parte do
material para a investigação dos mecanismos para produção de sentido conforme descrito no
item A.
D - Risco/Desconforto
Não nenhum efeito prejudicial antecipado em participar da pesquisa. Algumas perguntas
são pessoais e podem levar a tratar de temas delicados. Se alguma questão me deixar
363
desconfortável ou incomodado (a), eu sou livre para me recusar a responder a qualquer
momento.
SIGILO
Meus dados serão guardados e usados o mais confidencialmente possível. Nenhuma
identidade pessoal será usada em qualquer relato ou publicação que desse estudo possa
resultar. As gravações serão mantidas em local confinado, trancadas à chave, e de acesso
restrito ao pesquisador. Nenhum nome será associado ao material transcrito. As transcrições
serão numeradas e somente o pesquisador terá acesso às gravações ou à lista que pode
associar o número à pessoa. Esta lista ficará trancada em um lugar diferente das transcrições.
A lista será destruída e as gravações apagadas depois que o estudo for concluído.
E - Benefícios
Eu terei a oportunidade de receber um retorno sobre os resultados gerais da pesquisa bem
como, caso ela seja concluída com sucesso, serei convidado para a defesa pública da tese que
dela por ventura resultar.
F - Questões
Se eu tiver alguma questão ou comentário sobre a participação nesse estudo, eu posso me
remeter ao Prof. Dr. Sigmar Malvezzi, orientador da pesquisa, na Universidade de São Paulo
(USP)
O endereço é:
Prof. Sigmar Malvezzi
Instituto de Psicologia USP - Av. Prof. Mello Moraes, 1721 - Cidade Universitária - São
Paulo - CEP: 05508-900
364
O telefone do Instituto de Psicologia é: (11) 818-4184
G - Consentimento
Eu conversei com o pesquisador/entrevistador: CLÁUDIO PAIXÃO ANASTÁCIO DE
PAULA sobre o estudo e me foi dada uma cópia deste consentimento. Eu entendi o que li ou
o que eu ouvi e tive minhas perguntas respondidas. A participação neste estudo é voluntária.
Eu sou livre para recusar estar no estudo ou desistir a qualquer momento. Minha decisão não
trará nenhum ônus para minhas relações com o departamento.
Data: ____/ ____/ ____
Assinatura do Participante:
________________________________________________________
Consentimento recebido - Assinatura:
_______________________________________________
CLÁUDIO PAIXÃO ANASTÁCIO DE PAULA
Endereço e telefone para contato:
365
APÊNDICE II
FOLHA DE TESTE
Sujeito: ________________ Idade: _______________ Sexo: ______________
Experimentador: Cláudio Paixão Anastácio de Paula Idade: 38 Sexo: M
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo Tempo
de
reação
Reação Reprodução Indicador de
complexos
Discussão
1. Cabeça
2. Verde
3. Água
4. Perfurar
5. Assassinato
6. Alcoólatra
7. Cinco
8. Doutorado
9.
10. Aposentar
11. Mesa
12. Crise
13. Cadeira
14. Mal-humorado
15. Improdutividade
16. Lago
17. Doente
18. Efetivo
19. Cozinhar
20. Perder
21. Tinta
22. Mau
23. Interesses
24. Nadar
25. Concurso
26. Azul
27. Pão
28. Turno
29. Selvagem
30. CAPES
31. Árvore
32. Banca
33. Amarelo
34. Competição
35. Montanha
366
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo Tempo
de
reação
Reação Reprodução Indicador de
complexos
Discussão
36. Concorrentes
37. Sal
38. Novo
39. Mal-estar
40. Cavalgar
41. Reprovar
42. Bobo
43. Caderno
44. Particular
45. Dente
46. Correto
47. Atendimento
48. Sujo
49. Livro
50. Lacanianos
51. Sapo
52. Separar
53. Psicanalistas
54. Fome
55. Auto-imagem
56. Lei
57. Excluído
58. Nublado
59. Prejudicar
60. Criança
61. Arrogante
62. Querido
63. Corporativismo
64. Brigar
65. Orientando
66. Grande
67. Panelinhas
68. Pintar
69. Behavioristas
70. Velho
71. Flor
72. Radical
73. Caixote
74. Maracutaia
75. Família
76. Chefia
77. Vaca
78. Estranho
79. Currículo
80. Rejeitar
367
I II III VI V VII VIII
No. Palavra-estímulo Tempo
de
reação
Reação Reprodução Indicador de
complexos
Discussão
81. Decência
82. Estreito
83. Substituto
84. Narrar
85. Cegonha
86. Avaliação
87. Cerveja
88. Mestrado
89. Incêndio
90. Clínica
91. Porta
92. Departamento
93. Serragem
94. Quieto
95. Jornada
96. Caçoar
97. Individualista
98. Colorido
99. Setor
100. Falar
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