27
[...] na compreensão de enunciados elementares relativos a estados ou acontecimentos
no mundo, a linguagem e a realidade se interpenetram de uma forma que, para nós, é
indissolúvel. Não existe nenhuma [sic] possibilidade natural de isolar as limitações
impostas pela realidade que fazem verdadeiro um enunciado, das regras semânticas
que estabelecem as condições de verdade dele mesmo. Só podemos explicar o que é
um fato com ajuda da verdade de um enunciado sobre fatos; e o que é real só podemos
explicá-lo em termos do que é verdadeiro. Ser é, como disse Tugendhat, ser
verdadeiro. [...] Dado que não podemos confrontar nossas orações com nada que não
é, ele mesmo, impregnado lingüisticamente, não podem distinguir-se enunciados
básicos que tiveram o privilégio de legitimar-se por si mesmos e puderam servir como
base de uma cadeia linear de fundamentação.
37
Por fim, a validade do discurso repousa sobre o princípio democrático,
que será alcançado quando observados os critérios de ampla e irrestrita participação
dos indivíduos nas esferas públicas de discussão. Para tanto, não basta que os sujeitos
estejam presentes no momento do debate ou que seja garantida sua não exclusão
arbitrária do grupo, fazendo-se necessária a proteção ao direito de livre manifestação
de sua vontade. Essa perspectiva fundamenta a concepção de democracia deliberativa,
cujas dimensões centrais correspondem à pretensão de conciliação entre a soberania
popular e o Estado de direito, tanto quanto ao enfoque no momento dialógico de
justificação das decisões políticas
38
.
Habermas sugere a procedimentalização da democracia em nível
societário, constituindo-a como o substrato normativo da política na medida em que a
obediência a seus processos, tal qual anteriormente explicitados, confere à comunidade
a capacidade de autolegislação
39
. Nessa esteira, pressupondo que a ação comunicativa
traz, em si, competências morais de determinação da vontade coletiva, é de se concluir
que a democracia será tanto mais aprofundada quanto mais enfronhada no contexto do
mundo da vida.
37
Tradução livre da versão espanhola: “Incluso en la comprensión de enunciados elementales relativos a estados
o sucesos en el mundo, el lenguaje y la realidad se interpenetran de una forma que, para nosotros, es indisoluble.
No existe ninguna posibilidad natural de aislar las limitaciones impuestas por la realidad que hacen verdadero un
enunciado, de las reglas semánticas que establecen las condiciones de verdad del mismo. Sólo podemos explicar
lo que es un hecho con ayuda de la verdad de un enunciado sobre hechos; e lo que es real sólo podemos
explicarlo en términos de lo que es verdadero. Ser es, como dice Tugendhat, ser veritativo. [...] Dado que non
podemos confrontar nuestras oraciones con nada que no esté, ello mismo, impregnado lingüisticamente, non
pueden distinguirse enunciados básicos que tuvieran el privilegio de legitimarse por sí mismos y pudieran servir
como base de una cadena lineal de fundamentación” (HABERMAS, Jürgen. Verdad y justificación: ensayos
filosóficos. Traduzido por Pere Fabra e Luis Díez. Madrid: Trotta, 2002, p. 237).
38
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Teoria constitucional e democracia deliberativa: Um estudo sobre o
papel o direito na garantia das condições para a cooperação na deliberação democrática. Tese de doutorado.
UERJ. Rio de Janeiro: 2004, p. 48.
39
AVRITZER, 1996, p. 46-47.