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PEDRO LODOVICI NETO
A Musicoterapia como tratamento coadjuvante
à Doença de Parkinson
MESTRADO EM GERONTOLOGIA
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
(PUC-SP)
São Paulo
2006
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PEDRO LODOVICI NETO
A Musicoterapia como tratamento coadjuvante
à Doença de Parkinson
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de
Mestre em Gerontologia, sob
orientação da Prof.ª Dr.ª Beltrina
Côrte.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
(PUC-SP)
São Paulo
2006
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Banca Examinadora
_______________________________________
_______________________________________
_______________________________________
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos,
a reprodução total ou parcial desta dissertação por processos
fotocopiadores ou eletrônicos.
____________________________________
Pedro Lodovici Neto
São Paulo, 12 de abril de 2006.
DEDICATÓRIA
Dedico esta dissertação aos meus filhos, Pedro e Edméa,
cujo exemplo de seus estudos pós-graduados já concluídos
me entusiasmaram a cumprir esta etapa do Mestrado e
me levam a iniciar a do Doutorado.
AGRADECIMENTOS
À Prof.ª Dr.ª Beltrina Côrte, minha orientadora, pelo extremado interesse
que devota a seus alunos e pelo rigor científico com que me conduziu
nesta dissertação.
Às Prof.ªs Dr.ªs Suzana A. Rocha Medeiros e Maria Helena Villas Boas
Concone, pelo acolhimento ao meu trabalho e a competente orientação
na Banca de Qualificação.
Aos meus Profs. Drs. do Mestrado em Gerontologia da PUC-SP,
Elisabeth F. Mercadante, Vera Lúcia Valsecchi Almeida, Salma Tannus
Muchail, Paulo Renato Canineu, que muito dialogaram comigo e
contribuíram também para a definição de meu tema de pesquisa.
À amiga Manoela, sempre pronta a nos auxiliar em nossas obrigações
para com a Universidade.
Aos colegas de classe, com os quais tive a alegria de conviver neste
período, trocar muitas idéias e enriquecer meus conhecimentos.
À PUC-SP, por mais uma vez me acolher como um de seus alunos.
Às pessoas entrevistadas na Associação Brasil Parkinson (ABP), cujos
depoimentos sobre o ‘mundo parkinsoniano’ foram de grande valia para
o desenvolvimento deste trabalho.
À Associação Brasil Parkinson (ABP), instituição que me propiciou
coletar os dados utilizados nesta dissertação.
Ao meu pai, Domingos (in memoriam), minha mãezinha Edméa e meu
irmão José Carlos, por terem sido sempre um exemplo, para mim, quanto
as suas qualidades, seus valores.
Aos meus tios, tias e primos que sempre estão presentes em minha vida.
Ao meu sogro, Benito (in memoriam), minha sogra Carmen, cunhados e
sobrinhos que, há trinta e três anos, constituem também a minha família.
À minha mulher, Flamínia, minha alma-gêmea.
Resumo
LODOVICI NETO, Pedro. A Musicoterapia como tratamento coadjuvante à Doença
de Parkinson. Dissertação de Mestrado, Programa de Estudos Pós-Graduados em
Gerontologia. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: 2006, 233
páginas.
Este trabalho resultou de uma pesquisa com abordagem qualitativa, na interface da
Gerontologia e Musicoterapia, ao analisar como o exercício de tocar um instrumento,
ou cantar, ou praticar um exercício musical orientado, funciona como uma atividade
terapêutica para as pessoas portadoras da Doença de Parkinson. A coleta de dados
teve como instrumentos entrevistas baseadas em questionários, com gravação e
transcrição, realizadas com dez sujeitos: dois musicoterapeutas (pianista e regente do
Coral terapêutico); dois fonoaudiólogos e dois fisioterapeutas que orientam a terapia
vocal e corporal dos doentes; quatro idosos portadores da Doença de Parkinson, três
membros da Associação Brasil Parkinson (ABP), localizada em São Paulo, e um
membro, pessoa pública, cujos dados foram colhidos de entrevista e livro publicados
na mídia. A análise, a sistematização e a interpretação dos dados basearam-se no
paradigma fenomenológico, e apontam: que a Música é um excelente meio para
melhorar a vida do doente, fazendo-o conviver bem melhor com a doença e
minimizando seus efeitos motores e não-motores (sintomatologia). O ‘cantar’ ou o
‘tocar’ instrumentos musicais (piano, violino...), enquanto atividades músico-
terapêuticas, são um meio para a auto-expressão e a auto-realização, com as canções
revelando a ‘subjetividade/existencialidade interna’ de cada idoso. A autoconfiança
do idoso participante de tais atividades faz com que ele ganhe expectativas positivas
quanto a seu presente e esperança em relação ao futuro. A Musicoterapia enquanto
tratamento coadjuvante pode ser estendida e indicada a outras áreas de atuação
musicoterapêutica. E, finalmente, considerou-se que a Musicoterapia reflete sobre
temas relacionados à vida/morte, à saúde/doença, além de repensar a relação do
idoso com sua doença e com as demais pessoas do seu ambiente.
Palavras-chave: velhice; Musicoterapia; Doença de Parkinson; parkinsonismo;
tratamento coadjuvante.
LODOVICI NETO, Pedro. Musictherapy as a coadjuvant treatment of Parkinson
Disease. Dissertação de Mestrado, Programa de Estudos Pós-Graduados em
Gerontologia. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2006: 215
páginas.
Abstract
This study is a result of a research in the qualitative approach, in the Gerontology
and Musictherapy scenario. It was analyzed the importance of alternative practices
like playing an instrument, singing, or practicing a guided musical exercise as a
therapy activity for old people with Parkinson Disease. The data collection was based
on questionnaires, with recorded and transcript information, obtained from ten
individuals: two musictherapeuts (a pianist and a maestro of the therapeutic Chorus),
two phonoaudiologists and two physiotherapists, which guide vocal and physical
therapy of the patients, and four old people with Parkinson Disease, members of the
Association Brazil Parkinson-ABP, located in Sao Paulo, one of them a public
person, from which information was collected from a published interview and a
published book. The analysis, the systematization and the interpretation of the data
were based on the phenomenological paradigm, which pointed: music is an excellent
way to improve the life of the patient that becomes more sociable, decreasing
physical and psychological symptoms (symptomatology). The ‘singing’ or ‘playing’
(piano, violin) act, as therapeutic activity, is a way for the self-expression and self-
realization, and the lyrics reveal the intimate ‘subjectivity/existentiality’ of each
patient. The self-reliance of the patient brings positive expectations about the present
moment and also about the future. The Musictherapy, as a coadjuvant treatment, can
be extended and indicated in others areas of actuation. Finally, Musictherapy seems
to contemplate about themes related to life/death, health/disease, besides the relation
of the patient with its disease and the sociability with people around.
Keywords: oldness; Musictherapy; Parkinson Disease; coadjuvant treatment.
Partitura
Abertura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
01
1 – Alguns acordes básicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
18
1.1. Afinando a velhice e o processo de envelhecimento . . . . . . . . . . .
20
1.2. Afinando o papel do idoso e os novos arranjos sociais . . . . . . . . .
30
1.3. Afinando a imagem do corpo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
35
1.4. Afinando o compasso da vida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
38
2 – Repertório: a doença, o parkinsonismo e a Doença de Parkinson . . . . .
40
2.1. Primeiro acorde: a doença . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
41
2.2. Segundo acorde: o parkinsonismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
45
2.3. Terceiro acorde: a Doença de Parkinson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
47
2.4. Quarto acorde: vencer – ter e conviver com a Doença
de.Parkinson. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
82
3 – Trilha sonora: a Musicoterapia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
92
3.1. Exprimindo alguns sons históricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
93
3.2. Exprimindo sons clínicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
96
3.3. Exprimindo a Musicoterapia na Doença de Parkinson . . . . . . . . .
110
4 – Sinfonia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
119
4.1. Compondo a orquestra: os sujeitos Paulo José, C.S., D.M.,
U.W.A., D.L.D., T.F., E.O., C.A.R.C., S.C.F., M.T.B . . . . . . . .
120
4.2. Compondo a harmonia entre a ordem motora e não-motora . . . .
144
4.2.1. Voz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
144
4.2.2. Enrijecimento com comprometimento dos movimentos . .
152
4.2.3. Ordem neurológica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
155
4.2.4. Depressão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
156
4.2.5. Tremores nas mãos, pés, corpo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
158
4.2.6. Medos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
160
5 – Recepção sonora: algumas vibrações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
166
6 – Créditos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
176
Entrevistas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
184
Documentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
208
Abertura
2
A retrospectiva de vida que tive de encetar por ocasião da escrita do
Memorial, item imprescindível para o Exame de Qualificação de Mestrado em
Gerontologia, levou-me a uma reflexão nunca feita antes sobre meu passado desde a
infância até o momento.
Tal reflexão fez-me, sobretudo, emergir fatos essenciais, circunstâncias da
vida pessoal e familiar que - descubro agora e com muita felicidade -, motivaram os
estudos que empreendi durante a formação acadêmica, agora no campo da
Gerontologia, e que justificam com muita pertinência a escolha do tema desta
dissertação.
Dentre as doenças que acometem as pessoas e que se agrava nas mais idosas,
está a Doença de Parkinson (D.P.), e em torno da qual circunscreverei esta
investigação, com foco no tratamento musicoterápico. Dizendo de forma mais
precisa: a música é vista, neste trabalho, como uma terapia ‘resiliente’ e coadjuvante
à D.P. Posso dizer, de início, que a Musicoterapia é vista, aqui, como um processo de
minimização dos problemas advindos de certas doenças e, concomitantemente, de
transformação do sujeito na relação com sua doença e com os demais que o cercam.
Tributário às categorias envolvidas, o título da presente dissertação: “A
Musicoterapia como tratamento coadjuvante à Doença de Parkinson”.
Digo ‘coadjuvante’, porque, para que a pessoa portadora da D.P. possa
assumir uma posição ‘resiliente’ diante de sua doença, o tratamento musicoterápico
deve ser coadjuvante a (ou estar inserido em) um programa multidisciplinar que
envolva necessariamente vários tratamentos, como se verá mais adiante.
“Resiliente’ diz, conforme sentido adotado por pesquisadores do campo da
Gerontologia (Varella, 2003; Arias, 2004), da posição de resistência de uma pessoa
3
diante de circunstâncias adversas da vida, como certas doenças, que a fazem
transformar-se, ou seja, valer-se da experiência para mudar sua vida e também a vida
de outras pessoas.
Pensando nas categorias envolvidas nesta dissertação, justifico,
primeiramente, meu interesse pelas pessoas de idade mais avançada e,
decorrentemente disso, pelo campo da Gerontologia. A ligação profunda que tenho
com meus ascendentes, e que constitui, assim, o que chamo nosso imaginário
familiar, e o grande respeito e preocupação que devoto às pessoas mais velhas da
família, com o mesmo sentimento estendido aos idosos em geral, podem explicar em
parte as escolhas de minha vida, tanto de formação acadêmica, quanto de atuação
profissional, e ainda de meu trabalho em benemerência ou assistência a outras
pessoas.
Neto de imigrantes italianos ingressos no Brasil em meados do século XIX,
que, a exemplo de todos os demais imigrantes, enfrentaram uma vida plena de
aventuras e muito sacrifício, herdei deles uma grande capacidade de suportabilidade
aos problemas ou aos golpes da vida e o devotamento ao trabalho acima de tudo, não
importando sua modalidade, desde que este seja decente, honroso, digno.
Toda uma história de luta de minha família, de novos e sofridos recomeços, e
que me ficou guardada na lembrança dos relatos ouvidos de meu pai e de meus tios, e
da convivência com eles em várias décadas de vida, forjaram-me o espírito de luta de
que disponho e que me levou para outra estrada, buscando sempre uma formação
acadêmica mais genérica e continuada, que fosse não só permitindo minha
sobrevivência e de minha família, mas também para que eu continuasse sintonizado
4
com o mundo, com o avanço dos campos no mercado de trabalho, da tecnologia, da
ciência, enfim.
Dessa forma, seguindo o exemplo de meus antepassados, venho pautando a
vida: minha formação se deu através do curso de Eletrotécnica na Universidade
Mackenzie, de Metalurgia na FEI (quando esta ainda era uma das unidades da PUC-
SP), e do Curso de Administração de Empresas, novamente na Universidade
Mackenzie. Assim me formei, atendendo especialmente a um desejo de meus pais.
Se fui feliz atuando nesse caso? Fui, sim, e durante muitos anos trabalhei arduamente
em empresas do mercado nesse campo, fazendo o orgulho de meus pais, que
desejavam ter em casa um filho diplomado que atuasse na área técnica. Meus tios-
idosos podiam sentir-se ancorados em suas necessidades de um olhar ou um fazer
técnico no seu cotidiano. Quantas incontáveis vezes não lhes prestei, e continuo
prestando, assessoria para problemas técnicos em suas residências que só um familiar
poderia dar ou fazer, e mesmo orientando e acompanhando trabalhos executados por
outros profissionais! Problemas de qualquer ordem em família, em casas de amigos,
falecimentos, internações, a quem apelar? Ao Pedro, que nunca viaja, que está
sempre a postos, sempre encontrando tempo para atender a esses apelos dos mais
velhos, a qualquer hora, a qualquer dia. E eu sempre o fiz como uma missão, como
uma obrigação de filho, de neto, de sobrinho, de primo, de amigo. Afinal, o exemplo
vem sempre da própria família.
Além do interesse pela solução de problemas técnicos, desde a infância
mantive um contraponto salutar com a área musical, cultivada que era em casa pelas
mulheres da família, com o piano e o canto clássico, o que me fez ter uma formação
em música desde menino, com certificação pela Ordem dos Músicos do Brasil
5
(OMB), e me mantivesse em atividade musical ininterrupta até o presente, o que me
alimenta a alma nos fins-de-semana e quando renovo sempre as forças e o
entusiasmo para os demais dias da semana.
O Mestrado em Gerontologia, na PUC-SP, ocorreu-me devido a uma
necessidade que senti de pensar a velhice de outra forma que não aquela de senso
comum, buscando uma perspectiva teórico-científica. Mas a Gerontologia, como
campo de conhecimento, pesquisa e atuação, interessou-me também por outras
razões:
- primeiramente, porque meu compromisso com os idosos, agora, passa a ser
sustentado com um saber teórico sobre o envelhecimento
1
e a convicção de que este
saber está sempre em aberto, de forma dialética, numa realidade em movimento
constante;
- em segundo lugar, meu propósito pessoal, que coincide com o do profissional-
gerontólogo, é o de lutar no sentido de que o indivíduo-idoso garanta sua autonomia,
o reconhecimento de que é um cidadão senhor de seu próprio destino,
independentemente de sua idade e do lugar onde esteja.
E justifico empiricamente este meu propósito: em minha experiência no
mercado de trabalho, ganhei um inconformismo diante de um fato muito triste
decorrente da contemporaneidade, do qual muitas pessoas não se dão conta e o
aceitam sem questionar os decorrentes desdobramentos presentes e futuros: o de o
homem de meia-idade ou idoso estar sendo relegado a um segundo plano nas
empresas e não sendo mais valorizado como o mereceria, sendo obrigado a fazer
1
Nesse sentido, identifiquei-me, posteriormente, com a obra Diário de uma boa vizinha, de Dóris
Lessing, lida no Seminário “A Comunidade e os Velhos”, ministrado pela Prof.ª Dr.ª Elisabeth
Frohlich Mercadante, no 1° semestre de 2002, no Mestrado de Gerontologia da PUC-SP, obra que
focaliza os ‘tratadores de idosos solitários’, no período pós-guerra, na Inglaterra.
6
acordos com a empresa para sua dispensa compulsória ou então ‘convidado’ a ser
apenas um consultor.
Penso que a experiência de vida e de trabalho desse profissional-sênior
poderia, na realidade, ser aproveitada no sentido de esses conhecimentos já
trabalhados serem repassados aos profissionais iniciantes ou júniors, que iriam,
evidentemente, ‘queimar etapas’ em seu desenvolvimento profissional, não perdendo
tempo com hipóteses já testadas pelos seus colegas de trabalho.
Informado sobre a existência de um curso de Mestrado em Gerontologia, na
PUC-SP, decidi participar da seleção exatamente para ter a oportunidade de, em um
trabalho científico respaldado pela Universidade, poder desenvolver meu projeto de
combate a esse tipo de discriminação ao idoso no mercado de trabalho. E assim
ocorreu: meu primeiro projeto de dissertação voltava-se justamente para o
reconhecimento da identidade do profissional idoso ou sênior, em função do valor de
seu trabalho e de suas experiências de vida.
Logo senti, porém, que seria uma luta inglória e que não encontraria – pelo
menos no momento – um eco maior nas empresas, movidas na contemporaneidade
por um paradigma dominante, higienista, excludente ao menos-jovem, e que
dificilmente será superado, movido que é, agora, pela rotatividade de mão-de-obra e
substituição daqueles com mais de quarenta anos por outros mais jovens, e do
humano pela máquina... Essa triste realidade me foi alertada inúmeras vezes pelas
pessoas com quem dialoguei sobre o assunto.
Essas mesmas pessoas - professores, colegas, amigos -, que discutiram
comigo as dificuldades que eu deveria encontrar, sugeriram, em virtude de minha
atividade musical de tantos anos, que eu posicionasse a pesquisa de mestrado numa
7
outra interface, talvez mais produtiva no momento: entre a área musical e a área da
Gerontologia.
2
Comecei a pensar sobre o assunto, a buscar uma temática para estudo que
traduzisse aquilo que sou e no que me formei. Como é sabido, o campo das ciências
exatas (no meu caso, da engenharia) e o das artes musicais (a percussão, o ritmo)
sintonizam-se, o que justifica que existam por aí muitos engenheiros fazendo música
e muitos músicos pensando matematicamente suas composições.
Essa interface das áreas do conhecimento evoca-nos a lenda em torno do
músico-matemático grego Pitágoras (582-497 a.C.). A ele é creditada a descoberta
das razões matemáticas por trás dos sons, a partir da observação do comprimento
dos martelos dos ferreiros: assim, o intervalo de uma oitava é referente a uma relação
de frequência de 2:1; uma quinta em 3:2, uma quarta em 4:3; e um tom em 9:8. Os
seguidores de Pitágoras aplicaram essas razões ao comprimento de fios de corda em
um instrumento chamado cânon, ou monocorda e, assim, foram capazes de
determinar matematicamente a entonação de todo um sistema musical. Os
pitagóricos viam estas razões como regendo todo o Cosmos, assim como o som.
Platão (428-347 a.C.) descreve, em Timeu, a alma do mundo como sendo estruturada
segundo essas mesmas razões. Para os pitagóricos, assim como para Platão, a música
se tornou uma natural extensão da matemática, bem como uma arte.
3
Fazendo música por gosto, mas atuando simultaneamente como engenheiro,
senti que essa duplicidade de interesses que existia em mim, passou a se traduzir, de
fato, em uma triplicidade, pois me dei conta de que, agora, sinto-me, acima de tudo,
2
Nesse momento, o curso “Metodologia Científica”, ministrado pela Prof.ª Dr.ª Beltrina Côrte,
propiciou o acesso a sites sobre Gerontologia, a uma bibliografia voltada não apenas para esse campo
de conhecimentos, mas para o campo de interface entre a Gerontologia e outras áreas, como a da
Musicoterapia.
3
Cf. web site: http://www.exatas.com/matematica/pitagoras.html#musica.
8
um gerontólogo preocupado com outra questão: a da vida e da morte. Isso evidenciou
que, na verdade, além dos números e da música, sempre me interessei, e com muita
felicidade, pela condição de vida das pessoas.
Como eu disse anteriormente, estive, a partir das últimas décadas de minha
vida, cada vez mais voltado para minha família especialmente o cuidado com meus
pais e tios-idosos e suas doenças que exigiam a atenção e o devotamento dos filhos
ou sobrinhos mais próximos, no caso eu e minha mulher. Tais circunstâncias nos
levavam continuamente a reflexões sobre o estado interior de nossos idosos, sobre as
doenças em geral, sobre o processo de envelhecimento.
Essa condição particular de vida faz-me evocar o que disse o neurologista
Oliver Sacks, a respeito do caráter múltiplo de certas pessoas, e que bem vejo se
aplica também a mim, engenheiro/administrador, músico e cuidador de idosos.
Assim diz Sacks:
...talvez eu seja igualmente, ainda que não de forma
adequada, um teórico e um dramaturgo, vendo sempre ambos
na condição humana e, sobretudo, na quintessência da
condição humana, a doença – os animais contraem
enfermidades, mas só o homem mergulha radicalmente na
doença (2002: 7).
Posicionando-me na direção de uma interface com a música, devo dizer que a
arte musical me afetou desde a infância, mesmo sem me dar conta disso.
Lembro-me que na década de quarenta, o mundo atravessava um período de
guerra e os Estados Unidos procuravam marcar presença, por todos os meios, na
maior parte dos países. Sua música era ouvida em qualquer emissora de rádio. O
swing, o fox trot, o bebop, o revival do Dixieland e do estilo New Orleans, as Big
Bands estavam invariavelmente nas paradas de sucesso. O rádio era, na época, para
9
nós do Brasil, o maior veículo de comunicação; evidentemente que havia o cinema,
mas ao cinema não se ia todos os dias. O rádio nos fazia divagar, imaginar, sonhar,
interpretar de forma muito particular as coisas da realidade..., enfim, vivíamos o que
estávamos ouvindo. O áudio determinava, em parte, nossa visão da realidade. Se
pensarmos bem, na atualidade com a TV, o vídeo, o cinema não ocorre o mesmo,
pois a gente vê, passivamente, o outro vivendo aquilo que antes vivíamos na nossa
imaginação. Hoje, essa pluridominância dos meios visuais, imagéticos, parece
embotar nosso eu interior, o registro de nosso imaginário. Tudo está muito pronto e
não nos deixa muito para refletir, discernir, escolher...
Recordo que, com quatro anos de idade, sentado no chão ao lado de minha
mãe - com meus brinquedos, que também recebiam forte influência americana, pois
eram réplicas de aviões e navios da Segunda Guerra Mundial, e soldadinhos já não
mais de chumbo mas de plástico -, ouvíamos juntos os programas de rádio. Eram
novelas entremeadas por música norte-americana e notícias da guerra. Eu permanecia
aparentemente absorto no meu brincar, falando com meus soldados ou numa incrível
missão com meu aviãozinho, e a música que era ouvida ia se registrando lá dentro de
mim. O tempo passou e, de repente, me vi um adolescente querendo tocar um
instrumento. Já aos quatro anos de idade iniciara as primeiras noções de música,
tendo recebido aulas de piano e teoria musical. Aos doze, a harmônica sucedeu o
piano e, aos dezesseis, ganhei um bongô, que passei a tocar. A percussão me
interessou de forma decisiva; logo em seguida, vi-me em exercícios em uma bateria
que meu irmão ganhara. E assim, até hoje, uma bateria me envolve, de corpo e alma.
Diz minha mulher, felizmente, que sua condição de companheira-outra sempre lhe
foi confortável, até excitante, já que fui casado em primeiras núpcias com a bateria.
10
É difícil ficar sem tocar, evidente que com outros músicos, pois aí então o
prazer se completa quando passamos a vibrar em conjunto. Esta é a diferença de
tocar um instrumento de percussão que exige a co-atuação de outros companheiros-
instrumentistas, em vez de um instrumento melódico como piano, por exemplo, mais
solitário na sua completude, permitindo que, a um só tempo e com autonomia, se
trabalhe a harmonia, a melodia e ainda as variações de sonoridade com o uso dos
pedais.
No meu desejo de tocar com outros músicos, tive oportunidade de formar um
primeiro conjunto que era composto por: piano, pistão, harmônica, bateria e outros
instrumentos de percussão como pandeiro, bongô, triângulo etc., que se faziam
presentes conforme o estilo de música. Passamos pelos modismos musicais da
década de 50, tocando nos mais variados tipos de eventos: festas de pré-formatura,
aniversários, em praças públicas, como acompanhantes de cantores na tevê, tudo era
motivo para nosso grupo de amigos se reunir e muito felizes tocar.
Nessa época, o jazz irrompe em mim, de repente, e me vem à tona tudo aquilo
que eu ouvira anos atrás. O curioso é que não foi só para mim que isso aconteceu,
mas para um grande número de pessoas como eu que tiveram a oportunidade de
ouvir na sua primeira infância a música norte-americana que se espalhava pelo
mundo. Meu sonho passou a ser tocar numa banda de jazz e isso aconteceu em
encontros com outros jovens que tinham esses mesmos interesses. Uma banda se
formou, a São Paulo Dixieland Band, e da formação original, apenas eu me
mantenho firme, em atuação ininterrupta por 48 anos e na mesma banda. Alguns
membros se mudaram para outros lugares, outros morreram, outros se transferiram
de bandas... mas a minha banda está aí tocando sempre que pode e nos satisfazendo
11
em todos os sentidos. Volta e meia os antigos companheiros retornam para uma jam
session e, aí, é só alegria. Faz parte de mim tocar; é preciso, me distrai, me põe a
mente, todo o corpo e coração a funcionar, é, como sinto, um estado ideal. O que me
entusiasma é a concentração que nos apossa quando estamos em grupo partilhando
nossas idéias musicais com amigos-músicos. E toda essa energia positiva é partilhada
com pessoas que vêm nos prestigiar por gosto a esse estilo de música. Envolve
também nossa capacidade de reagir, de replicar, sem saber com certeza o que vem a
seguir, dada a qualidade improvisadora do jazz. Nosso conjunto musical permite
variadas formações, incorporando instrumentos ou cantor, compondo um quarteto,
quinteto, sexteto, septeto (geralmente esta a formação da banda de dixieland), indo
até uma big band. Cada formação musical pode tamm interpretar temas de outros
estilos de música como MPB, Bossa Nova, boleros, tradicionais canções francesas,
italianas etc., mas sempre em formato jazzístico.
Dou-me conta de que, em nosso grupo de músicos, somos já idosos, mas na
noite de uma apresentação vale tudo, nos abraçamos, contamos, uns para os outros, o
que aconteceu em termos musicais durante a semana, surgem piadas novas;
discutimos por causa de certos arranjos ou de harmonias que não estão se encaixando
ou não interpretados adequadamente; são novas composições a serem ensaiadas;
enfim, vale tudo, os elogios, as conversas, as piadas, as brincadeiras, as trocas de
experiências, de idéias... é assim nosso encontro de jazzistas, todos no mesmo
compasso. Chego à conclusão que isso é bom para todos nós que tocamos, e deve,
com certeza, ser melhor ainda para aqueles que não tocam, mas que ouvem nosso
jazz e, se entusiasmados, podem até vir a tocar em nosso grupo. Todos sentem que o
jazz se movimenta no caos, mas, felizmente, cria ordem a partir dele, ou seja, é
12
preciso sempre manter o ritmo para permitir variação nas improvisações de cada
instrumentista.
Assim como o jazz, a música em geral pode manter, com seus sistemas
rítmicos e melódicos, “o sistema nervoso humano sincronizado como uma orquestra
sinfônica, com diferentes ritmos, melodias e instrumentações”. Tal afirmação do
professor-musicista Don Campbell é, por ele, complementada com os seguintes
dizeres:
Quando qualquer parte do cérebro é danificada, os ritmos
naturais deste e do corpo são perturbados e os neurônios
podem ser estimulados no momento errado ou simplesmente
não reagir. Com freqüência, música, movimentos ou imagens
externas ajudam a trazer de volta ao tom a música
‘neurológica’. A música atinge, misteriosamente, as
profundezas de nosso cérebro e nosso corpo, despertando
muitos sistemas inconscientes (2001: 203).
Ao mesmo tempo em que desejei dar um tom musical à esta dissertação e que
integrasse meus conhecimentos, tive contato e sensibilizei-me com o drama
particular do ator e diretor de teatro e cinema, Paulo José, muito conhecido de todos
os brasileiros. Acometido pela Doença de Parkinson, ele vem fazendo da música,
especificamente do piano e do exercício vocal, um instrumento de minimização dos
problemas da doença.
A partir do conhecimento à distância da história desse parkinsoniano, senti
que eu deveria ter um contato mais próximo com a pessoa portadora da Doença de
Parkinson (D.P.), com o sujeito envolvido de verdade com sua doença.
Interessei-me, então, em conhecer a Associação Brasil Parkinson (ABP), no
bairro da Saúde em São Paulo, onde passei a desenvolver um diálogo bem próximo
13
com doentes, familiares, cuidadores, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, enfim, todos os
que habitam provisoriamente aquele ‘mundo parkinsoniano’.
Através da secretária da ABP, a Sra Leonídia, foi-me possibilitado um
encontro com Samuel Grossmann, atual Presidente dessa entidade, que me acolheu
fraternalmente e me abriu as portas para que meu trabalho pudesse ser desenvolvido
junto aos freqüentadores daquele ‘mundo’. Forneceu, inclusive, uma autorização por
escrito para facilitar meu ingresso na ABP e o contato com os sujeitos de pesquisa.
Visitei a ABP durante quatro semanas, tomando conhecimento da proposta
dessa instituição junto aos doentes e familiares. Verifiquei que todos os
freqüentadores participam e colaboram para o bom andamento da casa, seja ajudando
nas tarefas do dia-a-dia, preparando o café, servindo o lanche, cuidando das festas,
atividades para angariar fundos etc.
A verdade é que lá encontrei um espaço que irradia alegria e camaradagem, a
despeito dos sérios problemas vivenciados pela maior parte de seus freqüentadores.
Não raro, os doentes se apóiam no visitante, com a maior naturalidade e solicitam
que os ajudem a subir as escadas, ou a iniciar seus passos, ou a levá-los ao sanitário.
O clima de descontração e amizade já se instala, de início, deixando-nos bem à
vontade e com liberdade para iniciarmos uma conversa amiga e desinibida. Nesse
clima favorável ao nosso contato, com todos desejando colaborar muito com a
pesquisa, realizei as entrevistas com os sujeitos mencionados neste trabalho.
Cumpre esclarecer que a seleção dos parkinsonianos para a entrevista se
prendeu a dois critérios: que eles participassem do Coral da ABP, e que também
fossem músicos. O propósito era obter uma maior compreensão do estado atual de
pessoas que tiveram, em algum momento da vida, a música como ofício ou como
14
hobby. E saber de sua dedicação à música, ainda que amadoristicamente, e que
benefício ou que significação para a área da D.P. podem ser depreendidos dos
depoimentos colhidos no trabalho ora desenvolvido.
O senso comum considera que doença degenerativa em geral e muito
especialmente a Doença de Parkinson
4
‘é coisa de velho’. As pessoas repetem essa
expressão popular até por comodismo, como se pensassem: “Isso não é comigo:
velhice [coisa descartável] e Parkinson [doença distante de mim que sou jovem] são
assuntos que não me dizem respeito”.
As pessoas não refletem sobre o quanto esse pensamento carrega de
preconceito e de falácia, conquanto, por meio dele, eximam-se da responsabilidade
de assumir uma posição diante da vida. Na verdade, tal alheamento simplista acaba
distanciando toda a problemática que ele encerra de uma discussão maior, mas que
procuro tratar neste trabalho. O objetivo maior, então, foi analisar como o exercício
de tocar um instrumento, ou cantar em um Coral Terapêutico, ou praticar um
exercício musical orientado, pode funcionar eficientemente como uma atividade
terapêutica para as pessoas portadoras da D.P.
Para tal, foram colocados os seguintes objetivos específicos: a) coletar
depoimentos de algumas pessoas, a partir do diagnóstico da D.P. até o presente
momento; b) verificar de que maneira o exercício musical auxilia ou contribui para
melhorar, aspectos motores e não motores do indivíduo acometido pela D.P., como a
postura, a memória, os movimentos, a voz, elevando sua auto-estima e sua auto-
imagem; c) contribuir, a partir da observação e da análise dos sujeitos de pesquisa,
no sentido de evidenciar como o exercício musical - visto como uma atividade
4
A Doença de Parkinson, assim como outras doenças que mais acometem os idosos foram estudadas
no Mestrado em Gerontologia da PUC-SP, mais especificamente no curso “Aspectos Médicos do
Envelhecimento”, ministrado pelo Prof. Dr. Paulo Renato Canineu, no 2º semestre de 2002.
15
alternativa terapêutica - pode ser um caminho ‘resiliente’ à doença, se inserido em
um programa extensivo ou multidisciplinar, ou seja, em que se integrem medicação
alopática, fisioterapia, atendimento fonoaudiológico e música; e d) contribuir para a
formulação de tratamentos alternativos aos parkinsonianos.
Defini como perspectiva norteadora do trabalho a valorização da interação
dialógica que deve se dar entre: a) o musicoterapeuta (ou qualquer outro profissional)
e a pessoa portadora da D.P.); b) o familiar, um amigo, ou o cuidador e a pessoa
portadora da D.P.; c) a pessoa portadora da D.P. e outra pessoa portadora da D.P., no
setting terapêutico (em nosso caso, no Coral); e d) um pesquisador médico ou não-
médico e a pessoa portadora da D.P.
Acredito que nesse diálogo com o outro é que o doente pode restabelecer-se,
manter ou voltar a ter contato com o mundo, com a realidade, estabelecer vínculos
que o afastem da solidão, a ponto de esquecer-se da doença e minimizar seus
sintomas.
Comecei meu projeto levantando casos de idosos acometidos pela D.P. e que
se valem de sua habilidade/atividade com a música para lidar com os problemas
advindos dessa doença. Nesse sentido, acredito que as falas/depoimentos desses
idosos-parkinsonianos de como vivem dentro do ‘mundo da Parkinson’ e de como
fazem da música sua terapia, podem servir de exemplo a ser seguido por todos
aqueles que sofrem dessa doença ou os que convivem próximos a ela.
Em Denzin (1984), em seu artigo “Interpretando as vidas de pessoas comuns:
Sartre, Heidegger e Faulkner”, tive a base teórico-metodológica para compreender o
depoimento dos sujeitos, pois, segundo essa autora, podem-se retirar das histórias de
vida, princípios que fundamentem nossas reflexões.
16
A Gerontologia é um campo do conhecimento que estuda o processo de
envelhecimento e a própria velhice, em todos os seus aspectos, ocupando-se do
homem como ser idoso. Trata-se de uma ciência multidisciplinar e interdisciplinar,
no sentido de que estabelece e exige uma interface entre diversas áreas do
conhecimento: médica, filosófica, social, cultural, moral, econômica, histórica... Tal
abrangência e aprofundamento permitem que se pense o ser humano em sua
globalidade, integrado numa comunidade, numa concepção humanística, dinâmica,
simbólica. Portanto, a Gerontologia instaura um novo paradigma para a velhice,
inovando em sua proposta teórico-pedagógica.
A partir, pois, de uma concepção humanística, simbólica do ser humano-
idoso é que nosso objeto de investigação é analisado. Isso significa que, a partir da
própria fala do idoso, é que ele próprio é estudado em todo o seu ser, em interação
dialógica com a família, com a comunidade e necessariamente na relação com a sua
doença. Esta pesquisa trata do estudo da fala de algumas pessoas que estão em
interação com os parkinsonianos e da fala dos próprios parkinsonianos, que estão em
processo de resiliência por meio da música, tentando minimizar os problemas
trazidos por essa doença, ainda incurável.
Primeiramente o do ator e diretor de teatro e televisão Paulo José, cujo
depoimento de seu estado, de sua luta para ‘driblar’ os problemas decorrentes da
D.P., é público, tendo sido extraído de sua entrevista na mídia e de uma biografia
publicada recentemente. Em seguida, de três pessoas que freqüentam a ABP, que
entrevistei e que se mostraram muito felizes em dizer de sua luta para resistir à D.P.
Também do depoimento de profissionais: dois musicoterapeutas (regente do Coral e
pianista da ABP); quatro profissionais: dois fisioterapeutas e dois fonoaudiólogos,
17
todos ligados às pessoas portadoras da D.P., sujeitos desta pesquisa. São eles que
convidam os leitores-ouvintes a ‘ouvirem’ esta orquestra!
18
Capítulo 1.
Alguns acordes básicos
19
Números, índices porcentuais e indicadores de tendências sempre me
disseram muito – pela minha formação em engenharia e atuação técnico-
administrativa no mercado por cerca de três décadas -, e me fazem especialmente
ficar preocupado pelo quanto evidenciam o crescimento da população idosa do
mundo, a ponto de as projeções indicarem que, por volta de 2050, um quinto da
população mundial será de idosos
5
.
Mas pensar em idosos, faz levantar a seguinte pergunta: - Como designar o
início da velhice: seria aos 60, 70 ou 90 anos? Qual a sua duração? Ou já não
estaríamos envelhecendo, de alguma forma, a partir de nosso nascimento?
Oficialmente, a norma é a ditada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE),
6
que assume um critério cronológico: são considerados idosos os
indivíduos com 60 anos ou mais, ratificando o limite estabelecido pela Organização
Mundial da Saúde (O.M.S.) para os países em desenvolvimento.
Pensando os idosos a partir de 60 anos em termos quantitativos, com base no
Censo 2000, no Brasil, eles estão por volta de 14,6 milhões, o que corresponde a
8,6% da população total do país. Em uma década, o número de idosos no Brasil
cresceu 17%. Em 1991, esse número correspondia a 7,3% da população para os 8,6%
de 2000.
O envelhecimento da população brasileira decorre primordialmente de dois
fatores: (i) aumento da expectativa de vida
7
, devido aos avanços científicos no campo
5
Cf. dados do IBGE, julho de 2005, obtidos no web site: http://www.serasa.com.br/guiaidoso/18.htm.
6
Cf. nota 5.
7
Explicar o aumento da expectativa de vida (ou seja, morrer aos 90 anos e não aos 70), segundo
Andrea Prates, coordenadora do Centro Internacional para o Envelhecimento Saudável, não significa
retardar o processo de envelhecimento, mas controlar melhor desde a mortalidade infantil até as
doenças crônico-degenerativas. Assim procedendo, se adoecerá menos, embora se vá envelhecer da
mesma forma...“Não adianta se entupir de vitaminas, achando que isso garante a juventude. Até
porque envelhecer não é doença e, sim, um processo natural do corpo. Não temos como combatê-lo”.
Cf. web site: http://www.unifesp.br/comunicacao/ass-imp/clipping/2002/mai02/mai19.htm#4.
20
da saúde, com a prevenção de doenças;
8
e (ii) redução da taxa de natalidade.
Comprovam tais dados a participação dos idosos com 75 anos ou mais no total da
população: em 1991, eles eram 2,4 milhões (1,6%) e, em 2000, 3,6 milhões (2,1%).
A população brasileira vive, hoje, 68,6 anos em média, o que equivale a 2,5 anos a
mais do que no início da década de 90.
Estima-se que, em 2020, a população com mais de 60 anos no país deva
chegar a 30 milhões de pessoas (13% do total), e a esperança de vida atingir 70,3
anos.
Tal quadro é uma amostra do que ocorre não só no Brasil, mas também em
outros países que estão envelhecendo ainda em fase do desenvolvimento. Os países
considerados desenvolvidos puderam gozar de um período maior, de cerca de cem
anos, para se adaptar a essa mudança geracional.
A geriatra Andrea Prates, do Centro Internacional para o Envelhecimento
Saudável, prevê que, nas próximas décadas, três quartos da população idosa do
mundo se localize exatamente nos países em desenvolvimento.
9
E nós, brasileiros,
que estamos inseridos nesse contexto, como não nos surpreendermos diante de tais
dados quantitativos? Como entender qualitativamente a categoria ‘velhice’?
1.1. Afinando a velhice e o processo de envelhecimento
Se verificarmos o registro do termo ‘velhice’ em dicionário, veremos que ele
parece ter um sentido bastante pontual, designando um determinado estado de vida
8
Segundo João Toniolo Neto, chefe da Disciplina de Geriatria da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp), “Não existem formas de não envelhecer ou retardar esse processo. A idéia agora é empurrar
as doenças para o fim da vida e garantir cada vez menos limitações para o idoso”, cf. web site:
http://www.unifesp.br/comunicacao/ass-imp/clipping/2002/mai02/mai19.htm#4.
9
Conf. web site: http://www.unifesp.br/comunicacao/ass-mp/clipping/2002/mai02/mai19.htm#4, em
julho de 2005.
21
do indivíduo. O Houaiss eletrônico (2005) apresenta os seguintes sentidos: estado ou
condição de velho; idade avançada, que se segue à idade madura; ancianidade; e por
derivação, ou extensão de sentido, o tempo que alguém (ou algo) já viveu ou existiu;
e ainda um sentido um tanto pejorativo do termo ‘velhice’: modo ou rabugice de
velho.
Essa definição de dicionário parece implicar que a velhice seja uma passagem
obrigatória para a morte. Sabe-se, porém, que isso é um equívoco, assim como a
rabugice ou a demência não são parte necessária da idade avançada. Ainda mais na
atualidade em que se vive em melhores condições de vida do que no passado, pode
uma pessoa, mesmo com idade mais avançada, continuar a exercer quase todas as
atividades do cotidiano humano.
Exemplares foram os casos de pensadores que marcaram a história do mundo,
e isso há mais de 2.000 anos: Sófocles com 90 anos escreveu Édipo, assim como
Sócrates (71) e Platão (80) elaboraram obras que permanecem como fundamentais ao
conhecimento humano, e nunca ultrapassadas. O próprio Cícero, em Saber
envelhecer..., nos brinda com sábias palavras sobre o que é o envelhecimento (1997).
Cumpre enfatizar que a idade cronológica nem sempre corresponde à idade
física e mental do indivíduo, nem à sua idade vivencial. Na verdade, do ser humano
pode-se dizer que sua idade biológica refere a idade das células; sua idade
cronológica diz do tempo que é medido pelos dias, meses e anos; e sua idade Kairós,
diz do tempo vivido, interno.
Em função dessa diversidade de concepção sobre a idade, nosso olhar deve
ter uma perspectiva menos preconceituosa sobre a realidade de vida das pessoas. E
também lançar um olhar equânime para todos, no que diz respeito aos direitos do
22
cidadão, ou seja, é preciso que sejam dadas a todas as pessoas as mesmas condições
de vida, pois o ser humano pode apresentar, em qualquer idade cronológica, a maior
parte dos problemas atribuídos aleatória e exclusivamente à velhice.
A velhice consiste em uma etapa do envelhecimento, um processo; é o tempo
da idade que vai avançando, e ocorre desde que se nasce. Via de regra, a palavra
´envelhecimento` é usada num sentido restrito e equivocadamente no lugar da
palavra ´velhice`, esta denunciando um estado determinado, pontual. Uma
equivalência colocada entre ´envelhecimento` e ´velhice`, por conseguinte, denuncia
a não-aceitação de um processo contínuo, irreversível, comum a todos nós, daquele
que acabou de nascer indo até o ancião.
O que ocorre é que se faz uma confusão entre ambos os termos e, com isso,
fortalece-se um ilusório e confortável lugar àqueles que se consideram mais novos,
ao assumirem a crença de que somente os velhos envelhecem.
A velhice deve ser dita, portanto, como o estado que caracteriza a posição do
indivíduo idoso. E como se costuma definir ´velhice`? O registro social, que
responde pelas designações de cada um de nós, define a ´pessoa idosa` de acordo
com um determinado estatuto político e econômico. Assim, a aposentadoria, como a
maioridade, definem as obrigações, deveres e ´prêmios` alcançados de acordo com a
idade. Essas designações arbitrárias nem sempre convêm aos verdadeiros e legítimos
interessados – os próprios aposentados (que o foram muitas vezes
compulsoriamente) –, mas com certeza é de interesse daqueles que as manipulam por
meio da mídia.
De tal jogo de palavras decorre uma série de fatos tristes, patologias e até
mortes prematuras, forçadas por contingências impostas, pois uma morte natural nem
23
sempre traz o sofrimento advindo de medidas tomadas, seja por ignorância, ou por
interesses externos. A ´pessoa idosa`, na verdade, não existe como entidade
individual; é apenas um termo social que não tem realidade humana, segundo Messy
(1999).
O registro do corpo é, sem dúvida, aquele que nos dá características da pessoa
de idade avançada (cabelos brancos, diminuição de altura motivada por compressão
na coluna vertebral, reflexos menos rápidos, calvície etc.), embora tais características
possam se manifestar sem que se seja socialmente velho. Da mesma forma, pode-se
ter idade avançada sem manifestar todas as características corporais citadas. Em
termos médicos, isso tudo só depende da idade biológica. Assim como não podemos
determinar a idade do cérebro, do coração, dos pulmões, do fígado etc., tamm não
podemos determinar, por exemplo, a idade da puberdade que, em cada indivíduo, dá-
se numa época diferente, de acordo com inúmeros fatores externos e internos. Ou
seja, as transformações biológicas surgidas em determinada época é que vão
determinar o início da puberdade, assim como a entrada na velhice, e não a idade
cronológica.
Uma pergunta aqui se coloca: A velhice estaria no repertório do real, isto é,
do inatingível? “Não ser velho porque
não me vejo velho” – um tal sentimento seria
de ordem externa. “Não ser velho porque
não me sinto velho” – um tal sentimento
seria de ordem interna, do tempo Kairós.
Evidente que sei se sou, ou não, velho por informações externas, mas não me
sentir velho independe destas informações, dependendo, sim, de meu sentimento com
relação a mim mesmo.
24
Todos nós nos damos conta se estamos decaindo, tanto quanto os outros que
nos cercam, haja vista nosso desempenho no dia-a-dia, nas atividades corriqueiras
(como subir escadas, nadar, caminhar, trabalhar no nosso ofício). Essas atividades
nos valem como parâmetros para que cheguemos a uma idéia bem próxima do real,
mas de um real que deve ser respeitado e não imposto com medidas de dados
aleatórios e de interesses outros.
Curioso é que a definição de dicionário nos dá idéia do que é ser “idoso” sem
referir a questão da idade. A Comissão Ministerial de Terminologia, filiada à
Secretaria de Estado da França, e encarregada do léxico relativo às pessoas idosas,
propõe: “velho: qualifica uma pessoa que viveu mais tempo que a maioria dos que a
cercam e a quem resta menos tempo de vida do que o já vivido”.
10
Uma tal definição de ‘velho’ tenta abordar a questão do estado de velhice,
sem envolver conceitos, tais como os de perda/aquisição, depreendidos da noção de
processo de envelhecimento.
Definir a velhice de forma adequada é, de fato, uma questão complicada. O
próprio Freud, considerado o Pai da Psicanálise, aos 47 anos, situou-a,
melancolicamente, desta forma: “As pessoas que atingiram ou passaram dos 50 anos
de idade não dispõem mais da plasticidade dos processos psíquicos em que se apóia a
terapêutica - pessoas velhas não são educáveis.” (Messy: 1999: 27).
Chamando de pessoas velhas os indivíduos em questão, Freud fixa,
pontualmente, aos cinqüenta anos a entrada na velhice, tal qual o fazem os chineses
até a atualidade.
10
Cf. Dictionnaire des personnes âgées, de la retraite et du vieillissement, Jean-Charles, Franterm,
diffusé par Nathan. Paris, France, 1984: 38.
25
A meu ver, certamente, Freud equivocou-se ao fazer essa afirmação, quando
ele próprio já estava próximo dessa idade. Se sua afirmação correspondesse à
verdade, ele não estaria reconhecendo a plasticidade de seus próprios processos
psíquicos ou a busca de avanço científico na área de sua especialidade. Talvez ele
estivesse, naquele período, de mal como o mundo, única forma de justificar uma
afirmativa tão descabida vinda de um cientista produtivo como ele sempre o foi.
Quando de suas viagens para a América, o próprio Freud disse que se sentia
muito bem aos cinqüenta e três anos:
Eu tinha então 53 anos, sentia-me jovem e bem disposto. A
curta estadia no Novo Mundo fez bem ao sentimento de
minha auto-estima. Na Europa eu me sentia um proscrito;
aqui me via acolhido pelos melhores como um igual. (Messy,
1999: 28).
Verifica-se, então, que antes da viagem ele se sentia um excluído, sentimento
que vinha de seu interior como uma impressão de perda; depois ele passa a se sentir
acolhido pela elite intelectual americana, algo que lhe veio do exterior, tendo seu eu
podido se identificar com seu eu ideal, o que o fez sentir-se jovem internamente outra
vez.
A partir dessa narrativa, verifica-se que a proscrição a uma pessoa pela
sociedade pode precipitar uma sensação de envelhecimento a ela, tal qual ocorreu
com o próprio Freud, que se reabilitou a partir de seu acolhimento na América.
Continua a questão de como, então, determinar a entrada na velhice. A esse
respeito, Mercadante (2005: 23) faz o seguinte questionamento:
Velhice seria uma questão visível, empírica? A velhice
representaria um ponto último na vida dos indivíduos, que é o
resultado de um processo natural, biológico de
envelhecimento e que antecede a morte?
26
Segundo a autora, definir a velhice como “um fenômeno biológico, como um
processo natural que acontece a todos os seres vivos” é assumir a tradicional e
dominante perspectiva médico-geriátrica que vê o idoso apenas como um conjunto
de características biológicas. Dizendo de outro modo: é conceber o envelhecimento
numa perspectiva evolucionista, que considera a passagem do tempo em termos de
uma seqüência segmentada de eventos: a infância, a adolescência, a idade adulta, a
idade madura no seu declínio irreversível, físico e mental do indivíduo que o conduz
à morte.
Pode-se dizer que tal maneira de pensar, assumida, via de regra, pelo senso
comum, responde a uma linha organicista, tributária às ciências biológicas, em que a
vida é descrita com picos de desenvolvimento, platôs e curvas com um lento declínio
até o fim da vida.
11
Segundo Gaiarsa (1986), são quatro os processos de envelhecimento que
sofrem nosso corpo:
1. Adensamento ou espessamento da maior parte das estruturas corporais, devido à
ação dos radicais livres, que estabelecem ligações anormais, tanto no interior das
moléculas como nas ligações entre elas.
2. Gradual desidratação do corpo. No recém nascido, a água faz parte de 80% de seu
organismo, enquanto na velhice, 40% ou menos.
3. Alteração dos ácidos nucléicos – como decorrência dessas alterações, erros na
produção de todas as proteínas orgânicas e,
4. Acúmulo de resíduos em numerosas células.
11
Concepção de velhice criticada no Mestrado em Gerontologia, na PUC-SP, que considera o ser que
envelhece e não unicamente o ser que adoece.
27
Em função de todas essas mudanças orgânicas, a imagem que uma pessoa tem
de si mesma vai sendo distorcida por alterações físicas, e as decorrentes psíquicas e
sociais, embora isso difira de um indivíduo para outro, já que cada um tem seu ritmo
próprio de envelhecimento orgânico, psíquico e neurológico, tributário a fatores
hereditários ou a influências do meio ambiente.
Na velhice, mudanças físicas se fazem notar mais como a mudança na
elasticidade da pele, o surgimento de rugas, o decréscimo da força física e mental, a
perda gradual dos cabelos ou seu embranquecimento, a diminuição da acuidade
visual e auditiva, sintomas que aparecem em cada um, em maior ou menor grau, e
mais cedo ou mais tarde de uns para outros. Há, por conseguinte, um funcionamento
menos eficiente de nossos sistemas internos, com alterações metabólicas, diminuição
da capacidade pulmonar, da produção hormonal, enrijecimento de cartilagens e
artérias, freezing
12
, diminuição das funções hepáticas, renais etc.
É também na velhice que se agudizam as chamadas doenças degenerativas
que provocam um enfraquecimento geral dos diversos tipos de memória, devido à
diminuição gradativa do número de neurônios que vai ocorrendo na idade adulta.
Nesse sentido, o tempo de vida é analisado de forma mensurável, em que o
tempo cronológico é entendido apenas como uma sucessão de datas e
acontecimentos.
Podemos ressaltar, aqui, que tal concepção biológica de velhice é generalista,
aplicável a qualquer ser vivente, estabelecendo uma homogeneidade entre o humano
e o não-humano, como se todos fossem seres do mesmo nível de complexidade.
12
Freezing’ é termo consagrado na literatura parkinsoniana para referir bloqueios motores - episódios
relativamente súbitos de congelamentos que podem ocorrer em várias situações mas, principalmente,
durante o andar. O doente sente como se estivesse ‘colado’ ao solo, incapaz de se mover. A duração é
variável, geralmente poucos minutos, e desaparecem após um determinado procedimento do doente,
também muito particular a cada indivíduo. Cf. http://www.parkinson.med.br/
28
Mercadante (2005: 23) aponta que a velhice humana, longe de ser uma questão
simples, diz de um estado complexo, ou seja, que “indica dificuldades para a sua
explicação”.
O ser humano é heterogêneo, cada um é um, com suas particularidades,
idiossincrasias, gostos, desejos, laços sociais, sofrimentos ou lutos... Por conseguinte,
a velhice humana exige uma definição mais específica do que aquela que a aproxima
à dos demais seres viventes.
Uma forma mais adequada de definir o termo ‘velhice’, aplicável ao ser
humano, deve ser aquela que se funda em seu caráter processual. Deve-se pensar,
antes que em uma categoria pontual, em um processo, algo dinâmico, que implica
pensar que o envelhecimento não refere apenas os efeitos de tornar-se velho, mais
velho, ou de aparentar velhice, como na tradicional concepção médico-geriátrica.
Com o avanço dos estudos no campo da Gerontologia, a concepção sobre o
envelhecimento
13
passa a ter:
(i) um caráter dialético, no sentido de envolver o eu-idoso na sua relação consigo
mesmo (com seus problemas, doenças) e com o ‘outro’, as pessoas com quem
ele mantém laços pessoais ou sociais;
(ii) um caráter contextualista, tributário ao reconhecimento do que ocorre, de
fato, na vida real das pessoas.
Esse caminho de compreensão sobre o envelhecimento pode ser entendido
como aquele que se identifica com o campo da Fenomenologia
14
, quando se destaca
13
Concepções partilhadas, neste trabalho, para as quais contribuíram reflexões de diversas áreas do
conhecimento, especialmente das Humanidades.
14
A Fenomenologia é o estudo da consciência e dos objetos da consciência. A redução
fenomenológica (ou ‘epoche no jargão fenomenológico), é o processo pelo qual tudo que é informado
pelos sentidos é mudado em uma experiência de consciência, em um fenômeno que consiste em se
estar consciente de algo. Coisas, imagens, fantasias, atos, relações, pensamentos eventos, memórias,
29
o conceito de ´tempo vivido`, de existência relacional, uma postura, portanto,
existencial, humanística e não meramente empírica.
O filósofo francês Merleau-Ponty, em sua obra Fenomenologia da percepção
(1971), caracteriza esse tempo como movimento não-linear. É a prevalência do não-
cronológico, ou seja, o tempo não deve ser medido em meses e anos, mas numa
sucessão não-linear de fatos e experiências vividas. Decorre dessa nova visão de
tempo merleau-pontyana que o aspecto cronológico seja substituído pelo vivencial,
15
exatamente tal qual o preconizava Martins, em seu artigo intitulado “Não somos
Chronos, somos Kairós” (1998).
Entende-se, dessa forma, que o ciclo biológico natural corresponderia ao
nascimento e à morte. O que ocorre nesse intervalo entre nascimento e morte é
construído socialmente. E não só a velhice é uma categoria construída, como também
as demais fases da vida.
Pensar o envelhecimento sob a perspectiva fenomenológica é pensá-lo como
um horizonte de possibilidades, de construção de um novo projeto de vida a partir da
reflexão da experiência vivida de cada um na sua relação com o outro, no seio de um
sistema de relações sociais.
sentimentos etc. constituem nossas experiências de consciência. Husserl propôs, então, que, no estudo
das nossas vivências, dos nossos estados de consciência, dos objetos ideais, desse fenômeno que é
estar consciente de algo, não devemos nos preocupar se ele corresponde ou não a objetos do mundo
externo à nossa mente. O interesse para a Fenomenologia não é o mundo que existe, mas sim o modo
como o conhecimento do mundo se dá, tem lugar, se realiza para cada pessoa. A redução
fenomenológica requer a suspensão das atitudes, crenças, teorias, e colocar em suspenso o
conhecimento das coisas do mundo exterior a fim de concentrar-se a pessoa exclusivamente na
experiência em foco, porque esta é a realidade para ela.
15
O aspecto vivencial refere a vivência (Erlebnis), no sentido fenomenológico, ou seja, é todo o ato
psíquico, caracterizado pela intencionalidade; a Fenomenologia, ao envolver o estudo de todas as
vivências, tem que englobar também o estudo dos objetos das vivências, porque sendo as vivências
intencionais, é nelas essencial a referência a um objeto. Isto equivale a afirmar, como Husserl, que os
objetos dos fenômenos psíquicos independem da existência de sua réplica exata no mundo real porque
contêm o próprio objeto. A descrição de atos mentais, assim, envolve a descrição de seus objetos,
mas somente como fenômenos e sem assumir ou afirmar sua existência no mundo empírico. O objeto
não precisa de fato existir. Foi um uso novo do termo "intencionalidade" que antes se aplicava apenas
ao direcionamento da vontade.
30
Há necessidade por parte do homem do entendimento do seu envelhecer, de
seu tempo vivido, da assunção de sua unidade humana, no sentido de poder
redimensionar seu tempo e transformá-lo em uma gama de possibilidades de ser.
Assim, tem-se um indivíduo em constante mudança, com capacidade de ir ajustando
seu projeto de vida presente e futuro.
16
Saindo do plano apenas da especificidade biológica, e vendo, assim, a velhice
também como um fato sócio-cultural, sobre o que representa, por exemplo, o
envelhecimento em um país, deve-se considerar que a questão dos idosos não pode
ser subsumida apenas à sua crescente participação quantitativa no total da população.
1.2. Afinando o papel do idoso e os novos arranjos sociais
Os aspectos quantitativos ou percentuais são relevantes à medida que
mostram a magnitude da questão e que embasam nossas reflexões, mas há aspectos
outros a serem avaliados, dentre eles o papel do idoso nos agrupamentos humanos.
Por exemplo, na família, o idoso vem assumindo uma crescente função mantenedora
dos seus membros: filhos, netos, parentes próximos e agregados.
Foi comprovado em pesquisas que, no Brasil, boa parte dos idosos, hoje, são
chefes de família e, nessas famílias, a renda média é superior àquelas chefiadas por
adultos não-idosos. No Censo 2000, por exemplo, 62,4% dos idosos e 37,6% das
idosas são chefes de família, somando 8,9 milhões de pessoas. Além disso, 54,5%
dos idosos ‘cabeças-de-família’ vivem com os seus filhos e os sustentam.
16
Reflexões sobre Heidegger e Merleau-Ponty se deram no Mestrado em Gerontologia da PUC-SP,
especificamente no curso “Temporalidade e Finitude”, ministrado pela Prof.
a
Dr.
a
Salma Tannus
Muchail, no 1º semestre de 2002, e constituem, em suma, as bases teóricas sobre as quais se
fundamenta esta disciplina no curso de Gerontologia.
31
Segundo Oddone (2005), na Argentina, a partir dos anos 2000, surgiram
muito mais problemas nas famílias. Podemos afirmar, sem dúvida, que tal também
ocorre aqui. O papel dos avós tornou-se muito mais primordial na família, tendo eles
voltado a “tener capacidades” nos termos da autora, ao que ela acrescenta: “las
sociedades en crisis revalorizan a los viejos, y una hipótesis posible es creer que esto
nos pasó a los argentinos”.
17
Tal atividade estendida dos idosos, embora por um lado benéfica no sentido
de eles continuarem sentindo-se fundamentais na subsistência da família, por outro
os desgasta, podendo, inclusive, levá-los ao estresse, ao sentirem na pele a
dificuldade de os mais jovens sobreviverem autonomamente. E nos fica a questão: se
muitos idosos, como mostram as estatísticas mais recentes, continuam sustentando
seus filhos-adultos, em razão do desemprego ou insuficiência de salário destes, como
eles disponibilizarão uma parte de seu salário para sua previdência privada ou um
fundo de pensão? Este, embora não seja tema desta pesquisa, é um aspecto de nossa
realidade atual que tem sido deixado de lado pelas autoridades do país, mas que tem
sido objeto de estudo de várias áreas do conhecimento, especialmente da
Gerontologia.
18
Por outro lado é preciso pensar que, por sermos membros de uma sociedade
que se articula por meio de grupos comunitários como: família, crença, determinados
interesses econômicos, clubes, associações, diante dos novos ‘arranjos familiares’,
17
“De cómo nos educaron sobre la vejez”, cf. web site Portal do Envelhecimento,
http://www.portaldoenvelhecimento.net/artigos/artigo761.htm, em janeiro de 2006.
18
A VIII Semana da Gerontologia da PUC-SP, ocorrida de 30/11/2005 a 02/12/2005, bem a propósito,
privilegiou o tema: “Longevidade e Previdência: a política social privilegia os idosos?”, quando
também apresentou uma publicação interna de resumos de 77 pesquisas de Mestrado e Doutorado da
PUC-SP que contemplam as temáticas “Previdência, Aposentadoria e Velhice”.
32
que se engendram na atualidade, novos ‘arranjos sociais’ devem ser idealizados
como os espaços, público e privado, para os idosos.
19
Junto ao conceito de comunidade, outros tantos, dentro do campo da
Gerontologia, devem ser objeto de reflexão, como o de identidade e de subjetivação
do idoso. Estes são aspectos que, normalmente, não são levados em conta, mas sobre
os quais é imprescindível refletir, pois o idoso tem uma identidade e uma
subjetividade que precisam ser respeitadas e preservadas por todo o grupo que o
cerca, independentemente de estar em atividade ou em pleno domínio, ou não, de
suas faculdades mentais e físicas. Manter vínculos fortes, significativos com outras
pessoas é o que faz com que seja mantida a identidade pessoal e social do idoso.
O idoso deve estar sempre em relação com o ‘outro’ - o que, na verdade, não
é privilégio de sua faixa etária -, e essa alteridade “aparece como condição essencial
da expressão de uma identidade, seja ela pessoal ou social”, conforme diz
Mercadante (2005: 30). No caso do idoso, isso significa que sua identidade se
constitui por oposição à identidade do ‘outro’, com quem o idoso se relaciona, não
necessariamente o jovem, e vice-versa.
A relação com o ‘outro’ parece ser, por conseguinte, o caminho para evitar
que o idoso experimente o sentimento terrível de abandono, de extrema solidão, do
qual, na verdade, nenhum ser humano está livre, independentemente de sua situação
social ou econômica. Esse estado de um vazio indefinido pode, contudo, tornar-se
mais agudizado, no idoso, justamente pelas problemáticas da vida contemporânea,
conforme aponta Soares (2005: 5). A própria sociedade, vítima da velocidade e da
19
Tal qual discutimos no Seminário “A Comunidade e os Velhos”, coordenado pela Prof.ª Dr.
a
Elisabeth Frohlich Mercadante, no 1º semestre de 2002, no Programa de Gerontologia, PUC-SP.
33
sobrecarga de tarefas exigidas nas ações cotidianas, não está sabendo como lidar
adequadamente com seus velhos, cuja expectativa de vida é cada vez mais crescente.
A pergunta que se coloca aqui é: como disponibilizar um lugar adequado ao
idoso em uma estrutura social que vem privilegiando e valorizando apenas os
jovens?
Segundo Soares (2005), o idoso vive submetido a essa contradição manifesta
na sociedade contemporânea, sentindo-se a um só tempo incluído e excluído, fato
que tem conseqüências para ele, ao impedi-lo de dar um sentido a sua própria vida,
de preservar sua identidade pessoal e social.
A ótica antitética no campo da linguagem relativa ao envelhecimento,
manifesta em expressões dicotômicas como incluído/excluído, jovem/idoso,
vida/morte, dentro/fora, mostra, na relação entre esses termos, aspectos importantes:
(i) que um conceito desse binômio só tem sentido em oposição ao outro; (ii) que
ambos os conceitos, em par, apontam-nos sobretudo para uma ambigüidade, que só
pode ser expressa pelo viés da composição que dá sentido aos elementos
contraditórios; (iii) e que tais pares conceituais antitéticos também nos
conduzem a
pensar em outra relação: a da perda/aquisição na velhice. Qual seja: por um lado, as
perdas do idoso são notoriamente visíveis no seu depauperamento físico. Em
contraponto, na velhice, existe um ganho em vivências por meio das quais se atinge
um grau mais elevado em sabedoria, no saber sobre as coisas.
Ainda segundo Soares (2005), a partir do momento que a sociedade atual, ao
fazer a apologia da eterna juventude, subtrai o velho dessa composição e o relega a
um segundo plano, esvazia-se o sentido da relação e, por conseguinte, esvazia-se o
sentido de aquisição. Dizendo de outro modo: o velho, deslocado do binômio jovem-
34
velho, não encontra uma posição que lhe dê uma referência, um reconhecimento, e
assim ele próprio se impõe um luto por esse status perdido.
Contudo, o processo de luto transcende a instância pessoal ou do próprio
idoso, uma vez que este vive num tempo que é partilhado e comum à época
específica de sua inserção social. Ou seja, seus vínculos são compartilhados com
todos os que o cercam, sofrendo, por conseguinte, também o impacto das mudanças
na rede de relações familiares e político-econômico-sociais.
Segundo Soares (2005), a pós-modernidade que vivemos mantém-nos em um
estado de permanente crise, quer na sociedade entendida no seu todo, quer quanto
aos laços interpessoais, ou dentro dos segmentos ou classes sociais.
Há também a se considerar a dupla face que o luto do idoso apresenta: - de
um lado, estão as perdas concretas ao longo de sua vida: separações, morte de entes
queridos, perda do status social etc.; de outro, o luto que se processa em função das
‘perdas de si mesmo’, no decorrer da vida. Ou seja, não só pelo processo
degenerativo das funções corporais, mas mais ainda pelas perdas de auto-referências
que o acompanham.
De acordo com Soares (2005), o grupo de idosos, por constituir
um dos segmentos da sociedade que vive controvérsias
acentuadas na atualidade, vai navegando ao sabor das ondas,
imerso num caudaloso fluxo de correntes contrárias. Como
conseqüência, observa-se um abalo nas estruturas psíquicas
desses idosos, ocasionado pela vivência das incongruências
ao longo desse período de vida no qual hão de fazer o luto
não só de etapas da vida que já se foram, como também dos
projetos, desejos e fantasias não realizados (p.5).
20
20
Cf. “A solidão na pós-modernidade”, web site: http://www.abp.org.br/artigos/xxcong_sylvia.doc.
Dezembro de 2005.
35
1.3. Afinando a imagem do corpo
O depauperamento do idoso começa a se configurar na imagem que ele
próprio tem de si mesmo, isso acrescido às perdas visíveis a olho nu, que se refletem
no seu desgaste físico, atingindo o aspecto estético e o próprio desempenho dos
órgãos, que pouco a pouco vão deixando de exercer suas funções com a mesma
eficiência.
A idade e o corpo do idoso são um registro de toda a sua experiência vivida
que, de uma hora para outra, é posta de lado senão mesmo descartada, desprezando
os valores que ele encerra em si mesmo.
Segundo Codo e Senne (1995), “a luta pela reapropriação de si mesmo
implica um protesto contra o caráter alienante do trabalho, um passo a mais em
direção à liberdade.”
21
Nessa luta pela reapropriação de si mesmo, o idoso se volta
para fora e o sistema social vale-se disso, estimulando, para seu proveito, o ideal do
corpo-consumo; decorrentemente, o proliferar de métodos e mais métodos para
emagrecer, para rejuvenescer, aliados a cursos de relaxamento, ginástica alternativa
etc. Tudo isso para atender ao ‘corpo ideal’ que precisa estar dentro dos padrões
estabelecidos socialmente. O corpo do idoso, por mais que se tente melhorar, não
pode ser inserido nesse padrão-ideal. Aliás, nem mesmo o jovem o consegue, tal esse
padrão corresponde a apenas uma idealização, algo mítico, ilusório e distante do real.
Um corpo virtual, a bem da verdade.
O mundo dos negócios, por sua vez, voltou-se com toda a sua carga de
produtos e serviços, alçados por forte publicidade midiática, para o dito segmento da
terceira idade, realizando em 2005 a primeira feira do país, reunindo indústrias e
21
Apud: CARDOSO, Jubel Raimundo (2002).
36
prestadores de serviço, no Salão da Maturidade, no Parque do Anhembi, em São
Paulo, com promessa de ser repetida duas vezes ao ano.
A justificativa para a ocorrência de tais eventos empresariais é que os avós,
na atualidade, não pensam mais em guardar dinheiro como no passado; os
consumidores de ‘terceira idade’ querem curtir a vida: viajar, vestir-se bem, comprar
presentes para os netos etc. E o mercado de produtos e serviços já contabiliza seus
lucros com o consumo da população madura, com mais de 60 anos, que faz gerar
bilhões de reais por mês.
Na verdade, o prazer pelo consumo vem sendo imposto, cada vez mais e
indiscriminadamente, a todos os segmentos da sociedade, e nem os idosos escapam a
isso. O idoso, afastado da empresa por ser considerado, em termos de mercado, um
ser não mais produtivo, passa a ser visto, agora, pelo olhar dos industriais e
publicitários como um potencial consumidor de produtos e serviços voltados
especificamente a ele.
O filósofo Lipovetsky (1992) fala da atual cultura, higiênica e esportiva,
estética e dietética, que se impõe no mundo atual, em que é indispensável que se
conserve a forma do corpo, que se seja esbelto, que se lute contra as rugas, que se
mantenha uma alimentação de qualidade:
Nesse sentido, o esporte, por exemplo, desembaraçado de
suas virtudes, fica sob a lógica pós-moralista narcísica e
espetacular, constituindo-se num dos emblemas mais
significativos da cultura individualista narcísica, centrada no
próprio corpo. O hedonismo exprime e intensifica o culto
individualista do presente, associando-se à autoprodução
narcísica. (1992: 58)
O homem contemporâneo é obrigado a se render a esses imperativos.
Qualquer fracasso nessa direção significa seu alijamento social. Submetidos à moda,
37
ainda mais aos modismos, essa estrutura social nos acompanha como um fantasma
em nosso imaginário, em especial no do idoso que, deslocado no tempo, fica sendo
alvo de um entrechoque de representações.
Não resta dúvida de que a representação social do corpo sofreu, na
modernidade, uma mutação. No caso do idoso, quaisquer práticas de
rejuvenescimento que participem da mitologia moderna, assim como a moda -
mascaram uma igualdade com os mais jovens que não pode ser atingida. Os idosos
passam a consumir cada vez mais para si mesmos, encarnando o individualismo
narcísico - que instaura uma nova relação com os outros e com as coisas -, por
crerem que, com isso, possam elevar sua auto-estima e ao mesmo tempo minimizar a
importância, em sua vida, do outro perdido. O verdadeiro objeto de culto incide,
agora, sobre o corpo, valorizando a questão da imagem, por meio de práticas
cotidianas como as excessivas preocupações com a saúde, com a elegância, com as
roupas, com a higiene, que se consubstanciam em rituais de manutenção de seu
corpo, consultas médicas, fisioterapias, idas a salões de beleza, adoção de severos
regimes alimentares, ginásticas etc.
22
Para romper seu estado de luto, de perda de suas capacidades físicas ou de
entes queridos, o idoso busca uma compensação por meio dessas práticas de ordem
corporal que, configurariam um processo de aquisição de sua identidade. Mas todas
as providências, se não estiverem acompanhadas de uma inserção de novas pessoas
no seu relacionamento, de novas formas de socialização, de reconhecimento de sua
posição valiosa na sociedade, não o libertarão do sentimento de solidão.
22
Simone de Beauvoir (1990), em sua obra A Velhice, discute aspectos fundamentais sobre os idosos,
dentre outros: a política do corpo, o que identifica corpo e velhice estética e funcionalmente, as
mudanças da concepção de corpo, a representação do corpo na arte, o ideal do corpo, o corpo idoso
ideal pós-moderno e a negação do corpo envelhecido, a velhice e aprendizagem, o conceito de corpo
contextualizado, corpo e consciência.
38
A tal perspectiva sombria da velhice deve contrapor-se uma outra perspectiva
mais feliz, em que o próprio idoso passa a gerir, de forma produtiva, e de acordo com
os avanços do mundo contemporâneo, a sua própria vida.
1.4. Afinando o compasso da vida
Cardoso (2004) fala da relação que se estabelece entre um corpo bem
estruturado, especialmente quanto aos afetos, nos relacionamentos, com a prevenção
da doença e a manutenção do sentido de identidade do indivíduo.
O ser humano permanece quase que permanentemente imerso em afetos, que
permeiam todas as trocas entre as pessoas. Assim, é preciso que selecionemos o que
é bom e o que é mau nas trocas que efetuamos. Segundo o autor, isso significa que o
idoso, enquanto sujeito de sua vida, tem um papel importante no gerenciar esses seus
afetos. Por passarmos por essas experiências de troca de afetos por toda a vida, com a
idade, adquirimos um grande conhecimento, um verdadeiro know how para
selecionarmos afetos de forma mais segura. Nosso corpo é o referencial para todas
essas afetividades, como a alegria, a tristeza, a raiva, o amor, o medo, a insegurança,
o prazer, a carência, dentre outras.
Essas experiências afetivas, que têm um referencial no corpo, leva-nos a dizer
que, de fato, um corpo bem estruturado sente-se preparado para o enfrentamento do
dia-a-dia, não perdendo, necessariamente, sua noção de identidade. Com o decorrer
do tempo, com o avanço da idade, faz-se mais necessário o trabalho com o corpo,
para que se criem respostas a todas as situações que vão se apresentando nessa nova
fase de vida.
39
Faz parte do cenário de nossas vidas o envelhecimento e este é importante,
tanto quanto sua duração durante toda a vida, quando vão ocorrendo mudanças
físicas, psíquicas e sociais particulares a cada um de nós. Embora o envelhecimento
venha desde o nascer, avulta evidentemente na idade mais avançada.
Envelhecer é amadurecer em todos os sentidos e conservar essa maturidade é
um trabalho difícil, conquanto mais natural para uns, mais complicado para outros,
embora inevitavelmente a ambos ocorram perdas graduais, como já dito, das funções
orgânicas, sociais e psico-emocionais. Há que se ater à individualidade de cada
pessoa, levando em consideração a idade orgânica, o sexo, as características
hereditárias, o grau de educação, o status, a cultura, a profissão, o ambiente, fatores
que dão o caráter particular a cada ser.
40
Capítulo 2.
Repertório: a doença, o Parkinsonismo e a Doença de Parkinson
41
2.1. Primeiro acorde: a doença
Hipócrates, o primeiro historiador médico, nascido no ano 460 a.C. na ilha de
Cós, Grécia, foi quem deu grande impulso à Medicina em todos os seus aspectos,
formulando o conceito histórico de ‘doença’, ou seja, a idéia de que as doenças
seguem um curso, dos primeiros sinais até o clímax ou crise e decorrem para uma
resolução feliz ou fatal.
O dicionário Aurélio eletrônico (1999) registra o termo ‘doença’, em um de
seus sentidos médicos, como uma patologia, uma alteração biológica do estado de
saúde de um ser (homem, animal etc.), manifesta por um conjunto de sintomas
perceptíveis ou não; enfermidade, mal, moléstia; alteração do organismo como um
todo ou de qualquer de suas partes, marcada por rápida evolução dos sintomas que
têm caráter mais ou menos violento, terminando na recuperação ou morte.
Tais definições centram-se no aspecto biológico do conceito de doença, no
sentido de perda, e ainda em um sentido muito genérico, aplicável a qualquer ser
vivente, humano ou não-humano.
Hipócrates, ao conceber o relato de caso, uma descrição ou representação, da
história natural da doença – resumida pela antiga palavra patologia, também se ateve
apenas ao registro biológico.
Segundo Sacks (2002), porém, esse modelo de relato hipocratiniano constitui
uma forma de história natural, nada nos dizendo sobre o indivíduo que detém a
doença e sua história, nada revelando sobre a própria pessoa e sua experiência de
estar envolvido com a doença, lutando para sobreviver a ela, aprender com ela, ou
para conviver com ela por toda a vida.
42
O ‘sujeito’ simplesmente não é levado em conta em um relato de caso no
modelo hipocratiniano e nem incluído, na atualidade, em um modelo tradicional
médico; pelo contrário, o próprio doente é apagado, desconsiderado. O médico trata a
doença, como se não existisse um sujeito lidando com ela, como se não existissem
outras pessoas ao lado do doente também envolvidas naquele problema.
Os relatos de caso modernos referem o sujeito, mas de forma genérica em
uma descrição meramente superficial (por exemplo: indivíduo trissômico (com
síndrome de Down) e albino, sexo feminino, 21 anos), descrição aplicável tanto a um
rato como a um ser humano.
Para retornar o sujeito (humano) ao centro da análise – aquele ser sofredor,
angustiado, em luta contra a doença de que está acometido e, ao mesmo tempo,
tentando superar seus sintomas, deve-se aprofundar o relato de caso, transformá-lo
em uma narrativa ou história, introduzindo, além de um ‘quê’, o ‘quem’, a pessoa
real, o ser-doente diante de sua doença, numa descrição que leve em conta aspectos
físicos, psíquicos, simbólicos, enfim, que preserve a identidade humana, mesmo em
circunstâncias adversas. Somente assim, o processo de superação pelo próprio doente
dos problemas que lhe são acarretados pode se dar.
Na verdade, a individualidade do doente está essencialmente envolvida, e o
estudo da doença e da individualidade não pode desarticular todos os registros
humanos. O abismo categórico que possam colocar entre instâncias como o psíquico
e o físico, entre o simbólico e a doença, não pode ser mantido nos relatos, nas
histórias que concernem a tais instâncias. É preciso aproximá-las mais, para que os
relatos de caso digam mais do ‘sujeito’ em sua subjetividade, a relação dos processos
fisiológicos com a sua biografia.
43
Pensando no idoso, via de regra pensa-se nas doenças chamadas
degenerativas, como numa relação causal em que as segundas fossem
inevitavelmente obra da idade.
É preciso logo ressaltar que não apenas na velhice se manifestam doenças
como Parkinson, Alzheimer, cárdio-circulatórias, arteriosclerose, dislipdemias,
hipertensão arterial, hipotensão ortostática, insuficiência coronariana, ICC e doenças
vasculares periféricas, doenças do aparelho osteoarticular, osteoartrose, artrite
reumatóide, osteoporose, afasia, distúrbios do equilíbrio e delírio, doenças
metabólicas como diabetes e tireopatias, além dos grandes Is da Geriatria:
incapacidade mental, incapacidade funcional, imobilidade, incontinência urinária,
instabilidade postural e iatrogenia.
Apesar de essas doenças poderem acometer pessoas das mais variadas idades,
na verdade, elas são mais freqüentes naquelas com idade mais avançada. As mais
preocupantes para idosos e familiares são: a Doença de Parkinson e a Doença de
Alzheimer.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Doença de
Parkinson, responsável pela degeneração progressiva de neurônios produtores de
dopamina,
23
embora afete pessoas com menos de 60 anos, têm nos mais idosos o
contingente mais expressivo, com cerca de 2% dos brasileiros.
23
‘Dopamina’ refere o neurotransmissor responsável pela comunicação entre as células nervosas, que
se encontra deficiente na
D.P. Sua falta resulta em importante ruptura da função motora normal. Cf.
site: http://www.parkinson.med.br/
44
A Doença de Alzheimer, por sua vez, que é responsável pela produção
exagerada de uma proteína em determinadas células nervosas, e leva à morte todos
os neurônios que rodeiam essas células, está entre as quatro maiores causas de óbito
no mundo, de acordo com a O.M.S.
Em ambas as doenças, ou em qualquer outra que acometa um indivíduo, o
essencial não deve ser o foco na doença em si, mas tratar o ‘sujeito’ na relação com
sua doença. Aí está o ponto em que iremos nos centrar, neste trabalho, trazendo
relatos de pessoas que enfrentam uma das mais temidas doenças por todos, a D.P.
Procedimentos diversos vêm sendo utilizados para postergar as doenças para
mais tarde, se possível evitá-las ou mesmo superá-las, seja com novas medicações
alopáticas, farmacológicas, seja com tratamentos alternativos.
A possibilidade de uma vida mais longa dos idosos tem conseqüências, pois
isso não deixa de exigir um acompanhamento médico-geriátrico, um
acompanhamento psicológico ou psicanalítico para aceitação das mudanças na vida,
tratamentos alternativos concomitantes aos alopáticos, despesas que se avolumam e
não são cobertas pelas atuais aposentadorias irrisórias fornecidos pelo Estado e até
pelos planos de saúde privados.
Tudo isso exige um novo posicionamento e novas atitudes dos órgãos
públicos e da própria sociedade. É preciso de que se pense urgentemente, no Brasil,
em novos sistemas de apoio, oficiais ou não, a essa nova geração de idosos que
ultrapassam o limite-médio de 68,6 anos e que, mais do que em outras décadas, têm
exigências maiores.
45
É preciso que se pense também que nem todas as pessoas concebem da
mesma forma a velhice e nem mesmo a aposentadoria. Há aqueles que planejam
mais, enquanto outros se preocupam menos com a questão da previdência e das
doenças e só mais tarde, quando muito idosos, é que vão sentir na carne seu
despreparo ou sua omissão sobre o assunto na juventude ou na idade adulta.
2.2. Segundo acorde: o Parkinsonismo
Parkinsonismo e D.P. não são termos sinônimos, nemm o mesmo escopo
patológico de aplicação. Parkinsonismo é um termo genérico, de escopo maior, que
refere uma série de doenças diferentes, mas que evidenciam em comum a presença
dos sintomas parkinsonianos, em combinações variáveis, associados ou não a outras
manifestações neurológicas.
O Parkinsonismo tem, pois, muitas formas:
Parkinsonismo Secundário ou
Sintomático,
Parkinsonismo Atípico e Parkinsonismo associado a outras condições.
A D.P. é a forma mais freqüente de Parkinsonismo, correspondendo, na
Europa e nos Estados Unidos, a cerca de 76% de todas as demais formas de
parkinsonismo. Segundo Grossmann (1998), no Brasil, essa proporção é ainda
menor. Por exemplo, na Clínica de Distúrbios do Movimento da UFMG, em pesquisa
realizada por seu Diretor, Francisco Cardoso, esse número caiu para 60%. Ou seja,
em 40% dos doentes, a causa do Parkinsonismo
não era a Doença de Parkinson.
Dada a impossibilidade de se pensar a causalidade na doença de Parkinson,
ela é também chamada de Parkinsonismo Primário (ou Idiopático = de origem
desconhecida).
46
O ‘Parkinsonismo Secundário’ ou ‘Sintomático’ é quando uma causa pode
ser determinada e refere um determinado estado patológico que apresenta outros
elementos que não permitem rotulá-lo como
D.P. Pertencem ao quadro do
Parkinsonismo Secundário, dentre outras, a doença de Shy-Drager, a Síndrome de
Tourette, a Encefalite hipercinética, a Encefalite letárgica (Doença do sono), a
Catatonia estatuesca, citadas por Sacks (2002). Outras são aquelas resultantes dos
efeitos de drogas antidopaminérgicas (neurolépticos, a metoclopramina, a cinarizina
e flunarizina), Atrofia de múltiplos sistemas, Problemas vasculares, Doença de
Wilson, DCBG (degeneração córtico-basal ganglionar); Doença de Alzheimer,
Atrofia Palidal, Doença de Machado-Joseph, Neurocantocitose, citadas por
Grossmann (1998).
Nos Estados Unidos, existem mais de 2 milhões de pessoas com
Parkinsonismo:
- 1 milhão de pessoas com a D.P. ou Parkinsonismo Primário/Idiopático;
- 1 milhão de pessoas com Parkinsonismo induzido por drogas (com fenotiazida e
butirofenona, os denominados “tranqüilizantes maiores”);
- algumas centenas ou milhares de doentes com Parkinsonismo pós-encefalítico
(decorrente da Encefalite Letárgica, ou Doença do sono);
- milhares de pessoas com Parkinsonismo resultante de envenenamento por gás de
carvão; ou por manganês, ou por sífilis, ou por tumores etc.
Todo o doente que sofre da Doença de Parkinson tem Parkinsonismo.
Contudo, nem todos que têm Parkinsonismo são parkinsonianos, ou seja, não são
portadores da Doença de Parkinson.
47
2.3. Terceiro acorde: a Doença de Parkinson
A Doença de Parkinson (D.P.) toma esse nome como um crédito do campo
científico a quem a descreveu, de forma sistemática pela primeira vez em 1817, o
médico inglês James Parkinson, em An essay on the shaking palsy (Um ensaio sobre
a paralisia agitante).
Embora os sintomas e as características da D.P. houvessem sido descritos
anteriormente por vários estudiosos, geralmente de forma taxionômica, esse
neurologista londrino, ao contrário, com discernimento e profundidade, inovou em
sua análise, considerando-os como um todo definido e constante, um conjunto
integrado de sintomas e características. Segundo Sacks (2002: 40): “Ele foi o
primeiro a reconhecer esse ‘conjunto’ como tal, essa constelação ou síndrome que
hoje denominamos ‘parkinsonismo’.”
A D.P. é uma das afecções neurológicas mais comuns do sistema nervoso
central,
acometendo principalmente o sistema motor de aproximadamente 1% da
população acima dos 65 anos, sendo mais freqüente após os 60, embora 10% dos
casos ocorram antes dos 50, e 5%, antes dos 40 anos. A literatura médica registra
casos da D.P. em pessoas bem mais jovens até na faixa de 30 anos. Os casos com
crianças são muito raros.
As estatísticas disponíveis revelam que a prevalência da D.P. na população é
de 150 a 200 casos por 100.000 habitantes e anualmente surgem 20 novos casos por
100.000 habitantes, no Brasil.
As pessoas acometidas pela D.P. apresentam uma sintomatologia complicada,
com problemas clássicos de ordem motora: fortes tremores de mãos, pés e corpo,
48
rigidez muscular marcadamente com o enrijecimento da face, da língua, freezing,
acinesia,
24
bradicinesia,
25
alterações posturais, desequilíbrio, incontinência urinária,
alterações na fala (balbucio) e na escrita (diminuta e tremida), dentre outros.
Manifestações de ordem não-motora tamm podem co-ocorrer, dentre elas:
comprometimento da memória, depressão, alterações do sono, distúrbios do sistema
nervoso autônomo.
Apesar dos avanços científicos na área cada vez mais promissores, inclusive
com as pesquisas recentes utilizando células-tronco, a D.P. é considerada uma
doença crônica, sendo que a progressão de seus sintomas se dá, via de regra, de
forma lenta e variável em cada caso. É consolador pelo menos saber da não-
evidência de que ela seja hereditária ou contagiosa.
A D.P., ainda que não seja fatal, é sempre vista, pelo senso comum, como
uma das mais temidas doenças que o ser humano pode desenvolver, sentimento
associado a qualquer outra doença dita degenerativa. “Muitas pessoas acreditam que
a doença seja um distúrbio psíquico ou uma senilidade precoce” (Grossmann, 1998:
37).
Justifica-se esse temor generalizado das pessoas pelo seguinte aspecto: a D.P.
é insidiosa no sentido de quase sempre ser comprovada somente após algum tempo
de sua instalação no organismo humano. Nem a própria pessoa afetada, nem seus
familiares e amigos próximos se dão conta de sua presença. Quando irrompe algum
de seus sintomas, amedrontam-se todos, dado o preconceito existente na sociedade
24
‘Acinesia’ refere a ausência de movimento, a dificuldade em iniciar um movimento e à economia de
gestos e de expressão facial. É o mais característico dos sintomas parkinsonianos e também o mais
incapacitante. Cf. web site: http://www.parkinson.med.br/.
25
‘Bradicinesia’ refere a lentidão anormal de movimentos, a redução na velocidade de execução de
atos motores. Cf. web site: http://www.parkinson.med.br/.
49
em torno das doenças degenerativas, como se elas fossem denotadoras de velhice ou
simbolizassem um passo para a morte.
Embora tenha sido descoberta há quase dois séculos (desde 1817, portanto, há
exatos 189 anos), o mundo científico não sabe o suficiente sobre essa doença, o que
não é estranhável dado o mistério que sempre cercou os problemas neurológicos, já
que não havia até há bem pouco tempo uma forma não-invasiva de adentrar ao
cérebro.
Atualmente, o acesso por tomografias computadorizadas, ressonâncias
magnéticas e outras técnicas que se sofisticam a cada dia, pode propiciar um
conhecimento mais aprofundado sobre tais doenças degenerativas e permitir o
desenvolvimento de um novo saber científico sobre elas, que possa talvez prever e
prevenir uma futura afetação, ou desenvolver novos tratamentos, seja para a doença
propriamente dita, seja para seus sintomas, menos comprometedores em termos de
efeitos colaterais.
Segundo o neurologista Egberto Reis Barbosa (2005), no Brasil, se
considerarmos a população de uma cidade grande, desde a infância até a velhice,
existem de 150 a 200 doentes com Parkinson, em cada 100 mil habitantes. Ou seja,
um em cada mil habitantes desenvolve essa doença.
Ainda segundo ele, caso se estratifiquem as faixas etárias, a conclusão será
que 80% dos casos ocorrem entre os 65 e 75 anos e que 10% deles aparecem antes
dos 45 anos. Desses dados, percebe-se que a relação entre velhice e Parkinson não é
direta, de causa e conseqüência. Apesar de quanto maior a faixa etária, maior a
incidência da D.P., as estatísticas apontam que essa doença não é exclusividade dos
idosos.
50
Estima-se que cerca de 50% dos portadores da Parkinson só descobrem a
doença em estágios avançados, uma vez que ela se instala sem se saber determinar
quando foi seu início, conforme assinala o neurologista João Carlos Papaterra
Limongi (2005), um dos maiores pesquisadores da D.P. no Brasil:
Por ser uma doença em que o único diagnóstico possível é o
clínico, ou seja, ela só é descoberta pelos sintomas
apresentados no paciente, a Parkinson costuma pegar as
pessoas desprevenidas, deixando-as atordoadas.
26
O não dar-se conta da instalação da D.P. durante meses ou anos justifica o
atraso, ainda que involuntário, para o início do tratamento adequado. Via de regra, os
sintomas da doença só aparecem quando 70% a 80% das células produtoras da
dopamina já entraram em processo de degeneração, isto é, já morreram.
O médico-pediatra Antônio Carlos Bitani, de 69 anos, descobriu que havia
sido afetado pela D.P. e deu o seguinte depoimento (público) sobre seu caso:
Os primeiros sintomas da doença, porém, surgiram bem antes
de o diagnóstico clínico ser concluído. Ninguém costuma dar
importância à dificuldade ao fazer tarefas simples do dia-a-
dia. Nem eu dei, mesmo sendo médico. (2005).
27
Além disso, a D.P. não é uma doença muito conhecida, o que leva as pessoas
a mitificá-la, situá-la como um tabu. Segundo o próprio Bitani (2005):
A gente sofre com a desinformação. Quando a família
descobre que você é portador de Parkinson, ela tende a tratá-
lo como um inválido. É como se eles achassem que a doença
o tornasse ainda mais velho.
28
26
João Carlos Papaterra Limongi é médico, Professor e Doutor em Neurologia pela Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo. Apud: “Vida e Saúde”. Redação Terra. Cf. web site:
http://saude.terra.com.br/interna/0,,OI510268-EI1497,00.html, em julho de 2005.
27
“Vida e Saúde”. Redação Terra. Cf. web site: http://saude.terra.com.br/interna/0,,OI510268-
EI1497,00.html
, em julho de 2005.
28
Cf. nota 27.
51
Ele mesmo, agora aposentado, orgulha-se, porém, por enfrentar todas as
adversidades trazidas pela doença e conseguir levar uma vida normal:
Não parei de trabalhar por conta da Parkinson. Hoje continuo
levando a minha vida, fazendo as mesmas coisas que fazia - é
claro que com menos destreza, mas faço. O que é importante
é você aliar ao tratamento por medicamentos muitas
atividades terapêuticas.
29
A respeito do enfrentamento necessário contra a D.P., Papaterra Limongi
(2005) assinala que: “Hoje é possível viver normalmente por mais de 20 anos com a
doença, mas exige comprometimento do paciente. É uma luta diária”.
Na D.P., verifica-se a degeneração das células situadas numa região do
cérebro chamada substância negra. Segundo Papaterra Limongi (2005):
Há décadas, se conhecia essa substância, que contém muita
melanina - o mesmo pigmento que escurece a pele - mas não
se sabia direito qual era sua função. No começo do séc. XX,
percebeu-se que, nos pacientes com Parkinson, a substância
negra se encontrava atrófica. Ficava com pigmentação mais
clara e esmaecida, perdendo a cor natural quase preta, dada
pela melanina. Verificando algumas dessas células no
microscópio, se pôde atestar que elas estavam passando por
processo de degeneração.
30
Apesar de ter sido essa a primeira observação científica sobre o mecanismo
da D.P., não se sabia realmente qual era a função de tais células. Muitas décadas
depois é que se verificou que seu papel era gerar uma substância química, a
dopamina, cujo funcionamento é o de um neurotransmissor. É a dopamina
responsável pela transmissão de sinais na cadeia de circuitos nervosos. A mensagem
que cada célula passa para a seguinte depende de mecanismos desse
29
“Vida e Saúde”. Redação Terra. Cf. web site: http://saude.terra.com.br/interna/0,,OI510268-
EI1497,00.html
, em julho de 2005.
30
“Vida e Saúde”. Redação Terra. Cf. web site: http://saude.terra.com.br/interna/0,,OI510268-
EI1497,00.html
, em julho de 2005.
52
neurotransmissor. Sua ausência ou insuficiência significa um estancamento ou um
retardamento no trânsito das informações elétricas de nosso sistema neurológico.
A acetilcolina também é um neurotransmissor presente em várias partes do
cérebro. Em condições normais, encontra-se em equilíbrio com a dopamina no
estriado.
31
Na D.P., há um aumento da atividade da acetilcolina, na falta de
dopamina; a falta desta última leva a pessoa afetada a uma grande dificuldade para
realizar movimentos simultâneos ou em paralelo.
A esse respeito, diz o neurologista Egberto Reis (2005):
Ele [o doente de Parkinson] não consegue andar e conversar
ao mesmo tempo, nem realizar um movimento com a mão
direita e outro com a esquerda. Perdidos esses automatismos,
para andar precisa pensar isoladamente em cada passo e,
enquanto ocupa o cérebro com isso, não consegue fazer mais
nada. Portanto, um dos resultados clínicos dessa alteração
bioquímica cerebral é a perda da capacidade de realizar
movimentos automáticos.
32
a) Primeiros sintomas da D.P.
Como já dito, é de forma quase imperceptível que a D.P. vai afetando uma
pessoa, muitas vezes nem mesmo a própria consegue identificar o início preciso das
primeiras manifestações. As pessoas mais próximas é que verificam que algo de
estranho está se evidenciando a partir de alguns sinais no familiar afetado pela
doença:
33
- sensação permanente de cansaço ou mal-estar no fim do dia;
- a caligrafia menos legível ou com tamanho diminuído;
31
‘Estriado’ é um tipo de músculo com poder de contração e relaxamento, e que se destina a realizar
movimentos diversos, dependentes ou não da vontade de uma pessoa. O estriado se subdivide em
esquelético (de ação voluntária) e cardíaco (de ação involuntária). O outro tipo de músculo humano é
o “liso”, de ação involuntária, e que faz parte de diversos órgãos, como, p. ex., intestinos, estômago,
bexiga, vasos sangüíneos, possibilitando-lhes movimentação.
32
“Vida e Saúde”. Redação Terra, em julho de 2005. Cf. web site:
http://saude.terra.com.br/interna/0,,OI510268-EI1497,00.html.
33
Cf. site: http://www.parkinson.med.br/
53
- uma fala monótona e menos articulada;
- estranhável depressão ou isolamento sem um motivo razoável;
- lapsos de memória, dificuldade de concentração e irritabilidade;
- dores musculares, principalmente na região lombar;
- um dos braços ou uma perna movimenta-se menos do que a do outro lado;
- perda de espontaneidade na expressão facial;
- olhar fixo, com diminuição da freqüência dos piscamentos;
- movimentos mais vagarosos, com a pessoa permanecendo por mais tempo em uma
mesma posição;
- câimbras nos pés durante o caminhar em algumas pessoas.
Há que deixar muito bem frisado, porém, que tais sintomas podem não estar
associados à D.P. E mesmo no caso de uma pessoa afetada pela D.P., alguns
sintomas nem mesmo aparecem, seja no início da doença, seja posteriormente.
b) O diagnóstico da D.P.
Após a afetação despercebida de uma pessoa pela D.P. é que seus ‘sintomas
clássicos’ avultam, sendo os mais preocupantes aqueles relativos ao sistema motor.
Estes trazem à pessoa, na maior parte das vezes, tremores que são, sem sombra de
dúvida, o que é mais temido; além dos tremores, uma estranha sensação de
impotência diante da progressiva lentificação dos movimentos; a falta de
coordenação de certas partes do corpo; alguns problemas de mobilidade e equilíbrio;
a rigidez muscular, com conseqüentes alterações na fala e na escrita.
O diagnóstico da D.P. é realizado, via de regra, por exclusão a outras
doenças. Os médicos solicitam normalmente exames, dentre outros,
54
eletroencefalograma, tomografia computadorizada, ressonância magnética, a fim de
descartarem a possibilidade de qualquer outra doença cerebral não-idiopática.
Tais procedimentos médicos indicam que o diagnóstico da doença é baseado
fundamentalmente na história clínica da pessoa afetada, o que significa dizer que a
pessoa deve revelar, verbalmente, os problemas que passaram a afligi-la. No caso da
D.P., como já dito, um aumento gradual de tremores, a bradicinesia,
34
o caminhar
arrastando os pés ou a festinação,
35
sintomas considerados característicos da D.P.,
constituindo o último o mais específico da D.P.
Uma descrição dolorosa do estado de um parkinsoniano que nos impressiona
muito é aquela dada, em toda a sua dimensão, por Sacks (2002: 405), em seu livro
Tempo de Despertar:
...os pacientes parkinsonianos ficavam sentados – imóveis, o
rosto inexpressivo como uma máscara, sem piscar os olhos, a
cabeça talvez jogada para trás ou torcida para o lado, a boca
tendendo a manter-se aberta, com saliva escorrendo pelos
lábios... posturas distônicas comuns de mãos e pés... tremores
e tiques...andavam, com freqüência curvados, às vezes, com
aceleração e festinação, podiam estancar de repente, ficar
paralisados e incapazes de prosseguir... diferentes tipos de
vozes e ruídos parkinsonianos, a caligrafia parkinsoniana... [é
como estarem] trancados em espaços pequenos ou grudados
com cola ...
Acerca dos sintomas motores citados da D.P., o mais significativo deles é o
tremor de repouso, pela sua imediata visibilidade tanto para o doente, quanto para
quem o observa.
34
‘Bradicinesia’ refere uma maior lentidão de movimentos, a redução na velocidade de execução de
atos motores. Cf. site http://www.parkinson.med.br/
35
‘Festinação’ refere a marcha acelerada, com passos pequenos e tendência a inclinar-se cada vez
mais para frente, como se estivesse em busca do seu centro de gravidade. Muitas vezes, resulta em
quedas ao solo. A medicação antiparkinsoniana não é muito eficaz, no alívio desse sintoma.
55
- Tremor de repouso
Entre todos, porém, o tremor é o sinal mais freqüente e que
mais chama a atenção de pacientes e familiares. O curioso é
que, embora seja o mais evidente, é o menos incapacitante.
Às vezes, examinando uma pessoa com tremor intenso,
verificamos que ela ainda é capaz de fazer muitas coisas na
vida. (Barbosa, 2005)
36
Para a maior parte dos doentes, o tremor é a razão primordial que os leva a
procurar, pela primeira vez, ajuda médica. O tremor na D.P. apresenta certas
características: - é rítmico, relativamente lento quando comparado com outros tipos
de tremor (4 a 7 ciclos por segundo); - nunca é isolado; - com freqüência é o menor
dos problemas com que se defronta o doente de Parkinson, embora este se assuste
com ele à primeira vista; não é, porém, um sintoma constante ou obrigatório na D.P.;
- ocorre principalmente quando o membro está em repouso.
É chamado tremor de repouso porque se manifesta quando a pessoa, por
exemplo, está com os braços parados, lendo jornal, podendo cessar de imediato
quando ela realiza qualquer movimento voluntário. Isso quer dizer que, quando a
pessoa executa um movimento, ou mesmo tem a intenção de mover-se, o tremor
desaparece. Conforme diz Papaterra Limongi (2005):
É interessante notar que certos pacientes apresentam tremor
nas mãos enquanto estão conversando conosco. Se lhes
pedimos, porém, que tomem nota de alguma coisa, param de
tremer, pegam lentamente a caneta e escrevem, às vezes, com
letra um pouco tremida, mas escrevem.
37
No início da doença, o tremor ocorre em uma das mãos, com o característico
movimento de ‘rolar uma pílula’ (pill rolling) com as pontas do polegar e do
36
Cf. web site: http://saude.terra.com.br/interna/0,,OI510268-EI1497,00.html. Dados de julho de 2005.
37
“Vida e Saúde”. Redação Terra, em julho de 2005. Cf. web site:
http://saude.terra.com.br/interna/0,,OI510268-EI1497,00.html.
56
indicador, assim permanecendo por períodos variáveis de tempo. Após algum tempo,
outras partes do corpo também são atingidas, podendo o tremor aparecer na cabeça,
mandíbula, lábio, queixo e nos membros inferiores. Situações de estresse emocional
ou a sensação de ser observado aumentam visivelmente a intensidade do tremor. Por
outro lado, durante estado de relaxamento ou durante o sono, o tremor desaparece
por completo.
Sacks (2002: 41) diz que:
Há muitos atores, cirurgiões, mecânicos e trabalhadores
manuais especializados que apresentam um acentuado tremor
parkinsoniano quando em repouso, mas nenhum sinal do
mesmo quando se concentram no trabalho ou começam a se
movimentar.
O tremor não é sintoma específico dos doentes de Parkinson. Inclusive os
tremores, se confundidos, podem levar a diagnósticos falsos e, conseqüentemente, a
uma terapia não apropriada. Várias outras doenças apresentam esse problema, como
nos doentes pós-encefalíticos em que o tremor pode ser extremamente violento,
afetando qualquer uma ou todas as partes do corpo, tendendo a intensificar-se com o
esforço, nervosismo ou fadiga.
Geralmente, o senso comum e mesmo os médicos têm, como evidência da
D.P., os tremores e a rigidez. No entanto, estes podem não se evidenciar no início da
D.P., mas, sim, outros sintomas, conforme diz Sacks (2002: 74):
o início dos anos 50, a srta. D. começou a desenvolver uma
série de sintomas mais ameaçadores, em especial a tendência
a estacar em meio a uma ação e a tendência contrária a
acelerar o passo, a fala e a escrita. Em 1969, quando pela
primeira vez indaguei a respeito dos sintomas, a Srta. D.
respondeu: “Tenho vários sintomas triviais que o senhor pode
ver por si mesmo. Mas meu sintoma essencial é não ser capaz
de começar e não ser capaz de parar. Ou sou tolhida e não
consigo me mover ou sou forçada a acelerar. Pareço não ter
57
mais estados intermediários.” Essa declaração sintetiza os
sintomas paradoxais do parkinsonismo com precisão
absoluta. Portanto, é instrutivo o fato de que na ausência de
sintomas “triviais” (por exemplo, rigidez, tremor etc., que só
se evidenciaram em 1963), o diagnóstico de parkinsonismo
deixasse de ser feito, ao passo que uma grande variedade de
outros diagnósticos (como catatonia, histeria) fossem
aventados. A srta. D. finalmente foi considerada
parkinsoniana em 1964.
- Acinesia e Bradicinesia
A acinesia refere a incapacidade para mover-se, o que talvez seja o distúrbio
mais incapacitante da D.P. Hipocinesia é a redução da amplitude dos movimentos e
aligocinesia é a redução da quantidade de movimento. A bradicinesia refere uma
maior lentificação dos movimentos voluntários, quando o doente perde a agilidade,
mesmo nas tarefas mais simples. A acinesia e a bradicinesia parecem constituir, de
fato, um problema para o parkinsoniano, apesar de esses sintomas não serem
percebidos de imediato por outras pessoas, até mesmo os familiares. O doente
apresenta persistente e contínua redução da movimentação espontânea. As atividades
diárias, antes realizadas com rapidez e desembaraço, passam agora a ser realizadas
vagarosamente e com muito esforço; assim, o doente leva mais tempo para dar conta
das atividades cotidianas rotineiras como tomar banho, vestir-se, cozinhar ou
preencher cheques.
A bradicinesia torna-se mais acentuada e se agudiza rapidamente no
parkinsoniano do que em uma pessoa que envelhece sem a doença. Quando a pessoa
é mais idosa, é comum atribuírem equivocadamente tais dificuldades de movimentos
à velhice.
58
- Mímica facial
A mímica facial torna-se menos expressiva (‘hipomimia facial’),
transmitindo, com menor expressividade, e com monotonia de voz, sentimentos e
emoções os quais, por sua vez, mantêm-se preservados. O rosto vai se tornando cada
vez mais inexpressivo como uma máscara, os olhos piscam muito pouco, a boca
quase não se move ao falar, tendendo a permanecer aberta com salivação caindo pela
lateral dos lábios.
- Problemas na escrita
A escrita da pessoa com Parkinson torna-se menos legível e a letra de
tamanho reduzido em comparação com as de uma escrita normal, fenômeno
conhecido por micrografia, ou caligrafia parkinsoniana.
38
Há casos, porém, de
parkinsonianos em que a escrita foge de seu controle: ora torna-se mais graúda, mais
rápida, mais dinâmica, cobrindo toda a folha de papel com garatujas, rabiscos, ora
cada vez mais reduzida, até se limitar a um simples traço rijo e imóvel.
- Dificuldade de equilíbrio
A variação na postura é outra característica da D.P. O doente anda com
passos mais lentos e pode apresentar alguma dificuldade para equilibrar-se.
Exemplificando: no caso de uma pessoa não-parkinsoniana, caso se queira testar seus
reflexos posturais, ao tirarmos seu equilíbrio puxando-a ou empurrando-a para trás
com uma certa delicadeza evidentemente, ela recobraria facilmente seu equilíbrio,
como o recupera o brinquedo chamado ‘joão-bobo’. No caso de um parkinsoniano,
38
‘Caligrafia parkinsoniana’ é expressão usada por Oliver Sacks (2000: 405) para referir a
Micrografia.
59
cujos reflexos geralmente estão prejudicados ou ausentes, se ele for desequilibrado,
poderá cair abruptamente como uma baliza de boliche.
- Postura geral
A postura geral do parkinsoniano é arqueada. Manifesta-se nessa postura a
prevalência dos músculos flexores, de modo que a cabeça permanece fletida sobre o
tronco (distonia de flexão no pescoço) que faz enterrar o queixo no esterno, o tronco
vergado sobre o abdômen e os membros superiores mantidos ligeiramente à frente
com os antebraços semi-fletidos na altura do cotovelo.
A pessoa portadora da D.P. anda com freqüência curvada, às vezes quase com
o corpo dobrado. Apresenta no andar ou aceleração/pulsão (o andar por impulsos
repentinos) ou festinação (o andar com pressa). Há redução do balanço automático
dos braços.
A festinação manifesta-se em uma aceleração (e com isso uma abreviação) de
passos, movimentos, palavras e até mesmo pensamentos, transmitindo a sensação de
impaciência, impetuosidade e vigor, como se o doente estivesse com uma pressa
enorme, como se tentassem alcançar seu centro de gravidade deslocado para frente.
Outros doentes parecem apressados, mas mostram um sentimento contrário a essa
pressa, a qual se dá contra a sua própria vontade.
Muitos depois de se levantarem da cadeira onde estavam sentados, ficam
totalmente imóveis, incapazes de dar um primeiro passo, como em uma fixidez
cataléptica. É preciso então nesse momento que uma ordem lhe seja dada ou um
empurrãozinho leve dado por trás, um comando verbal pelo acompanhante ou pelo
60
próprio doente (tipo: uma contagem – um, dois, já!), ou o som de uma batida na
mesa, ou algo bem definido no chão para o doente pisar em cima e iniciar seu andar.
- Automação de movimentos
O parkinsoniano, se comparado com uma pessoa sem a doença, mostra, de
forma muito evidenciada, seu problema relativo à automação de movimentos. O
piscar espontâneo dos olhos é raro, conforme aponta Papaterra Limongi (2005):
Esta perda automática, ou não consciente, do controle dos
movimentos, explica porque é que os parkinsonianos piscam
muito menos que as pessoas normais e por isso parecem que
sempre estão a nos olhar fixamente.
39
- Rigidez
A rigidez muscular ou endurecimento decorre do aumento da resistência que
os músculos oferecem quando um segmento do corpo é deslocado passivamente. Em
outras palavras: para cada grupo de músculos existem outros que possuem atividade
oposta, chamados músculos antagonistas. Dessa forma, quando um músculo é
ativado para realizar determinado movimento, em condições normais seu antagonista
é inibido para facilitar esse movimento.
Na D.P., essa inibição não é feita de modo eficaz, pois alguns comandos
originados do cérebro chegam aos músculos de modo alterado. Como conseqüência,
os músculos tornam-se mais tensos e contraídos e o doente sente-se rígido e com
pouca mobilidade. Quando determinado membro é deslocado passivamente pelo
examinador, pode-se sentir, superpostos à rigidez, curtos períodos de liberação
rítmicos e intermitentes, fenômeno que recebe o nome de ‘sinal da roda denteada’.
39
Apud: “Vida e Saúde”. Redação Terra, em julho de 2005. Cf. web site:
http://saude.terra.com.br/interna/0,,OI510268-EI1497,00.html.
61
O mesmo que foi dito sobre o tremor, aplica-se aqui à rigidez: ambos não são
uma característica essencial do parkinsonismo, tanto que ambos podem estar
completamente ausentes na D.P. A rigidez, por exemplo, aparece na catatonia
estatuesca, tipo de esquisofrenia caracterizado por períodos de negativismo,
excitação e atitudes ou atividades estereotipadas, e outros estados patológicos, com
muito mais intensidade.
- Problemas de memória
Nas pessoas com D.P., é preservada a memória de longa duração, ou seja, a
faculdade de armazenar e relembrar estados de consciência passados e tudo quanto se
ache associado a eles, podendo ser de tipos diferentes: memória explícita (ou
memória declarativa) e memória implícita (ou memória de procedimentos). A
memória de longa duração responde pelas lembranças conscientes, como faces,
nomes de pessoas ou locais visitados. As pessoas portadoras da D.P. têm, porém,
dificuldade em manter informações visuais e espaciais, enquanto realizam uma
operação mental por meio da memória de trabalho. Memória de trabalho é uma
memória muito rápida, pois dura segundos (por exemplo, se alguém nos dita um
número telefônico, o qual discamos e logo o esquecemos).
Os parkinsonianos também perdem um tipo de memória que os pesquisadores
chamam de ‘hábito’ (ou de procedimentos automáticos), uma subdivisão da memória
implícita. Segundo Cláudio Da Cunha, do Laboratório de Fisiologia e Farmacologia
do Sistema Nervoso Central, da Universidade Federal do Paraná (UFPR):
[A memória de hábito] corresponde a associações entre
estímulos e respostas que adquirimos de forma inconsciente
(implícita) e gradual. Um bom exemplo é passar a marcha de
62
um carro. Depois que aprendemos, fazemos isto de forma
automática. (2004).
40
Da Cunha coordenou, em seu laboratório, pesquisas que reproduziram em
ratos os mesmos problemas de memória encontrados em parkinsonianos, lesando nos
animais a mesma região cerebral degenerada pela D.P. denominada ‘substância negra
compacta’. Para estudar as memórias de hábito e de trabalho nos ratos, os
pesquisadores usaram um labirinto aquático, onde os animais tinham que encontrar
uma plataforma submersa sinalizada por uma bola. Segundo Da Cunha (2004), os
ratos lesionados têm dificuldade em fazer a simples associação da bola com a
plataforma, conforme ele indica:
Quando os animais têm que usar dicas espaciais para
encontrar a plataforma sem a sinalização da bola, o prejuízo
só é observado quando têm que manter a informação por um
curto período, enquanto estão envolvidos com a tarefa de
encontrar a plataforma no espaço do labirinto aquático.
41
Se a tarefa requer que o animal se lembre da posição da plataforma em dias
anteriores, sua memória funciona como a dos ratos não lesionados.
Na etapa seguinte da pesquisa, foram testadas em ratos com lesão na
substância negra as alterações nas memórias afetadas após a aplicação de cafeína,
droga que já havia se mostrado eficaz no tratamento de disfunções motoras causadas
pela D.P. Ainda segundo Da Cunha (2004):
Esses problemas de memória de associação estímulo-resposta dos
animais com a lesão da substância negra tiveram uma melhora
substancial quando eles foram tratados com cafeína, o que sugere que
40
“Perda da memória: quem não vai passar por isso?”, em 10/03/2004. Cf. web site:
http://www.comciencia.br/reportagens/memoria/07.shtml.
41
Cf. nota 40.
63
esta substância pode ser útil no tratamento dos sintomas cognitivos da
doença de Parkinson.
42
Após esses resultados, pesquisadores da Unifesp e da USP se associaram ao
laboratório da UFPR para testar o efeito do tratamento com cafeína associado a
drogas convencionais em humanos com a D.P., quando encontraram resultados
similares aos experimentos anteriores com não-humanos.
Entre as drogas utilizadas no tratamento de doenças degenerativas estão os
inibidores de acetilcolinesterase, uma enzima que destrói o neurotransmissor
acetilcolina, responsável pelo funcionamento involuntário dos órgãos.
Existem drogas, como a anfetamina, que têm atuação específica em memórias
declarativas de longa duração, mas a dependência que elas podem causar às pessoas
impede o seu uso terapêutico.
Todas essas drogas, incluindo os estimulantes anfetamina e cafeína, seriam,
segundo Iván Izquierdo,
professor e neurocientista da PUC-RS, especialista em
Memória, apenas drogas paliativas no tratamento de doenças degenerativas, pois “a
morte neuronal prossegue inexorável, mesmo na sua presença”. Ele acrescenta que,
em pessoas saudáveis, elas não teriam efeitos comprovadamente importantes,
conforme afirma: “Até agora, não foi encontrada nenhuma droga que ‘melhore’ a
memória em pessoas normais e que seja útil. A melhor forma de aperfeiçoar e de
conservar a memória é seu exercício ou prática.” (Izquierdo, 2004).
43
Além de serem mais evidenciadas nos casos de doenças degenerativas, as
perdas de memórias também podem ser relacionadas aos casos de afasia. Afasia
geralmente é dita como um problema na linguagem causado por lesão cerebral (no
42
“Perda da memória: quem não vai passar por isso?”, em 10/03/2004. Cf. web site:
http://www.comciencia.br/reportagens/memoria/07.shtml.
43
Cf. nota 42.
64
sistema nervoso central, por acidentes vasculares cerebrais ou derrames e por
traumatismos cranianos), numa concepção organicista da afasia. Neste trabalho, uma
nova concepção de afasia é pensada, conforme Fonseca (1998): a afasia passa a ser
vista como uma questão especificamente de linguagem.
Concebendo também a afasia dessa forma, a neurolingüista Edwiges Morato,
do Laboratório de Neurolingüística/Centro de Convivência de Afásicos (CCA) da
Unicamp, observa:
É interessante o raciocínio correlato entre a perda da
linguagem e a perda da memória, porque de fato elas se
confundem na prática. Quando se tem um lapso, se esqueceu
uma palavra, a afasia é tida como a perda da memória da
palavra. E o contrário também é verdadeiro: se você perde a
memória, alguma coisa da linguagem também acaba sendo
perdida ali. (2004).
44
A pesquisadora ainda afirma que, no caso das afasias, ao contrário das
neurodegenerescências, a praxe é a melhora da pessoa enferma, devido à plasticidade
do cérebro, dependendo evidentemente da extensão da lesão e de fatores, como a
idade do doente e suas qualidades fisiológicas e neuropsicológicas. Ela ainda
acrescenta: “Uma vez atacadas, certas regiões do cérebro reputam às outras as
funções originais”.
Ainda segundo Morato, o cérebro depende do que está exterior a ele para
poder funcionar de maneira integrada. Além da interação de uma área com outra, está
na base de seu funcionamento a interação do cérebro com todo o organismo, do
sujeito com o mundo e da linguagem com outros processos cognitivos.
Morato critica ainda o que ela chama de metadiscurso clínico sobre
linguagem e memória, que cristaliza um conceito idealizado com base em
44
“Perda de memória: quem não vai passar por isso?”, em 10/03/2004. Cf. web site:
http://www.comciencia.br/reportagens/memoria/07.shtml.
65
preconceitos, com origem nos Gregos Antigos, para quem o esquecimento
significava o abandono do conhecimento. A perda de memória seria, assim, o pior
dos males, e na linguagem estaria a evidência dessa perda de conhecimento.
Para ela, tanto os testes de afasia que contemplam apenas tarefas
metalingüísticas (identificar sinônimos e antônimos), quanto os testes de memória
que verificam apenas a capacidade de recuperação de informações sem
contextualizá-las, ambos os procedimentos estudam apenas determinados aspectos da
linguagem e da memória. Segundo ela:
A nossa evocação de palavras, por exemplo, está longe de ser
estritamente lexical. Não é palavra-palavra, mas palavras em
situações enunciativas, em contextos determinados, sobretudo
na relação com as pessoas, em relação às pessoas e aos
contextos... É nesse contexto que as palavras vêm, ou não
vêm, ou vêm outras... (2004).
Morato lembra que muito daquilo que é chamado de perda de linguagem ou
de patológico, tanto no caso de afasia quanto no de falha de memória, é bastante
comum também no contexto de ‘normalidade’. Ela exemplifica:
Se você grava pessoas falando nas ruas, na televisão, num
bate-papo e apaga qualquer tipo de história daquelas pessoas,
daquele contexto, daquela interação, os dados serão muito
próximos dos dados de afasia, sobretudo as afasias chamadas
de leves. (2004).
Morato conclui, dizendo que:
Não há nada de estranho em ‘perder’ a memória, não há nada
de mórbido em si mesmo, porque por vários e diferentes
motivos, esquecimentos, lapsos ou falhas são processos que
pertencem à memória. Nesse sentido, a perda da memória,
que não é algo infalível e cujo funcionamento está na
dependência de nossas experiências psicosociais mais
amplas, é normal. (2004).
66
Outros Sintomas da D.P.
Além dos sintomas-motores acima mencionados, alguns outros podem
complicar a vida da pessoa portadora da D.P., muitos dos quais podem ser tratados
com medicação apropriada. Isso mostra que a D.P. não é puramente motora, e um
tratamento adequado não pode se restringir ao alívio apenas da sintomatologia de
ordem motora.
A intensidade dos sintomas não-motores é variável de indivíduo a indivíduo
e podem, ou não, aparecer em uma determinada pessoa. Entretanto, podem ser
motivo de grande desconforto ou tornam a doença uma tragédia maior na vida da
pessoa. Por isso, não devem ser deixados de lado, uma vez que há como superá-los
com medicação adequada ou com terapias alternativas. Alguns desses sintomas serão
descritos a seguir.
- Sensação de emperramento da mente
Muitos doentes com acinesia, ou seja, que apresentam ausência anormal de
movimento, sofrem também de bradifenia, sentindo um ‘emperramento’ da mente,
ou como se o fluxo do pensamento se apresentasse tão lento e apático quanto o fluxo
motor (Sacks, 2002: 45).
- Depressão e/ou ansiedade e/ou agitação
Sintomas depressivos ocorrem de 40 a 50% dos parkinsonianos. Embora
considerada como reativa a uma condição que limita a atividade normal, pessoas
portadoras da D.P. costumam ter depressão mais freqüentemente, se comparadas a
doentes portadores de outras doenças ainda mais incapacitantes. Além disso, em
67
número considerável de casos, a depressão inicia-se antes mesmo do aparecimento
dos sintomas clássicos, em um momento em que não há qualquer evidência de
incapacidade.
Em alguns doentes, a depressão pode ser acompanhada de ansiedade e, mais
raramente, de episódios de agitação.
A intensidade dos sintomas depressivos pode variar desde quadros leves até
aqueles mais graves, em que a depressão torna-se o sintoma mais importante e um
dos fatores determinantes de incapacidade. Nesses casos, o tratamento específico
com medicamentos antidepressivos é fundamental para o controle dos sintomas e,
como já dito, terapias alternativas.
- Alterações emocionais
As pessoas portadoras da D.P. via de regra sentem-se inseguras e temerosas
quando submetidas a alguma situação nova, o que mostra que alterações emocionais
também são comuns durante o processo patológico. Podem evitar sair ou viajar e
muitos tendem a retrair-se e evitar contatos sociais. Algumas perdem a motivação e
tornam-se excessivamente dependentes dos familiares e/ou cuidadores,
especialmente com o avanço da doença.
- Distúrbios do sono
Os distúrbios do sono constituem um dos problemas mais comuns.
Compreendem uma ampla gama de sintomas que incluem: dificuldade em conciliar o
sono, freqüentes despertares durante a noite, sonhos ‘reais’ (momentos em que o
doente tem dificuldade em distinguir sonho de realidade) e pesadelos. Uma das
68
observações mais comuns é a inversão do ciclo vigília-sono em que o doente ‘troca o
dia pela noite’. Esse fenômeno ocorre lentamente como resultado de uma
combinação de fatores (que incluem freqüentes cochilos durante o dia e dificuldade
progressiva para dormir à noite) que se autoperpetuam e culminam em importante
inversão do ciclo.
Outras vezes, ocorrem as chamadas mioclonias, isto é, movimentos bruscos
com os membros que podem ser mais freqüentes e intensos e perturbar o sono de
doente e de familiares.
O tratamento dos vários distúrbios do sono vai depender de uma série de
fatores como idade, tipo específico de sintoma e o quadro clínico do doente.
Medicamentos indutores do sono ou antidepressivos podem ser usados. A medicação
chamada levodopa, ao mesmo tempo em que pode melhorar a qualidade do sono por
proporcionar maior mobilidade, é um dos fatores na produção de mioclonias, a
sensação de estar ‘alto’ e ter, às vezes, uma ‘personalidade química’ que não é a
própria do indivíduo e os sonhos ‘reais’, quando o doente apresenta dificuldade em
distinguir sonho de realidade.
- Distúrbios cognitivos
A maior parte das pessoas portadoras da D.P. não apresenta declínio
intelectual. Isso significa que a capacidade de raciocínio, percepção e julgamento
mantém-se intacta.
Entretanto, algumas dessas pessoas relatam dificuldades com a memória
(geralmente na forma de ‘brancos’ momentâneos), com cálculos e em atividades que
requerem orientação espacial. Tais alterações podem ocorrer em qualquer estágio da
69
doença, mas tendem a ser mais intensas nas fases mais adiantadas e nos doentes mais
idosos.
Por outro lado, a demência pode ocorrer em cerca de 20% dos doentes,
embora, quando ela ocorre no início da doença, deva-se levar em conta a
possibilidade de outros diagnósticos que não a D.P.
- Alterações mentais
Muitas vezes, a própria medicação antiparkinsoniana pode contribuir para a
produção de alterações mentais. Por exemplo, os anticolinérgicos, grupo de drogas
ainda largamente usado principalmente contra o tremor, trazem, muitas vezes,
distúrbios de memória e, em casos mais graves, confusão mental e alucinações. Esses
sintomas ocorrem mais freqüentemente em doentes mais idosos que, em geral, não
devem fazer uso desse tipo de medicação. Outras medicações como a levodopa, bem
como os agonistas da dopamina e a amantadina, também podem, em alguns casos,
desencadear reações semelhantes. Felizmente, todos esses sintomas desaparecem
quando o medicamento é suspenso ou as doses reduzidas.
- Distúrbios da fala
A D.P., em virtude da localização predominantemente subcortical do
processo degenerativo, não produz necessariamente alterações da linguagem no que
diz respeito aos mecanismos de expressão e compreensão da palavra falada e/ou
escrita. Dessa forma, as afasias não fazem parte do rol de sintomas que acometem o
parkinsoniano.
70
Além disso, certos doentes podem até não apresentar qualquer alteração da
fala, seja em relação ao volume de emissão da voz ou à entonação e melodia do
fraseado.
Em muitos outros, entretanto, a fala pode ser afetada de modo característico.
Tais alterações podem ocorrer no início da doença, mas raramente constituem o
primeiro sintoma que alerta quanto a uma possível afetação pela D.P.
A primeira manifestação quanto a problemas de fala é percebida geralmente
por amigos ou familiares que observam dificuldade na compreensão da palavra
falada do idoso, principalmente quando este é ouvido ao telefone. Sua voz torna-se
mais fraca, o volume de voz diminui e pode haver certa rouquidão.
Dificuldade de articulação constitui sintoma freqüente em todas as fases da
doença, mas pode ser bastante incapacitante nas fases mais avançadas, ou naqueles
doentes nos quais a voz é mais exigida como professores e atores, por exemplo.
Outra característica marcante é o que se denomina fala monótona: as frases
passam a ser emitidas de modo constante, pausado, com a perda da entonação e
cadência naturais que conferem à fala sua musicalidade e capacidade de expressão
emocional.
Alguns doentes tendem a acelerar o ritmo da fala de modo a encurtar o tempo
de emissão de uma frase, embaralhando as palavras e dificultando sua compreensão.
A essa alteração do ritmo pode-se associar a palilalia, que consiste na repetição de
uma sílaba ou palavra uma ou várias vezes, no meio ou no fim de uma frase. Outros
doentes, por sua vez, apresentam significativa redução da velocidade da fala.
71
Embora a medicação antiparkinsoniana possa reverter algumas dessas
dificuldades, a terapia de voz resulta em evidente benefício e deve ser estimulada.
- Sialorréia
Ao contrário do que antes se imaginava, o sintoma da sialorréia não decorre
de aumento de produção de saliva (embora em alguns doentes isso possa ocorrer),
mas de maior dificuldade em degluti-la. Em condições normais, engole-se saliva
automaticamente à medida que vai sendo produzida. Na D.P., esse comportamento
motor automático (assim como vários outros) deixa de ser realizado, o que leva ao
acúmulo de saliva, que pode escorrer pelo canto da boca. Medicações
anticolinérgicas (que inibem a acetilcolina) costumam ser benéficas nesses casos,
assim como terapias para evitar o enrijecimento dos órgãos fonadores, o que vai
favorecer que o doente engula automaticamente a saliva.
- Distúrbios respiratórios
Dificuldade para respirar ou falta de ar após pequenos esforços podem ser
sinais de comprometimento cardíaco ou pulmonar. Entretanto, esses mesmos
sintomas podem ocorrer como resultado de rigidez e/ou de acinesia dos músculos da
parede torácica que dificultam a expansão dos pulmões. Nesses casos, um ajuste da
medicação antiparkinsoniana deve melhorar o problema. Exercícios em terapia
corporal ou musical complementam o tratamento.
Por outro lado, a levodopa pode causar movimentos anormais nos músculos
respiratórios e causar desconforto semelhante, geralmente acompanhado de ruídos
72
respiratórios. Esses sintomas são controlados com pequenas reduções nas doses desse
medicamento.
- Dificuldades urinárias
Podem ocorrer disfunções urinárias como resultado da própria doença ou pela
ação de alguns medicamentos. A parede da bexiga pode tornar-se rígida e suas
contrações são mais lentas. Medicamentos anticolinérgicos podem precipitar
dificuldades urinárias ou agravar disfunções preexistentes.
Podem aparecer de várias formas: urgência urinária (necessidade imperiosa
de urinar, muitas vezes sem tempo de chegar ao banheiro); freqüência aumentada de
micções; esvaziamento incompleto da bexiga; ou dificuldade em iniciar a micção.
Patologias locais próprias de idade mais avançada, tais como: aumento da próstata no
sexo masculino e flacidez dos músculos pélvicos no sexo feminino, podem contribuir
para agravar esses sintomas.
É preciso que se ressalte, porém, que dificuldades urinárias não aparecem
apenas em doentes de Parkinson ou em idosos.
- Tonturas
Sensação de cabeça vazia ou de tonturas vagas, geralmente associadas a
escurecimento visual, quando o doente se levanta, podem ser sinais de hipotensão
ortostática ou hipotensão postural, ou seja, queda de pressão arterial dependente da
postura.
Existem várias causas atribuídas ao seu aparecimento, sendo as principais:
73
- efeito de medicamentos (levodopa, agonistas da dopamina, alguns antidepressivos,
tranqüilizantes, antihipertensivos, diuréticos);
- desidratação (principalmente em doentes mais idosos), diabetes e estados de
desnutrição;
- doença cardíaca associada;
- ação da própria doença. Embora a D.P. não cause hipotensão postural significativa,
algumas formas de Parkinsonismo Secundário, como a doença de Shy-Drager,
costumam evoluir com quedas acentuadas da pressão arterial.
O tratamento da hipotensão postural vai depender da(s) causa(s) específica(s)
que for(em) diagnosticada(s). Se houver suspeita de que algum determinado
medicamento possa ser a causa, sua dose deve ser reduzida ou o medicamento
suspenso. A suplementação de sal na dieta e o uso de medicamentos específicos para
evitar quedas importantes da pressão costumam dar bons resultados.
- Dores e outras sensações estranhas decorrentes da D.P.
Blair Ford (2005), em seu artigo na internet intitulado “Dor na Doença de
Parkinson”, fala sobre os sintomas dolorosos da D.P., muitas vezes desconsiderados,
e descreve uma abordagem específica para diagnosticar e tratar tais diferentes
manifestações de dor:
... quando questionadas com cuidado, mais da metade das
pessoas com Parkinson relatam ter experimentado sintomas
dolorosos e várias formas de desconforto físico. A maioria
refere-se à dor, rigidez, dormência e formigamento em algum
momento no curso da doença. Para alguns, a dor e o
desconforto são tão severos que obscurecem os outros
problemas.
45
45
“Dor na Doença de Parkinson”, em julho de 2005. Cf. web site:
http://w.w.w.parkinsonsurgery.org/index.html.
74
Como se pode verificar, queixas de dores podem ser desconsideradas ou até
negligenciadas pelos médicos, porque a D.P. é concebida primeiramente como uma
doença motora. Mas para uma parte dos doentes, a dor pode ser tão debilitante que
supera o quadro clínico, podendo ser atribuída, segundo esse autor, a cerca de cinco
causas:
1) dor dos nervos ou em suas raízes, freqüentemente relacionada à artrite lombar ou
da nuca;
2) dor que surge de movimentos e posturas com torções fortes e contínuas, chamados
de distonias. Esses espasmos musculares distônicos estão entre os sintomas mais
dolorosos que uma pessoa com D.P. pode experimentar. Contrações ocasionais
podem aparecer, geralmente nas mãos ou nos pés, de que é um exemplo as do punho
fechado, que podem ocorrer com a flexão prolongada da mão. Este tipo de espasmo
do músculo é completamente diferente dos movimentos fluídos, involuntários,
descritos como discinesias, que não são dolorosos. A distonia, na D.P., pode afetar os
membros, o tronco, o pescoço, a face, a língua, a mandíbula, bem como a glote e as
cordas vocais. Uma forma comum dessa distonia envolve os pés e os dedos do pé,
que podem arquear dolorosamente; um braço pode também puxar para trás, ou forçar
a cabeça para frente em direção ao peito;
3)
acatisia ou uma síndrome rara de dor conhecida como ‘primária’ ou ‘central’,
oriunda do cérebro, e que refere a condição variável entre uma sensação de
inquietação e a incapacidade de sentar-se ou de deitar-se tranqüilamente ou de
dormir;
75
4) dores músculo-esqueletais (musculares e das juntas) relativas à má postura e ao
estresse decorrentes da disfunção mecânica, com rigidez dos ombros, dor nas costas,
no pescoço e no quadril;
5) desconforto devido a um cansaço extremo decorrente da D.P.
A mais valiosa ferramenta de diagnóstico da dor decorrente da D.P. é a
história do doente, composta a partir de questões do tipo: Onde está localizada a dor?
Como ela é percebida? Ela se irradia? Quando ela ocorre durante o dia? Ela aparece
relacionada a alguma atividade em particular ou medicação? O que alivia a dor? O
que piora a dor? A medicação antiparkinsoniana alivia sua dor? Você tem artrite?
46
A tarefa mais importante das pessoas com Parkinson que vivenciam a dor é,
segundo Blair Ford (2005), descrever, da forma mais precisa possível, como a
medicação antiparkinsoniana provoca, agrava ou alivia sua dor.
Embora a D.P. seja uma afecção essencialmente motora, é comum o
aparecimento de dores musculares em várias regiões do corpo. As áreas mais
afetadas são os ombros, braços, membros inferiores e região lombar.
Muitas vezes, o sintoma que mais incomoda é uma sensação de fadiga
muscular que piora em determinadas posições. A explicação mais comum leva em
conta a ação do tremor e da rigidez que resultam em aumento da atividade muscular.
Por outro lado, essas sensações dolorosas podem ocorrer mesmo quando os sintomas
motores são mínimos, o que sugere a existência de outros mecanismos envolvidos.
Em alguns casos, sensações dolorosas podem se manifestar meses antes do
aparecimento dos primeiros sintomas.
46
Cf. The Parkinson’s Disease Foundation: web site: http://www.parkinsonsurgery.org/index.
76
Uma das formas mais conhecidas de sintomas dolorosos na D.P. são as
câimbras. Câimbras nos pés ocorrem geralmente pela manhã (câimbras matinais) ou
durante a noite, o que pode acordar o doente. Câimbras nos pés podem também
aparecer durante o caminhar e dificultar a marcha, pois os músculos da panturrilha e
dos pés entram em espasmo e curvam o pé em arco, com os artelhos em garra. Em
alguns doentes, câimbras nos pés durante o caminhar podem constituir os primeiros
sintomas da doença. Mais raro é o aparecimento de câimbras em uma ou ambas as
mãos, principalmente durante a realização de movimentos finos.
Alguns doentes relatam dores musculares na região do ombro e do pescoço,
ou mesmo dores de cabeça, relacionadas à rigidez da musculatura cervical. Mais
comum é a queixa de dor lombar em doentes que apresentam alterações posturais
com flexão do tronco para frente. São dores geralmente relacionadas à posição, uma
vez que melhoram quando o doente procura assumir postura mais ereta e tendem a
piorar, enquanto sentado.
Além das dores musculares descritas acima, outras sensações desagradáveis
podem ocorrer. Sensações de frio em uma ou mais extremidades podem ser muito
incômodas. Acometem geralmente os pés ou as mãos, mas podem ser internas,
geralmente associadas ao trato gastrintestinal. Mais comum é a sensação de calor ou
queimação em uma ou mais extremidades ou mesmo referidas como sendo no
esôfago ou estômago. As sensações térmicas anormais são variáveis em um mesmo
doente e podem desaparecer por longos períodos de tempo. Geralmente são mais
intensas nos períodos em que os sintomas motores também estão piores.
Os mecanismos envolvidos na produção de dor e sensações térmicas
anormais em doentes parkinsonianos não são totalmente conhecidos. De modo geral
77
não há necessidade de medicação analgésica. Quando relacionadas a flutuações
motoras, podem responder ao ajuste da medicação antiparkinsoniana. Dores
musculares relacionadas a alterações da postura melhoram com fisioterapia e
reeducação postural. Câimbras matinais nos pés podem ser controladas com o uso de
levodopa de liberação lenta ou com injeções locais de toxina botulínica.
c) A busca de possíveis causas da D.P. (sua etiologia)
- Mecanismos de lesão neuronal
Independentemente de se saber qual seja a causa primária da D.P. – se é que
vai ser possível um dia determinar-se essa causalidade -, sabe-se, e
comprovadamente em termos neurológicos, que ela ocorre quando há perda de, pelo
menos, 50% das células da substância negra, o que corresponderia à perda de 80% da
dopamina que chega ao estriado. Estriado é um tipo de músculo com poder de
contração e relaxamento, e que se destina a realizar movimentos diversos,
dependentes ou não da vontade de uma pessoa. Quando analisados ao microscópio,
os cortes de substância negra apresentam poucos neurônios remanescentes e a
presença característica de inclusões citoplasmáticas conhecidas por corpos de Lewy.
Os mecanismos envolvidos no processo degenerativo estão longe, contudo, de ser
elucidados.
Evidências recentes sugerem a existência de defeitos no metabolismo dos
neurônios da substância negra que poderiam desencadear o processo degenerativo.
Será que tais defeitos poderiam ter origem em determinantes genéticos ou
ambientais? Esta é a questão que aqui se coloca.
78
As principais teorias, atualmente, aceitas como envolvidas nos mecanismos
de lesão cerebral, são descritas a seguir:
- Teoria do estresse oxidativo
Segundo essa teoria, moléculas instáveis denominadas radicais livres reagem
com outras moléculas causando oxidação. Esse processo bioquímico é nocivo a
diversos elementos da célula (incluindo a mitocôndria e a membrana celular)
podendo levar à morte dessas células. Os radicais livres são produzidos no curso de
reações químicas normais do organismo. Sabe-se, há algum tempo, que o processo
normal de síntese e metabolismo de dopamina produz quantidade considerável de
radicais livres. Em condições normais, o organismo livra-se dessas moléculas
indesejáveis através de mecanismos eficientes de remoção.
Por algum motivo, na D.P. parece haver acúmulo de radicais livres na
substância negra. Tal acúmulo poderia desencadear, ou pelo menos agravar, o
processo degenerativo.
- Deficiência da mitocôndria
Mitocôndrias são organelas celulares responsáveis pela produção de energia.
Existem evidências de que mitocôndrias da substância negra (mas também de
plaquetas e fibroblastos) funcionem de maneira anormal na D.P.
O motivo desse funcionamento anormal poderia ser primário (determinado
geneticamente) ou secundário a outros eventos como agressão por radicais livres ou
por alguma toxina ambiental. A esse respeito, vale lembrar que pelo menos uma
toxina relacionada à produção de parkinsonismo - o MPTP - é tóxica à mitocôndria.
79
- Teoria da excitotoxicidade
A comunicação entre células cerebrais realiza-se através de mensageiros
químicos conhecidos como neurotransmissores. Pode-se dizer de modo simplificado
que existem duas classes de neurotransmissores: - os excitatórios, como o glutamato;
e os inibitórios, como o gaba. Outros podem ser excitatórios ou inibitórios,
dependendo do tipo de receptor que vai responder ao estímulo. A dopamina tem
essas características mistas.
Em determinadas situações, pode haver atividade aumentada de vias
excitatórias. Como resultado desse bombardeio, ocorre aumento da quantidade de
cálcio dentro da célula o que pode resultar no desencadeamento de processos
bioquímicos que levam à morte celular.
Essa série de fenômenos conhecidos por excitotoxicidade não parece
constituir o evento primário responsável pela morte celular na D.P., mas existem
evidências de que pode surgir posteriormente, contribuindo para amplificar e
agudizar o processo degenerativo.
É provável que a D.P. seja determinada pela combinação dos processos
descritos acima, ou de outros ainda não revelados, e que a contribuição de cada um
deles possa variar em cada caso.
- Deficiência de neurotransmissores nos gânglios da base
A importância da dopamina na D.P. reside no papel que esse
neurotransmissor desempenha no funcionamento dos gânglios da base. Os gânglios
80
(ou núcleos) da base são constituídos por estruturas cerebrais de importância em
funções motoras complexas e no planejamento de estratégias motoras.
Os principais constituintes dos gânglios da base são: estriado (caudado e
putâmen), globo pálido externo e interno (Gpe, Gpi), núcleo subtalâmico e
substância negra. Essas estruturas formam conexões complexas. O estriado recebe
informações de várias áreas do cérebro, inclusive do córtex cerebral. O estriado e o
GPi comunicam-se através de uma via direta e outra indireta. Esta última comporta
duas estações intermediárias: GPe e núcleo subtalâmico.
O GPi é a via de saída principal e transmite informações para o tálamo que,
por sua vez, as repassa para áreas motoras do córtex cerebral, fechando o circuito.
Quando a via direta é ativada através da projeção córtico-estriatal ocorre uma
pausa no GPi que, por sua vez, libera o tálamo que excita o córtex cerebral. Por outro
lado, a ativação da via indireta inibe o GPe e excita o GPi , o que resulta em inibição
do tálamo e, conseqüentemente, da projeção tálamo-cortical. Dessa forma, os dois
sistemas, direto e indireto, apresentam efeitos antagônicos nas células-alvo do
tálamo: o direto, facilitando o movimento e o indireto, suprimindo movimentos
involuntários indesejados.
A dopamina influencia o funcionamento desse circuito, facilitando a via
direta e inibindo a via indireta. Dessa forma, quando ocorre insuficiência desse
neurotransmissor, a via direta (que normalmente facilita o movimento) está inibida e
a via indireta (normalmente inibitória) encontra-se ativada.
O resultado desse desequilíbrio manifesta-se clinicamente na dificuldade em
iniciar movimentos (acinesia), lentidão na execução dos movimentos (bradicinesia),
81
incapacidade de executar movimentos automáticos, dificuldade na realização de
seqüências motoras complexas, entre outras manifestações.
Além da dopamina, outros neurotransmissores têm papel fundamental no
funcionamento desse circuito, como o ácido gama-aminobutírico (gaba), acetilcolina,
substância P, encefalina, glutamato, entre outros. Os níveis de acetilcolina não se
alteram na D.P., mas como a dopamina tem efeito inibitório em neurônios do
estriado, ricos em acetilcolina, sua falta resulta em hiperatividade relativa dessas
células colinérgicas.
- Disfunção do gene DJ1
Foi descoberto por pesquisadores da D.P., coordenados por Oliver Bandmann
(2005), na Universidade de Sheffield, Inglaterra, que uma disfunção do gene DJ1 em
humanos contribui para o aparecimento da doença, que afeta especialmente a
coordenação motora das pessoas.
Descobriram também os cientistas que algumas toxinas, quando presentes no
organismo, causam idêntico problema, sendo que tais toxinas são encontradas em
maiores quantidades apenas quando existe um problema genético no indivíduo.
Estudos realizados com peixes-zebras naquela Universidade mostraram que
altas doses de toxina realmente causam o problema de coordenação motora.
O desafio para os pesquisadores está em identificar o quanto é necessário
dessa substância para causar a mesma disfunção em seres humanos.
Uma das certezas é que devem ser doses bem menores do que aquela de
animais. Além de procurar descobrir a quantidade de toxina necessária para provocar
82
a D.P., os pesquisadores ingleses trabalham para encaixar as diversas peças de tal
quebra-cabeça.
Segundo Oliver Bandmann (2005), não é apenas a disfunção no gene DJ1 que
causa a doença. “Isso deixa a pessoa mais suscetível somente quando ela entra em
contato com a toxina”, explica ele.
Para o pesquisador, o principal objetivo agora é estudar como outros fatores
combinados com o problema genético agem para causar a D.P.: “Apenas quando
entendermos como essas diversas peças funcionam é que vamos poder agir sobre as
causas e não apenas ficarmos tratando as conseqüências (2005)”.
Esse grupo de pesquisa da Universidade de Sheffield foi o único do Reino
Unido a receber verbas da Fundação Michael J. Fox, criada pelo ator de cinema que
sofre com a doença desde os seus 34 anos, e destina grande parte de seus milhões de
dólares aos cientistas britânicos.
47
2.4. Quarto acorde: vencer - ter e conviver com a Doença de Parkinson
Há exemplos de parkinsonianos famosos, exemplares na luta particular para
vencer uma doença considerada ainda incurável, ainda plena de tabus e preconceitos,
mas que eles expõem com a finalidade de desmistificá-la e a seus sintomas.
São parkinsonianos que reforçam o argumento de que a D.P., assim como
qualquer outra doença degenerativa, não escolhe a quem atingir, jovens ou idosos,
pobres e ricos, pessoas fortes ou fracas, celebridades ou não-celebridades. E que
mostram como atividades artísticas, realizadas com outras pessoas, podem fazer com
que a D.P. não constitua algo paralisante ou motivo de solidão, mas ao contrário,
47
Cf. web site: http://www.michaelfox.org.
83
possa ser a razão para a pessoa doente ‘entrar em movimento’, ou seja, sair de si
mesma, atuar proficuamente para seu bem e o bem do próximo.
Entre eles está Michael J. Fox, ator cinematográfico que abrilhantou Back to
the Future (De Volta para o Futuro), nas suas três séries e de outras como Caras e
Caretas e Spin City. Nascido em 09/06/1961, em Edmonton, Alberta, Canadá, ele foi
acometido pela D.P. aos 34 anos, o que prova que a D.P. não é exclusividade dos
idosos. Sua vida passou a ser uma bandeira de luta contra a doença.
De início, o ator largou a carreira para, segundo ele, curtir a família no pouco
tempo que lhe restava de vida. Segundo a crença comum, restava-lhe apenas esperar
a morte, já que a Parkinson é considerada doença degenerativa que, aos poucos,
destrói os nervos do doente, conduzindo-o à morte.
Michael Fox decidiu, então, adotar uma outra postura para enfrentar a doença
com humor e muita coragem. Começou a aparecer em programas de TV, divulgando
informações sobre a doença da qual se tornou um expert, humorizando a
movimentação desordenada, incontrolável, de suas mãos, pés e corpo.
Na tevê, falou de sua obstinada luta contra os efeitos sintomáticos da doença,
fazendo exercícios, a ginástica a que chama de ‘ginástica assimétrica’, praticando
hóquei etc. Transformou, assim, o que seria fonte de depressão em fonte de humor,
fazendo de si mesmo uma grande piada, ao contar, por exemplo, um encontro com a
princesa Diana numa pré-estréia de cinema. Tolhido pelo protocolo, com todas
aquelas restrições de ‘não se pode fazer isso, não se pode fazer aquilo’, justamente ao
começar o filme ele sentiu uma forte vontade de urinar. Não podendo manifestar-se,
nem olhar para trás, nem se virar, nem olhar a princesa de frente, disse que ficou se
84
remexendo na cadeira, dando pulinhos, sacudindo as pernas, e justificou-se:
“Ironicamente, é como estou hoje!”.
O tratamento multidisciplinar a que Michael se submeteu, finalmente, foi
fazendo efeito. Segundo a família e os amigos do astro, ele foi sentindo-se cada vez
melhor, a tremedeira e os espasmos típicos da doença foram minimizados. A melhora
dos sintomas foi tanta que, aos poucos, Michael tem voltado a expor-se na tevê,
tendo aparecido em episódios recentes do sitcom Scrubs. Ele realiza planos para em
breve retornar ao cinema, talvez a um De Volta para o Futuro 4.
Michael, nos seus atuais 46 anos, continua com as mesmas feições de menino
que o tornaram famoso, ainda que seja portador da D.P., contra a qual ele é um dos
maiores lutadores, exercendo a presidência da Fundação Michael J. Fox,
exclusivamente criada para estudos da doença. Essa Fundação também financia
pesquisas de outros centros, como o da Universidade de Sheffield, no Reino Unido,
para a qual destinou em 2005 a verba de US$ 3,6 milhões para que cientistas
britânicos busquem soluções para a D.P.
48
Outra parkinsoniana famosa foi a atriz Katharine Houghton Hepburn, que
morreu aos 96 anos de idade, em 2003, em sua casa em Old Saybrook, Connecticut,
E.U.A., por complicações decorrentes da idade avançada. A atriz conviveu por cerca
de 50 anos com a D.P., que a acometeu desde os seus 46 anos, não abandonando,
porém, sua carreira em virtude dessa doença.
Nascida em 12/05/1907, em Hartford, Connecticut, E.U.A, a atriz
cinematográfica estreou em A Bill of Divorcement, em 1932, e se tornou um dos
maiores nomes de Hollywood por cinco décadas, tendo feito 50 filmes desde 1932 até
48
“Peças que se juntam”, publicada na Agência Fapesp, em 18/02/2005. Cf. web site:
http://www.agencia.fapesp.br/boletim_dentro.php?data[id_materia_boletim]=3304.
85
1994, ano em que filmou Vestígios de uma Paixão, tendo recebido 12 indicações para
o Oscar, e vencedora de quatro, com 3 indicações para o Globo de Ouro.
Apesar do sucesso, a atriz sentia que poderia ter ido mais longe. “Não sinto
ter realizado todo o meu potencial”, ela afirmava, justificando: “A vida é o que
importa: passeios, casa, família, nascimento, dor e alegria e depois a morte”.
De personalidade marcante, a atriz foi praticante de boxe e golfe até quase
seus últimos dias, e tornou-se um ícone do espírito feminista e da força de vontade
em vencer a D.P. e os demais problemas de saúde que a acometeram.
Outro parkinsoniano famoso foi Muhammad Ali, mito do boxe, considerado
“O Maior Atleta de Todos”. Portador da D.P desde 1984, a partir de seus 42 anos.
Sua história na luta contra a doença foi imortalizada no filme Ali, protagonizada pelo
ator Will Smith.
Sua grandeza começou sobre o ringue, mas a vitória mais ressonante foi
contra o ‘Tio Sam’, por lutar e lutar para escapar a uma prisão de 5 anos e a uma
multa de 10 mil dólares, por não querer se alistar nas Forças Armadas. Nascido em
18 de janeiro de 1942, em Louisville, Kentucky, foi o atleta mais criticado dos anos
60, denunciado como antiamericano em 1967, converteu-se num herói, pelas suas
vitórias no Box, e recebido como herói na Casa Branca, em 1974.
Cassius Clay, nome com o qual conquistou a medalha olímpica de Peso Meio
Pesado, em 1960, nos Olímpicos de Roma, abriu as portas e transformou o mundo do
boxe num espetáculo. Convertido ao Islamismo foi como Muhammad Ali que viveu
suas melhores batalhas. Foi polêmico, causou espanto e admiração em alguns e
desprezo em outros. Em suas primeiras lutas profissionais, demonstrou uma incrível
rapidez com as mãos e os pés, considerando-se sua estatura de 1,88 e seu peso de 85
86
quilos. O homem que alardeava suas habilidades como “voar como uma borboleta e
picar como uma abelha”, passou de uma grande personalidade no início dos anos 60
a um vilão norte-americano e, finalmente, a um herói internacional.
Ali é um dos homens mais queridos nos Estados Unidos, por seu gênio,
carisma e personalidade, por sua luta em favor das causas sociais, dos direitos
humanos, da minoria negra e, agora, pela divulgação de informações sobre as formas
de superar a D.P.
Um grande momento do boxeador ocorreu nos Jogos Olímpicos de Atlanta
(EUA), em 1996. Sofrendo com a D.P., Ali emocionou o mundo ao receber a tocha
olímpica e acender a pira dos Jogos. Novamente recebeu a tocha, que chegava da
Grécia, a caminho de Salt Lake City, onde foram disputados os Jogos Olímpicos de
Inverno.
Recentemente, Ali causou muitas risadas com outra de suas tiradas, ao ser
homenageado na Calçada da Fama, em Hollywood, onde deveria ter seu nome
escrito. “Ninguém vai pisar no meu nome”, disse ele, que se recusou a ter uma placa
naquela calçada, preferindo ter uma placa no teatro que será inaugurado no local.
No sítio-fazenda, onde vivem nos Estados Unidos, Muhammad Ali, sua
mulher e alguns de seus nove filhos, Ali administra a empresa Goat, sigla de
Greatest of All Times, ou seja, O Maior de Todos os Tempos. Apesar da D.P., ele
continua mais que nunca em atividade.
Outro personagem mítico de nossa época, o lendário músico Johnny Cash era
também doente de Parkinson desde 1997. Mesmo assim, continuou cantando e
criando, de modo incomparável, uma forte ligação emocional com as pessoas que o
87
escutavam, mostrando o desejo do coração humano de superar limitações. A seu
respeito, Lingerman assinala que:
Sua voz não era suave, mas dotada de uma honestidade
energética e de uma qualidade forte e firme que estabelece
empatia imediata com a condição humana e o sofrimento
pessoal. Suas canções combinam força e compaixão, os pólos
masculino e feminino do sentimento, que no final não
perdoam, nem condenam. (1993: 34).
Ele gravou álbuns e fez shows até sua morte, em 2003, vítima de
complicações decorrentes de diabetes.
E como não mencionar Deng Xiao Ping que, mesmo com a D.P. e com 93
anos, foi líder da China até o ano de 1997 (Grossmann, 1998: 54).
O papa João Paulo II também foi vítima da Parkinson. O anúncio oficial,
porém, só foi feito alguns anos após os primeiros sintomas da doença, o que não o
impediu de viajar, orar em público, celebrar missas e abençoar as multidões.
Wojtyla, somente após os 74 anos e várias cirurgias, começou a dar sinais de
enfraquecimento geral. A voz tornou-se mais fraca e surgiram dificuldades para
caminhar, apresentando tremor em sua mão esquerda cada vez mais acentuado, o que
sugeria que sofria os rigores do avanço da D.P.
O auge do pontificado de João Paulo II ficou, então, situado entre 1980 e
1994. Os anos seguintes a 1994, até sua morte em 02/04/2005, então com 85 anos,
foram marcados por enormes dificuldades pessoais e a inevitável redução no ritmo
de compromissos. Não se pode esquecer de que João Paulo II era movido pela idéia
inabalável de que tinha uma missão a cumprir e para a qual se preparou com firmeza
inquebrantável: a de conduzir a Igreja, o que fez até o fim da sua vida,
independentemente de seus sofrimentos e da Doença de Parkinson.
88
Outros parkinsonianos de prestígio pelo seu trabalho na sociedade deixaram
seu exemplo. No Brasil, não se pode deixar de lembrar do lexicógrafo Aurélio
Buarque de Holanda, que também foi acometido pela D.P., tendo vivido até seus 79
anos de idade e trabalhando no seu grande dicionário conhecido como o Aurelião,
atualmente também em versão eletrônica.
Como se pode verificar, todos esses casos aqui trazidos de pessoas
conhecidas no mundo e que padecem ou padeceram com a D.P. representam
testemunhos de luta contra a doença, pessoas que não se deixaram abater pelas más
condições físicas e mentais, que produziram muito, pensando nas demais pessoas do
mundo. Assim como se portam os sujeitos desta pesquisa.
Um dos sonhos dos homens – o de viver cada vez mais – pode-se dizer que já
é realidade. Mas é preciso que haja uma boa qualidade de vida, para que se tenha
prazer em viver, ao chegar, por exemplo, aos 90 anos, mesmo com problemas ao
andar, com tremores, ou com problemas de fala. Uma tal situação é a vivida pelas
pessoas acometidas pela D.P., alguns até muito jovens; o que, no Brasil, atinge cerca
de 145 mil indivíduos.
Atualmente não existe cura total para a D.P, mas essa doença pode ser
tratada, não apenas se minimizando os sintomas, como também retardando seu
avanço, ou o ideal que seria atuar em nível de prevenção. A grande barreira para
curar a doença está na própria genética humana.
Segundo os neurologistas, no cérebro, ao contrário do restante do organismo
humano, as células não se renovam. Por isso, é ainda um enigma a morte das células
produtoras da dopamina na substância negra, isso visto no estágio atual da ciência.
89
O neurologista Egberto Reis Barbosa (2005) diz existirem boas perspectivas
para o tratamento da D.P.:
Os estudos dos tratamentos de neuro-proteção estão
avançando. A tendência atual é buscar uma maneira de
interferir na evolução da doença, tentando entender melhor os
mecanismos envolvidos na morte celular para bloqueá-los em
algum ponto do processo. Acredito que não estamos distantes
de conseguir uma que realmente produza esse efeito.
49
A fim de evitar que a maior parte das pessoas chegue à velhice com
dificuldades, como as mencionadas no caso da D.P., a ciência vem dedicando-se a
decifrar o cérebro humano, o órgão onde são processadas nossas emoções, onde se
iniciam nossos movimentos. O objetivo é conhecer cada parte dessa máquina e sua
respectiva função.
A esse respeito, Edson Albuquerque (2004), professor pernambucano da
Universidade de Maryland (EUA) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
assinala que: “O importante é prolongar a capacidade intelectual. Dentro de dez anos,
a ciência terá condições de manter boas as funções cerebrais de uma pessoa de até 90
anos”.
Esse futuro está próximo, mas enquanto não chega, registram-se avanços na
prevenção e no tratamento da D.P.
Como já dito, assim como ninguém sabe exatamente como a D.P. se instala,
também não se sabe quem corre mais riscos de desenvolvê-la, embora existam pistas
de ordem genética, calculando-se que onze genes podem ser associados à doença.
49
“Vida e Saúde”, Redação Terra, em julho de 2005. Cf. web site:
http://saude.terra.com.br/interna/0,,OI510268-EI1497,00.html.
90
Andrew Lees, da Universidade College London, da Inglaterra, que realiza
trabalhos nessa área, diz que: “No futuro, essas informações ajudarão a desenvolver
terapias para corrigir os genes com defeito” (2004).
Apesar de, por um lado, não existirem certezas sobre como combater com
precisão a doença; por outro lado, verifica-se que é possível conviver bem com ela,
desde que ela seja tratada de forma adequada. A atividade motora fica prejudicada,
mas remédios, fisioterapia e outras terapias garantem uma qualidade de vida quase
normal. O importante é que a D.P. não diminui a expectativa de vida, nem prejudica
o desempenho intelectual de uma pessoa.
A medicina investe em recursos para o alívio dos sintomas e disponibiliza
alguns medicamentos capazes de melhorar significativamente a maioria desses
sintomas. A escolha do(s) medicamento(s) vai depender das condições de cada
doente. A idade do doente, sintomas predominantes e estágio da doença são alguns
dos fatores que o médico deve levar em conta na hora de planejar o tratamento.
Além do tratamento médico - com remédios, e cirurgias restritas aos casos
mais avançados -, para o tratamento da D.P., é recomendável, dentre outras
atividades, a terapia ocupacional, o acompanhamento fonoaudiológico/foniátrico, a
Fisioterapia, a Musicoterapia.
Os cientistas são unânimes ao afirmar que o tratamento por remédios deve ser
acompanhado necessariamente dessas atividades coadjuvantes, pois uma pessoa
acometida pela D.P., ao exercitar as articulações, impede, por exemplo, que a rigidez
tome conta do seu corpo. Ao se dedicar a uma atividade, artística, musical, no
convívio com outros doentes ou familiares, a vida ganha mais sentido e o doente
passa a conviver melhor com sua doença.
91
Segundo os especialistas citados, o tratamento da D.P. exige um processo
multidisciplinar, como é modelar o realizado na Associação Brasil Parkinson (ABP),
na capital paulista. Nessa instituição, as pessoas portadoras da D.P., além da
medicação adequada, têm a possibilidade de fazer ao mesmo tempo fisioterapia, e
tomarem aulas de canto, de pintura, além de outras atividades em paralelo. Os
sujeitos-objetos desta pesquisa freqüentam essa instituição. Os resultados positivos
de um tratamento multidisciplinar podem ser atestados pelos depoimentos de quem
freqüenta a Associação, como por exemplo, o da dona-de-casa Ilda Cury, 83 anos,
que diz: “Apesar da doença, tenho condições de aprender novas atividades, como a
pintura”.
50
Dessa forma, o campo da arte em geral comparece como um agente de muito
peso no tratamento da D.P., como é o caso da Musicoterapia.
50
Cf. web site: http://www.terra.com.br/istoe/1802/medicina/1802_eureca_01.htm, em 21/04/04.
Capítulo 3.
Trilha sonora: A Musicoterapia
93
3.1. Exprimindo alguns sons históricos
As doenças, na maior parte das sociedades ditas primitivas, eram vistas como
uma maldição de bruxos, ou uma punição dos deuses ou mesmo uma possessão do
demônio. A etiologia e o tratamento das doenças eram determinados pelo ‘homem
medicinal’, que se responsabilizava pela aplicação de elementos mágicos a fim de
poder libertar o doente de demônios e maldições. Entre esses elementos, a música
sempre ocupava um lugar preponderante nas cerimônias e dependia, em termos de
suas modalidades, da natureza do espírito que invadia o corpo amaldiçoado, tomado
pela doença (Davis, 1992).
A música é reconhecida como meio terapêutico desde a Antigüidade.
Registros em papiros dos egípcios, que datam de 1550 anos a.C., revelam a
influência da música sobre a fertilidade feminina. Personagens históricos
representaram cenas que diziam do papel fundamental da música em certas situações;
por exemplo, David tocando lira, para acalmar o rei Saul; Josué e as trombetas que
derrubaram as muralhas de Jericó... (Baranow, 1999).
Na Grécia Antiga, a música também era concebida como uma força que
produzia efeitos sobre o pensamento, as emoções, e a saúde física das pessoas. Em
600 a.C., em Esparta, dizia-se que Thales havia curado uma praga com seus poderes
musicais.
Os exércitos antigos utilizavam a música como um componente essencial
para elevar o patriotismo dos soldados. Assim, os escoceses tocavam as gaitas de
fole; os ingleses, trompetes; e os franceses, tambores. Conforme Napoleão Bonaparte
dizia: “Um povo pode ter um grande exército, mas se não tiver uma banda marcial
boa nunca ganhará uma guerra” (Baronow, 1999: 1).
94
Mesmo nos dias atuais, pajés e curandeiros de tribos indígenas fazem uso da
música como um caminho de comunicação com deuses e espíritos, no sentido de
obterem a cura de doenças e soluções para seus problemas (Baranow, 1999).
No séc. XVIII, apareceram os primeiros artigos sobre os efeitos da música em
diferentes doenças. Em “Music Physically Considered”, artigo publicado na revista
Columbia Magazine, de 1789, um autor anônimo fala dos efeitos exercidos pela
música na mente humana. Em 1796, o artigo “Remarks by the Cure of a Fever by
Music”, escrito por autor também anônimo, narra a história de um professor de
música, cuja febre alta o atormentava por semanas, e foi curado por um concerto de
música. Antigas descrições dos efeitos terapêuticos da música receberam, via de
regra, um sentido anedótico.
A primeira menção à terapia pela música, feita pela American Medical
Association (AMA), foi em 1914, com a publicação de uma carta do médico Evan
O’Neil Kane, que relatou o uso de um fonógrafo para “acalmar e distrair os
pacientes” durante as cirurgias.
Alguns anos depois, Eva Vescelius, fundadora da National Therapeutic
Society de New York City, predisse: “Quando o valor terapêutico da música for
compreendido e reconhecido, ela será considerada tão necessária no tratamento de
doenças quanto o ar, a água e os alimentos”. Ela previu uma época em que todo o
hospital, presídio e asilo teria um departamento de música. De fato, em 1929, o
Hospital da Dulce University tornou-se a primeira instituição do gênero a oferecer
música aos doentes, por meio de rádios e auto-falantes (Campbell, 2001: 134).
Em 1918, a Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos, ofereceu o
primeiro curso de Musicoterapia, ministrado por Margaret Anderson, uma musicista
95
britânica, que havia trabalhado com soldados feridos durante a Primeira Guerra
Mundial.
Nas décadas de 30 e 40, o uso da música e dos sons para mascarar ou reduzir
a dor em procedimentos cirúrgicos e odontológicos proliferou nos Estados Unidos. A
Universidade de Chicago financiou pesquisas de larga escala, incluindo o uso da
música como anestésico antes de cirurgias para úlceras pépticas, uma doença que não
reagia bem à medicação convencional.
A moderna Musicoterapia, desenvolvida nos finais dos anos 40, progrediu a
partir do uso da música para o tratamento da fadiga de combate entre soldados por
ocasião da Segunda Guerra Mundial. Ao lado da penicilina, quinina ou radiação, a
música teve seu lugar no leque de medicamentos do Exército. O primeiro centro de
treinamento em Musicoterapia do país foi na Universidade do Kansas e na Clínica
Menninger de Topeka. No período pós-guerra, hospitais, clínicas e asilos para idosos
convidavam músicos locais para audições (Campbell, 2001: 135).
O primeiro plano de estudos em Musicoterapia nos Estados Unidos foi
elaborado em 1944, em Michigan. Em 1950, foi fundada a Associação Nacional para
a Terapia Musical.
Na Argentina, em 1968, aconteceu a Primeira Jornada Latino-Americana de
Musicoterapia. No Brasil, iniciaram-se, em 1971, cursos no Rio de Janeiro e no
Paraná. Em 1980, a Universidade Federal do Rio de Janeiro deu início à prática
clínica da Musicoterapia, carreira de nível superior, e reconhecida pelo Conselho
Federal de Educação desde 1978.
Atualmente, realizam-se nos Estados Unidos, investigações qualitativas e
quantitativas, publicadas pela Associação de Musicoterapia Americana (AMTA),
96
com a finalidade de explicar os diferentes efeitos que a música exerce em pessoas
doentes, de diferentes idades. A AMTA define Musicoterapia como:
O uso controlado da música com o objetivo de restabelecer,
manter e incrementar a saúde mental ou física. É a aplicação
sistemática da música, dirigida por um musicoterapeuta, em
um ambiente terapêutico, com o objetivo de chegar a
mudanças de estados ou de condutas. Estas mudanças
auxiliam o indivíduo que participa dessa terapia a adquirir
uma melhor compreensão de si mesmo e do mundo que o
rodeia, podendo adaptar-se melhor à sociedade. Como
membro de um grupo de profissionais, o musicoterapeuta
participa da análise dos problemas do indivíduo e da previsão
de um tratamento global antes de desenvolver qualquer
atividade musical. As avaliações periódicas determinam a
efetividade das técnicas utilizadas.
51
3.2. Exprimindo sons clínicos
A flexibilidade é uma das importantes qualidades da música. Esta pode ser
utilizada de várias formas: de maneira passiva (escutando-a somente); ativa (tocando
um instrumento); passiva e ativa a um só tempo (tocando instrumento e escutando-
o); e inativa (em silêncio absoluto, apenas imaginando-a). Também pode ser utilizada
em grupo (forma de promover a socialização) ou individualmente (explorando a
criatividade e a expressão pessoal de uma pessoa).
Muitos estudos nos Estados Unidos, numa perspectiva organicista/médica,
realizaram-se sobre os efeitos de problemas cerebrais (a causa seria a lesão) nos
comportamentos musicais dos seres humanos (a conseqüência seria o sintoma).
Muitos deles comparam a ‘amusia’ - perda completa ou parcial da faculdade de
apreender ou de reproduzir sons musicais, devido a problemas cerebrais e a afasia -
problemas de linguagem, ambas vistas tamm numa perspectiva organicista.
Há estudos exemplares, entre eles:
51
Cf. web site: http://www.musictherapy.org/.
97
A pesquisa de Wertheim y Botes (1961), citada por Zárate & Diaz (2001) que
encontra um sujeito com lesão cerebral no lado esquerdo, sendo um homem com
habilidades musicais muito desenvolvidas, e que tinha amusia receptiva e severa
afasia mista, e ainda assim podia seguir tocando o violino.
Levin e Rose (1979) apresentam o caso de um professor de música de 58
anos que tinha uma craneotomia parieto-occipital esquerda. Ele não podia ler
palavras, nem música, mas podia ler outros símbolos musicais que não fossem notas
musicais. Sua habilidade expressiva e apreciação do ritmo estavam intactas, embora
sua habilidade de sentir tons, duração, timbre, e memória tonal, estivesse afetada. Ele
pôde seguir tocando seu intrumento prazeroso, a bateria.
Outro estudo de Signoret et al. (1987), citado por Zárate & Diaz (2001),
mostra um organista de 77 anos de idade, cego desde os dois anos, que sofreu lesão
na parte inferior do lóbulo parietal e lóbulo temporal. Ele apresentava alexia verbal e
agrafia no sistema Braille, mas reteve todas as suas habilidades musicais,
continuando a tocar o órgão, compondo, lendo e escrevendo música em Braille.
Inúmeros estudos que comparam a afasia com a amusia mostram diferentes
padrões de apresentação, amusia sem afasia, afasia sem amusia e afasia com amusia,
o que mostra que uma perspectiva causal (em que a uma lesão corresponderia um
sintoma de linguagem e vice-versa) não se aplicaria nesses estudos. Estes
demonstram que o substrato neuronal para a aprendizagem ou expressão musical se
encontra na proximidade da área verbal da linguagem, mas em lugares diferentes.
Também afirmam que existiriam evidências para a existência de uma ‘especificidade
funcional para as habilidades musicais’. Segundo Marín, citado por Zárate & Diaz
(2001), pode-se distinguir transtornos em nível acústico psicofísico, transtornos em
98
nível da percepção auditiva precategorial, percepção categorial de elementos
musicais, transtornos da percepção da configuração musical, nos processos
simbólicos musicais, na função executora ou no complexo aprendizagem-percepção
musical.
Segundo Zatorre (1989), conforme citação em Zárate & Diaz (2001), o
processo acústico mais simples (como o reconhecimento de tons) dá-se em regiões
subcorticais do cérebro, o nível seguinte de processamento que se dá principalmente
nas áreas de associação do hemisfério direito, e que outros processos podem envolver
o hemisfério esquerdo. Marín (1976) sustenta que a linguagem proposicional está
lateralizada no hemisfério esquerdo (embora essa sua afirmação ‘localizacionista’
possa ser contestada por neurolingüistas), mas que a música não está lateralizada em
um hemisfério. Ele sustenta que o processo dos aspectos acústicos musicais (como
tonalidade e ritmo) está localizado, mas que um entendimento da organização interna
da música requer uma rede neuronal difusa que está amplamente distribuída em todo
o cérebro.
Outros autores demonstram a importância da música em diferentes problemas
neurológicos. O melhor exemplo é o do neurologista Oliver Sacks, que afirmou, em
1999, no National Satellite Broadcast de Musicoterapia, que ele usava a música em
pessoas portadoras da D.P., porque a música era um fenômeno que afetava todo o
cérebro e esta era uma característica importante da qual se poderia tirar muito
proveito.
Sacks também fala dos efeitos benéficos da música, em certas doenças, no
seu livro Awakenings (1973), traduzido em português em 2002, como Tempo de
Despertar, onde descreve:
99
Fiz alguns eletrocardiogramas e videotapes conjuntos que
fornecem uma demonstração maravilhosa da capacidade da
arte para despertar o doente de Parkinson. Tenho um
fascinante registro desse tipo de um de meus doentes, que
sofre de acinesia de um lado do corpo, e de frenesi no outro
(qualquer medicação benéfica para um lado agrava o outro), e
cujo EEG é correspondentemente assimétrico. Esse homem é
um exímio pianista e organista; no momento em que ele
começa a tocar, seu lado esquerdo deixa de manifestar
acinesia, o lado direito pára com os tiques e a coréia, e ambos
passam a funcionar em perfeita união. Simultaneamente, a
gritante dicotomia, os padrões patológicos do EEG
desaparecem, observando-se em seu lugar apenas a simetria e
a normalidade. No momento que ele pára de tocar, ou que sua
música interior cessa, decompõem-se tanto o estado clínico
quanto o EEG. (p.311).
Existem inúmeras outras investigações sobre Musicoterapia no tratamento de
problemas neurológicos, como Parkinson, Alzheimer, e traumatismo craniano (Hurt
& Mcintosh, 1998; Silber, 1999).
Algumas publicações recentes sobre os efeitos que têm a estimulação rítmica
em doentes com traumatismo de crânio descrevem os efeitos terapêuticos de uma das
qualidades mais importantes e utilizadas na Musicoterapia: o ritmo, conforme Thaut
(1997), Davis (1992), citados por Zárate (2001). Estes artigos mencionam como o
uso controlado do ritmo ajuda a pessoas com traumatismo de crânio e transtornos
persistentes no andar, a controlar e melhorar seu ritmo natural de caminhar. O
propósito destes estudos foi examinar o uso da estimulação rítmica auditora (ERA)
na melhoria da marcha (do andar) de pessoas com traumatismo de crânio, que não
apresentam progresso com a terapia de reabilitação física convencional. Um
importante fator para poder ter movimentos coordenados é ter primeiro um bom
sentido rítmico. A facilitação de estímulos rítmicos para ajudar a regularidade do
tempo nos movimentos da marcha, pode ajudar a desenvolver velocidade, cadência e
100
simetria, como já foi demonstrado em transtornos da marcha em doentes com
doenças cérebro-vasculares (Thaut, Rice, 1997) e com Parkinson (Thaut, 1993).
Outro exemplo de aplicação da Musicoterapia se pode verificar no caso de
adultos idosos, quando a música é utilizada com diferentes objetivos. Geralmente os
tratamentos com música focalizam a estimulação sensorial, a orientação para a
realidade, a remotivação e as reminiscências (Davis, Feller & Thaut, 1992; Kneafsey,
1997).
Na estimulação sensorial, o musicoterapeuta realiza atividades musicais para
que o doente redescubra o contato com o meio ambiente que o rodeia. Esse contato
pode ser feito por meio de atividades musicais muito simples e passivas que somente
exigem do doente ações básicas como estar acordado durante a sessão; responder sim
ou não a uma pergunta cantada; pequenos movimentos de dedos, braços etc. Um
exemplo de aplicação seria cantar uma pequena canção cujo objetivo é que cada
doente seja capaz de levantar a mão e estendê-la ao musicoterapeuta, assim que seu
nome apareça na canção. Para uma orientação voltada à realidade, as canções são
empregadas para reeducar o doente que esteja desorientado ou confuso em relação a
informações temporais e espaciais, como dia, mês, ano, lugar onde se realiza a
sessão. Um exemplo de aplicação seria entoar uma canção em que o doente tenha
que completar a letra, com o respectivo dia da semana em que se encontra. A
chamada Remotivação é uma técnica que tem a finalidade de estimular o pensamento
e a interação verbal entre os membros do grupo. Esta técnica é utilizada em pequenos
grupos que apresentam atividades curtas e muito bem estruturadas. A Reminiscência
pode ser utilizada com a finalidade de incrementar a socialização, desenvolver
relações pessoais e fortalecer a autoestima. Um exemplo de aplicação seria cantar
101
canções específicas da época de juventude do doente, que lhe tragam lembranças
positivas. Depois ele deve cantá-las, narrando suas lembranças, comparando-as com
as canções e lembranças dos outros doentes. Estas técnicas destinadas a idosos
também podem ser adequadas em canções para diferentes idades e doenças.
Outro exemplo de aplicação da Musicoterapia se pode verificar no caso de
doentes de Parkinson, realizado na Northern Illinois University (Campbell, 2001:
266-7). Ronald Price, professor de música nessa Universidade, havia sido acometido
por essa doença com pouco mais de vinte anos. Embora tocasse trompa, Price
interessara-se pela harpa, um antigo instrumento de cura, descobrindo que – ao
dedilhar as cordas por várias horas – fazia com que os sintomas da D.P.
desaparecessem. Determinado a levar mais a sério ‘seu remédio’, tornou-se harpista
profissional, passando a tocar várias horas por dia. A harpa tem minimizado os
sintomas da Parkinson, embora estes voltem, caso ele pare de tocar: sua fala se altera,
um dos lados do rosto fica frouxo, perdendo o controle da perna e do braço
esquerdos. Para os pesquisadores-médicos, tocar harpa melhora de forma
significativa as habilidades motoras dos doentes de Parkinson.
Segundo Campbell (2001: 267): “O padrão das descargas dos neurônios... é
inerentemente musical. Em outras palavras, a música de harpa ajuda o doente de
Parkinson a se reajustar”.
Assim se sentindo favorecido pela música de harpa, Price montou o conjunto
Harpas Curativas, que inclui pessoas com problemas sérios de saúde, trabalhando
todos ativamente, juntamente a médicos, para ajudar na compreensão do processo
terapêutico através da música.
102
Muitas outras investigações sobre Musicoterapia estão sendo realizadas
tendo como sujeitos: crianças afásicas (Wagner, 1988), crianças autistas, crianças
cegas (Benenzon, 1988), mulheres grávidas, adolescentes com problemas de
comportamento, adultos e doentes terminais (Hodges, 1996; Bowers, 1998; Davis &
Thaut, 1992; Ernst, Rand e Stevinson, 1998). Diferentes técnicas se aplicam
dependendo do doente e do tipo de música utilizada. Cada doente é diferente e pode
ter sido afetado pela música de diferentes maneiras, durante sua vida. O que pode
parecer entretenimento, bem a gosto de uma pessoa, para outra pode trazer más
recordações, associações negativas etc. Por esse motivo, um extenso estudo sobre as
capacidades musicais do doente, sua história clínica, e seus gostos musicais devem
ser realizados antes de qualquer aplicação da Musicoterapia.
No Brasil, investigações diversas sobre Musicoterapia em muitas áreas do
conhecimento têm sido realizadas e divulgadas,
52
que envolvem o fator terapêutico,
não necessariamente a clínica:
Uma pesquisa trata do ‘setting musicoterápico’ (Von Baranow, 2002),
definindo-o como um espaço de relações e interações, um espaço de forças
essencialmente comunicantes, no qual doente(s), musicoterapeuta e música formam
uma intensa rede de comunicações. Esse trabalho foca cada um dos componentes que
demarcam os muitos territórios musicoterápicos, visando a estudar o jogo sonoro
como produção de signos, no qual os acontecimentos sonoros decorrem de interação
entre esses componentes.
O canto em Coral foi objeto de estudo de Lichtler (2001), em uma
comunidade cristã. Partindo da análise da realidade de um coro comunitário, ele
52
Por exemplo, pelo Banco de Teses da Capes-Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Ensino Superior, do Ministério da Educação. Cf. web site:
http://servicos.capes.gov.br/capesdw/resumo.html?idtese=200154142005019001P0
103
apresenta conclusões práticas para o trabalho com coral, para dar conta da dimensão
musical, por tratar-se de um coro e, da dimensão comunitária, por tratar-se de um
coro vinculado à comunidade cristã.
Outra investigação qualitativa sobre o Coral Terapêutico para idosos (Zanini,
2002) mostra como o cantar é meio para a auto-expressão e a auto-realização dos
participantes.
A escuta musicoterapêutica e seus espaços de relação, pesquisa de Coelho
(2002), é pensada, não como uma relação que concebe um som significante a um
sentido significado, mas, sim, como uma produção, uma escuta que cria mundos
outros. Esta pesquisa buscou, nas produções e no pensamento da escuta musical do
século XX, dispositivos para potencializar a escuta musicoterapêutica no seu espaço
relacional. Também se buscou, através dos regimes de signos, cartografar a
subjetividade da escuta musicoterapêutica em seus processos de invenção,
dialogando com o pensamento da escuta musical do século XX.
O trabalho de Pinto (2001) utiliza a Musicoterapia como situação privilegiada
para entender as questões da formação de um campo interdisciplinar, que pretende
unir a ciência e a arte para construir o seu conhecimento. Neste estudo, a
Musicoterapia é entendida como um novo campo de conhecimento contemporâneo.
Sampaio (2002) realizou uma releitura de conceitos e princípios da
Musicoterapia, a fim de propor uma nova forma de pensar e de aplicar o ‘Fazer
Musical’ na prática clínica musicoterapêutica, à luz da Semiótica e da Comunicação,
criando uma abordagem denominada: Musicoterapia Autopoiética. Propõe uma nova
forma de pensar e executar o ‘Fazer Musical’ na prática clínica musicoterapêutica,
tendo como base uma perspectiva não-representacionista de Mundo e de
104
Comunicação, na qual existe uma interligação entre os planos biológico, psíquico e
social do ser humano e que compreende a saúde como uma manutenção do viver,
segundo uma perspectiva autopoiética.
O estudo de Kratochvil (2003), sobre a desafinação vocal de adultos, traz
relatos de história de vida, centrados na vivência e nas experiências musicais,
analisados e organizados nas categorias: relações interpessoais e ambiente em que
viveram; experiências e vivências musicais; e características pessoais dos
pesquisados.
Pesquisas que mostram que a música vem sendo utilizada com diferentes
funções (reduzir o estresse, acalmar a dor, incrementar a autoestima, mudar
procedimentos inapropriados), estão sendo estudadas e expandidas a outras funções
que têm como objetivo final auxiliar o ser humano a se conhecer a si próprio e poder
viver melhor em sociedade.
Em suma, a Musicoterapia é um ramo da ciência que se organizou como tal
apenas no final do século XX, mas que está em plena expansão neste século XXI.
Esta área do conhecimento, como dito, estuda os efeitos terapêuticos da música nos
seres humanos.
Atualmente, a investigação sobre Musicoterapia vem sendo estendida a todas
as idades e doenças, tais como: Parkinson, Alzheimer, traumatismos de crânio,
autismo, demência, doentes psiquiátricos, crianças com problemas de conduta,
pessoas portadoras do vírus HIV, entre outras.
Muitos estudos demonstram a funcionalidade da Musicoterapia em doentes
com diferentes problemas neurológicos. Estes estudos demonstram que a música
ajuda os doentes a ganhar controle sobre seu ritmo de caminhar depois de sofrer, por
105
exemplo, um TEC ou AVC; estimula a memória; ajuda a incrementar a auto-estima;
estimula a formar novas relações sociais; e se pode utilizá-la como método de
contato com a realidade.
- Música ativa mais áreas do cérebro
Recentemente, um trabalho realizado com ressonância magnética, e
apresentado durante o 4.º Congresso Mundial de Museus da Ciência Latinos-
Americanos, no Rio de Janeiro, mostrou como a música ativa mais áreas do cérebro
de quem tem formação musical, do que pessoas sem essa formação.
O avanço na técnica de obtenção de imagens por ressonância magnética que
revolucionou a pesquisa médica e o diagnóstico de doenças como a D.P., o câncer, e
outros distúrbios cerebrais, já havia rendido a uma dupla de pesquisadores,
considerados os precursores do uso clínico da ressonância magnética, o norte-
americano Paul Lauterbur, da Universidade de Illinois, e o inglês Peter Mansfield, da
Universidade de Nottingham, o Nobel 2003 de Medicina e Fisiologia,
respectivamente.
53
O experimento proposto pelo novo Museu da Ciência de Barcelona, mostra que
a formação musical de um indivíduo faz com que mais áreas de seu cérebro se ativem
quando ele ouve música. Segundo o diretor e físico Jorge Wagensberg (2006):
É um bom exemplo [o de que a música ativa mais áreas do
cérebro de quem tem formação musical, do que pessoas sem
essa formação} de como um museu de ciência pode
contribuir não só para divulgar, mas para produzir ciência.
54
53
“Um método de diagnóstico revolucionário”. Revista Ciência Hoje on line, em 06/10/03. Cf. web
site: http://cienciahoje.uol.com.br/controlPanel/materia/view/823.
54
“Música ativa mais áreas do cérebro”. Revista Pesquisa Fapesp, 16/01/2006. Cf. web site:
http://revistapesquisa.fapesp.br/show.php?lang=pt&id=revistas2.fapesp2..20030407.20030486..SEC2
7_10&page=1&last_page=2.
106
O fenômeno pôde ser claramente observado em duas ressonâncias magnéticas
funcionais feitas, simultaneamente, em uma violinista profissional e em outra
senhora, com curso superior, sem nenhuma formação na área musical, que não tinha
sequer o hábito de ouvir música.
As duas senhoras se submeteram ao exame, enquanto ouviam a “Sinfonia do
Novo Mundo”, de Dvorak, justamente a obra que a violinista estava executando com
sua orquestra por aqueles dias.
Na senhora sem formação musical, a Sinfonia ativou apenas o córtex cerebral
responsável pela audição. Já na violinista ativaram-se, sucessivamente a essa área,
uma outra que se acredita relacionada à linguagem musical, uma terceira,
considerada uma região pré-motora, na qual o cérebro ‘planeja’ os movimentos do
corpo, e, em menor intensidade, e uma quarta, cujas funções ainda são
desconhecidas.
Segundo Wagensberg (2006), “o cérebro da violinista previa antecipadamente
as notas, ritmos e acordes da música e tocava mentalmente a obra, imaginando os
movimentos que faria para executá-la”.
A idéia de tal experimento nasceu de uma conferência dada no museu pelo
neurologista Robert J. Zatorre, da Universidade Mgill, de Montreal, Canadá, um dos
maiores especialistas do mundo sobre a interação entre música e cérebro.
55
Há 20 anos na área, esse neurologista demonstrou como, graças aos tons
musicais, podem-se observar fenômenos ligados à plasticidade do cérebro, mudanças
anatômicas e inclusive diferenças nas conexões dos neurônios. Tais achados podem
justificar a eficiência da Musicoterapia para tratar doentes, como os parkinsonianos.
55
O experimento citado pode ser visto em: ZATORRE, Robert J. “Recognition of dichotic melodies
by musician and no musician”. Neuropsychologia 1979, 17: 607-17.
107
Zatorre mostrou, por exemplo, que a zona que controla os dedos apresenta
adaptações resultantes, provavelmente, da experiência de manejo de um instrumento
musical. As ressonâncias magnéticas com que trabalha revelam não só uma forte
resposta neuronal nessas áreas como até mudanças anatômicas com áreas de maior
densidade de matéria cinza.
Atualmente, há doze grupos no mundo que investigam maneiras de se usar a
música combinada à ressonância magnética funcional, como forma de diagnóstico e
terapia de anomalias no sistema nervoso central.
O método baseia-se em estimular o cérebro com música e observar como um
cérebro prejudicado responde a tais sons, comparativamente a um cérebro não-
prejudicado, normal.
As aplicações terapêuticas da música são bastante conhecidas, embora de
forma intuitiva e empírica. O objetivo dos novos estudos situados na interface entre a
Física e a Neurologia é comprovar cientificamente a eficácia terapêutica da música
no caso dos afetados por doenças degenerativas, como a D.P.
A participação de Zatorre no Museu da Ciência de Barcelona estendeu-se
além de uma conferência sobre os trabalhos que realiza na interface Física e Música.
Nessa ocasião, o diretor do Museu, Wagensberg, pôde também verificar a
possibilidade de os instrumentos de trabalho de Zatorre servirem para comprovarem
uma teoria do próprio Wagensberg que relaciona estética e inteligibilidade.
Sua teoria diz que o gozo musical está relacionado com a repetição no tempo
(ritmo) e no espaço (harmonia). O gozo estaria num ponto preciso entre a ‘ofensa’,
representada por uma música totalmente previsível para o cérebro, repetitiva como
uma canção de ninar, e a ‘frustração’ de uma música totalmente imprevisível, na qual
108
o cérebro não distinguiria nenhuma regra clara de repetição no tempo e no espaço,
como ocorre com a música aleatória. Segundo Wagensberg (2006), “O gozo musical
está num ponto entre esses dois extremos, um ponto que pode variar muito
dependendo do nível de sofisticação da formação musical da pessoa”.
- Impacto fisiológico de diferentes tipos de música
Ouvir uma melodia suave provoca um abrandamento dos ritmos cardíaco e
respiratório e faz, de fato, baixar a tensão arterial, é o que afirmam os investigadores
italianos L. Bernardi e C. Porta.
Se diferentes estudos tinham já demonstrado que a música pode, por
exemplo, reduzir o estresse e mesmo melhorar a performance atlética, é esta a
primeira vez que cientistas se debruçam sobre o impacto fisiológico de diferentes
tipos de música. Os investigadores, que publicaram seu trabalho no jornal Heart,
recrutaram 24 participantes de idades semelhantes, de que metade tinha uma
formação musical avançada.
Todos ouviram, durante seis minutos, trechos selecionados de peças tão
variadas como a 9ª Sinfonia de Beethoven, a raga (música clássica hindu), os Hot
Chili Peppers, Vivaldi, música tecno, e Anton Webern (um músico alemão). A
audição de música ritmada provocou uma aceleração dos ritmos respiratório e
cardíaco, assim como um aumento da tensão arterial. O estilo e as preferências
individuais tiveram menos impacto. Quando a música parava, baixava tudo e, por
vezes, atingiam-se níveis inferiores ao ponto de início do experimento. A música
mais suave teve um efeito inverso. Provocou uma queda do ritmo cardíaco, cujo
109
efeito mais pronunciado foi obtido com a raga. Os participantes com formação
musical revelaram-se mais receptivos ao efeito da música.
56
Desse estudo, que trata dos efeitos fisiológicos, podemos auferir que estes,
aliados aos efeitos psicológicos e outros de se ouvir ou atuar com música, podem
funcionar como uma terapia para os doentes, no presente caso, os doentes de
Parkinson. E por quê? Porque os tons musicais parecem ativar fenômenos que seriam
responsáveis pela plasticidade do cérebro, mudanças anatômicas e diferenças nas
conexões dos neurônios, além de facilitar a movimentação corporal.
Sacks trabalha no The Institute for Music and Neurologic Function, no Beth
Abrahan Hospital, no Bronx-EUA, local de um dos mais importantes e inovadores
programas de Musicoterapia do país, onde milagres acontecem diariamente, e sobre o
qual o músico Don Campbell relata:
Em 1991, Dr. Sacks depôs perante o Comitê Especial para o
Envelhecimento do Senado dos Estados Unidos sobre o poder
terapêutico da música no tratamento de problemas
neurológicos. Em seu testemunho, descreveu o caso de
Rosalie, uma doente do Beth Abraham com Doença de
Parkinson, que permanecia paralisada, completamente
imóvel, a maior parte do dia, normalmente com um dedo
sobre os óculos. “Mas ela toca piano muito bem e durante
horas – quando toca – os sintomas da doença desaparecem e
ela tem fluência, facilidade, liberdade e normalidade”,
declarou Sacks ao comitê. “A música a liberta da doença por
algum tempo – e não só a música, mas a imaginação da
música. Rosalie conhece de cor toda a obra de Chopin e basta
alguém dizer: Opus 49!, para que todo o seu corpo, sua
postura e sua expressão mudem.” Sacks prosseguiu
descrevendo como seu eletroencefalograma – que em geral
registra uma imobilidade semelhante à do coma – e sua
atividade motora tornam-se completamente normais, até
mesmo quando a música está tocando apenas em sua mente!
Histórias como essa são típicas no Beth Abraham, um
hospital afiliado ao Albert Einstein College of Medicine de
56
“Música no coração - de como os Red Hot Chili Peppers e Beethoven mexem com a nossa tensão”.
Ciência Hoje-Ciência e Tecnologia em directo, em 02/11/2005. Cf. web site:
http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=1568&op=all.
110
Nova York. Segundo Concetta M. Tomaino, diretora de
Musicoterapia. “A música é a chave para o acesso ao sistema
de recuperação da memória” (2001: 139-40).
3.3. Exprimindo a Musicoterapia na D.P.
A Musicoterapia tem sido utilizada, e com muitos bons resultados,
especialmente no caso da D.P., no sentido de melhorar a vida do doente na relação
com sua doença e especialmente a sintomatologia da D.P., atuando de forma
“resiliente” e coadjuvante à medicação específica da doença, juntamente, ou muitas
vezes não, a outros tratamentos.
Os efeitos benéficos de um tratamento com música se fazem perceber de
imediato no doente parkinsoniano, em função das melhorias que se observam, a
olhos vistos, em suas ações, que podem ser ditas de várias ordens: físicas, biológicas,
psicológicas e sociais. A partir de uma transformação bastante significativa que
ocorre no doente, este passa a conviver melhor consigo mesmo e com as demais
pessoas de seu meio social (Souza, 1997).
O especialista em Musicoterapia, Kenneth E. Bruscia (2000: 7) lembra, por
sua vez, dos problemas de ordem conceitual que surgem freqüentemente dentro dessa
área do conhecimento. Um exemplo simples: caso se tente definir precisamente o que
é Musicoterapia, dada a diversidade de definições existentes para esse termo, fica
complicada a resposta. Em um apêndice do seu livro, Bruscia apresenta nada menos
que 61 definições de Musicoterapia, elaboradas a partir de critérios variados.
A escolha de uma definição dentre tantas vai depender, evidentemente, dos
objetivos de um trabalho, dos critérios que o pautarão, das exigências teórico-
metodológicas do objeto a ser estudado. Isso significa, a meu ver, que o ponto de
111
vista ou a abordagem que se deseja aplicar a um determinado objeto de estudo é o
fator decisivo para a adoção de uma ou outra definição de Musicoterapia.
Adotamos a definição da World Federation of Music Therapy, que apresenta
a Musicoterapia como:
A utilização da música e/ou dos elementos musicais (som,
ritmo, melodia e harmonia)... em um processo estruturado
para facilitar e promover a comunicação, o relacionamento, a
aprendizagem, a mobilização, a expressão e a organização
(física, emocional, mental, social e cognitiva) para
desenvolver potenciais e desenvolver ou recuperar funções do
indivíduo, de forma que ele possa alcançar melhor integração
intra- e interpessoal e, conseqüentemente, uma melhor qualidade de
vida. (Bruscia, 2000: 286).
A partir dessa definição, podemos dizer que a Musicoterapia é concebida,
neste trabalho voltado para a D.P., como uma modalidade terapêutica - um conjunto
de técnicas de comunicação verbal e não-verbal, interdisciplinar, que envolve numa
dinâmica interativa, várias disciplinas em torno das áreas da música e da terapia, e
que utiliza música e seus elementos (melodia, som, ritmo e harmonia), por um
musicoterapeuta qualificado, com finalidades especificamente terapêuticas, visando à
prevenção, tratamento ou a reabilitação de uma pessoa com D.P. ou um grupo de
pessoas, de forma a lhes proporcionar uma melhor qualidade de vida.
Qual o papel da música como terapia?, é a pergunta que pode ser colocada
neste momento. O Dicionário Houaiss, na sua versão eletrônica, ao definir o termo
‘música’, diz da “combinação harmoniosa e expressiva de sons”, exemplificando
com a frase: “A música tem o poder de harmonizar a alma”. De fato, como se verá
mais adiante no depoimento de alguns parkinsonianos entrevistados, a música para
eles funciona como uma terapia, harmonizando ou mantendo estável seu organismo
por algum tempo, controlando os sintomas da D.P., como os fortes tremores, o
112
enrijecimento da face, o freezing, além de auxiliar nos problemas de linguagem,
dentre outras possibilidades.
A música tem, de fato, efeitos agradáveis ao ouvido, tanto é que um de seus
sentidos metafóricos é este: “seqüência de sons agradáveis ao ouvido”, que aparece
em frases como a seguinte: “Sua voz é música para os ouvidos do amado”.
Uma definição exata de música é problemática, pois vai variar de acordo com
o prisma sob o qual ela é vista ou empregada. Poderíamos dizer simplesmente que
música é a arte de se organizar o som no tempo. Mas quando esta organização do
som releva apenas à arte? Quando é uma terapia?
Há combinações seqüenciais que soam como ruído mesmo que haja uma
organização, assim como certas combinações e seqüências sonoras que nos soam
como música acabam sendo umas mais organizadas que outras artisticamente
falando.
É importante que, dados os diversos fatores que delineiam a forma como o
musicoterapeuta, o profissional habilitado a utilizar o ‘fazer musical’, define música,
se ofereça uma definição que seja coerente com a prática clínica e com suas
premissas filosóficas básicas. A seguinte definição é apresentada com esse propósito:
A música é uma instituição humana na qual os indivíduos
criam significação e beleza através do som, utilizando as
artes da composição, da improvisação, da apresentação e da
audição. A significação e a beleza derivam-se das relações
intrínsecas criadas entre os próprios sons e das relações
extrínsecas criadas entre os sons e outras formas de
experiência humana. Como tal, a significação e a beleza
podem ser encontradas na música propriamente dita (isto é,
no processo), no músico (isto é, na pessoa) e no universo.
113
Conforme dizem as pesquisadoras-musicoterapeutas, Zárate e Díaz (2001):
Si miramos a nuestro alrededor nos podemos dar cuenta que
la música es parte de la naturaleza y de los seres humanos.
Los componentes básicos de la música como ritmo, melodía
y armonía son los mismos que componen nuestro organismo.
El ritmo cardíaco, la sincronización rítmica al caminar, la
melodía y volumen de nuestras voces al hablar etc.
57
A música é um trabalho criativo do ser humano, não dependendo da fonte de
inspiração, seja ela qual for, o próprio ser humano, o Criador, a natureza... Como a
pintura, a escultura, e outras artes, a música interage com os seres humanos, e faz
com que estes interajam entre si.
Como podemos julgar o que é, e o que não é, música? Que critério devemos
usar para decidir sobre isso? Poderíamos nos estender nas definições
indefinidamente; julgamos, porém, importante restringir, aqui, a música sob o
aspecto da terapia, no tratamento coadjuvante ou paliativo aos sintomas da D.P. As
definições de psicólogos, sociólogos, filósofos ou musicistas serão diferentes,
certamente, daquela que o musicoterapeuta tem relativamente ao contexto clínico.
Sob que aspectos a música pode ser usada como terapia? O que exatamente a
música representa dentro de um contexto clínico? As vantagens da Musicoterapia,
diante de outros tratamentos, são múltiplas, e entre elas destacamos: é indolor, ao
contrário de certos procedimentos cirúrgicos; não tem efeitos secundários, como a
medicação alopática ou farmacológica; é compatível com outros tratamentos,
somente trazendo acréscimo de benefícios.
A Musicoterapia auxilia a pessoa portadora da D.P. a orientar-se,
restabelecendo as coordenadas de tempo e espaço; relaxar, no caso de insegurança ou
57
“Aplicaciones de la musicoterapia en la medicina”. Rev. méd. Chile, v. 129, n.º 2. Santiago, fev. 2001.
Cf. web site:
http://www.gamt.hpg.ig.com.br/.
114
ansiedade do doente; expressar-se melhor, quando existem problemas de
comunicação; potencializar as funções físicas e mentais com problemas e reforçar a
autonomia pessoal; através da música, receber uma maior atenção, um
reconhecimento e um sentido de seu próprio valor, pois ao retomar músicas de sua
infância ou juventude, enfim, músicas que o afetaram beneficamente em sua vida,
participando de sua execução, elas lhe trarão uma renovação, não só agradável, mas
que o auxiliarão a recompor seu corpo e seu espírito.
A música é um meio ideal para se lidar com pessoas idosas não só
socialmente, mas especialmente para fazer emergir sua criatividade musical, pela
gratificação e sociabilidade que podem derivar dessa experiência criativa.
Como estudo científico, a Musicoterapia na D.P. se apresenta como uma
terapia auto-expressiva e de grande atuação nas funções cognitivas. A pessoa em
tratamento musicoterápico, a partir do canal sonoro-musical, pode ser estimulada em
suas instâncias psíquicas, nas quais, muitas vezes, apenas a palavra não alcançaria o
objetivo desejado.
Ainda segundo as pesquisadoras Zárate e Díaz (2001):
Cada nota musical contiene cualidades físicas específicas que
se interpretan de manera matemática. Estas notas musicales
tocadas de diferentes maneras, en diferentes intervalos, con
diferentes ritmos, dinámicas y volúmenes, también
influencian el ser humano de manera psicológica. Las
cualidades de la música que afectan estados de ánimo,
controlan conductas y ayudan al bienestar de los seres
humanos están siendo investigadas por personas calificadas
llamadas usicoterapeutas.
58
58
“Aplicaciones de la musicoterapia en la medicina”. Rev. méd. Chile, v. 129, n.º 2. Santiago, fev. 2001.
Cf. web site:
http://www.gamt.hpg.ig.com.br/.
115
A música ultrapassa fronteiras tanto culturais quanto cognitivas, em função de
seu poder estruturador, disciplinador e, ao mesmo tempo, de comunicação e
expressão, de criatividade e de prazer.
Muitas vezes, através da música, o doente pode transmitir seus sentimentos
em momentos de grande dificuldade de comunicação verbal. Assim, se o indivíduo
doente é estimulado musicalmente, inicia-se um processo de compreensão e
reelaboração de seus sentimentos e emões, organizam-se progressivamente suas
funções psíquicas, avançando até à compreensão e elaboração de seus conteúdos na
linguagem verbal. Tais processos podem ser manifestos em movimentos, canto no
Coral, emissão de sons, elaboração de letras de músicas, improvisações musicais,
composições instrumentais, poesias, inflexões sonoras etc. Numa série de códigos em
que a linguagem musical é a guia norteadora dos processos mentais e cognitivos do
indivíduo, caberá ao musicoterapeuta a decodificação de tais representações junto à
pessoa enferma (Souza, 1997).
A Musicoterapia objetiva a abertura de canais que possam suplantar as
dificuldades, podendo ser a ponte ou o elo por onde o indivíduo vai se reestruturar e
se reciclar, uma vez que as limitações impostas pelo processo de envelhecimento e
pelas doenças, bem como as dificuldades emocionais que as acompanham e que se
instalam, formam fissuras. A partir de uma produção musical, denota-se a
reestruturação enquanto indivíduo, sujeito de suas próprias ações no fortalecimento
da identidade.
Sob o ponto de vista da Musicoterapia, a pessoa doente deve ser tratada
individualmente, em função das diferenças que existem entre os membros dentro de
um grupo, sejam diferenças culturais, de educação ou psicológicas e levando-se em
116
conta o estágio em que se encontra a D.P. em cada um, embora se possa também
trabalhar em grupos como o Coral Terapêutico.
Robert Jourdain, pianista e compositor, em notas de orelha de seu livro de
1998, Música, Cérebro e Êxtase, assinala que ele próprio é um pesquisador que tenta
aclarar a área da Musicoterapia, no sentido de trazer respostas a várias questões por
ele mesmo pensadas e propostas, sobre a “química misteriosa que explica o fascínio
que a música exerce sobre o ser humano”. Nesse seu livro, o autor mostra também
os efeitos que a música pode ter nos mais variados casos patológicos, interessando a
este trabalho especificamente as experiências com parkinsonianos levadas a efeito
por Sacks, e descritas em seu livro Tempo de Despertar, quando se fica a par dos
efeitos benéficos e dos restritivos da música no caso da D.P.
Segundo Sacks (2002: 93):
De longe o
melhor tratamento para suas crises, era a música,
cujos efeitos eram quase sobrenaturais. Num instante, a Srta.
D. estava comprimida, travada e bloqueada, ou em
convulsões espasmódicas, cheia de tiques, matraqueando
como uma espécie de bomba humana; no instante seguinte,
com o som de música vindo de um rádio ou gramofone,
desapareciam por completo todos esses fenômenos
obstrutivo-explosivos, substituídos por uma feliz
descontração e fluxo de movimentos, enquanto a Srta. D.,
repentinamente livre de seus automatismos, ´regia` sorridente
a música ou se levantava e dançava a seu som.
Sacks verificou que a música adequada e ouvida com prazer produzia um
efeito muito benéfico nas pessoas portadoras da D.P., fazendo desaparecer, por um
certo tempo, os sintomas característicos da doença.
Segundo Sacks, muitas vezes só de pensar numa música já se pode obter
efeitos similares, de minimizar a sintomatologia parkinsoniana:
117
... [a doente] era capaz de ‘tocar’ composições inteiras de
Chopin, em vívidas imagens mentais. Logo que ela
começava, seu eletroencefalograma (suas ondas cerebrais),
altamente anormal, voltava bruscamente ao normal, enquanto
seus sintomas de Parkinson sumiam. De forma igualmente
abrupta, todos os sintomas voltavam logo que ela interrompia
seu concerto clandestino. (2002: 381).
Rolando Benenzon, argentino, uma das maiores autoridades da América
Latina no tema, em seu livro Teoria da Musicoterapia (19880, fala-nos da
importância da música como tratamento terapêutico, citando a experiência do
trabalho com afásicos.
Por meio deste especialista, podemos entender a Musicoterapia desde seu
sentido amplo, até seu sentido específico como terapia a um determinado tipo de
patologia. Num sentido amplo, assim Benenzon a define:
A Musicoterapia é uma técnica de comunicação que utiliza o
som, a música, e o movimento como objetivos
intermediários, e que esses elementos pré-verbais e não-
verbais permitem retroagir a comunicação a estados muito
regressivos, o que nos faculta reelaborar uma aprendizagem
do paciente. (1976: 26-8).
Benenzon complementa sua definição de Musicoterapia:
O termo Musicoterapia serve para fazer referência, de forma
simultânea, a campos de indagação relacionados entre si. Por
um lado faz referência a uma ciência cujo objeto de estudo é
o complexo som-ser humano, assim como a busca de
elementos, diagnósticos e métodos terapêuticos derivados;
por outro lado, o mesmo termo é utilizado para definir um
método terapêutico específico que tende a modificar a
estrutura da personalidade humana e a
superar sintomas
patológicos.” (1988: 141-2).
118
Grifei ‘superar sintomas patológicos’ porque é exatamente este o aspecto que
mais interessa a este trabalho, uma vez que a pessoa portadora da D.P. tem no
exercício musical uma forma de minimizar os sintomas de sua doença.
O fundamental a se observar é que a música somente pode constituir um
tratamento coadjuvante para os sintomas da D.P. se for de um tipo que corresponda
ao gosto do doente. A um deles, talvez a música clássica traga mais efeitos
benéficos; a outro, o ritmo jazzístico; a outro, uma música regional, e assim por
diante, conforme diz o próprio Sacks:
Era preciso que a música fosse do tipo legato; a staccato (em
especial as bandas de percussão) às vezes produzia um efeito
bizarro, levando a Srta. D. a pular e sacudir-se conforme o
ritmo – como uma boneca mecânica ou marionete. (2000:
93).
Essa variabilidade de efeitos evidencia que a música não funciona de forma
passiva como remédio, mas exige a participação do doente, que vai interagir com ela,
desde que seja de um gênero ou estilo de sua preferência. Quando há tal interação,
...é fácil ver como a música repõe momentaneamente no
lugar os espatifados motores dos pacientes com Parkinson.
Obviamente, a música não conserta os neurônios defeituosos
que causam a doença. Em vez disso, ela vence os sintomas da
Parkinson, ao transportar o cérebro para um nível de
integração acima do normal. A música estabelece fluxo no
cérebro, enquanto ao mesmo tempo estimula e coordena as
atividades do cérebro... (idem: 382-3)
A Musicoterapia na reabilitação de idosos estimula as atividades mnêmicas e
as demais funções cognitivas, estimulando o retorno dos movimentos corporais ao
propiciar a elaboração de conteúdos mentais mais complexos, a partir da produção
sonoro-musical, fazendo com que o doente resgate a memória em sua totalidade
(Souza, 2002).
119
Capítulo 4. Sinfonia
120
4.1. Compondo a orquestra: os sujeitos
Sujeito 1: Paulo José
59
Vencer a D.P. é exatamente o propósito de Paulo José, que acumula o
privilégio de ser também um dos maiores diretores de teatro e cinema brasileiro. Ele
vive intensa e produtivamente sua vida, a despeito dos problemas de várias ordens
advindos da doença, e trabalha, tentando minimizá-los, pensando não apenas em si,
mas principalmente nos outros, na sociedade, contribuindo para o aprimoramento da
cultura do país.
Paulo José, 69 anos completados em 2006, teve manifestações da D.P. a
partir de seus 55 anos. Desde essa época, passou a fazer uso de exercícios musicais
vocais para melhorar a voz, que passou a ser prejudicada pela doença. Também
voltou a tocar piano ou teclado, e não só por prazer, mas como dever, porque precisa
exercitar a mão direita, a mais afetada pela doença.
Conhecer um pouco da história desse grande nome do teatro e cinema
brasileiro é importante, a fim de que se possa aquilitar sua luta para vencer a D.P. e
como é fundamental, para apoio do doente, a participação da família e dos amigos.
Natural de Lavras, RS, nascido em 20 de março de 1937, completou neste
ano de 2006, 57 anos de atividade ininterrupta, que se deu primeiramente no teatro,
depois no cinema e mais tarde na televisão. Teve três filhas, sendo uma delas, a mais
conhecida, a atriz Bel Kutner, sua grande incentivadora, agora, na doença e que o
apóia muito no dia-a-dia.
59
À exceção de Paulo José, os demais sujeitos da pesquisa são referidos apenas com suas iniciais por
razões éticas, embora eles me tenham autorizado, por escrito, que suas informações pudessem servir
de dados de análise na pesquisa e que seus nomes poderiam ser mencionados no trabalho.
121
Circunstâncias interessantes acompanham a vida do ator e diretor. Em 1965,
uma hepatite às vésperas de começar a filmagem, em O Padre e a Moça, de Joaquim
Pedro de Andrade retirou o ator Luiz Jasmin, que foi substituído por Paulo José que
trabalhava apenas no Teatro Arena, em São Paulo. Circunstância semelhante ocorreu
em 1969, com Macunaíma, também de Joaquim Pedro de Andrade: após convidar
vários atores de Rio, São Paulo, Porto Alegre, Ceará, e outros, e havendo
impossibilidade por parte deles, o diretor Andrade acaba optando por Paulo José,
seu auxiliar desde o início da pré-produção do filme. Em seguida, Paulo José
trabalhou em três filmes com o diretor Domingos de Oliveira: Todas as Mulheres do
Mundo, Edu, Coração de Ouro e A Culpa.
Em março de 2002, com problemas de saúde agravados pela D.P., Paulo
José, a princípio, não aceitou fazer o papel de Benjamim Zambraia, em Benjamim,
convidado pela diretora Monique Gardenberg. Alegou que era mais velho que o
personagem.
Com a insistência de sua filha Bel Kutner, de sua mulher e da diretora acabou
superando seus temores e fazendo o filme, tendo sido premiado como o Melhor Ator,
no 8º Festival de Cinema Brasileiro de Miami, em 2004. Ele diz que Benjamim foi-
lhe motivo de júbilo porque provou que ele podia continuar na ativa apesar da D.P.
Segundo a diretora, em momento algum foi preciso parar a filmagem por
algum problema com Paulo José e o fato de ele ter-se concentrado muito para
conseguir filmar fez com que tudo ficasse muito intenso.
Benjamim provou ao próprio ator que ainda não era hora de ele se afastar dos
palcos de cinema ou de teatro e, assim, na mesma semana de 1994, ele estreou em
122
São Paulo a peça O Inspetor Geral, como diretor. Como ator, ele atuou em inúmeros
filmes, conforme Quadro a seguir, estando já acometido pela D.P.:
Ano Atuação em filmes
1992 – Acometimento pela Doença de Parkinson
1994 - Amor! (curta-metragem)
1997 - Anahy de las Missiones 1997 - O Velho - A História de Luiz Carlos
Prestes (voz)
1998 - Policarpo Quaresma, Herói do Brasil
1999 - Outras estórias 1999 - Luna caliente (TV)
2002 - Poeta de sete faces 2002 - Dias de Nietzsche em Turim
2002-Oswaldo Cruz na Amazônia (narrador)
2002 - O casal dos olhos doces (curta-
metragem)
2002 - O mundo cabe numa cadeira de barbeiro
(narração)
2003 - O homem que copiava 2003 - Apolônio Brasil - campeão da alegria
2004 - O Vestido
2004 - Person 2004 - Benjamim
2004 - Como fazer um Filme de Amor 2004 - Morte (curta-metragem)
2005 - 500 Almas
Já antes da Parkinson, ele recebera muitos prêmios: três vezes o Troféu
Candango, de Melhor Ator, no Festival de Brasília, por suas atuações em Todas as
Mulheres do Mundo (1966), Edu, Coração de Ouro (1967) e O Rei da Noite (1975).
Após a Parkinson, ganhou o Troféu Oscarito em 2000, no Festival de Gramado.
Melhor ator, por Benjamim no 8º Festival de Cinema Brasileiro de Miami, 2004.
60
Para Paulo José, foi necessário um tempo (de 1992-data de anúncio da
doença a 2000-data de seu retorno ao palco como ator), para que ele pudesse se
recuperar do ‘baque’, como ele mesmo refere, sofrido ao saber da doença. Descobrir
como manter-se ‘resiliente’ a ela é outra luta, especialmente por causa de seus
sintomas muito visíveis: os tremores, os ‘brancos de memória’, o enrijecimento da
60
Cf. site: http://www.adorocinemabrasileiro.com.br/personalidades/paulo-jose/paulo-jose.asp.
123
face e dos membros, o bloqueio motor ao andar, sintomatologia que faz o doente
sentir-se mais velho, como que caminhando rapidamente para a morte.
Nesse meio tempo do citado ‘baque’, entre 1992 e 2000, Paulo José até que
tentou continuar na ativa, em uma experiência como ator, em quatro apresentações do
monólogo Eu me lembro, mas não foi bem sucedido, tendo que interromper o
trabalho.
Se seu problema maior, porém, estava em se apresentar como ator desde o
acometimento da doença em 1992, Paulo José teria que inventar um novo caminho:
passou, então, com coragem redobrada, a fazer uso de suas outras habilidades no
teatro, na TV, ou no cinema: em 1994, dirigiu Amor! (um curta-metragem), assim
como em 1997,
Anahy de las Missiones. Em 1997, emprestou sua voz ao
protagonista principal de O Velho - A História de Luiz Carlos Prestes. Em 1998,
dirigiu
Policarpo Quaresma, Herói do Brasil. Em 1999, atuou como diretor de TV
em
Outras estórias e Luna caliente. Todas essas atividades, possíveis dentro do
quadro da doença de que estava acometido, ajudaram Paulo José a reerguer-se do
‘baque’ inicial trazido pela notícia da doença, complicado devido ao avanço da
sintomatologia.
Em 2000, já mais fortalecido, Paulo José assumiu como diretor e ator a peça
intitulada A Controvérsia, no Teatro Glória, no Rio, agora com mais conhecimento e
clareza de seu estado, sabendo como ‘driblar’, no exercício de seu trabalho no palco
e na direção com outros atores, os sintomas que advêm da D.P. Uma forma foi
retornar à música.
Paulo José, ao tocar seu piano, seja lendo as partituras, seja tocando ‘de
ouvido’, ele mantém o cérebro em constante trabalho, além de possibilitar uma
124
movimentação de todo o corpo (mãos ao teclado e pés nos pedais), na interpretação
da peça, movimentação essa exigida pela própria música que tem os seus momentos
e andamentos variáveis, ora tristes e mais lentos, ora alegres e mais rápidos, e
apoteóticos, que, no linguajar musical, expressam-se com termos como: andante,
moderato, piano, pianíssimo e assim por diante.
Esse exercício com a música, para Paulo José, é cotidiano, pois como ele
mesmo afirma:
Estudei música a vida inteira e hoje toco piano, até mesmo
para exercitar a mão direita, evitando a paralisia, uma
tendência para quem tem Parkinson. E quando alguém me vê
tocando, e faz algum elogio, confesso, tenho sempre a
tentação de dizer que toco de ouvido. Para me valorizar. Para
mostrar que sou mais talentoso do que estudioso. Que
bobagem!
61
Exercícios musicais têm sido, pois, a solução encontrada por Paulo José para
superar a sintomatologia decorrente de sua doença. O tratamento a que ele vem se
submetendo envolve a música, mais propriamente o exercício de tocar piano e os
exercícios musicais vocais, como via terapêutica não apenas para esquecer sua
condição de doente da Parkinson, mas especialmente para superar os sintomas
motores e não-motores decorrentes dessa doença, como declarou em entrevista dada
à grande imprensa (Anexo I).
Sujeito 2: C.S.
C.S. relatou o que é viver no ‘mundo parkinsoniano’ e como a D.P. se
manifestou em sua vida, há aproximadamente dois anos e meio, com o aparecimento
de tremores, embora só tivesse a comprovação da doença após consulta clínica e
61
Apud: CARVALHO, Tânia (2004: 35).
125
exames médicos. Quando foi constatado que estava com a D.P. não teve um ‘baque
emocional’, como é o caso de outras pessoas, recebendo a confirmação com
naturalidade. Nem teve medo de estar acometido pela doença.
Sentiu, porém, no decorrer do tempo, uma limitação maior em sua vida, o que
o levou a alterar obrigações externas, tendo que se submeter a um tratamento com
medicações adequadas e tomadas em horas certas. De início, deixou de fazer coisas
costumeiras e prazerosas como passear, viajar etc., concentrando-se mais no
tratamento regular com os remédios indicados pelos médicos.
Quando a D.P. se manifestou, C.S. já era aposentado. Fora músico
profissional, violinista de orquestra. Mas na sua residência, no relacionamento com
os familiares, é que certos problemas foram percebidos pela primeira vez.
Sente-se até feliz, por ter havido a preservação de sua grande musicalidade,
apesar da D.P. A música continuou a ser o centro de sua vida, embora agora em casa,
tocando seu instrumento, o violino, ou no Coral da ABP, cantando com os amigos. A
música interior não pode ser interrompida, conforme ele diz.
Suas limitações físicas, no presente momento, ele deixa, porém, de revelar;
costuma levar a vida rotineiramente. Como ele próprio diz, “não dá para fazer coisas
‘trabalhantes’, como um emprego regular, em que é exigida disciplina”.
Como atividade, atualmente ele procura tocar seu violino sozinho, em casa,
não sonhando mais em retornar a um trabalho em orquestra. Mas tenta sentir prazer
no seu tocar solitário, pois agora dispõe de mais tempo para se aperfeiçoar no
instrumento.
C.S. tem consciência da impossibilidade de retomar seu lugar em orquestra,
dado que a movimentação motora, principalmente do braço direito, mostra-se
126
prejudicada diante das exigências de um trabalho profissional em orquestra. O tocar
violino exige uma coordenação efetiva entre a mão direita e a esquerda, pois
enquanto a mão esquerda pressiona as cordas nos locais certos das notas, a mão
direita, por meio do contato do arco com as cordas, através deste atrito, promove o
som e o tempo desejado de duração das notas, sejam elas escritas ou simplesmente
tocadas de ouvido.
A interrupção permanente do trabalho em orquestra de C.S., em vista das
limitações decorrentes da D.P., não o afetaram de forma dramática, por ele já ter-se
aposentado anteriormente ao acometimento pela doença. A partir daí, C.S. nem teve
mais a preocupação de retomada de qualquer atividade profissional, dedicando-se à
música em sua casa. À medida que ele foi tocando seu instrumento, mais controle
motor foi ganhando, o que evidencia seu empenho em superar os problemas físicos.
C.S. diz que aprendeu a ‘driblar’ a doença, pois a esquece quando está
tocando, sentindo-se ‘em um outro mundo’, em uma outra realidade nesse momento.
Suas capacidades musicais continuam, assim, preservadas.
Quanto aos efeitos dos remédios, ele diz que foi tudo relativamente bem. Mas
bem que ele desejaria que tudo tivesse sido melhor. Ele diz que precisaria descobrir
uma forma mais eficiente de enfrentar os sintomas da doença, também em outros
momentos que não os dedicados à música.
Ainda com respeito aos remédios, C.S. diz que, até o momento, não teve
necessidade de aumentar ou diminuir sua dosagem. Sente que sempre há um efeito
colateral provocado pelos medicamentos e que, no seu caso, foi a insônia, e que ele
ainda também toma algo para se acalmar.
127
Em todos esses anos de doença, a pior fase foi no início, até se habituar a
conviver com ela. Até entrar de vez no ‘mundo parkinsoniano’, conforme ele diz.
C.S. não faz análise com psicólogo, dizendo que não precisa dessa ajuda.
Não tem medo nenhum de morrer, conforme destaca em seu depoimento.
Teve sua iniciação em 1963, no violino, no Conservatório Anchieta, e
interpreta canções clássicas ou populares. Aprecia ainda bolero e chorinho. Seus
estudos em música realmente lhe trazem prazer e realização, únicos momentos em
que ‘dribla” os problemas causados pela D.P.
Além de seus exercícios musicais em casa, faz parte do Coral da ABP. Para
ele, são suas atividades mais prazerosas na atualidade, pelo convívio com os demais
integrantes que podem entender as limitações da doença, compartilhando com ele de
dificuldades similares.
C.S. diz que a música tem atuado beneficamente a todos eles. Quando não
está nos piores dias, sente-se realizado com a música. Os sintomas da D.P.
praticamente desaparecem. Já quando a crise é grande demais, ele nem pega no
violino. Isso mostra que há dias melhores e dias piores para os doentes da Parkinson.
Torna-se lacônico em outros momentos da entrevista, não detalhando quase nada de
seus sintomas.
Ele diz ainda que a melhora que sente quando toca é porque tem que se
concentrar, transportar o espírito para poder dar a melhor interpretação à música; aí,
sim, a doença é esquecida:
Com a continuação [do exercício musical no violino] ganho
um controle e um prazer de tocar e esqueço da doença, estou
noutro mundo... esqueço da doença e parece que estou noutro
mundo.
128
C.S. diz que quando toca ou quando está cantando, os sintomas da Parkinson
desaparecem, porque a música lhe traz uma realização pessoal.
Quanto à sua visão da vida, C.S. diz que, após ter tido a D.P., sentiu estar
passando por um grande aprendizado. Antes não dava importância às coisas, mas
depois da confirmação da doença, passou a refletir sobre a vida, sobre a doença,
tendo tido um grande amadurecimento.
C.S. aprendeu a melhor maneira de realizar suas atividades: quando se sente
fisicamente melhor. Quando está em crise, não insiste, não contraria o desejo de seu
corpo...
Sujeito 3: D.M.
D.M. deu-se conta da doença há seis anos, quando tinha anos, ocasião em
que recebeu a comprovação pelos médicos. Sentiu-se mal com a notícia. Só de
pensar naqueles momentos, range os dentes e faz movimentos mastigatórios,
irritativos, mas que logo passam.
Quanto à limitação em termos profissionais, D.M. não sentiu muito isso, pois
já era aposentado. Nos últimos anos de trabalho, atuou no departamento de pessoal
de uma empresa. Agora, D.M. diz não conseguir escrever. Não se trata de apenas
dificuldade, mas, sim, de impossibilidade. Ele diz que sua assinatura começa cursiva
mas depois se reduz a somente um rabisco, um risquinho. Daí, somente escrever em
letra de forma.
D.M. diz não saber se é sintoma da D.P. a falta de ar que sente quando está
falando, sentindo-se ofegante. Em qualquer tipo de situação que tenha que enfrentar,
sente essa falta de ar, que ele diz ser muito desconfortável. Diz ser uma situação bem
129
passageira e depois de alguns minutos, há um retorno à normalidade. Esses acessos
de respiração ofegante são, pois, periódicos, circunstanciais. Como se sabe, o ato de
respirar e a produção da fala caminham juntos. Uma boa respiração é condição
essencial para a fala adequada. O ar é o combustível, a energia para a produção da
voz e da fala. Por conseguinte, quando deseja falar forte e claro, D.M. toma ar
suficiente para criar uma boa articulação.
Quanto aos efeitos dos remédios, D.M. não tem do que se queixar. Acha que
eles lhe trazem um efeito positivo. Não teve que aumentar, nem diminuir a dosagem
dos mesmos. Assim também esses medicamentos não lhe causaram depressão.
Quanto as suas fases, D.M. diz ter altos e baixos. Há épocas em que se sente
melhor e épocas de piores dias. A música é a única coisa que ele aprecia e que o traz
de volta à vida.
Ele sente falta do convívio familiar, pois vive solitariamente. Afirma ter
muitos irmãos, embora cada um resida num lugar distante, quase sem contato com
ele.
D.M. tem uma ligação muito grande com uma família que não tem grau de
parentesco com ele, mas ele se apegou principalmente a duas meninas que são suas
netas do coração. A relação com elas era quase que diária, mas elas se mudaram para
outra cidade, e esse contato só é feito via telefone.
Os encontros com parentes só se dão em ocasiões especiais, como morte,
casamento, coisas desse gênero. As suas melhoras e pioras da D.P. são cíclicas e
todos esse fatos influenciaram no seu estado de ânimo, desde o início. Houve época
em que teve de parar de tocar seu violão, que faz amadoristicamente e isso o abalou
bastante.
130
D.M. sente dificuldade em segurar o violão, porque as forças vão-se
esvaindo, com o instrumento escorregando de suas mãos. Ele procura observar
aqueles doentes que também tocam, mas ainda assim essa dificuldade continua; além
disso, há o problema de manter os acordes.
A fase mais complicada, felizmente, passou e ele está convivendo bem com o
mundo, com exceção de seus altos e baixos. D.M. diz não fazer análise ou ter
qualquer tipo de assistência psicológica.
Ao ser indagado se tem ou teve medo de morrer, D.M. diz: “Quem não tem?
Não é pavor, mas quem não tem?”
D.M. gosta de música instrumental, mas não de qualquer ritmo. O chorinho
agrada muito a ele e a música popular, um pouco. Não concorda com certas letras de
músicas, que julga fracas ou vulgares.
A música clássica agrada muito a ele também. O Coral do qual participa na
ABP dá-lhe bem-estar, mais disposição, além de fazê-lo sentir-se realizado. Acha o
Coral um tanto limitado, no que diz respeito à harmonia (primeira, segunda, terceira
vozes), mas considera que não se pode exigir muito do parkinsoniano, que parece
estar um pouco “fora de tom”. Ele acha, contudo, que o ideal seria colocar cada um
dos participantes na sua própria voz, para que todos se sintonizem.
D.M. complementa ainda dizendo que, além do chorinho, gosta de valsa e de
autores clássicos, como Tchaikowsky.
Atualmente tem-se dedicado ao Coral, mas não tem um professor de violão.
D.M. afirma que quando se gosta da música se esquece qualquer doença, faz sentir-
se bem e a emoção é bem grande. A música lhe traz realização pessoal e bem-estar,
com o aumento de sua auto-estima, quando está tocando ou cantando.
131
Sujeito 4: U.W.A.
As manifestações da D.P. apareceram para U.W.A. há quinze anos, quando
tinha anos, mas a comprovação foi um ano depois. Os sintomas se manifestaram
inicialmente com a dificuldade de locomoção.
U.W.A. não teve um ‘baque’ ao saber da doença, pois sempre foi
emocionalmente bem estruturado, mas, por via das dúvidas, ele diz que procurou
colocar em dia suas coisas, seus negócios. Não se lembra com detalhes, agora, de
tudo o que lhe ocorreu naquele período, há quinze anos.
Ele sempre levou uma vida muito dinâmica, mas as limitações chegaram
motivadas pela doença, com a paralisação de seu trabalho externo até hoje.
Ele não tem um controle preciso sobre a doença. Acha que, com certeza, os
efeitos dos remédios foram bons. As dosagens dos medicamentos foram sempre
mantidas. Quanto a efeitos colaterais como depressão, U.W.A. não percebeu até
agora isso. Nesses anos todos de D.P., sua pior fase foi quando teve que tomar
remédios seguidamente, mas não teve medo da doença e nem sente medo de morrer.
Não faz análise com psicólogo ou psicanalista para enfrentar a doença.
U.W.A. é um músico profissional que tocava bandolim, contrabaixo e piano.
Aprecia muito a música clássica: Wagner, Beethoven, porque o alegram
interiormente.
Seu trabalho com a música atualmente (sua musicoterapia) tem sido o piano e
o Coral da ABP. U.W.A. diz sentir-se realizado com a música, pois quando toca ou
canta não sente os efeitos da D.P., o que pode ser observado in loco.
132
Ele é o primeiro a chegar no auditório. Lá, há um piano. Sua esposa o ajuda a
se sentar no banquinho e, por alguns momentos, ele se concentra. Leva as mãos ao
teclado e inicia alguns acordes que saem dissonantes a princípio. Após alguns
segundos, ele já está tocando com segurança e com bela sonoridade várias melodias,
tendo por preferência aquelas de seu país natal. Os sintomas da D.P. somem como
por milagre e ele permanece tocando por uma meia hora.
Aos poucos, começam a chegar os demais componentes do Coral. A esposa
de U.W.A. stá sempre próxima a ele, ajudando-o a levantar-se. Sente-se que ele tem
uma vida familiar harmoniosa, bem estruturada. U.W.A., então, fica por alguns
instantes como que paralisado, tentando dar o primeiro passo. Ele começa, então,
uma contagem em tom baixo: “um, dois, já!” e, em seguida, dá o primeiro passo, e,
com um andar equilibrado, vai tomar assento em uma das cadeiras do recinto,
preparando-se para cantar com os demais integrantes do Coral.
O retorno dos efeitos da D.P. se dá quando cessa o seu tocar ou o seu cantar.
U.W.A. diz que a música lhe traz muito prazer, revelando ainda algo mais sobre o
relacionamento com sua esposa:
Sem dúvida, a música me faz muito bem, muito bem. Não
sinto nada quanto aos sintomas da doença quando estou
tocando. O que sinto falta agora é do amor... não funciona
mais. Minha esposa é muito forte, ela é fantástica, sem
dúvida, porque existe amor entre nós, só que agora é
diferente é um amor mais realista, fraternal... (U.W.A.)
Sujeito 5: D.L.D.
D.L.D. é pianista e tem aproximadamente 60 anos, uma pessoa abnegada que
dedica horas de um dia da semana (nas quintas-feiras) à ABP, em trabalho
voluntário, sempre com muita serenidade e alegria.
133
À D.L.D., devemos uma descrição do ‘mundo do parkinsoniano’ com
incomparável lucidez, a partir de ‘dentro’, pois em torno de seu piano é que se posta
o Coral, constituído de pessoas todas portadoras da D.P. Portanto, D.L.D., mais do
que ninguém, pode dizer da presença real e plena dos próprios doentes, do
sentimento que eles experenciam e manifestam nesses momentos musicais, suas
características essenciais diante da música, estando eles em uma situação tão
singular, como é a do Parkinsonismo.
D.L.D. dá concertos, semanalmente, de música clássica. Gravou um CD, com
o Coral, de músicas brasileiras selecionadas de acordo com o gosto dos próprios
participantes.
Detectamos logo no início de nossa conversa, o empenho e o devotamento de
D.L.D. a todos os doentes, sem exceção, sempre com compreensão e entusiasmo.
Da entrevista com D.L.D., ficamos sabendo que os parkinsonianos
participantes do Coral - uma atividade de Musicoterapia - apresentam, sim,
dificuldade ao falar, mas, assim como ocorre com pessoas gagas, ao cantarem, cessa
essa dificuldade e se estabelece como que uma uniformidade de atuação vocal entre
todos.
O fato de cantar, segundo D.L.D., não só lhes traz prazer, um renovar de
energias, mas é também um encontro social muito importante. No dia dos ensaios do
Coral é como se fosse um grande evento, festa e trabalho a um só tempo.
Segundo D.L.D., há aqueles doentes que vão à sessão do Coral, lá
permanecendo, porém, sentados, sem cantar, simplesmente em posição de escuta.
Estes sempre vêm acompanhados e precisam dos acompanhantes para tudo, em razão
de estarem em um estágio avançado da doença. Mas é importante para estes estarem
134
lá, participando com sua presença. Sente-se que há uma certa timidez por parte deles,
talvez em razão de seus sintomas serem mais nítidos.
Já os que cantam, diz D.L.D., mostram ser mais independentes, mais soltos,
circulando para lá e para cá. Há os que vão sem acompanhantes, porque estão numa
fase não tão adiantada da doença e até se nota nestes que a doença parece se
estabilizar, ou estancar em sua progressão, conforme seu próprio depoimento.
Ele assinala que é notório, porém, uma diferença na parte emocional entre os
que cantam e os que não cantam. Os doentes de Parkinson que cantam se sentem
mais capazes, sentem que não estão tão deteriorados, mostram mais alegria e
transmitem isso aos outros.
Sujeito 6: T.F.
T.F., regente, está à frente de um Coral Terapêutico, com pessoas doentes de
Parkinson, a quem precisa dirigir com acolhimento e carinho, mas com seriedade e
profissionalismo. Seu trabalho é voluntário, incansável, e do qual T.F. quer ver os
frutos nas apresentações públicas em certas datas do ano.
T.F. não entrou ainda na etapa da velhice, mas acompanha, com muito
entusiasmo a melhoria do trabalho dos participantes do Coral, a maioria dos idosos a
que dirige, e que interpretam canções populares brasileiras.
Sua opinião é que, de fato, uns têm mais dificuldades do que outros para
cantar, mas se deve levar em conta os motivos dessas dificuldades, como o estágio da
D.P., o relacionamento com a música antes da doença, o próprio prejuízo causado ao
aparelho fonador, assim como a facilidade, o prazer, o nível de motivação que uns
têm e outros não com tanta intensidade com o canto.
135
Acrescentem-se aqueles que não tiveram anteriormente esse contato
particular com a música e, mesmo estando com a voz prejudicada, vêem nesta
atividade de Musicoterapia uma nova forma de superar as suas dificuldades.
T.F. diz que existem ainda casos de doentes que não tinham tido contato com
a música e o canto antes. Agora, estão com a voz bastante afetada, mas mesmo assim
descobrem o canto como uma nova forma de superação desses seus sérios problemas
de voz.
T.F. aponta que é difícil falar sobre a superação dos sintomas. É, porém,
evidente a melhora que se observa na voz e na disposição psicológica daqueles que
se envolvem e participam mais ativamente no Coral.
A melhoria em seu estado físico geral, bem como a percepção que eles têm de
estarem melhor emocionalmente e da ajuda deste trabalho, é notória, segundo T.F.
Sujeito 7: E.O.
E.O. é fisioterapeuta que tem muito tato e atenção para com os doentes, com
grande paixão pela observação minuciosa. Segundo ele, o tratamento fisioterápico dá
ao doente uma melhor qualidade de vida, no que diz respeito ao controle dos
sintomas, em especial a bradicinesia, a lentidão anormal dos movimentos.
E.O. diz que a intervenção fisioterápica é limitada. Há uma melhora no
desempenho principalmente em relação à marcha com estímulos, sejam eles visuais
ou auditivos. Portanto, a Fisioterapia, de certa forma, também usa a Musicoterapia
nos seus exercícios por meio de movimentos com ritmos.
De acordo com E.O., a Fisioterapia não é especifica como uma preparação
para a Musicoterapia, mas indiretamente ela dá ao doente de Parkinson uma melhor
136
postura, com exercícios de alongamento da musculatura anterior do tronco e
fortalecimento da musculatura posterior do tronco. Com isso, procura-se manter uma
boa postura do doente que vai contribuir para um bom desempenho musical. Há um
exercício incentivando o falar forte, além de exercícios faciais, visando-se sempre à
melhora do bem-estar do indivíduo globalmente.
Quanto ao progresso do doente que passa pela Fisioterapia antes de participar
da atividade musical, E.O. percebe uma diferença: há doentes que só fazem
Fisioterapia e há doentes que só participam do Coral. Há casos de doentes que não se
dão bem na Fisioterapia e têm uma evolução positiva no Coral. São levadas em
consideração, nesses casos, as características de personalidade de cada um, do seu
caso em particular, enfim, tudo que possa se refletir nessas atividades. Conforme diz
E.O.:
Como até o momento enxergamos a Fisioterapia e o Coral
com objetivos diferentes, mas que se complementam muito
bem, no meu ponto de vista, não é possível melhorar a parte
motora de um doente sem fazer exercícios específicos. O que
talvez possa acontecer é o doente aumentar a sua auto-estima
participando do Coral e depois, ao iniciar a Fisioterapia, isso
se reflita com uma evolução motora mais rápida.
Segundo E.O., quando houver uma lentificação grande, o doente deverá
programar os movimentos e sua amplitude para que haja o início da atividade, uma
vez que é o automatismo que está prejudicado na D.P. O doente precisa de uma pista
para suas atividades como o dançar, o tocar. O ritmo lhe dá esta pista, assim como
pensar no movimento a ser feito, movimento inicial, movimento final, amplitude.
137
Sujeito 8: C.A.R.C.
C.A.R.C. é fisioterapeuta que demonstra uma grande simpatia com os
freqüentadores do Coral. É de tal espontaneidade que os deixa descontraídos, soltos.
C.A.R.C., assim como seu colega E.O., dedicam-se a um trabalho diário com
os doentes de Parkinson, também em caráter voluntário. Assim, buscam formar-se
especificamente como fisioterapeutas de parkinsonianos, o que, segundo revelam,
tem exigido muitas leituras no campo da Gerontologia, para poderem saber lidar com
doentes-idosos. A intenção é, após concluída a formação em Fisioterapia, ambos
entrarem no Mestrado em Gerontologia.
Na opinião de C.A.R.C., a Fisioterapia tem como papel principal prover, ao
que sofre da D.P., uma reabilitação física, para que o mesmo possa ter uma total ou
parcial independência para a realização de suas atividades do dia-a-dia. Segundo ele,
é enfático o incentivo à realização de atividades e, dentre elas, está a Musicoterapia,
sendo o Coral, na ABP, o que proporciona ao indivíduo uma melhora no seu quadro
motor e psíquico, uma vez que a característica da D.P. é o comprometimento motor
de todo o corpo, através do ataque a toda a musculatura.
Para C.A.R.C., a Fisioterapia promove no doente uma melhora de sua auto-
estima, bem como de sua iniciativa, o que vai ocorrendo aos poucos com o perceber
da melhora nos seus movimentos e no seu desempenho físico.
Ele se dá conta da diminuição da rigidez muscular e da bradicinesia. Estes
fatos melhoram a auto-confiança do doente e surge neles, então, a vontade de realizar
outras atividades, por exemplo, a Musicoterapia.
C.A.R.C. opina que a Fisioterapia pode beneficiar o parkinsoniano na parte
rítmica dos movimentos, na coordenação motora e controle dos movimentos, a partir
138
do momento em que os doentes são estimulados a contarem bem alto a repetição dos
exercícios, na terapia de grupo e na individual, além de melhorar sua auto-estima.
Ele diz que a Fisioterapia enfatiza a questão da atenção que os doentes devem
desenvolver, fazendo os exercícios e repetindo a contagem, todos juntos, o que faz
com que sua atenção e concentração sejam beneficiadas. Isso estimula a preocupação
de cada um deles para que os exercícios sejam executados corretamente, sem
prejudicar os outros participantes do grupo.
Para C.A.R.C., a Fisioterapia, de certa forma, prepara o parkinsoniano para
outras atividades, entre elas a Musicoterapia, pois seus exercícios visam a atingir
uma melhora global do quadro motor e, com isso, uma maior independência do
doente no seu dia-a-dia. Uma das estratégias utilizadas é a de que os parkinsonianos
realizem movimentos amplos, dando-lhe pistas verbais e visuais para que ocorra
também a diminuição da rigidez.
C.A.R.C. termina sua fala, dizendo que o trabalho multidisciplinar tem
grande importância, levando sempre em conta o benefício ao parkinsoniano, pois a
área da Psicologia, juntamente com a de Fonoaudiologia, Fisioterapia e
Musicoterapia promovem uma melhora no quadro clínico geral e, com isso, mais
benefícios ao doente.
Sujeito 9: S.C.F.
Logo no primeiro contato, pode-se perceber seriedade e competência no
trabalho de S.C.F., profissional da Fonoaudiologia. Com os parkinsonianos, o
fonoaudiólogo vai se preocupar com o trabalho de recuperação das funções do seu
139
aparelho fonador. É fundamental seu trabalho, porque cerca da metade dos
parkinsonianos apresentam dificuldades com sua voz e fala.
S.C.F. diz que a face do doente de Parkinson freqüentemente apresenta
expressão fixa, congelada, como se usasse uma máscara, o que reduz ou até impede
sua fala e, por conseguinte, sua comunicação com as demais pessoas. A expressão
facial e a modulação de voz são essenciais para a boa transmissão de uma mensagem.
Segundo ele, as mudanças na fala ocorrem devido à falta de coordenação e à
redução do movimento dos músculos que controlam os órgãos responsáveis pela
produção dos sons da fala. Os problemas são variados e os doentes podem apresentar
voz fraca, falhas na emissão da voz, articulação pouco clara, instabilidade na
qualidade vocal ou ainda fala acelerada, lentificada ou jatos alternados.
Para S.C.F., o primeiro passo para o parkinsoniano melhorar a voz e a fala é
dar-se conta de aspectos que precisam sofrer um cuidado maior, como a articulação,
a freqüência (o tom) e a intensidade (o volume) da voz. Nesse momento, ele diz,
familiares devem auxiliar o fonoaudiólogo para uma avaliação das alterações que o
doente parkinsoniano vem apresentando, pois muitas vezes o próprio doente pode
não se dar conta das mudanças que lhe ocorrem.
S.C.F. acredita que a avaliação fonoaudiológica pode auxiliar na
compreensão de tais aspectos ou ainda sugerir um tratamento específico para
minimizar as alterações da voz. Ele ainda assinala que todos esses problemas, de
modo isolado ou associado, fazem com que a fala do doente fique menos
compreensível, o que dificulta a comunicação dele com outras pessoas. Isso significa
que, para alguns doentes, ocorre uma diminuição na sua habilidade social, o que
140
pode fazer com que ele prefira isolar-se a enfrentar dificuldades de relacionamento
social.
S.C.F. recomenda exercícios específicos para melhorar a respiração, a voz e a
fala. Para ele, um simples treinamento diário poderá fazer com que o doente de
Parkinson conserve, apesar da doença, uma fala compreensível e bem modulada e,
dessa maneira, mantenha um contato mais efetivo com seus familiares e amigos.
A Fonoaudiologia, segundo S.C.F., possibilita ao parkinsoniano desenvolver
uma atividade musical, preparando-o em seu aspecto motor, ou seja, orientando-o
para exercícios que o façam recuperar a tonalidade, o timbre, a freqüência natural da
voz.
Como o doente de Parkinson, via de regra, tem comprometidas sua respiração
e sua movimentação, S.C.F. assinala que é preciso que ele siga um programa de
exercícios diários para que se prepare para a Musicoterapia. Não que os exercícios
fonoaudiológicos sejam imprescindíveis ou um pré-requisito para a Musicoterapia.
Eles são complementares aos exercícios musicais.
S.C.F. vem observando que os doentes que recorrem a um fonoaudiólogo ou
um terapeuta de voz avançam mais em sua terapia musical, ganham mais progresso
ao enfrentar os sintomas da D.P.
Sujeito 10: M.T.B.
Assim como observado com S.C.F., o outro profissional da Fonoaudiologia,
M.T.B., mostra, logo de início, como é extremamente afável com os doentes de
Parkinson e, ao mesmo tempo, firme em seus propósitos.
141
Sobre o papel do tratamento fonoaudiológico para a preparação dos doentes
de Parkinson, a fim de receberem também um tratamento musicoterapêutico, M.T.B.
fala que é imprescindível essa preparação, dado que o canto, por exemplo, exige
mobilidade dos órgãos bucais, bom e adequado ritmo respiratório, além de outros
aspectos como movimentos livres de tronco, de abdômen, de membros superiores e
inferiores etc.
Conforme ele assinala, o aspecto motor, articulatório, da voz vai ser
desenvolvido pela área da Fonoaudiologia, o que permite ao doente de Parkinson
exercer uma atividade musical, como o canto.
M.T.B. diz que é importante também a freqüência com que esses exercícios
são feitos. Se possível diariamente, até mais de uma vez por dia, seguindo a
orientação recomendada.
Observações em pauta:
Observamos que, na ABP, há uma interação muito grande entre regente,
pianista e parkinsonianos. Todos transmitem uma vibração de muita alegria e
vontade participativa, contagiante, dada a alegria e entusiasmo pela prática musical.
Um forte vínculo se estabelece entre os integrantes do Coral, fato que os entusiasma
a estarem sempre retornando para os ensaios e ainda planejando gravar CDs, como já
o fizeram várias vezes.
Na ABP, além do canto, são feitos exercícios de voz e ritmo, junto ao piano,
além dos exercícios corporais, orientados por fonoaudiólogos e fisioterapeutas.
Há uma interação entre todos esses exercícios que lhes dão um aquecimento e
os levam a executarem a função musical com mais flexibilidade. Quando cantam, há
142
como que um ‘deslocamento para outro mundo’: desaparecem a rigidez da face, dos
membros, os tremores, mas se verifica que esse deslocamento se transforma assim
que cessa a atividade do Canto. Então, tudo parece ir retornando como era antes,
embora eles evitem demonstrar isso, aparentemente. E isso porque parece que os
efeitos do ambiente musical se estendem por todo o tempo em que estão na ABP,
quando mostram encarar qualquer problema de movimentação com naturalidade,
bom humor.
Os doentes de Parkinson estão côncios de que o trabalho desenvolvido
permite a eles cantar em grupo, fazendo que se sintam mais sociáveis, que podem
trocar idéias com seus companheiros, com os musicistas que inclusive lhes dão a
liberdade de opinarem sobre o desenvolvimento do trabalho. Isso envolve
principalmente o emocional, o psíquico de cada um deles, o que é muito importante
em termos de auto-estima, de realização pessoal.
O trabalho integrado entre várias terapias é disponibilizado de forma contínua
na ABP. Assim, seus freqüentadores podem gozar, de fato, do benefício da
medicação que, sozinha, não teria efeitos tão marcantes.
O grande trunfo de todos é postergar o mais possível o avanço da doença.
Sabe-se que vai chegar um momento em que isso não será mais possível. A doença
vai avançar e impossibilitá-los de exercer o canto ou outra atividade de
Musicoterapia, mas até lá se conseguiu um bem-estar saudável, a convivência
amistosa com tantas pessoas, a vida em comum...
Cumpre dizer que os acompanhantes e cuidadores, de certa forma, quando
estão com eles na ABP, participam das atividades, como ouvintes e aprendizes. Por
essa razão, eles têm condições de dar continuidade ao trabalho em casa quando os
143
doentes não puderem mais estar presentes no ensaio do Coral, ainda que sem regente
e sem pianista.
Todos os freqüentadores da ABP estão convencidos de que é fundamental a
continuidade de atividades terapêuticas em suas residências, pois uma interrupção
significaria o avanço da D.P. com maior rapidez. Se mais dias forem dedicados às
atividades, os resultados também tenderão a render mais frutos.
Os exercícios musicais e outros complementares na ABP, em tese, não
deveriam ter prazo para terminar. Aqueles que permanecem por mais tempo (meses e
anos) são os que angariam mais benefícios. Os menos ativos permanecem por
períodos mais curtos (semanas ou meses). Há outros, porém, que estão numa fase
aguda da D.P., com uma participação eventual ou por um período restrito. Outros
desistem por razões pessoais ou por não terem uma companhia, ou um cuidador, para
acompanhá-los até a ABP.
Constata-se que há uma interdependência, de certa forma, entre as atividades
propostas, embora cada caso seja singular. Por exemplo, a Fisioterapia contribui
sempre em relação à postura e tem uma influência positiva, principalmente no cantar.
Quanto ao problema do freezing que certos doentes apresentam, ou seja, a
incapacidade para iniciar o movimento, verificou-se que um dos artifícios usados
para que se inicie o primeiro passo é que o doente leve um pé à frente como se fosse
pular por sobre um cabo de vassoura. Isto é feito para que o mesmo evite arrastar os
pés no chão e consiga dar o primeiro passo. Cada doente tem seu artifício ou truque
próprio. Uns conseguem andar contando os passos, outros falando ‘direito,
esquerdo’, atribuindo um desses termos a cada pé que se movimenta.
144
Constatamos que os parkinsonianos, na ABP, querem cantar, tocar, enfim,
exercer algum tipo de atividade musical; muitos não têm, porém, condição de
adquirir fundamentos musicais que os habilitem a ler partituras, até por problemas de
visão, e por não terem a paciência necessária para esse estudo concentrado, em
decorrência da doença.
Em contrapartida, é notório o prazer que sentem e como se esquecem de sua
doença ao ter uma atividade musical e isso eles transmitem vivamente aos monitores.
Sua realização pessoal passa a ser uma estrada de duas mãos: felizes também ficam
os acompanhantes e os profissionais que os orientam.
4.2. Compondo a harmonia entre a ordem motora e não-motora
Apresentamos a seguir os dados sistematizados e analisados dos sujeitos
desta pesquisa, em função dos sintomas de ordem motora e não-motora, decorrentes
da D.P., e como são tratados, por meio de outras práticas complementares ao
tratamento médico/farmacológico, como a Musicoterapia.
4.2.1. Voz
Os doentes de Parkinson tentam contornar os problemas de voz com
exercícios vocais ou musicais, com o auxílio de um profissional- fonoaudiólogo/
foniatra. A fala da fonoaudióloga S.C.F. aponta isso:
A respeito do papel do campo da Fonoaudiologia para os
parkinsonianos que fazem música como terapia, o
fonoaudiólogo vai se preocupar com o trabalho de
recuperação das funções do aparelho fonador do doente. A
Fonoaudiologia possibilita que o parkinsoniano possa
desenvolver uma atividade musical, preparando-o em seu
aspecto motor, ou seja, orientando-o para exercícios que o
145
façam recuperar a tonalidade, o timbre, a freqüência natural
da voz.
M.T.B., também fonoaudióloga da ABP, diz de seu trabalho:
Sobre o papel do tratamento fonoaudiológico para a
preparação dos doentes de Parkinson para receberem também
um tratamento musicoterapêutico, digo é imprescindível essa
preparação, dado que o canto, por exemplo, exige mobilidade
dos órgãos bucais, bom e adequado ritmo respiratório, além
de outros aspectos como movimentos livres de tronco, de
abdômen, de membros superiores e inferiores etc. O aspecto
motor, articulatório, da voz vai ser desenvolvido pela área da
Fonoaudiologia, o que permite ao doente de Parkinson
exercer uma atividade musical, como o Canto. Importante
também é a freqüência com que esses exercícios são feitos.
Se possivelmente diariamente, até mais de uma vez por dia,
desde que sigam a orientação certa de um profissional-
fonoaudiólogo. Os doentes de Parkinson que fazem em
paralelo outras terapias, como a fonoaudiologia, ou terapia
corporal, ou Musicoterapia ou outra, podem se sentir
privilegiados neste país.
Paulo José revela os problemas de voz que acometem os parkinsonianos:
A voz do parkinsoniano é débil, vai ficando fininha. Tem dias
em que acordo com a voz presa e ela só se abre com
exercícios vocais ou musicais... Mas na hora de falar, ficava
rateando. Isso começou a criar um problema para o
espetáculo... tudo ia bem e parava comigo, me sentia
atrapalhando os atores...
Isso significa que as alterações da fala na D.P. são em nível de fonação (com
a diminuição do volume expiratório, a diminuição da intensidade e da vocalização),
alterações da ressonância e da prosódia e articulação da linguagem, mas que são, até
certo ponto, secundários a outros sintomas da D.P., como a bradicinesia, a lentidão
anormal de movimentos, e rigidez, sintomas mais complicados ao doente, do que
sentir sua voz se tornando hipofônica (excessivamente baixa), monótona ou
atropelada.
146
Para contornar seus problemas de voz, o doente parkinsoniano deve receber o
acompanhamento de um especialista, que o oriente para exercícios diários, a fim de
que sua voz se ‘abra’ ou recupere a tonalidade adequada, especialmente se ele
exercer a função de ator, professor, ou cantor, que dependa da voz para seu trabalho
profissional.
Interessante foi notar que, na ABP, os três sujeitos parkinsonianos analisados
não manifestaram qualquer problema de voz, no momento da entrevista, e nem
mesmo durante sua participação no Coral.
Da entrevista com D.L.D., pianista/musicoterapeuta, pode-se descobrir algo
mais não revelado pelos sujeitos:
Eles [os doentes de Parkinson]
têm dificuldade, sim, [para
cantar], uns bastante mais que outros e alguns até têm algo
muito interessante, têm mais dificuldade para falar do que
outros, mas na hora de cantar conseguem cantar. Exatamente
como os gagos. Alguns se destacam mais, primeiro por que
gostam muito de cantar e, segundo, porque sentem que
cantando ficam melhor da voz; têm outros que, mesmo
sabendo de tudo isso, não fazem muita questão de em casa
cantar, por ex., alguns se destacam mais por isto e se dedicam
mais à atividade.
T.F., regente do Coral, também revela a dificuldade dos doentes de Parkinson
na terapia musical, conforme seu depoimento:
Como regente, o que posso dizer em relação aos portadores
da D.P. que fazem parte do Coral, no sentido de se uns têm
mais dificuldades que outros para cantar, é que, sim,
certamente. O que é normal, pois depende do estágio da
doença, que é absolutamente individual, também do maior ou
do menor contato que tiveram antes do início da doença com
a música, se a voz foi mais ou menos afetada pela D.P.,
citando só algumas razões. As dificuldades para cantar
também são individuais, apesar de que posso afirmar que ela
é comum a todos, em maior ou menor grau. Como é sabido,
toda a estrutura da voz é abalada pela D.P. Mas, alguns se
destacam mais, e não necessariamente por causa do estágio
147
da doença em que se encontram, mas principalmente por
causa do nível de motivação e prazer que encontram em
cantar. Geralmente os pacientes que já cantavam antes estão
nesta categoria. Mas existem casos de pacientes que não
tinham tido contato com a música e o canto antes, estão com
a voz bastante afetada e mesmo assim descobrem o canto
como uma nova forma de superação de si mesmos.
Segundo os depoimentos dos profissionais da Fonoaudiologia, os doentes de
Parkinson estão orientados para, em suas próprias casas, com ou sem o auxílio de
seus familiares, realizarem diariamente exercícios para a mobilidade da língua, dos
lábios, dos maxilares. Exercícios de voz também são recomendados para que, ao
chegarem na ABP, estejam com a voz já preparada para o canto com o Coral. Isso
significa que o doente ganha responsabilidade sobre seu estado de saúde, tendo que
necessariamente submeter-se, a si próprio, uma disciplina de exercícios que só fará
bem a seus órgãos físicos, como a sua mente, pois esta estará ocupada e não ficará
voltada para a doença em si.
Diz D.L.D., pianista/musicoterapeuta, a esse respeito:
Com certeza, deveriam continuar [a Musicoterapia e os
outros exercícios] não só a parte da música, mas tudo, a
música, a Fisioterapia, nós recomendamos façam em casa
esses exercícios. Alguns falam que cantam no banheiro, mas
nem todos fazem isso só fazem quando estão aqui por que
acham mais engraçado e melhor por aqui tem o teclado
acompanhando, que eu brinco etc. Com certeza. Eles
deveriam continuar, com tudo o que é feito aqui, em casa. A
Fisioterapia... Todos nós, de todas as áreas, recomendamos,
façam em casa os exercícios. Eles deixam pra cantar aqui,
porque é mais gostoso, é um encontro social. Todos têm o
mesmo problema. Se um despenca no chão, ninguém diz: Ai,
que horror! A parte social é muito importante para a parte
emocional. Todos os que aqui trabalham, têm um ânimo bom
e muita alegria. A parte social é muito importante para a parte
emocional. O que chama mesmo a atenção... Eles [os
doentes] deveriam quando saem daqui ter alguém em casa
para continuar os exercícios, quando eles não podem mais...
Mas é uma coisa difícil realmente. Eu me sinto felicíssima
148
porque eu vi que desde que eu comecei aqui até hoje esse
Coral evolui maravilha...
D.M., um dos sujeitos deste trabalho, que é muito crítico, exatamente por ter
tido a música como seu ofício e opção de vida, sente que as limitações vocais dele e
dos demais participantes, que pecam quanto à harmonia, fazem com que o Coral se
torne “... um tanto limitado, no que diz respeito à harmonia (primeira, segunda,
terceira vozes) e mesmo porque não se pode exigir muito do parkinsoniano, que
parece estar um pouco fora de tom”.
D.M., inclusive, sugere que o ideal seria colocar cada participante do Coral
em uma voz (primeira, segunda ou terceira voz), na ‘sua’ voz, ou seja, que cada um
dê sua contribuição particular de voz ao Coral.
Muito interessante essa sua observação: além de desejar contribuir para o
trabalho do grupo, mostra que sua recepção sonora, musical, está íntegra, com
competência para avaliar a performance musical de todo o grupo, inclusive na
diferenciação dos tons de voz.
Da entrevista com D.L.D., pianista, sabe-se que muitos dos parkinsonianos
participantes do Coral - atividade de Musicoterapia - apresentam, sim, dificuldade ao
falar, mas, assim como ocorre com pessoas gagas, ao cantarem, cessa essa
dificuldade e há como que uma uniformidade de atuação vocal entre todos. Segundo
D.L.D, de longe a música é o melhor tratamento para vencer a sintomatologia da
D.P. e até para eles esquecerem que têm a Parkinson. Os efeitos da música são quase
que imediatos e vão além de qualquer outra alternativa artístico-terapêutica.
Ainda segundo D.L.D., o fato de cantar não só lhes traz prazer, como os
liberta em suas ações e, acima de tudo, é tamm um encontro social muito
149
importante. No dia dos ensaios do Coral é como se fosse um grande evento, festa e
trabalho a um só tempo.
D.L.D. diz que há aqueles doentes que comparecem nos ensaios do Coral, lá
permanecendo, porém, sentados, sem cantar, ouvindo simplesmente seus amigos.
Estes sempre vêm acompanhados e precisam dos acompanhantes para tudo, em razão
de estarem em um estágio avançado da doença. Mas é importante para estes estarem
lá, participando com sua presença. Sente-se que há um certo afastamento por parte
deles, talvez em razão de seus sintomas serem mais nítidos. Interessante é o fato de,
mesmo sem terem condição mais de cantar, lá permanecem ouvindo os amigos
cantando... sinal de que a música, de alguma forma, é uma terapia, para sua alma e os
faz esquecerem por algum tempo de seus sintomas.
Já os que cantam, mostram-se mais independentes, como aponta D.L.D.
os que vão sem acompanhantes, porque estão numa fase não tão adiantada da doença
e até se nota nestes que a doença parece se estabilizar, ou estancar, conforme seu
próprio depoimento.
Nota-se, portanto, uma diferença na parte emocional, entre os que cantam e os
que não cantam. Os doentes de Parkinson que cantam se sentem mais entusiasmados,
sentem que não estão tão deteriorados, mostram mais alegria e transmitem isso aos
amigos.
A respeito do comportamento dos doentes-participantes do Coral e outros
não-participantes , diz T.F., regente do Coral:
Esta é uma pergunta bastante difícil de ser respondida, uma
vez que o ideal seria ser feito um estudo detalhado do perfil
psicológico dos participantes e dos não-participantes, mas
experimentalmente o que posso afirmar sobre as diferenças
comportamentais entre eles é que, entre os participantes do
Coral, a gente observa uma maior ‘abertura’ mental, quer
150
dizer, uma maior disponibilidade para tentar coisas novas, um
maior desejo de participação no processo de tratamento da
doença. Esta afirmação é especialmente verdadeira entre os
participantes mais dedicados.
Sobre a melhora dos doentes, diz T.F.:
A D.P. é uma doença degenerativa; portanto, é muito
complicado falar em ‘superação’ dos sintomas, mas o que a
gente pode observar é que entre os Coralistas mais
envolvidos, mais participativos, existe, sim, uma melhora na
voz e na disposição psicológica em geral. Normalmente,
quando estão cantando o que percebemos é que quando eles
conseguem se envolver e participar ativamente, sentem um
grande bem-estar com evidentes melhorias em seu estado
físico geral.
T.F. complementa, dizendo que:
Entre os Coralistas mais participativos, é evidente o
sentimento de realização emocional que eles têm e o quanto a
percepção de estar fazendo algo especial com esse trabalho
que os ajuda.
Observa-se, na ABP, uma interação muito grande entre regente, pianista e
parkinsonianos. Todos transmitem uma vibração de bem-estar e vontade participativa
contagiante, dada a alegria e o entusiasmo com que os acolhem e os tratam durante
as atividades musicais.
Além do canto, são feitos exercícios de voz e ritmo em torno do piano,
orientados por D.L.D., pianista/musicoterapeuta, além dos exercícios orientados
pelas fonoaudiólogas e fisioterapeutas, feitos em casa. Há uma coordenação entre
todos esses exercícios orientados pelos especialistas, a ponto de darem aos
participantes do Coral o aquecimento necessário para que executem a função musical
com mais eficiência.
151
Observando o trabalho de D.L.D. e seu piano com os integrantes do Coral na
ABP, não se poderia deixar de tecer alguns comentários sobre o trabalho ali
desenvolvido.
Quando os doentes de Parkinson cantam, há como que um ‘deslocamento
para outro mundo’: cessam a rigidez da face, dos membros, os tremores, embora esse
deslocamento seja o inverso no momento em que cessa a atividade do canto. Então,
alguns sintomas vão ressurgindo. Mas a vantagem do Coral é que, mesmo após o
final dos ensaios, os parkinsonianos continuam ativos, trocando idéias com seus
companheiros, com os musicistas presentes que inclusive lhes dão a liberdade de
opinarem sobre o desenvolvimento do trabalho.
E esse trabalho, eles bem o sabem, deve ser sempre continuado, no sentido de
postergar ou mesmo estancar o avanço da doença, enquanto é possível.
T.F., regente do Coral, diz a esse respeito, incluindo a valorização do trabalho
do cuidador:
Justamente entre estes Coralistas mais participativos a adesão
é muito grande, e normalmente eles continuam no trabalho
por muito tempo, o que pode variar por meses e até anos.
Evidentemente esta não é uma regra geral. Os pacientes que
conseguem se envolver e participar são os que colhem os
maiores benefícios e os que ficam por mais tempo. Estes
pacientes devem perfazer cerca de 40% dos participantes.
Depois tem os participantes menos ativos, que permanecem
por períodos mais curtos, que podem variar entre semanas a
alguns meses. Esta população deve perfazer mais ou menos
30% do total de participantes. Tem também os participantes
que já estão numa fase aguda da doença, e que, portanto,
participam dos ensaios eventualmente ou apenas por algumas
semanas. E por último existem aqueles que não conseguem se
envolver de fato por razões pessoais, ou já têm sua
independência comprometida e não conseguem companhia de
outras pessoas para levá-los até a Associação por períodos
mais longos. Estes permanecem no Coral por pouco tempo.
Daí, podermos também tirar a conclusão da importância
152
primordial que o cuidador exerce no quadro geral do
paciente.
Os cuidadores, ao assumirem sua posição de ouvintes e aprendizes de todo o
processo de convivência ativa dentro da ABP, ganham a competência e as
habilidades necessários para o acompanhamento dos doentes nos domicílios, ainda
que sem a grande vibração do regente e do pianista.
4.2.2. Enrijecimento com comprometimento dos movimentos
Os parkinsonianos que tiveram alguma formação musical tentam minorar os
problemas de enrijecimento continuando a tocar algum instrumento, levando
vantagem sobre os demais doentes que nunca estudaram música. No caso de Paulo
José, ele voltou a seu piano de infância, pois
A D.P. tende a criar uma máscara rígida, uma falta de
expressão no meu rosto. Ele enrijece o corpo e reduz
movimentos...
Toco piano, até mesmo para exercitar a mão
direita, evitando a paralisia, uma tendência para quem tem
Parkinson.
O piano passou a ocupar, não sem razão, um lugar especial na nova casa de
Paulo José, conforme descreve Rosângela Honor, repórter-entrevistadora do ator, em
setembro de 2000: “Em sua ampla casa no Alto da Gávea, para a qual acaba de se
mudar, chama a atenção
o piano com partituras de Tom Jobim”.
62
Os demais sujeitos também citaram a importância dos exercícios musicais,
mesmo em suas residências, e sozinhos, como uma forma de se esquecerem da D.P. e
de seus sintomas, de ‘irem para um outro mundo’. A esse respeito, C.S., com seu
violino, diz o seguinte:
62
Cf. web site: http://www.terra.com.br/istoegente/61/entrevista/.
153
Continuo tocando em casa sozinho, meu
violino... Antes eu
tocava em orquestra... Não voltei mais, a movimentação
motora principalmente no braço direito, perdi a
coordenação... Não voltei mais por causa da movimentação
motora principalmente no braço direito, perdi a
coordenação... Já era aposentado... À medida que vou
tocando,
vou ganhando um controle. Esqueço da doença...
estou noutro mundo... Exatamente porque esqueço da doença
tocando e estou noutro mundo. Toco violino, música clássica
e popular desde 1963, no Conservatório Anchieta... Toco
clássico e popular... Bolero, chorinho e clássico.
O exercício do canto, no Coral da ABP, traz também muita realização pessoal
a C.S. A música o faz esquecer da doença, desaparecendo os sintomas por algum
tempo, conforme aponta em seu depoimento:
Sozinho em casa, faço isso sozinho e faço parte do Coral...
Quando não estou muito atacado me sinto realizado. O
sintoma praticamente desaparece. Quando estou atacado nem
pego no violino. Depende do dia; tem dia que estou melhor,
tem dia que estou pior... Sinto uma melhora, porque tenho
que
transportar o espírito para poder dar interpretação, então,
sim, esqueço da doença. Com a continuação ganho um
controle e um prazer de tocar e
esqueço da doença, estou
noutro mundo. Esqueço da doença e parece que estou noutro
mundo... Praticamente os sintomas desaparecem... Sim, me
traz uma realização pessoal.
Embora sua doença esteja em um estágio mais avançado, o que traz
complicações maiores, D.M. fala bastante de seu instrumento, o violão, assim como
do tema ‘música’, porque essa era sua área de atuação e, assim, sente-se à vontade,
desinibido para falar:
Teve uma época que eu tive de parar o
violão, então eu me
senti bastante chateado, mas passou também e eu estou
convivendo praticamente bem, se eu não piorasse estaria me
sentindo relativamente bem. Agora, eu não consigo segurar o
violão, o violão começa a escorregar... Eu fico olhando as
pessoas tocarem... assim com uma perna assim... mas eu não
consigo de nenhum jeito, que eu coloque o violão eu
consigo, depois os acordes... não consigo... o chorinho me
154
agrada muito, o popular também mas nem tanto, às vezes
não concordo com certas letras. O clássico me agrada
muito... , é cíclico.... o sintoma propriamente dito...
Dada a dificuldade em segurar o violão, D.M. enfatiza muito sua participação
no Coral, que o faz sentir-se em plena atividade, contornando os problemas físicos
que, muitas vezes, o impedem de manter o violão nos braços.
Seu comentário de que os sintomas da D.P. são esquecidos quando ele ouve
uma música que lhe é de agrado comprova o que os demais enfatizaram. Portanto, a
música pode funcionar como uma terapia, desde que seja do gosto do doente.
Outro ponto interessante de seu depoimento é a postura bastante crítica de
D.M., o que mostra que, apesar do avanço da doença, sua inteligência continua
preservada, a ponto de emitir julgamentos críticos a respeito do Coral que, segundo
ele, deveria exigir mais de cada participante, “cada um [deveria cantar] na sua voz”:
O Coral me deixa bem, me dá mais disposição e em parte o
Coral faz a gente se sentir realizado, embora nosso Coral seja
um
Coral limitado pelo parkinsonismo; não se exige grandes
coisas; o ideal seria colocar cada um na sua voz, mesmo ‘fora
de tom’. Cada um tem sua limitação, aqui. Só para
complementar, eu falei em chorinho, mas se falando de
música para ouvir, não música lírica mas música
instrumental, valsa, Tchaikowsky... No Coral da Associação
Brasil Parkinson... A gente esquece principalmente quando a
música é a que se gosta. Naquele momento a gente se sente
bem, me emociona muito inclusive. Me sinto bem... Sim, me
traz alegria.
U.W.A. ainda toca vários instrumentos: piano, bandolim e contrabaixo. Sua
fala também mostra o quanto o exercício musical lhe é benéfico, fazendo com que os
sintomas da doença desapareçam:
Gosto muito da música clássica Wagner, Beethoven, eles me
dão um interior feliz..., me sinto bem e realizado..., não sinto
os sintomas da doença..., a música me traz muita satisfação.
155
Sem dúvida, a música me faz bem, muito bem...
Não sinto
nada quanto aos sintomas da doença quando estou tocando...
4.2.3. Ordem neurológica
Lapsos, ‘brancos’ de memória, ‘emperramento’ dos pensamentos, decorrentes
de tensão, ansiedade no ambiente de trabalho, podem ocorrer ou se intensificarem
com a D.P. A esse respeito, revela Paulo José:
Com a ansiedade, os sintomas da Parkinson se agravam... Eu
tinha
lacunas no pensamento, é um problema neurológico. A
Parkinson tem dois sintomas básicos: tremor nas pernas e
enrijecimento da língua. Isso prejudicava minha fala, ficava
preso. Tinha
hiatos. Não sabia se já havia falado determinada
frase.
Paulo José superou esses problemas de insegurança, ansiedade, tensão e
descrença em sua capacidade de atuar, com três providências:
A primeira delas foi cuidar rigorosamente da medicação no sentido de tomá-
la exatamente de acordo com a orientação médica. Como ele diz: “...foi só ser
rigoroso com a medicação... esquecia de tomar os remédios. Tomo doses pequenas o
dia todo”.
A segunda delas foi poupar as energias para o essencial, conforme ele diz:
Estava ensaiando das 16h às 20h todos os dias. Chegou a um
ponto que fiquei estressado. Cancelei um ensaio e dormi o dia
todo. Contei muito com a cumplicidade dos atores... Na
semana da estréia, consegui sair do buraco negro e comecei a
melhorar.
Também comecei a me poupar. Até 16h, não fazia
nada. Fui melhorando...
A terceira foi ele ser mais seletivo, ou seja, desenvolver uma grande
capacidade de concentração essencialmente em uma determinada coisa, priorizando-
a, não se preocupando com as demais coisas à volta, como o assinala:
156
No dia seguinte, não me preocupei com a direção, pensei só
no personagem e, pela primeira vez, consegui ensaiar bem...
Percebi que, quando se faz muita coisa, não se faz nada
direito. A quantidade compromete a qualidade.
Fiquei mais
seletivo. Agora estou fazendo a peça com toda a
profundidade. É mais intenso do que fazer mil coisas.
Quando soube da doença, continuei no pique. Depois é que
fui reduzindo,
ficando mais seletivo. Tenho que me guardar
para fazer bem um único trabalho.
C.S. e D.M., por serem ambos aposentados, não manifestaram problemas de
ansiedade ou de tensão ao receberem a notícia de que estavam acometidos pela D.P.
Parece, pois, que cada doente recebe a notícia da doença de uma forma diversa, e que
fica mais complicado enfrentá-la enquanto ainda se está inserido no mercado de
trabalho. O depoimento de ambos os sujeitos da pesquisa ilustra esse aspecto:
Estava aposentado... Mudou as obrigações... O tratamento...
Tomar remédio em hora certa... Também deixei de fazer
alguma coisa... como passear, sair... (C.S.)
“Não porque eu já era aposentado... era aposentado... (D.M.)
Percebe-se, porém, que U.W.A. parece sentir-se frustrado por ter sido
obrigado a abandonar definitivamente todo e qualquer tipo de trabalho, em função da
D.P. Ele lamenta: “Tive que parar de trabalhar... Sim, tive que parar
tudo até hoje”.
4.2.4. Depressão
A depressão pode vir como decorrência da descoberta da doença ou,
posteriormente, como efeito colateral da medicação, e pode ser superada com
análise, em psicólogo ou psicanalista, ou com a Musicoterapia. Paulo José faz
análise e, segundo ele:
Faço [análise]. Foi fundamental quando descobri a Parkinson.
Tem que ter algo te apoiando. Análise não é para curar, mas
157
para que você se aceite melhor... No começo [após o anúncio
da D.P.], continuei trabalhando porque a medicação tinha um
efeito tranqüilo. O problema da levodopa [um dos remédios
que ingere] é que, depois de algum tempo de uso, tem
efeitos
depressivos. A gente se fecha, evita os amigos, não quer sair
de casa. Tive fases muito ruins, de evitar o contato com as
pessoas. Foi péssimo, mas agora estou numa fase ótima.
Os demais doentes pesquisados tentam superar a depressão, no dia-a-dia,
cada um a seu modo. C.S. também sofreu efeitos da medicação contra a D.P.:
“Sempre há um efeito colateral,
me deu insônia, preciso tomar alguma coisa para
acalmar... Sempre há um efeito colateral, deu insônia de vez em quando preciso
tomar alguma coisa para me acalmar”.
C.S. sente-se, por outro lado, feliz porque houve preservação de sua grande
musicalidade, apesar da D.P. A música continuou a ser o centro de sua vida, agora
em casa, tocando seu instrumento (o violino), ou no Coral, cantando com os amigos.
Sua música interior, segundo ele, não pode ser interrompida.
D.M. também sofreu efeitos da medicação contra a D.P., mas no caso
específico dele, a vida solitária por não ter parentes próximos o deixa mais suscetível
à depressão ou angústia. Em sua fala, observa-se que:
Tem altos e baixos. Tem épocas melhores e outras piores,
Sinto falta de convívio familiar. Tenho um monte de irmãos,
mas um em cada lugar. A família com a qual tenho muita
ligação, mas não é parente, principalmente duas meninas que
são minhas netas de coração. Tinha contato quase que diário,
mas elas agora se mudaram e só tenho contato por telefone
porque agora elas se mudaram para Sorocaba.
Moro sozinho.
Aquela história, a gente se vê todos em ocasiões especiais,
casamento, morte, coisas assim e não sei se Parkinson tem
alguma coisa a ver com isso, poderia dizer que a situação
mais desconfortável nesse início, meio (tempo) e atual
(atualmente), é cíclico... o sintoma propriamente dito... teve
uma época que eu tive de parar o violão, então eu me senti
bastante chateado mas passou também e eu estou convivendo
158
praticamente bem, se eu não piorasse estaria me sentindo
relativamente bem.
U.W.A., por sua vez, não revela nenhum problema depressivo, achando
apenas desconfortável ter que assumir a regularidade na administração dos remédios:
“Não percebi... Não tive depressão... Não tive medos..., a pior fase... quando tive que
tomar os remédios, três por dia”.
4.2.5. Tremores nas mãos, nos pés, no corpo
Paulo José intervém na sua parte motora corporal, afastando os ‘sintomas
clássicos’ da D.P., ao recriar, no piano, peças musicais que ele já conhece ou ainda
ao tocar algo novo, utilizando técnicas ou estilos que aprendera previamente,
variando, pois, a forma como ele próprio se relaciona com a música:
Faço bioenergética e trabalho corporal... Tenho um professor
que vem em casa. Fazemos exercícios, nadamos na piscina. É
fundamental cuidar do corpo, já que existe uma tendência de
paralisia do lado direito nos portadores da doença.
Também
voltei a tocar piano... Com os ensaios do teatro, toco pelo
menos
meia hora por dia e, se tenho tempo, até duas horas. É
um
exercício. Foi uma iniciativa minha voltar a tocar. A
música é uma terapia excelente. Tenho como exemplo o
neurologista Oliver Sacks. Ele sofreu um acidente e perdeu
os movimentos de uma perna. Começou a fazer fisioterapia,
mas não conseguia melhorar. Um dia estava ouvindo uma
música que gostava muito e percebeu que a perna paralítica
começou a pulsar. Deliberadamente começou a relaxar,
deixar a música tomar conta do corpo. Criou o método da
Musicoterapia, para cura de lesões de paralisia e da
Parkinson, usando a música.
C.S. e D.M. revelam que a pior fase da doença é o seu início, em função dos
temidos tremores – reveladores da D.P. a médico, a amigos e familiares e ao próprio
doente. Com o passar do tempo, há uma acomodação, uma estabilização da doença,
159
quando se vai buscar uma forma alternativa de ‘driblar’ esses tremores, por exemplo,
com a terapia pela música. D.M. assinala que: “Dois anos e meio atrás... Senti fortes
tremores..., pior fase. No começo... depois com a música, o Coral...”.
U.W.A. nem fala mais dos tremores. Ele se deu conta de que esta seria uma
situação com a qual ele próprio poderia lidar. Ele diz, porém, da dificuldade de
andar, que tenta minimizar com remédios, exercícios e com a Musicoterapia: “Há
quinze anos atrás...apareceram os primeiros sintomas com a
dificuldade em andar.
Foi difícil, mas agora com os remédios, com os exercícios, com a música, até
esqueço...”.
É interessante assinalar como cada pessoa, com o correr dos dias, afastado o
choque inicial, o ‘baque’ recebido pela confirmação da doença, encontra um meio de
lidar com os problemas motores e problemas de outra ordem (não-motores) dela
decorrentes, de forma muito particular. Esta observação evoca uma outra, feita por
Sacks (2002: 405), acerca dos atores em uma representação cinematográfica de
Tempo de Despertar:
Curiosamente descobri que os atores dividiam-se
naturalmente em “trêmulos” e “convulsivos”, uns
encontrando mais facilidade para tremer e estremecer, outros
achando mais fácil imitar os movimentos compulsivos e os
tiques; não pude deixar de cogitar se não haveria alguma
propensão fisiológica por trás daquelas diferentes
capacidades imitativas.
Observa-se que, por mais humanista que Sacks seja, como ele mostra em
Tempo de Despertar, seu olhar não escapa ao seu compromisso com o orgânico. Ele
tenta, porém, circunscrever, a um critério de caráter fisiológico-organicista, aquilo
que é criativo, simbólico, particular de cada ator (como ter preferência por
representar um tremor ou uma compulsão). Isso significa, a meu ver, reduzir a
160
linguagem artística a uma explicação por fatores que lhe são externos, de ordem
fisiológico-orgânica, como se ela não tivesse sua autonomia.
Explica-se: a afirmação de Sacks está inserida no discurso organicista das
chamadas propostas ‘localizacionistas’ que veiculam a idéia de que há uma relação
biunívoca causal entre cérebro e linguagem, quando a uma perturbação da linguagem
corresponde uma área lesada e vice-versa. Essa relação, que nas abordagens médicas
das doenças parece ser tão natural, precisa ser problematizada, segundo a maior
pesquisadora brasileira em afasia, Suzana C. da Fonseca (1998). E ainda, segundo
ela, é necessário que se diga que essa relação não foi sequer tratada como questão
problemática nas abordagens médicas da afasia. “Questão que, na filosofia, deve-se
dizer, é inserida no rol dos grandes problemas”, complementa. Essa busca de
‘causalidade’ na relação entre domínios heterogêneos (entre cerebral/cognitivo e
linguagem) ainda norteia trabalhos no campo da medicina.
4.2.6. Medos
Paulo José venceu seus medos, contando com sua força pessoal, mas
principalmente – e é preciso que se frise - com o auxílio e incentivo de muitas
pessoas: da psicanalista, da esposa-cineasta, do professor de música, do professor de
ginástica, dos amigos, dos diretores de filmes e peças teatrais, da filha-primogênita-
atriz Bel Kutner, conforme ele mesmo revela em vários pontos da entrevista:
Minha mulher [a arquiteta e diretora de cinema Kika Lopes]
me ajudou muito. Ela é uma pessoa adorável. Eu disse que
não ia mais fazer teatro e ela me intimou: “Você pode e vai
conseguir fazer teatro”. Eu encarei como um desafio. Antes já
havia lido outros textos e só desta vez me interessei [como
diretor e ator da peça A Controvérsia, no Teatro Glória, no
Rio]. Quando o Pedro Bial me convidou para dirigir, foi
inevitável, não pude recusar... Convidei a Bel (Kutner) para
161
me sentir mais seguro na hora de atuar. Além da afinidade
que temos como pai e filha, temos grande afinidade artística...
Não tenho medo de morrer, não estou preocupado com isso.
Tenho medo de não viver bem.
Seu depoimento nos mostra também como a D.P. o fez refletir sobre a vida,
em vários sentidos:
1°) lições são aprendidas, como a de que sempre há um caminho para se superar os
problemas, caso tenhamos a devida compreensão dos fatos ocorridos. As coisas não
se encerram em um acontecimento; é preciso romper as amarras e superá-lo, tocar a
vida. Conforme ele diz: “Uma janela se fecha, mas outra se abre”;
2°) qualidades desenvolvem-se em nós, que nem supúnhamos de que fôssemos
dotados. No caso de Paulo José, que se torna, agora, escritor, ofício que talvez não
fosse praticado, caso atuasse ininterruptamente em cinema, rádio e TV, conforme sua
fala:
Como fiquei mais introspectivo, comecei a escrever... A
progressão da Parkinson é controlada. Tenho muita coisa para
fazer, como escrever... Recentemente fiz um trabalho para a
Globo sobre direção de atores. Fiz anotações e, quando
percebi, tinha um livro de 200 páginas. O material está sendo
distribuído internamente na Globo. Fiquei contente. Comecei
a escrever sobre a minha experiência. Essas anotações sobre
direção vão acabar publicadas, já tem editora interessada.
3°) desenvolve-se o desejo de uma mudança de vida, de saída do urbano apenas e de
um reencontro mais sereno, mais de escuta da própria natureza. Paulo José diz que:
Passei a cuidar melhor de cada dia. A acordar pensando
naquele dia, sem me preocupar com o amanhã. A decisão de
mudar do Leblon, onde sempre morei, e vir para uma casa no
alto da Gávea, no meio do mato, foi muito acertada. Estou em
outra vibração. Acordo e ouço os passarinhos, ando pela casa.
À noite ouço os grilos... Não tem aquela excitação da cidade.
162
4°) reconhece-se também o que é, de fato, a D.P., uma doença como outra qualquer,
que pode acometer qualquer indivíduo, em qualquer momento da vida. E que
possíveis perdas que se tenha na vida ou na doença não são propriamente perdas, mas
ganhos. Ganhos de sabedoria. O fundamental é enfrentar qualquer doença, inclusive
a D.P., com força, decisão e compreensão. Compreensão ou resignação indiferente
ao fato de ter que enfrentar a D.P. ou de ‘tourear’ a própria vida. Paulo José revela
que:
A Parkinson não é diferente de qualquer outra situação do ser
vivo, não pode ser usada como um trunfo, nem como uma
desvantagem. Depois que fiz 50 anos comecei a sair da
garantia. Portanto, não existe nada de excepcional em ter
Parkinson. Quando o médico te diz que você sofre de uma
doença degenerativa e irreversível, é natural. Isso não é um
privilégio da Parkinson, a condição humana é essa mesma.
As pessoas vivem como se fossem eternas. Vivemos uma
perda progressiva da vitalidade, da juventude. Em
compensação, vamos ganhando sabedoria.
Finalmente, Paulo José, com sua alma de artista, traduz esse sentimento de
compreensão da forma mais bem humorada possível: “Tem gente que bebe demais,
eu tenho Parkinson.”
5º) Sobre possíveis medos, da morte, da doença, diz C.S.: “Eu não tenho medo” e
U.W.A.: “Não, não tenho medo de morrer... Não tive medos”.
D.M., por sua vez, afirma também não ter medos: “Não tenho. Eu não tive
medo, toquei a vida em frente, recebi tudo naturalmente...”.
Mas D.M., diante da pergunta sobre a morte, assume uma postura de senso
comum, tentando justificar-se ao generalizar o fato questionado: “Quem não tem?
não é pavor... mas quem não tem?”
163
Apesar de C.S., D.M. e U.W.A. terem sido um tanto concisos em suas
respostas – observação que se aplica aos parkinsonianos em geral -, podem-se
depreender de suas falas algumas mensagens muito positivas sobre a vida, diga-se de
passagem, reflexões que lhes advieram após a D.P.:
a) qualquer acontecimento em nossa vida, mesmo a notícia de uma doença ainda
incurável, como a D.P., não nos deve abater, mas, pelo contrário, levar-nos a refletir
sobre nossa existência, sobre a própria doença, sobre questões como vida e morte,
porque esses acontecimentos nos fazem amadurecer e aceitar melhor os mistérios da
vida, como assinala C.S.:
Depois da doença, eu senti que estou passando por um grande
aprendizado, através dessa doença. Antes você não liga,
depois que você tem aquilo, você passa a pensar muito.
Amadurece...
b) que é preciso que reconheçamos a felicidade que temos por viver, que
procuremos cultivar sentimentos como a temperança, o equilíbrio emocional, a
tranqüilidade, enquanto ainda estamos saudáveis, sem a comprovação médica de uma
doença considerada grave. Assim, se chegar a doença, teremos o equilíbrio já
sedimentado durante anos e muita força para enfrentá-la, como pontua D.M.: “Que
eu era feliz e não sabia. Que é preciso ser feliz enquanto se tem saúde. E quando vem
a doença é preciso ser mais forte ainda”.
c) que é preciso que reconheçamos o valor da companhia do outro, do amor, da
amizade, da fraternidade entre os homens, conforme nos diz U.W.A.:
O que sinto falta agora é do amor... não funciona mais.
Minha esposa é muito forte, ela é fantástica, sem dúvida,
porque existe amor, só que agora é diferente é um amor mais
164
realista, fraternal... Mas ter uma companhia nesta época da
vida é muito bom.
Segundo Sacks (2002: 301), a presença do outro no ‘mundo do
parkinsoniano’ se dá por:
Acomodação ‘profunda’, repouso, cuidados, engenhosidade –
tudo isso é essencial ao paciente em tratamento com
levodopa. Mais importante, porém, e talvez um pré-requisito,
é o estabelecimento de relações adequadas com o mundo e –
em especial – com outros seres humanos ou com
um outro ser
humano, pois são essas relações que contêm as possibilidades
de um estar-no-mundo apropriado. Sentir a plenitude da
presença do mundo depende de sentir a plenitude de uma
outra
pessoa, como uma pessoa; a realidade nos é dada pela
realidade das pessoas; a realidade nos é tirada pela não-
realidade de não-pessoas; nosso senso de realidade, de
confiança, de segurança depende criticamente de uma relação
humana. Uma
única boa relação constitui uma corda salva-
vidas nas dificuldades, uma estrela polar e uma bússola num
oceano de percalços; e observamos, inúmeras vezes, nas
histórias desses pacientes, como uma única relação pode
desvencilhá-los dos obstáculos. A afinidade cura; somos
médicos uns dos outros – “Um amigo fiel é o médico da
vida” (Browne). O mundo é o hospital onde se dá a cura. O
essencial é sentir-se
em casa no mundo, saber do fundo do
coração que se tem um lugar de verdade no lar do mundo.
O companheirismo que se manifesta nos ensaios do Coral, na ABP, mantém
seus participantes – mesmo aqueles que são agora espectadores dos ensaios pelo
avanço da doença – vigorosos e persistentes na luta contra a D.P.
Ali, naquele ambiente, todos os integrantes compartilham suas idéias sobre
novas músicas a serem ensaiadas, trocam partituras, letras de música, criam novas
letras, regozijam-se com a melhoria crescente da saúde dos amigos, não se
amedrontam diante da progressão da doença em alguns casos, entusiasmam os
novatos a começar vida nova a partir daquele momento de engajamento na
Musicoterapia.
165
Desfrutar o convívio desse grupo onde não se sentem excluídos ou ‘olhados
de esguelha’, torna-se algo insubstituível para esses doentes da ABP, local cuja
qualidade maior é a do acolhimento, do apoio mútuo, contagiante a todos, num clima
musical de verdadeira confraternização.
Importante também a se destacar é que, depois do ‘baque’ inicial com a
notícia da D.P., o doente passa a desenvolver estratégias para vencer seus problemas,
por exemplo, de enrijecimento dos membros inferiores. Tais estratégias variam, pois
cada doente, ou cuidador, descobre uma forma efetiva, mas particular, certo tipo de
‘gatilho’ que desencadeia o ato automático de andar. Um doente dá o passo inicial a
partir de uma batida de bengala pelo cuidador; outro, a partir de um toque dado nele
por alguém próximo; e outro ainda a partir de seu próprio pensamento sugestivo:
“Um, dois, já!” A estratégia para o impulso inicial do andar, que faz o parkinsoniano
sair de sua imobilidade causada pelo enrijecimento dos membros inferiores, é
idiossincrática, não-perceptível ao observador, e só nos damos conta dessa
ocorrência a partir do dizer de cada um. A tal respeito, diz a regente do Coral da
ABP:
...nunca percebi o uso de estratégias particulares para que
estes parkinsonianos saiam de seu estado inicial. Em
contrapartida, em todos os ensaios é feito um longo trabalho
de aquecimento, relaxamento, respiração e trabalho de voz
antes do início do canto propriamente dito, o que é
fundamental para o progresso do grupo como um todo.
166
Capítulo 5.
Recepção sonora: algumas vibrações
167
Do não-dito da fala das pessoas portadoras de D.P. analisadas neste estudo,
pode-se depreender a capacidade que elas sempre tiveram de resistir a tropeços de
várias ordens que, via de regra, ocorrem durante a vida de qualquer pessoa.
Repetindo Varella (2003: 61) cabe perguntar: “Que resistência, que força é
essa, de onde surge e o que ocasiona na vida do indivíduo?” A autora diz que
encontram-se referências a essa capacidade em pesquisas advindas de várias áreas do
conhecimento, com abordagens e aplicações diferenciadas de autores,
63
mas
subsumidas em um termo: a resiliência.
Mas a concepção de resiliência referida, aqui, e que as questões acima já a
indiciam em seu sentido, levanta ainda outra questão: - A resiliência pode se dar por
meio de quê? Que caminhos podem viabilizar a ação dessa força interna das pessoas?
Mais especificamente: quais meios ou mecanismos de intervenção podem minimizar
problemas do estado motor ou não-motor de um indivíduo portador da D.P.?
Na infância, na juventude e mesmo na idade adulta, grande parte das pessoas
manifesta sua resiliência ao enfrentar tudo aquilo que vai ocorrendo nas décadas que
tem pela frente na vida. Assim, muitas pessoas planejam ou sonham com avanço nos
estudos, realizações de ordem pessoal ou familiar, viagens, novos relacionamentos...,
enfrentam seus problemas de saúde, financeiros, éticos etc.
Se pensarmos em como caracterizá-la, veremos que se trata de uma condição
subjetiva, uma vez que cada pessoa tem a sua, na sua própria medida, mas que tem
que ser necessariamente atrelada a uma causa que essa pessoa julgue valiosa.
63
Originário dos campos da Física e da Engenharia, onde ‘resiliência’ tem um sentido pontual,
restrito, respectivamente, de ‘elasticidade’ e ‘resistência a um choque’, esse termo se estendeu a outras
áreas, da Medicina, da Odontologia, da Biologia. Por volta dos últimos vinte anos, em um sentido
mais estendido, e com abordagens distintas, o termol foi aplicado nas áreas da Sociologia e da
Psicologia, cf. se verifica em Varella (2003).
168
Para Varella (2003: 63), a questão dos vínculos afetivos seria uma das formas
de a resiliência se configurar. A autora nos diz que se a pessoa conseguir “criar e
manter vínculos importantes, e aproveitar cada momento para aprender e seguir
adiante, com certeza ficará mais fácil aceitar as dificuldades e mudanças que surgirão
com a idade”. Diz ainda que os vínculos podem ser bem-estruturados seja na
religiosidade, seja no trabalho, seja por meio de ações solidárias com os mais
necessitados, seja por um interesse em atualização intelectual do próprio idoso.
Portanto, se durante a vida as pessoas conseguirem estabelecer e manter
vínculos que lhes sejam importantes, independentemente de sua modalidade
(religiosa, solidária com amigos ou familiares, com o trabalho, com a atualização
intelectual ou artística...), poderão constituir, em si mesmas, um background
consistente, positivo, para acolher as mudanças e os problemas resultantes da idade
avançada.
O que demonstrou a fala de nossos entrevistados?
Manifesta-se neles, com evidência maior, tal capacidade de resistir a
problemas de várias ordens, passando a conviver, e de forma exemplar, com a
Doença de Parkinson.
Todos eles se revelam como pessoas que muito lutaram pela vida, cada um na
sua especialidade, mas que não abandonaram seu métier, apenas o transformaram: de
caráter profissional (como o músico de orquestra ou com um trabalho-de-autor) para
um caráter mais amadorístico (tocando informalmente junto aos amigos ou mesmo
participando de Coral Terapêutico).
Pensar o processo da resiliência, configurado no âmbito das pessoas de idade
mais avançada, é pensar no que é essencial para essas pessoas. Processo cujo cerne
169
desatrela a doença de sua sintomatologia. Conseqüência disso é a possibilidade de
suspensão do medo da doença, da idéia de morte, dos tremores, da depressão etc.
Portanto, no caso da pessoa portadora da D.P., conceber sua doença como uma outra
qualquer, conviver e auxiliar outros amigos também com a D.P., enfim, ela pode
enxergar a vida de outra forma.
A partir da reflexão sobre o estado dos acometidos de Parkinson, cujos
dizeres foram marcantes, entende-se o que é fundante para eles: a música. A música
é o vínculo essencial a que estão ligados os entrevistados neste trabalho, ‘um
caminho de esperança’ para minimizar os efeitos incômodos de ordem motora e
outros decorrentes da D.P. Os doentes de Parkinson usam as músicas e os sons que
geram para se tornarem mais sensíveis a seus próprios ritmos e ciclos. Para se
sentirem mais integrados e lúcidos. As vivências musicais são a oportunidade de eles
se esquecerem por momentos de sua doença, e levarem a vida com mais sentido e
otimismo.
Otimismo é também o que não vem faltando a certos profissionais da área
médica. António Damásio, pesquisador de doenças neurológicas degenerativas,
64
é
um exemplo nesse sentido. Ele acredita que muito em breve se terá – senão a cura
para as doenças degenerativas – pelo menos um meio mais efetivo de preveni-las ou
de estabilizá-las, ou de retardar sua progressão.
Enquanto outros cientistas optam por um cômodo e precavido silêncio,
inclusive considerando Damásio otimista demais, este pesquisador proclama que é
essencial ‘dar esperança’ às pessoas que sofrem de Parkinson, considerando que os
64
Neurocientista português, António Damásio, é diretor do Departamento de Neurologia da
Universidade de Iowa (Estados Unidos), tendo recebido o Prêmio Príncipe das Astúrias de
Investigação Científica e Técnica, no ano de 2005, pelos seus trabalhos no campo das doenças
degenerativas, como a Parkinson e a Alzheimer. Cf. “Ciência Hoje-Ciência e Tecnologia em directo”.
Apud web site:
http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=1467&op=all.
170
avanços conseguidos no tratamento da doença e de sua sintomatologia e os novos
recursos criados pelas pesquisas com células-tronco mostram sinais muitos positivos
para que, num futuro próximo, se possa manter o cérebro humano funcionando como
uma orquestra afinada, em termos médicos.
Os depoimentos de profissionais (de médicos esperançosos como Damásio e
Sacks e dos aqui entrevistados), ligados aos doentes de Parkinson, soam em uníssono
como uma sinfonia, compondo com o que os próprios parkinsonianos são unânimes
em afirmar: o quanto é fundamental um programa de tratamento extensivo,
multidisciplinar, nos casos da D.P.
Além da indispensável medicação médico/farmacológica, é importante que
estejam envolvidos, num trabalho integrado, outras práticas ‘resilientes’, como
aquelas ligadas à Musicoterapia, à Arte em geral, à Clínica Fonoaudiológica e
Fisioterápica. Um conjunto integrado de conhecimentos e práticas tem auxiliado as
pessoas afetadas pela D.P. em muitos pontos:
1. A minimizar, de alguma forma, os sintomas mais notórios da D.P. que, de início,
as amedrontam e aos familiares e amigos, por trazerem uma situação nova (como se
o doente perdesse, de repente, o próprio controle de suas ações, quando sente que
mãos, pés, face, movimentam-se nos tremores, nos tiques, nos impulsos, enfim, é
como se o corpo todo ganhasse uma vida própria, não obedecendo mais ao controle e
comandos da mente, da vontade, do doente);
2. A desmistificar o valor dado a esses sintomas como característicos ou específicos
da D.P.: esses sintomas podem, por um lado, nem se evidenciar em todas as pessoas
portadoras de Parkinson (muitas delas nunca tiveram tremores); por outro lado,
171
podem aparecer em muitas outras ocasiões e mesmo em outras doenças que não a
D.P.;
3. A desmistificar e a encarar por outro ângulo o temido conceito ‘Doença de
Parkinson’ e mesmo o de ‘velhice’. Ambos, longe de representar ‘um passo para a
morte’, como costumam ser ditos, fazem parte do processo de envelhecimento, ao
qual ninguém se furta. Envelhece-se desde que se nasce. E a D.P. tem sido registrada,
embora em porcentagem reduzida, mesmo em indivíduos mal saídos da puberdade e
até em crianças. Doenças degenerativas, muitas delas desenvolvem-se desde o
nascimento, levando muitas vezes a pessoa à morte ainda na infância ou
adolescência. Portanto, quando um idoso tem D.P., deve encará-la como qualquer
outro acontecimento patológico na vida: tentar retardá-lo e aprender a viver com ele,
para passar esse conhecimento a outras pessoas; talvez isso possa constituir-se seu
projeto de vida no mundo, o meio de concretizar sua ‘resiliência’. Paulo José mostra
como é seu vínculo com a doença:
A Parkinson não é diferente de qualquer outra situação do ser
vivo, não pode ser usado como um trunfo, nem como uma
desvantagem... não existe nada de excepcional em ter
Parkinson. Quando o médico te diz que você sofre de uma
doença degenerativa e irreversível, é natural. Isso não é um
privilégio da Parkinson, a condição humana é essa mesma...
Tem gente que bebe demais, eu tenho Parkinson.
4. E, por último: a sintonizar os doentes de Parkinson consigo mesmos e a integrá-los
no seu meio social, familiar, de amigos, enfim, em sua comunidade.
O cérebro humano não depende apenas do que lhe ocorre interiormente, pois
depende muito mais do que está externo a ele, para poder funcionar de maneira
complementar, integrada (Guimarães dos Santos, 2005). Pode-se, então, dizer que
172
além da interação de uma área cerebral com outra, e da linguagem com outros
processos cognitivos, está na base do funcionamento do cérebro a interação com todo
o organismo, e também do indivíduo como um todo com o mundo.
É essa concepção de funcionamento do cérebro, e do sujeito na relação com o
mundo e com a sua própria doença, que leva os pesquisadores atuais, da ABP, e de
outros centros que se pautam por esse paradigma ao cuidar de problemas de saúde
das pessoas, a investir e acreditar no convívio social dos doentes e no
compartilhamento de suas experiências, por meio da música.
Do presente estudo, fica o sentimento de que é preciso criar uma nova cultura
em torno das doenças degenerativas, que as pessoas revejam seus paradigmas acerca
da vida, da saúde, do sujeito na relação com sua vida, com as outras pessoas, e que
assumam o esforço ‘resiliente’ que é preciso empreender nesse campo de doenças,
especialmente as de tipo idiopático como a D.P.
E que políticas públicas de apoio se criem com o envolvimento da sociedade
civil, no sentido de mudanças de conceitos, de paradigmas, de quebra de tabus e
preconceitos acerca das doenças e que lutemos por um grande investimento no
campo da prevenção, tanto quanto aos tratamentos médicos, quanto aos tratamentos
alternativos/complementares.
Parece não ser novidade, até pela insistência atual do mundo médico e da
mídia divulgadora do saber científico, que é uma associação de fatores de risco que
pode fazer desencadear uma doença, a uma pessoa que talvez tenha já uma certa
fragilidade (tendência genética?) à afetação por uma determinada doença. No caso da
D.P., esse complexo de fatores (que não é muito diferente daquele das demais
doenças degenerativas) tem sido descrito como: o uso de drogas pesadas, o
173
tabagismo, o alcoolismo, a hipertensão, o diabetes. Evitar os fatores de risco parece
ser, segundo a recomendação médica, um primeiro passo para se evitar certas
doenças.
Com o investimento atual maior no avanço das pesquisas neurológicas, seja
com novas pesquisas genéticas, seja com a criação de sofisticados equipamentos de
sondagem do cérebro, acredita-se que não esteja longe o momento de se poder atuar
eficazmente na prevenção da D.P.
No momento, observa-se que os resultados são bem mais satisfatórios,
quando se aliam, ao tratamento farmacológico/alopático, outros tratamentos como o
fonoaudiológico (logofoniátrico), a terapia corporal, o tratamento
psicológico/psicanalítico, o tratamento artístico (musical ou a pintura ou outro). Isso
significa que o doente não pode ser avaliado e tratado apenas sob o ponto de vista
médico, que é fundamental, mas não exclusivo, nem suficiente.
Na relação com outros profissionais e com amigos, o doente se esquece de
sua doença, solta-se de dentro dela. A própria doença, deixada de ser o centro de
atenção, torna-se um fato mais fácil de ser suportado. A ABP mostra esse quadro
satisfatório a quem lá comparecer.
Refletindo nesse sentido, concebemos a Musicoterapia, neste trabalho, como
uma forma ‘resiliente’ de viver melhor alguns momentos da vida, de ‘esquecer’ ou
minimizar – nem que o seja por pouco tempo - os sintomas da D.P. E o essencial: de
forma compartilhada, seja por meio de um diálogo com o próprio instrumento
musical, que leva o doente para ‘outros mundos’, seja por meio da interação com
outras pessoas, no caso dos integrantes do Coral da ABP, que leva os doentes a
compartilhar suas emoções e desejos. Corpo, som e palavra encontram-se imbricados
174
no mesmo processo terapêutico, contribuindo para que o doente transfira para o seu
cotidiano com familiares e comunidade, o vivenciado no setting terapêutico – no
presente caso, o ambiente do Coral na ABP -, de forma equilibrada e harmoniosa.
Ter a mente em exercício, assim como o próprio corpo, talvez seja um dos
maiores dos esforços na prevenção às doenças degenerativas, como a D.P. Com a
mente em exercício, voltada para outras práticas - a música, por exemplo - ela
mantém-se mais saudável, mais utilizável.
65
Com os grandes avanços da medicina, houve um aumento da expectativa de
vida. Vive-se mais hoje do que antigamente. Mas com que qualidade de vida? A
busca de uma melhor qualidade de vida também deve ser essencial.
E um dos fatores básicos para que cheguemos a um estágio de qualidade de
vida, conforme nos ensinou Paulo José, é a ‘seletividade’ em nossa vida, ou seja,
selecionar, dentre tudo o que nos é oferecido pela sociedade de consumo – a qual
estamos inexoravelmente submetidos – aquilo que é relevante para nossa
manutenção e crescimento. Confirmando o que Izquierdo (2004) assinala: todas as
pessoas devem ter a ‘seletividade’ como princípio em sua vida. No entanto,
perguntamos: por que esperar ter uma doença para assumirmos a seletividade como
princípio de vida?
Outro fator essencial, especialmente diante de uma pessoa portadora da D.P.,
é a ‘escuta’, sentimento que deveria ser mais exercitado, tanto da parte dos que lhe
estão próximos, quanto do próprio doente que também se deve escutar. Escutar sua
música interna, resgatar, enfim, o que se poderia chamar de sua ‘identidade sonora`.
65
Cf. Izquierdo, que repete o ditado: “A função faz o órgão”, na entrevista “Por uma Vida Melhor”.
Revista Planeta na Web. Apud web site:
http://istoe.terra.com.br/planetadinamica/site/entrevista.asp?idMat=60.
175
O ‘fazer musical’ propicia a escuta musical, no canto, especialmente em
grupo, como em um Coral Terapêutico, na execução de instrumentos, na
movimentação corporal e em outras atividades com som, música e movimento.
Encerra-se esta recepção sonora, citando um interlúdio de Sacks: “O poder da
música para integrar e curar... é fundamental. Ela é o mais profundo medicamento
não-químico...”, ao qual acrescenta-se nosso poslúdio: a Musicoterapia, a nosso ver,
é o mais essencial dos processos terapêuticos, porque leva a pessoa portadora da D.P.
a manter uma posição ‘resiliente’ diante da vida, ao minimizar a sintomatologia
motora e não-motora, transformar-se, a si mesmo, diante da doença, sobrepondo-se a
seus efeitos, ganhando força até para estancá-la em sua progressão, além de
conseguir mudanças significativas em outros doentes. Tudo isso porque a
Musicoterapia possibilita que o indivíduo orquestre mente, corpo e coração,
resgatando sua identidade sonora/musical. Em suma, a Musicoterapia o faz tornar-se
maestro de sua própria vida e da vida de muitas outras pessoas.
Capítulo 6.
Créditos
177
ALBUQUERQUE, Edson. Apud: “A ciência avança no tratamento das principais
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http://www.unifesp.br/comunicacao/ass-imp/clipping/2002/mai02/mai19.htm#4
184
ENTREVISTAS
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1. ENTREVISTA COM PAULO JOSÉ (setembro de 2000)
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“Uns bebem demais, eu tenho Parkinson” - Portador da Doença de Parkinson, o ator
diz que voltou à vida depois de conseguir reestrear nos palcos
Rosângela Honor
Desde 1992, Paulo José, 63 anos, não subia ao palco. A atividade teatral foi
interrompida quando o ator e diretor gaúcho descobriu que sofria de Parkinson,
doença degenerativa ainda sem cura. A exceção foram quatro apresentações do
monólogo Eu me lembro, em 1997. “Eu me senti mal com a experiência”, lembra.
Ex-marido de Dina Sfat, Carla Camuratti e Zezé Polessa, e pai de quatro filhos –
Isabel, 30 anos, Ana, 28, Clara, 26, e Paulo Henrique Caruso, 20 – ele contou com o
apoio de sua atual mulher, a arquiteta e diretora de cinema Kika Lopes, para
conseguir vencer o bloqueio.
Há menos de um mês estreou como diretor e ator da peça A Controvérsia, no Teatro
Glória, no Rio. Em sua ampla casa no Alto da Gávea, para a qual acaba de se mudar,
chama a atenção
o piano com partituras de Tom Jobim. No escritório, ainda estão
empilhados quadros com cenas dos filmes nos quais atuou, entre os quais
Macunaíma e Todas as Mulheres do Mundo.
No quintal da casa, encontra tranqüilidade para fazer
sessões diárias de exercícios de
relaxamento. Para quem sofre de Parkinson, sua flexibilidade e equilíbrio são
surpreendentes. “Parece fácil, mas não é mole não”, diz, diante de um pedido do
fotógrafo de Gente para que permanecesse agachado. Há 31 anos na Globo, ele se
prepara para fazer a próxima novela das sete e dirigir um longa-metragem sobre o
poeta Mário Quintana até o fim do ano.
Teve problemas para voltar ao teatro?
Tive receio de não conseguir. Foi um momento muito penoso para mim. Com a
ansiedade, os sintomas da Parkinson se agravam. Eu cheguei a passar mal durante
os ensaios e a coisa ficou séria. Convidei a Bel (Kutner) para me sentir mais seguro
na hora de atuar. Além da afinidade que temos como pai e filha, temos grande
afinidade artística.
65
Entrevista de setembro de 2000, extraída do web site:
http://www.terra.com.br/istoegente/61/entrevista/, com grifos do pesquisador.
186
Mas você não se preparou?
É, mas com a expectativa da estréia, eu pensava: como vou me sair dessa? Afinal,
me meti num desafio grande. Quando o Pedro Bial me convidou para dirigir, foi
inevitável, não pude recusar. Há tanto tempo não via um texto tão vigoroso, tão
bom.
Em que momento achou que não conseguiria?
Quando estávamos a dez dias da estréia, não conseguia decorar o texto. Na verdade,
se me tomassem o texto, eu saberia. Mas na hora de falar, ficava rateando. Isso
começou a criar um problema para o espetáculo. Passei a me sentir em dívida com o
elenco porque tudo ia bem e parava comigo, me sentia atrapalhando os atores. Aí,
pintou a ansiedade.
E como driblou o problema?
Estava ensaiando das 16h às 20h todos os dias. Chegou a um ponto que fiquei
estressado. Cancelei um ensaio e dormi o dia todo. Contei muito com a cumplicidade
dos atores. No dia seguinte, não me preocupei com a direção, pensei só no
personagem e, pela primeira vez, consegui ensaiar bem.
Aumentou a dose dos remédios?
Não, foi só ser rigoroso com a medicação. Como os horários eram malucos,
esquecia de tomar os remédios. Tomo doses pequenas o dia todo. Na semana da
estréia, consegui sair do buraco negro e comecei a melhorar. Também comecei a me
poupar. Até 16h, não fazia nada. Fui melhorando, mas na estréia ainda entrei mal
em cena, com tensão, preso. Só depois é que fiquei mais solto.
O que sentia?
Eu tinha lacunas no pensamento, é um problema neurológico. A Parkinson tem dois
sintomas básicos: tremor nas pernas e enrijecimento da língua. Isso prejudicava
minha fala, ficava preso. Tinha hiatos. Não sabia se já havia falado determinada
frase.
Tem controle sobre os sintomas?
O fato de ter conseguido fazer o espetáculo me deu muita tranqüilidade. Dez dias
antes, eu achava que seria preciso colocar outro ator no meu lugar. Quando
consegui, fui tomado por uma euforia muito grande, uma volta à vida. Eu já tinha
desistido de fazer teatro. Em televisão e cinema, dava para dizer: gente, preciso de
uma hora para deitar e daqui a pouco volto. Mas no teatro não dá para dizer:
“Respeitável público, espere meia hora que eu vou ficar um pouco deitado e daqui a
meia hora volto”.
O que faz contra a depressão?
Faço bioenergética e trabalho corporal. Com os ensaios, fiz
preparação física e
vocal diária. Tenho um professor que vem em casa. Fazemos exercícios, nadamos na
piscina. É fundamental cuidar do corpo, já que existe uma tendência de paralisia do
lado direito nos portadores da doença. Também
voltei a tocar piano.
187
Há quanto tempo voltou para os palcos?
Há seis meses. Com os ensaios do teatro, toco pelo menos meia hora por dia e, se
tenho tempo, até duas horas. É um exercício. Foi uma iniciativa minha voltar a
tocar. A música é uma terapia excelente. Tenho como exemplo o neurologista Oliver
Sacks. Ele sofreu um acidente e perdeu os movimentos de uma perna. Começou a
fazer fisioterapia, mas não conseguia melhorar. Um dia estava ouvindo uma música
que gostava muito e percebeu que a perna paralítica começou a pulsar.
Deliberadamente começou a relaxar,
deixar a música tomar conta do corpo. Criou o
método da Musicoterapia para cura de lesões de paralisia e da Parkinson, usando a
música.
Como venceu seus medos?
Minha mulher me ajudou muito. Ela é uma pessoa adorável. Eu disse que não ia
mais fazer teatro e ela me intimou: “Você pode e vai conseguir fazer teatro”. Eu
encarei como um desafio. Antes já havia lido outros textos e só desta vez me
interessei.
Como a Doença de Parkinson limitou sua vida profissional?
Percebi que, quando se faz muita coisa, não se faz nada direito. A quantidade
compromete a qualidade. Fiquei mais seletivo. Agora estou fazendo a peça com toda
a profundidade. É mais intenso do que fazer mil coisas. Quando soube da doença,
continuei no pique. Depois é que fui reduzindo, ficando mais seletivo. Tenho que me
guardar para fazer bem um único trabalho. Fui chamado para fazer a próxima
novela das sete. Sinto que farei bem, sem problemas.
Mas novela é uma maratona.
Controlo meu trabalho. O que me incomoda um pouco são aparições públicas,
principalmente entrevistas. Fui fazer o Programa do Jô, que é ótimo, ele foi muito
simpático, mas fiquei ansioso. Na novela, dá para me preparar. Tenho tempo.
Em oito anos, qual a pior fase?
No começo, continuei trabalhando porque a medicação tinha um efeito tranqüilo. O
problema da levodopa [um dos remédios que ingere] é que, depois de algum tempo
de uso, tem efeitos depressivos. A gente se fecha, evita os amigos, não quer sair de
casa. Tive fases muito ruins, de evitar o contato com as pessoas. Foi péssimo, mas
agora estou numa fase ótima.
Você quis parar de atuar?
Não, mas também desenvolvi outra qualidade. Uma janela se fecha, mas outra se
abre. Como fiquei mais introspectivo, comecei a escrever.
Pensa publicar um livro?
Recentemente fiz um trabalho para a Globo sobre direção de atores. Fiz anotações
e, quando percebi, tinha um livro de 200 páginas. O material está sendo distribuído
internamente na Globo. Fiquei contente. Comecei a escrever sobre a minha
experiência. Essas anotações sobre direção vão acabar publicadas, já tem editora
interessada. Mas não penso em escrever um livro.
188
Você faz análise?
Faço. Foi fundamental quando descobri a Parkinson. Tem que ter algo te apoiando.
Análise não é para curar, mas para que você se aceite melhor.
O que mudou na vida pessoal?
Passei a cuidar melhor de cada dia. A acordar pensando naquele dia, sem me
preocupar com o amanhã. A decisão de mudar do Leblon, onde sempre morei, e vir
para uma casa no alto da Gávea, no meio do mato, foi muito acertada. Estou em
outra vibração. Acordo e ouço os passarinhos, ando pela casa. À noite, ouço os
grilos... Não tem aquela excitação da cidade.
Com a morte da Dina Sfat, como conciliou a tarefa de pai e mãe?
Nos últimos dois, três anos de sua vida, Dina se dedicou à luta contra o câncer.
Continuava na ativa, mas isso exigia muito esforço dela. Ela lutou bravamente
contra a doença. E, nesse período, as meninas já estavam comigo. As coisas vão
acontecendo e você vai tentando resolver da maneira que pode. Os problemas
afetivos, os estudos, as crises... A gente sempre erra, faz besteiras... Não sei, não há
regra com relação aos filhos.
Tem medo de morrer?
Não tenho medo de morrer, não estou preocupado com isso. Tenho medo de não
viver bem. A progressão da Parkinson é controlada. Tenho muita coisa para fazer,
como escrever. A Parkinson não é diferente de qualquer outra situação do ser vivo,
não pode ser usado como um trunfo, nem como uma desvantagem. Depois que fiz 50
anos comecei a sair da garantia. Portanto, não existe nada de excepcional em ter
Parkinson. Quando o médico te diz que você sofre de uma doença degenerativa e
irreversível, é natural. Isso não é um privilégio da Parkinson, a condição humana é
essa mesma. As pessoas vivem como se fossem eternas. Vivemos uma perda
progressiva da vitalidade, da juventude. Em compensação, vamos ganhando
sabedoria. Tem gente que bebe demais, eu tenho Parkinson.
66
66
Cf. site: http://www.terra.com.br/istoegente/61/entrevista/.
189
2. ENTREVISTA COM E.O. - FISIOTERAPEUTA (outubro de 2005)
Qual o papel da Fisioterapia a par da Musicoterapia? Ou: Qual a contribuição
que a Fisioterapia pode dar especificamente aos doentes com Parkinson, e que
também fazem Musicoterapia?
O tratamento fisioterapêutico para a doença de Parkinson (DP) tem como principal
objetivo oferecer ao paciente melhor qualidade de vida através do controle dos
sintomas, principalmente a bradicinesia [lentidão anormal dos movimentos],
instabilidade postural, freezing, em relação ao tremor de repouso infelizmente,
podemos intervir de maneira limitada até o momento. Sabemos que pacientes com
D.P. se beneficiam com pistas externas, sejam elas visuais ou auditivas, os ritmos
musicais ou sonoros parecem contribuir para um melhor desempenho em relação à
marcha, principalmente. Acredito que a Fisioterapia possa oferecer contribuição
aos pacientes com D.P. e que também façam Musicoterapia através da associação
de movimentos e ritmos.
Qual o preparo que a Fisioterapia dá especificamente ao parkinsoniano para
que ele possa desenvolver uma atividade musical? Sob que aspectos? Motor?
Movimentação para a fala? Para o canto? Altera a voz?
Aqui na ABP, nós, até o momento, não realizamos nenhuma preparação específica
para esta finalidade, talvez haja uma contribuição da nossa parte de maneira
indireta, ou seja, quando trabalhamos a postura de um paciente através de
exercícios de alongamento da musculatura anterior do tronco e fortalecimento da
musculatura posterior (basicamente) estamos tentando manter uma postura
adequada para este paciente que poderá ajudar no desenvolvimento de uma
atividade musical, ao trabalharmos o paciente de maneira global, visamos a auxiliá-
lo para que consiga realizar todas as atividades pelas quais ele se interesse,
portanto trabalhamos a parte motora, além disso, incentivamos o “falar forte” e
realizamos exercícios faciais em algumas sessões de terapia.
Você já viu progresso no doente que passa pela Fisioterapia, antes de passar
para a atividade musical? É diferente a atuação do doente que vá fazer música
como terapia sem ter feito Fisioterapia?
Já, existem pacientes que fazem somente a Fisioterapia, assim como existem
pacientes que só fazem o Coral e pelo menos, em relação à parte motora, eles
melhoram (este é o nosso objetivo). Existem também casos em que o paciente não
consegue evoluir tão bem na Fisioterapia e que se “soltam” no Coral, depende das
características de personalidade de cada indivíduo, de sua história pessoal etc.
Como, até o momento, enxergamos Fisioterapia e Coral com objetivos diferentes,
que se complementam muito bem, no meu ponto de vista, não é possível melhorar a
parte motora de um paciente sem fazer exercícios específicos. O que talvez possa
acontecer é o doente aumentar a sua auto-estima participando do Coral e depois, ao
iniciar a Fisioterapia, isso se reflita com uma evolução motora mais rápida.
E quanto à atenção do parkinsoniano, qual o investimento da Fisioterapia com
relação à sua desenvoltura musical, em qualquer das três atividades:
- quer lendo a partitura;
- quer cantando a letra da música;
190
- quer cantando a melodia?
São trabalhadas ou “cobertas” pela Fisioterapia as três atividades?
Acredito que a Fisioterapia possa contribuir para as atividades acima em relação à
manutenção correta da postura, principalmente para o cantar.
Como a Fisioterapia prepara o parkinsoniano para iniciar certas atividades,
como a musical? Ou seja, a Fisioterapia ensina alguma estratégia ou “gatilho”
ou artifício (prático, tipo: contar números ou balbuciar letras, cantarolar...),
para que o parkinsoniano saia de seu estado de freezing /enrijecimento / tremor
/ ansiedade / medo) e comece, por exemplo, a cantar, ou a tocar, ou a dançar?
Para atividades básicas do dia-a-dia, utilizamos algumas estratégias, por exemplo,
para o andar, quando o paciente apresenta freezing, pedimos para que ele leve um
dos pés para a frente como se estivesse pulando um cabo de vassoura para que ele
consiga dar um passo maior e evite arrastar os pés no chão. Cada paciente se
adapta melhor com uma pista específica, alguns conseguem andar muito bem
contando os passos, outros repetindo direito e esquerdo, associando com o pé que
está dando o passo. Para todas as atividades que eles forem executar, no caso dos
pacientes com muita lentificação, pedimos para que eles programem
conscientemente os movimentos, ou seja, para que eles pensem nos movimentos e na
sua amplitude para que consigam iniciar as atividades, já que é o automatismo que
está prejudicado nesta doença. Para o dançar, o próprio ritmo musical pode servir
de pista para que o paciente inicie o movimento, para o tocar, pensar no movimento
(posicionamento inicial, posicionamento final, amplitude) poderia ajudar (não
sei...), para o cantar, talvez a Fonoaudiologia possa responder melhor, acredito que
a Fisioterapia não possa intervir neste aspecto, no sentido de iniciar esta atividade.
O que você gostaria de dizer mais sobre a relação entre as três áreas: a
Fisioterapia, a Fonoaudiologia e a Musicoterapia?
Eu gostaria de saber mais sobre a Musicoterapia, parece ser uma área bastante
interessante e que pode contribuir bastante para o tratamento da D.P.; acho que são
áreas que podem se complementar para melhorar ainda mais o atendimento aos
nossos pacientes, elas poderão ser trabalhadas talvez, de forma associada. A
relação entre a Fisioterapia e a Musicoterapia é bastante interessante, devido às
pistas auditivas e rítmicas que podem auxiliar alguns pacientes mais comprometidos
com a D.P.
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3. ENTREVISTA COM C.A.R.C. -FISIOTERAPEUTA (outubro de 2005)
Qual o papel da Fisioterapia a par da Musicoterapia? Ou: Qual a contribuição
que a Fisioterapia pode dar especificamente aos doentes com Parkinson, e que
também fazem Musicoterapia?
A Fisioterapia desempenha o importante papel de prover melhor qualidade de vida
ao paciente, através da reabilitação física, oferecendo-lhe parcial ou totalmente a
sua independência, para realizar as atividades do dia-a-dia. Incentivamos
enfaticamente o paciente a realizar diversas atividades, incluindo a Musicoterapia,
através do nosso Coral, para ajudar na melhora global de seu quadro motor e
também psíquico, já que a D.P. é uma patologia, que tem como característica o
comprometimento motor global, acometendo a musculatura do corpo todo.
Qual o preparo que a Fisioterapia dá especificamente ao parkinsoniano para
que ele possa desenvolver uma atividade musical? Sob que aspectos? Motor?
Movimentação para a fala? Para o canto? Altera a voz?
A Fisioterapia auxilia o parkinsoniano a melhorar sua auto-estima, tão bem quanto
sua iniciativa. Isso pode ocorrer gradativamente, a partir do momento em que vai
percebendo melhora nos seus movimentos e desempenho físico global, como, por
exemplo, diminuição da rigidez muscular e da bradicinesia (lentidão anormal de
movimentos). Devido a estes benefícios, o paciente torna-se mais confiante em si
próprio e mais estimulado a realizar outras atividades, como a Musicoterapia.
Você já viu progresso no doente que passa pela Fisioterapia, antes de passar
para a atividade musical? É diferente a atuação do doente que vá fazer música
como terapia sem ter feito Fisioterapia?
Sim, pois a Fisioterapia pode beneficiar o paciente na parte rítmica dos movimentos,
coordenação motora e maior controle do movimento, a partir do momento que são
estimulados a contarem bem alto a repetição dos exercícios, tanto na terapia em
grupo, como na terapia individual, além de melhorar sua auto-estima como foi
supracitado.
E quanto à atenção do parkinsoniano, qual o investimento da Fisioterapia com
relação à sua desenvoltura musical, em qualquer das três atividades:
- quer lendo a partitura;
- quer cantando a letra da música;
- quer cantando a melodia? São trabalhadas ou “cobertas” pela Fisioterapia as
três atividades?
Durante o tratamento fisioterapêutico, nós enfatizamos aos pacientes, que devem se
concentrar e prestar bastante atenção nos exercícios que estão realizando no
momento, contando a repetição dos mesmos, no mesmo ritmo em que estão
realizando-os. Isso deve acorrer em sincronia com os outros integrantes do grupo,
para que todos realizem juntos a contagem e os exercícios simultaneamente. Isso
automaticamente os força a obterem maior atenção e concentração, pois estimula
também a preocupação da parte de cada um, a realizar os exercícios da maneira
mais correta possível para que não prejudique o restante do grupo. Isso pode ajudar
na desenvoltura musical em geral.
192
Como a Fisioterapia prepara o parkinsoniano para iniciar certas atividades,
como a musical? Ou seja, a Fisioterapia ensina alguma estratégia ou “gatilho”
ou artifício (prático, tipo: contar números ou balbuciar letras, cantarolar...),
para que o parkinsoniano saia de seu estado (de enrijecimento “freezing” /
tremor / ansiedade / medo) e comece, por exemplo, a cantar, ou a tocar, ou a
dançar?
Como foi citado anteriormente, a Fisioterapia tem o papel de ajudar o paciente,
oferecendo-lhe uma melhor qualidade de vida, através da reabilitação, a qual irá
ocorrer melhora global do quadro motor, e conseqüentemente maior independência
no seu dia-a-dia. Como estratégia, sempre solicitamos aos pacientes que realizem
movimentos amplos, oferecendo-lhes pistas verbais e principalmente visuais, para
que possa ocorrer melhora em sua amplitude de movimento, facilitando na marcha e
diminuindo a rigidez muscular.
O que você gostaria de dizer mais sobre a relação entre as três áreas: a
Fisioterapia, a Fonoaudiologia e a Musicoterapia?
É de extrema importância, o trabalho multidisciplinar, levando sempre em conta o
benefício do paciente, haja vista que ele realmente necessita de Fonoaudiologia,
Psicologia, Fisioterapia, e outros tipos de terapia como, por exemplo, a
Musicoterapia, entre outros, para que ocorra uma melhora no seu quadro clínico
geral, o que irá acrescentar, cada vez mais, benefícios ao paciente.
193
4. ENTREVISTA COM D.L.D. - PIANISTA / MUSICOTERAPEUTA
(novembro de 2005)
Como pianista, o que você pode dizer em relação aos portadores da doença de
Parkinson que fazem parte do Coral? Uns têm mais dificuldades que outros
para cantar? Uns se destacam mais e por quê?
Eles têm dificuldade, sim, alguns bastante mais que outros e alguns até têm algo
muito interessante, têm mais dificuldade para falar do que outros, mas na hora de
cantar conseguem cantar. Exatamente como os gagos. Alguns se destacam mais,
primeiro porque gostam muito de cantar e, segundo, porque sentem que cantando
ficam melhor da voz, têm outros que mesmo sabendo de tudo isso não fazem muita
questão de em casa cantar, por ex., alguns se destacam mais por isto e se dedicam
mais à atividade.
Quais as diferenças comportamentais entre os que cantam e os que não o
fazem?
Elas são bem grandes, assim: primeiro na parte emocional, eu acho que aqueles que
cantam se sentem melhores, sentem que têm alguma capacidade, que não estão tão
estragados, vamos dizer assim, eles são mais alegres, passam essa alegria para os
outros e gostam de fazer com que os outros sintam essa alegria. Acho que a música,
para eles, é um beneficio enorme, uma alegria enorme, também porque quando eles
se reúnem para cantar é uma atividade social. Essa parte social é importantíssima.
Tanto que você mesmo, quando veio aqui, imaginou que fosse encontrar tudo gente
sisuda, triste, viu que é completamente diferente. Parte porque eu e a T. passamos
isso para as pessoas porque é nosso temperamento também. Acho que os que cantam
também demonstram ser um pouquinho mais livres do que os outros, não dependem
tanto de outros. Os que não cantam parecem depender dos outros para tudo. E os
que cantam são mais livres, não dependem tanto dos outros.
Você nota progresso para melhor no estado físico e comportamental do doente
que se exercita com sua voz?
Eu noto sim, eu acho que isso que eu te falei, aqueles que fazem o exercício,
inclusive para andar, que fazem os próprios fisioterapeutas.
Para eles, é muito bom. Então porque, fora cantar, eu faço os exercícios de voz e, às
vezes, faço alguma coisa de ritmo, de coordenação motora, entra tudo isso que, para
eles, é muito bom...
Eles melhoram fisicamente, emocionalmente?
Melhoram.
Você acha que eles superam os sintomas (como problemas de voz, tremores,
enrijecimento “freezing” da face, dos braços, das pernas), quando estão
cantando?
Sim. Eu acho que quando eles estão cantando, eles se transportam para outro
mundo, mas quando acabam de cantar, tem sempre alguém que se levanta e cai.
Começa a tremer de novo... Não é que sarou, porque cantou. Mas no momento da
música, eles são outra coisa. Sim, no momento da música, eles se transformam...
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Acho que quando estão cantando se transformam, mas quando acabam de cantar
tem uns que caem, começam a tremer de novo etc. Não que tenham sarado. No
momento da música, são outra coisa.
Quanto à percepção que eles têm deles mesmos? Você acha que eles se sentem
realizados emocionalmente, isto é, eles acham que estão conseguindo algo com
esse trabalho musical?
Acho que sim. Acho que eles têm consciência que com este trabalho que eles fazem,
eles conseguem cantar.
Acho que eles têm consciência disso, que com nosso trabalho que eles fazem eles
conseguem cantar, eles se sentem melhor, mais sociáveis, gostam muito desse
momento, por também poderem conversar com os outros. Eu permito sempre que
eles dêem opinião, então tudo isso mexe com eles. Principalmente na parte
emocional.
Por quanto tempo eles continuam esse trabalho com você? Sempre?
Eles devem fazer isso sempre. É vital. A maioria dos doentes de Parkinson. Vai
chegando um tempo que a própria doença os limita, porque não podem andar e que
os tratadores não podem mais trazê-los e aí eles param de vir à Associação, porque
não conseguem se levantar, andar e os tratadores não têm como trazê-los aqui. Se
continuassem em suas casas fazendo isso seria bom não só a parte de música, mas
tudo.
Você acha que aqueles que não podem mais vir aqui, deveriam fazer em casa
não só a Musicoterapia mas todos os outros exercícios?
Com certeza, deveriam continuar não só a parte da música, mas tudo, a Música, a
Fisioterapia, nós recomendamos: façam em casa esses exercícios. Alguns falam que
cantam no banheiro, mas nem todos fazem isso só fazem quando estão aqui porque
acham mais engraçado e melhor porque aqui tem o teclado acompanhando, que eu
brinco etc. Com certeza. Eles deveriam continuar com tudo o que é feito aqui, em
casa. A Fisioterapia... Todos nós, de todas as áreas, recomendamos, façam em casa
os exercícios. Eles deixam pra cantar aqui, porque é mais gostoso, é um encontro
social. Todos têm o mesmo problema. Se um despenca no chão, ninguém diz: Ai, que
horror! A parte social é muito importante para a parte emocional. Todos os que aqui
trabalham têm um ânimo bom e muita alegria. A parte social é muito importante
para a parte emocional. O que chama mesmo a atenção.
Você gostaria de dizer mais alguma coisa?
É uma lástima que a Associação dependa sempre de alguém, de alguma coisa para
poder prosseguir. Na verdade, deveria ter mais dias com mais atividades todas,
deveria ter mais pessoas trabalhando isso. Eles deveriam, quando saem daqui, ter
alguém em casa para continuar os exercícios, quando eles não podem mais... Mas é
uma coisa difícil realmente. Eu me sinto felicíssima porque eu vi que desde que eu
comecei aqui, até hoje, esse Coral evolui maravilha... Eles mesmos percebem a
evolução que tiveram. Também assim a gente não exige nada que eles não possam
fazer. Nós vamos tentar fazer isso. Aí, alguém diz: Ah, mas é difícil. Ora, mas é
difícil, mas andar também foi difícil e a gente conseguiu... Sempre fazendo uma força
para conseguir. Agora, estamos tentando fazer duas vozes. Porque pra eles fazer as
195
quatro, é impossível. Mas duas tá quase conseguindo. Eles não conseguem porque
eles não lêem partitura e depois porque eles querem cantar a música, não querem
fazer a segunda voz, então, aí é que fica difícil.
Eles não têm interesse em aprender um pouquinho de música, de teoria
musical?
Não, eles não querem. Eles querem cantar para aprender música, a maioria não
enxerga bem. Então, teríamos um problema de não enxergar a pauta de não ver a
nota, então tudo que possa criar um problema, a gente corta. Já chega todos os
problemas que eles têm, não dá. Eles têm que fazer as coisas com prazer. Sempre
fazendo uma força pra conseguir. Quando eu trouxe, de repente, aquela música do
Vinicius, do CD, não sei se você ouviu o CD? Eles quando ouviram aquilo,
disseram: - Será que vamos conseguir? E ficou muito melhor do que se esperava.
São essas coisas que dão prazer. Muito obrigada.
196
5. ENTREVISTA COM T.F. - REGENTE DO CORAL (novembro de 2005)
Como regente, o que pode dizer em relação aos portadores da doença de
Parkinson que fazem parte do Coral? Uns têm mais dificuldades que outros
para cantar? Uns se destacam mais e por quê?
Como regente, o que posso dizer em relação aos portadores da D.P. que fazem parte
do Coral, no sentido de se uns têm mais dificuldades que outros para cantar, é que,
sim, certamente. O que é normal, pois depende do estágio da doença, que é
absolutamente individual, também do maior ou do menor contato que tiveram antes
do início da doença com a música, se a voz foi mais ou menos afetada pela D.P.,
citando só algumas razões. As dificuldades para cantar também são individuais,
apesar de que posso afirmar que ela é comum a todos, em maior ou menor grau.
Como é sabido, toda a estrutura da voz é abalada pela D.P. Mas, alguns se
destacam mais, e não necessariamente por causa do estágio da doença em que se
encontram, mas principalmente por causa do nível de motivação e prazer que
encontram em cantar. Geralmente os pacientes que já cantavam antes estão nesta
categoria. Mas existem casos de pacientes que não tinham tido contato com a
música e o canto antes, estão com a voz bastante afetada e mesmo assim descobrem
o canto como uma nova forma de superação de si mesmos.
Quais as diferenças comportamentais entre os que fazem o Coral e os que não o
fazem?
Esta é uma pergunta bastante difícil de ser respondida, uma vez que o ideal seria ser
feito um estudo detalhado do perfil psicológico dos participantes e dos não
participantes, mas experimentalmente o que posso afirmar sobre as diferenças
comportamentais entre eles é que, entre os participantes do Coral, a gente observa
uma maior “abertura” mental, quer dizer, uma maior disponibilidade para tentar
coisas novas, um maior desejo de participação no processo de tratamento da
doença. Esta afirmação é especialmente verdadeira entre os participantes mais
dedicados.
Você nota progresso para melhor no estado físico e comportamental do doente
que se exercita com a voz no Coral? Em que ele melhora? Fisicamente?
Emocionalmente? Você acha que ele supera os sintomas (como problemas de
voz, tremores, enrijecimento [freezing] da face, dos braços, das pernas), quando
está cantando?
A D.P. é uma doença degenerativa, portanto é muito complicado falar em
“superação” dos sintomas, mas o que a gente pode observar é que entre os
Coralistas mais envolvidos, mais participativos, existe, sim, uma melhora na voz e
na disposição psicológica em geral. Normalmente, quando estão cantando o que
percebemos é que quando eles conseguem se envolver e participar ativamente,
sentem um grande bem-estar com evidentes melhorias em seu estado físico geral.
Quanto à percepção que eles têm deles mesmos? Você acha que eles se sentem
realizados emocionalmente, isto é, eles acham que estão conseguindo algo com
esse trabalho no Coral?
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Entre os Coralistas mais participativos, é evidente o sentimento de realização
emocional que eles têm e o quanto a percepção de estar fazendo algo especial com
esse trabalho que os ajuda.
Por quanto tempo eles continuam esse trabalho no Coral? Sempre?
Justamente entre estes Coralistas mais participativos a adesão é muito grande, e
normalmente eles continuam no trabalho por muito tempo, o que pode variar por
meses e até anos. Evidentemente esta não é uma regra geral. Os pacientes que
conseguem se envolver e participar são os que colhem os maiores benefícios e os
que ficam por mais tempo. Estes pacientes devem perfazer cerca de 40% dos
participantes. Depois tem os participantes menos ativos, que permanecem por
períodos mais curtos, que podem variar entre semanas a alguns meses. Esta
população deve perfazer mais ou menos 30% do total de participantes. Tem também
os participantes que já estão numa fase aguda da doença, e que, portanto,
participam dos ensaios eventualmente ou apenas por algumas semanas. E por último
existem aqueles que não conseguem se envolver de fato por razões pessoais, ou já
têm sua independência comprometida e não conseguem companhia de outras
pessoas para levá-los até a Associação por períodos mais longos. Estes permanecem
no Coral por pouco tempo. Daí, podermos também tirar a conclusão da importância
primordial que o cuidador exerce no quadro geral do paciente.
Você percebe se os doentes, antes de começar a cantar no Coral, tem alguma
estratégia ou “gatilho” ou artifício (prático, tipo: contar números ou balbuciar
letras, cantarolar...), para que esses parkinsonianos saiam de seu estado (de
enrijecimento [freezing] / tremor / ansiedade / medo) e comecem, por exemplo, a
cantar (ou a tocar, ou a dançar)?
Não, nunca percebi o uso de estratégias particulares para que estes parkinsonianos
saiam de seu estado inicial. Em contrapartida, em todos os ensaios é feito um longo
trabalho de aquecimento, relaxamento, respiração e trabalho de voz antes do início
do canto propriamente dito, o que é fundamental para o progresso do grupo como
um todo.
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6. ENTREVISTA COM S.C.F. – PROFISSIONAL DA FONOAUDIOLOGIA
(novembro de 2005)
Qual o papel da Fonoaudiologia para os parkinsonianos que fazem música como
terapia? Qual a contribuição que a Fonoaudiologia pode dar especificamente a
essas pessoas?
O fonoaudiólogo vai se preocupar com o trabalho de recuperação da voz, do
aparelho vocal, do doente etc.
Você vê progresso no doente que passa pela Fonoaudiologia, antes de passar
para a atividade musical? E quanto à atenção do parkinsoniano, com relação à
sua desenvoltura musical, quer lendo a partitura, quer cantando a letra da
música, quer cantando a melodia?
Sim, embora muitos não queiram fazer exercícios vocais, estes são imprescindíveis
para os doentes de Parkinson.
Como a Fonoaudiologia prepara o parkinsoniano para iniciar certas atividades,
como a musical? Ou seja, a Fonoaudiologia ensina alguma estratégia ou artifício
para que o parkinsoniano saia de seu estado (de enrijecimento / tremor /
ansiedade / medo) e comece, por exemplo, a cantar, ou a tocar, ou a dançar?
O fonoaudiólogo se encarrega de levar o doente a executar exercícios muito
importantes como o de inspirar profundamente, levantando os braços (com uma,
duas ou três paradas no percurso) e distendendo o exôfago. A seguir, expira
vagarosamente o ar do pulmão, abaixando os braços e contraindo o abdômen. Esse
exercício prepara a respiração adequada do parkinsoniano que vai cantar no Coral.
Muitos outros exercícios são desenvolvidos e cada um de acordo com a necessidade
do doente.
O que você gostaria de dizer mais a relação entre a Fonoaudiologia, a
Fisioterapia, a Musicoterapia?
As áreas da Fonoaudiologia, da Fisioterapia e da Musicoterapia devem compor um
programa integrado de recuperação do doente de Parkinson.
199
7. ENTREVISTA COM M.T.B. – PROFISSIONAL DA FONOAUDIOLOGIA
(novembro de 2005)
Qual o papel da Fonoaudiologia para os parkinsonianos que fazem música como
terapia? Qual a contribuição que a Fonoaudiologia pode dar especificamente a
essas pessoas?
Logo após algum trabalho inicial, já se pode ver o quanto um fono é importante
junto a um doente. O fonoaudiólogo se preocupa com o trabalho de recuperação das
funções do aparelho fonador do doente.
Você vê progresso no doente que passa pela Fonoaudiologia, antes de passar
para a atividade musical? E quanto à atenção do parkinsoniano, com relação à
sua desenvoltura musical, quer lendo a partitura, quer cantando a letra da
música, quer cantando a melodia?
É fundamental essa preparação, dado que o canto, por exemplo, exige mobilidade
dos órgãos bucais, bom e adequado ritmo respiratório, além de outros aspectos
como movimentos livres de tronco, de abdômen, de membros superiores e inferiores
etc.
Como a Fonoaudiologia prepara o parkinsoniano para iniciar certas atividades,
como a musical? Ou seja, a Fonoaudiologia ensina alguma estratégia ou artifício
para que o parkinsoniano saia de seu estado (de enrijecimento / tremor /
ansiedade / medo) e comece, por exemplo, a cantar, ou a tocar, ou a dançar?
O aspecto motor, articulatório, da voz vai ser desenvolvido pela área da
Fonoaudiologia, o que permite ao doente de Parkinson exercer uma atividade
musical, como o Canto. Importante também é a freqüência com que esses exercícios
são feitos. Se possível, diariamente, até mais de uma vez por dia, desde que sigam a
orientação certa de seu fonoaudiólogo. Os doentes de Parkinson que fazem em
paralelo terapias, como a Fonoaudiologia, ouTerapia Corporal, ou outra, podem se
sentir privilegiados neste país.
O que você gostaria de dizer mais sobre a relação entre a Fonoaudiologia, a
Fisioterapia, e a Musicoterapia?
É preciso que um tratamento articule as várias disciplinas, além da medicação
alopática.
200
8. ENTREVISTA COM C.S. - DOENTE DE PARKINSON (novembro de 2005)
Quando se deu conta das primeiras manifestações da doença? Quais foram essas
manifestações iniciais?
Dois anos e meio atrás. Senti tremores.
A partir de que momento teve a comprovação de que estava, de fato, com a
Doença de Parkinson?
Quando fui ao médico e fiz a radiografia computadorizada; aí constatou...
Há quanto tempo (anos, meses) isso aconteceu?
Há dois anos e meio.
O que sentiu logo de início ao saber da doença? Teve um ‘baque’?
Recebi com naturalidade. Não tive ‘baque’.
Essa doença limitou sua vida?
Ah, sim, bastante.
O que mudou na vida pessoal ao saber da doença?
Mudou as obrigações... O tratamento... Tomar remédio em hora certa... Também
deixei de fazer alguma coisa ... como passear, sair...
Você era aposentado?
Era aposentado, sim.
E no presente momento, como ela limita sua vida?
Continuo a minha vida rotineira. Não dá para fazer outras coisas ‘trabalhantes’,
sem emprego... sempre dentro da disciplina.
Você tem outras atividades?
Continuo tocando em casa sozinho, meu violino.
Teve um momento em que achou que não iría conseguir levar prá frente o fato
de tocar violino?
Sim.
Por que isso? Você tocava em orquestra?
Tocava em orquestra.
Depois de parar não voltou mais a sua atividade profissional de músico?
Não voltei mais, a movimentação motora, principalmente no braço direito, perdi a
coordenação.
Parou totalmente, ou não, de trabalhar? Por quanto tempo?
Não voltei mais, por causa da movimentação motora, principalmente no braço
direito, perdi a coordenação.
201
Depois de parar, teve problemas para voltar às suas atividades profissionais?
Já era aposentado.
De que forma se preparou para retomar suas atividades profissionais?
Já era aposentado.
Tem controle sobre os sintomas da doença?
À medida que vou tocando, vou ganhando um controle. Esqueço da doença... estou
noutro mundo.
E como driblou esses sintomas?
Exatamente porque esqueço da doença tocando e estou noutro mundo
Qual foi o efeito dos remédios? Bom ou mal?
Foi relativamente bom. Para ser bom, precisaria melhorar mais, tinha.
Teve que aumentar ou diminuir a dosagem dos remédios?
Por enquanto a mesma coisa.
Os remédios lhe causaram depressão ou outro mal-estar?
Sempre há um efeito colateral, me deu insônia, preciso tomar alguma coisa para
acalmar.
O que faz contra a depressão?
Sempre há um efeito colateral, deu insônia de vez em quando, preciso tomar alguma
coisa que aí acalma.
Como venceu seus medos?
Eu não tive medo, toquei a vida em frente, recebi naturalmente.
Nesses anos de doença, qual foi sua pior fase?
No começo, depois com a música, o Coral... tudo melhora.
Faz análise com psicólogo ou psicanalista para poder enfrentar a doença?
Não.
Teve ou tem medo de morrer?
Não, não tenho medo de morrer... Nunca tive medos.
Toca ou tocou algum instrumento?
Toco violino musica clássica e popular desde 1963 no Conservatório Anchieta...
Toco clássico e popular.
Desde quando e até quando? De que tipo: música popular ou instrumental? De
que estilo de música: chorinho, samba, MPB, bolero, tango, jazz tradicional,
rock...?
Bolero e chorinho e clássico.
202
Tem trabalhado, agora, de que forma com a Música? Sozinho? Com orientação
de um regente, de um professor...?
Sozinho em casa, faço isso sozinho e faço parte do Coral.
A Música tem atuado na sua doença de forma benéfica? Como?
Tem. Quando não estou muito atacado me sinto realizado.
Quando você toca, você sente uma melhora?
O sintoma praticamente desaparece. Quando estou atacado, nem pego no violino.
Depende do dia; tem dia que estou melhor; tem dia que estou pior.
Sinto uma melhora, porque tenho que transportar o espírito para poder dar
interpretação, então, sim, esqueço da doença. Com a continuação, ganho um
controle e um prazer de tocar e esqueço da doença, estou noutro mundo. Esqueço
da doença e parece que estou noutro mundo.
Quando está cantando ou tocando, sente os sintomas da D.P.?
Praticamente, os sintomas desaparecem.
A Música lhe traz alguma realização pessoal?
Sim, me traz uma realização pessoal.
O que você me fala da vida?
Depois da doença, eu senti que estou passando por um grande aprendizado através
dessa doença. Antes você não liga, depois que você tem aquilo, você passa a pensar
muito. Amadurece.
203
9. ENTREVISTA COM D.M. - DOENTE DE PARKINSON (novembro de
2005)
Quando se deu conta das primeiras manifestações da doença? Quais foram essas
manifestações iniciais?
Há seis anos.
A partir de que momento teve a comprovação de que estava, de fato, com a
Doença de Parkinson? Há quanto tempo (anos, meses) isso aconteceu?
Há seis anos.
O que sentiu logo de início ao saber da doença? Teve um “baque”? Demorou
quanto tempo para se recuperar do “baque”?
Sim, me senti mal.
De que forma a Doença de Parkinson limitou sua vida? O que mudou na vida
profissional ao saber da doença? E no presente momento, como ela limita sua
vida?
Já era aposentado.
Houve limitação na sua vida profissional?
Eu já era aposentado.
Não consigo escrever, não é dificuldade, é impossibilidade. Só escrevendo com letra
de forma A assinatura, por exemplo, começa cursiva e depois quando chega no
final forma só um risquinho. Não sei se é o sintoma da Parkinson. E quando eu estou
falando começa a falta de ar, qualquer tipo de situação me dá esta falta de ar, uma
situação desconfortável. È uma situação bem passageira depois de alguns minutos
volto à normalidade.
Quis parar de trabalhar?
Já era aposentado.
Teve um momento em que achou que não iria conseguir levar prá frente suas
atividades profissionais?
Não, porque eu já era aposentado.
Parou totalmente, ou não, de trabalhar? Por quanto tempo?
Já era aposentado.
Depois de parar, teve problemas para voltar às suas atividades profissionais?
Já era aposentado.
De que forma se preparou para retomar suas atividades profissionais?
Já era aposentado.
Tem controle sobre os sintomas da doença?
Não.
204
E como driblou esses sintomas?
Com a Música.
Qual foi o efeito dos remédios? Bom ou mal?
Bom.
Teve que aumentar ou diminuir a dosagem dos remédios?
Não, ainda não.
Os remédios lhe causaram depressão ou outro mal-estar?
Não.
O que faz contra a depressão?
Não tive.
Nestes anos todos qual foi sua pior fase?
Tem altos e baixos. Tem épocas melhores... e outras piores. Sinto falta de convívio
familiar. Tenho um monte de irmãos, mas um em cada lugar. A família com a qual
tenho muita ligação, mas não é parente, principalmente duas meninas que são
minhas netas de coração. Tinha contato quase que diário, mas elas agora se
mudaram e só tenho contato por telefone porque agora elas se mudaram para
Sorocaba. Moro sozinho. Aquela história, a gente se vê todos em ocasiões especiais,
casamento, morte, coisas assim e não sei se a Parkinson tem alguma coisa a ver com
isso, poderia dizer que a situação mais desconfortável nesse início, meio (tempo) e
atual (atualmente), é cíclico... o sintoma propriamente dito, teve uma época que eu
tive de parar o violão, então eu me senti bastante chateado, mas passou também e eu
estou convivendo praticamente bem, se eu não piorasse, estaria me sentindo
relativamente bem. Eu não consigo segurar o violão, o violão começa a escorregar.
Eu fico olhando as pessoas tocarem... assim com uma perna assim, mas eu não
consigo de nenhum jeito que eu coloque o violão eu consigo, depois os acordes...
não consigo.
Faz análise com psicólogo ou psicanalista para poder enfrentar a doença?
Não.
Como venceu seus medos?
Não tenho. Eu não tive medo, toquei a vida em frente, recebi tudo naturalmente...
Teve ou tem medo de morrer?
Quem não tem ... não é pavor, ... mas quem não tem?!
Toca ou tocou algum instrumento? Desde quando e até quando? De que tipo:
música popular ou instrumental? De que estilo de música: chorinho, samba,
MPB, bolero, tango, jazz tradicional, rock...?
Seria a música instrumental, não qualquer ritmo... o chorinho me agrada muito, o
popular também, mas nem tanto, às vezes não concordo com certas letras. O
clássico me agrada muito. O Coral me deixa bem, me dá mais disposição e em parte
205
o Coral faz a gente se sentir realizado, embora nosso Coral seja um Coral limitado
pelo parkinsonismo, não se exige grandes coisas; o ideal seria colocar cada um na
sua voz. Mesmo que esteja um pouco ‘fora de tom’. Cada um tem sua limitação. Só
para complementar, eu falei em chorinho, mas se falando de música para ouvir, não
música lírica, mas música instrumental... valsa, Tchaikovsky.
Tem trabalhado, agora, de que forma com a Música? Sozinho? Com orientação
de um regente, de um professor...?
No Coral da Associação Brasil Parkinson.
A Música tem atuado na sua doença de forma benéfica? Como?
A gente esquece principalmente quando a música é a que esse gosta. Naquele
momento a gente sente bem, me emociona muito inclusive.
Nos últimos anos, eu trabalhava em firmas em administração do pessoal.
Quando está cantando ou tocando, sente os sintomas da D.P.?
Me sinto bem.
A Música lhe traz alguma realização pessoal?
Sim, me traz.
Que pensa agora da vida?
Que eu era feliz e não sabia. Que é preciso ser feliz enquanto se tem saúde. E
quando vem a doença é preciso ser mais forte ainda.
206
10. ENTREVISTA COM U.W.A. - DOENTE DE PARKINSON (novembro de
2005)
Quando se deu conta das primeiras manifestações da doença? Quais foram essas
manifestações iniciais?
Há quinze anos... Apareceram os primeiros sintomas com a dificuldade em andar.
Foi difícil, mas agora com os remédios, com os exercícios, com a música, até
esqueço...
A partir de que momento teve a comprovação de que estava, de fato, com a
Doença de Parkinson? Há quanto tempo (anos, meses) isso aconteceu?
Há quinze anos, comprovei a doença.
O que sentiu logo de início ao saber da doença? Teve um ‘baque’? Demorou
quanto tempo para se recuperar do ‘baque’?
Não, consegui colocar em dia minhas coisas, não me lembro bem agora.
De que forma a Doença de Parkinson limitou sua vida? O que mudou na vida
pessoal ao saber da doença? E no presente momento, como ela limita sua vida?
Não, porque eu já era aposentado. Não tive que parar de trabalhar.
Houve limitação na sua vida profissional?
Sim, tive que parar tudo até hoje.
Quis parar de trabalhar?
Era aposentado.
Teve um momento em que achou que não iria conseguir levar prá frente suas
atividades profissionais?
Não.
Parou totalmente, ou não, de trabalhar? Por quanto tempo?
Até hoje.
Depois de parar, teve problemas para voltar às suas atividades profissionais?
Era aposentado.
De que forma se preparou para retomar suas atividades profissionais?
Era aposentado.
Tem controle sobre os sintomas da doença?
Não, tenho o controle sobre a doença.
E como driblou esses sintomas?
Ah, com a música.
Qual foi o efeito dos remédios? Bom ou mal?
Bom, com certeza.
Teve que aumentar ou diminuir a dosagem dos remédios?
Não, tive que manter a dosagem.
207
Os remédios lhe causaram depressão ou outro mal-estar?
Não percebi.
O que faz contra a depressão?
Não tive depressão.
Como venceu seus medos?
Eu não tive medo, toquei a vida em frente, recebi naturalmente.
Tem ou teve medo de morrer?
Não, não tenho medo de morrer. Não tive medos.
Nesses anos de doença, qual foi sua pior fase?
Quando tive que tomar os remédios, três por dia.
Faz análise com psicólogo ou psicanalista para poder enfrentar a doença?
Não.
Teve ou tem medo de morrer?
Não.
Toca ou tocou algum instrumento? Desde quando e até quando? De que tipo:
música popular ou instrumental? De que estilo de música: chorinho, samba,
MPB, bolero, tango, jazz tradicional, rock...?
Piano, bandolim e contrabaixo. Gosto muito da música clássica Wagner, Beethoven,
eles me dão um interior feliz.
Tem trabalhado, agora, de que forma com a Música? Sozinho? Com orientação
de um regente, de um professor...?
Sim. O regente é importante no nosso grupo.
A Música tem atuado na sua doença de forma benéfica? Como?
Me sinto bem e realizado. A Música sempre me fez bem, agora melhor ainda.
Quando está cantando ou tocando, sente os sintomas da D.P.?
Não, não sinto os sintomas da doença.Nem me lembro que existe doença.
A Música lhe traz alguma realização pessoal?
Sim, me traz muita satisfação. Sem dúvida, a música me faz bem, muito bem. Não
sinto nada quanto aos sintomas da doença, quando estou tocando.
E o que dizer agora da vida?
O que sinto falta agora é do amor..., não funciona mais. Minha esposa é muito forte,
ela é fantástica, sem dúvida, porque existe o amor; só que agora é diferente é um
amor mais realista, fraternal... Mas ter uma companhia nesta época da vida é muito
bom.
208
DOCUMENTAÇÃO:
1. DOCUMENTO PARA SOLICITAR AUTORIZAÇÃO DE
ENTREVISTA COM PESSOAS DA INSTITUIÇÃO
209
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia
São Paulo, 05 de setembro de 2005.
Do: Programa de Estudos Pós Graduados em Gerontologia
Para: Associação Brasil Parkinson
A/C : Senhor Presidente Samuel Grossman
Prezado Presidente,
Venho, por meio deste, solicitar sua autorização para nosso Aluno do
Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia da PUC-SP, PEDRO
LODOVICI NETO RG 4133.563, matricula n.° 02100363, entrar em contato com os
usuários dessa Instituição para entrevista.
A referida atividade do aluno faz parte das exigências estabelecidas pela
grade curricular do Curso para a elaboração de sua Dissertação de Mestrado.
Atenciosamente,
Elisabeth Frohlich Mercadante
Coordenadora do Programa de Estudos
Pós-Graduados em Gerontologia – PUC-SP
210
2. TERMO DE CONSENTIMENTO DA INSTITUIÇÃO
211
Autorização de Consentimento Livre e Esclarecido
Por este instrumento de autorização por mim assinado dou pleno
consentimento ao aluno do Programa de Gerontologia da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, Pedro Lodovici Neto, para realizar coleta de dados nesta
instituição, Associação Brasil Parkinson (ABP), que serão utilizadas na pesquisa
intitulada: A Musicoterapia como tratamento coadjuvante à Doença de Parkinson.
Tenho pleno conhecimento que não haverá desconforto, danos e/ou riscos
decorrentes da pesquisa.à minha pessoa ou às pessoas entrevistadas, Tenho ainda a
liberdade de me recusar a participar ou retirar-me em qualquer fase da pesquisa, sem
penalização alguma e sem prejuízo, tendo assegurado a garantia de sigilo e
privacidade quanto aos dados confidenciais envolvidos na pesquisa, além de não
haver nenhuma forma de indenização ou ressarcimento das despesas decorrentes da
participação na mesma.
Concordo plenamente que todos os dados obtidos do questionário e
quaisquer outras informações concernentes aos mesmos, constituam propriedades
exclusivas do aluno, ao qual dou pleno direito de retenção, uso na elaboração da
pesquisa e de divulgação em televisão, jornais, congressos e/ou revistas científicas do
país e do estrangeiro respeitando os respectivos códigos de ética.
São Paulo, 11 setembro de 2005.
__________________________________________
(Presidente da Associação Brasil Parkinson (ABP).
212
3. TERMO DE CONSENTIMENTO DOS SUJEITOS
213
Consentimento Livre e Esclarecido
Prezado(a) Senhor (a)
Solicitamos o seu consentimento para participar da nossa pesquisa cujo título
é: “A Musicoterapia como tratamento coadjuvante à Doença de Parkinson”, que está
sendo realizada no Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Essa pesquisa tem como objetivo analisar
como o exercício musical, enquanto método da Musicoterapia, pode ser uma ferramenta
importante na superação/ resiliência da Doença de Parkinson.
Para preenchermos o questionário que avalia a qualidade de vida, faremos uma
entrevista diretamente com o(a) senhor(a). Todas essas informações são absolutamente
sigilosas, serão mantidas comigo e seu nome jamais será mencionado na divulgação dos
resultados da pesquisa.
A sua participação é absolutamente voluntária e caso não queira continuar sua
participação, poderá desistir a qualquer momento, mesmo após ter sido realizada a
entrevista.
Agradecemos sua atenção. Deixamos os telefones de contato.
____________________________________
Pedro Lodovici Neto (Pesquisador)
RG. 2.592.239 - Fone para contato: 11-3258-1568 / 9102-5700
Consentimento do entrevistado - De acordo:
______________________
___________________________________________ (Nome por extenso)
RG: ___________________
Fones para contato:
_______________________________________
São Paulo, ___ /___/2005.
214
4. TERMO DE CONSENTIMENTO DOS PROFISSIONAIS DA ABP
215
Consentimento Livre e Esclarecido
Prezado(a) Senhor (a)
Solicitamos o seu consentimento para participar da nossa pesquisa cujo título
é: “A Musicoterapia como tratamento coadjuvante à Doença de Parkinson”, que está
sendo realizada no Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Essa pesquisa tem como objetivo analisar
como o exercício musical, enquanto método da Musicoterapia, pode ser uma ferramenta
importante na superação/ resiliência da Doença de Parkinson.
Para preenchermos o questionário que avalia como um tratamento
multidisciplinar, envolvendo Fisioterapia, Fonoaudiologia, Musicoterapia, pode
contribuir para a melhoria da qualidade de vida das pessoas portadoras da Doença de
Parkinson, faremos uma entrevista diretamente com o(a) senhor(a). Todas essas
informações são absolutamente sigilosas, serão mantidas comigo e seu nome jamais será
mencionado na divulgação dos resultados da pesquisa.
A sua participação é absolutamente voluntária e caso não queira continuar sua
participação, poderá desistir a qualquer momento, mesmo após ter sido realizada a
entrevista.
Agradecemos sua atenção. Deixamos os telefones de contato.
____________________________________
Pedro Lodovici Neto (Pesquisador)
RG. 2.592.239 - Fone para contato: 11-3258-1568 / 9102-5700
Consentimento do entrevistado - De acordo:
______________________
___________________________________________ (Nome por extenso)
RG: ___________________
Fones para contato:
_______________________________________
São Paulo, ___ /___/2005.
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