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FLÁVIA CRISTINA AMARO DA SILVA
AMEAÇAS À INFÂNCIA: DO TRAUMA PSÍQUICO AO TRANSTORNO DE
ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
2006
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FLÁVIA CRISTINA AMARO DA SILVA
AMEAÇAS À INFÂNCIA: DO TRAUMA PSÍQUICO AO TRANSTORNO DE
ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO
Dissertação Apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como Exigência Parcial para Obteão do Título
de MESTRE em Psicologia Clínica na Área de
Psicossotica e Psicologia Hospitalar Sob
Orientação da Profa. Dra. Ceres Alves Araújo.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
2006
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À minha família, grande esteio de minha alma.
4
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, professora Dra. Ceres Alves Araújo, exemplo de
profissionalismo e conduta, pelos ensinamentos, acolhimento e apoio nas horas mais
necessárias.
Aos professores do núcleo de psicossomática e psicologia hospitalar Dr. Esdras
Guerreiro Vasconscelos, Dra. Edna Maria Peters Kahale, Dra. Marlise Bassani pelos
conhecimentos de aula e de vida ministrados.
À professora Dra. Mathilde Neder, pela honra de poder fazer parte de suas aulas e
inspiração na construção da história da psicologia hospitalar no Brasil e no mundo.
Ao professor Dr. Lazslo Antônio Ávila por fazer, fundamentalmente, parte do meu
percurso; sem poupar esforços para me acolher nos meus medos e anseios; e sobretudo, por
dispor, sempre humildemente, de seus sábios e preciosos ensinamentos.
À psiloga Sueli Zocal Paro Barison por sua dedicação, esforços e empenho em
ajudar minha alma a sustentar mais esse desafio.
Ao psilogo e psicanalista Antônio Flávio Onofre por ter me incentivado nos estudos
e não ter deixado a psicanálise me abandonar.
Ao professor Dr. José Atílio Bombana pela disponibilidade em contribuir para o
desenvolvimento desse estudo.
À professora Dra. Renata Alleoti pelo envolvimento no tema e pelas contribuições
enriquecedoras para a realização desse trabalho.
Às queridas amigas Giedre Ingrid Pereira das Neves Costa e Lara Matara Ferreira
Miquelin por compartilharem de todos os momentos, alegres e difíceis, e por caminharem ao
meu lado na conclusão de mais este projeto de vida.
Aos queridos amigos Maria Aparecida Mello e Rodrigo Cazarotto Matheus pelos
indispensáveis momentos em que juntos seguimos esta jornada.
À querida Edelvais Keller por compartilhar de experiências, ensinamentos e pelas
trocas diante das dificuldades.
Aos colegas de sala de aula que iniciaram comigo: Lílian Loureiro, Claudinei Afonso,
Ana Cristina Rocha pelo companheirismo.
Aos meus alunos das turmas de Barretos, São José do Rio Preto e Araraquara pelas
construções que realizamos juntos e por enriquecerem, de maneira fundamental, minha
experiência de tornar-me mestre.
5
À minha ir Luciana Cristina Amaro da Silva pelas solicitações atendidas e pelas
revisões gramaticais desse estudo.
Aos meus pais,lia e Fvio Amaro da Silva por possibilitarem tantos recursos
materiais e, sobretudo, emocionais para que eu fizesse desse sonho um acontecimento
possível.
Ao Florencio Queiroz Neto, meu namorado, por ter me acompanhado todos os dias na
construção desse projeto de vida, pelo apoio e amor incondicional.
À memória de S. Freud; pois a cada dia suas incríveis descobertas tornam-se minhas
descobertas.
Ao maior de todos mestres: Jesus.
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Na Psicanálise, duas pessoas ousam se perguntar sobre coisas esquecidas e ignoradas,
devendo ao mesmo tempo viver no presente,
disso resulta ambas ficarem mais fortes mentalmente”
(W. Bion)
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RESUMO
Esta pesquisa é resultado da dissertação de mestrado em Psicologia Clínica no Núcleo
de Psicossotica e Psicologia Hospitalar da PUC-SP, com referencial na teoria psicanalítica.
O estudo teve como um primeiro objetivo a revisão de literatura do transtorno de estresse pós-
traumático (TETP) na criança; como segundo, a revisão de literatura sobre a psicodinâmica da
experiência do trauma na clínica psicanalítica e como terceiro objetivo, a compreeno da
apresentação clínica do transtorno de estresse pós-traumático (TETP) com a psicodinâmica da
experiência do trauma. Para primeira revisão utilizou-se os bancos de dados Pubmed,
Medline, Lilacs e Pilots. Para a segunda, utilizou-se a base de dados Psique vinculada à
biblioteca do Instituto da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Foram incluídos
no estudo os aspectos do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) na criança portadora
de uma doença ou condição médica potencialmente grave, aguda ou crônica e estudos sobre a
experiência subjetiva do trauma dentro da teoria psicanalítica envolvendo a criança doente.
Foram excluídos estudos sobre crianças vítimas de trauma automobilístico. A compreensão do
TEPT a partir da teoria psicodinâmica foi fundamentada em elementos da teoria de S. Freud,
S. Ferenczi e D. W. Winnicott. Os resultados, bem como a discussão, demonstraram uma
escassez de publicações brasileiras na área. Evidenciaram a fatível articulação e compreensão
do TEPT com a psicodinâmica psicanalítica do trauma. Foi possível verificar o potencial
traumático da enfermidade grave na infância e os prejuízos que pode causar no
desenvolvimento biopsicossocial quando a experiência deixa de ser significada no sistema de
representações da criança. Cuidados estáveis e suporte social podem atuar como fatores de
proteção favorecendo um crescimento pós-situação traumática. Finalmente, consideramos que
os profissionais de saúde que lidam diretamente com essas crianças têm importante papel no
sentido de amenizar os efeitos estressógenos dessas vivências, assim como a psicoterapia
psicanalítica pode oferecer um acompanhamento para a criança no confronto com o
irrepresentável.
Palavras-chave: trauma, transtorno de estresse pós-traumático, doença, criança, psicanálise
8
ABSTRACT
This research is the result of the master’s degree dissertation in Clinical Psychology in
the Psychosomatic Department and Hospital Psychology of PUC-SP, with theorical reference
to the psychoanalitic theory. The study had, as a first objective, the literature revision of the
posttraumatic stress disorder (PTSD) in children; as second, the literature revision in the
psychodinamic of the trauma experience in the psychoanalitic clinic, and as the third
objective, the apprehension of the posttraumatic stress disorder (PTSD) clinical presentation
with the psychodinamic of the trauma experience. For the first revision, the data bases
Pubmed, Medline, Lilacs and Pilots were used. For the second, it was used database entailed
Psique to the library of the São Paulo’s Institute of the Brazilian Psychoanalysis Society. The
study includes the posttraumatic stress disorder (PTSD) aspects in children with an illness or a
potentially serious, acute or chronic, medical condition and studies about the trauma
subjective experience in the psychoanalitic theory involving the sick children. The studies
with children excluded those who were victims of automobile trauma. The apprehension of
the PTSD from the psychodinamic theory was based on elements of S. Freud, S. Ferenczi and
D. W. Winnicott’s theories. The results, as well as the discussion, had demonstrated a
Brazilian publication scarcity in the area. They had evidenced the joint and apprehension of
the PTSD with the trauma psychoanalitic psychodinamic. It was possible to verify the serious
disease traumatic potential in infancy and the damages that it can cause in the biological,
psychic and social development, when the child cannot give a meaning to her experiences in
her representation system. Steady care and social support can act as protection factors,
favoring a growth posttraumatic stress situation. Finally, it has been considered that the health
professionals whom directly deal with these children have an important paper to brighten up
the stressing effects of these experiences, as well as the psychoanalitic psycotherapy can offer
a accompaniment for the child in the confrontation with the irrepresentable.
Key-words: trauma, posttraumatic stress disorder , illness, children, psychoanalisis
9
SUMÁRIO
1. Introdão......................................................................................................................... 11
2. Objetivos........................................................................................................................... 15
3. Panorama das Pesquisas e Estudos sobre Estresse e Trauma........................................... 16
3.1 Sobre Fenômenos Traumáticos................................................................................. 16
3.1.1 Histórico do Trauma................................................................................... 16
3.1.2 Sobre as Classificações............................................................................... 18
3.1.2.1 Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais..................... 19
3.1.2.2 Classificação Internacional de Doenças................................................. 22
3.2 Sobre Estressores Traumáticos na Infância............................................................... 23
3.2.1 Especificidade de Transtorno de Estresse Pós-traumático (TEPT) na
Infância.................................................................................................................
24
3.3 Fenômenos Traumáticos na Clínica Psicanalítica..................................................... 26
3.3.1 História do Trauma na Teoria Freudiana.................................................... 27
3.3.2 A Teoria do Trauma Além do Princípio do Prazer..................................... 29
3.3.3 A Teoria do Trauma na Obra de S. Ferenczi.............................................. 33
3.3.4 Referência Sobre o Trauma na Teoria de D.Winnicott............................... 36
3.4 Fronteiras entre Psicanálise e Neurobiologia. ........................................................... 38
3.4.1 Bases Biológicas do Trauma Infantil........................................................... 39
4. Método.............................................................................................................................. 44
5. Resultados e Discussão..................................................................................................... 46
5.1 Trauma por Doença ou Condição Médica Geral Potencialmente Grave.................... 46
5.2 A Psicodinâmica da Experncia do Trauma sob Enfoque Psicanalítico................... 54
5.3 Compreensão da Apresentação Cnica do Transtorno de Estresse Pós-traumático
(TEPT) com a Psicodinâmica da Experiência do Trauma................................................
58
6. Ilustração: Uma Menina Cardiopata Operada aos Oito anos de Idade............................. 82
7. Considerações Finais........................................................................................................ 92
8. Referências Bibliográficas................................................................................................ 97
10
INTRODUÇÃO
Inicialmente, a proposta de uma pesquisa sobre impacto da doença grave na criança
levantou possibilidades de estudarmos a angústia. Indubitavelmente, estudar a anstia
pareceu, dentro de um centro acadêmico, algo muito óbvio e nada substancial. Ademais, qual
a consistência de se estudar a angústia na criança hospitalizada? Qual a originalidade de
estudar a angústia de uma criança gravemente enferma?
Ao refletir sobre o impacto de uma situação estressora como a doença ou condição
médica grave, afigurava-se promissor, de alguma maneira, estudar o transtorno de estresse
s-traumático na infância. As possibilidades ficaram mais atraentes depois que a revisão
bibliográfica indicou uma rica área de investigação. Contudo, a questão da angústia persistia.
Como combinar uma classificação nosológica com o desejo de estudar o que a psicanálise
revela sobre angústia?
Começou a fazer sentido pensar que a psiquiatria descrevia uma série de sinais e
sintomas em resposta a um evento traumático e que esses sinais e sintomas poderiam ser
compreendidos a partir de uma teoria psicodinâmica. Porém, novas questões surgiam. Como
falar de psiquiatria e psicanálise? É possível compreender as duas? Correlacioná-las, entendê-
las, contrapô-las, contradizê-las ou confrontá-las? Como falar do trauma da psicanálise, uma
vez que Freud subordinou os acontecimentos externos aos internos? Como falar do trauma da
teoria da sedução sexual sendo que o traumático, nesse caso, seria um evento real, nada tendo
a ver com a questão da sexualidade?
Avançando na teoria freudiana, com base na teoria das neuroses traumáticas de guerra,
parecia-nos possível fazer tal articulação. Pareceu-nos também difícil, desbravador, mas
original e viável.
Até que no ano de 2005, novos eventos marcaram o trauma na psicanálise e isso foi de
extrema importância, especialmente para o Brasil [e para esse estudo]. O que figurou-se como
acaso é que, no ano em que essa pesquisa parecia desbravar algumas fronteiras, aconteceu,
com sede no Brasil, o encontro internacional de psicanálise. Foi assim que o 44° Congresso
Internacional da IPA - International Psychoanalytic Association - teve como eixo central o
trauma. A Sociedade Brasileira de Psicanálise (SBP), assim como a sede de São Paulo
(SBPSP) e de outras partes do Brasil tiveram suas publicações bastante voltadas para esse
tema. A teoria freudiana foi revisitada em muitos sentidos. Nesse mesmo ano, a publicação de
Transtorno de estresse pós-traumático: uma neurose de guerra em tempos de paz” enriqueceu
11
enormemente a proposta dessa pesquisa. Como não somente os psicanalistas estavam voltados
para as questões do trauma, um outro título, em versão original brasileira, foi publicado
contribuindo para as pesquisas na área “Transtorno do estresse pós-traumático: da
neurobiologia à terapia cognitiva”.
O fato é que, coincidentemente, este trabalho foi realizado num momento em que, há
algum tempo dentro da psicanálise, não se falava tanto de trauma. Trauma em todos os
sentidos, desde o da sedução infantil do começo dos estudos de Freud, passando pela teoria da
angústia, até o trauma revisitado depois de aproximadamente cem anos do começo das teorias.
Trauma originariamente interno e externo. Isso porque não houve também um outro momento
em que a contemporaneidade deu tanta ênfase ao potencial traumático dos estímulos externos.
A violência, em todas as suas facetas, sempre esteve presente, mas talvez não presente de
maneira tão maciça e desorganizadora. Nunca também se ouviu com tamanha freqüência, na
contemporaneidade, sobre o transtorno de estresse pós-traumático; o estresse está na ordem do
dia, e as perturbações causadas por ele estão em voga.
Desde os primeiros casos clínicos de histeria, vinculados à experiência do trauma,
descritos em 1859, os fenômenos traumáticos vêm recebendo maior ou menor atenção, tanto
na busca da ênfase na experncia subjetiva do paciente, quanto no reconhecimento da
intensidade do evento traumático.
Desde então, procuram-se estabelecer conexões psicológicas entre os sintomas
apresentados e o evento traumático vivido pelo paciente; especialmente, esta conduta foi
sendo desenvolvida a partir dos horrores das Grandes Guerras e sobretudo do Holocausto.
Tendo suas raízes em experiências bélicas e nas neuroses traumáticas de guerra, o que
atualmente é conhecido como transtorno de estresses-traumático (TEPT) foi evoluindo por
um caminho cada vez mais amplo e inespecífico.
Maus-tratos infantis, agressões sexuais, inndios, acidentes automobilísticos,
desastres naturais, violências, condição médica potencialmente grave estão entre as
ocorrências possíveis de se enquadrarem como trauma. Entre estas, desde as descobertas de S.
Freud em 1893, estão quaisquer experiências que possam provocar emoções aflitivas, como
susto, vergonha e dorsica, dependendo da susceptibilidade da pessoa afetada (FREUD,
1996a). Para tanto, a resposta subjetiva do indivíduo ao trauma precisa envolver uma
percepção de desamparo e um estado emocional de angústia.
Características relacionadas a essas respostas do sujeito, estão de acordo com o
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-IV-R (APA, 2002), que
acrescenta, também, como essencial critério para TEPT, o desenvolvimento de sintomas
12
característicos após a exposição ao estressor traumático extremo. Os sintomas incluem, de
uma maneira persistente, revivência do evento traumático, esquiva de estímulos associados ao
trauma, embotamento da responsividade em relação ao mundo externo, sintomas de excitação
e estados de ansiedade aumentados, por pelo menos um mês, causando prejuízo no
funcionamento social e ocupacional do indivíduo.
Não somente alterações psicossociais são observadas no indíviduo que passa por
situações estressoras severas; também tem aumentado o entendimento a respeito das
mudanças psicobiológicas que acompanham esse quadro.
Estudos mais recentes apóiam a idéia de que a variedade de estímulos do meio
determina o modo como as redes neuronais se formam. Por tais razões, pode ser confirmado o
fato de que experiências traumáticas influem nas conexões neuronais do cérebro infantil e no
equilíbrio dos neurotransmissores. De acordo com esse pensamento, um desequilíbrio, a longo
prazo, entre as regiões límbicas pode causar sérias conseqüências para a estabilidade psíquica.
Devido a essas mudanças biológicas no cérebro, a vulnerabilidade a transtornos psíquicos em
fases posteriores da vida pode ser aumentada significativamente (BRAUN & BOCK, 2004).
O interesse pelo estudo dos aspectos que envolvem um estressor traumático na
infância surgiu a partir da observação de crianças em situação de hospitalização, por
ocorncia de problemas congênitos caracos que exigiam reparo cirúrgico e
acompanhamento posterior, muitas vezes, prolongado. O pós-cirúrgico, ainda que acontecesse
sem intercorrências [como a necessidade de reinternação], era marcado por um período de
reabilitação repleto de sinais e sintomas, anteriormente não observados na criança, tais como:
queixas somáticas, problemas de atenção culminando no baixo rendimento escolar,
agressividade, comportamentos desafiador, de oposição ou dependente.
Ainda que esses sinais e sintomas observados melhorassem com o tempo, a questão
dos aspectos psíquicos envolvidos na elaboração da situação estressora permanecia. Ainda
que o estressor não permanecesse agravando e colocando em riscos o contínuo
desenvolvimento infantil, a angústia esteve presente, deixou marcas.
O que favorecia a elaboração do processo por parte da criança? Quais as implicações
de um ambiente familiar incapaz de acolher as angústias trazidas no momento da alta
hospitalar? E o momento da hospitalização? Apesar dos esforços na humanização do
tratamento, a experiência continua a ser, com algumas exceções, previamente desconhecida
da esfera de representações da criança.
Em análise última, mesmo que a experiência venha a ser representada na criança, e
não há muito tempo descobriu-se que é bastante possível, permanece o crescente interesse por
13
essas ocorrências na infância. Haja vista a escassez de pesquisas brasileiras publicadas na
área.
Dessa forma, o objetivo do presente estudo é contribuir para o conhecimento do TEPT
na criança, dos aspectos relacionados a sua apresentação diagnóstica e clínica, bem como da
experiência subjetiva que envolve essas ocorrências na infância.
14
1 OBJETIVOS
Tendo como enfoque o transtorno de estresse pós-traumático por doença ou condição
médica potencialmente grave, o presente estudo tem os seguintes objetivos:
1. Revisão de literatura do transtorno de estresse pós-traumático (TETP) na criança;
2. Revisão de literatura sobre a psicodinâmica da experiência do trauma na cnica
psicanalítica;
3. Compreensão da apresentação clínica do transtorno de estresse pós-traumático
(TETP) com a psicodinâmica da experiência do trauma.
15
3 PANORAMA DE ESTUDOS E PESQUISAS SOBRE ESTRESSE E TRAUMA
Vede este pobre corpo! O que ele sofreu e o que desejou,
a alma o interpretou a seu favor; interpretou-o como deleite e desejo
sanguinário do prazer da faca.
O que adoece agora, vê-se dominado pelo mal, que é mal agora;
quer fazer sofrer com o que faz sofrer; porém houve
outros tempos e outros males e bens.
(Do Pálido Delinqüente – Nietzsche)
3.1 Sobre Fenômenos Traumáticos
Conhecida na literatura alemã como neurose de espanto [schreck] e na inglesa como
neurose traumática, a seqüência de uma grave ameaça à vida como conseqüência de um
grande estresse pode ocorrer como um evento isolado ou complicador de uma perturbação da
personalidade preexistente (KOLB, 1986).
Benyakar (2003), numa excelente contribuição sobre o funcionamento do psiquismo
diante dos traumas, ressalta que todo evento tem a capacidade potencial de irromper no
indivíduo e causar uma alteração na homeostase, produzindo diversos tipos de reações. Essas
reações são perturbadoras quando capazes de provocar uma descontinuidade ou distorção na
maneira humana de elaborá-las. Em virtude dessas considerações, o autor aponta que
perturbador”, conceitualmente relacionado sobre algo ou a alguém, é relativo. Isso significa
dizer que o que é perturbador para um indivíduo pode não ser, necessariamente, para outro.
Fica, dessa maneira, posta em questão a noção de trauma.
3.1.1 Histórico do Trauma
Não é pafico o assunto da etiologia traumática desde os primórdios do envolvimento
da psiquiatria com essa questão, segundo a abordagem de Schestatsky, Shansis, Ceitlin et.al.
(2003), num estudo sobre a história da conceitualização do trauma. Orgânica ou psicológica,
dependente de fatores internos ou externos, são algumas questões que perduram em debate.
Ao estudar a hisria do trauma na psiquiatria, esses mesmos autores
desvelaram os
primeiros aparecimentos do termo “neurose traumática”. Essa expressão apareceu em 1889,
com uma conotação organicista, dada pelo neurologista alemão Herman Oppenheim. Décadas
antes, em 1859, fora utilizada com uma primeira conexão psicológica pelo psiquiatra francês
Pierre Briquet, ao investigar pacientes histéricas e histórias de trauma sexual na infância.
16
Nessa mesma linha de pensamento prosseguiram estudos de Jean-Martin Charcot em 1887.
Para ele existiam fatores orgânicos, mas de caráter dinâmico e funcional, e a história de vida
do paciente era coadjuvante dos sintomas. Nesse contexto o autor introduz o trauma e centra
suas pesquisas nas conseqüências das neuroses traumáticas (UCHITEL, 2001).
No curso das idéias de pesquisa de Schestatsky, Shansis, Ceitlin et al. (2003), ao
trilharem a história de quatro discípulos de Charcot, verifica-se que dois partiram para um
modelo organicista e outros dois, incluindo Pierre Janet e Sigmund Freud, trilharam outro
caminho - o do aprofundamento das questões emocionais nas situações traumáticas. Pierre
Janet foi quem formulou a primeira noção dos efeitos dos traumas sobre a mente, noção esta
que dá a base para a compreensão bastante contemporânea de que estados de excitação
extremos podem causar falhas na integração de memórias traumáticas. Essas memórias não
integradas na consciência ficam dissociadas e aparecem sob formas de reações ansiosas:
percepções abundantes de terror, preocupações obsessivas e re-experimentações somáticas.
Segundo a contribuição de Uchitel (2001) ao estudo das noções primevas do trauma,
Freud, por volta de 1887, ao ingressar no Hospital Salpêtriere, onde Charcot realizava seus
estudos sobre histeria, admira-se com as descobertas desse professor, aprofundando-se nessas
investigações e trocando com ele opiniões sobre pontos de vista. Trabalhos de Freud, nessa
época, delimitam o campo do sintoma histérico e também das relações entre histeria, trauma e
sintoma. Diferentemente de Charcot, que até então reconhece o trauma a partir do caráter de
um eventosico externo capaz de produzir uma ameaça na vida do sujeito, Freud esboça a
idéia da formação do sintoma histérico, não provindo do exterior, mas por um conflito de
forças internas.
Mais tarde, em 1895, em “Estudos sobre a histeria”, muda em parte o conceito de
trauma conferindo-lhe um caráter sexual e não provocado por uma lesão, mas sim por medo,
susto, vergonha, angústia ou dor, situação em que o sistema nervoso tem dificuldade para
resolver. Por volta de 1897, o trauma sexual e real oferece ainda fundamento etiológico para a
histeria e representações sintomáticas, mas essa idéia entra em declínio. Uma nova
compreensão da histeria a desprende da preocupação com o fato real e, atentando para a
fantasia, ganha a importância de uma realidade psíquica fantasiada e desejada.
É de se verificar que somente mais tarde, nos escritos de Freud, foi possível retomar o
papel do traumático e alterá-lo, ampliando a noção de como os sintomas se formam e dos
significados que ganham os núcleos de repressão. Acontecimentos traumáticos apenas
precipitavam conflitos neuróticos preexistentes; a exterioridade voltava a partilhar espaço
17
com a interioridade, colocando em cheque o exógeno e o endógeno, fatores constitucionais e
acidentais.
Os anos sombrios da guerra trazem novas investigações a respeito do trauma. O
impacto da Primeira Guerra Mundial, em 1919, nos homens em campos de batalha suscita o
interesse de estudiosos pelo aparecimento de um grupo de reações: uma desorientação
marcada, por um abalo físico inicial que se apaga da memória, para que o afeto fique
desconexo do impacto [neuroses de guerra]. Logo, essas reações não somente são vistas nos
homens do pós-guerra, mas também em homens civis após choque de trens e quedas de avião
(MESHULAM-WEREBE, ANDRADE & DELOUYA, 2003).
Apenas vinte anos após, a Segunda Guerra Mundial marca o início de uma nova
direção nas buscas sobre os efeitos dessas exposições. Abram Kardiner (SCHESTATSKY,
SHANSIS, CEITLIN et al. 2003) por volta de 1941, motivado pelos efeitos desta guerra,
quem anota achados clínicos em indivíduos portadores de “neuroses traumáticas”, como eram
chamados nessa época. Estes desenvolviam hipervigilância e sensibilidade frente às ameaças
ambientais, além da presença de uma fisioneurose, não só nos campos de batalha, mas que
persistia cronicamente na vida do indivíduo.
Com o prosito de melhor incorporar as apresentações cnicas dos homens em
combate e veteranos da Segunda Guerra Mundial, uma nomenclatura abrangente foi
desenvolvida na sexta edição da classificação dos transtornos mentais – CID-6, publicada pela
Organização Mundial de Saúde (OMS). Uma variação da CID-6 foi assim desenvolvida pelo
Comitê de Nomenclatura e Estatística da Associação Psiquiátrica Americana (APA), em
1952, como a primeira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais –
DSM-I (APA, 1995).
3.1.2 Sobre as Classificações
Dada a ênfase às descrições clínicas e diretrizes diagnósticas para uso clínico,
educacional e assistencial, duas vertentes formaram-se com esse intuito, uma conduzida pela
Organização Mundial de Saúde (OMS) – CID, onde fazem parte especialmente os países
europeus e com sede em Genebra e a outra conduzida pela Associação Psiquiátrica
Americana (APA) – DSM, onde fazem parte especialmente, países norte-americanos e anglo-
saxãos.
A Classificação Estatística Internacional de Doenças (CID) e o Manual Diagnóstico
Estastico de Transtornos Mentais (DSM) coordenaram os esforços influenciando um ao
18
outro. Dessa maneira,digos e termos fornecidos no DSM tem certa compatibilidade com a
CID que é o sistema oficial de codificação e outros instrumentos clínicos e de pesquisas.
A configuração do trauma será apresentada nas duas vertentes propostas, a seguir:
3.1.2.1 Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM
O assunto do aparecimento do estressor traumático nos DSMs é abordado por
Kristensen, Parente & Kaszniak (2005) numa recente contribuição para a literatura nacional,
após uma revisão dos estudos nessa área. Esses mesmos autores fazem uma referência a
primeira e à segunda edição do Manual (DSM-I e DSM-II), respectivamente de 1952 e 1968,
em que eram adotados os termos ‘reação maciça ao estresse’ e ‘reação de ajustamento à vida
adulta’, ambos como respostas transitórias que aos poucos diminuíam e tendiam desaparecer
quando o estressor fosse extinguido. Segundo abordam essas pesquisas, depois da Guerra do
Vietnã foi exigido na terceira edição do Manual (DSM-III) em 1980, o reconhecimento de um
diagnóstico capaz de classificar uma condição crônica em indivíduos anteriormente saudáveis,
após situações adversas.
Transtorno de Estresse Pós-traumático (TEPT) foi incorporado no DSM-III para
explicar uma resposta sintomática crônica após evento estressor traumático como o “trauma
do estupro”, “trauma da mulher espancada”, “trauma dos veteranos de guerra” e “trauma da
criança abusada”.
Após a revisão para a formulação da terceira edição do manual, TEPT passou a ser
composto por três agrupamentos de respostas que incluíam reexperimentação [requeria um
sintoma], embotamento ou entorpecimento emocional [dois sintomas] e uma lista de sintomas
inespecíficos sem critérios de duração, que mais tarde foram revisados e colocados em um
novo agrupamento de sintomas de excitabilidade aumentada, já no DSM-III-R
(SCHETATSKY, SHANSIS, CEITLIN et al. 2003). Neste, acrescentou-se que o evento
deveria ser experienciado com medo, impotência e terror intenso e que o indivíduo poderia
desenvolver essa cadeia de respostas as testemunhar o evento, ao invés de vivenciá-lo
diretamente. Outros sintomas foram acrescentados e um critério de duraçãonima foi
estabelecido (KRITENSEN, PARENTE & KASZNIAK, 2005).
Já na quarta versão do manual, amplia-se o acontecimento traumático, uma vez que é
considerada a noção de vivência individual do evento. Nessa edição são incluídos entre as
ocorrências traumáticas [embora não se limitem a estas]: combate militar, agressão pessoal
violenta, seqüestro, ser tomado como refém, ataque terrorista, tortura, encarceramento como
19
prisioneiro de guerra ou campo de concentração, desastres naturais ou causados pelo homem,
graves acidentes automobilísticos e receber o diagnóstico de uma doença grave que traz risco
de vida.
Os critérios diagnósticos propostos no DSM-IV (APA, 1995) e mantidos no DSM-IV-
TR (APA, 2002) são apresentados a seguir:
A. Exposição a um evento traumático no qual estiveram presentes:
1) Vivência, testemunho ou confronto com um ou mais eventos que envolveram morte
ou grave ferimento, reais ou ameaçados, ou uma ameaça à integridade física, própria
ou de outros;
2) Resposta ao evento envolveu intenso medo, impotência ou horror. *Em crianças,
isso pode ser expresso por comportamento desorganizado ou agitado;
B) O evento traumático é persistentemente revivido em uma [ou mais] das seguintes
maneiras:
1) Recordações aflitivas, recorrentes e intrusivas do evento, incluindo imagens,
pensamentos ou percepções. Em crianças pequenas, podem ocorrer sonhos
amedrontadores sem um conteúdo identifivel;
2) Agir ou sentir se o evento traumático estivesse ocorrendo novamente [inclui
revivência, ilues, alucinões, flashbacks dissociativos]. Em crianças pequenas pode
ocorrer reencenação específica do trauma;
3) Sofrimento psicológico intenso quando da exposição à incios internos ou externos
que simbolizam ou lembram algum aspecto do evento traumático;
4) Reatividade fisiológica na exposição a incios internos ou externos que
simbolizam ou lembram algum aspecto do evento traumático;
C) Esquiva persistente de estímulos associados com o trauma e entorpecimento da
responsividade geral [não presentes antes do trauma], indicados por três [ou mais] dos
seguintes quesitos:
1) Esforço no sentido de evitar pensamentos, sentimentos, conversas associadas com o
trauma;
2) Esforço no sentido de evitar atividades, locais ou pessoas que ativem recordações
do trauma;
3) Incapacidade de recordar algum aspecto importante do trauma;
20
4) Redução acentuada do interesse ou da participação em atividades significativas;
5) Sensação de distanciamento ou afastamento em relação a outras pessoas;
6) Faixa de afeto restrita;
7) Sentimento de um futuro abreviado;
D) Sintomas persistentes de excitabilidade aumentada [não presentes antes do trauma],
indicados por dois ou mais dos seguintes quesitos:
1) Dificuldade em conciliar ou manter o sono;
2) Irritabilidade ou surtos de raiva;
3) Dificuldade em concentrar-se;
4) Resposta de sobressalto exagerada;
E) Duração da perturbação é superior a um mês.
F) A perturbação causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no
funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do
indiduo.
Existe ainda a especificação da duração da manifestação dos sintomas em agudo
[inferior a três meses], crônico [se a duração for maior que três meses] e início tardio se os
sintomas se manifestarem seis meses após o evento estressor ter ocorrido.
De acordo com DSM-IV-TR
(APA, 2002) transtorno de estresse pós-traumático
(TEPT) pode ocorrer em qualquer idade, incluindo a infância. Sintomas se iniciam nos
primeiros três meses após o trauma, embora possa haver um lapso de meses ou anos entre o
estressor ocorrido e sua manifestação, como os especificadores acima. Freqüentemente a
ocorrência dos sintomas pode surgir imediatamente após o trauma e satisfazer critérios para
transtorno de estresse agudo [até quatro semanas]. A duração varia e pode ocorrer
recuperação completa dentro de três meses em metade dos casos; em muitos outros, persistem
por mais de doze meses após o trauma.
Além dos sintomas descritos, outros podem estar associados como: prejuízo na
modulação do afeto; comportamento auto-destrutivo e impulsivo; sintomas dissociativos;
queixas somáticas; sensações de inutilidade; vergonha, desespero ou desamparo; perda de
crenças anteriormente mantidas; hostilidade; retraimento social; prejuízo no relacionamento
com os outros; ou mudança nas características de personalidade.
21
Devido a essas manifestações cnicas, aos aspectos relacionais e a estrutura
cognitivista, TEPT foi incluído na categoria de transtornos de ansiedade. Diferente ocorreu
com a Classificação Internacional de Doenças em que o acontecimento e a estrutura psíquica
ganharam maior relencia.
3.1.2.2 Classificação Internacional de Doenças – CID
Desde o aparecimento de sua primeira versão, a CID passou por modificações até
chegar ao que hoje se apresenta.
Os eventos traumáticos, em 1948, apareceram na CID-6 agrupados na categoria de
desajuste emocional agudo”. Categoria esta que se manteve na sétima versão da
Classificação.
Na década de 60, o programa de Saúde Mental da Organização Mundial de Saúde
(OMS) empenhou-se ativamente para melhorar o diagnóstico e a classificação de transtornos
mentais, o que resultou na oitava revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-8).
“Transtornos transitórios de inadaptação a situações especiais” foi incorporado como
categoria para os eventos traumáticos.
Já na década de 70, a mais extensa expansão foi vista com intuito de melhorar a
classificação psiquiátrica no mundo com a publicação da nona revisão, e foi introduzida a
categoria “reação aguda ao estresse”. Mais tarde, após inúmeros esforços de pesquisas
empreendidos, um conjunto claro de critérios e instrumentos de avaliação apareceram na
décima e mais atualizada versão – CID-10, na qual pode observar-se um detalhamento das
categorias diagnósticas relacionados aos eventos traumáticos: “reação aguda ao estresse”;
transtorno de estresse pós-traumático”; “outras reações ao estresse grave”; reação ao estresse
grave não especificada” e “alteração permanente na personalidade após experiência
catastrófica” (OMS, 1993).
A CID-10, que é composta por um sistema de códigos alfa-numéricos, apresenta o
transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) dentro da “família” dos transtornos relacionados
ao estresse grave – F43. Essa categoria difere de outras por incluir uma influência causal: um
evento de vida excepcionalmente estressante dependente de uma vulnerabilidade individual.
Desse modo, segue-se que:
F43.1 Transtorno de estresse pós-traumático surge como uma resposta tardia e/ou
protraída a um evento ou situação estressante [de curta ou longa duração] de
22
natureza excepcionalmente ameaçadora ou catastrófica, a qual provavelmente causa
angústia invasiva em quase todas as pessoas [como desastre natural ou feito pelo
homem, combate, acidenterio, testemunhar a morte violenta de outros ou ser
vítima de tortura, terrorismo, estupro ou outro crime]. Fatores predisponentes tais
como traços de personalidade ou história prévia de doença neurótica, podem baixar
o limiar para o desenvolvimento dandrome ou agravar seu curso, mas não são
necessários nem suficientes para explicar sua ocorrência. (OMS, 1993, p. 145).
Nessa classificação ainda são incluídas, como no DSM, episódios de repetidas
revivências do trauma sob forma de memórias intrusivas [flashbacks] ou sonhos; persistente
sensação de “entorpecimento” e embotamento emocional, afastamento de outras pessoas, falta
de responsividade ao ambiente, além de medo e evitação de estímulos que recordem o trauma.
Um estado de hiperexcitação autonômica acompanha o quadro com hipervigilância, ou seja,
uma reação de choque aumentada e insônia.
Sutilmente diferente do DSM-IV-R, a CID-10 menciona ainda:
Esse transtorno não deve geralmente ser diagnosticado a menos que haja evidência
de que surgiu dentro de seis meses após um evento traumático de excepcional
gravidade. Um diagnóstico “provável” pode ainda ser possível se a demora entre o
evento e o início for maior que seis meses, desde de que as manifestações clínicas
sejam típicas e nenhuma identificação alternativa do transtorno seja plausível.
(OMS, 1993, p. 145).
Cumpre observar que a CID-10, por ser mais abrangente que o DSM-IV-TR, não faz
alusão ao TEPT na criança. Ressalvadas algumas citações, as referências ao longo do
trabalho, serão feitas com base no DSM-IV-TR onde as descrições clínicas na infância são
pormenorizadas.
3.2 Sobre Estressores Traumáticos na Infância
Estresse vem do termo inglês stress que significa, em física, o somatório de forças que
agem contra a resistência, não importando quais. Foi o termo escolhido por Hans Selye para
designar seus estudos sobre a Síndrome Geral de Adaptação, um conjunto de reações não-
específicas do organismo que podem fazer face aos traumatismos causados por agentes
patogênicos de diferentes tipos (ARANTES & VIEIRA, 2002).
23
Considera-se que qualquer organismo vivo depende de suas próprias capacidades para
lidar e se adaptar ao estresse. Nesse sentido, a espécie humana é compelida, a todo o tempo, à
manutenção da homeostase frente a uma variedade de estressores que podem ser ambientais,
biológicos, internos ou externos.
Para tanto, uma quantia limitada de recursos de adaptação é disponibilizada pelo
organismo. Quando este é exigido em demasia, frente a estressores severos, além da
possibilidade do aparecimento de doenças, o indivíduo corre o risco de desenvolver um
transtorno de estresse pós-traumático, em sinal de que a adaptação de seu sistema orgânico foi
aguda ou cronicamente sobrecarregada (COHEN, PEREL, DEBELLIS et.al, 2002).
3.2.1 Especificidade do Transtorno de Estresse Pós-traumático (TEPT) na
Infância
Reações emocionais e fisiológicas são algumas das conseqüências que estressores
extremos podem despertar. Esperadas e desejadas, essas reações, de uma maneira aguda, se
comportam como mecanismos de adaptação e irão nortear o ocorrido na vida da criança,
dando a ela um senso de realidade (VEENEMA & SCHROEDER-BRUCE, 2002).
Em recente pesquisa, Kassan-Adams & Winston (2004) estabeleceram relações
indiretas entre reações agudas ao estresse e o transtorno de estresse pós-traumático. O que
equivale dizer que, estresse agudo não prediz, por si só, TEPT. Outros fatores necessitam
estar presentes, contribuindo para seu desenvolvimento.
A configuração do TEPT depende da magnitude das respostas psicológicas ao estresse
severo; para tanto, algumas variáveis estão associadas, como alto grau de exposição,
proximidade com o evento estressor, história de traumas anteriores, prevancia no sexo
feminino, pobreza de respostas parentais, bem como antecedentes psicopatológicos
(VEENEMA & SCHROEDER-BRUCE, 2002; MONTT & HERMOSILLA, 2001;
CONOLLY, MCCLOWRY, HAYMAN et al. 2004; LANDOLT, VOLLRATH, RIBI et al.
2003; DAVIS, MOONEY, RACUSIN et al. 2000; PINE & COHEN, 2002).
Transtorno de estresse pós-traumático pode ser observado na criança, a partir de uma
sintomatologia peculiar. Isso porque a reação ao trauma pode se manifestar através de
condutas regressivas, ansiedade, medos, somatizações, introspecção, problemas de conduta,
déficit de atenção, dissociações e transtornos do sono, bem como senso de responsabilidade e
culpa, evitação escolar, irritabilidade, baixa capacidade de concentração, entre outros. Em
crianças mais novas, enurese e encoprese, dificuldade em habilidades anteriormente
24
aprendidas, agressividade ou apatia, pesadelos ou terrores noturnos são também alguns dos
sintomas observados (APA, 2002; VEENEMA & SCHROEDER-BRUCE, 2002; MONTT &
HERMOSILLA, 2001).
Esse spectrum de sintomas, que caracteriza a apresentação cnica do TEPT, muitas
vezes dificulta ou impossibilita seu diagnóstico. Isso porque, devido ao particular estágio
desenvolvimental de maturação neurobiológica em que se encontram esses indivíduos,
comorbidades estão associadas (VEENEMA & SCHROEDER-BRUCE, 2002). Nesse
sentido, eventos traumáticos não são rotineiramente abordados em uma consulta pediátrica,
podendo passar desapercebidos. Não estabelecida uma relação entre eles, os cuidados deixam
de ser ministrados como necessário (SHEMESH, KESHAVARZ, LEICHTLING et al. 2003).
A manutenção do transtorno e o desenvolvimento de conseqüências psiquiátricas
residem em dois pilares: o quanto foi traumático o evento para a criança em questão e o
suporte e apoio biopsicosocial que receberá mais tarde (VEENEMA & SCHROEDER-
BRUCE, 2002; PINE & COHEN, 2002).
Evidências clínicas e de pesquisas, citadas por Silva e Kessler (2004), referem-se,
am de fatores de vulnerabilidade, à existência de possíveis fatores de resiliência, uma vez
que apenas uma parcela de crianças expostas desenvolve TEPT. Isso porque, até mesmo
diante das piores e mais severas condições ambientais, a resiliência na infância pode ser
desenvolvida (SILVA, ALPERT & MUNOZ et al., 2000).
Contudo, devido à expressiva exposição de crianças a situações de trauma, o TEPT na
infância tem sido amplamente estudado e documentado (KASSAM-ADAMS & WINSTON,
2004).
Dentre essas exposições, abuso sexual (PINE & COHEN, 2002; SILVA, ALPERT,
MUNOZ et al. 2000; CARRION, WEEMS, RAY et al. 2002), violência doméstica ou outras
(SILVA, ALPERT, MUNOZ et al. 2000), acidentes naturais (VEENEMA & SCHROEDER-
BRUCE, 2002; PINE & COHEN, 2002; CHEMTOB, NAKASHIMA & HAMADA, 2002) ou
ferimentos por acidentes automobilísticos (KASSAM-ADAMS & WINSTON, 2004;
DAVISS, MOONEY, RACUSIN et al. 2000; SHEMESH, KESHAVARZ, LEICHTLING et
al. 2003; RUSCH, GOULD, DZWIERZYNSK et al. 2002; VRIES, KASSAM-ADAMS,
CNAAN et al. 1999); assaltos ou seqüestros (PINE & COHEN, 2002), incêndios
(SHEMESH, KESHAVARZ, LEICHTLING et al. 2003), estar em um conflito armado
(BENYAKAR, 2003; NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 2003), doenças potencialmente
graves (CONNOLLY, MCCLOWRY, HAYMAN et al. 2004) e presenciar morte de pais,
25
irmãos ou iguais (SILVA, ALPERT & MUNOZ, 2000) são alguns dos tipos de trauma
envolvidos.
A sociedade inunda o indivíduo, no caso a criança, de sua onipresente experiência de
choque. A todo o momento, tanto o corpo quanto o aparato pquico é solicitado em busca de
defesa e homeostase. Quando a experiência individual mostra que há um “excesso de
realidade”, então pode-se dizer que é constituída a experiência traumática (SELIGMANN-
SILVA, 2000).
3.3 Fenômenos Traumáticos na Clínica Psicanalítica
O trauma é definido por Laplanche & Pontalis (1991) como um acontecimento intenso
da vida do sujeito, no qual este se encontra incapaz de reagir a ele de forma adequada, pelo
transtorno e efeitos patogênicos duradouros que provoca na organização psíquica. A noção de
traumatismo ainda remete a uma concepção econômica: um afluxo de excitações excessivo
em relação à tolerância e à capacidade do sujeito de dominar e elaborar psiquicamente estas
excitações. O dicionário de psicalise define que nesse caso:
O afluxo de excitações é excessivo em relação à tolerância do aparelho pquico,
quer se trate de um só acontecimento muito violento [emoção forte] ou de uma
acumulação de excitações cada uma das quais, tomada isoladamente, seria
tolerável; o princípio de constância coma a ser posto em cheque, pois o aparelho
não é capaz de descarregar a excitação. (LAPLANCHE & PONTALIS, 1991, p.
522).
Princípio de constância [ou inércia] regula o aparelho psíquico de tal forma que
procura manter constante a sua diferença de nível energético relativamente ao que o rodeia”
(LAPLANCHE & PONTALIS, 1994, p. 356). Pode estar relacionado ao adoecer e se liga
diretamente ao que acontece nas situações traumáticas. O “excesso de realidade”, como
mencionado anteriormente, causa uma perturbação na homeostase do indivíduo, equilíbrio
este que está relacionado ao princípio de constância. Por princípio de constância entende-se
uma condição sob a qual o aparelho psíquico funcione no nível mais baixo de energia
(FREUD, 1996b [1920-1922]). Nesse sentido é que Freud refere que:
26
Realmente, o termo ‘traumático’ não tem outro sentido senão o sentido econômico.
Aplicando-o a uma experiência que, em curto período de tempo, aporta à mente um
acréscimo de estímulo excessivamente poderoso para ser manejado ou elaborado de
maneira normal, e isto só pode resultar em perturbações permanentes da forma em
que essa energia opera [...]. (FREUD, 1996c [1916-1917]
, p. 283).
A noção freudiana da teoria traumática das neuroses em geral encontra origem nas
formulações acerca da neurose traumática em si, centrada nos femenos e mecanismos
intrapsíquicos que operam no decorrer do efeito traumatizante, ou seja, no aparelho de pára-
excitações. Provêm também da teoria traumática da angústia, centrada na noção do desamparo
psíquico, vinculada à angústia automática (HARTKE, 2005).
Desdobramentos na teoria do trauma foram feitos desde de que Freud se pros a
investigar a etiologia das neuroses. Entretanto, indispensável ao longo de todo esse espectro
foi o aspecto econômico. Sendo assim, refere o citado autor:
[...] nos compele a descrever como trauticas também aquelas experiências nas
quais nossos pacientes neuróticos parecem se haver fixado. Isto nos proporia uma
causa única para o início da neurose. Assim, a neurose poderia equivaler a uma
doença traumática, e apareceria em virtude da incapacidade de lidar com uma
experiência cujo tom afetivo fosse excessivamente intenso. Na verdade, foi esta
realmente a primeira fórmula pela qual [em 1893 e 1895] Breuer e eu explicamos
teoricamente nossas observações. (FREUD, 1996c [1916-1917], p. 283).
3.3.1 História do Trauma na Teoria Freudiana
Em 1893 em seus Estudos sobre a Histeria, Freud propõe a Breuer:
Nas neuroses traumáticas, a causa atuante da doença não é o dano físico
insignificante, mas o afeto do susto – o trauma psíquico. De maneira análoga,
nossas pesquisas revelam para muitos, se não para a maioria dos sintomas
histéricos, causas desencadeadoras que podem ser descritas como traumas
psíquicos. Qualquer experiência que possa provocar susto, vergonha ou dor física –
pode atuar como um trauma dessa natureza; e o fato de isso acontecer de verdade
depende, naturalmente, da susceptibilidade da pessoa afetada. (FREUD, 1996a,
p.41)
.
27
A primeira teoria a respeito da neurose traumática, a Teoria da Sedução,
diferentemente do relato acima, é descrita por uma causação externa (NEPOMUCENO,
2005). Nessa teoria era preciso haver uma primeira cena na infância que oferecesse a força
traumática e uma segunda, mais tardar na vida do indivíduo, que fosse a condição
traumatizante. Um acontecimento vindo do exterior [ocasionado por um adulto, em geral o
pai] provocaria uma irritação nos genitais da criança, que passiva e submissa, nada
compreenderia; o fato, mais tarde na puberdade e em experiência semelhante, viria à tona em
formas de reminiscência e ressignificações do evento. A lembrança, nesse caso, é que agiria
traumaticamente.
É dessa maneira que o termo “neurose traumática” era utilizado, em referência a um
grupo de distúrbios psíquicos que surgiam após um período de latência, depois de um choque
afetivo muito intenso (KNOBLOCH, 1998) anunciando os dois tempos do trauma, o que
Freud chamou de “après-coup”.
Logo, a teoria da sedução, como condição primordial para o acontecimento
traumático, é abandonada por Freud. A tão eloqüente carta a seu companheiro Fliess, em
1897, na qual menciona a não credibilidade em suas pacientes neuróticas, elucida um novo
momento na teoria do trauma, onde o mais o acontecimento externo, real, ocupa posição
central. Essa carta coloca em controvérsias várias questões, dentre elas a possibilidade de
haver mais pais perversos do que mulheres com sintomas histéricos e ainda, da existência
dados de realidade no inconsciente. Em virtude dessas e de outras indagações, a sedução
passa a ser vista em termos da fantasia (FREUD, 1996d).
O caráter traumático da sexualidade, muito embora enfraquecido, continua presente,
mas intimamente ligado a uma violência interna. Nesse sentido, a causa externa do conflito
não é eliminada, todavia, não é também determinante; em grande medida, a realidade externa
passa a ser subordinada pela realidade interna. Contudo, nos anos subseqüentes, o abandono
da causação externa não foi totalmente seguido, em parte, devido às neuroses de guerra do
início do século XX (NEPOMUCENO, 2005).
O inverno e o ardor belicoso da guerra haviam favorecido as produções freudianas. A
guerra também favoreceu a expansão dessas teorias. Os médicos, no decorrer de suas
obrigações do exército, foram levados a um contato mais estreito com a psicanálise quando,
forçosamente, tiveram de lidar com as neuroses de guerra (ANOS SOMBRIOS, 2003).
Assim, Freud coloca:
28
Apesar de que as neuroses de guerra se manifestaram, em sua maior parte, como
perturbações motoras, tremores e paralisias, e embora fosse plauvel supor que um
impacto tão grande como aquele produzido pela concussão devida à explosão de
uma granada nas proximidades, ou o de ser soterrado por um deslizamento do
terreno, levaria a enormes efeitos mecânicos, foram feitas, contudo, observações
que não deixaram dúvidas quanto à natureza psíquica das causas das denominadas
neuroses de guerra. Como se podia discutir esse fato quando os mesmos sintomas
apareciam também por trás da frente da batalha, longe dos horrores da guerra, ou
imediatamente após o regresso de uma licença? Os médicos foram levados,
portanto, a considerar os neuróticos de guerra numa perspectiva semelhante àquela
em que se consideram os pacientes nervosos dos tempos de paz. (FREUD, 1996e
[1917-19], p. 228).
Nesse momento, o patogênico não se refere ao sexual [embora não pudesse abandonar
essa idéia totalmente], mas sim ao terror, ao perigo de morte como ameaça para o eu,
provindo do exterior (CORRÊA, 2005). Freud deixa claro que para que houvesse neurose era
preciso haver um conflito no ego ao perceber uma ameaça de perigo. Como o ego pacífico do
soldado e o seu novo ego bélico. O conflito se agudiza quando o ego pacífico compreende o
perigo que corre. Portanto, a ameaça sentida pelo ego seria pré-condição para a neurose, uma
vez que um exército de soldados profissionais ou de mercenários não as desenvolveriam
(FREUD, 1996f [1932-36]).
Os seguintes momentos da elaboração teórica foram possíveis, a partir da noção do
traumatismo: de 1896 a 1920, o traumatismo se referiu a um ato de sedução sexual exercido
por um objeto externo decisivo para uma organização neurótica subseqüente. Esse período
dividiu-se em dois momentos: o primeiro correspondente ao abandono da teoria da sedução
pela fantasia [1896-1905] e um outro, correspondente ao aprofundamento da descoberta e
desenvolvimento da teoria sexual infantil [1905-1920]. A partir de 1920, a constituição do
trauma é modificada em decorrência de uma mudança de paradigma trazida pela noção de
pulsão de morte. Relacionado aos “aportes” econômicos no aparelho psíquico, o excesso de
sedução interno ou externo do período anterior será relacionado, nesse momento, a um efeito
de pára-excitação (BOKANOWSKI, 2005).
3.3.2 A Teoria do Trauma Além do Princípio do Prazer
O conceito teórico do trauma, por volta de 1920, é então concebido a partir do modelo
de um dispositivo de pára-excitação. Nesse modelo, o psiquismo se vale de uma membrana
endurecida [pára-excitação] impedindo a propagação de energia no interior do aparelho ou
garantindo que a mínima parte fosse expelida. O aparelho psíquico é pensado como uma
29
vesícula que dispõe dessa membrana protetora. O trauma é representado por uma falha, uma
deficiência na membrana protetora, ou no dispositivo de pára-excitação (FREUD, 1996b).
O rompimento dessa barreira de estímulos acarretaria magnitudes incontroláveis de
afeto, inundando o ego.
Nesse contexto, seriam traumáticas quaisquer excitações provindas de fora e que
fossem suficientemente poderosas para ultrapassar a barreira de estímulo [escudo protetor]. O
aparelho mental é inundado por grandes quantidades de afeto, devido a uma perturbação no
funcionamento de energia. Não tendo como impedir essa inundação, o princípio do prazer é
posto fora de ação, havendo um donio de sensações de desprazer. O problema surge na
tentativa de dominar as quantidades de estímulos que irromperam; converter a energia livre de
dentro do aparato mental em catexia quiescente, ou seja, vinculá-las psiquicamente (FREUD,
1996b [1920-22]).
Nos anos que se seguem, a situação traumática e as situações de perigo entram em
discussão no momento em que a angústia
1
constitui o principal tema para Freud. Através da
nota do editor inglês em Inibição, sintoma e ansiedade” (FREUD, 1996g [1925-26]) é
posvel verificar uma mudança do pensamento freudiano a respeito da ansiedade como libido
transformada [excitão acumulada escapava sob forma transformada de ansiedade].
Em 1925, ansiedade é vista como uma reação sobre um modelo específico a situações
de perigo. Sempre que um estado desse tipo se repete, ela será reproduzida; isso acontecerá
em momentos em que o ego ficará reduzido a um estado de desamparo face a uma tensão
excessiva. Freud relaciona esse estado à situação do nascimento, momento em que a angústia
é gerada (FREUD, 1996g).
Como se há de observar na citada teoria, é feita uma distinção entre ansiedade como
uma reação direta e automática a um trauma e ansiedade como sinal do perigo da abordagem
desse trauma. Na Conferência XXXII, Freud assinala:
[...] ou a geração da ansiedade, repetição da antiga experiência traumática, limita-se
a um sinal, caso em que o restante da reão pode adaptar-se à nova situão de
perigo e pode resultar em fuga ou defesa; ou a antiga situação pode continuar
mantendo o domínio, e a reação total pode consistir em nada mais que geração de
ansiedade, caso em que o estado afetivo se torna paralisante e será inadequado para
os propósitos atuais. (FREUD, 1996h [1932-36], p. 86).
1
Uma equivalência entre angústia e ansiedade é feita ao longo do texto. Optou-se por uma ou outra apenas pela
diferença entre veis, ou seja, ansiedade mais controlável ou paroxística [angústia]. Como pode-se observar,
essa equivalência é percebida no título “Inibição, Sintoma e Ansiedade em português, o que é original em
alemão “Hemmung, Sympton und Angst
30
Característica no caso da neurose traumática é a auncia da angústia sinal. A
causação associa-se ao fator surpresa, ao susto, ou seja, à entrada no perigo sem preparo
(FREUD, 1996b [1920-22]).
Em consonância com esse pensamento, Laplanche (1998) aponta que a neurose
traumática é representada por uma brecha provocada por uma energia “externa” atacando uma
vesícula não preparada [o aparato mental]. Não havendo angústia, não mobilização de
energia na fronteira, inexistindo um contra-investimento que protegeria a “vesícula” do
ataque.
Cumpre assinalar, todavia, que neste caso, estados de angústia são mobilizados não
para impedir o aparelho psíquico de ser submerso por grandes somas de excitação, mas sim
dominar e ligar psiquicamente as somas desmedidas de excitação, a fim de liquidá-las.
No caso traumatismo duas teorias são cabíveis. Uma primeira que apresenta a noção
de choque e uma segunda, em que atribui a importância do susto e do sentimento de ameaça
vital, em detrimento da lesãosica
(LAPLANCHE, 1998).
Ferimentos ou danos infligidos operam, via de regra, contra o desenvolvimento de
uma neurose (FREUD, 1996b [1920-22]). A lesão física exige um superinvestimento
narcísico do órgão atingido, ligando o excesso de excitação. O ferimento, assim, permite
derivação da pulsão, evitando que a excitação permaneça no ego alimentando temores e
angústia.
Entretanto, afora essas condições em que o dano físico, real faz a função de um aporte
econômico, evitando a neurose, o trauma se instala; impede as transcrições; gera uma
sobrevalorão do acontecimento, pelo acúmulo das excitações da vivência, uma vez que as
excitações não são liquidadas. Seguindo as idéias de Uchitel (2001, p.51), “a libido fica presa,
soldada sem mobilidade, sugada pelo trauma; associada quase que por inteiro, consciente e
inconscientemente à cena traumática. A libido não flui, não se desprende, e portanto, não fica
livre na direção de novas conexões e investimentos”.
A necessidade de encontrar a experiência que forneceria a possibilidade de registro de
uma descarga adequada das excitações impele a fixação no trauma. Seu efeito devastador é
como o de um ódio que não encontrou a representação de objeto que lhe dê sustentação, ou de
um objeto impossível de ser pensado. Nesse estado, uma alternativa posvel é o refluxo da
pulsão de morte para dentro da mente, ou drasticamente para dentro do organismo (VIEIRA
& MIGLIAVACCA, 2005).
Verifica-se dessa maneira na teoria freudiana que o motor da neurose traumática é a
compulsão à repetição (BOKANOWSKI, 2005).
31
Sonhos, sintomas, transferência ou o próprio cotidiano, qualquer que seja o vculo da
repetição da experiência traumática, esta representa as diversas tentativas de donio dos
estímulos excitatórios (UCHITEL, 2001; VIEIRA & MIGLIAVACCA, 2005). Esforçam-se
por dominar o estímulo retrospectivamente, na tentativa de desenvolver a ansiedade, cuja
omissão constituiu a causa da neurose traumática (FREUD, 1996b [1920-22]).
Nesse trabalho fora utilizado como enfoque, até o presente momento, um recorte do
termo “neurose traumática” para designar a acepção clínica do termo, que se refere às
neuroses de acidentes, aos grandes traumatismos e às guerras em que o susto agiria
diretamente por sideração de defesas. Entretanto, a teoria psicanalítica tem uma orientação um
tanto mais elaborada do termo. Freud, ao designar ‘teoria traumática da neurose’, faz
referência à teoria do traumatismo em todos os tipos de neuroses (LAPLANCHE, 1998).
Em consonância com o acatado, expor-se-á a seguir um brevíssimo relato da evolução
da teoria do trauma em Freud, a partir de 1926, apresentando-se, na seqüência, um relato dos
autores que continuaram os estudos sobre trauma.
Bokanowski (2005) em seus escritos sobre “traumatismo: breve resumo das
concepções freudianas”, relata que em “Inibição, sintoma e angústia” Freud estreita as
relações de traumatismo com a perda do objeto. Ao referir-se à disposição das crianças de
produzir ansiedade, observa:
Aqui a ansiedade aparece como uma reação à perda sentida do objeto e lembramo-
nos de imediato do fato de que também a ansiedade de castração constitui o medo
de sermos separados de um objeto altamente valioso, e de que a mais antiga
ansiedade, a ‘ansiedade primeva’ do nascimento, ocorre por ocasião de uma
separação da mãe. (FREUD, 1996g [1925-26], p. 161).
A perda do objeto em questão [separação da mãe] para uma criança muito pequena
está vinculada não apenas à ausência materna, mas também à não satisfação das necessidades.
Uma crescente tensão em razão da necessidade pode levar a uma elevação da quantidade de
estímulos desagradáveis, sem que esta possa ser dominada psiquicamente. A perturbação
econômica precisa ser eliminada e a repetição da situação primeva de perigo faz com que a
ansiedade se estabeleça.
Em virtude disso, a teoria freudiana propõe uma estreita relação entre neurose
traumática e as situações de perigo operantes, que resultam do desamparo psíquico sofrido
pelo ego ainda imaturo na primeira infância (FREUD, 1996g [1925-26]).
32
No final da obra freudiana (1939), o traumatismo é vinculado ao narcisismo.
Bokanowski (2005) refere ser no texto “Moisés e o monotsmo” que Freud afirma que
experiências trauticas, vividas no início da infância e depois esquecidas, podem acarretar
danos precoces ao ego, feridas narcísicas. Desse modo, dois destinos do traumatismo seriam
possíveis: um positivo e organizador [através de repetição, rememoração e elaboração] e
outro, negativo e desorganizador [com enclaves no psiquismo].
Um exame subseqüente dessas questões, nos permitirá elucidar essas idéias no que diz
respeito às crianças acometidas por doença ou condição médica grave, circunstância potencial
desencadeadora de respostas traumáticas. Cumpre verificarmos, todavia, a literatura sobre
trauma nas obras de Ferenczi e Winnicott.
3.3.3 A Teoria do Trauma na Obra de S. Ferenczi
Deve-se a Ferenczi o aprofundamento das questões sobre as conseqüências cnicas e
teóricas do trauma, apesar de Freud ter desenvolvido o conceito de forma exaustiva
(BOKANOWSKI, 2005).
O termo “neurose traumática” surge em 1917, nas teorizações do autor, por meio de
um artigo a respeito de doenças que parecem não decorrer de perturbações da libido, como
ocorre em outras neuroses gerais [psiconeuroses]. Decorrem de perturbações nas funções ou
órgãos, em conseqüência de choques psíquicos ou sicos intensos. Nessa concepção,
acontecimentos externos provocam conseqüências intrapsíquicas e manifestações similares a
outras neuroses genéricas [que dispensam o embate físico externo]. A intensidade física e
psíquica do evento traumático e os danos que provocam no ‘eu’ do sujeito são de suma
importância dentro de sua teoria (UCHITEL, 2001).
Semelhante aos postulados freudianos, Ferenczi atribui ao trauma um caráter
imprevisível. Acrescenta ainda qualidades de surpreendente, incompreensível e
irrepresentável. Coloca que “o efeito de uma comoção deve ser particularmente perigoso quer
se trate de um súbito pavor ou um pavor com ferimento corporal, quando o trauma aconteceu
em certos estados inabituais” (FERENCZI, 2003a, p. 79).
Segundo Vieira (2005), o desprazer insuportável gerado nessas ocasiões invoca a ação
da pulsão de morte [ausência absoluta de excitação]. Quanto mais intensa a ação da pulsão de
morte, maior a fragmentação do ego; e a cada violência maior a fragmentação. Há então uma
cisão do ego, em que o trauma fica impossibilitado de recalque e representação; uma ausência
de significação da experiência traumática. Nesse contexto da fragmentação, Ferenczi fala
33
sobre clivagem: o psiquismo se divide em uma parte preservada e uma outra que tenta a
anulação do trauma, como uma fuga psíquica diante de sentimentos demasiado intensos de
desprazer (UCHITEL, 2001). Essa parte pode conter o sofrimento puro, que emerge nos
sonhos sem imagens ou sob forma de doenças funcionais (VIEIRA, 2005). Nesse sentido,
escreve o estudioso autor:
Se o trauma afeta o psiquismo ou o corpo sem preparação, ou seja, sem contra-
investimento, então age sobre o corpo e o espírito de um modo destrutivo, quer
dizer, perturbador, por fragmentação. Falta a força que mantinha juntos os
fragmentos e os elementos separados. Fragmentos de órgão, elementos de órgão,
fragmentos e elementos psíquicos são dissociados. (FERENCZI, 2003b, p. 105).
A criança, em posse de um ego ainda imaturo, está mais próxima da fragmentação do
que do contra-investimento (VIEIRA, 2005). Ferenczi descobriu a importância dos
traumatismos primários, ocorridos na infância, na irrupção de um trauma (BOKANOWSKI,
2005).
Entretanto, o autor desvincula o trauma da condição do nascimento, referindo ser esta
uma situação isenta de perigos. Como uma perturbação passageira, o nascimento não deixa
traços substanciais. Segundo ele, o mundo circundante ocupa-se imediatamente de reparação
(FERENCZI, 2003b).
Observa-se em suas teorias, uma divisão do trauma em dois grandes grupos. O
primeiro composto por traumas que propiciam uma reorganização psíquica e que contribuem
para o desenvolvimento e reorganização. O segundo, composto por traumas em que um efeito
surpresa é somado à violência. Nesse caso, não é possível uma reorganização interna e o
trauma é visto como desestruturante, uma verdadeira mutilação ao nível do ego (PINHEIRO,
1995).
Um traumatismo precoce dá-se quando ao se estabelecer uma crença em potências
externas, o ambiente priva ou fere, frustra a satisfação, provocando um excesso de sensações
de desprazer. A criança só pode contar consigo mesma e se não consegue desenvolver meios
para tanto, o mundo externo se oferece à força (VIEIRA, 2005).
A chegada ao mundo sem o apoio de um mediador priva a criança de um filtro, ou de
um intermediário que a proteja do mundo externo (PINHEIRO, 1995). Essas noções cada vez
mais nos norteiam no que diz respeito às experiências na infância que acarretam sérias
ameaças à vida e colocam à criança à mercê das fantasias de castração.
34
Por esse motivo, Ferenczi (2003c) afirma que o indivíduo ainda inacabado só pode
prosperar num meio ótimo. Isso porque o objeto, o outro para a psicanálise, tem um papel
fundamental na organização ou desorganização psíquica (MEZAN, 1996).
Birman (1996) refere que Ferenczi coloca a dimensão do trauma no coração da
experiência psicanalítica. Para tanto, é retomada a questão freudiana a respeito da sedução
infantil, recolocando seus efeitos traumáticos.
A iia da sedução infantil é construída a partir de um mito. Nessa história, uma
criança seduz um adulto e recebe como resposta uma violência sexual. O que Ferenczi
chamou de “confusão de línguas”: a linguagem de ternura da criança recebe como resposta a
linguagem da paixão do adulto. O trauma não acontece nesse momento. A hisria continua
com o adulto que, ao perceber que toma a criança como um parceiro igual, sente culpa ao se
dar conta do erro cometido [diferentemente do perverso]. A culpa seria o primeiro grande
problema da criança. Isso porque, a organização psíquica da criança é de um aparato mental
que é constrdo simbolicamente a partir do que é passível de ser introjetado lentamente. A
culpa, como um sentimento sofisticado, torna-se para ela enigmática e incompreensível.
A questão do desmentido surge na teoria de Ferenczi quando, em seqüência, a criança
procura um adulto para dar sentido ao que, para ela, não faz sentido. O adulto, ao não suportar
o relato da criança, a desmente. Essa incompatibilidade simbólica (impedimento da inscrição
do trauma numa inscrição simbólica) resulta em confusão para a criança, que mostra-se
surpresa diante da condição adversa a qual tem que se adaptar (PINHEIRO, 1995, 1996).
Sobre a confusão, Ferenczi (2003d, p. 84) assinala que “o momento do desvario
interm quando se vai ao encontro de uma situação com uma certa representação antecipada
e, no lugar disso, encontra-se uma outra coisa, freqüentemente o oposto; portanto: ser
surpreendido por alguma coisa”.
Diante do desmentido, a confiança no adulto, o qual deveria ser seu intermédio da
realidade externa, fica prejudicada. A confusão gerada faz com que a criança se questione se
não é ela a não merecedora de confiança. O sentimento de culpa do agressor é então,
incorporado. Essa identificação com o agressor, produto final da organização infantil nessa
situação, dá à criança uma condição desestruturante (PINHEIRO, 1995, 1996). Não só pela
intensidade excessiva em jogo, mas porque o aparelho psíquico se vê fragmentado pelo
movimento de tentar juntar as partes da experiência (MEZAN, 1996).
Em consonância com essas idéias, Bokanowski (2005, p. 29) refere que “o trauma
traduz assim uma ausência de resposta adequada do objeto face a uma situação de desamparo;
ausência que mutila o ego para sempre, mantendo um estado traumático permanente e uma
35
situação de desamparo primária que dura toda a vida, podendo ser reativada em qualquer
ocasião”.
Esse estado de desamparo, de angústia do terror, aparecerá quando, diante da realidade
do trauma, nenhum sentimento de familiaridade é possível; onde produz-se um
estilhaçamento das representações. A não-representabilidade é marca daquilo que não se
conhece, de um saber sem acesso possível à consciência por via habitual. A via “não habitual”
[grifo meu] seria a do sintoma, não por formação de compromisso, mas por impossibilidade
de alguma representação. Na ausência de uma inscrição psíquica, o corpo guarda em si uma
inscrição sensorial. O organismo começa a pensar quando o aparelho mental falha
(KNOBLOCH, 1998).
3.3.4 Referências Sobre o Trauma na Teoria de D.Winnicott
Do ponto de vista winnicottiano, uma pessoa só se constitui enquanto tal na relação
com outras pessoas. A relação mãe-bebê, nos primórdios da vida, sustenta essa crença.
Processos de indiferenciação mãe-bebê e falhas maternas, como mudanças repentinas na
maternagem e rotina, abandono do bebê, comportamento irregular e imprevisível são sentidos
como invasão. O bebê reage a essas falhas que produzem um enfraquecimento do ego e
angústias de aniquilação que ameaçam a continuidade do ser (FORLENZA NETO, 2005;
CELERI, 2005).
As reações do bebê às invasões do ambiente por falhas da mãe, constituem um trauma.
Como resultado, após a experiência traumática, algum grau de distorção do desenvolvimento
ocorre, levando a uma falha total ou relativa no estabelecimento da estrutura do self e na
organização do ego, haja visto que o self, para Winnicott, não é o ego, é a totalidade da pessoa
baseada na operação do processo maturativo (CELERI, 2005; UCHITEL, 2001).
A mãe é responsável por apresentar o mundo externo ao bebê (WINNICOTT, 1990).
Esse apoio materno funciona como uma concha protetora que, com o desenvolvimento do ego
infantil, vai sendo gradualmente retirada (FORLENZA NETO, 2005). A mãe funciona como
ego-auxiliar de um ego ainda imaturo. Entretanto, isso é possível se a maternagem for
“suficientemente boa”. O meio suficientemente bom permite ao bebê alcançar a cada estádio
as satisfações, ansiedades e conflitos inatos apropriados. Foi o que Winnicott chamou de
preocupação materna primária: uma sensibilidade aumentada da mãe que a torna capaz de
compreender o funcionamento do seu bebê. Seria a “mãe devotada comum”. Todavia, pode
36
existir um ambiente que não seja suficientemente bom e que distorça o desenvolvimento
(WINNICOTT, 1993a).
Dessa maneira, o trauma para ele tem grande importância quando ocorre no começo da
vida e não só a mãe tem o papel de ambiente facilitador. A proteção ao trauma, na criança em
desenvolvimento, é também fornecida pela família (UCHITEL, 2001).
Essa posição de Winnicott vale para o nascimento quando distingue ‘experiência do
nascimento’ detrauma do nascimento’. Para ele, a experiência do nascimento pode ser
dividida em três categorias: ‘normal’, a experiência pode ser tão suave que não chega a ter
muita importância; ‘experiência traumática comum’, que se mistura a vários fatores
ambientais traumáticos subseqüentes [e que inclui fortalecimento]; e experiência traumática,
que seria o último grau e caso extremo. É de se verificar que para ele o que acontece em
termos de ansiedade não é determinado pelo nascimento em si, mas provavelmente assume
uma postura um tanto semelhante à de Ferenczi nesse sentido, do ambiente que possa conter
um bom manejo subseqüente (WINNICOTT, 1993b).
Diante da impossibilidade dessa experiência, tem-se a privão, uma experiência de
abandono experimentada pelo bebê quando muito pequeno e antes de ter desenvolvido na
mente a capacidade de diferenciar o eu do não-eu. A privação se difere do que Winnicott
chamou de deprivação. Essa por sua vez, é uma experiência catastrófica de abandono que se
passa após um período de bom desenvolvimento e cuidados adequados, em que tenha sido
possível o bebê desenvolver um ‘eu’ capaz de reconhecer a responsabilidade externa do seu
padecimento. A criança, nesse sentido, tem os registros de bons cuidados, sabe o que significa
e, portanto, sabe o que perde ao ser privada desses cuidados.
A criança que passa por uma deprivação, de maneira geral, desenvolve uma
desconfiança básica diante do outro, a qual não lhe permite valorizar nem mesmo verdadeiras
atitudes de cuidados. A raiva e agressividade direcionadas ao exterior funcionam como um
apelo dirigido ao outro. Aqueles que perdem expectativas de respostas parecem ser os casos
em que quadros tornam-se psicopáticos, numa situação irreversível, após anos de frustrações e
decepções (GORAYEB, 2005).
Celeri aponta, nesse sentido, que:
[...] caso o bebê não tenha oportunidade de recuperar-se dessas falhas num
ambiente favorável, a ‘continuidade da linha da vida’ não poderá ser facilmente
recuperada, e nos casos extremos o bebê deixa de ter condições de ‘ser’ [condição
necesria para o desenvolvimento de um self pessoal], passando a reagir. O
resultado é uma ameaça de aniquilamento [breakdown] do self lactente e a
37
organização de defesas que têm por objetivo proteger o indivíduo dessa agonia
inimagivel. (CELERI, 2005, p. 31).
Sendo assim, o trauma em Winnicott é enfatizado nas necessidades primárias e
essenciais o satisfeitas, no que foi difícil ou impossível de representar e simbolizar e, por
fim, no âmbito de um self frágil, que não conseguiu se organizar e progredir, a partir de um
processo necessário, mas nem sempre presente, de identificação materna primária (UCHITEL,
2001).
3.4 Fronteiras entre Psicanálise e Neurobiologia
Pensar em psicanálise e neurobiologia é conjeturar dois campos de investigações que
pouco se intercruzam por serem muitas vezes pensados por um lado como estritamente
psíquico” e por outro como “estritamente biológico”. Entretanto, uma recente vertente do
pensamento psicanalítico vem construindo um método científico que possibilita a combinação
de psicanálise e neurobiologia enriquecendo as contribuições nas duas áreas (SOUSSUMI,
2004).
De igual maneira estão as concepções sobre a alma e o corpo, objetos de reflexão
constante desde acerca de 500 anos antes da nossa era quando Anaxágoras distinguiu psique e
soma. Vertentes de pensamento como o monismo, existência de um único prinpio corpo ou
alma, e o dualismo, existência de dois diferentes princípios corpo e alma, foram precursoras
de um certo número de hipóteses da concepção de Homem que puderam ser concebidas até o
momento atual. Dentre elas, a proposta de uma unidade funcional psique-soma, herdando o
nascimento da concepção psicossomática (HAINAL, PASINI & ARCHINARD, 2001).
Após o advento do Iluminismo, valorização da razão e da sociedade, e do
Romantismo, a irracionalidade e a individualidade, no final do século XIX encontravam-se
reunidas condições que pudessem incorporar uma investigação das dimensões subjetivas, ou
psíquicas, presentes nas manifestações orgânicas, ou do corpo. Foi assim que a ampliação da
manifestação do sofrimento humano, dada pelas contribuições da psicanálise, colocou a teoria
freudiana como um marco nas fronteiras entre o corpo e a alma (VOLICH, 2000).
Embora o corpo do estudo psicanalítico seja diferente do corpo do estudo da biologia
isto é, um que obedece a leis de distribuição anatômica de órgãos e funções e um outro que
obedece a leis do desejo inconsciente (FERNANDES, 2003), Freud o deixou de considerar
as mediações estabelecidas entre a psicologia e a biologia (FREUD, 1996p [1913-14]).
38
Não obstante, nesse estudo sobre os traumatismos infantis, não seria possível, ao
ressaltar a concepção psicossomática como uma visão integrada da existência humana, deixar
de mencionar os aspectos psíquicos e seus correspondentes no campo somático.
Desse modo, será descrito o impacto da vida mental não só a partir dos critérios do
psiquismo como visto até agora nas teorias de S. Freud, S. Ferenczi e D. Winnicott, mas
também através de suas relações com o sistema nervoso e circuitos cerebrais.
3.4.1 Bases Biológicas do Trauma Infantil
Com relação à maneira como o complexo circuito cerebral é formado, Soussumi
(1995) observa que:
Há um tempo longo disponível ao bebê para que se consolidem nele esses circuitos
básicos contendo as memórias de experncias internas. E como tais, auto-
referentes que vão servir como parâmetro para as experiências futuras, já no
império dos estímulos exteroceptivos vindos do meio externo. É a conquista dessas
condições que vai permitir salvaguarda das condições de funcionamento adequadas
para a preservação da vida e prevenção das situações que lhe são ameaçadoras.
(SOUSSUMI, 1995, p.372).
Intimamente dependente do meio em que vive, o bebê necessita deste para ser
atendido em suas necessidades instintuais básicas, bem como regular percepções de
insatisfação-satisfação [desprazer e prazer] e construir suas experiências internas. Os circuitos
básicos se formam a partir dessas experiências.
Em virtude dessas considerações, salienta-se que experiências negativas advindas de
situações estressoras afetam a criança em grande parte devido ao estágio de maturação do
cérebro.
O conhecimento da neurobiologia do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT)
tem evidenciado esse impacto negativo e, portanto, prejudicial dos eventos traumatogênicos
no desenvolvimento cerebral da criança (COHEN, PEREL, DEBELLIS et.al, 2002).
Dependendo da fase desenvolvimental, infância precoce, tardia ou adolescência, a
vulnerabilidade ao evento estressor de intensa magnitude é significantemente aumentada
podendo acarretar mudanças nas funções cognitivas e emocionais (LIPSCHITZ,
RASMUSSON & SOUTHWICK, 1999).
Em consonância com essas observações Grassi-Oliveira, Pergher & Stein (2005)
referem que no período da infância [e também adolescência] o neurodesenvolvimento é
39
intimamente dependente de influências ambientais e devido a isso, a exposição a situações
positivas ou negativas nessa fase tem repercussão e impacto mais significativos na fase adulta
do que se o evento ocorresse em outro momento da vida do indivíduo. Esses autores
discorrem ainda que as cicatrizes neurobiológicas podem tornar os indivíduos vulneráveis a
alterões no modo do funcionamento do psiquismo como, am do aparecimento do TEPT,
transtornos de personalidade anti-social e transtorno do déficit de atenção e hiperatividade.
Rasia Filho & Hilbig (2005) também encontraram em seus estudos evidências de
alterações permanentes no sistema nervoso quando o estímulo demasiadamente estressor
acontece em fases iniciais da vida. Esses autores afirmam que estruturas como a área septal,
amígdala e hipocampo [estruturasmbicas] têm maior desenvolvimento nos primeiros dez
anos de vida. O estresse, sobretudo prolongado, provocaria alterações nessas regiões. Além
destas, foram encontradas alterações no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e no córtex pré-
frontal. Os autores notaram, a partir de suas investigações, dados relevantes como o fato de
que em situações esperadas de medo possa haver uma ativação do córtex pré-frontal e
amígdala. Todavia, em casos de lesão nessa região do córtex pode haver um impedimento na
inibição de funções da amígdala. Cabe a esta última, participação na atividade mnemônica
relacionada com o estímulo emocional juntamente com neurotransmissores e hornios.
Essas complexas alterações podem estabelecer quadros de TEPT nas crianças, além de
outras manifestações psiquiátricas. Achados de alterações no hipocampo, na amígdala e
cíngulo anterior [área localizada no córtex pré-frontal], também foram indicados por Asbahr
(2004).
Estudos de Cohen et al. (2002) também estão de acordo com esses dados. Na resposta
típica a estressores, o circuito envolvendo agdala e córtex pré-frontal é ativado na tentativa
de manter a homeostase. A amígdala é responsável por receber as informações sensoriais
vindas do ambiente e transmiti-las para outros sistemas também responsáveis pela resposta ao
evento estressor. Já o córtex pré-frontal envolve o planejamento dos comportamentos, a
memória, a motivação e é responsável pela distinção entre o que é interno e externo. A parte
medial do córtex pré-frontal é responsável pela resposta de medo. Frente a uma perturbação
muito intensa, há uma hiperresponsividade da amígdala. Memórias intrusivas, uma das
ocorrências encontradas em indivíduos expostos a situações extremas, podem ser explicadas
em parte pelo resultado da sobre-estimulação desse circuito. Em contraste, uma baixa
responsividade do córtex pré-frontal medial foi observada por um possível excesso de
dopamina, que contribuiria para respostas hipervigilantes. O decréscimo da atividade dessa
40
região do cérebro desencadeia um processo generalizado de respostas de medo para situações
onde estas não seriam normalmente esperadas.
O eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) é um dos maiores sistemas que coordenam
a resposta ao estresse na manutenção da homeostase. Contudo, é possível encontrar alterações
nesse sistema em crianças submetidas a fortes adversidades. Ademais, há indícios de que as
perturbações encontradas nesse eixo são semelhantes às encontradas nos adultos também sob
situações adversas (LIPSCHITZ, RASMUSSON & SOUTHWICK, 1998).
O estímulo estressor ativa a amígdala, resultando na estimulação do núcleo do
hipotálamo. O hipotálamo maestramente recebe sinais de quase todas as fontes possíveis do
sistema nervoso e controla, através de sinais hormonais ou nervosos, a secreção de outros
hormônios. A partir dele pode ser desencadeada uma cascata de eventos, como no caso da
resposta ao evento estressor. O hipotálamo é ligado à hipófise que, diante da situação
estressora, secreta corticotrofina (ACTH) através de um fator [ou hormônio] liberador - o
CRH ou fator liberador da corticotrofina. O ACTH, por sua vez, estimula a liberação de
glicocorticoides, o cortisol e catecolaminas, em especial, epinefrina e norepinefrina. Em
condições em que cessa o evento estressor, um feedback acontece na tentativa de manutenção
da homeostase, inibindo e liberando hormônios dessa complexa rede. Entretanto, diante de
uma falha do organismo na manuteão ou reestabelecimento da homeostase, um curto
circuito orgânico pode ser observado (CARBONI, VILLALOBOS & CASTILLLO, 2003).
Kristensen, Gauer, Giovernardi et al. (2005) atentam, por meio de suas pesquisas, para
as alterações do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) e complexo lócus ceruleus-
noradrenalina-sistema nervoso simpático. Neste último, observa-se a hiperativação do sistema
nervoso simpático e do sistema adrenérgico, devido a produção aumentada de epinefrina
[adrenalina] e noraepinefrina [noradrenalina]. Observam-se, ainda, reinteradamente,
alterações na pressão arterial, redirecionamento dos aportes energéticos, da freqüência
cardíaca e respiratória, diminuição da resposta imunológica e antiinflamatória, com aumento
da vulnerabilidade orgânica (ARANTES & VIEIRA, 2002).
Em relação ao eixo HHA, de maneira semelhante aos adultos, as crianças apresentam
permanentemente altos níveis de cortisol na persistência do estímulo estressor agudo.
Exposição a níveis aumentados de cortisol pode levar a perda neuronal devido a uma
diminuição da arborização dendritíca, segundo achados de Grassi-Oliveira et al. (2005). Isso
devido ao desenvolvimento neuronal acontecer principalmente logo após o nascimento e na
fase da infância e adolescência, a chamada neurogênese.
41
As conexões sinápticas formam-se a partir da arborização dendrítica. O estresse
atuaria como uma ‘poda’ na formação das redes neuronais, especialmente se o estressor
ocorrer na infância. Reid (1999) salienta que nessas ocasiões, em virtude do acelerado
desenvolvimento neuronal, se apenas uma parte do cérebro é superestimulada com intuito de
zelar pela sobrevivência, outras que precisariam ser ativadas, não o sendo, deixam de se
desenvolver, contribuindo para tais perdas neuronais.
Em contrapartida, o estímulo estressor, quando crônico, sobre-estimula mecanismos
de adaptação que acabam sendo prejudicados por sobrecarga. Devido a um feedback negativo,
sob efeitos de estresse prolongado, o CRH é aumentado e o cortisol dimindo. Níveis de
cortisol demasiadamente baixos impedem a ação dos mecanismos de adaptação (COHEN et
al. 2002).
Grassi-Oliveira, Pergher & Stein (2005, p.55) mencionam a “[...] dificuldade na
adaptação que se traduz no desenvolvimento de um estado de peso alostático”. O termo
alostase é usado para designar o processo de adaptação do organismo, ou seja, caminhos
utilizados para manutenção da homeostase. Os autores consideram “peso” quando esse
caminho implica um alto custo para o corpo, como conseqüências neurobiológicas.
Nessa perspectiva, um organismo que passa por graves situações de estresse pode
sofrer alterações neurodesenvolvimentais no intuito de adaptar-se. Isso significa que o
indivíduo pode ter alterado estruturas e fuões cerebrais no momento da ocorrência do
evento disruptivo, visando a manutenção da sobrevivência. Entretanto, uma vez
desnecessárias acabam por tornar-se desadaptadas e portanto, danificadas. Esses danos são de
alto custo” para o organismo. O equivalente seria dizer que o estresse severo é perturbador
para o desenvolvimento infantil, modificando definitivamente estruturas cerebrais (GRASSI-
OLIVEIRA, PERGHER & STEIN, 2005).
Um transtorno de estresse pós-traumático seria então uma das conseqüências possíveis
ocasionadas por uma situação traumática. Essa mesma situação que provoca o aparecimento
de um transtorno pode ocasionar também outras alterações, como a perda do volume
hipocampal devido a altas taxas de glicocortiides ou cortisol, como citado anteriormente
(RASIA FILHO & HILBIG, 2005). Achados quanto à perda do volume hipocampal também
foram citados por Carboni, Villalobos & Castillo (2003) e Trucco (2002).
Destarte, Grassi-Oliveira et al. (2005), de maneira bastante pertinente, questionam as
alterações observadas em indivíduos que são submetidos a situações extremadas. Seriam essas
alterações anteriores ao trauma, provocadas pelo trauma, ou ainda, decorrentes de um
42
transtorno de estresse pós-traumático? Os autores concordam que não há ainda, dados na
literatura que determine uma única hitese.
Todavia, é de se notar que diversos autores corroboram com o que menciona Davies
(2002), no que concerne à relevância das pesquisas sobre condições adversas em que as
crianças estão expostas e seu impacto no desenvolvimento infantil, em especial, no
desenvolvimento neurobiológico. O autor explicita particularmente em seu estudo os efeitos
da deprivação na maturação neurobiológica da criança.
Uma experiência emocional que ameace a vida criança, que seja difícil de ser
integrada em sua vivência e que se configure num traumatismo pode trazer conseqüências
devastadoras para a vida infantil.
Portanto, não identificar e cuidar da criança traumatizada pode causar danos e
prejuízos ao seu desenvolvimento e bom funcionamento cerebral e psicossocial.
43
4 MÉTODO
A presente pesquisa caracteriza-se por um estudo teórico de revisão de literatura
representativo, em dupla perspectiva: a do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) na
sua apresentação diagnóstica e clínica e a da psicodinâmica psicanalítica da experiência do
trauma.
A seleção dos trabalhos de revisão do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT),
na sua apresentação diagnóstica e clínica, está inserida em um corte temporal definido –
remissão limitada a seis anos. Foram utilizados os bancos de dados Pubmed, Medline, Lilacs e
Pilots (base de pesquisa eletrônica vinculada ao National Center of Post-traumatic Stress
Disorder principal centro de pesquisa norte-americano sobre o assunto). A revisão sobre a
psicodinâmica psicanalítica do trauma considerou todos os artigos relevantes sobre o tema até
o ano de 2005. Utilizou-se a base de dados Psique, vinculada à biblioteca do Instituto da
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP).
Para a revisão teórica da literatura foram incluídos, especificamente, aspectos do
transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) na criança portadora de uma doença ou
condição médica potencialmente grave, aguda ou crônica, e estudos sobre a experiência
subjetiva do trauma dentro da teoria psicanalítica, que envolvem a criança doente. Foram
excluídos quaisquer estudos sobre crianças timas de trauma automobilístico, ainda que
envolvesse uma condição médica grave.
A tabela 1 mostra as principais bases de dados e os artigos analisados na revisão do
transtorno de estresse pós-traumático (TETP).
Palavras-chave utilizadas foram: “transtorno de estresse pós-traumático”, “criança”,
doença” e “cirurgia”.
Tabela 1 Número de artigos analisados na pesquisa realizada de 1999 a 2005.
Base de dados
Palavras-chave
PUBMED PILOTS
TEPT + criança 1889 441
TEPT + doença 926 715
TEPT + cirurgia 37 __
44
Dentre os artigos encontrados até o momento, vinte e nove foram selecionados, dentre
os quais: onze abordam especificamente as crianças, seis abordam os pais, cinco abordam
crianças e pais, dois abordam irmãos e cinco abordam adultos. Dos onze artigos sobre criança:
cinco abordam transplante, três abordam câncer, três abordam internação em unidade de
terapia intensiva, um aborda cirurgia cardíaca. Dos cinco artigos que abordam crianças e pais:
um aborda diagnóstico de câncer e diabetes tipo I, um aborda criança em unidade de terapia
intensiva, três abordam câncer e dois abordam programas de tratamento. Dos cinco artigos
sobre pais: três abordamncer e três abordam transplante. Dos cinco artigos sobre adultos:
dois abordam sobreviventes de câncer, um aborda internação em unidade de terapia intensiva,
dois abordam doenças agudas e crônicas.
A tabela 2 mostra o número de artigos pesquisados na revisão da psicodinâmica
psicanalítica da experiência do trauma até o presente ano (2005).
Palavras-chave utilizadas foram: “trauma”, “criança”, “doença”, “cirurgia”.
Tabela 2 Número de artigos analisados na pesquisa até 2005.
Base de dados
Palavras-chave
PSIQUE
Trauma + criança 103
Trauma + doença 2
Cirurgia + criança 11
Destes, foram selecionados até o momento vinte e três artigos [incluindo capítulos de
monografia] entre os quais, três artigos abordam TEPT, dez abordam a teoria traumática
freudiana em geral, dois abordam trauma e neurociências e um aborda trauma infantil e
concepção psicossomática, tendo os últimos sido posteriormente excluídos. Um artigo aborda
câncer, um aborda especificamente internação em unidade de terapia intensiva e família, três
abordam cirurgia [dois abordam pré-operatório e um aborda pós-operario, este último foi
excluído devido ao tempo de publicação] e dois abordam queimaduras potencialmente graves.
Os artigos foram analisados. A compreensão das características genéricas do
transtorno de estresse pós-traumático e características psicodinâmicas da experiência
traumática foi fundamentada em elementos da teoria psicanalítica, em especial de S. Freud, S.
Ferenczi e D.W. Winnicott.
45
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO
“Depois de tudo, vir-te-ei, ao ouvido,
em brando sussurro: o medo do dedo tocar a ferida
(aberta a quanto tempo?) é arremedo da vida
Nas cicatrizes, calmas, repousam nossas raízes...
alicerces da alma
(Raimundo Gadelha, Vida Útil do Tempo)
A seguir serão apresentadas as revisões de literatura do transtorno de estresse pós-
traumático (TEPT) na criança e da psicodinâmica da experiência do trauma na clínica
psicanalítica, bem como a compreensão da apresentação clínica do TEPT com a
psicodinâmica da experiência do trauma.
5.1 Trauma por Doença ou Condição Médica Geral Potencialmente Grave
Estudos cnicos e epidemiológicos, segundo Shemesh, Keshavarz, Leichtling et al.
(2003) têm procurado acessar o grau de exposição de crianças a diversos eventos adversos,
em especial, abuso e violência. De acordo com os autores, outras formas de exposição,
igualmente associadas a inabilidades específicas na criança, como a doença médica severa,
não têm sido bem caracterizadas.
Conforme Hobbie, Stuber, Meeske et al. (2000) doença médica severa e transtorno de
estresse pós-traumático aparecem juntos nos primeiros estudos sobre pacientes comncer. A
partir de então, esses pacientes foram incluídos na quarta edição do Manual de Diagnóstico de
Transtornos Mentais - DSM-IV (APA, 1995), e conseqüentemente, doença severa ou
potencialmente grave com ameaça a vida foi considerada um evento suficientemente
traumático para provocar o TEPT.
Em virtude disso, a associação entre condição médica ou doença potencialmente grave
e transtorno de estresse pós-traumático têm sido cada vez mais observada. Recentes estudos
procuram investigar TEPT nos adultos portadores e sobreviventes de câncer (KANGAS,
HENRY & BRYANT, 2002), HIV (TEDSTONE & TARRIER, 2003) de infarto agudo do
miocárdio (ALONZO, 2000) e submetidos à unidade de terapia intensiva (CUTHBERTSON,
HULL, STRACHAN & SCOTT, 2004).
46
Nas duas últimas décadas, houve surgimento de pesquisas clínicas também nos setores
de pediatria. No entanto, segundo Rennick, Johnston, Dougherty, Platt & Ritchie (2002), os
estudos enfocavam muito mais os pais das crianças portadoras de doenças do que estas em si.
Ainda recentemente, o estresse parental tem sido foco de várias pesquisas com
crianças transplantadas (RENNICK, JOHNSTON, DOUGHERTY et al. 2002; MANNE,
DUHAMEL, NEREO, OSTROFF, PARSONS et al. 2002; MANNE, DUHAMEL,
OSTROFF, PARSONS et al. 2004; YOUNG, MINTZER, SEACORD, CASTAÑEDA et al.
2003), portadoras de câncer (SANTACROCE, 2002; BEST, STREISAND, CATANIA &
KAZAK, 2001; KAZAK, ALDERFER, ROURKE, SIMMS et al. 2004) e com aquelas
submetidas em unidade de terapia intensiva pediátrica (MELNYK, ALPERT-GILLIS,
FEINSTEIN, CREAN et al. 2004). Pesquisas atuais também procuram estabelecer relações
entre o aparecimento do TEPT nos pais e seus filhos (BARAKAT, KAZAK, GALLAGHER,
MEESKE et al. 2000; LANDOLT, VOLLREATH, RIBI, GNEHM & SENNHAUSER,
2003).
No estudo de Landolt, Vollreath, Ribi, Gnehm & Sennhauser (2003)o foi
encontrada nenhuma associação significativa entre o aparecimento de sintomas de estresse
s-traumático nos pais e sua correlação nos filhos, ao contrário do que sugere pesquisa de
Kazak, Alderfer & Rourke et al. (2004) sobre o assunto.
A despeito de não se poder desconsiderar a influência de pais em seus filhos, os
resultados de tal estudo sugerem que, de certa forma, pesquisas anteriores não conseguiam
acessar diretamente as crianças, de modo que estas não podiam responder sobre seus estados
por si mesmas.
Cumpre destacarmos que essa é uma análise a ser feita nas pesquisas com crianças.
Não raro, quando os pais são indagados sobre seus filhos, muitas vezes, tendem a subestimar
os sintomas de suas crianças para evitar contato com suas próprias angústias (SHEMESH,
LURIE, STUBER, EMRE et al. 2000). Nesse sentido, a escolha dos métodos de pesquisa são
de extrema importância (LANDOLT, VOLLRATH, RIBI et al. 2003). Aqueles que
privilegiam ambos os relatos (tanto dos pais quanto das crianças) nos parecem ser os mais
adequados. Importante sublinhar que, de maneira geral, crianças identificam melhor seus
estados internos, mas identificam pior seus comportamentos; de outro modo, pais ou
responsáveis, são piores identificadores de estados internos da criança, porém melhores
observadores de seus comportamentos (GREENWALD, 2004).
Num estudo brasileiro realizado pela Universidade de Brasília, Delella & Araújo
(2002) investigaram a experiência de sobrevivência de crianças portadoras de câncer, cinco
47
anos após o tratamento, e a desordem de estresse pós-traumático em seus pais. Foram
investigadas dez crianças sobreviventes entre seis e doze anos e seus pais, em roteiros de
entrevistas separados. O roteiro de entrevistas dos pais incluiu uma entrevista clínica
estruturada, DSM-IV (SCID), para avaliação da desordem do estresse pós-traumático. Válido
ratificar que este foi o único estudo brasileiro publicado neste âmbito. Os resultados dessa
pesquisa indicaram que embora as crianças sentissem os efeitos negativos do processo,
estiveram melhor adaptadas que seus pais.
Uma vez que adaptação é condição sine qua non para a homeostase do organismo e
para o não desenvolvimento do TEPT, este estudo corrobora em parte com outros dados da
literatura, sobretudo internacional, quando diz respeito ao adequado desenvolvimento da
criança.
Cumpre observar que pesquisas têm demonstrado que um pequeno paciente vítima de
uma doença ou condição médica potencialmente grave, seja aguda ou crônica, tem grandes
riscos para o desenvolvimento do TEPT. Ademais, embora apresente diversos sintomas
justificando os riscos, muitas vezes não preenche todos os critérios diagnósticos que
justifiquem a constituição destes em um transtorno.
Desse modo, Taieb, Moro, Baubet, Revah-Lévy & Flament (2003), num estudo de
revisão da literatura sobre o aparecimento do TEPT após câncer na infância, concluiu que,
dentre as pesquisas realizadas no período de 1991 a 2001, ficou evidente o aparecimento de
sintomas de estresse pós-traumático (SEPT) durante algum momento do processo da doença,
seja no diagnóstico, tratamento ou mais tardiamente, ainda que critérios totais do TEPT não
fossem preenchidos.
Somatização está dentre estes sintomas. Os autores acima ainda concordam que
comportamentos como evitar a descoberta ou aparecimento dos problemas, negar estados de
angústia ou até mesmo a colaboração na participação do estudo podem figurar também entre
os sintomas, o que justificaria, por um lado, a maior incidência do TEPT nos adultos do que
nas criaas.
Súbitas mudaas na personalidade ou no caráter, na visão de mundo, nas relações
interpessoais podem representar, segundo a análise desse estudo, conseqüências em longo
prazo do câncer na infância.
Crianças com mais de sete anos e com história de doença crônica ou aguda do fígado
foram avaliadas entre três a vinte e quatro meses após o transplante, para verficação de
sintomas de TEPT. Foram encontrados sintomas de estresse pós-traumático que coexistem
com estados de depressão, ansiedade e dissociação. A duração e a severidade dos estados
48
emocionais de angústia experienciados pelas crianças, segundo os autores do estudo, mostram
que o procedimento pode ser considerado traumático. Os resultados mostram também que
crianças expostas a esse tipo de evento podem, como conseqüência, ter prejuízos na memória,
no processo de informação e na atenção, dificuldades de concentração e problemas de
aprendizagem (WALKER, HARRIS, BAKER, KELLY & HOUGHTON, 1999).
Num estudo canadense sobre hospitalização em unidade de terapia intensiva
pediátrica, Rennick, Johnston, Dougherty, Platt & Ritchie (2002) compararam numa amostra
de total de 120 crianças as respostas das atendidas em unidade intensiva com as atendidas em
enfermaria pediátrica. Os resultados indicaram que não é a unidade de terapia intensiva
pediátrica em si que afeta as respostas psicológicas das crianças, mas uma conjunção de
fatores, isto é, menos o local em si do que a própria percepção da experiência da doença pelo
pequeno paciente. O estudo mostra que 17,5% das crianças por volta dos sete e oito anos,
severamente doentes, expostas a procedimentos mais invasivos durante a hospitalização,
experienciam mais medos dicos” seis semanas após alta e 14% delas, até seis meses após.
Medo e sentimento de desamparo são marcadores de eventos traumáticos. Além disso, estas
crianças experienciaram mais pensamentos intrusivos e comportamentos evitativos até seis
semanas após alta, e não após seis meses. Uma parcela dessas crianças (7,5%) demonstrou um
senso de controle sobre sua saúde, significamente baixo para o esperado, durante os seis
meses após alta.
A percepção em longo prazo da criança a respeito de seu desenvolvimento sadio ou
doente, junto aos pais e à família, é fator importante para determinação de quanto o evento
estressor pode vir a ser traumático para a criança.
Cumpre-nos assinalar, todavia, que a tríade de sintomas que configura propriamente
um transtorno de estresse pós-traumático [full criteria] é encontrada por alguns estudiosos de
crianças criticamente enfermas.
Rees, Gledhill, Garralda & Nadel (2004) pesquisaram crianças admitidas em unidade
de terapia intensiva pediátrica [com exceção de internação por doença meningocócica], para
investigar morbidade psiquiátrica. Esse grupo de pequenos pacientes foi comparado com
outro em enfermaria pediátrica. Na amostra total de setenta crianças, a maioria com
problemas respiratórios [em ambos grupos], os pesquisadores obtiveram os seguintes
resultados: 21% das crianças foram identificadas com TEPT após alta da unidade de terapia
intensiva e nenhuma criança da enfermaria obteve critérios para TEPT preenchidos. O estudo
mostrou alto risco de seqüelas psicológicas especificamente para os sintomas de TEPT,
devido ao estressor agudo da admissão e pela ameaça real ou potencial ao risco de vida. Além
49
disso, as experiências em UTI pediátrica podem causar grande perturbação na vida da criança,
com longos períodos de internação, ausência escolar, contatos com serviços de saúde e
readmissões hospitalares num período variável de seis a doze meses após alta hospitalar.
Num estudo paralelo, esse mesmo índice (21%) foi identificado em crianças com
doença meningocócica admitidas em unidade de terapia intensiva, em uma avaliação sobre
TEPT. Quando comparadas com crianças admitidas na enfermaria, a maioria delas
apresentou, após a alta, pesadelos e hiperexcitação autonômica, que foram precipitados a
partir das lembranças aflitivas sobre a vivência da experiência da doença. Outros achados
foram: evitação dos lugares ou pessoas relacionadas ao hospital, evitação de pensamentos,
sentimentos ou conversas associadas ao tema e irritabilidade. Crianças afetadas descreveram
terem sentido impactos significativos desses sintomas em suas casas e em suas vidas
escolares. Ao contrário da ala pediátrica, a internação em unidade de terapia intensiva
pediátrica é um estressor agudo, marcado pela ameaça potencial ou real à vida (JUDGE,
NADEL, VERGNAUD & GARRALDA, 2002).
Interessante mencionar ainda que os resultados obtidos neste estudo mostraram que
essas crianças apresentaram mais sintomas de evitação, quando submetidas à re-exposição ao
evento estressor.
Para o mesmo norte apontam os achados clinicamente significativos de Connolly,
McClowry, Hayman, Mahony & Artman (2004), pesquisadores norte-americanos, a respeito
do risco de TEPT em crianças submetidas a operação cardíaca. Nesse estudo, as crianças
foram avaliadas no pré-operatório [um a três dias] e pós-operatório [entre quatro a oito
semanas]. Antes da cirurgia, nenhuma criança apresentou TEPT e apenas uma delas
apresentou três sintomas, mas não preencheu os critérios diagnósticos. Depois da cirurgia, o
número de sintomas cresceu em dez crianças, diminuiu em uma e não mudou em trinta e duas
crianças. Das crianças sintomáticas, cinco delas apresentaram critérios para TEPT e cinco
outras, não. Não houve variações quanto à idade das crianças e o número de cirurgias
cardíacas anteriormente realizadas. O número de sintomas aumentou naquelas crianças que
passaram mais de quarenta e oito horas na UTI.
O ambiente e a duração da experiência - um longo período de permanência na UTI - a
que são expostas as crianças criticamente doentes foi, nessa pesquisa, o único predisponente
de TEPT. Isso porque, segundo estes pesquisadores, internação em UTI requer isolamento da
criança de seus familiares e amigos, rotatividade de cuidadores e variedade de procedimentos
invasivos e não invasivos.
50
Corroborando tais resultados estão as crianças transplantadas de fígado. É de opinião
unívoca que estas são submetidas a um complexo procedimento operatório e vários dias de
internação em UTI, o que implica procedimentos invasivos e uma transfiguração abdominal
marcada pela cicatriz cirúrgica.
Preciosa é a contribuição de Shemesh, Lurie, Stuber, Emre & Patel et al. (2000), em
estudo piloto sobre o assunto. Foi estabelecida uma associação significativa entre a existência
concomitante das três classes de sintomas [especialmente evitação] de TEPT e não-aderência
ao tratamento. Dos dezenove pacientes entrevistados, até um ano pós-transplante, seis
apresentaram a tríade de sintomas que caracteriza o TEPT. Destes seis, três eram não-
aderentes ao tratamento e compunham um quadro dos mais severos e de risco de vida pela
falta de adesão. Mister ressaltar a importância do estudo, ao colocar em evidência os
malefícios que podem ser causados se o TEPT não for bem observado e cuidado.
Essa foi a única, dentre as pesquisas analisadas, que menciona a não existência de um
esquema de classificação que aceita um diagnóstico parcial de TEPT, apesar do instrumento
utilizado [UCLA - Post Traumatic Reaction Index PTSD-RI] descrever três grupos de
pacientes: os que não preenchem critérios diagnósticos, os que preenchem apenas duas classes
da tríade de sintomas e os que preenchem todos os critérios diagnósticos [tade de sintomas].
Os resultados desse estudo foram posteriormente utilizados por Shemesh (2004), num
programa de adesão ao tratamento para crianças transplantadas de fígado. Juntamente a um
teste objetivo de aderência ao tratamento [nível da medicação no sangue], uma medida
subjetiva de aderência foi utilizada. Foi perguntada às crianças maiores de sete anos e a seus
pais a razão de não tomarem as medicações. Depois foram descritas associações destas
questões com sintomas de estresse pós-traumático. Os resultados sugerem que a medicação
serve como desencadeador de uma série de lembranças angustiantes que os pacientes
preferem evitar. O tratamento do TEPT, segundo o autor do programa, contribui para
restaurar a aderência.
Pesquisadores norte-americanos usaram arte-terapia [com base em desenhos
projetivos] combinada com instrumentos para detectar depressão e TEPT em crianças
transplantadas de rim. Segundo os autores, entre os estressores que envolvem o processo de
transplante renal estão a pressão sanguínea, hospitalização, operação e cicatriz, procedimentos
invasivos e outros sem controle de dor, mudanças na imagem corporal e sentimentos de
isolamento. Os resultados dos desenhos e dos auto-relatos evidenciaram que 36% da
população estudada, na faixa etária de 5 a 20 anos, foi afetada com trauma emocional e estado
depressivo, o que pode prejudicar os cuidados médicos e o acompanhamento dos pós-
51
transplantados renais, como já citado anteriormente (WALLACE, YORGIN, CAROLAN,
MOORE et al. 2004). Vale ressaltar que estes são resultados encontrados numa população em
que a faixa etária varia enormemente, compreendendo a etapa infantil, pré-bere, puberdade
e adolescência, o que sugere um viés no estudo, que deve ser considerado.
Dentre esses artigos de TEPT analisados, apenas um, o de Gritti, Di Sarno, Comito,
De Vincenzo, De Paola et al. (2001), sobre crianças transplantadas de fígado, procurou
investigar não o transtorno em si, mas a psicodinâmica que envolve a experiência traumática,
motivo pelo qual será discutido na revisão de literatura a seguir. Em síntese, cumpre observar
que a maioria dos pacientes mostrou sinais de estados depressivos, ansiedade e problemas
moderados com auto-imagem, e três dos dezoito pacientes avaliados (16,6%) apresentaram
risco de desenvolver uma psicopatologia, devido ao alto nível de ansiedade.
Esse estudo corrobora outros já citados anteriormente, no que diz respeito a uma série
de sintomas, ainda que não se preencha critérios diagnósticos para TEPT. Nas duas situações,
preenchidos ou não os critérios, ou independente da diagnose, não se pode olvidar a
necessidade de desvelo a essas crianças.
Dentre as patologias que envolvem um transplante e dentre aquelas em que existe uma
doença crônica que antecede uma operação, o indivíduo tem que lidar com dois tipos de
eventos: um anteriormente crônico e um agudo. Em contraste, estão aquelas patologias em
que apenas o evento agudo predomina, como é o caso de uma condição médica que exige
internação em UTI ou no caso de uma doença severa que não envolve um curso crônico,
como é o caso de algumas cardiopatias. São os chamados traumas tipo I” e “tipo II”. O
primeiro [tipo I] é observado em acontecimentos repentinos, perigosos e angustiantes; o
segundo [tipo II] por acontecimentos variados, múltiplos e crônicos (VIEIRA NETO, 2005a).
Ambos os casos foram citados nesta revisão. O transtorno de estresse pós-traumático
tem sido investigado nas patologias agudas e crônicas. Nessas duas ocorrências, observando
as idéias de Cohen, Perel, Debellis, Friedman & Putnam (2002), a criança que experienciou
um estressor severo corre o risco de desenvolver TEPT ou outra doença como indicador de
que seu sistema de adaptação foi agudamente ou cronicamente forçado.
Por tais razões, TEPT pode aparecer tanto na criança portadora de uma doença
crônica, como o câncer, como também pode advir de uma internação repentinamente intensa
em UTI pediátrica, como por uma infecção aguda. Ademais, uma criança que necessita de
uma operação para transplante vivencia tanto uma condição crônica [doença] quanto aguda
[operação].
52
No primeiro caso, na condição de uma doença crônica, o indivíduo parece alimentar
um estilo de enfrentamento, munindo-se de estratégias para lidar com o repetido evento
estressor. Esse “estilo repressivo adaptativo”, excessivamente defensivo, faz com que o
indivíduo demonstre baixos índices de estados de angústia, ansiedade e depressão [apesar das
evidências contrárias] e altos índices de ponderação e continência (ERICKSON & STEINER,
2001). Como resultado, diversas conseqüências negativas para a saúde da criança podem
aparecer, e ainda que não desenvolva TEPT, podem surgir sintomas como tensões, cefaléias,
alergias e úlceras (CASTRO & PICCININI, 2002).
Ilustrando a assertiva de Castro & Piccinini (2002), a criança, ao subestimar e
esconder seus sintomas, fomenta características dissociativas e repressivas, contribuindo para
o aparecimento do TEPT.
Em concordância, o estudo de Erickson & Steiner (2001) sobre sobreviventes de
câncer na infância, com idade média por volta de 20 anos, demonstra que o estilo repressivo
adaptativo persiste em uma significativa parcela de sobreviventes de câncer, mesmo com o
fim do tratamento. Associado a isso foi identificado TEPT em 10% da população, ou seja, em
quatro dos quarenta participantes do estudo. No entanto, em 88% do total de participantes
[trinta e cinco deles] experienciaram algum sintoma, ainda que o diagnóstico não tenha sido
preenchido.
Cumpre-nos assinalar ainda que no segundo caso, tratando-se de eventos agudos, as
respostas fisiológicas a esses estressores parecem se assemelhar a uma reação normal aguda
ao estresse. Entretanto, mesmo na ausência de novos estressores aparecem anormalidades
fisiológicas crônicas, como denota o estudo de Cohen et al. (2002).
Na nossa experiência clínica com crianças portadoras de cardiopatias congênitas
graves que necessitavam de operação, persistia o seguinte questionamento: quem sentiria mais
os efeitos da operação, crianças com cardiopatias acianogênicas ou cianogênicas? As
primeiras caracterizam-se por uma má formação anatomofuncional com alterações
hemodinâmicas diversas; são mais simples, com sintomatologiao muito aparente e de
maneira geral, apresentam bom prognóstico depois da operação. Já as segundas misturam
sangue venoso com arterial e apresentam-se mais graves e complexas com um curso arrastado
e crônico, sintomatologia aparente e nem sempre prognóstico satisfatório, ainda que realizada
a operação. Nas crianças com cardiopatias acianogênicas o processo cirúrgico funcionava
como estressor agudo. Nas outras, cianogênicas, existiam dois eventos estressores em
funcionamento, o curso da doença e a operação.
53
Posta assim a questão, é de se dizer que as pesquisas sobre a acepção da experiência e
o aparecimento de TEPT caminham em direção aos dois eventos [agudos e crônicos], uma vez
que os efeitos de cada um dependem da significação deles para cada criança. Como refere o
eixo A do Quarto Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais revisado (DSM-
IV-TR), a resposta da pessoa ao evento deve envolver intenso medo, impotência ou horror. De
igual forma, a Décima Classificação de Transtornos Mentais e do Comportamento (CID-10)
propõe a necessidade de um impacto do evento no indivíduo e, ao contrário, determinadas
reações ao estresse grave não existiriam.
Dessa maneira, entendemos que para que haja uma compreensão pormenorizada desse
embate, faz-se necessário um exame da experiência subjetiva do trauma em crianças
submetidas a estas situações.
5.2 A Psicodinâmica da Experiência do Trauma sob enfoque Psicanalítico
O enfoque psicanalítico tem sido referencial de alguns estudos sobre a criança
portadora de doença ou de condição médica potencialmente grave.
Preciosa a contribuição de Molina (2001) ao estudar crianças com queimaduras graves
em unidade de terapia intensiva. A autora descreve nesse estudo a experiência trautica
desses pequenos pacientes. Os efeitos provocados pela perda da pele em grandes extensões da
supercie do corpo modulam as reações individuais de acordo com as capacidades egóicas e,
conseqüentemente, provocam diferentes alterações psíquicas.
Nesse sentido, foi encontrada a presença de “crises de repetição” do acidente no qual o
paciente revive o momento em que se queimou. Essas crises são marcadas por momentos de
confusão, perda do controle emocional, alucinações visuais e cinestésicas, bem como um
curto período de agitação psicomotora com risco auto-inflingido. São precedidas de um
funcionamento normal e seguidas de amnésia (MOLINA, 2001). As crianças apresentavam
um bloqueio das funções do ego, tais como funcionamento regressivo, capacidade de juízo e
merias diminuídas. As lembraas do acidente eram inócuas, sem possibilidade de
integração da vivência, apenas se apresentavam na forma de repetição.
A perda da pele nessas situações invoca mais uma possibilidade de desequilíbrio, uma
vez que alterações na pele causam repercussões no funcionamento psíquico. Além destas, a
dor é outro fator que caracteriza a situação como traumatizante para a criança.
54
Entretanto, Molina (2001) considera que cada criança queimada enfrenta a experiência
de acordo com sua estrutura psíquica anterior e com o significado que passa a atribuir ao
acidente. Desse modo, a experiência pode ter uma repercussão negativa ou positiva.
Unidade pediátrica de queimados também foi o foco do estudo de Frenkel (2004), no
Sul da África. Nesse país, ferimento por queimadura é a terceira causa mais comum de morte
acidental em pacientes menores de quatorze anos. O interesse foi particularmente o impacto
emocional causado por esse tipo de condão traumatizante, tanto no pequeno paciente
quanto na experiência da equipe de enfermagem. Aqui, atentar-se-á apenas para o que a
autora escreve sobre os efeitos da experiência na criança com menos de cinco anos.
Segundo afirma a autora, o que pode ser mais traumatizante para essas crianças é ter
queimaduras faciais e bandagens por todo o corpo. Dificuldades para abrir os olhos, mexer a
boca e diminuição do contato humano devido à extensão dos ferimentos, nesses casos,
somam-se aos procedimentos médicos invasivos, aumentando as ansiedades. A separação dos
pais e do ambiente conhecido da criança pode agravar sua adaptação à hospitalização.
Internamente, a criança queimada é vítima de um acontecimento repentino e devastador.
Poder lidar com essa situação é um desafio para as capacidades egóicas, ainda frágeis na
primeira infância. As defesas internas, super-exigidas, não dão conta, pois a ameaça de
fragmentação é real. Torna-se indispensável a presença de um adulto que possa ser capaz de
acalmar e mediar o pânico sofrido pela criança, no sentido de amenizá-lo.
lido mencionar também o fato das criaas, na ausência dos pais e na relação com a
equipe de enfermagem, ter a chance de que reconheçam seus traumas e receber uma ajuda
reparativa (FRENKEL, 2004).
A importância do trabalho da equipe de enfermagem no lidar com a criança doente ou
com uma condição potencialmente grave também foi registrada por Hall (2003), que observou
as crianças em enfermaria oncológica e os cuidados ministrados por esta equipe. A autora
estudou o trauma externo e interno no relato do caso de uma criança de oito anos de idade e
de um bebê de um ano e cinco meses em tratamento, ambos com pobre prognóstico. Ao se
referir à criança em unidade de tratamento, escreve que “quando esse limite [pele] é
constantemente penetrado, como acontece no tratamento do câncer, não é possível nenhum
sentimento de estar intacto, ou mesmo salvo, em sua própria pele” (HALL, 2003, p.120).
Ao discutir o trauma externo, a pesquisadora aponta ainda que os procedimentos
invasivos não são puramente físicos, mas que neles uma qualidade também emocional. Em
virtude disso, considera que a criança doente precisa de mais cuidados básicos de
55
enfermagem; a equipe, ao empreender tais cuidados, deixa o pequenino paciente fisicamente
mais confortável e pode eliciar neles emoções mais positivas (HALL, 2003).
Como se verifica, as autoras acima citadas validam a importância dos membros da
equipe, como os cuidadores primeiros dessas crianças, ao estudar os trabalhos da enfermagem
com a criança gravemente doente. Enfocam uma perspectiva de que o ambiente [hospitalar]
tem também a função de conter as angústias e ansiedades da criança, uma vez que o suporte
parental não está totalmente presente. É sobremodo importante ressaltar a noção da re-
traumatização, explicitada por Frenkel (2004), ao se referir à boa ou à má qualidade da
relação entre a enfermagem e o pequeno paciente.
A respeito da questão do re-traumatismo, Jackson (2004) estudou, a partir de um caso
clínico, os traumas precoces de uma criança de cinco anos de idade. Abandonada ao
nascimento, foi adotada aos quinze meses. Teve histórico de coma aos três meses e
diagnóstico de tuberculose aos seis. Aos três anos estava praticamente surda após uma
importante perda da audição. Com problemas congênitos no fígado desde o nascimento, aos
quatro anos, foi submetida a um transplante. Dessa maneira, teve sobreposição de
traumatismos sicos e psíquicos. Desenvolveu uma variedade de mecanismos de defesa com
intuito de proteger qualquer situação que levasse à experiência de dor. Entre os
comportamentos observados, apresentava impulsos agressivos dirigidos à mãe adotiva e a
outras crianças, arranhava, puxava-lhes o cabelo, chutava, além de comportamentos
masturbatórios, freqüentemente emblico, inclusive em sala de aula. Estes mecanismos
foram descritos como sendo utilizados em resposta a um sentimento de que seu self estava
sempre sob ataque. Somado a essas alterações comportamentais, apresentava atrasos no
desenvolvimento cognitivo e emocional, assemelhando-se a uma criança de dois, três anos de
idade.
A autora demonstra como experiências desse tipo são difíceis de ser metabolizadas,
processadas e entendidas. Corrobora os apontamentos citados por Frenkel (2004), quando este
refere que a intensidade da experiência é tamanha que pode causar danos severos ao ego frágil
da criança, deixando-o fragmentado e devastado (JACKSON, 2004).
Cirurgia de médio porte e hospitalização foram enfoques de pesquisa de Trinca (2003).
A autora, citando Ana Freud (1952), sentencia que qualquer intervenção cirúrgica sobre o
corpo da criança pode ativar ou reativar angústias, sobretudo, angústia de castração. Suas
idéias são ratificadas pelos estudos anteriormente citados, no que se refere à necessidade de
auxílio psicoterapêutico a crianças submetidas a intervenções médico-cirúrgicas devido a sua
fragilidade egóica. As fantasias terroríficas se insinuam e submetem a mente da criança a
56
sofrimentos extremados. Ansiando a criança pela recuperação do equilíbrio perdido, o meio
precisa oferecer-lhe garantias de estabilidade; caso contrário, as angústias permanecem, sem
que se consiga superá-las. De igual maneira, seus sentimentos diante da condição da
hospitalização e operação precisam ser validados para que não haja confusão interior,
despertando mais temores e angústia.
Dessa forma, o momento da cirurgia é propulsor de mobilização. Esse momento pode
aguçar situações psíquicas, condensar conflitos preexistentes, evidenciar angústias latentes e
também desencadear possíveis elaborações (TRINCA, 2003).
Dois casos clínicos foram estudados por Silveira & Outeiral (1998), com o intuito de
examinar o impacto cirúrgico em crianças. Eles observaram, através do estudo de desenhos,
desintegração do esquema corporal com aumento de ansiedades confusionais e paranóides,
evidência de ansiedade de castração, através da falta de partes ou pedaços de membros e
surgimento de defesas maníacas. Tais aspectos vão de encontro às questões discutidas
anteriormente.
Devido a esses motivos, hospitalização pode ser traumatizante para a criança,
especialmente se a internação for em unidade de terapia intensiva, como demonstra o estudo
de revisão de literatura de Peebles-Kleiger (2000) que enfoca mais os aspectos familiares do
que aspectos da criança em si.
Ao abordar os estressores traumáticos desencadeados por esse tipo particular de
internação, o estudo demonstra a possibilidade do desenvolvimento de um transtorno de
estresse pós-traumático (TEPT), embora apenas uma pequena parte dos pacientes expostos o
desenvolva. Entre as ocorrências correlacionadas à adaptação aos estressores pode estar, além
do TEPT, depressão, ansiedade, queda da coesão familiar e sofrimentos físicos (PEEBLES-
KLEIGER, 2000).
Sinais de estado depressivo e ansiedade também estiveram presentes na pesquisa de
Gritti, Sarno, Comito et al. (2001), demonstrada na revisão anterior sobre o aparecimento de
TEPT nas crianças doentes ou portadoras de condição médica potencialmente grave. Essas
crianças, com idade entre quatro a dez anos, transplantadas do fígado apresentaram também
sinais de maior imaturidade para a idade, angústia de perdas e o uso de mecanismos de defesa
contra ansiedade. Fantasias de renascimento foram observadas durante os testes projetivos. O
transplante, como um evento agudo, força o ego precoce da criança a lidar com ameaças de
aniquilação e angústias de morte.
Parece haver um consenso nos estudos dos autores supracitados de que a experiência
de doença, condição médica grave, hospitalização ou operações podem vir a ser ocorrências
57
com magnitude de intensidade tal que a criança, quanto menor for, terá menores chances de
lidar com esses estímulos. Isto porque o ego suscetível, em fase de desenvolvimento, não tem
muitas vezes, possibilidade de conter tais experiências e assimilá-las.
de-se também observar que a compreensão sobre a psicodinâmica da experiência
infantil frente a uma ameaça potencialmente traumática, como a doença ou condição médica
grave, tem sido escassa na literatura psicanalítica, sobretudo, na literatura nacional.
5.3 Compreensão da Apresentação Clínica do Transtorno de Estresse Pós-
Traumático (TEPT) com a Psicodinâmica da Experiência do Trauma
A tentativa de articular dois campos do saber distintos coloca uma discussão premente
entre psiquiatria e psicanálise. Como compreender o que se conhece nosologicamente por
transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), a partir de um enfoque psicanatico? Essa tem
sido uma questão freqüente nos meios acadêmicos, enfrentada por aqueles que se proem
estudar os “transtornos” além dos marcos da psiquiatria. “Transtorno de Pânico” está entre
elas. Isso porque as neuroses atuais, de acordo com Puente (2005), têm ganhado outros nomes
como Síndrome do pânico”, que equivale às “neuroses de angústia” e TEPT”, que equivale
às antigas “neuroses traumáticas” de Freud.
Neste ponto, a proposta não é entrar no embate de tal questão, a qual parece ter pontos
de vista controversos. Assume-se, isto sim, a posição de um olhar para dois campos com
características peculiares que podem estar imbricados e, portanto, podem vincular-se.
Em meio a uma descrição de sinais e sintomas que comem as classificações
nosográficas, a psicanálise prima por lidar com o sofrimento de um paciente que, como cita
Violante (2002), muitas vezes não sabe nomear e nem ao menos transmitir o que sente. É
dessa maneira que ela se vale das palavras de Baremblitt, ao postular que não maneiras de
integração entre os dois campos ou oposição de natureza alguma, mas, sim, uma especial
articulação. À psicanálise é atribuída uma investigação da maneira de escutar, olhar, ler e
interpretar os fenômenos humanos (VIOLANTE, 2002).
de ser observado, a partir dos estudos e pesquisas realizados, que a ocorrência do
chamado “transtorno de estresse pós-traumático na criança portadora de uma doença ou
condição médica grave tem uma forte significação emocional. Por esse motivo, propõe-se sua
interface com a investigação psicanalítica.
58
Pensar na doença ou na condição médica grave remete à hospitalização. Esta, há
algum tempo, deixou de ser uma experiência não-integradora na vida da criança. O enfoque
dado de grande parte dos estudos sobre os efeitos adversos e prejuízos causados, em diversas
áreas do desenvolvimento infantil, contribuiu para a criação de medidas com o intuito de
minimizar os efeitos da experiência, como o acompanhamento hospitalar pelo familiar e a
admissão do psilogo na equipe pediátrica (MARRACH & KAHALE, 2003), além de outras
medidas com as propostas de humanização do tratamento.
Por outro lado, doenças crônicas como insuficiência renal, câncer, más-formações
congênitas, falência e transplante de órgãos ou situações médicas graves como queimaduras,
infecções e internação em UTI precisaram ser repensadas. Pesquisas e argumentações foram
feitas com base nos efeitos provocados nas crianças. O potencial traumático dessas situações
levou a questionamentos acerca do impacto dessa vivência no desenvolvimento emocional
infantil, e a possibilidade do desencadeamento do transtorno de estresse pós-traumático foi
considerada por muitos pesquisadores, como pode ser visto nesse estudo.
A importância da experiência infantil foi mencionada por Freud na conferência de
1917. Em detrimento de experiências em qualquer outra fase da vida, ele atribui à infância um
caráter especial, determinante de importantes conseqüências, uma vez que o desenvolvimento
o ocorreu por completo. Portanto, os efeitos de experiências prejudiciais podem ser
traumáticos (FREUD, 1996i).
A criança gravemente enferma, com o ego ainda em desenvolvimento, pode sofrer
danos em sua estrutura psíquica. O ego, derivado de sensações corporais (FREUD, 1996j
[1923-25]), tem sua formação interna originada nas percepções que provêm não do mundo
externo em geral, mas do mundo inter-humano (LAPLANCHE & PONTALIS, 1991), isto é,
da relação dos estímulos exteriores com os aspectos da configurão interna do indivíduo
(FERRARI, 1995). Ferrari (1995, p. 30) aponta que “o corpo é, por excelência, o objeto da
mente, e sua realidade primeira”. A criança necessita o tempo todo regular os impactos
sofridos, e a estruturação de seu psiquismo dependerá dessas ocorrências.
Em virtude disso, toda mente é suscetível ao trauma em função da experiência. O
impacto desta será diferente para cada indivíduo dependendo das estruturas egóicas de cada
um. A criança, devido a seu ego ainda imaturo, está mais suscetível à não assimilação dos
acontecimentos (VIEIRA, 2005). Disso dependerá a intensidade dos estímulos externos, de
percepções de desprazer, de não-satisfação das necessidades e do acúmulo de frustrações.
Observou-se nos estudos de Molina (2001) e Frenkel (2004) com crianças queimadas, em
Trinca (2003), ao estudar crianças em pré-operatório e em Jackson (2004), no estudo de uma
59
criança com várias ocorrências de doença na primeira infância, o quanto privações, dor,
ameaças à vida podem ser penosos deixando seqüelas devastadoras.
A situação do desamparo confere um sofrimento significativo para a criança submetida
a procedimentos invasivos e dor. Essa retomada do momento de desamparo repete um
instante crucial e bastante primitivo da vida do indivíduo, o corte do cordão umbilical,
primeira experiência de cesura e de perda, vivência nunca experimentada anteriormente.
(FERRARI, 1995). Essa “ansiedade primeva do nascimento” (FREUD, 1996g [1925-26]) se
repete em todas as situações em que o ego se vê diante de uma ameaça ou perigo.
Ansiedade como sinal do perigo é essencial para que haja uma preparação do
organismo [mente-corpo] para abordagem do trauma. A ausência da angústia-sinal, a entrada
do perigo sem preparo, é o que caracteriza a neurose traumática (FREUD, 1996h [1932-36]).
Em experiência com crianças submetidas a operações cardíacas (AMARO DA SILVA,
2003), constata-se que nem sempre é possível um preparo. Devido às falhas no sistema de
saúde pública e, algumas vezes, falhas na própria equipe, as crianças vão direto ao centro-
cirúrgico, não havendo tempo para familiarizar-se com a nova situação. A experiência
também demonstra que esse preparo é relativo. Isso porque, mesmo quando orientada quanto
aos acontecimentos [quando a idade é favorável à orientação e os esclarecimentos são
necessários], a criança não consegue imaginar exatamente as situações pelas quais passará,
com ressalvas àquelas com uma experiência anterior. Verifica-se, muitas vezes, que a criança
o se angustia quanto aos perigos externos porque não tem dimensão do real. Rocha (2000),
ao pesquisar os “destinos da angústia na psicanálise freudiana”, refere que a criança pequena
o tem a angústia-sinal [realística], que a mobilizaria para o perigo, porque não possui
instintos protetores para defesa de sua própria vida.
O fato é que a criança, numa situação cirúrgica ou de internação em UTI, não sabe o
que encontrará. Diante do corpo doente, da experiência de dor, de total dependência do outro
e, muitas vezes, da ausência dos pais, a situação de desamparo facilmente se estabelece, pois
nenhum sentimento de familiaridade nessas condições parece ser possível (KNOBLOCH,
1998), conferindo a essa experiência um potencial traumático.
Muitas vezes, a criança não consegue identificar nada no ambiente hospitalar que
tenha a ver com suas experiências anteriores. Cirurgia e internação em unidade de terapia
intensiva são situações que a tornam despojada de objetos que proporcionam sentido de
identidade. A premissa do “interacionismo simbólico”, fundamentada no estudo de Moreira &
Dupas (2003) com crianças doentes, nos coloca claramente esta questão. O sentido é
conquistado através de um processo interpretativo, usado por qualquer indivíduo ao lidar com
60
as coisas e situações nas quais se encontra. Isso denota que é preciso significar a experiência
para que ela possa ser integrada na vida da criança.
Entretanto, estudando crianças gravemente doentes e com transtorno de estresse pós-
traumático, o que se pôde observar é justamente que falta esse significado. É possível uma
compreensão desse processo ao retomar os aportes ecomicos do psiquismo descritos por
Freud.
Entendemos que o aparelho psíquico dispõe de uma membrana protetora que impede a
propagação de grandes quantidades de energia no interior do aparelho. O rompimento dessa
barreira de estímulos provocaria magnitudes incontroláveis de afeto inundando o ego. Seriam
então traumáticas as excitações provindas de fora que fossem poderosas o bastante para
ultrapassar esse escudo protetor (FREUD, 1996b [1920-22]). A hipótese é que a criança
tima de uma situação grave que exige hospitalização passe por privações e procedimentos
invasivos demasiadamente desprazerosos elevando as quantidades de estímulos no interior do
aparelho. Acrescenta-se a isso o tempo, ou seja, a cronicidade desses estímulos desprazerosos
ou, então, o quão súbita a situação aconteceu, diga-se, ainda, o quanto o pequeno paciente foi
surpreendido. A criança pode ser surpreendida porque não consegue dimensionar e antecipar
os acontecimentos. Quanto menor a criança, menor a compreensão. Menores também são as
chances de dominar as quantidades de estímulos que irromperam e vinculá-las psiquicamente.
Isso só é possível se a criança puder significar e representar a experiência, integrando-a em
sua vivência. Contudo, o desprazer, uma vez insuportável, provoca uma cisão no ego em que
fica impossível o recalque ou a representação (KNOBLOCH, 1998).
O acúmulo de excitações, sentidas através do desprazer, pode ser facilmente pensado
em crianças com falência de fígado, coração ou rim que necessitam de um transplante. Essas
crianças correm risco de desenvolver uma neurose traumática ou um transtorno de estresse
s-traumático devido a presença dos chamados trauma “tipo I” e “tipo II”, como citado
anteriormente. No caso da criança transplantada, os dois tipos estão presentes, como pode ser
observado no estudo de Walker, Harris, Baker & Houghton (1999). O sofrimento da condição
crônica é marcado pela falência do órgão e a necessidade de uma cirurgia, tão complexa e
invasiva quanto o pós-operario, marca um evento predominantemente agudo. Crianças
oncológicas são vítimas de trauma tipo II, no qual os acontecimentos são de longa duração,
repetitivos e previsíveis, o que favorece a dissociação (VIEIRA NETO, 2005).
Provavelmente, o “estilo repressivo adaptativo”, que é um mecanismo altamente defensivo,
mencionado nesse estudo, tenha a ver com lembraas confusas, isoladas, fragmentadas,
características do mecanismo dissociativo, o qual será retomado mais adiante.
61
Não menos complexos são os traumas tipo I. Fazem parte as ocorrências agudas como
em situações em que a criança necessita de internação súbita em unidade de terapia intensiva
devido a cirurgias de grande porte, graves infecções, acidentes automobilísticos, afogamentos
ou graves queimaduras.
Unidade de terapia intensiva é um desencadeador em potencial de neuroses
traumáticas. O estudo de Connoly et al. (2004), demonstrado nessa revisão, afirma que o
tempo de internação nessa unidade pode ser um diferencial para ocorrências de perturbações
psíquicas. São de conhecimento dos meios acadêmicos os efeitos que esse tipo de internação
podem causar nas crianças, mesmo com as propostas de humanização do tratamento. Vieira
(2005), ao discorrer sobre a teoria ferencziana, refere que sensações de desprazer podem ser
provocadas em excesso na criança quando o ambiente priva ou fere, frustra as satisfações. Na
rotina de uma unidade de terapia intensiva pediátrica, podem-se facilmente observar essas
ocorrências. Priva-se o sono, o alimento, repele-se o choro e o grito. Entram em cena as
frustrações, a falta de autonomia e os desejos de um Outro. Um Outro que manipula, invade e
provoca dor. Como escreveu Rodrigues (1999), um Outro que ime uma lei de maneira
irredutível não oferecendo saída senão submeter-se. Esse Outro dita o fim, mas,
paradoxalmente, também a condição da existência.
Paralelamente, Winnicott (1993a) tece considerações sobre um ambiente que não seja
“suficientemente bom”. Seus conceitos sobre deprivação são explicitados por Gorayeb (2005)
que considera agressividade e raiva direcionadas ao exterior como forma de apelo dirigido ao
Outro. Uma outra hipótese é que crianças gravemente enfermas manifestem tais
características. Em estudo anterior sobre o assunto (AMARO DA SILVA, 2003), a propósito
da observação de um caso, agressividade foi observada no pequeno paciente cerca de dois
meses após operação de um defeito cardíaco congênito. Esse estudo também evidenciou que,
nesse pós-operatório tardio, as fantasias em relação à figura materna, antes sentidas como
positivas, foram tidas como ausentes, incapazes de salvaguardar a criança do perigo.
Uma vez que o ego infantil ainda está em desenvolvimento, o suporte materno
funciona como ego-auxiliar (FORLENZA NETO, 2005) de um ego ainda imaturo. A
verie” materna que propõe Ferrari (1995) favorece a elaboração das experiências da
criança mesmo que estas sejam dolorosas. Na ausência materna, a chance da criança seria a de
um substituto no ambiente. Dessa maneira é que Hall (2003) e Frenkel (2004) mencionam em
seus estudos a possibilidade dos cuidados de enfermagem fazerem esse aporte no lidar com a
criança, possibilitando uma melhor recuperação e menor chance de re-traumas. A experiência
62
clínica demonstra, em relação a essa questão, a importância do psilogo hospitalar na
unidade de cuidados pediátricos.
Cumpre observar, ainda, em relação à questão dos re-traumatismos, a contribuição
valiosa do papel da família em oferecer um continente para a criança, favorecendo o
acolhimento de suas demandas tanto internas quanto externas (PICCININI & CASTRO,
2002; ZAMBERLAN, 2002; AMARO DA SILVA, 2003; JUNQUEIRA, 2003).
Todavia, se falta um intermediário da realidade externa, a criança poderá contar
somente consigo mesma. Deverá, sozinha, fazer com que a experiência seja funcional para o
crescimento. É muito provável que ela falhe, uma vez que seus recursos são geralmente
insuficientes (FERRARI, 1995).
Diante do desamparo sentido frente às experiências de privação e de dor, é preciso que
o ambiente possa validar essas ocorrências experimentadas pela criança. É muito comum
ouvir, numa unidade de cuidados intensivos, questões como “não vai doer nada”; “não está
acontecendo nada de errado” ou “você não tem motivos para chorar”, por parte dos adultos,
em especial por parte de membros de uma equipe despreparada. Essas questões nos remetem à
confusão” descrita por Ferenczi (2003d) quando, diante de uma certa representação
antecipada da situação, encontra-se uma outra coisa ou seu oposto. É como esperar dentro de
uma UTI uma mãe que dizem que chegará e nunca chega. Ou sentir uma dor que não é
legitimada. A criança espera que um adulto dê sentido ao que, para ela, não faz sentido. O
adulto, ao não suportar o relato da criança, a contradiz. Mais uma vez, ser surpreendida,
característica da incompatibilidade simbólica (PINHEIRO, 1995, 1996), é também
característica da condição traumatizante. Esse também sugere ser o sentimento da não-
familiaridade mencionado anteriormente.
Ferrari (1995) aponta que a criança quando é obrigada, para sobreviver, dar conta de
si sozinha, ou seja, sem o apoio do ambiente, utiliza os recursos que tem [geralmente
insuficientes] em sentido único. Isso significa que, prevalentemente, através do corpo
[fisicidade] ou, eminentemente, atras de um movimento psíquico [psiquicidade], faltando
um momento unificador.
Somando-se a questão da fisicidade, Knobloch (1998) fala da formão do sintoma
físico por impossibilidade de representação da experiência vivida. A autora se refere à não-
representabilidade como marca daquilo que não se conhece, de um saber que não acessa a
consciência: uma impossibilidade de inscrição pquica, e sim apenas sensorial. Os sintomas
físicos observados nas crianças, durante e após as situações de hospitalização, podem ter essa
função, a de um sintoma psicossomático. Nesses casos, a questão subjetiva segue um outro
63
caminho que não o da mente, isto é, ao invés de um processo mental [representação] a
subjetividade é depositada no corpo e nele se apresenta (LAZSLO, 2002).
Diante de fortes situações de estresse, é comum a perda momentânea da dimensão
corporal ousica. Isso porque essa dupla-função é bloqueada, valendo-se de qual dos dois
aspectos prevalece na economia psíquica do sujeito. É de se verificar que há um
favorecimento da passagem para o físico de todos os aspectos que a mente acha difícil tornar
pensáveis (FERRARI, 1995).
Ao dizer queum processo mental ‘pousou’ sobre um órgão ou função corporal”,
Ávila (2002, p. 237) refere-se, com propriedade, às questões das perturbações físicas que
deixam a psique desprovida das capacidades de processamento, articulação e elaboração. O
autor faz uma analogia ao sintoma como um “hieróglifo inscrito no corpo” (ÁVILA, 2002, p.
39), uma vez que se torna impossível uma inscrição psíquica. Nesse sentido, chamava-nos
atenção as queixas, por parte dos pais, de enurese noturna em seus filhos nos retornos
ambulatoriais após a operação. O sintoma opera em função da ausência de representação e da
presença do conflito. Ou, como diria Knobloch (1998), o corpo começa a pensar quando o
aparelho mental falha.
Já, no âmbito do psíquico, perante a impossibilidade de pensar, simbolizar, representar
e significar a experiência traumática, por parte de um ego ainda infantil, respostas como
clivagem e autotomia narcísica, duas modalidades de cisão, mecanismo de defesa bastante
primitivo, são possíveis.
Na clivagem, o ego exclui a vivência traumática de qualquer contexto significativo.
Divide-se em uma parte preservada e uma outra que tenta anulação do trauma, tentando fazê-
lo não acontecer através de uma fuga psíquica diante dos sentimentos demasiadamente
desprazerosos (UCHITEL, 2001).
Nas crianças traumatizadas, podem ocorrer lapsos de lembranças expressos pela
relutância em discutir o evento traumático ou por ficarem simplesmente mudas. Esses lapsos
se devem muito mais às cisões no ego devido à fuga de estímulos desprazerosos, do que à
amnésia, necessitando cuidado para não serem confundidos (PYNOOS, 1992). A experiência
clínica confirma esse dado. Nesse sentido, estudos de crianças traumatizadas partindo de
instrumentos psicométricos podem ter um viés se esses aspectos defensivos não forem
levados em consideração.
Mecanismo de cisão emprestado por Ferenczi do modelo biológico, a idéia da
autotomia, seria um processo no qual as partes lesadas do organismo dele se desprendem,
visando a sobrevivência. Designa uma função de defesa e proteção contra a dor e o desprazer.
64
Ainda que o desligamento não seja total, pode ser observada a manobra da clivagem
(FIGUEIREDO, [200?]). Segundo Knobloch (1998), a idéia da autotomia é fundamental na
obra de Ferenczi, sendo entendida como deixar [“cair”] partes de si mesmo, estratégia para a
sobrevivência, ainda que o indivíduo precise se destruir. Nesse sentido, a autotomia e
autoclivagem narcísica aparecem como sinônimos.
Os prejuízos na modulação dos afetos, os comportamentos autodestrutivos e
impulsivos, os sintomas dissociativos [descritos anteriormente], as queixas somáticas, o
retraimento social e a hostilidade o algumas das ocorrências que podem ser pensadas a
partir desses princípios e observadas em criaas que passam por situações de doença ou
condição médica grave.
Esses acontecimentos fazem parte também das descrições que compõe o quadro de
sintomas do transtorno de estresse pós-traumático (APA, 2002). Ver-se-á, adiante, a questão
desses sintomas para a psicanálise.
Dentro dos pressupostos psicanalíticos, um sintoma é um sinal e um substituto de uma
satisfação que não pode ser descarregada (FREUD, 1996g [1925-26]). Um excesso de
excitação incapaz de se dissipar através de uma via habitual, tal como uma descarga motora.
Alterações no modo de funcionamento mental devido aos excessos de energia fazem com que
o aparelho psíquico se defenda na tentativa de eliminar o aumento de excitação (VIEIRA
NETO, 2005b).
Em virtude dessas considerações, Vieira Neto (2005b) propõe que três alterações no
modo normal do funcionamento do aparelho psíquico se configurariam no transtorno de
estresse pós-traumático (TEPT). Estão entre elas a facilitação da memória e sua tentativa de
descarga, falha nas defesas e compulsão a repetição. Ao entender essas questões, é possível
compreender a função dos sonhos e pesadelos que acometem as criaas, a necessidade de
repetições das vivências da hospitalização, cirurgia, mutilação através das reproduções
sucessivas de jogos, além de sintomas físicos e outros já descritos anteriormente.
Para a compreensão da facilitação das memórias, retornemos a Freud em “Projeto para
uma psicologia científica” (1996l [1886-89]). Nesse texto, o autor procura teorizar, a partir
dos achados da ciência neurofisiológica da época, questões sobre o impacto do meio sobre o
organismo e suas reações. Um pequeno panorama dessas idéias será descrito a seguir.
O sistema nervoso é responsável basicamente pela recepção de estímulos externos e
descarga de excitações internas. É composto de três subsistemas ψ [psi] ω [omega] e ϕ [phi]
que atuam nessas respostas (1996l).
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Freud descreve um sistema nervoso possuidor de neurônios responsáveis pela
condução de estímulos que recebem quantidades de excitações [via dendritos] e os
descarregam [via axônio]. É assim que se têm neurônios ora catexizados [cheios de
determinadas quantidades de excitão], ora vazios. É preciso evidenciar que o prinpio que
rege o sistema nervoso é o da inércia, ou seja, princípio em que uma corrente passe dos
dendritos até os axônios. Entretanto, com as exigências da vida, o princípio da inércia é posto
de lado. O sistema nervoso precisa tolerar os acúmulos de excitação para satisfazer as
exigências de uma ação específica. A demanda pode ser tanto interna, uma função primária do
sistema nervoso, como respiração; quanto externa, uma função secundária, como a nutrição;
sempre com o mesmo propósito: a cessação do estímulo (FREUD, 1996l).
O sistema nervoso é eno composto de subsistemas ω e ψ representados por grupos
de neurônios. O primeiro seria aquele atingido pelos estímulos externos enquanto o segundo,
aquele que abrigaria estímulos internos. O grupo de neurônios de ω são permveis, ou seja,
não oferecem resistências à passagem de quantidades de energia [Q] e nada as retém, são
destinados à percepção. O segundo grupo de neurônios, de ψ, são impermeáveis, ou seja,
dotados de resistência à passagem de quantidades de energia [Q] e retentivos de quantidades
de energia dentro de si [Qn’]. São caracterizados por serem portadores da memória. Freud
supõe que ψ seja dotado de barreiras de contato [ϕ], dado que os neurônios desse sistema
possuem resistência. Uma vez que quantidades de energia, ou excitação [Q] passem pelo
sistema ψ, os neurônios deste ficam em estado permanentemente alterado e conseqüentemente
também se alteram as barreiras de contato. A essa alteração nas “barreiras”, o citado autor
denomina de facilitação.
A memória de uma experiência, e nos cabe aqui dizer a memória de uma criança
acometida por um estado traumático, depende de um fator que pode-se chamar de magnitude
da impressão e da freqüência que a mesma impressão se repete” (FREUD, 1996l [1886-89], p.
353). Sobre a questão das impressões e da memória retornar-se-á mais adiante. Não obstante,
torna-se oportuno dizer que a memória está representada pelas facilitações.
Ilustrando a assertiva de Vieira (2005, p.91), as facilitações dirigem o curso da
excitação dentro do sistema ψ”. Poderemos pensar que uma condição adversa para uma
criança pequena é ficar em uma UTI sem a presença da mãe, um estímulo demasiadamente
intenso. Quantidades de excitação, desprazer invadem o sistema ψ do pequeno paciente,
lembrando que essa ocorrência se dá através de seu sistema perceptivo, ou seja, sistema ω.
Uma vez que esse estímulo ultrapasse as barreiras de contato, a sua intensidade e magnitude
66
de impressão serão representadas por facilitações no sistema ψ da criança. A experiência será
dotada de memória. Tal como a vivência da separação da mãe, cada nova situação semelhante
será potencializada por esses registros.
Cabe-nos pensar uma outra questão sobre a resposta a um estressor traumatogênico: o
après-coup” [só depois], a posteriori ou os dois tempos do trauma. Mas esta também é uma
questão a ser detalhada mais adiante.
Retornemos, então, à questão das facilitações. Freud (1996l [1886-89]) ensina que as
facilitações servem à função primária. Isto é, ao princípio do prazer, evitar a todo custo que
neurônios dentro de ψ fiquem cheios de quantidades de energia [Q]. Seguindo as
considerações de Vieira (2005), seguir a via facilitada sem inibição, característica do processo
primário, é contrário aos pressupostos da função do ego [organização no interior de ψ] que
atuaria justamente no sentido de inibi-lo.
Na criança, portadora de um ego prematuro, a função primária está em jogo. Na
situação traumática, os estímulos seguem a via facilitada, tanto de ψ quanto das barreiras de
contato, atraindo constantemente recordões para a situação traumatogênica. Estímulos de
alta intensidade atraem estímulos de qualidades semelhantes acarretando num aumento de Qn’
em ψ e, conseqüentemente, um aumento de sensações de desprazer em ω. Essa aproximação
de ψ e ω é o primeiro efeito do excesso de estimulação que caracterizaria o trauma, seja ele de
origem interna ou externa (VIEIRA, 2005).
Com relação aos estímulos endógenos, Freud (1996l [1886-89], p. 368) refere que “ψ
está exposto, sem proteção, às Qs provenientes desta direção”. Acima de determinada Q, cada
aumento de estimulação é sentido como aumento de excitações em ψ, o que é conhecido por
somação. A experiência da dor pode assim ser bem caracterizada. A dor corresponde um
grande aumento de nível em ψ que é sentido como desprazer em ω (FREUD, 1996l), o que
nos remete aos estados da criança hospitalizada em condições de sério risco de vida, em total
exposição a estímulos aversivos e dor. Ou àquelas que convivem com o sofrimento de uma
doença crônica e incessantes experiências de desprazer.
Em quaisquer situações, independente da origem externa ou interna das estimulações,
a atenção recai para a falta de defesas diante do aumento de excitações, sobretudo quando se
refere a crianças. Seria possível, diante de um aumento na quantidade de estímulos, uma
contracarga. A contracarga teria função de vincular as excitações existentes, acumuladas em
ψ, transformando energia livre [Q] em energia quiescente, isto é vinculada [Qn’] (VIEIRA,
2005). Destarte, um trabalho egóico estaria sendo possível. É nesse sentido que a criança,
67
como já nos referimos anteriormente, está mais para fragmentação do que para contra-
investimento, devido a um ego imaturo.
Vale ratificar que, dada a falta de contracatexias na criança, um efeito traumático
depende de menor quantidade de estímulos do que dependeria um indivíduo numa outra fase
de desenvolvimento (VIEIRA, 2005). Devido a isso, depende muito mais do Outro para sua
sobrevivência não só física, mas psíquica. A criança necessita de um mediador que possa
filtrar ou intermediar o mundo externo (PINHEIRO, 1995). Esse filtro dado por um ego
auxiliar funcionaria como a barreira de estímulos protetor de possíveis irrupções
[traumatismos] no ego.
Vieira e Migliavacca (2005) evidenciam que o aspecto compulsivo indica a
necessidade das excitações serem descarregadas, enquanto que a repetição do evento sem
alteração denota uma ineficácia na condução da energia e na maneira de aprender com a
experiência.
O sinal de angústia que deveria ter existido para preparar o ego para um possível
traumatismo não pôde estar presente. A libido no traumatismo está solta, desligada, sem
possibilidade de conees como talvez fosse possível se houvesse angústia-sinal. A libido
desvinculada deixa o indivíduo desamparado, exposto à ameaça de aniquilamento (ROCHA,
2000). Segundo Freud (1996b [1920-22]), a tentativa é de dominar o estímulo devolvendo
assim a ansiedade, que não pôde se fazer presente no estado traumático. A repetição não está
em função do princípio do prazer e nem em função da realização de um desejo. A tentativa é
de controle. A compulsão à repetição está a serviço de um movimento “regressivo” a um
estado anterior de sossego (UCHITEL, 2001).
No caso do traumatismo, em que a excitação não pôde ser contida, o excesso de
desprazer invoca a pulsão de morte [ausência absoluta de excitação]. Através dela, é possível
compreender a compulsão à repetição. Esta está expressa na criança através de jogos
repetitivos ou da presença de pesadelos e sonhos com o evento estressor.
Esse movimento regressivo, efeito da pulsão de morte, impede as capacidades de
vinculação de energia. Verifica-se no trauma uma separação das pulsões de vida e de morte.
Devido a esse “curto circuito” entre as pulsões, Vieira e Migliavacca (2005, p.143)
completam essa tentativa de voltar a um estado anterior:regressão da libido, retorno a um
estado de menor organização do aparelho psíquico, à desintegração do ego, a cisão entre
corpo e mente [...]”.
Todo esse funcionamento poderia ser aplicado às apresentações clínicas dessas
ocorncias. Podemos citar a criança que, no leito de uma UTI, apresenta comportamentos
68
regressivos notáveis. Estes são somados à condição da hospitalização que já proporciona a
falta de autonomia e dependência absoluta. Contudo, essas características podem ser
observadas também à parte a hospitalização, quando a criança é portadora de uma doença
crônica. Enurese, apego ansioso e dependente, além de verbalizações reduzidas foram
observados por Pynoos (1992) e corroborado por observações clínicas (AMARO DA SILVA,
2003). Outra apresentação clínica condizente é a diminuição de interesse pelo mundo exterior.
Apatia e retraimento, características de estado depressivo, podem ser justificadas pela
diminuição da libido. O que caracterizaria uma tentativa de evitar novos traumatismos
(PYNOOS, 1992).
Até aqui foi possível observar com qual propósito se apresentam as repetições da
vivência traumática descritas no TEPT. Verificar-se-á, a seguir, algumas hipóteses para as
duas outras características desse diagnóstico: esquiva dos estímulos somados a um
entorpecimento da responsividade geral e excitabilidade aumentada.
Esquiva e evitação foram sintomas encontrados nos estudos de Judge, Nadel,
Vergnaud & Garralda (2002) com crianças em UTI pediátrica. Estiveram relacionados aos
lugares ou pessoas ligadas ao hospital e pensamentos ou conversas associadas ao tema.
Também foram encontrados no estudo de Shemesh (2004) com crianças transplantadas de
fígado relacionados à falta de adesão ao tratamento. O fato de muitas dessas crianças terem
que comparecer ao retorno ambulatorial ou serem expostas a uma re-admissão hospitalar
contribui para o aparecimento desses sintomas, que, se não cuidados, podem trazer
conseqüências para a saúde das mesmas.
É necessário atentar agora para o funcionamento desses sintomas. Já fora mencionado
anteriormente que os processos mentais no trauma atuam por somação. Relembrando o
Projeto” (FREUD, 1996l [1886-89]), acima de determinadas quantidades de energia [Q] as
excitações endógenas atuam continuamente como estímulo. Devido às facilitações no sistema
ψ e ϕ [representado pela tela protetora ou barreira de estímulos] qualquer estímulo percebido
por ω, ainda que em mínimas quantidades [Q], representará por soma quantidades elevadas de
excitação interna. Assim, sugere que qualquer estímulo, por mínimo que seja, como um
contato com o dico no retorno ambulatorial, ative na criança quantidades elevadas de
excitação por ativação de registros anteriores [ou vias facilitadas].
As crianças impõem uma restrição a si mesmas na tentativa de controlar suas emoções.
Há um temor de que possam ser reativados afetos traumáticos incontroláveis (PYNOOS,
1992).
69
Ao mesmo tempo, o aumento demasiado de excitações no aparelho causa, segundo
Uchitel (2001), uma obnubilação no campo das representações. A impressão fica
impossibilitada de palavra. O evento impressiona, inscreve, mas o é simbolizado.
Significando uma ausência de representação-palavra ficando apenas a representação-coisa, o
não nomeado, a angústia. Todavia, de acordo com Pynoos (1992), a criança não refere, assim
como o adulto, que se sente entorpecida, o que contribui para que essa ocorrência seja nela
subestimada.
Diante dos excessos e do conseqüente potencial de aniquilamento sentido pelo ego
representado pela angústia, o ego precisa atrair para si toda libido. De acordo com Vieira
(2005), o excesso, acarretando em energia livre [Q] dentro do aparelho, destrói conexões,
inviabiliza funções egóicas antes desenvolvidas, rompe com as associações. É preciso que
haja um investimento narcísico para que o ego possa cuidar de si. Nesse mesmo sentido,
Vieira Neto (2005b [1920-22]) assinala que o trauma provoca uma retirada da libido dos
objetos que é investida narcisicamente. Contudo, acrescenta que devido à intensidade do
sobreinvestimento narcísico, a impossibilidade de ligar e representar essa energia produz um
ciclo-vicioso expresso por re-investimento e excesso de excitação.
Dessa maneira, observa-se um propósito na redução acentuada do interesse ou
participação em atividades significativas, sensação de distanciamento de outras pessoas,
dificuldade de concentrar-se, alterações no sono, características presentes em indivíduos
diagnosticados com transtorno de estresse pós-traumático (APA, 2002). A criança pode
apresentar uma resposta de sobressalto exagerada, característica também do TEPT. Vieira
(2005) entende a hipervigilância, ou “hipersensibilidade voltada para o exterior”, presente nas
crianças como uma sentinela, tal qual mencionada por Ferenczi (2003b). Seria como uma
instância guardiã presente na personalidade clivada. Essa parte da personalidade seria
responsável por vigiar o mundo externo e salvaguardar a criança dos perigos circundantes,
uma vez que ambiente não foi suficiente protetor.
O trabalho em unidade de cuidados intensivos permite uma observação dessa sentinela
criada pela criança em situação de longos períodos de internação. É o caso de pequeninos
pacientes que, embora visivelmente sonolentos, incansavelmente permaneciam acordados.
Como quem faz o posvel para não fechar os olhos com o intuito deo ser subitamente
surpreendido por um ataque. Nesses estados, somente alguém, no papel de sentinela,
possibilitaria um espaço velado em que a criança se deixasse dormir. E, mesmo assim, para
o breve ser novamente interrompida ou acordada.
70
Clivagens como essas se configuram em importantes sistemas defensivos nas crianças
que são submetidas à tensões e invasões recorrentes. Uchitel (2001), ao mencionar Masud
Khan, se refere ao trauma cumulativo. Esse conceito de Khan (BARANGER, BARANGER &
MOM, 1988) está relacionado exatamente às tensões e estresses que a criança experiencia em
sua relação com a mãe durante todo o desenvolvimento, pois é ela que tem a função de
regulação de estímulos internos e externos ou função de ego auxiliar. A falta do apoio
materno acarretaria as invasões.
É importante evidenciar que toda estruturação psíquica se dá a partir do traumático.
Emprestando de Ferenczi as idéias postuladas por Borgogno (2004), a fenomenologia
traumática, durante o desenvolvimento, é vasta, somando os vários momentos de mudanças e
passagens. Sendo assim, é preciso não perder de vista que o desenvolvimento infantil é
caracterizado por desamparo.
Relembrando o que já fora citado, o nascimento é a “vivência arquetípica de toda
experiência de angústia” (ROCHA, 2000, p.106). É a angústia originária, o desamparo, a
primeira experiência de ruptura (FREUD,1996g [1925-26]). Ao longo do desenvolvimento,
essa experiência se atualiza e, quando isso acontece, a vivência de aniquilamento é retomada.
A criança conseguirá controlar essa situação traumatizante do desamparo quando, diante de
sucessivas vivências de separação, perceber que não corre o risco de ser aniquilada por
separar-se; quando puder distinguir uma ausência temporária de uma perda definitiva.
Todavia, no curso do desenvolvimento infantil, novas situações de perigo podem surgir como
a perda do amor do objeto, quando a criança descobre que, por vezes, não pode contar com o
amor da mãe, e diante da angústia de castração, que na fase fálica combina perda e separação
(ROCHA, 2000).
Destacamos que o trauma aqui estudado não se deve exclusivamente às falhas
maternas. Muito pelo contrário, está relacionado a uma grave perturbação psíquica adicional a
essa questão que é do âmbito do externo e que tolhe um corpo e uma mente sem preparo.
Seguindo o que Borgogno (2004, p.170) acrescenta, “uma adição e portanto uma subtração de
alguma coisa que modifica o encaminhamento natural à vida psíquica [...]”.
Sendo assim, vale acrescentar que a mãe, representando o ambiente, não poderia suprir
todas as necessidades da criança, ainda que esta seja totalmente dependente dela.
Uchitel (2001) revela os princípios de Khan ao nos atualizar quanto ao fato de que,
embora a mãe possua um papel relevante na estruturação psíquica da criança, é preciso não
perder de vista que outros fatores eso em jogo determinando uma condição traumática,
como o ambiente e a sensibilidade ou, até mesmo, a exigência do próprio bebê.
71
Sobre esta questão, o que determinará a condição psíquica durante o desenvolvimento
infantil não é um único e exclusivo fator. A constituição herdada [pulsões] somada à
disposição adquirida [intercorrências no nascimento] e à experiência infantil formam o que
Freud (1996i [1916-17]) chamou de séries complementares, determinando o desenvolvimento
de uma neurose.
Seguindo a linha das séries complementares, Freud menciona um fator interno e um
externo na etiologia das doenças mentais. Por volta de 1917, na conferência XXII (FREUD,
1996m), quanto a disposição em desenvolver uma neurose, e aqui façamos um paralelo com a
neurose diante de grandes estressores ou com um transtorno de estresse pós-traumático, Freud
menciona a fixação da libido e a frustração. Já fora discorrido anteriormente sobre a fixação
da libido, sua falta de mobilidade e o excesso de excitação preso no aparelho psíquico. Cabe-
nos referir sobre a frustração. Nesse mesmo texto, o autor mostra que a frustração representa o
fator externo, acidental, se opondo à constituição.
Knobloch (1998) recorda que o “fator acidentalserá, na teoria freudiana, tudo o que
poderá acarretar afetos aflitivos, dolorosos agindo à maneira de um trauma psíquico. Com
efeito,o poderá ser único. Ede-se observar que não é, porque todo o desenvolvimento é
marcado por situações que expõem a criança a uma ameaça de perigo.
Ser exposta ou não ao perigo, desenvolver ou não um trauma psíquico, constituir ou
não uma neurose dependerá de cada indivíduo e da maneira que a experiência será registrada
por seu aparelho perceptivo. Para a compreensão do aparelho perceptual recorreremos
novamente a Freud.
Em “Uma nota sobre o bloco mágico” (FREUD, 1996n [1923-25]) ele,
surpreendentemente, se vale de um bloco mágico, que nos dias de hoje seria equivalente à
“lousa mágica”, para explicar o funcionamento do aparelho perceptivo e da memória. Diz ele
que nosso sistema perceptivo é, ao mesmo tempo, uma superfície sempre pronta para receber
estímulos e uma superfície que apresenta traços permanentes. Ele refere que o bloco mágico,
nesse modelo, consistiria em uma prancha de resina com duas camadas capazes de serem
desligadas uma da outra exceto na extremidade onde são presas. A camada superior é um
pedaço de celulóide e a inferior, um papel encerado fino e transparente. Para escrever no
bloco mágico, seria preciso calcar um objeto ponteagudo na folha de cobertura que, ao tocar a
folha transparente, produziria sulcos, como escritas em papel comum. Querendo apagar o que
foi escrito, apenas levantava-se a cobertura de celulóide. O bloco mágico estaria pronto para
novas impressões. Entretanto, o autor salienta que sob luz apropriada o que foi calcado
tornava-se legível e deixava também traços permanentes. O nosso aparelho perceptivo
72
consistiria em duas camadas. A primeira, a barreira protetora contra estímulos que
corresponderia à cobertura de celulóide, enquanto que a segunda seria o sistema perceptivo-
consciente que corresponderia, no Bloco, ao papel fino e transparente. Este último recebe as
percepções, mas não retém traços permanentes. A prancha de resina corresponderia ao
inconsciente, uma vez que se encontra por trás destes outros dois. O sistema mnêmico
inconsciente preservaria os traços recebidos e, portanto, os reteria na memória.
Memória é memória de traços, que são impressões que conservam seus efeitos, ao
passo que se tornam tros permanentes. Uma vez que permanecem é porque foi possível uma
inscrição (KNOBLOCH, 1998). Mas há algo que escapa à inscrição, como no caso dos
traumas psíquicos em que não é possível nem o recalque e nem, tampouco, a elaboração do
acontecimento.
Já fora dito que a estruturação do psiquismo se dá a partir do traumático. O psiquismo
busca todo o tempo acomodação frente ao impacto tanto do mundo interno [pulsional] quanto
do mundo externo. Quando a acomodação foge à representação e à tomada de consciência, a
experiência pode ser recalcada, um registro [de memória] que é feito através de traços
mnêmicos. Nesse contexto, nada se perde. Esses registros, em outros momentos da vida,
podem ser reinvestidos e reativados (NOSEK, 2004).
Caminhando com Zimerman (2001), encontra-se que impressões mnêmicas são
equivalentes aos traços de memória, ou seja, experiências impressas, gravadas no ego
rudimentar. O conceito de inscrição, também traduzido por traços mnêmicos, é comparado à
organização da memória. Temos assim que registro mmico, inscrição e memória podem ser
equivalentes. Para Freud, a memória dependeria da magnitude da impressão e da freqüência
da repetição dessa impressão. Ou seja, supõe-se memória quando a impressão conserva seus
efeitos (KNOBLOCH, 1998), deixou de ser ela mesma, virou traço.
m-se então impressões que se inscrevem, que ou são elaboradas através da ligação
da verbalização com a tomada de consciência, isto é, pela associação com uma imagem verbal
e imagem mnêmica, ou são recalcadas permanecendo apenas como registros mnêmicos, ou
seja, sem tomada de consciência. Mas ainda têm-se aquelas em que é impossível a inscrição,
própria das experiências traumáticas.
Quando falamos desse trauma que invade, que causa excesso, como no caso do
traumatismo de crianças gravemente enfermas, as impressões escapam, não se ligam a cadeias
associativas, não viram tro e por isso não são inscritas. Essas impreses são marcas do que
é apresentado e não representado. Marcas ou impressões são tidas como fatores energéticos e
por isso são de pura intensidade. Elas não constituem lembrança, uma vez que para que a
73
impressão se conserve na memória é preciso que se constitua de traço, seja representada e
inscrita. Diferenciar marcas de inscrições é próprio da teoria ferencziana, uma forma de
demonstrar como as vivências são conservadas no trauma (KNOBLOCH, 1998).
Uma vez que não recalque nem representação, qual a lembrança do trauma?
Knobloch (1998) refere, recordando a teoria ferencziana, que a lembrança ou a memória do
trauma situa-se no corpo, uma vez que nãorepresentação. Dessa forma, Ferenczi (2003e,
p.251) narra a conseqüência de um choque: “[...]a vida afetiva desaparece no inconsciente e
regride para uma sensação corporal pura”, e complementa: “convulsões, sintomas corporais
sensitivos, sensoriais e motores como expressão de movimentos emocionais incontroveis
[...]”. O autor refere uma separação entre sentimentos, representações e os processos de
pensamento.
Ávila (2004) também discorre sobre as experiências emocionais que se apresentam
através do corpo num eclipse dos processos de representação psíquica. O autor descreve no
modelo de Cambridge
1
que, para haver representabilidade de uma experiência, é preciso uma
função “ecoante” [um “eco”] em que um evento segue um desdobramento interno com vias de
ser registrado tanto emocional quanto cognitivamente, ou seja, uma leitura da experiência
subjetiva que passa a ser integrada no campo de representações do sujeito.
O “eco” pode falhar em sua condição de conceituar e significar a experiência, devido a
essa experiência ser considerada muda. Netrovski (1999, p.89) considera ser essa a
contingência de toda testemunha de uma experiência traumática: “[...] um evento que não
pode ser narrado, a memória emudecedora de uma vivência para além dos limites da
expressão”.
O registro corporal ou o sintoma se eno proporcional à leitura subjetiva,
corroborando a idéia da regressão corporal citada por Ferenczi (2003e).
O modelo de Cambridge introduzido por Lazslo (2004) permite três vias de destino
para um estado subjetivo formar sintomas. De uma maneira simplificada, uma primeira via
que ele chama de (a) permite o sinal ou estado ser reconhecido e conceituado; uma segunda
via (b) em que o sinal evita a barreira da consciência, não pode ser conceituado e procede
como representação inconsciente, e uma última via (d) em que o sinal é percebido, ou seja,
atinge a barreira da consciência, mas não consegue ser conceituado e representado,
permanecendo de forma difusa e não nomeável.
1
Modelo proposto e adaptado pelo autor baseado no esquema desenvolvido por G. E. Berrios e pesquisadores
associados na Universidade de Cambridge, Inglaterra, voltado para busca de compreensão dos mecanismos da
formação de sintomas mentais.
74
Seguir a via (b) e via (d) são percursos de estados subjetivos facilmente percebidos em
indivíduos expostos a grandes estressores potencialmente traumáticos. Prosseguindo as idéias
do autor, a via (b) é característica de sintomas psicossomáticos enquanto que na via (d) o
sintoma se apresenta em grande variedade e inevitável diversidade.
Utilizando o modelo de Cambrigde, nossa hipótese é a de que os acontecimentos
traumáticos referidos por Knobloch (1998) e Ferenczi (2003e) acima citados são próprios de
estados subjetivos que seguem a via (d), em que o sinal localiza-se na consciência [sem
recalque] e sem representabilidade. Contudo, em indivíduos expostos a traumatismos, é
também possível verificar o percurso dos sintomas psicossomáticos, como mencionado em
momento anterior desse estudo.
É importante citar que, nessa via (b), há uma tentativa de representação, ainda que
inconsciente, ainda que sejam “representações corporalizadas” (LAZSLO, 2004, p. 184). Essa
busca por uma forma de representação, mesmo que primitiva, viabiliza possibilidades de
conceitualização e a elaboração do sintoma.
Já a via (d), mencionada, mas não explorada por Lazslo (2004), é dotada da ausência
de expressão como referiu Netrovski (1999), por isso seu caráter é traumático. O sinal é
percebido, mas sua ausência de sentido provoca um violento excesso de excitão em que não
é possível o recalque e nem representação.
Botella & Botella (2002, p.190) nos coloca o sentido de um fator acidental na vida da
criança: “[...] a ruptura da simetria percepção-representação. Sem dualidade, sem conteúdo, o
pulsional se desdobra livremente, marcando o psiquismo com traços negativos, vazios de
conteúdo”. Impressões incapazes de ligação, de eco ou de qualquer representação.
Tendo em vista essas considerações, o que pensar de uma criança exposta a grave
queimadura? Marcas deixadas com essa vivência não são traços mnêmicos transformáveis,
como referiu Menezes (2005). Como a criança se reconhece nesse corpo? Como ela pode
investir num corpo queimado que não é o dela, pelo menos que ela não conhece?
Ou numa criança com câncer, cuja infância corre constante perigo de morte e que é
amputada nas suas promessas e em suas perspectivas de vida?
Esses são exemplos de impactos que causam impressões tais na vida de um pequeno
paciente que não há mais que representações-coisa, pois as palavras perdem a capacidade de
dizer. Destroem o poder da linguagem e do símbolo. O Eu vai inventando histórias de
passados cheios de futuro e de futuros prenhes de passado” (MENEZES, 2005, p. 101).
A capacidade simbólica fica empobrecida devido ao fechamento de redes afetivas
ocasionado pela situação traumática. As cisões utilizadas para o controle dos
75
transbordamentos provocados pelo traumatismo congelam o processamento simbólico, órgãos
do pensamento (BARROS, 2005). A experiência fica impossível de ser representada. Só resta
ser apresentada através de toda a sintomatologia mencionada até agora.
O que faz com que uma experiência, de doença ou condição dica grave, constitua
um trauma, valendo-se do fato que muitas crianças passam pela experiência e nem todas elas
ficam traumatizadas? O que faz com que esse acontecimento venha a ser pós-traumático?
Freud (1996o [1934-38]) sentencia que impressões poderosas, que escapam de ser
lidadas normalmente e são datadas de épocas primitivas, se diferenciam por serem
traumáticas. São assim denominadas [traumáticas] por serem impressões cedo experimentadas
e mais tarde esquecidas. A gênese da neurose, de acordo com o supracitado autor, remonta a
essas impressões primevas. O próprio termo “neurose”, como se observa em Knobloch
(1998), atribui-se a um grupo de distúrbios psíquicos que surgem após um período de latência,
depois de um choque afetivo muito intenso.
A noção da posterioridade vincula o trauma em dois tempos: um da ocorrência e outro
posterior, da ressignificação. Essa noção anteriormente estabelecida entre a infância e a
puberdade [vista na teoria da sedução] se modifica ao longo da teoria freudiana, podendo se
reestabelecer em qualquer outra fase da vida, dentro da infância ou dentro da idade adulta
(PUENTE, 2005). Essa iia de “causalidade retroativa” de que fala Puente (2005), é vista
também no conceito de “après-coup” [a posteriori] citado por Knobloch (1998), lembrança
que dará um ressignificado a primeira situação.
Esse conceito [em alemão Nachträglichkeit] leva em consideração uma temporalidade
que é própria do psiquismo. Intervalos, descontinuidades, excessos com ausência total de
qualquer causalidade linear, próprios da ordem do trauma. Importante se faz mencionar que
não levar em conta a cronologia do tempo não é simplesmente produto de um acontecimento
de um passado distante, mas o enlace entre duas representações (BORGES, 2003).
Laplanche & Pontalis (1991, p. 33) explicam que o conceito de a posteriori é um
termo em que “[...] impressões, traços mnésicos são ulteriormente remodelados em função de
experiências novas, de acesso a outro grau de desenvolvimento [...]” e ainda adicionam que
essas experiências podem ter outro sentido e, portanto, outra eficácia psíquica.
Essas considerações sugerem que o pós-traumático, particularmente na condição em
que as crianças sãotimas de uma experiência de acidente de percurso, é uma reativação de
experiências anteriores. Isso equivale dizer que no momento de uma situação provocadora de
intensa angústia, em que o aparato mental da criança é demasiadamente exigido, registros
mnêmicos [experiências recalcadas] são reinvestidos. É este o segundo tempo do trauma.
76
Uma criança portadora de uma grave enfermidade tem grandes chances de desenvolver
uma neurose traumática ou um transtorno de estresse pós-traumático. O tempo todo situações
provocadas por uma doença, uma operação ou qualquer outra condição médica em que sinta
sua vida potencialmente ameaçada remetem o pequeno paciente a outros desamparos
anteriormente sofridos. Diga-se angústia de separação, perda do “objeto psíquico materno”,
perda do amor do objeto e a própria angústia de castração. Dependendo da fase de
desenvolvimento da criança, a sensação de desamparo ressignificada pode ser geradora de
transbordamento de afetos impossíveis de serem representados.
Isso porque o ego “constitui-se de ligações tão permanentes quanto possível,
transformando energia livre e as potencialidades traumáticas em energia ligada” (Botella &
Botella, 2002, p.171); desse modo, o trauma tem origem na incapacidade de transformar o
excedente de energia, na impossibilidade desse excesso tornar-se ligado, transformado e
representado.
O traumatismo psíquico ao se configurar em um trauma provoca um estado de peso
alostático. Peso esse que pode ser expresso por conseqüências neurobiológicas. Como já foi
dito anteriormente, alostase significa um processo de adaptação. No caso do organismo, peso
alostático, que referem Grassi-Oliveira, et al. (2005), é o alto custo que sofre um organismo
ao ter que se adaptar a uma condição adversa. Custo tal que pode ser traduzido em prejuízo no
desenvolvimento das redes neuronais no cérebro infantil. Isso apenas corrobora a hipótese da
criança ter um aparato mental imaturo estritamente dependente dos cuidados de um Outro. Os
conceitos de Winnicott sobre deprivão aqui se encaixam no sentido de que a criança, que
conheceu o que é ser cuidada e atendida quando privada de um Outro-continente, pode sofrer
efeitos expressivos. A criança à mercê de estímulos excessivamente desprazerosos, se não
cuidada, pode vir a ter sérios prejuízos desenvolvimentais, dentre eles, vulnerabilidade a
diversos tipos de neuroses, ao TEPT, além de prejuízos neurodesenvolvimentais (DAVIES,
2002; GRASSI-OLIVEIRA, et al, 2005).
Todavia, sabe-se, e isso pôde ficar expresso neste trabalho, que não são todas as
crianças que desenvolvem uma neurose, um transtorno de estresses-traumático, ou
quaisquer outras ocorrências cnicas como comorbidades em suas maneiras diferenciadas.
De maneira muito pertinente, Uchitel (2001) evidencia a independência dos conceitos
de neurose e trauma. Em toda neurose estão implícitos os traumas, mas nem em todo trauma
supõe-se uma neurose. Da mesma maneira, como já dissemos, a criança pode passar por um
estado traumático [enfermidade grave] e não desenvolver uma neurose. A autora (2001, p.79)
refere que “a qualidade e a intensidade do trauma, o momento da estruturação psíquica em
77
que ele ocorre e os recursos com os quais o sujeito conta no momento do trauma” que
determinarão o quanto o evento será traumático.
Remetemos-nos novamente aos escritos datados de 1934-1938 em que Freud (1996o)
sentencia que o estado traumático é determinado por um fator quantitativo e, sendo assim,
varia em cada caso. O que é exigência psíquica para um indivíduo pode não ser para outro e,
portanto, isso dependerá da constituição. Uma vez que localiza o fator constituição têm-se,
novamente, os conceitos explicitados nas séries complementares, mencionados acima nessa
discussão.
De igual forma, seria dizer que a quantidade de estímulos que uma pessoa suporta é
diferente de outra e, por isso, é uma característica singular. Cada um terá individualmente
uma quantidade de estímulos que suportará e outra que poderá ser sentida como uma efração,
uma brecha no escudo protetor. Ou seja, algo além das possibilidades. Seria ainda semelhante
dizer que, diante do impacto dos estímulos ambientais, biológicos, internos ou externos, o
organismo se prepara para a manutenção da homeostase. Entraria aqui o conceito de Hans
Selye exposto no início desse trabalho. O organismo o tem recursos de quantidades
ilimitadas. Sendo assim, quando precisa de mais recursos do que possui será prejudicado por
ter sido sobrecarregado.
Nesse sentido, quais características individuais fazem com que a criança possa
suportar um evento de tamanha magnitude? Uma outra vertente possível de ser pensada é a
capacidade de resiliência, mas esta questão será mais adiante pormenorizada.
Pensar em fatores quantitativos e econômicos pareceu muito mais promissor do que
olhar o fenômeno na tentativa de apenas qualificá-lo, ou melhor, classificá-lo, o que foi
observado nas pesquisas encontradas neste trabalho, sobretudo na primeira revisão que trata
especialmente do TEPT. De um lado, crianças com a presença de um transtorno; de outro,
crianças com ausência do mesmo. Como se separassem categoricamente quem precisa de
cuidados e quem não precisa. Os que desenvolvem uma neurose, um “transtorno”, sim, esses
é que precisam. Somos quase que impelidos a nos questionar se o fato do não
desenvolvimento de nenhum destes supõe uma ausência de sofrimento.
Foi dessa maneira que estudos de Taieb et al. (2003), Walker et al. (1999), Rennick et
al. (2002) encontraram apenas sintomas de TEPT e não a presença da tríade que os
classificaria como um transtorno. Diferentemente, ocorreu em pesquisas como a de Rees et al.
(2004), Judge et al. (2002), Connolly et al. (2004), Shemesh et al. (2000) nas quais o
transtorno esteve presente.
78
O fato é que uma ocorrência demasiadamente estressora, como uma doença ou
condição médica grave, pode ser considerada como um traumatismo na medida em que expõe
a criança a condições que causam um impacto no corpo e no psiquismo.
Freud (1996b [1920-22]) escreveu que ferimentos ou danos infligidos operam, via de
regra, contra o desenvolvimento de uma neurose. Isso devido às excitações poderem ser
ligadas através de um superinvestimento no órgão, permitindo derivação da pulsão. Cabem
aqui as crianças vítimas de acidentes de trânsito que necessitam de operação ou aquelas em
operações por doenças complexas em que o corpo é manipulado e invadido, ou qualquer que
seja a doença ou condição médica grave. No caso da criança, essa premissa o é inteiramente
válida exatamente porque seu aparelho psíquico é imaturo, não tem aparato para contra-
investimentos.
Entretanto, desenvolvendo ou não uma neurose ou um transtorno, a criança é marcada
por um acontecimento que não é possível digerir num determinado espaço de tempo.
Especialmente porque o tempo de que falamos o é o tempo cronológico como referem os
manuais de classificação, mas sim, o tempo do manejo da angústia, tempo do inconsciente, do
psiquismo.
Convém dizer que nesse tempo podem-se observar aquelas crianças que, sofridamente,
conseguem integrar dentro de si uma experiência demasiadamente violenta. Entendemos aqui
a violência como Fagundes (2004) expressa: relacionada à vivência traumática num aparelho
psíquico despreparado. A criança, muitas vezes, não estará preparada porque depende de um
Outro, porque nem sempre tem angústia realística, porque não contém em si um aparelho com
uma camada protetora o suficiente para suportar quantidades elevadas de energia, de
desprazer. Violência aqui que segue o modelo da dor e que leva o psiquismo a um
desestruturante funcionamento ao visar uma economia.
O que faz com que estas crianças sofram esse traumatismo, levem consigo as
vivências, registrem os acontecimentos no psiquismo sem desenvolverem uma neurose? O
que as protege? Além da constituição herdada e da disposição adquirida qual é o diferencial
que faz com que tenham um “crescimento pós-situação traumática” (ARAÚJO, 2005) e que
as torna crianças com alto potencial resiliente?
“Resiliente” é uma qualidade dada ao indivíduo que, submetido a fatores de risco,
possui capacidade para superá-los e ser transformado por eles, o que explica igualmente a
capacidade de resiliência (GROTBERG, 1995). Esse conceito sofreu algumas modificações
desde que foi incorporado às ciências humanas. Passou de exclusivamente inato para um
79
potencial também a ser desenvolvido. Ou seja, uma competência que está presente mesmo
antes do nascimento, mas que precisa ser atualizada (ARAÚJO, 2005).
De acordo com Haudenschild, Montagna, Dias, et al. (2005), essa atualização depende
do processo de interação da criança com os outros, primordialmente da relação diádica mãe-
bebê e evoluindo para a triangulação com o pai. O estabelecimento desses primeiros vínculos
afetivos dá a base para construção da condição psíquica da criança de autocontinência. A
construção desse self é que seria, então, responsável pelo potencial resiliente.
Com efeito, é válido pensar que quanto maior o déficit na estruturação do psiquismo,
menor a capacidade de significar e representar acontecimentos internos e externos, portanto,
maior o potencial traumático dos eventos. A criança exposta a uma condição de risco, de
ameaça à própria vida conseguirá lidar com eventos estressores se dispuser de uma condição
tal que faça com que o potencial traumático não vire um trauma. A capacidade de resiliência é
também uma arte de não se deixar arrastar pela inclinação natural dos traumatismos
(HAUDENSCHILD, 2005).
Resiliência não mais é sinônimo de invulnerabilidade ou invencibilidade. Essas
qualidades associadas ao termo foram abandonadas. Os indivíduoso são intocáveis, mas
superam as adversidades. Desse modo, alguns fatores, que atuam como proteção, estão
relacionados a uma rede intrincada de componentes psicossociais que atenuam o impacto
prejudicial dos eventos (GRUNSPUN, 2002). Variáveis individuais como cuidados estáveis,
qualidade de relacionamento interpessoal, habilidades para solução de problemas e aquisições
de competências estão entre eles. Sapienza e Pedromônico (2005) evidenciam, ainda, proteção
envolvendo vários níveis de suporte social que se relacionariam às variáveis circuntanciais.
Ao traçar um paralelo com o modelo das séries complementares (FREUD, 1996i [1916-17]), é
posvel observar os mesmos fatores externos e internos determinando o desenvolvimento de
uma vida sadia ou patológica.
Ao que se propõe este estudo, as crianças gravemente enfermas resilientes são aquelas
que puderam apresentar experiências individuais e familiares efetivamente fortalecedoras
frente à essa situação adversa (SAPIENZA & PEDROMÔNICO, 2005).
A propósito da base fundadora das capacidades psíquicas da criança, Borgogno (2004,
p.173), ao discorrer sobre as contribuões ferenczianas, refere “[...] sobre aqueles elementos
de base (da mãe e do pai) que fundam e animam a evolução específica de um sujeito a
respeito de um socorro necessário ao se formar a integridade do indivíduo no
crescimento[...]” e acrescenta: “sobre o que o adulto coloca, ou não coloca, em nível das
emoções e das idéias, para permitir ou inibir o peculiar e único”. O autor nos presenteia com
80
essas noções, fundamentando a maneira como as potencialidades resilientes inatas da criança
podem ser desenvolvidas. Como da família dependerá a possibilidade de desenvolvimento no
ambiente social e humano proporcionando atitude “vital ou mortífera”.
À família cabe um antes e um depois. Suas atitudes e posturas denotam o quanto ela é
co-responsável na maneira como a criança reagirá à experiência adversa. Uma vez que a
família co-participa ativamente de todo o desenvolvimento infantil, não poderia ser diferente
quando se trata da experiência de enfermidade do pequeno paciente.
A criança gravemente doente precisa de um suporte dos cuidadores que propicie um
continente, um aparato, um ego auxiliar que a ajude a lidar com tamanhas quantidades de
excitações desprazerosas. Desprazer esse que não é só externo, mas também vindo do próprio
corpo, de seu próprio organismo e de suas experiências prévias.
A experiência com crianças operadas do coração demonstrou que a agressividade, o
medo, a absoluta dependência, a irritabilidade e, igualmente, o baixo rendimento escolar, o
embotamento emocional, a perda das habilidades anteriormente aprendidas, que se seguiam
após alguns meses da alta hospitalar, precisariam ser contidos pelos pais. Estes precisariam ter
um holding, precisariam ter disponibilidade e espaço interno que faltavam à criaa nesse
momento tão particular de tentativa de elaboração da experiência, de tentativa de integração
das vivências (PICCININI & CASTRO, 2002; ZAMBERLAN, 2002; AMARO DA SILVA,
2003; JUNQUEIRA, 2003).
É nesse sentido que a desatenção, o distanciamento, a insensibilidade, a indiferença, a
desvalorização, o desrespeito aos limites, a tirania e o abuso (BOGOGNO, 2004)
contribuiriam para o estabelecimento de um trauma, abalando as estruturas neurobiológicas e
predispondo a criança à vulnerabilidade, ao desenvolvimento de psicopatologias como o
TEPT, uma vez comprometida a estabilidade psíquica. Já o contrário atuaria como promotor
de resiliência.
Válido ressaltar, novamente, a importância dos cuidadores da criança, nesse caso,
dentro do ambiente hospitalar, quando não é possível a presença dos pais. Cabe à equipe de
saúde que cuida do pequeno paciente fazer esse holding, minimizando a possibilidade de re-
traumas, uma vez já mencionada.
Com esse mesmo intuito, a psicoterapia psicanalítica também atua na promoção da
resiliência (GRUNSPUN, 2002). Estar junto com a criança que sofreu um traumatismo é
poder acompanhá-la no confronto com o irrepresentável. Ou, nas palavras de Haundenschild
(2005), ajudar no desenvolvimento das capacidades de resiliência do ser humano que também
se revela na presença de um Outro que pode ajudar na harmonização da existência.
81
6 ILUSTRAÇÃO: Uma Menina Cardiopata Operada aos Oito anos de Idade
Foi selecionado para ilustração o caso de uma paciente do sexo feminino, 9 anos, que
era portadora de uma cardiopatia congênita acianogênica, diagnosticada com comunicação
interventricular (CIV) desde o nascimento. Nunca havia experienciado uma situação anterior
de hospitalização, exceto uma internação devido à gripe. É admitida no hospital com a Equipe
de Cirurgia Cardíaca Pediátrica no Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do
Rio Preto, SP, para realização de correção dessa má-formação congênita. Apresentava como
sintomas taquipnéia, taquicardia, cansaço, sudorese quando submetida ao mínimo esforço
físico e raramente apresentava dor. Esses sintomas eram facilmente confundidos com uma
situação habitual uma vez que apareciam, embora mais rápido que em outras crianças, apenas
quando submetida a esforços.
Dentro do espectro de cardiopatias, essa era considerada, pelos membros da equipe,
simples. Isso porque crianças com cardiopatias acianogênicas, como esta, têm expectativa de
vida muito próxima de uma criança saudável e também um prognóstico bastante favorável. Os
riscos de complicações cirúrgicas são pequenos [em torno de 5%] perto de outras cardiopatias
como as cianogênicas, entretanto, eles existem sobremaneira, para os pais. Crianças com
cardiopatias acianogênicas levam uma vida, mesmo antes da operação, muito próxima da
“normalidade”. Contudo, a maioria das crianças tem indicação cirúrgica em meados da
primeira inncia. A indicação cirúrgica pode ser especialmente difícil para as mais velhas,
uma vez que, “aparentemente”, nada justifica a operação já que os sintomas são, muitas vezes,
bastante sutis.
N. e sua mãe foram acompanhadas durante toda a internação. Os acompanhamentos
faziam parte da rotina da equipe de cirurgia cardíaca pediátrica com intuito de acolher as
famílias recém chegadas a cidade, para a operação, vindas das mais diversas partes do país. A
rotina de atendimento psicológico envolvia acolhimento, suporte e esclarecimentos a respeito
dos procedimentos cnicos-cirúrgicos ou a viabilização dos mesmos. Dentro deste aspecto,
uma explicação meticulosa sobre as etapas do processo operatório [pré, trans, pós-imediato,
s-tardio] era despendida. Orientações eram feitas, como as posturas da mãe frente à sua
filha em relação a operação, e dúvidas eram sanadas, como questões a respeito da internação
em unidade de terapia intensiva. Sempre que possível, como no caso de N., a criança visitava,
juntamente com a mãe e a psicóloga responsável, a unidade de cuidados intensivos.
82
N. vinha de uma pequena cidade do interior de São Paulo, seus pais trabalhavam na
roça como bóias-frias, saíram da cidade raras vezes, apenas para consulta médica anterior.
Acontecia o mesmo com muitas famílias que vinham, encaminhadas por seus médicos, de
longe, e chegavam a uma cidade desconhecida, muitas vezes com dificuldade, para passar por
um processo não muito habitual. Ressaltava-se sempre no primeiro contato a disponibilidade
em ajudá-las em quaisquer circunstâncias. O apoio empático e a escuta participativa
ofereciam a chance de terem um referência, uma amparo à suas carências e um espaço
apaziguador de suas angústias. Constatávamos que não somente as crianças precisavam do
holding e de um ego auxiliar, mas também o acompanhante que ali se encontrava. Foi assim
que aconteceu com N. e sua mãe.
O primeiro encontro foi no dia de sua chegada ao ambiente hospitalar. As intervenções
foram realizadas com ambas no pré-operatório, pós-operatório imediato e em outros dois
momentos do pós-operatório tardio, um, cerca de dois meses após alta hospitalar e outro,
cerca de dois anos após sua operação.
Na época do primeiro encontro, um estudo anterior estava em andamento com intuito
de verificar o ajustamento psicossocial das crianças operadas do coração. N. e sua mãe
receberam o atendimento de rotina e foram participantes desse estudo que contou,
inicialmente, com três momentos: pré-operatório,s-operatório imediato [cerca três dias
após] e pós-operatório tardio [cerca de dois meses após].
Devido a riqueza do material colhido e ao aprofundamento nesses estudos, achamos
adequado acompanhar a evolução de N. no processo pós-operatório que contou com uma
quarta etapa, subseqüente, cerca de dois anos após.
Nessas quatro etapas foi aplicado o procedimento de desenhos-estórias proposto por
Trinca (1997) que consiste na realização de cinco unidades de produção cada qual composta
de um desenho livre e uma estória, com um tema específico: “cirurgia”. Escolhemos os
desenhos de algumas de suas unidades de produção, das três primeiras etapas, que serão
apresentados a seguir.
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Figura 1. Pré-operatório: primeira unidade de produção.
Figura 2. Pós-operatório Imediato: primeira unidade de produção.
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Figura3. Pós-operatório Imediato: quinta unidade de produção.
Figura 4 – Pós-operatório Tardio: primeira unidade de produção.
85
A última etapa, dois anos após sua operação, diferentemente das etapas anteriores
aconteceu em consulrio particular.
Pareceu-nos oportuno o relato de um fragmento dessa sessão, a partir do momento em
que foi solicitado a ela que fizesse novamente um desenho sobre sua operação. As esse
relato, serão apresentados seus desenhos.
T – Bom... Agora eu queria que você pudesse fazer algum desenho pra mim, pode ser?
P – Ahn!...
T – Então, desenhe o que você quiser sobre sua cirurgia...
(Ela abaixa a cabeça... e fica em silêncio. Aguardo alguns minutos a pausa em
silêncio, ela não faz qualquer movimento, a não ser mexer com as mãos)
T – N., você pode desenhar qualquer coisa, qualquer coisa que vier em sua
cabecinha...
P – É que eu não consigo desenhar meu coração... (fala em tom baixo, com a cabeça
meio baixa)
T – Você pode desenhar qualquer coisa, não precisa ser o seu coração, tudo bem...?!
(Ela faz um movimento que ‘sim’ com a cabeça. Depois desse movimento, não faz
qualquer outro, a não ser mexer as mãos, uma com a outra, quase embaixo da mesa. Vários
minutos se passam.)
T – Parece que ficou difícil de fazer os desenhos...
(Ela nega minha afirmativa com a cabeça)
T – Você pode fazer um desenho qualquer então, apenas um.
(Ela continuava em silêncio)
T – N., eu penso que quando eu disse que os desenhos eram sobre sua cirurgia algo
aconteceu com você... Seria importante que a gente pudesse conversar. É sempre melhor
compartilhar algo que está acontecendo com a gente do que guardar... (pausa). Se você quiser,
podemos tentar fazer um desenho juntas... Você e eu aqui (puxei até mim um papel), eu
posso te ajudar...
(Ela não mudou o movimento. Nada do que eu dizia parecia surtir um efeito diferente
do que havia sido produzido. Mencionar a cirurgia pareceu algo negativo, e não era possível
continuarmos dali para frente. Ela estava tomada por angústia. Aguardei em silêncio mais
alguns minutos. Vinte minutos já haviam passado, desde que tentávamos conversar sobre os
desenhos).
86
T – Vem aqui comigo (chamei para que ela se aproximasse e espontaneamente ela
sentou-se no meu colo). Eu percebi que você entristeceu... Você ficou triste não foi? (ela
balançou a cabeça afirmativamente). Então, eu estou aqui para te ajudar... Se você não
conversar comigo, com quem você vai conversar? Sei que com sua mãe você não conversa,
não é? (ela balança a cabeça que sim novamente). Então, o que aconteceu?
P – Nada...
T – Será?!... Vo disse que ficou triste, então alguma coisa aconteceu... (ela
continuou em silêncio). Eu penso que você entristeceu no momento em que precisou pensar
sobre sua operação. Isso podia acontecer... Não tem problema... Eu sinto que vo passou
mesmo por situões muito difíceis que são bastante ruins de serem lembradas, mas agora
você está bem, várias pessoas a ajudaram quando você operou pra que ficasse bem, com
saúde... Inclusive eu estava lá, nós conversamos bastante, lembra? (ela balançou a cabeça que
sim). Você superou toda aquela dificuldade. Agora vo está aqui... E fazia tempo que não
nos víamos, queo convervamos, agora nós podemos aproveitar... O que você acha?
P – Eu tava pensando que a gente podia fazer os desenhos juntas... De flor...
T – Claro! A gente pode fazer desenho de flor juntas...
(Ela levantou do colo e sentou na cadeira, puxou o papel para si.)
P – Pode ser colorido?
T – Pode ser... (ela faz uma pausa e eu continuo) E como é que vai ser?
P – A gente desenha flor... (olhou pra mim, esperando que eu começasse a desenhar)
T – Eu começarei pelo céu... (ela então começou a confeccionar o desenho. Desenho o
céu e deixo que ela dê continuidade por si. Os demais desenhos ela realiza sozinha.).
Embora esteja dois anos mais velha, o que sugere produções gráficas mais elaboradas,
e tenha utilizado lápis de cor e, algumas vezes, caneta hidrocor [visível no traçado mais forte]
diferentemente das produções anteriores, os desenhos serão apresentados e, ao final, feita uma
análise geral. A figura 5 representa seu primeiro desenho da seqüência. Figuras 6 e 7
representam os desenhos subseqüentes. A figura 8 representa o último desenho de sua
produção.
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Figura 5
Figura 6
88
Figura 7
Figura 8
89
6.1 Análise Geral
É possível verificar, através da figura 1, a tentativa de N. se estruturar com os recursos
que tem. Tenta um estado otimista, relativamente artificial, todos eso sorrindo ao mesmo
tempo em que estão fora do chão, voando, o que sugere angústia de morte. É possível
observar a angústia da operação na primeira pessoa à direita; ela reproduz quase que um corte
cirúrgico, visível no traço mais forte. Ou um aparente erro que não é erro, é algo que
extrapola do corpo. Desenha um coração com um buraco, partido, provavelmente o seu. Mais
ao lado, gavetas. Abrir gavetas é como abrir o peito, possível analogia vista em tela de
Salvador Dali de 1932. Angústia de morte é seu coração partir. Faz contraponto com
borboletas símbolo de transformação, uma tentativa desenfreada de manter esperança.
Na figura 2 e 3, passada a operação, N encontra-se numa situação mais organizada em
relação a seus sentimentos e cuidados. Seus aspectos regressivos podem ser observados
através do fato de seu desenho se assemelhar mais com berçário do que centro cirúrgico.
Através de seus recursos defensivos, cresce mais que todo mundo. Sua condição de vitalidade
e força ganha tamanho. Faz uma tentativa maníaca de lidar com sua atual condição.
Já na figura 4, alguns meses após, sai de um estado de mania e entra em fase
depressiva. As aparências das pessoas são mais mutiladas do que seus desenhos anteriores. A
angústia de morte, muito próxima, a colocou em uma posição de ser velada por um anjo. A
mãe, sem face, sem membros, denota uma condição de impotência real.
No encontro após dois anos de sua operação, pôde ser observado, através do relato da
sessão, o quanto essa vivência tem ainda uma forma de expressão aparentemente muda. A
expressão é ainda mais sensorial do que verbal. A linguagem ainda não pode ser dita, assim
como a experiência não pode ser expressa pela linguagem. No momento em que foi solicitada
a fazer os desenhos e a entrar em contato com esses registros, foi tomada por angústia. Ficou
paralisada. O contato corporal, ou seja, a linguagem não verbal foi o que nos pôde aproximar
de seu registro, numa luta contra um abismo de representação de suas emoções. A partir do
contato corporal e da tentativa de acolhimento, foi possível que ela tivesse acesso a um campo
de representação, de manifestação um pouco mais primitivo, ao invés da palavra.
Seu primeiro desenho, representado pela figura 5, gera flores no meio, uma tentativa
de representar algo, possivelmente o coração. O terceiro desenho de sua seqüência de cinco,
representado pela figura 6, faz uma tentativa de representar o interior do corpo-mente, um
contorno. Expressa processos que podem atrapalhar o desenvolvimento da vida, que
interferem, de coisas que invadem. O quarto desenho da seqüência [figura 7], apresenta a
90
dualidade vida e morte. Morte quando se é muito jovem, sem possibilidade de representação.
Já o quinto desenho [figura 8] representa algo novo, um ponto que caminha para germinação.
Desenha sóis no lugar de flores como matéria viva. Um retrato otimista da vida podendo
prosperar, um princípio de elaboração.
Esse caso foi escolhido com o intuito de apresentar uma vivência, de caráter
traumático, que pode ser integrada na vida da criança. Observou-se, através dele, o quanto as
impressões custam a virar tro, custam a sair da inscrição sensorial e passarem para o
registro simbólico podendo ser integradas e constituírem-se de inscrições psíquicas. Sem
avassalar o ego e sim fortalecê-lo.
Essa criança, na medida do possível, dentro de uma instituição hospitalar, pôde ser
cuidada.de receber um espaço continente-contido, espaço este oferecido pela equipe e
pelos pais.
O presente caso evidencia como a situação da relação psicoterapêutica pode propiciar
um encontro, em que as questões, antes escassas na cadeia de representações, podem ser
conceitualizadas e transformadas.
91
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Chegamos ao final de um percurso. Nesse caminho percorrido, procuramos investigar
a doença grave como uma ameaça potencial ao bom desenvolvimento da criança no que tange
a sua esfera biopsicossocial. Propusemos a tentativa de um enfoque psicodinâmico que
levasse em conta uma articulação com a medicina, em especial com a psiquiatria no que diz
respeito ao transtorno de estresse pós-traumático.
O trabalho foi organizado a partir da vinculação de três aspectos diferentes, fato este
que afigurou-se como relativamente novo: a criança gravemente doente, o transtorno de
estresse pós-traumático e a psicalise, três pontos de investigação que pouco se intercruzam.
Para tanto, partimos primeiramente da construção de um panorama de pesquisas e
estudos que pudesse abarcar essas três vertentes. O roteiro iniciou-se com um histórico sobre
os primeiros aparecimentos do trauma, especificamente do termo “neurose traumática”, e
aproximado ao que a psicanálise estudaria nos anos a seguir, as histéricas. Abordamos os
impactos da Primeira Guerra Mundial no surgimento de novas investigações a respeito do
trauma e o aparecimento dos manuais de classificação. Expusemos em seguida o que referem
esses manuais e a especificidade do transtorno de estresse pós-traumático na infância. A esse
respeito, procuramos inserir a criança dentro de um contexto de ameaças que não só o da
doença grave, mas, sim, de potenciais traumáticos em geral, como os acidentes naturais e a
violência doméstica.
Seguindo o nosso roteiro, procuramos apresentar os fenômenos traumáticos na clínica
psicanalítica especialmente a partir de seu precursor: S. Freud. Posteriormente, apresentamos
o trauma nas teorias de S. Ferenczi e D. W. Winnicott que pudessem enriquecer as reflexões a
respeito dos traumatismos ocorridos na infância. Com esse mesmo propósito, apresentamos
alguns aspectos revelados pela neurobiologia.
Para a articulação de uma classificação nosológica, como o transtorno de estresse pós-
traumático, com a psicodinâmica da teoria do trauma, partimos da revisão de literatura com o
intuito de conhecer a especificidade dessas interfaces.
Surpreendentemente, deparamo-nos com a pequena quantidade de estudos e pesquisas
que envolvem a criança nessas situações potencialmente desorganizadoras, como a doença ou
condição médica grave, sobretudo em âmbito nacional. Na revisão do “TEPT”, em vinte e
nove artigos, apareceram as palavras “cirurgia”, “doença”, “criança” e “transtorno de estresse
s-traumático”. Destes, apenas onze reuniram as condições de inclusão desta revisão, sendo
92
que em um apareceu a palavra “psicanálise” e um era publicação brasileira, o que denota uma
lacuna nas investigações.
Na revisão de literatura da psicanálise, um número de artigos ainda menor foi
encontrado. Ao cruzar as palavras “trauma”, “criança”, “doença” e “cirurgia”, vinte e três
artigos apareceram, mas apenas oito deles foram selecionados por abarcarem todos esses
aspectos.
Vimos, a partir da primeira revisão, que grande parte dos estudos demonstraram a
possibilidade de a criança desenvolver o transtorno de estresse pós-traumático ou um outro
sintoma ainda que não desenvolva um “transtorno”. Já na segunda, observamos questões
relativamente semelhantes à primeira - apesar de um outro enfoque -: o quanto a experiência
pode ser desorganizadora na vida da criança, trazendo complicações ao seu desenvolvimento
psíquico posterior.
Refletindo a respeito das pesquisas encontradas na área, algumas questões sobre a
criança gravemente doente foram surgindo. Estas também suscitaram outras. Alguns pontos
merecem destaque:
- A alta tecnologia que invadiu os hospitais salvou e salva milhares de adultos
em condições de quase morte; também tem salvado crianças. Também lhes tem dado
inúmeras possibilidades de maiores chances de vida e melhoria na qualidade de suas
existências, sanando diversos problemas em relação à sde-doença. Por um outro
enfoque, tem exposto, sobremaneira, as crianças ao contato real com a morte própria e
de outros, com perdas, privações e dor.
- A saúde e doença do corpo têm ainda, em muitos casos, maior relevância do
que a saúde e doença da complexa díade alma-corpo. A concepção psicossotica é
muitas vezes deixada de lado em prol dos benefícios orgânicos. A criança no leito de
uma unidade de terapia intensiva é sanada em suas dores e em suas faltas?
- Traumatismos sicos e psíquicos deixam de ser integrados quando se fala da
criança gravemente doente dentro do campo da medicina. O corpo da medicina é o
corpo biológico, geralmente desprovido de desejos e pulsões; é este que a alta
tecnologia salva. Por outro lado, a ausência de estudos e pesquisas dentro do campo
psicanalítico coloca uma questão premente. Será que o corpo da psicanálise é
estritamente o corpo erógeno? O corpo das pulsões?
- Quantos centros de atendimento terciário em saúde privilegiam o enfoque de
que a criança precisa de um ego-auxiliar? Precisa de que alguém sirva de filtro contra
estímulos para que, posteriormente, não venha a desenvolver os sinais e sintomas que
93
referem a psiquiatria? Ou os prejzos que referem a neurobiologia? Definitivamente,
não são todos. Quantas equipes de saúde estão preparadas para funcionar como escudo
de estímulos externos?
- Incontestável é o papel dos pais. Informá-los sobre a melhor maneira de lidar
com seus filhos gravemente doentes e oferecer-lhes auxílio psicológico deveria ser
questão de saúde pública; de igual forma, às crianças, deve ser oferecido referido
auxílio.
Depois de investigar na literatura específica que a criança gravemente enferma tem
possibilidades de sofrer alterações psíquicas, dentre elas o desenvolvimento do transtorno de
estresse pós-traumático, e que a psicanálise tem contribuições importantes no que diz respeito
ao funcionamento psíquico diante dessas ocorrências, abordemos agora o que foi nosso
terceiro objetivo desse estudo: a compreensão do TEPT, a partir da teoria psicodinâmica.
Esse desafio evidenciou a possibilidade de duas áreas poderem articular-se sem que
fossem necessariamente confrontadas e sem que fossem destituídas de características que lhes
são próprias. Sintetizamos aqui algumas idéias que puderam ser constatadas e outras
constrdas:
- Toda mente é suscetível ao trauma em função da experiência.
- Ausência da angústia-sinal, a entrada no perigo sem preparo, caracteriza “neurose
traumática”.
- A doença ou condição médica grave requer, de maneira geral, internação em
unidade de terapia intensiva e cirurgia de grande porte, o que faz com que a
criança, diante dessas situações, seja despojada de objetos que proporcionam
sentido de identidade.
- Experiências de desprazer podem provocar excesso de energia inundando o ego.
Estímulos irrompem devido ao fator surpresa: a criança, muitas vezes, não
consegue antecipar acontecimentos.
- Traumatismos podem ser classificados em tipo I e II. O primeiro, diante de
situações agudas [traumatismo vincula-se ao fator surpresa] e o segundo, diante de
situações crônicas [traumatismo vinculado à cronicidade]. Na criança gravemente
doente, os dois podem estar presentes.
- A criança em unidade de terapia intensiva é frustrada, privada e ferida em seus
anseios e desejos. Um ambiente não suficientemente bom está de acordo com os
94
conceitos de Winnicott sobre deprivação, o que pode explicar a agressividade e a
raiva desses pequenos pacientes direcionadas ao exterior.
- O ego infantil precisa de “rêverie” materna ou um substituto que funcione de
escudo protetor contra estímulos desprazerosos.
- Ausência de intermediário no ambiente pode suscitar na criança, que só pode
contar consigo mesma, formação de sintomas sicos por incapacidade de
pensamento-representação e mecanismos de cisão como a autotomia e clivagem
com intuito de anular experiência de desprazer. Lapsos de lembranças ou
relutância em discutir os eventos podem ser explicados por esses mecanismos de
defesa do ego, assim como sintomas dissociativos, hostilidade, prejuízo na
modulação dos afetos.
- Transtorno de estresse pós-traumático pode ser caracterizado pelas facilitações da
memória, falha nas defesas e compulsão à repetição. Através desse complexo
funcionamento, é possível observar um propósito nas repetições da vivência do
evento estressor.
- Esquiva de estímulos e entorpecimento da responsividade geral também podem ser
explicados pelas facilitações da memória. Por menor que seja o estímulo percebido
pelo aparelho perceptivo [ω], representa por somação quantidades elevadas de
excitação interna [ψ]. O conseqüente potencial de aniquilamento sentido pelo ego
provoca uma retirada da libido dos objetos externos que é investida
narcisicamente. Um ciclo vicioso é alimentado por excesso de energia e
incapacidade de ligação.
- Excitabilidade aumentada pode ser vista em crianças em unidade de terapia
intensiva. Uma parte da personalidade clivada comporta-se como instância
guardiã, devido à incapacidade do ambiente ser suficientemente protetor.
- Resposta aos traumatismos não se deve exclusivamente por falhas do ambiente.
São somadas à constituição herdada e à disposição adquirida formando um “tripé”
na constituição do trauma.
- O trauma acontece quando há impossibilidade de representar a experiência vivida.
O excesso de energia não-ligada, livre, no aparelho psíquico, é o que o caracteriza.
A vivência é impossível de ser inscrita num sistema de representações. O conflito
se apresenta ao invés de representar.
- O conceito de a posteriori tem relencia no desenvolvimento do trauma em que
uma vivência é reinvestida devido a situações anteriores de desamparo.
95
- O trauma pode provocar um estado de peso alostático. O organismo ao ter que se
adaptar a uma condição adversa sofre modificações em sua estrutura. O cérebro
infantil pode ser prejudicado em seu desenvolvimento.
- É possível que uma criança sofra um traumatismo, mas não desenvolva uma
neurose traumática. Assim como é possível também que sofra um traumatismo e
não desenvolva um transtorno de estresse pós-traumático.
- Alguns fatores podem atuar como protetores para o crescimentos-situação
traumática [resiliência] como a qualidade das relações interpessoais, cuidados
estáveis e suporte social. Nesse sentido, a família ocupa lugar de destaque.
- A equipe de saúde tem papel decisivo no que diz respeito aos re-traumatismos.
Assim como a psicoterapia psicanalítica oferece possibilidades de acompanhar a
criança no confronto com o irrepresentável.
Diante dessas considerações, propusemos, na última parte desse trabalho, a ilustração
do caso de uma menina de oito anos de idade operada de uma cardiopatia congênita. Caso este
que evidenciou a importância da relação psicoterapêutica, dentre outras importantes relações
que ela pôde estabelecer em sua vivência de hospitalização e cirurgia, como possibilidade de
disponibilizar um espaço possível de continente-contido. O caso ofereceu-nos oportunidade
de reflexão diante de uma vivência que, aos poucos, vai sendo transformada e integrada numa
cadeia de acontecimentos possíveis de serem conceitualizados e representados.
Concluímos acreditando que este trabalho possa trazer contribuições não somente aos
psicoterapeutas, psilogos e psiquiatras, mas também aos pediatras e demais profissionais de
saúde que se interessem por esses femenos.
Por fim, pensamos que este estudo dá um passo inicial frente à riqueza de material a
ser investigado e de pesquisas a serem desenvolvidas na área. A possibilidade que se
vislumbra é de que cada vez mais profissionais envolvidos no cuidado de crianças gravemente
enfermas possam atuar como “fatores de proteção”, através do holding, da escuta
participativa, do “escudo protetor”, contribuindo para o bom desenvolvimento não só dos
aspectos físicos, mas também psicossociais.
96
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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