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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ - UEM
CENTRO DE CIÊNCAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS (MESTRADO)
SONIA MARIA RODRIGUES LOPES
A FORMAÇÃO DO LEITOR: MEDIADORES DE LEITURA
DOS FILHOS DE CORTADORES DE CANA DA REGIÃO DE
UMUARAMA - PR
MARINGÁ – PR
2006
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1
SONIA MARIA RODRIGUES LOPES
A FORMAÇÃO DO LEITOR: MEDIADORES DE LEITURA
DOS FILHOS DE CORTADORES DE CANA DA REGIÃO DE
UMUARAMA - PR
Dissertação apresentada á Universidade
Estadual de Maringá, como requisito parcial
para a obtenção do grau de Mestre em Letras,
área de concentração: Estudos Literários.
Orientadora: Profª. Drª. Rosa Maria Graciotto
Silva
MARINGÁ – PR
2006
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3
Dedicatória
A meus filhos Leonardo,
Maria Carolina e Ana
Daniela aos quais muito
pensei ensinar, com os quais
só aprendi.
4
Agradecimentos
A Deus pela oportunidade de concluir mais esta jornada.
À professora Drª. Rosa Maria Graciotto Silva, orientadora e ouvinte
cúmplice dos duros fios que tivemos que tecer, e por acreditar que
seríamos capazes de concluir essa costura.
A todos os sujeitos da pesquisa sem os quais esse trabalho não poderia
ser efetuado.
Aos amigos, pelas palavras de incentivo e colaboração: Maria Eugênia,
Magda, Isaías e José Lima.
Ao Edno, companheiro de vida e colaborador de pesquisa que por vezes
fez papel de agulha, abrindo os caminhos, por outras, papel de linha.
5
Pedro Bandeira
Vai já pra dentro menino!
Vai já pra dentro, menino!
Vai já pra dentro estudar!
É sempre essa lengalenga
quando o que eu quero é brincar...
Eu sei que aprendo nos livros,
Eu sei que aprendo nos estudos,
Mas o mundo é variado
e eu preciso saber de tudo!
Há tanto para conhecer,
Há tanto para explorar!
Basta os olhos abrir,
E com o ouvido escutar.
Aprende-se o tempo todo,
dentro, fora, pelo avesso,
começando pelo fim,
terminando no começo!
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Quero ver com os meus olhos,
quero a vida até o fundo,
quero ter barro nos pés,
eu quero aprender o mundo!
6
RESUMO
É quase um modismo falar de leitura, ou da falta dela, como se a mesma fosse a redentora de
toda situação em que se encontra a educação. Campanhas de incentivo à leitura são
implementadas no sentido de minorar o quadro pessimista apontado em pesquisas avaliativas
da leitura em nível nacional e internacional. Os mais modernos afirmam que vivemos em
tempos em que se lê mais, só que pelo computador. Observamos, entretanto, que a leitura, ou
a sua falta, passa por outras questões. Uma delas é a existência de populações que ainda não
chegaram à Era do livro, quando muitos falam em Era digital. Considerando a leitura como
uma prática, sujeita a variantes (social, familiar, escolar e pessoal), embasados nos
pressupostos teóricos da Sociologia da leitura, nosso objetivo é pesquisar os mediadores de
leitura para essa clientela observando as concepções de leitura, literatura e leitor dos filhos de
trabalhadores em canaviais da região de Umuarama-Paraná, assim como as postuladas por
coordenadores e professores da escola na qual a clientela estuda. Dessa forma, ancorados na
pesquisa etnográfica, observamos como esse grupo efetua suas práticas de leitura. Limitamos
a seleção das crianças a três requisitos: serem filhos de cortadores de cana, estudar no ensino
fundamental de primeira a quarta série e freqüentar a mesma escola. Foram aplicados
questionários e entrevistas aos pais professores e equipe pedagógica e por fim às crianças. A
pesquisa delimitou-se a uma cidade onde os pais residem e da qual se deslocam para o
trabalho no corte pela região a até 60 km de distância. Constatamos que as crianças
pesquisadas freqüentam a escola no período matutino e no vespertino são atendidas pelos
projetos Segundo Tempo e PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil). A
concepção de leitura para os pais, crianças e professores é que ela é importante porque traz
informação e conhecimento. Prevalece no grupo o gosto por ouvir histórias, isso porque essas
crianças vêm de famílias que foram formadas priorizando a oralidade. Apesar de dizerem que
gostam de histórias, poucas lêem, mas todas sabem os contos tradicionais, pois ouvem da
família histórias populares e folclóricas. A escola, na voz das professoras, tem pouco espaço
para a prática de ler para/ou com as crianças. Para as professoras, as crianças “devem ler” e
justificam suas afirmações com chavões de propagandas do governo de incentivo à leitura. A
leitura, tomada como prática revela sua precariedade no contexto social, familiar e escolar.
Como no grupo social e familiar não há leitura do texto literário, a responsabilidade de formar
o leitor é transferida à escola que, na voz da equipe pedagógica, é responsabilidade dos
professores. Logo, é a esse profissional que cabe a tarefa de trabalhar essa clientela, formada
na oralidade, com o gosto pela literatura popular, conhecedora dos contos tradicionais, em
leitores do texto literário. Compreender a importância da literatura oral, para esse grupo,
torna-se, portanto meta primordial aos mediadores de leitura em contexto escolar.
Palavras-chave: Sociologia da leitura. Formação do leitor. Literatura infantil. Filhos de
cortadores de cana. Mediadores de Leitura.
7
ABSTRACT
It is almost an idiom to talk about reading, or its lack, as if it were the redeemer of every
situation which concerns education. Incentive campaigns for reading have been implemented
with the objective of reducing the pessimistic conclusions pointed at national and
international researches about it. The most modern ones affirm that we live at an age in which
we read more, although we do it by computer. It is observed, however, that reading, or its
lack concerns to other questions one of them is the existence of populations which seem have
not got to the “Book Age”, when many are already talking about “Digital Age”. Considering
reading as practice, subject to variants (social, family, school and personal), based on
theoretical presuppositions of the Reading Sociology, our objective is to research the reading
mediators for this clientele observing the reading conceptions, literature and reader of the
children of the cane fields workers from the regions of Umuarama – PR, as well as the ones
postulated by coordinators and teachers of the school in which these clientele studies. Thus,
based on ethnographic research, we observe how this group develops its reading practice. We
limited a selection of the children to three requirements: being children of cane cutters,
studying in elementary school from first to fourth grades at the same school. Questionnaires
and interviews were applied, firstly to parents, teachers and pedagogical staff and afterwards
to the children. The reasearch was defined to a city where the parents live, of which they
commute to work up to nearby regions until 60 kilometers farther. We verified that the
researched children go to school in the morning and, in the afternoon they are assisted by the
projects II Time (Second time) and PETI (Program of Eradication of the Infantile Work).
Parents, children and teachers have the reading conception as something really important
because it brings information and knowledge. The interests for hearing stories pre nearby
vails in the group because these children come from families brought up prioritizing the
spoken language. Although they say they like stories, few of them read, but all of them know
traditional tales because they hear, from their families, popular and folkloric stories and tales.
The school, at the speech of the teachers, has few places for the reading practice. For the
teachers, the children “must read” and justify their speech with jargons of advertisements of
the government which motivate reading. Reading, taken as practice, reveals its precarious
situation in the social, family and school contexts. As they do not have reading of literary
texts at the social and family group, the responsibility of the reading formation is given to
school, which at the pedagogical staff speech, is responsibility of the teachers. Therefore, it is
obligation of these professionals to make this clientele, who is formed only at spoken
language but appreciates popular reading and knows traditional tales; readers of literary texts.
To understand the importance of the spoken literature, for that group, is a very important aim
to the mediators of reading at the school context.
Key - words: Reading Sociology. Formation of the reader. Children Literature. Children of
cane cutters. Reading mediators.
8
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 Deslocamento para o trabalho..................................................................................65
Gráfico 2 Resposta dos pais à pergunta: O que é literatura?....................................................73
Gráfico 3 Corpus da pesquisa por sexo e idade........................................................................97
Gráfico 4 Programas mais assistidos na televisão por filhos de cortadores de cana, estudantes
de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental ................................................................98
Gráfico 5 Histórias citadas como as mais ouvidas por filhos de cortadores de cana, estudantes
de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental ..............................................................100
Gráfico 6 Mediadores de leitura que presentearam com livros a filhos de cortadores de cana,
estudantes de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental.............................................102
Gráfico 7 Leituras realizadas por filhos de cortadores de cana, estudantes de 1ª a 4ª séries do
Ensino Fundamental.............................................................................................103
Gráfico 8 Leituras efetuadas fora da escola por filhos de cortadores de cana, estudantes de 1ª a
4ª séries do Ensino Fundamental..........................................................................105
Gráfico 9 Atividades desenvolvidas fora da escola por filhos de cortadores de cana, estudantes
de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental ..............................................................106
Figura 10 Gosto pela poesia por filhos de cortadores de cana, estudantes de 1ª a 4ª séries do
Ensino Fundamental.............................................................................................107
9
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Crianças, filhos de cortadores de cana, estudantes de 1ª a 4ª séries do Ensino
Fundamental separados por idade e sexo..................................................................97
Tabela 2 Mediadores de leitura oral para filhos de cortadores de cana, estudantes de 1ª a 4ª
séries do Ensino Fundamental...................................................................................99
Tabela 3 Mediadores de leitura: quem escolhe a leitura ........................................................109
10
LISTA DE SIGLAS
Sigla 1 PUC – Pontifícia Universidade Católica......................................................................14
Sigla 2 RS – Rio Grande do Sul...............................................................................................14
Sigla 3 PR – Paraná..................................................................................................................16
Sigla 4 SP – São Paulo .............................................................................................................16
Sigla 5 UEM – Universidade Estadual de Maringá..................................................................16
Sigla 6 COMUT – Programa de Comutação Bibliográfica......................................................17
Sigla 7 SDI – Setor de Disseminação da Informação...............................................................17
Sigla 8 PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais ..................................................................18
Sigla 9 AD – Análise do Discurso............................................................................................25
Sigla 10 STN – Sociedade Tipográfica de Neuchâtel ..............................................................48
Sigla 11 II Tempo – Projeto Segundo Tempo..........................................................................64
Sigla 12 LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação...........................................................64
Sigla 13 PETI – Projeto de Erradicação do Trabalho Infantil..................................................64
Sigla 14 BNH – Sistema Brasileiro de Habitação....................................................................68
Sigla 15 APEART – Associação Projeto Educação do Assalariado Rural Temporário ..........73
Sigla 16 PEART - Associação Projeto Educação do Assalariado Rural Temporário..............73
Sigla 17 AFL – Associação Francesa de Leitura......................................................................88
Sigla 18 LEO – Laboratório de Estudos da Oralidade .............................................................96
11
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Idade dos pais trabalhadores nos canaviais, especificado por sexo/idade................67
Quadro 2 Aspectos socioeconômicos das famílias pesquisadas...............................................68
Quadro 3 Aspectos socioeconômicos das famílias pesquisadas...............................................68
Quadro 4 Grau de instrução dos pais das crianças pesquisadas...............................................68
Quadro 5 Aspectos sociais........................................................................................................70
Quadro 6 Materiais impressos que as famílias lêem................................................................70
Quadro 7 Leitura como lazer, distração....................................................................................71
Quadro 8 Número de filhos de cortadores de cana por professor pesquisado..........................85
Quadro 9 História citada como a que mais gostou.................................................................101
Quadro 10 Tipo de leitura realizada na escola .......................................................................103
Quadro 11 Leituras que as crianças mais gostam segundo professoras e alunos...................113
Quadro 12 Gosto pela leitura segundo professores e alunos..................................................114
Quadro 13 Histórias mais ouvidas..........................................................................................115
12
LISTA DE ANEXOS
Anexo A Questionário de Pesquisa Aplicado à família .........................................................133
Anexo B Questionário de Pesquisa Equipe Pedagógica Supervisão – Orientação................140
Anexo C Questionário de Pesquisa Aplicado aos professores...............................................142
Anexo D Questionário de Pesquisa aplicado às crianças.......................................................145
13
SUMÁRIO
CAPÍTULO I. INTRODUÇÃO: OBSERVANDO OS POSSÍVEIS DESENHOS...........14
CAPÍTULO II. REVISÃO DA LITERATURA: TRAÇANDO O RISCO DO
BORDADO..............................................................................................................................20
2.1 ESPECIFICIDADES DA LITERATURA: NOS LIMITES DOS BASTIDORES ...........21
2.1.1 Abordagens de leitura: leio o desenho, leio as cores, leio as letras ...........................22
2.1.2 Abordagem sociológica: vários fios que se entrelaçam..............................................26
2.1.3 Literatura: a arte de tecer textos: a ponta do novelo.................................................29
2.1.3.1 Literatura infantil: de posse do fio, a aranha Penélope..........................................33
2.2 LEITURA NO CONTEXTO ESCOLAR: O PRIMEIRO NÓ...........................................38
2.3 MEDIADORES DE LEITURA: MAIS UM PONTO........................................................42
2.4 SOCIOLOGIA DA LEITURA: O OUTRO PONTO.........................................................45
2.5 VARIANTES DE LEITURA: PARA NÃO PERDER O FIO DA MEADA ....................50
2.6 PRÁTICAS CULTURAIS, LEITOR CONSTITUÍDO SOCIAL E
INDIVIDUALMENTE: JUNTANDO OS RETALHOS FORMA-SE O DESENHO ............54
CAPÍTULO III. METODOLOGIA DA PESQUISA: O DESENHO DELINEADO, A
TRAMA SE TECE E A DIVERSIDADE DE CORES SURGE.........................................60
3.1CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA: NOVELOS, LINHAS, MULTIPLICIDADE
DE CORES...............................................................................................................................64
CAPÍTULO IV. ANÁLISE DOS QUESTIONÁRIOS: A FAMÍLIA, O FIO DE
ARIADNE ...............................................................................................................................67
4.1 INTRODUÇÃO À ANÁLISE DA LEITURA ESCOLAR: A AGULHA E A LINHA....78
4.1.1 Análise do corpo docente e pedagógico: “tecer e fiar, o que se produz logo
desaparece e se transforma em outra coisa..........................................................................79
4.1.2 Análise das respostas das crianças: emendam-se os retalhos, o trabalho em
Patchwork forma o desenho..................................................................................................97
CAPÍTULO V. CONCLUSÃO: ÚLTIMOS PONTOS, TECIDO EM ZIGUEZAGUE
FORMA O DESENHO FINAL...........................................................................................119
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................................125
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR..............................................................................131
ANEXOS ...............................................................................................................................132
14
CAPÍTULO I. INTRODUÇÃO: OBSERVANDO OS POSSÍVEIS DESENHOS
Este, modestamente, apenas junta-se as
vários textos concebidos para serem
efêmeros, instantâneos mentais de
sucessivos momentos de meu permanente
processo de examinar meu tempo e meu
país [...] impregnados de amor ao Brasil e
aos livros, devo tanto a eles ... queria que
mais gente pudesse compartir do tanto que
me deram
1
.
A questão da leitura tem recebido nos últimos anos uma atenção especial tanto por
parte dos órgãos públicos com propagandas de incentivo à leitura, quanto por parte da escola
que acredita que, através dela, os problemas da educação serão solucionados. Há décadas
pesquisadores, de diferentes linhas teóricas, dedicam-se às pesquisas sobre a formação do
leitor na tentativa de auxiliar na construção de um referencial teórico que explique de que
modo as pessoas se aproximam do material escrito.
Nessa perspectiva, destacam-se os trabalhos de Foucambert (1994), que, à luz da
psicolingüística, explicita as relações entre o material escrito e o leitor, principalmente nas
abordagens de leitura propostas pela escola.
As pesquisas desenvolvidas por antropólogos, historiadores e sociólogos como
Escarpit, Hauser, Candido preocupam-se com os estudos sobre os fatores que, embora
externos à obra de arte, interferem no consumo e circulação das mesmas.
Nas práticas culturais enfocadas nos trabalhos de Culler, Chartier, Darnton,
Manguel, Bourdieu, Fraisse, Petit temos uma visão de como outras pessoas leram, leitores
comuns assim como nós. Os dois últimos, Petit e Fraisse dedicam-se ao estudo dos
mediadores de leitura em bairros desfavorecidos, trabalho semelhante ao desenvolvido por
Vera Teixeira Aguiar, no Brasil, que além de analisar as questões sobre leitura sugere
alternativas metodológicas a partir de pesquisas realizadas.
Em A Formação do Leitor: alternativas metodológicas, Bordini e Aguiar (1988),
expõem resultados de pesquisas realizadas pela PUC-RS em 1986 quando, a partir da
constatação do desinteresse pela literatura entre os alunos, à medida que avança o grau de
escolaridade, propõem alternativas para a prática docente. Os métodos e técnicas criados se
aproximam das necessidades detectadas no cotidiano escolar. Autores como Regina
1
MACHADO, A. M. Contracorrente: conversas sobre leitura e política. São Paulo: Ática, 1999. p. 8.
15
Zilbermam, Marisa Lajolo, Ana Maria Machado, Eliana Yunes, Ezequiel Theodoro da Silva e
muitos outros de renome se debruçam sobre as questões da literatura e do estudo profundo da
formação de leitores.
Muitas dessas pesquisas demonstram que, embora o número de obras e autores
tenha aumentado, os jovens lêem menos. Uns acusam a revolução tecnológica que abarca
através do computador uma grande parte dos jovens leitores, outros afirmam que a mídia é
uma forma mais atraente e, conseqüentemente, afasta os leitores do ato da leitura.
Segundo Pennac (1998), o que afasta a criança do livro não é a televisão, video
games, shopping center. Para o autor, a narração feita pelos pais na infância transforma-se em
leitura obrigatória quando os filhos iniciam os estudos escolares. A partir do momento em que
a leitura é dever, há uma tendência de afastamento do material escrito. Enfatiza assim, a
necessidade de ler sem o compromisso de dizer o que entendeu. Defende a idéia de que o
leitor tem o direito de ler em qualquer lugar; pular páginas; não terminar o livro; ler qualquer
coisa; uma frase aqui outra ali; ler em voz alta; direito de calar. Mas, o que acontece com as
crianças que não recebem, e outras que não receberam, no passado, a narração feita pela
família?
A respeito disso, Machado (1999) afirma que, com a mudança ocorrida na
sociedade, tão grande quanto a criação da imprensa, que transformou o ato de ler, os jovens
lêem mais pelo computador. Paradoxalmente, a sociedade tecnologicamente informatizada
possui uma parcela da população que não tem acesso nem aos bens propostos por essa nova
tecnologia e nem ao livro na sua forma material impressa. Há crianças, que devido à ausência
histórica de escrita na família, têm o livro como objeto estranho em seu cotidiano, restando-
lhes apenas o livro didático, material enviado pelo Governo, e que tem como mediador o
professor que o usa em sala de aula como “manual de instrução”. Mas, ainda segundo
Machado (1999, p. 87): “[...] o livro permanecerá sempre descoberto por leitores novos, que
avidamente mergulham nele e o disseminam entre outras pessoas de sua tribo de resistentes
culturais”.
Diante disso, não mais com as idéias “revolucionárias” do início da carreira como
professora, mas com a maturidade que às vezes serve para alguma coisa, passamos a observar
mais o mundo que nos rodeia, falar menos, ouvir e ler mais.
Alicerçada em uma escola estruturalista, anos 60 do século XX, como professora,
acabamos aplicando esse aprendizado em nossas práticas, que se inicia lá nas séries iniciais e
vai amadurecendo como profissional da educação e como pessoa, incorporando as teorias
apreendidas às novas práticas pedagógicas.
16
Mas nem tudo foi tão fácil, o fazer necessitava de buscas e isso sempre gerou
profunda angústia. Foi assim durante os mais de trinta anos de magistério: insatisfação com a
formação do leitor efetuada na escola, busca de soluções, mais expectativas e por fim a
aposentadoria. No entanto, não podíamos parar, havia muito a fazer. Vamos ao mestrado, pois
assim é a vida: um eterno recomeçar.
A observação nos faz perceber verdes canaviais ocupando os espaços aos redores
da cidade. Aposentadoria serve também para isso: observar mais, questionar o mundo fora dos
muros escolares, deixar de olhar para o próprio umbigo. Assim, sempre com a preocupação
com a formação do leitor, vimos uma clientela que poderia ser pesquisada, primeiro fora da
escola, depois acompanhá-la até onde houvesse o mediador de leitura do texto literário.
A disciplina Sociologia da Leitura, do Programa de Mestrado em Letras, da
Universidade Estadual de Maringá, ministrada pelas professoras Dras. Vera Teixeira Aguiar e
Alice Áurea P. Martha nos abriram horizontes: Como lêem determinados grupos? O que
lêem? Quais as concepções de leitura, literatura e leitor têm essa clientela?
A partir desses questionamentos delimitamos o campo de pesquisa aos filhos de
Cortadores de Cana da região de Umuarama - PR, crianças de 1ª a 4ª séries, bem como as
instâncias de mediação, diretamente a eles relacionadas, a saber: a família e a escola.
O estudo é de relevância, pois não constatamos nenhum trabalho anterior com a
população de filhos de cortadores de cana, enfocando a leitura do texto literário. Há várias
publicações de artigos abordando a saúde, alimentação, condições de trabalho, enfim, o
cotidiano dos trabalhadores rurais de uma forma geral, mas nenhum abordando a leitura,
especificamente o texto literário.
Com relação à temática destacam-se alguns estudos. Entre eles a dissertação de
mestrado de Elza Sabino da Silva Bueno, O Emprego das variantes ‘Nós’ ou ‘A gente’ do
bóia-fria na microregião de Assis, Assis/SP, 01/12/1996, defendida na Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho/Assis, tendo como orientador o prof. Dr. Pedro Caruso e que
foi transformada em livro e publicada com o mesmo título em 2003 pela editora Arte e
Ciência. Na tese de doutorado: A Regra de concordância de número no sintagma nominal do
português popular falado por algumas comunidades de trabalhadores rurais: cortadores de
cana no estado de São Paulo, Assis/SP, 01/04/2001 defendida também na Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/Assis, tendo como orientador o Prof. Dr. Pedro
17
Caruso, a mesma professora faz uma abordagem sociolingüística da questão da linguagem dos
“Bóias-frias”
2
.
É fato que a maioria da população brasileira não tem acesso ao livro e que há um
número significativo de pessoas que têm a leitura apenas como decodificação e quase nenhum
contato com o texto literário a não ser através da escola que propicia o acesso a esse tipo de
textos de forma fragmentada e fora do suporte original da obra.
Retomando as questões iniciais que motivaram esta pesquisa, é pertinente
acrescentar que, segundo Walty (2001, p. 54), “numa sociedade empobrecida, muitas vezes a
escola é o único lugar em que a criança tem acesso ao livro e ao texto literário”. Em
decorrência disso, surgem-nos outras questões: a população adulta (família), que não teve
acesso à escola, pode incentivar a leitura? Os pais têm tempo de ler para as crianças?
Afinal isso não é tarefa só da escola, é um processo no qual as responsabilidades
devem ser repartidas entre a família, escola e a sociedade, enfim entre agências públicas e
privadas. Aguiar (1996, p. 25) afirma que “quanto maior for o contato do sujeito com todas as
instâncias de mediação, tanto maiores serão suas chances de se tornar leitor”.
A autora confirma assim, as idéias de Foucambert (1994) que, por sua vez,
salienta que a leitura é um aprendizado, exigindo do leitor um contato constante com diversos
tipos de textos sociais. Este diagnostica o fim da Era da Alfabetização e o nascimento da Era
da Leiturização, que só ocorrerá se a escola estabelecer condições reais de uso elaborado da
escrita em sua prática cotidiana e em sua reflexão.
Em toda experiência acumulada, ao longo dos anos de prática, como afirmamos
anteriormente, vimos que os programas de popularização da educação têm formado todos os
anos jovens que, de uma forma ou de outra, continuam o curso superior tendo em vista o
número crescente de faculdades particulares que viabilizam essa continuidade. São estes os
professores que atuam na maioria das escolas de cidades de pequeno porte na qual a clientela
pesquisada estuda, portanto são mediadores de leitura para a clientela escolar. Para essa
discussão reservamos um espaço no capítulo IV: O Fio de Ariadne em que analisamos o
ambiente escolar.
É interessante notar que a defasagem evidenciada no ensino da leitura não se
revela no campo teórico. No que diz respeito à produção teórica sobre leitura houve uma
significativa ampliação. As concepções de leitura passam a considerar o leitor e as mais
variadas tipologias textuais, incluindo não só o texto verbal, mas também os visuais.
2
Dados pesquisados por meio de Banco de dados SDI, COMUT em 04/11/2004. www.assisunesp.br;
www.unesp.br/39k.
18
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) contemplam a leitura de todos os
tipos de texto que circulam no cotidiano das pessoas, e o texto literário é apresentado como
um deles. Nesse sentido em determinados momentos ater–nos-emos aos pressupostos teóricos
da psicolingüística de acordo com Foucambert (1994) que sugere que, numa sociedade
hierarquizada com base em classes sociais, a distribuição desigual das técnicas de acesso aos
bens simbólicos reforça e realimenta as características excludentes dessa sociedade. Poucos
são letrados, enquanto muitos são apenas alfabetizados, e indaga-se ainda: por que
alfabetizados não se tornam letrados? Mas, tanto os alfabetizados, quanto os analfabetos são
fruto do mesmo processo de exclusão, o iletrismo que, por sua vez, resulta da exclusão de
ambos das condições que lhes permitiram participar das redes de circulação de impressos.
Para aqueles que socialmente vivem essas condições de exclusão, o destino é a alfabetização
ou mesmo o analfabetismo, num caso ou noutro, a não leitura.
Com base no exposto, o objetivo da pesquisa é observar os mediadores de leitura
para os filhos de cortadores de cana da região de Umuarama. O estudo visa a investigar as
condições pelas quais determinados grupos se apropriam do texto literário e quais os fatores
intervenientes na valoração dos mesmos. Assim, procura observar se essas crianças têm
acesso ao texto literário fora do contexto escolar. Objetiva-se também, depreender as
concepções de leitura, literatura e leitor da população pesquisada: crianças, pais e professores.
Justifica-se a escolha da clientela por ser excluída dos bens propostos pela moderna
tecnologia e pertencentes a um grupo socioeconômico de cidades do interior, onde as
condições de acesso aos bens culturais modernos são dificultadas.
As respostas aos questionamentos, anteriormente suscitados permitirão a
visualização do contexto no qual está inserida a criança pesquisada, assim como do papel dos
pais e da escola na formação desses leitores. Para tanto, faz-se necessário adotar alguns
procedimentos, desse modo, lançamos mão de um referencial teórico que embasa as
argumentações efetuadas no decorrer da explanação. Os títulos e subtítulos remetem a teias,
tessitura, tecido, desenho de bordados, enfim, como a construção de um trabalho em
patchwork, que nossas mães e avós faziam no silêncio e resignação de suas condições de
mulheres preocupadas com o lar. Hoje, nós mulheres, tecemos não apenas colchas de retalhos,
mas textos e misturamos as várias cores das fazendas, tecidas. Buscamos novas cores, agora
não é só no silêncio e resignação, é muitas vezes trabalho de indignação. Como as mulheres
cortadoras de cana que acumulam as funções de mãe, mulher e trabalhadora braçal.
A pesquisa encontra-se organizada em cinco capítulos que dividem o trabalho em
partes: O capítulo I refere-se a introdução com o título: Observando os Possíveis Desenhos,
19
traz uma visão geral sobre a questão pesquisada, perguntas de pesquisa, os objetivos e a
justificativa do tema escolhido, assim como a organização do trabalho.
O capítulo II, com o título Traçando o risco do bordado, expõe a revisão da
literatura em duas partes: a primeira aborda a leitura e a literatura, analisa de forma ampla
como ocorre a formação do leitor, as especificidades do texto literário e da literatura infantil.
A segunda parte aborda a sociologia da leitura que sustenta os dados das análises efetuadas;
mediadores de leitura, a leitura na escola e os estudos culturais como parte das práticas
culturais efetuadas pelo grupo minoritário pesquisado.
O capítulo III, O desenho delineado: a trama se tece e a diversidade de cores
surge, divide-se também em duas partes: na primeira há a descrição dos procedimentos
metodológicos adotados na efetivação da pesquisa, enfatizando a natureza quali-quantitativa
do estudo etnográfico realizado, os critérios de seleção dos sujeitos de pesquisa e
instrumentos utilizados no registro. Na segunda parte expõe-se o contexto sócio-econômico
da clientela pesquisada.
O capítulo IV, O fio de Ariadne, é específico à análise dos dados e subdivide-se
em três partes: na primeira, analisamos as entrevistas escritas e gravadas com os pais; na
segunda, analisamos as entrevistas com professores e equipe pedagógica; e na terceira
analisamos os questionários com as crianças procurando refazer a teia que entrelaça suas
respostas com as dos pais e professores.
O capítulo V expõe as considerações finais, as questões analisadas, procurando
retomar as perguntas de pesquisa a fim de verificar se os objetivos propostos foram
alcançados. Por fim apresentamos a referência bibliográfica, bibliografia complementar e os
anexos.
20
CAPÍTULO II. REVISÃO DA LITERATURA: TRAÇANDO O RISCO DO
BORDADO
Tecendo a manhã
Um galo sozinho não tece uma manhã: ele
precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele e o
lance; de um outro galo que apanhe o grito
que um galo antes e o lance a outro; e de
outros galos que com muitos galos se
cruzem os fios de sol de seus gritos de
galo, para que a manhã desde uma teia
tênue se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos, se
erguendo tenda, onde entre todos, se
entretendendo para todos no toldo (a
manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo que,
tecido, se eleva por si: luz balão
3
.
O presente capítulo pretende alicerçar as discussões das questões referentes à
formação do leitor, especificamente expõe as teorias e concepções que sustentam a pesquisa.
Historicamente, em uma sociedade de classes, interesses divergentes se inter-
relacionam, e a acumulação do conhecimento tem sido apropriada pelas classes que detêm o
poder. Nessa perspectiva, as sociedades se dividem em segmentos cultos e incultos,
produzindo uma relação de domínio que se estende às outras formas de dominação social.
Já na Revolução Francesa se observava que as classes trabalhadoras não
participavam do projeto de promoção cultural. Hoje, isso ainda é observado, embora a teoria
seja a da democratização desses bens, pois, apenas a alfabetização como instrumento de
apropriação da cultura dominante não dá conta da questão da leitura: “Uma das necessidades
fundamentais do homem é dar sentido ao mundo e a si mesmo e o livro, seja informativo ou
ficcional, permanece como veículo primordial para esse diálogo” é o que afirmam Aguiar e
Bordini (1988, p. 13).
Os bens culturais, como o livro, devem ser consumidos e para que isso aconteça é
preciso que haja uma crença no valor do produto. É preciso, também, que se crie uma cultura
que o valorize. Então, vemos a necessidade da democratização desse bem, de abrir as portas
3
MELO NETO, João Cabral de. Poesias completas. 3. ed. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1979. p. 19-20.
21
das bibliotecas para todos. Como afirma Chartier (2001, p. 21), “ler aprende-se na
convivência plural das práticas culturais, na escrita da linguagem”.
Assistimos a uma retomada da leitura. Porém, a grande maioria da população
continua afastada do livro, seja por questões econômicas, pelo difícil acesso ao material, ou
pela falta de mediadores para as populações mais carentes de bens culturais. Comungam dessa
idéia Yunes e Pondé: “Transitamos de uma sociedade pré para pós-letrada sem um momento
intermediário para a ampliação do ato de ler. Saltamos da tradição oral para a cultura
tecnovisual, ideologicamente comprometida com uma classe social” (YUNES; PONDÉ,
1988, p. 36).
Zilberman (1991, p. 9) afirma o paradoxo que “com a facilidade dos meios de
comunicação de massa o campo da leitura apresenta-se ultrapassado sem ter sido explorado”.
Isso porque a falta de hábito de leitura não é questão somente econômica, mas também
cultural. Ao propormos uma reflexão sobre leitura delimitamos o objeto da pesquisa à
literatura infantil como uma prática cultural inserida na diversidade social vivida pela criança.
Embora pertencentes a um grupo social no qual o consumismo e a influência da mídia
também estejam presentes, a questão econômica faz com que as mesmas não tenham acesso
nem ao livro, nem a outros recursos como jogos eletrônicos ou internet.
Machado (2001) afirma que a informática é uma fantástica maneira de
disseminação de informação e de democratização do acesso a dados. Um ótimo meio de
adquirir ou aumentar conhecimento. Mas não é uma forma de adquirir sabedoria. Para
transmissão de sabedoria se exige outro processo, complexo, elaborado a partir do contato
com experiências alheias, mecanismos próprios da linguagem narrativa, da linguagem poética,
com o contato com a literatura, com textos capazes de emocionar esteticamente, de discutir
valores e levar opções morais. Dessa forma Machado (2001, p. 136) conclui que: “Leitura não
é dever de ninguém. É um direito de todo cidadão e por ele temos de lutar, isso sim é um
dever”.
2.1 ESPECIFICIDADES DA LITERATURA: NOS LIMITES DOS BASTIDORES
A leitura da literatura como uma prática social é um termo amplo demais para ser
apreendido por uma simples definição. Para se fazer uma abordagem adequada da mesma
22
seriam necessárias três disciplinas: a Teoria Literária
4
, a História da Literatura e a Crítica
Literária. No entanto, há um traço comum que ligam as três formas: o caráter de seletividade
do elemento literário.
Há especificidades na literatura, e uma delas é a ambigüidade fundamental de seu
modo de expressão, produto de uma escritura que é ao mesmo tempo coisa e significação e
que se realiza nas relações que se estabelecem entre estes “dois destinos”.
A outra especificidade se refere a uma supersignificação que vai além da
linguagem, considerando que a expressão literária não se limita aos signos explícitos que
constituem a escritura, envolvendo aspectos que vão do grafismo da letra à encadernação do
livro e que também envolve o escritor que, enquanto inventor de significações, vê-se entre as
pressões da situação histórica e sua liberdade.
Há ainda uma terceira especificidade da literatura, a idéia de que ela se compõe de
obras que organizam o imaginário, segundo estruturas homonológicas às estruturas sociais da
situação histórica. Assim suscitaria a questão: por que se escreve e para quem se escreve?
Observando a literatura como comunicação, os três critérios até então
apresentados referem-se à literatura apenas como algo que ocorre e, às vezes, não como é
percebido. Dessa forma, o elemento que falta para completar essa equação é a leitura e, para
corroborar esta afirmação, reportamo-nos a Sartre (1999) ao defender que para que a literatura
surja é necessário um ato concreto que se denomina “leitura”. E é sobre as diversas
abordagens desta que discorremos a seguir.
2.1.1 Abordagens de leitura: leio o desenho, leio as cores, leio as letras...
Embora o trabalho priorize a leitura literária, consideramos também que para
atingir o objetivo desta pesquisa faz-se necessário uma ampla abordagem da leitura,
envolvendo inclusive, conceitos oriundos das teorias lingüísticas, visto que estas permeiam o
contexto pesquisado. A seguir explicitamos e comparamos estas abordagens. O homem lê
desde sempre, e lê não somente o que existe por meio da escrita, mas lê todos os significantes
que estão disponíveis, dando-lhes sentido, conforme afirma Freire (1987). Desde o início de
sua relação com o mundo, já estabelecia relações com a natureza e com outros homens, sem o
qual seria impossível sua sobrevivência.
4
A teoria literária segundo Compagnon (2001, p. 24) é mais opositiva que a teoria da literatura, pois se apresenta
mais como uma crítica da ideologia, é ela que afirma que temos sempre uma teoria, se pensamos não tê-la, é
porque dependemos da teoria dominante.
23
Na era primitiva, os homens liam o mundo que os cercava através de gestos,
sinais, sons, elementos da natureza, independentemente da invenção de um código
convencionalizado como a escrita. Esse processo de leitura estabelecia um princípio de
compreensão dos objetos e dos outros através da apropriação da imagem caracterizada pelas
inscrições nas cavernas.
A partir da invenção da escrita, funcionando como mais um instrumento da
comunicação e tomando espaço no processo de significação das coisas, a leitura passa por
novas perspectivas em relação à força que as palavras encerram. Inicialmente, o ato de ler era
um meio de desvendar o mistério da palavra envolta em magia, enigmas, proporcionando
poder àqueles que dele tiravam proveito.
Embora muitos campos tenham abordado a leitura como a ciência da cognição,
ciências sociais, a lingüística, os estudos literários, ela não é uma disciplina, é uma prática, e
como tal iremos abordá-la. Dessa forma, no processo de efetivação da leitura, são acionados
alguns mecanismos das diversas abordagens aqui explicitadas, levando-se em consideração a
obra, autor e leitor.
Uma das abordagens de leitura é a político-social, representada aqui por Paulo
Freire (1987)
5
e Ezequiel Theodoro da Silva (1993), a qual diagnostica alguns problemas no
Brasil: falta de leitura e de políticas sociais do livro. Outra abordagem é a funcionalista, que
pensa a leitura a partir de uma concepção de linguagem, como representação do pensamento,
tem Penteado (1986) e Bliksteim (1991) como representantes. Uma terceira abordagem é a
cognitivista que vê a leitura como processo mental, esquemas, desde o pulsar dos olhos até a
ativação da memória, está aqui representada pela autora Kleimam (1998). A abordagem
discursiva, teorizada por Orlandi (1996) aborda o ato de produção de sentidos. Para a autora,
dentre os vários sentidos produzidos a leitura é um deles. E, por fim, a abordagem sociológica
e histórica, a leitura da literatura, e é este o terreno no qual nos situamos no presente trabalho.
Para falar desta e de seus representantes, reservamos um tópico especial no final desta seção.
Na abordagem sócio-política da leitura, Freire (1987) propõe a educação
ideológica, partindo da compreensão do contexto e conhecimento da realidade, fatos que
permitem a construção de sentido, para chegar à leitura da palavra. A leitura, nessa
perspectiva, é decodificação e se completa na leitura de mundo, é a visão interacionista para
produção de sentido.
5
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 1ª ed. São Paulo: Cortez, 1982.
24
Ezequiel Theodoro da Silva (1993) compartilha dessa política da leitura,
enfatizando sua função social, mas sua preocupação maior é discutir as condições de leitura
dos professores, a expropriação a que a classe foi submetida durante anos. Não se pode
desconsiderar, entretanto, que se ao professor foi dificultada a leitura da palavra, não lhe foi
impedida, empregando a terminologia de Freire, a “leitura de mundo” que permitiu a
organização visando às estruturas educacionais.
Com isso, Silva (1993) faz uma análise da ideologia da miséria: professor e alunos
precisam ler, mas precisam ter condições concretas para isso. Assim critica o “paternalismo”
das campanhas de leitura, programas de distribuição gratuita de livros sem o conhecimento da
realidade regional, só para minimizar a dívida social do governo. Silva, (1993, p.11) enfatiza
que “Não se forma um leitor com uma ou duas cirandas e nem com uma ou duas sacolas de
livros, se as condições sociais e escolares, subjacentes à leitura, não forem consideradas e
transformadas”. Dessa forma ele defende a conquista da leitura como prática social, se esta
não existe em nosso meio, não basta denunciar, é preciso construir a mudança.
Freire (1987) e Silva (1993) fazem, dessa forma, uma abordagem político-social
numa linha diagnóstica. Há um descentramento da leitura como mera codificação, discutem o
fato dela constituir-se um instrumento capaz de dotar o leitor de uma condição sócio-política
cognitiva e cultural, pois na leitura do texto literário o leitor aciona sua “leitura de mundo”,
postulada por Freire (1987) para preencher os espaços, lacunas do texto literário.
Numa abordagem cognitivo-processual da leitura, Kleiman (1998, p. 7) afirma
que “o papel do professor é criar oportunidades que permitam o desenvolvimento de
processos cognitivos: conhecimento dos aspectos envolvidos na compreensão e das diversas
estratégias que compõem esse processo”. Enfoca, portanto, como se opera a compreensão do
texto e, assim como Freire (1987) e Silva (1993), trabalha a leitura como interação, como um
ato social.
Nessa abordagem cognitiva, a leitura se processa juntando em blocos elementos
discretos, desconhecidos, relacionados entre si, que, interpretados, tornam-se um objeto
coerente. O esforço para compreender, mediante essa construção de contexto, necessita da
utilização do conhecimento prévio, que poderíamos considerar como o conhecimento de
mundo, que na interação com o conhecimento lingüístico e o conhecimento textual atuam no
processo de produzir sentido ao texto.
Esses pressupostos de Kleiman (1998) explicitam a necessidade de o professor
conhecer os mecanismos envolvidos no processo de leitura e excluem a possibilidade do ato
da leitura repousar apenas no material escrito.
25
A leitura, nessa perspectiva, não se limita à decodificação das marcas gráficas do
texto ou da percepção das intenções do seu autor, mas constitui-se como um processo de
antecipação, no qual o leitor age como um processador da informação.
Ao entrar em contato com o texto, o leitor apóia-se em seus “conhecimentos
prévios
6
”, “essenciais à compreensão, pois lhe permitem fazer as inferências necessárias, para
relacionar diferentes partes discretas do texto num todo coerente e esse tipo de inferência é
um processo inconsciente do leitor proficiente”, segundo Kleiman (1998).
A mesma autora propõe uma abordagem interativa da leitura, uma vez que o
sentido é considerado resultado de um inter-relacionamento de diversos níveis de
conhecimento do sujeito, entre o processamento botton up, ou ascendente, e top dow
7
ou
descendente. Para ela, o processamento botton up centraliza-se no material gráfico, texto,
feito segundo regras já internalizadas pela gramática e o top dow refere-se ao conhecimento
lingüístico enciclopédico do leitor ao usar o conhecimento prévio. Nessa concepção
interacionista de leitura, tanto os elementos provenientes do texto quanto os do leitor entram
em contato para produzir sentidos.
Whitaker Penteado (1986) e Blikstein (1991) fazem uma abordagem funcionalista
da leitura como representação do pensamento. Baseados na Teoria da Comunicação “pessoa
que pensa bem, lê bem", enxergam o ato de ler como mera decodificação. O autor é a
autoridade e o leitor deve lê-lo tendo em vista que tudo é verdade, assim não existe história do
leitor e todo texto bem escrito tem legibilidade; ambos propõem técnicas, passos, receitas para
se formar o leitor.
Orlandi (1996) vê a leitura como sendo uma questão lingüística, pedagógica e
social ao mesmo tempo. Propõe que a reflexão sobre a leitura não deva ser restrita ao seu
caráter técnico, pois isso faz com que o tratamento dado à mesma seja feito apenas em termos
de estratégias pedagógicas imediatistas e não vinculadas à história e à sociedade.
A autora assume a perspectiva da Análise do Discurso (AD), que vê o texto não
como um produto, mas como um objeto que passou por um processo de produção e que,
portanto, seu sentido também tem uma história. Sujeito e sentidos são determinados
historicamente e ideologicamente. Assim o leitor é visto como alguém que atribui sentidos ao
texto, e a leitura como o momento crítico de construção de sentido, por isso cada época, cada
seguimento social lê de uma forma. Nessa abordagem, tanto o leitor quanto o autor atuam
6
Sobre esse assunto recomenda-se a leitura do capítulo I do livro Texto e Leitor (KLEIMAN, 1998, p. 13)
7
Recomenda-se a leitura do capítulo 4 do livro O Aprendizado da Leitura (MARY KATO, 1995 p. 49)
26
produzindo sentidos determinados por um momento sócio-histórico ideologicamente
constituído, no qual ambos se inserem.
Para os PCN’s (BRASIL, 1997, p. 54), a leitura não é só extrair informações da
escrita, decodificando letra por letra. Ela envolve estratégias como seleção, antecipação,
interferência e verificação. “Formar um leitor competente supõe formar alguém que seja
capaz de compreender o que lê; que leia também o que não está escrito [...]”. Assim, ler é
compreender e compreender é mais que decodificar, é interagir com o texto, produzir sentido
utilizando variada tipologia textual. Portanto, no ato de ler acionamos todas essas abordagens
acima expostas.
2.1.2 Abordagem sociológica: vários fios que se entrelaçam
A leitura de um texto literário exige, mais do que qualquer outro, a utilização
intensa dos processos cognitivos: conhecimento prévio, inferência, levantamento de hipóteses,
por se tratar de um texto que causa estranhamento devido ao fato de os vocábulos poderem
apresentar vários significados, diferentes daqueles habitualmente atribuídos.
O leitor se encontra frente a um texto plurissignificativo, no qual cada palavra
pode ter um significado que vai além do texto. Assim, é necessário que o leitor, a fim de
produzir sentido, levante hipóteses, infira informações, comprove as hipóteses levantadas,
ative o conhecimento prévio para a seguir associá-lo a outras informações. Dessa forma, o
texto literário pressupõe um leitor capaz de organizar as diversas partes do texto, fazendo
conexões, comparações.
É sabido que, conforme a perspectiva que se adote, o mesmo objeto pode ser
concebido de maneiras diversas. A leitura da literatura também é assim. Numa abordagem
sociológica e histórica é levado em consideração o tripé: autor-leitor-obra. A esse respeito
Coelho (2002) afirma que a literatura é um sistema de signos. É organizada em frases,
discursos, ritmos, imagens, melodias, estrofes, períodos, que lhe dá existência real e
significação juntamente com o escritor. Entretanto, o elemento imprescindível, que dá a obra
o seu significado definitivo, é o leitor.
O leitor ao entrar em contato com a obra constrói sentido ao texto graças a sua
experiência, expectativa, sua cultura, seu conhecimento, seu gosto. A leitura, sendo concebida
como fenômeno histórico e social, não prescinde da figura do autor, do leitor e das condições
de produção da leitura.
27
No campo da Teoria Literária, Fish (1980) postula a importância das instituições
socioculturais na produção da interpretação de textos. Afirma que os sentidos são
determinados culturalmente pelas comunidades interpretativas em que os textos e leitores
estão inseridos. A questão essencial passa a ser a dos sentidos, como categoria cultural
institucionalmente constituída, que determinam os textos e suas características formais, bem
como os leitores e suas atividades interpretativas.
Ainda, segundo o autor, os textos só se tornam inteligíveis à medida que o leitor
adquire os conhecimentos, normas e instruções para construir a interpretação partilhada pela
comunidade cultural a que ele pertence: uma vez que essa detém o poder do dizer e dos
significados permitidos, os limites de cada instituição são os limites da significação. Nesse
caso, o texto é estabelecido socioculturalmente.
Chartier (1999), ao estudar as práticas de produção, de circulação e de consumo
de livros da Idade Média nas sociedades européias, e, especialmente, as noções de prática e
representações nos gestos de leitura, afirma que a leitura não está inscrita no texto, porque ele
só existe se houver um leitor para lhe dar um significado; ainda que haja poderes, sempre
fixando um sentido e enunciando à interpretação correta que deve impor limites à leitura.
Todavia, o leitor também inventa, desloca e distorce porque a leitura não é somente uma
operação abstrata de intelecção; ela é engajamento do corpo, inscrição num espaço, relação
consigo e com os outros, diz Chartier (1999, p. 16).
Ao conceber a leitura dessa forma, o autor não está negando a influência das
comunidades interpretativas, mas observa que o que acontece no momento da leitura vai além
do que essas comunidades prevêem, porque elas não podem explicar todas as possibilidades
de leitura de um dado texto por um dado leitor, numa dada situação ou época.
Darnton (1986), ao refletir sobre os episódios da história social francesa do século
XVIII, adverte que a relação existente entre os leitores de diferentes épocas e um mesmo texto
não pode ser a mesma, pelo fato de a leitura ter uma história. Para comprovar sua posição, o
historiador cita como exemplo o massacre dos gatos ocorrido na Rua Saint-Séverin, Paris,
durante o fim de 1730, testemunhado pelo operário Nicolas Contat.
De acordo com Darnton, a primeira explicação da história de Contat que,
provavelmente, ocorreria à maioria dos leitores, é uma visão do massacre de gatos como um
ataque indireto ao patrão e a sua mulher, porque o narrador situou os acontecimentos no
contexto de observações sobre a disparidade entre a sorte dos operários e a dos burgueses,
durante a segunda metade do século XVII, no início da industrialização.
28
Nesse sentido, assinalamos que ao apresentar o relato sobre o massacre, o autor
deixou claro que esse fato estava de acordo com a tendência comum da cultura francesa, no
tempo do Antigo Regime, período em que as grandes gráficas, apoiadas pelo governo,
eliminaram a maioria das oficinas menores e uma oligarquia de mestres assumiu o controle da
indústria, complicando a situação dos operários.
Com base nessas colocações, podemos afirmar que o leitor daquela época poderia
entender a tortura de animais, especialmente de gatos, como sendo uma crítica ao contraste
entre o universo do trabalhador e do patrão. Hoje, no entanto, a matança ritual de animal é
caso de repulsa e denúncia aos órgãos de defesa dos animais. Esse fato se dá em virtude da
distância que separa o leitor moderno do leitor da Europa pré-industrial, por isso, a sua reação
não é a mesma das pessoas de duzentos anos atrás.
Para Jouve (2002), há duas abordagens sobre a leitura da literatura: uma que se
preocupa como se lê, representada pela Escola de Constance, e a outra, que se preocupa com o
que se lê, representada pelas teorias que tratam de leitores reais.
A Escola de Constance desloca a questão para a relação leitor/texto. Nesse sentido
os estudos de Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser, desenvolvidos desde a década de 60 do
século XX, são fundamentais. O primeiro com a Teoria da Estética da Recepção e o segundo
com a Teoria do leitor implícito.
Para Jauss (1994), o público leitor é muito importante, isto é, o texto literário não
sobrevive sem o público. Assim a literatura deve ser vista a partir de seu impacto sobre as
normas sociais, uma vez que forma a compreensão do leitor, repercutindo em seu
comportamento social.
Já para Iser (1996), o leitor é pressuposto no texto. Assim, ele mostra como o
texto literário direciona a leitura do leitor e como este reage aos percursos impostos pelo
texto. Portanto, o sentido é um efeito a ser experimentado individualmente, pois o texto
possui uma estrutura de apelo.
Para Eco (1983), não é suficiente que se considere apenas a liberdade do leitor, a
intenção do leitor, nem nos deter à intenção do autor ao escrever a obra. É preciso que se
considere as pré-orientações do texto. No entanto, o leitor não pode fazer o que quer, pois
corre o risco de fazer interpretações absurdas. Assim, nem todas as leituras são válidas, há que
se respeitar os limites impostos pelo texto.
Ainda Jouve (2002), retomando Jauss e Iser, afirma que é preciso determinar os
papéis do leitor e do texto ao avaliarmos o que se lê e como se lê. Para ele, há duas dimensões
na leitura: uma comum a todo leitor, determinada pelo texto e outra variável, isto é, que
29
depende do conhecimento prévio de cada leitor. Essa ação de o leitor integrar a visão do texto
à sua, não é uma atitude passiva, pois este abstrai não só o sentido, mas também significação.
Isso lhe permite a leitura e a alteridade, o outro do texto, que nos remete a uma imagem de
nós mesmos. Trata-se, portanto, de uma leitura que exige experiência, conhecimentos de
mundo, de língua e de texto, de modo que o leitor possa, durante o processo de interação, dar
sentido ao texto e ao mesmo tempo buscar nele (personagem, narrador) a descoberta de seu
próprio ser.
Eco (1983, p.148), afirma que o texto é uma máquina preguiçosa que precisa do
leitor para funcionar, uma vez que sozinho não é responsável pela construção do sentido.
Assim, a presença do leitor no processo de compreensão é fundamental, afinal, o texto não é
um amontoado de informações, cujos significados são decodificados um por um para chegar à
mensagem final.
Com relação a isso, Aguiar e Bordini (1988) afirmam que o leitor de literatura se
exprime a partir da linguagem com base em suas vivências pessoais. Também Lajolo (2001)
comunga da idéia de que a literatura, como linguagem e como instituição, se relaciona os
diferentes imaginários, sensibilidades, valores, comportamentos, através dos quais a sociedade
expressa seus desejos.
Sob esse ângulo, a leitura passa a ser vista como resultado do diálogo em sua
singularidade, que vai enredando, entrelaçando o significado pessoal de suas leituras com os
vários significados que, ao longo da história de um texto, foram acumulados. Em contato com
um novo texto convergem todos os textos lidos. Isso seria o “preenchimento dos não-ditos”,
segundo Eco (1983), concorrendo para o processo contínuo de significação.
2.1.3 Literatura: a arte de tecer textos: a ponta do novelo
Num breve flashback, retornamos um pouco à questão da arte literária,
enfatizando a necessidade, própria do ser humano, de estabelecer vínculo com a fantasia. Em
seguida abordamos aspectos históricos da literatura infanto-juvenil, foco de nossa pesquisa.
Para Platão (428/427-348/347 a.C.), a poesia consiste num mal; é nociva, pois
ilude e corrompe a falsa aparência da verdade. Apesar de não ter escrito propriamente sobre
literatura, seus “diálogos” expõem conceitos de arte afirmando que não existe projeção
verdadeira, toda vez que se tenta reproduzir algo não é a essência que temos, mas a imagem
30
que se faz do objeto. Em A República
8
, Platão, ao fundar a academia (387 a.C.), preconiza
uma literatura que tem, no fazer artístico, uma finalidade formativa para o homem.
Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão, acredita que não é o objeto
apresentado que causa prazer na arte, mas o raciocínio pelo qual se percebe que a imitação
representa tal objeto. Essa constatação é uma aprendizagem prazerosa, assim a arte literária é
arte que cria pela palavra uma imitação da realidade.
A estética é a retórica (persuasão pela palavra) e a poética (arte da palavra)
definem e descrevem a arte poética considerada como mimese ou representação. Para a
concepção Aristotélica, a arte, conseqüentemente a literatura, assume as contradições do
homem e da sociedade de seu tempo. Assim, o artista vale-se do princípio da verossimilhança
(objeto de representação) princípio interno ordenador da construção mimética.
Aristóteles busca a ordem do real através do princípio da unidade, mas assume as
contradições do homem e da sociedade de seu tempo, não subordinando a Arte à Moral,
também não se preocupa com a censura que, em Platão, se baseia no caráter modelar da
poesia e sua função pedagógica. Os conceitos de literatura, nos dias atuais, decorrem da
concepção aristotélica em que a literatura é uma manifestação artística, independentemente do
seu caráter utilitário.
Vários teóricos tentam definir o termo literatura, no entanto, essa não é uma tarefa
simples devido à abrangência de sua conceituação. A literatura está entre duas abordagens:
uma histórica (como documentos) e uma lingüística (arte da linguagem). No sentido amplo,
literatura é tudo que é produzido, incluindo-se a literatura oral consignada. Essa acepção
corresponde à noção clássica de “belas letras” que compreendia tudo o que a retórica e a
poética produzia, é equivalente à cultura.
Em sentido restrito, a literatura é composta pelos grandes escritores (homens
dignos de admiração):
Alguns romances, dramas ou poemas pertencem à literatura porque foram escritos
por grandes escritores, segundo este corolário irônico: tudo o que foi escrito por
grandes escritores pertence à literatura, inclusive a correspondência e as anotações
irrisórias pelas quais os professores se interessam (COMPAGNON, 2001, p. 33).
8
A fonte pesquisada para as informações sobre Platão e Aristóteles foi a Coleção OS PENSADORES. Tradução
de Enrício Corvesieri. São Paulo: Nova Cultura, 1999.
31
Isso remete apenas à literatura culta, entretanto, Candido (1972) considera
literatura tanto as criações poéticas dos povos civilizados quanto dos primitivos. Neste ponto
Compagnon (2001) dialoga com Candido ao afirmar que o critério de valor de um texto é
ético, social e ideológico, isto é, extratextual. Não é literário nem teórico, dessa forma temos o
caráter comunicativo da literatura que transforma e é transformada pela sociedade. Logo o
conceito de literatura dependerá da cultura do leitor, segundo Compagnon (2001, p. 3), pois
“todo julgamento de valor repousa numa exclusão. Dizer que um texto é literário pressupõe
que o outro não é”.
Sendo a literatura complexa, de difícil conceituação, fica claro que é necessário
para que uma obra seja considerada literária ou não, que se leve em conta o leitor, o texto e o
contexto da criação. Como diz Eagleton (1997, p. 16), “a literatura possui um valor
transitivo”, isto é, uma obra só é considerada literária “em situações específicas, de acordo
com critérios específicos e objetivos de determinadas pessoas”. Nem sempre o que foi
considerada literatura num dado momento e numa determinada sociedade, manteve a
unanimidade de pareceres ao longo do tempo e em diferentes localidades.
Como a obra literária deve estabelecer a gratuidade, acordo entre o leitor e a obra,
essa cumplicidade esbarra nas estruturas da indústria cultural, pois o mercado atua como
formador do gosto. Desse modo, quando se fala em literatura, não se pode ignorar o sistema
que seleciona a produção literária de cada época, segundo interesses econômicos, ideológicos
e políticos. Portanto, a gratuidade não é total liberdade de criação ou recepção, estando
implícito a essa atitude, independente do autor e do leitor, um sistema de valores do qual a
literatura terá que aceitar as regras.
Para Culler (1999), o que diferencia as obras literárias de outros textos é que os
primeiros passam por um processo de seleção: publicados, resenhados, reimpressos, para que
as pessoas chegassem até eles com a certeza de que outros os haviam considerado de valor.
Já Candido (1995, p. 244) expõe o papel paradoxal da literatura: “Não corrompe,
nem edifica, mas humaniza porque faz viver”. Assim, a literatura confirma a humanidade do
ser e atua sobre o mesmo. Através dela o Homem pode suprir a necessidade de ficção e
fantasia, que está presente tanto no primitivo como no civilizado, no analfabeto ou letrado,
adulto ou criança. Ela propicia o conhecimento do mundo e do ser, pois representa a realidade
do espírito e da sociedade. O autor defende dessa forma a função humanizadora que atua na
formação da personalidade, pois humanizar-se é um direito inerente ao ser humano.
Independente de classe social, a ficção e a fantasia estão presentes. Assim, a literatura como
32
expressão do Homem visa superar no mesmo a carência de fantasia. Dessa forma, as anedotas
seriam mais elementares e as narrativas formas mais complexas de literatura.
Para Candido (1972), a literatura é uma construção com estrutura e significado, é
uma forma de expressão, pois manifesta emoções e diferentes visões de mundo dos
indivíduos; e é uma forma de conhecimento. Possui uma função formadora porque a fantasia é
própria do ser humano e contém pontos da realidade em que o homem está inserido, há a
transfiguração do real pela literatura que mostrará a complexidade da vida: o bem e o mal, a
verdade e a mentira, o belo e o grotesco.
A literatura é também uma forma de conhecimento, alarga a experiência
individual permitindo vivenciar, através dela, experiências antes não vividas, portanto,
cumpre determinadas funções.
A esse respeito, Candido (1972) esclarece que a função humanizadora integra as
funções psicológica, formadora e de conhecimento do ser e do mundo, próprios da literatura.
É psicológica porque supre a necessidade universal de ficção e fantasia. É formadora
enquanto permite ao homem se ver como agente e, deve ainda, ter caráter emancipador, pois o
indivíduo se reconhece na obra e assim é capaz de refletir sobre esta e melhorar sua atuação
humana, se recolocar no mundo. Segundo Compagnon:
A subjetividade moderna desenvolveu-se com a ajuda da experiência literária, e o
leitor é o modelo de homem livre. Atravessando o outro, ele atinge o universal: na
experiência do leitor, a barreira do eu individual, na qual ele era um homem como os
outros, ruiu (COMPAGNON, 2001, p. 36).
Se, todo ser humano tem direito às necessidades básicas como moradia,
alimentação e saúde, também tem direito à literatura que é uma extensão dessas. Um homem
realmente livre é, pois, aquele que, com suas necessidades básicas atendidas, ultrapassa a
barreira do individual, atingindo o “universal” por meio da leitura literária.
A literatura concentra o paradoxo de ser vista como contribuição para a ideologia
dominante e ao mesmo tempo de ser subversiva. A idéia de subversividadade se intensifica,
sobretudo depois da metade do século XIX, pois segundo Compagnon (2001, p. 37) é quando
“A literatura confirma um consenso, mas produz também: a dissensão, o novo, a ruptura”.
Há fatores que influenciam na historicidade do texto: as condições de produção de
sentido; relações de intertextualidade; e a história de leitura do leitor. Quando leio uma obra,
reporto a outros textos que a completam, é a leitura da palavra aliada a “leitura de mundo” de
Freire (1987) e o “conhecimento prévio” de Kleiman (1998) sendo acionados. Portanto, o
33
texto literário engendra todas as abordagens de leitura expostas no tópico 2.1.1 Abordagens de
leitura: Leio o desenho, leio as cores, leio as letras. Aguiar e Silva (1995) sintetiza a idéia:
[...] constitui um objeto sintático e semântico, dotado de uma certa intencionalidade
pragmática, que um emissor/autor realiza através de um ato de enunciação, regulado
pelas normas e convenções do sistema semiótico literário e que os seus
receptores/leitores decodificam e interpretam, utilizando códigos apropriados e
estratégias hermenêuticas adequadas (AGUIAR e SILVA, 1995, p. 187-188).
Neste sentido, os textos literários são caracterizados por dois planos essenciais,
o plano da história relatada e o plano do discurso que o relata, articulados num ato de
enunciação. É o leitor que dá atualidade ao texto, e a esse respeito Orlandi (1996, p.11-12)
afirma que “Quando se lê considera-se não apenas o que está dito, mas também [...] o que não
está dito”. É saber que o sentido pode ser outro.
Após essa discussão sobre as diversas abordagens de leitura e concepções de
literatura que circulam nos meios acadêmicos, ater-nos-emos à literatura infantil que é o
campo no qual costuramos o embasamento teórico das práticas culturais dos sujeitos de
pesquisa: crianças, filhos de cortadores de cana. Para isso faremos um breve histórico sobre o
gênero.
2.1.3.1 Literatura infantil: de posse do fio a aranha Penélope
9
A história da literatura infantil é recente, século XVIII, configura-se com a
ascensão da burguesia, revolução industrial e a queda do sistema feudal, momento em que a
criança passa a ser vista como tal, antes era tida como um “adulto em miniatura”:
[...] antes da constituição deste modelo familiar burguês, inexistia uma consideração
especial para com a infância. Essa faixa etária não era percebida como um tempo
diferente [...]. Pequenos e grandes compartilhavam dos mesmos eventos, porém
nenhum laço amoroso especial os aproximava. A nova valorização da infância gerou
maior união familiar, mas igualmente os meios de controle do desenvolvimento
intelectual da criança e manipulação de suas emoções. Literatura infantil e escola
são convocadas para cumprir esta missão (ZILBERMAN, R., 1991, p. 15).
9
O título remete à obra da literatura infantil de Carlos Queiroz Telles. A teia de Penélope aranha. 2. ed.
Ilustração de Cláudio Atílio. São Paulo: FTD, 1989 (Coleção segundas histórias). A obra faz intertextualidade
com Ilíada e Odisséia de Homero.
34
Assim várias instituições são incentivadas a trabalhar em favor da criança,
motivando o surgimento de produtos que atendessem a essa “nova” faixa etária: brinquedos, o
livro; áreas do conhecimento especializadas como a pediatria, pedagogia, psicologia infantil, a
criança passa também a ser alvo do mercado de consumo.
Com a intenção de promover uma literatura adequada para a infância, fizeram-se
adaptações dos clássicos e do folclore, houve a apropriação dos contos de fadas, que até então
não eram voltados às crianças.
Charles Perrault (1697) e os irmãos Grimm (1812) colecionaram essas histórias
folclóricas, recolhidas da oralidade e tiveram seus contos adaptados tantas vezes, que hoje se
apresentam modificados.
Em cada país, a literatura universal, que inicialmente não fora produzida para
crianças, vai sendo aceita e lida pelo novo público e, aos poucos, estas obras foram
incorporadas como literatura infantil.
É importante distinguirmos que essa configuração da infância não teve tratamento
homogêneo. Temos dois tipos de crianças com acesso a diferentes literaturas. A criança da
nobreza lia geralmente clássicos, orientada por preceptores, conhecedores das obras
universais; enquanto as outras crianças liam ou ouviam as histórias de cavalaria, lendas,
contos folclóricos, uma literatura de grande interesse das classes populares.
No Brasil, conforme Lajolo e Zilberman (2002), a literatura infantil se estabelece
no fim do século XIX com a Implantação da Imprensa Régia, às vésperas da Proclamação da
República, e, portanto, da virada do século XX. Algumas obras tais como As Aventuras
Pasmosas do Barão de Munchchausen, inauguram uma série de traduções e adaptações de
histórias européias que caracterizam, durante esse tempo, o gênero em nosso país.
É importante lembrarmos que em fase embrionária a literatura infantil brasileira é
representada especialmente por Carlos Jansen, (Contos seletos das mil e uma noites, Robinson
Crusoé, As Viagens de Gulliver...), Figueiredo Pimentel (Contos da Carochinha), Coelho
Neto e Olavo Bilac (Contos Pátrios) e Tales de Andrade (Saudade).
Com Monteiro Lobato é que se inicia a verdadeira literatura infantil, sua obra A
Menina do Narizinho Arrebitado (1920) destinada às crianças, dá voz às personagens infantis,
valorizando a fantasia. Sua obra diferencia-se de toda produção nacional anterior.
É fato que, no início do século XX, a literatura estava comprometida com o ensino
de valores nacionalistas, ensino da norma culta na área da linguagem e com o ensino de
normas morais e de bom comportamento. Portanto estava construída sob uma base
pedagógica a serviço da escola.
35
Muitos autores responsáveis pelas produções literárias infantis tinham como
objetivo atender a uma meta didatizante. Olavo Bilac enfatiza a necessidade de contribuir para
educação moral das crianças, embora reconheça o distanciamento da obra de arte gratuita e
uma obra literária com fins pedagógicos. É importante esclarecer que a ênfase na gratuidade e
na fruição frente à obra literária era ignorada, pesava o discurso de ensinamentos.
Neste contexto, a obra de Monteiro Lobato apresenta uma preocupação sob a
perspectiva de formação do leitor crítico, sem o menosprezo da idade do destinatário.
Seguindo essa concepção, vários autores se estabeleceram criando textos originais, a partir de
temas folclóricos ou históricos, ou recriados a partir do maravilhoso, apresentando linguagem
adequada ao leitor infantil. Essa produção começa a se avolumar, acompanhando a
democratização do ensino e o surgimento de um novo público urbano, de classe média,
consumidor de livros na escola e dos meios de comunicação de massa.
Com a democratização do acesso à escola, os livros seriam cada vez mais
necessários, dando seqüência ao caráter utilitário do texto literário. Por outro lado, a indústria
editorial estimulava o consumo em massa.
Nos anos 70 do século XX, a produção de obras destinadas às crianças é
modernizada na forma de produção e circulação. Surgem instituições e programas voltados ao
incentivo das práticas de leitura e à ênfase na melhoria da produção.
É na década de 80 do mesmo século que os escritores liberados ideologicamente
das amarras do militarismo escrevem com maior liberdade de expressão. As obras são
marcadas pelo predomínio da verossimilhança, com caráter metafórico e a criação de
personagens infantis fortes diante dos problemas socais:
[...] poderíamos dizer que se observam tendências claras nesse tipo de produção: a
do realismo; a fantasia como caminho para o questionamento de problemas sociais;
o reaproveitamento do folclore; a exploração de fatos históricos [...] Apesar desse
avanço e, não podemos negar que grande parte da produção literária para a infância
no Brasil ainda se ressente da excessiva preocupação pedagógica (CUNHA, 1985, p.
24).
O aumento de produção e qualidade gráfica, que se refletem também no aumento
de campanhas de incremento à leitura, trazem nos anos seguintes produções que levam em
conta a ludicidade, criatividade, sonoridade, linguagem elaborada, em que leitor e ilustrador
são co-produtores. O recurso visual cativa à geração dos séculos XX e XXI e os editores
sabem disso, portanto, os livros infantis hoje são mais atraentes; mas, quais crianças podem
manuseá-los?
36
Reforçamos então que, embora se fale em crise de leitura, e se considere que
quantidade não seja sinônimo de qualidade, observamos um número variado de títulos
demonstrando que as obras estão em circulação, com ilustrações e programação gráfica cada
vez mais atraentes. Apesar disso, uma grande parcela da população continua afastada do livro
por questões econômicas, analfabetismo, difícil acesso ao material ou, ainda, por falta de
mediadores de leitura.
Yunes e Pondé (1988, p. 36) afirmam com muita propriedade “que transitamos de
uma sociedade pré para pós-letrada sem um momento intermediário para ampliação do ato de
ler. Saltamos da tradição oral para a cultura tecnovisual, ideologicamente comprometida com
uma classe social”.
Assim como na literatura para adultos, na literatura infantil também parece haver
instâncias críticas que classificam a literatura culta em relação à literatura de massa (uma
destinada para um público “competente” e o outro para um público menos “competente”
culturalmente).
Segundo Magnani (1989), essas suspeitas nos reportam à relação histórica entre
sentimento de infância e de família, e sentimento de classe. Da mesma forma como a
maioridade psicológica, física e cultural faz com que o adulto assuma o direito de formar a
criança, também as classes subalternas, devido à sua “minoridade” social e cultural, ficam
sujeitas à tutela formativa do Estado.
Assim, para a autora, a confusão entre repertório popular e repertório infantil
parece manter vivos seus laços, através de uma produção literária adequada ao conceito de
povo e criança das camadas populares numa sociedade capitalista em que a literatura trivial
encontra campo propício para expansão. Ao afirmar que “é necessário desmistificar certos
clichês que caracterizam a trivialização da prática docente”, Magnani (1989, p. 92) explicita
que a atuação do professor não deve ser apenas política no sentido de reivindicações salariais,
mas também na prática pedagógica, sua atuação não é neutra e deve envolver não só o
discurso, mas ações. A mesma autora complementa que “pode se aprender a ler e pode-se
formar o gosto” (1989, p. 92).
O importante é a passagem da quantidade para a qualidade e isso não acontece
sem a ação que rompa com o estabelecido e busque a mobilidade. Evitar o trivial é procurar a
diversidade de enredos, procedimentos narrativos, gêneros, linguagens, autores, romper com o
totalmente conhecido e transportar o leitor a ampliar seus horizontes.
As leituras que os alunos gostam podem ser trazidas para a sala como ponto de
partida para reflexão, análise e comparação com outros textos. É perceber que o prazer de ler
37
não é igual para todos e que há muitas maneiras de fazê-lo. A esse respeito Bamberger
10
estabelece algumas fases de desenvolvimento cognitivo para leitura.
Para Bamberger (1991), a leitura compreende várias fases de desenvolvimento.
Em princípio, é um processo perceptivo no qual se reconhecem símbolos, em seguida ocorre a
transferência para conceitos intelectuais. Essa tarefa se amplia num processo reflexivo. De
acordo com as definições de Schliebe-Lippert e A. Beinlich (apud Bamberger 1991) as fases
de leitura são:
a) Idade dos livros de gravuras e dos versos infantis (de 2 a 6 anos) caracterizada
como fase egocêntrica, idade do pensamento mágico. Os livros de gravuras ajudam quando
apresentam objetos simples retirados do meio em que a criança vive. A criança gosta de
versos infantis por causa do ritmo, do jogo com as palavras e seus sons.
b) Idade dos contos de fadas (de 5 a 8/9 anos) caracterizada como idade do
realismo mágico. Nesta fase a criança é susceptível à fantasia. O prazer que encontra no ritmo
e nos versos e o amor da poesia continuam os mesmos da fase anterior.
c) Idade das histórias ambientais (de 9 a 12 anos) caracterizada como uma fachada
realista, ordenada racionalmente, diante de um pano de fundo mágico-aventuresco. A criança
começa a orientar-se no mundo concreto. As perguntas “como” e “por que” são acrescentadas
à pergunta “o quê”. Dessa forma a criança capta as coisas de seu meio, mas continua o
interesse pelos contos de fadas, e começa a surgir o desejo pela aventura.
d) Idade da história de aventuras: realismo aventuroso (de 12 a 14/15 anos) na pré-
adolescência, quando a criança toma consciência da própria personalidade. Esta é a idade em
que predominam as demonstrações de agressividade. O interesse dos leitores pode ser
despertado através do enredo. Em se tratando de meninas, surge como interesse o
sentimentalismo, mas o interesse geral são livros de aventuras, viagens, romances
sensacionais.
e) Dos 14 aos 17 anos, há o desenvolvimento da esfera estético-literária da leitura.
Descobrimento do próprio mundo interior, desenvolvimento de escalas de valores. Além da
trama, a forma e o conteúdo também são valorizados. O interesse pelo mundo exterior é
substituído pelo mundo interior. Os interesses de leitura são aventuras de conteúdo mais
intelectual. Livros de viagens, biografias, histórias de amor, literatura engajada, preferências
vocacionais.
10
A 1ª edição intitulada Promoting The Reading habit, foi publicada em l975.
38
Optamos por esclarecer as fases de leitura dos dois aos dezessete anos embora a
pesquisa seja aplicada apenas a crianças de 1ª a 4ª séries, portanto de 6 a 10 anos, porque a
idade mental nem sempre equivale à idade cronológica. Acreditamos que, com toda a
influência da mídia, as crianças hoje, embora morando em cidades pequenas, não seguem uma
“receita”. Há crianças que, influenciadas pelo meio em que vivem, não têm o “gosto” idêntico
ao de outras da mesma idade.
Reservamos aqui o espaço para esclarecermos que na pluralidade da escola
pública, há a singularidade. E que, em tempos modernos, enfim, estamos no século XXI, as
crianças já não são as mesmas do século passado, um exemplo disso são as meninas que nos
anos 80 do século XX preferiam as histórias de amor. Hoje há uma precocidade e os temas
relacionados aos anos de “maturidade”, segundo Beinlich podem acontecer já na 3ª série, isto
é, com crianças de 8/9 anos de idade.
Bamberger (1991) esclarece que as ilustrações exercem grande atração para os
leitores iniciantes, estas ornamentam o texto, estimulam o interesse, ajudam a tornar o texto
compreensível. Elas iniciam predominando em 50% a 70% do volume e, gradativamente,
deve se dar preferência à escrita, de modo que na 3ª e 4ª séries do ensino fundamental, devam
representar apenas 25% do livro. Bamberger (1991, p. 50) afirma que “É melhor ter poucas
gravuras grandes do que muitas pequenas”. Para crianças que lêem bem e gostam de fazê-lo
isso não é importante, pois já adquiriram o gosto pela leitura e as gravuras não lhes fazem
falta.
O autor enfatiza que, no período pré-escolar, a prontidão para a leitura deve ser
estimulada. Pais e professores devem folhear livros de gravuras para as crianças, isso é uma
forma de incentivo precoce de contato com o livro. É propiciar a expectativa de aprender a
ler. Também sugere as narrativas orais e leitura em voz alta. Já nos primeiros anos, quando a
criança está voltada para a fase das brincadeiras esse deve ser o ponto de partida para as
leituras quando o vocabulário deve ser expandido.
2.2 LEITURA NO CONTEXTO ESCOLAR: O PRIMEIRO NÓ
Entendemos que a alfabetização em si propicia comportamentos culturais íntimos
para o indivíduo e coletivos para a sociedade. De forma geral a leitura precede à
aprendizagem da escrita e esta se expande ao longo da história também por motivos
religiosos.
39
Em 1686, na Suécia, a igreja com apoio do Estado promoveu uma campanha de
ensino da leitura para que seus fiéis pudessem aprender a ler e ver com os próprios olhos o
que Deus ensinava através da Palavra.
Essa atitude, para Chartier (2001), instaurou uma separação entre um saber ler
universal de origem e uso religioso, e um saber escrever, pertencente à camada social restrita.
No entanto, isso não quer dizer que toda a leitura dessa época seja conseqüência do
protestantismo.
Em Uma História da Leitura, Manguel (2001) registra infinidades de motivações
para a leitura, mas também para a sua proibição, mostrando caminhos percorridos pela
história da leitura e valorizando a história cultural da humanidade.
Segundo o autor, um dos registros de motivação para a leitura ocorreu em Cuba
(1865), quando funcionários de uma fábrica de charutos contrataram leitores oficiais para
realizar leituras de jornais ou de documentos, enquanto executavam suas tarefas.
A leitura, praticada em mosteiros como meio de controlar os pensamentos, foi
praticada também em bibliotecas e em outras situações como distração, lazer, conhecimento.
No século IX tem se o registro da prática de leitura silenciosa. Por meio dela o
leitor tinha tempo de reconsiderar as palavras e o texto tornava-se posse do leitor. O livro,
então, passa a ser uma ameaça e a leitura é proibida.
Durante muito tempo a história da leitura está “iluminada” por diversas fogueiras
de censores, porque aprender a ler, durante a história da humanidade, era um passaporte para
a liberdade, adquirir direitos.
Atualmente essa concepção ainda é valorizada e temos a consciência de que a
leitura leva à aquisição da cultura, no entanto, é a cultura que se explica muito do que se lê.
Leitores de culturas diferentes reagem de maneiras diferentes aos textos, há que se considerar,
portanto, as circunstâncias de cada leitor e sua formação cultural.
A leitura de uma seção de jornal ou revista não substitui a leitura de um estudo ou
uma literatura, porém ela pode esclarecer dúvidas chamando atenção para detalhes
importantes despercebidos e projetando novos conhecimentos, como defende Calvino (1998).
Ainda conforme Manguel (2001), na Idade Média o ensino iniciava-se em casa,
em seguida eram contratados professores como tutores particulares para os meninos, enquanto
as meninas teriam a educação promovida pela mãe.
Até o século XV a leitura tinha seu aprendizado garantido pela perseverança,
passando da leitura oral para a silenciosa, que exigia determinados modos de ler de acordo
com a mudança do material através dos tempos.
40
A leitura se consolida enquanto hábito e necessidade em decorrência de fatores, a
maior parte, de ordem social. Ela faz parte, em primeiro lugar, do processo de escolarização
em massas operárias na Europa desde o século XIX, porque prepara o trabalhador para uma
atuação competente no sistema industrial de produção. Introduz o trabalhador numa realidade
mediada por signos abstratos, diferente do contexto a que ele estava habituado; prepara-o para
seguir instruções transmitidas por escrito.
A filosofia iluminista em vigor sedimentou o papel relevante da leitura na
sociedade, expondo-a como sintoma de saber e mostra de civilidade. Se por um lado o
Iluminismo adota uma visão distorcida da cultura, por outro lado, propõe a índole libertadora,
na medida em que propicia o ingresso ao ideário democrata elaborado pela burguesia e que
está depositado nas obras escritas, assim, o conhecimento vem a ser concebido como a ponte
para a emancipação.
No Brasil, de acordo com Lajolo e Zilberman (2002), a reivindicação por uma
política educacional foi formulada 50 anos após à independência, isso em meados do século
XIX. Para o autor fora o atendimento dos Jesuítas aos índios, não existiam oportunidades de
escolarização no Brasil colonial, a não ser na metrópole, alternativa possível somente a
poucos. No período monárquico nada mudou apesar de haver planos da Assembléia
Constituinte de uma educação pública. Com a dissolução dessa Assembléia os planos foram
arquivados. No século XIX, a taxa de analfabetismo era muito grande, o que demonstra o
descaso governamental e a ausência de um ministério que se encarregasse do assunto, fato que
facilitou o aumento de instituições privadas.
A superprodução do café motivou a exportação do produto, assim como
determinou o crescimento das cidades e o país foi urbanizando-se. Com a configuração da
classe média, surgiram novas exigências políticas, suprimindo o sistema escravocrata
enquanto forma de trabalho; seguida da implantação da República, redenção dos problemas
educacionais e culturais na época.
Negligenciadas pelo governo, as campanhas em prol da alfabetização eram
lideradas por intelectuais como Olavo Bilac e, mais tarde, por Monteiro Lobato, que lutavam
por um público a fim de que suas obras circulassem. Dessa forma, estava pressuposto o
sustento e a profissionalização do autor, mas estes fatos mostram a formação e solidificação
do público até a década de 20 do século XX.
Assim, a literatura no início do século se comprometeu com a produção de obras
que respondessem às exigências do público adulto. Em períodos de recessão política e
econômica (décadas de 1930 e 1970) há uma produção menor que em períodos de euforia,
41
quando as ofertas se multiplicam e as escolhas aumentam e é a literatura que se dispõe a
participar da solução dos problemas referentes à leitura. Há a emergência de uma literatura
popular, no entanto não se pode falar de popularização da literatura. Aqui procuramos mostrar
a leitura não apenas como habilidade individual, mas como processo amplo, estimulado pela
sociedade.
Observamos que a concretização da leitura como projeto de popularização
depende de uma política educacional e de uma política cultural. É uma decisão política que
vem sendo formulada de maneira distinta pelas diversas sociedades. Uma política educacional
que garanta a leitura a todos os segmentos da sociedade depende de uma escola popular,
aberta a toda população, independente da região. Isso implica alfabetização que propicie o
gosto e o prazer da leitura de textos ficcionais, ou não, e que possibilite uma postura crítica
perante o mundo que a lê.
Expondo uma questão reincidente em vários estudos, vimos que a literatura está
em crise: dizer que as pessoas não lêem, que professores também não o fazem, por vários
motivos, é um discurso corrente. Desse modo encerramos esta sessão tomando as palavras de
Machado (2001, p. 116) que diz “convencida de que o que leva uma criança a ler, antes de
mais nada, é o exemplo”. Se nenhum adulto do convívio da criança costuma ler, dificilmente
vai se formar um leitor.
Observamos que apenas discutir, teorizar a respeito desta “falência”, não resolve a
questão. É preciso pensar que o país é grande e que há escolas e “escolas”, “professores” e
professores; famílias onde as crianças têm contato com todo tipo de material que propicia o
acesso ao mundo das letras e que existe um Brasil paralelo, alheio a essa realidade. Há que se
perguntar quem é a maioria neste país de tanta diversidade.
Podemos afirmar que não há o grau zero, nem dez, o leitor-aluno não pára de
aprender, assim como não podemos dizer que começa do nada, pois quando a criança entra
para a escola já possui conhecimentos da língua. Há as leituras prévias que o mesmo adquire
com a vivência. O que a escola faz é desqualificar a forma de conhecimento que atesta que
ele, o aluno, é sujeito leitor de outras formas de linguagem fora da escola.
O achatamento da escola e o surgimento da escola privada colaboraram para o
processo de elitização do ensino. Num primeiro momento, confinaram a leitura à
alfabetização, mera decodificação. Em seguida, associaram-na como conhecimento da
tradição literária, valorizando escritores que se destacaram, segundo o estabelecimento do
42
cânone
11
. Dessa forma, estes são lidos por uma minoria que valoriza o texto literário,
conhecido por alguns através do livro didático que, às vezes, traz esses textos fragmentados,
não dando uma visão total da obra, impossibilitando, assim, o contato com o suporte original.
Ao abordar esse assunto Soares (2001, p. 47) fala sobre a correta escolarização da literatura:
[...] Uma das instâncias de escolarização da literatura infantil da escola, a mais
inadequada é a leitura e estudo de fragmentos de textos da literatura infantil.
Inadequada porque há uma seleção limitada de tipos e gêneros, porque há uma
seleção pouco criteriosa de autores e obras, e porque os textos são quase sempre
pseudotextos, isto é, fragmentos sem textualidade, sem coerência, [...] A obra
literária é desvirtuada quando transposta para o material didático, o texto literário é
transformado, na escola, em texto informativo, em texto formativo, em pretexto para
exercício de metalinguagem.
A escola é uma instância mediadora de leitura, mas há muitas outras, que podem
estar em contato com a vida do leitor. Para isso passamos a seguir a mediação de leitura
exposta por Hauser (1977, p. 591)
12
:
Toda pessoa ou instituição que se interpõe entre o leitor e o texto efetua uma ação de
mediação [...] que tanto pode promover ou dificultar o contato com o texto. Quanto
maior for o contato com todas essas instâncias de mediação, tanto maiores serão
suas chances de se tornar leitor.
2.3 MEDIADORES DE LEITURA: MAIS UM PONTO
Hauser (1977)
13
, ao destinar o quarto capítulo de Sociología del Arte à sociologia
do público, destaca o papel dos mediadores de leitura (a biblioteca, a editora, as livrarias, a
imprensa, a Igreja, a família, a escola) como sendo imprescindível ao destino da literatura na
sociedade, principalmente, porque quanto “menos entendidos e competentes em arte forem os
sujeitos receptores, tanto maiores e diversas terão que ser as instâncias mediadoras”
(HAUSER, 1977, p. 588)
14
.
11
Para Robert Escarpit (1969) o que foi feito na história ocidental foi ler o que era tido como melhor. Dessa
forma, a elite cultural controla e formata o conceito de literatura. Conceito formulado no século XVIII
condicionou uma idéia que hoje não cabe mais, em função de um grupo social que não é mais a burguesia.
12
“Son muchas las instancias que participan em las mediaciones, gracias a las cuales las obras se hacen
accesibles[...] que tanto puede pomover o dificuta el contato com el texto. Cuanto mas for el contato com las
instancias que participan em las mediaciones, mas grande hão de haver chances de se lector.”
13
Capítulo 4ª de Sociologia del Arte ,original em alemão publicado em 1973.
14
“cuanto menos entendidos y competentes em arte los sujeitos receptores, tanto mas grandes, diversas e
importantes tendrán que ser las mediaciones [...]”.
43
Além disso, o autor afirma que o texto impresso só alcança sua realidade estética
(ou sua concretização) ao ser lido e até chegar às mãos do leitor, o texto passa por muitas
outras mãos, de modo que podemos inferir que a mediação está presente em todas as etapas da
vida do leitor e que sua importância realmente aumenta à medida que as obras apresentam
uma qualidade superior ou quando o nível de instrução do leitor é inferior.
Por isso, ao comentar a obra de Hauser, Aguiar (1996, p. 25) revela ser possível
dizer que “quanto maior for o contato do sujeito com todas essas instâncias de interferência
(ou de mediação) tanto maior serão suas chances de se tornar leitor”.
Temos de considerar, entretanto, que, embora Hauser (1977) reconheça tanto a
existência de grupos distintos de público quanto a possibilidade de a ascensão social sofrer
menor resistência no terreno da instrução do que no econômico e/ou no político, é Bourdieu
15
(1982) quem melhor enfatiza que o acesso aos bens culturais está profundamente ligado às
condições econômicas e sociais, principalmente, porque as produções socialmente
privilegiadas representam os valores da classe dominante, e, por conseqüência, sustentam e
justificam seu poder.
O editor, vendo a obra literária como mercadoria, negocia com o autor, com o
livreiro e, por último, com o público. Isso cria a produção da obra sob encomenda e o autor
passa a ser “funcionário” do editor, escreve com tempo e temas determinados, passando assim
de obra de arte à mercadoria. Em outras palavras, há uma cadeia periférica à obra literária
estabelecida quando o escritor a negocia com o editor, este com o livreiro, e o último com o
público. Essa cadeia pode fazer com que a obra passe a ser objeto mercadológico.
A partir dos anos 60 e 70 do século XX, as editoras estabeleceram um mecanismo
de consumo que, independente da qualidade da obra, garantem a sua consolidação no
mercado.
Há pontos positivos nesta questão: a melhoria gráfica e ilustrativa das obras. No
entanto, a conotação de mercadoria prevalece com a visita de autores às escolas, fichas de
leituras, envio de catálogos promocionais aos professores, roteiros de compreensão de leitura,
sugestões de trabalhos didáticos, e outros recursos.
Outra instância mediadora de leitura é a biblioteca que, como espaço de
democratização da cultura, está restrita a um público acadêmico, conhecedor de suas regras.
Há cidades que não possuem uma biblioteca pública, às vezes, há apenas a biblioteca escolar
15
Primeira edição publicada em 1974. A economia das trocas simbólicas. Miceli, Sergio (org). São Paulo:
Perspectiva.
44
que geralmente possui poucos livros de literatura, concentrando ali o acervo em livros
didáticos para pesquisa.
Para Hauser (1977), uma obra de arte só existe quando atinge seu público. Assim,
todas as instâncias que interferem entre o leitor e a obra operam uma função mediadora: a
família, a escola, o mercado. Essas instâncias reais ou virtuais desempenham um papel
fundamental, que é o de efetuar um contato real com o leitor, tornando-se um eixo de
comunicação em que às partes interagem.
As bibliotecas públicas e escolares, os sebos (nas grandes cidades), as livrarias, os
catálogos de editora, revistas, comerciais, sites, home pages, revistas virtuais formam uma teia
de divulgação e aproximação do indivíduo com objetos de leitura, tudo com o objetivo de
criar o hábito que forme um público leitor.
Ainda Hauser (1977) afirma que uma obra de arte somente se estabelece quando
aprovada pelas mais diversas instâncias. Na verdade, o autor considera o crítico vinculado à
indústria editorial um funcionário que cumpre a tarefa de preservar o sistema dominante. Por
maior que pareça o grau de independência da crítica, ela está sempre vinculada a uma política
editorial pré-estabelecida. O papel da crítica é orientar a seleção dos livros infantis para o
lançamento no mercado. Mas essa seleção tem que ter como objetivo incentivar leitores a
obterem uma percepção crítica da realidade.
Como estamos falando em mediadores de leitura, Bamberger (1991, p. 65-71)
afirma que “o exemplo e a imagem do professor exercem grande influência nos primeiros
anos de escola”. O autor acrescenta ainda que “a prontidão para a leitura é determinada, em
grande parte, pela atmosfera literária e lingüística reinante na casa da criança”, ao se referir ao
primeiro vocabulário da criança, que é aquele adquirido através da leitura em voz alta pelos
pais, do falar sobre o livro contemplando com ela as gravuras, nomeando as coisas, assim, a
linguagem se desenvolve juntamente com o gosto pela leitura. Enfatiza ainda a necessidade da
formação de uma biblioteca particular em casa apropriada à idade, aos desejos, às
necessidades e a fase de desenvolvimento dos filhos:
Só uma boa biblioteca pode satisfazer a todas as exigências do leitor, isso mediante
um serviço de intercâmbio. Uma das metas do ensino da leitura é acostumar o aluno
a utilizar a biblioteca. A biblioteca da escola é o primeiro passo para a utilização
ulterior de bibliotecas públicas (BAMBERGER, 1991, p. 76).
45
O problema é que, muitas vezes, as bibliotecas escolares não conseguem despertar
esse leitor mirim para que futuramente seja freqüentador de bibliotecas com acervos mais
complexos.
2.4 SOCIOLOGIA DA LEITURA: O OUTRO PONTO
A Sociologia da Leitura segundo Fraisse (1993, p. 71-79) se constituiu na França,
no final dos anos 50 do século XX onde o livro e a leitura cooperam para firmar a identidade
nacional e as trajetórias pessoais. Havia uma grande preocupação do governo francês a
respeito da leitura estudantil. Nos anos 70 do século XX, os interesses voltam-se aos alunos
mais jovens que apresentam dificuldades de aprendizagem da leitura. No final dos anos 80, as
análises do campo da Sociologia da Leitura voltam-se aos bons leitores.
A Sociologia da Leitura se beneficiou das contribuições metodológicas da história
da literatura para observar as práticas de leitura das populações que liam pouco. As
investigações permitem conhecer os diversos tipos de preferências literárias, comportamentos,
bem como conhecer as classes sociais de determinados grupos de leitores.
A sociologia da leitura descreve e analisa questões exteriores ao livro como:
condicionamentos que determinam a permanência ou não de um livro na sociedade,
fatores que intervêm na valoração dos textos, modos de aproximação dos leitores
aos livros, as histórias individuais e coletivas; das práticas culturais, como os leitores
se apropriam dos textos e como certas práticas de leitura excluem leitores
(AGUIAR, 1997, p. 21).
A questão é analisar como os leitores se apropriam dos textos e como certas
práticas de leitura excluem os leitores, bem como saber de que modo certos tipos de leitores
leram determinados textos. Não que o texto prescreva determinada leitura e que só aquela seja
possível. O perigo é vulgarizar, acreditando que em nome das práticas culturais “tomar todo
estudo novo como único possível [...]” Como afirma Chartier (1997, p. 69). Assim, o que era
resultado de caso torna-se totalizante, passando à moda.
É sabido que, conforme a perspectiva que se adote, o mesmo objeto pode ser
concebido de maneiras diversas. Com a leitura, não é diferente. Não é porque hoje se fala em
Sociologia da Leitura, práticas de leitura, que devemos deixar todo o resto e submergir no
mundo sub-letrado das produções pedagogizantes, que aparentam tomar o lado do mais fraco,
da dessacralização. Deixando os radicalismos de lado.
46
As práticas de leitura englobam situações diversificadas que observam como a
leitura pode ser estudada. Nas várias abordagens que se é possível fazer dela, desde um viés
mais funcionalista que centraliza-se na decodificação, até o que pensa nos processos mentais,
que se utiliza para efetuá-la. Nas implicações político-pedagógicas e das práticas de leitura
que vêem a mesma como um fato que tem uma historicidade e que é feito dentro de certas
condições sócio-econômicas.
Para Chartier (1997) o importante na história da leitura é pensar na distância que
há entre o sentido atribuído pelo autor e seu leitor. Um mesmo texto escrito, encenado ou lido,
não tem o mesmo significado para os diferentes leitores que dele se apropriarem. O suporte,
os diferentes públicos com suas tradições podem determinar a interpretação de sentido de um
texto. Assim, estabelece uma relação entre suporte da escrita e o sentido de um texto. As
formas como os textos são lidos participam de sua significação.
A mesma obra pode possuir públicos diferentes e inúmeras possibilidades de
leitura. Um exemplo disso é o texto escrito para teatro e encenado. Chartier (1997) também
afirma que a pontuação dada ao texto para ser oralizado, encenado, é diferente da pontuação
gramatical, enquanto que a mesma obra escrita para outro público teria outra pontuação. E
muitas vezes, o revisor com a intenção de colocar a pontuação “correta” interfere no texto do
autor. Fazendo com isso também papel de mediação. Como a leitura, possui uma história
social e cultural, mas, de acordo com as convenções de leitura de determinadas comunidades,
o mesmo texto muda de sentido.
Ainda Chartier (1997) expõe que nem sempre entendemos literatura como a
entendemos hoje. Propõe então que investiguemos algumas questões para essa historiografia
literária: observar a variação dos critérios que definiram a “literalidade” em momentos
diferentes da história; os dispositivos que justificam a presença de determinadas obras em
determinados conjuntos, (seriam fatores exteriores ao texto?); as coerções exercidas pelas
instituições; enfim, o ponto crucial: a leitura tem uma história e uma sociologia. Além de
determinar: Quem lê, como se lia e como se lê hoje, é importante que se destaque também, a
época a que esta obra faz referência, a coerção exercida pelas instituições, pelo patrocínio, ou
pelo mercado que, muitas vezes, solicita ao autor modificações para atender a “interesses”,
economia de escrita e outros.
Na verdade o autor não é o dono do sentido, o sentido vem de outros fatores que
colaboram para que a obra tenha sentido. Há várias pessoas que contribuem na materialidade
do texto e que ajudam a ampliar ou a restringir seu sentido.
47
Nessa perspectiva, Chartier (1999) defende que o livro não tem um autor, tem
vários autores: tipógrafos, corretores, livreiros, editores. Portanto o texto não é uma idéia de
um autor que circula, é um objeto que circula dentro de um contexto, do mundo e de uma
materialidade.
Darnton (1986, 1996), Escarpit (1969), Bourdieu (1982, 2001), Chartier (1997,
1999, 2001) abordam estudos que vêem a maneira como grupos ou pessoas se apropriam de
textos. São estudos preocupados com a questão da leitura, já que esta tem uma sociologia e
uma história, pode ser feita por grupos diferenciados, pois nem sempre foram atribuídos
sentidos para os textos a partir dos mesmos índices.
Dessa forma reforçam as idéias de Fish (1980), de que na verdade os textos,
quando são apropriados por certos grupos, esses grupos criam uma espécie de convenção do
modo de apropriação.
A publicação de A sociologia da formação do gosto, de L. L. Schücking
16
, em
1923, é considerada o marco inicial da sociologia da leitura, um dos ramos da sociologia do
saber, que enfoca a atuação e a interferência do público nas relações entre a produção e a
recepção de textos. De acordo com Zilberman (1989), além de Schücking (1923) considerar
que a interferência do público pode provocar a alteração da obra, ele defende, a partir das
análises sobre as agências formadoras do gosto ligadas à crítica literária e à escola, que a
sociedade dispõe de mecanismos, que tanto podem facilitar quanto dificultar, a difusão de
uma obra ou autor.
Para Zilberman (1989), mais dois aspectos são importantes na obra de Schücking
(1923). O primeiro se baseia em negar o sentido unificador do conceito de espírito de época
para defender a existência de uma série de espíritos de época, já que a própria arte, ao
contemplar as aspirações dos grupos distintos aos quais se destina, segmenta-se; e o segundo
é o fato de que sua obra antecipou as pesquisas sociológicas realizadas na Inglaterra por
Altick, Hoggart e Levis e que enfocavam as leituras populares e a literatura de massa.
Uma outra linha de pesquisa concebe a sociologia da leitura como um segmento
da sociologia da literatura, entende o literário em seu sentido mais amplo, atendendo ao leitor,
não mais direcionando a atenção ao autor ou a obra, como ocorria em outros estudos
literários. Dessa forma, o objetivo é:
Estudar o público como elemento atuante do processo literário, considerando que
suas mudanças em relação às obras alteram o curso da produção das mesmas. Nesse
16
Informações contidas em Zilberman (1989). Estética da recepção e história da literatura. A autora expõe as
idéias de Schücking (1923).
48
sentido, pesquisam-se preferências do público, levando-se em conta os diversos
segmentos sociais que interferem na formação do gosto e servem de mediadores de
leitura, bem como as condições específicas dos consumidores segundo seu lugar
social, cultural, etário, sexual, profissional, etc (AGUIAR, 1996, p. 23).
Aguiar (1996) salienta dois aspectos relevantes: o social, que controla a
quantidade e qualidade do consumo; e o tipo de público, pois a Sociologia da leitura valoriza
o contexto e a circulação da obra. Ao descartar o valor literário inerente às obras, focalizar o
leitor e observar as interferências geradas na circulação e consumo de materiais escritos pelos
diversos segmentos sociais, a sociologia da leitura confirma seu objetivo de estudar o público.
Os estudos desenvolvidos por Escarpit (1969, p. 42) afirmam não ser adequado
falar em “uma” sociologia da literatura, uma vez que, ao se enfocar o binômio literatura-
sociedade
17
“podemos discernir uma sociologia do livro [...] uma psicologia da leitura e uma
sociologia da obra literária, cada uma das quais é suscetível de ser abordada bem como
teoria, bem como práxis”.
Já Petit (1999) tem se destacado por estudar a leitura em meios rurais e bairros
urbanos desfavorecidos, observando a relação que os mesmos têm com a leitura, com a
biblioteca e com os bibliotecários do local, concebendo-a como uma forma de apropriar-se da
língua e, principalmente, como uma ajuda para construir-se a si mesmos. Destaca-se, também,
por considerar que a leitura pode ser instrumento não apenas de dominação, mas também
permitir ao leitor construir seus próprios caminhos. Defende que a biblioteca pode contribuir
para reparar as privações geradas pela pobreza, de modo a permitir o acesso dos jovens a
alguns direitos culturais.
O trabalho da autora, de certo modo, revela a tradição francesa no trato das
questões da leitura e do contato com o material escrito. Dizemos isso porque, se tomarmos
estudos como A leitura rousseauista e um leitor “comum” no século XVIII, de Robert Darnton
(1996), observaremos a maneira pela qual a leitura fez parte da construção da cultura e da
identidade do povo francês. O acesso à leitura, por assim dizer, manifestou a concretização
do sonho da igualdade, já que a escrita continuava sendo privilégio de poucos.
Darnton (1996 p. 144) lança mão de um dossiê de 47 cartas - dentre as 50 mil dos
arquivos da Sociedade Tipográfica de Neuchâtel (STN)
18
- de Jean Ranson, um leitor que o
17
discernir una sociología del libro [...] una psicosociología de la lectura y una sociología de la obra literaria,
cada una de las cuales es suceptible de ser abordada bien como teoría, bien como praxis (ESCARPIT, 1969, p.
42).
18
Grande editora atacadista do século XVIII sediada no principado de Neuchâtel, na fronteira da França com a
Suíça.
49
autor considera “comum”, por se tratar de “um homem desconhecido, que não tinha nada de
extraordinário, e que fala de suas leituras ao contar de sua vida cotidiana”. O importante é
saber não só o que Ranson lia, mas também como ele lia, a fim de esclarecer de que modo
esse leitor comum apropriava-se da escrita, principalmente por se considerar que, baseado nas
informações das cartas, Ranson demonstra ser crítico e exigente em relação ao objeto “livro”.
Com isso, evidencia-se um outro aspecto que devemos considerar: a estrutura
social interfere na formação do sujeito. Após o nascimento a criança estará exposta a certas
condicionantes sociais que a induzirão a um certo tipo de comportamento, de acordo com as
interações, com os obstáculos e apoios que ela encontrar - as regras de existência, a estrutura
familiar, o alimento (ou a falta dele), sistema de normas e valores.
Portanto, poder ler, isto é, compreender, contribui para a autonomia das pessoas, a
medida que a leitura é um instrumento para a garantia de uma sociedade crítica e determinante
em seus valores. Dessa forma, a sociologia da leitura tem investigado profundamente o campo
de estudos sobre a leitura, o lugar que ela ocupa na vida das pessoas, e quais os fatores que
interferem no comportamento social, que afastam ou aproximam um grupo ou indivíduo da
atividade leitora.
As investigações permitem analisar certas variáveis como: categoria profissional,
idade, sexo e, como é o caso de nossa pesquisa, as preferências de determinados grupos de
leitores.
A sociologia da leitura permite um debruçar sobre questões exteriores ao livro e
tem analisado os modos de aproximação dos leitores aos materiais escritos, as histórias
individuais e coletivas dos mesmos.
Como a leitura é um patrimônio individual e coletivo, necessita de estudos que
visem à reflexão das práticas culturais. Isso significa que a história da leitura não se restringe
ao contexto social em que o leitor está inserido, há, portanto, inúmeros fatores que atuam no
processo histórico de uma civilização e de um indivíduo. Para a sociologia das práticas
culturais, segundo Fraisse (1993) “a leitura é uma arte que se herda mais que se aprende”.
Idéia esta partilhada por Chartier (2001), que admite ser necessário, para tornar-se um leitor,
ou leitor de ocasião, uma ação histórica do grupo social, da escola, da família, do trabalho ou
de amigos. Assim, a mediação para atingir a conquista do saber ler constitui, também, um
processo histórico-social.
Candido (1985, p. 7) defende não ser conveniente “separar a repercussão da obra
da sua feitura, pois, sociologicamente ao menos, ela só está acabada no momento em que
repercute e atua”. Defende pois, a existência da relação entre autor, obra e público. Este dá
50
sentido e realidade à obra, além de possibilitar o reconhecimento do trabalho do autor. A obra
liga o autor e o público, e o autor é o intermediário entre os dois.
Com isso cremos ter completado os caminhos trilhados no presente estudo:
Expusemos as especificidades da literatura, abordagens de leitura em circulação e nos
posicionamos na linha sociológica, tomando leitura como uma prática. Para tanto
apresentamos a difícil conceituação do termo literatura e discutimos a leitura na escola, que
aqui é vista como uma das instâncias mediadoras.
Assim, situados na Sociologia da Leitura, passamos a fazer uma rápida
explanação sobre as práticas culturais. Retomamos o termo leitura como prática e como tal
sujeita à variantes: social, familiar, escolar e pessoal e, para finalizar, exporemos um pouco
dos Estudos Culturais que permearão as análises da pesquisa.
2.5 VARIANTES DE LEITURA: PARA NÃO PERDER O FIO DA MEADA
É consenso o fato de que a leitura seja ocupação de poucos, sobretudo, de uma
classe de privilegiados. Entretanto como explicar o número crescente de publicações? Esse
questionamento aponta para a necessidade de uma reavaliação de certos conceitos.
Quem se considera leitor e está consciente das transformações que o exercício de
leitura provocou em suas vidas quer que outros partilhem dessa sorte.
As práticas de leitura questionam porque certos textos podem ser lidos por
determinados grupos e banidos de outros leitores em favorecimento de outros textos. Quanto
ao texto literário, este tem certas especificidades e requer um leitor específico, necessita de
um conhecimento prévio de sua formação e estrutura. O leitor especializado o lerá com outra
intenção que o leitor comum, que não conhece os mecanismos de leitura, e poderá, mesmo
sem ser conhecedor da teoria, transcender na leitura.
O literário rompe as fronteiras dos discursos, por meio do trabalho dialógico.
Assim, para a literatura não há mais a história, a psicologia, o jornalismo como campos
autônomos. Passeia por estes gêneros discursivos e provoca brechas em nossas certezas.
Dessa forma, nenhum texto é literário por si mesmo. O estatuto artístico será estabelecido
pelos discursos criados em torno da obra, na interação conflitiva e inacabada das leituras. A
literatura possibilita, portanto, uma visão plural da sociedade, isso significa ir além da
linearidade estabelecida entre o certo e o errado.
Tomamos a leitura como uma prática e como tal sujeita a variantes: social,
familiar, escolar e pessoal. Para a prática de leitura numa variante social desenvolver-se no
51
Brasil, precisaria de um projeto em que o livro e a cultura fossem plantados como valores
fundamentais, de identidade do indivíduo e do grupo. Nosso país apregoa a modernidade, mas
a maioria das classes populares não dispõe do mínimo para sobreviver. Dessa forma, a leitura,
às vezes, é efetivada por uma minoria. Mas isso não quer dizer que seja só a classe de maior
poder aquisitivo quem lê, pois, por um lado, mesmo esses, às vezes, compram livros e não
lêem; do mesmo modo que, por outro lado, há um grupo que mesmo em condições financeiras
desfavoráveis, lê em bibliotecas, livrarias e sebos.
A questão é acreditar no valor da leitura e para isso é preciso ter contato com o
produto. Pensemos nas “pessoas comuns”, aquelas que não têm contato com o mundo
escolarizado e que, por falta de condições de acesso ao material, não lêem. Seria necessária a
democratização da leitura, expandindo sua área de atuação, e uma alternativa seria a criação
de bibliotecas circulantes, em empresas e nas praças, bem como nos consultórios médicos e
salões de beleza onde há material de leitura, no entanto, observamos que o texto literário não
figura entre eles.
Em debate com Chartier, Pierre Bourdieu (2001, p. 243) enfatiza a questão do
poder do livro, “o poder sobre o livro é o poder que exerce o livro [...]”, mas o intelectual é
alguém que “pode agir à distância ao transformar as visões de mundo e de práticas cotidianas
[...] é o poder de agir sobre as estruturas mentais e através delas sobre as estruturas sociais [...]
por meio de um livro se pode transformar a visão social do mundo e através desta, transformar
também o próprio mundo social”.
No entanto, mudar a visão social não quer dizer que o indivíduo, a partir da
leitura, mudará sua condição social. Kleiman (1995) discutindo a questão do letramento
afirma que:
Não existem evidências históricas que comprovem que esforços concretos de
alfabetização em massa tenham efeitos significativos na mobilidade social. Alguns
indivíduos conseguem ascensão social, mas os grandes grupos de discriminados
continuam existindo. Não existem evidências para a correlação entre letramento e
desenvolvimento econômico, igualdade social, modernização. Entretanto as vozes de
historiadores, educadores e sociólogos raras vezes se fazem ouvir na mídia entre as
vozes mais fortes dos políticos profissionais [...] (KLEIMAN, 1995, p. 37).
Outra variante seria a familiar, sabemos que os pais têm um papel fundamental na
formação de leitores, para isso, devem ser modelos de leitores e não deixar a tarefa
exclusivamente à escola; assunto que discutiremos adiante, (pois o ideal às vezes não é o
real).
52
A presença do escrito no cotidiano a criança a ajuda entender para que serve e a
instiga a querer ter acesso a ele, afinal, “crianças aprendem através do exemplo, e aprendem
atribuindo significados a situações significativas” (SILVA, 1983, p. 55-56).
Observamos que é crescente o número de famílias que visitam feiras de livros,
bienais, livrarias, passeiam no shopping e, junto com o consumismo, comum em nossos dias,
compram livros entre outras coisas.
Por outro lado, também observamos famílias, para as quais o material impresso é
estranho, não só pais analfabetos como também alguns alfabetizados, (letrados)
19
que, por
circunstâncias diversas não podem fazer o mesmo e se afastam do material escrito.
Como todos são influenciados pela estrutura social onde impera o utilitarismo, o
consumismo e a alienação, às vezes, os membros das classes de menor poder aquisitivo não
têm condições de adquirir o livro. Há outras prioridades e a família opta por formas
alternativas para suprir à necessidade de fantasia e ficção inerente ao ser humano, como
afirma Candido (1972, p. 804):
Uma das funções da literatura é a necessidade universal de ficção e de fantasia, que
de certo modo é coextensiva ao homem, pois aparece invariavelmente em sua vida,
como um indivíduo e como um grupo, ao lado da satisfação das necessidades mais
elementares. E isto ocorre no primitivo e no civilizado, na criança e no adulto, no
instruído e no analfabeto.
Quantas famílias no Brasil possuem biblioteca em casa, onde as crianças possam
manusear, ter contato com o livro? Acreditamos que poucas. Embora vejamos isto em alguns
casos, essa não é uma prática comum. Não queremos afirmar aqui que todas as famílias com
formação universitária formam filhos leitores, pois mesmo aquelas escolarizadas podem ter
um filho ou outro que não lê apesar de observar a prática de leitura dos adultos
20
. Às vezes, o
jovem que lê é estigmatizado como “diferente”. Neste caso há dois procedimentos adotados
pela família: “Que bom, ele lê”, ou “Ler tanto faz mal”
21
.
19
Utilizamos aqui o conceito de letramento que diz respeito à capacidade que o indivíduo tem de participar de
práticas que envolvam o texto literário e seja capaz de relacionar e participar do mundo circundante. Embora
os alfabetizados tenham mais condições de fazer isso, a alfabetização não é condição para o indivíduo ser
letrado (KLEIMAN, 1995).
20
A esse respeito Yunes e Pondé (1988, p. 7) afirmam que “o adulto que lê começou a fazê-lo na infância, se não
foi assim, iniciou com o incentivo das crianças que lêem na escola e levam essa prática para casa”.
21
Sobre a leitura: Zilberman, R. Fim do livro, fim os leitores? São Paulo: Senac, 2001, especificamente capítulo
“Ler faz mal?” p. 39-56. Em muitas famílias o hábito de ler é visto como qualidade, no entanto, há casos em
que é visto como um problema: estraga a visão, ou é pessoa diferente, há até os casos de meninos serem
discriminados como afeminados.
53
Uma terceira variante seria a prática escolar, que quase nunca trata a leitura como
prazer, fruição. A leitura do texto literário é vista, às vezes, como pretexto para exercícios
gramaticais, como uma obrigação, uma tarefa sem ligação com a vida.
A escola, sem preparar antecipadamente o aluno para a recepção do discurso
literário, determina a obrigatoriedade, ou não, da leitura de uma obra, sobretudo no ensino
médio, pautando-se nas listas de indicações para os vestibulares. No primeiro grau, às vezes, a
leitura é apenas decodificação, cobrada em forma de fichas de leitura, testes ou outra tarefa
para avaliar se realmente o aluno leu.
A literatura na escola é abordada via livro didático, tanto no ensino fundamental
quanto no ensino médio, a partir de fragmentos de textos literários que não possibilitam uma
leitura completa da obra, nem o acesso ao suporte original em que o texto é apresentado.
Dessa maneira, priva o leitor iniciante do contato com a ilustração, com a forma de letra e
com encadernação originais. Ao se analisar a apresentação de textos literários nos livros
didáticos destinados ao primeiro ciclo do ensino fundamental, será possível identificar apenas
fragmentos descontextualizados da narrativa ou a transformação da história original em
quadrinhos.
Por causa disso, a ação do professor deveria ser sempre a de mediador que
incentiva a leitura do texto literário em seu suporte original. Sabemos, entretanto, que, muitas
vezes, ele é mero reprodutor do manual que é o livro didático, nega “a emoção de escolher o
livro, que faz parte do ritual de leitura”, segundo Evangelista (2001, p. 107). É necessária,
portanto, a correta escolarização da literatura, mas o professor como mediador também é uma
vítima do sistema. Como afirma Ezequiel T. da Silva (1993), o professor “não é leitor” por
motivos diversos: falta de tempo, de condições financeiras para comprar esse material ou
porque também não lhe foi propiciado o contato com materiais de leitura e isso tudo dificulta
a sua ação mediadora.
As livrarias e autores, para conquistarem esse público escolar, promovem
palestras, visita de autores às escolas, as editoras através de encartes de divulgação procuram
a adesão do professor para divulgação de seus “produtos”. E é justamente assim, como um
produto, que o livro tem sido visto atualmente. O autor passa a ser o profissional das letras,
que escreve, às vezes, seguindo uma exigência da editora. Dessa forma, desenvolve
determinados temas, pois é o que o sistema precisa no momento. Observamos isso,
principalmente, nas obras literárias produzidas para atender às exigências dos temas
transversais (PCNs).
54
É óbvio que o autor precisa sobreviver de seu trabalho, mas da forma como a
indústria cultural tem se comportado, a criação literária, pode perder em qualidade. Vimos
proliferar um número enorme de obras, apesar da afirmação de que hoje se lê menos. As
livrarias, como instâncias mediadoras, também contribuem para o aumento da literatura de
massa, auto-ajuda, biografia de artistas, pois expõem as obras nas prateleiras segundo o
critério do livreiro, estabelecendo dessa forma um sistema paralelo entre o literário e o não
literário. O que é valorizado atualmente é o que o público gosta, afinal “pode ler-se um livro
com outras intenções que não seja a de tirar daí prazer estético ou recolher qualquer benefício
cultural” (ESCARPIT, 1969, p.39)
22
.
Finalmente chegamos à variante pessoal. Ler o quê? Ler por quê? Ler para quê?
Como dissemos anteriormente, vivemos num mundo consumista e imediatista, tudo tem que
ter uma resposta, de preferência rápida. Assim, a leitura do texto literário pode tornar-se uma
tarefa demorada, levando em consideração a rapidez do mundo atual. Por isso, os jovens às
vezes preferem ver um filme ou “navegar” pela internet, já os adultos, “bombardeados” por
todo tipo de informação, preferem se atualizar para não perderem o “bonde do progresso”.
Fica, dessa forma, a leitura literária para os “iniciados”, para a academia, àqueles que
formaram o gosto, hábito, na prática da família, na escola, ou no convívio social, pois, como
afirma Chartier (2001, p. 21) “ler aprende-se na convivência plural das práticas culturais, na
escrita da linguagem”.
Portanto prática de leitura é uma via de acesso, uma abordagem da leitura como
um fato que tem uma historicidade, que é executado dentro de certas condições sócio-
econômicas.
2.6 PRÁTICAS CULTURAIS, LEITOR CONSTITUÍDO SOCIAL E
INDIVIDUALMENTE: JUNTANDO OS RETALHOS FORMA-SE O DESENHO
Etimologicamente a palavra “cultura” entrou na língua inglesa a partir do
vocábulo latino colere, século XVI, que significava habitar, hoje, “colono”, com sentido
preservado como culto e também cultivar – cuidar aplicado tanto à agricultura como aos
animais. Como metáfora, estendeu-se ao cultivo das faculdades mentais e espirituais.
22
Robert Escarpit, precursor da sociologia da literatura, formula conceitos fundamentais que demarcam os
estudos literários de linha sociológica. Atribui uma dimensão nova ao livro como um produto manufaturado,
distribuído comercialmente e, portanto, sujeito à lei da oferta e da procura; passa, assim, pela produção,
distribuição e consumo do material impresso.
55
No século XVIII, ao lado da palavra civilização começou a ser usada para
designar o processo geral de progresso intelectual e espiritual, tanto na esfera pessoal como na
social. No século XIX, na Inglaterra e Alemanha, a palavra cultura passou a ser usada como
cultura das nações e do folclore, desenvolvimento humano em contraposição à civilização,
numa conotação civilizado versus primitivo. Essa virada semântica indica uma intensa
transformação social. No século XX há a acepção remanescente da palavra cultura como
cultivo, desenvolvimento intelectual e estético, nome que descreve as obras e práticas de
atividades artísticas. Cultura é música, literatura, teatro, pintura.
Podemos observar que o sentido da palavra cultura acompanha as transformações
sociais ao longo da história e absorve muito da mesma. Vislumbram-se, assim, os primeiros
passos para a nossa “era da cultura”, em que há o predomínio dos meios de comunicação de
massa e o desvio do conflito político e econômico para o cultural, que são as marcas do tempo
presente.
Para Culler (1999), as previsões para as causas de conflitos em nossos dias são de
que estas não serão políticas ou econômicas, mas que as grandes oposições entre as espécies
humanas serão culturais. Percebemos um entrecruzamento entre ideologia, economia, história,
cultura e o poderio econômico atravessando a expansão cultural, a americanização do modo
de vida de grandes faixas do planeta e a produção econômica atravessando o conhecimento
ideológico. Mercadorias e propagandas se misturam na compulsão de criar novas
necessidades para muitos e dar a poucos a possibilidade de satisfazê-las.
Assim, para lidar com a complexidade da vida cultural foi necessário um novo
vocabulário e, conseqüentemente, o surgimento de estudiosos com o objetivo de estruturar
uma nova abordagem: os Estudos Culturais. Dessa forma, Culler (1999 p. 49-51) explica que:
Os Estudos Culturais são realizações dos conceitos que buscam a compreensão e o
funcionamento da cultura e que se tornaram atividade importante na década de 90.
Tem gênese dupla: vem do Estruturalismo e pós-estruturalismo (Barthes)
interessado em desmistificar o que em cultura passa a ser natural. Ao analisar as
práticas culturais ele identifica suas implicações sociais, e da teoria marxista que
recupera vozes perdidas, analisa a cultura de massa em oposição à cultura popular,
como uma formação ideológica opressora para justificar o poder do Estado.
Neste sentido, cultura popular como expressão do povo, ou dar voz a grupos
marginalizados, e cultura de massa, uma imposição ideológica, é a dualidade que move os
Estudos Culturais, eles são a prática do que chamamos teoria. Repensemos, então o conceito
de teoria nos postulados de Foucault (1995), para o qual os discursos criam as coisas que
56
afirmam. Dessa forma é necessária uma pequena conceituação do que seria a “teoria” para
Culler (1999, p.13): “Algumas obras vão além de seu campo original, podem ser crítica de
noções do senso comum, que aceitamos sem discussão e de fato, são construções históricas,
que nos parecem, naturais, que nem a vemos como teoria”. Portanto, a teoria é especulativa,
interdisciplinar, analítica, é experimentar o prazer da reflexão. No sentido barthesiano, o
prazer do texto está na ficção do indivíduo que abolisse de si todas as barreiras ideológicas,
possibilitando assim, a contradição da mistura de todas as linguagens.
Desde 1960 do século XX, conhecimentos, idéias vindas da filosofia, da
lingüística, da psicanálise e de outros campos externos aos estudos literários foram adotados
por estudiosos da literatura porque suas análises da linguagem, ou da história, ou da cultura,
oferecem explicações a respeito de questões textuais e culturais.
Antes de ser pensado como opositor aos estudos literários, os estudos culturais
devem ser entendidos como aplicação de análise literária a outros materiais culturais, ou seja,
em princípio os Estudos Culturais abrangem os estudos literários examinando a literatura
como uma prática cultural. Importantes para os Estudos Culturais foram as análises de cultura
como expressão do povo e a cultura como imposição sobre o povo.
O estudo da cultura popular nos possibilita por um lado, ver o que é importante
para a vida das pessoas comuns em oposição aos estetas, por outro lado, verificar como as
pessoas são manipuladas por forças culturais, afinal, as pessoas são “construídas” pelas
práticas culturais que as interpelam.
O conceito de interpelação remete a Althusser (apud CULLER, 1999, p. 51) que
discorre sobre a questão dos sujeitos assujeitados que somos. Assim como as propagandas se
dirigem às pessoas como tipos particulares de sujeitos, repetidas vezes, fazem com que estas
ocupem determinadas posições, tomem determinadas atitudes, os estudos culturais perguntam
em que medida somos donos de nossas atitudes. E é Althusser quem nos faz pensar: “Em que
medida somos sujeitos de nossas ações, em que medida nossas escolhas são limitadas por
forças que não controlamos”.
Ainda segundo Culler (1999), é na Inglaterra que surgem os primeiros estudos de
reconstrução histórica dos discursos preponderantes sobre a cultura e os livros. Autores
considerados fundadores dessa linha são: Raymond Willians com a obra Culture and Society
(1958) examina as idéias sobre cultura e sociedade desde a Revolução Industrial até 1950.
23
A
23
O autor propõe uma cultura comum em oposição à idéia de uma minoria que decide o que é cultura e depois a
difunde entre a “massa” com objetivo de facilitar o acesso de todos ao conhecimento e aos meios de produção
cultural. Sua obra pretende superar as dicotomias estruturantes da posição da tradição de cultura e sociedade
.
57
obra The uses of literary de Hichard Hoggart (1957)
24
estuda as tradições culturais da classe
trabalhadora urbana e o impacto da cultura de massa sobre seus hábitos e costumes.
25
Willian e Hoggart pretendem ler outras formas culturais, além da literatura, e
analisar os modos pelos quais tais formas e práticas produziam sua sociabilidade. Era assim
inaugurado o campo dos estudos culturais britânicos, que se consolidou com as ferramentas
teóricas do marxismo, da sociologia clássica, da psicanálise, do estruturalismo e da semiótica.
Para recuperar a história “dos de baixo” como um movimento impulsionador da
história geral, E.P. Thompson publica, em 1963, Making of the English Working Class.
Aponta para a noção de que a cultura deve ser entendida por meio das experiências dos
vencedores e dos vencidos e que categorias como cultura de massa ou cultura popular não são
criações recentes.
Os Estudos Culturais buscam a compreensão e o funcionamento da cultura que
Segundo Culler (1999, p. 51), “movem-se na dualidade entre o desejo de recuperar a cultura
popular como expressão do povo ou dar voz à cultura de grupos marginalizados e o estudo da
cultura de massas como uma imposição ideológica opressora”. Estas reflexões completam as
idéias das práticas culturais e da sociologia da leitura. Sendo a leitura abordada, aqui, como
prática social excluímos, dessa forma, a idéia de que ler é uma necessidade sempre igual,
compartilhada por todos da mesma forma, pois sabemos que há populações com o mínimo de
letramento e que lêem uma literatura popular. Ou, influenciadas pela mídia, lêem literatura de
massa, que, segundo os leigos, tem uma linguagem mais acessível e próxima de suas
realidades.
A partir desses pressupostos podemos inferir que as formas particulares de cada
indivíduo e as condições históricas influem nesses modos de leitura. Há dois elementos
importantes nesta constituição: o próprio texto e os leitores. Esses últimos devem estabelecer
não somente formas de identificação de como o primeiro é constituído (contexto social,
histórico, econômico), mas também de casos específicos de leitores comuns, que não têm
acesso ao cânone, desconhecem bibliotecas, não lêem como na academia, mas lêem, às vezes,
mais que as pessoas com maior poder aquisitivo, mais que os estudantes nas escolas.
24
As obras Culture and society de Raymond Willians (1958); The uses of literaty de Hichard hoggart (1957) e
Making of the English working class de E.P. Thompson (1963) foram citadas na obra de Culler (1999).
25
Sua atenção aos procedimentos da imprensa popular, do cinema e dos costumes da vida cotidiana faz de seu
livro um dos primeiros exemplos do tipo de investigação que marcaria os estudos culturais. A estratégia de sua
argumentação é estabelecer a existência de uma cultura como modo de vida baseado nas relações sociais nos
bairros de classes trabalhadoras.
58
Enfocamos a relação leitor e texto, no entanto o autor tem um papel importante
nesta tríade. Se por um lado existe a relação autor-texto, como se o texto fosse destinado a um
determinado leitor, por outro lado essa idéia de autoria conduz à idéia de que o autor deixa
determinadas marcas de como o texto deve ser lido, como se o mesmo tivesse uma certa
autonomia, de modo que nesse processo não fosse necessário considerar nem a produção, nem
as práticas do leitor. Isso não significa entretanto, que o autor seja dono do sentido, afinal a
manifestação lingüística, a intenção do autor ao escrever não atingirá, necessariamente, o
sentido que o leitor atribui ao texto.Além disso, concordamos que o texto, lingüisticamente
não dá conta de expor fielmente toda intenção do autor, há os “não ditos” para o leitor
atualizar a cada leitura.
Num mundo social em que a escrita não é privilégio de determinados grupos e em
que os meios de produção mecânica dos textos cada vez mais se tornam independentes das
esferas sociais em que foram produzidos e para as quais foram dirigidos, os mesmos adquirem
uma mobilidade temporal e social, movem-se no tempo e no espaço social, distanciam-se de
seus contextos iniciais de produção e recepção.
Se a obra tem essa mobilidade, os leitores também são móveis e, dependendo do
contexto social em que estão inseridos, apropriam-se do texto de outras maneiras. Novos
tempos implicam novos tipos de leituras.
Os estudos sobre as práticas de leitura têm buscado observar quais os traços
constitutivos dessas comunidades de leitores, apontam como são importantes as constituições
sociais e históricas, tanto do texto quanto dos leitores. Observam como se dão esses modos de
ler a partir das relações entre texto e leitor. Se de um lado temos o leitor constituído social e
individualmente por outro, apesar de pertencer a um grupo, o leitor é um indivíduo. É o que
poderemos observar a seguir com a análise dos dados coletados através das entrevistas.
Enquanto a literatura faz da arte escrita seu campo de estudo, a cultura se interessa
por um leque mais amplo de manifestações artísticas e sociais incluindo-se a literatura e a arte
popular. Assim, ler literatura consiste em uma prática cultural. O termo “cultura” remete a
uma gama de representações artístico-sociais, enquanto que literatura remete a um conjunto
limitado de obras, definido por critérios ético-estéticos e sócio-políticos, logo, mais arbitrários
e excludentes.
Por esse motivo grupos sociais à margem do poder hegemônico podem produzir
cultura. É o caso da cultura popular. Aqui é necessário que se faça uma explicação: a
literatura de minorias, para Culler (1999), é a literatura dos menos favorecidos, dos “sem
voz”, mas, observamos que, na prática, essa “minoria” nos parece ser a cultura erudita, porque
59
são poucas as pessoas que têm acesso a ela. Ficando dessa forma as altas literaturas reduzidas
a um grupo privilegiado, àqueles para os quais o acesso às obras literárias é facilitado.
Nessa perspectiva, temos de concordar com Eagleton (1997, p. 30) ao afirmar que
“... a literatura guarda as relações mais estreitas com questões do poder social [...] não existe
uma essência na literatura”. Por integrarem o corpus dos estudos culturais, os estudos
literários demandam a ampliação de seu universo artístico-cultural.
Hoje há gêneros maiores e menores, poetas maiores e menores segundo critérios
estabelecidos pela academia. Dessa forma, não é de se estranhar, que a palavra escrita seja
classificada como literatura para uma elite e como cultura para os que ficam à margem.
60
CAPÍTULO III. CONTEXTUALIZAÇÃO E METODOLOGIA DA PESQUISA: O
DESENHO DELINEADO, A TRAMA SE TECE E A DIVERSIDADE DE CORES
SURGE
As palavras me antecedem e ultrapassam,
elas me tentam e me modificam, e se não
tomo cuidado será tarde demais: as coisas
serão ditas sem eu as ter dito. Ou pelo
menos não era apenas isso. Meu enleio
vem de que um tapete é feito de tantos fios
que não posso resignar a seguir um fio só;
meu enredamento vem de que uma história
é feita de muitas histórias e nem todas
posso contar.
Clarice Lispector (1989)
26
Iniciamos a descrição da metodologia aplicada à pesquisa cientes do conceito de
suplementariedade dos discursos, pois o que escrevemos agora necessitará de suplementação,
tendo em vista que o autor, às vezes, não consegue expor suas idéias de forma com que o
receptor as receba com as mesmas intenções com que foram produzidas. Não há, portanto,
uma significação única, as palavras nunca dão conta de dizer tudo da forma que o falante
julga dizer.
Desse modo, nos apropriamos das palavras de Foucault (1995, p. 1) que afirma
que “Nós não começamos as coisas, elas estão começadas [...] Gostaria de não ter que tomar a
palavra, mas de ser envolvido por ela e levado além de qualquer começo possível”. Isso quer
dizer que há hesitação ao iniciar o texto, fazer uma escolha, pois temos ciência de que ao fazer
essas escolhas, posicionamentos, seremos confrontados, assim ainda usando as palavras de
Foucault (1995, p.1) “[...] gostaria que o discurso tivesse ao meu redor, uma transparência
calma, profunda, indefinidamente aberta onde os outros estivessem me esperando, de onde as
verdades
27
uma a uma se revelassem”.
26
Epígrafe in MAGNANI, M. R. M. Leitura e Escola. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
27
Aqui o conceito de verdade é o mesmo que para Derrida (2002) em que os discursos constroem as verdades
por meio da suplementariedade. Derrida, Jaques. A escritura e a diferença. Trad. Maria Beatriz Marques N. da
Silva. 3ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2002.
61
Optamos pela pesquisa etnográfica
28
, qualitativa e quantitativa cujo objetivo
primeiro foi investigar quem faz o papel de formador do leitor infantil dos filhos de cortadores
de cana da região de Umuarama-PR. Essa preocupação primeira originou-se da observação de
vários ônibus rurais que transportam homens e mulheres pela região para o trabalho volante.
O primeiro questionamento foi: “Com quem ficam seus filhos?” É certo, pensamos, devem ser
pais, ter família, uma casa para voltar.
A idéia foi amadurecendo e propusemos o projeto de pesquisa visando observar
como vivem essas crianças, quais as concepções de leitura, literatura e leitor que têm? Para
isso seria necessário um contato mais íntimo com as pessoas com as quais gostaríamos de
desenvolver o trabalho.
Na realidade, o embrião da pesquisa iniciou-se no ano de 2003, quando ainda não
tínhamos consciência de todo o percurso que teríamos que trilhar. Antes de montar o projeto
de mestrado, projeto este elaborado em 2004 e aprovado em 2005 para execução da proposta,
já tínhamos contato com os cortadores de cana. Foram várias as madrugadas em que fomos
aos pontos de parada dos ônibus rurais, apenas para conversar
29
. Assim, após visitas a
algumas famílias, conhecimento das Usinas de álcool e açúcar da região, formulamos os
questionários de pesquisa que foram dez (10) para as crianças, filhos de cortadores de cana,
que estudam nos 1º e 2º ciclos do ensino fundamental, entrevistas escritas e gravadas com os
pais, professores e equipe pedagógica.
Diversos seminários e publicações têm analisado as condições de vida, saúde,
alimentação dessa categoria. No entanto nenhum trabalho de investigação científica havia
sido realizado na região, no sentido de observar as concepções de leitura, literatura e leitor;
quais os mediadores de leitura para a clientela infantil, tendo em vista que os pais saem cedo
para o trabalho e as crianças têm pouco convívio com a família; qual o grau de escolaridade
dos adultos, as práticas culturais dessa comunidade, fatos que despertaram o interesse em
desenvolver a presente pesquisa etnográfica.
Pesquisamos os pais e crianças em suas residências, escolhemos a cidade de Nova
Olímpia, tendo em vista que a região é extensa e tínhamos de escolher aleatoriamente uma
cidade como ponto de referência, lugar onde as pessoas moram. Através dessa 1ª fase da
28
O termo “etnográfico” para Erickson (1996, p.27) vem do grego ethnoi, que significa “outros”, é um esquema
de pesquisa para estudar a cultura e a sociedade. Etimologicamente significa “descrição cultural”, e englobaria
técnicas de coletas de dados sobre hábitos, práticas e comportamento de um grupo social. Para Wielewicki
(2001, p.27-28) esse tipo de pesquisa se propõe descrever e interpretar, ou explicar o que as pessoas fazem em
um determinado ambiente, procura descrever o conjunto de conhecimentos partilhados entre participantes em
determinado contexto, ou seja, a cultura daquele grupo, interessada no ponto de vista dos sujeitos pesquisados.
29
“A entrevista, especialmente a não estruturada, é de grande utilidade, devido ao seu caráter interativo, que
permite uma ‘atmosfera’ de influência recíproca entre quem pergunta e quem responde” (Medeiros, 1997).
62
pesquisa pudemos identificar a escola em que as crianças estudam. Como a cidade é pequena,
há apenas uma escola de ensino fundamental (1ª a 4ª séries), o que facilitou o contato com os
professores e equipe pedagógica.
Ainda no primeiro momento da pesquisa entrevistamos os pais e crianças que
faltavam para completar o grupo de dez (10) crianças. Alguns foram entrevistados no mesmo
dia em que os filhos; já com outros, foi necessário retornar várias vezes para encontrarmos ou
o pai ou a mãe que trabalhava no corte de cana. É importante esclarecer que, inicialmente,
seriam entrevistados dez (10) pais, no entanto encontramos famílias em que tanto o pai quanto
a mãe trabalhavam no corte, de modo que obtivemos doze (12) entrevistados.
Os questionários aplicados aos pais são compostos por questões separadas em
duas partes: a primeira identifica a clientela, aborda questões referentes à situação
socioeconômica, remuneração, sexo, idade, grau de instrução, condições de moradia, meio de
transporte e de comunicação. A segunda parte do questionário aborda questões referentes ao
nível de letramento e práticas culturais do grupo, com vinte e cinco questões objetivas e oito
subjetivas referentes à leitura e literatura, fazendo um total de trinta e três questões. Para
evitar constrangimentos àqueles que não sabiam escrever, todas as respostas foram registradas
pela pesquisadora.
O mesmo procedimento foi adotado para as crianças que responderam aos
questionários. Este material é composto de quatro partes: a primeira identifica os sujeitos da
pesquisa; a segunda observa aspectos socioeconômicos; a terceira traz doze questões
referentes à leitura; e a quarta parte intitulada: “Vamos brincar um pouco? Eu começo você
termina”, é reservada à recepção dos contos de fadas tradicionais: Chapeuzinho Vermelho, A
Bela Adormecida e Branca de Neve.
Os questionários respondidos pela escola, coordenadoras e professoras não
seguem o procedimento anterior, foram respondidos pelos profissionais e devolvidos
posteriormente. Este material está separado em três partes: na primeira procura-se identificar
os possíveis mediadores de leitura escolar; a segunda aborda questões referentes à concepções
de leitura e literatura dos mesmos; e a terceira se propõe à verificar as práticas culturais e o
conhecimento que esses profissionais da educação têm da clientela com a qual trabalha.
Os questionários aplicados aos coordenadores são compostos de dezesseis
perguntas no total e o destinado aos professores é mais extenso com vinte e três perguntas,
sendo a última destinada aos comentários do professor.
63
Para garantir a privacidade dos sujeitos participantes da pesquisa optamos por
designá-los: (M) para as mulheres, (H) para os homens, (C) para as coordenadoras, (P) para as
professoras e (A) para alunos seguidos dos respectivos números.
Foram mais de seis viagens para realizarmos a pesquisa, pois a cidade escolhida
fica a aproximadamente 48 Km de Umuarama, cidade onde a pesquisadora reside.
Para encontrar os pais em casa, às vezes, fizemos pesquisa à noite e em dias de
chuva, porque quando não estão trabalhando, eles têm outras ocupações das quais trataremos
nas análises dos dados coletados.
A 3ª fase de registro de campo foi a pesquisa na Escola Municipal Maria
Rodrigues Travaglia. É necessário esclarecer que procuramos entrar em contato com todos os
professores das crianças, as quais já haviam respondido os questionários. Estes foram
entregues aos dez professores e recolhidos posteriormente, mas apenas cinco retornaram,
portanto, foram esses que responderam às questões destinadas aos professores, as duas
professoras que ocupam funções pedagógicas, responderam a entrevista referente a este setor.
Na primeira visita à escola, pudemos conversar com duas professoras que estavam
no momento em H/A (hora atividade). Não foi uma entrevista formal, pois percebemos que,
quando escrevemos ou gravamos, as pessoas se retraem e não falam o que realmente pensam.
Por isso, ficamos durante algum tempo para um “bate-papo” que nos propiciou informações
úteis à pesquisa, como as atividades desenvolvidas pelas crianças em períodos
complementares às quatro horas de aula em sala, e os projetos que atendem às crianças que
não haviam sido citados, nem pelos pais, nem pelas crianças.
Por se tratar de uma pesquisa etnográfica, como dissemos a princípio, os
resultados passam pelo discurso do pesquisador, por isso pode, às vezes, parecer fragmentado.
Afinal,
a pesquisa etnográfica pós-moderna não tem a preocupação de representar
verdadeiramente a cultura de um grupo de pessoas; ela reconhece o indivíduo
fragmentado e a impossibilidade de totalização do conhecimento. É discurso,
verdadeiro em um contexto, mas que não deixa de ser uma versão construída do
outro, mesclada com a visão de si mesmo (WIELEWICKI, 2001, p. 32).
De posse dos dados, a tarefa seguinte foi o processo de registro e análise para a
construção dos gráficos e/ou tabelas e a versão escrita da pesquisa. Embasados nessas análises
é que expusemos os resultados dos questionamentos iniciais e dos fatos que surgiram durante
64
a pesquisa, não contemplados na idéia inicial, como a pesquisa bibliográfica sobre os projetos
PETI e II Tempo
30
que atendem à clientela pesquisada.
Acreditamos, dessa forma, que as idéias aqui expostas contribuirão para futuros
projetos de incentivo à leitura com a população pesquisada.
3.1 CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA: NOVELOS, LINHAS, MÚLTIPLAS CORES
A sociedade brasileira vem se urbanizando nos últimos anos. Devido à
mecanização do campo houve o êxodo rural. Isso cria uma nova classe: a dos trabalhadores
volantes rurais ou popularmente conhecidos como “bóias-frias”
31
. A situação social, política
e econômica do país contribuem sobremaneira para o surgimento dessa categoria de
trabalhadores que fazem o trajeto inverso: moram nas cidades do interior, geralmente na
periferia, alguns em conjuntos habitacionais, outros em casas alugadas. Hoje, a qualidade de
vida dessa população é relativamente melhor do que era por volta dos anos 80. Todos têm
acesso à água tratada e luz elétrica nas casas, afinal, pagam pelo consumo, têm atendimento
de saúde nos Postos de Saúde dos bairros, coleta de lixo e deslocam-se para o trabalho em
ônibus rural, o que não acontecia no passado, quando eram transportados em caminhões sem
nenhuma segurança.
A região de Umuarama (PR), que no passado tinha a economia baseada na
agropecuária, hoje investe na plantação de cana de açúcar. É comum nas estradas o tráfego de
ônibus rural, transportando cortadores de cana, homens e mulheres, que prestam serviços nos
canaviais. Iniciam o trabalho no campo às sete da manhã, mas, por terem que se deslocar da
cidade para locais às vezes distantes viajam de madrugada.
O deslocamento geográfico pode associar-se a um profundo senso de
deslocamento cultural, pois residem em uma cidade e vão para o “corte” em outras
localidades às vezes distantes. Como na região há várias usinas de álcool e açúcar, os
30
PETI-Projeto de erradicação do Trabalho infantil atende as crianças com atividades esportivas, dança e
música. Projeto II Tempo – a proposta é ocupar o tempo ocioso dos alunos com atividades desportivas, dando-
lhes oportunidade de melhorar suas condições de vida. É um programa de inclusão social, é lazer e reforço
alimentar. As crianças que estudam de manhã vêm à tarde e os da tarde vêm de manhã. Segundo a LDB
número 9.394 de 20/12/1996, publicada no D.O da União em 23/12/1996 o artigo 34 fala da jornada escolar e
estabelece pelo menos quatro horas de trabalho efetivo em sala de aula sendo progressivamente ampliado o
período de permanência na escola; o inciso 2º acrescenta “o ensino fundamental será ministrado
progressivamente em tempo integral a critério dos sistemas de ensino”.
31
A alcunha “bóia-fria” deriva do fato de, ao saírem cedo de suas casas, levarem a comida, que, não tendo
possibilidade de ser esquentada, é ingerida fria.
65
trabalhadores se deslocam para os lugares onde há trabalho. Saem de casa às quatro horas da
manhã para iniciar o trabalho às sete. Todas as famílias entrevistadas residem na cidade de
Nova Olímpia e se deslocam para o corte de cana na região, como aponta o seguinte gráfico:
Deslocamento para o trabalho
29%
29%
7%
7%
14%
14%
Perobal
Ivaté
Cidade Gaúcha
Nova Olímpia
Rondon
Mariluz
Gráfico l - Deslocamento para o trabalho.
Fonte: Questionários aplicados aos pais
Com base no gráfico 1 podemos observar que apenas uma pessoa trabalha na
cidade em que reside, ou seja, 7% dos pais entrevistados. Dos outros, 29% vão para Perobal, a
70 quilômetros; 29% trabalham em Ivaté, a 40 quilômetros; 7% em Cidade Gaúcha, a 19
quilômetros; 14% em Rondon, a 39 quilômetros e 14% em Mariluz, a 80 quilômetros.
Às vezes, viajam até três horas para chegar aos canaviais onde exercem um
trabalho árduo e perigoso, principalmente quando não há proteção de equipamentos contra
acidentes, fato que quase não acontece, pois as Usinas têm se preocupado com a segurança,
exigência do Ministério do Trabalho. No entanto, há casos em que os próprios trabalhadores
se negam a usar essa proteção, uma vez que afirmam atrapalhar o rendimento, tendo em vista
que ganham por produção.
Essas pessoas, que no passado moravam no campo, voltam ao mesmo como
trabalhadores itinerantes, assim, o que antes era morada do agricultor virou terra de usina. É
importante esclarecer que, a clientela pesquisada é produto de diáspora
32
, pessoas que buscam
trabalho e melhores condições de vida; e o corte de cana aparece como uma solução, se não
para a questão econômica e social do país, mas para a própria sobrevivência desse grupo de
32
Termo ligado ao pós-colonialismo. No Brasil não existem teóricos estabelecidos sobre este assunto. No âmbito
internacional Hommi Bhabha, Edward Said, Stuart Hall e outros têm tratado do tema.
66
pessoas. São representantes de uma diáspora interna, não muito diferente da diáspora
transnacional exemplificada pelos brasileiros que, diariamente, deixam o país em busca de
trabalho.
Nesta perspectiva, o estudo se justifica porque além de servir de ponto de partida
para uma pesquisa mais detalhada da questão com os filhos desses trabalhadores, contribuirá
de alguma maneira para a divulgação do grau de letramento da comunidade de trabalhadores
possibilitando dessa forma a implementação de projetos que atendam suas necessidades.
Tomamos a leitura nestas reflexões, como prática social, portanto interdisciplinar.
Os estudos sobre as práticas de leitura têm buscado observar quais os traços constitutivos
dessas comunidades de leitores e apontam como são importantes as constituições sociais e
históricas, tanto do texto quanto dos leitores. Observa como se dão esses modos de ler a partir
das relações entre texto e leitor. Se de um lado temos o leitor constituído socialmente e
individualmente, por outro, apesar de pertencer a um grupo, o leitor é um indivíduo. É o que
poderemos observar, no próximo capítulo a partir da análise dos dados coletados: nas
entrevistas gravadas com os pais, nos questionários respondidos pelas crianças, professores e
equipe pedagógica da Escola Municipal, na qual estas crianças estudam.
É importante esclarecermos aqui os critérios para a seleção dos sujeitos de
pesquisa: primeiro ser filho de cortador de cana; segundo estar estudando no ensino
fundamental de primeira à quarta série; terceiro, as crianças estudarem na mesma escola. Por
isso, quando escolhemos a cidade de Nova Olímpia focalizamos ali a residência das crianças
pesquisadas e, conseqüentemente, a escola, que sendo a única de ensino fundamental da
localidade, concentra todos os filhos dos trabalhadores nos canaviais.
67
CAPÍTULO IV. ANÁLISE DOS QUESTIONÁRIOS: A FAMÍLIA, O FIO DE
ARIADNE
33
Tecer aqueles fios ásperos, duros e tão, tão
frágeis, até que se convertessem num
tesouro precioso?
34
Esse momento de tessitura, da rede que se trama, representa momentos de
determinação. Colocamo-nos como Penélope tecendo a história, não só de uma classe social,
mas de um trabalho de Patchwork, no qual misturamos nossas histórias, às histórias, ao
mesmo tempo, duras e bonitas dos filhos de cortadores de cana e de suas famílias. É o ninho
de onde voam os passarinhos, para outros céus, ou, talvez, outros canaviais.
Vislumbrando monitorar esses vôos, passamos agora à análise das entrevistas e
questionários realizados com as famílias (Anexo A). Conforme mencionamos anteriormente
foram entrevistados 12 trabalhadores no corte de cana da região, cuja idade varia de 25 a 50
anos. Destes, cinco são do sexo feminino, e sete do sexo masculino:
Idade (anos) Feminino Masculino
25-34 5 2
35-49 - 5
Total 5 (42%) 7(58%)
Quadro 1 - Idade dos pais trabalhadores nos canaviais, especificado por sexo/idade.
Fonte: Questionário aplicado aos pais.
O quadro um explicita uma questão para a qual já chamamos a atenção: Há
famílias em que, tanto pai quanto a mãe trabalham no corte de cana, justificando assim o fato
de termos dez crianças e doze pais como sujeitos da pesquisa. Isso também interfere no
rendimento dessas famílias, cuja remuneração varia, em períodos de safra, de um a cinco
salários mínimos.
35
33
O fio de Ariadne remete ao mito de Ariadne, filha de Pafae e de Minos, rei de Creta, cujas aventuras iniciam
quando ela dá a Teseu, seu amado o fio que lhe permitiria sair do labirinto onde vivia o Minotauro. Disponível
em: <http://www.monesmatike.hpg.ig.com.br/mitologia/Ariadne.html>
34
Machado, Ana Maria. Texturas: sobre leituras e escritos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p. 21.
35
O valor do salário mínimo vigente em abril de 2005 era R$ 260,00.
68
Remuneração Nº de famílias
1 a 2 salários mínimos 8
2 a 5 salários mínimos 2
Total 10
Quadro 2 - Aspectos socioeconômicos das famílias pesquisadas.
Fonte: Questionário aplicado aos pais.
Essa renda familiar é utilizada para custear todas as despesas da família inclusas aí
aquelas relacionadas à manutenção dos serviços essenciais de água e energia, além dos custos
referentes ao aluguel, pago por sete famílias, ou às prestações que três famílias pagam pelo
financiamento da casa própria (BNH), junto ao Sistema Brasileiro de Habitação.
Residência Nº. de famílias
Própria 3
Alugada 7
Total 10
Quadro 3 - Aspectos socioeconômicos das famílias pesquisadas.
Fonte: Questionário aplicado aos pais.
Um outro aspecto a ser enfatizado diz respeito ao nível de escolaridade de nossos
sujeitos de pesquisa. Dentre eles, quatro afirmam não saber ler, nem escrever, embora dois
saibam assinar o nome. Dos oito pais restantes, dois não completaram a quarta série, três
completaram a quarta série e três tem o ensino fundamental completo, até a oitava série:
Grau de instrução Feminino Masculino
Não sabe ler, nem escrever - 2
Não lê, não escreve, mas assina o nome 1 1
Ensino fundamental 4ª série (incompleto) - 2
Ensino fundamental 4ª série 2 1
Ensino fundamental 8ª série (completo) 2 1
Total 5 7
Quadro 4 - Grau de instrução dos pais das crianças pesquisadas.
Fonte: Questionário aplicado aos pais.
69
Nas sociedades letradas, a escrita integra o cotidiano das pessoas. Atividades
rotineiras como ler placas e fazer contas passam despercebidas. No entanto, essas atividades,
que para o sujeito alfabetizado são automáticas, representam verdadeiros obstáculos para
grandes grupos não escolarizados que, por motivos diversos, estão excluídos da escola. Dos
doze pais entrevistados, as mulheres têm menos dificuldades para ler placas ou letreiros e
afirmam escrever textos relacionados ao seu cotidiano sem dificuldades; apenas uma delas
pede para que outra pessoa leia, neste caso, quem ajuda são os filhos. Já entre os sete homens,
quatro admitem a necessidade de pedir para que outra pessoa leia ou escreva.
O domínio de outros usos e funções da escrita significa poder ter acesso a mundos
como o da mídia e o da tecnologia e, através deles, participar das relações com o poder,
intimamente ligadas ao exercício da cidadania. Por isso, os caminhos do letramento, hoje,
seguem os caminhos de Paulo Freire (1987), que atribui à alfabetização, a capacidade de levar
o analfabeto a organizar reflexivamente seu pensamento, desenvolver a consciência crítica e
de introduzi-lo num processo oral de democratização da cultura e de libertação política e
social.
Alguns desses entrevistados afirmam ter ido à escola, mas não ter aprendido a ler,
por motivos diversos. De acordo com um deles, o que ocasionou o abandono dos estudos foi a
“vergonha” de ter entrado na escola “muito velho” e não se sentir bem em meio às crianças.
Outros transferem “a culpa” aos pais, pela falta de “esclarecimentos” para pôr os filhos na
escola e também por precisar da mão de obra que ajudava no sustento da família. Desse grupo
alguns estudaram poucos meses, outros não completaram o ensino fundamental pelos mesmos
motivos: ajudar a família. Há ainda os que, mesmo tendo freqüentado a escola, afirmam estar
afastados de práticas da leitura, pois só reconhecem seus nomes quando escritos em algum
papel, conseguem identificar marcas e ler calendários ou as “folhinhas” de parede, como
dizem.
Nessa perspectiva, o conhecimento da literatura que, para Candido (1995, p. 243),
“possui uma função humanizadora, que lhe permite ser um instrumento poderoso de instrução
e educação,” não lhes é familiar. São pessoas que têm todo seu conhecimento baseado na
oralidade. Muitos deles sabem versículos bíblicos, decoram por ouvirem as leituras efetuadas
por amigos ou pelo pastor.
Leitor, para as práticas culturais, não é só quem é capaz de dominar uma técnica
de leitura e de escrita, é alguém que se apropria do texto, ainda que através da oralização de
outro indivíduo. Assim, o analfabeto pode ser letrado, participar dos eventos de leitura, de
práticas que envolvam o texto escrito. É o caso desses trabalhadores que se guiam em nosso
70
mundo cheio de letras embora sejam analfabetos, sobretudo se concordarmos com Kleiman
(1995), para quem o
letramento é uma das vertentes de pesquisa que concretiza o interesse teórico, a
busca de explicações sobre um fenômeno com o interesse social cujas respostas
possam promover uma transformação de uma realidade como a marginalização de
grupos sociais que não conhecem a escrita [...] É possível estudar as práticas de
letramento de grupos de analfabetos que funcionam em meio a um grupo letrado [...]
como funcionários analfabetos, com objetivo de examinar, em relação a esses
grupos, as conseqüências sociais, afetivas, lingüísticas que tal inserção social
significa (KLEIMAN, 1995, p. 15-20).
A predominância da oralidade também é latente com relação às formas de
comunicação utilizadas por nossos sujeitos de pesquisa. Onze deles afirmaram preferir utilizar
o telefone público. Apenas um entrevistado do sexo masculino disse escrever cartas.
Comunicação
Cartas
1
-
Telefone
11
Total
12
Transporte
Ônibus
9
A pé
1
Bicicleta
2
Total
12
Lazer
Rádio
12
Televisão
12
-
Total
12
Quadro 5 - Aspectos sociais
Fonte: Questionário aplicado aos pais.
O meio de transporte mais utilizado pelas famílias é o ônibus (nove), dois usam
bicicleta e um não tem condições de usar nenhum desses transportes, anda a pé. Ouvem rádio
e assistem à televisão como forma de lazer e comunicação. Quanto aos materiais impressos
que os pais lêem, cinco pessoas preferem ler a Bíblia, as outras leituras são de jornais,
revistas, e folhetos de propagandas, assim a leitura do texto literário não aparece como prática
nas famílias.
Materiais Feminino Masculino
Revistas 1 1
Jornais - 1
Gibis - -
Literatura (livro) - -
Revistas em quadrinhos - -
Bíblia/livros religiosos 3 2
71
Propagandas 1 -
Material da usina - 1
Não opinou - 2
Total 5 7
Quadro 6 - Materiais impressos que as famílias lêem.
Fonte: Questionário aplicado aos pais.
Nenhum dos pais afirmou ler livros. A imagem que os entrevistados fazem de
suas leituras, é a utilitária. Embora haja entre eles aqueles que terminaram o ensino
fundamental, não há tempo para a leitura de livros de histórias que não sejam as
“verdadeiras”, segundo eles, no caso, as leituras bíblicas. A Bíblia, como dissemos, é o
“Livro Sagrado” e aparece, para 40% dos entrevistados, como leitura obrigatória, seguida de
10% da leitura de revistas e 50% não lê nenhum material.
Lê muito 1
Lê pouco 4
Não gosta de ler 7
Quadro 7 - Leitura como lazer, distração.
Fonte: Questionário aplicado aos pais.
Ao observarmos as respostas às questões sobre materiais impressos que lêem e a
prática de leitura como lazer, distração, apenas um entrevistado do sexo masculino afirma “ler
muito”, as respostas se dividem entre “ler pouco” (quatro); e “não gostar e não ler” (sete), um
número significativo do total de (12). Isso quer dizer que a leitura de qualquer material
impresso, não é prática comum aos entrevistados, a não ser as leituras religiosas. É importante
esclarecer que tanto quem afirma “ler muito” ou “ler pouco” se referem à materiais diversos
como folhetos de propagandas, enfim, quando têm contato com o material escrito, lê.
A leitura no sentido de Candido (1995, p.242) “manifestação universal de todos os
homens em todos os tempos”, pode ser sentida, pois a literatura está presente em toda cultura,
da primitiva à civilizada, mesmo que na oralidade. Dessa forma, nas entrevistas observamos
que preferem histórias contadas, contos folclóricos, histórias de Lampião
36
, contos populares.
Alguns declamam versos de cordel, que ouviram de seus avós. Vale esclarecer que segundo
36
Virgulino Ferreira da Silva nasceu em Pernambuco (1900) e faleceu em Alagoas (1938). Principal cangaceiro
da história. Era mito, uma lenda do Nordeste quando surgiu o cangaço. Criou-se, após sua morte, uma falsa
noção de influência marxista, de que era uma espécie de revolucionário que combatia as injustiças sociais do
sertão. Acessado em 20/03/2005. <http://Wikipedia.org/wiki/lampi>
72
Abreu (1999), o cordel tem “semelhança” com a tradição medieval, um narrador anônimo,
contava suas experiências e, através dessa ação, transmitia um ensinamento moral, um
provérbio, uma norma de vida. Os marinheiros e camponeses também foram contadores por
excelência, mais tarde o artesão assume essa tarefa aperfeiçoando-a.
Na era moderna surge o operário que alterou a relação entre homens, com isso o
contador de histórias perde o seu lugar. Com a imprensa há uma transfiguração dessa arte
popular que passa a ser impressa. O cordel mantém na escrita a oralidade, o ensinamento e
não apenas a fruição individual. Tem um sentido agregador, pois no momento da
comercialização são contados oralmente, por isso muitos consumidores não alfabetizados não
lêem, mas adquirem o livro. É uma espécie de ponte entre a cultura popular e literária, o
sujeito narrador dialoga com o já produzido, reelabora o que ouviu e acrescenta contribuições
próprias, sua visão de mundo e formação cultural.
Hoje há novos mecanismos de mediação: folhetos editados por computador e
gravação em fita cassete. O desafio, forma de poesia popular, também é conhecida pela
clientela pesquisada, assim como as charadas, narrativas orais (causos) “... o processo de
constituição desta forma literária data de finais do século XIX período no qual se definem as
características fundamentais desta literatura chegando-se a uma forma ‘canônica’” (ABREU,
1999, p.73).
Entendemos que preferem a literatura popular, pois estão acostumados à
oralidade, seus pais e os pais de seus pais, já assim o faziam; 50% dos avós das crianças,
segundo a pesquisa, não sabiam ler, 40% sabia mais ou menos, isto é, decodificavam e 10%
não conheceram a família, assim não pudemos fazer a ponte das raízes da formação do gosto
destes últimos.
A cultura de massa também influencia no gosto. Os entrevistados assistem a
filmes, ouvem músicas, conhecem os cantores sertanejos modernos, o atual ritmo “hip-hop”, e
outros gêneros que a televisão e o rádio apresentam.
No total de 12 pais, 50% afirmam ter consciência do valor da leitura frente às
oportunidades de emprego, os outros 50% dividem-se entre acreditar que “ajuda pouco”, “não
ajuda nem atrapalha”, pois argumentam que “no corte tem gente que estudou, tem leitura, e
está lá na cana como a gente” (P. 3). Aqui reproduzimos a fala dos entrevistados, pois como
esclarecemos no início, a pesquisa foi realizada através de questionários e entrevistas
gravadas.
Mesmo os entrevistados que não freqüentam a escola, acreditam no valor da
leitura, embora a concepção geral desta esteja relacionada exclusivamente à decodificação.
73
Conformados com a situação, nenhum dos pais entrevistados freqüentam o Projeto PEART
37
ou qualquer outro projeto de escolarização propiciado pelas Usinas. Esse fato é significativo,
pois explicita certa contradição entre o discurso sobre a importância da leitura a o valor que a
mesma tem em suas práticas. Acham que suas condições de vida não sejam boas, mas pouco
fazem para interferir nessa situação, desejando que os filhos tenham uma “sina” melhor que as
suas. Observamos assim que os pais são conhecedores da literatura popular como forma de
expressão artística do grupo.
Passamos agora à análise da Mesmo os entrevistados que não freqüentam a
escola, acreditam no valor da leitura, embora a concepção geral desta esteja relacionada
exclusivamente à decodificação. Conformados com a situação, nenhum dos pais entrevistados
freqüentam o Projeto PEART
38
ou qualquer outro projeto de escolarização propiciado pelas
Usinas.para isso iniciamos com a citação de Enzensberger para quem
Na verdade a literatura sempre foi um tema para uma minoria. A quantidade dos que
se dedicam a ela provavelmente se manteve constante no decorrer dos últimos
séculos. O que mudou foi apenas a formação desse grupo. Já não é mais uma marca
de privilégio de classe se interessar por ela, mas também não é mais uma obrigação
de classe fazer isso (ENZENSBERGER 1995, p.53).
O que é literatura para os pais pesquisados
20%
80%
Leitura
Não sabe
Gráfico 2 - Resposta dos pais à pergunta: o que é literatura?
Fonte: Questionário de pesquisa aplicado aos pais.
37
Maiores esclarecimentos sobre esse projeto de Educação Popular – APEART – Associação Projeto –
Educação, escolarização e cidadania aos denominado bóias-frias, consultar o periódico de autoria de Joaquim
Pacheco de Lima Terra e Cultura, jan./jun. 2002, v. 18, n. 34, p. 10-25.
38
Maiores esclarecimentos sobre esse projeto de Educação Popular – APEART – Associação Projeto –
Educação, escolarização e cidadania aos denominado bóias-frias, consultar o periódico de autoria de Joaquim
Pacheco de Lima Terra e Cultura, jan./jun. 2002, v. 18, n. 34, p. 10-25.
74
A clientela pesquisada nos comprova que, embora haja um número significativo
de pessoas não escolarizadas, há os que depreendem os códigos e seus significados sociais
primários. O que predomina é o não reconhecimento autorizado de determinadas leituras,
aquelas que leitores comuns costumam fazer; destituídas de validação, criam um espaço da
não-leitura do texto literário. Assim lêem o mundo que os circunda, têm acesso a outras
leituras, não a leitura da literatura erudita.
A concepção de literatura, para eles, é “leitura”. Como podemos observar no
gráfico dois, no qual dois dos entrevistados (20%) afirmam isso e dez (80%) não sabem, ou
seja, afirmam que não sabem por que não há uma concepção de leitura literária e não-literária,
nos dois casos há a não diferenciação entre uma leitura e outra.
Considerando a literatura como objeto social e enquanto prática social supõe a
existência de um texto que recebe o tributo de literário, o aspecto de literalidade de um texto
reside em negociações de sentido entre várias instâncias que acabam por produzir o sentido de
literário para certos textos, assim como afirmam Lajolo e Zilberman (1991, p. 9) “um
intercâmbio entre diferentes instâncias de saberes, e projetos que integram e delimitam o
campo onde um texto se literaliza”.
Apenas um trabalhador afirma ler pedidos, comandos, manuais de instruções das
Usinas. Quer dizer, essa população sabe de alguns de seus direitos através de outras pessoas
que lêem esses materiais relacionados à profissão e lhes transmitem oralmente. É certo que há
os que não lêem porque não sabem.
As mulheres sabem ler, (apenas uma não é alfabetizada), mas não lêem esses
materiais, porque têm muitos afazeres e não se preocupam com questões burocráticas das
usinas. A despreocupação com essas questões veiculadas nos informes distribuídos pelas
usinas pode ser esclarecida na fala de nossos sujeitos de pesquisa como afirma (M-1), para
quem: “O que importa é eu cortar mais, o resto não tem importância não” (sic).
O grupo se mantém informado pela televisão, rádio e conversas com os colegas e
vizinhos; essas são apontadas também como suas formas de lazer. Apenas (três) homens
participam de associações como o sindicato, (uma) mulher participa da comunidade na igreja,
a maioria, (oito) não participa de nenhuma associação. Há certa resignação quanto à situação
profissional, sentem–se velhos para qualquer novo empreendimento e só querem um futuro
diferente para os filhos.
Como afirmamos anteriormente, as mulheres freqüentaram a escola por mais
tempo que os homens. Algumas não têm tempo para longas leituras, outras afirmam ler
horóscopo e jornais de propaganda como lazer. “Mas quando sobra um tempinho a gente lê”,
75
(M- 3) afirma que “quando estudava ia à biblioteca para fazer pesquisa, às vezes ler, depois
que saí da escola nunca mais entrei numa biblioteca”.
É isso que ocorre com a maior parte dos egressos do Ensino fundamental e médio,
afinal, com a diminuição da “cobrança”, quemo desenvolveu o “gosto” pela “leitura da
literatura” acaba se excluindo dessa prática. O marido, também sujeito de nossa pesquisa, ri:
“O que é isso? Nunca entrei nisso” (sic). Confirma dessa forma as constatações anteriores de
que as mulheres tiveram mais contato com o material impresso, seja o livro, leitura do texto
literário, ou da literatura de massa.
Há quase nostalgia na voz de (M-2) quando afirma que: “tenho saudade do tempo
que era solteira, trabalhava de doméstica e lia Sabrina, Júlia e Capricho, só não quero ser
doméstica de novo... prefiro o corte, não tem ninguém mandando em mim”. Embora afirme
ter saudade do tempo em que lia, não quer retornar à antiga situação, prefere a liberdade dos
canaviais sem ninguém dirigindo seu trabalho, sabe que ganha mais se produzir mais.
Também é interessante questionar: o que lê hoje aquela que quando solteira lia Sabrina, Julia,
Capricho? Se tivesse conhecido Lucíola, Capitu, e até a Rita baiana, teria hoje continuado a
ler? Isso nos faz pensar que, quando o gosto não é ampliado, pelo contrário, extingue-se?
Para Bamberger (1991, p. 78), o número de pessoas que utilizarão as bibliotecas
públicas no decorrer de sua vida dependerá muito do fato de terem sido, ou não, apresentadas
a elas em sua juventude, da maneira como isso aconteceu e da forma com que essas pessoas
foram levadas a sentir-se em relação às bibliotecas no ambiente familiar. Uma apresentação
inicial é tão necessária quanto a contínua promoção do interesse.
As mulheres que estudaram e freqüentaram bibliotecas disseram-se influenciadas,
motivadas, por professoras. Faltou-lhes a promoção continuada, tendo em vista que, após a
conclusão dos estudos, essa prática não lhes era familiar. Já os cinco homens afirmam que não
foram motivados à leitura, tendo como justificativa o fato de terem começado a trabalhar
cedo.
À pergunta se os pais ajudam os filhos nas tarefas de casa, as mães com jornada
dupla de serviços, depois de um trabalho cansativo como o corte de cana, disseram não ter
tempo, nem disposição para ajudar as crianças, ou fazer uma leitura juntos; os pais, que têm
grau de escolaridade menor que o das mulheres, delegam essa tarefa às mães, ou à escola, ou
aos projetos que atendem as crianças. Portanto, acabam reproduzindo o mesmo tratamento
que tiveram por parte de seus pais.
Levando tudo isso em consideração, segundo Foucambert (1994) uma política
cultural, voltada à leitura deve proporcionar a popularização da literatura, no sentido de
76
democratização, abrir as portas das bibliotecas para que as pessoas comuns tenham acesso a
leituras, pois a biblioteca como espaço de democratização da cultura está restrita a um público
acadêmico, conhecedor de suas regras. Acreditamos que deveriam ser expostos livros às
populações, também aos cortadores de cana durante o transporte até seus locais de trabalho,
só assim poderíamos ter um quadro representativo da leitura dos mesmos.
A valorização da cultura popular é um tipo de resistência à cultura de elite, mas
isso é apenas novo modo de interpretação, o que não se pode fazer é radicalizar nem no texto
puramente canônico, nem só em seus aspectos sociais esquecendo o prazer estético que o
mesmo deve proporcionar.
Pensar as práticas Culturais de determinados grupos é ver como as pessoas têm se
apropriado de textos e que sentidos são produzidos, necessita de um valor independente, sem
as amarras preconceituosas que tomam a leitura do pesquisador como válida, como pertença
de uma classe que valoriza a arte e invalida tudo aquilo que não pertence à sua realidade.
A presente pesquisa, por ser etnográfica, passa por essa questão. Discute as
práticas de leitura e letramento dos pais, cortadores de cana, com o objetivo de observar a
cultura popular e a cultura de massa presentes nessas práticas e a influência das mesmas no
hábito de leitura das dez crianças pesquisadas.
Constatamos que, embora os cortadores de cana constituam um grupo
estigmatizado como “analfabeto”, parte deles teve acesso à escolarização. É interessante
esclarecer, também, que nem todos foram anteriormente cortadores de cana. A atual situação
de desemprego fez com que o número de trabalhadores escolarizados aumentasse
significativamente nos últimos anos. Não se nasce “bóia-fria”
39
, cortador de cana torna-se
pelas circunstâncias do país e pessoais. O fato de se “cair na cana”, expressão utilizada por
eles para definir a opção por esse trabalho, não segue a mesma regra para todos. Às vezes,
nem é opção, mas a falta dela. Como os fatores que influenciaram essa “escolha” são
diversos, não há uma uniformidade no grau de instrução.
Bourdieu (2001) teoriza que o espaço social determina quatro tipos de capital: o
econômico, o cultural, o simbólico e o social. É este justamente o ponto da discussão ao qual
gostaríamos de chegar. Nós acreditamos que as hierarquias culturais reforçam, reproduzem e
legitimam as hierarquias sociais mais amplas da sociedade, ou seja, a divisão entre classes
dominantes e dominados. Interessante analisarmos como isso acontece para entendermos a
questão do ‘capital’.
39
O termo “bóia-fria” trata mais de uma imagem do que de uma identidade e não se pretendeu aqui transformar
imagem em categoria, por isso optou-se pelo termo “cortadores-de-cana” no desenvolvimento da pesquisa.
77
Os indivíduos que se envolvem com bens culturais considerados superiores
ganham prestígio e poder. Um exemplo é a pessoa que domina o padrão culto da língua,
beneficia-se com isso de uma série de vantagens sociais. O domínio da língua culta, portanto,
funcionaria como moeda (capital), que propicia a seu possuidor uma série de recompensas,
seja no sistema escolar, seja no mercado de trabalho. Para melhor esclarecimento podemos
falar de capital dentro do campo da literatura. O conhecimento sobre autores, estilos, obras e
principalmente, a capacidade de distinguir a qualidade estética das obras, constituem uma
forma de capital (literário) que propicia a quem o detém, um poder de influência sobre o
campo em questão.
A hierarquia entre os bens simbólicos é importante para hierarquização dos
grupos sociais. Os indivíduos capazes de produzir, reconhecer a apreciar bens culturais tidos
como superiores teriam maior facilidade para se manterem nas posições mais altas da
estrutura social.
De acordo com Nogueira e Nogueira (2004) na perspectiva de Bourdieu a
realidade social se estrutura, em função de diferentes formas de riquezas. Assim, as famílias
cuja principal riqueza é econômica tenderiam a reproduzir esse capital econômico.
Transmitiriam aos seus filhos, involuntariamente, a percepção de que é basicamente por meio
desses recursos que eles podem manter ou elevar sua posição. Por outro lado, famílias ricas
em capital cultural tenderiam a priorizar o investimento escolar e a transmitir isso aos seus. E
as famílias com pouco capital econômico e pouco capital cultural têm internalizado que o que
vale é o capital econômico. Isso porque não possuem esses capitais, mas os valorizam como: a
comida, a literatura, a moda, enfim, as estruturas estabelecem o que é cultura legítima ou
superior, pois não percebemos que tudo isso é imposto historicamente pelos grupos
dominantes. Com os pais, cortadores de cana, não é diferente, reconhecem a superioridade da
cultura dominante, o que Bourdieu chama de “boa vontade cultural”
40
.
É o caso de muitos pesquisados que têm o primeiro grau completo o que significa
que, por falta de oportunidade de ocupar outras funções dentro da própria usina e esperando
por essa oportunidade, ficam no campo. Não consideram suas práticas como leitura e
depreciam as condições a que se submetem no dia-a-dia, por isso desejam para os filhos que
40
Um esforço de aproximação da cultura dominante por parte daqueles que não a possuem ou o contrário, se
contrapõem a hierarquia dominante visando reverter a posição ocupada pela cultura dominada. Isso pode ser
observado, em certas iniciativas de valorização das tradições e da cultura popular desenvolvida por
movimentos populares e por intelectuais.
78
“tenham leitura”, quer dizer, sejam escolarizados, veiculam o saber ao poder
41
de mudar sua
atual condição.
Assim, como um grupo heterogêneo, de indivíduos, pode-se afirmar que a leitura
existe nas práticas, ainda que para muitos apenas na oralidade.
4.1 INTRODUÇÃO À ANÁLISE DA LEITURA ESCOLAR: A AGULHA E A LINHA
Caracterizados os pais, família das crianças sujeitos de nossa pesquisa, passamos
agora às análises do material obtido junto à escola (Anexo B). É o segundo momento da
pesquisa no qual descrevemos a entrevista realizada com o corpo docente, professores e
coordenadoras. Exporemos a seguir as entrevistas e questionários respondidos pelas
coordenadoras e professoras, cientes de que o importante é não ser verdadeiro, mas estar
dentro da verdade (FOUCAULT, 1995). Inserida assim numa verdade, o que nos move não é
a verdade, mas a busca dela, que movimenta o discurso.
Introduzimos a questão retomando as idéias de Aguiar e Bordini (1988), para
quem a formação escolar do leitor passa pela cultura na qual o mesmo se enquadra. Assim, se
a escola não efetuar o vínculo entre a cultura grupal e o texto a ser lido, o aluno pode não se
reconhecer na obra, porque a realidade ali representada não lhe diz respeito, comprovando-se
que “a representação para o ato de ler não é apenas visual, motora, requer uma contínua
expansão de marcações culturais das crianças” Bordini; Aguiar (1988, p. 16).
Além disso, não podemos desconsiderar que, para que a escola produza um ensino
da leitura da obra literária, não basta apenas dispor de uma biblioteca bem aparelhada. São
necessários mediadores de leitura: bibliotecários; professores leitores, com boa
fundamentação teórica e metodológica; projetos de literatura que promovam a leitura do texto
literário; estímulos de campanhas efetivas de leitura e, principalmente, adultos leitores, afinal,
como defende Machado (2001, p.118) “o que uma pessoa passa para a outra é a revelação de
um segredo - o amor pela literatura. Mais uma contaminação do que um ensino”. Essa parece
ser a melhor justificativa para o fato de termos tomado neste momento a escola e toda equipe
docente como mediadores de leitura.
41
A esse respeito Olson e Torrance (1995, p. 7) afirmam que a escrita não provoca mudança social [...] mas pode
ser crucial para certos papéis na sociedade industrial [...] podendo ser irrelevante para outros papéis [...].
79
4.1.1 Análise das respostas do corpo docente e pedagógico: “tecer e fiar, o que se produz
logo desaparece e se transforma em outra coisa”
42
Apresentamos aqui a escola onde todas as crianças pesquisadas estudam: Escola
Municipal Maria Travaglia. O ambiente é acolhedor, instalações físicas bem conservadas,
com jardim; pátio amplo e arborizado. As salas de aula são arejadas e a sala dos professores
decorada com ilustrações infantis nas portas dos armários dos professores. Enfim, um
ambiente agradável. Esta é a única escola de ensino fundamental de primeiro e segundo ciclos
da cidade, portanto, é nela que todas as crianças estudam. A escola está localizada no centro
levando-se em conta que em cidades pequenas as distâncias não são longas. Perto da escola
funciona o PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), local onde algumas das
crianças ficam no período em que não estão estudando.
Descreveremos a seguir, as entrevistas com as duas coordenadoras denominadas
aqui de (C-1) e (C-2). Como não existe cargo de supervisão e orientação educacional, são as
duas profissionais que respondem por essas funções. Traçamos o perfil de ambas,
sucintamente com os dados que alicerçam essa pesquisa.
Os questionários são compostos de dez perguntas separadas em três enfoques: o
primeiro relaciona-se ao perfil socioeconômico das mesmas, grau de escolaridade das
coordenadoras, os livros que possuem, se têm acesso a Internet, se possuem computador em
casa, se assinam revistas, e se isso acontece, quais são elas. O segundo enfoque trata da
importância da leitura para essas profissionais, qual a função da literatura na escola de ensino
fundamental, quais os últimos livros lidos, a posição da equipe pedagógica a respeito das
campanhas de incentivo à leitura, e a quem cabe a responsabilidade de formar leitores na
escola. O terceiro enfoque aborda questões relacionadas aos sujeitos de pesquisa: qual o
desempenho das crianças pesquisadas, a participação dos pais nas atividades proporcionadas
pela escola, a postura das mães, cortadoras de cana, no acompanhamento escolar, enfim,
procuramos visualizar se a escola é consciente da situação socioeconômica e cultural dessas
famílias.
Quanto ao perfil das profissionais e a situação socioeconômica observamos que
todas têm curso de especialização em pedagogia, acesso à internet, possuem computador em
casa, também assinam revistas como Mundo Jovem, Veja e Istoé, para se manterem
informadas. Afirmam possuir em casa livros didáticos e literários, no entanto, não citaram
42
MACHADO, A. M. Texturas: sobre leituras e escritos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 15.
80
leituras de teóricos da literatura ou materiais que expõem pesquisas realizadas no campo da
leitura do texto literário.
Às perguntas do segundo enfoque que abordaram questões relacionadas à
leitura/literatura, uma delas foi sobre a sua importância. As mesmas responderam que: “A
leitura faz adquirir novos conhecimentos e manter-se atualizados sobre os acontecimentos
atuais no campo social, político e econômico” (C1).
“Como a sociedade está em constante evolução é necessário que o professor esteja
sempre atualizado e a leitura é um dos meios que possibilita essa atualização em vários
campos” (C2).
Pelas respostas depreende-se que ambas têm concepção de leitura como
informação e atualização necessária no mundo moderno e em constantes transformações. É
uma concepção de leitura utilitária, que vê de modo pragmático a questão. Quando se fala de
leitura é necessário situá-la como prática, modo específico de abordá-la e o pressuposto
básico dessa abordagem é que ela tem uma história e uma sociologia. Assim, constatamos que
de início (C1) e (C2) fazem uma abordagem de leitura como ciência da cognição, em que ler
é processar informação.
Ao serem questionadas sobre a função da literatura na escola de 1ª a 4ª séries,
obtivemos as seguintes respostas:
“Despertar no educando o gosto pela literatura” (C1).
“Voar na imaginação despertando assim o gosto pela leitura” (C2).
Ficam explícitas nessas falas as concepções de literatura amplamente veiculadas
pela mídia, a leitura como viagem, isso revela o senso comum no discurso das educadoras.
Não se percebe uma fundamentação teórica subjacente em suas falas. Isso nos remete a
Foucault (1995) a respeito da verdade, quando afirma que elas, “as verdades”, não são
naturais, são construídas e que a vontade de verdade é que move os discursos, pretendendo-se
que em sua retomada seja novo, perde-se a noção de originalidade.
Nenhuma das coordenadoras deixou clara a função da literatura que “contribui
para a formação da personalidade à medida que nos fornece a possibilidade de vivermos
dialeticamente os problemas” (CANDIDO, 1989, p. 113).
Com a concepção de literatura como “viagem”, estão mais perto do que afirma
Petit (2002, p. 8):
O leitor elabora um espaço próprio no momento da leitura que é transgressora: uma
fuga. Se distancia dos seus, de seu povo, bairro, sai para outros espaços sobretudo
quando se trata da leitura de obras literárias, pois na origem de inúmeros contos,
81
relatos há um herói que se distancia de sua família e transgride uma proibição. O
leitor põe assim seus passos nos passos do herói e vão para o amplo mundo” (Livre
tradução da pesquisadora)
43
.
Candido (1972, p. 806) afirma que, por ser uma transfiguração do real, a
literatura, “não corrompe nem edifica, mas, trazendo livremente em si o que chamamos de
bem e o que chamamos de mal, humaniza em sentido profundo, porque faz viver”. Isso
evidencia a necessidade de que estas questões sejam abordadas nos cursos de formação de
professores, e a equipe pedagógica também é um deles e não pode ficar alheia a questões
importantes.
Com relação aos livros lidos ultimamente:
(C1) respondeu que lê “Revistas Escola e Istoé, Paulo Freire, Pedro Bandeira e
Monteiro Lobato”.
(C2) afirma ter lido “Obras de Rubem Alves, Paulo Freire e Saviani”.
Sem especificar um título ou qualquer comentário sobre o conteúdo das obras,
subjaz na resposta o discurso da professora que lê teoria, embasamento para a educação, pois
os três autores citados são lidos nos cursos de pedagogia e comentados em cursos de
capacitação ou nas matérias da Revista Nova Escola. Só cita “Pedagogia da Autonomia”, de
Freire, que é um teórico-educador de posição política ideológica.
À pergunta o que lêem, responderam que: “Textos informativos, reflexivos e
textos para aprofundar os conhecimentos na minha área”.
Observamos em (C2) a preocupação em manter-se informada, enquanto (C1)
apresenta dentre as leituras os autores de literatura infanto-juvenil, o que se pressupõe que a
mesma conhece alguns autores que escrevem para jovens e crianças.
Também podemos “ler” que estes autores estão na biblioteca escolar na qual
supomos os livros ficam à disposição dos leitores, tanto alunos quanto professores. Duas
questões importantes: a professora acredita que campanhas de incentivo à leitura tenham
obtido resultados e aumentado o número de leitores? E a questão: na escola a leitura “deve”
ficar sob a responsabilidade de quem? Por quê?
43
“El lector elabora un espacio próprio en el momentáneamente. Esta lectura es transgressora: uno se fuga, se
aleja de los suyos, de su pueblo, de su barrio. Abre hacia otros espacios, es un gesto de apartamiento, de
salida. Sobre todo cuando se trata de la lectura de obras literarias, pues en el origem de innumerables cuentos,
novelas y relatos, hay precisamente un héroe que se aleja de su familia, de su casa, y que trasgede una
prohibición. El lector pone así sus pasos en los del héroe o la heroína que van hacia el ancho mundo.
82
A professora (C1) acredita que as campanhas de incentivo à leitura tenham obtido
resultados e aumentado o número de leitores, já (C2) tenta explicar sua posição:
“Uma campanha quando bem feita, tem bom resultado e acredito que o professor é o melhor e
mais eficaz exemplo a ser seguido, pois ninguém ensina o que não sabe”.
Há o discurso claro em (C2) de que a responsabilidade de formar leitores é da
professora, que deve ser leitora para dar o exemplo. A escola ou a comunidade como um todo
ficam em segundo plano, mas quando afirma que “a leitura é responsabilidade de todos, e
responsabilidade da escola como um todo” se inclui como responsável pela formação de
leitores. No entanto, (C1) acredita que “a leitura deve ser responsabilidade da professora
regente”, excluindo-se da tarefa, embora tenha afirmado que as campanhas de incentivo à
leitura tenham aumentado o número de leitores.
Zilberman (1991) acredita que a escola não é a única responsável pela formação
do leitor. Essa responsabilidade deve ser repartida entre a família, governo e instituições
privadas. Pelo menos foram esses os resultados dos debates sobre leitura que se intensificaram
a partir dos anos de 1970. Com a reforma do ensino, abriu-se espaço para a preocupação com
a formação do leitor, que passa a ser amplamente discutida, colocando a preferência pelos
meios de comunicação de massa como vilão da falta de leitura.
Até então vigorava a idéia de que “ler por ler nada significa”. A leitura deveria
estar a serviço da transmissão da norma culta, inculcar valores, assumir a cidadania, adquirir
conhecimentos e como forma de transmissão do patrimônio cultural.
Assim, às vezes, não é de se estranhar que as equipes pedagógicas se excluam
dessa tarefa, tendo em vista que acumulam funções de “psicólogas”, “enfermeiras”,
“delegadas”, “assistentes sociais”, pois todos os problemas de disciplina, de rendimento
escolar dentre outros, ficam sob suas responsabilidades. Por isso, acreditam que a função de
formar leitores não é sua, mas das professoras que estão em sala, em contato direto com as
crianças.
Ezequiel T. da Silva já em 1993, ao analisar as condições de leitura dos
professores, criticava as campanhas de leitura e programas de distribuição gratuita de livros,
como forma de diminuir a dívida social do governo enfatizando que “não se forma leitor com
uma ou duas cirandas, ou sacolas de livros”. De lá para cá, essas campanhas aumentaram, mas
a leitura como prática social continua incipiente.
Referimo-nos, neste momento, ao posicionamento dos pais, cortadores de cana,
com relação ao desempenho escolar de seus filhos. De acordo com (C1), os pais “Não
valorizam muito a escola, dificilmente comparecem para saber sobre seus filhos”. (C2),
83
com um discurso mais realista e consciente da situação de vida enfrentada por essas famílias,
afirma que: “devido à carga horária dos pais ser longa, muitos deles têm dificuldade em
acompanhar a vida escolar dos filhos. Temos percebido que muitos se esforçam e, sempre que
possível, nos procuram, muitos superam as expectativas”(sic).
Há famílias em que a mãe e o pai trabalham nos canaviais, quando não, a mãe
também trabalha fora em outras atividades, como lembra (C1): “Por se tratar de uma cidade
pequena, com poucas oportunidades de emprego, muitas mães, com mão-de-obra não
qualificada, buscam no corte de cana o sustento para a família, assim não têm tempo de ir à
escola”.
Para (C2), o desempenho das crianças, filhos de cortadores de cana, é igual ao de
outras crianças: “alguns têm mais dificuldades por não terem um incentivo em casa”. Além
disso, essa profissional demonstra ter maior conhecimento das famílias ao afirmar que “temos
crianças com pouco rendimento escolar, mas isso não quer dizer que seja específico das
crianças, filhos de cortadores, temos várias crianças desse grupo que apesar das condições
superam as expectativas”.
Com base nas respostas das coordenadoras podemos depreender que, do mesmo
modo que os pais, elas apresentam concepções de leitura relacionadas à decodificação, à
leitura utilitária, como uma forma de superação da condição sócio-econômica na qual essas
crianças estão inseridas. Nenhuma alusão foi feita à leitura do texto literário ou de projetos da
escola a esse respeito.
Um dos aspectos levantados nessa pesquisa foi o de perceber o ato de delegar a
outros a importância da tarefa de formação do leitor. Assim, os pais esperam que a escola
desempenhe essa tarefa; as coordenadoras, como representantes da instituição escolar, crêem
que os professores estão mais aptos para isso. Ignora-se, portanto, o papel importante que
cada mediador desempenha no processo de aproximação da criança com os materiais de
leitura.
Nosso objetivo, desde o início, era identificar quais os mediadores de leitura para
essas crianças. Tarefa que, como mostramos anteriormente, é transferida de uma instância
mediadora para outra. Também não obtivemos ainda respostas consistentes sobre “ler o
quê?”. Assim, passamos a analisar os questionários respondidos pelas professoras, que
levaram o material e o devolveram em outro momento.
84
Cientes de que não há neutralidade nos discursos, analisaremos a seguir os
questionários
44
distribuídos aos professores. Acreditamos que, mesmos cientes dos conceitos
de suplementariedade dos discursos e das projeções efetuadas nos atos comunicativos, as
respostas das professoras contribuirão para a análise final do trabalho que se juntarão às
respostas das dez crianças.
Sabemos que os professores, às vezes, dizem o que acreditam ser o correto,
baseados em teorias e conhecimentos prévios adquiridos ao longo dos inúmeros cursos de
atualização. No entanto, muitas vezes os conhecimentos teóricos não condizem com a prática.
Só poderemos concluir essas questões ao contrapormos as respostas de todos os sujeitos
envolvidos na pesquisa.
No primeiro contato com a escola, pudemos conversar com duas professoras
45
que
nos informaram o desenvolvimento de dois projetos: o Projeto II Tempo e o PETI (Projeto de
Erradicação do Trabalho Infantil), sendo que este funciona em outro prédio. As crianças se
deslocam para esses projetos no período em que não estão estudando. O primeiro funciona na
escola com atividades de reforço escolar e de alimentação, complementando com atividades
recreativas dentre as quais não constam momentos de leitura de livro; já o segundo é um
projeto em parceria com o Governo Federal, também tem a finalidade de complementação
alimentar e assegurar às crianças o direito à cultura e ao lazer. Nele também não constam
atividades de leitura de livros.
Ao analisarmos os questionários aplicados, é necessário retomarmos as palavras
de Machado (2001, p. 116) que afirma: “Estou convencida de que o que leva uma criança a
ler, antes de mais nada, é o exemplo”. Se nenhum adulto do convívio da criança costuma ler,
dificilmente vai se formar um leitor. Essa é a realidade constatada até o momento, como os
pais estão preocupados em suprir as necessidades materiais dos filhos e por desempenharem
um trabalho braçal, nos horários de folga não têm a leitura como lazer, principalmente a
leitura do texto literário.
Dessa forma, fica por conta da escola a formação do leitor. Como o hábito de
leitura não é comum, o livro não consta como objeto do cotidiano dos sujeitos de pesquisa e
44
Os 10 questionários foram entregues às professoras que tiveram duas semanas para responderem. Destes
retornaram apenas cinco (5) questionários.
45
Essas duas professoras estavam em hora-atividade, não responderam ao questionário, foi apenas uma conversa
informal, seguida de um roteiro da pesquisadora.
85
apoiados pelas campanhas do governo, têm a idéia de que é da escola, e só dela, a
responsabilidade de introduzir os meninos nos caminhos da leitura
46
.
A escola, por sua vez, transfere essa tarefa agradável aos professores. Se estes
forem leitores, terão maiores chances de contribuir para a formação de sujeitos leitores: se não
o forem, mandarão ler porque “acham” que é importante, mas não estarão dando o exemplo.
Como afirma Machado (2001, p. 117), são os professores “a salvação da literatura, da
possível descoberta e formação do futuro leitor”.
A autora ainda completa enfatizando os discursos assumidos de que ler é bom, é
útil, é importante. Incentivamos a ler, mas esquecemos de que os professores nem sempre têm
uma boa relação com os livros ou se constituem como exemplos para demonstrar paixão pelo
material escrito. E, sem ela, ninguém lê de verdade.
Há exceções; são raras, com veremos a seguir.
Entre as professoras entrevistadas, todas (5) lecionam dois períodos, três (3)
ministram aulas para as 4ª séries do 2º ciclo do ensino fundamental, uma (1) para a 3ª série e
uma (1) para a 2ª série do mesmo ciclo. As professoras das primeiras séries do primeiro ciclo
não responderam aos questionários. Como afirmamos anteriormente, foram distribuídos dez
(10) questionários aos professores, mas somente cinco (5) foram devolvidos (anexo C).
Estabelecemos que as cinco professoras sejam designadas respectivamente como:
P1, P2, P3, P4 e P5. Além disso, relatamos textualmente as falas que consideramos relevantes
para a pesquisa.
Para visualizarmos melhor a quantidade de crianças, filhos de cortadores de cana,
alunos de cada professora construímos o quadro abaixo:
Professora Alunos filhos de cortadores de cana
P1 5
P2 2
P3 10
P4 5
P5 3
Quadro 8 - Número de filhos de cortadores de cana por professor pesquisado
Fonte: Questionários aplicados às professoras.
46
Aguiar (2004) enfatiza que é a questão social que confere à escola a formação do leitor e acrescenta que é
imprescindível ser leitor para despertar leitores.
86
Desses alunos, foram pesquisadas dez crianças. Os números referem-se ao total de
crianças que pertencem a mesma categoria dos sujeitos da pesquisa, ou seja, filhos de
cortadores de cana da região de Umuarama-PR, alunos do ensino fundamental.
As professoras, além de serem graduadas em Letras e Pedagogia, possuem
especialização, tendo em vista o incentivo do governo e das prefeituras com planos de
carreira, o que possibilita aos profissionais, não só melhorar suas práticas, como também a
remuneração.
Quando perguntamos às professoras sobre as leituras que efetuam, as respostas
foram, às vezes, evasivas:
“Livros paradidáticos e literatura infanto-juvenil e histórias infantis” (P1).
“Leituras referentes ao Ensino fundamental” (P2).
“Literatura infantil” (P3).
“Emília Ferrero, Paulo Freire, Paulo Coelho, Pedro Bandeira” (P4).
“Leituras que vêm de encontro às necessidades dos alunos” (P5).
Aqui encontramos duas professoras com gostos opostos. Uma lê literatura infantil,
supõe-se que lê o que os alunos lêem, embora ela não nos tenha esclarecido isso; mas também
não afirma que lê teóricos da educação ou teóricos que embasam as questões da literatura
infantil. Já (P4) é uma leitora de teoria, literatura infanto-juvenil e literatura de massa.
Percebemos que a professora realiza leituras diversificadas, cita teóricos, embora misturados a
autores de literatura de massa.
A concepção de leitura para as professoras é basicamente a informativa,
acréscimo de conhecimento:
P1 – “Leitura é toda forma de interpretação do que o aluno está visualizando, seja
lendo ou observando imagens”.
P2 – “Para mim a leitura é uma extensão da minha vida, um complemento”.
P3 – “Leitura é aprendizagem constante. É fonte que não estagna a educação”.
(sic)
P4 – “É sempre um aprendizado a mais”.
P5 – “É viajar sem sair do lugar, obter informação, orientação, etc.” (sic)
No entanto, o discurso de (P1) é, podemos dizer, “Freireano”, a leitura de mundo que se
completa com a leitura da palavra. Ficam evidenciados, também, os pressupostos dos PCN’s
em (P2).
Para que a escola cumpra seu papel de formar leitores do texto literário, é
necessário que os professores tenham uma concepção clara do que é leitura e de sua
87
finalidade. Assim, como formadores de leitores, é preciso primeiro que os conceitos de “ler
para aprender” e “aprender a ler” estejam bem definidos para os mediadores escolares de
leitura, já que estes, na maioria das vezes confundem “aluno alfabetizado” com “aluno leitor”.
Não podemos deixar de frisar que a professora (P5) apresenta uma concepção de
leitura, geralmente, veiculada pelos meios de comunicação: solitária, evasão à mundos
desconhecidos, em que o leitor é um viajante. Isso nos remete à metáfora de Certau, retomada
por Chartier (1999, p. 77), de que “o leitor é um caçador que caminha sobre terras alheias”, o
que implica numa atitude de isolamento do mundo que transcende o aqui, o agora e é
transportado ao mundo ficcional.
Também nas pesquisas realizadas por Petit (1999), com jovens de meios rurais e
bairros urbanos periféricos, há essa concepção de leitura como refúgio, uma forma de
encontro com suas aspirações. Mas, longe de ser uma concepção que vê a leitura como
alienante, a entende como fruição.
A constatação da concepção de leitura utilitária em (P3) e (P4) assemelha-se à
concepção manifestada entre os pais e as coordenadoras. Todavia, devemos considerar que,
em tese, os professores são conhecedores da teoria, recebem acompanhamento pedagógico do
Estado e Prefeitura, enfim, são preparados para atuarem como mediadores, enquanto os
membros da família não recebe nenhuma dessas informações teóricas, são leigos.
A esse respeito, Zilberman e Silva (1999) argumentam ser necessário que a escola
faça do desafio de ensinar a ler, mais ainda, o desafio de gostar de ler, seu objetivo primeiro,
eliminando a concepção de leitura como alfabetização, centrada apenas na decodificação.
Essa “deveria ser” uma tarefa da escola como um todo, mas, como observamos, na prática não
é assim que ocorre. A tarefa é delegada apenas aos professores, e a formação do leitor passa,
dessa forma, pela sua boa vontade e disponibilidade.
Ao serem abordadas sobre a importância da leitura as professoras explicitam, em
alguns momentos, uma concepção de leitura utilitária ligada à aprendizagem, tal como haviam
feito ao exporem suas concepções de leitura:
“É através da leitura que aprendemos” – P1.
“É de fundamental importância” – P2.
“Ler é fundamental, pois lendo você aprende a resolver melhor as situações do
dia-a-dia e tem novos horizontes para seguir com sucesso” – P3.
“Temos que acompanhar as mudanças” – P4.
“Sim, ler é importante” – P5.
88
Fica implícito no texto o porquê da importância da leitura, mesmo para (P2) e
(P5) que não falaram qual importância é essa, apenas disseram ser importante, afinal “ela
ajuda a resolver situações”; “com ela, aprendemos”. Assim, depreendemos que, para os
professores, é importante porque informa, faz acompanhar as mudanças. Em nenhum
momento percebemos no discurso das entrevistadas alusão ao texto literário que, para
Candido (1972), tem função humanizadora porque confirma a humanidade do homem, age
como a vida, dessa maneira, ela pode formar, suprir a necessidade de ficção e fantasia e
fornecer conhecimento do mundo e do ser. Mas, não podemos ignorar uma pergunta latente: a
literatura tem uma função formativa de cunho educacional? O próprio Candido responde:
A literatura pode formar; mas segundo a pedagogia oficial, que costuma vê-la
ideologicamente como um veículo da tríade famosa, o Verdadeiro, o Bom, o Belo,
definidos conforme os interesses dos grupos dominantes, para reforço da sua
concepção de vida. Longe de ser um apêndice da instrução moral e cívica, ela age
com o impacto indiscriminado da própria vida e educa como ela [...] (CANDIDO,
1972, p. 805).
É importante distinguirmos “formar” de “informar”. Este é próprio dos textos com
função referencial, aquele pode aparecer na literatura e é muito mais do que puramente treinar
para o desempenho de habilidades, segundo Freire (1987).
Propiciar o contato do aluno com diferentes linguagens e tipos de textos, criar
espaços para a formação do leitor e despertar o prazer pela leitura tornam-se tarefas próprias à
função do professor. Formar leitor é formar o sujeito, o cidadão, aquele que participa das
práticas sociais e culturais. Assim, o aluno, enquanto sujeito-leitor, ampliará sua capacidade
de ler o mundo, aplicará seus conhecimentos prévios, por meio da interação autor-leitor-obra.
É nesse aspecto que se destaca o trabalho de Jean Foucambert (1994) que,
defendendo uma campanha de leiturização na França, empenha-se juntamente com outros
membros da Associação Francesa de Leitura, (AFL), a explicar o processo de alfabetização
que não garante o real domínio da linguagem escrita uma vez que, nos anos 60 e 70 do século
XX, era confundido com a possibilidade de atribuir um significado ao escrito, transformando-
o em oral. O que se fazia na verdade, era decifrar a escrita, complementa ainda o pesquisador
Foucambert (1994, p.3) “Ler significa ser questionado pelo mundo e por si mesmo [...]
significa construir uma resposta, que integra parte das novas informações ao que já se é”.
À pergunta sobre o que é literatura e qual sua importância para o desenvolvimento
do trabalho docente, as respostas foram as seguintes:
89
“A literatura é um arquivo de histórias e fatos que ocorreram e ocorrem até então,
ao qual exercem uma fundamental importância no desenvolvimento do meu trabalho durante
o planejamento” (P1) (sic).
“Literatura são as obras de uma época de um país, é muito importante, pois
através dela eu posso
nortear meu trabalho” (P2). Grifo da pesquisadora
47
.
“É aprendizagem constante, é fonte que não
estagna a educação” (P3). Grifo da
pesquisadora.
“São histórias em prosa ou versos que contam os costumes da época e de um país.
É muito bom para os alunos “viajarem” através do mundo da imaginação” (P4).
Diversos teóricos afirmam ser difícil conceituar literatura, como ocorreu com as
professoras entrevistadas, sobretudo com (P5) que optou por não responder a questão. Pelas
respostas podemos depreender o relacionamento entre literatura e conservação dos costumes e
tradições dos povos.
De certa forma, há uma menção à história da literatura e não à prática de leitura
principalmente de textos contemporâneos. Lajolo (2001) afirma, com certo humor, que a
literatura, hoje, parece estádio de futebol em dia de final de campeonato: sempre cabe mais
um, há o setor das numeradas e das cadeiras cativas. Isso significa que o cânone convive com
a literatura de massa e a literatura popular, que são diferentes. Mas, isso não significa que são
piores, apenas diferentes, embora as nossas entrevistadas demonstrem não pensar assim.
A dificuldade de definição pode se acentuar se considerarmos que os PCN’s
defendem que a formação do leitor se dará “mediante uma prática constante de leitura de
textos de fato, a partir de um trabalho que deve se organizar em torno da diversidade de textos
que circulam socialmente” (BRASIL, 1997, p. 54).
Há professores que entendem que nessa diversidade de leituras tudo seja literatura
de modo a se fazerem necessárias a diferenciação dessas diversas tipologias textuais e a
atenção às funções da linguagem porque “tudo isso é, não é, e pode ser que seja literatura.
Depende do ponto de vista, do significado que a palavra tem para cada um, da situação na
qual se discute o que é literatura” (LAJOLO, 2001, p. 16).
Portanto, entendemos que a literatura, ao passar por várias definições na história,
e a obra literária, por várias instâncias que atestam a literariedade dos textos em circulação,
47
Os grifos da pesquisadora são uma forma de esclarecer que as expressões não deixam clara a concepção de
literatura assumida pelas professoras: (nortear trabalho): (fonte que não estagna a educação) não nos esclarece
sobre as questões realizadas.
90
propiciam essa dificuldade de conceituação. E são esses canais que afiançam o valor ou a
natureza artística de uma obra, afinal
setores especializados responsáveis pela literalização maior ou menor de um ou de
outro texto são os intelectuais, os professores, a crítica, o merchandising de editoras
de prestígio, os Cursos de Letras, os júris de concursos literários, os organizadores
de programas escolares e de leitura para vestibular, as listas de obras mais vendidas
[...]. (LAJOLO, 2001, p. 19).
O século XXI inicia com uma variedade de técnicas de comunicação e de
reprodução de literatura nos mais variados suportes, isso traz para as pessoas textos que antes
eram guardados e lidos por uma minoria. Várias linguagens se “enovelam” lado a lado com a
herança da literatura em livros, isso causa certos equívocos quanto ao reconhecimento do que
é literatura, mas, “quaisquer que forem as formas que dela sobrevivam ou as novas que se
inventam, continuará seu ofício de arrumar em palavras o desarrumado mundo das cabeças e
corações” (LAJOLO, 2001, p. 122).
Ora, se a literatura pode ordenar o que antes estava desordenado, analisar a
questão sobre como as professoras trabalham a literatura em sala ganha destaque,
principalmente, se partirmos das seguintes respostas:
“No início da aula com leitura compartilhada,
onde gera os debates sobre o
assunto e a reflexão da mesma” (P1).
“Mais com leitura pela leitura, pelo prazer de ler. Trabalho também lendo para os
alunos com o intuito de interpretação, conversação, dramatização” (P2).
“Textos de autores variados” (P3).
“Pelo simples prazer de ler e compreender prazerosamente” (P4).
“Em forma de dramatização, recitação de versos, interpretações e vídeos” (P5).
Pelas falas das professoras, percebemos que o texto literário é trabalhado “pelo
simples prazer de ler”, apenas por (P4), que enfatiza ser preciso “compreender
prazerosamente”. Outras três aliam a leitura a uma atividade, ora “debates”, ora
“interpretação”, ora “dramatização”, exibição de “vídeos” e (P3) simplesmente afirma “textos
e autores variados” o que não nos possibilita saber se os autores e os textos variados sejam
realmente de literatura.
91
Nenhuma delas afirmou fazer o que uma das alunas pesquisadas descreveu com
detalhes: “a professora espalha livros no pátio, debaixo da árvore, uma vez por semana, e
deixa que a gente pegue o que quiser pra ler, ela também lê com a gente”
48
.
Acreditamos que, como o fato não foi citado pelas professoras, o mesmo não lhes
seja importante. Talvez não queiram informar que a Escola não possui um espaço próprio para
a leitura, uma biblioteca. Ou a própria professora não reconhece essa atividade como sendo
propícia ao trabalho com a literatura. Essa estratégia criativa, está no cerne do processo de
formação do leitor e do trabalho com o texto literário, afinal, é necessário que se possibilite o
contato do leitor com o texto. Embora isso tenha sido desconsiderado pela professora, a aluna
fez questão de frisar que acha “o máximo” ler ao ar livre.
À pergunta: “Você acredita que as campanhas de incentivo à leitura fazem
aumentar o número de leitores?”, obtivemos as seguintes respostas:
“Nem sempre, pois a leitura é algo prazeroso e se o aluno não entender dessa
forma, a mesma será por obrigação” (P1).
“Sim” (P2).
“Sem dúvida” (P3).
“Sim, sem dúvida” (P4).
“Com certeza” (P5).
É unânime a idéia de que as Campanhas Governamentais de incentivo à leitura
aumentam o número de leitores. Apesar dessa crença manifestada pelas professoras,
acreditamos que somente as campanhas, sem uma ação efetiva de mediadores comprometidos
com a formação de leitores não produzem a ampliação do número de leitores. Trata-se muito
mais de um “modismo”, visto que há um discurso social de que ler é “bom”, entretanto as
práticas sociais de leitura parecem não ser alteradas. Um exemplo disso é o fato de que poucas
pessoas conhecem os livros distribuídos pelo governo.
A esse respeito Márcia Silveira de Oliveira Rossi apresenta em sua dissertação de
Mestrado pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), em 2004, um estudo sobre
campanhas de incentivo à leitura, especificamente o Projeto Literatura em Minha Casa com o
intuito de investigar o processo de mediação do acervo literário/2001, buscando dados sobre a
recepção do acervo em três escolas da rede de ensino público na cidade de Maringá-PR. Para
isso a autora entrevistou coordenadoras, professoras, os alunos e seus familiares.
48
Não foi possível identificar a professora que realiza essa estratégia de leitura, uma vez que apenas cinco
professoras devolveram os questionários e nenhuma delas fez referência a tal fato. Assim, pressupõe-se que a
professora da aluna acima citada não tenha respondido ao questionário de pesquisa.
92
A autora justifica sua pesquisa expondo a preocupação do Ministério da Educação
em formar leitores e o lançamento, em 1997, do Programa Nacional Biblioteca da Escola
(PNBE), com objetivo de possibilitar à professores e alunos o acesso a obras variadas,
necessárias à formação de leitores. Para isso, esse órgão selecionou e distribuiu às escolas do
Ensino Fundamental obras importantes da literatura.
Além disso, Rossi (2004) faz o levantamento de dados do acervo dessas
campanhas: o primeiro, em 1998, dirigido a 20 mil escolas de 1ª à 8ª séries com mais de 500
alunos. O segundo, em 1999, com 109 títulos infanto-juvenis, dirigido a 36 mil escolas de 1ª à
4ª séries do Ensino Fundamental. Em 2000, o PNBE teve como foco a formação continuada
de professores. E, finalmente, em 2001, o Programa organizou uma coletânea de obras
literárias intituladas Literatura em Minha Casa destinadas a alunos de 4ª e 5ª séries das
escolas Públicas do Ensino Fundamental a fim de que levassem os livros para casa. A coleção
com cinco livros continha obras em poesia, conto, romance, teatro e uma adaptação de um
clássico universal. Esse acervo foi distribuído em 2002.
Os resultados obtidos revelam um enorme descompasso entre a teoria e a prática.
As instâncias mediadoras mostraram-se despreparadas com evidente desconhecimento do
objetivo da campanha. Apesar dos aspectos negativos, Rossi (2004) ressalta o papel dos
alunos que foram os mediadores mais eficazes, pois houve quem leu e indicou os livros para
os amigos e familiares.
Corroborando a pesquisa de Rossi (2004), percebemos que os discursos, tanto das
coordenadoras quanto das professoras, são favoráveis às campanhas, mas, na prática, não
constatamos projetos de leitura do texto literário relativo à Literatura em Minha Casa sendo
desenvolvidos. E, além disso, ao visitarmos as casas das dez crianças pesquisadas,
constatamos que apenas uma havia lido livros dessa campanha.
Assim, reiteramos a idéia de que campanhas de incentivo à leitura, por si não
bastam. É necessário sim, haver uma apropriação da leitura como um “direito” de todos, um
compromisso das instâncias mediadoras de leitura com essa tarefa. Vimos “decorados” nos
recortes de falas das professoras os slogans dessas campanhas, as repetições de frases feitas,
mas não percebemos uma essência, há apenas uma aparência, um mascaramento dessa
questão. Isso pode ser depreendido ao refletirmos sobre as respostas das professoras a respeito
de como é abordado o trabalho com o texto literário em sala de aula enfocando, sobretudo, as
atividades realizadas:
“Com recortes, debates, buscando sempre a necessidade dos alunos naquele
momento. Valorizando que o aluno traz de conhecimentos sobre” (P1).
93
“Exploro ao máximo o texto, oralmente, com questionamentos, situações
matemáticas, etc., procurando englobar todas as áreas cabíveis” (P2).
“Poemas, poesias, textos em prosa, contação de histórias” (P3).
“Cada um dá sua opinião” (P4).
“Leituras, dramatizações, conversas informais” (P5).
Pelos fragmentos podemos perceber que não há uma unanimidade com relação ao
trabalho com o texto literário, há professoras que demonstram ter certa afinidade ao abordá-lo
e há as que o usam como pretexto, fato observado em (P2) ao mencionar as “situações
matemáticas”. Isso não significa que o texto literário não esteja sendo trabalhado. Como já
afirmamos anteriormente, a mediação de leitura, vem sendo efetuada pelo professor-leitor,
aquele que acredita no valor da leitura, não apenas” leitura “para”. Em (P-1) observamos as
concepções da psicolingüística defendida por Foucambert (1994) e também preconizada nos
PCNs. em que se valoriza o conhecimento internalizado pela criança, fruto de suas vivências.
È o mesmo que conhecimento prévio para Kleimam(1998).
Segundo Hauser (1977), uma das atitudes diante da obra de arte é a do observador
crítico que conhece as teorias e vê a obra de arte como um produto criativo, outra atitude é a
do observador ingênuo, que vê a obra de arte como retrato da realidade. Assim voltamos ao
senso comum: os professores muitas vezes fazem o trabalho inverso, ao invés de formar
leitores, distanciam as crianças da leitura, pois o ato de ler é tido como tarefa, uma obrigação.
Por isso Petit (2002) acredita que, se o indivíduo não nasce em um ambiente que favoreça a
leitura, a mediação pode ocorrer através do professor, um amigo, o bibliotecário, enfim, pode
acontecer com o contato com uma pessoa que em algum momento influencie o leitor e o
aproxime da obra literária.
Ainda tratando da mediação efetuada pelo professor no contato com o texto
literário efetuamos três questões que se relacionam entre si: o espaço destinado à oralização
do texto literário pelo professor; a ação de promover o livro, incentivar a leitura, lendo para e
com as crianças, analisando as ilustrações e o texto escrito, e por fim, quem escolhe o livro a
ser lido.
Das cinco professoras ouvidas, apenas uma (P2), afirma que as crianças “não
gostam de parar para ouvir”, as outras argumentam que há um momento para oralização do
texto literário. Foi também (P2), quem afirmou que “faz a propaganda” dos livros, que
direciona as escolhas, as outras quatro afirmaram que as crianças escolhem o que querem ler.
“As crianças devem estar livres nesse momento, pois, assim o professor gera o prazer pela
leitura” (P1; P3; P4 e P5).
94
Percebemos certa confusão nas afirmações, pois ora um professor nos parece fazer
o trabalho de mediação do texto literário, ora esse mesmo profissional nos parece não fazer
distinção entre texto literário e não-literário. Essa confusão se deve ao fato dos mesmos
estarem cientes das técnicas e instrumentos pedagógicos que viabilizam a formação do leitor,
mas, às vezes, não sabem como efetuar isso na prática.
Foucambert (1994) afirma que, em sua maioria, os não-leitores se encontram nas
camadas mais pobres da sociedade revelando assim, também na leitura, a divisão
socioeconômica que divide a sociedade em dominados e dominadores. E a escola, fruto da
sociedade burguesa vem contribuindo para esse distanciamento. Todos os professores,
mediadores em potencial, sabem disso, mas como têm um programa a seguir deixam a “hora
da leitura” descompromissada para depois, quando a criança está cansada, principalmente às
sextas-feiras, no último período, como forma de lazer. Isso significa que, para alguns, a
literatura não faz parte das atividades da escola, e seria então, um ponto negativo; para outros,
no entanto, esse momento seria hora da leitura prazer, portanto, é um ponto positivo.
Quanto ao desempenho das crianças nas aulas as professoras afirmam que:
“Dispersos e indisciplinados” (P1).
“Desenvolvimento lento” (P2).
“Falta de limites que conseqüentemente influencia na aprendizagem(P3).
“Os pais não acompanham o dia a dia dos filhos” (P4).
Portanto, essas quatro professoras qualificam as crianças, filhos de cortadores de
cana, com um comportamento diferente das demais crianças do grupo, apenas uma professora
afirma que as dificuldades são “as mesmas encontradas com os demais alunos: falta de
interesse pela escola” (P5).
Considerando os anos em prática de sala de aula, concordamos com a última
professora citada. Esses são problemas comuns nas escolas, não específicos dos filhos de
cortadores de cana. Isso nos remete à questão seguinte do questionário em que é avaliada a
participação dos pais nas atividades promovidas pela escola. A professora (P5) nos parece
ciente das dificuldades da categoria e afirma que “não participam devido ao horário” ela se
refere à jornada de trabalho. As outras professoras responderam “raramente”; “participação
fraca”, “muito pouco”, sem outros comentários.
Essa é a realidade em muitas escolas da região, pois os pais têm que trabalhar e
delegam à escola a função de formadora, isso não acontece somente com a categoria de
cortadores de cana. Prova disso é a resposta unânime de que não há dificuldades em trabalhar
o texto literário com essas crianças.
95
Quanto à freqüência desses alunos à biblioteca as respostas foram as seguintes:
(P1) “sempre que buscam informações.” Deixa implícito em seu discurso que a
biblioteca é lugar de pesquisa, busca de informações;
(P2) “é fraca”;
(P3) “uma vez por semana e durante as aulas livros variados”;
(P4) “é boa”;
(P5) “é restrita”.
Não há, portanto uma regularidade nas respostas das professoras, isso confirma
nossa argumentação de que a formação do leitor passa, principalmente no caso da clientela
pesquisada, pela boa vontade do profissional. Nenhuma professora, entretanto, afirmou que
não há um espaço destinado à biblioteca. Apenas em (P3) há uma regularidade do uso da
biblioteca, mesmo que não haja um espaço físico ela deve circular.
Segundo as crianças, esse espaço não existe e os livros são levados aos alunos
pelos professores. Foucambert (1994) afirma que a biblioteca como mediadora de leitura
deveria ser democrática, aberta a todas as pessoas, em ambientes diversos. Se os professores,
conscientes da tarefa que a família lhes impôs, propusessem também essa democratização do
livro, estariam cumprindo o papel de mediadores do texto literário. E, como tecelãs, estariam,
“ponto a ponto”, embora fazendo um papel de “formiguinhas”, mudando uma situação; como
observa Machado:
Agora, a curiosidade está adormecida. Talvez, simplesmente, o que esteja ocorrendo
é que os jovens leitores não sabem que existe [...] o mapa, o fruto proibido. Tanta
gente lhes diz ‘abra, olhe, prove’! Mas como não vêem ninguém fazendo isso,
ninguém lhes fala com paixão de leituras já feitas, acham apenas que tudo é
obrigação escolar e não sentem a menor curiosidade por fazer a mínima exploração.
Imagine-se, porém um professor diferente. Alguém que um dia entra em sala, abre
um livro e lê [...] (MACHADO, 2001, p. 120).
Quatro professoras afirmam que as crianças preferem ouvir histórias a lê-las,
apenas uma diz que seus alunos preferem ler a ouvir. No entanto, todas as crianças
entrevistadas afirmaram preferir ouvir histórias. Comprova-se, portanto, que a maioria das
professoras conhecem o gosto de seus alunos. O gosto se explica por ser uma comunidade
praticamente formada pela oralidade. Quem não gosta de ouvir uma boa história bem
contada? Qual criança não se sentiria motivada a procurar o livro que a professora leu com
tanto entusiasmo?A esse respeito Machado (2001, p.121) defende que: “O professor que ler
96
um trecho para seus alunos está entregando-lhes o mapa do tesouro. A curiosidade pela
leitura. Para isso basta apenas que seja leitor”.
O texto oral é uma presença constante em nosso cotidiano, circunda-nos e produz
efeitos diversos que, às vezes, nem percebemos. Em algumas sociedades, eles se instituem
como a ordem dominante. Quando falamos de oralidade, referimo-nos às histórias que as
crianças contam que ouvem dos pais e avós. Segundo as professoras, essas histórias são:
“Saci-pererê, Mula-sem-cabeça, Lobisomem, Boi-da-cara-preta”, “histórias de medo,
crendices”, “de assombração”, “folclóricas, lendas, parlendas”, “histórias assustadoras como
do Lobisomem”.
Na década de 1980, compreende-se que a importância do oral corresponde a dar
um tratamento diferenciado ao que se entende por literário. O trabalho com a oralidade é um
trabalho com a voz. Dessa maneira, a literatura deixa de ser captada pelo seu sentido
etimológico de letra, ou seja, tudo que está escrito e passa a ser entendida como cultura. Ela
figura como uma espécie de arte do cotidiano.
Há que se esclarecer a conclusão a que as professoras chegam ao afirmar que as
crianças preferem ouvir a ler histórias. Neste caso, o professor pode fazer o papel de “Tia
Nastácia” e “Dona Benta”, se nos reportarmos à literatura brasileira, ou “Sherazade”, se nos
referirmos à literatura universal, para despertar a curiosidade nas crianças, incitando-lhes a
vontade de buscar o título e lê-lo, sozinhas num cantinho só delas.
O Laboratório de Estudos da Oralidade (LEO
49
) defende as diferentes práticas
culturais no Brasil, a complexidade e diversidade de manifestações da cultura popular.
Levando em conta os (PCN’s) Parâmetros Curriculares Nacionais de Ensino da Língua
Portuguesa esses temas levam-nos a pensar a oralidade de maneira singular e mais ampla. Isso
ajuda a combater preconceitos em torno da linguagem e a repensar o papel da voz enquanto
geradora e reprodutora de sentido. O que não pode haver é uma desvalorização da cultura da
criança e considerar como inválido tudo aquilo que ela “lê”. O professor leitor pode ser o
mediador, conhecedor da cultura brasileira como marca de identificação do sujeito.
50
Com relação às questões sobre a formação do gosto, optamos por analisá-las
fazendo quadros comparativos das respostas dos professores e das crianças. Assim,
49
Trabalho realizado com professores e alunos da Universidade Federal da Paraíba, preocupados com as
questões de como tem sido definidas e analisadas as diferentes práticas culturais em nosso país. Analisam as
manifestações artísticas populares presentes em diálogo com outras produções.
50
Wladimir Propp (1984), lingüista e folcloristas russo, explicita a questão da oralidade. Para ele o tema e a
composição do conto são produtos do regime social de clã. É o resultado do desaparecimento do sistema
social que lhe deu origem e sustentação por algum tempo. O início do processo foi a desvinculação entre a
história e sua narração ritualística, nesse momento, o mito começou a se transformar em conto popular.
97
passaremos nas páginas seguintes à análise dos questionários aplicados às crianças, filhos de
cortadores de cana, foco principal da pesquisa, para, em seguida, fazer as comparações das
respostas dos professores e alunos.
4.1.2 Análise das questões aplicadas às crianças: emendam-se os retalhos, o trabalho em
Patchwork forma o desenho.
O gráfico apresenta os sujeitos da pesquisa, crianças, filhos de trabalhadores em
canaviais, estudantes de 1ª à 4ª séries do Ensino Fundamental, aqui separados por idade, sexo
e série em que estudam. Apresentamos, a seguir, as respostas dos questionários do (anexo C).
Sexo
Faixa etária (anos)
Masculino Feminino Total
7 a 8 2 2 4
9 a 10 2 2 4
11 a 12 1 1 2
Total 5 5 10
Tabela 1 - Crianças, filhos de cortadores de cana, estudantes de 1ª a 4ª séries do Ensino
Fundamental separados por idade e sexo.
Fonte: Questionários aplicados às crianças.
0
1
2
7 a 8 9 a 10 11 a 12
FAIXA ETÁRIA
Masculino Feminino
Gráfico 3 - Sujeitos da pesquisa por sexo e idade
Fonte: Questionários aplicados ás crianças.
Entrevistamos dez crianças de sete a doze anos, sendo cinco do sexo feminino e
cinco do sexo masculino. Como afirmamos, a pesquisa ocorreu nas residências dos cortadores
98
de cana que tinham filhos estudando no ensino fundamental. Somente depois disso nos
dirigimos à escola onde elas estudam. Obtivemos o número de sexo masculino e feminino
aleatoriamente assim como as séries nas quais as crianças estudam.
Os aspectos sócio-econômicos das famílias já foram apresentados quando
contextualizamos a pesquisa. Portanto, agora, vamos nos ater às questões referentes ao gosto,
isto é, o que a academia considera como de valor, e às práticas realmente efetivadas no grupo
social no qual as crianças estão inseridas.
Constatamos que as crianças, assim como os pais, têm a televisão como meio de
informação e lazer. Segundo elas, os programas a que mais assistem são desenhos e
programas infantis; três meninas afirmam gostar muito de novelas, além dos programas
infantis.
0
1
2
3
4
5
Novela Desenhos e outros
programas infantis
PROGRAMAS DE TV
Masculino
Feminino
Gráfico 4 - Programas mais assistidos na televisão por filhos de cortadores de cana,
estudantes de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental.
Fonte: Questionário aplicado às crianças.
O mediador de leitura oral para a clientela pesquisada é a família, 50% das
crianças têm o contato com a literatura popular. Apenas 10% das crianças responderam que a
professora lhes conta histórias e 40% dos entrevistados responderam que ninguém faz isso. Os
números são significativos no sentido de observarmos que a escola está em segundo lugar,
forma cinqüenta por cento, a metade da clientela, que espera o incentivo fora de casa. Os
outros cinqüenta por cento têm na família o mediador de literatura oral com contos de família
ou contos folclóricos. Somando se a tudo isso, podemos inferir que, quando a escola não
desempenha o papel de mediador, seja lendo ou contando histórias as crianças, 40% , que
afirmam não ouvi-las ficam restritas aos filmes e desenhos da TV como forma de suprir a
99
necessidade, inerente ao ser humano, de ficção e fantasia. Essa questão será retomada mais à
frente.
Mediadores
Masculino Feminino Total
Pai, mãe ou parentes 1 4 5
Professora 1 - 1
Ninguém 3 1 4
Total 5 5 10
Tabela 2 - Mediadores de leitura oral para filhos de cortadores de cana, estudantes de 1ª a 4ª
séries do Ensino Fundamental.
Fonte: Questionário aplicado às crianças, filhos de trabalhadores no corte de cana.
Uma das primeiras questões formuladas foi sobre o gosto por ler ou ouvir
histórias. Das dez crianças pesquisadas todas afirmaram gostar mais de ouvir histórias do que
lê-las. Isso explica a tabela dos mediadores de leitura oral. Como a leitura para eles é a
“leitura da escola”, diferente de histórias, nossa pergunta foi:
“Gosta de ouvir histórias? Por quê? Quais?”
A resposta foi unânime, gostam de histórias da família, contadas pelos pais, avós,
parentes. Por isso a escola fica em segundo lugar. Há alunos que suprem a necessidade de
ficção e fantasia através da oralidade, na família. Porém, há os que não a recebem nem na
escola, nem na família.
Portanto, em termos bem simples, cabem as palavras de Machado (2001, p. 117)
que afirma que o que leva a criança a ler, antes de mais nada, é o exemplo [...]. A mesma
autora relata a experiência fascinante de como se tornou leitora por intermédio da avó, que lhe
contava histórias. Também exemplifica com a prática pedagógica de uma professora de Mato
Grosso que só tinha dois livros na escola e as crianças gostavam de ouvir; assim, através da
criatividade, a professora produziu livros com histórias trazidas pelos alunos. Histórias
ouvidas e reescritas, uma biblioteca oral. É claro que não podemos nos ater apenas ao círculo
familiar, mas é um bom começo.
As histórias mais ouvidas, segundo os sujeitos de pesquisa, são as populares:
mula-sem-cabeça, assombração, contos infantis. As professoras pesquisadas sabem disso, pois
quatro delas também afirmam que essas são as histórias que as crianças mais gostam. Vemos
100
reproduzir o gosto pela oralidade desde as respostas dos pais, os quais afirmam essa prática
em suas famílias.
0
1
2
3
4
De família Infantis
CONTOS FOLCLÓRICOS
E POPULARES
Masculino Feminino
Gráfico 5 - Histórias citadas como as mais ouvidas por filhos de cortadores de cana,
estudantes de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental.
Fonte: Questionários aplicados às crianças, filhos de cortadores de cana.
Entre as pessoas que desempenham o papel de mediador oral predomina a figura
feminina, mãe ou irmã. Constatamos apenas um caso em que o irmão faz a mediação do texto
literário. A professora perde espaço nesse campo que pode ainda ser explorado tendo em vista
que em cidades pequenas as oportunidades de ir ao teatro ou qualquer outra atividade em que
se ouça histórias é quase nula.
Ora, se as histórias mais ouvidas são as folclóricas e as histórias de vida, temos de
concordar com Fares e Nunes (2001, p.111) de que
precisamos, à moda de nossos avós índios e nossos pais caboclos, acalentar o sonho
de crianças e jovens, contando-lhes histórias [...] As artimanhas do imaginário
contribuirão, assim, para redesenhar o contorno de gerações presentes e futuras,
preparando terreno para o plantio do texto escrito. Nesta perspectiva seremos
professores brasileiros – Sherazades a emprenhar os ouvidos alheios com histórias
fabulosas [...] Sherazade vence a morte através da literatura. Trata-se da maior
apologia da palavra, de que se tem conhecimento.
101
Feminino Masculino
Branca de Neve 2 -
Cinderela 1 -
Peter Pan - 1
Histórias da família 1 4
A menina da mochila
amarela
51
1 -
Quadro 9 - História citada como a que mais gostou.
Fonte: Questionários aplicados às crianças, filhos de cortadores de cana.
Os contos tradicionais infantis Cinderela e Branca de Neve foram lembrados por
três meninas. Os meninos preferem histórias de família, isso pressupõe que não lêem, pois
apenas um afirma que a história de que mais gosta é Peter Pan.
A menina da mochila amarela se refere à obra de Ligia Bojunga Nunes, A Bolsa
Amarela. A entrevistada tem nove anos e nos surpreendeu com a desenvoltura com que
respondeu às questões e citou os livros lidos. A mãe não sabe ler nem escrever, o pai é
alfabetizado, mas pudemos ouvir muitas histórias e ver os livros que o cunhado, a irmã e o
irmão compram para ela. Essa foi a única criança que afirmou ganhar livros como presente.
Também já leu a coleção da Literatura em Minha Casa e lembra com entusiasmo da
professora que leva a turma para ler embaixo da árvore.
Constatamos que a família, na maioria das vezes, efetua o papel de mediadora do
texto oral, enquanto a escola procura propiciar a leitura literária sem fazer a ponte necessária
para que essa clientela, que prefere ouvir, e está acostumada a assistir televisão, chegue ao
material impresso, cuja existência é rara no cotidiano de muitas famílias.
Tomamos o literário enquanto função poética da linguagem, espaço no qual a
linguagem informa sobre si mesma, numa metalinguagem, espaço onde a literatura infantil vai
além da classificação por idade, e que mostra a palavra, o som, a imagem, e vai pelo
imaginário redescobrindo mundos, sem medo de “ser menor”.
Os textos da literatura infantil pautam-se pelo resgate da oralidade, porque a fala é
anterior à escrita e nem todas as obras lidas hoje por crianças foram inicialmente a elas
51
A resposta textual foi: A menina da mochila amarela. A troca da palavra bolsa, por mochila, acreditamos se
deva a uma adequação ao vocabulário infantil atual, no qual as meninas não usam “bolsas”, mas mochilas.
Também pode ser esquecimento da palavra que foi substituída por outra equivalente.
102
dirigidas. Dessa forma acreditamos que não há criança, independente da classe social, faixa
etária, sexo, que não goste de histórias: lê-las, ouvi-las, vivê-las.
0
1
2
3
Pais ou
parentes
Escola ou
professora
Ninguém
MEDIADORES
Masculino Feminino
Gráfico 6 - Mediadores de leitura que presentearam com livros a filhos de cortadores de cana,
estudantes de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental.
Fonte: Questionários aplicados às crianças, filhos de cortadores de cana.
A questão exposta na tabela 2 e gráfico nº 6 tinha a finalidade primeira de
observar qual o valor do livro para as famílias e também para as crianças, era uma forma de
investigar se elas receberam livro como presente e se gostaram desse “presente” ou o
ignoraram. Constatamos que apenas em uma família há o hábito de se presentear com livros e
isso foi uma iniciativa de irmãos, portanto, é uma nova geração que desponta em meio à
clientela pesquisada com outros valores. É o “capital” cultural assinalado por Bourdieu em
Nogueira e Nogueira (2004) exposto anteriormente neste estudo.
Em uma segunda família pesquisada, a criança afirmou que recebeu os livros na
escola, mas que “a mãe jogou fora porque ficava juntando ‘porcariada’ em casa” (sic). Isso
nos remete aos teóricos anteriormente citados que afirmam unanimemente que o gosto se
forma pelo exemplo, pelo incentivo.
As meninas (4) e meninos (1) afirmam levar “livrinhos” da escola para casa. Aqui
vemos a leitura literária sendo efetivada. Acreditamos que 50% seja um bom número de
leitores, embora não seja o ideal. Também observamos que 40% desse total são do sexo
feminino, fato que pode ocorrer também em outras regiões, pois observamos que há certa
preferência das meninas por leituras.
103
O quadro dez e o gráfico sete são demonstrativos das leituras efetuadas na escola.
Para a questão sobre as leituras realizadas, sete crianças responderam ler o livro didático na
escola e nele lêem textos; apenas uma menina afirmou ler livros de literatura infantil, e um
inclui a revista em quadrinhos como umas das leituras da escola.
Assim como os pais, professores e equipe pedagógica, as crianças têm uma
concepção de leitura decodificação numa abordagem cognitivista que vê a leitura como
processo mental, esquemas, desde o pulsar dos olhos até a ativação da memória, abordagem
defendida por Kleiman (1998), também observamos uma abordagem funcionalista da leitura
defendida por Silva (1993). Abordagens essas comuns ao ato de ler, mas que necessitam de
complementação dos outros processos, como explicitados no segundo capítulo deste trabalho.
Feminino Masculino
Livro didático 4 3
Gibi - 1
Livros de leitura infantil 1 -
Não respondeu - 1
Quadro 10 - Tipo de leitura realizada na escola
Fonte: Questionários aplicados às crianças, filhos de cortadores de cana.
0
1
2
3
4
Gibi Livro
didático
Livros de
leitura
Não
respondeu
LEITURA
Masculino Feminino
Gráfico 7 - Leituras realizadas por filhos de cortadores de cana, estudantes de 1ª a 4ª séries do
Ensino Fundamental.
Fonte: Questionários aplicados às crianças, filhos de cortadores de cana.
104
Observamos que as leituras são realizadas em sua maioria no e pelo livro didático,
no entanto também constatamos que as meninas lêem mais livros de literatura que os
meninos, estes preferem ler gibis. Há que se destacar o número equivalente de meninos que
não responderam, aos que afirmaram ler histórias em quadrinhos, isso demonstra a não
aceitação de suas leituras ou, por outro lado, a não leitura.
Não nos surpreende essa constatação, pois, como afirma Soares (2001, p. 6):
O processo de escolarização é inevitável por ser próprio da escola, mas é necessária
uma escolarização adequada da literatura, aquela que propiciasse a vivência do
literário, que conduzisse às práticas de leitura literária que ocorrem no contexto
social e as atitudes e valores próprios do ideal de leitor que se quer formar.
O que se deve criticar é a inadequada escolarização da literatura, uma
pedagogização mal compreendida que transforma o literário em escolar. Assim, Soares (2001)
defende serem três as instâncias de escolarização da literatura: a biblioteca escolar; o estudo
de livros de literatura orientada pelo professor de português e a leitura e o estudo de textos em
geral. A autora critica a forma como o texto literário é apresentado em alguns livros didáticos
que transferem fragmentos da obra original, transformando-a, e, muitas vezes, alterando o
gênero, fragmentando as narrativas. Enfim, vemos isso acontecer, mas cabe ao professor, se
leitor, a tarefa de propiciar às crianças o contato com a obra original. O prazer de observar as
ilustrações, tamanho de letra e o próprio suporte material que é o livro torna-se a oportunidade
dos mediadores de leitura escolar entrarem em ação.
Esse seria o momento da quebra de expectativas, fazer ver que aquela obra que
está lá no livro didático é bem maior, a história tem outros caminhos, outras cores. É a hora do
professor formar o leitor. Assim, como afirma Walty (2001, p. 51-52) “não é a escola que
mata a literatura, mas o excesso de didatismo, o texto literário fragmentado, deslocado,
manipulado”.
105
0
1
2
3
4
Gibi Leituras
diversas
Texto no
quadro
Nenhuma
leitura
LEITURA
Masculino Feminino
Gráfico 8 - Leituras efetuadas fora da escola por filhos de cortadores de cana, estudantes de
1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental.
Fonte: Questionário de pesquisa aplicado às crianças, filhos de cortadores.
Como as crianças ficam em Projetos que as atendem fora do período escolar,
observa-se que quando questionados sobre as leituras realizadas fora da escola, há certa
confusão como mostramos no gráfico (8). Afirmam ler textos no quadro, isso porque como
ficam em Projetos PETI e II Tempo fazem as lições de casa e, entre outras atividades, “lêem
textos no quadro”. Também afirmam que realizam leituras diversas, isto é, os meninos, já as
meninas lêem gibis e leituras diversas na mesma proporção; no entanto a maioria delas diz
não efetuar nenhuma leitura.
Entende-se aqui que esse grupo vê a leitura como manuseio de livros o que
realmente não ocorre fora da escola nos projetos. Pois esses priorizam, como já afirmamos
anteriormente, as atividades recreativas, esporte e lazer e a leitura não é considerada um lazer.
106
0
1
2
3
4
5
Projeto II tempo
(na escola)
PETI Afazeres de
casa
ATIVIDADES FORA DA ESCOLA
Gráfico 9 - Atividades desenvolvidas fora da escola por filhos de cortadores de cana,
estudantes de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental.
Fonte: Questionários aplicados às crianças filhos de cortadores de cana.
Algumas crianças freqüentam projetos em horários complementares ao período
em que não estão na escola, mas nenhum deles tem um projeto específico de leitura do livro,
leitura da literatura. Apenas uma criança entrevistada fica em casa porque tem que ajudar nos
afazeres domésticos.
Ao afirmarem que gostam mais de ouvir histórias do que ler, não excluem que
gostam de ler. Apenas duas crianças afirmam não gostar. Não é de surpreender que 50%
preferem os contos tradicionais o que confirma as constatações anteriores: crianças formadas
em um ambiente onde prevalece a oralidade têm preferência pelos contos tradicionais que
também tem sua gênese na oralidade.
Isso acontece por dois motivos: primeiro pela idade (5 a 10 anos) que, de acordo
com Bamberger (1991), é caracterizada como idade do realismo mágico; e por fim, porque os
contos tradicionais têm elementos da oralidade
52
.
Tão remoto quanto à origem da humanidade o ato de ouvir e contar histórias não é
apenas um hábito que os homens foram desenvolvendo ao longo da existência. Na verdade, é
um hábito de prazer, cuja finalidade é fugir da monotonia do cotidiano.
52
Os contos tradicionais nascem da oralidade e são recolhidos por Perrault (1697) em Os Contos da mamãe
Gansa. Foi ele quem publicou a coletânea hoje considerada a primeira versão literária dos contos folclóricos
dirigidos ao público infantil.
107
Sherazade, contadora das lendas das Mil e uma noites, é o símbolo do papel da
mulher no reino encantado das histórias. Em Monteiro Lobato, essa figura é representada pela
tia Nastácia, que, através da oralidade transmite contos de folclore brasileiro. Para Mendes
(2000, p.22) “Há um consenso entre os pesquisadores: as histórias que hoje conhecemos
como ‘contos maravilhosos’, ‘contos de magia’ ou ‘contos de fada’ são remanescentes da
tradição mitológica, e os mitos se originaram dos rituais praticados nas tribos primitivas”.
E o sentido da vida continua sendo tão necessário ao homem hoje como há
milênios, pois, apesar dos avanços tecnológicos, a alma humana continua a mesma. Os
homens, do primitivo ao civilizado, como afirma Candido (1985), “necessitam de ficção e
fantasia”.
Discutiremos agora a leitura do texto poético. Como a poesia é vista pelas
crianças e professores e qual o lugar que esse texto ocupa no espaço escolar. Para facilitar o
registro e, conseqüentemente, a análise das respostas e a construção do gráfico 10,
propusemos as seguintes opções às crianças:
[A] Não gosta de poesia.
[B] Gosta, mas não ouve nem lê poesia.
[C] Ouve somente quando há apresentações na escola
[D] Lê poesia no livro didático
[E] Gosta, mas faz tempo que a professora não dá poesia.
0
1
2
3
ABCDE
GOSTO PELA POESIA
Gráfico 10 - Gosto pela poesia por filhos de cortadores de cana, estudantes de 1ª a 4ª séries
do Ensino Fundamental.
Fonte: Questionários aplicados aos filhos de cortadores de cana.
108
Pelo gráfico, podemos constatar que apenas duas (2) crianças afirmam não gostar
de poesia (opção A), uma (1) criança afirma que a lê no livro didático (opção D). Três (3)
delas marcaram a opção B, ou seja, afirmam gostar de poesia, mas não a ouvem nem a lêem;
outras duas (2) ouvem quando há apresentação escolar (opção C), e por fim, duas (2) gostam,
mas afirmam que faz tempo que a professora não trabalha com isso em sala.
Com base nas respostas, acreditamos que seja necessário uma retomada à
concepção de poesia, principalmente na literatura infantil, pois ela esteve presente desde o
começo dessa literatura tendo sido Olavo Bilac um dos seus principais representantes.
53
Assim podemos talvez entender o porquê de certa resistência para trabalhar a poesia sem
compromisso em sala, aquela poesia que segue “normas” tidas como corretas por alguns
professores.
Quase todos os poetas modernos brasileiros escreveram para crianças. No início
do século XX, a poesia tinha finalidade educativa, sobretudo com relação aos preceitos
morais, ao respeito à pátria e à família. Enquanto os poetas canônicos publicavam um ou dois
livros dedicados ao leitor infantil, outros se profissionalizaram no gênero, variando temas,
formas e formatos. Com Henriqueta Lisboa, Cecília Meireles, Vinícius de Moraes a poesia
torna-se uma brincadeira por meio de repetições, é jogo; diversão.
Quatro crianças afirmam fazer tempo que não ouvem nem lêem poesia, isso
porque as apresentações nas escolas não devem ser muitas durante o ano. E no dia-a- dia, por
que não explorar o recurso sonoro peculiar à poesia como em: “o colar de Carolina/colore o
colo de cal/torna corada a menina”
54
ou “Pita pinto pinga pita/pia pintos pingos pingam/pia
pia pinto pinto/pinga pita pinto pinga/pinga pinga pinta pia”
55
. Quanta música, quanto poesia!
Voltemos às Cirandas! “Ciranda Cirandinha vamos todos cirandar!” O repertório
atual de literatura infantil na poesia é riquíssimo, temos autores criativos e temas variados. A
poesia não precisa dizer algo para ser “trabalhada” em sala (aqui falamos de experiência no
convívio com colegas professores). Muitas poesias são “escolhidas” porque dizem “coisas”
interessantes, são bonitas, têm um conteúdo a ser trabalhado. Acreditamos que o que importa
para a clientela pesquisada seria primeiro a oralidade, como os mesmos já comprovaram
preferir. E com certeza, em seguida, depois de declamarem, ouvirem, sentirem o que é poesia,
haveria muito mais leitores de poemas, e estes sairiam dos bancos escolares à procura de
ampliar seu repertório literário.
53
Poesias Infantis, de 1904, seguiu-se de Alma Infantil, de 1912, escrito por Francisca Júlia, que como Bilac,
acompanha a estética parnasiana, pouco afeita ao gosto da criança segundo Zilberman (2005, p. 127).
54
Meireles, Cecília. Ou isto ou aquilo. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979, p. 11.
55
Capparelli, Sérgio. Boi da cara preta. Porto Alegre: L e PM, 1983, p. 7.
109
Concluímos com Cunha (1985, p. 21) para quem “a poesia é fruto da
sensibilidade. De todos os gêneros, deve ser o menos comprometido com aspectos morais ou
instrutivos”. Portanto, é inconcebível utilizá-la em função de outras disciplinas ou reservá-las
para sessões típicas ou festivas.
Ao professor cabe o papel de provocador para a leitura de poesia, assim como as
outras leituras, para depois a criança caminhar sozinha. O que nos preocupa é a constatação de
que para alguns professores não há distinção entre os textos literários e não-literários, tudo é
leitura e se for para adquirir conhecimento, leitura utilitária será melhor.
Retomando o gráfico dez, vemos que há crianças que afirmam que lêem poema no
livro didático. Isso não significa que somente elas façam isso, pois este material por ser
adotado, é o apoio no qual a professora se baseia para trabalhar durante o ano. Comparando
com as outras crianças, podemos inferir que esta não é da mesma sala de aula daquelas que
responderam que não lêem poemas, ou pior, que as outras não perceberam o texto do livro
didático como poesia.
A esse respeito Soares (2001, p. 17-48), ao expor sobre a escolarização da
literatura, critica autores de livros didáticos que incluem textos seus com finalidade instrutiva.
A autora também critica a transformação do texto poético em prosa, que elimina as
especificidades desse gênero. Acrescenta ainda que a seleção limitada de autores e a inclusão
de obras do mesmo autor, repetidas em um capítulo do livro, cerceia a possibilidade de
exploração do vasto campo da literatura infanto-juvenil. Mas reiteramos que estas questões
poderão ser resolvidas com a ação de um professor competente e conhecedor das
especificidades do texto literário em verso ou em prosa. Ler poesia é ler, e tudo que foi dito
sobre isso até aqui vale também para a poesia.
Ao professor cabe o papel de provocador deste estado, o de iluminador de caminhos
para esta leitura, para que a criança possa depois nela se aventurar sozinha. Somente
a partir desta ‘sensibilização’, do professor e do aluno, é que se cumpre o caminho
da poesia [...] (AVERBUCK, 1991, p. 62).
Quem
Escolhe a leitura
Masculino Feminino Total
O aluno 5 3 8
A professora 0 2 2
Total 5 5 10
Tabela 3 - Mediadores de leitura: quem escolhe a leitura.
Fonte: Questionários aplicados aos filhos de cortadores de cana.
110
Pela tabela 3 (Mediadores de leitura: quem escolhe a leitura), apenas duas
meninas afirmaram que a professora escolhe o que elas devem ler, oito alunos escolhem suas
próprias leituras. Tendo em vista que não há um espaço “biblioteca”, os livros ficam
guardados em uma saleta e as professoras os levam para a sala de aula. O exemplo da
criatividade descrito por uma aluna ao relatar que a professora levava os alunos para ler
debaixo da árvore, como já citamos, parece ser o único no grupo estudado. Há também três
depoimentos de alunos que são reveladores:
“Na terceira série quase não lia”; (A1)
“Eu lia bastante na segunda série, com essa professora a gente quase não lê”; (A2)
e (A5)
Os depoimentos evidenciam que, a escola como espaço de mediação de leitura,
está, indiscutivelmente, atrelada à mediação do professor, sobretudo ao considerarmos que a
escola pesquisada não possui um espaço destinado para a leitura, muito menos alguém
responsável pela guarda e organização dos materiais de leitura. Assim, restou-nos observar
qual a relação escolar com o livro através da professora e qual o tempo destinado à leitura.
Esta seria a segunda estratégia de escolarização da literatura, mas não foi possível
constatar o tempo que a criança fica com o livro, só obtivemos a informação de que há, uma
vez por semana, o momento de leitura e que isso não é uma prática comum a todas as séries,
ou seja, não é uma prática de todos os professores.
Há autores que criticam a interferência do professor na escolha da leitura, mas,
implicitamente, quando selecionamos os livros que serão oferecidos à determinada turma,
estamos realizando certa interferência. Também ao serem comprados já há uma seleção,
portanto a livre escolha da criança ao ler não é tão “livre assim”. Quando o professor prioriza
determinados gêneros também cerceia, de certa forma, a liberdade da criança porque esta
escolhe o que foi previamente selecionado por várias instâncias mediadoras.
Se pensarmos então na clientela, sujeitos da nossa pesquisa, o papel de mediação
da escola deveria ser mais incisivo nas obras que se aproximam da oralidade como
Malasaventuras: safadezas do Malasartes, de Pedro Bandeira, e outras obras do gênero que
há no mercado, para em seguida, ir tornando a leitura um ato significativo para a criança e por
fim que esse ato se torne solitário, de prazer individual. Tudo isso é caminho e não se faz esse
caminho se não for passo a passo.
111
Acreditamos que nossa pesquisa não foi em vão, quando constatamos o gosto pela
oralidade, e que a partir dela a escola poderia exercer uma mediação útil para formar leitores
que continuem esse hábito pela vida adulta:
A hora das histórias tem como objetivo a familiarização com a literatura. Como
ouvir é mais fácil do que ler e como o leitor ajuda a tornar compreensível o
significador e o caráter do texto com a voz e a expressão facial, até os que não
gostam de ler se sentirão encantados (BAMBERGER, 1991, p. 79).
Isso parece justificar a explicação dada por uma aluna da terceira série ao dizer:
“Prefiro ouvir a professora ler, ou contar a história, porque às vezes não entendo o que leio,
não entendo o que ‘aquela palavra’[sic] quer dizer, e quando a professora lê parece que fica
mais bonito e aí entendo” (A3).
Infelizmente, nós, adultos, às vezes, não conseguimos entrar no mundo e no
vocabulário infantil, principalmente o de crianças que tiveram acesso restrito a outras leituras.
Crianças cujo léxico se resume ao vocabulário da família, de seu grupo social, o que dificulta
a leitura de determinadas palavras que, para as de outras classes sociais, seriam comuns:
Nos povos onde se come diretamente com as mãos, não adianta dar garfo e colher
aos meninos, se nunca viram ninguém utilizá-los. Isso é tão evidente que nem é o
caso de insistir. Se nenhum adulto em volta das crianças costuma ler, dificilmente
vai formar leitor (MACHADO, 2001, p. 116).
Depois de constatado que as famílias não lêem, a segunda chance dessas crianças
seria a escola, mas não basta mandar que leiam, há que se dar o exemplo. Além disso, o
aumento da quantidade de ótimos livros e autores que escrevem literatura infantil, o
extraordinário desenvolvimento editorial do setor, a diminuição do analfabetismo, a presença
de programas de fomento ao livro, o “boom” da literatura a partir dos anos de setenta e o
crescimento das possibilidades de acesso ao material impresso, não são sinais de que as
crianças estão lendo.
Constatamos que nas leituras citadas pelas crianças não constam títulos ou autores
atuais, mas todas as dez crianças pesquisadas sabem os contos tradicionais. É o que
observamos com a aplicação da última parte do questionário destinado às crianças. Os três
contos mencionados foram: Branca de Neve, Cinderela e Chapeuzinho Vermelho. Segundo
Bettelheim (1980, p. 313), “os dois primeiros contos são exemplos de concretização de
arquétipos femininos, pois nenhum outro conto justapõe de modo tão claro a mãe boa e a mãe
má”.
112
Cinderela, pobre e órfã, é condenada a sofrer nas mãos de uma madrasta malvada
e de suas filhas invejosas. Nessa situação de penúria, é condenada a dormir nas cinzas do
borralho. É a fada madrinha (Perrault,1989) ou um pássaro (Grimm,1989) que salva a
personagem. Qualquer que seja o símbolo, é a mãe boa que lhe propicia condições de ir ao
baile e encontrar o príncipe que a fará feliz. Essa felicidade matrimonial é o símbolo da
realização individual, objetivo dos antigos ritos de iniciação sexual que Propp (1984)
identificou como fonte primitiva desses contos.
O papel das fadas, com o poder de decisão sobre o destino das pessoas, está
representado em Cinderela, que se torna apreciada e conhecida entre os contos escolhidos por
Perrault. Em 1812, ele figura também na coletânea dos irmãos Grimm e em nosso século, seu
prestígio aumentou graças às versões cinematográficas de Walt Disney por meio de desenhos
animados.
Cendrillon, na França; Cenicienta, na Espanha; Galta Generentola, na Itália; Gata
Borralheira, em Portugal; Maria Borralheira, no Brasil do século XX; e Cinderela, no Brasil
de hoje. Esta é a personagem mais famosa dos contos de fada, na Inglaterra e Estados Unidos.
O filme da Disney a torna conhecida, mas o poeta Perrault é o responsável por esse sucesso,
pois o cinema apenas transformou em imagens a fabulosa criação literária recolhida da
oralidade.
Chapeuzinho Vermelho é a única história das três que na versão de Perrault (1989)
não tem final feliz. Na versão dos Grimm é que aparece o caçador que tira a avó e a neta da
barriga do lobo, enchendo-a de pedras. O conto vem da tradição oral. A versão que permanece
no Brasil é a dos irmãos Grimm por apresentar um final feliz, no qual o bem vence o mal.
Esses contos eram narrados por mulheres, simbolizadas pela Mamãe Gansa. Há a
predominância e importância das personagens femininas nas narrativas. Embora a função do
herói, o salvador, esteja nas mãos dos homens, a mulher é a protagonista da história. Perrault
retratava nos contos o modelo feminino que a sociedade esperava da mulher: beleza,
fragilidade, docilidade, obediência e bondade.
Histórias criadas pelo inconsciente coletivo e adaptadas por um poeta do
Classicismo francês, os Contos da Mamãe Gansa cumpriram sua função de moralizar os
costumes. Como contos populares, essas narrativas não teriam necessidade de personagens
literariamente trabalhadas, pois nesse tipo de história, segundo Mendes (2000; p. 31) “figuras
criadas graças ao trabalho literário, deixaram o universo da tradição folclórica e se tornaram
criações artísticas e há três séculos habitam a imaginação de crianças e adultos”.
113
Branca de Neve, Cinderela ou a Bela Adormecida estão entre as personagens mais
conhecidas das crianças pesquisadas devido aos filmes de Disney e a propaganda por meio de
discos, fitas, livros e álbuns de figurinhas.
As constatações obtidas nessa pesquisa vêm confirmar que ainda hoje esses
contos continuam sendo transmitidos por narrações orais das mulheres, apesar do cinema e da
televisão. Mas os contos mais conhecidos no Brasil são os divulgados por Walt Disney. A
imagem que as crianças têm hoje dessas personagens são as produzidas por Hollywood, o que
demonstra a força dos meios de comunicação de massa.
Estamos no século XXI e os contos de fada continuam encantando as pessoas, só
esperamos que eles não sejam apenas conhecidos nas páginas da Internet, em CD’s e DVD’s.
Esperamos que sejam lidos.
Optamos como já afirmamos no início dessa seção, fechar o presente capítulo
contrapondo as respostas das professoras e dos alunos em quadros para melhor visualização e
é isso que faremos a seguir.
Professoras Alunos
Histórias de aventuras 3 1
Histórias de mistério 3 -
Histórias em quadrinhos 3 2
Histórias de humor 2 -
Adivinhações 2 -
Contos de fadas 2 5
Cantigas de roda 2 -
Parlendas 1 -
Não gosta de ler - 2
Quadro 11 - Leituras que as crianças mais gostam segundo professoras e alunos
56
Fonte: Questionários aplicados aos filhos de cortadores de canas e professoras.
Num primeiro momento as professoras afirmaram que as crianças não gostam de
poesia, em seguida citam cantigas de roda, adivinhações, parlendas como gosto dos alunos, o
que denota certa contradição quanto ao conceito de poesia. Nas respostas das crianças
prevalece o gosto pelos contos de fada, fato já demonstrado em outra questão. Há, nesse
56
Cada entrevistado citou mais de um tipo de leitura.
114
sentido, coerência nas respostas das crianças com as respostas das professoras assim como por
afirmarem no início que preferem ouvir a ler. Sendo os contos de fada de origem popular têm
pontos de oralidade a que as crianças estão acostumadas, pois também afirmaram que
preferem as histórias de famílias: contos folclóricos e populares.
Continuando a fazer o contraponto das questões, todas as professoras responderam
que há um espaço nas aulas para oralização do texto literário: contar histórias, ler poesias,
tanto por parte dos professores quanto por parte dos alunos. No entanto nenhuma das dez
crianças afirma isso textualmente. Respondem que “a professora manda a gente lê”. Apenas
uma professora afirmou que seus alunos preferem ler ao ouvir histórias, “não gostam de ouvir,
pois não fazem silêncio”. Quatro professoras sabem que eles preferem ouvir e essas foram
também as respostas das dez crianças. A questão de “saber ouvir” histórias passa pela técnica
que a professora deve desenvolver para isso. É lógico que é preciso um pouco de dom para ser
um contador de histórias, mas com um pouco de entusiasmo do professor se consegue
“ouvintes” e vai-se criando o hábito.
P1. Histórias de aventuras A1. Gibis
Histórias de humor A2. Gibis
Histórias em quadrinhos A3. Gibis
Adivinhações A4. Cinderela
A Bela Adormecida
P2. Histórias de aventuras Chapeuzinho Vermelho
Histórias em quadrinhos Branca de Neve
Síntese (os clássicos contos infantis
57
)
A5. Síntese (os clássicos contos infantis)
A6. Gibis
P3. Histórias de fada A7. “Histórias de reis e rainhas”
Histórias de mistério A8. Poesia
Histórias de humor Gibis
Histórias em quadrinhos A9. Histórias com gravuras
Poesia Gibis
Parlendas A10. Não gosta de ler, prefere ouvir
58
57
Apresentamos uma síntese das questões 17, 20, 21, 22 do questionário aplicado às professoras e questões 5 e 9
do questionário aplicado às crianças.
58
As 10 crianças responderam que preferem ouvir ao ler, mas as que responderam isso, também lêem.
115
Cantigas
Adivinhações
P4. Contos de fada
Histórias de aventura
P5. Histórias de mistério
Histórias de aventura
Quadro 12 - Gosto pela leitura segundo professores e alunos
Fonte: Questionários aplicados aos filhos de cortadores de cana e professoras.
Todas as professoras responderam que as crianças preferem ler histórias, livros
com ilustração e palavras em que aquela completa esta. Isso confirma a resposta das crianças
que citaram gibis e contos de fada como preferência, mas contradiz as respostas das
professoras (P4) e (P5) pelo gosto das crianças, que, segundo elas, são apenas por histórias de
mistério, e aventura, histórias que geralmente não são ilustradas. As professoras (P1), (P2),
(P3) aparentam conhecer melhor seus alunos, mas somente a professora (P3) conhece muito
bem a clientela com a qual trabalha e é essa a única professora que cita a poesia como gosto
das crianças: parlendas, cantigas, adivinhações e poesias contemporâneas.
Segundo as professoras Segundo as próprias crianças Segundo os pais
P1. Saci-Pererê A1. Mula-sem-cabeça Terror
Mula-sem-cabeça Lobisomem (contadas pelo avô) Bíblia
Lobisomem Assombração
Boi-da-cara-preta A2. Bela Adormecida
Chapeuzinho Vermelho
P2. Histórias de assombração Branca de Neve
Lobisomem (outros contos de fada contados
pelas professoras da 1ª e 3ª séries, a
outras não contam histórias
59
)
Saci-Pererê
59
Síntese das questões 18, 19, 20, 23, do questionário dos professores. Histórias que contam que ouviram dos
pais, avós, espaço na aula para oralização de histórias.
116
A3. Ninguém lhe conta histórias
P3. “Histórias de medo”
Lendas A4. Contos de fada
(CD’s,presente do cunhado)
Crendices, etc
Branca de Neve A5. Contos de fada
Chapeuzinho Vermelho
Fábulas A6. Contos de fada (a mãe conta)
Mula-sem-cabeça
Lobisomem A7. Histórias da família
Curupira
Negrinho do Pastoreio
Saci-Pererê
P4. Histórias assustadoras A8. Histórias de assombração
Como: lobisomem, mula-sem-
cabeça, saci-pererê
A9. Contos de fada (*TV)
A10. Contos de fada (*TV)
P5. Histórias folclóricas
Lendas
Parlendas
Clássicos da literatura infantil
Saci-pererê
Lobisomem
Quadro 13 - Histórias mais ouvidas pelas crianças.
Fonte: Questionários aplicados aos filhos de cortadores de cana e professoras.
Para as professoras as crianças ainda não desenvolveram o gosto pela leitura de
textos literários, e confirmam isso com a leitura que as crianças mais gostam de “ouvir”, com
títulos de personagens do folclore e de contos tradicionais.
As crianças não responderam que ouvem só esses contos, mas todas afirmaram
preferir ouvir do que ler. Por isso os alunos (A-9) e (A-10) afirmam preferir assistir pela T.V,
pois é mais bonito que nos livros. Reforça-se assim a idéia de oralidade discutida até aqui.
117
Quando lêem preferem que sejam poucas palavras e várias figuras. Assim, pressupõem-se que
as professoras ouvem as crianças contando histórias, por isso as afirmações das mesmas. A
professora (P5) afirma que seus alunos lêem os clássicos da literatura infantil, mas não cita
nenhum título. As outras: (P1), (P2), (P4) referem-se apenas aos contos folclóricos e
populares, já a (P3) cita todas essas leituras e o título de dois clássicos: Chapeuzinho
Vermelho e Branca de Neve.
A respeito da imposição da literatura de massa, Malheiros (1981) afirma que uma
literatura infantil que brote das fontes populares é a resposta que se pode dar a massificação
da indústria cultural, que procura impedir que nos afirmemos como povo autônomo.
60
Sabemos que, quando pesquisamos, o entrevistado tem uma imagem do
entrevistador e isso influencia nas respostas. Portanto, as professoras responderam levando em
conta a clientela com a qual convivem todos os dias. E nós, como entrevistadoras, tendo um
contato breve com as crianças obtivemos respostas mais imediatas, tendo em vista que as
crianças nos vendo como professora, projetam a imagem de leitura escolar. Por isso podemos
afirmar que as respostas das professoras têm procedimento, tendo em vista as visitas que
fizemos às casas das crianças e as entrevistas com os pais, que afirmaram lerem pouco, mas
gostarem de ouvir “causos”. Para Câmara Cascudo (1971), folclorista, sempre haverá, em
qualquer agrupamento humano, por mais rudimentar que seja, a memória coletiva de duas
origens do conhecimento: o oficial ,ensinado pela escola e o não oficial, oral, anônimo.
Concluímos a análise com um comentário da professora (P3) a respeito da leitura.
Apesar das escolas e professores terem preocupação com a leitura, considero poucas
as oportunidades de leitura oferecidas, pois os livros são caros e o aluno permanece
apenas quatro horas na escola, eles necessitam de maior acesso à leitura também
fora, considerando que ele permanece maior tempo fora dela
61
.
Com essas considerações podemos retomar toda argumentação feita. Formar
leitores é tarefa de todos, mas na prática, essa tarefa é delegada à escola num todo, que delega
a tarefa ao professor, que tem um programa a cumprir em quatro horas diárias e que, por sua
vez, transfere parte dessa função aos órgãos que atendem as crianças em horário extra-classe e
para a família. Portanto, observa-se um círculo vicioso: todos sabem da importância da
60
Malheiros, Eglê. A ação social da cultura popular no texto para crianças. Cadernos da PUC-RJ. Literatura
infantil II. Letras 09/81, p. 20-21.
61
A professora acima foi a única que ocupou o espaço destinado aos comentários sobre as questões abordadas
nos questionários.
118
leitura, pelo menos no discurso, mas na prática essa tarefa acaba sendo realizada na escola
passando pela “boa vontade” do professor. Dessa forma, passamos às conclusões finais.
119
CAPÍTULO V. ÚLTIMOS PONTOS: TECIDO EM ZIGUEZAGUE FORMA O
DESENHO FINAL
Como o título sugere, fechamos aqui as reflexões realizadas no decorrer desse
estudo no qual discutimos questões como: a leitura, ou a falta dela, que tem sido motivo de
discussão nos meios acadêmicos até por leigos. O assunto tornou-se, devido à intensa
propaganda nos meios de comunicação, questão prioritária no discurso para muitos, inclusive
para aqueles que objetivam “demonstrar” uma preocupação com a educação.
É moda hoje se falar em leitura, todos falam dela: professores comentam, mas
nem todos lêem. Assim essa pesquisa parte de uma questão não original: a leitura como uma
prática social. Buscamos averiguar quais os mediadores de leitura para os filhos de cortadores
de cana, quais as concepções de leitura, literatura e leitor que permeiam o grupo pesquisado:
pais, cortadores de cana, filhos e escola na qual essas crianças estudam.
Constatamos que embora vivendo a era da informática, observamos populações
carentes de outros “bens”. População que prioriza a alimentação, saúde, moradia. A educação
fica a cargo do governo que envia à escola livros para aprender a ler, outros para despertar o
prazer estético. Paga uma “Bolsa” para que os pais cumpram o seu papel de enviar os filhos à
escola, um governo que equipa escolas com meia dúzia de computadores e não prioriza a
formação de bibliotecários qualificados para atender as crianças em um espaço próprio para a
leitura.
Aprender a ler, durante a história da humanidade, era um passaporte para a
liberdade, era adquirir direito, como já dissemos. Atualmente essa concepção ainda é
valorizada, pois temos a consciência de que é a leitura que leva à aquisição da cultura e
também é esta que explica muito do que se lê. Numa cultura como a nossa, miscigenada,
temos que considerar as circunstâncias de cada leitor, sua formação cultural, e isso propiciará
a formação de novos leitores.
As crianças pesquisadas preferem ouvir histórias ao lê-las, isso porque são
formadas numa cultura em que a oralidade é muito valorizada. Também porque nas práticas
cotidianas estão mais em contato com isso. Ouvem rádio, TV, CD’s. Os pais ouviam histórias
dos avós ou vizinhos, hoje, ouvem músicas que contam causos, e a oralidade permanece, é a
influência da cultura de massa sobre as pessoas.
A cultura popular e/ou de massa, na maioria das vezes, prescinde da palavra
escrita, atendo-se à audição. Para Candido (1985), a cultura brasileira, sem distinção de
classe, está impregnada por um caráter de auditório que configura seu público, encantado com
120
a palavra contada, declamada, ilustrada em discursos morais, religiosos e político. Nos
campos conhecidos como popular, por vezes, somente uma perspectiva temporal legitima
algumas das produções orais. Isso ocorre na música e também na literatura.
Sendo a leitura uma prática, está sujeita a variantes: social, familiar, escolar e
pessoal. Observamos no grupo pesquisado que não há leitura do texto literário na prática
social, nem na familiar. O que predomina é a literatura oral, literatura popular, prevalecendo o
folclore e suas variações. Como nosso objetivo era observar os mediadores de leitura e as
concepções de leitura e literatura, temos as concepções de leitura como decodificação, leitura
como informação, assim uma leitura como “utilidade” para ter uma vida melhor, “ser alguém
no futuro”. Não há uma distinção entre leitura e literatura na prática social e familiar. Nestas
instâncias não há preocupação com a formação do leitor de literatura, isso porque não há uma
distinção entre as duas.
Quando a formação do leitor não ocorre nem no meio social, nem familiar, resta a
terceira instância que seria a escola. A ela cabe a tarefa de formar o leitor, mas também
constatamos que nela a tarefa é transferida quase que totalmente ao professor. E aqui deve
prevalecer a formação do gosto desse profissional e também a boa vontade, pois como
observamos as crianças preferem os textos oralizados e as professoras mandam ler, propiciam
o contato com o material impresso.
Uma clientela que prefere o texto oral, não tem habilidade de leitura do texto
literário impresso, pois com toda sua especificidade necessita de um leitor também preparado
para lê-lo. É preciso a criatividade, disponibilidade do mediador escolar para propiciar às
crianças literatura que atenda a seus gostos, para em seguida, ir ofertando outras leituras que
não sejam apenas as que mantêm contato com a oralidade.
Não é impondo leituras que formaremos leitores. Quando a sabedoria dos
mediadores escolares ultrapassarem as barreiras do que se deve ler, porque é literatura de
valor, poderemos formar leitores, mas enquanto ficarmos com idéias pré-concebidas de que
isso é literatura, portanto deve-se ler, e aquilo é crendice, folclore, portanto não tem valor, não
formaremos leitores na escola. Tudo isso passa pelo reconhecimento do mediador que procura
pesquisar autores brasileiros como Monteiro Lobato e outros, como os contos retirados da
literatura oral, da literatura popular e, assim, democratizar esses bens.
Quando falamos em leitores nos referimos à clientela que pesquisamos, que não
tem acesso à internet, nem a shopping center, não vai ao teatro, nem ao cinema e os
coleguinhas não leram Harry Potter, para que eles peçam para os pais comprarem. São
crianças de um Brasil que muitos autores, professores, escritores desconhecem. Crianças que,
121
às vezes, ficam na escola o dia todo, (quatro horas na escola no período matinal, mais quatro
horas em projetos de atendimento a essa clientela). Projetos estes que também não propiciam
espaços para o contato com histórias, em que haja um momento do silêncio, da escuta do
texto literário; para em seguida quem sabe, depois de várias tentativas, as crianças tomarem os
livros nas mãos e procurarem um cantinho para lerem, sozinhas.
Assim estaríamos na quarta instância, ou variante da prática de leitura, a pessoal:
se a criança passou por várias instâncias mediadoras de leitura e pôde ter o contato com o
texto escrito, com o livro, pode ocorrer aqui que o gosto surja por questão individual, o que é
mais difícil, mas não impossível. Formou-se, assim, o quadro propício para nos dirigirmos a
outro ângulo desse bordado.
Acreditamos na validade da literatura oral como literatura popular e que o
professor e a equipe pedagógica disponham de tempo para preparar suas atividades, levando
em conta a clientela com a qual trabalham. Que as práticas culturais como o folclore, não
sejam tratadas apenas em momentos de datas comemorativas, mas que se selecionem autores,
escritores que abordam as questões do interesse da clientela, para aos poucos ir transformando
essa literatura oral em leitura da literatura escrita. É saber que a formação do gosto pode ser
outra.
Os PCNs preconizam que se deve ter como partida para qualquer estudo, a
realidade cultural de cada região, de cada escola. Havendo o respeito ao componente cultural,
os currículos estariam adaptados à realidade das crianças. Dessa forma, valorizar a literatura
infantil, rastrear os livros infantis com poemas, parlendas, cantigas de roda, causos,
possibilitaria o acesso à riqueza de obras e autores que abordam essas questões, isso é uma
das possibilidades. Kléde (1983) parte do pressuposto de que há vários caminhos para
formarmos leitores e que em um destes encontra-se o folclore, que recolhe das tradições
populares os temas e, muitas vezes, o recorte lingüístico do discurso, dessa forma teríamos as
formas do conto, adivinhas, causos, ditados populares.
O escritor erudito, autor de literatura escrita, muitas vezes, trabalha a partir dessas
formas simples, recolhendo da literatura oral, seu material de criação. Assim os professores,
conhecedores da clientela com as quais trabalham, poderiam partir do contexto em que a
criança está inserida, propiciando dessa forma o contato com leituras de autores como,
Monteiro Lobato, Pedro Bandeira, Sylvia Orthof e tantos outros. Pois já na gênese da
literatura infantil encontramos um bom exemplo desta fusão entre formas orais, populares e
formas que se tornaram literárias nas letras de Perrault, Grimm e Andersen.
122
Foucambert (1994) afirma que a biblioteca como instância mediadora de leitura
deveria democratizar as leituras, abrir as portas, deixar de ser um espaço restrito ao letrado
para se estender às praças, bancos, ruas. E porque nós trabalhadores da educação não
começamos a fazer isso? Por que não iniciamos o caminho, um passo de cada vez? Não
importa se o “menino” seja grande, iniciemos com o que eles gostam sendo Sherazades, Tias
Nastácias, contando histórias de fantasia, de aventuras de folclore, de tudo! Depois leremos
com e para os meninos, muitos livros, a riqueza da literatura infantil inexplorada e
desconhecida por muitos.
Yunes e Pondé (1988, p. 7) afirmam que “o adulto que lê começou a fazê-lo na
infância, se não foi assim iniciou com o incentivo das crianças que lêem na escola e levam
esse encantamento para casa”. É uma visão diferente da que estamos acostumados, mas não
deixa de ser instigante, as crianças pesquisadas poderiam ser os mediadores de leitura em suas
comunidades futuramente. Levar à família o prazer de ouvir o texto lido pelos filhos, além de
estreitar laços afetivos, pode ser uma prática de leitura. Pois os pais hoje, preocupados em
suprir as necessidades materiais dos filhos, após um dia de trabalho braçal preferem relaxar,
descansar e, em sua cultura, isso significa ir ao bar, à casa de amigos, dormir. Principalmente
no caso das famílias pesquisadas, que não têm hábito de leitura com a leitura compartilhada
ficariam mais juntos e poderiam usufruir de bons momentos.
Aguiar (2002) enfatiza que é a questão social que confere à escola a formação do
leitor e acrescenta que é imprescindível ser leitor para despertar leitor. Assim, se o hábito não
é comum, se constatamos que as famílias não lêem e que com a ajuda do governo a
responsabilidade de formar leitores acaba ficando a cargo da escola, façamos nossa parte.
Como afirma Machado (2001, p. 117) “a salvação da literatura, da possível descoberta da
formação do futuro leitor”, ou a morte desse leitor.
É Turchi (2004) quem nos ajuda a concluir essa questão quando afirma que na
sociedade contemporânea, as crianças de um mesmo país estão expostas a fronteiras e
diferenças. Elas habitam vários mundos dentro de um mundo, por isso precisam de diferentes
vozes narrativas que lhes falem mais de perto dessa diversidade. E isso nos leva a puxar, dos
fios cruzados até aqui, nesta colcha de linguagens, a presença das várias linguagens no texto
literário para crianças, que leva a uma outra especificidade do gênero: as conexões com
outros campos do conhecimento humano. O espaço plural do texto literário que estabelece
ligações entre a literatura e a psicologia, a literatura e as artes visuais, a música entre outros
campos. Se o livro infantil não se abre para essa complexidade impossibilita a troca
significativa.
123
Observamos que a literatura infantil brasileira já atingiu qualidade estética e
maturidade. Tem sido rica em autores e ilustradores desde histórias com desenhos livres,
suaves ou fortes, técnicas das artes plásticas às artes gráficas, do pincel ao computador.
Quando se pensa no estatuto da arte em relação à literatura infantil é fundamental distinguir,
separar o texto original, que produz certo encantamento no leitor daquele previsível, que
repete o modelo de sucesso, obras que não levam o prazer de pensar, repetem por questões de
mercado, a fórmula que deu certo. Machado (2001, p.88) a esse respeito afirma que “a
literatura por fazer uso estético da palavra, experimenta o que ainda não foi dito, inventa algo
novo, propõem protótipos, enquanto o texto da cultura de massa vem carregado de
estereótipos trazendo apenas redundância e repetição do já existente”.
A ligação com a cultura popular é marcante, o reaproveitamento das narrativas
populares é uma tendência em: Ângela Lago, Ricardo Azevedo, Roger Mello
62
e outros que
através da ritualização do imaginário popular estabelece uma ligação entre o sentimento de
pertença a uma cultura. Ao citar autores não objetivamos fazer análise das obras, pois isso não
é a intenção de nosso trabalho, mas mostrar que a literatura infantil brasileira manifesta-se na
diversidade, abrindo para a criança a compreensão de vários brasis.
Também a poesia se manifesta com a tematização do universo cotidiano; a
reutilização das formas folclóricas. Caminha pela diversidade étnica e cultural, dá conta da
complexidade do universo da literatura infantil. Mais do que nunca é tarefa da crítica da
literatura infantil: analisar a literatura contemporânea, ter responsabilidade com a arte de sua
época; mostrar o que ler ou reler; estabelecer conexões, abrindo para estudos culturais mais
amplos. A pergunta sobre que livros as crianças gostam de ler, em nosso caso ouvir, obriga a
pensar no leitor, na recepção e nas práticas leitoras capazes de transformações sociais e
humanas.
Muitas estratégias pedagógicas de estímulo à leitura são tão falíveis quantos
quaisquer estratégias de sedução orientadas no sentido de garantir uma hipotética conquista
amorosa. Talvez a melhor estratégia seja não ter estratégias nenhuma, sem desistir nunca de
criar condições mais propícias para o encontro amoroso, inesquecível e viciante que
corresponde à descoberta da literatura nos momentos mais inesperados de nossas vidas.
E se nem assim conseguirmos evitar que o prazer se transforme em dever, valerá a
pena correr o risco de o abandonarmos, pois o texto literário não é só prazer, ele traz angústia,
desconforto porque é a vida, e a vida é assim.
62
Em obras como Maria Teresa, Cavalhadas de Pirenópolis, alimentando no leitor o pertencimento a uma terra,
além de permitir a construção do desconhecido e do desejado.
124
Emendamos os retalhos, e temos o trabalho pronto, ou quase isso. Tessitura
realizada ponto a ponto, desatando os nós que não foram poucos, mas tarefa realizada no mais
profundo prazer. Assim como a leitura que em nossa vida foi companheira podemos agora
visualizar a arte em Patchwork.
Enquanto tecíamos este trabalho, que se pretende científico, tecíamos juntamente
com os sujeitos de pesquisa nossas vidas, de cores às vezes vibrantes e alegres, outras vezes
cinzentas, Flicts, mas cores, porque não podíamos ser incolores, tínhamos que formar o
desenho que agora apresentamos.
Sabemos que outros virão e lerão essa tessitura de forma diferente da que a lemos
hoje, mas é esse o caminho, as veredas, os fios que às vezes temos que tecer, costurar.
E você, leitor cansado, deite-se em nossa colcha, veja como nem tudo é
impossível, nem tudo é tão difícil assim. Há canaviais no país, neles há Gente, retalhos de
todas as cores, que cosem suas vidas no diálogo, na linguagem, falando e ouvindo.
Ou então, sentemo-nos diante dessa colcha, tecida em Patchwork, vamos contar
um “causo”?
125
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ZIRALDO. Flicts. São Paulo: Melhoramentos, 2005.
132
ANEXOS
133
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ – UEM
CENTRO DE CIENCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROJETO SHERAZADE: UMA EXPERIÊNCIA DE LEITURA COM FILHOS DE
CORTADORES DECABA DA REGIÃO DE UMUARAMA-PR
Questionário de Pesquisa
Aplicado à família
Parte I. Identificação do corpus
1. Sexo
( ) Feminino
( ) Masculino
2. Idade
( ) 15 a 24 anos
( ) 25 a 34 anos
( ) 35 a 49 anos
( ) 50 a 64 anos
3. Remuneração
( ) 1 a 2 salários mínimos
( ) 2/5 a 4 salários mínimos
( ) 4/5 a 5 salários mínimos
( ) mais de 5 salários mínimos
4. Grau de instrução
( ) nenhum
( ) fundamental ( 1ª a 4ª) incompleto
( ) fundamental completo (4ª)
( ) fundamental incompleto (5ª a 8ª)
( ) fundamental completo (8ª)
( ) médio completo
( ) médio incompleto
5. Região (município de trabalho)
( ) Goioerê
( ) Perobal
( ) Ivaté
( ) Maria Helena
( ) Cidade Gaúcha
( ) Mariluz
( ) Nova Olímpia
( ) Tamboara
( ) Paraíso do Norte
( ) Rondon
Residência atual:
Residência antes de trabalhar nesta profissão:
134
6. Aspectos socioeconômicos
Tipo de moradia:
( ) própria
( ) alugada
( ) BNH
Luz elétrica:
( ) sim ( ) não
Coleta de lixo
( ) sim ( ) não
Meio de transporte:
( ) ônibus
( ) bicicleta
( ) carro
( ) outro
Qual?______________________________________________________________________
Meio de comunicação:
( ) telefone
( ) cartas
( ) outros
Qual?______________________________________________________________________
Parte II. Nível de letramento
1. O (a) senhor (a) sabe ler e escrever?
( ) Sim ( ) Não
2. Como avalia sua capacidade de leitura?
( ) incapaz de ler
( ) lê com muita dificuldade
( ) lê com alguma dificuldade
( ) não tem nenhuma dificuldade para ler
( ) não sabe/não opinou
3. Como avalia sua capacidade de escrita?
( ) incapaz de escrever
( ) escreve com muita dificuldade
( ) escreve com alguma dificuldade
( ) não tem nenhuma dificuldade para escrever
( ) não sabe/não opinou
4. Auto-avaliação das capacidades de leitura frente às oportunidades de emprego. A
capacidade de leitura:
( ) ajuda muito
( ) nem ajuda nem atrapalha
( ) ajuda pouco
( ) não sabe/não opinou
135
5. Gosto pela leitura para se distrair
( ) muito
( ) pouco
( ) não gosta
( ) não sabe/não opinou
6. Tipos de material que mais gosta de ler
( ) revistas
( ) jornais
( ) Bíblia, livros religiosos
( ) gibis, revistas em quadrinhos
( ) literatura em cordel
( ) folhetos de propaganda de lojas
( ) não sabe/não opinou
( ) outros?
Qual?______________________________________________________________________
7. Pessoas que mais influenciaram o gosto pela leitura
( ) algum professor
( ) mãe ou responsável do sexo feminino
( ) pai ou responsável do sexo masculino
( ) algum amigo
( ) algum parente
( ) padre/pastor ou líder religioso
8. Freqüência com que lê jornal
( ) todos os dias
( ) algumas vezes por semana
( ) de vez em quando
( ) não lê jornal
( ) não sabe/não opinou
9. Partes do jornal que costuma ler
( ) noticiário local
( ) esportes
( ) noticiário policial
( ) programação da TV
( ) horóscopo
( ) classificados
( ) política
( ) humor, quadrinhos
( ) economia e negócios
( ) programação de shows
( ) primeira página
( ) não sabe/não opinou
10.Tipos de revistas que costuma ler
( ) Veja, Época, Istoé, etc
( ) Caras, Contigo, Amiga, etc
( ) de religião
136
( ) Playboy, Sexy, etc
( ) saúde, música, esporte
( ) informática
( ) Cláudia, Nova (femininas)
( ) quadrinhos, gibis, humor
( ) faroeste (livro de bolso)
( ) não lê
( ) não sabe/não opinou
( ) nenhum desses
( ) nenhum desses
Qual? _____________________________________________________________________
11. Tipos de livros que lê, ainda que de vez em quando
( ) Bíblia, livros sagrados
( ) romance, aventura
( ) policial, ficção
( ) poesia
( ) didático
( ) auto-ajuda, orientação pessoal
( ) não lê livros
( ) não opinou
12. O que costuma escrever, criando ou copiando
( ) receitas
( ) letras de música
( ) poesia
( ) cartas
( ) histórias reais ou inventadas
( ) diário
( ) não costuma escrever
( ) não sabe/não opinou
( ) outros
Quais?_____________________________________________________________________
13. Material escrito que possui na residência
( ) calendário
( ) Bíblia, livros sagrados
( ) agenda de endereços
( ) dicionário
( ) livros de receitas de cozinha
( ) livros didáticos
( ) livros infantis
( ) romances
( ) outros
Quais?_____________________________________________________________________
14. Ajuda as crianças nos deveres escolares?
( ) sempre
( ) de vez em quando
( ) raramente
137
( ) não costuma ajudar
( ) não tem criança na escola
( ) não sabe ensinar
( ) não opinou
15. Costuma ler em voz alta para crianças?
( ) livros infantis
( ) Bíblia, livros religiosos
( ) outros tipos de livros
( ) gibis
( ) não costuma ler em voz alta para as crianças
( ) não sabe/não opinou
16. Atitude frente á necessidade de ler letreiros, placas, cartazes
( ) informa-se ou pergunta para outra pessoa
( ) pede para outra pessoa ler
( ) lê com dificuldade
( ) lê sem dificuldade
( ) não sabe/não opinou
17. Atitude frente à necessidade de ler e escrever uma carta
( ) pede para outra pessoa ler
( ) lê com dificuldade
( ) lê sem dificuldade
( ) não precisa ler carta
( ) escreve com dificuldade
( ) escreve sem dificuldade
( ) não precisa escrever carta
( ) pede para outra pessoa escrever
( ) não sabe/não opinou
18. Práticas culturais
Assiste TV:
( ) sempre
( ) às vezes
( ) nunca
( ) não opinou
Ouve rádio:
( ) sempre
( ) às vezes
( ) nunca
( ) não opinou
Vai a exposições, shows:
( ) sempre
( ) às vezes
( ) nunca
( ) não opinou
138
Vai ao cinema:
( ) sempre
( ) às vezes
( ) nunca
( ) não opinou
19. Consulta livros, revistas em bibliotecas?
( ) sempre
( ) às vezes
( ) nunca
( ) não opinou
20. Atividades cotidianas que realiza sem dificuldades
( ) preparar listas de compras
( ) verificar a data de validade dos produtos
( ) procurar ofertas da semana em jornais de propaganda
( ) pagar contas em casa lotéricas ou banco
( ) saque ou depósito em caixa eletrônico
( ) ler bula de remédio
( ) ler manuais para manusear aparelhos domésticos
21. Participa de treinamentos (cursos) na empresa
( ) nunca fez
( ) fez há mais de um ano
( ) não sabe/não opinou
22. Tipos de materiais que lê no trabalho
( ) bilhetes, recados
( ) jornais
( ) revistas
( ) pedidos, comandos
( ) relatórios
( ) manual de instrução
( ) faturas, notas fiscais, recibos
( ) tabuletas e cartazes com instruções e avisos
( ) formulários
( ) nenhum
( ) não sabe/não opinou
23. Como se mantém informado sobre assuntos da atualidade
( ) televisão
( ) rádio
( ) jornal escrito
( ) conversas
( ) reunião na igreja
( ) orientação sindicato
( ) associação de moradores
( ) nenhuma dessas
( ) não sabe/não opinou
139
24. Participa em associações
( ) igrejas ou grupo de amigos do bairro
( ) sociedade de amigos do bairro
( ) sindicato
( )associação no trabalho
( ) cooperativa
( ) não participa de nenhum
( ) não sabe/não opinou
25. Habilidade de leitura do:
Não sabia ler ( ) Pai ( ) Mãe
Sabia mais ou menos ( ) Pai ( ) Mãe
Sabia ler bem ( ) Pai ( ) Mãe
Não teve pai ( ) Pai ( ) Mãe
Não sabe/não opinou ( ) Pai ( ) Mãe
26. Tipos de materiais que lê por prazer, sem compromisso.
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
27. O que é literatura para o senhor (a)?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
28. Para que serve a literatura?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
29. Quais as leituras que acha mais importante?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
30. Quais histórias já leu ou ouviu?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
31. Lê livros?
__________________________________________________________________________
32. Quantos livros leu nos últimos anos?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
33. Se não lê, quais os fatores que contribuem para essa falta de leitura?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
140
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ – UEM
CENTRO DE CIENCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROJETO SHERAZADE: UMA EXPERIÊNCIA DE LEITURA COM FILHOS DE
CORTADORES DECABA DA REGIÃO DE UMUARAMA-PR
Questionário de Pesquisa
Equipe Pedagógica
Supervisão – Orientação
Parte I. Perfil do profissional
1. Nome:__________________________________________________________________
2. Cargo: __________________________________________________________________
3. Grau de escolaridade: ______________________________________________________
4. Curso: __________________________________________________________________
5. Instituição: ______________________________________________________________
6. Assina alguma revista? Qual? _______________________________________________
7. Tem computador em casa? Internet? __________________________________________
8. Possui biblioteca particular?_________________________________________________
Parte II.
1. Qual a importância da leitura para a professora?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
2. Qual a função da literatura na escola de 1ª a 4ª série?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
3. Quais livros leu ultimamente?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
4. A professora acredita que as campanhas de incentivo à leitura tenham obtido resultados e
aumentado o número de leitores?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
5. Na escola a leitura deve ficar sob a responsabilidade de quem? Por quê?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
141
Parte III.
1. Qual o posicionamento dos pais (cortadores de cana) frente ao desempenho escolar dos
seus filhos?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
2. Há mães que trabalham no corte de cana?
__________________________________________________________________________
3. Qual o desempenho das crianças filhos de cortadores de cana na escola?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
142
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ – UEM
CENTRO DE CIENCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROJETO SHERAZADE: UMA EXPERIÊNCIA DE LEITURA COM FILHOS DE
CORTADORES DECABA DA REGIÃO DE UMUARAMA-PR
Questionário de Pesquisa
Aplicado aos professores
Parte I. Identificação
Nome: _____________________________________________________________________
Escola: ____________________________________________________________________
Endereço: __________________________________________________________________
Série em que leciona: _________________________________________________________
Grau de instrução:____________________________________________________________
Parte II.
1. O que a professora lê?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
2. O que é leitura para você?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
3. Qual a importância da leitura para a professora?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
4. O que é literatura e qual a importância da mesma para o desenvolvimento do seu trabalho?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
5. Como trabalha a literatura em sala de aula?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
6. Você acredita que as campanhas de incentivo à leitura contribuem para o aumento do
número de leitores?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
7. Há um espaço em suas aulas para a oralização do texto literário?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
143
8. A professora lê com as crianças analisando ilustração e texto escrito?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
9. O texto literário é lido no livro didático ou fora dele?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Parte III.
1. Quantos filhos de cortadores de cana há em sua sala?
__________________________________________________________________________
2. Percebe a diferença no aprendizado dessas crianças em relação às outras?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
3. Quais as dificuldades encontradas no cotidiano escolar trabalhando com filhos de
cortadores de cana?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
4. Os pais dessas crianças participam das atividades promovidas pela escola?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
5. Há dificuldades para o professor trabalhar o texto literário com essa clientela?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
6. Qual a freqüência dos alunos pesquisados à biblioteca?
__________________________________________________________________________
7. Os filhos de cortadores de cana têm um comportamento diferente das outras crianças?
(disciplina, freqüência, cumprir tarefas, leitura).
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
8. As crianças pesquisadas preferem ler ou ouvir histórias?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
9. Quais as histórias que as crianças mais gostam?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
10. Que histórias as crianças contam que aprenderam com os pais? Quais são elas?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
144
11. As crianças conhecem histórias folclóricas contadas pela família? Quais?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
12. Qual a preferência das crianças:
( ) livro com ilustração
( ) com ilustração e letra
( ) só letras
13. Qual o comportamento das crianças em relação ao livro? (compreende-se aqui a leitura
literária)
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
14. Espaço para comentários do professor.
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
145
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ – UEM
CENTRO DE CIENCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROJETO SHERAZADE: UMA EXPERIÊNCIA DE LEITURA COM FILHOS DE
CORTADORES DECABA DA REGIÃO DE UMUARAMA-PR
Questionário de Pesquisa aplicado às crianças
Corpus da pesquisa
Parte I. Identificação do entrevistado
a) Nome:___________________________________________________________________
b) Idade: ___________________________________________________________________
c) Filiação: _________________________________________________________________
d) Endereço: ________________________________________________________________
e) Escola: ___________________________________________Série: __________________
f) Cidade: __________________________________________________________________
Parte II. Aspectos sócio-econômicos
a) Profissão dos pais: _________________________________________________________
b) Tipo de moradia:
( ) própria
( ) alugada
( ) BNH
c) Luz elétrica:
( ) sim ( ) não
d) Coleta de lixo
( ) sim ( ) não
e) Meio de transporte:
( ) ônibus
( ) bicicleta
( ) carro
( ) outro
Qual?______________________________________________________________________
f) Informação:
( ) rádio
( ) TV
( ) jornal
( ) revista
( ) outros
Qual?______________________________________________________________________
g) Qual o programa de rádio ou televisão que mais assiste? ___________________________
146
Parte III. Aspectos situacionais
1. Gosta de ouvir histórias? Por quê? Quais?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
2. Alguém em sua casa lhe conta histórias? Quem?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
3. Conte-me a história que ouviu em casa e mais gostou? Quem lhe contou?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
4. Gosta de ouvir poesias? Por quê? Quando ouviu poesias?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
5. O que você lê na escola?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
6. Além do livro da escola o que mais lê?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
7. Quem escolhe o que você deve ler?
__________________________________________________________________________
8. Onde você pega os livros que lê?
__________________________________________________________________________
9. Gosta de ler:
( ) livros de histórias
( ) poesias
( ) gibis
( ) não gosta de ler
147
10. O que você faz quando não está na escola?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
11. Já ganhou algum livro de presente? De quem? Lembra-se do nome do livro?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
12. Em sua casa o que fazem as pessoas quando não estão trabalhando?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Parte IV. Vamos brincar um pouco? Eu começo, você termina.
a) Era uma vez uma menina que foi levar doces para a vovó, no caminho...
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__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
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b) A Cinderela queria ir ao baile, mas não tinha como, então...
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c) Branca de Neve era uma menina que morava na floresta com...
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