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coração. (…) Eu teria sido feliz por tê-lo como amigo, chefe, tio, avô,
até mesmo (embora mais hesitante) como sogro. Mas justo como pai
você era forte demais para mim, principalmente porque meus irmãos
morreram pequenos, minhas irmãs só vieram muito depois e eu tive,
portanto, de suportar inteiramente só o primeiro golpe, e para isso eu
era fraco demais. Comparemo-nos um com o outro: eu, para
expressá-lo bem abreviadamente, um Löwy com certo fundo Kafka,
mas que não é acionado pela vontade de viver, fazer negócios e
conquistar dos Kafka, e sim por um aguilhão dos Löwy, que age mais
secreto, mais tímido, numa outra direção, e muitas vezes cessa por
completo. Você, ao contrário, um verdadeiro Kafka na força, saúde,
apetite, sonoridade de voz, dom de falar, auto-satisfação,
superioridade diante do mundo, perseverança, presença de espírito,
conhecimento dos homens, certa generosidade. (…) Seja como for,
éramos tão diferentes e nessa diferença tão perigosos um para o
outro, que se alguém por acaso quisesse calcular antecipadamente
como eu, a criança que se desenvolvia devagar, e você, o homem
feito, se comportariam um com o outro, poderia supor que você
simplesmente me esmagaria sob os pés e que não sobraria nada de
mim. (p. 11).
O que mais se herda junto com um nome?
Em O mito individual do neurótico, Lacan (1953) salientará a
importância do que ele chama de a constelação familiar do sujeito, sua pré-história,
ou seja, tudo aquilo que o antecede. Utilizando-se do exemplo do Homem do Ratos,
ele demonstra a relação existente entre os sintomas atuais do paciente de Freud e
a história de seus pais. Esta já apresentava pelo menos dois elementos de suma
importância no desenrolar da patologia do Homem dos Ratos, tais quais, o dilema
enfrentado por seu pai entre uma moça pobre e uma moça rica para casar (ele
escolheu a rica) e uma dívida que nunca foi paga. Lacan (1953) nos mostra como
seu paciente se enreda nesta história repetindo a seu próprio modo em sua vida as
questões que ficaram ali em aberto, a serem resolvidas na vida do pai. É claro que,
como toda a repetição, ela não se dá de forma absolutamente idêntica, mas carrega