ambos remetem ao trauma da perda e da separação de entes queridos suscitando
afetos de raiva, medo e abandono.
Por estas considerações, concluo, segundo a classificação de Marty, tratar-
se de um caso de mentalização incerta, pois por efeito da repressão ou evitação
as representações ligadas ao evento traumático foram privadas do acesso mental
consciente. Se compreendermos que a classificação de Marty considera uma
graduação entre neuróticos mal mentalizados e bem mentalizados, eu diria que
Leila está mais perto dos bem mentalizados.
Pensando no efeito traumático do cheiro e do nome do lysoform para Leila,
nos remetemos à morte de sua mãe adotiva. Mas regredindo mais em sua história,
aos oito meses de idade Leila perde sua mãe biológica, o que configura um
trauma mais antigo e homólogo. Aos oito meses, idade em que as percepções
sensoriais predominam num psiquismo ainda inapto a desenvolver
representações-palavra, Leila troca de mãe, de casa, o que para um bebê significa
mudar de cheiro, barulho, tom de voz, calor, tato, enfim, tudo o que compõe um
ambiente materno. Podemos supor encontrar-se aí uma fixação somática no
sistema perceptivo de Leila, predispondo estas funções somáticas aliadas a um
“programa inconsciente enriquecido”
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a conversões histéricas.
É possível afirmar que seu sintoma é enriquecido por este programa
inconsciente, uma vez que aparece intimamente ligado à sexualidade infantil. Se
pensarmos na relação de Leila com seu patrão homossexual, podemos aludir ao
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MARTY, P. El orden psicosomático, Valencia, Promolibro, 1995.
Segundo a hipótese de Marty , nas conversões histéricas a sintomatologia característica de uma
mobilização funcional representaria simbolicamente o estado de uma programação inconsciente e de abertura
evolutiva da função psicossomática em questão, assinalando, ao mesmo tempo, a aptidão histérica desta
função. O processo de conversão se dirige essencialmente a funções em estado de programação, tanto no nível
da primeira representação reprimida, como no nível dos segundos sintomas. Assim, a primeira representação,
a do conflito, é enriquecida por um programa inconsciente, o mesmo que, ao não ser elaborado
psiquicamente, forçou a repressão. Neste momento surge uma expressão regressiva. Esta regressão apóia-se
em um sintoma funcional somático fixado anteriormente, e também em um programa inconsciente
enriquecido. Na regressão encontraremos uma qualidade simbólica homóloga com relação a seu valor
pulsional, à representação reprimida, ainda que a qualidade simbólica da regressão conversiva seja menos
evoluída e complexa que a da representação reprimida. Da mesma forma há um paralelismo entre o trauma
que desencadeou a repressão e o que inicialmente determinou a fixação funcional somática. A sintomatologia
de uma conversão corresponderia ao bloqueio e à paralisação dramática do programa evolutivo de uma
organização somática anterior fixada neste estádio. As fixações, lugar de atração da conversão, concernem a
organizações funcionais erotizadas. Assim, a programação está intimamente ligada à sexualidade infantil,
tanto nas primeiras fixações, quanto nas regressões.