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CUIDAR? SIM; OLHAR DE GÊNERO? NÃO.
OS SENTIDOS DO CUIDADO NO CAPS EM DOCUMENTOS
TÉCNICOS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE
SÃO PAULO
2006
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CLÁUDIO HENRIQUE PEDROSA
CUIDAR? SIM;OLHAR DE GÊNERO? NÃO.
OS SENTIDOS DO CUIDADO NO CAPS EM DOCUMENTOS
TÉCNICOS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE
T
exto apresentado ao Programa de Pós
graduação em Psicologia Social da
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo
(
PUC/SP
)
como requisito parcial
para obtenção do título de mestre em
Psicologia Social. Sob orientação da Prof.
Dra. Mary Jane Paris Spink.
São Paulo, 2006
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III
CLÁUDIO HENRIQUE PEDROSA
CUIDAR? SIM;OLHAR DE GÊNERO? NÃO.
OS SENTIDOS DO CUIDADO NO CAPS EM DOCUMENTOS
TÉCNICOS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE
Texto submetido ao exame em _____de _____________de 2006,
pela banca examinadora constituída por:
Prof. Dr.ª Mary Jane Paris Spink.
(orientadora)
Prof. Dr. José Ricardo Ayres (FM-USP)
Prof. Dr.ª Maria Cristina Vicentin
(PUC/SP)
IV
o quero saber como as coisas se comportam.
Quero inventar comportamento para as coisas.
(Manoel de Barros)
Por um novo território de cuidados, no qual
a loucura dos Loucos Pela Vida receba
tanta atenção quanto a loucura
das Loucas–de–Pedra Lilás
V
Agradecimentos
A quem chegou antes de mim:
à Prof. Mary Jane, pela atitude cuidadosa com
que me respondeu desde o início, em gestos meticulosos
que se equilibram entre a ternura exigente e a exigência terna;
a Marlene e
tod@s os funcionári@s,
que sempre me atenderam com todo zelo, apesar
da crise da PUC/SP (e da violência institucional que sofreram);
à CAPES e ao CNPq, porque são instituições importantes e
necessárias que viabilizam este e muitos outros trabalhos científicos;
Maria! Maria! Maria! (Fofa) Minha amiga e
adorável preceptora da vida social em São Paulo
a toda equipe da ECOS- Comunicação em Sexualidades, essa
maravilhosa ONG e Casa de Louc@s na qual eu fui tão bem recebido.
A quem chegou comigo:
às amizades que pude fazer de passagem pela PUC, nas disciplinas,
no nosso Núcleo (e nas fronteiras). Por todas as “trocas sociais”
que foram possíveis: ainda bem que vocês estavam por aqui;
a Marquinhos, Micheline e Gustavo pela partilha do dia a dia, no
ap. 04 da Tagipuru, 197. Sem a ajuda de vocês, seria muito mais difícil.
A quem não veio comigo:
Irandira (mãe, seus méritos não caberiam nesta página);
Silvia; Isis e Sândalo (com suas respectivas proles e companhias)
por negarem e reinventarem a instituição familiar;
aos meninos “lá do Alto Zé do Pinho”
“Vamos arrudiar! Vamos arrudiar!” e contrariar as estatísticas...
às pessoas queridas, amigos e amigas do Instituto Papai,
a minha própria instituição feminista de saúde mental,
negada e incessantemente reinventada;
ao curso de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco,
onde aprendi o essencial: a humanidade é contingente.
A quem vai ficar comigo:
Joana, por tanta coisa que eu nem saberia
dizer de modo compreensível, por me ajudar a pensar
a desconstrução a partir de mim mesmo (e de mim outro),
por ser e me deixar ser... surpreendente, por sermos felizes
– senão pela eternidade, então, pela intensidade.
VI
SUMÁRIO
Introdução ..............................................................................................................................................
1
Delineando o percurso do texto ...........................................................................
3
Procurando sentidos em documentos de domínio público ....................................
7
Da crítica do sujeito: a pessoa como relação social ............................................
11
1. Pensar (cuidadosamente) em alguns sentidos de cuidar...........................................................
16
O que quer dizer cuidar?...................................................................................
19
O cuidado nas fronteiras da saúde....................................................................
25
O cuidado do Ser, o cuidado de si e o cuidado com o mundo. .........................
34
2. Gênero: diálogos do (no) corpo.....................................................................................................
47
As mulheres, os feminismos, a academia...........................................................
48
Gênero, poder e outros plurais..........................................................................
53
3. O Contexto da Atenção Psicossocial.............................................................................................
61
Política de Saúde Mental - O cenário atual ........................................................
65
OS CAPS e as novas propostas de Atenção Psicossocial . ...................................
74
4. Do corpus...........................................................................................................................................
81
5. As análises discursivas ...................................................................................................................
95
O discurso do cuidado no CAPS nas Portarias GM-336/02 E SAS-189/02
....................96
O discurso do cuidado no CAPS no Instrutivo da Coord. de Saúde Mental
..................104
O discurso do cuidado no CAPS nos boletins da Coord. de Saúde Mental
...................110
6. Discussão dos resultados .............................................................................................................
120
Pacientes… pacientes… pacientes… a heteronomia do cuidado .......................
126
Trabalhadores, usuários e projetos terapêuticos.............................................
133
Território e responsabilidade; autonomia e liberdade .......................................
139
Gênero e Raça: rarefações nos discursos do cuidado. ......................................
145
Síntese geral e considerações finais ................................................................................................
152
Referência Bibliográfica....................................................................................................................
157
VII
LISTA DE TABELAS E FIGURAS
Tabela 1 – relações de parentesco: cuidadores-pacientes ..............................................................32
Tab. 2 - ocorrência de temas significativos em função dos nº. e anos..........................................
70
Figura 1 - fluxograma da Produção dos Sentidos do Cuidado no CAPS....................................
85
Tab. 3 – esquema de classificação dos documentos .......................................................................
86
Quadro 1 – crivo de análise (mapa)..................................................................................................
92
Quadro 2 – exemplo de uso do crivo de análise .............................................................................
93
Fig. 2 – o discurso do cuidado no CAPS a partir das Portarias 336 e 189 .................................
103
Fig. 3 – o discurso do cuidado no CAPS a partir do Instrutivo da CNSM/MS .......................
108
Fig. 4 – o discurso do cuidado no CAPS nos Informativos da Saúde Mental ..........................
117
ABREVIATURAS DOS DOCUMENTOS
Portaria Ministerial 336/2002 PTGM 336/02
Portaria Ministerial 189/2002 PTSAS 189/02
Instrutivo CAPS Perguntas & Respostas CAPS - P&R
Boletins Saúde Mental no SUS No. “X” SMSUS, No.
Lista de ANEXOS
Anexo I Cronologia de eventos 1987 – 2005
Anexo II Listagem geral de documentos encontrados
Anexo III Mapa com o material analisado: o exemplo do Instrutivo
VIII
RESUMO
“CUIDAR? SIM; OLHAR DE GÊNERO? NÃO” - OS SENTIDOS DO CUIDADO
NO CAPS A PARTIR DE DOCUMENTOS TÉCNICOS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE
Esta pesquisa buscou compreender os sentidos do cuidado associado ao Centro de
Atenção Psicossocial (CAPS), considerando a penetração da problemática de gênero,
em textos técnicos do Ministério da Saúde que servem de apoio à implementação da
Reforma Psiquiátrica. Parte-se da premissa de que Produção de Sentidos decorre da
articulação de Práticas Discursivas. Assim, por meio de uma análise discursiva, foi
possível entender que, à medida que os documento analisados aproximam-se de
uma função explicitamente normativa, os sentidos do cuidado associado ao CAPS
revestem-se de uma definição primordialmente terapêutica, na qual a figura
humana objetivada é a figura do “paciente”, de alguém marcado por uma condição
problemática ou pelo transtorno mental. Destacam-se como fundamentais para o
entendimento desses sentidos as noções de “território assistencial” e “projeto
terapêutico”, este último sendo caracterizado por três modalidades de cuidados:
intensivo, semi–intensivo e não intensivo. Nesse cenário, a Atenção Psicossocial
mostra sua contradição pela oferta de um cuidado médico–psicológico, passível de
ser acionado como dispositivo individual de controle, e a possibilidade de um
cuidado inventivo, exercido como responsabilização política e autonomia pessoal.
Para finalizar, foi possível observar nos discursos analisados uma rarefação nas
práticas discursivas e repertórios relativos às questões críticas de gênero, e uma
ausência total quanto às relações étnico/raciais. Isso perpetua o distanciamento
que há, hoje, entre a Reforma Psiquiátrica e as políticas para promoção de
igualdades racial e de gênero. Conclui-se recomendando maior aproximação entre
essas arenas de reivindicações, para que o campo da Luta Antimanicomial possa
“incorporar” as perspectivas de gênero e raça, e seus respectivos campos possam
“ter em mente” a perspectiva da Luta Antimanicomial.
PALAVRAS CHAVES: Cuidado; CAPS; Gênero; Saúde Mental; Reforma Psiquiátrica;
Práticas Discursivas
IX
ABSTRACT
“TAKE CARE? YES; TAKE THE GENDER POINT? NOT” – THE CARE SENSES AT
THE C.A.P.S BY THE HEALTH MINISTERY TECHNICAL DOCUMENTS
The aim of this research was to understand the meanings of care in mental health
care centers (CAPS) in technical documents published by the Brazilian Ministry of
Health as support for the implementation of the Psychiatric Reform, with special
consideration to the presence of gender issues in this discussion. Starting with the
premise that meaning is the result of the articulation of discursive practices, a
discursive analysis of these documents was carried out. In this manner, it was
possible to propose that, in documents with a normative function (such as
governmental decrees), the notion of care associated with the CAPS assumes
primarily a therapeutic meaning directed to a “patient” that is seen as someone
defined by a problematic health condition or mental disturbance. This set of
meanings are associated with the notions of “healthcare territory” and “therapeutic
project”, the latter being characterized by three modalities of care: intensive, semi-
intensive and non-intensive. In this frame, psychosocial care appears marked by
the contradiction between the offer of a type of psycho-medical care that is set in
motion as a device for individual control and, on the other hand, the possibility of
implementing creative forms of care aimed at political empowerment and personal
autonomy. It was also possible to observe, in the documents that were analyzed in
this research, that discursive practices concerning gender issues are rare and there
is a total absence of issues related to ethnic/race relations. This absence
perpetuates the present distance between the Brazilian psychiatric reform and
gender and race advocacy efforts. The results suggest the need to promote
connections between these political arenas in order that the movement for
psychiatric reform (Luta Antimanicomial) might incorporate race and gender
perspectives and these advocacy movements might address psychiatric issues.
PALAVRAS CHAVES: Care; CAPS; Gender; Mental Health; Psychiatric Reform
Discursive Practices
Introdução
s transformações em torno do cuidado — conceito que permeia
os campos da filosofia, da educação e da saúde — iniciam e
integram o eixo de desenvolvimento deste trabalho. O foco do
interesse é dirigido por reflexões pessoais nascidas de uma trajetória específica de
formação acadêmica, marcada por uma dupla inserção: um contato inicial com a
prática terapêutica psicossocial e o envolvimento com reflexões teóricas e ações
comprometidas com a igualdade de gênero.
A crítica contemporânea à institucionalização do saber científico, sobretudo
na formação daquilo que se entende por psiquismo, e o envolvimento com o cuidado
em saúde mental estão no cerne do referido interesse. Nessa trajetória, destaca-se o
contato com a discussão que fundamenta a Luta Antimanicomial e a Reforma
Psiquiátrica na formulação de novos dispositivos de cuidado, como os Centros de
Atenção Psicossocial, os CAPS.
Um interesse mais especifico recai sobre o cuidado em sua articulação com
gênero, conceito oriundo dos estudos feministas e fundamental para o
entendimento das dinâmicas sociológicas e subjetivas que organizam as práticas
discursivas, corporais e institucionais, tanto no plano das estruturas macro–
históricas como no plano das interações cotidianas.
A
2
A premissa teórico-metodológica fundamenta-se na compreensão de que o
sentido se produz como resultado da articulação de práticas discursivas, que têm
lugar no tempo e no espaço, no trânsito e na interdição dos corpos; na produção e
na distribuição dos artefatos.
Assim, as práticas discursivas de cuidado e de gênero no âmbito da Reforma
Psiquiátrica definem, por assim dizer, o eixo problemático em torno do qual se
estruturam o objeto, o problema e a metodologia desta pesquisa, uma investigação
dos sentidos que se produzem a partir dos textos técnicos da saúde mental,
tomados como práticas discursivas que articulam ‘cuidado’ e ‘CAPS’.
Diante dessa articulação, esta pesquisa buscou compreender os sentidos do
cuidado associado ao Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) em textos técnicos que
servem de apoio à implementação da Reforma Psiquiátrica no Brasil, considerando
a penetração da problemática de gênero nos referidos textos. Para compor esse
objetivo geral, foram formulados os seguintes objetivos específicos:
- analisar as formações discursivas que articulam os termos ‘cuidado’, entendido
como uma prática, e ‘Centros de Atenção Psicossocial’ ou ‘CAPS’, entendido como
um serviço de saúde mental;
- identificar as noções de cuidado associadas ao CAPS nos repertórios e discursos
encontrados nos documentos selecionados;
- identificar o nível de apropriação da temática, e/ou da perspectiva de gênero por
parte das formações discursivas que articulam cuidado e CAPS nos documentos
analisados.
3
DELINEANDO O PERCURSO DO TEXTO
As próximas páginas são um resumo do percurso que este texto irá seguir. Sua
organização, a fim de facilitar a leitura desta dissertação, oferece uma ordenação
que, em geral, a organicidade da pesquisa não permite durante seu andamento,
mas que, por isso mesmo, em sua narrativa torna-se imprescindível.
Nesta seção introdutória, procura-se contextualizar o trabalho, delimitando o
problema de pesquisa, definindo seus objetivos e apresentando uma síntese de seu
percurso narrativo. Em seguida, são expostos resumidamente os principais
conceitos metodológicos, relativos ao estudo das práticas discursivas (Spink e
Medrado, 2000; Spink 2004). Depois, na tentativa de evitar a dicotomia realista
sujeito/objeto, recorre-se à noção de “pessoa” como uma definição do humano que
seja desde sempre linguagem (Benveniste, 1976), caracterizada, sobretudo, como
“relação social” (Spink e Medrado, 2000) e que, por isso, é uma categoria apropriada
para o estudos das práticas discursivas. Antes de passar para o primeiro capítulo,
ainda nesta seção, são expostas as justificativas e o compromisso ético deste
trabalho, uma tentativa de aliança científica entre dois universos políticos.
No restante da dissertação, os capítulos 1, 2 e 3 constituem três partes
articuladas para a composição dos marcos teóricos. Fazem um conjunto de
delineamentos conceituais que abarcam, nessa ordem, os sentidos do cuidado, a
noção de gênero e o advento da Atenção Psicossocial. Observe-se que, enquanto a
primeira parte tem por foco os sentidos do cuidado, a segunda articula a noção de
gênero com a de cuidado, e a terceira focaliza, na atenção psicossocial, o paradigma
do cuidado, que tem surgido nas discussões sobre Integralidades em Saúde Pública
4
e, mais especificamente, na Saúde Mental. Desse modo, o cuidado surge como eixo
principal desses três capítulos.
Ao se apresentar a definição de cuidado, será pertinente oferecer um
panorama geral, relativamente abrangente, das noções de cuidado encontradas ao
longo da pesquisa, na Filosofia (Foucault, 2002; Courtine-Denamy, 2004); na
Educação (Montenegro, 2001) e na Saúde (Pinheiro e Mattos, 2004; Karsch, 2004).
Apesar de não se esgotarem os vários sentidos disponíveis, procura-se aqui dar
condições para que outr@s
1
pesquisador@s possam conduzir suas investigações
para o sentido do cuidado que mais lhes interesse.
A noção de gênero será apresentada, no capítulo 2, como um dispositivo
organizador de nossas experiências sociais e subjetivas; categoria plural, relacional
e dinâmica. Essa definição se identifica com certas perspectivas teóricas feministas
que recusam concepções essencialistas ou a-históricas (Scott, 1995; Louro, 1995).
Nessas abordagens ser/parecer ‘masculin@’ — ‘feminin@’, ou não, surge como o
efeito de um aparato cultural que prescreve performances e diferenciações
sucessivas e contingentes (Butler, 2003). Trata-se de uma ordem de posições e
relações sociais, segundo a qual os homens se caracterizam, entre outras coisas,
pelo distanciamento em relação às práticas de cuidado (Arilha, Unbehaum e
Medrado, 1998; Connel, 1995); as mulheres, por terem que assumir essas práticas
como se fossem um encargo natural (Noddings, 2003; Mendes, 2004). No interior
desses dois grupos, a ordem de gênero instaura um processo sócio–político que
produz percepções e diferenciações corporais vinculadas às desigualdades de poder
por meio de pré–definições naturalizadas de sexo, raça e geração ( Butler, 1998).
1
Neste trabalho, não está sendo adotado o sentido “neutro” que a gramática portuguesa recomenda para o
masculino. Sempre que for necessário, para um endereçamento ambivalente, as letras que marcam o gênero (‘a’
e ‘o’) serão substituídas por ‘@’.
5
O capítulo 3, tem a finalidade de contextualizar o campo da Atenção
Psicossocial. Para isso discute brevemente as alterações na compreensão da
loucura como fenômeno produzido socialmente (Foucault, 1978; Basaglia, 1985).
Este capítulo oferece um ligeiro registro do percurso das reformulações dos
processos de cuidar em saúde mental (Lancetti, 1989 e 2001; Nicácio, 2001; Alves e
Guljor, 2004) e faz algumas referências às mobilizações políticas que garantiram
essas mudanças (Amarante, 1995; Vasconcelos 2000). Entretanto, em função da
vasta documentação já disponível sobre a Reforma Psiquiátrica, concentra-se no
panorama mais atual da política de Saúde Mental do Ministério da Saúde do Brasil
(CNSM/MS), e nas proposições relativas às tecnologias e práticas de cuidado no
contexto da atenção psicossocial (Yasui, 1989; Alves e Guljor, 2004). Para finalizar,
essa contextualização inclui uma exposição sobre os documentos e sobre os tópicos
da política de saúde mental que parecem influir mais fortemente no cenário de
atenção psicossocial.
No capítulo 4, há dois momentos. No primeiro, além de uma diagramação da
dinâmica segundo a qual se organizam os repertórios interpretativos estudados, há
uma apresentação geral do esquema de organização dos documentos, com
referência particular aos textos coletados, à sistematização desses documento e ao
crivo de análise discursiva (mapas) a que foram submetidos. Enfim, apresenta-se o
traçado metodológico que resultou na produção de um corpus de informações que
emprestará alguma visibilidade ao problema pesquisado.
Em seguida, são apresentados os resultados obtidos a partir da
sistematização e análise dos dados. A análise discursiva de seis documentos,
retirados de um conjunto maior, permitiu a exposição dos repertórios
interpretativos e das formações discursivas que contribuem para a produção e
efetivação dos sentidos do cuidado no CAPS. A lista de termos encontrados e suas
6
articulações significativas são apresentadas em diagramas esquemáticos que
permitem uma compreensão dos sentidos de cuidado no CAPS em três diferentes
contextos de enunciação: a) nas Portarias Ministeriais; b) no Instrutivo do
Ministério das Saúde e c) nos Informativos da Coordenação Nacional de Saúde
Mental.
A discussão dos resultados e as considerações finais são o conteúdo da sexta
e última parte. Neste capítulo, são explorados os sentidos do cuidado no CAPS,
encontrados por meio das análises. As variações, decorrentes das propriedade de
cada formação discursiva; as permanências e inovações no uso de certos termos
(pacientes/usuários/trabalhadores/profissionais) que servem para identificar as
pessoas recebendo/oferecendo cuidados no CAPS; além da repercussão de certas
circunstâncias macro–políticas na formação dos repertórios encontrados, como a
Saúde Mental Infanto–juvenil e a estratégia de Redução de Danos. Destacam-se
aqui termos cruciais para o entendimento da proposta de cuidados associados ao
CAPS, como ‘território’; ‘projeto terapêutico’ e ‘intensividade dos cuidados’.
Além disso, foi possível observar que, no âmbito de atuação dos CAPS, o grau
de penetração das questões de gênero é mínimo — e nulo quanto às questões
raciais. A baixa penetração desses temas na arena de discussões que dão sentido
ao cuidado no CAPS decorre provavelmente da atuação de dispositivos
institucionais. As ordens tradicionais de gênero e raça são estruturas propícias
para a manutenção dos padrões de relações conservadoras na instituição da
Psiquiatria, que tem se beneficiado da inexistência de uma agenda de reivindicações
articuladas entre essas arenas políticas. Indiferentes a essa situação, a Luta
Antimanicomial e as políticas de promoção de igualdades racial e de gênero têm
conduzido suas reivindicações como esferas que nunca, ou quase nunca, se
comunicam.
7
A título de considerações finais, observa-se a necessidade de que sejam feitas
algumas alterações no repertório dos documentos normativos, a fim de que se
reduza a distância formal que há entre profissionais e pacientes, promovendo uma
relação menos hierárquica, como a que se pode estabelecer entre trabalhador@s e
usuári@s dos serviços de saúde mental.
E, em vista da reduzida penetração das questões de gênero e raça no âmbito
da Reforma Psiquiátrica, também seria útil uma maior aproximação entre essas
arenas de reivindicação, para que se possam articular, por exemplo, ações para a
saúde da mulher e estratégias de promoção dos direitos sociais da população negra
com a garantia da cidadania para @s louc@s.
PROCURANDO SENTIDOS EM DOCUMENTOS DE DOMÍNIO PÚBLICO
Talvez neste ponto seja necessário explicitar o que aqui se entende por “sentidos”. O
estudo dos sentidos, como vem sendo entendido neste trabalho, não se confunde
com os estudos que adotam “sentidos” como análogos a representações e/ou
significados. Ainda que possam manter com eles certa relação — posto que também
se interessam pelo modo como o mundo ganha sentido —, contrasta com eles na
medida em que assume uma perspectiva avessa aos essencialismos e
representacionismos, vinculada, em Psicologia Social, a pesquisador@s sócio–
construcionistas, preocupad@s principalmente com os efeitos de controle e
resistência produzidos por práticas discursivas e outros dispositivos de poder.
As reflexões teórico–metodológicas conduzidas por Mary Jane Spink (2000,
2003 e 2004), à frente do Núcleo de Estudos em Práticas Discursivas e Produção de
Sentidos (PUC/SP), envolvem a leitura de divers@s autor@s, que têm ressaltado a
8
limitação de questões levantadas em termos identitários e/ou representacionistas
que constam em perguntas do tipo O que é ‘tal coisa’ ? ou O que significa ‘tal coisa’?
Ainda que se procure uma perspectiva histórica e crítica ao tentar respondê-las,
nos termos em que são formuladas essas perguntas aumentam o risco de se
conduzir a investigação pelo caminho do representacionismo e do essencialismo,
que as investigações no Núcleo têm pretendido evitar. Ao invés de querer saber
como o objeto é “visto”, “pensado” ou “imaginado” pelas pessoas, o que essas
investigações procuram entender é como certas relações sociaiso afetadas pelo
objeto estudado. Perguntar sobre o sentido de algo é querer conhecer sua função na
vida das pessoas; é procurar entender a participação efetiva desse objeto na rede de
relações cotidianas das pessoas num mundo social; determinando as restrições que
tal objeto impõe e as possibilidades que ele gera.
No âmbito do estudo da produção de sentidos, se articulam diversas noções.
Algumas delas serão particularmente importantes para o desenvolvimento
metodológico e analítico desta pesquisa, tais como práticas discursivas, repertórios
interpretativos e documentos de domínio público. São conceitos que têm uma longa e
variada trajetória teórica. No caso dos dois primeiros, seus pontos de conexões mais
recentes, no campo da Psicologia Social, foram demarcados por Mary Jane Spink e
Rose Mary Frezza (2000), a partir dos estudos da linguagem. E no caso dos
documentos, por Peter Spink
(2000), a partir das discussões teórico–metodológicas
encontradas nos estudos da História.
Não cabe aqui, a mais do que já foi dito, desenvolver uma apresentação
minuciosa do estudo das práticas discursivas. Para tanto, pode se consultar alguns
trabalhos já publicados (cf. Spink, 2000, 2003, 2004, Spink e Menegon, 2004 e
Iñiguez, 2004). Contudo, a título de pequenos esclarecimentos, é pertinente um
breve esboço acerca da compreensão a ser adotada para os termos mencionados
9
acima. É preciso entender que na base da produção de sentidos, estão as práticas
discursivas, definidas como “linguagem em uso” ou “linguagem em ação” (Spink e
Medrado, 2000, p.42-45) — uma definição, que adota algumas proposições
bakhtinianas, em articulação com elementos da perspectiva foucaultiana (cf. Spink
e Menegon, 2004).
Em contraste com o discurso, entendido como uma formação mais estável, as
práticas discursivas se apresentam como um elemento mais ativo da linguagem
social. Como recurso performático, as práticas discursivas se constituem de uma
dinâmica, animada por enunciados e vozes; e de formas determinadas pelos
gêneros de fala (speech genres) e de conteúdos, reconhecidos como repertórios
interpretativos (cf. Spink e Medrado, 2000; Medrado, 1998).
As vozes são os elementos da formação discursiva pelos quais se pode
identificar a presença, virtual ou atualizada, de outros interlocutores. Os gêneros de
fala são formações discursivas mais ou menos estáveis, recomendadas ou
prescritas, para determinadas pessoas, em determinadas circunstâncias. Os
repertórios interpretativos, discutidos por Potter e Wetherell (apud Spink e Medrado,
2000), são os componentes elementares das práticas discursivas, o aglomerado de
termos, expressões, figuras de linguagem etc. que nos permite entender a
estabilidade e a variabilidade das produções lingüísticas, sem que se perca de vista
o contexto e os estilos gramaticais, ou gêneros de fala, que se colocam como
parâmetros das produções discursivas.
Nessa articulação, a produção de sentido resulta da concorrência e
convergência das práticas discursivas que se produzem em meio às combinações
dos repertórios. Essa perspectiva oferece condições para que se entenda a dinâmica
e a variabilidade da produção de sentidos, como decorrente da combinação de
repertórios distintos e até contraditórios. Mas a articulação das práticas
10
discursivas, fundamental para a produção de sentidos no cotidiano, “não se
restringe às produções orais. Um texto escrito, por exemplo, constitui um ato de
fala impresso, um elemento de comunicação verbal que provoca discussões ativas”
(Spink e Medrado, 2000, p. 47).
Assim, observamos que as diretrizes metodológicas desta pesquisa situam-na
como uma busca pela compreensão dos sentidos que se produzem e se efetivam
num âmbito particular de materialidades, o âmbito dos textos escritos que se
organizam e se dão a conhecer como documentos. São espaços virtuais — visto que
são atualizáveis — nos quais circulam e repousam discursos e práticas que, no
caso desta investigação, associam cuidado e CAPS. Os textos constitutivos desses
espaços virtuais são denominados por P. Spink
2
(2000) de documentos de domínio
público, um tipo particular de práticas discursivas:
Os documentos de domínio público refletem duas práticas discursivas:
como gênero de circulação, como artefatos do sentido de tornar
público e com conteúdo, em relação àquilo que está impresso em suas
páginas. São produtos em tempo e componentes significativos do
cotidiano. Complementam, completam e competem com a narrativa e a
memória (…) São documentos que estão à disposição,
simultaneamente traços de ação social e a própria ação social. (P.
Spink, 2000, p. 125-6, grifos do autor).
Chamando a atenção para a pertinência dos documentos na Psicologia Social, e não
exclusivamente na História, P. Spink (idem) observa que essas fontes são, com
freqüência, relegadas a um segundo plano ou ignoradas por quem realiza pesquisa
na Psicologia. Discutindo os fatores que influenciam essa preferência, ele diz:
A tentação criada pela possibilidade de poder falar, conversar e buscar
dados novos, recentes ou originais que pertencem exclusivamente
àquele estudo específico, aliada à valorização da entrevista como parte
da identidade dos psicólogos, sem dúvida contribui [para que os
documentos sejam preteridos]. As exigências disciplinares, (…) por
determinados métodos e, porque não dizer, a facilidade analítica de
reduzir o campo somente aos dados ativa e explicitamente coletados
(…) também têm seu papel. (idem, p. 125).
2
Em função da coincidência de sobrenome e ano, estou adotando a inicial “P.” para distinguir Peter Spink de
Mary Jane Spink, esta última referida simplesmente por Spink.
11
Essa linha de argumentação, além de explicitar os termos que permitem a
operacionalização da análise, reforça a pertinência do caminho adotado quanto às
fontes. Ainda assim, talvez seja necessário tecer algumas considerações em torno
dos pressupostos éticos e epistemológicos no panorama científico, que fornecem o
subsídio para o desenvolvimento deste trabalho, as linhas de sentido que
sustentam a trama e o tecido deste pequeno feito científico.
DA CRÍTICA DO SUJEITO: A PESSOA COMO RELAÇÃO SOCIAL
Há duas noções — que se complementam — sobre as quais se apoia toda a trama
conceitual que vem sendo apresentada e que irá se desenrolar pelos próximos
capítulos. A primeira é a compreensão de que o mundo como o conhecemos não é
comunicado pela linguagem, ele é construído por ela. Essa idéia não é nova, chegou
à esfera das ciências sociais depois de um percurso crítico
3
que se iniciou bem
antes dos anos sessenta.
A segunda, associada a esse princípio lingüístico, diz que o agente mais
importante não é o sujeito, é a pessoa. De acordo com esse princípio, o sujeito é
uma formulação do pensamento moderno, concebido para dar conta de uma
mundo que se coloca diante dele como objeto (Santos, 2004). Um mundo objetivo,
acessível apenas para um agente com o poder de lançar mão de procedimentos
3
Aqui é importante observar que as referências mais importantes para formação desse percurso, no campo da
Psicologia Social, segundo Iñiguez (2004) são a virada lingüística, como uma mudança epistemológica; a
Pragmática, como uma alternativa ao estruturalismo; e a Teoria dos Atos de Fala, inaugurada por Austin.
Embora essa articulação, que pode ser associada a uma certa definição de Análise do Discurso (Iñiguez, 2000;
Maingueneau, 2000), mantenha uma forte relação com estudos lingüísticos, uma vertente interdisciplinar (Lopes
e Bastos, 2002; Lopes, 2002 e 2003) tem apresentado possibilidades de aproximações com o campo da
Psicologia Social que, de certo modo, correspondem às investidas feitas por pesquisador@s das práticas
discursivas e dos processos de produção de sentido no cotidiano (Spink, 2000 e 2004), considerando em
particular o caso da Psicologia Discursiva (Iñiguez, 2004).
12
racionais (Stenger, 2002) e desvendar sua realidade. Esta situação do pensamento
moderno pré–figura uma relação que pode ser expressa pela fórmula lingüística:
alguém conhece algo, assim como, o sujeito conhece o objeto.
Os instrumentos característicos desse poder moderno são a objetividade e a
neutralidade. Mas desde o final dos anos 70 que esses dispositivos vêm sendo
questionados e sua aceitação não é mais um consenso científico. As críticas que se
levantam variam desde uma tentativa de demonstrar, dentro da própria
argumentação científica, que formações culturais, como o sexismo e o racismo,
podem estar imbricados na formulação dos problemas científicos (Gould, 1999); ou
pôr-se ombro a ombro com os cientistas, para transformar os sujeitos das ciências
em objeto da sociologia, apontando para uma invenção das ciências modernas,
instaurando o humor e a ironia no cerne do fazer científico (Stenger, 2002), ou até
mesmo assumindo um ponto de partida genealógico para descrever as verdades das
ciências como efeito de discursos e jogos de poder (Foucault, 2005a).
Nesse cenário de críticas, surgem algumas alternativas à busca pela
objetividade, como o critério de objetividade parcial, que se reconhece comprometida
com algum ponto de vista particular (Haraway, 1995); ou a objetividade pragmática,
que se reconhece vinculada a uma determinada comunidade lingüística (Rorty,
1997).
Talvez a alternativa mais ousada tenha sido a proposta de Santos (2004),
implicada no reconhecimento de um novo paradigma, que emerge da crise
epistemológica para se organizar como uma proposta de conhecimento cuidadoso e
eticamente comprometido: um conhecimento prudente para uma vida decente
(Santos, 2004). No seu conjunto, a crítica da objetividade inviabiliza a manutenção
da sua contra–parte racional, o sujeito, e seu lugar precisa ser ocupado por uma
categoria mais flexível, que se defina por uma condição contingente. A categoria
13
mais apropriada para ocupar essa posição que não se define senão pela
circunstância é a categoria ‘pessoa’.
A adoção do termo “pessoa” na Psicologia Social já foi defendida por Spink e
Medrado (2000) para enfatizar o foco da atenção no aspecto relacional que constitui
o estudo das práticas cotidianas de produção de sentido. Assumindo um olhar
construcionista, Spink e Medrado (2000) recuperam esse termo, para colocá-lo no
lugar significativo que até então a Psicologia havia reservado ao indivíduo e ao
sujeito — elementos das dicotomias que pretendemos evitar. Apoiados em
Cuggenberger (1987 apud Spink e Medrado, 2000), vemos que o termo foi definido
inicialmente no seio da teologia, e que entre as distintas definições que recebeu,
manteve constante o seu caráter relacional. De modo que, “só é possível pensar em
pessoas, a partir da noção de relação. O homem — ou, mais precisamente, a pessoa
— está em um mundo e não apenas em um ambiente, como os animais”. (Spink e
Medrado, 2000, p. 55, grifo no original).
De uma perspectiva estritamente lingüística, a importância da ‘pessoa’
também já foi discutida por Émile Benveniste (1976). Ao falar da subjetividade na
linguagem, Benveniste funda a subjetividade no fato de que a linguagem, enquanto
princípio da alocução, implica o próprio locutor. Pessoa é quem pode dizer (a si
e/ou ao outro) que é. “A consciência de si mesmo só é possível se experimentada
por contraste. Eu não emprego eu a não ser dirigindo-me a alguém, que será na
minha alocução um tu. Essa condição de diálogo é que é constitutiva da pessoa,
pois implica reciprocidade” (Benveniste, 1976, p. 286). A necessidade de se dizer
‘eu’ nos termos de cada sociedade, portando diante de outro ‘eu’ — ou diante de um
‘tu’ — instaura a linguagem como elemento fundamental da experiência de si. E
essa experiência, sendo relacional, fica melhor entendida em termos de uma
posicionamento do que de uma identidade.
14
Colocar a pessoa no lugar do sujeito, como se faz aqui, indica que o próprio
lugar já foi re–significado. A pessoa não entra na fórmula Alguém conhece algo do
mesmo modo que o sujeito entraria. “A pessoa, no jogo das relações sociais, está
inserida num constante processo de negociação, desenvolvendo trocas simbólicas,
num espaço de intersubjetividade ou, mais precisamente, de interpessoalidade”
(Spink e Medrado, 2000, p. 55). O lugar já não é o mesmo.
A posição do sujeito pretendia ser universal, mas a posição de pessoa é
sempre particular, circunstancial, se expressa melhor em termos de
posicionamento, como propõem Davies e Harré, (1990 apud Spink e Medrado,
2000). Nessa nova disposição, onde, quando, diante de quem e para quê tornam-se
considerações imprescindíveis para o entendimento da produção de sentidos e,
portanto, para a formulação do conhecimento que também faça, por sua vez,
sentido para as pessoas.
A compreensão de que o mundo e as pessoas não sejam algo dado, natural
ou estático, mas produtos de (re)invenções sistemáticas e constantes, mantém uma
relação com o projeto de regeneração cibernética (cf. Haraway, 2000), uma relação
com o mundo que dispensa uma ontologia fundante do sujeito.
As pessoas estão sempre em contato umas com as outras, afetando-se
mutuamente, construindo-se e transformando-se através do espaço e do tempo,
posicionando-se e sendo posicionadas por meio de uma infinidade de recursos
lingüísticos. No conjunto das materialidades disponíveis, alguns desses recursos
acontecem como textos escritos, os quais podem ser acionados para servir como
ferramenta de produção e distribuição de conhecimento, como dispositivos de
controle ou de ampliação da autonomia, acionando e interditando, promovendo ou
obstruindo infinitas possibilidades de existência.
15
Para finalizar esta seção introdutória, pode se dizer que a causa ou a
finalidade ética deste trabalho é articular as questões pertinentes aos estudos de
gênero com as problematizações acerca da subjetividade normal — associados
respectivamente, ao movimento feminista e à Luta Antimanicomial — e de sua, hoje
inegável, pertinência ao campo científico.
Diante dessas duas arenas de reflexão crítica — ambas comprometidas com
a transformação estrutural da ordem social e ambas contabilizando resultados
positivos perante esse compromisso — uma leitura rápida já oferece condições para
que se estabeleça relações de proximidade política entre uma e outra. Ao mesmo
tempo, é possível vislumbrar como a experiência refletida de uma poderia ser útil à
promoção de avanços no percurso da outra. Restaria apenas produzir, ou facilitar,
as condições de aproximação entre elas; para isso, terá servido a trama tecida aqui.
1. Pensar (cuidadosamente)
em alguns sentidos de cuidar
Aprendemos a pensar à medida que
voltamos nossa atenção para o que cabe
pensar cuidadosamente. (…)
Em que medida, isso que nos atém
precisa ser cuidadosamente pensado?
4
uidar ou cuidado são, ambas, palavras de múltiplos sentidos. Neste
estudo eu gostaria de refletir em torno de uma ação e não em
torno de uma entidade, portanto começo pelo infinitivo verbal:
cuidar, cujas definições encontradas, de modo muito geral, referem-no como uma
atividade da consciência dirigida para um determinado objeto (coisa, pessoa,
animal etc.). Cuidado — que além de particípio desse verbo, pode ser também
substantivo, adjetivo e interjeição — tem sido um tema muito trabalhado em
nossa sociedade. Isso, longe de produzir uma concentração do seu uso em certas
disciplinas, acabou por dispersá-lo em muitos campos. Acionado em diversas
áreas de saber, o termo cuidado tem revelado uso muito amplo.
A título unicamente de ilustração, menciono uma busca rápida
5
que
recuperou 178 títulos no acervo da Biblioteca da PUC de SP. A maior parte dos
trabalhos referia-se ao cuidado de ‘idosos’ (55 títulos) e ao cuidado na ‘gravidez’,
4
HEIDEGGER, Martin (2002). O que quer dizer Pensar? Em: ______. Ensaios e conferências. Petrópolis:
vozes. p. 112-121.
5
Utilizando ‘cuidado’ como descritor e tendo por parâmetro de busca “Todos”.
C
17
‘neonatal’ e ‘puericultura’ (60 títulos ao todo). Embora os títulos se concentrassem
de maneira maciça nas disciplinas da saúde, como Gerontologia, Obstetrícia,
Puericultura etc., também havia referências à Filosofia, Religião, Cinema e Ciência
da Computação. Nesta última, 08 (oito) trabalhos evocavam alerta para proteção
de microcomputadores e software.
Se houvesse maiores pretensões, esse levantamento seria feito em outras
bibliotecas, também seria preciso levar em consideração os cursos e núcleos de
pesquisa que alimentam cada acervo, estabelecer um recorte por ano de produção
etc. Mas, não é esse o objetivo aqui. Essa sondagem, serviu apenas para nos dar
algumas pistas de onde o cuidado poderia ser encontrado como tema para quem
quisesse se aprofundar um pouco mais.
E que pistas foram encontradas? Em primeiro lugar, chama a atenção o fato do
cuidado ainda ser fortemente marcado pela produção de conhecimento na área da
saúde. Em seguida, a concentração de trabalhos relacionando cuidado a idosos e
crianças — além de uma significativa terceira posição (15 ocorrências) para
‘pessoas excepcionais’ e ‘port. de deficiência’ —, sugerindo que o cuidado tem sido
visto como uma demanda associada a pessoas dependentes ou debilitadas. Isso
leva-me a pensar sobre a relação entre cuidado e autonomia Eu me pergunto
como o cuidado seria significado no âmbito da segurança militar, onde a
debilidade não é uma constante?
Nesse levantamento, encontrei apenas duas menções ao cuidado em relação a
jovens institucionalizados. Seria pertinente investigar como o cuidado se
configura nesses ambientes. A propósito dessa última questão, ocorre-me uma
experiência como educador, em que solicitei a um grupo de homens jovens,
internos de um centro de Atividades Sócio–educativa, que fizessem alguns
18
desenhos e contassem histórias sobre a palavra ‘cuidado’. Todos os 20 (vinte)
jovens na sala descreveram, por meio de desenhos ou frases, situações de
violência e morte (nem todas autobiográficas), para a qual o cuidado era
exclusivamente uma forma de proteção (cuidado para não ser preso, para não
apanhar, para não ser morto etc.). Parecia que, naquele contexto, o cuidado que
eles conheciam tinha apenas o sentido da interjeição. O cuidado no sentido de
algo que se quer evitar.
Além dos aspectos mais explorado nas áreas da saúde — cujo enfoque é
na relação de dependência ou debilidade — há outras dimensões do cuidado para
as quais se pode atentar. O cuidado na educação infantil, que de certa forma
mantém uma relação com o cuidado da saúde e com a questão da
autonomia/dependência; e o cuidado na filosofia, que apesar de ter sido pouco
visível no levantamento que mencionei, tem sido usado principalmente como
referência para a literatura teórica na saúde e na educação.
Quando abordamos o cuidado na educação ou na saúde, estamos nos
deslocando através de perspectivas mais ou menos contrastantes que, em geral,
tratam mais enfaticamente do cuidado do outro, como no caso dos estudos
realizados nos anos 50, sobre desenvolvimento infantil que coloca, de maneira
ainda pouco crítica, o cuidado como uma atribuição materna essencial para o
desenvolvimento e associam esse cuidado à saúde mental infantil (Bowlby, 1990).
Partilhando alguns pressupostos desses estudos, há pesquisas mais recentes que
investigam os comportamentos de ‘apego’ e ‘cuidado’, entre casais adultos em
situações de enfermidades como câncer ou cardiopatias (Arruda, 2004 e Santos,
2005).
19
Ligado diretamente ao campo da ética, o cuidado na filosofia assume duas
dimensões básicas no seu direcionamento. No primeiro sentido, há o cuidado com
o mundo (le souci du monde), que Sylvie Courtine-Denamy (2004) encontra nos
diálogos entre Hanna Arendt e seus contemporâneos, dentre os quais Martin
Heidegger talvez seja o mais conhecido; e de outro modo, temos o cuidado de si (le
souci de sui), cuja maior referência é Michel Foucault (2002) com suas
formulações sobre a experiência de um sujeito auto–referido, produzido
historicamente por relações específicas de saberes e práticas.
O problema do meu interesse, que perpassa todos os aspectos do cuidado
como pretendo enfocá-lo aqui, diz respeito à questão dos sentidos que se
produzem atravessado pela ordem de gênero. Das definições gramaticais à
reflexão filosófica, passando pelas ações em saúde e pela educação infantil, é
possível desenvolver compreensões críticas do cuidado com base nessa
perspectiva, que não se reduz a uma descrição essencialista de dicotomias
sexuais ou de regras de socialização. Como diz Guacira Louro “…gênero é mais do
que uma identidade aprendida, é uma categoria imersa nas instituições sociais”
(1995, p. 103).
O QUE QUER DIZER CUIDAR?
Entre profissionais e gestores de políticas públicas, nas áreas da
educação e da saúde, entre pesquisadoras feministas, na Filosofia… aqui e ali,
muito se fala do cuidado, de sua importância e das condições particulares de sua
realização. Contudo, pouco tem sido feito em termos de uma discussão
20
conceitual. O cuidado, ou o cuidar, têm sido utilizados como signos de uma
experiência que se dá a conhecer por si só, causando uma situação embaraçosa
para pesquisadores e pesquisadoras que se acham no enleio de significados
possíveis.
Uma abordagem conceitual do cuidado muito proveitosa foi realizada pela
psicóloga social Theresa Montenegro (2001). No desenvolvimento de sua tese, que
versava sobre a necessidade de integrar a educação moral na formação para o
cuidado, mais especificamente, na formação profissional para o cuidado infantil
6
.
Por meio do seu trabalho, podemos encontrar indicações muito pertinente do
caminho a ser percorrido por quem mais se dispuser a compreender esse tema (cf.
Montenegro, 2001, pp.72-78). A começar pela lexicografia.
Percorrendo esse e outros caminhos, pudemos notar que a palavra, cujo
registro de surgimento aponta para o séc. XIII/XIV, é de origem latina e tem a
mesma raiz que o verbo pensar: cogitare. Cuidar e cogitar são, assim, termos
etimologicamente semelhantes (Larousse, 1992; Houaiss, 2005), ambos utilizados
para denotar uma atitude mental, como a que constitui uma preocupação, a
lembrança zelosa de si mesmo ou de um outro, ou ainda um estado de alerta, de
prontidão para o perigo.
Mesmo considerando as observações de James Murray et alii (1933 apud.
Montenegro, 2001) sobre a inexistência de qualquer relação na origem da palavra
6
Como o foco do meu trabalho articula ‘cuidado’ e ‘CAPS’, optei por não me deter sobre o cuidado na educação
infantil, tema que ocupa boa parte do trabalho de Montenegro. Para um estudo apurado dos sentidos de cuidar
em educação infantil no Brasil e de seus contrastes hierárquicos com o termo educar, ver bibliografia de
Montenegro (2001) com destaque para a produção de Fúlvia Rosemberg, que tem problematizado essa questão
sistematicamente, no Núcleo de Estudos em Gênero, Raça e Idade, no Programa da Pós graduação em Psicologia
Social da PUC de São Paulo.
21
latina com o termo inglês, encontramos os mesmos sentidos para to care (cuidar)
ou caring (cuidado [como processo]) que às vezes pode ser utilizado para significar
uma preocupação, ou a atribuição de alguma importância (care about). Ou, ainda
para dizer que alguém assume uma responsabilidade, encarrega-se de (take care
for). Na língua francesa, o termo le souci — associado várias vezes aos
pensamentos de Santo Agostinho, Heidegger e Foucault e às expressões cura
(latim) e Sorge (alemão) — tem sido traduzido por ‘cuidado’. Apesar disso, o
dicionário consultado traduz souci por “pesar” e “preocupação” enquanto ‘cuidado’
é traduzido do português para o francês como soigner ou attención (Avolio &
Faury, 1998).
Podemos dizer que, de maneira geral, as buscas nos dicionários,
confirmam a variedade encontrada por Montenegro
7
(2001) reafirmando o caráter
polissêmico do termo ‘cuidado’ (cogitátus, cogitata, cogitatum; coydado; cujdado). A
variedade de significados chega a impressionar. Em alguns casos
8
, encontramos
até 12 acepções para o verbete ‘cuidado’ listadas separadamente sob os rótulos de
adjetivo (6), substantivo (5) e interjeição (1). A polissemia prossegue quando nos
debruçamos sobre a forma verbal, que varia em significados conforme os
complementos que recebe (ou não). Os significados indicados por Francisco da
Silva Borba (1991) apontam para quatro sentidos: 1. cogitar/imaginar (+ nome
abstrato de ação); 2. supor (+verbo no infinitivo/que); 3. ocupar-se (+ de/em); 4.i.
prevenir-se ou 4.ii. julgar-se. Neste caso, o terceiro significado apresentado
oferece dois exemplos que atraíram particularmente a minha atenção:
7
Além de outras fontes indicadas por Montenegro, foi esclarecedor consultar o Dicionário etimológico Nova
Fronteira da Língua Portuguesa. (Cunha, 2001) e o Dicionário Gramatical de verbos do Português
contemporâneo de Borba (1991) A consulta confirmou as informações que Montenegro (2001) levantou em
outras fontes sobre os usos do cuidado como adjetivo, substantivo e interjeição; sobre o séc. XIII como período
de surgimento para o termo e sobre sua ligação original mais acentuada com termo em latimcogitare’, (verbo
da sentença cartesiana “cogito, ergo sum”) e algumas indicações da ligação original com termo, também latino
cura.
8
Como no caso do Dicionário Eletrônico Houaiss (2005).
22
3. Com complemento da forma de/em + nome/oração infinitiva,
significa aplicar a atenção a, ocupar-se de, tratar de [ex.]:(…) Papai é
assim, durante meses e meseso pensa em mim, não cuida em mim
(AAM,83); Mamãe sempre cuidou das tarefas domésticas sozinhas; (…)
(Borba,1991, p. 358, grifos no original).
Recupero especificamente este trecho do material pesquisado porque, de um
modo bastante ilustrativo, ele remete-nos à temática que atravessa nossa
investigação, ou seja, aos repertórios de gênero acionados para a produção de
diferenciações de sentidos nas relações de cuidado.
Assim, observamos que o trecho ilustra, um certo afastamento dos homens
e “uma relação de proximidade que passou a existir entre o cuidado e as
mulheres.” (Montenegro, 2001, p. 75). Quanto a isso, a autora menciona a palavra
cuidadeira, usada tanto por Laudelino Freire, como por Caudas Aulete (Freire,
1957 e Aulete, 1958 apud Montenegro, 2001), para se referir a uma mulher que
cuida de algo ou que tem algo sob seus cuidados. Para ela, essa palavra é
indicativa de uma associação explícita entre mulher e cuidado, uma vez que
cuidadeiro não descreve um substantivo masculino para homem que cuida e sim,
o termo qualificativo de uma ação, um adjetivo.
Contudo, a autora aponta algumas exceções, em que são mencionados os
termos cuidador e cuidadeira, para ressaltar que essa associação explícita entre
mulher e cuidado não é unânime. Além disso, podemos observar casos em que
cuidador é definido como substantivo masculino; contudo, nestes casos, quando
só é registrado o masculino, não acredito que seja pela adoção de uma
perspectiva histórica de gênero, mas sim pela regra gramatical que impõe o
masculino como o genérico
9
.
9
Em resposta a feministas que se opõem ao machismo na linguagem, costuma-se dizer que “o masculino é
neutro” ou que “o masculino determina o gênero do conjunto”. A esse propósito, resta uma indagação: que
posição na ordem de gênero ocupariam os doutos autores de tal regra?
23
Vasculhando os sentidos possíveis para o termo cuidado e nos apoiando
nas observações de Montenegro, atentamos para o fato de que é possível reuní-los
em dois grandes grupos, um do cuidado como adjetivo e outro para cuidado
indicando substantivo masculino. No primeiro, “o vocábulo se associa a seu
significado mais primitivo, como pensar e imaginar” (Montenegro, 2001, p. 77);
neste os termos “designam atividades da inteligência” (idem, p. 76), referem-se a
uma dimensão cognitiva, a algo pensado; cogitado; imaginado; planejado; refletido.
Ao passo que no segundo grupo, o cuidado surge associado “ao campo das
emoções” (idem, ibdem), remetem ao espectro dos sentidos e da afetividade. Como
no caso de inquietação; preocupação; agitação no espírito; desvelo; diligência.
Montenegro não faz considerações sobre o cuidado quando este significa
uma interjeição, mas podemos notar que, quando o cuidado é usado como um
alerta, implica uma situação em que a afetividade e a atividade intelectual estão
intensamente integradas, como no caso das histórias dos jovens que mencionei.
Além desse contraste entre intelecto e emoção observado por Montenegro (2001),
há outro que também foi observado pelo teólogo Leonardo Boff (1999). Esse
pensador franciscano tornou-se uma das principais referências neste tema, por
sua exortação ao cuidado como base da essência espiritual da existência humana.
Em seu texto, ele apresenta a filologia da palavra cuidado.
Nessa apresentação ele encontra dois sentidos básicos para o cuidado,
ambos significando uma situação de envolvimento afetivo. Em uma, o cuidado
significa atenção ou zelo, em outra, inquietação ou preocupação. A distinção entre
a observação do teólogo e a da psicóloga é que, o primeiro não leva em
consideração as bases cognitivas, dando mais atenção ao aspecto espiritual e
afetivo, ao passo que a segunda, além de considerar o aspecto cognitivo, pondera
24
sobre as inserções do significado emocional que indica inquietação como
resultante do sentido primitivo de co-agitare, relativo a agitação do pensamento.
E ela observa ainda a ocorrência do cuidado no sentido de uma
“inquietação da consciência”; um “escrúpulo”. O cuidado como um “senso moral”.
Este último sentido é dado por Aurélio B.H. Ferreira (1986, p. 557 citado em
Montenegro, 2001). Uma de suas últimas observações sobre o cuidado no campo
da lexicografia refere-se a ambigüidade do termo, que pode descrever tanto um
movimento introspectivo, como uma ação dirigida para o mundo, uma atitude
para com o outro. Diante dessa ambigüidade, aquilo “que os etimólogos ressaltam
como imprecisão de significado” ela classifica como “riqueza de dupla ação”
(Montenegro, 2001, p. 78) e acrescenta a conclusiva: “Abrangendo dimensões
cognitivas e afetivas, cuidar pode pois designar uma ação voltada para o próprio
sujeito ou para o outro” (p.79).
Ao Lermos a lista de acepções para o adjetivo ‘cuidado’, no Houaiss
(2005), vemos que há mais uma distinção possível: o cuidado enquanto uma
disposição mental e o cuidado enquanto uma performance. No primeiro sentido,
cuidado estaria na ordem do discurso ou de uma inferência, como nessa
definição: “1. submetido a rigorosa análise; meditado; pensado.” (Houaiss 2005 –
verbete: ‘cuidado’). Já no segundo caso, o cuidado estaria mais na ordem do
comportamento observável, da aparência, daquela ação ou situação visível; como
no exemplo: “2. em que houve aprimoramento, aplicação na execução (diz-se de
qualquer atividade, trabalho etc. realizado); bem-feito”. (idem). Considero que a
presença desses dois sentidos no mesmo termo (cogitatum) é significativa porque
acena com a possibilidade de um termo como res-cogitans indicar, um outro
cógito, não mais como algo puramente abstrato, mas talvez como algo que integre
emoções, conhecimentos e práticas. Acena com a possibilidade de desfazermos
25
uma separação que a modernidade ensinou como algo inevitável entre rés–
cogitans e res–extensa.
Desse levantamento inicial, encontramos algumas possibilidades de
organizar os sentidos do cuidado. Além das já instituídas na gramática e na
etimologia (verbo; adjetivo; substantivo; etc.), podemos organizá-los a) quanto à
constituição: experiência cognitiva e experiência afetiva; b) quanto à configuração:
como performance e como disposição mental; e c) quanto ao direcionamento:
voltado para o mundo/outros e para si. Ainda que essas categorias não sejam
hierarquizáveis nem mantenham relações mutuamente excludente, acredito que
seja possível distribuí-las em um quadro, como o que segue:
cuidado (cuidar) : ação
constituição configuração direcionamento
cognitiva
(intelectual)
como performance
para o mundo
(outros)
emocional (afetiva) disposição para si mesmo
O CUIDADO NAS FRONTEIRAS DA SAÚDE
Poderíamos dizer que, no campo da saúde, os sentidos do cuidado
indicam uma ação de constituição intelectual que se configura como performance
e está direcionada para o outro. É esse o sentido que encontramos nas “definições
mais técnicas” em que cuidar seria “prestar serviços” a pessoas dependentes ou
debilitadas, com base em “planejamento e conhecimentos técnicos” (Montenegro,
2001) ou seja, realizar um conjunto de técnicas aprendidas objetivamente com
vistas a restabelecer a cura ou eliminar a doença no corpo de alguém. Contudo,
26
apropriações mais recentes do cuidado em saúde trazem uma compreensão mais
ampla.
Na arena da saúde, a enfermagem tem sido uma das áreas mais ocupadas
com a valorização prática do cuidado. De tal modo, que chega a ser identificada
como a profissão do cuidado por Montenegro (2001). Acerca de teorizações sobre o
cuidado na enfermagem, essa autora observa que “no campo da enfermagem o
cuidado vem sendo objeto de estudos e pesquisas” (Montenegro, 2001, p. 85).
Essa sua afirmação, fundada no levantamento que fez sobre o sentidos do
cuidado na enfermagem, é seguida pelo comentário de que “Apesar do crescente
interesse pelo tema” as pesquisas nessa área registram uma “escassez de estudos
que possibilitem um aprofundamento do conceito.” (Montenegro, 2001, p. 85).
Segundo a autora, esse interesse, que teve início no final da década de 80, ainda
estaria restrito à literatura norte-americana e é marcado por imprecisões
conceituais.
Regina Henriques e Sonia Acioli (2004) observam que o cuidado, como
“elemento ou categoria”, desempenhou um papel estruturante na formação do
perfil curricular e profissional da enfermagem. O termo funciona como
“modulador do comportamento e dos sentidos que os próprios enfermeiros
assumem e percebem em sua profissão” (Henriques & Acioli, 2004:302).
A essa altura, devemos observar que, seja pelo estudo dos significados
(Sant’ana, Taia & Medeiros, 2001), seja pela pesquisa de representações sociais
(Mostazo & Kirschbaum, 2003), ou mesmo pelo desenvolvimento de reflexões
históricas acerca da pesquisa (Boemer & rocha, 1996) e do ensino (Medeiros,
Tipple & Munari, 1999; Henriques & Acioli, 2004), a enfermagem tem buscado
produzir mais conhecimentos sobre as tecnologias do cuidado e isso tem
27
impulsionado uma reflexão teórica conceitual
10
. O cuidado “constitui um eixo na
condução das disciplinas e organização das práticas de enfermagem, no âmbito
dos serviços e na coordenação de gestão e assistências de enfermagem”
(Henriques & Acioli, 2004:302). Então, “analisar o cuidado em saúde,
particularmente em enfermagem, nos remete a questões bastantes complexas.”
(idem, ibdem).
É claro, que devemos considerar que essa discussão conceitual tem se
concentrado mais no nível da pós graduação — no âmbito interdisciplinar da
saúde coletiva — e que os espaços em que @s profissionais de enfermagem —
setores como psiquiatria; oncologia; cardiologia; geriatria etc. — não são
comumente vistos como espaços da produção de conhecimento em enfermagem,
mas como espaços de outros saberes estabelecidos na instituição hospitalar.
Desse modo, talvez, a produção de conhecimento que poderia ser
identificada como oriunda especificamente da enfermagem esteja se dissipando
num circuito mais abrangente. Isso nos coloca diante de uma questão
contemporânea relativa ao estabelecimento de fronteiras entre os saberes e das
conexões que têm se estabelecido através dessas fronteiras.
Cuidar, como uma ação que exige a quebra das dicotomias e a adoção de
uma perspectiva integral, tem sido o ponto de articulação de conexões
fronteiriças. Mesmo sendo ainda considerado como uma demanda de pessoas
adoecidas ou debilitadas, o cuidado em saúde tem sido pensado, como algo a
mais do que um conjunto de técnicas racionais e procedimentos com o objetivo de
curar.
10
Acerca da produção do conhecimento sobre cuidado em Enfermagem é oportuno mencionar as linhas de
pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem/UFG, que realizam estudos em torno da
fundamentação metodológica e epistemológica do cuidado em saúde (www.fen.ufg.br
).
28
Esse tema tem sido inserido na pauta das Ciências da Saúde e da Saúde
Coletiva, por meio de uma perspectiva política na qual Integralidade é um dos
principais conceitos. As reflexões organizadas por Roseni Pinheiro e Ruben Mattos
(2004) na coordenação do projeto de pesquisa Integralidades: saberes e práticas
no cotidianos das instituições de saúde
11
, expressam várias contribuições
consistentes para o entendimento do cuidado como um dispositivo de promoção
de saúde que inclua uma perspectiva de atenção integral.
Uma característica propositiva dessas reflexões é o esforço crítico pela
manutenção da pluralidade de perspectivas, evitando definições rigorosas e
taxativas tanto sobre as noções de cuidado, como sobre as de integralidade. Os
autores e autoras reunidos por Pinheiro e Mattos (2004) apresentam as definições
já documentadas como conquistas jurídicas de um momento histórico
12
, bem
como novas propostas de reflexões conceituais, mas preferem apresentar
fragmentos de genealogias, (Pinheiro & Guizardi, 2004) deixando que os sentidos
mais importantes sejam construídos pelo diálogo entre profissionais e usuári@s
do serviço, por meio do exercício do direito e da participação democrática
cotidiana, entendidos como elementos constitutivos da atenção integral à saúde.
Essas reflexões recuperam a discussão de Boaventura Santos (2000 apud
Mattos, 2004) e caracterizam uma oposição ao paradigma científico tradicional
para propor, com a noção de cuidado, a institucionalização de novas modalidades
de atenção em saúde pública, modalidades que estejam associadas à cidadania,
11
Trata-se de um projeto desenvolvido no Instituto de Medicina Social da UERJ. um de seus resultados foi a
criação do LAPPIS - Laboratório de Pesquisas sobre Práticas de Integralidade em Saúde (www.lappis.org.br
).
12
para uma compreensão mais detalhada desse processo, consultar o trabalho de Lúcia Rosa (2003). O relatório
final da VIII Conferência Nacional de Saúde - 1986 que serviu de referência para a elaboração dos princípios do
SUS – Sistema Único de Saúde. Ele apresenta três conjuntos de princípios para a reforma do sistema de saúde: a)
referentes à organização dos serviços; b) referentes às condições de acesso e c) referentes à política de Recursos
Humanos. a Integralidade pertence ao primeiro grupo e recomenda a abolição das dicotomias
preventivo/curativo. ela “reorienta a atenção da ação pontual sobre a doença e o doente para as condições de
reprodução social do processo saúde/doença” (Rosa, 2003, p. 112).
29
por meio de uma produção de conhecimento, que integre respostas locais em
redes de comunicação para o desenvolvimento de experiências comunitárias,
educacionais e conceituais com a participação da Universidade e dos espaços de
produção acadêmica. Em suma, procuram “estabelecer um novo patamar ético-
político-institucional em saúde” (Mattos & Pinheiro, 2004).
Ao meu ver, a proposta de abordagem integral que caracteriza esse
patamar ético-político-institucional é mais do que a “humanização do
atendimento” e mais do que a implementação de “tecnologias de ponta”, é algo
que reconhece a necessidade dessas duas transformações, mas envolve a tomada
de consciência crítica, por parte de quem trabalha na saúde; de quem faz uso dos
serviços; de quem se ocupa do planejamento e gestão das políticas públicas e da
sociedade civil organizada. Sobre esse novo patamar é possível analisar macro–
processos e compreender as forças econômicas e culturais que tencionam e
redefinem o tecido social na determinação da demanda por cuidados, como faz
Madel Luz (2004), ou estabelecer um ponto de reflexão crítica, a partir da própria
prática, para a expandir os horizontes normativos que definem as relações
terapêuticas no plano inter–subjetivo, como faz José Ricardo Ayres (2004).
Com a entrada do cuidado na saúde coletiva, a finalidade da intervenção,
que se definia “pelo controle técnico das doenças”, passa a ganhar sentido na
idéia mais ampla de um “sucesso prático de projetos de felicidade humana”
(Ayres, 2001). Essa atenção integral não pode ignorar as relações raciais, o gênero
e a geração, além dos pertencimentos religiosos e étnicos, aspectos que decorrem
das condições concretas da vida social e que são constitutivos desses “projetos de
felicidade”. Assim, em termos de sua constituição, configuração e direcionamento,
o cuidado visa integrar todas as dimensões disponíveis e gerar novas
30
possibilidades de efetivação, sendo ao mesmo tempo uma ação intelectual e
afetiva; performática e introspectiva; dirigida para o mundo e para si.
Concebido numa perspectiva relacional e multidisciplinar, o cuidado
passa a ser tema de estudo também no campo da assistência social. Como foi
possível ilustrar pelo levantamento mencionado, o estudo do cuidado tem sido
associado aos processos de envelhecimento. Ante um cenário no qual a
longevidade, bem como as causas de morbidade e mortalidade associadas ao
envelhecimento da população tornam-se mais significativos, começam a surgir
alguns manuais voltados para familiares cuidadores de idosos ou adultos
dependentes
13
.
No cenário dessas associações, surge como referência o trabalho de
Úrsula Karsch (2004), que reúne as experiências do grupo de pesquisa
coordenado por ela “A Epidemiologia do cuidador.” Patrícia Mendes (2004),
integrante desse grupo, também constitui uma referência importante por explorar
o cuidado e as classificações usadas na literatura sobre cuidadores domiciliares
de idosos dependentes, como no caso de Barer e Johnson (1990 apud. Mendes,
2004). Aqui, ocorre o mesmo que na enfermagem, a polifonia de sentidos impede
uma definição precisa, sendo unânime apenas a avaliação de que cuidar nessa
condição é uma situação estressante, e o fato de que o cuidado de idosos é
percebido “como algo inerente e natural às pessoas, sem uma contextualização
sócio histórica e mesmo cultural” (Mendes, 2004:173)
13
Como por exemplo, RODRIGUES, Rosalina & DIOGO, Maria José D.(2004). Como cuidar dos idosos.
Campinas: Papirus. 4a. ed. Além desse livreto, o folheto Derrame – Acidente Vascular Cerebral, informações
à família e aos cuidadores”, elaborado como produto de uma pesquisa, foi publicado como anexo no livro
organizado por Úrsula Karsch (2004).
31
De acordo com uma das classificações mencionadas por Mendes (idem.) é
possível dividir o cuidado em práticos – quando se referem a necessidades básicas
do cotidiano, como comer, beber; orientação externa – acompanhamento a tarefas
de rua, supermercado etc.; informação/ defesa dos direitos – auxílio em questões
jurídicas, bancárias; da previdência; supervio regular- prontidão para recorrer a
emergência; integrão social – acompanhamento em atividades sociais e
providências formais ; envolvimento afetivo – cuidados prestados em situação de
clima afetuoso, e confidenciais – quando em situações muito pessoais (Sinclair et
alli,1990 apud. Mendes, 2004).
Uma outra classificação, proposta por Bayley (1985, apud. Mendes, 2004),
divide o cuidado em pessoais e práticos; “distinguindo os ‘cuidados muitos
pessoais’ (dar banho); ‘cuidados pessoais’ (cozinhar) ‘cuidados gerais’ (sistematizar
a ingestão de remédios); ‘cuidados sociais’ (como ir ao banho ou acompanhar ao
médico).” (Mendes, 2004, p. 174). Essa distinção também classifica quem executa
os cuidados, “se parentes, amigos/vizinhos e/ou profissionais.” (idem, ibdem). Na
classificação de Sangl (1987 apud. Mendes, 2004) quem assume a maior parte ou
toda a responsabilidade pelo cuidado do paciente é “cuidador principal” enquanto
voluntários e profissionais que prestam serviços complementares são chamados
de “cuidadores secundários”. Mendes ainda nos fala de “cuidador formal” para se
referir a profissionais contratad@s e “cuidador informal” para se referir a
voluntári@s, amig@ ou familiares cuidando dos pacientes (idem, ibdem).
A despeito das particularidades que se possa apontar no cuidado
demandando pelo envelhecimento com dependência, essas pesquisas reafirmam a
importância da ordem familiar e de gênero na definição das relações de cuidado.
Na observação da estrutura social, que sobredetermina o perfil de quem cuida,
uma pesquisa realizada na cidade de São Paulo, com 102 casos de adultos
32
vítimas de AVC - Acidente Vascular Cerebral, nos deixa ver “que a grande maioria
dos cuidadores são do sexo feminino (92,9%), sendo que 39,2% são as esposas,
seguidas pelas filhas com 31,3%” (Mendes, 2002, p. 21).
Com base nessa, e em outras, pesquisas e na literatura internacional
sobre o tema (Qrureshi & Simons, 1987 apud. Mendes, 2002), é possível
estabelecer quatro fatores que definem “o perfil do cuidador”. São eles parentesco;
gênero; proximidade física e proximidade afetiva. Essa junção define as categorias
que organizam os sentimentos de solidariedade e as sensações de compromissos
morais; “impulsos” ou “deslizamentos” que promovem a entrada das mulheres na
posição de cuidadoras, (Lews & Meredith, 1988; Ugerson, 1987; Qrureshi &
Simons, 1987 todos citados em Mendes
, 2004). Para compreender o efeito desse
deslizamento podemos olhar a tabela apresentada em
Mendes (2004, p. 21):
Tabela 1 – relações de parentesco: cuidadores-pacientes
TIPO DE RELAÇÃO TOTAL %
Esposas 40 39,2
Filhas 32 31,3
Noras 6 5,9
Maridos 5 4,9
Filhos 5 4,9
Irmãs 4 3,9
Cunhadas 3 2,9
Sobrinhas 2 2,0
cunhados 1 1,0
Irmãos 1 1,0
Genros 1 1,0
Amigos 1 1,0
Vizinhos 1 1,0
TOTAL 102 100,0
Fonte: “tabela 12 Mendes (2002, p. 21)
33
Essa tabela não deixa dúvida quanto ao fato de que gênero compõe, com o
parentesco, uma relação de fatores decisivos que colocam as mulheres como as
candidatas mais fortes na listas das cuidadoras. Os homens são solicitados
apenas em último caso. Note-se, na mesma categoria de parentesco, a diferença
de posição entre “filhas” (31,4%) e “filhos” (4,9%); “irmãs” (3.9%) e “irmãos”
(1.0%). A freqüência destes últimos chega a ser menor que a de “nora” (5,9%).
Podemos ver ainda que nora não é tão solicitada quanto o são esposa ou filha.
Ora, se parentesco e gênero fossem fatores equivalentes, era de se esperar que
“nora” tivesse uma freqüência idêntica a de “genro” (1,0%), entretanto, não é este
o caso.
Se por um lado há essa ausência quase completa dos homens no papel de
cuidadores de idosos, Teresa Jump e Linda Haas (1991) puderam observar que,
desde os anos oitenta, a literatura internacional tem registrado uma maior
participação dos homens no cuidado infantil. Nesse cenário, os homens têm sido
visto com mais freqüência como cuidadores em potencial e sua inserção tem sido
acompanhada mais de perto por alguns/algumas pesquisador@s (cf. Medrado,
2001; Lyra, 1997, 1998, 2001), que reconhecem a persistência da desigualdade,
mas chamam a atenção para o surgimento de novas configurações familiares com
possibilidade de relações mais igualitárias (cf. Unbehaum, 2001).
Em resumo, o cuidado que há muito tem sido uma prática e, mais
recentemente, um conceito fundamental no campo da saúde e do serviço social,
na sua configuração cotidiana tem sido afetado diretamente pela ordem de gênero.
Além disso, é preciso observar que, ao se estabelecer nas fronteiras da saúde, o
cuidado mantém estreita relação com o campo filosófico. Seja com a filosofia
existencialista humanista, seja com a filosofia da educação feminista. Como será
possível observar a diante.
34
O CUIDADO DO SER, O CUIDADO DE SI E O CUIDADO COM O MUNDO.
Provavelmente o nome mais facilmente associado ao cuidado na Filosofia é o
nome de Heidegger. Esse filósofo ficou conhecido, entre outras coisas, por
circunscrever, de modo intensamente interrogativo, o sentido da existência
humana à noção de sorge. Essa palavra — que parece ter o mesmo uso em
alemão que damos a ‘cuidado’ em português — tem sido apropriada de diversas
maneiras. Em função de suas derivações e de vários contextos de uso, tem sido
lida como angústia, preocupação; ocupação; cura e cuidado.
Leonardo Boff (1999), na sua abordagem do cuidado, conta uma fábula–
mito, que encontramos no vol. II do livro de Heidegger, “Ser e Tempo” (1989 apud.
Boff, 1999). Nesta fábula, Cuidado é um transeunte que apanha o barro do rio e
modela uma forma. Júpiter, a pedido do cuidado, dá um espírito ao ser que fora
moldado e, por isso, exige que seu nome seja dado à criatura.
Nesse instante, a Terra (Tellus) reivindica para si a homenagem do nome,
uma vez que saiu de seu corpo a matéria da qual a criatura foi moldada. Diante
do impasse, Saturno intervém e estabelece a justiça. Decreta que Júpiter receberá
o espírito da criatura, quando esta morrer. E a Terra, que lhe deu corpo, na morte
da criatura, receberá então, o corpo. Quanto ao Cuidado, por ter sido o primeiro,
moldando-lhe a forma, ficará com a criatura enquanto esta viver (“Cura teneat,
quamdiu vixerit”). Para finalizar, Boff nos conta que Júpiter batizou a criatura de
Homem, porque foi feito do húmus “que significa terra fértil”.
Com essa fábula, Boff pretende que o cuidado seja visto como “a verdadeira
essência do ser humano” (1999, p. 46). A mim, não deixa de ser curioso o fato de
35
que o Cuidado, designado há tanto tempo para acompanhar o homem enquanto
este vivesse, seja visto mais freqüentemente em companhia… da mulher!
Essa opção por um fundamento essencial da existência humana, marca o
ponto de separação entre a compreensão da teologia cristã e perspectivas
filosóficas menos essencialistas como as de Foucault (2002) e Heidegger (1989).
Ainda que, na obra deste último, cura ou cuidado (Sorge) seja um elemento
fundamental para o sentido da existência humana, Heidegger nos permite
observar um trecho importante na fábula do Cuidado no momento da nomeação
de sua criatura: “no entanto, sobre o nome há disputa”:
Afirmar “verdades eternas” e confundir a “idealidade” da pre-sença
[Dasein], fundada nos fenômenos, com um sujeito absoluto e
idealizado pertencem aos restos da teologia cristã no seio da
problemática filosófica, que de há muito ainda não foram radicalmente
expurgados. (Heidegger, 1989, p. 299).
A reflexão feita por Boff tem o mérito de recuperar uma importante dimensão da
existência, oferecendo uma ontologia do cuidado a partir da qual, a religiosidade
tem sido abordada teoricamente — pela ótica do “apoio social” — em meio às
ações de atenção integral à saúde, (cf. Valla, Guimarães e Lacerda, 2004).
Contudo, nossa discussão aqui não se propõe a ser um trabalho
propriamente filosófico e, como acredito que já explicitei, busco os sentidos do
cuidado que possam ser operacionalizados sem a necessidade de categorias
essenciais. Por isso adoto uma base filosófica menos espiritual e mais
concatenada com o mundo em sua dimensão histórica. Como a que foi levantada
por Foucault.
Dentro de uma perspectiva mais distante da teologia e cristã e mais
próxima da de Heidegger, Foucault também se torna conhecido por sua discussão
36
em torno do cuidado. Tendo em vista a relevância desse conceito na discussão
desses filósofos, assim como a extensão de sua obra, eu não tentarei cobrir
nenhuma parte do terreno em que ambos operacionalizam o cuidado como
elemento constitutivo da existência — do sujeito, no caso de Foucault e do Da-
sein, no caso de Heidegger (sem querer sugerir que esses termos sejam
permutáveis).
Não seria possível ignorar completamente a existência dessa produção,
uma vez que ela tem sido uma das principais referências na entrada do cuidado
na saúde. Entretanto, a despeito do esforço teórico de Foucault (1992; 2005b)
para problematizar e desconstruir o discurso da autoria, a densidade histórica
com que se revestiu o trabalho associado a qualquer um desses dois autores,
inviabiliza sua abordagem no escopo deste trabalho.
Assim sendo, limito-me a tangenciar de modo sutil alguns aspectos do
cuidado trazido por Foucault — uma vez que esse autor tem sido mais
freqüentemente apropriado por suas discussões no campo da saúde e das
humanidades — e passarei mais ao largo das reflexões heideggerianas, uma vez
que essas solicitam uma inserção filosófica para a qual este trabalho não dispõe
de espaço.
Ao falar sobre “o cuidado de si”, Focault (1997) conta que, antes do latim, o
grego, já trazia um sentido do cuidado (epimeleïa) bem apropriado para o que
procuramos neste trabalho. Seu uso, como veremos é relativamente amplo e
generalizado:
O próprio termo de epimeleïa não designa simplesmente uma atitude
de consciência ou uma forma de atenção sobre si mesmo; designa uma
ocupação regulada, um trabalho com prosseguimentos e objetivos.
Xenofonte, por exemplo, utiliza a palavra epimeleïa para designar o
trabalho do dono da casa que dirige sua exploração agrícola. É uma
37
palavra que se usa também para designar os deveres rituais que se
devem aos mortos. A atividade do soberano que zela sobre seu povo e
dirige sua cidade é chamada, por Dionísio de Prusa, epimeleïa.”
(Focault1997, p. 121).
Nesse entendimento amplo a noção de “governo” compreenderia “técnicas e
procedimentos destinados a dirigir a conduta dos homens. Governo das crianças,
governo das almas ou das consciências, governo de uma casa, de um Estado ou
de si mesmo.” (Foucault, 1997, p. 101).
Entretanto, ainda que o cuidado pudesse ter um significado mais
abrangente, com essa variedade de modos e direcionamentos, envolvendo
inclusive a atenção que se dedica aos mortos
14
, sua aplicação como exercício
filosófico — ou naquilo em que ele serviu para constituir o sujeito (Fonseca, 2003)
— o cuidado tinha um sentido bem mais restrito.
Em Foucault (1997, 2002, 2005) podemos observar que o exercício
filosófico do cuidado é visto como uma atividade da pessoa voltada para ela
mesma. Essa atividade, que era valorizada, recomendada e praticada pelos
filósofos gregos, pelos ascetas e pelos espartanos, constituía-se como ação
intelectual e emocional; configurava-se como uma performance (práticas) e como
uma disposição (mental), mas mantém o direcionamento para si mesmo. O
cuidado enfatizado nesse âmbito, era o cuidado de si (epimeleïa heautou).
Os filósofos da antigüidade ocuparam-se do exercício do cuidado de si na
mesma medida em que se ocuparam de sua afirmação como um bem para a alma
e para o povo. O estóico Marco Aurélio Antônio (Vieira, 2002) empenhou-se na
valorização da epimeleïa heautau, “ocupar-se de si; “cuidar de si(equivalente ao
14
Sobre a designação de deveres rituais para com os mortos, vamos encontrar o mesmo uso em Santo Agostinho
no texto o “O cuidado devido aos mortos”.
38
termo cura sui do latim) como uma recomendação extremamente importante e o
próprio Sócrates (Foucault, 1997) trazia a epimeleïa como da mesma importância
que a mais famosa das suas recomendações: Gnôthis heautau.(conhecer a si
mesmo). Observe-se que, apesar de ser propagado pelos filósofos, o cuidado de si
não se efetivava somente no sentido de uma atividade intelectual — os cidadãos
de Esparta usavam o tempo que lhes cabia para se ocupar consigo, envolvendo-se
com o treinamento físico e as artes da guerra. Essa era “a razão pela qual os
cuidados com a terra tinham sido confiado aos hilotas [escravos]” (Foucault,
2002, p. 49).
Esse “conhecimento” e esse ‘cuidado’ de si, que surgem na Antigüidade
clássica e são retomados sistematicamente ao longo do desenvolvimento de toda a
trama do pensamento ocidental, estão nas bases de interseções que fundam a
experiência da relação entre subjetividade e verdade na modernidade. Tempo em
que o sujeito passa a ser a fonte das respostas para as perguntas que deve fazer
sobre si mesmo (Fonseca, 2003).
Como pôde demonstrar Foucault, por meio da história da sexualidade
(2002), cuidar e saber de si são princípios e fundamentos de práticas meticulosas
que caracterizam o que ele denominou de “tecnologias de si”, contribuindo para a
constituição de uma hermenêutica do sujeito e configurando uma articulação
entre a formação da subjetividade como a experiência de um fato e o
aperfeiçoamento das formas de “governamentalidade” (Foucault, 1997 e 2005),
entendidas como a maneira pela qual a conduta de um conjunto de indivíduos
está implicada no exercício do poder soberano.
Essa compreensão insinua uma relação de proximidade paradigmática
entre o cuidar e governar. Considerando que o governo constitui uma
39
configuração do poder, não é difícil concluir dessa proximidade, que o cuidado
também deve ser tomado como um exercício de poder. E como tal, para ser
coerente com a perspectiva foucaultiana, o cuidado deve ser entendido com
dispositivo relacional.
A proximidade com o exercício do poder e o caráter relacional são os
aspectos mais importantes do cuidado para os quais eu gostaria de atentar ao
tangenciar as contribuições foucaultianas neste estudo. A questão do poder e,
mais enfaticamente o aspecto relacional do cuidado, também aparecem numa
outra ponta da filosofia existencialista, que coloca o cuidado como fundamento da
existência, mas que põe no foco desse cuidado não o sujeito, mas o mundo, como
aquela filosofia protagonizada por Hanna Arendt e alguns de seus contemporâneos
e explorada por Silvie Courtine-Denamy (2004) em um livro que trata (para não
dizer se ocupa) do cuidado com o mundo.
Em uma leitura tomada pela perspectiva de gênero, não passa
despercebido que essa filosofia mantém o privilégio do masculino. Ou pelo menos
encaminha a universalização do humano pela generalização da condição do
macho. No livro, Arendt é a única “filósofa”, cercada por 15 filósofos, todos de
origem judaica. Chega a ser curioso o modo como ela é apresentada no prólogo:
“Aqueles, dentre esses homens, que elegeram uma nova nacionalidade —
americana para Arendt, suíça para Jasper e francesa para Celan (…)” (Courtine-
Denamy, 2004:11- grifo meu).
Acredito que a própria Hanna Arendt não teria problematizado esse aspecto
da condição humana, mas, mantenho a esperança de que, algum dia, ela e uma
outra filósofa, até então dispensada do diálogo por Courtine-Denamy, sejam vistas
40
juntas em algum texto. Essa filósofa, a existencialista francesa Simone de
Beauvoir, viria nos lembrar que
O homem representa a um tempo o positivo e o neutro, a ponto de
dizermos “os homens” para designar os sêres[sic] humanos, tendo-se
assimilado ao sentido singular do vocábulo vir o sentido geral da
palavra homo. A mulher aparece como o negativo, de modo que toda
determinação lhe é imputada como limitação, sem reciprocidade.
(Beauvoir:1961, p. 9)
Contudo, a ressalva dessa crítica não nos impede de acompanhar a conversa
entre Arendt e seus contemporâneos sobre o cuidado com o mundo. Nessa
conversa, trata-se de um mundo ameaçado pela aridez de princípios humanos e
por conflitos históricos associados ao descontrolado avanço científico e
tecnológico. A iminência, a deflagração e os desdobramentos de duas guerras
mundiais constituíram o cenário expressivo da preocupação (Füersorge) em torno
da qual se mobilizaram grandes mentes da filosofia à época de Arendt. (Courtine-
Danemy, 2004).
A preocupação dessas mentes se volta para “um mundo fora dos eixos
sobre o qual planava a ameaça de uma terceira guerra mundial — guerra atômica,
guerra total — cujo risco era o de um novo dilúvio (…) do qual nenhum Noé
poderia escapar.” (Courtine-Denamy, 2004:12). Eles, e ela, se perguntam “como
responder por um mundo habitável, amigável, como cuidar dele?” (idem, ibdem).
É sobretudo em termos de uma responsabilidade pelo mundo que o
cuidado aparece entre Arendt e esses filósofos. “Responder pelo mundo” suporia a
capacidade de resistir e de se opor à falência dos princípios; a capacidade de
representar o mundo, “de preservar a herança contra a ameaça crescente do
deserto” (ibdem). Essa resposta haveria de ser política. Mas, teria de ser também
uma política nova. A História já havia sido marcada pelas experiências
41
fundamentais da res publica, da polis e do exílio judeu. Precisavam de uma
política que surgisse a partir daí.
Ora, qual seria essa política? Como fazer do mundo um lugar “no qual os
homens fossem livres para agir e pensar, onde a pluralidade, que é o seu
fundamento, fosse preservada, onde os direitos universais estivessem garantidos
sem que se abolissem os particularismos?” (idem, p. 12-13). Para isso era preciso
uma política que soubesse cuidar do mundo. O cuidado aparece, então, como
uma resposta política, uma resistência à ameaça do niilismo. Assim, o cuidado
com o mundo é a finalidade que a política haveria perdido, cabendo à filosofia
restituir-lhe.
No mundo moderno a possibilidade de aniquilação total, garantida pelo
poderio tecnológico, faz com que sobreviver pessoalmente a uma guerra seja algo
sem o menor sentido. A mortalidade do ser humano reflete-se na mortalidade do
próprio mundo. Para Arendt, assim como para Karl Jasper (apud. Courtine-
Danemy, 2004), a violência desencadeada nesse cenário de possibilidades
extremas e mínimas não pode ser confrontada pela bondade, ou por outros ideais
de virtude pessoal. A bondade, e a piedade, por serem emoções, não fazem parte
do mundo público. E, como é no mundo público que se organizam as ações
políticas, essas ações devem ser erigidas sobre “princípios” e não sobre “emoções”.
Courtine-Danemy (2004) diz que Arendt vê o princípio como um dos quatro
elementos constitutivos de toda ação política (os outro três são: meta; finalidade e
sentido) e acrescenta que para essa filósofa o princípio é universal e independente
de qualquer pessoa, ou grupo, em particular. Entre os “princípios inspiradores da
ação contam-se a honra, a gloria, o amor da igualdade ou virtude, a distinção ou
42
a excelência, mas também o temor, a desconfiança, o ódio”, o medo foi
caracterizado como uma ausência de princípios. (Courtine-Danemy, 2004:91-92).
Essa opção pelos princípios e pelos valores da vida pública marca o sentido
do cuidado com o mundo que Arendt postula. Um cuidado que não se dirige para
o homem, mas para o mundo. Ela recusa uma ação que tenha no centro de seus
cuidados o homem, pois considera que tal ação é “profundamente não política”
Aqui, Arendt se destaca do existencialismo heideggeriano, porque enquanto esse
distingue entre um mundo inautêntico (mundo público/utilitário) e um mundo
autêntico e (privado/próprio), ela simplesmente opõe ao mundo a natureza. E
enquanto, para Heidegger, o ser autêntico, o que é próprio do homem se constitui
na vida privada e não na vida pública; para Arendt (apud. Courtine-Danemy,
2004:95) a vida privada aparece como “idiota”. O pressuposto da política e a
condição de possibilidade para a existência do homem, esse é o mundo, como o
espaço relativo às coisas públicas.
Falando sobre a relação de uma dependência recíproca entre o homem e o
mundo, ela diz que só é possível “existir mundo no sentido próprio do termo”
quando “a pluralidade do gênero humano não se reduz à simples multiplicação de
exemplares de uma espécie” (Arendt apud Courtine-Danemy, 2004:95). E o
mundo deve ser entendido como.
esse espaço criado pela reunião dos homens, um espaço que,
simultaneamente, se intercala entre eles, lhes separa: o mundo [para
ser cuidado] é um entre-dois, um espaço intermediário, no qual se dão
os negócios humanos. Contrariamente ao universo ou à natureza, que
podem existir independentemente dos homens, o mundo não pode
existir sem eles. (Courtine-Danemy, 2004:95)
Com esse entendimento de mundo e de humano, a existência se configura como
vida pública e a ação humana se realiza como ação política. Diante da ameaça de
aniquilamento, que paira sobre esse mundo, duas respostas podem ser
43
acionadas. De um lado, os homens, levados pela falta de confiança na política,
abrem mão de agir no mundo e entregam-se ao “triste peso de uma vida privada
fundada sobre nada a não ser sobre ela mesma” (Arendt apud. Courtine-Danemy,
2004:97); de outro, ainda é possível assumir que se deve responder pelo mundo e
preservá-lo “não somente para nós mesmos, mas para todos os recém-chegados,
os neoi” (Courtine-Danemy, 2004:98).
Partindo dos homens para os recém chegados, a responsabilidade, então, se
constituiria como educação. Essa dimensão da vida pública sobre a qual
pairavam igualmente as ameaças de um mundo moderno marcado pela crise de
referências. Essa crise é considerada mais intensa no continente americano, pelo
desafio que se impõe de se manter juntas, sob a insígnia da mesma federação, as
mais diversas etnias. A educação nessas condições não poderia deixar de ser
pensada como uma política e uma filosofia. Nesses termos, não se poderia optar
— como fez Rousseau em Emílio — entre se fazer um homem ou um cidadão. A
educação que visa o cuidado com o mundo, pressupõe que a própria cidadania é o
fundamento da humanidade. (idem.).
E uma educação para o mundo deveria valorizar os princípios e preservar
alguma referências da tradição, como um testemunho autorizado pela experiência
de quem vive no mundo. Para que a valorização da emancipação infantil não se
converta em abandono da vida pública. Sem negar “o que há de novo e
revolucionário em cada criança” (p.175), a educação deve manter a autoridade,
pois é sobre ela que se sustenta a responsabilidade do adulto perante as novas
gerações. “Educar por amor ao mundo: a permanência do mundo repousa, então,
na natalidade, na renovação incessante das gerações, no nascimento de homens
novos que tenham cuidado com o mundo” (p.181 – grifo meu).
44
A filosofia do cuidado como uma resposta política à ameaça de destruição
precisa inscrever o mundo na segurança da duração. As crianças que são os
novos homens precisam do discurso e da ação que a educação e a política
representam, mas nem política nem educação são suficientes para preservar o
mundo. “Somente a arte e os artistas é que poderão assegurar a permanência do
mundo” (p.181).
Musicais, literárias, dramáticas ou plásticas as artes teriam a missão de
representar o mundo e, em representando o mundo, recriá-lo de modo a inscrevê-
lo no tempo da duração; na possibilidade mesma da eternidade da arte reside a
cura para os males do mundo. Não obstante os filósofos, e a filósofa, considerem o
potencial de todas as artes como forma de inscrição do mundo na eternidade,
fazem-no somente na medida em que elas se prestem à ação da filosofia. Nesse
caso, consideram que “o papel da exegese filosófica é o de salvar a arte da arte
pela arte, integrando a obra inumana do artista no mundo humano, na história,
no tempo.” (Courtine-Denamy, 2004:205) e privilegiam arte das palavras como
aquela que teria maiores possibilidades de articular a prática política à educação
e à arte como resposta a um mundo que precisa ser cuidado:
“Para manifestar o cuidado com o mundo, ocupando-se dele e assim
salvando-o da ruína, os homens disporiam, então, de duas faculdades
bem distintas: a ação política e o trabalho com a palavra, tanto pela
forma do testemunho quanto pela forma do poema. (Courtine-Denamy,
2004:209)
Ainda no campo filosófico, há uma outra perspectiva que pretende, a partir da
experiência feminina, colocar o cuidado como fundamento moral para constituir a
ética do cuidado como alternativa à ética do princípio, que seria atualmente
concebida pela experiência masculina, segundo Nel Noddings (2003).
45
Noddings (2003) pauta sua reflexão pelo feminismo das diferenças — cujos
nomes mais conhecidos talvez sejam os de Carol Gilligan e Nancy Chodorow (cf.
Scott, 1995; Carvalho, s.d.; Montenegro, 2002) — e trás na sua definição um
impedimento à adoção de critérios puramente objetivos ou racionais, além da
necessidade de incluirmos perspectivas afetivas, subjetivas ou emocionais para
uma definição circunstancial do cuidado que possa ser efetivamente comunicada.
Ela observa que a atenção exclusivamente voltada aos dados objetivos
como indicadores comportamentais para o estudo do cuidado constitui uma
limitação. “Veremos que para considerar em profundidade o componente da ação
de cuidar, teremos que buscar além da ação observável atos de compromisso,
aqueles atos que são vistos apenas pelo indivíduo que os está realizando”
(Noddings, 2003, p. 23, grifos nossos).
Aqui, uma perspectiva contrastante é oferecida por Montenegro (2001),
para quem o cuidado como categoria teórica, divisado sob a dicotomia
essencialista, princípios|homem|masculino| Vs. cuidados|mulher|feminino,
inviabiliza a sua formulação como prática objetiva passível de ser transmitida ou
assimilada por vias institucionais. Esta autora opta por inseri–lo “num sistema
teórico psicológico mais amplo, de modo a evitar modelos explicativos
naturalizantes.” (p.108) aproximando-se da definição do cuidado como prática
histórica, construída socialmente, e constitutiva do que Puig (1998) refere como
"consciência moral" (apud. Montenegro, 2001).
Embora a visão de Noddings (2003) carregue as limitações de uma
perspectiva que diferencia o masculino do feminino em termos essencialistas, as
particularidades de gênero, que ela considera e Montenegro (2001) rejeita,
continuam me parecendo fundamentais para compreendermos a dinâmica das
46
relações de cuidado. Nesse sentido, concordo com Marília de Carvalho (s.d.),
quando ela, avaliando a contribuição do feminismo das diferenças, diz que
se somos capazes de historicizar essas descrições e de tomá-las como
uma referência mais valorizada culturalmente em choque no interior
de cada sociedade e no processo individual de formação das
identidades de gênero elas pode ser úteis para compreender homens e
mulheres adultos, hoje. (Carvalho, s.d:38).
Entendemos “gênero como uma relação entre sujeitos historicamente
determinados, e não apenas como um conceito descritivo que designa o masculino
e o feminino” (Silva, 2004:148). Assim, chegamos ao ponto em que o caráter
relacional do cuidado, além de sua proximidade com as configurações históricas
das relações de poder, das quais a distinção sexual tem sido um protótipo, nos
conduzem inevitavelmente à reflexão proposta pelas feministas sobre a ordem do
gênero.
2. Gênero: diálogos
do (no) corpo
isseminado nas Ciências Sociais a partir das reflexões feministas, o
conceito de gênero surge, como instrumental teórico, para dar
respaldo científico e, sobretudo, acadêmico aos estudos feministas sobre a
condição das mulheres nas sociedades modernas (Bruschini e Unbehaum, 2002;
Gonçalves, 2004; Sorj, 1992 e 2002). Desde que foi trazido no bojo dos estudos
lingüísticos (cf. Scott, 1995), até os dias de hoje, esse conceito tem seus sentidos
re–apropriados por várias intelectuais feministas (Sorj, 1992) e mais recentemente
por outr@s pesquisador@s interessad@s em entender os ditames das condições
feminina e masculina (Louro, 1995; Connel, 1995; Garcia, 2001), nos termos de
uma teoria do corpo implicado no político (Butler, 2003).
D
O que eu aprendi com o feminismo sobre a
noção de gênero é o que me faz olhar em
minha infância à procura desta voz que
hoje fala em meu corpo:
Vire-se e siga, com seus olhos machos,
esse corpo fêmea que passa, envolto em
vestes e gestos femininos. “Deseje-o!”.
Faço isto. E quando me pergunto por quê,
sou atravessado, meu corpo é atravessado,
p
ela questão do gênero. Na minha infância,
p
rocuro essa voz, mas só acho um corpo
(de) homem adulto fazendo diante de mim
o que eu faço hoje. Não havia nenhuma
voz, e mesmo assim eu fazia. Eu me
virava, e como aquele homem adulto, então
(não) desejava aquele corpo.
A
ntes não havia essa voz, só havia o corpo
(d)aquele homem adulto que (m)eu corpo
imitava diante de outro corpo que passava.
Hoje, há essa voz inaudível que fala ao
meu corpo. Se eu posso ouvi-la falando
em(ao) meu corpo, isso é gênero.
48
AS MULHERES, OS FEMINISMOS, A ACADEMIA
Como indicado pela epígrafe, o objetivo assumido neste capítulo, que trata do
conceito de gênero, é a (re)produção do que aprendi com os homens e com as
mulheres, mas especificamente com as mulheres feministas. Neste trecho cabe,
como uma advertência, que se diferencie a fala das mulheres da fala das
mulheres feministas, pois o movimento de mulheres confunde-se com o
movimento feminista em alguns momentos na sua trajetória, mas enquanto
movimentos sociais, distinguem-se pela especificidade de lutas, sem
desconsiderar que a fala de ambas também poderiam se desdobrar em outras
como a das negras, domésticas, camponesas etc. (Gonçalves, 2004; Sorj, 1992).
Assim sendo, para tornar mais precisa a definição devo observar que: I) às
vezes aliados, alguns setores do movimento de mulheres por vezes estiveram em
confronto direto com as reivindicações do movimento feminista; II) as feministas
destacam-se pela construção de uma plataforma política, que mesmo não
produzindo uma voz única, garante a formulação de uma agenda comum,
pautada pela proposição de um sujeito político; III) As questões da agenda
feminista tocam diretamente em temas polêmicos como aborto, reprodução e
sexualidade e violência contra a mulher, questões tidas como da ordem do privado
que precisaram ser tomadas pela luta política, como questões de direitos
humanos e IV) as ações e falas feministas estão voltada para a transformação das
relações sociais de gênero percebidas como relações de poder, marcadas como
diferenças sexuais.
Da questão de gênero, aprendi que é produto do encontro da academia com
o feminismo. Esse encontro que inicialmente era uma série de estudos sobre a
49
mulher, realizados sobretudo por mulheres (Scott, 1995; Machado, 1992;
Medrado, 1997 e 2001; Lyra, 1998) foi assumindo, por meio de reflexões críticas e
autocríticas, um caráter cada vez mais científico, nos termos de um científico
cada vez mais criticado (cf. Bruschini e Unbehaum, 2002).
Com a construção do recurso conceitual do gênero, o pensamento
feminismo aponta, entre outras coisas, a natureza relacional do seu objeto, e isso.
“Indica a exigência de um posicionamento teórico; não basta a escolha do objeto
empírico mulher. Os estudos não precisam, nem induzem a congregar mulheres
estudando mulheres” (Machado, 1992, p. 9).
Desse modo, atentava-se para a possibilidade de estudos sobre a mulher
completamente descomprometidos com a perspectiva feminista de gênero e não
obstante, para a possibilidade de estudos que se ativesse aos homens sob essa
ótica de gênero (Arilha, Unbehaum e Medrado, 2001). Com isso, respondia-se à
necessidade de uma compreensão mais dinâmica dos processos que
fundamentavam a condição de subordinação sexual da mulher, como almejava o
feminismo.
A partir da discussão sobre uma parte da produção intelectual feminista
(cf. Ávila, 2002; Machado, 1992; Sorj, 1992 e 2002, Gonçalves, 2004, entre
outras) podemos dizer que o feminismo carrega uma intenção, um projeto de
transformação social comprometida com a emancipação das mulheres e com o
questionamento das restrições impostas aos sexos pelas tradições do cotidiano.
Benedito Medrado (1997), ao fazer um breve histórico do conceito de
gênero, pontua observações de pesquisadoras feministas sobre essas discussões,
e nos faz notar que, enquanto intenção de emancipar-se, o feminismo pode ser
50
localizado em pontos longínquos da história ocidental. Na poesia de mulheres da
Grécia, ou nas publicações de pensadoras iluministas e revolucionárias da
Europa nos séculos XVII e XVIII, já havia um sentimento inconformado, de
insatisfação com o lugar reservado para a mulher na estrutura da sociedade (cf.
Medrado, 1997).
Entretanto, o feminismo como um sistema de des(re)organização social,
como uma matriz de referenciais paradigmáticos que pudessem concorrer para a
formulação de conceitos e identidades feministas, só pode ser visto na nossa
história a partir da segunda metade do século passado, mais precisamente após
as décadas de 60 e 70 (Machado, 1992; Medrado, 1997; Lyra, 1998). Como
observa a feminista Betânia Ávila:
É o feminismo que emerge nos anos sessenta que trás o
questionamento radical da forma como as relações de gênero estão
estruturadas. As análises feministas desde então têm desconstruído a
naturalização das relações hierárquicas entre os sexos e apontado
caminhos e meios para sua superação (Ávila, 2002, p. 128).
É só a partir de então que podemos tomar conhecimento, na história mundial, de
investimentos institucionais em políticas de cuidados específicos para a mulher, o
que culminou com o ato da ONU declarando 1975 como o Ano Internacional da
Mulher (cf. Lyra, 1998). Apesar desse período ser tido comumente como o tempo
do surgimento desse feminismo (Sorj, 2002), há que se ater para algumas
observações de diversidade. Particularmente no Brasil, esse processo descreve
uma trajetória de complexidade própria (Sorj, 2002), podendo ser associado ao
processo político-social de redemocratização no início dos anos oitenta
(Gonçalves, 2004).
Sobre isso, a cientista política e feminista Sônia Alvarez chama a atenção:
“O principal seria dizer que, nos países da América Latina, existem muitos
51
feminismos, que o feminismo tem se descentrado, pluralizado em vários sentidos.”
(Alvarez, 2004, p. 46). Isso implica uma especificidade temporal e estrutural que
solicita uma visão diferenciada. Considerando que o cerne da produção intelectual
feminista é estadunidense ou anglo-saxônica, há que se observar uma
diferenciação tanto pelo fato de que se trata da América Latina, quanto pelo fato
de que se trata do Brasil.
A Constituição Federal do Brasil de 1988, segundo algumas estudiosas (cf.
Ávila, 2002), é um marco fundamental das conquistas do feminismo no nosso
país que revela uma relação que, para Gonçalves (2004), não é muito percebida: a
relação do feminismo com a abertura política, não só no sentido de conseqüência,
como também no sentido de agência promotora dessa abertura.
Além disso, também é característica no Brasil a forte estrutura de
organizações não-governamentais/ONG que ocupam a frente de ações do
feminismo. Mas, a despeito de seus significados positivos, essa força das ONG
precisa ser tomada criticamente, em função da premência do discurso neo–liberal
nas instâncias governamentais que pode estar revestindo uma prática de
desobrigação dos gestores de políticas públicas como resposta a uma ação de
advocacy não ocupada em redefinir os termos em que se dão as relações de poder
(Gonçalves, 2004).
Não seria pertinente, entretanto, refazer aqui todo percurso da discussão
sobre os pormenores da complexidade do feminismo no Brasil. Dessa trama,
basta-nos ficar a compreensão que o discurso feminista sobre o conceito de
gênero não pode ser proclamado sem que haja outros desdobramentos
conceituais políticos, éticos e identitários. Por ser constituinte das relações
cotidianas, gênero não pode ser entendido ou operacionalizado sem referência a
52
outros descritores sociais como nacionalidade, classe, raça, sexualidade,
subjetividade, identidade regional, etc. E a complexidade dessa condição prática
tem uma correspondência no campo teórico:
A interlocução constante de acadêmicos de estudos de gênero das
mais diferentes disciplinas e o diálogo sempre constante e crítico com
o pensamento feminista, mas dele sempre informado e instigado, são
responsáveis pela constituição de um campo de saber com temáticas
construídas no interior e no entrecruzar dos saberes acadêmicos,
extremamente articuladas com as mudanças de seus paradigmas
teóricos. Daí advém o seu rico caráter interdisciplinar. (Machado,
1992, p. 14)
Eis porque o gênero pode ser referido como o conceito dos diálogos: surgindo para
promover o diálogo entre o saber/fazer do Esclarecimento e o fazer/saber do
Movimento (academia X ativismo), esse conceito funciona, num momento
revelando o diálogo obscuro que há entre a noção de diferenças biológicas e a
construção de diferenças sociais, e no outro, anunciando os diálogos presumíveis
entre as múltiplas dimensões dos femininos e masculinos que se produzem em
função de uma economia de poder a ser denunciada.
Do gênero, em seu primeiro momento, ressalta-se o íntimo diálogo com a
teoria marxista: “O interlocutor privilegiado do pensamento feminista tem sido,
sem dúvida o marxismo, embora mais recentemente o debate venha se ampliando
para o campo da Psicanálise, das correntes pós estruturalistas e pós modernas”
(Sorj, 1992, p. 16). Um diálogo estabelecido por meio de certas diferenças
básicas: “(primado da produção X da reprodução, esfera do mercado X doméstica,
do privado X público)” (id. Ib.); e por algumas semelhanças: A idéia de luta de
classes, com sua correlata, a exploração de classe, é equiparada à opressão da
mulher, para a construção de um panorama compreensivo do desenvolvimento
histórico da sociedade (Sorj, 1992).
53
A essa conversa soma-se um outro interlocutor, o conceito raça,
constituindo uma trilogia conceitual que pretende, de maneira inclusiva, ressaltar
um discurso e uma história de opressão. Opressão esta que, nessa perspectiva, se
organiza em pelo menos três eixos: classe, gênero e raça (Scott 1995).
GÊNERO, PODER E OUTROS PLURAIS
No entanto, quando se supõe que haja uma paridade entre essas categorias de
análise, essa suposição é contestada por Joan Scott (1995), que atribui à
elaboração da teoria materialista um status diferenciado, em função da
compreensão de um desenvolvimento histórico dialético, que não encontra
correspondente nas teorias de raça e gênero.
É esta teórica feminista quem nos trás uma referência mais elaborada para
a apresentação de um discurso sobre o gênero (Scott, 1995; Louro, 1995). Depois
de revisitar a produção anterior destrinchando contradições e consensos, ela
apresenta a sua definição do gênero como uma categoria de análise histórica. A
contribuição de Scott, para os estudos de gênero, deve ser localizada em meados
dos anos 80, quando as leituras mais correntes descreviam o gênero, como o
conjunto de determinações (inconscientes ou sociológicas) impostas aos
indivíduos em função de seu sexo biológico. Scott, passa em revista todas essas
leituras e propõe que seja desenvolvido uma noção que ultrapasse o aspecto
meramente descritivo e marcado pelas dicotomias (sexo/gênero –
natureza/sociedade – mulher/homem).
54
A sua proposta de compreensão do sistema de gênero tem duas dimensões
conectadas. Para ela gênero é uma forma de estabelecer relações sociais em
função de diferenças sexuais percebidas como dado biológico e também é uma
forma primária de organizar as relações de poder. Na primeira parte de sua
definição, que dá conta da ordenação do social a partir das diferenças percebidas,
o sistema de gênero articula quatro elementos fundamentais:
1. o conjunto de símbolos disponibilizados pela cultura para a evocação de
representações, muitas vezes contrastantes, como as imagens míticas de
femininos e masculinos sublimes ou demoníacas;
2. os conceitos normativos que expressam e limitam as possibilidades
metafóricas para interpretação dos significados desses símbolos, funcionando
como regras de interpretações doutrinárias ou disciplinares. A fixidez com que se
revestem esses conceitos, quando se estabelecem no plano da história como
produto de algum consenso, negando o conflito do qual são oriundos, faz com que
eles ganhem dimensões políticas, institucionais e organizacionais;
3 essa dinâmica ultrapassa as relações de parentesco ou interpessoais,
reside nas estruturas mais amplas da sociedade. As instituições que sustentam e
atravessam o espaço de relações sociais, como mercado de trabalho, a educação,
o sistema econômico, o sistema político etc.
4. o aspecto da identidade subjetiva. Esta, segundo ela, teria sido
razoavelmente compreendida pelas teorias psicanalíticas, não fosse pela pretensão
universalista da psicanálise. Contra essa pretensão ela aponta o fato de que os
homens e as mulheres concretos não seguem à risca os termos prescritos pela
sociedade ou por nossas categorias de análise.
55
Esse esboço do gênero operacionalizado pela articulação de quatro
elementos (Scott, 1995, pp. 86-87) — que, segundo autora, também serviria para
se entender raça e etnicidade — corresponde à primeira parte de sua definição. Na
segunda parte, “gênero é um campo primário no interior do qual, ou por meio do
qual, o poder é articulado.” (p.88). Com isso, a autora chama a atenção para as
desigualdades políticas que esse sistema de diferenciação instaura e perpetua.
Com essa definição dúplice ela observa que os conceitos de gênero,
funcionando como um conjunto objetivo de referências, estruturam os modos de
percepção e organização social. Uma vez que essas referências regulam as
distribuições de poder, o gênero está diretamente implicado na concepção e na
construção do poder, entendido como um acesso diferencial aos recursos
materiais e simbólicos.
Bem aceita na Academia, essa definição mantém uma aproximação com as
perspectivas pós-estruturalistas (que se pode notar, por exemplo, pelo uso de
conceitos como relações de poder, diferença e desconstrução). A proposta de Scott,
tendo sido pensada para o desenvolvimento de pesquisas históricas, gerou uma
abertura epistemológica por meio da qual as perspectivas teóricas feministas
puderam fortalecer o diálogo com outros campos disciplinares (cf. Louro, 1995).
Essa abertura conceitual é contemporânea e guarda uma relação com a entrada
dos homens nesse novo campo. Com essa entrada, “o homem” passa a figurar
como um objeto específico de estudo, entendido não como representante universal
do gênero humano, mas como um elemento particular, representante concreto da
masculinidade. Em função da variedade que caracteriza esses objetos, a maioria
dos estudos adotam o plural para se referir a esse campo: o campo dos estudos
“de homens” (men’s studies) ou “de masculinidades”.
56
No Brasil, um diálogo entre pesquisadores e pesquisadoras desse campo de
problematizações teve início nos anos noventa
15
. O resultado dessa conversa foi
registrada no livro homens masculinidades: outras palavras (Arilha, Unbehaum e
Medrado, 2001). Na apresentação desse trabalho, @s organizador@s identificam
dois grupos de estudiosos que problematizam a condição masculina. Um desses
grupos procura dar conta da questão dos homens sem recorrer ao arcabouço
teórico feminista — e em alguns casos, até se opondo às críticas do movimento
feminista. O outro grupo é formado por “aliados do feminismo” que reconhecem
nas produções teóricas do movimento feminista a base para os estudos sobre
masculinidades (Arilha, Unbehaum e Medrado, 2001, p. 19).
Miguel Vale de Almeida, (1998) e Robert Connel (1995) são dois nomes
entre os que podem ser descritos como aliados do feminismo. Em suas teorizações
concebem as masculinidades como componentes de um sistema complexo que
organiza as práticas em torno das posições que o homem ocupa na estrutura das
relações de gênero. Para isso é fundamental a existência de modelos hegemônicos
(cf. Almeida, 1998).
Com essa definição que focaliza as práticas, esses pesquisadores enfatizam
que “as ações têm uma racionalidade e um significado histórico” (Connel, 1995).
Isso não quer dizer que os atos dos homens sejam sempre “racionais”, mas que
todas as ações são “práticas” no sentido de cumprirem uma função na estrutura
das relações sociais. Assim, podemos entender que a imposição violenta da
vontade do marido sobre sua esposa; o estupro de uma moça desconhecida, ou o
linchamento de um homossexual, — ou numa expressão menos abominável, a
15
Nesse sentido, duas das principais referências no Brasil, são os nomes de Sócrates Nolasco e Ondina Leal.
Ambos contribuíram significativamente para a formulação inicial dos debates sobre os homens. O primeiro,
desenvolvendo estudos sócio–psicológicos, à frente da Associação Brasileira de Pesquisas sobre o
Comportamento Masculino (UFRJ), a segunda, coordenando o Núcleo de Pós graduação em Antropologia do
Corpo e da Saúde (NUPACS/UFRS).
57
exigência do teste de DNA para assumir a paternidade — são em geral recursos
propositados, que funcionam para (mas também decorrem de) uma manutenção
da hegemonia masculina.
Ao seguir os mesmos passos teóricos e metodológicos das feministas para
apresentar a problemática de gênero do ponto de vista dos homens, “Os estudos
sobre homens e masculinidades principalmente aqueles desenvolvidos a partir
dos anos 90, têm trazido contribuições para os estudos de gênero,” (Garcia, 2001,
p. 48), explorando questões similares àquelas levantadas pelos estudos
feministas. Desta perspectiva, podem até ser vistos como “complementar aos
estudos sobre mulheres, necessários para um projeto feminista de mudança
social, cultural e política das relações de gênero”. (id. ib.).
Entretanto, ao revisar as concepções de base psicanalítica e sócio–
construcionista, em sua proposta do gênero como categoria analítica, Scott já se
dizia “incomodada pela fixação exclusiva em questões relativas ao sujeito
individual e pela tendência a reificar, como a dimensão central do gênero, o
antagonismo subjetivamente produzido entre homens e mulheres.” (1995, p. 82-3)
A historiadora feminista fala da “necessidade de uma rejeição do caráter fixo e
permanente da oposição binária, de uma historicização e de uma desconstrução
genuínas dos termos da diferença sexual.” (idem, p. 84). Com o que Connel (1995)
parece concordar — em gênero :), número, e grau — quando diz que falar de
gênero como uma estrutura relacional…
significa enfatizar que o gênero é mais que interações face a face entre
homens e mulheres. Significa enfatizar que o gênero é uma estrutura
ampla, englobando economia e o estado, assim como a família e a
sexualidade, tendo na verdade uma importante dimensão
internacional. (Connel, 1995, p. 189)
58
Esse autor entende que gênero é algo muito mais complexo do que a dicotomia
dos ‘papéis sexuais’ ou a biologia reprodutiva poderiam sugerir.
Defendendo e aprofundando essa compreensão, em tom mais provocador e
interrogativo do que esclarecedor, Judith Butler (1998 e 2003) propõe uma
desconstrução tanto da relação, tida como binária e natural, homem/mulher,
como do termo ‘mulher’ tido como conceito de uma identidade universal. Desse
lugar crítico ela aponta para ‘a mulher’ como uma condição atravessada por
múltiplas circunstâncias de diferenciação, localizadas e marcadas por vários
pertencimentos e atreladas a uma economia de corpos fragmentados e postos em
jogos de domínios e exclusões. E propõe, com isso, que o feminismo se organize,
como uma coalizão aberta, não em torno de uma identidade categórica, mas de
formulações contingentes.
O gênero é uma complexidade cuja totalidade é permanentemente
protelada, jamais plenamente exibida em qualquer conjuntura
considerada. Uma coalizão aberta, portanto, afirmaria identidades
alternativamente instituídas e abandonadas, segundo as propostas em
curso; tratar-se-á de uma assembléia que permita múltiplas
convergências e divergências sem obediência a um telos normativo e
definidor (Butler, 2003, p. 37)
A partir da proposta defendida por Butler, pode-se dizer que “gênero é antes de
tudo uma maneira de implicar o corpo no político.” (Pinto, 2004, p. 34). Nessa
compreensão, que segue o percurso da desconstrução, inverte-se a relação com a
precedência biológica do corpo. E então, quando se coloca-se diante de nós a
seguinte questão: “Como a cultura organiza a anatomia?”, a resposta que
encontramos é: “Organiza a anatomia de uma maneira que ela se torne a
fundadora e explicativa de determinados embargos e obrigações(…)” (idem,
ibidem). Ou seja, criando uma realidade cultural que se justifica na/pela
anatomia, que é recolocada como anterior, como “pré-discursiva” (Butler, 2003)
Essa inversão conceitual, que opera uma destruição simultânea de ‘anatomia’ e
59
‘cultura’ como noções explicativas, é o que caracteriza e permite a expansão da
categoria e dos estudos de gênero. (Pinto, 2004, p. 37).
Essa expansão, corresponde a uma ampliação do olhar. Ao campo de
debates, que antes era caracterizado como, “estudos sobre a mulher”
acrescentam-se problemas que se podem definir como “estudos sobre os homens”.
E ambos, como “estudos de gênero”, não precisam ocupar-se exclusivamente de
mulheres nem de homens, no sentido concreto, mas podem levantar também
problemas e questões em torno da história mundial e da alta política. Como
entende Scott (1995, p. 92) “A alta política é, ela própria um conceito
generificado”, pois “O gênero é uma das referências recorrentes pelas quais o
poder político tem sido concebido, legitimado e criticado. Ele não apenas faz
referência ao significado da oposição homem/mulher; ele também o
estabelece.(…)” (id.ib.).
Disso resulta a constatação de que “Gênero é um dos mais importantes
princípios organizadores da estrutura da nossa sociedade” (Garcia, 2001, p. 48).
Seja como “construção lingüística”, que possibilita a concepção de uma “natureza
sexuada” (cf. Butler, 2003), seja como “políticas hegemônicas” que se organizam
por meio das contradições de um projeto existencial, ao mesmo tempo individual e
coletivo, (Connel, 1995). De todo modo, o “aparato cultural que designamos por
gênero” (Butler, 2003, p. 26) organiza um determinado saber sobre esse cotidiano
em sua historicidade, com implicações para a manutenção ou transformação das
relações de poder entre homens e mulheres, tanto de um para o outro, como no
interior desses dois grupos.
Diante dessa compreensão, podemos conceber o gênero pela referência a
um duplo sentido. Um, simplesmente operativo, que define seqüências ou
60
encadeamentos de práticas e discursos possíveis para as instituições e
performances dos corpos e outro, crítico–reflexivo e/ou metodológico, que
possibilita a “visualização” (e desconstrução) destas seqüências e encadeamentos.
Gênero, então, diz respeito ao modo como as sociedades e as pessoas
organizam suas experiências, em torno de valores como masculinos e femininos,
seguindo linhas performáticas ou atualizando repertórios discursivos, valorizados
como naturais ou inevitáveis. E simultaneamente, diz respeito à perspectiva
analítica que visibiliza o fluxo dessa organização valorativa.
E neste sentido, podemos dizer que o gênero tem dois tempos. O tempo da
prática e o tempo da teoria. Por exemplo, quando a maioria das pessoas,
ocupando cargos eletivos em nosso estado ou país, é homem ou quando, ainda
muito jovens, imitamos um certo homem adulto, seguindo com os olhos uma
determinada mulher. Aquela composição política e essa interação de três corpos
são expressões possíveis do que se pode chamar de práticas de gênero. Agora,
quando nós nos perguntamos sobre os porquês desses fenômenos e analisamos
esses processos, isso é uma expressão mais ou menos elementar da teoria de
gênero.
:P
3. O Contexto da Atenção
Psicossocial
este capítulo, quero apresentar um determinado recorte do
campo. Do campo entendido não como um lugar material
específico, mas como uma situação, um complexo de temas e
eventos que constituem uma matriz por entre a qual se torna possível
circunscrever ou especificar um assunto, um “campo–tema” que existe segundo
as definições discutidas por Peter Spink (2003), no qual é possível adentrar, não
por se estar, numa determinada posição material ou espacial, mas por se olhar as
coisas de uma determinada maneira em um determinado momento.
Até agora, toda discussão levantada serviu, de algum modo para visibilizar
o campo–tema desta pesquisa. Contudo, a partir daqui, trata-se mais
especificamente de reconhecer o campo naquilo que ele emprestará de
materialidade à análise. Ou seja, a parte do campo de onde se destaca o material
analisado. Por isso, o campo aqui é o contexto da Atenção Psicossocial; o cenário
histórico e político no qual se desenvolveu esse paradigma de cuidado em saúde
mental. Dentro dele, estaremos pontuando os principais eventos ou temas mais
importantes e, juntamente com esses temas, apresentaremos os documentos que
serviram de fonte para a produção do corpus. A saber, as portarias, os boletins e o
instrutivo
N
62
Inicialmente, é possível observar que as reflexões teóricas neste campo
foram se formando em paralelo às reflexões no campo das feministas. Enquanto
estas ofereceram condições teóricas para a compreensão da hegemonia e da
subordinação social orientada pelo sexo, aquelas promoveram as condições para a
compreensão de outra forma de subordinação, feita em nome da racionalidade
moderna: a Instituição Psiquiátrica.
A postulação da loucura como produto de uma circunstância histórica, ou
seja, a sua desnaturalização, e a conseqüente crítica dos fundamentos teóricos
das ciências “Psi”, empreendida por vários críticos, dentre os quais destacam-se,
Michel Foucault (1987), Erving Goffman (1999), Felix Guattari (1996) e Franco
Basaglia (1985), que possibilitaram com suas importantes reflexões e articulações
políticas, a revisão da relação entre as instituições de saúde mental e a figura do
louco, do doente mental.
Como compreensão de uma forma de subordinação, essa reflexão crítica
concentrou-se nas relações de poder instauradas pela institucionalização dos
saberes e práticas psicoterapêuticas. Oscilando entre posturas mais
conservadoras que procuravam garantir a sobrevivência das instituições, por meio
de sua reformulação, como na Psiquiatria de Setor, e posturas mais radicais que
buscavam a negação da autoridade institucional, como na Antipsiquiatria (cf.
Amarante, 1995, p. 21-22). Nesse processo, foram desenvolvidos vários estudos
tendo como eixo a problematização da naturalidade da relação entre o fenômeno
normal e o patológico, criticando a manutenção de uma hierarquia social que
oprime os sujeitos institucionalizados em nome de uma racionalidade pretendida
como universal e a-histórica. Essas problematizações acarretaram uma
reformulação nos parâmetros dos serviços de atenção à saúde mental, num
processo histórico amplamente documentado (Lancetti et al. 1989; Amarante,
63
1995 e 199[?]; Almeida e Santos, 2001; Rosa, 2003; Vasconcelos, 2000),
protagonizado pelo Movimento dos Trabalhadores da Saúde Mental (MTSM) — em
sintonia com os princípios do Serviço Único de Saúde (SUS) — e levado a termo
como política pública pelo Governo Federal, por meio da Reforma Psiquiátrica.
Essa reformulação tinha como sua prerrogativa a adoção, nos serviços de
saúde mental, de uma perspectiva associada à noção ampliada de Direitos
Humanos, com abertura de espaços que visassem produzir relações integrais dos
sujeitos com os valores de suas comunidades e que procurassem devolver aos
sujeitos, subordinados pelo poder psiquiátrico, uma condição de dignidade e
autonomia, pautada pela noção de cidadania (Almeida e Santos, 2001).
Esta prerrogativa ganha sua estrutura com a existência e funcionalidade do
Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e do Núcleo de Atenção Psicossocial
(NAPS), como espaços para re–invenção cotidiana do cuidado e como resposta
efetiva a uma demanda, não de intervenção, mas de acolhimento. As primeiras
experiência de NAPS e CAPS surgiram, em 1987, em Santos e São Paulo,
respectivamente. Ambos os serviços, foram projetados para apoiar o desmonte da
estrutura hospitalar. O primeiro, como um autêntico protótipo de serviço
substitutivo, desenvolvido a partir da experiência sanitario–preventiva. O
segundo, apenas como um recurso alternativo, transitório ou intermediário, que
se colocava entre o modelo hospitalar e a proposta preventiva e comunitária que
começava a se delinear (Amarante, 199[?]).
Os NAPS deveriam oferecer, de modo permanente, uma variedade de
recursos para a promoção da saúde mental, desenvolvendo “um mosaico de ações
que o caracterizam como estrutura complexa” (Amarante, 199[?], p. 171);
enquanto, o CAPS constituíam “o passo inicial na transformação do modelo no
64
sentido da implantação do modelo preventivo-comunitário, do qual [seria um dos
principais elementos” (id. ibid.). O CAPS, como serviço provisório e intermediário,
ao contrário dos NAPS, poderia coexistir com o aparato manicomial. Além disso,
funcionaria como “um serviço sanitário sensu strictu, com uma proposta
terapêutica calcada no modelo médico–psicólogo de análise” (id. ibid.), ao passo
que “os NAPS seriam serviços não apenas médicos, no sentido rigoroso do termo,
mas assumidamente sociais e culturais”.
De 1987 até os dias de hoje, muita coisa aconteceu
16
. Os processos
políticos, na esfera governamental e no contexto de mobilizações classistas,
afetaram diretamente o desenvolvimento da Reforma Psiquiátrica. Autores como
Paulo Amarante (1995), Eduardo Vasconcelos (2000) e Lúcia Rosa (2003)
oferecem, com algumas variações, delineamentos bastante úteis desse processo.
Além disso, o Conselho Federal de Psicologia promoveu um Fórum de avaliação da
Reforma Psiquiátrica (CFP, 2000), cujo material publicado é muito enriquecedor
do ponto de vista histórico. Nenhum desses registros, no entanto, avança até a III
Conferência Nacional de Saúde Mental (BRASIL/MS, 2001), a qual constitui um
novo marco no processo da Reforma Psiquiátrica brasileira.
Dois anos após o surgimento do primeiro CAPS, o Dep. Paulo Delgado
apresentou um Projeto de Lei, que limitava as internações psiquiátricas e
dispunha sobre a substituição plena das instituições psiquiátricas, com base na
experiência bem sucedida da legislação Italiana (cf. Rotteli, 2001). O projeto só
seria aprovado 12 anos depois, mas durante sua tramitação, instigou uma série
de modificações na estrutura dos serviços em diversos estados e municípios. No
início dos anos 90, as Portarias 189/91 e 224/92, emitidas pela Secretaria
16
para um registro de fatos mais recentes relativos a esta discussão, Vide ANEXO I
65
Nacional de Atenção à Saúde, regulamentam os NAPS e CAPS como serviços
principais na proposta substitutiva.
Essa trajetória de cerca de 20 anos experimenta períodos de arrefecimento
e momentos de maiores atividades, variando em sintonia com os quadros macro–
político e econômico e de produção intelectual (Amarante, 1995). Tendo respirado
os ares do clima de abertura democrática no início dos anos oitenta, sofreu
grandes restrições com o projeto de ajustes econômicos liberais do governo Collor;
recuperou um pouco do fôlego com Itamar na metade dos anos 90; mas voltou à
estagnação com o governo Fernando Henrique Cardoso. (Vasconcelos, 2000; Rosa,
2003).
POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL - O CENÁRIO ATUAL
Em 2001, a aprovação da Lei 10.216 (Lei Paulo Delgado) e a III Conferência
Nacional de Saúde Mental, realizada em Brasília, definem-se como marcos de
uma nova virada estratégica para a Reforma Psiquiátrica. Em 2002, duas
portarias 336 e 189 redefinem os dispositivos de Atenção Psicossocial,
regulamentando as unidades e os procedimentos. Em 2004, o congresso brasileiro
de CAPS, realizado em São Paulo, registra a existência de 520 unidades
substitutiva e um universo de dez mil trabalhadores. Na pauta do governo Lula a
Saúde Mental recebe um destaque especial. Desenvolve-se como uma política
nacional articulada com a atenção básica, seu resumo está disponível no site do
Ministério da Saúde:
66
POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL
17
O Governo brasileiro tem como objetivo reduzir progressivamente os leitos psiquiátricos,
qualificar, expandir e fortalecer a rede extra-hospitalar - Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) e Unidades Psiquiátricas em Hospitais
Gerais (UPHG) - incluir as ações da saúde mental na atenção básica, implementar uma
política de atenção integral a usuários de álcool e outras drogas, implantar o programa
"De Volta Para Casa", manter um programa permanente de formação de recursos
humanos para reforma psiquiátrica, promover direitos de usuários e familiares
incentivando a participação no cuidado, garantir tratamento digno e de qualidade ao
louco infrator (superando o modelo de assistência centrado no Manicômio Judiciário) e
avaliar continuamente todos os hospitais psiquiátricos por meio do Programa Nacional de
Avaliação dos Serviços Hospitalares - PNASH/ Psiquiatria.
Cenário atual
Tendência de reversão do modelo hospitalar para uma ampliação significativa da
rede extra-hospitalar, de base comunitária;
Entendimento das questões de álcool e outras drogas como problema de saúde
pública e como prioridade no atual governo;
Ratificação das diretrizes do SUS pela Lei Federal 10.216/01 e III Conferência
Nacional de Saúde Mental
Dados importantes
3% da população geral sofre com transtornos mentais severos e persistentes;
6% da população apresente transtornos psiquiátricos graves decorrentes do uso
de álcool e outras drogas;
12% da população necessita de algum atendimento em saúde mental, seja ele
contínuo ou eventual;
2,3% do orçamento anual do SUS para a Saúde Mental.
Desafios
Fortalecer políticas de saúde voltadas para grupos de pessoas com transtornos
mentais de alta prevalência e baixa cobertura assistencial;
Consolidar e ampliar uma rede de atenção de base comunitária e territorial,
promotora da reintegração social e da cidadania;
Implementar uma política de saúde mental eficaz no atendimento às pessoas que
sofrem com a crise social, a violência e desemprego;
Aumentar recursos do orçamento anual do SUS para a Saúde Mental
Além da visita ao site, a leitura e sistematização dos documentos coletados
(ANEXO-II) permitiu ver que, nesse período, no plano da formulação e
17
O texto seção foi transcrito, na íntegra, do site do Ministério da Saúde. Por ele pode-se observar o elenco de
tópicos para os quais atenta a política de Saúde mental do governo (acessado em janeiro de 2006)
http://portal.saude.gov.br/saude/area.cfm?id_area=154
.
67
desenvolvimento de políticas de saúde mental estão em andamento alguns
processos que, de algum modo, afetam a configuração do cuidado no CAPS,
principalmente devido à posição estratégica que esse serviço ocupa na rede de
atenção à saúde mental. Estes processos são:
1. a política do Ministério da Saúde para a questão do uso de Álcool e outras
drogas, pontuada por um conflito entre uma política de “combate e repressão”
defendida por setores conservadores do governo e uma outra, mais recente, de
“redução de danos” defendida por setores ligados às ONG e ao movimento social.
2. o Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares Psiquiátricos
(PNASH/Psiquiatria) articulado com o Programa Anual de Reestruturação da
Assistência Psiquiátrica Hospitalar, que avalia e redefine a relação entre as
pessoas e os dispositivos institucionais de saúde mental;
3. o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário que articula s ações
conjuntas do Ministério da Saúde e do Ministério da Justiça, mantendo
conexões com a questão do uso de Álcool e outras Drogas;
4. a Política Nacional de Atenção à Saúde Mental de Crianças e Adolescentes, que
vem sendo desenvolvida com apoio do Fórum Nacional de saúde mental infanto–
juvenil, constituído numa perspectiva de saúde intersetorial, articulando as
instâncias de Saúde, Segurança, Educação e Desenvolvimento Social;
5. os programas “De Volta pra Casa” e “Serviços de Residência Terapêutica”, que
consistem no subsídio técnico e financeiro para manutenção da convivência
social dos/as usuários/as em sistemas sócio–familiares. Ambos funcionam
como dispositivos facilitadores da desospitalização. Articulados com o
fortalecimento das discussões sobre geração de renda e economia solidária,
acionam uma possibilidade da economia e do trabalho atuarem como dispositivo
de promoção da autonomia e da inclusão social de pessoas com transtorno
mental.
6. o programa permanente de formação de Recursos Humanos para a Reforma
Psiquiátrica, envolve a criação de pólos de formação e pesquisa, integrando
CAPS, ambulatórios psiquiátricos e instituições universitárias, oferecendo
cursos de especialização e capacitação em saúde mental, visando a formação de
68
uma rede de atenção psicossocial substitutiva e qualificada nas regiões onde os
serviços ainda não são suficientes. envolve também o investimento em pesquisas
na área em convênio com o CNPq/Ministério da Ciência e Tecnologia, para a
produção e transferência de conhecimento e tecnologia entre as regiões do país.
Esses processos formulados e desenvolvidos no plano das macro–políticas, vem
incidindo diretamente sobre o modo como as equipes profissionais organizam e
significam suas práticas de cuidado no cotidiano dos CAPS. Há outros que
poderiam ser mencionados nessa lista, mas devido ao modo visível e recorrente com
que são abordados, pareceu-me que estes são os mais relevantes para a definição
das interações no plano das micro–políticas. Nesse plano, a circulação de
informações constitui um elemento fundamental e, para isso, a estratégia que o
Ministério da Saúde adotou foi a produção de informativos periódicos que
acompanham o desenvolvimento da Reforma Psiquiátrica, monitorando as redes de
Atenção Psicossocial. A circulação dos temas nesses periódicos, como veremos a
diante, permite identificar as questões que tem sido tidas como mais relevantes
O BOLETIM DA COORDENAÇÃO DE SAÚDE MENTAL: UM CENÁRIO DE NOTÍCIAS
A logo–marca, junto ao título do periódico, que normalmente
ocupa o cabeçalho na primeira página, mostra uma forma
humana saindo de uma área quadrangular, deixando atrás
de si a própria silhueta. Acima das duas figuras, paira um
círculo contornado nos mesmos moldes, representando o Sol – talvez uma Lua
cheia ou crescente… Ao lado desse conjunto, sublinhado pelo logo do Ministério da
Saúde e pela identificação da “Área Técnica da Saúde Mental”, lê-se o lema: “Cuidar
sim. Excluir, não”.
69
Trata-se de uma publicação da Coordenação Geral de Saúde Mental,
produzida pelo Departamento de Ações Programáticas Estratégicas da Secretaria de
Atenção à Saúde – DAPE/SAS. O expediente não especifica a tiragem, mas mantém
versões eletrônicas disponíveis em word ou pdf. no site
www.inverso.org.br que é
mantido com apoio do MS. Dirigido especialmente ao pessoal técnico do serviço de
saúde mental, o periódico traz informações acerca das leis, portarias e eventos
relacionados com a Reforma Psiquiátrica e com os serviços. A periodicidade
anunciada é trimestral, embora de início não se mantenha com rigor, mantendo às
vezes, intervalos de apenas 30 ou 40 dias. O número de páginas é o maior
indicativo de sua evolução. Durante 2002, manteve duas páginas, aumentando-as,
em 2003, para 5 (cinco) e 7 (sete); em 2004, além de 7, teve 11, 8 e 10 páginas,
chegando a ter 15 em uma edição de 2005.
Em formato jornalístico, o boletim oferece notas resumidas, cartas
assinadas pela coordenação de saúde mental e registros sucintos de eventos
relacionados com a implementação da política de saúde mental; gráficos e tabelas
apresentam o resultado de levantamentos periódicos da estrutura da rede de
saúde mental nos Estados da União, além de uma agenda nacional de atividades
da Coordenação de Saúde Mental para cada trimestre e uma seção de contatos (e-
mails, endereço e telefones) com a equipe da Coordenação, identificados por suas
respectivas áreas. Os textos opinativos ressaltam compromissos com a
perspectiva da Luta Antimanicomial — mais freqüentemente com a Reforma
Psiquiátrica, exaltando valores democráticos, trabalhistas e sociais.
A leitura dos Informativos da saúde mental permite listar os temas mais
relevantes ao longo de quatro anos de publicação (2002, 2003, 2004 e 2005). A
seleção dos temas levou em consideração sua pertinência direta em relação às
práticas de cuidado no CAPS, o espaço destinado a esses temas, a freqüência com
70
que foram abordados e, particularmente o interesse desta pesquisa por aspectos de
gênero no âmbito da reforma psiquiátrica. A ocorrências dos temas escolhidos é
apresentado a seguir, em função do ano e do número do Informativo (aqui devo
observar que não foi possível localizar os números 7 (relativos aos anos de 2003)
nem 11 e 12 — relativos a 2004.).
Tab. 2 - ocorrência de temas significativos em função dos nº. e anos
ANOS 2002 2003 2004 2005
TEMAS no.
1 2 3 4 5 6 8
9
10 13 14 15 16 17 18 19 20
rede CAPS/cadastro, expansão,
financiamento etc.
X X
X
Formação de RH e pesquisa
sobre a Reforma Psiquiátrica
Álcool e outras Drogas
Redução de Danos
Atenção básica/primária
Epilepsia
Saúde mental da Infância e
Adolescência
saúde da mulher (gênero)
prevenção ao suicídio
Essa tabela/gráfico nos permite ver em que momento determinados temas surgem
no boletim e pode ser analisada, em comparação com a série cronológica (Anexo I),
em busca de relações entre o momento do surgimento e retorno dos temas nos
boletins e os momentos históricos da política de serviço de saúde.
Na primeira linha de ocorrências, os “X” destacam as edições do periódico
que trazem uma quantidade maior de informações sobre os CAPS, n. 14 e 15 em
2004 por tematizarem o Congresso de CAPS e n. 18 em 2005, por se tratar de uma
edição especial dirigida aos novos gestores de saúde mental. Mas, como não poderia
deixar de ser, a rede CAPS é notícia em todos os números analisados. A formão
permanente de Recursos Humanos, associado à produção de pesquisa é um tema
71
constante nos boletins, tema que aliás, já despontava como reivindicação dos
Trabalhadores em Saúde Mental (Amarante, 1995, p. 53) no final dos anos setenta.
O uso de Álcool e outras drogas aparece ainda no primeiro ano do boletim, no
5
º
número, mas a perspectiva da Redução de Danos só começa a ser noticiada no
número 13, a partir de 2004 — ano da II Conferência Internacional de Redução de
Danos. A questão da Atenção básica/primária, rede de saúde com a qual os CAPS
devem manter um diálogo constante, aparece todos os anos, mas com pouca
freqüência.
Quanto à Saúde mental da Criança e do Adolescente, apesar de isso já ser
uma preocupação desde a III Conferência Nacional de Saúde Mental (BRASIL/MS,
2001), e estar presente na criação dos CAPS i, que são dirigidos especificamente ao
atendimento de Crianças e adolescentes, esse tema só é apresentado nos boletins a
partir de 2004 — ano de criação do Fórum de Saúde Mental Infanto–juvenil —
primeiro com um surgimento isolado no n. 13, e depois, a partir do n. 16, virando
pauta freqüente do Informativo. A questão do diagnóstico e tratamento da Epilepsia
é pauta apenas uma vez, no primeiro ano do boletim, desaparecendo para ressurgir
em 2005, nos n. 18 e 19, como uma estratégia de atenção articulada com a rede
básica e com a Federação Brasileira das Epilepsias – EPI-BRASIL.
Por sua relação com as questões de gênero, a saúde da mulher é um tema
especialmente importante para este estudo. Esse tema surge pontualmente em
fevereiro de 2003, no n. 8, por conta do Dia Internacional da Mulher, quando a Área
da Saúde da Mulher realizaria o ciclo de debates Gênero, qualidade de vida e saúde
da mulher. Esse encontro acontece antes da tematização do suicídio, mas este
último, que surge apenas em 2005, recebe o status de uma estratégia nacional de
prevenção, enquanto a saúde da mulher, mesmo sendo tematizada uma segunda
vez – estando agora associada à questão da violência doméstica e sexual, numa
72
articulação entre a Saúde Mental e a Saúde da Mulher –, permanece como notícia
de planejamentos entre duas áreas técnicas.
Não se vê, além dessa notícia, maiores repercussões em termos de uma
campanha ou articulação efetiva, ao contrário do que ocorreu nos casos da
Epilepsia, da saúde mental infantil e do Suicídio. Contudo, no caso deste último, é
preciso destacar que a apresentação da estratégia, adotando o termo “populações
vulneráveis” atentava para a ordem de gênero — Não só considerando diferenças
estatísticas entre os sexos, mas também marcando, excepcionalmente, o masculino
e o feminino na redação do texto: “Esta proposta visa reduzir (…)o impacto
traumático do suicídio na família, entre companheiros(as) e nas instituições.”
(SMSUS, n18 p. 6, grifo meu).
Entre maio de 2002 e outubro de 2005, nas 109 páginas publicadas nesses
quatro anos, os homens e as mulheres que produzem o Informativo da Saúde
Mental, além do trecho citado acima, só haviam por recursos gráficos de bivalência
uma vez; no número anterior, num texto sobre redução de danos e AIDS. Neste
caso, a ambivalência de gênero é marcada pela substituição das vogais por uma ‘@’
(arroba): “Faremos um breve histórico, pois acreditamos que
muit@s dos leitor@s
possuem conhecimento sobre o tema da Redução de Danos (RD)” (SMSUS, n.17p.9).
Esse recurso, evidentemente conhecido pela equipe de redação do Saúde
Mental no SUS, quase nunca foi usado em outras situações. Em todas as outras
situações, observa-se a opção por termos masculinos usados no sentido genérico:
‘todos’ ; ‘usuários’ ; ‘trabalhadores’ ; ‘coordenadores’ ; ‘gestores’ ‘cidadãos’. Uma
observação dessas poderia soar como uma questão estética; mera implicância
‘politicamente correta’, não fosse a compreensão de que a linguagem é mais do que
uma formalidade, é um prolongamento das estruturas culturais, uma dimensão
concreta da práticas sociais.
73
Essa marca ambivalente, adotada por conta do questionamento feminista
sobre a neutralidade gramatical do masculino, é usado com freqüência por
escritor@s que querem explicitar o reconhecimento de diferenças entre @s leitor@s,
mesmo quando sabem que se referem a pessoas ou seres humanos iguais em seu
estatuto social. Cientes disso, podemos entender que as marcas textuais
expressivas da ordem de gênero surgem onde e quando a questão de gênero está
mais explicitamente presente, como no caso do suicídio (em que a proporção entre
homens e mulheres é de 4:1) e no caso da articulação entre ‘Redução de Danos e
AIDS’, particularmente um campo já bem desenvolvido em termos de reflexões
sobre sexualidade e relações de gênero.
Em contrapartida, podemos supor com segurança que a ausência de marcas
ambivalentes de gênero, em outros momentos do texto, é significativa da baixa
penetração que essa questão tem encontrado nos outros campos temáticos da
saúde mental. Como no caso do álcool e drogas ou na atenção à saúde mental
infanto–juvenil.
Essas considerações analíticas serão retomadas mais adiante, durante a
análise e discussão dos resultados. Contudo, considero pertinente apresentá-las
aqui, porque correspondem às informações obtidas na sistematização inicial do
material, na aproximação com o campo–tema, e como tal, possibilitam uma leitura
do campo da Atenção Psicossocial parcializada pela perspectiva de análise que
estou adotando.
Feita esta digressão que evidencia certo aspecto do contexto de atenção
psicossocial, podemos voltar aos aspectos centrais dessa nova política de saúde
mental, que vem sendo traçada como resultado de uma reivindicação histórica e de
uma paulatina ocupação política dos espaços de poder. Nesse processo, uma
posição estratégica fundamental foi assumida pelos CAPS.
74
OS CAPS E AS NOVAS PROPOSTAS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL
Em 2002 foram emitidas duas novas portarias ministeriais, PT GM-336/02 e PT
SAS - 189/02 substituíram as diretrizes e códigos das portarias anteriores,
colocando o CAPS como serviço definitivo do novo modelo de Atenção à saúde
mental. Elas datam, respectivamente, de 19 de fevereiro e 20 março; emitidas pelo
Gabinete do Ministro (GM) e pela Secretaria de Assistência à Saúde (SAS), foram
assinadas pelos, então, Ministro da Saúde José Serra e Secretário de Assistência à
Saúde Renilson Souza.
A primeira define e caracteriza as unidades de saúde denominadas como
CAPS, a segunda Inclui os procedimentos dessa unidade na codificação do Sistema
de Informações Hospitalares (SIH) e Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA).
Estipulando os valores a serem pagos pelos procedimentos realizados. As definições
destas portarias estão publicadas no site do Ministério da Saúde junto com o
resumo da política de saúde mental (Brasil/ MS, 2005).
Segundo a nova definição, “O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) é um
serviço comunitário, que tem como papel cuidar de pessoas que sofrem com
transtornos mentais, em especial os transtornos severos e persistentes, no seu
“território de abrangência.” (Brasil/ MS, 2005).
Como serviço de saúde mental, os CAPS “devem se responsabilizar pelo
acolhimento de 100% da demanda” (Brasil/MS, 2005); além de garantir a
presença de profissional responsável (plantão técnico) e “criar uma ambiência
terapêutica acolhedora no serviço para poder incluir pacientes que, por estarem
muito desestruturados, não consigam acompanhar as atividades estruturadas da
unidade.” (idem). Essa última recomendação tem sido seguida pela organização do
75
atendimento em regimes de “cuidado intensivo”; “semi–intensivo” e “não–
intensivo” — indicados por ordem crescente da autonomia e equilíbrio emocional
d@s usuári@s — e pela manutenção de leitos para repousos eventuais e
atendimentos noturnos em alguns casos.
Na nova definição, os CAPS não se resumem a serviços médico–
psicológicos, de finalidade estritamente clínica. De forma mais complexa, eles
devem articular “recursos de natureza clínica, incluindo medicamentos, de
moradia, de trabalho, de lazer, de previdência e outros, através do cuidado clínico
oportuno e programas de reabilitação psicossocial.” (idem).Como se trata de um
serviço comunitário, “a atenção deve incluir ações dirigidas aos familiares e
comprometer-se com a construção dos projetos de inserção social.” (idem). Uma
lógica de “gerenciamento de casos”, estabelece que “os projetos terapêuticos dos
CAPS devem ser singulares, respeitando-se diferenças regionais, contribuições
técnicas dos integrantes de sua equipe, iniciativas locais de familiares e usuários
e articulações inter–setoriais que potencializem suas ações” (idem).
Existem ts modalidades de CAPS ( I, II e III), que se distinguem quanto à
abrangência populacional (faixas de 20 a 70 mil habitantes; de 70 a 200 mil e
acima de 200 mil) e quanto à complexidade dos serviços: (8h diárias; 12 h diárias
e 24 h). Distinguem-se também em três Modalidades quanto à especificidade da
população atendida. Há os “CAPSI, II ou III” para atender portadores de
Transtorno mental; “CAPS II ad”, para atender portadores de transtorno mental
decorrente do uso de álcool e outras drogas; e “CAPSII i” para atender crianças e
adolescentes portadores de transtornos mentais. Esses dois últimos CAPS são
recomendados para municípios com população entre 70 e 200 mil habitantes. Nos
casos de municípios com menos de 20 mil habitantes recomenda-se que a
76
atenção à saúde mental seja pelas equipes da Atenção básica, sob supervisão de
um CAPS, responsabilizado pelo território mais próximo.
Mais do que um espaço, no sentido geográfico, o CAPS deve ser visto como
um processo, definitivamente em transformação, variável em função das
condições mais próximas e presentes. Essa tem sido a principal característica dos
CAPS como dispositivo terapêutico:
O CAPS não como lugar, como serviço, mas como ‘conceito
operacional’. Conceito operacional para que ele não se cristalize e não
se cronifique; para que se atualize o tempo todo, na medida em que a
contemporaneidade dos conhecimentos possa influir sobre sua própria
dinâmica, e ainda, para que incorporação das potencialidades
comunitárias possa interferir de tal forma em seu funcionamento que
permita mudar inclusive o seu perfil (Alves e Guljor, 2004:231).
Em termos de reflexões sobre práticas e éticas neste campo de saber e ação, o
texto de Patty Almeida e Núbia Santos (2003) é bastante elucidativo. Partindo das
discussões foucaultianas sobre o surgimento da Clínica como campo de saber e
dispositivo de subjetivação, e portanto de relações de poder, Almeida e Santos
(2003) oferecem subsídios para reflexões não somente no campo da Clínica, mas
incidindo também sobre o campo da ética e da assistência em saúde mental.
Recorrendo às leituras de Jane Russo, e Jurandir Freire Costa, entre outros (cf.
Almeida e Santos, 2003), essas psicólogas examinam as correntes de forças
relativas à organização da Psiquiatria e à concepção e construção de um sujeito
da modernidade.
No sentido de compreender melhor a clínica psicológica que se configurou
no contexto institucional produzido pela Reforma Psiquiátrica, elas propõem um
panorama geral no qual concorrem três perspectivas da relação entre o sujeito, o
adoecimento mental e sua contrapartida terapêutica. Uma primeira tendência tem
uma perspectiva mais biológica do sujeito, e é fincada na crença de uma realidade
77
extralingüística, cognoscível e explicável pelo dispositivo da razão, para a qual a
intervenção medicamentosa e os dispositivos clínicos psiquiátricos tradicionais
são as formas mais legítimas de restituir ao indivíduo sua condição de
normalidade, junto ao meio social, através da “cura” ou pela imposição de uma
tutela (Almeida e Santos, 2003).
Uma outra linha de força concebe o sujeito como um ser atravessado pelo
desejo e por forças inconscientes, representante de uma singularidade não
explicável pela razão da lógica cartesiana. A esta perspectiva se vinculam
experiências como a que foi chamada “clínica da psicose”, que afirmam a
singularidade e a diferença como uma prerrogativa do humano, destituindo o
livre-arbítrio de sua posição universal e tomando-o como um construto social
possibilitado a partir de referências particulares e conflitantes produzidas pelo
próprio sujeito.
Uma terceira tendência é a perspectiva do “sujeito–cidadão”, de acordo com
a qual o sujeito é constituído pelo que há de comum entre ele e todos os sujeitos
humanos, a possibilidade de participar da vida pública, na formulação e revisão
das normas sociais às quais se submeterá. Um sujeito que se define pelo direito à
cidadania e pelo envolvimento ativo no projeto de uma sociedade. Para essa
perspectiva trabalham as abordagens identificadas como psiquiatria “militante”
(Russo, 1997 apud Almeida e Santos, 2003), que intentam a transformação das
relações sociais por meio da ação política, opondo-se, sobretudo, à Clínica, que se
caracterizava como reducionista e normatizadora.
Essa psiquiatria “militante” redefine o dispositivo da tutela pela
aproximação com as noções de autonomia e gestão cotidiana, que contestam o
projeto de adequação ao modelo normal para o qual a falência acarreta a
78
exclusão, atribuindo-lhe a função de cuidado intensivo para restituição da
autonomia.
As autoras perfazem esse percurso, que passa pela compreensão da prática
clínica em saúde mental organizada em torno dessas três éticas: a ética da tutela;
a ética da interlocução e a ética da ação social, mostrando possibilidades de
entrecruzamentos entre cada uma delas e o benefício desses cruzamentos
percebidos pelo reconhecimento de que nenhuma delas poderá ser totalmente
capaz de solucionar sozinha os problemas levantados pelo fenômeno humano do
“sofrimento–existência” (cf. Rotelli apud. Freitas, 2004).
Expondo uma trama conceitual que tece as relações entre três linhas
discursivas; associando a cada uma delas uma ética distinta e um grupo de
tecnologias preferenciais; formulando as noções de sujeito mais adequadas a cada
uma delas; colocando-nos diante de uma Clínica em eterna transformação, com
tudo isso, Almeida e Santos (2003) nos permitem considerar os dispositivos
substitutivos do serviço hospitalar (NAPS, CAPS, hospitais dias, residências
terapêuticas, etc.) como a expressão de um contexto de novas propostas de
cuidado comprometidas com a diversidade e predispostas a lidar com uma
compreensão do humano como algo inusitado — o que se opõe a qualquer
suposição de um sujeito totalmente compreendido por um único viés.
Essa nova proposta precisa, contudo, estar atenta aos recursos de
organização da subjetividade que extrapolam os contextos dos serviços de
assistência psiquiátrica. Por isso, alguns estudos têm se debruçado sobre a
perspectiva da família e da comunidade local (Rosa, 2000 e 2003). Há quem
considere que “com respeito às experiências conhecidas com a reforma
psiquiátrica é legítimo se dizer que a desinstitucionalização tem consistido na
79
criação de condições pragmáticas de comunicação na rede formada pelos termos
usuários – instituição – comunidade”. (Freitas, 2004, p. 225).
Sob essa perspectiva, o cuidado que se dirige à manutenção da saúde
mental, não se restringe mais a aspectos específicos da vida social, ou das
estruturas psicológicas individuais, mas envolve e articula as várias instância da
existências, “inseridas numa rede social complexa” (Vieira Filho e Nóbrega, 2004)
tornando mais adequada a idéia de “atenção integral” e de “Atenção Psicossocial”.
Nestes termos, a noção de Integralidades (Pinheiro e Mattos, 2004) que vem se
destacando com a reformulação do Sistema Único de Saúde, oferece espaço para
outras formas de pensar a intervenção terapêutica, orientando-se menos pela
óptica do reparo e mais pela óptica dos direitos (Alves e Guljor, 2004).
Assim, a Atenção Psicossocial indica um processo abalizado pela idéia de
cidadania e pela busca de autonomia. Abre-se com isso uma compreensão da
“crise”, não como algo que demanda uma intervenção do saber técnico, com vistas
ao controle ou à contenção, mas como algo que requer a manutenção de
condições em que seja possível cuidar(-se).
Neste processo, as questões que se podem formular não se dirigem
exclusivamente para o portador do transtorno mental, mas circulam e reverberam
através da própria estrutura institucional que pretende responder à demanda
representada pelo transtorno. Refazendo, a cada dúvida, a conduta da própria
equipe, como podemos observar na reflexão de Silvio Yasui (1989) sobre sua
experiência no CAPS - Luís da Rocha Cerqueira, o primeiro serviço desse tipo no
país:
Algumas outras questões que me atormentavam: como possibilitar a
palavra ao usuário se a equipe, principal instrumento desse processo,
não conseguia restituir para si mesma sua fala, sua demanda? Como
80
sustentar um novo trabalho se, em diversos momentos, tínhamos a
tendência a repetir velhas fórmulas institucionais, temendo ousar e
romper fronteiras que, de certa forma, nós mesmos nos impúnhamos?
E como ousar e avançar se não conseguíamos assumir o trabalho e
sermos sujeitos de e em transformação? (Yasui, 1989, p. 56).
Essa característica dinâmica crítica e sua abertura para o questionamento das
relações institucionais de poder, bem como sua constituição enquanto dispositivo
de cuidado num sentido mais amplo, definem a posição estratégica do CAPS num
circuito complexo, para o qual o fluxo de informações torna-se um elemento
valioso. Para alimentar esse circuito é que têm servido os documentos com
finalidade informativa como o boletim da Coordenação de Saúde Mental.
Tendo feito esta contextualização da atenção psicossocial, considerando, em
um primeiro momento, os processos históricos e políticos dos quais resultou a
política de saúde mental e a formação do CAPS, poderemos passar à apresentação
dos procedimentos que possibilitaram a construção do corpus. Na explicitação
desses procedimentos, em primeiro lugar, será abordada a sistematização inicial
que serviu para essa aproximação preliminar; e em segundo, a análise discursiva
que permitiu a identificação dos repertórios e das práticas discursivas que
produzem os sentidos do cuidado associados ao CAPS.
4. Do corpus
questionamento que vem guiando este trabalho, pode ser
retomado por meio das seguintes perguntas: “que sentidos
assume o cuidado associados ao CAPS, nos textos técnicos
que tem servido de subsídio para a implementação da Reforma Psiquiátrica no
Brasil?” e “em que medida esses documentos têm incorporado as reflexões críticas
de gênero?”. Diante desses objetivos, a constituição de um corpus que pudesse ser
analisado seguiu alguns passos que podem ser melhor apreendidos como uma
aproximação gradativa e seletiva do universo dos documentos disponíveis
18
sobre
a Reforma Psiquiátrica e particularmente sobre a constituição dos Centros de
Atenção Psicossocial. Atentando especificamente para aqueles textos que abordam
mais diretamente a problemática do cuidado nessas instituições. O objetivo deste
capítulo é oferecer uma exposição detalhada desses passos, de modo a tornar
visíveis, ou compreensíveis as escolhas feitas nessa aproximação.
18
Quase todo o material analisado nesta pesquisa encontra-se disponível e agrupado no site
http://www.inverso.org.br
com acesso também pelo site do Ministério da Saúde http://portal.saude.gov.br, no
tópico Política de Saúde Mental e Álcool e Drogas.
O
82
A título de ilustração, podemos conceber esse universo como um circuito
integrado de documentos produzidos em instâncias institucionais mais gerais e
abrangentes como órgãos internacionais, conferências e conselhos, passando por
instâncias intermediárias e chegando até os documentos produzidos e veiculados
em situações mais particulares, documentos ligados, especificamente, à
operacionalização do cuidado nas instituições de saúde mental.
Tendo localizado esses documentos e admitindo-se que eles funcionem
como dispositivos que regulam a compreensão e a prática do cuidado no âmbito
da Reforma Psiquiátrica, foi possível classificá-los, segundo as categorias
‘normativos’ ou ‘informativos’
19
. Essa classificação preliminar corresponde
simplesmente à função explícita, ou ao efeito explicitamente pretendido com sua
publicação.
Agrupados sob esses termos, os discursos que por aí circulam constituem
uma rede que possibilita compreender o fluxo dos repertórios, partindo de um
contexto amplo de formulação de princípios até um plano de execução mais
prática, como ilustrado no fluxograma (fig.1), cujos pontos principais são:
a) resoluções e deliberações encaminhadas por Conferências e Assembléias de
organismos nacionais e internacionais, como órgãos das Nações Unidas
em um nível mais amplo, ou dos movimentos sociais organizados, ou
ainda em Conselhos instituídos ao nível municipal, estadual ou nacional;
b) decretos e leis, que são atos administrativos e normativos produzidos e
implementados pela articulação dos poderes Judiciário, Legislativo e
Executivo, nas instâncias Federal, estadual e municipal;
83
c) Portarias e normas operacionais, documentos elaborados e divulgados pelos
ministérios, secretarias e órgãos públicos de planejamento e gestão;
Nesses três primeiros casos, podemos imaginar um sentido do discurso que parte
de poderes instituídos para afetar a ordem das práticas. Esses dispositivos, que
dispõem os termos e os parâmetros operacionais da Reforma Psiquiátrica, estou
classificando-os aqui como ‘normativos’, ao passo que nos três casos seguintes, o
sentido do discurso que se produz pode ser entendido como se partisse das
práticas para a constituição e propagação de saberes. nestes casos, quando os
discursos concorrem para a produção e circulação de informações sobre o
cuidado, digo que são dispositivos ‘informativos’.
d) relatórios, manuais, cartilhas, elaborados e distribuídos pelo pessoal técnico e
consultores especializados na área de comunicação e gerenciamento das
políticas de saúde pública;
e) periódicos de circulação inter–institucional Produzidos também pelo pessoal
técnico, dirigido para o pessoal técnico nas unidades de atendimento.
f) teses, dissertações, monografias, livros, artigos em revistas. Produzidos em
contexto de pesquisa acadêmica por profissionais de saúde,
pesquisadores/as, jornalistas etc.
Para definir um pouco melhor essa nomenclatura, poderíamos dizer que, de um
lado, eles foram chamados de documentos ‘normativos’ quando a sua publicação
visava instituir uma norma de conduta, uma regra ou recomendação de
procedimentos, ou ainda uma interdição qualquer. Independentemente da
19
Obviamente, essa distinção serve apenas para facilitar o início do trabalho analítico. Pois, ao adotar a
perspectiva das práticas discursivas (Spink, 2000), estou supondo que informação e norma são aspectos
mutuamente constitutivos dos discursos em geral.
84
instância de poder responsável pela sua circulação, ou mesmo de sua
eficácia/efetividade como dispositivo de controle. E, de outro lado, eles foram
chamados de documentos ‘informativos’ quando o objetivo explícito de sua
publicação era permitir a circulação de informações, saberes, conhecimentos.
Tanto no sentido ‘comunicativo’ de uma transmissão ou da reprodução de um
significado, quanto no sentido de uma ‘fonte de saber’, de uma produção de
verdade a respeito do tema.
Figura 1 - fluxograma da Produção dos Sentidos do Cuidado no CAPS
f) TESES, DISSERTAÇÕES,
MONOGRAFIAS, LIVROS,
ARTIGOS EM REVISTAS.
profissionais de saúde,
Pesquisadores, jornalistas
b) DECRETO PRESIDENCIAL (Poder Executivo)
E LEIS (legislativo e Judiciário)
1. FEDERAL 2. ESTADUAL 3. MUNICIPAL
a) RESOLUÇÕES E DELIBERAÇÕES.
Organismos Nacionais e Internacionais
c) PORTARIAS E NORMAS
OPERACIONAIS.
Ministérios, secretarias e
órgãos de Planejamento e
gestão
e) PERIÓDICOS DE
CIRCULAÇÃO
INTER–INSTITUCIONAL
Pessoal técnico
d) RELATÓRIOS,
MANUAIS e CARTILHAS
pessoal técnico,
consultores
OS SENTIDOS DO
“CUIDADO” No CAPS
1
2
3
86
Nesse panorama, o cuidado se configura como um objeto apropriado em
diferentes instâncias e contextos de produção, vindo ganhar vários sentidos sob o
efeito de constantes reformulações e disputas de significado. Isso condiciona e
define uma variedade de percursos e possibilidades de análise para a
compreensão dos sentidos de cuidar no âmbito da Reforma Psiquiátrica. A
amplitude dessas possibilidades pôde ser constatada após a ordenação dos
documentos segundo o esquema do quadro de análise preliminar que descrevo a
seguir:
Tab. 3 – esquema de classificação dos documentos
data Título do doc. ordem de produção efeito (principal) sumário detalhe
Nesse quadro, o campo data indica ano e mês da publicação do documento
listado; Título do doc. é usado para indicar o nome com que o documento foi
publicado (por exemplo; ‘Portaria GM/n. 336/2002’ ou ‘CAPS - Perguntas &
Respostas’.) O termo ordem de produção serve para referir o status institucional
em que o documento foi produzido, ou seja, que tipo de instituição possibilitou a
produção do texto, independentemente da autoria individual. Nessa classificação
há cinco categorias: 1- acadêmica – quando se trata de instituições de ensino
e/ou pesquisa; 2- jurídica quando se trata de órgãos legisladores ou jurídicos; 3 -
advocacy nos casos de organizações sociais que atuam na proposição de direitos
sociais. 4 - técnica – para classificar documentos produzidos por departamentos e
órgãos governamentais responsáveis pela implementação dos serviços de saúde.
Por último, 5 - desconhecida - usado quando o documento ou a referência à
instituição que o produziu, não estava disponível.
87
A classificação efeito (principal) refere-se à função explicitamente
assumida nos documentos. Sendo categorizados ora como Informativos - para os
documentos que divulgam certos fatos e/ou fazem referências a outros
documentos; ora como normativos – para documentos que dispõem,
regulamentam, alteram ou instituem certas normas e procedimentos. Essa
categoria inclui tanto os documentos com força jurídica (leis e decretos) como os
documentos operativos (portarias e normas operacionais). No campo sumário,
consta uma breve descrição do conteúdo do documento, geralmente retirada e
adaptada de trechos do próprio documento. E o campo detalhe ficou reservado
para anotações relativas ao aspecto de gênero ou outras particularidades
pertinentes encontradas no documento listado. Foram listados cerca de 40
documentos (ANEXO II), datados de setembro de 1990 a outubro de 2005.
A finalidade principal dessa classificação foi obter uma sistematização
preliminar do material encontrado na busca. Essa primeira ordenação cronológica
dos documentos facilitou a visão de alguns aspectos do desenvolvimento da
Reforma Psiquiátrica desde os anos 90. Organizados dessa forma os dados
serviram de base para contextualização
20
do CAPS na política nacional de saúde
mental, complementando com as informações trazidas por autor@s que se
detiveram de mais minuciosamente sobre esses processos macro–políticos em
relação aos anos 70, 80 e início de 90. Além disso, ofereceu uma visão analítica
mais ampla da relação ilustrada no fluxograma (Fig.1).
A esta altura seria oportuno reiterar que a trajetória de análise desta
pesquisa é sustentada por uma determinada abordagem em Psicologia Social —
“o estudo da produção de sentidos a partir da análise das práticas discursivas”
(Spink & Frezza, 2000, p. 17) — e é delimitada pelo interesse dirigido à
88
compreensão dos sentidos do cuidado no CAPS. Além do que, como Spink e
Menegon (2004) sugerem, nos estudos das práticas discursivas, busca-se associar
uma abordagem mais estrutural da circulação de repertórios lingüísticos ao
“estudo dos micro processos de produção de sentidos” (p.259). Portanto, a
trajetória desta análise não se detém no plano macro–histórico da formulação
eventual de princípios e normas, apesar de considerar sua relevância. E, embora
não se desenvolva no espaço–tempo do dia a dia, das interações face a face,
avança para uma dimensão micro processual e ampla no plano mais próximo dos
discursos cotidianos.
Se observarmos acima o fluxograma (Fig. 1), essa trajetória pode ser
descrita, de maneira sintética, com uma linha tracejada que começa nos
dispositivos normativos das portarias e normas operacionais (1); passando pelos
dispositivos informativos dos relatórios e cartilhas (2), chegando até os periódicos
inter-institucionais (3). Com esse trajeto, focalizamos o âmbito da normatização
das condutas sociais e dos procedimentos técnicos. Ao visibilizar a circulação dos
repertórios nesse nível da produção discursiva, possibilitamos uma compreensão
dos valores envolvidos na significação das práticas cotidianas de cuidado no
contexto dos CAPS.
Após um processo de leitura preliminar e classificação, nos parâmetros da
tabela 1, selecionamos aqueles documentos que poderiam oferecer uma visão
particular dos sentidos que o dispositivo ‘cuidado/cuidar’ assume ao ser
articulado com o dispositivos ‘CAPS’ num plano mais próximo das práticas
cotidianas. Assim, definiu-se o corpus como uma composição de 6 (seis
documentos).
20
(apresentadas no Capítulo 3).
89
De modo mais sistemático, sendo delineado a partir do fluxograma (Fig.
1), o trajeto metodológico que permitiu a formação do corpus desta pesquisa pode
ser apresentado, passo por passo, da seguinte maneira: no desenvolvimento da
Reforma Psiquiátrica e nas formações discursivas que articulam ‘cuidado’ e
‘CAPS’, há um conjunto de textos que funcionam como dispositivos normativos
e/ou informativos.
Dos dispositivos normativos — destacam-se Leis e as Portarias. Dentre as leis
federais e estaduais, relativas à formação do sistema único de saúde e à Reforma
Psiquiátrica, destaca-se a Lei Federal 10.216 (Lei Paulo Delgado) “que dispõe
sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtorno mentais e
redireciona o modelo assistencial em saúde mental”. Dentre as portarias
ministeriais, destacam-se algumas do Ministério da Saúde (MS), de 1991 a 2001,
sendo quase todas já superadas por portarias subseqüentes. Ainda nesse grupo,
são listadas as portarias do MS de 2002. Desta lista, foram selecionadas para
análise as seguintes portarias:
Portaria GM/ n. 336/2002 que define e estabelece diretrizes para funcionamento dos Centros de
Atenção Psicossocial. E que define e categoriza os CAPS, segundo o porte e clientela, como
CAPS-I; CAPS-II; CAPS-III, CAPS i; CAPS- ad.
Portaria GM/MS n. 189/2002 que inclui na tabela de procedimentos do Serviço de Internação
Hospitalar (SIH-SUS) os procedimentos que podem ser cobrados pelo CAPS e estabelece todos os
procedimentos necessários para o cadastramento do CAPS junto ao SUS/MS.
Dos dispositivos informativos — destacam-se, em primeiro lugar, o Instrutivo
da Coordenação de Saúde mental/MS — que foi selecionado para análise:
CAPS- Perguntas & Respostas
Instrutivo divulgado pela Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde no ano de 2002, pela
ocasião da publicação da Portaria GM 336/02, que traz nova sistemática de funcionamento dos
CAPS. O instrutivo responde perguntas como: O que é um CAPS? Qual o projeto terapêutico de um
CAPS? O que é cuidado Intensivo, Semi–intensivo e Não–Intensivo em Saúde Mental ? Trata-se de
instrutivo importante para gestores e trabalhadores da saúde mental.
90
E, dentre os periódicos institucionais destacamos o boletim eletrônico trimestral
Saúde mental no SUS- informativo da Saúde Mental, publicação da Coordenação
de Saúde Mental, com informações sobre políticas, eventos e normas
administrativas. Numa Lista de 17 exemplares, nos anos de 2002 a 2005, foram
selecionadas as três seguintes edições:
Saúde Mental no SUS – Informativo da Saúde Mental/DAPE/SAS/MS. Ano IV Nº. 14. de 2004
Notícias do PNASH/ Psiquiatria; Relatório OMS/ A&D Eixos temáticos do Congresso Brasileiro de CAPS: 1-
CAPS: Laços sociais; 2- Cuidado Quotidiano no CAPS; 3 -: “Trabalhadores, Usuários e Familiares -
Transformando relações, produzindo novos Diálogos”.
Saúde Mental no SUS – Informativo da Saúde Mental/DAPE/SAS/MS. Ano IV N° 15. de 2004
Foi realizado na cidade de São Paulo nos dias 28, 29, 30 de junho e 1º de julho o Congresso Brasileiro de CAPS.
SAÚDE MENTAL E SAMU;CONCURSO DE IDENTIDADE VISUAL DOS CAPS
Saúde Mental no SUS – Informativo da Saúde Mental/DAPE/SAS/MS. Ano IV N° 18. de 2005
Este é um número especial do Boletim Saúde Mental no SUS, dirigido especialmente aos novos gestores -
coordenadores municipais de saúde mental, secretários municipais, coordenadores estaduais - que assumiram
agora em janeiro. Ele traz algumas informações objetivas sobre como implantar e implementar serviços de
saúde mental em seu município, com apoio técnico e financeiro do Ministério da Saúde. Liberdade e cidadania
pra quem precisa de cuidados em saúde mental. Formação de Recursos Humanos.
Esse é o nosso corpus de análise. uma composição de 6 (seis documentos), que
foram retirados de um conjunto de 100 e que articulam “cuidado/cuidar” e ‘CAPS’
num plano mais próximo dos micro–processos cotidianos. Segundo a tabela de
classificação preliminar, todos os seis documentos selecionados para análise são
classificados, pela ordem de produção, como “técnica”, sendo dois “normativos” e
quatro “informativos”. São 2 Portarias (técnica – normativa); 1 instrutivo do MS
sobre CAPS (técnico- informativo) e 3 boletins da SM/MS (técnico- informativo).
Creio que aqui seja pertinente um parênteses para justificar esta opção,
não como se as decisões metodológicas fossem unicamente determinadas por
justas razões. Mas, para apresentar alguns fatores que intervieram na produção
desse corpus. Como por exemplo, a opção por documentos de ordem de produção
unicamente técnica, em detrimento dos de ordens jurídicas, acadêmicas ou de
advocacy; assim como a opção entre os dispositivos normativos, pelas portarias (e
91
não pelas Resoluções, Leis ou Decretos), e entre os informativos, pelos boletins (e
não pelas teses, dissertações ou artigos acadêmico–científicos). Além da própria
opção por esses documentos e não por outros desse grupo. Por que não outras
portarias? Outros instrutivos ou cartilhas…outras edições do boletim?
Como disse anteriormente, o campo–tema de interesse desta pesquisa se
define pela articulação entre ‘cuidado’ e ‘CAPS’, sendo o primeiro uma forma de
referir-se a certas práticas e o segundo, a um dispositivo técnico–institucional de
saúde mental. A presença de uma articulação explícita desses dois termos no
documento foi o que orientou a escolha dos textos no conjunto final. Assim,
ficaram de fora os documentos que, apesar de serem do mesmo conjunto, não
articulavam de modo mais direto esses dois termos.
Além disso, é possível dizer que as formações discursivas que se
mostraram mais pertinentes para o estudo da produção de sentidos no cotidiano,
foram aquelas que se caracterizam por uma maior proximidade com a dinâmica
do dia a dia, ao contrário das leis e outros dispositivos jurídicos que, no âmbito
deste estudo, se caracterizam como discursos e acontecimentos eventuais, com
pouca visibilidade no plano das interações cotidianas. Essa mesma limitação se
aplica às produções científicas e acadêmicas.
No âmbito do CAPS, as Portarias — entre os discursos normativos — e os
boletins — entre os informativos — estão mais próximos das práticas discursivas
em meio às quais se produzem os sentidos do cuidado, do que seus respectivos
congêneres, as leis e as produções acadêmico–científicos. Leis, decretos, teses
dissertações e artigos, são formações discursivas que se distribuem nas
extremidades do fluxograma delineado nesta pesquisa. Seus repertórios não são
imediatamente reconhecidos, operacionalizados ou partilhados pelos atores em
92
interações cotidianas
21
. Isso não significa que os efeitos dessas formações
discursivas não possam ser encontrados no cotidiano, apenas, que sua
pertinência como material de análise, neste estudo, seria menor do que a dos
documentos que foram selecionados.
Fechado o parêntese, justificativa feita, podemos retornar aos
procedimentos de análise. Após uma leitura mais detida dos 6 (seis) documentos,
desenvolvemos o crivo de análise que descrevemos no quadro a seguir.
Quadro 1 – crivo de análise (mapa)
Análise dos discursos que articulam cuidado/cuidar e CAPS
finalidade da ação
Agente Ação (prática) foco da ação
propositiva negativa/contrastava
Zonas de
indiferença
1 Æ 2 Æ 3 Æ
4 Æ 5 Æ
6 Æ
O processo de análise consistiu em transcrever o texto original para a grade
acima, compartimentando cada trecho na coluna que lhe seja referente segundo
os códigos de linguagem corrente em nossa sociedade. No campo rotulado como
Agente foram inseridos os elementos que nomeiam ou identificam os possíveis
agentes do cuidado, sejam pessoas, instituições ou mesmo procedimentos.
Quaisquer dispositivos que no contexto daquele enunciado sejam responsáveis
pela ação de cuidar em questão. Ação (prática) é o campo no qual foram
transcritos os trechos que se referiam ao cuidado propriamente, ou a termos que
substituem ou adjetivam as práticas de cuidado. Termos que se aproximavam do
“cuidar”, por semelhança ou por contigüidade nos documentos analisados. Foco
da ação é o campo no qual foram agrupados o trecho que nomeavam os
beneficiados pela ação; a população, (o objeto de ou o sujeito a) para o qual o
21
No caso das leis isso se torna visível, pela necessidade de Portarias Ministeriais que as operacionalizem
93
cuidado se dirige. A categoria Finalidade da ação corresponde ao trecho do texto
em que se indicava os objetivos da ação mencionada e reúne dois tipos básicos de
finalidade explicitadas nos textos sobre as ações realizadas no CAPS: 1. quando a
finalidade era referida em termos de uma proposta, de uma afirmação, no sentido
da construção de uma situação, foi alocada na sub–coluna “propositiva ;
2.Quando a finalidade era referida em termos de uma negação, de um contraste
ou de uma troca, no sentido de uma substituição ou impedimento, é alocada na
sub–coluna “negativa/contrastiva”.
No campo rotulado como Zonas de indiferença/conectivos colocamos todos
os trechos dos textos analisados que não puderam ser agrupados em nenhuma
dos outros campos disponíveis, por não terem um sentido diretamente ligado aos
objetivos desta investigação, mas que serviam, de alguma forma, para manter a
conexão sintática do texto analisado.
A numeração e as setas indicam o sentido da leitura e a ordem dos
trechos recortados do texto original. A título de exemplo, imaginemos a frase “O
CAPS realiza oficinas terapêuticas para melhorar a vida de 100% dos usuários,
evitando a internação hospitalar. Foi a declaração de um dos coordenadores”.
Uma frase como essa é organizada no quadro da seguinte maneira:
Quadro 2 – exemplo de uso do crivo de análise
Análise dos discursos que articulam cuidado/cuidar e CAPS
finalidade da ação
Agente Ação (prática)
foco da
ação
propositiva negativa/contrastiva
Zonas de conectivos
o CAPS realiza oficinas
Terapeuticas
para melhorar a
vida de
100% dos
usuários
evitando internação
hospitalar
Foi a declaração de
um dos
coordenadores
94
Após esse “esquadrinhamento” dos textos na horizontal (eixo sintagmático) é
possível fazer uma leitura de cada coluna (seguindo o eixo paradigmático), sem
perder de vista as conees significativas ao longo de todo o texto (Vide Anexo III).
Ao final do processo têm-se, por exemplo, um glossário para cada elemento
agrupados. E pode-se abordar os textos esquadrinhados com questões como
“Quem é normalmente identificado ou referido como o principal agente de cuidado
no CAPS?” ou “Quais são as ações associadas ao cuidado no CAPS?” ou ainda
“Como é entendido o sujeito-público das ações do CAPS?”.
Essas e muitas outras questões podem ser formuladas e respondidas, por
esse processo analítico. E, ao contrário do que se possa pensar, a freqüência (o
número de ocorrências) não é o único, ou sequer o principal, critério para
estabelecer a relevância de determinado termo. É preciso estar-se atento às
conexões significativas (que ações se voltam para que foco?) ao contexto de
produção do discurso (“trata-se de um trecho de portaria? de boletim
informativo?”); e até mesmo às ausências ou ocorrências relativas (“porque este
termo apesar, de ser citado não o é tanto quanto este outro?”).
Quando estas e outras questões podem ser formuladas e respondidas, é
possível delinear, através da grade, uma série de conexões recorrentes, de termos
ou expressões mais críticas; localizar contradições, identificar produções
significativas. Enfim, é possível, por meio de interpretações fundamentadas nesse
quadro, localizar os sentidos do cuidado que se produz no CAPS. E, com isso,
torna-se possível entender para onde esse cuidado segue, e supor de modo
consistente, quais são os seus possíveis efeitos: o que ele produz? O que
interdita? De que valores se nutre? Contra quais ele se coloca?
5. As análises discursivas
organização básica do crivo permite localizar nos discursos
examinados, 1) uma agência — que corresponde ao sujeito da
oração; 2) uma ação — verbos semelhantes ou contíguos à
prática de ‘cuidado’; 3) um foco, para o qual a ação é dirigida, ou seja, o público-
sujeito das práticas de ‘cuidado’ e 4) uma finalidade, uma expressão de valor
simbólico, uma meta de aproximação, ou distanciamento, que justifique ou dê
respaldo à ação praticada.
Após submetidos ao crivo de análise, os textos de cada um dos documentos
selecionados visibilizam algumas estruturas de produção de sentidos. Desse modo,
o esquadrinhamento das portarias, do instrutivo e dos boletins, oferece condições
interpretativas para que se estabeleçam relações entre certos termos e
determinados contextos de enunciação. Neste capítulo, são apresentados os
resultados desse esquadrinhamento, os repertórios e as formações que se
destacaram pela análise.
Já nesse momento de apresentação dos resultados, foi possível tecer algumas
considerações preliminares. Entretanto, para garantir a visibilidade do processo
argumentativo, a apresentação do material analisado procurou seguir uma
sistematização exaustiva e linear. Antes de ser apresentada a discussão das
implicações, foram explorados, em detalhes, os repertórios e as regras de formação
encontrados.
A
96
A seqüência tem início com a apresentação dos repertórios, agrupados pela
ordem das 04 (quatro) categorias: agentes; práticas; foco e finalidades. Em seguida,
esses agrupamentos são reunidos em um diagrama que ilustra a dinâmica das
combinações dos repertórios. E, por último um síntese narrativa retoma essas
combinações a partir do diagrama. Essa estrutura de apresentação foi usada de
modo sistemático para as três categorias de documento.
O
DISCURSO DO CUIDADO NO
CAPS
NAS
P
ORTARIAS
GM-336/02 E SAS-189/02
Agentes
No caso das portarias, podemos notar seguramente que os principais agentes
das práticas ou ações são o ‘Ministério da Saúde’; ‘o gestor local’ ou ‘os
profissionais’ – estes muitas vezes especificados pela formação (Psicólogo,
Enfermeiro, Assistente Social etc.) ou pela especialização (em saúde mental, em
dependência química, etc.), com ênfase para o aspecto multiprofissional de sua
atuação. E, claro, o CAPS que aparece como o agente privilegiado na maior parte
dos enunciados. Especificado como CAPSI, CAPSII, CAPSIII, CAPSII i e CAPSII ad.
Aqui cabe registrar um aspecto curioso do CAPS como instituição de saúde
mental. Há no seu quadro profissional de nível superior um ‘profissional necessário
ao projeto terapêutico’ e entre os de nível médio ‘um técnico educacional e um
artesão’, flexibilizando de modo singular a composição da equipe, gerando uma
abertura na compreensão de saúde mental, que preserva alguma possibilidade para
a diversidade de recursos terapêuticos locais. Ainda assim, neste tipo de texto, o
97
discurso tende a caracterizar as ações de cuidado em termos de ‘proteção e direitos’
ou de ‘responsabilização’.
Práticas/Ação
A Portaria (PT) GM-336/2002, define os CAPS, I, II, III, como modalidades de
‘serviço de atenção psicossocial’ que se diferenciam ‘por ordem crescente de
porte/complexidade e abrangência’, e ‘cumprem a mesma função no atendimento
público em saúde mental’. Além de especificar o quadro profissional, ou ‘a equipe
técnica mínima’ de cada uma dessas modalidades, essa Portaria estabelece as
atribuições exigidas para o cadastramento do CAPS junto ao SUS. Atribuições que
vão desde uma ‘capacidade operacional e técnica’ para supervisão do serviços de
atenção à saúde mental, até uma série de atividades específicas como atendimentos
individuais, oficinas terapêuticas, entre outras. Organizando um conjunto difuso
sob a insígnia da ‘atenção psicossocial’
Dentre todas as atribuições e atividades mencionadas, provavelmente a que
se apresenta como uma noção crucial para o entendimento da proposta de ‘atenção
psicossocial’, é o ‘projeto terapêutico’. Que não é definido diretamente na Portaria,
mas que pode ser compreendido em articulação com as noções de ‘atendimento em
regimes intensivo’, ‘…semi–intensivo’ e ‘…não intensivo’.
Na definição dessas três formas de atendimento, a Portaria é bem sintética.
Podemos ler no Parágrafo único do Artigo 5°.: ‘Define-se como atendimento
intensivo aquele destinado aos pacientes que, em função de seu quadro clínico
atual, necessitam acompanhamento diário’. Sobre os regimes semi–intensivo e não
intensivo, essa Portaria diz que um ‘é o tratamento destinado aos pacientes que
necessitam de acompanhamento freqüente, fixado em seu projeto terapêutico, mas
não precisam estar diariamente no CAPS’ e o outro ‘é o atendimento que, em função
98
do quadro clínico, pode ter uma freqüência menor’. Nesse mesmo parágrafo, a
Portaria assinada em fevereiro pelo Ministro da Saúde, recomenda à Secretaria de
Atenção à Saúde (SAS) a ‘descrição minuciosa dessas três modalidades.’
Assim sendo, em março a PT SAS/189/2002, apresenta no artigo 9°. uma
série de especificações técnicas minuciosas para a inclusão de novos códigos na
Tabela de Procedimentos do Sistema de Informações Ambulatoriais – SIA/SUS.
Nessa Portaria, os atendimentos em regime intensivo, semi–intensivo e não
intensivo (ou simplesmente atendimento intensivo, semi–intensivo e não intensivo)
são todos referidos como ‘Cuidados’.
Enquanto ‘Cuidados intensivos em Saúde Mental’ são definidos como
‘conjunto de atendimentos diários…’; ‘Cuidados semi–intensivos em saúde mental’
são definidos como um ‘conjunto de freqüentes atendimentos…’ e ‘Cuidados não
intensivos’ como ‘conjunto de atendimentos quinzenais/mensais’. Todos os três
‘…desenvolvidos individualmente ou em grupos por equipe multiprofissional
especializada em saúde mental’. E lhes é fixado um máximo de atendimento por
paciente para cada modalidade de CAPS (I; II; ou III). Por ex.: CAPS I, só pode
atender até 25 pacientes/mês em regime intensivo, 50 em semi–intensivo e 90 não
intensivos.
Além da periodicidade, não há qualquer outra menção qualificativa na
distinção entre as formas de cuidado descritas. Não se fala sobre tipo ou
quantidade de medicamentos; modalidade psicoterápica; se é necessária a
participação em grupo ou atendimento individual, nem qualquer referência a
posturas ou atitudes por parte da equipe profissional. Ou seja, em todas as três
classificações de cuidados, a variação na intensividade depende simplesmente da
freqüência com que ocorrem os atendimentos, sejam estes quais forem.
99
Com isso nota-se que há um recurso freqüente ao termo ‘atendimento’, que
aparece, ora isolado, ora associado a uma série de adjuntos (como em ‘atendimento
medicamentoso’; ‘…individual’; ‘…psicoterápico’; etc.). Modificado em função de
cada termo coadjuvante, o ‘atendimento’ aparece em diversas sentenças ao longo do
texto da Portaria 336/2002 e em outras na PT 189/2002. Um outro termo
privilegiado é ‘assistência’, às vezes referida em conexão com delimitações por
turnos (ex.: ‘funcionando 24h diariamente’) por parâmetro populacional numérico
(‘a uma população acima de 200.000 habitantes’).
Considerando a extensa lista de atividades incluídas na ‘assistência prestada
ao paciente’ para os CAPS I, II, III, CAPS i e CAPS ad (atendimento individual;
atendimento em grupos; atendimento em oficina terapêutica), talvez o termo
‘atendimento’, pela freqüência com que ocorre no discurso das portarias, seja o que
melhor caracteriza ‘o cuidado’, em sua dimensão operacional mais genérica.
Entretanto, a série de atribuições (supervisionar, coordenar, regular porta de
entrada, responsabilizar-se pela organização da demanda) que colocam o CAPS
como dispositivo estratégico da ‘rede de cuidados em saúde mental’, complexifica o
cuidado no sentido de uma ‘atenção’ ou ‘atendimento’ em ‘rede’.
Há na forma das portarias uma série de termos que indicam práticas para
quais os CAPS podem ser identificados como os agentes, práticas como ‘cadastrar e
manter o cadastro’ (dos ‘pacientes’); ‘coordenar e supervisionar’ (‘equipes da rede
básica de saúde’); ‘ter leitos para eventuais repousos’ e ‘acolhimento noturno’
(garantidos aos ‘pacientes’). Algumas são de uso mais amplo e outras, mais restrito.
A grosso modo, pode-se dizer que todos esses termos são usados para referir ações
mais genéricas e estabelecer várias formas de relação entre determinados agentes,
(profissionais, CAPS, equipe multiprofissional, etc.) e uma série de focos ou de
público–sujeito dessas ações. Mas, há alguns termos que se referem a ações
100
específicas e estabelecem relações com um público–sujeito restrito. Como no caso
em que o ‘CAPS’ pratica ações como ‘regular a porta de entrada’ ou ‘capacitar’.
Nesses casos as ações praticadas referem-se, de modo restrito, aos públicos–
sujeitos identificados como ‘rede de saúde mental’ e ‘profissionais/equipes da rede
básica’, respectivamente. Ou no caso da ação ‘oferecer refeições’, essa prática
atribuída ao ‘CAPS’ tem como foco, também de modo restrito, ‘os pacientes’ que
podem ou não ser identificados pela modalidade de atendimento prevista em seus
‘projetos terapêuticos’, ou pelo turno em que são ‘assistidos’.
Foco (público-sujeito)
Chegando até aqui, torna-se possível observar que essa variação no sentido
da prática está associada a uma variação no sentido do público–sujeito. Ou seja, a
‘assistência’ ou a ‘atenção’ varia de sentido à medida que varia o ponto focal para o
qual está dirigida. Entre esses pontos focais destacam-se ‘o/os pacientes’;
‘população’; ‘habitantes’ e ‘doente mental’ utilizados, mais freqüentemente nesta
ordem, como público–sujeitos dos ‘atendimentos’ e da ‘assistência’. Destaca-se
ainda, o uso do termo ‘pessoas portadoras de transtorno mental’ utilizado uma
única vez, associado à ‘proteção e direitos’ por referência direta da Lei 10.216, que
instituiu a Reforma Psiquiátrica. A expressão ‘transtorno/s mental/is’ aparece em
outros momentos, qualificando os termos ‘paciente’, ‘crianças e adolescentes’ ou
‘usuários de álcool e drogas’. Quanto ao termo ‘usuário/s’, sempre que aparece nas
portarias analisadas, é dessa forma composta: ‘usuário de álcool e outras drogas’, e
nunca isolado.
Todas essas formas de público–sujeito são o foco específico dos cuidados
praticados pelos CAPS no sentido de um ‘atendimento’ genérico, que define melhor
101
suas especificidades em função dos vários termos com que se combina (termos que
já mencionamos como ‘medicamentoso’, ‘individual’ etc.). Mas, uma observação
particular sobre isso é que a especificidade desse público–sujeito depende não só do
sentido da prática, mas também do tipo de agente. As formas ‘crianças e
adolescentes’ e ‘usuários de álcool e outras drogas’ são termos utilizados, como
focos exclusivos do atendimento de ‘CAPS i’, e ‘CAPS ad’. E enquanto ‘paciente’ é
termo usado como o foco do atendimento para todos os CAPS, ‘doente mental’, que
aparece apenas na Portaria 336/02, não é usado como foco de atendimento para
nenhum daqueles dois CAPS.
Outras formas com que os público–sujeitos são referidos, implicam um
sentido mais específico para as praticas acionadas pelos CAPS. São as ‘equipes de
atenção básica’; ‘unidades hospitalares psiquiátricas’; ‘rede de cuidados em saúde
mental’ ‘rede assistencial’; ‘rede de cuidados em saúde mental de crianças e
adolescentes’. Voltadas para esses focos, as ações dos CAPS ganham um sentido
mais específico. A palavra ‘atendimento’ quase não é utilizada nessa formação,
constando em seu lugar ‘supervisão’; ‘coordenação’; ‘capacitação’ entre outras.
Esses ações de sentidos mais específicos, e mais abrangentes do ponto de vista
organizacional, são direcionadas a um público–sujeito caracterizado pela noção
difusa de ‘território’ ou ‘módulo assistencial’.
Uma demarcação regional, definida pelo SUS, a partir de critérios sócio–
demográficos, a referência ao território é uma marca adicional freqüente em
sujeitos–públicos como ‘população’; ‘rede assistencial’; ‘equipe de atenção básica’;
‘unidades, programas e serviços de saúde’, entre outros. Assim como a idéia de
‘projeto terapêutico’, que se destaca no discurso da ‘atenção psicossocial’, não por
uma definição pormenorizada, mas pelo contexto significativo de seu uso, as noções
de ‘território’; ‘área de abrangência’ ou ‘módulo assistencial’ também desempenham
102
um papel fundamental para a produção dos sentidos que o cuidado assume em
contextos que remetem a um sistema organizacional mais amplo do que as
categorias individuais ‘paciente’; ‘doente mental’ etc. Estes últimos, correspondem
mais facilmente ao foco daquelas práticas que podem ser reunidas sob o rótulo de
‘atendimento/ assistência’, enquanto os outros que remetem a um sistema
organizacional, podem ser referidos genericamente como ‘delegações da gestão’ pois,
segundo o artigo 4°. da Portaria 336/02, a maior parte são atribuições técnico–
administrativas (coordenação, supervisão, capacitação etc.) das quais os CAPS se
encarregam por delegação dos gestores.
Finalidades
Tendo exposto os elementos principais obtidos por meio do crivo de análise,
resta observar, nos textos das portarias, a pouca ocorrência de termos que apontem
para uma finalidade das ações recomendadas, como se o discurso das portarias não
procurasse dar conta de conseqüências ou possíveis desdobramentos das ações que
ele apresentava. Para não negar as exceções, devem-se considerar algumas
referências explícitas à ‘integração’ e à ‘inserção social’ ‘dos pacientes’ na
‘comunidade/família/ sociedade’, (no caso da criança/adolescente incluía-se a
escola). Fora isso, quase nenhuma referência —comparativa ou negativa — ao
sistema hospitalar, com exceção da expressa no Artigo 3°. que condiciona o
funcionamento dos CAPS a uma ‘área física específica e independente de qualquer
estrutura hospitalar’, marcando uma autonomia total em relação às instituições
hospitalares sem, contudo, enfatizar qualquer caráter negativo ou comparativo em
relação a elas.
O exposto até aqui constitui a síntese do material obtido quando os textos
das duas portarias foram submetidos ao crivo de análise. Os principais elementos
103
que se articulam na composição dos sentidos do cuidado presente nessa produção
discursiva podem ser ilustrados por meio do seguinte diagrama:
Fig. 2 – o discurso do cuidado no CAPS a partir das Portarias 336 e 189
Síntese da articulação dos repertórios nas portarias
Obviamente, nesse esquema, o CAPS é o principal agente do cuidado, apoiado de
um lado pelo Ministério da Saúde e pelo gestor, e de outro pela idéia de equipe
mínima, à qual é subjacente a noção de atuação multiprofissional e
multidisciplinar. A ão/prática, o cuidado ou a atenção, exercida pelo CAPS se
organiza em dois desdobramentos básicos: de um lado, as ‘delegações da gestão’
que são ações de coordenação e supervisão, e, de outro ‘assistência/ atendimento’,
cada uma dos dois se ramificam em ações especificamente voltadas para
determinado público–sujeito.
Como foco dessas ramificações estão, de um lado os ‘hospitais e
ambulatórios’; as ‘equipes/ serviços/programas’ e a ‘rede básica/primária’
CAPS
Abrangência do território/módulo assistencial
de Atenção à
saúde mental
o/os Paciente/s
Projeto terapêutico/ intensividade dos cuidados
crianças/adolescente
portadores de
transtorno mental
o usuário de A e D
profissionais/progr./serviços
Assistência/
atendimento
delegações da
g
estão
rede assistencial/rede básica
hospitais e ambulatórios
MS/ gestores
equipe mínima
integração
inserção social
agente ação/prática sujeito-público
finalidade
104
componentes de um sistema de ‘atenção à saúde mental’, de outro lado, ‘Os
pacientes’; ‘crianças e adolescentes’ e ‘usuários de álcool e drogas’, membros de um
conjunto marcado como ‘portadores de transtorno mental’. Às margens desses dois
grupos de público–sujeito, estabelecendo certas condições na atenção que CAPS
oferece, estão a noção de ‘território’ ou ‘módulo assistencial’ – que delimita a
abrangência espacial do cuidado — e a noção de projeto terapêutico — que, com
suas variações na intensividade, modaliza a freqüência temporal do cuidado.
Na saída desse circuito estão as finalidades do cuidado do CAPS,
representadas pela ‘integração’ e pela ‘inserção social’ Neste ponto é que devem se
conectar as famílias, a comunidade, a escola e a sociedade em geral.
Essa ilustração esquemática reproduz a estrutura e dinâmica dos sentidos
do cuidado no CAPS deduzida da formação discursiva que as portarias representam.
Nas próximas páginas serão examinados os repertórios que articulam os sentidos
do cuidado nos discursos dos outros documentos.
O
DISCURSO DO CUIDADO NO
CAPS
NO
I
NSTRUTIVO DA
C
OORD
.
DE
S
AÚDE
M
ENTAL
Neste segundo momento, a análise discursiva tomou como objeto a forma
discursiva de um documento emitido em outubro de 2002 pela Coordenação
Nacional de Saúde Mental - CNSM. O ‘Instrutivo CAPS - Perguntas & Respostas’
(CAPSP&R) — que foi elaborado como uma entrevista. para esclarecimentos de
dúvidas sobre as Portarias 336 e 189 lançadas no mesmo ano, examinadas na
sessão anterior.
105
Agentes
A análise deste texto também trouxe como principal agente das ações/práticas o
CAPS (mencionados em todas as suas modalidades). Em seguida aparecem termos
como ‘serviço’; ‘profissionais’; ‘equipe (multiprofissional)’ e, sendo acrescentados
termos que as portarias não usam, surgem ‘trabalhadores’ e ‘cada membro da
equipe’, o que sugere alguma ligação de classe ou de ordem ideológicas entre os
profissionais. A principal inovação na identificação dos agentes do cuidado, pela
forma discursiva do Instrutivo, é a presença de ‘familiares’ e ‘usuários’ nesta
posição, que até então estaria reservada para representantes do poder instituído,
como profissionais ou gestores.
Focos (público- sujeito)
Na outra ponta da relação, a lista de termos figurando como foco da ação não é
muito extensa. Há uma referência inicial a ‘pessoas que sofrem com transtorno
mental’ e, logo após, um destaque enfático para ‘familiares’, surgem também as
formas ‘usuários’ e ‘demanda’. Mas, o conjunto dos termos utilizados no Instrutivo
para identificar o público–sujeito compõe-se principalmente de ‘o/s paciente/s’.
Nesse conjunto, a expressão ‘transtornos severos (e persistentes)’ funciona como
um adjunto várias vezes utilizado.
Práticas/ações
Entre esses dois pontos da relação, conectando os termos para agentes com os
termo para público–sujeito está uma lista relativamente extensa de práticas ou
ações. Algumas inclinadas para a composição de uma certa postura ou atitude, tais
como ‘responsabilidade (de cuidar)’; ‘garantir relações’; ‘vínculo’; ‘acolhimento’;
‘ambiência terapêutica acolhedora’. Outras mais diretamente relacionadas a
106
implementações técnicas, como ‘cuidados clínicos’; ‘atendimento’; ‘procedimentos
(específicos)’; ‘permanência diária’; ‘recursos de natureza clínica’; ‘medicamentos’;
‘moradia; trabalho; lazer’. Algumas outras mais abstratas, difíceis de apreender em
uma só sentença, como ‘considerar o cuidado intra-, inter- e trans-subjetivo’.
Algumas mais concretas como ‘respeitar/potencializar’ — são estas, que associadas
a ‘iniciativas locais’, reconfiguram os focos ‘usuários’ e ‘familiares’, colocando-os na
posição de agentes. Ainda neste texto, a expressão ‘gerenciamento de caso’ é
introduzida na formulação do termo ‘projeto terapêutico’ que surge, aqui também,
como o elemento mais importante para significar as ações que os CAPS dirigem
para o seu público–sujeito.
De maneira semelhante às portarias, o Instrutivo não chega propriamente a
definir o conceito de ‘projeto terapêutico’, mas ressalta que “Os projetos
terapêuticos dos CAPS serão singulares, respeitando-se diferenças regionais,
contribuições técnicas dos integrantes de sua equipe, iniciativas locais de familiares
e usuários e articulações intersetoriais” (CAPSP&R, p. 1). E remete sua
caracterização a noções de ‘acompanhamento ou atendimento/cuidado (intensivo;
semi–intensivo e não intensivo)’. Além de revelar as implicações dessas categorias
de cuidado em termos de seus efeito burocrático ou administrativo: “A intenção é
substituir a lógica de ‘turnos de atendimento’, da Portaria 224/92, por uma
nomenclatura operativa que permita o registro das configurações mais ‘regulares’
de projeto terapêutico” (CAPSP&R, p. 2).
Tal qual a Portaria 339, o Instrutivo define ‘cuidado intensivo’, como ‘‘um
conjunto de atendimentos que será oferecido pelo CAPS a um paciente que, por
causa de seu quadro clínico, necessita de um cuidado diário, por parte de uma
equipe multiprofissional e especializada” (CAPSP&R, p. 2). Aqui, ao contrário da
portaria, há uma ressalva importante: ‘‘As noções de cuidado intensivo, semi–
107
intensivo e não–intensivo não são vinculadas aos turnos, mas aos cuidados clínicos
e projetos terapêuticos dos pacientes” (idem, ibdem). Essa observação marca uma
abertura para que ‘o paciente’ possa “ser cuidado intensivamente através de
atendimento domiciliar”. Enfatizando que “o mesmo raciocínio vale para os
chamados cuidados semi- intensivo e não intensivo” (id., ib.).
Feita a ressalva, ‘O cuidado semi–intensivo’ é definido como um “conjunto de
atendimentos oferecido pelo CAPS ao paciente, que por sua condição clínica,
necessita de uma atenção freqüente” (id., ib.) e ‘cuidados não-intensivos’ como um
“conjunto de atendimentos prestados mensalmente ou quinzenalmente ao paciente,
que por seu quadro clínico e projeto terapêutico, necessita de um acompanhamento
mais espaçado, ou mesmo mensal.” (id., ib.).
Novamente, podemos observar que o projeto terapêutico se caracteriza,
sobretudo, pela variação na intensividade dos cuidados prestados e, por sua vez, a
variação na intensividade é marcada meramente pela freqüência ou pelo intervalo
entre os atendimentos, sem qualquer referência a posturas ou outros qualificativos
para as ações. É possível encontrar um tom mais reflexivo nessa definição, quando
o Instrutivo, tratando dos procedimentos para a cobrança dos serviços, aborda o
problema do ‘paciente’ que precisa passar de um de regime de atendimento para
outro. Neste trecho o documento registra que ‘A mudança de uma forma intensiva
de cuidado para uma forma aqui chamada de não intensiva, é altamente desejada,
(sic) quando realizada progressivamente e segundo critérios psicossociais e clínicos.’
(id., p3 grifo meu). Entretanto, o tom reflexivo não ultrapassa essa breve referência,
não especificando quaisquer detalhes sobre esses critérios.
108
Finalidade
Submetido ao crivo de análise, o texto do Instrutivo apresentou uma estrutura
discursiva em que agentes, ações/práticas dirigidas e seus respectivos focos,
identificados pelos termos que apresentei até agora, integravam um conjunto no
qual o quarto componente, a finalidade, era significada por uma lista reduzida de
termos propositivos — ‘inserção social’; ‘inclusão (social)’ e ‘qualidade de vida’ —
moderados por alguns adjuntos como ‘respeitando as possibilidades individuais’.
Mais reduzida ainda foi a lista de termos denegatórios. ‘Minimizar o estigma’;
‘substituir a lógica de turnos de atendimento’ e ‘deixar de precisar comparecer ao
CAPS diariamente’ foram as únicas três expressões que pude marcar como
finalidades, ligadas a um sentido negativo.
Tendo percorrido os quatro componentes básicos que o crivo de análise
visibiliza, considero que a organização dos elementos discursivos, que se articulam
para produção dos sentidos do cuidado no CAPS no texto do Instrutivo, possa ser
sintetizada no diagrama esquemático apresentado:
Fig. 3 – o discurso do cuidado no CAPS a partir do Instrutivo da CNSM/MS
o/os Paciente/s
Projeto terapêutico/ intensividade do cuidado
pessoas com TM
procedimentos
acolhimento
trabalhadores
usuários/ familiares
integração
inserção social
profissionais
familiares
recursos locais
vínculo
Equipe mínima
portadores de TM
cuidados clínicos
medicamentos
inclusão
qualidade de vida
os usuários
permanência
CAPS
possível
Território
agente a
ç
ão/
p
rática
sujeito-público
finalidade
109
Síntese da articulação dos repertórios no Instrutivo da CNSM
Neste diagrama, o CAPS ocupa o espaço principal entre os agentes do cuidado,
sendo esse grupo integrado, de um lado por termos mais próximos de um sentido
técnico como ‘profissionais’ e ‘equipe mínima’ (perspectiva multidisciplinar); e de
outro por termos mais próximos de um sistema sócio–político como ‘trabalhadores’;
‘usuários’ e ‘familiares’.
A noção de ‘projeto terapêutico’, que se caracteriza pelos regimes de cuidado
‘intensivo’, ‘semi–intensivo’ e ‘não intensivo’, regula a oferta de uma grande lista de
ações que variam desde a produção de ‘vínculo’ e de uma ‘ambiência terapêutica
acolhedora’, relacionados com uma certa postura, até uma série de procedimentos
específicos, como ‘medicamentos’, ‘psicoterapia’ e ‘permanência no repouso’,
relacionado com uma idéia de recursos de natureza clínica e material.
O ‘território’ tão mencionado nas portarias, aparece aqui menos
enfaticamente, como um elemento que categoriza o foco das ações, como por
exemplo, quando diz que o CAPS deve responder a ‘100% da demanda de
portadores de transtornos severos de seu território’. Essa demanda se identifica
principalmente por meio do termo ‘O/s paciente/s’. Os termos ‘familiares’ e
‘usuários’ — que também figuram como agentes — aparecem aqui, de modo um
pouco mais destacado do que a expressão ‘pessoas que sofrem com transtorno
mental’ ou simplesmente ‘portadores de transtorno mental’. O discurso do cuidado
organizado com estes termos tem como finalidade, ou meta, um sentido positivo
que se organiza em torno de valores como ‘inclusão’; ‘inserção social’; ‘integração’ e
‘qualidade de vida’. Todos, de certo modo, comedidos ou moderados pelas noções de
‘possível’ e de ‘possibilidades individuais’.
110
Esse diagrama reproduz uma segunda organização discursiva a partir da
qual é possível apreender os sentidos do cuidado no CAPS. Antes dela, foram
examinadas as portarias, que ofereceram um esquema razoavelmente distinto.
Agora, para concluir esta fase de apresentação de resultados, vejamos os termos
encontrados na análise discursiva dos boletins submetidos ao crivo.
O
DISCURSO DO CUIDADO NO
CAPS
NOS BOLETINS DA
C
OORD
.
DE
S
AÚDE
M
ENTAL
Retirado dos números 14, 15 e 18 do boletim ‘Saúde Mental no SUS’, o terceiro e
último conjunto de textos submetidos à análise discursiva mostrou-se mais denso e
rico do que os dois conjuntos anteriores. Os textos dos dois primeiros abordam o
tema dos CAPS diretamente, como a convocatória para o Congresso Brasileiro de
CAPS, assinada pelo Coordenador de Saúde Mental, ou a divulgação do balanço do
Congresso, com notas sobre as discussões realizadas e com as estatísticas das
participações, ao passo que a edição especial n. 18, trata do CAPS no âmbito geral
da política de saúde mental. Na carta de abertura dirigida aos gestores, na
apresentação da estratégia nacional de prevenção do suicídio, das políticas de
Redução de Danos e de Saúde Mental Infanto–juvenil, dos programas Volta Pra
Casa e Serviços de Residência Terapêutica, em todos esses processos, o CAPS
aparece como um elemento estratégico e fundamental.
Esse conjunto de textos retirados dos boletins oferece uma visão mais ampla
do CAPS. Apresentam o CAPS, não como uma unidade, mas como um dispositivo,
como o elemento principal de um sistema dinâmico e integrado. Nesse sentido, as
palavras do Coordenador de Saúde Mental, na convocatória para o congresso de
CAPS são indicativas dessa integração:
111
Os CAPS são o dispositivo estratégico de uma política estratégica, assumida
pelo governo federal como um todo, pelos estados e municípios, pelas
instâncias de controle social. Os CAPS não são, nem devem ser, a totalidade
da rede assistencial, mas constituem o núcleo estratégico desta rede.
(SMSUS-n14- 2004, p. 8).
Essa condição de dispositivo político estratégico que o CAPS assume, mais
evidentemente no discurso dos boletins, permite a organização de certos repertórios
interpretativos. Abre-se, nesse gênero de fala, a possibilidade de um cenário mais
complexo, no interior do qual os agentes, as práticas e seus respectivos público–
sujeitos são identificados por uma constelação de termos significativamente mais
diversificada do que nos outros documentos.
Agentes
No caso dos termos usados para fazer referência aos agentes, a análise gerou
quatro conjuntos. Um, primeiro conjunto de termos propriamente ligados à
entidade ‘CAPS’, com suas derivões mais diretas como ‘rede CAPS’; ‘CAPSIII’,
‘CAPS i’ etc. e um substituto mais genérico bastante utilizado: ‘serviço/s’. Um
segundo conjunto de termos ligavam-se a órgãos públicos, personagens e/ou
instâncias governamentais, como ‘gestor/es’; ‘coordenadores/coordenação de SM’;
‘secretários estaduais’; ‘estados e municípios’; ‘Ministério da Saúde/MS’; ‘Min.
Desenvolvimento Social/Justiça’. E até mesmo o ‘Ministro Humberto Costa’ é
mencionado por Instituir o ‘Fórum de Atenção à Saúde Mental infantil’ que, em
certos momentos, também pode ser identificado como agente.
E como agente, este fórum integra um terceiro grupo, do qual fazem parte
termos que indicam uma noção de sistemas organizacionais ou de processos
institucionais ligados à saúde mental. Neste grupo a idéia mais evidente é a de uma
organização em ‘rede’. Aqui o agente é geralmente identificado por termos como
112
‘rede ampliada’; ‘rede de atenção’; ‘rede de cuidados’; ‘estratégia/dispositivo
estratégico’, incluindo sistemas instituídos pelo próprio governo — como a ‘atenção
básica/PSF/PACS’ ou os ‘Programas de Volta pra Casa e o Serviço de Residência
Terapêutica’, além de sistemas não-governamentais — como ‘instâncias de Controle
Social’. Ou ainda, dando a idéia de uma forma, ou um princípio de atuação como
‘parcerias’; ‘interdisciplinaridades’; ‘ações intersetoriais’ e ‘troca de experiência’. Um
elemento importante que também ocupa a posição de agente neste repertório é a
própria ‘Reforma Psiquiátrica’, vista como princípio ou modelo de ações a partir do
qual se estabelecem as formas de atuação.
Há ainda um quarto repertório de termos por meio dos quais se produz a
figura do agente. Esse repertório reúne referências diretamente ligada às pessoas.
De modo bem geral, poderíamos dizer que este repertório é o que evidencia os
Recursos humanos do CAPS. Sem dúvida, os termos privilegiados pelo boletim para
se referir a esse conjunto é o termo ‘os trabalhador/es’. Com destaque para a
expressão ‘trabalhadores de um novo tipo social’ usada uma única vez, mas com
um peso significativo por conta da referência à condição inovadora e peculiar da
atuação no CAPS.
Além de ‘trabalhadores’, os RH do CAPS (ou da rede de saúde mental que o
CAPS compõe) são referidos por termos mais ligados ao universo técnico como
‘profissionais’; ‘equipe’ e ‘suporte profissional’, ou mais ligados a um paradigma
sócio–político como ‘cidadão’ e ‘familiares’ e até mesmo os próprios termo ‘usuários’
e ‘pessoas’ – nessa posição, sem qualquer referência a transtornos mentais. Todos
esses termos integram um conjunto de elementos que podem ser localizados, nas
formações discursivas, como as fontes ou pontos de partidas das ações ou práticas
apresentadas.
113
Práticas/ações
Por sua vez, essas ações/práticas podem ser agrupadas em outros conjuntos de
termos. Um mais freqüente nos boletins e que remete a um sentido mais
abrangente de atuação, é o conjunto de termos que indicam uma intervenção
sistêmica como ‘ampliar rede’; ‘ampliar cobertura assistencial’;
‘apoiar/implantar/implementar’; ‘articular ações’; ‘construções coletivas’; ‘construir
cidadania’; ‘construir rede de atenção’; ‘tecer rede de cuidados’; ‘questões
sociais/políticas’ ‘atenção à saúde mental infanto–juvenil’. Outros sinalizam uma
abordagem estratégica ‘advocacy’; ‘desinstitucionalizar’; ‘controlar emissão de
AIH/psiquiátrico’ ‘estender as ações da Reforma Psiquiátrica’; ficar no centro
virtual’; ‘política estratégica’. Esses termos integram uma dimensão do CAPS
sintetizada na afirmação do coordenador de Saúde mental: ‘os CAPS têm a função
de construir o território de atenção e tecer a rede de cuidados, garantindo o acesso
e a eqüidade.’ (SMSUS-n14-anexai 2004, p. 8)
Um segundo conjunto, em termos de práticas, sinaliza uma modalização das
ações. São referências que qualificam os procedimentos aproximando-se do
discurso da humanização nos serviços de saúde, embora esse termo propriamente
dito não tenha sido utilizado nos textos submetidos ao crivo. Trata-se mais de um
conjunto de valores que indicam uma postura ou atitude como ‘laços sociais’;
‘liberdade’; ‘afetuoso/delicado/gentil’; ‘competente/eficaz’; ‘partilhar sonhos’; ‘se
colocar como sujeito e objeto’; ‘diálogo/dialogar/encontro’. Alguns termos do
cenário mais contemporâneo, como ‘respeito à diferença’ e ‘considerar a
singularidade’.
As ações/práticas nessa rede — da qual o CAPS é o dispositivo principal —
também são referidas em palavras ou expressões que indicam atividade em sentido
114
mais técnico: ‘procedimentos’; ‘atribuições múltiplas’; ‘fiscalizar/regulamentar’;
‘oficinas (de arte)’; ‘supervisão clínica’; ‘treinamento’. Ou que lembram mais
diretamente o ‘cuidado’ como um procedimento particular já visto em outras
formações discursivas como ‘assistência’; ‘acolhimento’; ‘atender/atendimento’;
‘acompanhar/ acompanhamento’; ‘tratamento’; ‘processo terapêutico’; ‘o cuidado
em saúde mental’; ‘cuidado quotidiano’ e ‘reabilitação psicossocial’.
Entre os repertórios vinculados às práticas do CAPS e sua rede de cuidados
há um que remete à idéia de recursos econômicos ou de condições materiais. É o
que se compõe de termos como ‘abrigo’; ‘moradia’; ‘geração de renda’; ‘investimento’;
‘questões econômicas’; ‘garantir insumos’; ‘incentivos’; ‘recursos financeiros’;
‘recursos materiais’. Em todos estes repertórios figuram expressões vinculadas ao
caráter inovador com que se reveste o sistema de atenção à saúde mental, a partir
da implantação dos CAPS, expressões como ‘inovação tecnológica’; ‘trabalho
peculiar’; ‘nova clínica’; ‘nova condição’; nova forma de relação’; ‘novo lugar’;
‘transformar relações’.
Foco (público-sujeito)
Todos esses repertórios interpretativos integram uma rede complexa em que
agentes e ações, organizando-se como ‘identidades e atribuições múltiplas’, dirigem-
se para um foco igualmente complexo, articulam-se com um sujeito-público que
assume uma diversidade de figuras.
Nos textos dos boletins essa diversidade é bastante ampla. Surgem alguns
agrupamentos básicos de termos com os quais se pode identificar o foco das ações
principiadas pela/na rede de agentes. Um dos principais agrupamentos constitui
um repertório que caracteriza as pessoas, algo correspondente aos recursos
115
humanos, só que na outra ponta do serviço. Alguém poderia dizer ‘a clientela’.
Neste conjunto aparecem alguns termos mais ligados a uma classificação coletiva
como ‘brasileiros’; ‘população infanto–juvenil’; ‘residentes em instituições de longa
permanência’; ‘populações vulneráveis’; populações indígenas’; ‘portadores de HIV’;
‘trabalhadores do CAPS’; ‘usuários de álcool e drogas’; ‘jovens e idosos’; ‘moradores’.
Outros mais ligados a uma condição individual como ‘cada um’; ‘indivíduo/s’;
Alguns outros que não são exatamente um coletivo nem uma categoria individual,
como ‘cidadãos’; ‘pessoas (com transtorno mental’); ‘quem precisa de cuidados’;
‘homem/mulher/companheiros(as)’. Um destaque especial para um termo que
identifica um tipo particular de sujeito–público das ações, como se correspondesse à
ação já mencionada de ‘se colocar como sujeito e objeto’ aparecem como foco das
práticas ‘o próprio trabalhador’ e ‘si mesmos’, indicando um sentido reflexivo na
atuação da rede.
Um segundo repertório para identificar o foco dessas ações refere-se às
instituições do sistema público ou a entidades governamentais ou não. ‘(rede de)
Atenção básica’; ‘centros de desintoxicação’; ‘comunidades terapêutica’; ‘cobertura
do SUS’; ‘estados e município/s’; ‘cidade’; de ‘municípios [seguido de parâmetros
populacional ou de porte]’; ‘Organizações não governamentais que trabalham na
prevenção do suicídio’; ‘Sistemas de Informação(SI)’.
Um terceiro conjunto de termos como ‘crise (urbana/brasileira)’;
‘comportamentos de alto riscos’; ‘interfaces’; ‘cultura(brasileira)’; ‘políticas sociais’;
‘políticas de saúde’; ‘transtorno mental (devido ao uso de álcool e outras drogas)’
configura uma atenção voltada para fenômenos ou processos. O teor mais reflexivo
desse agrupamento surge em termos como ‘relações com usuário e familiares’;
‘condições de atendimento’; ‘tensões laborais’; ‘o próprio trabalho’.
116
Finalidades
Todos esses conjuntos de termos estão articulados numa trama de
repertórios da qual resulta uma estrutura complexa de agentes, ações e focos. Na
extremidade dessa trama, figurando como finalidades, além das expressões já
encontradas como ‘inclusão social’ e ‘integração’ começam a figurar outras mais,
como ‘acesso e igualdade’; ‘ampla participação’. Umas até mais condizentes com a
amplitude desse arranjo — como ‘utopia’ e ‘histórico projeto coletivo’ — e outras
particularmente pertinentes para o caráter inovador do CAPS: ‘um novo lugar social
para a loucura’ e ‘uma nova geografia para a experiência da loucura’. Dessas
finalidades algumas se apresentavam como uma denegação ou como uma contra–
proposta: ‘superação do paradigma de tutela’ e ‘não se manter a lógica asilar’.
Esse conjunto de termos e expressões que organizam o sentido do cuidado
no CAPS a partir do discurso dos Informativos, não se permite representar com
facilidade em esquemas e diagramas, principalmente porque nessa formação
discursiva, os sentidos do cuidado no CAPS extrapolam a própria circunscrição
figurativa do CAPS. A despeito dessas dificuldades, insisto no recurso do diagrama,
não como a representação de qualquer dado de realidade, mas como a síntese de
uma compreensão particular. Pensando que a palavra síntese também carrega o
sentido de uma elaboração nova. Não simplesmente o resumo, mas uma re-
interpretação. Por isso, na página seguinte é possível conferir uma possibilidade de
diagramação para a trama encontrada no discurso dos boletins
trabalhadores (de um novo tipo)
usuários/ familiares
integração
inserção social
Ministérios/ MS/CNSM
gestores/ sec. SM
inclusão/
utopia/hist. proj. colet.
estado/municípios
pessoas
suporte profissional
Estratégias Nacionais
PSF/PAC/atenção básica
Reforma Psiquiátrica
Parcerias/ ações intersetor
CAPS/serviço(s)
Res. Tera
p
.& V.
p
ra Casa
Rede ampliada
c
i
dadãos
recursos
econômicos
investimentos
abrigo/moradia
geração de renda
garantir insumos
municípios
cultura(brasileira)
novo lugar/geografia pra loucura
política de saúde
cobertura do SUS/Território
reabilit. psicossoc.
tratamentos
ficalizar/regular
diálogo/encontro
respeitar diferenças
liberdade/autonomia
partilhar sonhos
treinar/supervisionar
cuidados quotidianos
laços sociais
atendimento
nova forma
de relação
nova clínica
construir território
Apoiar/auxiliar
tecer a rede
advocacy
congressos/eventos
inovação tecnológica
Paciente/s mentais
pessoas (com TM)
familiares
trabalhadores de CAPS
os usuários
idosos
populações vulneráveis
indivíduos
cidadãos
quem precisa de cuidado
brasileiros
comport. de risco
uso de álcool e drogas
tensões laborais
cada um
cidades
próprio trab.
centros de desitox.
ONG
Atenção básica
j
ovens
Ampla participação
Fig. 4 – o discurso do cuidado no CAPS nos Informativos da Saúde Mental
Agentes
Práticas/ Ações foco (sujeito público) finalidades
ações estratégicas
118
Síntese da articulação dos repertórios nos Informativos Saúde Mental no SUS.
Para ser fiel à compreensão do CAPS, trazida pelos boletins, como um dispositivo
estratégico, integrado (estrategicamente) a uma rede para–institucional — com
filamentos de interseções científicas, políticas, jurídicas, econômicas e culturais, seria
preciso evitar diagramas representativos. Quem quisesse reproduzir as múltiplas
possibilidades de práticas efetivadas pelas redes tecidas a partir do CAPS, como se
fazem presentes no discurso dos boletins, o poderia compor qualquer lista. Contudo,
como já disse, não há aqui uma preocupação em re-presentar nem em manter qualquer
fidelidade a nenhum sentido original.
Como está, o diagrama permite ver que os agentes, agrupados no alto do
esquema, formam três colunas. A primeira composta de órgãos ou entidades
governamentais, ‘o Ministério da Saúde’, ‘os gestores’ etc. A segunda é formada pelo que
caracteriza os recursos humanos dessa formação: ‘trabalhadores’, ‘profissionais’, se
juntam a ‘usuários e familiares’ no papel de agentes humanos de cuidado. Na terceira
composição, a Reforma Psiquiátrica e uma série de outros sistemas constituem uma
rede de estratégias a partir da qual as práticas são efetivadas. Na base desse conjunto,
integrando a rede numa posição de suporte está o ‘CAPS’.
Esse sistema deflagra de modo integrado, uma série de ações que podem ser
agrupadas em quatro eixos. Primeiro um que pode ser chamado de ‘ações estratégicas’,
no qual se reúnem uma série de atividades ligadas à ampliação dos princípios e da
sistemática que fundamentam a Reforma Psiquiátrica. Atividades ligadas a
‘pesquisa/eventos’, ilustradas por termos como ‘tecer a rede’; construir o território’.
Depois um conjunto de termos representado pela expressão ‘recursos econômicos’, ao
qual se vinculam ‘geração de renda’; ‘moradia’; ‘economia solidária’ etc. Em terceiro
lugar, há um conjunto de atividades mais ligadas aos afazeres da Unidade de saúde que
o CAPS constitui, reunidos sob o título de ‘cuidados quotidianos’. Neste conjunto
entram ‘atendimento’; ‘assistência’; ‘fiscalizar/regular’ e um termo particularmente
119
associados aos CAPS: ‘reabilitação psicossocial’. Por último, mas não menos
importante, um conjunto de atividades também particulares ao CAPS, pode ser reunido
sob a expressão ‘laços sociais’. Um repertório que insere nos projetos de cuidado do
CAPS a questão do valor e das atitudes, a partir de expressões como ‘partilhar sonhos’;
‘liberdade e acolhimento’ para quem precisa de cuidado’; ‘afetuoso/ gentil’; ‘respeito às
diferenças’ etc.
Em cada um desses quatro eixos de ações/práticas figura em destaque (com
linha tracejada) expressões que evidenciam o caráter inovador desses dispositivo de
cuidado: ‘inovação tecnológica’; ‘nova clínica’; ‘nova forma de relação’.
No terceiro nível do diagrama, como alvo desse turbilhão de ações, o sujeito
público que recebe os cuidados pode ser organizado em três grupos. O primeiro
representado por entidades institucionais, órgãos governamentais e não–
governamentais, instâncias do governo, referidos principalmente como ‘municípios’ e
‘cidades’, serviços de ‘Atenção básica’; ‘centros de desintoxicação’ etc. Um segundo
repertório reúne termos como ‘usuários’, ‘pacientes mentais’; ‘cidadãos’; ‘jovens e
idosos’, formas diferentes de identificar ‘pessoas’, nem sempre acompanhados do termo
adjunto ‘transtorno mental’. Melhor referidas pela expressão ‘quem precisa de cuidado’.
O último conjunto de termos encontrados nos boletins para referir o foco das
ões/práticas implica um sentido mais situacional, refere-se mais a processos e não a
entidades. Nesse conjunto são alvos das ações dos CAPS (e da rede ampliada) ‘a
cultura’; ‘a crise urbana’; ‘as tensões laborais’; os ‘comportamentos de risco’ e as
‘políticas de saúde’.
Na saída desse circuito — que obviamente é aberto estão expressões
significativas de uma finalidade. Com destaque para a idéia de ‘utopia’ e ‘histórico
projeto coletivo’ que se vinculam a expressões como ‘um novo lugar social para a
loucura’ e ‘uma nova geografia para a experiência da loucura’.
120
6. Discussão dos resultados
O desejo diz: ‘Eu não queria ter que entrar nessa ordem
arriscada do discurso; não queria ter de me haver com o que
tem de categórico e decisivo; gostaria que fosse ao meu redor
como uma transparência calma, profunda, indefinidamente
aberta, em que os outros respondessem à minha expectativa,
e de onde as verdades se elevassem uma a uma, e eu não
teria senão de me deixar levar, nela e por ela, com um
destroço feliz’
22
.
exposição que eu gostaria de oferecer neste capítulo
corresponde à imagem de uma transparência calma e
indefinidamente aberta, onde as verdades se dariam a
conhecer mansamente. Mas, essa imagem é da ordem de
um desejo. A ordem do discurso, como nos ensina
Michel Foucault (2005b), não é mansa; é muito mais perigosa.
Arriscada e turbulenta, a discussão que apresento aqui estará apoiada nos
dados que trouxe. E, como acaba de ser dito, os dados não foram, nem são, ‘dados’.
Eles foram, e sempre serão, ‘trazidos’; ‘arrancados’ de onde quer que estejam ou
‘convencidos a vir’, para darem um testemunho; para compor um discurso de
esclarecimento. Neste caso, um discurso sobre os sentidos do cuidado associado
aos CAPS em textos técnicos do Ministério da Saúde.
Antes — enquanto os dados são enfileirados para ‘dar’ seu testemunho —
algumas notas de esclarecimento… é preciso observar que os textos analisados,
22
FOUCAULT, Michel. (2005). A ordem do discurso – Aula inaugural no College de France, Pronunciada em 2
de dezembro de 1970. (Leituras Filosóficas) São Paulo: Loyola. p. 6
A
121
apesar de serem todos técnicos e assinados pelo Ministério da Saúde, diferem sobre
dois aspectos: a) efeito pretendido e b) identificação de autoria. Observemos
Quanto ao efeito pretendido (normativo/informativo), as portarias são para
normatizar ou regulamentar; o Instrutivo, como o próprio nome já diz, são para
explicar ou instruir e os boletins, para informar. Quanto às identificações autorais
— As portarias são particularmente assinadas, uma pelo então Ministro José Serra,
outra pelo Secretário de Atenção à Saúde (SAS), Renilson de Souza; o Instrutivo e
os boletins são assinados pela Coordenação da Área Técnica da Saúde Mental.
Obviamente, essas distinções vão se refletir nas linguagens adotadas em cada
contexto, o gênero de fala prescrito pra cada documento varia em função desses
fatores de ordem organizacional, e isso afeta diretamente a produção de sentidos.
A pesar dessa variação, é possível — por meio de uma abstração — tomar e
analisar esses documentos, para compreendê-los ora como um conjunto
relativamente integrado que ilustre ‘a fala’ do Ministério da Saúde, ora como grupos
discursivos menores que representem as falas de cada instância em particular.
Há mais alguns aspectos que precisam ser observados no material que
emergiu do universo de textos para compor o corpus da análise. Um é a sua
situação intermediária, pois são textos que nos remetem a discursos instaurados
entre o macro–estrutural da formulação e implementação de políticas públicas e
micro-processual das conversas cotidianas; e outro é a sua contemporaneidade,
pois são documentos publicados muito recentemente.
Como já vimos, na esquematização do traçado metodológico, os textos
analisados são práticas discursivas que se localizam num plano particular das
interações sociais. Não correspondem às estruturas mais estáveis que organizam os
discursos macro–políticos, que se orientam para o estabelecimento de princípios de
122
ação e que sofrem mudanças mais lentamente. Mas também não correspondem à
dinâmica discursiva das interações cotidianas. Das primeiras se distinguem por se
aproximarem mais de um nível operativo, de uma linguagem dirigida não à fixação
de princípios, mas à prática efetiva; das segundas, porque, sendo discursos pré-
concebidos e fixados no espaço material, aparentam estar mais livres de
contradições. A dialogia neles torna-se menos visível do que na interação face a
face.
O segundo aspecto a considerar é que todos os textos selecionados para
compor o corpus foram publicados a partir de 2002. Entretanto, como é possível
observar pela sistematização inicial, e pelo recorte histórico adotado por Amarante
(1995), os CAPS de hoje são dispositivos que resultam de um processo
relativamente longo. Processo este que, no Brasil, tem suas raízes num movimento
político-trabalhista
23
nos anos 70, que começa a se consolidar como estratégia
administrativa no final dos anos 80 (cf. Lancetti et alii., 1989; Amarante, 1995) e,
após passar por um esmorecimento no final da última década passada (Rosa, 2002;
CFP, 2000), recupera seu vigor na entrada deste milênio.
Essa concentração do corpus em um recorte de período tão curto (de 2002 a
2005), dentro de um cenário político que atravessa mais de vinte anos, pode
dificultar a compreensão das transformações (ocorridas ao longo do tempo) nos
repertórios que articulam cuidado e CAPS nesse plano discursivo. Entretanto, com
a sistematização dos documentos, e a revisão da bibliografia, é possível afirmar que,
se a palavra ‘cuidar’, já nos anos 80, acompanhava discretamente a reflexão sobre a
metodologia da desistitucionalização na Europa (Rotelli, Leonardis e Mauri, 2001), o
23
Amarante (1995) lista uma série de atores institucionais na composição da Luta Antimanicomial e da
implementação da Reforma Psiquiátrica, mas indica o Movimento de Trabalhadores da Saúde Mental - MSTM,
como o protagonista desse processo coletivo.
123
uso do termo ‘cuidado’ como uma expressão conceitual ou temática no campo da
saúde mental só ganha ênfase, no início do milênio atual.
Estou, por isso, inclinado a supor que a adoção desse termo, de forma mais
enfática e abrangente, só passa a figurar no âmbito dos discursos técnicos, após o
surgimento de proposições teóricas em torno de um ‘paradigma do cuidado’
implicado na revitalização das discussões sobre ‘Atenção Integral à saúde’ e
‘Humanização dos serviços” (Ayres, 2001 e 2004; Rosa, 2000, 2003; Costa, 2004;
Pinheiro e Mattos, 2004). A propósito dessa hipótese, é importante observar que, a
II Conferência Estadual de Saúde Mental no ES, e a III Conferência de Sde
Mental, em Brasília, ambas ocorridas em 2001, tinham como tema ‘Cuidar, sim;
excluir não! – efetivando a reforma psiquiátrica com acesso, qualidade, humanização
e controle social’. E que esse brado, ‘cuidar, sim; excluir, não’ também foi adotado
como lema na composição da logomarca do Informativo Saúde Mental no SUS,
lançado em 2002. Antes desse momento, numa visão geral, os textos relativos à
reforma psiquiátrica — tanto técnicos quanto acadêmicos — além de falarem mais
enfaticamente em desinstitucionalizar; fazem referências aos verbos prevenir, incluir,
assistir, inserir atender ou tratar (problematizando ‘a abordagem preventiva’; ‘a
exclusão’; ‘o modelo de atenção’; ‘a assistência’ e ‘o tratamento’ — até então, quase
nunca ‘o cuidado’).
Por outro lado, não era objetivo desta pesquisa rastrear a inserção do
paradigma do cuidado no discurso da Reforma Psiquiátrica, mas sim compreender
o sentido que o cuidado assume ao ser articulado com um dos dispositivos desse
discurso, o CAPS. Coisa que já começamos a fazer quando podemos observar a
articulação entre a tematização do cuidado — seja como o oposto da exclusão, na III
Conferência de Saúde Mental, seja como atividade do quotidiano no Congresso
124
Brasileiro de CAPS — e o desenvolvimento desse novo paradigma prático–
conceitual, ocorrendo simultaneamente na abertura do Séc. XXI.
Outros aspectos, relativos aos sentidos do cuidado no CAPS se depreendem
dos textos analisados. Podemos observar, por exemplo, que à medida que os textos
se aproximam de uma finalidade informativa, os sentidos são complexificados e
mais abrangentes; inversamente, quando assumem mais o caráter normativo, a
abrangência e a complexidade diminuem de modo significativo.
Obviamente, pode se argumentar que essa diferença se deve às exigências de
cada gênero de fala, uma vez que as portarias são dispositivos norteadores, seu
maior aproveitamento dependeria de uma formulação mais sintética e assertiva, ao
passo que os boletins, por não serem dispositivos de comando, podem se permitir
um discurso mais colorido e disperso, menos definitivo, atravessado pela
(des)ordem cultural e subjetiva, enfim, mais passível de variações e até
contestações.
Entretanto, essa explicação formal da distinção, não diz muito sobre sua
finalidade, ou mais especificamente sobre seus efeitos. Ao entendimento destes,
podemos chegar pela presunção de um princípio da complementaridade entre os
discursos, ou de uma conjunção entre os dispositivos de controle. Trata-se de
formações discursivas que se sustentam mutuamente, e como tal, precisam
delimitar-se de modo muito visível. A eficácia da Portarias, como dispositivo
regulador, depende em parte de um embotamento, ou de um aparente fechamento
na linguagem técnica, que são garantidos pelo contraste com o Instrutivo e os
boletins — com sua linguagem menos hermética, mais colorida e idealista. E vice-
versa, o caráter não restritivo e mais idealista do Instrutivo e, principalmente dos
Informativos, é atestado pelo contraste com as portarias. Essas sim, carregadas de
definições codificadas em uma linguagem objetiva e pálida.
125
Esse é o cenário discursivo dos documentos que regulam a produção de
sentidos do cuidado nos CAPS. Um jogo de posições no qual discursos assertivos e
aparentemente neutros, como os das Leis e das Portarias, complementam discursos
mais opinativos e aparentemente abertos, como os do Instrutivo e dos boletins.
Ambos, articulados com os discursos acadêmicos ou científicos, que se pronunciam
revestidos de autoridade a partir de diversos campos de saber, convergem para a
efetivação dos sentidos do cuidado objetivados e definidos no bojo de uma proposta
política. E esta proposta não se poderia efetivar mantendo a opção por apenas uma
dessas formações discursivas. Ou seja, para efetivar os sentidos do cuidado
buscado pela Reforma Psiquiátrica e acionados pelo/no CAPS, não seria suficiente
uma formulação de práticas discursivas em termos unicamente técnicos/jurídicos,
nem unicamente ideológicos/subjetivos. Para tal finalidade mostra-se mais
proveitoso a articulação sistemática de todas elas. Como o Ministério da Saúde vem
fazendo
24
.
Para examinar de maneira mais detida as implicações dos sentidos de
cuidado no CAPS, encontrados em cada umas das três formas discursivas
analisadas, foi necessário dispensar algumas informações. Seria inviável dar conta
de tudo o que é possível extrair do material analisado. Assumindo essa limitação,
tentarei abordar apenas os pontos que me pareceram fundamentais em cada um
dos três conjuntos, a começar pelas portarias
24
Nesse sentido uma característica do governo atual tem sido a ‘abertura de canais de comunicação’ com a
população, via Internet, pela maior proximidade com os movimentos sociais, pela realização de seminários e
fóruns ou pela publicação de folhetos e cartilhas contendo as diretrizes das políticas específicas. A despeito dos
vários ganhos sociais que pode representar, essa estratégia de comunicação funciona também como dispositivos
de manutenção da política do governo, uma vez que à frente dessas realizações estão pessoas que partilham de
uma determinada ideologia partidária.
126
PACIENTESPACIENTESPACIENTESA HETERONOMIA DO CUIDADO
Sem dúvida, o CAPS representa um avanço tecnológico nas formas de cuidado
psiquiátrico, como é possível concluir, por motivos diferentes, em divers@s
autores/as (Silva, 2005; Vieira Filho e Nóbrega, 2004; Alves e Guljor, 2004; Mostazo
e Kirschbaum, 2003, Yasui, 1989). Nesse sentido, as portarias que regulamentam
seu funcionamento e instituem as normas de registro de seus procedimentos,
representam um ganho político, tanto para a Reforma Psiquiátrica, como para a
sociedade, por facilitarem a expansão desse valioso dispositivo de cuidado e pelo
fortalecimento da nova lógica na qual ele foi engendrado. Apesar disso, é possível
observar que o discurso das portarias, mantém um certo compromisso com a lógica
anterior de uma relação médico–hospitalar que, a partir das diferenças, se
estrutura como experiência de desigualdades.
Adotando uma formulação discursiva de sentido mais técnico/objetivo, as
portarias não recorrem ao uso do termo ‘cuidado’ ou o fazem de uma forma bem
restrita. No sentido de um ‘atendimento’ — que aparece apenas na Portaria 189/02
—, como uma atividade dirigida à/aos usuári@s do serviço, @s quais são colocad@s
na posição de ‘pacientes’.
Entretanto, de modo mais amplo, surge a ‘atenção’ ou a ‘responsabilização’,
condicionadas às ‘coordenações/delegações do gestor local’ e delimitadas pelo
‘território’. Essas atividades (que classifiquei como delegações da gestão) têm como
foco mais evidente o sistema de ‘saúde mental local’, e menos os ‘portadores de
127
transtorno mental’. Nesse tipo de atividade o ‘cuidado’ volta a ser mencionado, mas
como ‘rede de cuidados em saúde mental’.
Os CAPS oferecem ‘cuidados’, (intensivo, semi–intensivo ou não intensivo) às
pessoas portadoras de transtorno mental; mas não às equipes nem às unidades de
saúde local (que, num certo sentido, também seriam usuárias dos serviços do
CAPS). Estas não recebem ‘cuidados’ do CAPS, mas sim outras categorias de
assistência para suas demandas — supervisão, capacitação, cobertura etc. Isso
Sugere, de um lado uma conexão primária entre CAPS e o ‘cuidado’ oferecido aos
usuários do serviço, e de outro, uma conexão secundária entre CAPS e o ‘cuidado’
oferecido pelas redes e unidades supervisionadas. É como se, nas Portarias, o
‘cuidado’ fosse uma prática reservada para as (pessoas) usuárias tomadas como
‘pacientes’, e não para os profissionais do território, que também poderiam ser
vistos (mas não o são) como pessoas usuárias do CAPS.
Além desse sentido do cuidado, como uma ação reservada aos pacientes,
destaca-se nas Portarias, a expressão ‘portadores de transtorno mental’, usada
substancialmente como um termo adjunto, e a predominância do uso isolado de,
‘o/s paciente/s’. Se por um lado, num sentido de uso comum, cuidado pode
combinar com paciente, (pois este precisa daquele) por outro, a utilização recorrente
deste termo em um documento normativo, entra em contradição com uma reflexão
crítica, há muito presente na Reforma Psiquiátrica, sobre qual seria o termo mais
adequado para identificar as pessoas que precisam de cuidados. É possível
encontrar no cotidiano
25
, opiniões que variam do sarcasmo contra o ‘politicamente
25
Refiro-me aqui, particularmente, à experiência pessoal de quem, como eu, conviveu com profissionais de um
Centro de Atenção Psicossocial e/ou com profissionais de saúde inteirados das reflexões sobre a Reforma
Psiquiátrica.
128
correto’ a uma preocupação solene com a nomeação de alguém que busca um
sentido para seu sofrimento, ainda que seja um sentido meramente nosográfico
26
.
Numa revisão das estratégias políticas adotadas pelo movimento de usuários
na Europa do Norte e nos EUA, Vasconcelos (2000, p. 73) aponta que uma das
táticas adotadas por esse movimento foi ‘reverter a marginalidade e o baixo poder
associado ao paciente psiquiátrico’, entre outras coisas, por meio do engajamento
nas políticas e nos serviços de saúde mental, e do questionamento dos “termos
usados para se referir a eles (não doença, paciente etc.) porque reconhecem que a
linguagem tem o poder de manter e/ou mudar relações de poder” (idem, ibidem).
Entretanto, seguindo a perspectiva dumontiana, o autor lembra que a organização
dos usuários norte-americanos, e nos países do Norte europeu, distinguem-se da
América Latina, entre outras coisas, pelo predomínio lá de uma “matriz cultural
individualista” em contraste com a nossa cultura “mais hierarquizada” (Da Matta,
1989 apud. Vasconcelos, 2000).
Aqui no Brasil, com a desinstitucionalização no final dos anos 80, o termo
‘usuário’ foi adotado em substituição a termos como ‘louco’; ‘doente mental’ ou
mesmo ‘cliente’, por serem considerados estigmatizantes, restritivos ou
inadequados, segundo Amarante (1995). Mas, esse autor observa que sua adoção
não significa necessariamente um avanço, pois, ‘em pouco tempo passa-se a
perceber que o termo usuário remete às mesmas conseqüências anteriores” (idem,
p.121). É possível observar que até mesmo os próprios usuários têm se apropriado
dos termos ‘louco’ e ‘loucura’
27
, para revesti-lo de um valor mais positivo, no esforço
26
É bem conhecida dos técnicos a ânsia ou a curiosidade com que alguns/umas usuári@s do serviço de saúde
querem saber o nome do mal que os acometeu. ‘O que é isso que eu tenho?’ é um dispositivo de produção de
sentidos sobre si freqüentemente acionado pelas pessoas diante de um profissional de saúde.
27
Entre as iniciativas citadas (Amarante, 1995) estão a pintura e venda de camisetas com frases de músicas e
poemas que valorizam a identidade do ‘louco’; Organizações que adotam nomes ligados à loucura como o
Projeto Tam-tam; a associação Loucos pela Vida, que deu nome a um dos livros mais importantes no campo.
Mas o termo não é utilizado nenhuma vez nas portarias para se referir aos ‘pacientes’.
129
de subverter a lógica estigmatizante da nomeação. Certamente, a questão não é
tanto o termo adotado, mas o status que o nomeado adquire no processo de
nomeação.
De fato, a desinstitucionalização muda progressivamente o estatuto
jurídico do paciente (de paciente coagido a paciente voluntário, depois
o paciente como ‘hóspede’, depois a eliminação dos diversos tipos de
tutela jurídica, depois o restabelecimento de todos os direitos civis).
Em síntese, o paciente se torna cidadão de pleno direito e muda com
isto a natureza do contrato com os serviços. (Rotelli, Leonardis e
Mauri, 2001, p. 34).
Mas, essa passagem — do paciente ao cidadão — os termos do cuidado disponível
na Portaria, não ajudam a promover. É provável, como sugere o comentário anterior
de Amarante (idem), que a mera substituição de ‘pacientes’ por ‘usuários’ em todos
os textos não seja suficiente para garantir mudanças efetivas no tratamento
dispensado.
Contudo, diante dessa preferência pelo termo ‘paciente’, em detrimento de
todos os outros igualmente possíveis, é difícil não enxergar aí um sinal da
permanência do paradigma médico-hospitalar, ou seja, uma expressão que interdita
a autonomia dos usuários, dos loucos, das pessoas atendidas. Caso não fosse
mesmo uma situação determinada pela heteronomia, por que o termo ‘usuário’,
apesar de ser conhecido e adotado pelas pessoas em questão, não foi utilizado nas
portarias sendo reservado para as pessoas que fazem uso ‘de álcool e outras
drogas’?
Além disso, há os casos dos CAPS i e CAPS ad, voltados respectivamente
para o atendimento de ‘Criança e adolescentes’ e ‘usuários de álcool e outras
drogas’ em geral marcados como ‘portadores de transtorno mental’. Se os termos
‘usuário’ e ‘pessoa’ são tão inteligíveis para a finalidade operacional das Portarias,
quanto o são ‘Crianças e adolescentes’ ou ‘pacientes’, o que estaria implicado no
fato destes dois serem utilizados com tanta freqüência e aqueles não? Não haveria
130
nessa regularidade a proeminência de um sentido de debilidade, fragilidade ou de
carência que estão associados a esses dois últimos?
Crianças e adolescentes são — segundo a óptica medicalista comum (cf.
Vieira, et. alii, 1998; Feixa, 1998; Lyra, 1998) — condições tão problemáticas
quanto a condição de paciente
28
. Diferentemente da condição de ‘usuári@ do SUS’;
e menos ainda a condição de ‘pessoa’ e ‘cidadã(o)’. Estas em geral, reservadas para
seres humanos em CNTP, ‘Condições Normais de Temperatura e Pressão’.
Assim, para compreender bem os sentidos dos cuidados oferecidos pelo
CAPS, conforme o discurso das Portarias, cabe uma indagação: qual seria a
conseqüência simbólica se a série repetitiva de palavras, usadas para identificar os
sujeitos que são o foco dos cuidados do CAPS no discurso das Portarias, fosse
alterada? Se ao invés de paciente paciente paciente... tivéssemos: pessoa...
pessoapessoa… ou cida(o)… cidadã(o)… cidadã(o)… ? Nesse caso, que cuidado
estaria sendo operacionalizado?
Não há porque se pensar que tal modificação enfraqueceria o papel regulador
que o documento deve ter. Entretanto, nos termos em que estão dispostos, as
práticas de cuidado oferecidas ainda se caracterizam como o reflexo de “uma
cultura terapêutica muito acentuada, que enfatiza o papel do profissional [de
saúde] no processo de tratamento e cura, em detrimento de dispositivos de cuidado
mais horizontalizados” (Vasconcelos, 2000, p. 76).
Essa avaliação crítica pode ser atenuada com a observação da abertura
representada pela exigência, no tópico de Recursos Humanos, de ‘uma equipe
28
Aqui talvez seja significativo o fato de que, ao listar as atividades dos CAPS II e III — que não se
caracterizam por uma especificidade de público — a Portaria 336/02 usa como termo alternativo a ‘pacientes’ o
termo ‘doente mental’ (Art. 4
o
. itens 4.2.1.f e 4.3.1. f). Ocorrência que não se repete para os as atividades do
CAPS i e CAPS ad, que se caracterizam, estes sim, por uma população específica.
131
mínima’, que prevê a participação de pelo menos quatro áreas de saber, com a
inclusão de ‘um pedagogo ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico’.
Além disso, no nível técnico o inclui-se ‘um técnico educacional e um artesão’.
Essa composição profissional, sem dúvida, instaura no CAPS um
distanciamento em relação às estruturas terapêuticas convencionais. Entretanto, é
uma composição que fala apenas de um dispositivo terapêutico, mas não diz muito
sobre os dispositivos administrativos e de gestão
29
. Como não trata do CAPS como
um espaço político, essa composição multiprofissional, não faz muito para
equilibrar as relações de poder. Ao contrário, preservando e fortalecendo uma
relação hierárquica, entre ‘profissionais de nível superior’ e ‘técnicos’ e entre esses
dois e os ‘pacientes’ que, a rigor, só participam da dinâmica ‘recebendo cuidados’.
Em tese, nada impediria que um/a usuári@ do serviço atuasse como ‘técnico
educacional’ ou ‘artesão’ ou mesmo como um dos profissionais de nível superior
‘necessário ao projeto terapêutico’. Em tese, sim, mas muito provavelmente isso não
acontece. A portarias não proíbem, mas também não propõem. E como não é uma
proposta, o uso recorrente de ‘pacientes’ — como identidade oposta a ‘profissionais’
e ‘técnicos’ — se encarrega de demarcar a obstrução dessa possibilidade. Acredito
que essa demarcação seria mais difícil de se obter, caso os termos mais freqüentes
fossem ‘cidadã(o)s’ ou ‘pessoas’. Essa mesma compreensão serve pra explicar
porque o público dos CAPS infanto juvenil e CAPS ad, são mais facilmente
substituídos por ‘pacientes’. Obviamente ‘Crianças e adolescentes’ e ‘dependentes
de álcool e outras drogas’ não se confundem com ‘profissionais’ e ‘técnicos’.
29
Para ser mais preciso, a Portaria 336/02, no seu Art. 2
o
., restringe as atividades de supervisão e regulação da
rede de serviços aos serviços de natureza jurídica pública e o Art. 3
o
estabelece que os CAPS devem funcionar
com estrutura física e profissional própria, independente de qualquer instituição hospitalar. Mas o texto não fala
nada quanto a possibilidades de inserção de usuári@s
nas instâncias de gestão dos CAPS.
132
Assim, os CAPS continuam sendo, segundo as portarias um lugar de
cuidado, mas de um cuidado que se oferece a ‘quem precisa de cuidados’ entendido
como ‘pacientes’. Não o cuidado que se oferecia e recomendava na Grécia Antiga aos
membros da pólis, (Foucault, 1997, 2002, 2005a), o cuidado associado, por
exemplo, a um rei como Marco Aurélio (Vieira, 2002) nem o cuidado com o mundo
que Hanna Arendt localiza como o sentido de uma existência política (Courtney
Denamy, 2004), mas ‘o cuidado’ que se oferecia no século XIX, aos doentes, por
caridade. Para o exercício do qual eram exigidos um perfil pessoal que combinasse
severidade e doçura, coragem e prudência; discrição e caridade, além de uma
inteligência que permitisse entender os doentes (Machado, 1978 apud. Mostazo e
Kirschbaum, 2003).
O cuidado registrado nas portarias é o cuidado que, conforme já mencionei,
tem sido associado à pesquisa (e ao trabalho) com ‘idosos’ (Karsch, 2004) ou
‘crianças’ (Montenegro, 2001). Enfim, um cuidado caridoso, oferecido a pessoas com
dependência. Esse cuidado caridoso que se oferece ao debilitado, dependeria
totalmente da iniciativa crítica de uma equipe investida de algum ideário político,
diria revolucionário, de valorização da autonomia, para que se convertesse em um
‘cuidado curioso’ no sentido de ser inventivo, de produzir conhecimento sobre si, e
sobre o mundo, de produzir saber e poder na esfera pública. Nos termos atuais das
Portarias 336/02 e 189/02, a ausência de referências à cidadania do/a usuário/a
põe em risco a observação de Lancetti ‘o paciente, antes de uma formação
psicopatológica, é um cidadão” (2001, p. 117).
O discurso das portarias ainda mantêm as condições para que uma gestão,
menos comprometida com uma visão política da saúde, conduza o CAPS por um
roteiro meramente terapêutico médico-psicológico, como uma nova tecnologia para
133
lidar com a doença mental, sem facilitar a problematização política e cultural dessa
condição. Mas… talvez, essa não seja mesmo a função de uma Portaria Ministerial.
TRABALHADORES, USUÁRIOS E PROJETOS TERAPÊUTICOS
Em relação ao Instrutivo, por sua definição ele poderia ser um discurso meramente
adicional ao discurso formal característico das Portarias. Contudo, a idéia de que
se tratam de formações discursivas complementares, e não de gêneros de fala
isolados, é reforçada pelo fato de que o Coordenador de Saúde Mental, ao responder
às perguntas — vindas dos municípios onde funcionam CAPS — que deram origem
ao Instrutivo, não se limita a explicar as portarias, mas enfatiza certos aspectos que
nelas, não parecem ter tanta importância, dispensa alguns que parecem não
despertar o interesse dos municípios, e quando esclarece a composição da equipe
mínima, ele chega mesmo a corrigir a portaria:
Neste ponto, temos um problema de interpretação. A expressão ‘quatro
profissionais … entre as seguintes categorias profissionais …’, não é
clara. Dado no entanto que a exigência mínima para a composição das
equipes, é a multiprofissionalidade esse trecho deverá ser interpretado
da seguinte maneira: quatro técnicos de nível superior, de categorias
profissionais diferentes, entre as seguintes categorias…’ (CAPS -P&R,
p. 5, grifo meu)
Quanto ao tratamento reservado às pessoas, o Instrutivo repete a preferência
pelo termo ‘paciente’ para identificar os ‘usuários’. Mas, este último chega ser
utilizado — ainda que só três vezes. Na primeira delas para se referir a relações de
acolhimento e vínculo, com os ‘trabalhadores’. Em outra, ‘usuários’ aparece, com
uma conotação mais ativa, associado a ‘familiares’ para dizer que os ‘projetos
terapêuticos’ devem respeitar ‘iniciativas locais’, além de ‘articulações intersetoriais’
que potencializem as ações do CAPS.
134
A repetição predominante de ‘pacientes’ já foi examinada, e nisso, o
instrutivo segue os termos das Portarias. O que o Instrutivo trás de novo, além de
mencionar os ‘usuários’ nessa posição ativa na relação com o CAPS, é a referência
(inexistente nas Portarias) aos profissionais e técnicos como ‘trabalhadores’ e uma
exploração mais detalhada do ‘projeto terapêutico’. Com relação ao uso de
trabalhadores, registra-se uma antiga querela no surgimento do MSTM em torno de
qual termo deveria ser adotado para identificar as pessoas que prestavam
atendimento nos serviços de saúde.
Há aqueles de tendência ‘obreirista’ mais identificados com as
camadas populares, que preferem utilizar a expressão ‘trabalhadores’,
e aqueles de tendência ‘corporativa’, mais identificados com valores
das camadas ‘burguesas’ que procuram marcar sua origem
sócioprofissional universitária, especialística, que defendem a
expressão ‘profissionais’. (Amarante, 1995, p. 106).
Mais do que revelar os pertencimentos ou as ideologias de classe, em uma mera
tipologia — trabalhador/operariado - profissional/burguesia — o que a distinção
entre esses dois termos opera é uma específica cisão identificatória no momento do
uso. Em instantes distintos do mesmo discurso, um solicita uma imagem de
solidariedade e igualdade política diante de marcas de distinções meramente
funcionais — trabalhadores usuários. Outra instaura nas diferenças uma
desigualdade que se apóia no know how e na competência terapêutica diante de
uma existência definida pela enfermidade — profissionais/técnicos pacientes.
Essa relação oferece indicações dos sentidos do cuidado no CAPS gerados pelo
discurso do Instrutivo.
Trata-se de um sentido marcado por essa contradição, entre uma relação
diferente e uma relação desigual; um discurso que alinha expressões de
responsabilidade (‘responsabilidade de cuidar de pessoas que sofrem com
135
transtornos mentais’; ‘definição precisa de responsabilidade de cada membro da
equipe’) para garantir uma ‘ambiência terapêutica acolhedora’, que possa ‘incluir
pacientes muito desestruturados’; perseguindo metas razoáveis, porém modestas,
como ‘inserção social respeitando as possibilidades individuais’ ou ‘promover a
melhor qualidade de vida e inclusão social possíveis” (CAPS-P&R, p. 1).
A responsabilidade associada aos termos ‘CAPS’ e ‘membros da equipe’ e os
transtornos, a falta de estrutura e as limitações de possibilidades associados aos
‘pacientes’, definem os termos da contradição que marca o sentido terapêutico que
o cuidado nos CAPS, adquire no discurso do Instrutivo.
Essa contradição (insolúvel?) será contínua e recorrente, afinal, a equipe não
pode abrir mão de seu poder sem negligenciar suas responsabilidades, nem pode
cumprir seu papel de cuidadora, senão pelo exercício do poder (?). Mas, assumir
essa contradição significa estar atento à tecnicização do poder, como advertia a
crítica basagliana, analisando (e negando) a atuação terapêutica em voga nos anos
sessenta.
O novo psiquiatra social, o psicoterapeuta, o assistente social, (…),
são os novos administradores da violência no poder, na medida em
que atenuando os atritos, dobrando as resistências, resolvendo os
conflitos provocados por suas instituições, limitam-se a consentir com
sua técnica aparentemente reparadora e não-violenta, que se perpetue
a violência global. Sua tarefa, que é definida como terapêutico-
orientadora é adaptar os indivíduos à aceitação de sua condição de
‘objetos de violência’ (Basaglia, 1985, p. 102, grifos do autor).
Talvez, essa definição seja mais pertinente para aqueles profissionais, e para o
campo da saúde mental, nos anos sessenta. Talvez não sirva hoje para caracterizar
profissionais, de fato, identificados com os princípios da Luta Antimanicomial e da
Reforma Psiquiátrica. Profissionais que, por sua atuação acadêmica e política,
foram levados a ocupar cargos na formulação das políticas públicas de saúde
mental no Brasil, como é o caso do Coordenador de Saúde Mental que assina o
136
Instrutivo. Mesmo assim, a contradição permanente, entre práticas de poder e
tomada de responsabilidade, no exercício do cuidado no CAPS, justifica advertência
feita — talvez ainda muito no espírito da instituição negada.
A resposta (ou solução?) encontrada para equilibrar essa contradição, parece
que tem sido o exercício do cuidado sob a formulação de ‘projetos terapêuticos’. Um
dispositivo mais complexo, desenhado para preservar alguma integridade da pessoa
sob cuidados, e não meramente recolocá-la como enferma.
O Projeto terapêutico deriva da lógica de gerenciamento de casos (case
management) (Rotelli, Leonardis e Mauri, 2001). A equipe deve atuar
‘personalizando o projeto de cada paciente da unidade’ (CAPS – P&R, p. 1). Além do
fato de que devem ser singulares e atentar para as necessidades individuais, os
projetos terapêuticos são caracterizados por três modalidades de cuidado. Cuidado
Intensivo, semi–intensivo e não intensivo, que se distinguem, unicamente pela
freqüência com que são prestados.
Um fato curioso é que, em nenhum momento, nas portarias ou no Instrutivo
é feita qualquer referência que qualifique os cuidados, a não ser quanto à
freqüência dos atendimentos. O Instrutivo deixa claro que a vinda ao CAPS não é o
que define o cuidado, ‘Ele [o paciente] poderá, por exemplo, ser cuidado
intensivamente através de atendimento domiciliar” (CAPS - P
&R, p. 2). Portanto,
basta que a equipe o tenha sob seus cuidados, diariamente, em períodos semanais
ou quinzenais, ou ainda mensais. Diminuindo a freqüência ‘a depender da evolução
do quadro clínico do paciente’. (CAPS - P
&R, p. 3).
O Instrutivo menciona as definições do cuidado, presentes na portaria,como
‘um conjunto de atendimentos” (diários, freqüentes ou quinzenais/mensais)
‘desenvolvidos individualmente e/ou em grupos por equipe multiprofissional
137
especializada em saúde mental’. Todos os procedimentos são igualmente indicados
para qualquer intensividade de cuidado. Ou seja, como não existe diferenciação em
função do grau ou tipo de adoecimento, a não ser a quantidade de atendimentos,
tod@s @s usuári@s tem acesso, individual ou coletivamente, às mesmas atividades
desenvolvidas no CAPS. E, dessa forma, não é mais a doença que determina o
agrupamento dos pacientes no serviço. Essa postura se aproxima da orientação
seguida em Trieste ‘não se desinstitucionaliza dividindo os agudos dos crônicos,
uma vez que o parâmetro continuaria sendo a forma ‘de doença.’ (…), mas
assumindo a demanda como uma totalidade indivisível” (Rotelli, Leonardis e Mauri,
2001, p. 47)
Conforme o instrutivo, no projeto terapêutico, a redução na intensividade é
‘altamente desejada’ e deve ser ‘realizada progressivamente e segundo critérios
psicossociais e clínicos.” (CAPS - P&R, p. 3). Entretanto, Essa noção de Projeto
terapêutico também carrega em si uma contradição. Não é difícil entender essas
modalidades de cuidado, como um aprofundamento, uma continuação do controle
que se formou em nossa sociedade desde o nascimento das instituições médico-
hospitalares (cf. Foucault, 2005a).
Nesse sentido, o acompanhamento personalizado pode ser mais um dos
dispositivos disciplinares de esquadrinhamento. Uma classificação
individualizadora e normalizante, que à guisa de gerar emancipação e autonomia,
reforça e facilita o exercício do poder. O prontrio do paciente, correspondente
material do ‘projeto terapêutico’, com seus regimes de cuidado — não intensivo,
semi–intensivo e não intensivo — no conjunto dos dispositivos normativos
30
que a
30
A adoção dos prontuários, com registros multidisciplinares, como é comum nos CAPS, (cf. Silva, 2004) sugere
um campo de problematizações interessantes, principalmente quando pensado como uma espécie de ‘escrita de
si’ que é feita sempre por ‘um outro’. Um outro cujo olhar está desde já obnublado pelo efeito da disciplina. ‘A
evolução’ d@ usuári@ é refeita pelos registros d@ psiquiatra, d@ psicólog@; d@ enfermeir@ etc., nunca pelo
seu.
138
nossa sociedade desenvolveu, vem se somar ao exame que “está no centro dos
processos que constituem o indivíduo como efeito e objeto de poder” (Foucault,
1987, p. 160).
Por outro lado, justamente esse processo de acompanhamento, ou cuidado de
intensividade modalizada, respondendo à demanda na dosagem exata em que é
requerida. Podendo ser experimentada como exercício de cidadania, é o que
restabelece a autonomia do indivíduo e o torna capaz de assumir a tutela sobre si
mesmo: ‘(…)condição de cidadão, a qual lhe permite receber tratamento apenas
mediante a necessidade e sem exclusão social” (Mostazo e Kirschbaum, 2003, p. 10,
grifo meu). Mesmo marcados pela condição de ‘pacientes’, @s usuári@s mais
familiarizad@s(!) com os dispositivos de cuidado tutelar das instituições fechadas,
ao se depararem com o cuidado do CAPS, sentem que lhes é oferecido ‘um novo
contexto de cidadania’, abre-se para essas pessoas a possibilidade de serem
‘sujeitos de desejos e projetos” (Amarante, 1996 apud. Mostazo e Kirschbaum, op.
cit.).
Marca de uma individuação controlada, o ‘projeto terapêutico’ pode ser visto
como uma versão psicossocial do aparato de tecido que passou a circundar os leitos
dos doentes. Naquela época, um recurso efetivo de proteção contra agentes
patogênicos, era também um indicador das transformações do espaço hospitalar no
final do século XVIII (Foucault, 2005). O cuidado oferecido no CAPS sob os termos
personalizado do ‘projeto terapêutico’ reproduz, em menor escala de tempo e
espaço, a dinâmica social que concorre para a formação das experiências de
subjetividades individuais na modernidade, com foi apontado por Foucault (apud.
Fonseca, 2003).
De maneira paradoxal, essa observação não anula o reconhecimento de que
esse dispositivo pode servir como recurso eficaz na redução do sofrimento e na
139
reabilitação da pessoa (portadora de transtorno mental), devolvendo-lhe potencial
para o estabelecer relações de convívio social.
Esse sentido que o cuidado assume no discurso do Instrutivo, o sentido de
um projeto terapêutico, concebido como medida singular e personalizada, pode
explicar também o porquê de não aparecer, nem mesmo de modo secundário, como
foco da atenção dispensada pelo CAPS, ‘os profissionais’ nem a ‘rede de cuidados
em saúde mental’. Ou seja, uma vez que o cuidado no CAPS se caracteriza como
projeto terapêutico, a população da qual o CAPS ‘cuida’ deve se constituir de
‘pacientes’ e não de uma ‘rede de serviços’ nem de ‘trabalhadores da saúde mental’
ou ‘profissionais’. Esses não se enquadram — como necessitados — nas finalidades
do projeto terapêutico.
Por fim, não devemos ignorar o fato de que o discurso do Instrutivo foi
produzido em resposta às questões que foram levantadas pelos gestores, nos
municípios onde existem CAPS. Cuja principal preocupação provavelmente deve ser
atender ‘os usuários’ dos serviços
31
. Mas, a recuperação ou o apagamento de certos
elementos nas respostas apresentadas, não dependem exclusivamente das
perguntas; elas também são determinados pela atuação de (e determinam) outras
relações de sentidos.
TERRITÓRIO E RESPONSABILIDADE; AUTONOMIA E LIBERDADE
No discurso dos boletins, o cuidado não aparece tão caracteristicamente
terapêutico. Aliás, nesse discurso o próprio CAPS não se caracteriza tão
140
exclusivamente como um dispositivo terapêutico. Ainda que não lhe seja negada
essa definição. Nem os pacientes aparecem como alvo privilegiado do cuidado O
CAPS aparece mais evidentemente, como um dispositivo de saúde, um serviço
inserido numa estrutura sistêmica. Ponto de articulação entre instâncias diversas,
o núcleo de uma “rede social”; seguindo, nesse sentido, as recomendações de uma
série de reflexões (cf. Vieira Filho e Nóbrega,2004). Pode-se dizer que os boletins
falam do CAPS inserido não apenas num projeto terapêutico, mas num projeto de
desinstitucionalização, que assume estratégias territoriais. Nos termos do boletim,
observa-se um CAPS encarregado de “construir o território de atenção e tecer a rede
de cuidados” (SMSUS, n.14, p. 8). Para isso, ele precisa estar inserido em um novo
sistema de redes institucionais que funcione “como um circuito integrado de
serviços de saúde mental, com as funções terapêuticas e sócio–assistencial
dominantes, tendo como porta de entrada as organizações sanitárias territoriais”
(Vieira Filho e Nóbrega, 2004, p. 375).
Desse modo, um elemento paradigmático no discurso dos boletins, é o
território assistencial. Correspondente emblemático do projeto terapêutico, ‘o
território’, e sua constituição em redes de articulação, é um termo que dá
sustentação ao sentido do cuidado em todos os documento técnicos, mas
especialmente no discurso dos boletins, por conta da ênfase que este reserva às
redes de serviços.
Souza Unglert (1999, apud. Vieira Filho e Nóbrega, 2004) fala dos territórios
como demarcações regionais dentro dos limites do município ou distrito, que segue
“critérios geográficos e de fluxo populacional”. Demarcações que definem as áreas
de responsabilidades das unidades de saúde. O território, apesar de envolver limites
31
Outra parte do instrutivo dedica-se a esclarecimentos sobre os caminhos burocráticos para cobrar e receber
pelos procedimentos realizados. Essa também deve ser uma questão relevante para @s gestor@s de CAPS, nos
municípios da União.
141
geográficos, não se confunde com uma demarcação meramente espacial, mas se
constitui como dinâmica e entrelaçamento de redes de sociabilidade. “A
territorialidade mostra-se como âncora ou ponto de referência em que se vive em
conjunto com outros por uma determinada duração de tempo” (Vieira Filho e
Nóbrega, 2004, p. 375). Como sustentáculo da intervenção psicossocial o território
estabelece uma lógica terapêutica própria:
No território, a prática terapêutica modula-se de forma diferente do
consultório: trabalha-se com a população local e no serviço
comunitário. O centro de gravitação dos atendimentos em saúde
mental se localiza no CAPS e o da saúde geral, no Programa de Saúde
da Família (PSF). Esses serviços devem estar interconectados num
circuito interinstitucional integrado no SUS. (id., ib.)
Essa configuração radial instaura uma situação que, entre outras coisas, pode
facilitar os atendimentos domiciliares e as “intervenções clínicas na rede pessoal do
usuário.” (id., ib.). Além disso oferece uma diversificação e uma dinâmica muito
mais rica para os sentidos do cuidado do que as que se apresentam nas duas
formações discursivas discutidas anteriormente.
Nos boletins, os repertórios interpretativos do cuidado são acionado em
conjugações que os qualificam, em termos de uma postura mais dialógica; há um
jogo mais integrado de responsabilizações intersetoriais. E o exercício da cidadania
é localizado, de maneira mais enfática, como o termo dessas articulações. No
âmbito desse cuidado, “cabe ao indivíduo ser protagonista do seu próprio processo
terapêutico e, consequentemente construir a sua cidadania” (SMSUS, n.15, p. 3).
De certo modo, essa formação discursiva corresponde à estrutura cotidianas
que implicam discursos e práticas de ‘responsabilização’ que têm se delineado em
torno das Atenção psicossocial e da gestão de populações, como foi visto por Silva
(2005):
É nesse sentido que a responsabilização do serviço, do profissional e
do usuário é questão para a reforma: procurando evitar o abandono e
142
a internação, diferentes atores e instâncias sociais envolvidos no
cuidado são implicados no (mas também encarregados pelo) processo
de desistitucionalização da loucura. (Silva 2005, p. 132)
Esse sentido de responsabilidade compartilhada entre diversas instâncias, do qual
se reveste o cuidado no discurso dos boletins, oferece uma gama bem mais ampla
de possibilidades. A marca dialógica se mostra pela presença de referências a
trabalhadores, familiares, usuários e cidadãos posicionados na relação, de modo
permutável. Surgem questões que evidenciam essa dialogia: “Que novo lugar têm
agora nossos pacientes, na condição nova de usuários de serviço público, cidadãos
que buscam seu lugar no mundo (…)?” (SMSUS, n.14, p. 8).
Há a inclusão mais enfática de marcadores ideológicos, que implicam a
valorização de certas atitudes — ‘como partilhar sonhos’; ‘respeitar as diferenças’ —
que apontam para o ‘cuidado quotidiano’ articulado com processos de formação de
‘laços sociais’, estruturados como ‘diálogos’. Estes diálogos se desenvolvem como
uma prática, a serviço de um projeto coletivo, marcado por aspirações utópicas e
atuando não apenas, terapeuticamente sobre a existência individual, mas
estrategicamente sobre as relações institucionais e produções culturais que
organizam a loucura como experiência de sofrimento. Experiência para a qual o
recurso mais terapêutico é a liberdade. Tomada como um dispositivo de saúde
psicossocial, a liberdade que só se efetiva pela via das relações horizontais, instaura
a saúde no campo político do exercício sistemático da vida pública. Como já haviam
dito Rotelli, Leonardis e Mauri (2001):
(…)cuidar significa ocupar-se, aqui e agora, de fazer com que se
transformem os modos de viver e sentir o sofrimento do ‘paciente’ e
que, ao mesmo tempo, se transforme sua vida concreta e cotidiana,
que alimenta este sofrimento.
Uma existência mais rica de recursos, de possibilidades e de
experiências é também uma existência em mudança. (p.31).
Sem dúvida, o discurso dos boletins é o que mais se aproxima das proposições
levantadas pela desistitucionalização (cf. Nicácio, 2001) ou pelo espírito crítico da
143
negação institucional (Basaglia, 1985). Nesse discurso, o cuidado se equipara
explicitamente “à construção da cidadania”; “à inclusão social”; “a liberdade e a
vida na pólis” (SMSUS, n.14, p. 9) correspondendo ao cotidiano de um CAPS:
(…)cuida-se do usuário convocando à responsabilidade aqueles que o
cercam, no sentido de que a dependência institucional diminua e os
‘laços sociais’ aumentem. Paulatinamente, procura-se ‘engajar’,
‘implicar’ e ‘vincular’ atores sociais diversos na tarefa de cuidar. (Silva,
2005, p. 144).
Mas, esse discurso não deixa de implicar uma dimensão contraditória, como
observa, o próprio Silva, quando os “Familiares, vizinhos e profissionais são
convidados a participar da assistência psiquiátrica” (id., ib.), eles podem estar
sendo colocados numa posição de dever que compete Estado, e nessa posição, eles
acabam encontrando “dificuldades em tomar para si encargos sobre o cuidado e, de
certa forma, estando pouco a vontade para exercer gerência sobre os recursos.” (id.,
ib.).
Quanto a isso, algumas pesquisas em Serviço Social (Vasconcelos, 2000;
Rosa 2003; Mendes, 2004; Silva 2004) tem evidenciado que essa responsabilização
da família é, via de regra, sobredeterminada pela ordem de gênero, principalmente
nas famílias de baixa renda, duplicando os encargos cotidianos que se impõem às
mulheres — tidas como naturalmente cuidadoras (Mendes, 2004; Silva, 2004). —
ou agravando os transtornos provocados pelos homens, ou dificultando o cuidado
destes — tidos como naturalmente mais fortes e violentos (Rosa, 2003).
Por conta dessa complexidade, a essa solicitação dos múltiplos atores,
deveria corresponder um redirecionamento dos recursos assistenciais, da
instituição para o território, e esse redirecionamento (preocupação também
registrada nos boletins) deve estar associado a uma desconstrução dos saberes —
que tem estruturado a relação com a loucura em termos de discursos e práticas
144
excludentes — sob risco dessa responsabilização converter-se em “desencargo e
desassistência” (Amarante, 1996, apud. Silva, 2005).
O sentido do cuidado no CAPS, como se manifesta no discurso dos
documentos técnicos, carrega em si um risco; o da repetição da fórmula
terapêutica, higienista, do paciente (transtornado) a ser cuidado por um
profissional (capacitado); o risco do enquadramento preventivo do todo bio-psico-
social (Lancetti, 1989), tudo isso constitui os riscos que a Reforma Psiquiátrica
(Amarante, 1995), justamente por ser implantada como ‘reforma’ e não como Luta
Antimanicomial, tem diante de si. O risco de uma estratégia multiprofissional pela
emancipação converter-se em mais um dispositivo disciplinar do tipo ‘olho do
poder” (Foucault, 2005a ) e, desse, em um dispositivo de controle.
A respeito desse risco, Antônio Lancetti, um dos nomes mais expressivos na
implementação das mudanças no sistema psiquiátrico brasileiro, guarda consigo (e,
aliás, publica) as advertências de Delleuze, acerca das sociedades de controle: ‘O
controle não se exerce no manicômio mas sim no domicílio.” (Lancetti, 2001, p. 37).
Por outro lado, a consciência dessa possibilidade também carrega o risco de
cair numa denúncia abstrata, global, extremista e imprecisa (cf. Jervis, 1985).
Denúncia estéril que só conseguiria se expressar em termos de uma acusação
ingênua e superficial contra ‘o poder’. Seja incorporado na equipe médica, que
precisa ser ‘humanizada’; seja entendido como o sistema de dominação ideológica
capitalista, homogêneo e livre de contradições; que poderia ser transformado por
uma mudança eleitoral ou por algo como uma ‘revolução socialista’.
A esse respeito, Vieira Filho e Nóbrega (2004), de fato, observam que os
estilos de gestão e de atendimento dos CAPS estão sob influência dos traços
culturais da administração brasileira, “que tendem a facilitar a prática de valores
145
nem sempre democráticos” (p.375), mas lembram que a consciência das
contradições sociais, associada à possibilidade concreta de desconstrução
institucional, abrem caminhos para uma reflexão crítica que instaura aberturas
para uma ‘invenção institucional continuada’.
E é recorrendo a essa idéia de Instituição inventada (Rotelli, 2001) que talvez
possamos nos precaver contra a obnublação do instituinte, contra a catatonia do
desejo, que desloca o foco da patologia do sofrimento-existência, que é, antes de
tudo, político e reside no princípio de exclusão da diferença. Contra isso, podemos
seguir as recomendações de Scott “Devemos encontrar formas (mesmo que
imperfeitas) se submeter sem cessar nossas categorias à crítica e nossas análises à
auto-crítica.” (1995, p. 84)
GÊNERO E RAÇA: RAREFAÇÕES NOS DISCURSOS DO CUIDADO.
Aqui chegamos ao último tópico problemático de nossa discussão. O grau de
penetração das questões de gênero nas práticas discursivas que constituem os
sentidos do cuidado no CAPS, nos documentos analisados. Como foi possível
observar, o cuidado mantém, sob certos aspectos, uma proximidade conceitual com
a perspectiva de gênero, uma vez que tem sido sistematicamente significado como
prática peculiar às mulheres (Noddings, 2003; Montenegro, 2001; Rosa, 2000 e
2003; Felgar, 2000; Mendes, 2004; Silva 2004). Entretanto, essa articulação não
tem se efetivado nas práticas discursivas analisadas.
Se, de um lado, a regularidade de um discurso do cuidado impregnado de
valores médico–psicológicos, se permite mostrar pela série de referências feitas aos
pacientes (com transtornos mentais), em oposição à série de referências feitas aos
146
profissionais (de saúde mental) — articuladas com noções de projeto terapêutico e
responsabilização territorial; de outro lado, a regularidade de um discurso
impermeável às discussões de gênero e raça, também se permite mostrar pela
rarefação ou ausência total de referências ou marcadores textuais implicadas
nessas discussões.
No plano dos acontecimentos eventuais, se configura uma estrutura de
políticas públicas que dá suporte a demandas específicas, que se fazem registrar a
partir de um certo momento nas formações discursivas analisadas. É o caso da
saúde mental infanto juvenil, tópico presente já na III conferência de saúde mental,
mantido como compromisso do Ministério da Saúde e concretizado, tanto pela
regulamentação do CAPSII i, na Portaria 336/02 quanto pela instituição do Fórum
de Saúde Mental Infanto–juvenil, que formulou e coordena a Política de Saúde
mental para essa população.
O mesmo pode ser dito da estratégia de Redução de Danos que veio integrar
a política de atenção ao uso de álcool e outras drogas. Tendo sido vinculada à
discussão de estratégias de prevenção do HIV/ AIDS, tal discussão vem atestar a
preocupação da Coordenação de Saúde Mental com o alcoolismo e a drogadição.
Para a qual os CAPSII ad são o correspondente Institucional. Assim como o
Programa de Pesquisa e Formação de RH em Saúde Mental, e a questão da geração
de renda articulada com a recente discussão sobre economia solidária.
Enfim, todas essas discussões afetam, de maneira mais ou menos visível, a
produção de sentidos em torno das práticas de cuidados que têm lugar no cotidiano
dos CAPS, que (lembremos) é o dispositivo central da rede de atenção à saúde
mental. Ou seja, o cuidado no CAPS ganha sentido sendo atravessado por
determinadas questões de ordem específica, como, por exemplo, a situação da
infância e da juventude.
147
É, portanto, significativa a ausência de referências a uma estratégia de saúde
mental que incorpore questões de raça e gênero. Em relação a essa última,
apareceram referências episódicas. Uma vez, em um texto sobre ‘Redução de Danos
e AIDS” (SMSUS, n.17, p. 9) no qual ‘@’ é usado para compor um modo de
endereçamento que visa incluir homens e mulheres (‘muit@s dos leitor@s’); e outra
vez, na divulgação da estratégia de prevenção ao suicídio, pelo reconhecimento de
que, no recorte por sexo, a taxa de mortes é desproporcional, ‘numa relação de 4:1”
(SMSUS, n. 18, p. 6), penalizando os homens com mais mortes e as mulheres com
mais desamparo por viuvez. A estratégia de prevenção ao suicídio também é o que
coloca em cena, uma única vez em todo o material reunido, a questão étnico-racial,
incluindo entre as ‘populações vulneráveis’ as ‘populações jovens de diversas etnias
como os guaranis, os kaiowa e os nhandewa” (idem, ibdem).
A questão do gênero quando surge, o faz como efeito visível do contato com
agentes particularmente engajados nesse campo, como a Aréa Técnica da Saúde da
Mulher’, e o ‘Projeto Trabalhando com homens jovens” (Anexo II). Em momento
nenhum aparece nos textos qualquer referência aos negros, à população negra ou
a grupos afro–descendentes.
A rarefação dessas referências nos discursos técnicos do Ministério da Saúde
não pode ser atribuída à inexistência de discussões teóricas. No Brasil, já no início
dos anos 90, a pesquisadora Villela (1992) defendia a pertinência da incorporação
da leitura de gênero às praticas de saúde mental. Essa autora, ao abordar a loucura
feminina, justificava a adoção do gênero, por considerar que tal conceito, ao
sintetizar as ‘particularidades da opressão feminina’, fazia-se especificamente
adequado, coerente com o quadro de referências conceituais da saúde mental em
sua crítica histórica à Psiquiatria.
148
Mais recentemente, outras pesquisas têm evidenciado a pertinência do
conceito para entender as condições dos homens e das mulheres (Vasconcelos
2000; Rosa, 2000 e 2003;). De acordo com o que se pode ver nesses estudos, o
gênero é um elemento que estrutura certas dinâmicas mediada pela rede de
serviços em saúde mental. Dinâmicas que se estabelecem em torno de famílias que
cuidam de portadores de Transtorno mental. Sabe-se, por exemplo, que ‘há uma
feminização do encargo de assistir o portador de transtorno mental, tanto na esfera
privada como na pública’ Rosa (2003, p. 240). E, quando se adota gênero como
fator relacional, constata-se que ‘(…)ao homem é interditado socialmente escutar o
próprio corpo e se expressar emocionalmente e subjetivamente. Por isso, quando
eclode o transtorno mental, já está em estado grave.” (Rosa, 2003, p. 266).
A atenção aos aspectos de gênero, observada nestas pesquisas em saúde
mental, tem permitido que se verifiquem diferenças entre homens e mulheres nos
agravamentos e atenuantes do adoecimento mental (Vasconcelos, 2000; Rosa,
2000). A reflexão acerca da juventude, pela via dos direitos sexuais e reprodutivos,
tem sido intensamente atravessada por questões de gênero (Arilha, 2000; Heilborn,
1998; Lyra, 1998 entre outros). Do mesmo modo, a questão do alcoolismo e da
drogadição revela-se mais enriquecida, quando é abordada por essa perspectiva
(Oliveira, 2002 e 2006). No campo da Saúde Pública, discussões sobre ‘a qualidade
do cuidado e as relações interpessoais’ tem mostrado a importância da inserção
desses tópicos de gênero e raça na rede básica de serviços.
Aqueles que precisam de cuidado buscam um atendimento que
considere suas necessidades em saúde, que seja coerente com o seu
perfil sócio–econômico, que leve em consideração sua posição na
hierarquia social e de gênero dentro e fora da unidade familiar; suas
crenças, seus valores e expectativas. A dificuldade enfrentada pelos
cuidadores em contemplar esta diversidade e pluralidade compromete
a resolutibilidade de suas ações (Lopes, 2003, p. 9)
149
No quesito raça, estudos feitos nos EUA e Grã-Bretanha evidenciam a influência da
percepção e da atitude racial na definição do vínculo entre profissionais de saúde e
usuários. Segundo alguns desses estudos, psiquiatras prescrevem anti–psicótico
com menor freqüência para brancos, independente de fatores clínicos. Além disso, a
decisão sobre diagnóstico e tratamento a interação tende a ser mais aberta e
participativa diante de usuários desse grupo étnico (cf. Volochko, 2003). Isso
mostra que o cotidiano dos serviços de saúde é atravessado por diferenças de sexo e
cor que organizam as pessoas hierarquicamente nos espaços sociais. Aqui no
Brasil, estudos de Psicologia têm demonstrado a relação entre a discrimanção racial
e o sofrimento mental (cf. Almeida, 2003; Nogueira, 1998)
Essas diferenças ao se combinarem com outras marcas corporais como, por
exemplo as de idade e de pertencimento regional, interferem de modo significativo
na experiência de sofrimento. Ao ponto de podemos dizer, com segurança, que uma
esquizofrenia residual — ‘F20.0’ no CID (Catálogo Internacional de Doenças)
quando vivida por uma senhora branca, com mais de cinqüenta anos, nascida em
São Paulo contrasta significativamente da experiência que recebe esse mesmo
código (F20.0), quando esta é vivida por uma adolescente negro nascido em
Salvador. Não só porque a loucura é uma experiência de sofrimento individual e
singular. Mas, porque os dois corpos que passam por essas experiências de
sofrimento, estão subordinados a certos universos vivenciais, engendrados em
dinâmicas sócio-historicamente contrastantes.
Essa profusão de exemplos e referências serve pra mostrar que não é a
inexistência de conhecimento acerca do tema, que tem limitado a inclusão de
repertórios de gênero e raça nas práticas discursivas, em torno do cuidado no
CAPS. Trata-se, antes, de um dispositivo sócio-cultural de exclusão, ativo, operando
na estrutura discursiva para garantir o devido afastamento entre essas arenas. Os
150
padrões tradicionais da hierarquia de gênero e raça são solos nutritivos para a
cristalização da instituição psiquiátrica, que o movimento Antimanicomial vem
tentando sistematicamente negar. Esse dispositivo de exclusão tem se beneficiado
da inexistência, de uma agenda política forte que estabeleça conexões
reivindicatórias, que propicie uma maior integração entre essas arenas políticas.
Não existe (ou não se conhece) ainda, no âmbito das discussões que dão sentido ao
cuidado no CAPS, uma pauta macro-política de gênero e raça, como a que tem
sustentado os outros tópicos.
A inexistência dessa articulação não indica um ponto crítico que se localize
unicamente na âmbito da Reforma Psiquiátrica. É algo diluído na própria ação dos
movimentos sociais em torno da questão. Por exemplo, a Plataforma Política
Feminista (CNMB, 2002), um importante documento norteador para definição de
reivindicações e lutas pela igualdade de gênero, assume na sua carta de princípios
uma série de causas sociais, como o fim do racismo, o direito à terra e moradia, a
liberdade de orientação sexual, a promoção da igualdade econômica e a crítica do
neoliberalismo etc. Enfim, causas defendidas inicialmente por grupos de interesses
específicos que não se identificam unicamente como mulheres. Mas, esta carta não
trás, entre os tópicos debatidos, nenhuma referência direta à cidadania das pessoas
portadoras de transtorno mental ou à luta pela desinstitucionalização psiquiátrica.
Também não se conhecem muitas articulações ou iniciativas da parte dos
militantes pela igualdade racial, no sentido de construir uma agenda que articule os
direitos da população negra com a garantia de cidadania para os loucos.
Uma possibilidade de ação integradora foi sinalizada no Seminário Nacional
gestão em Saúde da Mulher (Berquó, 2004). Nesse seminário, como em outros
momentos, a saúde da mulher se vincula aos problemas da mortalidade materna e
da saúde reprodutiva, em função de ser nessa arena que a mulher tem sido
151
historicamente penalizada. Mas, outras questões foram tocadas, como as
iniqüidades etnico-raciais (Oliveira, 2004), Universalidade do SUS (Almeida, 2004) o
princípio da Integralidade, que tem na categoria cuidado a sua síntese (Pinheiro,
2004).
Na Agenda do Ministério da Saúde (Araújo, 2004), a integração entre a Área
técnica da Saúde da Mulher e a Saúde Mental, se viabilizava pela prevenção ao uso
de álcool e drogas. Essa integração visa ‘incorporar’ a perspectiva de gênero na área
da Saúde Mental. Mas, a Coordenação da Saúde da Mulher sabe que “Esta é uma
proposta inovadora que tem que ser trabalhada em todos os equipamentos
instalados no SUS que atendem à saúde mental” (Araújo, 2004, p. 67). Entre os
planos futuros dessa integração está aventada a realização de capacitações que
seriam posteriores a um manual Gênero e Saúde Mental. Talvez com essa interlocução,
a expansão dos dispositivos psicossociais de cuidado e a promoção da saúde
mental, possam ‘incorporar’ a perspectiva de gênero. Ao mesmo tempo, seria um
ganho estratégico, se a elaboração da política de saúde da mulher pudesse ‘ter em
mente’ a perspectiva da Luta Antimanicomial.
152
Síntese geral e
considerações finais
campo de problematizações desta pesquisa definiu-se pela articulação
de três elementos: 1) o surgimento contemporâneo de uma reflexão
conceitual, que atravessa os campos da filosofia, da educação e da
saúde, no bojo da qual o cuidado se define como um paradigma em saúde; 2 ) as
transformações ocorridas no sistema de saúde mental, sob a égide da Reforma
Psiquiátrica, de onde surgem diversas inovações terapêuticas — dentre as quais, se
destaca o Centro de Atenção Psicossocial/CAPS, como dispositivo de cuidado — e,
por fim, 3) as reflexões feministas sobre a relevância teórica do conceito de gênero,
sobretudo para a compreensão do cuidado como uma prática historicamente
atribuída às mulheres. As formulações teórico–metodológicas advinda dos estudos
das práticas discursivas e da produção de sentidos no cotidiano, ao entrarem nesse
campo constituíram o solo do qual emergiu o problema e a proposta metodológica
que estruturaram este trabalho.
O problema pôde ser reduzido à seguinte questão: quais os sentidos do
cuidado, associados ao CAPS, nos textos técnicos que têm servido de subsídio para
a implementação da Reforma Psiquiátrica no Brasil e em que medida esses
documentos têm se deixado penetrar pelas reflexões críticas de gênero? A
metodologia consistiu em uma varredura nos textos disponibilizados pelo Ministério
da Saúde, com finalidade explicitamente normativa e/ou informativa em torno da
Reforma Psiquiátrica. De um conjunto sistematizado de 100 documentos, incluindo
O
153
Leis, Portarias, Manuais, Normas operacionais, boletins periódicos e teses, foi
possível destacar aqueles que articulavam ‘cuidado’ e ‘CAPS’.
No desenvolvimento preliminar da dissertação, foi realizado um levantamento
bibliográfico, para que se pudesse delinear, de modo relativamente amplo, os
sentidos que o cuidado tem assumido em discussões mais recentes, em campos
disciplinares distintos. O uso do conceito mostrou-se mais significativo nos campos
da filosofia, da educação e da saúde — subdividida em enfermagem, saúde coletiva,
e serviço social. Sendo que educação e serviço social, foram os campos que se
mostraram mais sensíveis à articulação entre o cuidado e as questões de gênero.
Ainda como demarcação teórica, foi apresentada uma breve conceituação de
gênero, conceito comprometido, desde sua concepção, com a interlocução entre a
militância feminista e formação do saber acadêmico. Categoria analítica, concebida
a princípio para dar conta das diferenças sociais que se articulam como oposição
sexual; engendrando novas compreensões do corpo como dispositivo político,
articulado com outras marcas de distinção social, como raça, classe e geração,
gênero se define como uma forma básica de organizar relações de poder por meio de
justificativas naturalizadas e institucionalizadas.
Para contextualizar o campo da pesquisa, foi apresentado de modo sucinto o
panorama da política de saúde mental, uma estratégia ampla, conduzida por
profissionais/trabalhadores da saúde mental desde os anos oitenta, na forma de
Atenção Psicossocial, mas só recentemente assumida pelo governo como Política de
Saúde Mental. Nesse contexto, foi possível ver as portarias, o instrutivo e os
boletins da Área Técnica da Saúde Mental como elementos que compõem a matriz
temática na qual se desenvolve essa pesquisa.
154
A sistematização dessa rede temática permitiu a constituição de um corpus
de análise de seis documentos, sendo duas portarias (normativas); um instrutivo
(informativo/normativo) e três boletins (Informativos). As duas primeira publicadas
pelo Ministério da Saúde e os outros quatro, pela Coordenação de Saúde Mental.
Este corpus foi esquadrinhado em busca de elementos constituintes de suas
formações discursivas. As séries e regularidades, bem como as lacunas,
encontradas permitiram a compreensão dos sentidos que o cuidado no CAPS
adquire como acontecimento em cada situação discursiva. Além de permitir avaliar
a penetração da perspectiva de gênero nessas formações discursivas.
Em síntese, pode-se dizer que, conforme os discursos analisados se
aproximam de uma função normativa, os sentidos produzidos e acionados do
cuidado no CAPS revestem-se de uma definição primordialmente terapêutica,
desprovida, em sua maior parte, da conotação política que sempre caracterizou a
discussão de base na Luta Antimanicomial e na Reforma Psiquiátrica. O paradigma
psicossocial que define a implementação dos serviços substitutivos, disputa espaço
com uma imagem ainda marcada por traços de uma perspectiva médico-hospitalar,
na qual a figura humana objetivada é a figura do paciente, de alguém marcado por
uma condição problemática ou pelo transtorno mental.
Nesses discursos, o cuidado se efetiva enquanto projeto terapêutico, voltado
para a produção de uma experiência de subjetividade individualizada, submetida a
um processo gradual de autonomização e redução de tutela, cuja expansão é
delimitada por (in)capacidades vistas como individuais. Deve-se atentar para o fato
de que, apesar do CAPS ser concebido como um dispositivo estratégico, de uma
política estratégica e inserido numa rede, o cuidado no CAPS tem sido acionado
como uma forma de relação que se estabelece unidirecionalmente como
responsabilidade dos serviços sobre/para com ‘os pacientes’ sem a contrapartida de
155
que estes possam objetivar uma efetiva existência e participação política e sem a
consideração de cuidados que se possam dirigir aos profissionais e às equipes.
Além do mais, a despeito de que a experiência que deu origem aos CAPS no
Brasil tenha se caracterizado como um processo crítico e reflexivo diante dos
processos institucionais de desigualdades, os repertórios envolvidos na produção de
sentidos do cuidado evidenciam práticas discursivas totalmente alheias às questões
críticas de gênero e relações étnico/raciais.
As observações, quanto a uma terapêutica despolitizada, e uma relação
unidirecional podem ser flexibilizadas, à medida em que os discursos se aproximam
de funções menos explicitamente normativas, como nos boletins e em textos
acadêmicos, indicando que as práticas podem ultrapassar a visão médico–
psicológica dos discursos normativos.
Contudo, a rarefação ou a ausência completa de referências ou de marcas
textuais relativas a gênero e raça, aspectos problemáticos crônicos nas relações
sociais no Brasil, refletem a inexistência prática de políticas de saúde mental que
considerem ‘os pacientes’ como sujeitos marcados por outros pertencimentos que
não o do transtorno mental, desconsiderando por completo a incontestável
interferência do racismo e do sexismo na configuração do ‘sofrimento-existência’.
A partir dessa avaliação, como contribuição para o campo, podemos observar
a necessidade de que a Reforma Psiquiátrica incorpore, na sua discussão e no
processo de expansão de seus dispositivos de cuidado em saúde mental, a reflexão
sobre a formação de uma experiência de subjetividade articulada politicamente,
como existência coletiva, atravessada de modo estruturante pelas ordens de gênero
e de pertencimento étnico-racial; que essa discussão seja implementada na rede de
cuidados em saúde mental, por meio dos dispositivos de comunicação crítica e
156
reflexão já disponíveis, como os boletins e Instrutivos, além dos programas
desenvolvidos de formação e pesquisa.
Além disso, para que se possa efetivar nos discursos técnicos, a
característica flexível, permanente facilitadora de trocas sociais, que caracteriza a
desinstitucionalizão, seria proveitoso se, além dos pacientes, as equipes também
fossem caracterizadas nos documentos normativos como foco dos cuidados da rede
de saúde mental. Pois, quanto mais o cuidado for visto como uma prática voltada
exclusivamente para os ‘portadores de transtorno’, mais ele contribuirá para a
manutenção de relações hierárquicas entre trabalhador@s e usuári@s. E, no
sentido contrário, quanto mais ele puder ser visto como uma prática dirigida para
amb@s, mais contribui para o desenvolvimento de relações menos assimétricas e
mais propícias para as trocas sociais.
Para concluir, considerando a existência no governo de duas secretarias
ministeriais de políticas específicas, como a Secretaria de Políticas Para a Mulher
(SPPM) e a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
(SEPPIR), e que no Ministério da Saúde existe uma Área Técnica de Saúde da
Mulher, se a Coordenação de Saúde mental procurasse trabalhar de forma mais
articulada com as propostas políticas e com as informações disponibilizadas por
esses órgãos, poderia maximizar os ganhos do ponto de vista estratégico. Inclusive
inserindo ou fortalecendo na pauta de ambas a questão da exclusão social sofrida
pela pessoa com transtorno mental, numa articulação intersetorial para a promoção
da saúde mental associada à igualdade racial e de gênero.
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o
1, São Paulo: Hucitec, 1989.
ANEXO I
Lista cronológica de Eventos
CRONOLOGIA DE EVENTOS LIGADOS À SAÚDE MENTAL 1987 A 2005
Associada às informações trazidas por Paulo Amarante (1995) e Lúcia Rosa (2003), a
sistematização preliminar dos documentos encontrados no site (www.inverso.org.br), permitiu
organizar uma lista cronológica de eventos historicamente significativos para a produção do
sentidos do cuidado nos CAPS, em suas interseções com a problemática das relações de
gênero. A lista compõe-se das seguintes datas e eventos:
1987 - I Conferência Nacional de Saúde Mental, criação do Centro de Atenção Psicossocial
/CAPS Luís da Rocha Cerqueira, em São Paulo, e do Primeiro Núcleo de Atenção
Psicossocial /NAPS, em Santos.
1988 – é promulgada a nova Constituição Federal que reúne a Assistência e a Previdência
e a saúde na Seguridade Social, definindo a saúde como um dever do Estado e um
direito do cidadão.
1989 – O deputado Paulo Delgado apresenta Projeto de Lei propondo a Reformulação dos
Serviços de Saúde Mental.
1990 – a Declaração de Caracas é assinada pelos países da América Latina e Caribe,
como sinal de compromisso com os princípios dos movimentos de reforma da saúde
mental entre os países da Região das Américas.
1990 – Por meio da Lei Federal 8080/90 institui-se o Sistema Único de Saúde- SUS, cujos
princípios haviam sido formulados na 8
a
conferência Nacional de Saúde, tais como a
Integralidade das ações; Equidade e Universalidade de acesso; Descentralização,
Regionalização e hierarquização da assistência; entre outros.
1991 – O Ministério da Saúde inclui o trabalho com grupos terapêuticos e outros
procedimentos ambulatoriais na saúde mental.
1992 – O MS Normatiza o atendimento em Saúde Mental na rede SUS, oficializando os
NAPS, CAPS e Hospitais-dias. Esta Portaria será quase totalmente substituída pelas
Portarias 336 e 189 em 2002, com exceção do que ficou estabelecido nela para
hospitais-dia e ambulatórios psiquiátricos.
1992 – Wilza Villela defende sua tese sobre a pertinência da incorporação do conceito de
gênero nas práticas de saúde mental, que se mostravam, segundo a autora, críticas e
transformadoras em relação à Psisquiatria.
1992 – Em decorrência das discussões levantadas pelo PL do dep. Paulo Delgado, o Rio
Grande do Sul inicia, por meio de uma lei estadual, a Reforma do Sistema Psquiátrico,
no que é seguido por outros estados como Ceará (em 1993); Pernambuco (94); Minas
e Distrito Federal (95).
2000- comemoração de 10 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA.
2000 – O SUS institui o Serviço de Residência Terapêutica. um dispositivo de atenção em
saúde mental baseado no modelo de convivência domiciliar, Pequenos grupos de
egressos dos hospitais psiquiátricos sem familiares a quem possam recorrer, passam a
dividir uma casa, sob a supervisão de uma equipe multi–profissional.
2001 – Após várias discussões e modificações no projeto inicial, é aprovada a Lei federal
10.216, que ficou conhecida como Lei Paulo Delgado, instituindo a Reforma
Psiquiátrica em todo o SUS.
2001 – A Segunda Conferência Estadual de Saúde Mental do ES trás o seguinte tema:
“Cuidar sim! Excluir, não!- efetivando a reforma psiquiátrica com acesso, qualidade
humanização e controle social. Esse mesmo tema é o eixo da III Conferência Nacional
de Saúde Mental, no mesmo ano, em Brasília- DF.
fev. e mar. de 2002 – Duas Portarias ministeriais, PT GM n.336 e PT SAS n.189, definem e
regulamentam os serviços dos Centros de Atenção Psicossocial - CAPS. A primeira
Portaria define as unidades de serviços CAPS, categorizando-as como CAPS-I, CAPS-
II e CAPS-III, segundo o porte, complexidade e abrangência populacional,
especificando CAPSad para o atendimento ao público usuários e dependentes de
álcool e outras drogas, e CAPSi para o atendimento à população infanto-juvenil.
Enquanto a segunda, estipula os procedimentos para cadastro dos CAPS junto ao MS
e institui os códigos para pagamento de cada procedimentos realizados pelas
unidades, segundo suas definições.
maio de 2002 – começa a circular o boletim da Área técnica de Saúde Mental do MS, cujo
lema na logomarca é “Cuidar Sim, Excluir não”.
jun./jul de 2002 – o número 03 do Informativo da Saúde Mental traz, entre outras coisas,
uma chamada para os gestores locais cadastrarem os CAPS segundo os termos das
Portarias 336 e 189.
julho de 2002 - a agenda da área de Saúde mental registra participação no Seminário
“Trabalhando com Homens Jovens” organizado pela OPAS e uma rede de ONGs, entre
as quais estão o Instituto Papai (PE) e o Instituto Promundo (RJ), que têm defendido a
adoção da perspectiva de gênero no trabalho com a população jovem masculina nas
unidades básicas de saúde.
out. de 2002 – MS emite circular com Instrutivo esclarecendo as definições e diretrizes dos
CAPS. Em linguagem mais direta, no formato de perguntas e respostas, o texto é
dirigido a gestores de políticas públicas com a finalidade de esclarecer o papel dos
CAPS na rede de atenção à saúde mental.
fev. de 2003 – uma nova reunião, indicando possibilidades de aproximação com as
questões de gênero. Dessa vez com a Área da Saúde da Mulher, em função do ciclo
de debates “gênero, qualidade de vida e saúde da mulher”. Apontava ainda o
lançamento do serviço disque-saúde da mulher – pela Coordenação da Saúde da
Mulher.
out. 2003- Ministério constitui o Grupo de Trabalho destinado a elaborar uma proposta de
constituição do Fórum Nacional de Saúde Mental de Crianças e Adolescentes. Além
disso aprova um aplano estratégico de expansão dos CAPS – infância e adolescência,
reservando recurso financeiros para alguns municípios.
fev. 2004 – a agenda do Informativo da Saúde mental, indica mais uma vez uma reunião
com a Área Técnica da Saúde da Mulher, possivelmente por conta das atividades de
08 de março, dia internacional da mulher.
fev. a jun de 2004 – convocatória para o Congresso Brasileiro de CAPS em São Paulo e
concomitantes realizações de congressos estaduais, numa lógica de articulações
regionais para a construção de uma pauta de temas nacionalmente representativa.
28 de jun a 1
º
de jul. de 2004 – realização do Congresso Brasileiro de CAPS com a
presença de quase 2000 pessoas, entre profissionais, usuários e familiares,
representando mais de 500 unidades cadastradas no território nacional. Os eixos
temáticos do congresso eram: 1) “CAPS – Laços sociais”, para discutir a inserção do
CAPS nas políticas sociais em geral, sua relação com a gestão dos espaços e do
tempo nas cidades; 2) “O cuidado quotidiano nos CAPS”- para refletir sobre a definição
das novas práticas clínicas proporcionadas pelos dispositivos de atenção psicossocial,
pautada pela lógica do acolhimento, da liberdade, do respeito às diferenças e da
autonomia possível. Considerando inclusive o modo com esse cuidado afeta os
profissionais. 3) “Trabalhadores, usuários e familiares – transformando relações,
produzindo novos diálogos”. Nesse eixo buscou-se uma reflexão sobre o papel crucial
do diálogo para o estabelecimento de novas relações entre cada um dos grupos que
constituem a estrutura de saúde; incluindo dimensões conflituosas, as condições de
trabalhos, as relações de poderes, as tensões que resultam do reconhecimento da
cidadania dos pacientes enquanto usuários do serviço público de saúde.
ago. de 2004 – Primeira reunião do Fórum Nacional de saúde mental infanto-juvenil.
Instituído por Portaria do MS (PT/GM-1608/2004), esse fórum foi composto por uma
comissão intersetorial para discutir, de modo não centralizado, questões estratégicas
para a construção de uma rede de atenção à saúde para crianças e adolescentes com
transtornos mentais.
set. 2004 – Portaria(2068/2004) do MS destina incentivo financeiro para o cadastramento
dos CAPS. Com isso, os gestores recebem os recursos mesmo para CAPS em
processo de implantação. Esta norma será superada por outra Portaria em 2005.
set. de 2004 – O boletim da Saúde mental menciona a participação do Ministério da Saúde
do Brasil na II conferência internacional de Álcool e Redução de Danos, que aconteceu
na Varsóvia e o Fórum Amazônico de Saúde Mental, que ocorre me Belém do Pará.
out. 2004 – MS institui, no âmbito do SUS, o Programa de Atenção Integral a Usuários de
Álcool e outras Drogas, com destaque para a implantação de centros de referência
para atenção integral a usuários de A. e D. em hospitais gerais.
fev. deb 2005 – duas Portarias 245 e 246 do MS substituem a Portaria de 2004 sobre o
repasse de financiamento para CAPS e municípios em processo de implantação. Com
essas Portarias os Centros que receberem recursos antecipados têm 90 dias para
adequar sua estrutura e equipe técnica aos critérios para cadastramento junto ao MS.
março de 2005 – a Coordenação de Saúde Mental participa da 26
ª
reunião do Conselho
Nacional do Centro de Valorização da Vida
32
, na qual apresenta a proposta de
Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio. No texto que apresenta a estratégia aos
gestores no Informativo da Saúde Mental n. 18, homens e mulheres são listados entre
as populações vulneráveis de modo distinto, numa proporção de 4 homens para cada
mulher, num total de 7.729 óbitos por suicídio.
maio de 2005 - O Informativo menciona uma integração intra/inter-setorial entre as Áreas
Técnicas de Saúde Mental e da Mulher. Nessa integração, o Grupo Técnico de
Atenção à Violência Doméstica e Sexual, promoveu uma oficina intitulada
Planejamento de Ações e metas para 2005, na qual o pessoal da Saúde Mental
apresentou a Política Nacional de Saúde Mental e Álcool e outras Drogas, buscando
otimizar o uso das estruturas locais de atenção à mulher em situação de violência em
conjunto com as de saúde mental.
jun. de 2005 - o boletim da saúde mental informa que desde junho do ano passado iniciou-
se um processo de avaliação nacional dos CAPS, por meio de questionários
distribuídos para os coordenadores estaduais de saúde mental.
Uma série de outras portarias e notícias, publicadas entre junho e outubro de 2005, redefinem
e tematizam questões acerca da política de Redução de Danos na atenção ao usuário e
dependente de álcool e drogas; com relação a emissões de incentivos financeiros; a processos
de qualificação para atendimento e gestão de Centros de Atenção Psicossocial e ao Programa
de Reestruturação Psiquiátrica. Contudo, até outubro de 2005, mês de publicaçào do boletim n.
20, não se registra qualquer portaria, campanha ou evento de atenção específica à saúde da
mulher, ou mesmo qualquer outra questão de saúde mental que seja abordada numa
perspectiva de gênero ou racial.
32
O Centro de Valorização da Vida é uma ONG que se dedica, por meio do trabalho voluntário,
ao atendimento de pessoas com sofrimento, a fim de evitar o suicídio. Para mais informações
consulte www.cvv.org.br.
ANEXO II
Lista de documentos por ordem cronológica
data Título do doc
ordem de
produção
efeito
(pricipal)
sumário detalhe
1990 set. Lei nº 8080/90 Jurídica Normativo
Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da
saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes.
Institui o Sistema Único de Saúde.
1990 dez. Lei nº 8142 Jurídica Normativo
Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único
de Saúde (SUS} e sobre as transferências intergovernamentais de
recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências.
1992 junho
Mulher e Saude Mental:
da Importancia do Conceito
de Genero na Abordagem
da Loucura Feminina
VILLELA, Wilza Vieira.
A
cadêmico Informativo
trata-se de uma pesquisa de carater qualitativo,onde busca-se discutira
pertinencia da incorporação do conceito de GÊNERO as praticas de saude
mental, a partir de um estudo de caso realizado em uma unidade do suds-
r-1. parte do pressuposto que as praticas de saude mental historicamente
tem se caracterizado pelo seu carater critico e transformador em rela€ao a
psiquiatria.
alem disso, considera que o conceito
de GÊNERO, ao sintetizar as
particularidades da opressão feminina,
apresenta-se consistente e coerente
com os demais que fomentam o
desenvolvimento dessas praticas.
1992 agosto Lei estadual nº 9716 - RS Jurídica Normativo
Dispõe sobre a Reforma Psiquiátrica no Rio Grande do Sul, determina a
substituição progressiva dos leitos nos hospitais psiquiátricos por rede de
atenção integral em saúde mental, determina regras de proteção aos que
padecem de sofrimento psíquico, especialmente quanto àinternação
compulsória e dá outras providências.
1993 julho Lei nº 12151 - Ceará Jurídica Normativo
Dispõe sobre a extinção progressiva dos hospitais psiquiátricos e sua
substituição por outros recursos assistenciais, regulamenta a internação
psiquiátrica compulsória, e dá outras providências
1993 dezembro Lei federal nº 8742 Jurídica Normativo
LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL (LOAS). Dispõe sobre a
organização da Assistência Social e dá outras providências.
1994 maio Lei nº 11064 - Pernambuco Jurídica Normativo
Dispõe sobre a substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos por
rede de atenção integral à saúde mental, regulamenta a internação
psiquiátrica involuntária e dá outras providências.
1995 janeiro Lei nº 11802 - Minas Gerais Jurídica Normativo
Dispõe sobre a promoção de saúde e da reintegração social do portador de
sofrimento mental; determina a implantação de ações e serviços de saúde
mental substitutivos aos hospitais psiquiátricos e a extinção progressiva
destes; regulamenta as internações,
data Título do doc
ordem de
produção
efeito
(pricipal)
sumário detalhe
1995 janeiro
Lei nº 6758 - Grande do
Norte Jurídica Normativo
Dispõe sobre a adequação dos hospitais psiquiátricos, leitos psiquiátricos
em hospitais gerais, construção de unidades psiquiátricas e dá outras
providências.
1995 novembro Lei n º 11189 - Paraná Jurídica Normativo
Dispõe sobre as condições para internações em hospitais psiquiátricos e
estabelecimentos similares de cuidados com transtornos mentais.
1995 dezembro Lei nº 975 - Distrito Federal Jurídica Normativo
Fixa diretrizes para a atenção à saúde mental no Distrito Federal e dá
outras providências.
1996 setembro Lei nº 5267 - Espírito Santo Jurídica Normativo
Dispõe sobre direitos fundamentais das pessoas consideradas doentes
mentais e dá outras providências
1997 dezembro
Emenda da Lei nº 11802 -
Minas Gerais Jurídica Normativo
Altera a Lei n º 11.802, de 18 de janeiro de 1995, que dispõe sobre a
promoção da saúde e da reintegração social do portador de sofrimento
mental e dá outras providências.
1998 junho Decreto de lei nº 2632 Jurídica Normativo Dispõe sobre o Sistema Nacional Antidrogas, e dá outras providências.
1999 novembro Lei nº 9867 Jurídica Normativo
Dispõe sobre a criação e o funcionamento de Cooperativas Sociais,
visando a integração social dos cidadãos conforme especifica.
2001 abril Lei nº 10216 Jurídica Normativo
Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de
transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.
Antigo Projeto de Lei Paulo Delgado
2001 outubro
RELATÓRIO FINAL - II
CONFERÊNCIA
ESTADUAL DE SAÚDE
MENTAL
"CUIDAR SIM, EXCLUIR
NÃO
Efetivando a Reforma
Psiquiátrica com Acesso,
Qualidade, Humanização e
Controle Social"
A
dvocacy Informativo
A II Conferência Estadual de Saúde Mental realizada entre 09 e 11 de
outubro de 2001, no município de Vila Velha , ES, contou com a
participação de 330 pessoas entre delegados, com direito a voz e voto,
observadores e convidados, estes com direito a voz. O tema "Cuidar Sim,
Excluir Não" foi discutido em plenária e em 09 grupos de trabalho. Cada
participante recebeu uma síntese das propostas oriundas das 04
Conferências Macrorregionais alem de textos de apoio enviados pela
Comissão Organizadora da etapa nacional, como subsídio aos debates.
data Título do doc
ordem de
produção
efeito
(pricipal)
sumário detalhe
2002 Abril/ Maio
Informativo Saúde Mental
no SUS. N° 1.
Técnica Informativo
Traz notícias sobre o PNASH/Psiquiatria, sobre o Programa Permanente
de Capacitação de Recursos Humanos para a Reforma Psiquiátrica e
atividades da Coordenação de Saúde Mental/MS.
2002 Jun.
Informativo Saúde Mental
no SUS. N° 2.
Técnica Informativo
Traz orientações aos gestores sobre o processo de cadastramento/
recadastramento de CAPS, disparado pelas PTs 336 e 189/2002 e outros
informes.
2002 Jul.
Informativo Saude Mental
no SUS. Nº 3 Técnica Informativo
Traz notícias sobre o PNASH/Psiquiatria e sobre o Seminário Nacional
para a Reorientação dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico.
27.06 Seminário "Trabalhando com
Homens Jovens" OPAS
2002 set.
Informativo Saúde Mental
no SUS. N° 4
Técnica Informativo
Traça um panorama do PNASH/ Psiquiatria, do processo de
recadastramento dos CAPS em todo o país e informa sobre o Lançamento
do Relatório da III Conferência Nacional de Saúde Mental.
2002 set.
Informativo Saúde Mental
no SUS. N° 5
Técnica Informativo
Traz o resultado da discussão e votação do Conselho Nacional de Saúde
sobre as Portarias GM 251 e SAS 77.
2002 setembro
DECRETO Nº 42910 -
Minas Gerais Jurídica Normativo
Contém o Regulamento da Lei nº 11.802, de 18 de janeiro de 1995,
alterada pela Lei nº 12.684, de 1º de dezembro de 1997, que dispõe sobre
a promoção da saúde e da reintegração social do portador de sofrimento
mental e dá outras providências.
2002 outubro Instrutivo do Ministério Técnica Informativo
Instrutivo divulgado pela Coordenação de Saúde Mental do Ministério da
Saúde no ano de 2002, pela ocasião da publicação da Portaria GM 336/02,
que traz nova sistemática de funcionamento dos CAPS. O instrutivo
responde perguntas como :O que é um CAPS? Qual o projeto terapêutico
de um CAPS? O que é cuidado Intensivo, Semi-intensivo e Não-Intensivo
em Saúde Mental ?
2002 out.
Informativo Saúde Mental
no SUS. N° 6 Técnica Informativo
Divulga o evento "Saúde Mental nas Grandes Cidades " e traz balanço do
processo de recadastramento de CAPS.
2002 dez. Não disponível no site
2003 Jan/ Fev.
Informativo Saúde Mental
no SUS. N° 8
Técnica Informativo
Divulga a PT 2391, que regulamenta a notificação de Internações
Psiquiátricas Involuntárias e discute o uso de medicamentos excepcionais.
2003 maio
Informativo Saúde Mental
no SUS. Nº 9 Técnica Informativo
Divulga a Política do Ministério da Saúde para a questão do álcool e outras
drogas.
data Título do doc
ordem de
produção
efeito
(pricipal)
sumário detalhe
2003 jun.
Informe da Saúde (no. 215
– Especial Saúde Mental) Técnica Informativo
Publicação semanal da Divisão de Jornalismo da Assessoria de
Comunicação Social do Ministério da Saúde. O site pesquisado traz
apenas um exemplar (Informe Saúde n 215) o informe especial sobre o
Programa “De Volta para Casa”.
2003 JULHO LEI No 10.708 Jurídica Normativo
Programa De Volta para Casa
Institui o auxílio-reabilitação psicossocial para pacientes acometidos de
transtornos mentais egressos de internações.
2003 jul.
Informativo Saúde Mental
no SUS. N° 10
Jurídica Normativo Destaca a realização do Fórum Cone Sul sobre Políticas de Saúde Mental.
2003 ago. não disponível no site
não
disponível
no site
não disponível
no site
não disponível no site
2004 jan. não disponível no site
não
disponível
no site
não disponível
no site não disponível no site
2004 fev.
Informativo Saúde Mental
no SUS. N° 13 Técnica Informativo
Trás referêncas sobre o congresso Brasileiro de CAPS; a reunião do
Colegiado de coordenadores de saúde mental. PNASH e Política de
atenção à saúde mental de crianças e adolescente na Centros de Atenção
Psicossociais Infanto Juvenil CAPSi
4 de março - A agenda de atividades
nacionais referia uma reunião com a
área da Saúde da Mulher, Brasília, DF
2004 mai.
Informativo Saúde Mental
no SUS. Nº 14 Técnica Informativo
Notícias do PNASH/ Psiquiatria; Relatório OMS/ A&D Eixos temáticos do
Congresso Brasileiro de CAPS: 1- CAPS: Laços sociais; 2- Cuidado
Quotidiano no CAPS; 3 -: “Trabalhadores, Usuários e Familiares–
Transformando relações, produzindo novos Diálogos”.
2004 JULHO LEI Nº 7.639, Paraíba Jurídica Normativo
Dispõe sobre a Reforma Psiquiátrica no Estado da Paraíba e dá outras
providências.
2004 jul.
Informativo Saúde Mental
no SUS. N° 15 Técnica Informativo
Foi realizado na cidade de São Paulo nos dias 28, 29, 30 de junho e 1º de
julho o Congresso Brasileiro de CAPS. SAÚDE MENTAL E
SAMU;CONCURSO DE IDENTIDADE VISUAL DOS CAPS
2004 set.
Informativo Saúde Mental
no SUS. N° 16 Técnica Informativo
INTERVENÇÃO NOS HOSPITAIS PSIQUIÁTRICOS; II CONFERÊNCIA
INTERNACIONAL DE ÁLCOOL E REDUÇÃO DE DANOS (na Varsóvia).
Aqui, Belém foi sede, no período de 18 a 20 de Agosto, do I Fórum
Amazônico de Saúde Mental. Apresentação do I Levantamento das
Comunidades Terapêuticas.
data Título do doc
ordem de
produção
efeito
(pricipal)
sumário detalhe
2004 dez.
Informativo Saúde Mental
no SUS. Nº 17 Técnica Informativo
Notícias do CAPs - Projeto Geração de rendas Drogas e Violência:
Redução de Danos; Caderno eletronico de Saúde mental Drogas e
violência marco da saúde Programa de volta pra casa
2005 maio
Informativo Saúde Mental
no SUS. N° 18
Técnica Informativo
Este é um número especial do Boletim Saúde Mental no SUS, dirigido
especialmente aos novos gestores - coordenadores municipais de saúde
mental, secretários municipais, coordenadores estaduais - que assumiram
agora em janeiro. Ele traz algumas informações objetivas sobre como
implantar e implementar serviços de saúde mental em seu município, com
apoio técnico e financeiro do Ministério da Saúde. Liberdade e cidadania
pra quem precisa de cuidados em saúde mental. Formação de Recursos
Humanos.
Integração com a Saúde da Mulher
Dentro de uma perspectiva de
integração intra /intersetorial, a Área
Técnica de Saúde Mental A
Coordenação de Saúde Mental
participou de oficina de trabalho
promovida pelo Grupo
Técnico de Atenção à Violência
Doméstica e Sexual,
intitulada "Planejamento de Ações e
Metas para o Ano
de 2005", e viabilizada pela Área
Técnica de Saúde da
Mulher.
2005 junho
Informativo Saúde Mental
no SUS. N° 19
Técnica Informativo
18 DE MAIO 15 ANOS DA DECLARAÇ O DE CARACAS; SAÚDE
MENTAL E ECONOM A SOLIDÁRiA
FÓRUM NACIONAL DE SAÚDE MENTAL NFANTO-JUVENIL; AVALIAR–
CAP BR: Avaliação Nacional dos Centros de Atenção Psicossocial
2005 outubro
Informativo Saúde Mental
no SUS. N° 20 Técnica Informativo
Reforma Psiquiátrica: Momentos Decisivos para sua Consolidação
Divulgação dos resultados das Revistorias do PNASH/ Psiquiatria
2003/2004. Os hospitais que obtiveram escore inferior a 61% tiveram 90
dias para se readequarem, para então serem submetidos a uma nova
vistoria.
II segundo Curso de epspecialização em Saúde Mental UFBA/MS SAÚDE
MENTAL na II Feira de Agricultura Familiar e Reforma Agrária Revista
Laços A revista eletrônica da Reforma Psiquiátrica Brasileira; Capacitação
para trabalho.
ANEXO III
Exemplo de uso do mapa: análise do Instrutivo
CAPS Perguntas & Respostas
Análise dos discursos que articulam cuidado/cuidar e CAPS
finalidade da ação Zonas de indiferença
Agente Ação (prática) foco da ação
propositiva negativa/contrastiva
Caps - Perguntas & Respostas.
Instrutivo divulgado pela Coordenação de Saúde Mental do
Ministério da Saúde no ano de 2002, pela ocasião da
publicação da Portaria GM 336/02, que traz nova sistemática
de funcionamento dos CAPS. O instrutivo responde perguntas
como :O que é um CAPS? Qual o projeto terapêutico de um
CAPS? O que é cuidado Intensivo, Semi-intensivo e Não-
Intensivo em Saúde Mental ? Trata-se de instrutivo importante
para gestores e trabalhadores da saúde mental.
CAPS – Nova sistemática de cadastramento, funcionamento
e registro de dados epidemiológicos – Portarias 336/02 e
189/02. Perguntas & Respostas. Primeira Edição (perguntas
01 a 12).
MS/SAS/ASTEC
Área Técnica de Saúde Mental
1. O que é um CAPS mais exatamente? De que se trata?
O Centro de Atenção
Psicossocial (CAPS),
presente nas Portarias MS-336 e SAS-189 de 2002, como
Tipo de Unidade 37 e Tipo de Serviço 14 (Serviço de
Atenção Psicossocial),
é um serviço
comunitário
ambulatorial
que toma para si a
responsabilidade de
cuidar
de pessoas que
sofrem com
transtornos
mentais, em
especial os
transtornos
severos e
persistentes
, no seu território de abrangência.
Deve garantir relações
entre
trabalhadores e usuários
centradas no
acolhimento, vínculo e
na definição precisa
de responsabilidade
Análise dos discursos que articulam cuidado/cuidar e CAPS
finalidade da ação Zonas de indiferença
Agente Ação (prática) foco da ação
propositiva negativa/contrastiva
de cada membro da
equipe
A atenção deve incluir
ações dirigidas
aos familiares
e
comprometer
-se com a
construção
dos projetos
de inserção
social,
respeitando
as
possibilidade
s individuais
e princípios
de cidadania
que
minimizem o estigma
e promovam
a melhor
qualidade de
vida e
inclusão
social
possíveis.
2. Qual é o projeto
terapêutico de um
CAPS? Os projetos
terapêuticos dos
CAPS serão
singulares,
respeitando-se
diferenças regionais,
contribuições técnicas
dos
integrantes de sua
equipe,
iniciativas locais
de familiares e usuários
e articula
ç
ões
suas ações.
Análise dos discursos que articulam cuidado/cuidar e CAPS
finalidade da ação Zonas de indiferença
Agente Ação (prática) foco da ação
propositiva negativa/contrastiva
intersetoriais que
potencializem
Os CAPS deverão obedecer a alguns
princípios básicos:
devem se
responsabilizar pelo
acolhimento
de 100% da
demanda dos
portadores de
transtornos
severos de seu
território,
garantindo a presença
de profissional
responsável durante
todo o período de
funcionamento da
unidade (plantão
técnico) e criar uma
ambiência terapêutica
acolhedora no serviço
que possa
incluir
pacientes muito
desestruturados
que não
consigam
acompanhar as
atividades
estruturadas da
unidade.
Devem ainda
trabalhar com a idéia
de gerenciamento de
casos, personalizando
o projeto de cada
paciente na unidade e
fora dela e
desenvolver
atividades para a
permanência diária no
serviço.
O CAPS
deve considerar o
cuidado intra-, inter- e
transubjetivo,
articulando recursos
de natureza clínica,
incluindo
Análise dos discursos que articulam cuidado/cuidar e CAPS
finalidade da ação Zonas de indiferença
Agente Ação (prática) foco da ação
propositiva negativa/contrastiva
medicamentos, de
moradia, de trabalho,
de lazer, de
previdência e outros,
através do cuidado
clínico oportuno e
programas de
reabilitação
psicossocial.
3. O que é cuidado
Intensivo, Semi-
intensivo e Não-
Intensivo em Saúde
Mental ?
As noções de
atendimento
“Intensivos”, “Semi-
intensivos” e “Não-
intensivos” foram
concebidas para
caracterizarem os
projetos terapêuticos
de
cada paciente
em atendimento
pelo CAPS. A intenção é
substituir a lógica de
“turnos de
atendimento”, da
portaria 224/92, por
uma nomenclatura
operativa que.
permita o
registro das
configuraçõe
s mais
“regulares”
de projeto terapêutico
O quadro clínico atual
do paciente e
o tipo de
acompanhamento
definirão o procedimento SIA/SUS a ser cobrado.
Análise dos discursos que articulam cuidado/cuidar e CAPS
finalidade da ação Zonas de indiferença
Agente Ação (prática) foco da ação
propositiva negativa/contrastiva
necessário, definidos,
em um projeto
Terapêutico
personalizado
Todos os
procedimentos
incluídos na Tabela
SIA/SUS
pela Portaria 189, seguem este raciocínio.
Assim, o cuidado
intensivo, por
exemplo, consistirá
em um conjunto de
atendimentos que
será oferecido
pelo CAPS a um paciente
que, por causa
de seu quadro
clínico,
necessita de
um cuidado diário,
por parte de uma equipe
multiprofissional e
especializada
(até 25 dias no mês).
Isto não quer dizer que
este paciente
tenha que participar das atividades do CAPS nos dois turnos
do dia, ou mesmo todos os dias.
Ele poderá, por exemplo,
ser cuidado
intensivamente
através de
atendimento
domiciliar, durante um
período.
As noções de Cuidado
Intensivo, Semi-
intensivo e Não-
intensivo não são
vinculadas aos turnos,
mas aos cuidados
clínicos e projetos
terapêuticos
Análise dos discursos que articulam cuidado/cuidar e CAPS
finalidade da ação Zonas de indiferença
Agente Ação (prática) foco da ação
propositiva negativa/contrastiva
dos pacientes. O mesmo raciocínio vale para os chamados
cuidados Semi-
intensivos e Não-
intensivos. O cuidado
semi-intensivo
consiste, então, num
conjunto de
atendimentos
oferecido
pelo CAPS ao paciente, que
por sua
condição clínica,
necessita de
uma atenção
freqüente (até 12 dias
no mês).
Vale ressaltar, mais uma vez, que os procedimentos não
estão atrelados aos turnos.
Entenda-se, por
conjunto freqüente de
atendimentos, o
cuidado dispensado
ao paciente que
necessita
participar algumas
vezes por semana das
atividades do CAPS
Já os chamados
cuidados não-
intensivos
referem-se àquele
conjunto de
atendimentos
prestados
mensalmente ou
quinzenalmente
ao paciente, que
por seu quadro
clínico
e projeto
terapêutico,
necessita de um
acompanhamento
mais espaçado, ou
mesmo mensal (até 3
dias no mês).
4. Certamente, e isto dependerá exclusivamente da clínica.
Do ponto de vista operacional, a única limitação será, dentro
do mês corrente, a mudança do registro do procedimento,
porque
a cada paciente corres
p
onde um único instrumento de “cobran
ç
a”, chamado
Análise dos discursos que articulam cuidado/cuidar e CAPS
finalidade da ação Zonas de indiferença
Agente Ação (prática) foco da ação
propositiva negativa/contrastiva
APAC (Autorização para Procedimento de Alto Custo). Esta
questão – mudança da APAC de um mesmo
paciente – será explicada melhor adiante
Quanto ao projeto
terapêutico,
é de se esperar, mesmo, que
os pacientes que
demandem
cuidados intensivos vão
progressivamente
deixando de precisar
comparecer
diariamente ao
CAPS.
Do mesmo modo,
um paciente que comece sendo
atendido poucas
vezes ao mês (“não-
intensivo”)
pode necessitar de mudança em seu
projeto terapêutico,
passando a ser
atendido mais de uma
vez por semana
(“semi-intensivo”) ou
diariamente (até 25
vezes no mês, ou
“intensivo”).
Esta é uma metodologia de registro da
atividade clínica
do CAPS – e de cobrança dos procedimentos no sistema SIA-SUS –
que está sendo iniciada agora, e poderá ser
progressivamente aperfeiçoada
, com a experiência e
o experimento da
clínica dos
CAPS.
5. Como cobrar os primeiros atendimentos do paciente
?
Até que se defina o
projeto terapêutico do paciente,
Análise dos discursos que articulam cuidado/cuidar e CAPS
finalidade da ação Zonas de indiferença
Agente Ação (prática) foco da ação
propositiva negativa/contrastiva
o CAPS poderá cobrar os primeiros atendimentos necessários
através do BPA (Boletim de Produção Ambulatorial). O
atendimento será registrado e cobrado como “consulta”.
6. Como fazer quando
o paciente
que antes precisava de
cuidados intensivos,
passar a necessitar de
cuidados semi-
intensivos ou não-
intensivos ?
A depender da evolução do quadro clínico
do paciente, deve-se ajustar
o projeto terapêutico. A mudança de
uma forma intensiva
de cuidado
para uma
forma aqui chamada
de não-intensiva,
é altamente desejada,
quando realizada progressivamente e segundo critérios
psicossociais e clínicos. Quando ocorrer um ajuste
no projeto terapêutico do paciente,
o CAPS deve também mudar o tipo de procedimento cobrado.
O CAPS poderá cobrar, portanto, para o mesmo paciente (mas não
ao mesmo tempo),
procedimentos semi-
intensivos e não-
intensivos, por
exemplo.
Isto significará que houve mudanças
do projeto terapêutico do paciente.
7. Na definição dos procedimentos (PT 189),
existe a fixação de
um número máximo
ou limite
de pacientes
que poderão
ser atendidos
Análise dos discursos que articulam cuidado/cuidar e CAPS
finalidade da ação Zonas de indiferença
Agente Ação (prática) foco da ação
propositiva negativa/contrastiva
pelo CAPS
Como isto funciona ?
Tomemos o exemplo de um CAPS I
O CAPS I poderá cobrar o
atendimento de até 25 pacientes
por mês
em regime de
cuidados intensivos.
Em atendimento semi-
intensivo,
o CAPS I poderá cobrar
até 50 pacientes
por mês.
Já em regime de
cuidados não-
intensivos,
o CAPS I poderá cobrar
o atendimento de até 90 pacientes
por mês.
Somando as três possibilidades
tipos de atendimento
o CAPS I poderá cobrar
o atendimento, por APAC,
de até 165
pacientes.
É possível, por problemas ou especificidades
da rede local de atenção
à saúde mental, que um
CAPS I
receba
uma demanda
maior do que as
possibilidades
de cobrança
de procedimentos por APAC. Para o manejo desta situação, lembramos que
permanece a possibilidade para os CAPS de cobrança do
Análise dos discursos que articulam cuidado/cuidar e CAPS
finalidade da ação Zonas de indiferença
Agente Ação (prática) foco da ação
propositiva negativa/contrastiva
BPA (Boletim de Produção Ambulatorial) em
atendimentos
individuais e grupais.
8. Qual a origem dos recursos que financiam os dois
grupos de procedimentos que um CAPS pode realizar ?
Os procedimentos
específicos
de um CAPS são os atendimentos
intensivos, semi-
intensivos e não-
intensivos,
os quais são registrados e cobrados através das APACs.
Os valores dos procedimentos-APAC..................... Os
recursos.......... no orçamento do MS para ..........CAPS são
financiados por recursos “extra-teto”.
9. A Portaria 189/02
define os
procedimentos como
“conjunto de
atendimentos”.
Quais atendimentos
compõem este
conjunto ?
O conjunto de
atendimentos a que
se refere
a Portaria 189/02 e que será cobrado através de APAC
inclui: atendimento
individual
(medicamentoso,
psicoterápico, de
orientação, entre
outros), atendimento
em grupos
(psicoterapia, grupo
o
p
erativo, atividades
Análise dos discursos que articulam cuidado/cuidar e CAPS
finalidade da ação Zonas de indiferença
Agente Ação (prática) foco da ação
propositiva negativa/contrastiva
de suporte social,
entre outras),
atendimento em
oficinas terapêuticas,
atendimento à família
e atividades
comunitárias.
A Portaria 336/02
descreve,
de acordo com o tipo de
CAPS e sua
complexidade
as atividades do
CAPS.
, A maioria delas, como relatado acima, fazem parte
do conjunto de
atendimentos
que será cobrado por APAC
. Note-se que o valor de cada procedimento descrito
na Portaria
inclui todos os atos
atividades e materiais
necessários à sua
realização.
Existem, no entanto,
atividades típicas do
CAPS
que poderão ser cobradas de outras maneiras
: as visitas
domiciliares, por
exemplo
, podem ser cobradas pelo BPA (Boletim de Produção
Ambulatorial).
Já o procedimento de
acolhimento noturno a
pacientes de
Centro de Atenção
Psicossocial,
somente disponível para
CAPS III , faz parte da Tabela de Procedimentos do SIH-SUS.
10. O CAPS
pode cobrar o
procedimento
“atendimento em
oficina terapêutica (I
e II)”, definidos pela
portaria 224/92 ?
Não.
Análise dos discursos que articulam cuidado/cuidar e CAPS
finalidade da ação Zonas de indiferença
Agente Ação (prática) foco da ação
propositiva negativa/contrastiva
Esta é uma atividade
intrínseca
aos CAPS e portanto não pode ser registrada ou cobrada duplamente.
Espera-se
de um CAPS que sempre realize
oficinas terapêuticas
ou não será um CAPS. Outros serviços – ambulatórios de saúde mental, por
exemplo – podem cobrar o procedimento de oficina
terapêutica. Para resolver ..... que continuará a existir no
sistema ambulatorial.
11. Como devem ser compostas as
equipes de nível
superior dos CAPS?
A composição das
equipes de nível superior
dos CAPS
foi definida pela PT 336/02 de modo a preservar uma das
características mais importantes
dos serviços abertos e
comunitários: a
multiprofissionalidade.
Esta é uma característica exigida das
equipes de todos os tipos
de CAPS.
A depender do porte e da complexidade do CAPS, no
entanto,
as equipes terão diferentes configurações mínimas.
Tomemos como exemplo
o CAPS II.
A equipe mínima de nível
superior do CAPS II é
composta por psiquiatra,
enfermeiro(a) e “... 4
(quatro) profissionais de
nível superior entre as
seguintes categorias
profissionais: psicólogo,
assistente social,
enfermeiro, terapeuta
ocupacional, pedagogo ou
outro profissional
necessário
ao projeto
terapêutico.”
Análise dos discursos que articulam cuidado/cuidar e CAPS
finalidade da ação Zonas de indiferença
Agente Ação (prática) foco da ação
propositiva negativa/contrastiva
Neste ponto, temos um problema de interpretação. A
expressão “ quatro profissionais ... entre as seguintes
categorias profissionais ...”, não é clara. Dado, no entanto,
que a exigência mínima para a composição
das equipes do CAPS é a
multiprofissionalidade,
este trecho deverá ser interpretado da seguinte maneira :
quatro técnicos de nível
superior, de categorias
profissionais diferentes,
entre as seguintes
categorias...” Isto significa
que uma equipe de CAPS
II deverá ser composta no
mínimo por psiquiatra e
enfermeiro(a) e quatro
outros técnicos de
categorias diversas.
Um exemplo de equipe mínima de CAPS II poderia ser:
psiquiatra, enfermeiro(a),
psicólogo(a), assistente
social, terapeuta
ocupacional e outro
profissional, por exemplo
pedagogo,
musicoterapeuta,
professor de educação
física ou, ainda,
profissional de outra área
que vir a exercer
atividades no CAPS.
Note-se, por estes exemplos, a exigência de diversidade
nas equipes
multiprofissionais.
Esta exigência se repete para todos os tipos de CAPS.
A definição das equipes na Portaria 336/02 pretende
preservar a
diversidade das equipes
multiprofissionais,
sem, no entanto, engessar o funcionamento daqueles
Análise dos discursos que articulam cuidado/cuidar e CAPS
finalidade da ação Zonas de indiferença
Agente Ação (prática) foco da ação
propositiva negativa/contrastiva
CAPS que não tenham hoje
equipe mínima de nível
superior.
Por esta razão e para estes casos, será dado o prazo de 6
(seis) meses para adequação à Portaria 336/02, contados a
partir do dia da publicação da Portaria de Habilitação (
cadastramento ) publicada pela Secretaria de Assistência à
Saúde/MS.
12. O que é APAC e quais são as vantagens da cobrança
de procedimentos por este sistema?
É um subsistema, integrante do Sistema de Informações
Ambulatoriais do SUS (SIA/SUS), de caráter relevante na
operacionalização dos procedimentos ambulatoriais de alta
complexidade/custo. A cobrança de vários procedimentos se
utilizam, hoje, de APAC : quimioterapia, radioterapia,
tomografia computadorizada e ressonância magnética, entre
outros. Os chamados “procedimentos de acompanhamento”
também necessitam de APAC : acompanhamento de pós-
transplante, distrofia muscular, deficiência auditiva, etc.
Na área de saúde mental, o
procedimento de
acompanhamento em
residência terapêutica
em saúde mental é cobrado por APAC desde o ano 2000. A
partir da Portaria SAS 189/02, passam a ser cobrados por
APAC
o acompanhamento de pacientes
em serviços de
atenção diária –
Centros de Atenção
Psicossocial.
Este subsistema é composto por dois instrumentos : APAC -
I / Formulário e APAC II / Meio Magnético. Quando utilizados
corretamente, estes instrumentos registram todas as
informações
relativas ao
usuário
e às terapias
instituídas.
Ao mesmo tempo, propicia os meios necessários para a
criação de um importante banco de dados que permite a
identificação do
paciente, a cobrança dos
procedimentos realizados e a geração de relatórios que auxiliam
Análise dos discursos que articulam cuidado/cuidar e CAPS
finalidade da ação Zonas de indiferença
Agente Ação (prática) foco da ação
propositiva negativa/contrastiva
os gestores no desenvolvimento de suas atividades de controle e
avaliação
A APAC – I / Formulário é um documento ( anexo II da
Portaria SAS 189/02 ) que autoriza a realização
dos procedimentos
ambulatoriais de alta
complexidade/custo.
O preenchimento de Laudo ( Anexo I da Portaria SAS
189/02 ) também é necessário para a emissão de APAC. O
Laudo deverá ser corretamente preenchido pelo
profissional que acompanha o paciente.
A APAC – II / Magnético é um instrumento que permite
digitar e armazenar as informações contidas na APAC – I /
Formulários e no Laudo, identificar o
paciente e cobrar
os procedimentos de
alto custo.
Somente através da APAC – II / Meio Magnético, poderão
ser cobrados os
procedimentos
realizados
mensalmente.
Os CAPS deverão manter arquivado a APAC – I / .....É
necessário que em cada CAPS exista um profissional, ....
especificamente encarregado do preenchimento das APACs.
... autorização tem validade de 3 meses, e só é preenchida
uma vez por mês, por paciente.
Brasília, 1o. de outubro de 2002 (Anexo à Circular 26/02)
Pedimos aos coordenadores estaduais, regionais e municipais que leiam e divulguem as orientações acima. Por favor, encaminhem novas perguntas, sugestões de forma de redação
melhor, indagações quanto ao que foi dito acima, etc. Estas perguntas e respostas foram elaboradas a partir de demanda oriunda dos diversos municípios onde funcionam os CAPS.
Novas informações serão aos poucos acrescentadas, em circulares seguintes. Respondam para o endereço caps.s[email protected].br. Cordialmente, Área Técnica de Saúde
Mental.
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