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o que nos dá a sensação, a aparência de imutabilidade, de não-metamorfose. Mas na
verdade é preciso muito esforço para manter a mesmice:
Uma vez que a identidade pressuposta é reposta, ela é vista como dada –
e não como se dando num contínuo processo de identificação. É como se
uma vez identificada a pessoa [ou grupo], a produção de sua identidade
se esgotasse com o produto. (Ciampa, 1997:66)
A reposição pode se apresentar através de atitudes que denotem conformismo
ou resistência.
Já a mesmidade refere-se a uma mudança significativa. É o salto qualitativo
que, segundo Ciampa (2001:184), resulta do acúmulo de mudanças quantitativas, às
vezes invisíveis, mas graduais. Este movimento emancipatório nos leva a agir com
autonomia ao romper com a mesmice. Entretanto, esta mudança também pode se dar
através da degradação de identidades, e não pela superação de um estado de coisas
que estejam impedindo sua autodeterminação.
Consideramos importante salientar que a autonomia, como condição
emancipatória, exige uma ordem moral igualitária. Por isso ela se constrói como
entendimento compartilhado de que a libertação da injustiça é o que define uma ética
emancipatória. Porém, quando ela apenas segue as tendências impostas pelo sistema,
o indivíduo segue alienado, confundindo autonomia com livre-arbítrio.
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Neste caso,
a emancipação pode ser impedida ou prejudicada pela violência e pela conversão,
invertendo, de acordo com Ciampa (2003) a metamorfose como desumanização,
revelando, assim, a natureza intrinsecamente política da identidade.
Ainda com relação à emancipação, Ciampa compartilha com Habermas a
opinião de que só pode ser considerado emancipatório aquilo que é universalizável, o
que corresponde à idéia de humanização. Assim, por exemplo, o fundamentalismo
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Em conversa, morador local contou que turistas vinham e passavam o dia pescando no Rio P.;
pescavam sem critério. Então alguns caiçaras, à noite, passavam a rede no rio e tiravam o que podiam.
Se eles podem vir aqui e pescar à vontade, porque nós, que somos daqui, não podemos fazer o
mesmo? Quem tem mais direitos? Lamentavelmente, o rio quase nem tem mais peixes, e ainda por
cima é época de defeso! – O livre-arbítrio, fomentado pela indústria turística e o equívoco dos caiçaras
ao passarem arbitrariamente a também ‘pescar à vontade’, de fato eliminaram a possibilidade de
qualquer direito à pesca. É o entendimento de que a autonomia só existe se as pessoas compartilharem
normas que garantam o direito, tanto do ponto de vista da validade, como da facticidade. O livre-
arbítrio não precisa de normas, só depende do cálculo egoísta dos ganhos!