Download PDF
ads:
GILDA SABAS DE SOUZA
ANTILIRA DE AUGUSTO DE CAMPOS
:
LEITURAS DE INVENÇÕES POÉTICAS
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS
EM LITERATURA E CRÍTICA LITERÁRIA
PUC –SP
SÃO PAULO
2006
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
GILDA SABAS DE SOUZA
Dissertação apresentada como exigência parcial
para obtenção do grau de Mestre em Literatura
e Crítica Literária à Comissão Julgadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
sob a orientação da Profa. Dra. Maria Aparecida
Junqueira.
São Paulo
2006
ads:
Banca Examinadora:
.........................................................................................
.........................................................................................
.........................................................................................
DEDICATÓRIA
À Thais Cristina e Ana Caroline, sobrinhas
do meu coração
A Raymundo Dias, Amor Meu
À minha mãe Sabas Antônia
A você que, como eu, acredita que a
inutilidade da poesia alegra a alma e
reinventa a Vida.
Em Memória
Do meu pai João Urbano que, dizendo com
o olhar, ensinou-me que o único Bem para
a vida inteira é o conhecimento que se
conquista por meio do estudo.
Da minha querida irmã Rozilda Sabas, pelo
incentivo constante.
AGRADECIMENTOS
A Deus, que em toda e qualquer viagem nunca nos deixa estar sozinhos.
Nesta viagem, em especial, que fiz e que foi para mim um grande prazer, deparei-
me sempre com olhos à espreita, cheios de compreensão, mãos firmes a apontar
direções, bocas que sabiam dizer a coisa certa, na hora certa, sempre em bom
tom.
Bocas... Mãos... Olhos...
De:
Raymundo Dias, Gerson de Souza, Ilda Carmelita, Maria de Fátima Rodrigues,
Sílvia Timóteo, Francisca Célia, Leozilda Facca, Erondy Cunha, Mona Lisa, Nadir
Herculano, Ana Albertina, Luciana Carvalhal, Geraldo Guedes, Jane Tavares.
De:
Maria José Palo, Mestra querida, que me ensinou a olhar além do que eu
trazia em minhas mãos.
De:
Minha tão dedicada e carinhosa orientadora, Profa. Dra. Maria Aparecida
Junqueira, que me guiou nesta viagem – viagem dos que buscam pela vida – à
Poesia por recompensa, e
De:
Todos os integrantes da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e
da Comissão Regional da Diretoria de Ensino de Diadema, que me concederam a
bolsa de estudos, possibilitando-me embarcar rumo ao conhecimento que só a
Poesia é capaz de oferecer.
“ Quis
Mudar Tudo
Mudei Tudo
Agorapóstudo
Extudo
Mudo”
(Augusto de Campos)
RESUMO
Esta dissertação trata da experimentação técnica e formal no processo construtivo
da poesia de Augusto de Campos. Tem como objetivos: resgatar, das
manifestações poéticas contemporâneas, uma reflexão sobre a presença do
sujeito poético, assim como apreender, do processo poético experimental desse
poeta, uma expressividade subjetiva estruturada, capaz de revelar uma imagem
do mundo, uma antilira contemporânea. Para tentar alcançar essas metas,
norteou-nos a seguinte indagação: como a questão da subjetividade se
presentifica em poemas de Augusto de Campos, já que o eu não está ausente
desta poesia. Discutimos a idéia de poesia, enquanto poesia experimental e
inventiva, destacando a importância do trabalho com a linguagem que obedece às
exigências do rigor, da inovação e da inventividade, visando à construção da
forma. Refletimos sobre o conceito de lirismo como atitudes retóricas do processo
de estruturação de uma imagem do mundo, como expressão subjetiva que se
modifica enquanto processo de linguagem, buscando uma possível conceituação
de Antilirismo na poesia de Augusto Campos. Para desenvolver essa proposta,
fundamentamo-nos em proposições teórico-críticas de Julio Castañon Guimarães,
Gonzalo Aguilar, Eduardo Sterzi, Luiz Costa Lima, Anazildo Vasconcelos da Silva,
e do próprio Augusto de Campos. Recorremos ainda a ensaios críticos de poetas
como: Ernesto Manuel de Melo e Castro, Décio Pignatari, Haroldo de Campos. Por
fim, deste estudo da poesia de Invenção de Augusto de Campos, deduzimos que
a presença do sujeito ocorre a partir do processo experimental poético do autor,
que implica uma atitude mental de investigação e procura, tanto no âmbito da
pesquisa de meios físicos, quanto no âmbito da experimentação formal, e que o
poeta, ao experimentar, cria novos procedimentos poéticos que revelam uma
imagem renovada do mundo, uma imagem antilírica.
Palavras-chave: Augusto de Campos, poesia, antipoesia, antilírica, invenção,
experimentação.
ABSTRACT
This dissertation is about the technical and formal experimentation in the
constructive process of Augusto de Campos poetry. The objectives are: to rescue,
out of the contemporary poetic manifestation, a reflection about the presence of the
poetic subject, as well as to learn, from the experimental poetic process of this
poet, a structured subjective expressivety, able to reveal an image of the world, a
contemporary antilira. Trying to reach out these goals, the following question
appeared: how the matter of the subjectivety has its presence in the poems of
Augusto de Campos, since the self is not absent of this poetry. We talked over the
idea of poetry, while experimental and inventive, pointing out the importance of the
work with the language which obey to the demand of strictness, innovation and
inventivity, aiming the construction of the form. We consider about the concept of
lirism as rhetoric attitude from the process of structuration of an image of the world,
as a subjective expression which modifies while a language process, reaching a
possible conception of Antilirism in the poetry of Augusto de Campos. To develop
this propose, we based on critical-theoric propositions of Julio Castañon
Guimarães, Gonzalo Aguilar, Eduardo Sterzi, Luiz Costa Lima, Anazildo
Vasconcelos da Silva, and Augusto de Campos himself. We also resorted to
critical essays from poets like: Ernesto Manuel de Melo e Castro, Décio Pignatari,
Haroldo de Campos. At last, from this study of the poetry of invention of Augusto
de Campos, we may say that the presence of the subject occurs from the
experimental poetic process of the author which needs a mental attitude of
investigation and searching as well as in the matter of physical researches, as well
as the formal experimentation, and that the poet, experimenting it all, creates new
poetic proceedings which reveal a renewed image of the world, an antiliric image.
Keywords: Augusto de Campos, poetry, antipoetry, antiliric, invention,
experimentation.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................1
CAPÍTULO I – RE-INVENÇÕES POÉTICAS: PROCEDIMENTOS DA
CONTEMPORANEIDADE........................................................................................4
1.1 – Que poesia é essa?.........................................................................................4
1.2 – Linguagem poética e poesia contemporânea................................................12
CAPÍTULO II – SOBRE AUGUSTO DE CAMPOS E A POESIA CONCRETA.......19
2.1 – Poesia concreta: movimento de vanguarda...................................................19
2.2 – Entre prática poética e teoria da poesia concreta..........................................26
2.3 – Depois do fim do concretismo........................................................................32
CAPÍTULO III – A POESIA DE AUGUSTO DE CAMPOS......................................35
3.1 – Antipoesia/Antilira: poesia de invenção.........................................................35
3.2 – Tradução: transcriações – intraduções..........................................................46
3.3 – Clip-poemas...................................................................................................57
CAPÍTULO IV – LIRISMO X ANTILIRISMO...........................................................62
4.1 – Antilirismo: que lirismo é esse?.....................................................................62
4.2 – O antilirismo e a poesia de Augusto de Campos...........................................65
CONCLUSÃO.........................................................................................................89
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................91
1
INTRODUÇÃO
... Não sabia por caminho tomar
Mas o vento soprava forte, varria para um
lado
E segui o caminho para onde o vento me
soprava nas costas...
Fernando Pessoa / Alberto Caeiro
A citação acima reforça a idéia de que não poderíamos, a não ser de forma
experimental, percorrer os caminhos criados pelas Invenções Poéticas de
Augusto de Campos. Invenções são elementos fundamentais na construção da
poesia de Augusto que rompe com os procedimentos formais da poesia
tradicional e hoje não obedece ao programa radical da poesia concreta,
apresentando-se, portanto, como inovadora forma de poesia.
Augusto de Campos, em entrevista a Manuel da Costa Pinto e Frederico
Barbosa, na revista EntreLivros (agosto/2005, p. 22-23), ao ser indagado se a
sua poesia atual ainda se mantinha próxima do Plano-piloto de 58, declara:
se o Plano-piloto (que era apenas um projeto e não um
decreto) for lido com atenção, ver-se-á que a minha poesia,
mesmo aquela mais visual, desde os anos 60 já não obedece
estritamente aquele programa, melhor representado pela
primeira fase, necessariamente radical, da poesia concreta.
Se, por um lado, não tínhamos caminho certo a tomar, por outro, o próprio
poeta a partir das experimentações e inovações poéticas apontou-nos
caminhos possíveis de leituras. Nesse caminhar experimental, temos como
objetivos: resgatar, das manifestações poéticas contemporâneas, uma reflexão
sobre a presença do sujeito poético, assim como apreender, do processo
poético experimental de Augusto de Campos, uma expressividade subjetiva
estruturada, capaz de revelar uma imagem do mundo, uma antilira
contemporânea.
Para tanto, fizemos a indagação: como a questão da subjetividade se
presentifica em poemas de Augusto de Campos, já que o eu não está ausente
desta poesia?
2
Para desenvolver e tentar dar resposta a essa problemática,
fundamentamo-nos em proposições teórico-críticas de Julio Castañon
Guimarães, Gonzalo Aguilar, Eduardo Sterzi, Luiz Costa Lima, Haroldo de
Campos, Anazildo Vasconcelos da Silva, e do próprio Augusto de Campos.
Orientou-nos a seguinte hipótese: em sua representação subjetiva-objetiva,
Augusto de Campos constrói uma antilira, seu processo experimental envolve:
a) uma montagem espacial que tensiona fragmentos em síntese;
b) uma ocorrência sob a forma espiralada que lança o leitor no centro do
poema por meio da hipnose;
c) uma negatividade – um vazio produtivo – que toma a forma de renúncia;
d) imagens icônicas que sugerem o instante;
e) escritura na sua materialidade textual;
f) sujeito e objeto em dialética, podendo um ser pensado como resíduo do outro
em atualização;
g) elementos de composição como fatores de constituição do próprio sujeito do
poema.
Tendo como preocupação central as leituras de poemas de Augusto de
Campos, esta dissertação compreende quatro capítulos assim dispostos:
O primeiro deles tratará de poesia, em especial, da poesia que rompe com o
contexto formal da poesia de expressão puramente subjetiva, que traz a
invenção e reinvenção da linguagem para seus procedimentos poéticos e que
não tem por objetivo explicar ou ser explicável, porque é a arte do antidiscurso.
É nosso objetivo também, neste capítulo, o estudo da linguagem, na qual a
poesia se materializa. Recorremos a escritos de poetas e críticos como:
Ernesto Manuel de Melo e Castro, Décio Pignatari, Haroldo de Campos, e o
próprio Augusto de Campos, que defendem a idéia de que o poema é
linguagem, ou que a linguagem cria a poesia, ou ainda que o poeta faz
linguagem. Enfatizamos, ainda, a importância da linguagem ser sempre
renovada para poder inovar e tornar-se efetivamente Poesia.
O capítulo dois tratará do movimento concreto, mas, sobretudo, da teoria e
da prática poética de Augusto de Campos. Verificaremos de que forma as
propostas para a Poesia Concreta correspondem aos procedimentos de
construção dos poemas e como Augusto define a poesia, o poema e o poeta
concretos e ainda, como, depois do fim do concretismo, a poesia de Augusto
3
de Campos deve ser apreciada, já que ele buscou novas formas de
experimentação para a sua poesia.
O terceiro capítulo abordará o processo construtivo da poesia de Augusto,
seu caráter experimental e inovador, que abrange tanto a sua poesia impressa,
suas traduções – Intraduções – como suas animações digitais. À luz dos
estudos de Décio Pignatari, Sebastião Uchoa Leite, Boris Schnaiderman,
Cristina Monteiro de Castro Pereira, Ricardo Araújo e mais uma vez do próprio
Augusto de Campos, procuraremos compreender o que caracteriza uma poesia
de invenção e como Augusto elabora as traduções, as quais ele chama de
transcriação, Intraduções e tradução intersemiótica (clip-poemas).
O último capítulo trará, além de uma breve explanação sobre o lirismo, uma
reflexão sobre a sua manifestação modificada na poesia de Augusto de
Campos, tendo em vista o seu caráter experimental e inovador.
Acreditamos que a interligação dos aspectos estudados proporcionará não
só uma reflexão sobre o processo de construção da poesia de Augusto de
Campos e dos elementos antilíricos que criam um novo processo de
estruturação da linguagem, mas também uma poesia de invenção que
possibilita uma nova forma da manifestação da subjetividade, a qual
denominamos Antilirismo.
4
CAPÍTULO I RE-INVENÇÕES POÉTICAS: PROCEDIMENTOS DA
CONTEMPORANEIDADE
1.1- Que poesia é essa?
[...] a verdadeira poesia é feita com palavras
vivas, com palavras coisas, e não apenas, e
muito menos, com conceitos, impressões,
confissões... Insiste-se na importância da
linguagem como utensílio único e como terreno
cultivo da atividade poética [...].
Mario Faustino
A poesia de Augusto de Campos exige um leitor que seja capaz de ver,
sentir e ouvir simultaneamente. Neste estudo, achamos por bem iniciar
refletindo a respeito do poético contemporâneo ou, mais precisamente, sobre
essa poesia que traz em seus procedimentos a invenção e reinvenção da
linguagem. Nossa tentativa é a de estabelecer caminhos possíveis de leituras
para as invenções poéticas da poesia de Augusto, poesia essa que nos é
contemporânea e que nos desafia a percebê-la enquanto constante
experimentação.
Nessa poesia, os procedimentos de construção são outros, porém não se
descartam por completo os procedimentos poéticos pertencentes à tradição.
Armindo Trevisan (2001, p. 268) também ressalta essa idéia quando escreve:
“Cada poeta robustece a linguagem, que deixa de ser a mesma e outra”.
Fernando Pessoa (apud Fazenda, sd., p. 29) completa: “A novidade, em si,
nada significa, se não houver nela uma relação com o que precedeu. Nem
propriamente há novidade sem que haja essa relação”.
Entre a produção contemporânea e a tradição, essa relação continua de
suma importância, é o que se percebe pelas declarações tanto de Melo e
Castro (1993, p. 51):
A poesia tem assumido ao longo da história as mais diversas
funções e tem sido a atividade através da qual a energia vital
5
do homem se tem concretizado em informações transmissíveis
e captáveis, retransmissíveis e recaptáveis, [...].
quanto de Haroldo de Campos (1987, p. 32):
A Arte da poesia, embora não tenha uma vivência função-da-
História, mas se apóie sobre um “continuum” meta-histórico
que contemporaniza Homero e Pound, Dante e Eliot, Góngora
e Mallarmé, implica a idéia de progresso, não no sentido de
hierarquia de valor, mas no de metamorfose vetoriada, de
transformação qualitativa, de culturmofologia: “make it new”.
Tamanha importância é dada a essa metamorfose que, neste caso, é
merecido ressaltar como a poesia sofre transformações no decorrer do tempo.
Assim: “MAKE IT NEW = IN-NOVAR por ser um processo orgânico de
reinovação” (Ezra Pound, apud Melo e Castro, 1977, p. 200), faz parte do
processo de construção da poesia de Augusto de Campos, que deve ser lida
com outros olhos, ouvida, com outros ouvidos e sentida com os sentidos do
corpo e da alma, para poder receber e perceber informações que não têm a
mínima intenção de informar, mas de des-informar poeticamente.
Para este ângulo informar/comunicar, Melo e Castro (1984, p. 19) pergunta
e responde:
Para começar pode dizer-se pois que a Poesia é um meio de
comunicar. Mas de comunicar o quê? [...] A Poesia é um meio
de comunicar Poesia, [...] um modo de evidenciar a
especificidade da Poesia como meio de comunicação, que não
explica nem é explicável, que não interpreta nem é
interpretável, que não descreve nem é descritível; que não
descreve nenhum real, nenhum irreal, nenhum sobrerreal, mas
que escreve um real que lhe é próprio e só próprio.
A Poesia traz em si a própria existência, comunica a si mesma, não dá
explicações. “A poesia sai da poesia”, diz Emerson (apud Carlos Nejar, 2000,
p. 20). “A poesia, como entidade abstrata, não existe. Existe o poético, e este é
todo o mundo recriado, reconstruído pelas nossas mãos” (Melo e Castro, 1977,
p. 48). Pignatari (1978, p. 4) completa: “ Poesia é a arte do antidiscurso”.
O poema dizer (1983) de Despoesia (1994, p. 24-25), de Augusto de
Campos, sintetiza essas idéias:
6
dizer (1983)
O Poema é composto por nove palavras que formam três blocos, escritas
em letras maiúsculas e de tamanhos diferentes, dentro de um retângulo
estendido na vertical. A forma da escrita e a disposição tipográfica das palavras
deixam evidente a visualidade do poema, elemento importante no processo de
construção da poesia de Augusto de Campos. A palavra desaparecer, que faz
parte do primeiro bloco, é escrita de forma fragmentada (desa/pare/ser),
enquanto as palavras quanto, mais, poeta e menos, que compõem o terceiro
bloco, são escritas sem espaçamento entre uma e outra. Criam uma forma de
leitura inovadora, à medida que sugerem vários sentidos. As palavras SER e
SEM, devido ao tamanho tipográfico, saltam para fora do poema, chamando a
nossa atenção para a possibilidade da poesia SER poesia, SEM
sentimentalismos.
7
A palavra SEM, escrita entre as palavras CRIAR e CRER, por meio da sua
negatividade intensifica o ato de CRIAR poesia, uma poesia capaz de dizer a
própria coisa poesia, e não de SER apenas sentimentos pessoais, o que
comprova que poesia sai de si mesma, que poesia é um antidiscurso, discurso
esse verdadeiramente poético. Cabe aqui a observação feita por Pignatari
(1987, p. 127) “[...]: a vontade de construir superou a vontade de expressar, ou
de se expressar. [...].”
Ao valor positivo atribuído à palavra menos, pela intensidade da palavra
mais, constata-se que quanto mais o poeta for menos poeta dado aos
sentimentos pessoais, mais esse é capaz de dizer a poesia, porque é no calar,
no não dizer os sentimentos do poeta, que a poesia passa a existir, a DIZER a
própria poesia, como sugere o próprio título e também o final do poema: dizer.
Pressupomos que, no ato de DESAPARECER, de CRIAR SEM CRER, e de
QUANTO MAIS POETA MENOS DIZER, o poema propõe a essência da
poesia. Pignatari (1987, p. 127) sobre essa questão esclarece:
“[...], aos poetas, que calem suas lamúrias pessoais ou
demagógicas e tratem de construir poemas à altura dos novos
tempos, à altura dos objetos industriais racionalmente
planejados e produzidos. [...]”.
Augusto planeja e constrói o poema dizer. O desaparecer do
sentimentalismo implica o aparecer da poesia. Faz o parecer sobre si mesma
ao discutir o ser que constrói a palavra desaparecer e ao se transformar em
discurso, em dizer, que é o próprio fazer da poesia.
A esse respeito, atentemos para o que escreve Eliot (apud Bosi, 2001, p.
31), “A poesia pode ajudar a romper o modo convencional de perceber e de
julgar [...] e faz ver às pessoas o mundo com olhos novos ou descobrir novos
aspectos deste”. Isto porque, como um antidiscurso, a poesia é invenção,
criação. Melo e Castro (1984, p. 50-51) reforça essa concepção quando afirma:
[...] Poesia é criação e criação é modificação e introdução de
novas características, novos parâmetros, novos elementos,
novas ligações, novos circuitos possíveis, novas combinações,
[...]. [Em outro momento completa]: A Poesia é, portanto, uma
codificação de energia vivencial, num tipo de escrita. Mas a
Poesia não é essa energia. O que o Autor define [...] é o tipo
8
de escrita e a energia vivencial que nele codifica, fornecendo
ou não a chave do código que usou ou inventou (p. 18).
A poesia é criação que implica modificação e aplicação de novos elementos
que a construa. Ela surge a partir da compilação que o poeta faz do conjunto
de regras que ele cria para definir o seu tipo de escrita, e com isso assume a
sua capacidade de invenção.
A poesia, assim entendida nos dias atuais, confirma o que diz Melo e
Castro (1993, p. 18): “Poesia hoje só pode ser o ultrapassar da forma por si
própria [...]”. Jean Cohen (apud Melo e Castro, 1984, p. 34), por sua vez,
acrescenta: “[...] a palavra Poesia tem um sentido mais largo que o dado pela
metrificação do texto. Ela passou de objeto a sujeito: Poesia é a sensação
(estética) produzida pelo Poema”. Nesse sentido, a poesia é ela mesma. A
poesia É.
Diante de tais afirmações, parece que definimos poesia, mas, quando nos
propusemos a nomear o primeiro item deste capítulo com a pergunta “Que
poesia é essa?”, não pretendíamos em momento algum respondê-la, pois, a
nosso ver, não há uma resposta que a defina, até porque, depois de algumas
reflexões feitas por Melo e Castro (1993, p. 185), ele mesmo nos surpreende
com a resposta que deu a um jornalista quando esse lhe pediu uma definição
de Poesia:
Comecei então a minha resposta pouco mais ou menos assim:
Definir seja o que for é criar ao definido a possibilidade de ser
precisamente algo diferente do que se diz na definição. Ou
seja, é criar-lhe perspectiva de não o ser, de se exceder e
transgredir.
Definir a poesia é a preocupação maior de todos os poetas,
porque assim asseguram que ela será sempre algo diferente.
É sempre possível produzir frases aparentemente inteligentes
sobre a poesia, onde a poesia não está. É sempre possível
fazer um belo discurso acerca da poesia, de onde ela sobra. É
sempre possível instalarmo-nos no discurso poético para dizer
que a poesia nos escapa. E todas as tentativas desse tipo
poderão ser poesia. E todas poderão não sê-lo. Porque é na
própria razão do ser ou não ser que está a dialética da
definição e sua (im)possível síntese: a poesia.
9
Entre o Ser e o Não Ser, a poesia É. A poesia, inerente ao homem desde o
mais primitivo e sempre associada à música, Augusto de Campos (1987, p.
21), em POETAMENOS, operando uma relação com três elementos: melodia,
timbres e cores, esclarece:
ou aspirando à esperança de uma
K L A N G F A R B E N M E L O D I E
(melodiadetimbres)
com palavras
como em Webern:
uma melodia contínua deslocada de um instrumento para outro,
mudando constantemente sua cor:
instrumentos: frase / palavra / sílaba / letra (s), cujos timbres se
definam p/ um tema gráfico-fonético ou ‘ideogrâmico’.
a necessidade de representação gráfica em cores (q ainda
assim apenas aproximadamente representam, podendo diminuir em
funcionalidade em ctos casos complexos de superposição e interpe-
netração temática), excluída a representação monocolor q está para
o poema como uma fotografia para a realidade cromática.
mas luminosos, ou filmletras, quem os tiveras!
reverberação: leitura oral – vozes reais agindo em (apro-
ximadamente) timbre para o poema como os instrumentos
na klangfarbenmelodie de Webern.
A melodia, que é contínua, desloca-se de um instrumento para outro,
mudando constantemente a sua cor. No poema, a visualidade adquirida pela
cor utilizada cria um efeito que é semelhante ao da melodia de timbres. Poesia
e música. Cores: representações gráficas, superposições que criam harmonia
entre si e os outros elementos que compõem o poema. Vozes: frases, palavras
fragmentadas, letras que se isolam ou buscam outras letras para formarem
palavras ecoam ao serem proferidas oralmente. Melodia de timbres, ou ainda,
como alinhava Melo e Castro (1993, p. 51):
10
Canto, a Poesia? Sim! Canto, porque a atividade humana,
quando descobre ou inventa novas mensagens a transmitir,
adquire o ritmo e a plasticidade da alegria, embora nessa
indestrinçável rede de significações, toda a nossa voz seja um
eco multiplamente repercutido. Assim, as posições
metafísicas, as funções simbólicas, as metáforas, a magia, os
valores ambíguos da linguagem sobrecarregam a experiência
existencial do poeta que cria porque ‘de outro modo não pode
ser’.
De outro modo não pode ser, então, o poeta cria. Cria linguagem: poesia.
Assim também pensa Luiz Costa Lima (1995, p. 25):
A poesia não é o disfarçado canto do foro íntimo ou o
enganoso encanto do seu leitor. Na verdade, se ela tem
alguma função é a de ser resposta em linguagem, resposta
constituída em estrutura própria, resposta-constituinte e não
simples resposta-reflexo, ainda que organizante do que reflete.
O poeta inventa novas mensagens, cria novos ritmos e plasticidade. Cria
novos ecos. Mas quem é o poeta? Décio Pignatari (1978, p. 4-5) esclarece:
A palavra ‘poeta’ vem do grego ‘poietes = aquele que faz’. Faz
o que? Faz linguagem. E aqui está a fonte principal do
mistério. [Completa com o que diz Charles Pierce]: ‘O poeta
faz linguagem para generalizar e regenerar sentimentos’.
Fazendo linguagem, o poeta faz poesia. Augusto de Campos, por sua vez,
comprova em poesia (1988) do livro Despoesia (1994, p. 100-101), como se
faz linguagem e define (in) definindo a poesia:
11
poesia (1988)
O poema é um retângulo composto por oito linhas, construídas por letras
maiúsculas que formam palavras no ato da leitura, devido à maneira que o
poeta as escreveu dentro do retângulo.
A expressão NÃOÉ é escrita quatro vezes no poema, reforçando a idéia de
que, para ser poesia, a poesia não precisa ser: Philatelia, Philantropia,
Philosophia, Egophilia, mas que, para ser poesia, a poesia necessita ser
SOMENTE POESIA, ou seja, a poesia não é nada além dela mesma.
Diante de tal (in)definição, que tão inventivamente Augusto constrói fazendo
linguagem, para dizer o ser da Poesia, lembramos Melo e Castro (1984, p. 17):
“A poesia realiza-se como tensão entre a não-comunicação e a comunicação,
uma troca de bens que se guardam avaramente: uma linguagem”.
Augusto, em seu poema não (1990) do livro NÃO (2003, p. 18-39), aponta
idéias semelhantes às do poema poesia, ao definir o que é poesia, dizendo o
que a poesia não é:
12
NÃO
Meuamordor / nãoépoesia / amarviverm / orrerainda / nãoépoesia / escreverp /
oucooumui / tocalarfa / laraindan / ãoépoesia / humanoau / tênticos / inceroma /
saindanã / oépoesia / transpi / ratodoo / diamasa / indanão / époesia / aliond /
ehápoe / siaain / danãoé / poesia / desaf / iamas / ainda / nãoép / oesia / rima /
sain /dana / oépo / esia / équ /ase / poe / sia / mas / ai / nd / an / ão / ép / o / e /
s / i / a
No poema, Augusto afirma que as matérias puramente subjetivas do ser
humano como dores, amores, mortes..., não são poesia, em especial, a poesia
de invenção. Essa é feita das inquietações e questionamentos que o poeta vive
perante as coisas que o mundo lhe oferece, o que o faz inventar uma nova
matéria de fazer poesia: a linguagem.
1.2 – Linguagem poética e poesia contemporânea
Da língua à linguagem é, pois, o percurso da
inovação que é Poesia.
Melo e Castro
A poesia se realiza na linguagem, meio de expressão natural também dos
rituais coletivos, rítmicos, mágicos, fantásticos. Essa linguagem sempre esteve
associada à linguagem do homem primitivo.
Diante de tal fato, uma questão faz-se relevante: nos dias atuais, como a
linguagem do homem moderno está associada à linguagem poética?
Philadelpho Menezes (1987, p, 2) tem a seguinte opinião: “A poesia hoje, mais
do que nunca, é uma arte de especialistas da linguagem que, em regra, têm
13
plena consciência dos instrumentos utilizados na construção de um poema”, o
que vem ao encontro do pensamento de Melo e Castro (1993, p. 44):
A arte de vanguarda encontra-se hoje em todo mundo
profundamente envolvida com a teoria da informação e com a
lingüística estrutural, justamente porque é o conceito de
linguagem como relação e entendimento entre os homens que
está totalmente em jogo.
A linguagem conceituada como relação e entendimento entre os homens
deve ter em conta três elementos que a própria linguagem oferece, ao romper
com as normas tradicionais, ou seja, novidade, marginalidade e liberdade.
Esses elementos criam um discurso aberto e tornam a poesia um ato
lingüístico-comunicativo de pesquisa e não um fato ideológico-sentimental.
O processo de experimentação e invenção que o poeta utiliza na criação de
novos elementos poéticos, para a construção de uma nova forma de poesia,
evidencia o percurso de pesquisa pelo qual a poesia passou durante a sua
construção. Em se tratando da pesquisa poética atual, o próprio Melo e Castro
(1977, p. 31) ressalta:
Um dos aspectos mais interessantes é justamente o retorno a
uma posição embrionária em relação à linguagem para torná-
la criadora em si própria, isto é, permitindo-lhe criar novas
etimologias para vocábulos – quer para os adaptar às
exigências de uma nova escrita em gestação, equivalente à
nossa complexidade vivencial sociológica -, quer para a
pesquisa pura de novas regiões significativas, tendentes a
codificar essas novas necessidades.
Para a linguagem mostrar-se criadora em si própria, é necessário que haja a
construção de um discurso aberto, capaz de romper com as regras pré-
estabelecidas e provocar a inventividade. Umberto Eco (1971, p. 280), em
entrevista concedida ao poeta Augusto de Campos, publicada originalmente no
Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, em 17 de setembro de 1966,
declara a respeito do discurso aberto:
O discurso aberto, que é típico da arte, e da arte de vanguarda
em particular, tem duas características. Acima de tudo é
ambíguo: não tende a definir a realidade de modo unívoco,
14
definitivo, já confeccionado. Como diziam os formalistas da
década de 20, [...] o discurso artístico nos coloca numa
condição de ‘estranhamento’, de ‘despaisamento’; apresenta-
nos as coisas de um modo novo, para além dos hábitos
conquistados, infringindo as normas da linguagem, às quais
havíamos sido habituados. As coisas de que nos fala nos
aparecem sob uma luz estranha, como se as víssemos agora
pela primeira vez; precisamos fazer um esforço para
compreendê-las, para torná-las familiares, precisamos intervir
com atos de escolhas, construirmos a realidade sob o impulso
da mensagem estética, sem que esta nos obrigue a vê-la de
um modo predeterminado. Assim, a minha compreensão difere
da sua, e o discurso aberto se torna a possibilidade de
discursos diversos, e para cada um de nós é uma contínua
descoberta do mundo. A segunda característica do discurso
aberto é que ele nos reenvia antes de tudo não às coisas que
ele fala, mas ao modo pelo qual ele as diz. O discurso aberto
tem como primeiro significado a própria estrutura. Assim, a
mensagem não se consuma jamais, permanece sempre como
fonte de informações possíveis e responde de modo diverso a
diversos tipos de sensibilidade e de cultura. O discurso aberto
é um apelo à responsabilidade, à escolha individual, um
desafio e um estímulo para o gosto, para o imaginário, para a
inteligência. Por isso a grande arte é sempre difícil e sempre
imprevista, não quer agradar e consolar, quer colocar
problemas, renovar a nossa percepção e o nosso modo de
compreender as coisas.
O discurso aberto é ambíguo, infringe as normas da linguagem, sugere
vários discursos, possibilita descobertas contínuas, tem na estrutura o
significado mais importante, o modo pelo qual as coisas são ditas é o que
interessa. O discurso aberto é um desafio a ser perseguido pelo leitor de
grandes obras, porque as grandes obras operam esse discurso, portanto, são
difíceis e imprevistas, não pretendem agradar nem tampouco consolar.
A grande arte, ao colocar problemas, pretende chamar a atenção para o
movimento da vida contemporânea e alertar para a importância de que é
necessário olhar o mundo com outros olhos. Com olhos que busquem a
invenção, ou simplesmente, que compreendam as coisas do mundo de modo
novo. É importante enfatizar que é assim que se apresenta a poesia de
Augusto de Campos, que fez também a seguinte pergunta a Eco (1971, p.
283): “Qual é, a seu ver, a função da literatura de vanguarda em nosso tempo?”
Umberto Eco: [...] A tarefa da literatura de vanguarda é
precisamente a de romper essa barreira de obviedade. Diante
15
do já conhecido (‘noto’) a vanguarda propõe o desconhecido
(‘l’ignoto’). Neste sentido se enquadra no discurso informativo
e aberto. Já se disse que a tarefa da literatura é a de manter
eficiente a linguagem. Se por ‘manter eficiente a linguagem’ se
entende ‘renovar continuamente as modalidades de uso do
código lingüístico comum’, esse é exatamente o objetivo da
vanguarda. Com uma particularidade: desde que um modo de
falar reflete um modo de ver a realidade e de afrontar o
mundo, renovar a linguagem significa renovar a nossa relação
com o mundo.
A nossa relação com o mundo deve ser renovada e essa renovação só
ocorrerá se a linguagem também for renovada. Essa linguagem, por sua vez,
só será renovada se for capaz de se manter eficiente, se for capaz de inovar,
de tornar-se poesia. É que a poesia de vanguarda é aquela que experimenta
novos procedimentos de composição de poemas, se contrapõe ao sistema
estético vigente e propõe uma transformação cultural. Ao experimentar esses
novos procedimentos poéticos, o poeta faz linguagem, como já o disse
Pignatari. Mas que linguagem é essa que inova e que é poesia? Melo e Castro
(1993, p. 44) escreve: “Linguagem: troca de palavras, de gestos, de objetos, de
imagens, de símbolos. Linguagem visual e concreta para além das línguas [...]”,
e o próprio Pignatari (1978, p. 6) completa:
O poema é um ser de linguagem. O poeta faz linguagem,
fazendo poema. Está sempre criando e re-criando a
linguagem. Vale dizer: está sempre criando o mundo. Para ele
a linguagem é ser vivo. O poeta trabalha as raízes da
linguagem. Com isso o mundo da linguagem e a linguagem do
mundo ganham troncos, ramos, flores e frutos. E é por isso
que um poema parece falar de tudo e de nada, ao mesmo
tempo. É por isso que um (bom) poema não se esgota: ele cria
modelos de sensibilidade. É por isso que um poema, sendo
um ser concreto de linguagem, parece o abstrato dos seres. É
por isso que um poema é criação pura – por mais impura que
seja. É como uma pessoa, ou como a vida: por melhor que
você a explique, a explicação nunca pode substituí-la. É como
uma pessoa que diz sempre que quer ser compreendida. Mas
o que ela quer mesmo é ser amada.
O que dizer diante desse argumento de Pignatari? O poema de Augusto de
Campos unreadymade (1991) do livro Despoesia (1994, p. 114-115), parece-
nos à altura dessas declarações, por ser um ser de linguagem. É que, sendo a
língua incapaz de agir sobre as coisas do universo, da lua , do sol e das
16
nuvens, e sobre as coisas/sentimentos do homem, estátuas – tatos (mãos –
que tomam posse: meus – tuam), permite que a linguagem se faça, se crie na
escritura da forma do poema e das palavras que o compõem.
unreadymade (1991)
Contam-se seis retângulos de vários tamanhos e oito versos compostos de
dezoito palavras e dois artigos definidos. As palavras dispostas no primeiro e
no oitavo versos evidenciam a concretização da poesia como linguagem, pois a
língua está tonta - primeiro verso que se encontra confinando em um retângulo,
e o último verso que, por sinal, encontra-se em espaço aberto, diz a poesia
está pronta. A linguagem corrompe a língua quando o poeta sabe utilizá-la, e
em se tratando do poeta Augusto de Campos, Manuel da Costa Pinto (2004, p.
27) declara que ele procura “procedimentos que, por sua vez, reivindicam uma
visão da literatura como invenção e reinvenção da linguagem”.
17
As palavras estuam, tatuam, suam, aluam, nuam e tuam criam uma
sonoridade uam que sugere um uivo, um gemido. Ainda essas palavras
contrapõem o sentido e a imagem das palavras que as antecedem, porque são
criações do poeta para marcar a sua inventividade e, ao mesmo tempo, o
próprio ser da poesia.
Partindo desse princípio, fica evidente que a essência da poesia só pode ser
compreendida por meio da essência da linguagem. A linguagem torna a poesia
possível. As maneiras de estruturação da linguagem criadora sofrem
modificações devido às transformações ocorridas na visão de mundo que estão
postas na própria linguagem. Por isso o poeta, com sua maestria entre o falar e
o calar, procura, em seus poemas, dizer o indizível por meio da linguagem.
Haroldo de Campos (1976, p. 26) esclarece que:
No espaço fictício, o poeta não afirma nem nega, ele configura
na materialidade da linguagem (função poética) a sua emoção,
não importa se real ou imaginada (função emotiva). [E cita
Roman Jakobson]: “Quanto ao poeta ele nada afirma e,
portanto, nunca mente”.
O poeta, ao construir sua poesia, sabe que ela só será justificada:
[...] pelo rigor com que construa seu objeto, com que amplie
sua linguagem além do comércio luxuoso das subjetividades
[...] o objeto específico do poético [...] não está mais nos
sentimentos que estimule, na fonte de exemplos que
apresente, nas fórmulas e nas palavras que consagre, mas
sim na linguagem que estruture (Costa Lima,1995, p. 27).
A linguagem deve estruturar o poético para que ele supere o
sentimentalismo excessivo, abusivo, diante da criação da forma, já que, como
nos propõe Melo e Castro (1993, p. 18), “o caminho da poesia actual, ou seja,
do futuro, é descobrir o ente no ser, é dar vida ao Ser, fazer dele uma forma de
vida, uma essência, uma loucura, um delírio da linguagem até ao seu próprio
exceder e destruir”. Destruir para se reconstruir, pois trabalhar no nível da
linguagem é um ato revolucionário, e a escrita, quando é executada como uma
pesquisa de si própria, tem por objetivo alcançar novas descobertas e
conclusões.
18
Essa escrita que visa à pesquisa na criação da linguagem é o que, nos dias
de hoje, se nomeia Poesia. A natureza do ato poético é percebida pelo trabalho
revolucionário que o poeta executa com a linguagem, e a linguagem que
responde pela linguagem revolucionária foge ao discurso sentimentalista e ao
lugar-comum, pois atende às exigências de rigor, de inovação, de
inventividade.
19
CAPÍTULO II - SOBRE AUGUSTO DE CAMPOS E A POESIA CONCRETA
2.1 - Poesia concreta: movimento de vanguarda
A poesia concreta fala a linguagem do homem
de hoje. Livra-se do marginalismo artesanal, da
elaborada linguagem discursiva e da alienação
metafórica que transformavam a leitura da
poesia em nosso tempo – caracterizado pelo
horizonte da técnica e pela ênfase na
comunicação não-verbal – num anacronismo de
salão, donde o abismo entre poeta - e – público,
tantas vezes deplorado em termos sentimentais
e pouco objetivos.
Haroldo de Campos
Falar sobre Poesia Concreta requer necessariamente falar sobre Augusto
de Campos ou vice-versa, pois um está inteiramente relacionado com o outro,
desde a mais tenra idade dessa poesia. Foi no início da década de 50 que a
poesia concreta surgiu, encabeçada por Augusto de Campos, Décio Pignatari e
Haroldo de Campos. Esses poetas tinham por objetivo modificar a estrutura do
poema, substituir a organização em versos da sintaxe lógico-discursiva por
uma sintaxe espacial e visual, e promover a conexão entre as palavras de
maneira analógica e não lógico-discursiva.
O movimento concreto culminou com o movimento da chamada Geração de
45, no qual os escritores defendiam o retorno às formas fixas, como o soneto,
por exemplo, e uma poesia dita sublime, prenhe de subjetividade solene. A
Poesia Concreta - movimento de vanguarda - se opôs ao movimento da
Geração de 45. Defendia a experimentação e tinha como fontes as propostas
teóricas de Roman Jakobson e Max Bense, a fragmentação do verso,
valorizado por Mallarmé, Apolinaire e Pound. A poesia concreta, por meio de
um trabalho crítico radical, estabeleceu novos parâmetros, colocando a
invenção como medida máxima.
20
Esse movimento modificou o contexto da poesia brasileira. Seus fundadores
defenderam e definiram novas idéias para uma nova forma de poesia. O nosso
passado literário foi revisado, em virtude de ser essa poesia produto de uma
revolução crítica da forma e apresentar o conceito progressivo, cuja ocorrência
é devido à sua idéia central de inovação.
A inovação na Poesia Concreta se dá em seu aspecto formal: o acúmulo
em seus significantes do maior número possível de significados, tanto nos
aspectos verbais quanto visuais na construção do poema; a materialidade do
signo que é destacada e induzida a participar do jogo proposto pelo poema, e o
conteúdo e a forma que, a partir das relações que ocorrem entre si,
concretizam as suas possibilidades de significação.
Nesse movimento houve momentos de grande relevância como a
Exposição Nacional de Arte Concreta, em 1956, e a publicação do Plano Piloto
para a Poesia Concreta, em 1958. Esse Plano, publicado originalmente em
Noigandres 4 (1958), por Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de
Campos, apresenta aspectos que fundamentam a construção do método da
poesia concreta.
Em síntese, o Plano Piloto esclarece que os precursores da poesia
concreta foram: Mallarmé (um coup de dês, 1897), que apontou espaço e
recursos tipográficos como elementos substantivos da composição; Joyce
(Ulysses e Finnegans Wake), que apresentou a palavra – ideograma ou
interpenetração orgânica de tempo e espaço; Cummings, que defendeu a
atomização de palavras, a tipografia fisiognômica e o valor expressivo do
espaço; Apollinaire (Caligrammes), que estabeleceu como visão, mais do que
como realização, o dadaísmo e o futurismo; Pound (the cantos) que elaborou o
método ideogrâmico; Oswald de Andrade (“em comprimidos, minutos de
poesia”) e João Cabral de Melo Neto (o engenheiro e a psicologia da
composição mais anti-ode) que apresentaram uma linguagem direta,
econômica e uma arquitetura funcional do verso.
A poesia concreta é contra a poesia de expressão, subjetiva e hedonística,
é produto de uma revolução crítica de formas, tendo o espaço gráfico como
agente estrutural, ou seja, um espaço qualificado. Apresenta uma sintaxe
espacial e visual, na qual o método de composição é baseado na justaposição
21
direto-analógica, tensão de palavras-coisas no espaço-tempo, estrutura
dinâmica e concomitância de movimento.
Nessa poesia o ritmo é uma força relacional, existe uma comunicação de
formas, uma estrutura-conteúdo e não uma comunicação de mensagens;
possui afinidades com as línguas isolantes (chinês) e apresenta tendência à
substantivação e não à verbificação.
A comunicação não-verbal é estabelecida pelo ideograma defendido por
Pound, pois, o poema concreto comunica a sua própria estrutura-conteúdo; o
poema é um objeto em si mesmo e por si, não um intérprete de objetos
exteriores e/ou sensações mais ou menos subjetivas; seu material é a palavra
em funções e relações em proximidades e semelhanças gestálticas.
O poema concreto cria uma área lingüística verbivocovisual, participa da
comunicação não-verbal – fenômeno da meta-comunicação - coincidência e
simultaneidade da comunicação verbal e não-verbal, e o seu valor positivo em
relação à comunicação mais rápida: feed-back. A poesia concreta é a arte da
palavra, que é o poema-produto: objeto-útil. Melo e Castro (1993, p. 46-49)
concorda com essa idéia e avisa que “Um poema concreto é para se ‘ver’ mais
que para se ‘ler’, no sentido convencional do verbo ler. Mas, mais que isso, ele
é para ‘ser’ e para ‘ter’, [...]”, e completa (1977, p. 49):
Na poesia concreta, o fluxo sonoro é substituído por uma
tensão plástica, espacial. Por isso o poema concreto não pode
ser nem dito nem ouvido, mas sim visto e lido
simultaneamente, de um modo tal que não se leia só, nem só
se veja. Porque só lido, ele nada nos diz – pois os seus
valores imagísticos não são directamente significativos nem
descritivos.
Portanto, para o poema concreto tornar-se poema-produto - objeto-útil,
deve ser lido de forma outra que não a convencional, pois só assim passará a
existir realmente enquanto poema-objeto para, então, ser possuído enquanto
tal.
Ainda em Noigandres 4, foi publicado um manifesto, assinado por Augusto,
Haroldo e Décio Pignatari, que defende a idéia do encerramento do ciclo
histórico do verso, porque a poesia concreta havia tomado conhecimento do
espaço gráfico como agente estrutural.
22
A poesia concreta é uma corrente que tem como meta livrar-se da
linguagem discursiva, colaborando com a comunicação não-verbal. Ela propõe
a criação de uma nova sintaxe, libertando-se da sintaxe linear, ao tomar
conhecimento do espaço gráfico. Décio Pignatari (1961, p. 402), no texto
Situação atual da poesia no Brasil, escreve: “a poesia concreta levou às últimas
conseqüências a camada da significação sem abdicar das suas conquistas,
dos propósitos ou dos recursos que ela dispõe” e Melo e Castro (1993, p.44)
acrescenta:
A poesia concreta propõe problemas justamente no nível
probabilístico da linguagem, porquanto vai à raiz mesma da
criação e da comunicação, pois, através da subjetivação e da
objetivação de uma língua falada [...] redescobre uma sintaxe
espacial de justaposição, em que as palavras e imagens pela
sua posição relativa se potencializam mutuamente, sendo
essa posição relativa mais importante como linguagem do que
os próprios elementos semânticos envolvidos.
A poesia concreta é idéia, som e imagem em simultaneidade, ou ainda, a
materialidade da poesia concreta, apontada no Plano Piloto, é reconhecida
pela materialidade verbal, visual e vocal da palavra e da linguagem. A palavra
passa a ser manipulada nas três dimensões simultaneamente. A palavra e não
a sentença é a base material do texto concreto. Max Bense (2003, p. 194), em
Pequena estética, defende a seguinte idéia:
O concreto é o não-abstrato. Todo abstrato tem como
pressuposto algo, de que foram abstraídos determinados
característicos. Todo concreto é, ao contrário, somente ele
próprio. Uma palavra, para ser compreendida de maneira
concreta, deve ser tomada como tal, literalmente. Opera
concretamente toda arte cujo material é utilizado em
consonância com a materialidade de suas funções e não no
sentido de representações translatas que circunstancialmente
poderia assumir. De certa maneira, a arte concreta poderia,
portanto, ser entendida também como arte material.
Arte concreta-material, sim, porém repleta de idéia, som, imagem. Imagens
que, segundo Valdevino Soares de Oliveira (1998, p. 41-42-52):
23
[...] pintam objetos, despertam emoções e estão numa
linguagem que aspira à visualidade [...]. O aspecto visual da
poesia surge desde a formulação de imagens descritivas da
natureza, caráter mimético, até a apresentação do material do
poema, quanto objeto de configuração plástica [...]. A imagem
é portadora da aparência da matéria em si.
A poesia concreta comparece por meio dessa linguagem visual que é
configurada por meio do trabalho do poeta ao explorar as suas potencialidades
gráficas. O núcleo poético dessa poesia é evidenciado por um sistema de
relações e equilíbrios entre quaisquer partes do poema, diferente do que ocorre
com a poesia versificada, que se organiza pelo encadeamento sucessivo e
linear dos versos. Melo e Castro (1993, p. 49), a respeito desse sistema de
relações e equilíbrios declara:
[...] os elementos simples que estão projetados na página ou
no espaço do poema concreto não ocupam obrigatoriamente
lugares fixos. Podem mudar e trocar de posição. A proposta do
poema concreto é, na sua essência, dinâmica, sendo o espaço
do poema sempre uma entidade em devir, um projeto a
realizar [...].
É que, na poesia concreta, a condensação de significados não explícitos
cria várias possibilidades de leitura. O leitor só conseguirá lê-la se dialogar com
a obra, se participar da sua construção. Augusto de Campos, ao responder as
perguntas formuladas por K. David Jackson, Eric Vos & Johanna Drucker, do
Questionário do Simpósio de Yale sobre Poesia Experimental, Visual e
Concreta Desde a Década de 1960, realizado na Universidade de Yale, EUA,
5-7 de abril de 1995, esclarece a teoria da poesia concreta e enfatiza a sua
proposta de revolução tecnológica:
1 - Quais são os fundamentos teóricos que distinguem as suas
obras das dos precedentes históricos ou dos
contemporâneos?
Resposta: [...] A poesia concreta se situou como uma poética
da objetividade, tentando colocar simplesmente suas
premissas nas raízes da linguagem, com o intento de criar
novas condições operacionais para a elaboração do poema,
no quadro da revolução tecnológica. Tecnicamente, os poetas
concretos se distinguem dos seus antecessores pela
24
radicalização e condensação dos meios de estruturação do
poema, no horizonte dos meios de comunicação da segunda
metade do século. Isso implicou, entre outras características,
nas seguintes: maior rigor construtivo, em relação às
experiências gráficas de futuristas e dadaístas; maior
concentração vocabular; ênfase no caráter não-discursivo da
poesia com supressão ou relativização dos elos sintáticos;
explicitação da materialidade da linguagem sob os aspectos
visual e sonoro; trânsito livre entre os estratos verbais e não-
verbais.
2 – Há uma poética do concretismo ou é a poesia concreta
antes um artifício formal do que uma premissa conceitual?
Resposta: [...] O que se buscou com a poesia concreta foi
recuperar a especificidade da própria linguagem poética, a
materialidade do poema e a sua autonomia, a partir de uma
revisão e radicalização dos procedimentos da poesia moderna
e da elaboração de um novo projeto criativo no contexto das
novas mídias.
A Poesia Concreta é um projeto criativo para o contexto das novas mídias
que, ao romper com os procedimentos da poesia moderna, reinventa uma nova
linguagem poética e torna o poema material, concreto. O poeta é rigoroso na
construção do poema, trabalha com um vocabular concentrado, não aprova o
caráter discursivo e materializa, por meio dos aspectos visual e sonoro, a
materialidade da linguagem. Em Teoria da poesia concreta, Augusto de
Campos (1987, p. 31-50) define a poesia, o poeta e o poema concretos:
Poesia concreta:
A verdade é que as ‘subdivisões prismáticas da Idéia’ de
Mallarmé, o método ideogrâmico de Pound, a apresentação
‘verbivocovisual’ joyciana e a mímica verbal de Cummings
convergem para um novo conceito de composição, para uma
nova teoria da forma – uma organoforma – onde noções
tradicionais como princípio-meio-fim, silogismo, verso tendem
a desaparecer e ser superadas por uma organização poético-
gestaltiana, poético-musical, poético-ideogrâmica da
estrutura: POESIA CONCRETA.
25
Poeta concreto :
- poeta concreto não volta a face às palavras, não lhes lança
olhares oblíquos: vai direto ao seu centro, para viver e vivificar
a sua facticidade. – o poeta concreto vê a palavra em si
mesma – campo magnético de possibilidades – como um
objeto dinâmico, uma célula viva, um organismo completo,
com propriedades psico-físico-quimícas, tacto antenas
circulação coração: viva.
E o poema? “[...] cada poema é sempre um retorno ao começo. É sempre
um trabalho de reinvenção do mundo [...]” (Melo e Castro, 1993, p. 52). Omar
Khouri (1996, p. 16) parte do princípio que, para compreender o que é, em
especial, um poema concreto, é necessário entender que a palavra poema tem
origem grega, e que significa feitura, fatura, fazimento, aquilo que resulta da
ação do fazer. Não que essa definição não sirva para a poética tradicional,
mas, ao pensarmos o poema concreto, essas significações feitura, fatura,
fazimento, vem ao encontro do que defendem os seus criadores:
- o poema concreto ou ideograma passa a ser um campo
relacional de funções [...] o POEMA CONCRETO aspira a ser:
composição de elementos básicos da linguagem, organizados
ótico-acusticamente no espaço gráfico por fatores de
proximidade e semelhança, como uma espécie de ideograma
para uma dada emoção, visando à apresentação direta –
presentificação – do objeto. [...] Em muitos poemas concretos
o próprio verbo pareceu dispensável. A relação sintática se faz
entre os substantivos. (Augusto de Campos, 1987, p. 51-53-
123).
Os aspectos apontados por Augusto para a poesia, o poeta e o poema
concretos não partem do ponto de vista apenas de um estudioso, mas de um
teórico praticante do poético, sua teoria é embasada não só em seus estudos,
mas também na sua prática poética.
26
2.2 – Entre prática poética e teoria da poesia concreta
A poesia
- toda -
é uma viagem ao desconhecido.
A poesia
é como a lavra
do rádio,
um ano para cada grama.
Para extrair
uma palavra,
milhões de toneladas de palavra-prima.
Boris Schnaiderman
POESIA CONCRETA: TENSÃO DE
PALAVRAS-COISAS NO
ESPAÇO-TEMPO.
Augusto de Campos
As citações acima nos pareceram um ponto de partida relevante às nossas
indagações tanto a respeito do papel que a palavra desempenha na construção
da poesia, quanto da própria poesia e, em especial, da poesia concreta.
Também por ser do nosso interesse averiguar como a teoria dessa poesia,
principalmente dos textos escritos por Augusto de Campos, confirma a prática
poética desse poeta.
Augusto de Campos, juntamente com Haroldo de Campos e Décio
Pignatari, criaram a teoria da poesia concreta e produziram poesia concreta.
Cremos que podemos relacionar a sua teoria da poesia concreta com a sua
prática poética, porque, se, por um lado, a sua teoria é fortemente embasada
por outros poetas inventores, por outro lado, nasce simultaneamente com o seu
fazer poético, ou seja, uma não pode ser desagregada da outra, tendo em vista
que a teoria era experimentada pela prática, como também pela prática dos
seus companheiros.
27
Se a teoria declara que a poesia concreta enfrenta problemas de espaço e
tempo (movimento), devido à abolição do verso, seu poema o som
(mandelstam) (1992), do livro Despoesia (1994, p. 62-3), é um exemplo
perfeito dessa idéia:
som (mandelstam) (1992)
Lemos: o / som / seco / e / surdo / desta / fruta / cain / do / no / mur / múr /
io / sem / fim / do / oco / silêncio / da / flor / esta. O poema apresenta uma
escritura que se dá na verticalidade, o que evidencia o movimento da fruta
28
caindo. Notamos que a queda é lenta, devido ao corte feito nas palavras, o que
nos mostra como a queda é construída e o murmúrio do oco do silêncio é
provocado pela queda da fruta, que também é lenta e vai se fazendo ouvir
devido à sonoridade construída pela fragmentação de algumas palavras e
pelas letras o,m,a,n e r, que finalizam cada linha do poema. As palavras vão
sendo compostas no ato da leitura, sugerindo o som seco e surdo de uma fruta
caindo.
Outra questão relevante é que as letras escritas na cor branca sobre o
papel preto sugerem o oco do silêncio da flor/floresta, esclarecendo melhor,
cada letra branca representa o vazio deixado pela fruta que, em outro tempo, já
foi ocupado pela flor (parte da palavra), que também se encontra na floresta.
Augusto de Campos (1987, p. 40), na Teoria da poesia concreta, escreve:
[...] os poemas concretos caracterizar-se-iam por uma
estrutura ótico-sonora irreversível e funcional, e, por assim
dizer, geradora de idéia, criando uma entidade todo-dinâmica,
“verbivocovisual” – é o termo de Joyce – de palavras dúcteis,
moldáveis, amalgamáveis, à disposição do poema.
Não é possível dizer então que, no seu poema, aqui demonstrado, ouvimos
o som do murmúrio do oco do silêncio, visualizamos a fruta caindo, e o próprio
oco deixado pela ausência da flor? Da floresta devastada?
O poema concreto é a presentificação do objeto e requer um leitor ousado
que o revire do avesso. Não só do avesso, mas de cima para baixo e vice-
versa, da direita para a esquerda e, não satisfeito, tome-o da esquerda para a
direita, e ainda em círculo e, assim, de esguelha. Tudo isso porque, como
afirma Augusto de Campos (1987, p. 50): “o poeta concreto não volta a face às
palavras, não lhe lança olhares oblíquos: vai direto ao seu centro, para viver e
vivificar a sua facticidade”.
Um outro poema que selecionamos para mais um enfrentamento com a
teoria do próprio criador é lunograma (Musset) (1972/1991), também do livro
Despoesia (1994, p. 56-57):
29
lunograma (Musset) (1972/1991)
Como o poema anterior, esse também é grafado sobre uma página preta. A
letra i encontra-se tipograficamente bem desenhada na cor branca sobre a
página preta e, sobre a cor branca do pingo da letra i. O poema é formado por
um retângulo na vertical e por um círculo. Tal configuração remete à letra i do
alfabeto. Retângulo e círculo iconizam torre e lua. No círculo ainda lemos: “era
na noite nua só sobre a torre ali a lua um ponto sobre um i”. As palavras são
escritas com letras pretas sobre a cor branca do círculo que simboliza a lua.
É importante enfatizar que, somente no ato da leitura do poema, a letra i
30
é percebida como mais uma letra que completa a escritura e a leitura do
poema. Ao fazer a leitura do poema: “a torre ali a lua um ponto sobre um i”,
nota-se que a letra i é composta pelo retângulo e o círculo – torre e lua, o que
parece confirmar o que diz o poeta em relação ao poema concreto passar a ser
um campo relacional de funções, e também quando se refere ao núcleo
poético, dizendo que esse é evidenciado não por um encadeamento sucessivo
e linear de versos, mas por um sistema de relações e equilíbrios entre
quaisquer partes do poema. Outro apontamento que merece menção e está de
acordo com a sua teoria diz respeito ao verbo, parece dispensável. A relação
sintática é feita entre os substantivos.
Augusto de Campos (1987, p. 50) vê a palavra em si mesma, é ele mesmo
quem teoriza a respeito afirmando que “o poeta concreto vê a palavra em si
mesma - campo magnético de possibilidades – como um objeto dinâmico, uma
célula viva [...]”. Não é assim que se comporta o poema lunograma (Musset)?
Ainda em relação ao poeta concreto acerca do enfrentamento da
construção da sua poesia de invenção, é interessante perceber que não está
preocupado com a pontuação, já que a pontuação, na maioria das vezes, é
desnecessária devido à substantivação do espaço gráfico. Também é
importante reafirmar que letras e palavras que constroem essa poesia visual
obedecem a alguma idéia ou projeto.
Poesia concreta. Poema concreto. Poesia que apresenta um movimento
que tende à simultaneidade, à multiplicidade de movimentos concomitantes.
Poema que quer comunicar a sua própria estrutura: estrutura conteúdo.
Retomo um pensamento de Haroldo de Campos (1987, p. 52): “POESIA
CONCRETA assedia O OBJETO mentado em suas plurifacetas: previstas ou
imprevistas: veladas ou reveladas: num jogo de espelhos [...]”. É uma poesia
que, ao comunicar a sua estrutura, presentifica o objeto em suas várias formas,
revelando o que estava oculto de maneira concreta, espelhando-se em cores,
sons e sentidos.
Refletindo ainda sobre essa experimentação no embate entre a teoria e a
prática poética, construídas por Augusto de Campos, apresentamos o poema
desgrafite (1992), também de Despoesia (1994, p. 122-123), que mostra de
forma concreta os apontamentos feitos para esta poesia:
31
desgrafite (1992)
As montagens feitas de palavras possibilitam a simultaneidade de
sentidos... Pode-se dizer:
VIVER, SOFRER, SORRIR, MORRER... ou seria, SOFRER, VIVER, MORRER,
SORRIR... ou, MORRER, SOFRER, SORRIR, VIVER... ou ainda, SORRIR,
SOFRER, MORRER, VIVER... ou...
O poema pulsa de dentro para fora e vice-versa. Isso ocorre devido às
imagens criadas pelas cores e pela forma em que as palavras foram escritas,
ou seja, umas sobre as outras. Lemos as palavras: MORRER escrita na cor
azul claro, VIVER, na cor vermelha, SORRIR, na cor rosa e SOFRER, na cor
azul escuro. Poesia visual. As palavras obedecem à idéia, à imagem e à
sonoridade do que seja viver, morrer, sofrer, sorrir, numa só pulsação.
A ação de viver, sofrer, morrer, sorrir, ocorre de forma concreta e a vida
vivida independe de qual ação se manifeste em primeiro lugar, pois o ato de
viver pressupõe vivenciar as quatro ações de forma simultânea. Ao viver se
morre, ao sofrer se vive, ao viver se sorri, ao sofrer se morre,...
32
A concretude da vida se faz a partir dessas quatro ações, que agem de
forma integrada. Ao ler o poema, o leitor é sugado para dentro do centro de
cada palavra e, ao ser devolvido à exterioridade de si mesmo, percebe que já
não é mais o mesmo, tornou-se um sujeito fragmentado, plural, pois o poeta,
de forma concreta, poetizou o ato de viver, morrer, sorrir, sofrer,
simultaneamente.
2.3 – Depois do fim do concretismo
Depois do fim do concretismo como
movimento de vanguarda, cada
integrante do grupo Noigandres iniciou
um caminho próprio que, embora
incorporasse aspectos da etapa anterior,
voltava-se para novas formas de
experimentação.
Gonzalo Aguilar
O concretismo foi um movimento de vanguarda – poesia concreta – porém,
não é viável referir-se ao concretismo como se, nos dias de hoje, esse
movimento ainda ocorresse como nos anos 50, pois a realidade cultural não
era a mesma dos dias atuais e os elementos estéticos de hoje não são os
mesmos daquela época.
Haroldo de Campos defende a idéia de que a época de hoje não
comportaria as vanguardas como eram entendidas, pois esse pós-utópico
apresenta características que comportam uma pluralidade de poéticas
possíveis. Diante de tal pluralidade poética, é sabido que a poesia de Augusto
de Campos não pode ser apreciada apenas dentro dos padrões da poesia
concreta, pois, depois do fim do movimento concreto, ele buscou novas formas
de experimentação, procurou se aproximar de uma valorização dos materiais
sobre as estruturas, apesar de utilizar aspectos do movimento anterior.
33
Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, em 03.10.94, e depois
organizado por João Bandeira em 40 escritos (2001, p. 92), Arnaldo Antunes
escreve:
[...] Sem abrir mão do compromisso com a novidade, do rigor e
das preocupações voltadas para a materialidade da
linguagem, os poetas que fizeram o movimento da poesia
concreta passaram há muito tempo a desenvolver obras
individualizadas, sem o caráter coletivo de movimento que os
uniu nos anos 50.
Sem querer ser repetitivo, cabe enfatizar que o poeta Augusto de Campos
foi um dos integrantes do grupo Noigandres, teórico da poesia concreta,
importante tradutor e ensaísta e, evidentemente, poeta concreto, e, por certo,
constará dos autos da história da poesia brasileira a sua grande contribuição
como criador de um movimento de vanguarda que culminou com uma nova
forma de poesia, como poeta concreto, como tradutor de ilustres poetas e
como ensaísta. [...] A poesia brasileira avança para muitos lados, e muito
desse avanço se deve ao trabalho que Augusto de Campos vem fazendo por
ela; há tantos anos” Antunes (apud João Bandeira, 2001, p. 96).
Há muitos anos, Augusto vem trabalhando na criação/invenção de novas
formas poéticas e, evidentemente, transformando o seu fazer poético. Em
entrevista concedida à revista EntreLivros, do mês de agosto de 2005 (p. 20),
Frederico Barbosa e Manuel da Costa Pinto escrevem o que afirma Augusto de
Campos:
[...] desde meados dos anos 60 seu trabalho já não segue o
programa concretista de 1958 [...] A longa trajetória de
Augusto de Campos, todavia, não permite falar de arte verbal
sem associá-la a uma idéia de invenção que nos obriga a
redescrever incessantemente aquilo que chamamos de
literatura.
É costume referir-se à poesia de Augusto de Campos como sendo uma
poesia concreta. A revista EntreLivros (p. 22) fez a seguinte indagação:
EL- Pode-se dizer que, do núcleo inicial da poesia concreta,
sua obra foi aquela que se manteve mais próxima do Plano-
34
piloto de 58. Ainda há etapas a cumprir dentro desse projeto
de invenção poética?
A resposta de Augusto (EntreLivros: p. 22-23) é um alerta de que não se
deve perder de vista o percurso feito pela sua poesia até os dias de hoje,
atendo-se somente a sua criação poética contemporânea ou prendendo-se ao
que foi a sua poesia concreta:
CAMPOS - Se o Plano-piloto (que era apenas um projeto e
não um decreto) for lido com atenção, ver-se-á que a minha
poesia, mesmo aquela mais visual, desde os anos 60 já não
obedece estritamente àquele programa, melhor representado
pela primeira fase, necessariamente radical, da poesia
concreta [...].
Pois se o tempo passa, se a vida passa, Augusto também passou. E passa.
Renova-se. Aperfeiçoa-se. Transforma-se. Inventa novas invenções. Se
Augusto de Campos não é mais o poeta concreto dos anos 50, que poeta é
esse que nos dias de hoje poetiza por experimentação, por invenção poética?
Arriscamos: POETA DE INVENÇÃO, ou, simplesmente, POETA. Um daqueles
poetas seguidores de uma poesia experimental, poesia essa que traz em si a
representação da invenção e da experimentação, necessidades que o homem
contemporâneo tanto anseia.
35
CAPÍTULO III - A POESIA DE AUGUSTO DE CAMPOS
3.1 – Antipoesia/Antilira: poesia de invenção
[...] deixar passar as sombras
por caminhos feitos de
pedras.
João Alexandre Barbosa
Na poesia contemporânea, a palavra não é portadora de significado. É a
coisa. Para Sartre, a palavra não exprime, representa a significação. [...] a arte
contemporânea se vai regendo pelo signo da experimentação [...], a única
coisa que importa, hoje, são projetos de invenções para invenções futuras”
(Pignatari, 1971, p. 29-30-237).
Diante de tais colocações, esclarecemos que o experimentalismo das
vanguardas tem suas especificidades compreendidas no sentido técnico e no
sentido formal. O experimentalismo técnico, segundo Phifadelpho Menezes
(1994, p. 112), ocorre “no âmbito da pesquisa de materiais e meios físicos de
realização da obra. (...)”. No caso da poesia, ele afirma ainda que “o poeta se
serve das inovações tipográficas e de processos causais de criação de poema
(...)” (p.112).
A experimentação técnica é o primeiro passo dado pelo poeta em busca do
experimentalismo que “se situa no âmbito da inovação da obra” (Menezes,
1994, p. 112).
A inovação da obra ocorre no âmbito do experimentalismo formal, que,
após a experimentação técnica, o poeta:
(...) passa à elaboração das novas técnicas experimentais no
sentido de, a partir daí, formular uma nova linguagem artística,
um novo modo de organização dos elementos materiais
recolhidos e experimentados, transformando-os de dados
físicos em signos. (Menezes, 1994, p. 112).
36
No poema a tendência experimental se dá em simultaneidade nos campos
visual e sonoro da palavra. A palavra é descoberta pelos poetas como a
matéria-prima na qual será trabalhada a nova realidade da poesia, deixando
para trás as formulações retóricas que sustentam a linguagem tradicional.
O experimentalismo formal rompe com o procedimento da sintaxe
tradicional e cria novas formas de composições com vários métodos que
surgem do novo material experimentado, como por exemplo, a montagem que
sugere “(...) uma nova ordem visual da página que propõe também o
adensamento dos novos conteúdos da poesia (...)” (Menezes, 1994, p. 124).
Augusto de Campos constrói a sua poesia assim, experimentando
tecnicamente: o suporte para a sua poesia não se atém apenas ao livro
impresso, e experimentando formalmente: novos procedimentos poéticos são
criados em favor de uma nova e inovadora forma de poesia.
Mas, como experimentar em poesia? Recorremos a Melo e Castro (1993, p.
35-36), que afirma:
A atitude experimental em poesia assenta num
aprofundamento do estudo da possibilidade ou impossibilidade
de comunicação entre os homens através dos vários sistemas
de sinalização dirigidos especificamente às portas da
percepção [...]. Experimentar como fenômeno poético não
implica trabalhar fora do poético, até obriga justamente a estar
dentro dele numa atitude aberta, sem preconceitos nem
reservas tentando aprofundar-lhe a natureza, delimitar-lhe os
métodos, redefinir-lhe as leis, as raízes, desde as fontes mais
originárias até o seu atual desenvolvimento e adaptação às
condições humanas e tecnológicas do nosso tempo.
E o próprio Melo e Castro (1984, p. 72) define: “Poesia Experimental:
Especificidade da escrita da Poesia como desconstrução dos discursos
obsoletos. Ruptura com os discursivismos ideológicos e/ou sentimentais”.
A essência da poesia nasce da desconstrução do discurso e da forma.
Essa poesia experimental, de invenção, que se projeta anunciando o devir da
própria poesia, requer necessariamente um poeta inventor. Bosi [2001:30]
retoma Chklovski e defendendo essa linha de pensamento, declara:
37
O procedimento do poeta-inventor não é um mero expediente
retórico auto-ostensivo [...], mas um modo de percepção pelo
qual o olhar singulariza o objeto e liberta das camadas
convencionais e do uso instrumental que dele se fez e se faz.
O poeta-inventor, criador, encontra-se possuído por dúvidas. Questiona a
vida e todas as coisas do mundo, toma decisões que não têm durabilidade,
porque é na efemeridade das suas decisões que encontra sempre a
possibilidade de recomeçar. Sempre insatisfeito consigo mesmo e com o
mundo, o poeta-inventor encontra-se inquieto e seus atos são carregados de
significação, de crítica, de poder renovador e criador. Melo e Castro (1977, p.
115) defende a seguinte idéia sobre o ato criador:
[...] criar é provocar consciente o acontecimento de um novo
fenômeno ou o aparecimento de um novo objecto perceptível
pelo homem. Deste modo, ao criar, a ênfase do fenômeno ou
do objecto a que se dá origem recai sobre a sua qualidade de
ser perceptível como novo. Novo é tudo que se coloca numa
situação tal que obrigue o sujeito a uma operação de revisão e
reajuste de imagens da memória e das respostas já
elaboradas. Passando para o nível da sociedade, a novidade
poderá entender-se como o que provoca uma necessária
revisão das estruturas dos conjuntos de factos em que vem a
inserir-se.
Na poesia de Augusto de Campos, temos o poeta-inventor, um poeta que,
a partir da experimentação, da invenção de formas poéticas, obedece as suas
próprias regras. Com ou sem versos, a sua poesia é a poesia brasileira que
mais “intensifica justamente essa ‘coisificação’ da linguagem, atingindo alto
grau de condensação de sentidos” Antunes (apud João Bandeira, 2001, p. 94).
Além disso, Augusto já dizia que a poesia concreta era uma antipoesia de
poetamenos, de expoetas, de apoetas, o que reafirma a sua constante
experimentação e invenção poética. Tratando-se da novidade, da
experimentação e da invenção como procedimentos formais da poesia
contemporânea, extraímos três citações feitas por Haroldo de Campos, em seu
livro Metalinguagem: ensaios e teoria e crítica literária (1976, p. 3), que vem ao
encontro do fazer poético de Augusto de Campos:
38
* Vladímir Maiakóvski sobre a novidade afirma:
“A novidade, novidade do material e do procedimento, é
indispensável para toda obra poética”.
* Max Bense defende a seguinte idéia em relação à inovação:
“A inovação é um acréscimo a civilização sob a forma de
informação”.
* Th. W. Adorno escreve sobre o experimento:
“A difamada palavra experimento deve ser empregada em
sentido positivo; somente enquanto experimentação, não
como algo posto a salvo do perigo, tem a arte, afinal, ainda
uma chance” .
A atitude de experimentar em poesia requer uma atitude mental de
investigação e de procura. O poeta deve estar sincronizado com o tempo, com
os meios, métodos e problemas que a sociedade propõe, como se esses
fossem seus, imbatíveis diante do futuro que lhe é inevitável. O poeta deve
investigar e experimentar os meios de comunicação entre os homens (a
linguagem), rompendo de vez com a metodologia estética da poesia tradicional,
só assim a poesia experimental poderá confundir-se nos seus aspectos fônicos
com a música, e nos seus aspectos visuais e gráficos com as artes plásticas.
Ao experimentar, o poeta cria novos procedimentos poéticos, o que torna a
poesia uma poesia de invenção. Recorremos a Beatriz Amaral (2005, revista
eletrônica – Zunái), para esclarecer o termo invenção:
Poesia de invenção: sempre. Invenção: Ínsita na poesia. Já o
disse Oswald: ‘a poesia é a descoberta das coisas que eu
nunca vi’. Se fazer poesia é descobrir as coisas e o mundo tal
como jamais antes visto, invenção é atributo de sua essência.
Mas invenção como trabalho consciente, e consistente,
envolvendo a materialidade sígnica da linguagem, navegando
no mar de idéias, em atos lúcidos e lúdicos (sem paradoxo) e
sem estéries superficialidades retóricas. O poeta filtra e
reverbera a essência das palavras, produzindo
estranhamentos na linguagem/miragem. Em deslimites, o
infinito: a família dos poetas inventores a se expandir no
tempo.
39
A essa família pertence Augusto de Campos com sua Antipoesia, uma
poesia que abandona certos procedimentos formais da poesia tradicional,
fugindo do apelo à emoção; uma poesia que desmistifica o próprio conceito de
poesia, de puras emoções e apresenta poemas com aspectos desmontáveis, o
verso pode ser inverso. Melo e Castro (1993, p. 21) define a antipoesia de
forma magnífica:
Poesia, antipoesia – os recursos são equivalentes. Imagens,
metáforas, palavras, sílabas, sujeitos a uma tensão
polifacetada, mas exatamente estruturada na expansão
progressiva das suas próprias formas. Desse modo a
duplicidade das imagens poéticas multiplica-se
indefinidamente num espaço em expansão, ao mesmo tempo
que a imagem se tenciona e clarifica em si própria, focando-se
sobre si própria, partícula ativa da matéria poética. As
metáforas propagam-se em multiplicidade de significações
simultâneas. A criação repercute-se em níveis simultâneos da
realidade significativa. As palavras carregam-se de
possibilidades significativas. As sílabas estruturam-se em
unidades sonoras, de intensidades e vibração antimusical.
Todo problema da escrita [...] da poesia é ultrapassado, na
medida apenas do fator criação – anticriação presente no
texto. O modo do poema [...] tem apenas valor em si próprio,
isto é, apenas vale como outra via de objetivação do poema.
Antipoesia? Uma poesia, como disseram os poetas ditos concretos, de
invenção. Augusto de Campos (1978, p. 52), em seu livro poesia antipoesia
antropofagia, ao se referir à poesia-crítica de João Cabral, afirma que o mesmo
“vem praticando, didaticamente, uma antipoesia, ou uma poesia que se
contrapõe ao que passou a ser o conceito popular e também literário de poesia;
a saber, a poesia feita de ‘enxames de sentimentos inarticulados’, a poesia
‘poética’.
A idéia de antipoesia é caracterizada por um trabalho que se faz na
superfície desgastada das tradições líricas, criando uma nova forma de poesia
a partir de uma escritura consciente por entre as ruínas da tradição.
Na antipoesia, há uma ruptura entre a pessoa lírica e a composição poética,
pois ocorre uma corrosão da linguagem da poesia, proporcionando
automaticamente a corrosão da pessoa lírica. Essa corrosão se realiza no nível
da construção e no deslocamento da pessoa lírica para fora do culto poético
tradicional.
40
João Alexandre Barbosa, em Raros entre os raros, prefácio ao livro A
Espreita (2000, p. 20-25), de Sebastião Uchoa Leite, afirma:
Desvinculando-se do lirismo pessoal, a informação poética é
dada pela revelação das possibilidades inesperadas
construídas por uma lógica da realidade que se suporta sobre
a do imaginário. Ou melhor: o poético está naquilo que foi
possível extrair como relações inesperadas entre os dados da
realidade. [enfatiza, ainda, que a poesia é] uma poesia
radicalmente marginal porque tira do centro da comunicação
poética um sujeito de enunciação e, em seu lugar, propõe um
enunciado que já surge problematizado pelas relações entre
sujeito e objetos líricos.
Percebemos, então, que a antipoesia é uma poesia indigesta, poesia pedra,
uma poesia avessa ao discurso, porém, o antipoético é sempre o mais poético,
pois a linguagem do poema é que deve apresentar a condição terminal da
poesia como veículo de representação da realidade. O poema Pó de tudo
(scelsi) (1993), de Augusto de Campos, do livro Despoesia (1994, p.66-67),
intensifica a idéia de que, na antipoesia, as palavras são o que elas dizem e
não a representação dos sentimentos. As palavras que fazem parte da
composição do poema são: ao nível do silêncio o pó de tudo, mas essas
palavras ainda não são o poema.
41
Pó de tudo (scelsi) (1993)
O poema é construído por um círculo na cor preta, suspenso sobre um
traço também na cor preta e palavras pretas escritas dentro do círculo branco.
Símbolos, traços e círculos fazem parte da estrutura do poema. O círculo, além
de ser o espaço que contém a escritura do poema, também é em tamanho
menor, a letra o que suspensa sobre um traço, marca a centralidade do círculo,
ou seja, a letra
o é o eixo central do poema que separa quatro palavras acima e
quatro palavras abaixo, dentro do círculo.
Nesse poema, as palavras dizem, não oferecem enxames de sentimentos,
e o leitor precisa invadir o círculo para ler o poema e a leitura é feita no sentido
vertical, de cima para baixo. O leitor vai descendo em busca do solo, da terra,
do chão firme, na tentativa de alcançar o silêncio que traz em seu nível o pó de
tudo ou não seria o silêncio que traz a forma nova de fazer poesia? A
Antipoesia/Antilira.
Ao se referir ao livro de poesia Educação pela pedra, de João Cabral,
Augusto de Campos (1978, p. 50) reafirma um procedimento da poesia
enquanto antipoesia:
42
[...] em abandonar certos procedimentos formais da poesia do
passado esta Educação pode, à primeira vista, decepcionar
aos praticantes de uma poesia programaticamente votada a
informação não-redundante - como é o caso da poesia
concreta –, mas decepcionados ficarão certamente aqueles
que esperam do poeta uma capitulação ao apelo e à pressão
dos sentimentos [...].
Em seu poema viv (1992), “viver é defender uma forma” (hoelderlin via
Webern) também do livro Despoesia (1994, p. 116-117):
viv (1992), “viver é defender uma forma” (hoelderlin via Webern)
Augusto abandona os procedimentos formais da poesia tradicional e cria novas
formas. O poema é escrito com letras brancas sobre o fundo preto. Apresenta a
forma de um losango e também de um quadrado, dependendo da maneira que
seja olhado/lido pelo leitor. O sentimentalismo é rompido. O sujeito vive
sabendo que vai morrer, tentando não morrer, mas não se apieda de si mesmo,
pelo contrário, é uma luta consciente, embora fragmentada, o que sugere
43
múltiplas experimentações de vida e morte. As tentativas são necessárias para
que a vida permaneça firme na luta que se sucede para não morrer.
Nesse poema, Augusto constrói um tabuleiro de letras brancas que propõe
uma leitura fragmentada. As letras brancas pulsam sobre o fundo preto do
papel, sugerindo o próprio ato de viver e morrer. A palavra concretiza o que nos
oferece o poema: a vida e a morte. A vida do novo, da forma, a morte da
tradição da poesia do passado, porque, como já denuncia o título do poema,
viver é defender uma forma.
A Antipoesia/Antilira efetiva-se a partir de um estilo que repele toda
confissão ou pieguismo, encontra-se na construção da matéria poética que
está imune à oscilação e à angústia como fonte de sentimentalismo.
Tomamos mais uma vez o poema poesia (1988) de Despoesia (1994, p.
100-101), com o intuito de comprovar que a poesia necessita apenas dela
mesma para existir:
poesia (1988)
Nesse poema, o poeta enfatiza o ser da poesia em si mesma, sem
qualquer apelo à subjetividade, a objetividade faz parte da sua construção. O
poema tem o formato de um retângulo, embora seja semelhante a um
44
quadrado devido à pouca diferença entre os lados: na vertical há oito linhas e,
na horizontal, nove. O poema é construído por letras maiúsculas em um
espaço aberto no centro da página do livro. Apenas três palavras podem ser
vistas e lidas sem fragmentação. São elas: NÃO, SOME e POESIA. A palavra
NÃO inicia o poema e repete-se no segundo, quarto e sexto versos; a palavra
SOME aparece no final do sétimo verso e a palavra POESIA finaliza o poema.
NÃO (a subjetividade) SOME (a subjetividade): POESIA. A poesia É, e o poeta
deixa evidente que, para a existência da poesia, ela necessita apenas dela
mesma e não de sentimentos exteriores. O poema é construído de forma
inventiva e propõe, por certo, uma leitura também inventiva, o que confirma por
meio da negação que a antipoesia rompe definitivamente com os
procedimentos formais da poesia tradicional.
A idéia de uma Antipoesia é reforçada por Décio Pignatari (1971, p. 114):
(...) A obra de arte verdadeiramente nova e inovadora atua no
campo de linguagem criativa e criadora de realidades [...]. A
poesia nova cria antes quantidades do que qualidades, pois
que é antes criadora de processos do que de produtos
acabados.
O poema ferida (2001) do livro NÃO (2003, p. 46-47) é mais um exemplo
de poesia de invenção:
45
ferida (2001)
Ao fazermos a leitura do poema em voz alta, conseguimos sentir em
simultaneidade o som, a cor, e o sentido das palavras, que agem em ritmo
acelerado como o pulsar de uma dor quando colocamos a mão sobre ela.
Sentimos de forma viva o pulsar da forma do poema.
A escritura do poema feita na vertical e no centro da página sugere uma
nova forma de sofrer devido à forma fragmentada como as palavras são
escritas. A ferida que, no início do poema, dói de forma fragmentada,
representa o próprio ato de doer, ou seja, evidencia o gemido causado pela
dor.
Ao ser fer – ida, a ferida dói de forma objetiva, embora a subjetividade
permeie cada palavra, sugerindo gestos, sons e imagens criados no poema. O
46
leitor é atraído pela dor que a ferida causa, mas logo percebe que sem a ferida,
de forma veloz e pulsante, tudo começa de novo: a cor cora, a flor flora, o ir vai,
o rir rói, o amor mói, o céu cai, e a dor também dói, porque tudo acontece de
forma cíclica e constante.
Arnaldo Antunes escreve na orelha do livro NÃO (2003), de Augusto de
Campos que:
[...] a poesia de Augusto de Campos se caracteriza pela busca
incessante de novas soluções formais – nas diferentes
possibilidades de fragmentação da linguagem; na inauguração
de sistemas de leituras, onde o linear se abre ao prismático;
nos signos dentro de signos, onde várias alternativas
disputam, pelos cortes ou junções, o mesmo espaço sintático
[...]; na exploração constante dos procedimentos gráficos [...]
usados de forma estrutural e não decorativa.
As palavras de Antunes reforçam a nossa idéia de que a poesia de Augusto
é uma poesia nova e inovadora, assentada na experimentação de novas
técnicas e na experimentação e invenção de novos procedimentos poéticos.
3.2 – Tradução: transcriações – intraduções
Procuro, ainda uma vez, de acordo
com os princípios que norteiam
esses trabalhos, recriar, acima de
tudo, a beleza estética do original;
chegar a um texto cursivo, não
torturado, que resulte em belos
versos, versos que eu gostaria de
ter escrito. Busco manter ao
máximo os achados formais do
original, [...].
Augusto de Campos
47
Ler a poesia de Augusto de Campos, de antemão suas tradições:
transcriações, intradições, é ler o Augusto, Poeta, Tradutor: Transcriador –
Intradutor. Ater-se ao seu trabalho como tradutor é percorrer dois caminhos,
um que é traduzir poemas em outras línguas, outro que é traduzir os seus
próprios poemas impressos para a linguagem do computador, sendo que esses
poemas passam por uma tradução intersemiótica, ou seja, por uma
transcriação de formas.
Boris Schnaiderman (2002, p. 14) explica que “A tradução como recriação,
no caso, constitui o caminho da verdadeira fidelidade ao texto. [...] A tradução
de modo algum pode prescindir da invenção [...]”, e Plaza (1987, p. 71), em
relação à tradução intersemiótica, escreve:
Na tradução Intersemiótica como transcriação de formas o que
se visa é penetrar pelas entranhas dos diferentes signos,
buscando iluminar suas relações estruturais, pois são essas
relações que mais interessam quando se trata de focalizar os
procedimentos que regem a tradução. Traduzir criativamente
é, sobretudo, inteligir estruturas que visam à transformação de
formas.
Traduzir implica transcriar. Mas, o que quer dizer o termo transcriação? É
Cristina Monteiro de Castro Pereira (2003, p. 17) quem esclarece:
Transcriação é um termo usado pelos concretistas para
designar uma tradução que se afasta da literalidade e busca a
passagem da ‘idéia’ e do efeito do texto original numa outra
língua ou linguagem. É uma recriação do objeto estético.
Transcriar, pois, é uma recriação do poema original, sem que este perca a
sua essência. Diríamos que o ato de transcriar ocorre no plano sublime da
criação, onde o poeta transcriador exerce a sabedoria criativa de dizer de outra
forma o que disse o outro poeta, sem, no entanto, denegrir a originalidade do
texto primeiro.
Em entrevista concedida a Inês Oseki-Dépré (2004, p. 294), Augusto
esclarece sobre o ato de traduzir e algumas de suas finalidades:
IOD – A tradução adquire cada dia uma definição, um campo,
um objetivo diferentes. Nesse caso presente, porque se
traduz? Por afinidade? Para importar formas novas na língua
48
poética da chegada? Para incorporar um poeta, num gesto de
antropofagia amorosa? Em suma, qual é o objetivo de
traduzir? Criticar? Criar? Divulgar? E traduzir “em Augusto de
Campos”?
AC – Divulgar, sem dúvida, no sentido de revelar o autor e o
texto traduzido e integrá-lo nas fontes de informação artística
como ‘nutrimento de impulso’. Exercer, também, uma forma de
crítica, pois que a escolha e a análise textual implicam uma
avaliação histórica e estética. Criar, sim, na medida em que a
tradução-arte implica na co-criação ou re-criação de uma
inflexão inexistente no idioma de chegada. Que pelo menos
algumas dessas traduções – as mais bem-sucedidas –
resultem também, de certa forma, em ‘poemas de Augusto de
Campos’ (no sentido de ‘interpretações’) parece-me inevitável.
[...].
Augusto traduziu, entre outros, os poetas provençais, Mallarmé, Rimbaud,
Maiakóvski, James Joyce, Ezra Pound, Rilke, Cage; poetas que são a base da
sua teorização da poesia Concreta e da sua criação poética. Ao traduzir
fragmentos de Finnegans Wake, de James Joyce, Augusto (2001, p. 27) afirma
que o traduzir:
[...] é uma ginástica com a palavra: um trabalho de
perfeccionismo. Algo que nunca assume o aparato estático do
definitivo, mas que permanece em movimento, tentativa aberta
e constante, trazendo sempre em gestação novas soluções,
‘pistas’ novas, que imantam o tradutor, obrigando-o a um
retorno periódico ao texto e seus labirintos.
Traduzir é percorrer caminhos com várias saídas, ou não seriam, várias
entradas? Ou várias saídas e entradas? O tradutor deve estar aberto/atento
para perceber e penetrar nos labirintos do texto, sempre pronto para a
novidade, pois, o seu trabalho consiste em traduzir o intraduzível.
Intraduzível. Augusto escreve na contra capa de Despoesia (1994): “[...]
INTRADUÇÕES de outras vozes poéticas [...]”. As Intraduções presentes nos
livros Despoesia e NÃO reforçam o que ele em entrevista concedida a Irineu
Franco Perpetuo, para o jornal Folha de S. Paulo (23/02/2005) confirma como:
Um tipo especial de tradução em que reconfiguro com
liberdade gráfica o texto original. Daí ‘Intradução’ (mais um
não), e ‘Intradução’ (uma viagem ao interior do texto),
49
sugerindo ainda a idéia de uma tradução de um poema
‘Intraduzível’”.
Augusto intraduziu vários poemas. Com o intuito de compreender o
processo construtivo de suas Intraduções e de averiguar como os
procedimentos poéticos utilizados criam uma nova forma de lirismo,
selecionamos quatro poemas: om (e.e. Wittgenstein) (1996) e rosa de rilke
(2000) do livro NÃO (2003, p. 84-85-102-103) e os poemas flauta desvértebra
(maiakóvski) (1990/1993) e a esphinge (emerson) (1979) do livro Despoesia
(1994, p. 68-69-38-39).
Comecemos pelo poema om (e.e. Wittgenstein) (1996):
om (e.e. Wittgenstein) (1996)
50
O poema om (e.e. Wittgenstein) (1996) parece sugerir duas entradas para
leitura. Uma pelo começo do poema e outra pelo fim, devido ao fato de termos
no início a sílaba om e, no final, a sílaba in, criando uma certa indeterminação.
Por onde começar então? Pelo in ou pelo om?
Optamos começar a leitura pelo om de O mundo dos felizes que por algum
motivo não é o mesmo mundo dos in. in o quê? Infeliz, Intraduzível? Ou
simplesmente in?
Augusto constrói ou antes destrói o poema em onze blocos, os quais são
postos na vertical, sendo o primeiro e o último compostos por duas letras e os
outros blocos por quatro letras, o que sugere uma leitura fragmentada e
inconclusa, pois, mesmo justapondo os blocos de letras e formando palavras,
ao chegar ao final do poema, é necessário que o leitor, também como o poeta,
seja um criador, para então concluir a sua leitura.
O poema rosa de rilke (2000), de Rilke, poeta praguense-alemão, é,
segundo Angelloz (apud Augusto de Campos, 2001, p. 28), uma “concepção
poética na qual o sujeito se deixa absorver pelo objeto”. O próprio Rilke (apud
Augusto de Campos, 2001, p. 30) confessa:
[...] As coisas, só elas, me falam [...]. Todas as coisas que são
perfeitas. Elas me apontam os meus modelos: um mundo de
movimento e de vida, na pura simplicidade de ser desígnio,
que é o de deixar nascer às coisas.
51
rosa de rilke (2000)
Augusto, em sua poesia, assim como Rilke, busca um mundo de
movimento e de vida na essência das coisas mesmas. No poema rosa de
rilke, a rosa é uma coisa que Augusto oferece a Rilke em forma de poema. Um
poema que é feito da contradição e ao mesmo tempo, do prazer de ser coisa: a
rosa, o poema, e não de ser só emoção.
A rosa–coisa, poema em três versos que Rilke escreveu em vida para ser o
seu epitáfio, afirma que a rosa é o prazer de não ser o sono (a morte) de
ninguém sob tantas pálpebras. A rosa é a rosa. É a coisa – a poesia.
Augusto, por sua vez, ao intraduzir o poema de Rilke, constrói o poema
sobre bases feitas por quem o olha. Uma delas é a palavra pálpebras, que
sustenta o poema como coisa que é e que pode ser também apontada como a
base do processo de construção da intradução, pois, sob tantas pálpebras
(modo de olhar e de criar de Augusto de Campos) é que ele realiza as suas
intraduções e induz o leitor a fazer suas leituras também dessa forma.
No poema, a visualidade é marcada pela cor monocromática que se
sobrepõe uma sobre a outra, saindo de dentro da página em tom fraco e
fixando-se sobre a página em tom forte, pela sobreposição das palavras que
52
são repetidas três vezes, criando imagens que escorregam para o lado direito e
para baixo, e também pela perspectiva criada com as palavras, o que aproxima
o poema das artes visuais.
O poema rosa de rilke, para o qual sugerimos duas leituras possíveis,
passa a ser também a rosa de augusto e a rosa do leitor, pois todos são
envolvidos pelo movimento da vida e da morte e pela objetividade da coisa–
rosa.
Primeira leitura:
rosa rosa rosa
pura pura pura
contradição contradição contradição
prazer prazer prazer
de de de
não não não
ser ser ser
o o o
sono sono sono
de de de
ninguém ninguém ninguém
sob sob sob
tantas tantas tantas
pálpebras pálpebras pálpebras
53
Segunda leitura:
rosa
rosa
rosa
pura contradição
pura contradição
pura contradição
prazer de não ser
prazer de não ser
prazer de não ser
o sono de ninguém
o sono de ninguém
o sono de ninguém
sob tantas
sob tantas
sob tantas
pálpebras
pálpebras
pálpebras
Nas duas leituras, as palavras são evidenciadas pelas suas repetições, a
forma do poema é marcada pela disposição gráfica das palavras, a
sobreposição das palavras ocorre devido à repetição das mesmas e a
visualidade é promovida pela própria forma apresentada e pelos tons da cor
roxa. Augusto entre a contradição e o prazer de traduzir o intraduzível, cria o
poema rosa de rilke.
O poema flauta desvértebra (maiakóvski) (1990/1993)
54
flauta desvértebra (maiakóvski) (1990/1993)
sugere, num primeiro momento, a leitura das palavras postas mais no centro da
página, que parecem saltar aos nossos olhos:
1-
vejam
eis-me
crucifixado
no papel
Como estar crucifixado no papel? Vemos o desenho de um livro vermelho
aberto e em seu centro a figura de um determinado eu de braços abertos
pregado na cruz pelas palavras. O poema materializado no papel figura o
desejo do eu: eu quero um só veneno / beber, beber versos. Augusto faz a
disposição gráfica das palavras e versos preenchendo os espaços do poema
de forma contraditória, porém, em perfeita harmonia, sugerindo leituras em
vários segmentos possíveis:
55
2-
vejam
com os cravos das palavras
eis-me
crucifixado
no papel
tu que me roubaste o coração
3-
eu quero um só veneno / beber, beber versos
vejam
eis-me
crucifixado
no papel
4-
com os cravos das palavras
tu que me roubaste o coração
despojando-se de tudo
e martirizaste minha alma em coma
recebe esta oferenda / talvez o meu último poema
5-
dourem ao sol, flores e fenos! / forças da vida, primaverem-se!
Coloram de festa este dia
Cria, magia, uma cruz igual ao fel
A disposição gráfica do poema e as leituras sugeridas estão de acordo com
o que propõe a antipoesia: palavras e figuras são grafadas dentro de um
mesmo espaço gráfico, sugerindo movimentos entre os mesmos; partes
isoladas do poema mantêm a sua individualidade e significação, porém podem
ser lidas como um poema à parte; um eu que, crucifixado, preso entre a
fragmentação de palavras e frases que o cerca em várias direções, multiplica-
se e ainda torna-se o próprio objeto poema, o poema que passou pelo
56
processo de intradução, tornando-se anti-poesia.
O poema a esphinge (Emerson) (1979)
a esphinge (Emerson) (1979)
é construído por duas estrofes com quatro versos cada. A primeira estrofe
ocupa a parte superior do livro, ou seja, o lugar tradicional de escrever e de
começar a ler um livro. A segunda ocupa a parte inferior do livro, porém, a sua
escritura se dá de ponta cabeça, e, portanto, para fazer a leitura da estrofe é
necessário girar o livro de cabeça para baixo. As estrofes são escritas em
posições que as fazem refletir uma sobre a outra, mas o ato de refletirem-se
não impede que cada uma conserve a sua própria imagem.
Percorrer o caminho da Tradução, da Transcriação e da Intradução por
vezes parece algo impossível, mas atentemos para o que diz Paulo Rónai
(1976, p. 2):
O objetivo de toda arte não é algo impossível? O poeta
exprime (ou quer exprimir) o inexprimível, o pintor reproduz o
57
irreproduzível, o estatuário fixa o infixável. Não surpreendente,
pois que o tradutor se empenhe em traduzir o intraduzível.
Maria Virgilia (1996, p. 193), ao perguntar, reafirma essa idéia: “Não será a
medida do impossível a única possível para o poeta?” Sim, concordamos. Em
especial, para o poeta Augusto de Campos, que tem uma tarefa impossível de
realizar: traduzir o intraduzível, e para isso ele utiliza a medida impossível da
invenção e da experimentação, mas, sempre respeitando e ressaltando em sua
intradução o valor da obra original.
3.3- Clip-poemas
A obra de Augusto de Campos
é uma relação tensa entre a
palavra e a imagem, que se
configura no espaço-tempo em
que a poesia, através de uma
diversidade de suportes (livro,
disco, vídeo, computador,
internet, holografia e o que
mais se inventar) incorpora
novos dados ao jogo de signos.
José Carlos Prioste
Ao traduzir seus poemas impressos para a linguagem do computador,
Augusto faz a transcriação de forma, cria os clip-poemas. Clip-poema, para
Pereira (2003, p. 15-88), é:
uma expressão pós-moderna da poesia, uma poesia virtual,
produzida e consumida através do computador. Fragmentado
em sua própría estrutura, é verbal, vocal, visual e cinético.
Uma poesia não apenas dívulgada pela internet, mas
adaptada ao meio audivisual das novas tecnologias. [...]. A
poesia passa por uma tradução intersemiótica que leva em
consideração as possibilidades de expressão do poema em
outros campos e meios de veiculação. [...] A passagem do
poema verbal para uma linguagem visual acarreta um ato de
criação.
Augusto faz poesia, poesia que são criações que ultrapassam o âmbito da
58
página impressa. Em outro suporte, com inventividade, oferece à criação outro
destino, como é o caso dos Clip-poemas realizados por ele, em parceria com
seu filho, Cid Campos, que envolvem palavras, músicas e imagens.
Em entrevista concedida a Irineu Franco Perpetuo para o jornal Folha de
S.Paulo, em 23/02/2005, Augusto esclarece: “Meus projetos poéticos estão
predominantemente ligados às animações computadorizadas, os ‘clip-poemas’,
como chamo os que figuram no CD-Rom anexo ao ‘NÃO’”.
Não poderíamos deixar de percorrer este universo poético de Augusto, já
que é mais um meio no qual propõe a criação de poesia, utilizando-se de uma
nova forma de linguagem poética.
Em NÃOfácio, prefácio do livro NÃO, Augusto escreve: “[...] os
computadores desarrumaram meus livros" e enfatiza a importância desse fazer
poético tecnológico dizendo:
Grande parte do que eu tenho feito em poesia migrou para o
universo digital animado - a poesia em cor e movimento, que
sempre me fascinou e que agora está ao alcance dos meus
dedos. É esse o território que mais me incita e desafia
agorapós-tudo.
A pesquisa utilizando o computador, derivando daí os clip-poemas, vídeo-
poesia, a produção de imagens em vídeo e outros meios tecnológicos, favorece
a própria capacidade de criação e de fruição do poeta. Em entrevista publicada
no livro Poesia Visual - Vídeo Poesia, de Ricardo Araújo (1999, p. 50-52),
concedida a Clemie Sland, sobre Vídeo Poesia, feita no SLI, em outubro de
1993, Augusto de Campos esclarece a relação da poesia com a tecnologia.
Transcrevemos trechos dessa entrevista e de outras concedidas por
integrantes do grupo, devido a sua importância diante do interesse sobre o
assunto:
C.S.: Gostaríamos que vocês falassem sobre a união da
poesia com tecnologia.
A.C.: A idéia de conjugar palavra, som e imagem esteve
presente nas propostas da Poesia Concreta desde o início.
Nós usávamos a expressão verbivocovisual, que é uma
palavra extraída do vocabulário de James Joyce, para
sintetizar essa conjugação. Embora, em geral, se acredite que
59
a Poesia Concreta só possua este aspecto visual privilegiado,
ela, desde o início, pensava em utilizar o som ao lado da
imagem. Tanto que meus primeiros poemas desta fase da
Poesia Concreta, da série Poetamenos, foram apresentados
no Teatro de Arena, em 55, por um grupo musical que
interpretava várias vozes, correspondendo às várias cores do
poema. Mas, na verdade, este projeto só pôde chegar a uma
concretização mais absoluta e mais precisa na década de 80,
quando surgiu, então, a possibilidade de trabalhar com um
computador gráfico. Eu fiz uma primeira experiência, isso foi
em 84, por coincidência, afortunada coincidência, na época em
que a Macintosh estava lançando seus primeiros
computadores pessoais. Naquela ocasião, foi realizado o
trabalho de animação do poema ‘Pulsar’ com música de
Caetano Veloso, feito na Intergraph, que tinha uma estação de
alta resolução gráfica. Mas essa experiência que estamos
fazendo agora com a Silicon Graphics é mais completa.
C.S.: A Poesia Concreta sempre buscou essa possibilidade de
transcender o papel. Como você vê esta possibilidade com a
nova tecnologia?
A.c.: Eu vejo de uma maneira muito afirmativa. Como eu digo,
eu não gostaria de fetichizar estas novas mídias. Eu acho que
não é pelo fato de você dominar estas técnicas, estas
tecnologias, não é só por isso que você vai construir um
grande poema, um grande objeto artístico. Você terá que
colocar muito de suas idéias e de sua capacidade criativa. [...].
Ricardo Araújo entrevista Décio Pignatari (p.96):
R.A.: Poesia computadorizada, esse é o caminho válido para a
poesia?
D.P.: Esse é um dos caminhos. Sem dúvida nenhuma. Este é
um caminho que veio para ficar. [...].
Clemie Blaud entrevista Julio Plaza (p.117):
C.B.: Fale sobre os caminhos da poesia com a chegada da
tecnologia.
J.P.: [...] A idéia é esta: cruzar a arte e a poesia com os meios
tecnológicos, essa confluência entre arte e poesia permite um
vetor de inovação. [...].
É importante ressaltar que ter o domínio das tecnologias não é o bastante
para se construir um grande poema. O poeta deve ter muitas idéias criativas,
porque essa poesia criada por meio das novas tecnologias exige inovação de
movimento, cor e som. O próprio Augusto de Campos (apud Agra, 2004, p.
196-197), assinala:
60
A possibilidade de dar movimento e som à composição
poética, em termos de animação digital, vem repontencializar
as propostas da vanguarda dos anos 50. VERBIVOCOVISUAL
era, desde o início, o projeto da poesia concreta, que agora
explode para não sei onde, bomba de efeito retardado, no
horizonte das novas tecnologias.
Como enfatiza Augusto, a animação digital já fazia parte das propostas
para o projeto da Poesia Concreta, o que ele aproveita e põe em prática na sua
poesia atual, inventando e colocando suas idéias e a sua capacidade criativa a
favor dessa poesia computadorizada.
O poeta escreve os poemas e depois faz a animação digital, e essa
animação, por certo, cria um novo processo de construção do lirismo, tendo em
vista que essa nova forma de poesia rompe definitivamente com os
procedimentos da poesia impressa.
Os poemas sem-saída, composto em 2000 e que Augusto fez a animação
digital em 2003, e walfischesnachtgesang – cançãonoturnadabaleia,
composto em 1994, traduzido em animação digital em 2002, exemplificam a
idéia dessa poesia computadorizada que propõe ao leitor leituras da animação
de forma experimental e inventiva.
O poema sem saída é realmente uma animação digital sem-saída. Se
entrar nele é um desafio, sair, então, é realmente impossível. A animação
começa assim:
Pululam na tela letras/palavras – azuis, verdes, vermelhas, lilás, amarelo,
enfim, cores que enchem os olhos e que não nos permitem ler/decifrar o que
está escrito na tela do computador, pois rapidamente se apagam, restando
apenas uma letra verde e a mãozinha que guia o mouse brilhando na tela. Ao
arrastar o mouse, palavras vão se formando e se apagando. Em seqüência,
podemos ler:
“ A estrada é muito comprida / O caminho está sem saída / Curvas enganam o
olhar / Não posso ir mais adiante / Não posso voltar atrás / Levei toda a minha
vida / Nunca saí do lugar”.
61
Acaba-se de ler o poema, porém, ao procurar a saída, ouvem-se vozes,
elas dizem... dizem... Não é possível ter clareza sobre o que elas dizem, a não
ser a palavra caminho. É que, por certo, as vozes também procuram um
caminho, uma saída. Resta finalizar a animação, mas, ao clicar sobre as letras,
deparamo-nos com mais uma surpresa, aparece um verso sobre outros,
provocando uma leitura não mais de forma linear, pois surgirá sobre os versos
qualquer verso que for clicado, criando uma confusão em meio às cores e às
vozes que ecoam. É nesse momento que é possível perceber realmente que se
está em um labirinto e que não há saída. Curvas enganam o olhar. Curvas que
Augusto de Campos criativamente estende sobre o caminho da poesia.
A leitura do poema walfischesnachtgesang – cançãonoturnadabaleia é
feita quando, na tela preta, vão sendo escritas as palavras que são ditas por
Augusto, entremeadas do silêncio que se faz quando da escritura do verso
composto apenas pela letra m.
É na brancura e na negrura da tela e das próprias palavras brancura e
negrura, que marcam por meio da sonoridade a canção noturna da baleia, que
o poema vai sendo animado digitalmente.
Os flashes que surgem entre a leitura e o silêncio que compõem o poema
são preenchidos pelo murmúrio do mar, por um som comprido e manso, que
pretende emudecer o leitor, o que é reforçado pelo canto gráfico, representado
pela visualidade da escrita.
Augusto constrói a sua poesia a partir do processo experimental e inovador,
que abrange tanto a sua poesia impressa, como suas traduções – Intraduções
– e suas animações digitais, o que revela, na contemporaneidade, uma forma
inovadora de fazer poesia.
62
CAPÍTULO IV- LIRISMO VERSUS ANTILIRISMO
4.1 – Antilirismo: que lirismo é esse?
‘O lirismo em si mesmo’ é
aquela experiência com a
linguagem, em que se funda,
para nós e para os outros, a
lembrança e a possibilidade de
uma comunhão autêntica. E o
canto, que é feito da mediação
entre vida, mundo, linguagem,
da escolha nossa, é palavra de
um vivente.
Jorge Koshiyama
Ao elegermos a poesia de Augusto de Campos como nosso objeto de
estudo, tínhamos como um dos pressupostos averiguar, por meio da
experimentação, como ocorre o procedimento da manifestação do lirismo, já
que esse, por certo, também é experimental, inventivo, anti-lírico.
Para chegarmos a uma possível conceituação de Antilirismo, é necessário,
mesmo que breve, refletir sobre o lirismo.
O lirismo, enquanto processo de estruturação, é um só.
Todavia, a imagem do mundo se modifica, e o lirismo, sendo
um processo de estruturação de uma imagem do mundo, sem
se modificar enquanto processo, define as modificações em
termos de atitudes retóricas. É que o lirismo, enquanto
expressão subjetiva estruturada, pressupõe uma imagem do
mundo ou expressão objetiva, e, definindo as modificações da
imagem do mundo, cristaliza-se em atitudes retóricas. Daí as
denominações de lirismo romântico, moderno, etc., que devem
ser entendidas, não como diferentes espécies de lirismo, mas
como atitudes retóricas do processo de estruturação de uma
imagem do mundo como expressão subjetiva. Lirismo, assim
entendido, é condição e fundamento da poesia. Poesia é um
espaço lírico estruturado. Lirismo é um processo de
incorporação de elementos a um espaço lírico. (
Silva, 1975,
p. 14
).
O lirismo denominado moderno é uma maneira especial de recorte do
mundo e de arranjo de linguagem. Para o poeta e crítico moderno, a poesia
63
lírica vai-se concentrar, de fato, no modo como a linguagem do poema organiza
os elementos sonoros, rítmicos e imagéticos, pois a poesia lírica tem sua
marca nas propriedades de som e ritmo das palavras.
Compreendendo o lirismo moderno como a estruturação de uma imagem
do mundo que se modifica enquanto processo de linguagem, o poeta moderno
sabe que qualquer recorte do mundo será apenas linguagem. Salete de
Almeida Cara (1998, p. 62-63) ressalta que:
[...] um poema que não tem a marca típica da subjetividade
lírica traz, para o interior da representação poética, o pólo do
lirismo e o da participação articulando, via lirismo, o dado
social e individual [...], o sujeito lírico é falado pela linguagem
do poema [...].
É a partir da construção da linguagem no poema que temos o sujeito lírico
na poesia lírica moderna, pois esse sujeito é responsável pelos atos de
denominação. O poeta não pode ser confundido com o sujeito lírico, porque
este nasce da sintaxe, da melodia, do canto, do ritmo, tornando-se o próprio
texto, aquele sabe que o espaço da poesia não é o da realidade nem o do eu
particular. A respeito do assunto, Adorno (2003, p. 74-75) declara:
As mais altas composições líricas são, por isso, aquelas nas
quais o sujeito, sem qualquer resíduo da mera matéria, soa na
linguagem, até que a própria linguagem ganha voz. O auto-
esquecimento do sujeito, que se entrega à linguagem como
algo objetivo, é o mesmo que o caráter imediato e involuntário
de sua expressão: assim a linguagem estabelece a mediação
entre lírica e sociedade no que há de mais intrínseco. [...] O
instante do auto-esquecimento, no qual o sujeito submerge na
linguagem, não consiste no sacrifício do sujeito ao Ser. Não é
um instante de violência, nem sequer de violência contra o
sujeito, mas um instante de reconciliação: a linguagem fala por
si mesma apenas quando deixa de falar como algo alheio e se
torna a própria voz do sujeito. Onde o eu se esquece na
linguagem, ali ele está inteiramente presente; senão a
linguagem, convertida em abracadabra sacralizado,
sucumbiria a reificação, como ocorre no discurso
comunicativo.
Os argumentos defendidos por Adorno a respeito do sujeito entregar-se e
esquecer-se na linguagem dando-lhe voz, sem sofrer qualquer sacrifício por ser
o momento, o momento de reconciliação entre o sujeito e a linguagem,
64
possibilitando que a linguagem torne-se a própria voz do sujeito, para então,
falar por si mesmo, servem perfeitamente ao sujeito da poesia de Augusto de
Campos, o qual dará voz à linguagem dos poemas, provocando a manifestação
do Antilirismo.
O lirismo que denominamos de Antilirismo é um lirismo que apresenta o
seu processo de construção em contraposição às características do lirismo da
poesia tradicional. Por Anti, não queremos dizer NÃO Lirismo, mas OUTRO
lirismo, construído às vezes por alguns elementos líricos da lírica moderna,
porém transformados em outros elementos verbais/visuais/sonoros,
tecnológicos, e por um eu que:
[...] distancia-se cada vez mais de sua noção clássica – que é
a noção moderna, pois, na Antiguidade, inexiste uma noção
forte de sujeito e menos ainda de ‘eu’ Vernnant (apud Eduardo
Sterzi, 2004, p. 111-112). Sterzi completa: O eu, aqui, é algo –
um que, antes que um quem – situado a um só tempo, aquém
(‘quase se pessoa’) e além do indivíduo (‘nós sós pós’).
Os elementos antilíricos da poesia de Augusto de Campos, tal como esse
eu que pode ser pensado como resíduo de objetos - um o que, antes que um
quem – são materializados por meio da imagem sintética, da metamorfose, do
espaço gráfico, da negatividade, da fragmentação, da montagem, do
manuscrito. São criados devido ao seu processo experimental e inovador,
buscando sempre novas formas de invenções poéticas, e assim provocam a
manifestação de um lirismo modificado em sua poesia, um antilirismo.
65
4.2 - O antilirismo e a poesia de Augusto de Campos
Sempre evitei falar de mim,
falar-me. Quis falar de coisas.
Mas na seleção dessas coisas
não haverá um falar de mim?
João Cabral de Melo Neto
Não quero mais saber do
lirismo que não é libertação.
Manuel Bandeira
Partindo do princípio de que se faz necessária a presença de um sujeito
lírico para que haja a manifestação do lirismo, tomamos as citações acima com
o intuito de esclarecer que o sujeito lírico tem sofrido modificações com o
passar do tempo e que o sujeito da poesia de Augusto é outro, um antisujeito,
criado a partir das invenções poéticas do poeta, e que, por certo, provocará a
manifestação do antilirismo. Gottfried Benn (apud Sterzi, 2004, p. 99) adverte
que:
[...] por trás de todo poema há sempre - mesmo que invisível -
o autor, a sua natureza, o seu ser, a sua situação interior:
mesmo os objetos, de fato, comparecem no poema só porque
antes eram os seus objetos.
Um certo sujeito perpassa todo o poema, senão de modo evidente, um
sujeito materializado de forma como estamos acostumados a percebê-lo, um
outro tipo de sujeito que comparece por meio dos objetos, que antes eram do
seu autor. O sujeito da poesia de Augusto testemunha, de certa forma, a perda
e apresenta-se num espaço onde a solidão e a destruição são elementos
fundamentais, ainda encontra-se onde ocorre a fragmentação e a
desagregação do mundo moderno/contemporâneo.
Já foi dito que, no concretismo, a negação do sujeito implicava sua
exoneração, porém, terminado o ciclo vanguardista coletivo, ele retorna.
Segundo Aguilar (2005, p. 304), para Augusto de Campos:
66
Desde Poetamenos, o objetivo é construir novas formas que
incluam novos sujeitos, porque a natureza da experiência está
tão atravessada pela história, é tão radicalmente moderna, que
as formas herdadas resultam pouco genuínas. No entanto,
durante o concretismo, essa possibilidade, em um gesto
modernista, parecia estar dada pela dinâmica própria e
evolutiva das estruturas formais que, necessariamente, deviam
exonerar o sujeito [...].
A presença do sujeito na poesia de Augusto ocorre de formas diferenciadas
devido ao seu processo poético inventivo, o que propõe caminhos para a
materialização da subjetividade em várias dimensões. A problematização do
sujeito é um elemento fundamental em sua poesia, e Aguilar (2005, p. 304-306)
levanta a hipótese de que a poética de Augusto pode ser pensada como uma
poética da angústia, sugerindo uma nova dimensão de leitura, e um não mais
olhar o autor pelas premissas do concretismo. Diz ele:
A partir do momento em que – uma vez terminada a fase
concreta – o eu lírico faz seu reingresso, não o faz em função
de estruturas autônomas (produzidas no jogo da linguagem e
nas quais os materiais realizam a sua evolução), mas se
apresenta ou distanciado pela persona poética [...] ou revelado
em sua natureza lingüística. [...]. Não há retorno ao sujeito,
porque este não é nunca um ponto de partida, mas sim o
espectro que o prisma da palavra poética pode compor.
Imagens sintéticas que superam a organização discursiva da
linguagem para reter o instante que passa.
Na poesia de Augusto, há poemas com a marca típica da subjetividade, ou
seja, existe a presença de um eu lírico, mas o poeta sabe que para construí-lo
é necessário “buscar suas armas dentro da própria linguagem da poesia,
mesmo sabendo que nada é definitivo e ‘um lance de dados jamais abolirá o
acaso’”, Mallarmé ( apud Cara, 1998, p. 43). Há também poemas em que,
como declara Francisco Achcar (1994, p. 46):
[...] o ‘eu’ é radicalmente ausente, seja como actante, seja
como instância emocional sugerida: [...] constitui um caso
extremo de lírica impessoal, [...] pois nele o sujeito tem pouca
possibilidade de sinalizar sua elipse, de persistir ao menos em
algum reflexo do objeto, pois este é também afastado da cena.
67
Augusto, ao romper com os procedimentos formais da poesia lírica
tradicional, cria novos procedimentos. Aguilar (2005, p. 304) afirma que:
Depois de sua etapa concreta, a produção de Augusto de
Campos se aproximou cada vez mais de uma valorização dos
materiais sobre as estruturas [...] uma certa intensidade
espectral que se imprime sobre os materiais e que fala de uma
dimensão subjetiva, de um esforço por ceder à experiência
[...].
Na poesia de Augusto, há um trabalho rigoroso e a linguagem não se detém
na autocontemplação. Augusto utiliza elementos que são fundamentais para a
construção do seu poema como: o manuscrito, a fragmentação, a
metamorfose, o espaço gráfico, a negatividade (Valor Produtivo), a imagem
sintética, e um sujeito esvaziado – o eu é algo, um o que e não um quem, que
criam estranhamento na forma estrutural do poema e, apesar da linguagem do
poema ser marcada pela subjetividade, mantém a concretude, porque,
segundo Valery (1991, p. 193-194), o poema é “um discurso que exige e
provoca uma ligação contínua entre a voz que existe e a voz que vem e que
deve vir [...] essa voz deve ser tal que se imponha e excite o estado efetivo do
qual o texto seja a única expansão verbal”.
Em relação ao sujeito lírico apontado na própria linguagem da forma do
poema, escrevem Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari
no Plano piloto para a poesia concreta (1978, p. 156-157): “[...] o poema
concreto é um objeto em e por si mesmo, não um intérprete de objetos
exteriores e/ou sensações mais ou menos subjetivas”. Sobre a expressão
“objeto em e por si mesmo”, é interessante o questionamento de Sterzi (2004,
p. 109), pois, no seu ponto de vista, este pode ser “[...] o primeiro estágio da
constituição de uma nova forma de sujeito”. Sterzi sugere ainda que o sujeito
pode ser pensado como resíduo do objeto e o objeto como resíduo do sujeito.
Augusto de Campos (1987, p. 123), ao analisar o poema branco de
Haroldo de Campos, defende que “Os conceitos de relação (tempo, número,
pessoa) entram em desfunção. O sujeito é praticamente o próprio poema [...]”.
68
No poema renovar (confúcio/pound) (1983), do livro Despoesia (1994, p.
44-45), o sujeito pode ser pensado como resíduo do objeto, ou seja, o sujeito
passa a ser praticamente o poema. O poema, por sua vez, sugere várias
leituras:
renovar (confúcio/pound) (1983)
1 – RENOVAR
DIA
A
DIA
69
2 – RENOVAR
SOL
A
SOL
Nas leituras 1 e 2, entramos no poema por linhas inclinadas, da esquerda
para a direita e vice-versa. Nas duas leituras, fazemos um movimento ocular de
leitura seqüencial para os dois lados, e ainda pode-se relacionar a escrita
chinesa com a escrita portuguesa por meio das cores atribuídas a cada
escritura.
Na escrita chinesa, na cor amarela lemos: RENOVAR DIA DIA, e na cor
vermelha, SOL A SOL RENOVAR. É importante observar que a escritura
chinesa se repete mudando apenas a cor para representar cada palavra.
3
RENOVAR
DIA SOL
A
SOL DIA
Na terceira leitura, fazemos um cruzamento entre o dia e o sol de forma
cíclica. Dia e Sol, palavras substantivadas, nos dão a concretude da sua
renovação. Ambas são renovadas devido à nossa leitura circular, pois, ao
girarmos as palavras no tempo-espaço gráfico do poema, temos a
possibilidade de renascimento. Em relação ao fazer poético, é sempre dada ao
poeta a oportunidade de experimentação, de renovar. O fazer poético enquanto
invenção ou experimentação.
4
RENOVAR
DIA SOL
SOL DIA
RENOVAR
70
Na quarta e última leitura sugerida por nós, podemos descer e subir por
todos os lados do poema como se esse fosse uma parede, na qual, por um
lado, podemos escalar até chegar ao topo, por outro, descer como se
subíssemos, porque encontramos no topo, no sentido céu e no topo sentido
terra, a mesma coisa, ou seja, a renovação (verbo-renovar), a concretização de
luta realizada durante o dia que nasce, e o que se pode fazer, realizar, dentro
dele à luz do sol.
Nesse poema, o sujeito é o próprio texto, porque não dizer o objeto em e
por si mesmo. Sujeito e objeto em dialética, em que os objetos sol e dia
comungam da mesma renovação do texto. O poema traz em si mesmo a
construção da linguagem, assumindo, assim, a responsabilidade de um lirismo
outro, um antilirismo.
No poema ly (1990), também do livro Despoesia (1994, p. 92-93), temos um eu
fundido num outro que o torna objeto:
71
ly (1990)
O poema é escrito na vertical. As palavras vão sendo reconstruídas pelo
leitor ao juntar um segmento com o outro, ou seja, uma forma com a outra,
compostas por duas letras apenas. Duas letras que sugerem dois sujeitos
líricos fundidos um no outro, metamorfoseados e ambos fundidos no espaço
gráfico do poema. Temos um eu e um você fragmentados, esvaziados, e isso
ocorre devido à construção fragmentada do poema, o que lhes possibilita se
multiplicarem e se fundirem um no outro.
O lirismo aqui sugerido é um lirismo invertido, pois a estruturação gráfica do
poema é outra, na qual a fragmentação do sujeito ocorre em simultaneidade
com a fragmentação do poema. O eu é materializado, é a coisa única no
poema, pois ao fundir-se com o você, temos apenas o objeto eu presentificado.
Aqui cabe a observação feita por Aguilar (2004, p. 48):
[...] na obra posterior de Augusto de Campos assistimos a uma
reaparição espectral do eu: mal se mostra sobre a superfície
72
da página, volta a fundir-se nela. O eu não pode ver-se vendo-
se, nunca pode adquirir essa transparência absoluta: a
opacidade se impõe em seu caminho [...].
As imagens sintéticas são um dos elementos antilíricos fundamentais de
sua poesia, porque existem poemas em que a dimensão visual está no uso dos
elementos como cor e forma. Com o uso da cor, o poema adquire, por meio da
visualidade, um efeito que se assemelha ao caráter da melodia de timbres, e as
cores branco e negro ressaltam uma dimensão puramente visual.
A imagem é um dos enigmas mais importantes da poesia de Augusto, e
essa é transformada em objeto por ser vista. A disposição gráfica, a estrutura
das palavras, a cor, o tamanho das letras, a forma do poema, preenchem o
olho do observador como se esse estivesse frente a objetos plásticos visuais.
A visualidade da escritura que constitui os poemas de Augusto, às vezes,
chega a ser a própria escrita, pois a palavra passa a ser a imagem visualizada.
Essa palavra/imagem torna-se o elemento essencial da mensagem do texto,
porque ela é o próprio texto, ou seja, o texto e a imagem fundem-se um no
outro, simultaneamente. Júlio Castañon (2004, p. 75; 2002, p. 129) sobre essa
questão escreve:
A poesia de Augusto de Campos é reconhecida sobretudo
pela sua dimensão visual, nela se ressaltando tanto a
exploração das possibilidades tipográficas, quanto a utilização
de elementos exclusivamente visuais [...]. Em Augusto de
Campos é exatamente a visualidade da escrita que vem a
constituir os poemas [e que] [...] a escrita vai além e se
desenvolve como elaboração gráfica [...]. [E enfatiza que
alguns poemas de Augusto de Campos apresentam] [...] uma
possibilidade de a própria escrita ser visual, na medida em que
for usada estritamente como escrita.
Em seus poemas, a página é o espaço, e os signos e a página são
elementos que se combinam e se justapõem. Os poemas apresentam uma
síntese minimalista tanto na unidade da página quanto na espacialização
visual, e estes são construídos por limitação e condensação, como podemos
observar no poema borboleta de khliébnikov II (1994), do livro NÃO (2003, p.
86-87):
73
borboleta de khliébnikov II (1994)
Nesse poema, o espaço da página se confunde com o espaço da própria
escritura do poema e com as imagens que surgem da fusão entre o espaço-
página e escrituras (escrituras no sentido das disposições gráficas que o poeta
cria). Também temos a fusão entre as próprias cores e entre as montagens
feitas das palavras umas sobre as outras, embora cada uma mantenha a sua
própria grafia e independência, sugerindo seu próprio sentido e imagens. É
evidente também a fusão entre palavras e imagens visuais, figuras que
permeiam a escritura do poema, proporcionando ao leitor uma leitura
condensada e concreta ao mesmo tempo.
As palavras em manuscrito denunciam a presença de um certo sujeito que
pode ser pensado como sendo o próprio poeta. Esse sujeito-poeta deixa nas
paredes do poema a sua marca por meio da sua escritura feita de palavras
compostas com grafias diferentes que se misturam, desaparecem e tornam a
aparecer sobre pontilhados desenhados ao fundo, como se fosse um papel de
parede completando a escritura do poema.
74
Diante desse papel colorido, o leitor, feito borboleta em vôo cego, penetra
nas escritas, cores, manchas e pontilhados coloridos, na tentativa de desbravar
o enigma: poesia.
A escrita do poema nasce da própria imagem construída e a visualidade
torna-se a própria escrita, ou seja, imagem e escrita tornam-se uma coisa só,
provocando um outro tipo de manifestação lírica.
Outro poema que traz a marca do manuscrito é asa de akhmátova (1999),
do livro Não (2003, p. 86-87):
O poema é escrito em itálico. Essa grafia está associada ao manuscrito,
que é uma marca de individualidade. Nessa forma de escritura, é evidente a
marca pessoal do poeta, o que o torna sujeito do poema. Como sujeito, o poeta
encontra-se vivo dentro de sua poesia, a qual é feita com sua própria escrita. A
sua escrita é uma nova forma que o poeta inventa para construir um sujeito que
o represente e defenda a forma de sua poesia:
asa de akhmátova (1999)
O sujeito-poeta diz: “Eu vivo como um cuco no relógio/Não invejo os
pássaros livres”, porque é com rigor que ele trabalha a linguagem para criar a
sua poesia.
75
Augusto inventa e reinventa procedimentos para a construção de sua
poesia, promove a relação entre o poeta e o sujeito por meio da dialética entre
fusão e ausência, elementos que criam uma nova voz poética, porque, em sua
poesia, a cidade é o lugar que apresenta a experiência de estranhamento, e os
homens são despojados de uma comunicação puramente genuína.
Os fragmentos da fusão e da ausência são articulados pela memória, já
que ela é um dos aspectos importantes em sua poética. Há uma dialética entre
a fusão e a ausência, rompendo em definitivo a presença de uma voz poética
tradicional. A fragmentação é um elemento relevante que ocorre na própria
estrutura do poema.
Ao abandonar o verso em sua poética (dizemos do verso em sua forma
linear, tradicional), Augusto modela uma experiência fragmentária, que é uma
característica da modernidade. A tensão criada entre a experiência da
fragmentação moderna e a busca de imagens sintéticas é o núcleo da sua
poesia. Sobre essa questão, Júlio Castañon Guimarães (2004, p. 75) afirma:
Ao aspecto dominante da poesia de Augusto de Campos
associa-se também pelo menos uma redução ou um recuo das
dimensões verbais ou sonora. No entanto, a isso que se pode
considerar como uma imagem generalizante, podem associar-
se vários aspectos que, na verdade, apontariam para a
simplificação que se dá nessa imagem e ao mesmo tempo
salientariam a complexidade dessa obra.
O poema ad marginem (1986) de Não (2003, p. 40-41), e o poema Pós-
soneto (1990:1991) de Despoesia (1994, p. 104-105) comprovam também
essa idéia e exemplificam essa fragmentação:
76
ad marginen (1986)
O poema é escrito nas extremidades da página branca e as palavras são
escritas sem obedecer às regras tradicionais da escritura, ou seja, as letras são
postas conforme a intenção fragmentária do poeta. O importante é o que é, não
o que poderia ser. O “do nada/do ninguém” é o começo e o fim do poema,
numa escritura que não só obedece à fragmentação, mas faz a fragmentação
ser o objeto inascível que nasce no fim do vácuo e que retorna ao início do
ninguém e do nada.
Ser fragmentado é ser múltiplo, embora, entre suas lacunas, entre seus
fragmentos (a escritura do poema), o vácuo (da própria página), que a escritura
propõe, preencha essa fragmentação.
77
No poema Pós-soneto (1990:1991),
Pós-soneto (1990:1991)
Augusto apresenta o antes e o depois do fazer poético. O sujeito lírico
encontra-se em conflito, pois, quando acreditava que sabia fazer poesia,
ninguém acreditava nele, só depois, quando não se importava mais se o que
escrevia era ou não era poesia, é que passaram a dizer que era poesia o que
ele fazia.
O título do poema Pós-soneto nos sugere que as regras tradicionais fazem
parte da sua construção, como número de estrofes e números de versos,
porém algo foi modificado, e podemos confirmar isso ao nos depararmos com
os versos compostos por apenas uma palavra, ou metade de uma palavra, ou
78
ainda, uma palavra e metade de outra, ou seja, metade de uma palavra fundida
em outra, o que reforça a angústia do sujeito lírico perante o seu fazer poético.
No segundo verso da primeira estrofe, oeu, pode ser lido como o eu,
sugerindo que o eu fazedor de poesia é outro, talvez, quem sabe, um meio
irmão do poeta.
No terceiro verso da segunda estrofe, emme, também pode ser lido em me,
ou seja, o pronome me é espelhado pelo em, um outro me o eu que enfrenta
um outro que por ele é ignorado.
No segundo verso da terceira e quarta estrofes, temos um eu espelhado.
Um eu olha para o outro euueeu, e enfrentam-se, na tentativa de
compreenderem-se: o poeta X o homem; o fazedor de poesia X o poeta,
enquanto isso, são julgados pelos outros que dizem sobre a sua poesia, sobre
o seu fazer poético. É ou não é poesia?
O poema traz em si as impressões experimentais que são a construção do
lirismo, não de um lirismo como expressão subjetiva, mas, ao contrário,
autônomo, autêntico, um antilirismo.
A negatividade é outro elemento antilírico constante da poesia de Augusto,
pois esta, que pode provocar uma atitude de nostalgia, é vista por ele como um
vazio produtivo. Aguilar (2005, p. 296) se refere à negatividade em Augusto de
Campos como sendo:
[...] uma posição que permite maior mobilidade, (rumo a
elementos estrangeiros) e uma maior abertura [rumo à
produção simbólica] [...]. Essa autodefinição negativa é um
elemento contínuo na trajetória de Augusto de Campos: do
‘expoeta’ passa ao ‘despoeta’ [seu penúltimo livro se chama
Despoesia] que rejeita os meios que a poesia põe ao seu
alcance para localizar-se em seus limites, ali onde se torna
irreconhecível ou a ponto de se desfazer.
A ponto de se desfazer, a poesia de Augusto de Campos se faz nos
deslimites da negatividade. É o próprio poeta quem declara, em entrevista
concedida a Prioste, para a revista Poesia Sempre (ano 12, n. 19, 12/04):
Não posso negar minha negatividade. Ela talvez expresse uma
vontade de criticar as convenções vigentes e de marcar a
minha desi-dentificação em relação a elas. Sou, quem sabe, ‘o
leitor contra’, como está na dedicatória de Agrestes, de João
79
Cabral. Até contra mim mesmo. Dessa exo e autocrítica talvez
resulte algo positivo. Mallarmé ressaltou a frase de Montégut,
segundo o qual ‘o poeta moderno é antes de tudo um ‘crítico’,
e acrescentando ‘eu só criei a minha obra por eliminação’. E
Valéry respondendo aos que tentavam desqualificar a poesia
mallarmeana sob a pecha de esterilidade: ‘O trabalho severo
em literatura se manifesta e se opera por recusas. Pode-se
dizer, que ele é medido pelo número de recusas’. Eu persigo a
poesia sob o signo dessa estética de recusas, que me leva a
uma produção relativamente pequena. Tento compensar-me
dialogando com os poetas que admiro através das traduções e
‘intraduções’, que ocupam 2/3 da minha atividade poética.
Augusto de Campos esclarece que a negatividade é um elemento
importante para a construção de sua poesia. Os poemas não (1990) e inútil
idade (2001), ambos do livro NÃO (2003, p. 18-39-118-119) exemplificam essa
idéia, pois a negatividade, que tem um valor positivo, perpassa por todo o
poema ao renunciar e negar a matéria que não faz poesia em favor da matéria
que é, a própria poesia.
Do poema não, apresentamos quatro páginas, as duas primeiras e as duas
últimas:
Página 19 Página 21
80
Página 37 Página 39
A escritura do poema não é impressionante. O poema é escrito em vinte e
duas páginas, sendo uma na cor branca, em que consta apenas o número das
páginas, e a outra, na cor preta. Essa construção cria uma simbiose de
sentidos devido ao contraste entre o positivo e o negativo (o preto e o branco),
as cores das páginas e do espaço da escritura. A escritura do poema é feita em
letras pretas sobre um quadrado branco, centralizado em onze (11) páginas
pretas, as palavras vão sendo construídas no ato da leitura.
Ao dizer Não, o poeta cria a essência da poesia. Para ele, a poesia é feita
da matéria que não é capaz de fazê-la, mas antes, a matéria é a própria
poesia. NÃO é a palavra que com eficiência afirma a inventividade da poesia.
Como afirma Melo e Castro (1993, p. 271):
[...] a leitura da poesia actual é destrutiva e revela a
pervesidade de todo um processo tomado pelos seus valores
de negatividade em relação ao contexto do sistema burguês
de entendimento e comunicação. Negatividade essa que, num
nível dialético de entendimento, é obviamente positiva.
O poema Inútil idade é mais uma forma de negar afirmando, ou de afirmar
negando:
81
inútil idade (2001)
O poema é composto por apenas três palavras: inútil/idade/poesia. Essas
palavras aparecem, às vezes, totalmente fragmentadas e, em outras vezes,
inteiras. É interessante que, com apenas três palavras, Augusto compõe o
poema em vinte e uma linhas e declara a inútil idade da poesia.
No poema que leva o nome inútil idade, o poeta diz da sua eternidade e
enfatiza, ainda, ao se referir à inutilidade da poesia, outra forma de leitura
sugerida: essa inutilidade é, de fato, elemento de suma importância para que
ela possa verdadeiramente ser concretude e realidade.
Ao observarmos a poesia de Augusto em termos dinâmicos, como
processo, encontramos uma poesia em metamorfose. Segundo Aguilar, a
metamorfose se manifesta na obra de Augusto de três modos: na linguagem,
82
entre discursos artísticos heterogêneos e entre diversos idiomas. Essas
metamorfoses da linguagem se dão no terreno das metamorfoses poéticas. As
operações analógicas fazem com que uma coisa se transforme em outra. Por
não serem as coisas fixas e não terem uma forma definida, na metamorfose as
relações são contínuas e dinâmicas.
As metamorfoses da linguagem, na poética de Augusto, ocorrem no terreno
das metamorfoses poéticas e podemos percebê-las por meio da fragmentação,
das imagens sintéticas que são captadas num instante. As metamorfoses
ocorrem de forma abrupta e se produzem em um espaço mínimo. Em relação
ao espaço, Aguilar (2005, p. 290) escreve:
O conceito de espaço torna-se um agente: na poesia, a
escritura adquire uma consciência de si, por meio da pesquisa
de suas condições materiais de aparição, de sua posição no
espaço e da significação dos suportes [a página em branco].
No poema desespelho (2000) de Não (2003, p. 58-59), evidenciamos tais
afirmações:
desespelho (2000)
83
Ao olhar o poema, em primeiro lugar, perguntamos: por onde começar? Por
onde entrar? A forma circular do poema sugere o uso plástico da página, que
pede antes para ser olhado e não lido. Ao olhá-lo, aos poucos vamos
desvendando os seus possíveis caminhos.
Esse poema lembra Narciso que, ao descobrir a sua imagem, apaixona-se
por ela, e nesse ato de misturar-se a si mesmo, retém a sua imagem
metamorfoseada em um outro que retém em si o primeiro.
A letra O da palavra espelho, escrita no centro do espelho (o círculo preto
que compõe o poema e guarda a palavra espelho em seu interior), é
metamorfoseado em outro espelho que espelha a si mesmo, ou melhor, que se
desespelha.
O círculo representa, de certa forma, o espelho tradicional de bolso,
portanto, remete-se a algo muito pessoal. As letras que escrevem a palavra
espelho sofrem metamorfose ao serem escritas espelhando-se, e ao serem
escritas ocupando um espaço em branco na página, centro do espelho, ou
seja, o vazio do espelho, lugar onde a imagem é refletida.
Tudo que lemos é a palavra espelho, que, ao desespelhar, permite que o
leitor metamorfoseado também seja refletido no espaço branco do espelho e a
sua própria imagem é desespelhada. O espelho sugere uma imagem que
atravessa em sentido de quem o olha, o leitor que, por sua vez, torna-se sujeito
do poema.
Outro aspecto de muita importância da poesia de Augusto é a forma
espiralada, na qual:
[...] predominam a continuidade e um efeito hipnótico que
lançam o sujeito-leitor no próprio centro do poema. [...] a forma
espiralada é usada com freqüência para sugerir um estado de
hipnose que apela a forças que escapam ao controle da
consciência. [...] o leitor precipita-se nessa espiral para se
encontrar, no final do percurso, com a sua própria ausência
[trata-se da metamorfose do sujeito em linguagem]. (Aguilar,
2005, p. 274).
A espiral, que é mais um dos elementos antilíricos da poesia de Augusto
de Campos, começa e termina em si mesma, e, ao terminar, volta a começar.
Os poemas: poema bomba (1987), e rosa para gertrude (1988), ambos do
84
livro Despoesia (1994, p. 96-97-54-55), comprovam a idéia de que o sujeito é
hipnotizado e metamorfoseado em linguagem:
poema bomba, (1987)
A explosão da bomba é visível, concreta. A bomba explode do centro para
fora do poema e seus estilhaços atingem o sujeito que observa, mas, em vez
de afastá-lo para longe, pelo contrário, hipnotiza-o e o atrai para o seu centro.
Uma vez atraído para dentro da explosão, o sujeito vai sendo sugado,
enquanto a bomba continua a explodir. Os estilhaços da bomba, que são feitos
com as letras que compõem a própria palavra bomba escrita na cor dourada,
brilham sobre a página vermelha. O vermelho que causa horror, ao mesmo
tempo encanta e emudece o sujeito.
A palavra bomba é metamorfoseada no objeto bomba que, por sua vez, é o
sujeito do poema, ou seja, o sujeito pode ser pensado como resíduo do objeto
bomba que é o próprio poema.
85
No poema rosa para Gertrude (1998),
rosa para Gertrude (1998)
o leitor é sugado para o centro do poema numa viagem cíclica, contínua. A
forma espiralada, formada por círculos sucessivos, provoca este efeito
hipnótico: o sujeito-leitor é imobilizado e atirado dentro de um movimento
contínuo e simultâneo.
O espaço gráfico, nesse poema, é composto pela forma espiralada, pelo
branco das letras e pelo negro da página. O branco e o negro são dois
momentos de intensidade que fazem parte da escritura do poema. O branco no
negro e vice-versa representam o infinito, porque ambas as cores são a soma
de todas as cores e da luz. A espiral, ao se aproximar do centro da página,
onde foi feita a escritura do poema, vai ficando negra, o que sugere o fundo do
abismo.
86
Ao ser sugado para dentro do poema devido ao efeito hipnótico provocado
pela forma espiralada, o leitor encontra-se com a sua própria ausência, porque
ele é metamorfoseado de sua condição de sujeito em linguagem.
Outro aspecto importante da poesia de Augusto de Campos é a montagem
em página. A tensão criada entre a síntese e a sobreposição de partes e
fragmentos é responsável pela estruturação desse tipo de montagem. Aguilar
(2005, p. 272) afirma que:
A montagem lingüística pode ser observada em usos tão
freqüentes como o verso ou a citação e é própria da língua,
mas, com as vanguardas de princípios do século XX, converte-
se em um princípio programático de organização e de
composição. E é nessa tradição que se insere Augusto de
Campos, explorando as possibilidades oferecidas pela
montagem, entendida não em sentido narrativo seqüencial,
mas sintético e simultâneo. A montagem [...] se realiza no
espaço.
Nos poemas aqui (2001) e sem saída (2000), ambos do livro Não (2003, p.
114-115-124 – contracapa), é visível a montagem na página que ocorre devido
à fusão das cores, das palavras sobrepostas e de um eu que emerge do fundo
do poema, tornado-se linguagem.
aqui (2001)
87
O poema aqui está AQUI materializado na página e é nele mesmo que a
poesia está dita e aponta vários caminhos possíveis de leitura.
As palavras:
aqui / com / outro / vida / fora / dentro / me / sair / para / um / de / olhar / ave /
entrar / vendo / ver / para / sabe / não / do / roda / ... /
escritas de forma fragmentada, compõem o poema e são sobrepostas em
várias cores, criando imagens que confundem e encantam o olhar.
Ao fixar o olhar no poema, as palavras parecem tremular umas sobre as
outras em diferentes direções, devido ao efeito criado pela montagem da
escrita no sentido vertical, horizontal e diagonal. Umas palavras se afastam
para dentro da página, outras saltam em direção ao leitor e o arrastam para
dentro do poema. O leitor é metamorfoseado no eume que, grafado na
página entre cores e palavras, observa o outro eu que, do lado de fora da
página, também o olha, não mais como sujeito, mas como objeto: linguagem.
O poema sem saída é mais um exemplo da montagem na página construída
por Augusto de Campos:
sem saída (2000)
88
As cores são vozes que gritam: “Augusto utiliza até seis cores na
impressão dos poemas, de modo a diferenciar as vozes que neles se
entrecortam e se entrelaçam [...]” (Sterzi, 2004, p. 107).
No poema sem saída há sete cores. O poema é composto por sete frases
coloridas, sendo cada uma delas de uma cor diferente e se sobrepõem sobre
um fundo negro. As montagens feitas com as frases são semelhantes às do
poema anterior, ou seja, no sentido vertical, horizontal e diagonal, de forma que
o leitor não consegue fazer uma leitura linear, até mesmo porque não se sabe
por onde começar a lê-lo, ou por onde parar de lê-lo, visto que todas as frases
avisam que não há saída.
Não posso voltar atrás.
Nunca saí do lugar.
Não posso mais ir adiante.
Levei toda a minha vida.
Curvas encantam o olhar.
A estrada é muito comprida.
O caminho é sem saída.
A poesia é sem saída? Augusto já havia avisado em carta a Carlos Ávila
(2004, p. 219): “há outras saídas? certamente. quais, não sei, e ninguém sabe.
cada um deve descobrir a sua”.
Ao tentarmos encontrar uma saída pelas vias experimentais que a poesia
de Augusto nos tem proporcionado, percebemos que os procedimentos
poéticos adotados por ele nos permitem não só percorrer caminhos criados
pela invenção poética, mas também compreender como essa nova forma de
poesia cria elementos capazes de transformar o sujeito lírico, para o além do
humano. Sujeito esse que, ao ser metamorfoseado no próprio poeta, no leitor,
ou ainda, na própria linguagem, objeto-útil que é o poema, avisa que o outro
leitor, aquele que ler poesia deve fazê-lo também de forma experimental e
inventiva, para então poder conferir, por meio dos elementos antilíricos de sua
poesia, a manifestação de um lirismo Antilírico.
89
CONCLUSÃO
Esta dissertação deteve-se no estudo das experimentações e invenções
poéticas da poesia de Augusto de Campos.
Ao dizer não Augusto diz sim. Ao fragmentar Augusto constrói. Ao
experimentar, Augusto cria a sua poesia, poesia essa que rompe
definitivamente com os métodos formais da poesia lírica tradicional, devido ao
seu processo experimental técnico e formal.
Refletir sobre a presença do sujeito poético nessa poesia e acerca do
processo experimental de Augusto de Campos, no modo como estrutura uma
expressividade subjetiva, capaz de revelar uma nova imagem do mundo,
suscitou-nos a problemática em torno da presentificação da subjetividade em
seus poemas.
Verificamos, por meio da hipótese selecionada, que, em sua representação
subjetiva-objetiva, Augusto de Campos constrói uma poesia que aponta para
uma Antilira. O seu processo experimental e inventivo cria novos
procedimentos poéticos que configuram uma poesia que traz em si a própria
existência, que comunica a si mesma, é arte do antidiscurso. Em seus poemas,
a linguagem se faz e se cria na estrutura da forma poemática, e sua essência é
revelada por meio da operação da linguagem.
Percebemos que a teoria da poesia concreta está na sua prática poética,
mas a sua poesia atual evolui cada vez mais para a experimentação e
invenção, tornando-a uma nova forma de poesia no contexto contemporâneo,
não devendo ser analisada à luz dos princípios radicais do movimento
concreto.
Ao tentar conceituar essa poesia experimental como Antipoesia/Antilira,
percebemos que os procedimentos poéticos empregados por Augusto de
Campos são experimentados e inventados tanto na página do livro quanto nos
meios tecnológicos.
A manifestação do sujeito poético em sua poesia ocorre a partir do processo
construtivo utilizado na elaboração dos poemas. Augusto constrói um sujeito
que metamorfoseia o poeta, ou seja, o poema é escrito em itálico, a grafia do
manuscrito sugere a individualidade, nesse caso, a do poeta. O poema em
90
espiral também hipnotiza o leitor que é metamorfoseado em sujeito do poema,
é mais uma maneira de construir o sujeito em sua poesia. Há poemas em que
o sujeito pode ser pensado como resíduo do objeto e vice-versa, e ambos
encontram-se em dialética. Outros elementos antilíricos como a fragmentação,
a negatividade, as imagens icônicas, a montagem espacial, a escritura em sua
materialidade textual, também evidenciam a presença da subjetividade de
maneira especial, obedecendo a uma inter-relação no corpo do objeto, que
implica uma atitude mental de investigação e procura, tanto no âmbito da
pesquisa de meios físicos, quanto no âmbito da experimentação formal,
sugerindo, então, um lirismo modificado, transformado, nascido da
experimentação e invenção.
Concluímos, assim, que a proposta dessa nova forma de poesia de Augusto
de Campos, centrada em procedimentos experimentais e inventivos, comprova
a presença de um sujeito poético que, em sua manifestação subjetiva, não se
limita à subjetividade pessoal, mas torna-se o próprio objeto-poema, o próprio
poeta e ainda o leitor, criando uma expressividade estruturada, capaz de
revelar uma nova forma de imagem do mundo: uma imagem antilírica na
contemporaneidade.
91
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Do Autor
CAMPOS, Augusto de. Despoesia. São Paulo: Perspectiva, 1994.
______ . NÃO POEMAS. São Paulo: Perspectiva, 2003.
______ . Coisas e Anjos de Rilke. São Paulo: Perspectiva, 2001.
______ . poesia antipoesia antropofagia. São Paulo: Cortez & Moraes, 1978.
CAMPOS, Augusto de; PIGNATARI, Décio; CAMPOS, Haroldo de. Teoria da
poesia concreta. 3
a
. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
Sobre o Autor
AGUILAR, Gonzalo. Poesia concreta brasileira: as vanguardas na
encruzilhada modernista. São Paulo: Edusp, 2005.
PEREIRA, Cristina Monteiro de Castro. O tempo enquadrado de Augusto de
Campos - um lance caleidoscópico de dados. 2003. 130 p. Dissertação de
Mestrado. UERJ, Rio de Janeiro: 2003.
PINTO, Manuel da Costa. Literatura brasileira hoje. São Paulo: Publifolha,
2004.
SÜSSEKIND, Flora e GUIMARÃES, Júlio Castañon. (org). Sobre augusto de
campos. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2004.
92
Geral
ACHCAR, Francisco. Lírica e Lugar-comum. São Paulo: Edusp, 1994.
ADORNO, Theodor W.. Notas de Literatura I. Tradução de Jorge de Almeida.
São Paulo: Duas cidades – Editora
34, 2003.
AGRA, Lúcio. De não em não, o “eco no escuro”. In: SÜSSEKIND, F.;
GUIMARÃES, J. C. (org). sobre augusto de campos: Rio de Janeiro: 7 letras,
2004. p. 179-201.
AGUILAR, Gonzalo. O olhar excedido. In: SÜSSEKIND, F.; GUIMARÃES, J. C.
(org). sobre augusto de campos: Rio de Janeiro: 7 letras, 2004. p. 36-49.
ANTUNES, Arnaldo. Poesia concreta. In: BANDEIRA, J. (org). 40 escritos. São
Paulo: Iluminuras, 2001.
ARAÚJO, Ricardo. Poesia visual vídeo poesia. São Paulo: perspectiva, 1999.
BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: José Olympio,
1986.
BARBOSA, João Alexandre. As ilusões da modernidade. São Paulo:
Perspectiva, 1986.
______ . Metáfora Crítica. São Paulo: Perspectiva, 1974.
BASTAZIN, Vera (org). A semana de Arte Moderna: desdobramentos – 1922
–1992. São Paulo: Educ, 1992.
BENJAMIN, Walter. A modernidade e os modernos. Rio de Janeiro: tempo
brasileiro,1975.
BENSE, Mark. Pequena Estética. Tradução de J. Guinsburg e Ingred Dormien
Koudela. 3
a
. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003.
93
BOSI, Alfredo. Leitura de poesia. São Paulo: Ática, 2001.
______ . História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1977.
BRASILEIRO, Antonio. Da Inutilidade da Poesia. Bahia: EDUFBA, 2002.
CAMARA, Rogério. Grafo-sintaxe concreta: o projeto Noigrandes. Rio de
Janeiro: Marca d’Água Livraria Editora Ltda., 2000.
CAMPOS, Haroldo de, CAMPOS, Augusto de. Panorama do Finnegans
Wake. São Paulo: Perspectiva, 2001.
______ . Traduzir & Trovar. São Paulo: Papyrus, 1968.
CAMPOS, Augusto de, CAMPOS, Haroldo de, SCHNAIDERMAN, Boris.
Maiakóvski. São Paulo: Perspectiva, 2002.
______ . Poesia Russa Moderna. São Paulo: Perspectiva, 2001.
CAMPOS, Haroldo de. A operação do texto. São Paulo: Perspectiva, 1976.
______ . Auto do possesso. São Paulo: Cadernos Clube de Poesia, 1950.
______ . A máquina do mundo repensada. São Paulo: Ateliê Editorial, 2000.
______ . Signantia Quasi coelum – Signância quase céu. São Paulo:
Perspectiva, 1979.
______ . Crisantempo – no espaço curvo nasce um. São Paulo: Perspectiva,
1998.
______ . A educação dos cinco sentidos (poemas). São Paulo: Brasiliense,
1985.
______ . A ruptura dos gêneros na literatura latino-americana. São Paulo:
Perspectiva, 1977.
94
______ . Metalinguagem: ensaios e teoria e crítica literária. 3
a
. ed. São Paulo:
Cultrix, 1976.
______ . Metalinguagem & outras metas: ensaios e teoria e crítica literária.
4
a
. ed. São Paulo: Perspectiva, 1992.
______ . Galáxias. São Paulo: Ex Libris, 1984.
CAMPOS, Augusto de. Viva vaia poesia 1949 – 1979. São Paulo: Ateliê
Editorial, 2001.
______ . Rimbaud Livre. São Paulo: Perspectiva, 2002.
______ . Linguaviagem. São Paulo: Companhia das letras, 1987.
______ . Invenção de Arnaut e Raimbaut a Dante e Cavalcanti. São Paulo:
ARX, 2003.
CAMPOS, Augusto de, PIGNATARI, Décio, CAMPOS, Haroldo de. De
Noigandres I. Tierra Brasilenã poesia, 1978-1983.
CARA, Salete de Almeida. A poesia lírica. São Paulo: Ática, 1998.
MELO E CASTRO, E. M. de. Projecto: poesia. Portugal: Imprensa Nacional –
Casa da Moeda, 1984.
______ . IN-NOVAR. Lisboa: Platano editora – SARL, 1977.
______ . O fim visual do século XX: e outros textos críticos. GOTLIB, N. B.
(org). São Paulo: Edusp, 1993.
______ . Literatura Portuguesa de Invenção. São Paulo: Difel, 1984.
CASSIRER, Ernest. Linguagem e Mito. Tradução de J. Guinsburg e Miriam
Schnaiderman. 4
a
. ed. São Paulo: Perspectiva, 2000.
95
COHEN, Jean. A plenitude da linguagem (Teoria da Poeticidade). Tradução
de José Carlos Seabra Pereira. Portugal: Livraria Almeida Coimbra, 1987.
______ . Estrutura da linguagem poética. Tradução de Álvaro Lorencini. São
Paulo: Cultrix, 1974.
COMPAGNON, Antoine. O demônio da Teoria – Literatura e senso comum.
Tradução de Cleonice Paes Barreto Mourão e Consuelo Fortes Santiago. Belo
Horizonte: editora UFMG, 2001.
CORRÊA, Paula da Cunha. Armas e Varões – A Guerra na lírica de
Arquilóco. São Paulo: Unesp, 1998.
CORTÀZAR, Julio. Obra crítica – vol. 2. Tradução de Paulina Eacht e Ari
Roitman. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
______ . Valise de cronópio. Tradução de Davi Arrigucci e João Alexandre
Barbosa. 2
a
. ed. São Paulo: Perspectiva, 1993.
CROCE, Benedetto. A poesia. Tradução de Flávio Loureiro Chaves. Porto
Alegre: Edições da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do R. G. do
Sul, 1967.
DEPRÉ, Inês Oseki. Questões sobre a tradução de “Elegy: going to bed” de
John Donne. In: SÜSSEKIND, F.; GUIMARÃES, J. C. (org). sobre augusto de
campos: Rio de Janeiro: 7 letras, 2004. p. 285-295.
DUFRENNE, Mikel. O Poético. Tradução de Luiz Arthur Nunes e Reasylvia
Kroeff de Souza. Porto Alegre: Globo, 1969.
ECO, Umberto. Obra Aberta. Tradução de Perola de Carvalho. 2
a
. ed. São
Paulo: Perspectiva, 1971.
_____ . Como se faz uma tese. São Paulo: Perspectiva, 2002.
FAUSTINO, Mario. Poesia – experiência. São Paulo: Perspectiva, 1976.
FAZENDA, Jorge. Fernando Pessoa: Poemas Escolhidos. 2
a
. ed. Lisboa,
Ulisséia, sd.
96
FRANCHETTI, Paulo. Alguns Aspectos da poesia concreta. São Paulo:
Unicamp, 1992.
FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da lírica moderna. Tradução de Marise M.
Curione e Dora F. da Silva. 2
a
. ed. São Paulo: Duas Cidades, 1991.
GOLDSTEIN, Norma. Versos, Sons, Ritmos. São Paulo: Ática, 1999.
HAMBURGER, Käte. A lógica da criação Literária. Tradução de: Margot P.
Malnic. São Paulo: Perspectiva, 1975.
JAKOBSON, Roman. Lingüística e comunicação. Tradução de: Izidoro
Bukistein e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 2001.
______ . Lingüística. Poética. Cinema. Tradução de Francisco Schcar,
Haroldo de Campos, Claúdia Guimarães de lemos, J. Guinsburg e George
Bernard Sperber. 2
a
. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004.
______ . Poética em ação. Traduções diversas. (Org) de João Alexandre
Barbosa. São Paulo: Perspectiva, 1990.
KOSHIYAMA, Jorge. O lirismo em si mesmo: leitura de “Poética” de Manuel
Bandeira. In: BOSI, A . (org). Leitura de Poesia. São Paulo: Ática, 2001. p. 79-
100.
LAFETÁ, João Luiz. 1930: A crítica e o modernismo. 2
a
. ed. São Paulo: Editora
34, 2000.
LEITE, Sebastião Uchoa. A Espreita. São Paulo: Perspectiva, 2000.
LIMA, Luiz Costa. Lira & Antilira: Mário, Drummond, Cabral. 2
a
. ed. Rio de
Janeiro: Topbooks, 1995.
______ . Mímesis e modernidade – Formas das sombras. 2
a
. ed. São Paulo:
Editora Paz e Terra, 2003.
97
LOPES, Edward. A palavra e os dias. São Paulo: Editora da Universidade de
Campinas, 1993.
MARICONE, Ítalo (org). Os cem melhores poemas brasileiros do século.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
MENEZES, Philadelpho. (org) Poesia sonora. São Paulo: Educ, 1992.
______ . A crise do passado. São Paulo: Experimento, 1994.
MONTEIRO, Adolfo Casais. A palavra Essencial. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 1965.
NEJAR, Carlos. Caderno de Fogo: ensaios sobre poesia e ficção. São Paulo:
Escritura, 2000.
NETO, João Cabral de Melo. Prosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
______ . A educação pela pedra e depois. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1997.
NETTO, Modesto Carone. Metáfora e Montagem. São Paulo: Perspectiva,
1974.
OLIVEIRA, Valdevino Soares de. Poesia e Pintura: um diálogo em três
dimensões. São Paulo: Unesp, 1998.
PAZ, Octavio. O arco e a Lira. Tradução de Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1982.
PIGNATARI, Décio. Anais do Segundo Congresso Brasileiro de Crítica e
História Literária. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Assis, 1961.
______ . Cultura Pós-Nacionalista. São Paulo: Imago, 1998.
______ . Contracomunicação. São Paulo: Perspectiva, 1971.
98
______ . Comunicação Poética. 2
a
. ed. São Paulo: Cortez & Moura, 1978.
______ . Semiótica e Literatura. São Paulo: Perspectiva, 1974.
______ . Errâncias. São Paulo: Senac, 1999.
PESSOA, Fernando. Obra poética. GALHOZ, Maria Aliete. (org).Rio de
janeiro: José Aguilar, 1969.
______ . Livro do desassossego. PERRONE-MOISSÉS, Leyla. (org). 3
a
.
ed.São Paulo: Brasiliense, 1989.
______ . Poemas Ingleses – 35 sonnets: inscriptions. Tradução de
Philadelpho Menezes. São Paulo: Experimento, 1993.
PLAZA, Julio. Tradução intersemiótica. São Paulo: Perspectiva, 1987.
POE, Edgard Allan. Poemas e Ensaios. 3
a
. ed. Tradução de Oscar Mendes e
Milton Amado. São Paulo: Globo, 1999.
POUND, Ezra. ABC da Literatura. Tradução de Augusto de Campos e José
Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1997.
RAMOS, Maria Luiza. Fenomenologia da obra Literária. 3
a
.ed. Rio de
Janeiro: Florense – Universitária, 1974.
ROSENFIELD, Kathrin Holzermayr. A linguagem Liberada. São Paulo:
Perspectiva, 1989.
RONÁI, Paulo. Escolas de Tradutores. Rio de Janeiro: Educom, 1976.
SCHNAIDERMAN, Boris. A Poética de Maiakóvski. São Paulo: Perspectiva,
1971.
99
SEGOLIN, Fernando. Fernando Pessoa. Poesia. Transgressão, Utopia. São
Paulo: Educ, 1992.
SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 22
a
. ed.
São Paulo: Cortez, 2003.
STAIGER, Emil. Conceitos Fundamentais da Poética. Tradução de Celeste
Aída Galeão. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1974.
STERZI, Eduardo. Todos os sons, sem som. In: SÜSSEKIND, F.;
GUIMARÃES, J. C. (org). sobre augusto de campos: Rio de Janeiro: 7 letras,
2004. p. 95–115.
SILVA, Anazildo Vasconcelos da Silva; QUESADO , José Clecio Basílio;
DANTAS, José Maria de Souza. Desconstrução / construção no texto lírico.
Rio de Janeiro: F. Alves, 1975.
TINIANOV, Iury. O problema da linguagem poética I: O ritmo como elemento
construtivo do verso. Tradução de: Maria José Azevedo Pereira. São Paulo:
Tempo Brasileiro, 1975.
TREVISAN, Armindo. A poesia: uma iniciação à leitura poética. Porto Alegre:
UniProm, 2001.
TODOROV, Tzvetan. Teorias do símbolo. Tradução Enil Abreu Dobránscky.
São Paulo: Papirus, 1996.
______ . Estruturalismo e Poética. Tradução de José Paulo Paes e Frederico
Pessoa de Barros. São Paulo: Cultrix, 1976.
VALÉRY, Paul. Variedades. Tradução de Maiza Martins de Siqueria. São
Paulo: Iluminuras, 1999.
WALTY, Ivete Lara Camargo, FONSECA, Maria Nazareth Soares, CURY,
Maria Zilda Ferreira. Palavra e imagem: leituras cruzadas. Belo Horizonte:
Autêntica, 2000.
100
Revistas e Periódicos
GUIMARÃES, Júlio Castañon. Escrita e visualidade em Francis Ponge e
Augusto de Campos. Ipotesi: revista de estudos literários, Juiz de Fora, Editora
UFJF, v. 6 – n. 1, p. 122-130, jan / jun - 2002.
ANTÔNIO, Jorge Luís. A criação contemporânea e a poesia digital. Ipotesi:
revista de estudos literários, Juiz de Fora, Editora UFJF, v. 13 – n. 2, p. 95-111,
jul / dez -2003.
BARBOSA, Frederico, PINTO, Manuel da Costa. Augusto de Campos: “A
música me toca muito”. EntreLivros. São Paulo: Editoras Segmento e Ediouro,
Ano I – n. 4, p. 20-26, ago. / 2005.
CAMPOS, André Malta. Poesia se alia à música e à dança. BIBLIOTECA
EntreLivros. São Paulo: Editoras Segmento e Ediouro, Edição Especial - n. 1,
p. 18-33, 2005.
PRIOSTE, José Carlos. Além do limite do vesro. Revista Poesia Sempre. Rio
de Janeiro: editada pela Biblioteca nacional. Ano 12, n.19, dezembro de 2004.
INIMIGO RUMOR – Revista de poesia n. 6. Rio de janeiro, 7 Letras, 1999.
REVISTA CACTO. N. 3. São Bernardo do Campo – São Paulo, Cacto, 2003.
CAMPOS , Augusto de. Cage: Chance: Change. Revista Através. n. 1 . São
Paulo: Duas Cidades, p. 6-29, s.d..
______ . Patrícia Galvão. Revista Através. n. 2. São Paulo: Duas Cidades, p.
2-62, 1978.
______. Gertrude é uma Gertrude. Revista Através. n. 3. São Paulo: Duas
Cidades, p. 101-114, 1978.
PERPETUO, Irineu Franco. “Não” de Augusto de Campos é premiado. Folha
de S. Paulo, São Paulo, 23 fev, 2004. Folha Ilustrada, Caderno E3, p. 6.
101
Dissertações e Teses:
AMARAL, Beatriz Helena Ramos. A Transmutação Metalingüística na
Poética de Edgard Braga. 2005. 210 p. Dissertação de Mestrado. Pontifícia
Universidade de São Paulo. São Paulo: 2005.
KHOURI, Omar. Poesia visual brasileira: uma poesia na era pós-verso. 1996.
311p. Tese de Doutorado – Cós. PUC – São Paulo: 1996.
GUARIGLIA, Maria Virgilia Frota. Insaltos Tradutórios: Amálio Pinheiro –
transductor do signo poético. 1996.254 p. Dissertação de mestrado, Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: 1996.
MENEZES, Philadelpho. A trajetória visual da poesia de vanguarda
brasileira. 1987. 226 p. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, 1987.
Publicações eletrônicas:
Sites:
Ensaios em Revista Eletrônica
DENSER, Márcia. Panorama da Literatura Brasileira Contemporânea. São
Paulo: jan. 2001.
http://www.klickescritores.com.br/pgmaterias/ensaio07htm.
BENITEZ, Greta; MONTENEGRO, Marcelo; WILLER, Cláudio; MULLER,
Adalberto; MARIANO, Antônio e KOPROSKI, Fernando. É possível conciliar
experimentação formal e lirismo na criação poética? São Paulo: set. 2005.
http://www.revistazunai.com.br
JACKSON, K. David; VOS, Eric; DRUCKER, Johana. Questionário do simpósio
de Yale sobre poesia experimental, visual e concreta desde a década de 1960
(Universidade de Yale, EUA, 5-7 de abril de 1995).
http://www2.uol.com.br/augustodecampos/
SANTOS, Marcelo de; AMARAL, Beatriz; DANIEL, Cláudio; CARNEIRO,
Valdemar. Qual é o sentido do conceito de poesia de invenção, hoje?
DICK, André. Canto abafado entre paredes sobre a poesia de Augusto de
Campos.
http://www.revistazunai.com.br
102
PRIOSTE, José Carlos. Além do limite do verso.
http://www.2.uol.augustodecampos.com.br
Documentos sonoros e eletrônicos:
CD-ROMS:
CAMPOS, Augusto de, CAMPOS, Cid. Poesia é risco. Polygram, 1992.
CAMPOS, Haroldo de. Crisantempo – no espaço curvo nasce um. São
Paulo: Perspectiva, 1998.
CAMPOS, Augusto de, CAMPOS, Cid. NÃO - Clip-poemas (1997 – 2003). São
Paulo: Perspectiva, 2003.
______ . VIVA VAIA (1949-1979). São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo