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ALINE FONSECA CARVALHO
A CONVENIÊNCIA DE UM LEGADO ADEQUÁVEL:
Representações de Tiradentes e da Inconfidência Mineira Durante a
Ditadura Militar.
Belo Horizonte
2006
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ALINE FONSECA CARVALHO
A CONVENIÊNCIA DE UM LEGADO ADEQUÁVEL:
Representações de Tiradentes e da Inconfidência Mineira Durante a
Ditadura Militar.
Dissertação apresentada ao Departamento de
História da Universidade Federal de Minas
Gerais como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em História
Orientador: Prof. Dr. João Pinto Furtado
Universidade Federal de Minas Gerais
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Departamento de Pós Graduação em História
Belo Horizonte
2006
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AGRADECIMENTOS
Agradecer pode parecer uma tarefa fácil, mas sua dificuldade reside na
preocupação em não deixar de fora pessoas que foram importantes para aquele trabalho.
Possivelmente, quem teve participação direta não será esquecido, mas e aqueles que
participaram com uma palavra consoladora, um abraço, uma hospedagem ou um
simples sanduíche na hora do aperto? Esses provavelmente nem sabem do papel que
desempenharam e, às vezes, corremos o risco de deixá-los de lado sem querer.
Agradeço aos amigos Juliana, Paola, Alexandra, Karina, Carol, Ralph, Margô,
Patrícia, Ana Cândida, André e Marina por estarem sempre do meu lado e entenderem
que sumi por uns tempos, mas foi por uma boa causa. E por transformarem todos os
momentos que passamos juntos em minutos mágicos onde até esquecer que se tem uma
dissertação a terminar é possível.
Aos amigos, Gabriela, Daniela, Natália, Gisele, Carol, Víviam, Sâmya e
Mateus por transformarem minhas escapadas para Ouro Preto em férias no Caribe.
À “nata da historiografia mineira” que fizeram dos créditos a serem cumpridos
e principalmente dos intervalos entre as aulas uma festa. Foi muito bom conhecê-los.
Agradecimentos especiais a Kelly e Natali.
Agora aqueles que se envolveram, mas que certamente não sabem da
importância do que fizeram.
Ao Jairo, da Hemeroteca Pública Assis Chateaubriant, que carregou escada
abaixo e acima, inúmeras vezes, cadernos pesadíssimos, para que eu pudesse concluir
minha pesquisa, um grande abraço. Esse agradecimento é extensivo a todos os
funcionários da Hemeroteca, que a trancos e barrancos mantém aquele estabelecimento
funcionando.
Aos oficiais da 11ª Circunscrição do Serviço Militar em Belo Horizonte, pela
boa vontade, bom humor e empenho em me ajudar a encontrar a documentação.
Ao Cabo Xavier e ao Major Silas do Museu da Polícia Militar de Minas
Gerais, que me apresentou uma quantidade infinita de documentos que eu nem
imaginava que existissem e pelo tratamento carinhoso e atencioso que me deram.
Aos professores, Luiz Carlos Villalta, Júnia Ferreira Furtado e Alisson
Eugênio e pela paciência e pela ajuda que me deram.
À Magda, pelas informações importantíssimas e carinho que dedicou não só a
mim, mas a todos os alunos do programa.
Um obrigada especial ao João Pinto Furtado, meu orientador, porque apesar de
todas as atribulações e do acúmulo de funções, sempre me atendeu com muito bom
humor e porque tem a capacidade de acalmar os orientandos e resolver todos os
problemas de um texto de várias páginas em poucas horas de conversa.
Minhas vovozinhas Ziza e Dinhá, as Tias Luzia, Imaculada, Carmo,
Consolação e Mercedes. Aos tios José, José Maria e Francisco. À prima Gabriela, que
também é afilhada.
Aos amigos Laísse e Murilo pela confiança.
Minha mãe, que foi minha revisora, minha amiga, meu consolo, os braços
mais aconchegantes de todos durante esse tenso período. Meu amor por você é
incondicional. Você é linda.
Meu pai que é muito importante na minha vida, sabe contar piadas como
ninguém e me acompanhou em várias mudanças de cidade sempre disposto. Juquinha
eu te amo.
Minha irmã, Isabela, que tem as bochechas mais fofas do universo, é minha
cúmplice, me entende como ninguém, leu toda a dissertação, apesar de a praia dela ser o
computador, me deu livros imprescindíveis e me acompanhou em “orgias
gastronômicas”. Obrigada, Maria Fulô, pode contar comigo para tudo.
Meu irmão, Denis. Como ele sofreu na minha mão! De tanto carregar meus
móveis e cacarecos deve ter ficado mais forte. Sem você as coisas teriam sido muito
mais difíceis.
Ao Giuliano, que apareceu a quatro anos na minha vida e eu não consigo mais
ficar sem ele. Meu namorado, meu amigo, meu colega de boteco, tio do Davi e muitas
outras coisas, todas boas. Com ele aprendi muito sobre agrimensura e computadores e
acho que ensinei também.
E é claro, para fechar, agradeço a Deus, que me deu a oportunidade desta vida.
Sem mais,
Muito Obrigada!
“Se cada dia cai,
dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.
há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar a luz caída
com paciência.”
Pablo Neruda
Resumo:
A presente dissertação é uma pesquisa sobre a contribuição da Ditadura Militar
Brasileira na consolidação, construção e movimento da memória da Inconfidência
Mineira. O problema está na construção e nas visões elaboradas ou reforçadas sobre
esse movimento setecentista tão caro aos brasileiros, sobretudo mineiros e fluminenses.
Através de jornais – Estado de Minas e Jornal do Brasil, discursos, documentos oficiais
e material didático foram traçadas as estratégias discursivas responsáveis por extrair do
mito inconfidente tudo o que ele pudesse oferecer de contribuição para a aceitação do
Regime Ditatorial Militar no Brasil entre 1964-1984. O uso político-ideológico da
Conjuração de 1789 priorizou o personagem Tiradentes, que é considerado um herói.
As razões para essa escolha vão desde a consagração de Tiradentes como herói nacional
e líder da Conjuração Mineira até ao fato de ele ter sido alferes de Cavalaria e, portanto,
militar. Os enfoques mais comumente explorados por políticos brasileiros que enxergam
na Inconfidência um mote de comparação, evocação de exemplos ou dívida de gratidão
são o progresso e a liberdade, supostamente pleiteados pela conjura. No caso da
Ditadura Militar esses dois pontos foram explorados, mas em menor escala, até porque
liberdade e ditadura não combinam. As palavras chaves para a apropriação no período
aqui abordado seriam militarismo, religiosidade e disciplina.
Palavras chave:
Inconfidência Mineira, Tiradentes, Ditadura Militar, Imaginário, Memória.
Abstract
The present dissertation is a research about the contribution of the Brazilian Military
Dictatorship to the consolidation, construction and movement of the Inconfidência
Mineira’s memory. The problem is the construction and the elaborated visions or
reinforced about that movement that’s so important to Brazilian people. Through
newspapers – Estado de Minas and Jornal do Brasil, speeches, official documents and
didactic material were drawn the discursive strategies that are responsible for extracting
of the myth everything that he could offer contribution for the acceptance of the
Dictatorial Regime in Brazil among 1964-1984. The political-ideological use of the
Conspiracy of 1789 prioritized Tiradentes, because of his heroism. The reasons for that
choice go from Tiradentes's consecration as national hero and leader of the Conspiracy
to the fact that he was a member of Cavalry and, therefore, soldierly. The focuses more
commonly explored by Brazilian politicians that see in the Inconfidência a comparison
point, evocation of examples or debt of gratitude are the progress and the freedom. In
case of the Military Dictatorship those two points were explored, but in smaller scale,
because freedom and dictatorship don't combine. The key words for the appropriation in
this period would be militarism, religiosity and discipline.
Key Words:
Inconfidência Mineira, Tiradentes, Dictatorship, Imaginary, Memory, Militarism.
SUMÁRIO
Agradecimentos 3
Resumo 6
Introdução 8
1 – Ordens do Dia e Discursos Oficiais do Dia 21 de Abril 35
1.1 – Tiradentes nas Ordens do Dia do Exército Brasileiro ou o Exército
Brasileiro nas Ordens do Dia do Dia de Tiradentes? 36
1.2 – Os “Revolucionários de 1964” e Outras Autoridades Brasileiras
Dividindo o palco com o mártir da Inconfidência. 54
2 – Tiradentes nos artigos do Estado de Minas e Jornal do Brasil Durante o
Período Militar 71
2.1 – Tiradentes, o Anticomunismo e os “Vivas” à Revolução 79
2.2 – Tiradentes, o Teatro e a Poesia nos Jornais 86
2.3 – A Inconfidência e Tiradentes: Família, Amores e Moralidade 94
3 – A Inconfidência Mineira no Material Didático do Período Militar 103
3.1 – O Ensino de Estudos Sociais, EMC e OSPB (1964/1984) 108
3.2 – A Inconfidência Mineira, Tiradentes e o Imaginário na Sala
de Aula na Ditadura Militar 114
3.3 – Tiradentes na Grande Imprensa Mineira: o Caderno Infantil do 129
Estado de Minas.
Conclusão 133
Fontes 139
Bibliografia 141
INTRODUÇÃO
“Os etnólogos nos ensinam: não existe xamanismo
sem uma certa encenação, nem feiticeiro que não
seja também ator.”
Raoul Girardet
1
Nós, da geração imediatamente pós-ditadura militar, os nascidos na década de
1980, ainda pegamos os resquícios do currículo escolar desse período.
Lembro-me bem do colégio onde cursei o ensino fundamental.
Tradicionalíssimo. Colégio dirigido pela congregação de freiras Carmelitas, com
mais de 80 anos de existência. O mais respeitado da cidade.
Lembro-me das aulas de “Artes”, das festas onde nós, os alunos,
apresentávamos peças, coreografias, textos ou coisa do gênero. Lembro-me também do
imenso pátio vermelho onde toda sexta-feira, antes de entrarmos para a sala de aula,
reuniam-se todos os alunos para a chamada “Hora Cívica”.
Primeiro cantava-se o “Hino Nacional”, depois o da escola e, para fechar, uma
das turmas sempre ficava responsável pela apresentação da semana. Essas apresentações
eram curtas, geralmente os temas se relacionavam com a data cívica mais próxima ou
com o dia de algum santo – dado ao fato de se tratar de um colégio católico.
1
GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. p.72.
Tínhamos aulas de “Educação moral e cívica” até a sexta série. O que também
colaborou para a admiração, que nutri durante anos, pelo mineiro mais destemido, de
sentimentos mais nobres e mais parecido com Jesus Cristo de todos os tempos:
Tiradentes.
Com o avanço dos meus estudos e da minha vida escolar a admiração por este
personagem tão popular na memória cívica brasileira, foi se desmitificando. É claro que
o processo de aprofundamento no assunto causou certo impacto, que, aliás, deve ter sido
responsável por despertar meu interesse em pesquisar, não a Inconfidência Mineira em
si, mas a memória, o imaginário, a exploração política da mesma.
Foi a memória construída, desconstruída e reconstruída mais de uma vez por
mim mesma que foi o ponto de partida para o desenvolvimento deste estudo sobre o
imaginário político brasileiro.
O objetivo é entender como se elaborou a construção mitológica em torno da
Conjuração Mineira de 1789 – e seu personagem mais famoso: Tiradentes – no período
da Ditadura Militar, vivida pelo Brasil, entre 1964 e 1984.
2
Raoul Girardet, em sua obra Mitos e mitologias políticas, apresenta entre os
principais tipos de mitos políticos, o do herói. A questão principal, para ele, está em
detectar em que ponto se dá a passagem do histórico ao mítico, fazendo com que o real
seja transmutado para o imaginário, com certa parcela de manipulação voluntária. O
campo da heroificação impregna-se de simbolismos, que o tornam capaz de ser
inquestionável e de se sobrepor à verdade.
Verdade essa que pode sofrer alterações. “A imagem do salvador varia
conforme ele é chamado a enfrentar um perigo externo, a conjurar uma crise econômica
2
Não será estendido até o ano de 1985, que foi o marco oficial do retorno à democracia, porque a
discussão em torno da mitologia inconfidente se contrastará com a exaltação de Tancredo Neves, que foi
intensamente comparado a Tiradentes na ocasião de sua morte.
ou a prevenir riscos de uma guerra civil.”
3
O herói é evocado em situações de perigo,
quando há necessidade de legitimação de poder. Evidentemente, o desequilíbrio político
leva ao (re)aparecimento de salvadores ou modelos de conduta do passado nacional.
Girardet, fala da apresentação do herói em várias “tonalidades afetivas”. A
essas “tonalidades afetivas” ele atribui tempos diferenciados:
“Há o tempo da espera e do apelo, aquele que se forma e se
difunde a imagem do salvador desejado, cristalizando-se em
torno dela a expressão coletiva de um conjunto, na maior parte
das vezes confuso, de esperanças, de nostalgias e de sonhos.
(...) Há o tempo da presença do salvador enfim surgido, aquele,
sem dúvida em que o curso da história está prestes a se
realizar, mas aquele também em que a manipulação voluntária
recai com maior peso na elaboração mítica. E há ainda o
tempo da lembrança. Aquele em que a figura do salvador
lança-se de novo no passado, vai modificar-se ao capricho dos
jogos ambíguos da memória, de seus mecanismos seletivos de
seus rechaços e de suas amplificações.”
4
Acredita-se que Tiradentes, em sua trajetória de herói se encaixe na descrição da
“tonalidade afetiva” descrita por Girardet como “tempo da lembrança”. Isso porque os
jogos de memória, amplificações e rechaços, são presença constante na recriação e
utilização da mitologia inconfidente, da qual ele é o personagem principal. Este herói é
sempre evocado quando se precisa de justificativa para atos presentes ou exemplos do
passado para conduzir o imaginário coletivo.
A composição do imaginário político tem como elemento importante fatos do
passado. “Il serait absurde d’imaginer que l’usage politique de l’histoire est une
nouveauté.
5
Em todo mundo são celebrados os heróis nacionais e se faz necessária
manter viva a memória destes, uma vez que na história de um país está sua força
política e é reativando o respeito por fatos gloriosos do passado nacional que se mantém
o sentimento patriótico e se legitimam ações.
3
GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. p.82.
4
GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas.p.72.
5
LEVI, Giovanni. Le passé lointain. In : HARTOG, F. & REVEL, J. Les usages politiques du passé.p.26.
“Tout ont eu affaire à un phénomène qui donne au passé de la
société un air étrange de déjà vu, de quelque chose que fait
retour, au moins en apparence, qui agit comme une force
souterraine, une répétition. Répétition des situations, répétition
des arguments, des slogans, des rhétoriques, des citations, pris
dans une immense intertexte mémoriel des événements.”
6
Esta passagem de Régine Robin, embora ela não esteja tratando da
Inconfidência Mineira, ajuda a entender o que aconteceu quando o mito inconfidente foi
retomado. A repetição insistente de slogans, falas, nomes e etc. causa uma sensação de
déjà vu” a cada nova evocação. Foi criado um imenso intertexto memorial desses
eventos históricos, que foram sendo inculcados ao longo dos anos, desde o movimento
republicano, no inconsciente coletivo. Neste intertexto, existem chamadas que vêm à
mente, automaticamente, assim que mencionado o evento. A Inconfidência Mineira, por
exemplo, remete a ideais de liberdade, heroísmo e idealismo, que nem sempre são
dirigidos ao movimento inconfidente como todo, mas, principalmente, a Tiradentes.
Apropriar-se de um passado enaltecido na memória coletiva de um país e,
através dessa apropriação, construir um discurso que sirva para outros fins, é uma
prática adotada no mundo inteiro.
“As ideologias, por oposição ao mito, produto coletivo e
coletivamente apropriado servem a interesses particulares que
tendem a se apresentar como interesses universais, comuns ao
conjunto do grupo. A cultura dominante contribui para
integração real da classe dominante (...); para a integração
fictícia da sociedade no seu conjunto, portanto a
desmobilização (falsa consciência) das classes dominadas;
para a legitimação da ordem estabelecida por meio do
estabelecimento das distinções (hierarquias) e para a
legitimação dessas distinções”
7
Neste caso, a ideologia não está em oposição ao mito inconfidente, melhor
dizendo, a ideologia é infiltrada na comemoração do mito. Ela usa o que já está
sedimentado na memória do espectador na busca de estabelecer pontos de identificação
6
ROBIN, Régine. La mémoire saturée. p.37.
7
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. p.10.
e então tentar enredá-lo e incutir, sem que ele perceba ou recuse, idéias que se
apresentadas de maneira clara e objetiva teriam chances menores de persuadir.
Ideologia pode ser entendida como um conjunto de crenças e valores que
acabam guiando o comportamento de um indivíduo ou grupo, como os grupos de
esquerda armada que atuaram no Brasil durante o regime militar em nome da ideologia
de revolução comunista. Essas pessoas acreditavam que o que faziam era em nome de
uma causa que traria igualdade social e justiça ao Brasil. Elas formulavam discursos
para convencer outras pessoas a lutar pela revolução comunista porque acreditavam
realmente nessa luta.
Outro tipo de ideologia seria também feita pelo convencimento de outras partes
através de um discurso, mas o que diferencia esse do primeiro é que o discursante não
acredita no que diz. Ele mascara a verdade e suas reais intenções para fazer com que o
espectador aja de acordo com seus interesses. Nesse caso a parte convencida age em
nome de uma causa falsa, é criada uma ilusão. “Essas observações permitem concluir
que a ideologia tanto pode ter um sentido conservador quanto reformista, ou mesmo
revolucionário.”
8
Após sucessivas reconstruções realizadas pela imaginação acerca do mártir da
Inconfidência, pelas quais, emitiram-se muitos juízos de valores sobre este personagem
intrigante que foi Joaquim José da Silva Xavier, tende-se a concordar com Kenneth
Maxwell quando ele escreveu que “Tiradentes não era um anjo, nenhum homem o é.
Mas, em uma história, particularmente carente de grandes homens, Joaquim José da
Silva Xavier impõe-se como uma exceção.”
9
Maxwell analisou o comportamento do alferes frente aos interrogatórios e
depois nas horas em que recebeu sua sentença definitiva e no momento da sua
8
GARCIA, Nélson Jahr. Sadismo, sedução e silêncio. p.15.
9
MAXWELL, Kenneth. A devassa da devassa. p.222.
execução. Concluiu que teve este homem, a despeito dos ideais do movimento que se
pretendia deflagrar, atitudes louváveis: ao declarar-se culpado assumindo para si a
responsabilidade pela conjura; ao ouvir que as outras penas haviam sido comutadas e só
ele fora condenado à pena de morte; e, por último, por manter-se em absoluta
serenidade nos momentos que antecederam a execução.
Certamente, esses fatos pesaram na trama que deu a Tiradentes o posto de
herói nacional, acompanhadas de outros detalhes imprescindíveis para o sucesso de tal
empreitada. Para que se tenha um herói nacional, muitas outras qualidades e uma
análise minuciosa dos pormenores que envolvem a vida do personagem em questão
devem ser levantadas ou mascaradas, até que se crie em torno do mesmo uma espécie de
aura mítica.
Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, é evocado pela memória nacional
mais freqüentemente do que o movimento inconfidente como um todo.
“Celebrado como herói nacional há mais de um século,
Tiradentes tornou-se portador de qualidades extraordinárias em
geral indiscutíveis para a maioria dos brasileiros que conhecem
sua história ou dela ouviram falar.”
10
Seguindo os trilhos deixados pela historiografia da memória da Inconfidência
Mineira, tentou-se encontrar temas e formas sob as quais aparece esse movimento tão
aclamado pelos brasileiros, sobretudo, mineiros e fluminenses, nos vestígios deixados
no período da Ditadura Militar.
Essa pesquisa parte dos estudos realizados, principalmente, por José Murilo de
Carvalho em A formação das almas; Thaís Nivia de Lima e Fonseca, em Da infâmia ao
altar da pátria; e João Pinto Furtado, em O manto de Penélope. “Principalmente”
porque a bibliografia sobre a Inconfidência Mineira não se esgota aí, mas em se tratando
de uma pesquisa sobre o imaginário criado, em torno do movimento de 1789, estas
10
FONSECA, Thaís Nívea de Lima e. Da infâmia ao altar da pátria. p.13.
quatro obras oferecem elementos que permitem melhor compreensão e ainda uma
comparação com a documentação primária escolhida.
José Murilo de Carvalho, em um capítulo intitulado Tiradentes: um herói para
a República de sua obra A formação das Almas, expôs o trajeto que teria levado à
entronização desse inconfidente mineiro. O ato do enforcamento, seguido pelo
esquartejamento e exposição das partes, gerou profundas marcas na memória popular da
época, consternação essa narrada por um anônimo e pelo frei Penaforte, que deu o
primeiro embasamento para a criação do que futuramente seria a elevação do infeliz
condenado a herói nacional. Carvalho, então, continua sua explanação afirmando que
Tiradentes já fazia parte da admiração de alguns republicanos antes mesmo de ser
escolhido para compor o ideário daquele movimento.
O sucesso de sua escolha se deve, entre outros fatores, ao que Girardet chama
de caráter “médio”, que consiste em reforçar características nas quais o cidadão comum
se reconheça. Esse personagem se apresenta ao “grande público” como um cidadão de
baixa renda; ele saiu de uma região que, já na época do movimento republicano, fins do
século XIX, era importante centro econômico e político no Brasil; fora militar – alferes;
e no que julgavam, tanto Joaquim Norberto de Souza Silva, quanto os próprios
republicanos, que seria um fator de desmoralização do nascente mártir acabou gerando
o ingrediente que faltava: a faceta religiosa.
Foi Joaquim Norberto de Souza e Silva o primeiro pesquisador a ter contato
com os Autos da Devassa da Inconfidência Mineira, o depoimento do Frei Penaforte e
as memórias de um autor desconhecido sobre o dia da execução de Tiradentes.
11
Portanto, o primeiro a analisar nos registros históricos o comportamento do condenado
11
José Murilo de Carvalho reconhece o valor histórico das informações que Norberto extraiu dos
documentos de que dispunha, mas diz também que “sua isenção era muito discutível, pois era funcionário
público, monarquista, amigo dos principais políticos do império e vice presidente do Instituto Histórico,
instituição quase oficiosa, tão estreita era sua relação com o imperador”. A formação das Almas. p.62.
no momento da aplicação da pena. Tiradentes, graças ao tempo de reclusão e ao
relacionamento com monges franciscanos na prisão, teria preferido perdoar o carrasco e
adotar uma postura mais condizente com a contrição e o sacrifício, que de patriotismo e
luta, no momento de sua morte. “Norberto também deslocava a liderança da
Inconfidência Mineira para o ouvidor e poeta Tomás Antônio Gonzaga. Assim sendo, o
herói deixava de ser uma pessoa do povo para se encarnar num representante da elite.”
12
É nesse ponto que tanto Norberto, que, de acordo com José Murilo, se
posicionou contrário à heroificação de Tiradentes, quanto os republicanos que se
apressaram a defendê-lo das afirmações do primeiro, se enganaram. O que poderia ter
efeito desmoralizante acabou por exaltá-lo ainda mais. A caracterização do
comportamento “bondoso” de Silva Xavier diante do patíbulo foi mais um motivo de
exemplo para seus admiradores.
“A partir das revelações de Norberto e, quem sabe, da própria
tradição oral as representações plásticas e literárias de
Tiradentes, e mesmo as exaltações políticas, passaram a utilizar
cada vez mais a simbologia religiosa e a aproximá-lo da figura
de Cristo”.
13
Em um trabalho mais específico sobre o tema do imaginário criado em torno
da Inconfidência Mineira e de Tiradentes, Thaís Nívia de Lima e Fonseca analisa
diversos aspectos sobre o mito em questão. Thaís percorre diversos lugares onde a
memória da Conjuração Mineira aparece, mostrando como ela foi reforçada por estar
presente em pontos, às vezes banais, do quotidiano do cidadão comum, por exemplo,
em bilhetes de loteria.
Esse trabalho, que se chama Da Infâmia ao Altar da Pátria é subdividido em
três partes: primeiro um cuidadoso percurso pelos elementos que fizeram de Tiradentes
12
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas. p.64.
13
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas. p.64.
o herói da República, tanto os que fizeram realmente parte da trama da conjuração de
1789 quanto os idealizados no século XIX; depois, um avanço no tempo e uma análise
do uso político desse imaginário entre os anos de 1930 e 1960; e, por último, a questão
da imagem de Tiradentes e suas apropriações em material destinado à crianças e
adolescentes e nas artes.
Ao tratar dos assuntos da mitificação do alferes e das representações artísticas
e da apropriação e uso das imagens atribuídas ao mesmo, a autora se desprende de
marcos temporais fixos.
Quanto aos outros assuntos trabalhados Thaís já tem um marco melhor
definido temporalmente, este vai do ano de 1930 até 1960
Embora o marco deste trabalho se inicie no ano de 1964 e, portanto, não é tão
distante do ano de 1960, as transformações políticas que se operam no Brasil a partir de
1964, iniciam um ciclo político bastante distante do que vinha sendo praticado no
Brasil, de 1930 até 1960.
Por que uma mudança de marco cronológico pôde causar tanto impacto? O
período em que o mito de Tiradentes está sendo analisado (1964-1984) corresponde ao
período, em que o Brasil vivenciou a ditadura militar. A mudança importante foi que o
país seria governado por uma instituição o Exército, apesar de a cadeira da
Presidência da República ser ocupada por apenas um militar a cada mandato.
14
Observa-se, claramente, a mudança no teor dos discursos declamados, que
apresentavam uma entonação mais dura, com mais palavras de ordem, características
inerentes ao comportamento militar.
14
Exceto no período em que o país fora governado por uma junta militar que substituiu o General Costa e
Silva e ficou no governo de 31 de agosto de 1969 a 30 de outubro de 1969. A junta era composta por um
membro de cada ramo das Forças Armadas: General Aurélio de Lira Tavares (Exército); Almirante
Augusto Redemaker (Marinha); e Brigadeiro Márcio de Souza e Melo (Aeronáutica).
O mito inconfidente foi retomado com toda força pelo governo militar e com
uma diversificação temática bem maior do que a apresentada por Getúlio Vargas ou
mesmo por Juscelino Kubitschek.
Neste ponto, a contribuição desta pesquisa está em avançar, em relação ao
estudo do imaginário da Inconfidência Mineira, e apontar algumas particularidades
surgidas na Ditadura Militar.
Outras temáticas, como militarismo, anticomunismo, disciplina e
religiosidade, foram intensamente explorados, ao lado dos temas clássicos: liberdade e
progresso. As possibilidades oferecidas pelo mito, em questão, são inesgotáveis graças
às lacunas deixadas pela História da Inconfidência Mineira.
“Em 1789 o alferes Joaquim José da Silva Xavier não conseguiu
levar a termo o levante que tanto propagandeou pelos diversos
caminhos e paragens das Minas Gerais. Por outro lado, nosso
eloqüente protagonista parece ter conseguido conferir uma nota
surpreendentemente verdadeira à assertiva com a qual ‘abriu’
este trabalho, a de que iria ‘armar uma meada tal, que nem em
dez, vinte ou cem anos se havia de desembaraçar. ’”
15
Nesta passagem da obra O manto de Penélope, João Pinto Furtado dá pistas
para se pensar no que possibilita a diversidade de apropriações do mito inconfidente.
Primeiro: na parte em que diz “não conseguiu levar a termo o levante que tanto
propagandeou”. Acredita-se que esteja aí uma razão, porque o fato de o levante não ter
acontecido e, conseqüentemente, não ter havido vitória e muito menos um governo pós-
revolta, dá margens a especulações e acaba por admitir que conjecturas sejam tomadas
como verdade. Verdade essa que permite (re)interpretações das mais variadas e quantas
vezes se fizer necessário.
Quanto a “desembaraçar” a meada traçada pelo alferes, o fato de que a
historiografia da Inconfidência Mineira ainda não se deu por satisfeita e não há como
15
FURTADO, João Pinto. O manto de Penélope. p. 216.
apontar para um trabalho conclusivo sobre o assunto, dá uma indicação de que o “herói”
tinha razão. Provavelmente, esse “estudo conclusivo” não aparecerá dado ao fato de que
o movimento, por ter despertado o interesse de tantos pesquisadores, já teve todas as
suas fontes documentais bem vasculhadas. Acredita-se que não deva aparecer nenhuma
abordagem que esclareça as dúvidas que ainda persistem.
O mistério do sumiço da cabeça exposta em praça pública, o fato de não ter
uma descrição física do alferes Silva Xavier, bem como a imprecisão de algumas das
metas traçadas pelos conjurados são outros fatores que aguçam e dão asas a criações
nem sempre bem intencionadas. O que dá à história da Inconfidência essa versatilidade
de relacionar com temas diferentes nos mais diversos ambientes e para as mais diversas
finalidades, são os aspectos inconclusos.
A obra O manto de Penélope oferece para essa pesquisa uma posição
desmitificadora ao apontar as “falhas de conduta” apresentadas não só por Tiradentes,
mas por todos os inconfidentes. Diz-se “falhas de conduta”, não na intenção de julgá-
los, mas por se tratar de comportamentos indignos de heróis românticos,
comportamentos os quais os pais desse imaginário heróico fizeram questão de mascarar.
Não se iniciou durante a ditadura o uso político dessa passagem da história
colonial brasileira e nem, tampouco, lá se estancou. A escolha deste recorte temporal se
deve primeiramente, ao fato de que a propaganda legitimadora dos militares desse
período não se limitou a usar apenas um, mas lançou mão de todos os motes que
estiveram a seu alcance, para tecer sua rede de justificativas, identificações e promover
sua aceitação popular. E também não foi exclusividade da atuação dos militares
enquanto governantes do Brasil.
Os republicanos trouxeram, em fins do século XIX, o martírio de Tiradentes
ao plano das discussões políticas, como tendo sido ele o precursor da idéia de liberdade,
para o território brasileiro.
Com a proclamação da República em 1889, o nome do mártir em questão,
ganhou praças, ruas, prédios públicos e privados, entre outras coisas. O dia de sua
execução, 21 de abril, tornou-se feriado nacional.
Pode-se observar a evocação de Tiradentes em situações políticas diversas, na
legislação federal que o tornou cada vez mais importante e reconhecido como herói
nacional: em 1890, o 21 de abril, aniversário de morte de Tiradentes, foi decretado
feriado nacional; em 1936, houve repatriamento dos restos mortais dos inconfidentes
exilados na África; em 1946, as polícias civil e militar passaram a comemorar seu
próprio dia, no dia 21 de abril; em 1965, Tiradentes se tornou “Patrono Cívico da Nação
Brasileira”.
16
“A exumação do pré-moderno não se restringe às fugas individuais. As
últimas ditaduras latino-americanas acompanharam a restauração da
ordem social intensificando a celebração dos acontecimentos e
símbolos que os representam: a comemoração do passado ‘legítimo’,
daquele que corresponde à ‘essência nacional’(...).”
17
Por todo Brasil, o dia 21 de abril seria comemorado em escolas, quartéis,
praças e etc., todos prestavam suas homenagens àquele que pagou com a vida pelo ideal
de libertar o Brasil.
O maior espaço de rememoração do mito da inconfidência mineira é a festa do
dia 21 de abril que acontece em Ouro Preto. Em 1952, Juscelino Kubitschek, como
governador do Estado de Minas Gerais deu início a essa festa, que acabou se tornando
16
Para confirmar essas afirmações pode-se recorrer as seguintes fontes: Exemplar do jornal local da
cidade de São João Del Rei, A pátria mineira do dia 5 de dezembro de 1889; exemplares do jornal Estado
de Minas de 22 de abril de 1936 e 23 de abril de 1954; exemplar do jornal Noticiário do Exército de 19 de
abril de 1965 ; FONSECA, Thaís N. de L. e. Da Infâmia ao altar da pátria. p.354; CARVALHO, J.
Murilo de. A formação das almas. p.71.
17
CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas. p. 167.
parte fixa no calendário festivo da cidade, sendo então comemorada tradicionalmente,
todos os anos. Essa comemoração anual é carregada de simbologia e funções de
memória explícitas e implícitas.
De acordo com Eric Hobsbawm, é possível dizer que a festa de Ouro Preto e
os recursos de ativação da memória por ela aventados se encaixam na concepção de
tradição inventada:
“Por ‘tradição inventada’ entende-se um conjunto de práticas,
normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas;
tais práticas de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos
valores e normas de comportamento através da repetição, o que
implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao
passado. Aliás, sempre que possível tenta-se estabelecer
continuidade com um passado histórico apropriado.”
18
A seqüência de atos que englobam “práticas de natureza ritual ou simbólica”
que se repetem, com poucas alterações, ano após ano: às seis horas da manhã acontece o
toque da alvorada e em seguida: hasteamento das bandeiras do Brasil e de Minas Gerais;
no antigo Palácio do Governador – hoje incorporado à Universidade Federal de Ouro
Preto (UFOP) - transferência simbólica da capital Mineira de Belo Horizonte para Ouro
Preto; transferência simbólica da Assembléia Legislativa para o prédio onde hoje
funciona a Escola de Farmácia da UFOP; de volta à Praça Tiradentes acontece a
passagem das tropas em revista; hasteamento das bandeiras dos outros estados do
Brasil; deposição da coroa de flores no local onde estão os restos mortais de Maria
Dorotéia Joaquina de Seixas – a Marília de Dirceu; chegada da tocha e acendimento da
Pira da Liberdade; discursos dos oradores; deposição da coroa de flores aos pés da
estátua de Tiradentes; condecorações e homenagens aos convidados.
18
HOBSBAWM, Eric. Introdução: a invenção das tradições. In: A invenção das tradições. p.9.
Pode ser observado o forte apelo simbólico de cada um destes atos. A
repetição sistemática deste roteiro, a cada edição da festa, fez com que, além da festa em
si, o próprio roteiro apresentado acima se configurasse como uma tradição.
O que acontece é que, ao participar da comemoração do 21 de abril, em Ouro
Preto, a gratidão e o carisma, já consolidados pela história oficial da Inconfidência
Mineira na memória do espectador, são reativados. A partir daí, os oradores tentam, em
seus discursos, estabelecer uma continuidade entre os ideais inconfidentes e as ações
políticas praticadas por eles, no presente. Ocorre a legitimação das ações do governo
que se posiciona como movido por um ideal maior, projetado no passado, que não teria
sido esquecido e sim sendo continuado.
As solenidades do Dia de Tiradentes configuram espaço bastante expressivo
para a difusão de ideologias. Comemorar um movimento que é tão simpático ao povo
brasileiro, sobretudo o mineiro, e se comparar a ele, dá contornos agradáveis aos
propósitos dos discursantes.
A festa em questão e suas funções não esmoreceram após a saída de seu
idealizador, Juscelino Kubitschek, do cargo de presidente da república em 1960. Ela
continuou se realizando e servindo aos mais diferenciados blocos políticos inclusive os
militares que governaram o Brasil a partir de 1964 até 1985.
A parte em que a Ditadura contribuiu para esse movimento mitológico se deu
pela mistura de temáticas envolvidas em discursos que, inicialmente, partem da
exaltação a Joaquim José da Silva Xavier ou ao movimento inconfidente, como um
todo. A função da manutenção, evocação e utilização de um mito político aconteceu, na
maioria das vezes, para introduzir outra temática, como militarismo e princípios morais.
Nesses discursos inflamados de devoção cívica, quase sempre estão embutidos
interesses maiores, que evocam o passado para confundir o espectador e fazê-lo
concordar com tais medidas ou assimilar uma ideologia.
Observa-se nos textos de jornal da época do governo militar, como já era
esperado, tentativas de enaltecer as características heróicas de Tiradentes, mas também
é muito presente a figura de Bárbara Heliodora – esposa de Alvarenga Peixoto.
Nesses textos também se encontrou criações deliberadas de histórias não
comprovadas documentalmente, que se referiam a uma suposta, aliás, a várias supostas
vidas amorosas que pretendiam conferir status romântico à vida sexual do “Protomártir”
da Independência do Brasil.
Obviamente, quando se tentou estabelecer comparação entre os
acontecimentos de 1789 e os de 1964, o grupo que se colocou na posição antes ocupada
pelos inconfidentes foram os militares. Fazer a aproximação destes militares com os que
passaram à memória popular como precursores da luta pela liberdade, ajudava a
mascarar as características opressoras do regime militar.
A ditadura teria maior necessidade de propaganda persuasiva, pois é antes de
tudo, meio de a classe dominante manter-se no poder, quando se sente ameaçada, por
essa via obtém-se “consenso suficiente para afrouxar a repressão e inclusive legitimá-la
nos casos, em que não pode ser evitada”
19
A ditadura militar brasileira durou 21 anos, torturando, oprimindo, censurando
e ainda assim foi apoiada pela maioria da população. Isso aconteceu por dois motivos:
primeiro graças ao aparato opressor, que mantinha a “ordem” através da tortura, da
castração dos direitos civis e da censura aos meios de comunicação
20
e às artes; e
segundo através de uma intensa difusão de ideologias nos mais diversos meios
disponíveis.
19
GARCIA, Nélson Jahr. Sadismo, sedução e silêncio. p.16.
20
Esse assunto foi mais detalhado no segundo capítulo.
Segundo Carlos Fico, para que um regime autoritário, como foi o período
militar no Brasil, se mantivesse no poder por mais de duas décadas, era preciso que a
maioria da sociedade fosse favorável ao regime e que a outra parte não se manifestasse.
O Estado ditatorial deve à censura
21
e, em alguns casos, à conivência da mídia,
o fato de conseguir durar vinte anos, torturando, prendendo e matando pessoas, sem
falar dos aspectos econômicos e políticos.
A popularização dos aparelhos de TV e a modernização e jornais e revistas
impressos foram modificações assistidas pela indústria midiática, em fins da década de
1960 e nos anos 70.
Os canais de televisão e as rádios, como é de conhecimento de todos, operam
graças a concessões. O governo é que determina se podem ou não existir.
No caso da Ditadura Militar, a televisão foi, talvez, o meio mais usado para
transmitir a propaganda governamental.
“Nos sistemas sociais em que o Estado se apoderou do
monopólio da emissão, é particularmente fácil exercer uma
censura rigorosa, suprimir qualquer informação considerada
indesejável, ao mesmo tempo que se pode continuar a distribuir
ondas de palavras e imagens.”
22
Mas não se pode diminuir a importância da mídia impressa. Os telejornais, por
exemplo, não faziam mais do que colocar em imagens o que estava escrito nos jornais
impressos. A importância do jornal é desproporcional a sua circulação, que é pequena,
mas tem nos telespectadores leitores indiretos.
“Os dados análises, acusações, juízos e boatos são passados pela
elite mediante esse veículo, e os jornais têm, portanto, o poder
de afetar os debates das elites. Os jornais são também lidos por
aqueles que produzem a mídia de massa. os jornais de TV se
baseiam na cobertura e seleção de matérias feitas pelos jornais,
ampliando pois sua influência para além dos leitores diretos.”
23
21
A questão da censura será retomada no segundo capítulo.
22
BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. In: Enciclopédia Einaudi.v.5.p.313.
23
SMITH, Anne-Marie. Um acordo forçado. p.51.
Logo, as pessoas que assistiam aos telejornais, indiretamente, se informavam
graças ao jornalismo feito pela mídia impressa, mas o meio de comunicação de massa
mais popular durante a ditadura militar foi com certeza, a televisão.
É importante ressaltar que não só a televisão ou os jornais, mas todos os meios
disponíveis foram censurados e usados para transmitir idéias formuladas para o regime
militar.
Carlos Fico analisou, em Reinventando o otimismo, os “filmetes”, que são cine
jornais de trinta segundos produzidos para a televisão e para serem exibidos antes dos
filmes nos cinemas e as temáticas abordadas por eles. Ele faz, também, uma
reconstituição do trajeto que os militares, que eram a favor de uma assessoria de
imprensa e propaganda, trilharam para se chegar a um desempenho favorável ao
governo.
Entre as fontes utilizadas para tal pesquisa, Fico entrevistou Octávio Costa,
que foi chefe da AERP (Assessoria Especial de Relações Públicas) durante o governo
Médici e responsável por coordenar as campanhas mais bem sucedidas. “Octávio Costa
que pretendia centrar os festejos do Sesquicentenário da Independência na figura de
Tiradentes”, que acabaram girando em torno de D. Pedro I, “chegou a falar com o
presidente Médici, alertando-o para a improcedência das comemorações, mas acabou
vencido por outros setores militares.”
24
Os restos mortais de D. Pedro I foram recebidos por Médici, na cidade do Rio
de Janeiro, no dia 21 de abril de 1972. Para esse dia, a imprensa anunciava amplamente
a abertura das festividades do sesquicentenário da Independência do Brasil que
durariam até o dia 7 de setembro do mesmo ano. Campanha publicitária vultuosa, que
contou entre outras coisas com um filme chamado Independência ou Morte,
24
FICO, Carlos. Reinventando o otimismo.p.64.
interpretado por Tarcísio Meira e Glória Meneses, estrelas proeminentes da constelação
televisiva na época, que mesmo não sendo filme encomendado pelo governo veio muito
a calhar naquele momento.
Mesmo em se tratando de uma película dedicada à memória de D. Pedro, lá
estava, no início do filme uma breve referência à Inconfidência Mineira.
A introdução explica a vinda da família real portuguesa para sua colônia na
América e retrata a infância do personagem principal, termina com o seguinte trecho:
O seu testemunho (de D. Pedro), de tão tumultuados
acontecimentos, somado à carência de educação palaciana,
por certo marcaram o seu temperamento de homem de reações
imprevisíveis.
Daí, a aceleração do processo de Independência do Brasil, que
teve suas raízes na Inconfidência Mineira.”
25
O filme cumpre uma função dupla. Além, de render homenagens ao Imperador
responsável pela independência do Brasil, transmite lições de moralidade ao espectador.
Os personagens que cercam Dom Pedro se dividem em dois grupos
antagônicos bem definidos: os que pensam no bem do Brasil e no papel que deve
desempenhar o imperador, já que ocupa essa posição; e os personagens que querem se
aproveitar do fato de gozarem da confiança do Imperador para conseguir vantagens para
si próprios.
No primeiro grupo, figuram José Bonifácio e a Imperatriz Leopoldina e, no
segundo, Chalaça (Francisco Gomes da Silva) e a Marquesa de Santos (Domitila de
Castro Canto Melo).
Os primeiros representam a família e os bons costumes. A esposa de D. Pedro,
além de suas funções de mulher, entende sua função política. Sabe dos casos extra-
conjugais do marido, mas sabe também que são fugazes e faz de tudo para evitar
escândalos dada a posição social do casal. José Bonifácio, além de ministro do
25
Filme Independência ou Morte. 1972.
Imperador, dedica-se à botânica, preocupa-se com a imagem de D. Pedro perante o povo
e é ardoroso defensor da independência do Brasil, em relação a Portugal.
Em oposição a esses dois personagens, o filme traz Domitila de Castro e
Chalaça. Ela é a amante de D. Pedro, a única fixa, que chega a retirá-lo do convívio do
lar, trama planos com Chalaça para afastar Bonifácio e chegar ao o trono como
Imperatriz. Ele é o melhor amigo de D. Pedro. Amigo de farras, boêmio, inimigo de
Bonifácio, preocupado com a boemia e não com o governo do Brasil.
Em uma cena do filme, aparece o seguinte diálogo entre José Bonifácio e
Chalaça:
José Bonifácio: -Vá dizer ao Imperador que tudo tem limite.
Não se pode desrespeitar assim compromissos com os
embaixadores das Nações Amigas.
Chalaça: - Mas, onde vou encontrar Sua Majestade?
José Bonifácio:- O senhor sabe muito bem onde ele está.
Chalaça: - Eu?
José Bonifácio:- O senhor não é o alcoviteiro do Imperador?
Só pode estar em companhia daquela rameira.”
26
Na cena seguinte dá-se o desfecho a esse diálogo, quando Chalaça chega à
casa de Domitila de Castro, que ainda não era nem viscondessa. Dessa vez participam
Chalaça e D. Pedro.
Chalaça:- Perdão Majestade?
D. Pedro: - O que aconteceu Chalaça?
Chalaça:- O senhor ministro do reino está a espera para a
audiência com os embaixadores.”
27
D. Pedro responde com uma expressão de quem esqueceu do compromisso.
Em seguida, se despede de Domitila com um beijo, sobe no cavalo e diz sorridente:
D. Pedro: - Voltarei logo que possível. Por sua causa perco o
Império.”
28
26
Diálogo entre os personagens de José Bonifácio e Chalaça, no filme Independência ou Morte. 1972.
27
filme Independência ou Morte. 1972.
28
Idem 26.
No decorrer do filme, a relação do imperador com a Marquesa de Santos se
intensifica, a medida que essa relação avança, ele maltrata cada vez mais a sua esposa
legítima e perde o controle de seu governo, bem como a adesão popular.
O filme põe a culpa do adoecimento da Imperatriz Leopoldina no romance do
Imperador com a Marquesa de Santos. Fica muito evidente que a causa maior de sua
morte foi o sofrimento e o desgosto pelo comportamento do marido.
No fim do enredo, D. Pedro reconhece seu egoísmo, renuncia ao seu amor por
Domitila e se casa com Amélia de Leuchtemberg. Ele renuncia também ao trono em
favor de seu filho de apenas quatro anos, Pedro II, e, mais uma vez demonstra
reconhecimento de sua culpa pela crise política convidando José Bonifácio para ser
tutor de seu herdeiro.
É perceptível a tentativa de estabelecer pontos de reconhecimento entre o
público e a história do filme. Não só nas frases que já se tornaram clichês da história do
Primeiro Reinado como: “Diga ao povo que fico.” ou mesmo “Independência ou
morte”, mas principalmente na preocupação de construir cenários, figurinos e montar
com eles cenas quase idênticas a pinturas consagradas, e que foram produzidas em
épocas bem distantes do filme. As obras de arte reproduzidas nas cenas do filme são:
Independência ou Morte (1888) (Figuras 1 e 2) de Pedro Américo; e Coroação de D.
Pedro (1822) de Jean-Baptiste Debret. (figuras 3 e 4)
Figura 1: Cena do filme Independência ou Morte.
Figura 2: Óleo sobre tela Independência ou morte de Pedro Américo.
Figura 3: Cena do filme Independência ou Morte.
Figura 4: Óleo sobre tela: Coroação de D. Pedro de Jean-Baptiste Debret.
A figura de Tiradentes não foi deixada de lado, nas comemorações do
Sesquicentenário da Independência do Brasil.
Nas proximidades do dia do mártir da Inconfidência Mineira, os jornais
impressos, que são uma das fontes deste trabalho, vieram cheios de menções a ele.
Aliás, 1972, foi um dos anos em que as comemorações do dia de Tiradentes foi das
mais luxuosas.
No início do governo militar sua aceitação se deu graças a um grande trunfo.
Para a manutenção do regime militar, por 21 anos, a luta contra o comunismo e as
forças subversivas foi fundamental. O imaginário ditatorial foi tecido sobre essa luta,
em que o comunismo representaria o mal e os militares – o Estado – o bem. A luta do
governo militar contra a subversão comunista poderia ser facilmente comparada à luta
dos Inconfidentes Mineiros contra a coroa portuguesa, ou a liberdade contra a opressão.
Consultando os livros didáticos de história ou os manuais de Moral e Cívica utilizados
nesta época é possível ter uma noção desse posicionamento maniqueísta e ingênuo.
29
Não será esgotada a propaganda ditatorial, ela não é o foco da pesquisa. O foco é
a continuação do uso da Inconfidência Mineira e, sobretudo, Tiradentes na história
política do Brasil. A construção da memória desse evento não se deu linearmente. É
composta por tijolos que cada troca de poder e cada lado da briga política quotidiana,
seja situação ou oposição, põe na dinâmica dessa mitologia e dá sua contribuição para a
manutenção e movimento da mesma.
Por vezes, o mote da Inconfidência Mineira foi usado por políticos e
intelectuais, para discretamente convencer a população a contribuir para manutenção do
governo ditatorial ou apontar as falhas e exageros do sistema governamental vigente.
29
Esse tema está melhor desenvolvido no capítulo 3.
“Todo mito desse tipo ganha uma certa amplitude coletiva, ele
tende a combinar vários sistemas de imagens ou de
representações, a constituir-se, em outras palavras, em uma
espécie de encruzilhada do imaginário onde vem cruzar-se e
embaralhar-se as aspirações e as exigências mais diversas, por
vezes mais contraditórias.”
30
Não se pode esquecer do grupo que, em Minas Gerais, participou das
articulações para a realização do golpe, que se chamou de “Os Novos Inconfidentes”,
31
reivindicando assim o imaginário da Inconfidência Mineira para justificar sua ação e
existência. Em contrapartida, a ditadura viu surgir, entre os grupos de esquerda, o MR-
21 (Movimento Revolucionário 21 de abril) e o MRT (Movimento Revolucionário
Tiradentes)
32
, que pelos nomes que escolheram, para se representar deixam claro o
imaginário de que se serviram. Esses grupos de esquerda, por sua vez, não comungavam
dos mesmos ideais, já que partiam de orientações políticas diferentes. Compartilhavam
apenas da oposição ao governo.
Esse embate ideológico, que reivindicava o mesmo apadrinhamento histórico em
situações tão adversas e em nome de causas tão distantes ideologicamente, dá a
dimensão da diversidade de temas que se escondiam sob a capa protetora de indiscutível
valor emocional que é a força da mitologia da Inconfidência Mineira.
A presente dissertação está dividida em três capítulos, definidos de acordo
com a procedência das fontes.
O primeiro capítulo tratará dos discursos e das ordens do dia do Exército.
30
GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. p.73.
31
Ver: STARLING, Heloísa Mª Murgel. Os senhores das gerais.
32
Ver: ARQUIDIOCESE de São Paulo. Brasil nunca mais.p. 104, 109 e 279. REIS FILHO, Daniel A. a
revolução faltou ao encontro. GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. O Grupo denominado MRT se
tornou mais conhecido que o MR-21. Esses guerrilheiros seguiam orientações Marxistas e Nacional
revolucionária, respectivamente. As organizações partidárias do “Nacionalismo revolucionário” tinham
em comum a luta em prol das “Reformas de Base” propostas por João Goulart.
Nas coberturas do dia 21 de abril e nos dias que se seguem, encontram-se os
discursos proferidos nas solenidades realizadas em Belo Horizonte, Brasília, Juiz de
Fora, São João Del Rei, Tiradentes, Rio de Janeiro e, principalmente, em Ouro Preto.
Os discursos oficiais, proferidos em palanques, destinados às solenidades do
dia de Tiradentes, comparam a situação política ou social brasileira do período com os
fatos da Inconfidência Mineira. Os temas são bem diversificados, passando pela
liberdade, pela disciplina e pela moral, por exemplo.
Será possível perceber onde estão implícitos símbolos e signos lingüísticos e o
que eles oferecem aos formadores de opinião popular. E mais uma vez o cidadão
comum se vê bombardeado de ícones a serem assimilados e que certamente vão
interferir nas imagens que estes fazem sobre a conjuração de 1789.
Quanto às Ordens do Dia. O processo de análise é o mesmo, mas o olhar sobre
essas fontes terá que ser diferenciado, pois se trata de textos produzidos pelo Exército e
para o Exército. O objetivo não é mais manipular a opinião da população em geral, já
que a circulação destes textos é interna.
Esta documentação permitirá perceber como o Exército projetava a imagem da
Inconfidência. Percebe-se o imaginário pelos olhos de quem, naquele momento, tentava
usá-lo em proveito próprio.
Não estão disponíveis, infelizmente, todas as ordens, mas à grande maioria
delas foi encontrada. As Ordens do Dia que fazem parte do corpo documental deste
trabalho são dos anos de 1964, 1966, 1968, 1971 a 1984. Através desse material, é
possível perceber o tratamento dado a Tiradentes, e em alguns casos ao movimento
como um todo, por um documento interno, produzido diretamente do Exército que
circulava em um jornal de periodicidade indefinida, chamado Noticiário do Exército.
Essa documentação se encontra na 11ª Circunscrição do Serviço Militar, em Belo
Horizonte.
Existe também uma única Ordem do Dia para a Polícia Militar do Estado da
Guanabara, que é do ano de 1965 e foi publicada pelo Jornal do Brasil, no dia 21 de
abril do mesmo ano e está incluída na lista das fontes primárias.
33
Os textos jornalísticos são a fonte escolhida para o segundo capítulo. Os
textos, que pelo menos aparentemente foram escritos pelos jornais, trazem resumos da
vida do alferes, programações para as comemorações do dia de Tiradentes, textos
informando novidades na cobertura das solenidades, guias turísticos de cidades mineiras
que fazem menção aos inconfidentes, especulações sobre a descendência genealógica de
Tiradentes, críticas à historiografia, entre outros muitos tipos de reportagens.
Foram colhidos artigos tanto no jornal mineiro, Estado de Minas, quanto no
carioca, Jornal do Brasil. Esses artigos relacionam assuntos variados dentro do grande
tema da Inconfidência Mineira. Muitos deles têm preocupação moralizante e não
política, propriamente dita.
O terceiro capítulo será sobre o material didático e o encarte infantil
Gurilândia. Essas fontes são importantes por ser a partir desta via, que a maioria dos
brasileiros tem seu primeiro contato com a Inconfidência Mineira.
Os locais onde estão as referências a Tiradentes e ao movimento como um
todo dedicadas ao público infantil e adolescente, em formação escolar, trazem diversos
assuntos embutidos. Assuntos estes que vão desde a insistência em dizer que Tiradentes
era um alferes, portanto, militar, até os jograis onde ele é escancaradamente comparado
a Jesus Cristo.
33
As ordens do dia e o discursos serão analisados no 1º capítulo.
A partir do ano de 1969, o ensino de “Educação Moral e Cívica” tornou-se
obrigatório nas escolas de 1º e 2º graus. Essa disciplina tratava, basicamente, de
apresentar e incentivar o respeito e adoração pelos símbolos nacionais, tais como hinos,
bandeira, grandes acontecimentos e heróis. Também se ocupava da educação moral,
como o próprio nome diz. Nessa parte, valores como caridade e família eram expostos
de forma bastante doutrinária.
O conteúdo deste material, no que se refere ao objeto desse estudo, aparece
muitas vezes dividido em dois capítulos diferentes um para a conjuração mineira de
1789 e outro, especial, para Tiradentes. Os textos são bem mais exaltados que os dos
livros de história, embora sejam mais resumidos.
O jornal Estado de Minas traz, semanalmente, um caderno destinado ao
público infantil chamado Gurilândia. Nas proximidades do dia de Tiradentes, esse
trazia textos simples e com teor parecido com os dos livros de Moral e Cívica, que
também serão analisados.
Logo as fontes primárias são: discursos oficiais e Ordens do Dia, artigos do
Estado de Minas e do Jornal do Brasil, material didático e o caderno infantil semanal
do Estado de Minas – todas as fontes datadas entre 1964 e 1984. A partir delas,
percebe-se que pontos da História da Inconfidência Mineira serviram a quem e como
nos processos de legitimação política, criação e fixação de um imaginário, perpetuação
e/ou reconstrução da memória desse movimento do século XVIII.
A partir da analise dessas fontes ficará perceptível o tipo de pensamento e o
tipo de cidadão que essas escolas, o Exército e os jornais estavam formando, usando
como pano de fundo a Inconfidência Mineira.
ORDENS DO DIA E DISCURSOS OFICIAIS DO DIA 21 DE ABRIL
“No meio de soldados, de canhões, de veteranos,
de papelada inçada de quilos de pólvora, de nomes
de fuzis e termos técnicos de artilharia, aspirava
diariamente aquele hálito de guerra, de bravura,
de vitória, de triunfo, que é bem o hálito da
Pátria.”
Lima Barreto
34
Imagine-se na posição de colega de trabalho do personagem Policarpo
Quaresma, criado por Lima Barreto em sua aclamada obra Triste fim de Policarpo
Quaresma..
Um colega de profissão que chega, a cada dia, com uma nova informação sobre
as virtudes naturais do Brasil. Possivelmente, a convivência e a conseqüente observação
do comportamento de Policarpo causariam estranheza. Ainda mais se acompanhasse a
sua vida cotidiana também fora do ambiente de trabalho, se freqüentasse sua casa, se
partilhasse, ainda que só em conversas informais, dos projetos formulados para o Brasil.
Por mais que Policarpo dissesse que razões o impeliam a pensar no Brasil como
pensava e explicasse suas intenções ao divulgar para todos seus projetos e suas crenças
na grandeza do país, essas explicações nunca seriam suficientes para sanar a dúvida que,
provavelmente, persistiria em relação à forma de pensar de Policarpo Quaresma.
34
BARRETO, Lima. Triste Fim de Policarpo Quaresma. p.4.
O que o leva a formular e divulgar tais idéias? Será somente amor ao Brasil?
Terá por trás alguma idéia conspiradora? Será que ele usa uma máscara de ingenuidade
nacionalista para encobrir outras coisas?
Ao se propor esses questionamentos acerca do comportamento do personagem
fictício Policarpo Quaresma, exige-se um exercício de imaginação. A idéia é se
imaginar como um simples funcionário público, que convivesse com essa pessoa e o
que pensaria sobre esse comportamento tão pouco usual.
Lima Barreto construiu um personagem que intrigava a todos na repartição em
que trabalhava, na vizinhança ou por qualquer outro lugar onde expunha suas idéias. De
acordo com o autor, era ele sim um ingênuo nacionalista extremado, mas esse tipo de
comportamento, em uma pessoa real, poderia suscitar as dúvidas arroladas acima.
Esse trabalho fala exatamente de imaginação e de imaginário. Do imaginário
tecido por pessoas envolvidas de alguma forma com o poder político no Brasil dos anos
60 e 70 e, que formulavam idéias sobre a Inconfidência Mineira, que eram repassadas
ao grande público, formado de pessoas comuns, alheias às reais intenções dos
formadores de opinião.
Será que ao redigir um discurso sobre o heroísmo de Tiradentes, ao subir em um
palanque, em praça pública, para proferi-lo, esses atores políticos estariam apenas
imbuídos de nacionalismo e gratidão? Será que existe alguma idéia conspiratória ou
algum interesse particular por trás de tanto patriotismo?
Acredita-se que a resposta à primeira pergunta é não. E para chegar a essa
conclusão foi necessária uma busca por vestígios deixados por esses personagens
históricos reais, que viveram e atuaram durante o período ditatorial militar e, que agiram
sobre o imaginário inconfidente, conduzindo a imaginação de seus ouvintes e leitores.
Para essa pesquisa, que trata da formulação de um imaginário, voltado para
disseminar uma ideologia e dos meios de divulgação deste mesmo imaginário, qualquer
tipo de documentação que possa esclarecer o ponto de vista do bloco formador de
opiniões é muito bem vindo.
1.1 – Tiradentes nas Ordens do Dia do Exército Brasileiro ou o Exercito Brasileiro
nas Ordens do Dia do Dia de Tiradentes?
Uma fonte que talvez permita traçar o pensamento militar sobre o imaginário
inconfidente são documentos produzidos, internamente, pelo Exército. Esses
documentos se chamam Ordens do Dia.
Essa documentação trará luz à pesquisa, porque é uma fonte pouco explorada
pela historiografia e por se tratarem de textos produzidos pelo Exército e para o
Exército, o que possibilita a apreensão da visão deles sobre o que foi a Inconfidência
Mineira e o que ela representava naquele momento.
Foram encontradas dezesseis das vinte ordens expedidas pelo Exército entre
1964 e 1984. Encontrou-se também uma única ordem, publicada no Jornal do Brasil em
21 de abril de 1965, emitida pela Polícia Militar do Estado da Guanabara e uma outra de
1966 publicada, em todos os jornais da grande imprensa
35
, que era da Polícia Federal.
35
De acordo com Anne-Marie Smith, grande imprensa tem que ser “representativa, majoritária, embora
ela pudesse ser apenas a dominante ou mais bem sucedida comercialmente”. Isso vale tanto em nível
nacional no caso O Globo, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil e O Estado de São Paulo, quanto
estadual, ou mesmo municipal para os órgãos de imprensa nas grandes cidades que não fossem capitais.
O Estado de Minas entraria nesse hall como grande Imprensa, por ser o maior jornal do estado de Minas
Gerais, já que embora seja o jornal mais vendido em Minas Gerais, não tem tanta expressão nacional.
Outro fator característico da Grande Imprensa é que o maior faturamento da empresa midiática vem dos
anunciantes, patrocinadores e não das vendas e assinaturas como acontece com os jornais de menor porte.
Ver: SMITH, Anne-Marie. Um acordo Forçado. Consentimento da imprensa à censura no Brasil. Rio de
Janeiro: FGV, 2000.
Como a polícia militar também tem acesso às mesmas Ordens do Dia dirigidas
ao Exército, os arquivos da PM poderiam ser uma opção de onde encontrá-las.
O arquivo do Museu da Polícia Militar de Minas Gerais fica no bairro Prado em
Belo Horizonte e está sob direção do Major Silas. Esse arquivo encontra-se em fase de
organização. Entre centenas de medalhas, placas, troféus, livros e muitas outras coisas
estão encadernações de documentos oficiais, ainda não catalogados.
Foi preciso pegar caderno por caderno e procurar folha por folha. Nesses
cadernos foram encontradas muitas Ordens do Dia, mas a mais recente datava do ano de
1954.
36
Então a busca passou para os quartéis e outras divisões do Exército. Vários
desses lugares foram visitados e a maioria absoluta, sem resultados favoráveis.
De posse da informação de que desde 1957 as Ordens do Dia passaram a circular
em um jornal interno chamado Noticiário do Exército, passou-se à procura desse
material.
Esse jornal não tem periodicidade definida e é distribuído para Exército e a
Polícia Militar. Embora não tenha sido possível observar mais atentamente o conteúdo
desse periódico, sabe-se, que além das Ordens do Dia, ele incluía textos sobre quaisquer
datas cívicas, e listas sobre exoneração de oficiais, transferências, promoções, enfim
informações sobre o cotidiano das Forças Armadas.
Não são todas as divisões do Exército que possuem arquivos, ainda assim, das
que possuem, não são todas elas que guardam os periódicos internos. Em alguns desses
lugares existem hemerotecas bastante completas de jornais da grande imprensa, mas o
Noticiário do Exército não, ou pelo menos é o que dizem os responsáveis.
36
Pelo menos até essa época, os oficiais do Exército ou a Polícia Militar recebiam cópias dessas Ordens
como documentos datilografados avulsos. Não faziam parte de nenhum periódico.
Depois de longa busca, as ordens foram encontradas na 11ª Circunscrição do
Serviço Militar, na cidade de Belo Horizonte. Lá se encontra um arquivo, também em
fase de organização, com encadernações de vários documentos relativos aos trabalhos
do Exército, em Minas Gerais.
Não é permitido entrar no arquivo. Os próprios oficiais trazem os cadernos,
abrem na página referente ao pedido do pesquisador, que no caso eram Ordens do Dia
do dia de Tiradentes, e deixam fotografar ou copiar. Em seguida levam o caderno de
volta para o arquivo. Os cadernos estão organizados por ano e esse foi o procedimento
para observar toda a documentação.
Hoje em dia, qualquer cidadão pode ler as publicações do Noticiário do
Exército, pois estão disponíveis no site do Exército, em uma seção que não necessita de
senha para ser acessada. Encontram-se online os exemplares que circularam desde
1999.
37
E do que tratam exatamente as Ordens do Dia?
Essa é uma pergunta para a qual não existe resposta concreta e fechada. Entre as
Ordens para o dia 21 de abril, encontram-se: resumos da vida de Tiradentes, resumos da
Inconfidência Mineira, a lei que tornava Tiradentes Patrono Cívico da Nação Brasileira,
textos glorificando o Exército brasileiro e seus oficiais e ilustrações acompanhadas de
um título.
Uma das ordens foi um poema escrito em homenagem a Tiradentes:
“O Mártir da Independência
Imagem do infortúnio e da desgraça,
no escarmento ao rebelde prisioneiro,
armara-se um patíbulo na praça
da cidade do Rio de Janeiro.
Com sua veste talar, dos pés aos ombros,
37
http://www.exercito.gov.br/.
E entregue aos seus algozes inclementes,
Numa cena de lágrimas e escombros,
Ao cadafalso assoma Tiradentes.
Os pés desnudos, sobre o grande estrado,
A fronte erguida, a longa cabeleira,
É o réu altivo, o herói predestinado,
A face imperturbável e altaneira.
Vinte e um de abril, de mil e setecentos
e noventa e dois. Onze horas são dadas.
É a vítima, em seus últimos momentos,
no adeus Às ilusões ambicionadas.
Epopéia de um trágico fracasso,
Eis, na forca, a figura destemida:
Seu corpo, inerte, agita-se no especo,
No supremo holocausto de uma vida.
Na história apoteótica de um drama,
Imolou-se no altar da eternidade,
Lição que nos exorta e nos conclama,
Glória imortal da nossa liberdade.”
38
Em uma época em que os poetas escreviam, principalmente, poemas concretos,
com jogos de palavras sofisticados dando importância maior às entrelinhas que ao texto
chapado, essa foi uma das últimas Ordens do Dia e trata-se de um poema extremamente
formal. Estruturado em quadras com rimas pobres e métrica impecável. Todos os versos
são decassílabos e as últimas palavras de cada um deles é sempre paroxítona.
É compreensível que um poema pensado para não provocar reflexão, ou seja, que
pretende passar mensagem clara e instantânea, não se preocupe com a sofisticação
intelectual. Em se tratando de um jornal militar e, considerando o formalismo que cerca
as relações nos quartéis, até por questões disciplinares, a versificação não poderia ser
diferente, todos os versos são decassílabos com rimas alternadas.
38
ABRAHÃO, Assis. O mártir da Independência. In: O Verde Oliva. Caderno especial. 21 de abril de
1982.
O poema trata do momento da execução de Tiradentes e traz consigo expressões
do vocabulário mais formal e rebuscado da língua portuguesa como: holocausto,
apoteótica, talar e inclementes.
Toda essa formalidade dá ao conjunto da poesia um ar solene e uma
dramaticidade digna de uma morte redentora para o povo brasileiro.
Esse texto embora se trate de um poema formal, temática e metricamente, ainda
não é formal o bastante para a maior parte desses textos expedidos pelo Exército nos
dias 21 de abril. Afinal não é uma dissertação, mas um poema. Foge ao esperado para
uma Ordem do Dia.
Antes de tratar das Ordens em seu formato mais comum, uma outra chama a
atenção, dessa vez, por excesso de formalidade.
Embora tenha sido decretada em 1965 a última Ordem do Dia expedida para o
dia de Tiradentes, durante o Governo Militar, a de 1984, foi o texto da lei que torna
Tiradentes Patrono Cívico da Nação Brasileira.
“Joaquim José da Silva Xavier – Tiradentes – Patrono Cívico da
Nação Brasileira
Presidência da República.
Lei nº4 897 de 9 de dezembro de 1965.
Faço saber que o congresso decreta e eu sanciono a seguinte lei.
Art. 1º: Joaquim José da Silva Xavier o Tiradentes, é
declarado o patrono cívico da nação brasileira.
Art. 2º: As Forças Armadas, os estabelecimentos de ensino,
as repartições públicas e de economia mista, as sociedades
anônimas em que o poder público for acionista e as empresas
concessionárias de serviços homenagearão, presentes os seus
servidores na sede de seus serviços, a excelsa memória desse
patrono, nela inaugurando, com festividades, no próximo dia 21 de
abril, efeméride comemorativa de seu holocausto, a efígie do
glorioso republicano.
Parágrafo único – As festividades de que trata este artigo
serão programadas anualmente.
Art. 3º: Essa manifestação do povo e do Governo da
República em homenagem ao patrono da Nação Brasileira visa
evidenciar que a sentença condenatória de Joaquim José da Silva
Xavier não é labéu lhe infame a memória, pois é reconhecida e
proclamada oficialmente pelos seus concidadãos, como o mais alto
título de glorificação do nosso maior compatriota de todos os
tempos.
Art. 4º: Essa lei entra em vigor na data de sua publicação,
revogadas as disposições em contrário.
Brasília, 9 de dezembro de 1965.
144º da independência e 77º da República. Humberto de
Alencar Castelo Branco.”
39
Essa lei, que obriga qualquer instituição ligada ao poder público a comemorar o
dia de Tiradentes, foi citada em várias Ordens do Dia, mas publicada na íntegra,
somente em 1984.
Algumas Ordens não são textos, mas simplesmente imagens. Nos anos de 1973,
1976 e 1983 as homenagens prestadas a Tiradentes, pelo noticiário do Exército se
restringiram a reproduções de obras pictóricas. Por duas vezes, Tiradentes Alferes de
Washt Rodrigues (Figura 5) e por outras duas, considerando que em 1983 foram duas
imagens, a famosa imagem Tiradentes de Autran (Figura 6).
Figura 5: reprodução da obra Tiradentes de Figura 6: reprodução da obra Tiradentes de Autran
39
Noticiário do Exército. 21 de abril de 1984.
Washt Rodrigues encontrada no exemplar encontrada no exemplar do Noticiário do
do Noticiário do Exército de 21 de abril de 1964. do Exército de 21 de abril de 1979.
As ordens costumam vir acompanhadas de imagens (Quadro 1). Em raras vezes
isso não aconteceu. Das 18 ordens encontradas somente duas não vieram com imagens.
Quadro 1: Imagens que acompanharam as Ordens do Dia do Exército
Número de vezes em que apareceu entre
1964 e 1984.
Tiradentes ante o carrasco Rafael
Falco 1 7%
Tiradentes Autran
6 43%
Tiradentes Washt Rodrigues 7 50%
Total de Imagens
14 100%
Com pouca diferença quantitativa as obras de Autran e Washt Rodrigues
ilustram quase todas as Ordens do Dia encontradas.
A única delas que tem como ilustração a obra de Rafael Falco, Tiradentes ante o
carrasco, é a do ano de 1982, que foi um poema, ou seja, fugiu totalmente a qualquer
tipo de padronização e não foi editada pelo Noticiário do Exército, mas por outro jornal,
também militar, chamado O Verde Oliva.
O quadro de Autran representa um homem de barba e cabelos longos, com o
baraço em volta do pescoço, olhar perdido em direcionado para o infinito com uma
expressão de bondade no melhor estilo messiânico. Foi uma das mais, senão a mais
difundida das representações de Tiradentes.
Como disse Thais Nívea de Lima e Fonseca, essa é a representação mais
tradicional, que está estampada na maioria das coisas que dizem respeito a Tiradentes.
A obra de Autran seria a matriz de outras inúmeras representações que são quase
indiferenciáveis.
A mais usada para ilustrar os exemplares do Noticiário do Exercito, que foi o
Tiradentes vestido de alferes de Washt Rodrigues, que mostra um oficial do Exército de
Cavalaria fardado, com traços faciais firmes, olhar atento, espada na cinta, com as
montanhas de Minas Gerais, mais especificamente, o Pico do Itacolomy
40
ao fundo.
Essa deve ter sido a mais usada, dado ao fato de que representa o militar. As ligações
entre heroísmo, o símbolo da farda, o Exército e sua participação em atos heróicos
desde os tempos do Brasil colonial estão todas sintetizadas nessa imagem.
Essa foge à regra quando o assunto é a representação de Tiradentes, por não ter as
características mais comuns, “o tipo garboso nem de longe parece com o homem
barbado de corda no pescoço identificado como Tiradentes.”
41
Acredita-se que a farda seja o símbolo por excelência escolhido pelos
propagandistas do Governo Militar para unir Tiradentes ao Exército naquele momento
da História brasileira.
Mas, o maior símbolo do imaginário sustentador da ditadura são, sem sombra de
dúvida, as forças subversivas, ou em outras palavras, o anticomunismo.
Embora a questão da carreira militar do alferes Silva Xavier fosse tema central
dessas Ordens do Dia, o anticomunismo também se fez muito presente.
Os comunistas e o perigo que eles representavam não chegaram a ocupar mais
espaço que Tiradentes nas Ordens do Dia para o dia 21 de abril, mas algumas vezes
pode-se dizer que quase se equivalem.
40
O Pico do Itacolomy faz parte da serra do Espinhaço e é um dos ícones da região de Ouro Preto – MG.
41
MILLIET, Maria Alice. O corpo do Herói. p. 104.
Um exemplo seria a Ordem do ano de 1964, que quando foi expedida havia menos
de um mês que o golpe militar tinha saído vitorioso e que teve a peculiaridade de ser
publicada tanto no Estado de Minas quanto no Jornal do Brasil.
Ela sintetiza bem os dois símbolos citados acima: farda e anticomunismo. Além de
apresentar para o grande público uma homenagem ao Mártir da Inconfidência Mineira,
ou como aparece bastante o Protomártir da Independência, ainda aproveita o espaço
para atacar os ditos subversivos, que eram a razão de ser da “Revolução”
42
.
Ordem do dia do Exército sobre data de Tiradentes
A data de hoje recorda o martírio e a glória do alferes Joaquim
José da Silva Xavier. Que se consagrou para a posteridade com o
nome simbólico de Tiradentes.
A 21 de abril de 1792, há, portanto 172 anos, foi enforcado nesta
cidade pelo que a Justiça Real considerou crime: querer uma pátria,
fundar uma nação.
Nesta hora de angústia quando quase dois séculos nos separam da
tragédia de 1792 voltamos o pensamento para a figura do herói que
vestia nossa farda e morreu em holocausto à liberdade dos brasileiros.
Confrontemos os aspectos da sua causa e da sua luta com o presente
para que se compreenda extensão dos perigos que nos rondavam as
portas e nos ameaçavam com a supressão da soberania.
Em 1792 matava-se um homem que alimentava a esperança de
libertar-nos do jugo. Em 1964 o que se premeditava com planos
monstruosos em início de execução era o esquartejamento da pátria, a
guerra fratricida que terminaria no opróbrio da subordinação do
Brasil ao imperialismo soviético. Era o desaparecimento do Brasil no
mapa do mundo civilizado e cristão em que vivera quatro séculos.
Graças a Deus o grande crime não se consumou. Demonstramos estar
possuídos de todo vigor para enfrentar a tentativa de aniquilamento. E
a liberdade sonhada por Tiradentes, herói do nosso culto, encontrou
nos soldados de Caxias sua fortaleza invulnerável. Mais uma vez a
liberdade foi salva.
È preciso que daqui em diante o triunfo não se desfigure ou se
perca.
E que a lição destes dias de inquietação e de tormenta nos sirva
para que a paz penosamente reconquistada nos conduza a um futuro
feliz, com um Brasil unido e operoso, sempre alerta porque o inimigo
não está morto.
42
Os militares responsáveis pelo golpe contra João Goulart em 1964 deram a esse acontecimento o nome
de revolução. Seria uma revolução para a restauração da ordem e impedimento do avanço do mal
comunista.
Gen. Ex. Arthur da Costa e Silva
Ministro da Guerra”
43
O texto começa explicando o que é rememorado na data de 21 de abril, dizendo
que é uma homenagem ao homem que foi enforcado por “Querer uma pátria, fundar
uma nação”. Esse início fala também que 172 anos atrás daquela data (21 de abril de
1964) tal execução se deu naquela cidade. Sabendo que o personagem Joaquim José da
Silva Xavier foi enforcado no Rio de Janeiro, conclui-se que o redator do texto o fez
nessa mesma cidade.
As Ordens do Dia, bem como todo o conteúdo dos periódicos do Exercito partiam
do Rio de Janeiro e não de Brasília até o ano de 1970, porque lá estava o Quartel-
General do Exército (QGEx). E, consequentemente, as informações partiam do Rio de
Janeiro para os demais quartéis do Brasil.
A “hora de angústia quando quase dois séculos nos separam da tragédia de
1792”, certamente trata-se do golpe. A angústia seria o momento em que se esperava
pelo ataque comunista e a memória do alferes Silva Xavier lembraria um outro instante
de angústia, uma outra fase de opressão na História brasileira. Coincidentemente, ele,
Tiradentes o herói rememorado naquela ocasião foi um “herói que vestia nossa farda”.
Aí aparece a palavra farda como um símbolo facilmente decodificado por qualquer
brasileiro, ainda mais os brasileiros que viviam aquele momento político em que o
Exército protagonizava os últimos grandes fatos e se firmava como novidade e solução.
Ao optar por não escrever com todas as palavras, Tiradentes era um militar, usou-
se alguns recursos lingüísticos que tornam a frase mais simpática, no estilo militar de
escrever e ainda atribui-se à palavra farda dupla função.
43
ESTADO DE MINAS. 21 de abril de 1964.
Além dessa, encontramos publicada em jornal de grande circulação, apenas mais uma Ordem do Dia, que, aliás, não
era do Exército, mas da Polícia Militar do Estado da Guanabara, do dia 21 de abril de 1965.
Segundo Mikhail Bakhtin, o socialismo transformou em símbolos altamente
eficazes e mundialmente reconhecíveis a foice e o martelo. Isso foi possível porque
esses instrumentos faziam parte da vida cotidiana do trabalhador, ele se reconheceu
naquela simbologia. O que ocorreu foi a transformação dos instrumentos de trabalho, ou
seja, da luta diária da classe menos privilegiada, em símbolo de luta, em um ícone
socialista.
A farda que remete, instantaneamente, à idéia de força e segurança naquele
momento remetia aos brasileiros a imagem do Exército. Se o autor dissesse “Tiradentes
era um militar” restringiria o herói ao círculo militar, em contrapartida ao preferir “o
herói que vestia nossa farda” ele usa o pronome possessivo nossa, que dá idéia de
coletividade. Sim, Tiradentes era um militar, mas vestia nossa farda, a causa do Brasil já
que o Exército protege a coletividade sem restrições.
Esse abnegado herói, que pretendia a libertação do Brasil, “morreu em holocausto
à liberdade dos brasileiros”.
A palavra holocausto que quer dizer sacrifício em benefício de outrem, dá a
Tiradentes um ar de redentor. Morreu para que os brasileiros se libertassem do jugo da
coroa portuguesa.
Holocausto ainda é o vocábulo escolhido para representar a morte de milhares de
pessoas assassinadas pelos nazistas, durante a segunda guerra mundial, remetendo assim
aos horrores provocados pelo III Reich.
De qualquer forma holocausto leva à idéia de sofrimento desmerecido. Não como
castigo, mas como martírio.
“Confrontemos os aspectos da sua causa e da sua luta com o
presente para que se compreenda extensão dos perigos que nos
rondavam as portas e nos ameaçavam com a supressão da soberania.”
Nesse trecho, o autor do texto pede claramente que o leitor faça uma comparação
da situação atual com o passado e põe no mesmo patamar as dificuldades e perigos dos
dois momentos: opressão portuguesa na região mineradora do Brasil colonial e ameaça
comunista dos anos 1960.
Então, sugerida a comparação, o autor realiza sua proposta.
“Em 1792 matava-se um homem que alimentava a esperança de
libertar-nos do jugo. Em 1964 o que se premeditava com planos
monstruosos em início de execução era o esquartejamento da pátria, a
guerra fratricida que terminaria no opróbrio da subordinação do
Brasil ao imperialismo soviético.”
As frases que aludem à liberdade pretendida por Tiradentes e à liberdade
conservada pela ação militar do dia 31 de março de 1964 estão sempre juntas e a
comparação entre os dois momentos estabelecida.
O homem que foi assassinado, no caso, era Tiradentes, que foi enforcado e em
seguida esquartejado. Ao colocar que “se premeditava com planos monstruosos em
início de execução era o esquartejamento da pátria” liga-se a ameaça comunista aos
responsáveis pela morte de Tiradentes. Estabelece-se assim, uma relação entre o
assassinato de um homem, que nesse caso representa a pátria e o fim das liberdades
adquiridas, em parte, graças a esse mesmo assassinato. Coloca-se o comunismo no lugar
de carrasco da pátria.
Se essas forças malignas que estavam na espreita planejando atacar e acabar com a
pátria, tivessem saído da tocaia entrariam em uma “guerra fratricida que terminaria no
opróbrio da subordinação do Brasil ao imperialismo soviético.”
O vocábulo fratricida tem duplo significado. Pode se referir simplesmente a uma
guerra civil, ou o assassinato de pessoas estimadas, a quem se deveria considerar
irmãos. A idéia do texto é a ruída de que o Brasil se safou, quando o Exército tomou
frente da crise e derrotou os comunistas. Nesse caso, o segundo significado além de ter
poder mais apelativo, emotivo, dá outra importante impressão, de que esses defensores
do comunismo seriam pessoas corrompidas, subvertidas que pretendiam prejudicar seus
compatriotas a quem deveriam amar como irmãos.
Essa guerra fratricida “terminaria no opróbrio da subordinação do Brasil ao
imperialismo soviético”. Opróbrio, que significa desonra, seria o resultado da vitória
das forças subversivas. Esse resultado seria extremamente desmoralizante, caindo
mesmo como uma desonra para a nação. A vergonha do Brasil seria então passar para o
bloco soviético, como imposição, subordinação e não uma escolha.
A configuração geopolítica que retiraria o Brasil do meio dos países capitalistas
teria ainda outras implicações que não só econômicas e políticas, isso implicaria no
“desaparecimento do Brasil no mapa do mundo civilizado e cristão em que vivera
quatro séculos”. Considerando que o ateísmo fazia parte do imaginário anticomunista e
era um dos fatores que promovia a repulsa a Ordem, considera-se que o Brasil deixaria
de ser “cristão”, desmanchando uma tradição construída desde a época do
descobrimento.
“Graças a Deus o grande crime não se consumou.
Demonstramos estar possuídos de todo vigor para enfrentar a
tentativa de aniquilamento. E a liberdade sonhada por Tiradentes,
herói do nosso culto, encontrou nos soldados de Caxias sua fortaleza
invulnerável. Mais uma vez a liberdade foi salva.”
De acordo com essa passagem o “grande crime” não aconteceu graças a Deus e à
fortaleza invulnerável que são os soldados de Caxias. Esses seriam os responsáveis pela
preservação da liberdade conseguida com o sacrifício de Tiradentes.
A expressão “soldados de Caxias” se explica pelo fato de ser Duque de Caxias o
patrono das Forças Armadas.
“E que a lição destes dias de inquietação e de tormenta nos sirva
para que a paz penosamente reconquistada nos conduza a um futuro
feliz, com um Brasil unido e operoso, sempre alerta porque o inimigo
não está morto.”
44
E assim termina a primeira Ordem do Dia, para o dia de Tiradentes, expedida pelo
Exército Brasileiro. Nesse último parágrafo, o movimento que culminou com a
deposição de João Goulart, se torna uma lição, um episódio a ser lembrado como
valorização da liberdade mantida com esforços penosos das Forças Armadas. Pede-se
também para que o Brasil fique alerta por que o inimigo ainda existe, mais uma vez
suscita um clima de desconfiança, espreita ou tocaia. O inimigo à espera de um propício
momento para retomar seus planos subversivos.
Vejamos mais uma Ordem do Dia que concentra esses dois temas: o militarismo
de Tiradentes e o anticomunismo. Essa que foi expedida, em 21 de abril de 1968, o
militarismo está mais presente que o anticomunismo. E esse segundo aparece de forma
mais sutil.
“Ordem do dia 21 de abril
As homenagens que o Exército presta, hoje, ao patrono
Cívico da Nação, devem constituir ensejo para que o soldado
brasileiro compreenda e sinta, na evocação do próprio exemplo de
Tiradentes, os seus compromissos com a defesa da liberdade.
Foi essa grande bandeira que o protomártir da
independência desfraldou e defendeu, até o limite do sacrifício da
vida, e que o Exército Brasileiro, nascido das próprias lutas da
independência, tem sabido sustentar. Através dos tempos, em todas
as conquistas do espírito entranhadamente democrático da Nação
brasileira ante quaisquer ameaças, internas e externas.
Sob essa mesma inspiração que sempre o identificou com o
povo, nosso Exército atuou nas lutas pela Abolição e pela
República, na defesa das instituições democráticas, e manteve,
como sempre manterá, sua intransigente oposição aos regimes de
força e as ideologias totalitárias de todos os matizes.
44
ESTADO DE MINAS. 21 de abril de 1964.
Além dessa, encontramos publicada em jornal de grande circulação, mais duas Ordens do Dia, que não eram do
Exército, mas uma da Polícia Militar do Estado da Guanabara, do dia 21 de abril de 1965 e a outra da Polícia Federal
do dia 21 de abril de 1970. a primeira foi publicada no Jornal do Brasil e a segunda no Estado de Minas.
Esses mesmos ideais conduziram o soldado brasileiros nos
campos de batalha da Europa e, hoje, o conduzem na luta contra
os que tentam subverter, pela violência, as sagradas conquistas da
democracia perturbando o trabalho construtivo do povo e a
tranqüilidade da família brasileira.
O grande e geral anseio da nação, de trabalhar, desenvolver-
se e tornar-se forte, em regime de liberdade responsável, é,
também o dos soldados de Caxias, como cidadãos pertencentes,
indistintamente, a todas as classes do país.
Nas fileiras do Exército, eles anualmente se renovam e se
preparam para o dever precípuo de resguardar as instituições e a
ordem, dentro da missão maior de manter o Brasil independente e
livre, com que sonhou Tiradentes.
O culto que hoje presta o Exército Brasileiro ao Patrono
Cívico da Nação. Pelo transcurso do 21 de abril, não está apenas
nas cerimônias com que festejamos a data histórica do seu
sacrifício pela pátria, senão nas atividades diárias em que todos os
nossos quartéis preparam e adestram cidadãos, para a mesma e
nobre tarefa de preservar seus destinos, a sua liberdade e a sua
independência, na continuidade dos tempos e o respeito
permanente aos que, a começar por Tiradentes, deram tudo de si, e
até a própria vida, à sagrada causa do Brasil.
Essa é também, como sempre foi, a nossa relevante missão
em todas as conjunturas, por mais que se transfigurem as
situações, as formas de ameaça e os adversários, ostensivos ou
disfarçados. Ela reclama a vigilância indormida e a progressiva
adaptação do Exército à realidade da época e dos fatos.
E é na fidelidade integral a essa missão, permanente e
sagrada, que a nossa Instituição Militar comemora no dia de hoje,
na reverência do seu culto cívico, a memória de Tiradentes, o
Patrono Cívico da Nação.
Gen. Ex. Aurélio de Lyra Tavares
Ministro do Exército.”
45
O tema da liberdade, como não poderia deixar de ser, retorna ao centro das
homenagens. Mas, atente-se para maneira com que o Exercito mescla suas ações com a
liberdade pretendida pela conjuração Mineira de 1789:
“Foi essa grande bandeira [Liberdade] que o protomártir da
independência desfraldou e defendeu, até o limite do sacrifício da
vida, e que o Exército Brasileiro, nascido das próprias lutas da
independência, tem sabido sustentar.”
45
Ordem do Dia 21 de abril. In: Noticiário do Exército. 21 de abril de 1968.
Tiradentes é que teria começado, antes de todos os outros nativos do Brasil, a
defender a liberdade, quando a “desfraldou e defendeu, até o sacrifício da vida”. Mas o
Exército Brasileiro não teria decepcionado o “protomártir da independência”, pois
soube sustentar, a luta pela liberdade que coube a Tiradentes no século XVIII,
culminando com a morte do herói. O Exército tem honrado desde a Independência como
uma dívida de gratidão seguida de uma tomada de consciência de seu papel.
Tem-se a impressão, nesse fragmento, de que o Exército não existia até que
ocorreram as lutas pela independência. O que faz sentido, já que o Brasil pertencia a
Portugal e, portanto, Tiradentes não era um oficial brasileiro, mas da milícia portuguesa.
Logo, o Exército Brasileiro teria nascido nas margens do rio Ipiranga, no momento da
declaração de independência.
E então, desde as “lutas pela independência”, o Exército “através dos tempos, em
todas as conquistas do espírito entranhadamente democrático da Nação brasileira ante
quaisquer ameaças, internas e externas” tem cumprido seu papel. Já começa a se
anunciar a preocupação com o perigo comunista na forma de “ameaças internas e
externas” e encontram barreiras a suas aspirações nefastas no “espírito entranhadamente
democrático da Nação brasileira”.
A mencionada preocupação se declara com menos sutileza no parágrafo que se
segue:
“Sob essa mesma inspiração que sempre o identificou com o
povo, nosso Exército atuou nas lutas pela Abolição e pela República,
na defesa das instituições democráticas, e manteve, como sempre
manterá, sua intransigente oposição aos regimes de força e as
ideologias totalitárias de todos os matizes.”
O autor começa citando episódios em que o Exército participou de lutas em que
foi defensor “incondicional” da democracia e dos direitos individuais. Mas e quanto à
oposição aos regimes de força e as ideologias totalitárias de todos os matizes? Que
ideologias totalitárias seriam essas?
Dentro de um contexto de luta armada e formação de focos guerrilheiros, tanto
urbanos quanto rurais, lembrando que essa Ordem do Dia foi editada em 1968, que
fecharia em 13 de dezembro com a decretação do AI-5, os “regimes de força e as
ideologias totalitárias” só poderiam ser as idéias subversivas que conduziriam o país ao
comunismo. Que colocariam o Brasil no “transe” imposto pelo bloco soviético.
Os “matizes” ficam mais evidentes na parte em que fala da atuação dos “soldados
brasileiros nos campos de batalha da Europa”, em uma referência clara à segunda
guerra mundial, em que o Brasil lutou contra os avanços de Hitler “e, hoje, o conduzem
na luta contra os que tentam subverter, pela violência, as sagradas conquistas da
democracia”.
Essa Ordem exalta menos o Exército e seus feitos e retorna um pouco ao
homenageado “Tiradentes”, mas o faz colocando novamente o Exército como
responsável pela manutenção do que Tiradentes pagou com a vida por almejar. Eles têm
a “missão maior de manter o Brasil independente e livre, com que sonhou Tiradentes”.
Tiradentes sonhou, mas quem libertou o Brasil foi o Exército brasileiro que nasceu às
margens do Ipiranga nas lutas pela independência.
No sétimo parágrafo, diz-se que não só no dia 21 de abril, mas que é tarefa diária o
exercício de refletir sobre a importância de lutar pela manutenção da independência e
pela liberdade lembrando de exemplos como o de Tiradentes que dera tudo de si pela
causa do Brasil. Uma única palavra causa estranhamento e ao mesmo tempo resume por
si só como era realizado o propósito ideológico durante o governo militar. A palavra em
questão é “adestram”.
Nas atividades diárias em que todos os nossos quartéis preparam e adestram
cidadãos”. O verbo adestrar que quer dizer preparar, treinar ou induzir, já carrega um
tom doutrinador, que independe do senso crítico e do raciocínio lógico para a
assimilação de palavras de ordem reações dentro do previsto pelo tutor. Mas o que é
mais grave e, acredita-se que essa palavra não tenha sido usada com esse propósito, é
que remete à domesticação de animais como cães e cavalos. “Os quartéis preparam e
adestram cidadãos” é uma frase contraditória. Que espécie de cidadão se pretende
formar? Nesse ponto é preciso lembrar que ao contrário da Ordem do Dia de 1964, essa
não foi aberta ao grande público e sim ficou restrita à circulação interna dos quartéis.
Concluindo, a Ordem de 1968, o autor lembra que a vigília contra os inimigos tem
que ser continua e que são fiéis ao “Patrono Cívico da Nação”.
1.2 – Os “Revolucionários de 1964” e Outras Autoridades Brasileiras Dividindo o
Palco com o Mártir da Inconfidência.
Extrapolando o papel e passando aos atos públicos destinados ao grande público,
principalmente, mineiro, os discursos pronunciados por autoridades civis e militares,
durante o período do governo militar, são uma fonte deveras interessante.
Esses discursos proferidos nos palanques das comemorações do dia de
Tiradentes, em várias cidades mineiras e na cidade do Rio de Janeiro, foram publicados
na íntegra, pelos jornais Estado de Minas e Jornal do Brasil.
Outros jornais da época também publicavam esse tipo de discurso, mas esses
dois foram priorizados dado ao fato, de que são ainda hoje os mais vendidos em seus
estados de origem – Minas Gerais e Rio de Janeiro respectivamente.
Mas porque buscar discursos oficiais sobre a Inconfidência Mineira somente
nesses dois estados brasileiros? Em primeiro lugar Minas Gerais é o estado onde a
devoção a Tiradentes é mais forte, por se tratar do mais ilustre filho da região, sem falar
que foi nessa capitania que se desenrolou a maior parte da conjura. E Rio de Janeiro
porque foi nessa capitania, na cidade do Rio de Janeiro que Tiradentes “líder da
Inconfidência Mineira” foi executado segundo sentença dada pela rainha D. Maria I e
que vários Inconfidentes ficaram detidos aguardando julgamento por três longos anos.
A cidade do Rio de Janeiro era ainda importante zona portuária e centro administrativo
da América Portuguesa, em 1789.
Por causa dos detalhes enumerados acima esses dois estados da federação são
hoje os principais redutos da admiração por Tiradentes.
Encontram-se nesse material as mesmas temáticas incluídas nas Ordens do Dia,
mas dessa vez não se destina só ao público interno às Forças Armadas, tem na verdade
outro objetivo e se destina à uma quantidade, incomparavelmente, maior de pessoas.
Pessoas essas, que não se sabe se comungam ou não do pensamento militar e, para as
quais elaboraram discursos maiores, mais eloqüentes e impregnados de idéias e
justificativas de ações políticas.
Diante da grande quantidade desses discursos, que como já foi mencionado foram
extraídos de dois jornais da Grande Imprensa,
46
foi necessária uma seleção.
A seleção desses discursos foi a seguinte: primeiro os proferidos por presidentes
da República, por representarem o pensamento dos líderes da nação, depois os discursos
de governadores de estado, e por último um discurso em especial, que fugiu à regra e foi
considerado subversivo.
46
Ver: SMITH, Anne-Marie. Um acordo Forçado. Consentimento da imprensa à censura no Brasil. Rio
de Janeiro: FGV, 2000.
Não serão apresentados todos os discursos na íntegra como foi feito com as
Ordens do Dia. Isso por uma questão de repetição exaustiva de idéias e espaço. Alguns
deles são bastante extensos.
A análise se dará em cima de trechos de seis discursos: Marechal Castelo Branco
(1964); Magalhães Pinto (1964 e 1965); Israel Pinheiro (1966); General Médici (1972)
e; Carlos Cotta (1968).
Esses discursos escolhidos atendem ao propósito dessa pesquisa à medida que
sintetizam as principais idéias e os principais grupos políticos em questão.
O primeiro será, o discurso de abertura das solenidades do dia de Tiradentes em
Ouro Preto, que foi proferido pelo Marechal Castelo Branco em 1964.
Como quase todas as falas, o então presidente da República empossado há apenas
uma semana, começou resumindo o que foi a Inconfidência Mineira. Embora citasse
que Tiradentes foi um alferes, a condição de militar do “herói” não foi exaltada. Na
verdade, a principal figura a quem o presidente rendeu elogios foi ao então governador
de Minas, o senhor Magalhães Pinto.
“Mas, tão importante quanto esse passado, do qual se eleva
gloriosamente a figura de Tiradentes, é o fato de podermos
proclamar que apesar de terem transcorrido tantos e tantos anos
sobre o sonho e os sacrifícios dos conjurados de Vila Rica, ainda
permanecem vivos e vigorosos os ideais que inspiraram os heróis
ora celebrados. Minas é sempre Minas. Daí a unanimidade com
que, sob liderança do governador Magalhães Pinto, se levantaram
os mineiros em defesa das instituições ameaçadas que hoje,
restabelecidas na inteireza da legalidade, muito devem ao
descortínio do estadista a decisão do patriota que, apoiado na
bravura das Forças Armadas, transformou as vossas montanhas no
primeiro baluarte para a arrancada revolucionária.”
47
O trecho acima estabelece a comparação entre o passado e os mineiros que
trabalharam pelo bem do Brasil, no caso os Inconfidentes e do povo mineiro que ouvia
47
CASTELO BRANCO, Humberto de Alencar. Castelo branco em Ouro Preto: não se fez revolução a
favor de privilégios. In: Estado de Minas. 22 de abril de 1964.
o discurso, que tinham a sua luta e consciência cívica personificados em seu
governador: Magalhães Pinto.
Na obra, Os Senhores das Gerais de Heloísa Starling, ela atribui a Magalhães o
mérito pela precipitação do golpe. Segundo a autora, o governador de Minas Gerais e o
General Mourão Filho foram responsáveis pela deflagração do golpe militar de 1964
dando uma rasteira na aliança IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais)/ESG
(Escola Superior de Guerra) e Novos Inconfidentes que planejavam o golpe para ser
deflagrado entre 2 e 10 de abril do mesmo ano.
“Após vitória do golpe militar de 1964, Magalhães passou a
ser reconhecido, frente a opinião pública do país, como ‘o chefe civil
da revolução’. Essa versão, bastante difundida, procurou explicar o
processo conspiratório em Minas, centrado na figura de seu ex-
governador, apresentado como responsável pela montagem do
sistema de articulações políticas que culminaram em 1964 com o
movimento armado contra Goulart.”
48
Ao que parece, o golpe foi todo articulado pelo IPES e Novos Inconfidentes, que
era um grupo de pessoas importantes nos cenários político, militar e econômico de
Minas Gerais e devido a suas ligações, mesmo sem fazer parte direta desse seleto grupo,
Magalhães e Mourão Filho, obtiveram informações e a fama pelo início do golpe.
Analisando o discurso de Magalhães Pinto, no mesmo palanque que Castelo
Branco, em 21 de abril de 1964, observa-se que ele, sem sombra de modéstia, trouxe
para si os “louros” da vitória golpista. No discurso começou falando da tradição de
rebeldia frente às injustiças reivindicados, por um imaginário, típico dos mineiros.
Assim é que, quase dois séculos depois, a mesma disposição de
sacrifício e o mesmo ardor de liberdade daqueles bravos
conspiradores se renovam, como se renovam em outros momentos
decisivos. ”
49
48
STARLING, Heloisa Mª Murgel. Os senhores das Gerais. p. 128.
49
PINTO, José de Magalhães. “Minas confia no executor supremo dos ideais da revolução”, afirmou o
governador. In: Estado de Minas. 23 de abril de 1964.
Isso serviu para introduzir a importância de Minas no golpe que derrubou João
Goulart, aliás, golpe que teve a participação direta dele próprio.
“Assim falou Minas. Assim falou porque as liberdades públicas e
as instituições livres estavam sendo solapadas. O desenvolvimento,
esteio da independência política, entrava em retrocesso. E as
próprias conquistas sociais, penhores de um trabalhismo autêntico,
tornavam-se mero pretexto para agitações demagógicas de
resultados estéreis.”
50
Quando falou das Liberdades públicas e Instituições livres que estavam sendo
solapadas, Magalhães não fazia referência direta ao comunismo, mas ao ex-presidente
da República João Goulart, ainda que nesse período comunismo e Jango se
confundissem. O ataque ao ex-presidente se confirma com “penhores de um trabalhismo
autêntico” que “tornavam-se mero pretexto para agitações demagógicas de resultados
estéreis”. “Agitações demagógicas” pode ser traduzido como “comício do dia 13 de
março de 1964”, em que João Goulart falou sobre as reformas de base e, resultados
estéreis entende-se como a previsão dos resultados das propostas anunciadas naquele
mesmo comício caso João Goulart não tivesse sido deposto.
“V. Excelência [Marechal Castelo Branco] soube compreender
em sua plenitude o sentido da revolução que Minas tomou a
responsabilidade de deflagrar. Revolução que não era apenas de
Minas, porque fomos, também interpretes das angústias e aspirações
do povo brasileiro.”
51
De acordo com Heloísa Starling, o golpe foi deflagrado antes da data prevista pela
ESG (Escola Superior de Guerra) graças a uma ação cuidadosamente planejada entre o
General Mourão filho e Magalhães Pinto, então governador de Minas Gerais, ambos
excluídos das articulações golpistas. Com esse fragmento do discurso Magalhães
conseguiu lembrar aos espectadores que a revolução partiu de Minas e dizer que era um
plano maior, assim como era o dos inconfidentes. A revolução poderia ter partido de
50
Idem 15.
51
PINTO, José de Magalhães. Minas confia no executor supremo dos ideais da revolução”, afirmou o
governador. In: Estado de Minas. 23 de abril de 1964.
Minas, mas era o resultado da interpretação de anseios não só dos mineiros, mas
também dos brasileiros. Ele se põe em posição de herói sensível às necessidades do
povo e com iniciativa suficiente para deflagrar um movimento, assim como o foi
Tiradentes. Na qualidade de governador do estado, ele entendeu como sua função:
honrar as tradições de inconformismo do povo mineiro, nascidas com o movimento de
1789.
Magalhães e seus discursos para o dia de Tiradentes, em Ouro Preto, são ótimos
exemplos para a teoria dos “tempos da heroificação”, formulada por Raoul Girardet.
Em 1964 ele se apresenta como um herói. Um herói que agiu como agiu em nome
de uma tradição e guiado pelos ideais de um ilustre personagem do passado nacional.
Nesse caso ele sintetizou em seu discurso dois dos tempos de heroificação o tempo do
apelo e o tempo presente. Do apelo, quando disse que o país ameaçado pelo comunismo
precisava de alguém que o defendesse, que tivesse a iniciativa de tentar mudar as coisas.
Então propõe uma imagem do herói que o povo almejava, que seria uma pessoa
corajosa o suficiente para articular essas necessárias mudanças.
Indiretamente, passa ao que Girardet chamou de tempo da presença, que seria a
fase em que o herói se apresenta, “em que o curso da história está prestes a se realizar,
mas aquele também em que a parte de manipulação voluntária recai com maior peso na
elaboração mítica”.
52
Aí usa as características de Tiradentes que lhe convieram, para
formular suas próprias características heróicas.
Até que chega ao tempo da lembrança. Nesse tempo o herói já atuou, cumpriu o
seu papel e depende da reativação da memória do passado glorioso, do tempo em que o
ato heróico se deu. Então a seleção das características ou dos fatos a serem lembrados
não depende mais tanto do discursante, mas da memória do espectador. O que o
52
GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. p. 72.
discursante pode tentar, sem certeza de sucesso, é induzir essa memória. Esse recurso
foi usado no segundo ano do período militar.
No ano de 1965, Magalhães, dessa vez como orador principal, apresentou algumas
mudanças significativas mostrando preocupação em manter o significado do golpe de
1964 aceso.
“Esses os ideais que moviam os inconfidentes mineiros.
Libertação do homem, libertação da terra, libertação nacional, sob
um regime livre.
Vemos em nossa revolução Democrática, igual motivação,
idênticos propósitos. (...) Marcamos de novo o dia de nosso
“batizado”. E foi em Minas, outra vez. E outra vez se abriu, daqui
para o país, uma era de liberdade e de novas esperanças.”
53
O golpe de 1964 e a Inconfidência Mineira são mais claramente comparados nesse
discurso que no ano anterior. Primeiro por que o texto diz ver na “revolução
democrática” os mesmos objetivos, que seriam a liberdade do homem nacional e da
terra sob um regime livre, em 1789 da coroa portuguesa e em 1964 da ameaça
comunista. A escolha da palavra “batizado” que fazia parte do código inconfidente que
informaria aos sediciosos o dia exato de deflagração do movimento, para dizer que
marcaram de novo “o dia do batizado”, ou seja, dia da libertação e essa nova marca foi
o dia 31 de março de 1964.
Atente-se para a parte em que Magalhães aproveitando o ensejo da comparação
entre o golpe a Inconfidência, aproveita para lembrar aos espectadores que foi de Minas
que partiu o movimento revolucionário, movimento do qual ele próprio foi parte ativa.
Estabelecendo mais um elo entre os acontecimentos daquele ano e os de 1789.
Israel Pinheiro, quanto a suas participações do Dia de Tiradentes, enquanto foi
governador de Minas Gerais, foi indecifrável quanto ao seu posicionamento político.
53
PINTO, José de Magalhães. Não é hora ainda de dizer que a missão está cumprida. Estado de Minas,
23 de abril de 1965.
Observando a trajetória partidária do ex-governador de Minas Gerais empossado
em 31 de janeiro de 1966, o senhor Israel Pinheiro, percebe-se que a ambigüidade de
sua carreira política não foi exclusividade nos discursos públicos.
Israel fazia parte do PSD (Partido Social Democrático) quando o AI-2 fora
decretado. Esse Ato Institucional determinava, entre outras coisas, a dissolução dos
partidos políticos, permitindo a existência de apenas dois: MDB (Movimento
Democrático Brasileiro), que faria a “oposição”; e Arena (Aliança Renovadora
Nacional), o partido da situação.
No site oficial do PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro)
54
, Israel
Pinheiro é definido como “oposicionista pouco ortodoxo, que rapidamente aderiu ao
poder central.”
55
Isso porque, após a dissolução dos partidos, Israel filiou-se à Arena.
Logo, quando discursou em Ouro Preto no ano de 1966, Israel era filiado
partidário da Arena. Deveria, portanto, defender a posição política da situação sem
deixar margens a outras interpretações.
Em alguns trechos ele cumpre essa função de defensor, mas em outros dá a
impressão de estar tecendo críticas ao governo militar.
“Somos hoje uma grande Nação, com uma população que
cresce num dos mais acelerados índices democráticos do mundo.”
(...)
“Hoje, como ontem, somos um povo faminto de futuro e só o
conquistaremos na medida que realizarmos a bela aspiração do
Tiradentes, a conciliação da República com a Liberdade ou, em
nossos dias, a conciliação da Liberdade com a Autoridade.
Mas, há sempre um denominador em que as divergências
podem confluir. Este denominador é para os mineiros a
consideração do bem comum, ideal que a todos congrega e irmana,
que ninguém diminui ou deprecia, antes exalta pela nobreza de
propósitos e pela sinceridade das atitudes.
A hora presente nos propõe mais uma vez esse desafio.
Acabamos de emergir de uma quadra grave generalizaram-se as
apreensões quanto ao futuro da pátria. Preservados, entretanto,
54
O PMDB é o antigo MDB, que a partir da revogação do AI-2 tornou-se obrigatório a palavra partido
para compor os nomes dos partidos políticos.
55
Ver: www.pmdb-pb.org.br.
pela Revolução, os rumos cristão e democráticos do Brasil,
impõem-se uma pausa nas dissensões ocasionais. Que todos
colaborem irmanmente no esforço por fundar, em termos sólidos e
definitivos, a normalidade institucional, social e política.”
56
A defesa dos índices de crescimento da democracia brasileira condiz com a
postura esperada do governo de Minas, só não condiz com a realidade política
atravessada pelo país no ano de 1966. Por exemplo, os partidos políticos haviam sido
reduzidos a duas opções havia poucos meses.
57
Então ele abre uma seqüência de colocações de difícil definição, quando fala que
só teremos futuro quando realizarmos a aspiração de Tiradentes: “a conciliação da
República com a Liberdade ou, em nossos dias, a conciliação da Liberdade com a
Autoridade.” República com a liberdade, faz sentido, o futuro e o crescimento como
querem os cidadãos brasileiros depende da liberdade, e para isso um sistema
republicano, democrático e representativo se faz necessário.
O problema está com o resto da frase. Parece que ele propõe a conciliação de
liberdade com autoridade, que seria uma liberdade vigiada ou restrita e – à medida que
ocorre vigília e restrição não é mais livre – encontrar esse tipo de “liberdade” seria a
condição para trabalhar pelo futuro desejado pelos brasileiros.
Acredita-se que Israel Pinheiro sabia bem o peso das palavras que acabara de
proferir, pois, logo em seguida, vem com panos quentes para amenizar possíveis efeitos
desagradáveis:“Mas, há sempre um denominador em que as divergências podem
confluir”. Ou seja, realmente não existe liberdade que conjugue com autoridade, mas
pode-se encontrar um denominador comum, um meio termo. E termina dizendo que os
56
PINHEIRO, Israel. Impõe-se na hora presente uma pausa nas dissensões.Estado de Minas, 22 de abril
de 1966.
57
O AI-2 (Ato Institucional nº 2) foi decretado no dia 27 de outubro de 1965. Com ele a ditadura
promovia importantes mudanças no sistema de representação política brasileiro. Como estabelecimento
de eleições indiretas para a presidência da República e a dissolução dos partidos políticos, permitindo a
existência de apenas dois. Ver: GASPARI, Élio. A ditadura envergonhada. As ilusões armadas. São
Paulo: Companhia das Letras, 2002.
mineiros encontraram esse “denominador” e o praticam, mesmo sabendo que não é a
situação ideal, mas que naquele momento isso se faz necessário: “Este denominador é
para os mineiros a consideração do bem comum, ideal que a todos congrega e irmana,
que ninguém diminui ou deprecia, antes exalta pela nobreza de propósitos e pela
sinceridade das atitudes.” Existe então a nobreza de propósitos e, nesse caso, os fins
justificam os meios. Abre-se mão da liberdade pelo engrandecimento do Brasil.
Põe essa atitude de abrir mão da liberdade como um desafio, porque o país
acaba “de emergir de uma quadra grave generalizaram-se as apreensões quanto ao
futuro”.
E aí retorna ao seu papel de defensor do governo militar, quando parece dedicar
esse sacrifício em relação às liberdades aos “revolucionários” que fizeram o bem maior
ao manterem “preservados, os rumos cristão e democráticos do Brasil”. Logo, devem
os cidadãos fazer sua parte, porque para a manutenção das conquistas democráticas e
cristãs “impõem-se uma pausa nas dissensões ocasionais.”
Enquanto Israel foi ambíguo em 1966, o então deputado, pelo MDB, Carlos
Cotta em 1968, foi bem claro, aliás, mais claro impossível. As críticas apesar de poucas
foram imediatas. Devem ter sido poucas, justamente, para não ensejar a repercussão, já
que as tais críticas consideraram subversivo o discurso proferido por ele na Assembléia
Legislativa.
Em seu discurso, Carlos Cotta fez também sua comparação do Brasil em que
vivia com o do período da Inconfidência Mineira, mas comparada aos outros discursos
foi uma comparação bastante ousada e diferenciada.
“Se o Joaquim José, o alferes, aqui estivesse entre nós, estaria
entre os estudantes nas praças públicas, nas passeatas e nos comícios
em protestos veementes contra a violência que não constrói, contra a
opressão que destrói, impedindo o progresso no campo da
inteligência. Se ele aqui estivesse estaria ao lado dos seus camaradas,
nas milícias ou no Exército, a defender o direito do uso da palavra e a
garantia da expressão do pensamento.”
58
A censura já deixava rastros de violência e castração intelectual, embora o AI-5
só tenha sido decretado em dezembro de 1968. A referência a esses “rastros” é bem
explícita no fragmento acima.
A comparação da Inconfidência com o período de governo militar, se dá nesse
discurso ao contrário do que é visto na imensa maioria deles. Aqui, a posição de heróis
do tempo em que foi redigido o texto, são os estudantes e outros cidadãos que se
posicionaram contrários ao governo e que defendiam a liberdade. Diz, ainda que se
Tiradentes estivesse vivo estaria “ao lado de seus camaradas”. Camaradas é uma palavra
de uso complicado para esse período, porque era usada entre os adeptos do comunismo.
Era assim, como camaradas, que eles se tratavam uns aos outros.
Ao dizer que, na história do Brasil, “o preço da liberdade tem sido, em todos os
tempos, o sangue dos bons patriotas, derramado nos patíbulos.”
59
Estabelece
novamente a comparação entre esses dois momentos históricos. A escolha da palavra
patíbulo remete ao modo como Tiradentes foi morto. A forca ficava em cima de um
tablado para que o povo pudesse assistir a execução e testemunhar a impiedade
metropolitana. A violência cometida contra esses “bons patriotas” se estende aos
manifestantes anti-ditatoriais.
Cotta aproveitou para criticar os discursos elaborados para a data do aniversário
de morte de Tiradentes dizendo:
“Neste dia, um discurso acadêmico não tem razão de ser. É
preciso falar de Tiradentes nestes dias para que as fontes de
justiça jorrem de novo sobre as nossas cabeças, águas não
manchadas de sangue pelas sevícias, não misturadas com as
lágrimas de mães aflitas em busca de seus filhos, mas límpidas
como convém à justiça.”
60
58
Evocado o Exemplo dos Inconfidentes. Estado de Minas, 22 de abril de 1968.p.1.
59
Evocado o Exemplo dos Inconfidentes. Estado de Minas, 22 de abril de 1968.p.1.
60
Idem 25.
Reiterando que essa não foi a fase mais violenta da ditadura e acrescentando que
mesmo assim o ano de 1967 fechou com um número nada desprezível de mortos e
desaparecidos, eles também foram lembrados no referido discurso. Esses desaparecidos
políticos é que seriam o objeto de busca das “mães aflitas” mencionadas no excerto
acima.
Atente-se para a escolha das palavras que compõe o apelo de Cotta em relação
ao desespero das tais mães quando disse: “águas não manchadas de sangue pelas
sevícias”. É uma referencia óbvia aos maus tratos infringidos a presos políticos, à
tortura, às desumanidades. Para alguns brasileiros esse discurso poderia até mesmo não
fazer sentido ou poderiam dar-lhe sentido equivocado, mas hoje, sabendo o que
aconteceu durante o governo militar, compreende-se o motivo de ter sido esse discurso
considerado subversivo.
Então ele apela para o passado glorioso e pede ajuda a Tiradentes e à tradicional
luta pela liberdade dos conjurados de 1789. Nesse caso a liberdade desejada é a de
expressão.
“Tiradentes. Levanta-te e vem com os estudantes brasileiros
reclamar o direito de dizer. Vem, com a tua fala, dizer aos que nos
impedem a palavra, que tu morreste para legar-nos o direito de
pronunciá-la.”
61
E então teria fechado sua fala com o seguinte parágrafo:
“E este brado que sai de nossos corações quando volvemos o
nosso olhar às montanhas, a essas casas que foram o palco de uma
destemida caminhada, que não teve o seu termo no exílio nem nas
masmorras nem silenciou-se com as torturas, que não morreu na
forca, mas que nasceu aqui como uma centelha de fogo que
contaminou toda a terra brasileira, que já viu e sofreu regimes de
violência, mas que contaminada de liberdade, liberdade somente
aceita.”
62
61
Evocado o Exemplo dos Inconfidentes. Estado de Minas, 22 de abril de 1968.p.1.
62
Idem 27.
Aqui a luta pela liberdade, que foi travada no passado e continuada ao longo dos
tempos prossegue. “não silenciou-se nas torturas e nem morreu na forca”, ou seja não
mataram o anseio por liberdade ao enforcarem Tiradentes e novamente não
intimidariam os idealistas de então com torturas, pois uma vez que se assumiu a causa
de lutar pela liberdade “liberdade somente aceita.”
Não é preciso quebrar a cabeça para entender porque esse discurso foi
considerado inadequado e subversivo pelas autoridades presentes. Em todos os
discursos analisados não há um único que se aproxime desse em termos de críticas à
ditadura.
Essa matéria só foi encontrada no jornal Estado de Minas e o acontecido se deu
na Escola de Farmácia da Universidade Federal de Ouro Preto, para onde se transferiu a
Assembléia Legislativa acompanhando a transferência simbólica da capital.
É importante dizer que o discurso não foi publicado integralmente. Na verdade
foram publicados trechos no meio da matéria que o apontava como subversivo. É
possível que sua repercussão tenha sido grande e que só tenha sido permitida a
publicação desses trechos por não terem como escondê-lo, pelo menos, não do publico
mineiro.
Ao contrário da tentativa de esconder o discurso de Carlos Cotta, o discurso do
presidente Médici, foi o mais esperado de toda a História do 21 de abril em Ouro Preto,
sendo noticiado desde um mês antes do pronunciamento, tanto pela televisão, quanto
rádio e Imprensa Escrita.
63
A idéia principal era fazer com que o general Emílio Garrastazu Médici fosse
comparado a Dom Pedro I. Para tanto, foi cunhada uma moeda comemorativa, e feita
gigantesca propaganda em cima desse personagem histórico. (Figura 7)
63
Essa divulgação que gerou expectativa em relação ao discurso de Médici em 1972 foi também
divulgada pela iniciativa privada e pelos jornais.
Figura 7: Moeda de 20 cruzeiros cunhada em comemoração ao
Sesquicentenário da Independência. Traz as datas 1792 sendo projetada
do ano 1822 e as faces de Dom Pedro e Médici.
Tiradentes entrou na comemoração do Sesquicentenário da Independência na
condição de protomártir. A Inconfidência é o marco das lutas por um Brasil livre.
Pensando assim foi que a publicidade governamental iniciou o período de seis meses de
festividades, no dia 21 de abril.
Figura 8: Propaganda convocando a nação a participar da festa do Sesquicentenário da Independência.
Nela figuram: Marília Pêra, Paulo Grancindo, Glória Menezes, Tarcísio Meira e Pelé.
Na verdade, o ex-presidente não esteve em Ouro Preto, seu discurso foi feito na
cidade do Rio de Janeiro de onde receberia na manhã seguinte os restos mortais de D.
Pedro I, vindos de Portugal.
Tudo isso fez parte da comemoração do Sesquicentenário da Independência do
Brasil, que começaria no dia 21 de abril e terminaria em 7 de setembro de 1972.
Durante esses seis meses uma série de programações cívicas, bem como a emissão de
uma moeda comemorativa, selo, divulgação do filme Independência ou Morte
64
, entre
outras coisas estariam na programação.
A fala do General Médici, seria transmitida por rádio e televisão às dezoito
horas, horário de Brasília, para todo o país. Na Praça Tiradentes de Ouro Preto, foi
instalado um telão para que os espectadores acompanhassem o pronunciamento, embora
a propaganda tenha sido maior que o discurso.
Segue-se a análise de alguns trechos:
“Meus compatriotas: iniciando, no dia de Tiradentes – nosso
maior herói popular e patrono cívico da nação brasileira – as
comemorações do Sesquicentenário da Independência, em um
imenso encontro dos brasileiros consigo mesmos, queremos todos
significar que o povo é quem faz a história.”
65
Durante todo o discurso Médici se coloca no mesmo patamar que todos os
cidadãos brasileiros, saindo do posto de presidente e passando a ser apenas mais um
admirador de Tiradentes. Ele coloca também o povo na posição de agente da História e
consequentemente das glorias vividas pelo Brasil.
“Reunidos, nesta mesma hora, em milhares de encontros, por
todas as cidades e todos os povoados do Brasil, para colocar no alto,
de pôr do sol a pôr do sol, a bandeira de nossa pátria,
concentramos, na memória do grande alferes, no cavaleiro e porta-
estandarte dos ideais de justiça e liberdade nossa homenagem a
todos os heróis, consagrados, esquecidos ou anônimos, que, antes e
depois do grito do Ipiranga, ajudaram a fazer desta terra uma
grande nação.”
66
O alferes aparece como o guia da nação. A condição de militar não foi tão
exaltada, mas a de herói de precursor da Independência. A construção do discurso de
Médici é toda pautada no homem comum, como ele próprio se coloca.
64
Ver mais informações na Introdução.
65
MÉDICI, Emílio Garrastazu. O discurso do presidente.Estado de Minas. 22 de abril de 1972.
66
Idem 31.
Tiradentes é tratado como um herói, mas, em contrapartida, todos os homens são
tratados como heróis. Ou seja, todos os brasileiros que cumprem suas funções, tenha ele
sua importância reconhecida ou não, contribuem para o engrandecimento da nação e,
portanto, estão todos no mesmo patamar: o dos heróis. Todos são importantes para a
colméia. Sem as abelhas operárias o que seria da rainha e do zangão?
“Não se limite este encontro à comunhão dos amigos: aos
jogos, aos festejos, ao entusiasmo de contágio; às emoções e alegrias
da justa comemoração. Seja ele o encontro de brasileiros solidários,
digo não somente nas horas alegres, senão em todas as horas; seja o
encontro de homens que fazem da justiça social o mais alto valor da
fraternidade humana, o indispensável vínculo entre os brasileiros
providos de instrução, de capacidade de consumo e do exercício da
liberdade e de todos aqueles, irmãos nossos, ainda à margem dos
benefícios da civilização; seja o encontro da comunidade de todos e
nunca da comunidade de alguns; seja o encontro do compromisso
visceral entre o homem e a nação; seja o encontro, por fim, com o
Brasil constantemente valorizado, aperfeiçoado e defendido com
todo o nosso ardor.”
67
Esse parágrafo exprime bem o que foi tentado com toda a propaganda feita para as
comemorações do Sesquicentenário da Independência. Tudo o que foi divulgado pelo
governo no ano de 1972, no sentido de comemorar os cento e cinqüenta anos do grito do
Ipiranga se transformou em convocação.
Convocação da população para a transformação do Brasil ou seria para a aceitação
das reais condições sem questionamento ou, ainda, o trabalho coletivo para a boa
sucessão das metas militares? Como sabê-lo?
O que se depreende desse discurso é que a união dos brasileiros em torno de uma
causa é o objetivo final. O problema está em captar que causa é essa. O método
lingüístico usado é o da aproximação do presidente da República com a população por
ele governada seguido da elevação dessa mesma população à categoria de heróis e finda
com a total comunhão e equalização de todos os cidadãos independente de grau de
67
MÉDICI, Emílio Garrastazu. O discurso do presidente.Estado de Minas. 22 de abril de 1972.
instrução ou classe social. Cada um deveria cumprir sua função tendo consciência de
seu papel para o crescimento do Brasil.
Tiradentes foi para os militares e outros personagens que atuaram no cenário
político contemporâneo ao regime militar, um exemplo a ser seguido. Tanto para a
esquerda, como é o caso do discurso do ex-deputado Carlos Cotta, quanto para a direita.
Acredita-se que não tenha sido só Carlos Cotta a se posicionar de modo diferente frente
aos acontecimentos políticos aproveitando a oportunidade do discurso público em
homenagem à Tiradentes, mas dado ao fato de que a censura entrava em ação e o medo
da repressão coibia a maioria dos insatisfeitos com o regime de se manifestar.
Essas falas não foram encontradas.
TIRADENTES NOS ARTIGOS DO ESTADO DE MINAS E JORNAL DO BRASIL
DURANTE O PERÍODO MILITAR
“BEM VINDOS
AS CATACUMBAS
AQUI
JAZEM
OS POETAS
EM SUAS TUMBAS
NÃO DIZEM O QUE
FAZEM
NO FIM DO MUNDO
NENHUM SOL
NENHUMA FRESTA
QUE LINDO
NEM UM SÓ
RESTA
NINGUÉM MAIS
PERTURBA
O BARULHO DA FESTA”
Augusto de Campos.
68
A poesia que abre esse capítulo é do poeta Augusto de Campos, um dos
melhores do concretismo. Esse texto, que se chama Tour, foi escrito em 1994.
Augusto de Campos começou a sua produção literária em 1951, com a obra O
Rei Menos o Reino e continuou a produzir intensamente. No período que coincide com
o recorte temporal dessa pesquisa – 1964/84 – esse poeta produziu intensamente.
Tour não foi escrito durante a Ditadura Militar, mas uma de suas múltiplas
interpretações pode ser aplicada ao que acontecia naquele período quando se pensa na
ação militar sobre as artes e a imprensa. Colocando os poetas como pessoas que vivem
de se expressar e aqui englobando os jornalistas, durante a Ditadura, esses profissionais
ficaram enterrados, sem quase nenhuma fresta para se comunicar ou dar pistas do que
realmente acontecia.
68
CAMPOS, Augusto de. Tour. 1994
Após silenciar as pessoas que têm a oportunidade de esclarecer os
acontecimentos, ninguém mais poderia perturbar “o barulho da festa”.
A questão da censura, não atingiu o Brasil somente pela mão dos militares. A
imprensa, no Brasil, teve formação bastante peculiar e alternou períodos de liberdade e
repressão.
A imprensa brasileira era proibida, na fase colonial, por oferecer a
possibilidade de conscientização e, portanto, entrava em desacordo com os interesses
metropolitanos.
Embora, haja indícios de impressos anteriores à vinda da família real
portuguesa, o marco oficial para início da imprensa no Brasil, é a criação da Imprensa
Régia, em 1808.
No início do século XIX, outros periódicos apareceram espalhados, em
diversas regiões, não só no Rio de Janeiro, que era a sede do governo e da Imprensa
Régia. Desde esta época, nossa imprensa já conhece a disputa pela informação entre
jornais de interesses antagônicos.
Para fazer frente a seus adversários, a coroa portuguesa chegou a lançar em
Londres O Investigador Português, destinado a combater o Correio Brasiliense de
Hipólito da Costa – que era um perseguido político erradicado em Londres. Este último
jornal teve participação importante no processo de independência do Brasil, junto com
muitos outros periódicos que tinham o mesmo propósito.
E nesta linha de embates jornalísticos, sempre entre dois grupos de interesses
diversos e ataques mútuos, prosseguiu a imprensa e sua história, no Brasil. Durante a
regência, no movimento abolicionista, no movimento republicano e na República
sempre houve jornais de diferentes posições e objetivos. E desde sempre, não sendo
fenômeno exclusivo do Brasil, caminha junto com a imprensa a tendenciosidade na
divulgação das informações.
Maria Helena Capelato escreveu sobre o papel da imprensa na ocasião da
abolição da escravatura:
“(...) a mania de comemorar é perigosa porque pode servir
para impor à opinião pública uma versão dirigida dos
acontecimentos, em benefício de governos e grupos que
desejam a realidade indevidamente deformada.”
69
Ela diz isso por causa das comemorações desencadeadas pela abolição. Essas
duraram dias e a onda comemorativa foi alimentada pela imprensa da época. As notícias
deram a impressão de que o mérito da abolição foi exclusivo da benevolência da
Princesa regente. Os jornais excluem fatos como pressões internacionais, exigências de
setores mais dinâmicos da economia e rebeliões organizadas pelos próprios escravos
bem como a condição de vida a eles imposta. É claro, que não desconsideramos o fato
de que nesta época o fazer jornalístico era muito mais opinativo do que hoje. O caráter
de informação objetiva e imparcial não fazia parte do cotidiano dos jornais do século
XIX.
Nos dias de hoje, o caráter “objetivo” das notícias, não alcança a
imparcialidade total. A subjetividade inerente à escrita das matérias trás consigo
opiniões e narrações manipuladas.
Relembrando que esse tipo de manipulação é muito comum não só no Brasil,
mas em todo o mundo, e não esquecendo que em países que não tenham uma lei de
imprensa bem formulada o problema seja maior. Não se pode desconsiderar que o
jornalista é antes de tudo um indivíduo que tem gostos, aptidões e curiosidades
diferenciadas, o que dá ao material que ele produz caráter singular. O jornalista assim
69
CAPELATO, Maria Helena R. Imprensa e história do Brasil.p.40.
como o historiador imprime em seu trabalho a sua subjetividade. Ele escolherá um tema
em detrimento de outros, dentro deste tema dará enfoque a certos aspectos do fato e
deixará outros de lado e por mais objetivo que tente ser seu trabalho se o leitor exercer
seu papel crítico perceberá o ponto de vista, a opinião do repórter sobre o tema em
questão.
Além da questão da subjetividade, dependendo do contexto histórico e da
instituição em que trabalhe, o jornalista não tem escolha em relação a que linha seguir.
Os editores, censores, donos de jornais, patrocinadores entre outros fatores, exercem
poder de direcionamento ideológico sobre o produto final.
Segundo Perseu Abramo, os órgãos da imprensa não refletem a realidade. A
maior parte da informação oferecida tem algum tipo de relação com a realidade, mas
não a repassa tal qual ela é. Oferece uma realidade artificial, irreal criada e desenvolvida
pela imprensa.
“O jornal existe enquanto fenômeno de linguagem, discurso construído,
palavra dirigida.”
70
Ao jornal escrito é conferido um status de verdade que nem sempre
é correspondido. A partir do momento em que a notícia chega ao leitor o que está
impresso, naquelas páginas, passa a ser encarado como verdade, sem que se tente
perceber alterações ou que se procure averiguar o que está escrito, a menos que se esteja
envolvido com o conteúdo da notícia. Como coloca Darnton em O Beijo de Lamourette,
quem procura os créditos no final das reportagens são as pessoas que as protagonizam
ou que são ligadas a instituições envolvidas na notícia, fora este tipo de leitor, somente a
concorrência quer saber quem está escrevendo sobre determinado assunto, em outro
jornal.
70
FRANÇA, Vera Veiga. Jornalismo e vida social. A história amena de um jornal mineiro.p.26.
Como muitos dos leitores não têm comportamento crítico diante do que lêem
nos jornais, esse público “se move num mundo que não existe, e que foi artificialmente
criado para ele justamente a fim de que ele se mova nesse mundo irreal.”
71
Obviamente, não é todo o material jornalístico que é manipulado, se assim
fosse esse sistema seria auto-destrutivo. Mas, uma parte significativa das informações
sofre alterações. Os alvos são, principalmente, as questões políticas e econômicas. O
que não quer dizer, que os outros assuntos saiam completamente ilesos e nem que todo
o material jornalístico, que se refira a política e a economia, seja alterado.
No período imediatamente anterior à ditadura militar, especialmente, a grande
imprensa brasileira apoiou a queda do governo João Goulart. Mesmo os jornais que
depois do golpe iriam ser contrários ao regime militar, foram a favor da “revolução”. A
imprensa teve grande importância na organização e na cobertura da chamada “Marcha
da Família com Deus pela Liberdade”.
Após o golpe a imprensa de grande circulação se mostra exultante e cheia de
boas expectativas para o futuro. A luta contra o mal comunista está presente em várias
manchetes nos jornais.
“A imprensa e o poder revolucionário estabelecem relação direta, íntima, mas
que não chega a ser duradoura.”
72
Logo nos primeiros meses do regime militar alguns
jornalistas já começam a se posicionar contra o governo. Também não tardaram as
primeiras amostras da repressão.
Embora a censura prévia só viesse ser decretada em 1970, os jornais já
recebiam represálias por parte do governo, na fase anterior. Uma prova de que o
governo militar estava temeroso em relação ao comportamento da imprensa e decidido a
agir para controlá-la está no AI-2, que o permitia intervir na imprensa.
71
ABRAMO, Perseu. Padrões de manipulação na grande imprensa.p.24.
72
BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica. História da imprensa brasileira.p.323.
Após da decretação do AI-5, as coisas pioraram e a censura, agora
definitivamente instalada, mudaria ainda mais a rotina nas redações dos grandes jornais.
Fosse pela atuação de censores ou pelo seguimento das normas ditadas pelo “livro negro
da censura”, que conduzia a auto-censura das matérias.
Segundo Beatriz Kushnir, parte da imprensa não era censurada pelo governo.
No Brasil, o Estado manda pouco porque não é forte, ele seria mais fraco que os
interesses da classe dominante. Em alguns jornais, o próprio dono censurava algumas
notícias conforme seus interesses e os jornalistas, equivocadamente, acreditavam ser do
interesse do patrão combater a censura assim como era para eles. Outra prática era a de
publicar informes vindos do governo como se fossem produzidos por eles mesmos.
73
Como formas de resistência aparecem muitos periódicos alternativos, que
terão o esquema repressivo vigiando muito mais de perto e a Grande Imprensa
desenvolveu alguns meios de fazer do espaço deixado pela reportagem censurada uma
forma de chamar a atenção para o que estava ocorrendo dentro das redações.
Exemplos deste segundo tipo de resistência são receitas de bolo em lugares
despropositados no jornal e que caso alguém as experimentasse não dariam certo; os
anjos e demônios que preencheram as páginas censuradas da revista Veja; ou
simplesmente páginas inteiras ou espaços em branco nas folhas de jornal por entre as
matérias.
Por outro lado, muitas empresas de comunicação social se beneficiaram por
serem coniventes com o regime, por exemplo, a Rede Globo. Neste hall estão inclusos
os Diários Associados de Assis Chateaubriant.
73
Ver: KUSHNIR, Beatriz. Cães de guarda: entre jornalistas e censores. In: REIS, Daniel Arão;
RIDENTI, Marcelo & MOTTA, Rodrigo Patto Sá. O golpe e a ditadura militar 40 anos depois (1964-
2004). Bauru: EDUSC, 2004.
Não seria surpresa para os leitores do Estado de Minas, que ele se posicionasse
a favor do poder uma vez que seu proprietário sempre se posicionou ao lado do governo
fosse qual fosse o direcionamento político.
Na ocasião da implantação do Estado Novo, o senhor Chateaubriant que até
então se declarava liberal, disse que era fervoroso admirador do nazismo e sugeriu que
Vargas imitasse os alemães.
74
Através de um panorama geral do que era publicado pelo Estado de Minas,
pode-se traçar que tipo de matérias circulava nos jornais de Grande Imprensa durante a
censura imposta pelos militares, independente do consentimento ou não dos donos
desses mesmos jornais.
Muitas matérias falavam dos países comunistas e das dificuldades que estes
estariam enfrentando, em especial: Cuba e a URSS. Às vezes as matérias não eram
endereçadas aos países comunistas, mas no meio de outros assuntos estão incluídas
criticas a este sistema. Por exemplo, em uma matéria sobre o sistema judiciário
brasileiro vem incluso um comentário desmerecedor do judiciário cubano. Também era
muito recorrente matérias afirmando que o anticomunismo está crescendo em outros
países como quem diz que o mundo está despertando e se organizando contra o mal.
Este tipo de reportagem dá inclusive números de comunistas que foram presos ou
mortos no exterior.
Eis algumas manchetes de matérias sobre o comunismo publicadas pelo
Estado de Minas: “Cresce o anticomunismo em Jacarta: edifício destruído” (14 de
outubro de 1965); ”Fidel Castro exclui Guevara do novo comitê do partido comunista
em Cuba” (03 de outubro de 1965) – nesta matéria a impressão que o jornal dá é de que
74
Ver: CAPELATO, Maria Helena R. A imprensa na história do Brasil. In: Imprensa e história do Brasil.
col. Repensando a História. 2ed. São Paulo: EDUSC/Contexto, 1994.
Fidel teria traído Guevara ao excluí-lo dos postos de mando, em Cuba; “O que seria de
Svetlana se ela não se chamasse Stalin” ( 01 de março de 1968).
Esta última manchete é de uma reportagem sobre a filha de Stalin que estaria
morando em Nova York. O texto fala dela como uma grande esperança para as relações
entre os Estados Unidos e a União Soviética. A idéia repassada é de que mesmo
nascendo no ambiente em que nasceu, sendo filha de quem era, foi possível crescer uma
pessoa de princípios louváveis e que fez a opção certa em deixar seu país de origem
antes de se contaminar com a ideologia maléfica do comunismo.
Em todas as vezes que o Estado de Minas fez a cobertura de uma passeata ou
de uma mobilização popular reprimida, como já era de se esperar, deu razão à repressão.
A única exceção encontrada foi a cobertura do assassinato do estudante Edson Luiz de
Lima Souto, que foi morto pela polícia Militar do Estado da Guanabara.
Dois dias depois, da morte do estudante Edson Luiz, o Estado de Minas
publicou a seguinte matéria: “Incidente não afetou o prestígio militar”
75
. Esta foi uma
pequena nota que dizia que foi realizada uma pesquisa nos dois dias anteriores a esta
publicação, pesquisa esta que tinha por objetivo avaliar como a sociedade via as Forças
Armadas depois da morte do estudante. A pesquisa “relâmpago” concluía que a
confiança popular nas Forças Armadas não havia sido abalada.
Como pôde ter sido realizada uma pesquisa de opinião pública em tão pouco
tempo? Essa foi uma questão tão inevitável que nem o jornal se negou a fazê-la, embora
a tenha feito de modo não explicito. Mas, o importante é que a matéria de limpeza da
imagem das Forças Armadas foi publicada e que depois disso nada mais se falou nesse
jornal sobre a morte do estudante.
76
75
ESTADO DE MINAS. Incidente não afetou o prestígio militar. 31 de março de 1968.p.5.
76
Observa-se que durante a Ditadura não há nítida separação entre as polícias, civil, militar, federal e as
Forças Armadas. Tudo o que se relaciona com a segurança local, regional ou nacional é apresentado ao
grande público como sendo a mesma coisa. No caso da morte do estudante do restaurante Calabouço, os
“Recriando a realidade a sua maneira e de acordo com seus
interesses político-partidários, os órgãos de comunicação
aprisionam os seus leitores nesse círculo de ferro da realidade
irreal, e sobre ele exercem todo seu poder.”
77
Neste trecho Perseu Abramo explicita o que acontece com a população que
consome o tipo de informação que era veiculada na Ditadura Militar. O leitor é
envolvido em um emaranhado de informações manipuladas, que no caso deste jornal
não podem ser ignoradas dado ao grande número de tiragens.
É óbvio, que a pequena parcela intelectualizada da população não era tão
facilmente seduzida por esse tipo de informação, mas o público para o qual se dirigia
consumia e era consumido, por essas reportagens maquiadas.
Entre essas reportagens maquiadas, manipuladas ou, simplesmente, forjadas
estão as coberturas de homenagens a Tiradentes. A maior parte das matérias que usavam
Tiradentes e a Inconfidência Mineira como pano de fundo, não se enquadravam nos
esquemas de resistência, mas ao contrário, eram veículos da repressão.
Como já foi mencionado na introdução dessa dissertação, a Inconfidência foi
apenas um dos incontáveis motes de que se serviu a ditadura para exercer o controle
social através da implantação ideológica. Através dos textos dirigidos à Inconfidência
Mineira foi possível traçar como eram formulados esses textos e qual a contribuição do
período militar para a (re)construção do mito inconfidente.
2.1 – Tiradentes, o Anticomunismo e os “Vivas” à Revolução.
Após o golpe de 1964 e nos anos que se seguiram, muitas notícias e colunas de
cunho opinativo fizeram ligações entre o mal e o comunismo.
assassinos são da polícia Militar do Estado da Guanabara, mas o Exercito, ao que tudo indica, achou
prudente limpar sua imagem, o que pressupõe a possibilidade de vinculação entre essas duas instituições.
77
ABRAMO, Perseu. Padrões de manipulação na grande imprensa. p.47.
Como explicita bem Rodrigo Patto Sá Motta, o anticomunismo estava em seu
segundo grande surto, que começou em 1961, explodiu em 1964 e precisava se manter
atual como forma de justificar o golpe militar.
No cenário internacional “sob impacto da revolução cubana a América Latina
se viu lançada para o centro da guerra Fria” e em solo nacional o Brasil via-se “não só a
reestruturação do PCB, que começava a se recuperar das crises e cisões decorrentes da
‘desestalinização’, mas o surgimento de novas organizações esquerdistas”.
78
No caso das matérias de jornal que se referem a Tiradentes, algumas colunas
de opinião aproximaram a situação vivida pelo Brasil, no pós golpe de 1964, para
reforçar o anticomunismo e dar as boas vindas ao governo “revolucionário”.
Para discutir essa temática foram selecionados dois artigos, ambos do jornal
Estado de Minas. O primeiro chama-se Uma Festa Cívica e o segundo À Sombra de
Tiradentes.
O texto Uma Festa Cívica é assinado pelos Diários Associados e inicia
tratando do poder comunicador dessa empresa. Fala muito da tecnologia disponível, da
preocupação e do investimento para transmitir as comemorações do dia de Tiradentes,
mas quase não trata da Inconfidência.
Apesar disso, reúne várias das principais idéias transmitidas pelos jornais
quando esses se propõem a ligar Tiradentes ao golpe do dia 31 de março de 1964.
“Para a execução deste plano, destinado a dar realce inusitado
às solenidades comemorativas da Inconfidência Mineira
contamos com total cooperação do Governador Magalhães
Pinto. Mostra-se o dirigente estadual muito interessado em
divulgar essa reunião democrática que alcança agora um alto
sentido cívico depois da vitória da revolução libertadora.”
79
Onde está escrito “revolução libertadora” leia-se “golpe militar”. É verdade
que Magalhães Pinto tinha muito interesse na divulgação dessa festa e também nos
78
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho.p.221-223.
79
ESTADO DE MINAS. Uma festa cívica. 18 de abril de 1964. p. 4
aplausos que seriam dirigidos aos responsáveis pelo golpe. Isso porque ele mesmo foi
um dos personagens mais importantes desse movimento. Magalhães Pinto, que
pretendia se candidatar à presidência da República e que já era visto como líder civil da
revolução, não poderia ter melhor palco para fazer valer suas intenções que a festa do
dia 21 de abril, em Ouro Preto. Essa idéia se repete algumas linhas abaixo onde se lê “o
Sr. Magalhães Pinto se tornou autoridade bastante para indicar rumos futuros ao Brasil.
Foi ele quem sacudiu a árvore e os outros colhem os frutos(...).” Magalhães teria sido o
responsável por deflagrar o movimento, o reconhecimento maior ficou para o Exército,
mas todos os brasileiros colheriam os frutos.
Então o redator apresenta razões para o tamanho das festividades de 1964 e
para a transmissão da mesma.
“Para o processo de redemocratização do Brasil e erradicação
dos extremismos intolerantes, nada melhor que o contato com
as velhas matrizes do civismo brasileiro, como é o caso de
Ouro Preto. Ademais, as gerações atuais se mostram dignas da
herança que receberam dos inconfidentes, porque estão
sabendo conservar o riquíssimo patrimônio moral de que se
compões a democracia.”
80
Aos olhos de hoje, a primeira frase pode soar irônica, mas o movimento que
acabava de acontecer dava sinais de ser bem intencionado, melhor dizendo, era o
movimento pela libertação da opressão pretendida pelo comunismo. Quando o autor diz
“erradicação dos extremismos intolerantes” o erradicado é justamente o que vem da
esquerda. E tudo o que vinha da esquerda era taxado de comunista. A dignidade das
gerações em relação à herança dos inconfidentes está justamente aí.
“Se incorrermos nos mesmos erros, capitulando diante do
avanço extremista e da corrupção, que é o caído da cultura do
comunismo.
A data da inconfidência será este ano um testemunho de fé no
regime, como o concebemos e praticamos. ”
81
80
ESTADO DE MINAS. Uma festa cívica. 18 de abril de 1964. p. 4
81
ESTADO DE MINAS. Uma festa cívica. 18 de abril de 1964. p. 4
Fecha-se o texto dando nomes claros ao que já estava nas entrelinhas.
Extremismo é igual a corrupção e ambos são derivados do comunismo.
A inconfidência, assim como o regime recém instalado, veio para salvar a
nação. Os verbos conceber e praticar, conjugados no tempo presente e na primeira
pessoa do plural, se referem à vontade de toda a população que é responsável direta pela
criação do novo regime.
O segundo, À Sombra de Tiradentes, é tão explícito quanto o primeiro em suas
intenções. A diferença é que além de cumprir o seu papel ideológico dá mais espaço ao
mártir em questão: Tiradentes. Aliás, esse texto dá espaço a várias temáticas e
personagens.
“Hoje, à sombra da estátua de Tiradentes, em Ouro
Preto, vão ser renovados não só pelo presidente da República,
que é o principal orador da solenidade, mas por todos os
cidadãos, desde o mais graduado até o mais modesto, os nossos
votos de confiança no regime democrático. Agora as gerações
brasileiras dos dias atribulados em que vivemos podem
enfrentar Tiradentes, face a face, porque souberam cumprir os
compromissos que assumiram com os inconfidentes, qual o de
preservar o regime da liberdade, que eles sonharam e por ele
se sacrificaram.”
82
O regime democrático reverenciado pelo Presidente da República, Castelo
Branco e, por todos os cidadãos. Isso seria feito à sombra produzida pela estátua de
Tiradentes, em Ouro Preto, pois só naquele momento, depois de apoiar o nascente
governo poderiam os brasileiros encarar Tiradentes face a face.
A revolução estaria então na posição de autora da façanha definitiva para a
realização dos sonhos dos inconfidentes. Estava, graças aos revolucionários de 1964,
paga a dívida de gratidão pelo sacrifício feito por aqueles ilustres mineiros do século
XVIII.
82
ESTADO DE MINAS. À sombra de Tiradentes. 21 de abril de 1964. p.4.
Então, passa-se à glorificar a revolução e a justificar suas causas:
“A revolução vitoriosa restabeleceu a democracia, que vinha
sendo vilmente traída, e recompôs a vida republicana,
processando-se ainda o expurgo dos corruptos e comunistas
que infelicitavam a nação.”
83
As causas que justificam a ação militar vão além de restabelecer a democracia,
que estava em risco, por causa da traição de corruptos e comunistas, que estavam
traindo a república.
A partir desse ponto o autor dá nome aos inimigos da nação. Ele assume uma
posição mais agressiva, tratando o inimigo derrotado com palavras e expressões
bastante duras.
“O que o povo deseja – e deve ser este o maior compromisso
perante Tiradentes – é que a revolução atinja plenamente seus
altos objetivos. (...) Apesar do esforço de diluição dos alicerces
do regime tentado pelos governos anteriores, manteve-se ele
rigorosamente rígido nos seus embasamentos morais. E daí ter
conseguido resistir incólume à ação dos inimigos da liberdade.
Dizemos incólume, porque o povo não foi atingido, não se
deixou corromper, não aceitou a bazofia. Apenas uma ridícula
minoria manobrada por organismos espúrios acreditou em
salvação com Jango. O país inteiro viu, realmente, que não era
possível nenhuma recuperação material e moral com o governo
que aí estava – inepto e corrupto. Só os dirigentes acreditavam
na reação do povo em favor deles. Todos nós sabíamos que a
revolução seria recebida, como realmente o foi, como uma
salvação. O ambiente de agitação estava já sangrando a Nação
na veia da saúde. A produção caía assustadoramente e a
desconfiança alargava suas áreas atingindo as forças de
resistência essenciais. Ninguém mais podia trabalhar. Eram o
temor, as ameaças, em nome de reivindicações que os próprios
governantes de então nelas não confiavam. Faziam delas
apenas bandeiras de discórdia, conflitos de classes,
incompreensões. Era essa a situação geral do país. Quando as
gloriosas Forças Armadas unidas aos civis democratas, se
ergueram unidas e destruíram as bastilhas do ódio e da
traição.”
84
83
ESTADO DE MINAS. À sombra de Tiradentes. 21 de abril de 1964. p.4.
84
ESTADO DE MINAS. À sombra de Tiradentes. 21 de abril de 1964. p.4.
É preciso desconstruir esse texto para que se entenda a força e a escolha de
várias expressões.
O Brasil só teria se reerguido graças a retidão dos princípios morais que não se
abalaram, mas com a ação dos governantes que fizeram o esforço de diluição dos
alicerces. Essa clareza de objetivos é que propiciou o apoio requerido pelas Forças
Armadas, para que a nação saísse incólume do processo de degradação das instituições
políticas, em que se encontrava.
A partir daí, o autor dá o nome do responsável pela desordem e passa a falar
com mais agressividade sem deixar dúvidas. Quando diz, “Apenas uma ridícula
minoria manobrada por organismos espúrios acreditou em salvação com Jango”,
consegue menosprezar as pessoas que apoiavam João Goulart e ainda desautorizar o ex-
presidente quanto a sua atuação, na posição de chefe da pátria. Quem convenceu essa
ridícula minoria, foi uma calculada ação de manobra, de enganação idealizada e
praticada por organismos ilegítimos. Essas pessoas, manipuláveis como fantoches, é que
acreditaram em salvação com Jango. Salvação para os problemas brasileiros, mas essa
palavra tem também um significado místico. Salvação é termo forte demais para se
aplicar a uma conjuntura política. Nesse caso, João Goulart seria uma espécie de líder
do mal que manobraria uma parcela da população, em nome de uma causa ilegítima. Ele
não é sequer tratado por seu nome, mas pelo apelido.
Pouco a frente, ainda no mesmo parágrafo, a salvação, que representa o fim de
todos os pesares e, que não poderia ser alcançada por Jango, estava nas mãos do
governo revolucionário – os militares. João Goulart que era o líder de um governo
inepto e corrupto não convenceu a incólume população que, por sua vez, recebeu de
braços abertos a “revolução”.
As reivindicações e o clima de agitação que realmente aconteceram nos meses
finais do governo Goulart são apresentados como agitação causada unicamente pela
incompetência do governo que havia terminado a menos de um mês. O que algumas
pessoas chamam de agitação, outras de liberdade de expressão, incompetência
governamental ou outro nome qualquer, o autor do texto À sombra de Tiradentes
nomeia como “bandeiras da discórdia” e “conflitos de classes”.
Detalhe para a expressão “conflito de classes”. Acredita-se que tenha sido usado
justamente para se opor à expressão que traduz a teoria marxista “luta de classes”. Não
seria então a luta, a reivindicação por melhores condições de vida e distribuição de
renda, mas o conflito vazio de objetivos fomentando apenas o choque, desordem,
baderna.
Até que esse quadro de caos teve seu fim graças à visão e à ação das gloriosas
Forças Armadas que unidas aos civis que não haviam sido contaminados pela agitação
cega, se ergueram e “destruíram as bastilhas do ódio e da traição”.
Bastilha! Essa palavra remete, instantaneamente, à Revolução Francesa
simboliza um marco de transição de governo despótico para um popular. É o fim da
opressão e anúncio de uma nova era mais próspera.
A Bastilha foi prisão símbolo do despotismo na França, foi destruída no ano de
1789, mesmo ano em que foi delatado a Inconfidência Mineira.
A queda da Bastilha é considerada o episódio que marca o fim do absolutismo
francês. Logo, o texto põe o golpe de 1964, como marco para o fim do ódio e da traição.
Ódio e traição são temas que segundo Rodrigo Patto Sá Motta, figuraram com
bastante freqüência no ideário anticomunista. Outra temática que está presente no texto
analisado, mas que é menos clara é a da infiltração.
Segundo Motta, durante o governo Jango, “denunciava-se que o aparato do
governo federal estava infestado de comunistas, a quem Jango, supostamente, entregara
postos de mando.” Nesse caso, o ex-presidente se torna figura ainda mais fraca e
manipulável, pois de acordo com a propaganda o que os comunistas pretendiam era
“ocupar sozinhos o poder.”
85
O que justifica o posicionamento do jornal nesse artigo.
O final do artigo preocupa-se em dar ao nascente governo respaldo para
continuar sem questionamentos quanto a sua necessidade. Não só nesse, mas como já
foi dito, esses temas são bastante recorrentes e, portanto, não há necessidade de repetir
todos os textos que contenham falas, nesse teor.
Ao dizer que “A revolução não foi ganha ainda inteiramente. Venceu a primeira
etapa.” Deixa-se claro que muito há por fazer e que a nação brasileira precisa das Forças
Armadas assumindo o controle para garantir o sucesso da empreitada.
O povo pediu e o Exército conseguiu a “expulsão do governo Goulart”, mas
ainda precisava acabar com os resquícios maléficos deixados por aquele governo. Era
imprescindível “ganhar a paz, restabelecer a normalidade republicana, criar condições
para a reconstrução nacional”.
Construindo um ideário de que Goulart era peça fundamental para o sucesso do
maquiavélico plano comunista, mas não era culpado sozinho o texto prossegue
afirmando que esses “bandidos vermelhos” ainda estavam entre os brasileiros de bem e
que teriam inclusive conseguido se infiltrar e usar o nome da “venerável Igreja” – nesse
caso Igreja Católica.
Não era necessário eliminar somente os comunistas e então o autor apresenta
outros nomes: “Batista corrupto gerou Castro”.
85
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho. p.131.
Dessa vez liga a situação a que o Brasil poderia chegar caso não acordasse e não
se dispusesse a caçar os corruptos, ao que havia acontecido em Cuba, o calcanhar de
Aquiles do capitalismo americano.
O “Batista corrupto” é o general Fulgêncio Batista, último presidente cubano
antes da revolução socialista de 1959, que foi empossado por um golpe militar. A
revolução socialista que veio para substituir o governo corrupto de Batista é que deu o
poder a Fidel Castro. Logo, a corrupção de Fulgêncio Batista é que foi a responsável
pelo sucesso da implantação do sistema socialista, em Cuba.
A “luta sem quartel” pode ser lida como uma convocação à população civil para
que auxiliem o governo a cumprir sua missão. É uma forma de envolver os civis
tornando-os cúmplices, fazendo-os sentir parte de um todo, de um movimento nacional
que depende do comprometimento de todos os setores da população, como se fosse uma
engrenagem, onde cada peça cumpre seu papel e trabalha unida por um objetivo
comum.
Arrematando o artigo o autor retorna seu olhar para as festividades, do 21 de
abril, e pede que sejam formulados, como uma promessa, os votos sob a estátua de
Tiradentes.
2.2 – Tiradentes, o Teatro e a Poesia nos Jornais.
Em 1967, o grupo Arena de Teatro estreou mais um sucesso de público com a
peça, Arena conta Tiradentes, no mesmo estilo da já consagrada Arena conta Zumbi
(1965).
Os jornais da grande imprensa anunciavam, para o dia 21 de abril, daquele
ano, a estréia nacional da peça que contava com grandes nomes da arte cênica nacional
e prometia ser um musical com canções feitas especialmente para esse espetáculo,
assinadas por grandes nomes da música popular brasileira, consagrados pelos festivais
da canção. (Figura 9)
Figura 9: Recorte do jornal Estado de Minas de 22 de abril de 1967.
A peça foi um musical muito assistido, sucesso de público.
Entre os atores em questão, estavam Dina Sfat, Gianfrancesco Guarnieri, Davi
José e Jairo Arco. As canções foram compostas por Caetano Veloso, Gilberto Gil e
Sidney Muller.
A foto acima foi tirada durante a apresentação da estréia em Belo Horizonte,
mas a primeira apresentação da peça havia sido no Teatro Marília em São Paulo dia 12
de abril de 1967. Pouco antes da estréia, em São Paulo, a peça vinha sendo anunciada
nos jornais.
Não foram encontrados, nem no Estado de Minas nem no Jornal do Brasil
comentários críticos sobre o Arena conta Tiradentes. Ao que parece esses anúncios não
partiram dos jornais, nem de ninguém vinculado ao governo, mas dos patrocinadores.
Isso porque o único anuncio acompanhado de imagem, foi o que está acima. E mesmo
os textos, são muito parecidos com mudanças quase imperceptíveis. Não se encontra
nos jornais nenhum trecho da peça.
Nas palavras de um dos autores da peça, Gianfrancesco Guarnieri, em
entrevista à Folha de São Paulo, publicada no dia 24 de abril de 2005, a opção por levar
ao teatro personagens históricos foi porque “A única coisa que a gente poderia fazer
era sobre a história brasileira, porque aí ninguém cobraria, não proibiriam logo de
cara.”
86
E foi isso que aconteceu a propaganda convidando a população para assistir a
peça estava em todos os jornais, mesmo sendo os autores, atores e músicos envolvidos
profissionais vistos com reservas, pelo governo.
A peça tem características bem inovadoras para a época. Segundo Augusto
Boal, Arena conta Zumbi, que tinha o mesmo estilo de texto e apresentação, foi uma
experiência bem sucedida e seria repetida de forma mais enfática com outro herói:
Tiradentes.
A maior inovação era a estrutura “Coringa” de organização teatral. “Não se
distribuem personagens aos atores, mas sim funções de acordo com a estruturação geral
dos conflitos do texto”.
87
Existem apenas dois personagens fixos, o protagonista e o
coringa. Os outros atores se distribuem em dois blocos o Deuteragonista e o
86
FOLHA DE SÃO PAULO. Aos 70 anos, Gianfrancesco Guarnieri relembra Zumbi e Tiradentes. 24 de
abril de 2005.
19
BOAL, Augusto. As estruturas do coringa. In: Arena conta Tiradentes.p.37.
Antagonista. Os grupos Deuteragonista e Antagonista são chamados de coros e cada
coro tem uma espécie de condutor chamado Corifeu.
O coringa assume múltiplas funções. Ele é o narrador, pára a peça para que o
personagem apresente seus pensamentos, lança novas situações nas quais os atores
devem se adequar, entre várias outras funções. “Assim todas as funções teatrais são
conferidas a função coringa: é mágico, onisciente, polimorfo e ubíquo.”
88
Diferentemente da peça Arena conta Zumbi, nessa o coringa além de
desempenhar todas as funções já arroladas, atuou como personagem incorporado à
trama no ultimo ato “se integrando como se subitamente não mais interessassem peça,
personagens, idéia central, nada, a não ser acompanhar o herói no seu martírio.”
89
Arena conta Tiradentes tinha a missão de contestar o regime, de conscientizar.
Trazia, nas entrelinhas, incentivos para que os espectadores questionassem a situação
que vivia o Brasil naquela época – 1967. O texto, de Augusto Boal e Gianfrancesco
Guarnieri, aproveita o mito inconfidente, mantendo o que o público já tem sedimentado
em sua memória, para levá-los a pensar sobre sua condição, sobre o Brasil da década de
1960.
Boal é bem claro quando diz que não concorda com desmitificaçõe de heróis,
mas com desmistificações sim. “O mito está mistificado. Não é o mito que deve ser
destruído, é a mistificação, não é o herói que deve ser empequenecido; é a sua luta que
deve ser magnificada.” Para ele não é papel do teatro desmitificar o herói, não se deve
pensar em Tiradentes como mártir da Independência, mas como um homem
revolucionário, “transformador de sua realidade.”
90
Essa faceta do herói explorada pelo Arena fica bem definida na última fala do
coringa, depois da morte do alferes, já no epílogo da peça:
88
BOAL, Augusto. As estruturas do coringa. In: Arena conta Tiradentes.p.39.
89
BOAL, Augusto. Tiradentes: questões preliminares. In: Arena conta Tiradentes.p.52.
90
BOAL, Augusto. Quixotes e heróis. In: Arena conta Tiradentes.p.39.
“CORINGA: A independência Política contra Potugal foi
conseguida trinta anos depois da forca. Se Tiradentes tivesse o
poder dos inconfidentes; se os inconfidentes tivessem a vontade
de Tiradentes, e se todos não estivessem tão sós, o Brasil
estaria livre trinta anos antes e estaria novamente livre todas
as vezes que uma nova liberdade fosse necessária. E assim
contamos mais uma história. Boa noite!”
91
Se em outros tempos alguém, já tinha se revoltado com a situação da terra em
que vivia, nos tempos de então isso poderia, perfeitamente, tornar a acontecer. Esse é o
exemplo que o Arena aproveita do mito de Tiradentes, para instigar a reflexão do
público.
Em 1970, uma outra peça foi encenada na praça Tiradentes, de Ouro Preto,
como parte das comemorações do dia 21 de abril. O nome era: A Inconfidência na
Praça. O Estado de Minas publicou todo o texto da encenação, que bem ao contrário do
grupo Arena, não pretendia questionar nada, apenas exaltar e homenagear os
inconfidentes.
O texto na verdade era uma miscelânea de outros textos. Os fragmentos eram
de: Cecília Meireles, Carlos Drummond Andrade, Shakespeare, Bueno de Rivera,
Afonso Ávila, Alvarenga Peixoto, Tomaz Antônio Gonzaga, Maiakovski e dos Autos da
Devassa. O responsável por agrupar todos esses autores foi J. D’Ângelo, que foi
também o autor dos trechos de ligação.
Essa peça foi narrada por Paulo Autran e encenada pelos grupos de arte Ballet
Minas Gerais e Aruanda. É composta por dez atos. O primeiro ato inicia logo depois do
esquartejamento, então retorna ao inicio da conspiração, até que no nono ato ocorre o
enforcamento e o décimo fecha a peça com um emocionado discurso moralizante. O
personagem que profere esse discurso é o próprio Tiradentes e o ato se chama
Tiradentes fala ao povo.
91
BOAL, Augusto & GUARNIERI, Gianfrancesco. Arena conta Tiradentes. p.163.
“Ó grandes oportunistas sobre o papel debruçados, que
calculais mundo e vida em contos, doblas, cruzados, que
traçais vastas rubricas e sinais entrelaçados com altas penas
esguias embebidas em pecado! Levantai-vos dessas mesas, saí
de vossas molduras, vede que masmorras negras, que
fortalezas seguras, que duro peso de algumas que profundas
sepulturas nascidas de vossas penas, de vossas assinaturas!
Por sentenças, por decretos divinos: e hoje sois, no tempo
eterno, como ilustres assassinos.”
92
Na verdade esse trecho faz parte da obra Romanceiro da Inconfidência da
autora Cecília Meireles. E combina inteiramente com o tom dramático e angustiante
presente em toda a montagem feita por J. D’Angelo, que constituiu a peça Tiradentes na
Praça.
Sobre peças teatrais, que envolvam a Inconfidência Mineira, apenas foram
encontradas essas duas referências: a propaganda de Arena Conta Tiradentes e o texto
da peça Tiradentes na Praça.
Várias poesias dedicadas a Tiradentes estamparam os jornais mineiros do
período entre 1964 e 1984. Dentre elas foi selecionada uma.
A maior parte dessas poesias não diferem em tema, nem em objetivo. Seus
autores, simplesmente, pretendiam exaltar o herói da Inconfidência Mineira. Exceto
uma delas, que se trata de um texto irônico de 1970 e estava em uma coluna chamada A
História Alegre de Belo Horizonte escrita por Djalma Andrade - acredita-se que tenha
sido ele próprio o autor.
“Homens de várias correntes,
Luíam com todo furor:
- Semana de Tiradentes,
É a hora do historiador!
A campanha se avizinha
E vai até a contenda:
Tinha barbas ou não tinha?
92
MEIRELES, Cecília. Romance LXXXI ou Dos Ilustres Assassinos. In: Romanceiro da Inconfidência.
Adaptado como fala do personagem Tiradentes na peça de teatro encenada nas comemorações do dia 21
de abril de 1970, na cidade de Ouro Preto, por J. D’Angelo.
- Quem sugeriu a legenda?
Ninguém lhe guardou os traços
(Boca que tanto falou)
Partido em pedaços,
Em qual alma ficou?
E a discussão esquisita
Chega a termos colossais:
E a Marília era bonita,
Ou pequena demais?”
93
Esse poema, que está em uma coluna humorística, vem acompanhando um
texto em que o autor questiona a validade de se lembrar a Inconfidência, pois, segundo
ele, essa lembrança fica restrita às proximidades do dia 21 de abril. Ele diz que o 21 de
abril é a época dos historiadores discutirem se Tiradentes usava ou não barba, se Marília
era ou não bonita e quaisquer pontos de indefinição sobre a Inconfidência Mineira. Em
seguida pergunta se esse tipo de questionamento é realmente importante e, se o é, então
porque é abandonado logo após as festividades para ser retomado só no ano seguinte,
quando se comemora outro aniversário de morte do herói. Todos esses pontos estão
presentes na poesia acima.
Os versos, em questão, nada mais são do que uma crítica. O que aconteceu foi
uma forma de debochar de situações ridículas. O autor riu do evento por estar ele em
situações passíveis de serem ridicularizadas. Essa sátira é de “um tipo peculiar, já que
ela aparece estar conectada de algum modo aos sentimentos de sarcasmo,
desprezo.”
94
Ou nas palavras de Minois o autor “brinca com o perigo. Desta vez, o
perigo está numa jaula, a ironia vai vê-lo, imita-o, provoca-o, torna-o ridículo e o
entretém com recreação.”
95
93
ANDRADE, Djalma. Inconfidência, de novo. In:Estado de Minas. 21 de abril de 1970. Terceira seção.
p.3
94
SKINNER, Quentin. Hobbes e a teoria clássica do riso. p.27.
95
MINOIS, Georges. História do riso e do escárnio.p.569.
Na verdade, o autor faz críticas bem apropriadas. Ele percebeu que realmente
as falas tanto nas comemorações públicas, quanto os escritos de jornal ou
questionamentos propostos pelos estudiosos do movimento de 1789, giravam no mesmo
eixo, há muito tempo. Percebeu também que essas dúvidas são de importância
discutível, visto que seria mais prudente tentar elucidar as propostas de mudança
programadas pelos inconfidentes, caso esses obtivessem sucesso em seus planos.
Quanto a tentar desmitificar o mártir da Inconfidência, nenhuma das peças e
nem o poema se propuseram a tentá-lo, até porque não se sabe que informações seus
autores possuíam acerca do movimento. Nos três casos o heroísmo não sofreu abalos,
embora cada um enfocasse um aspecto diferente do mito e não necessariamente de
forma passiva.
As críticas, quando feitas, não se dirigem à História da Inconfidência Mineira,
mas aos brasileiros que viveram nas décadas de 1960 e 1970, fossem eles governantes
ou cidadãos comuns.
2.3 – A Inconfidência e Tiradentes: Família, Amores e Moralidade.
A moral e os bons costumes devem ser observados em um personagem a que
se pretende elevar ao status de herói. Onde já se viu um herói que descumpre regras
morais?
Os heróis devem ser figuras impolutas e incorruptíveis. É de extrema
importância que esses portadores das esperanças dos homens comuns tenham
construído uma vida reta pautada em condutas morais rígidas.
Essa era uma das principais preocupações entre os militares que participaram
do golpe de 1964 e do governo que dele seguiu. Como expôs Carlos Fico, em
Reinventando o Otimismo, a Assessoria Especial de Relações Públicas produzia filmes,
jingles, e textos enfatizando as virtudes morais e a família.
A família era tema muito recorrente na propaganda oficial do governo e nos
livros didáticos.
Logo, Tiradentes deveria também ter uma família e seguir preceitos cristãos de
moralidade, para se manter no posto de herói.
Aí estava um problema, Joaquim José da Silva Xavier morreu solteiro e tinha
uma filha, ou seja, a filha não era fruto de união abençoada pela santa Igreja Católica.
A historiografia ressalta as incursões do alferes a bordéis. Embora esses
mesmos autores admitam, que esses estabelecimentos serviam de pontos de conversa
dado à falta de locais para a distração, não há dúvidas de que Silva Xavier usufruía dos
serviços prestados por prostitutas.
96
Os jornais do período de governo militar publicavam incessantemente matérias
tentando moralizar a vida sexual do alferes. E o faziam, não negando que o alferes tinha
relações com meretrizes, mas sugerindo envolvimento amoroso. Dessa forma ele
freqüentaria bordéis não por luxúria, mas por amor.
O Jornal do Brasil publicou, em 21 de abril de 1965, um texto narrativo que
contava a história de uma prostituta por quem Tiradentes teria se apaixonado. O artigo
se chama Perpétua, a que amou Tiradentes.
“Bonita, honesta e dada a muitos amores depois da
notícia do casamento de seu sedutor. (...)
Passou a cultivar perpétuas roxas, por ser a flor de seu
nome e a cor da saudade. Essa obsessão não a impediu de se
entregar aos prazeres de seus freqüentadores entre os quais
consta o vice-rei Dom Luís de Vasconcelos. Até que conheceu e
amou Joaquim José da Silva Xavier, que tinha fama de feio,
mas arrebatado. Apaixonaram-se perdidamente e se conta que
na véspera de sua volta para Vila Rica em 1789, lhe revelou
Tiradentes a conspiração que tramavam, pedindo-lhe uma
96
VER: FURTADO, João P. O manto de Penélope. p.43-44. E JARDIM, Márcio. A Inconfidência
Mineira. p. 81-83.
perpétua como lembrança de amor temendo que não mais se
encontrassem. Ela achando a flor de mau agouro para quem
tanto se propunha, deu-lhe um anel dos seus cabelos negros,
mas Tiradentes acabou levando também a flor.”
97
Perpétua, por quem Tiradentes teria se apaixonado, aparece no texto como
uma mulher que se tornou prostituta devido a uma grande desilusão amorosa, o
casamento do homem amado. Graças a essa desilusão passou a cultivar as tais flores,
perpétuas roxas, que ligavam o nome dela e o sentimento de saudade.
Tiradentes só teria revelado a Perpétua os planos da conspiração no último
momento em que os dois estiveram juntos, o que dá a impressão de confiança, como se
ele a tivesse revelado um segredo.
Essa atitude não combina com a personalidade de Silva Xavier que alardeava
as idéias revolucionárias inclusive, prometendo vantagens às meretrizes com quem se
encontrava. Logo, o clima de confidência feita à amante não condiz com o
comportamento usual do herói em questão e muito menos prova que haveria amor entre
os dois.
O texto também diz muito claramente que mesmo depois de ter se apaixonado
novamente, dessa vez pos Joaquim José da Silva Xavier, Perpétua não abandonou a
prostituição e ainda diz que ela usou disto para seduzir o vice Rei Luís de Vasconcelos e
para proteger seu amado, quando este estava preso.
“Consta que Perpétua Mineira usou de seus encantos sobre
o coração do Vice-Rei Dom Luís de Vasconcelos para salvar
Tiradentes.
Consta que o conde de Rezende era carrancudo demais
para lhe notar os atributos, porque ao tempo dele foram todos
punidos”
98
97
SOUZA, Jehovanira Crysóstomo de. Perpétua a que amou Tiradentes. In: Jornal do Brasil. Caderno B.
p.3. 21 de abril de 1965.
98
SOUZA, Jehovanira Crysóstomo de. Perpétua a que amou Tiradentes. In: Jornal do Brasil. Caderno B.
p.3. 21 de abril de 1965.
Uma das possíveis interpretações desse fragmento é que foi graças a Perpétua
e sua beleza que os inconfidentes ficaram presos por tanto tempo e que depois da
mudança de governo com a vinda de um Vice-Rei que não cedeu aos encantos da moça,
foi inevitável a decretação das penas e a conseqüente morte de seu amado Tiradentes.
Assim como esse texto outros foram encontrados mos quais houve tentativa de
moralizar a relação do alferes com as prostitutas.
Assim como as relações sexuais e amorosas do alferes interessavam aos
jornais da época, a constituição familiar dele também era preocupação visível dos
redatores tanto a descendência quanto a ascendência.
O que se diz sobre a ascendência de Joaquim José da silva Xavier é que foi
educado segundo os preceitos da Igreja Católica, por seu irmão, pois ficou órfão aos
onze anos e que era “um filho-família. Jamais pertenceu à juventude transviada”
99
No mais, apenas apresenta as raízes paulista, mineira e portuguesa e fala dos
parentes próximos que seguiram a carreira religiosa. Dessa forma sugere-se que o
alferes embora não tenha sido padre era um homem bastante religioso e que apesar do
infortúnio de ter perdido os pais, as relações de amor e religiosidade não permitiram que
ele e os irmãos se perdessem na vida desviando dos princípios morais e religiosos do
catolicismo.
Nesse mesmo artigo em que a ascendência de Tiradentes é o foco, há uma
passagem bastante curiosa. O autor, Marcelo Coimbra Tavares, condena a obra História
da Conjuração Mineira de Joaquim Norberto de Souza e Silva, por tentar destruir a
imagem heróica de Tiradentes e diz que Norberto queria “fazer média com o Imperador
Pedro II, na cretina legenda do DIP monárquico.”
100
99
TAVARES, Marcelo Coimbra. A família de Tiradentes. In: Estado de Minas. 21 de abril de 1968.
Terceira seção p.6.
100
TAVARES, Marcelo Coimbra. A família de Tiradentes. In: Estado de Minas. 21 de abril de 1968.
Terceira seção p.6.
É comum encontrar referencias desmerecedoras da obra de Joaquim Norberto,
mas o que chamou a atenção foi a comparação entre o Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB) com o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP).
O primeiro órgão foi criado durante a faze Imperial da História do Brasil e
teve vários dirigentes durante o desenrolar de suas funções, Joaquim Norberto chegou a
ser vice presidente do IHGB e foi graças a seu trabalho, para esse instituto que pôde
escrever o polêmico livro História da Conjuração Mineira.
101
O DIP foi criado, na Ditadura do Estado Novo, por Getúlio Vargas e tinha
funções como censurar informações e manifestações artísticas e produzir propaganda
favorável a Vargas.
Quando essa matéria foi publicada a Assessoria Especial de Relações Públicas
(AERP) já havia sido criada, bem como o SNI (Serviço Nacional de Informações) e a
censura da Ditadura Militar, já havia entrado em ação.
“Muito embora os chefes da AERP e da ARP negassem constantemente
qualquer semelhança com o DIP e se empenhassem em não fazer propaganda exaltando
os líderes militares”, os mesmos temas usados por eles, “estavam presentes na
propaganda do Estado Novo.”
102
O Estado Ditatorial implantado pelos militares criou meios de fazer o que o
DIP fazia, mesmo não admitindo a semelhança entre eles. O jornal ao criticar o IHGB e
o DIP e apresentá-los como agentes propagandistas fraudadores de informações a
serviço de seus respectivos governos, mascara a ação dos órgãos de censura,
propaganda e informação criados pelos militares.
101
Ver: CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas.p.62.
102
FICO, Carlos. Reinventando o otimismo. p.89.
Aqui, Tiradentes e sua história familiar, serviram de meio para o jornal tecer
uma crítica a governos passados e ao mesmo tempo enaltecer o protomártir da
Independência.
Mesmo a questão da ascendência não tendo sido esquecida pelos jornais a dos
descendentes foi ainda mais lembrada. Escolheu-se um artigo para exemplificar esse
tipo de abordagem que se intitula Os herdeiros de Tiradentes.
O texto especula que Tiradentes teria deixado pelo menos três filhos: Joaquina,
filha de Antônia Maria do Espírito Santo; e João e Eugênia Maria, filhos de Eugênia
Maria de Jesus.
A primeira foi batizada com o nome de Joaquim José da Silva Xavier e os
últimos, segundo o jornal, foram assumidos pelo padrinho depois que o alferes foi
condenado e passaram a assinar o sobrenome Beltrão.
Dos netos afirma que João Beltrão teve nove filhos e que não se sabe nada
sobre a vida das filhas. Então prossegue fazendo um rastreamento dos descendentes
chegando até a sexta geração, com parentes que estariam vivos, naquele ano de 1969,
nas cidades de Santos e Uberaba.
Quanto às mulheres o artigo aponta para uma vida cheia delas e por isso deixa
em aberto a possibilidade de existirem mais parentes, que nem sabem que o são. E é aí
que aparece mais uma vez, como um amor misterioso, Perpétua Mineira.
“Segundo muitos ela amava o alferes, mas não era
correspondida por ele. Para muitos, seria pessoa importante no
palácio do governador, sabendo inclusive que o governo já
tinha conhecimento da Inconfidência Mineira e iria mandar
prender os conjurados. Para tentar salvar o alferes, teria
mandado um recado dentro de uma flor – a florzinha perpétua
– pedindo ao alferes que fugisse, para não morrer. Segundo
outros, teria sido ela o misterioso vulto embuçado. Relatado
por alguns historiadores, que bateu à porta da casa onde se
encontravam os conjurados, mandando que fugissem. Na
verdade, porém, nenhuma prova existe sobre Perpétua.”
103
Detalhe para a falta de provas e de nomes para os depoentes a quem o texto se
refere como “muitos” e “outros”. Ao contrário da primeira matéria analisada onde
Perpétua é apresentada como grande amor de Tiradentes, nesse ela amava, mas não era
correspondida. Ela tinha acesso ao governador da província e pode ter sido, segundo o
jornal, o famoso embuçado das ruas de Vila Rica em contrapartida o texto do Jornal do
Brasil, afirma que ela morava no Rio de Janeiro e que suas relações eram com o Vice-
Rei.
O único ponto em que eles concordam é que não há registros palpáveis da
existência dessa tal mulher.
As mulheres ligadas à inconfidência assumem papel de destaque na reconstrução
do imaginário da Conjuração Mineira de 1789, durante a Ditadura Militar. Não só as
amadas e as amantes de Tiradentes, mas as mulheres de seus colegas de conjura tem seu
lugar nas páginas de jornal desse período, que vai de 1964 a 1984.
Os jornais, tanto o Estado de Minas quanto o Jornal do Brasil, cobriram a festa
da comemoração do dia 21 de abril de 1967. O destaque daquela comemoração foi a
homenagem a Maria Joaquina Dorotéia de Seixas, a Marília de Dirceu.
Era uma espécie de reconhecimento à importância das mulheres da
Inconfidência, como se elas tivessem participado da conjura, talvez Bárbara Heliodora a
esposa de Alvarenga Peixoto se encaixasse melhor nesse perfil, mas a organização das
comemorações elegeu Marília, para essa homenagem.
Essa foi a única vez que Marília ocupou lugar de destaque nas homenagens às
mulheres ligadas de alguma forma ao movimento, porque quem se revela a mulher
103
ESTADO DE MINAS. Os herdeiros de Tiradentes. Primeiro caderno. p.5.
eleita pelos jornais e ao que parece pelos responsáveis pela recriação do mito é Bárbara
Heliodora.
104
Acredita-se que a esposa de Alvarenga Peixoto tenha sido a escolhida para
representar a mulher inconfidente, primeiro porque se alguma mulher participou da
conjura foi ela e segundo porque ela era casada, legalmente, com Alvarenga.
Bárbara constituiu família nos moldes em que uma família deve se constituir,
sofreu todos os problemas da condenação do marido e ao que parece não resta dúvidas
de que o casal se dava bem a despeito de quaisquer excentricidades.
Para as comemorações do 21 de abril de 1969, em todo o estado de Minas
Gerais foram programados cursos, conferências, debates, homenagens a Bárbara
Heliodora. Em Juiz de Fora durante o mês de maio de 1969, foi programada a
comemoração do sesquicentenário de morte da “Heroína da Inconfidência” com
palestras que foram do dia 2 até o dia 24 daquele mês.
Um cartaz foi encomendado pelo governo do estado e afixado em diversas
cidades onde aconteceriam cerimônias de homenagem e outras palestras, em memória
de Bárbara Heliodora. (Figura 10)
104
No terceiro capítulo tratar-se-á da importância de Bárbara Heliodora no material didático.
Figura 10: Cartaz, publicado pelo Estado de Minas, representando Bárbara Heliodora onde
lê-se: Semana da Inconfidência. Sesquicentenário de Bárbara Heliodora. 14 a 21 de abril.
Promoção do Governo do Estado.
Os jornais aproveitaram personagens e fatos comprovados ou não para distribuir
ideologias importantes à manutenção do estado ditatorial por suas páginas.
A Inconfidência, por seu caráter inconcluso, ofereceu várias possibilidades que
foram intensamente aproveitadas pela imprensa e pelo governo através da imprensa.
Desde as questões de política interna ou externa, passando pelas artes e literatura até os
aspectos da vida privada, do cotidiano foram abordados de maneira bem costurada para
transmitir o que se pretendia, nas entrelinhas, no que não é dito diretamente, mas
sugerido com cuidado.
A INCONFIDÊNCIA MINEIRA NO MATERIAL DIDÁTICO DO PERÍODO
MILITAR.
“Felizes de nós que podemos estar aqui tratando
do conhecimento da História. Para milhões de
brasileiros ela não passa de um grande enfado
proporcionado por manuais didáticos que nada
têm a oferecer.”
105
Ciro Bandeira de Melo
“Explicação
A História do Brasil apresenta um extraordinário número
de grandes vultos. Tanto sob aspecto de sua importância
política como em relação a suas qualidades humanas – morais
e intelectuais. Assim a seleção das biografias que constituem o
presente volume foi extremamente difícil, devido às limitações
do espaço disponível e a necessidade em optar entre tantas e
tão ilustres figuras.
A seqüência observada nesse volume não é rigorosamente
cronológica. Preferimos agrupar os biografados dentro de seus
respectivos contextos históricos a fim de lhes dar maior coesão
e facilitar a compreensão do leitor. Quanto aos Patronos das
Forças Armadas, sua importância toda especial fez com que
decidíssemos colocá-los em destaque no fim do volume.
Finalmente, devemos acentuar que as biografias dos três
presidentes revolucionários (Castelo Branco, Costa e Silva e
Garrastazu Médici) são absolutamente indispensáveis nessa
galeria dado o caráter irreversível que a Revolução de Março
de 1964 representa para a História Pátria. Isso não significa,
porém, que o Brasil hoje renegue seu glorioso passado; pelo
contrário procura reviver e ressaltar a obra daqueles que
forjaram a nossa nacionalidade. Assim, objetivando divulgar a
vida e a obra dos grandes vultos da nossa História, oferecemos
aos leitores o presente volume – modesta contribuição para a
ETERNIDADE DO BRASIL.”
106
105
MELO, Ciro Bandeira de. A Inconfidência Mineira nos livros de 1º grau: História para milhões. In:
Análise & conjuntura. v.4. nº 2 e 3. p.105.
106
MICHALANY, Douglas & RAMOS, Ciro de Moura. Enciclopédia de educação moral, cívica e
política – Edição Monumental. Vol. IV.
Esta é a primeira página de um livro onde se encontra uma reunião de biografias
de vários personagens da História do Brasil considerados heróis.
Não só Tiradentes, mas todos os biografados aparecem sem defeitos morais e
dotados de perspicácia e bravura. Quando o texto diz que analisa a vida desses “grandes
vultos” pelo aspecto político e qualidades humanas morais e intelectuais ele anuncia,
indiretamente, que vai discorrer nas páginas que se seguem sobre as qualidades desses
homens, sejam elas corretamente observadas, aumentadas ou até mesmo inventadas para
engrandecer o personagem e construir uma leitura instrutiva capaz de apresentar mais de
um modelo de conduta patriótica.
“Quanto aos Patronos das Forças Armadas, sua
importância toda especial fez com que decidíssemos colocá-los
em destaque no fim do volume.”
As biografias dos patronos das forças armadas vieram no fim do volume para que
tivessem destaque.
Naquele momento, 1973, em que o Brasil ainda era governado por Emílio
Garrastazu Médici e ainda se aproveitava a onda de euforia gerada pelo “Milagre
Brasileiro”, os presidentes militares estavam em alta. Em alta em relação à admiração
popular, principalmente, nas camadas menos informadas da população.
“Finalmente, devemos acentuar que as biografias dos três
presidentes revolucionários (Castelo Branco, Costa e Silva e
Garrastazu Médici) são absolutamente indispensáveis nessa
galeria dado o caráter irreversível que a Revolução de Março
de 1964 representa para a História Pátria. Isso não significa,
porém, que o Brasil hoje renegue seu glorioso passado; pelo
contrário procura reviver e ressaltar a obra daqueles que
forjaram a nossa nacionalidade. Assim, objetivando divulgar a
vida e a obra dos grandes vultos da nossa História, oferecemos
aos leitores o presente volume – modesta contribuição para a
ETERNIDADE DO BRASIL.”
Os presidentes biografados, no fim dessa obra, representam o fechamento perfeito
para um passado de lutas e esforços de vários homens para a construção da pátria
brasileira. As biografias dos três primeiros presidentes do Governo Militar “são
absolutamente indispensáveis” por ser a revolução de 1964 um fato irreversível,
conclusivo.
Os heróis da vez eram os militares. Mas, era importante lembrar os heróis do
passado que a duras penas tentaram construir um Brasil melhor. E foi por isso, graças a
uma dívida de gratidão pelos exemplos por eles vividos é que se “procura reviver e
ressaltar a obra daqueles que forjaram a nossa nacionalidade”.
O verbo “forjar”, usado para definir a ação dos biografados, aqui assume o
significado de fazer ou fabricar. Todos aqueles que tiveram seu nome relacionado nessa
Enciclopédia ajudaram de alguma forma a construir a nacionalidade brasileira e esse
trabalho culminou com a ação dos militares, em 1964.
O texto Explicação, transcrito neste capítulo, foi encontrado no VI volume da
Enciclopédia de Educação Moral, Cívica e Política escrita por Douglas Michalany e
Ciro de Moura Ramos, editada em 1973 e pertence ao acervo da biblioteca da 11ª
Circunscrição do Serviço Militar, em Belo Horizonte.
107
A partir do mesmo é possível retirar elementos para pensar prática pedagógica,
no governo militar.
Uma das bases da propaganda realizada, por parte do governo ditatorial, foi
fundada na idéia de um Brasil grande, de futuro promissor, passado glorioso e respeito
aos grandes nomes que o fizeram. Ao dizer que “a História do Brasil apresenta um
107
Ciro de Moura Ramos e Douglas Michalany são responsáveis não só por essa enciclopédia, mas
também por outras obras. Tiveram uma produção relativamente extensa durante a Ditadura Militar,
escrevendo material para a disciplina de Educação Moral e Cívica e Estudos Sociais. Deles foram
encontradas três dessas obras: Enciclopédia de Educação Moral e Cívica, editada em 1973, História do
Brasil e Curso de Estudos Sociais que datam de 1975 e 1980. Os dois últimos estão em acervos de
escolas públicas e particulares.
extraordinário número de grandes vultos, tanto sob o aspecto de sua importância política
como em relação a suas qualidades humanas – morais e intelectuais
108
” está-se
sugerindo que se deva amparar nessas biografias como modelo, para moldar a conduta
cívica e social de cada indivíduo.
Essas biografias são de personagens como Duque de Caxias, Dom Pedro I,
Dom Pedro II, Carlos Gomes, Deodoro da Fonseca, Anita Garibaldi, Princesa Isabel,
entre outros, mais de 40 nomes. É importante dizer que homens como Getúlio Vargas,
Juscelino Kubitschek, João Goulart e Carlos Lacerda, não estão nessa seleção.
As biografias dos “Patronos das Forças Armadas” devem ter vindo no final da
seleção de biografados para que o leitor pudesse compará-las com as apresentadas
anteriormente. Assim, nos textos que falam dos três primeiros presidentes do regime
militar, os alunos identificariam todas as virtudes dos heróis do passado nos homens que
faziam o presente.
Nesse capítulo será analisada uma parte do material destinado ao público
escolar produzido e divulgado durante a Ditadura Militar.
Não será possível ver como era a absorção das informações pelos alunos,
porque não foram encontradas provas, redações ou cadernos, enfim, elementos que
permitam este tipo de análise. As “composições” utilizadas por Thaís Nívea de Lima e
Fonseca, que foram analisadas por ela na obra Da Infâmia ao Altar da Pátria, eram
resultados de concursos realizados, pelo caderno infantil, do jornal Estado de Minas
chamado Gurilândia, não aparecem nos exemplares que circularam entre 1964 e 1984.
Isso representa uma grande perda, que é a de não poder perceber os efeitos dos esforços
para a implantação ideológica escolar. Por outro lado, o objetivo aqui, é identificar os
108
MICHALANY, Douglas & RAMOS, Ciro de Moura. Enciclopédia de educação moral, cívica e
política – Edição Monumental. Vol. IV.
elementos presentes nos livros utilizados nas escolas que auxiliaram na manutenção do
Estado ditatorial, e esse não será comprometido visto que tais livros foram encontrados.
O que será analisado então é o conteúdo presente em alguns livros de História
e Educação Moral e Cívica, bem como na Gurilândia, pois esse material circulou pelas
escolas e lares, durante o período de Ditadura Militar.
Buscou-se tudo o que tratava da Inconfidência Mineira ou de algum
personagem relacionado a ela para rastrear os resquícios de militarismo infiltrados
nesses textos e indicações dos métodos pedagicos vigentes durante regime militar e
então pensar sobre os possíveis efeitos deste tipo de abordagem.
Foram encontrados diversos livros, editados no período entre 1964 – 1984, nas
várias bibliotecas visitadas. A seleção foi bastante difícil dado ao número de opções.
Duas das obras escritas por Douglas Michalany e Ciro de Moura Ramos foram
escolhidas para compor o corpo documental desse capítulo a Enciclopédia de Educação
Moral, Cívica e Política e o Curso de Estudos Sociais.
Essa escolha se justifica pelo fato de ainda hoje a Enciclopédia de educação
moral, cívica e política ser a fonte indicada no site do Exército para saber mais sobre
hinos e História do Brasil. A publicação é de 1973 e se ainda hoje é indicada pelo
Exército, acredita-se que tenha sido importante material de pesquisa para a época em
que foi utilizada nas escolas.
109
Outro material é a coleção de fascículos, publicados pela Editora Abril,
Grandes personagens da nossa história. esses fascículos formavam uma obra de quatro
volumes contendo, ao todo, 56 biografias. A supervisão era de Sérgio Buarque de
Holanda, mas cada fascículo foi escrito por um autor diferente. A coleção completa
desses fascículos pode ser facilmente encontrada em qualquer escola pública ou
109
http://www.exercito.gov.br/01Instit/Hinoscan/juvenil.htm
particular e em diversas lojas de livros usados. Segundo consta, foram vendidos mais de
17 milhões de exemplares e foram reeditados por duas vezes.
110
Os outros livros são: Calendário Cívico Brasileiro de Amaral Fontoura;
Noções de Cultura Mineira de Wagner Ribeiro; Jograis e Celebrações de Bernardo
Cansi e; Atividades de Educação Moral e Cívica de Antônio de Siqueira Silva e Rafael
Bertolin. O motivo para terem sido inclusos no material analisado, neste capítulo, é
muito simples, existe uma infinidade de obras com propostas muito parecidas a essas,
portanto, foram privilegiadas aquelas em que os textos englobassem maior diversidade
temática ou trouxessem as questões mais recorrentes em relação à Inconfidência
Mineira, de forma mais clara.
Por fim a última fonte a ser tratada é a Gurilândia, que é o caderno infantil do
jornal Estado de Minas, que foram às bancas entre 1964 e 1984.
3.1 – O Ensino de Estudos Sociais, EMC e OSPB (1964/1984)
A ditadura Militar trouxe uma novidade para o ensino de história. As
disciplinas Geografia e História perderam espaço para a Educação Moral e Cívica
resgatada do Estado Novo e tornada obrigatória, a partir de 1969. As escolas eram
obrigadas a reduzir a carga horária dessas duas disciplinas – que foram fundidas em um
único conteúdo, para o ensino de 1ª a 4ª séries, chamado Estudos Sociais – e a preencher
o tempo com orientações para o civismo e a moral sob nome de Educação Moral e
Cívica ou OSPB (Organização Social e Política do Brasil).
“Dessa forma, o ensino de História, cujo objeto de estudo é
explicitamente citado no decreto nº68.065/71, foi sutilmente
110
PEREIRA, Mateus H. F. A trajetória da Editora Abril. In: Em Questão. v. 11, n. 2, p. 239-258,
jul./dez. 2005. p.249.
‘vinculado’aos ‘princípios norteadores da Educação Moral e
Cívica’”
111
Vale lembrar que os professores de EMC e OSPB tinham formação acadêmica
em cursos como Filosofia, História, Pedagogia e Geografia. Isso aconteceu, pelo menos
até que chegassem ao mercado de trabalho os profissionais preparados, para realizar
esse tipo de função que eram os formados nas chamadas “Licenciaturas Curtas” em
Estudos Sociais.
As reformas no ensino não atingiram somente as disciplinas das ciências
humanas, o que aconteceu foi uma reforma ampla e desastrosa em todos os seguimentos
educacionais desde o 1º até o 3º grau, como eram chamados.
Em linhas gerais é importante traçar algumas dessas modificações sofridas
pelo ensino brasileiro entre 1964 e 1984.
“As reformas do ensino promovidas no período ditatorial
corresponderam a um esforço dos grupos coligados no
chamado pacto político autoritário em alinhar o sistema
educacional pelo fio condutor da ideologia do
‘desenvolvimento com segurança’”
112
Primeiro foram fundidas os seguimentos primário e ginasial e transformados
em 1º grau, tornando obrigatório o ensino, que, antes da lei 5.692/71, era de 4 anos e a
partir dela passou a ser de 8 anos de duração. Então fez com que o ensino de 2º grau se
focasse no ensino técnico, preparando, pelo menos na teoria, jovens para o mercado de
trabalho e ao mesmo tempo excluindo-os do ensino universitário.
Os colégios que ofereciam cursos de 2º grau eram obrigados a oferecer cursos
profissionalizantes, determinação que os colégios particulares descumpriram, pois a
clientela dessas instituições tinha vistas às vagas universitárias.
111
FONSECA, Selva Guimarães. O ensino de História e o golpe militar de 1964. In: ABREU, Alzira
Alves de.; FIGUEIREDO, Argelina Maria Cheibub; TOLEDO, Caio Navarro de; FERREIRA, Jorge;
AQUINO, Maria Aparecida De.; FICO, Carlos; KUSHNIR, Beatriz;. 1964-2004, 40 anos do Golpe:
ditadura militar e resistência no Brasil : anais do seminário UFRJ, UFF, CPDOC, APERJ.p.370.
112
GHIRALDELLI Jr, Paulo. História da Educação. p.167.
Também no campo da educação popular que funcionava bem graças a um
movimento cultural forte que se construía desde os anos 50 e já estava relativamente
forte nos anos 60, houve mudanças significativas. Esses núcleos de ensino popular se
pautavam no método Paulo Freire, que busca adequar o ensino à realidade cultural e
econômica dos educandos, que foram substituídas pelo MOBRAL (Movimento
Brasileiro de Alfabetização). Segundo Paulo Ghiraldelli Jr., para justificar a substituição
de um formato por outro chegou-se a dizer que o MOBRAL utilizaria o “Método Paulo
Freire desideologizado”. O que se pretendia na verdade era destituir não só esse mas
todos os seguimentos do ensino brasileiro de crítica e pensamento livre, porque
constituíam ameaça ao modelo político e econômico vigente.
Toda essa reforma que mesmo anteriormente ao golpe de 1964, já faziam parte
dos planos para a educação arquitetados pelo IPES (Instituto de pesquisa e Estudos
Sociais), após 64 foram postos em prática. Para que essa ‘prática’ fosse conseguida
membros do IPES passaram a fazer parte da equipe do governo Castelo Branco.
O IPES passou a atuar com mais empenho nos meios universitário e operário,
que sempre foram os focos de resistência e pensamento por excelência, contando com
extenso aparato midiático, na divulgação de seus estudos. “A partir daí, passou a
funcionar como uma réplica civil da ESG”, pois começou a praticar no meio civil o que
já era feito nos meios militares, que era “extirpar do país a ideologia nacionalista
desenvolvimentista e, substituí-la pela nova ideologia correspondente aos interesses
golpistas – a ideologia do desenvolvimento com segurança”
113
Esse trabalho prioriza o acontecido com as ciências humanas, mais
especificamente os conteúdos ligados à História - história, geografia, EMC e OSPB –
por se tratar de uma pesquisa sobre o imaginário construído em cima de um personagem
113
GHIRALDELLI Jr, Paulo. História da Educação. p.168.
histórico. Portanto, esses conteúdos e suas práticas durante a Ditadura Militar, serão
mais enfocados.
Segundo estudos realizados por Thaís Nívia de Lima e Fonseca, a questão do
ensino de História no Brasil anterior ao golpe e durante o governo militar não foi muito
diferente. Pautada em grandes fatos e grandes homens, escrita nos moldes positivistas
de narrar o passado para servir de exemplo moral e patriótico.
A fusão das duas – História e Geografia – disciplinas em uma, diminuiu ainda
mais a possibilidade dessas mesmas despertarem a crítica do passado e colocarem os
cérebros em formação, para criticar o mundo a sua volta.
O tempo disponível preenchido por EMC e OSPB apenas reafirmava os
valores, nomes, datas e fatos já passados aos alunos nas aulas de história e geografia.
As diretrizes para o ensino de História que já vinham sendo aplicadas no
Brasil antes do golpe “permaneceram na formação de milhares de jovens, enfatizando-
se os fatos políticos e as biografias dos ‘brasileiros célebres’ entre os quais agora
figuravam os principais personagens do novo regime”.
114
É importante relembrar que as disciplinas de EMC e OSPB já existiam. No
período ditatorial militar elas apenas se fortaleceram, por terem sido elevadas à
categoria de matérias obrigatórias. E, pelo menos, no que se pôde perceber do material
didático de História, Geografia, EMC e OSPB, eles não diferem muito em conteúdo.
Segundo Carlos Fico, esse material didático reproduzia os preceitos da
propaganda oficial. Enquanto a Assessoria Especial de Relações Públicas esteve nas
mãos de Otávio Costa:
Muitos autores produziam material didático que reproduzia os
clichês e slogans da Aerp/ARP. Entretanto, será sempre difícil
decidir se essa reprodução expressava a influência da
propaganda, adesismo político, interesses materiais (livros
114
FONSECA, Thaís, N. de L. e. História e ensino de História. p.56.
didáticos críticos obviamente não seriam vendidos) ou se era
simples manifestação de indigência cultural. O próprio Otávio
Costa várias vezes estimulou esse tipo de abordagem
valorizadora da ‘educação moral e cívica’ ao fazer palestras
sobre o tema privilegiando a memorização de hinos e heróis.”
115
É justamente esse tipo de abordagem de memorização de hinos e heróis que
estão não só nos manuais de Educação Moral e Cívica, mas também nos de História.
Encontram-se também em outros livros conteúdos como a valorização das
potencialidades naturais do Brasil, nos livros de Geografia Física, importância política
nos de Geografia Política, direcionamentos comportamentais e mais indicações de
valorização nacionalista nos de Língua Portuguesa e Literatura, enfim, todo o material
didático produzido e utilizado nas escolas da época estava impregnado de segundas
intenções.
O MEC, já em 1964, iniciou negociações com a USAID (United States
Agency for International Development), que passou a intervir diretamente nas questões
educacionais, incluindo o material didático.
De acordo com Luiz Antônio Cunha, houve um acordo entre o MEC, o SNEL
(Sindicato Nacional dos Editores de Livros) e a USAID.
“Por esse acordo, seriam colocados, no prazo de três anos, a
contar de 1967, 51 milhões de livros nas escolas; ao MEC e ao
SNEL caberiam apenas as responsabilidades de execução, mas
aos técnicos da USAID todo o controle, desde os detalhes
técnicos de fabricação do livro até os detalhes de maior
importância como: elaboração, ilustração, editoração e
distribuição dos livros, além da orientação das editoras
brasileiras no processo de compra de direitos autorais de
editores não brasileiros, vale dizer, norte-americanos”.
116
Nesses livros, os textos principais enfocavam os grandes vultos e seus feitos,
ao mesmo tempo, que aconselhava aos cidadãos comuns a cumprirem suas obrigações,
porque o país não é feito só com grandes acontecimentos, ele depende de que cada um
115
FICO, Carlos. Reinventando o otimismo. p.132.
116
CUNHA, Luiz Antônio & GÓES, Moacyr de. O golpe na educação. p.34.
cumpra sua função. Assim faz-se parecer que todos têm função igualmente importante,
embora algumas recebam mais destaque.
“A estrutura desse programa, seguindo a tendência até
então predominante no ensino de História, impunha um ensino
diretivo, no qual a História aparecia como uma sucessão linear
de fatos considerados significativos, predominantemente, de
caráter político-institucional, e no qual sobressaíam os espíritos
positivos que conduziriam a História. Nessa concepção, a ordem
social livre de conflitos, seria fator de progresso e as
desigualdades seriam legitimadas como fatos universais e
naturais.”
117
O ensino de História, EMC e OSPB eram conduzidos pela memorização. Nos
textos eram narrados de grandes fatos ou biografias e os exercícios eram de perguntas e
respostas, completar lacunas, ligar colunas, entre outras atividades que não exigiam
nenhuma reflexão, nem mesmo as tais perguntas e respostas, pois as respostas eram
facilmente encontradas no texto principal e o aluno só teria que transcrevê-las.
Essas são características do modelo tecnicista, que se apresenta na forma de
manual de instruções. Apenas apresenta ao aluno uma lista de regras e normas a serem
decoradas e seguidas e em troca espera-se que ele seja capaz de reproduzir essas
mesmas regras fora da escola. Ele não questiona as regras e nem é de desejo do
transmissor de conhecimentos – professor – que ele os faça, mas para que professor e
aluno sejam considerados competentes é necessário que as máquinas produzam.
No caso das Ciências Humanas, as coisas são menos evidentes. Não era nessas
aulas que os técnicos - nas mais de 150 habilitações de cursos profissionalizantes
oferecidas pelo governo militar – eram formados para o mercado de trabalho, mas elas
assumem papel fundamental nesse processo.
Isso porque era nos textos de história que os alunos interiorizavam que mesmo
sendo um empregado ou um funcionário público de menor reconhecimento, ele era
117
FONSECA, Thaís, N. de L. e. História e ensino de História. p.58.
fundamental para um objetivo maior de fazer crescer o Brasil. Era nos “grandes vultos”
que ele deveria se espelhar e nas regras de comportamento social, moral e cívico
presentes nos textos e interiorizados pelas atividades e aulas expositivas.
3.2 – A Inconfidência Mineira, Tiradentes e o Imaginário na Sala de Aula na
Ditadura Militar.
Ao tratar da temática da sala de aula, para reforçar o imaginário acerca da
Inconfidência Mineira, entre 1930 e 1960, Thaís Nívea de Lima e Fonseca
118
, partiu de
uma metodologia diferente da que será usada nesse trabalho.
Thaís partiu das composições
119
publicadas no caderno Gurilândia do jornal
Estado de Minas para ver como as crianças absorviam as informações obtidas em sala
de aula e as transpunham na organização de suas próprias idéias sobre a Inconfidência.
Percebe-se, contrastando as informações encontradas por Thaís e as
encontradas no material utilizado durante a ditadura militar, que a grandiosidade
atribuída ao movimento inconfidente permaneceu, e o heroísmo de Tiradentes não
sofreu arranhões. Mas, alguns aspectos foram privilegiados como a questão da “farda”,
ao passo que outros, como o progresso, foram menos valorizados.
Atente-se para uma passagem do texto A Inconfidência Mineira nos Livros de
1º grau: História para milhões, de Ciro Bandeira de Melo:
“Se a versão escrita da Inconfidência Mineira é, por exemplo,
para o enorme contingente de milhões de brasileiros,
unicamente o texto didático de 1º grau, tal texto torna-se o
único referencial, a única versão, por exemplo, dos fatos de
118
FONSECA,Thaís Nívea de Lima e. Da infâmia ao altar da pátria: memória e representações da
Inconfidência Mineira e de Tiradentes. Tese de doutoramento. São Paulo: USP, 2001. E ______. Ouro e
heróis nas representações da Inconfidência Mineira.In: Varia História. nº24. Belo Horizonte: UFMG,
2001.
119
Termo usado pela autora. Segundo ela o termo ‘composições’ já caiu em desuso, mas escolheu mantê-
lo por ser a palavra utilizada para designar redações na época estudada.
1789. Analisando-o, chegaremos aos instrumentos com que se
pintam os quadros da nossa história.”
120
No período de Ditadura Militar, não só a História da Inconfidência Mineira,
mas toda a História dos grandes fatos ocorridos no Brasil foi aproveitada para incutir
idéias preciosas aos governantes.
Na maioria dos textos didáticos que se referem à Inconfidência Mineira, o fato
de Tiradentes ter sido alferes, portanto, militar foi extensamente explorado. Foi uma
forma de demonstrar que desde os primórdios da “nacionalidade” o meio militar já
estava consciente de seu papel como líder das mudanças mais importantes para a nação
em formação.
O trecho abaixo foi retirado de uma enciclopédia chamada Grandes
Personagens da Nossa História editada e vendida em fascículos pela editora Abril
Cultural, que traz na sua apresentação o nome de Sérgio Buarque de Holanda como
líder de um grupo de “pesquisadores, historiógrafos, redatores, fotógrafos e
cartógrafos”
121
. Com todo o respeito que devemos a Sérgio Buarque, é importante
informar que não só o fascículo dedicado a Tiradentes, mas todo o material tem um tom
positivista e enaltecedor, bem nos moldes de tudo o que foi indicado pelo MEC, entre
1964 e 1984. Os autores do fascículo analisado são Ana Lucia Vasconcelos e Pedro
Maia Soares.
122
“Nos Caminhos de Minas ficou seu riso e seu vozeirão: era
conversador, tinha sempre um caso interessante para contar,
todos gostavam dele. Soldado, Joaquim José, destacou-se pela
correção e coragem, primeiro em Minas, depois no Rio de
Janeiro, capital da colônia.
Voltando a Vila Rica, Tiradentes foi nomeado comandante da
patrulha do Caminho Novo, que ligava Minas ao Rio. Sua
120
MELO, Ciro Bandeira de. A Inconfidência Mineira nos livros de 1º grau: História para milhões. In:
Análise & conjuntura. v.4. nº 2 e 3. p.96.
121
Grandes personagens da nossa História. vol.I. p.1.
122
Ana Lúcia Vasconcelos tem formação em Ciências Sociais pela PUC de Campinas e é Mestre em
Filosofia da Educação, mas sua área de atuação principal é como jornalista. E Pedro Maia Soares, ao que
consta, trabalha como tradutor.
tarefa era cuidar da conservação da estrada e mantê-la livre de
assaltantes.
Pelo Caminho Novo passavam o ouro e os diamantes com
destino às arcas reais. E o patrulheiro Joaquim José via a sua
terra empobrecer, o marasmo a tomar conta dela.”
123
O trecho acima começa mostrando um homem simpático que deixou saudades
e amigos por onde passou. Extrovertido e interessante, o tipo carismático. No mesmo
parágrafo conta que esse homem agradável era soldado, ou seja, um militar.
No livro Reinventando o Otimismo, Carlos Fico fala dos “Filmetes” que
apresentavam militares e policiais em sua vida cotidiana, fardados batendo papo na rua
com as pessoas que passavam, enfim, uma pessoa comum. Que tem uma profissão
como qualquer outra.
Como já foi mencionado anteriormente, o material didático às vezes
reproduzia idéias antes divulgadas pela AERP. No caso de construir a imagem do
“militar simpático” Tiradentes era uma opção de comparação, era uma maneira de levar
essa temática de forma disfarçada para dentro dos lares.
O Tiradentes construído nesse fascículo era um cidadão consciente de seus
deveres e de excelente índole. Era um soldado que “destacou-se pela correção e
coragem” e que teve essas qualidades reconhecidas nas duas principais capitanias da
América Portuguesa da época em que viveu – Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Foi justamente o seu ofício de militar que o propiciou a tomada de consciência
sobre a injustiça do pacto colonial. Graças a suas admiradas qualidades profissionais e
morais foi destacado para cuidar do Caminho Novo. Lá “passavam o ouro e os
diamantes com destino às arcas reais. E o patrulheiro Joaquim José via a sua terra
empobrecer, o marasmo a tomar conta dela”. Nesse posto é que ele percebeu o
empobrecimento da terra em que nasceu, embora essa terra fosse considerada posse de
123
Grandes personagens da nossa História. vol.I. p.223.
Portugal, sendo complicado falar do povo brasileiro e de um espírito nacionalista e
também de qualquer sentimento de injustiça que possa ter atormentado o alferes Silva
Xavier, nesse momento de sua carreira.
O texto inteiro é dedicado a exaltar a figura nobre que Tiradentes foi. O título
do tópico, que vem logo em seguida ao trecho analisado, é: “Um alferes, sempre
alferes.”
Agora a eloqüência de Tiradentes e sua pregação pelas estradas mineiras, bem
como os temas de seu discurso anti-colonial é que é o assunto.
Durante todo o capítulo, que tem ao todo quinze páginas, a condição de
Tiradentes ser um militar é relembrada e sempre vem junto com algum traço de seu
caráter que o torna admirável.
O militarismo e sua importância aparecem novamente no trecho:
“Juntos de novo, Joaquim José e Maciel começam a traçar os
planos. Precisam da participação de um chefe militar que
possa sublevar as tropas contra a Coroa. Uma coincidência os
ajuda. O comandante do regimento em que o alferes está
servindo, Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de
Andrada, é cunhado de Maciel. Vão procurá-lo precisam
conquistá-lo para suas idéias. Mas tudo tem que ser feito com
muito cuidado.”
124
A participação de um militar, de mais alta patente, para sublevar as tropas, na
opinião de Tiradentes e de José Álvares Maciel era de imprescindível importância,
segundo os autores do texto.
Ao lado destas palavras e medindo cerca de trinta por quinze centímetros, está
a representação de Tiradentes como alferes (Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o
Tiradentes de José Washt Rodrigues). Aliás, essa é uma das ilustrações mais usadas,
como era de se esperar. Normalmente, ela vem seguida de uma ilustração que
demonstre o martírio, dor e abatimento.
124
Grandes personagens da nossa História. vol.I. p.227.
No caso dessa obra, são muitas as imagens. Elas aparecem na seguinte ordem:
Tiradentes de Autran; fotografias de Ouro Preto, o boticão usado por Tiradentes e o
relógio que teria sido confiscado; Villa Rica de Armand Palliére (Figura 11); Entrada
para as Minas de Oscar Pereira da Silva; Marília de Dirceu de Guignard; Tiradentes de
Washt Rodrigues; Ciclo do ouro de R. Amoedo; Prisão de Tiradentes e Jornada dos
Mártires ambas de Antônio Parreiras; foto da casa onde morou Cláudio Manuel da
Costa; Tiradentes de Leopoldino Faria; Tiradentes ante o carrasco de Rafael Falco
(Figura 12); retrato de D. Maria I e, por último, para fechar o capítulo, Tiradentes
Esquartejado de Pedro Américo (Figura 13).
Essas imagens têm uma ordem lógica. Enquanto os autores introduziam o
texto e falavam do cenário de Vila Rica, em 1789 e, especulavam como teria sido caso a
inconfidência tivesse sido vitoriosa as imagens apresentadas foram as seis primeiras
citadas acima, então passam a falar do alferes e de suas inúmeras qualidades, na
segunda parte do texto as imagens são bem maiores, exceto a representação de Marília
de Dirceu. Essa parte é concluída com a imagem Ciclo do Ouro. Entrando na terceira
parte do texto que trata da prisão, da condenação, do fim da epopéia inconfidente, as
imagens que a acompanham se apresentam maiores ainda, com exceção do retrato de D.
Maria I. Elas remetem ao sofrimento dos mártires e, principalmente, o de Tiradentes.
As imagens nessa disposição criam um clima de tensão junto com a
dramaticidade crescente do texto. O recurso de aumentar as imagens engrandece os
fatos narrados à medida que a história se desenrola.
Figura 11: Villa Rica, óleo sobre tela de Armand Palliére . Museu da Inconfidência.
Figura 12: Tiradentes ante o Carrasco, óleo Figura 13: Tiradentes, óleo sobre tela de Pedro
sobre tela de Rafael Falco. Américo.
Em um texto publicado no livro Inaugurando a História e Construindo a
Nação, Thaís Nívea de Lima e Fonseca analisa as obras de arte presentes nos livros
didáticos de História. Embora não se detenha muito na análise dos livros utilizados no
período militar, Thaís comenta sobre a constante presença da obra de Rafael Falco,
apresentada acima, dizendo que esse “quadro bastante conhecido, tem sido fartamente
reproduzido em livros didáticos de História, mais intensamente a partir da década de 60
do século XX.”
125
Essa informação, portanto, pôde ser comprovada pela observação do
material que faz parte do corpo documental dessa pesquisa.
No livro, Calendário Cívico Brasileiro, de Amaral Fontoura, tem-se três
excertos importantes. No primeiro, o autor faz uma lista dos conjurados e termina
dizendo que “a todos sobrepujava, pelo entusiasmo, e coragem, o alferes da Polícia
Joaquim José da Silva Xavier.”
126
Assim, o texto eleva a importância de Tiradentes, ao mesmo tempo em que
deixa clara sua ocupação e põe os outros conjurados em posição subalterna.
O segundo excerto fala do momento da condenação:
“Mostraram-se os companheiros de Tiradentes arrependidos
e chorosos, conseguindo afinal, que a rainha de Portugal, D.
Maria I comutasse a pena de morte em degredo perpétuo na
África. Tiradentes ao contrário dos outros se mostrou sempre
valente e corajoso, não renegando jamais seus ideais de
libertação do Brasil.”
127
Os ideais de Tiradentes, defendidos até o final, aparecem em contraposição às
lamúrias e arrependimentos dos outros frente às conseqüências de seus atos. Essa
retidão de princípios e o não arrependimento pela tentativa da realização de uma missão
demonstram a objetividade e a disciplina do pensamento estratégico próprio da
mentalidade militar.
E quando conclui sua fala sobre o mártir da Inconfidência Mineira, dá o toque
final:
“ TIRADENTES – PATRONO DO BRASIL. Toda Pátria tem
seus grandes heróis nacionais, orgulho do povo. A nação
brasileira muito justamente, acaba de prestar essa homenagem
125
FONSECA, Thaís N. de L. “Ver para compreender”: arte, livro didático e a história da nação. In:
SIMAN, Lana M. de C. & FONSECA, Thaís N. de L. (orgs). Inaugurando a História e Construindo a
Nação. p.92.
126
FONTOURA, Amaral. Calendário cívico brasileiro. p.212.
127
FONTOURA, Amaral. Calendário cívico brasileiro. p. 213.
ao seu grande herói: por decreto-lei do Presidente da
república foi TIRADENTES proclamado Patrono Cívico da
Nação Brasileira. Que todas as escolas do país e o povo
saibam comemorar anualmente o seu excelso patrono!!”
Vale dizer que o decreto-lei que tornou Tiradentes Patrono Cívico da Nação
Brasileira foi assinado, em 1965, por Castelo Branco. Esse trecho leva a concluir que os
novos governantes souberam reconhecer o lugar de destaque do mártir e o elevam a essa
categoria, para que a nação reforce sua admiração e torne as qualidades patrióticas do
alferes exemplo de conduta.
A referência a essa lei, está presente, em diversos livros, sobretudo nos de
Educação Moral e Cívica. Nos outros exemplos encontrados, os autores deixaram muito
claro quem foi o presidente responsável pela decretação, bem como o dia e ano do ato: 9
de dezembro de 1965.
128
Dos mesmos autores da “Explicação” que abre esse capítulo, Douglas
Michalany e Ciro de Moura Ramos, foram escolhidos dois exemplos.
Começando pelo livro Curso de Estudos Sociais, na edição de 1980 que foi
segundo informações da capa do mesmo: “Revista, aumentada e atualizada” em relação
às edições anteriores.
Esse material traz dois capítulos importantes. Um deles é só sobre Tiradentes e
o outro sobre a Inconfidência Mineira de 1789.
O capítulo dedicado, exclusivamente, a Tiradentes se chama O Primeiro
Grande Patriota Brasileiro e traz logo, no subtítulo, Militar – Precursor da
Independência.
O subtítulo já deixa claro que tipo de associação será feita. O grande herói da
Inconfidência Mineira era um militar. Aquele que lutou, dando inclusive sua vida, pela
liberdade da nação, era um militar. Ao longo do capítulo, outras menções a este fato são
128
Ver: REBELO (1977) e RIBEIRO (1966)
feitas, como quem diz que os militares estarão sempre dispostos a socorrer seu povo
custe o que custar.
O texto atribui ao fato de que o alferes nasceu na colônia a causa de nunca ter
sido promovido na hierarquia militar, embora tenha apresentado quatorze anos de bons
serviços, na posição de alferes: “Por ser nascido no Brasil, Tiradentes jamais foi
promovido além do posto de alferes (segundo-tenente), embora fosse um oficial de
grande capacidade.”
129
Esse fragmento confere à coroa portuguesa um status, duplamente injusto,
primeiro por não promover um oficial competente e segundo porque o motivo da não
promoção ser a sua origem de nascimento. É ressaltado que Tiradentes era, sim, um
militar e, ao jogar com a suposta causa da não promoção do alferes, alimenta a versão
maniqueísta, de que a metrópole fazia de tudo para prejudicar sua colônia americana.
Na página seguinte, o autor fala do tenente-coronel Francisco de Paula Freire
de Andrada como sendo um dos principais inconfidentes e peça-chave para a boa
sucessão do movimento, e o apresenta como “brasileiro”. Ao dizer que Freire de
Andrada era um brasileiro o autor se contradiz, já que ele ocupava posto elevado na
hierarquia da tropa paga.
Mas, descontando a contradição, o que realmente interessa é que Freire de
Andrada é reconhecido como indispensável para que o movimento fosse bem sucedido,
justamente, por sua ocupação e mais uma vez é colocada a importância da milícia para
garantir a liberdade do Brasil.
O segundo exemplo foi retirado do segundo volume da Enciclopédia de
educação, moral, cívica e política. O capítulo trata do movimento inconfidente e o
129
MICHALANY, Douglas &RAMOS, Ciro de Moura. Curso de Estudos Sociais. P.102.
excerto selecionado está entre os planos dos conjurados para o governo a ser instalado
depois da revolta.
A Inconfidência Mineira, cuja
alma da conspiração foi um simples alferes de cavalaria –
Joaquim José da Silva Xavier, apelidado Tiradentes. no meio
daqueles companheiros ilustres, Tiradentes sobressaiu pela
pureza de ideais, pelo ardor de seu patriotismo e pelo
desassombro de sua atividade revolucionária. Foi ele o
principal propagandista da Independência(...).Os conjurados
elaboraram uma série de importantes projetos: proclamariam
a República, aboliriam a escravidão, fundariam uma
universidade e desenvolveriam a indústria. Decidiram também
que o serviço militar seria obrigatório, pois as Forças Armadas
são a garantia da segurança e da independência da pátria.”
130
As quatro primeiras metas, apontadas pelo parágrafo acima, foram apenas
citadas sem explicar o porquê de os inconfidentes as pretenderem. Há, portanto, uma
diferença na forma de apresentar a última meta: “Decidiram também que o serviço
militar seria obrigatório, pois as Forças Armadas são a garantia da segurança e da
independência da pátria.”
O autor a enuncia e dá, não uma simples explicação, mas uma explicação que
exalta a importância das Forças Armadas.
A condição de militar de Tiradentes é mais uma vez lembrada e reforçada pela
explicação dada ao reconhecimento dos inconfidentes, no que tange à importância das
Forças Armadas.
Quanto aos outros personagens da Inconfidência Mineira, é importante
observar como aparecem nos livros. Os poetas e a cultura dos conjurados quase não são
lembrados. Eles são deixados de lado, em privilégio dos militares e de José Álvares
Maciel que trouxe a notícia de apoio estrangeiro.
130
MICHALANY, Douglas & RAMOS, Ciro de Moura. Enciclopédia de educação moral, cívica e
política – Edição Monumental. Vol. II. p. 146.
Em muitos dos livros de biografias, quem aparece representando a força da
mulher na conjura de 1789 é Bárbara Heliodora. Ela é mais reverenciada que Marília de
Dirceu e mais ainda que seu marido Alvarenga Peixoto. Nesses casos, Alvarenga
aparece citado na biografia da esposa.
Dois nomes principalmente encarnaram a sofredora mulher
brasileira dos terríveis tempos da prepotência do Reino, e bem
exemplificaram esta altaneira posição que ocuparam junto aos
homens de seu tempo.
São elas Bárbara Heliodora e Maria Efigênia – esposa e
filha respectivamente de Inácio José de Alvarenga Peixoto.
(...)
Enquanto isso, Bárbara Heliodora enlouquecia. Era o triste
fim dessa mulher que tinha o nome dos Bueno da Silveira, da
mais alta casta de Minas Gerais. Cultíssima, esposa fiel e
apaixonada foi um símbolo de sacrifício pela liberdade.”
131
Acredita-se que, no material didático, Bárbara Heliodora tenha ocupado o
lugar central da figura feminina na Inconfidência, dado ao fato de que ela era uma
mulher casada e que tinha filhos. A historiografia não tem discordâncias quanto ao
comportamento dedicado dela em relação a seu marido, à instituição do casamento.
O texto analisado deixa a impressão de que Bárbara enlouqueceu por dois
motivos: saudades e a ausência do marido na condução da vida familiar. Ambas levam
ao reforço da importância de um núcleo familiar completo.
A família, a despeito dos textos que fazem menção a personagens e fatos
históricos, é ponto muito recorrente nos livros de Moral e Cívica do período militar. Ela
é a base da moral e dos bons costumes.
Até aqui se falou dos textos descritivos e narrativos com valores, caros ao
governo ditatorial militar, incutidos, a partir daqui tratar-se-á da prática. De atividades
organizadas em livros específicos para elas e que eram usados naquele período.
131
RIBEIRO, Wagner. Noções de cultura mineira. p.47.
São exemplos claros daquelas atividades já mencionadas que prezam a
memorização e repetição e não tem a função específica de transmitir conhecimentos
técnicos, mas são fundamentais para manter a docilidade popular. Também não se
tratam de atividades escritas, mais que isso eram livros destinados a preparar alunos
para apresentações públicas.
Em algumas escolas mais tradicionais organizavam-se algumas práticas extra-
classe muito cultuadas nos tempos da proclamação da República e que foram reforçadas
durante o Estado Novo – 1937-1945 – e depois na ditadura militar – 1964-1985. Estas
atividades são basicamente duas: as horas cívicas e os desfiles.
As horas cívicas são momentos em que os alunos são convocados a se reunir
para ouvirem e cantarem hinos, fazerem apresentações ensaiadas em sala de aula,
ouvirem a fala de algum convidado especial, enfim, participar, em conjunto, de
atividades organizadas por professores e pela administração da escola. Esses eventos
costumam relacionar suas temáticas às datas comemorativas do calendário anual
nacional e exigem intensa participação dos alunos.
Já os desfiles são fora do espaço físico da escola e contam com a participação
de várias instituições de ensino, bandas de música, militares entre outros grupos. Como
pode ser percebido, abrangem um número muito maior de participantes. Portanto, o
poder do apelo simbólico dos desfiles tende a ser ainda maior que o das horas cívicas.
A combinação destes elementos didáticos, pedagógicos, ideológicos, começa a
construção de um forte imaginário coletivo que tende a ser reforçado ao longo da vida
de cada cidadão.
O mercado editorial da época desenvolveu, para esse tipo de atividade, livros
de poemas, biografias resumidas e jograis.
Jogral é um texto composto de forma parecida com uma peça teatral e é para
ser apresentado, ou melhor, representado por duas ou mais pessoas. No caso destes
jograis dedicados a heróis e datas, encontrados entre o material didático usado durante o
período ditatorial militar, eles eram postos em prática por alunos do ensino
fundamental, que ensaiavam durante dias, suas falas.
Apresentar-se em público, no colégio é uma função de responsabilidade e
orgulho da parte do aluno que expõe. O fato de haverem ensaios antes das apresentações
finais, para toda a escola, obriga os declamadores a ler e repetir o mesmo texto várias
vezes. Ou seja, a fixação das falas acaba por facilitar a fixação das idéias contidas no
jogral.
Foram encontrados vários desses jograis e alguns trechos serão analisados a
partir deste ponto.
Os dois primeiros jograis, os mais curiosos, estão no livro Jograis e
celebrações de Bernardo Cansi. Não serão reproduzidos na íntegra, embora
merecessem, destacam-se dois pequenos trechos.
1- Tiradentes, obrigado pelo seu gesto corajoso.
2- Tiradentes, obrigado pelo seu heroísmo.
3- Tiradentes, obrigado pelos seus ideais de liberdade no
Brasil.
4- Tiradentes você assumiu a causa em nome de todos nós,
obrigado.
5- Tiradentes, você não morreu. Embora tenha apodrecido sua
cabeça, você vive.
6-Tiradentes, você beijou as mãos do seu carrasco; você
perdoou tudo.
7-Tiradentes, você é hoje o patrono da nação Brasileira.
Todos – Você deu sangue pela libertação brasileira. Obrigado
pelo seu exemplo de bravura e santidade. Obrigado pela sua
amizade, pelas suas pregações pela nossa libertação. Continue
orando por nós junto a Deus para que levemos sempre a frente
seus ideais de libertação, de independência do Brasil. (...)”
132
132
CANSI, Bernardo. Jograis e celebrações. p. 43.
Este segundo, foi escrito para quatro participantes: historiador, Brasil, Jesus
Cristo e Tiradentes. Quem propõe a comparação entre Cristo e Tiradentes é o
historiador e a comparação alterna falas atribuídas a Cristo, a Tiradentes e ao Brasil.
O Historiador - Neste dia do patrono da Nação Brasileira,
Tiradentes, podemos fazer uma comparação, um paralelo entre o
mártir da independência do Brasil e os anseios de liberdade e
independência de Cristo. Vocês poderão observar que existem
ideais comuns. (...)
O Brasil- seus ideais, Tiradentes, se assemelham aos de Cristo,
que veio nos libertar do mal da escravidão do egoísmo do orgulho
da soberba.
Jesus Cristo – Eu quis a liberdade e fui perseguido ‘perdoai-lhes,
não sabem o que fazem.’
Tiradentes – Eu quis a independência, a maioridade do povo
brasileiro e fui perseguido. Eu beijei a mão do carrasco que me
decapitou.(...)
Todos – Mas, vocês alcançaram a liberdade. Seu sangue nos deu a
liberdade. Obrigado, Tiradentes. Obrigado, Jesus Cristo.”
133
É possível observar o grau de apelação para a comparação entre os dois
mártires. Em ambos os textos, a questão do perdão está presente no beijo nas mãos do
carrasco, sendo que, no segundo, ainda tem o pedido aos céus feito por Jesus para o
perdão dos que o condenaram. Tiradentes é apontado como uma criatura muito mais
próxima de Deus que os outros humanos, aparece inclusive o termo santidade para se
referir a ele, termo que faz parte do vocabulário católico e confere um status místico ao
alferes.
Mas são os agradecimentos que dão o tom de dívida de gratidão. No primeiro
jogral, a palavra “obrigado” aparece sete vezes, sendo que só no excerto acima são
cinco “obrigado”. No segundo exemplo, o autor põe na fala de “Todos” os
agradecimentos a Tiradentes e a Jesus Cristo, colocando os feitos dos dois no mesmo
patamar, o que reforça a dívida de gratidão para com o mártir da Inconfidência.
133
CANSI, Bernardo. Jograis e celebrações. p. 46.
Nesses casos, os jograis apresentados tentam a comparação de Tiradentes com
Jesus Cristo, mas o que se quer mostrar é que a pedagogia tecnicista e a repetição
proposta por ela contribuíram também para o reforço do mito de Tiradentes. Isso, dado
ao fato de ele ser comparado e até mesmo representado nas artes visuais com traços
semelhantes à representação de Jesus.
Pode-se observar em outro jogral, um trecho que traz sutilmente a disciplina
militar na fala que deve ser executada por alunos, ao mesmo tempo em que exalta
Tiradentes, a bandeira nacional e o nacionalismo. Este está no livro Atividades de
Educação Moral e Cívica, de Antônio de Siqueira e Silva e Rafael Bertolin.
Todos – Tiradentes não morreu!
A – Ele está vivo!
Todos – Vivo seu ideal de liberdade!
A – Ele está vivo!
Todos – Dedicação à Pátria!
B – Ele está vivo!
Todos – O lema de sua bandeira.
C – Liberdade ainda que tardia.
Todos – É o ideal de um povo.
A – São as vozes brasileiras que não morrem.
Todos – È o ideal de Ordem e Progresso de um povo!”
134
A construção desse jogral leva a crer que o ideal do grande herói, Tiradentes –
homem corajoso, patriota e dotado das mais nobres intenções – se resume à máxima que
estampa nossa bandeira – “Ordem e Progresso” – como diz a ultima fala. Aliás, essa
fala que encerra o jogral vem como ideal não só do herói, mas “de um povo”. Onde se lê
“povo” entende-se “povo brasileiro” e o que o governo militar se propôs a fazer foi pôr
ordem para que se atingisse o progresso. Frase que combina com o pensamento de
hierarquia e disciplina típicos do positivismo e, conseqüentemente, da mentalidade
militar.
134
FERRREIRA, Hugo. Jogral para a festividade cívica de Tiradentes. In: SILVA, Antônio de Siqueira &
BERTOLIN, Rafael. Atividades de Educação Moral e Cívica. p. 9.
Segundo José Murilo de Carvalho, a Bandeira Nacional, como é hoje, chegou
ao governo provisório, nos primeiros anos da República, por intermédio de Benjamin
Constant e trazia consigo a novidade da inclusão de uma divisa contendo a frase
“Ordem e Progresso” no melhor estilo comtiano. Os positivistas teriam saído vitoriosos
na escolha da maioria dos elementos que compõem nosso imaginário republicano, não
tendo conseguido se impor somente no quesito “Hino Nacional”, única vitória popular.
Uma das opções seria a bandeira, que hoje é a de Minas Gerais, e que veio do
movimento inconfidente de 1789, mas “não foi adotada porque não convinha aos novos
tempos. A liberdade não era mais um fim em si mesma – era condição para a ordem e o
progresso. Ela se tornara, por assim dizer, tardia.”
135
É certo que ao retratar a construção do imaginário republicano José Murilo
fala dos primórdios da República brasileira, mas é curioso como o excerto transcrito
acima, da obra A Formação das Almas, pode ser comparado ao jogral que fecha com a
frase “Ordem e Progresso”.
A liberdade pretendida por Tiradentes veio tardiamente, mas veio e agora o
que deveríamos fazer seria construir a ordem no presente, para conseguirmos o
progresso no futuro.
3.3 – Tiradentes na Grande Imprensa Mineira: o Caderno Infantil do Estado de
Minas.
Fora da escola, o jornal Estado de Minas, que como já foi dito, publicava aos
domingos o caderno infantil Gurilândia, também dava sua contribuição para a difusão
ideológica da Ditadura Militar relacionando esses temas e a Inconfidência Mineira.
135
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas. p.114.
O nome responsável por grande parte dos textos é André Carvalho. Parece que
esse caderno era bem apreciado pelas crianças, pois nele se encontram várias vezes,
passagens em que o autor agradece por ter sido convidado para ser paraninfo da
inauguração de bibliotecas e dar palestras para crianças, em escolas do interior do
estado de Minas Gerais.
Os textos não apresentam grande variação nem de tamanho, nem de conteúdo,
mas sempre dão uma pincelada nas questões que também eram abordadas pela
propaganda oficial da Ditadura.
Figura 14: Capa do caderno infantil Gurilândia do jornal
Estado de Minas de 19 de abril de 1970.
A capa, da edição de 19 de abril de 1970, (Figura 14) traz o rosto de
Tiradentes com a corda no pescoço, mas sorridente, esse rosto está no centro de um
triângulo, simbolizando a bandeira de Minas Gerais. No fundo, há muitas flores
coloridas, um céu azul e, abaixo do referido triângulo, um desfile de policiais muito
felizes, com capacetes aonde se lê PM (Polícia Militar). Dois dos policiais carregam
bandeiras sendo a da direita a nacional e a da esquerda a de Minas Gerais.
O semblante feliz de Tiradentes diante do desfile da Polícia Militar, já diz
tudo, sem mencionar o aspecto de felicidade que transmite toda a ilustração.
No interior do caderno, encontramos um texto em homenagem a Tiradentes,
que não é exatamente uma biografia, pois não traz muitos dados da vida do alferes, mas
uma espécie de moral da história dizendo o que ele deixou de importante para os
cidadãos brasileiros incorporarem em suas vidas.
“Mas sua morte não foi inútil, como nunca é inútil um
sacrifício que se faça pelo país em que se vive e que é nossa
Pátria. A semente de sua fé num Brasil livre germinou e outros
homens, com seu mesmo ideal, fizeram a nossa liberdade,
depois.
Mas essa liberdade ainda está sendo construída e o será
sempre, com o trabalho de cada um de nós.”
136
Nessa época, ano de 1970, a propaganda oficial convocava o povo a se unir, a
trabalhar pelo Brasil, que crescia a olhos vistos, principalmente na área econômica. No
texto, direcionado ao público infantil, estão os indícios da difusão dessa convocação, no
momento em que o autor escreve “nunca é inútil um sacrifício que se faça pelo país em
que se vive e que é nossa Pátria.” e, depois, “mas essa liberdade ainda está sendo
construída e o será sempre, com o trabalho de cada um de nós”.
Entre 1970 e 1974, a propaganda que convocava a nação a se unir, a se
espelhar nos bons exemplos, a crer no Brasil como um país do futuro teve grande
prestígio e força. Segundo Carlos Fico, com Otávio Costa à frente da Assessoria
Especial de Relações Públicas, cuidando da imagem do governo, o Brasil experimentou
uma fase de ufanismo. E como já foi mencionado na introdução, o próprio Otávio Costa
136
CARVALHO, André. Tiradentes. In: Gurilândia 19 de abril de 1970. p.3.
incentivava a divulgação das idéias da AERP no material destinado às crianças e jovens,
em formação escolar.
Nos textos da Gurilândia, é esse tipo de informação, no estilo “lições para a
vida” que aparecem e que me sugerem corroboração com a ideologia militar.
Segundo Denise Rollemberg:
“Para um país cujas escolas passaram esses anos formando
crianças e jovens no moral e civismo, ensinando uma história
de grandes personagens e seus feitos, ausente de lutas e
movimentos sociais, plena de um povo pacífico e ordeiro, uma
história que desconhecia os conflitos dos primeiros anos da
década de 1960, que transformara o golpe civil-militar de 1964
em revolução que garantia democracia e liberdade, obra de
homens que se igualavam aos heróis do passado, que livraram
o país dos maus brasileiros; não houvera projetos conflitantes
e excludentes; existiria sim subversão e terror.”
137
Os textos para crianças e adolescentes, que perpassam a temática da
Inconfidência Mineira de 1789 e foram publicados entre 1964 e 1984, trazem consigo
ideologias caras ao pensamento militar. Induz os alunos a valorizarem a importância das
Forças Armadas, a disciplina, a valorização dos heróis do passado, ao nacionalismo não
crítico e à incorporação de idéias que servem a propósitos discutíveis quanto as suas
intenções. Sem falar que formam um público moldado para seguir, sem incomodar, sem
questionar, sem os riscos de tentar transformar o status quo.
137
ROLLEMBERG, Denise. Esquerdas revolucionárias e luta armada.p.46.
CONCLUSÃO
“Um fantoche vestido à turca, com um narguilé na boca,
sentava-se diante do tabuleiro, coloca-o numa grande
mesa. Um sistema de espelhos cria a ilusão de que a
mesa era totalmente visível, em todos os seus
pormenores. Na realidade, um anão corcunda se
escondia nela, um mestre no xadrez, que dirigia com
cordéis a mão do fantoche.”
Walter Benjamin.
138
Walter Benjamin escreveu o trecho acima para se referir ao Materialismo
Histórico, que no caso em questão seria o anão. Mas pensando nessas palavras e
adaptando-as ao contexto deste trabalho, elas podem se tornar uma alegoria que
representa o uso de um fato do passado, para fins nem sempre declarados.
Na posição do fantoche poderia estar o jornal, o material didático ou até mesmo
a própria História da Inconfidência Mineira.
Os brasileiros que têm contato com a Inconfidência através desses meios, têm a
impressão de que eles dão informações confiáveis e essa confiança é que cria a certeza
de que a mesa está totalmente visível, quando na verdade, não está.
Assim como o anão corcunda que manipula o fantoche, a verdade infiltrada na
história de Tiradentes é feia e não tem a intenção de se apresentar diretamente ao
público. Por isso usa um fantoche, um meio que se apresente melhor, que não cause
138
BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de História.
repugnância ao espectador, ao mesmo tempo em que permite a ação do manipulador. O
fantoche tem aparência agradável, bem cuidada, não assusta ninguém, mas também não
age por si só, na verdade ele faz o que o anão corcunda determina, através da
manipulação dos cordéis. Nessa alegoria, os cordéis assumem a posição de fatos
manipulados para se apresentar ao povo.
Em nome da “Doutrina de Segurança Nacional” a ditadura militar cometeu
inúmeras atrocidades: torturou, censurou, assassinou e manipulou informações.
No momento em que esses atos imorais aconteciam a imensa maioria dos
brasileiros não se manifestou contrária, em muitos casos, a manifestação foi favorável,
principalmente, durante o governo Médici, por causa do efêmero “Milagre Econômico”.
Apenas uma minoria intelectualizada tentou acabar com a ditadura ou pelo
menos despertar os brasileiros do transe em que se encontravam e que não os permitia
perceber claramente o que estava acontecendo.
Por trás do que levou tanta gente, em um país do tamanho territorial e
populacional do Brasil, a esse “transe”, está sem dúvida, o aparato ideológico de que se
serviu o regime. Os brasileiros estavam cercados de informações manipuladas, frases de
efeito, imagens, músicas, discursos e tudo mais que fosse necessário para tentar
direcionar o pensamento.
Assim também aconteceu com a História da Inconfidência Mineira, que serviu
como um dos veículos de difusão de idéias importantes ao governo vigente. Como já foi
dito, a Inconfidência não foi o principal tema e nem tampouco o único. Assim como
qualquer assunto que desse abertura, por mínima que fosse, a fenda foi aproveitada. Era
uma forma de cercar o leitor, espectador ou ouvinte, enfim qualquer pessoa com acesso
a qualquer meio de informação, desse bombardeio de conceitos e slogans.
Depois que a ditadura terminou é que essa população pôde ser adequadamente
informada sobre a real situação enfrentada pelo país e dos crimes cometidos em prol da
“Segurança Nacional”.
As gerações, que não viveram nas décadas de 1960 e 70, hoje têm a
oportunidade de obter uma visão global da briga política travada no Brasil militar, tendo
acesso às explicações de quem é a favor ou de quem participou do governo militar ou
ainda dos que sofreram com a repressão.
Acredita-se que esse seja o motivo para a memória negativa do regime em
questão.
Quanto à dificuldade que, atualmente, o povo brasileiro tem para lidar com a
memória da Ditadura Militar, Daniel Arão Reis fala que ela consiste em entender como
a sociedade “participou, num passado ainda muito recente, da construção de uma
ditadura, que definiu tortura como política de Estado.”
A despeito do comportamento da população durante a Ditadura Militar no
sentido de apoiar ou rechaçar a proposta dos militares, hoje a mesma mídia que, em um
primeiro momento, endossou o golpe e depois e contribuiu, consentida ou
obrigatoriamente, para a manutenção desse regime, ajuda a construir
uma memória
negativa do mesmo.
Em relação ao Imaginário criado sobre Tiradentes ou qualquer outro aspecto da
Inconfidência, o que se percebe é que no período entre 1964 e 1984, a memória desse
movimento colonial sofreu intervenções no sentido de corroborar ideologicamente com
o projeto militar para o Brasil.
O conteúdo das Ordens do Dia para o dia 21 de abril analisadas no primeiro
capítulo podem ser interpretados de duas formas. Numa primeira visão, o Exército
acredita no que escreve e sendo assim repassaria a todos seus seguimentos informações
sobre a Inconfidência Mineira, que considerassem corretas, e a outra onde precisa
convencer a todos e criar uma identificação dentro da própria corporação, antes de
qualquer coisa.
Na análise das Ordens se observa a freqüência com que a carreira militar de
Tiradentes é lembrada.
Assim como uma pessoa comum procura pontos de identificação para julgar o
heroísmo do alferes, o Exército encontrou na “farda” o seu ponto. O fato de Tiradentes
ter sido um militar transformou sua profissão em ponto de referência para os militares.
As Ordens do Dia dão a idéia de que o que faz com que o alferes Silva Xavier precise
ser lembrado como um herói é o fato de ter sido ele um alferes.
A questão militar, que figurou nessas Ordens do Dia, também esteve muito
presente no material didático.
Não se pode negar a influência da censura e das normas, principalmente as não
declaradas, que regiam o mercado editorial e circulação de informações pela mídia de
massa no governo militar. A influência da mão de ferro que esses governantes
mantinham sobre quaisquer informações é notória, quando se trata da análise dos livros
didáticos ou outro material destinado ao público escolar. Não há de ter sido por acaso
que o militar tenha sido tão intensamente explorado nos relatos sobre a conjuração de
1789, pelos autores desse material.
O comportamento moral do alferes também foi ponto forte, não só no material
didático, mas também nos artigos de jornais. Os autores, em ambos os casos,
desconsideraram os conceitos de moral e a vida cotidiana na colônia e analisaram a
conduta desses personagens das Minas setecentistas com olhos de brasileiros da
segunda metade do século XX.
Para não admitir, que aos olhos da sociedade da década de 1970, Joaquim José
da Silva Xavier não era um modelo de moralidade a ser seguido, os “desvios” foram na
maioria das vezes escondidos. Em contrapartida, virtudes como coragem, determinação,
idealismo, inteligência e honestidade vieram à tona com cores vibrantes.
As “escapulidas” do herói em questão, foram manipuladas para que se
explicassem por algum motivo nobre. As incursões a prostíbulos eram justificadas como
sendo ele apaixonado pela prostituta. Nesse caso, é possível interpretar até como um
ponto positivo, pois teria ele passado por cima de preconceitos para viver uma história
romântica?
Assim como a manipulação recaiu sobre a História Conjuração de 1789 dando a
ela reforços e características específicas apagando outras, para legitimar o governo em
vigência, aumentar-lhe a popularidade, conduzir as massas a assumirem determinadas
posturas morais e compromissos com o futuro do Brasil. Alguns discursos e ações
contrárias também se valeram do mesmo imaginário. Como visto, esses casos são raros,
mas existiram. Esses não desmitificaram Tiradentes, apenas direcionaram o mito para
seus fins, o que também é manipulação, escolha deliberada de que aspectos aproveitam
o fato para extrair dele o que se deseja. Não cabe aqui o papel de julgar as intenções das
partes envolvidas, mas mostrar que um mesmo imaginário pode servir a várias
ideologias, desde que manipulado corretamente.
Afinal de contas, depois das inúmeras apropriações do mito da Inconfidência
Mineira, depois de tantos estudos e debates sérios sobre a documentação disponível para
a pesquisa acerca do tema, qual é a História oficial? O que é fato e o que é falso no que
se refere ao movimento setecentista? Como determinar limites para o que é real e o que
foi aumentado ou falseado?
A resposta a essas perguntas é impossível. Foram tantas conjecturas, tantas
especulações que separar o real do mítico, bem como tentar propor uma discussão
desapaixonada sobre as intenções de Tiradentes, fatalmente, cairá no vazio.
A História, como disciplina, não pode deixar de cumprir seu papel de apontar e
instigar discussões pautadas em fatos concretos, mas, nesse caso, a desmitificação não
será conseguida assim, tão facilmente.
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