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CÉLIA MARIA ALCÂNTARA MACHADO VIEIRA
A CONSTRUÇÃO DE UM LUGAR PARA
A PSICOLOGIA EM HOSPITAIS DE
SERGIPE
Mestrado em Psicologia Social
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
São Paulo
2006
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CÉLIA MARIA ALCÂNTARA MACHADO VIEIRA
A CONSTRUÇÃO DE UM LUGAR PARA
A PSICOLOGIA EM HOSPITAIS DE
SERGIPE
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de Mestre em
Psicologia Social, sob a orientação da Professora
Doutora Maria do Carmo Guedes.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
São Paulo
2006
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Célia Maria Alcântara Machado Vieira
A construção de um lugar para a psicologia em hospitais de Sergipe
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre
em Psicologia Social, sob orientação da professora Doutora Maria do Carmo
Guedes.
Dedico esse trabalho a todos os psicólogos que atuam em Sergipe: que
continuem lutando e acreditando no desenvolvimento da Psicologia no nosso Estado, a
fim de que possamos oferecer um serviço de excelência, sendo importantes promotores
da saúde de nossa população.
AGRADECIMENTOS
A Maria do Carmo, minha orientadora, exemplo de mestre na Psicologia e na vida.
Espero conseguir colocar em prática, tanto na vida pessoal quanto na profissional, os seus sábios
ensinamentos. Que eu possa passar, para meus futuros alunos, aquilo que eu experimentei
nesses anos: o exemplo de fibra, autenticidade, profissionalismo, competência e
responsabilidade, sem nunca perder o carinho maternal.
Às professoras Julieta Maria de Barros Reis Quayle e Mitsuko Aparecida Makino
Antunes (Mimi), pela disponibilidade e genuíno interesse no meu tema de estudo, enriquecendo-
o com as contribuições oferecidas na banca de qualificação e, sobretudo, pelo privilégio de ter
grandes nomes da História da Psicologia e da Psicologia Hospitalar no Brasil em minha banca
de defesa.
À professora Carmem Silvia Rotondano Taverna, que vem me ajudando desde a minha
monografia de conclusão do curso de Psicologia, na Universidade São Marcos. Obrigada,
Carmem! Sem sua generosa disponibilidade, orientando-me na elaboração do meu projeto de
dissertação, não sei se estaria comemorando esta conquista hoje.
Ao professor Ricardo Franklin Ferreira, da Universidade São Marcos: grande mestre,
ensinou-me a importância de acreditar nas pessoas e ensiná-las a ser sinceras consigo mesmas.
Essa pesquisa só foi possível graças à sua disposição de ouvir e flexibilidade em não colocar as
normas acima das pessoas. Muito obrigada!
A Nivaldo, um grande presente de Deus, fiel companheiro nos momentos alegres e
difíceis, dando apoio na minha formação, para que eu pudesse crescer profissionalmente, não
deixando que eu fraquejasse nos momentos mais árduos. Mais do que eu mesma, sei que você
acredita muito em mim!
A meus pais, primeiros incentivadores de meu crescimento. Tudo isso que hoje posso
colher são frutos das sementes plantadas, adubadas, regadas, podadas por vocês, sempre com
uma dedicação e um amor incondicionais, não medindo esforços para me ajudar não só a
vencer, como também a saber aceitar, com serenidade e paciência, os momentos de
dificuldades.
A toda minha família: irmãos, cunhados, sobrinhos, sogros. Vocês também fazem parte
dessa conquista! Todos os momentos compartilhados nesses dois anos de caminhada me
ajudaram a ver que vale a pena todo esforço quando temos ao nosso redor pessoas que nos
amam muito e acreditam em nós! Queria fazer um destaque, aqui, ao meu irmão Savinho, por
toda paciência para orientar-me nas minhas dúvidas de informática, e a minha cunhada
Conceição, pelo grande auxílio dado nessa reta final, com a preparação e entrega dos volumes
da dissertação.
A Célia, Marileide, Sílvia, Simone e todos os demais psicólogos de Sergipe que
participaram deste estudo: a vocês, muito obrigada por possibilitar o desenvolvimento desta
pesquisa e, sobretudo, a divulgação, em todo o Brasil, do trabalho dos psicólogos em nosso
Estado.
A todos os meus amigos, de modo especial aqueles que fiz em São Paulo, como as
grandes companheiras Liliane, Marcella, Beth e Marília. Conviver com vocês foi um lindo
presente que a vida me deu. Hoje a distância nos separa, mas estou certa de que, em nossos
corações, continuamos sempre juntas!
A André e Neiza, pelo caloroso acolhimento nordestino, todas as vezes em que estive em
São Paulo, durante esse último ano. Tenho muitas saudades da companhia de vocês!
Aos colegas do NEHPSI, sobretudo Renato, Fernanda, Arnaldo, Vera e Catarina, que me
acompanharam desde o início do mestrado, dando importantes contribuições para esta pesquisa,
com suas críticas e sugestões, a cada encontro do Núcleo.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
financiador desta pesquisa, pelo incentivo que vem dando, ao longo dos anos, a várias pesquisas
em nosso país, possibilitando o acesso de um maior número de pesquisadores a estudos
científicos de grande importância para o desenvolvimento de diferentes áreas do conhecimento.
A Deus, princípio e fim, grande arquiteto de Amor, que torna todas as coisas lógicas e
possíveis, levando-nos pela mão na construção da história de vida de cada um.
RESUMO
O objetivo deste estudo foi entender quando e como se deu a inserção de psicólogos em
instituições hospitalares do Estado de Sergipe, pretendendo, com isso, contribuir para a
historiografia da psicologia no Brasil, sobretudo trazendo à tona dados obtidos na região
nordeste, que é pouco abordada, de maneira geral, pela bibliografia da área. Foi traçado o
percurso histórico das instituições que se dedicavam ao cuidado dos doentes ao longo de tempo,
suas fases históricas, a que população atendia, seus objetivos, qual o caráter do “cuidado” em
cada fase, percorrendo desde os templos da Idade Antiga até a constituição do hospital
contemporâneo, na modernidade. Em seguida, foram salientadas as relações estabelecidas entre
a psicologia e a medicina, no Brasil, passando pela época colonial até o momento atual, além de
uma breve apresentação da história da inserção do psicólogo em hospitais no Brasil, a partir de
dados obtidos em bibliografia específica da área. A pesquisa propriamente dita consistiu no
levantamento de algumas informações sobre o Estado de Sergipe, como a presença de
faculdades de Psicologia, e as instituições hospitalares que possuem psicólogos, e na realização
de entrevistas com profissionais que atuaram ou atuam nessas instituições, visando a conhecer a
relação que mantiveram com esse campo de atuação desde a graduação, como se deu sua
inserção na área, como é seu trabalho hoje, nessas instituições, bem como o que pensam e
sentem no que diz respeito a essas mesmas informações. A partir do contato com todas as
instituições hospitalares do Estado presentes no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de
Saúde (CNES) do Ministério de Saúde, foram levantados os nomes de 36 psicólogos, atuando
em 12 instituições diferentes da Grande Aracaju, dos quais foram entrevistados 28 profissionais.
A partir dos dados obtidos, foi traçada uma cronologia da inserção dos psicólogos em hospitais
de Sergipe, em que se pôde visualizar o crescimento dessa área de atuação, ao longo do tempo,
além de serem levantados questionamentos sobre o lugar em que se colocam esses profissionais,
na instituição hospitalar, no Estado, e pensar algumas perspectivas, possibilidades e desafios
para sua atuação. As questões levantadas, apesar de partirem da atuação dos psicólogos em
hospitais de Sergipe, podem ser ampliadas para outras instituições de saúde, já que muitas delas
se referem ao lugar e o papel assumido por eles na equipe de saúde, independente do nível de
atenção (primária, secundária ou terciária) a que se dediquem, bem como a profissionais de
outros locais do país, dada a semelhança encontrada entre vários aspectos aqui abordados e
aqueles apresentados na literatura da área no Brasil.
Palavras-chave: psicologia, hospital, equipe de saúde, história da psicologia.
ABSTRACT
The aim of this study is to understand the means by which Psychologists have been
inserted into hospitals in the state of Sergipe. I intended to contribute to the historiography of the
psychology in Brazil, putting into evidence the data about the Northeast region of the country,
which is less mentioned in the specific bibliography. It has been traced a historical background
of the institutions which cared for the ill throughout the time, in their historical phases, the
population which they cared for, their objectives, the characteristics of the “care” in each time,
ranging from the temples of the Ancient Age, to the contemporaneous hospital, in the modernity.
I have still underlined the relationships established between psychology and medicine in Brazil,
since colonial time until nowadays and beyond that, a brief historical presentation of psychology
insertion in hospitals in Brazil, from a bibliographic review. The research itself consisted of
background informations about the State of Sergipe, the presence of Psychology courses and
college, the hospitals that have psychologists working in them, and a bunch of interviews to
psychologists who have worked or are still working for such institutions, in a way to get to know
their contact with this specific field since their time of graduation, how they got inserted into the
hospital, what’s their task, what they think and what they feel about these very same
informations. Data of 36 psychologists, working in 12 different hospitals in the city of Aracaju,
were obtained from National Health Entities Registry (Cadastro Nacional de Estabelecimentos
de Saúde - CNES) of Brazilian Health Ministry, out of which 28 professionals were interviewed.
A chronologic retrospective about the work of psychologists in the hospitals in Sergipe was then
drawn, and understandings about their performance, their perspectives, deceptions, threats,
possibilities, and solutions. Although the points raised were mostly about the psychologists in
hospitals in Sergipe, the arguments can be extrapolated to hospitals in many different parts of the
country, notwithstanding the level of attention (primary, secondary or tertiary) to which they are
committed, because of the likeliness of the aspects highlighted here and those presented by many
authors in Brazil.
Key words: Psychology, hospital, health team, history of psychology
SUMÁRIO
Introdução ....................................................................................................................................10
1. O hospital: um pouco de história ...........................................................................................15
1.1. Dos “templos” na Antigüidade ao isolamento dos “lazaretos”........................................15
1.2. A disciplina nas instituições de saúde: em direção à “organização hospitalar”...............23
1.3. Sanitarismo e controle: a entrada dos médicos no hospital..............................................25
1.4. O nascimento do “hospital terapêutico”...........................................................................29
1.5. Resgate histórico da instituição hospitalar: algumas palavras finais ................................34
2. A psicologia em hospitais no Brasil........................................................................................37
2.1. A psicologia no Brasil e a Medicina .................................................................................37
2.2. A Psicologia Hospitalar no Brasil.....................................................................................42
3. Trajetória: contextualizando e definindo limites para a pesquisa......................................52
3.1. A pesquisa.........................................................................................................................52
3.2. O nosso campo de estudo: Sergipe ...................................................................................58
3.3. Os protagonistas: psicólogos em hospitais de Sergipe.....................................................63
4. A psicologia nos hospitais de Sergipe: passado, presente, futuro........................................88
4.1. Psicólogos em hospitais: um diálogo entre diferentes contextos......................................88
4.2. Inserção de psicólogos em hospitais de Sergipe: uma cronologia..................................100
4.3. Perspectivas ....................................................................................................................106
Referências .................................................................................................................................126
ANEXOS.....................................................................................................................................133
10
Introdução
Desde o início da minha formação em psicologia, a área da Saúde foi a que mais me
atraiu, fazendo-me refletir sobre a importância do psicólogo nas equipes de saúde, visto que não
se pode pensar o processo de saúde e doença apenas do ponto de vista orgânico, mas de uma
maneira mais ampla, englobando os aspectos psicossociais (F. Campos, 1992; T. Campos, 1988,
1995; Lamosa, 1987; Muylaert, 1992, 1995; Spink, 1992, 2003).
Na verdade, apesar de, oficialmente, o conceito de saúde
1
ter sido ampliado pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) em meados da década de 1940, a relação entre
comportamento e saúde já existe há muito tempo, sobretudo em épocas em que “a doença foi
equacionada com a ruptura do equilíbrio intra-indivíduo ou entre o indivíduo e o cosmos”.
(Spink, 2003, p.43).
Sendo assim, de certa forma, o que entendemos hoje como psicologiatinha relação
com o processo de saúde e doença, mesmo antes de esta adquirir o estatuto de ciência, no século
XIX. Ademais, a ampliação do conceito de saúde pela OMS, envolvendo, além dos aspectos
orgânicos, também os sociais e mentais, possibilitou que a psicologia adquirisse mais espaço
para atuar no campo da saúde, juntamente com outros profissionais.
Sempre com isso em mente, e visando ampliar meus conhecimentos na área, no início da
minha formação acadêmica, na Universidade Federal de Sergipe, trabalhei como voluntária no
ambulatório de oncologia de um hospital público de Aracaju, onde tive um contato mais
próximo com crianças que ali se dirigiam para receberem aplicações de quimioterapia. Intrigou-
me o fato de esse hospital só possuir duas psicólogas, uma das quais se responsabilizava por
toda a parte oncológica, incluindo adultos e crianças, tanto internados quanto em atendimento
ambulatorial.
Durante esse período, fiz alguns cursos nessa área e obtive informações sobre outros
hospitais da cidade, a grande maioria com somente um psicólogo em todo o hospital, quando
havia algum. Mais uma vez essa característica me chamou a atenção, mas rapidamente
relacionei-a ao fato de a Psicologia Hospitalar ser uma área recente
2
, sem fazer maiores
questionamentos. Contudo, essa questão permaneceu, sempre voltando a inquietar-me.
1
Na Constituição da OMS, assinada em New York, a 22 de julho de 1946, a saúde foi definida como sendo “um
estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de afecção ou doença". (Constitution,
1946).
2
Ao longo de meus estudos, pude comprovar que essa idéia não era de todo correta, uma vez que as atividades de
psicólogos em hospitais, no Brasil, foram iniciadas antes mesmo de que a profissão de psicólogo fosse
11
Em 2001, por questões pessoais, passei a morar em São Paulo e transferi meu curso para
a Universidade São Marcos. Ainda nesse ano, mais uma vez estagiei, voluntariamente, em um
hospital ligado a uma grande universidade pública. Estive mais ou menos durante dois anos
nesse estágio, realizando um trabalho bem diferente daquele feito em Aracaju, no entanto, não
menos gratificante. Não sei especificar quantos psicólogos trabalhavam nesse hospital, nessa
época, mas posso afirmar, com certeza, que eram bem mais que dois.
No ambulatório em que estagiei, havia uma psicóloga, voluntária, que coordenava uma
equipe de sete psicólogas que tinham interesse em desenvolver pesquisa na área, todas também
voluntárias. Dentro do hospital, ouvi vários comentários de que só havia psicólogo na equipe
cujo médico-chefe acreditasse no trabalho desse profissional e se interessasse por tê-lo em seu
grupo, muitas vezes oferecendo trabalho voluntário, apesar de também haver psicólogos
contratados por meio de concurso público, ainda que em quantidade muito pequena, e que não
supria, segundo meu modo de ver (opinião compartilhada também por outros colegas), as
necessidades de todas as áreas do hospital.
Tudo isso me deixava intrigada: era muito clara a importância de o hospital ter, entre
seus profissionais, psicólogos suficientes para assistirem as diversas áreas hospitalares. E essa
não é somente minha posição. Já há vários trabalhos científicos salientando essa importância,
além de discutirem os aspectos psicológicos envolvidos no processo de saúde e doença, o papel
desse profissional nas instituições de saúde, os benefícios que ele pode proporcionar (F.
Campos, 1992; T. Campos, 1988, 1995; Chiattone, 1998; Ferreira, 1998; Muylaert, 1992, 1995;
Neder, 1991, 1992, 1999; Romano, 1994, 1998, 1999, 2000). Entretanto, parecia que esse fato
ainda não era visto por todos, e com isso não me restrinjo somente aos médicos, mas também
aos outros membros da equipe e até aos pacientes... Ou talvez houvesse algo mais?
Ainda com essas inquietações, prestei prova para o mestrado em Psicologia Social, com
o objetivo de ampliar os conhecimentos adquiridos na graduação, e, na seleção, entrei no
Núcleo de Estudos em História da Psicologia, com a orientação da professora Maria do Carmo
Guedes. Na verdade, sempre pensei em fazer mestrado na Psicologia Clínica, enfocando a área
da Saúde, mas, nesse momento, pareceu-me que na Psicologia Social eu poderia encontrar
respostas para alguns de meus questionamentos, apesar de nunca haver pensado na possibilidade
de fazer pesquisa histórica.
regulamentada. O que talvez tenha ocorrido, é que passou um bom tempo com trabalhos isolados, tendo um maior
desenvolvimento somente a partir da década de 1980. Abordarei essa questão no subtítulo 2.2.
12
Inicialmente, tive dificuldades para entender como um psicólogo poderia fazer esse tipo
de pesquisa, contudo, ao longo das reuniões de Núcleo, pude perceber a grandiosidade que é
conhecer a história daquilo que fazemos, e muitas vezes nem sabemos por quê.
De fato, como diz Pinto (1979, p. 520, apud M. Antunes, 1998, p.366), “todo
pensamento é histórico (...) porque decorre do fluxo do tempo, do passado existente no
momento presente” e fazer uma pesquisa histórica não se resume a descrever uma série de
acontecimentos, na ordem cronológica, mas deve, sobretudo, explicá-los, tentar estabelecer
relações entre eles... (Brožec e Guerra, 1996).
Wertheimer (1998) ainda acrescenta:
A história da psicologia pode nos ajudar a descobrir grandes idéias do passado. Pode
nos ajudar a concentrar nossa atenção sobre as questões abrangentes e fundamentais às quais
deveríamos estar direcionando nossos esforços. Mais importante ainda, pode nos ajudar a
tomar consciência do contexto social em que trabalhamos, e nos tornar menos sujeitos à sua
influência irracional. Pode servir para integrar o que se tornou um campo bastante
fragmentado. Finalmente, pode transformar-se no grande libertador, no meio que nos tirará
da cega aceitação da sutil, insidiosa e muitas vezes poderosa Selbstverständlichkeiten
3
que
compõe o Zeitgeist dentro da qual nós trabalhamos. (p.39)
Com isso, surgiu o interesse em entender não só qual o papel desempenhado pelo
psicólogo dentro do hospital, mas também como se iniciou seu trabalho nessa instituição, que
sofreu muitas modificações ao longo do tempo. Já existem vários trabalhos com esse enfoque
4
,
porém não respondem a meus questionamentos, por não contextualizarem historicamente como
ocorreu a inserção da psicologia no hospital, que características apresenta essa instituição, quais
as relações de poder envolvidas, o que é esperado do trabalho do psicólogo, o que ele próprio
considera como sendo seu papel dentro da instituição hospitalar...
Diante disso, e estudando as abordagens históricas de pesquisa, comecei a me questionar
sobre a história da própria instituição hospitalar, quando e com que finalidade foi criada e como
se deu a entrada do médico nessa instituição, uma vez que hoje a idéia de hospital está atrelada à
figura desse profissional, quando nem sempre foi assim (Souza, 1992; J. Antunes, 1991; T.
Campos, 1988; Foulcault, 1999). Além disso, também me interessava saber de que forma e em
que contexto a psicologia ingressou nos hospitais brasileiros, que, na década de 1950, já tinham
3
O autor utiliza esse termo tomando-o de Wolf Lepenius, que o usa para designar o “padrão particular do que
estiver sendo considerado como certo em dado momento”. (Wertheimer, 1998, p. 36)
4
Entre esses, pode-se citar os trabalhos de Lamosa (1987), T. Campos (1988), Muylaert (1992), Chiattone (1998),
Neder (1991, 1992, 1993, 2003), Romano (1994,1998,1999).
13
o médico como figura de destaque (T. Campos, 1988; Lamosa, 1987, Neder, 1991, 1992a, 1999;
Silva, 2002).
Diante disso, a pesquisa histórica parece conseguir abranger vários de meus
questionamentos, levando-me ao problema desta pesquisa: tendo em vista as várias fases pelas
quais passou a instituição hospitalar ao longo do tempo (caráter religioso, de assistência social,
lugar de segregação/isolamento, sanitarismo, cura médica), de que forma e em que condições a
psicologia ingressou nessa instituição, e, mais especificamente, como isso vem ocorrendo no
Estado de Sergipe?
Para tal, no primeiro capítulo, procurei traçar o percurso histórico das instituições que se
dedicavam ao cuidado dos doentes ao longo de tempo, suas fases históricas, a que população
atendia, seus objetivos, qual o caráter do “cuidado” em cada fase, percorrendo desde os templos
da Idade Antiga até a constituição do hospital contemporâneo, na modernidade.
Em seguida, no segundo capítulo, inicio o percurso pela história da psicologia do Brasil,
salientando as relações estabelecidas entre esta e a medicina, passando pela época colonial até o
momento atual. Ainda nesse mesmo capítulo, discorro brevemente sobre a história da inserção
do psicólogo em hospitais no Brasil, a partir de dados obtidos em bibliografia específica da área.
A pesquisa propriamente dita será apresentada no terceiro capítulo, explicitando os
passos que foram sendo dados ao longo do processo, além de fazer uma breve contextualização
do Estado de Sergipe, a fim de que o leitor possa ter alguns conhecimentos acerca do local em
que foi feito este estudo, para, em seguida, apresentar os protagonistas dessa história, os
psicólogos que atuam em hospitais de Sergipe, caracterizando-os por meio dos dados obtidos
com a entrevista realizada com cada um deles.
Por fim, o quarto capítulo tem o objetivo de apresentar ao leitor as discussões suscitadas
ao longo de todo o estudo, iniciando com uma contextualização da atuação da psicologia em
hospitais de Sergipe em relação a outros lugares do Brasil. Em seguida, será apresentada uma
cronologia da inserção dos psicólogos em hospitais de Sergipe, construída a partir dos dados
obtidos, em que se pode visualizar o crescimento dessa área de atuação, ao longo do tempo. Por
fim, serão levantados questionamentos sobre o lugar em que se coloca esse profissional, na
instituição hospitalar, em Sergipe, além de pensar algumas perspectivas, possibilidades e
desafios para sua atuação.
Durante a elaboração dos capítulos, utilizei-me tanto da historiografia, algumas partes já
escritas isoladamente, sobre a história geral do hospital e da Psicologia Hospitalar, quanto da
memória, por meio do contato com psicólogos que trabalham em hospitais no Estado de
Sergipe.
14
Acredito ser de extrema importância essa retomada histórica do trabalho dos psicólogos
em hospitais, pois, como falam Andery, Micheletto e Sério (1998), “é insuficiente estudar a
história da Psicologia a partir do conhecimento produzido; seria necessário estudar também a
história da constituição de seu objeto”. (p.13)
Ademais, como bem coloca M. Antunes (2003):
A compreensão do processo de construção histórica de uma área de conhecimento é
tão imprescindível quanto o conteúdo de suas teorias e o domínio de suas técnicas que,
tomados atemporalmente, são meros fragmentos de uma totalidade que não se consegue
efetivamente apreender. (p.9)
Pretendo, portanto, por meio desta pesquisa, contribuir para a historiografia da
psicologia no Brasil, sobretudo trazendo à tona dados obtidos na região nordeste, que é pouco
abordada, de maneira geral, pela bibliografia da área. Ademais, as questões levantadas, de certa
forma, não se restringem à atuação dos psicólogos em hospitais, mas podem ser ampliadas para
outras instituições de saúde, já que muitas delas se referem ao lugar e o papel assumido por eles
na equipe de saúde, independente do nível de atenção (primária, secundária ou terciária) a que
se dediquem.
O resultado deste trabalho não representa a historiografia definitiva da atuação de
psicólogos em hospitais de Sergipe, até porque, como nos lembra M. Antunes (2003), toda
historiografia é uma possibilidade dentre outras, devendo a história ser continuamente escrita, já
que constitui um processo inacabado. Espero, portanto, que outros colegas pesquisadores da
História da Psicologia realizem mais trabalhos, a fim de que possamos cada vez mais conhecer a
psicologia no Brasil.
15
1. O hospital: um pouco de história
Para resgatar a história da instituição hospitalar, os principais autores utilizados foram J.
Antunes (1991) e Foucault (1999), complementados por outros que também abordaram o tema,
mesmo que esse não tenha sido objetivo principal de suas pesquisas.
T. Campos (1988), por exemplo, em um dos capítulos de sua tese que versa sobre a
atuação de psicólogos em hospitais gerais, tece comentários sobre a história dessa instituição, e
nos relembra a origem latina da palavra hospital, que vem de hospes, significando hóspede,
relacionando-se, portanto, com a função primeira dos hospitais: ser uma espécie de “depósito”
onde se isolavam pessoas doentes, com finalidade mais social que terapêutica. Só depois de
muito tempo, como será apresentado, essas instituições se constituíram em “espaços de cura”
(Souza, 1992, p. 22), tais como hoje as conhecemos.
J. Antunes (1991) fez uma longa pesquisa sobre a instituição hospitalar e sua história
social, procurando “delinear uma visão retrospectiva das formações institucionais estabelecidas
em diferentes conjunturas para despender atenção social aos doentes e às doenças” (p.12), quer
fossem ou não designadas pelo nome “hospital”. Para tal, esse autor selecionou, ao longo do
tempo, algumas instituições que possibilitassem o diálogo com o hospital contemporâneo, desde
a Antigüidade até a Idade Moderna. Serão apresentados, a seguir, alguns dados obtidos com
essa pesquisa, que nos oferecem uma ampla visão das diversas fases pelas quais passaram as
instituições até que se constituísse o hospital tal qual o conhecemos atualmente.
1.1. Dos “templos” na Antigüidade ao isolamento dos “lazaretos”
Na Antigüidade, o autor destaca três pontos importantes: os templos gregos do culto a
Asclépio, a organização sanitária das cidades submetidas ao Império Romano e os hospitais
militares de campanha desse Império.
Entre os gregos, Asclépio é o deus da medicina, e os doentes acorriam aos templos
destinados a seu culto “na esperança de serem curados por intercessão divina” (J. Antunes,
1991, p.19). O mais famoso desses templos foi o de Epidauro e as condutas tomadas nesse local
em relação às doenças estavam mais relacionadas ao aspecto espiritual que à ciência da época,
pois se acreditava que a maneira para se atingir a cura seria revelada, em sonho, pelas
divindades, devendo ser cumprida à risca pelo doente.
16
Como esses templos eram considerados locais sagrados, evitavam-se nascimentos e
mortes ali. Assim, em 170 d.C., foram construídos dois edifícios ao lado do Asklepieion de
Epidauro: uma maternidade e um local para acolher moribundos.
Tais construções foram apontadas por alguns analistas como tendo configurado os
primeiros hospitais
5
regulares da Europa, talvez pela postura mais dependente e passiva
naturalmente assumida pelos doentes terminais e pelas parturientes, fator que os aproximaria
ao paradigma atual da condição de paciente. (J. Antunes, 1991, p.21)
Esses templos funcionaram até o ano de 335 d.C., quando o Imperador Constantino os
fechou para serem substituídos por hospitais cristãos, apesar de, até o século IV, serem
mantidas algumas tentativas para preservar suas atividades. Na verdade, “instituições que se
dedicavam ao rito de curas milagrosas” (idem, p.23) não foram totalmente abolidas durante o
período de quase mil anos entre a origem do culto a Asclépio e o reconhecimento do
cristianismo como religião oficial em Roma. O próprio culto se manteve por muito tempo,
sendo até um dos pontos de resistência à difusão do cristianismo.
J. Antunes (1991) também salienta o fato de que havia grande longevidade e vigor dos
que acorriam aos Asklepieia, sugerindo algumas explicações para isso, tais como a
compatibilização entre “rituais de purificação e tratamentos prescritos com a crescente eficácia
terapêutica dos conhecimentos médicos e farmacêuticos da civilização helênica” (p.24), apesar
de todos os procedimentos realizados serem aceitos como provenientes do deus: tanto as dietas,
repousos e banhos como os métodos medicamentosos ou cirúrgicos.
O autor também levanta a hipótese, baseado em estudos de Tavares de Souza (1981,
apud J. Antunes, 1991), de que havia nesses templos “outros importantes predicados para a
cura: o clima e a temperatura agradáveis, o esquecimento das preocupações cotidianas, a música
e os costumes regrados”, além da “densa atmosfera de sugestão no interior do Abaton,
estimuladas por ritos e oferendas, e a esperança confiante no poder da divindade”. (J. Antunes,
1991, p.25)
6
5
Considero ser esta uma afirmação perigosa do ponto de vista da historiografia, pois pode revelar um cunho
presentista, uma vez que o autor se utiliza de um termo surgido em uma época posterior no caso do “hospital”, no
século IX para definir instituições que datam do início da era cristã. Como bem nos lembram Brožek e Massimi
(2002. p. 105), “o presentismo insiste no valor do passado em função do presente, mas desse modo facilmente
desrespeita o passado e torna-se um ‘vício’ historiográfico”. Ao longo do capítulo, aparecerá o termo “hospital”,
entre aspas, para identificar que foi um termo utilizado pelo autor, mas que não considero adequado por todas essas
questões.
6
Não posso deixar de mencionar aqui a analogia que se pode fazer desses “predicados” e “atmosfera” com os
aspectos psicológicos que atualmente observamos como sendo fatores importantes para o bom prognóstico dos
pacientes que são atendidos nos hospitais.
17
A intervenção divina para a cura poderia ocorrer tanto na vigília quanto no sono. Na
vigília, com as dietas e aplicações farmacêuticas, por exemplo, e, no sono, por meio dos sonhos,
em que o paciente receberia “um sinal de intervenção divina, e esses sinais eram aceitos mesmo
sem se saber de que modo eles favoreciam a recuperação da saúde”. (J. Antunes, 1991, p.26)
Nessa época, ainda, também era exercida na Grécia o que J. Antunes (1991) chama de
medicina leiga, praticada por vários tipos de pessoas, desde peregrinos que iam de cidade em
cidade vendendo os medicamentos que eles próprios preparavam, até aqueles “médicos eleitos e
pagos pelos cidadãos para atender os doentes sem recursos (...) em um tipo de dispensário
chamado Iatreion, onde também albergavam os enfermos submetidos a intervenções cirúrgicas
e ensinavam sua arte”. (p.22)
Outro costume era “escrever nos pilares e nas paredes dos santuários aqueles remédios
de que a experiência comprovara a eficácia”, constituindo “uma espécie de prontuário clínico e
guia prático bastante consultado”. Esse seria o “único indício apontando para a possibilidade de
um determinado tipo de saber conseguir impor, nos Asklepieia, sua prevalência sobre outras
formas de atenção às doenças”. (idem, p.27)
Já em relação ao Império Romano, esse autor afirma que a “assistência aos doentes tinha
caráter doméstico e era atribuição devida ao Pater familiae, a quem cabia zelar, na saúde e na
doença, por todas as pessoas de sua casa”, por meio de orações e invocações rituais, além de
sacrifícios e oferendas com os quais se acreditava poder receber ajuda dos deuses. Apesar de se
aceitar que conhecimentos empíricos também auxiliavam no cuidado aos enfermos, “o exercício
profissional da arte de curar era menosprezado e tido como incompatível com a dignidade do
cidadão romano”. (idem, p.32)
Foi somente entre os séculos I a.C. e I d.C. que foram construídas as Valetudinaria,
consideradas as primeiras instituições médicas especificamente dedicadas ao abrigo e
tratamento de doentes”. Eram uma espécie de “hospitais militares de campanha”, criados por
motivos militares e econômicos, para recuperar os doentes com o intuito de poderem ser
utilizados na guerra. Com essas instituições, surgiu uma medicina militar, “que provia serviços
farmacêuticos e cirúrgicos através de unidades volantes que percorriam os postos fixos em vias
de marcha”. (idem, p.33)
Esse cunho militar levou à existência de rigorosa disciplina e controle que deveriam ser
seguidos tanto pelos funcionários quanto pelos enfermos, controle esse que J. Antunes (1991)
considera como sendo tão rigoroso quanto o dos hospitais contemporâneos: “doentes ou feridos,
18
longe de casa, sujeitos à disciplina militar, os legionários ali tratados podiam lembrar o
paradigma atual da condição de paciente”. (p.36)
Em relação aos Valetudinaria, sua principal atribuição era “prover abrigo e despender
cuidados médicos a um número relativamente elevado de doentes”, podendo ser considerados,
portanto, “do ponto de vista técnico e sanitário”, os precursores do hospital no Ocidente (J.
Antunes, 1991, p.35). Entretanto,
foi apenas durante a Idade Média, quando as Cruzadas
7
e as peregrinações de
penitentes mobilizaram as cidades para receber contingentes de aflitos e necessitados, que as
instituições de abrigo e tratamento revestiram-se de maior importância na vida urbana e
aumentaram consideravelmente em número e dimensões. (idem, p.37)
Muito provavelmente, os civis romanos continuavam a dar uma atenção mais doméstica
e religiosa às doenças, “prescindindo de outras formas institucionais para cuidar de seus
doentes” (idem, p. 37), talvez pelo fato de que a medicina dedicava-se mais ao cuidado dos
enfermos em casa, sem defender a necessidade de um estabelecimento específico para ele.
Dessa forma, os Valetudinaria continuaram restritos aos militares, como “forma compensatória
ante as dificuldades em se despender, nessas condições, os meios tidos como ideais para a
atenção às doenças” (idem, p.38), como tinham os civis.
A partir do século IV d.C., no entanto, houve a fundação, pelo clero, de muitos
estabelecimentos para abrigo e cuidado de doentes e necessitados, que se espalharam
rapidamente pelo mundo, sobretudo devido aos Concílios de Nicéia (325)
8
e de Cartago (398)
9
,
que versavam sobre a obrigação de serem construídos estabelecimentos para receber e atender
peregrinos, viajantes, e todas as classes de desprovidos. Ademais, esse tipo de trabalho
constituía para os cristãos atos de misericórdia, servindo para remir seus pecados e lhes fornecer
indulgências.
7
As Cruzadas foram “expedições maciças (1096-1274) de caráter internacional, que se dirigiram para a Palestina
com o objetivo de conquistar ou defender os lugares em que Cristo viveu e morreu”. (Schlesinger e Porto, 1995, p.
746)
8
Os concílios são “assembléias católicas para fins doutrinários e disciplinares”. O Concílio de Nicéia primeiro
concílio ecumênico visava “restabelecer na Igreja a paz perturbada pelo arianismo” (Schlesinger e Porto, 1995,
p.641), “doutrina professada por Ário, padre alexandrino do século IV, que subordinava o Logos ao Pai, o único,
eterno e verdadeiro Deus”. (idem, p.228). Segundo J. Antunes (1991, p.40), ainda, esse concílio instruiu os bispos
no sentido de receber e atender todas as classes de desprovidos que errassem pelas imediações de suas dioceses,
criando um hospital em cada cidade, ao menos naquelas onde houvesse uma catedral”.
9
O concílio de Cartago, segundo informações de J. Antunes (1991, p. 40), “conclamou os bispos a manter,
próximos às igrejas, estabelecimentos para o abrigo de peregrinos e outros viajantes”.
19
Mais tarde, foram definidos os tipos de asilo dessa época, pelo Código de Justiniano,
imperador do século VI. Eram eles: Brephotrophia, que “recebiam crianças enjeitadas pelos
pais; Orphanotrophia, para órfãos; Gerontodochia, para idosos; Ptochotrophia, para pobres e
desamparados; Xenodochia (Hospitium, mais tarde), abrigo para forasteiros, que na sua
maioria eram doentes, assemelhando-se, portanto, “mais a hospitais que a pousadas ou
pensões”; Lobotrophia, para inválidos e “leprosos”, com o intuito somente de aliviar o
sofrimento daqueles que não tinham mais esperança de cura, e Nosocomia, para doentes em
geral (J. Antunes, 1991, pp. 40-41).
Entre os Nosocomia, destaca-se o de São Basílio
10
, construído no ano de 369, em
Cesárea, na Capadócia, que foi o modelo para difusão do hospital cristão no Império Romano.
Estava sob os cuidados de diáconos e diaconisas da Ordem dos Parabolani primeira “Ordem
hospitalaria”
11
(idem, p.42) e nele trabalhavam médicos e enfermeiros, não só assistindo os
doentes, mas também indo à busca deles para conduzi-los ao hospital. Já na Europa Ocidental, o
primeiro Nosocomium foi fundado entre 380 e 400, na periferia de Roma. Com o passar do
tempo, essas instituições foram se espalhando por toda a Europa e “as Cruzadas incursões
militares e religiosas que a partir do século XI foram expedidas rumo ao Oriente Médio
ajudaram a transportar o sistema hospitalar da Antigüidade cristã até a Idade Média, difundindo-
o por todo o continente europeu”. (idem, p.43)
O cristianismo acreditava que as doenças eram “castigos divinos ou instrumentos para
pôr em prova a têmpera dos fiéis” (idem, p.45), daí a necessidade da oração e do
arrependimento dos pecados para se conseguir a cura, mais do que os medicamentos em si. Foi
somente com Santo Agostinho
12
que se estabeleceram as bases para a reconciliação dos
conhecimentos empíricos dos gregos antigos com a fé cristã, abrindo o caminho para a
apropriação da medicina pelos hospitais cristãos”. (idem, p.45)
10
São Basílio (329-379): Santo da Igreja Católica, nasceu em Cesárea, Capadócia (atual Turquia), em uma família
nobre. Foi monge e teólogo e é considerado doutor da Igreja, além de um dos mais antigos organizadores do
trabalho com indigentes em hospitais como uma forma de caridade cristã, tendo criado um “grande hospital para
indigentes”. “Destacou-se ainda com um dos organizadores e mentores da vida religiosa no oriente, tanto que seu
nome está ligado à Ordem dos Basilianos, que possuem vários mosteiros atualmente, inclusive no Brasil”.
(Schlesinger e Porto, 1995, p.341)
11
A Ordem dos Hospitalários ou Hospitaleiros foi uma “ordem religiosa-militar cristã da Idade Média”, havendo,
paralelamente ao cuidado com as pessoas enfermas, atividades de cunho militar, o que foi diminuindo com o passar
do tempo. A partir dessa ordem, surgiram duas ramificações: a ordem de “São Lázaro, destinada ao tratamento de
leprosos, e a dos Cavaleiros do Santo Sepulcro”. (Schlesinger e Porto, 1995, p. 1939)
12
Agostinho de Hipona (354-430): Santo da Igreja católica, foi um grande filósofo e teólogo. Converteu-se ao
catolicismo no ano de 387 e foi sagrado bispo de Hipona, cidade da África. Pode-se dizer que o pensamento de
Agostinho vai além da dimensão religiosa, como afirmou o papa Paulo VI: “se pode dizer que todo o pensamento
da antigüidade conflua na sua obra e dela derivem correntes de pensamento que penetram toda a tradição doutrinal
dos séculos sucessivos”. (Schlesinger e Porto, 1995, p. 369)
20
De acordo com J. Antunes (1991), não se sabem ao certo detalhes sobre o funcionamento
dos Nosocomia e Xenodochia, em relação ao uso dos conhecimentos empíricos disponíveis,
aplicações farmacêuticas e cirúrgicas, etc. Mas há “um traço descritivo de seu funcionamento
[que] pode ser derivado do caráter piedoso dessas instituições: a hospitalidade com os doentes
elemento que, de algum modo, tentou se projetar até os hospitais contemporâneos”. (J. Antunes,
1991, p.47)
Os hospitais cristãos propriamente ditos iniciaram seu funcionamento no século IV,
atingindo o apogeu nos séculos XII e XIII, quando começou seu declínio e sua conversão em
“instituições públicas para a prestação de assistência social, geridas pela iniciativa leiga”. (idem,
p.61)
Durante o Império Bizantino (476 a 1453), os Nosocomia e Xenodochia continuaram a
progredir e se multiplicar, adquirindo um “caráter institucional mais definido”, apesar de isso ter
ocorrido de forma mais lenta na Europa Ocidental, “em virtude de um processo de ruralização e
gradual decadência das cidades, suscitado principalmente pelas seguidas invasões de seus
territórios”. (idem, p.49)
J. Antunes (1991) aponta, ainda, duas inovações importantes que marcam a passagem
para esse novo período. A primeira seria a reconciliação, por meio da doutrina de Santo
Agostinho, entre a cultura clássica e o cristianismo, ou seja, a conjunção entre ciência e religião.
Esse feito possibilitou a apropriação, pelos hospitais cristãos, de conhecimentos médicos
disponíveis nos tratados traduzidos para o latim, aplicando-os à prática clínica.
Uma outra inovação foi a organização, por São Bento de Núrsia
13
, de uma Ordem
monástica que se espalhou “por toda a Europa, modificando substancialmente, em diversos
sentidos, a relação dos clérigos com os devotos, em especial ampliando a assistência aos
doentes” (idem, p.50), chegando a ser estabelecido que cada convento “deveria dispor de
acomodações para os enfermos e lhes providenciar uma alimentação especial, para que eles
reparassem suas forças”.
14
(idem, p.53)
A partir dessa época, quase todos os conventos reservavam uma parte da construção para
o atendimento dos enfermos ou tinham uma instalação anexa de um Nosocomium ou
13
São Bento de Núrsia (480-547): monge cristão italiano, escreveu a “‘Regula Sancti Benedecti’ (regra de São
Bento)” (Enciclopédia, 1977, p. 1304), que “se tornou o principal código de vida monástica do Ocidente”
(Schlesinger e Porto, 1995, p. 369). “Tem por princípio o convento auto-suficiente, dispensando recurso a qualquer
elemento externo, tanto material quanto espiritual” (Enciclopédia, 1977, p. 1304). São Bento fundou, em 529, na
Itália, a Ordem de São Bento, ou Ordem dos Beneditinos, e foi proclamado, em 1964, pelo papa Paulo VI, “Patrono
da Europa” (Schlesinger e Porto, 1995).
14
Esse cuidado foi estabelecido na regra de São Bento, inicialmente voltado para os próprios monges, e depois
ampliado para aqueles que ali buscavam ajuda.
21
Xenodochium. Com isso, os mosteiros passaram a representar “não apenas a melhor opção,
como talvez a única possibilidade de acesso a uma atenção especializada”, e o “número de
práticos não-religiosos que exercitavam a arte de curar diminuíra sensivelmente” (J. Antunes,
1991, p.54). J. Antunes (1991, p.55) comenta que esse “mesmo ânimo de servir, a mesma
abnegação e busca por gratificações de natureza espiritual continuariam por muitos séculos a
inspirar a formação das grandes Ordens de enfermagem, mesmo após a retração dos
movimentos religiosos de atenção aos doentes.
Durante toda a Idade Média, os mosteiros receberam muitas contribuições (em bens e
trabalho), devido a promessas ou simplesmente desejo de ajudar, o que contribuiu para sua
consolidação. Essas contribuições
resultavam numa comunhão espiritual ritualmente celebrada entre religiosos e a
comunidade a que serviam. Desse modo, quando os cristãos adoeciam e precisavam recorrer
a essas instituições, não se sentiam exteriores a tudo o que lá acontecia. Embora estejamos
nos acercando das concepções atuais sobre a internação de pacientes e apesar de os enfermos
recolhidos aos Nosocomia e Xenodochia mantidos pelos mosteiros tornarem-se objeto de
uma atenção cada vez mais especializada e de um saber que não podiam dominar, eles
estavam, ao menos, integrados ao ambiente físico e humano ali constituído. (idem, pp.56-57)
Após os beneditinos, muitas outras ordens dedicaram-se ao cuidado aos doentes, como a
ordem franciscana
15
, cujos membros apregoavam o dever de tratar os doentes da mesma forma
pela qual desejariam ser tratados” (idem, p.59). Foi mais ou menos nesse período que
o termo ‘hospital’ como designativo das instituições de atenção aos doentes surgiu
como decorrência de uma determinação do Concílio de Aachen (Aix-la-Chapelle), realizado
em 816, que traduziu para o latim o termo grego Nosokhomeion e tornou obrigatória, para os
bispos em suas dioceses e para os abades em seus conventos, a construção de Hospitalis
pauperum. Também nesse período, a palavra ‘hospício’ passou a ser aplicada aos
Xenodochia, indicando uma notável diferença entre a etimologia do termo e sua acepção
atual. (idem, pp.59-60)
15
“Ordem religiosa mendicante, fundada em Assis, Itália, em 1208, por São Francisco (...) estruturou-se com vida
mista de oração e apostolado, segundo as normas evangélicas” É uma das congregações com maior número de
religiosos “consagrados à vida conventual na Igreja Católica”. São Francisco de Assis (1181- 1226): Nasceu em
Assis e dedicou-se ao comércio. Converteu-se ao cristianismo em 1206. “A partir de 1208 começou a ser imitado
por alguns seguidores, e, quando no ano seguinte Inocêncio III aprovava oralmente seu novo estilo de vida cristã,
nascia humildemente a Ordem dos Frades Menores”. (Schlesinger e Porto, 1995, p.1113)
22
Ademais, nessa época, houve um grande êxodo rural, levando à expansão das cidades,
também favorecida pelo surgimento da burguesia e suas atividades (artesanato, indústria,
atividades mercantis). Assim, a população urbana aumentou e, com ela, a necessidade de
instituições de assistência social, favorecendo a construção de novos hospitais.
As Ordens monásticas e, conseqüentemente, os hospitais, espalharam-se por toda a
Europa durante a baixa Idade Média (séc. V a X). A primeira Ordem hospitalária surgiu no
Oriente Médio, no século III, depois da qual surgiram várias outras, entre elas a de São Bento,
que foi preponderante durante séculos no Ocidente. A Irmandade do Espírito Santo
16
(criada em
1170) “representou, talvez a maior força motriz da edificação de hospitais dirigidos aos
benefícios dos carentes e dos desprovidos. Essa corporação é apontada como tendo sido
responsável pela instalação do primeiro hospital na América”. (J. Antunes, 1991, pp.64-65)
É importante apontar que, nesse período medieval, havia uma contraposição entre as
visões da Igreja e da medicina em relação à explicação das doenças. Para aquela, as doenças
eram relacionadas com o pecado ou com “desagrado” divino, enquanto esta tentava explicá-las
por meio de “mecanismos de disseminação da moléstia abordando sua dimensão natural”.
(idem, p.96)
Também as atitudes diante das doenças e dos doentes variavam muito, o que pode ser
bem exemplificado diante da peste, grande epidemia que atingiu a Europa nesse período (a
partir do século XIV). Inicialmente, não se sabia muito bem como tratá-la, e os enfermos
passaram a ser marginalizados e até expulsos da cidade. Diante do aparecimento dos primeiros
casos em Florença, em 1348, houve diferentes atitudes por parte dos “sadios”, sempre
abandonando o tratamento dos enfermos, segundo dados obtidos por J. Antunes (1991) no
Decameron, de Boccaccio
17
(1970). Essas atitudes iam desde a fuga da cidade, à permanência
na mesma, organizando grupos “exclusivistas” (idem, p.100), ou passando a viver
desregradamente por não acreditarem que se pudessem proteger da contaminação. Todas essas
posturas “contribuíram para a suspensão das rotinas cotidianas e a dissolução da ordem social”.
(idem, p.101)
16
Irmandade criada por Guy de Montpellier, que se dedicou à construção de novos hospitais, além de se preocupar,
também, com a melhoria dos já existentes, incitando-os a se desvincularem das igrejas e dos claustros e a
assumirem um perfil mais definido de estabelecimentos específicos para doentes, diferenciando-os funcionalmente,
dos antigos Xenodochia. (J. Antunes, 1991, p.65)
17
Giovanni Boccaccio (1313-1375) é considerado um “dos precursores do espírito renascentista”. No Decameron,
famoso livro desse autor, ele discorre sobre vários aspectos da epidemia da peste, de 1348, em Florença, abordando
desde suas características, transmissibilidade, mortalidade, conseqüências, medidas tomadas de prevenção e de
busca para a cura, etc. (J. Antunes, 1991).
23
Com essa epidemia, popularizaram-se alguns hábitos de higiene, com objetivos
sanitários, e os médicos utilizavam vestimentas próprias, para reduzir o risco de contágio.
Foram escritos alguns manuais visando à manutenção da saúde coletiva, como a restrição da
entrada de migrantes e o isolamento dos doentes. Em Veneza, foi instalado um “hospital
expressamente destinado a isolar tanto os doentes da peste como os casos suspeitos, durante
todo o período da quarentena”. Como foi a Ordem hospitalaria de São Lázaro
18
que construiu e
manteve esse hospital, o mesmo era conhecido como “lazareto”, nome que passou a ser
utilizado para todos os hospitais desse gênero, que se multiplicaram “pela Europa entre os
séculos XV e XVII”. (J. Antunes, 1991, p.106)
1.2. A disciplina nas instituições de saúde: em direção à “organização hospitalar”
“Do ponto de vista historiográfico, o estabelecimento dos primeiros lazaretos, ainda no
século XV, antecipou em muitos anos um primeiro fator que viria revolucionar o funcionamento
dos hospitais durante a Idade contemporânea”, que foi a disciplina a que eram submetidos os
“procedimentos institucionais de atenção às doenças”, possibilitando um grande
desenvolvimento técnico das “práticas de saúde em geral”. (J. Antunes, 1991, p.107)
Contudo,
apesar de terem cunho hospitalar e apesar de procurarem dispor comodidades aos
internos, para amainar sua estadia, os lazaretos praticamente não ofereciam serviços
terapêuticos e de assistência médica individualizada. Destinavam-se exclusivamente à
vigilância da vida social tentavam resguardar e proteger a saúde coletiva através de uma
incisiva intervenção sobre a vida de cada pessoa. (idem, p.107)
Como a peste era fulminante e atingia um número bem maior de pessoas que a lepra, os
lazaretos, diferente dos leprosários (que praticamente serviam para isolar as pessoas do convívio
social, já que a lepra era uma doença crônica e bem visível), tentavam “se antecipar à doença,
18
São Lázaro é um personagem bíblico que tradicionalmente é associado à lepra, e que passou a ser considerado
“patrono dos mendigos e dos leprosos”. Foi por inspiração nesse santo que a Igreja passou a dedicar-se ao cuidado
e manutenção do “leprosários”, instituições criadas no século XI para o isolamento e exclusão social daqueles
acometidos pela lepra, endemia na Europa nos séculos XI e XIV. No século XV, com o advento da peste, o nome
“lazareto”, também derivado da Ordem de São Lázaro, passou a ser associado a outro tipo de estabelecimento
hospitalar, dedicado sobretudo “à realização de quarentenas preventivas para o controle dos fluxos migratórios e do
comércio marítimo entre as cidades”, visando, assim, reduzir a propagação da peste. (J. Antunes, 1991, p. 87)
24
procurando internar as pessoas antes que elas manifestassem tê-la contraído” (J. Antunes, 1991,
p.108), o que era feito por meio da quarentena.
Entretanto, apesar de ter havido uma mudança de mentalidade, com maior preocupação
com a higiene, não houve “melhorias imediatas no que se refere às condições gerais de
salubridade e à disseminação das doenças transmissíveis” (idem, p.111), o que possibilitou a
proliferação de novas epidemias, tais como sarampo, varíola, malária, tifo, tuberculose, sífilis...
A redução dessas epidemias começou no século XVIII, devido a melhoras na higiene,
mas a peste continuou apresentando surtos até final do século XIX, quando foi produzido, pelo
médico suíço Alexandre Émile John Yersin, um soro terapêutico
19
que conseguiu, após um
período de aplicação continuada, praticamente erradicar essa doença.
Como foi dito anteriormente, “os esquemas da atenção institucional dirigida à peste e à
lepra” eram diferentes, mas nem por isso incompatíveis, sobretudo no que diz respeito à
disciplina, que não se restringiu ao espaço urbano, mas adentrou as instituições, “visando à
repartição analítica de todas as classes de excluídos. Hospícios, penitenciárias, estabelecimentos
de educação vigiada e, em particular, os hospitais e os lazaretos ter-se-iam convertido em
instâncias de controle individual funcional”. (idem, p.126)
A necessidade de disciplinar o funcionamento dos estabelecimentos hospitalares, a
importância do controle a ser exercido sobre todos os aspectos relativos à permanência dos
internos e o desejo de organizar o interior dos hospitais fizeram-se notar a partir do século
XVIII, quando profissionais ligados às áreas da saúde e do bem-estar social efetuaram
diversas visitas aos principais hospitais e lazaretos europeus. (idem, pp. 126-127)
Portanto, com a instalação dessa “nova prática”, foram convocadas, pelas autoridades da
época, as primeiras visitas de “observação sistemática e comparada dos hospitais” (Foucault,
1999, p.99), “para instruir estudos e propostas de reformas nos sistemas municipais de atenção
às enfermidades” (idem, p.127). O objetivo, portanto, seria fazer descrições funcionais dos
hospitais, tais como a relação da quantidade de doentes por leito e por área útil, o tamanho das
salas, a taxa de mortalidade e de cura e sua relação com a disposição espacial dos doentes, etc.
Começa-se a discutir higiene, vestimenta e ventilação do ambiente como fatores que
também influenciam no tratamento, podendo tanto contribuir para a melhora quanto para a piora
19
A soroterapia é um “método de tratamento de doenças infecciosas por meio de soros terapêuticos, curativos e
preventivos, injetando-se soros animais preparados (principalmente o soro de cavalo) com o intuito de imunizar o
organismo humano ou animal contra as doenças para as quais existem soros específicos” (p.6645), conferindo
imunidade imediata, mas de curta duração”. (Enciclopédia, 1964, pp.6645-6646)
25
do paciente. Agora não só arquitetos pensam na organização médico-espacial do hospital, mas,
sobretudo, os médicos, passando a haver “um novo olhar sobre o hospital considerado como
máquina de curar e que, se produz efeitos patológicos, deve ser corrigido”. (Foucault, 1999,
p.101)
Com isso, observou-se que os próprios hospitais “haviam se convertido em um potente
fator de geração e de transmissão de doenças, principalmente os lazaretos, que mantiveram sua
destinação expressa de asilo para os portadores de moléstias contagiosas”. (J. Antunes, 1991,
p.127)
Os hospitais, portanto, passaram a ser tidos como “ante-salas a morte” (idem, p.127),
uma vez que colocavam em um mesmo local pessoas com diferentes doenças, aumentando sua
disseminação, o que era agravado pela falta de higiene e descaso administrativo. Foucault
(1999) nos traz, também, a visão que se tinha do hospital como um “morredouro” (p.102), uma
vez que sua principal função seria assistir espiritual e materialmente, dando os últimos cuidados
e o último sacramento àqueles que estavam sob seu cuidado em geral, pobres que estavam
morrendo e não doentes que precisavam de cura. Ele ainda afirma: “o Hospital Geral, lugar de
internamento, onde se justapõem e se misturam doentes, loucos, devassos, prostitutas etc. é,
ainda em meados do século XVII, uma espécie de instrumento misto de exclusão, assistência e
transformação espiritual, em que a função médica não aparece. (Foucault, 1999, p.102)
1.3. Sanitarismo e controle: a entrada dos médicos no hospital
Somente após essas visitas, com a “consciência de que o hospital pode e deve ser um
instrumento destinado a curar” (Foucault, 1999, p.99), é que foram feitos relatórios sugerindo a
entrada do médico nessas instituições, uma vez que a superação da condição insalubre desses
estabelecimentos foi vista como fundamental para que eles pudessem realmente cumprir um fim
terapêutico. “Em função desses motivos, a partir do final do século XVIII, os hospitais foram
tomados como um dos ambientes tidos como ideais para a imposição dos dispositivos
disciplinares derivados da atenção institucional à peste”. (J. Antunes, 1991, p.128)
Foi somente nesse século, portanto, que os hospitais e os médicos passaram a se
relacionar mais diretamente
20
. Antes disso, a medicina ainda não era uma prática hospitalar,
nem o hospital, uma instituição médica, ou seja, não tinha a cura como finalidade. No que diz
20
Isso não significa dizer que o desenvolvimento da medicina estivesse atrelado a suas atividades no interior do
hospital. J. Antunes (1991) afirma que “a profissão médica, durante toda a Idade Moderna, continuou a se
desenvolver de modo independente dos hospitais”. (p.137)
26
respeito à medicina, como nos traz Foucault (1999), esta era uma prática individualista, e não
havia experiência no hospital durante a formação médica, nem durante a prática, uma vez que
não era enfatizada a experiência, mas a transmissão de receitas, algumas secretas, outras
públicas. A noção de “crise” é que definia a intervenção do médico na doença:
O médico devia observar o doente e a doença, desde seus primeiros sinais, para
descobrir o momento em que a crise apareceria. A crise era o momento em que se
afrontavam, no doente, a natureza sadia do indivíduo e o mal que o atacava. Nesta luta entre
a natureza e a doença, o médico devia observar os sinais, prever a evolução, ver de que lado
estaria a vitória e favorecer, na medida do possível, a vitória da saúde e da natureza sobre a
doença. (...) A idéia de uma longa série de observações no interior do hospital, em que se
poderiam registrar as constâncias, as generalidades, os elementos particulares etc., estava
excluída da prática médica. (Foucault, 1999, pp.102-103)
Entretanto, apesar de o século XVIII ser apontado como o marco da entrada do médico
no hospital, Rosen (1980), citado por J. Antunes (1991), afirma que
a estreita associação entre a profissão médica e as instituições de atenção às doenças,
talvez o mais óbvio traço descritivo dos hospitais contemporâneos, veio se consolidando
progressivamente desde o século XIV, quando se registraram os primeiros sinais da
introdução da medicina profissional leiga nos hospitais germânicos. (Rosen, 1980 apud J.
Antunes, 1991, p. 136).
J. Antunes (1991), por sua vez, apresenta alguns fatores relacionados com a entrada do
médico no hospital, que já vinha ocorrendo lentamente desde o século XV, como a reforma
legislativa de 1439, que incorporou a atenção médica aos deveres do hospital, e a percepção, no
século XVI, de que essa atenção contribuiria para a redução de custos, uma vez que poderia
diminuir o tempo médio de permanência dos doentes no hospital (p.137). Por fim, esse autor
comenta o “princípio estabelecido no início do século XVII, na cidade holandesa de Leyden,
segundo o qual os hospitais, mais do que locais de abrigo e tratamento dos doentes, poderiam
servir como centros para o estudo e ensino da medicina”. (J. Antunes, 1991, p.137)
CISNEROS (1954) afirma que, a partir do século XVII, os hospitais começaram a
assumir com prioridade as tarefas do cuidado a assistência aos enfermos, enquanto outros
estabelecimentos, como as casas de trabalho na Inglaterra, por exemplo, foram se destacando
como instituições diferenciadas, para suprirem funções asilares. (idem, p.137)
27
Todo esse processo culmina no século XVIII, quando a entrada do médico no hospital é
estabelecida como tentativa de minimizar as desordens existentes, ou seja, os efeitos negativos
que o hospital tinha sobre as pessoas internadas, a fim de evitar que o “mal” que ali se
encontrava se disseminasse pela cidade, por meio da manutenção das condições sanitárias, além
da própria desordem econômico-social que também precisava ser controlada.
Essa “organização hospitalar” (Foucault, 1999, p.103) começou nos hospitais militares e
marítimos, onde havia grande desordem econômica, devido ao tráfico de mercadorias,
especiarias e objetos valiosos que se fazia nesses locais, em que os traficantes se passavam por
doentes para burlar a fiscalização. Diante disso, o primeiro regulamento de hospital que
aparece no século XVII, é sobre a inspeção dos cofres que os marinheiros, médicos e boticários
detinham nos hospitais” (J.Antunes, 1991, p.103). Ademais, também houve o problema das
doenças epidêmicas trazidas pelos marinheiros, que eram hospitalizados não com a preocupação
de serem curados, mas isolados, para evitar a disseminação da doença.
Juntamente com os hospitais marítimos, os hospitais militares também começaram a
investir na reorganização, sobretudo devido ao aumento dos custos na formação técnica dos
soldados. Sendo assim, devia-se cuidar para que gozassem de boa saúde, diminuindo,
conseqüentemente, a taxa de mortalidade que, no século XVII, era muito alta.
É importante destacar que toda essa reorganização, segundo Foucault (1999), estava
baseada na disciplina, considerada por ele como uma tecnologia política que, apesar de ser uma
técnica de exercício de poder existente há muito tempo, nos séculos XVII e XVIII foi
aperfeiçoada “como uma nova técnica de gestão dos homens, (...) uma das grandes invenções do
século XVIII”. (p.105)
Em relação aos lazaretos, eles continuaram funcionando até o século XIX, também como
hospitais regulares, atendendo pessoas com outras doenças, além da peste, com acomodações
diferentes para doentes com cada tipo de enfermidade. No início do século XX,
com o advento da microbiologia e de recursos terapêuticos muito mais eficazes, as
atribuições clínicas dos lazaretos ultrapassaram suas funções de policiamento da vida urbana,
e seu nome foi substituído, primeiro por hospital de isolamento, depois por, apenas,
hospital”. (J. Antunes, 1991, p. 128)
Podemos observar, portanto que, durante a Idade Moderna (XV a XVIII), os hospitais
adquiririam “uma feição diferente daquela que a caridade cristã lhe procurara imprimir no
período anterior”, uma vez que, já a partir do século XIII, começaram a sair das mãos dos
28
religiosos para a “jurisdição secular”, desenvolvendo algumas tendências que “prepararam a
organização contemporânea dos hospitais e prenunciaram seu despontar em fins do século
XVIII”, apesar de conservarem várias das características que tinham anteriormente (J. Antunes,
1991, p.129). Isso decorre da falta de projetos de reorganização funcional dos hospitais, já que
os novos administradores se preocuparam mais em sobrepor-se à Igreja:
As instituições de atenção às doenças continuaram preferencialmente devotadas aos
desprovidos e atenderam não apenas os enfermos, mas também as vítimas de toda sorte de
infortúnios, a quem despendia, não serviços médicos, mas cuidados gerais e assistência
social. (idem, pp.129-130)
Também continuaram a ser celebrados rituais religiosos em seu interior e “as Ordens
hospitalárias cristãs preservaram seu livre trânsito naqueles estabelecimentos, onde iam levar
conforto espiritual aos doentes e demais internos”. (idem, p.130)
“Com isso, pode-se dizer que a secularização do sistema hospitalar teve poucas
conseqüências imediatas e foi apenas parcial, pois em alguns hospitais os religiosos
continuaram atuando também a nível administrativo” (idem, p.130). Foi somente a partir do
século XVI que “as transformações econômicas e sociais que acompanharam o Renascimento
repercutiram nos hospitais gerais, impondo-lhes novos parâmetros e alterando o conteúdo de sua
inserção na vida urbana” (idem, p.130). Essas mudanças decorreram de “determinações
conjunturais que lhes forçaram uma readequação física e funcional”. (idem, p.131)
Nessa época, diante da nova realidade social, com o aumento do êxodo rural, houve um
aumento da demanda para o hospital nas cidades. Além disso, houve um deslocamento dos
centros comerciais do mediterrâneo para as cidades da costa atlântica,
o que intensificou a ocorrência de migrações e peregrinações comerciais. Ao longo da
história, as instituições de atenção às doenças estiveram tradicionalmente relacionadas à
realização de viagens em condições precárias de transporte, alimentação e abrigo, o que
sempre foi motivo de geração e transmissão de enfermidades. (...) Ao sofrer um considerável
incremento em sua população, as cidades européias não conseguiram absorver tantos novos
moradores, deixando muitos deles desocupados e sem abrigo. Obrigados à mendicância e a
outros estratagemas para sobreviver, muitos deles vinham espontaneamente bater à porta de
algum hospital, ampliando ainda mais sua demanda. (idem, p.131)
Os hospitais passaram a ser considerados entidades de assistência social, prestando-se
“ao controle e disciplinamento da vida urbana” (idem, p.161), o que os levava a assumir um
29
funcionamento às vezes semelhante ao dos estabelecimentos penais. Passou a ser visada a
higiene do espaço urbano” (J. Antunes, 1991, p.135), por meio da segregação daqueles
considerados perigosos, responsáveis pela “desestabilização da ordem social” (idem, p.134), por
propagarem as moléstias contagiosas, condutas imorais e crimes, quais sejam “os mendigos, os
vadios, os imigrantes, os loucos, os portadores de doenças repulsivas ou de outras moléstias
cujo caráter transmissível já era identificado” (idem, pp.160-161). A partir daí, estabeleceram-se
impostos, já que toda a comunidade se beneficiaria das atividades dos hospitais nas áreas da
saúde e bem-estar.
No entanto, não se pode falar de características peculiares aos hospitais da Idade
Moderna, ao contrário da Idade Média. Daí J. Antunes (1991) afirmar que essa época chega a
ser estudada “como uma etapa intermediária, de prefiguração das modificações que, a partir do
final do século XVIII, viriam marcar o surgimento do tipo contemporâneo da organização
hospitalar”. (p.136)
1.4. O nascimento do “hospital terapêutico”
No século XVIII, foram construídos vários hospitais que já antecipariam a “disposição
contemporânea, pois obedeceram a critérios de racionalização de recursos”. Uma outra
instituição surgida nessa época, na Inglaterra, foram os “dispensários”, que consistiam “naquilo
a que hoje chamamos unidades hospitalares de consulta externa e que visavam a despender
cuidados médicos e de hospitalidade em regime isento de internação”. (J. Antunes, 1991, p.138)
A introdução da medicina profissional em seus recintos; a redefinição de seu perfil
institucional; a especificação de suas atribuições terapêuticas; o aproveitamento racional dos
recursos disponíveis: estes teriam sido, para ROSEN (1980), os elementos que propiciaram a
gradual conversão do hospital geral, que emergira da secularização das entidades cristãs de
atenção às doenças, nos estabelecimentos de saúde de nossos dias. (idem, p.139)
Avanços científicos na medicina, desde o século XVI, transpostos aos procedimentos
clínicos executados nos hospitais, aumenta[vam] sua eficácia e ajuda[vam] a efetivar o desígnio
terapêutico dessas instituições”, diz J. Antunes (1991, p. 140). O autor completa:
Por outro lado, não se pode deixar de mencionar a contribuição exercida por
diferentes correntes sociais e políticas da época, como o mercantilismo, o despotismo
ilustrado, a iniciativa privada e a ação cooperativa que, de certo modo, convergiram para
30
fazer do hospital o elemento central da prestação de serviços médicos, um objetivo que só foi
plenamente atingido no final do século XIX. (J. Antunes, 1991, p.140)
Foi somente na segunda metade do século XIX, de acordo com Silva (2001), que o
hospital começou a perder os estigmas de “sinônimo de morte e de pobreza, quando passou a
ser regido inteiramente pelos médicos e pela medicina, (...) [tornando-se o] o lugar, por
excelência, para o tratamento dos doentes ou o local destinado ao restabelecimento da saúde.
Esse autor ainda traz “o desenvolvimento da anestesia, o surgimento de práticas de assepsia e o
desenvolvimento da profissão de enfermeira laica” como os elementos de ordem tecnológica
responsáveis pelo desaparecimento d[esses] antigos estigmas”.
As mudanças institucionais sofridas pelos hospitais não deixaram de atingir aqueles
estabelecidos nos países católicos, apesar de terem características próprias, uma vez que a
ampliação da rede hospitalar foi esforço conjunto das autoridades civis e da Igreja. Além disso,
“na luta contra o protestantismo, os católicos acionaram novamente o expediente das
comunidades hospitalárias, e a atuação dessas confrarias no campo da enfermagem ajudou a
aprimorar diversos hospitais”. (J. Antunes, 1991, p.140)
As congregações hospitalárias dessa época eram diferentes das anteriores, pois “seus
membros eram leigos que não precisavam assumir votos monásticos, e sua atuação se restringia
à execução das tarefas de enfermagem e assistência espiritual” (idem, p.140). Nos hospitais em
que trabalhavam, esses religiosos “garantiram um padrão de atendimento mais elevado, uma vez
que nos demais hospitais e lazaretos eram recrutados funcionários sem quaisquer qualificações
ou requisitos”. (idem, p.141)
A discussão sobre a “necessidade de mudanças estruturais no hospital” (idem, p.146) foi
iniciada a partir de um incêndio ocorrido em um importante hospital de Paris
21
, em 1772, de
grandes proporções, acarretando a destruição de vários prédios e a morte de muitas pessoas. De
acordo com Silva (2001), esse evento marcou a “modernização” dos hospitais, originando o
hospital contemporâneo:
21
O Hôtel-Dieu de Paris (Santa Casa de Paris) foi criado na segunda metade do século VII, nas antigas instalações
da primeira catedral dessa cidade. Devido à grande afluência de pessoas, o espaço físico tornou-se insuficiente para
as “atividades da rotina hospitalar” (J. Antunes, 1991, p.144), piorando, cada vez mais, “as condições de vida no
interior do hospital” e diminuindo a “virtual eficácia dos tratamentos realizados (idem, p.145). Essa situação
também facilitava a propagação de fogo, o que levou a vários incêndios, alguns de grandes proporções, durante o
século XVIII, como o de 1772, que destruiu o hospital, tendo sido reconstruído outro no mesmo lugar (Andrade,
1995).
31
Como era um hospital que acolhia permanentemente centenas de pacientes, era
imperativo reconstruí-lo ou substituí-lo, pois a cidade não poderia permanecer por muito
tempo sem seus serviços. A importância desse estabelecimento e a urgência na tomada de
decisões para sua reativação provocaram debates acalorados. As polêmicas que se seguiram
a esses debates colocaram à mostra as deploráveis condições existentes nesse velho hospital.
(Silva, 1991)
Diante disso, o rei da França nomeou uma comissão destinada a realizar estudos, a partir
de visitas aos hospitais franceses, em que se constataram as péssimas condições a que eram
submetidos tanto os doentes quanto os profissionais. Assim, foram elaborados projetos para a
construção de hospitais que expressavam os ideais humanistas da época, além de “uma
concepção bastante corrente nos meios científicos, a qual atribuía aos miasmas a etiologia das
doenças”. (J. Antunes, 1991, p.150)
Essa comissão apresentou três relatórios, com diferentes propostas. O terceiro deles, de
1788, “consistia em um projeto para a construção de um novo hospital” (idem, p.149), redigido
por Tenon
22
, que elaborou sua proposta após a análise minuciosa de vários hospitais, tanto
franceses quanto estrangeiros. Silva (2001) considera que a originalidade desse projeto foi a
análise do hospital do ponto de vista de sua função, a partir de um olhar crítico. Uma grande
novidade para a época foi a forma como ele tratou os hospitais, ou seja, considerando-os como
pacientes, estabelecendo sobre eles um diagnóstico e indicando para eles o tratamento mais
adequado.
O projeto de Tenon foi aplicado, em seus traços gerais, à construção de diversos
hospitais durante o século XIX. Sua influência repercutiu também no Brasil, onde pelo
menos um hospital construído nesse período seguiu explicitamente os preceitos funcionais e
arquitetônicos do famoso projeto. Foi o Hospital de Isolamento da capital, o atual Hospital
Emílio Ribas, de São Paulo, cuja instalação entre 1876 e 1880 havia sido determinada
por um esforço conjunto da Câmara Municipal e do Governo da Província. (J. Antunes,
1991, p.150)
22
Jacques René Tenon (1724-1816) cirurgião e oftalmologista francês, foi indicado relator da comissão nomeada
pelo Rei Luís XVI, em 1777, com o objetivo de fazer um estudo sobre o Hôtel Dieu, pronunciando-se a respeito.
Baseado no trabalho dessa comissão, Tenon publicou, em 1788, um livro intitulado “‘Memórias sobre os hospitais
de Paris’, que exerceu grande influência sobre a organização do sistema hospitalar francês durante a Revolução e
depois dela”. (J. Antunes, 1991, p.147)
32
Outros hospitais também foram construídos baseados nesse projeto, mas chegou-se à
conclusão de que, “no que diz respeito à salubridade e transmissão de doenças, eram tão ruins
quanto os outros hospitais de Paris”. (J. Antunes, 1991, p.151)
Rosen (1980, apud J. Antunes, 1991, p. 151) defendia que o “surgimento do hospital
contemporâneo teria sido fruto de uma evolução paulatina dos estabelecimentos já existentes
para a atenção às doenças”. Contudo, Thompsom & Goldin (1975, apud J. Antunes, 1991, p.
151) discordam dessa hipótese, afirmando que o surgimento de um “novo tipo de arquitetura e
de organização funcional dos hospitais” caracterizaria a passagem para Idade Contemporânea.
Esses autores
enfatizam a originalidade dos hospitais contemporâneos, destacando a ruptura que eles
teriam representado em relação aos hospitais gerais mantidos pelas municipalidades durante
a Idade Média. Sob essa perspectiva, o projeto de Tenon deteria o mérito de ter deflagrado
esse processo e de ter constituído o marco inicial do tipo hospitalar contemporâneo. (J.
Antunes, 1991, p.151)
“Do ponto de vista arquitetônico, esse projeto foi responsável pela introdução do
pavilhão hospitalar
23
, forma que predominou nos hospitais até o início do século XX”. A divisão
em pavilhões visava melhorar a ventilação e a iluminação dos hospitais, já que a estagnação do
ar e a umidade eram os “principais fatores a que se atribuía a insalubridade dos
estabelecimentos de atenção às doenças”. (idem, p.152)
Também houve mudanças no funcionamento do hospital, no que diz respeito ao número
de funcionários, distribuição dos doentes de acordo com sua enfermidade e por sexo, etc. Sobre
as inovações do projeto de Tenon, escreve J. Antunes (1991):
A grande novidade (...) residia no fato de ele [o projeto] já ser, em si, produto de uma
associação bastante estreita entre a experiência clínica de um médico e o destino das
instituições hospitalares. Conquanto já se percebessem sinais prévios de aproximação entre a
medicina profissional e os hospitais, nunca antes essa relação fora tão intensa e cheia de
conseqüências para ambas as partes como a partir de então. Através dessa aproximação, os
23
O modelo pavilhonar consistia na divisão do espaço físico do hospital “em blocos retangulares, regularmente
espaçados, dotados de portas e janelas suficientes para uma ventilação adequada e iluminação de todo seu ambiente
interno”. As dimensões de cada pavilhão, o número máximo de andares que poderia possuir, bem como a
quantidade de leitos a ser colocada em cada um deles foram definidos a partir de um estudo cuidadoso, visando a
garantia de “volume de ar renovável que deveria ser oferecido a cada interno (...). Além disso, era estabelecido que
todos os pavilhões fossem construídos com tijolos e pedras, para evitar a propagação do fogo”. (J. Antunes, 1991,
p.152)
33
médicos viriam a ser alçados ao topo da hierarquia técnica e administrativa dos hospitais
contemporâneos, de onde passariam a dirigir e controlar todos os aspectos relativos ao seu
funcionamento, logrando convertê-los em lugar por excelência da prática e do ensino
médico. (p.153)
J. Antunes (1991) ainda traz Foucault que, em sua obra Microfísica do Poder, enfoca a
entrada do médico nos hospitais como uma estratégia política, relacionada com a “introdução de
mecanismos disciplinares visando a ordenar o espaço confuso dos hospitais” (p.153), sobretudo
nos hospitais marítimos e militares. O projeto de Tenon, para Foucault, marca o “nascimento’
do hospital terapêutico, instrumento destinado a curar. Este seria o desígnio que imprimiu ao
hospital o seu estatuto de contemporaneidade”. (J. Antunes, 1991, p.154)
Duas mudanças são apontadas como aquelas que deram ao hospital esse estatuto de
contemporaneidade: o estabelecimento de controle rígido sobre tudo o que envolvesse o doente,
desde a qualidade do ar até a alimentação, temperatura ambiente etc., e a valorização da “ação
do meio sobre o doente como instrumento para debelar sua enfermidade” (idem, p.162). A partir
daí
o hospital pôde ser concebido como lugar ideal para a constituição de microcosmos
individualizados, especialmente preparados para se inserir cada doente de acordo com a sua
doença e com os ditames do tratamento que ele devesse seguir. Para que isso se tornasse
viável, foi preciso que todos os recursos hospitalares fossem expressamente destinados às
finalidades médicas, ficando submetidos ao comando funcional e administrativo da classe
médica. (idem, pp. 162-163)
Ademais, como ainda traz Foucault (1999), houve o surgimento de uma sabedoria
médica, que assumiu a disciplina já existente, ainda hoje bastante presente: os estabelecimentos
hospitalares de nossos dias continuaram sendo lugares diferenciados, especialmente ordenados
pela sabedoria médica para cumprirem seus desígnios clínicos”. (idem, p.157)
Com essas mudanças, surgiu a figura do “‘paciente’ aplicada àquele que ‘sofre’ a ação
terapêutica” (idem, p.163), e a idéia de que, assumindo essa posição, o enfermo poderia ser
beneficiado pela intervenção médico-hospitalar. J. Antunes (1991) apresenta essa condição
como sendo duplamente negativa: primeiro, devido à experiência da “doença como um fator de
negação de si mesmo” (p.163), podendo conduzi-lo à morte; além de o internamento ser visto
por ele como fator de negação da pessoa enferma.
34
Logo ao ingressar no hospital, o doente que se dispõe a ser ‘paciente’ é convocado à
supressão instantânea e voluntária de sua intimidade. Além da ruptura com o cotidiano, o
internamento implica, de imediato, uma primeira medida com o propósito de preparação da
terapêutica: a expropriação do corpo doente do doente[passando a constituir o]corpo
doente do médico. (J. Antunes, 1991, p.164)
Tal disciplinamento ocorrido nos hospitais contemporâneos, por parte dos médicos, leva
a uma suspensão do direito dos pacientes de exercício de sua cidadania, uma vez que seu “eu
político titular dos direitos relativos a sua pessoa” é diferenciado do seu “corpo biológico -
arena onde médico e doença disputam palmo a palmo as células e os tecidos”. (idem, p.164)
A cura constituiu-se como o principal alvo da intervenção médico-hospitalar, passando a
“ser objeto de esforço alheio ao enfermo, cuja obtenção, no entanto, precisa demovê-lo
inexoravelmente, e até cultiva sua adesão voluntária”. (idem, p.265)
Durante a internação, os pacientes podem sentir “na pele o paradoxo que envolve o
hospital contemporâneo, e que o obriga a ser, a um só tempo, espaço privilegiado de reposição
para a vida e escola de aprendizado da morte, já que se entra em contato com os limites do
corpo e se experimenta a capacidade de a “estrutura familiar e social (...) persistirem à sua
ausência”. (idem, p.165)
No início do século XX, o plano arquitetônico de Tenon (hospital dividido em
pavilhões) foi suprimido, devido “à imposição de novos critérios de valorização do espaço
urbano, e só foi possível graças aos avanços técnicos da medicina, que proveram métodos
alternativos, aliás muito mais potentes e eficazes, para a manutenção da assepsia hospitalar”.
(idem, p.157)
1.5. Resgate histórico da instituição hospitalar: algumas palavras finais
Diante desse relato histórico, pode-se constatar que as instituições que se dedicavam ao
cuidado do doente passaram por diversas fases, ao logo do tempo, desde a Antigüidade, até
constituírem o que hoje conhecemos como hospital contemporâneo, adquirindo algumas
características, construídas historicamente, mas que muitas vezes são consideradas como
próprias do hospital, desde sempre.
Podem-se resumir, nessas fases, como nos apresenta J. Antunes (1991), os tipos de
cuidado oferecidos por essas instituições: assistencial, religioso, social, médico-terapêutico,
35
indo da exclusão e isolamento, com vistas a disciplinar a vida urbana, ao espaço de ação
terapêutica, tendo o médico como figura de destaque.
É interessante observar alguns aspectos em relação ao cuidado dos doentes, quando
ainda havia a separação entre os hospitais e a medicina, até o século XVIII. Os hospitais
militares do império romano, por exemplo, tinham uma maior inserção dos médicos, contudo
eram os civis que tinham um tratamento considerado privilegiado, ao serem cuidados em suas
casas. O que se vê é que, ao longo do tempo, o doente foi sendo institucionalizado. O hospital
tem estado cada vez mais preparado tecnologicamente para recebê-lo, com cuidados quanto à
higiene, estrutura física o mais funcional possível, equipamentos modernos de diagnóstico e
tratamento. Mas, juntamente com todo esse progresso, veio o distanciamento entre profissionais
e pacientes em nome da neutralidade necessária para garantir a tomada de decisões objetivas,
que, muitas vezes, é o meio encontrado quando não se consegue lidar com situações difíceis,
como a morte, a angústia da família etc. –, a submissão do paciente à disciplina hospitalar, que
Foucault tanto salienta, tornando-o cada vez mais passivo no seu processo de tratamento.
Interessante, também, o fato de que, atualmente, tem havido um certo retorno à
humanização do hospital. O termo “retorno” é utilizado aqui porque considero que a
humanização já esteve presente anteriormente, ao longo de todo o percurso dessa instituição.
Um aspecto que tem sido freqüentemente levado em conta pelas equipes de humanização dos
hospitais é a revisão da própria estrutura física, que apesar de ser de extrema importância do
ponto de vista do funcionalismo e da higiene, com o passar do tempo, foi se tornando fria,
distante, “perdendo a humanidade.
Nesse processo de humanização, observo que o psicólogo tem sido um profissional
muito importante, algumas vezes sendo aquele que chama a atenção para a necessidade desse
processo na instituição em que trabalha. Entretanto, a falta de clareza que se tem sobre seu
papel, bem como a submissão em que é colocado ou se coloca em relação à autoridade médica,
por vezes limita as possibilidades de atuação.
Essa posição hierárquica privilegiada do profissional médico dentro do hospital foi
construída historicamente, como apresentado anteriormente, e no século XIX, quando a
psicologia adquire seu status de ciência, separando-se da filosofia, essa posiçãoestava bem
estabelecida, de forma que o médico se sobressaía em relação aos demais profissionais.
Contudo, é importante frisar que, além do grupo médico, na forma atual de organização do
hospital ainda há outros pólos de poder, quais sejam a administração hospitalar e a alta direção
do hospital (Lima-Gonçalves, 1983). Além desses, T. Campos (1988) acrescenta, ainda, a
36
equipe multiprofissional, em que se insere o psicólogo hospitalar, personagem principal desta
dissertação.
A relação do psicólogo com a saúde, de modo especial com a instituição hospitalar e a
medicina, será abordada com mais detalhes no capítulo seguinte. Como poderá ser observado,
essa relação já existe desde o século XIX, justamente no período em que a psicologia atinge o
estatuto de ciência autônoma, separando-se também da fisiologia, “tendo como marco o
estabelecimento de sua definição, objeto de estudo, métodos e objetivos por Wilhelm Wundt
24
,
na Alemanha, segundo interpretação de vários autores em História da Psicologia (M. Antunes,
2003, p. 15).
24
Wilhelm Wundt (1832-1920) psicólogo alemão, fundou o primeiro laboratório de psicologia, na Universidade
de Leipzig, em 1879. Wundt chamava sua psicologia de “psicologia fisiológica experimental”, apesar de não ter
havido quase nenhuma experimentação fisiológica em seu laboratório. O uso desse termo deve-se ao prestígio já
adquirido, pela fisiologia, no campo científico, o que ainda faltava à “jovem ciência da psicologia”. (Marx e Hillix,
1973, p.65)
37
2. A psicologia em hospitais no Brasil
2.1. A psicologia no Brasil e a Medicina
Apesar de a psicologia somente ter sido reconhecida como profissão, no Brasil, na
segunda metade do século XX, autores da História da Psicologia defendem que o interesse em
relação a fenômenos psicológicos já existe desde a época em que ainda éramos colônia de
Portugal, “aparecendo em obras escritas nas diferentes áreas do saber e, mais tarde, durante o
século XIX, em produções advindas de instituições como faculdades de medicina, hospícios,
escolas e seminários”. (M. Antunes, 2003, p.15)
Contudo, como o estatuto de ciência só foi adquirido pela psicologia na última década
do século XIX, não se pode falar, antes dessa época, em produção de conhecimento em
psicologia, mas sim de pensamento psicológico (M. Antunes, 2003), ou idéias psicológicas
(Penna, 1991; Massimi, 2001).
Essa produção de idéias psicológicas esteve presente em diferentes áreas, como
teologia, filosofia, moral, mas foram, sobretudo, a educação e a medicina as que mais
contribuíram para o reconhecimento da psicologia como uma disciplina autônoma no Brasil.
Segundo Lourenço Filho (1971), foi no campo da medicina, de modo especial na “psiquiatria,
neuriatria e medicina social” que se deu o início dos “estudos de caráter objetivo, na
psicologia brasileira”. (p.114)
Portanto, como o campo de estudo desta pesquisa é a instituição hospitalar, local
atualmente considerado espaço privilegiado do médico, como visto no capítulo anterior,
considero importante retomar como se deu, no país, ao longo do tempo, a relação entre estas
duas áreas de saber: a medicina e a psicologia.
A aplicação de conhecimentos psicológicos à Medicina é tema tratado já no final do
período colonial por Mello Franco
25
, o qual aborda questões relativas a: teorias sobre
relação mente-corpo; estudos sobre os nervos e o sistema nervoso; psicopatologia;
temperamentos; terapêuticas; teorias sobre o sono e os sonhos e, vale destacar, dentre suas
contribuições, a concepção a respeito da sexualidade como determinante da loucura. (M.
Antunes, 2003, p.20)
25
Francisco de Mello Franco (1757-1823) médico iluminista, formado pela Universidade de Coimbra, cujas
obras contribuíram para a “evolução dos conhecimentos psicológicos no âmbito da cultura brasileira do fim do
período colonial” (Massimi, 1991, p. 83). Possui grande interesse pelo estudo da subjetividade, buscando sempre
meios adequados de realizá-lo.
38
As primeiras faculdades de medicina do Brasil foram fundadas em 1823, uma no Rio
de Janeiro e outra na Bahia. São as teses de conclusão de curso dos estudantes dessas
faculdades a fonte da maioria dos trabalhos psicológicos desenvolvidos nessa época, com
temas diversos. “Muitas dessas teses antecedem a criação formal de uma cátedra afim às
questões psicológicas, pois a primeira delas, denominada ‘Clínica das Moléstias Mentais’, foi
criada em 1881 e, desde 1836, encontram-se teses que tratam do fenômeno psicológico”. (M.
Antunes, 2003, pp. 26-27)
A partir de 1890, portanto após o reconhecimento da psicologia como ciência, houve
um aumento na quantidade de teses relacionadas a questões psicológicas defendidas nas
faculdades de medicina. Uma dessas teses, defendida em 1900, pelo médico Henrique Roxo
“Duração dos atos psíquicos elementares demonstra o reconhecimento da independência
entre a psiquiatria e a psicologia, considerando esta como propedêutica daquela, “além de
estabelecer um parâmetro definidor das relações entre elas” (idem, p.59). Esse trabalho é
considerado por Lourenço Filho (1971) como o primeiro trabalho de pesquisa com caráter
científico na Psicologia Experimental.
M. Antunes (2003) defende a importância dessas teses para a conquista da autonomia
da psicologia no Brasil, uma vez que “muitas delas constituíram-se em estudo de natureza
estritamente psicológica, diferenciadas da psiquiatria e, mais que isso, contribuindo para a
defesa da Psicologia e para o esforço de demonstrar sua especificidade, estabelecendo os
meios para produzi-la”. (p.60)
Esse início de século XX é marcado, no contexto social, por uma grande preocupação
higienista
26
, postura muito cobrada da medicina. E foi justamente no âmbito da Higiene
Mental que “tanto o pensamento psiquiátrico quanto o psicológico encontraram terreno fértil
para seus estudos e para a aplicação de seus conhecimentos (M. Antunes, 2003, p.41), por
meio de estudos desenvolvidos nas Ligas de Higiene Mental.
Ademais, a medicina do século XX, no Brasil, estava fortemente permeada por uma
mentalidade positivista, o que, para Silva (2002), “representava um campo propício para a
Psicologia se constituir como científica no Brasil” (p.49). Como afirma M. Antunes (2004),
durante esse século, a medicina “continuou sendo um importante solo para o desenvolvimento
26
A grande preocupação dessa época, início da República brasileira, era combater as grandes epidemias que
assolavam várias cidades do país. Daí a “criação do Conselho de Saúde, que implementou o Serviço Sanitário
Terrestre, o Serviço de Higiene da União e a Diretoria Geral de Saúde Pública” (Lemos e Corbioli, 1999, p.74).
Podem-se destacar os nomes de dois médicos dentro do movimento higienista: Osvaldo Cruz, responsável pelas
vacinas contra a peste bubônica, varíola e febre amarela, e Carlos Chagas, que identificou o parasita causador do
“Mal de Chagas”.
39
da Psicologia, com a criação de laboratórios, cursos, encontros, etc., que tinham, em última
instância, a finalidade de subsidiar a prática médica”. (p.120)
Lourenço Filho (1971, p.116) comenta, ainda, que vários médicos brasileiros, no início
do século XX, começaram a ir para a Europa para participar de cursos especializados na área
ou fazerem estágios em serviços de psiquiatras dotados de laboratórios de psicologia.
Também as instituições médicas têm uma importante participação na difusão dos primeiros
laboratórios de psicologia criados no Brasil. O “Laboratório de Psicologia Experimental da
Clínica Psiquiátrica do Hospital Nacional dos Alienados” foi o segundo laboratório de
Psicologia no país, criado em 1907 (M. Antunes, 2003, p.46), onde foram produzidas
importantes obras psicológicas. Em 1923, foi criado o laboratório de psicologia da Colônia de
Psicopatas do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, que se transformou em “Instituto de
Psicologia, subordinado ao Ministério de Educação e Saúde Pública, em 1932”. (idem, p.47)
A partir da produção realizada neste último laboratório, pode-se perceber a existência
de uma visão da psicologia como campo específico de conhecimento e ação, “ao mesmo
tempo em que é reconhecida sua íntima relação com a Psiquiatria” (idem, p.48), tendo
contribuído, também, como referência para a atuação psicoterapêutica pelos psicólogos,
atividade inicialmente restrita à psiquiatria.
Outra instituição que não se pode deixar de citar é a Liga Brasileira de Higiene
Mental, muito importante nesse processo de autonomização da psicologia. Apesar de ter como
principal objetivo a melhora do cuidado com o doente mental, terminou adquirindo
características eugênicas, profiláticas e educativas, com visão normativa (normal X anormal)
e preventiva, “ampliando seu raio de ação para a sociedade como um todo, definindo a ação
psiquiátrica como prática higiênica, apoiada na noção de eugenia” (idem, p.50). Nessa
instituição, foi criado um laboratório específico de psicologia, sendo esta reconhecida como
ciência afim à psiquiatria.
Em 1932, foi proposta, pela Liga, ao Ministério da Educação e Saúde Pública, a
presença obrigatória de ‘gabinetes de Psicologia’ junto às clínicas psiquiátricas, sendo a
proposta acolhida em instruções do referido ministério”. (idem, p.51)
Outra categoria de instituição médica que merece ser citada são os hospitais
psiquiátricos, uma vez que
a experiência dos hospícios trouxe uma dimensão prática no trato com o fenômeno
psicológico, caracterizada essencialmente como instrumento de intervenção social, no
contexto de uma formação social em processo de incremento do processo de urbanização e
palco para uma série de conflitos, em que necessidades fundamentais para o ser humano
40
não estavam disponíveis para a maioria da população, que vivia em extremo estado de
pobreza e, ao mesmo tempo, a coexistência com uma classe dominante conservadora e à
qual o pensamento médico se vinculava. (M. Antunes, 2003, p.103)
É interessante perceber o quanto “a produção de conhecimento no interior da Medicina
esteve bastante ligada à intervenção social, mantendo a função de disciplinarização e controle
da massa urbana” (idem, p.105), o que nos remonta aos aspectos, já mencionados
anteriormente, sobre a disciplina aplicada nos hospitais, a partir do século XVIII.
Podemos afirmar, portanto, que, no Brasil, entre o fim do século XIX e as primeiras
três décadas do século XX, a psicologia vai adquirindo autonomia em relação às outras áreas
de conhecimento, começando a delimitar seus futuros campos tradicionais organizacional,
clínica e educacional , o que nos faz pensar em um processo de efetivação como profissão.
Foi nesse momento que foram lançadas as bases para as cátedras universitárias de
Psicologia, que viriam, mais tarde, constituir-se como origem de seus cursos superiores
(idem, p.116), após a lei de regulamentação da profissão.
Não se pode, portanto, como bem nos lembra M. Antunes (2003), pensar no processo
de constituição da autonomia da ciência psicológica sem levar em conta as condições
histórico-sociais em que se deu esse processo, além da importância do conhecimento
desenvolvido em outras áreas do saber, sobretudo a filosofia e a fisiologia
27
, “que deram as
bases epistemológicas e científicas para a Psicologia”. (p.113)
A partir da década de trinta, ocorre o que M. Antunes (2004, p. 110) considera como
a consolidação da Psicologia como ciência e como profissão no Brasil, com a
intensificação da produção na área, além da maior diversidade de abordagens e campos de
atuação.
As áreas de aplicação da psicologia nessa época compreendiam a Educação, Trabalho
e Clínica, esta última passando a adquirir autonomia em relação à medicina e “conquistando
um espaço que se ampliaria significativamente no futuro próximo”. (M. Antunes, 2004,
p.128)
27
M. Antunes (2003) nos lembra que, apesar de a preocupação com fenômenos psicológicos já existirem desde a
época colonial, foi no século XIX que houve um maior desenvolvimento, com “a evolução da Filosofia, de um
lado, e dos conhecimentos produzidos pela Fisiologia, de outro” (p.32). Os estudos dessa época, segundo Jacó-
Vilela, Esch, Coelho, e Rezende (2004), buscava estabelecer uma correspondência entre os fenômenos
psicológicos e fisiológicos, afirmando-se, com base nos novos conhecimentos acerca do sistema nervoso, que
eram de uma mesma natureza, fundamentando-se assim organicamente a atividade psíquica”. (p.146) Dessa
forma, acreditava-se conseguir o reconhecimento da psicologia como ciência.
41
Uma parte das realizações no campo da clínica está relacionada à medicina
28
, sem
que a Psicologia apareça de maneira explícita como área autônoma de conhecimento; em
outras palavras, sua presença mais se aproxima da idéia de que é ela um aporte ou
elemento subsidiário da área médica. (M. Antunes, 2004, p.132)
Durante todo esse período, até se alcançar o reconhecimento da profissão de
psicólogo, bem como o estabelecimento do currículo mínimo para os cursos de formação,
com a Lei n. 4.119, de 27 de agosto de 1962, houve muita luta dos profissionais da área. É
interessante apontar aqui uma informação levantada por M. Antunes (2004), de que a
principal oposição advinha “de um grupo de médicos, cuja principal reivindicação era o veto
ao exercício da psicoterapia por profissionais que não tivessem formação em Medicina”.
(p.137)
Neder (1999) comenta que os médicos chegaram a elaborar um projeto de lei em que
os psicólogos passariam a ser somente “laboratoristas”, tendo sua função restrita à aplicação
de testes. Esse projeto foi reformulado após a entrega de uma proposta de emenda para ele,
por um grupo de psicólogos.
A virada dos anos de 1970 para os anos de 1980 é um momento que merece destaque
nessa nossa breve retomada histórica da psicologia no Brasil. Nessa época, houve um
renascimento dos movimentos sociais, o que levou a psicologia a perceber a necessidade de
ampliar seu raio de ação, de forma mais comprometida com a realidade. Dessa forma, por
meio da busca de um conhecimento que possibilitasse esse maior comprometimento, houve
uma
ampliação do olhar sobre o fenômeno psicológico, levando não só à busca de novas
teorias, categorias e conceitos, bem como de novas bases metodológicas para a pesquisa
na área, as quais deveriam dar conta da complexidade de seu objeto, mas também à
construção de novas práticas que pudessem responder melhor aos desafios que se
impunham à Psicologia. (M. Antunes, 2004, p.146)
E foi justamente nesse contexto que se iniciou a efetivação do trabalho do psicólogo
em hospitais, apesar de essa atuação já vir ocorrendo, mesmo que de forma incipiente, desde a
década de 50, como poderá ser visto no tópico a seguir.
28
Cabe lembrar, contudo, que a clínica psicológica não teve seu desenvolvimento somente no âmbito da
medicina, pois muitos trabalhos tiveram sua origem em demandas educacionais.
42
2.2. A Psicologia Hospitalar no Brasil
Antes de iniciar o estudo por meio do trajeto da psicologia em hospitais, ao longo do
tempo, gostaria de tecer um breve comentário sobre a pertinência ou não do termo “Psicologia
Hospitalar.
Uma observação interessante, que acredito ser útil para este estudo, foi encontrada na
pesquisa de Santos (1983), que versa sobre o trabalho do assistente social em hospitais de
Aracaju. Em uma nota de rodapé, a autora comenta a existência de diferentes termos para
designar o serviço social que atua na instituição hospitalar, destacando a importância de que,
independente da terminologia utilizada, considere-se a saúde como sendo um processo e que o
indivíduo não seja visto apenas em si mesmo e nem circunscrito no âmbito institucional, mas
como sujeito de um contexto amplo de relações que se dão na sociedade da qual ele faz
parte”. (p.11)
Acredito que essa idéia pode ser aplicada também em relação à atuação do psicólogo
no hospital. Tendo isso em mente, torna-se menos importante a terminologia utilizada do que
a postura que se tem diante do trabalho a ser realizado, a concepção de saúde, o conhecimento
do contexto em que se vai atuar, a relação que se estabelece com o paciente, excluindo-se uma
visão reducionista ou patologizante.
Um outro aspecto muito importante a ser apresentado é apontado por Castro e
Bornholdt (2004), quando discutem o fato de que a especialidade de Psicologia Hospitalar
existe somente no Brasil, aproximando-se, nos outros países, da área que se denomina como
Psicologia da Saúde. Uma característica de nosso país, que contribuiu para o surgimento dessa
área específica, foi o modelo de saúde centrado em hospital, vigente desde a década de 1940,
e que “prioriza as ações de saúde via atenção secundária (modelo clínico/assistencialista), e
deixa em segundo plano as ações ligadas à saúde coletiva (modelo sanitarista)” (p.50).
Portanto, no Brasil, de certa forma, falar de saúde nos remete diretamente à idéia de hospital.
Entretanto, para essas autoras, essas duas áreas não podem ser tomadas como
equivalentes, uma vez que a Psicologia da Saúde seria bem mais abrangente, e nela estaria
incluída a Psicologia Hospitalar: enquanto esta abrangeria somente a intervenção secundária e
terciária, aquela também incluiria a intervenção primária
29
. No Brasil, porém, não existe a
29
A atuação do psicólogo na saúde, como já comentado anteriormente, não se restringe ao trabalho no hospital
(nível terciário de atenção à saúde), mas também pode ocorrer tanto em nível primário (postos ou centros de
saúde), quanto em nível secundário (centros de referência, ambulatório de especialidades, centros de atenção
psicossocial).
43
Psicologia da Saúde enquanto especialidade regulamentada pelo CFP, mas somente
Psicologia Hospitalar.
Quanto à denominação “Psicologia Hospitalar”, propriamente dita, existem alguns
autores que tecem críticas, e outros que, apesar de também atuarem nesse campo, não se atêm
tanto ao questionamento do termo em si, mas ao que se considera sua atividade específica.
Simonetti (2004), por exemplo, define a Psicologia Hospitalar como “o campo de
entendimento & tratamento dos aspectos psicológicos em torno do adoecimento” (p.15), não
enfatizando o local de atuação como sendo aquilo que dá especificidade a essa área da
psicologia, e sim o foco de trabalho, que giraria em torno do adoecimento e suas implicações
psicológicas.
Silva (2002), por sua vez, comenta que os estudos que vêm sendo feitos nessa área
apontam para três vertentes de atuação, quais sejam: o ensino, a pesquisa e a assistência,
sendo esta última, em geral, o enfoque da maioria das instituições. Acrescenta, ainda, que “a
psicologia enquanto área de atuação dentro de uma instituição hospitalar é um grande e amplo
território de possibilidades de atuação profissional” (p.88). Nesse sentido, o setor de Recursos
Humanos seria uma das possibilidades de atuação, uma vez que o hospital é entendido como
uma empresa, em que o psicólogo pode exercer atividades focadas na área administrativa, tais
como seleção e treinamento. Outras possibilidades seriam “o ensino e a formação de
profissionais para atuar em psicologia hospitalar” (Silva, 2002, p.88) e a área assistencial, em
que está centrada a maior parte das atividades. Já encontramos aí uma definição mais ampla
que a anterior.
Já Romano (2000) não concorda com a definição de Silva (2002), e diferencia bem o
que é atributo do que ela considera “Psicologia Hospitalar”, das outras formas de que a
psicologia pode se colocar dentro do hospital. Para essa autora, o psicólogo pode, por
exemplo, desempenhar atividades da Psicologia Organizacional, quando se ocupa em
descrever as habilidades necessárias para cada cargo, e realiza “recrutamento e seleção de
funcionários para trabalhar dentro do hospital” (Romano, 1999b), ou da Psicologia Clínica.
Nesta, ainda diferencia dois tipos de posturas: trabalhar com o funcionário enquanto pessoa e
não enquanto função, ou exclusivamente junto aos pacientes e familiares, constituindo esta
última a função do psicólogo hospitalar.
44
Como considera o trabalho da Psicologia Hospitalar inserido no ramo da clínica
30
,
Romano (2000) traça algumas características que diferenciam a atuação clínica no consultório
daquela feita no hospital: enquanto no consultório realiza-se um trabalho isolado, tendo
acesso a informações fornecidas quase que exclusivamente pelo próprio paciente, no hospital
ocorre um trabalho multiprofissional, inserido em uma equipe, de curta duração (em geral
durante sete dias, que é a média da internação), além de o acesso às informações advir de
diferentes fontes: paciente, família, os diversos profissionais que compõem a equipe,
companheiros de enfermaria, além da própria observação do psicólogo.
Um aspecto importante que Romano (2000) destaca, ainda, é o fato de que, apesar da
curta duração, o trabalho realizado no hospital não pode ser considerado um trabalho “raso”,
pois é focalizado nos “desajustes emocionais decorrentes do processo do adoecer”, na doença
específica e na relação do paciente/família dentro do hospital. Caso haja outros problemas não
relacionados a estes, a autora afirma que o paciente deve ser encaminhado para outro serviço
da comunidade.
Mas também encontramos autores que questionam as especialidades na psicologia.
Yamamoto, Trindade e Oliveira (2002), por exemplo, consideram “Psicologia Hospitalar”
uma “denominação inadequada”, defendendo que a definição de uma área pelo seu local de
atuação não traz uma classificação “elucidativa”, por não levar em conta os objetivos e alvos
da intervenção nem as atividades desenvolvidas. Além disso, esse uso poderia trazer uma
maior fragmentação da psicologia, já que traria a idéia da necessidade de uma psicologia
específica para cada local, o que dificultaria, segundo sua opinião, a “busca de uma identidade
para o psicólogo que atua em hospitais como um profissional de saúde”. (p.236)
Parece-nos que essa posição é concorde com a de Starling (2002), que nos chama a
atenção para a importância de os psicólogos colocarem em questão o surgimento, a cada dia,
de novas “especialidades”
31
, a fim de se evitar uma pulverização e (...) desarticulação da
30
Apesar já ter sido colocada como uma nova forma de atuação dentro da Psicologia Clínica pelo próprio
Conselho Federal de Psicologia (Achcar, 1994), atualmente o Conselho coloca Psicologia Clínica e Psicologia
Hospitalar como duas especialidades distintas (Conselho Federal de Psicologia, 2000).
31
O autor utiliza o termo entre aspas para indicar que a atividade a que se refere não é “regulamentada” nem
“legalmente amparada”. (Starling, 2002, p.81). Ele defende que antes de discutirmos se uma ou outra
proposição deveria ser oficializada como uma área de especialização profissional, seria urgente uma discussão
anterior que nos pudesse proporcionar critérios racionais para definir o que caracterizaria uma ‘especialidade’ e,
com eles, investigar a solidez das inúmeras candidaturas em potencial”. (idem, p.82)
45
formação e disseminação do conhecimento numa profissão ainda muito recente
historicamente...”(Starling, 2002, p.88)
Em relação especificamente à Psicologia Hospitalar, a crítica feita por esse autor
engloba todas aquelas “especializações” que se distinguem pelo lugar físico de atuação. Diz
ele:
Até o presente momento, nada existe na literatura que estabeleça, de maneira
inequívoca, o hospital (ou um fórum, ou uma prisão) como locus gerador de fenômenos
psicológicos únicos, demandando, portanto, conjuntos declarativos ou técnicos igualmente
únicos, embora seja certo que os fenômenos psicológicos lá se manifestem sob
contingências específicas daquele ambiente. De fato, se mantivermos a nossa atenção no
que o profissional da psicologia efetivamente faz naqueles contextos veremos que, ao
intervir num hospital ou numa prisão, o psicólogo estará lançando mão de teorias e
técnicas pertencentes ao fundo comum da psicologia clínica ou de outra grande área de
especialização
32
, instrumentado pela orientação teórica que favorece, cada uma das quais
já devidamente delimitada e denominada. (idem, p.86)
Seidl e Costa Jr. (1999, p.33) consideram que a restrição do campo de atuação na
saúde para hospitais representa “uma concepção estreita do fenômeno, limitando-o a apenas
um dos ambientes que cuida da saúde o hospital”.
Castro e Bornholdt (2004) também fazem seus comentários em relação ao uso do
termo. Estão de acordo com as críticas anteriores sobre a inadequação de se definir uma
especialidade baseando-se no local específico de atuação. Para tanto, sugere que se fale de
“Psicologia no contexto hospitalar como um trabalho que faz parte da Psicologia da Saúde”.
(p. 55)
Pode-se perceber que esse é um terreno que possibilita várias discussões interessantes
e importantes, mas não é o objetivo, aqui, discorrer longamente sobre elas, pois isso exigiria
um maior aprofundamento e uma reflexão que fugiria ao escopo deste trabalho. Meu objetivo,
neste momento, foi de levantar o questionamento, apresentando alguns pontos de vista acerca
da viabilidade da utilização do termo “Psicologia/psicólogo Hospitalar” e definições sobre o
papel a ser realizado por esse profissional, para, a partir daí, definir a posição assumida neste
estudo.
32
Starling (2002) coloca que, historicamente, já foram estabelecidas, na psicologia, quatro especializações (ou
grande áreas): Clínica, Escolar, Organizacional e Social. Para atuar em cada uma dessas áreas, o autor considera
que deveria haver exigência de uma especialização ou residência, para que o recém graduado possa adquirir a
habilidade que a prática requer, uma vez que os cursos de graduação são eminentemente teóricos.
46
Ao longo da pesquisa, pude observar que alguns profissionais, de modo particular
aqueles que atuam em hospitais psiquiátricos, não se consideram como sendo “psicólogos
hospitalares”, e alguns outros, embora poucos, não concordam com a existência das diferentes
especialidades em psicologia, reforçando a opinião de que elas contribuiriam para a
segmentação do objeto de trabalho da psicologia, com uma visão reducionista do mesmo. Tal
panorama, portanto, assemelha-se ao encontrado na literatura, em que, entre aqueles que
atuam na área e não questionam o uso do termo, não há um consenso quanto à exata
atribuição da Psicologia Hospitalar, enquanto outros discutem aspectos mais
epistemológicos decorrentes do crescente surgimento de especializações dentro da psicologia,
aproximando-se do modelo médico.
Portanto, acredito que falar da atuação de psicólogos em hospitais, e não da atuação de
psicólogos hospitalares, em Sergipe, permite uma maior abrangência, sem incorrer no risco
de limitar nosso olhar, ou até necessitar de definições teóricas bem precisas para delimitar
quais profissionais se incluiriam na área de Psicologia Hospitalar
33
e, portanto, deveriam
participar da pesquisa.
Estando definidos esses pontos, iniciemos nosso percurso ao longo da trajetória da
psicologia no interior das instituições hospitalares. O maior interesse, aqui, é discutir aspectos
relacionados com a inserção de psicólogos em hospitais de Sergipe; no entanto, será feito,
antes, um breve resgate histórico da presença da psicologia em hospitais no Brasil.
No Brasil, encontramos informações de que a inserção da psicologia em hospitais data
de antes do seu reconhecimento como profissão. Sebastiani e Maia (2003) nos lembram que
os estudos realizados pelo Dr. Jorge Grau (atual vice-presidente da região Caribe da
Asociación Latinoamericana de Psicología de la Salud - ALAPSA) indicam que o Brasil está
entre os pioneiros no trabalho em Psicologia da Saúde, na década de 1950, com destaque para
a figura da Doutora Mathilde Neder e, portanto, quase 10 anos antes da regulamentação da
psicologia como profissão neste país.
Como já dito, a Psicologia Hospitalar, no Brasil, equivale, de certa forma, à Psicologia
da Saúde nos outros países, devido à importação, pelo Brasil, do modelo norte- americano do
hospital como sendo o símbolo supremo de atenção à saúde (Sebastiani e Maia, 2003; Castro
e Bornholdt, 2004). Nos Estados Unidos, a introdução de psicólogo em equipe
multiprofissional de um hospital data do início do século XIX, em Massachussets. Contudo,
33
Utilizaremos “Psicologia Hospitalar” ao longo do trabalho, quando for um termo utilizado pelos próprios
entrevistados, ou quando a bibliografia consultada o tiver adotado.
47
passou-se quase um século até que esse mesmo hospital assumisse um “exame psicológico de
rotina para os pacientes recém-admitidos ao hospital”. (Lamosa, 1987, p.21)
Até a década de 1940, o número de psicólogos trabalhando em hospitais norte-
americanos ainda era muito baixo. Com o passar do tempo, esse número foi crescendo,
chegando a ser instituída uma lei que versava sobre a prática do psicólogo em hospitais, em
1977, no Estado da Califórnia (Lamosa, 1987).
Voltando nossa atenção para o Brasil, como a psicologia só foi reconhecida como
profissão em 1962, o que era feito nesse campo até então decorria da prática, ou de psicólogos
formados no exterior, ou de profissionais de outras áreas, como a pedagogia, a filosofia e a
sociologia. A lei de regulamentação do exercício profissional do psicólogo só foi sancionada
em 27 de agosto de 1962, estabelecendo as normas para a formação, com favorecimento para
a área clínica, considerada como sendo o setor em que o psicólogo poderia exercer sua
profissão de forma mais independente. Contudo, é importante lembrar que as atribuições
dessa área eram muito abrangentes, incluindo as atividades realizadas em organizações
médicas e hospitalares
34
(Lamosa, 1987).
Lamosa (1987) considera, ainda, difícil estabelecer as raízes dessa atuação, devido à
descrição do trabalho realizado no hospital ter sido sempre muito vaga, estando muitas vezes
registrada como trabalho clínico, e ao fato de o “psicólogo não ser um profissional habituado
a registrar e a comunicar seus avanços”. (Lamosa, 1987, p.26)
A literatura apresenta Mathilde Neder como pioneira nas atividades exercidas por
psicólogos em hospitais gerais. Contudo, em uma entrevista concedida ao jornal do Conselho
Regional de São Paulo, no final de 1999, Romano (1999) afirma ter levantado o nome de
Sueli Brunstein como sendo a primeira psicóloga a trabalhar em hospitais, no ano de 1953, no
Hospital de Clínica, em Porto Alegre RS. Não encontrei referência a essa psicóloga em
outros autores.
O ano de 1954
35
marca a entrada da psicologia em hospitais do Brasil, quando
Mathilde Neder é convidada a atuar na Clínica Ortopédica e Traumatológica COT (hoje
34
No documento enviado pelo CFP, em 1993, para o Ministério do Trabalho, com vistas a reformular o Catálogo
Brasileiro de Ocupações, há uma grande variedade de atribuições do psicólogo clínico. Achcar (1994) nos
apresenta uma definição sintética:atua na área específica da saúde, colaborando para a compreensão dos
processos intra e interpessoais, utilizando enfoque preventivo ou curativo, isoladamente ou em equipe
multiprofissional em instituições formais e informais. Realiza pesquisa, diagnóstico, acompanhamento
psicológico, e atenção psicoterápica individual ou em grupo, através de diferentes abordagens teóricas”. (p. 8)
35
Encontrei algumas divergências em relação à exatidão das datas do início do trabalho da Psicologia nos
hospitais no Brasil. Como esse início ocorreu no Hospital das Clínicas de São Paulo, optei por trabalhar com as
datas apresentadas no vídeo desenvolvido pelo Conselho Regional de Psicologia, região 06, sobre a trajetória da
Psicologia Hospitalar em São Paulo (Conselho Federal de Psicologia, 2005).
48
Instituto de Ortopedia e Traumatologia) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), especificamente na Clínica Cirúrgica de Coluna,
realizando acompanhamento psicológico com as crianças submetidas à cirurgia e suas
famílias (Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, 2005). A entrada de Neder foi
decorrente do convite de um amigo psiquiatra, que não pôde realizar o trabalho para o qual
havia sido solicitado.
Em relação a essa inserção, Silva (2002) comenta: “na verdade a psicologia foi
convidada para entrar no HC para atender a demanda da medicina, que não dava conta de
certos comportamentos esperados dos pacientes. Os atendimentos passaram então a ser prática
na COT” (p.92). Nesse primeiro convite, o problema existente era o fato de que as crianças
estavam se jogando da cama e poderiam ter sérias complicações cirúrgicas.
Em seguida, em 1955, Aidyl Macedo de Queiroz também começou a trabalhar no HC,
na recém criada Clínica de Higiene Mental da Seção de Pediatria (hoje, Instituto da Criança),
e, em 1957, Neder iniciou um trabalho no Instituto Nacional de Reabilitação INAR, órgão
criado e sustentado pela ONU, constituindo um centro multiprofissional, com profissionais
vindos de diferentes países, visando a “formar técnicos e produzir conhecimentos sobre
centros de reabilitação em diferentes realidades sócio-econômicas”. (Conselho Regional de
Psicologia de São Paulo, 2005)
No ano seguinte, na Clínica Psiquiátrica desse mesmo hospital, Sonia Letaif
desenvolveu “atividades psicológicas” (Neder, 1991, p.6). Durante a década de 1960, apesar
de haver várias iniciativas de atuação dos psicólogos em hospitais, estas ainda eram poucas,
sendo incluídas entre as atividades da “Psicologia Clínica”. O HC-FMUSP recebeu muitos
psicólogos estagiários durante essa década, alguns deles tendo sido efetivados como
funcionários do hospital em 1977, quando do primeiro concurso público dessa instituição
(Neder, 1991; Capobianco, 1998).
Um pouco tempo antes, em 1974, Bellkiss Romano é convidada para iniciar os
trabalhos da psicologia no Instituto do Coração (Incor), de onde é diretora do Serviço de
Psicologia desde então e, em 1975, Heloísa Benevides de C. Chiattone implanta o Serviço de
Psicologia em Oncologia Pediátrica do Hospital Brigadeiro, em São Paulo.
Durante essa década de 1970, como apontam Sebastiani e Maia (2003), ocorre
desenvolvimento na área acadêmica, englobando atividades de graduação e pós-graduação,
49
publicações e encontros científicos. Os autores afirmam que os primeiros núcleos de formação
em Psicologia Hospitalar foram criados entre os anos de 1978 e 1980.
Entretanto, em 1977, já havia sido introduzida, na graduação de psicologia da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a disciplina “Psicologia Aplicada à Medicina”,
por Bellkiss Romano, como optativa, marcando o primeiro curso de Psicologia Hospitalar no
Brasil, apesar de já ter sido prevista desde o projeto de regulamentação da profissão, em 1958.
(Romano, 1999; Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, 2005)
Já no final dessa década é estabelecida a primeira residência em psicologia no Brasil,
no hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, denominada “Residência em Psicologia clínica”.
Esse período é apontado por M. Antunes (2004) como uma época de “expansão da Psicologia
como ciência e como profissão”, em que houve crescimento não só da área Hospitalar, mas
também da busca por “novas perspectivas teóricas e metodológicas”, expandindo-se para
campos fora da tradicional “escola-trabalho-clínica” (p.110), entre eles o hospital.
A década de 1980 é marcada por uma grande produção nessa área, além do aumento
do número de psicólogos desenvolvendo seus trabalhos em Psicologia da Saúde. Em 1982,
Mathilde Neder foi convidada a “planejar, orientar e coordenar as atividades psicológicas no
Instituto Central” do HC-FMUSP, tendo sido constituída legalmente a Divisão de Psicologia
do Instituto Central (DIP) no ano de 1987, pelo decreto 26.094 (Neder, 1992a, p.12).
No ano de 1983 ocorreu o I Encontro Nacional de Psicólogos da Área Hospitalar
(ENPAH), organizado por psicólogos do Incor e do HC-FMUSP e coordenado por Bellkiss
Romano, continuando a realizar-se, a cada dois anos, em diferentes cidades do país,
atualmente com novas coordenações. Os organizadores desse encontro foram surpreendidos
pela grande quantidade de participantes, que já atuavam ou desejavam ampliar seus
conhecimentos na área. Nesse ano, ainda, deu-se início ao curso de residência em Psicologia
Hospitalar, do Incor, sob supervisão de Belkiss Romano (Romano, 1999), após conhecer
aquele desenvolvido em Ribeirão Preto.
Um outro fato que considero importante assinalar no ano de 1983 foi a fundação do
Centro de Psicologia Hospitalar e Domiciliar do Nordeste, em Recife, por Marisa Sá Leitão,
passando a ministrar vários cursos na área, além de implantar ou supervisionar a implantação
de alguns Serviços de Psicologia em instituições hospitalares em Pernambuco e Estados
vizinhos (Centro, 2006).
50
Também foi em 1983 que se iniciou o Programa de Aprimoramento Profissional
36
para
psicólogos no HC-FMUSP, o que contribuiu para ampliar as possibilidades de atuação desses
profissionais: não mais se restringiam ao atendimento focado no cliente, passando a dedicar-
se também ao ensino. A formação oferecida por esse Programa, segundo análise de Silva
(2002), “está ancorada e norteada pela demanda dos pacientes junto aos serviços”. (p.93)
Em 1987, Bellkiss faz o primeiro levantamento do trabalho realizado por psicólogos
em hospitais no Brasil, consistindo na sua tese de doutorado pela PUC-SP, em que observou
que a área estava em uma fase inicial, precisando, portanto, pensar na preparação durante a
graduação, aumentar o número de pesquisas, readequar e redefinir “os limites entre a
psicologia e as outras profissões de saúde”. (Lamosa, 1987, p.87)
Nos últimos quinze anos, no Brasil, a área da saúde tem-se constituído um dos pólos
de maior atração do trabalho dos psicólogos, o que é visto por Sebastiani e Maia (2003) como
reflexo da demanda social existente. Em 1991 é lançado o primeiro exemplar da Revista de
Psicologia Hospitalar, organizada por pela Coordenadoria das Atividades dos Psicólogos do
HC-FMUSP (CAPSI), tendo Mathilde Neder como presidente do corpo editorial até o ano de
1998.
Em julho de 1997 foi fundada a Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar e, “por
diferenças internas” (Romano, apud Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, 2005),
em 1999 constituiu-se a Associação Brasileira de Psicologia da Saúde e Hospitalar.
No ano de 2000, foi instituído, pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), o título de
especialista, já estando incluído o de Psicologia Hospitalar, por meio da resolução n. 014/00,
de 20 de dezembro de 2000. Após a determinação do título de especialista, o CFP passou a
credenciar alguns cursos de especialização em Psicologia Hospitalar que preenchessem as
exigências mínimas para tal. Segundo dados obtidos no site do CFP (Conselho Federal de
Psicologia, 2005b), entre os cursos credenciados, nove estão em São Paulo e um em Recife
(Cursos, 2005).
Como se pode ver, a maioria dos dados apresentados diz respeito a trabalhos
realizados na região Sudeste, especificamente em São Paulo. Na pesquisa de M. Antunes
(2004), ela também faz essa observação, em que as produções da psicologia encontradas entre
36
O Programa de Aprimoramento Profissional é um programa instituído e financiado pela FUNDAP (Fundação
de Apoio à Pesquisa), e não se restringe somente a psicólogos. O termo “aprimoramento” foi escolhido para
substituir “residência” por questões de custo financeiro, já que havia a residência médica e os residentes
(médicos) recebem uma bolsa maior que os aprimorandos (não médicos) (Conselho Federal de Psicologia,
2005).
51
a década de 1930 e o ano de 1962 concentram-se nessa mesma região. Utilizo-me de suas
palavras, quando comenta a falta de dados advindos das outras regiões:
Antes de dizer que não houve produção ou que as que ocorreram foram
pontuais ou pouco significativas, é importante questionar se não são elas
simplesmente omissões, ou, em outras palavras, desconhecidas ou negligenciadas pela
historiografia da Psicologia no Brasil. (M. Antunes, 2004, p.136)
Acredito que esta pesquisa poderá contribuir para continuar a mudança nesse
panorama, já iniciada por outros fatos, tais como a organização dos Congressos Norte e
Nordeste de Psicologia, em 1999, 2001, 2003 e 2005, que vêm contribuindo
significativamente para a difusão do trabalho realizado por psicólogos no nordeste. Pretendo
dar visibilidade ao trabalho desenvolvido pela psicologia no menor Estado do país, apesar de
não ter a pretensão de esgotar as possibilidades, mas de apresentar uma pequena parte daquilo
que já está sendo feito, de modo particular a atuação dos psicólogos em hospitais, e, quem
sabe, instigar os pesquisadores do nordeste e de outras regiões do país a difundirem seu
trabalho, contribuindo, dessa forma, para uma História da Psicologia que realmente seja
representativa do Brasil, e não regionalizada.
52
3. Trajetória: contextualizando e definindo limites para a pesquisa
3.1. A pesquisa
O início da pesquisa deu-se com a revisão bibliográfica, realizando-se um
levantamento da literatura relacionada com a historiografia da psicologia (M. Antunes, 1998,
2003, 2004; Brožek e Massimi, 1998; R. Campos, 1996; Guedes, 1998; Massimi, 1996, 2001;
Wertheimer, 1998), a história da instituição hospitalar (J. Antunes, 1991; Foulcault, 1999) e a
atuação de psicólogos em hospitais (T. Campos, 1988, 1995; Chiattone, 1998; Lamosa, 1987;
Neder, 1991, 1992a, 1993, 1999, 2003; Romano, 1994, 1998, 1999, 2000; Sebastiani e Maia,
2003; Silva, 2002).
Após essa revisão, a partir da qual foram elaborados a introdução e os dois primeiros
capítulos dessa dissertação, foram seguidos alguns passos no sentido de organizar a maneira
como se iria proceder à pesquisa de campo, por meio das entrevistas com os profissionais
selecionados.
Inicialmente, iriam ser realizadas entrevistas com profissionais variados, que fossem
considerados relevantes para a construção histórica da inserção de psicólogos em hospitais de
Sergipe, quais sejam:
Os psicólogos que realizam ou realizaram trabalhos em hospitais de Sergipe, a fim
de serem levantados dados sobre sua inserção nessa área de atuação, quais as
atividades desenvolvidas por eles nos hospitais de Sergipe, e quais mudanças
ocorreram, ao longo do tempo, nesse campo de trabalho.
Professores das disciplinas relacionadas a “Psicologia da Saúde” e “Psicologia
Hospitalar”, ministradas nos cursos de graduação em psicologia, em Sergipe, a fim
de serem levantados os aspectos que estão sendo abordados nesses cursos.
Médicos e outros profissionais que vivenciaram a inserção da psicologia nos
hospitais sergipanos, podendo fornecer dados sobre como se deu essa inserção,
qual seu ponto de vista sobre ela, e como eles vêem a presença de um psicólogo na
equipe de saúde.
Considero essas entrevistas de extrema relevância para a construção da memória da
psicologia em hospitais de Sergipe, uma vez que acredito na afirmação de M. Antunes (1998),
quando diz que “compreender a história da humanidade é compreender as ações
empreendidas pelos homens” (p.364). Utilizo-me de suas palavras para dizer que para
53
compreender a história da inserção da psicologia em hospitais de Sergipe é importante
compreender as ações empreendidas pelos psicólogos e outros profissionais que atuam ou
atuaram nessa área.
Ao iniciar o levantamento dos psicólogos que estão atuando em hospitais em Sergipe,
foi encontrado um número relativamente grande, que superou as expectativas iniciais. Assim,
optou-se, inicialmente, por restringir as entrevistas a esses psicólogos, para somente em um
momento posterior decidir quais outros profissionais também poderiam ser contatados, caso
fossem citados pelos entrevistados e/ou considerados relevantes para o bom andamento da
pesquisa.
Após concluir as entrevistas iniciais, e organizar os dados coletados, decidiu-se não
mais incluir entre os entrevistados os outros profissionais pensados inicialmente, a fim de que
pudesse ser realizado um trabalho mais aprofundado com o material obtido.
Inicialmente, foi elaborado um roteiro (Anexo 1) que serviu de base para as
entrevistas, sobretudo como um meio encontrado para que não deixassem de ser abordados
tópicos considerados importantes para o objetivo da pesquisa. Entretanto, esse roteiro não foi
seguido na ordem, tentando-se manter um diálogo mais aberto com o entrevistado, a fim de
que ele se sentisse à vontade ao expressar suas posições em relação aos assuntos tratados, bem
como expor a história de sua formação profissional na área. O objetivo das perguntas
escolhidas para o roteiro seria conhecer a relação do psicólogo com a atuação da psicologia
em hospital desde sua graduação, como se deu sua inserção na área, como é seu trabalho hoje
no hospital, bem como o que pensa e sente no que diz respeito a essas mesmas informações...
Ao retornar ao Estado de Sergipe, meu primeiro desafio foi levantar as instituições
com as quais eu deveria entrar em contato para receber informações acerca da existência ou
não de psicólogos no seu corpo de profissionais. Por orientação da Secretaria de Saúde do
Estado de Sergipe, as informações sobre as instituições de saúde do Estado foram obtidas no
site do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), do Departamento de
Informação e Informática do SUS DATASUS (2005), órgão da Secretaria Executiva do
Ministério da Saúde. Segundo dados obtidos, Sergipe conta com 945 estabelecimentos da
saúde, excluindo os consultórios isolados, estando divididos em 18 unidades, como pode ser
observado na tabela 1:
54
Tabela 1: Estabelecimentos de saúde em Sergipe
Estabelecimentos Total
Centro de Parto Normal Isolado 8
Centro de Saúde/Unidade Básica 501
Clinica Especializada/Ambulatório de Especialidade 78
Cooperativa 8
Farmácia 1
Hospital Especializado 11
Hospital Geral 35
Hospital/Dia - Isolado 9
Policlínica 70
Posto de Saúde 77
Pronto Socorro Especializado 1
Pronto Socorro Geral 5
Unidade Autorizadora 2
Unidade de Apoio Diagnose e Terapia (SADT Isolado) 116
Unidade de Vigilância Sanitária/Epidemiologia-Isolado 9
Unidade Mista 7
Unidade Móvel de Nível Pré-Hosp - Urgência/Emergência 2
Unidade Móvel Terrestre 5
Total 945
Dentre esses estabelecimentos de saúde, optou-se por trabalhar com cinco tipos de
unidades: Hospital especializado, Hospital Geral, Hospital Dia, Pronto Socorro Especializado,
Pronto Socorro Geral e Unidade Mista, baseando-se nas definições contidas no Caderno da
Secretaria de Assistência à Saúde, utilizado no treinamento para a utilização do CNES pelos
funcionários da Secretaria de Estado da Saúde.
Segundo a definição encontrada nesse material (Cadastro, 2003, p. 77), temos:
1. Hospital especializado hospital destinado à prestação de assistência à saúde em
uma única especialidade/área. Pode dispor de serviço de Urgência/Emergência e
SADT
37
. Podendo ter ou não SIPAC
38
. Geralmente de referência regional, macro
regional ou estadual.
2. Hospital geralHospital destinado à prestação de atendimento nas especialidades
básicas, por especialistas e/ou outras especialidades médicas. Pode dispor de
serviço de Urgência/Emergência. Deve dispor também de SADT de média
complexidade. Podendo ter ou não SIPAC”.
37
SADT: Serviços Auxiliares de Diagnóstico e Tratamento
38
SIPAC: Sistemas de Procedimento de Alta Complexidade
55
3. Hospital Dia “Unidades especializadas no atendimento de curta duração com
caráter intermediário entre a assistência ambulatorial e a internação”.
4. Pronto Socorro Especializado “Unidade destinada à prestação de assistência em
uma ou mais especialidades, a pacientes com ou sem risco de vida, cujos agravos
necessitam de atendimento imediato”.
5. Pronto Socorro Geral “Unidade destinada à prestação de assistência a pacientes
com ou sem risco de vida, cujos agravos necessitam de atendimento imediato.
Podendo ter ou não internação”.
6. Unidade Mista “Unidade de saúde básica destinada à prestação de atendimento
em atenção básica e integral à saúde, de forma programada ou não, nas
especialidades básicas, podendo oferecer assistência odontológica e de outros
profissionais, com unidade de internação, sob administração única. A assistência
médica deve ser permanente e prestada por médico especialista ou generalista.
Pode dispor de urgência/emergência e SADT básico ou de rotina”.
Ainda no site do CNES (Cadastro, 2005) obtive a lista completa das instituições
classificadas como cada um desses tipos de unidades em todo o Estado e entrei em contato
com todas elas, a fim de obter a informação sobre a presença ou não do psicólogo na equipe
que compõe os funcionários da instituição. Com isso, obteve-se um total de 66 instituições
39
,
mas duas foram excluídas por não corresponderem, na prática, ao tipo de unidade cadastrada
no CNES, funcionando como unidades que não foram incluídas na pesquisa (CAPS e posto de
saúde). A tabela 2 dá um panorama das instituições pesquisadas:
39
Dentre as instituições com psicólogo, somente uma não se encontra em Aracaju, mas pertence à Grande
Aracaju, que inclui, além da capital, mas quatro cidades vizinhas. No Anexo 2, encontra-se um quadro com a
relação de todas as instituições que foram incluídas na pesquisa, especificando as características de cada uma
delas. Os nomes das instituições que possuem psicólogos atuando estão em negrito.
56
Tabela 2: Instituições incluídas na pesquisa
Natureza da Organização Tipos de Unidade Total Instituições com
psicólogo
Hospital especializado 2 2
Hospital Geral 7 2
Pronto-socorro geral 3 -
Administração Direta da Saúde
Unidade Mista 6 -
Economia Mista Hospital geral 1 -
Hospital especializado 5 2
Hospital geral 5 1
Pronto-socorro especializado 1 -
Pronto-socorro geral 1 1
Unidade Mista 1 -
Empresa Privada
Hospital Dia 8 1
Administração Direta de Outros
Órgãos
Hospital geral 1 1
Hospital especializado 2 - Entidade beneficente sem fins
lucrativos
Hospital geral 21 2
Total - 64 12
Das 64 instituições, consegui algum tipo de contato
40
com sessenta e duas, sendo que
seis destas estão fechadas atualmente. Entre as instituições contatadas, 12 possuem
psicólogos, e uma, somente estagiários de psicologia
41
. Além dessas instituições, ainda foram
encontradas mais duas que estavam na lista telefônica do Estado como sendo “hospitais,
mas, ao entrar em contato com elas, fui informada que se tratava de postos de saúde, sendo
conhecido como hospitais pelo fato de praticamente serem os únicos estabelecimentos de
saúde dos locais.
Tabela 3: Presença de psicólogos nas instituições incluídas na pesquisa
Tipos de Unidade Com psicólogo Sem psicólogo Sem contato
ou fechado
Total
Hospital especializado 4 5 - 9
Hospital Geral 6 23 6 35
Hospital Dia 1 7 - 8
Pronto-socorro
especializado
-
1 - 1
Pronto-socorro geral 1 2 1 4
Unidade Mista - 6 1 7
Total 12 44 8 64
40
Com a maioria, consegui falar diretamente no Departamento de Recursos Humanos ou no Setor Pessoal.
Houve outras, contudo, em que o contato realizado foi com a Secretaria de Saúde do município onde se
localizavam, que informou que as instituições não estão funcionando atualmente.
41
Não consegui obter informações sobre o trabalho realizado por eles.
57
Foram levantados os nomes de 36 psicólogos que atuam ou atuaram na área. Esses
nomes foram obtidos não somente por meio do contato com as instituições, mas também por
indicação dos profissionais que participaram da pesquisa. Foram entrevistados 28 deles, além
de ter entrado em contato com três que, apesar de o hospital ter informado sua presença, trata-
se somente do uso de salas, por meio de cessão ou aluguel, para atendimento exclusivamente
de consultório particular, sem qualquer outro vínculo direto com a instituição ou com seus
pacientes.
Cinco psicólogos não foram entrevistados, por não ter conseguido estabelecer contato,
pela dificuldade de horário disponível do profissional para que fosse realizada a entrevista, ou
porque de fato pareciam não querer se submeter à entrevista. Destes profissionais, dois não
estão mais na área, e três atuam em clínica psiquiátrica particular.
Os profissionais foram contatados por telefone, quando foi marcado o encontro em
local determinado por eles. A maioria preferiu o hospital em que atua; um, a universidade
onde dá aula; quatro, suas residências; e outros cinco, consultório particular.
Todos os entrevistados foram muito receptivos e demonstraram interesse em relação à
pesquisa, por, segundo eles, dar-lhes a oportunidade de conhecer o que vem sendo feito, pela
psicologia, em hospitais do Estado. De fato, de forma geral, como será apresentado, eles
trabalham isolados uns dos outros, sem haver contato entre os profissionais das diferentes
instituições. Alguns chegaram a verbalizar ser interessante dar continuidade a este estudo,
bem como divulgar seus resultados tanto para os profissionais que participaram da pesquisa,
quanto para as faculdades de psicologia.
Após a realização das entrevistas, que foram gravadas com o consentimento dos
entrevistados (Anexo 3), cada uma delas foi transcrita literalmente, pertencendo, atualmente,
ao acervo do Núcleo de Estudos em História da Psicologia, do Programa de Estudos Pós-
graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade de São Paulo
42
. A partir daí todo o
trabalho de análise baseou-se nessa transcrição literal.
O segundo passo consistiu em ler todas as entrevistas, grifando os trechos em que
fossem identificados os tópicos do roteiro, além de novas questões que porventura
aparecessem. A partir dessa leitura, foi montado um quadro com os tópicos levantados,
contendo a fala de alguns profissionais, quando muito ilustrativas, a fim de possibilitar uma
melhor visualização, auxiliando, também, na posterior caracterização dos entrevistados. Em
42
No anexo 4, encontra-se uma das entrevistas transcritas, feita com a primeira psicóloga a atuar em Hospital
Geral no Estado de Sergipe.
58
uma segunda leitura, procurou-se marcar aqueles trechos que se destacavam em cada
entrevista, a serem apresentados no momento de discussão.
3.2. O nosso campo de estudo: Sergipe
Antes de continuar, por que Sergipe? A escolha por Sergipe se deu primeiro por ser
meu Estado de origem, onde comecei a graduação e, sobretudo, porque, ao longo da minha
formação, notei que em vários locais do Brasil pouco se conhecia sobre o que era feito pela
psicologia nesse Estado. Ao se falar do nordeste, tinham-se informações da Bahia,
Pernambuco, Rio Grande do Norte, mas quase nada de Sergipe.
Além disso, se queremos pensar em uma história da psicologia no Brasil, não podemos
restringir-nos a determinadas regiões, mas devemos levar em conta todas as informações
obtidas das várias regiões que compõem este país.
Sendo assim, apresento Sergipe:
3.2.1. Aspectos históricos e econômicos
Emancipado da Bahia em 8 de julho de 1820, Sergipe ainda apresenta marcas da
cultura, economia e religião baianos. Inicialmente, teve sua capital estabelecida em São
Cristóvão, a quarta cidade mais antiga do Brasil, para, em 1855, ser transferida para Aracaju,
devido à proximidade do porto, possibilitando, assim, o melhor escoamento da produção do
açúcar, tão importante para a economia sergipana. Diferente das outras cidades do Estado,
Aracaju
Sergipe é o menor Estado do Brasil,
contando com uma população de 1.784.475
habitantes, segundo o censo demográfico de
2000 (IBGE, 2005), menos de um quinto
da
população da cidade de São Paulo (10.434.252
habitantes). Possui 75 municípios, e sua capital,
Aracaju, tem uma população de 461.500
habitantes (Cruz e Franç
a, 2002), representando
25,4% de todos os habitantes do Estado.
59
Aracaju foi toda planejada, tendo seu terreno dividido praticamente como “um tabuleiro de
xadrez”. (Oliva e Santos, 2002, p.30)
Apesar de ter mais de 70% de sua população na área urbana, a agropecuária
ainda é a base da economia sergipana, tendo como principal produto a cana-de-açúcar, além
da laranja, cujo suco é exportado para os Estados Unidos e Europa. Ocorre em Sergipe, ainda,
grande extração de petróleo, fazendo do Estado um dos maiores produtores do país
(Mendonça e Silva, 2002).
À época do início das atividades dos psicólogos nos hospitais do Brasil, ou seja,
em meados da década de 50, Sergipe e todo o nordeste passavam por sérias dificuldades,
sobretudo relacionadas ao período de seca prolongada e devastadora. Diante dessa situação,
foi criada a SUDENE (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), em 1958, com o
“propósito de criar condições para a industrialização do Nordeste”. (Oliva e Santos, 2002,
p.34)
No período época dos governos militares (1964-1984), houve um surto de
industrialização em todo o Brasil, aumentando o consumo de petróleo. À época, Sergipe
recebeu muitos investimentos da Petrobrás, acentuando a exploração do petróleo no Estado,
constituindo hoje uma das maiores produções do Brasil. Ainda nessa época, em 1967, foi
aberta a Universidade Federal de Sergipe (UFS), em São Cristóvão, unificando as faculdades
já existentes, desde o final da década de 1940 (Economia, Química, Direito, Filosofia, Serviço
Social e Medicina). Até então, somente seguiam estudos universitários as pessoas advindas de
famílias mais abastadas, já que tinham que ir para grandes centros, como Salvador, Recife ou
Rio de Janeiro (Capital Federal na época).
Os anos de 1960 representam um período de grande crescimento do Estado,
acima da média nacional e, a partir da década seguinte, houve um aumento no êxodo rural,
fazendo com que a população urbana se tornasse prevalente, sobretudo em Aracaju, o que
também foi influenciado pela vinda de técnicos e funcionários da Petrobrás (Oliva e Santos,
2002).
3.2.2. Sergipanos com destaque nacional
Entre os sergipanos, encontram-se, também, nomes de destaque nacional, em
diferentes áreas, desde o Direito à Literatura. A seguir, gostaria de apresentar alguns desses
nomes.
60
Manoel Bomfim
43
(1868 - 1932): Médico, pedagogo e
historiador aracajuano. Iniciou o curso de medicina em Salvador e o
concluiu no Rio de Janeiro, em 1890. Tem um importante papel na
história da psicologia do Brasil, pois organizou e dirigiu aquele que
provavelmente foi o primeiro Laboratório de Psicologia Experimental
do país, em 1906, no “Pedagogium” (M. Antunes, 2003). Conhecido
nacionalmente por obras de caráter nacionalista, em que também se
preocupava em “analisar e interpretar o passado brasileiro à luz de novos instrumentos, entre
os quais o marxismo”, o grande mérito de sua obra, segundo Gilfrancisco (2005), foi “encarar
o preconceito racial e a caracterização psicológica inferiorizante do homem tropical como
traços colonialistas herdados pelas elites brasileiras”, defendendo a superação, pela educação
e pela transformação social, do atraso nacional como condição para o plano florescimento do
homem brasileiro.
Gilberto Amado
44
(1887 1969): “Político, ensaísta,
memorialista e diplomata”, formou-se pela faculdade de Direito de
Recife, onde também foi “catedrático de Direito Penal”. Em 1910,
passou a morar no Rio de Janeiro, onde trabalhou na imprensa, foi
deputado federal e senador por Sergipe. Também tem um papel
muito importante nas relações internacionais: consultor jurídico do
Ministério das Relações Exteriores; embaixador; membro da
Comissão de Direito Internacional da ONU (durante 28 anos); delegado do Brasil a todas as
sessões ordinárias da Assembléia Geral da ONU. É o quinto ocupante da Cadeira 26 da
Academia Brasileira de Letras. (Academia Brasileira de Letras, 2006)
43
Entre suas obras, encontram-se: América Latina: estudo do parasitismo social (1905); Pensar e dizer: estudos
do símbolo no pensamento e na linguagem (1923); O Brasil na América (1929); O Brasil Nação: realidade da
soberania brasileira, 2 vol. (1930); O Brasil na História: deturpação das tradições. degradação política (1931)
(Gilfrancisco, 2005).
44
Algumas obras: A chave de Salomão e outros escritos (1914), ensaios; Grão de areia (1919), ensaio;
Aparências e realidades (1922), ensaio; Espírito do nosso tempo (1933), ensaio; Dias e horas de vibração
(1933), crônicas; Inocentes e culpados (1941), romance. MEMÓRIAS: História da minha infância (1954);
Minha formação no Recife (1955); Mocidade no Rio e primeira viagem à Europa (1956); Presença na política
(1958); Depois da política (1960) (Academia Brasileira de Letras, 2006).
61
Sílvio Romero
45
(1851 1914): “crítico, ensaísta, folclorista,
polemista, professor e historiador da literatura brasileira”. Formou-se
na Faculdade de Direito de Recife e participou, junto com Tobias
Barreto da “Escola de Recife”. Em 1875 foi para o Rio de Janeiro,
onde foi professor de Direito e trabalhou na Imprensa, tornando-se
“literariamente poderoso”. “Pesquisador bibliográfico sério e
minucioso, (...) preocupou-se, sobretudo, com o levantamento
sociológico em torno de autor e obra. Sua força estava nas idéias de
âmbito geral e no profundo sentido de brasilidade que imprimia em tudo que escrevia”.
Fundou a Cadeira 17 da Academia Brasileira de Letras, quando de sua instalação, em 1897.
(Academia Brasileira de Letras, 2006)
Tobias Barreto
46
(1839 1889): Poeta, crítico, filósofo,
jornalista, advogado e professor da faculdade de Direito de Recife,
onde fez sua graduação. Liderou o movimento intelectual poético,
crítico, filosófico, sociológico, folclórico e jurídico denominado
“Escola do Recife”, ao lado de outros sergipanos, como Sílvio
Romero e Fausto Cardoso. Patrono da Cadeira 38 da Academia
Brasileira de Letras. (Academia Brasileira de Letras, 2006)
3.2.3. A psicologia em Sergipe
O primeiro curso de graduação em psicologia, no Estado, foi instalado na
Universidade Federal de Sergipe no ano de 1990, no Centro de Educação e Ciências
Humanas, tendo sido reconhecido pelo MEC em 2000. Segundo informações obtidas no
45
Algumas obras: A filosofia no Brasil (1878); Interpretação filosófica dos fatos históricos (1880); Introdução à
história da literatura brasileira (1882); Contos populares do Brasil (1885); Etnografia brasileira (1888); A
filosofia e o ensino secundário (1889); A história do Brasil ensinada pela biografia de seus heróis (1890);
Ensaios de Filosofia do Direito (1895); Ensaios de sociologia e literatura (1901); Parnaso sergipano, 2 vols.:
1500-1900 e 1899-1904 (1904); Evolução da literatura brasileira (1905); Provocações e debates (1910)
(Academia Brasileira de Letras, 2006).
46
Suas Obras Completas, editadas pelo Instituto Nacional do Livro em 1926/27, incluem os seguintes títulos:
Ensaios e Estudos de Filosofia e Crítica, Brasilien, wie es ist, Ensaio de pré-história da literatura alemã, Filosofia
e Crítica, Estudos Alemães, Dias e Noites, Polêmicas, Discursos, Menores e Loucos, Questões vigentes, Vários
escritos, Polêmicas”. (Academia Brasileira de Letras, 2006).
62
próprio site da universidade (UFS, 2006), no programa do curso de psicologia são as
seguintes as disciplinas específicas para a área de saúde: como matérias obrigatórias,
Psicologia e Práticas de Saúde (8º. Período), e Psicopatologia I e II (5º. e 6º. períodos). Entre
as optativas, há Psicologia Hospitalar, Antropologia da Saúde e Tópicos especiais em
psicopatologia, que nem sempre são ofertadas, segundo informações dos entrevistados que
fizeram formação nessa instituição.
Até o ano de 1996, esse era o único curso de psicologia do Estado, quando foi
iniciado o segundo curso, na Universidade Tiradentes (reconhecido pelo MEC em 2002),
sendo seguido pelo curso da Universidade Pio Décimo, em 1999 (ainda em processo de
reconhecimento), ambas universidades particulares.
A grade curricular do curso da Universidade Tiradentes apresenta um pouco
mais de opções no que diz respeito às matérias relacionadas à saúde: Psicopatologia I e II (5º.
e 6º. períodos), Psicologia da Saúde (6º. período), Estágio básico I e II Promoção de Saúde
(7º. e 8º. períodos). A partir do oitavo período, o aluno opta por uma área de ênfase, que pode
ser “Psicologia e práticas educativas” ou “Psicologia e promoção de saúde”. Nesta última, as
disciplinas específicas oferecidas são: Saúde coletiva”, “Psicologia e instituições de saúde” e
uma optativa: “Aspectos psicossociais das doenças crônicas”. (UNIT, 2005)
Em relação à universidade Pio-Décimo, a coordenação da Faculdade de
Psicologia disponibilizou a grade curricular do curso, na qual há as seguintes disciplinas
relacionadas com a saúde: “Psicopatologia Geral I e II” (5º. e 6º. Períodos), “Psicologia
Hospitalar” (9º. período)obrigatórias, e Psicossomáticaoptativa.
Podemos perceber, portanto, que desde o reconhecimento da psicologia, como
profissão, no Brasil, e a abertura do primeiro curso de psicologia em Sergipe, passaram-se
quase 30 anos. Dessa forma, os psicólogos que atuavam no Estado até dez anos atrás fizeram
sua formação necessariamente em outros Estados.
Obtive também alguns dados junto ao Conselho Regional de Psicologia
região (CRP/03), que inclui Bahia e Sergipe: atualmente há 542 psicólogos inscritos no
Estado de Sergipe, desde 1975, um ano após a instituição desse Conselho, perfazendo 15,88%
do total de inscritos no CRP/03. Incluindo os dois Estados, temos 262 psicólogos que
obtiveram o título de especialista junto ao Conselho, em diversas áreas: Jurídica, Trânsito,
Psicomotricidade, Neuropsicologia, Psicologia Escolar, Psicopedagogia, Social, Esporte,
Hospitalar, Organizacional e Clínica. Dentre essas, há 19 psicólogos especialistas em
Psicologia Hospitalar nos dois Estados, três deles em Sergipe.
63
3.3. Os protagonistas: psicólogos em hospitais de Sergipe
Antes de apresentar os dados obtidos a partir das conversas com os psicólogos,
gostaria de comentar o estado de construção em que se encontra a atuação da psicologia em
hospitais, em Sergipe. Por que falo em construção?
Primeiramente, alguns profissionais chegaram a citar textualmente que a Psicologia
Hospitalar é uma área muito nova dentro da psicologia e, portanto, o papel do psicólogo
ainda não se encontra bem delimitado, sobretudo em Sergipe, que, como será apresentado,
teve o primeiro trabalho da psicologia em hospitais gerais no ano de 1991, sendo que até o
final do ano de 1999, só havia quatro psicólogas atuando, todas em instituições da capital.
Além disso, mudanças importantes na forma de trabalho de alguns profissionais
ocorreram paralelamente ao percurso da pesquisa, sobretudo no hospital estadual, que possui
o maior número de psicólogos atuando. Como as entrevistas foram realizadas entre março e
outubro de 2005, tivemos um largo espaço de tempo, durante o qual os trabalhos iam
acontecendo, sofrendo modificações.
Posso apresentar alguns desses fatos novos, de que tive conhecimento:
No hospital estadual, alguns profissionais comentaram que uma das maiores
dificuldades que eles enfrentavam era a vinculação do atendimento psicológico
à solicitação médica. A partir de junho, contudo, o Serviço de Psicologia dessa
instituição conseguiu, junto à direção do hospital, que o atendimento
psicológico não mais ocorresse somente com essa solicitação, e os
profissionais passaram a ter maior liberdade de atuação junto ao paciente.
Obtive essa informação do atual coordenador do Serviço de Psicologia, com
quem me encontrei ao término de uma das entrevistas realizadas no hospital.
Outra mudança também ocorrida nessa instituição diz respeito à carga horária.
Todos os entrevistados comentaram que cumpriam uma carga horária de trinta
horas semanais, fixada pelas normas do concurso público. Contudo, em
outubro, quando foi realizada a última entrevista com os profissionais desse
hospital, fui informada de que, assim como os médicos e os enfermeiros já
haviam conseguido redução de sua carga horária, eles também obtiveram essa
“conquista”, tendo reduzida a carga horária semanal para vinte e quatro horas.
Quando realizei a entrevista com o profissional que atua na maternidade, não
havia outro psicólogo na instituição. Contudo, ao longo da pesquisa, recebi a
informação da entrada de mais dois profissionais, via contrato por empresa
64
terceirizada, os quais foram incluídos no universo pesquisado, e um
profissional concursado pela Secretaria de Saúde, que não foi entrevistado,
dados o término da fase de coleta de dados e o início da discussão.
Diante desses fatos, devemos levar em conta que outras mudanças podem ter ocorrido,
mas com que não cheguei a ter contato. A princípio, pensei que isso seria algo negativo para o
bom andamento da pesquisa. Contudo, uma vez assumida uma visão histórica diante dos
acontecimentos, seria contraditório da minha parte querer que as coisas fossem estáticas,
destacadas de seu contexto. Essa idéia de ser um campo que está sendo construído será
retomada posteriormente.
Conheçamos, agora, nossos protagonistas: como dito, temos um total de 28
psicólogos entrevistados, com diferentes percursos dentro da psicologia. Foram entrevistados
seis homens e vinte e duas mulheres, com faixa etária variando entre 23 e 56 anos
47
, sendo
que a maioria situa-se entre 25 e 35 anos.
Tabela 4 Faixa etária dos entrevistados
Faixa etária Freqüência Porcentagem
20-25 anos 4 14%
26-30 anos 8 29%
31-35 anos 11 38%
36-40 anos 1 4%
41-45 anos 2 7%
46-50 anos 1 4%
51-55 anos 0 0
56-60 anos 1 4%
Total 28 100%
Do roteiro no qual se basearam as entrevistas, podem-se destacar quatro grandes eixos,
considerados representativos para a caracterização do grupo de psicólogos com que trabalhei,
e que serão discutidos a seguir:
I. Concepção acerca de saúde, Psicologia da Saúde e Psicologia Hospitalar
II. Percurso acadêmico
III. Experiência profissional anterior
IV. Inserção em hospitais de Sergipe
47
As idades dos entrevistados não foram perguntadas. Estão aqui estimadas, levando-se em conta o tempo para
formação, tempo de atuação como psicólogo, tempo de trabalho em hospital e outros dados fornecidos pelos
profissionais durante a entrevista, como mencionar a idade em algum momento específico de sua trajetória, etc.
65
I. Concepção acerca de saúde, Psicologia da Saúde e Psicologia Hospitalar
De uma forma geral, houve uma certa dificuldade de os profissionais formularem uma
definição mais objetiva de saúde, recorrendo a várias explicações e comparações para expor
seu pensamento. A maioria das definições é meramente pessoal, advinda da experiência de
cada um, raramente havendo referência a algum autor específico de psicologia ou de outra
área de conhecimento.
No que diz respeito à Psicologia da Saúde e Psicologia Hospitalar, houve variadas
visões, enfocando diferentes aspectos. Não considero muito diferente do que vem ocorrendo
na tentativa de delimitação teórica desses campos, em todo o Brasil, pois, como afirma Spink
(2003, p.67), “a psicologia da saúde, do ponto de vista teórico, é um pântano onde há mais
areia movediça do que terra firme”, havendo uma maior delimitação do campo a partir da
prática, com suas exigências e prerrogativas.
A. Saúde
A partir das concepções apresentadas, fiz uma divisão em quatro categorias,
para melhor visualização. Entretanto, nem sempre se podem situar os psicólogos em uma ou
outra categoria somente, uma vez que alguns conjugam diferentes pontos de vista na sua
própria concepção.
a. Saúde como bem-estar
A concepção de saúde apresentada pela maioria retoma o conceito da
OMS, de bem-estar biopsicossocial, apesar de alguns não fazerem relação direta a este.
Outros, contudo, referem-se de forma evidente:
De um modo geral, o que seria saúde? (...) Hoje em dia, a Organização Mundial já
define como uma perfeita harmonia do indivíduo com a realidade que ele convive, que
seria o bem-estar físico, mental, social, cultural. Todas as esferas com que aquele
indivíduo tem uma relação, que vai repercutir no modo como ela vai desempenhar suas
funções. (E23)
48
Pode-se perceber que, algumas vezes, esse conceito é ampliado,
acrescentando-se outros aspectos envolvidos nesse bem-estar:
48
Todas as falas dos entrevistados transcritas neste estudo foram limpas dos vícios de linguagem, a fim de
facilitar a compreensão das mesmas. A identificação dos entrevistados será feita mediante a letra “E” seguida de
um número que indica a ordem cronológica das entrevistas.
66
Eu acho que, também, esse lado espiritual, que a gente, muitas vezes, esquece...
(E4)
Um bem-estar mental, físico, moral (...). Enfim, um bem-estar geral. (...) É
impossível a gente estar o tempo todo bem (...). Então esse conceito de saúde é um
pouquinho utópico, mas eu acho que é isto: é um bem-estar geral, físico, emocional,
moral, espiritual... (E12)
b. Saúde como equilíbrio
A idéia de integração, harmonia e equilíbrio também está muito presente,
referindo-se a diversos aspectos, sejam eles mais “objetivos, como integração corpo e mente,
equilíbrio nos relacionamentos intra e interpessoais, integração entre o indivíduo e o meio no
qual está inserido (algumas vezes aparecendo a idéia de “adaptação” ao meio), ou
subjetivos, como o sentir-se integrado:
... eu acho que é um conjunto de fatores humanos que possibilitam o ser de estar
bem (...). Quando você consegue conjugar fatores sociais, fatores éticos, políticos,
afetivos, institucionais mesmo, nas instituições onde você está inserido. Quando você
consegue conjugar de forma positiva, agradável, que você se sinta integrado, eu acho que
o ser que tem saúde é aquele que está integrado socialmente, emocionalmente, quando ele
consegue transitar no mundo se sentindo bem. (E7)
Saúde é você estar bem, você estar adaptado ao seu meio, quando você não está
adaptado, você apresenta alguns conflitos. (...) é muito regional, é muito cultural também,
eu acho que saúde corresponde a uma boa adaptação à realidade. (E20)
Para mim não significa aquele conceito, ausência disso, ausência daquilo, ausência
de doenças, acho que é esse bem-estar que lhe dá um certo equilíbrio de você se sentir
bem no seu ambiente de trabalho, se sentir bem no contexto que você vive, (...) superar os
problemas do dia-a-dia, que aparecem, sem desespero, também saber tirar a pedra da
frente, tirar a pedra do seu caminho... É essa sabedoria de conseguir retirar a pedra do
seu caminho, eu acho que isso para mim traz a concepção de saúde de uma forma geral.
(E26)
c. Saúde como postura ativa diante da vida
Essa concepção diz respeito à necessidade de uma postura ativa para que se
tenha saúde. Dessa forma, ser saudável significa ser capaz de se implicar em sua própria vida,
de auto-organizar-se, sendo sujeito ativo, flexível, aberto a diferentes possibilidades.
67
...acabei ficando até um pouco com a concepção canguilhemiana
49
: saúde seria, na
concepção dele, a capacidade de ser normativo (...), de instituir normas diferentes em
situações diferentes. (...) Saúde não é um retorno a uma condição normal, mas é algo
parecido com a flexibilidade... (E13)
Muitos dos que defendem essa posição, falam de uma boa qualidade de
vida advinda dessa postura.
... saúde é algo que é construído, aproxima-se de uma visão, também, de qualidade
de vida, tem a ver com a implicação da pessoa com sua própria história de vida. Então, o
quanto a pessoa se implica em sua história. (...) A questão do auto cuidado, da qualidade
de vida... (E25)
... eu acho que saúde é um conceito muito grande e que engloba muita coisa da
vida, até o compromisso político (...). É você se posicionar mesmo diante da vida, você
conseguir ser um cidadão, que é capaz de lutar, de correr atrás de seus sonhos, mesmo,
você ter condições de correr atrás de seus sonhos, ter liberdade, pelo menos o mínimo de
liberdade para sonhar e acreditar que você pode, você não é escravo das coisas. (E7)
d. Outras concepções
Além dessas, ainda foram levantadas características mais amplas, quando
se fala da saúde como sendo mutável, multifatorial, que depende da visão de cada um, não
podendo ser entendida sob um único ponto de vista.
Para mim, saúde, ela tem várias vertentes. Você não pode olhar a saúde sem
perceber quem está doente. Então, com isso, você não pode ter um único olhar para ela,
(...) ela é multifatorial. (E6)
Outros pontos que apareceram em dois entrevistados dizem respeito à
saúde como sendo “higienização mental”, “estado de espírito”, levando a questão para um
aspecto mais subjetivo:
49
Trata-se de Georges Canguilhem (1904-1995). Nascido na França, cursou Filosofia e Medicina. O interesse
pela medicina foi decorrente de uma “necessidade de confrontar o universo abstrato da reflexão filosófica com
alguma experiência concreta, algo que desse corpo e vida à sua filosofia, o que a medicina poderia, literalmente,
oferecer”. A sua tese de doutorado em Medicina, de 1943, sobre o normal e o patológico, tornou-se a sua obra
mais conhecida, dando-lhe um grande destaque, também na Psicologia (Serpa Jr., 2002).
68
...saúde é um bem-estar, é um estado de espírito (...). A definição da OMS é que
saúde é bem-estar físico, psíquico, emocional, mas eu acho que é mais amplo (...), é na
cabeça que sente, não é no corpo (...). E daí, se você estiver bem, trabalhando, gosta do
que faz, (...) ser voluntário, essa coisa, ver, trabalhar um pouco pelo próximo, aí até hoje
saúde é tudo, é higienização mental, mesmo. Eu acho que saúde é muito assim, é muito, é
paz, é saúde mesmo, família, filhos, é você estar conseguindo levar a vida. (E3)
Saúde, eu entendo como um estado de espírito, um estado de consciência, que a
pessoa obtém, que a pessoa vivencia quando ela consegue harmonizar coisas que estão
desarmônicas, coisas que estão um pouco doentes; então, assim, quando a pessoa
consegue fazer esse processo de harmonização constante, ela está num estado de saúde,
que é mais um estágio do que um estado de saúde, porque [inclui] mudança... (E9)
B. Psicologia da Saúde
A definição de Psicologia da Saúde também tomou direções particulares, indo
do desconhecimento do termo, a uma definição que corrobora a literatura.
Uma boa parte dos psicólogos optou por uma definição que se baseia naquilo
que considera como sendo os objetivos dessa área da psicologia: trabalhar na promoção da
saúde, sendo esta definida de diferentes formas, mas, em geral, relacionada ou à qualidade de
vida, ou ao bem-estar; minimizar sofrimento dos pacientes e profissionais da saúde; atuar na
prevenção de doenças; humanização; garantia de direitos.
Outros não chegaram a definir claramente o que seria a Psicologia da Saúde,
mas apresentaram alguns pontos que caracterizam sua atuação: ênfase na comunidade,
denominando este como um atendimento contextualizado social e culturalmente; Psicologia
mais ampla que a Hospitalar, abrangendo também outras áreas, tais como a Social, Clínica,
Saúde Mental; atuação em instituições de saúde, nos diferentes níveis de atenção: primário,
secundário e terciário.
Quatro profissionais afirmaram não conhecer esse termo, e um, apesar de
conhecer, não sabe defini-lo. Há também aqueles, embora poucos, que defendem a
redundância do termo, pois toda Psicologia é da Saúde, já que sua atuação sempre contribui
para a aquisição daquilo que eles defendem como sendo saúde:
... a gente é profissional de saúde, em qualquer espaço, até, inclusive, quando você
trabalha na saúde, no judiciário (...). A gente está buscando melhorar a qualidade de vida
das pessoas, eu acho que a gente, nosso papel fundamental enquanto psicólogo é
69
melhorar, proporcionar uma qualidade de vida melhor para as pessoas, promover isto:
uma melhoria da qualidade de vida das pessoas. (E7)
Apenas um profissional não definiu o termo por não concordar com as
especializações da psicologia, que limitam o olhar do psicólogo. Na verdade, para ele, a
psicologia deve estar como pano de fundo de toda atuação, devendo sempre estar presente
uma postura mais abrangente e, em cada prática, assume-se um olhar específico:
São rótulos que a gente fica dando, dentro de uma visão cartesiana, até para
separar as áreas de intervenções, buscando especificidades. Eu acho que o que diferencia
é o olhar que você vai estabelecer na sua intervenção. Psicologia é o que vai dar o nosso
pano de fundo, é a área com a qual a gente vai atuar. Se é da Saúde, se vai ser do
Trabalho, se vai ser Escolar, isso só se refere às especificidades do que a gente vai
focalizar na nossa intervenção. Então não vejo muita diferença nisso. Inclusive sou até
um tanto quanto contra essas especializações, que a gente procura, no sentido de cada
vez ficar seguindo aquele modelo semelhante ao médico, um modelo biologizante,
tecnicista, você procurar “ah, eu sou psicólogo hospitalar”, aí dentro do hospital: “eu
sou psico-oncologista, ou psicopediatra, ou neuropsicólogo”, então aí você já vai
segmentando, mais ainda, o que é totalmente em desacordo com o nosso objeto de
trabalho... (E15)
C. Psicologia Hospitalar
Na definição de Psicologia Hospitalar, obtivemos um leque muito grande de
informações, a maioria enfocando sua especificidade na atuação dentro de uma instituição
hospitalar. Aqueles que não se restringem à atuação nessa instituição, não rompem a relação
com ela, quando afirmam que o paciente deve ter passado por uma vivência hospitalar, ou
estar submetido a procedimentos hospitalares.
A Psicologia Hospitalar, ela está restrita ao ambiente hospitalar, não só hospital,
mas, assim, clínicas onde sejam feitos atendimentos, como é o caso de atendimento
oncológico, onde é feita a quimioterapia, pode ser feito um trabalho hospitalar, (...) no
caso o pessoal na (...)
50
Que eles lá, eles não estão enquadrados como um hospital, mas,
assim, os atendimentos que são feitos, essa questão da hemodiálise, então isso para mim é
50
Clínica especializada no tratamento nefrológico. Nela, realizam-se os acompanhamentos de grande parte dos
pacientes com problemas renais do Estado, uma vez que tem convênio com o SUS. Além das consultas médicas,
há acompanhamento multidisciplinar e salas para realização da hemodiálise. Foram entrevistadas duas
psicólogas que trabalham nesse local. Atualmente, uma está de licença maternidade, e a outra está cobrindo essa
licença.
70
tratado como uma Psicologia Hospitalar, mesmo que o paciente não esteja internado,
mas o procedimento que está sendo feito com ele é um procedimento hospitalar, é um
procedimento que ele precisa de uma rotina, de uma constância, então para isso ele
precisa elaborar, às vezes, até elaborar o luto de uma vida mais saudável, mais
independente, (...) então, assim, são coisas que eu acho que precisam ser trabalhadas,
buscando a Psicologia Hospitalar, por ser uma, um campo onde ela é mais diretiva
mesmo, o objetivo está mais focado. (E28)
...a Psicologia Hospitalar, ela está ligada a uma prática em um local mais específico.
Psicologia Hospitalar, quer dizer, em um âmbito hospitalar, em um serviço especializado
(...) pratica a Psicologia Hospitalar, (...) usa os preceitos da Psicologia Hospitalar, ou em
um hospital geral. Isso é a Psicologia Hospitalar. (E16)
É aquela feita dentro dos hospitais ou com pacientes que são oriundos de hospitais
e que não podem ir, por exemplo, ao consultório, que precise de atendimento domiciliar,
por exemplo, mas que são egressos de hospitais, que passam por uma realidade
hospitalar, têm uma vivência hospitalar, uma vivência institucional, um internamento, que
ele tenha feito esse percurso. (E14)
O foco principal da atuação sempre é o paciente, mesmo naqueles que
procuram enfatizar que o lado assistencial não é a única atuação do psicólogo no hospital.
Contudo, de maneira geral, os demais focos de atuação, seja a instituição (humanização,
instigar reflexão, melhorar relações interpessoais), a equipe (orientação, trabalhar
relacionamentos interpessoais, promover reflexões acerca da atuação...) ou a família
(orientação, apoio...), visam, em última instância, ao paciente, a fim de minimizar seu
sofrimento durante o período de tratamento/hospitalização.
...porque se a gente não trabalhar com aquele funcionário, a gente não tem como,
talvez, promover a saúde que a gente quer promover no paciente. Porque se o funcionário
está estressado, se o funcionário não sabe lidar com esse paciente, ele não vai trazer a
saúde para esse paciente. Ele vai deixar esse paciente muito mais estressado. (E8)
Muitos poucos citaram a preocupação com o bem-estar da equipe em si,
oferecendo apoio psicológico, ou melhorando o relacionamento entre os profissionais. Houve
uma psicóloga, por exemplo, que chegou a fazer um trabalho com um grupo de enfermeiros,
que abordava diferentes questões:
71
As dificuldades, entre os colegas, que geram muito conflito (...). Um ambiente
estressante, tinha conflito por nada. As dificuldades que elas tinham, os medos, tudo a
gente trabalhava nessa questão desse grupo (...). Era um grupo mais reflexivo, onde elas
botavam para fora as mágoas, a raiva, os medos, tudo o que elas tinham ali. (E18)
Outra, propôs um tipo diferente de trabalho:
...eu venho à noite um dia na semana só para medir como es o nível de tensão,
para acompanhar um pouco a equipe de enfermagem do internamento à noite. A noite,
normalmente, é o horário mais complicado, porque a equipe não é assistida corretamente,
não tem enfermeiro para todas as alas (...). E normalmente a equipe está menos assistida,
menos cuidada. A idéia de vir um dia à noite é ter esse contato, é ouvir a equipe, é servir
um pouco, é oferecer um pouco dessa escuta, compartilhar com eles, o que é que está
acontecendo de dia, fazer um elo, mesmo, de ligação, para que eles se sintam inseridos
dentro do processo hospitalar todo, então eu acho um desafio trabalhar à noite,
interessante. (E7)
De maneira geral, o que aparece é que não se pode atingir o objetivo do bem-
estar do paciente somente oferecendo apoio psicológico a ele, pois há vários fatores
envolvidos no contexto que o circunda. Os que defendem a importância de se acrescentar o
viés institucional à atuação, criticam a visão “tradicional” da Psicologia Hospitalar, que,
segundo eles, enfoca toda a atuação na assistência ao paciente.
É mais lógico a gente trabalhar na beira do leito, aliviando não problemas do
paciente, mas, muitas vezes, problemas que a própria instituição causa, ou seja, (...)
tomando as mazelas da instituição, servindo como mais um instrumento de dissimulação,
de controle, da instituição, ou a gente deveria, justamente, tentar fazer intervenção nas
lógicas que complicam a situação aqui dentro? Então, seria muito melhor a gente buscar
trabalhar a equipe, buscar trabalhar a lógica da instituição, porque aí não haveria nem
tanta demanda para o atendimento psicológico, indo atrás do prejuízo. A gente, claro,
não descarta o trabalho junto aos pacientes, existem os casos específicos que necessitam,
mas a maior demanda, muitas vezes, é ocasionada pelas falhas daqui. (E15)
...nas nossas discussões, uma visão de que a Psicologia Hospitalar não seria
necessariamente uma Psicologia Institucional, mas ela teria um viés institucional
também. É como se ela abrangesse essa, a Psicologia Hospitalar propriamente dita da
literatura, (...) e também abrangeria um pouco de Psicologia Institucional. (...) Existe
uma separação, dentro da literatura do que seria Psicologia Hospitalar, que estaria
72
muito mais ligada à assistência ao paciente, não tendo essa visão de oferecer assistência
à instituição, aos outros níveis. (E7)
II. Percurso acadêmico
Esse eixo do roteiro englobava questões referentes ao percurso feito pelo profissional
durante sua graduação, desde o local onde esta foi feita, o ano de conclusão, se foi ofertada
matéria específica da área da saúde, em que áreas fez estágio, qual a área da psicologia que
mais lhe interessava durante esse período, etc. Além disso, também foi questionado sobre os
cursos que foram feitos após a graduação, sejam cursos de pós-graduação stricto ou lato
sensu, cursos de formação, aperfeiçoamento...
Além desses dados mais objetivos, também procurei investigar qual a opinião dos
entrevistados quanto à necessidade ou não de se ter uma formação específica para atuar na
área hospitalar, se sentiram dificuldades na prática por algum deficit na formação, e outras
questões levantadas ao longo da nossa conversa.
A. Graduação
Mais da metade dos profissionais fez sua formação em Aracaju, sobretudo na
Universidade Federal de Sergipe (UFS). Entre aqueles que se formaram em outros Estados,
somente quatro não são sergipanos.
Tabela 5 Instituições onde foram feitas as graduações
Instituição Freqüência Porcentagem
UFS 16 56%
UNIT 3 11%
Pio-Décimo 1 4%
Faculdade pública em outro
Estado
5 18%
Faculdade particular em outro
Estado
3 11%
Total 28 100%
O tempo de conclusão da graduação também varia muito, indo de 27 a menos
de um ano. A maior parte, contudo, tem menos de 10 anos de formada.
73
Tabela 6 Tempo de formação
Tempo de formação Freqüência Porcentagem
0 4 anos 11 39%
5 9 anos 11 39%
10 14 anos 2 7%
15 19 anos 3 11%
20 24 anos 0 0
25 29 anos 1 4%
Total 28 100%
Durante a graduação, os estágios curriculares que prevalecem são em
Psicologia Educacional, Psicologia Clínica e Saúde Mental, aparecendo também Psicologia
Hospitalar, Organizacional, Comunitária e Jurídica. Alguns chegaram a fazer estágio
extracurricular em Psicologia Hospitalar.
Apesar de vários citarem disciplinas cujos assuntos tiveram relação com a
Psicologia Hospitalar, somente dez dos entrevistados tiveram ofertada uma disciplina
específica na grade curricular de seu curso, sendo que apenas quatro deles a cursaram.
Tabela 7- Disciplinas relacionadas com a atuação do psicólogo
em hospital, segundo visão dos entrevistados
DISCIPLINAS CITADAS
Noções de Saúde Mental
Psicologia da Saúde
Psicologia e Práticas de Saúde
Psicologia Hospitalar
Psicologia Institucional
Psicologia Social
Psicopatologia
Psicoterapia Fenomenológico-existencial
Psiquiatria
B. Pós-Graduação
Não há unanimidade em relação à necessidade ou não de especialização para
se atuar em hospital. Houve quem defendesse a constante reciclagem na própria psicologia,
independente da área de atuação:
Eu acho que o psicólogo é alguém que deve procurar muitas coisas, no sentido de
ele procurar ter um caminho, uma estrada de terapia, (...) ele precisa ter supervisão, (...)
74
tem sempre que estar se reciclando. Eu acho que isso é uma necessidade de todas as
áreas, mas na área de psicologia, por ser uma área jovem, eu acho que é uma questão
que deve ser mais valorizada ainda. Então o psicólogo deve sempre buscar curso, nunca
parar, ter essa visão de que sempre tem algo a aprender, em vários níveis. (E25)
Outro profissional chegou a dizer que, pelo que ele conhece do programa dos
cursos de especialização em Psicologia Hospitalar, acha que não vale mais a pena fazer, uma
vez que já tem um certo tempo de atuação e o conteúdo programático não difere muito do que
ele já estudou sozinho ou aprendeu na prática:
...não penso em fazer uma especialização em Hospitalar, (...) penso em fazer outras
coisas que possam acrescentar, em Hospitalar, não. Porque Hospitalar, pelo que eu leio
nos currículos, não existe muita coisa que me possa acrescentar. Fora, assim, alguns
programas, algumas matérias, mas o grosso não. (E5)
Ele não é o único a não querer especializar-se em Psicologia Hospitalar.
Alguns dos profissionais comentam que seria melhor voltar-se para uma área mais
abrangente, como a Saúde Pública, por exemplo:
Eu não sei se especificamente especialização em Psicologia Hospitalar, eu penso
em algo mais amplo, tipo Saúde Pública, sabe? Uma coisa mais abrangente. Até porque
eu não sei (...), como eu sou servidora do Estado, eu não sei se eu vou ficar só no hospital,
ou eu posso ir para algum outro órgão diferente, então eu acho que para mim seria mais
válido mesmo um curso mais abrangente. (E10)
Por outro lado, há aqueles que consideram imprescindível ter conhecimento
mais direcionado a essa área de atuação, por considerá-la muito específica:
Porque é complicadíssimo, não tem como, minha gente! É uma área muito, tem que
ter conhecimento muito específico. Não tem como! Senão a pessoa se perde totalmente!
Sabe, você pensar, “não, porque quem é experiente nessa área...” Certo, pegue uma
pessoa que tem vinte anos de formada, quinze anos que está aí no consultório, pegue e a
coloque no hospital para ver se ela sabe fazer! Não vai ajudar, não vai conseguir, porque
tem toda a coisa da lógica do hospital que não vai apreender, não vai saber lidar. Vai
ficar perdido no meio dessa estrutura tão complexa como o hospital. É muito complexa.
(E2)
75
Mas, além disso, para alguns, ainda há o agravante da formação, em que há
muito pouco conteúdo, quando há, de Psicologia Hospitalar:
Mas, na verdade, eu vejo assim: a gente está evoluindo, tem tanta coisa, e olhe o
buraco lá dentro da graduação. Não mexe com a grade, a grade mexe-se muito pouco, e
não melhora a grade para ajudar. Eu acho que isso é uma grande falta. (...) Então, eu
acho que, assim, a graduação é uma parte importante, se as grades melhorarem (...), dar
mais subsídios... Mas eu acho que ainda é buscar muito fora, mesmo, depois que gradua,
cada um tem que correr atrás. Então, curso de especialização, pós-graduação, se a
pessoa quer trabalhar aqui dentro, ela tem que fazer muito mais investimento numa boa
clínica, que é uma base da psicopatologia, mesmo, identificar as questões, e tem que fazer
um curso que seja voltado para as questões que envolvem o hospital, porque o setting é
outro, a técnica é outra... (E6)
No que diz respeito à própria formação dos profissionais, 13 não fizeram
nenhum curso de pós-graduação, e três deles somente têm formação em linha específica da
psicologia.
Tabela 8 Formação acadêmica
Maior nível acadêmico Freqüência Porcentagem
Somente graduação 13 46,4%
Formação específica 3 10,7%
Especialização
51
6 21,4%
Mestrado 1 3,6%
Cursando doutorado 1 3,6%
Cursando algum tipo de pós-
graduação
4 14,3%
Total 28 100%
Pensando em toda a amostra, 19 profissionais mencionaram o desejo de
ampliar sua formação, seja por meio de doutorado (1), mestrado (6), formação em
psicossomática e mestrado (2), ou especialização (11, sendo cinco especificamente em
Psicologia Hospitalar). Um dos psicólogos está cursando o doutorado pela USP, de onde
51
Incluindo aqueles profissionais que conseguiram o título de especialista em Psicologia Hospitalar, pelo CFP,
assim que ele foi instituído, por meio da comprovação de mais de cinco anos de atuação na área. Esse título foi
obtido dessa forma por três psicólogas.
76
também é seu título de mestre, e o outro, que fez mestrado na UFS, já está trabalhando no
projeto de doutorado.
Apesar de não ter sido um tópico abordado diretamente, também foi levantada
a importância de uma formação pessoal, por meio de psicoterapia, como apontado em fala
anterior (E25), sobretudo diante das fortes questões emocionais com que o psicólogo se
depara, todos os dias, no hospital.
III. Experiência profissional
A experiência profissional engloba todas as atividades desempenhadas até então, como
psicólogos, desde sua graduação. Dos entrevistados, 71,4% já tiveram ou têm atuação na área
de Psicologia Clínica, sendo que 13 deles (46,4%), atualmente, possuem consultório
particular. A clínica, ainda, foi a primeira área de atuação profissional na psicologia de seis
deles (25%).
Seis entrevistados entraram no hospital logo após o término da graduação, sendo esse
seu primeiro trabalho na área de psicologia, no qual ingressou ou por indicação de algum
conhecido, ou por concurso público, feito, na maioria dos casos, pela possibilidade de
emprego, e não pelo interesse específico na área.
Somente seis dos 24 psicólogos que hoje estão atuando em hospital em Sergipe têm o
hospital como único local de trabalho. Quinze possuem uma outra área de atuação paralela, a
maioria consultório particular, e três, mais dois locais de trabalho, além do hospital. De uma
forma geral, essa outra atividade decorre da necessidade expressa pelos profissionais de se ter
uma outra fonte de renda, devido à baixa remuneração recebida nos hospitais, queixa presente
na maioria.
Tabela 9 Áreas de atuação dos psicólogos entrevistados, além do hospital
Instituição Freqüência Porcentagem
Clínica 9 32%
Jurídica 3 11%
Educação e Clínica 1 4%
Acadêmica 2 7%
Acadêmica e clínica 1 4%
Educação 2 7%
Somente hospital 6 21%
Não atua no momento em hospital 4 14%
Total 28 100%
77
IV. Atuação em hospital em Sergipe
Este tópico tem como objetivo verificar como se deu o início do trabalho dos
psicólogos em hospitais de Sergipe, que tipo de vínculo trabalhista têm com a instituição em
que atuam, que atividades desempenham, como é a relação com equipe de saúde em que estão
inseridos, qual grau de satisfação com o trabalho, que aspectos consideram como negativos e
positivos da sua atuação em hospital.
A. Inserção
Os psicólogos iniciaram seus trabalhos em hospitais de Sergipe de diferentes
formas, a maioria por meio de concurso público. Destes, somente três tinham interesse direto
na área, os demais prestaram o concurso devido à possibilidade de emprego, sobretudo pelo
vínculo público, apesar de que, atualmente, a maioria pretende continuar na área, pois, com a
prática, começaram a realizar-se.
...surgiu o concurso (...), eu fiz por acaso, assim, também, porque eu estava só no
consultório e gostaria de ter outro vínculo. (...) Eu estou começando a desenvolver
simpatia. Quando a gente vai ter o contato, então eu estou começando a gostar. (...) Eu
nunca tinha pensado, mas depois que eu entrei e depois de comparar, também, às vezes,
muitas vezes a percepção da gente muda em função do referencial de comparação...
[refere-se a outros empregos públicos que teve na área de psicologia, e logo pediu
exoneração]. (E11)
Eu não fiz nada na área de Hospitalar. Nunca! Tinha repúdio (risos). (...) Se tinha
uma coisa que eu pensava que eu nunca ia fazer na minha vida era trabalhar num
hospital. (...) E no início, eu pensava que seria uma coisa temporária, assim que
aparecesse uma oportunidade de trabalhar em outro lugar eu sairia, e deixaria isso aqui,
mas eu percebi que não, que cada dia que passa eu me apego, eu tenho me apegado mais,
eu nunca imaginei... Hoje eu até penso em talvez fazer alguma especialização na área de
Hospitalar! (E7)
78
O convite foi a segunda forma de inserção, em termos de quantidade de
profissionais. Alguns deles, devido ao trabalho desenvolvido durante a graduação, como
estagiário, outros, por conhecimento do responsável pelo serviço.
...não fiquei desempregada nenhum dia. Foi ótimo para mim, porque ele me
contratou lá [onde concluiu a graduação] mesmo: “você vai trabalhar com a gente”.
Então eu já vim, comecei a trabalhar com paciente psiquiátrico, mas aí eu comecei muito
entusiasmada, atendendo e tudo. (...) Eu não tinha muita experiência, porque trabalhava
em hospital, Hospitalar, hospital geral, mas psiquiátrico também tinha e eu aprendi. Eu
fiquei trabalhando um ano, aí vi que não era minha praia, não gostava muito de atender
psiquiátrico... (E3)
Como terceira opção, há a busca própria, seja pela necessidade de emprego, ou
interesse de atuação na área. Em número bem menor há os que realizaram somente trabalhos
voluntários ou conseguiram desvio de função (o emprego original não era na área de
psicologia).
Junto com os concursados, a maioria dos profissionais tem carteira assinada,
com salário fixo. Um recebe salário via cooperativa, outro recebe diretamente do paciente,
pelo trabalho prestado, e um, atualmente, atua como voluntário.
B. Especificidade de atuação
A carga horária varia de 12 a 40 horas semanais, sendo que a maioria dos
psicólogos estava, à época das entrevistas, com 30 horas. Contudo, já obtive informação de
que os concursados pela Secretaria de Estado da Saúde obtiveram redução da carga horária
para 24 horas semanais, como já dito.
Nem todos possuem referencial teórico específico na psicologia, sendo que
somente dez têm formação na abordagem escolhida. Oito deles identificam-se com uma
abordagem, mas sem formação específica, e os demais, ou não abraçam linha específica (4),
ou “privilegiam” determinadas linhas, sem, contudo, se filiar a elas (4).
Na tabela 10, são apresentados os principais referenciais teóricos citados,
mesmo que sem formação específica.
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Tabela 10 Referencial teórico, conforme expresso pelos entrevistados
Instituição Freqüência Porcentagem
Abordagem Centrada na Pessoa 1 4%
Cognitivo-comportamental 3 11%
Esquizoanálise 2 7%
Fenomenológico-existencial 2 7%
Gestalt 4 14%
Humanista 1 4%
Psicanálise 5 18%
Psicodinâmica 1 4%
Psicodrama 5 17%
Sem referencial específico 4 14%
Total 28 100%
No que diz respeito à prática, o foco de atuação, de maneira geral, ocorre com
paciente e família, com uma grande parte afirmando incluir, também, a equipe. Entretanto,
mais ou menos um terço dos entrevistados restringiu-se a comentar sobre a atuação com
paciente, e somente dois entrevistados também falaram da equipe, além do paciente. Os
demais incluíram paciente e família na descrição de sua atuação.
O tipo de atendimento varia, sendo a maioria ainda individual, no internamento
ou no ambulatório. O trabalho com grupos, apesar de muito valorizado, tem sofrido restrições
de diversas naturezas, desde resistência dos próprios participantes à falta de espaço físico ou
desmotivação no trabalho pelos profissionais.
O atendimento atrelado à solicitação médica era uma grande queixa dos
profissionais que atuavam no hospital estadual público. Contudo, como mencionado, houve
uma modificação nessa situação, passando os profissionais a ter liberdade para abordar o
paciente, quando considerassem necessário.
Pensando no tipo de trabalho desempenhado junto aos pacientes, família e
equipe, avaliação e acompanhamento psicológicos e trabalhos de orientação são as principais
atividades realizadas com os pacientes nas diversas instituições, além dos trabalhos
específicos em cada um delas (grupos, visita domiciliar, recreação, cuidados paliativos, etc.).
Quando há trabalho com acompanhantes, este praticamente ocorre em forma de grupo
informativo e de apoio. Nos trabalhos com equipe, também são privilegiados os grupos para
orientação e apoio, além das conversas informais. Somente um dos profissionais fala da oferta
de acompanhamento psicológico individual para funcionários.
80
O local de atuação também é bastante variado: a oncologia é a área que mais
possui psicólogos, sendo seguida pela enfermaria de hospital geral e por hospital psiquiátrico.
Maternidade, UTI adulto, ambulatório, nefrologia, cardiologia e hospital geral também têm
mais de um profissional, enquanto que pediatria, cirurgia bariátrica, pronto-socorro, unidade
de queimados, home care, fissura labiopalatina e o setor de humanização só têm um psicólogo
atuando. profissionais que atuam em mais de uma área: cardiologia e hospital geral,
maternidade e nefrologia, UTI e enfermaria, pronto-socorro e home care, cardiologia e
cirurgia bariátrica.
Ampliar atuação em grupo é uma dos principais projetos para o futuro,
juntamente com organização/fortalecimento do Setor/Departamento de Psicologia e
participação em atividades acadêmicas (cursos, congressos, pesquisas).
C. Relacionamento com equipe
O trabalho em equipe, para Romano (1999a), está relacionado com “um campo
de acolhimento, de subjetivação, em que cada profissional tem um lugar”. Para tal, ela
considera importante que haja abertura para escutar o outro, bem como “humildade, respeito e
(...) disponibilidade para experimentar limites e intervenções em suas idéias”. (p.80)
Muitos dos entrevistados consideram que há bom relacionamento entre eles e
os demais profissionais integrantes da equipe. Algumas vezes, contudo, esse “bom”
relacionamento restringe-se a aspectos pessoais ou aparentes, desaparecendo quando da
intervenção concreta da psicologia.
Enquanto você está ali passando a mão na cabeça do paciente, você é um ótimo
profissional, mas quando você senta com um grupo de outros servidores para discutir
problemáticas da instituição, pronto. (...) Então, assim, quando começa a mexer com a
coisa da instituição, com o institucional, aí você já é um insuflador de rebeliões (risos).
(...) o psicólogo é aquele que acalenta o choro, o psicólogo é aquele que passa a mão na
cabeça... (E10)
[A equipe] via [a psicologia] como fundamental. Encaminhavam, não tinha o
encaminhamento que devia, (...) eles olhavam a gente muito como tapa buraco: “Ah, es
tendo, paciente tal está tendo isso, chama a psicologia, chama a psicologia! A criança
está chorando, chama a psicologia”. Como se a gente fosse lá e fosse resolver, fosse uma
varinha de condão (...) Por isso que eu digo: o trabalho da gente era valorizado, nesse
sentido, por algumas pessoas era. (...) Achavam fundamental, achavam importante, mas
também a gente se via dando murro em ponta de faca (...). Mas ia conquistando ali,
81
conquistando aqui, tentando (...). Todo mundo acha lindo, mas não efetiva, não valoriza
como deve ser valorizada. (E24)
Pôde-se perceber que as dificuldades ainda existem, sobretudo quando há
pouco contato diário entre os profissionais, e depende da visão de cada um, não
necessariamente da profissão. Quanto à relação com os médicos especificamente, há mais
divergência de opinião. De maneira geral, tem-se uma visão negativa, parecendo haver uma
distância, decorrente tanto da pouca presença física deles no hospital, quanto da falta de
disponibilidade para o diálogo:
...os médicos são os profissionais que menos aparecem, que menos conversam, que
menos sabem realmente das necessidades do paciente. (...) Os poucos momentos em que
eles aparecem, estão preocupados em estabelecer um diagnóstico e uma terapêutica
químico-medicamentosa: se ele fizer isso, pensa que já cumpriu seu papel, o restante para
ele não tem a menor importância. (...) Raramente, alguns médicos são exceções, a gente
tem mais acesso, conversa mais, mas são os que estão mais presentes, que se preocupam
com as outras questões, também. Com esses, a gente consegue conversar um pouco, mas
são minoria, são exceções. (...) É coisa pessoal, mesmo, da forma de ser de cada um.
(E13)
...eu acho que cada pessoa é uma pessoa, (...) então eu vejo médicos que estão
muito abertos para essa mudança, [referindo-se ao olhar para subjetividade trazido pela
psicologia para o hospital]. (...) Tem médicos que estão abertos. Tem outros que são mais
resistentes. (E25)
Os médicos já são outra história. Os médicos são os médicos. (...) O acesso
realmente a eles é mais complicado. Alguns não, mas outros sim, mesmo porque os
médicos trabalham em outros lugares, vêm muito pouco, ficam muito pouco tempo com os
pacientes. Ficam muito pouco tempo disponíveis até para participar das reuniões... (E22)
Alguns profissionais chegaram a comentar a desvalorização que sentem, do
restante da equipe, em relação à atuação do psicólogo no hospital, como a visão dos médicos,
em relação à psicologia e o Serviço Social, afirmando que eram maquiagem, ou seja: a
coisa não era necessária, era só enfeite, só para enfeitar, de oba, oba, para dizer que tem.
Com o tempo, entretanto, essa visão foi mudando, a partir dos resultados do trabalho: a gente
conseguiu mostrar muita coisa (E18).
82
Ainda encontramos outras situações: ainda existe essa mentalidade de que
curou fisicamente, está tudo ok (E14); “ah, ser psicólogo é bom, só é bater papo” (fala de um
profissional da equipe para a psicóloga) (E21); eles já gostam dessa piadinha: “psicólogo não
faz nada”, porque o que a gente faz não é visível... (E15); os médicos que vêm de fora, eles
têm mais abertura para a psicologia. (...) Os daqui só me solicitam quando o paciente dá um
“piti” (E3).
Nove profissionais, entretanto, consideram ter uma boa relação com o restante
da equipe, algumas vezes desde o início do trabalho, em outras, conquistada ao longo do
tempo.
No início, é aquela velha interrogação que fica: “o que é que ela está fazendo
aqui?” Depois não, depois, a receptividade, o reconhecimento vinha (...) Ninguém passou
por cima de ninguém, isso aí com certeza, não. Mas é aquela velha coisa: (...) a gente se
impôs. A gente defendeu muito com unhas e dentes a postura, a posição da Psicologia
Hospitalar. Foi de igual pra igual. Não baixava nunca a cabeça não! Não baixava não.
Então dava pra conciliar bem. (E19).
Aqui no hospital, o fato de eu dedicar muito mais horas e ter pouco consultório
começou a fazer a adaptação da minha figura dentro do hospital (...). Aí os médicos
foram se habituando a estar comigo, aí a minha vinda a uma reunião científica já não
perturbava muito. (...) Com isso, popularizou mais a presença do psicólogo dentro da
empresa. (...) [A relação com os médicos] é muito sossegada, hoje é muito tranqüila.
Muitos colegas médicos hoje pedem que eu indique alguém para fazer terapia. Alguns que
não entram em contato diariamente comigo já fizeram terapia [comigo]. Mudou, a visão
mudou. Aí, por exemplo, eventos médicos, a gente vai trabalhar a síndrome de Burnout,
vai trabalhar humanização, então sempre que pôde a gente esteve junto, e eles se
aproximaram, e eles perderam aquele medo de serem avaliados, analisados em tudo...
(E6)
...eles estão interagindo mais. Então, cada vez mais, eles estão chamando a gente
da psicologia para estar participando de mesas, para estar participando de eventos do
hospital... (E25)
... o pessoal sempre foi receptivo, nunca houve nenhuma oposição. (...) Um médico,
quando ele não é da área de saúde mental, ele não vai ver você como ameaça. Ele tem o
papel dele estabelecido, eu não vou ameaçá-lo em nada, ele continua tendo o “seu”
paciente, (...) e não vou interferir na medicação, não vou interferir na conduta dele. Vou
fazer o meu trabalho que é paralelo ao que ele faz! Então, assim, desde o início, não
83
houve problema. E hoje já existe a questão de eu ser, fazer parte já da equipe, de estar
inserida na equipe, de já ter um relacionamento até pessoal muito bom com eles, o que já
favorece... (E2)
Essa boa relação, algumas vezes, ultrapassa o nível profissional:
É uma amizade, assim, muito boa, muito gostosa, cada um respeita o trabalho do
outro (...). Se a equipe não se desse bem, o grupo não estaria junto até hoje, eu digo isso
com certeza. (...) Mas, assim, a aceitação do trabalho da gente é muito importante, é
muito legal. (...) A integração da equipe também, a amizade, mesmo a trancos e
barrancos, com todos os tipos de problemas, a gente ainda consegue manter um vínculo
de amizade, que é necessário. Não dá para ter um trabalho neutro, distante, de cada
profissional. (...) Não dá, porque é a caracterização da amizade, a amizade faz parte e é
necessária, eu acho. Uma equipe multidisciplinar onde as pessoas não são amigas, eu
acho que não funciona. Isso é importante. (...) Então tem essa preocupação, em que os
laços de amizade acabaram por se constituir no ambiente de trabalho, mas é importante...
(E1)
V. Aspectos positivos e negativos do trabalho em hospital
Em geral, os aspectos positivos da atuação no hospital relacionam-se aos pacientes,
seja pelo acompanhamento de sua melhora, seja pelo reconhecimento destes em relação ao
trabalho do psicólogo. Sentir-se participante da recuperação do paciente também é algo
trazido como uma das grandes alegrias, junto com a possibilidade de realizar um bom trabalho
em equipe, e o fato de a atuação lhe trazer grande aprendizado, seja pessoal, seja profissional.
...a maior recompensa que a gente tem é daquele paciente que chega para você, ou
aquela família, mesmo depois que o paciente foi a óbito, chega para você e diz “puxa,
como você foi importante naquele momento!”. É, acho que é quando você vê que o seu
trabalho foi reconhecido... (E10)
...cada dia você aprende com os pacientes, com a vontade deles, eles são fortes.
(...) Antes de trabalhar na oncologia, qualquer probleminha fazia um problemão! “Aí,
meu Deus”. Agora não, agora eu vivo a vida a cada dia, tudo agradeço, a Deus, a família
(...). É uma lição de vida, eu adoro, eu aprendo demais com eles. (...) Eu acho que, como
experiência de vida, para mim, trabalhar no hospital, eu gosto muito. (...) Para mim é
fundamental. (E3)
84
...a gente, enquanto mediador, surtiu muito efeito, na equipe, no paciente, surtiu
muito efeito. A gente poder fazer o mínimo, que, para a gente, “puxa, é tão pouco!” E
surtir, ver esse efeito... (E24)
...as alegrias são muito grandes de ver, a gente chega aqui, e vê o paciente
melhorando, vê o paciente evoluindo, ficando mais tranqüilo, mais consciente que tem
uma doença, que precisa se cuidar, precisa tomar uma medicação ( E21)
...eu acho que alegria é quando a gente vê a equipe bem, quando a gente vê o
paciente bem, indo para casa, às vezes é coisa tola, também, é quando um paciente morre
bem, (...) porque o médico acompanhou direito o paciente, (...) porque a gente pôde fazer
um preparo para uma cirurgia bem, (...) às vezes é coisa tola, não é nada, às vezes,
grandioso, (...) não é só cura que deixa a gente feliz ... (E7)
Eu acho que alegria é você sentir que você contribuiu para aquela pessoa que
chegou muito enferma, ou muito desarrumada, e ela saia valorizando a saúde dela e a
vida dela. Que faça alguma diferença ela tendo ficado alguns dias aqui. (E6)
Ver o resultado da atuação é o que mais gratifica o profissional. Praticamente todos
comentaram a satisfação de ver a melhora do paciente, mesmo quando não houve sua ação
direta, denotando um envolvimento afetivo com o trabalho. E essa afetividade é algo que
chama a atenção em algumas falas:
...a cada exoneração [vínculo público em outras áreas] (...) eu sentia que a
afetividade crescia pelo hospital. (E11)
Eu me apaixonei pela Psicologia Hospitalar nos livros, pela teoria. Mas quando eu
fui para a prática, continuo achando, assim, apaixonante, mas ela é difícil, estava
falando hoje para uma estagiária que você tem que gostar, como todas as outras
profissões, mas não é só gostar, você tem que conseguir se adaptar. (...) É o dia-a-dia
mesmo, assim, do trabalho, ele é, é como eu estava te falando, é um trabalho, você tem
que gostar, que você tem que estar apaixonada, assim, porque é cansativo,
emocionalmente ele é realmente cansativo (E12)
...eu gosto muito, sinto-me muito feliz, sinto-me honrada de trabalhar aqui, me
sinto o máximo, nunca pensei que eu fosse sentir isso, jamais, foi uma coisa
surpreendente, ter amado o hospital, ter me apaixonado pelo hospital, foi muito
surpreendente, eu acho que eu quero, sim, ser psicóloga hospitalar para sempre! (E7)
85
...minha paixão é, depois, fazer uma [especialização] de Hospitalar. (...) Eu pensei
mesmo em largar, mas, ao mesmo tempo, sou apaixonada. (E24)
...cada vez mais eu fui me apaixonando... (E12)
No que diz respeito aos aspectos negativos, estes se relacionam, sobretudo, a questões
institucionais, à própria estrutura física do local de atuação e à equipe. Quanto à instituição, os
psicólogos ainda sentem muita desvalorização de seu trabalho, com poucos investimentos no
profissional, questões burocráticas que limitam o exercício, além da baixa remuneração, fator
que leva muitos a pensarem em desistir da área.
Algumas dificuldades, às vezes, é a falta de medicação, que já se tem pouco, os
embates institucionais, o salário baixo, que faz, às vezes, a gente ter que fazer
malabarismo, correndo de um lado para outro, para conseguir sustentar a família, os
sonhos. A família ainda dá para sustentar, os sonhos, esses, é complicadíssimo... (E7)
Eu pensei em desistir da psicologia, sabe? Pensei em fazer enfermagem, por conta
que a psicologia é tão difícil... (...) Questão mais financeira. A gente, se a gente fizer um
concurso, a gente não tem um piso [salarial], mesmo. (E24)
As dificuldades: os poucos investimentos que ainda as instituições fazem conosco
aqui dentro, não nos tratam como deveríamos ser tratados a nível de salário profissional.
(E6)
A estrutura de trabalho também não é muito favorável, muitas vezes com falta de
material e espaço físico adequado, bem como aspectos relacionados à equipe, desde a postura
inadequada de alguns profissionais, à falta de diálogo, sobretudo com os médicos,
dificultando o trabalho em equipe.
...o trabalho do psicólogo em hospital psiquiátrico, eu acho muito cruel, falta
espaço (...), falta material, falta reconhecimento, falta o sentido de trabalho em conjunto,
médico, psicólogo, enfermeiro, assistente social (...) Questões institucionais, mesmo, falta
de espaço, quando tem espaço, não tem material; quando tem material, não tem espaço.
É bastante complicado. (E21)
Dificuldades é a questão da falta de material, de recursos, mesmo, a gente percebe
muito nessas instituições. (...) Não existe um investimento para o profissional trabalhar
num espaço melhor, para você oferecer um melhor atendimento. (E27)
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Tristezas, (risos) bom, é triste você tentar, você estar elaborando, estar montando
um trabalho, e a sensação que a gente tem, que eu tenho, e que eu sei que muitos colegas
compartilham disso, é de estar dando murro em ponta de faca. (...) Muitos projetos que a
gente idealizou são inviabilizados por conta da falta de um espaço físico... (E10)
Outras dificuldades dizem respeito ao próprio relacionamento com a equipe:
As maiores dificuldades são a gente, às vezes, não ser ouvida, maior dificuldade, às
vezes, é o outro que impõe, e a gente também, maior dificuldade, às vezes, é não ter com
quem falar, não se sentir plenamente à vontade para falar algumas coisas... (E7)
Alguns também trouxeram questões relacionadas ao isolamento do psicólogo, com a
existência de pouco diálogo com outros profissionais da área ou com instituições de ensino.
Eu sinto muita falta de integração dos profissionais. Eu vejo os psicólogos muito
isolados. Nós, psicólogos somos seres muito isolados. (...) Eu sinto falta de saber o que é
que está acontecendo no hospital x, o que é que está acontecendo no hospital y,
como é que um pode ajudar o outro. (...) Mas eu pensei isso agora, ainda não discuti com
os colegas não, mas, assim, esse isolamento dos psicólogos... Eu acho que a gente seria
mais feliz, se a gente fosse mais unido. (risos) ( E10)
Ou à própria psicologia enquanto área de conhecimento:
A psicologia precisa passar por uma crítica epistemológica, antes de tentar
aplicar. Você vai aplicar o quê, se você não se definiu ainda? Ou você se torna alienado,
mesmo, e aplica aquele modelo tradicional, que é mais fácil, aquilo ali, aquelas
regrinhas. Então, assim, a psicologia está nessa confusão hoje, eu acho que a psicologia
precisa de uma crítica epistemológica profunda, das suas bases, da sua compreensão no
fenômeno psicológico, principalmente, e aí advém a compreensão de doença, de saúde, de
uma série de coisas. (...) Às vezes a pessoa sabe que deveria, como poderia, tem n
projetos, mas não consegue colocar em prática nenhum, porque o contexto não permite.
Primeiro teria que trabalhar essa questão do modelo biologicista, mesmo, de saúde e de
doença, teria que se colocar isso em questão, em discussão... (E13)
Neste capítulo, tentei apresentar os psicólogos entrevistados, de uma maneira mais
ampla, pensando-os realmente como um grupo que representa a atuação da psicologia nos
87
hospitais de Sergipe, e não como profissionais isolados, cada um com seu ponto de vista. E
pensando nessa “Psicologia” construída em Sergipe é que foi elaborado o capítulo seguinte,
em que são expostas algumas considerações levantadas ao longo de todo o trabalho, por meio
de um diálogo com outros estudos semelhantes, realizados em diferentes locais; da construção
de uma cronologia da inserção de psicólogos em hospitais de Sergipe; e de reflexões, críticas
e algumas perspectivas quanto à presença e postura da psicologia nas instituições hospitalares.
88
4. A psicologia nos hospitais de Sergipe: passado, presente, futuro
A partir de todas as informações obtidas ao longo deste estudo, seja por meio das
entrevistas realizadas, ou a partir da bibliografia, entrando em contato com vários autores que
discorrem sobre a instituição hospitalar, a história da psicologia, ou a própria atuação de
psicólogos em hospitais, pretendo, neste capítulo, completar os dados expostos no anterior,
por meio de um diálogo entre estes e outros obtidos em pesquisas feitas em diferentes locais
do país, de modo a identificar ou não uma especificidade na psicologia presente nos hospitais
sergipanos.
Em um segundo momento, apresento uma cronologia da inserção dos psicólogos nos
hospitais de Sergipe, traçada com vistas a apresentar o processo dessa inserção e possibilitar o
conhecimento do percurso que vem tomando essa área de atuação, nesse Estado, ao longo do
tempo.
Por fim, a partir do diálogo com outros autores, sugiro algumas reflexões, levantando
questionamentos sobre o lugar em que o psicólogo se coloca diante da instituição e da equipe
de saúde em que trabalha, além de pensar em algumas perspectivas e desafios futuros para sua
atuação. O objetivo aqui não é esgotar o tema, nem trazer respostas prontas, mas suscitar o
leitor, de modo especial o psicólogo que atua na área de saúde, a refletir sobre esses
questionamentos, levando-os para sua própria prática cotidiana.
4.1. Psicólogos em hospitais: um diálogo entre diferentes contextos
Neste momento, gostaria de fazer uma discussão dos dados apresentados
anteriormente, também por meio da comparação destes com aqueles obtidos em estudos
realizados em outros Estados, ou até a nível nacional
52
. Para tal, vou me utilizar somente dos
dados fornecidos pelos profissionais que estão atuando hoje em hospitais de Sergipe, no total
de 24, excluindo dessa comparação aqueles que foram entrevistados, mas que, no momento,
não estão atuando na área, uma vez que os estudos com os quais vou fazer as correlações
dizem respeito a psicólogos que estavam trabalhando em hospitais na época da pesquisa.
Devemos levar em conta, também, a diferença de tempo entre os estudos, podendo os dados
aqui apresentados ter sofrido mudanças, o que, entretanto, não invalida a possibilidade de
52
Os estudos utilizados aqui foram o de Marcon, Luna & Lisbôa (2004), realizado no ano de 1999, na Grande
Florianópolis; Yamamoto, Trindade e Oliveira (2002), no Rio Grande do Norte; Seidl e Costa (1999), no Distrito
Federal; Lamosa (1987), a nível nacional; e a pesquisa do Ibope (2004) com 2000 psicólogos inscritos no
Conselho Federal de Psicologia.
89
discussão entre eles, já que o objetivo maior é utilizar os dados como ponto de partida para as
discussões, e não apresentar interpretações conclusivas.
Esclarecidos esses pontos, inicio a apresentação preliminar das pesquisas. Em Sergipe,
foram 12 as instituições com a presença de psicólogos, sendo que aqui serão consideradas
dez, devido ao fato de que duas delas somente cediam ou alugavam sala para consultório
particular. Essas dez instituições representam 25% dos hospitais do Estado, e 46,4% daqueles
localizados na capital, Aracaju. O total de psicólogos que atua nessas instituições, atualmente,
são 27, mas só foram entrevistados 24, perfazendo o total de 88,9% dos profissionais. No
estudo realizado por Marcon, Luna e Lisbôa (2004), foram levantadas 17 instituições na
Grande Florianópolis, sendo que em dez delas (58,8%) havia 30 psicólogos atuando, enquanto
que, no Rio Grande do Norte, somente 19% dos hospitais não-psiquiátricos do Estado
contavam com a presença do psicólogo (Yamamoto, Trindade e Oliveira, 2002), com um total
de 42 profissionais.
O levantamento feito no Distrito Federal apresenta uma particularidade em relação aos
demais, pois tinha como campo de estudo a rede pública de saúde, não se restringindo a
hospitais, nem incluindo instituições particulares. Entretanto, uma vez que 78,2% dos
psicólogos entrevistados atuavam em hospitais, acredito que os dados encontrados por eles
podem contribuir para o enriquecimento de nossas discussões. Além disso, nos outros estudos,
incluindo a presente pesquisa, era nas instituições públicas onde a maioria dos psicólogos
atuava.
Levando-se em consideração os profissionais que participaram das pesquisas, Sergipe
foi o local que apresentou a menor porcentagem de mulheres, apesar de estas representarem a
maioria em todos eles, o que parece ser característica da própria profissão, no Brasil: na
última pesquisa realizada, havia 91% de mulheres entre os inscritos no Conselho Federal de
Psicologia (Ibope, 2004), e naquela de 2000 (Who, 2000), esse percentual era de 92,2%, ou
seja, não houve grandes mudanças.
Tabela 11 Presença de mulheres entre os psicólogos que atuam em instituições de saúde
Local da pesquisa Porcentagem
Distrito Federal 95%
Grande Florianópolis 90%
Rio Grande do Norte 80%
Sergipe 75%
90
No que diz respeito à idade, pode-se perceber que, à época dos estudos aqui apontados,
sempre havia predominância de profissionais jovens, em geral com menos de 35 anos de
idade, o que é concorde com os profissionais de Sergipe. Em 1987, escreve Lamosa na sua
tese de doutorado, considerada como o primeiro levantamento dos psicólogos que atuam em
hospitais no Brasil: “o psicólogo clínico que trabalha em hospitais no Brasil caracteriza-se por
ser: do sexo feminino, jovem profissionalmente, isto é, recém-formado e de menos de 35 anos
de idade. Tem pouca ou nenhuma mobilidade geográfica, ou seja, onde nasce, trabalha”.
(Lamosa, 1987, p. 86)
E foi exatamente isso o encontrado nos estudos realizados em 1999, em Santa Catarina
e Brasília; em 2002, no Rio Grande do Norte; e em 2005, em Sergipe. Interessante essa
constatação. Seria a Psicologia Hospitalar uma área eminentemente de jovens profissionais,
egressos de instituições de ensino no próprio Estado onde trabalham? Para respondermos
esses questionamentos seriam precisos novos estudos que atualizassem os dados obtidos até
então, uma vez que, tanto o trabalho do Distrito Federal quanto o de Santa Catarina, por
exemplo, têm mais de cinco anos, e não sabemos se os profissionais continuam atuando em
hospital, ou sram e novamente assumiram seus lugares psicólogos mais jovens.
Quanto à graduação, neste nosso estudo, 70,8% dos profissionais a cursaram em
faculdades no próprio Estado, a maioria na Universidade Federal. Também no estudo de
Yamamoto, Trindade e Oliveira (2002), a maioria dos profissionais (76%) tinha estudado na
universidade federal do local, no caso a Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
nessa época, única do Estado com curso de psicologia mais uma vez indo ao encontro dos
dados obtidos por Lamosa, em 1987.
O tempo de formação varia, concentrando-se nos primeiros dez anos, reduzindo de
forma acentuada a quantidade de profissionais cuja graduação ocorreu há mais de dez anos.
No Distrito Federal, esse quadro fica um pouco mais equilibrado, com praticamente metade
dos profissionais tendo graduação há menos de uma década. Talvez esse resultado decorra do
fato de que as instituições incluídas nessa pesquisa eram públicas e, portanto, deviam oferecer
uma maior estabilidade do emprego, tendo funcionários com mais tempo de atuação, além de
participarem, desse estudo, centros de saúde, que também incluem o atendimento à área de
psiquiatria, em que o psicólogo está inserido há mais tempo do que em hospitais gerais.
Considero esse dado um ponto interessante, levando-nos a pensar em algumas
possibilidades: para o recém-formado, trabalhar em hospital seria a oportunidade de um
trabalho com remuneração fixa, além de o concurso público, muito presente na área de saúde,
trazer a estabilidade no emprego. Além disso, talvez um profissional que já se tenha
91
estabelecido na área não queira mais submeter-se a um baixo salário, questão que apareceu
com muita freqüência nos aspectos negativos dessa área de atuação. Romano (1999) fala que,
muitas vezes, o exercício profissional do psicólogo na área de saúde é visto como um “mal
necessário” para o recém-formado adquirir experiência, e ainda traz a visão de um outro
autor: “Gianotti (1993) afirma que só os recém-formados concordam em sobreviver com os
salários pagos pelas instituições, que os mais experientes voltam-se para o exercício liberal”
(Romano, 1999, p.87). No seu estudo, contudo, Romano (1999, p.111) verificou que tem
havido uma “continuidade do exercício profissional” dos psicólogos em hospitais, que
buscam “formas complementares de proventos”, para suprir os baixos salários.
Realmente, a atuação em hospital não era a única atividade profissional para a maioria
dos psicólogos que participaram dos estudos aqui comentados. Somente no Distrito Federal
houve um resultado inferior a 50%, mas esse estudo incluiu também psicólogos que atuam em
centros de saúde, como já dito. Na Grande Florianópolis, 80% dos profissionais exerciam uma
outra atividade paralela; em Sergipe, 75% e, no Rio Grande do Norte, 64%
O consultório particular é a atividade mais desempenhada paralelamente à atuação no
hospital, e de forma bem parecida nos diferentes locais. Em Sergipe, encontramos o
percentual de 42,7% dos profissionais; no Distrito Federal e no Rio Grande do Norte, 43,5% e
44% respectivamente. Diante disso, parece-nos, como nos diz Seidl e Costa Jr. (1999, p. 34),
que “a psicologia da saúde vem sendo construída, prioritariamente, por profissionais com
experiência em clínica e/ou egressos da psicologia clínica”. Em Sergipe, 50% dos
entrevistados começaram sua atuação profissional em consultório particular, e 25% teve o
hospital como primeira área de atuação. No Rio Grande do Norte, encontramos um maior
número de profissionais (48%) que teve o hospital como primeiro local de emprego. Estudo
do CFP de 1994 (Achcar, 1994) também aponta o movimento da Clínica para a Saúde,
destacando a preocupação, por parte dos psicólogos, com atuações que levem em conta o
contexto social.
Na pesquisa realizada pelo Ibope (2004), 55% dos psicólogos têm o atendimento
clínico individual ou em grupo como principal área de atuação na psicologia, sendo que 41%
dos entrevistados exercem sua principal função em consultório, enquanto somente 4% a
exercem em hospital.
Voltando para o período de graduação, dos psicólogos entrevistados em Florianópolis,
50% havia feito estágio em hospital, contra 20,8% em Sergipe e 36% no Rio Grande do
Norte, o que sinaliza um começo do interesse pela área, saindo da tradicional escolha entre
Clínica, Escola ou Organização.
92
Somente pouco mais da metade dos entrevistados continuaram seus estudos após a
graduação, incluindo aqueles que estão estudando atualmente e também aqueles que fizeram
ou estão fazendo formação em alguma linha de psicoterapia (42,85% daqueles que têm
alguma pós-graduação). Esse resultado não difere muito daquele obtido com a pesquisa
realizada pelo Ibope (2004) sobre o perfil do psicólogo brasileiro, em que se encontrou a
porcentagem de 42% psicólogos sem cursos de pós-graduação, de uma amostra de 2000
psicólogos, representantes dos inscritos no Conselho Federal de Psicologia, o que já
demonstra uma redução, já que em 1987 (Lamosa), 57,78% era a proporção de psicólogos
somente com a graduação. Esse índice ainda caiu para 20%, no estudo feito no Rio Grande do
Norte.
Gostaria de destacar que, dos 11 profissionais que possuem cursos de pós-graduação
em Sergipe, somente cinco desses cursos são relacionados com a área de saúde: uma
profissional tem especialização em Psicologia Hospitalar; outro fez mestrado, está cursando
doutorado com tema voltado à área de saúde, e especialização em Psicologia Hospitalar; e as
outras três não fizeram cursos, mas têm o título de especialista pelo CFP, conseguido devido
ao tempo de trabalho na área.
A falta de capacitação dos profissionais para atuarem na área hospitalar é uma questão
muito levantada pelos autores. Lamosa (1987, p.86) já apontava para a necessidade de
“subsídios teóricos e práticos para o desempenho na área hospitalar”, afirmando que essa
constatação levaria “o psicólogo clínico que atua em hospitais a matricular-se em programas
de pós-graduação, a fim de suprir suas deficiências acadêmicas”.
Todos os estudos chegaram à conclusão de que a maioria dos profissionais que atua
em hospitais não havia recebido formação específica na área de saúde. No estudo de Marcon,
Luna e Lisbôa (2004), por exemplo, apresentou-se que as faculdades da Grande Florianópolis
somente há pouco tempo incluíram disciplinas específicas, mesmo já havendo oferta de
estágios por alguns hospitais.
Seidl e Costa Jr. (1999, p.28) apontam que, apesar da crescente inserção do psicólogo
nos serviços de saúde no Brasil, ainda há “grande defasagem entre as necessidades e as
demandas da população e os serviços oferecidos por estes profissionais”, também decorrente
da falta de capacitação destes para uma atuação eficaz no sistema de saúde. Yamamoto,
Oliveira e Trindade (2002) também consideram que “a formação proporcionada pela
universidade é deficiente e que uma complementação nas diversas formas de estudos pós-
graduados e supervisões é necessária”. (p.240)
93
E essa falta de formação específica parece ser sentida pelos profissionais. Na pesquisa
de Romano (1997), os psicólogos defendiam a importância “de um corpo de conhecimentos
específicos (complementares ao saber psicológico) para a atuação na área fundamentais para
esta particularização de atividades (...), além de integrá-lo ao grupo da saúde através de
conhecimentos e linguagem comuns”. (p.125)
Seidl e Costa Jr. (1999, p.32) também comentam que todos os profissionais que
participaram de sua pesquisa no Distrito Federal afirmam sentir necessidade de “treinamento
específico com objetivo de proporcionar o aperfeiçoamento de sua atuação profissional”,
demonstrando “interesse por estudar diferentes temas da psicologia aplicados à saúde”.
No Rio Grande do Norte, de maneira geral, os profissionais consideraram sua
formação falha durante a graduação, não sendo suficiente para atuar no hospital. Os autores
comentam o “caráter maciçamente ‘teórico’ da graduação e [as] ênfases curriculares que
refletiriam formações generalistas versus especializadas” (p.224). Em Sergipe, o quadro não é
diferente: a maioria dos psicólogos também concorda com a necessidade de se ter formação
específica após a graduação, ou paralelamente a esta, já que ela não oferece subsídios para a
atuação do psicólogo em hospital. Há também, embora minoria, aqueles que defendem que o
estudo da psicologia, de forma generalista, seria suficiente para que se pudesse atuar em
qualquer local, e que as várias especializações contribuiriam para uma fragmentação da área,
indo ao encontro de autores como Yamamoto, Oliveira e Trindade (2002) e Starling (2002),
que, como já apresentado, tecem críticas às especializações, comentando o perigo de as
especialidades “fragmentarem”, “pulverizarem” ou “desarticularem” o conhecimento na
psicologia.
Podemos nos questionar: se não há a formação necessária, nem se tem muito contato
com a área durante a graduação, o que levaria os profissionais a optarem por esse campo de
trabalho? De fato, o interesse intrínseco pelo trabalho em si não é o que leva a maioria dos
psicólogos a trabalhar em hospital. É interessante perceber que, de forma geral, tanto em
Sergipe quanto no Rio Grande do Norte, praticamente 50 % dos profissionais ingressaram na
área pelo que Yamamoto, Trindade e Oliveira (2002) chamam de “circunstâncias fortuitas”,
como a possibilidade de emprego via concurso público, indicação de amigos ou convite. As
porcentagens encontradas em Sergipe e Rio Grande do Norte dos profissionais que optaram
pela área por esses motivos são, respectivamente, 45,83% e 48%. A área em si era de
interesse específico de 41,67% dos profissionais de Sergipe e 44% daqueles do Rio Grande do
Norte, portanto um quadro muito semelhante.
94
No Distrito Federal, já se encontra uma outra situação, pois 80,4 % dos profissionais
afirmam que se interessavam pela Saúde desde a graduação, mas não especificam se seria o
hospital o local de preferência para atuarem. Entretanto, somente 47,8% não concordam que
“a escolha pela atuação em saúde decorreu das facilidades do mercado de trabalho”. (Seidl e
Costa Jr., 1999, p.32)
Quanto ao tempo de atuação no hospital, é interessante perceber que, na época em que
foi feito cada estudo, mais uma vez os números a que se chegaram foram muito parecidos,
tanto em Sergipe, quanto Florianópolis, Rio Grande do Norte e Distrito Federal, em que a
inserção da maioria dos psicólogos em hospitais se tinha dado há menos de seis anos.
Marcon, Luna e Lisbôa (2004) acreditam que essa inserção recente do psicólogo em
hospitais da grande Florianópolis demonstra “o processo de construção em que se encontra a
Psicologia nos hospitais da região” (p. 34). Yamamoto, Trindade e Oliveira (2002) comentam
que “a absorção dos profissionais pelos hospitais potiguares tem uma tendência ascendente”
(p.229). Essa impressão também foi obtida neste estudo, pois, como será apresentado na
cronologia traçada, a cada ano, a partir de 2000, cresce o número de psicólogos atuando em
hospitais de Sergipe.
Entrando na especificidade da atuação dentro dos hospitais, temos algumas
possibilidades como constituindo o foco de atenção: paciente, família/acompanhante, equipe e
instituição. Em Sergipe, constatou-se que o foco principal da atuação sempre é o paciente,
mesmo naqueles que procuram enfatizar que o lado assistencial não é a única atuação do
psicólogo no hospital. Contudo, de maneira geral, os demais focos de atuação, seja a
instituição (humanização, instigar reflexão, melhorar relações interpessoais), a equipe
(orientação, trabalhar relacionamentos interpessoais, promover reflexões acerca da atuação...)
ou a família (orientação, apoio...), visam, em última instância, ao paciente, a fim de minimizar
seu sofrimento durante o período de tratamento/hospitalização. Mais ou menos um terço dos
entrevistados restringiu-se a especificar a atuação com o paciente, apesar de dizer que não é
esta a única população atendida, e somente dois entrevistados também falaram da equipe,
além do paciente. Os demais incluíram paciente e família na descrição de sua atuação.
Tabela 12: Alvos do trabalho do psicólogo nos hospitais do Rio Grande do Norte e em Sergipe
Local Paciente Família Equipe Instituição
Rio Grande do Norte 96% 72% 64% 36%
Sergipe 100% 75% 41,67% 4,16%
95
Seidl e Costa Jr. (1999) dividem em dois os modelos de atuação: o modelo clínico,
em que o psicólogo delimita o espaço físico para sua atuação, geralmente ocorrendo em sala
do Serviço de Psicologia, com pouca interação com a equipe. Nesse modelo, o foco da
atuação ocorre exclusivamente com o paciente e há uma ênfase na intervenção psicoterápica,
individual ou em grupo. O outro modelo seria o biopsicossocial ou de atenção integral à
saúde, com atuação em diversos espaços: o psicólogo estaria “presente onde a atuação fosse
necessária” (p.31). Há trabalho em conjunto com a equipe, as intervenções ocorrem tanto com
o paciente quanto com a família e a instituição/comunidade, e as ações seriam bem
diversificadas: aconselhamento, orientação, preparação pré e pós-cirúrgica, atividades
educativas, intervenção breve, visitas domiciliares...
Nessa classificação, 67,4% dos profissionais do Distrito Federal atuam baseados no
modelo biopsicossocial. Seidl e Costa Jr. (1999) encontraram relação entre esse grupo e um
maior envolvimento com pesquisa, apresentação de trabalhos em eventos, formação em nível
de pós-graduação e um caráter interdisciplinar da equipe:os psicólogos que pautam sua
prática neste modelo parecem estar indo além da atuação profissional, buscando contribuir
para a consolidação de um corpo teórico-prático da psicologia aplicada à saúde”. (p.34)
Apesar de não ter realizado um estudo quantitativo, procurei transpor essa
classificação para esta pesquisa, a fim de tentar localizar os profissionais em um ou outro
modelo. Dessa forma, no que diz respeito ao local de atuação, todos os entrevistados atuam
em diferentes locais, como enfermarias, unidades de terapia intensiva, ou a própria casa de
pacientes. Os tipos de intervenção também se encaixam no modelo biopsicossocial, pois
incluem orientações, preparações para cirurgias, aconselhamento, visitas domiciliares, entre
outros. O foco de atuação varia, mas, em geral, inclui pacientes e orientações ou apoio à
família, e a ênfase na instituição é feita por somente um profissional. Entretanto, a interação
com a equipe ainda precisa ser intensificada, pois geralmente limita-se a encontros
esporádicos nos corredores, praticamente não havendo trabalho interdisciplinar. Diante disso,
pode-se considerar a existência de uma maior inclinação para o modelo biopsicossocial,
apesar de coexistirem, ainda, vários traços do modelo clínico. Na Grande Florianópolis, os
autores consideravam haver uma predominância do modelo clínico de atuação, já apontando,
entretanto, para uma transição para o biopsicossocial (Marcon, Luna e Lisbôa, 2004).
Essa passagem para um modelo de atenção integral à saúde é algo extremamente
positivo, uma vez que já se sabe que a simples transposição do modelo clínico para o hospital
não oferece meios para o profissional oferecer um bom trabalho. Yamamoto, Oliveira e
Trindade (2002) apontam para a necessidade de desenvolvimento de “novas modalidades de
96
ação”, além do cuidado que os profissionais devem tomar, quando da “transposição de
recursos clínicos tradicionais para a realidade dos hospitais” (p.242). Diante disso, Seidl e
Costa Jr. (1999) consideram o resultado encontrado entre os psicólogos de Brasília como
“surpreendente e promissor” (p.34), por o hospital ser visto como um novo contexto, com
novos desafios, não podendo, portanto, ser usado o modelo de consultório. Uma questão
importante a ser levada em conta, também, é que “aspectos organizacionais parecem facilitar
ou dificultar o modo de atuação do psicólogo” (Seidl e Costa Jr., 1999, p.34), o que nos
lembra que nem sempre o profissional consegue atuar da maneira como considera mais
adequada.
Uma outra divisão das atividades foi feita por Yamamoto, Oliveira e Trindade (2002),
que agruparam as diversas atuações em três blocos: atividades psicoterápicas, de
orientação/aconselhamento e avaliação psicológica
53
. Dos psicólogos que participaram da
pesquisa, realizam atividades psicoterápicas com pacientes 96% no Rio Grande do Norte e
87,5% em Sergipe; orientação e aconselhamento para pacientes, 60% no Rio Grande do Norte
e 62,5% em Sergipe. A avaliação psicológica é uma atividade menos desempenhada pelos
psicólogos em Sergipe (29,17%) que por aqueles no Rio Grande do Norte (aproximadamente
50%). Segundo os autores da pesquisa no Rio Grande do Norte, os dados obtidos por eles
indicam a “utilização de recursos tradicionais para enfrentar situações pouco usuais na prática
clínica convencional” (Yamamoto, Oliveira e Trindade, 2002, p.232), o que nos leva a pensar
que os psicólogos desse Estado também têm ações pautadas mais no modelo clínico que no
biopsicossocial, o que é reforçado pelo referencial teórico, que também aponta para essa
ênfase no modelo clínico: aquele mais utilizado entre os profissionais da Grande Florianópolis
e do Rio Grande do Norte foi a psicanálise. Em Sergipe, por sua vez, a Psicanálise, a Gestalt e
o Psicodrama tiveram proporções iguais (16,6%) entre os profissionais, e juntos congregam
metade dos psicólogos entrevistados.
Saindo um pouco do tipo e pensando no local de atuação, sabemos que os hospitais
são divididos em várias alas: enfermaria, ambulatório, unidades de terapia intensiva (UTI),
serviços de emergência... Alguns profissionais restringem ou priorizam o exercício de sua
atividade em um ou mais desses locais. Em Sergipe, as enfermarias são as alas que mais são
assistidas pelos psicólogos, ou exclusivamente (20%), ou em paralelo com outras, como
53
Atividades psicoterápicas incluem a psicoterapia “em suas diversas modalidades (breve, de apoio, individual
ou grupal)”. Orientação/aconselhamento correspondem às atividades com “grupos informativos, trabalhos de pré
e pós-cirurgia, preparação para diagnóstico, esclarecimentos diversos e aconselhamento psicológico”. Por fim, a
avaliação psicológica inclui “psicodiagnósticos, elaboração de pareceres, triagens”. (Yamamoto, Oliveira e
Trindade, 2002, p. 232)
97
ambulatório e visita domiciliar (12,5%), somente ambulatório (16,6%) ou UTI (12,5%). No
Rio Grande do Norte, 76% dos profissionais atuam em ambulatório ou sala específica, e 71%
atendem nas enfermarias. Já na Grande Florianópolis, há uma divisão mais ou menos
equilibrada entre profissionais que atuam em ambulatório e enfermaria (23,3%), somente
enfermaria (20%) ou somente ambulatório (20%). No Distrito Federal, entre os psicólogos
que atuam em hospitais, a maioria também atua em ambulatório e enfermaria, sendo “quase
nula” (Seidl e Costa Jr., 1999) a atuação em UTI e serviços de emergência.
Dentro dessas alas, ainda temos a divisão por especialidades médicas. Nos hospitais de
Sergipe, vimos que a psiquiatria é a área que mais tem psicólogos atuando, mas não foram
entrevistados todos eles, por isso a proporção caiu um pouco. Dentre os entrevistados, a
oncologia é a especialidade com o maior número de psicólogos (das quatro psicólogas que
não mais atuam em hospitais atualmente, três atuavam na oncologia) comparando-a com as
demais (16,67%), sendo seguida pela UTI (12,4%) e pela psiquiatria (12,5% dos
entrevistados). Em Florianópolis, o maior número estava na psiquiatria, assim como no
Distrito Federal. Esses resultados não surpreendem, uma vez que na especialidade médica
“psiquiatria” ou “Saúde Mental” tradicionalmente foi onde os psicólogos começaram a atuar,
sendo considerada muitas vezes uma área específica de atuação da psicologia (Saúde Mental)
diferenciada daquela que atua em hospitais gerais (Psicologia Hospitalar). Talvez esse fato
tenha influenciado nos resultados da pesquisa de Lamosa (1987), em que havia 55,56% dos
psicólogos atuando em hospital geral, e somente 18,58% em psiquiatria.
Independente do local de atuação dentro do hospital, praticamente todos os
profissionais apontaram para a necessidade de um período de adaptação da equipe de saúde à
presença do psicólogo, um período de construção da relação profissional, o que parece não ser
exclusividade de Sergipe, como já afirmou Neder (apud Conselho Regional de Psicologia de
São Paulo, 2005): “a relação profissional é construída, a relação de profissional com outro
profissional, a relação do profissional com a família do paciente, a relação do profissional
com a administração. Isso é uma construção”. E isso deve decorrer do próprio fato de a
psicologia ter sido uma das últimas profissões a entrar no hospital e de nem todos
profissionais de saúde ainda terem claro qual o papel a ser desempenhado pelo psicólogo,
nessa instituição. No seu estudo de 1987, Lamosa também aponta que não havia consenso na
equipe de saúde quanto a qual deveria ser a atribuição do psicólogo em suas atividades, apesar
de estar de acordo com sua integração nelas, situação que ainda não foi superada em alguns
locais, como Sergipe.
98
Essa é uma das dificuldades colocadas pelos profissionais quanto à atuação em
hospitais, que parecem ser comuns aos profissionais de Sergipe e do Rio Grande do Norte:
entre os profissionais entrevistados por Yamamoto, Trindade e Oliveira (2002), as
dificuldades citadas dizem respeito à “precariedade do material, local, baixa remuneração e
falta de integração entre profissionais, fatos que, por si, prejudicam a aquisição de elementos
essenciais para um trabalho de maior qualidade” (p.235), mas, de maneira geral, têm uma
avaliação positiva do trabalho, considerando que têm boa aceitação. Como vimos, estas não
diferem muito daquelas encontradas neste estudo: falta de material e espaço físico adequados,
baixa remuneração, dificuldade de relacionamento com outros profissionais da equipe, falta
de diálogo com outros psicólogos.
A queixa em relação à falta de integração entre os psicólogos que atuam nas diferentes
instituições hospitalares, presente em praticamente todos os profissionais dos hospitais
sergipanos, já estava presente nos psicólogos de todo o Brasil desde a época do primeiro
levantamento, feito por Lamosa (1987), em que se percebeua grande necessidade que estes
profissionais têm de se congregarem, de se conhecerem e trocarem experiências” (p.80). Um
dos participantes da pesquisa de Lamosa (1987) chegou a comentar que se fossem divulgadas
as experiências, haveria “menos erros”, começar-se-ia “de outro ponto”, dar-se-ia um passo à
frente. Ainda completa essa autora: “os psicólogos que atuam em hospitais no Brasil estão
circunscritos à sua própria experiência, e precisam, e desejam encontrar uma forma de
compartilharem os problemas e as soluções que encontraram”. (idem, p. 82)
Vão-se quase 24 anos e encontramos, aqui em Sergipe, a mesma queixa. Não temos
dados atuais sobre as outras regiões do país, mas a realização de vários encontros de caráter
nacional, como os da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar ou os Encontros
Nacionais de Psicólogos da Área Hospitalar, além dos muitos encontros regionais, sobretudo
na região sudeste, berço da “Psicologia Hospitalar” no Brasil, leva-me a pensar que essa
situação possa estar diferente, sobretudo nessa região, com maior troca de experiências e
informações entre os profissionais das diferentes instituições.
O isolamento dos psicólogos em Sergipe me remete à situação dos psicólogos que
atuam na clínica, em consultórios particulares, atuação eminentemente “solitária”. Isso não
impede o diálogo ou troca de experiências, mas, de modo geral, são esporádicos e restritos,
até pela própria especificidade da psicoterapia. Talvez aquele isolamento, portanto, seja
decorrente da tão falada transposição do modelo clínico para o hospital, sendo difícil de
conceber, uma vez que o trabalho inserido em equipe é uma realidade própria dessa área de
atuação. Dessa forma, acredito que haja realmente a necessidade de mais encontros entre os
99
psicólogos, seja por meio de congressos, jornadas, ou grupos de discussão, de estudo, de troca
de experiências, para evitar a repetição dos mesmos erros, difundir experiências bem-
sucedidas, contribuindo, assim, para o desenvolvimento da ciência e da profissão.
Diante do que foi apresentado, será que podemos falar de uma psicologia
característica do Estado de Sergipe? A partir dos dados discutidos anteriormente, acredito que
não. De uma forma geral, parece haver certa uniformidade entre as diferentes localizações do
país quanto às características dos psicólogos que atuam em hospitais, bem como quanto a sua
forma de atuação. A predominância de uma população jovem, do sexo feminino, com poucos
anos de formada, e que não tem o hospital como única atividade na psicologia, foi comum a
todos os estudos apresentados. Entretanto, deve ser levada em conta a distância de tempo
entre eles, podendo haver um quadro diferente nos dias de hoje. De qualquer forma, chama-
nos a atenção que estudos de 1987 (Lamosa), 1999 (Seidl e Costa Jr.; Marcon, Luna e
Lisbôa), 2002 (Yamamoto, Trindade e Oliveira) e 2005, em diferentes localidades,
apresentem tantos dados semelhantes. Um outro levantamento nacional, como aqueles de
Lamosa (1987, 1997), seria interessante para traçar o perfil dessa área de atuação da
psicologia, sobretudo por ser, atualmente, considerada área de especialidade.
Um outro ponto interessante a ser levantado diz respeito à formação acadêmica. Esse
foi um aspecto em que foram encontradas diferenças entre os diferentes Estados. A
quantidade de profissionais pós-graduados em Sergipe é menor que em outros locais, além de
que uma grande parte destes possui somente cursos de formação em linhas de psicoterapia. A
falta de oferta de cursos de pós-graduação no Estado, aliada à baixa remuneração do
profissionais, dificulta essa situação, mas, com a recente abertura de alguns cursos de
especialização em faculdades locais, como em Saúde Mental e Saúde Pública, com
possibilidade de se iniciar um curso em Psicologia Hospitalar, pode haver uma mudança desse
panorama.
Há muito o que fazer, há muito o que melhorar, apesar do caminho que vem sendo
percorrido há alguns anos: a primeira impressão que se tem é de que cada profissional que
entra no hospital inicia suas atividades do zero, ou seja, começa a aprender, com sua própria
prática, todos os percalços, desafios e alegrias da profissão, sem a possibilidade de dar
seguimento a algum percurso já feito por outros psicólogos dentro daquela mesma realidade,
e, assim, ter um avanço na área, e não ficar com a sensação de que é sempre um começo, é
sempre uma área iniciante, a ser construída a partir do alicerce.
100
4.2. Inserção de psicólogos em hospitais de Sergipe: uma cronologia.
Os dados aqui apresentados são decorrentes daquilo que foi obtido ao longo da
pesquisa
54
, a partir das entrevistas com os psicólogos. Também alguns outros profissionais
que não foram entrevistados ofereceram informações, sobretudo em relação à atuação em
hospitais psiquiátricos, já que foram as instituições sobre que tive mais dificuldades de obter
dados, devido à grande rotatividade de psicólogos e à dificuldade de os hospitais localizarem
registros sobre sua contratação.
Portanto, dentro do que se tem conhecimento, no início da década de 1980 tivemos os
primeiros psicólogos atuando em hospitais de Sergipe, inicialmente em dois hospitais
psiquiátricos da rede pública, um dos quais não existe mais, e, logo depois, nas duas clínicas
psiquiátricas particulares da capital. Em 1982, em um hospital geral particular, foram
proferidas palestras sobre as possíveis atuações da psicologia em hospital, por uma psicóloga
que já atuava em hospital psiquiátrico.
Em hospital geral, foi somente na década seguinte, no ano de 1991, que a psicologia
fez sua inserção, época em que o curso de graduação em Psicologia da Universidade Federal
de Sergipe completava seu primeiro ano e era lançado, em São Paulo, o primeiro volume da
Revista de Psicologia Hospitalar, tendo Mathilde Neder como presidente do corpo editorial.
Simone Lima
55
foi a primeira psicóloga a atuar em hospital geral
56
de Sergipe. Ela é
sergipana, mas fez seu curso na Universidade Federal de Pernambuco, de 1985 a 1990, “já
que aqui, na época, não havia curso de psicologia”. Durante sua graduação, cursou um
semestre de disciplina específica de Psicologia Hospitalar e teve a oportunidade de fazer
estágio em hospital, ainda que extracurricular. O trabalho iniciado por ela, e que continua até
hoje, é feito na área de cardiologia, e foi formalizado somente no ano seguinte, com muita
dificuldade quanto ao contrato a ser firmado, uma vez que o hospital não encontrou
parâmetros, na cidade, para que se estabelecessem alguns pontos, tais como o salário e a carga
horária. Por fim, esta foi definida de 20 horas, tal como a do médico, e aquele foi equivalente
ao salário da enfermeira que, entretanto, trabalhava 30 horas.
54
Os dados referentes às instituições foram obtidos de diferentes formas: fala dos entrevistados, alguns sites das
instituições ou das Secretarias de Saúde, ou a partir de dados de meu próprio conhecimento. O objetivo da
pequena descrição de cada instituição é somente oferecer ao leitor uma melhor caracterização.
55
Somente serão identificadas, com seu consentimento, as quatro primeiras psicólogas a atuar em hospital geral,
por serem consideradas as pioneiras na área. Quanto aos hospitais psiquiátricos, não obtive informações precisas
sobre a primeira atuação e, desse modo, preferi não citar nomes.
56
Esse hospital é um dos mais antigos hospitais gerais do Estado, tendo 79 anos de existência, e que atende
prioritariamente, pacientes do SUS (90% dos atendimentos), sendo uma instituição beneficente sem fins
lucrativos.
101
Já se pode perceber, nesses termos do contrato, a posição de destaque do médico, pelo
menos no que se refere à questão financeira, grande representante de poder. Nesse caso, no
que diz respeito à carga horária, trabalha mais quem ganha menos. E o psicólogo, também, em
outros momentos, coloca-se em um lugar superior aos outros profissionais da equipe, como
aparece na fala de um dos entrevistados: “não tratam a gente como deveríamos ser tratados a
nível de salário profissional. Como médico, como... A gente é equiparado com a enfermagem,
a nutrição! (E6). São comparações que nos levam a pensar na constante disputa de poder
que existe entre os diferentes profissionais de saúde, sobretudo entre aqueles que atuam no
mesmo local de trabalho. E chamou-me a atenção, nessa fala, a necessidade de explicitar a
comparação com o médico, ou seja, a questão não era somente haver uma baixa remuneração,
mas que esta era baixa comparativamente à recebida pelo médico.
Seguindo nossa cronologia, mais ou menos nessa época, início da década de 1990, a
psicóloga Célia Limeira, a convite de um amigo, inicia um trabalho voluntário semanal com
pacientes assistidos por uma Associação de voluntários ligados à área de oncologia, nesse
mesmo hospital onde Simone atuava na cardiologia.
Em 1994, 50 anos após o início dos trabalhos da psicologia em hospital geral do
Brasil, a psicóloga Sílvia Grangeon começou um trabalho, também voltado para a cardiologia,
em um hospital particular
57
que, nesse ano, completava 25 anos de fundação. Sílvia é paulista
e iniciou seu trabalho por busca própria, permanecendo nele até hoje, sem nunca ter sido
contratada: oferece trabalho como prestadora de serviços por meio de uma cooperativa.
Começou a freqüentar o serviço sem qualquer vínculo, após consentimento de uma
cardiologista do hospital, acompanhando alguns trabalhos, para somente após um período de
“persistência”, chegando a passar 14 horas por dia no interior do hospital, participando das
atividades diárias, ser reconhecida como integrante da equipe,.
Atualmente, ela considera que os médicos “já se habituaram” com sua presença, o que
levou a um aumento do número de solicitações, também de outras áreas que não a cardiologia,
além de convites para eventos científicos.
Ainda nesse ano de 1994, volta ao Estado Marileide Maciel Carvalho, uma psicóloga
alagoana, formada em São Paulo, que inicia atuação em uma clínica psiquiátrica particular
58
,
57
Na verdade, o hospital foi inaugurado em 1978, mas considera-se sua fundação no ano 1969, quando foi
construída uma clínica ambulatorial que deu início à instituição. Com seu crescimento, foram se instalando
novas formas de atendimento, como o serviço de urgência e o internamento.
58
Nessa clínica, atendem-se pacientes do SUS, além de ter uma ala de oito apartamentos para pacientes de
convênio e particulares. Os atendimentos do SUS representam 90% dos pacientes, que ficam internados, em
média, um mês. Essa clínica recebe pacientes psicóticos em crise ou não e dependentes químicos. Atualmente,
102
a convite de seu proprietário, onde permanece durante dois anos. Sua saída deu-se por
iniciativa própria, por a psiquiatria não ser uma especialidade com que gosta de trabalhar.
No ano seguinte, Simone entra no Hospital Universitário Federal (HU)
59
, por meio de
um concurso público cuja vaga, inicialmente, não era destinada à saúde, mas à área da
educação. No HU, nunca havia sido admitido psicólogo e, pela primeira vez, foram oferecidas
duas vagas. Como houvera, mais ou menos um ano antes, um concurso para Escola Técnica
Federal, com vaga para psicólogo, o MEC decidiu não fazer nova prova, e utilizar os
aprovados nesse concurso para o Hospital Universitário, já que ainda não tinham assumido o
cargo. Dessa forma, os profissionais foram convocados, por ordem de classificação, a fim de
que escolhessem o local de trabalho (HU ou Escola Técnica). Como essa psicóloga obteve a
primeira colocação, logo pôde optar pelo hospital como local de atuação, já que “era sua
área”. Contudo, apesar de haver duas vagas, a outra profissional selecionada não ficou no
hospital, pois foi requisitada para atuar na universidade, como supervisora de estágio na área
de Saúde. Sendo assim, o HU permaneceu com uma única psicóloga por praticamente dez
anos, quando, em 2004, abriu uma nova vaga, mediante concurso público específico para o
hospital. Atualmente, portanto, há dois psicólogos, e eles comentaram estar sistematizando
novo modo de atuação, planejando, no futuro, a formação de um Serviço de Psicologia do
hospital.
Em 1996, Célia Limeira, ainda voluntária, implantou o Serviço de Psicologia no
centro de oncologia de um hospital público estadual
60
, após a Associação de voluntários a
quem estava ligada assumir a direção desse centro. Também estiveram como voluntários,
nessa instituição, Marileide e um outro psicólogo que passou alguns meses e foi morar em
outro Estado. Após um período, Célia foi contratada, passando a ser a psicóloga da
Associação. Ela permaneceu atuando nesse hospital durante quatro anos, quando a Associação
em Aracaju, há um pronto-socorro para emergências psiquiátricas, a partir do qual os pacientes são
encaminhados, quando necessário, para internamento nas clínicas. Atualmente, conta com três psicólogas
contratadas.
59
O HU foi fundado no ano de 1982, e é administrado pela Universidade Federal de Sergipe. Os funcionários
efetivos são mantidos pelo MEC, e os contratados em modo celetista, com recursos advindos do SUS. É
referência estadual para diversas especialidades médicas.
60
Hospital geral de grande porte de Estado, funciona desde o ano de 1987. Atualmente oferece um atendimento
médio a 17 mil pacientes por mês, além de ter o maior Pronto-Socorro Público de Estado, atendendo
praticamente todos os municípios de Sergipe, chegando a receber pacientes de estados vizinhos. O centro de
oncologia é referência no tratamento do câncer, oferecendo tratamento desde o atendimento clínico,
ambulatorial, ao internamento.
103
deixou a diretoria, por razões políticas ligadas à Secretaria de Saúde
61
. A partir de então,
passou a trabalhar na clínica de oncologia montada pela própria Associação e, depois de um
tempo, deixou esse trabalho, por ter começado a divergir em algumas idéias, em algumas
questões. Em 2003, foi convidada a atuar na Central de Transplantes, onde ficou alguns
meses, já que seu contrato não pôde continuar pois era feito a partir de um convênio com
outra instituição, que foi cancelado.
Apesar de não estar, atualmente, atuando diretamente na área, Célia afirma não ter se
afastado completamente. Talvez por ter poucos psicólogos na área, ou pelos relacionamentos
que ela construiu ao longo do tempo de trabalho, ainda é convidada para participar de
jornadas ou congressos na área de saúde, como palestrante, ou para aplicar alguma dinâmica
de grupo com os participantes. Interessante que ela volta a assumir o status de voluntária,
como no início. Atualmente, continua como professora na Escola Técnica Federal (desde
1987) e atende em consultório particular.
Em 1997, ano seguinte ao início da implantação do Serviço de Psicologia no Centro de
Oncologia do hospital estadual, Marileide Maciel Carvalho inicia um trabalho voluntário no
setor de oncologia do hospital beneficente
62
, por meio de uma associação de voluntários. No
entanto, Marileide não entrou no hospital via a Associação, mas já atendia no ambulatório,
por intermédio de Simone, e foi contratada pela o hospital, no final desse mesmo ano de 1997,
para o setor de oncologia, onde continua até hoje.
Em 1998, uma psicóloga pernambucana começou a trabalhar em uma clínica
psiquiátrica particular
63
, após já ter feito vários trabalhos em consultórios e hospitais gerais,
em seu Estado. O início do trabalho em Aracaju se deu a convite, após ter passado a morar
nesta cidade. Ela atua na mesma clínica até hoje, exercendo atividade paralela em consultório.
No final de 1999, após um período de treinamento em hospitais dos Estados Unidos,
um psicólogo sergipano, mas formado em São Paulo, iniciou seus trabalhos no hospital
particular, passando por atividades em diferentes áreas, como a cardiologia, nefrologia e
cirurgia bariátrica. Atualmente, ele coordena o grupo de profissionais responsáveis por
61
Esse dado não foi obtido com a pesquisa, mas já era do meu conhecimento, pois foi um fato tornado público
na cidade, apesar de os reais motivos que levaram ao desentendimento não terem ficado totalmente claros, na
época.
62
Ver nota nº. 56.
63
Essa clínica, fundada em 1964, trabalha praticamente nos mesmos moldes daquela citada na nota nº. 54. Não
consegui obter dados quanto à contratação do primeiro profissional de psicologia, mas atualmente, conta com
três psicólogas contratadas.
104
“atividades de humanização”, em que são feitos trabalhos em grupo com pacientes,
acompanhantes e também equipe.
A partir do ano de 2000, quando do estabelecimento do título de especialista em
Psicologia Hospitalar pelo Conselho Federal de Psicologia, parece ter se iniciado uma nova
fase para a atuação dos psicólogos em hospitais de Sergipe, uma vez que, a partir daí, a cada
ano aumenta o número desses profissionais.
Em 2001, uma psicóloga formada na UFS começou a trabalhar em clínica psiquiátrica
particular
64
, onde atua até hoje. E o ano de 2002 representa um importante marco na atuação
da psicologia em hospitais no Estado, pois, com a realização de um concurso público da
Secretaria de Estado da Saúde, foram escalados sete psicólogos para o hospital estadual
65
.
Além desses, logo em seguida veio, por transferência, mais um, que havia sido escalado a
princípio para Saúde Mental e, em 2004, outras duas, por desvio de função, pois já eram
funcionárias públicas nesse hospital, apesar de antes não atuarem como psicólogas
(atualmente, por determinação superior, elas tiveram que sair do desvio de função: uma das
psicólogas saiu do hospital, e a outra voltou à sua função anterior). Ainda por meio desse
concurso, uma psicóloga foi escalada para atuar em uma maternidade
66
, e uma outra, em
hospital psiquiátrico
67
.
Nesse ano, também, uma psicóloga iniciou a prestação de serviços em um Pronto-
Socorro geral
68
, em que fica disponível, em regime de sobreaviso, para atender eventuais
emergências na própria instituição, ou fazer acompanhamento psicológico domiciliar.
No ano seguinte, mais quatro psicólogas começaram seus trabalhos em diferentes
instituições: uma em hospital psiquiátrico particular
69
, onde havia feito um estágio no tempo
de graduação, outra em clínica especializada em nefrologia
70
, onde havia atuado como
64
Ver nota nº. 58.
65
Ver nota nº. 60.
66
Fundada em 1970, atualmente é administrada pela Universidade Federal, sendo uma maternidade-escola. É
referência estadual e também de Estados vizinhos para o atendimento à gestante e recém-nascido de alto risco.
67
Hospital Psiquiátrico Estadual, ligado à Secretaria de Saúde, foi fundado em 1979. Abrigou pacientes crônicos
durante muitos anos e, atualmente, passa por uma fase de transição, aderindo à Política de Saúde Mental do
governo federal, que visa à desospitalização. Gradativamente, os pacientes estão sendo transferidos para
“residências terapêuticas” montadas em diferentes municípios especificamente para esse fim, ou retornando à
casa, junto aos familiares (nesse caso, o governo dá uma bolsa de R$ 240,00). O local para onde os pacientes são
transferidos é decidido juntamente com a família. O objetivo é desativar o hospital após a transferência de todos
os pacientes.
68
Serviço particular de Urgência, que também oferece alguns outros atendimentos mais simples, que não
necessitem de estrutura hospitalar mais específica, e serviço de home care.
69
Ver nota nº. 63.
70
Ver nota nº. 50.
105
supervisora de estágio em Psicologia Institucional, na área de Psicologia Hospitalar, enquanto
professora substituta na UFS. Essas duas psicólogas ainda atuam nesses locais, apesar de esse
trabalho não ser a única fonte de renda. A terceira, por sua vez, realizou trabalho voluntário,
durante um ano, por meio do projeto “profissional voluntário” do Hospital Universitário, ao
retornar para Sergipe, após conclusão de dois anos de especialização em Psicologia Hospitalar
na cidade de São Paulo. Atualmente ela não atua na área hospitalar, apesar de ter interesse,
mas é funcionária pública em uma cidade no interior do Estado, atuando em CAPs, além de
ter consultório particular. Um outro serviço que também incluiu o psicólogo entre seus
profissionais, em 2003, foi um serviço para atendimento de portadores de fissura
labiopalatina
71
, ligado à Secretaria de Estado da Saúde, mas locado em um hospital vinculado
à Secretaria de Segurança.
Em 2004, a UTI do hospital beneficente da capital
72
contratou uma psicóloga e houve
o concurso para o Hospital Universitário, como já comentado, tendo sido contratado mais um
psicólogo. Além desses, também uma outra psicóloga assumiu os trabalhos já iniciados no
serviço para portadores de fissura labiopalatina.
Por fim, no ano de 2005, mais duas profissionais iniciaram suas atividades em
hospitais, ambas em maternidade pública
73
, onde já havia uma psicóloga contratada via o
concurso público realizado em 2002. Ambas haviam feito estágio curricular nessa instituição
e foram convidadas, após graduadas, a continuarem seus trabalhos, sendo contratadas por uma
empresa que terceiriza os serviços.
Dessa forma, após essa retomada cronológica da inserção de psicólogos em hospitais
de Sergipe, pode-se perceber que, nos primeiros anos de 2000, portanto após o
estabelecimento do título de especialista em Psicologia Hospitalar, pelo Conselho Federal de
Psicologia, o Estado vivenciou um grande crescimento nesse campo de atuação, embora não
tenha sido acompanhado por uma clareza quanto ao papel que deve desempenhar um
psicólogo na instituição hospitalar, assunto a ser discutido no tópico seguinte.
71
Trata-se de um serviço especializado no atendimento de portadores de fissura labiopalatina, formado por uma
equipe multiprofissional (enfermagem, serviço social, fonoaudiologia, odontologia, ortodontia, cirurgia buco-
maxilo-facial, anestesia, cirurgia plástica e psicologia). À época da entrevista, eles estavam passando por sérios
problemas políticos e financeiros, com possibilidade de ter que ser fechado, contra o que a equipe lutava,
chegando a trabalhar sem remuneração, para não parar o atendimento. Como a primeira psicóloga que atuou
nesse serviço não mora mais em Sergipe, somente pudemos conversar com a atual psicóloga, que substituiu a
primeira.
72
Ver nota nº. 56.
73
Ver nota nº. 66.
106
4.3. Perspectivas
Ao iniciar esse último tópico, gostaria de utilizar-me das palavras de Ansara (2005),
quando nos lembra a diferença existente entre a “lembrança vivida pelas testemunhas” e as
“lembranças construídas a partir das experiências contadas”:
O grupo que vive diretamente um fato recorda por meio da seleção de um conjunto
de representações sociais que ele organiza, de maneira idiossincrática, a partir das
identificações com seus grupos de pertença, seus valores e crenças, seus significados,
enquanto os grupos que não viveram os fatos diretamente recordam a partir das suas
identificações com aquilo que é contado por outras gerações, ou seja, ressignificando
aquele passado a partir das suas experiências do presente. (Ansara, 2005, p. 289) [grifos
da autora]
Trago essas observações para falar de meu lugar diante de todas essas informações que
venho apresentando. Encontro-me no segundo grupo, construindo, a partir das experiências
contadas, uma história na qual se misturam as lembranças vividas dos psicólogos
entrevistados e a experiência de uma profissional que vivencia as descobertas, conquistas e
disputas pelas quais a área passa hoje. A escrita aqui, portanto, passa pela minha própria
história, uma vez que eu, enquanto investigadora, também sou “parte constitutiva do
fenômeno analisado”. (Mancebo, 2005, p. 15)
4.3.1. Um lugar para o psicólogo no hospital
Assim posto, retomemos nosso problema inicial: tendo em vista as várias fases pelas
quais passou a instituição hospitalar ao longo do tempo (caráter religioso, de assistência
social, lugar de segregação/isolamento, sanitarismo, cura médica), de que forma e em que
condições a psicologia ingressou nessa instituição, e, mais especificamente, como isso vem
ocorrendo no Estado de Sergipe?
Ao longo de todo o trabalho, discorri sobre esses pontos, enfocando o lugar do
psicólogo no hospital, na equipe de saúde. Não quero me referir, com isso, à posição
hierárquica do psicólogo no organograma da instituição, mas falo de um lugar simbólico, a
partir do qual se assumem determinadas posturas que influenciam a maneira como o
psicólogo vai se relacionar com os demais membros da equipe, sua atuação junto ao paciente,
bem como a visão que tem de seu próprio trabalho e da importância de sua presença na
instituição.
107
Essencial, portanto, compreender qual é esse lugar que o psicólogo ocupa, que tipo de
postura assume como própria, para que se possa, assim, refletir e se questionar sobre ele, a
fim de que seu trabalho realmente decorra daquilo em que acredita e não sejam ações
meramente “automáticas”, levadas pelo ativismo do dia-a-dia. Acredito ser este, portanto, o
ponto chave com o qual me deparei nesse estudo: qual o lugar que queremos construir, nos
hospitais de Sergipe, para a psicologia?
A partir do contato com os profissionais de Sergipe, como era de se esperar, não
encontrei uma postura única. De maneira geral, posso identificar dois grupos: aqueles que
assumem um posicionamento mais “conformista”, por aceitarem as coisas como lhes são
apresentadas, passivamente, sem questionamentos, e não acreditarem ou até não
vislumbrarem possibilidades de mudança. Por outro lado, apesar de em número bem menor,
há, também, em um segundo grupo, os profissionais que acreditam na historicidade dos
lugares assumidos, hoje, pela diferentes profissões, e que também eles, os psicólogos,
precisam construir seu lugar.
Aqueles profissionais que localizei no primeiro grupo aparentavam uma visão
pessimista da área, em que as dificuldades pareciam quase que intransponíveis. Nesse tipo de
atitude, aparece, também, uma grande crítica ao lugar ocupado pelo médico na instituição
hospitalar e, com ele, à ênfase no biológico. De certa forma, como afirma Capobianco (1998),
realmente “o corpo orgânico se impõe de forma irrefutável no hospital, já que é ele quem dá
visibilidade à rede de saber-poder que sustenta a medicina” (p.36). É disso que sabe falar o
médico, sobre que pode ter controle, sobre o que se espera saiba responder a qualquer
questionamento.
Entretanto, ao lado dessa crítica, parece haver uma aceitação e até um reforço de que o
hospital é lugar de médico. Um dos profissionais chega a enfatizar que só devem ser
atendidos pela psicologia, no ambulatório do hospital, aqueles pacientes que são
acompanhados por algum médico do hospital, ou seja, que apresentem alguma doença
orgânica. Interessante que na mesma instituição um outro profissional sustenta a posição de
que o psicólogo pode ser buscado por qualquer pessoa, independente de encaminhamento
médico ou do motivo que o levou ao hospital.
Claro que, muitas vezes, o psicólogo precisa estabelecer alguns critérios para delimitar
os pacientes a serem atendidos, a fim de dar vazão à demanda, já que há contingência de
psicólogos atuando nos hospitais, em detrimento das tão variadas possibilidades de atuação.
Entretanto, não poderia deixar de registrar aqui que, em épocas de discussão da lei do Ato
Médico, essa é uma questão a ser bem pensada, para evitar que os próprios psicólogos
108
incorram no erro de se colocar, enquanto profissionais da equipe de saúde, numa postura de
submissão, em que o atendimento seja atrelado à decisão do médico, ou mesmo que
contribuam para uma redução do conceito de saúde à questão orgânica, pois, quando se pensa
um hospital geral como uma instituição que “deveria funcionar como uma máquina bem
azeitada de saúde” (Muylaert, 1990, p. 67), não se pode esquecer de que a visão de saúde
atrelada apenas ao organismo já foi superada, oficialmente, há pelo menos 60 anos, com a
definição da OMS, em 1946, incluindo também os aspectos psicológicos e sociais. Além
disso, mesmo com diferentes enfoques, acredito poder afirmar que, atualmente, qualquer
definição de saúde já engloba outros aspectos mais amplos da vida de uma pessoa, sejam eles
emocionais, sociais, espirituais, culturais...
Lima (2005), a partir da visão de alguns psicólogos que se consideram como
coadjuvantes no processo de auxílio à recuperação do paciente, acreditando que a medicina
seria a portadora do saber sobre essa recuperação, lembra-nos de que essa postura pode
alimentar um círculo vicioso em que o médico continua com dificuldades de valorizar outros
saberes que não os próprios, enquanto o psicólogo permanece sem conseguir “impor como
válido aquilo que sabe sobre um sujeito”. (p.65)
Para alguns, o lugar de destaque do médico no hospital parece ser uma coisa óbvia,
como se fizesse parte da “natureza
74
da instituição. Somente um dos psicólogos, aquele que
tem maior nível acadêmico, com mestrado, treinamento no exterior e atualmente cursando
especialização em Psicologia Hospitalar e doutorado, deixa claro, na sua fala, o aspecto
histórico da instituição hospitalar e de sua “medicalização”. Diante desse contexto, ele
acredita que ainda pode haver transformações, também realizadas pelos psicólogos, no sentido
de “transformar a cultura hospitalar” e estabelecer uma nova prática dentro da área de Saúde.
Vislumbrar a possibilidade de construção traz uma visão mais otimista, levando à
crença de que cada um pode contribuir com o crescimento e amadurecimento da psicologia no
hospital. E essa construção histórica, conforme demonstramos ao longo deste estudo, é, ao
mesmo tempo, da instituição hospitalar e das profissões que ali atuam. Retomando o percurso
que fizemos, vimos que essa história remonta à Grécia Antiga, quando as instituições
“hospitalares” (pedindo licença e desculpa aqui pelo uso de termo tão presentista
75
), na
verdade, eram templos a que os doentes acorriam na esperança de serem curados pelos
deuses. Apesar de haver uma participação ativa do doente, que deveria cumprir à risca aquilo
74
Fazendo, aqui, uma analogia à idéia de “natureza” humana, como sendo algo próprio do homem, desde
sempre, independente de sua história, contexto social e cultural.
75
Conferir nota nº. 5.
109
que era ditado, em sonho, pela divindade, o caminho para a cura vinha de um saber externo ao
doente, de alguém em quem era depositada a possibilidade de cura. O tempo passou, mas
parece que somente houve um deslocamento do saber da divindade para a medicina:
“Independente de conceitos claros ou obscuros e dos papéis diversos da medicina
ao longo da história, sempre existiu a doença como o mal a ser isolado e combatido, seja
por feiticeiros, seja por cientistas. E cada período histórico elege um representante
privilegiado da fragilidade da vida”. (Schiller, 2000, p.84)
No período em que vivemos, a medicina foi eleita como o representante do saber sobre
a vida e a morte. Desde a sua formação, “o estudante de medicina é exposto a um tal volume
de conhecimentos, sólidos, precisos, comprovados, que se torna difícil escapar à ilusão de um
poder sem fronteiras” (Schiller, 2000, p.123). Isso leva o médico a acreditar ser o portador de
todo o saber sobre a doença, havendo uma busca, algumas vezes exacerbada, da objetividade
em sua atuação, que praticamente exclui ou tenta anular a subjetividade do paciente. Sabemos
que essa é uma especificidade do olhar da medicina sobre o adoecimento orgânico, em que há
um enfoque na doença, buscando-se a verdade sobre ela, a fim de que se possa verificar se
seus sintomas preenchem os critérios diagnósticos para ser classificada como uma ou outra
patologia e, a partir daí, ser prescrita a terapêutica, em tese, mais indicada e comprovada.
Não quero, aqui, negar a importância de uma avaliação objetiva do profissional, de
modo a possibilitar um bom trabalho, mas chamo a atenção para até onde essa objetividade
realmente é prova de uma atuação ética e responsável, ou é fruto de uma atitude defensiva, em
que se eximir da interação seria a única maneira encontrada pelo profissional de evitar o
confronto com os próprios medos, ansiedades e limitações. Tudo isso pode ser decorrência do
contexto em que a formação médica se dá, visto que esta não oferece ao profissional
instrumentos para lidar com difíceis questões com que se confronta cotidianamente, como
“confissões íntimas, angústias existenciais, desajustes familiares e questões sobre a
sexualidade” (Schiller, 2000, p. 124), dentre tantas outras.
É comum, portanto, encontrarmos queixas, muitas vezes procedentes, em relação à
“falta de sensibilidade” do médico. Entretanto, cabe a autocrítica para que nós, os psicólogos,
não permaneçamos em “clausura intelectual” que nos dificulte o diálogo com os demais
profissionais, pela suposição preconceituosa de que não seremos ouvidos, por eles se
considerarem como detentores da “verdade” sobre a doença. Talvez nem eles consigam
perceber esse movimento, mas nós, enquanto psicólogos, temos o conhecimento de que todos
110
são infligidos por limites, medos, inseguranças, sentimentos estes que muitas vezes levam a
essa couraça fria e distante, talvez única maneira encontrada para sobreviver num ambiente
tão impessoal (E9) quanto o hospital. Daí a importância de se trabalhar, também, os aspectos
emocionais da equipe, preocupação apontada por alguns dos psicólogos deste estudo.
Seguindo o retrospecto histórico, J. Antunes (1991) coloca como sendo os “primeiros
hospitais
76
da Europa dois prédios a maternidade e o local para atender moribundos
construídos ao lado dos templos de que falamos anteriormente, destacando a semelhança
histórica da dependência e passividade dos moribundos e parturientes daquela época com o
atual “paradigma” da condição de paciente: “aquele que ‘sofre’ a ação terapêutica” (p.163).
De certa forma, sabe-se que hoje ronda no hospital a idéia de que paciente calmo, que aceita
todas as prescrições, sem qualquer questionamento, é aquele paciente que está colaborando
com a sua melhora, já que a equipe de saúde “sabe o que está fazendo e o que é melhor para
ele”, ao passo que questionar e opor-se são vistos como sinal de rebeldia, devendo logo esse
paciente ser contido em suas emoções.
A presença da psicologia, nessas instituições, parece ter contribuído para a mudança
dessa visão, e os questionamentos, por vezes, são tidos como um entrave ao bom andamento
da rotina hospitalar, já que o paciente é estimulado a expressar suas emoções. Ele, agora, de
objeto inerte da ação terapêutica torna-se participante direto dessa, inclusive na tomada de
decisões. O paciente excessivamente cooperativo começa a ser suspeito de alterações de
humor, como a depressão, em que a pessoa não mais consegue lutar por sua própria vida,
deixando-a a cargo de outros.
Os hospitais, o tratamento, a dor, o saber médico e a presunção ocasional de que a
solução depende apenas do poder da ciência são forças alienantes que desvinculam o
sujeito de sua doença. Os profissionais podem ajudar o paciente a se reunir com seu corpo,
não mais um fardo estranho, fonte de sensações novas e incompreensíveis, mas terreno de
luta. (Schiller, 2000, p. 105)
Pensar nessa apropriação do sujeito pelo seu corpo nos remete, também, a uma maior
valorização dos aspectos psicossociais do processo de adoecimento, que, ao longo do tempo,
intercala-se com posturas mais cientificistas e biologizantes, mostrando-nos que não há um
desenvolvimento linear das instituições “hospitalares”. Podemos considerar que os
acontecimentos se dão em espiral, ou seja, alguns fatos mudam, depois retornam de uma
forma um pouco modificada, em constante distanciamento e retorno. A própria medicina, por
76
Conferir nota nº. 5.
111
exemplo, antes de sua inserção no hospital, não defendia a necessidade dessa instituição
específica, e dedicava-se ao cuidado do doente em sua própria casa. Estabelecendo as devidas
proporções, hoje nos deparamos com um processo de desospitalização, com a redução, ao
mínimo necessário, do período de hospitalização, aumento de atividades de cuidados
domiciliares (“home care”), a desinstitucionalização do doente mental, reinserindo-o na
sociedade...
E a possibilidade de receber um bom atendimento em casa, junto a sua família,
atualmente é privilégio de poucos, como os civis no Império Romano, que eram tratados com
“os meios tidos como ideais para a atenção às doenças” (J. Antunes, 1991, p.38), em sua casa.
Os militares, em contrapartida, recebiam atendimento institucional, de forma compensatória.
O caráter religioso das instituições destinadas ao cuidado de doentes se manteve, de
certa forma, presente até os dias atuais, mesmo nas instituições que não têm relação direta
com a igreja, como as Santas Casas, ou aquelas ligadas a congregações religiosas. Um ponto
interessante já pode ser observado nos próprios nomes: São Lucas, Santa Helena, Santa Lúcia,
São José, São Marcelo, Santa Maria, para citar alguns nomes de instituições no próprio Estado
de Sergipe, que nos remetem à idéia de busca de proteção em uma instância superior,
relacionada à divindade... Ademais, a hospitalidade com os doentes é uma herança dos
primeiros hospitais cristãos, cujo caráter piedoso a considerava como ato de misericórdia, daí
o surgimento das “Santas Casas de Misericórdia”.
Entretanto, a necessidade de cuidar para que os males físicos não afetassem toda a
sociedade, visto que não se dispunha de meios técnicos que possibilitassem a cura, levou à
transformação dessas instituições em locais de mero isolamento, segregação, “morredouros”
(Foucault, 1999). E a rápida disseminação das doenças contribuía para que não houvesse
tempo para se pensar no doente, pois era urgente o extermínio das epidemias. Sendo assim, o
início da organização hospitalar não se deu tanto no intuito de curar aqueles que ali acorriam,
mas sim de proteger a sociedade de seus males, isolando os doentes para evitar disseminação
das enfermidades idéia mantida por muito tempo nos hospitais psiquiátricos, em que os
pacientes praticamente eram banidos do relacionamento social, sem maiores preocupações
com seu tratamento
77
.
Daí a busca incessante dessa solução, de que dependia o cuidado com a vida da
humanidade. Com o passar do tempo, o desenvolvimento técnico tornava mais próxima a
possibilidade da cura orgânica, trazendo a visão do hospital como uma “máquina de curar”,
77
Atualmente, com a desospitalização e o surgimento dos Centros de Atendimento Psicossocial (CAPs), a
preocupação com a reinserção social passou a ter destaque nas políticas de saúde.
112
não devendo, portanto, produzir “efeitos patológicos” (Foucault, 1999, p.101). A entrada do
médico no hospital foi a saída encontrada para minimizar esses efeitos negativos sobre as
pessoas internadas, e Silva (2001) traz que foi justamente quando os médicos passaram a
reger inteiramente o hospital, no século XIX, que este deixou de ser visto com “sinônimo de
morte e pobreza”. Vemos, aí, a grande expectativa que se tinha sobre esses profissionais e o
poder que lhes foi atribuído, já que ajudaram a resolver um grande problema da época,
acrescentando o fato de que o projeto que reformou completamente o hospital tenha sido de
um médico, Tenon, fruto de sua experiência clínica. A partir daí a relação entre medicina e
hospital passou a ser intensa, culminando com a colocação do médico no “topo da hierarquia
técnica e administrativa dos hospitais contemporâneos”. (J. Antunes, 1991, p. 153)
Portanto, com a entrada definitiva do médico no hospital, também com fins
disciplinares, como nos lembra Foucault (1999), a “sabedoria médica” (J. Antunes, 1991, p.
157) passou a ordenar essa instituição, de modo que cada vez o doente passou a assumir um
papel mais passivo, recebendo a ação terapêutica decidida pelos médicos, que eram tidos
como portadores do conhecimento sobre a doença, vista como desequilíbrio meramente
orgânico.
Nesse ponto, podemos observar uma desapropriação da doença pelo paciente a fim de
que fale e determine ações, sobre ela, a medicina, o que trouxe, ao lado do grande benefício
desta para os hospitais, reduzindo seu poder iatrogênico, uma supervalorização do orgânico,
objeto da “ordem médica” (Clavreul, 1983). Contudo, parece já haver, hoje, uma mudança
quanto a essa visão do paciente pelo médico, em que este começa a deixar de -lo como
alguém passivo, que deve ter paciência, para passar a considerá-lo como aquele que deve ser
co-participante, visando atingir uma melhor qualidade de vida (Romano, 1999).
4.3.2. A psicologia no hospital: a subjetividade em um ambiente da objetividade
É nesse contexto que se insere a psicologia na instituição hospitalar: em um momento
em que o hospital já é lugar privilegiado do médico, sendo ele quem dita as regras. Clavreul
(1987, p. 136) bem define essa posição:
A ordem médica é da alçada da ciência, mas é também, e antes de mais nada, uma
ordem jurídica. É ela que decide sobre os casos e as intervenções necessárias, como
também decreta de um não-lugar quando escuta aqueles que sofrem, mesmo se sofrem
somente de não serem reconhecidos como doentes. Constituindo a doença como uma
entidade, o médico despossui dela o doente para fazê-la entrar em seu campo próprio.
113
É interessante salientar que, quando a medicina entra no hospital, a psicologia,
enquanto ciência, surge: quando nasce a profissão de psicólogo, já havia um lugar bem
delimitado, para o médico, no hospital. Com isso, como afirma Spink (1992),
a Psicologia chega tarde neste cenário [da saúde] e chega “miúda”, tateando,
buscando ainda definir seu campo de atuação, sua contribuição teórica efetiva e as formas
de incorporação do biológico e do social ao fato psicológico, procurando abandonar os
enfoques centrados em um indivíduo abstrato e a-histórico tão freqüentes na Psicologia
Clínica tradicional. (p.12)
Ainda complemento trazendo Quayle (1995), que também lembra a chegada tardia do
psicólogo no hospital, refletindo uma preocupação humanitária e humanizadora
relativamente recente, enquanto relaciona-se, também, à necessidade de compreensão e
controle do comportamento dos indivíduos nas instituições”. (p.34)
De fato, somos os últimos profissionais, no que diz respeito ao tempo de atuação, a
entrar na equipe de profissionais de saúde que trabalham em hospital (Romano, 1999).
Pretensão nossa, portanto, esperar algo estabelecido para o psíquico em um lugar
eminentemente orgânico, organizado para controlar, conter, restabelecer o bem-estar físico da
sociedade. Além disso, a medicina carrega mais de 2000 anos de história. A psicologia não
tem ainda 150 anos de reconhecimento enquanto ciência, e sua atuação em hospital, no nosso
país, meio século. Ainda temos muito o que construir, pelo que lutar; não podemos achar que
já está constituído, ou esperar que nos digam qual é nosso lugar. Mesmo assim, Neder (apud
Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, 2005) observa que, muitas vezes, pelo fato de
os psicólogos mais jovens já estarem em um momento histórico em que já houve grande
evolução na profissão,
...querem muita coisa também mais facilmente. (...) Então ‘por que não, por que
não temos isso? Por que o médico já não nos recebe assim bem?’ Esquecendo que eles
precisam também fazer sua conquista (...), que a relação profissional é construída, a
relação do profissional com outro profissional, a relação do profissional com a família do
paciente, a relação do profissional com a administração. Isso é uma construção.
Romano (1999a, p. 82) também defende a necessidade de se construir um lugar dentro
da equipe de saúde:
114
Fica evidente que tem que se expor, mostrar e demonstrar sua capacidade e seu raio
de ação, efetivar a contribuição para tornar-se um membro de uma equipe. Só que, antes
de tentar qualquer coisa, é preciso ter claro o nosso potencial e no que a equipe gostaria
que fosse o nosso investimento. De nada adianta ficar lutando em uma direção que não
corresponde à demanda. Não que isso garanta a posição, mas, com certeza, facilita, e
bastante. Aos poucos, com o tempo e o respeito, vai se aprendendo a admirar.
Entre os profissionais de Sergipe parece ter havido, inicialmente, uma expectativa de
que já houvesse, para eles, um lugar estabelecido dentro do hospital, que quem os havia
contratado dissesse como eles deveriam atuar ou até que fosse realizado um “treinamento”,
como acontece com os novos funcionários de várias empresas. Mas o cenário encontrado foi
outro, e o psicólogo precisou construir as relações profissionais, mostrar sua capacidade,
conquistar o espaço dentro do hospital, exercendo suas atividades de forma a obter bons
resultados, que, ao serem visualizados pelos outros profissionais, possibilitariam o
reconhecimento e a valorização de sua presença na instituição hospitalar.
E queria ressaltar que a maioria dos psicólogos que fala da existência, hoje, de uma
boa relação com a equipe, também comenta um início difícil, com desconfiança, por parte dos
outros profissionais, quanto à possibilidade de o psicólogo desenvolver alguma atividade
dentro do ambiente hospitalar. Foi necessário um tempo de convivência e trabalho para que
tivesse seu lugar construído e valorizado na equipe. E essa não é uma questão nova no
ambiente hospitalar, e nem específica de Sergipe:freqüentemente visto [o psicólogo] como
um profissional que tende a subverter´ a ordem e o status quo, que trabalha com aspectos
subjetivos, abstratos ou ficcionais, sua inserção caracteriza-se por certa ambigüidade, gerando
expectativas cuja satisfação é duvidosa e difícil. (Quayle, 1995, p. 34)
De fato, além de ser uma profissão relativamente nova, para alguns ainda distante e
desconhecida, a psicologia trabalha com aspectos nem sempre fáceis de serem encarados. E a
tudo isso se acrescenta o fato de os psicólogos, no hospital, não terem seu papel tão
claramente definido quanto a maioria dos outros profissionais de saúde, já que essa definição
se faz com base naquilo que o profissional “produz” a partir de seu trabalho concreto na
instituição: “o médico ‘é quem trata’, o enfermeiro ‘é quem cuida’, a nutricionista ‘resolve os
problemas de dieta’... Mesmo o pessoal administrativo encontra clara definição de papéis,
como os que ‘cuidam da papelada’, dos registros, dos documentos”. (Quayle, 1995, p.34)
A atuação do psicólogo, por sua vez, “caracteriza-se, primordialmente, por lidar com
os aspectos escamoteados e pouco evidentes do processo de adoecer, da vida e da morte”.
(Quayle, 1995, p.34) [grifo meu]. Essa abstração dificulta a compreensão e aceitação do
115
psicólogo por parte de alguns profissionais na instituição hospitalar. Em geral, a efetividade e
a importância dessa atuação só são identificadas após serem apresentados os resultados
advindos da prática do psicólogo junto ao paciente, à família e mesmo à equipe. Santos (1983)
já chamava atenção para esse fato, quando estudava a atuação de assistentes sociais em
hospitais de Aracaju. Diz ela: “o próprio assistente social, visando, quem sabe, ter seu papel
reconhecido e valorizado profissionalmente, não tem parado para refletir no que tem feito e se
sua ação tem reforçado esta situação”. (p.101)
Esse é um risco que também nós corremos. E não foi por coincidência que o assistente
social apareceu na fala de alguns psicólogos como o profissional de saúde cuja situação mais
se assemelha à nossa, seja pela falta de reconhecimento profissional, pela baixa remuneração,
ou como sendo um profissional que dialoga bem com o psicólogo, assim como o
fisioterapeuta.
4.3.3. Atuação dos psicólogos: limites e possibilidades
Nesse processo de construção de seu lugar, os psicólogos enfrentam muitas barreiras,
que não se restringem a aspectos relacionados a “outros”. Entre os próprios psicólogos, em
Sergipe, ocorre uma falta de comunicação: não se sabe o que está sendo feito pelos
profissionais das diferentes instituições, impossibilitando que os erros e as conquistas de uns
sirvam como exemplos para a atuação de outros. Sendo assim, praticamente a maioria dos
profissionais começou “do zero”, tendo que aprender tudo a partir de sua própria prática.
O relacionamento também não é satisfatório entre os psicólogos e os outros
profissionais da equipe: muitas vezes, faz-se necessário conquistar a amizade do médico
para que se possa efetuar algum tipo de atividade ou até buscar alguma lei que determine a
presença dos psicólogos em hospitais, sem subordinação ao médico, a fim de que possam
realizar seu trabalho de maneira mais livre. Toda essa situação contribui para a diminuição da
motivação dos profissionais, que sentem que seu trabalho só será reconhecido, ou melhor
dizendo, aceito, via “sedução” daquele que hierarquicamente é colocado num nível superior,
em seu local de trabalho.
Outro fato com que os profissionais se depararam, decorre da idéia vigente no meio
médico, e, portanto, no hospital, durante muito tempo, que só se conseguiria definir a doença,
objeto da medicina, a partir de sua desumanização (Leriche apud Clavreul, 1987, p. 136), ou
seja, somente por meio da neutralidade e do distanciamento é que se poderia atingir a
objetividade científica. E é justamente nesse contexto que entra o psicólogo, querendo dar voz
116
à subjetividade do paciente, valorizando aquilo que ele tem a dizer, a fim de reposicioná-lo na
relação que estabelece com sua doença, de modo a assumir uma posição mais ativa em
relação a todo esse processo.
Trabalhar com aquilo que vai além do saber médico... Foi com esse objetivo que se
deu a inserção do trabalho do psicólogo em hospital, no Brasil, quando Mathilde Neder foi
convidada a auxiliar a equipe a lidar com alguns comportamentos emitidos pelos pacientes,
considerados inadequados, que a medicina não conseguia conter:
Aquelas crianças estavam com medo, estavam se sentindo sozinhas, assustadas, e as
mães estavam não próximas a essas crianças, eu pedi para falar com as mães, tratei de
aproximar as mães dessas crianças, os profissionais, as enfermeiras e os médicos, tratar de
aproximá-los, dessas crianças. São crianças que estavam ali, imagina, uma criança sofre
cirurgias, está ali, não sabe o que está acontecendo... E medo, pavor, e se atiravam [da
cama, prejudicando a cirurgia]. (Neder, apud Conselho Regional de Psicologia de São
Paulo, 2005)
Diz, ainda, Simonetti (2004):
Quando o discurso médico fracassa em sua pretensão epistemológica de banir a
subjetividade, abrem-se então as portas do hospital para a psicologia entrar, adentrar e
cuidar dessas tais coisas que subvertem a ordem médica, que criam confusão e
perplexidade na cena hospitalar. A medicina quer esvaziar o paciente de sua subjetividade,
e a psicologia se especializou em mergulhar nessa mesma subjetividade, acreditando que
“mais fácil do que secar o mar, é aprender a navegar...” (p.22)
Esse autor, entretanto, chama-nos a atenção para um importante questionamento que a
psicologia deve se fazer: o melhor caminho seria realmente assumir para si todo o trabalho
relacionado com a subjetividade, ou redirecioná-la em direção à medicina, para que esta
também a integre na sua atuação? Mais uma vez vem em evidência a importância de haver
diálogo constante entre os profissionais das diferentes áreas, a fim de que cada um contribua,
com a especificidade de seu olhar, para um bom desempenho de toda a equipe, trabalhando de
forma integrada, sem invadir o espaço do outro, reconhecendo os limites da atuação de cada
área profissional.
Considero essa postura imprescindível para o desenvolvimento de um bom trabalho,
podendo ajudar a reduzir as disputas de poder muito presentes entre os profissionais de saúde:
ao mesmo tempo em que os psicólogos criticam a postura do médico, por exemplo, também
117
consideram que eles devem assumir uma posição hierarquicamente superior a outros membros
da equipe, tal como os enfermeiros ou os nutricionistas, repetindo o mesmo erro que criticam
no médico.
Para evitar que isso ocorra, faz-se necessário que cada profissional tenha bastante
clareza do seu papel dentro da equipe, evitando-se, assim, tanto que algum aspecto da atuação
deixe de ser abordado, quanto que um profissional interfira no papel do outro. E esse tema é
levantado, com freqüência, na bibliografia específica, em que os autores se preocupam por
delimitar a área de atuação do psicólogo, de modo que este saiba onde deve concentrar seu
trabalho, para não ampliar demais a atuação, invadindo outras áreas e não conseguindo obter
resultados satisfatórios. Sempre há confluência entre os autores, mas cada um termina
enfocando algum aspecto que considere mais relevante. Vejamos a opinião de alguns deles.
Segundo Romano (1999b), a tarefa desse profissional seria “atender, identificar,
intervir e registrar os desajustes emocionais do paciente e da família dele, decorrentes do
diagnóstico, do processo que ele vai sofrer dentro do hospital e, depois, durante sua reinserção
na sociedade”. Essa autora ainda afirma:
Qualquer outra queixa que aparece e que não tem essa vinculação, não diz respeito ao
psicólogo que trabalha dentro do hospital. (...) Porque se eu for atender todos os problemas
emocionais que uma pessoa pode me trazer, não vou conseguir ser útil para uma grande
maioria que vem ao hospital. (Romano, 1997)
Essa autora (1994, 1997, 1999, 2000), sempre que fala sobre o papel do psicólogo em
hospitais, deixa claro o enfoque no paciente e na família, excluindo da população a ser
atendida pelo psicólogo hospitalar os profissionais que compõem a equipe, tarefa a ser
executada, segundo sua opinião, por um psicólogo organizacional que atue em hospital. Diz
que “as implicações com a equipe serão sempre visando este único paciente sobre o qual se
fala” e qualquer tarefa que fuja do foco paciente/família é considerada como sendo tarefa “do
psicólogo em hospital e não do hospitalar”. (Romano, 1999a, p.20) [grifo da autora]
Além disso, ela também acrescenta a necessidade de o profissional “ser concorde com
as tarefas maiores do hospital, que são igualmente de sua profissão: prestar assistência,
responsabilizar-se pelo ensino e desenvolver pesquisas” científicas ou relacionadas à atuação,
seja para avaliação desta ou para “alterar/propor sua rotina/instrumental de trabalho”.
(Romano, 1999a, p.33)
Já Neder (1991) não faz distinção da população a ser atendida no hospital:
118
...as atividades do psicólogo, no que concerne à Assistência Psicológica em Hospital
Geral, dizem respeito à população hospitalar, estendendo-se, conforme a demanda e
possibilidades, desde o atendimento ao paciente e à sua família, até o atendimento, direto ou
indireto que, de alguma forma, se presta à equipe multiprofissional. (p.50)
Angerami-Camon (1995), por sua vez, define que o papel do psicólogo hospitalar seria
minimizar o sofrimento decorrente do processo de hospitalização, não abrangendo somente a
causa da hospitalização, ou seja, a patologia, mas, sobretudo, suas seqüelas e decorrências
emocionais.
Um outro autor, Simonetti (2004), em seu Manual de Psicologia Hospitalar, diz que o
objetivo do trabalho do profissional que atua em Psicologia Hospitalar é “ajudar o paciente
a atravessar a experiência de adoecimento” (p.13) e reforça a existência de uma especificidade
da atuação do psicólogo, para a qual foi treinado, e que se relaciona com a abertura de
“espaço para a subjetividade da pessoa adoentada, porque influi no curso da doença, porque
modifica a vivência que o paciente, os médicos e a família têm da própria doença”. (p.14)
Concluo com Quayle (1995), que diz que há várias faces que a atuação do psicólogo
pode assumir, de maneira integrada com a equipe, mas “o fundamental é que não se perca de
vista o caráter diferenciado da escuta e da fala do psicólogo, que transcende o dito e se pauta
pelo respeito à individualidade e busca favorecer o desenvolvimento psíquico do indivíduo”.
(p.37)
Entretanto, entre os profissionais que atuam na área, em Sergipe, parece que nem
todos conseguem perceber uma especificidade na atuação do psicólogo, o que pode contribuir
para o reforço da visão de que a psicologia é uma presença supérflua, ou uma maquiagem do
serviço, sem efetividade de atuação. Acreditar que paciência, sensibilidade e intuição podem
substituir a atuação do psicólogo é uma desvalorização daquilo que é próprio de nossa
profissão, o que nos leva a supor que esse pensamento denota um certo desconhecimento
daquilo que é específico da psicologia. Essa postura pode levar tanto a uma desvalorização do
próprio psicólogo, quanto a uma expectativa e cobrança, em relação aos outros profissionais,
de intervenções para as quais eles não obtiveram formação. Esquece-se de que há, sim, uma
diferenciação na fala e escuta do psicólogo, visando a possibilitar ao paciente que encontre
adequadas maneiras de expressar e canalizar suas angústias, medos, dúvidas, de modo a
minimizar “o desgaste pessoal e o sofrimento psíquico” (Quayle, 1995, p. 37), decorrentes de
todo o processo pelo qual passa durante seu adoecimento e hospitalização. E se o próprio
119
psicólogo não está seguro quanto ao que pode/deve realizar dentro do hospital, fica difícil
para os outros profissionais da equipe de saúde entenderem qual sua atuação.
Esse contexto também foi apontado na dissertação de Capobianco (1998), que
apresenta uma falta de consenso entre os profissionais de saúde sobre qual deveria ser a
função do psicólogo, apesar de concordarem que ele deveria integrar a equipe de saúde. Em
Sergipe, os entrevistados que levantaram essa questão comentam que os demais profissionais
de saúde que atuam nos hospitais de Sergipe realmente não sabem a real função do psicólogo
na equipe, generalizando esta para o aspecto clínico em consultório, além de fazerem
solicitações “descabidas”, que não dizem respeito às suas atribuições. Um dos entrevistados
ainda comentou que precisou fazer um plano de ação porque o diretor da instituição não
“tinha idéia de qual era o trabalho do psicólogo”.
Muitas vezes o profissional se depara com expectativas da instituição, quanto a seu
trabalho, que se situam mais em “um nível idealizado” que em “um nível realista”: “afinal
chegou alguém para resolver os problemas que ninguém conseguiu sanar” (Maldonado, 1990
apud Romano, 1999a, p.54). A angústia de frustrar tais expectativas parece estar muito
presente, ainda, entre os psicólogos, no trabalho que desempenham nos hospitais pelo Brasil,
na tentativa de formar uma identidade para sua atuação.
4.3.4. Perspectivas, possibilidades e desafios
Diante desse contexto, podem-se pensar alguns caminhos a serem seguidos, de modo a
levar os profissionais a refletirem e se questionarem sobre sua atual situação de trabalho e,
assim, serem vislumbradas diferentes alternativas aos entraves encontrados no dia-a-dia da
instituição, algumas vezes vistos como única possibilidade para o lugar “conflituoso, turvo e
desafiador” (Jesus, 2005, p. 287) em que se encontram inseridos.
Um desses entraves diz respeito à falta de delimitação dos papéis a serem
desempenhados por cada profissional dentro da equipe, o que faz com que alguns
profissionais assumam funções que não lhes pertencem. O psicólogo deve estar atento para
não se emaranhar na estrutura e, para tal, acredito ser importante a criação de espaços que
possibilitem discussões sobre o lugar e a função que ele deve desempenhar no hospital. Não
tanto o que se espera dele, mas aquilo que a psicologia concebe como sendo importante ser
focado dentro do hospital, até para que possa colocado de maneira clara para a equipe,
possibilitando o melhor desempenho possível. Nessa discussão, deve-se ter em mente, ainda,
o aspecto histórico que nos envolve, pois somente assim não nos colocaremos inferiores em
120
relação à posição de destaque dos médicos, por exemplo, mas trataremos de construir nós
mesmos nossa posição nesse contexto. Infelizmente, parece que essa não é uma visão muito
disseminada: entre os nossos entrevistados, somente um deles comentou essa questão, e
poucos não se queixaram da posição ocupada pelo médico, vendo como a única possibilidade
existente colocar-se no lugar que “sobrou” para eles.
Quayle (1995) também nos traz um questionamento sobre o lugar ocupado pelo
psicólogo “numa ‘ordem’ tão concreta e hierarquizada como a do hospital”, que, muitas
vezes, corresponde à “brecha
78
ou àquilo que “sobra
79
. (Quayle, 1995, p. 35). Nessa busca
de um lugar, esquece-se da necessidade de construção desse espaço, mantendo-se a situação
de ninguém saber para que se quer um psicólogo no hospital, a não ser quando há uma lei ou
alguma outra autoridade que determine essa presença, como ocorreu com a contratação de
uma psicóloga para atuar em UTI devido, a “uma exigência do Ministério da Saúde”; ou a
aceitação do psicólogo pelo chefe da equipe somente porque tinha passado no concurso e sido
“mandado” para aquele setor, apesar de o médico achar que “não teria muito o que fazer” ali;
ou ainda um profissional que busca alguma lei que normatize o trabalho do psicólogo no
hospital, desvinculando-o da solicitação médica, pois assim o médico não se poderia opor.
Com relação a isso, em 1999, Romano já afirmava: “a instituição continua com
interesse no psicólogo, mas ainda não sabe o que pedir; o psicólogo não sabe o que oferecer”
(p.19), apontando que a formação tanto teórica quanto prática dos psicólogos não
acompanhou o crescimento do interesse desses profissionais pelo hospital como área de
atuação. Passaram-se quase sete anos, e essa é a situação existente em Sergipe, onde a maioria
dos profissionais que atua em hospital não teve formação específica durante a graduação, e
nem cursou pós-graduação na área.
Sabemos que o curso de psicologia (deveria) está(r) organizado de modo o oferecer
uma formação generalista, em que o psicólogo saia com conhecimentos que o possibilitem
atuar nas diversas áreas. Entretanto, defendo a importância de que esse conhecimento seja
aprofundado, posteriormente, de acordo com a área de atuação escolhida, por meio de grupos
de estudo, supervisões, ou cursos de pós-graduação.
De todos os modos, é durante a graduação que o psicólogo vai construindo as bases de
sua profissão e, muitas vezes, como em Sergipe, essa é a única formação recebida por um
78
A autora usa “brecha no sentido de “falha na estrutura”, denunciando, pois, algo que está faltando, que está
ausente, sendo, muitas vezes, aquilo de que o psicólogo vai cuidar (Quayle, 1995, p. 35).
79
“Sobra fala daquilo que não se quer, ou não precisa”, ao mesmo tempo em que diz respeito a algo “que não
coube” no espaço e “extravasou”. “Refere-se, assim, àquilo que não pode ser lidado, elaborado, contido, mas
que, ainda assim, existe, mesmo que escoimado”. (idem, ibidem)
121
número considerável de profissionais. Durante as entrevistas, houve alguns comentários de
que há uma dissociação entre teoria e prática, uma distância da academia em relação ao
“campo aplicado do conhecimento”, durante a graduação, o que dificulta muito a atuação,
uma vez que não se tem uma real dimensão da prática do psicólogo, podendo gerar uma visão
distorcida, ou até mesmo fantasiosa
80
, daquilo que seria o papel do psicólogo, de forma que o
profissional tem que “aprender por conta”, quando ingressa no mercado de trabalho.
De fato, Simonetti (2004) nos lembra que a disciplina "Psicologia Hospitalar" é
ofertada em poucos cursos de graduação do país, levando a uma falta de preparo teórico-
técnico dos psicólogos para atuar em hospitais, o que tem sido comumente observado por
vários autores nacionais, como alguns já citados neste estudo: Campos (1995), Ribeiro (1993),
Romano (1999a), Sebastiani (2003)...
Um dos entrevistados comenta que essa dissociação entre teoria e técnica decorre da
falta de experiência, por parte dos professores, com a prática sobre a qual ensina a teoria, o
que contribui para a formulação de críticas infundadas, que não correspondem à realidade,
nem contribuem para o enriquecimento da área, aumentando muito as expectativas e,
conseqüentemente, as frustrações do profissional iniciante. E como bem nos lembra um dos
entrevistados, é bem mais fácil teorizar e criticar, na academia. O difícil é ir pro campo de
trabalho e lidar com todas as agruras do dia-a-dia, os boicotes institucionais, a falta de
reconhecimento e de valorização profissional...
Houve um profissional que enfatizou bem essa distância entre teoria e prática,
decorrente, provavelmente do fato de que ele está tendo ambas as experiências: de ser
professor e de atuar no hospital. Diz que professores têm muita teoria, mas pouca prática, e
aqueles que estão atuando nas instituições têm muita prática, mas pouco embasamento,
“carecendo de uma fundamentação crítica”. A falta de formação específica, para atuar na
área de Saúde, no Estado, dificulta a existência de bons profissionais, de acordo com sua
opinião.
Essa visão é apresentada por somente um profissional, mas considerei muito
interessante pelo fato de que ele também tem relação com a área acadêmica e foi justamente
daí que surgiu essa crítica. Não sei se procede a visão pessimista da impossibilidade de haver
bons profissionais no Estado, mas esse incômodo por um maior preparo é muito importante
para nos tirar da inércia.
80
Entendendo-se fantasiosa, aqui, como imaginativa, fantástica, algo que não condiz com a realidade.
122
A partir de todas as questões que envolvem desde a formação, a falta de clareza na
definição do papel do psicólogo no hospital, a falta de diálogo entre os psicólogos de
diferentes instituições, acredito ser imprescindível que se invista, realmente, em espaços de
discussão entre os psicólogos, em Sergipe, como assim foi no início da década de 80, no I
ENPAH. Ali se encontraram psicólogos de todo o Brasil para discutirem o que estava sendo
feito na área Hospitalar e traçarem suas linhas gerais. Pois bem, já se vão mais de 20 anos,
mas defendo a necessidade de se retomar essa discussão, pelo menos em Sergipe, uma vez
que o isolamento dos profissionais é uma das queixas mais comuns: os psicólogos que atuam
em uma instituição não conhecem o que está sendo feito por colegas em outros hospitais.
Entretanto, a sensação que fica é que apesar este de ser um incômodo muito presente,
aparentemente quase nada se tem feito para modificar essa situação.
Talvez a desmotivação de alguns, sobretudo devido ao retorno financeiro, tenha
dificultado a busca de mais mudanças. Apesar da satisfação profissional em estar atuando em
hospital, a desvalorização e falta de incentivo, inclusive financeiro, por parte da instituição,
faz com que os profissionais sintam que não têm muito por que lutar, duvidando se valeria a
pena a “energia gasta” para realizar tudo aquilo que consideram importante no hospital, se
não são reconhecidos profissionalmente, havendo, algumas vezes, rechaço direto em relação a
atividades propostas.
E realmente sabemos que não é um percurso fácil. Tantas vezes somos vistos como o
profissional do “nada”, como bem coloca Capobianco (1998, p.165): Seu filho não tem
nada. É psicológico. Procure um psicólogo. Instaura-se, assim, o especialista do nada, uma
nova especialidade, um novo órgão”.
E como nos lembra Moretto (2001), dizer “você não tem nada”, significa, na verdade,
nada que seja passível de se inscrever no discurso da medicina. E se a ordem médica é a que
impera na instituição hospitalar, o que estiver fora dessa ordem é desvalorizado, e, muitas
vezes, excluído, devendo “ser visto por um psicólogo”, aquele profissional que está ali para
preencher as “brechas”, cuidar daquilo que “sobra”. Não é fácil, portanto, colocar-se nesse
“lugar conflituoso, turvo, desafiador” (Jesus, 2005, p. 287), daquele que trata do “nada”, este
nada que, na verdade, “denuncia a falta” de conhecimento do médico, corresponde a algo com
que “não pode ser lidado, elaborado, contido, mas que, ainda assim, existe, mesmo que
escoimado”. (Quayle, 1995, p.35)
123
4.3.5. Considerações finais
Mas a psicologia em Sergipe está crescendo... Encontramos cada vez mais
profissionais preocupados com a realização de um bom trabalho, com o aperfeiçoamento de
sua atuação, e, sobretudo, com uma visão ampla, que não se fecha no psi, mas se abre para as
questões culturais, sociais, espirituais e também orgânicas. Nos últimos anos, vários
concursos públicos, sobretudo na área de Saúde, têm oferecido vagas para psicólogo em todo
o Estado, o que representa uma conquista e um grande crescimento da área.
Sobre a rapidez do crescimento da Psicologia da Saúde, discorre Marks (1996 apud
Spink, 2003, p. 67): “tão frenético é o seu ritmo de crescimento que apenas raramente os
psicólogos da Saúde param para examinar criticamente o estatuto do campo, avaliar sua
qualidade e revisar seu impacto no bem-estar da população”. Talvez seja essa uma das
questões que dificultam o bom estabelecimento dessa área de atuação.
Na verdade, estamos engatinhando... Ainda há muito o que melhorar. E não considero
que isso seja privilégio de Sergipe. Capobianco (1998) comenta que a própria Belkiss
termina seu trabalho, em 1997, afirmado que o “papel do psicólogo em hospitais não estava
bem definido” (p.201). Estamos já em 2005 e isso parece não ter sido modificado totalmente.
Claro que há locais no Brasil, como São Paulo, berço de nossa atuação, em que a situação é
outra, o campo já está bem consolidado, mas ainda assim não há unanimidade, entre os
hospitais, da importância de se ter um psicólogo compondo a equipe multiprofissional.
Romano (1999a) é mais taxativa em sua posição: no hospital, “o espaço para o
psicólogo existe e é irreversível” (p.19). Claro que somente nós podemos ocupar esse lugar,
adaptando-o à realidade da instituição em que estivermos, da equipe de trabalho, por meio de
uma postura ética, responsável, compromissada com a atuação:
Sabemos [os psicólogos] o que podemos fazer pelo nosso doente, por sua família e
sua comunidade. Resta livrar-nos de nossos próprios preconceitos, apostarmos em nossa
criatividade e em nossa capacidade de gerar conceitos mais próximos das necessidades
brasileiras, com todos os seus percalços e infortúnios. (...) Isto só será possível se houver
uma congregação de fato entre a teoria e a prática, com discussões amplas em torno de
temas comuns, que identifiquem e cristalizem o psicólogo clínico que atua em hospitais
brasileiros. (Romano, 1999a, p.131)
124
Formação pessoal e acadêmica específica, conjugando teoria e prática, diálogo entre os
profissionais, conhecimento do contexto sócio-histórico-cultural em que atuamos. Todos esses
são subsídios que possibilitam essa atuação engajada, capaz de produzir um bom trabalho,
resultando na promoção da “saúde e [d]a qualidade de vida das pessoas e das coletividades”
(Conselho Federal de Psicologia, 2005a, p. 7), um dos princípios fundamentais do Código de
Ética Profissional do Psicólogo.
Para mudar esse quadro, e ampliar o desenvolvimento de nossa área, precisamos de
algumas mudanças na postura dos profissionais ou, como afirma Marisa Leitão (1992, p.85),
uma das pioneiras e, com certeza, grande responsável, no nordeste brasileiro, pelo
desenvolvimento e formação de profissionais para atuar na área hospitalar,
as distâncias e as diferenças devem ser anuladas por uma atitude profissional sem
fronteiras. Onde os profissionais informem e troquem suas experiências, sem se dizerem
fazendo o melhor; como também, sem se sentirem fazendo nada ou sem condição para
qualquer ação.
E em todas as reflexões levantadas, falo de Sergipe, por ter sido meu campo de estudo,
mas acredito que muitas delas podem ser ampliadas ao Brasil, já que encontrei, em vários
estudos realizados em diferentes locais do país, alguns deles apresentados aqui, muitos dos
questionamentos que eu me coloquei diante dos dados obtidos e da realidade observada no
meu Estado. Marisa Leitão (1992) afirma que, após ter contato com a “Psicologia Hospitalar”
no sul, no nordeste e no norte, percebeu que as necessidades eram as mesmas, apesar de estas
ocorrerem em diferentes níveis, com especificidades decorrentes das questões regionais, como
as doenças mais comuns, as principais causa-mortis, etc. Ela comenta, ainda, que, em todos os
locais por onde passou, encontrou a mesma situação: “a miséria para muitos e a riqueza para
poucos. Sempre a saúde, como um todo, sendo secundarizada. Não se previne a saúde, não se
trata a doença; nem física, nem psicológica, nem moral. Negativamente falando, já vivemos
uma unidade nacional”. (p. 85)
É uma realidade dura, mas que deve ser levada em conta, e não menosprezada, pelos
profissionais de saúde, já que também eles têm a obrigação de zelar, dentro de seus limites e
possibilidades, para que a saúde, em todos os seus aspectos, possa ser promovida nos diversos
setores da sociedade. Esse é um tema que gera uma ampla e importante discussão, mas esta
ultrapassaria os objetivos da presente pesquisa, e deixo, aqui, em aberto, para novos estudos
125
que se interessem por aprofundar as relações entre a Psicologia e as Políticas de Saúde no
Brasil.
Ao concluir, gostaria de deixar registrada aqui minha esperança de poder ser seguida
por vários outros pesquisadores que queiram contribuir para a construção da história da
psicologia no Brasil, sobretudo na sua interface com a saúde, trazendo novos dados, novas
visões, dada a transitoriedade dos conhecimentos, que devem ser modificados e até
esquecidos “na medida em que deixem de responder às condições sócio-históricas que os
favoreçam, exigiram e fizeram florescer”. (Mancebo, 2005, p.17)
Tentei, aqui, escrever uma história de um processo em constante transformação.
Nossos protagonistas continuam atuando, aperfeiçoando-se e contribuindo para a construção
de um lugar para a psicologia nos hospitais de Sergipe. Espero ter dado minha parcela de
contribuição nesse processo de que também me sinto, hoje, participante.
126
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133
ANEXOS
134
Anexo 1:
ROTEIRO PARA ENTREVISTA
1. Fale-me sobre sua formação acadêmica, desde a escolha do curso, a entrada na faculdade,
até hoje.
a. Tentar preencher os seguintes itens:
i. Graduação: ano, local, estágios
ii. Pós-graduação: stricto/lato, instituição, ano, área
b. No que sua graduação contribuiu para o trabalho em hospitais?
2. Fale-me um pouco sobre o início de suas atividades profissionais, até chegar a hospitais em
Aracaju.
a. Ano, instituição, área de trabalho, vínculo empregatício, funções
b. Maiores desafios, dificuldades, realizações
4. Como é seu trabalho hoje?
a. Vínculo
Como se deu a entrada: convite, concurso currículo
Vínculo empregatício (remunerado, voluntário, terceirizado)
Jornada de trabalho
Salário fixo e/ou porcentagem dos atendimentos
b. Atuação
Referencial teórico
Tipo de atendimentos (com paciente - ambulatorial, interconsulta, rotina;
com família/acompanhante; com funcionários - RH)
Especialidade que atua atendimentos específicos (acompanhamento
pré/pós-cirúrgico, quimioterapia, radioterapia, hemodiálise, sala de espera,
grupos de apoio...)
Tipos de atendimento grupal (terapia/apoio/educacional), individual (PB,
apoio, aconselhamento), avaliação psicológica, seguimento pós-alta...
a. Equipe
135
Profissionais que a compõem
Reuniões (clínica, técnica, burocrática)
Relacionamento entre os diversos profissionais
b. Presença ou não de estagiários em psicologia e outras áreas remuneração
Suportes administrativos (há exclusividade para o psicólogo?) - Secretaria,
telefone, sala para atendimento individual e grupal, arquivo, material de
escritório, de testes psicológicos, ludoterápico...
2. A partir de sua experiência:
a. O que você entende por saúde?
b. Psicologia da saúde?
c. Psicologia hospitalar? (Concorda como termo? É uma psicologia diferente?)
d. Qual o papel do psicólogo no hospital?
e. Como você vê a relação do psicólogo com os outros profissionais de saúde?
Comente sua experiência.
f. Comente algumas alegrias e algumas dificuldades/limites com que você se
depara no seu dia a dia.
g. Você conhece algum curso de especialização em psicologia hospitalar? O que
pensa sobre isso? O que você acha deveria ser dado num curso desse tipo?
h. Acredita que possam existir lacunas teóricas na especialidade psicologia
hospitalar? Em caso afirmativo, quais e como poderiam ser preenchidas?
6. Gostaria de acrescentar mais alguma coisa?
136
Anexo 2:
Lista das instituições, em Sergipe, obtida no DATA-SUS
Nome da instituição
Natureza
da
Organização
Esfera
Administrativa
Tipo
Unidade
Casa de Parto Maria do Carmo Alves
Hospital Regional Dr.ª Maria do C. N. Alves
Maternidade Luzia Nascimento Silva
Unidade Mista Dr. Bernardino Mitidieri
Unidade Mista de Saúde Dona Zulmira Soares
Unidade Mista Gov. João Alves Filho (
81
)
Unidade Mista
Hospital Dr. Francisco Rollemberg
Hospital Haydde Carvalho Leite Santos
Hospital e Maternidade Maria Soares Dutra
Hospital Regional João Alves Filho
Caps III Liberdade (
82
)
Hospital geral
PA 24 Horas Augusto Franco
PA 24 Horas Dr. Onésimo Pinto
PA 24 Horas José Augusto Barreto (
1
)
PA 24 Horas Goretti Reis (
83
)
Municipal
PS Geral
Hospital da Policia Militar
Hospital Dr. Pedro Garcia Moreno
Hospital Governador João Alves Filho
Hospital Geral
Maternidade Hildete Falcão Baptista
Centro Psiquiátrico Dr. Garcia Moreno
Administração Direta da Saúde
Estadual
Hospital
Especializado
81
Apesar das diversas tentativas, não foi possível estabelecer contato com essas instituições.
82
Não se trata de hospital especializado, como cadastrado no DATASUS, mas sim de CAPS, tendo sido, portanto, excluído da pesquisa.
83
Apesar de estar cadastrada no DATASUS como Pronto-Socorro Geral, essa instituição funciona como posto de saúde, tendo sido, portanto, excluída da pesquisa.
137
Hospital e Maternidade Santa Cecília Economia Mista
Clinica São Domingos Sávio
Hospital São Lucas
Hospital de Carmópolis
Hospital Jose do Prado Franco Sobrinho
Hospital São José (
1
)
Privada
Hospital Geral
Casa de Saúde Santa Maria
Clinica de Acidentados Ltda
Clinica de Repouso São Marcello Ltda
Hospital do Coração
Clínica Santa Helena
Hospital
Especializado
Urgências Médicas PS Geral
Pronto Clínica - São Marcos PS Especializado
Sempre-Viva Unidade Cirúrgica Ltda Unidade Mista
Clínica São José
HORG Hospital de Olhos Rolemberg Góis Ltda
Hospital de Olhos de Sergipe
Clinica de Olhos Dr. Carlson Silva
Juvina Leonor de Souza
Núcleo de Laser e Cirurgia Ocular
Oftalmoclinica
Clinica Ortho-Day Hospital
Empresa Privada
Privada
Hospital-
Dia-Isolado
Hospital Universitário
Administração Direta de Outros
Órgãos
Federal
Hospital e Maternidade de Caridade Nossa Senhora
da Boa Hora
Hospital "São Pedro de Alcântara"
Hospital e Maternidade Santa Mônica (
84
)
Hospital E Maternidade São José
Entidade Beneficente sem Fins
Lucrativos
Privada
Hospital Geral
84
Ao entrar em contato com a instituição ou com a Secretaria de Saúde do município em que está localizada, fui informada de que atualmente encontra-se fechada.
138
Hospital São Luiz Gonzaga (
4
)
Hospital Nossa Senhora da Conceição
Hospital São João de Deus
Hospital Regional de Neópolis
Hospital e Maternidade São Francisco
Hospital São Vicente de Paulo (
4
)
Hospital de Riachuelo
Hospital de Rosário (
4
)
Hospital e Maternidade Nosso Senhor dos Passos
Hospital Bom Jesus
Hospital São Vicente de Paulo (
1
)
Hospital de Cirurgia
Hospital Santa Izabel
Hospital Regional Amparo de Maria
Hospital São José
Unidade Mista de Saúde (Associação Comunitária N.
Sra. do Desterro)
Casa de Saúde Pedro Valadares
Hospital Geral
Centro Obstétrico Dr.ª Leonor Barreto Franco
Maternidade Zacarias Júnior
Entidade Beneficente sem Fins
Lucrativos
Privada
Hospital
Especializado
139
Anexo 3:
TERMO DE CONSENTIMENTO
Título da pesquisa: A inserção da psicologia no hospital: o caso de Sergipe
Pesquisadora: Célia Maria Alcântara Machado Vieira, Mestranda no curso de Pós-
Graduação em Psicologia Social, PUC-SP
Orientadora: Maria do Carmo Guedes (Núcleo de Estudos em História da Psicologia).
Previsão de entrega da Dissertação: março de 2006.
Prezado(a) Sr.(a):
Este estudo objetiva compreender a inserção da psicologia em hospitais no Brasil, tendo como
recorte especial o Estado de Sergipe. Para isso, estão sendo recolhidos documentos e
realizadas entrevistas com profissionais psicólogos e outros profissionais em alguns hospitais
da região.
Vimos, pois, solicitar a permissão para entrevistá-lo(a). Será uma entrevista de meia hora,
mais ou menos, e gostaríamos de gravá-la.
Comprometemos-nos a manter sigilo das informações e o anonimato de nomes e locais que
sejam citados, de acordo com o seu desejo, sem prejuízo ainda da possibilidade de, a qualquer
tempo no decorrer do trabalho, modificar ou solicitar informações, retirar dados, ter acesso ao
material que foi transcrito de sua fala, suspender e/ou desistir da pesquisa sem qualquer tipo
de comprometimento pessoal/profissional. Comprometemos-nos, ainda, se for de seu
interesse, a retornarmos depois de concluída a pesquisa.
Duas cópias são tiradas deste documento: uma ficará com o(a) senhor(a), a outra será
arquivada no Núcleo de Estudos em História da Psicologia, da PUC-SP.
Caso o entrevistado não concorde em assinar este documento, porém aceite participar da
pesquisa, somente assinarão o entrevistador e seu orientador. Acreditamos que sua
contribuição para com este trabalho é de fundamental importância e desde já agradecemos sua
atenção.
De acordo (entrevistado) _____________________________________________
Nome:
Telefone para contato:
Célia Maria Alcântara Machado Vieira Maria do Carmo Guedes
Telefone: (79) 81076296 Telefone: (11)36708190
140
TERMO DE CONSENTIMENTO
Título da pesquisa: Um lugar para a psicologia em hospitais de Sergipe
Pesquisadora: Célia Maria Alcântara Machado Vieira, Mestranda no curso de Pós-
Graduação em Psicologia Social, PUC-SP
Orientadora: Maria do Carmo Guedes (Núcleo de Estudos em História da Psicologia).
Previsão de entrega da Dissertação: março de 2006.
Prezado(a) Sr.(a):
Este estudo objetiva compreender a inserção da psicologia em hospitais no Brasil,
tendo como recorte especial o Estado de Sergipe. Para isso, estão sendo recolhidos
documentos e realizadas entrevistas com profissionais psicólogos e outros profissionais em
alguns hospitais da região.
Vimos, pois, solicitar a permissão para divulgar seu nome no capítulo destinado a
traçar uma cronologia da inserção de psicólogos nos hospitais de Sergipe, visando a facilitar a
construção dessa cronologia e localização dos profissionais ao longo do tempo, além de
possibilitar aos leitores o conhecimento de alguns dos psicólogos que iniciaram os trabalhos
nessa área de atuação em nosso Estado.
De acordo (psicólogo) _____________________________________________
Nome:
Telefone para contato:
Célia Maria Alcântara Machado Vieira Maria do Carmo Guedes
Telefone: (79) 81076296 Telefone: (11)36708190
141
Anexo 4:
Entrevista com Simone
C Eu queria que você me contasse como foi sua formação: formação acadêmica, quando se
formou, se fez estágio, até chegar no hospital...
S Pronto. Eu fiz o curso na Federal de Pernambuco, porque que eu sou daqui, mas como
aqui, na época, não tinha curso de Psicologia, eu tive a oportunidade, por questão de
parentesco, de ir para Recife, aí eu fiz o vestibular lá. Fiz terceiro ano aqui, depois fiz
vestibular lá. E lá, na época que eu fiz, não tinha estágio, não tinha disciplina de Hospitalar
nem nada. A gente entrou, quando eu fiquei, mais ou menos no meio do curso, acho que no
quinto período, aí foi que uma professora, que era justamente de Psicologia Social, professora
do departamento, era também psicóloga clínica, atuava em consultório já há um bom tempo, e
aí ela começou a fazer curso em Hospitalar, por interesse próprio, como enriquecimento
profissional. Então ela fez, gostou muito, aí pensou na idéia: “por que não introduzir a
disciplina e, mais para frente, o estágio de Psicologia Hospitalar aqui, na Federal?” Já que ela
era professora efetiva? Então a gente foi junto com ela, foi na época que teve a reformulação
do currículo...
C Quando foi isso?
S Isso em, eu entrei lá em oitenta e cinco. Aí quando chegou mais ou menos no quinto
período, foi que houve essa possibilidade de a gente introduzir a disciplina, porque estava
havendo a reformulação do currículo lá na faculdade. Aí a professora batalhou, aí nós fomos,
e conseguimos introduzir a disciplina. Então fizemos um semestre da disciplina... Durante
esse período, ela foi vendo a condição de viabilizar o estágio. Aí conseguiu introduzir o
estágio, inicialmente como extracurricular. Hoje eu já sei que ele é curricular há alguns anos,
mas, na época, a primeira vez, foi extracurricular. Aí, então, eu fiz a disciplina e fiz o estágio,
fui da primeira turma. E como era extra, o curricular eu fiz em clínica, então eu fiquei fazendo
os dois ao mesmo tempo. Porque eu me formei em seis anos, como eu não era de lá, eu
procurei fazer tudo o que pude. Só a monografia e monitoria que não deu tempo, que chocou,
mas o que eu pude eu fiz, para aproveitar o tempo de graduação. Pronto! Aí eu fiz o estágio,
tanto, que era extracurricular, que terminou o curricular, nós demos entrada, formamo-nos e
tudo, e ainda ficamos dois ou três meses. Como era extra, a gente assinou um termo que
poderia concluir o estágio sem vínculo empregatício para faculdade nem nada. E o estágio era
no Hospital das Clínicas de lá. Aí o estágio em clínica, eu fazia no próprio prédio de
Psicologia, e lá, o de Hospitalar, eu fiz lá. Pronto! Aí quando eu me formei, em pouco tempo
eu ainda tava terminando o estágio de lá, houve o concurso pro HEMOPE, que é equivalente
ao HEMOSE aqui. Aí tinha vaga para psicólogo, então eu fiz, eu passei. Aí fiquei aguardando
chamar. Aí tinha aquela possibilidade, porque eu já tinha bolsa CNPq, pegaria
aperfeiçoamento... Fiquei naquela coisa de fazer outras coisas. Mas aí foi que demorou e não
chamaram. Porque só era uma vaga, e eu passei no segundo lugar. E a primeira colocada
demorou para entrar porque já tinha uma lá e a que tava lá não passou, e aí tinha que sair para
entrar outra, aí teve um probleminha para ela entrar. Aí nisso, bom, já que não teve, minha
mãe: “não, já que não teve, então venha para cá, você está aí parada, venha tentar alguma
coisa aqui”.Aí eu fiz, então peguei o currículo debaixo do braço e fui de hospital em hospital,
mesmo não tendo conhecimento, porque eu estava seis anos fora daqui e na minha família não
tenho ninguém na área de saúde. Só tenho um primo da minha mãe que é médico. Uma coisa
142
assim distante. Então foi uma das pessoas até que eu falei, na época, quando eu voltei. Mas
fora isso eu não tenho ninguém, nem dentista, nem enfermeiro, nem médico, nem nada. Então
eu não tinha nem como assim dizer “não, Sm, eu conheço um lugar”, aquela coisa de cidade
pequena que você vê. Aí eu fui, e pronto. Fui decidida em ir de hospital em hospital, então
vim parar aqui. Então o C
85
. não foi o primeiro lugar que eu fui, eu já tinha passado em outros
hospitais, levando currículo, mesmo me apresentando como recém formada. Aí quando eu fui,
falei com o diretor, falei primeiro com o diretor administrativo. Ele disse “olhe, antes de tudo,
não tem vaga, mas como essa parte sua não é da minha área, é com o diretor clínico, que é a
parte da área de saúde, então eu vou pedir para o assistente passar você para ele, você fala
com a secretária dele, e vai lá para ser atendida”. Aí eu fui, ele me atendeu, pegou meu
currículo, e como eu já tinha ficado um bom tempo no estágio na parte de hematologia, uma
boa parte do estágio foi em hematologia, ele disse: “Ah, tem aqui o setor de oncologia, então,
pelo currículo, acho que seria interessante. Vou pedir à moça para lhe levar à secretária lá
para falar com o chefe do setor”. Mas aí o chefe do setor falou: “mas o que é que uma
psicóloga vai fazer? O setor é enorme, cheio de pacientes, o que é que uma psicóloga vai fazer
aqui?” “Por que é que V. lhe mandou?” Como quem dissesse: “não tem como!” Aí conversou
um pouco comigo, não foi deselegante, mas foi sincero comigo. Aí o diretor clínico disse:
“depois você entre em contato, alguma coisa pode telefonar”. Aí eu falei com ele, depois
entrei em contato, passou um dia, dois, depois entrei em contato, e ele disse: “é, porque ele
falou assim, tal, mas tem outro setor. Realmente não tem sentido uma psicóloga aqui, não vai
ter como, é uma coisa, assim, tem outro setor que está realmente precisando de uma
psicóloga”. Que era aqui. Aí falou “Dr. T.”, eu lembro bem que na época eu não sabia, “ele é
médico de quê?” “É cardiologista”. Eu não tinha conhecido, que eu morei uns anos fora
daqui. Aí eu disse: “Tá, tudo bem”. “Venha aqui na minha sala, que a secretária te leva lá”.
Porque o hospital é grande. Eu vim, conversei com ele, ele olhou meu currículo, e logo disse:
“estou querendo mesmo uma psicóloga”. Já disse o que é que tava pensando, que era para
acompanhar os pacientes de cirurgia cardíaca, a questão da atuação no internamento, mas ele
disse: “mas aí eu não tenho como lhe contratar, porque aqui é particular, é uma fundação
particular. Mas não é como uma empresa que tem dono, gerente, isso não. Você tem o
conselho que, o conselho é que está atrás do diretor. Então o diretor, ele está assumindo um
papel ali. Mas por trás dele existe um conselho diretor, que é que libera essas coisas”. Aí não
ia ser fácil, assim, aquela história. Então, eu fiquei um período como bolsista. Com relação à
questão do setor, como o setor tem uma cooperativa vinculada ao setor, através dessa
cooperativa, eles me pagavam. Para eu poder ficar enquanto não conseguiam resolver a parte
trabalhista, de eu ser realmente contratada. Pronto. Aí, depois de algum tempo, eu consegui,
depois de alguns meses foi que eu consegui ser contratada. E aí foi interessante, porque
ninguém tinha referência nenhuma.
C Quando foi isso?
S Isso já em noventa... Eu me formei em noventa, eu vim para cá no final, em outubro de
91, foi quando eu conversei com Dr. T., fiquei alguns meses lá terminando o estágio,
esperando o concurso, pronto. Aí em outubro eu conversei com ele, e aí em agosto de 1992 é
que eu fui contratada. Nove meses depois. Quando foi para me contratar, já começou o
primeiro dilema: “O que a gente vai colocar? Como é que vai ser a carga horária? Como é que
vai ser seu salário?” Na época, o hospital tinha justamente setenta anos, perto de setenta, não
sei, fez setenta anos há pouco tempo, e nunca tinha tido psicólogo. Então eles não tinham
referência, nem aqui nem em outros hospitais, porque não tinham. Porque a informação que
85
Hospital beneficente onde iniciou seus trabalhos e atua até hoje.
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nós tínhamos aqui em Aracaju é que não tinha outro lugar que existia psicólogo contratado em
hospital geral. Foi a informação que a gente teve, isso em 92. Então, o que eles fizeram?
Colocaram, na época, e isso se mantém, a carga horária de médico, ficou 20 horas, tem aquela
questão já, que para médico existe até uma lei, antiga, que faz isso, mesmo passando em
concurso, eles trabalham 20 horas, questão da categoria deles, então eles colocaram, e
colocaram salário de enfermeira. Para você ver como tinha aquela coisa híbrida, como
dizendo: “que referência a gente vai ter? Se você não é médica você não vai ficar recebendo
como uma médica. Se você não é enfermeira, não vai trabalhar como enfermeira, 30 horas, 36
horas”. Aí ficou 20 horas, ficou assim. Aí, pronto, primeiro emprego, aquela coisa, não tinha
nem o que falar. E estou até hoje. Minha carga horária realmente é 20 horas, o que muda é a
função. Enfermeira, eu não sei se ficou a mesma coisa ou não, porque com o tempo houve
uma mudança. Então, ficou assim! Aí, você falou cursos. Então, teve isso na graduação, e aí
quando eu comecei a trabalhar, quer dizer, eu estava menos de um ano formada, então, não
tinha cursos, só tinha referência do estágio mesmo. E é claro que é muito pouco, e eu senti o
peso de você assumir trabalhar num setor que não tem referência de um modelo de trabalho,
ainda mais recém-formada, eu não tinha contato com colegas, todo mundo ficou em Recife,
meus professores... Então o que foi que eu fiz? Eu paguei supervisão particular. Aí eu fui,
uma vez teve uma reunião lá na Federal, já estava iniciando o curso, quando eu voltei já
estava iniciando o curso. Eu vi a palestra, cheguei para uma professora, eu vi que ela falou
alguma coisa que tinha experiência em hospitalar, me apresentei, e disse: “olhe, eu estou
precisando de uma supervisora, você quer ser minha supervisora?” Foi assim. “Porque eu
estou começando a trabalhar e eu não tenho condição só”. Porque é difícil você assumir a
responsabilidade sem estar com supervisão. Aí pronto! Ela fez supervisão comigo durante
dois anos, ajudou-me bastante, principalmente na questão de sistematizar a atuação, me dar
uma dicas por onde eu poderia aprofundar a parte bibliográfica, e tudo mais...
C Quem foi?
S D. Ela é do departamento, é aposentada há pouco tempo. Então há muito tempo, ela tem
muita experiência em clínica, e como supervisora, mas, assim, ela tinha passado por uma
experiência antes, anos atrás, não era nem aqui em Aracaju, em Hospitalar. Ela já tinha tido
essa vivência, e como era a pessoa do departamento que tinha, aí eu digo: “vou com ela,
porque ninguém mais tem”. Então realmente me ajudou muito. Tanto a experiência dela como
professora, mesmo que ela não fosse ligada diretamente a Hospitalar, mas toda a bagagem
dela de supervisão, ela me ajudou bastante. Aí eu fiz durante dois anos, depois eu continuei,
então nesse período todo, as vezes que tinha congresso, eu participava, fiz pequenos cursos,
nos congressos sempre comprava livro, no tempo de faculdade eu comprei muito livro, trouxe
muito e isso me ajudou bastante, porque eu não tinha a quem pedir emprestado! Tinha que ser
comigo mesmo. A livraria não vende, aquela história. Então tudo era de fora. Comprava, ia
estudando, fazendo, ia organizando aqui, minha forma de trabalho, e aí eu contei já com a
ajuda de profissionais médicos, enfermeiros, que iam dando idéia: “olhe, S, seria bom
assim...” Já que tem essa lógica acadêmica, então eles assumem essa coisa de orientar
estagiário, então de certa forma me orientaram, mesmo sendo de outra área, o que me
favoreceu também. Então, fiquei um período fazendo isso, e aí quando foi em 2001, 2002, eu
acho que foi em 99 que começou, foi que teve a oportunidade de fazer o curso de
especialização em gestalt-terapia. Porque como eu já tinha feito o estágio nos dois, eu ainda
tentei algum período fazer clínica, algumas vezes, mas, problema de convênio, e eu estar com
emprego e batalhar com convênio, não sei que, aí eu desistia. Depois eu passei no concurso, o
primeiro concurso para psicólogo, a nível federal, para trabalhar em hospital. Que foi no HU.
Aí eu entrei, e fiquei com dois empregos. Para tentar clínica, e eu sempre gostei muito de
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hospital, sempre fui muito ligada a Hospitalar... Aí fui ficando no hospital mesmo. Aí fiquei
com os dois, e depois teve essa oportunidade de fazer o curso de especialização, não de
formação. Porque esse foi de especialização, vinculado aqui à Federal, ligado ao núcleo de
pós-graduação de medicina. Era um curso de especialização que era aberto para médico ou
psicólogo. A gente tinha, a turma eram vinte e poucos, tinham cinco médicos, o restante
psicólogo. Aí eu fiz, porque justamente a área tem uma semelhança com a área que fiz em
clínica, que foi na Abordagem Centrada na Pessoa, quer dizer, a questão de ser uma linha
humanista, que eu me identificava, e por outro lado o pouco que eu conhecia de gestalt, eu via
que dava um material bom de técnica para você utilizar em hospital. Por essa coisa de não
usar só o verbal, você trabalhar com material gráfico, você trabalhar com o corpo, dá uma
opção de riqueza, fantástica, que dá bem para trabalhar em hospital. Outra coisa, essa coisa do
aqui e agora, da gestalt. Nada de terapia longa, você agir rápido e ser mais incisivo na
atuação, que já na abordagem centrada na pessoa não é assim. Então, eu achava que tinha tudo
a ver e realmente é. Aí eu fiz a especialização, a monografia eu fiz um trabalho aqui, a
monografia de gestalt eu já fiz com meu trabalho daqui, daqui do hospital. Aí essa entrada
minha na universidade já me favoreceu bastante ampliar a questão da Psicologia Hospitalar,
no sentido de eu entrar em contato com outras áreas da medicina, porque, quando você
começa a ter: “ah, eu já atendi paciente hematológico, já atendi oncológico, já atendi criança,
já atendi pneumo”. Quer dizer, você vai, tudo isso vai fazendo você ter mais opções de como
você vai atuar!
C Aqui no C. é só na cardiologia?
S Aqui é, aqui é específico para paciente cardiológico. Mas, quando eu passei na Federal,
que fui para o HU, já tive oportunidade de novo de atuar no hospital geral, de ver paciente,
como era na minha época de estágio.
C Lá no HU é geral?
S - É geral, porque não têm setores, assim. Vai começar a ter agora, vai ter pediatria, já está
para ser inaugurada a pediatria e a psiquiatria. Mas, com relação às patologias, é um hospital
geral. Aí você tem paciente clínico, paciente cirúrgico, e aqui não. Aqui é específico, é um
grupo homogêneo mesmo, só cárdio.
C Nos dois hospitais, são dois estilos de trabalho bem diferentes. Aqui no C. seu trabalho
sempre foi o mesmo estilo, ou houve mudanças ao longo do tempo?
S O estilo, houve algumas mudanças, e agora acredito que vai ter, graças a Deus, mais
mudanças, porque a gente está vendo, organizando, mesmo, para começar o estágio,
finalmente. Vai começar a ter estágio aqui.
C Ligado a quê?
S Aqui, do Setor de Psicologia!
C Ah, mas ligado a alguma universidade?
S Não, um estágio extracurricular. Vai abrir, pensar no número de vagas, colocar, divulgar
nas três faculdades, a gente vê o número de vagas, de estagiários que a gente poderia estar
acompanhando, para ser absorvido pelo setor, aí coloca as vagas! Se aparecer mais pessoas,
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que eu acho possível, porque três faculdades... Se aparecer mais do que a gente pode, a gente
vai fazer seleção, ver uma forma justa de fazer seleção, para poder fazer, o estágio, a princípio
de seis meses, extracurricular, você vai receber certificado direitinho, ver o número de horas,
o certificado é ligado aqui, tem agora o Núcleo de Educação Continuada do hospital, tem a
parte de secretária, a parte administrativa do setor, que dá para bancar isso, de a pessoa vir se
escrever, fazer prova, tem lugar. Antes não foi possível por conta de dificuldades da
administração do hospital. Sempre havia alguma barreira. Não especificamente com a
Psicologia, mas é porque: “Ah, não, tem os convênios, a gente tem que rever os convênios, e
se for abrir para outra área tem que mudar”, sempre havia alguma coisa. Não por causa do
setor, nem dos colegas de trabalho, nem do chefe do setor há barreiras, pelo contrário: “que
bom, é bom que tenha, você sozinha, é bom”. Então sempre foi assim. Agora, a gente vai
modificar por conta disso. Graças a Deus. Antes, tudo o que houve até agora... Bom, sempre
foi aquela questão do início que era já a demanda definida: “olhe, estou precisando de
psicólogo para”, como ele falou no início, “para acompanhar pacientes que vão fazer cirurgia
cardíaca. Pré, trans e pós-operatório”. Pronto, era bem específico.
C Você começou assim?
S Exatamente. Então, embora aqui tivesse paciente clínico, de cardiologia, de pneumologia
que tem, que é setor de cirurgia cardiotoráxica: tem paciente de tórax, mas ele delimitou isso.
E eu ia ficar só, então, não daria muito para fazer uma outra coisa, a princípio. Então eu
centralizei a atuação nisso aí.
C Faz o preparo...
S É. Como aqui tem uma rotina que, em geral, é cirurgia eletiva, o paciente interna na
véspera. Então já começou o problema, porque, de início, eu falava: “Olhe, seria interessante
a gente fazer reunião de pré-internamento, já que ele interna na véspera, para poder a gente ter
contato com esses pacientes antes, já que é eletivo, então ele já tem a programação de quem
vai operar na semana...”
C Eletivo significa o quê?
S Eletivo, porque tem a cirurgia de urgência e a eletiva.
C Ah, certo, que é marcada.
S - É marcada. Vez por outra alguma opera de urgência. Vem fazer um exame, e já fica para
operar. Mas, normalmente, é eletiva. Então, pelo sistema, a rotina do setor, é para internar na
véspera. Então, eu teria basicamente um contato só com ele. Eu tinha falado: “olhe, seria
bom”. “Não, mas isso é desnecessário...” E eu com pouco tempo de formada, fui deixando.
Hoje, agora com essa perspectiva de estágio, eu vou colocar isso.
C Até hoje ainda é essa demanda?
S Ainda é assim. É. Aí o que é que aconteceu? Às vezes ele vinha e tinha sido adiada a
cirurgia, eu tinha oportunidade de ter dois contatos, três contatos com a pessoa, mas se não,
era uma vez. Aí eu ficava, tinha o contato na véspera, durante o momento cirúrgico, tinha
contato com os familiares, que às vezes já tinha até no primeiro encontro, e depois... É aquela
questão da atuação diferente, dependendo da trajetória do paciente. Então, primeiro está na
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enfermaria, uma realidade. Depois vai para o centro cirúrgico, depois para UTI. Então, na
UTI, outra realidade, vou fazer outro tipo de atuação. Da UTI, continuando o pós-operatório,
ele está na enfermaria ou no apartamento. Aí já é uma outra realidade. Depois, aquele contato
que a gente tem próximo à alta, que já é aquela abordagem, o conteúdo a ser trabalhado já
vislumbrando o pós-alta, como vai ser e tal. Depois disso, então, pela rotina, eles voltam para
fazer a primeira revisão medica com oito dias após a cirurgia, então eu atendia no
ambulatório, porque naquela época o ambulatório era só da cárdio, era um apêndice aqui do
setor, só que era em outro lugar. Aí eu descia e via. e naquela época eu só tinha um emprego.
Então eu ficava também, conciliava, via “essa semana quem vem?” Já tinha uma lista. “Ah,
tal dia quem vem é fulano e fulano fazer revisão”, aí eu ia acompanhar. Então eu tinha
oportunidade de ter um, dois, às vezes três encontros com o paciente no ambulatório. Aqueles
que estavam com uma demanda para terapia, que era terapia breve, psicoterapia breve, para
favorecer a readaptação psicossocial, eu acompanhava lá, então eu fazia o contrato com ele:
“olhe, você veio hoje, para seu médico, vai fazer revisão com seu médico, mas a gente precisa
se encontrar mais vezes, para você ver como está lidando como isso”, porque a gente via que
ele estava apresentando maiores problemas.
C Quem via essa demanda era você. No pós-operatório...
S É, ia trabalhando com ele isso. Às vezes até aqui, a gente já via, então eu já fazia esse
contrato com eles: “olhe, você vem no primeiro dia, no dia da revisão do médico, mas, a gente
vai se encontrar outras vezes, para lhe ajudar em relação a isso...”. Já tentar fechar um
contrato com ele nesse sentido. Os outros, quando não tinha isso, o que é que acontecia?
Acompanhava aqui, no internamento, e fazia uma consulta no pós-alta. Pronto. Aí depois eu
já não tinha contato com ele. Então era uma coisa voltada mesmo para o internamento. Bom,
aí o que aconteceu? Como o passar do tempo, houve uma mudança grande com relação ao
ambulatório, ele foi modificado. Ficou tudo junto. Foi um problema com as fichas, as fichas
estavam todas juntas, você não achava mais ficha... Porque passou a ser o ambulatório geral,
não era mais o ambulatório da cárdio. Aí ficou complicado de fazer, porque você não
encontra, porque era o mesmo ambulatório, então, eu estou aqui atendendo numa sala, na
outra sala é o médico, na outra sala... Você chegava ali, estava todo mundo operado, agora
não, é geral. É imenso o ambulatório, tem um monte de gente, as salas são espaçadas, aí ficou
inviável. Teve isso, depois. minha entrada lá no hospital universitário. Aí pronto, não teve
como fazer. Então, esse contato pós passou a ser esporádico, com um ou com outro e deixou
de ser rotina, entendeu?
C Entendi. Mas hoje você continua trabalhando só com os operados?
S Não! Com o passar do tempo, também outra coisa foi ampliando, eu passei a ver os
pacientes clínicos enfartados, pacientes que vinham ou com uma descompensação, mesmo,
clínica, aí comecei a acompanhar. Os de tórax, vez por outra, uma pessoa pede, os médicos
que atuam nessa área pedem avaliação para alguma coisa específica, aí eu acompanho, eu
vejo os clínicos também. Já foi por conta minha, própria, que eu fui porque à medida que,
para eu atuar com eles eu tive que aprender uma boa noção de cardiologia, que eu não tinha
tido nenhum paciente cardiológico no estágio, isso é interessante. Atendi paciente de tanta
coisa, menos do coração, nenhum! Aprendi tudo aqui, a coisa específica da área. Então, como
aqui tem, periodicamente, reuniões científicas, tem os eventos científicos, simpósios,
congressos, eu passei a participar deles, os eventos aqui, as reuniões científicas, eu vinha para
todas elas, comecei a pegar material, estudar mesmo a área. Claro que eu tinha condição de
atuar com paciente clinico, também, então fui fazendo assim: atuando, e hoje continua, o
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clínico pouco, por que o que é que acontece? É o volume de pacientes que é muito. Entendeu?
Eles hoje têm torno de 10 cirurgias, já teve época que tinham 13 cirurgias por semana, Então
você tem que ter aquele esquema: você vai naquele dia, num dia tem o que tá internado, o que
internou hoje, os dois que vão operar no dia seguinte, tem os que estão operados de um dia, de
dois dias, de três dias, os que estão na UTI... Você está entendendo? Você vai ter os que estão
em momentos diferentes da trajetória cirúrgica. Como eles ficam em torno de dez dias, então
vão cruzando os pacientes. Então, você vai agora, vão ter o que tem três dias de operado,
quatro dias de operado, outro tá na UTI, outro tá na enfermaria, o outro vai sair de alta hoje, o
outro está internando, então fica em torno de dez pacientes por dia para ver. Tinha épocas que
era mais! Porque teve períodos que eles operavam três por dia, três cirurgias por dia. Então
eles têm um ritmo muito grande de cirurgia, e isso é toda semana! E como é o único serviço
que opera, porque eles operam aqui, é a mesma equipe que opera aqui e opera lá no S.L.,
agora eles têm o H.do C., três lugares, mas é a mesma equipe. Então é um número muito
grande! Para você ver, nós estamos em março. Se for pegar lá a lista de cirurgia, é para
agosto, setembro, tudo gente marcada. É nesse ritmo, e quando eles passam dois dias que não
operam, aí a lista, você sabe como é, vai ter gente que vai morrer antes de chegar, porque não
vai dar tempo. Gente que já está descompensada, que precisa entrar.
C Enquanto eles esperam, ele vêm, têm acompanhamento com você?
S Não, porque eles ficam, assim, alguns têm um médico assistente que é do serviço. Por
exemplo, eles fazem consulta no ambulatório, o médico assistente dele daí. Muitos não são,
são de outros hospitais, outros são de outras cidades, que operam aqui, até de outro estado.
Então não tem. E em relação à cirurgia, essa é a rotina de cirurgias comuns, e existe a questão
do transplante, também, que são bem menos cirurgias, mas, quando tem, envolve muita coisa,
que é a questão do paciente que vai entrar no programa do transplante, que aí eu já começo a
entrar em contato com ele desde o início, quando ele está na fase de avaliação, para ver se vai
entrar ou não no programa. Quando ele entra, a gente fica acompanhando, acompanhamento
ambulatorial, porque quando ele não está internado, fica tendo acompanhamento enquanto ele
está aguardando, está na lista de espera. Aí, vez por outra, ele descompensa, ou precisa fazer
um exame, aí ele interna, aí eu acompanho, e vai. E quando tem o transplante, aí também é
muito trabalho, fica muito tempo internado, muito tempo na UTI, então eu já acompanhei uns
quatro, cinco transplantes aqui, também já envolve muita demanda de dedicação, de ficar... E
com relação às cirurgias, é assim: todas as faixas etárias, então, tem bebê que vem da
maternidade, que a mãe ainda não saiu de alta, já vem para cá para fazer cirurgia, depois que
fazem uma avaliação, para saber o diagnóstico, e, às vezes, opera, com poucos dias de vida. E
tem pessoas de 80, 80 e poucos anos que operam. Então é nessa faixa etária: de zero a oitenta
anos, pelos menos, nesse universo, faz parte desse universo de cirurgia, então, já tem aquela
questão que, embora um grupo homogêneo, quer dizer, todos com problema cardíaco, você
vai ter diferença da fase de desenvolvimento, e da implicação que vai ter para aquela pessoa,
dependendo da fase que ela está vivendo, ter se tornado um cardiopata. São situações
diferentes, que requerem uma abordagem diferente.
C E sua rotina diária, você chega e passa nas enfermarias e na UTI, faz parte da rotina?
S É , eu, como desde o início, eu já entrei com essa demanda de acompanhar o paciente de
cirurgia, então não funciona como alguns psicólogos de outros hospitais, esperar a solicitação
de avaliação. Então, eu, de rotina, tenho a obrigação de ver os pacientes cirúrgicos, então eu
vou, vejo lá qual o programa da semana, “quem internou hoje para operar?” Então o médico
não coloca a solicitação: “solicito avaliação”. Não, a não ser quando é o paciente de tórax,
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porque eu não tenho, não está dentro da minha alçada ver, então é um extra. Fora isso, não,
fora isso todos eu acompanho. Então, todos os médicos daqui, os enfermeiros, o pessoal já
sabe que eu faço parte da equipe, que eu vou acompanhar, então ninguém estranha que vai
aparecer lá minha letra, que eu registro o atendimento, e como aqui é um setor voltado para
parte de aprendizagem, os estagiários de medicina vão aprendendo isso, quando eles chegam,
“ah, tem psicólogo aqui”, o residente também, que eles ficam uns dois anos aqui, também vai
aprendendo isso. E os outros da equipe, todos já me conhecem, os funcionários, não tem
problema. Assim, já muito inserida já na equipe.
C Já que você tá falando da equipe, como é o relacionamento?
S No início, a questão da equipe, no início, eu fazia trabalho com pacientes operados,
incluindo do transplante, incluía uma atuação no pós-operatório, quer dizer, a nível
ambulatorial que fazia, participei por um tempo de um trabalho que tinha aqui de educação
continuada com a equipe, porque um grupo de enfermeiras, eles faziam um trabalho de
aperfeiçoamento, de capacitação, de dar reciclagem técnica, então, quando eu entrei, eles me
convidaram para fazer parte desse programa trazendo conteúdos, palestras, aulas referentes ao
tema Psicologia, relações humanas, a questão de como lidar com o paciente, a questão da
realidade do paciente... Então eu fiz um programa e fiquei ministrando aula para elas. Os
alunos eram auxiliar de enfermagem, e pessoal da zeladoria que atuava aqui. Aí eu fiquei um
tempo assim. Foi quando o programa foi extinto, teve um problema sério aqui com relação às
enfermeiras, então reduziu bastante o quadro, ficou um número menor e elas não podiam
assumir essa parte. Agora está tendo uma retomada disso, aumentou o quadro, depois de idas
e vindas, e já se está falando na possibilidade de retomar esse trabalho. Aí eu acredito também
que iam me chamar para isso, só que hoje eu já sei que fazer um trabalho com a equipe, com
dinâmica de grupo, fazer um trabalho de redução do estresse, para quem atua em saúde,
alguma coisa desse gênero, não dá mais para ser feito comigo. O caso, agora, era convidar
alguém, porque eu nem consigo mais estar no papel de estar extra da equipe, não consigo
mais dizer “olhe, a equipe...” Não, “nós fazemos, isso, a gente opera assim”, entendeu?
Porque é. Vai fazendo parte de sua vida, você vai se sentindo, e aí nesse período, treze anos,
quantas pessoas eu já vi entrar e sair daqui? Funcionários que entraram, ficaram um tempo e
saíram, estagiários, residentes. Tem um grupo que está desde o início, que formou a equipe,
mas hoje tem mais do que de sessenta, setenta pessoas envolvidas no setor. Número grande. E
aí não tem como, eu já sou identificada como a equipe, eu não posso mais fazer um trabalho
na linha organizacional.
C Quais são os profissionais que compõem a equipe?
S Olhe, tem os médicos, um número imenso de médicos, porque existe UTI, então UTI é 24
horas de plantão, todos os dias você tem que ter um grupo grande. Aí tem a equipe cirúrgica,
que é grande, o centro cirúrgico tem duas salas. Como eles operam dois por dia e operam em
outros serviços, então eles se dividem, então devem o quê? Uns quatro ou cinco anestesistas,
não sei quantos cirurgiões, tem a parte de enfermagem, deve ter agora em torno de uns cinco
enfermeiros, porque tem um homem, quatro mulheres e um homem. É um número assim. E
auxiliares de enfermagem, vários também, porque inclui UTI, centro cirúrgico, e as
enfermarias. Nos três turnos. Aí o turno noturno sempre é dobrado, você já tem um número
maior. E tem o pessoal da zeladoria. Tem também o pessoal de fisioterapia, tem agora duas
pessoas, tá terceirizado o serviço.
[muda o lado da fita]
149
Muitos deles tinham o vínculo acadêmico, não profissional. Profissional tem agora essas duas
que são terceirizadas. Elas não são contratadas pelo hospital. Elas têm uma empresa e têm um
contrato com o hospital. Não é como, no caso, eu, que sou funcionária do hospital, como
muitos médicos são funcionários do hospital. Então é um grupo grande. Aí, juntando tudo,
acho dá em torno de umas 60, quase 70 pessoas.
C E existem reuniões com a equipe?
S Tem reuniões, tem muito a parte médica, a questão médica é que se mantém mais aquele
(...) porque, justamente, como enfermagem teve muitos problemas, teve um período que
mudou todo mundo, ficou com poucas pessoas. Porque enfermeiro também tinha, quando eu
entrei aqui, tinha um sistema mais, agora é que está retomando, mas a de medicina sempre foi
certinha. Porque, no caso, Dr. T, ele é professor do departamento de medicina. Então a
disciplina de cardiologia, que é obrigatória, os alunos vêm ter aqui, que é lógico, porque tem
tudo a ver estar aqui no setor de cardiologia, então eles têm uma boa parte da disciplina aqui.
Estágio extracurricular, em medicina, já funciona há muitos anos. De uns anos para cá existe a
residência, porque estágio já tem há mais tempo. Aí tem a residência, então, eles têm todo um
sistema de reuniões científicas, reunião de estudo de caso, esse peso da questão acadêmica.
C Certo, e você participa dessas reuniões?
S Aí eu participo, venho assistir, já dei muita aula também (risos), porque, quando eram
temas afins, eles me chamavam. É como os eventos científicos: simpósio, não sei o que, já fez
um bocado, aí, cardiologia pediátrica: “você vai falar sobre isso!” “Rapaz, só pode ser, não
pode nem trocar, porque só tem eu!” (risos)
(Risos)
S Tudo eu, não tem outra aqui! Então, tem que ficar preparando e participando... Aí assim, a
questão... Pronto, veja aí mais.
C Os tipos de atendimento com o paciente são sempre individual?
S Exato. Individual, então, a abordagem é com o paciente, quer dizer, o foco é o paciente,
mas envolve a atuação com a família e com a equipe. Então, meu contato, você perguntou “e
a relação com a equipe?” Então, não tem mais esse tipo de relação que tinha antes, que hoje
eu sei que não vai dar mesmo para fazer, a questão de organizacional. Mas, no dia-a-dia, a
gente sempre interage com a equipe em tudo o que diz respeito ao paciente. Porque aí é
justamente a lógica interdisciplinar.
C Isso acontece no dia-a-dia?
S No dia-a-dia. Então. não é simplesmente porque eu trabalho, aí está lá o médico, então:
“oi, bom dia, boa tarde”, eu estou interagindo com ele. Não. Na minha prática de trabalho, na
atuação que vou ter com o paciente, vez por outra eu preciso estar interagindo com alguém da
equipe. Para definir alguma coisa a respeito do paciente, por exemplo: o paciente está na
enfermaria, está muito angustiado, a gente vai abordar o paciente e descobre que ele está
angustiado porque o paciente ao lado está grave, está gemente, então ele está com a angústia
de morte de ver aquele paciente que está para morrer, então a gente vai e fala com enfermeira:
“ah, não há possibilidade de mudar esse paciente de leito, não há possibilidade?” Entendeu
150
como é? Então você vai ver o que pode fazer, como aquilo ali, posicionamento do leito diz
respeito ao enfermeiro, então a gente vai conversar com a enfermeira. “Ah, é problema da
alimentação!” Então vem aqui um nutricionista, que é do hospital, não é do setor. Aí vem a
nutricionista, então aborda a nutricionista. “Ah questão disso, de posicionamento, sei lá, de
incômodo físico, alguma coisa”, requer o fisioterapeuta! Então interajo. E com os médicos, o
tempo todo.
C Tem abertura da equipe?
S É, hoje em dia, e no início, quando já cheguei aqui, assim, o pessoal sempre foi receptivo,
nunca houve nenhuma oposição. Então um médico, quando ele não é da área de saúde mental,
ele não vai ver você como ameaça. Ele tem o papel dele estabelecido, eu não vou ameaçá-lo
em nada, ele continua tendo o “seu” paciente, (...) e não vou interferir na medicação, não vou
interferir na conduta dele, está entendendo? Vou fazer o meu trabalho, que é paralelo ao que
ele faz! Então, assim, desde o início, não houve problema. E hoje já existe a questão de eu ser,
fazer parte já da equipe, estar inserida na equipe, de já ter um relacionamento, até pessoal,
muito bom, com eles, que já favorece. Eu não tenho problema algum.
C Antes de passar um pouco para o trabalho no Hospital Universitário, você quer
acrescentar algum coisa daqui?
S Pronto, daqui é isso. Eu hoje avalio assim. Que teriam bem mais coisas a serem feitas para
poder melhorar a atuação. E é isso que eu estou justamente num planejamento, agora, para
poder fazer. Por quê? Em 1999, houve, porque o serviço, para ser montado, como todo
serviço médico, existe o protocolo, que tem ali como é que vai ser a rotina de trabalho, então
não estava no protocolo quando foi funcionar o serviço. O serviço, em 2003, completou 25
anos. Então, quando eu cheguei aqui, já estava uns dez anos atuando, por aí. Então, em 1999,
houve uma revisão desse protocolo. Uma revisão mais ampla. Porque, antes, era só uns
ajustezinhos, agora revisão ampla mesmo. Aí já foi inserida a área de Psicologia, que antes
não tinha, a área de fisioterapia, que antes não tinha, de nutrição, foi chamada a nutricionista
daqui, ela participou, para organizar isso, então foram incluídas essas outras áreas. E a
medicina e a enfermagem foram revistas todas, com relação aos consensos médicos, e tudo
mais, para atuação. Pronto. Então, de 1999 para cá, algumas coisas que eu coloquei lá no
protocolo, não foram postas em prática, porque justamente a dificuldade de você colocar em
prática com uma pessoa só. Hoje, quer dizer, nós estamos em 2005, seis anos depois, eu estou
mudando o meu protocolo, da minha área. Quando tiver revisão do protocolo do setor, eu já
vou inserir o que eu estou modificando à parte. E nessa modificação, o que é que vai
acontecer? Porque já é eu contemplando a possibilidade de haver estagiários para eu ampliar a
minha atuação. Então a lógica é, primeiro, sair dessa questão de só intervenção individual. De
partir para uma intervenção em grupo, porque tem tudo a ver, um profissional da área de
humanas, assistente social, psicólogo, atuar em grupo. Tem tudo a ver. Você tem menos
tempo, você tem uma otimização de sua atuação. Então eu vou colocar algumas atividades em
grupo. Aí, exemplo: essa reunião de pré-internamento, que eu quero finalmente pôr em
prática, a outra, fazer reuniões de acompanhante, com os visitantes da UTI, que cada vez é um
grupo diferente, você faz atuação diferente. A outra coisa em grupo que eu penso em fazer é
com o grupo das mães das crianças cardiopatas, porque é um acompanhamento, mesmo, no
momento que vem para a cirurgia, antes tem toda uma história. Depois da cirurgia vai ter toda
uma história complexa por trás. Então só tem três grupos que eu já estou me organizando para
fazer, certo? Aí continua a atuação individual, e nessa atuação individual, modificar a atuação
que é feita com criança, porque normalmente tem sido feito o quê? A atuação com criança é
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feita basicamente com os pais, por quê? Na minha formação de clínica e de hospitalar, no meu
estágio, eu não atuei com criança, então eu não tinha conhecimento. Mas agora eu já estou me
capacitando para isso, para começar a atuação realmente com a criança. Então, no individual,
vou modificar isso. Do adulto, continua individual, mas colocar esses grupos. Isso aí já tá
definido. A atuação com a equipe, isso aí eu iria pensar. “Ah, participar do grupo de educação
continuada”, já seria uma coisa à parte. Então a avaliação que eu faço é essa: tá funcionando,
mas eu vou fazer essas mudanças. Outra coisa na atuação com adulto individual, que eu já
faço, que diz respeito à questão mesmo do protocolo, é com relação ao instrumental que eu
utilizo. Então eu estou sistematizando alguns e modificando. Por exemplo, roteiro de
entrevista que é feito com adulto, aí um roteiro específico com criança. Porque tem coisas que
eu já faço, automático, entendeu? Eu já tenho o roteiro, a gente já tem um roteiro mental,
então tem o roteiro que eu criei e o roteiro que eu mantenho. Então eu estou colocando isso
tudo no papel, já modificando a partir do estudo de livro, de estudo teórico, mesmo, aí eu
estou pegando a minha prática para poder refazer isso, estou refazendo isso. Porque tudo isso
vai ser um material que modifica o protocolo e que vai ser um material que o pessoal vai
trabalhar no estágio. Porque é aquela coisa assim, já um material normatizado. “ah, eu vou
fazer agora, vou entrevistar um adulto que vai operar, o que é que eu vou fazer?” Já tem o
roteirozinho. Então o que eu tinha para dizer daqui é isso. Sobre o que mais? Aí você queria
que falasse agora o quê?
C Que falasse um pouco do HU.
S Do HU, eu entrei em 1995. Foi um concurso, só que foi um concurso que foi desviado.
Porque, na verdade, o seguinte: nunca tinha havido concurso para o HU especificamente.
Antes havia concurso para a universidade. O HU funcionava com funcionários da
universidade que estavam lá, contratados da universidade, e tinha um grupo que era
terceirizado, que tinha um vínculo via FAPESE. Na época foi possível, ficou por algum tempo
assim. Porque aí entrou mais o pessoal específico da área de saúde, que não havia tido
concurso na federal, certo?
C Certo.
S Então, ele funcionava desse jeito. Aí foi que em 95, não, em 94, porque a gente entrou em
1995, em 94 houve o primeiro concurso específico para o HU. Aí foram colocadas várias
categorias ligadas à área de saúde. Só que o pessoal que estava batalhando para esse concurso,
batalhou junto ao MEC. Que isso vem de Brasília. De lá vem a liberação, o número de vagas e
tal. Então foram também solicitadas vagas para a Psicologia, que antes nunca teve. Entre as
áreas que foram solicitadas, pediram também para Psicologia. E conseguiram autorização para
duas vagas só. Mas aí, como houve, não sei bem que questão política foi envolvida nessa
história, como houve, cerca de seis meses, menos de um ano antes, tinha havido um concurso
federal, que foi para a escola técnica de Lagarto, que tinha tido vaga para psicólogo, era uma
vaga só. Foi uma distância de tempo de menos de um ano. Aí, como, em relação ao HU, nessa
batalha de conseguir junto ao MEC, em Brasília, eles disseram: “Não, mas já que lá já houve
o concurso recente da Escola Técnica, pega o pessoal da Escola Técnica para que não precise
colocar um prova, uma inscrição para Psicologia”. Porque os dois eram concursos federais,
entendeu? Aí quer dizer, então, para seguir uma questão justa, o que é que eles colocaram?
Vai ser por ordem de classificação. Como são duas vagas, a gente chama o primeiro e o
segundo colocados: “Quer ir para o HU ou quer ficar aqui? Seu concurso foi para a Escola
Técnica, o que é que você escolhe?”. Aí é chamando. Se o primeiro disser “não, não quero”
Aí chama o segundo. Aí o segundo quer. Vai o segundo. Aí chega o terceiro: “Quer ir para
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lá?” “Não, não quero”. Até conseguir dois, por ordem de classificação. Então eu estranhei que
quando eu recebi a carta eu já recebi da universidade. Eu tinha passado no concurso...
C Para Escola Técnica?
S - Da escola técnica para Lagarto, aí recebi a carta da universidade. Sabia que tinha tido há
pouco tempo concurso para o Hospital Universitário e sabia que não tinha tido vaga para
psicólogo. Que não houve para psicólogo, eu sabia disso, que, se soubesse, quer dizer, porque
foi o primeiro concurso que teve. Se tivesse tido outro eu tinha feito, é lógico! Se tivesse para
psicólogo eu ia entrar, ia tentar entrar. Aí quem me chamou foi a universidade. Então, aí, quer
dizer, como a...
C Foi chamada a segunda? Foram chamados os dois?
S Foi, então, eu fui a primeira colocada, graças a Deus. Como pediram para optar, eu ia
trabalhar em hospital, eu digo, “isso é presente de Deus, mesmo! Lógico que eu prefiro!”
Primeiro, ia ficar em Aracaju. Segundo, ficar em hospital, que era minha área. Lá eu ia ter que
reestudar Psicologia Educacional, para poder ir para a Escola Técnica, tinha que pegar isso de
novo, rever, tal. Aí eu: “lógico que eu quero!” Aí a segunda colocada também quis. Eu acho
que um pouco pensando em não ir para Lagarto, tinha família, filho, morava aqui, aí quis. Aí
a terceira colocada, que é uma pessoa que eu conheço, foi para Escola Técnica. Só era uma
vaga lá. Quer dizer, a terceira que entrou primeiro lá. Então foi uma bênção também, para ela,
que passou em terceiro lugar e entrou (risos). Nesse sentido, assim, foi positivo. E hoje ela já
fica um tempo lá e outro tempo na Escola Técnica daqui. Ela não dá todos os dias lá, ela já
conseguiu ficar algum tempo em Aracaju, ficou bom para ela. Bom, aí pronto. Quando a gente
foi se apresentar no HU, depois de a gente resolveu a papelada da posse, que teve que mudar,
assinar um termo abrindo mão da Escola Técnica, aquela coisa toda, resolver essa parte
burocrática, aí a gente se apresentou. Foi eu e N., talvez você tenha conhecido. Não pegou
não? N., porque ela foi para lá. Quando a gente se apresentou, já havia um pedido, da política
interna da Universidade, solicitando que fosse um psicólogo para lá. Já era o contrário,
puxando do HU para lá. Porque eles estavam precisando de um psicólogo no NOAPS e eles
não teve concurso para psicólogo na Federal.
C Onde?
S No NOAPS. Lembra que na época existia o NOAPS antes do SPA? Você não alcançou
não?
C Não, já era SPA.
S Antes era o NOAPS. Que era Núcleo de alguma coisa, onde o pessoal tinha treinamento
em Psicologia. Então estava precisando para lá. Porque o cargo dessa pessoa não era
acadêmico, era técnico. Não é para professor, entendeu? Porque era para fazer atividades,
assim, de atender, atividade prática e não acadêmica, de estar em sala de aula, aquela coisa.
Era concurso como a gente, de técnico, porque tem o técnico e professor na universidade.
Então, na época, disseram: “olhe: tem um pedido para ir para lá. Uma de vocês tem
preferência? Porque se as duas quiserem ir, a gente vai ver por ordem de classificação...” Aí
eu disse: “eu prefiro ficar” e ela: “eu prefiro ir”.
C Ela preferiu ir?
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S Preferiu ir para universidade. Porque, justamente, ela tinha a questão de trabalhar na área
organizacional, tanto que ela depois ficou em um setor ligado à área organizacional e clínica,
e eu que tinha de hospitalar. Então, para mim, preferia mesmo ficar. Lá eram duas vagas mas
eu fiquei só, a mesma coisa daqui. Aí fiquei só dez anos. Agora, isso foi em 95, agora em
2005, agora no final, em 2004 foi que entrou um colega que foi Luís, que é lá da Federal, num
concurso que só foi uma vaga. Aí só conseguiu uma mesmo.
C Depois daquele concurso só teve esse?
S Só teve esse, e esse só teve uma vaga. O outro foram duas. Quer dizer, agora era para a
gente ter três psicólogos.
C E lá como é seu trabalho? Lá é...
S Então lá é o seguinte: quando eu entrei, a idéia de ser dois era porque era para ficar um no
internamento outro no ambulatório. Como só entrou um, aí o ponto era no ambulatório. Então
sempre, no início, eu fiquei fazendo clínica, ambulatório, ambulatório.
C Era gente que vinha de fora, que queria atendimento em Psicologia, não era paciente...
S - Não, não, era paciente comum, de lá, normalmente indicado por médico e tudo mais. Só
que, como eu tinha a questão de trabalhar em hospital, eu, por conta própria, fiquei passando
no internamento. Aí comecei a participar das reuniões, todo o aspecto acadêmico do hospital
escola. Então, como aqui também tem essa questão acadêmica, lá também tem. Então é bom,
assim, me favoreceu para eu poder aprender coisas ligadas à medicina, das áreas que estava
atuando, determinadas cirurgias... Então pronto! Aí comecei a atender, aí vinha solicitação de
avaliação, de acompanhamento, ia atendendo, atendendo, atendendo.
C Aí lá, no caso, era sempre por solicitação?
S É. Aí depois, foi que já no terceiro mês que estava lá, acho que no terceiro mês. Aí D. me
procurou, que era professora, e pediu para que eu abrisse estágio, se eu aceitaria estagiário da
Federal, estágio em clínica, para lá, porque ela disse: “olhe, minha idéia é que os alunos
possam atender um público diferente do que eles têm aqui no SPA. Para realmente ampliar a
experiência deles de lidar com paciente”. Aí falou comigo, eu disse “é claro, eu acho ótimo,
tal e pronto”. Aí dei o ok, aí preparou o ofício, tudo direitinho, que veio do departamento para
a direção do hospital, o diretor mandou me chamar e tal, “não, tá certo, eu também acho
ótimo, concordo, concordo”. Pronto, aí começou a ter estágio em clínica. Depois de algum
tempo foi que...
C Foi estágio em clínica no ambulatório?
S No ambulatório. E eu ficava no internamento. Depois é que eles começaram a ver alguma
coisa do internamento, porque aí D. ia dando, também, algumas orientações a eles, e eu, como
orientadora de campo, mas, assim meio que desviando: o estágio em clínica e fazendo alguma
coisa em hospital. Até que começou a ter estágio em institucional específico. Que aí foi já
com M, você pegou M? Ele agora está afastado pelo doutorado. Ele fez o mestrado, ele é do
Rio, e ele tem muito conhecimento na área de Psicologia Institucional, então ele assumiu o
estágio lá, com o pessoal, foi quando eu conheci M. É, tendo essa parte de, ficando livre para
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eu já fazer a parte de hospitalar com eles. Ele dava embasamento de um lado, eu de outro, e a
gente se entrosou bem. Depois, ele saiu, aí já entrou Sh. Aí foi quando entrou Sh., que aí foi
realmente o estágio específico, que eu considero o estágio específico mais em hospitalar.
C Quem é Sh?
S Sh é o seguinte:
C Ela entrou na Universidade para dar aula?
S É. Sh já estava vindo da especialização na USP. Lá no Hospital do Coração, que ela fez.
Especialização em Psicologia Hospitalar. Ela se formou e foi fazer especialização lá. Quer
dizer, já veio com a especialização, tinha toda a bagagem de trabalhar em hospital. Aí ela
passou como professora substituta. Então, aí os alunos falaram comigo, aí pronto e foi ótimo:
porque eu era supervisora de campo, ela era supervisora acadêmica, mas o estágio em
hospitalar, que ela tinha toda a bagagem para poder passar.
C Isso faz muito tempo?
S Não, tem uns três anos. Ela pegou duas turmas, depois, como era professora substituta,
teve que sair. Então foram duas turmas com ela, isso aí. Depois ela saiu, e agora tem estágio
em institucional, mas aí o professor que está, que é o supervisor acadêmico, não tem
experiência em hospitalar, então ele assumiu o estágio em institucional. Então estão lá seis
estagiários, mas não fazem nada de hospitalar (risos). Aí, quer dizer, fazem de institucional,
mesmo.
C RH?
S É, assim, de observar como é a dinâmica, de entrevistar paciente, entrevistar funcionário,
entrevistar, entendeu? Fazer um mapeamento de como é que funciona o hospital, como é a
lógica dele.
C O hospital enquanto organização e não os pacientes?
S Isso, é na linha institucional, de análise institucional. Não é bem organizacional, porque
organizacional já entra mais na questão de organização de trabalho, tal. É de organizacional.
Ou, é de institucional mesmo, faz análise institucional. E é interessante, assim. Até para mim,
para a gente montar o Serviço de Psicologia. E aí agora nessa fase, no presente, com a entrada
de L, quando L entrou, eu tinha me afastado por licença maternidade. Aí agora que eu
retornei, nós estamos sentando, estamos organizando a sistematização do setor, já pensando
um Setor em Psicologia. Porque durante dez anos, não pode pensar um setor, se você está só
dentro de um hospital. Não tem condição, sabe? Aí tinha períodos que eu ficava, trabalhava
na clínica cirúrgica, tinha muita demanda, um médico da equipe, o professor: “ô, S, fique
aqui...” Aí eu ficava, outro período eu ia para, sabe? Porque você não tem uma coisa definida!
Aí um chamava, o outro chamava: “Minha gente, eu só sou uma, não posso, não, eu tenho que
escolher, ou bem ficar trabalhando com um grupo ou com outro grupo, não tem... e ainda
tenho o ambulatório, não posso fechar o ambulatório”.
C E onde você ficava que eles te chamavam? Tem uma sala específica para você?
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S Não, porque eu estava no internamento! Eu sempre estava no internamento, vendo
paciente internado. E participava das reuniões científicas. As reuniões da clínica médica.
C Então era chamada de boca a boca mesmo.
S É. E todo mundo era conhecido, todo mundo me conhecia, os professores, chamavam,
chamavam, não tinha ninguém de psiquiatria, não tinha ninguém psi. Aí depois, agora, houve
um concurso da psiquiatria, porque ia abrir, graças a Deus estava para ser aberta a enfermaria,
aí eles entraram já antes, então eles começaram a atuar no internamento. Porque aí entra a
questão da interconsulta psiquiátrica. Aí teve um periodozinho de atrito. Realmente aquela
coisa de dizer, porque, por exemplo, quando estavam os estagiários, na época de Sh, a
proposta de estágio era o seguinte: eles estavam ali disponíveis, quando tinha pedido,
solicitação de avaliação, que é feita por algum médico da equipe, Ou até mesmo doutorando,
o que fosse. Mas, assim. E a idéia era que, quando não houvesse pedido, eles estivessem lá no
horário de estágio, eles fizessem entrevista aleatória com o paciente, para detectar algum
problema! Se fosse detectado, aí qual era o caminho? Aí fala: “quem é o residente
responsável?” “Fulano”. “Quem é o médico assistente?” “Fulano.” Aí falar e explicar: “olhe,
aquele paciente, eu fiz a entrevista, está apresentando assim, assim. Então “está com
indicação de acompanhamento, e tal”. Conforme houvesse o ok do médico responsável, aí
iniciava o acompanhamento. Então essa era a proposta. Porque levando em conta que era
estágio curricular, o pessoal tinha hora a cumprir. Se vai ficar só atuando conforme tinha
solicitação, e se chegar e não tiver nenhuma solicitação? Iam ficar de braços cruzados? Como
é o treinamento? Como é que um aluno ia poder identificar se paciente “A” precisa de
acompanhamento psicológico ou não? Que parâmetro ela vai ter? Se ele só ia atender aquele
que precisava? Como é que ele ia entender um que não precisa e poder argumentar sobre isso?
Dizer: “não, S, eu fiz a entrevista e acho que não”. “Por que você acha que não?” “Porque
isso...” Como é que ele vai aprender? Não tem, entendeu? No sentido acadêmico. Então, a
proposta, o projeto de estágio, direitinho, como é que chama? Projeto, tem um nomezinho, a
minuta do estágio, que Sh fez, organizou tudo direitinho, para os alunos, incluía isso. E isso a
gente foi expor para lá, apresentar nos encontros, que têm, de medicina, com o pessoal dos
outros setores, aí isso deu problema. “Não, porque aí é relação médico-paciente, como é que
vem alguém de pára-quedas, que var atuar com o paciente, o médico nem sabe, e ele que é o
responsável”. “E como é que pode? Ele está atendendo...” “Mas ele não está atendendo, ele
está fazendo entrevista, ele faz uma entrevista com o paciente! Se ele percebe algum
problema, vai conversar com o supervisor, conforme a orientação do supervisor de Psicologia,
volta e fala com o médico assistente, com o residente, com o responsável pelo paciente para
dizer, ‘olhe, está com indicação de acompanhar’ Aí, conforme ele diz, ‘não, tudo bem, então
acompanhe’”. Está entendendo? Quer dizer, aí sim, aí tem o aval do médico para poder fazer.
Porque é como a gente dizia lá: “eu sei muito bem que a questão jurídica e ética pela
responsabilidade do paciente internado é do médico, porque é ele que interna, é ele que dá
alta. Sei muito bem que o paciente está ali, se eu conversar com ele e eu der as costas e ele
pular a janela quem vai responder é o médico! Eu vou ser chamada também, mas ele é que vai
ser primeiro!” Então, por conta disso, como é que pode se fazer uma abordagem com o
paciente e o médico ignora isso? Não tem como! Primeira coisa. E, segundo, isso contraria
toda lógica interdisciplinar! Desde a minha época de estágio, eu lembro muito bem que a
professora falava: “se o psicólogo chega numa enfermaria, vai, pega o prontuário, lê o
prontuário, vai, atende o paciente, sai, anota e vai embora, ele está fazendo Psicologia Clínica
no hospital, ele não está fazendo Psicóloga Hospitalar” Psicologia Hospitalar não é isso. Aí
tem lá a salinha dele, bonitinha, que ele fica ali, sentadinho, escrevendo, está entendendo?
Não é Psicologia Hospitalar! Psicologia Hospitalar tem que ser interdisciplinar, senão ela não
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é! Ela é outra coisa, não é Psicologia Hospitalar. Então como é que ia estar dentro da lógica
dele: eu estou lá escondidinho, estou fazendo atuação com o paciente, e o médico nem sabe!
Sabe? Aí teve um “quebra-pau”, sabe? Foi!! Aí foi com as duas turmas, as duas turmas que Sh
teve. A primeira que apresentou, aí eu estava até tranqüila, não teve muita coisa não. Aí Sh
ficou um pouco assim, ou foi uma aluna que ficou meio assim exaltada, mas aí fluiu bem.
Quando chegou na segunda turma, que a gente foi apresentar, “cacetada” de novo. Aí nesse
dia, Sh, ainda bem, estava ótima, tranqüila, estava centrada. Eu é que tava chateada, estava
grávida nesse período (...) aí eu estava nervosa, sabe? Falei, falei... E aí teve pessoas que
estavam na reunião, pessoas de outras áreas, nutricionista, médico, enfermeiro, pessoal de
outros setores, sabe? Assistente social. Muitos que depois vieram: “olhe, eu não quis me opor
naquela hora para não fazer confusão, mas eu concordo plenamente com você”. Gente que
preferiu ficar omisso, depois veio falar. Inclusive uma psiquiatra. Eu digo: “ah, isso já me
satisfaz, porque pelo menos outras pessoas ouviram e minha argumentação não estava assim
tão sem lógica!” Porque outras pessoas que eram neutras, não eram ligadas a minha área e
concordaram. Mas aí houve o caso. Hoje a relação está melhor, eu acho que tem que se
construir mesmo, está todo mundo no espaço, e aí eu achei legal isso aí, a gente [ela e o outro
psicólogo do HU] está organizando uma sistematização: “L, como é? A gente já fala para o
pessoal da psiquiatria? “Não, S, vamos construir aqui nosso prédio, eles constroem o deles,
aqui. No momento em que a gente for se encontrar, a gente se encontra e conversa”. “Então
está bom”. Então a gente vai organizar uma prática de trabalho na enfermaria, que não vou
ficar só nessa questão aleatória, tem que ter avaliação, entendeu? Tanto na clínica médica,
quanto na cirúrgica. Se não der certo na clínica, vou começar logo na cirúrgica a fazer isso.
Por exemplo, pensar em um projeto de trabalho, que a gente atue,é, na enfermaria cirúrgica,
com um tipo de cirurgia, por exemplo, paciente que faz um tipo de cirurgia, por exemplo,
vascular, pronto. Entra em contato com os médicos que, ligados com aquilo, “olhe, a gente vai
fazer um trabalho, vocês operam quando?” “Ah, segunda e terça”. Então “segunda e terça a
gente vem, vai fazer uma abordagem com o paciente, pré e pós-operatória, sistemática”.
Vamos ficar por um tempo fazendo assim e vamos avaliar os resultados: é eficaz ou não?
Serve para alguma coisa, não serve? Entendeu? Vou fazer. E aí, quer dizer, fazendo um tipo
de projeto assim, quando ele for, gente em cursos, não vai ter questão de olhar, se tem pedido
de avaliação, não, eu chego e atendo. Acabou. Eu passaria.
C Hoje ainda não estão fazendo assim?
S Não, não estou fazendo, porque a gente está organizando a sistematização para poder
propor para alguns médicos lá.
C Hoje em dia vocês atendem no ambulatório, os pacientes que chegam...
S E no internamento, conforme pedido de avaliação.
C São dois trabalhos bem diferentes lá...
S Agora, no ambulatório, uma coisa que eu coloquei desde o início, que não marque para
mim só com encaminhamento. Marca para mim com e sem encaminhamento. Por que a
pessoa que quer ir para o psicólogo tem que passar pelo médico para saber se eu precisa ou
não? Não entra na minha cabeça! Não é uma especialidade da medicina a psicologia! Não
entra na minha cabeça! Então, tem pessoas que já fez antes, alguém já fez, viu na televisão,
viu na revista, está com algum tipo de problema, “Ah, eu acho que eu estou precisado de um
psicólogo!” Pronto!
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C Aí como é a psicoterapia que você faz? É Psicoterapia Breve ou não?
S É, basicamente lá é Breve. Tem um ou outro de psicoterapia a longo prazo, mas agora,
como a gente está sistematizando, a gente vai fazer entrevista de triagem. A gente vai ter que
modificar isso. É, para poder, a questão de absorver a demanda. E lá, também, a mesma coisa:
não vai ficar mais a questão da atuação individual. Individual no ambulatório, individual no
internamento. Não. Já estamos atuando em grupos interdisciplinares no ambulatório, grupo de
reumáticos, grupo de diabéticos, grupo de hepatopatas, grupo de triagem neonatal, que é o
pessoal do teste do pezinho, as crianças com problema, tudo com criança, bebê.
C Isso já existe hoje?
S Já. L. já está pensando na possibilidade de fazer, já começando a organizar grupo
terapêutico mesmo, a partir de uma demanda mais comum que está acontecendo no
ambulatório dele, aí ele organiza essas pessoas para fazer grupo terapêutico. E, além disso, a
atuação no internamento ser assim, ter a possibilidade de já ter uma sistematização mesmo,
pegar algumas áreas e atuar mesmo ali. Dar um corte, uma atuação vertical, mesmo. Você dá
um corte, pega ali uma areazinha e atua ali. Fazer isso. E, além disso, fazer um trabalho junto
com o serviço social. Tudo na lógica interdisciplinar e grupal, sabe? A ênfase é essa. Então,
grupo com enfermeiro, com médico, com fisioterapeuta, nutricionista, e com serviço social.
Aí a gente está bolando um grupo com, o projeto vai ser Visitante Cidadão, que é com os
visitantes da clínica médica. Tem todos os dias, todas as tardes. Então, fazer um grupo, um dia
por semana. Cada vez vão ser pessoas diferentes, para a gente fazer uma abordagem com
essas pessoas.
C Qual o objetivo?
S O objetivo é o seguinte: pelo fato que lá é um hospital-escola. Então a gente, quer dizer, o
pessoal que vai para lá tem que aprender a lógica do trabalho lá, que é diferente de qualquer
outro hospital. Então, o pessoal estranha, fica assim: “quem é meu doutor? Tem tanta gente de
branco, doutor, doutor”.
C Então seria um grupo informativo?
S É, no sentido educativo e psicoprofilático.
C Certo.
S A questão é essa. E educativo no sentido até de passar a rotina, aí o serviço social
organizou orientações ao visitante, mostrar aquela coisa da rotina, de visita, de acompanhante,
entendeu? A gente vai fazer isso. Já é atuação em grupo, que não é basicamente com o
paciente, que é indireta, porque é com o visitante, mas com essa lógica.
C Essa visita é mais com o cuidador?
S Exatamente. Porque aí é que está a história. De tudo isso o que eu falei, o que é que
acontece? Tem uma coisa que para mim é básica da Psicologia Hospitalar, que é o tripé. Um é
a questão preventiva. Então, isso que também às vezes também não entra na cabeça do
psiquiatra: “você vai tratar dele, vai fazer psicoterapia?” Meu amigo, psicólogo atua ali não é
para fazer terapia, não. Terapia é uma das possibilidades que a gente pode fazer, porque tem a
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lógica preventiva de psicólogo hospitalar, aí é onde muda, também, a questão do diferencial
do que é o psicólogo clínico e do que é o psicólogo hospitalar. Psicólogo hospitalar tem uma
noção preventiva. Então: primeiro a questão preventiva, segundo a questão interdisciplinar. É
básico, é pilar do tripé mesmo. Interdisciplinar, e a terceira coisa, o que eu ia falar?
Preventiva, interdisciplinar, e outra coisa é você ter o enfoque grupal, você pensar, na sua
prática, você está lidando, por quê? A questão do enfoque grupal tem a ver com o quê? A
filosofia? É a noção de saúde pública. Está entendendo? Porque noção de Saúde Pública, quer
dizer, é diferente da visão do psicólogo clínico. É diferente. Como é diferente o médico: “ah,
eu sou dermatologista”, assim, com epidemiologista, com o médico sanitarista. O médico
sanitarista é um médico que trabalha com infecção, infectologista, ele tem noção
epidemiológica, ele tem noção do social, porque isso tem a ver com a prática dele. O médico
sanitarista, ele tem a ver com Saúde Coletiva. Ele não está pensando: “fulaninho, que é
doentinho disso, vou dar remedinho para ele”, sabe? Não tem essa lógica, então (...)
[muda o lado da fita]
(...) Que eu vi no livro de Belkiss, na introdução de um dos livros de Belkiss, que ela fala
sobre, ela cita um autor, que é Lima, que ele definiu, eu achei isso ótimo!
C Quem é o autor?
S Não sei, é Lima... Não sei. Que ele fala a questão assim é, como é que ele chama? As
funções, tipos de funções do psicólogo hospitalar. Aí ele fala: a função psicopedagógica, que
é educativa, psicoprofilática, preventiva, e psicoterapêutica. Então é isso também que a gente
tem que passar também para a cabeça do psiquiatra, que acha que a gente está fazendo
psicoterapia (risos), sabe? E a coisa que eu também já comecei a falar para alguns médicos, eu
já organizei até uma aula que eu fiquei de trazer para cá. Quando tiver tudo direitinho, vou
falar para o coordenador, para poder apresentar numa das reuniões científicas para explicar
um pouquinho essa relação da psicologia com cardiologia, que um dos aspectos é isso, é você
ver assim: quando o médico está atuando em hospital, se ele está atuando em UTI, centro
cirúrgico, aí é atenção terciária. É diferente, justamente, da lógica de um médico sanitarista,
que está lá num PSF da vida, e tal, que ele está vendo a questão social, questão
epidemiológica, entendeu? Então, quando ele vai aprofundar o acompanhamento, a atuação
com o paciente, ele leva o paciente pro internamento. Se ele precisar mais, ele leva para UTI,
leva para o centro cirúrgico. Mas o psicólogo, então, essa lógica é inversa. A atuação da gente
no hospital, ela vai tender mais para ser preventiva. Quando, se eu estou atendendo um
paciente aqui e eu vejo que ele tá com uma demanda de um acompanhamento terapêutico, eu
faço uma abordagem aqui, que a gente chama de acompanhamento de suporte, eu não posso
chamar isso de terapia, porque o setting é diferente, eu faço acompanhamento de suporte, aí
eu trabalho com ele o vínculo para quando ele sair, ele ir para o ambulatório, para o
consultório. Lá é que eu vou aprofundar a questão psicológica. Então é o inverso do que o
médico faz. Se ele atua no ambulatório, se ele atua no consultório, tem um tipo de
intervenção. Mais superficial. Se ele quer aprofundar essa atuação, ele interna o paciente,
leva para UTI. A gente é o inverso, está entendendo? Você vai atuar, vai aprofundar questões
intrapessoais com o paciente que tá na UTI? Com dor, ouvindo barulhinho, “tu, tu, tu, tu, tu”,
você vai falar com ele alguns, minutos, daqui a pouco um chega, não tem como! Isso até é
iatrogênico! Não tem como! Está entendendo? Você vai trabalhar bem aquela abordagem,
mas você sabe que, se você precisar aprofundar conteúdos, ou se o paciente descompensou a
neurose dele, eu não vou tratar a neurose dele aqui! Eu vou tentar resolver, compensar a
neurose dele, para ele sair daqui e ir para o ambulatório! Entendeu? Então é essa lógica, quero
159
dizer, a profundidade, no sentido terapêutico, é o inverso da do médico, sabe? Então isso é
uma coisa que eu, organizei já uma aula, vou passar aqui, para poder entender um pouco,
assim, o que “ah, o que é que eu faço, o que é que a gente faz?” Porque tem muito tabu, eles
não têm bem noção, eles acham que psicólogo, a idéia do leigo: psicólogo é psicólogo clínico,
é aquele que faz terapia. Pronto! Esse é o imaginário popular. Aí você tem que se justificar e
dizer que hospital não é assim.
C Falando nisso, acho que você poderia falar um pouco do papel do psicólogo hospitalar.
Você colocaria como esse tripé?
S Exato.
C Esse é o papel do psicólogo hospitalar?
S Exato, é. Na minha maneira de entender, é por aí.
[Fomos interrompidas por uma pessoa pedindo informação, S a encaminha para a enfermaria.]
S Entendeu? Então é isso, a atuação.
C A prevenção, interdisciplinaridade e enfoque grupal.
S É. Enfoque grupal no sentido assim, da lógica de Saúde Coletiva, entende?
C Certo.
S De você pensar, assim, a pessoa dentro de um sistema. Então, é por isso que tem a ver,
sim, se eu chego e digo: “olhe, o paciente não está suportando a comida”. O psicólogo tem a
ver com isso? Tem, porque ele está no sistema, ali é um estímulo que para ele está
prejudicando a condição emocional dele! Entendeu? Então por isso que tem a ver. Eu não vou
mudar comida, porque não é da minha alçada. A questão interdisciplinar não implica em você
entrar na alçada do outro. Você tem que ter exatamente uma boa definição de papéis para
você atuar com as outras áreas. Você tendo uma boa definição qual é o seu papel, tem o meu e
o do outro. Mas, naquele momento, a gente faz a tarefa junto, entendeu? E eu acho, assim, que
isso para mim é que foi fantástico fazer Psicologia hospitalar, foi uma coisa que me
favoreceu, assim, bastante: formar minha identidade como psicóloga, saber me definir como
psicóloga perante os outros profissionais, perante a comunidade, foi fazer hospitalar pelo fato
de, desde o início, eu atuar com outros profissionais. Então, eu fico pensando na trajetória
clássica do psicólogo clínico, que atende, ou, se forma e vai para dentro do consultório. Vez
por outra ele se encontra com outros psicólogos da mesma linha de trabalho dele. Porque nem
permite: “eu sou psicanalista, não me encontro com psicodramatista”. Acabou-se isso!
[Uma enfermeira entrou na sala e avisou que teria uma reunião ali].
S Então, assim, eu acho, gosto muito de clínica, mas eu acho isso lamentável. Eu acho
muito bom em Hospitalar isso, você vai, “eu trabalho na linha cognitivo-comportamental”,
“eu sou psicanalista”, “eu sou”, sabe? Estamos todos aqui, todos se identificam como
psicólogos. Entendeu? Eu acho que justamente o fato de você trabalhar com as outras áreas
favorece isso. Se você não fica, só fica para o próprio umbigo...
160
[Mudamos de local, fomos para uma salinha dentro da UTI]
S Então, você falou algumas discussões sobre saúde...
C É, na verdade, eu queria que você, diante dessa sua trajetória, de tantos anos no hospital, o
que é que você entende por saúde, mudou sua concepção?
S Mudou. Assim, mais nisso de, porque como eu fiz o estágio em clínica, no tempo de
faculdade. Logo quando eu entrei, eu me apaixonei logo por clínica: “vou fazer clínica”
aquela história. Hospitalar, eu já conheci, é, no meio do curso, aí fui entrando, fui fazendo,
justamente para ampliar, caminhar mais nessa lógica de Saúde Coletiva, de ver que aquilo que
a gente chama, “ah, neurose, psicose”, é, sei lá, “alteração, depressão, tal, tal, tal”, quer dizer,
a gente via o paciente, a coisa do individual, que tem muito a ver com psicologia, estar
voltado para o individual. Com a prática hospitalar, isso vai mudando. Não é que tem que
perder o individual, perder que aquela pessoa, não é dizer: “ah, ele fez cirurgia cardíaca”,
como tantos outros, mas é ele que está fazendo, ele tem uma coisa específica da realidade
dele, da história de vida dele. Mas de pensar sempre ele dentro do sistema, não ele sozinho.
Está entendendo?
C A idéia de saúde ampliada?
S É, ampliada. Outra coisa: levar em conta, realmente, porque antes isso era mais estanque,
assim, desde o princípio, quando a gente vê, “não, tem tudo a ver com condições sociais”. Por
exemplo, determinados tipos de doenças só têm no terceiro mundo, você não tem no primeiro
mundo, porque o pessoal não passa mais por isso, as condições sociais são outras, então eles
desenvolvem outras doenças. A gente tem, tinha essa noção, acho que desde o científico que a
gente já vai tendo isso, vai sentindo que determinados problemas, você vai ao hospital
público, para as pessoas que dão entrada, por exemplo, numa urgência, elas vêm com uma
gama de dificuldades orgânicas, que se você pega numa urgência particular, não vai aparecer
aquilo mesmo, porque tem toda uma condição social e cultural envolvida. Eu já tinha essa
noção. Mas, assim, é diferente, porque, mais aprofundado, não é simplesmente pensar “é
pobre, é rico”, não é só isso. É mais aprofundada essa visão. E dentro dessa visão de entender
saúde e doença, a gente parte para um segundo momento: pensar como é a assistência. Que aí
tem a história de assistência prestada, você tendo essa visão, dentro dessa visão de saúde, de
doença, você vai prestar um outro tipo de assistência. Então, não é por coincidência, não foi
por acaso: foi justamente minha professora de [Psicologia] Social que foi fazer Hospitalar. E
aí justamente era uma disciplina que eu até adorava. Eu gostava, eu gostei bastante de fazer
Psicologia Social, e vejo que tem tudo a ver, quer dizer, se fosse fazer, para fazer Psicologia
Hospitalar, você tem que ter uma base boa em clínica? Sim, sempre, tanto que antes era um
apêndice da clínica. Mas, quer dizer, é preciso que você avance dentro da Psicologia Social,
da antropologia, para poder realmente você ter, primeiro uma melhor compreensão do que se
passa, do fenômeno em si, e saber como você vai atuar, porque o como atuar é que é
danadinho! Então você pega o paciente no consultório, que ele vem, você vai trabalhar
questões intrapessoais, ele tem uma lógica abstrata, do pensamento abstrato, ele tem uma
cultura urbana de ter “meu espaço, administrar minha vida”. E você pega o seu José do
povoado, não sei quantas léguas de distância de uma cidadezinha pequena, ele tem toda uma
lógica de mundo! Não tem essa coisa de meu espaço, de abstrair, ele vai estar voltado para o
concreto, certo? Mas ele sofre como qualquer pessoa! Lembro, também, no meu tempo de
faculdade, que eu tive um professor, graças a Deus até esqueci quem foi, não quero nem me
lembrar. Que ele dizia assim que “não, terapia não é para pobre, pobre precisa comer, não
161
precisa de terapia”. Quer dizer, como é que pobre vai, é como se ele dissesse assim: “como é
que pobre, você pega um pobre e coloca lá para fazer terapia. O pessoal está precisando é
comer, precisando ter dinheiro para comprar uma vitamina C, um remédio para verme, coisa
assim. Eles não vão nem pensar nisso”, como se diz assim: “eles estão tão presos a
necessidades concretas...” Não é bem assim, não é. Graças a Deus, minha prática contraria
isso. Mas eu fiquei danada com o que o professor disse, mas eu não tinha como argumentar.
Eu não tava nem no final do curso, para ter dados para falar isso. E aí o fato de eu ir trabalhar
em um hospital universitário, nunca teve psicólogo, nunca teve ambulatório. Então eu tenho
lá, eu guardo as fichinhas todas dos pacientes que eu atendi esse tempo todo, é um número
imenso de pacientes. Não sei, o último levantamento que eu fiz já tinha mais de trezentos
pacientes. Todos tinham sido atendidos por mim ou pelo psicólogo estagiário. E esse pessoal
é o que? População pobre, pessoas, eu já acompanhei paciente que vinha da Bahia, e aí eu
fazia com ele, não era terapia, que não tinha condição, então era aconselhamento, então ele
vinha uma vez por mês, mas ele não faltava, entendeu? Pessoas, que aí eu faço até hoje,
ambulatório, todos os dias, porque eu trabalho em Saúde Pública, lógica do consultório, vou
faltar segunda e terça? Não, tem que vir todo dia! Todo dia, por quê? O pessoal vem de tal
interior, a ambulância só tem segunda e terça, e outro só tem quinta e tanto, então ele só vem
naquele dia, naquele dia não tem dinheiro da passagem para vir. Ele tem que vir na
ambulância, então, quer dizer, e eu atendo, e essas pessoas vêm, e eu vou fazer um
levantamento de número de abandonos. Da terapia, que eu sei que não é alto. Porque as
pessoas vinham, e não chegavam atrasados não, e vinham e recebiam alta. Ou recebiam alta
mesmo, ou saíam porque eles tinham se dado alta, não queriam mais conversar com o
terapeuta. Mas, assim, de ter abandono? Pouco, para você pensar. Porque eu lembro também
do pessoal da psicanálise, quando eu fiz o curso, eles falavam: “Ah”, a gente tinha clínica,
treinamento. Aí dizia “não, tem que colocar um valor, nem que seja simbólico, senão o
pessoal não valoriza!”. E esse pessoal que não paga nada? Por que eles não deixavam de vir?
Porque vinham! E eles não pagam nada, SUS, é do SUS, então não pagam nada. Não tem
noção de que está pagando imposto, não tem essa noção. Eles vêm e não faltam! E vêm, e
valorizam, e melhora a vida deles, e aí? São pessoas que estão convivendo com uma realidade
concreta tão difícil, então por que a terapia está fora? Está entendendo?
C Então, só para a gente terminar mesmo, vendo as datas, provavelmente você foi pioneira
em Aracaju.
S Em hospital geral. Realmente, eu não sei dizer. Porque, na época, realmente, procurou-se
saber, para poder organizar meu contrato. Eles procuraram, um pouco assim, porque eles
ficaram “como é que a gente vai fazer seu contrato? E a carga horária?” Aí não tinha
referência de outro, entendeu? Agora, em psiquiatria já tinha. Certeza, porque essa lei é mais
antiga, em hospital psiquiátrico
C De qualquer forma, já tem uns anos, quase quinze anos de experiência.
S E aí uma coisa, eu fui para um fórum, uns anos atrás, baiano de Psicologia hospitalar, um
dos primeiros, e aí eu fiquei sabendo que o pessoal que começou a atuar em hospital foram
dois anos depois de mim, foi em 93.
C Na Bahia?
S Na Bahia. Porque fizeram uma apresentação. Hoje tem vários serviços, em vários lugares,
com estágio, tudo, vários. Então, pela apresentação, quando foi essa parte histórica, tudo,
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então o primeiro foi em 93, então começou depois de mim. Só que já começou assim,
montando serviço, não entrou só um psicólogo, entendeu? A diferença é que eu entrei só.
C Como é que você vê esses 13 anos de Psicologia hospitalar aqui em Sergipe?
S Eu entrei em 91, então na verdade é catorze anos. Treze anos de contratada.
C Como é que você está vendo a Psicologia Hospitalar nesse tempo todo? Mudou muito...
S Assim, houve uma melhora, oportunidade, na questão de mercado de trabalho, porque
houve um avanço muito grande com a história dos concursos. Então, primeiro, concurso do
federal, depois concurso do estado, concurso da prefeitura. Certo? Que aí vai entrando o
pessoal. Então, nesse sentido de oferta de mercado de trabalho, houve uma melhora, pelo
menos no nível público. No nível particular, ainda há dificuldade. Mas a gente sabe que, a
nível de instituição particular, ela vai seguir o modelo do público. A referência é o público.
Começa a ter no serviço público, depois começa a ter no particular. Porque, como as pessoas
que atuam em saúde, atuam em vários lugares, aí começa: “ah, aí tem, ali tem, o pessoal faz,
então aqui é bom ter também”. Começa assim. Acho que pode haver dificuldades de
aceitação, não de espaço, como houve lá, na questão da psiquiatria, mas quando houver,
realmente, outros profissionais da área psi, porque a coisa é, infelizmente, questão de
mercado. “Tem que ver, porque aí paciente sai de alta e vai para que consultório?” Entendeu?
Se ele ficar comigo, aí é aquela questão: quem vai assumir a parte terapêutica? Eu acho que
pega um pouco isso. Mas no mais, o que existe não é uma rivalidade. A possibilidade de ter
não é uma rivalidade, mas é ter aquela questão, assim: “ah é bom, mas eu não sei bem por que
é bom. É bom, eu tenho noção de clínica, mas internamento eu não conheço direito o
trabalho”. Aí nisso, pode acontecer o quê? Solicita para fazer alguma coisa que não tem a ver
com o psicólogo, é uma coisa que tem a ver com o assistente social, por exemplo. Pode
confundir, e se o psicólogo não estiver bem ciente, ele vai embarcar nisso, porque ele não
sabe! Ele vai fazer o que pediram para fazer. Então um risco que tem é esse. Acho que é esse
que eu estou dizendo: um risco de oposição, eu acho menor, aqui em Sergipe, eu acho menor.
Eu acho maior o risco é disso: de não ter uma boa compreensão, definição do papel, e acabar
você assumindo algumas coisas, que quem pediu, não pediu com má intenção, é por
desconhecimento, e o psicólogo, por desconhecimento também, acaba fazendo, certo? E o
outro risco...
C Então é problema na formação?
S Na formação, na formação. O outro risco é a questão de que você certo, conseguiu o
espaço, porque o pessoal “é bom, é bom”, mas vê o psicólogo meio como um jarro: é bom,e
fica ali aquele jarrozinho, mas o que é que vai fazer? Quer dizer, está ali, mas ele é
inoperante, está entendendo? Ou porque ele não sabe, muitas vezes ele não sabe o que fazer,
aí está muito mais pelo erro do psicólogo, eu acho, não dá para culpar a equipe. “Ah, mas lá
eu não faço, eu queria fazer isso”. Eu digo: “você faz?” Sim, mas eu faço isso, eu faço aquilo,
não foi alguém que me disse: “S, faça assim, faça assim”. Eu faço, monto, eu monto projeto e
vou lá: “olhe, eu quero fazer isso!” Ele é que vai dizer que eu não vou fazer? Você que é o
psicólogo! Se a gente está nessa fase, a profissão é nova, a atuação hospitalar é mais nova
ainda, a gente é que tem que construir uma realidade de trabalho e levar. Não dizer: “não, eu
estava em tal lugar, não podia fazer grupo”. “Você pediu para fazer e o pessoal disse?” Ou
porque “Não, ninguém me pediu para fazer grupo?” E como é que vai pedir quem não
conhece? Entendeu? Então eu acho assim, de ele ser inoperante, pelo fato de ele desconhecer
163
o potencial que tem para atuar. Segundo, de ele fazer ações que não deveria estar fazendo,
pelo desconhecimento dele ou do pessoal da gestão, que não sabe bem o que era para fazer,
então pediam. Não com má fé, porque não sabia mesmo! E o outro, de oposição, mas esse eu
acho difícil. Aqui, não sei, acho difícil de ter. Tem uma coisa que favorece, que é o pessoal da
área médica, a maioria deles fez residência fora daqui, e o lugar onde eles fizeram é um
grande centro, e nos grandes centros já tem Serviço de Psicologia, então já trás aquela idéia
boa para gente, é uma coisa que já favorece. “Ah, lá tem psicólogo”, mesmo não sabendo bem
o que faz, “ah, tem, não sei o que é, mas sei que tem”. Então isso ajuda. Agora, um grande
peso que emperra é a questão da formação. Atualmente, pelo que eu saiba, tem disciplina na
Federal, mas é optativa. Tem disciplina na Pio Décimo, só a disciplina. Na UNIT, parece que
não tem nem a disciplina. E estágio, não tem em nenhuma das três. Então, já fico imaginando,
a gente aqui, na intenção de abrir estágio, a cárdio já é muito famosa, coloca o número de
vagas, vai ter mais, vai ter que fazer seleção mesmo.
C E curso de especialização por aqui próximo...
S Curso de especialização, eu soube agora recente, peguei até a ementa, na FANESE.
C De Saúde Pública?
S Não, Psicologia Hospitalar. FANESE. Peguei recentemente. Não sei quem vai ministrar,
sei que estão abertas as inscrições, trezentos, quinhentos e quatro horas. Especialização
mesmo. FANESE. Na minha parte profissional, o que eu penso em fazer, quero fazer
mestrado em Saúde Pública, tem aí, parece que tem possibilidade, outra coisa interessante
para quem é da área, tem em junho o curso de psicossomática.
C Aqui?
S É, que existe, como é que chama? A Associação Brasileira de Psicossomática regional de
Sergipe, e é o pessoal que vai fazer. Inclusive o próximo congresso da Associação Brasileira
vai ser aqui, no ano que vem. Eu fui já, estava de passagem. já soube que vai ter o congresso,
o pessoal vai fazer o curso, então, eu quero até me filiar, fazer o curso, porque eu acho que
ajuda muito na prática. E no mais, ligado a gestalt mesmo, fazer cursos específicos, de grupo,
porque em gestalt tem aquela linha toda, com sonhos, trabalha com sonhos, com grupo,
trabalho gráfico em arte-terapia, aí eu quero ficar fazendo, mas é bem na área de gestalt,
clínica, eu penso, mas vou esperar minha filha crescer um pouquinho para poder. Embora que
clínica é aquela história, eu nunca...
C Hoje você está com consultório?
S Não. Estou com os dois empregos. Embora, para mim, eu sei que vai ser sempre assim: eu
não vou ser uma psicóloga clínica que trabalha em hospital. É uma psicóloga hospitalar que
faz clínica. Então, o tempo em que eu fiquei fazendo consultório, até em lugares diferentes, os
pacientes todinhos eram pacientes psicossomáticos, paciente com a alguma coisa orgânica
associada, não tem jeito, sempre, só vem para mim assim. Já é, porque não tem jeito, já é
porque, você acaba... Eu conheço bem mais médico, mais enfermeiro do que psicólogo, hoje
em dia, até eu tenho mais conhecimento porque vivo sempre em hospital. Aí todo mundo...
Mas é assim.
C Você quer acrescentar alguma coisa?
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S Assim, que eu acho ótimo que venham pessoas com mestrado (risos) na área para vir para
cá para justamente começar a melhorar a questão da formação. Porque, por exemplo, esse
concurso que houve do estado, o concurso da prefeitura, o pessoal passa, com boa vontade,
estuda, tudo direitinho, mas quando chega na prática, tem muita dificuldade! Porque eles não
têm referência anterior, porque não existiu modelo, porque não existia vaga antes, aí eles têm
que construir um modelo, tendo pouco embasamento, porque não tiveram, não por querer,
mas porque não tiveram questão acadêmica, nem como curso extra, assim. Complicado, viu?
[Já tínhamos concluído a entrevista, mas ela entrou no aspecto da formação, e eu religuei o
gravador]
S Uma aluna me pediu para falar. Aí eu conheci a professora, professora do Rio Grande do
Sul e tem mestrado na área. Tem especialização e mestrado ligado a parte de Hospitalar. Bom
que vai vir pessoa assim, porque já lá na formação o pessoal começar a ter informação
certinha. Porque se fica muita gente sempre sempre atuando, sem ter bagagem, acaba
queimando a área.
C E se já tem uma história da Psicologia Hospitalar, por que não aproveitar essa história?
Por que começar do zero se já tem um caminho antes, talvez? Você precisou começar do zero,
mas se já existe você, já existem outras pessoas, por que essas pessoas ainda precisam
começar do zero?
S Exato, exato. Hoje já fico feliz porque o pessoal que já passou por lá pela Federal, tem um
número deles que agora estão, passaram no concurso do estado, no concurso da prefeitura,
então eles tiveram um pouco de contato, de estar no Hospital Universitário, ver como é a
realidade. Mal por mal, eles tiveram já um pouco disso. Não entraram, não começaram a
trabalhar tão verdes, porque é complicadíssimo, não tem como, minha gente! É uma área
muito, tem que ter conhecimento muito específico. Não tem como! Senão a pessoa se perde
totalmente! Sabe, você pensar, “não, porque quem é experiente nessa área...” Certo, pegue
uma pessoa que tem vinte anos de formada, quinze anos que está aí no consultório, pegue e a
coloque no hospital para ver se ela sabe fazer! Não vai ajudar, não vai conseguir, porque tem
toda a coisa da lógica do hospital que não vai apreender, não vai saber lidar. Vai ficar perdido
no meio dessa estrutura tão complexa como o hospital. É muito complexa. Aí pronto! Eu não,
eu já sou rata de hospital há muitos anos. (risos) Vou fazer quinze anos de formada, tem pelo
menos o quê? Uns doze, treze anos que eu ando em hospital. Desde o quinto período, quer
dizer, do segundo ano, que foi em 86, 87, quer dizer, já vou fazer uns vinte anos que ando em
hospital, porque aí quando comecei estágio... Você vê a diferença de horas, porque o estágio
foi extracurricular, o número de horas que eu tive, foi muito maior que o meu estágio clínico.
Porque o volume de serviço é muito grande sempre, é muita coisa. Eu estava lá direto! Eram
vinte horas de estágio extracurricular, eram vinte horas por semana!
C O mesmo tempo do trabalho aqui
S Era. Direto, era sábado, direto, eu morava no hospital. Estava lá no hospital todo dia, todo
dia... E foi muito bom ter sido assim, porque eu aprendi muito. Porque eu vir para cá sem
nada, nada... Foi muito bom. É isso.
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