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Luiz Cláudio de Araújo
São Paulo - 2006
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC - SP
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PÃO, CIRCO E SORRISO
SÃO PAULO
2006
Dissertação apresentada ao
Programa de Estudos Pós-Graduados em
Ciências Sociais da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo para a
obtenção do título de Mestre, sob a
orientação da professora
Dra. Silvia Helena Simões Borelli.
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Introdução: Eu, o Ciranda e os Outros.................................................................................................07
Ciranda: Projeto Social ou Ação Comercial?.........................................................................................13
O Ciranda - Esse Fantástico Negócio do Social ....................................................................................16
Ciranda: Aprendendo a Ser Bricoleur....................................................................................................23
Capítulo I: Ciranda: A Recepção e a Audiência no Marketing Social .....................................................26
Projetos Sociais: A Mídia do “bem”?......................................................................................................29
A Imagem Via Terceiro Setor.................................................................................................................34
A Onguização no Campo Social............................................................................................................42
Capítulo II: Pão: A Geração da Riqueza pela Produção da Pobreza .....................................................47
A Ciranda da Fome em Rio Verde .........................................................................................................50
A Cidadania de Aristóteles ao da Esquina ........................................................................................55
Pensar Global, Agir Local .....................................................................................................................59
Os Atores: Educando para Avançar ......................................................................................................68
Capítulo III: O Circo: Palco de Encontros e Contradições.....................................................................73
A Recepção na Casa de Teodolindo......................................................................................................75
Os Passageiros da Recepção ..............................................................................................................80
A Pesquisa em Comunicação ...............................................................................................................84
Dedos de Prosa, Mídia e Recepção ......................................................................................................90
A Ciranda da Cultura e o Dito Popular ...................................................................................................94
A Cultura, o Popular e o Brasil ...............................................................................................................98
Crianças, Mídia e Recepção...............................................................................................................102
Um Tiquinho de Felicidade Nessa Tentação do Bem...........................................................................105
A Indústria Cultural e a Felicidade .......................................................................................................109
Mídia e Publicidade do Ciranda...........................................................................................................111
Bibliografia .......................................................................................................................................120
Profª. Dra. Silvia Helena Simões Borelli
Profª. Dra. Caterina Koltai
Prof. Dr. Lisandro Nogueira
A Luiz de Araújo Porto, meu pai, que sobre andaimes e tijolos soube
cimentar caminhos retos nas curvas desta vida; a Maria da Piedade Castro
Araújo, minha mãe, que jamais permitiu que os espinhos ocultassem as
flores do seu jardim; a Abel Fernandes de Castro, meu avô de olhos azuis e
coração verde, uma saudade que não se apaga; a Chrystal Méndez de
Araújo, minha melhor criação.
Quando cheguei à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em
outubro de 2003, trazido pelas mãos do professor doutor Lisandro
Nogueira, então doutorando e orientando de Silvia Helena Simões Borelli,
carregava em mim todas as esperanças de traduzir em idéias,
pensamentos e atos uma “vida quase toda” voltada ao marketing social,
criando, perambulando, plantando eventos, chacoalhando cidades, vilas e
corrutelas pelos sertões de Goiás, Tocantins e Distrito Federal.
Um jornalista, publicitário, mercadólogo ou marqueteiro estudando
antropologia na PUC/SP? Santa blasfêmia, seria possível, alguém validaria
essa presunção?
Validou. Silvia Helena Simões Borelli tomou-me pelo coração, incentivou,
professorou, acreditou que eu faria das minhas fragilidades a força para
vencer os raios, trovões e tsunamis que vez e sempre atordoariam minha
caminhada pelos corredores, salas e penumbras da PUC/SP.
Então, ao Lisandro e à Silvia o meu “não-sei-o-quê”, que não consigo
fazer valer o meu vocabulário para expressar essa minha alegria por
tê-los encontrado no florescer da minha lida.
Os dados aqui apresentados fazem parte da pesquisa “Pão, Circo e Sorriso
- A recepção e a Audiência no Marketing Social”, que teve por objetivo
identificar o marketing social na perspectiva da audiência e da recepção - e
produtos da indústria da cultura, principalmente mídia e recepção.
Palavras chave: recepção, audiência e industria cultura
RESUMO
ABSTRACT
The Article present the results about studies “Pão, Circo e Sorriso -
Reception and Audience in the Social Marketing”. The goal was to identify
the social marketing and midia and culture industry products, mainly the
midia and recepcion.
Keywords: reception, audience and culture industry.
O belíssimo texto de Marilena Chaui, “Janela da alma, espelho do mundo”, serve de mote para este
artigo, tendo em vista que sintetiza, poética e filosoficamente, algumas das várias problematizações
que pretendo fazer aqui, a respeito das pesquisas em educação que têm como objeto ou como
material empírico as imagens da televisão ou as diferentes formas de veicular e receber produtos da
mídia televisiva. Pergunto-me: como estudar as imagens, textos e sons da mídia, especialmente da
televisão, tendo como pressuposto que não extrairemos das imagens representações acabadas,
mas antes possibilidades de significação, datadas e bem localizadas, seja do ponto de vista
daqueles que as produziram e colocaram em circulação, seja do ponto de vista daqueles que a
receberam e, com ela, de alguma forma, interagiram? Como o analista das imagens da mídia tratará
o fato de ele mesmo ser alguém que especta, que olha, que investe seu corpo nesse jogo de
interioridade e de exterioridade que diz respeito ao ato de ver, de receber imagens e de operar sobre
elas como espectador comum do cotidiano e, simultaneamente, como estudioso das questões da
comunicação no âmbito da pesquisa educacional? Finalmente, de que modo, ao investirmos nos
estudos sobre televisão, efetivamente participamos de uma elaboração da história do presente, já
que as imagens que nos ocupam são de alguma forma “espinhos em nossa carne”?
Apoiada em autores como Paul Veyne, Michel Foucault e Gilles Deleuze (sobretudo no que diz
respeito à historicidade do ver e do falar), e em estudiosos como Beatriz Sarlo, Jesús Martín-
Barbero (no que se trata da especificidade da cultura visual midiática), discuto aqui elementos de
uma proposta metodológica para investigações que, no campo educacional, tenham como centro
de atenção os produtos da mídia, particularmente da televisão. Nessa proposta, sugiro que se faça
uma análise do discurso (no caso, da mídia), atentando para as práticas discursivas e não-
discursivas em jogo no complexo processo de comunicação que se opera entre criadores,
produtores, atores, técnicos de todos os níveis, e os espectadores, nas mais distintas situações e
condições de recepção.
Mais do que isso, proponho que nessa análise do discurso se busquem os enunciados de certos
discursos, de certos regimes de verdade, próprios de uma época, produzidos, veiculados e
recebidos de formas muito específicas, que falam de um certo tempo e lugar, que falam de
determinadas relações de poder, que produzem sujeitos de uma certa forma. Interesso-me
especialmente pelos enunciados daquelas discursividades que tenham presença ou repercussão
significativa no campo da educação: refiro-me a determinados modos de existência propostos na
mídia a crianças, a jovens, a educadores, modos que não se separam de modos de enunciação, de
práticas de linguagem, de celebração de certas verdades tornadas hegemônicas.
O visível e o enunciável
Como escreveu Foucault (1986), em A arqueologia do saber, os discursos não confrontam nem
associam realidade e língua, léxico e experiência; nem devem ser vistos como conjuntos de signos
Problematizações sobre o exercício de ver:
mídia e pesquisa em educação
que estão para remeter a este ou àquele conteúdo, a esta ou àquela representação. Os discursos
são sempre práticas que efetivamente “formam os objetos de que falam” (p. 56), e não se reduzem a
um conjunto de “falas”, de imagens ou de textos que selecionamos para analisar. Poderíamos dizer
que os enunciados de um discurso seriam uma espécie de lugar de chegada de um trabalho
minucioso do pesquisador, uma vez que este buscará descrever os diversos modos pelos quais é
tecido, discursivamente, o social. Estamos falando aqui do social como constituído e ao mesmo
tempo como constitutivo da linguagem, e do discurso como imerso por definição em relações de
poder. Como escrevi em outro texto (Fischer, 2001a), descrever enunciados de um discurso é
apreender esse mesmo discurso como acontecimento, como pertencente a uma certa formação
discursiva (o discurso pedagógico do século XIX, por exemplo; o discurso feminista dos anos de
1960; o discurso da medicina, nos seus diferentes momentos; e assim por diante), como ligado a um
certo regime de verdade e, ainda, como diretamente relacionado à constituição de sujeitos
individuais e sociais.
Ora, quando proponho que se faça uma análise do discurso da mídia que conta do discursivo e
do não-discursivo, estou me referindo a uma opção investigativa que se ocupe do visível e do
enunciável de determinados discursos veiculados na mídia contemporânea. Ou seja, considerando
os diferentes níveis de uma análise de produtos televisivos, imagino que seja possível aliás, como
alguns pesquisadores têm feito1 – descrever certos discursos de nosso tempo, numa operação
que faça emergir a com
plexidade do que tenho chamado de “dispositivo pedagógico da mídia”2 (Fischer, 2000, 2001b,
2001c), com suas técnicas e estratégias específicas de interpelação dos sujeitos. Mas o que seria
exatamente o “visível” e o que seria o “enunciável”, em se tratando de programas de tevê, eleitos por
nós como “documentos”?
Parece-me que o visível (jamais separado do enunciável), aqui, poderia ser pensado como uma
trama de visibilidades, a saber: a) o próprio produto, um programa ou um conjunto “x” de programas
de televisão, com toda a riqueza de sua linguagem audiovisual, que poderá ser analisada nos
detalhes específicos dessa linguagem: o roteiro, os diversos “blocos” do programa, os atores ou
personagens em jogo, a sonorização, o texto propriamente dito, a cenografia,
o gênero de programa (ficção, jornalismo, publicidade, humor, musical, reality show, talk show, e
assim por diante), a edição, a seleção de planos, a sintaxe das seqüências narrativas; b) o produto e
sua inserção numa política global de produção e veiculação, numa determinada emissora ou num
conjunto de emissoras de tevê aberta ou a cabo, com as diferentes estraté
temática da prevenção da AIDS e do HIV no Brasil é discutida a partir da análise de filmetes
produzidos pelo Ministério da Saúde e veiculados na televisão; no segundo, os modos de constituir
a mulher, seu corpo, seus afetos, sua sexualidade, é investigado a partir das narrativas destinadas
ao público infantil, como os filmes de animação de Walt Disney. Em ambos, faz-se uma análise
detalhada de linguagens específicas (o cinema na indústria do entretenimento e os filmetes de
propaganda oficial para veiculação em tevê), ao mesmo tempo em que se discutem problemas
fundamentais da sociedade contemporânea, como os relativos aos modos de existência propostos
nesses materiais quanto às questões de gênero e às formas de sexualidade constituídas como
verdades a serem aprendidas e vivenciadas.
2 Defino “dispositivo pedagógico da mídia” no texto ‘Técnicas de si’ na TV: a mídia se faz
pedagógica”, como um aparato discursivo e ao mesmo tempo não-discursivo a partir do qual
haveria formas muito particulares de produção do sujeito contemporâneo (Fischer, 2000, p. 115).
gias de captura de determinados públicos, em certas épocas e horários; c) os modos de articulação
do público com o produto veiculado, dados por situações muito diferentes, como as pesquisas de
marketing e as pesquisas de audiência, as manifestações dos receptores buscadas e veiculadas
pela própria televisão ou por outros meios de comunicação, como jornais e revistas; também as
formas de participação e intervenção do público, permitidas por outras situações, como aquelas
que se dão no âmbito das próprias pesquisas de recepção; d) finalmente, a trama de visibilidades
teria a ver igualmente com as condições de produção e de emergência de certos discursos que
circulam em determinados produtos da mídia, em certa época e lugar; trata-se aqui das práticas
institucionais, dos acontecimentos políticos, dos diferentes processos econômicos e culturais que,
como nos ensina Foucault, não seriam “expressão” de um discurso nem sua causa imediata, mas
algo “que faz parte de suas condições de emergência” (Foucault, 1986, p. 187). Fica claro, portanto,
que falar de visibilidades é falar também de enunciados, daquilo que se “murmura”, das coisas ditas
em determinado tempo e lugar.
Para exemplificar, trago imagens que hoje são presença obrigatória na televisão, nas revistas, nos
jornais: a figura das meninas adolescentes que ascendem meteoricamente ao estrelato do
chamado mundo fashion. Se nos debruçarmos sobre essas imagens, sobre a reiteração desses
corpos jovens, quase infantis, sobre a insistência de seus olhares duros e frios, distantes,
atemorizadores até, podemos descrever um pouco dessa discursividade de elogio a um corpo que
se faz belo e desejável de um determinado modo, e que se associa àquilo que Jurandir Freire Costa
chama de cultura das sensações, de cultivo de uma “subjetividade exterior” (Costa, 2001). Tudo
indica que tal discurso se constrói a partir de outros discursos, ou a eles se associa, sem medo de
uma possível incongruência. Aliás, parece fazer-se exatamente dessa fragmentada incongruência:
nos textos e imagens que oferece sobre a última novidade no mercado das passarelas, a mídia é
capaz de nos remeter àquele fato como “coisa do mercado”, como sucesso econômico e
profissional, simultaneamente como revelação de uma inocência bela a se expor a nossos olhos e,
ainda, como oferta de “carne”, de “suculência”.3 Em outras palavras: o discurso hedonista de nosso
tempo associa-se, sem qualquer pudor, a um discurso politicamente incorreto, relacionado a uma
sugestão pouco velada de pedofilia mesmo que a mesma mídia, a mesma emissora ou rede, por
vezes até simultaneamente àquele tipo de emissão, dediquem-se “sinceramente” a combater o
crime de assédio sexual de adultos a crianças e adolescentes.
Assim, tratar de visibilidades, na análise enunciativa proposta por Foucault, significa tratar dos
espaços de enunciação de certos discursos espaços institucionais muito definidos, como é o caso
da escola, por exemplo, e espaços mais fluidos e amplos, como é o caso da mídia, em sua relação
com os vários poderes, saberes, instituições que nela falam. Nesse sentido, poderia dizer-se que a
mídia se constitui um espaço de “visibilidade de visibilidades”; ela e suas práticas de produção e
circulação de produtos culturais constituiriam uma espécie de reduplicação das visibilidades de
nosso tempo. Da mesma forma, poderíamos dizer que a mídia se faz um espaço de reduplicação
dos discursos, dos enunciados de uma
3 Eventos da moda como os conhecidos “São Paulo Fashion” e “Rio Fashion”, que trazem modelos
famosas como Gisele Bündchen ou Naomi Campbell, ao lado de novas meninas brasileiras, são
descritos na mídia com a voluptuosidade de palavras que seguidamente remetem à associação da
mulher e do corpo feminino com tudo o que diga respeito a apetite, fome, prazer visual-oral.
Exemplo disso foram duas reportagens, uma na revista semanal ISTOÉ, edição nº 1713, de 31 de
julho de 2002 (em que se fala num desfile que conseguiu “números robustos”, “resultados
suculentos”, numa matéria que espaço especial à atriz Luana Piovani, que desfilou de seios
sustentados apenas pelas mãos da modelo), e outra no Caderno Donna do jornal Zero Hora do dia
27 de julho de 2002 (em que uma nova modelo, de 15 anos, gaúcha do município de Viamão, na
Grande Porto Alegre, é saudada como nova promessa e elogiada pelo sucesso que fez, em virtude
de ter coberto “inocentemente” os seios que se expuseram nus, por um problema com o aplique de
cabelos da menina).
época. Mais do que inventar ou produzir um discurso, a mídia reduplicá-lo-ia, porém, sempre a seu
modo, na sua linguagem, na sua forma de tratar aquilo que “deve” ser visto ou ouvido. Isso quer
dizer, então, que ela também estaria simultaneamente replicando algo e produzindo seu próprio
discurso, sobre a mulher, sobre a criança, sobre o trabalhador ou, no caso do exemplo anterior,
sobre a juventude ou a adolescência das passarelas.
A propósito da discussão sobre o fato de a televisão ou a mídia produzirem ou apenas replicarem
discursos, é bem instigante a observação que fazem Deleuze e Guattari (2001), em O que é a
filosofia?. Os filósofos lembram como em nosso tempo uma das reivindicações do campo da
comunicação (e de seus correlatos, como a informática, o design, a publicidade; eu acrescentaria:
da moda e da mídia, de uma maneira mais ampla) é justamente a de que é nesses espaços que
ocorre a criação, ali é que se inventam até mesmo “conceitos” (o estilista dirá, por exemplo, que seu
último desfile foi totalmente “conceitual”). Trata-se de um bom exemplo de como os meios de
comunicação e todas as suas “disciplinas” produzem (ou se apropriam de) certos discursos. Trata-
se de uma luta, de disputas de poder muito específicas, a partir das quais (ou no interior das quais)
se fazem e refazem os discursos, os saberes especializados, bem como os modos de nos
tornarmos sujeitos de certas verdades. Reivindicar para si o grande e exclusivo lugar da criação, no
caso da mídia e da publicidade, seria um modo de ensinar a todos nós que outros espaços (como o
da filosofia, da literatura, da própria educação, da arte) teriam deixado de ser importantes em nosso
tempo.
Portanto, analisar discursos significa em primeiro lugar não ficar no nível apenas das palavras, ou
apenas das coisas; muito menos, buscar a bruta e fácil equivalência de palavras e coisas. Como
escreve Deleuze (1991), o visível tem suas próprias leis, desfruta uma certa autonomia em relação
ao enunciável, justamente porque “as coisas ditas” também têm sua relativa autonomia. Em suma,
o visível e o enunciável não se reduzem um ao outro, eles exercem uma
espécie de força um sobre o outro, de tal forma que haveria simultânea e permanentemente “a lição
das coisas e a lição da gramática” (p. 60, grifo do autor). E é essa heterogeneidade dos ditos e das
visibilidades que proponho seja descrita em nossas investigações sobre produtos midiáticos.
Quando afirmo que a mídia se constituiria um espaço de “visibilidade de visibilidades”, não estou
aqui confundindo visibilidade com elementos visuais, com objetos palpáveis, mostrados em suas
qualidades sensíveis stricto sensu. Sim, vamos operar sobre programas de tevê que gravamos,
materiais que manipulamos e que buscamos descrever em suas minúcias de materialidade
audiovisual. Mas a visibilidade que vamos descrever diz respeito a um trabalho minucioso e árduo
de abrir, “rachar” essas imagens, textos e sons, abrir e rachar a minúcia das práticas institucionais
relativas ao ver e ao fazer ver da televisão num país como o Brasil, abrir e rachar as coisas ditas nos
telejornais e telenovelas, nos comerciais e nos reality shows, e extrair deles alguns (mesmo que
poucos) enunciados (idem, p. 62) sabendo que não há verdades ocultas nem visibilidades tão
plenamente expostas nem tão evidentes.
“Que tudo seja sempre dito, em cada época, talvez seja esse o maior princípio histórico de Foucault:
atrás da cortina não nada para se ver, mas seria ainda mais importante, a cada vez, descrever a
cortina ou o pedestal, pois nada atrás ou embaixo” (Deleuze, 1991, p. 63). Por mais que
protestemos, é preciso enfrentar o fato de que não enunciados escondidos naquilo que a mídia
produz e veicula; o que são emissores e destinatários dos meios de comunicação (como o rádio,
a tevê, as revistas e jornais), que variam conforme os regimes de verdade de uma época, e de
acordo com as condições de emergência e de produção de certos discursos. Portanto, que olhar
para essa complexidade dos processos comunicacionais, procurando não o que estaria
escamoteado, mas os modos de se fazer verem certas coisas num determinado tempo. Pode ser
paradoxal, mas o que nos ensina Foucault é que, se ficarmos nas evidências, na ilusão das coisas
em si, palpáveis e plenamente visíveis, aí é que não as veremos naquilo que importa, naquilo que
Deleuze chama de “condição que as abre”
O interesse de Foucault pelos espaços institucionais, como a prisão, o hospital,4 remete ao fato de
que olhar para esses lugares tão concretos e tão palpáveis, nessa perspectiva, significa tratar de
dimensões de exterioridade de funções como a de isolar, seqüestrar corpos, classificar – funções
diretamente relacionadas a enunciados de um discurso específico, o discurso da sociedade das
disciplinas. Foucault chegou a enunciar essas funções não porque para ele haveria uma perfeita
correlação entre um visível e um enunciável, mas porque a minuciosa e complexa investigação de
um sem-número de modos, procedimentos, enfim, práticas discursivas e não-discursivas, de
produzir isolamentos, totalizações e distinções entre os indivíduos, lhe permitiu “ver” isso, construir
essa história das prisões, mostrar como nos constituímos desse jeito no Ocidente, numa certa
época.
Como escreve Paul Veyne no conhecido texto “Foucault revoluciona a História”, a filosofia de
Foucault não é uma filosofia do discurso, mas uma filosofia da relação (Veyne, 1982, p. 177). E é
disso que estamos tratando aqui, quando propomos um modo de tomar a mídia, seus ditos e a suas
visibilidades como objeto de nossas investigações no campo educacional. Na esteira dessa
filosofia, recusamos a idéia de que se deva, por exemplo, estudar a televisão e seus produtos para
expor única e exclusivamente a maquinaria de uma forma de manipulação de crianças,
adolescentes, homens e mulheres das camadas populares. No lugar disso, propomos uma
investigação que se aventure a responder a uma série de relações, de “comos”, que se aventure a
perguntar sobre as sucessivas transformações no grande tabuleiro social, em que arranjos de
poder e de saber são continuamente feitos, e que podem ser “apanhadas” justa
4 A descrição da história das prisões, feita pelo autor, em Vigiar e punir (Foucault, 1991), merece ser
consultada, se desejarmos apreender melhor essa inseparabilidade entre o visível e o enunciável.
mente nesse lugar específico de enunciação, que é a mídia. Assim, nessa perspectiva, interessaria
muito um estudo que pudesse responder de que modo, nesse lugar das imagens em zapping, da
informação fragmentada, da narrativa das celebridades e dos acontecimentos-bomba, nesse
paraíso dos corpos, se produzem certas formas de sujeição em nosso tempo, relativas a como
investimos tempo e energia na transformação de nossos corpos infantis, adultos, adolescentes,
nossos corpos masculinos e femininos; ou então um estudo que não temesse imiscuir-se nas
inúmeras práticas aprendidas diariamente através do que vemos na televisão, sobre nossos modos
de olhar o outro, de constituir os diferentes de nós, os pobres, os adolescentes,5 as mulheres, as
mães,6 as professoras, os que encarnariam a imagem do mal,7 do indesejável, daquilo que merece
ser eliminado ou “detonado”,8 e assim por diante.
Modos midiáticos de ser
As análises da estudiosa argentina Beatriz Sarlo talvez sejam aqui as mais adequadas para
exemplificarmos de que modo é possível fazer da mídia objeto de estudo, para dessa maneira falar
sobre nosso tempo, problematizar nosso cotidiano, fazer a história de nosso presente, sem procurar
os não-ditos, as verdades recalcadas, mas antes descrever como nos vamos constituindo deste e
não daquele jeito, no caso, a partir da ação da mídia ou, pelo menos, com sua insistente
participação. No instigante texto “A democra
cia midiática e seus limites” (Sarlo, 1997b), a autora analisa, por exemplo, de que modo a televisão
argentina participou de uma verdadeira guerra, cujos participantes eram um casal e sua filha
pequena, além da própria televisão, seus jornalistas, suas equipes de produção e o público
telespectador. A separação dos pais argentinos, que se casaram no Canadá, e a luta pela posse da
criança que fora com a mãe para Buenos Aires passaram a ser objeto de intensa atenção da tevê.
Para Sarlo, o fato interessa não pela óbvia espetacularização da vida privada e do sensacionalismo
daí decorrente, mas especialmente porque mobiliza uma série de discursos produzidos a partir da
14
O Projeto Ciranda oferece lucro à Organização Jaime Câmara. O
evento, composto mercadologicamente de operação e mídia, apresenta
uma rentabilidade média superior a 40%. Entretanto, o sucesso
financeiro do projeto não é divulgado, pelo contrário, é omitido
zelosamente pela área de marketing e pelo comercial. A razão é
simples:o consumidor não aceita que as empresas tenham lucro. Numa
recente pesquisa realizada pelo Instituto Vox Populi, 93% dos
brasileiros mencionaram que a geração de empregos é o principal
objetivo de uma empresa. Por outro lado, a mesma pesquisa ouviu
economistas e acadêmicos e 82% declararam que o lucro é o item mais
importante nas empresas. Sem ele, não geração de riqueza,
crescimento, emprego, justa social. Mas o lucro está tão
estigmatizado, o satanizado na sociedade que os pprios
empresários têm vergonha, pudor, em demonstrá-lo. As comunidades
habituaram-se a ver no capitalismo um mal responsável pela diferença
de classes sociais. E a ver no lucro um mal necessário.
Quando a sociedade passa a esperar que as empresas se preocupem
prioritariamente com a geração de empregos e os trabalhos sociais,
como meta número um, algo está errado. Um levantamento do Instituto
Ipsos para a revista Exame verificou que os consumidores são
propensos a recomendar a um amigo a aquisição de produtos e serviços
de empresas que apóiam projetos educacionais, sociais e artísticos,
investem em esportes e exigem comportamento socialmente
responsável de seus fornecedores todas ações desejáveis, porém
longe de ser consideradas uma obrigação das companhias. A pesquisa
do Instituto Ipsos, no entanto, mostra que os consumidores não se
sensibilizam quando sabem que o fabricante do produto ou prestador de
serviço cumpre à risca as obrigações legais, tais como respeitar as leis
trabalhistas, pagar todos os impostos em dia e não oferecer propina ou
vantagens indevidas. No imaginário dos consumidores, o papel social
da empresa ganhou mais importância que o econômico.
O Ipea, Instituto de Pesquisa Econômica aplicada, traçou, em 2000, o
primeiro retrato dos investimentos sociais das companhias brasileiras.
Juntas, 59% delas gastaram, no final da década passada, 4,7 bilhões de
reais em projetos sociais. São várias as razões para os gastos. Sabe-se
que muitos empresários vislumbram na onda da responsabilidade social
uma oportunidade de conferir brilho às suas marcas e de tornar suas
Ciranda: Projeto Social ou Ação Comercial?
15
companhias mais eficientes na retenção de talentos. As empresas
também sentem necessidade de se relacionar mais intensamente com o
consumidor, em vez de apenas anunciar e vender produtos. não
basta oferecer produtos de qualidade, preços adequados, prazos a
perder de vista, o consumidor quer perceber na marca um compromisso
social, ético, com a sociedade onde está estabelecida. Valor social
passa a ser um plus importante nas transações comerciais. Em suma:
projeto social lucro.
Entretanto, de se observar os riscos da subordinação sistemática
desse lucro a variáveis ambientais ou sociais. O primeiro e maior deles
está na perigosa confluência de papéis entre Estado e iniciativa privada.
Quando a iniciativa privada ocupa o espaço onde o Estado deveria ser o
gestor, ocorre prejuízo institucional para este e uma sobrecarga fiscal
para aquela, uma vez que, além de gerar impostos, a iniciativa privada
ainda assume o papel institucional do Estado.
O segundo risco, este para as próprias empresas, está na progressiva
adoção de normas e padrões de responsabilidade social para avaliar
seu desempenho, além das medidas contábeis tradicionais, como lucro,
faturamento e rentabilidade. A adoção de normas e padrões mais
uniformes não constitui necessariamente um progresso. um número
considerável de empresas que entendem que somente o Estado é
responsável pelas ações no âmbito social. Para elas, às empresas
caberiam as atividades-padrão de gerar empregos e lucros e pagar
impostos. Outra questão relevante é que não como medir o benefício
das ações sociais para as empresas. Ao contrário do lucro, resultado de
uma simples conta de subtração, as demais medidas estão longe de ser
consensuais. Como conhecer o risco ambiental associado a uma
empresa? Ou se ela administra algo tão imponderável como a justiça
social? Como saber o retorno de imagem gerado por tudo isso? Não
respostas aceitáveis. As ONGs (Organizações Não-Governamentais)
que defendem a bandeira do social cumprem uma agenda de preservar
seus próprios interesses. Não possuem legitimidade política para fazer
cumprir suas propostas. O Congresso Nacional é a casa responsável
para aprovar leis. Garantir o cumprimento delas é o papel do Estado. O
papel da empresa é gerar lucros respeitando as leis. “Sem cumprir o
mínimo legal, é estranho que as empresas se preocupem com o máximo
moral”, diz Giannetti da Fonseca, professor e economista do Ibmec.
Alguns estudiosos chamam a atenção para o dilema. Se o dinheiro
investido em projetos sociais sai da linha de custo das companhias, ele
16
reduz o lucro do acionista. Se for adicionado ao preço dos produtos,
encarece a vida do consumidor. Ainda uma outra alternativa: quando
o projeto é financiado por incentivos fiscais. Não se deve tratar a
questão como um dogma, mas a sociedade muitas vezes não sabe de
onde vem o dinheiro.
Talvez o que melhor define a responsabilidade social tenha sido escrito
mais de duzentos anos. Adam Smith, em sua obra máxima, A riqueza
das nações, justifica que o cidadão não espera obter o próprio jantar da
bondade do açougueiro ou do padeiro, mas do interesse de cada um
deles. O padeiro produz pães não para ajudar o próximo, mas para
prosperar. A prosperidade é também o que buscam o açougueiro e
todas as outras pessoas da comunidade. Evidentemente, cada um é
livre para fazer os atos de caridade que deseja. No entanto, Smith
entende que as nações prosperam independentemente das boas
ações. Desde que as leis sejam claras e obedecidas, a busca do que é
melhor para cada um resulta no melhor para todos.
O vento que assim as arrasta em direção à cultura é o vento do lucro
capitalista. É para e pelo lucro que se desenvolvem as novas artes
técnicas. Não dúvida de que, sem o impulso prodigioso do espírito
capitalista, essas invenções não teriam conhecido um
desenvolvimento tão radical e maciçamente orientado. Contudo, uma
vez dado esse impulso, o movimento ultrapassa o capitalismo
propriamente dito. A indústria cultural se desenvolve em todos os
regimes, tanto no quadro do Estado quanto no da iniciativa privada.
(Morin, 1962: 22)
16
O termo “marketing social” apareceu pela primeira vez em 1971, para
descrever o uso de princípios e técnicas de marketing para a promoção
de uma causa, idéia ou comportamento social. Kotler e Roberto
ampliam: “marketing social é uma estratégia de mudança do
comportamento. Ele combina os melhores elementos das abordagens
tradicionais da mudança social num esquema integrado de
planejamento e ação e aproveita os avanços na tecnologia das
comunicações e na capacidade de marketing.” ( 1992:25 ).
No mundo, nos últimos anos, as campanhas de mudança têm-se
concentrado nas reformas de saúde (campanhas compra o fumo,
prevenção da dependência de drogas, nutrição e aptidão física),
reformas ambientais (água mais pura, ar despoluído, preservação dos
parques e florestas nacionais e a proteção dos refúgios da fauna),
reformas educacionais (aumento do índice de alfabetização de adultos,
melhora das escolas públicas e concessão de aumentos salariais por
mérito para elevar o moral dos professores) e reformas econômicas
(recuperação de cidades industriais mais antigas; aperfeiçoamento das
qualificações no trabalho e treinamento e atração de investidores
estrangeiros).
Países em desenvolvimento, como as Filipinas, a Indonésia e a China,
fazem campanhas sociais obrigatórias para vacinar as crianças contra
vírus; para difundir o emprego de terapias de hidratação oral; e para
promover o planejamento familiar, a alfabetização e hábitos alimentares
saudáveis.
No Brasil, o foco têm sido as campanhas contra acidentes no trânsito,
para redução do fumo e do consumo de álcool, para prevenção de
doenças cardiovasculares e para proteção ao meio ambiente.
Em Goiás, e particularmente a Organização Jaime Câmara maior
complexo de comunicação do Centro-Norte do país, afiliado da Rede
Globo de Televisão, tem-se mantido nos últimos anos uma série de
projetos¹ e compromissos sociais: Projeto Araguaia, criado em 1985, foi
o primeiro evento sistematizado de marketing ambiental criado em
Goiás. Todas as suas ações estão voltadas para a educação e
preservação ambiental do rio mais importante do estado: o Araguaia;
Projeto Caminhada Ecológica, o maior da América Latina, em que 25
atletas percorrem 330 quilômetros entre Goiânia e Aruanã (porta de
entrada do rio Araguaia) promovendo a proteção das matas ciliares, os
Marketing Social: Causos e Cases
18
cuidados com o lixo, com as queimadas e com os animais silvestres
através da criação de “corredores de animais” sob as rodovias que
atravessam a região oeste de Goiás; Projeto Comboio-Ciclístico, evento
que reúne os cinqüenta principais ciclistas do país e percorre 338
quilômetros entre Goiânia e Três Ranchos, promovendo a educação
dos jovens através do esporte; Projeto Serenata, que valora uma das
mais importantes tradições musicais do país, herdeira do período
colonial; Projeto Álbum, um resgate da história de Goiás através de fotos
de arquivos pessoais e de instituições; Projeto Criança Também Vota,
orientado para a educação moral e cívica de crianças de sete a 16 anos;
Projeto Raízes, evento que divulga as oito² principais festas religiosas e
folclóricas de Goiás; e uma série de outros eventos, incluso o Projeto
Ciranda, objeto desta dissertação, todos criados e coordenados pelo
próprio autor.
¹ Todos os projetos citados, realizados pela Organização Jaime Câmara, são de autoria do pós-
graduando.
² Cavalhadas (Pirenópolis), Congadas (Catalão), Festa do Divino (Luziânia), Fogaréu (Goiás),
Arraiá do Descoberto (Porangatu), Romaria do Muquém (Niquelândia), Festa do Divino Espírito
Santo (Trindade), Festa de Nossa Senhora das Graças (Itumbiara).
O Ciranda - Esse Fantástico Negócio do Social
19
O mundo encurta, o tempo se dilui. O ontem vira agora; o amanhã
está feito. Tudo muito rápido. Debater o que se diz, o que se mostra
e como se mostra na mídia me parece algo cada vez mais
importante. (Freire, 2000:109)
Ora, a convalescença é como uma volta à infância. O convalescente
goza, no mais alto grau, como a criança, da faculdade de se
interessar intensamente pelas coisas, mesmo por aquelas que
aparentemente se mostram as mais triviais (... ) A criança tudo
como novidade; ela sempre está inebriada. Nada se parece tanto
com o que chamamos inspiração quanto a alegria com que a criança
Num dia qualquer de abril de 2002,
um mês após um acidente de
motocicleta que quase me tomou
a vida, flagro-me observando
milhares de crianças que saem do
campus Dona Gercina, em Rio
Verde, considerada uma das mais
progressistas cidades de Goiás,
localizada a 230 quilômetros de
Goiânia. Elas acabavam de
participar do Projeto Ciranda,
evento infanto-juvenil criado por
mim, em 1995, e que desde março
de 2000 vem sendo realizado
naquela cidade.
Enquanto o evento era “desmontado” pela minha equipe e por
professores e alunos da Universidade de Rio Verde, subi na carroceria
de uma camionete e, inconscientemente, comecei a observar o
movimento das crianças. Recordei o conto de Poe, “O homem das
multidões”, citado e recontado por Baudelaire, cujo herói, recém-saído
de uma grave enfermidade, está sentado à mesa de um café, olhando
com interesse a multidão de passantes. O espetáculo multicor e sempre
diferente é avivado pelo sentimento da saúde recuperada, pelo gosto
renovado pela vida que quase tinha sido perdida, uma espécie de
convalescença perpétua:
20
absorve a forma e a cor. Ousaria ir mais longe: afirmo que a
inspiração tem alguma relação com a congestão, e que todo
pensamento sublime é acompanhado de um estremecimento
nervoso, mais ou menos intenso, que repercute até no cerebelo. O
homem de gênio tem nervos sólidos; na criança, eles são fracos.
Naquele, a razão ganhou um lugar considerável; nesta, a
sensibilidade ocupa quase todo o seu ser. Mas o gênio é somente a
infância reencontrada pela vontade; a infância agora dotada, para
expressar-se, de órgãos viris e do espírito analítico que lhe permitem
ordenar a soma de materiais involuntariamente acumulada. (
Baudelaire, ?????)
Baudelaire, assim, nos uma amostra de sua convicção estética, uma
busca constante do “novo”. Entretanto, esse “novo” não é nenhuma
substância como se existissem coisas novas a serem procuradas,
encontradas, elas se tornariam antigas. O novo é um jeito de olhar,
próprio da criança, do artista, do convalescente, que é ao mesmo tempo
privilegiado e antinatural, quase doente. Se o novo depende muito mais
da intensidade do olhar que da pretensa novidade das coisas
observadas, isto significa que o observador deve transformar-se sem
parar: um ser que não trafegue por várias identidades jamais possuiria a
flexibilidade para obter as mais variadas percepções e formas de ver o
mundo.
Enquanto uma de minhas identidades viajava por Baudelaire, outras
comungavam daquele caos que se apresentava ao final de mais um
Ciranda. Ao mesmo tempo em que algumas crianças aguardavam os
ônibus urbanos que as levariam para os seus bairros distantes, outras,
agarradas a seus pais, entravam em carros populares, subiam em
motos, bicicletas, e a grande maioria, simplesmente, punha-se em
marcha a numa algazarra colorida, uma multidão de palhaços, bobos
da corte e belas adormecidas.
Meninos maltrapilhos, meninas de nariz sujo, loirinha com cara de Xuxa,
caipirinha com cara e “andado” de Mazzaropi, mães tresloucadas com o
corre-corre da molecada, pais dando palmadas aqui, acolá, dedos em
riste, gritos de uns, assovios de outros, buzinas de ônibus pedindo
passagem para o pipoqueiro que não arreda-pé porque encontrou
³Ipameri (GO), Anápolis (GO), Aparecida de Goiânia (GO), Porangatu (GO), Valparaíso (GO),
Luziânia (GO), Formosa (GO), Caldas Novas (GO), Gurupi (TO , Araguaína (TO), Rio Verde (GO),
Jataí (GO) e Catalão (GO).
21
freguês... um circo de mil cores, jeitos, cheiros, mas com uma constante:
a felicidade.
E foi essa felicidade, estampada na cara de pais, mães, filhos,
professores e alunos, que fez com que o projeto criasse asas e fosse
implantado em várias³ outras cidades de Goiás e do Tocantins. Foi essa
alegria que gerou uma série de investimentos no projeto e o transformou
no maior evento infanto-juvenil do país, tendo atendido a mais de 1,5
milhões de crianças entre março de 2000 e dezembro de 2004.
Mas, essa felicidade também provocou reflexões. “Subir na camionete”
virou rotina e cada vez mais me causava desconforto, agonia. A
felicidade de todos esses atores produzia infelicidade em mim.
Perguntas que não se calavam: a cultura de massa é imposta do
exterior ao público e lhe fabrica pseudonecessidades, pseudo-
interesses ou reflete as necessidades do público?
Depois do Ciranda, o que as crianças levam? Não, não falo de pirulitos,
balinhas e picolés. Tampouco de brindes, desenhos e presentes. O que
elas apreenderam de verdade? Esse aprendizado é momentâneo ou
gerarão resíduos? Essa felicidade passageira deixará rastros de
infelicidade pela descontinuidade do programa, uma vez que
acontecerá no máximo quatro vezes em cada cidade durante o ano? E o
poder público, o paternalismo dos agentes sociais impregnados no
cotidiano das pequenas cidades do interior brasileiro? E as empresas,
(...) a produção cultural cria o público de massa, o público universal.
Ao mesmo tempo, porém, ela redescobre o que estava subjacente:
um tronco comum ao público de massa. Em outro sentido, a
produção cultural é determinada pelo próprio mercado. Por esse
traço, igualmente, ela se diferencia fundamentalmente das outras
culturas: estas utilizam também, e cada vez mais, as mass media,
mas tem um caráter normativo: são impostas, pedagógica ou
autoritariamente, sob forma de injunções ou proibições. A Cultura de
massa, no universo capitalista, não é imposta pelas instituições
sociais, ela depende da indústria e do comércio, ela é proposta. Ela
se sujeita aos tabus, mas não os cria; ela propõe modelos, mas não
ordena nada. Passa sempre pela mediação do produto vendável,
como a de se dobrar à lei do mercado. Daí sua relativa elasticidade. A
cultura de massa é o produto de um diálogo entre uma produção e
um consumo. (Morin, 1962: 44)
22
afinal o que elas querem: tapar o
sol com a peneira e obter um
dinheirinho ou ganhar um guarda-
chuva para o seu telhado de
vidro? E os políticos, ah! esses
admiráveis homens e mulheres de
sorrisos fáceis, abnegados
prestadores de serviços às suas
comunidades, qual seria a razão
de suas eternas presenças em
todos os eventos do mundo,
sejam Cirandas, sejam velórios
de café frio e pão de queijo
murcho? E a criação, seria
despersonalizada em função da
predominância da organização racional da produção (técnica,
comercial, política) sobre a invenção, à desintegração do poder
cultural? Se o Ciranda é um projeto de um grande grupo de
comunicação, quais seriam os efeitos sociais, uma vez que esse
controle varia conforme o sistema de propriedade e de gestão?
Lazarsfeld e Merton explicam:
Para Martín-Barbero, desde o final do século XVIII a cultura popular está
mediada por processos de comunicação que unificam, centralizam e
massificam. Por isso, a cultura popular não pode ser considerada uma
manifestação cultural pura. No século XIX, surgiu uma cultura que é
São as grandes empresas que financiam a produção e distribuição
dos meios de comunicação de massa, que são dirigidos pela
motivação do lucro. Estes meios, economicamente comprometidos,
acabam por contribuir para a manutenção do sistema econômico-
social vigente e mantêm-se numa posição de sujeição perante a
estrutura social, não podendo empenhar-se num trabalho de
transformação dessa estrutura. (...) O impacto dos meios de
comunicação no gosto popular transformou o mercado de interesse
nas artes. O que antes era restrito a uma elite, passou a ser acessível
a uma ampla camada da sociedade, nasce, assim, o conceito de arte
em massa. A melhoria da educação popular foi acompanhada de um
declínio do gosto popular. (Lazarsfeld e Merton )
23
cada vez mais fabricada pelas classes populares.
Essa nova cultura, chamada de massa, contém elementos da velha
cultura, deformando, recuperando esses sinais. Por isso, não como
pensar em uma cultura das classes populares, pura, separada, sendo o
caminho o estudo da construção das culturas. O fenômeno da
massificação é mais amplo, inscrevendo-se a necessidade de meios
maciços para atender à demanda cultural das massas, que passam a
também consumir.
É evidente que o verdadeiro problema é o da dialética entre o sistema de
produção cultural e as necessidades culturais dos consumidores. Essa
dialética é muito complexa, pois, por um lado, o que chamamos de
público é uma resultante econômica abstrata da lei da oferta e da
procura ( é o “público médio ideal”, do qual nos fala Morin ), e, por outro,
os constrangimentos do Estado (censura) e as regras do sistema
industrial capitalista pesam sobre o caráter mesmo desse diálogo. Para
Morin, a cultura de massa é, portanto, “o produto de uma dialética
produção-consumo, no centro de uma dialética global que é a da
sociedade em sua totalidade”. ( Morin, 1962 ) Do outro lado do discurso,
no campus Dona Gercina, chamado carinhosamente pelas crianças de
“Casa do Ciranda”, crianças e adolescentes, em sua maioria entre sete
e 14 anos, vivem um momento mágico durante o dia inteiro e distribuem
sorrisos de orelha a orelha. Alguns teóricos sugerem que o pesquisador
se afaste do objeto de sua observação. Contrario-os e caminho na
direção oposta: brinco com as crianças, converso com os adolescentes,
entro na fila e me lambuzo num picolé de groselha. Como pipoca, sonho
no teatrinho e sento no carrinho de rolimã. Como poderia analisar o pão,
o circo e o sorriso se minha alma não experimentou as delícias e se
apoderou do imaginário mundo infantil? Opto, então, pela postura
moriniana e me enfronho de corpo e alma no Ciranda:
“É importante, também, que o observador participe do objeto de sua
observação; é preciso, num certo sentido, apreciar o cinema, gostar
de introduzir uma moeda num jukebox, divertir-se com caça-níqueis,
acompanhar as partidas esportivas, no rádio, na televisão,
cantarolar o último sucesso. É preciso ser um pouco da multidão, dos
bailes, dos basbaques, dos jogos coletivos. É preciso conhecer esse
mundo sem se sentir um estranho nele. É preciso gostar de flanar
nos bulevares da cultura de massa.” (Morin, 1962: 21)
24
Quem faz o negócio fino do negócio publicitário descobriu que
miséria, tsunami e outras desgraças não casam com o ato de
consumir, em geral, está ligado ao prazer, à liberdade e à alegria. O
mundo, principalmente o da publicidade, ficaria muito chato se as
mensagens das instituições tradicionais e politicamente corretas,
entre elas as da responsabilidade social, predominassem sobre o
bom humor, a beleza, entre outras alegrias da vida. (Paulo Nassar,
professor da ECA/USP)
O Projeto Ciranda foi criado em 1985, mas permaneceu quase cinco
anos mofando na gaveta. Eu o havia apresentado a algumas faculdades
de Goiânia e a resposta era sempre a mesma: inviável, caro e
antipedagógico. No final de 1999, Reinaldo Caetano, gerente-geral da
TV Riviera de Rio Verde, me ligou perguntando se eu tinha algum evento
comunitário, tipo “rua do lazer”! Minha resposta foi imediata: tenho o
Ciranda! Expliquei ao telefone o evento, posteriormente enviei o projeto
em papel e logo recebi a resposta que o mesmo fora aprovado pela
Fesurv/Universidade de Rio Verde.
O Ciranda consiste na produção de oficinas pedagógicas e esportivas,
sempre numa parceria da Organização Jaime Câmara/Rede Globo de
Televisão o maior complexo de comunicação do Centro-Norte do Brasil
com instituições de nível superior e empresas privadas das cidades
onde o evento é realizado.
O programa tem por objetivo obedecer a rígidos padrões educacionais.
Os jogos, as brincadeiras e as atividades educativas são realizados de
acordo com faixas etárias. Crianças de cinco a oito anos participam das
seguintes oficinas: gincana da limpeza, massinha, pintura no papel,
pintura no rosto, guache, contadores de histórias, dobradura, origami,
quebra-cabeças, corte e recorte em papel, xadrez, dama, futebol,
tirolesa, rapel, sistemática (informática com matemática), viagem ao
mundo da biologia, o mundo maravilhoso dos animais. as crianças de
9 anos e os adolescentes participam das seguintes atividades: dança e
aeróbica, rapel, tirolesa, futebol, voleibol, basquetebol, handebol,
xadrez, dama, videoquê, karaoquê, educação de trânsito, atletismo
(corrida de 100 e 200 metros, salto em distância e salto em altura).
Outras oficinas podem ser incorporadas de acordo com a cultura de
cada cidade.
Ciranda: Aprendendo a Ser Bricoleur
25
A responsabilidade técnica do evento é de professores e alunos das
instituições de ensino definidas por critérios de competências e
habilidades que criam e administram as oficinas: Fesurv/Universidade
de Rio Verde, em Rio Verde (GO), Ulbra Universidade Luterana do
Brasil, em Itumbiara (GO) e Palmas (TO); Cesuc Centro de Ensino de
Catalão, em Catalão (GO); Universidade Evangélica de Anápolis, em
Anápolis (GO); UEG Universidade Estadual de Goiás, Em Luziânia
(GO) e Porangatu (GO); UCG Universidade Católica de Goiás, em
Aparecida de Goiânia (GO) e Ipameri (GO); Fafich Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas, em Gurupi (TO); ITPAC Instituto
tecnológico e Profissional Antônio Carlos, em Araguaína (TO); UFG
Universidade Federal de Goiás, Campus III em Jataí (GO). A
coordenação-geral e da área de marketing e projetos especiais da
Organização Jaime Câmara/Rede Globo de Televisão, que faz a gestão
de mídia, merchandising, promoção, engenharia, produção,
comunicação jornalística, pesquisa, relações públicas, comercialização
das cotas de patrocínio junto à iniciativa privada e convoca os aparelhos
de Estado: policia militar, bombeiros, guarda civil, forças armadas como
apoiadores. Administra, ainda, a operação e montagem de toda a
estrutura física necessária para atender às necessidades de
patrocinadores, apoiadores, aparelhos de Estado e professores e
alunos da instituição parceira.
As oficinas pedagógicas e esportivas têm como conteúdo jogos,
brincadeiras e atividades educativas que buscam se “alimentar” da
cultura local. O formato do Ciranda, assim como o conteúdo, dependem
do perfil de cada cidade. Embora o evento não tenha caráter filantrópico,
balas, pipocas, picolés e sucos são distribuídos através de um mérito,
uma conquista. A ação é de caráter preventivo e teve a participação de
equipe médica, que atuou como consultora e sugeriu a distribuição de
água, glicose e gordura aos presentes. Esses alimentos bala, pipoca,
26
picolé e sucos são restauradores de energia e hidratantes.
Realizado em ambientes fechados com cuidados extremos com a
segurança dos participantes , como parques, clubes e campus
universitários, com entrada franca, o projeto acontece, em média,
quatro vezes ao ano em cada cidade, sempre aos sábados, com início
às 11 horas e término às 18 horas.
O projeto é coberto pelas seguintes mídias, todas líderes de audiência
em seus respectivos municípios: TV Riviera/Rio Verde, TV Rio
Claro/Jataí, TV Rio Vermelho/Luziânia, TV Pirapitinga/ Catalão, TV Rio
Paranaíba/Itumbiara, TV Tocantins/ Anápolis, TV Anhanguera/Goiânia,
TV Anhanguera/Gurupi, TV Anhanguera/Palmas, Jornal O Popular
(Goiânia), Jornal do Tocantins (Palmas) e Sistema de Rádio da
Organização Jaime Câmara composto por 11 emissoras de rádio em
Goiás, Tocantins e Distrito Federal e pela Goiasnet, o portal da Internet
líder de audiência em Goiás. Todas as emissoras de televisão são da
Rede Anhanguera de Televisão, afiliada da Rede Globo de Televisão.
No próprio domínio da imprensa infantil, esse grande reino dos
sonhos projetivos, os cavaleiros lendários assumem a condição de
aviadores arrojados, as antigas narrações fabulosas e se filtra em
parte na nova epopéia de antecipação, o onirismo se mistura
intimamente com a técnica; além disso, os fermentos de
identificação estão em ação: tintin é um super boy realista que fixa
sobre si a identificação do leitor de 10 anos: esse Grand Meaulnes
não dirige os sonhos da infância para paraísos verdes, para os
segredos esquizofrênicos da fantasia interior; pelo contrário, conduz
o sonho para o seio do universo realista da aventura policial,
cientifica, exótica, com esse único viático da pequena infância
ingênua: o amigo cão que fala. ( Morin, 1962)
23
Quem faz o negócio fino do negócio publicitário descobriu que
miséria, tsunami e outras desgraças não casam com o ato de
consumir, em geral, está ligado ao prazer, à liberdade e à alegria. O
mundo, principalmente o da publicidade, ficaria muito chato se as
mensagens das instituições tradicionais e politicamente corretas, entre
elas as da responsabilidade social, predominassem sobre o bom
humor, a beleza, entre outras alegrias da vida. (Nassar, 1985:23)
O Projeto Ciranda foi criado em 1985, mas permaneceu quase cinco
anos mofando na gaveta. Eu o havia apresentado a algumas faculdades
de Goiânia e a resposta era sempre a mesma: inviável, caro e
antipedagógico. No final de 1999, Reinaldo Caetano, gerente-geral da
TV Riviera de Rio Verde, me ligou perguntando se eu tinha algum evento
comunitário, tipo “rua do lazer”! Minha resposta foi imediata: tenho o
Ciranda! Expliquei ao telefone o evento, posteriormente enviei o projeto
em papel e logo recebi a resposta que o mesmo fora aprovado pela
Fesurv/Universidade de Rio Verde.
O Ciranda consiste na produção de oficinas pedagógicas e esportivas,
sempre numa parceria da Organização Jaime Câmara/Rede Globo de
Televisão o maior complexo de comunicação do Centro-Norte do Brasil
com instituições de nível superior e empresas privadas das cidades
onde o evento é realizado.
O programa tem por objetivo obedecer a rígidos padrões educacionais.
Os jogos, as brincadeiras e as atividades educativas são realizados de
acordo com faixas etárias. Crianças de 5 a 8 anos participam das
seguintes oficinas: gincana da limpeza, massinha, pintura no papel,
pintura no rosto, guache, contadores de histórias, dobradura, origami,
quebra-cabeças, corte e recorte em papel, xadrez, dama, futebol,
tirolesa, rapel, sistemática (informática com matemática), viagem ao
mundo da biologia, o mundo maravilhoso dos animais. as crianças a
partir de 9 anos e os adolescentes participam das seguintes atividades:
dança e aeróbica, rapel, tirolesa, futebol, voleibol, basquetebol,
handebol, xadrez, dama, videoquê, karaoquê, educação de trânsito,
atletismo (corrida de 100 e 200 metros, salto em distância e salto em
altura). Outras oficinas podem ser incorporadas de acordo com a cultura
de cada cidade.
A responsabilidade técnica do evento é de professores e alunos das
Ciranda: Aprendendo a Ser Bricoleur
24
instituições de ensino definidas por critérios de competências e
habilidades que criam e administram as oficinas: Fesurv - Universidade
de Rio Verde, em Rio Verde (GO), Ulbra - Universidade Luterana do
Brasil, em Itumbiara (GO) e Palmas (TO); Cesuc - Centro de Ensino de
Catalão, em Catalão (GO); Universidade Evangélica de Anápolis, em
Anápolis (GO); UEG - Universidade Estadual de Goiás, Em Luziânia
(GO) e Porangatu (GO); UCG - Universidade Católica de Goiás, em
Aparecida de Goiânia (GO) e Ipameri (GO); Fafich - Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas, em Gurupi (TO); ITPAC - Instituto
tecnológico e Profissional Antônio Carlos, em Araguaína (TO);
UFG - Universidade Federal de Goiás, Campus III em Jataí (GO).
A coordenação-geral e da área de marketing e projetos especiais da
Organização Jaime Câmara/Rede Globo de Televisão, que faz a gestão
de mídia, merchandising, promoção, engenharia, produção,
comunicação jornalística, pesquisa, relações públicas, comercialização
das cotas de patrocínio junto à iniciativa privada e convoca os aparelhos
de Estado: policia militar, bombeiros, guarda civil, forças armadas como
apoiadores. Administra, ainda, a operação e montagem de toda a
estrutura física necessária para atender às necessidades de
patrocinadores, apoiadores, aparelhos de Estado e professores e
alunos da instituição parceira.
As oficinas pedagógicas e esportivas têm como conteúdo jogos,
brincadeiras e atividades educativas que buscam se “alimentar” da
cultura local. O formato do Ciranda, assim como o conteúdo, dependem
do perfil de cada cidade. Embora o evento não tenha caráter filantrópico,
balas, pipocas, picolés e sucos são distribuídos através de um mérito,
uma conquista. A ação é de caráter preventivo e teve a participação de
equipe médica, que atuou como consultora e sugeriu a distribuição de
água, glicose e gordura aos presentes. Esses alimentos bala, pipoca,
picolé e sucos são restauradores de energia e hidratantes.
25
Realizado em ambientes fechados com cuidados extremos com
a segurança dos participantes, como parques, clubes e campus
universitários, com entrada franca, o projeto acontece, em média,
quatro vezes ao ano em cada cidade, sempre aos sábados, com início
às 11 horas e término às 18 horas.
O projeto é coberto pelas seguintes mídias, todas líderes de audiência
em seus respectivos municípios: TV Riviera/Rio Verde, TV Rio
Claro/Jataí, TV Rio Vermelho/Luziânia, TV Pirapitinga/ Catalão, TV Rio
Paranaíba/Itumbiara, TV Tocantins/Anápolis, TV Anhanguera/Goiânia,
TV Anhanguera/Gurupi, TV Anhanguera/Palmas, Jornal O Popular
(Goiânia), Jornal do Tocantins (Palmas) e Sistema de Rádio da
Organização Jaime Câmara composto por 11 emissoras de rádio em
Goiás, Tocantins e Distrito Federal e pela Goiasnet, o portal da Internet
líder de audiência em Goiás. Todas as emissoras de televisão são da
Rede Anhanguera de Televisão, afiliada da Rede Globo de Televisão.
No próprio domínio da imprensa infantil, esse grande reino dos sonhos
projetivos, os cavaleiros lendários assumem a condição de aviadores
arrojados, as antigas narrações fabulosas e se filtra em parte na nova
epopéia de antecipação, o onirismo se mistura intimamente com
a técnica; além disso, os fermentos de identificação estão em
ação: tintin é um super boy realista que fixa sobre si a identificação do
leitor de 10 anos: esse Grand Meaulnes não dirige os sonhos da
infância para paraísos verdes, para os segredos esquizofrênicos da
fantasia interior; pelo contrário, conduz o sonho para o seio do universo
realista da aventura policial, cientifica, exótica, com esse único viático
da pequena infância ingênua: o amigo cão que fala. ( Morin, 1981:24)
26
, eu tava bestano no Dito mode ele pescá
com ieu no Verdão quando passo a Ciranda na televisão.
eu discrencei de pese vim
aqui uma sapiada (...)
achano bão dimais da conta, né sô! Os minino escapuliro
e sumiro nesse mundo i de gente.
percurando os bestas tem mais de hora, só!
5
(Ovarde de Souza Abadia, 53 anos,analfabeto,
lavrador no Distrito de Santo Antônio da Barra,
25 quilômetros de Rio Verde, pai de Ovarde Filho, Annio Pedro
e Antônia Abadia, de 12, 10 e 8 anos
respectivamente, filhos do segundocasamento.)
.
Este projeto de pesquisa - o, Circo e Sorriso, a audiência e a recepção
no marketing social - nasce do meu desconforto ao perceber, ao longo dos
anos, um constante e progressivo desvirtuamento de projetos sociais
realizados tanto pela iniciativa privada como por órgãos governamentais,
principalmente junto a camadas mais populares. A concentração técnico-
burocrática e o excessivo apelo comercial pesam universalmente sobre a
prodão cultural de massa. O evento torna-se um lugar de embates entre
os interesses do sistema industrial e uma exincia radicalmente contrária
nascida da natureza própria do consumo cultural, que necessita de
produtos individualizados e sempre novos. Observa-se, também, que
existem fenômenos de rejeição a determinadas campanhas, o que
provoca uma perda de eficácia na comunicação.
Ciranda: A Recepção e a Audiência no
Marketing Social
5
Ovarde é uma variação incorreta de Howard, importante general do V Exército americano, ao qual
esteve adida a FEB (Força Expedicionária Brasileira) na Segunda Guerra Mundial (1939-1945),
“mas na ora de registrá o nome no cartoro o meu pai sumiu com o papé que o Sêo Pedro (patrão do
pai de Ovarde) iscrivinhô e o 'homê do cartoro' não intendeu bulufa... ficou assim, deferente, né?”..
27
Na década de 1950, cientistas sociais norte-americanos deram início a
uma série de estudos sobre as respostas das audiências a esses
estímulos sociais. Hyman e
Sheatsley, após uma série de estudos e testes, concluíram que essas
campanhas de informação muitas vezes fracassam em razão dos
seguintes desvios:
Existe um grupo de “ignorantes crônicos” que não consegue ser
atingido por elas. Na verdade, “os desinformados têm alguma coisa que
faz com que seja mais difícil atingi-los, o importa o nível ou a
natureza das informações.
A probabilidade de uma pessoa reagir a informações novas aumenta de
acordo com o interesse ou com o envolvimento do público na questão;
se poucas pessoas estiverem interessadas, poucas reagirão.
A probabilidade de uma pessoa ser receptiva a novas informações
aumenta de acordo com a compatibilidade dessas informações com as
atitudes anteriores do público. As pessoas tendem a evitar informações
desagradáveis.
As pessoas interpretam de formas diferentes as informações que
recebem, dependendo de suas crenças e valores. O intolerante, por
exemplo, quase nunca reconhece ou digere literatura contrária aos
preconceitos. As pessoas reagem de modo diferente ao mesmo
material.
Para os ativistas culturais da esquerda norte-americana, o fenômeno da
internacionalização de produtos e servos gera um consumismo
desenfreado e cria uma série de marcas ruins uma vez que as grandes
corporações transnacionais dominam o mundo através da globalização
que, afinal, geraria a uniformizão e a horizontalização de produtos,
inclusive os culturais. Opto por pensar que práticas políticas caolhas e
governos míopes o os grandes responsáveis pela introdução e
manutenção de ações enlatadas, “fechadas”, nefastas para as
comunidades locais.
Desde a última década do século XX, o mundo vem passando por inúmeras
transformações na área social. Talvez, seja apenas uma mera reação ao
século da barbárie, aquele que mais exilou, segregou, humilhou e matou. O
século em que o homem se transformou em experimentos do homem,
coisificou-se, tornou-se nada de nada de lugar algum. O século passado
introduziu a religo a ferramenta fria, cruel, da tecnologia, propondo novas
formas de fazer o homem ser “percebido, da forma mais inumana, por
28
outros homens que não se sentem tão homens. Portanto, a onguização do
mundo, a prodão em escala de fundões e outras congêneres,
notadamente com origem nos países centrais e atuação na periferia destes,
nada mais é que tentativas de enderar projetos, nem sempre sociais, e
uma forma de aplacar as consciências impregnadas de ruídos, omissões e
fraturas. Potanto, a alterão no modus vivendi de uma minoria em alguns
lugares do mundo, por interdio da transformão de práticas negativas
em ões produtivas, alavancou, principalmente atras dos meios de
comunicão de massa, questões como a proteção do meio ambiente,
ampliação da qualidade de vida das pessoas e respeito aos seus estilos de
vida e às suas crenças e valores. No passado, as mudaas eram feitas
mediante o estalar da chibata e o grito do coronel. O século XX deixa como
legado à humanidade novas formas, “tentativas de fazer o bem, mais sutis,
mais invisíveis e muito mais, diamos, humanamente eficazes.
Assim, aos tropeços e esbarrões, uma minoria “bem intencionadacomeça
a perceber que a vida individual pode ser edificada sobre pilares mais
sociais, onde pessoas ou grupos podem trabalhar juntos, voluntariamente,
para a ampliação de se não de uma felicidade para todos um bem-estar
comum.
Para Kotler e Roberto, “a mudaa social pode ser vista de duas formas: as
que ocorrem espontaneamente, no curso da vida, sem planejamento
deliberado ou interveão humana racional, e aquelas planejadas e
estruturadas por seres humanos, para atingir objetivos e metas específicos
em torno dos quais existe acordo(1992:34). E se a sociedade, o mercado,
constrói uma nova forma de se proteger resguardando os direitos dos seus
habitantes, evidentemente, um novo consumidor surge por detrás das
prateleiras. Ele não exige que as marcas criem empregos, ofereçam
bons produtos e serviços, mas que prestem, também, apoio às atividades
comunitárias. Num mundo frio e higt tech o novo consumidor exige que as
marcas sejam companheiras e que apresentem qualidades que buscamos
na maioria dos amigos e na família: calor, intimidade e confiança.
As marcas compreenderam, finalmente, que o que diferencia os milhares
de produtos na ndola ou nas oficinas de serviços não são mais preços e
prazos. o afetividades. As marcas possuem personalidades humanas”
que as distinguem umas das outras. E quem o gosta de estar ao lado de
um amigo? Agora é a vez das marcas emocionais. Bem-vindo ao mundo
da criação de marcas “com a sua cara!, uma mistura de antropologia,
psicanálise, criatividade e experiências sensoriais.
Projetos Sociais: A Mídia do “bem”?
29
Os projetos sociais adquiriram um status difícil de imaginar
cinqüenta anos. Naquele período, Lazarsfeld e Merton já
identificavam as condões para que as campanhas sociais tivessem
êxito ao atingir as audncias atras dos meios de comunicação de
massa. Para eles, uma campanha informativa tem que ter o monopólio
da dia, de modo a o ter mensagens contrias aos seus objetivos;
deve estar focada, canalizada num target espefico, identificado
pelas pesquisas como favovel àquela campanha; além da dia de
massa, deve ser suplementada pela comunicão direta, pelo boca-a-
boca. Alguns mercadólogos menos desatentos podem fazer a
seguinte provocação: “Por que não se consegue vender fraternidade
como se vende sabonete?Resposta: o vendedor comercial é eficaz,
ao passo que o filantropo, o samaritano, em geral, é incompetente na
apresentação e na oferta. Mais: concluiu-se, também, que uma
campanha de mudaa social deve conter todos os ingredientes de
uma campanha comercial. Quanto mais os modelos forem parecidos,
maior a probabilidade de sucesso. Podemos identificar, assim, cinco
fatores de sucesso para uma campanha social:
Morin, na década de 1980, complementava: “a procura de um
blico variado implica a procura de variedade na informação ou no
imaginário; e a procura de um grande público implica a procura de um
1. A Força. A intensidade da motivação de uma pessoa para o
objetivo resulta de uma predisposição antes do recebimento da
mensagem e do nível de esmulo desta.
2. A Dirão. O conhecimento de como e onde responder
positivamente aos objetivos de uma campanha, ou seja, a
presença de um meio para a consecução dos objetivos.
3. O Mecanismo. A existência de um órgão, repartição ou
estabelecimento varejista que permita que a pessoa transforme
a motivação em ação.
4. Adequação e Compatibilidade. A capacidade e a eficácia do
órgão na realização de seu trabalho.
5. Distância. A avalião, pelo indivíduo, da energia e do custo
necessários para modificar uma atitude ou um comportamento
em relação à recompensa esperada.
30
denominador comum”. (1981:74)
Mas, nem Morin escapa dos
segredos e das armadilhas de um
novo modelo de dia. Ao sugerir
que a variedade, no seio de um
jornal, de um filme, de um
programa de rádio, visa a
satisfazer todos os interesses e
gostos de modo a obter o máximo
de consumo (1981:22) erra o
alvo e comete um simplismo
teórico. Até meados da década
de 1940, as indústrias criavam e
ofertavam os seus produtos e
serviços, inclusive os culturais,
de acordo com suas projeções e interesses estratégicos; a partir daí
formou-se, principalmente pelo “boom econômico que se seguiu à
Segunda Grande Guerra, um novo consumidor. O marketing,
ancorado em suas ferramentas, como o merchandising, a pesquisa, a
comunicação, a mala direta, o telemarketing, a promoção de vendas e
a relões públicas entenderam que havia um homem diferente” e
uma nova forma de consumir, que viria a ser chamada na década de
1980 de one-to-one, ou, cnica de oferecer um produto, servo ou
imagem a um target absolutamente fragmentado, individualizado,
singular, único. Nesse peodo, também, ganha visibilidade na
América Latina os Estudos Qualitativos de Receão, uma visão
própria, que provoca um debate enriquecedor com as pesquisas
“consolidadasdo Centro Contemponeo de Estudos Culturais da
6
Universidade de Birmingham, tendo como principais autores Stuart
Hall e Richard Hoggart, baseados nos trabalhos de E. P. Thompson e
Raymond Williams. O que importa aqui é entender o deslocamento
que houve das análises estruturais e ecomicas da prodão, suas
determinações e o conteúdo ideológico das mensagens para a
compreensão da recepção, os usos e apropriações que a audncia
faz das mídias no cotidiano.
Hoje, numa economia comandada pelos consumidores, são eles que
escolhem as marcas. Por isso, as empresas estão desenvolvendo
6
Hoggart, Thompson e Willims (Primeira geração, fundadores do Centro e atuantes desde meados
dos anos 60. Hall, segunda geração, mas responsável pelo Centro a partir do final dos anos 70.)
31
táticas e estratégias para estar juntodo consumidor, apertar-lhe a
mão, trocar dois dedos de prosa, quebrar o gelo e vender! Num tempo
em que a diferenciação entre produtos se tornou mínima, são os
benefícios emocionais que estão estabelecendo os vínculos com os
consumidores. É aí que se estabelece uma diferenciação
significativa na hora da opção. Uma marca, seja de que produto ou
serviço for, que ofereça um “valor emocional, intangível, pode ser
vendida pelo dobro do preço do item convencional. É aí que entram os
eventos sociais. É na margem do business, na tangência do
comercial com o social que as empresas montam seus apelos, seus
megashows.
Assim, à medida que entramos em contato com as teorias que
analisam o tema, percebemos que esse cerio é apenas um
componente da pós-modernidade, essa temporalidade que nos fala
Balandier, geradora da compressão das horas que nos alerta Harvey
e de uma estética que oscila de um lado para o outro, entre o efêmero
e o fugidio, o eterno e o imutável, a ordem e a desordem. Entretanto,
embora reconheça a imporncia das várias teorias críticas na
comunicação, particularmente as que fazem referência ao
estruturalismo marxista (Loius Althusser) e da Escola de Frankfurt,
o desejamos aqui aprofundar-me no tema. Questões como a
cooptação política dos meios de comunicação através do capitalismo
imperialista norte-americano, quando a comunicação passou a ser
problematizada pela alise das corporações internacionais, suas
invaes culturais, a vioncia através da imposição de símbolos e
ideologias sobre a cultura local e as “estratégias de dominação
cultural pelos meios de comunicação de massa merecem,
certamente, uma outra tese. Neste trabalho, limitar-me-ei a
tangenciar essas problemáticas. Voltando a Balandier, friso o seu
32
conceito ordem/desordem numa conjunção com a modernidade,
gerando tempos” estranhos, quase sempre forjados distantes de
inteões planejadas, deslocadas de qualquer aparente equilíbrio.
Berman (1982:15) nos oferece uma contribuão:
O Projeto Ciranda, aqui compreendido na perspectiva benjaminiana
(Benjamin, 1936), tem como vetores o romantismo, a utopia e a
felicidade. Felicidade que não é nem à volta a um paraíso, nem
tampouco a avidez devoradora da modernidade, sempre em busca de
novidades. Em outras palavras, o moderno fica rapidamente antigo, a
linha de demarcão entre os dois conceitos, outrora tão clara, torna-
se cada vez mais fluida. Ao se definir pela novidade, a modernidade
adquire uma característica que, ao mesmo tempo, a constitui e a
destrói. Talvez assistamos hoje, com a famosa tetica da s-
modernidade”, ao resultado lógico desse processo de autodepuração,
dessa interpretação fundante e dissolvente do antigo pelo moderno,
do moderno pelo antigo. Dentro dessa conceão, o Projeto Ciranda
nasceu com o intuito de atender crianças e adolescentes carentes de
práticas de lazer e atividades educacionais sem nenhuma
demarcação de tempo entre presente e passado. As oficinas criadas,
no entanto, em fuão das milhares de crianças que o convidadas a
participar do evento através das mídias, são incentivadas a penetrar
Há uma modalidade de experiência vital, experiência do espaço e do
tempo, do eu e dos outros, das possibilidades e perigos de vida que é
partilhada por homens e mulheres em todo o mundo atual.
Denominarei esse corpo de experiência “modernidade”. Ser moderno é
encontrar-se num ambiente que promete aventura, poder, alegria,
crescimento, transformação de si e do mundo e, ao mesmo tempo, que
ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que
somos. Os ambientes e experiências modernos cruzam todas as
fronteiras da geografia e da etnicidade, da classe e da nacionalidade,
da religião e da ideologia; nesse sentido, pode-se dizer que a
modernidade une toda a humanidade. Mas trata-se de uma unidade
paradoxal, uma unidade da desunidade; ela nos arroja num
redemoinho de perpétua desintegração e renovação de luta e
contradição, de ambigüidade e angústia. Ser moderno é ser parte de
um universo em que, como disse Marx, “tudo o que é sólido desmancha
no ar”. (Berman, 1982:15)
33
num mundo onde encontram-se em confronto a produção e a criação
individual. Onde cultura popular e cultura erudita transversam,
trespassam, criando um redemoinho, um espetáculo do caos
(Morin, 1981). O poeta W.B Yeats captou essa mesma disposão nos
versos: “Things fall apart; the centre cannot hold; mere anarchy is
loosed upon the world”. (As coisas se desfazem; o centro o se
sustém; a pura anarquia está solta no mundo).
Essa dualidade amplia-se à medida que, envolvido como gestor e
criador de uma série de eventos sociais cobertos pelas dias, opto
por um exercício do ver (Marn-Barbero, 2002) e percebo cenários
que multiplicam e ampliam as contradições no cotidiano do meu
modus operandi, gerando uma neurose que só pode ser curada
através de sua inserção na arena dialética, onde defrontam-se
gladiadores de rios campos teóricos. A busca o é por vencedores
e nem vencidos, mas pelo conhecimento que advém de cenários
opostos, antagônicos e necessariamente sem vítimas fatais. No
embate principal, as divergências entre a cultura de massa que
penetra por todos os poros da sociedade e a culta, bela e habitante do
Olimpo, a cultura cultivada, objeto trico de Morin (1981:72).
O dualismo entre cultura erudita travestida em cultura de proposta e da
cultura de massa em cultura de entretenimento (...) a especificidade
analítica desse referencial teórico preconiza que a cultura de massa ou
os produtos industrializados devem ser observados e questionados em
sua configuração anterior e avaliados como elementos de
sensibilização de um público receptor, estereotipado e dividido entre
homens de cultura e homens de massa. (Borelli, 1996:31)
Tudo parece opor a cultura dos cultos à cultura de massa: qualidade à
quantidade, criação à produção, espiritualidade ao materialismo,
estética à mercadoria, elegância à grosseria, saber à ignorância. Mas
antes de perguntarmos se a cultura de massa é na realidade como a
o culto, é preciso perguntar se os valores da “alta cultura” não são
dogmáticos, formais, mitificados, se o “culto da arte” não esconde
muitas vezes um comércio superficial com as obras. Tudo que é
inovador sempre se opõe às normas dominantes da cultura. Essa
observação que vale para a cultura de massa não vale também para a
cultura cultivada? (Morin,1981:22)
A Imagem Via Terceiro Setor
34
O grande embate que ocorre hoje
nas empresas não está apenas na
oferta de produtos qualificados ou
na produção de serviços
otimizados. Descobriu-se que a
imagem institucional das empresas
antecede à compra. Por isso, as
empresas buscam apoiar-se no
Terceiro Setor como alternativa
estratégica de posicionamento de
marca, leia-se promoção de
i m a g e m . U m d o s f o c o s
preferenciais tem sido os jovens,
afinal, são consumidores em
formação, acessíveis aos meios de
comunicação de massa (e também pelas mídias alternativas) e habitantes
de tribos, o que os torna um alvo fácil a ser atingido pelas estratégias e
planos de mídia. No Projeto Ciranda, numa mostra de 700 entrevistados,
57% das falias têm renda entre um e três salários mínimos; 14,3%
ganham até um salário nimo e 14% estão posicionadas acima de cinco
salários. As profissões, em sua maioria, estão relacionadas ao campo ou
ao comércio. Algumas profissões novas, como técnico em computador, ou
específico, como técnico descaroçador de grãos, surgem em função da
automação e da tecnologia embarcada nas indústrias e empresas
comerciais da cidade, que possuem setores extremamente avançados e
complexos, em nível de Primeiro Mundo, convivendo com procedimentos
arcaicos e amadores de nichos profissionais ainda resistentes ao novo ou
colocado à margem do progresso em função da incapacidade financeira
de se adaptar à onda global que varre o mundo. Quanto às mães, Rio
Verde é apenas mais um exemplo da depenncia financeira da mulher
em relação ao homem: 84% das mães ocupam-se apenasdas tarefas
domésticas; 18% trabalham como domésticas e 6% trabalham no
comércio, sobretudo na área de vendas. Essa realidade tem provocado,
por outro lado, um grande mero de violências contra a mulher. A
Delegacia de Proteção à Mulher do município, em entrevista ao jornal O
Popular, de Goiânia, informa que a incidência de violência no lar contra
mulheres e crianças tem aumentado muito nos últimos três anos. Para a
35
delegada da mulher, Josiete Santana, o sujeito chega à cidade carregado
de mulher e filhos, com mil expectativas, achando que vai chegar,
encontrar um emprego no outro dia, quando se depara com a realidade o
sonho acaba e o desespero toma conta!.Dentro do universo pesquisado
no Ciranda, 96,8% das crianças estudam, sendo que destas, 93% m
entre 7 e 14 anos, com 50% na faixa dos 11/12 anos, e a ampla maioria
(71%) está matriculada entre a 4ª e a 6ª séries do ensino fundamental; o
índice de repetência escolar alto se compara com a dia brasileira (12%),
mas explicável pelo elevado número de famílias que estão chegando à
cidade e pelos inúmeros e crescentes deslocamentos dentro da própria
região, em função de muitas empresas serem do agrobusiness e estarem
instaladas na zona rural. Essas crianças, em sua maioria, nasceram em
Rio Verde (70%) e, contrariando os índices brasileiros do número de filhos
por casal, o município possui famílias pequenas, oscilando entre um
(35,5%) e dois filhos (29%). Entretanto, a pesquisa demonstra que, em
face da migração, as casas acabam se transformando em “lugar de
passagem, recebendo familiares e amigos que mudam para a cidade em
busca de oportunidades, mas que ainda não conseguem pagar um
aluguel. Nesse universo de 700 pessoas entrevistadas, 70% tinham mais
de quatro pessoas na casa, todas localizadas nos arredores da cidade,
algumas assentadas ao lado de muros de condomínios horizontais
destinados principalmente aos novos ricos do lugar. Do bairro da
Promissão m 19,4% das crianças do Ciranda, mesmo sendo do outro
lado da cidade. 54,8% das crianças entendem que a distância de suas
casas ao campus Dona Gercina, onde é realizado o Ciranda, é “bem
longe. De um mero absoluto de 15 mil pessoas no programa, por etapa,
em Rio Verde, 41,9% utilizam o ônibus como meio de transporte, 45,2%
chegam ao evento a pé, 3,2% de bicicleta e 3,2 de carro. A presença em
massa desse público somente acontece em função da parceria entre os
36
organizadores do evento e a empresa concessionária do transporte
urbano, que recebe destaque na mídia como O ônibus do Cirandae
fornece o transporte gratuito para todos. Todas as sextas-feiras, em horário
nobre, a TV Riviera, emissora da Organização Jaime mara (Rede Globo
de Televisão), veicula o itinerário e os pontos onde os ônibus trafegarão. É
importante ressaltar, também, que, na semana anterior ao evento,
acontecem inúmeras chamadas na televio nos horários em que a grade
de programação é infantil e familiar. O jornal O Popular, der de leitura entre
os rioverdenses, veículo de massa também da Organização Jaime
Câmara, publica anúncios e matérias jornalísticas divulgando as rias
atividades que estarão acontecendo no evento. Para Morin, a existência de
uma dia infantil de massa é o sinal de que uma mesma estrutura
industrial comanda a imprensa infantil e a imprensa adulta:
Dentro dessa mesma linha de pensamento moriniana, Martim-Barbero
alerta também para esses desvios e contradões da mídia, propondo
que ela está fazendo uma análise profundamente simplista e superficial
ao fragmentar os públicos. o tem levado em considerão as rupturas
na sociedade. Trata os jovens como se todos fossem felizes e isto é
chocante, porque eles são muito infelizes”. Segundo ele, a dia trata
essa segmentação com frivolidade e isto é um grande erro. Sugere a
criação de uma “economia da cultura”, uma vez que cada vez mais as
pessoas querem uma programão local. “Precisa-se mais de geografia,
história e arte nas mídias locais. Temos que entender às 'mediões'.
(Marn-Barbero, 2002, Programa Roda Viva, SP, TV Cultura).
A carência de um ambiente que possa discutir mais essas possibilidades
de comunicação social e a constante preocupação com o processo de
Esses sinais de diferenciação são, portanto, também elementos de
comunicação. Ao mesmo tempo, o fosso que separa o mundo infantil
do mundo dos adultos tende a desaparecer: a grande imprensa para
adultos está impregnada de conteúdos infantis. O evento, importante
espaço de negociação, uma vez que favorece a interface entre
consumidor e produtor, recebe, então, investimentos cada vez maiores
e se torna o instrumento de marketing mais utilizado pelas empresas
na luta ferrenha pela conquista dos seus nichos, mesmo com as
inúmeras contradições encontradas nessa mediação entre mídia e
público-alvo: (Morin,1981:147)
37
interação empresa e comunidade faz com que os trabalhos produzidos no
país ainda o consigam adentrar o backstage, o que tem provocado
dissincias e contradições entre produtores e cientistas sociais na
estruturão de conteúdos e formatos que permitam um avanço nos
estudos sobre audiência e recepção aplicados ao marketing social. Um
dos exemplos que podem elucidar essa dificuldade passa pelo
entendimento diferenciado que a academia e o mercado têm sobre o lazer
e a indústria cultural. Como nos ensina Morin (1979:39), o lazer moderno é
produzido industrialmente e distribuído como mercadoria na forma de
espetáculos com os seus conteúdos imagirios mediados pela estética.
Antes, porém, de se pretender analisar a audiência e a recepção, há de se
desenhar o cenário onde o marketing social se apresenta, ora isso, ora
aquilo, nem sempre filantropia, nem sempre responsabilidade social, mas
quase sempre um encontro de pão, circo e sorriso: o evento social. Palco
de encontros e contradições onde se defrontam produtores culturais,
patrocinadores, apoiadores, autoridades e operários mediados pelos
atores sociais, o evento social, em particular o Ciranda, busca interagir
marcas e pessoas com determinado objetivo: “fazer o bem, essa tentação,
como nos diria Todorov (2002:77), a um nicho de blico, o infanto-juvenil,
buscando a reciprocidade através da simpatia de todas as personagens
envolvidas - pais, parentes, amigos pela marca promotora e,
fundamentalmente, pela obtenção da preferência desse blico-alvo na
definão da compra de um serviço ou produto ancorado, protegido pela
marca realizadora, a marca-mãe. Para que a dia seja eficaz, precisa,
definidora, a comunidade, nesse caso extremamente focadas em crianças,
adolescentes e seus pais, o divididos, fragmentados em alvosa serem
atingidos, técnica nem sempre bem recebida pela crítica acadêmica:
Grande parte do trabalho ctico de investigação dedicada aos estudos
dos processos de receão com todas as esperaas de renovão por
eles despertados têm sido cooptada pela lógica do saber hegenico
em comunicação, isto é, tem perdido impulso crítico e tem sido
confundida com a ênfase publicitária de “todo o poder ao consumidor”
(Morin,1979:39)
Ainda confirmando o extremo valor dos métodos de comunicação em
eventos sociais, não podemos deixar de insistir sobre o aspecto
“impalpável” do produto tornando a tarefa do comunicador
infinitamente complexa do que em outros casos, isto porque, se um
organizador de eventos vende um produto delimitado pela
programação, pelas facilidades de acesso e instalações técnicas, ele
promove também um “ambiente”, um “espírito de cooperação” que é
difícil se medir com antecedência, porque inerente ao lugar e às
pessoas que nele servem. Seus aspectos serão realmente
apreciados depois de uma permanência e participação efetiva no
evento. ( Kunsch, 1999:114 )
O Estado fará tudo para recrear, divertir, dentro dos limites da censura.
O sistema de Estado quer convencer, educar: por um lado, tende a
propagar uma ideologia que pode aborrecer ou irritar, por outro lado,
não é estimulado pelo lucro e pode propor valores de “alta cultura”
(palestras científicas, música erudita, obras clássicas). O sistema
privado é vivo, porque divertido. Quer adaptar sua cultura ao público. O
sistema de Estado é afetado, forçado. Quer adaptar o público à sua
cultura. (Morin, 1981: 23)
Outro embate importante se dá entre o sistema de Estado e o sistema
privado na gestão da indústria cultural. Se os conteúdos divergem, de
acordo com Morin, segundo o tipo de intervenção do Estado negativo
(censura, controle) ou positivo (orientação, domesticão, politizão)
segundo o cater liberal ou autoririo da intervenção, segundo o tipo de
Estado interveniente, no campo da iniciativa privada, pode-se dizer que
se há igualmente a preocupação de atingir o maior blico possível
(busca do ximo lucro) e, antes de tudo, agradar ao consumidor. No
Projeto Ciranda esse embate se com extremo vigor. Enquanto a
iniciativa privada aparentemente se preocupa com o indivíduo, o
atendimento one-to-one, o Estado é entendido como aquele que busca
oferecer possibilidades recreativas e educacionais, quase sempre de
cater ideológico, que tenham como foco a multio, o coletivo, o não-
vivel, mas totalmente influenciável pelos encantos do espetáculo.
Deriva de todo esse cenário a responsabilidade social da empresa,
aparentemente comprometida com o esfoo de independência
tecnológica, econômica e financeira do país, e crente no homem como
prinpio, meio e fim da sociedade e de suas instituões. No entanto, se
sabe de longa data no campo do marketing que os eventos subsistem e
ampliam-se na medida em que os receptores, antes de optarem por
38
pros, definem a compra pela lembrança que a marca, residualmente,
deixa em sua meria. Parafraseando o refrão popular, “se a memória é
fraca, sua capacidade de esquecer é imensa”. Se a tradão de
contribuição voluntária é antiga e popular entre pessoas físicas, no
campo das corporações o item investimento social sempre esteve à
margem dos balaos anuais. Giffort Pinchot III (1998:203) importante
consultor norte-americano, sugere que, diante da competição
globalizada, cada vez mais acirrada, das evincias indiscutíveis das
pesquisas qualitativas e de uma revolão tecnogica inexorável, as
empresas se vêem obrigadas a ser cada vez mais “inteligentes”.
Portanto, para o campo do marketing, a motivão que alavanca o
esfoo empresarial tem um foco pririo: imagem; e um secunrio,
mas não menos importante: a receita. O “voltar-se para o consumidor
demonstra a estragia da empresa e a faz promotora dos interesses da
região onde es localizada. Gaudêncio Torquato do Rego (1986:34)
corrobora a tese de que os grupos sociais que habitam uma rego têm
preocupões e aspirões que devem ser aspirações e preocupações
da empresa, numa identificação e promão do sentimento empresa-
comunidade:
Se eventos sociais se tornaram ferramentas estragicas indispensáveis
no planejamento de marketing das empresas, a receão e a audncia
solidificaram-se como referências de base teórica para a compreensão
As organizações inteligentes exigem objetivos que valham a pena e
essa tendência aponta para um sistema mais colaborativo, menos
egoísta e independente. As organizações não podem alcançar
inteligência sem uma cultura social e ética sólida, porque a inteligência
não é estável sem a ética e o compromisso social (Cohen, 1990:248)
A amplitude e a importância do papel social das organizações têm sido
defendidas não sem fortes resistências de segmentos da gestão
empresarial, aqueles envolvidos com os problemas de caixa e, por
isso mesmo, defensores do lucro imediato. Porém, áreas qualitativas
das empresas vêm criteriosamente definindo posições e ganhando
terreno na proposta de fazer com que as organizações se submetam
às leis sociais da mesma forma que às leis fiscais (Rego, 1986:34)
39
de todo o processo que envolve uma ação social. Para avaarmos, há
que se definir uma noção de recepção, que várias contribuões
convergentes e divergentes comem a pauta deste debate. No
momento, são poucos os autores que ainda em o receptor como
audiência passiva. Entretanto, há tamm a dificuldade por parte do
debate teórico de aceitar a audiência seletiva: processo mental de
seleçãorejeãoaceitão e interpretão da informão que ainda é
pouco aceita pelos membros das ciências sociais.
Outros modelos trouxeram contribuições aos estudos de audncia e de
comunicão de massa. O “fluxo em duas etapas” (two-step-flow),
formulada por Paul Lazarsfeld, Bernard Berelson e Hazel Gaudet, em
1948, detectou que a mensagem transmitida atras dos meios de
comunicão de massa não chegaria diretamente ao indiduo, mas sim
atras de um líder de opino. Técnicas mais modernas de segmentão
de blicos, contagem da audncia absoluta, definição de impactos
sobre alvos e a pesquisa momennea (people meter) contribuíram para
o entendimento de todo esse processo mediático: “não se pode esquecer
que o processo de oscilão dos índices de audncia é pido e
permanente; é de fundamental imporncia cap-lo em movimento e
o, simplesmente, como um modelo cristalizado(Borelli, 2000:27). Não
se pode perder de distância, tamm, a clássica teoria da “dissoncia
cognitiva”, pela primeira vez formulada por Festinger, em 1957, e que
muito tem a contribuir para a compreeno da audiência.
As pessoas tendem a sempre evitar, de algum modo, a exisncia de
incoerências em sua estrutura de pensamento. Tais incoencias têm, de
A princípio, influenciado pela magnitude em tamanho da audiência dos
instrumentos de comunicação de massa, os autores imaginaram que
os efeitos das mensagens poderiam provocar efeitos similares aos
comportamentos de massa, no sentido sociológico do termo. Mas, aos
poucos, chegou-se à conclusão de que a audiência deve ser vista
como uma entidade ativa, que procura aquilo que quer, que rejeita
assim como aceita idéias formuladas pelos meios de comunicação,
que interage com os membros de seus grupos sociais, e que testa a
mensagem transmitida pelo menos, falando sobre ela com outras
pessoas e comparando o conteúdo de um meio com o outro (Torquato,
1986:21)
40
qualquer forma, que ser eliminadas e, para tanto, cada indivíduo tende a
operar uma série de mecanismos interiores a fim de recobrar alguma
coerência, cada vez que ela é quebrada. Assim, por exemplo, João
acredita firmemente que Paulo é um homem honesto. Se Pedro conta
para João que Paulo é desonesto, João terá de alguma forma que
restabelecer a coerência. (Festinger, 1957:25)
Durante muito tempo, essa tese foi aceita quase sem restrições pelos
mais diversos autores, entre os quais Joseph Klapper. Mas, aos poucos,
começou-se a perceber que a selão que a audiência realiza não é
baseada fundamentalmente na busca de informações que reforcem seus
pontos de vista iniciais, suas opiniões e experiências. Sears e Freedman
entendem que a dissonância cognitiva opera em outro nível, não de
seleção:
A dialética entre cultura cultivada e popular, pedagogia acamica e a de
resultados, interfencia privada e ausência blica, interatividade
comunitária ou excluo empresarial, resulta no Projeto Ciranda, um
especulo que leva milhares aos parques, campus e clubes das
pequenas-grandes cidades do interior de Gos e do Tocantins. Um
evento que pode ter nascido de uma inteão romântica, talvez utópica,
de uma “tentão do bem”, como diria Todorov em Memória do Mal,
Tentão do Bem (2002:157), mas, com o seu crescer, pode ter sido
influenciada por uma alegria provocadora de sorrisos integradores,
signos de uma tal felicidade passageira, que pode ser a mesma que se
desintegra e revela um olhar de vidas, anstias, inquietões sobre a
validade do pão, a contribuição do circo nas tardes de um bado
qualquer na vida desses atores mambembes, mas atores afinal, que
perambulam entre a ordem e a desordem nos caminhos e descaminhos
desse Brasil do cafundó, órfão de pai e mãe vivos, e onde a fome nem
sempre é zero e o espetáculo, quando aparece, é Rei.
Não evidência suficiente que permita assegurar que a audiência
seleciona sua informação apenas de acordo com seus pontos de vista
anteriores, com o objetivo de evitar ou reparar a dissonância cognitiva.
Existe, é verdade, o objetivo de se evitar ou reparar a dissonância
cognitiva, mas ele é operado ao nível de avaliação e interpretação da
informação, e não no momento de sua seleção para o consumo ou
não. (Neves, 1998:34)
41
A Onguização no Campo Social
42
As ONGs são um importante capítulo nas transformações sociais que
vêm ocorrendo no mundo, principalmente após 1940, quando a ONU
criou a expressão para definir entidades não-oficiais que recebiam
ajuda financeira de órgãos públicos para executar projetos de interesse
social dentro de uma filosofia de trabalho denominada
“desenvolvimento de comunidade”. Embora o foco do Projeto Ciranda
e nem desta dissertação não tenha como objetivo aprofundar estudos
sobre a onguização da sociedade, creio ser importante “tangenciar” o
fenômeno, uma vez que ocorre uma interpenetração entre projetos de
marketing social e ONGs, uma vez que quase sempre uma
parceirização nos eventos entre iniciativa privada e Estado, com a
participação das mesmas.
A partir da década de 1990, através da utilização das ferramentas do
marketing e de uma participação cada vez mais efetiva nos meios de
comunicação de massa, as ONGs ocuparam espaços onde a iniciativa
privada não via potencial de lucro ou ganho de imagem e o Estado, por
razões absolutamente ancoradas na densidade eleitoral, não tinha
interesse. Portanto, os campos da onguização têm sido aqueles onde a
sociedade civil encontra-se órfã de pai (o Estado) e de mãe (a empresa),
quase sempre relacionados ao assistencialismo (por meio da
filantropia), ao desenvolvimento (por meio de programas de
cooperação tecnológica, principalmente com órgãos internacionais) e à
área da cidadania (através das ONGs criadas a partir de movimentos
sociais que lutam por direitos sociais).
Para se adaptar ao “jeitinho” da sociedade brasileira, corruptora por
extensão vertical e horizontal do setor público e privado, as ONG´s têm
buscado se “adaptar” às realidades nacionais, quase sempre únicas do
ponto de vista da globalização dos processos sociais. A primeira
providência nesse sentido é estruturar-se do ponto de vista legal e
solidificar sua presença física nos ambientes onde atua. No Brasil,
ainda o direito precede a ética, o que significa que entidades “legais”
têm mais facilidades e acesso aos cofres públicos e privados, embora
nem sempre seus objetivos sejam edificantes. Quanto à “presença
física”, a sociedade ainda com “bons olhos” as fachadas, as vitrines,
os néons multicoloridos das ONG´s mesmo que por trás das cores o
ambiente seja nebuloso e as intenções, nem sempre corretas, morais,
éticas, contributivas com o processo social. Taticamente, as ONG´s
43
também já perceberam que a atuação solitária enfraquece o seu
esforço e os resultados operacionais acabam sendo menores que os
desejados, o que tem levado ao surgimento de parcerias entre elas
próprias e os setores privado e público. Com isso, suas propostas
tendem a atender melhor às demandas da sociedade.
A profissionalização da iniciativa privada no campo social, através da
criação de setores de marketing “para dentro”, o endomarketing,
acabou criando células internas para atender as necessidades dos seus
pobres, analfabetos e doentes. Mesmo que ainda falte muito para
identificarmos esse processo como “avanço social importante”,
principalmente porque a “técnica” até então ocorre em poucas
empresas, geralmente localizadas em regiões mais desenvolvidas,
onde o procedimento tem sido estendido para a “vizinhança” das
fábricas e outras unidades industriais e comerciais, até porque essas
iniciativas internas são produzidas pelos mesmos homens e mulheres
que vivem atrás dos muros da empresa.
Amplia-se a atuação, quase sempre com resultados melhores, quando
a mídia participa do processo, sobretudo quando atua na divulgação,
cooptação e demonstração dos resultados através de suas campanhas
publicitárias e matérias jornalísticas. Através desse “farol”, projetos
ambientais adquiriram mais ressonância e aceitação social. O
movimento Cidadania Contra a Fome e Pela Vida, do inesquecível
Betinho, mobilizou mais de dois milhões de pessoas em prol da
melhoria da qualidade de vida das camadas mais pobres e miseráveis
do Brasil, embora continuemos a ser um campeão de concentração de
renda, apresentemos ainda 20% da população sem ter acesso às
mínimas condições de higiene, saúde e educação e continuemos a
permanecer entre as 174 nações do mundo, uma das piores nações em
desenvolvimento humano.
Entretanto, não se pode perder a visão integral dos fatos. O discurso da
44
responsabilidade social, posicionado hoje como um dos fatores que
alavanca o prestígio das empresas, nem sempre significa melhores
performances em vendas ou no recall de imagem. A publicidade
descobriu que fome, terremoto e desgraça não combinam com o
consumeirismo, que, quase sempre, está ligado ao prazer. As
experiências históricas contemporâneas em que ocorre uma junção
entre religião, política e comércio têm levado a sociedade a sacrificar a
liberdade, a inovação e a possibilidade de discordar e ser diferente.
Assim, a prática da responsabilidade social não pode ser apenas um
modismo, um instrumento de marketing. Pensar e agir socialmente é
uma atitude possível nas democracias, pois traz em sua concepção o
respeito na relação das empresas com seus públicos internos,
externos, meio ambientes e nos aspectos culturais e históricos das
comunidades. Questões ligadas a responsabilidade social não estão de
passagem, vieram para ficar. Bem exercidas pelas empresas, elas
poderão proporcionar boa recepção e reputação empresarial, que é
muito mais do que uma ação mercadológica, é um guarda-chuva que
protege as empresas, seus acionistas e seu patrimônio tangível e
intangível de possíveis crises, principalmente em mercados de mares
revoltos como o brasileiro. Quando a empresa está protegida
socialmente, passa a possuir um capital inestimável para sacar nos
momentos de necessidades. Paulo Nassar (1995:71) sugere que a
reputação não é resultante de um único fator (por exemplo, a
responsabilidade social), mas produto do pensamento, das ações e da
história do todo organizacional, trabalhado de forma excelente e ética
pela “máquina de comunicação”, formal e informal, que toda empresa
competitiva deve ter. Assim, a relevância e saturação com que se trata
a responsabilidade social como grande motor da boa reputação
empresarial e de “salvação da humanidade” deve ser também explicada
como produto de um barulhento segmento constituído de ONG´s
consultores e assemelhados, todos protagonistas interessados pelo
fantástico negócio do social.
No Brasil, segundo pesquisa realizada em conjunto pelo IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística), Ipea (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada, Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas)
e Abong (a Associação Brasileira de Organizações Não-
Governamentais), em 2002, existem 276 mil fundações e associações
privadas sem fins lucrativos popularmente chamadas de ONG´s. Elas
representam 5% do total de organizações públicas, privadas, lucrativas
45
e privadas não-lucrativas formalmente cadastradas no país. São, na
maioria, pequenas empresas (77%), sem empregados e localizadas na
Região Sudeste, mais especificadamente em São Paulo e no Rio de
Janeiro. Contam com 1,5 milhão de funcionários, que correspondem a
5,5% dos trabalhadores de todas as organizações registradas no Brasil.
As áreas de saúde e de educação são as que ocupam o maior número
de pessoas, embora elas sejam relativamente pouco numerosas.
Juntas, as instituições educacionais, de saúde, ambiente e habitação
representam menos de 10% do total das ONG´s. Atividades não-
governamentais ligadas aos vários campos religiosos ocupam em torno
de 20% do total. Todos os programas brasileiros recebem investimentos
da ordem de R$ 5 bilhões de reais, segundo cálculo do Ipea.
Por outro lado, embora o setor venha recebendo ano a ano mais
investimentos, recente pesquisa realizada pelo Gife e veiculada pela
revista Exame, verificou que 80.310 empresas, em 2002, tinham
condições de fazer doações utilizando-se de incentivos fiscais, uma vez
que haviam registrado lucro no exercício fiscal do ano anterior. No
entanto, somente 4.349 (ou 5,41%) utilizaram-se do benefício.
Nesse campo, a última novidade vem da publicidade. Um grupo de
profissionais ligados à Escola Superior de Propaganda e Marketing
(ESPM) está discutindo a criação do Código da Responsabilidade
Social da Propaganda. Em sua versão preliminar, o texto, ainda não
divulgado oficialmente, faz a defesa da livre iniciativa, situa a atividade
publicitária como instrumento que “ajuda as pessoas a se sentirem mais
felizes” por meio do consumo e se opõe veementemente à difusão de
mensagens preconceituosas. As propostas iniciais são:
1. Defender os sistemas políticos que se baseiam na representação
pelo voto e no respeito aos direitos do cidadão.
2. Defender a propriedade privada, a liberdade de mercado e a livre
iniciativa empresarial.
3. Ter sempre presente o papel que cabe à propaganda, no conjunto
da economia, como fator primordial de estímulo ao consumo e à
ascensão social das pessoas.
4. Sem jamais faltar à verdade, ajudar as pessoas a se sentirem
mais felizes por meio da posse ou uso de bens e serviços que dão
mais segurança, conforto e prazer às nossas vidas.
5. Respeitar as leis do país, seus usos e costumes e valores éticos e
morais da sociedade.
6. Reconhecer e valorizar a diversidade étnica e cultural do povo
46
brasileiro, evitando o uso de imagens e estereótipos ofensivos às
minorias.
7. Preservar e promover nossos valores e tradições, defendendo os
princípios da sociedade e da família.
8. Defender o respeito ao cidadão, a liberdade de expressão e a
ética nas relações.
9. Defender a igualdade de oportunidade para todos.
10. Estimular a participação das empresas na vida pública e nos
assuntos comunitários. Acima de tudo, refletir o conceito de
cidadania que deve prevalecer nas empresas.
A idéia do código surgiu através da constatação de que é chegada a
hora de colocar ênfase na responsabilidade social da propaganda, e
não apenas na propaganda. Francisco Gracioso (2003:49), veterano
publicitário e educador, observa que “o setor tem sido usado pelos
anunciantes para divulgar a sua consciência social. Curiosamente, a
propaganda em si mesma pouco tem se preocupado com a sua própria
responsabilidade social”.
Mas, não basta que governos, empresas e ONG´s se mexam. de se
descobrir o indivíduo, aquele que se esconde atrás de CPF´s e RG´s
pela construção solidária de um homem socialmente responsável.
Todos, indistintamente, devem potencializar as ações dos seus
indivíduos buscando uma solução coletiva. Problemas coletivos devem
ser resolvidos coletivamente.
É inegável a contribuição que os sujeitos coletivos sociais e políticos,
dentre eles os movimentos sociais urbanos e rurais, emprestaram ao
alargamento do exercício do campo da política e ao desses sujeitos,
cujos valores e orientações dirigidos ao campo da política estão
sustentados por uma nova sociabilidade, permeada por relações de
solidariedade, afetividade, orientações para a vivência comunitária,
entre outros. Assim considerados, podemos identificar esses sujeitos
portadores de significados que alteram a cultura política tradicional não
obstante seus elementos autoritários e clientelistas ainda estejam
presentes em nosso meio. (Krohling, 1997:141)
47
Pão: A Geração da Riqueza pela Produção da Pobreza
Eu não perco um Ciranda.
se eu vejo o povo falá eu
falo pra mininada. E
é um escracho. O Ciranda
é psicodélico, bão demais!
(...) O que eu mais gosto?
Ah, é dos trem de comê, né!
A gente vai, se diverte e
ainda vorta de bucho cheio,
maravia!” (Rosalinda de Jesus, 36 anos, mãe
de Roberval, oito, e de Maria
Antônia, três)
Rosalinda parece com o nome. Uma rosa linda. Negra, gorducha,
sorriso parado na cara, jeito de moleca, panca de embaixatriz do Sudão.
Usa um vestido redondo e que forma uma roda quando ela olha para um
lado, para o outro, à procura de Roberval, o filho “danado da vida” de
Rosalinda. Aos seus pés, acocorada na grama, Maria Antônia,
negritinha de cabelo encarapinhado e de olhos belos como jabuticabas
maduras. O Ciranda é assim, uma colcha de retalhos, feita de gente de
mil cores, cheiros e origens. Um espaço para Benjamin referendar suas
teorias sobre magia e técnica, arte e política. Certamente, se pudesse
ver Rosalinda “soltando os peito” para o filho mamar ou caminhando
movendo as imensas ancas, jogando um braço ao céu e outro à terra
como se fossem asas, desordenadamente, parecendo um “anjo preto”,
48
abriria um raro sorriso, porque ele sempre foi fiel ao método tortuoso,
que desconfia dos valores médios e se consagra pacientemente à
análise do atípico, até do monstruoso e do deformado como os seres
híbridos de Kafka ,ou do perverso e do anormal como os doentes de
Freud. Se o pensamento de Benjamin cria seres humanos frágeis,
ligeiramente ridículos, canhestros e deslocados, o mesmo se repete em
relação aos anjos, o que induz prudência em qualquer interpretação
sobre a religiosidade em sua obra. “Longe de serem gloriosos
mensageiros ou testemunhas inequívocas da transcendência, os anjos
não possuem mais o esplendor do sagrado, mas participam, eles
também, das hesitações, das dúvidas, dos desamparos do mundo
profano. Se ficarem seres desajeitados e muitas vezes incapazes, eles
continuam, porém, ou talvez mesmo por isso, a ser anjos, porque é mais
na incapacidade e na fraqueza antes que na força e na potência que se
poderia ainda se dar algo como uma relação ao divino”. (Benjamin,
1931:94). Esta atenção não é nem gratuita nem estetizante, mas
orientada por uma exigência ao mesmo tempo epistemológica e
teológica: aquela da salvação. Na impossibilidade de Benjamin,
aposso-me de uma máquina fotográfica e furto uma imagem de
Rosalinda, parada, flagrantemente viva, tão distante dos anjos
conhecidos, tão perto dos anjos de Benjamin, com detalhes que não se
percebem ao natural.
Depois de mergulharmos suficientemente fundo em imagens assim,
percebemos que também aqui os extremos se tocam: a técnica mais
exata pode dar às suas criações um valor mágico que um quadro
nunca terá para nós. Apesar de toda a perícia do fotógrafo e de tudo o
que existe de planejado em seu comportamento, o observador sente a
necessidade irresistível de procurar nessa imagem a pequena
centelha do acaso, do aqui e agora, com a qual a realidade chamuscou
a imagem, de procurar o lugar imperceptível em que o futuro se aninha
ainda hoje em minutos únicos. muito extintos, e com tanta
eloqüência que podemos descobri-lo, olhando para trás. A natureza
que fala a câmara fotográfica não é a mesma que fala ao olhar; é outra,
especialmente porque substituiu a um espaço detalhado
conscientemente pelo homem, um espaço que ele percorre
inconscientemente. (Benjamin, 1931:94)
49
A f o m e d e R o s a l i n d a é
conseqüência direta de nossa
h i s t ó r i c a p r o d u ç ã o d e
desigualdade social. No século
XX, o PIB brasileiro cresceu mais
de 100 vezes e a população
saltou de 17 milhões para 175
milhões, segundo recente estudo
do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). A
riqueza que produzimos, porém,
n ã o f o i d i s t r i b u í d a : a
concentração de renda a quarta
maior do mundo, que mantém
mais de 50 milhões de brasileiros
na pobreza - também aumentou. Enquanto em 1960 os 10% mais ricos
tinham uma renda 34 vezes maior que os 10% mais pobres, em 2001
essa proporção era de 47 vezes. Na virada para o culo XXI, a renda
do 1% da população mais rica era praticamente igual à dos 50% mais
pobres. Em razão desse quadro, cerca de um terço dos brasileiros
convive com a insegurança alimentar. Isto num país que, em 2004,
alcançou o posto de maior exportador mundial de carne e soja, e que
teve uma produção recorde de grãos. Esses dados reforçam a
constatação de que, nos últimos cem anos, o Brasil se expandiu
reproduzindo a pobreza no contexto de um progresso tempestuoso e
trágico. Para o saudoso Herbert de Souza, o Betinho, precursor da luta
social no país, o mundo deu muitas voltas: “Caíram barreiras,
referências, mitos e muros. A história não coube em teorias. As teorias
negaram as suas promessas. O capitalismo continuou produzindo
miséria, mas o socialismo avançou sem conseguir eliminá-la”.
(1991:23) Para o sociólogo, esses sistemas protegiam seus sócios e
eliminavam os demais. Depois de cem anos de socialismo e
capitalismo, a miséria no mundo aumentou, a economia transformou-
se num código de brancos e numa fábrica de exclusão racionalizada. A
modernidade produziu um mundo menor do que a humanidade.
“Sobraram bilhões de pessoas.o se previu espaço para elas nos
vários projetos internacionais e nacionais. No Brasil, essa exclusão tem
raízes seculares. De um lado, senhores, proprietários, doutores; do
outro, índios, escravos, trabalhadores, pobres.
Todo esse espectro gerou uma riqueza pela produção da pobreza.
Sendo um modelo econômico sustentado em vícios sociais, o padrão
rural da colônia transferiu-se praticamente intacto ao país urbano, com
pretensões a ser moderno. O Brasil tem uma indústria com duas caras
e a mesma moeda. Moderna na tecnologia, atrasada nas relações de
trabalho. Sua classe média espreme-se entre a ideologia do senhor e
as agruras dos pobres. Teme o destino de um e respeita o poder do
outro.
A industrialização brasileira não encurtou o abismo entre pobres e
ricos. Os senhores viraram empresários, mas continuam a viver em
novas versões da casa-grande. Os escravos viraram trabalhadores,
mas continuam morando na senzala, em cidades-dormitórios feitas
para isolar o pobre depois do serviço. Se salário mínimo e direito sociais
foram conquistas constitucionais, no cotidiano das fazendas do interior
do Brasil ou no porão das indústrias marginais escravizam-se, agridem-
se, forjam-se seres humanos em inumanas máquinas de fazer coisas,
cada vez mais coisas, coisificando o que o é coisa, é homem.
De acordo com Betinho (1991:71), em pleno final do século XX,
descobrimos, pasmos, que em setenta anos de industrialização, o
Brasil gerou três categorias sociais: ricos, pobres e indigentes. Existe a
minoria rica, branca, sofisticada, formando uma sociedade mais ou
menos comparável à da Espanha. Tem a maioria pobre, negra,
silenciosa, resignada, uma Nigéria com 32 milhões de brasileiros que o
Brasil trata como estrangeiros, uma população indesejada, descurada,
quase inimiga.
Este Brasil, onde aparentemente o cabem os 175 milhões de
habitantes das estatísticas demográficas, é assim por descaso. Com a
produção agrícola atual, segundo a revista Exame, poderia alimentar
350 milhões de pessoas/ano. Nada, em sua economia, impede que
sejam gerados agora 10 milhões de empregos de emergência. Se a
posse da terra fosse democratizada de maneira rápida e decidida,
abriria lugar para 15 milhões de famílias. Se coisas assim acontecem,
32 milhões de pessoas que estão passando fome teriam comida, pelo
menos comida.
Se quem grita é acusado de imediatista, esquerdista, anarquista e
outros “istas”, o que fazer com o futuro que se projeta trágico algumas
léguas à frente? Os indigentes indicam a rota de um grande naufrágio
social, de uma farsa econômica e de um desastre político. Fome,
miséria e aids o disputar as manchetes da imprensa internacional
50
51
sobre o país. Fome e miséria porque as produzimos muito tempo.
Aids porque tem, aqui, a mesma cara da miséria. A minoria rica trata-se,
os pobres simplesmente morrem.
Projetar o futuro é temer ou desejar. Prever tamm pode ser
identificar os desejos e interesses existentes agora, reconhecer a
possibilidade de que os melhores desejos sejam os desejos
dominantes e, com isso, se transformem em realidade. Pensar o futuro
atrai, desafia e engana. E mudar o futuro depende de mudar a maneira
como se pensa o presente. O futuro comou muito tempo e a
sociedade culta e curta ainda não percebeu. Num passado recente,
quando o sindicalismo parecia inteiramente domado pela represo
militar, as greves no ABC paulista desafiaram a imaginão dos
sociólogos e a força policial do governo. No passado ainda mais
recente, as campanhas de anistia, das eleições diretas, da
Constituinte, do impeachment de Collor, da eleão do “sapo barbudo
todas elas mostraram o poder que tem o desejo de mudar a realidade.
o faltam argumentos para quem imagina o futuro como o presente
piorado. Se o modelo Casa Grande & Senzala prevalecer, o haverá
outro recurso seo viver numa prio de ruas fechadas por
seguraas privadas, em bunkers residenciais. Nesse caso, o futuro
brasileiro terá, pelo cinismo e pela indiferea, a sociedade que a
África do Sul fez no passado pelo racismo e pela violência.
E o outro lado? E se o futuro depender da exploo social dos
oprimidos? é provel que o sistema atual tamm prevaleça. Não é
à toa que ele tem antecedentes hisricos. Sempre que preciso, a
pocia torturou e matou, as foas armadas reprimiram sublevões
contra a ordem da classe dominante, as igrejas ensinaram resignação
em vez de horror à injusta. Deus alegrava a vida dos ricos. O diabo
metia medo nos pobres. O brasileiro bonzinho, cordial, produto desse
todo, é aquele cidao que ganha sario mínimo e brinca o
carnaval com alegria de fazer inveja ao turista. O Rio de Janeiro não é
Los Angeles, Rio Verde o é a Granja Viana.
Pode haver revolta. Mas é improvável que o caminho da mudança no
Brasil seja aberto com explosões sociais. A energia que pode ser usada
agora para fazer um futuro diferente está, aparentemente, em outras
fontes de transformação. Porque mudança no Brasil. Ela não corre,
mas anda. o corre, mas ocorre.
Os sinais dessa mudança social estão no melhoramento das cidades
em plena crise da administração federal, no basta à corrupção e no
52
movimento pela ética na política, na emergência de movimentos em
favor da mulher, da criança ou da ecologia, no anti-racismo. São
antídotos contra a cultura autoritária que sempre ditou a receita do
desastre social. Eles estão na confluência de duas tendências. Parte
da elite o quer viver na apartheid sul-africana. E cada vez mais
pobres querem sua cota de cidadania. Essa mavai empurrando a
democracia da sociedade para o Estado, de baixo para cima, dos
movimentos sociais para os partidos e instituições políticas, que podem
até gerar aberrações, mas mesmo elas nos ensinam como não se deve
fazer:
Esse cenário, mais que uma realidade, uma tragédia nacional, tem o seu
“duplona cidade de Rio Verde, um pólo de progresso e riqueza onde a
fome não deveria passar na porta, ou sequer entrar sem pedir licença.
Dona de uma das maiores rendas per capita do interior brasileiro, Rio
Verde, a 230 quilômetros de Goiânia e com 120 mil habitantes, tem sido
uma das principais refencias brasileiras quando o assunto é
agrobusiness. Impulsionada pelos negócios de algodão e soja. De
acordo com dados da Secretária da Fazenda do Município, a cidade tem
um PIB (Produto Interno Bruto) estimado em quase 900 milhões e que
deve crescer 7% em 2005. Se nos maiores centros urbanos a esperança
está na fila: 1,9 milhões de pessoas procuram por um emprego somente
na região metropolitana de São Paulo, em Rio Verde excesso de
ofertas. A cidade, fincada no coração do cerrado brasileiro, abre 3,3 mil
vagas a cada mês.
A riqueza de Rio Verde está estampada nas ruas e avenidas repletas de
carros novos e de alto valor. A Citroen, que chegou à cidade em 2001,
O anjo da história deve parecer assim. Ele tem o rosto voltado para o
passado. Onde diante de nós aparece uma cadeia de acontecimentos,
ele enxerga uma única catástrofe, que sem cessar amontoa escombros
sobre escombros e os arremessam aos seus pés. Ele bem que gostaria
de demorar-se, acordar os mortos e juntar os destroços. Mas do
paraíso sopra uma tempestade que se emaranha em suas asas e é o
forte que o anjo não mais pode fechá-las. Esta tempestade o impele
irresistivelmente para o futuro, ao qual volta às costas, enquanto o
amontoado de escombros diante dele cresce até o u. O que nós
chamamos de progresso é essa tempestade.
(Benjamin, 1931:23)
53
obteve o primeiro lugar nacional em vendas em 2005. Para 2006, a
Secretaria da Fazenda do Município estima que o mercado cresça 40%. A
Mitsubishi, localizada a poucos metros da concorrente francesa, também
comemora o desempenho. O campeão de vendas é o modelo L-200,
produzido na cidade goiana de Catalão e que custa em torno de R$ 75 mil
o modelo mais simples.
A cinco quilômetros dali, na zona rural, um complexo industrial chama a
atenção de quem trafega pela BR-060. É a Perdigão, que em 2000,
investiu US$ 300 milhões na maior planta processadora de suínos e
frangos da América do Sul e já possui recursos para investimento de R$
200 milhões até 2007. Segundo o diretor de operações da empresa,
Euclides Costenaro, a brica, que gerou 3,5 mil novos empregos,
processa atualmente 280 mil aves e 3,5 mil porcos por dia e exporta para
22 países. A expectativa é que fature R$ 1,5 bilo em 2005. Outro
exemplo, citado pela Secretaria da Fazenda do Município, é a unidade do
Margen Frigorífico, onde o abatidas cerca de 25 mil cabeças de gado por
mês. Na mesma linha, grandes comerciantes locais de grãos e empresas
de armazenamento, como a Kowalski, deixaram de somente receber e
comercializar safras e passaram a industrializá-las, produzindo derivados
para vendas diretas no mercado. O dinheiro movimentado pela agricultura
trouxe mais de duas mil empresas para Rio Verde nos últimos dois anos.
Para entender as razões desse desenvolvimento, é preciso que se volte a
1975. Nesse ano, cansados de enfrentar atravessadores e inúmeros
problemas para a aquisição de quinas, equipamentos e suplementos
agrícolas, um grupo de pioneiros fundou a Cooperativa Mista dos
Produtores Rurais do Sudoeste Goiano (Comigo), uma iniciativa que levou
a cidade a ser, três décadas depois, um dos maiores centros
agroindustriais do país e uma referência internacional em tecnologia e
pesquisa agrícola.
54
Na área social, a Secretaria de Obras Sociais do Município, que possui
95 escolas e três instituições de nível superior, detém uma taxa de
alfabetização de 90%, uma das mais elevadas do Brasil. A
criminalidade é baissima. Há ts hospitais e 26 clínicas. Não
existem favelas; mas os arranha-us em construção o mais de dez.
Entretanto, Rio Verde não é diferente dos outros municípios do interior
brasileiro, herdeiros de uma potica desumana que gerou uma
transição brutal dos homens da roça para os homens da cidade. A
urbanização brasileira é assustadora, fazendo com que o país em
apenas quatro décadas invertesse a propoão da populão
rural/urbana. Hoje, 80% dos brasileiros incham as cidades.
Mas, então, a utopia existe e mora em Rio Verde?
Nos últimos dois anos, uma massa crescente de 15 mil novos
moradores chegou à cidade. Migrantes de todas as partes do país,
sobretudo de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Minas Gerais,
inflaram o custo de vida na cidade. Dados da prefeitura municipal
revelam que desde 2000, ano de instalação da Perdio no município,
a demanda por imóveis aumentou 20%. Em Rio Verde, é difícil
encontrar um apartamento de dois quartos num bairro de classe
dia à venda por menos de R$ 100 mil.
A inflão dos pros dos imóveis já trouxe efeitos negativos. Nas
principais ruas da cidade comam a surgir mendigos e crianças de
rua. As primeiras favelas vão aparecendo aqui e ali na mesma medida
em que as dias relatam a “riqueza do novo eldorado no corão do
Brasil”.
E é nessa cidade, separados por uma linha abissal, que vivem,
convivem e sonham os pobres, os excluídos, os desvalidos, os pais, as
es, os filhos do Projeto Ciranda.
As cidades estão cheias de gente. As casas, cheias de inquilinos. Os
hotéis, cheios de hóspedes. Os trens, cheios de passageiros. Os
cafés, cheios de consumidores. Os passeios, cheios de transeuntes.
Os consultórios dos médicos famosos, cheios de pacientes. Os
espetáculos, não sendo muito fora de época, cheios de espectadores.
As praias, cheias de banhistas. O que antes não costumava ser
problema agora passa a sê-lo quase de forma contínua: encontrar
lugar. ( Ortega y Gasset, 2002:36)
55
A Cidadania de Aristóteles ao Zé da Esquina
Aristóteles há quase 2500 anos, já apontava o dedo para a relação do
Estado com o cidadão. Em sua obra Política, demonstrava que a
cidadania era um direito da classe dirigente que representava,
participava dos destinos da cidade. no Estado democrático moderno,
a base da cidadania é a capacidade de participar no exercício do poder
político por meio do processo eleitoral e dela participa toda a sociedade.
Se o sujeito tem representatividade, representa uma maioria que o
elegeu, pode ser um Fernando Henrique ou um da Esquina, alguns
os escolheram em nome de todos. para Aristóteles, o status da
cidadania estava limitado aos autênticos participantes nas deliberações
e no exercício do poder.
No entanto, o campo teórico se distancia da prática à medida que
investigamos o estrato social. No caso do Brasil, por exemplo, o direito à
propriedade que é um fundamento do modo de produção capitalista e o
direito à educação, entre outros, assegurados pela Constituição de
1988, são explicitamente descumpridos para a maioria da população.
Observe-se, também, a diferença entre cidadania e direitos humanos. A
primeira é regulada pelo Estado e pode ter várias interpretações
segundo a sociedade em que se estabelece. os direitos humanos são
universais, extrapolam as fronteiras nacionais, como o direito ao
conhecimento e à liberdade de ir e vir.
Para Marshall (1967:63-64), a cidadania possui os seguintes direitos: os
civis, os políticos e os sociais. O direito civil está relacionado à liberdade
individual; o político refere-se ao direito de votar e ser votado; o social
refere-se ao bem-estar econômico e à segurança ao direito de participar
da herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os
padrões que vigoram na sociedade.
A partir de meados da década de 1950, os direitos coletivos deram os
seus primeiros passos. O indivíduo passa a estar subordinado ao direito
dos grupos humanos, do povo, da nação. Ser desenvolvido passa,
então, a estar integrado a um laço social, propondo e defendendo
direitos humanos, direito das mulheres, direito ao desenvolvimento,
direito à paz, direito ao meio ambiente. É nessa onda que surgem os
“novos movimentos sociais”, propondo um novo “exercício do ver” em
relação ao direito do consumidor, direito à ecologia, direito à qualidade
de vida, direito da terceira idade, direito dos jovens, direito das crianças
etc. Portanto, dentro desse modelo produzido pelos “desenvolvidos”
56
para os “emergentes” e “subdesenvolvidos”, não deveria ocorrer nessas
latitudes e nem em outras um embate não entre posições divergentes
dos vários campos teóricos, mas uma prática injusta e desumana que,
se não bastasse impedir o acesso de uma minoria à educação, ao lazer,
ao trabalho, subtrai sua dignidade ao impor uma via-crúcis que quase
sempre tem como ponto final a fome, a dor e a morte.
Alexis de Tocqueville, em seu A democracia liberal (1977:71), retrata
toda essa problemática. Segundo ele, a pobreza é uma doença que
corrompe o “corpo social”. Se a pobreza possui estágios, a mais
deplorável é aquela que se instala entre civilizações avançadas, nichos
de progresso, uma vez que a riqueza de tais sociedades seria suficiente
para sanear essa problemática. Para ele, a falta de compaixão e
compromisso ético soma-se à ignorância, afastando das sociedades o
ideal igualitário. Tocqueville relata que a humanidade teria mais
necessidades e atividades na medida em que caminhasse para a
civilização, e isso lhe abriria possibilidades novas de desejos e
pretensões sociais inexistentes no estado de natureza. Com o caminhar
da humanidade, a consciência aumenta e ensejo a aspirações
morais.
É preciso que os problemas sociais sejam resolvidos com os próprios
mecanismos econômicos da sociedade, por isso Tocqueville defende
inúmeros argumentos contra medidas estatais que visam dar aos
pobres o que lhes falta. Isto apenas os incentiva a não trabalhar, e,
apesar de louvar a nobreza do ato caritativo individual, Tocqueville não
acredita que esse método seja mais eficiente que o auxílio estatal. A
pobreza deve ser combatida pelo esforço de toda a sociedade em
fornecer condições à população carente de se educar e ter no trabalho
uma condição mínima de dignidade que lhe garanta o sustento material.
Facilidade de aquisição de terras, poupanças e participação nos lucros
das empresas são medidas pouco onerosas que equilibrariam a divisão
Eu venho da Promissão (um dos bairros mais carentes de Rio Verde,
a cinco quilômetros do campus Dona Gercina, local onde se realiza o
Ciranda). Até que eu com a Kombi do supermercado em casa, mas
o patrão uma vez “raiou” comigo porque dei carona para a minha
mulher. E a casa onde ela trabaia é até caminho, sô! (Pedro Orozimbo
da Silva, 33 anos, casado Com Maria da Piedade, 28, e pai de
Francisco Carlos, 5)
57
dos bens na sociedade. Para Tocqueville, a democracia liberal é a única
possibilidade de realização do ideal cristão de semelhança entre os
homens. Num Estado democrático uma parcela muito grande da
população desfrutando dos bens e propriedades adquiridos através do
seu trabalho. Essa parcela da população será avessa a uma revolução
que acarrete prejuízos materiais para a sociedade. Portanto, qual é a
transformação possível numa democracia? Tocqueville define-a como
sendo o progresso, não a revolução, pois atende à necessidade de
mudança e à vontade de conservar a estabilidade econômica e social.
As mudanças devem ser progressistas e não revolucionárias, devem
melhorar o bem-estar geral, não destruí-lo.
Nessa mesma linha teórica, Ortega y Gasset propõe que cada indivíduo
estabeleça os mecanismos que impedem o crescimento próprio. Negar
essa tarefa é uma falsidade, uma enfermidade social. Numa sociedade
hiperdemocrática, que privilegia a igualdade e não a diferença, os
migrantes de Rio Verde transformaram-se num grupo de indivíduos sem
rosto, amorfos, sem lugar. É nos projetos sociais, realizados por
empresas privadas ou do Estado, que essa massa se encontra, embora
permaneçam como anônimos, no máximo recebendo um número frio da
estatística, afinal, os promotores têm que apresentar volume em seus
relatórios estratégicos:
E se um lugar para renovar, reviver, estimular essa democracia, esse
espaço é a cidade. Para Martín-Barbero, o habitat urbano encontra-se
desacreditado pela qualidade de vida de grandes parcelas da
população. “O que significa a democracia num lugar em que aumentam
o desemprego, a exclusão social e a intolerância?”, pergunta o
professor. Já Ortega y Gasset diz que o “homem-massa”, que é pouco
exigente, acaba conduzido por pessoas medíocres, extemporâneas e
sem grande memória, ou seja, sem consciência histórica, que se
A hiperdemocracia das massas é o fato das massas atuarem sem leis,
por meio de pressões materiais, impondo suas aspirações e seus
gostos. As massas propuseram a distanciar-se dos assuntos políticos,
não discutindo e não participando das atividades políticas, o que
consolidou lideranças conduzidas pela demagogia e pela ignorância. A
lei que ocupa essa hiperdemocracia é: “Quem não for como todo
mundo, quem não pensar como todo mundo, correrá o risco de ser
eliminado. (Ortega y Gasset, 2002:41)
58
comportam como se o passado tivesse acabado. O resultado dessa
tese é fatal para a vida. Os homens passarão a viver em função do
Estado, os homens se tornarão máquinas do governo. Após certo tempo
trabalhando como máquinas, os homens se assemelharão as
máquinas: enferrujadas e deixadas ao acaso nas cidades, o que é muito
pior que a morte orgânica, completa Ortega y Gasset.
A cidade aparece como um caos, como algo que não se deixa pensar
por cada uma das disciplinas isoladamente. Analisar a cidade
somente através da economia ou da sociologia é incapaz de entender
o que está se passando nela atualmente. É preciso analisá-la de um
ponto de vista abrangente, sem confundir essa análise com a visão
nostálgica de uma cidade una, uma cidade com uma identidade. A
cidade hoje é uma multiplicidade de cidades, não só espacialmente,
mas tamm temporalmente. Além disso, há as múltiplas
experiências das pessoas com a cidade. (Martín-Barbero, ECA/USP,
Seminário “Ciudad, Comunicación Y Democracia”, 18 a 22/8/2003)
59
Pensar Global, Agir Local
Nos últimos anos as empresas brasileiras agregaram uma nova palavra
ao seu vocabulário empresarial: cultura, no sentido proposto por
Raymond Williams, que une o conceito antropológico e sociológico do
termo, como “modo de vida global” distinto, dentro do qual percebe-se,
hoje, um “sistema de significações” bem definido não como essencial
e sim como essencialmente envolvido em todas as formas de atividade
social, e o sentido mais especializado, ainda que também mais comum,
de cultura como “atividades artísticas e intelectuais”, embora estas, em
virtude da ênfase em um sistema de significações gerais, sejam agora
definidas de maneira muito mais ampla, de modo a incluir não apenas as
artes e as formas de produção intelectual tradicionais, mas também
todas as “práticas significativas”- desde a linguagem, passando pelas
artes e filosofia, até jornalismo, moda e publicidade que agora
constituem esse campo complexo e necessariamente extenso.
Departamentos de marketing, comunicação e relações com o mercado
saíram dos fundos das empresas e tomaram assento à frente, naquelas
áreas destinadas até então ao comercial e ao financeiro. A razão é
simples: descobriu-se que o consumidor, antes de adquirir produtos ou
serviços, compra imagem. A construção de personalidades de marcas
passou então a ocupar uma parte da agenda dos dirigentes. Se antes a
indústria operava de acordo com os pedidos do comércio e este de
acordo com a clientela simplesmente, agora se realizam ações,
estratégias, planos, verdadeiras manobras de guerrilhas para
prospectar clientes, realizar negócios, preencher nichos de mercado até
então não cobertos, revitalizar produtos ou serviços em áreas
“atacadas” e propor novos negócios o tempo todo. A obsolescência, o
turn over e o up-grade de produtos e serviços transformam a sociedade
numa compradora cada vez mais exigente, mas também geram uma
dependência material que provoca, cada vez mais, um precipício nas
relações entre pobres e ricos.
Esse mesmo distanciamento ocorre na oferta de produtos culturais,
uma vez que a iniciativa privada propõe eventos sociais aos públicos
que possam oferecer uma maior rentabilidade, um maior retorno aos
seus investimentos. Por outro lado, se o Estado comparece à periferia
das comunidades, preocupa-se menos com a introdução da cultura e
mais com a massificação das questões ideológicas.
Dados de pesquisa realizada pelo IBGE em 2004 demonstram a
60
ausência da oferta cultural no
Brasil: 82% dos municípios
brasileiros nã o p os suíam
museus, 84,5% não tinham teatro,
92% não tinham sequer uma sala
de cinema e cerca de 20% não
dispunham de bibliotecas
públicas. Mesmo naqueles
municípios com bibliotecas, 69%
deles possuíam apenas uma, e
nos municípios com até 20 mil
habitantes, 935 não tinham
nenhuma.
Rio Verde, embora apresente
uma pujança econômica, não
foge à regra brasileira. Possui uma biblioteca pública, um cinema,
nenhuma sala de teatro e nenhum espaço público destinado à produção
de eventos sociais. Para a realização do Projeto Ciranda na cidade, os
realizadores buscaram uma parceria com a Universidade de Rio Verde,
que cedeu o seu campus para a realização do evento.
O desastre social fica estampado em manchetes garrafais quando se
expõem os hábitos de consumo cultural das crianças e adolescentes
que freqüentam o Ciranda. Numa amostra de 3 mil crianças entrevistas
em Rio Verde, a maioria nunca foi a um espetáculo de balé clássico
(98%) ou de dança moderna (95%), a um concerto de música clássica
(96%), a um debate ou palestra pública (95%), a uma exposição de
fotografia (90%), a um museu de arte (98 ).
Foram ao menos uma vez a show de música sertaneja (75%), contra
86% que nunca foram a show de rock, pop ou funk. 56% foram ao
cinema no último ano e 98% nunca foram ao teatro.
Outra pesquisa de saúde realizada em 2004, encomendada pela
Organização Mundial de Saúde em vários países, demonstra a relação
entre a falta de oferta de equipamentos de lazer e cultura e a
marginalidade. O objetivo da pesquisa foi verificar a relação entre as
condições sociais e econômicas da população e o uso de drogas, o
consumo de bebidas alcoólicas e o tráfico.
Para Nancy Cárdia, uma das coordenadoras da pesquisa, “a maior
parte das crianças e jovens vive nas áreas extremas, mas a maioria dos
equipamentos está nas áreas centrais. A relação entre a falta de
61
equipamentos de lazer e cultura e
altas taxas de violência é
evidente”.
M a s n ã o s ó a f a l t a d e
equipamentos e estruturas de
lazer e cultura nos lugares certos
contribui para esse vazio cultural.
O Brasil possui um dos menores
índices de leitura do mundo, em
c o m p a r a ç ã o a o s p a í s e s
paupérrimos do continente
africano. Segundo a pesquisa
“Retrato da Leitura no Brasil”,
encomendada por um grupo de
editoras nacionais em 2004, os brasileiros não encontram prazer na
leitura. Os dados revelam. Apenas 20% dos entrevistados compraram
ao menos um livro no período, com uma média de apenas 1,21 livros
vendidos por adulto.
A resposta para os problemas culturais do país remonta à colonização.
Nosso país, desde o ciclo do pau-brasil até o da indústria aeroespacial e
o agronegócio moderno, jamais soube equilibrar transformação
produtiva com equidade social. Todos os nossos ciclos econômicos
foram concentradores de riqueza e poder. Somos herdeiros de uma
sociedade paternalista, centralizadora e injusta socialmente, baseada
na exploração de coisas e gentes; o país amarga e marginaliza o seu
povo em função da ausência de uma estrutura que possa oferecer
produtos culturais. A revista Veja, em recente edição, traz à tona essa
desigualdade:
o Brasil gasta 21% do produto interno bruto na área social, mas
os pobres ficam com a menor fatia desse dinheiro:
os 10% mais ricos recebem quase metade dos recursos
distribuídos entre os aposentados.
Em 25 anos o Brasil:
aumentou em 85% o PIB;
aumentou o número de residências com telefone;
a taxa da miséria praticamente não alterou (houve uma pequena
redução de 17% para 14,5%);
62
o número de desamparados, incapazes de mudarem a sua
situação aumentou eram 18 milhões, hoje são 23 milhões.
Alain Touraine, sociólogo e diretor da Escola de Altos Estudos em
Ciências Sociais (Paris) aponta o caminho entre as atitudes básicas
para a recuperação das sociedades desiguais.
O caminho para a transformação da sociedade brasileira passa pela
introdução da cultura na agenda política nacional. A ausência de um
projeto cultural, além de atentar contra a justiça e a igualdade social,
subtrai das classes trabalhadoras o seu poder de negociação, uma vez
que permite que “agentes culturais”, manipuladores e lobistas articulem
projetos sociais não em favor das necessidades de determinada
comunidade, mas atendam aos interesses de grupos que tenham como
único objetivo o lucro. A globalização, no campo social, apresenta uma
face perversa ao bloquear a produção local e “sugerir” ações que
horizontalizam a cultura e a tornam dependente de táticas e estratégias
focadas na mercadologia e distante das ações locais. Surge, então, um
hibridismo cultural, nem sempre uma teia de Morin, mas domesticada,
enfadonha e superficial.
Naomi Klein, no seu livro manifesto Sem Logo (2002:136) despe a
cortina que travesti as relações das marcas com projetos culturais:
A ação coletiva e a intervenção do Estado devem servir antes de tudo
para reforçar os direitos dos indivíduos e das coletividades e que,
dentre esses direitos, os mais mobilizadores hoje são os direitos
culturais, sejam os das mulheres, os do ambiente ou os de todas as
minorias. (1999:79)
Em meados dos anos 80, à Lacoste e, à Ralph Lauren seguiram-se à
Calvin Klein, à Spirit e, no Canadá, à Roots: aos poucos o logotipo
63
passou de uma afetação ostentatória a um acessório de moda ativo. O
que é mais significativo, o próprio tamanho do logo inflou, de um
emblema de dois centímetros para uma tenda do tamanho do peito. O
processo de inflação da logomarca ainda está em andamento e
ninguém é mais inchado que a Tommy Hilfiger, que conseguiu ser a
primeira grife de roupa a transformar seus fiéis adeptos em bonecos
Tommy ambulantes em tamanho natural, mumificados em mundos
Tommy completamente tomados pela marca.
Essa trajetória espelha a maior transformação que nossa cultura
sofreu desde a Sexta-Feira de Marlboro (em referência ao dia em que a
marca resolveu baixar os preços do cigarro por não acreditar mais no
efeito branding), animada por uma debandada de fabricantes que
queriam substituir seu desajeitado aparato de produção por marcas
transcendentes e infundir em suas marcas mensagens profundas e
cheias de significados. Em meados dos anos 90, empresas como a
Nike, a Polo e a Tommy Hilfiger estavam prontas para levar a marca ao
patamar seguinte: não mais simplesmente conferir sua marca a seus
produtos, mas também à cultura externa ao patrocinar eventos
culturais, elas podiam sair pelo mundo e utilizar vários deles como
postos avançados. Para essas empresas, o branding não era apenas
uma questão de agregar valor ao produto. Tratava-se cobiçosamente
de infiltrar idéias e iconografias culturais que suas marcas podiam
refletir ao projetar essas idéias e imagens na cultura como “extensões”
de suas marcas. A cultura, em outras palavras, agregaria valor a suas
marcas. Por exemplo, Onute Miller, gerente sênior de marca da Tequila
Sauza, explica que sua empresa patrocinou uma exposição de
fotografias eróticas de George Holtz porque “a arte representava uma
sinergia natural com nosso produto”.
Embora nem sempre seja a intenção original, o efeito do branding
avançado é empurrar a cultura que a hospeda para o fundo do palco e
A ditadura das marcas, fincada inicialmente nas grandes marcas
transnacionais, ganhou a estrada, atravessou desertos, pântanos,
montanhas e se estabeleceu nos quatro cantos da terra. Dos solos
férteis do Yang-Tzé às culturas de soja e algodão de Rio Verde as
marcas se apossam de territórios culturais, modificam hábitos e
costumes e se interpenetram na mente dos consumidores de forma
definitiva:
64
fazer da marca a estrela. Isso não é patrocinar cultura, é ser cultura. E
por que não deveria ser assim? Se as marcas não são produtos, mas
conceitos, atitudes, valores e experiências, por que também não
podem ser cultura? Esse projeto tem sido tão bem-sucedido que os
limites entre os patrocinadores corporativos e a cultura patrocinada
desapareceram completamente. Mas esta fusão não foi um processo
de mão única, com artistas passivos permitindo que corporações
multinacionais agressivas os empurrassem para o fundo. Em vez
disso, muitos artistas, personalidades da mídia, diretores de cinema e
estrelas do esporte vêm se precipitando para fazer frente às
corporações no jogo do branding. (2002:56)
O chamado marketing cultural evoluiu e hoje é estruturado como um
conjunto de ações planejadas que visam ao envolvimento da empresa
com seu público direto e indireto, por meio da atividade cultural,
fundada nos compromissos ético-estético-social. Apesar dos avanços
empreendidos por alguns casos bem-sucedidos, o vínculo das
Dentro da estratégia de ocupação da mente dos consumidores pelas
marcas não desvios, descontinuidades, adiamentos. O marketing já
descobriu há tempos que a “imagem antecede a compra”. Por isso,
de se interagir com as localidades, interpenetrá-las, coaptá-las, gerar
uma empatia. Os eventos sociais criam a oportunidade da interface, do
contato, do pegar na mão, de demonstrar o produto, serviço ou mesmo
dizer através dos mapas de merchandising distribuídos em pontos
estratégicos dos eventos: Eu estou aqui, aguardo você no ponto-de-
venda!
Mas, então, o marketing social é um vilão, um instrumento de
dominação cultural e destruição das coisas locais? Não é bem assim.
Na verdade, cada vez mais as marcas descobrem que é possível entrar
nas localidades sem ferir seus hábitos, culturas e tradições.
Aprenderam, quase sempre, sentindo na pele (e no bolso) as reações
da comunidade local a projetos colocados “goela abaixo” sem pesquisa,
sem referência, sem auscultar as necessidades da população. Por outro
lado, projetos que proponham ações concretas que promovam o
crescimento social da comunidade em que está inserido e que é
percebido como um investimento em favor desta tem mais condição de
oferecer como retorno contrapartidas à empresa patrocinadora. Brant
complementa:
65
empresas com a atividade cultural ainda é frágil, embrionário e
impulsionado muitas vezes apenas pelos benefícios das leis de
incentivo à cultura e não por sua capacidade de demonstrar um
trabalho socialmente responsável, estabelecendo vínculos
duradouros com a comunidade atendida por essa ação. (2002:94)
Grande parcela da população, no Brasil e no mundo, enfrenta fome,
doenças, desemprego, não tem acesso à educação e à cultura e vive
em condições extremamente precárias. São problemas reais, difíceis
de ser combatidos e que só poderão ser contornados se houver uma
conscientização e uma mobilização de todos os elementos da
sociedade. As empresas e seus líderes têm um papel fundamental
diante desse cenário. Em poder das corporações estão o capital, a
capacidade de gestão dos recursos e, sobretudo, um extraordinário
estoque de talentos, um fator decisivo em qualquer processo de
transformação. Para desempenhar esse papel, é preciso que o mundo
corporativo siga alguns passos elementares. Em primeiro lugar, é
urgente tomar consciência da realidade que nos rodeia e do fato de
que fazemos parte dela. Em seguida, é preciso entender o conceito de
responsabilidade social como o compromisso de cada um com a
qualidade de vida, com a preservação da natureza e com uma
sociedade mais justa. (2004:74)
Em artigo publicado na edição especial Guia de Boa Cidadania
Corporativa, da revista Exame, o diretor-presidente do Instituto Ethos,
Oded Grajew, explica por que as empresas devem envolver-se com as
questões sociais:
Num país que possui 30 milhões de pobres absolutos, o marketing
social pode ser sim uma ferramenta para alavancar recursos, estimular
a participação de corporações e Estado, aprimorar serviços, criar
eventos que propiciem às camadas populares benefícios culturais e que
gerem uma nova forma de pensar, agreguem conhecimento e evidencie
o benefício social como objetivo macro. Para harmonizar esses
procedimentos, vitais para o surgimento de um conteúdo e um formato
profissional na área social, a pesquisadora do Ipea, Ana Maria Peliano,
aponta alguns problemas comuns nas políticas públicas na área social:
Descoordenação assim como o Estado, nas empresas o
processo é desordenado, pouco articulado, com superposição
66
de ações, desperdício de esforços e redução de eficiência;
Pulverização de Recursos é comum também nas empresas e
traduz-se na fragmentação do atendimento. As empresas
maiores estão preocupadas em estabelecer prioridades e
focalizar melhor seu investimento;
Burocratização as empresas são mais desburocratizadas, mas,
à medida que cresce a atuação social, aumenta a tendência de
ampliação interna dos trâmites da decisão e do engessamento
das propostas de ação;
Descontinuidade surpreende o comprometimento com a
manutenção das ações e preocupação com a sua continuidade,
mesmo em momentos de dificuldade;
Falta de Transparência resistência em divulgar as ações, até
por meio do balanço social;
Clientelismo mesmo que uma parcela atenda aos pedidos
políticos, há receio em associar a ação privada a uma ação de
caráter político-partidário;
Distanciamento empresas têm maior capacidade de diálogo e
mais flexibilidade para atender às reivindicações das
comunidades. O atendimento é realizado na vizinhança. Os
recursos chegam à ponta e o atendimento é adaptado às
condições locais.
A estruturação de uma área nas empresas focada na administração dos
recursos sociais estabelece um controle profissional, centraliza as
operações e propicia uma gestão mais profissional nas várias
atividades que podem surgir a partir desse novo modus operandi. Ana
Maria Peliano sugere, ainda, um quadro comparativo entre empresas
que praticam filantropia e outras que realizam o marketing social:
Na filantropia:
1. As motivações são humanitárias.
2. A participação é reativa e as ações isoladas.
3. A relação com o público-alvo é de demandante/doador.
4. A ação social decorre de uma opção pessoal de seus
dirigentes.
5. Os resultados resumem-se à gratificação pessoal de
poder ajudar.
67
6. Não preocupação em associar a imagem da
empresa à ação social.
7. Não preocupação em relacionar-se ao Estado.
No marketing social (compromisso social):
1. O sentimento é de responsabilidade.
2. A participação é pró-ativa e as ações mais integradas.
3. A relação com o público-alvo é de parceria.
4. A ação social é incorporada na cultura da empresa e
envolve todos os colaboradores.
5. Os resultados são preestabelecidos e preocupação
com o cumprimento dos objetivos propostos.
6. Busca-se dar transparência à atuação e multiplicar as
iniciativas sociais.
7. Busca-se complementar a ação do Estado, numa
relação de parceria e controle.
Uma recente pesquisa do Ipea, coordenada por Ana Maria Peliano, a
maior realizada no Brasil, mostra que as empresas que avaliam os
resultados de seus investimentos sociais ainda são exceção no Brasil.
Apesar de o país ser o terceiro em número de empresas certificadas no
mundo pela AS 8000, ferramenta de gestão que assegura o
compromisso social de empresas do mundo inteiro, com 60% das
companhias participando ativamente, com 2,5 bilhões de dólares de
investimento anual, poucas empresas acompanham e avaliam os
resultados concretos de seus investimentos no setor. Essa ausência é
um dos principais obstáculos ao desenvolvimento da responsabilidade
corporativa. A pesquisa mostra que apenas 2% dos investidores
controlam a destinação dos recursos, monitoram e verificam se suas
ações implicaram melhoria de vida da população. Outros 86% afirmam
que disponibilizam verbas. O restante acompanha os trabalhos
informalmente, sem metodologias precisas.
Os Atores: Educando para Avançar
68
Aqui em Rio Verde não tem nada pra gente fazer. Nem para crianças e
nem pra gente. O meu marido reclama que todas as vezes que tem o
Ciranda eu sumo com as criaas. Ora, tenha paciência, né! Ele tem o
seu futebol, os seus amigos... fica o dia inteirin jogando baralho com
aquela cambada de à toa. Eu, am de cuidar de três meninos ainda
lavo, passo, fo comida, arrumo casa... Tô cansada dessa vida! Agora,
eu pego os meninos, venho pra , trago uns biscoitinhos, uns bolinhos,
ajeito aqui na grama, nessa sombrinha gostosa, e deixo os meninos
fazer o que eles quiserem. De sofrimento basta o meu. (Ana Maria
Tavares, 31 anos, professora rural no Distrito de Santo Antônio,
moradora de Rio Verde)
A história de Ana Maria não é uma exceção. Num universo de 270 mães
pesquisadas no Ciranda, 86% se sentem infelizes. Os 14% restantes se
dividem entre mães solteiras (6%) e satisfeitas (8%). Contudo, ao
penetrarmos no mundo das satisfeitas, a realidade se apresenta nua e
crua: “Ele não deixa faltar nada em casa” ou “Ele trata bem os meninos
ou “Ele nunca me bateu” são, em sua grande maioria, as razões para a tal
felicidade. Do outro lado, no universo masculino, a situão o é muito
diferente. 72% dos pais entrevistados se sentem infelizes. O
desemprego, a falta de moradia e a falta de perspectiva de uma vida
melhor povoam o cotidiano. 56% deles alegaram que a companheira
“Não ajuda em nada e vive reclamando”; 27% informaram que não
namoram mais as esposas. Pior: 76% deles estavam casados havia
menos de cinco anos. “Quem é que agüenta ser humilhado, espisoteado
o dia inteiro e ainda ter que comparecer pra muà noite?”. O povo fala
que Rio Verde cheio de servo, cadê?desabafa Arlindo de Castro
Mendes, 34 anos, operador de colheitadeira e três anos
desempregado.
Os relatos o claros: nossas pretensões de querer entender a sociedade
de forma global, perceber o mundo através de teorias unificadoras, como
as tentações de trazer o complexo ao mais simples e ao mais estável,
eso desencorajadas. Ilya Prigogine e Isabelle Stengers afirmam:
o são mais as situações estáveis e as permanências que primeiro nos
interessam, mas as evoluções, as crises e as instabilidades... não apenas
o que permanece, mas o que se transforma, as perturbações geológicas
69
e climáticas, a evolão das escies, a gênese e as mutações das
normas que vicejam nos comportamentos sociais. (1997: 46)
Balandier, em A desordem, complementa:
A vida não é um caminho reto, plano e sem fim. Uma subida ao céu
intermitente, um mergulho no caos para todo o sempre. Subir, descer,
afundar, boiar, voar fazem parte do cotidiano humano desde que o
primeiro homem (ou mulher) abriu os olhos e se deparou com o natural.
E foi no primeiro resmungo, na primeira reflexão, no primeiro “ver” que o
humano deu início ao processo totalizante do conhecer, do educar, do
transmitir não apenas uma continuidade biológica, mas, também, deixar
um legado de normas, tradições, costumes, símbolos e crenças, sem o
que nenhuma sociedade funcionaria. E, se educação significa educar
para os outros, descobriu-se que divulgar o conhecimento acumulado é
um processo de socialização, uma forma de convivência social, uma
opção pela cidadania, a implementação dos direitos humanos, dos
direitos do cidadão, ou seja, dos direitos civis, sociais e políticos.
Modernamente, escola, Igreja, meios de comunicação de massa,
sindicatos, movimentos sociais e, é claro, a família compõem essa
argamassa chamada educação, base de toda a cidadania.
Dentro desse contexto, o Projeto Ciranda é uma “colcha de retalhos”
formada de milhares de panos “tecidos juntos” pelas camadas
subalternas da sociedade, os populares, que têm como objetivo
específico tentar obter um melhor nível de lazer em seus sábados
desprovidos de pão, circo e sorriso. Alie-se a isso, um novo modelo de
ascensão social, amparado na tentativa de obter acesso aos bens de
consumo individual e coletivo, da garantia da satisfação dos direitos
básicos da sobrevivência e dos direitos de participação política na
sociedade, como, por exemplo, os serviços de atendimento à doença, a
escola em bairros carentes, moradia através dos “mutirões”, reforma
agrária, entre outros.
O simples se torna complexo, o múltiplo prevalece sobre o singular, o
aleatório sobre o determinado, e a desordem toma o lugar da ordem
(...) A própria idéia de sociedade, enquanto totalidade estabelecida na
permanência, começa a ser recusada: ilusão sobre a natureza das
coisas sociais, ou projeção em um futuro que se afasta sempre, ou
perversão que desemboca no autoritarismo. (1997:103)
70
Contudo, inversamente ao papel
das ONGs, que se definem como
organizações formais, privadas,
porém com fins públicos e sem
fins lucrativos, a Organização
Jaime Câmara é uma empresa
que realiza marketing social, com
fins lucrativos, seja de imagem
corporativa, seja através da
comercialização de cotas de
patrocínio dos vários eventos que
realiza no Centro-Norte do país.
Martín-Barbero, em seu texto
Modernidade e Mediação de
Massa na América Latina, orienta sobre o descompasso entre Estado-
Forte e déficit-Nação, o papel dos meios de massa na formação das
culturas nacionais, o nascimento do hibridismo cultural e a importância
das mediações (escola, família, igreja, associações) na reconstrução e
apropriação dos sentidos. O conceito introduzido por Martín-Barbero
mediação/mediações vem negar o controle hegemônico das mídias e
das indústrias culturais sobre o popular, as culturas e as classes,
afirmando que o desenvolvimento das mídias e dos conteúdos está
vinculado às formas de apropriação que a introdução de novas
tecnologias, novas políticas culturais e novos conteúdos. As mediações
realizadas dentro de uma comunicação interpessoal constituem pontos
de articulação entre os processos de produção e das mídias e das
indústrias culturais, e os processos de utilização quotidiana dos
mesmos. Nessa articulação, onde existem múltiplas trocas entre
narrativas de diversas procedências culturais, as audiências constroem
e reconstroem, continuamente, e em função dos seus interesses e
necessidades, as suas identidades singulares e coletivas. Barbero
lembra ainda que a recepção é parte tanto de processos subjetivos
quanto objetivos, de processos micro, controlados pelo sujeito, e macro,
relativos a estruturas sociais e relações de poder que fogem ao seu
controle.
Por outro lado, Roger Silverstone, na obra Television and Everyday Life,
de 1994, critica os estudos recentes sobre audiência e recepção. Para
ele, os estudos de audiência são cada vez mais problemáticos na
medida em que qualquer investigação terá conseqüências em termos
políticos e econômicos. No seu entendimento, os estudos de audiência
devem admitir o poder das mídias, principalmente da televisão, e
reconhecer as relações sociais e culturais complexas que envolvem as
audiências, não focando apenas a análise de um conjunto pré-
construído de indivíduos nem a de grupos sociais definidos rigidamente.
Estes estudos devem, sim, inserir-se numa teoria mediadora da
audiência televisiva recorrendo a todos os indicadores (sociais,
psicológicos, antropológicos, filosóficos, etnográficos, geográficos,
etc.) disponíveis, de forma a captar, compreender e interpretar, da forma
mais completa possível, a totalidade das práticas e discursos
quotidianos, dentro dos quais se realiza o ato de recepção/visualização
das mídias. Silverstone entende que a mídia se tornou central para a
experiência humana. Ele entende que esse poder não é demonstrado
apenas nas grandes catástrofes, nos fatos expostos em letras garrafais
ou nos plantões dos jornais nacionais, mas principalmente nos fatos
ditos irrelevantes do cotidiano. Para ele, a cidadania do século XXI
requer um conhecimento mais apropriado dos meios de comunicação
de massa que poucos ainda têm, por isso mesmo, precisa ser estudada.
Ao sugerir foco no fenômeno, Silverstone propõe que os cidadãos
devem procurar conhecer em mais profundidade os segredos das
mídias. O conhecimento da mídia e sua democratização levará ao
surgimento de um Quarto Poder. Se até pouco tempo atrás, as
ferramentas de trabalho na área de comunicação eram restritas apenas
aos seus profissionais, hoje não acontece o mesmo. Barbero
complementa ao criticar e propor aos professores que revejam os seus
preconceitos, uma vez que sempre vêem a mídia com desconfiança e
não raro se posicionam quase sempre no “frontalmente contra”. A
escola moderna deve aprender outras formas de ver/ler/aprender. Ao
reduzir a comunicação educativa à sua dimensão instrumental, isto é,
ao uso das mídias, a escola deixa de fora aquilo que é mais estratégico
pensar: a inserção da educação nos processos complexos de
comunicação da sociedade atual.
Silverstone e Barbero comungam sobre a importância do papel das
dias no mundo contemporâneo, influenciando movimentos,
propondo novos hábitos, resgatando memórias, valorizando práticas.
Por isso, não como o homem moderno distanciar-se diante do
fenômeno que as novas tecnologias na área de comunicação estão
produzindo.
71
As conseqüências das investigações interdisciplinares dos Cultural
Studies propiciaram o surgimento de uma série de teorias empíricas
com base em métodos qualitativos e quantitativos, focados quer na
análise das mensagens quer na análise das audiências e na recepção.
Nesta última perspectiva, as investigações não utilizaram e
desenvolveram metodologias quantitativas assentadas em análises
estatísticas de comportamentos e conteúdos (sondagens, entrevistas,
questionários etc.), como promoveram estudos qualitativos fundados
em princípios inerentes ao interacionismo simbólico, à etnometodologia
e às teorias dos usos e gratificações (análise de grupos restritos,
observação participativa, entrevistas em profundidade, focus group,
etc.).
72
73
O Circo: Palco de Encontros e Contradições
Rio Verde é bão pros ricos. Procê vê, é só oiá pra esse mundaréu de
lavora de mi, soja e sorgo que inhocê tem noção. Quando eu vim pra
cá, me falaro maravia... cadê a maravia... o que a gente faiz mal
pra cume. Se num é essas coisa que ocêis faiz nem tinha lugá pra ir
com os minino. Cinema, xópi...isso é coisa de rico pra rico. (José
Antônio, 34 anos, tratorista, pai de Mateus e Tiago, quatro e cinco anos,
respectivamente)
Rio Verde, na literatura oficial e na propaganda de governo, é hoje a
cidade que mais cresce no Centro-Oeste brasileiro e nela múltiplas
oportunidades em todos os setores. É o maior pólo industrial e de atração
de investimentos na região. Uma cidade de interior que oferece
tranqüilidade, seguraa e bem-estar a seus habitantes e visitantes. Cada
vez mais o município é atrativo para novas empresas e grandes
instrias, sem abandonar a atividade que deu icio à sua história de
sucesso: a agropecuária, cada vez mais moderna e tecnificada. A
populão de Rio Verde é formada por pessoas de rias procencias.
Às famílias pioneiras se juntaram as migrantes de diversas regiões do
Brasil e imigrantes de rios países. Pela vocação e bom desempenho da
agropecria na região, a cidade atraiu grande mero de brasileiros de
todas as partes do ps. O munipio possui tamm colônias de
estrangeiros. Dentre elas, estão a de holandeses, russos e norte-
americanos.
Segundo o IBGE (Censo 2000), a populão do município é de 134.211
habitantes, sendo que 91% reside na zona urbana e 9% na zona rural.
Quanto ao turismo, Impulsionado pelo agronegócio, o crescimento de Rio
Verde tem gerado o desenvolvimento de um setor em expansão em Goiás
e no ps, o turismo de negócios, responsável por gerar inúmeras divisas.
No munipio, essa modalidade de turismo tem promovido a circulação de
milhões de reais. Foi criada, no início de 2005, a Superintenncia de
Turismo, com o objetivo de fomentar projetos e programas no segmento
do Turismo e, conseentemente, contribuir para o desenvolvimento do
setor.
74
População e Domicílios - Censo 2000 com Divisão Territorial 2001
Pessoas residentes - resultados da
amostra - municípios vigentes em
2001
Pessoas residentes - 10 anos ou mais
de idade - sem instrução e menos de
1 ano de estudo - municípios vigentes
em 2001
116.552
9.322
habitantes
habitantes
Óbitos e Serviços de Saúde 2002-2003
Óbitos hospitalares - Homens 127 óbitos
Óbitos hospitalares - Mulheres 111 óbitos
Óbitos hospitalares - Doenças infecciosas
e parasitárias
20 óbitos
Óbitos hospitalares - Causas externas 0 óbitos
Estabelecimentos de saúde - Total 34 estabelecimentos
Leitos hospitalares 327 leitos
Leitos hospitalares disponíveis ao SUS 209 leitos
Ensino 2003
Matrícula - Ensino fundamental - 2004 26.650 matrículas
Matrícula - Ensino médio - 2004 5.832 matrículas
Docentes - Ensino Fundamental 1.151 docentes
Docentes - Ensino Médio 338 docentes
Separações judiciais - registros no ano -
lugar da ação do processo
106 separações
Casamentos - registros no ano - lugar
do registro
606 casamentos
Registro Civil 2002
Nascidos vivos - registros no ano - lugar
de registro
2.645 pessoas
Eleição Municipal - Número de eleitores 83.836 eleitores
Representação Política 2000
Eleição Municipal - Partido do candidato
eleito
011 partido
Instituições Financeiras 2003
Agências bancárias 13 agências
Finanças Públicas 2002
Valor do Fundo de Participação dos
Municípios
10.859.791 reais
Valor do Imposto Territorial Rural 395.371,86 reais
Base Territorial
Área da unidade territorial 8.388,30 Km²
Fonte: IBGE
75
A Recepção na Casa de Teodolindo
- O senhor sabe quem faz o Ciranda?
- Uai, é a TV de Goiânia ( a Organização Jaime Câmara), né, não?
Eu acho qui é ... mas aquela
da saída (Tv Riviera, a emissora
da Organização Jaime Câmara em
Rio Verde) pra Itumbiara tamém
ajuda. Eu vi o Marcelo carregando
umas praca na entrada.
- O senhor conhece o Marcelo de onde?
- Uai, é que eu moro perto do
posto, hum sabe, e aquele
homê que morava dentro,
naquela casinha
( o zelador da TV Riviera ), hum sabe,
um dia me percurou pra
uma capinada (...) eu
tava arranjado quando o
seô Marcelo ( supervisor da TV Riviera ) passo num carrão
bunito demais, sô... o homê
me falô que ele era o patrão
de ... procê vê, né, o homê
é da chiqueza, mais aqui
carregando praca... mode os
nosso fio brincá... é chasquento
dimais, né? ( Teodolindo de Jesus, 44 anos, serviços
Gerais, presença constante no Ciranda
Com seus filhos: Roberto Carlos,
Erasmo Carlos e Teodolindo de Jesus
Filho ( por que “um tinha que levá
Minha marca, sô! .)
Encontrei Teodolindo pela primeira vez quando ele estava “bestano” na
última edição do Projeto Ciranda em Rio Verde, em outubro de 2004.
Fiquei encantado. Seus olhos, serelepes, a tudo viam. Ao perceber um
senhor meio corcunda “sapiano” dispara: “Aquele ali deve tê matado a
mãe. tão encurvado que agorinha ele vai ralá os beiço no chão.
Apruma, sô!”. Para uma senhora, negra, gordinha, que vez por outra
76
entrava na fila da pipoca, ele destilava: “A bichona ali comeu uns
trocentos saquin de pipoca. Agorinha vai um trimilico nela e nóis vai
que carregá a escungada. Se não pará vai impansiná!”. Perguntei-lhe
se eu podia, numa outra oportunidade, conversar com ele e os filhos em
sua casa: “Se ocê não repará as aparênça, é muito bem-vindo!”. Peguei
um telefone de recado de uma borracharia onde ele dava uma “demão”.
Em janeiro de 2005, liguei para ele. “Ah, aquele brancão lá do Ciranda,
pois não!” E assim marcamos um horário, num sábado, pela manhã.
Quando encostei a camionete da empresa em sua humilde casa da
Promissão, um dos bairros mais pobres de Rio Verde, ele já me
esperava na porta: “Vamo entrá, sentá, não repara que casa sem muié
não tem tratamento!”. A casa, de dois cômodos e uma casinha no fundo
para “as necessidades”, era nua e triste. Num dos cômodos havia uma
cama de casal, sem cabeceira, e outra de solteiro, cheia remendos. O
cheiro de urina e mofo recendia por todo o barraco. Sobre um móvel
velho, num canto, um radinho de pilha Phillips, muito antigo, mas que
ainda tocava em mono uma triste canção sertaneja. Nas paredes sujas,
riscadas, dois pôsteres: um do Santos e outro da Jataiense, time de
futebol da vizinha Jataí, adversária ferrenha das equipes de Rio Verde.
Abro um sorriso e, antes de perguntar qualquer coisa, ele responde: “É
que eu morei em Jataí e cumpadi do Mazinho, o cuidadô da grama da
Jataiense!”. Na cozinha, um fogão de quatro bocas sujas, algumas
panelas encardidas e velhas. Sobre uma mesa de pernas bambas,
alguns pães e um pouco de salame. Do lado de fora da casa, um
tanquinho que ele achou na rua servia de lavatório para vasilhas. Mais
adiante, um jirau com algumas peças “corando”. Na casa de seu
Teodolindo não tem televisão, sofá, quase nada. O que tem é feito de
bricolagem. Sorridente, querendo agradar, ele pega um tamborete,
passa a mão para limpar porque “essas praga senta de bunda suja!”, e
iniciamos uma conversa multicor, mesmo no cinza daquela casa
humilde. “Seo” Teodolindo vive de bicos. Mesmo sendo “benquisto” por
seus casos e sua alegria em determinadas regiões da cidade, nem
sempre tem serviço. Diz que fatura uns trinta, quarenta reais por
semana. Recebe mensalmente uma cesta básica do governo estadual.
Outras pessoas, geralmente clientes, dão roupas, brinquedos, de vez
em quando alguma comida e “muita lixaiada que eu trago pra se
aproveita!”. A mulher, mãe dos três filhos, o abandonou oito anos.
Quem cuida da casa e dos irmãos é o mais velho, Roberto Carlos, de
treze anos, mas com aparência de nove. “Esse é franzinin, mas é
batuta, si não fosse ele cume que eu ia fazê, né?” Pergunto se ele não
gosta de televisão, das “notícias”. Ele responde que gosta, mas que de
notícias ruins bastam as dele. Diz que todas as noites enfrenta
problemas com os filhos, que querem ver televisão na casa dos
vizinhos. “Procê vê, eu num conta de comprá uma e tamém fico
avejado de amolá os vizin”. Inesperadamente interrompe a conversa,
fita o vazio e dispara: “Uai, quem sabe na televisão não tem uma
sobrinha!”. Quando pergunto como ele toma conhecimento da
realização do Ciranda, ele me olha incrédulo: “Ué, todo mundo sabe dos
dia. Os minino na rua incapeta e fica zunino no ouvido da gente o tempo
inteirin pra gente levá! Pro senhor vê, aquele dia que nóis incontremo eu
inté tinha que carpiná um mundo véio de trem na misubis (Mitsubishi).
eu falei pro patrão que tinha a Ciranda, ele mi dispenso e inté me
adiantô uns trocado!”.
Enquanto converso com Teodolindo, Roberto e Erasmo Carlos
cochicham, riem entre si. Teodolindo Filho, indiferente, tenta fazer um
carrinho de lobeira ( fruta do cerrado, muito apreciada pelos lobos. No
interior de Goiás, as crianças transformam a fruta redonda em
carrinhos. Coloca-se um pedaço de pau de uns quinze cm , centralizada
no eixo da fruta. Depois, basta pegar uma “arvinha” que possui uma
forquilha de mais ou menos um metro. Utiliza-se esse “eixo” como se
fosse um volante). Volto-me para eles e pergunto sobre o que gostam de
fazer. Roberto, o mais velho, é o “cuidador” da casa. Divide as tarefas do
lar com os irmãos menores, que lhe devotam uma obediência cega,
incomum para crianças naquela situação. Seus prazeres: soltar pipa,
ver futebol na televisão e ir ao Ciranda:
Puxo conversa com Erasmo Carlos, ele permanece mudo. De vez em
quando movimenta alguma parte do corpo. Sua linguagem é
absolutamente corporal. A cabeça balança para um lado e para outro,
concordando ou não. Os ombros, quando se levantam, informam que
Erasmo não concorda, nem discorda, muito pelo contrário. Pergunto
sobre o que gosta, mudo permanece. Roberto, o irmão mais velho,
Eu gosto de lá porque nóis isquece os trem ruim (...) cê vai prum lugá,
depois pro outro, quando o dia acabô. Eu acho que tinha que
mais, tinha que toda semana (...) Quando eu crescê eu quero ser
motorista de caminhão... deve bão dimais da conta saí pelas
estrada, não?
77
responde por ele: “É que ele não gosta muito de conversá não, nem
comigo ele falá muito!”. Mostro-lhe umas fotos do Ciranda. Um tanto
arredio, olha as imagens coloridas uma a uma, timidamente,
demorando-se em uma delas de maneira especial. É uma foto que
mostra uma “tia” contando histórias para um grupo de crianças.
Pergunto se ele gosta de histórias, a cabeça afirma que sim. Começo a
inventar uma tendo o lobo mau e os três porquinhos como personagens.
Seus olhos sonham, espantam-se, entristecem-se e, felizmente,
alegram-se. Pergunto novamente sobre o Ciranda. Depois de segundos
intermináveis surge um “É bão!”. Não consigo avançar no diálogo e
tampouco tento.Num canto, Teodolindo, o pai, espia enquanto vai
enrolando um paieiro. Erasmo Carlos finalmente termina o seu carrinho
de lobeira e sai dirigindo, buzinando caminhos afora. O pai tenta chamá-
lo para conversar comigo, não permito. Os horizontes foram são
cirandas inimagináveis e infinitas. Pergunto a Teodolindo se ele é feliz:
“Uai, sô, feliz, feliz eu num sô não. Mais cê sabe, tem gente pió que ieu
qui cê nem imagina. Só de possuí essa casinha aqui que o Íris
(Programa do ex-governador Íris Rezende Machado, que na década de
1980 construiu milhares de casas em Goiás através desse método) me
deu ieu me garanto de acobertado, sô. Si num fosse ele, onde ieu
tava? Ieu falei pros mininos que posso inté fartá, mas a casinha qui,
firme e forte, dôto?”.
Nessa história, uma única certeza: o doutor não sou eu!
Entrar na casa de bricolagem e miséria de Teodolindo não foi apenas
uma intromissão física. Comigo, também, entrou um universo imenso de
autores que me acompanhou nos últimos anos. Em cada canto que
olhava via um Morin, um Barbero, um Freud. Vi a cultura de Geertz,
quando ele sugere que a participação de um indivíduo numa cultura é
sempre limitada; que nenhuma pessoa é capaz de participar de todos os
elementos de uma cultura, sejam elas complexas, sejam simples.
Deparei-me, na esquina da pedagogia, com as vivências libertadoras de
Paulo Freire, quando nos conta que a leitura do mundo antecede e
acompanha a leitura da palavra. E se assim é, o que nos diria o velho
mestre quando fôssemos ler esse mundo globalizado em que as mídias
ocultam ou elevam as ideologias? Valoram ou destroem possíveis redes
de solidariedade mundial? Viajei em meio à miséria de Teodolindo para
encontrar Reinaldo Fleuri, quando enfatiza que uma relação
intercultural pode ser pensada como sendo aquela situação em que
78
pessoas de culturas diferentes interagem ou ainda como uma atividade
que requeira tal interação:
Nessa dialética, torna-se importante incluir Kotler quando discute a
alteração da forma de viver das pessoas e dos grupos pela
transformação de práticas negativas ou prejudiciais em modelos
positivos, através da mudança de valores e atitudes nas comunidades e
em sociedades inteiras, e pela criação de novas tecnologias sociais que
suscitem as mudanças desejadas e elevem a qualidade de vida das
pessoas.
Para além da oposição reducionista entre o monoculturalismo e o
multiculturalismo surge a perspectiva intercultural. Esta emerge no
contexto das lutas contra os processos crescentes de exclusão social.
Surgem movimentos sociais que reconhecem o sentido e a identidade
cultural de cada grupo social. Mas, ao mesmo tempo, valorizam o
potencial educativo dos conflitos. E buscam desenvolver a interação e
reciprocidade entre grupos diferentes como fator de crescimento
cultural e de enriquecimento mútuo. Assim, em nível das práticas
educacionais, a perspectiva intercultural propõe novas estratégias de
relação entre sujeitos e entre grupos diferentes. Busca promover a
construção de identidades sociais e o reconhecimento das diferenças
culturais. Mas, ao mesmo tempo, procura sustentar a relação crítica e
solidária entre elas ( Fleuri, 1998:113).
79
80
Os Passageiros da Recepção
7
O avanço no estudo da recepção somente adquiriu consistência após a
utilização de metodologias diferentes e uma análise mais criteriosa das
audiências através da focalização em segmentos específicos da
população, grupos minoritários, étnicos, famílias, mulheres, crianças,
etc. O primeiro país a priorizar esses estudos foi a Inglaterra, em
Birmingham, através do Center of Contemporay Cultural Studies, e no
seio do Glasgow Media Group.
Posteriormente, David Morley, na década de 70, utilizando como objeto
o programa Nationwide, da BBC, interpretou a audiência através do
modelo de codificação/decodificação de Stuart Hall, que propõe que as
audiências ao assistirem um determinado programa tendem a aceitar,
rejeitar ou negociar as mensagens codificadas, num processo de
decodificação realizado em função dos seus interesses de classe,
voltando, em seguida, a codificar essa mesma mensagem em função do
seu status e dos seus interesses políticos e sociais. Morley entrevistou
28 grupos de indivíduos segmentados em função de suas atividades e
expectativas de vida. O resultado da pesquisa mostra que as audiências
divergentes da hegemônica detectam claramente a origem das
emissões das mensagens e fazem as suas reinterpretações, releituras
dos eventos de acordo com o seu modus vivendi/operandi. O
pesquisador deixa claro sua visão de que as audiências decodificam e
reconstroem as mensagens de acordo com suas histórias de vida.
Outro estudo importante é o da indonesiana Ien Ang, Watching Dallas:
Soap Opera ant the Melodramatic Imagination, realizado em 1982 na
cidade de Amsterdã e em Londres em 1985, que analisa a problemática
gênero e trouxe para o debate a especificidade da mulher. Os resultados
colhidos constataram que as audiências obtêm prazer através de
programas populares, as leituras não são simplificadas, uma
separação bem definida entre realidade empírica e realidade
psicológica e emocional, as ficções não são necessariamente
patriarcais e, fundamentalmente, a imaginão melodratica
manifesta uma recusa em aceitar a insignificância do quotidiano
7
Estudos de recepção trata-se de uma área na pesquisa internacional de comunicação e possui
longa trajetória histórica, ainda que esta designação seja um pouco nebulosa. Em termos gerais,
trata-se da problemática de pesquisa que tem na atividade das audiências e suas relações com os
meios de comunicação o seu foco primário. Contudo, nem todas as suas vertentes partem dos
pressupostos de uma teoria crítica. Segundo Lopes (1995, 1999) e Orozco Gomes (1996), estas
pesquisas têm o interesse em estudar o nexo entre os meios de comunicação e as audiências em
sua trajetória de desenvolvimento e se consolidaram em diferentes correntes: na vertente
funcionalista situam-se: pesquisa dos efeitos, pesquisa dos usos e gratificações; na perspectiva
crítica e hermenêutica: estudos de crítica literária, estudos culturais e estudos de recepção.
81
imposto á generalidade das mulheres, finalmente, a cultura de massa
pode implicar qualidades estéticas e éticas.
Nas últimas décadas do século XX, uma série de estudos foi realizada
em relação às audiências sob o foco da recepção, afetando, inclusive, a
leitura de teorias então dominantes e mesmo questões de ordem
política. Quatro tendências se destacaram: Gêneros jornalísticos que
identificam, na decodificação, elementos relacionados com a classe e
os antecedentes sócio-econômicos das audiências; A recepção como
fonte de prazer e degustação da cultura de massa, com foco nas
particularidades do gênero feminino, nas relações familiares e nas
histórias individuais; estudos ancorados na psicanálise, observando-se
a dialética entre mídia e afirmação das identidades de gênero; a análise
da recepção do ponto de vista étnico e cultural, frente ás mensagens
veiculadas pelas mídias.
No final da década de 80, Martin-Barbero, espanhol radicado na
Colômbia, e o mexicano Nestor Canclini, emergem com os estudos
culturais focados nas práticas cotidianas tornadas visíveis através das
indústrias culturais e da mídia. Barbero, para identificar os papéis da
recepção, trafega pela literatura, história, filosofia e relações sociais
para identificar a problemática das comunidades latino-americanas.
Dentre todos os conceitos identificados por Barbero, a tese do
descompasso entre Estado-forte e déficit-Nação, a importância dos
meios de comunicação de massa na formação das culturas nacionais, o
hibridismo cultural e a mediação das instituições na construção e
apropriação dos sentidos. O conceito contradiz e inviabiliza a noção de
hegemonia das mídias e indústrias culturais sobre a cultura, o popular e
as classes. Para o pesquisador, a recepção é uma troca contínua entre
narrativas de diversas procedências culturais, onde as audiências
constroem e reconstroem de acordo com suas necessidades e
interesses, as suas particularidades de identidade una e coletiva.
Em 1994, Roger Silverstone, na Inglaterra, publica sua obra Television
and Everyday Life, que critica os trabalhos desenvolvidos que tratam
dos estudos de audiência e recepção, afirmando que existe uma
tendência em privilegiar as metodologias invés dos objetos:
O estudo das audiências é cada vez mais problemático na medida em
que qualquer investigação terá conseqüências em termos políticos e
econômicos. Devemos admitir o poder da mídia, reconhecer as
relações sociais e culturais complexas que envolvem as audiências,
82
não nos atermos apenas à análise de um conjunto pré-construído de
indivíduos nem a grupos sociais definidos rigidamente. Devemos, sim,
propor uma teoria recorrendo a todos os indicadores (sociais,
psicológicos, antropológicos, filosóficos, etnográficos, geográficos,
etc) disponíveis de forma a captar, compreender e interpretar, da forma
mais completa possível, a totalidade das práticas e discursos
quotidianos, dentro dos quais se realiza o ato de
recepção/visualização da mídia.
(1994, 32))
A investigação interdisciplinar do Cultural Studies levou ao surgimento
de uma série de estudos teórico empíricos de base qualitativa e
quantitativa, com foco nas mensagens e na análise das audiências e
recepção. Essas investigações, além de desenvolverem metodologias
quantitativas com base na análise estatística de comportamentos e
conteúdos (flashes, entrevistas, questionários, etc), promoveu,
também, os estudos qualitativos observando-se os prinpios
relacionados ao interacionismo simbólico, à etnometodologia e às
teorias dos usos e gratificações (análise de grupos restritos, observação
participativa, entrevistas em profundidade, focus group, etc.).
Outra contribuição importante foi a do finlandês Pertti Alasuutari,
através do manual Researching Culture: Qualitative Method and
Cultural Studies, que sistematiza a pesquisa qualitativa através da
perspectiva dos Cultural Studies. Alasuutari sugere que, se o objetivo da
pesquisa é a explicação e a problematização dos múltiplos sentidos dos
fenômenos sociais, a orientação teórica e metodológica é a do
construtivismo social e deve-se observar todas as teorias e métodos
das ciências sociais e humanas, um bricolage moriniano.
No Brasil, em 2002, Silvia Simões Borelli, Maria Immacolata Lopes e V...
Rocha rezende, através de sua obra multidisciplinar Vivendo com a
telenovela: mediações, recepção, teleficcionalidade propõem através
da teoria das mediações de Martin-Barbero lançar estratégias de
pesquisa empírica através de uma longa e sistemática exploração
metodológica. Apoiando-se nas particularidades na América Latina
frente aos “outros mundos”, a obra lança tanto criticas a excessiva
autonomia da esfera cultural quanto ao frágil nível acrítico e descritivo
presente nos trabalhos mais recentes, que ignoram, como sugere
Martin-Barbero, que “a recepção é parte tanto de processos subjetivos
quanto objetivos, de processos micro, controlados pelo sujeito, e macro,
83
relativos às estruturas sociais e relações de poder que fogem ao seu
controle.”
A partir do pressuposto de que a recepção é uma perspectiva
integradora, a obra constrói uma estratégia metodológica
multidisciplinar, ancorada a partir de lugares de mediação: o quotidiano
familiar, a subjetividade, o gênero ficcional e a videotécnica, integrados
de acordo com uma inserção estrutural, fonte, lugar e discurso. As
autoras, baseadas no quotidiano de quatro famílias, detectaram os
seguintes aspectos inovadores do ponto de vista dos processos teóricos
da recepção: a construção de uma recepção num “complexus” de
consumo cultural bricoleur; a constatação da existência de um
repertório de temas, comum às famílias, independentemente das
memórias familiares particulares; as relações que se estabelecem entre
gênero, classe social, outros meios de comunicação (rádio, revistas e
computador) e a competência em descodificar a telenovela; o papel
socializador e politizador exercido pela telenovela, sobretudo nas
famílias populares.
84
A Pesquisa em Comunicação
O que acontece na sociologia, política, antropologia, psicologia,
história, etc, é a mesma diversidade de paradigmas que originaram
teorias diversas e até conflitantes entre si e que estão hoje se
realizando em escolas, tendências, linhas, etc, dentro de cada uma
das Ciências Sociais. Se não existe integração teórica nessas
ciências, como esperar que exista no campo da comunicação?”
Maria Immacolata Lopes. P.90 (ver www.educacaoonline.pro.br)
Em todo este trabalho, onde de encontram (e desencontram) percursos
teóricos, a complexidade das linhas de pensamento formam a teia que
configura todo um emaranhado kafkaniano de coisas, gentes e lugares
que acabam, ao final, se desnudando em belezas e justificando os
tempos e as angústias geradas em todo processo criador. É dentro
desse universo amorfo, imperfeito, desmedido que se posicionam as
duas principais correntes da pesquisa em comunicação, ditos
funcionalistas e marxistas. O funcionalista apela para o modelo
estímulo-resposta, que coloca o receptor como passivo, apesar dos
funcionalistas Lazarsfeld e Merton se referirem à “disfunção
narcotizante dos meios massivos”. No fim dos anos 60 e início dos 70, a
semiologia estruturalista coloca a ideologia como objeto e sujeito dos
discursos e os receptores como alienados e passivos, afinal, os meios
seriam conduzidos pela ideologia.
Também nos anos 70, surgem os projetos de “leitura crítica da
comunicação” (LCC), tendo como pressuposto teórico a matriz marxista
que concebe os produtos culturais como dependentes da sustentação
material e dentro da lógica capitalista. A LCC se propunha, na visão de
Fausto Neto, a “preparar criticamente o campo da recepção destituído
dos meios capazes de enfrentar o 'bombardeio alienante' da
comunicação de massa para defendê-lo dos perigos das práticas da
indústria cultural. Nesse modelo, a recepção é situada numa
perspectiva passiva e, de certa forma, é uma “caixa vazia”, a despeito do
matiz ideológico.”
O campo político, poluído de regimes ditatoriais e autoritários,
principalmente na América Latina dos anos 60 e 70, produziram dentro
do contexto das pesquisas em comunicação amparada nas teorias da
reprodução, um encantamento pelas obras referenciais de Bourdieu,
Passeron e Althusser. “Ideologia e aparelhos Ideológicos do Estado”,
85
produzido pelo último, tornou-se a “ponte” onde se agarraram uma leva
de intelectuais, o que gerou a produção de inúmeros trabalhos
acadêmicos nas áreas da educação e da comunicação.
Um desvio dentro do paradigma marxista foram os trabalhos de
Gramsci, focados no dualismo hegemonia e cultura, e que gerou uma
intensa discussão teórica no Brasil em função do “deslocamento” que os
frankfurtianos realizaram da análise do “traidor” ao fazerem “a denúncia
dos mecanismos manipuladores e reprodutores de uma indústria
cultural controlada pelo regime ditatorial, ao mesmo tempo que através
dela se tinha explicação para a passividade e alienação das massas”
(Lopes, 1990: 57). A academia, no período, se apropria de Gramsci para
renovar as pesquisas sobre o popular e o massivo na teoria da
comunicação.
Dentro dessa perspectiva ebulitiva, os autores brasileiros e latino-
americanos deram uma contribuição importante para a “massificação”
da Teoria da Recepção que, entre outros afastamentos, critica a tese de
passividade e de manipulação do receptor pelo meio. Atuando no
universo popular, os estudos realizados pelos subdesenvolvidos e
emergentes abaixo da Linha do Equador, delineiam uma complexa e
multifacetada teoria da recepção que desloca os eixos básicos de
reflexão dos meios às mediações. Guilhermo Orozco, dentre as várias
linhas de investigação, sugere modelos teórico-metodológicos tais
como os usos sociais, consumo social, etnografia, jogo, a telenovela, a
educação para os meios e as múltiplas mediações, sendo os três
últimos importantes contribuições dos estudos latino-americanos.
na conexão entre meios e audiências, as principais correntes teórico-
metodológicas são as pesquisas dos efeitos, a dos usos e gratificações,
os estudos da crítica literária, os estudos culturais e os estudos da
recepção.
A pesquisa sobre os efeitos tenta encontrar respostas através de
instrumentos de medida da psicologia experimental e social, o que
fazem os meios com os indivíduos. A dos usos e gratificações analisa o
que os indivíduos fazem com os meios, propõe compreender a utilidade
da informação recebida dos meios de comunicação de massa e das
mídias alternativas e como a audiência utiliza essas informações no
quotidiano. Na mediação múltipla, ferramentas de Barbero e Orozco,
entre outros, a recepção é entendida como “não-linear” e sem
unicidade, ocorrendo em vários percursos e está condicionada a
questões e valores culturais, sociais, políticos, históricos, enfim, é
86
“atravessado” pelo ambiente e pela memória.
Para Maria Immacolata Lopes, no Brasil, ainda estamos engatinhando:
A hegemonia do paradigma funcionalista nas pesquisas em
comunicação, aponta Lopes, tem sido um fator importante para a
insuficiência da crítica cultural e política nas pesquisas empíricas
qualitativas. Se a recepção é percebida no contexto “complexa e
contraditória, multidimensional no cotidiano das pessoas” e por este
cotidiano estar inscrito em relações de poder culturais e históricas que
extrapolam a prática do receptor, ela não pode ser analisada apenas
como processo redutível ao psicológico e ao cotidiano, mas é
profundamente cultural e político. O processo de recepção deve ser
visto como articulação de processos subjetivos, objetivos, micro e
macro estruturais. “A produção e reprodução social do sentido envolvida
nos processos culturais não é somente uma questão de significação,
mas também uma questão de poder” (1993:85).
Crítico da mecanicidade da comunicação, que tem no emissor como
condutor do processo, cabendo ao receptor apenas reagir aos
estímulos, Barbero compreende a recepção como um lugar novo sujeito
as várias mediações/destempos ou heterogeneidade de
temporalidades; 2) novas fragmentações sociais e culturais; 3) exclusão
cultural; 4) demandas sociais.
A mediação via destempos, relaciona-se à multiplicidade de
temporalidades, de histórias, com seus próprios ritmos e suas próprias
lógicas. temporalidades de formação cultural, de classes sociais,
das raças, das gerações, dos gêneros, etc, tanto em dimensão macro
como micro e estas diferentes dimensões desta mediação interferem na
recepção de uma dada mensagem.
No caso do Brasil, a pesquisa de recepção ainda necessita
desenvolver uma experimentação metodológica de multi-métodos
através de projetos integrados multidisciplinares que procurem
combinar os avanços teóricos com as construções empírico-
descritivas, e que realizem uma interpretação crítica, cultural e política
dos processos de recepção da comunicação, a fim de que possam
firmar uma ótica teórica compreensiva. (...) A abordagem teórico-
metodológica da recepção apóia-se, basicamente, nas perspectivas
das mediações e do cotidiano. (1996:43)
87
As novas fragmentações sociais e culturais dizem respeito aos motivos
e modos das pessoas se juntarem em grupos e se reconhecerem como
tal. Referem-se também às fragmentações de como as informações são
recepcionadas conforme a divisão social: informações dirigidas aos
coordenadores do Projeto Ciranda que tomam as decisões e
coordenação e informações aos vários targets que compõem a massa
que buscam o lazer do projeto.
Quando se insere a cultura popular no universo do “brega”, do mau
gosto, ocorre a mediação pela exclusão cultural. As necessidades
sociais de categorias intelectuais e de setores populares jamais foram
analisadas sob o ponto de vista de uma política de comunicação, o que
resulta em lapsos, em ruídos na veiculação das informações através
das mídias.
Importante destacar como relevante a mediação do cotidiano familiar,
uma vez que as práticas que se constituem são entendidas como
vetores fundamentais para pensar e capturar as lógicas de recepção.
No campo da comunicação, a redescoberta do popular, a proposição da
cultura como lugar de articulação dos conflitos, de construção da
hegemonia, das práticas dos sujeitos como espaços de operação de
apropriações e não apenas de reprodução social resgata o cotidiano
como espaço de reflexão. Cabe aqui o conceito de habitus de Bourdier,
que remete a um distema de disposições duráveis que se constrói ao
longo da trajetória dos sujeitos na sua condição de classe e que,
integrando todas as experiências passadas funciona como matriz de
percepções, de apreciações e de ações. O habitus seria produzido
pelas condições materiais de existência relativas a uma condição de
classe; funcionaria como uma matriz ordenadora das práticas e de
sentidos que, deste modo, tenderiam a reproduzir as condições
objetivas da sua produção. O habitus exprime as necessidades
objetivas das quais é produto sob a forma de preferências sistemáticas,
estando na base da ordenação dos estilos de vida o que inclui os
consumos de produtos culturais. (Bourdier, 1991,1994a, 1994b). Por
outro, dificulta a apreensão de competências culturais que transcendem
o modelamento relativo à condição de classe, como aquelas
constituídas pela hibridação das tradições de classes, etnias e nações
que tem lugar na modernidade, e que são potencializadas também pela
mídia (Garcia Canclini, 1997). Impede de se pensar as mestiçagens de
que somos constituídos, como nos lembra Martín-Barbero (1997), as
misturas que revolvem, por exemplo, o rural e o urbano, o popular e o
88
massivo. Impede também de se apreender competências culturais
configuradas por outras vias, como a cultura étnica, cujos referentes
tem uma longa história, a vigência destas matrizes culturais se
inscrevem, também, no consumo e nos modos de apropriação.
Em Rio Verde, mais do que em qualquer outro município goiano, ocorre
uma diversidade étnica e cultura extremamente vigorosa. Se a base é
de descendentes de mineiros que ocuparam a região no século XIX
através da criação de gado, as últimas décadas do século passado
presenciaram a invasão de brasileiros oriundos de São Paulo e do Rio
Grande do Sul que, juntamente com a tecnologia, trouxeram seus
habitus para a nova terra, modificando-a, transformando-a em todos os
seus poros sociais. Unam-se a essa leva de brasileiros de “outros
lugares”, russos ortodoxos, holandeses protestantes e norte-
americanos menonitas que criaram colônias na região para a produção
de soja, milho e sorgo, produzindo “gentes” híbridas, complexas,
“esquisitas”, que transformaram a região num lugar diferente,
contraditório, no cerrado de Goiás.
Nessa dialética, Orozco nos sugere que a recepção é uma
complexidade, ambígua e contraditória, onde a relação dos receptores
com os meios e as mensagens é mediatizada de forma unilateral e
multidimensional. Para o pesquisador, as mediações são classificadas
em cognoscitivas, estruturais, situacionais e institucionais.
As cognoscitivas se referem às informações obtidas via meios e que
incidem no processo de conhecimento. As institucionais dizem respeito
aos cenários onde ocorre a recepção. As mediações que acontecem no
momento de ter contatado com a mensagem no momento de se expor à
mídia são chamadas de situacionais e as mediações estruturais são
sistematizadas como aquelas que conformam a identidade do sujeito
receptor, tais como a classe social, a etnia, idade, sexo, etc.
Outro componente fundamental para o real entendimento das culturas
populares é a percepção da hegemonia. Dialogo com Gramsci que
permite pensar o processo de dominação social não como imposição
externa e sem sujeitos, mas como a capacidade de organizar e manter a
coesão social, o que implica, além da coerção, o consenso. Uma classe
hegemoniza na medida em que articula em suas propostas interesses
advindos também das classes subalternas. A hegemonia é construída
permanentemente, num processo vivido, de sedução e cumplicidade. O
conceito permite ver que nem tudo o que os sujeitos fazem serve à
reprodução do sistema e implica uma reavaliação da espessura do
89
cultural, que passa a ser visto como um campo estratégico de luta
(Martín-Barbero, 1987 e 1997).
Dentro desta visão gramsciana, Barbero (1997) alerta que é necessário
não interpretar rigidamente a oposição hegemônico/popular, que nem
sempre se organiza sob a forma de enfrentamentos. Gramsci
complementa e nos ensina a prestar atenção à trama: nem toda
assimilação do hegemônico significa submissão, nem toda recusa é
resistência e nem tudo o que vem do hegemônico são valores da classe
dominante. É preciso reconhecer a interpenetração entre o hegemônico
e popular e os resultados ambivalentes que sua mistura produz. E ainda
os movimentos simbólicos que engendram processos que não se
deixam ordenar por classificações de hegemônico e subalterno, de
moderno e tradicional: é para esta ordem de fenômenos, de mesclas
culturais, que Garcia Canclini propõe o conceito de culturas híbridas e
Martín-Barbero de mestiçagens (Martín-barbero, 1997; Garcia Canclini,
1997).
90
Dedos de Prosa, Mídia e Recepção
“... é assim, todas as noite são assim! Eu sento no sofazão, ponho um
tamborete pra ponhar as perna e fico ali apontando o mudador de canal
pra televisão. Antes era cumpricado, mode a gente não queria vê um
canal aí tinha que levanta, ficá lá trocano, agora não... esse mudador
aqui, cume qui chama? É, esse controle remoto é bão dimais, cum ele é
mordê no quiabo. Aqui do ladin senta a Vera (esposa) que é pra mode
ela fica apertando e estralando meus dedo que me apazigua. Os
minino senta por porque minino não pára mesmo em nenhum lugá,
inté parece que tem formiga no pandú (...) eu cumbinei com a Vera...
inté a novela das oito quem manda sou eu, despois ela a novela. Se
tivé um futebó pra gente vê aí ela vai proséa com as vizinha e eu fico
aqui (...) tem dia que incapeta quando ela cumeça a pitaco no Lula.
eu num aceito purquê eu acumpanho o Lula desde quando ele
começô, quem não presta é aqueles ministro dele!
(Maurício Pedro, 43 anos, série “completa”, casado com Vera e pai
de Jânio e Isabela, 4 e 6 anos respectivamente, historiando o seu
“habitus”.)
O consumo de televisão, em especial das telenovelas, é uma rotina
familiar em todo o país. Em Rio Verde não é diferente. Aposso-me do
trabalho de Jiani Adriana Bonin quando em Delineamentos Teórico-
Metodológicos Para Estudar a Mediação do Cotidiano Familiar na
Recepção, quando dialoga com Silverstone (1966), sobre como as
rotinas cotidianas traduzem o paradigma familiar e a torna
“organizadora central das construções, disposições, expectativas e
fantasias que a família comparte sobre o seu mundo social. Significa
dizer, segundo Bonin, que os membros de uma família compartilham
certos pressupostos essenciais sobre o mundo, ainda que diferenças e
conflitos possam existir entre eles. A cultura familiar dota os membros de
uma matriz de identidade e de reconhecimento, o que não exclui ser
também um lugar de crises e tensões. A cultura familiar constrói-se na
dialética da interação intra-grupal e do grupo familiar e com o contexto
vivido e a sociedade maior.
Em Rio Verde, onde 76% das famílias presentes ao Projeto Ciranda são
trabalhadores rurais, ocorre um processo de interferência na vida social
de acordo com a emergência dos ciclos produtivos. Esse fato interfere
91
em todos os setores da sociedade. No caso das mídias, por exemplo, no
pico do plantio e da colheita uma queda real na audiência dos meios,
principalmente da televisão. As interações extra-familiares que os
membros estabelecem rotineiramente escola, igreja, lavoura, pasto,
indústria, comércio -, fazem com que os limites familiares se estendam
além da casa e do grupo, o que gera espaços de circulação e
reposicionamento das mensagens.
Segundo Bonin, as rotinas familiares são ordenadas espacial e
temporalmente. Esta administração do tempo e do espaço também
caracteriza a cultura familiar. As famílias apresentam especificidades
em relação à temporalidade e espacialidade ou, como se refere
Silverstone, têm culturas espaciais e temporais próprias. No caso dos
trabalhadores rurais de Rio Verde, a temporalidade familiar, incluindo as
temporalidades de recepção de telenovela certamente se modula
também pelas especificidades do trabalho no campo estritamente
familiar, e que se liga a rotinizações dos ciclos produtivos. Também a
espacialidade familiar, quando pensamos na conformação das rotinas
familiares e não apenas na espacialidade relacionada ao consumo da
mídia, em especial da televisão, têm suas especificidades no caso das
famílias rurais, visto que as relações familiares não se inscrevem
apenas na casa, como em outros segmentos sociais, mas se estendem
ao espaço da unidade familiar.
Seguindo Silverstone (1996), pode-se apreender a cultura temporal da
família com base nos pontos de orientação e de programação
familiares. A orientação diz respeito aos pontos de referência temporais
que a família usa para conduzir seus assuntos. Pode-se demonstrar que
a família tem orientações dominantes para o passado, o presente e o
futuro. A programação diz respeito à organização e ao manejo do tempo
dentro da família e se expressa nas rotinas familiares, onde se pode “ler”
o que a família considera mais importante. Para Bourdier, a casa e seus
objetos expressam o estilo de vida, que exprime o habitus de classe. A
televisão e outros meios de comunicação também conformam estes
espaços e situam-se, como objetos e como meios, nestes estilos de
vida.
Para Silverstone, ainda citado por Bonin, o espaço familiar é um lugar.
Os lugares são espaços construídos por relações, investidos de
significação, diferentemente dos não-lugares, que por definição são
espaços carentes de significação social. É objeto de apego emocional,
de sentimento de pertença. Desta perspectiva, o espaço familiar é a
92
manifestação de um investimento de sentido num espaço. É um espaço
construído através de relações sociais, internas e externas e que se
modifica tanto no que se refere à sua força quanto à sua importância. A
casa é um espaço onde ocorre uma interação, onde a pessoa
desenvolve, conserva ou modifica a sua identidade. É o abrigo para as
coisas e as gentes que definem o eu, o que torna a casa um ambiente
símbolo indispensável.
Halbwachs (1990) propõe que a identidade e a memória apropriam-se
de lugares. Sugere que os grupos impõem a sua marca nos espaços.
Quanto aos objetos, eles rememoram e trazem o passado ao presente.
Mais que um sentimento estético ou de utilidade, os objetos nos dão
um assentimento à nossa posição no mundo, à nossa identidade (Bosi,
1994: p.441)
José Inácio Lima, o Inacinho, é o porteiro do Campus Dona Gercina
Universidade de Rio Verde, a “Casa do Ciranda”. Desde 2000, quando
começamos o evento naquele município, Inacinho é o sujeito que
recepciona a equipe quando chega à cidade. Motoristas de caminhão,
ambulâncias, policiais militares, jornalistas, professores, todos,
indistintamente, o conhecem e por ele são recebidos com um “Prazer!”
e um leve movimento positivo de cabeça. Invariavelmente, ali pelas
tantas, Inacinho, cheio de mesuras e cortesias, chama a “diretoria”
para um cafezinho “macho”, feito na hora. Nas primeiras vezes, minha
atenção se voltava para o sabor delicioso do café e dos traços negros,
fortes e altivos de Inacinho, mesmo medindo pouco mais de 1.60m.
Um dia, interessado em saber o segredo do café forte, doce e de sabor
realmente diferenciado, perguntei sobrei a origem dos grãos: “Ah, é de
qualquer lugá, sendo baratim, é torrá!” Bem, não satisfeito com a
resposta, indaguei se ele colocava açúcar mascavo, se a água era de
filtro de barro, quais eram as medidas... com um sorriso no canto da
boca, como se estivesse guardando um grande segredo, me convidou
para entrar na varandinha da casa, anexa à cozinha. Pomposamente,
e com muita cerimônia, apontou para a ponta de uma mesa de aroeira
que se estendia por quase todo o espaço. Na beirada, afixada sobre
tarraxas, um preto, antigo e mesmo humilde moedor de café.
Aproximei-me e na lonjura de uns três metros minhas narinas foram
invadidas por uma fragrância memorial, daquelas de criança, que
93
imediatamente me levou a rua do moedor de café de minha pequena
Orizona, onde o Judas perdeu às botas, nos confins de Goiás.
Percebendo o meu encanto, Inacinho, então, começou sua história.
Aquele moedor de café pertencera a sua bisavó, Dona Emerenciana,
que ganhara o moedor de sua mãe, antiga escrava na Fazenda
Babilônia ( hoje tombada pelo Patrimônio Nacional ), situada no
município da antiga Meia-Ponte, atual Pirenópolis. Desde então, o
moedor de café de Emerenciana vem sendo personagem
importante do momento mais receptivo e social das famílias no Interior
do Brasil, a “hora do cafezinho”. Parentes, vizinhos, amigos, recorda
Inacinho, vinham de longe para prosear, fazer “boca de pito” e triscar
um cafezinho. Inacinho, agora viúvo, sem filhos e descendentes, vive
no humilde barracão dos fundos do Campus Dona Gercina. Não tem
companhia, sequer um gato, cão ou galinha. lhe restou a memória e
um velho moedor de café.
94
A Ciranda da Cultura e o Dito Popular
O que é cultura? O que é popular? As teses se contradizem, se
complementam, se superpõem, se excluem. Quando se unem os
termos e produz uma “cultura popular” ampliam-se as contradições.
de se tomar cuidado com a apropriação “cult” da classe dominante,
nesse caso, povoado de intelectuais, bem como com os preconceitos
que essa mesma classe tende a impor quando não se apropria, não
comunga, não aprova aquilo que vem de baixo, dos subalternos, da
periferia dos centros ou dos centros underground das urbis. No
Dicionário Eletrônico Houaiss de Língua Portuguesa, o conceito de
cultura está relacionado com “o conjunto dos cidadãos de um país,
excluindo-se os dirigentes e a elite econômica.” no Dicionário Aurélio
de Língua Portuguesa propõe a idéia de povo “é uma parte do conjunto
total de participantes de uma sociedade”. Assim, por exclusão,
chegamos à conclusão que a dita cultura popular seria então um
conjunto de práticas culturais realizadas pelos integrantes inferiores das
camadas sociais. Para Peter Burke o termo cultura é ainda mais
complexo:
O conceito é polêmico. Para o antropólogo Nestor Canclini, a
abrangência do conceito proporciona dois inconvenientes: 1) apesar de
ter produzido uma equivalência entre as culturas, ela não consegue dar
conta das desigualdades entre elas. Ou ainda: de como as diferenças se
transformam em desigualdade. 2) na medida em que pensa todos os
fazeres humanos como cultura, ela não conta da hierarquização
desses fazeres e o peso distintivo que possuem dentro de uma
determinada formação social. Canclini, então, propõe:
O termo cultura tendia a referir-se à arte, literatura e música (...) hoje,
contudo, seguindo o exemplo dos antropólogos, os historiadores e
outros usam o termo “cultura” muito mais amplamente, para referir-se a
quase tudo que pode ser apreendido em uma dada sociedade, como
comer, beber, andar, falar, silenciar-se e assim por diante (Burke,
1989:25).
Cultura é a produção de fenômenos que contribuem, mediante a
representação ou reelaboração simbólica das estruturas materiais,
para compreensão, reprodução ou transformação do sistema social,
95
ou seja, a cultura diz respeito a todas as práticas e instituições
dedicadas à administração, renovação e reestruturação do sentido.
Canclini, 1983:29).
Os processos ideais (de representação e reelaboração simbólica)
remetem a estruturas mentais, a operações de reprodução ou
transformação social, a práticas e instituições que, por mais que se
ocupem da cultura, implicam certa materialidade. E não só isso: não
existe produção de sentido que não esteja inserida em estruturas
materiais (Canclini, 1983:29).
Canclini, criticando o simplismo teórico de conceitos atuais de cultura
que foca o campo das crenças, dos valores e das idéias, observa que a
cultura deve se encaminhar no sentido de não se identificar o cultural
com o ideal, nem o de material com o social, e sugere a impossibilidade
de tratar esses níveis de forma separada:
A raiz da questão talvez esteja na etimologia. Para Marilena Chauí, em
sua obra Conformismo e Resistência: Aspectos da Cultura Popular no
Brasil, cultura vem do verbo latino colere, que no sentido original
significava cuidado no plantio. Por analogia o termo se expandiu para
uma série de situações em que se necessitava de colere. Assim, todo e
qualquer cuidado com o homem, material ou simbólico, gerou uma
preservação da memória e a transmissão de como se deveria processar
esse cuidado, o que acabou se interagindo com a educação e o cultivo
do espírito. A cultura possuiria no homem, então, um espaço onde se
cultivaria a verdade e a beleza, inseparáveis da natureza e do sagrado.
No século XVIII, o vocábulo se une a outro: civilização. A partir daí ocorre
um deslocamento onde se digladiam várias correntes de pensamento.
Para os românticos, civilização é artificialidade, convenção, “sujeição
da sensibilidade e do bom natural aos espartilhos da razão artificiosa”,
cultura era “bondade natural, interioridade espiritual”.
(Rousseau apud Chauí, 1986:12). Assim, o conceito estabelecido a partir
do culo XVIII era gerado dentro das lides do pensamento ilustrado,
que via na cultura a artificialidade, pois a natureza era entendida, por
essa perspectiva, como contingência e imobilidade, o “reino das causas
mecânicas”. a cultura era a arte inventiva, a mobilidade, o “reino
humano da história”. Mas, foi na Alemanha dos irmãos Grimm e de J.G.
Herder onde ocorre a maior valorização do popular. Para esses autores,
96
não era apenas a estética que gerenciava o processo, mas havia uma
busca por outras formas de expressão que tendiam a desaparecer
rapidamente em função do urbanismo e do próprio processo civilizatório,
que de certa forma privilegiava o artificial em função do natural. Para
esses autores, a cultura popular era uma forma de produção coletiva,
desindividualizada, expressão do desejo comum de dada coletividade.
A cultura popular, eno, adentrou os salões da nobreza e se globalizou
rapidamente. Para Burke, existiram algumas razões para esse
deslocamento: 1) razões estéticas, que se referiam a uma
insubordinação contra o artificial na arte culta e consequentemente na
valorização das formas simples. 2) raes intelectuais, que tinham a ver
com uma postura hostil para com o iluminismo, enquanto pensamento
valorizador da razão em detrimento do sentimento e das emoções.
Havia, também, um desprezo para com as regras clássicas da
dramaturgia, herdadas do pensamento aristotélico. O próprio Herder e
também Goethe se manifestaram apoiando o rompimento das unidades
clássicas afirmando que elas eram por demais inibidoras da
espontaneidade e da imaginação. 3) razões políticas, que estavam
ligadas as hostilidades contra a França, e seu iluminismo, alimentadas
por países como Alemanha e a Espanha num momento extremamente
conturbado na Europa, a formação dos Estados Nacionais, o que gerava
uma exaltação das “coisas populares”:
Para Barbero, a ascensão das camadas populares estava configurada
desde o culo XIX. Em função disso, faz críticas a autores que sugerem
que o fenômeno tenha ocorrido somente nos anos 30 e 40 do século
passado. Barbero analisa, então, Tocqueville. Para ele, a massa
ameaçava de fora para dentro escopo social, representando um perigo
exterior. O povo era visto como parte integrante do tecido social, de onde
O programa iluminista deixava clara a sua contradição, no que tange a
presença do povo no novo cenário político que iria surgir a partir do final
do século XVIII. A figura do povo legitimava o poder da burguesia na
medida exata em que essa invocação articula sua exclusão da cultura.
É essa exclusão que possibilitará a conceituão do povo pela sua
negatividade. O povo será definido então pelo que lhe falta e essa
ausência de cultura se ligará a idéia de povo inculto, portando,
desprovido de capacidade de ação política do ponto de vista de uma
ação racional. (Barbero, 2003:36).
97
emergia o sentido de justiça, legalidade, etc. Tocqueville percebia nessa
configuração a origem da democracia moderna, o que constita uma
problemática. Barbero aponta:
Stuart Mill é outro pensador que mereceu de Barbero uma atenção. Na
mesma perspectiva de Tocqueville, Mill sugere que a sociedade se
constitui numa “vasta e dispersa agregação de indivíduos isoladose que
a igualdade geraria uma vida mais orgânica, mas que em função do
rompimento das relões de hierarquia ocorreria uma degradão social.
Assim, Mill vê a massa como uma “mediocridade coletiva”. A psicologia,
principalmente as “Barricadas de Paris”, permitira uma análise mais
científica das massas, principalmente em relação ao controle social. Para
o psicólogo Gustave Bon, a massa era inevitável diante do surgimento
da indústria. Via nela um fundamento denominado “alma coletiva”, que
gerava uma ação do indíviduo na massa completamente diferente se
estivesse fora dela. Acrescentava, ainda, que essa alma se formava
através de uma “regressão até um estado primitivo(Barbero, 1997:60).
Outro pensador citado por Barbero é Ortega y Gasset, adepto de uma
análise pessimista e que enxerga na massa apenas um retrato da
decadência ocidental. Para ele, o cenário do século XX foi da
“mediocridade e especializão” ocupando espaços, até então,
dominados por minorias criativas:
Se democtica é uma sociedade na qual desaparecem as antigas
distiões de castas, categorias e classes, e na qual qualquer ofício ou
dignidade é acessível a todos, uma sociedade assim não pode não
relegar a liberdade dos cidadãos e a independência individual a um
plano secundário: o primeiro ocupará sempre a vontade das maiorias. E
desse modo o que vem a ter verdadeira importância não é aquele em
que rao e virtude, mas aquele que é querido pela maioria, isto é; o
que se impõe unicamente pela quantidade de pessoas. Dessa maneira
o que constitui o princípio moderno do poder legítimo acabará
legitimando a maior das tiranias (Barbero, 1997:57)
A rebelo das massas é a mesma coisa que Rathenau chamava de a
invasão vertical dos bárbaros. Ou seja; o retorno daquela definitiva idade
média que não é a histórica, pois não está no passado, mas no futuro-
presente e seus bárbaros invadindo-nos agora verticalmente, quer dizer,
de baixo para cima. (Barbero,1997:65).
98
A Cultura, o Popular e o Brasil
Para se compreender os fundamentos da cultura popular no Brasil de
se fazer algumas reflexões sobre o conceito de Estado Nacional que
durante um período importante da história européia, notadamente no
século XVIII, gerou um importante deslocamento social que acabou se
constituindo numa base para a formação do caráter e da identidade dos
grupos sociais. Se na Idade Média o homem era primeiramente cristão e
depois um cidadão inglês, a situação se inverte e a nacionalidade
ocupa um espaço sem precedentes na história do homem.
A cultura popular brasileira, principalmente através do trabalho pioneiro
de Silvio Romero, se insere dentro deste contexto somente a partir do
século XIX, em função da sua posição periférica em relação aos países
centrais.
Importante o trabalho de Marilena Chauí, via esquema traçado
anteriormente pelo historiador Eric Hobsbawn, que identifica o ano de
1830 como o marco do aparecimento do termo nação no vocabulário
político. Assim, Chauí marca o período entre 1830 e 1880 como o do
“princípio da nacionalidade; os anos que se estendem de 1880 a 1918 é
o idéia nacional”. Esses princípios seriam os responsáveis pela
identificão de um caráter nacional:
O caráter, então, dentro desse pressuposto teórico surgimento ao
conceito de ideologia. Se a natureza social é “atravessada” por modelos
raciais, étnicos, econômicos, se cada ser possui características
próprias, se o Brasil possui um diferencial extremamente importante na
formação do caráter brasileiro, que é a miscigenação, chegamos então
um ponto de convergência que define uma identidade nacional
brasileira, fragilizada, composta de lacunas e ausências, uma vez que a
falta de uma burguesia geradora de um plano de desenvolvimento e um
proletariado sem poder de enfrentamento das elites atrasou a formação
desse caráter, dessa identidade. Dentro dessa perspectiva, chamo a
atenção para o livro “Cultura Brasileira e Identidade Nacional”, de
Renato Ortiz, principalmente quando o autor discute a miscigenação e a
O conceito de caráter é em prinpio compreensivo, cobrindo todos os
traços de um indivíduo ou grupo; ele é auto-suficiente, não necessitando
de referência externa para sua definição; é mutável, permitindo
modificões parciais ou gerais (Chauí, 2000:21).
99
influência do europeu civilizador sobre negros e índios, componentes da
formação do caráter brasileiro:
Mas o mundo gira, a partir do início do culo XX, o Brasil começa a
desenvolver o seu parque industrial e a intelectualidade brasileira
acompanha esse desenvolvimento, principalmente ao valorar e propor
“uma carteira de identidade para o brasileirovaloração do mestiço
começa a ocorrer através da obra de Gilberto Freyre, “Casa Grande e
Senzala”, geradora do deslocamento do conceito de raça para o de
cultura. Ortiz comenta a obra de Freire:
O mestiço, enquanto produto do cruzamento entre raças desiguais,
encerra para os autores da época os defeitos e taras transmitidas pela
herança biológica. A apatia, a imprevidência, o desequilíbrio moral e
intelectual, a inconsistência seriam dessa forma qualidades naturais
do elemento brasileiro. A mestiçagem simbólica traduz, assim, a
realidade inferiorizada do elemento mestiço concreto. Dentro dessa
perspectiva a miscigenão moral, intelectual e racial do povo
brasileiro pode existir enquanto possibilidade. O ideal nacional é
na verdade uma utopia a ser realizada no futuro, ou seja, no processo
de branqueamento da sociedade brasileira. É na cadeia da evolução
social que poderão ser eliminados os estigmas das raças inferiores, o
que politicamente coloca a construção de um Estado Nacional como
meta e não como realidade presente (Ortiz,1994:21).
Gilberto Freyre transforma a negatividade do mestiço em
positividade, o que permite completar definitivamente os contornos de
uma identidade que muito vinha sendo desenhado. que as
condições sociais eram agora diferentes, a sociedade brasileira
não mais se encontrava num período de transição, os rumos do
desenvolvimento eram claros e até um novo Estado procurava
orientar essas mudanças. O mito das três raças torna-se então
plausível e pode se atualizar como ritual. A ideologia da mestiçagem,
que estava aprisionada nas ambigüidades das teorias racistas, ao
serem reelaboradas pode difundir-se socialmente e se tornar senso
comum, ritualmente celebrado nas relações do cotidiano, ou nos
grandes eventos como carnaval e o futebol. O que era mestiço torna-
se nacional (Ortiz, 1994:41).
A partir do Governo Vargas, em 1930, a cultura passou a ser um “local”
de interfencia do Estado no sentido de se produzir um ideal de
homem brasileiro embora houvesse um embate trico onde se
digladiavam os pensadores que viam na “alma brasileira” um cater
espontâneo, autêntico e puro se digladiando com o analfabeto, o
deseducado e o inconsciente, enfim, um humano carente da
intervenção do Estado no sentido de edu-lo e instr-lo. O populismo
getulista, atras de “seus” intelectuais, tiveram um papel importante
no resgate das coisas populares no peodo.
A década de 50 trará um novo momento de avanço democrático e de
industrialização do país, o que exigirá novas conceituações em relação
ao nacional e ao popular. Uma nova ideologia baseada no nacional
desenvolvimentista ocupa o conceito de dependência tolerada,
expressão utilizada pelo economista Paul Singer para definir o período
em que o Brasil ocupava um espaço “yes, nos temas bananas!” no
cenário internacional, que relegava ao país uma posição de mero
produtor de matérias-primas. Essa nova relação do pensamento
brasileiro com a cultura entendia que não era no passado que se
deveriam buscar as fontes de uma nacionalidade genuína, pura e
imaculada. A cultura brasileira era percebida como um vir a ser. A
professora Lúcia Lippi de Oliveira citando Maria Isaura Pereira da Costa
esclarece que para os isebianos o homem brasileiro seria:
A década de 60, o Centro Popular de Cultura (CPC) ocupa o lugar do
Iseb propondo um caminho de vanguarda para a cultura popular
brasileira ancorada no propósito de promover a consciência social das
camadas mais baixas da população, uma vez que os integrantes desse
pensamento viam o ser deste extrato como incapaz de obter sozinhos
as informações que o libertariam do jugo ideológico das classes
dominantes, lembrando que esse período (1962-1964) era um momento
de efervescência política e a emergência dos militares na condução
política do Estado. Ferreira Gullar, membro do CPC e poeta, explica:
Um homem sem passado, alienado no íntimo do seu ser porque fora
colonizado, ao qual haviam sido impostos conjuntos culturais
transferidos do exterior; tornava-se urgente criar ou descobrir uma
cultura nacional válida, que assim se apresentava como um projeto
ligado ao futuro, como uma utopia do porvir que serviria de motor à
ação. (Queiroz apud Oliveira, 1992:71)
100
101
A expreso cultura popular surge como uma denúncia dos
conceitos culturais em voga que buscam esconder o seu cater de
classe. Quando se fala em cultura popular acentua-se a
necessidade de r a cultura a serviço do povo, isto é, dos interesses
efetivos do país. Em suma deixa-se clara a separação entre uma
cultura desligada do povo, não-popular e outra que se volta para ele
e, com isso, coloca-se o problema da responsabilidade social do
intelectual, o que o obriga a uma opção (Gullar, 1965:01)
A indústria cultural adquire, portanto, a possibilidade de equacionar uma
identidade nacional, mas reinterpretando-a em termos mercadogicos; a
idéia de nação integrada passa a representar a interligação dos
consumidores potenciais espalhadas pelo território nacional. Nesse
sentido se pode afirmar que o nacional se identifica ao mercado; a
correspondência que se fazia anteriormente, cultura nacional-popular,
substitui-se uma outra, a cultura mercado-consumo (Ortiz, 1994:165).
No Brasil pós-64, ocorre à implantão de uma rie de empresas de
comunicação no país, em sua maioria compondo com os militares uma
rede de interesses múltiplos e escusos, principalmente com o início das
redes nacionais de televio, implantada primeiramente pelas vias
tortuosas e obtusas comandadas por Assis Chateubriand. Renato Ortiz
identifica no peodo a criação de um mercado de bens simbólicos” que,
atras das mídias então emergentes, fomentará o surgimento de uma
indústria cultural onde a mercadologia ditará os rumos que se seguio:
O lado inico dessa hisria é que os militares foram os prepostos da
identificação entre cultura de massa e democracia, tese defendida pelos
teóricos americanos que viam a cultura de massa como índice de
realização democrática. Para Ortiz, a equivancia entre cultura popular
de massa e cultura nacional se amplificada através dos meios de
comunicação de massa, principalmente da televisão que então se
fortalecia atras da criação das redes. O cinema nacional, depois da
bâcle dos Estúdios Vera Cruz e da Atlântida e do esvaziamento do
cinema novo com a criação da Imbrafilme, que propunha popularizar o
formato e o conteúdo do cinema brasileiro, uma vez que o cinema anterior,
o novo”, não conseguir atingir as camadas mais populares da sociedade.
Assim, a ausência de reflexão e de apropriação do estico, acabaria por
formar filas nas portas dos cinemas e vazios nas telas.
102
Crianças, Mídia e Recepção
Demorou muito tempo até que se desse conta de que as crianças não
são homens ou mulheres em dimensões reduzidas. As crianças criam
para si, brincando, o pequeno mundo próprio.
Walter Benjamin
As pesquisas de campo que realizamos na cidade de Rio Verde, durante
quatro momentos em 2005, envolvendo 202 crianças, na faixa etária
dos sete aos 14 anos, com o objetivo de analisar a recepção e a mídia do
Projeto Ciranda, utilizando-se da teoria da recepção de Martin-Barbero,
notadamente quando apóia sua visão na atribuição dos sentidos,
percebemos que seria uma ingenuidade dar à recepção uma total
autonomia, afinal, surgiram, em toda pesquisa, uma série de opiniões
divergentes das crianças em relação aos fatos veiculados na mídia,
tanto em televisão quanto em rádio e jornal. Alguns pontos, creio,
merecem reflexão:
A televisão é a mídia das crianças. Com exceção de poucas citações
de emissoras de rádios locais, não percebem a presença dos outros
meios.
Não distinção entre a mensagem jornalística e a publicitária, o
que se configura um universo extremamente fragilizado à disposição
das estratégias de coaptação das mídias.
A presença de “iguais”, principalmente na televisão, gera uma maior
identificação com a mensagem. As crianças são mais impactadas
“quando se vêem na televisão”.
As mensagens são percebidas, mas não são contextualizadas
dentro de determinado programa jornalístico ou intervalo comercial.
As crianças sabem que “viram na televisão”.
As mensagens são investidas de grande credibilidade. “Eu vi na
televisão” passa a validar o discurso da criança, principalmente
quando se encontram em grupos.
A família não detém o controle sobre o consumo de mídia,
9
principalmente da televisão, com momentos episódicos de domínio
dos país e irmãos mais velhos.
9
A mãe domina nos horários das telenovelas, com destaque para a das 20 horas. O pai controla nos
momentos de futebol e os irmãos mais velhos são hegemônicos em todos os horários (e lugares)
quando se encontram presentes.
103
As crianças passam, em média, 4 horas expostas à televisão.
Geralmente ficam deitadas nos sofás ou largadas sobre poltronas
ou cadeiras. Fisicamente a atitude diante da televisão é passiva.
Almoços, jantares, lanches ou qualquer outro alimento é consumido,
quase sempre, diante da televisão, o que já se tornou também um
hábito nos adultos.
O “Efeito Zapping” nas televisões providas de controle remoto é um
fenômeno que faz parte do “habitus”, principalmente nos intervalos
comerciais. Nas residências que não possuem controle remoto, com
crianças, é feito um rodízio entre as crianças para ver “quem vai
mudar o canal”. Os adultos não participam do processo, exceto na
definição de qual canal deve ser sintonizado.
As opiniões das crianças sobre as mensagens veiculadas, sejam
jornalísticas, publicitárias ou de ficção são emitidas no momento da
exposição. Quando estão expostos às mensagens em grupo,
tendem a trocar opiniões entre si, o que favorece as relações sociais
e evita o isolamento.
As mensagens recebidas pelas crianças produzem significados
antes, durante e depois da sua veiculação. Em grupos, quando
perguntadas sobre os filmes publicitários do Projeto Ciranda, por
exemplo, ocorreu uma interpenetração de informações que
compuseram uma amostra perfeitamente identificada com a
intenção mercadológica dos publicitários.
Há, em determinados momentos da recepção televisiva, um
“afastamento” da atenção da criança em relação às mensagens da
televisão. É um desligamento, uma viagem para lugares nem
sempre conhecidos, um deslocamento onde pode ocorrer uma
transferência, uma corporificação dos personagens admirados,
sempre super-heróis, ídolos musicais, “seres de outro mundo”.
A identificação das crianças com super-heróis é um flagrante delito.
82% por cento das crianças entrevistadas souberam reconhecer
esses personagens em algum momento da programação,
principalmente nas mensagens comerciais de produtos
alimentícios, que sempre propõe atitudes de força, grandeza e
devaneios em seus apelos publicitários.
O “afastamento”, a dispersão das crianças em determinados
momentos da recepção televisiva, ocorre frequentemente nos
intervalos comerciais ou em programas que não atendem aos seus
interesses imediatos, sendo tratados como programas “chatos”, “de
104
véio”, “páia dimais”, etc.
Perguntadas se as mensagens do Projeto Ciranda, veiculadas nas
mídias, correspondiam exatamente ao que encontraram ao
entrarem no “Circo do Ciranda”, 93% afirmaram que viram “in loco”
era mais bonito, “mais grande” e tinha mais gente do que viram na
televisão. Esse fato contradiz as pesquisas de audiência e recepção,
que sempre denotam que o espaço lúdico da imagem, do som e dos
movimentos da televisão amplificam, embelezam e dão grandeza
aos fatos apresentados.
As crianças não permanecem passivas diante das mensagens da
televisão. 72% delas compreendem que “não podem comprar tudo o
que a TV mostra” enquanto 84% entendem perfeitamente o que é de
“mentirinha” e o que é real. Quando vêem jornalísticos, por exemplo,
onde aparecem crianças sendo mortas ou violentadas, como as
imagens recentes do Iraque, elas se identificam, penalizam e fazem
injunções com o seu quotidiano, na maioria das vezes (78%) se
sentindo beneficiados, privilegiados com o seu status quo, mesmo
sendo pertencentes às classes mais baixas da sociedade.
Os programas que mais chamam a atenção das crianças nas
mídias, incluem filmes com violência e sexo, programas musicais
nas emissoras de rádio, programas de auditório, desenhos, novelas
e as propagandas ( o índice de recall está ancorado em produtos
alimentícios, brinquedos e eventos ).
Questionadas sobre as brincadeiras que mais gostavam quando
não estavam no Projeto Ciranda, 48% delas disseram que “era ver
televisão”. Para as crianças a televisão é um espaço lúdico, uma
brincadeira e, diante dela, se comportam como diante de seus
brinquedos preferidos, se extasiam.
Pertencer a uma comunidade de apropriação é compartilhar de uma
mesma maneira de produzir sentido, e o fato de o processo de
recepção não se restringir ao ato de ver tv faz com que o resultado
final derive de apropriações subseqüentes. Por exemplo, a
apropriação que um adolescente faz dos conteúdos massivos pode
passar por diversos grupos a que pertence, como os adolescentes
da vizinhança, os colegas do colégio, a turma do clube, resultando
em confirmação de sua primeira apropriação ou em re-apropriações
sugeridas pelos diferentes grupos (Jacks, 1993:50).
105
Um Tiquinho de Felicidade Nessa Tentação do Bem
Ah, felicidade é coisa pra rico. viu pobre feliz nessa desgraceira de
mundo, sô? Todas as veis que as coisa tão miorando acontece uma
desgraça. Pro sinhô vê... eu tava trabaiando na dona Odete (a
patroa) ganhando 350 real, o Miltinho (o filho, de 14 anos) tava
ganhando salário na Comigo (cooperativa de Rio Verde), compremo
televisão, sofá e até um ventilador porque ninguém guenta esse
calorzão, inda mais morando na Promissão. Aí fico grávida de novo
(Cida tem quatro filhos, cada um de um pai), inté parece que
acontece com ieu! Fazia meis que eu num namorava, aí num prestei
atenção e deu no que deu, de quatro meis (...) tirá eu num tiro, é um fi
de Deus e ieu tenho que Deus pois, Deus cuida (...) a gente fica meio
atazanada mais é a vida, né, é o destino. Agora, qui fiquei estrupiada
com dona Odete eu fiquei, parecia que era gente boa. Foi só ieu falá
pra ela que ela mi dispensô (...) o Ciranda é muito bão! Eu venho pra cá,
solto os menino no mundo e fico sapiano as coisas, pego uma pipoca,
um picolé e inté isqueço das preocupação (...) tinha que mais,
quatro (etapas do Projeto Ciranda) é muito poco! (Maria Aparecida, 39
anos, doméstica, mãe de Cejane, Aparício, Deusdeth e Vera, de 4, 6, 7
e 12 anos ,respectivamente)
O que é essa tal felicidade? De que é feita essa argamassa que provoca
arrepios, tremores e até lágrimas felizes? De onde vem, para onde vai,
onde a encontramos, por que a perdemos? Nessa longa marcha do
homem desde o Neanderthal, percorremos caminhos longos,
acidentados, interrompida em vários pontos porque o tempo, como o
espaço, tem os seus desertos e as suas solidões.
Essa marcha tinha apenas uma razão de ser: alegrar o coração e
acalentar o corpo do homem. Milhares de anos se passaram até que se
conseguisse domar o fogo necessário para cozinhar os alimentos e se
defender do frio, domesticar o cão e fazer do trenó um “alívio” para as
grandes marchas em busca não de alimentos, mas de sonhos reais e
imaginários. Milhares de anos de experimentos levaram o homem a
lançar a flecha e tornar próximo, seu, o que estava distante. Há 10 mil
anos a mulher começou a experimentar o trabalho na agricultura e o
homem descobriu que pastorear lhe agradava. Na Mesopotâmia de
cinco mil anos atrás, nasceram o eixo da roda, a astronomia, a
matemática e a escritura.
106
Essas tecnologias pareciam tão extraterrenas que Aristóteles, no
primeiro livro da metafísica, declarou que tudo o que podia imaginar
para tornar mais cômoda a vida do homem e satisfazer as suas
necessidades práticas tinha sido descoberto. Portanto, nada restava
senão se dedicar de corpo e alma à elevação do espírito.
Durante os oito séculos da sua história, gregos e romanos fizeram
poucos progressos na ciência ou na tecnologia. Em Atenas, Péricles
atendia 50 mil cidadãos livres através do trabalho escravo de 300 mil
prisioneiros de guerra. Roma, em seu ápice, possuía 10 milhões de
escravos numa população de 50 milhões. A cada ano, através de
guerras de conquistas, 500 mil escravos eram capturados. Somente na
Gália Júlio César fez um milhão de prisioneiros. Apenas na Idade Média,
quando os escravos começaram a rarear é que o homem descobriu que
poderia criar “coisas” para amenizar o seu cotidiano. Os óculos, a
pólvora, o moinho de água e de vento, os arreios e os estribos, a roca de
fiar, a rotação das culturas agrícolas, o relógio mecânico, a bússola e a
imprensa levaram o homem ao Iluminismo e à Revolução Industrial.
No século XIV, diante das descobertas de um novo homem, afirmaria
que tudo o que se podia fazer para o espírito tinha sido feito pelos
gregos e romanos e que nada mais restava ao homem senão se dedicar
aos estudos das obras e à aplicação do intelecto às coisas concretas, ao
desenvolvimento industrial para tornar o cotidiano do homem mais leve
e feliz.
Assim, após uma Revolução Industrial que contaminou todos os setores
da sociedade, desde a iluminada Paris à corte do pequeno imperador
chinês, gerando revoluções como a de Einstein na física, Freud na
psicologia, Picasso na pintura, Tchaikovski na música, Joyce na
literatura, Le Corbusier na arquitetura, a sociedade mundial, como um
poderoso tsunami, passou a receber ondas atrás de ondas que,
juntamente com o progresso, traziam vagalhões destruidores de
tradições, histórias, mitos e sonhos.
Nessa onda de pós-modernidade que vivemos, nossa população é doze
vezes maior que na época de Isaac Newton. A nossa vida média (700 mil
horas) é seis vezes mais longa que a do homem de Neanderthal e mais
que o dobro dos nossos avós (300 mil horas). Enquanto eles
trabalhavam 120 mil horas no curso de suas vidas, nós trabalhamos
apenas 80 mil. Os nossos filhos, por sua vez, viverão em média 900 mil
horas e trabalharão não mais que 50 mil horas.
Se o homem pós-industrial estava focado no racionalismo, no empirismo
107
e no consumismo, novos valores florescem neste homem pós-moderno,
tais como: criatividade, estética, confiança, subjetividade, feminilização,
afetividade, desestruturação do tempo e do espaço, qualidade de vida. O
que, por sua vez, sugere um novo tipo de bem-estar, a ser reinventado.
Assim, com o homem sendo substituído pela máquina, surge uma
grande problemática que a ele cabe resolver: como viver melhor, mais
feliz, se o desemprego tende a ser cada vez maior. Se no século XIX o
índice tolerável de desemprego numa economia próspera era de 2%,
hoje os Estados Unidos têm 8%, a Europa Ocidental, a que mais
emprega, 12%. Europa Oriental, ssia e Índia ultrapassam os 15%. Os
tigres asiáticos ficam na faixa dos 7%, e mesmo a China, na boca de
todas as mídias como o femeno deste novo século, permanece
estacionada nos 5%. Os meros dos americanos do sul, com raros
períodos de desenvolvimento, estão sempre acima dos 10%. Assim,
havecada vez mais massa humana nas avenidas, ruas e esquinas das
cidades. Por outro lado, se dez anos atrás havia um êxodo rural
incessante, hoje ocorre um refluxo em direção às pequenas cidades do
interior brasileiro, razão do “inchamento” de Rio Verde e de outras
cidades “emergentes” localizadas principalmente no Centro-Sul do país.
Aristóteles (1987:31), pai da cultura ocidental, sonhava: se cada
ferramenta pudesse, a partir de uma ordem dada, trabalhar por conta
própria, se os teares tecessem sozinhos, se o arco tocasse por si nas
cordas da cítara, então os empreendedores poderiam privar-se dos
operários e os proprietários, dos escravos. Hoje, o sonho de bricas
robotizadas é uma realidade presente em quase todos os países do
mundo.
Já aqui, nesses trópicos quentes e úmidos, nossa cultura sobrevive de
enganos em enganos, friamente estampados em barrocos coloniais
levantados sobre as cabeças de milhões de homo sacer pretos
fedorentos, imprestáveis, abjetos seres que “só dão trabalho ao gentio
bom dessa terra!”, como afirma um coronel goiano ao Matutina
Meiapontense, o primeiro jornal de Goiás, veiculado na cidade de
Pirenópolis no século XIX. Nele, o tal “coroneloferecia uma dúzia de
moedas de ouro por um tal de Onofre, vivo ou morto! Foi essa sociedade
corrupta e selvagem que fez de Gregório de Matos e Antônio Vieira os
porta-estandartes da miséria e do inferno. O “paraíso terrestre na terra” e
“brasileiro bonzinho” são feridas abertas na alma brasileira e em sua
gente.
Essa idéia de afetividade está presente nas obras de nossos
108
intelectuais mais consagrados. Gilberto Freyre com o seu luso-
tropicalismo, Sérgio Buarque de Holanda com o seu homem cordial,
Mário de Andrade com sua macunaíma, Darcy Ribeiro com sua
sociedade que ri de si mesmo, Jorge amado com suas prostitutas
alegres, generosas, “dadeiras”. O cineasta Carlos Diegues, em Bye,
bye, Brasil fotografa esse Brasil como uma projeção, um sonho
imanente de fazer do país um lugar “abençoado por Deus e bonito por
natureza”, mas que, cotidianamente, é inviabilizado pelo Brasil pobre,
sujo, imundo, dos infernos. O mito do “bonzinho brasileiro” caiu por terra
nas masmorras da ditadura militar e foi enterrado definitivamente na
democracia de Sarney & cia.
Todavia, sem a proteção do mito caído, não paramos mais de falar e
desdizer e amaldiçoar coisas, gentes e lugares onde viva o Brasil. O
severinismo xique-xique, entre outras criações geradas pelos herdeiros
de Sarney, provocou uma euforia negativista em relação a tudo que se
refere às interferências na sociedade via Estado. Ignoramos
ingenuamente que a vida política é a única mediação que temos para
sair do dilema. Se a destruirmos, perderemos o rumo mais viável para se
chegar ao bem-estar social.
A sociedade humana há tempos descobriu que a democratização só é
possível através da ponte da cultura. Ser civilizado é viver nela e por ela.
E se é na diferença que se encontram as respostas, nosso caldeirão
étnico é um fértil laboratório de misturas. O poeta e filósofo Antonio
Cícero (1996:79) aponta: “Podemos dizer que o paradoxo do Brasil está
em, sendo capaz de oferecer a prefiguração da solução de alguns
problemas que poucos países conseguem efetivamente enfrentar, não
ter conseguido efetivamente enfrentar alguns problemas que muitos
outros países resolveram total ou parcialmente”.
Gramsci (1968:176) talvez tenha uma fórmula: “estimular o pessimismo
da inteligência e o otimismo da vontade”. Ou, quem sabe,
brasileiramente, possamos dizer como Manuel Bandeira, pensando no
Brasil: “Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?”.
109
A Indústria Cultural e a Felicidade
A sociedade não se contenta com o trajeto casa-trabalho-casa.
Homens, mulheres, crianças, de qualquer idade, cor, religião, status
social tendem, cada vez mais, a propor suas agendas semanais de
lazer. As propostas que Morin colocava no início da década de 1960,
sobre os “fermentos culturais”, fenômeno que sugeria que a sociedade
não se contentava com partículas de bem-estar, cada vez mais se
tornam reais em uma sociedade obcecada pela busca da felicidade.
Maria Aparecida, a Cida, que abre esse capítulo com um depoimento
sobre a felicidade, é apenas um grão nessa imensidão social que se
articula cotidianamente em busca de espaços para a espontaneidade, a
alegria, a plenitude, outrora circunscritas às festas íntimas e que hoje
formam a mais importante e vigorosa indústria do mundo: a cultural.
Mesmo num perfil socioeconômico de baixo poder aquisitivo,
característica da audiência do Projeto Ciranda, a pesquisa identificou
que 92% de um total de 15 mil freqüentadores do evento possuem uma
“agenda de lazer” quando essa diversão é realizada conjuntamente, ou
seja, a família toda participa, o grande destaque fica para o item “Ver
novela” com 73%, seguido de “Visitar os parentes” com 36% e “Almoçar
domingo na casa de parentes (mãe ou sogra preferencialmente) com
27%. No lazer individual as mulheres preferem maciçamente “Ver
novela” com 81%, seguido de longe por “Visitar amigos” com 11%. os
homens diluem seu interesse para “Ver futebol na televisão” com 33%,
“Tomar umas” com 23% e Jogar futebol com 12%. Na região de Rio
Verde ocorre o fenômeno do Truco, esporte trazido pelos portugueses
no período colonial e que possui um contingente de adeptos em Goiás.
“Jogar truco” tem 9% de preferência de lazer entre os homens. para
os meninos entrevistados, entre sete e 14 anos, “Ver televisão”
representa 57%, “Jogar futebol”, vem logo a seguir com 48%, e “Zanzar”
se apresenta com 34%. “Ver televisão” também é o lazer preferido das
meninas, com 76%, seguido de “Visitar as amigas” com 45% e
“Paquerar na escola” com 38%.
Interessante notar que “Ver televisão” é o lazer mais utilizado pela
comunidade, em todas as faixas etárias, o que se configura num
importante fenômeno a ser observado, de um lado pelos mídias das
agências de propaganda e, de outro, pelos pais, responsáveis pela
liberalidade em casa, lembrando que o Brasil possui um dos maiores
índices do mundo no quesito “tempo que as audiências passam
110
defronte à televisão”, superior a quatro horas. Outro destaque é o
“Paquerar na escola”, que, entre as meninas, é visto como momento de
lazer, hora de “curtir a vida”, ser feliz. Essa realidade também seria
oportuna para os pedagogos, diretores de escolas e pais, uma vez que o
fato gera uma distorção no ensino, responsável pelo país possuir um
dos piores índices do mundo no setor educacional.
O que se percebe, então, é o que Morin chama de “Um Terceiro
Problema”, que seria, após a revolução das máquinas, no começo do
século XX, uma “revolução vertical”, uma industrialização do espírito,
que penetra nessa grande reserva que é a alma humana.
O eixo da cultura de massa deslocou-se. Seu campo ampliou-se,
penetrando cada vez mais intimamente na vida cotidiana, no lar, no
casal, na família, no carro, nas férias. A mitologia da felicidade tornou-
se a problemática da felicidade. Traços e focos de “contracultura”, e
mesmo de “revolução cultural” formaram-se no underground, à
margem da cultura de consumo, porém também penetrando-a,
irrigando-a. A cultura de massas tende, a um tempo, a deslocar-se e a
integrar ((“recuperar”, como se diz) as correntes integradoras. ( Morin,
1962:7)
111
Mídia e Publicidade do Ciranda
A mídia do Projeto Ciranda, na cidade de Rio Verde, é veiculada através
da TV Riviera, emissora da Rede Anhanguera de Televisão, afiliada
Rede Globo. O evento, realizado em quatro etapas por ano na cidade,
10
tem 116 inserções comerciais de 45”, veiculados um flight anterior ao
sábado em que ocorre o Ciranda, com uma programação focada no
11 12
tarp , quatro infomerciais de 60” posicionados na segunda-feira
13
posterior ao evento, no Jornal Anhanguera II Edição . Na mídia
impressa, são veiculadas duas matérias jornalísticas promovendo o
evento na semana em que ocorre. Na terça-feira posterior ao evento é
veiculado um anúncio, formato meia-página, em policromia, com dados
fáticos do Ciranda naquela edição. A cobertura geográfica da TV Riviera
bem como os dados específicos de audiência obedece ao seguinte
mapa:
10 11
Refere-se a uma semana de veiculação em televisão. É o target específico, aquele definido
12
como primário pela pesquisa. São comerciais em formato jornalístico identificados como tal por
13 14
norma regulamentada. É o jornal local de Goiás, o de maior audiência. É o público-alvo do
projeto definido pela pesquisa. Significa ambos os sexos, classes abcde, maiores do que quatro
15 16
anos. É o potencial de telespectadores da emissora. É o número adequado de pontos absolutos
17
de audiência definidos pela pesquisa. É o número de pontos de audiência obtidos com o mapa de
18
mídia em questão. É o custo, em reais, por cada ponto de audiência nos vários públicos a serem
19 20
atingidos. É a soma de vezes que o universo de telespectadores tende a ver os comerciais. É a
21
soma absoluta de pontos de audiência nos vários públicos a serem atingidos. É o custo, em reais,
22
por cada ponto de audiência no público-alvo. É a soma absoluta de pontos de audiência no
público-alvo.
112
Mapa de Mídia (por etapa)
Os estudos de mídia, a criação e a aprovação da direção de arte, no
caso das mídias impressas, são de autoria deste mestrando.
113
114
115
116
117
Anúncios
118
Selos
119
Camisetas
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