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IZABEL CRISTINA VIOLA
O GESTO VOCAL:
a arquitetura de um ato teatral
Tese apresentada à banca examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, para obtenção do título de
Doutor em Lingüística Aplicada e Estudos
da Linguagem
.
PUC/SP
2006
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IZABEL CRISTINA VIOLA
O GESTO VOCAL:
a arquitetura de um ato teatral
Tese apresentada à banca examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, para obtenção do título de Doutor
em Lingüística Aplicada e Estudos da
Linguagem, a orientação da Profa. Dra.
Sandra Madureira.
PUC São Paulo
ii
2006
ads:
iii
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Programa de Estudos Pos Graduados em Lingüística Aplicada e
Estudos da Linguagem
Coordenadora do Curso de Pós-Graduação
Profa. Dra. Beth Braith
iv
Izabel Cristina Viola
O GESTO VOCAL:
a arquitetura de um ato teatral
Banca Examinadora
_________________________________
_________________________________
_________________________________
_________________________________
_________________________________
Aprovada em: _____/ ______/ ________
v
DEDICATÓRIA
À minha mãe,
Que me ensinou...
o valor da letra durante a minha alfabetização
como minha primeira professora;
o valor do som durante o meu doutorado
como nossa possibilidade de comunicação;
Que me fez enxergar o valor...
do gesto vocal na construção do sentido e
da vida na sua determinação em se comunicar.
.
vi
AGRADECIMENTOS
A Profa. Dra. Sandra Madureira pelo acompanhamento paciente e sensato nas horas
de desespero; pela dedicação e participação ao descobrir e indicar caminhos e pela
convivência alegre, confiante e doce que proporciona.
A Profa. Dra. Leslie Piccolotto Ferreira que na prática, nos pequenos e grandes gestos,
oferece uma convivência exemplar em retidão de caráter, integridade pessoal,
generosidade, alegria e afetividade.
A Profa. Dra. Laura Martz por sua lucidez ao ponderar, compreender e apoiar. Por sua
docilidade e compreensão nas muitas situações profissionais e pessoais que partilhou
comigo.
A Profa Dra Regina Yu Chun por seu carinho, disponibilidade e contribuições nas
qualificações.
A Profa Dra. Aglael Gama Rossi pelo empenho, sugestões, disponibilidade, atenção e
carinho em todo processo do trabalho.
A Profa. Fga. Laura Munhoz, as Fgas. Ana Carolina Gihardi e Susilei Moura Souza e
ao meu amigo produtor teatral Guilherme Abraão pela agradável convivência e pela
colaboração em uma das etapas deste trabalho.
Ao Prof. Dr. Mauro Spinelli (in memorian), o sempre presente mestre querido, que me
introduziu e me acompanhou nos estudos clínicos psicanalíticos.
Ao excelente ator Paulo Autran, que me acolheu com carinho e presteza, mesmo não
acreditando que um trabalho escrito e de cunho cientifico, pudesse dar conta de
mostrar a beleza de um material sonoro.
Aos colegas do LIAACC por dividirmos as dúvidas, os esgotamentos e conquistas:
Gláucia Salomão, Claudia Pacheco, Sabrina Cukier, Fabiana Gregio, Maria Teresa
Bonnato, Fernanda Allegro, Fabiola Castilho, Luciana Carrijo, Márcia Polaczek e Isaias
Santos.
Aos integrantes diretos e indiretos do LIAACC pela colaboração e disponibilidade: Prof.
Mário Fontes, a secretaria Ângela Brito, aos funcionários do Mauricio Souza Campos,
Leila Houf Marreiro , Eduardo Vanso Kawanishi, Jefferson dos Santos, Acácio de Paz
Silva e Ernesto Luis Foschi .
Aos colegas do Curso de Fonoaudiologia da PUC-SP por diferentes trocas e apoios:
Marta Andrada e Silva, Lucia Gayotto, Zuleica Camargo, Leny Kyrillos, Luis Augusto
Souza, Altair Puppo, Cecília Bonini, Claudia Cunha, Ana Luiza Marcondes Garcia,
Beatriz Mendes e Luiza Ficker.
As minhas tias Maria Madalena Viola e Maria Janice Pereira Lima, minha irmã Marta
Viola e meu cunhado Camilo Tello pelo acolhimento e pronta colaboração nos domínios
do francês, português, inglês e matemática.
vii
Aos meus amigos, que tanto me ouviram dizer “não” e que me acolheram de formas e
em tempos diferentes, com carinho e atenção: Bernadete Andreolli, Celso Lopes, Hugo
Groschitz, Marcos Biancardi, Mônica Brito, Maria de Lourdes Rangel, Mário Werneck,
Mônica Monteiro, Roberto Niccolo, Renata Egydio, Renata Quina, Maria Teresa
Dourado e Vera Neisser.
Aos meus funcionários, que sem eles o meu dia a dia seria impossível: Ana Claudia,
Andréia, Cristina, Giana, Regina, Rosana e Zezito.
Ao apoio financeiro da PUCSP para a realização deste trabalho.
viii
Sumário
DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTOS
LISTAS
RESUMO
ABSTRACT
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 1
I. O SIMBOLISMO SONORO NA FALA ..................................................................... 9
1 O signo motivado ...................................................................................................... 16
2 Modelo de Comunicação “À Viva Voz” ..................................................................... 24
II. A EXPRESSÃO ORAL E OS NÍVEIS DE FALA ...................................................... 32
1 O nível dos segmentos ............................................................................................. 34
2 O nível prosódico ...................................................................................................... 36
2.1 A qualidade de voz ............................................................................................... 36
2.2 A dinâmica da voz ................................................................................................. 38
3 A expressão oral das emoções e atitudes ................................................................ 45
3.1 Modelo de comunicação vocal: “Covariância e Configuração” .............................. 50
III. ESTILÍSTICA DA FALA .......................................................................................... 61
IV. MÉTODO ................................................................................................................ 73
1 Corpus ...................................................................................................................... 74
2 Procedimentos de análise dos dados ....................................................................... 78
2.1 Estudo preliminar do poema .................................................................................. 80
2.2 As análises qualitativa e quantitativa ..................................................................... 80
2.3 As análises quantitativas dos parâmetros de duração e f0 ................................... 83
V. A ARQUITETURA DO ATO TEATRAL: análise dos dados .................................... 90
1 O ator e a criação de personagens .......................................................................... 91
1.1 Considerações sobre os depoimentos .................................................................. 96
2 O poema ................................................................................................................... 101
3 A expressividade: o simbolismo sonoro ................................................................... 113
3.1 A letra interpretada na voz ..................................................................................... 116
3.2 A estruturação temporal expressiva ...................................................................... 121
3.3 Qualidade de voz .................................................................................................. 141
3.4Loudness ................................................................................................................ 146
3.5 Entoação ................................................................................................................ 148
3.6 As emoções e atitudes interpretadas na voz ......................................................... 154
4 O uso de segmentos como marca estilística ............................................................ 174
VI. A CONSTRUÇÃO DA EXPRESSIVIDADE ORAL: discussão ............................... 180
CONCLUSÕES: O GESTO VOCAL ............................................................................ 188
ANEXOS ...................................................................................................................... 192
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 202
Bibliografia Consultada
ix
Lista de Tabelas
Tabela 1 - DISTRIBUIÇÃO DAS MEDIDAS DE FREQÜÊNCIA E INTENSIDADE NAS VOGAIS NO ENUNCIADO “TATEANDO AS
TREVAS DA SUA NOITE LÚGUBRE MEDONHA” .......................................................................................................................... 118
Tabela 2 - DURAÇÃO DAS PAUSAS DE MUDANÇA DE TURNO DO DIÁLOGO ENTRE O CHEFE E O GUERREIRO .............. 134
Tabela 3 - DURAÇÃO DAS PAUSAS DE MUDANÇA DE TURNO DO DIÁLOGO ENTRE PAI E FILHO (CANTO VI) ................... 135
Tabela 4 - VALORES DA DURAÇÃO DOS ENUNCIADOS E PAUSAS EM PORCENTAGEM E TAXAS DE ELOCUÇÃO E
ARTICULAÇÃO EM NÚMERO DE SÍLABAS POR SEGUNDO E EM GIPC POR SEGUNDO ....................................................... 138
Tabela 5- ANÁLISE DA DURAÇÃO E DOS VALORES MÉDIO, MÍNIMO, MAXIMO E EXTENSAO DE f0 DOS TRÊS ENUNCIADOS
“EM MIM”........................................................................................................................................................................................... 163
Tabela 6 – MEDIDAS DE f0, DURAÇÃO, TAXA DE ARTICULAÇÃO E AJUSTE DE QUALIDADE DE VOZ ................................ 170
Tabela 7 - MEDIDAS DE TAXA DE ARTICULAÇÃO, DURAÇÃO DO ENUNCIADO E DAS PAUSAS, f0 INICIAL, FINAL, MÍNIMO,
MÁXIMO , EXTENSÃO E CONTORNO DA INTRODUÇÃO DO ÁPICE DO POEMA ..................................................................... 171
Tabela 8 – MEDIDAS DE DURAÇÃO DO SEGMENTO, f0 DA VOGAL TÔNICA E DESCRIÇÃO DO LOUDNESS DA PALAVRA
“CHORASTE” .................................................................................................................................................................................... 171
Tabela 9 - MEDIDAS DE TAXA DE ARTICULAÇÃO, DURAÇÃO DO ENUNCIADO E DAS PAUSAS, f0 INICIAL, FINAL, MÍNIMO,
MÁXIMO, EXTENSÃO E CONTORNO DA PARTE FINAL DO ÁPICE DO POEMA .........................................................................173
x
Lista de Quadros
Quadro 1 - PERFIS DE FALA E DA VOZ SEGUNDO OS ELEMENTOS PULSIONAIS E OS CORRELATOS FONÉTICOS E
ACÚSTICOS ....................................................................................................................................................................................... 28
Quadro 2 - PARÂMETROS ACÚSTICOS DAS EMOÇÕES DESCRITOS POR BANSE, SCHERER (1996) .................................... 56
Quadro 3 - POEMA “I-JUCA PIRAMA” DIVIDIDO PELAS ESTROFES E COM VOCABULÁRIO ................................................... 103
Quadro 4 - DIVISÃO DAS ESTROFES POR PAUSAS RESPIRATÓRIAS E PERCEPTIVAS ........................................................ 122
Quadro 5 - CLASSIFICAÇÃO DO RITMO EM ENUNCIADO FALADO EM TAXA DE ELOCUÇÃO MÉDIA ................................... 142
Quadro 6 - CLASSIFICAÇÃO DO RITMO EM ENUNCIADO FALADO EM TAXA DE ELOCUÇÃO RÁPIDA ................................. 142
Quadro 7 - ANÁLISE PERCEPTIVA-AUDITIVA E ACÚSTICA DOS VERSOS INICIAIS DO CANTO X ......................................... 152
Quadro 8 - ANÁLISE PERCEPTIVA-AUDITIVA E ACÚSTICA DOS FINAIS DO CANTO X ............................................................ 152
Quadro 9 - ENUNCIADOS COM FORTE INFLUÊNCIA DA INTERPRETAÇÃO SEMÂNTICA ...................................................... 154
Quadro 10 - ENUNCIADOS JULGADOS PREDOMINANTEMENTE COMO EXPRESSÃO DE TRISTEZA ................................... 155
Quadro 11 - ENUNCIADOS JULGADOS PREDOMINANTEMENTE COMO EXPRESSÃO DE DETERMINAÇÃO ....................... 156
Quadro 12 - ENUNCIADOS JULGADOS PREDOMINANTEMENTE COMO EXPRESSÃO DE ORGULHO .................................. 156
Quadro 13 - ENUNCIADOS JULGADOS PREDOMINANTEMENTE COMO EXPRESSÃO DE DESESPERO .............................. 157
Quadro 14 - ENUNCIADOS JULGADOS PREDOMINANTEMENTE COMO EXPRESSÃO DE ANSIEDADE ................................ 157
Quadro 15 - ENUNCIADOS JULGADOS PREDOMINANTEMENTE COMO EXPRESSÃO DE RAIVA E ÓDIO ............................ 158
Quadro 16 - ANÁLISE DA FREQÜÊNCIA FUNDAMENTAL E DA DURAÇÃO DOS ENUNCIADOS JULGADOS COMO
EXPRESSÃO DE RAIVA E ÓDIO ................................................................................................................................................... 158
Quadro 17- MAPEAMENTO GERAL DOS RECURSOS VOCAIS USADOS DURANTE O CANTO DE MORTE ............................164
Quadro 18 - ANÃLISE DE TRÊS ENUNCIADOS “ÉS LIVRE PARTE” SEGUNDO AS CARACTERÍSTICAS PERCEPTIVO-
AUDITIVAS E ACÚSTICAS .............................................................................................................................................................. 169
Quadro 19 – CLASSIFICAÇÃO GERAL DAS PALAVRAS CONTENDO A VARIANTE SEGUNDO O CONTEXTO, O TIPO DE
VARIANTE USADA, A DURAÇÃO DA VARIANTE DENTRO DA PALAVRA E O f0 DA VOGAL TÔNICA ..................................... 175
Quadro 20 – CLASSIFICAÇÃO GERAL DAS PALAVRAS CONTENDO A VARIANTE SEGUNDO O CONTEXTO, O TIPO DE
VARIANTE USADA, A DURAÇÃO DA VARIANTE DENTRO DA PALAVRA E O f0 DA VOGAL TÔNICA ..................................... 176
Quadro 21 – CATEGORIZAÇÃO DA PALAVRA “TERRA” NO ENUNCIADO E SUA EMOÇÃO, SEGUNDO O TIPO DE VARIANTE
USADA, A DURAÇÃO DOS SEGMENTOS E DO TOTAL DA PALAVRA E A f0 DA VOGAL TÔNICA ........................................... 179
xi
Lista de Figuras
Figura 1 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA, ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA, CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO DO
ENUNCIADO “SOU BRAVO SOU FORTE” EM TRANSCRIÇÃO ORTOGRÁFICA, CAMADA DE DIVISÃO DAS SÍLABAS, CAMADA
DO ENUNCIADO E DURAÇÃO TOTAL DO ENUNCIADO ................................................................................................................ 84
Figura 2 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA, ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA E CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO QUE
DO ENUNCIADO “DIZEI” MOSTRAM A PRESENÇA DE RUÍDO INSPIRATÓRIO E OBSTRUÇÃO DOS ARTICULADORES NA
PLOSIVA ............................................................................................................................................................................................. 86
Figura 3 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA, ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA, CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO DO
ENUNCIADO “PROPAGANDO QUANTAS VAGAS DE POVO ENFURECIDO” EM TRANSCRIÇÃO ORTOGRÁFICA, CAMADA DE
DIVISÃO DAS SÍLABAS, CAMADA DO ENUNCIADO TOTAL E CAMADA DE DIVISÃO DO ENUNCIADO POR GIPC ................. 88
Figura 4 - GRÁFICO DEMONSTRATIVO DA SUBIDA ABRUPTA DE f0 DO ENUNCIADO “FACES OS SILVOS FUGACES” ..... 115
Figura 5 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA, ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA E CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO DO
ENUNCIADO “LONGE”, MOSTRANDO A DURAÇAO DOS SEGMENTOS E OS CONTORNOS DE f0 E DA INTENSIDADE ..... 117
Figura 6 - GRÁFICO DEMONSTRATIVO DA EVOLUÇÃO DA DURAÇÃO E FREQÜÊNCIA FUNDAMENTAL NA PALAVRA
“MEIGOS” ......................................................................................................................................................................................... 118
Figura 7 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA, ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA MOSTRANDO A DURAÇÃO E A
EVOLUÇÃO DE f0 NO ENUNCIADO “ESPECTRO D'HOMEM / PENETROU NO BOSQUE” ........................................................ 119
Figura 8 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA, ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA E CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO DO
ENUNCIADO “TALADOS” MOSTRANDO A OBSTRUÇÃO DOS ARTICULADORES NA PLOSIVA /t/ ......................................... 120
Figura 9 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA, ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA E CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO DO
ENUNCIADO “MANDAI” DEMONSTRANDO A PORÇAO NASAL DA VOGAL /a/ E O /n/ ARTICULADO ..................................... 121
Figura 10 - GRÁFICO DEMONSTRATIVO DA DURAÇÃO DOS ENUNCIADOS E DAS PAUSAS RESPIRATÓRIAS .................. 136
Figura 11 - GRÁFICO DEMONSTRATIVO DA DURAÇÃO DOS ENUNCIADOS E DAS PAUSAS RESPIRATÓRIAS .................. 137
Figura 12 - GRÁFICO DEMONSTRATIVO DA DURAÇÃO DOS ENUNCIADOS E DAS PAUSAS RESPIRATÓRIAS EM
CONTEXTO DE ANSIEDADE .......................................................................................................................................................... 137
Figura 13 - GRÁFICO DEMONSTRANDO A COMPARAÇÃO DA TAXA DE ARTICULAÇÃO MÉDIA E RÁPIDA, EM SÍLABAS POR
SEGUNDO E EM GIPC POR SEGUNDO ........................................................................................................................................ 138
Figura 14 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA E ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA DEMONSTRANDO A MUDANCA DA
QUALIDADE DE VOZ DA VOGAL NO ENUNCIADO “CONTENHO”................................................................................................. 143
Figura 15 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA E ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA, DEMONSTRANDO A VARIAÇÃO DA
QUALIDADE DE VOZ NO ENUNCIADO “TU” ................................................................................................................................... 144
Figura 16 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA, DEMONSTRANDO A VARIAÇÃO NA CONCENTRAÇÃO DE ENERGIA,
ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA COM TRAÇADO AMARELO SOBREPOSTO, CORRESPONDENDO À MEDIDA DE
INTENSIDADE REGISTRADA NA GRAVAÇÃO, E AS CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO DOS ENUNCIADOS ............................. 147
Figura 17 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA DO ENUNCIADO “E A NOITE NAS TABAS 1” JUNTAMENTE COM A CURVA DE
ENTOAÇÃO E AS CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO COM ANÁLISES DE DURAÇÃO, TE E TA, QUALIDADE DE VOZ E ATITUDE
............................................................................................................................................................................................................ 150
Figura 18 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA DO ENUNCIADO “E A NOITE NAS TABAS 2” JUNTAMENTE COM A CURVA DE
ENTOAÇÃO E AS CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO COM ANÁLISES DE DURAÇÃO, TE E TA, QUALIDADE DE VOZ E ATITUDE
............................................................................................................................................................................................................ 150
Figura 19 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA DO ENUNCIADO “SE ALGUÉM DUVIDAVA DO QUE ELE CONTAVA, DIZIA
PRUDENTE 1” JUNTAMENTE COM A CURVA DE ENTOAÇÃO E AS CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO COM ANÁLISES DE
DURAÇÃO, TE E TA, QUALIDADE DE VOZ E ATITUDE.......................................................... .................................................... 152
Figura 20 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA DO ENUNCIADO “SE ALGUÉM DUVIDAVA DO QUE ELE CONTAVA, DIZIA
PRUDENTE 2” JUNTAMENTE COM A CURVA DE ENTOAÇÃO E AS CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO COM ANÁLISES DE
DURAÇÃO, TE E TA, QUALIDADE DE VOZ E ATITUDE .............................. .................................................................................152
Figura 21 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA DO ENUNCIADO “MENINOS, EU VI 1” JUNTAMENTE COM A CURVA DE
ENTOAÇÃO E AS CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO COM ANÁLISES DE DURAÇÃO, TE E TA, QUALIDADE DE VOZ E ATITUDE
............................................................................................................................................................................................................153
Figura 22 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA DO ENUNCIADO “MENINOS, EU VI 2” JUNTAMENTE COM A CURVA DE
ENTOAÇÃO E AS CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO COM ANÁLISES DE DURAÇÃO, TE E TA, QUALIDADE DE VOZ E
ATITUDE.............................................................................................................................................................................................153
xii
Figura 23 - GRÁFICO DEMONSTRATIVO DA DURAÇÃO E DA VARIAÇÃO DA f0 NOS TRECHOS QUE EXPRESSAM RAIVA E
ÓDIO ................................................................................................................................................................................................. 159
Figura 24 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA, ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA E CONTORNO DE f0 DO ENUNCIADO
“EM MIM SE APOIAVA” (1) .............................................................................................................................................................. 166
Figura 25 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA, ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA E CONTORNO DE f0 DO ENUNCIADO
“EM MIM SE APOIAVA” (2) .............................................................................................................................................................. 166
Figura 26 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA, ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA E CONTORNO DE f0 DO ENUNCIADO
“EM MIM SE APOIAVA” (3) .............................................................................................................................................................. 166
Figura 27 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA, ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA, CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO DO
ENUNCIADO “ES LIVRE PARTE” 3, MOSTRANDO O SILÊNCIO DA PAUSA ASSOCIADA A OBSTRUCAO DA PLOSIVA ...... 169
Figura 28 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA, ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA, CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO DA
PALAVRA “LARVAS” MOSTRANDO TRÊS BATIDAS DA VARIANTE MULTIPLA ALVEOLAR...................................................... 177
Figura 29 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA, ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA, CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO DA
PALAVRA “TORRE” MOSTRANDO OITO BATIDAS DA VARIANTE MULTIPLA ALVEOLAR ....................................................... 177
xiii
Lista de Abreviaturas
# Pausa
dB Decibéis
Dur Duração
E Enunciado
Exten Extensão
f0 Freqüência fundamental
Hz Hertz
Max Máximo
Min Mínimo
ms Milisegundos
P Pausa
PB Português Brasileiro
PT Pós-tônica
S Segundo
Sil Sílaba
T Tônica
TA Taxa de articulação
TCH Fonema africado - /tʃ/
TE Taxa de elocução
xiv
RESUMO
Esta tese tem como objetivo enfocar os elementos que constroem as relações
entre som e sentido na fala, contribuindo teórica e metodologicamente para a análise
da expressividade oral. O simbolismo sonoro, o estilo e a expressão de emoções e
atitudes são discutidos do ponto de vista da fala. Os modelos de comunicação “À Viva
Voz” e da “Covariância e Configuração” apóiam a interpretação do potencial expressivo
da fala. O corpus é constituído pelo poema de “I-Juca Pirama”, interpretado por um ator
profissional, e a análise dos dados é realizada por uma combinação das análises
perceptivo-auditiva e fonético-acústica e pelo pareamento entre materialidade fônica e
o sentido. As análises qualitativas abarcam o estudo das qualidades de voz, dos
alofones do /r/, da “loudness” e de seus usos expressivos. As análises quantitativas
abrangem as medidas de duração em ms em segmentos, sílabas, GIPC, silêncios,
ruídos inspiratórios e enunciados e medidas de freqüência fundamental (f0) das vogais
em palavras e enunciados. São analisados aspectos rítmicos, entoacionais, de
continuidade e de taxa de elocução e articulação. A confrontação de contornos de
duração e f0 é utilizada para a interpretação dos dados da análise prosódica. Pautamo-
nos pela concepção de que o vínculo entre som e sentido na fala é de natureza
motivada ou arbitrária, usado de forma consciente ou inconsciente, estabelecido
historicamente e modificado constantemente na cultura, pelos processos de
desmotivação e remotivação do signo. O indivíduo suscita na atividade prática os
índices de caráter gestual, denominados de gestos vocais, que são compostos pela
interação (e impossível dissociação) dos elementos prosódicos (qualidade e dinâmica
da voz) com os segmentos fonéticos (vogais e consoantes) e sons não verbais
produzidos na comunicação (ruídos respiratórios, sons bucais e linguais). Enquanto
movimentos corporais, de uma ou mais estruturas do trato vocal que se deslocam no
tempo e no espaço, de forma sincrônica ou não, os gestos vocais são utilizados para
reduzir imediatamente a tensão e podem ser a reprodução voluntária ou assinalar a
presença de uma emoção. Enquanto elementos simbólicos, os gestos vocais
pertencem ao sistema total de signos expressivos que respondem a um simbolismo
sonoro universal, podendo representar outros objetos animados ou inanimados que
lhes são associados pela semelhança ou por uma analogia funcional, e podem assumir
uma determinada configuração e/ou estão sujeitos à ativação do organismo, ao veicular
uma informação lingüística ou uma emoção ou atitude. Os gestos vocais, enquanto
fatos estilísticos, são representantes da dialogia da língua e são uma marca prática do
trabalho do locutor, que exibe sua singularidade e sua subjetividade, de forma
recorrente e saliente no discurso, construindo e sendo constituídos pelo sentido, ora no
papel principal ora como coadjuvante. Os gestos vocais são os elementos fisiológicos e
lingüísticos dinâmicos que efetivam na expressão do indivíduo as demandas
contextuais e subjetivas que refletem a variabilidade da língua e, por isso, integram a
voz no universo da linguagem.
xv
ABSTRACT
This thesis elucidates the elements that build the relationship between sound
and meaning in speech and contributes theoretically and methodologically to the
analysis of the oral expression. The symbolism of sounds, the style and the expression
of emotions and attitudes are discussed from the point of view of speech. The models of
communication “The Live Voice” and “Covariance and Configuration” help interpret the
expressive potential of the speech. The corpus is constituted by the poem “I-Juca
Pirama” performed by a professional actor. The data analysis dwells upon its auditive-
perceptive and acoustic-phonetic analysis together with the parallelism between phonic
materialization and the meaning. The qualitative analysis deals with the study the
qualities of voice, the allophones of /r/ and the loudness. The measurement of the
duration of speech segments, in ms, was carried out in order to analyse speech and
articulation rates, rhythm and continuity. Furthermore, fundamental frequency values, in
Hz, of vowel segments in words and phrases were obtained to investigate intonation
aspects. The confrontation of duration and f0 contours are used to interpret the data of
the prosodic analysis. We favor the conception that the relationship between sound and
meaning in speech is either motivated or arbitrary, used consciously or unconsciously,
historically established or continuously changed within culture, by the demotivation or
remotivation processes of the sign. The individual promotes in practical activities the
indexes of the nature of gestures, known as vocal gestures, which are composed by the
interaction (and impossible dissociation) of prosodic elements (quality and dynamics of
voice) with the phonetic elements (vowels and consonants) and non-verbal sounds
produced in the communication (breathing, mouth and tongue sounds). As body
movements of one or more structures of the vocal tract that move through time and
space, in synchronic or non-synchronic ways, the vocal gestures are used to reduce
tension being or not the voluntary reproduction an emotion or mark the presence of an
emotion. The vocal gestures, as symbolic elements, belong to the system of expressive
signs that respond to a universal sound symbolism. They can represent other animate
or inanimate objects that are either associated by similarity or by functional analogy,
may have a specific configuration and/or are subject to the activation of the organism
when express linguistic information or an emotion or an attitude. The vocal gestures, as
stylistical facts, represent the dual character of the language. They are practical
trademarks of the job of the locutor who shows his/her singularity and subjectivity in a
recurrent and salient way in the speech, building and being built by meaning, one time
playing the main role, other times a secondary role. The vocal gestures, as physiologic
and dynamic linguistic elements carry out in the individual expression the subjective and
contextual demands that reflect in the variability of language and, therefore, integrate
the voice into the universe of the language.
INTRODUÇÃO
“Só num contexto de produção de
sentido pode-se afirmar que se por um
lado, o som faz sentido, por outro, o
sentido faz som” (Albano, 2001).
O som faz sentido e o sentido faz som. Do som, novos sentidos se
produzem, os quais produzirão novos sons... E assim, continuamente... Em conversas
entre pessoas, sentidos vão sendo construídos. Com as palavras se alinham silêncios.
Os sentidos perpassam as formas sonoras. Como construímos estas relações
multilaterais e dinâmicas do som e do sentido?
O nosso percurso para este trabalho de tese foi movido, num primeiro
momento, pela insatisfação com os referenciais teóricos e as orientações práticas da
Fonoaudiologia ao assessorar profissionais da voz, particularmente no que diz respeito
à expressão oral, cujos subsídios advindos da Lingüística, do Teatro, do Canto e da
Oratória eram utilizados de modo fragmentado e sem referência à linguagem em seu
uso efetivo. Especialmente, em relação à Oratória, muito nos incomodavam as normas
e os padrões descritos e preconizados coletivamente, como se todos os oradores e
todas as pessoas se expressassem da mesma forma e pudessem se beneficiar
unicamente de regras e normas.
Na verdade, como afirma Märtz (2005), o trabalho fonoaudiológico na
melhor das hipóteses, visou apenas instrumentalizar tecnicamente, sem dar
continuidade às necessidades, desejos e vontades expressivas, embora desde o
primórdio, preocupado em dar forma à matéria sonora para a expressão artística.
Na compreensão da complexidade da expressividade oral, vale
reconhecer os trabalhos que representaram estágios de avanço da Fonoaudiologia
brasileira: as propostas pioneiras de Mello (1972), Beuttenmuller e Laport (1974), Bloch
(1977) e Soares, Piccolotto (1977). As contribuições de Behlau, Ziemer (1987), Ferreira
(1990) e Märtz (1990) para o entendimento que a voz é reveladora da psicodinâmica do
indivíduo, nos seus papeis sociais e na sua singularidade; os trabalhos de Ramos
(1996) e de Chun (2000) para o estudo da voz como estilo e na interação social e a
dissertação de Gayotto (1996) para o registro dos recursos vocais.
Após o ano 2000, o aumento na produção de pesquisa fonoaudiológica
na área da expressividade é significativo e tem conseguido reverter o embasamento da
atuação prática nos mais diferentes contextos expressivos da voz, como por exemplo,
na interpretação artística cênica (teatro, cinema, dublagem) e do canto, na
interpretação falada cotidiana e profissional, na interpretação de uma narrativa (contar
histórias) ou de uma poesia.
Percebemos que o caminho do entendimento do profissional da voz era
mais particularizado ao sair do senso comum dos manuais para as leituras sobre as
2
3
retóricas atuais, quando constatamos que os estilos de fala se diferenciavam intra-
sujeito, dependendo da tarefa que ele desempenhava, bem como, uma mesma tarefa
falada variava intersujeitos (Viola, 2003b). Esse olhar desvelou a expressividade de
cada um em cada momento e indicou a necessidade de individualizar o trabalho
prático. Ao tomarmos conhecimento de que os estilos de fala variavam segundo os
contextos e variáveis sociolingüísticas (Labov, 1972), percebemos que o campo de
estudo da voz poderia avançar muito trilhando pela Lingüística.
Ao nosso ver, era preciso definir e explicitar conceitos e diminuir as
dicotomias e cisões; era preciso ampliar o diálogo entre a Lingüística, Psicanálise e a
Fonoaudiologia e aprofundar os conhecimentos sobre a fala e a voz, por meio da
Fonética Acústica. Nossa expectativa era que assim poderíamos gerar novos
conhecimentos, cuidando para não meramente reproduzir um conhecimento de outra
área e conferir aos recursos práticos, uma singularidade da Fonoaudiologia.
Na Fonoaudiologia, o termo “expressividade” vem sendo usado mais
associado à idéia de atribuir à fala, alegria, confiança, dinamismo, credibilidade e/ou
naturalidade (Ghirardi, 2004). Embora o aspecto positivo esteja ressaltado nesse
direcionamento, a fala expressiva deve transmitir emoções e atitudes de toda natureza,
tanto positivas como negativas. O termo aparece na literatura complementado de
diferentes formas: expressividade da comunicação oral e corporal (Beuttenmüller,
Laport, 1974; Kyrillos, 1995; 2004; Cotes, 2000; Panico, 2002); expressividade vocal
referindo-se a voz (Viola, 2002, 2003a); expressividade oral (Ferreira, 2002, 2004a
2004b, Arruda, 2003) e expressividade de fala (Salomão, 1998; Madureira 2004)
referindo-se à fala e voz. A necessidade desta complementação nos remete a duas
instâncias: aos diferentes domínios gestuais e a dissociação entre o que é da área da
fala e da área da voz.
Segundo Sapir (1927), a expressão é inerente à comunicação oral e se
dá em diferentes níveis da comunicação verbal, que incluem a qualidade e a dinâmica
da voz, a pronúncia (entendida como articulação das vogais e consoantes), o
vocabulário e o estilo. Os movimentos corporais (corpo e cabeça) e faciais, contato de
olho, gesticulação e posturas estão continuamente na atividade da fala,
complementando e sustentando-a (Laver, 1994). Não há cisão entre corpo e fala nos
processos comunicativos, pois na fala tais informações indexicais interagem e são co-
produtoras de um sistema total de comunicação. As gestualidades oral e corporal
revelam dados do falante, por meio dos quais o ouvinte pode fazer inferências sobre
aspectos biológicos, psicológicos e sociais. Tais aspectos são denominados por muitos
4
autores como informações paralingüísticas. O comportamento paralingüístico na fala é
o comportamento comunicativo, não lingüístico e não verbal, que é codificado e tem o
objetivo de comunicar as emoções e atitudes do falante e regular a conversação
(Laver, 1994).
A referida dissociação entre fala e voz apenas se justificaria se as
características fonéticas dos sons pudessem ser determinadas sem ser a partir da
sincronização entre o gesto glotal e os articuladores. Ora, se a voz é produzida na glote
e modelada nos tubos pelos articuladores (Modelo Fonte-Filtro de Fant, 1970), não é
possível entender uma voz isolada da fala e de seus órgãos articuladores e, portanto, a
cisão conceitual fala e voz não deveria persistir. Poderíamos entender que os termos
“expressividade da fala” e “expressividade da voz” são usados não porque se pense
em fala dissociada da voz, mas em decorrência de maior ênfase, em aspectos da
dinâmica da voz ou da qualidade vocal.
Assim posto, adotaremos o termo expressividade oral, por não carregar
uma ou outra acepção (fala-voz), mas por se referir “ao som que sai da boca”
(etimologicamente do radical latino os, oris “boca”). Ao som que é uma gama de
freqüência de vibração (harmônicos e ruídos), que se realiza em espaços de tempo,
que é moldado articulatoriamente, que se projeta com determinada intensidade em
direção ao espaço e que se realiza no ouvido do outro, com as propriedades acústicas
integrando as palavras.
O significado da palavra “expressão” no sentido etimológico é apertar com
força, espremer e tirar comprimindo (do latim expressìo,ónis, rad. de expressum, supn.
de exprimère). Como interpreta Fónagy (1983) é ex-pressão ou eliminação de tudo o
que cria tensão. Assume também o significado de reproduzir, representar, retratar,
exprimir, dizer, expor e enunciar claramente. Desta forma, do ponto de vista do falante,
o objetivo da expressão é eliminar as tensões internas e neste processo, reproduzir tais
tensões em comportamentos, que se manifestam por meio de signos próprios, de
natureza visual, auditiva e tátil.
De forma objetiva, podemos dizer que há um fluxo contínuo de
informações de natureza evidencial acompanhando o significado direto da expressão
falada (informação semântica), revelando características pessoais do falante, como
marcas físicas (sexo, idade, condições físicas e estado de saúde), marcas sociais
(afiliação regional, social e nível educacional, ocupação e papel social) e marcas
psicológicas (personalidade, de estado afetivo e de humor). Ao mesmo tempo, a
informação regulativa é usada pelos participantes para controlar a interação, pelo canal
5
visual, como, movimentos de cabeça e contato de olho e/ou pela própria fala (entoação
e sincronismo) (Laver, 1994; Pittam, Scherer, 1993).
Ao escopo deste trabalho, conforme a nomenclatura usada por Laver
(1994), interessam particularmente as marcas psicológicas, veiculadas pelo simbolismo
sonoro exclusivamente oral. Tratamos da expressividade oral como a impressão que
acontece no ato da fala, no momento falado, que não pode ser revista e recolocada.
Ela é. No instante seguinte, está no passado e já disparou o efeito. É a voz viva, em
oposição à letra morta (Fónagy, 1983).
Falar é tão natural que raramente o falante se atém a particularidades do
como dizemos, ficando este papel reservado ao ouvinte, que por sua interpretação,
sinaliza o que passou despercebido ao falante. São duas faces da mesma moeda: o
uso do simbólico sonoro para expressar e para interpretar.
Fónagy (1977, 1983) defende que os signos gestuais somados à natureza
motivada dos fonemas e às modificações prosódicas são responsáveis pela distorção
da mensagem lingüística (produzida pela gramática) que se transforma em mensagem
estilística, denominado por ele de estilo verbal, possibilitando que uma mesma
seqüência de fonemas seja pronunciada de inúmeras maneiras para expressar
diferentes situações e atitudes, modificando o sentido do texto. Afirma que a
mensagem lingüística comporta os símbolos socialmente cultivados por uma parcela
arbitrária e por outra motivada, gerados pelo movimento entre a desmotivação e a
remotivação dos sons dentro da cultura.
Os termos motivado e arbitrário se referem ao vínculo que se estabelece
entre a palavra e seu significado, que posteriormente se estenderam ao vínculo entre
som e sentido, ou seja, ao vínculo natural e/ou universal ou aleatório, convencional
instituído e/ou local. O dito dominante de Saussure sobre o caráter arbitrário do signo
foi sem dúvida uma das causas do ceticismo em relação ao reconhecimento do
simbolismo sonoro, como ocorre, por exemplo, nas onomatopéias. Entretanto, hoje
muitos lingüistas reconhecem e pesquisam a área, para compreender esta íntima e
natural associação entre som e sentido; por isso, o simbolismo sonoro está na base da
expressão oral.
Outro ponto importante para delinear o campo de trabalho desta tese se
remete aos meandros interpretativos. É fato que a pluralidade de sentidos é dada no
encontro daquele que diz (ou escreve) com aquele que ouve (ou lê), ambos movidos
por seus desejos e sua história. Para se compreender a expressividade do outro com o
mínimo de contaminação dos desejos interpretativos do interpretante, ou seja, na
6
situação desta tese, para estudar a expressividade de forma mais objetiva e ao mesmo
tempo, atender ao rigor científico, usamos a análise fonético-acústica como recurso
instrumental que complementa e amplia a análise perceptivo-auditiva.
A análise fonético-acústica fornece evidências ao dito e auxilia na
interpretação dos dados, uma vez que possibilita um “ouvir” melhor e oferece um
registro possível de ser “visto e revisto” quantas vezes forem necessárias.
As inúmeras possibilidades que o homem tem de moldar os sons a partir
do seu aparelho fonador para criar formas expressivas bastante diferenciadas ficam
evidenciadas neste trabalho, que focaliza a fala de um mesmo ator que dá voz a quatro
personagens. O ator cria quatro “vozes” ao interpretar o poema “I-Juca Pirama”, escrito
por Gonçalves Dias. As personagens exigem do ator uma individualidade, ou seja,
exigem fluidez e rapidez nos momentos interativos e na expressão de diferentes
emoções e atitudes. O ator, em contrapartida, precisa corporificar ou, melhor, “vozificar”
cada uma das personagens por meio de um mesmo trato vocal, o que revela um uso
efetivo da plasticidade e flexibilidade do seu aparelho. Dado que do ator é esperada
essa efetividade de uso, o que tem de sui generis na interpretação deste ato teatral são
as dificuldades com o vocabulário do poema e com a forma sonora materializada pelo
ator.
Ademais, escolhemos um material que foi gravado em estúdio, sem
público. Os atores constroem uma personagem e sua emoção dentro da situação
cênica, juntamente com diferentes elementos contextuais, como a interação com outros
atores, o cenário, o figurino, iluminação, som etc. Entretanto, uma interpretação solo e
isolada de tais elementos cênicos exige uma interpretação vocal mais rica para dar vida
ao texto. Nessa situação, um grau muito maior de atenção é atribuído à fala, e assim,
estaríamos mais próximos dos elementos sonoros básicos da face sonora da língua.
Ainda assim, corremos o risco de os atores supervalorizarem a fala e,
com isso, a expressão das emoções e atitudes soarem falsas e exageradas, como
ocorre em muitas pesquisas que usam a interpretação teatral como parte da
metodologia. A busca desses elementos em situações de fala natural é de difícil acesso
para fins de uma pesquisa que pretende analisar acusticamente tais efeitos, pois
necessita de qualidade no som captado. Entretanto, mesmo sendo as emoções e
atitudes deste corpus representadas, as suas comunicabilidades atestam o estreito
vínculo com as expressões naturais, dadas em situação não controlada.
Portanto, o corpus desta tese, segundo a análise do ator que interpretou o
poema, é um trabalho teatral de uma peça lírica, escrita em forma de poesia. É uma
7
peça composta por um ato, pois possui todos elementos dramatúrgicos necessários
para tal classificação, e não constitui um monólogo, embora interpretada por um único
ator, constituída de vários personagens. É uma peça teatral em um ato, interpretado
por um único ator.
Partimos da hipótese de que as relações entre o sentido e o som são
dinâmicas e multilaterais e assim sendo, ora o locutor pode buscar o sentido via o som
que moldará suas palavras, ora o contrário, o sentido da(s) palavra(s) será interpretado
por uma determinada configuração sonora. Em ambos os caminhos, sentido e som se
alinhavam, tanto no papel principal, como no coadjuvante.
As questões que formam o âmago deste trabalho caminham na direção
de aprofundar as investigações sobre o trabalho do locutor sobre as formas sonoras
faladas, tendo como objetivo dar visibilidade aos elementos que constroem as relações
entre som e sentido na fala e contribuir teórica e metodologicamente para a análise da
expressividade oral.
Esta tese consta de seis capítulos. O primeiro capítulo trata da base da
expressividade oral, “O simbolismo sonoro na fala”. Discutimos seu conceito tendo em
vista suas raízes históricas e os posicionamentos atuais sobre a questão, os quais
perpassam a discussão do que é arbitrário e motivado na constituição do signo
lingüístico e apresentamos a teoria de Fónagy (1983) sobre como se constitui para ele
“À Viva Voz”, aquela que transmite as emoções e atitudes.
No segundo capítulo, tratamos da “A expressão oral e dos níveis de fala”,
abordando os conceitos básicos que nortearão o entendimento do papel da prosódia na
expressão das emoções e das atitudes, situando-nas historicamente e remetendo-nos
ao modelo de “Covariância e Configuração” de Scherer et col., e aos achados das
pesquisas empíricas no neste campo.
Dois modelos de comunicação foram escolhidos como embasamento
desta pesquisa, “À Viva Voz” (Fónagy, 1983) e o modelo de “Covariância e
Configuração” (Scherer, 1979, 1995, 2003), visto que ambos admitem que as emoções
e as atitudes são frutos da ativação de processos fisiológicos, que repercutem na
comunicação e são representadas na forma sonora da fala pelas variáveis acústicas,
vastamente pesquisadas por eles. O trabalho psicofonético de Fónagy tem como base
propulsora a admissão de processos inconscientes que geram a manifestação verbal e
oferece uma rica interpretação psicanalítica aos dados acústicos, enquanto os
trabalhos do grupo de Scherer interpretam as emoções e atitudes como fruto de
processos de avaliação entre fatores internos e externos ao indivíduo.
8
Como uma das particularidades da expressividade oral é sua
manifestação se dar de forma estilística, no terceiro capítulo, “Estilística da fala”,
apresentamos a evolução histórica do conceito de estilo, para nos auxiliar na
compreensão do posicionamento atual de estilo, particularmente a fonoestilística.
Após a exposição da metodologia usada no estudo, chegamos ao quinto
capítulo, intitulado “Arquitetura de um ato teatral”, onde as análises dos dados desta
tese dão corpo aos conceitos anteriormente apresentados. Procuramos evidenciar
como o simbólico sonoro pode se materializar em forma de sons verbais e não verbais,
em forma de silêncios e falas, em forma de segmentos ou palavras alinhavadas na
qualidade e na dinâmica vocal.
No sexto capítulo, “A construção da expressividade oral”, discutimos de
maneira mais ampla os dados obtidos com a literatura de base do trabalho.
Como conclusão deste trabalho, delineamos o conceito de gesto vocal.
Tomar a voz como gesto é entender que a voz é dinâmica, flexível e adaptável.
Portanto, não pode ser concebida e gestada por elementos ideais e normativos. Este
posicionamento conceitual demanda, sem dúvida alguma, uma releitura, na dimensão
clínica, das alterações que acometem o aparato fonador (e geram as chamadas
disfonias) e, na dimensão educativa e terapêutica, dos seus métodos.
Para a Fonoaudiologia, o gesto vocal reafirma a voz como produto da
integração biológica-histórica-psíquica, responde às limitações impostas por modelos
terapêuticos baseados somente em conceitos ideais da anatomofisiologia, alicerça o
entendimento da voz como expressão e possibilita a expansão de pesquisas na área
da voz profissional.
O SIMBOLISMO SONORO NA FALA
“Na história, as formas carregam-se de
marcas, como as velhas árvores cheias
de parasitas” (Possenti, 1986).
9
10
A base da expressividade da fala está na possibilidade de usar os sons de forma
simbólica, traçando paralelos e associações, com os símbolos com que convivemos na
cultura e que ficam arraigados em nosso consciente e inconsciente. Os sons têm forte
influência sobre o psiquismo, desde sempre. Se numa época, os sons da natureza
eram tidos como manifestações do divino e de seus deuses, ora temidos, ora não, em
outros tempos, a música ofereceu ao homem a possibilidade do encontro com o divino.
Os grandes compositores arranjam as notas e seus arranjos, emocionam. E a fala? O
que os sons da fala, independentes dos arranjos em unidades, transmitem?
Na fala, a natureza da relação entre o som e sentido remonta a “Crátilo”
de Platão, nos diálogos entre Sócrates e Hermógenes sobre a linguagem, quando
investigavam a definição dos signos e discutiam o papel da motivação e da convenção,
ou seja, na linguagem forma e conteúdo se ligam “por natureza” (physei) ou “por
convenção” (thései). Ora com argumentos a favor, ora contrário a uma ou outra
posição, o diálogo se presta a mais de uma interpretação e inaugura uma polêmica que
persiste até os dias de hoje. Para Jakobson (1979), Sócrates inclinou-se a reconhecer
que a relação feita por semelhança é superior àquela feita arbitrariamente, contudo a
despeito do poder de sedução da semelhança, ele admitiu a intervenção da convenção,
do costume e do hábito.
Ao longo dos séculos, muitos argumentos a favor e contra a existência do
simbolismo sonoro, tanto de caráter universal como específico para cada língua foram
apresentados. O termo arbitrário comportou, segundo Garcia (1994), uma variedade de
concepções, inclusive podendo ser substituído por convencional e/ou aleatório,
imotivado, intencional, proposital, não-icônico ou não natural. Fazendo um
rastreamento da origem e do próprio conceito, a autora afirma que “não é
absolutamente necessário que um signo lingüístico seja motivado por natureza para
que se institua historicamente como tal” (p.37). Os termos convencional e imotivado
convivem no conceito saussuriano de arbitrário, mas não são sinônimos. Imotivado
pode remeter à relação natural de um nome mantém com aquilo que designa (de
motivo como causa), como se pode entender que o ato da designação é intencional
(motivo como fim com que fazemos alguma coisa). Convencional, por sua vez, supõe a
idéia de um acordo, que obscurece um pouco a oposição entre natural e imposto.
Garcia prefere, assim, usar o termo motivado naturalmente para dizer que a escolha do
nome foi determinada por características naturais e intrínsecas daquilo que se deseja
nomear e o termo “instituído para designar o caráter historicamente estabelecido das
palavras” (Garcia, 1994:40).
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Dois fatores interferiram para manter o simbolismo sonoro em segundo
plano dentro da Lingüística. O primeiro fator se refere à falta de uma teoria convincente
o suficiente para propor o motivo pelo qual o simbolismo sonoro devesse existir nas
línguas e ao mesmo tempo, oferecer razões para o enlace entre as características
fonéticas e semânticas. Ohala (1994) observa que faltou rigor na argumentação
lingüística dos defensores do simbolismo sonoro, embora reconheça que numerosos
estudos estatísticos e experimentais bem controlados foram ignorados, entre eles os de
Fónagy (reunidos na obra de 1983), autor importante para esta tese. Segundo
Madureira (1992), atualmente há uma tendência de se enfocar estas relações
dinâmicas e multilaterais entre som e sentido por natureza, via funcionalismo. O
segundo fator foi, sem dúvida, a influência dos pressupostos de Saussure na
Lingüística. A defesa do autor da arbitrariedade do signo e suas propriedades geraram
boa parte do descrédito aos defensores do simbolismo sonoro. A despeito desta
influência, Jakobson (1979:100) afirma que se as notas da Semiótica de:
“Peirce não tivessem permanecido inéditas, na sua maior parte, até 1930
e anos seguintes, ou se pelo menos suas obras publicadas tivessem sido
conhecidas dos lingüistas, suas pesquisas teriam, sem dúvida, exercido
influência única no desenvolvimento internacional da lingüística”... “o programa
traçado por Saussure proibiu que se invocassem as diferenças de som e de
significado devidos ao fator espaço ou tempo em apoio do caráter arbitrário da
conexão entre os dois constituintes do signo verbal” (Jakobson, 1979:103).
Em busca do que está na base desta discussão teremos que posicionar
aos leitores sobre como Pierce e Saussure concebem o signo.
O signo para Pierce (1972, 2000) é algo que representa uma outra coisa:
seu objeto. Este, portanto, só pode funcionar como signo, se carregar o poder de
representar e de substituir uma outra coisa diferente dele. É visto em si mesmo por
meio dos seus fundamentos e se diferencia, dependendo da relação entre os
elementos que o compõem e de sua ação específica (ou semiose). A natureza dos
signos é triádica, operando como ícones, índices e/ou símbolos.
O signo, quando um ícone opera pelas semelhanças entre eles, refere-se
às características do objeto e evidencia um ou mais aspectos qualitativos deste, como
uma fotografia, uma estátua ou um esquema. O índice opera, principalmente, pela
contigüidade de fato, vivido, entre seu significante e seu significado. Ele resulta da ação
12
do próprio referente, mantendo com ele uma relação direta sem, no entanto, tratar-se
de similaridade. Por exemplo, o chão molhado é indicativo de chuva. Outra
característica dos índices é sua singularidade, o que na linguagem seria exemplificado
pelos nomes próprios ou por um objeto específico ("esta cadeira" e não qualquer
cadeira, por exemplo). As informações semânticas, evidenciais e regulativas (Laver,
1994) que transitam entre interlocutores durante a conversação são signos do tipo
índice e estão expressas diretamente do sinal de fala, atendendo melhor às
necessidades expressivas do locutor (Fónagy, 1983).
O símbolo opera pela contigüidade instituída, apreendida entre significado
e significante. Esta conexão constitui uma regra e, portanto, mantém com o referente
uma relação arbitrária e convencional que o intérprete deverá conhecer. Há
impossibilidade de alteração individual desses signos, como, por exemplo, a bandeira
branca ser símbolo de paz ou a cruz, do cristianismo. Os tipos, generalidades e idéias
são signos simbólicos, quando não se restringem à singularidade, e abrem-se à
multiplicidade e universalidade por seu alto grau de abstração.
A diferença se dá pela preponderância de um dos constituintes sobre os
outros: primariedade, secundidade e terceiridade. As qualidades puras, imediatamente
sentidas, são típicas da primeiridade. É a categoria do "desprevenido", da primeira
impressão que recebemos das coisas, pois é a constatação relacionada à
caracterização material do signo (icônico).
As relações diádicas, ou seja, que tratam do relacionamento direto de um
fenômeno de primeiridade com outro, englobam a experiência analogística (analítico-
comparativa) são exemplos de secundidade.
Finalmente, a terceiridade. É categoria que trata da mediação. Expressa a
inter-relação de triplo termo: interconexão de dois fenômenos em direção a uma
síntese, lei, regularidade, convenção e continuidade. Por exemplo, trata das palavras,
pois elas remetem algo para alguém.
A preocupação que teve Pierce de esclarecer o lugar desempenhado pelo
acúmulo das três funções, com diferenças de grau, em cada um dos três tipos de
signos, está intimamente ligada à sua tese de que os mais perfeitos dos signos são
aqueles nos quais o caráter icônico, o caráter indicativo e o caráter simbólico estão
amalgamados em proporções tão iguais quanto possíveis.
Na fala é possível exemplificar as classes propostas por Pierce por meio
da interpretação de uma subida de pitch. A primeira impressão é “o que está para
cima”, a expressão icônica da direção ascendente. Como um contorno entoacional esta
13
direção é índice de alegria e pode ser expresso simbolicamente por números como 2 e
5, representando a subida de um pitch grave, denominado de 2, para um pitch mais
agudo, marcado por 5.
Para Saussure (s.d.), o signo é uma entidade psíquica de duas faces: o
significado e o significante. O relacionamento entre elas se dá de forma arbitrária e com
caráter linear, ou seja, todo meio de expressão aceito numa sociedade repousa em
princípio num hábito coletivo ou na convenção, e os significantes acústicos dispõem
apenas da linha do tempo, cujos elementos se apresentam um após o outro, formando
uma cadeia.
O princípio fundamental da arbitrariedade do signo não impede distinguir,
em cada língua, o que é radicalmente arbitrário, vale dizer, imotivado, daquilo que só o
é relativamente. Apenas uma parte dos signos é absolutamente arbitrária. Em outras,
intervém um fenômeno que permite reconhecer graus no arbitrário sem suprimi-lo;
nesse sentido, o signo pode ser relativamente motivado. As onomatopéias e as
exclamações, embora ilustrem o princípio da motivação relativa, para o autor são de
importância secundária e sua origem simbólica é, em parte, contestável. Para a maior
parte delas pode-se negar a existência de um vínculo necessário entre significado e
significante. Os signos inteiramente arbitrários realizam-se melhor que os outros, o
ideal do procedimento semiológico.
Os signos lingüísticos se ligam na cadeia da fala por simples justaposição
e se desdobram na linha do tempo (eixo do que vem depois – sucessividade). É o
princípio linear do significante. Em alguns casos este caráter uno pode não parecer
claro. Por exemplo, quando se acentua uma sílaba, parece que há acúmulo apenas em
um só ponto de elementos significativos diferentes.
Saussure (s.d.) afirma que se trata de uma ilusão, que a sílaba e seu
acento constituem apenas um ato fonatório, que não existe dualidade no interior deste
ato, mas somente oposições diferentes com o que se acha a seu lado.
A fala é mera realização física, sem valor semiótico, da qual se
desentranha com esse valor um fonema uno ou uma variante fonêmica
combinatória ou facultativa, a que se adjunge, fora da função representativa,
com uma carga emotiva ou caráter estilístico, que a fonêmica (fonologia)
propriamente dita pôs de lado”. (Câmara 1977b: 41).
14
Jakobson (1979:116) acredita que a “idéia sugestiva e luminosa” de
Pierce propôs à ciência da linguagem novas perspectivas:
“Um dos traços mais importantes da classificação semiótica de Pierce
reside na perspicácia com que ele reconheceu que a diferença entre as três
classes fundamentais de signos era apenas uma diferença de lugar no seio de
uma hierarquia toda relativa. Não é a presença ou a ausência absoluta de
similitude ou de contigüidade entre o significante e o significado, nem o fato de
que a conexão habitual entre esses constituintes seria da ordem do fato puro,
que constituem o fundamento da divisão do conjunto de signos em ícones,
índices e símbolos, mas somente a predominância de um desses fatores sobre
os outros” (Jakobson, 1979:103).
Concordamos com o posicionamento de Jakobson e defendemos a
concepção peirciniana de signo, dado que o entendimento de signo como dual e
arraigado no caráter arbitrário da linguagem, elimina a possibilidade de entendimento
escalar, processual e dinâmico da relação entre som e sentido, conforme
demonstraremos nesta tese. Polarizar a motivação e o arbitrário também não parece
ser a melhor alternativa, visto que há uma terceira via: o conceito de remotivação de
Fónagy.
Fónagy (1977, 1983,1993) acha difícil estabelecer uma clara distinção
entre a motivação e a arbitrariedade, dado que uma língua institui-se (caráter
historicamente estabelecido) pela convenção para novamente ser desmotivada e
remotivada. É neste vai e vem, entre a motivação e a arbitrariedade, que a língua
evolui. Defende que o signo motivado é um signo que admite a presença da realidade,
que incorpora uma parcela da realidade em seu significante em vez de se contentar,
por exemplo, com sua entoação pura e simples.
Desse modo, criam-se as metáforas: para formar vogais claras, a língua
se endireita e avança, aponta para a luz; retrai-se e aponta para o canal digestivo ao
articular as vogais sombrias; endurece para articular as consoantes não-sonoras e se
relaxa nas sonoras. As metáforas fonéticas supõem, pois uma análise pré-consciente
ou inconsciente muito adequada da articulação e combinam os resultados da análise
com uma interpretação subjetiva.
A metáfora é provavelmente o modelo mais importante das distorções
expressivas, geradoras de mudanças. Na linguagem poética a integração é inegável: a
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expressão é inteiramente remotivada, transformada em mensagem, sem enfraquecer a
função lingüística própria. A metáfora revela ao mesmo tempo a necessidade da
mudança. Em todos os níveis lingüísticos, a mudança começa onde termina a
metáfora, onde ela cessa de ser interpretada com movimento semântico, onde ela se
desliga de sua base para ser fixada ao termo de seu trajeto ideal.
O movimento virtual (mental) do sinal lingüístico no decorrer do ato da
dupla codificação está na fonte das mudanças e toda mudança lingüística (fonéticas,
segmentais e prosódicas) supõe uma remotivação da expressão verbal, uma volta à
fonte, à comunicação pré-verbal.
A gênese e a evolução da linguagem, para Fónagy (1977), é uma luta
permanente entre as tendências que conduzem a desmotivação e as que favorecem a
remotivação. A língua deve seu nascimento à desmotivação, mas não poderia evoluir
sem recorrer permanentemente a remotivação dos signos e estruturas. Este processo
se dá sem a intervenção consciente dos usuários; é a sua revelia.
Para Jespersen
1
(1922), a correspondência natural entre som e sentido é
um processo vital que se renova constantemente e pelo qual, as línguas ao longo do
tempo se enriquecem com palavras simbólicas e se desenvolvem progressivamente
com um maior número de expressões fáceis e adequadas, expressões em que o som e
o sentido se unem mais intimamente (citado por Jakobson e Waugh, 1987).
As pesquisas atuais mostram que tanto na fonética como no léxico das
línguas, coexistem os simbolismos sonoros, tanto de ordem convencional (que poderia
estar mais ligado à questão da arbitrariedade), como universal (mais relacionado ao
caráter da motivação natural entre som-sentido). É possível que haja diferença na
quantidade de associações naturais entre as línguas, ou seja, algumas línguas são
mais ricas em simbolismo sonoro que outras, e isso depende da estrutura e dos fatores
culturais de cada uma. É possível também que algumas línguas enfatizem mais, ou
não, o uso de determinados tipos do simbolismo sonoro para determinadas finalidades
(variações de tipos e funções) (Hilton et al, 1994).
Temos condição agora de delinear o emprego do termo simbolismo
sonoro. Se por um lado, não é um termo satisfatório para designar uma íntima e natural
associação entre sons e significado, pois se confunde com a concepção Pierciniana de
“símbolo”, de natureza arbitrária e convencional, é por outro lado, familiar e, em seu
sentido inclui uma analogia entre a forma concreta e o objeto que ele simboliza
1 Jespersen O. Language – its nature, deselopment and origin (1922) apud Jakobson R, Waugh L. A forma sonora de la lengua.
Mexico: Fondo de Cultura Económica, 1987.
16
(Peterfalvi, 1970). O termo expressividade natural foi a opção sugerida por Bally
2
(1909) e Piot (2002), mas também teríamos que adjetivá-lo para fazer a oposição entre
o natural e o arbitrário, o que constitui um preciosismo difícil de constatar em muitas
situações.
Nossa opção neste trabalho será adotar o termo simbolismo sonoro para
designar o vínculo direto entre som e sentido, sem estabelecer distinção sobre
natureza motivada ou arbitrária do signo. Da mesma forma não faremos distinção se o
simbolismo está sendo usado de forma consciente ou inconscientemente, pois ambas
situações podem ocorrer e nem por isso se perde o vínculo entre som e sentido,
conforme veremos com as concepções de Fónagy.
O signo motivado
Muitas das experiências sobre o simbolismo sonoro foram realizadas ao
longo dos séculos no sentido tanto de investigação do caráter universal dos sons, como
dos sons pertencentes a uma determinada língua. Para este trabalho selecionamos
alguns dos achados e pesquisadores mais importantes que possam contribuir para a
análise dos nossos dados.
Dos gregos, como já mencionado no diálogo Crátilo, Sócrates atribui às
letras qualidades físicas. O “r” imita a mobilidade, assemelha-se ao movimento, à
agitação e à dureza. Afirma ser a letra “um belo instrumento para imitar a mobilidade,
dado a sua forma de articulação” (Platão, s.d.: 143), ou seja, “demorar-se a língua, o
menos possível, nessa letra e vibrar o máximo" (Platão, s.d.: 122).
Os romanos consideravam o /r/ como “littera canina”, ou melhor, o som
que lembra o rosnar de um cão, de forma que a vibrante pronunciada com um
rolamento mais ou menos forte seguida de vogal clara, assemelha-se a um ranger dos
dentes e quando seguida de vogal grave, exprime um ronco, um estrondo (Callou,
Leite, 1990:104).
No século XX, o estudo de Sapir (1929) sobre o simbolismo sonoro,
denominado por ele de caráter simbólico expresso dos sons, marca o começo do
interesse na associação natural do som e do significado para os lingüistas. As
experiências de Sapir correlacionando os fonemas ao tamanho, vogal “a” simboliza
2 Bally C. Traité de stylistique Française. 1909 apud Guiraud P. A estilística.
São Paulo: Mestre Jou; 1970.
17
grande e a “i” pequeno, constataram que o simbolismo fonético poderia ser interpretado
pelos traços acústicos, em que o “volume” inerente de certas vogais seria maior que o
de outras) e/ou cenestésicos, quando o indivíduo sente inconscientemente que a
posição da língua ou a coluna de ar em uma vogal é simbolicamente contrastante com
outra.
Para Sapir (1927), a explicação cenestésica quer dizer que um gesto com
amplitude espacial simboliza a referência daquilo que é “grande” em melhores
condições do que um gesto espacialmente restrito. Admite que há pessoas muito mais
simbólicas no uso dos sons do que outras e cita como exemplo uma fala com ceceio,
que pode inconscientemente simbolizar traços de personalidade, se este não for um
traço da língua ou parte dos hábitos sociais da fala da comunidade na qual um
indivíduo está inserido.
Peterfalvi (1970) ampliou as questões levantadas por Sapir ao demonstrar
que a explicação da gênese do simbolismo fonético não está somente na explicação
acústica e/ou cenestésica, mas na concomitância de estímulos de diversas
modalidades sensoriais, ou seja, na sinestesia. A sinestesia engloba os estímulos
auditivos, visuais, táteis e a sensação cenestésica do corpo. Assim, as consoantes
surdas, por exemplo, são mais “pequenas”, mais “claras” e mais “angulares” que as
consoantes sonoras.
Ao longo dos séculos, associações acústicas foram realizadas entre os
segmentos sonoros, relacionando-os com tamanho (grandes ou pequenos), peso (leve
ou pesado), espessura (fino ou grosso), consistência (duro ou mole), textura (liso ou
rugoso), unidade (seco ou molhado), cor (claro, sombrio, transparente, opaco), sexo
(masculino e feminino) e atitudes (carinhoso ou erótico). O termo cenetésico foi
substituído por sinestésico e usado por diversos autores, entre eles Todorov (1977),
Fónagy (1983), Jakobson e Waugh (1987), Hilton et al (1994) e Ohala (1994, 2001).
Foi justamente a apreensão do valor expressivo dos sons, calcados na
impressão auditiva, que levaram gramáticos a adotarem denominações como oclusivo,
sibilante, chiante, vibrante, rolado e aspirado para vogais e consoantes.
Jakobson e Waugh (1987) não admitem que entre os fonemas e os outros
meios fônicos como os fatores prosódicos haja apenas diferença de graus. Os meios
fônicos exibem um papel expressivo e delimitativo e implicam, portanto, em si mesmos,
num valor semântico. Numa extensa revisão bibliográfica, os autores mostram que em
muitos casos e em todos os níveis da língua aparecem motivações nos signos
lingüísticos, demonstrando que os sons parecem ter um simbolismo universal. A
18
oposição de fonemas graves, como o /a/, e os agudos, como /i/ sugere a imagem do
claro e do escuro, do pontudo e do arredondado, do fino e do grosso, do ligeiro e do
maciço. As onomatopéias indicam ruído, sons brutais e repentinos, como pancadas
que começam sempre por consoantes oclusivas. Isso não ocorre somente nas
onomatopéias, mas conjuntos de palavras apresentam sentidos similares, como bash,
smash, dach, lash, rash, clash, flash entre outros.
Os autores admitem que todo traço distintivo está construído sobre uma
oposição que, à parte de seu uso lingüístico e convencional, transmite uma associação
sinestésica latente e, portanto, uma matriz semântica imediata. A relação habitual de
contigüidade entre som e significado cede a uma relação de semelhança, uma espécie
de equivalência entre o signo e o significado. Na poesia, a motivação do signo aparece
com toda sua força quando o material sonoro contribui para produzir significação, e os
sons são escolhidos em razão de seu poder imitativo - as aliterações, as assonâncias e
os ritmos imitam aquilo que o poema fala - portanto, os elementos da cadeia sonora
lembram de algum modo, o significado presente no plano do conteúdo. Para Jakobson
e Waugh (1987) são precisamente o jogo e as transformações míticas da língua que
ajudam a dinamizar o potencial semântico autônomo dos traços distintivos e seus
complexos. A poesia, enquanto jogo mítico deliberado, é a realização mais completa e
universal da síntese entre a contigüidade e a semelhança.
No Brasil, Câmara (1977a) avançou na discussão das manifestações
expressivas da linguagem na Fonética e na Fonologia, ao apresentar um conceito
delimitado e preciso da motivação sonora do signo lingüístico quando a serviço da
exteriorização psíquica e do apelo, embora mantenha sua característica básica de ser
um fato da cultura e, portanto, concretiza-se em sistemas arbitrários. Para o autor,
caberá à Lingüística estudar seus princípios, partindo do aspecto do rigor coletivo da
língua (como sistema representativo) e estilístico (como processo de exteriorização
psíquica e apelo). A idéia de mais e menos expressivo está embutida na proposição de
Câmara (1977a) quando na observação direta da fala cotidiana, analisa os traços
fonéticos de expressão das variantes estilísticas do Português, em sua abordagem,
entendidas como alterações articulatórias de vogais e consoantes que não interferem
na função distintiva, mas que envolvem uma carga afetiva. Entre elas cita o /r/ emitido
com intensificação de vibrações, que lhe aumenta a duração e o rolamento.
Da Antroposofia, preconizada por Rudolf Steiner (filósofo nascido dentro
das fronteiras do antigo Império Austro-Húngaro, em 1861), surgiram como propostas
terapêuticas a Euritimia e a Quirofonética, divulgadas no Brasil desde os anos 70.
19
Essas terapias valorizam a fala como a forma mais perfeita de organização do
movimento e por isso, a correlacionam ao movimento do fluxo aéreo para a emissão
dos fonemas com movimentos corporais e com massagem. Assim, na Euritimia, o
corpo e, em especial, os braços imitam os movimentos do aparelho fonador enquanto
se fala poesia e, na Quirofonética, desenhos fonéticos de vogais e consoantes são
deslizados nas costas do cliente enquanto simultaneamente o terapeuta entoa o som
correspondente aos fonemas, como nos exemplos em que o movimento vibratório do /r/
é realizado com pequemos tremores, a fricção com movimentos contínuos etc. (Baur,
1987). De forma similar, com influência do meio teatral e dos trabalhos corporais, há na
Fonoaudiologia trabalhos que associam movimentos corporais com as qualidades
sinestésicas dos sons (Beuttenmüller, Laport, 1974; Santiago, 1998; Souza, Gayotto,
2004).
A influência do simbolismo sonoro pode ser vista também nos descritores
impressionísticos que tratam da qualidade de voz, como os inúmeros termos
divulgados por Boone (1996) que se remetem à cor (clara, escura, dourada, incolor,
branca, brilhante), forma (aberta, redonda, pontuda, cortante), velocidade (lenta/
rápida), peso (leve/ pesada), sexo (efeminada/ masculinizada), temperatura (quente/
fria), força (forçada, comprimida, relaxada, mole, fraca, forte), textura (áspera, macia,
suave, dura), umidade (seca/ úmida), espessura (grossa/ fina), tamanho (alta, grande,
pequena), qualidade (feia, bonita, boa, ruim, crepitante, gostosa), movimento (flutuante,
efervescente, oscilante, trêmula), idade (velha, infantil, jovial), atitude (ameaçadora,
cruel, falsa, convincente, sedutora, antipática, descontrolada), emoção (alegre, triste,
medrosa) e outras categorias, que implicam em oposição, como, por exemplo, pobre/
rica; suja/ limpa; ardida/ melosa.
Sobre o alongamento de sons, Bolinger (1985) afirma que ele pode tanto
ser usado como recurso para intensificar as palavras, como é usado de vários modos
na expressividade imitativa; quando aumentado sugere lentidão e a diminuição rapidez.
Se combinado com o pitch monotônico e baixo, se torna um ingrediente de histórias de
fantasma (alongamento fantástico).
O papel da entoação como elemento simbólico da linguagem de caráter
universal é discutido por muitos autores e uma série de evidências tem se acumulado
ao longo dos anos. Esses trabalhos demonstram como determinados usos globais da
entoação nas línguas exibem uma ligação motivada entre a forma do padrão
entoacional e seu significado ou função. Correlacionam metaforicamente a entoação
com a tensão e o esforço de todo corpo, de forma que, o que é alto é tenso e o que é
20
baixo é relaxado; o contorno ascendente e pitch alto são associados à noção de início
ou questões abertas, enquanto que o contorno descendente e pitch baixo, com a noção
de finalização. A porção que sobe atrai a atenção do ouvinte enquanto a porção que
desce corresponde ao relaxamento da tensão, à satisfação do ouvinte (Fónagy, 1983,
1993; Bolinger, 1985; Ohala (1994, 2001); Vaissière, 1995).
A teoria do Código de Freqüência (“Frequency Code”) proposta por Ohala
(1994, 2001), baseada na etologia e pesquisada desde 1984
3
, celebra o simbolismo
sonoro imitativo e sinestésico, associando a freqüência fundamental (doravante f0) com
tamanho e dimensões relacionadas (distância, familiaridade e status). A teoria pode ser
resumida da seguinte forma: f0 elevado e/ou em elevação significa o menor, atitude
não ameaçadora, desejo para colaborar com o receptor, mensagens sociais de
deferência, polidez, submissão e falta da confiança. Freqüência fundamental baixa e/ou
em queda significa grandeza, ameaça, autoconfiança e auto-suficiência, assertividade,
autoridade, agressão e confidência. A queda terminal íngreme de f0 ou um pico
elevado antecedendo a queda terminal faz a queda parecer ser mais íngreme (pela
grande queda de altura) e isso pode ser interpretado como uma voz dominante.
A grande semelhança prosódica entre as línguas, para Vaissière (1995) é
atribuída ao fato de que as línguas derivam de um único subjacente de motivação
biológica, com base na psicologia e na etologia – o padrão entoacional ascendente-
descendente e de uns poucos padrões constrastivos que dele são derivados.
Várias tentativas de classificação dos fenômenos que compõem o
simbolismo sonoro foram propostas, mas não será nosso objetivo revisá-las. As duas
classificações, que apresentamos a seguir, ilustram o quão amplo é este universo de
pesquisa e ao mesmo tempo, contextualizam a classificação de Hilton et al, cujos
parâmetros orientarão nossos dados.
Segundo Ullmann (1964) há três categorias de palavras motivadas,
geradas pela forma onde elas se encontram (fonética, semântica ou morfológica). A
motivação fonética ou onomatopéia pode surgir na poesia e na prosa artística e o efeito
motivado baseia-se não tanto nas palavras individuais, mas na combinação das
palavras com sua modulação sonora, que também pode ser reforçada por fatores como
a aliteração, o ritmo, a assonância e a rima. Na motivação semântica, há uma distinção
entre as onomatopéias primária e secundária, no plano semântico. A forma primária é
uma imitação do som pelo som, o verdadeiro “eco do sentido” dado que o próprio
referente é a experiência acústica imitada pela estrutura fonética da palavra, por
3 Ohala JJ. An ethological perspective on common cross-language utilization of f0 of voice. Phonetica 41:1-6, 1984.
21
exemplo: “hum de murmurar”. A forma secundária, o som evoca não uma experiência
acústica, mas um movimento, como “titubeia”; ou uma qualidade física ou moral,
geralmente desfavorável, tal qual “lúgubre”. Uma palavra, neste plano, pode ser usada
em sentido metafórico, de semelhança entre os dois elementos, como na expressão
“jabuticaba de seus olhos”. Outra possibilidade de motivação seria advinda da estrutura
morfológica da palavra adequada ao seu significado, como, por exemplo, a palavra
“guarda-chuva”.
Todorov (1977), embora defensor da arbitrariedade do signo, detalhou e
analisou as teorias (semânticas, sintáticas e diagramáticas) e as práticas (línguas
mágicas e religiosas, glossolalias
4
, línguas universais) do simbolismo sonoro.
Argumenta que antes de serem concorrentes, essas teorias são complementares, pois
cada uma dentre elas se liga a um único aspecto do complexo fenômeno do
simbolismo. O autor classifica entre os trabalhos das teorias semânticas, aqueles que
defendem a idéia de que os sons são exteriores à língua (extralexicais) e aqueles que
acreditam que os sons designam outros sons próprios da língua (lexicais). Os
primeiros, as teorias extralexicais subdividem-se nas teorias acústicas e articulatórias,
ambas captam somente associações subjetivas e são de caráter universal. Na teoria
acústica, os sons lingüísticos imitam os sons não lingüísticos, são os tropos e a
sinestesia, enquanto na teoria articulatória os sons da língua provocam associações de
diversas naturezas: vogais depreendem sensações, representam nossos sentimentos e
são femininas, enquanto que as consoantes depreendem as idéias, remetem ao mundo
exterior e são masculinas.
Como o termo simbolismo sonoro designa uma gama de fenômenos
bastante ampla, Hilton et al (1994) propõem uma nova categorização, que aborda a
tipologia e as formas do simbolismo sonoro integradas na e para a comunicação.
Divide a tipologia em quatro categorias: corporal, imitativo, sinestésico e convencional.
A primeira categoria elencada é a chamada corporal, em que há o uso de
determinados sons ou padrões da entoação que expressam o estado interno do
falante, emocional ou físico
5
. São sons involuntários, "sintomáticos" (como tosse ou
soluço), escalas com entoação expressiva, qualidade expressiva da voz e interjeições.
4 Glossolalia se refere à fala privada de sentido destinado à comunicação com um público humano real ou com um espírito divino,
ou, ainda, como conexão entre os mundos humano e divino, por orações ou em mensagens transmitidas pelo poder divino sobre o
corpo humano (Jakobson e Waugh, 1987)
5 Na medicina muitos desses sons são indicativos de estados internos e são tanto relatados pelos pacientes como examinados
pelos clínicos, via palpação, ausculta, percussão e inspeção. São presenças marcantes em algumas distúrbios neurológicos e
psiquiátricos (Ostwald, 1994).
22
Os vocativos têm determinadas similaridades ao simbolismo sonoro corporal, com a
função de ganhar atenção do ouvinte ou mudança de turno, podendo haver
sobreposição entre a expressão corporal e o vocativo. Pigarro ou tosse,
freqüentemente usados para estas funções comunicativas, são manipulados pelos
falantes nas interações lingüísticas. Os vocativos freqüentemente usam o vocabulário
normal da língua (como os nomes) conjugados com fatores expressivos, como o
aumento de amplitude e da duração do segmento. Há também os vocativos com
características especiais, para servir as limitações acústicas do ambiente, da audição e
da “mente”, como, por exemplo, o uso de assobios e estalos bilabiais para chamar cães
ou chamar um ouvinte distante ou próximo.
O simbolismo sonoro imitativo relaciona-se às onomatopéias e às frases
que representam sons ambientais. Incluem padrões sonoros fora da fala convencional
e são difíceis de se representar na escrita (como representações de sons de pássaro,
de animal, imitação de sereia, etc), os sons rítmicos e nos ritmos dos movimentos. A
estratégia lingüística da reduplicação é utilizada freqüentemente, como, por exemplo, o
“ding-dong”, que é uma imitação direta do ritmo que está sendo representado.
O simbolismo sonoro sinestésico é mais explorado pela literatura e pode
ser definido como a simbolização acústica de fenômenos não acústicos. Determinadas
vogais, consoantes e propriedades suprassegmentais são escolhidas consistentemente
para representar propriedades visuais, táteis ou proprioceptivas dos objetos, como as
consoantes palatais e as vogais elevadas são usadas freqüentemente para formas
diminutivas e, outras palavras representam objetos pequenos. Padrões de entoação
expressiva são usados associados ou não, à qualidade de voz e variações na duração.
Considera-se também o tempo de ascensão, tempo de queda, loudness, continuidade
e o contraste entre o periódico e o aperiódico, como, por exemplo: era um
“eeeenoooorme” peixe.
O simbolismo sonoro convencional é a associação analógica de
determinados fonemas e de conjuntos com certos significados, de forma que nomes
congêneres podem ser criados a partir deles. A maior parte deles é específico de cada
língua pela escolha de segmentos fonéticos. Essas novas entidades carregam o
significado submorfêmico e são chamadas, às vezes, de fonestemas. Enquanto os
fonestemas são freqüentemente convencionais, alguns têm propriedades universais e
cabem em outras categorias descritas acima. Há grande uso do simbolismo sonoro
convencional na criação dos nomes para produtos comerciais. O xampu L'Oreal é um
nome que soa feminino (Laura) e similar a um nome de flor (laurel), ao mesmo tempo
23
dá idéia de continuidade e soa "fluindo" para simbolizar o cabelo fluindo (simbolismo
sonoro sinestésico).
Emerge, de todas as formas acima, um tipo específico de simbolismo que
sinaliza aspectos da estrutura e da função lingüística, denominado metalingüístico. É
um tipo de simbolismo altamente convencionalizado e abstrato que inclui várias
restrições do idioma específico no cânone formal de classes de palavras individuais da
fala e incluem a “exclusão de” ou a “preferência por” padrões de entoação e
segmentos. São as alterações em vogais e consoantes para expressar, por exemplo,
plural, conjunções verbais, afixos e vocativos (como no simbolismo corporal).
Três estratégias simbólicas sonoras, com tendência universal emergem
desta categorização: (l) uso da reduplicação, (2) uso marcado dos segmentos que são
de outra maneira incomuns na língua e (3) a associação de determinados tipos de
segmentos e de suprassegmentos com determinados reinos semânticos. As formas
simbólicas sonoras imitativas e sinestésicas são os exemplos mais comuns dessa
estratégia. Os plosivos são usados para sons e atos abruptos, enquanto que os
contínuos são para dar a idéia de continuidade. Os fricativos são usados para
movimentos rápidos de um objeto pelo ar, e os nasais são usados para soar,
reverberar os sons.
Para Hilton et al (1994) o simbolismo sonoro universal está presente na
comunicação animal (humana, inclusive), como na expressão de pequenos ruídos dos
sons ambientais e internos, na expressão de estados internos, emocional e físico, na
expressão das relações sociais, nas características de objetos e atividades, como
movimento, tamanho, cor, forma e textura, nos indicadores gramaticais e discursivos
(marca entoacional do discurso e estrutura da sentença e distinção entre partes da
fala), na expressão de avaliação e nas relações afetivas do falante com o assunto
discutido.
24
Modelo de Comunicação à Viva Voz
O “Modelo de Comunicação à Viva Voz” proposto por Fónagy (1983) é
uma das teorias sobre o simbolismo sonoro, cujas bases estão nos signos gestuais
somados à natureza motivada dos fonemas e às modificações prosódicas, que
distorcem a mensagem lingüística, transformando-a em mensagem estilística (estilo
verbal). A metáfora usada pelo autor, “a viva voz se opõe à letra morta”, faz referência
à vivacidade inerente de toda comunicação vocal em oposição à falta de mobilidade da
escrita – “à letra morta”. Essa vivacidade da fala deriva-se da possibilidade de o sentido
do texto ser modificado de inúmeras formas pela maneira de pronunciar uma mesma
seqüência de fonemas.
O autor parte da proposta clássica de comunicação verbal, que prevê a
codificação da mensagem a partir do código lingüístico indiferenciado para a fala e para
a escrita. Explica a codificação e a decodificação como processos duplos, passando
por um “código natural, pré-lingüístico” (Fónagy, 1983:14): a partir do primeiro ato de
codificação lingüística (a gramática), as marcas prosódicas segmentam a série
contínua em unidades de diferentes dimensões (sílabas, palavras prosódicas, grupos
de sentidos ou frases), concretizam diferentes graus de ruptura entre essas unidades e
exprimem as modalidades enunciativas (declaração, pergunta e exclamação). Os sinais
de pontuação, de uma certa maneira tentam desempenhar algumas funções de
delimitação e de estabelecimento de contrastes que os elementos prosódicos
realizam, como, por exemplo, o ponto e a vírgula são pausas, as exclamações,
interrogações e reticências representam a forma entoativa da frase, o travessão marca
a interlocução, e assim por diante.
Na segunda codificação (o modulador), as regras paralingüísticas de
caráter motivado transformam (deformam) a mensagem lingüística primária e a
concretizam em forma de sentido. A mensagem secundária, afetiva, gradiente e
gestual, aparece como uma maneira de dizer e exprimir a atitude do locutor a respeito
do que diz, seu estado psicológico e fisiológico e sua estratégia de interação social.
Para marcar as divergências entre as regras de ordem lingüística e as
paralingüísticas, Fónagy assinala que a gramática produz elementos distintivos e o
modulador cria sinais inteiros, não articulados, como uma careta, uma constrição
expressando o sentimento. Estes sinais são motivados, ao passo que a relação entre o
sentido e a significação da palavra e seus elementos sonoros é geralmente arbitrária.
25
As mensagens lingüísticas compõem-se por um número limitado de elementos
discretos, enquanto os sinais produzidos pelo modulador são de caráter contínuo.
Podemos exemplificar com o alongamento, como uma vogal, lingüisticamente breve ou
longa, pode ser mais ou menos alongada, conforme a intensidade da emoção. As
mensagens lingüísticas revelam geralmente um pensamento conceitual, ao passo que
as mensagens produzidas pelo modulador não alcançam um alto grau de organização
semântica. As mensagens semânticas, por outro lado, têm um caráter utilitário e mais
lógico, são expressas por meio de um código normalizado e são compostas por
estruturas abstratas e constantes, que envolvem regras de sintaxe e de organização
fonêmica. As mensagens estilísticas têm um caráter pessoal, de realizações concretas
e individuais, mas segundo o autor, de característica parasitária e dependente das
mensagens semânticas.
As mensagens estilísticas são expressões manifestas de seu próprio
caráter auxiliar, o que supostamente facilita a expressão das atitudes e intenções pré-
conscientes ou inconscientes. O autor afirma que, relegadas ao segundo plano,
disfarçadas pelas mensagens lingüísticas e consideradas como maneira de falar, elas
gozam de uma maior liberdade, pois antes de tudo, é essa desvalorização semiótica
que assegura seu anonimato e lhes permite expressar de maneira mais ou menos
vaga, o indizível. Como no exemplo dado por Fónagy (1983:22):
“o caráter pré-conceitual dessas mensagens evita ao locutor certas
confrontações, como: a interlocutora não poderia mais formalizar o beijo
prefigurado que implica uma labialização insólita. Com mais forte razão, seria
absurdo querer sustentar o choro pela tentativa de homicídio referindo-se à
voz estrangulada do locutor”
6
.
Apesar do seu caráter motivado, as mensagens sonoras gestuais não são
"espontâneas”, não escapam às convenções colocadas pelas diferentes línguas, sendo
pré-fabricadas pelas convenções que desempenham um papel mais importante na
expressão das atitudes complexas sociais e intelectuais, do que na expressão das
emoções mais simples (Fónagy, 1977,1983).
O estilo verbal (o que outros autores chamam de estilo vocal, modo de
pronunciar ou maneira de falar) é uma série de manipulações expressivas nas frases
6 Para melhor entendimento, este simbolismo advém da abordagem psicanalítica, em especial dos conceitos psicanalíticos de
pulsão e representação, abordados na página 46.
26
engendradas pela manipulação das seqüências de sons, da acentuação, da entoação,
da distribuição de pausas, da ordem dos elementos significativos, transformação dos
signos lexicais e gramaticais e da pontuação.
Fónagy argumenta que a prosódia pode ser considerada como
pertencente a uma fase arcaica da evolução da linguagem, uma vez que é portadora
de elementos musicais que comportam traços de uma pré-linguagem ancestral, em que
uma regressão estrutural e funcional restaura na comunicação verbal um estado de
comunicação gestual, pré-lingüística ou mesmo pré-comunicativa, por meio de uma
distorção regida por um código natural, universal, que ignora o signo arbitrário. Tais
tendências pré-lingüísticas são, contudo, perfeitamente domadas e submissas ao
princípio da realidade - elas acontecem a serviço da comunicação, enriquecendo a
linguagem e atribuindo-lhe uma nova dimensão de profundidade.
O sinal expressivo representa, desse modo, um estado intermediário
entre um sistema de comunicação mais evoluído - a língua - e um estado arcaico e
autístico de agir, cujos movimentos corporais são utilizados para reduzir imediatamente
a tensão. Dois sons podem ser idênticos na medida em que representam o mesmo
fonema, e diferentes, quando comportam como gestos vocais, duas mensagens
diferentes: ameaça e caricia, tristeza e alegria etc.
“Cada atitude é expressa por meio de um jogo mimético que lhe é
próprio, que traduz em movimento exteriorizado o conteúdo mental de uma
atitude emotiva ou intelectual. É como se ocorresse uma materialização da
emoção. A emoção, que não é, parece, é a internalização de uma ação
recalcada, é transformada em atos” (Fónagy, 1983:40).
O que distingue as mímicas bucal, faríngea e laríngea de outras
externalizações é sua perfeita integração à comunicação verbal propriamente dita, que
podem ser registradas instrumentalmente e podem ser identificadas e reproduzidas
pelo ouvinte. Tais performances vocais de caráter gestual, como as metáforas são
interpretadas num nível pré-consciente ou inconsciente, normalmente escapando da
análise consciente, e são explicadas a partir das relações das sensações sinestésicas,
táteis e acústicas.
O gesto vocal não é um gesto em si, direto, mas um gesto virtual
“desviado” entre a realização ideal e a concreta. Por exemplo, o gesto articulatório goza
de certa independência no que diz respeito às restrições fonéticas impostas pela
27
língua, podendo a tensão psíquica manifestar-se por uma articulação mais tensa que a
exigida normalmente para um fonema dado, num determinado contexto fonético. Um
gesto glótico é integrado à palavra tanto quanto um gesto nervoso de mão tremula uma
folha de papel.
A disparação do gesto, enquanto gesto, ao nível da consciência não
implica, naturalmente, a sua dissolução total: mantém-se intacto na interpretação
inconsciente da palavra, do mesmo modo que a metáfora guarda o seu sentido
primitivo para o inconsciente.
Os gestos vocais que constituem o estilo vocal transformam-se,
desaparecem enquanto gestos fonatórios portadores de mensagens gramaticais, para
reaparecerem enquanto maneira individual de falar. Isto significa que os gestos vocais
destacam-se na atitude emotiva a que se referem, por individualizarem o locutor, como
parte da sua descrição, assim como a cor dos seus cabelos ou o seu nome.
O princípio de condensação inerente à comunicação “À Viva Voz” para
supor a distorção da mensagem lingüística primária e, conseqüentemente, a produção
de sinais gestuais, é constituído de regras “estreitas, rigorosas e relativamente
simples”, como:
1. A representação sintomática, ou seja, a reprodução voluntária dos
sintomas vocais duma emoção, assinala a presença dessa emoção, como, por
exemplo, a contração da faringe assinala a náusea, e a reprodução deste sintoma que
marca as emoções ou atitudes derivadas, como desgosto, mal-estar, falta de prazer,
desprezo e/ou ódio.
2. A representação simbólica, ou seja, os órgãos da fala podem
representar, simbolizar outros objetos animados ou inanimados que lhes são
associados pela semelhança ou por uma analogia funcional, como outros órgãos do
corpo humano ou objetos exteriores. Um exemplo é o fato de a língua poder
representar o braço ou a língua próxima do céu da boca representar objeto próximo ou
pequeno.
3. O princípio do isomorfismo exige que diferentes graus semânticos
correspondam a diferentes graus de intensidade no plano da expressão sonora. Assim,
a intensidade de uma emoção corresponde à intensidade da respectiva atividade
muscular ou o alongamento de sons indicam emoções (vogais indicam as emoções
carinhosas e as consoantes as agressivas).
Fónagy conclui que o estilo verbal é uma mensagem secundária
produzida com ajuda de um sistema de comunicação pré-verbal e é integrada à
28
mensagem lingüística propriamente dita. Amplia suas indagações quanto às regras do
estilo vocal para outros níveis da linguagem e ainda, para outros modos de agir, de se
comportar. Afirma que:
“todo modo de se comportar encerra uma atividade parasitária (oculta),
enxertada na atividade projetada com um fim preciso, consciente.... as
atividades ocultas, involuntárias, respondem as veleidades incontroladas,
inconscientes” (Fónagy, 1983:25).
Fónagy baseia-se na teoria psicanalítica para descrever a relação entre a
função lingüística e suas bases pulsionais, que são melhor evidenciadas quando se
trata de estados regressivos da emoção. O quadro 1 apresenta uma síntese dos
elementos pulsionais e os correlatos fonéticos e acústicos da fala e da voz, que podem
ser resumidos em três perfis vocais.
Quadro 1 - PERFIS DE FALA E DA VOZ SEGUNDO OS ELEMENTOS PULSIONAIS E OS CORRELATOS FONÉTICOS E
ACÚSTICOS
Elementos pulsionais (Fónagy, 1983:185)
Perfil 1 Perfil 2 Perfil 3
Articulação tensa Articulação relaxada
Articulação distinta, nem tensa,
nem relaxada
Longa duração das oclusivas Longa duração das fricativas Tendência a /r/ múltiplos
Constrição glótica e faríngea Ausência de constrição Voz cheia
Ataques vocais fortes freqüentes
(oclusivas glóticas)
Ausência de ataques vocais fortes
Ataques vocais fortes e
freqüência moderada (depende
do sexo)
Acentos vigorosos
Acentos fracos
Acentos de força média
(dependente do sexo)
Acentos sobre sílabas contíguas
Acentos raros
Acentos deslocados
harmoniosamente
Acentos distribuídos
Acentos distribuídos
harmoniosamente
Pausas numerosas, inúteis e
longas
Poucas pausas ou muito breves Pausas bem distribuídas
Ritmo staccato, embora pouco
rápido
Taxa de elocução rápida Taxa de elocução média
Curva melódica "angular" Extensão melódica estreita
Extensão melódica bastante
larga, ondulante
Melodia dependente dos acentos Melodia monotônica
Ritmo tenso/ abrandamentos
na melodia
As metáforas fonéticas são frutos da análise pré-consciente ou
inconsciente da articulação e da interpretação subjetiva dos sons da língua e estes são
associados aos objetos sonoros, coloridos (claro ou sombrio), grandes ou pequenos,
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leves ou pesados, finos ou grossos, duros ou moles, lisos ou rugosos, secos ou
molhados, transparentes ou opacos. São ainda associados com o sexo (masculinas e
femininas), com atitudes carinhosas ou eróticas etc. O estudo detalhado de Fónagy
(1983) sobre as metáforas fonéticas indicou em diferentes línguas, na literatura e na
poesia que o valor estilístico de uma variante não depende unicamente da
interpretação inconsciente do gesto fonatório, mas também, do grupo social e da idade,
os quais preferem certa variante.
Em muitas línguas, a dureza das consoantes está ligada à sílaba
acentuada, sobretudo as oclusivas que se alongam, que emprestam ao discurso um
caráter “staccato”, que atende as bases pulsionais da retenção. Na cólera, alongam-se
as consoantes surdas enquanto que nas emoções ternas prolongam-se as consoantes
“doces” (l, j, m) e as vogais.
O autor relacionou, por um lado, o uso do [r] apical múltipla à pulsão
genital masculina, exteriorizado em ações e acontecimentos violentos e agressivos e
em relação à masculinidade. Por outro lado, a variante múltipla ([R]) e as fricativas
uvulares ([ʁ]) exprimem sinais de fraqueza, de caráter ou de idade. Afirmou que a
dureza da variante apical múltipla ([r]) é qualitativamente diferente da dureza das
oclusivas surdas e das constritivas laríngeas e faríngeas, pois está relacionada à idéia
de grandeza e de majestade. A consoante r “mais fortemente rolada” ([r] apical
múltiplo) confere às línguas espanhola e italiana um caráter de masculinidade e no
francês está enfraquecida, já que não está mais associada à idéia de violência. A
respeito deste enfraquecimento, afirmou que na época de Victor Hugo, o ([r]) apical
múltiplo cedeu lugar ao ([R]) múltiplo uvular e ao ([ʁ]) fricativo uvular, mais amáveis e
mais populares nos meio aristocráticos, distinguindo as
“castas dominantes das massas do povo baixo” (p.96), de forma que a
“renúncia da agressividade fálica a uma manifestação muito direta da força viril
parece corresponder a certas tendências da civilização mundana”
(Fónagy,1983:102).
O acento gramatical ou lógico é oposto ao acento dinâmico, de caráter
estilístico, isomórfico e universal, que tem por regra expressar uma emoção
particularmente intensa, muda-se de lugar o acento e reforça a ênfase do acento. O
acento vigoroso, múltiplo é, por exemplo, uma das principais marcas da cólera, do ódio,
ou de uma atitude mais agressiva, tendo como bases biológicas e filogenéticas as
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contrações violentas dos músculos laríngeos, torácicos e abdominais, a hiperventilação
e a ejeção violenta de ar, as quais refletem a tendência à vontade em reduzir uma forte
tensão e ao mesmo tempo o impulso para enfrentar o inimigo.
A interpretação psicanalítica sugere que uma atitude agressiva acentuará,
não importa em que língua, a estrutura rítmica da frase, reforçará os acentos, reduzirá
a melodicidade. E mais: simplificará o esquema melódico, encurtará a duração das
vogais e prolongará as consoantes obstruíntes, introduzindo pausas freqüentes e,
muitas vezes, irregulares.
“O que aproxima o acento enfático e a performance articulatória
expressiva em geral é a realização mímica de um fantasma, sua
internalização, sua incorporação, o salto no soma. O que o separa de um
sintoma é a integração perfeita de uma atividade pulsional à comunicação
verbal.... No decorrer de uma crise de cólera faz-se uma recaída instantânea...
a expressão – ex pression - torna-se um substituto de substâncias corporais. O
acento enfático restitui a linguagem corporal sem destruir a mensagem verbal.
A relação entre a performance lingüística e a mensagem corporal torna-se
sensível, ressente-se, plenamente, o prazer que nasce de sua fusão, sem
tornar-se consciente. Esta contradição aparente está na base do prazer sem
partilha e sem remorso que nos oferece a fonação expressiva, e em geral, a
linguagem expressiva, inclusive a expressão poética” (Fónagy 1983:115).
A alta regularidade da curva melódica, a melodicidade, produz uma
sensação agradável. Está estreitamente relacionada à expressão de emoções
carinhosas e faz referência ao esforço exigido na sua decodificação: a economia
intelectual representa o prazer estético. Simbolicamente o movimento periódico
provoca uma regressão que desliga o “eu” de sua companhia real, induz ao sono ou ao
êxtase.
Para Fónagy (1983) a entoação é a imagem da alma e tais mudanças na
freqüência do tom, determinantes das inflexões e das nuanças sucessivas da voz, são
refletidas na consciência, não como mudanças de freqüência ou de tensão, mas sob a
forma de um movimento espacial - o tom sobe quando a vibração das cordas vocais se
acelera; o tom desce quando a vibração diminui. Este tipo de relação bem estabelecida
entre a freqüência de vibrações e o movimento espacial, permite reduzir os gestos
manuais ou corporais a dimensões modestas e ocultá-los completamente.
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É dessa forma que a entoação é a uma projeção espacial da mímica
laríngea. Assim como na poesia e na prosa artística ou na música vocal, os
movimentos melódicos entoacionais revelam-se ainda como fonte de prazer, criam
tensões e as resolvem, exprimindo emoções em movimentos, como na dança.
É preciso destacar a grande capacidade de Fónagy de integrar em sua
teoria conhecimentos de vários campos, em particular a Medicina, a Psicanálise, a
Lingüística e das Artes (música, teatro e poesia). Da união entre as pesquisas sobre
simbolismo fonético e acústico e Psicanálise nasceram às metáforas fonéticas
(articulatórias e melódicas), que não poderiam ser compreendidas se o autor não
concebesse os movimentos motores bucais, faríngeos e laríngeos como gestos
virtuais. Finalmente, compreendeu que os vínculos entre os gestos e as metáforas
estão a serviço da externalização das emoções e atitudes.
A teoria de Fónagy é admirável por reunir tantos argumentos a favor do
simbolismo e da integração do som e sentido, mas ao materializar suas evidencias
(dupla codificação verbal) mantem em sua concepção de linguagem a cisão entre o
que é da ordem da gramática e, portanto, pertencente a língua (langue) na concepção
saussuriana, do que é da ordem do expressivo-estilístico, pertencente a fala (parole).
Indiscutivelmente, o autor abriu o caminho para a discussão e o aprofundamento das
relações entre os movimentos corporais (gestos oro-faringo-laríngeos), o simbolismo
sonoro e as demandas da língua e do indivíduo, que em sua concepção é o estilo
vocal.
A EXPRESSÃO ORAL E OS NÍVEIS DE FALA
“Cada fonema deixa certa margem às
realizações possíveis, e é em todas
estas margens que se pode elaborar a
pintura sonora” Bühler (1934).
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Sapir (1927) propõe que a análise da “fala como um traço da
personalidade” (p.892) deva considerar o papel da sociedade e do indivíduo nos
diferentes níveis: qualidade e dinâmica da voz, pronúncia, vocabulário e estilo, pois em
cada um dos níveis estão contempladas distintamente as variações sociais (do idioma
e dos hábitos lingüísticos de um grupo particular) e as variações individuais.
O posicionamento do autor de forma muito intuitiva e com as tantas
limitações da época, vem ao encontro de muitos dos pressupostos hoje pesquisados e
conhecidos, na Fonética e na Estilística. Remete-se à prosódia, quando fala do estudo
das línguas como as variações dialetais e individuais, quando inter-relaciona o que é do
domínio do articulatório e do fonatório e quando distingue a qualidade e dinâmica da
voz. Remete-se à estilística, quando estende ao vocabulário e ao estilo de fala a
investigação da expressão emocional, tocando na questão do gênero, ao afirmar que
há um estilo conversacional.
O autor apresenta a qualidade de voz como o elemento mais “baixo” e
fundamental, por ser o primeiro modo de expressão do organismo psicofísico, desde o
nascimento, que se manifesta em nuances, muitas vezes, inomináveis (referindo-se às
muitas classificações vocais). No nível da dinâmica de voz, Sapir engloba a entoação,
o ritmo, fluência e velocidade, enquanto manifestações e leituras sociais e individuais,
que devem ser avaliadas separadamente.
Ao falar em pronúncia, remete-se ao simbolismo sonoro das vogais e
consoantes que podem ser exploradas expressivamente pelo orador, da mesma forma
que a escolha do vocabulário não é somente uma opção social. Refere-se a um estilo
de fala conversacional, próprio de um grupo ou de um indivíduo, que traduz mais que
relações arbitrárias e casuais.
Compreendendo a fala expressiva em níveis de análise, análogo aos
níveis de Sapir (1927), neste capítulo o nosso objetivo será apresentar como os
segmentos fonéticos (vogais e consoantes) e a voz (em qualidade e dinâmica)
constituem as unidades de sentido, chamados por Bakthin (1997) de enunciados.
Pretendemos fornecer subsídios para as análises dos dados, tanto do ponto de vista
teórico como do ponto de vista das pesquisas empíricas realizadas no campo
prosódico e, posteriormente, no campo da expressão de emoções e atitudes.
Entendemos a prosódia como responsável pelas propriedades temporais
do enunciado, pois agrupa as palavras em estruturas rítmicas e tem função integradora
na organização e na produção do discurso. É na interação entre prosódia e segmento
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que se constroem as estruturas melódicas e rítmicas da fala. E a fala caracteriza-se por
variação. Além da variação segmental (alofônica), um mesmo segmento varia em
função do contexto prosódico.
O nível dos segmentos
Como apontado no primeiro capítulo, as associações acústicas
relacionaram os segmentos sonoros com outras dimensões da sensação e da
percepção física, sexo e com emoções e atitudes e, tal apreensão do valor expressivo
dos sons levou os gramáticos a categorizarem as consoantes. Além das propriedades
sinestésicas, os sons da fala podem ser usados de forma incomum, reduplicada ou
marcada, compondo os elementos do simbolismo sonoro.
Em paralelo ao elemento simbólico do som propriamente dito, temos a
forma com a qual os segmentos na fala são ditos, ou como diz Sapir (1927) e outros
autores posteriores, a própria variação articulatória (pronúncia nas palavras de Sapir)
de um mesmo som tem o valor de um gesto, o que enfatiza a noção simbólica
inconsciente. Temos como exemplo o fato de o alongamento do segmento vocálico ou
consonantal (a plosão ou fricção) poder apresentar-se de forma nivelada e em
desnível. Se em desnível temos a mudança de tom ocorrendo concomitante, este
alongamento se torna mais perceptivo do que quando nivelado. Outro exemplo é a
variação f0 e intensidade que pode ocorrer conforme a pressão exercida nos
articuladores, como nas oclusivas que se alongam, emprestando ao discurso um
caráter “staccato” e duro (Fónagy, 1983).
Bolinger (1985) descreve que há diferenças no comprimento de vogais e
consoantes que envolvem alguma forma de expressividade, já considerando as
diferenças provindas da estrutura acentual da língua. Aponta que algumas palavras
têm um comprimento inerente que permite alongamento juntamente com uma descida
de pitch até o final do enunciado, enquanto outras, de mesma composição sonora,
produzem a perda do significado da sentença. O alongamento é usado mais
sistematicamente como um intensificador dos adjetivos que expressam grau e na
exclamação, onde todas as palavras podem estar alongadas.
O fonema /r/ no Português Brasileiro (doravante mencionado como PB)
tem sido objeto de muitos estudos por se realizarem na fala com variações, tanto de
ponto quanto de modo de articulação e voz. Do ponto de vista articulatório, as
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variações encontradas podem ser atribuídas ao espaço articulatório existente tanto na
dimensão vertical da boca (grau de abertura), quanto longitudinal (área de articulação)
(Callou; Leite, 1990).
Lima (2003) sintetizou os estudos no Brasil que registram variação
quantitativa do fonema na dimensão social e geográfica. Observa que há uma
tendência geral de mudança na norma de pronúncia do /r/ em posição de coda silábica,
que permite dividir o Brasil em duas áreas dialetais, partindo do Rio de Janeiro, para
cima e para baixo. Acima, em direção ao Norte, predominam as variantes posteriores
velares sonoras
[ɤ], uvulares surdas [χ] e glotais surdas [h] e sonoras [ɦ ], enquanto
que abaixo do Rio de Janeiro (em direção Sul), predomina a pronúncia das vibrantes
simples [ɾ].
Em dois momentos, o Brasil discutiu normas para a pronúncia do
Português (1937 e 1956). Em 1958, as normas aprovadas pelo Primeiro Congresso
Brasileiro de Língua Falada no Teatro admitiram para o fonema /r/ as variantes
vibrantes ápicoalveolar simples e múltipla e dorsovelar múltipla (França, 2004).
Segundo Callou; Leite (1990) na versão culta do dialeto, as variantes
posteriores são mais comuns do que as anteriores. A articulação anterior foi substituída
pela realização posterior em Português e em outras línguas, não só uma mudança
quantitativa no número de vibrações (vibrante simples e múltipla), mas também
qualitativa, do ponto de articulação (de alveolar para uvular ou velar) e de vibrante para
fricativa. Estas mudanças podem ser atribuídas por processos fisiológicos de
relaxamento e comodidade articulatória, vista na tensão necessária para se articular as
vibrações da variante ápico-alveolar, para a fricativa velar e desta para uma aspiração
da fricativa glotal. As mudanças no PB parecem datar do final do século XVIIII e as
diversas pronúncias ainda concorrem, embora a realização ápico-alveolar, variante
considerada de maior prestígio, fosse considerada uma forma padrão básica para a
linguagem do rádio, teatro e televisão.
Os segmentos podem ainda ser marca estilística, conforme destacaram
Rocha Filho (1989) e Madureira (1992) para o uso da variante de /r/ no PB. Rocha Filho
encontrou o uso da vibrante alveolar entre os locutores de futebol no Brasil conferindo
um caráter eloqüente ao discurso e que, em muitos momentos, funcionava também
como pausa. Madureira, analisando a fala de um orador em situação de palestra,
encontrou as variantes fricativas faríngeas (uvular e glotal), em geral alongadas,
associadas com fala enfática ou extremamente enfática.
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O nível prosódico
2.1 A Qualidade de Voz
A voz, segundo Sapir (1927:895), é um “índice simbólico da
personalidade total”, vista como um gesto que toma parte do jogo mimético total,
resultante tanto de elementos sociais como individuais, que é “em grande parte uma
simbolização inconsciente da atitude geral da pessoa”.
Do ponto de vista da interação das estruturas do trato vocal na produção
sonora há duas formas de se compreender a qualidade de voz, que se diferenciam no
entendimento das interações entre as fontes de produção e modificação do som.
O primeiro posicionamento, mais tradicional, diferencia e descreve as
fontes glótica e supraglóticas separadamente. Nessa perspectiva, é necessário
especificar o ajuste glótico (tipo de coaptação das pregas vocais: fenda, sobreposição,
desnivelamento), os ajustes ressonantais (laríngeo, faríngeo, oral, nasal e nasal
compensatória) e a forma de articulação, referentes não só aos pontos articulatórios
(precisa e imprecisa) como ao grau de abertura mandibular (travada, fechada,
adequada, aberta e sobrearticulada).
A somatória desses elementos é a impressão global que a voz causa no
ouvinte caracterizando a qualidade vocal, descrita segundo o aspecto de maior
saliência. Como a descrição é baseada na fonte acústica predominante, ela traduz não
somente a qualidade da fonte glótica ou dos ressoadores (como por exemplo, vozes
sussurradas, estridentes ou nasais), mas também, pode descrever uma característica
física ou emocional do falante (como voz infantilizada, virilizada, afeminada ou
pastosa). Tal descrição de qualidade de voz é, muitas vezes, restrita ao denominado
por Behlau, Pontes (1990) como tipo de voz.
Uma vasta nomenclatura é encontrada para descrever a qualidade ou tipo
da voz e tem sido usada na clínica fonoaudiológica e em assessoria a profissionais da
voz, como material para apontar coincidências e divergências entre a imagem vocal
pessoal e social do indivíduo (Viola, 2002). Mesmo com o alto grau de subjetividade
que esses termos carregam, eles refletem o simbolismo da voz e as impressões que a
voz pode causar no ouvinte. Fato é que não há nomenclatura capaz de fazer justiça à
vasta e confusa gama do fenômeno vocal, conforme afirmava Sapir (1927), quanto
mais encontrar um único nome para descrever as inúmeras variações que acometem a
qualidade vocal a curto e longo prazo.
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O segundo posicionamento, que nos parece mais apropriado à pesquisa
e à clínica, parte da qualidade de voz concebida como modificações que ocorrem em
diferentes perspectivas temporais, permitindo que um mesmo trato veicule na
qualidade vocal informações com diferentes funções (Sapir, 1927; Abrecombrie, 1967;
Scherer, 1979, 2000; Laver, Trudgill, 1979; Fónagy, 1983; Laver, 1980, 1994, 2000).
Assim, teremos as informações veiculadas permanentemente (ou a longo termo) e as
temporárias (ou característica quase permanente). De forma mais permanente e fora
do controle do falante, a voz transmite características inatas, sexo, idade e estado
físico (como afecções respiratórias) e, temporariamente, controláveis ou não, sua voz
veicula informações de ordem comunicativa e/ou emocional.
Entendida a qualidade de voz como produto final da integração da fonte
(glote) e dos filtros (ressoadores e articuladores), conforme o Modelo Fonte-Filtro (Fant,
1970) é possível localizar as partes do aparelho fonador que realmente contribuíram
para a qualidade sonora gerada, considerando a influência dos níveis orgânico e
fonético (variações momentâneas relacionadas aos segmentos).
Assim, Laver (1980) buscando diminuir tal grau de subjetividade na
descrição da qualidade vocal, propôs um modelo atomístico que descreve os aspectos
pontuais relativos aos efeitos sonoros decorrentes de elementos identificáveis e
controláveis de forma independente no aparelho fonador.
A qualidade vocal emerge como uma abstração cumulativa num período
de tempo da qualidade característica do falante, a qual é deduzida das flutuações
momentâneas, esporádicas dos segmentos, mas que responde às variações de ordem
psicológica e estilística. Um ajuste pode e deve ser uma propriedade que se estende
por mais de um segmento, mas não há limite para sua ocorrência no tempo.
Laver (1980) descreveu 53 tipos de ajustes (settings) que representam
variantes do ajuste neutro em nível supralaríngeo (articulatório) e laríngeo (fonatório),
agrupados em laríngeos, supralaríngeos e de tensão.
O modelo de Laver foi amplamente discutido pelo autor em várias
publicações e teve uma última versão (2000) adaptada por Camargo (2002); embora a
autora não tenha tido a intenção de validar uma adaptação do protocolo para uso
clínico, o modelo resultante tem aplicações para tal fim, já que foi discutido com
parâmetros da área fonoaudiológica e para o Português Brasileiro (Viola, 2003c) e
incluem na proposta as ocorrências de curto termo de diplofonia, de quebras e de
instabilidades.
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Para expressar o quanto um ajuste está afastado do ajuste neutro, Laver
previu seis graus, sendo que estes não traduzem somente graus de comprometimento
da voz, e sim, o quanto um ajuste afeta em maior grau os segmentos não susceptíveis.
Deste modo, um segmento pode estar afetado sendo ou não uma fala comprometida.
Os graus são distribuídos de 1-3, faixa dos ajustes presentes na fala normal e 4-6 para
patologia ou extremos paralingüísticos da expressão da emoção (Camargo, 2002).
Entendendo que em Camargo (2002) encontramos as discussões
necessárias para o entendimento do modelo, não retomaremos os pressupostos do
modelo, denominado Descrição Fonética da Qualidade Vocal. O protocolo final
apresenta-se em anexo (anexo 1).
2.2 A Dinâmica da Voz
O nível da dinâmica de voz distingue os comportamentos que se
emaranham na voz, propriamente dita, por meio da interação da entoação, mudanças
de intensidade, ritmo, taxa de elocução e continuidade, que acentuam e segmentam a
fala.
A palavra acento evoca o significado dos sinais gráficos
convencionalizados colocados acima da vogal, comumente usado na Gramática
Normativa do Português, os quais coincidem com a noção de “ênfase” e “força”. Em
Fonética, o significado está relacionado à proeminência da sílaba ou da palavra em
relação aos outros elementos vizinhos, mas não perde o caráter que a pressão tem na
produção do acento. Neste sentido, o elemento acentuado é aquele que exprime a
tensão, aquele em posto destaque, que revela. A sua distribuição é dada, então, pelas
regras da língua e pelas intenções do falante.
Acusticamente, o acento, no sentido de proeminência ou saliência, pode
ser sinalizado por variações de duração, intensidade, altura e qualidade de voz e não
necessariamente está relacionado àquilo que se eleva, que está acima. Portanto, a
proeminência pode estar sinalizada, por exemplo, por uma queda de altura ou
intensidade.
Gramaticalmente, numa frase existe o acento lexical (da palavra) ou frasal
(acento da frase). No PB, o principal correlato acústico do acento lexical é a maior
duração da sílaba acentuada (a sílaba tônica) e queda de intensidade na sílaba
posterior (a pós-tônica) (Massini-Cagliari, 1992; Barbosa, 1996, 2000). Assim, a
39
diferença de duração das vogais entre as palavras sabia, sabiá e sábia é o que
expressa os diferentes significados.
A intensidade é o correlato acústico usado em muitas línguas para se
realizar o acento lexical e pode ser o elemento usado para se dar foco a uma
mensagem. Seu correlato psicoacústico é a loudness e é medido em decibéis (dB).
Geralmente, é mais fácil detectar a mudança do pitch do que a mudança da loudness,
pois é necessário, ao menos, 5% de aumento na loudness para um ouvinte perceber a
mudança. A percepção da loudness está relacionada diretamente ao pitch (ou à
freqüência). É um parâmetro de difícil pesquisa, dadas as condições exigidas para
captação do som, isolando-o do ruído ambiental e controlando a distância do
microfone. Poucos harmônicos determinam a percepção de loudness, sendo
particularmente salientes na percepção de ódio (fúria) e da alegria (Chung, 2000;
Scherer, 2003).
O acento frasal se realiza com movimento de f0 mais amplo, que recai
sobre a palavra, que na frase veicula a informação mais importante (o foco). Os
acentos lexicais alongam a vogal e a consoante da sílaba acentuada, enquanto os
acentos frasais alongam também a consoante seguinte à vogal acentuada e, por isso, o
ritmo de uma língua é dado por ambas acentuações (lexical e a frasal), que estão
sujeitas a variações, dependendo da língua, da taxa e do estilo de locução.
Em outras palavras, a combinação dos acentos nos intervalos de tempo
forma o ritmo de uma língua (ou de um tipo de fala específico). Outrora, o ritmo foi
compreendido como uma recorrência de um evento em um intervalo regular de tempo.
Nessa perspectiva, as línguas foram divididas em ritmo silábico e acentual. Na língua
de ritmo silábico, as sílabas teriam duração aproximadamente igual, enquanto que nas
de ritmo acentual, o isocronismo seria advindo da duração entre os intervalos das
sílabas acentuadas, o que gerava a diminuição duracional das sílabas não acentuadas,
de acordo com o seu número, para ocorrerem entre as duas sílabas acentuadas
(Abercrombie, 1967).
O princípio do isocronismo não pode ser sustentado. Segundo Barbosa
(2000) a sensação isocrônica é dada pelas características universais do componente
rítmico incidirem sobre o início da vogal, denominado por ele de perceptual center (p-
40
center) (ponto de ancoragem psicoacústica)
7
. Este dado confirma a importância que a
transição entre a vogal e a consoante tem para o processamento periférico auditivo.
Uma tendência ao ritmo mais acentual é encontrada no inglês e nos
estilos coloquiais e rápidos; e a tendência mais silábica, no francês e nos estilos
formais e mais lentos (Barbosa, 2000). O Português, tido por muitos autores como uma
língua acentual, mostra uma estrutura rítmica híbrida, tanto acentual quanto silábica
(Massini-Cagliari, 1992; Barbosa, 1999, 2000).
Quando se pretende investigar o ritmo, o parâmetro acústico mais
estudado é a duração, embora seja preciso incluir a freqüência fundamental e a
intensidade como integrantes para a percepção, apesar de ser o ritmo um fato a ser
percebido e estruturado pelo ouvinte e, dessa forma, os valores absolutos não
traduzem o ritmo percebido.
Como o ritmo é dado pela variação a longo termo da duração, ele poderá
ser avaliado através da medição e distribuição de eventos temporais, ao longo de um
enunciado. Barbosa (1999) propôs um modelo de estudo da produção dinâmica do
ritmo baseado em um sistema que associa o oscilador silábico e o acentual
simultaneamente, ou seja, um sistema de osciladores acopados. Tais osciladores
interagem e um influencia o outro, podendo, desta forma, variar de amplitude de acordo
com a força de acoplamento entre eles (Barbosa, 1996, 1999, 2000, 2002).
O ritmo da língua, às vezes, pode diferir daquele que expressa a
personalidade (Sapir, 1927) e do apresentado em falas de portadores de doença
neurológica (como no Parkinson e esclerose lateral amiotrófica) e psiquiátrica (como
em algumas psicoses). O ritmo é influenciado pela taxa de elocução
8
, uma vez que ela
interfere na duração dos segmentos, sílabas, palavras e enunciados; contudo, não
devemos confundi-los, como muitas vezes aparece na literatura fonoaudiológica
(Ghirardi, 2004).
Retomando a questão da acentuação, para Levelt (1989) o planejamento
métrico e a entoação ocorrem em conjunto. A entoação pode ser definida como a
forma de associação dos acentos de palavra numa seqüência que forma a melodia da
fala. O parâmetro acústico principal da entoação é a freqüência fundamental (f0), que
expressa como os impulsos glotais se sucedem (abertura e fechamento das pregas
7 GIPC, ou grupo inter perceptual center, é segundo Barbosa (1996,1999) o local de culminação do acento na frase, entre duas
vogais, que ancora a percepção do ritmo. Em trabalhos mais recentes, Barbosa usa o termo unidade vogal-vogal, mas manteremos
neste GPIC, dado que este é o termo que aparece nas publicações usadas neste trabalho.
8 Para Barbosa (2000) a melhor tradução para o termo “speech rate” é taxa de elocução, pois o termo velocidade de fala evoca a
medição da grandeza física pela taxa de silabas por unidade de tempo, não traduzindo os movimentos dos articuladores.
41
vocais). É medida em Hz e seu correlato perceptivo é o pitch (conhecido também como
pitch habitual), referido como alto e baixo.
A melodia da fala é definida principalmente, mas não somente, pela
variação de pitch e sua modulação. Os picos métricos são os principais locais onde
ocorrem os movimentos do pitch. Normalmente numa frase os movimentos de pitch
nuclear e o de fronteira (em posição de final da frase) são independentes e se
relacionam (“jogam”) nos diferentes papéis expressivos.
O termo pitch accent (traduzido por acentos de pitch) é usado para
denominar qualquer configuração de pitch que torne uma sílaba proeminente,
coincidente ou não com a tônica. A relação entre vários pontos de pitch ao longo do
enunciado configura um contorno, que pode ser nivelado, ascendente, descendente,
ascendente-descendente ou descendente-ascendente.
A f0 pode variar intrinsecamente (micromelodia) refletindo um efeito de
co-articulação de dois segmentos produzidos em seqüência. Como exemplo temos a
freqüência fundamental que sobe em média entre 10 Hz e 20 Hz no início de uma
vogal, seguindo uma obstruínte intrinsecamente vozeada e desce entre 5 e 18 Hz no
início de uma vogal, seguindo uma consoante não vozeada e, por variação fisiológica
normal, em torno de 18% de um dia para o outro (Mira Mateus, 1990).
A unidade básica de descrição da entoação é o grupo entoacional
(também chamado de frase entoacional ou oração fonêmica), definido por Cruttenden
(1986) como as variações melódicas em torno de um núcleo (sílaba que recebe os
movimentos mais amplos de f0), que pode ser delimitado pelos seguintes fenômenos
prosódicos: pausa, anacruses
9
, alongamento de sílaba final e mudança de nível de
altura ou direção de altura entre sílabas acentuadas. A fronteira marca a divisão entre
os grupos entoacionais, os quais podem ou não coincidir com o término da oração.
Assim, temos os grupos entoacionais terminais (em final de oração) e os não terminais.
No PB, as melodias associadas aos diferentes tipos de enunciados
(afirmativa, interrogativa, imperativa e exclamativa) realizam-se independentemente do
número de segmentos ou de sílabas acentuadas que a frase possa ter. Essas melodias
foram chamadas de modalidades por Fónagy (1993). As modalidades são atitudes
fundamentais com relação ao objetivo da comunicação, ou seja, a apresentação do
enunciado como narração de um fato, hipótese, desejo, ordem, pergunta ou como
estímulo que provoca fortes emoções. Essas atitudes básicas são marcadas nas
9
Anacruses são as sílabas não acentuadas que antecedem o primeiro acento tônico da frase.
42
diferentes línguas por meio de morfemas determinados, pela ordem das palavras ou
por formas de entoação constantes, delimitadas de maneira nítida.
A melodia de uma frase entoacional é o resultado de uma variedade de
forças que expressa a participação afetiva do falante. O tom é aumentado quando um
tópico novo é introduzido pelo falante ou em resposta ao interlocutor. O falante sinaliza
se pretende continuar ou não por meio de prolongamento ascendente ou queda final.
Os pitch accents ocorrem onde há uma informação nova ou contrastiva.
Entre as propriedades melódicas globais da sentença temos a declinação,
extensão e registro. O abaixamento progressivo de f0 ao longo da frase, designa-se
declinação e é uma tendência considerada universal (presente tanto em línguas tonais
como nas acentuais), mas pela variabilidade das medidas há autores que põem em
dúvida a universalidade do fenômeno da declinação, que poderia estar relacionada
somente a fatores fisiológicos como diminuição da pressão aérea subglótica (Levelt,
1989). No fim de uma frase entoacional, o falante respira e o nível do pitch é restaurado
à posição inicial mais elevada.
A faixa de extensão do movimento do pitch em uma frase entoacional é
expressa pela variação entre as freqüências máxima e mínima que o falante usa na
conversação e depende, em particular, da importância da informação contida na frase.
A extensão é mais elevada quando expressa a informação principal, quando se
introduz um tópico novo (as excursões diminuem quando um tópico se torna exaustivo)
e quando o falante expressa algo com forte carga emotiva.
O termo registro refere-se a variações globais da extensão do pitch como
um todo, podendo localizar tanto em níveis baixos quanto mais altos, ou seja, movem-
se para cima ou para baixo.
Estes ajustes de extensão e de registro não requerem nenhum
planejamento prévio especifico, pois serão ajustados pelo falante conforme ele
contrapõe as informações de primeiro plano e as de fundo (Levelt, 1989).
Laver (1994) faz uma distinção entre pitch range e paralinguistc range,
denominando o primeiro como a faixa de extensão de pitch que o falante é fisicamente
capaz de produzir, enquanto o segundo corresponde aos ajustes que o falante realiza
para marcar uma emoção ou atitude particular, mas está submetido às limitações
filológicas e às distinções culturais das línguas. É nesse sentido que usamos o termo
extensão, uma vez que não avaliamos fisicamente o sujeito dessa pesquisa.
Para a análise da freqüência fundamental usamos as medidas de faixa de
extensão, variabilidade, valores medianos, máximo e mínimo, o modo que o movimento
43
se desenvolve (abrupto, atenuado ou contínuo) e o grau de mudança (grande ou
pequeno) (Madureira, 2004).
Bolinger (1985) ressalta que é difícil separar a expressão de emoções dos
atos do discurso e dos contrastes gramaticais, aos quais os lingüistas confinaram a
entoação, pois a entoação pode ser compreendida como um sintoma de como nós
sentimos o que falamos e quando falamos. Para o autor, a entonação e a localização
da tonicidade relacionam-se diretamente com a emoção. Fónagy (1993) demonstra
como as emoções e atitudes são expressas nas modalidades com discreta modificação
nos contornos entoacionais, como ocorre com o imperativo.
A distribuição das pausas segmenta e estrutura o discurso de um locutor
(intrapessoal) ou entre os interlocutores (interpessoal). A estrutura do diálogo é
marcada pelas mudanças de turno entre os participantes e o uso da pausa é a forma
mais comum para sinalizar tal mudança, mas nem sempre elas acontecem de forma
ordenada, pois podem também introduzir uma ruptura ou, se suprimidas, sobrepõem os
enunciados dos participantes (Bakhtin, 1997).
As pausas, enquanto decorrentes da necessidade fisiológica de retomada
de ar, são controladas pelos falantes e ocorrem mais freqüentemente nas mudanças de
turno e no final do grupo entoacional (também chamado de frase entoacionais ou
oração fonêmica).
As pausas, enquanto fatos gramaticais, só são possíveis no interior do
discurso de um único locutor, calculadas e deliberadas por ele em seu turno de fala. A
pausa marca a fronteira do grupo entoacional e coincide, de um modo geral, com
fronteira sintática, isto é, a fronteira de frase ou de constituinte, quando no interior da
frase (Cruttenden, 1986). Quando, porém, a pausa cai internamente e quebra a
coerência da estrutura entoacional, a fala é interrompida, tornando o discurso não
fluente ou hesitante (Laver, 1994).
Tanto as pausas de mudanças de turno como as de fronteiras dos
enunciados, podem apresentar função respiratória e/ou expressiva e serem silenciosas,
preenchidas ou perceptivas. A chamada pausa silenciosa para Laver (1994) é qualquer
silêncio de duração mínima de 200 ms. A pausa preenchida é aquela que tem conteúdo
não–lingüístico, como, por exemplo, o alongamento de parte da palavra, em geral uma
vogal (tipo [a:], [o:]) ou preenchidas com sons tipo [m:].
A pausa perceptiva é uma sensação de interrupção gerada por pistas
acústicas como na diminuição de f0, seguida de elevação, maior duração de sílabas
(alongamento) e alterações na qualidade vocal, como a soprosidade em final de
44
palavra. Outra estratégia é o alongamento da oclusão de um som obstruínte surdo
(plosivo ou fricativo), que pode ou não se misturar ao silêncio de uma pausa que o
precede (Fónagy, 1983).
A combinação do local de incidência da pausa na oração fonêmica, o tipo
de pausa e a variação de sua duração estão a serviço do sentido que se quer atribuir
ao dito. Nesse caso, as pausas assumem uma função no planejamento do discursivo,
ligando unidades sintáticas e semânticas e a função expressiva, na comunicação de
emoções e atitudes.
Fónagy (1983) afirma que, tanto na expressão como na linguagem
poética, a ambigüidade sintática e léxica é irredutível. Num poema, a estruturação
métrica dos versos exige uma pausa ao final do verso, porém a estrutura lingüística
pode criar elos sintáticos e semânticos entre os versos, de tal modo que uma pausa
torna-se impossível. O locutor terá que decidir entre seguir estruturação métrica dos
versos ou as estruturas sintática e semântica entre os versos.
A percepção da taxa de elocução é intimamente ligada aos padrões
temporais, sendo que a familiaridade com a língua e seus acentos influência o
julgamento. Para escolher como realizar a medição, deve-se levar em conta a sílaba
em cada língua o que decorre a impossibilidade de estabelecer padrões universais,
embora no plano da interpretação de emoções e atitudes haja mais consenso.
Laver (1994) diferencia taxa de elocução de taxa de articulação, referidas
de agora em diante de TE e TA, respectivamente. A TE refere-se ao tempo total da
fala, incluindo as pausas preenchidas, os prolongamentos de sílabas e os silêncios. A
TA refere-se ao tempo audível, o que exclui as pausas silenciosas. A combinação entre
as duas determina a continuidade da fala, ou seja, na fala não fluente temos TA rápida
com TE lenta, devido às interrupções (silêncios freqüentes ou de duração variável).
Podemos distinguir as taxas média, rápida e lenta e duas dinâmicas de
tempo: acelerando e desacelerando. Em nível de produção, os segmentos são
afetados com o aumento da taxa e pelo posicionamento da sílaba na frase. Em inglês,
por exemplo, as primeiras são faladas mais lentamente que as últimas. A taxa se
associa ainda à formalidade do estilo de fala: o estilo mais formal é mais lento que o
casual.
45
A expressão oral das emoções e atitudes
Ao longo dos séculos, as emoções e as atitudes foram estudadas por
filósofos, psicólogos e sociólogos. Desde a Filosofia antiga grega identificamos os
elementos que versam sobre as teorias das emoções atuais: o racional versus o
irracional, os efeitos corporais e a classificação das emoções positivas e negativas.
Da análise de Aristóteles, em Retórica sobre ser o medo uma dor ou uma
agitação produzida pela perspectiva de um mau futuro que seja capaz de produzir
morte ou dor, emergiu o conceito de emoção como índice de uma situação, ou melhor,
do valor que ela tem para a existência do homem, para pôr o ser vivo em estado de
alarme e para dispô-lo a enfrentar a situação. Esta idéia foi combatida pelos estóicos,
que defendiam que as emoções não têm significado e função para o homem, uma vez
que para o homem dotado de razão (em oposição ao instinto) elas são opiniões ou
juízos ditados, leviandades. Os estóicos distinguiram as emoções fundamentais e suas
derivadas, sendo que algumas correspondiam a estados normais e outras foram
consideradas como doenças ou enfermidades (Abbagnano, 1999).
A partir da segunda metade do século XIX, as emoções tornaram-se
objeto de indagação científica e passaram a serem consideradas em conexão com
movimentos e estados corpóreos que as acompanhavam. Darwin (1872) organizou “o
terreno aleatório e irracional nos estudos da emoção” (Fónagy, 1983:33), restituiu o
contexto natural de origem das expressões emocionais e analisou suas funções e
expressões sobre a continuidade filogenética e ontogenética nos primatas (teoria
evolucionista).
Na teoria darwiniana, as emoções estão ligadas às funções psicológicas
inferiores - os instintos (com base exclusivamente fisiológica, de ativação simpática) e
os atos ou movimentos expressivos se constituem de atividades práticas (arreganhar
os dentes para o ataque, estremecer a um sinal ou ruído de perigo, cerrar as
pálpebras) com uma função definida que sobrevive hereditariamente em situações
análogas. A teoria lançou as bases para os estudos posteriores, tanto aos que apelam
para ação do hábito e da associação, para as teorias somáticas, como para as
pesquisas empíricas que correlacionam as emoções e suas expressões.
Contudo, foi a Psicanálise, partilhando da perspectiva evolucionista, que
deu o primeiro passo para a compreensão de que a emoção não se esgota na
subjetividade como “estado de espírito”, mas inclui uma relação de circunstância
46
objetiva, que lhe confere o seu significado específico, ou seja, a “psicanálise evidenciou
o significado dos fatos psíquicos em relação às situações que os determinam”
(Abbagnano, 1999:318).
Para Freud, as emoções são uma
“reprodução de acontecimentos que precedem a existência individual,
uma reprise de experiências ancestrais traumatizantes e de modo que, a
emoção normal é uma histeria coletiva tornada hereditária, ou seja, compactua
com a origem filogenética das emoções e dos efeitos corporais que elas
causam” (Fónagy, 1983:34; Abbagnano, 1999).
Por outro lado, “a emoção é um comportamento ou o elemento de um
comportamento que visa enfrentar a situação ou fugir dela, resolver o problema que ela
apresenta ou a eludi-lo” (Abbagnano 1999:318). Em outros termos, tem-se conduta
emotiva sempre que a emoção, em vez de transformar-se rapidamente de preparação
em ação, na ação efetiva, desenvolve-se agindo como inibição, recusa ou censura da
própria ação.
Neste sentido, ao tratar da angústia, Freud pontua que um estado afetivo
pode não ser um acontecimento presente, pois pode tratar-se de uma impressão
profunda e oculta, pertencente não à história do indivíduo, mas à espécie, enquanto
que a crise histérica que pode estar acompanhada de um estado afetivo individual
recém formado é, freqüentemente, uma recusa de reviver uma recordação
desagradável (Laplanche, Pontalis, 1992; Abbagnano, 1999).
Nesta síntese, ancoram-se as idéias psicanalíticas de que todas as
emoções e ações têm causas que podem ser desconhecidas, pois estão no
inconsciente. É no inconsciente que está a pulsão, pressão ou força (carga energética,
fator de motricidade) que faz o organismo tender para um objetivo e tem a sua fonte
numa excitação corporal (estado de tensão). Toda pulsão se exprime no afeto e na
representação. O afeto é a expressão qualitativa da quantidade de energia pulsional e
das suas variações, é a ressonância emocional de uma experiência geralmente forte e
é usada para “qualquer estado afetivo, penoso ou desagradável, vago ou qualificado,
que se apresente sob a forma de uma descarga maciça, quer como tonalidade geral”
(Laplanche, Pontalis, 1992:9). A representação se refere àquilo que forma o conteúdo
concreto de um ato de pensamento, em outras palavras, são nesses elementos ou
processos que a pulsão encontra sua expressão psíquica.
47
As teorias psicológicas e filosóficas não se afastam e concordam em
considerar as emoções como formas de comportamento específico, que exprimem um
modo de ser fundamental do homem (Abbagnano, 1999). As muitas teorias
psicológicas que se sucederam, tentaram explicar as emoções por meio de
observações de casos normais e patológicos e temos atualmente grande diversidade
nas abordagens, diferentes conceituações para os mesmos termos e dificuldades de se
comparar resultados das pesquisas empíricas (Chung, 2000).
Ainda que reine a confusão na conceituação e na nomenclatura usada na
área das emoções e atitudes, a expressão vocal foi estudada em várias destas teorias
e é importante revermos como ela foi abordada mais recentemente. Contudo, já de
posse dos elementos acima expostos, podemos fazer uma digressão para nos
posicionarmos sobre a nomenclatura antes de retomarmos as teorias.
Fónagy (1993) estabelece a distinção entre emoção e atitude,
considerando as emoções como descargas espontâneas da tensão psíquica de fonte
pulsional (como a cólera, a alegria, a tristeza e a angústia), enquanto as atitudes
designam comportamentos determinados, conscientes, controlados, que têm um
componente moral e intelectual (como ironia, circunspeção, reprovação e justificação).
A expressão da emoção e da atitude está vinculada às exigências formais da língua,
chamadas de modalidades pelo autor, conforme definimos na página 41. Entretanto,
frases de uma mesma modalidade, podem expressar emoções ou atitudes diferentes.
Por exemplo, um padrão entoacional descendente-ascendente que se associa tanto a
uma atitude assertiva quanto à questão surpresa.
Para Chung (2000) a distinção entre as emoções, atitudes e modalidades
é feita de acordo com os graus de regularidade convencional. As emoções primárias
são exprimidas em todos os níveis do aparelho vocal por mudanças fisiológicas, o que
torna a natureza da expressão essencialmente paralingüística. A expressão de atitude
repousa sobre um nível mais elaborado e regularizado em termos de convenções
comunicativas e a expressão de modalidade é altamente estruturada num sistema
gramatical. Segundo a autora, o modelo de Fónagy não precisa a relação dos
processos emocionais expressivos com os processos cognitivos gerados ou o lugar
das codificações fonoestilísticas entre outros processos mentais.
Não faremos distinção na nomenclatura do conceituado como sentimento,
paixão, conduta emotiva, expressão afetiva, emocional, vocalização afetiva e
expressão emotiva. Adotaremos os termos emoção e atitude, conforme definidos
48
segundo Fónagy, como sinônimo de afeto (lat. affectus ou passion; in. Emotion; fr.
Emotion; al. Affekt; it. Emozione), conforme a terminologia psicanalítica.
Dorsch et al (2001) organiza as teorias das emoções em três grandes
grupos: no primeiro grupo estão aquelas que reduziram as emoções em poucas
dimensões emocionais básicas ou a dimensão da ativação e as divididas por classes
(primárias e secundárias); no segundo, aquelas que definem as emoções como
síndrome, por abrangerem vários componentes: subjetivo, cognitivo, fisiológico,
motivacional e expressivo; e por fim, afirma que as teorias atuais têm muitas vezes o
caráter de teoria dos sistemas, uma vez que acentuam a implicação recíproca e a
colaboração dinâmica de processos cognitivos e motivacionais ou são de natureza
integrativa.
Nos estudos sobre a expressão oral das emoções destacam-se duas
tendências diversas, do primeiro e do segundo grupo acima mencionados, que
abordaremos a seguir. Por um lado, a emoção é considerada como uma percepção das
modificações fisiológicas pelos acontecimentos externos, de outro lado, o processo
cognitivo é o produtor da emoção, deixando de ser um fator secundário. Essas são as
teorias cognitivas (dentre elas a postulada por Scherer em diferentes publicações) e
aquelas, as teorias evolucionistas (dentre elas as neuroculturais, as etiológicas e as
diferenciais) (Dorsch et al, 2001).
Dentre as teorias cognitivas, a teoria das emoções discretas usa o
conceito de emoções básicas ou primárias
10
, fundamentais para outras emoções, que
são modificações ou combinações delas. Nesta concepção, as emoções são uma
coleção de respostas publicamente observáveis, que se expressam através de
expressões faciais, posturas do corpo, de gestos e inflexões vocais específicas a cada
uma delas.
As pesquisas realizadas sob a luz dessa teoria buscavam os distintos
padrões específicos para uma emoção e, conseqüentemente, parâmetros vocais
específicos para cada emoção, como fizeram diversos autores para a expressão facial,
aprimorando as relacionadas por Darwin. Exemplificando a divergência na área,
Tomkins (1962) elencou nove (9), os afetos primários: três positivos (satisfação,
alegria, surpresa) e seis negativos (aflição, medo, raiva, vergonha, desprezo e nojo) e
Izard (1991) considerou onze (11) as emoções primárias: três como positivas
10 O termo emoção primáriao de afeto nos estudos psicológicos ingleses, segundo Chung (2000) e não se relaciona à definição
psicanalítica de afeto. Para Tomkins (1962), proponente da teoria do afeto, este é um mecanismo primário motivacional, que
consiste num conjunto das respostas fisiológicas a um estimulo interno ou externo, ativado pelo perfil geral da ativação neural na
ausência de avaliação cognitiva.
49
(interesse, alegria, surpresa) e oito como negativas (cólera, nojo, desprezo, medo,
angústia, vergonha, culpa e tristeza).
As emoções básicas são tidas como universais e as mais aceitas são a
alegria, tristeza, raiva e medo, enquanto que as emoções “não básicas” são
apreendidas e dependentes da cultura. Embora, o conceito das emoções discretas
assuma que há diferenças qualitativas entre as emoções, ele mostrou-se insuficiente
para explicar as inúmeras variações emocionais (Banse, Scherer, 1996; Scherer, 2003;
Laukka, 2004).
Conforme notou van Bezooijen (1984), os modelos categóricos
dimensionais discretos não são exclusivos, pois uma ou mais emoções discretas
existem como um ponto dentro de uma quantidade contínua. Esse é o modelo
dimensional, cujas dimensões primárias das avaliações e as emoções que delas
resultam são identificadas, e não o conjunto primário de emoções que especificam os
tipos de situação e avaliação, provocadas pelas emoções. Por exemplo, na ocorrência
de um evento avaliado como desejável, a emoção provocada será alegria, mas se não
ocorrer, será tristeza. Ao contrário, se o mesmo evento for avaliado como indesejável,
sua ocorrência causará angústia e a sua não ocorrência alívio.
A teoria da avaliação para Scherer (1995, 2000, 2000, 2003) formaliza os
últimos dois séculos de noções filosóficas sobre as emoções. A emoção é um episódio
relativamente breve e sincronizado de todos, ou da maioria dos subsistemas orgânicos
em resposta à avaliação de um evento externo ou interno tido como muito significativo.
Por isso, envolve um estado dinâmico de eventos físicos e cognitivos, gerados e
diferenciados em função da interpretação ou da avaliação subjetiva de uma situação,
objeto ou evento (e não do evento em si), o que torna possível as diferentes respostas
entre os indivíduos e em diferentes épocas.
São três funções principais das emoções: refletir a relevância da
avaliação e significação dos estímulos particulares, em termos das necessidades do
organismo, planos e preferências, preparar fisiológica e psicologicamente o organismo
para uma ação apropriada; e comunicar o estado do organismo e intenções do
comportamento a outros organismos do ambiente. Como diferentes padrões de
avaliação precedem e geram a resposta emocional, há como prever quando certas
respostas serão mais eficazes que outras, o que cria uma adequação consciente das
emoções às situações ou ao surgimento de aspectos irracionais quando a avaliação é
conflituosa.
50
Tanto a teoria das emoções discretas como a teoria da avaliação
positivam a existência de expressões vocais específicas. Enquanto para a primeira os
padrões vocais específicos são encontrados em agrupamentos bem definidos (cada um
corresponde a uma emoção discreta, ou seja, a raiva se caracteriza por X,Y Z
características vocais), para a teoria da avaliação há um jogo diferenciado de perfis
vocais que mudam com o resultado da avaliação, mas as conseqüências funcionais da
avaliação podem atribuir aspectos específicos na expressão vocal.
Por exemplo, ante a uma ação forte, a estimulação simpática
desencadeará mudanças na respiração e tensão, conseqüentemente haverá mudança
da freqüência fundamental, que pode tanto ser compatível com a raiva como com a
alegria efusiva. Da mesma forma, um mesmo evento pode provocar emoções
diferentes entre vários indivíduos, o que remete ao estudo da avaliação subjetiva.
Assim, uma pessoa pode produzir padrões vocais variados para uma mesma emoção,
dependendo do grau, da valência e da qualidade da avaliação da situação produtora da
emoção que ela realizou.
As três dimensões das emoções são:
1. Força (potência) - Distingue entre emoções iniciadas pelo sujeito e aquelas que
surgem do ambiente. Corresponde aos pólos atenção – rejeição. Varia de desprezo e
medo para surpresa, de voz potente ou não potente.
2. Valência - Corresponde ao modo como a experiência é interpretada
subjetivamente, entre positivo - negativo ou prazer - desprazer. Varia de amor e
felicidade à raiva.
3. Ativação – Refere-se à sensação subjetiva da mobilização ou energia. Varia do
sono (adormecimento) à tensão (excitação frenética), da voz tensa à soprosa.
1. Modelo de comunicação vocal: Covariância e Configuração
A expressão vocal não verbal, segundo Scherer (1995) reflete o processo
de avaliação cognitiva de eventos e situações que precedem as emoções humanas,
mesmo que este processo ocorra em nível automático e inconsciente. Essas
informações acústicas permitem ao ouvinte reconstruir as principais características da
emoção e inferir sobre ela, sobre o ego do falante e sobre seu potencial de avaliação.
Scherer (1979, 1995, 2000, 2003) parte de uma versão modificada do
modelo lenticular de Brunswik que permite a avaliação sistemática dos vários
componentes que envolvem julgamentos de personalidade da voz e da fala. O modelo
51
sugere que as disposições de personalidade são externalizadas ou expressadas por
pistas indicativas, isto é, as variáveis objetivas medidas na fala (“pista distal”), que por
sua vez são percebidas por ouvintes e representadas por perceptos subjetivos. Essas
representações perceptuais das pistas da fala (“pista proximal”) são a base para os
processos cognitivos da inferência que conduzem a uma atribuição particular da
personalidade do falante. Adotando uma aproximação sociopsicobiológica, o autor
reivindica que vocalizações afetivas têm determinantes múltiplas e servem a funções
múltiplas (Scherer, 1995).
Para justificar as determinantes múltiplas, o autor distingue os efeitos
push e pull, responsáveis pela expressão emocional de origem mais interna, fisiológica
e a de origem mais externa, social. O efeito Push (empurrar) se refere aos efeitos
diretos dos processos fisiológicos, caracterizando várias respostas emocionais no
sistema de produção da fala e da voz. Por exemplo, a tensão muscular empurra as
vocalizações para uma determinada direção e essas variam segundo a excitação
simpática, que também eleva a freqüência fundamental da voz. Assim, os fatores push
produzem mudanças nos estados do subsistema no organismo que têm um efeito
direto nos parâmetros da vocalização. Trabalham em geral involuntariamente e os
efeitos em órgãos vocais e os parâmetros acústicos resultantes são determinados
quase exclusivamente pela natureza e pela força de mecanismos fisiológicos.
O efeito Pull (puxar) reflete que a vocalização e outros comportamentos
expressivos são freqüentemente monitorados e regulados pelas reações do ouvinte,
embora sejam mediados pelos sistemas internos. Os fatores externos direcionam a
vocalização afetiva para um modelo acústico particular, em geral, governados por
convenções sociais, que influenciam a produção dos sinais, uma vez que muitas
situações sociais requerem um padrão acústico particular, ao contrário dos
comandados pela cognição ou pelos processos psicológicos internos.
Em cada caso, diferentes fatores determinarão a natureza da expressão e
estes podem se antagonizar, como em situações em que uma alta excitação fisiológica
empurra a freqüência fundamental para cima e a tentativa consciente de se mostrar
"controlado" puxa para baixo, o que pode produzir mensagens misturadas ou mesmo
contraditórias.
O tipo de determinante terá um efeito nas características de codificação
do sinal, de forma a seguir os modelos de covariação ou de configuração. Se, em uma
condição de push, a tensão muscular aumentar pelo estresse, produzindo um aumento
na freqüência fundamental da voz, espera-se uma variação direta entre as quantidades
52
de aumento da tensão muscular e do aumento na freqüência fundamental. Espera-se
uma variação contínua, mas não necessariamente linear (Scherer, 2003) entre a
resposta emocional e as variáveis acústicas – é o modelo de covariação. Desta forma,
f0 é diretamente relacionado com a estimulação fisiológica, ou seja, f0 será mais alto
na raiva do que na irritação moderada. Há uma independência entre os índices
prosódicos e o conteúdo verbal.
O modelo da configuração (Pull) é mais "lingüístico" e cognitivo. Para
conseguir efeito no ouvinte usa-se uma combinação particular de entoação, de acento,
da palavra e/ou da estrutura sintática (percepção categórica). Não há nenhuma
dimensão variável, não contínua, uma vez que determinadas classes dos fenômenos
têm que co-ocorrer para produzir um efeito.
Para compreender como os processos de uma comunicação seguem um
modelo de variação ou de configuração, vários estudos foram realizados por Scherer,
Ladd e Silverman (1984), mostrando que mesmo quando um texto de perguntas é
reproduzido initeligivelmente, muito do significado afetivo permanece no sinal acústico,
o que confina o modelo da covariação em sua alegação. As pistas vocais não verbais
transportam o afeto de uma maneira direta, independente do contexto. Resultados
semelhantes foram obtidos por Fónagy (1983).
É possível então, segundo Scherer (1995) assumir que algumas pistas
acústicas operem de acordo com regras da covariação, ou seja, variação direta com
estados fisiológicos, como a qualidade de voz. Outras pistas são usadas de acordo
com as regras de configuração, uma vez que podem ser baseadas, ou na configuração
total das escolhas lingüísticas no contexto, em categorias fonológicas ou em outras
pistas familiares ao sistema de linguagem.
O contorno da entoação e a variação de f0 podem ser codificados de
acordo com ambos os princípios, dependendo de características específicas de sua
mudança dinâmica no tempo. Movimentos de pitch finais são codificados pelo princípio
de configuração, como os ligados a um tipo de sentença (pergunta, afirmação, etc) ou
ao contexto. Por exemplo, o contorno entoacional descendente é julgado como neutro
em questões tipo WH (no inglês), mas é julgado como agressivo ou provocador em
questões tipo sim/ não.
Ladd et al (1985) sugeriram que a extensão de f0 e a qualidade vocal
poderiam refletir estimulação, enquanto diferenças de tipos de contornos prosódicos
sinalizariam diferenças mais cognitivas fundadas nas atitudes do falante. Poderia ser
hipotetizado que variáveis contínuas estão ligadas ao efeito push (externalização de
53
estados internos), enquanto as variáveis categóricas estão mais associadas ao efeito
pull (modelos normativos específicos para sinais de afeto ou exibição).
Muitos problemas têm sido apontados nas pesquisas empíricas para
estudar as emoções e atitudes. Um problema básico é a dificuldade relativa à
semântica dos termos empregados nos estudos, pois não há consenso nem na
aceitação de regras para se dar um nome a um estado psicológico particular, nem na
definição de descritores psicológicos. Outro fator é a diversidade do método de
obtenção do material de fala, ou seja, as pesquisas usam tanto a fala natural e a
simulada, como a leitura como materiais advindos da expressão emocional induzida,
além das diferentes condições, procedimentos e medidas acústicas. Tais adversidades
explicam a falta de consenso entre as características acústicas que, portanto, geram
dificuldades na comparação (Murray, Arnott, 1993; Bänziger et al., 2001; Scherer,
2003; Laukka, 2004).
As diferentes emoções e atitudes têm sido alvo de muitas pesquisas,
tanto analisando a produção como a percepção. Os estudos de percepção das
emoções e atitudes mostram concordância entre os ouvintes. O trabalho clássico de
Lieberman, Michaels (1962) mostrou que a porcentagem de concordância foi de 85% ,
diminuindo para 44 % quando a única informação presente no sinal acústico é o
contorno da f0 obtido por síntese. A revisão da literatura de Bänziger et al. (2001)
baseada em estudos anteriores aos anos 80, indica a porcentagem média de 60% de
reconhecimento, quando cada emoção é considerada especificamente. Esses estudos
revelam que essa porcentagem é cinco vezes mais elevada do que seria, se os
ouvintes respondessem ao acaso.
Scherer, Banse, Wallbott (2001) relatam exatidão total de 66% em todas
as emoções, como resultado da experiência realizada simultaneamente na Alemanha,
Suíça, Inglaterra, Paises Baixos, EUA, Itália, França, Espanha e Indonésia. Os dados
sugerem a existência de regras de inferência similares da expressão vocal entre as
culturas e indicam que padrões de linguagem específicos de cada cultura e aspectos
paralingüísticos podem influenciar no processo da decodificação. Globalmente, o
consenso dos dados limitou-se ao grau da ativação associado ao estado emocional
expresso, como aumento e diminuição dos valores de f0, da intensidade e duração de
diferentes segmentos nas emoções de forte ativação, como a cólera, o medo, o pânico
e a euforia, em oposição aos estados que incluem um grau da ativação fraco, como a
tristeza.
54
Segundo Johnstone, Banse e Scherer (1995), determinadas emoções são
mais facilmente produzidas por atores e decodificadas por ouvintes, como o ódio e o
aborrecimento. As expressões de tristeza e raiva são, em geral, melhor reconhecidas
que as expressões de medo e alegria, enquanto desgosto é a menos reconhecida.
Outras emoções, tais como o interesse, embora bem reconhecido pelos ouvintes,
parecem ser comunicado por outras características suprassegmentais e não pela
modulação média da fala em longo prazo. A aversão parece ser mal codificada e mal
reconhecida universalmente na fala.
As confusões entre emoções (como entre vergonha e tristeza) são
decorrentes da má interpretação dos atores ou/e pela similaridade entre emoções
(Johnstone, Banse, Scherer, 1995). Estas similaridades podem ser devido às emoções
pertencerem às mesmas famílias, como, por exemplo, raiva e desprezo (Banse,
Scherer, 1996) ou ainda por terem valência semelhante: confundir interesse com
orgulho ou alegria. Matte (2002) aponta que a confusão entre cansaço e tristeza leva a
compreender que as diferenças entre emoções próximas estão no gradiente dos traços
organizados hierarquicamente.
É preciso lembrar que as pistas acústicas que envolvem a expressão de
emoções são principalmente redundantes, ou seja, uma pista isolada não é suficiente
para indicar uma emoção respectiva, pois faz-se necessária uma combinação de várias
delas. A redundância entre as pistas reflete muito dos mecanismos de produção vocal,
como, por exemplo, o fato de o aumento da pressão subglótica não aumentar somente
a intensidade, mas também o f0 em algum grau.
Banse, Scherer (1996) estudaram várias emoções interpretadas por 12
atores profissionais, que variaram na intensidade e na valência (combinação) ou na
qualidade. Um total de 224 interpretações diferentes foram sujeitas à análise acústica
digital para obter perfis de parâmetros vocais das diferentes emoções com um grande
número de variáveis acústicas. Os dados indicaram que os parâmetros vocais
posicionam não somente o grau de intensidade típico para emoções diferentes, mas
diferenciam também aspectos da valência ou da qualidade.
Muitos estudos têm procurado descrever parâmetros acústicos
correlacionando a conexão fisiológica com a ativação. Assim, as emoções com alto
grau de ativação, que na fala se traduzem com aumento de intensidade f0 e taxa de
elocução, são a raiva, a alegria e o medo. No outro pólo, de baixa ativação, estão a
tristeza e o aborrecimento (Bachorowski, 1999 e Scherer, 2000, 2003).
55
O quadro 2 sintetiza bem os dados empíricos até agora pesquisados,
confirmados ou não, em outras pesquisas (baseado em Banse, Scherer, 1996 e
modificado em Scherer, 2003). Entretanto, Scherer (2000) após sucessivos trabalhos
de revisão dos achados empíricos e bibliográficos, alerta que é mais produtivo se
pesquisar a evolução de f0 no tempo, do que buscar perfis acústicos estáveis para as
emoções.
Alguns comentários sobre as principais emoções serão tecidos
posteriormente para melhor elucidar os achados empíricos que sustentam as análises
fonético-acústicas das emoções e atitudes.
Quadro 2 - PARÂMETROS ACÚSTICOS DAS EMOÇÕES DESCRITOS POR SCHERER (1986) E CONFIRMADOS POR BANSE, SCHERER (1996)
Fonte: Banse, Scherer ) reproduzido de Scherer (2003). Legenda: > aumento; < diminuição. Símbolos duplos indicam tendênci Dois símbolos em
referem-se a resultados de análise conflitantes, em termos da influência dos parâmetros na classificação das emoções veiculadas pelos tipos de vozes; (a) resultado confirmado; (?) resultado não
confirmado.
(1996 a na direção prevista aumentada. direção oposta
prazer euforia desprazer desprezo tristeza pesar preocupação medo irritação fúria tédio vergonha
felicidade alegria desgosto escárnio desânimo desespero ansiedade terror raiva ódio indiferença culpa
Freqüência
fundamental
Perturbação
< = > > > > >
Médio
< a >a > < > < > a >a >? >>a <> a <> < a > ?
Extensão
< = > < > >> < >>
Variabilidade
< > < >? >>? < >>a
Contorno
< > < > > >> < = >
Regularidade da
inflexão
= < < < >
Formantes
F1 médio
< < > > > > > > > > > >
F2 médio
< < < < < < < < < <
F1 largura
da banda
> <> << < < > << < << << << < <
Precisão
formântica
> > > < > > > > > >
Intensidade
Média
<a > <a >? >>? <<a >a a >a >>a < >
Extensão
< = > < > > >
Variabilidade
< > < > >
Parâmetros
Espectrais
Extensão da
Freqüência
> > > >> > >> >> > > >
Energia em
freqüência alta
< < >a > > <> >>a >? >> >> >>a <> >
Ruído espectral
>
Duração
Taxa de elocução
<? > a < a > >>a > a
Tempo de
transição
> > > < < <
56
57
Raiva: f0 alto, grande variação de f0, aumento na extensão de f0, grande
diferença entre energia em freqüências altas e baixas, contornos descendentes de f0,
taxa da elocução geralmente aumentada (Pittam, Scherer, 1993; Murray, Arnott, 1993;
Scherer, 2003; Laukka, 2004) vogais tendem a ser articuladas com maior abertura de
boca, o que leva a valores altos de F1 (Murray, Arnott, 1993), consoantes têm a fase de
fechamento mais claramente definida, voz imperfeita e soprosa, articulação muito tensa
(Murray, Arnott, 1993), poucas pausas e loudness é aumentado (Laukka, 2004).
Segundo Murray, Arnott (1993) a contração espasmódica gera voz estrangulada em
conjunto com solturas súbitas, como explosões de voz.
Fónagy (1983) descreve as seguintes características para a cólera: curva
melódica angular configurando queda brusca (relacionada à reprovação
principalmente); linha melódica, reta e sem grandes alterações de f0, é interrompida
com intervalos iguais nas sílabas acentuadas, por separações bruscas, em intervalos
de quarta ou quinta. Saltos melódicos que atingem quase sempre a mesma altura. Os
bruscos afastamentos de tom podem marcar golpes, que atingem a mesma altura, não
menos rígidos que o patamar tonal de base. A regularidade do esquema melódico
contrasta com o anárquico da crise. O registro é do tipo peito. Na música, há o ritmo
staccato” (silabado) e pequenos acentos agudos; saltos.
Medo: Aumento de f0 médio e na extensão de f0 (Pittam, Scherer, 1993;
Murray, Arnott, 1993; Scherer, 2003; Laukka, 2004). Fónagy (1978 apud Murray, Arnott,
1993) relata aumento do nível de pitch com redução dos intervalos melódicos. A taxa
de elocução é aumentada, segundo Laukka (2004). A voz é irregular por alteração
respiratória e a articulação melhor definida (Murray, Arnott, 1993). A intensidade é
baixa, exceto no pânico e há muita variabilidade na intensidade vocal (Laukka, 2004).
Há discordância entre Pittam, Scherer (1993) e Laukka (2004) para o
contorno de f0 e para energia de alta freqüência. Laukka (2004) não encontrou
aumento no contorno de f0, conforme foi descrito por Pittam, Scherer (1993), inclusive
para as formas mais suaves da emoção, como a preocupação ou a ansiedade
(Scherer, 2003).
Na angústia, estado prolongado de medo, segundo Murray, Arnott (1993)
há aumento no f0 e extensão de pitch extremamente estreita, gerando uma curva
melódica plana.
Tristeza: Os achados são convergentes: média de f0 baixa, diminuição
na variabilidade e da extensão de f0; os contornos de f0 são descendentes. Há
58
evidência de que a energia de freqüência alta e a taxa de elocução diminuem (Pittam,
Scherer, 1993; Murray, Arnott, 1993; Scherer, 2003; Laukka, 2004). Intensidade baixa
(Fónagy, 1983; Scherer, 2003; Laukka, 2004); baixa variabilidade da intensidade;
muitas pausas (Laukka, 2004) e irregulares (Murray, Arnott, 1993). As formas mais
brandas de tristeza foram mais estudadas do que as formas mais excitadas, como o
desespero (Pittam, Scherer, 1993). No tédio, Scherer (2003) relata f0 baixo,
intensidade baixa, taxa de elocução lenta. Chung (2000) encontrou na expressão de
aflição (é uma forma extrema de tristeza) entre locutores coreanos, vibrações glotais
irregulares e retardadas na parte final do enunciado. Murray, Arnott (1993) descrevem
baixo pitch médio, extensão de pitch estreita, taxa de elocução lenta pela alta
quantidade de pausas e alongamentos. Fónagy (1983) descreve a lamentação como
uma reprodução da ação de chorar realizada por elevação da voz em intervalos
regulares de meio tom.
Desgosto ou aversão: Os resultados para a aversão tendem a ser
inconsistentes, apresentando aumento ou abaixamento no contorno de f0 (Pittam,
Scherer, 1993; Murray, Arnott, 1993); f0 médio baixo, variabilidade e extensão de f0
restrita, contornos descendentes de f0, precisão articulatória, taxa de elocução lenta
(Scherer, 2003; Laukka, 2004) e muitas pausas (Laukka, 2004).
Ansiedade, nervosismo e preocupação: alto nível de ativação sustenta
as evidências de aumento de f0 médio, extensão de f0 e energia em alta freqüência.
Taxa de articulação rápida (Pittam, Scherer, 1993; Scherer, 2003)
.
Alegria: Essa é uma das poucas emoções positivas estudadas.
Consistente com o nível elevado de excitação que se pode esperar, há uma forte
convergência dos achados com aumento significativo no contorno de f0, na extensão
de f0, na variabilidade de f0 e no contorno da energia. Há alguma evidência para um
aumento de energia em alta freqüência e da taxa de elocução (Pittam, Scherer, 1993;
Murray, Arnott, 1993; Scherer, 2003; Laukka, 2004). Taxa de articulação rápida,
intensidade média para alta com grande variabilidade (Laukka, 2004). Chung (2000)
encontrou contorno ascendente-descendente sobre a última sílaba do enunciado que
particularmente é alongado.
Fónagy (1983) descreve a alegria com as seguintes características:
registro médio e de cabeça; acentos fortes, mas de intensidade desigual; movimento
melódico saltitante; extensão de freqüência ampla; movimentos vivos, irregulares,
ondulados e dinâmicos para o alto. Nas palavras do autor, a alegria nos empresta asas.
59
Falta completa de organização melódica. Assim, a expressão da alegria, por exemplo,
combina traços sonoros de agressividade e de carinho, com saltos bruscos e
imprevisíveis de tom, acentos vigorosos, freqüentes e irregulares, articulação sonora e
plena, e ausência de rigidez.
Afeto e ternura: Segundo Fónagy (em 1983 e Fónagy, Magdics
11
, 1963
citado por Murray, Arnott, 1993) a alta regularidade da curva melódica está
estritamente relacionada à expressão de emoções carinhosas. O padrão melódico
remete a um contorno descendente de f0 em vez de variações bruscas (ocorrência de
variações de f0 em intervalos temporais curtos, formando picos espaçados), ocorrem
variações mais graduais que formam contornos ondulados, que finalizam em nível
acima ao do f0 de base, por conta da pouca extensão de f0. A loudness é reduzida, a
articulação é branda, há ausência de tensão na glote e uma discreta ressonância nasal
em sílabas acentuadas e longas torna-se audível e a voz soa “cheia” (projetada).
Outros autores encontraram do já especificado acima pitch baixo, taxa de elocução
lenta (Murray, Arnott, 1993; Laukka, 2004) e ausência de ataques vocais bruscos
(Laukka, 2004).
Surpresa: Fónagy e Magdics (1963 citado por Murray, Arnott, 1993)
notaram que na surpresa, a curva nivelada na sílaba acentuada eleva-se rapidamente
(mudança súbita), cai ao nível medial (surpresa jovial) ou para um nível mais baixo
(estupefação) na última sílaba. No começo da frase há um acento forte, as sílabas
seguintes são fracas e a voz é soprosa. A elevação do pitch para o alemão e inglês é
um intervalo de quinta ou sexta. Essa grande extensão de pitch para surpresa foi
confirmada por outros autores, segundo Murray, Arnott (1993).
Chung (2000) mostrou que os contornos entoacionais que contêm um
elemento ascendente (como o contorno ascendente e o ascendente-descendente) são
interpretados perceptivamente para uma emoção positiva (alegria), enquanto os
contornos não ascendentes (como o contorno descendente e o contorno plano) são
para uma emoção negativa (tristeza), principalmente o contorno ascendente-
descendente é colocado na parte final do enunciado (em detrimento a parte inicial ou
mediana), ou seja, não é uniforme a distribuição dos índices acústicos de emoção ao
longo de todo o enunciado.
11 Fónagy e Magdics (1963) citados por Murray IR, Arnott JL. Toward the simulation of emotion in synthetic speech: A review of the
literature of human vocal emotion. J. Acoust. Soc. Amer, 1993. 93(2):1097-108.
60
Piot (2002) pesquisando a expressão de atitude em francês e inglês,
concluiu que a informação emocional está distribuída sobre as duas últimas sílabas
(em vez da última sílaba apenas) como uma queda ou subida no contorno entoacional.
A intensidade da sílaba final teve em seu estudo uma influência positiva para a
modalidade assertiva.
Concordamos com Scherer (2003) ao afirmar que é desejável o abandono
de posição ateóricas no campo de investigação empírica das emoções, de forma que é
necessário planejar e administrar estudos nessa área com uma investigação teórica
dirigida. Isto não apenas permitirá um exame crítico dos conflitos das tendências feitas
por teorias concorrentes, mas também, possibilitará acumular achados empíricos, hoje
muitas vezes, divergentes na nomenclatura, nos métodos de pesquisa e,
conseqüentemente nos resultados encontrados.
ESTILÍSTICA DA FALA
“Certa vez trabalhei com um jardineiro.
Ele me passou uma tesoura e me disse
para cortar um loureiro. A árvore ficava
num vaso e era alugada para festas. Por
isso tinha que ter a forma de uma bola.
Comecei imediatamente a cortar os
brotos selvagens, mas não conseguia
atingir a forma de uma bola, por mais
que me esforçasse. Uma vez tirava
demais de um lado, outra vez de outro.
Quando finalmente ela havia se tornado
uma bola, esta era pequena demais. O
jardineiro falou, decepcionado: “Certo,
isto é uma bola, mas onde está o
loureiro?” (Brecht, 1989).
61
62
A palavra estilo tem uma utilização bastante ampla, sendo usada para falar de um
criador qualquer (escritor, artista, locutor), de uma “escola” (romantismo, modernismo),
de uma época (móveis Luis XV, Barroco), de um tipo de linguagem (o estilo jurídico,
diplomático), de qualquer atividade humana (estilo de governo do PT), ou seja, fala-se
de um conjunto de traços particulares que define desde as coisas mais banais até as
mais altas criações artísticas (Fiorin, 2003).
A diversidade na concepção de estilo pode ser justificada pela própria
evolução dos estudos que, ao longo da história, deu-se vinculada aos estudos
Lingüísticos, Semióticos, Literários e Poéticos, ora enfocando o autor, ora a obra, ora o
contexto social, ora o leitor ou ora adotando um modelo de análise específico, que
pode inclusive, advir de uma ciência particular, como a Psicanálise, a Sociologia e a
Filosofia. Nas concepções de estilo estão registradas as separações entre forma e
conteúdo e entre língua e fala. Ora os conceitos se orientam mais por um ou por outro
e ora buscam romper as dicotomias em favor de uma unicidade. Da mesma forma, os
conceitos de expressividade e estilo sempre estão embricados. São estes os caminhos
que agora tentaremos expor numa retrospectiva histórica, até os dias de hoje.
“A Retórica é a Estilística dos antigos” (Guiraud, 1970:35
12
) e daí
decorrem as reflexões acerca da importância do discurso na sociedade. Embora outros
autores tenham versado sobre a importância do discurso como fundamento para a
sociedade e como meio pelo qual o homem expressa sua sabedoria, foi Aristóteles
(339 - 338 AC) quem sistematizou os conhecimentos da época em duas obras: a
Retórica e a Poética.
Aristóteles, segundo Mosca (1997), concebe a Retórica como técnica da
argumentação; os argumentos e provas relativos ao tema do discurso (Inventio)
juntamente com sua organização interna (Dispositio) representam a manifestação do
objeto do discurso que lhe sustenta. As outras partes do discurso merecem igual
referência: o estilo escolhido pelo orador para a expressão adequada do conteúdo (o
Elocutio), a execução propriamente dita do discurso, o lugar do verbal e do não-verbal
(o Actio), a capacidade de retenção do material argumentativo e a improvisação (a
Memoria). Entretanto, nos séculos posteriores, a ênfase sobre o Elocutio restringe o
estudo da Retórica ao uso exagerado de normas e regras que valorizam
demasiadamente o uso de ornamentos (as figuras da linguagem). Na obra Poética
12 A primeira edição é francesa e data de 1954.
63
trata a poesia como imitação da realidade e refere-se aos gêneros discursivos,
sobretudo à tragédia e à epopéia, e à elocução poética. Menciona que são os desvios
da linguagem comum que tornam a linguagem poética mais elevada. No classicismo, a
Retórica se confundira com a Poética, oferecendo orientação para a elaboração
literária em geral e estabelecendo critérios para o julgamento das obras.
Nos séculos XII e XIII os estilos de elocução que se diferiam pelo léxico,
pela riqueza e adorno na construção (anteriormente apontados por Cícero) passaram a
ser considerados juntamente com o assunto tratado e as personagens postas em cena
(Yllera, 1979). Deste ponto de vista, o estilo era concebido como algo que o indivíduo
podia adquirir, já que estava codificado à sua disposição em aspectos formais da
língua.
Durante o século XVIII, e com o advento do Romantismo no séc XIX, há
uma reviravolta de valores, pois com a valorização do individual e repúdio de normas
estabelecidas, “a Retórica cai em desprestígio e passa até ser ridicularizada” . Muito
contribuiu para isso a obsessão pela nomenclatura, a classificação pela classificação,
que fazia do texto literário, um pretexto para a identificação e a denominação das
figuras, com prejuízo da emoção e do prazer que ele deveria proporcionar (Martins,
1997:19).
Assim, opondo-se aos valores absolutos impostos ao indivíduo, a
concepção psicologista passou a predominar. O estilo é entendido como intransferível
e próprio de cada escritor, já que é subjetivo. A associação direta do conceito de estilo
com expressão afetiva do indivíduo foi reforçada no século XX com a oposição langue/
parole, e seguida posteriormente pelos defensores das funções da linguagem, pois
mantém a dicotomia entre a gramática de um lado e o estilo, de outro. O estilo capta
fatos não gramaticais (Câmara, 1977a; Possenti, 1986, 1988).
A conhecida frase de Buffon, que o estilo é o próprio homem, marca esta
vertente individual, seguida posteriormente por muitos autores, embora a interpretação
do posicionamento de Buffon seja até hoje, segundo Yllera (1979) um exemplo da falta
de exatidão advindo da retirada da frase de seu contexto. Para a autora, esta afirmação
não se refere a uma marca do gênio pessoal, mas sim, a uma qualidade de
organização dos pensamentos, que não significa nenhuma modificação radical do
conceito de estilo como “qualidade da elocução”:
64
“o estilo não é senão a ordem e o movimento que pomos nos nossos
pensamentos, se os encadeamos, se os concentramos, o estilo torna-se firme,
nervoso e conciso, e, se os deixamos sucederem-se lentamente e a favor das
palavras, por muito elegantes que sejam, o estilo será prolixo, sem nervo e
arrastado” (Yllera, 1979: 203).
Todas essas proposições de estilo relacionaram-no com a noção de
desvio, pressupondo o afastamento do uso normal da língua ou enquanto ornamento,
pensando em estilo enquanto invólucro de expressividade daquilo que é despido de
expressão. O uso do método estatístico abriu a possibilidade de se estabelecer uma
norma quantitativa para a localização objetiva dos desvios. O efeito estilístico é visto,
nesse caso, enquanto afastamento daquilo que é ordinário e comum, como uma norma
ou como grau zero de expressão. O problema desta abordagem é justamente supor a
uniformidade e o reducionismo da língua, e separar o bom do mau estilo (Paschoal,
1975; Yllera, 1979; Campos, 2001).
Em Spitzer e Bally
13
, mestres que lideraram as duas correntes estilísticas
importantes do século XX, na Literatura e na Língua, respectivamente, o estilo como
perspectiva desviante conflui com a perspectiva da escolha, que são as variantes
estilísticas e as escolhas entre várias modalidades expressivas. A escolha estilística
supõe substituições (variantes estilísticas no plano denotativo) para o mesmo referente
(plano conotativo). Por exemplo, ao escolher entre morrer, falecer, expirar, bater as
botas, etc. irá refletir diferentes atitudes da formação e do temperamento do autor, que
repercutem em diferenças sociais e culturais. A escolha pode ser por opção ao
agramatical e/ou de baixa ocorrência na língua, isto é, quantitativo ou qualitativo,
constituindo um aspecto original. A busca por marcas estilísticas reconhecíveis não
deixa de lado a noção de desvio, embora tenha evoluído daquilo que é diretamente
relacionado ao seu criador (do estado da alma) para um traço estrutural, formal que se
submete a um princípio ordenador, que é a intenção do autor (Campos, 2001).
Spitzer considera o estilo a maneira particular do indivíduo de usar a
língua (desvio) relacionado com o psíquico subjacente, com a arquitetura da obra, com
o processo de elaboração e com a visão de mundo do autor. Para Spitzer, a intenção
13 Em 1905, Chales Bally publica a obra Précis de Sylistique e em 1909, o Traité de Stylistique Française. Como ambos autores
são citados por outros (Guiraud, 1970; Paschoal, 1975; Câmara, 1977a, b; Martins, 1977; Yllera, 1979; Possenti, 1986, 1988;
Campos, 2001) , de forma sistemática, não os incluímos entre as obras originais que tivemos acesso.
65
do autor é algo específico, definido e, em princípio, encontrável. Seu método buscava
um traço estilístico significativo, que servia de ponto de partida para a penetração no
centro da obra, apreendendo a totalidade dela e do espírito de seu autor (Yllera, 1979).
Bally, discípulo de Saussure, distingue duas faces na matéria fônica: a
intelectiva (ou lógica) e a afetiva. Na linguagem, as impressões fônicas permanecem
em estado latente, enquanto o significado e o matiz afetivo das palavras em que
figuram, indiferentes ou opostos a esses valores, brotam quando há concordância. O
conceito de estilo se apóia nos processos expressivos, mas inclui, indistintamente,
todos os traços lingüísticos individuais que a norma tolera e as funções da linguagem
(Câmara, 1977b).
O conteúdo da expressão é complexo e apresenta um tríplice aspecto. O
primeiro aspecto é o nocional ou gnômico. É uma lógica da expressão cujos sons em si
mesmos têm valor de pura comunicação, exprimem o significado da mensagem e
informam o interlocutor. O segundo aspecto é a sociopsicofisiologia da expressão, mais
ou menos inconsciente. Ele aparece no acento ou sotaque, espontâneo e inconsciente
que denuncia as origens sociais ou provinciais, as tendências e os caracteres
psicobiológicos. O último aspecto - o impressivo ou intencional - refere-se à entoação
voluntária, que procura produzir determinada impressão sobre o interlocutor. É relativa
a uma estética, uma ética e a uma didática da expressão, que distingue entre a
intenção direta e natural e uma segunda intenção, imitada do artista ou do autor
(Guiraud, 1970).
A estilística da expressão é, portanto para Bally, o estudo dos valores
expressivos e impressivos próprios aos diferentes meios de expressão de que a língua
dispõe. Esses valores se acham ligados à existência de variantes estilísticas, isto é, de
diferentes formas para expressar a mesma idéia, de sinônimos que exprimem um
aspecto particular da comunicação.
Bally estuda os aspectos afetivos dividindo-os entre os de efeito natural e
os de efeito por evocação. Os de efeito natural são assim denominados por pressupor
que haja vínculos naturais (relacionados ao simbolismo sonoro, embora ele não
mencione tal expressão), uma espécie de adequação da forma ao fundo, uma aptidão
natural da forma para expressar certas categorias do pensamento, como nas
onomatopéias e em grande número de palavras, cuja forma é apropriada para
expressar determinada idéia, como por exemplo, as vogais posteriores altas, em
palavras como “lúgubre” ou o diminutivo para fragilidade e o aumentativo para força.
66
Os efeitos evocativos sugerem certo meio social ou certa época. Nesse
caso, as formas refletem as situações nas quais se atualizam e extraem seu efeito
expressivo do social que as emprega. Há língua de classes e de ambientes
(camponesas, provinciais), de profissões (médica, administrativa, da gíria etc.), língua
de gênero (científica, literária, poética etc), e por fim, as de tons (familiar, comum etc.).
Cada uma se distingue por entonações, palavras, imagens que, por sua vez refletem
ou evocam sentimentos e atitudes mentais ou sociais particulares. São palavras de
poder evocativo o estrangeirismo, arcadismo, termos dialetais, neologismos, gírias,
entre outras (Martins, 1977).
O conceito de afetividade logo se mostrou um pouco estreito, foi
substituído por Bally pela noção de expressividade, sendo mais tarde, estendido ao
estudo da expressão literária (Guiraud, 1970).
Seguindo nessa direção e apoiado nas funções da linguagem de
representação, expressão e apelo (preconizadas por Bühler, 1934
14
), Câmara (1977a)
afirma que o estilo engloba a exteriorização psíquica e o apelo, distinguindo-se da
língua por ser esta um sistema lingüístico organizado para a função informativa com
base numa representação pura. Ao lado de um sistema de fundo intelectivo, há um
sistema de expressividade (exteriorização emotiva) que nele se insinua e com ele
funciona inelutavelmente (intenção requisitiva). Chega à conclusão de que se deve
caracterizar o estilo, não pelo contraste individual em face do que é coletivo, mas sim,
pelo contraste emocional em face do que é intelectivo, não diferente de Bally, mas
complementar.
Paschoal (1975) aponta que, para a crítica principal, a perspectiva da
escolha reside justamente no fato de as escolhas não considerarem o elemento
escolhido em relação ao contexto (eixo sintagmático) e Riffaterre e Jakobson
acrescentam-no. Analisar os processos expressivos em relação ao contexto faz com
que o processo estilístico não esteja mecanicamente ligado à anormalidade, dado que
um processo normal pode num contexto converter-se em efeito estilístico e,
paralelamente, um desvio pode perder esse valor.
Nessa perspectiva, a estrutura que reflete um estilo é particular, própria e
pode oscilar desde a expressividade simples até a mais complexa. Ocorre, quando há
um contraste em relação a um contexto, ou seja, quando um elemento marcado e
14
Bülher foi um importante lingüista. Sua obra, originaria do alemão (1934), é reconhecida e referida por inúmeros outros autores,
como Guiraud (1970), Paschoal (1975), Jakobson (1975, 1979), Câmara (1977a, b), Martins (1977), Yllera (1979), Possenti (1986,
1988) e Scherer (1979, 1989, 1995 e 2003).
67
imprevisível rompe o contexto neutro, que é o elemento marcado. A forma é o
constituinte do estilo, que não admite substituição, mas a atuação simultânea de dois
ou mais recursos estilísticos num mesmo processo. Essa teoria foi criticada justamente
por sua ênfase ao aspecto formal, em detrimento do conteúdo.
Para Jakobson (1975, 1979) é no eixo sintagmático, numa relação de
contigüidade, que se dá a combinação dos constituintes lingüísticos selecionados em
unidades mais complexas, ou seja, entre os diversos elementos ligados por diferentes
graus de similaridade. Jakobson estabelece uma importante relação entre os dois
processos fundamentais do comportamento verbal com os tropos. Na relação de
similaridade (eixo paradigmático) realiza-se a metáfora, em que objetos e idéias são
associados pelos pontos comuns na forma, na substância ou na função. Na relação de
contigüidade situa-se a metonímia, em que objetos contíguos se confundem no espaço
ou no tempo. Jakobson rejeitou os termos estilísticos e estilo, substituindo–os por
poética e função poética, respectivamente. Para o autor, a mensagem para ser poética
deve atrair a atenção do leitor, deverá ser inesperada, imprevisível e oscilar entre a
informação e a redundância. Para tal, a elaboração deve valer-se das metáforas e
metonímias, voltando suas características intrínsecas para si própria e produzindo
ambigüidade.
Na tentativa da investigação dos fatos estilísticos considerar o significado,
o estilo passou a ser visto como conotação. A mensagem atrai a atenção do leitor
primeiramente para a sua forma, mas depois atinge o conteúdo através da atribuição
de valores conotativos, ou seja, de um significado emocional ou poético produzindo
uma mudança na natureza do sentido. A denotação não é suficiente para a
compreensão da mensagem e nem vem para preencher a função poética. A
negatividade denotativa é a condição “sine qua non” da positividade conotativa. A
interpretação conotativa baseada em aspectos subjetivos implica em uma grande
variabilidade de respostas, dada a grande variação de leitor para leitor e a
expressividade do autor. O caráter científico de uma pesquisa conotativa no campo
fonológico encontrou respaldo nas pesquisas científicas no campo do simbolismo
fonético, que forneceu várias evidências do sentido natural dos sons que são muito
usados nas construções estilísticas poéticas (Paschoal, 1975).
É nesse contexto da conotação que se insere a concepção estilística de
Fónagy. Para ele o estilo verbal é uma mensagem secundária e integrada à
mensagem lingüística (dupla codificação), produzida por sistema de comunicação pré-
68
verbal, involuntário e inconsciente, que confere valor emotivo a expressão do indivíduo.
Contudo pensamos que o autor confere demasiada particularidade ao estilo ao
empregar as interpretações pulsionais.
Labov (1972), no seio da sociolingüística, dedica-se ao estudo dos estilos
contextuais. O desvio está presente quando compara os estilos de fala usados em
diferentes situações comunicativas com um particular - o familiar e detectar a
variabilidade fonética determinada pelas situações. Labov parte da hipótese de que o
grau de formalidade é definido em função do grau de atenção dispensado à maneira
como se fala, que varia de acordo com os contextos. Estes são o discurso familiar
(vernáculo), a situação de entrevista, a leitura de um texto escrito em linguagem
próxima à oralidade, à leitura de uma lista de palavras e à leitura de pares mínimos. Os
resultados apontam que falantes de diversos níveis sociais têm basicamente a mesma
atitude em reação às formas de prestígio e às formas estigmatizadas. O estilo está
presente sempre e não apenas quando o falante se distancia do vernáculo (o que seria
a norma). Ressalta que há variantes que chamam mais a atenção do que outras, mas
deixa de lado a intenção da escolha do falante sobre determinada forma e não outra.
Sua concepção é unidirecional: o estilo é determinado pelo contexto (Paschoal, 1975;
Yllera, 1979; Possenti, 1986, 1988).
Como discorrido acima, a concepção de linguagem que permeia os
posicionamentos vistos até aqui, toma a forma da língua independentemente do seu
conteúdo, mesmo quando o autor assume a defesa das funções da linguagem, como,
por exemplo, a função expressiva de Bally (1902), expressão e apelo (Bühler, 1934),
função emotiva e poética de Jakobson (1975), entre outros. A oposição entre a
expressividade da língua e do indivíduo é mantida pelas restrições normativas da
língua e, desta forma, o estilo é atribuído pelas questões individuais, sendo muitas
vezes tomado como uma forma desviada.
Além do mais, neste tipo de posicionamento, a preocupação dos autores
ainda está limitada ao nível da palavra ou no arranjo entre as palavras, e não com o
discurso. Podemos considerar Fónagy como um autor que apontou para uma análise
mais global do discurso, quando integra o sentido às formas gramaticais usadas pelo
locutor.
Outras concepções de estilo surgiram a partir do momento em que a
Lingüística passou a se preocupar com a questão discursiva e, com isso, o
entendimento da língua e suas relações com o sujeito e com o contexto. Desses
69
posicionamentos selecionamos alguns autores que se complementam. Bakhtin lança
questões centradas no dialogismo, base das concepções de linguagem, e de estilo hoje
discutidas. Possenti e Madureira partem da concepção de estilo de Granger (1974) e
analisam respectivamente o estilo de forma geral e a fonoestilística, campo de nosso
interesse.
Para Bakhtin (1997)
15
, o estilo do enunciado é a escolha dos recursos
lingüísticos do locutor, que se pauta no conteúdo do discurso, na relação expressiva do
locutor com este conteúdo e na relação do locutor com o outro e com seus enunciados
(existentes ou presumidos). Segundo o autor, a estilística tradicional desconsidera este
terceiro elemento e, muitas vezes, reduz o estilo à expressividade dos aspectos
emotivo-valorativos do discurso. Assim, Bakhtin retoma a importância dos gêneros do
discurso dada na antiga Retórica e os correlaciona com o estilo, enquanto formas
típicas de enunciado.
Os gêneros do discurso são enunciados relativamente estáveis do ponto
de vista temático, composicional e estilístico, usados em diferentes esferas de
utilização da língua. Os gêneros primários são a linguagem familiar e cotidiana, das
reuniões sociais e dos círculos. Os gêneros secundários incorporam diversamente os
gêneros primários como no discurso literário, científico, ideológico e retórico (Bakhtin,
1997).
O enunciado possui um estilo individual porque reflete quem fala (ou
escreve), mas nem todos os gêneros são aptos para refletir a individualidade,
especialmente aqueles que requerem uma forma padronizada, tais como a formulação
de um documento oficial, da ordem militar, da nota de serviço. Os gêneros mais
propícios são os artístico-literários.
O vínculo entre estilo e gênero mostra-se com clareza quando se trata do
problema de um estilo lingüístico (ou funcional), que nada mais é senão o estilo de um
gênero peculiar de uma dada esfera da atividade e da comunicação humana. As
funções (científica, técnica, ideológica, oficial, cotidiana) e as suas condições geram um
dado gênero. O estilo está vinculado às unidades temáticas determinadas e às
unidades composicionais: tipo de estrutura e conclusão de um todo, tipo de relação
entre o locutor e outros parceiros da comunicação verbal (ouvinte, leitor, interlocutor,
discurso do outro etc). Quando passamos de um gênero para outro modificamos a
15
Em 1952-53 Bakhtin escreve um projeto sobre os gêneros do discurso que não foi publicado até 1979, em Moscou. A primeira
edição brasileira foi publicada em 1979.
70
ressonância deste estilo, graças a sua inserção no que não lhe é próprio. Destruímos e
renovamos o próprio gênero. Para o estilo ser objeto de um estudo específico, a
pesquisa deve partir do fato de que os estilos da língua pertencem por natureza ao
gênero e deve basear-se na investigação prévia dos gêneros em sua diversidade.
Na perspectiva dialógica, o estilo é o conjunto de traços recorrentes do
plano do conteúdo e da expressão, por meio dos quais se cria um efeito de sentido de
singularidade discursiva. O estilo toma forma numa práxis enunciativa e produz um
efeito de sentido de identidade. Por isso, configura um ethos discursivo, uma imagem
do enunciador. O estilo, sendo um fato discursivo, é dialógico, mostra seu direito e seu
avesso, exibe-se a si mesmo e ao outro ao qual se constituiu. Nele ressoam duas
vozes, como num jogo incessante de retomadas, diferenças e deslocamentos, Campos
(2001) e Fiorin (2003) parafraseando a afirmação de Buffon, afirmam que o estilo é dois
homens, uma vez que o ”eu” se constitui dialogicamente.
No sentido de compreender como um estilo escrito pode constituir-se
sobre o outro estilo, Campos (2001) afirma que a intertextualidade entre eles,
compreendida como a imitação de um estilo por outro, pode ocorrer por captação
(como é o caso da estilização e da paráfrase) ou por subversão (como é o caso da
paródia e da polêmica). Na relação com o estilo de referência, temos, no caso da
estilização, o estilo à moda do outro. Na paráfrase, o estilo à nossa moda, na paródia, o
estilo à moda contrária e na polêmica, o estilo à minha moda. Para a autora, assim
considerado, desfaz-se a oposição entre presença e ausência de estilo e não se
circunscreve ao dito, reconstrói quem diz pelo modo de dizer, à medida que reconstrói
mundos no rastro do diálogo constitutivo de todo sentido. Embora este estudo seja
direcionado à escrita, foi mantido aqui porque aborda questões úteis e aplicáveis a
estudos direcionados ao estilo de fala de um determinado grupo social.
Para Granger (1974), o estilo é definido como a modalidade de integração
individual num processo concreto que é trabalho e que se apresenta necessariamente
em todas as formas da prática, a qual constitui atividade considerada no seu contexto
complexo e, em particular, nas condições sociais que lhe dão significação num mundo
efetivamente vivido. O próprio vivido prático apresenta constantemente redundâncias
ou sobre-determinações, que serão constituídas do estilo. Assim, em um fragmento da
cadeia falada pronunciada por um locutor, mil traços aparentemente não pertinentes ao
sistema da língua, sobrecarregam a mensagem e a individualizam. O estilo, então, é a
marca do trabalho, da escolha entre uma forma de representação e outra, definido pelo
71
uso do simbolismo. O autor defende a indissociabilidade entre forma e conteúdo, sendo
que o trabalho do indivíduo se resume em relacioná-los suscitando-os.
Partindo dessa concepção filosófica do estilo, Possenti (1996, 1988)
defende que uma abordagem do estilo deve considerar seu papel na constituição do
sentido e a pressão que o sentido exerce como um dos condicionadores da seleção e
da escolha de uma determinada forma. Ao mesmo tempo, deve também considerar
que é o falante quem tem um papel, uma vez que é ele quem produz o sentido na
ordem da significação. Isso quer dizer que as regras lingüísticas lhe permitem espaços
e as regras sociais lhe permitem pelo menos aspirações, representações e, mesmo,
rupturas de regras, lugares onde a subjetividade se manifesta como não
necessariamente assujeitada, mas como ativa.
Em síntese, as duas questões devem se consideradas: o papel da
coletividade na construção de uma língua com certas características dominantes e o
papel do indivíduo nesse trabalho coletivo. A pressão destas forças é revelada pelas
variações de estilo do mesmo locutor (do mesmo indivíduo) em diversas circunstâncias.
Dessa forma, o falante é quem escolhe o efeito e os recursos para produzir o sentido, e
assim sendo, o estilo será a marca do individual que o falante deixa na sua atividade de
fala.
Para Madureira (1992) a redundância é constituinte do estilo; na
constituição de estilos orais, um mesmo recurso fônico pode ser usado para veicular
diversos efeitos de sentido e um mesmo efeito de sentido poder ser veiculado por
diversos recursos fônicos. Essa flexibilidade revela o caráter dinâmico e multilateral da
relação entre som e sentido, que se apresentam tanto na expressão individual como na
coletiva, de ordem estilística ou não.
De acordo com a autora, os efeitos de sentido podem ser agrupados nas
classes discursivas (ênfase, dramaticidade, planejamento discursivo reveladas pela
dinâmica da voz), subjetivas (expressão de emoções, estados de espírito e
sentimentos do sujeito expressos na qualidade de voz) e situacionais (formalidade e
informalidade que o sujeito adota diante da situação e do seu interlocutor, que será
expressa na pronúncia). As classes podem interagir de acordo com os princípios de
compatibilidade e incompatibilidade entre recursos fônicos, ou seja, similaridade (por
exemplo: a tensão dos articuladores mostra tensão emocional, angústia e nervosismo)
ou discrepância (uso da voz sussurrada para se dar um efeito enfático).
72
Aproximando-se da síntese desse texto e do âmago dessa tese, podemos
dizer que para se caracterizar um fato estilístico precisamos num primeiro momento
assumir um posicionamento sobre a concepção de língua e, conseqüentemente, sobre
o relacionamento entre forma e conteúdo e entre o social e o individual.
Num segundo momento, é preciso buscar os elementos sonoros
marcados na fala e recorrentes na expressão do indivíduo ou de um grupo social, que
espelham uma singularidade e que, ao mesmo tempo, denotam o trabalho do locutor
na direção da relação da forma e do conteúdo. Estes elementos sonoros estão nos
recursos fônicos enquanto manipulações realizadas nas seqüências de sons e suas
relações com a qualidade e a dinâmica de voz, conforme descrevem Sapir (1927),
Fónagy (1983), Madureira (1992), embora não possamos esperar que exista uma
correspondência, uma a uma, entre a classificação de estilos de fala e parâmetros
fonéticos (Kohler, 1995).
Concebendo o estilo como fato dialógico e como marca do trabalho do
locutor que se realiza na prática, as marcas fonoestilísticas expressarão a
singularidade do falante, exibindo a si mesmo e ao outro. É, portanto, no elo
indissociável entre forma e conteúdo, que o falante resgata a individualização, a
variabilidade do código, a incorporação do social e do afetivo, cuja expressão se
manifesta no estilo e o estilo refletirá a expressão.
MÉTODO
73
“São os artistas que trabalham com a
palavra, poetas e atores, os que melhor
apreendem o potencial de expressividade
dos sons e que deles extraem o uso mais
refinado” (Martins, 1977).
74
As pesquisas empíricas que estudam a expressão das emoções e
atitudes pela voz têm sido baseadas em material de fala advindo da expressão vocal
natural, expressão emocional induzida, da expressão vocal simulada por atores e,
ainda, por meio da leitura.
Para a análise experimental, os dados devem ser controlados por
ambiente acústico e meticuloso planejamento metodológico que envolve recursos
tecnológicos sofisticados para se captar os sinais de fala, e as dificuldades na captação
deles se apresentam tanto nas situações onde a expressão da emoção é natural, como
nas situações onde a expressão emocional é induzida, em geral por meio de jogos.
Nos estudos simulados, podemos encontrar certa inabilidade dos atores
em controlar aspectos da voz ou da fala relevante à interpretação da emoção e com
isso, o ator vir a usar padrões vocais estereotipados, o que poderia dar uma ênfase
exagerada ou menosprezada do que seria o esperado em situações naturais. Assim
sendo, a voz estaria refletindo não somente o efeito psicofisiológico (efeito push) da
emoção na voz, mas também as normas socioculturais que a conduzem para direções
particulares (efeito pull), de forma que, se ambos efeitos divergirem demasiadamente, a
interpretação do ator não será credível (Bänziger et al. 2001; Scherer, 2003).
A forma que encontramos para minimizar os problemas apontados na
literatura foi escolher um ator experiente, qualificado e reconhecido pelo meio teatral e
pela mídia como tal e que se disponibilizasse a gravar em estúdio de rádio.
O ator profissional que preencheu tais requisitos estava com 80 anos
(nascido no Rio de Janeiro, em 07/09/22) e 54 anos
16
de profissão, quando realizou a
gravação do material usado nesta tese, em julho de 2002. Intérprete de mais de 80
peças ao longo da carreira, num repertório que inclui grandes autores, como
Shakespeare e Molière. O ator fez cinema, gravou discos com leituras de poemas e na
televisão fez novelas, programas e minisséries.
Corpus
O corpus é constituído pelo poema de “I-Juca Pirama”, de Gonçalves
Dias, interpretado por ele, em forma de Ato Teatral e gravado em CD, em estúdio
16
Tomamos como referência o ano da gravação da entrevista, ou seja, 2002. A título de curiosidade, sua primeira peça estreou
em 13/12/49.
75
profissional. Apoiando e complementando o corpus, coletamos depoimentos do ator
sobre seu processo de criação das personagens de duas fontes: por entrevista
semidirigida, gravada em áudio e vídeo simultaneamente e por entrevistas que circulam
na mídia.
A escolha do texto se deu em função das características estruturais e
estilísticas que apresenta. Embora seja um texto poético, ele se constitui em um ato
teatral. Em teatro, um ato refere-se a cada uma das partes em que se divide uma peça
teatral. É uma representação curta, cujo número pode variar, geralmente, de um a
cinco (Pavis, 1999). O ator interpreta o narrador e três personagens, que dialogam
entre si. É uma interpretação desprovida de recursos cênicos e da presença de outros
atores e público para interagir.
O material em áudio usado neste trabalho é comercializado no Brasil pela
gravadora Luz da Cidade (
www.luzdacidade.com.br).
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, sob o número 021/2005.
O poema “I-Juca Pirama” é uma lenda indígena contada em versos que
trata da história de um índio que foi aprisionado por uma tribo canibal, cujos membros
acreditavam que ao ingerir a carne de um guerreiro valente incorporariam suas
qualidades. O título da poesia, traduzido literalmente da língua tupi, significa “o que há
de ser morto, e que é digno de ser morto”.
São quatro as vozes de personagens:
-“I-Juca Pirama” é o guerreiro jovem da tribo Tupi, cuidava de seu pai e
caiu prisioneiro. Representa o herói romantizado, perfeito, sem mácula, que desperta
bons sentimentos.
- O velho Tupi é o pai que simboliza a tradição secular dos índios Tupis.
Fora honrado e valente quando jovem, mas agora, cego e debilitado, é dependente dos
cuidados do filho.
- O chefe é o cacique Timbira, nação de índios ferozes e canibais e, ao
mesmo tempo, é a personagem ocular da história, responsável por transmitir oralmente
os ensinamentos às crianças da aldeia.
- O narrador é quem, além de narrar os fatos, interpreta os sentimentos
das outras personagens. O poema não explicita quem ele é, mas é provável ser o
cacique Timbira em idade mais avançada.
76
O poema é do gênero épico–dramático, organizado em dez cantos (cada
uma das partes de um poema longo) e com vocabulário erudito e indígena.
No primeiro canto, o narrador descreve a taba Timbira, seus habitantes e
o preparo da festa canibalística, que terá o jovem índio Tupi prisioneiro como prato
principal. O segundo canto, conclui a descrição do preparo ritual e, como em um
monólogo, o narrador fala das aflições do guerreiro Tupi, que será sacrificado. No
terceiro canto, o chefe Timbira, devidamente ornado, se apresenta para iniciar o ritual e
manda que o guerreiro Tupi conte quem é, fale sobre seus feitos heróicos e defenda-
se. No quarto canto, o guerreiro Tupi declama o seu canto de morte. Relembra seus
feitos e sua valentia, mas ao final, emocionado e em lágrimas, pede liberdade ao
Timbira, para cuidar do pai alquebrado e cego, comprometendo-se a voltar para
submeter-se e cumprir os ritos desta feita. No quinto canto, para admiração de todos, o
cacique ordena sua soltura, entendendo ser tanto seu pedido, como seu choro, atos de
covardia e, desse modo, desqualifica-o para o sacrifício. O guerreiro, que a princípio
achou a reação do chefe generosa, percebe a situação de humilhação a que se
expusera e segue ao encontro do pai na floresta. O sexto canto, trata do encontro do
filho com o pai. O diálogo entre eles é entrelaçado pela percepção do pai de que o filho
tinha estado prisioneiro. Frente à confirmação do filho, ambos partem para a tribo dos
Timbiras a fim de sanarem o ato tão vergonhoso para o povo Tupi. No sétimo canto, o
pai agradece ao chefe, mas desculpa-se por não poder aceitar a liberdade do filho e o
entrega para o sacrifício. Entretanto, sob alegação de que os Tupis são covardes, o
chefe dos Timbiras não permite a consumação do ritual, e o pai, envergonhado, maldiz
o suposto filho covarde. Assim, neste oitavo canto, as palavras do pai eclodem com
grande rispidez e raiva, atingindo o ápice do poema. No nono canto, o jovem guerreiro
Tupi, enraivecido, lança o seu grito de guerra e enfrenta sozinho a tribo Timbira, em
nome de sua honra para provar que é bravo e não covarde e, assim, digno de ser
morto, ou seja, “I-Juca Pirama”. O chefe dos Timbiras reconhece a bravura do guerreiro
Tupi dizendo: “assaz lutaste, e para o sacrifício é mister forças”. O pai, agora honrado,
cai em pranto copioso - em lágrimas que não desonram. No canto final, o décimo, o
cacique Timbira narra a história do guerreiro para outras gerações.
Como mencionado anteriormente, os depoimentos foram colhidos em
entrevista semidirigida concedida à pesquisadora e em entrevistas que circulam na
mídia (livros, jornais, revistas e entrevistas na TV).
77
A entrevista semidirigida foi gravada em fita de áudio e filmada
simultaneamente, no dia 22 de novembro de 2002, no camarim do Teatro Faap, em
São Paulo, e teve a duração de aproximadamente 45 minutos. Na apresentação do
objetivo da entrevista, o sujeito foi solicitado a falar espontaneamente sobre o tema
interpretação vocal e, posteriormente, a entrevistadora foi direcionando, por meio das
seguintes perguntas:
1. Que tipo de análise o senhor costuma fazer para compor a voz da personagem
ou escolher a voz para representar a personagem?
2. Que tipo de informação contextual usou? Fez pesquisa sobre o texto?
3. Como planejou as diferentes vozes?
4. Pelo fato de o CD ser realizado em estúdio, diferente do palco, quais as
dificuldades o senhor encontrou?
5. Por não haver público, o senhor “pensa” nele? Fala para alguém? Quem?
6. Em que ano o senhor gravou “I-Juca Pirama”?.
A entrevista pessoal foi transcrita ortograficamente e organizada de
acordo com a temática tratada. Trechos de outros depoimentos dados pelo ator a
diferentes meios de comunicação foram selecionados também de acordo com as
referidas temáticas. Para organizar e facilitar a leitura, além de resguardar a
fidedignidade, optamos por apresentar os dados dos depoimentos entremeados em
discurso direto e indireto. Assim, alguns trechos da entrevista e citações do ator feitas à
mídia serão mantidos em forma literal, e em outros momentos, não haverá o
compromisso de preservar a “letra”, mas a transformação se integrará ao discurso
citado (Paulillo, 1993), de forma a compor ao final um único texto sobre o processo de
criação teatral no que diz respeito ao uso da fala e da voz.
No final dos depoimentos, serão tecidas as considerações deles
despertadas.
78
Procedimentos de análise da amostra de fala
Nesse trabalho usamos a combinação das análises perceptivo-auditiva e
fonético-acústica para a análise da gravação do poema. Num primeiro momento,
realizamos um estudo preliminar para determinar a natureza das análises a serem
realizadas e a escolha das partes do poema a serem investigadas. Esse estudo gerou
análises da materialidade fônica na perspectiva qualitativa e quantitativa que ao final,
foram pareadas com os efeitos de sentido.
As análises qualitativas abarcaram o estudo dos elementos simbólicos
variados, inclusive das atitudes e emoções, das qualidades de voz, dos alofones do /r/
e da “loudness”, sendo que para a interpretação buscamos apoio na análise fonético-
acústica. As análises subjetivas das atitudes e emoções foram realizadas, a partir de
avaliações por teste de avaliação perceptivo-auditiva por juízes e por trechos da fala.
As análises quantitativas abrangeram os parâmetros de duração e f0,
medidos em ms segmentos, sílabas, GIPC
17
, silêncios, ruídos inspiratórios e
enunciados. Analisamos os aspectos duracionais de elementos segmentais, rítmicos,
de continuidade e de taxa de elocução e os aspectos entoacionais, medindo valores de
f0 em elementos vocálicos. A confrontação de contornos de duração e f0 foi utilizada
para a interpretação dos dados de análise prosódica.
Analisado o contexto e sua particularidade fônica, pudemos realizar o
pareamento entre materialidade fônica, avaliada auditivamente e acusticamente e
efeitos de sentidos, tomando como referência a literatura apresentada nos capítulos
anteriores.
17 GIPC, grupo inter perceptual center ou unidade vogal-vogal (Barbosa, 2000).
FLUXOGRAMA
Análise de todo poema,
trechos e palavras
Estudo
Preliminar
Análise
Qualitativa
Análise
Quantitativa
Emoções e
Atitudes
Loudness
Medidas de
Duração
Medidas de
Freqüência
Entoação Estruturação
temporal
Qualidade
de Voz
Variantes de /r/
Pausas
Taxas de
elocução
Ritmo
Segmentos
e Pausas
Teste com
j
uízes
79
80
2.1 Estudo preliminar do poema
A compreensão textual do poema foi o primeiro passo da análise dos
dados. Segundo Firth (1969), vários elementos pertinentes no contexto devem ser
considerados ao se analisar a situação de fala. O primeiro se refere aos traços dos
participantes (pessoas, personalidades), tanto na ação verbal como na não-verbal. O
segundo diz respeito aos objetos relevantes e, por fim, o efeito da ação verbal. Isso
significa que o contexto de um ato de interação comunicativa abrange tanto o próprio
ato e seu cenário, quanto o ambiente físico e social em que ele se dá.
Buscamos ainda referências na literatura sobre o autor e o poema.
Realizamos um rigoroso estudo sobre o léxico empregado no poema, uma vez que a
forma elaborada do vocabulário e da construção sintática dificulta seu pronto
entendimento. Como produto final, tínhamos um mapeamento geral das falas de cada
personagem e de suas emoções e atitudes, como o próprio ator define na entrevista:
“quem fala com quem e o quê”.
As muitas escutas do material permitiram a familiaridade com a
interpretação do ator e a percepção dos elementos salientes e suas relações com o
sentido veiculado. Durante o processo de “escuta atenta” anotamos os tipos de
variantes segmentais utilizadas, emprego de elementos prosódicos e relações entre as
características da matéria fônica e dos sentidos, modalidades, atitudes e emoções.
Assim, pudemos fazer um guia para elegermos as passagens importantes
que deveriam ser analisadas e particularizadas.
2.2 As análises qualitativas
Tendo em vista o referencial teórico adotado na escuta atenta do material,
investigamos subjetivamente os elementos simbólicos, a partir de avaliações
impressionísticas da fala, contando ou não com apoio da análise fonético-acústica.
Numa exploração mais ampla elegemos como guia as categorias do simbolismo
sonoro corporal, imitativo e sinestésico, conforme elencadas por Hilton et al (1994).
Num segundo momento, demos destaque para as emoções e atitudes,
que foram mapeadas e classificadas segundo as diferentes personagens e em
diferentes momentos. Essa classificação foi realizada em concordância da
pesquisadora e da orientadora. Quando não houve concordância, solicitamos o
81
julgamento de outras pessoas, não necessariamente fonoaudiólogas ou lingüistas, para
compor este perfil global das emoções e atitudes.
Este tipo de metodologia é vastamente empregado e mostra credibilidade
na seleção e classificação das emoções (Murray, Arnott, 1993; Bänziger et al., 2001;
Scherer, 2003), com maior confiabilidade quando realizada a partir de um protocolo, do
que aleatoriamente (Scherer, 2003).
Mediante a dificuldade de se identificar uma emoção ou atitude usou-se o
termo “não marcado”. Esse foi o termo que nos pareceu mais adequado que o termo
“neutro” empregado em muitos estudos, referindo-se à existência de uma fala que não
denota significado. Sabemos que uma fala neutra não existe de fato, pois no mínimo
teríamos que distinguir a função informativa da função emotiva (Bolinger, 1985).
Do mapeamento geral das emoções e atitudes, selecionamos 19
diferentes trechos do poema, em que a palavra “filho” aparecia repetida (anexo 2). Por
ser esta palavra, falada por todas as personagens e estar associada a diferentes
emoções, foi escolhida para ser o centro de um teste de avaliação perceptivo-
auditiva de emoções e atitudes por juízes, com experiência na realização desse tipo
de teste. Esses trechos foram recortados várias vezes até atingir enunciados menores
(ver anexo 4).
Contudo, com o objetivo de dar maior isolamento contextual à palavra,
cinco dos enunciados apresentaram duas versões: uma versão de enunciado mais
longo e outra mais curta, respectivamente identificadas. A versão mais longa é
identificada pelo número simples e a versão mais curta é identificada pelo número
acompanhado da letra “c” (de curto). Por exemplo, os números 9 e 9c, referem-se
respectivamente, ao enunciado número 9 na versão longa e curta. Nessa condição
tivemos os enunciados de números 9 (e 9c); 11 (e 11c); 15 (e 15c); 16 (e 16c); 19 (e
19c).
O enunciado 19c (“que é meu filho”) foi apresentado duas vezes e por
isso há duas análises diferentes (19c1 e 19c2). Os enunciados 16 e 17 são idênticos,
mas não são os mesmos trechos, pois tal frase é repetida no poema em dois
momentos diferentes pela personagem do pai. O número total de enunciados
apresentados aos juízes foi no total de 26.
Orgamizamos um protocolo de múltipla escolha com (anexo 3) 15
emoções e atitudes, selecionadas a partir do mapeamento geral realizado
anteriormente, dispostas no papel em 26 blocos, sendo que em cada um destes blocos,
82
as quinze emoções e atitudes foram agrupadas de três em três.
Solicitamos que seis juízes (05 Fonoaudiólogas e 01 Lingüista) com
experiência no julgamento de vozes e percepção da fala (membros do LIAACC -
Laboratório de Análise Acústica e Cognição da PUC-SP) classificassem os estímulos
auditivos, segundo as emoções e atitudes indicadas no protocolo. Os estímulos
auditivos foram apresentados aleatoriamente em duas rodadas. Na primeira rodada,
eram repetidos três vezes seqüencialmente e, ao final do teste, uma nova rodada dos
estímulos (com uma única apresentação) serviu para confirmar as respostas dos
juízes.
Os juízes deveriam escolher uma ou duas alternativas do protocolo para
cada um dos estímulos e poderiam classificá-los em primeira ou segunda opção,
conforme o que lhes parecessem mais relevantes. Em caso de dúvida, poderiam
assinalar duas opções sem ordená-las. Para contabilizar as respostas, seguimos o
critério de somar as respostas dadas em primeira opção com as apontadas de forma
duvidosa pelos juízes.
O resultado final da primeira e segunda opção é apresentado por um par
de números, no qual o primeiro se refere ao total de respostas dadas em primeira
opção, mais a somatória das duvidosas. O segundo número se refere às respostas em
segunda opção. Assim o par 5-1, por exemplo, significa que houve cinco referências
em primeira opção (ou em dúvida) e uma referência na segunda opção (anexo 4).
As respostas foram organizadas e classificadas em tabelas de acordo
com a emoção ou atitude preponderante. Finalmente, a análise fonético-acústica foi
usada para a interpretação dos dados, especificamente, para a medição da f0 (média,
máxima, mínima e extensão) e da evolução da f0 na frase.
A análise qualitativa auditiva contou com o apoio na leitura dos gráficos
da onda sonora e de espectrogramas de banda larga das qualidades de voz e dos
alofones do /r/. Para a avaliação perceptiva das qualidades de voz usamos o modelo
de descrição fonética de Laver (1980, 2000), adaptado por Camargo (2002) para o
Português Brasileiro (anexo 1). Como um modelo descritivo, com vasta literatura que o
fundamenta e sistematiza a análise de base auditiva, o modelo é replicável e desta
forma, juízes podem ser treinados a emitir julgamentos. Assim então, procedemos
solicitando a um juiz a confirmação da avaliação descritiva da pesquisadora. Como o
objetivo deste trabalho é correlacionar as emoções e as atitudes com determinadas
83
qualidades vocais e não avaliar o quanto um ajuste foi afetado, avaliamos somente os
ajustes e não os graus da escala.
Por critério auditivo, as palavras contendo as variantes de /r/ salientes
acusticamente foram selecionadas. Tais palavras, por vezes, apresentavam carga
semântica relativa à expressão de emoções e atitudes, como por exemplo, “horror”.
Contudo, outras não apresentavam tal conotação como, por exemplo, “terra”. Para o
estabelecimento de comparações entre produções de uma mesma palavra,
escolhemos palavras que se repetiam em diferentes contextos emocionais, como por
exemplo, rito, terror, cobarde, guerreiro, morrer e terra.
Os trechos onde as palavras escolhidas se inseriam foram ouvidos e as
emoções foram categorizadas (pela pesquisadora e por um juiz) em alegria, desprezo,
medo, raiva, ódio, ansiedade, tristeza e não marcado.
A categorização das variantes também foi realizada pela pesquisadora e
por um juiz, auditivamente e com apoio da análise fonético-acústica. A análise dos
dados contemplou também as medidas de duração da palavra e dos seus segmentos e
medidas de f0 da vogal tônica, anterior ou posterior a variante. Pela impossibilidade de
se medir o período de obstrução e o início do segmento plosivo em início de palavra,
este foi desconsiderado na medida da duração total da palavra (T).
Como a intensidade é um parâmetro de difícil pesquisa, dada as
condições exigidas para captação do som, que requerem isolamento do ruído
ambiental e controle da distância do microfone, realizamos a análise perceptivo-
auditiva, classificando o loudness em seis níveis: fraco, médio-fraco, médio, médio-
forte, forte e intenso. O contorno de intensidade e a amplitude do sinal (visto na forma
da onda) nos auxiliaram na classificação e na exemplificação desse parâmetro.
2.3 As análises quantitativas dos parâmetros de duração e f0
Da investigação perceptivo auditiva selecionamos alguns trechos do Ato
Teatral para serem analisadas à luz da Fonética Acústica. A análise Fonético-acústica
refere-se à variação dos três parâmetros principais, a freqüência fundamental (f0),
intensidade (I) e a duração. Uma série de estudos experimentais demonstra que as
medidas que melhor carregam a informação emotiva são a freqüência fundamental e a
duração, assim como a confrontação de ambos. Os achados de inúmeras pesquisas
acústicas foram sintetizados por Fónagy (1983); Murray, Arnott (1993) e Scherer (2000,
2003) e nos guiaram na análise dos dados desta sessão.
O programa computadorizado usado foi o Praat, versão 4.2.18, disponível
livremente no site
www.praat.org . O poema foi gravado em julho de 2002, em estúdio
de som profissional, sem interrupção e, portanto, não apresenta edição. Como o
arquivo original estava em formato MP3, foi realizada a conversão de dados para
arquivo do tipo wav, no programa Dell Jukebox Music Match.
Para dar início à análise dos dados, o primeiro passo foi recortar o poema
em arquivos menores, para facilitar o trabalho com um arquivo de 21,29s. Para cada
trecho analisado, outros recortes foram necessários, segmentando em enunciados,
palavras, sílabas ou segmentos. O segundo passo foi gerar as camadas que serviram
para anotações. Na figura 1 podemos observar como o programa apresenta índices
acústicos e o resultado final da segmentação nas camadas geradas pelo programa. Há
sincronia entre a forma da onda, espectrograma, as curvas de intensidade (em
amarelo) e de freqüência fundamental (em azul) e pode-se gerar o número de camadas
que se desejar e escrever nelas. No exemplo, temos as camadas com segmentos,
sílabas e enunciados. As duas barras na parte baixa da figura se referem à duração da
janela visível e à duração total do arquivo.
Para ilustrarmos os fenômenos, tabelas e gráficos foram elaborados e
algumas figuras retiradas diretamente do programa Praat
84
Figura 1 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA, ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA, CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO DO
ENUNCIADO “SOU BRAVO SOU FORTE” EM TRANSCRIÇÃO ORTOGRÁFICA, CAMADA DE DIVISÃO DAS SÍLABAS, CAMADA
DO ENUNCIADO E DURAÇÃO TOTAL DO ENUNCIADO
Forma d
a Onda
Espectrograma
Freq. Fund. f0
Intensidade I
Segmentos
Sílabas
Enunciados
85
a pausa silenciosa. Muitas vezes, no corpus, o silêncio apareceu
conjugado c
usas respiratórias e expressivas. Para esse propósito,
escolhemos d
tal da consoante,
quando em c
seja, o tempo não audível, seria o tempo de duração do
silêncio da pausa mais o tempo de duração da obstrução dos articuladores. Nesses
Medidas de duração
As medidas de duração foram extraídas em silêncios, ruídos inspiratórios,
segmentos, sílabas, GIPC e enunciados, para análise da continuidade da fala e
pausas, dos aspectos segmentais, rítmicos e taxa de elocução e articulação.
Para realizar as medidas de silêncios, pausas respiratórias e segmentos
(vogais e consoantes) foram considerados, conjugadamente à forma da onda, o
espectrograma de banda larga, os formantes (marcados automaticamente) e a
informação auditiva para diminuir o número de erros possíveis de ocorrer, uma vez que
nem sempre o sinal de fala é claro.
O critério usado para se considerar pausa foi a interrupção do fluxo
audível por um período maior ou igual a 200ms, o que segundo Laver (1994)
caracteriza um
om a obstrução de uma plosiva ou com o ruído inspiratório. Nessa
condição, realizamos a medição de todas as pausas maiores que 200ms apresentadas
no quadro 3, conjuntamente com as pausas perceptivas. Ambas marcam segmentação
temporal do poema realizada pelo ator. Analisamos ainda as pausas de mudanças de
turno no diálogo entre duas personagens (entre o chefe e o guerreiro no canto V e
entre o pai e filho no canto VI, ver anexo 5) e das pausas ocorridas intrapersonagem,
para se investigar as pa
ois trechos de reflexão do pai, nos cantos VI e no canto IX (trechos 1 e 2
do anexo 6).
Para se medir um segmento é preciso escolher os eventos do sinal que
marcarão os limites do segmento, como, por exemplo, o início do vozeamento, o início
da fricção ou o burst (ruído plosivo) de uma consoante. Outra decisão é escolher se a
transição será adicionada ao segmento anterior ou posterior. Neste trabalho, a
metodologia adotada foi manter a transição acoplada ao segmento posterior e incluir a
duração do silêncio que precede uma consoante plosiva na duração to
oarticulação.
Entretanto, quando a consoante plosiva estava precedida por silêncio
maior que 200ms, não foi possível manter o mesmo critério, uma vez que a interrupção
da continuidade da fala, ou
86
casos, marcamos o limite da pausa no início da sonorização da plosiva (burst), quando
foi possível obter esta informação de forma clara no espectrograma. Caso contrário, o
início da sonorização foi delimitado a partir do ruído transiente gerado pela soltura da
obstrução total entre os articuladores. A figura 2 ilustra esta condição.
Os segmentos receberam uma etiqueta de transcrição ortográfica (ver
figura 1 e 2), sendo que ao final da divisão das durações foi gerada uma tabela em
segundos, que transportada para o programa Excel, teve seus valores transformados
em milésimos de segundos.
Figura 2 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA, ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA E CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO QUE
DO ENUNCIADO “DIZEI” MOSTRAM A PRESENÇA DE RUÍDO INSPIRATÓRIO E OBSTRUÇÃO DOS ARTICULADORES NA
PLOSIVA
Para análise das taxas de elocução e de articulação usamos dois
trechos de um mesmo gênero discursivo: descrição, escolhidos na análise perceptiva
para representar a taxa média e rápida (anexo 7). O primeiro trecho é a descrição da
taba (Canto I) e o outro a descrição da batalha entre o filho Tupi e os guerreiros
Timbiras (Canto IX). Desses trechos foram extraídos as durações dos segmentos e os
valores percentuais do tempo dos enunciados e das pausas, a taxa de elocução e de
articulação média e rápida, para estabelecer comparação entre elas. Para calcular a TE
87
ades de se estabelecer os limites entre os segmentos e,
portanto, não
rimeiro segmento plosivo,
o qual não será computado.
. A taxa
de articulação do enunciado em sílabas por segundo é igual a 5. Para se calcular em
GIPC por segundo, devemos proceder da seguinte forma: é preciso segmentar em
GIPC (marcando o
realizou-se a razão entre o número de sílabas e o tempo total da fala, incluindo as
pausas silenciosas, perceptivas e preenchidas e os prolongamentos silábicos. Para a
TA excluem-se as pausas silenciosas e preenchidas por inspiração ruidosa.
Um problema a ser considerado nos cálculos das taxas de elocução e
articulação são as ressilabificações que ocorrem na fala durante a co-articulação,
muitas vezes gerando dificuld
definindo claramente a duração silábica. Uma opção metodológica seria
segmentar a fala considerando os onset das vogais, de forma que as variações
duracionais dadas pelos acentos e pelas ressilabificações estariam preservadas. Esse
intervalo de tempo contendo um número definido de realizações de segmentos e
silêncios formam o GIPC (Barbosa, 1996). O número resultante da razão do GIPC, por
tempo, expressa a velocidade da fala. O GIPC é, então, composto pela rima de uma
sílaba e o ataque da sílaba seguinte, porém devido à impossibilidade de se marcar o
fechamento dos articuladores no início de um enunciado de p
Exemplificamos na figura 3, como apoio com o enunciado “propagando
quantas vagas de povo enfurecido”, de 16 sílabas, com duração total de 3,161s
onset da vogal) e excluir os segmentos consonantais do início do
enunciado (pr) e o vocálico do final do enunciado (o). Assim realizado, a soma total é
de 14 GIPC em 2,935s A taxa de articulação em GIPC será a razão número de GIPC
pelo tempo (14 por 2,935s), ou seja, 4,7 GIPC por segundo.
Figura 3- TRAÇADO DA FORMA DA ONDA, ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA, CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO DO
ENUNCIADO “PROPAGANDO QUANTAS VAGAS DE POVO ENFURECIDO” EM TRANSCRIÇÃO ORT
DIVISÃO DAS SÍLABAS, CAMADA DO ENUNCIADO TOTAL E CAMADA DE DIVISÃO DO ENUNCIADO
OGRÁFICA, CAMADA DE
POR GIPC.
or silábico e do acentual, todos os
segmentos q
o/compressão é a duração normalizada (z-escore)
que independ
osa (1999, 2000), é preciso inicialmente delimitar os grupos
acentuais do enunciado a ser analisado. Para tanto, é preciso marcar os acentos a
serem analisados e excluir as anacruses (sílabas não acentuadas) e o off set da frase
(parte não acentuada do final da frase). De posse do número de sílabas por grupo
O cálculo da força de acoplamento entre os osciladores silábico e
acentual indicará o tipo de ritmo do enunciado analisado. As relações entre o número
de sílabas no grupo acentual e a duração do mesmo podem ser expressas numa reta.
Se há equivalência na influência do oscilad
ue compõem o enunciado estão sujeitos ao mesmo alongamento ou
compressão. Entretanto, a força de acoplamento (r) pode dominar para um ou outro e,
nesse caso, a relação deixará de ser unitária e passa a ter tendência silábica (r<1) ou
acentual (r>1).
O fator de alongament
e da duração intrínseca de seus segmentos. O z-score do enunciado é
uma medida da distância (em unidades da soma dos desvios-padrão dos segmentos)
da duração da unidade rítmica mínima (UPRM) em relação à soma das durações
médias dos segmentos que a formam (componente microrrítmico da fala).
Segundo Barb
88
89
acentual e da duração dos mesmos, realiza-se a razão entre o número de sílabas e a
duração para cada um dos grupos acentuais que compõem o enunciado. A média entre
tais resultados será o z-escore (ver coluna 4 do quadro 5 e 6). A divisão do z-escore
por cada valor individual dos grupos acentuais será a força de acoplamento (r).
Medidas de freqüência fundamental
Para as medidas de freqüênci
critérios na seleção dos pontos de extração, realizados automaticamente ou por
xtração manual. Foram considerad exclusivamente as vogais vozeadas,
posicionadas em início e final de enunc
necessário representar o contorno, foram
frase, sinalizando “pitch accent”. Alguma
no texto com o tipo de letra
sublinhado
a fundamental foram usados os mesmos
e as
iado e os pontos máximo e mínimo. Quando
medidos os valores altos e baixos de f0 na
s vezes, tais proeminências foram assinadas
.
dos valores máximo e mínimo e aparecem
Para a extração de forma a
fundamental do programa acústico (cham
pitch extractor”, porque o que é extraído
se as marcações dos pulsos foram r
paralelo entre a forma da onda e a espectrografia, certificando que os segmentos
marcados são vozeados e com a onda regular.
A extração manual foi re não foi possível a
marcação dos ciclos pelos pulsos do programa, seja por erro do programa ou pela
irregularidade da onda, como comentado anteriormente. A forma da onda auxiliou na
escolha de ao menos dois ciclos regulares para que a razão do número de ciclos pela
uração expressasse a freqüência.
Quando necessário descrever a evolução de f0, a extração se deu em
utros pontos dentro das vogais, (além do inicial e final) como no centro, ou em ao
enos três pontos, quando em vogal alongada. Os contornos entoacionais foram
escritos em nivelado, ascendente, descendente, ascendente-descendente,
escendente-ascendente.
A extensão de f0 foi calculada pela subtração
no texto expressa em Hz.
utomática, por meio do extrator da freqüência
ado imprecisamente na análise acústica de
é a freqüência fundamental), é preciso checar
ealizadas corretamente, estabelecendo um
alizada em situações nas quais
d
o
m
d
d
A ARQUITETURA DO ATO TEATRAL
“.... eu passo por cima de uma pausa, dou
um ritmo mais apressado àquela frase e
tudo soa de uma forma diferente d
véspera ou do dia subseqüente. Então,
a
rior de mudar, de variar,
quer dizer que me fascina isso... essa
possibilidade de com as mesmas palavras,
pensando nas mesmas intenções do
autor, a gente conseguir variar tanto,
mudar tanto. Isso é que me fascina .... é
uma vontade inte
de descobrir novas facetas, novas
possibilidades do texto” (Autran, 2002).
90
Análise dos Dados
91
O ator e a criação de personagens
Com o objetivo de apresentar o posicionamento do ator, sujeito dessa
tese sobre o processo de criação de personagens e estabelecer interlocuções com a
prática da expressividade realizada pela Fonoaudiologia, esta sessão conterá u
ma
primeira par
a personagem, responde
que a última
para aquilo que ele imagina que seja a personagem. Cita como exemplo, o
espetáculo Q
texto, que o que se
estuda é a personagem como ela é. Para ele é difícil tanto imaginar se a personagem
tem uma voz diferente da sua, como fazer vozes diferentes. Conclui que nunca pensa
em vozes dife
imprens
que era
mais tri
funciona
menosp mente desprovido de
inteligência, a intuição dele vai até um certo limite, enquanto que se ele é mais
te com depoimentos do ator, e posteriormente, as considerações
despertadas por eles.
Indagado sobre o trabalho de interpretação vocal, especificamente, sobre
o tipo de análise que ele costuma fazer para compor a voz d
“coisa” na qual pensa é na voz da personagem. Afirma que, quando
idealiza uma personagem, pensa como ela é num todo: fisicamente, se tem algum tique
e quais são eles, ou se é uma personagem absolutamente parecida com ele mesmo.
Segundo ele, preocupa-se em fazer a personagem, em dar vida de forma
intuitiva
uadrante, que faz há doze anos. Nele diz textos em prosa e alguns
poemas. Realiza um poema de Carlos Drummond de três maneiras diferentes, mas
nunca pensou se a voz sai diferente nessas interpretações.
Afirma que, se o orador fala bem, ele faz pausas, faz ritmos diferentes na
frase, para criar interesse para quem está ouvindo. “O ator monocórdico é muito
chato... é muito chato ouvir uma frase inteira no mesmo tom de voz, no mesmo ritmo.
Esta é uma questão apenas de saber ou não saber representar”. Nunca pensou nisso
como técnica. Pensa que é instintivo, que a personagem vem do
rentes.
Responde à colocação da entrevistadora sobre uma declaração dada à
a: o fato de ter encenado muitos anos o espetáculo “Quadrante” fez as coisas
m “engraçadas ficarem mais engraçadas e as coisas que eram tristes ficaram
stes”, diz que tanto faz estar rouco ou com a voz ótima que o espetáculo
, pois isso não tem nada a ver com a voz. “Pensar somente na voz é
rezar a inteligência do ator. Se o ator é completa
92
inteligente, a
do num palco, embora não exatamente. Diz que se concentra
no texto e te
pedreiro,
você conhec
fora e funcionam” (Autran; Guzik, 1998: 154).
sua intuição vai mais longe, atinge mais, mas é tudo uma questão de ter
talento para fazer teatro, ter jeito para teatro. Ter talento ou não ter”.
Pensa que sua interpretação mudou muito, durante a carreira. Refere que
“todo mundo” acha que é uma carreira muito longa, mas que ele tem a impressão que
“começou ontem!... acho curtíssima, queria que fosse maior e... se eu não tivesse
melhorado nada, seria uma tristeza, né?! Eu acho que eu melhorei como ator sim”.
Defende que se pode ensinar a alguém o que é um valor de uma pausa, o
valor de um ritmo de uma frase, o valor da colocação de voz, da impostação vocal para
não ficar forçando a sua voz e ficar rouco, mas o que foi chamado de interpretação
vocal vai ter que depender do talento que o ator tem ou não.
Ao fato de estar num estúdio e não ter palco e platéia refere que imagina
como se estivesse dizen
nta se introspectar, colocar aquele texto dentro dele... “Quando eu estou
no estúdio eu me concentro, então, eu me interiorizo como eu faço no palco, a mesma
coisa”.
Relata que para construir suas personagens, usa a imaginação. Acredita
que tendo mais inteligência, mais cultura, a imaginação voa mais e se tem um
referencial muito maior. “Acho que é muito mais autêntico o louco que você tem na
imaginação do que o louco que você copia ... como a gente lê que grandes atores
americanos fazem ... quando vão representar um louco, se internam num hospício para
estudar bem... Não é reprodução da vida, mas é claro que você conhece um
e um escritor, você já viu um...você conhece pessoas, mas isso não
significa imitar. Eu acho que imitar é sempre prejudicial no teatro”.
A este respeito, reflete que
“o material que nós, atores, trabalhamos são a imaginação e a
sensibilidade, principalmente a imaginação. O ator imagina a personagem.
Agora, onde ele vai descobrir essa personagem dentro de si? Aí você tem
razão, ele pode ter de entrar em um terreno virgem. Às vezes tem de tocar em
pontos de si mesmo em que nunca tocou. São lugares escolhidos, que você
pensou que nunca tivesse dentro de sua cabeça. De repente, eles explodem,
vêm para
93
lento,
forte. Afirma
iro, é diferente, mas não tem uma técnica para isso, não existe... nem poderá
existir, graças
ezes, eu passo por cima de uma pausa, dou
um ritmo ma
o nas mesmas intenções do autor, a gente
conseguir va
anos) e estudou bastante o
texto...“esse
eu não digo mais, mas eu dizia o poema
inteiro no palco”.
retornar
Voltando à entrevista, o entrevistado afirma que as quatro personagens
do texto “I-Juca Pirama” foram compostas de acordo com o texto. Perguntado se ele
estudou cada uma das personagens do texto separadamente, respondeu que imaginou
um índio herói, bom, que se sacrifica pelo pai, um pai maravilhoso, mas com um código
de honra pré-estabelecido; imaginou o chefe dos Timbiras como um homem vio
que não pensou na voz em nenhum momento. Declara que os momentos
de suavidade, rispidez e austeridade do ato teatral “I-Juca Pirama”, não têm nada a ver
com voz e sim com as necessidades psicológicas e intelectuais da personagem. “Se
você vai fazer um homem, por exemplo, um personagem de um alto nível intelectual,
um escritor, dificilmente você vai usar um tom de voz que você usaria se fosse fazer
um pedre
a Deus!”.
Conta que gosta muito de fazer carreiras longas de peças no teatro,
porque a cada dia “eu vou descobrindo coisas diferentes no meu texto, então, eu
descubro que de repente eu faço uma pausa. E essa pausa, cria um interesse
extraordinário para o que vem depois. Às v
is apressado àquela frase e tudo soa de uma forma diferente da véspera
ou do dia subseqüente. Então, quer dizer que me fascina isso... essa possibilidade de
com as mesmas palavras, pensand
riar tanto, mudar tanto. Isso é que me fascina.... é uma vontade interior de
mudar, de variar, de descobrir novas facetas, novas possibilidades do texto”.
Afirma que em teatro tem-se tempo de se aprofundar na personagem
durante os ensaios e até durante a carreira da peça. O ator “melhora, fica mais livre,
tenta, descobre, experimenta, escolhe, vai fundo" (Autran; Guzik, 1998: 152).
Indagado sobre como faz quando é em gravação de CD por ser de uma
vez só, respondeu que não estuda o texto, não interpreta, ensaia em casa. No entanto,
“I-Juca Pirama” é um poema que ele disse muitas vezes inteiro no palco, no
espetáculo, Espetáculo Individual de Paulo Autran (“um nome, aliás, muito infeliz,
né?!”), representado entre 1957 e 1967 (por 10
espetáculo começava com I-Juca Pirama, eu gostava muito de dizer e
disse inúmeras vezes... há muitos anos que
A gravação do CD ocorreu em junho de 2002 e, perguntado como foi
ao texto, afirmou que, apesar da experimentação que tinha, fazia uns trinta
94
anos qu
estudo t
pensado
quem, e
Quais a
ele afirm ezes faz uns cortes, propositalmente e justifica: “Eu cortei um
pedacinho sim, do texto do “I-Juca Pirama”, em benefício de uma dramaticidade maior,
porque aque
do CD,
percebe-se q
s teatral.
em verso”.
e não falava o poema, por isso leu, mas “sabia de cor”. Conta que realizou um
ão apurado do poema, que estava muito presente na sua cabeça o que tinha
a respeito do poema. Conta que em seu estudo analisa quem responde a
quais as razões, porque uma frase é agressiva, e esta frase é para agradar.
s razões, as motivações do texto.... “é um poema super romântico, né?!”
Perguntado se ele tinha observado que falta uma parte da estrofe no CD,
a que às v
le... trechinho é meramente descritivo e retarda o acontecimento que é
inicial que é o canto de morte, do guerreiro preso; então, diminuiu um pouco esse
intróito”.
A entrevistadora observa que, quando se ouve outras faixas
ue a sua interpretação do poema “I-Juca Pirama” é muito forte e muito
interpretativa. Pergunta se ele acha que a experiência em gravar (discos e CDs)
juntamente com a experiência anterior de representação do poema facilitou a
interpretação e o deixou mais à vontade.
Ele responde que é possível, mas que “I-Juca Pirama” é um drama, um
drama com personagens, é uma peça de teatro completamente montada, e é por isso
que sua interpretação é mai
Estimulado a dizer se considera a poesia um monólogo por tê-la realizado
sozinho, embora com apoio do texto, responde que não é um monólogo, porque tem
várias personagens. É sim “um ato, é um drama em um ato”. Define como monólogo
um “espetáculo feito por um intérprete só, um personagem só, com princípio, meio e
fim. O “Quadrante” é um espetáculo que eu faço sozinho, não é um monólogo são
várias coisas totalmente diferentes. Eu digo prosa, eu digo poesia, conto histórias,
então não é um monólogo. É um espetáculo solo, mas não é um monólogo”. É um
show.... Assim, se contrapõe à idéia de chamar de monólogo um texto com várias
personagens interpretados por um único ator. Acha que “I-Juca Pirama” é “uma peça
em um ato, uma peça em verso, é um ato
Afirma a Guzik que “Quadrante” não é um monólogo, é uma junção de
vários escritos literários, em prosa e poesia.
”Não há melhor exercício para um ator do que interpretar um texto escrito
só para ser lido. É outro tipo de esforço. Você tem a questão do ritmo, de como
95
coisas
dizív
idas (“eu imaginei que não tivesse edição no CD – Ah! Não
tem mesmo”)
elam. A descrição da batalha é terrível, terrível, terrível. Basta!!! Clama os
chefes dos T
aquela
uma ba
interrom
persona
diálogo,
mais pia
prisione
pai e filho... e o pai começa a ter suspeitas terríveis e, quando ele diz que o soltaram
por pena dele, o pai resolve levar o filho de volta.... é muito... coisa só mesmo de um
código de honra que não existe mais e que nem poderia existir, né?! que pai que vai
levar o filho das coisas românticas e é
muito bonito, né?! Sentimental e bonito”.
transmiti-lo ao vivo para uma platéia. É fantástico. A valorização da palavra é
diferente da de um diálogo. O diálogo é escrito para ser dito, e aquele texto,
não!” (referindo-se ao discurso de Marco Antonio, da peça Julio César, de
Shakespeare) e, continua dizendo que “é lógico também que escolhi
eis. Mas Guimarães Rosa, todo mundo acha que não é dizível e, no
entanto, funciona extraordinariamente bem em “Quadrante””. (Autran; Guzik,
1998: 126).
A entrevistadora observa que as passagens entre as personagens de “I-
Juca Pirama” são muito ráp
e as vozes são muito marcantes e diferentes e solicita que ele fale sobre
como é mudar de personagem de forma tão rápida, sendo uma única pessoa.
Assim vai respondendo: “o Gonçalves Dias está descrevendo como um
índio, ouve a maldição do pai e, então, resolve enfrentar os guerreiros.. o texto fala que
eles se enov
imbiras. Se o “basta” não vem forte e alto, ele não consegue interromper
batalha.. É uma coisa lógica” ... é outra personagem... de uma descrição de
talha violenta, violenta, violenta, violenta, alguém vai e interrompe!!! Tem que
per com um grito”.
Perguntado se acha que ter uma marca forte para entrar em outra
gem é mais fácil do que numa situação de conversa, como no trecho de
entre o filho e o pai, responde que “entre o filho e o pai a conversa é muito
no. Não tem esse problema de violência. Quando ele chega já todo pintado de
iro, conversa com o pai e descobre que está com as tintas... é uma conversa de
para ser executado? Deus me livre!! É uma
Sobre interpretação pensa que “cada ator vai ter a sua maneira de
representar e não é!...é impossível você dizer: “agora com dois graus a mais de volume
na voz você vai conseguir dar a impressão de sinceridade.... Isso não adianta. Lembro-
me do tempo da Vera Cruz: tinha um sujeito que tinha um livrinho de como
interpretar.... tinha assim “cara de ciúme”, tinha a expressão do ciúme, a expressão da
96
possível botar na
cabeça de um
e técnica vocal é importante.
Responde qu
e seu ceticismo, não
conseguia.
A tendência de noventa por cento dos autores é repeti-la sempre da
mesm
cebida e movida inicialmente a partir das minhas insatisfações e
necessidades do fazer fonoaudiológico com profissionais da voz. Se, por um lado, as
inveja, a expressão da raiva, a expressão da alegria... era a coisa mais cômica que
você possa imaginar. A mesma coisa é você querer pensar que é
ator como ele usar a voz para obter um efeito x ou y. O importante é a
sinceridade, é vir de dentro e o ator acreditar naquilo que está fazendo, só isso!”
A entrevistadora pergunta se o treino d
e impostar a voz é importantíssimo, mas “se você ensinar voz triste para
alguém, esse alguém é melhor não fazer teatro... se ele precisa aprender o que é voz
triste, é melhor ele não fazer teatro jamais... expressividade o ator pode treinar. Ele
pode melhorar sua expressividade, mas não se ensina expressividade para ninguém. É
praticamente impossível”.
A este respeito, conta a Guzik que aos 29 anos fazer o rei Creonte
(personagem de 60 anos) foi um grande desafio, contudo o tem como uma das
personagens que mais o realizou, porque, embora entendesse a sutileza que o diretor
queria para passar autoridade, o desencanto com a vida
“Um dia, em casa, passando o texto em voz alta deu-se o estalo! De
repente, me vi liberto das inflexões e do ritmo que dava às frases. Percebi que
até então as frases eram uma armadura que eu tinha construído à minha volta
e me tolhia completamente. Eu estava preso nas minhas próprias inflexões, a
música, digamos assim, que eu imprimia ao texto. Percebi então que o ator é
dono das palavras. Que elas nunca podem tolhê-lo e que ele faz com elas o
que quiser... um texto que já foi discutido à exaustão e decorado fica mais
difícil.
a forma. Quebrar essa forma que virou uma fôrma, foi uma vitória”
(Autran; Guzik, 1998: 68-9).
1.1 Considerações sobre os depoimentos
Uma das questões que a entrevista nos coloca é o quanto a
expressividade pode ser “treinada e aprimorada” em oposição a ser ensinada,
conforme as palavras do sujeito. Esta reflexão se impõe principalmente porque esta
tese foi con
97
regras para o
trimento à
atuação, ond
vistado “ao pé da letra” sobre a
impossibilida
mento. É necessário um fazer terapêutico refletido,
cujos atos te
bem falar me incomodavam, por outro, também havia um desejo de que
os frutos desse trabalho se revertessem à prática fonoaudiológica.
Podemos refletir sobre a preparação de oradores tomando de empréstimo
experiências do teatro, ao revermos conceitos e métodos de preparação de atores, que
foram, sem dúvida, baseadas na concepção de teatro.
O teatro como contemporâneo e, ao mesmo tempo, descendente da
Oratória teve o treinamento tradicional pautado na declamação, em de
e não se representa uma situação, “tira-se” o texto (Aslan, 1994). Foi
justamente o sistema de Stanislavski (1970) que direcionou a preparação do ator,
valorizando as suas emoções, donde a materialização física da personagem surge
espontaneamente, desde que se tenham estabelecidos os valores internos certos. O
posicionamento de Stanislavski vem ao encontro, como vimos no capítulo sobre
estilística, das mudanças de paradigmas que ocorreram no final do séc XIX e início do
séc XX, que valorizaram a expressão subjetiva e o conteúdo.
Ao tomarmos as palavras do entre
de de se ensinar a ser expressivo, pode parecer que só há um caminho
para as técnicas de preparação do ator. O próprio Stanislavski, entretanto, aponta a
comunhão entre duas possibilidades. Afirma que um caminho se assenta na
construção das circunstâncias internas, da gênese, ou seja, da criação de toda a
história de vida, das atitudes, dos gostos e atividades da personagem que será
representada, enquanto outro caminho, que não exclui o primeiro, supõe que as
caracterizações físicas podem fornecer ao ator subsídios para a criação interior da
personagem.
No âmbito fonoaudiológico, técnicas são empregadas para promover
mudanças no comportamento verbal. É fato conhecido e reafirmado, inclusive por nós
em outras publicações (Viola, 1992, 1996), que o uso da técnica pela técnica (ou nas
palavras do nosso sujeito, “imitar ou treinar como um manual de instrução”) não leva à
apropriação de um novo comporta
rapêuticos são fundamentados nos desejos e buscas do sujeito. Somente
neste ponto de vista é possível o fonoaudiólogo contribuir com o crescimento do cliente
que, mesmo procurando um fazer técnico fora do contexto terapêutico, a saber, em
assessoria, não deixa de propiciar o seu encontro consigo mesmo, como sujeito de
suas ações.
98
, aproxima-se dos posicionamentos em questão, uma vez
que há reco
em, das intenções do autor e do sentido do
texto, nos re
isso.
tal desde que um
espectador e
tral fique, assim, claramente definida. Quando a
convenção se
A afirmação do entrevistado de que um bom ator necessita ter
inteligência, intuição e talento
nhecimento de que é no encontro com o subjetivo que as técnicas
funcionam. Pensamos que semelhante a uma bailarina ou a um samurai, as técnicas
devem ser incorporadas, apropriadas para serem parte do indivíduo. No teatro, além do
trabalho de preparação do ator, como afirma o entrevistado, esta construção é feita
experimentalmente, nos ensaios e pelas apresentações repetidas do texto.
As considerações do entrevistado sobre a impossibilidade de dissociar a
construção da fala (ou da voz) da personag
metem aos meandros do ato de interpretar, seja ele um texto, uma
produção artística ou uma fala. Cada relação entre o autor/leitor ou ator/espectador
leva a uma nova direção, cada ato interpretativo é pautado numa significação histórica
pessoal. Os elementos do texto, descritos e narrados pelo autor, fornecem pontos de
ancoragem para o ator resgatar sócio-histórica e culturalmente os elementos para
compor sua personagem; contudo, não é só
Segundo Pavis (1999), o ator situa-se no âmago do acontecimento
teatral, é o vínculo vivo entre o texto do autor (diálogos ou indicações cênicas), as
diretivas do encenador e a escuta atenta do espectador; ele é o ponto de passagem de
toda e qualquer descrição do espetáculo, mas se constitui enquanto
xterior o olha e o considera como "extraído" da realidade ambiente e
portador de uma situação, de um papel, de uma atividade fictícia ou pelo menos
distintos da sua própria realidade de referência. É preciso também que o ator (na
condição de observado) tenha consciência de representar um papel para o seu
observador e de que a situação tea
estabelece, tudo o que o observado faz e diz já não é considerado como
verdade indiscutível, mas como ação ficcional que só tem sentido e verdade no mundo
possível, onde o observado e o observador concordam em situar-se no jogo como uma
convenção ficcional (Pavis, 1999).
É também, nessa prática diária, no fazer entre observado e observador
que se experimenta uma nova possibilidade, que se busca “sair da fôrma” e buscar
novas inflexões, ritmo e pausas com um mesmo texto. É um fazer construído
conscientemente pelo diálogo entre o recurso vocal e seu efeito sobre o interlocutor, é
o trabalho do locutor sobre a materialidade fônica (Granger, 1974; Possenti, 1986,
99
1988; Madur
ou melhor possibilidade de uma atuação teatral, pois é possível estilizar,
parodiar (Ca
. O que se discute
aqui é quebra do formato, em que é possível imprimir outro sentido ao dado,
ressignificar oferecendo outro movimento.
Então, o ator no jogo teatral “brinca” de ser um outro que realiza ações
reais enquanto ele mesmo. Enquanto performer é aquele que está física e
psiquicamente presente diante do espectador, em oposição à representação mimética
de um papel. Calcado nesse tipo de atitude, foi possível ao entrevistado atuar, em um
estúdio, sem outros elementos cênicos, contando com sua vivência anterior, sua
concentração no texto e sua introspecção.
Entretanto, estamos diante do ator que conta algo que narrou muitas
vezes e diante de um texto decorado, mas, antes de tudo, diante de uma interpretação
que foi apropriada e atualizada a cada atuação, comandada por memórias postas, a
partir do feito, da prática, o que confere credibilidade à interpretação.
E, desse ponto de vista, mesmo sendo as emoções e atitudes
expressadas nesse ato teatral, interpretadas e, portanto, não extraídas de contextos de
fala natural, sempre haverá uma defasagem entre estas duas formas de expressão
(natural vs. interpretada), por serem de diferentes esferas de relacionamento entre o
locutor e o contexto da enunciação.
Outra questão emergente do depoimento do ator é sobre o conceito de
voz que ele manifestou na entrevista. Como Sapir (1927); Abrecombie (1967); Laver
(1980) e Chun (2000), o ator estabeleceu uma distinção entre a qualidade de voz,
enquanto produção sonora, e a dinâmica da voz, enquanto as propriedades prosódicas,
embora tenha situado tal distinção nos domínios da voz e da interpretação teatral. Em
várias passagens de seus depoimentos se refere ao valor da dinâmica da voz como os
elementos que criam os efeitos, quando salienta o valor das pausas, do tom, do ritmo,
dos acentos e da intensidade por serem ajustáveis. Ao afirmar que o espetáculo
funciona mesmo com a voz rouca, o que explicita é um conceito de voz focada na
laringe e desvinculada da dinâmica.
eira, 1992). É nesse sentido que um treinamento pode contribuir para
aprimorar a expressividade.
Essas afirmações não apregoam o naturalismo, a espontaneidade como
única e/
mpos, 2001), dar formas retóricas ao gesto vocal cujo objetivo é
justamente soar falso, “estar ao lado do papel”. Mesmo nesse “falso”, a técnica está
incorporada e os gestos vocais e corporais comparecem no sentido
100
Ao afirmar que não pensa na voz da personagem e sim,
necessidades psicológicas e intelectuais, o ator se remete para a qualidade e a
dinâmica vocal como índices da personalidade total do indivíduo, conforme Sapir
(1927).
nas suas
Em outros dizeres, a voz carrega as marcas físicas, psicológicas e sociais
(Laver, Trudgill, 1979; Pittam, Scherer, 1993) ou a voz é o resultado das determinantes
push e pull (Scherer, 1986; 1995; 2000; Scherer et al, 2001, 2003).
101
O poema
O poema "I-Juca Pirama" encontra-se no livro Últimos Cantos, publicado
por Gonçalves Dias (1823-1864), em 1851 e é considerado como um dos ma
is
elaborados p
ção Timbira: “No meio das tabas de amenos verdores, /
Cercadas de
o Simões, Pereira (2005), em “I-Juca-Pirama” Gonçalves Dias
varia a métrica de trecho em trecho do ponto de vista expressivo, mas despreza a
metrificação. Tal variação métrica produz a iconicidade sonora do texto, construindo
plasticamente o poema como um significante rítmico do ritual narrado. Observam-se
também vários ritmos no mesmo metro; o ritmo varia de acordo com a situação que
está sendo descrita/narrada.
Simões (1997) analisa o poema pelo estudo estilístico de fatos de
natureza sintática, semânticas, morfológicas, lexicais e rítmicas. A autora analisa as
figuras de linguagem, a pontuação, o emprego de tempos verbais, particularmente o
gerúndio e as alterações da ordem lógica da frase e do léxico, como o deslocamento
do sujeito, dos adjuntos, dos objetos e dos predicativos.
oemas do Romantismo brasileiro. Segundo diversos críticos da literatura
brasileira, Gonçalves Dias é o poeta romântico mais equilibrado e o que tem o melhor
sentido de ritmo e musicalidade do verso.
Os trabalhos de Martins (1997) e Coutinho (1969) não realizam uma
análise exclusiva do poema. São trabalhos sobre estilística e sobre literatura. Martins
(1997) cita o poema “I-Juca Pirama” em diversas passagens, principalmente
salientando o simbolismo fonético contido nele. Afirma que, a repetição fônica é um dos
recursos usados para a expressividade, e um deles, é a aliteração, isto é, a repetição
insistente dos mesmos sons consonantais. Aponta que na estrofe inicial do “I-Juca
Pirama”, observa-se a aliteração da oclusiva dental nos vocábulos, enfatizando a idéia
de importância e altivez da na
troncos — cobertos de flores, / Alteiam-se os tetos d’altiva nação”.
Coutinho (1969) salienta que o ritmo é essencial nesse poema, e
exemplifica que no primeiro canto é como se ouvíssemos a dança, o bate-pé dos
selvagens no festim. Segundo Simões, Pereira (2005), nesses versos o poeta
empregou o ritmo anapesto, que tem quatro tempos, compondo-se de duas sílabas
breves seguidas de uma longa (diz-se de pé métrico do sistema greco-latino), a fim de
tornar o ritmo igual em versos silabicamente desiguais.
Segund
102
poema para dar maior
relevo para as interpretações semântico-sintáticas d o do poema.
Afirmam que esta possibilidade interpretativa não só acentua a geni
m l histórica e ar stica do poema “I-Juca-Pirama”.
Dessa análise percebem que há predominância de um
(cantos de I a V) nos quais prevalecem às funções
i s podem ser inter
q a construção de
físico e psicológico traçado pelo poeta. Nos Cantos VI, VII IX e X a prevalência de
signos tipo índice (aquele que insinua) oferece a ab
a ilo romântico e a questões políticos-culturais.
Q ólico (Canto VIII), verifica-se a possibilidade
d m crenças, usos e costumes de época. Ao narrar
f vezo histórico, I
a la desgraça do filho, verifica-se ali a travessia do
d
poema na íntegra, em edição adotada por
S dernização cilitar a leitura,
o , onde, à direita, encontram-se alguns sinônimos
d imento. As divis a
divisão dos versos no poema original. A fala de cada personagem está grafada com
fontes diferentes, apresentadas visualmente da segu
R ), guerreiro tup o
p
Simões, Pereira (2005) analisam semioticamente o
estacadas do estil
alidade do artista,
as, sobretudo, a qualidade documenta
tipo de signo em cada Canto.
Afirmam que os cantos
cônicas ou icônico-indiciais, esta
ualidades plásticas que possibilitam
pretadas como abundantes em
imagens detalhadas do cenário
ertura do texto às ponderações
rticuláveis ao gênero épico, ao est
uando o que prevalece é o icônico simb
e uma interpretação articulada co
atos com avaliações e argumentos de
fala do velho índio, desgraçado pe
iscurso da moral e da ética.
Apresentamos, a seguir, o
uma vez que sendo o Canto VII
imões (1997; 2005), que contempla a mo
rganizamos o material num quadro 3
e palavras passíveis de não entend
da grafia. Para fa
ões do quadro coincidem com
inte forma: narrador (Times New
oman), cacique Timbira (Comic Sans MS
ai (Book Antiqua).
i (Century Gothic) e velh
103
Q LAS ESTROFES E COM VO
Canto I
No meio das tabas de amenos verdores,
Cercadas de troncos - cobertos de flores,
Alteiam-se os tetos d'altiva nação;
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes,
Temíveis na guerra, que em densas coortes
bram das matas a imensa extensão.
ada;
uadro 3 - POEMA “I-JUCA PIRAMA” DIVIDIDO PE CABULÁRIO
Assom
amenos – agradável.
alteiam - elevar-se, erguer-se.
coortes - porção de gente arm
tropa.
São rudos, severos, sedentos de glória,
e glória e terror!
rudos – rudes.
a, combate.
der
ia
Já prélios incitam, já cantam vitória,
z do cantor:
Já meigos atendem à vo
São todos Timbiras, guerreiros valentes!
a das gentes,
Seu nome lá voa na boc
ondão de prodígios, d
C
prélios - luta, batalh
condão - virtude especial, ou po
misterioso, a que se atribui influênc
benéfica ou maléfica.
As tribos vizinhas, sem forças, sem brio,
rio,
ndem,
As armas quebrando, lançando-as ao
os seus maracás:
O incenso aspiraram d
Medrosos das guerras que os fortes ace
vos lá rendem,
Custosos tributos igna
Aos duros guerreiros sujeitos na paz.
ignavo - covarde, fraco, pusilânime.
No centro da taba se esten
Onde ora se aduna o concílio guerreir
s servis:
de um terreiro,
o
ra,
amora,
adunar - reunir, incorporar, em um
só; congregar, coadunar.
Da tribo senhora, das tribo
Os velhos sentados praticam d'outro
ue a festa en
E os moços inquietos, q
Derramam-se em torno dum índio infeliz.
Quem é? - ninguém sabe: seu nome é ignoto,
Sua tribo não diz: - de um povo remoto
m povo gentil;
Descende por certo - du
Assim lá na Grécia ao escravo i
uçul
nsulano
mano
ignoto – ignorado.
insulano - 1. de, ou pertencente ou
relativo a ínsula. 2. habitante ou
natural de uma ínsula. [ilhéu].
vil - baixo, reles, ordinário.
Tornavam distinto do vil m
As linhas corretas do nobre perfil.
Por casos de guerra caiu prisio
Nas mãos dos Timbiras: - no extenso t
e em prisão;
neiro
erreiro
truir.
apresto – de aprestar - prover do
Assola-se o teto, que o tev
Convidam-se as tribos dos seus arredores,
aso das cores,
Cuidosos se incubem do v
Dos vários aprestos da honrosa função.
assolar - pôr a raso; arrasar, des
necessário.
Acerva-se a lenha da vasta fogueira
Entesa-se a corda da embira ligeira,
Adorna-se a maça com penas gentis:
A custo, entre as vagas do povo da aldeia
Caminha o Timbira, que a turba rodeia,
entesado - teso, retesado.
embira - fibra de alguns vegetais que
fornece matéria-prima para cordas e
estopas.
maça - pau pesado, mais grosso em
te
Garboso nas plumas de vário matiz.
uma das extremidades, antigamen
usado como arma.
turba - multidão de gente.
Entanto as mulheres com leda trigança,
gem,
,
ledo - (ê) alegre, contente, jubiloso.
trigança – pressa.
usança – uso, hábito antigo e
tradicional.
cativo - prisioneiro de guerra.
Afeitas ao rito da bárbara usança,
cabar:
O índio já querem cativo a
A coma lhe cortam, os membros lhe tin
rpo lhe cingem
Brilhante enduape no co
104
breia-lhe a fronte gentil canitar, coma - cabelo abundante e crescido.
enduape - rodela de penas que os
gas.
orno de penas que os
índios usavam na cabeça, em
Som
tupinambás usavam nas náde
cingir - ligar em volta; prender.
canitar - ad
solenidades.
C
eça,
auim - bebida preparada pelos índios com
.
da em
rneio.
anto II
Em fundos vasos d'alvacenta argila
Ferve o cauim;
Enchem-se as copas, o prazer com
Reina o festim.
alvacento - quase branco.
c
mandioca ou milho cozido e depois fermentado
em certa porção de água
copa - taça ornamental, cuja posse é disputa
to
O prisioneiro, cuja morte anseiam,
Sentado está,
O prisioneiro, que outro sol no ocaso
Jamais verá!
A dura corda, que lhe enlaça o colo,
Mostra-lhe o fim
Da vida escura, que será mais breve
Do que o festim!
Contudo os olhos d'ignóbil pranto
Secos estão;
Mudos os lábios não descerram queixas
ignóbil - que não tem honra; vergonhoso, torpe.
Do coração.
Mas um martírio , que encobrir não pode,
dez do rosto
daz!
Em rugas faz
A mentirosa placi
Na fronte au
Que tens, guerreiro? Qu
No passo horr
e temor te assalta
endo?
e nascer te viram,
folga – 1. tempo reservado ao descanso, ao
recreio. 2. desafogo, alívio.
Honra das tabas qu
Folga morrendo
Folga morrendo; porque
Revive o
Que soube ufano contr
Da fria morte.
além dos Andes
forte,
astar os medos
o; vaidoso, brioso.
ufano - satisfeito consigo mesm
Rasteira grama, exposta ao sol, à chuva,
e pende:
que devassa os ares,
de!
Lá murcha
Somente ao tronco,
O raio ofen
Que foi? Tupã man
Como viveu;
E o caçador que o
Esmoreceu!
ro?
dou que ele caísse,
avistou prostrado
Além dos Andes
rte,
trastar os medos
orte.
os
ítas para designar Deus.
Que temes, ó guerrei
Revive o fo
Que soube ufano con
Da fria m
Tupã - designação tupi do trovão, usada pel
missionários jesu
105
C
s guerreiros
l Timbira,
be as honras,
de em ondas,
se embalança,
iverapeme,
Ao menor passo
ígnia d'honra,
peito, ruge e freme,
ão sabido
as grandes
, inda chorem
d'imigos feros.
novéis - inexperiente, imperito, bisonho.
na
enduape - rodela de penas que os tupinambás
usavam nas nádegas.
sopesar - agüentar o peso de.
pe.
pujante - que tem grande força; possante.
anto III
Em larga roda de novéi
Ledo caminha o fest
iva
A quem do sacrifício ca
Na fronte o canitar saco
O enduape na cinta
Na destra mão sopesa a
Orgulhoso e pujante. -
Colar d'alvo marfim, ins
Que lhe orna o colo e o
Como que por feitiço n
Encantadas ali as alm
Dos vencidos Tapuias
Serem glória e brasão
canitar - adorno de penas que os índios usavam
abeça, em solenidades.
c
ivirapema –maça com que os indígenas matavam
os prisioneiros; taca
"Eis-me aqui", diz ao ín
"Pois que fraco, e sem
"As nossas mata
dio prisioneiro;
tribo, e sem família,
s devassaste ousado,
mão de um forte."
contrário;
çurana desce:
tos canta,
efende-te."
Começa
errama os olhos,
os ânimos comove.
muçurana - corda com que os indígenas atavam os
prisioneiros.
"Morrerás morte vil da
Vem a terreiro o mísero
Do colo à cinta a mu
"Dize-nos quem és, teus fei
"Ou se mais te apraz, d
O índio, que ao redor d
Com triste voz que
C
do
anto IV
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descen
Da tribo tupi.
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
te,
rrante – 1. que erra, que se engana, que se
equivoca. 2. que procede mal; errado. 3. Que
anda ao acaso; vagabundo
fado - aquilo que se considera destinado
irrevogavelmente; destino.
Meu canto de mor
Guerreiros, ouvi.
e
Já vi cruas brigas,
De tribos imigas,
E as duras fadigas
Da guerra provei;
Nas ondas mendaces
Senti pelas faces
Os silvos fugaces
Dos ventos que am
ei.
mendaces - 1. mentiroso, hipócrita, falso. 2.
traiçoeiro, desleal, pérfido.
silvo - qualquer som agudo e prolongado;
sibilação, sibilo.
gaz - que foge com rapidez; rápido, veloz.
fu
Andei longes terras
Lidei cruas guerras,
Vaguei pelas serras
Dos vis Aimoréis;
vis (vil) – 1. mesquinho, miserável. 2. desprezível;
abjeto. 3. infame.
ignavos - covarde, fraco, pusilânime.
106
s!
Vi lutas de bravos,
Vi fortes - escravo
De estranhos ignavos
Calcados aos pés.
E os campos talados,
E os arcos que
E os piagas coitados
Já sem maracás;
E os meigos cantore
Servindo a senhores,
brados,
s,
vinham traidores,
tras de paz.
talados - apertos, dificuldades, embaraços.
piaga – o mesmo que pagé.
Que
Com mos
Aos golpes do imigo,
Meu último amigo,
Sem lar, sem abrigo
Caiu junto a mi!
Com plácido rosto,
Sereno e composto,
O acerbo desgosto
Comigo sofri.
acerbo – 1. áspero, duro, rigoroso, severo. 2. cruel,
pungente, terrível.
Meu pai a meu lado
Já cego e quebrado,
De penas ralado,
Firmava-se em mi:
Nós ambos, mesquinhos,
Por ínvios caminhos,
Cobertos d'espinhos
Chegamos aqui!
ínvio – 1. intransitável. 2. em que não há caminho.
O velho no entanto
Sofrendo já tanto
De fome e quebranto,
quebranto - 1. suposto estado mórbido produzido
pelo mau-olhado de certas pessoas, nas crianças,
nos animais, nas plantas e até nos alimentos;
mau-olhado. 2. abatimento, desânimo, fadiga.
frecha – variante de flecha.
Só qu'ria morrer!
Não mais me contenho,
Nas matas me embrenho,
Das frechas que tenho
Me quero valer.
Então, forasteiro,
Caí prisioneiro
De um troço guerreiro
Com que me encontrei:
O cru dessossego
Do pai fraco e cego,
Enquanto não chego
Qual seja, - dizei!
troço - 1. coisa imprestável. 2. pessoa importante.
Eu era o seu guia
Na noite sombria,
A só alegria
Que Deus lhe deixou:
Em mim se apoiava,
Em mim se firmava,
Em mim descansava,
Que filho lhe sou.
Ao velho coitado
De penas ralado,
Já cego e quebrado,
Que r
Enq
esta? - Morrer.
uanto descreve
O giro tão breve
107
e teve, Da vida qu
Deixai-me viver!
Não vil, não ignavo,
Mas forte, mas bravo,
Serei vosso escravo:
Aqui virei ter.
Guerreiros, não coro
o pranto que choro:
D
S
e a vida deploro,
Também sei morrer.
C
hefe dar tal ordem!
,
e.
em,
turb dão em
desordem. 3. as multidões, o povo.
embira - fibra de alguns vegetais que fornece
matéria-prima para cordas e estopas.
enternecer – 1. tornar(-se) terno, amoroso, brando,
com
debalde - inutilmente, em vão.
anto V
Soltai-o! - diz o chefe. Pasma a turba;
Os guerreiros murmuram: mal ouviram,
Nem pôde nunca um c
Brada segunda vez com voz mais alta,
Afrouxam-se as prisões, a embira cede,
A custo, sim; mas cede: o estranho é salvo.
Timbira, diz o índio enternecido,
Solto apenas dos nós que o seguravam:
És um guerreiro ilustre, um grande chefe,
Tu que assim do meu mal te comoveste,
Nem sofres que, transposta a natureza,
Com olhos onde a luz já não cintila,
Chore a morte do filho o pai cansado
Que somente por seu na voz conhec
- És livre; parte.
- E voltarei.
- Debalde.
- Sim, voltarei, morto meu pai.
- Não voltes!
É bem feliz, se existe, em que não veja,
Que filho tem, qual chora: és livre; parte!
- Acaso tu supões que me acobardo,
Que receio morrer!
- És livre; parte!
- Ora não partirei; quero provar-te
Que um filho dos Tupis vive com honra,
E com honra maior, se acaso o venc
Da morte o passo glorioso afronta.
a – 1. multidão de gente. 2. multi
passivo. 2. abrandar-se, sensibilizar-se.
Sobresteve o Tupi: - arfando em ondas
O rebater do coração se ouvia
Precípite. - Do rosto afogueado
Gélidas bagas de suor corriam:
Talvez que o assaltava um pensamento...
Já não... que na enlutada fantasia,
despenhar(-se). 2. lança
rato!
!
.
arfar – 1. respirar com dificuldade; ofegar. 2.
erguer, levantar: orgulho.
precipitar – 1. atirar(-se) ao precipício;
r-se, atirar-se em.
enlutar - 1. cobrir(-se), vestir(-se) de luto. 2.
causar grande mágoa. 3. envolver(-se) em trevas.
taciturno – 1. que fala pouco. 2. calado, silêncio
so. 3. triste, tristonho.
Um pesar, um martírio ao mesmo tempo,
Do velho pai a moribunda imagem
Quase bradar-lhe ouvia: - Ingrato! Ing
Curvado o colo, taciturno e frio.
Espectro d'homem, penetrou no bosque
108
C
sol, quando partiste,
a!
ado - nato, nascido.
anto VI
- Filho meu, onde estás?
- Ao vosso lado;
Aqui vos trago provisões; tomai-as,
rai perdidas,
As vossas forças restau
E a caminho, e já!
- Tardaste muito!
- Não era nado o
E frouxo o seu calor já sinto agor
n
- Sim demorei-me a divagar sem rumo,
Nos resta de sofrer? - que novas dores,
- Oh filho caro!
e fala,
, e agora temes?
rocura o filho, tacteando as trevas
acre odor das frescas tintas,
ente...
apalpa,
as
oge, volta,
crânio,
ral ornato!...
brindo
ados,
triste velho
m mais clara,
viva
rada.
cesse
ha sido;
rera o filho,
nte;
da instante.
via ou caminho.
do,
apavorado.
exício - perdição, ruína.
Perdi-me nestas matas intrincadas,
Reaviei-me e tornei; mas urge o tempo;
Convém partir, e já!
- Que novos males
Que outro fado pior Tupã nos guarda?
- As setas da aflição já se esgotaram,
Nem para novo golpe espaço intacto
Em nossos corpos resta.
- Mas tu tremes!
- Talvez do afã da caça....
Um quê misterioso aqui m
Aqui no coração;
piedosa fraude
Será por certo, que não mentes nunca!
Não conheces temor
Vejo e sei: é Tupã que nos aflige,
E contra o seu querer não valém brios.
Partamos!... - E com mão trêmula, incerta
P
Da sua noite lúgubre e medonha.
Sentindo o
Uma idéia fatal ocorreu-lhe à m
Do filho os membros gélidos
E a dolorosa maciez das plum
Conhece estremecendo: - f
Encontra sob as mãos o duro
Despido então do natu
Recua aflito e pávido, co
Às mãos ambas os olhos fulmin
Como que teme ainda o
De ver, não mais cruel, poré
Daquele exício grande a imagem
Ante os olhos do corpo afigu
Não era que a verdade conhe
Inteira e tão cruel qual tin
Mas que funesto azar cor
Ele o via; ele o tinha ali prese
E era de repetir-se a ca
reaviar – 1. fazer reentrar na
2. orientar-se, guiar-se de novo.
acre - de ação picante e corrosi
va. 2.
áspero, irritante. 3. azedo.
pávido - que tem pavor; assombra
aterrorizado,
109
ão futura
s tinha;
,
rte!
es.
mpeste,
ste a maça...
udecem;
egue o velho:
i; confessa,
fôras vivo!
existência
mim só vivia....
ransmonta.
: partamos.
muçurana - corda com que os indígenas
atavam os prisioneiros.
manitô – 1. designação que os índios
alg
uma forma mágica não personificada, mas
inerente a todas as
co
at
tutelar, ou demônio, entre índios
am
A dor passada, a previs
E o presente tão negro, ali o
Ali no coração se concentrava
Era num ponto só, mas era a mo
Tu prisioneiro, tu?
- Vós o dissest
- Dos índios?
- Sim.
- De que nação?
- Timbiras.
- E a muçurana funeral ro
Dos falsos manitôs quebra
- Nada fiz... aqui estou,
- Nada! –
Em
Curto instante depois pross
- Tu és valente, bem o se
Fizeste-o, certo, ou já não
- Nada fiz; mas souberam da
De um pobre velho, que em
- E depois?...
- Eis-me aqui.
- Fica essa taba?
- Na direção do sol, quando t
- Longe?
- Não muito.
- Tens razão
-
E quereis ir?...
- Na direção do acaso
onquinos, dos EUA, dão a
isas, pessoas, fenômenos naturais e
ividades; 2. gênio
ericanos.
C
anto VII
"Por amor de um triste velho,
Que ao termo fatal já chega,
Vós, guerreiros, concedestes
A vida a um prisioneiro.
Ação tão nobre vos honra,
Nem tão alta cortesia
Vi eu jamais praticada
Entre os Tupis, - e mas foram
Senhores em gentileza.
"Eu porém nunca vencido,
Nem nos combates por armas,
Nem por nobreza nos atos;
Aqui venho, e o filho trago.
Vós o dizeis prisioneiro,
Seja assim como dizeis;
Mandai vir a lenha, o fogo,
A maça do sacrifício
110
fania - qualidade de ufano. Orgulho,
vaidade.
E a muçurana ligeira:
Em tudo o rito se cumpra!
E quando eu for só na terra,
Certo acharei entre os vossos,
Que tão gentis se revelam,
Alguém que meus passos guie;
Alguém, que vendo o meu peito
Coberto de cicatrizes,
Tomando a vez de meu filho,
De haver-me por pai se ufane!"
u
Mas o chefe dos Timbiras,
Os sobrolhos encrespando,
Ao velho Tupi guerreiro
Responde com tôrvo acento:
sobrolho - sobrancelha.
encrespando – 1. tornar(-se) crespo. 2. fazer
pregas ou rugas em. 3. alterar-se, irritar-se.
- Nada farei do que dizes:
É teu filho imbele e fraco!
Aviltaria o triunfo
Da mais guerreira das tribos
Derramar seu ignóbil sangue:
Ele chorou de cobarde;
Nós outros, fortes Timbiras,
Só de heróis fazemos pasto. -
Imbele – 1. que não é belicoso. 2. que tem
ânimo aguerrido; guerreiro.
aviltar – 1. rornar (-se) vil, abjeto,
esprezível. 2. causar abjeção. 3. baixar o
preço de; depreciar (-se).
d
Do velho Tupi guerreiro
A surda voz na garganta
Faz ouvir uns sons confusos,
Como os rugidos de um tigre,
Que pouco a pouco se assanha!
assanhar - 1. provocar a sanha, raiva ou
fúria de. 2. excitar, irritar. 3. enraivecer-se,
irar-se.
C
ça de estranhos choraste?
te;
anto VIII
"Tu choraste em presença da morte?
Na presen
Não descende o cobarde do for
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de vis Aimorés.”
"Possas tu, isolado na terra,
Sem arrimo e sem pátria vagando,
Rejeitado da morte na guerra,
Rejeitado dos homens na paz,
Ser das gentes o espectro execrado;
Não encontres amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
Tenham alma inconstante e fa
laz!”
oteção.
r – 1. abominar, detestar, amaldiçoar. 2.
desejar mal a. 3. detestar-se, ter horror a si
arrimo - 1. amparo, auxílio, encosto, pr
2. pessoa que serve de amparo a outra.
execra
mesmo.
falaz - 1. enganador, fraudulento. 2. Que
engana. 3. Ilusório, quimérico.
"Não encontres doçura no dia,
Nem as cores da aurora te ame
iguem,
E entre as larvas da noite sombria
111
ra,
aos ventos,
Nunca possas descanso gozar:
Não encontres um tronco, uma ped
Posta ao sol, posta às chuvas e
Padecendo os maiores tormentos,
Onde possas a fronte pousar.
"Que a teus passos a relva se torre;
Murchem prados, a flor desfaleça
E o regato que límpido corre,
Mais te acenda o vesano furor;
Suas águas depressa se tornem,
,
os,
r!”
.
Ao contacto dos lábios sedent
Lago impuro de vermes nojentos,
Donde fujas com asco e terro
vesano - demente, insensato, delirante
"Sempre o céu, como um teto inc
Creste e punja teus membros maldito
endido,
s
rasar-se, arder.
chamuscar, tostar. 2. amorenar, bronzear.
E oceano de pó denegrido
Seja a terra ao ignavo tupi!
Miserável, faminto, sedento,
Manitôs lhe não falém nos sonhos,
E do horror os espectros medonhos
Traga sempre o cobarde após si.
incendiar - 1. pôr fogo a. 2. ab
crestar – 1. queimar levemente a superfície de;
"Um amigo não tenhas piedoso
Que o teu corpo na terra embalsa
Pondo em vaso d'argila cuidoso
me,
ste,
Arco e frecha e tacape a teus pés!
Sê maldito, e sozinho na terra;
Pois que a tanta vileza chegaste,
Que em presença da morte chora
Tu, cobarde, meu filho não és".
C
tal fado
s
ára!
es
!
e
,
e sobra.
ioso,
alarma – 1. alarme, grito de guerra
uadra – 1. compartimento ou recinto
quadrado. 2. época, fase, idade, ocasião, razão,
tempo.
trances - transe Diacronismo: antigo: hist. sXV
ances, sXV tramçe. Estado de aflição,
angústia; viva inquietude, momento
problemático
anto IX
Isto dizendo, o miserando velho
A quem Tupã tamanha dor,
Já nos confins da vida reservara,
Vai com trêmulo pé, com as mãos já fria
Da sua noite escura as densas trevas
Palpando. - Alarma! alarma! - O v
elho p
O grito que escutou é voz do filho,
Voz de guerra que ouviu já tantas vez
Noutra quadra melhor. - Alarma! alarma
- Esse momento só vale a pagar-lh
Os tão compridos trances, as angústias
Que o frio coração lhe atormentaram
De guerreiro e de pai: - vale, e d
Ele que em tanta dor se contivera,
Tomado pelo súbito contraste,
Desfaz-se agora em pranto cop
Que o exaurido coração remoça.
q
tr
112
A taba se alborota, os golpes descem,
Gritos, imprecações profundas soam,
Emaranhada a multidão braveja,
Revolve-se, enovela-se confusa,
E mais revolta
E os sons dos
imprecar - 1. rogar instantemente, suplicar
em mor furor se acende.
golpes que incessantes fervem,
Vozes, gemidos, estertor de morte
Vão longe pelas ermas serranias
Da humana tempestade propagando
Quantas vagas de povo enfurecido
Contra um rochedo vivo se quebravam.
Era ele, o Tupi; nem fora justo
Que a fama dos Tupis - o nome, a glória,
Aturado labor de tantos anos,
Derradeiro brasão da raça extinta,
De um jacto e por um só se aniquilasse.
bens ou males contra ou a favor de alguém. 2.
rogar pragas; praguejar. 3. maldizer.
estertor - som cavo e rouco que caracteriza a
respiração dos moribundos. 2. Agonia.
labor - faina, lavor, trabalho.
alborota – alvoroçar, amotinar.
- Basta! Clama o chefe dos Timbiras,
-
Basta, guerreiro ilustre! Assaz lutaste,
E para o sacrifício é mister forças. -
assaz – 1. bastante, suficientemente. 2. muito.
O guerreiro parou, caiu no
Do velho pai, que o cinge
s braços
contra o peito,
Com lágrimas
cingir – 1. apertar, comprimir. 2. chegar-se,
unir-se. 3. conformar-se, limitar-se, restringir-
de júbilo bradando:
"Este, sim, que é meu filho muito amado!
"E pois que o acho enfim, qual sempre o tive,
"Corram livres as lágrimas que choro,
"Estas lágrimas, sim, que não desonram."
se.
júbilo – 1. grande alegria ou contentamento. 2.
regozijo.
Canto X
Um velho Timbira, coberto de glória,
Guardou a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi!
E à noite, nas tabas, se alguém dúvidava
Do que ele contava,
Dizia prudente: - "Meninos, eu vi!
"Eu vi o brioso no largo terreiro
Cantar prisioneiro
Seu canto de morte, que nunca esqueci:
Valente, como era, chorou sem ter pejo;
Parece que o vejo,
Que o tenho nest'hora diante de mi.
brioso – 1. cheio de brios. 2. corajoso.
pejo - 1. pudor, acanhamento, vergonha. 2.
estorvo, impedimento.
"Eu disse comigo: Que infâmia d'escravo!
Pois não, era um bravo;
Valente e brioso, como ele, não vi!
E à fé que vos digo: parece-me encanto
Que quem chorou tanto,
Tivesse a coragem que tinha o Tupi!"
Assim o Timbira, coberto de glória,
Guardava a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi.
E à noite nas
Do q
tabas, se alguém dúvidava
ue ele contava,
Tornava prudente:
"Meninos, eu vi!".
113
A expressividade: o simbolismo sonoro
Conforme vimos afirmando, o simbolismo sonoro da fala abarca uma
ampla gama de fenômenos, os quais dão substratos para a interpretação dos ouvintes.
Numa tentativa de organizar tais fenômenos, apresentamos a seguir dados subtraídos
do corpus desta tese, categorizados globalmente à luz da proposta de Hilton et al
(1994). Embora tal proposta seja global e organize todos os fenômenos que
trataremos acusticamente, nas categorias do simbolismo corporal, imitativo e
sinestésico e nos fenômenos universais da reduplicação, uso incomum de segmentos e
a associação de segmentos e prosódia (suprassegmentos na nomenclatura do autor)
com a semântica,
daremos seqüência a outras análises particulares, a fim de
evidenciar a
simbolismo sonoro gerado pelo som emitido na
comunicação
a dos
lábios, para a emissão da vogal [a]. Entretanto, os contextos acústicos subseqüentes
são diferentes. Enquanto o primeiro antecipa uma inspiração bucal ruidosa (de 446
ms), o segundo ocorre após uma inspiração nasal silêncio sa (140ms). O primeiro
sinaliza uma atitude despojada do narrador, falando sobre a superioridade da tribo
Timbiras (Canto I): (Estalo) “As tribos vizinhas, sem forças, sem brio”. O segundo estalo
(Canto VI) aparece no diálogo do filho com o pai, como uma resposta negativa ao pai
(como se dissesse “deixa isso para lá”): (Estalo) “As setas da aflição já se esgotaram”.
A inspiração ruidosa pode indicar tanto um sintoma de uma doença,
fadiga após exercício físico ou compor a expressão de aborrecimento, ansiedade e
estruturação temporal, as emoções e as atitudes e o uso dos segmentos
como marca estilística.
O eixo da discussão é o
(poderíamos falar em simbolismo acústico falado) que pode ou não estar
associado ao simbolismo fonético, bastante explorado na literatura e especialmente
empregado pelos poetas nos seus escritos.
O simbolismo corporal é o uso de sons originados no corpo e
introduzidos na comunicação, interpretado como forma de expressar um estado interno
do falante, emocional ou físico. Foi realizado pelo ator na interpretação do poema de
duas maneiras: estalos de língua e inspirações ruidosas.
Os estalos de língua apareceram em dois momentos diferentes. Ambos
têm características exclusivamente expressivas. Precedidos por silêncios (de 596 ms e
670 ms, o primeiro e o segundo respectivamente), ambas são click de abertur
114
raiva. É neste contexto que, em diversos momentos, o ator a usa intencionalmente. É
certo que o microfone captou o ruído de várias inspirações que nem sempre tinham um
valor simbólico. No Canto VIII, há vários momentos em que a respiração ruidosa
compõe o cenário de fluxo de fala rápida e exasperada provocada pela raiva e dor que
o pai sentia da suposta atitude covarde do filho; o pai pragueja. Em um momento,
realiza outra composição audível: a inspiração conjugada com o recolhimento de saliva
acumulada na cavidade oral: o pai está falando em taxa de elocução rápida, curva
entoacional ascendente – descendente com qualidade de voz rangida e estrangulada,
quando entre dois enunciados realiza na pausa inspiratória (de 379 ms) um ruído
provindo da corrente de ar ingressiva, língua retroflexa e em posição pós-alveolar, com
pico de intensidade em 78 dB (Canto VIII – “Tacape a teus pés # pausa # sê maldito e
sozinho na terra”).
Outra forma de simbolismo sonoro refere-se ao imitativo, quando
onomatopéias e frases representam sons ambientais e animais, em presença de sons
No corpus desse trabalho, a passagem “Senti pelas faces, os silvos
fugaces, dos
rítmicos e de ritmos dos movimentos.
ventos que amei”, observamos uma elevação abrupta de f0 nas vogais da
palavra “silvos”, variando de 130 Hz para 180 Hz e posteriormente desce para 83Hz
(figura 4). Metaforicamente, tanto a elevação como a queda põem em evidência o que
fica acima, de forma a ouvirmos imitativamente um assobio fino - o silvo. Martins
(1997), para este mesmo trecho, chama a atenção para o uso dos sons sibilantes que
podem ser imitados pelas fricativas (sobretudo pelas alveolares [s] e [z]) que Gonçalves
Dias usa freqüentemente para dar o efeito das vozes do vento. Segundo a autora, as
formas alatinadas “mendaces” e “fulgaces” não só atendem à dinâmica dessa parte do
poema, mas têm uma função imitativa e conferem ao poema um tom requintado.
Evolução de F0
150
200
1 00
115
usada por Gonçalves Dias para compor suas rimas ao associar vogais e
consoantes
de ascensão e
queda da f0, do uso da qualidade de voz, das variações na duração dos segmentos e
n
O único fator que não poderemos explorar com a análise acústica serão
as variações de loudness, porque não tivemos como controlá-las; entretanto, elas
serão mencio
Sabemos que algumas vezes, um único fator pode ser o responsável pelo
efeito de sentido, outras vezes será a associação de vários parâmetros acústicos que
Figura 4 - GRÁFICO DEMONSTRATIVO DA SUBIDA ABRUPTA DE f0 DO ENUNCIADO “FACES OS SILVOS FUGACES”, COM A
PROEMINÊNCIA MARCADA NA SÍLABA “SIL”
O poema “I-Juca Pirama” é repleto do simbolismo sonoro sinestésico, ou
seja, combina sensações para dar uma só impressão, não apenas porque essa foi a
estratégia
50
/fa/ /se/ /zu/
/siw/
/vus/ /fu/ /ga/ /ses/
Sílabas
para representar propriedades visuais, táteis ou proprioceptivas dos
objetos (metáfora fonética), mas também é a forma pela qual o sujeito desse trabalho
materializou acusticamente os fenômenos não acústicos (metáfora acústica). Foi essa
a forma usada pelo autor da enunciação para dar vida à letra e dar vida aos seus
sentimentos, por meio do uso dos padrões de entoação, do tempo
a composição da continuidade temporal dos segmentos e do discurso.
nadas, baseando-nos na avaliação perceptivo-auditiva. Entendemos que,
no material que analisamos (o CD), há um efeito final de loudness, a partir da
intensidade gravada que nos causa uma determinada impressão, independente das
suas condições de registro.
116
raremos o simbolismo acústico
sinestésico d
Estas características podem ser observadas no canto VIII, quando o
pai amaldiçoa o filho: o autor do poema usou palavras com uma grande quantidade de
sons fricativos e vibrantes (particularmente o /r/
18
) que, ao serem ditos com raiva,
tornaram o texto mais áspero, mais agressivo pelo alongamento da fricção e/ou da
vibração.
O recurso do alongamento incidindo em um segmento particular da
palavra pode ou não estar associado à carga semântica da palavra. A palavra “longe”,
presente no Canto VI, no diálogo do pai com o filho, foi falada com alongamento
(348ms) e contorno ascendente de f0 (107 –174Hz) no segmento /õ:/, o que reforça a
distância, dando a impressão de ser demasiadamente longe (figura 5).
simbolicamente materializarão uma emoção ou atitude (Madureira, 1992, Scherer,
2003), por isso, nas sessões seguintes, explo
e variados prismas. Iniciaremos com a análise do uso dos segmentos
vocálicos e consonantais e das palavras de forma mais isolada, para gradualmente
adentrarmos no universo do discurso, onde vários elementos vão se associando e se
compondo numa estruturação temporal.
3.1 A letra interpretada na voz
A escolha das palavras usadas em um poema pode se dar tanto a partir
de sua carga semântica como pela natureza dos sons que as constituem. Um locutor,
ao ler poema, pode enfatizá-las sonoramente variando, por exemplo, a duração. Assim,
além da ênfase dada pelo autor do poema, adiciona-se o acento dinâmico, que,
segundo Fónagy, constitui uma das bases pulsionais dos sons, que consiste na
metáfora fonética.
18
Ver a análise estilística das variantes de /r/ ao final deste capítulo.
Figura 5 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA, ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA E CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO DO
ENUNCIADO “LONGE”, MOSTRANDO A DURAÇAO DOS SEGMENTOS E OS CONTORNOS DE f0 E DA INTENSIDADE
Associar o alongamento de um segmento ou de uma palavra com a
mudança de qualidade de voz é outro ajuste possível para enfatizar o conteúdo
semântico. A comparação da duração do /s/ nas palavras “Aimorés” (em “vis Aimorés”,
os cantos IV e VIII), em contexto não marcado e na expressão de raiva, variou de
1
om setting de mandíbula fechada, com aspereza.
Outro exemplo nesse sentido é o alongamento de toda palavra.
Analisamos a
pelo narrador quando apresenta a tribo Timbira,
descrevendo
to em
todos segmentos (848 ms), contorno de f0 ascendente-descendente e finaliza com voz
n
16ms para 549 ms respectivamente. No enunciado que expressa raiva, a voz é feita
c
palavra “meigos” em dois contextos diferentes: o primeiro contexto se
refere à descrição do filho sobre seus feitos como guerreiro aos índios que o tornaram
prisioneiro, durante seu canto de morte. No enunciado “E os meigos cantores” a
palavra é falada com qualidade de voz modal, contorno descendente de f0 e com
duração de 381ms. Neste contexto, o locutor não marca a presença de uma emoção
específica. A segunda é dita
os ânimos na festa pela prisão do guerreiro. O narrador diz “Já meigos
/atendem à voz do cantor” de forma suave e destacada da qualidade de voz modal que
vinha sendo usada e que também a sucedera. A palavra apresenta alongamen
117
118
soprosa. Estes efeitos intensificam a semântica da palavra, simbolizando o que é suave
e terno (figura 6).
"Meigos" - interpretado e não marcado
0
50
100
150
200
250
300
mei g o s
interp (ms)
não mar (ms)
interp (Hz)
não marc (Hz)
o sentido semântico da frase, que será enfatizada pelo uso de
determinadas
noi te lu gú bre me do nha
Figura 6 - GRÁFICO DEMONSTRATIVO DA EVOLUÇÃO DA DURAÇÃO E FREQÜÊNCIA FUNDAMENTAL NAS PALAVRAS
“MEIGOS”.
O uso da freqüência é responsável por grande parte das interpretações
das emoções e atitudes, conforme será vastamente discutido, mas nesse momento
apontamos para
freqüências. No enunciado “Tateando as trevas da sua noite lúgubre e
medonha” além da palavra lúgubre ser composta de sons graves e posteriores
(simbolismo fonético), a expressão “lúgubre e medonha” apresentam pitch bastante
grave, extensão estreita e loudness fraca, como visto na tabela 1.
Tabela 1 - DISTRIBUIÇÃO DAS MEDIDAS DE FREQÜÊNCIA E INTENSIDADE NAS VOGAIS NO ENUNCIADO
“TATEANDO AS TREVAS DA SUA NOITE LÚGUBRE MEDONHA”
Ta tean doas tre vas das sua
Hz 99 94 86 85 83 87 86 85 84 83 86 82 82 82 63
dB 75 68 70 65 68 69 66 68 65 67 63 67 67 67 61
O uso de registro baixo é apropriado para expressar longa distância,
escuridão, humilhação, tristeza, como o sujeito realizou na frase “Espectro d'homem /
119
al em registro de peito ganha
aracterística soprosa no final dos enunciados (inicia com f0 máximo de 96 Hz e
finaliza no mínimo de 60Hz). A pausa longa entre os enunciados (1088ms) ajuda a criar
penetrou no bosque” (Canto V, figura 7), quando o guerreiro sentindo-se humilhado
pelos Timbiras retorna à mata ao encontro do pai. Os valores de f0 se mantêm nas
freqüências baixas em contorno descendente e a voz mod
c
um clima de expectativa e dramaticidade.
Figura 7 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA, ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA MOSTRANDO A DURAÇÃO E A
EVOLUÇÃO DE f0 NO ENUNCIADO “ESPECTRO D'HOMEM / PENETROU NO BOSQUE”
da palavra “talados” (canto IV, “e os campos
talados”) quando o /t/ é emitido com forte pressão de língua contra os alvéolos, que
obstrução
metafórico de retenção, de prender, análogo ao
Fónagy (1983), inconscientemente aqui o que se apresenta são dois
bstruíntes: a dureza do acento dinâmico que ejeta, ex prima uma
o da retenção.
Outro tipo de metáfora acústica que caracteriza a produção de um
segmento pode ser observada na emissão
causa o efeito perceptivo de uma pausa (197ms, observado na figura 8). Tal
alongada do /t/ confere o efeito
conteúdo semântico da palavra.
Para
aspectos dos sons o
massa de ar usada através do esfíncter glótico e o prolongament
Figura 8 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA, ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA E CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO DO
TALADOS” MOSTRANDO A OBSTRUÇÃO DOS ARTICULADORES NA PLOSIVA /t/
sonora da letra, entretanto, não se dá somente no sentido
entido semântico. O som pode caminhar ao oposto à informação
a expressar ironia ou conflito. Scherer (1995, 2003) aponta o
usador deste tipo de mensagem.
ais cultural, segue regras mais lingüísticas e com padrões mais
nto o push segue princípios mais ativados pelo organismo sob efeito
A palavra “mandai”, proferida pelo pai ao chefe Timbira ao apresentar o
anto VII) exemplifica o conflito entre o pull e o push, uma vez
fala para um modelo acústico particular (efeito
s pelo pai (efeito push). Para Simões (2005),
ente, o uso do verbo no imperativo nesse contexto
um misto de ordem e súplica, uma vez que o velho Tupi se apresenta em condição
da.
te, esse conflito de atitudes foi expresso pelo
tenção articulatória pouco comum de ocorrer no
vogal nasal (segundo Hilton et al (1994) é o uso incomum de
normalmente formada pela soma da vogal oral e uma
ENUNCIADO “
A interpretação
de intensificar o s
semântica, como par
conflito entre as determinantes pull e push como o ca
O efeito pull, m
delineados, enqua
de uma emoção.
filho para o sacrifício (C
que o uso do imperativ
pull), é modificado pelas emoções sentida
interpretando o poema gramaticalm
o, que direciona a
é
física inferior, mas moralmente eleva
Auditiva e acusticamen
sujeito dessa tese com uma re
imperativo e na
segmentos). À vogal nasal,
120
121
ão nasal, foi adicionado um /n/ articulado em coda, ou dito de outra
língua no alvéolo dental, articulando o /n/, trava a sílaba (figura 9).
l, manifesta o conflito do pai.
pequena porç
forma, a retenção de
O efeito retentivo, neste loca
Figura 9 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA, ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA E CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO DO
L /a/ E O /n/ ARTICULADO
temporal expressiva
temporal da fala (chamada por Levelt (1989) de
tação do texto falado por pausas,
ão e pelo ritmo. A estruturação está sem dúvida
ização sintática e semântica, mas além delas, como comenta
Voz” transforma o texto escrito e lhe dá outro sentido. Estes sentidos
e as ênfases que o locutor imprimirá, conforme
ões.
ENUNCIADO “MANDAI” DEMONSTRANDO A PORÇAO NASAL DA VOGA
3.2 A estruturação
A estruturação
planejamento métrico) é realizada com a segmen
pelas taxas de elocução e articulaç
relacionada à organ
Fónagy, a “Viva
podem ser múltiplos e variarão conform
veremos nas próximas sess
122
Pausas
o expressivo pode ocorrer coincidindo ou não
aso de um poema, com as versificações do autor.
tor não segue a versificação concebida pelo autor,
ervar no quadro 4.
S (#TEMPO#) e PERCEPTIVAS (/) EM MS
res/
s d'altiva nação #848#
xtensão #776#
A pausa como um recurs
com uma pausa respiratória ou, no c
A divisão realizada pelo locu
conforme podemos obs
Quadro 4 - DIVISÃO DAS ESTRO
No meio das tabas de amenos verdo
cercadas de troncos /
cobertos de flores alteiam-se os teto
São muitos seus filhos #381#
nos ânimos fortes /
FES POR PAUSAS RESPIRATÓRIA
temíveis na guerra #315#
que em densas coortes/
assombram das matas a imensa e
São rudos /
severos sedentos de glória #470#
Já prélios incitam /
já cantam vitória #370#
Já meigos /
atendem à voz do cantor#49
São todos /
8#
#385#
Timbiras/
guerreiros valentes #299#
Seu nome lá #378#
voa na boca das gentes
Condão de prodígios /
de glória e terror #649#
As tribos vizinhas /
sem forças sem brio/
as
o in
armas quebrando lançando-as ao rio #245#
s seus maracás #553#
os fortes acendem#370#
lá rendem /
az #872#
censo aspiraram do
Medrosos das guerras
que
Custosos tributos ignavos
Aos duros guerreiros sujeitos na p
No centro da taba se estende um terreiro #309
onde ora se aduna o concílio gue
#
rreiro da tribo /
servis #606#
#720#
senhora das tribos
Os velhos /
sentados /
praticam d'outrora #657#
E os moços /
inquietos /
que a festa enamora #403#
derramam-se #224#
em torno dum índio infeliz
Quem é? #303#
ninguém sabe #619#
seu nome é ignoto #4
76#
Sua tribo não diz /
de um povo remoto descende por certo - dum povo gentil #571#
123
rnavam /
ano /
0#
Assim /
lá na Grécia #415#
ao escravo insulano/
to
distinto do vil muçulm
as linhas /
corretas /
do nobre perfil #165
Por casos de guerra #626#
s mãos dos Timbiras #958#
ssola-se o teto que o teve em prisão #497#
tribos dos seus arredores #263#
se incubem do vaso das cores /
a função #702#
caiu prisioneiro na
no extenso terreiro #457#
A
Convidam-se as
Cuidosos
Dos vários aprestos da honros
Acerva-se a lenha da vasta fogueira/
da embira ligeira #325#
penas gentis #397#
gas do povo da aldeia #406#
ue a turba rodeia /
matiz #409#
entesa-se a corda
Adorna-se a maça com
A custo/
entre as va
Caminha o Timbira /
q
Garboso /
nas plumas de vário
Entanto # 217#
as mulheres #280#
com leda trigança #262#
Afeitas /
ao rito da bárbara usança #329#
bar #365#
297#
o lhe cingem #265#
o índio já querem cativo aca
A coma lhe cortam /
os membros lhe tingem #
Brilhante enduape no corp
Sombreia-lhe a fronte /
gentil canitar #969#
II
Em fundos vasos d'alvacenta argila /
rve o cauim /
o prazer começa #333#
ue outro sol no ocaso /
rá #848#
lhe enlaça o colo #484#
á mais breve do que o festim #866#
stão #700#
o # 1267#
fe
Enchem-se as copas
reina o festim #538#
O prisioneiro # 231#
cuja morte anseiam
sentado está #809#
O prisioneiro #771#
q
jamais ve
A dura corda que
mostra-lhe o fim /
Da vida escura #597#
que ser
Contudo #361#
os olhos /
d'ignóbil pranto secos e
Mudos #514#
os lábios não descerram queixas do coraçã
124
artírio /
m rugas /
osa placidez do rosto na fronte audaz # 810#
? # 568#
ue nascer te viram /
Mas um m
que encobrir não pode # 530#
e
faz a mentir
Que tens /
guerreiro? # 653#
Que temor te assalta no passo horrendo
Honra das tabas q
folga morrendo # 580#
Folga morrendo # 804#
Andes # 348#
ufano contrastar os medos da fria morte # 809#
posta ao sol, à chuva, Lá murcha e pende: # 578#
e devassa os ares,/
porque além dos
revive o forte /
Que soube
Rasteira grama, ex
Somente ao tronco, qu
O raio ofende! # 891#
Que foi? # 859#
Tupã /
mandou que ele caísse como
viveu # 599#
caçador que o avistou /
receu # 856#
be /
1#
E o
prostrado / Esmo
Que temes /
ó guerreiro? # 448#
Além dos Andes # 313#
revive o forte /
que sou
ufano contrastar os medos da fria morte # 89
III
Em larga roda de nové
Ledo caminha o festi
is guerreiros /
val Timbira /
be as honras # 413#
m ondas # 276#
balança # 358#
3#
A quem do sacrifício ca
Na fronte # 322#
o canitar sacode e
O enduape na cinta se em
Na destra mão sopesa a iverapeme /
Orgulhoso e pujante # 50
- Ao menor passo # 392#
Colar d'alvo marfim /
insígnia d'honra Que lhe orna o colo e o peito #
Ruge / e freme # 1133#
298#
o sabido
s almas grandes
igos feros
19
Como que por feitiço nã
Encantadas ali a
Dos vencidos Tapuias inda chorem
Serem glória e brasão d'im
"Eis-me aqui" # 511#
iz ao índio prisioneiro # 701#
e fraco e sem tribo /
vassaste / ousado # 447#
rte vil da mão de um forte" # 363#
d
"Pois qu
e sem família # 304#
"As nossas matas de
"Morrerás mo
Vem a terreiro # 323#
rio # 819#
o mísero contrá
Do colo à cinta /
19 Versos omitidos pelo ator.
125
e # 682#
#
ue ao redor derrama os olhos, # 800#
97#
a muçurana desc
"Dize-nos quem és # 539
teus feitos canta # 708#
"Ou se mais te apraz /
defende-te" # 945#
Começa O índio # 757#
q
Com triste voz # 7
que os ânimos comove # 1594#
IV
Meu canto de morte/
# 1596#
Guerreiros, ouvi
Sou filho das selvas /
Nas selvas cresci # 1322#
Guerreiros # 812#
Descendo Da tribo tupi # 1142#
Da tribo pujante/
Que agora anda errante /
Por fado inconstante /
Guerreiros, nas
ci # 674#
757#
Sou bravo, sou forte # 576#
Sou filho do Norte #
Meu canto de morte
Guerreiros, ouvi # 1372#
Já vi cruas /
brigas De tribos imigas E as duras fadigas Da guerra provei # 1053#
i # 1278#
Nas ondas /
mendaces # 314#
Senti pelas faces Os silvos /
fugaces Dos ventos que ame
Andei longes terras/
Lidei cruas guerras # 289#
vis Aimoréis # 274#
ados aos pés # 343#
Vaguei pelas serras Dos
Vi lutas de bravos/
Vi fortes/
escravos # 307#
De estranhos ignavos Calc
E os campos /
talados /
E os arcos quebrados # 290#
E os piagas coitados Já sem maracás # 300#
E os /
meigos cantores/
Servindo a senhores/
Que vinham /
traidores /
Com mostras de paz # 625#
Aos golpes do imigo # 339#
Meu último amigo /
Sem lar sem abrigo /
Caiu junto a mi # 831#
Com plácido rosto # 451#
Sereno e composto # 321#
O acerbo desgosto Com
igo sofri # 1257#
126
8#
13#
gamos aqui # 1301#
Meu pai a meu lado # 72
Já cego e quebrado /
De penas ralado # 4
Firmava-se em mi # 899#
Nós ambos /
mesquinhos # 312#
Por índios
20
caminhos Cobertos d'espinhos Che
O velho no entanto /
Sofrendo já tanto De fome e quebranto # 207#
morrer # 929#
ho /
Só qu'ria
Não mais me conten
Nas matas me embrenho/
Das frechas que tenho Me quero valer # 486#
Então, /
forasteiro # 422#
Caí prisioneiro De um troço guerreiro Com que me encontrei # 1454#
O cru dessossêgo Do pai/
fraco /
e cego Enquanto não chego/
Qual seja # 763#
- dizei # 823#
Eu era o seu guia Na noite sombria # 992#
e deixou # 940#
im/
0#
A só alegria Que Deus lh
Em mim se apoiava /
Em mim se firmava # 481#
Em m
descansava Que filho lhe sou # 142
Ao velho/
coitado /
o # 316#
Que resta? # 706#
#
o breve Da vida que teve # 1345#
De penas ralad
Já cego e quebrado
- Morrer # 1085
Enquanto descreve O giro tã
Deixai-me viver # 1400#
Não vil # 606#
não ignavo # 669#
Mas forte/
mas bravo # 741#
Serei vosso escravo/
Aqui virei ter # 1382#
Guerreiros, # 416#
não coro Do pranto que ch
Se a vida deploro # 875#
Também sei morrer # 591#
oro # 896#
V
Soltai-o # 321#
- diz o chefe # 570#
Pasma a turba # 835#
Os guerreiros murmu
mal ouviram # 412#
Nem /
pode nunca um chefe dar ta
ram # 633#
Afrouxam-se as prisões /
l ordem # 376#
Brada segunda vez com voz mais alta # 667#
20 No poema a palavra original é ínvios, mas tanto nas análises perceptivo-auditiva como na acústica a palavra falada é índios.
127
0#
# 1180#
o apenas dos nós que o seguravam # 930#
eza # 322#
cintila # 288#
omente por seu na voz conhece # 746#
# 1176#
#
a embira cede # 56
A custo sim # 444#
mas cede # 996#
o estranho é salvo
- Timbira # 673#
diz o índio enternecido /
Solt
És um guerreiro ilustre /
um grande chefe # 785#
Tu /
que assim do meu mal te comoveste # 361#
Nem sofres que transposta a natur
Com olhos onde a luz já não
Chore a morte do filho /
o pai cansado /
Que s
- És livre / parte
- E voltarei # 337
- Debalde # 1103#
- Sim /
voltarei morto me
- Não voltes #
É bem feliz /
u pai # 350#
615#
a # 299#
obardo # 1055#
ar-te Que um filho dos Tupis vive com honra # 651#
vencem /
o glorioso afronta # 214#
se existe # 354#
em que não veja
Que filho tem /
qual chor
és livre / parte # 1521#
- Acaso tu supões que me ac
Que receio morrer # 654#
- És livre # 591#
parte #1550#
- Ora não partirei #995#
quero prov
E com honra maior se acaso o
Da morte o pass
- Mentiste # 669#
que um Tupi não chora nunca /
E tu choraste # 315#
corriam # 340#
um pensamento # 936#
em/
rato /
parte # 596#
não queremos /
Com carne vil /
enfraquecer os fortes # 1027#
- Sobresteve o Tupi # 581#
- arfando em ondas /
O rebater do coração se ouvia /
Precipite # 541#
- Do rosto afogueado Gélidas /
bagas de suor
Talvez que o assaltava
Já não # 682#
que na enlutada fantasia # 554#
Um pesar # 387#
um martírio ao mesmo tempo # 294#
Do velho pai a moribunda imag
Quase bradar-lhe ouvia # 205#
- Ing
Ingrato # 1036#
Curvado o colo # 989#
taciturno e frio # 721#
128
946#
Espectro d'homem # 1088#
penetrou no bosque #
VI
- Filho meu # 405#
perdidas /
frouxo o seu calor já sinto agora # 841#
a divagar sem rumo
cadas Reaviei-me e tornei # 276#
4#
# 786#
ro fado pior Tupã nos guarda? # 834#
espaço intacto Em nossos corpos resta # 1029#
/
ntes /
ão conheces temor # 899#
ios # 894#
incerta /
vas Da sua noite lúgubre e medonha # 780#
rescas tintas # 321#
ma idéia fatal ocorreu-lhe à mente # 441#
ros gélidos apalpa # 294#
/
b as mãos o duro /
pido então do natural ornato # 297#
vido /
os # 348#
ste velho De ver /
# 371#
te os olhos do corpo
figurada # 333#
e /
era o filho /
# 271#
tir-se a cada instante # 387#
tura E o presente tão negro ali os tinha # 386#
Ali/
no coração se concentrava # 320#
Era num ponto só /
onde estás? # 611#
- Ao vosso lado # 525#
Aqui vos trago provisões /
tomai-as # 388#
As vossas forças restaurai
E a caminho e já # 835#
- Tardaste muito # 782#
Não era nado o sol quando partiste E
- Sim demorei-me
Perdi-me nestas matas intrin
mas urge o tempo Convém partir e já # 121
- Que novos males Nos resta de sofrer?
- que novas dores
Que out
- As setas da aflição já se esgotaram # 469#
Nem para novo golpe
- Mas tu tremes # 593#
- Talvez do afã da caça # 1017#
- Oh filho caro # 825#
Um quê misterioso aqui me fala
Aqui no coração # 1027#
piedosa fraude Será por certo que não me
nunca # 1188#
N
e agora temes? # 928#
Vejo e sei # 946#
é Tupã /
que nos aflige # 1035#
E contra o seu querer não valém br
Partamos # 920#
- E com mão trêmula
Procura o filho # 381#
tateando as tre
Sentindo o acre odor das f
U
Do filho os memb
E a dolorosa maciez das plumas
Conhece estremecendo # 247#
- foge /
volta # 247#
Encontra so
crânio Des
Recua aflito e pá
cobrindo Às mãos ambas os olhos fulminad
Como que teme ainda o tri
não mais cruel porém mais clara
Daquele exício grande a imagem viva An
a
Não era que a verdade conhecess
Inteira e tão cruel qual tinha sido # 363#
Mas que funesto azar corr
Ele o via
ele o tinha ali presente /
E era de repe
A dor passada a previsão fu
129
mas era a morte # 617#
- Tu # 469#
#
ssestes # 1040 #
os índ
i
prisioneiro # 317
tu # 1632# ?
- Vós o di
- D
os? # 703#
792#
peste # 427#
braste
1721#
210#
rossegue o velho # 1775#
0#
cia De um pobre velho que em mim /
#
nsmonta # 1590#
3#
razão # 1284#
- Sim # 1190#
- De que nação? # 1
- Timbiras # 2075#
- E a muçurana funeral rom
Dos falsos manitôs que
- mas Nada fiz # 674#
aqui estou #
- Nada - # 1263#
Emudecem # 1
Curto instante depois p
- Tu és valente bem o sei /
confessa # 639#
Fizeste-o certo ou já não fôras vivo # 102#
21
- Nada fiz # 113
mas souberam da existên
só vivia # 2026#
- E depois? # 866
- Eis-me aqui # 2137#
- Fica essa taba? # 1108#
- Na direção do sol quando tra
- Longe? # 91
- Não muito # 1156#
- Tens
partamos # 742#
- E quereis ir? # 1150#
- Na direção do acaso # 2321#
VII
Por amor de um triste velho /
ue ao termo fatal já chega # 684#
#
um prisioneiro # 826#
nobre vos honra # 547#
543#
105#
as # 325#
nobreza nos atos # 627#
# 631#
o dizeis # 637#
enha, /
a ligeira # 313#
e cumpra # 1180#
Q
Vós guerreiros # 462
concedestes A vida a
Ação tão
Nem tão alta cortesia Vi eu/
jamais praticada Entre os Tupis #
- e mas foram Senhores em gentileza # 1
"Eu /
porém # 710#
nunca vencido /
Nem nos combates por arm
Nem por
Aqui venho
e o filho # 234#
trago # 981#
Vós o dizeis # 315#
prisioneiro # 695#
Seja assim com
Mandai vir a l
o fogo, /
A maçã do sacrifício /
E a muçuran
Em tudo o rito s
ixo de 200 ms, estipulado como o tempo mínimo da pausa, foi mantido justamente para mostrar
ersonagens aqui se sobrepõem.
21 Embora este valor seja aba
como as falas das p
130
39#
se revelam # 656#
guie # 816#
e cicatrizes # 551#
u filho # 717#
ne" # 1294#
E quando eu for só na terra # 7
Certo acharei entre os vossos, /
Que tão gentis
Alguém /
que meus passos
Alguém # 884#
que vendo o meu peito Coberto d
Tomando a vez de me
De haver-me por pai se ufa
Mas o chefe dos Timbiras /
Os sobrolhos encrespando # 441#
bele e fraco # 502#
e # 321#
1866#
o velho Tupi guerreiro # 681#
urda voz na garganta # 399#
onfusos # 321#
gre /
Ao velho Tupi guerreiro /
Responde com tôrvo acento # 700#
- Nada farei do que dizes # 419#
É teu filho im
Aviltaria o triunfo Da mais guerreira das tribos /
Derramar seu ignóbil sangu
Ele chorou de cobarde # 315#
Nós outros, /
fortes Timbiras # 235#
Só de heróis fazemos pasto #
D
A s
Faz ouvir uns sons c
Como os rugidos de um ti
Que pouco a pouco se assanha # 1468#
VIII
"Tu # 1351#
rte? # 1030#
4#
e do forte # 717#
7#
és # 1075#
ossas tu #435#
de nobres guerreiros /
rasteiros # 250#
choraste em presença da mo
Na presença de estranhos choraste? # 124
Não descende o cobard
Pois choraste # 55
meu filho não
P
descendente maldito De uma tribo
Implorando cruéis fo
Seres presa de vis Aimorés # 638#
"Possas tu # 370#
isolado na terra # 253#
tria vagando /
er das gentes /
#
mulheres # 340#
migos tiveres # 290#
nte e falaz # 370#
Sem arrimo nem
22
Rejeitado da morte na guerra /
Rejeitado dos homens na paz # 276#
S
o espectro execrado # 431
Não encontres amor nas
Teus amigos, se a
Tenham alma inconsta
"Não encontres doçura no dia Nem as cores da aurora /
noite sombria /
descanso gozar # 283#
ma pedra Posta ao sol # 311#
pousar # 590#
te ameiguem # 293#
E entre as larvas da
Nunca possas
Não encontres um tronco /
u
posta às chuvas e aos ventos /
Padecendo os maiores tormentos # 262#
Onde possas a fronte
22 No texto original o verso é “Sem arrimo e sem pátria vagando”.
131
a relva se torre # 348#
re /
vesano furor # 285#
uas depressa se tornem /
o contacto dos lábios sedentos # 242#
Lago imp ro # 267#
de vermes nojentos # 301#
Donde fujas /
com as 3#
"Que ateus passos
Murchem / prados a flor / desfaleça # 369#
E o regato que límpido cor
Mais te acenda o
Suas ág
A
u
co e terror # 39
"Sempre o céu
como um teto incendido # 293#
Creste e punja teus membros malditos # 265#
E oceano de pó
os espectros me
Traga sempre o
/
denegrido /
Seja a terra ao ignavo tupi # 339#
Miserável,
faminto,
sedento # 318#
Manitôs lhe não falem nos sonhos # 275#
E do horror /
donhos # 334#
cobarde após si # 553#
"Um amigo não tenhas piedoso /
Que o teu corpo na terra embalsame # 310#
Pondo em vaso d'argila /
cuidoso
Arco e frecha e
Sê maldito,/
tacape a teus pés # 379#
e sozinho na terra; # 483#
Pois que a tanta vileza chegaste # 400#
Que em presença da morte choraste # 485#
Tu # 305#
cobarde # 578#
meu filho não és"# 2519#
IX
Isto dizendo # 959#
o miserando velho
A quem Tupã tamanha dor tal fado Já nos confins da vida reservada # 413#
Vai com trêmulo pé # 373#
com as mãos já frias /
a sua noite escura as densas trevas
246#
ala 92#
- O velho pára # 886#
O grito que escutou # 472#
é voz do filho # 437#
Voz de guerra que ouviu já tantas outra quadra melhor # 239#
- Alarma # 232#
alarm 885#
nto só # 429#
ale a pagar-lhe
Os tão comprido
as angústias Qu
D
Palpando /
- Alarma #
rma # 8
vezes N
a #
- Esse mome
v
s trances # 307#
e o frio coração lhe atormentaram /
De guerreiro e de pai # 316#
- vale # 202#
e de sobra # 328#
Ele /
que em tanta dor se contivera /
132
Tomado pelo súbito contraste # 358#
Desfaz-se agora em pranto copioso # 315#
Que o exaurido coração/
remoça # 446#
A taba se alborota /
os golpes descem /
Gritos/
imprecações profundas soam # 293#
Emaranhada a multidão braveja /
Revolve-se, enovela-se
E mais revolta e
Vão longe /
pelas ermas serranias /
Da hum na tempestade # 228#
propaga do /
Quanta /
vagas povo enfurecido # 293#
Contra um rochedo vivo se quebravam # 305#
Era ele /
o Tupi # 280#
o nome
a glória #
Aturado la de tantos anos /
Derradeiro brasão da raça extinta # 257#
De um jac
e por um aniquilasse # 287#
confusa # 249#
m /
mor furor se acende # 221#
E os sons dos golpes /
que incessantes fervem, /
Vozes /
gemidos /
estertor de morte # 281#
a
n
s
de
nem fora justo # 336#
que a fama dos Tupis /
/
273#
bor
to /
só se
- Basta #
Clama o c biras # 788#
- Basta gu iro ilustre # 755#
Assaz luta
E para o sacrifício # 760#
é mister f 09#
O guerrei 387#
caiu # 977
os braços Do velho pai # 1083#
que o cinge contra o peito # 754#
Com lágrimas d
1156#
hefe dos Tim
erre
ste #981#
orças - # 14
ro parou # 1
#
n
e júbilo bradando # 1488#
"Este sim /
que é meu filho muito amado # 1286#
"E pois que o acho enfim /
qual sempre o tive # 1118#
"Corram livres as lágrimas que choro # 890#
"Estas lágrimas sim # 1220#
que não desonram" # 2750#
X
Um velho Timbi
coberto de glóri
ra /
a # 720#
Guardou a memória Do moço guerreiro /
e
23
do velho Tupi # 822#
23 Não existe este /e/ no texto original.
133
E à noite, nas tabas, #595#
se alguém duvidava Do que ele contava /
Dizia prudente #651#
-
"
Meninos #605#
eu vi #750#
"Eu vi o brioso no largo terreiro /
Cantar prisioneiro /
Seu canto de m
sem ter pejo # 9
Parece que o ve
orte que nunca esqueci # 883#
Valente como era # 594#
chorou # 503#
44#
jo # 999#
Que o tenho nest'hora diante de mi # 887#
"Eu disse comigo # 540#
Que infâmia d'escravo /
Pois não # 999#
era um bravo # 757#
Valente e brioso como ele não vi # 777#
E à fé que vos digo # 883#
parece-me encanto # 840#
Que quem chorou /
tanto # 765#
Tivesse a coragem que tinha o Tupi" # 3
90#
Assim o Timbira, coberto de glória # 696#
Guardava a memória Do moço guerreiro/
do velho Tupi # 943#
E à noite /
nas tabas # 626#
se alguém duvidava Do que ele contava # 586#
Tornava prudente # 794#
"Meninos #630#
eu vi" .
o as
interrupções demonstram o respeito, a atenção, a importância, a ansiedade, a atitude
de poder, etc de um interlocutor para com o outro.
Para analisar as pausas que marcam as mudanças de turno entre
interlocutores selecionamos dois diálogos entre personagens diferentes. O primeiro
diálogo realiza-se entre o chefe e o guerreiro (canto V – anexo 2, tabela 2) e o
segundo, entre o pai e o filho (Canto VI - anexo 2, tabela 3).
Pausas de mudanças de turno no diálogo entre as personagens
Num diálogo, as emoções e atitudes podem ser depreendidas da forma
como estruturamos os turnos de fala, sendo que tanto os silêncios quant
134
No primeiro diálogo, o chefe inicia sua fala com uma ordem para soltar o
guerreiro. O diálogo segue tendo como tema o agradecimento do guerreiro e a
promessa no retorno para cumprir o ritual canibalístico; porém, o chefe justifica sua
conduta acusando o guerreiro de covarde e o humilha. O chefe está numa posição de
autoridade e o guerreiro é subordinado a ele. As novas informações são dadas pelo
chefe, que replica sempre com mais rapidez do que o guerreiro responde, isto é, o
guerreiro demora mais a assumir o seu turno de fala (tabela 2), pois, na tentativa de
argumentar com o chefe, necessita buscar argumentos.
Tabela 2 - DURAÇÃO DAS PAUSAS DE MUDANÇA DE TURNO (EM MS) DO DIÁLOGO ENTRE O CHEFE E O GUERREIRO
(CANTO V)
No segundo diálogo, o pai inicia a conversação com o filho. O pai, embora
dado que elabora questões a partir das
a,
O tempo da pausa representa os medos e as aflições, aquilo que não
pode ser dito e ouvido, como no exemplo que selecionamos, quando a pausa mais
longa indicou um momento de hesitação, de grande expectativa. O maior tempo nas
trocas de turnos (tabela 03, T7) ocorre quando o filho diz o nome da tribo que o
aprisionou. Teme dizê-lo e o pai se paralisa ao ouvir a resposta. Um longo silêncio se
faz entre eles, tornando o grande inimigo destacado.
Uma pausa breve, contudo pode ser indicativa de ansiedade e pressa. No
exemplo em que o filho, ao ser acusado pelo pai, interrompe sua enunciação para se
defender (tabela 03, T8), não há pausa entre os enunciados. No diálogo entre dois
locutores, estas falas provavelmente se sobreporiam.
Turno do chefe para o guerreiro do guerreiro para o chefe
T1 1180 746
T2 1176 337
T3 1103 350
T4 1521 654
T5 1550 190
seja aquele que conduz a conversação,
respostas do filho, demora mais para assumir o turno (ver tabela 03). Em contrapartid
o filho responde rapidamente, pois já sabe do que se trata.
135
abela 03 - DURAÇÃO DAS PAUSAS DE MUDANÇA DE TURNO (EM MS) DO DIÁLOGO ENTRE PAI E FILHO (CANTO VI)
Número do turno De pai para filho De filho para pai
T
T1 611 835
T2 841 1214
T3 834 1029
T4 593 1017
T5 1632 1040
T6 703 1190
T7 1792 2075
T8 0 1721
T9 102 2026
T10 866 2137
T11 1108 1590
T12 913 1156
T13 742 1150
Na análise de ambos os diálogos, pode-se observar que as pausas de
mudança de turnos têm diferentes funções e tempo variável, o que traz revelações
sobre os papéis dos interlocutores. A pausa mais curta ocorre quando o interlocutor
assume uma atitude de autoridade e de autodefesa, que também pode expressar
pressa ou ansiedade. A pausa chega a não existir quando o locutor conhece o assunto
em pauta (tabela 03, T8).
o do
interlocutor e quando uma grande carga emotiva envolve a informação que seria dada,
o que gera grande expectativa. Tal pausa também aparece quando o locutor reflete
sobre o assunto em pauta e quando busca argumentos para continuar a conversação.
ausa intrapessoal
entre 221 e 293 ms. Esta regularidade externaliza
a coordenação pneumofoarticulatória do locutor e seu grande controle muscular.
fins expressivos, pois
co pressão da intenção do autor: a rapidez com
a q
rcam as fronteira s grupos en ionais, e
de modo geral, coincidem com fronteiras sintáticas (Cruttenden, 1986; Laver, 1994) que
A pausa mais longa entre os turnos ocorre em momentos de hesitaçã
P
As pausas entre os enunciados de uma mesma personagem podem ter
função exclusivamente respiratória e/ou expressiva.
Para analisar a pausa respiratória, recorremos ao Canto IX (anexo 3),
trecho de descrição da batalha entre o guerreiro e a tribo. A retomada de ar ocorre em
intervalos muito semelhantes, como pode ser observado na figura 10. As médias das
pausas foram 271 ms, com variação
Contudo, essas mesmas pausas respiratórias servem para
nferem um ritmo de fala necessário à ex
ual a batalha se desenvolve.
As pausas expressivas ma s do toac
136
po e forma mais ou menos regu anto VI,
as pausas da fala do pai ocorrem em intervalos de tempo bastante similares,
ex ra
(figura 12, trecho 2, anexo 2).
Em nossos dados, com freqüência a inspiração é percebida
auditivamente
stamente no
fato de tornar
dem apresentar variação na duração d lar. No C
pressando dois sentimentos de natureza diferente: a atitude reflexiva do pai (figu
11, trecho 1, anexo 2) e a ansiedade
, em especial nos momentos de expressão de raiva e de ansiedade. A
inspiração ruidosa preenche um silêncio Esses ruídos não deixam de configurar uma
pausa expressiva, mas não se classificam nem na definição de pausa silenciosa e nem
na preenchida (Laver, 1994; Cruttenden, 1986). A importância deles está ju
em-se um elemento que compõe o cenário simbólico da expressão.
Figura 10 GRÁFICO DEMONSTRATIVO DA DURAÇÃO DOS ENUNCIADOS (E) E DAS PAUSAS RESPIRATÓRIAS (#).
OBSERVAR A REGULARIDADE NA DURAÇÃO DAS PAUSAS RESPIRATÓRIAS.
0
4.000
4.500
5.000
Pausas Respiratórias
500
3.500
1.000
1.500
2.000
2.500
3.000
E
#
4500
5000
Pausas Expressivas - Reflexiva (Trecho 1)
1500
2000
2500
3000
3500
4000
E
#
A REGULARIDADE NA DURAÇÃO DAS PAUSAS RESPIRATÓRIAS NO CONTEXTO REFLEXIVO.
REGULARI
0
500
1000
Figura 11 GRÁFICO DEMONSTRATIVO DA DURAÇÃO DOS ENUNCIADOS (E) E DAS PAUSAS RESPIRATÓRIAS (#).
OBSERVAR
.
500
1.000
1.500
2.000
2.500
3.000
3.500
4.000
4.
500
5.000
Pausas Expressivas - Ansiedade (Trecho 2)
E
#
0
Figura 12 - GRÁFICO DEMONSTRATIVO DA DURAÇÃO DOS ENUNCIADOS (E) E DAS PAUSAS RESPIRATÓRIAS (#).
OBSERVAR A DADE NA DURAÇÃO DAS PAUSAS RESPIRATÓRIAS EM CONTEXTO DE ANSIEDADE.
137
138
Taxas d elocuçã ticu
Para análise das taxas de elocução e de articulação usamos s
de um esmo gêne discurs scr olhidos n álise perce ara
representar a taxa média e rá ida (anexo 3). O primeiro trecho é a descrição
outro, a descrição a entre o filho Tupi os guerreiros
imbiras (Canto IX). Uma importante observação a se fazer é que o aumento da
velocidade se deu com preservação da estrutura dos segmentos, de modo que a
inteligibilidad
e o e ar lação
dois trecho
m ro ivo, de ição, esc a an ptiva p
p 7, figura 1
da taba (Canto I) e o da batalh e
T
e auditiva se manteve.
Tabela 4 - VALORES DA DURAÇÃO DOS ENUNCIADOS E PAUSAS EM PORCENTAGEM (%) E TAXAS DE ELOCUÇÃO E
ARTICULAÇÃO EM NÚMERO DE SÍLABAS POR SEGUNDO E EM GIPC POR SEGUNDO
Taxa média Taxa rápida
Percentagem total da duração dos enunciados 90,32% 93,24%
Percentagem da duração das pausas 9,7% 6,7%
Taxa de eloc ção em sílabas por segundo 4,2 5,1 u
Taxa de eloc ção em GIPC por segundo 3,9 4,7 u
Taxa de artic do 4,3 5,2 ulação em sílabas por segun
Variação da taxa de articulação em sílabas 3,7 – 4,7 4,6 – 6,3
Variação da
segundo
taxa de articulação em GIPC por 3,7 - 4,8 5,1 - 6,1
Taxa de articulação rápida e média em sílaba e GIPC
8
2
4
6
0
123456
TApida emlaba
4,8 6,3 4,9 4,6 5,4 5,1
TApida emGIPC
5 6,1 4,3 4,3 5 4,8
TA média em sílaba
5,1 3,7 4,1 4,6 4,1
TA média em GIPC
4,8 4,1 4,4 4,4 3,7
Figura 13
SEGUND
servar que as porcentagens de tempo dos
enunciados e das pausas aumentaram com a taxa de elocução. Isto que significa que
GRÁFICO DEMONSTRANDO A COMPARAÇÃO DA TAXA DE ARTICULAÇÃO MÉDIA E RÁPIDA, EM SÍLABAS POR
O E EM GIPC POR SEGUNDO
Na tabela 4, podemos ob
139
par
tempo do enunciado falado e de encurtar as pausas entre os enunciados.
articulação em cada um dos enunciados analisados. A variação para a taxa de
articulação em sílabas por segundo no trecho classificado perceptualmente com a
velocidade média foi de 3,7-
da taxa de articulação rápida variou de 4,6 a 6,3, com média de 5,2 sílabas por
segundo. Es
ue analisamos, o primeiro enunciado falado, marcou o movimento perceptivo
global da taxa de articulação
ticulação em cada enunciado do
trecho total falado expressa melhor o movimento dinâmico do tempo do que as médias
das
a méd tramos
dife olvemos adotar como
pad ito dessa
pesquisa encontramos as médias de 4,2 e 5,1 para as taxas de elocução média e
ráp
ração, não
evemos usar medidas de outra língua, devido aos gestos articulatórios e prosódicos
serem diferentes; devemos ainda atentar para que estrutura articulatória básica de
cada segmento seja mantida, embora saibamos que a ressilabificação é fato inerente
da fala. Caso contrário, a medida não expressará a articulação da fala, mas sim os
movimentos de mandíbula conjugados com as outras estruturas orais. A única medida
que encontramos para locutores do Português Brasileiro é a de Rocha Filho (1997),
extraída entre locutores de televisão e rádio durante a narração de um mesmo evento
futebolístico. A taxa de elocução entre estes variou de 6,9 a 4,4 sílabas por segundo.
a dar o efeito de aceleração da fala, o sujeito usa as estratégias de aumentar o
Podemos verificar na tabela 4 e na figura 13 variações nas taxas de
4,8 com média de 4,3 sílabas por segundo. A percepção
tes dados são indicativos de que não há uniformidade na taxa de
articulação.
Analogamente como ocorre com o pitch, quando usamos o termo registro
para classificar as variações que ocorrem dentro de uma mesma faixa de valores
(gama), também ocorrem variações de velocidade ao longo de um determinado tempo,
que mantêm um mesmo efeito perceptivo-auditivo, seja de lentidão ou aceleração. Nos
dados q
ao longo do trecho (figura 13).
A medida de variação da taxa de ar
taxas de elocução e articulação. Como na literatura, as referências são dadas para
ia da taxa de elocução em sílabas por segundo e como não encon
rença significativa entre os cálculos em sílabas e GIPC, res
rão neste trabalho as medidas em sílabas por segundo. Para o suje
ida, respectivamente.
Ao se considerarem tais valores como parâmetros de compa
d
140
Ritmo
Para análise do ritmo escolhemos os mesmos trechos usados para se
calcular a taxa de elocução média e rápida, de acordo com os procedimentos descritos
no capítulo de metodologia, seguindo os preceitos de Barbosa (1999, 2000). Nos
quadros 5 e 6 apresentamos os cálculos precedidos dos enunciados (na primeira linha)
e da divisão dos grupos acentuais (GA) entre parênteses, numerados ao lado (segunda
linha).
Quadro 5 - CLASSIFICAÇÃO DO RITMO EM ENUNCIADO FALADO EM TAXA DE ELOCUÇÃO MÉDIA, SEGUNDO BARBOSA
(1999, 2000)
No meio das tabas de amenos verdores, Cercadas de troncos cobertos de flores, Alteiam-se os tetos
d'altiva nação
No m (eio das t) 1 (abas de am) 2 (enos verd) 3 (ores, cerc) 4 (adas de tr) 5 (oncos cob) 6 (ertos de fl) 7
(ores) 8 (alteiam-se os t) 9 (etos d) 10 (altiva n) 11 ação
Grupos
acentuais
Número de sílabas
do GA
Duração de
cada GA
Razão
Força de
acoplamento (r)
Tipo de ritmo
1
2 484 4,13223
0,85 silábico
2
3 587 5,11073
1,05 acentual
3
3 498 6,02409
1,24 acentual
4
3 691 4,34153
0,89 silábico
,125
0,64
silábico
7
3 602 4,9833
1,03 acentual
8
2 318 6,28930
1,28 acentual
9
3 857 3,50058
0,72 silábico
10
2 433 4,61893
0,95 silábico
11
5
3 524 5,72519
1,18
acentual
6
3 960 3
3 560 5,35714
1,11 acentual
Somatória
53,20802
z-escore
4,837092
Legenda - GA - grupo acentual
Quadro 6 - CLASSIFICAÇÃO DO RITMO EM ENUNCIADO FALADO EM TAXA DE ELOCUÇÃO RÁPIDA, SEGUNDO BARBOSA
(1999, 2000)
A taba se alborota os golpes descem Gritos, imprecações profundas soam
A t (aba se albor) 1 (ota os g) 2 (olpes d) 3 (escem Gr) 4 (itos, imprecac) 5 (ões prof) 6 (undas s) 7 oam
Grupos
acentuais
Número de
sílabas
Duração
do GA
Razão
Força de
acoplamento (r)
Tipo de ritmo
1. 5 0,651 7,680492 1,39 acentual
2. 3 0,392 7,653061 1,38 acentual
3. 2 0,494 4,048583 0,73 silábico
4. 2 0,461 4,338395 0,79 silábico
5. 5 0,9 5,555556 1 equivalente
6. 2 0,424 4,716981
0,85 silábico
7. 2 0,437 4,576659 0,83 silábico
Somatória
38,569727
Z-escore
5,509961
Legenda - GA - grupo acentual
141
varian
língua ente alternamos os dois tipos rítmicos. Sem dúvida, que
em favor de um dado efeito expressivo, um (ou mais) enunciado (s) pode ser dito mais
sila
oz
as vozes de cada um dos personagens,
con e indicam estado físico
e idade e os ajustes usados em diferentes momentos para expressão de emoções e
atitudes.
fonatório modal com mandíbula
aberta quando narra ou descreve. Assume, entretanto, outros ajustes de voz quando
interpreta os pensamentos de outros personagens e nas situações que interpreta
personagem:
9 “Que
upi“ (referindo-se ao pai) – a soprosidade aqui cria um clima de
suspense e dramaticidade.
9
9 “O grito que escutou é a voz do filho” (interpretando o pensamento do pai) –
ajuste de voz soprosa.
Em ambas taxas de elocução encontramos o ritmo silábico e o acentual
do nos grupos acentuais. Este dado confirma que o Português Brasileiro é uma
híbrida e que normalm
badamente, ou seja, com preponderância do ritmo silábico.
3.3 Qualidade de v
Nessa sessão analisaremos
siderando primeiramente as características permanentes qu
O narrador usa habitualmente ajuste
semanticamente o significado de uma palavra, conforme já exemplificado na palavra
“meigos” (p.117). Veremos abaixo os ajustes temporários que o ator faz para interpretar
a
tens, guerreiro” (interpretando o pensamento da tribo) - ajuste de voz
modal, lábios arredondados (labialização).
9 “Sobresteve o T
“Ingrato, ingrato” (narrador interpreta a fantasia do filho em relação ao pai) -
ajuste fonatório de escape de ar.
9 “Pouco a pouco se assanha” – ajuste de voz áspera com escape de ar e laringe
baixa.
9 “Meninos eu vi” – ajuste modal com expansão faríngea e mandíbula aberta.
142
s durante o canto de morte sua voz
apr
justam
foram:
9 serva-se na
9
9
9 “Deixe-me viver” – o ajuste soproso espalha-se em todo enunciado,
O Guerreiro é jovem, valente, forte, destemido e preocupado com o pai.
Vivencia inúmeras situações que o levam à súplica e, ao longo do poema, dialoga com
os outros personagens (com o chefe e com o pai). Habitualmente tem voz modal, com
expansão de faringe e mandíbula aberta, ma
esenta instabilidades e quebras com escape de ar em alguns finais de palavras,
ente para expressar tristeza. Os outros ajustes observados temporariamente
9 “Escravos” – no /a/ observamos que os ajustes usados são a combinação de
voz soprosa com vocal fry (ou crepitante).
“Não mais me contenho” – vocal fry (crepitância) com tensão. Ob
forma da onda (figura 14) que o ajuste é realizado após o início da vogal.
“Morrer”
24
– ajuste de voz crepitante, em loudness fraco.
“Não coro do pranto que choro” – Choro realizado com voz crepitante.
perfeitamente condizente com o apelo que o guerreiro está fazendo.
24
Esta palavra também foi analisada nos dados de estilística, intitulada de “morrer 2”.
Figura 14 - A
a um homem de brio, respeitador da
tradição gu
da qualidade de voz. Num primeiro momento, mostra-se debilitado
e saúde. Nessa circunstância tem voz com ajuste fonatório de hipofunção,
soprosidade
a atitude covarde do filho de chorar frente à morte, enfurece. A voz
produzida apresenta hiperfunção, aspereza e crepitância.
Outros ajustes temporários aparecem nas seguintes passagens:
9 Tu? ...... Dos índ
i
TRAÇ DO DA FORMA DA ONDA E ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA DEMONSTRANDO A MUDANCA DA
QUALIDADE DE VOZ DA VOGAL NO ENUNCIADO “CONTENHO”. A PORÇÃO INICIAL É REALIZADA EM AJUSTE MODAL
MUDANDO PARA VOCAL FRY (CREPITÂNCIA) COM HIPERFUNÇÃO
O Pai é velho, cego e fraco, mas fôr
e erreiro valente. Dos quatro personagens é a personagem que mais exige
do ator a variação
d
com instabilidades e quebras e mandíbula fechada. Contudo, como
homem honrado e apegado às tradições leva o filho para ser sacrificado (canto VII) e
ao iniciar seu diálogo com o chefe a voz em ajuste modal (sem a hipofunção
anteriormente evidente) apresenta leve crepitação e instabilidades, que demonstram
sua emoção, um misto de tristeza, orgulho e determinação. A voz muda totalmente
quando, ao saber d
os? – ajuste de falsete com laringe alta.
143
144
9 Tu
25
– na vogal muito alongada realiza três ajustes fonatórios diferentes. Inicia
com hiperfunção, evolui para escape de ar e termina com crepitância. Observar
no espectrograma da figura 15 o espaçamento menor dos pulsos glotais na fase
inicial (hiperfunção), o ruído (escape de ar) e o maior espaçamento dos pulsos
glotais (crepitância).
9 “Vis Aimorés” – ajuste de voz áspera, crepitância e mandíbula fechada.
9 “Não encontres amor nas mulheres” – ajuste de hiperfunção com várias
instabilidades presentes.
9 Que a teus passos” – ajuste de hiperfunção mais evidente pelos ataques vocais
bruscos nas plosivas desvozeadas.
9 “Tacape a teus pés” – língua de corpo avançado e alto.
9 “Choraste” – crepitância
9 “Cobarde” – ajuste de laringe alta e falsete.
Figura 15 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA E ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA, DEMONSTRANDO A VARIAÇÃO DA
QUALIDADE DE VOZ NO ENUNCIADO “TU”. A PORÇÃO INICIAL APRESENTA HIPERFUNÇÃO, EVOLUINDO PARA ESCAPE
DE AR E FINALIZANDO COM CREPITÂNCIA
25 Na tabela 7, página 171 encontra-se a análise do trecho onde este pronome está inserido.
145
ira é um cacique forte, valente, determinado e vigoroso.
Essa personagem usa predominante ajuste de voz modal, com laringe baixa e
mandíbula ab
nagem
refere-se a si
sagens abaixo:
9 “Defende-te #945# Começa o índio” –
que me encontrei #1454# O cru dessossêgo do pai / fraco / e cego
Enqua
r sobre a
atitude do pai) – A passagem das personagens é marcada pela pausa e pela
mudança de qualidade de voz, de modal para soprosa, o que pela nossa
interpretação, cria um certo suspense.
9 “E por
de loudness e
qualida
al, loudness de
O Chefe Timb
erta, mas realiza outros ajustes para expressar emoção e atitude, como
podemos ver a seguir:
9 “És livre, parte” - Modifica os ajustes de protrusão de lábios, para voz áspera e
depois para modal acompanhando emoção não marcada, determinação e raiva,
respectivamente, como foi referido na página 169.
9 “Mentiste” – usa ajuste fonatório crepitante, com constrição de faringe, língua de
corpo retraído e lábio esticado ao acusar o guerreiro.
Nas mudanças de personagens durante um diálogo (no texto dialogam
chefe e guerreiro, pai e guerreiro e chefe e pai) ou mesmo quando um perso
próprio ou a outra pessoa (por exemplo, o narrador remetendo-se ao pai)
a interpretação da voz é diferenciada. A voz marca, nessas situações, as
características gerais do personagem ou as emoções que ele poderia estar vivendo.
Ilustramos esses casos nas pas
Passagem do chefe Timbira ao narrador,
referindo-se ao guerreiro prisioneiro, passa do ajuste de hiperfunção para
hipofunção.
9 “Com
nto não chego” – Na passagem do guerreiro enquanto fala de si e ao se
referir ao pai a voz modal vai tornando progressivamente soprosa.
9 “Enfraquecer os fortes (chefe) #1027# Sobresteve o Tupi” (narrado
um só se aniquilasse (narrador) #287# Basta (chefe) #1156# Clama o
chefe dos Timbiras (narrador)” – Nessa passagem, as mudanças das
personagens ocorrem marcadas pelos diferentes níveis
des de voz. No primeiro enunciado, o narrador para interpretar os
sentimentos de orgulho e alívio do pai frente à bravura do filho para defender
sua honra de guerreiro Tupi, associa a voz de qualidade mod
146
ionado pelo sujeito
efe o intervém para interromper a batalha,
! A voz gritada (l dne n ,
ro perfu ão
cia pelo na s a r ia p t mi
teúdo da mensagem iva d che
ss
e ta ria de d s a promover efeitos
pre tai es ire ra qu
pr ir nas mão dos Timbi s”
(narrador) - a modificação de médio-forte para médio-fraco ocorre após a pausa, mas
ainda dentro
9
ascendência final de f0 num contexto acusatório.
nível médio-forte e taxa de elocução rápida. Conforme menc
na entrevista, o ch nesse m mento
gritando: Basta ou ss i tenso marcando até 85dB) é
composta ajuste áspe com hi . O ajuste de voz soprosa empregado
na seqüên rrador, além de er m is ap opr do ara rans tir o
con apelat o fe, reforça o grito, ao contrastar com
ele.
3.4 Loudne
O sujeito r aliza mui
s variaçõ
s va ções lou nes par
ex ssivos. E é sobre que mos t tar a i.
9 "Por casos de guerra #626# caiu isione o s ra
da mesma estrutura sintática. A pausa tem aqui a função de criar uma
expectativa (pausa dramática) que é reforçada com a diminuição da loudness.
9 “Garboso” (narrador) – o aumento da loudness (de médio para médio-
forte) destaca a palavra do restante fluxo de fala e se alinha com o significado
semântico da palavra.
Canto II – “O prisioneiro # 231# cuja morte anseiam / sentado está #809#
O prisioneiro #771# que outro sol no ocaso / jamais verá #848#” (narrador) – mudanças
contínuas de loudness ao longo de um trecho: decresce gradualmente em 4 partes,
aumenta para depois diminuir novamente. Essa gradação pode ser observada na figura
16, tanto pelo traçado da forma da onda, mostrando a variação na concentração de
energia, como na medida de intensidade registrada pela gravação, traçado amarelo.
9 “Postrado / esmoreceu” (narrador) – a diminuição da loudness dentro da
estrutura sintática (de médio para médio-fraco) interpreta o significado da palavra
esmoreceu e ajuda na segmentação do discurso.
9 “És livre, parte” (chefe) – elevação gradual de loudness nos três
enunciados proferidos em seqüência acompanha e demonstra a ativação emocional
(Ver análise na página 169).
9 “Mentiste” (chefe) – a palavra é falada com loudness forte e com
147
.
e mostrou fraco e debilitado e nas falas que expressavam tristeza, a fim de criar
suspense e expectativa. A loudness intensa foi característica dos momentos de
exasperação, raiva e ódio. A loudness forte foi usada pelo chefe e pelo pai
freqüentemente na expressão de alegria, de ordens, em acusação e na manifestação
de determinação.
9 “Tu #305# cobarde” (pai) – provavelmente é o nível mais alto de loudness,
chegando a 90dB
A loudness fraca apareceu com maior freqüência na fala do pai quando
s
Figura 16 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA, DEMONSTRANDO A VARIAÇÃO NA CONCENTRAÇÃO DE ENERGIA,
ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA COM TRAÇADO AMARELO SOBREPOSTO, CORRESPONDENDO À MEDIDA DE
INTENSIDADE REGISTRADA NA GRAVAÇÃO, E AS CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO DOS ENUNCIADOS
9 “Também sei morrer (guerreiro) #591# Soltai-o (chefe) #321# diz o chefe
(narrador)” – na passagem entre três personagens, em seqüência, a loudness é
graduado de acordo com as características discursivas de cada personagem: médio no
apelo, forte na ordem, médio-fraco na narração. A gradação da loudness colabora na
caracterização dos personagens e na segmentação do discurso.
148
ssão de emoções e atitudes e
detalhamos,
medimos todas as vogais vozeadas do
enunciado, checando se o pico máximo de f0 incidia sobre a vogal tônica. A ocorrência
de mais de um acento de pitch (pitch accent) foi um fato relevante para a análise.
Numa vogal alongada foi necessário medir vários pontos de modo a configurar seu
contorno.
Quanto maior for a força pragmática do enunciado, maior será a extensão
vocal. O tempo entre os pontos máximo e mínimo revelou sobre a dinâmica de
desenvolvimento do movimento da extensão (abrupto, atenuado e contínuo).
Meninos, eu vi!
No canto X, um velho Timbira narra o ocorrido com o guerreiro Tupi para
gerações mais novas. É uma estrofe marcada por movimentos ascendentes de f0, o
que imprime uma certa leveza e sugere alegria na fala do narrador.
O autor usou versos semelhantes nas estrofes iniciais e finais. Tomamos
para análise comparativa aos três primeiros e últimos versos do Canto. Nos quadros 7
e 8 são apresentados os trechos, divididos pelos grupos entoacionais.
3.5 Entoação
Os contornos entoacionais são investigados ao longo desta tese, em
momentos distintos, pois a investigação do parâmetro de f0 é imprescindível para o
entendimento da manifestação das emoções e das atitudes na fala. O objetivo dessa
sessão é agrupar as informações desta exploração e apresentar a análise entoacional
integrada com outras informações prosódicas em um trecho.
Iniciamos a análise da entoação pela escuta atenta, detectando saliências
que marcam as passagens importantes na expre
posteriormente, o comportamento da entoação nesses trechos.
As mudanças de f0 podem incidir em uma palavra ou ao longo de um
enunciado. As medições de f0 foram feitas exclusivamente nas vogais vozeadas (em
um enunciado, numa palavra ou numa só vogal), em pontos contíguos ou não.
Conforme indicado na literatura da fonética experimental, em enunciados
ou em vogais alongadas, medimos o início, o final, os pontos máximo e mínimo. Medir
o f0 médio (no meio de um enunciado ou vogal) só fez sentido na vogal curta ou no
enunciado de contorno plano.
Para configurar um contorno,
149
Q ro 7 - ANÁLISE PERCEPTIVA-AUDITIVA E ACUSTICA DOS VERSOS INICIAIS DO CANTO X
Duração Freqüência Fundamental (Hz)
uad
(ms)
GE Trecho 1 Qualidade TA
ten
Atitude – Informação de voz (sil/s)
E P Ini fin min max ex
1 E à noite, nas tabas, 4 1499 595 81 88 66 109 44
2 se alguém duvidava do que
ele contava /
5,7
2091
-
86
115
75
143
68
Di
3
zia prudente
Modal
4,2 1413 651 85 71 71 96 25
4
-
"
Meninos Crepitante 2,2 1350 605 74 139 49 167 116
5 eu
vi Modal 2 997 final 180 118 64 180 116
Duração total 7350 1851
Legenda – GE – Grupo entoacional; Sílaba grifada – proeminência de pitch
Quadro 8 - ANÁLISE PERCEPTIVA-AUDITIVA E ACUSTICA DOS FINAIS DO CANTO X
Duração (ms) Freqüência Fundamental (Hz) GE Trecho 2
Atitude - Confidência
Qualidade
de voz
TA
(sil/s)
E P Ini fin min max exten
1
E à noi
te / nas tabas
Soprosa
com laringe
baixa
2,7 2214 626 74 86 58 132 74
2
se alguém du
vidava
do que ele contava
5,1
2346
586
83
79
65
139
74
3 Torna
va prudente
Modal e
expansão
faríngea
3,1 1910 794 79 61 61 80 19
4
"Meninos / 1,1 1407 630 62 112 62 161 99
5 eu vi"
Soprosa
1,1 1809 final 64 121 84 222 138
Duração total 9686 2636
Legenda: GE – Grupo entoacional; Sílaba grifada – proeminência de pitch
A repetição de estrofes, segundo Simões (1997) e Simões, Pereira
(2005), informa ao leitor acerca do processo de transmissão cultural oral que ocorre
nas sociedades tribais e imprime um sentido verídico, não lendário ao fato. Todas as
éia
, a qualidade de voz e os alongamentos.
A atitude do narrador é informativa, no primeiro trecho. No segundo
trecho, entretanto, os alongamentos dos enunciados e das pausas, taxas de articulação
entoacional (GE1) (quadros 07 e 08; figuras 17 e 18) de ambos os trechos, as ênfases
recaem sobre a sílaba “noi”, porém as diferenças na duração e na curva entoacional
criam efeitos diferentes. Enquanto o movimento entoacional no primeiro trecho (figura
17) é ascendente, no segundo é ascendente-descendente. Os valores máximos de f0
não são tão diferentes (109 e 132 Hz), mas como o pico máximo de f0 no segundo
trecho recai no centro do contorno ascendente-descendente dentro da sílaba dá a
impressão de a elevação ser maior do que é, como mencionado por Ohala (1994), e
cria-se um efeito de chamada de atenção para o que vem a depois. A estratégia de
reduplicar o efeito entoacional é usada a seguir em outras sílabas (Hilton et al, 1994),
informações acústicas que colhemos do primeiro e do segundo trecho reforçam a id
o contar história: os movimentos de f0
d
mais lenta e a mudança da qualidade de voz, de ajuste predominantemente modal para
oproso, são compatíveis com as situações de contar histórias. No primeiro grupo
s
150
como em “ta” da palavra “tabas”, intensificando o efeito chamativo, peculiar das
narrativas orais.
Figura 17 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA DO ENUNCIADO “E A NOITE NAS TABAS 1” JUNTAMENTE COM A CURVA DE
ENTOAÇÃO E AS CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO COM ANÁLISES DE DURAÇÃO, TE E TA, QUALIDADE DE VOZ E ATITUDE
Figura 18 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA DO ENUNCIADO “E A NOITE NAS TABAS 2” JUNTAMENTE COM A CURVA DE
ENTOAÇÃO E AS CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO COM ANÁLISES DE DURAÇÃO, TE E TA, QUALIDADE DE VOZ E ATITUDE
151
nais 2 e 3 nos dois
trechos é diferente. Enquanto no primeiro trecho, o ator usa uma pausa perceptiva
realizada por
amares bem mais baixos
(85Hz) (figur
foco (maior
valor de f0) a
discurso
ireto no último verso pode significar a fusão da voz do narrador épico do poema a do
narrad “eu vi”. Como
narrador de u is jovens, o locutor finaliza sua participação
deixando uma possibilidade para recontar, ao mesmo tempo, que cria esta expectativa:
emprega voz soprosa, taxa de articulação mais lenta (1,1sil/s) e contorno entoacional
ue ascende rápido e alto (de 77 para 222Hz, figura 22) no pronome “eu”, destacando-
o. Ascende novamente na vogal “i”, mas a voz perde a sonoridade, entra em
suspensão... provavelmente para recontar.
A estratégia de delimitação dos grupos entoacio
mudança de nível de altura; no segundo, ele utiliza uma pausa, sem
modificação da f0 entre as palavras “contava” e “tornava” (ambas com 79 Hz) (figuras
19 e 20). O primeiro trecho finaliza com ascendência de f0 na palavra “contava” (107 –
128 – 131 Hz) para ser retomado na palavra “dizia” em pat
a 19). No segundo trecho (figura 20), entre sílabas acentuadas, sem
mudança de f0, há presença de uma pausa de 586 ms, que tem a função de enfatizar a
importância do enunciado “tornava prudente”, para indicar insistência e reforçar a idéia
do recontar dos fatos. Esta interpretação também foi dada por Simões, Pereira (2005)
ao analisarem os verbos e as conjugações empregadas por Gonçalves Dias, referendo-
se ao verbo “tornar” no pretérito imperfeito.
O último verso de ambas estrofes, “Meninos, eu vi”, é marcado por
contorno ascendente – descendente nos dois grupos entoacionais e a culminância dos
picos incidem no mesmo local (figuras 21 e 22). A repetição da frase e o
tribuído pelo locutor ao pronome “eu” em ambos versos (180 Hz e 222 Hz)
podem ser interpretados como um reforço à idéia de que o fato fôra ocorrido e
testemunhado pelo narrador. O contorno entoacional da palavra “meninos” é típica do
vocativo. A voz modal e contorno entoacional ascendente-descendente na vogal “i”
(figura 21), do verbo “vi”, empregada pelo locutor reafirma o que ele viu, reforçando a
idéia que foi ele fora testemunha ocular da história.
Para Simões, Pereira (2005), a ausência de travessão antes de
d
or Timbira. Esta idéia é sugerida pelas características acústicas de
ma história para gerações ma
q
Figura 19 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA DO ENUNCIADO “SE ALGUÉM DUVIDAVA DO QUE ELE CONTAVA, DIZIA
PRUDENTE 1” JUN
DURAÇÃO, TE E T
TAMENTE COM A CURVA DE ENTOAÇÃO E AS CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO COM ANÁLISES DE
A, QUALIDADE DE VOZ E ATITUDE
Figura 20 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA DO ENUNCIADO “SE ALGUÉM DUVIDAVA DO QUE ELE CONTAVA, DIZIA
PRUDENTE 2” JUNTAMENTE COM A CURVA DE ENTOAÇÃO E AS CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO COM ANÁLISES DE
DURAÇÃO, TE E TA, QUALIDADE DE VOZ E ATITUDE
152
Figura 21 - TRAÇADO DA FOR A DA ONDA DO ENUNCIA “MENINOS, EU N
ENTOAÇÃO E AS CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO COM ANÁLISE UR TE QU E
M DO VI 1” JUNTAME
AÇÃO,
TE COM A CU
ALIDADE D
RVA DE
VOZ E ATITUDE S DE D E TA,
Figura 22 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA DO ENUNCIADO “MENINOS, EU VI 2” JUNTAMENTE COM A CURVA DE
ENTOAÇÃO E AS CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO COM ANÁLISES DE DURAÇÃO, TE E TA, QUALIDADE DE VOZ E ATITUDE
153
154
de
um teste de
dos juízes, encontram-se no anexo 4.
Este posiciona o leitor tanto sobre a classificação da pesquisadora, quanto dos juízes.
Na classi juízes, as respost em prim opção estão
representadas por dois algaris tros quadros, ão
s ízes para cada emoção, e trazem, em sua
do, n moção ou a s, e
lunas, as anális o, f0 e taxa de articulação, c
na literatura como relevantes a serem investigados.
ontam é de que
possí rma
E mais: que este tipo d , pautada em r rtes da ação
verbal, apresenta intrinsecamente limitaçã tação. A semântica de muitos
viu de apoio aos juízes na as emoções e tudes, como
ente na interpretação das e 15 (ver o quadro 9) e de
rma menos indireta em outros, como na classificação da atitude de orgulho.
Qua
3.6 As emoções e atitudes interpretadas na voz
Focalizando um pouco mais a correlação entre variantes acústicas e
expressão de atitudes e emoção, a investigação tomou dois caminhos: a realização
reconhecimento perceptivo-auditivo das emoções e atitudes pela voz, e a
análise de três trechos pré-selecionados pela pesquisadora.
As análises do teste de reconhecimento de emoções e atitudes,
segundo as respostas perceptivo-auditivas
ficação dos as dadas eira e segunda
mos. Os ou apresentados a seguir, s
frutos do agrupamento das re postas dos ju
primeira coluna, o enuncia a segunda, a e titude referida pelos juíze
nas demais co es de duraçã onforme os
parâmetros apontados
A primeira indicação para a qual os resultados do teste ap
somente dentro de um contexto maior de signi
menos inequívoca.
ficação é vel interpretar de fo
e metodologia eco
o de interpre
enunciados ser atribuição d ati
ocorreu diretam amostras 5, 7
fo
dro 9 - ENUNCIADOS COM FORTE INFLUÊNCIA DA INTERPRETAÇÃO SEMÂNTICA
Enunciado Emoção
5. Chore a morte do filho o pai cansado Tristeza 5 - 0
5c . do filho o pai Não marcado 4 - 0
7. Quero provar-te que um filho dos Tupis Determinação 4 - 1
15– É teu filho imbele e fraco Desprezo 3-2
Irritação 3-0
15 c – É teu filho Determinação 2 - 1
Por outro lado, quando o enunciado estava mais destacado do sentido
global do texto a interpretação foi equivocada, conforme demonstraremos nas
interpretações dos juízes dos trechos 18 e 19, que ocorrem seqüencialmente no
poema;
ambos são falados pelo pai. O enunciado 18 (“o grito que escutou é voz do
filho”) é profe
rido no momento em que o filho dá seu grito de guerra contra os Timbiras,
para defender sua honra de guerreiro e o trecho 19 (“que é meu filho muito amado”), é
155
ão de uma emoção (tristeza) confundida com um estado
físico. Naque
ta (Matte, 2002). Podemos
bservar tais características nas emissões que constam do quadro 10, representativas
uisadora, com
ressalva para o enunciado 19, conforme acima mencionado.
udo nteressante observar que, no raciocínio dos
ja, a constrição laríngea (crepitância)
isteza para o de desespero.
DOS JULGADOS PREDOMINANTEME MO EXPRESSÃO DE TRISTEZ
de f0 (Hz)
proferido no momento do final da batalha que o filho trava para provar sua valentia.
Ambos foram interpretados pelos juízes como desespero; mas, no primeiro momento, o
pai demonstra sua alegria, e no segundo, o contexto global é de orgulho e satisfação.
O enunciado 19 de certa forma evoca sentido duplo: o pai desesperado e triste que,
com a situação total, fica orgulhoso e satisfeito ao ver o filho provar sua valentia.
O trecho 8 revela outra faceta da limitação na interpretação
descontextualizada: a percepç
la fala pronunciada por um homem velho e com debilidade física não
encontramos marcas de tristeza, embora as características icônicas da fala triste ou da
fala de uma pessoa cansada e/ou com algum tipo de debilidade física possam ser as
mesmas: qualidade de voz soprosa, pitch mais grave, extensão e variabilidade de f0
restrita, loudness fraca e taxa de articulação mais len
o
de tristeza, segundo a concordância na avaliação dos juízes e da pesq
Cont , não deixa de ser i
juízes, a mudança na qualidade de voz, ou se
ocorrida no final do enunciado (na palavra “muito”, do trecho 19), gerou uma
modificação no julgamento de tr
Quadro 10 - ENUNCIA NTE CO A
VariaçãoEnunciado Emoção Qualidad Evolução de f0 (Hz)
Extensão
e de voz
Mim - Max
4. Que filho lh
sou.
e Tristeza 3 – 1
Vergonha 3 – 0
-8
modal 105-92-92 1-78 105-78 27
8. Filho meu
Tristeza 4 – 0
Desespero 2 – 1
Soprosa, hipofunção 127–127–127 127-127 0
9. Oh filho caro
Tristeza 5 - 1
Desespero 2 – 1
Soprosa, hipofunção
instabilidade 107–123-111-110-96 107-123 16
9c. Filho caro
Tristeza 5- 1
Vergonha 3-2
Soprosa, hipofunção
instabilidade 123-111-110-96 96-123 27
19– Que é meu
filho muito amado
Desespero 3- 0
Não marcado 3- 1
Modal que evolui
para crepitância (fry) 87-93-98-98-93 98-87 11
19c1 – Que é meu
filho
Tristeza 4 - 0
Vergonha 3 – 0 modal 87-93-98-98 87-98
11
19c2 – Que é meu
filho
Vergonha 4 - 0
Tristeza 2 – 1
modal 87-93-98-98 87-98 11
Podemos observar que os juízes fizeram confusão na interpretação (ou
não houve consenso) entre as emoções e atitudes denominadas de tristeza e vergonha
(trechos 4; 9c; 19c no quadro 10) e entre tristeza e ternura (trecho 9 visto no quadro 10)
156
o 11). Conforme
atitudes decorrem da similaridade ou proximidade entre elas ou suas maneiras de
expressão.
enunc
nos re do, ou seja, o verbo
con
será d dente de f0, que
ico requer um
com
divino, misso que é traduzido por uma curva de f0 que se
dire
Quadro 1
e as nomeadas como determinação, irritação e desprezo (quadr
Johnstone, Banse, Scherer (1995); Banse, Scherer (1996); Bachorowski (1999);
Bänziger et al (2001); Scherer (2003), as confusões entre interpretações de emoções e
Entre todos os enunciados classificados de determinação (quadro 11), o
iado de número 7 foi o de maior concordância entre os juízes. Neste exemplo,
metemos novamente ao papel da semântica do enuncia
jugado “provar-te” carrega em seu bojo a expectativa de que a pessoa que provará
eterminada. O aporte acústico comum a eles é a curva descen
nicamente não deixa de fazer sentido: a atitude determinada
promisso real com o objeto em oposição ao sentido daquilo que vai ao céu, ao
ao irreal, ou seja, um compro
ciona ao chão.
1 - ENUNCIADOS JULGADOS PREDOMINANTEMENTE COMO EXPRESSÃO DE DETERMINAÇÃO
Emoção Variação de f0 (Hz) E ntre nunciado Tempo e
f0
ini
f0
final
f0
max
f0
min
extensão
os pontos max
e mim (ms)
3. Sou filho do Norte
Orgulho 3-0
Determinação 3 – 0 125 106 165 106 59 478
6. Que filho te
Determinação 3 – 0
Irritação 3-0
165 98 178 98 80 204
m
7. Quero provar-te que
um filho dos Tupis Determinação 4 - 1 136 147 178 74 81 358
15 curto – É teu filho
Determinação 2 – 1
Irritação 1-1 143 128 174 128 43 137
A atitude interpretada pelos juízes como orgulho (ver quadro 12) se
manifestou acusticamente no contorno de f0 tipo ascendente–descendente, sendo que
o pico máximo incide no segundo segmento vocálico e segue em queda acentuada até
o final do enunciado. Maior consenso foi obtido no trecho (01) de maior extensão de f0.
Quadro 12 - ENUNCIADOS JULGADOS PREDOMINANTEMENTE COMO EXPRESSÃO DE ORGULHO
Enunciado Emoção Evolução de f0 (Hz) Extensão de F0 (Hz)
01. São muitos seus filhos Orgulho 5 – 1 130 - 235 – 110 - 71 164
02. Sou filho das selvas
Orgulho 3- 0
Não marcado 3- 0
115 –133- 64 69
03. Sou filho do Norte
Orgulho 3 - 0
Determinação 3 - 0 123 - 164 -110 54
As frases interpretadas como representante da emoção desespero
(quadro 13) e de ansiedade (quadro 14) apresentaram em comum a qualidade vocal
como determinante na interpretação, ou seja, a voz soprosa ao longo do enunciado
157
(trecho 18) o
s em final de enunciado se correlacionarem com a expressão de aflição.
Para a ansiedade (quadro 14), as taxas de articulação não se mostraram
istintivas, se compararmos os enunciados marcados (trechos 11, 11c e 14) com
aqueles não marcados (trechos 10 e 12) e com as médias obtidas para o locutor (4,3
il/seg para taxa média e 5,2 para taxa rápida).
u mudança na qualidade de voz, a constrição laríngea com crepitância
(trecho 19) e respiração ruidosa (trecho 11 e 14) no final do enunciado. Estes achados
vão ao encontro dos achados de Chung (2000) sobre o fato de as vibrações glotais
irregulare
d
s
Quadro 13 - ENUNCIADOS JULGADOS PREDOMINANTEMENTE COMO EXPRESSÃO DE DESESPERO
Enunciado Emoção Qualidade de Voz
14. Tomando a vez de meu filho
Tristeza 2-0
Ansiedade 2-1
Desespero 2 – 2
Modal com respiração
ruidosa no final do enunciado
18- O grito que escutou é voz do filho Desespero 6 – 0 soprosa
19– Que é meu filho muito amado
Desespero 3- 0
Não marcado 3 – 1
Modal que evolui para
crepitância (fry)
13 – E o filho trago
Orgulho 3 - 0
Desespero 2 – 1
Soprosa com instabilidade no
final do enunciado
Quadro 14 - ENUNCIADOS JULGADOS PREDOMINANTEMENTE COMO EXPRESSÃO DE ANSIEDADE
Enunciado Emoção Taxa de Articulação
A aparente contradição posta no julgamento do trecho 13 (“e o filho
trago”), classificado como orgulho e desespero pelos juízes e de tristeza pela
pesquisadora, abre para uma nova discussão: a emoção que reflete um conflito entre
as suas determinantes, segundo Scherer (1995, 2003), o conflito entre as
determinantes push e pull que são registradas na expressão oral. A frase é dita pelo pai
ao chefe Tim
acima.
As emoções de raiva e o ódio se manifestaram nas amostras 16 (16 e
16c) e 17 (quadro 15), ambas com o mesmo enunciado semântico. O resultado
bira ao levar o filho para ser sacrificado. O pai, como homem honrado,
mostra orgulho em tomar tal decisão, mas este fato não o coloca em situação
confortável, pois afinal é o próprio filho quem morrerá. Esse conflito entre expressão de
afeto e valores culturais também foi expresso no enunciado 19, como mencionado
11– Do filho os membros gélidos apalpa (finalização
com respiração ruidosa) Ansiedade 6 - 0 4,6
11c – Do filho Ansiedade 5 - 0 4,7
14 - Tomando a vez de meu filho (finalização com
respiração ruidosa)
Tristeza 2-0
Ansiedade 2-1
Desespero 2 - 2
4,7
10. - Procura o filho Não marcado 5 - 0 4,5
12 - Correra o filho Não marcado 4 - 0 5,5
158
s juízes na expressão da emoção, visto que ao se adicionar tal informação
o que fora cla
Quadro 15 - ENUNC
Enunc
quantitativo mostrou que a informação semântica “não és” reforçou o julgamento
negativo do
ssificado como irritação transformou-se em raiva. Na figura 23, podemos
observar o alongamento do /s/
26
final, que apresenta forte ruído estridente; as
oscilações de f0 numa mesma vogal e em todo enunciado, cuja extensão foi da ordem
de 227Hz (quadro 16). Na palavra “filho”, as vogais apresentam grande variação de f0
(na ordem de 183 e 280Hz).
O trecho 17, classificado como expressão de ódio, é mais curto que o
anterior e tem taxa de articulação mais rápida (de 2,2 para 1.8 sílabas por segundo).
Os valores de f0 se mantêm em nível alto, vide a extensão de somente 111 Hz
(variação de 278- 389 Hz) e com contorno de variação em um mesmo segmento é
ligeiramente descendente ou plano (quadro 16, figura 23).
IADOS JULGADOS PREDOMINANTEMENTE COMO EXPRESSÃO DE RAIVA E ÓDIO
iado Emoção
16 – Meu filho não és Raiva (4 – 1) e Ódio (1-2)
16c – Meu filho Irritação (3 - 1) e Raiva ( 2 – 0)
17 – Meu filho não és Ódio (5 – 0) e Raiva 0 - 2
Quadro 16 - ANÁL
COMO EXPRESSÃ
ISE DA FREQUENCIA FUNDAMENTAl (f0 EM Hz) E DURAÇÃO (EM MS) DOS ENUNCIADOS JULGADOS
O DE RAIVA (16) E ÓDIO (17)
Raiva (Trecho 16) Ódio (Trecho 17)
F0 mínimo 147 Hz
278
F0 máximo 378 Hz 389
Extensão de F0 231Hz 111Hz
Duração total 2775 ms 2285 ms
Taxa de articulação (sílabas/ segundo) 1,8 2,2
Qualidade de voz áspera, crepitante, hiperfunção áspera, crepitante, hiperfunção
Loudness
intensa intensa
percepção da emoção.
As principais conclusões sobre os achados acústicos a que podemos
chegar dos resultados do teste estão todas em consonância com os elementos
descritos na literatura (Murray, Arnott, 1993; Pittam, Scherer, 1993; Johnstone, Banse,
Scherer, 1995; Banse, Scherer, 1996; Bachorowski, 1999; Chung, 2000; Bänziger et
alI, 2001; Scherer, 2001, Scherer et al, 2001, 2003; Laukka, 2004) e são:
9 Os índices acústicos localizados na parte final do enunciado são importantes na
26 O fonema /s/ tem a duração média de 143ms no Português Brasileiro (Barbosa, 1999). Os valores encontrados foram de 679 e
706 ms, nos trechos 16 e 17 respectivamente.
Duração e f0 do enunciado "Meu filho não és"
meu f i lh o não é s
Dur 16 Dur 17 f0 16 f017
Figura 23 - GRÁFICO DEMONSTRATIVO DA DURAÇÃO E DA VARIAÇÃO DA F0 NOS TRECHOS QUE EXPRESSAM RAIVA
(16) E ÓDIO (17). OBSERVAR NO TRECHO 16, O MOVIMENTO DE f0 NAS VOGAIS /i/ E /o/ E NO TRECHO 17, A TENDÊNCIA
DO F0 SE MANTER EM FREQÜÊNCIAS ALTAS.
9 As expressões de ansiedade e desespero foram realizadas com o setting de voz
sopros
9 A man
ada com a raiva, revela a intensidade
da ativ
a e adição de uma nova informação no final do enunciado, ou seja,
finalização com inspiração ruidosa ou constrição laríngea.
9 A expressão de orgulho foi realizada com pico de f0 no início do enunciado,
seguido de contorno descendente de f0 em queda acentuada.
9 A tristeza foi realizada com estabilidade de f0 e em tessitura grave.
9 Na expressão de raiva o f0 variou em grande extensão, tanto nos segmentos
quanto em todo enunciado.
ifestação de ódio foi realizada com f0 alta (valor de f0 mínimo elevado),
relativamente estável (curva plana) e com extensão restrita. A taxa de
articulação na manifestação de ódio foi mais acelerada do que na de raiva.
9 A elevação de f0 no ódio, quando compar
ação fisiológica, com evidenciado aumento de tensão de pregas vocais
(f0).
159
160
nte do que poderíamos dizer das “últimas palavras” dadas em direito ao
prisioneiro antes de sua morte. Tal contexto inicia-se com o guerreiro Tupi atendendo à
pai até ion ond orte lon
pautada n brança do lquebrado e cego, o guerreiro dá-se conta de
ficará só, e assim, sem muitas possibilidades de sobr
morte. Em lágrimas, solicita ao cacique Timbira que o liberte para cuidar do pai,
prometendo v
5).
o de destacar a informação dada, salientando-a, enquanto
as pausas dr
canto (introdução) indicam que o
guerreiro est
com breve tremor vocal,
incom
Nessa etapa, apresentaremos a análise global das emoções e atitudes
em três trechos selecionados, segundo a presença de diversos elementos
prosódicos. Eles foram intitulados “canto de morte”, “és livre parte” e “ápice do
poema”.
O Canto de Morte
O Canto IV, iniciado com as palavras “meu canto de morte”, trata-se
justame
solicitação do chefe para revelar sua identidade, narrar seus feitos e sua caminhada
junto ao tornar-se pris eiro e ser c enado à m . Como ao go de sua
narrativa, a lem pai a
que o pai evivência com a sua
oltar para o sacrifício. Pelo conteúdo semântico do canto, pudemos dividí-
lo em quatro partes, denominadas de introdução, narração, justificativa e súplica
(quadro 1
A estruturação temporal é realizada com pausas não preenchidas que
cumprem as funções discursiva, enfática e dramática. As pausas discursivas
segmentam o texto em unidades semânticas, demarcando ou não as mudanças de
tópico, ou seja, mudança em relação à pessoa ou à coisa sobre a qual se fala. As
pausas enfáticas têm a funçã
amáticas criam uma expectativa, um certo suspense em relação ao que foi
dito ou ao que ainda será falado. As pausas mais longas foram as discursivas
posicionadas em fronteira de frases onde ocorreu mudança de tópico (1c) e as mais
curtas ocorreram nas frases que indicavam a manutenção do assunto em pauta (1b).
Muitos elementos acústicos no início do
á emocionado e há um conflito entre a razão e a emoção. O primeiro
indício ocorre ao dizer “sou filho (tremor) das selvas”,
patível com a interpretação semântica da frase (reforçada pelo julgamento dos
161
juíze
orgulho
2
taxa de
(3,1 sílabas/ segundo), tônicas com discreta saliência,
regis a. A extensão é de 31Hz,
ou se
(67Hz) e Hz).
enfática
contorno locução lenta (2,9).
Ao longo do trecho, o maior valor de f0 ocorreu na frase “sou filho do Norte” (164Hz),
is
baixo (63Hz) ocorreu no final da r , q nun sua m .
es elementos acústicos marcam e materializam a tristeza
( mpíric e quisa as emoções) sentida pelo guerreiro
por ter sido capturado e condenado e, nesta condição, não podia sentir-se bravo e forte
como outrora se orgulhara de ser um dos filhos do Norte.
unda parte, rr é l s damente
(taxa de elocução de 3,7 sílabas se do io e c
taxas de articulações mais rápida pa s s an c a s c a
primeira parte. A entoação assum nto s e s e ue ia
d a 262 Hz (diferença de 19 ). e p o e narr o,
e espera
mo de f a palav nt o” 2 se ida p s
p (229Hz), “mi” H “m o (2 z v r m o
c rasteiro H egu s v nco i”
(73Hz). Como a literatura afirma, o f0 é arâm a n a sm
das emoções e atitudes. Essa incidência marca os eixos importantes no entendimento
d uerreiro. Seguindo a seqüência das palavras marcadas,
podemos depreender as ações e as emoções
amava por uma traição, que resul a m e de amigos, por ele do at e
s no teste de percepção da emoção) que indica um conteúdo de alegria e
7
.
O conflito é reforçado ao ouvinte na frase “sou bravo, sou forte”, dita com
articulação lenta
28
tro de f0 mantido em valores baixos com extensão restrit
ja, a diferença entre o valor mínimo de f0 incide na vogal tônica da palavra “bravo”
o pico máximo na fronteira da palavra “forte” (98
De modo global, na introdução o sujeito usou predominantemente pausas
s e dramáticas, qualidade vocal modal com incursões na voz crepitante,
s entoacionais descendentes com registro baixo e taxa de e
interpretada pelos juízes como orgulho e determinação, enquanto que o valor ma
primei a frase uando a cia que o iu auv orte
Todos est
ancorados pela literatura e a qu pes
Na seg a na ativa dos feitos rea izada mai rapi
por gun ) por me de nun iados mais longos,
s e usa encurtada , qu do omp rada om
e co rno variados, com xten ão d f0 q var
e 70 2Hz Pod mos dizer que, ara gên ro ativ
stas características são
O valor máxi
das.
0 rec i na ra “co enh (26 Hz), gu ela
alavras “traidores” (238 z) e esquinh s” 35H ) e o alo ínim
oincide com a palavra “fo ” (70 z), s idas da pala ras amei e “e ntre
o p etro m is importa te n tran issão
o posicionamento do g
que delas resultam: deixou a vida que
tou n ort ampara s. A itud
2 ções e atitu ase seu pe ico tic o e mo
e
2 na p. 1 méd iou de 3,7 a 4,8 sílabas por segundo e a TA rápida de 4 ,3
s
7 No teste de reconhecimento de emo des a fr teve rfil semânt -acús o julgad igualm nte co
xpressão de orgulho e como não marcado.
8 Valor referência calculado para o sujeito
ilabas por segundo.
38: TA ia var ,6 à 6
162
de fuga dele e do pai fôra mesquinha; porém, não podendo mais se conter, arrisco e
a ont gue ment
vimento de ace ão esa ão da articulação é criado pela
a taxas ar a
variabilidade mínima e máxima foi de 3,3 a 5,
e, o e pres a tifi v nt o lo
que fará ao chefe T Glob nte t cu é tif a am te
(3,2), variando entre as taxas de articu o d a s r undo. É
i grande ex ão f d c e ar o
e
ma escolheu uma interrogação para iniciar e finalizar esse
trecho: “qual seja?” e “que rest
acusticamente em todo trecho são as respostas para estas perguntas: “dizei” e
“morrer”. Ambas são enunciados compostos por uma só palavra (Bakhtin, 1997),
interpretadas perceptivamente como emoção negativa (tristeza) e a porção final dos
d da la
questão da língua, uma vez que no Português Brasileiro a sílaba tônica se realiza
p almente com alongamento.
nica “zei” nga pe e de f0
( frac a de a m l p o a te
temporário de falsete, próprio da elevação de f0. O contorno da palavra “morrer” é
a leva-se para 222 Hz, no final), se q a al t a
o en s te 6 3 222 ),
l so d a ga f a ] m qu ai
desaparecendo gradualmente até s
sonoro criado para dar o efeito emotivo (Sapir, 1929) é
dado pela somatória de índices acústicos (alongamento da última sílaba, qualidade de
voz e mudança de f0) que recaem na sílaba e o o l pa a,
condizentes com os achados de Chung (2000).
co n ra rte m dia m ta
p poiava mi f m
d a palavra foi m be ap lo to nd s
u-s
o tornar-se forasteiro e enc rar-se com um rreiro iroso.
O mo leraç e d celer
lternância constante das de ticulação (ver no quadro 17, sendo que
5 sílabas por segundo, respectivamente.
Na terceira part guerr iro a enta su s jus cati as a es d apê
imbira. alme , a axa de elo ção len icad nov en
laçã e 3,0 5,3 ílabas po seg
nteressante observar a tens de 0 ao longo o tre ho: d 252 Hz, v iand
ntre 64 e 316Hz.
O autor do poe
a?”. As duas palavras que mais chamam atenção
ois enunciados destaca-se porção inicial. Este destaque não é somente pe
rincip
A sílaba tô alo da rmite o movimento descendent
326 –205Hz), a loudness é a e voz juste oda modifica ara jus
scendente (f0 inicial de 108 e ndo ue n vog ônic
f0 varia 114 Hz, em movim to de cendente e ascenden (25 - 1 5 - Hz
oudness fraca e com o u e um lon ricativa glot l [h (219 s), e v
e tornar um sopro.
O simbolismo
tônica m p siçã fina da lavr
Outro momento move te dessa tercei pa é elo co pos
elos versos “em mim se a , em m se irmava, e mim descansava”. O recurso
a reduplicação d uito m licado pe au r do poema, se o o
versos constituídos de seis sílabas, com o mesmo início e final em rima.
163
O efeito reduplicativo também aparece na melodia escolhida pelo ator
para interpretar os trechos 1 e 3, como podemos ver nas curvas de f0 nas figuras 24 e
26 (p.166), que expressam o lamento (como um choro de desespero) e compaixão. Na
tabela 5, podemos analisar a materialização dessas emoções, principalmente no
aumento da duração dos enunciados (1325 ms para 1857 ms), da extensão (de 129
para 169 Hz) e dos picos máximos de f0 (236 e 279 Hz) (tabela 5). O segundo
enunciado (“em mim 2”, figura 25) traz a peculiaridade de ter sido falado com f0 em
curva de tendência plana, muito adequada ao conteúdo do discurso (“se firmava”) que
diz respeito a firmar-se no chão, ou seja, metaforicamente o chão reto é firme para se
apoiar.
S
Duração (ms) f0 médio(Hz) f0 mínimo f0 máximo Extensão
Tabela 5 - ANÁLISE DA DURAÇÃO E DOS VALORES MÉDIO, MÍNIMO, MAXIMO E EXTENSAO DE f0 DOS TRÊ
ENUNCIADOS “EM MIM”
Em mim 1 1325 177 107 236 129
Em mim 2 1345 137 114 174 60
Em mim 3 1857 139 110 279 169
A frase “que filho lhe sou” interpretado como tristeza e vergonha tem o
contorno de f0 descendente (de 105 para 78 Hz), característico na expressão de
tristeza.
A última parte do canto foi denominada por nós de súplica, dado o
conteúdo do texto. Esta parte finaliza com o choro do guerreiro ao pedir por sua vida e
com a promessa de retorno para a realização do sacrifício, sendo que o valor mais alto
de f0 (219Hz) incide justamente na palavra “deploro”, reafirmando o incômodo, o
desagrado de lamentar-se.
e
destacam por serem curtos e separados por pausas enfáticas e dramáticas. A extensão
de f0 foi de 142 Hz, variando de 77 a 219 Hz. A qualidade de voz modal muda a partir
da palavra “guerreiros”. Dai em diante apresenta instabilidades de f0 e voz, compatíveis
com o choro, conforme descrito por Fónagy (1983).
Sintetizando as várias formas de simbolismo sonoro (Hilton et al, 1994) ou
metáfora acústica (Fónagy, 1983) que o sujeito usou temos:
9 simbolismo imitativo: elevação e queda entoacional brusca da palavra “silvos”
imitando o assobio; forte pressão de língua contra os alvéolos na emissão do
/t/ da palavra “talados”, enfatizando a retenção;
O sujeito usa articulação mais lenta (TE de 2,6), os enunciados s
164
9 simb : qualidade de voz áspera e pitch grave na palavra
“escravos”, indicando uma condição ruim e a voz modal suave interpretando a
ternu
nunciado “mas forte, mas bravo”).
olismo sinestésico
ra da palavra “meigos”; descida brusca e acentuada de pitch para
sinalizar emoção;
9 uso da estratégia de reduplicação de efeito acústico:
de retenção na consoante plosiva /t/. O sujeito usa o mesmo efeito em palavras
que ocorrem próximas (em talados e traidores);
de ênfase nos adjetivos, colocados entre pausas, tanto a perceptiva como as
silenciosas (mendaces, talados, traidores, mesquinhos, forasteiro, fraco,
coitado, vil, ignavo e no e
Quadro 17- MAPEAMENTO GERAL DOS RECURSOS VOCAIS USADOS PELO LOCUTOR DURANTE O CANTO DE MORTE
f0 do canto (Hz)
Grupo entoacional delimitado
por pausa silenciosa
Dur En
ms
Dur P
ms
Tipo da
pausa
f0 ini f0 fin
f0
max f0 min
TA
sil/s
Introdução TE – 2,9
Meu canto de morte/Guerreiros,
ouvi
2653 1596 Tipo 1c e 3 107 63 113
63
4,1
Sou filho das selvas /Nas selvas
cresci
3089 1322 Tipo 1c e 3 115 102 131 67 3,5
Guerreiros
1028 812 Tipo 1a e 2 97 113 136 97 2,9
descendo da tribo tupi. 1497 1142 Tipo 1b e 3 126 110 134 110 5,3
Da tribo pujante/ Que agora anda
errante / Por fado inconstante
/guerreiros nasci
5259 674 Tipo 2 e 3 114 61 150 61 4,5
Sou bravo, sou forte
1958 576 Tipo 2 e 3 67 98 98 67 3,1
Sou filho do Norte
1316 757 Tipo 2 e 3 123 100
164
110 4,5
Meu canto de morte/ Guerreiros,
2382 1372 Tipo 1c e 2 128 66 128 75 4,6
ouvi
Narrativa dos feitos TE – 3,7
vi cruas / Brigas De tribos
imigas, E as duras fadigas Da
guerra provei 4948 1053 Tipo 1b 126 100 128 77 4,8
Nas ondas / mendaces 1743 314 Tipo 1a 96 127 127 96
3,4
senti pelas faces Os silvos /
fugaces Dos ventos que amei
4262 1278 Tipo 1c 153 73 174 73
4,2
Andei longes terras/ Lidei cruas
guerras
2772 289 Tipo 1b 118 133 94 135
4,3
Vaguei pelas serras Dos vis
Aimoréis
2430 274 Tipo 1b 134 133 134 108
4,5
Vi lutas de bravos / vi fortes /
escravos
3,7
3258 307 Tipo 1b e 2 170 112 170 145
De estranhos ignavos Calcados
aos pés
3,8
2836 343 Tipo 1b 165 79 202 79
E os campos / talados / e os arcos
quebrados
2784 290 Tipo 1b 147 125 147 125
5,0
e os/ piagas coitados Já sem
maracás
2630 300 Tipo 1b 154 156 156 116
4,9
E os meigos cantores/ Servindo a
senhores/ que vinham/ traidores/
5814 625
Com mostras de paz
Tipo 1b
192 116
229
105
4,1
165
f0 do canto (Hz)
TA
sil/s
Grupo entoacional delimitado
por pausa silenciosa
Dur En
ms
Dur P
ms
Tipo da
pausa
f0 ini f0 fin
f0
max f0 min
Aos golpes do imigo
1204 339 Tipo 1b 133 130 133 113
5,0
Meu último amigo / Sem lar sem
a
brigo / Caiu junto a mi
3887 831 Tipo 1b e 3 144 228
238
115
3,8
Com plácido rosto
1794 451 Tipo 1b e 3 144 160 160 114
3,3
Sereno e composto
1794 321 Tipo 1b e 3 132
3,9
122 193 122
O acerbo desgosto Comigo sofri
2463 1257 Tipo 1c 135
99 135 99
4,9
Meu pai a meu lado
1291 728 Tipo 1b e 2 94 96 16 84
4,6
cego e quebrado / De penas
ra
lado
2488 413 Tipo 1b 106 110 137 90
5,2
Firmava-se em mi
1237 897 Tipo 1b 160 114 160 114
4,8
Nós ambos / mesquinhos
1817 312 Tipo 1a e 2 134 169
235
134
3,3
Por índios
29
caminhos Cobertos
d'espinhos Chegamos aqui 3444 1301 Tipo 1c 100 76 197 76 4,6
O velho no entanto / Sofrendo já
tanto De fome e que
branto / Só
qu'ria mo
rrer
4928 929 Tipo 1c e 2
133 217 217 100
5,0
Não mais me contenho/ Nas
e embrenho
matas m
/ Das frechas
que te
nho Me quero valer
4208 486 Tipo 1b 5,5
178 153
262
90
então / forasteiro 1537 422 Tipo 1a 153 159 193 70
3,9
Caí prisioneiro De um troço
guerreiro Com que me encontrei
3317 1454 Tipo 1c 139 73 152 73
5,1
Justificativa TE = 3,2
O cru dessossêgo Do pai/ fraco/ e
cego Enquanto não chego/ Qual
seja?
5130 763 Tipo 1c e 3 145 176 190 64
4,3
dizei 668 823 Tipo 2 e 3 212 205
316
205
3,0
Eu era o seu guia Na noite
sombria
4,7
2105 992 Tipo 3 215 125 215 108
A só alegria Que Deus lhe deixou
1869 940 Tipo 3 150 190 193 149
5,3
Em mim se apoiava / Em mim se
fir
mava 2651 481 Tipo 3 220 125 236 107
4,5
Em mim/ descansava Que filho lhe
sou
3190 1420 Tipo 1c e 2 279 78
279
78
3,4
Ao velho/ coitado/ de penas ralado
2776 316 Tipo 1b 102 117 147 102
4,3
cego e quebrado Que resta?
2019 706 Tipo 3 136 120 172 120
4,9
morrer 751 1085 Tipo 2 e 3 108 222 249 108
3,2
A súplica TE = 2,6
Enquanto descreve O giro tão
breve Da vida que teve
3585 1345 Tipo 2 e 3 180 87 180 87
4,7
Deixai-me viver
1667 1400 Tipo 1c e 2 171 90 171 90
3,1
Não vil
779 606 Tipo 3 165 113 165 113
2,5
não ignavo
877 669 Tipo 3 163 98 172 98
4,5
Mas forte/ mas bravo
1645 741 Tipo 3 119 113 137 94
3,6
Serei vosso escravo/ Aqui virei ter
2734 1382 Tipo 1c e 2 136 78 144 77
4,4
Guerreiros,
1165 416 Tipo 1a e 2 95 124 146 95
2,6
não coro Do pranto que choro
2409 897 Tipo 2 e 2 169 123 169 109
3,7
Se a vida deploro, 1571 875 Tipo 2 e 3 176 135
219
135
4,4
Também sei morrer 1484 591 Tipo 2 e 3 108 98 108 98
3,4
Legenda: Pausas: 1 - Discursiva – separa partes do discurso (1a - Fronteira entre constituintes de uma frase - 1b - Fronteira entre
frases sem mudança de tópico - 1c - Fronteira entre frases com mudança de tópico); 2 – Pausa enfática; 3 – Pausa dramática.
Proeminências de pitch sílaba grifada,
Intensidade – forte em negrito e intensidade fraca em itálico
29 No poema a palavra original é ínvios, mas tanto nas análises perceptivo-auditiva como na acústica a palavra falada é índios.
Figura 24 - TRACADO DA FORMA DA ONDA CTROGRAMA DE BAND RGA E CONTORNO DE f0 NUNCIADO
M MIM SE APOIAVA” (1)
, ESPE A LA DO E
“E
Fi
“EM MIM SE FIRMAVA” (2)
gura 25 - TRACADO DA FORMA DA ONDA, ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA E CONTORNO DE f0 DO ENUNCIADO
Figura 26 - TRACADO DA FORMA DA ONDA, ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA E CONTORNO DE f0 DO ENUNCIADO
“EM MIM DESCANSAVA” (3)
166
167
ados “és livre / parte” (1,2 e 3, quadro 18) são falados em um
mesmo trecho do poema pelo chefe Timbira, ao dar ordem de partida para o guerreiro,
ncia continuada
do guer rtir deixa o ivoso ri d s
combinadas diferentemente s s c str ção emocional
i de u f marcada para uma fala determinada, e,
Ve s s e pl co egmentação,
ade de v
Os dois enunciados são separados por pausa. A primeira porção é uma
frase declara
a duração total e na distribuição dos acentos nos dois enunciados
(quadro 18).
antes que aparecem na
determinação de decisões metodológicas para a medição da duração dos segmentos.
,
silêncio de mais de 200ms e a impossibilidade de se distinguir auditivamente onde é o
limite entre a pausa e a obstruçã cu o t a p io.
do n gu r ar” ase
ado 3, justamente aumento do silênc
ses dois aconte n n n m nifi o: o s
O outro fator re c d d sa n álcu
ero result in u a ue ato o a
inâmica articulatória. A taxa de elocução assim considerada é de 2,6 enquanto nas
outras emissões é de 4,1 e 4,3 sílabas/ seg.
“És livre, parte”
Os enunci
depois que seu choro foi interpretado como atitude covarde. A resistê
reiro em pa chefe cad z mais raa ve . A ops pr eda es ica acúst
no trê tre hos demon am a ativa
crescente, que evolu ma ala não
posteriormente, raivosa.
acentuação e qualid
jamo ne se xem o, a mbinação da s
oz.
tiva, enquanto a segunda é uma frase imperativa. Lembrando que no PB é
preciso aumentar gradualmente a medida de duração dos segmentos em direção ao
acento frasal (Barbosa, 1996) podemos verificar que as emissões 1 e 2 têm
semelhanças n
Na emissão 1 e 2, o acento frasal recai sobre o segundo enunciado,
evoluindo de modo linear entre o primeiro acento tônico (na sílaba “és”) e o segundo
(na sílaba “par”). A emissão 3 é mais longa pelo aumento na duração dos segmentos
(especialmente o /s/) e pela longa pausa silenciosa entre os enunciados. A distribuição
acentual não é linear (o aumento da duração entre as porções não é linear, aumenta
subitamente) e o acento frasal recai na porção imperativa, enfatizando-a.
Podemos apontar dois fatores import
O primeiro diz respeito ao que é considerado pela literatura como pausa, ou seja
o dos arti lad res para emi ir a plosiv ós-silênc
No exemplo apresenta
enunci
a fi ra 27 a du ação da sílaba “p é qu triplicada no
pelo io entre os enunciados. Para o
ouvinte, es cime tos ju tos têm some te u sig cad ilêncio entre
os enunciados.
refe -se à onsi eração esta pau o c lo da taxa de
elocução. O núm ante dica ma f la lenta mais do q de f corre com
d
168
l nas duas porções descendentes, o que leva à mudança do registro de f0,
e modal para crepitante (77 e 90 Hz) no final dos enunciados.
Outro importante fator perceptivo no julgamento da emoção e da atitude é
ualidad e v e a ten a do imperativo das emissões,
ajus arí s lo te á (da emissão 2) e modal, com aspereza
idind s da o ci (3) ra o sentido imperativo mais suave,
om ca ter mais informativo, contribui ajuste modal com protrusão de lábios. O
aumento da
a “parte”. Destas saliências
depree em não parte (2) e vá
embor a
vários fatores se
combin
dinâmica lidade)
modificou-s o que se
desenrolava
A relação da f0 e ajustes laríngeos da qualidade de voz é inerente
fisiologicamente. É por isso que realizamos rápidos ajustes temporários na qualidade
de voz. Esta integração aparece claramente na emissão 1, realizada com ajuste
laríngeo modal e supralaríngeo de protrusão e arredondamento dos lábios, com curva
entoaciona
d
q e d oz in sid de. Contribuem para o senti
os tes l ngeo de ngo rmo spero
inc o na egun po ão d enun ado . Pa
c
loudness acompanhou os enunciados que expressavam determinação e
raiva.
Em termos de saliência acústica que enfatiza o sentido de uma palavra ou
da frase, temos na emissão 2, duas pistas: o pitch accent (207Hz) sobre a sílaba “li”
(livre) e a qualidade de voz áspera. Na emissão 3, encontramos a saliência no
alongamento e na pausa que antecede a palavr
nd os dois significados diferentes: “se és livre, porque
a, p rta (3)”.
Desta análise descritiva, podemos afirmar que
am para mudar o sentido de uma mesma expressão e evidenciamos a ativação
da fala. Neste exemplo, um mesmo padrão configurativo (ou moda
e como resultado da avaliação psicofisiológica da situaçã
-se.
169
QUADRO N
AUDITIVAS E AC
Enunciado 1 2 3
18 - A ÁLISE DE TRÊS ENUNCIADOS “ÉS LIVRE PARTE” SEGUNDO AS CARACTERÍSTICAS PERCEPTIVO-
USTICAS
s
Emoção tit e a ude Não Marcado Determinação Raiva
Qualidade de
Ajuste de lo o de lábios Voz áspera Modal
Loudness
édio médio-forte médio-forte
Saliênci
Duração e f0
voz
ngo termo
Modal com
Protrusã
m
a perceptiva Não Marcado Qualidade de voz Alongamento e pausa
dur/ms f0/Hz dur/ms f0/Hz dur/ms f0/Hz
és 194 130 268 87 339 134
li
vre 209
par 351 119 310 181 843 143
te 216 146
Duração total 1923
192 129 153 207 264 142
77 169 soproso 265 135
273 90 254 102
1218 1155
Contorn de
porções
os f0 nas duas
Descendente em ambas
ascend. – descend.
descend. Nivelado em ambos
TE em sil/s 4,1 4,3 2,6
Figura 27 TRAÇADO DA FORMA DA ONDA, ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA, CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO DO
ENUNCIADO “ES LIVRE PARTE” 3, MOSTRANDO O SILENCIO DA PAUSA ASSOCIADA A OBSTRUCAO DA PLOSIVA
170
do em
III é o denominado “ápice do poema”, pois é to
amático, pela manifestação da fúria do pai amaldiçoando o filho covarde. A
a e a indignação do ão c , do- o longo dos versos,
uncia o própri rra a a rior uadro O
nético es ido o nas colha s,
alizad pelo locutor.
loudness médio para
aco. Na última frase, valoriza com força articulatória o staccato produzido pelas
plosivas e alonga as últimas fricativas surdas (“se assanha”) até a voz sumir num
sopro. As palavras “confusos” e “tigre” recebem o maior valor de f0, o que as destacam
do registro mais baixo.
Tabela 6 – MEDIDAS DE f0, DURAÇÃO, TAXA DE ARTICULAÇÃO E AJUSTE DE QUALIDADE DE VOZ
Freqüência Fundamental
(f0)
Duração
(ms)
TA Qualidade
de voz
O ápice po a
O Canto V
muito dr
um momen
raiv pai v num rescente desenvolven se a
como an o na dor no fin l d estrofe ante (q 4, p.122).
simbolismo fo colh pel autor é ressaltado es s prosódica
re as
O autor usa uma sucessão de vogais escuras (o, u) combinadas com
consoantes fricativas (“faz ouvir uns sons confusos como os rugidos”) e plosivas (“de
um tigre que pouco a pouco”) (tabela 6). O locutor, a fim de expressar a raiva que
emerge no pai e para dar o clima de suspense, evolui da voz modal para áspera, da
entoação de contorno plano para o contorno descendente, do
fr
Enunciados
f0 ini f0
fin
f0
max
f0
mim
Contorno E Pausa
Do velho Tupi guerreiro 74 70 89 70 plano 1685 681 4,7 modal
A surda voz na garganta 89 97 112 70 desc. 2207 399 3.6 modal
Faz ouvir uns sons con
fu
sos 145 112 173 81 desc. 2146 321 3,7 modal
Como os rugidos de um tigre
/
Que pouco a pouco se
assanha
142 s/r 167 71 desc. 3939 1468 4,1
áspera e
escape de ar
Esse clima de expectativa contrasta com a explosão do pai, que com voz
com hiperfunção, escape de ar e crepitância (fry), em registro baixo e contorno de f0
descendente e loudness intenso, acusa o filho alongando acentuadamente o pronome
“tu” (1142ms).
Numa dramaticidade crescente em direção ao clímax, o locutor combina
diferentes recursos de fala e voz para transmitir a raiva e a indignação crescentes. A
voz usada é áspera e predominantemente grave, a desaceleração da fala é dada pelo
alongamento dos fonemas fricativos (ver a tabela 7); o loudness é intenso, as pausas
nos três primeiros enunciados são mais longas e cumprem a função enfática e
171
dramática. Voz, alongamento e alta in
agressivo. É a raiva do pai materializada ac
Tabela 7 – MEDIDA
MÍNIMO, MÁXIMO
tensidade produzem um ruído incômodo,
usticamente.
S DE TAXA DE ARTICULACAO, DURAÇÃO DO ENUNCIADO (En) E DAS PAUSAS (P), f0 INICIAL, FINAL,
, EXTENSÃO E CONTORNO DA INTRODUCAO DO ÁPICE DO POEMA
Duração
(ms)
Freqüência Fundamental (Hz)
Enunciados
TA
En P ini fin min max extensão contorno
Tu 0,9 1142 1351 202 s/r 68 202 134 descendente
Choraste em presença da
mor
te?
2,5 3.921 1030 77 98 63 210 147
descendente
ascendente
Na presença de es
tranhos
choraste?
3,0 3.621 1244 120 57 96 189 93
ascendente -
descendente
Não descende o cobarde
do forte
4,4
2.488 717 202 76 76 283 207
ascendente -
descendente
Pois cho
raste 2,4 1.664 557 201 170 170 211 41
ascendente-
descendente
Meu
filho nã
ascendente-
o és 1,8 2.775 1.075 219 325 147 378 231
descendente
Se compararmos somente a palavra “choraste”, repetida três vezes
nestes versos, observaremos a ativação da emoção pela gradiência dos índices
acústicos nas palavras (tabela 8), principalmente observado na duração aumentada do
segmento /Σ/ (“choraste 1” comparado à “choraste 2 e 3”) e no aumento de f0 da vogal
tônica /a/.
Tabela 8 – MEDIDAS DE DURAÇÃO DO SEGMENTO, fO DA VOGAL TÔNICA E DESCRIÇÃO DO LOUDNESS DA PALAVRA
“CHORASTE”
Duração
ch o r a s t i total
f0 da
tônica /a/
Loudness
1 463 198 76 283 225 107 57 1410 93 forte
2 628 106 58 273 198 110 189 1563 190 forte
3 625 133 27 202 216 101 209 1513 211 forte
Ao longo da estrofe, o pai prossegue com sua maldição falando
rapidamente, com pausas breves de função respiratória e ruído inspiratório audível,
que somam à voz grave e intensa, alongamento das fricativas mediais e finais e
loudness forte em toda estrofe para compor o cenário da exasperação. As estratégias
acústicas metafóricas vão variando continuamente em palavras, cuja descrição
apresentada abaixo, seguirá a ordem delas nos versos:
“Forasteiros” – saliência de f0 e aumento de loudness;
“Vis aimorés” - ajuste laríngeo crepitante com hiperfunção e instabilidade,
constrição faríngea, mandíbula fechada e laringe baixa;
172
enunciado, quando também o abaixa (de fo dio)
“Isolado na terra” – uso do fonema /r/ misto (fricativo/ vibrante);
ificação da taxa de articulação e tremor na vogal /a/;
lheres” – tremor na vogal /a/, lentificação da taxa de
a te de v dal com expansão faríngea e abaixamento do
loud te para );
“Larvas” – uso do fonema /r/ tipo vi últip alv r e m
elevação na tônica (180-207 Hz);
s” – loudness vra nca dimin ão
b poss e reforça o n mo;
sos essão ore ra soltura das
plo o d a
“Torre” - uso do fonema /r/ tipo vibrant e f0 elevado na
tôn
“Murchem prados a flor desfaleça” - pressão nos articuladores para a
soltura das plosivas;
“Lago impuro” – o Loudness aum para
vogal /a/ e na nasal que também es om bili e na v
“D ntos” te de ado alh e por as
v
nto de (de nso
uso do fonem r/ tipo f f0 e do tônica 43
Hz);
“Sempre” e “incendido” - aumento e forte para intenso);
“Miserável” – alongamento do /l e ção a pon da
l
fone / tipo vibrante a uv e m ele ão
na tônica (150-187 Hz);
pés alidad pera
acúmulo de saliva na cavidade com ruído de co te
ingressiva, língua retroflexa e pós-alveolar;
“Terra” – uso da variante de /r/ tipo misto com predomínio do componente
vibrante com f0 elevado na vogal tônica (230HZ).
“Possas tu” – contorno de f0 descendente atingindo o fry no final do
loudness rte para mé ;
“Execrado” – lent
“Amor das mu
rtic
ulação, ajus
ness (de for
oz mo
médio
brante m la eola f0 e
“Nunca possa Aum deento na pala “nu ” e uiç
rusca na palavra “ as”, qu egativis
“Que a teus pas ” – pr nos articulad s pa a
sivas e acúmul e saliva na c vidade oral;
e múltipla alveolar
ica (401 Hz);
entado de forte intenso, há tremor na
tá alongada e c insta dad oz;
e vermes noje – ajus labial arredond esp a-s tod
ogais;
“Fujas” – aume loudness forte para inte );
“Terror” - a / ricativo com e leva na (3
de loudness (d
/ realizado com leva d ta
íngua;
“Horror” - uso do ma /r múltipl ular f0 e vaç
“Tacape a teus ” – qu e de voz ás com instabilidade e
oral. Finaliza rren
173
abela 9 – MEDIDAS DE TAXA DE ARTICULAÇÃO, DURAÇÃO DO ENUNCIADO (En) E DAS PAUSAS (P), f0 INICIAL, FINAL,
un l (Hz)
As análises dos versos finais da estrofe estão apresentadas na tabela 9.
As durações das pausas aumentam para segmentar e destacar as frases conclusivas.
É o momento da finalização da maldição, formalização da acusação e da punição: ser
negado pelo pai. Os picos de f0 são muito elevados, atingindo o cume de 458Hz no
pronome “tu”, o pronome indicativo da acusado. Em cada enunciado, algumas palavras
ganham destaque pelo alto valor de f0: cobarde (424 Hz), meu (382 Hz) sê (385 Hz) e
morte (374 Hz). O f0 oscila também numa mesma vogal como na palavra “não” (340–
289 Hz).
T
MÍNIMO, MÁXIMO , EXTENSÃO E CONTORNO DA PARTE FINAL DO ÁPICE DO POEMA
Duração Freqüência F
(ms)
damentaEnunciados
TA
E P ini fin min max ext o con
ensã torno
maldito e sozinho
terra
3484 483 385 184 173 385 212
desc
na
2,9
endente
Poi vilez
che
s que a tanta a
gaste
3,5 2888 228 235 18 77
cenden
scende
Que em p
400 5 262
as
de
te -
nte
re
sença da morte
2,3
cho
4381 281 292 11 259
nde
cende
Tu 1,2 99 58 346 34 112
plana e pequ
rção fin
nde
Cob
raste
485 5 374
desce
as
nte
nte
5 305 4 6 458
ena
al
po
desce nte
arde 2,4 1259 424 342 34 8 scende
Meu
578 2 424 2 de nte
filho não és
2 111 sc2,2 385 2519 382 293 289 382 de endente
O enunciado “Meu filho não és” aparece repetido no início e no final da
estrofe, que segundo Simões (2005), enfatiza a negação ao filho e fixa a imagem
execrável tid
a pelo pai. Estes enunciados foram julgados, no teste de reconhecimento
das emoções, como expressão de raiva e de ódio (página 158). A ativação acústica
evidenciada nas medidas que apresentamos reitera tal negação.
174
O uso de segmentos como marca estilística
Os resultados da análise das variantes de /r/ em relação à expressão de
emoções e atitudes poderão ser lidos na quadro 19 da seguinte forma: na primeira e na
segunda colunas encontram-se a palavra destacada e o enunciado em que ela foi
proferida. Na terceira coluna, estão as emoções e atitudes atribuídas pelos juízes aos
enunciados. A variante usada pelo sujeito está discriminada na quarta coluna. Na
quinta coluna, estão ressaltadas as medidas de duração da variante e sua respectiva
porcentagem (%) na duração total da palavra. Finalmente na sexta coluna, encontra-se
o valor médio ou a variação da f0 (em Hz) na vogal tônica, que antecede e/ou sucede a
variante.
Pudemos perceber que na fala do sujeito apareceram diversas variações,
que se realizam em diferentes espaços articulatórios: vibrante alveolar simples e
múltipla; vibrante múltipla alveolar e uvular; fricativa e a fricativa vibrante (denominado
tipo misto). Para a fricativa não estabelecemos diferença entre a uvular e a velar,
entretanto marcamos a presença da glotal. Contrapondo com os dados biográficos do
de um mesmo sujeito
onstitui um traço articulatório regional (Lima, 2003) e ao mesmo tempo, mostra a
preservação da chamada forma culta do Português (Callou, Leite, 1990), dado que ele
certamente a
quisermos marcar o componente predominante, ela aparecerá em primeiro lugar: misto
vibrante/ fricativo. Na produção das palavras com variantes do tipo misto, o valor da f0
da vogal tônica mostrou-se mais elevado nas palavras com predominância do
componente de vibração do que nas com predominância de ruído fricativo.
ator, podemos afirmar que a presença de tantas variantes na fala
c
sempre viveu entre os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo e por sua idade,
companhou os processos de mudanças de produção do fonema /r/. O
número de batidas da vibrante múltipla alveolar ([r]) variou de 3 a 8 claramente
marcadas conforme pode ser visualizado nos espectrogramas das figuras 28 e 29, nas
palavras “larvas” e “torre”.
Da análise dos dados emerge, em posição de ataque, uma variante
realizada com a presença de vibração e fricção (ou vice-versa), aqui denominada de
tipo misto, descrita como fricativa vibrante por Geyer, Moosmüller (2001). Os juízes
estabeleceram uma diferenciação auditiva do componente predominante na emissão
da variante, ora a fricção, ora a vibração. Sempre que nos referirmos ao tipo misto, e
175
Quadro 19 - CLASSIFICAÇÃO GERAL DAS PALAVRAS CONTENDO A VARIANTE SEGUNDO O CONTEXTO, O TIPO DE
VARIANTE USADA, A DURAÇÃO DA VARIANTE EM MS E % DENTRO DA PALAVRA E O F0 DA VOGAL TÔNICA
duração da
variante
Palavra Contexto
Emoção e
atitude Tipo
ms %
f0 da
vogal
tônica
guerreiro 1
“Aos duros
guerreiros sujeitos
na paz” neutro
Fricativa 68 13 126-166
rito 2
“Afeitas ao rito da
rbara usança”
neutro Fricativa 75 30 124-149
guerreiro 2
“Que temes, ó
guerreiro?”
neutro Fricativa 89 13 128
guerreiro 4
“Que tens,
guerreiro?
ternura Fricativa 93 10 154
morrer 1 “Só queira morrer” tristeza Fricativa 111 17 215
morrer 3
“Também sei
morrer
tristeza/
determinação Fricativa 114 17 131
terror 2 “asco e terror” raiva Fricativa 119 12 343
guerreiro 3 “O guerreiro parou” neutro Fricativa 134 33 81
terra 1 “só na terra” tristeza Fricativa glotal 147 30 89
morrer 2 “Que resta? Morrer” tristeza Fricativa glotal 249 29 135
terra 2
“isolado na terra” raiv
Misto
a intensa Fricativa/ vibrante 96 19 113
ruge
Misto
Ruge” suspense Fricativa/ vibrante 285 39 127-143
remoça
“Que o exaurido
coração remoça
alegria
Misto
Fricativa/ vibrante
377 31 103
guerreiro 5
guerreiro ilustre”
determinação
Misto
Vibrante/ fricativa
88 20 140-174
terra 3 “sozinho na terra” raiva
Misto
Vibrante/ fricativa
122 20 230
recua Recua aflito” ansiedade
Misto
Vibrante/ fricativa 137 36 160
reina Reina o festim” alegria
Misto
Vibrante/ fricativa 276 54 190
cobarde 3
“Ele chorou de
cobarde
Vibrante múltipla
desprezo
alveolar
93 6 124
larvas “entre as larvas” raiva
Vibrante múltipla
alveolar
134 17 180-207
cobarde 4 cobarde ódio
alveolar
217 18 359
Vibrante múltipla
r ump raiva 2 3ito 1 “o rito se c ra”
Vibrante múltipla
alveolar
78 44 24
torre “a a se torre” ódio
Vibrante
lar 35 relv
múlt
alveo
ipla
3 54 401
terror 1 “de glória e terr medo
te pla
lar
444 48
or
Vibran múlti
alveo
343
guerreiro 6 “Nobres guerreir r
pla
lar
124 0 9
os aiva
Vibrante múlti
uvu
2 21
horror
ros
medonhos” raiva
“E do horro
espect
r os
te la
uvular 225 26 150- 187
Vibran múltip
cobarde 1 “O cobarde após si” neutro Vibrante simples 34 8 133
cobarde 2
“N
co
ão descende o
barde do forte”
raiva Vibrante simples 35 7 182
176
melhor ilustrar o contínuo entre a
fricativo e o
Hipotetizou-se que houvesse um contínuo entre a fricativa e a vibrante
comprovado nas produções comparativas de uma mesma palavra (guerreiro, terra,
morrer). Esta variação contínua do /r/ ocorre conjuntamente com o aumento gradual de
f0 na vogal tônica, ou seja, em emissões com valores mais baixos de f0 houve
predominância do uso da variante fricativa, e nas emissões com valores mais altos de
f0, a predominância da variante vibrante. Para
vibrante e o pareamento entre as escolhas das variantes produzidas e a
emoção percebida no contexto do enunciado, os dados de análise das emissões da
palavra “guerreiro” foram sumarizados na quadro 20.
Quadro 20 - CLASSIFICAÇÃO GERAL DA PALAVRA GUERREIRO SEGUNDO O CONTEXTO, O TIPO DE VARIANTE USADA, A
DURAÇÃO DA VARIANTE (EM MS E %) DENTRO DA PALAVRA E O f0 DA VOGAL TÔNICA
duração Palavra Contexto Emoção e
atitude
Tipo*
ms %
f0 da
vogal
tônica
guerreiro 1
“Aos duros
guerreiros
sujeitos na paz”
neutro Fricativa 68 13 135
guerreiro 2
“Que temes, ó
guerreiro?” neutro Fricativa 89 13 128
guerreiro 3
“O guerreiro
parou” suspense Fricativa 134 33 81
guerreiro 4
guerreiro?
ternura Fricativa 93 10 154
“Que tens,
guerreiro 5
guerreiro
ilustre”
determinação
Misto
(vibrante/fricativa)
88 20 140-174
guerreiro 6
“Nobres
guerreiros
raiva
Vibrante múltipla
uvular
124 20 219
*A vibrante simples na última sílaba da palavra não fez parte da análise do corpus.
A variante tipo mista – fricativa/vibrante ou vice versa – condiz com a
existência de um continuum físico na pronúncia do /r/, ou seja, uma gradação entre os
modos de articulação fricativo e vibrante (Silva, Albano, 1999; Geyer, Moosmüller,
2001; Barbosa, Albano, 2004) que explicita os processos fisiológicos de relaxamento e
comodidade articulatória (Callou, Leite, 1990). A possibilidade de co–ocorrência de
várias pronúncias do fonema /r/ num mesmo contexto fônico no interior de um mesmo
dialeto, determinadas por características prosódicas foi estudada por Silva, Albano
(1999), a partir da ocorrência de segmentos vibrantes superarticulados próximos à
fronteira prosódica forte e dos segmentos hipoarticulados, ocorrem, normalmente, em
fraca. Estas possibilidades indicam a existência de um continuum físico na pronúncia
do /r/. O condicionamento prosódico das variações gradientes coloca em questão a
visão dos sons como categorias, correspondentes aos símbolos estáticos. Como
177
gradientes, os sons correspondem a unidades dinâmicas - os gestos articulatórios
ilva, Albano,1999).
(S
Figura 28 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA, ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA, CAMADAS DE SEGMENTAÇÃO DA
PALAVRA “LARVAS” MOSTRANDO TRÊS (3) BATIDAS DA VARIANTE MÚLTIPLA ALVEOLAR
Figura 29 - TRAÇADO DA FORMA DA ONDA, ESPECTROGRAMA DE BANDA LARGA, CAMADAS DE SEG
PALAVRA “TORRE” MOSTRANDO OITO (8) BATIDAS DA VARIANTE MÚLTIPLA ALVEOLAR
MENTAÇÃO DA
178
onsideradas uma marca
expressiva d
sentimentos de uma mesma natureza, como, por exemplo, a
agressividade
a.
ai sumindo lentamente no contexto, quando não há alternativa
senão a mort
a e com tristeza. No contexto da
expressão de
A escolha da vibrante múltipla alveolar ([r]) realizada com alongamento
30
acompanhado de elevado valor de f0 da vogal tônica da palavra em posição de ataque
e sua realização com alongamento também podem ser c
e caráter estilístico (Rocha Filho, 1989), em favor da expressão de
emoções e atitudes. A forma da palavra contrasta e marca os contextos falados,
tornando a palavra mais enfática e intensificando sua emoção (Madureira, 1992). Está
presente nos contextos que as emoções expressas são o desprezo, a raiva, ódio e o
medo, todos
. Na palavra “horror”, o locutor escolheu uma variante ([R]) vibrante
múltipla uvular, que estimula o movimento contraído da musculatura faríngea - o
vômito, o que enfatiza o asco e o nojo do contexto. Em ambas situações, é o caráter
simbólico de duro, agressivo e violento (Platão, s.d.; Fónagy, 1983) materializado no
alongamento da variante vibrante (alveolar ou uvular), seja pelo ódio explicito ou não
(desprezo), seja pelo nojo ou pela repuls
O uso da variante fricativa glotal surda ([h]) apareceu nas palavras “terra
1” e “morrer 2” expressando tristeza, usadas pelo locutor com longa duração
(correspondente a 30% do total de duração da palavra). Na palavra morrer, a variante
aparece no final do enunciado. Tal fato poderia não apresentar relevância, dado que
antes de silêncio, em Português Brasileiro, são utilizadas variantes surdas. Entretanto,
no contexto aqui referido, destaca-se o valor metafórico de finalização não presente
nas outras duas emissões das palavras, ou seja, a finalização da palavra ocorre com
uma voz grave, que v
e (morrer 2).
Os três enunciados da palavra “terra” tratavam do mesmo conteúdo
semântico - estar só (quadro 21) expressos com raiv
raiva (terra 2 e 3), a vibração da variante aumentou juntamente com o
alongamento da palavra (de 506 para 605) e com a elevação da freqüência da vogal
tônica (89, 113 e 230 Hz). Notadamente estes dados apontam para uma diferença de
intensidade da raiva nos momentos em que tais palavras foram proferidas, que é
30 Barbosa (1996), a partir de dados de um falante, mediu a duração dos fonemas /r/ /R/ em Português. Os valores medianos são:
47 ms para o flape simples ([
ɾ]); 62 ms para a fricativa uvular sonoro ([ʁ]) e 81 ms para a vibrante múltipla ([r]). Silva (1996), a
partir de outros suje
itos, encontrou os seguintes valores: 37ms para o [
ɾ] na posição intervocálica, 30 ms em grupo consonantal e
26 ms no final de palavra. Para o [r]: 113 ms em início de palavra e 110 ms na posição intervocálica (os valores somam as
durações de fechamento e aberturas orais).
179
Quadro 21 – CATE
USADA, A DURAÇÃ
positivada com a presença da qualidade vocal tensa e áspera que acompanha a
palavra “terra 3” (quadro 21)
GORIZAÇÃO DA PALAVRA “TERRA” NO ENUNCIADO E SUA EMOÇÃO, SEGUNDO O TIPO DE VARIANTE
O DOS SEGMENTOS (EM MS E %) E DO TOTAL DA PALAVRA(T) E A F0 DA VOGAL TÔNICA
Duração da
variante
Palavra Contexto Emoção e
atitude
Tipo*
ms %
Duração
total da
palavra
f0 da
vogal
tônica
Terra 1
“só na
terra” Tristeza
[h] - fricativo glotal
surdo 147 30 494 89
Terra 2
“isolado na
terra” Raiva
Misto
fricativo/ vibrante 96 19 506 113
Terra 3
“sozinho na
terra
Raiva
Misto
vibrante/ fricativo
122 20 605 230
* Na medida de duração o /t/ inicial foi desprezado
A presença da elevação da f0 na vogal tônica que acompanha a variante
vibrante pode ser explicada fisiologicamente pelo aumento da pressão infraglótica e
pela tensão das pregas vocais. Se a mímica glotal é a mais primitiva e ancestral e a
intensidade d
ariar
num contínuo
a contração é correspondente à intensidade da emoção, conforme afirma
Fónagy, a ativação fisiológica do organismo dará o substrato para as modificações na
fala (Scherer, 2003). Por um lado, tais modificações dizem respeito ao aumento ou não
da f0, como no alongamento (inclusive do número de vibrações) de uma variante
(Câmara, 1977a), e, por outro, a desativação na expressão de tristeza explica a
respiração que desaparece lentamente na realização uma variante fricativa glotal - a
morte materializada no último suspiro (morrer 2).
Em todas as situações, o simbólico está materializado nas escolhas do
locutor e na variante /r/ tomada como unidade dinâmica, dado a possibilidade de v
entre a fricção e a vibração, inclusive com mais ou menos vibrações.
Essa flexibilidade articulatória evidencia o som, permitindo que o locutor
simbolicamente materialize suas emoções, deslizando entre dois pólos: de um lado,
expressa a agressividade no alongamento de uma variante vibrante, marcando suas
batidas fortemente e, por outro, na tristeza usa uma variante fricativa glotal, que
enfraquece e desaparece suavemente.
Esse deslizar varia com o contexto e tem valor estilístico. É uma marca
sonora clara e saliente, é um traço recorrente que cria vários efeitos de sentido e de
singularidade discursiva (Bakhtin (1997); Possenti (1986, 1988); Madureira (1992);
Campos (2001) e Fiorin (2003)).
A CONSTRUÇÃO DA EXPRESSIVIDADE ORAL
“De repente, me vi liberto das inflexões e
do ritmo que dava às frases. Percebi
que até então as frases eram uma
armadura que eu tinha construído à
minha volta e me tolhia completamente.
Eu estava preso nas minhas próprias
inflexões, a música, digamos assim, que
eu imprimia ao texto” (Autran; Guzik,
1998).
180180
Discussão
181
ignos orais, enquanto índices, ampliam o entendimento das relações
entre som e
s (mas, não somente esses,
conforme pre
onalidade
é necessária
a visão da
língua e seu
As indagações dessa tese sobre como as relações entre o som e o
sentido são construídas, conduziram-nos à desconstrução de um material de fala, a fim
de evidenciar sua estrutura expressiva, exclusivamente oral.
No domínio da expressão, o termo expressividade é entendido aqui como
o processo de eliminação das tensões internas do falante, as quais são reproduzidas
em comportamentos manifestos por signos de diferentes naturezas, que englobam a
voz e a fala e que se relacionam triplamente como ícone, índice e/ou símbolo (Pierce,
1972, 2000)
Os s
sentido (Pierce, 1972, 2000; Jakobson e Waugh, 1987; Jakobson, 1979;
Laver, Trudgill, 1979; Fónagy, 1983, 1993; Laver, 1994), estabelecidas de forma
escalar, processual e dinâmica, que incluem as relações que emergem de vínculos
diretos, tanto os naturais (ou motivados) como os arbitrário
conizados por Saussure).
Admitir a existência desse vínculo motivado é acreditar que forma e
conteúdo não estão separados na língua; é concordar com a possibilidade de um
caráter universal entre as línguas, embora cada uma apresente elementos próprios
(Sapir, 1929; Peterfalvi, 1970; Fónagy, 1983, 1993; Bolinger, 1985; Jakobson e Waugh,
1987; Hilton et al, 1994; Ohala; 1994, 2000; Vaissière,1995 e Scherer et al, 2001;
Bänziger et alI, 2001; Scherer, 1979, 2003) e, ainda, é aceitar que a convenci
para que estes vínculos se transmitam na cultura e se renovem com o
movimento da língua.
Deste ponto de vista, desfaz-se o histórico posicionamento de que os
aspectos prosódicos do domínio da Fonética, presentes na forma do enunciado, sejam
fatos à margem da língua, estudados pela Estilística.
Os estudos sobre o simbolismo sonoro produziram evidências a favor da
motivação natural entre som e sentido e colaboraram para as mudanças n
entorno, eclodindo nos estudos discursivos. Fónagy (1983), na sua defesa
dos duplos articuladores na produção de estilo verbal, manteve a visão de Gramática e
Prosódia cindidas, mesmo tendo apresentado tantos argumentos a favor das
modificações de sentido na forma dos enunciados gramaticais, promovidas pelas
metáforas fonéticas (articulatórias e prosódicas) interpretadas pelo prisma psicanalítico.
O entendimento dialógico da Linguagem (Bakhtin, 1997) nos remete à
compreensão de que os fatos da língua estão inseridos num contexto (Sapir,1927;
182
tem nos
constituintes
s são escolhidos para representar propriedades físicas dos objetos,
sexo, atitude
produção da
fala de Fan
s alinhavadas pelos silêncios,
analisamos o
sivas, silenciosas, preenchidas ou perceptivas), a
duração (de
pausa mais curta entre os interlocutores pode marcar autoridade e autodefesa.
Firth, 1969; Labov, 1972; Bakhtin, 1997), cujos interlocutores, ao se relacionarem,
criam sentidos múltiplos. Forma e conteúdo são entrelaçados e se refle
da enunciação.
A expressividade oral está no material de fala como índice de natureza
acústico–articulatório, responsáveis pelos efeitos de sentido, reproduzindo uma
emoção ou atitude ou representando um objeto animado ou inanimado, com
representação sintomática e simbólica, segundo Fónagy (1983). É a simbolização
acústica de fenômenos não acústicos, que ocorre quando determinados segmentos e
suprassegmento
s e emoções. O estilo oral emerge da expressividade como uma
singularidade expressiva recorrente no locutor, inserido em um contexto histórico de
enunciações e constituído a partir dos gêneros do discurso (Bakhtin, 1997) e do
trabalho do locutor sobre a forma sonora (Granger, 1974; Possenti, 1986, 1988),
portanto, não restrito a expressividade emotivo-valorativa do discurso (Bakhtin, 1997).
No domínio do oral, a tipologia do simbolismo sonoro na fala é vasta e
envolve o léxico e a fonética, por meio de elementos articulatórios e acústicos
(Ullmann, 1964; Todorov, 1972; Jakobson e Waugh, 1987; Hilton et al, 1994). Somente
o entendimento integrado da fala e da voz, compatível com o modelo de
t (1970), nos permite abrigar os elementos que podem ser usados
simbolicamente: variações de segmentos vocálicos e consonantais e sons produzidos
pelo corpo durante a fala, como ruído respiratório, bucal ou de língua, que se
combinam diferentemente com e por meio da qualidade e da dinâmica da voz (Sapir,
1927) e dos silêncios (considerando os parâmetros de f0, duração e intensidade).
Pensando, então, na fala como as palavra
s silêncios (parte da estruturação temporal) como elemento simbólico
expressivo, pois constituem pausas no fluxo da fala. As pausas variaram segundo o
tipo (respiratórias e/ou expres
curta à longa), segundo as funções que elas exerceram no discurso e,
finalmente, de acordo com sua distribuição no contínuo da fala (regular e irregular).
Em relação às funções, a primeira distinção deve ser se elas são inter e
intrapessoal (pausas de mudanças de turno). As pausas se apresentaram com função
discursiva quando segmentavam o texto em unidades semânticas, demarcando ou não
as mudanças em relação à pessoa ou à coisa sobre a qual se fala. Num diálogo, a
183
s com mudança de tópico. Quanto à distribuição das pausas ao
longo de uma fala contínua, ao se observar como as pausas regulares silenciosas ou
preenchidas
média, pudem respiratória em situações de ansiedade
ou pressa e c
a informação, salientando-a
e com função ense ao que foi dito ou
ao que ainda
do falante.
, integrados e estruturados, a partir de um ou vários parâmetros
acústicos, qu
o, forte, pontudo, início,
feminilidade,
silêncios, duração de segmentos, entoação, loudness, taxa de
elocução e a
deslocamentos espaços-temporais, sendo os espaciais evidenciados na extensão e
nos registros de f0, loudness, taxa de locução e articulação. Os deslocamentos
Em relação à duração, as pausas discursivas foram mais longas quando
em fronteira de frase
com inspiração ruidosa se comportaram em taxas de elocução rápida e
os correlacioná-las com a função
om atitude reflexiva do falante.
Com função enfática, as pausas destacaram
dramática criaram uma expectativa, um certo susp
será falado. Como o próprio nome indica, as pausas reflexivas auxiliaram
a reflexão
Retomando os signos na fala e adotando a classificação de Hilton et al
(1994) podemos afirmar que os signos corporais, imitativos e sinestésicos se
apresentam na fala
e podem ou não se compatibilizar com a informação semântica e entre si.
O princípio da compatibilidade ou discrepância entre som e sentido
(Madureira, 1992) e entre os vários recursos acústicos também revelará sentidos, uma
vez que segue o mesmo movimento simbólico. Conforme apontado por vários autores
na literatura do simbolismo sonoro e semelhante aos perfis idealizados por Fónagy
(1983) podemos reunir em dois blocos os aspectos sinestésicos similares:
1. Pequeno, alto, rápido, claro, longo, fino, tens
alegria, prazer, atitude não ameaçadora, polida e submissa.
2. Grande, baixo, lento, escuro, curto, grosso, relaxado, fraco,
arredondado, fim, masculinidade, tristeza, desprazer, atitude ameaçadora, agressiva e
autoritária.
Entre os
rticulação e qualidade de voz, o locutor escolhe os recursos e a dinâmica
com a qual eles serão combinados para se expressar. Não é uma escolha
necessariamente consciente, mas apreendida. Mesmo quando é um ator quem realiza
as escolhas (como discutido na sessão subseqüente aos depoimentos do ator), como à
qualquer falante, tais escolhas são baseadas na percepção do efeito sobre sua
audiência e sobre suas necessidades expressivas subjetivas.
A dinâmica empregada no agrupamento dos recursos ocorre nos
184
s segmentos, f0 e qualidade de voz e nos contornos de f0 e
loudness. Em
ajuste
hiperfunciona
üência, ao longo do tempo.
patível para uma palavra que deveria ser expressa
de forma curt
ado ou da palavra sobre a qual recai, como nas
seguintes circunstâncias: o uso da retenção articulatória intensifica o sentido da
palavra, se o conteúdo semântico dela sugere o mesmo sentido, como na palavra
“talados”; as pausas com função enfática e dramática; estratégia de reduplicação do
recurso, mesmo quando ocorrido nas palavras envolvidas num intervalo maior de
tempo ou tensão de voz e/ou articulatória em fonemas plosivos e fricativos.
Ao entender a expressão como processo de eliminação de tensões
internas do falante, estamos admitindo que a expressão de emoções tem causas que
podem ser conscientes ou inconscientes, fruto ou não da avaliação cognitiva, que
precedem a existência individual (de origem filogenética, conforme a teoria
evolucionista) e que são eliminadas em todos os níveis do aparelho vocal por
mudanças fisiológicas. Tais efeitos fisiológicos têm ação direta na produção oral,
produzindo variações acústicas proporcionais ao grau de ativação, sobretudo nas
temporais podem ser observados no comportamento evolutivo (medido em vários
pontos) da duração do
uma extensão maior de tempo, devemos considerar os contrastes
causados pelos dos recursos empregados nos enunciados, que podem salientar e
reforçar um determinado efeito. Por exemplo, uma queda abrupta de f0 parecerá maior
que se ela fosse atenuada (Ohala, 1994, 2000), mas poderá ser percebida como maior
ainda, se seguida de f0 grave. Outro exemplo, uma voz intensa e de
l será intensificada se o ajuste seguinte for de voz de soprosa em
loudness médio.
Não é uma dinâmica sistemática e sim, variável, embora ela também
possa ser repetitiva. Isso reafirma o posicionamento de Scherer (2000, 2003) de que a
investigação fonético-acústica das emoções e atitudes deve correlacionar as
informações de duração e freq
Quanto à compatibilidade entre a forma sonora e o sentido, os recursos
prosódicos promovem o reforço e a intensificação do sentido da palavra. Na
incompatibilidade, expressam conflito e ironia. Por exemplo: uso do alongamento na
palavra “longe” reforça o sentido da palavra e é compatível com ela, pois indica a
distância, demora e lentidão, mas o alongamento da vogal nasal num verbo no
imperativo, “mandai”, torna-se incom
a, firme e rápida, o que não irá reforçar seu sentido semântico.
A intensificação de um sentido é dada pelos recursos acústicos quando
reforça o sentido semântico do enunci
185
moções primárias (raiva, medo, alegria e tristeza). Estes efeitos fisiológicos são
niversais e por isso, também, concordamos com padrões vocais universais.
De acordo com a teoria das emoções discretas, encontramos as emoções
iva e tristeza expressadas com perfis acústicos definidos na literatura (Fónagy, 1983;
urray, Arnott, 1993; Pittam, Scherer, 1993; Johnstone, Banse, Scherer, 1995; Banse,
cherer, 1996; Bachorowski, 1999; Chung, 2000; Bänziger et alI, 2001; Scherer, 2001,
cherer et al, 2001, 2003; Piot, 2002; Laukka, 2004) que, ao mesmo tempo, respondem
ao simbolismo sonoro universal. Desta forma, temos os seguintes p
e articulatórios:
- Raiva (ódio): Ao nível dos segmentos encontramos alongamento de uma
variante vibrante com batidas fortemente
plosivos realizados com pressão de ar
encontramos ajustes fonatórios de hipe
escape de ar, ajustes supralaríngeos tran
faríngea e supralaríngeos longitudinais d
encontramos f0 alto ou em elevação rápi
altos como baixos. Loudness forte ou
preenchidas com inspiração ruidosa com f
- Tristeza: Ao nível dos seg variante de /r/
tipo fricativa glotal. Ao nível da qualidade de voz encontramos ajustes fonatórios moda
e crepitante, soprosa e hipofunção. Ao nível da dinâmica da voz encontramos os
valores de f0 grave usados em registro baixo, em contorno plano ou descendente,
extensão de f0 restrita; contornos entoacionais descendentes, loudness fraca, taxa de
elocução e de articulação lentas e pausas mais longas.
Os índices acústicos localizados no final do enunciado foram importantes
na percepção das emoções como desespero, ansiedade e tristeza, conforme apontado
por Chung (2000) e Piot (2002).
Os parâmetros acústicos e articulatórios respondem aos padrões de
covariância (van Bezooijen, 1984; Ladd et al, 1985;
Murray, Arnott 1993; Scherer, 1995;
Scherer et al, 2003) ou ao princípio do isomorfismo (Fónagy, 1983), advindos da
ativação do organismo em situações de emoções, no tipo de combinação que realizam,
na mudança gradiente deles e na realização de ajustes temporários. A ativação foi
relacionada proporcionalmente com a tensão e vibração, a agudização, ao
e
u
ra
M
S
S
arâmetros acústicos
marcadas e de fricativos sonoros. Segmentos
ticuladores. Ao nível da qualidade de voz
rfunção, aspereza, crepitância (Fry) e com
sversais de mandíbula fechada e constrição
e laringe alta. Ao nível da dinâmica da voz
da; maior extensão de f0 em registros, tanto
intensa. Pausas tanto curtas como longas,
unções dramáticas e enfáticas.
mentos encontramos uso da
l
186
alongamento
rte, mais ativado);
Mesmo parâmetros expressos normalmente por padrões de configuração
(que carreg
ito pull) ou isomorfismo, compatíveis com os achados de
Ladd et al (1
positivam a existência de
expressões v
ndependentes, o estilo seria tomado como uma
manifestação
m vibrante ápico-
alveolar simp
, ao forte e ao rápido. Especificamente encontramos a ativação nas
seguintes situações:
1. Na gradiência
- da fricção para vibração na variante de /r/ (mais vibração mais ativado);
- de f0 (mais alto, mais ativado);
- do alongamento (mais longo intensifica a emoção veiculada);
- da intensidade (mais fo
- da taxa de elocução (mais rápido, mais ativado);
2. Nos ajustes temporários da qualidade de voz (mais tenso, mais
ativado).
3. No tipo de combinação entre os silêncios, duração de segmentos
enunciados, freqüência fundamental, loudness, taxa de elocução e articulação e
qualidade de voz.
am um simbolismo universal), como a expressão de modalidade
(imperativo, por exemplo) e os ajustes de qualidade de voz descritos como padrões de
expressão da raiva e da tristeza, não deixaram de responder simultaneamente aos
padrões de covariância (efe
985). Em ambas situações, os índices acústicos de f0 e duração e a
percepção auditiva indicaram a ativação da emoção eliciada.
Podemos correlacionar estes dados com os achados com as teorias das
emoções discretas como a teoria da avaliação, pois eles
ocais específicas como indicam que há um jogo diferenciado de perfis
vocais que mudam com o resultado da avaliação. Estudos detalhados neste aspecto
devem ser realizados.
Se tivéssemos como referência uma concepção de linguagem em que
forma e conteúdo da língua fossem i
particular do indivíduo que se desviou de uma norma ou de um contexto.
Para se analisar o estilo sob este prisma, teríamos que recorrer, por exemplo, às
normas aprovadas para a língua falada em teatro, em 1958
31
(as quais nosso sujeito se
submeteu), quando as pronúncias admitidas para o fonema /r/ era
les e múltipla e dorso-velar múltipla (Autran, Guzik, 1998; França, 2004).
31 Em dois momentos (1937 e 1956), o Brasil discutiu normas para a pronúncia do Português.
187
e do indivíduo, marcaram uma manifestação singular e
subjetiva e fo
texto. É, então, na atividade
prática, de
quitetura do
poema por e
os gestos corporais, como movimentos sutis (nuances) e inconscientes da
mímica bucal
iada por fatores internos e externos ao indivíduo, é
estruturadora
As pronúncias não previstas em tais normas seriam as consideradas as marcas
estilísticas do locutor.
Nesse estudo, as variantes do fonema /r/, por suas características
acústicas e articulatórias se portaram como marcas estilísticas passíveis da ativação do
organismo. A diversidade de realizações espaciais e temporais do fonema foi
recorrente na expressividad
ram relacionadas a índices simbólicos de agressividade e tristeza.
Granger (1974) afirma que o amalgamado entre forma e conteúdo, visto
no estilo, é fruto possível de se observar somente na atividade prática, num processo
histórico e social, nesse caso, no trabalho do ator sobre o
modo inconsciente, que um comportamento, um gesto se mostra
apropriado, no sentido de ser próprio, e o caminho para se chegar a ele pode ser, mas,
não somente, o treinamento.
Os depoimentos do ator (sujeito deste trabalho) e toda ar
le interpretado apontaram com muita clareza a necessidade de a fala ser
movida por elementos flexíveis, plásticos e dinâmicos que atendam às necessidades
psicológicas e sociais do locutor. Sapir (1927) e Fónagy (1983) compararam estes
elementos a
, faríngea e laríngea.
Mostramos, neste trabalho, a fala, a voz e o simbolismo sonoro como
estrutura una e integrada, influenc
da expressividade oral.
O GESTO VOCAL
“A estratégia fonética dos artistas
pressupõe uma noção muito precisa dos
188
fatos que ignoram, mas que se servem
constantemente para cumprir suas
missões práticas. Esta noção é bem
entendida como uma noção pré –
consciente. Resta-nos ficar perplexo com
a certeza e com a facilidade que eles
resolvem, com tanta bravura, os
paradoxos fonéticos indissolúveis,
caminhando, na mais completa
ignorância” (Fónagy, 1983).
Conclusões
189
Essa tese caminhou para o aprofundamento das investiga
o locutor sobre as formas sonoras faladas e contribui teórica e
de oral. O simbolismo sonoro é discutido
como ele para a express ; signos do ao
ouvinte durante a conversação informações semânticas, as,
emerg os sons e dos fonem das
modificações prosódicas na
O vínculo entre som e sentido na fala é de natureza motivada (ou “por
natureza”) ou arbitrária ( forma consciente ou
inconsciente, estabelecido hi onstantemente na cultura,
pelos do sign O indi na
ativida dice l, incorporados pela cultura e que
representam o estado inter língua e um es o arca de
agir.
Como tratamos aqui de uma peculiaridade da ativid , a
linguagem, e mais particula a ntendid ção
do som com a fala, podemo
no nome os gestos vocais.
Os gestos vocais são compostos pela interação (e impossível
dissociação) dos elemento lidade e dinâmica d os
segmentos fonéticos (vogais e consoantes) e sons não verbais produzidos na
comunicação (ruídos respiratórios, sons bucais e linguais).
Os gestos vocais, enquanto movimentos rp ais, sã ara
reduzir imediatamente a tensão, e são explicados a partir das
relações das sensaç
reprodu o, assinalar a presença dessa
emoção (representação sint
stos vo movimentos si rônicos, respondem ao
mes movimento simbólic isso de ser compatíveis entre
si, p ém quando mobiliz divid is não coord s e
desarticulados, revelam conflito do locutor com a mensagem falada.
Os gestos vocais correspondem a movimentos de uma ou mais estruturas
do trato vocal que se de no espaç movido tes
ções do
trabalho d
metodologicamente na análise da expressivida
mento básico ividade oral tipo índice transmitem
evidenciais e regulativ
indo da integração da natureza motivada d as e
s frases.
ou “por convenção”), usado de
storicamente e modificado c
processos de desmotivação e remotivação o. víduo suscita
de prática os ín s de caráter gestua
mediário entre a tad ico e autístico
ade humana
rmente da linguagem sonorizad , e a como a jun
s afirmar que tais índices gestuais são vocais, ou sintetizar
s prosódicos (qua a voz) com
co
s,
or o utilizados p
por isso são expressivo
ões sinest
ção voluntária de
ésicas, táteis e acústicas. Assim, podem ser a
uma emoção e, como iss
omática).
Os ge cais, enquanto nc
mo o têmporo-espacial e por vem
or ados como articuladores in ua enado
slocam no tempo e o, s pelos ajus
190
ermanentes e temporários da qualidade e da dinâmica da voz e pelo jogo temporal
io e fala.
simbólicos, podem representar
utros objetos animados ou inanimados que lhes são associados pela semelhança ou
nal, como outros órgãos do corpo humano ou objetos exteriores
imbólica).
Os gestos vocais, enquanto parte xpressivos,
em harmonia aos gest pressão de
atitudes. A incompatibilidade e vários domínios da
conflito ou simulação do
Os gestos vocais respondem a universal e por
mir uma determinada confi icular uma informação
a, ordem, etc) ou uma e (como uma emoção
entretanto, estão sujeitos à ativação do organismo.
Os gestos vocais, enquanto man ação direta
o e por isso, estão correlacionados com os graus de
ma emoção ou atitude (princípio do isomorfismo e efeito de co-
).
nquanto fa o representantes da
uma marca prática r, que exibe sua
bjetividade.
nquanto ma locutor (ou um grupo
de forma recorrente e feitos de
aridade discursiva.
vocais constituem e sã o, ora no papel
o coadjuvante. A interdepend estes com o contexto determinam
ernam entre o reforço e
Os gestos vocais são os princi iculadores de sentido quando a
ão está explicitada n a(s).
m um papel coadj
os vocais, enquanto coad uvantes na constituição do sentido, no
forçador ou intensificador, mobilizam vocal
o semântica
p
entre silênc
Os gestos vocais, enquanto elementos
o
uma analogia funcio
(representação s
do sistema total de signos e
podem apresentar-se os corporais e faciais na ex
emoção e discrepância dos
gestualidade denotam indivíduo.
um simbolismo sonoro
isso, podem assu
lingüística (pergunt
guração para ve
moção ou atitude
discreta). Ainda assim,
ifestações acústicas, sofrem
da ativação fisiológica do corp
intensidade de u
variância
Os gestos vocais, e tos estilísticos, sã
dialogia da língua e são do trabalho do locuto
singularidade e sua su
Os gestos vocais, e
ocial), apresentam-se
rca estilística do
s saliente no discurso e criando e
sentido e singul
Os gestos o constituídos pelo sentid
principal ora com ência d
estes papeis, que se alt a intensificação.
pais ve
informação semântica n o léxico da(s) palavra(s) empregad
uvante.
Caso contrário, desempenha
Os gest j
papel re movimentos das variáveis do trato
compatíveis com a informaçã ou com o contexto. Ao contrário, a
191
gestos e/ou semântica e/ou contexto revela conflito, que
ssar contrariedade, como na ironia.
Os gestos vocais, enquanto elementos fisiológicos e lingüísticos
dinâm
Por fim, os gestos vocais integram a voz no universo da linguagem, uma
ve de nsõ s s s e
h
Conceber a voz como gesto, expande as pesquisas científicas nas áreas
d a P da gia ar e as
co e a s omo
ressão da subjetividade.
incompatibilidade entre os
pode ser usada conscientemente para expre
icos, efetivam na expressão do indivíduo, as demandas contextuais e subjetivas
que se refletem a variabilidade da língua.
z que respon m às dime es simbólica (emocional e ocial), fisiológica
istóricas.
a Lingüística, d sicologia e Fonoaudiolo para investig a variabilidade
mbinações d justes vocais em diferente contextos de uso efetivo e c
exp
192
ANEXOS
Anexo 1
Protocolo da avaliação do perfil da qualidade vocal
GRAUS DE ESCALA
CATEGORIA AJUSTES
neutro 1 2 3 4 5 6
LARÍNGEOS
Laringe alta
Laringe baixa
LABIAIS
Labiodentalização
SUPRALARÍNGEOS
LONGITUDINAIS
Protrusão
LABIAIS
Arredondados
Estirados
MANDIBULARES
Fechada
Aberta
LINGUAIS – PONTA/ LÂMINA
Avançada
Recuada
LINGUAIS – CORPO
Avançado
Retraído
Elevado
Abaixado
LINGUAIS – BASE
Constrição faríngea
SUPRALARÍNGEOS
TRANSVERSAIS
Expansão faríngea
ACOPLAGEM VELAR
Nasal
VELOFARÍNGEOS
Denasal
Modal
Falsete
Escape de ar
Voz soprosa
Vocal fry/ crepitância
Voz crepitante
Voz áspera
Hiperfunção
FONATÓRIOS
Hipofunção
Ocorrências em curto termo: ( )diplofonia( )quebras( )instabilidades. Para ajustes de ocorrência
intermitente assinalar (i). (adaptado de Laver (2000) por Camargo (2002).
193
Anexo 2
Trechos do poema onde se encontra a palavra “filho”
1. Narrador
São muitos seus filhos,
EMOÇÃO: orgulho
2. Guerreiro
Sou filho das selvas,
EMOÇÃO: não marcado
3. Guerreiro
Sou filho do Norte;
EMOÇÃO: determinação
4. Guerreiro
Em mim se apoiava,
Em mim se firmava,
Em mim descansava,
Que filho lhe sou.
EMOÇÃO: tristeza, lastima
5 . Guerreiro
Com olhos onde a luz já não cintila,
Chore a morte do filho o pai cansado,
EMOÇÃO: tristeza
6. Chefe
É bem feliz, se existe, em que não veja,
Que filho tem, qual chora: és livre; parte!
EMOÇÃO: desprezo, desprezo
7. Guerreiro para o chefe
quero provar-te
Que um filho dos Tupis vive com honra,
EMOÇÃO: determinação
8. Pai para o filho
- Filho meu
EMOÇÃO: debilidade física
9. Pai para o filho
- Oh filho caro!
EMOÇÃO: tristeza, ternura
10. Pai
E com mão trêmula, incerta
Procura o filho,
tateando as trevas
Da sua noite lúgubre e medonha.
EMOÇÃO: não marcado
11 – Pai
Do filho os membros gélidos apalpa,
E a dolorosa maciez das plumas
Conhece estremecendo:
EMOÇÃO: desespero, aflição
12 – Pensamentos do pai
Não era que a verdade conhecesse
Inteira e tão cruel qual tinha sido;
Mas que funesto azar correra o filho,
Ele o via; ele o tinha ali presente;
Era de repetir-se a cada instante.
EMOÇÃO: desespero, aflição
13 – Pai para chefe
"Eu, porém nunca vencido,
Nem nos combates por armas,
Nem por nobreza nos atos;
Aqui venho, e o filho trago.
EMOÇÃO: tristeza
14– Pai para o chefe
E quando eu for só na terra,
Certo acharei entre os vossos,
Que tão gentis se revelam,
Alguém que meus passos guie;
Alguém, que vendo o meu peito
Coberto de cicatrizes,
Tomando a vez de meu filho,
De haver-me por se ufane!"
EMOÇÃO: tristeza
15– Chefe para o pai
Nada farei do que dizes:
É teu filho imbele e fraco!
EMOÇÃO: desprezo
16– Pai para o filho
Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste,
meu filho não és!
EMOÇÃO: raiva, indignação
17 Pai
Tu, cobarde, meu filho não és.
EMOÇÃO: ódio, indignação
18- Pai
O grito que escutou é voz do filho,
Voz de guerra que ouviu já tantas vezes
Noutra quadra melhor.
EMOÇÃO: alegria, surpresa
19– Pai
Este, sim, que é meu filho muito amado!
EMOÇÃO: orgulho, satisfação
Anexo 3
Protocolo do teste de percepção das emoções
O protocolo para preenchimento do teste contava com 26 mini tabelas dispostas em duas folhas
de papel. Cada uma delas foi preenchida individualmente para cada trecho apresentado auditivamente.
01
Alegria ( ) Orgulho ( ) Irritação ( ) Ansiedade ( ) Não marcado ( )
Tristeza ( ) Vergonha ( ) Raiva ( ) Medo ( ) Determinação ( )
Indiferença ( ) Desprezo ( ) Ódio ( ) Desespero ( ) Surpresa ( )
02
Alegria ( ) Orgulho ( ) Irritação ( ) Ansiedade ( ) Não marcado ( )
Tristeza ( ) Vergonha ( ) Raiva ( ) Medo ( ) Determinação ( )
Indiferença ( ) Desprezo ( ) Ódio ( ) Desespero ( ) Surpresa ( )
03
Alegria ( ) Orgulho ( ) Irritação ( ) Ansiedade ( ) Não marcado ( )
Tristeza ( ) Vergonha ( ) Raiva ( ) Medo ( ) Determinação ( )
Indiferença ( ) Desprezo ( ) Ódio ( ) Desespero ( ) Surpresa ( )
04
Alegria ( ) Orgulho ( ) Irritação ( ) Ansiedade ( ) Não marcado ( )
Tristeza ( ) Vergonha ( ) Raiva ( ) Medo ( ) Determinação ( )
Indiferença ( ) Desprezo ( ) Ódio ( ) Desespero ( ) Surpresa ( )
05
Alegria ( ) Orgulho ( ) Irritação ( ) Ansiedade ( ) Não marcado ( )
Tristeza ( ) Vergonha ( ) Raiva ( ) Medo ( ) Determinação ( )
Indiferença ( ) Desprezo ( ) Ódio ( ) Desespero ( ) Surpresa ( )
06
Alegria ( ) Orgulho ( ) Irritação ( ) Ansiedade ( ) Não marcado ( )
Tristeza ( ) Vergonha ( ) Raiva ( ) Medo ( ) Determinação ( )
Indiferença ( ) Desprezo ( ) Ódio ( ) Desespero ( ) Surpresa ( )
07
Alegria ( ) Orgulho ( ) Irritação ( ) Ansiedade ( ) Não marcado ( )
Tristeza ( ) Vergonha ( ) Raiva ( ) Medo ( ) Determinação ( )
Indiferença ( ) Desprezo ( ) Ódio ( ) Desespero ( ) Surpresa ( )
Segue deste modo até o número 26.
195
Anexo 4
Resultados do Teste de percepção de emoções
Os trechos apresentados auditivamente para análise das emoções estão relacionados na
segunda coluna. Na primeira coluna, apresenta-se a personagem que o profere e na terceira, o resultado
dos juízes.
Personagem Trecho Opção dos juízes
(1º. e 2º. lugar)
Opção da
pesquisadora
Narrador 1 - São muitos seus filhos Orgulho 5 - 1 1- orgulho
Guerreiro 2 – Sou filho das selvas Orgulho 3- 0
Não marcado 3- 0
2-não marcado
Guerreiro 3. - Sou filho do Norte Orgulho 3 - 0
Determinação 3 - 0
3-determinação
Guerreiro 4 - Que filho lhe sou Tristeza 3 - 1
Vergonha 3 – 0
4- tristeza / lastima
Guerreiro 5 - Chore a morte do filho o pai
cansado
Tristeza 5 - 0
Guerreiro 5c - do filho o pai Não marcado 4 – 0
5 - tristeza
Pai 6 - Que filho tem Irritação 3 - 0
Determinação 3 - 0
6- desprezo/ desdém
Guerreiro 7 - quero provar-te Que um
filho dos Tupis
Determinação 4 - 1 7-determinação
Pai 8 - Filho meu Tristeza 4 - 0
Desespero 2 - 1
8-debilidade física
emoção não marcada
Pai 9 - Oh filho caro Tristeza 5 - 1
Desespero 2 – 1
Pai 9c - filho caro! Tristeza 5- 1
Vergonha 3-2
9- tristeza / ternura
Narrador 10 - Procura o filho Não marcado 5 - 0 10-não marcado
Pai pensando 11– Do filho os membros
gélidos apalpa,
Ansiedade 6 - 0
Pai pensando 11c – Do filho Ansiedade 5 - 0
11-desespero /
aflição
Pai pensando 12 – correra o filho Não marcado 4 - 0 12- desespero /
aflição/
Pai 13 – e o filho trago Orgulho 3 - 0
Desespero 2 - 1
13- tristeza
Pai 14 - Tomando a vez de meu
filho
Tristeza 2-0
Ansiedade 2-1
Desespero 2 - 2
14- tristeza
Chefe 15 – É teu filho imbele e fraco Desprezo 3-2
Irritação 3-0
Pai 15 c– É teu filho Determinação 2 – 1
Irritação – 1-1
15- desprezo/
desdém
Pai 16 - meu filho não és Raiva 4 – 1
Ódio 1-2
Pai 16c - meu filho Irritação 3 - 1
Raiva - 2 - 0
16- raiva / indignação
Pai 17 - meu filho não és Ódio 5 – 0
Raiva - 0 - 2
17- ódio / indignação
Pai 18- O grito que escutou é voz
do filho
Desespero 6 - 0 18- alegria
Pai 19– que é meu filho muito
amado
Desespero 3- 0
Não marcado 3 - 1
Pai 19c1 – que é meu filho Tristeza 4 - 0
Vergonha 3 - 0
Pai 19 c2 – que é meu filho Vergonha 4 - 0
Tristeza 2 – 1
19-orgulho /
satisfação
196
Anexo 5
Pausas de Mudanças de turno - Canto V - Diálogo entre o chefe e o guerreiro
Legenda - # tempo de pausa#
T1- Soltai-o #321#
- diz o chefe #570#
Pasma a turba #835#
Os guerreiros murmuram #633#
mal ouviram #412#
Nem /
pode nunca um chefe dar tal ordem #376#
Brada segunda vez com voz mais alta #667#
Afrouxam-se as prisões /
a embira cede #560#
A custo sim #444#
mas cede #996#
o estranho é salvo #1180#
T1- Timbira #673#
diz o índio enternecido /
Solto apenas dos nós que o seguravam #930
És um guerreiro ilustre /
um grande chefe #785#
Tu /
que assim do meu mal te comoveste #361#
Nem sofres que transposta a natureza #322#
Com olhos onde a luz já não cintila #288#
Chore a morte do filho /
o pai cansado /
Que somente por seu na voz conhece #746#
T2- És livre /
parte #1176#
T2- E voltarei #337#
T3- Debalde #1103#
T3 - Sim /
voltarei morto meu pai #350#
T4 - Não voltes #615#
É bem feliz /
se existe #354#
em que não veja
Que filho tem /
qual chora #299#
és livre /
parte#1521#
T4- Acaso tu supões que me acobardo #1055#
Que receio morrer #654#
T5- És livre /
parte #1550#
T5 - Ora não partirei #995#
quero provar-te Que um filho dos Tupis vive com honra #651#
E com honra maior se acaso o vencem /
Da morte o passo glorioso afronta #190#
197
Anexo 5 – (continuação)
Pausas de Mudanças de turno - Canto V - Diálogo entre o pai e o filho
Canto VI - Diálogo entre pai e filho
Legenda - [tempo de emissão] # tempo de pausa#
T1- Filho meu #405#
onde estás? #611#
T1- Ao vosso lado #525#
Aqui vos trago provisões /
tomai-as #388#
As vossas forças restaurai perdidas /
E a caminho e já #835#
T2 - Tardaste muito #782#
Não era nado o sol quando
partiste E frouxo o seu calor já
sinto agora #841#
T2 - Sim demorei-me a
divagar sem rumo
Perdi-me nestas matas
intrincadas Reaviei-me e
tornei #276#
mas urge o tempo Convém partir e já #1214#
T3 - Que novos males Nos
resta de sofrer? #786#
- que novas dores
Que outro fado pior Tupã nos
guarda? #834#
T3 - As setas da aflição já se
esgotaram #469#
Nem para novo golpe espaço intacto Em
nossos corpos resta #1029#
T4- Mas tu tremes #593#
T4 - Talvez do afã da caça #1.017#
Interrupção dada pelos pensamentos do pai,
transmitidos pelo narrador
T5- Tu # 469#
prisioneiro #317#
tu #1.632# ?
T5- Vós o dissestes #1.040 #
T6 - Dos índios? # 703#
T6- Sim #1.190#
T7- De que nação? #1.792
T7- Timbiras #2.075#
T8- E a muçurana funeral rompeste #427#
Dos falsos manitôs quebraste #0#
T8 - MT sem pausa mas Nada fiz #674#
aqui estou #1.721#
T9 - Nada - #1.263#
Emudecem #1.210#
Curto instante depois prossegue o velho
#1.775#
- Tu és valente bem o sei /
confessa #639#
Fizeste-o certo ou já não fôras vivo #102#
T9- Nada fiz # 1130#
mas souberam da existência De um pobre
velho que em mim /
só vivia # 2.026#
T10- E depois? #866#
T10-- Eis-me aqui #2.137#
T11- Fica essa taba? #1.108#
T11- Na direção do sol quando transmonta
#1.590#
T12- Longe? #913#
T12- Não muito #1.156#
T13- Tens razão #1.284#
partamos #742#
T13- E quereis ir? #1.150#
T14- Na direção do acaso.
198
Anexo 6
Canto VI – Pausas respiratórias e expressivas
Trecho 1 - Reflexões do Pai
Não conheces temor[2.175] #899#
e agora temes? [1.753] #928#
Vejo e sei:[1.454] #946#
é Tupã que nos aflige, [1.919] #1.035#
E contra o seu querer não valém brios [ 2.660] #894#
Partamos!...[894] #920#
Trecho 2 – Ansiedade
E com mão trêmula, incerta Procura o filho, [2.848] #381#
tacteando as trevas
Da sua noite lúgubre e medonha. [3.115] #780#
Sentindo o acre odor das frescas tintas, [3.082] #321#
Uma idéia fatal ocorreu-lhe à mente... [2.010] #441#
Do filho os membros gélidos apalpa, [2.063] #294#
E a dolorosa maciez das plumas
Conhece estremecendo: [3.363] #247#
- foge, volta, [1020] #247#
Encontra sob as mãos o duro crânio,
Despido então do natural ornato!... [4.955] #297#
Recua aflito e pávido, cobrindo
Às mãos ambas os olhos fulminados, [4.387] #348#
Como que teme ainda o triste velho
De ver, não mais cruel, porém mais clara, [4.330] #371#
Daquele exício grande a imagem viva
Ante os olhos do corpo afigurada. [4.037] #333
Não era que a verdade conhecesse
Inteira e tão cruel qual tinha sido; [3.758] #363#
Mas que funesto azar correra o filho,
Ele o via;[3.240] #271#
ele o tinha ali presente; E era de repetir-se a cada instante. [3739] #387#
A dor passada, a previsão futura
E o presente tão negro, ali os tinha; [4.081] #386#
Ali no coração se concentrava, [2.121] #320#
Era num ponto só, mas era a morte! [2.786] #617#
Legenda - [tempo de emissão] # tempo de pausa#
199
Anexo 7
Taxas de elocução e articulação
Trecho 1 – Taxa média - Canto I (descrição da taba)
No meio das tabas de amenos verdores, Cercadas de troncos - cobertos de flores,
Alteiam-se os tetos d'altiva nação; [7095] # 848# São muitos seus filhos [1.603] #381#
nos ânimos fortes [1.443] #144# Temíveis na guerra [1.290] #315# que em densas
coortes Assombram das matas a imensa extensão [4323] #776#
TE média = 74 sílabas por 17,443 s = 4,3 sílabas/ seg (valor mediano)
TA média = 70 sílabas por 15,755 s = 4,4 sílabas / seg (valor mediano)
TE média = 67 GIPC por 17,165 s = 3,9 GIPC/ seg (valor mediano)
% de tempo dos enunciados – 90,32%
% de tempo de pausa entre os enunciados – 9,68%
Trecho 2 – Taxa rápida - Canto IX (descrição da batalha)
A taba se alborota/ os golpes descem /Gritos/ imprecações profundas soam [4157]
#293#
Emaranhada a multidão braveja/ Revolve-se, enovela-se confusa [3.488] #249#
E mais revolta em / mor furor se acende [2.663] #221#
E os sons dos golpes / que incessantes fervem, / Vozes / gemidos / estertor de morte
[4.532] #281#
Vão longe / pelas ermas serranias / Da humana tempestade [3.346] #290#
propagando / Quantas / vagas de povo enfurecido [3098] #293#
TE rápida = 115 sílabas por 22,576 s = 5,1 sílabas / seg (valor mediano)
TA rápida = 109 sílabas por 21,000 s = 5,2 sílabas / seg (valor mediano)
TE rápida = 105 GIPC por 22, 407 s = 4,7 GIPC/ seg (valor mediano)
% de tempo dos enunciados –93,24%
% de tempo de pausa entre os enunciados – 6,75%
Legenda - [tempo de emissão] # tempo de pausa#
200
Anexo 8
Variações de /r/ segundo o alfabeto fonético internacional
fricativa velar – surdo [x] e sonoro -
[]
fricativa uvular - surdo [χ ] e sonoro -
[χ]
fricativa glotal - surdo [h] e sonoro -
[]
vibrante simples (flape ou tepe) –
[Ρ]
vibrante retroflexo –
[ } ]
vibrante múltipla alveolar [r]
vibrante múltipla uvular [R]
201
Anexo 9
Distribuição percentual da freqüência da pronúncia do /r/ no Brasil, segundo Lima (2003)
Vibr.
simples
[Ρ]
Vibr.
retroflexo
[ }
]
Vibr.múltipla
alveolar [r]
Vibr.múltipla
uvular
[R]
Fricativa
uvular surda
[χ] e velar
sonora
[]
Fricativa
glotal
surda
[h] e
sonora
[]
Apagamento
Zero
fonético Ø
Cametá (Pa) 12 9 sr sr sr 62 17
Recife (Pe) sr sr sr 2 38 56 3
Salvador (Ba) 2 sr sr 1 55 40 2
Rio de
Janeiro (RJ)
7 sr sr 4 54 32 3
São Paulo
(SP)
87 5 3 1 2 sr 2
Curitiba
(Pr)
+ sr sr sr sr sr sr
Florianópolis
(SC)
+ sr sr sr sr Sr sr
Porto Alegre
(RS)
83 7 2 sr 3 1 4
202
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