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A CULTURA ARQUITETÔNICA EM MINAS GERAIS
E SEUS ANTECEDENTES EM PORTUGAL E NA EUROPA:
ARQUITETOS, MESTRES-DE- OBRAS E CONSTRUTORES
E O TRÂNSITO DE CULTURA NA PRODUÇÃO DA ARQUITETURA
RELIGIOSA NAS MINAS GERAIS SETECENTISTAS
André Guilherme Dornelles Dangelo
vol. I / IV
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André Guilherme Dornelles Dangelo
A CULTURA ARQUITETÔNICA EM MINAS GERAIS
E SEUS ANTECEDENTES EM PORTUGAL E NA EUROPA:
ARQUITETOS, MESTRES-DE- OBRAS E CONSTRUTORES
E O TRÂNSITO DE CULTURA NA PRODUÇÃO
DA ARQUITETURA RELIGIOSA
NAS MINAS GERAIS SETECENTISTAS
Vol. I/IV
Belo Horizonte
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG – Depto. de História
2006
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André Guilherme Dornelles Dangelo
A CULTURA ARQUITETÔNICA EM MINAS GERAIS
E SEUS ANTECEDENTES EM PORTUGAL E NA EUROPA:
ARQUITETOS, MESTRES-DE- OBRAS E CONSTRUTORES
E O TRÂNSITO DE CULTURA NA PRODUÇÃO
DA ARQUITETURA RELIGIOSA
NAS MINAS GERAIS SETECENTISTAS
Vol. I/IV
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História da Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas
Gerais.
Linha de Pesquisa: História Social da Cultura
Orientador: Prof
a
. Dr
a
. Adriana Romeiro
Belo Horizonte
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG – Depto. de História
2006
Capa: Azulejaria portuguesa da segunda metade do século XVIII,
claustro do Convento de São Vicente de Fora em Lisboa. Foto
do autor, 2004.
FICHA CATALOGRÁFICA
Dangelo, André Guilherme Dornelles
D182c A cultura arquitetônica em Minas Gerais e seus
antecedentes em Portugal e na Europa: arquitetos,
mestres de obras e construtores e o trânsito de cultura
na produção de arquitetura religiosa nas Minas Gerais
setecentistas / André Guilherme Dornelles Dangelo -
2006.
4v. 951p.: il.
Orientadora: Adriana Romeiro
Tese (doutorado) - Universidade Federal de Minas
Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.
1. Arquitetura religiosa – Minas Gerais (MG) – séc.
XVIII 2. Minas Gerais (MG)– História – séc. XVIII
I. Romeiro, Adriana II. Universidade Federal de Minas
Gerais. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas III.
Título
CDD : 981.03
Tese defendida em 11 de setembro de 2006, em Banca Examinadora composta pelos
professores:
______________________________________________
Prof
a
. Dr
a
. Adriana Romeiro
Orientadora - UFMG
_____________________________________________
Prof
a
. Dr
a
. Cláudia Carvalho Leme Nóbrega
UFRJ
______________________________________________
Prof
a
. Dr
a
. Celina Borges Lemos
UFMG
______________________________________________
Prof. Dr. Eduardo França Paiva
UFMG
______________________________________________
Prof
a
. Dr
a
. Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira.
UFRJ
Dedicatória:
A Vanessa, amor maior da minha vida e
permanente incentivadora e companheira de
todas as aventuras empreendidas.
E a Mariana, nosso projeto mais sonhado.
AGRADECIMENTOS
Terminada a tese, depois de incansáveis, mas, infelizmente, revisões não definitivas,
ainda permanece o sentimento de que muitos aspectos não foram abordados e que há muito
ainda o que estudar e pesquisar para se desvendar a complexidade da circulação cultural nas
Minas Gerais setecentistas e seus agentes, responsáveis pela produção arquitetônica.
Passados quase dois anos de quando iniciamos o amadurecimento da proposta final da
Tese, gostaríamos, inicialmente, de agradecer ao apoio da nossa orientadora Prof
a
. Dr
a
.
Adriana Romeiro, que desde o início acreditou na viabilidade do bom resultado que a
proposta de pesquisa poderia dar, e que nos incentivou de modo inequívoco sobre a
importância da temporada de pesquisa em Portugal.
Agradecemos também às instituições que, de maneiras diversas, deram suporte a este
trabalho: ao Programa de Pós-Graduação em História FAFICH/UFMG, na figura de seus
professores e funcionários, e ao Departamento de Análise Crítica e Histórica da Escola de
Arquitetura da UFMG, na pessoa na Prof
a
. Dr
a
Celina Borges Lemos, pelo apoio e pela defesa
da constante da concessão de afastamentos para que pudéssemos realizar essa pesquisa com
plenas condições de dedicação em sua fase final.
Registro aqui, ainda, o meu mais profundo e sincero agradecimento à CAPES, que
apoiou o Estágio de Pesquisa em Portugal, e ao Prof. Dr. Joaquim Jaime Barros Ferreira-
Alves, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, que orientou a pesquisa no Porto e
que abriu, com a gentileza de sempre, uma série de possibilidades de abordar certos temas da
Tese, além da indicação de uma série de artigos especializados, arquivos e monumentos a
serem visitados, fundamentais para o amadurecimento da pesquisa. Neste sentido, agradeço
especialmente também a gentileza e atenção que tivemos dos funcionários da Biblioteca da
Faculdade de Arquitetura e de Letras e Artes da Universidade do Porto e dos funcionários
portugueses dos diversos Arquivos, Bibliotecas e Órgãos Públicos que tivemos a
oportunidade de consultar em Portugal. Aproveito também, aqui, para agradecer, em especial,
ao apoio que sempre recebi da Prof
a
. Dr
a
Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira para me
aprofundasse nesse campo de conhecimento, desde nossos primeiros passos em 1996.
No Brasil, agradeço também aos préstimos recebidos dos funcionários ligados ao
IPHAN e IEPHA e aos funcionários de todas as Bibliotecas, das Prefeituras, dos Arquivos
Paroquiais e Eclesiásticos e das Ordens Leigas consultadas, sempre pacientes e atenciosas aos
nos receberem.
No exame de qualificação, agradeço ainda às ponderações dos Professores Dr.
Eduardo França Paiva e Dr
a
Celina Borges Lemos, que com suas sugestões, enriqueceram as
discussões da pesquisa e nos entusiasmaram a não perder o fôlego, já tão difícil naquele
momento de cansaço, pelo trabalho já empreendido.
Agradecimentos, ainda, aos diversos amigos e familiares, a quem peço muitas
desculpas por suportar a minha constante falta de tempo, um freqüente mau-humor nos
últimos meses, e a impaciência e o estresse que infelizmente se tornaram presentes nos
momentos finais da elaboração Tese, gerados pela ansiedade e pressão dos prazos a serem
cumpridos.
Agradeço também colegas, professores da Escola de Arquitetura, Frederico Tofani,
Fernando Lara, Celina Borges e principalmente a Fernanda Borges pelo apoio inestimável,
com seus conselhos e experiência na fase final da Tese. Agradeço ainda as opiniões e
conselhos do professor Rodrigo Baeta, companheiro de jornada e de paixão pelos nos estudos
da arquitetura brasileira e pelo tema do patrimônio cultural deste os tempos de faculdade.
Agradeço ainda ao meu pai, pela paciência na colaboração da revisão de redação
inicial da Tese, a minha mãe pelo apoio e ao professor e programador visual Flavio Vignoli, e
a minha estagiária Cláudia Marun, fundamentais para bom desempenho da parte gráfica da
Tese e que se dedicaram de maneira apaixonada pelas descobertas de uma nova possibilidade
de ver o problema da cultura arquitetônica em Minas Gerais no século XVIII.
Expresso, ainda, minha gratidão especial aos colegas professores do Programa de Pós-
Graduação em História da FAFICH/UFMG pela oportunidade de agregar à minha formação
acadêmica uma série de conhecimentos sobre o campo da História, que carregarei para
sempre na minha carreira profissional.
Agradeço a Moema e a sua equipe na Biblioteca da Escola de Arquitetura, quando
resolveram muitas dúvidas sobre problemas na formatação da Tese e que tiveram a paciência
e compreensão de deixar na minha companhia por longos períodos, obras de referência
fundamentais para a pesquisa, e também a Secretaria da Pós-graduação em História na
FAFICH, que dentro do possível, sempre resolveu todas as nossas solicitações. Agradeço
ainda especialmente aos arquitetos e professores Rodrigo Meniconi e Altino Caldeira pela
colaboração nos dados dos levantamentos arquitetônicos.
Tudo isso, no entanto, não teria tido um resultado tão proveitoso se não tivesse
Vanessa como companheira sempre presente nessa jornada. Não bastassem suas qualidades
como a parceira que eu escolhi para compartilhar a vida, ela, como professora experiente e
competente que é da área de história e teoria da arquitetura, foi uma revisora fundamental da
Tese, pois, pelo seu grande conhecimento do tema, foi capaz de propor e discutir novos
pontos de vista, ainda pouco aprofundados na pesquisa, e sugerir outros que necessitavam ser
acrescidos para dar maior densidade ao texto final. Para ela, acima de tudo, dedico essa Tese,
com a certeza que muito do que nos une e que comungamos como valores sentimentais e
profissionais foram aqui consolidados, num projeto de vida que reúne mais dez anos de
sonhos, planos e esperanças, desde que um dia nos conhecemos numa noite belíssima em
Ouro Preto.
A história de Minas Gerais, como a de outras regiões que viveram um certo
momento de auge e supremacia e que se seguiu decadência e atrofia, tem algo de
uma dupla reiteração: o grandioso, que se foi e que se lamente, e o modesto, mas
inabalável, orgulho de uma tradição que se quer superlativa. O sistema cultural
traduz o inumerável do espírito humano; sua diversidade é a realização da
liberdade. É, sobretudo, como atributo da liberdade que poderá explicar as
diferenças culturais, o fato permanentemente surpreendente da criatividade, da
invenção, que faz da trajetória cultural a tessitura permanente de significados
diversos e coletivos.
PAULA, João Antonio. Raízes da modernidade em Minas Gerais. 2000.
RESUMO
A CULTURA ARQUITETÔNICA EM MINAS GERAIS
E SEUS ANTECEDENTES EM PORTUGAL E NA EUROPA: ARQUITETOS,
MESTRES-DE-OBRAS E CONSTRUTORES E O TRÂNSITO DE CULTURA NA
PRODUÇÃO DA ARQUITETURA RELIGIOSA
NAS MINAS GERAIS SETECENTISTAS
A expressão “cultura arquitetônica” refere-se, de uma maneira geral, aos parâmetros
culturais que nortearam a produção da arquitetura. Esta tese trata, especificamente, da “cultura
arquitetônica” em Minas Gerais durante o século XVIII, buscando compreender a maneira
pela qual se fez a complexa assimilação do repertório da arquitetura tardo-barroca
internacional, a partir de uma grande rede de informações e de agentes culturais.
A primeira parte da pesquisa trata de buscar compreender e estudar como se deu o
choque de inclusão da nova realidade arquitetônica implementada em Portugal a partir dos
últimos anos do século XVII, e que, por sua vez, era totalmente distinta dos parâmetros com
os quais a arquitetura em Portugal era praticada há séculos. Para o entendimento desse
processo de assimilação, partimos para o estudo dos processos de transposição dos modelos
formais para Portugal através do estudo da tratadística e da iconografia em voga no período.
Neste sentido, trabalhamos principalmente com os valores da cultura tardo-barroca
assimilados pelos diversos segmentos – na prática dos canteiros-de-obras e no mundo erudito
– ligados à produção arquitetônica em Portugal, com ênfase, principalmente, no campo da
produção religiosa, foco primário da nossa pesquisa. Essa iniciativa de analisar a relação entre
cultura e tratadística se mostrou bastante produtiva durante a pesquisa, sendo fundamental
para a compreensão das modificações e conflitos que acompanharam a formação dos mestres-
de-obras, engenheiros militares e arquitetos em Portugal e em Minas. Assim, pudemos
compreender melhor o entendimento que se tinha sobre o que os valores culturais do tardo-
barroco importado para Portugal poderiam agregar à cultura arquitetônica portuguesa
vernacular.
Verificamos que essas contaminações e incertezas foram exportadas para as colônias
portuguesas através não só da circulação constante de tratados de arquitetura, livros religiosos
amplamente ilustrados e maços de estampas gravadas, mas também por agentes culturais para
cá imigrados, num trânsito cultural bem maior, freqüente e de importante sob o ponto de vista
cultural do que antes se imaginava.
O sub-título – arquitetos, mestres-de-obras e construtores e o trânsito de cultura na
produção da arquitetura religiosa nas Minas Gerais setecentista – indica a busca por
compreender melhor os motivos e os caminhos trilhados pelos mestres-de-obras de Portugal
que cruzaram o oceano Atlântico para a região das Minas Gerais, como também o processo de
assimilação, o trânsito de culturas e a contribuição efetiva que eles deram à formação de uma
nova cultura arquitetônica, ao mesmo tempo mestiça e universal, que se formava em Minas a
partir do início do século XVIII.
Esses argumentos propõem, assim, uma visão mais aberta e universal do fenômeno da
arquitetura setecentista mineira que se afasta em muitos pontos fundamentais do arcabouço da
maioria das teorias defendidas por mais de 60 anos de historiografia ligada à produção da
arquitetura religiosa do século XVIII em Minas Gerais.
Palavras-Chave: Minas Gerais – Período colonial – Arquitetura Religiosa
ABSTRACT
ARCHITECTURAL CULTURE IN MINAS GERAIS AND ITS BACKGROUNDS IN
PORTUGAL AND EUROPE: ARCHITECTS, MASTERS AND CONSTRUCTORS
AND THE CULTURAL TRANSIT ON RELIGIOUS ARCHITECTURAL
PRODUCTION IN MINAS GERAIS ON 18TH CENTURY
The expression “architectural culture” refers, in general, to the cultural parameters that
had guided architectural production. This thesis deals, specifically, with the “architectural
culture” in Minas Gerais during 18
th
century, searching to comprehend the way the complex
assimilation of the repertoire of international late-baroque architecture was achieved, through
an information and cultural agents network.
The first part of the research studies how the inclusion chock of the new architectural
realityr was implemented in Portugal from the late 17
th
century, that, at its turn, was totally
distinct from the parameters with which architecture have been practiced in Portugal for
centuries. To achieve the comprehension of the assimilation process, we have start with the
study of the transposition processes of formal models to Portugal through the study of
treatises used on the period. In this sense, we have worked mainly with the values of late-
baroque culture absorbed by several segments – in the practice of the construction site and in
the erudite world – connected to the architectural production in Portugal, emphasizing,
specially, religious production, primary focus of our research. This iniciative to analyse the
relation between culture and treatises have shown quite productive during the research,
fundamental to the comprehension of changings and conflicts that followed masters, military
engineers and architects’ qualification in Portugal and Minas. Thus, we could comprehend the
late-baroque cultural values that had been imported to Portugal and how they could be joined
to vernacular portuguese architecture.
We had verified that this contamination and uncertainties were exported to the
portuguese colonies through the constant circulation of architectural treatises, illustrated
religious books and prints, but also through cultural agents immigrated, in a wider, more
frequent and more important cultural transit than that was former imagined.
The subtitle – architectes, masters and constructors and the cultural transit on religious
architectural production in Minas Gerais on the 18th century – indicates the search for a better
comprehension of the reasons and the ways followed by portuguese masters that had crossed
the Atlantic to Minas Gerais, and also the assimilation process, the cultural transit and the
effective contribution that they had given to the formation of a nwe architectural culture, at
the same time crossbreed and universal, that was beggining in Minas on the 18
th
century.
This arguments propose a wider and universal vision of the phenomenon of the
“mineira” architecture on the 18th century that deviates in several fundamental points of the
major theories supported for more than 60 years of historiography linked to the religious
architectural production on the 18
th
century in Minas Gerais.
Key-words: Minas Gerais – Colonial period – Religious Architecture
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 Lucio Costa, Parque Guinle, edifício Nova Cintra (1948-1954), Rio de
Janeiro, fachada sul.
Fonte: WISNIK, 2001, p.92.
95v
Figura 2 Lucio Costa, Parque Guinle, edifício Nova Cintra (1948-1954), Rio de
Janeiro, plantas do 1
o
, 3
o
e 5
o
pavimentos.
Fonte: WISNIK, 2001, p.92.
95v
Figura 3 Igreja de São Francisco de Assis (1766), Ouro Preto, detalhe do
levantamento do frontispício.
Fonte: SANTOS, 1951, p.179.
103v
Figura 4 Igreja de Nossa Senhora do Carmo (1766), Ouro Preto, detalhe da porta de
acesso ao púlpito.
Fonte: SANTOS, 1951, p.197.
103v
Figura 5 Relação e importância das igrejas na construção da paisagem ouropretana.
Fonte: foto do autor, 2006.
108v
Figura 6 Capela de Nossa Senhora do Rosário do Padre Faria (1740), Ouro Preto,
exterior.
Fonte: CEMIG, 2004, p.162
109v
Figura 7 Capela de Nossa Senhora do Rosário do Padre Faria (1740), Ouro Preto,
interior.
Fonte: CEMIG, 2004, p.161.
109v
Figura 8 Etapas sucessivas da evolução da arquitetura religiosa setecentista
mineira, paralelo aos momentos de ocupação e expansão do território.
Fonte: VASCONCELLOS, 1983, p.49-50.
114v
Figura 9 Evolução das fachadas das igrejas brasileiras, segundo a análise de Sylvio
de Vasconcellos.
Fonte: VASCONCELLOS, 1974, p.50-51.
115v
Figura 10 Evolução das plantas das igrejas setecentistas mineiras, segundo a análise
de Sylvio de Vasconcellos.
Fonte: VASCONCELLOS, 1983, p.53.
115v
Figura 11 Igreja de São Francisco de Assis (1766), Ouro Preto, proporções áureas
segundo a análise de Sylvio de Vasconcellos.
Fonte: VASCONCELLOS, 1968, p.183.
116v
Figura 12 Modelo de evolução das plantas das igrejas setecentistas ouropretanas
segundo a análise de Germain Bazin.
Fonte: elaboração do autor.
123v
Figura 12a Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias (1729), Ouro
Preto, planta.
123v
Figura 12b Igreja de Santa Efigênia do Alto da Cruz (1740), Ouro Preto, planta. 123v
Figura 12c Igreja de São Francisco de Assis (1766), Ouro Preto, planta. 123v
Figura 13 Igreja do colégio dos Jesuítas, atual Sé (1572-1585), Salvador, fachada
(1657).
Fonte: foto do autor, 1998.
130v
Figura 14 Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia (1733), Salvador, vista.
Fonte: foto do autor, 1998.
130v
Figura 15 Paço dos Governadores (1745), Rio de Janeiro, detalhe da fachada.
Fonte: LAGO, 2002, p.226.
131v
Figura 16 Tratados arquitetônicos italianos, franceses e portugueses relacionados por
John Bury.
133v
Figura 16a Giacomo Barozzi da Vignola, “Regre delle Cinque Ordine” (1562),
regras para execução de colunas salomônicas.
Fonte: BURY, 1991, p.171.
133v
Figura 16b Padre Ignácio da Piedade Vasconcelos, “Artefactos simétricos e
geométricos” (1733), capa do tratado.
Fonte: BURY, 1991, p.178.
133v
Figura 16c Sebastiano Serlio, “Il terzo libro di architettura” (1540), modelo de
antigo portão romano, Spello, próximo a Assisi, Itália.
Fonte: BURY, 1991, p.181.
133v
Figura 16d Fray Lorenzo de San Nicolás, “Arte y uso de arquitectura” (1736), capa
do tratado.
Fonte: BURY, 1991, p.178.
133v
Figura 17 Algumas tipologias e plantas de igrejas relacionadas à produção
setecentista mineira, segundo a análise de John Bury.
137v
Figura 17a Capela de Santa Katharina (1730), Bade (Boêmia), vista.
Fonte: BURY, 1991, p.127.
137v
Figura 17b Capela de Santa Katharina (1730), Bade (boêmia), planta; igreja paroquial
(1706), Christkindl (Áustria), planta; igreja paroquial (1720), Nitzau
(Boêmia), planta.
Fonte: BURY, 1991, p.128.
137v
Figura 18 Gravuras e modelos arquitetônicos em circulação durante o século XVIII
que influenciaram a produção artística e arquitetônica religiosa em
Portugal e no Brasil, segundo a análise de Myriam Ribeiro.
147v
Figura 18a Johann Bernhard Fischer von Erlach, Kollegienkirche (1696), Salzburg,
planta e figura do tratado “Entwurffeiner historichen architektur” (1721).
Fonte: OLIVEIRA, 2003, p.81.
147v
Figura 18b Franz Xavier Habermann, motivos “rocaille”, séries 103, 120, 124 e 169.
Fonte: OLIVEIRA, 2003, p.93.
147v
Figura 19 Modelo de classificação proposto para a arquitetura religiosa barroca e
rococó produzida durante o século XVIII no Brasil, segundo a análise de
Myriam Ribeiro.
148v
Figura 19a Tipologia barroca.
Fonte: OLIVEIRA, 2001, p.165.
148v
Figura 19b Tipologia poligonal.
Fonte: OLIVEIRA, 2001, p.164.
148v
Figura 19c Tipologia curvilínea rococó.
Fonte: OLIVEIRA, 2001, p.163.
148v
Figura 20 Influência dos modelos de pintura européia na produção da pintura de
Manoel da Costa Athaíde nos painéis da capela-mor da igreja de São
Francisco de Assis de Ouro Preto.
154v
Figura 20a Igreja de São Francisco de Assis (1766), Ouro Preto, painéis da capela-
mor.
Fonte: foto do autor, 2006.
154v
Figura 20b Dermane, “A morte de Abraão”, bíblia.
Fonte: LEVY, 1944, p.20.
154v
Figura 20c Manoel da Costa Athaíde, “A morte de Abraão”, igreja de São Francisco 154v
de Assis (1766), Ouro Preto, pintura da capela-mor.
Fonte: foto do autor, 2006.
Figura 21 Evolução da arquitetura religiosa setecentista em Minas Gerais, segundo
publicação recente da UNESCO (2004).
Fonte: UNESCO, 2004, p.146.
156v
Figura 22 Gian Lorenzo Bernini, Basílica de São Pedro (1657-1667), Vaticano,
Roma, exterior.
Fonte: foto do autor, 2004.
160v
Figura 23 Gian Lorenzo Bernini, Basílica de São Pedro (1657-1667), Vaticano,
Roma, interior, Catedra Petri.
Fonte: foto do autor, 2004.
160v
Figura 24 Carlo Maderno, igreja de Santa Susanna (1603), Roma, exterior.
Fonte: foto do autor, 2004.
165v
Figura 25 Carlo Maderno, igreja de Sant’Andrea della Valle (1665), Roma, exterior.
Fonte: foto do autor, 2004.
165v
Figura 26 Francesco Borromini, igreja de San Carlo alle Quattro Fontane (1665-
1667), Roma, exterior.
Fonte: foto do autor, 2004.
166v
Figura 27 Francesco Borromini, igreja de San Carlo alle Quattro Fontane (1638),
Roma, planta.
Fonte: TAVARES, 2004, p.81.
166v
Figura 28 Francesco Borromini, igreja de San Carlo alle Quattro Fontane (1638),
Roma, traçado geométrico da planta segundo Tavares.
Fonte: TAVARES, 2004, p.87.
166v
Figura 29 Francesco Borromini, igreja de Sant’Ivo alla Sapienza (1642), exterior.
Fonte: foto do autor, 2004.
166v
Figura 30 Francesco Borromini, igreja de Sant’Ivo alla Sapienza (1642), planta.
Fonte: TAVARES, 2004, p.92.
166v
Figura 31 Guarino Guarini, igreja de Santa Sidone (1666), Turim, planta originais.
Fonte: MILLON, 1999, p.66.
167v
Figura 32 Guarino Guarini, igreja de Santa Sidone (1666) Turim, interior da cúpula.
Fonte: foto do autor, 2004.
167v
Figura 33 Guarino Guarini, igreja de Santa Maria da Divina Providência (1656),
Lisboa, projeto publicado no tratado “Architectura civile” (1757).
Fonte: PEREIRA, 1989, p.215-216.
167v
Figura 34 Carlo Fontana, igreja de San Marcello al Corso (1682-1683), Roma,
exterior.
Fonte: foto do autor, 2004.
169v
Figura 35 Luigi Vanvitelli, Palazzo Reale (1741), Caserna (próximo a Nápoles),
interior.
Fonte: TOMAN, 2004, p.65.
170v
Figura 36 Giuseppe Sardi, igreja de Santa Maria della Maddalena (1737), Roma,
exterior.
Fonte: foto do autor, 2004.
170v
Figura 37 Filippo Juvarra, Basílica de Superga (1717), Turim, exterior.
Fonte: foto do autor, 2004.
170v
Figura 38 Filippo Juvarra, Basílica de Superga (1717), Turim, interior da cúpula.
Fonte: foto do autor, 2004.
171v
Figura 39 Luigi Vanvitelli, capela de São João Batista (1742), Lisboa.
Fonte: foto do autor, 2004.
171v
Figura 40 Filippo Juvarra, Basílica de Superga (1717), Turim, croquis da fachada.
Fonte: GRITELLA, 1992, p.230.
175v
Figura 41 Filippo Juvarra, Basílica de Superga (1717), Turim, fachada e corte em
desenho técnico.
Fonte: GRITELLA, 1992, p.240.
175v
Figura 42 Filippo Juvarra, Basílica de Superga (1717), Turim, traçado geométrico da
fachada, segundo Gritella.
Fonte: GRITELLA, 1992, p.252.
175v
Figura 43 Filippo Juvarra, projeto de um palácio.
Fonte: GRITELLA, 1992, p.196.
175v
Figura 44 Nicolò Salvi, Fontana di Trevi (1732-1762), Roma, vista.
Fonte: foto do autor, 2004.
176v
Figura 45 Gian Lorenzo Bernini e Claude Perrault, propostas para a ala leste do
Palácio do Louvre, Paris: comparação entre as escolas italiana e francesa.
Fonte: TOMAN, 2004, p.131.
178v
Figura 46 Roland Fréart, “Parallèle de l’architecture Antique et de la Moderne”
(1688), capa do tratado.
Fonte: BURY, 1991, p.179.
179v
Figura 47 Abadia beneditina (1702-1727), Melk, Áustria, exterior.
Fonte: foto do autor, 2004.
185v
Figura 48 Abadia beneditina (1710-1713), Banz, Alemanha, exterior.
Fonte: foto do autor, 2004.
185v
Figura 49 Santuário (1744-1754), Wies, Alemanha, exterior.
Fonte: foto do autor, 2004.
186v
Figura 50 Santuário de Vierzehnhiligen (1710-1713), Alemanha, exterior.
Fonte: foto do autor, 2004.
186v
Figura 51 Johann Bernhard Fischer von Erlach, KollegienKirche (1694-1700),
Salzburg, vista.
Fonte: foto do autor, 2004.
187v
Figura 52 Johann Bernhard Fischer von Erlach, igreja da Santíssima Trindade
(1694-1707), Salzburg, vista.
Fonte: foto do autor, 2004.
187v
Figura 53 Johann Bernhard Fischer von Erlach, igreja das Ursolinas (1699-1704),
Salzburg, vista.
Fonte: foto do autor, 2004.
187v
Figura 54 Johann Bernhard Fischer von Erlach, Kollegienkirche (1694-1707),
Salzburg, gravura comemorativa da construção.
Fonte: Barockberichte, n. 18/19, 1998, p.161.
188v
Figura 55 Lucas Von Hildebrand, igreja de São Pedro (1710-1733), Viena, planta.
Fonte: prospecto turístico da igreja, 2000.
188v
Figura 56 Lucas Von Hildebrand, igreja de São Pedro (1710-1733), Viena, vista.
Fonte: foto do autor, 2004.
188v
Figura 57 George Dientzenhofer, igreja da Santíssima Trindade (1684), Kappel,
Boêmia, República Tcheca, planta.
Fonte: NORBERG-SCHULZ, 1989, p. 33.
189v
Figura 58 Christoph Dientzenhofer, igreja da São Nicolau em Malà-Strana (1703-
1713), Praga, vista.
Fonte: foto do autor, 2004.
189v
Figura 59 Kilian Ignaz Dientzenhofer, igreja de São João Batista (1747), Pastiky,
Boêmia, República Tcheca, vista da fachada lateral.
190v
Fonte: NORBERG-SCHULZ, 1993, p. 304.
Figura 60 Kilian Ignaz Dientzenhofer, igreja de São João Batista (1747), Pastiky,
Boêmia, República Tcheca, detalhe da vista interna das janelas laterais.
Fonte: NORBERG-SCHULZ, 1993, p. 304.
190v
Figura 61 Balthazar Neumann, santuário de Vierzehnhiligen (1710-1713),
Alemanha, projeto da fachada principal.
Fonte: NORBERG-SCHULZ, 1989, p. 95.
190v
Figura 62 Dominikus Zimmermann e Johann Michael Fischer, santuário (1745-
1754), Wies, Alemanha, interior da igreja, exemplo de
“gesantkunstwerke”.
Fonte: foto do autor, 2004.
191v
Figura 63 Egid Quirim Asam, igreja (1717-1725), Rohr, Alemanha, interior da
igreja, exemplo de “theatrum sacrum”.
Fonte: foto do autor, 2004.
191v
Figura 64 Kilian Ignaz Dientzenhofer, igreja de São João das Rochas (1729-1739),
Praga, vista.
Fonte: NORBERG-SCHULZ, 1989, p. 69.
192v
Figura 65 Kilian Ignaz Dientzenhofer, igreja paroquial (1727-1730), Sonov,
Boêmia, República Tcheca, detalhe da fachada.
Fonte: NORBERG-SCHULZ, 1993, p. 145.
192
Figura 66 Kilian Ignaz Dientzenhofer, igreja conventual (1727-1731), Wahltatt,
Boêmia, República Tcheca, vista.
Fonte: NORBERG-SCHULZ, 1989, p. 66.
192v
Figura 67 Kilian Ignaz Dientzenhofer, igreja paroquial (1739-1742), Brezno,
Boêmia, República Tcheca, vista.
Fonte: NORBERG-SCHULZ, 1993, p. 264.
192v
Figura 68 Sé (1150), Lisboa, vista parcial.
Fonte: foto do autor, 2004.
195v
Figura 69 Sé (1160), Coimbra, detalhe da fachada.
Fonte: foto do autor, 2004.
195v
Figura 70 Sé (1280), Évora, vista.
Fonte: foto do autor, 2004.
195v
Figura 71
Matriz (1125), Bravães, Portugal, vista.
Fonte: GIL, 1998, v.1, p.19.
195v
Figura 72
Igreja do mosteiro (1228), Roiz, Portugal, vista.
Fonte: GIL, 1998, v.1, p.75.
195v
Figura 73
Sé (1228), Évora, planta.
Fonte: Revista Monumentos, n.19, 2003, p.24.
196v
Figura 74
Sé (1228), Évora, interior da nave principal.
Fonte: Revista Monumentos, n.19, 2003, p.24
196v
Figura 75
Matriz (1125), Bravães, Portugal, planta.
Fonte: GIL, 1998, v.1, p.18.
196v
Figura 76
Matriz (1125), Bravães, Portugal, interior.
Fonte: GIL, 1998, v.1, p.19.
196v
Figura 77 Igreja do mosteiro (1178), Alcobaça, interior da nave.
Fonte: foto do autor, 2004.
197v
Figura 78
Igreja do mosteiro (1388), Batalha, detalhe da fachada.
Fonte: foto do autor, 2004.
197v
Figura 79 Sé (1160), Braga, vista exterior da nova capela-mor (1509-1511).
Fonte: foto do autor, 2004.
198v
Figura 80 Sé (1160), Braga, detalhe interno da nova capela-mor (1509-1511).
Fonte: foto do autor, 2004.
198v
Figura 81 Igreja do mosteiro dos Jerônimos (1495), Lisboa, interior da nave.
Fonte: foto do autor, 2004.
199v
Figura 82 Igreja de Santa Maria (1490), Extremoz, Portugal, interior da nave.
Fonte: foto do autor, 2004.
199v
Figura 83 Claustro do convento de Cristo (1510), Tomar, vista do pátio interno.
Fonte: GIL, 1982, v.2., p.47.
200v
Figura 84
Claustro de Manga (1527), Coimbra, vista.
Fonte: foto do autor, 2004.
200v
Figura 85
Claustro da Sé (1528),Viseu, vista do pátio interno.
Fonte: Revista Monumentos, n.13, 2000, p.17.
200v
Figura 86 Ermida de Nossa Senhora da Conceição do convento de Cristo (1530),
Tomar, vista da fachada principal.
Fonte: CORREIA, 1991, p.31.
201v
Figura 87 Igreja da Graça (1560), Évora, fachada principal.
Fonte: foto do autor, 2004.
201v
Figura 88
Convento da Serra do Pilar (1594), Vila Nova de Gaia, Portugal, planta.
Fonte: Revista Monumentos, n.9, 1998, p.18.
201v
Figura 89
Leon Battista Alberti, igreja de Santo Andrea (1470), Mantua, Itália,
planta.
Fonte: NORBERG-SCHULZ,1999, p.124.
202v
Figura 90
Giacomo Barozzi da Vignola, igreja de Il Gesù (1554), Roma, planta.
Fonte: NORBERG-SCHULZ,1999, p.146.
202v
Figura 91
Afonso Alvares, Felipe Tércio e Francisco Dias, igreja de São Roque
(1556), Lisboa, planta.
Fonte: BAZIN, 1983, v.1, p.83.
202v
Figura 92
Igreja de São Paulo (1557-1588), Braga, planta e fachada.
Fonte: BAZIN, 1983, v.1, p.85 e foto do autor, 2004.
203v
Figura 93
Extinta igreja de Santo Inácio (1585), Rio de Janeiro, foto do interior.
Fonte: NONATO; NUBIA (org.), 2000, p.35.
203v
Figura 94
Igreja da Graça (1580), Olinda, planta e fachada.
Fonte: MONTEZUMA, 2002, p.101.
203v
Figura 95
Giacomo Barozzi da Vignola, igreja de Il Gesù (1573), Roma, fachada.
Fonte: foto do autor, 2004.
204v
Figura 96
Igreja do colégio dos Jesuítas (1656), Santarém, fachada.
Fonte: foto do autor, 2004.
204v
Figura 97
Igreja do colégio dos Jesuítas, atual Sé (1572-1585), Salvador, fachada
(1657).
Fonte: foto do autor, 1998.
204v
Figura 98
Igreja do convento de Santa Clara a Nova (1649), Coimbra, fachada.
Fonte: foto do autor, 2004.
205v
Figura 99
Igreja do convento de Santa Clara a Nova (1649), Coimbra, interior.
Fonte: foto do autor, 2004.
205v
Figura 100 Arco dos Esparteiros, casamento de D. Pedro II com a rainha D. Sofia de
Neuburg (1687), exemplo de arquitetura efêmera em Portugal.
Fonte: BRANCO PEREIRA (org.), 2000, p.78.
206v
Figura 101 João Antunes, igreja do Senhor Bom Jesus da Cruz (1705), Barcelos,
planta.
Fonte: GOMES, 2001, p.294.
206v
Figura 102 Felipe Tércio, igreja de São Vicente de Fora (1590), Lisboa, fachada.
Fonte: foto do autor, 2004.
207v
Figura 103 Felipe Tércio, igreja de São Vicente de Fora (1590), Lisboa, planta.
Fonte: BAZIN, 1983, v.1, p.86.
207v
Figura 104 João Antunes, igreja de Santa Engrácia (1680), Lisboa, fachada.
Fonte: foto do autor, 2004.
207v
Figura 105 João Antunes, igreja de Santa Engrácia (1680), Lisboa, planta.
Fonte: VARELA GOMES, 2001, p.283.
207v
Figura 106 João Antunes, igreja de Santa Engrácia (1680), Lisboa, detalhe da
fachada.
Fonte: foto do autor, 2004.
208v
Figura 107 João Antunes, capela da Quinta do Calhariz (1681), Sesimbra, Portugal,
retábulo marmóreo.
Fonte: SERRÃO, 2003, p.158.
208v
Figura 108 João Antunes, igreja de Nossa Senhora da Conceição (1698), Atouguia da
Baleia, Portugal, vista.
Fonte: SERRÃO, 2003, p.165.
209v
Figura 109 João Antunes, igreja do Senhor Bom Jesus da Cruz (1705), Barcelos,
vista.
Fonte: foto do autor, 2004.
209v
Figura 110 João Antunes, igreja do Menino Deus (1711), Lisboa, planta.
Fonte: VARELA GOMES, 2001, p.371.
210v
Figura 111 João Antunes, igreja do Menino Deus (1711), Lisboa, interior.
Fonte: foto do autor, 2004.
210v
Figura 112 João Frederico Ludovice, complexo do convento (1708), Mafra, vista.
Fonte: PIMENTEL, 2002, p.226.
211v
Figura 113 João Frederico Ludovice, complexo do convento (1708), Mafra, nártex.
Fonte: foto do autor, 2004.
211v
Figura 114 João Frederico Ludovice, complexo do convento (1708), Mafra, interior
da capela-mor.
Fonte: foto do autor, 2004.
211v
Figura 115 Luís Serrão Pimentel, “Método lusitano de desenhar fortificações das
praças regulares e irregulares” (1680), capa do tratado.
Fonte: PIMENTEL, 1993.
217v
Figura 116 Manuel de Azevedo Fortes, “O engenheiro português” (1728), capa do
tratado.
Fonte: FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN, 2003, p.346.
218v
Figura 117 Manuel de Azevedo Fortes, “O engenheiro português” (1728), estampas. 219v
Figura
117a
Manuel de Azevedo Fortes, “O engenheiro português” (1728), traçado de
figuras geométricas.
Fonte: FORTES, MDCCXXVIII, estampa 1.
219v
Figura
117b
Manuel de Azevedo Fortes, “O engenheiro português” (1728), traçado de
edificação.
Fonte: FORTES, MDCCXXVIII, estampa 11.
219v
Figura 118 Igreja de São Pedro (1728-1730), Vila Real, Portugal, fachada.
Fonte: FERREIRA-ALVES, 2003, p.277.
224v
Figura 119 “Compendio pratico de architectura politica” (1661-1667), folha de
rosto.
Fonte: VARELA GOMES, 2001, p.208.
225v
Figura 120 “Compendio pratico de architectura politica” (1661-1667), ilustração do 225v
tratado “Medidas del romano” (1526), Diego de Sagredo.
Fonte: VARELA GOMES, 2001, p.209.
Figura 121 “Compendio pratico de architectura politica” (1661-1667), demonstração
das ordens.
Fonte: VARELA GOMES, 2001, p.211.
226v
Figura 122 “Compendio pratico de architectura politica” (1661-1667), modelos de
composição arquitetônica com regras de proporção “ad quadratum”.
Fonte: VARELA GOMES, 2001, p.218.
226v
Figura 123 Igreja de São Vicente (1691), Braga, fachada.
Fonte: foto do autor, 2004.
227v
Figura 124 Nicolau Nasoni, igreja de São Pedro dos Clérigos (1731), Porto, fachada.
Fonte: foto do autor, 2004.
227v
Figura 125 Marcus Lucius Vitruvius Pollio, fac-simile do “De Architecture de
Vitruve et Anotations de Philandrier sur Vitruve” (1552), introdução do
tratado.
Fonte: TOURNES, 1552, p.125.
229v
Figura 126 Marcus Lucius Vitruvius Pollio, fac-simile do “De Architecture de
Vitruve et Anotations de Philandrier sur Vitruve” (1552), explicação
sobre a construção da ordem dórica.
Fonte: TOURNES, 1552, p.126.
229v
Figura 127 Leon Battista Alberti, “De re aedificatoria” (1485), capa do tratado.
Fonte: EVERS, 2003, p.22.
230v
Figura 128 Andrea Palladio, “I quattro libri dell’architettura” (1570), detalhe do
alçado da Basílica de Vicenza, de Andrea Palladio, e do Tempietto di San
Pietro in Montorio, de Donato Bramante.
Fonte: EVERS, 2003, p.117.
231v
Figura 129 Pedagogia revolucionária do tratado de Sebastiano Serlio, “Tutte l’opera
d’architettura et prospectiva” (1619).
233v
Figura
129a
Sebastiano Serlio, “Tutte l’opera d’architettura et prospectiva” (1619),
diversas possibilidades de planta para arquitetura religiosa.
Fonte: THOENES, 1987, p.136.
233v
Figura
129b
Sebastiano Serlio, “Tutte l’opera d’architettura et prospectiva” (1619),
diversas possibilidades de alçado para arquitetura religiosa.
Fonte: THOENES, 1987, p.137.
233v
Figura
129c
Sebastiano Serlio, “Tutte l’opera d’architettura et prospectiva” (1619),
explicações para traçar proporcionalmente um frontão.
Fonte: THOENES, 1987, p.206.
233v
Figura
129d
Sebastiano Serlio, “Tutte l’opera d’architettura et prospectiva” (1619),
explicações para traçar proporcionalmente uma porta.
Fonte: THOENES, 1987, p.207.
233v
Figura 130 Luís Serrão Pimentel, “Método lusitano de desenhar fortificações das
praças regulares e irregulares” (1680), detalhe de portão para praça
fortificada.
Fonte: PIMENTEL, 1993, figura 52b.
234v
Figura 131 Marcus Lucius Vitruvius Pollio, fac-simile do "Architecture de Vitruve p.
Perau” (1673), detalhe das relações de proporção.
Fonte: PERRAULT, 1673, livro III, prancha VII, p.59.
239v
Figura 132 Pietro Cataneo, "Quatro Primi Libri de Architettura, (1544), alçado e
planta de um templo circular.
Fonte: EVERS, 2003, p.101.
240v
Figura 133 Androuet du Cerceau, “Livre d’architecture” (1559), detalhes do Palácio
do Louvre.
Fonte: EVERS, 2003, p.224.
240v
Figura 134 Giovan Battista Falda, “Il terzo libro del novo teatro delle chiese di Roma
date in luce sotto il felice pontificato di Nostro Signore Papa Clemente
IX” (1669), igreja de San Carlo alle Quattro Fontante, Roma.
Fonte: http://www.romamor.it/stampe_antiche/falda.htm
241v
Figura 135 Giovan Battista Falda, “Il terzo libro del novo teatro delle chiese di Roma
date in luce sotto il felice pontificato di Nostro Signore Papa Clemente
IX” (1669), igreja de Sant’Agnese, Roma.
Fonte: http://www.romamor.it/stampe_antiche/falda.htm
241v
Figura 136 João Caramuel de Lobkowitz, “Architectura civil recta, y obliqua”
(1678), detalhe da colunata da Praça de São Pedro no Vaticano.
Fonte: EVERS, 2003, p.392.
242v
Figura 137 Fray Lorenzo de San Nicolás, “Arte e uso de architectura” (1664),
modelo para decoração de abóbadas.
Fonte: EVERS, 2003, p.383.
242v
Figura 138 Jacques-François Blondel, “Cours d’architecture” (1770), fachada e
cúpula da igreja dos Inválidos, Paris.
Fonte: EVERS, 2003, p.299.
244v
Figura 139 Germain Boffrand, “Livre d’architecture” (1745), planta do palacete
Amelot-Montmoreney, Paris.
Fonte: EVERS, 2003, p.294.
244v
Figura 140 Andrea Pozzo, “Perspectiva Pictorum et Arquitectorum” (1693 e 1700),
preparação para figura 71, “teatro representando as Bodas de Caná na
Galiléia, erguida na igreja dos Jesuítas em Roma, no ano de 1685, para a
solenidade da exposição do Santíssimo Sacramento”.
Fonte: POZZO, 1989, prancha 67, p.148-149.
245v
Figura 141 Andrea Pozzo, “Perspectiva Pictorum et Arquitectorum” (1693 e 1700),
“teatro representando as Bodas de Caná na Galiléia, erguida na igreja
dos Jesuítas em Roma, no ano de 1685, para a solenidade da exposição
do Santíssimo Sacramento”.
Fonte: POZZO, 1989, prancha 71, p.150-151.
245v
Figura 142 Andrea Pozzo, “Perspectiva Pictorum et Arquitectorum” (1693 e 1700),
“construção da trama, representando a arquitetura como sólido, para a
elaboração do Teatro das Cinco Ordens de Colunas da Arquitetura”.
Fonte: POZZO, 1989, prancha 62, p.138-139.
245v
Figura 143 Giacomo Barozzi da Vignola, “Regolla delli cinque ordini
d’architettura” (1562), estudo de composição da ordem toscana.
Fonte: EVERS, 2003, p.89.
246v
Figura 144 Vincenzo Scamozzi, “L’idea della architettura universale” (1615),
demonstração das ordens.
Fonte: EVERS, 2003, p.124.
246v
Figura 145 José de Figueiredo Seixas, igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do
Carmo (1756), Porto, fachada.
Fonte: foto do autor, 2004.
250v
Figura 146 Mateus Vicente de Oliveira, igreja de Santo Antônio à Sé (1767), Lisboa,
fachada.
Fonte: foto do autor, 2004.
250v
Figura 147 Diego de Sagredo, “Medidas del romano” (1526), relação entre a 251v
proporção na arquitetura e no corpo humano.
Fonte: EVERS, 2003, p.359.
Figura 148 Igreja de São Nicolau (1675), Porto, fachada.
Fonte: foto do autor.
255v
Figura 149 Igreja de São Nicolau (1675), Porto, detalhe da portada.
Fonte: foto do autor.
255v
Figura 150 Igreja de São Bento (1680), Monsaraz, Portugal, traçado geométrico da
planta.
Fonte: CUNHA, 2003, p.167.
256v
Figura 151 Igreja da Misericórdia (1700), Monsaraz, Portugal, traçado geométrico da
planta.
Fonte: CUNHA, 2003, p.142.
256v
Figura 152 Cyrillo Volkmar Machado, “Tratado de arquitectura e pintura” (1793),
estudo comparativo da proposição das ordens clássicas por diversos
arquitetos.
Fonte: FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN, 2001, p.57.
261v
Figura 153 Cyrillo Volkmar Machado, “Tratado de arquitectura e pintura” (1793),
estudo da importância do conhecimento da proporção para o desenho.
Fonte: FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN, 2001, p.141.
261v
Figura 154 Cyrillo Volkmar Machado, “Tratado de arquitectura e pintura” (1793),
estudo de perspectiva de Veneza sobre os originais do tratado de
Sebastiano Serlio.
Fonte: FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN, 2001, p.50.
265v
Figura 155 Matriz de Santo Antônio (1742), Itaverava, projeto para o altar-mor.
Fonte: RAMOS, 2002, p.107.
301v
Figura 156 Johann Moritz Rugendas, “Viagem pitoresca através do Brasil” (1835),
Porto da Estrela.
Fonte: RUGENDAS, 1998, prancha 13, p.105.
304v
Figura 157 Johann Moritz Rugendas, “Viagem pitoresca através do Brasil” (1835),
Vila Rica.
Fonte: RUGENDAS, 1998, prancha 22, p.114.
304v
Figura 158 Johann Moritz Rugendas, “Viagem pitoresca através do Brasil” (1835),
São João del-Rei.
Fonte: RUGENDAS, 1998, prancha 20, p.112.
304v
Figura 159 Igreja de Nossa Senhora do Carmo (1756), Rio de Janeiro, exterior.
Fonte: LAGO, 2002, p.255.
310v
Figura 160 Igreja de Nossa Senhora do Carmo (1756), Rio de Janeiro, detalhe do
medalhão da portada.
Fonte: LAGO, 2002, p.252.
310v
Figura 161 Comparação de solução formal entre a igreja do Santuário de Nossa
Senhora do Socorro (1780) e as modificações introduzidas por Francisco
de Lima Cerqueira na igreja de São Francisco de Assis de São João del-
Rei (1779).
311v
Figura
161a
Francisco de Lima Cerqueira, igreja de São Francisco de Assis (1779),
São João del-Rei, vista.
Fonte: foto do autor, 2006.
311v
Figura
161b
Igreja do Santuário de Nossa Senhora do Socorro (1780), Ponte de Lima,
Portugal, vista.
Fonte: foto do autor, 2006.
311v
Figura 162 Sítio do Padre Inácio (final do século XVII), Cotia, São Paulo, vista da 313v
capela.
Fonte: LAGO, 2002, p.72.
Figura 163 Conjunto jesuíta (século XVII), Embu, São Paulo, vista.
Fonte: foto do autor, 2001.
313v
Figura 164 Matriz de São Bartolomeu (início do século XVIII), distrito de São
Bartolomeu, Ouro Preto, vista.
Fonte: CEMIG, 2002, p.184.
314v
Figura 165 Matriz de Santo Amaro (início do século XVIII), distrito de Brumal, Santa
Bárbara, vista.
Fonte: CEMIG, 2002, p.85.
314v
Figura 166 Extinta Sé de São Sebastião (1580), Rio de Janeiro, interior.
Fonte: ALVIM, 1999, p.52)
316v
Figura 167 Matriz de Nossa Senhora da Conceição (1714), Sabará, interior.
Fonte: foto do autor, 2006.
316v
Figura 168 Igreja do colégio dos Jesuítas, atual Sé (1572-1585), Salvador, interior.
Fonte: foto do autor, 1998.
316v
Figura 169 Sé (1713), Mariana, interior.
Fonte: foto do autor, 2006.
316v
Figura 170 Matriz de Nossa Senhora do Pilar (1730), São João del-Rei, interior.
Fonte: foto do autor, 2006.
317v
Figura 171 Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias (1727), Ouro
Preto, interior.
Fonte: foto do autor, 2006.
317v
Figura 172 Matriz de Nossa Senhora do Pilar (1730), Ouro Preto, interior.
Fonte: foto do autor, 2006.
317v
Figura 173 Desenhos localizados por Robert Smith no Arquivo Histórico
Ultramarino.
318v
Figura
173a
Aula de Fortificação da Bahia, desenhos (1779).
Fonte: FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN, 2000, p.250.
318v
Figura
173b
Aula de Fortificação de Pernambuco, desenhos (1743).
Fonte: FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN, 2000, p.346.
318v
Figura 174 Igreja de Santo Estevão da Alfama (1732), Lisboa, planta.
Fonte: BERGER, 1994, p.115.
326v
Figura 175 Igreja de Santo Estevão da Alfama (1732), Lisboa, vista.
Fonte: foto do autor, 2004.
326v
Figura 176 Igreja do Santíssimo Nome de Jesus de Odivelas (1691), Lisboa, fachada.
Fonte: foto do autor, 2004.
328v
Figura 177 Igreja do Santíssimo Nome de Jesus de Odivelas (1691), Lisboa, interior.
Fonte: foto do autor, 2004.
328v
Figura 178 Pierre-Antoine Quillard, “Lançamento da nau Nossa Senhora da
Lampadosa” (1727), gravura.
Fonte: FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN, 2001, p.171.
336v
Figura 179 Guillaume-François-Laurent Debrie, “Alegoria do Colégio de São Pedro
I” (1733), gravura.
Fonte: DIAS, 1993, p.13.
336v
Figura 180 Guillaume-François-Laurent Debrie, “Alegoria do Colégio de São Pedro
II” (1733), gravura.
Fonte: DIAS, 1993, p.13.
336v
Figura 181 Francisco Vieira Lusitano, “Mercúrio e Argo”, estudos a carvão.
Fonte: ARRUDA, 2000, p.59.
337v
Figura 182 Francisco Vieira Lusitano, “Adoração dos Reis Magos” (1772), óleo
sobre tela.
Fonte: ARRUDA, 2000, p.202.
337v
Figura 183 João Gomes Baptista, Mapa de Remessa de Ouro e Diamantes da
Capitania de Minas Gerais (segunda metade do século XVIII).
Fonte: MENEZES, 1973, p.113.
338v
Figura 184 João Gomes Baptista, Mapa de Remessa de Ouro e Diamantes da
Capitania de Minas Gerais (segunda metade do século XVIII).
Fonte: MENEZES, 1973, p.117.
338v
Figura 185 João Gomes Baptista, Mapa de Remessa de Ouro e Diamantes da
Capitania de Minas Gerais (segunda metade do século XVIII).
Fonte: MENEZES, 1973, p.121.
338v
Figura 186 Igreja de São Pedro dos Clérigos (1731), Porto, vista lateral.
Fonte: foto do autor, 2004.
347v
Figura 187 Igreja de São Pedro dos Clérigos (1731), Porto, interior.
Fonte: foto do autor, 2004.
347v
Figura 188 Igreja de Nossa Senhora do Loreto (1747), Rio de Janeiro, estudo de
composição geométrica para o traçado do frontispício.
Fonte: ALVIM, 1999, p.133.
355v
Figura 189 Casa de Câmara e Cadeia (1762), Mariana, estudo de composição
geométrica para o traçado do frontispício.
Fonte: BARRETO, 1949, p.133.
356v
Figura 190 Casa de Câmara e Cadeia (1784), Ouro Preto, estudo de composição
geométrica para o traçado do frontispício.
Fonte: BARRETO, 1949, p.133.
356v
Figura 191 Igreja de Nossa Senhora do Carmo (1755) e igreja de São Francisco de
Paula (1759), Rio de Janeiro, estudo comparativo de composição de
formas e agrupamentos geométricos de cheios e vazios para o traçado do
frontispícios.
Fonte: ALVIM, 1999, p.116.
357v
Figura 192 Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro (1738), Rio de Janeiro,
estudo de composição geométrica para o traçado do frontispício.
Fonte: ALVIM, 1999, p.124.
357v
Figura 193 Igreja do convento de São Salvador (1574), Vila Nova de Gaia, onde foi
batizado José Pereira dos Santos em 1719, vista.
Fonte: foto do autor, 2004.
364v
Figura 194 Semelhança de solução de escada. 376v
Figura
194a
Mosteiro de Arouca (1690-1720), Arouca, Portugal, escada principal de
acesso ao segundo pavimento.
Fonte: foto do autor, 2004.
376v
Figura
194b
José Pereira Arouca, Casa de Câmara e Cadeia (1782), Mariana, escada.
Fonte: foto do autor, 2006.
376v
Figura 195 Capela do Espírito Santo (1680), próxima da localidade onde nasceu José
Pereira Arouca, vista lateral.
Fonte: foto do autor, 2004.
377v
Figura 196 José Pereira Arouca, ruínas da antiga igreja matriz de Antônio Pereira
(1791), distrito de Mariana, fachada.
Fonte: foto do autor, 2006.
381v
Figura 197
José Pereira Arouca, ruínas da antiga igreja matriz de Antônio Pereira
(1791), distrito de Mariana, vista lateral.
381v
Fonte: foto do autor, 2006.
Figura 198
Capela de São Mamede (1690), onde foi batizado Francisco de Lima
Cerqueira em 1728, vista.
Fonte: foto do autor, 2004.
387v
Figura 199 Mapa da micro-região no norte de Portugal, onde se localiza a freguesia
de São Mamede de Parada do Monte.
Fonte: VALADARES, 1975, p.37.
387v
Figura 200 Francisco de Lima Cerqueira, chafariz das Cabeças (1763), Ouro Preto,
vista.
Fonte: foto do autor, 2006.
388v
Figura 201 Francisco de Lima Cerqueira, chafariz das Cabeças (1763), Ouro Preto,
detalhe da cruz.
Fonte: foto do autor, 2006.
388v
Figura 202 Comparação de soluções de molduras de janelas utilizadas em Minas
Gerais e em Portugal na segunda metade do século XVIII.
400v
Figura
202a
Francisco de Lima Cerqueira, igreja de Nossa Senhora do Carmo (1785),
São João del-Rei, fachada principal, moldura da janela do coro, presença
de arco em chaveta com tripla curvatura.
Fonte: foto do autor, 2006.
400v
Figura
202b
Nicolau Nasoni, Palácio Episcopal (1772-1793), Porto, fachada lateral,
moldura da janela, presença de arco em chaveta com tripla curvatura.
Fonte: foto do autor, 2004.
400v
Figura
202c
Manuel da Costa Negreiros, Palácio Barbacena (1750), Lisboa, fachada
principal, moldura da janela, presença de arco em chaveta com tripla
curvatura..
Fonte: BERGER, 1994, p.182.
400v
Figura 203 Francisco de Lima Cerqueira, ponte da Cadeia ou da Intendência (1800),
São João del-Rei, vista.
Fonte: foto do autor, 2006.
405v
Figura 204 Igreja de Nossa Senhora das Mercês (1768), Lisboa, vista.
Fonte: foto do autor, 2004.
414v
Figura 205 Igreja de Nossa Senhora do Carmo (1755) e igreja de São Francisco de
Paula (1759), Rio de Janeiro, vistas.
Fonte: ALVIM, 1999, p.231.
414v
Figura 206 Convento das Mercês (1790), Belém do Pará, vista.
Fonte: FERRAZ, 2000, p.74.
414v
Figura 207 Comparação da solução arquitetônica para a organização da fachada. 416v
Figura
207a
Carlos Amarante, Hospital de São Marcos (1768), Braga, detalhe da
fachada.
Fonte: foto do autor, 2004.
416v
Figura
207b
Luís Cunha de Menezes, Casa de Câmara e Cadeia (1784), Ouro Preto,
detalhe da fachada.
Fonte: foto do autor, 2006.
416v
Figura 208
Comparação da solução de elementos construtivos entre a Casa dos
Contos e a capela do Palácio dos Governadores.
418v
Figura
208a
Casa dos Contos (c.1790), Ouro Preto, vista.
Fonte: foto do autor, 2006.
418v
Figura
208b
Casa dos Contos (c.1790), Ouro Preto, detalhe da porta.
Fonte: foto do autor, 2006.
418v
Figura
208c
Capela do Palácio dos Governadores (1780), Ouro Preto, detalhe da porta.
Fonte: foto do autor, 2006.
418v
Figura 209
Igreja de Nossa Senhora do Carmo (1766), Ouro Preto, risco de altar
(1779), parede do consistório, vista geral.
Fonte, foto do autor, 2006
422v
Figura 210 Igreja de Nossa Senhora do Carmo (1766), Ouro Preto, risco de altar
(1779), parede do consistório, detalhe.
Fonte, foto do autor, 2006
422v
Figura 211 Kilian Ignaz Dientzenhofer, igreja de São João das Rochas (1727), Praga,
fachada.
Fonte: foto do autor, 2004.
423v
Figura 212
Igreja de Nossa Senhora da Piedade (1735), Elvas, Portugal, fachada.
Fonte: foto do autor, 2004.
423v
Figura 213
Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia (1733), Salvador, fachada.
Fonte: foto do autor,1998.
423v
Figura 214
Matriz de São João Batista (1758-1763), Barão de Cocais, porta.
Fonte: foto do autor,2006.
424v
Figura 215
Porta da igreja matriz de São João Batista (1735), Campo Maior, Portugal,
detalhe da portada.
Fonte: BORGES, 1993, p.24.
424v
Figura 216 Igreja de Nossa Senhora da Lapa (1756), Extremoz, Portugal, fachada.
Fonte: BORGES, 1993, p.109.
424v
Figura 217 Comparação das novas solução de aberturas e óculos durante o século
XVIII entre a capela-mor de São Francisco de Assis de Ouro Preto (1766)
e o da nave das igrejas das Ursolinas em Salzburg, Austria (1693).
428v
Figura
217a
Igreja de São Francisco de Assis (1766), Ouro Preto, fragmento do projeto
original, aberturas da capela-mor.
Fonte: Museu da Inconfidência, 1995, p.226
428v
Figura
217b
Johann Bernhard Fischer von Erlach, igreja das Ursolinas (1693),
Salzburg , detalhe da janela.
Fonte: Fonte: foto do autor,2006.
428v
Figura 218 Comparação entre o desenho técnico da fachada principal da igreja de São
Francisco de Assis de Ouro Preto em verdadeira grandeza e a distorção
gerada pelo olhar dessa mesma fachada, percebida através da fotografia.
429v
Figura
218a
Igreja de São Francisco de Assis (1766), Ouro Preto, desenho técnico da
fachada principal.
Fonte: SANTOS, 1951, p.178, f.135.
429v
Figura
218b
Igreja de São Francisco de Assis (1766), Ouro Preto, vista.
Fonte: Fonte: foto do autor,2006.
429v
Figura 219
Georges-Michel Roscher, motivos “rocaille”, suite n. 96 (1730),
Augsburg.
Fonte: MANDROUX-FRANÇA, 1973, p.441.
435v
Figura 220 Juste- Aurèle Meissonier, igreja de Saint-Sulpice (1727), Paris, projeto
para a fachada e altar-mor.
Fonte: OLIVEIRA, 2003, p.77.
435v
Figura 221
Comparação da assimilação regional dos motivos “rocaille” na obra de
André Soares na capela do Solar Malheiros-Reimão (1768),Viana do
436v
Castelo e na obra de Antônio Francisco Lisboa, portada da igreja de São
Francisco de Assis (1795), São João del-Rei.
Figura
221a
Escudo heráldico no frontão da capela Malheiros-Reimão (1768),Viana do
Castelo, detalhe.
Fonte: foto do autor, 2004.
436v
Figura
221b
Escudo heráldico na portada da igreja de São Francisco de Assis (1795),
São João del-Rei, detalhe.
Fonte: foto do autor, 2006.
436v
Figura 222
André Soares, igreja da Consolação ou dos Passos (1769), Guimarães,
vista parcial.
Fonte: foto do autor, 2004.
437v
Figura 223
Nicolau Nasoni, igreja do Recolhimento de Nossa Senhora da Esperança
(1746), Porto, vista.
Fonte: foto do autor, 2004.
438v
Figura 224 Nicolau Nasoni, igreja de Nossa Senhora do Terço (1756), Porto, vista.
Fonte: foto do autor, 2004.
438v
Figura 225
Johann Bernhard Fischer von Erlach, igreja das Ursolinas (1699-1704),
Salzburg, detalhe da torre sineira.
Fonte: foto do autor, 2004.
439v
Figura 226 Kilian Ignaz Dientzenhofer, igreja de São Lourenço (1770), Praga,
República Tcheca, vista da fachada principal.
Fonte: foto do autor, 2004.
439v
Figura 227 Andrea Pozzo, “Perspectiva Pictorum et Arquitectorum” (1693 e 1700),
“projeto para os altares da nave da igreja dos Jesuítas em Roma”.
Fonte: POZZO, prancha 88.
440v
Figura 228 Andrea Pozzo, “Perspectiva Pictorum et Arquitectorum” (1693 e 1700),
“projeto para os altares da nave da igreja dos Jesuítas em Roma”.
Fonte: POZZO, prancha 89.
440v
Figura 229
Johann Bernhard Fischer von Erlach, igreja das Ursolinas (1699-1704),
Salzburg, detalhe da sineira.
Fonte: foto do autor, 2004.
440v
Figura 230
Andrea Pozzo, “Perspectiva Pictorum et Arquitectorum” (1693 e 1700),
“projeto para um altar com “colunas sentadas””.
Fonte: POZZO, prancha 75.
441v
Figura 231
Antônio Francisco Lisboa, projeto original da igreja de São Francisco de
Assis (1774), São João del-Rei, fachada principal.
Fonte: Museu da Inconfidência, 1995, p.271.
442v
Figura 232
Antônio Francisco Lisboa, projeto original da igreja de São Francisco de
Assis (1774), São João del-Rei, fachada lateral.
Fonte: Arquivo da Ordem Terceira de São Francisco de Assis de São João
del-Rei, foto do autor, 2006.
442v
Figura 233 Johann Dientzenhofer, catedral de Fulda (1704-1712), Alemanha, fachada
principal.
Fonte: NORBERG-SCHULZ, 1989, p. 62.
443v
Figura 234 Santuário de Nossa Senhora do Socorro (1780), Ponte de Lima, Portugal,
fachada.
Fonte: foto do autor, 2004.
457v
Figura 235 Capela Nova (segunda metade do século XVIII), Vila Real, Portugal,
fachada.
Fonte: IPPAR, 1993, Vila Real, p.13.
457v
Figura 236 Capela do Solar Ferrão (segunda metade do século XVIII), Viseu,
Portugal, vista.
Fonte: IPPAR, 1993, Viseu, p.47.
457v
Figura 237 Igreja de Santa Eulália (segunda metade do século XVIII), Vila Real,
fachada.
Fonte: IPPAR, 1993, Vila Real, p.25.
457v
Figura 238 Fac-simile da Certidão de Batismo de Manoel Francisco Lisboa.
Fonte: LANARI, 1979, p.240.
518v
Figura 239 Fac-simile da Certidão de Batismo de Antônio Francisco Pombal.
Fonte: LANARI, 1979, p.240.
519v
Figura 240 Fac-simile de Petição de Manoel Francisco Lisboa para ser pago pelos
riscos da ponte de Itaubira.
Fonte: RUSSELL-WOOD,1968 p.59
532v
Figura 241 Fac-simile do Despacho do Conselho da Fazenda ao Abridor dos Cunhos
Antoine Mengin (1690-1772) para ensinar João Gomes Baptista a abrir os
cunhos.
Fonte: MENEZES,1973,p.106.
548v
Figura 242 Fac-simile do Documento de Colação de Grau de Antônio Pereira de
Souza Calheiros – 1728.
Fonte: Foto do Serviço de Documentação existente no Arquivo da
Universidade de Coimbra, especialmente cedido para essa Tese.
572v
Figura 243 Fac-simile do Documento que comprova o Doutor Antônio Pereira de
Souza Calheiros como responsável pelo Inventário dos bens da Matriz de
Tiradentes (1735-1736).
Fonte: foto do autor (2006) do Documento existente no Arquivo
Eclesiástico da Diocese de São João del-Rei, especialmente cedido para
essa Tese.
577v
Figura 244 Fac-simile da Certidão de Batismo de Domingos Moreira de Oliveira.
Fonte: Foto do Autor (2004) do Documento existente no Arquivo Distrital
do Aveiro, especialmente cedido para essa Tese.
593v
Figura 245 Fac-simile do Documento que comprova a participação do mestre-de-
obras Domingos Moreira de Oliveira na sexta Louvação das obras da
igreja de Nossa Senhora do Carmo de Ouro Preto – 11/08/1785.
Fonte: foto do autor (2006) do Documento existente no Arquivo da
Paróquia do Pilar de Ouro Preto, especialmente cedido para essa Tese.
607v
Figura 246 Fac-simile da Certidão de Batismo de José Pereira dos Santos.
Fonte: foto do autor (2004) do Documento existente no Arquivo Distrital
do Porto, especialmente cedido para essa Tese.
611v
Figura 247 Fac-simile da Certidão de Casamento de Ignácio Pereira dos Santos e
Maria Francisca, pais de José Pereira dos Santos.
Fonte: foto do autor (2004) do Documento existente no Arquivo Distrital
do Porto, especialmente cedido para essa Tese.
612v
Figura 248 Fac-simile da Certidão de Casamento de Felix Francisco e Ana Fontes,
irmã de José Pereira dos Santos.
Fonte: foto do autor (2004) do Documento existente no Arquivo Distrital
do Porto, especialmente cedido para essa Tese.
613v
Figura 249 Fac-simile do Documento da arrematação da Igreja de São Pedro dos
Clérigos da cidade de Mariana aos 22 de outubro de 1753 por José Pereira
dos Santos.
616v
Fonte: foto do autor (2006) do Documento existente no Arquivo da Casa
Setecentista em Mariana, especialmente cedido para essa Tese.
Figura 250 Fac-simile de trecho do Testamento de José Pereira dos Santos.
Fonte: foto do autor (2006) do Documento existente no Arquivo da Casa
Setecentista em Mariana, especialmente cedido para essa Tese.
634v
Figura 251 Fac-simile da Certidão de Batismo de José Pereira Arouca.
Fonte: foto do autor (2004) do Documento existente no Arquivo Distrital
do Aveiro, especialmente cedido para essa Tese.
639v
Figura 252 Fac-simile de trecho do Testamento de José Pereira Arouca.
Fonte: foto do autor (2006) do Documento existente no Arquivo da Casa
Setecentista em Mariana, especialmente cedido para essa Tese.
672v
Figura 253 Fac-simile da Certidão de Batismo de Francisco de Lima Cerqueira.
Fonte: RAMALHO,2002, p.116.
685v
Figura 254 Fac-simile de trecho do Termo n.5, de 11 de setembro de 1785, do Livro
2.
o
da Ordem Terceira de São Francisco de São João del-Rei, onde
Francisco de Lima Cerqueira declara as modificações que realizou no
projeto da igreja em construção.
Fonte: RAMALHO, 2002, p.87.
698v
Figura 255 Fac-simile de trecho de uma carta de Francisco de Lima Cerqueira à
Ordem Terceira de São Francisco de Ouro Preto, 1787.
Fonte: foto do autor (2006) do Documento existente no Arquivo da
Paroqui do Pilar em Ouro Preto, especialmente cedido para essa Tese.
700v
Figura 256 Fac-simile de trecho do Testamento de Francisco de Lima Cerqueira.
Fonte: RAMALHO, 2002, p.137-189.
713v
Figura 257 Fac-simile da Certidão de Casamento de Manuel Francisco de Araújo e
Roza Correia.
Fonte: foto do autor (2004) do Documento existente no Arquivo Distrital
de Braga, especialmente cedido para essa Tese.
715v
Figura 258 Fac-simile da Certidão de Casamento de José Gonçalves e Maria
Francisca de Araújo, pais de Manuel Francisco de Araújo.
Fonte: foto do autor (2004) do Documento existente no Arquivo Distrital
de Braga, especialmente cedido para essa Tese.
716v
Figura 259 Fac-simile de trecho da arrematação dos altares da nave da igreja de
Nossa Senhora do Carmo de Ouro Preto assinada pelo mestre Manuel
Francisco de Araújo – 31/05/1784.
Fonte: foto do autor (2006) do Documento existente no Arquivo da
Paróquia do Pilar de Ouro Preto, especialmente cedido para essa Tese.
719v
Figura 260 Fac-simile de trecho do Testamento de Manuel Francisco de Araújo.
Fonte: foto do autor (2006) do Documento existente no Arquivo da Casa
do Pilar em Ouro Preto, especialmente cedido para essa Tese.
730v
Figura 261 Fac-simile de Recibo de Antônio Francisco Lisboa de 1802 para a fatura
dos profetas em Congonhas do Campo.
Fonte: Museu da Inconfidência, 1995, p.265.
756v
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANTT
Arquivo Nacional da Torre do Tombo ( Lisboa)
AHU
Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa)
ACU
Arquivo do Conselho Ultramarino (Lisboa)
ACM
Arquivo da Casa da Moeda (Lisboa)
AUC
Arquivo da Universidade de Coimbra (Coimbra)
ABPP
Arquivo da Biblioteca Pública do Porto (Porto)
ABNBA
Arquivo da Biblioteca da Academia de Belas-Artes de Lisboa
(Lisboa)
ADA
Arquivo Distrital do Aveiro
ADB
Arquivo Distrital de Braga
ADP
Arquivo Distrital do Porto
ADVC
Arquivo Distrital de Viana do Castelo
DEGEMN
Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais
ACAM
Arquivo da Cúria Arquidiocesana de Mariana
AEDSJDR
Arquivo Eclesiástico da Diocese de São João del-Rei
APAD
Arquivo da Paróquia de Antônio Dias – Ouro Preto
APP
Arquivo da Paróquia do Pilar – Ouro Preto
APM
Arquivo Público Mineiro (Belo Horizonte)
AOTCM
Arquivo da Ordem Terceira do Carmo de Mariana
AOTSFM
Arquivo da Ordem Terceira de S.Francisco de Mariana
AOTSFSJDR
Arquivo da Ordem Terceira de S. Francisco de São João del-Rei
AOTCSJDR
Arquivo da Ordem Terceira de N. Senhora do Carmo de São João
del-Rei
AOTCS
Arquivo da Ordem Terceira de N. Senhora do Carmo de Sabará
ASSBJM
Arquivo do Santuário do Sr. Bom Jesus de Matosinhos –
Congonhas do Campo
ACS
Arquivo da Casa Setecentista - Mariana
APM
Arquivo da Prefeitura de Mariana
BABAL
Biblioteca da Academia de Belas Artes de Lisboa
BGUC
Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra
BN
Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro)
BNL
Biblioteca Nacional de Lisboa
CMOP
Câmara Municipal de Ouro Preto
CMSJDR
Câmara Municipal de São João del-Rei
EA/UFMG
Escola de Arquitetura
DEGEMN
Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (Portugal)
IEPHA
Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas
Gerais
IPPAR
Instituto Português do Patrimônio Arquitectônico e Arqueológico
IPHAN
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
IHGB
Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (Rio de Janeiro)
FAFICH/UFMG
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
FAU/USP
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
FAU/UFRJ
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
UFMG
Universidade Federal de Minas Gerais
UFRJ
Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNESCO
United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
USP
Universidade de São Paulo
NOTAS EXPLICATIVAS
1. Esta tese está organizada em quatro volumes: o primeiro, contendo as três primeiras
partes do texto da tese, e referentes ao contexto de formação dos artífices em Portugal;
o segundo é composto pela quarta e última parte do texto – referente à atuação dos
artífices em Minas Gerais; o terceiro, pela transcrição da documentação fundamental
pesquisada sobre os mestres-de-obras estudados; e, por fim, no quarto, estão as
pranchas com os levantamentos arquitetônicos digitalizados em sistema CAD,
levantamentos fotográficos e análises sintáticas arquitetônicas da produção do século
XVIII dos mestres-de-obras estudados nesta tese. Optou-se por apresentar volumes
separados para documentos e levantamentos arquitetônicos de modo a facilitar seu
manuseio pelo leitor, permitindo-se confrontá-las umas com outras, conforme é, por
vezes, sugerido no próprio texto da tese.
2. Na organização documental do volume III, entende-se por “fonte”, o local de guarda e
armazenamento atual da documentação consultada, e por “publicação” a fonte onde
aparece publicada a informação, independente de quem tenha feito a transcrição. No
caso dos documentos por nós localizados e transcritos, estes aparecem destacados por
quadros. Nos trechos transcritos dos documentos onde consideramos existir
informações importantes sobre o tema ligado à cultura arquitetônica, aos monumentos
arquitetônicos ou aos indivíduos trabalhados nesta tese, destacamos estas informações
utilizando “
negrito com grifo
para facilitar a localização do leitor.
3. Sempre que possível, principalmente nas cópias e transcrições que fizemos de
publicações de documentos, mantivemos as citações dos documentos consultados sem
atualização ortográfica, atualizando apenas o necessário sobre as informações dos
Códices. Esse trabalho foi feito com o intuito de evitar equívocos de interpretação, e
de estarmos mais próximos das formas de escrita de época e mantermo-nos o mais que
possível fieis à indicação da informação da fonte. No entanto, alguns documentos já
encontravam-se transcritos nas fontes consultadas e assim os mantivemos nas citações
para evitar mais uma modificação à fonte já transcrita.
4. As figuras aparecem ordenadas e impressas no verso das páginas dos volumes I, II e
III a partir de sua menção no texto da tese e nos anexos, à exceção dos monumentos
apresentados no volume IV. Ao adotar tal divisão, julgamos que a leitura da tese se
tornará mais fácil e agradável, pela maior facilidade de consulta ao conteúdo.
5. Utilizou-se a nomenclatura “figura” quando é apresentada uma imagem digitalizada de
alguma obra, ou mesmo fotografada pelo autor, ou reprodução de documento. Em
ambos os casos foram indicadas dentro do volume apenas as informações
fundamentais que contextualizam imagem-texto. Na Lista de Figuras, entretanto,
aparecem as informações completas sobre referências e fontes das imagens utilizadas.
6. A digitalização dos levantamentos arquitetônicos do volume IV foi executada em
grande parte sobre fontes já publicadas, entre essas, principalmente os trabalhos dos
professores Paulo Santos e Sandra Alvim, ambos da FAU/UFRJ. Foram também
consultados os arquivos do IPHAN e do IEPHA, no Brasil, e o arquivo do DEGEMN,
em Portugal. Alguns levantamentos foram feitos pelo do próprio autor, tanto no Brasil
como em Portugal. Do mesmo modo, grande parte dos levantamentos fotográficos
apresentados na tese, foram feitos pelo autor durante o período de estudos no Brasil e
no período de Estágio de Pesquisa em Portugal, além de viagens de estudos feitas à
Áustria, Alemanha, República Tcheca, Itália e França.
7. A documentação do volume IV refere-se ao inventário arquitetônico e fotográfico dos
principais monumentos religiosos analisados, produzidos durante o século XVIII, a
saber: Catedral Sé de Mariana, igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição de
Sabará, igreja Matriz de Santo Antônio de Tiradentes, igreja Matriz de Nossa Senhora
da Conceição de Antônio Dias em Ouro Preto, igreja de Nossa Senhora de Nazaré em
Santa Rita Durão, igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto, igreja
Matriz de Nossa Senhora do Pilar de São João del-Rei, igreja Matriz de Nossa Senhora
da Conceição de Catas Altas, igreja de São Pedro dos Clérigos no Porto (Portugal),
igreja de São Pedro dos Clérigos no Rio de Janeiro, capela de Santo Ovídio em
Caldelas (Portugal), igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro no Rio de Janeiro,
igreja de Santa Efigênia do Alto da Cruz em Ouro Preto, igreja de Nossa Senhora do
Recolhimento dos Órfãos de Nossa Senhora da Esperança no Porto (Portugal), igreja
Matriz de São Brás em Suaçuí, igreja da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário em
Mariana, igreja Matriz de Nossa Senhora do Bom Sucesso em Caeté, Santuário de
Nosso Senhor de Matozinhos em Congonhas, igreja da Ordem Terceira de Nossa
Senhora do Carmo de Sabará, igreja de São Pedro dos Clérigos de Mariana, igreja da
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de Ouro Preto, igreja Matriz de
São João Batista em Barão de Cocais, igreja da Ordem Terceira de São Francisco de
Assis em Mariana, igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo de Ouro
Preto, igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis de Ouro Preto, igreja da
Ordem Terceira de São Francisco de Assis de São João del-Rei, Santuário de Nossa
Senhora do Socorro em Ponte de Lima (Portugal), capela do Seminário de Nossa
Senhora da Boa Morte em Mariana, igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do
Carmo de Mariana, igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo de São João
del-Rei, igreja da Irmandade de Nossa Senhora das Mercês e Misericórdia de Ouro
Preto. A estes monumentos não se farão referências com a indicação “Figura” ao
longo do texto, por serem inúmeras vezes citados. Esses monumentos aparecem na
listagem do sumário por ordem cronológica de fundação da matriz, igreja ou capela
citada, independente da data das obras posteriores, relacionadas aos agentes culturais
estudados.
8. Optou-se por apresentar referências a nomes e obras somente na primeira vez em que
aparecerem no texto. Com relação aos nomes, especialmente dos tratadistas
analisados, fazemos referências a notas biográficas e explicativas sempre que forem
essenciais ao conteúdo do texto.
9. Os tratados consultados, de fundamental importância para a tese, aparecem ao longo
do texto com a data de publicação consultada, e serão listados em anexo, como item
separado da bibliografia, com a data de publicação do texto original. Assim, nas
referências bibliográficas constam os tratados consultados nos originais disponíveis,
ou em reproduções e versões, que serviram de base, ainda, para a produção de algumas
figuras. Também será apresentada a listagem das bibliotecas dos arquitetos, que terá
data de publicação conforme consta dos inventários analisados, no caso o de Rodrigo
Franco, Caetano Tomás, Eugênio dos Santos Carvalho, João Frederico Ludovice,
embora, nestes casos, estejam junto aos documentos anexos do volume III, além da
listagem dos tratados em circulação no Rio de Janeiro durante o século XVIII.
10. Procurou-se normalizar o uso de maiúsculas: a palavra aparecerá com maiúscula
quando se referir a estilo ou período (durante o Barroco), e minúscula quando
adjetivar algo (arquitetos barrocos); no caso de disciplinas (Arte, Arquitetura,
Geometria); para títulos profissionais ou honoríficos colocados em aposto ao nome do
sujeito (D. João V, Professor Ivo Porto de Menezes, Pesquisador Eduardo Pires de
Oliveira, Mestre-de-obras José Pereira Arouca, Engenheiro Militar Pedro Gomes
Chaves, Arquiteto Lucio Costa, Sargento-mor José Alvares de Azevedo).
11. Quanto à grafia de nomes próprios, optou-se pela modernização sempre que as fontes
apresentarem diferentes formas, e pela grafia antiga quando tivermos assinaturas de
próprio punho dos referidos autores, confirmando o modo de escrita. Assim,
“Antonio” ou “António” converteu-se em “Antônio”, e Manoel Francisco Lisboa
distingue-se de Manuel Francisco de Araújo. O mesmo vale para João Gomes
Baptista.
SUMÁRIO
VOLUME I
INTRODUÇÃO
52
PARTE 1 – DIÁLOGO COM A HISTORIOGRAFIA
68
CAPÍTULO 1 – AS FONTES HISTÓRICAS, A CRÍTICA
ESPECIALIZADA E O ESTADO DA ARTE SOBRE O ESTUDO DA
CULTURA ARQUITETÔNICA NO SÉCULO XVIII EM MINAS GERAIS
69
1.1. As principais fontes manuscritas sobre a produção da arquitetura e da
arte religiosa setecentista em Minas Gerais: o “Relato dos fatos notáveis” de
1790 e a monografia de Rodrigo J. F. Bretas de 1858; algumas considerações
historiográficas
69
1.2. A produção da documentação sobre a arquitetura e a arte setecentista
mineira: as fontes primárias e a documentação secundária
82
1.3. O Estado da Arte sobre o estudo da arquitetura produzida no século
XVIII em Minas Gerais e sua perspectiva histórica e crítica
92
1.3.1. A perspectiva crítica modernista sobre a arquitetura religiosa mineira
92
1.3.2. A perspectiva dos críticos estrangeiros sobre a arquitetura religiosa
mineira
116
1.3.3. A perspectiva da crítica contemporânea sobre a arquitetura religiosa
mineira
133
1.3.4. Argumentos para a necessidade de uma revisão e as possibilidades da
pesquisa em arquitetura dentro do universo da história cultural: a linha de
142
pesquisa consolidada e as novas perspectivas
PARTE 2 – A FORMAÇÃO E A CULTURA
ARQUITETÔNICA NOS SÉCULOS XVII E XVIII NA
EUROPA E SUA INFLUÊNCIA EM PORTUGAL
151
CAPÍTULO 2 – A CULTURA ARQUITETÔNICA NA ITÁLIA
152
2.1. Os desafios formais da arquitetura do século XVII na Itália
152
2.2. As tradições do ensino de arquitetura na Accademia di San Luca em
Roma na transição dos séculos XVII e XVIII
161
CAPÍTULO 3 – A REAÇÃO CONSERVADORA FRANCESA AOS
MODELOS DA ARTE E DA ARQUITETURA ITALIANA DURANTE O
SÉCULO XVII
169
CAPÍTULO 4 – A EXPANSÃO DO TARDO-BARROCO E DO ROCOCÓ
DURANTE O SÉCULO XVIII NA EUROPA
176
PARTE 3 – AS TRADIÇÕES DA CULTURA
ARQUITETÔNICA EM PORTUGAL NOS SÉCULOS XVII E
XVIII
185
CAPÍTULO 5 – ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E CULTURAL DA
ARQUITETURA RELIGIOSA EM PORTUGAL
186
CAPÍTULO 6 – A CULTURA ARQUITETÔNICA OFICIAL
205
6.1. A Aula de Arquitetura Civil (1594-1750)
205
6.2. A Aula de Fortificação e Arquitetura Militar (1647-1750)
209
6.3. A cultura da arquitetura prática: a aprendizagem familiar, nos ofícios
mecânicos e a prática profissional
214
6.4. A cultura arquitetônica erudita em Portugal: a tratadística vigente e sua
220
influência na primeira metade do século XVIII em Portugal
VOLUME II
PARTE 4 – A PRODUÇÃO E A CULTURA ARQUITETÔNICA
EM MINAS GERAIS DURANTE O SÉCULO XVIII
271
CAPÍTULO 7 – A IMIGRAÇÃO DOS MESTRES-DE-OBRAS
PORTUGUESES PARA O TERRITÓRIO MINEIRO: O TRÂNSITO DA
CULTURA ARQUITETÔNICA DA METRÓPOLE PARA MINAS E DE
MINAS PARA A METRÓPOLE
272
CAPÍTULO 8 – OS AGENTES CULTURAIS E A TRANSPOSIÇÃO DA
CULTURA ARQUITETÔNICA EUROPÉIA PARA MINAS
290
8.1. Pedro Gomes Chaves
296
8.2. Manoel Francisco Lisboa
305
8.3. João Gomes Baptista
312
8.4. Antônio Pereira de Souza Calheiros
318
CAPÍTULO 9 – AS GRANDES REALIZAÇÕES DA NOVA CULTURA
ARQUITETÔNICA IMPLEMENTADA NO SÉCULO XVIII EM MINAS
GERAIS: A PRODUÇÃO DA ARQUITETURA RELIGIOSA DURANTE A
SEGUNDA METADE DO SÉCULO XVIII E SEUS PRINCIPAIS
AGENTES CULTURAIS
326
9.1. Domingos Moreira de Oliveira
336
9.2. José Pereira dos Santos
341
9.3. José Pereira Arouca
352
9.4. Francisco de Lima Cerqueira
364
9.5. Manuel Francisco de Araújo
385
9.6. Antônio Francisco Lisboa
397
CONSIDERAÇÕES FINAIS
423
CONCLUSÃO
440
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
444
LIVROS E TESES
444
PERIÓDICOS E ANAIS
468
TRATADOS
478
VOLUME III
ANEXOS
Títulos dos Documentos n.
o
Pág.
Anexo Joaquim José da Silva
Extrato dos Fatos Notáveis Redigido em 1790 por Joachim da Silva,
Vereador Segundo
da Câmara de Mariana
1 499
Anexo Pedro Gomes Chaves
Promoção para posto da Carreira Militar – 1709 2 503
Prestação de Serviços em Arquitetura – Matriz de Nossa Senhora do
Pilar – Ouro Preto – 1741
3 504
Carta Régia notificando Pedro Gomes Chaves – 1772 4 504
Quadro de Lentes da “Aula de Fortificações do Rio de Janeiro” 5 504
Hierarquia militar Brasil/Portugal (séculos XVII-VIII) 6 505
Procedimentos dos engenheiros militares que envolviam a
construção de uma obra nova
7 506
Sobre o funcionamento das arrematações e início das obras na
carreira dos engenheiros militares
8 507
Anexo Manoel Francisco Lisboa
Batismos: Manoel Francisco Lisboa e Antônio Francisco Pombal 9 512
Fiador de Quintos – 1724 10 514
Eleição como Juiz de Carpinteiro – 1732 11 514
Eleição como Juiz de Carpinteiro – 1733 12 514
Eleição como Juiz de Carpinteiro 1734 13 515
Eleição como Juiz de Carpinteiro 1736 14 515
Eleição como Juiz de Carpinteiro 1737 15 515
Eleição como Juiz de Carpinteiro 1740 16 516
Arrematação de Obras Públicas Palácio dos Governadores – Ouro
Preto –1741
17 516
Eleição como Juiz de Carpinteiro
1745
18 518
Arrematação de Obras Públicas Casa de Câmara e Cadeia – Ouro
Preto – 1745
19 518
Apontamentos para Arrematação de Obras Públicas – Palácio de
Cachoeira do Campo – 1747
20 519
Louvação e Laudo sobre problemas de Arquitetura igreja Matriz
de Catas Altas – 1747
21 522
Eleição como Juiz de Carpinteiro – 1748 22 526
Eleição como Juiz de Carpinteiro – 1754
23 526
Prestação de Serviços em Arquitetura e Apontamentos para
Arrematação de Obras Públicas ponte sobre o Rio Itaubira 1757
24 526
Prestação de Serviços em Arquitetura e Apontamentos para
Arrematação de Obra de Arquitetura Religiosa – igreja de Nossa
Senhora do Carmo – Ouro Preto – 1766
25 527
Louvação de Serviços de Construção - igreja da Sé – Mariana –
1760
26 535
Inventário de Manoel Francisco Lisboa – 1768
27 535
Anexo João Gomes Baptista
Despacho que comprova João Gomes Baptista como Discípulo de
Antoine Meguin – 1721
28 541
Documento que prova a presença do Arquiteto João Frederico
Ludovice também atuando na Casa da Moeda, no período que lá
estava João Gomes Baptista como aprendiz – 1723
29 542
Despacho do Conselho da Fazenda ao Abridor dos Cunhos Antoine
Mengin (1690-1772) para ensinar João Gomes Baptista a abrir os
cunhos – 1735
30 543
Despacho que comprova o talento de João Gomes Baptista para o
“riscar e bastante p
a
abrir tudo nasido das suas habelidades” – 1727
31 544
Registro de um requerimento feito por João Gomes Baptista quando
morava dentro da Casa da Moeda em Lisboa , onde se confirma seu
talento para o desenho e o debuxo – 1730
32 545
Alvará do Rei que nomeia João Gomes Baptista aprendiz na Casa da
Moeda em Lisboa – 1731
33 549
Ordem de pagamento a João Gomes Baptista na Casa da Moeda de
Lisboa –1731
34 551
Referência a trabalhos realizados por João Gomes Baptista na Casa
da Moeda de Lisboa
1733
35 552
Nomeação de João Gomes Baptista para Abridor de Cunhos da
Casa de Fundição de Vila Rica
1753
36 553
Referência de atividade como Abridor de Cunhos da Casa de
Fundição de Vila Rica 1779
37 555
Processo Judicial que teve como autor João Gomes Baptista Vila
Rica – 1766
38 556
Último pagamento de João Gomes Baptista na Real Casa de
Fundição de Vila Rica 1788
39 557
Atuação de João Gomes Baptista como riscador Igreja de Nossa
Senhora do Carmo – Ouro Preto –1789
40 558
Testamento e Inventário de João Gomes Baptista 1788
41 558
Anexo Antônio Pereira de Souza Calheiros
Formatura de Bacharel em Sagrados Cânones pela Universidade de
Coimbra – 1728
42 568
Contrato de arrematação da Capela de Santo Ovídio em Caldelas,
Portugal 1735
43 568
Entrada de irmão na Irmandade do Santíssimo Sacramento – Matriz
de Tiradentes – 1736
44 572
Responsável pelo inventário dos bens da Matriz de Santo Antônio –
Tiradentes 1736
45 573
Antônio Pereira de Souza Calheiros pede autorização para regressar
a Portugal – 1738
46 575
Transcrição de carta e petição de Marceliano de Araújo, desta
cidade, da rua de Santo André do Quinteiro – 1744
47 578
Registro de uma carta que os oficiais da Câmara de São João del-
Rei escrevem para Lisboa ao Doutor Antônio Pereira de Souza
Calheiros – 1747
48 580
Registro de uma ordem dos Oficiais da Câmara ao Doutor Antônio
Pereira de Souza Calheiros – São José del-Rei – 1747
49 581
Provisão de serventia do Ofício de Escrivão da Câmara e
Almotaçaria a Antônio Pereira de Souza Calheiros – São José del-
Rei – 1748
50 583
Registro de uma procuração de licença do sargento-mor Antônio
Pereira de Souza Calheiros –1754
51 584
Registro de Atribuição de Sesmaria ao Doutor Antônio Pereira de
Souza Calheiros – 1760
52 585
Anexo Domingos Moreira de Oliveira
Batismo de Domingos Moreira de Oliveira – 1717 53 590
Censo dos Ofícios Mecânicos de Ouro Preto – Vila Rica –1747 54 590
Condições de Arrematação – igreja de São Francisco de Assis –
Ouro Preto – 1766
55 591
Pagamentos referentes à arrematação da igreja de São Francisco de
Assis Ouro Preto – 1766-1787
56 598
Primeira Louvação – igreja de Nossa Senhora do Carmo – Ouro
Preto – 1770
57 600
Segunda Louvação – igreja de Nossa Senhora do Carmo – Ouro
Preto – 1771
58 602
Recibos de Obras de Pedraria para Reconstrução da Fachada –
igreja de Santa Efigênia do Alto da Cruz – Ouro Preto – 1777-1780
59 603
Sexta Louvação – igreja de Nossa Senhora do Carmo – Ouro Preto –
1785
60 604
Pagamentos Referentes à Arrematação – igreja de Nossa Senhora do
Carmo – Mariana – 1784-1799
61 605
Anexo José Pereira dos Santos
Batismo de José Pereira dos Santos – 1717 62 609
Casamento de Ignácio Pereira dos Santos e Maria Francisca – 1715 63 610
Casamento de Felix Francisco e Ana de Fontes1746 64 611
Documentos Referentes a Arrematação de Obras de Construção –
igreja de São Brás de Suaçuí – Suaçuí – 1750
65 611
Documentos referentes à arrematação de obras de construção –
igreja de Nossa Senhora do Rosário – Mariana – 1752
66 613
Termo de Eleição para Juiz do Ofício de Pedreiro – Mariana – 1753 67 613
Denúncia em Livro de Devassas por José Pereira dos Santos – 1753 68 614
Termo de Arrematação – igreja de São Pedro dos Clérigos –
Mariana – 1753
69 614
Documento Referente a Arrematação de Obras de Construção –
igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar – Ouro Preto – 1754
70 618
Processo Judicial Referente a Problemas em Obras de Construção
sob Arrematação de José Pereira dos Santos – igreja de Nossa
Senhora do Rosário – Mariana – 1755
71 619
Processo Judicial referente à problemas em obras de construção sob
sua arrematação – igreja de São Pedro dos Clérigos – Mariana –
1756
72 620
Processo Judicial que move José Pereira dos Santos contra o Réu
Manoel da Costa Portela – 1756
73 621
Documentos referentes a execução de projeto de arquitetura – Igreja
de São Francisco de Assis – Mariana – 1762
74 624
Documento referentes à execução de projeto de arquitetura – Casa
de Câmara e Cadeia – Mariana – 1762
75 625
Testamento de José Pereira dos Santos – 1762 76 625
Anexo José Pereira Arouca
Batismo de José Pereira Arouca – 1731
77 638
Pagamentos relativo à Arrematação de Obras – Sé – Mariana –
1763-1766
78 638
Pagamentos relativos à Arrematação de Obras – Igreja de São
Francisco de Assis Mariana – 1763-1797
79 639
Processo Judicial envolvendo a obra e seu Arrematante – igreja de
São Francisco de Assis – Mariana – 1763
80 641
Arrematação de Obras Públicas – diversas pontes Mariana – 1764-
1794
81 644
Pagamentos relativos à Arrematação de Obras – igreja de Nossa
Senhora do Carmo Mariana – 1766 e 1799
82 646
Pagamentos relativos à Arrematação de Obras – Casa Capitular –
Mariana – 1770
83 646
Participação como Perito em Louvação de Obras – Igreja de Nossa
Senhora do Carmo – Ouro Preto – 1771, 1780, 1785
84 647
Cartas de Pareceres de José Pereira Arouca – riscos e a arrematação
da Portada, Arcos do Coro e Chafariz da Sacristia – Igreja de Nossa
Senhora do Carmo – Ouro Preto – 1771
85 647
Participação como Perito em Louvação de Obras – igreja de São
Francisco de Assis – Ouro Preto – 1771, 1774
86 650
Eleito para Juiz de Ofício de Pedreiro – Mariana –1772 87 651
Pagamentos relativos à Arrematação de Obras – Irmandade de
Nossa Senhora das Mercês – Mariana – 1772-1790
88 651
Eleito para Juiz de Ofício de Pedreiro – Mariana – 1775 89 652
Arrematação de Obras Públicas – Chafarizes e Fontes – Mariana –
1776
90 652
Arrematação de Obras Pública - Aquedutos – Mariana – 1778 91 652
Cargos públicos ocupados por José Pereira Arouca – Mariana –
1780 e 1787
92 653
Pagamentos relativos à Arrematação de Obras – Seminário de Nossa
Senhora da Boa Morte – 1780-1791
93 653
Processo de Nomeação de Porta-estandarte e Alferes de José Pereira
Arouca – 1780
94 654
Nomeação de Porta-estandarte de José Pereira Arouca – 1780 95 656
Nomeação para o posto de Alferes de José Pereira Arouca – 1781 96 656
Arrematação de Obras Públicas paredões e Obras Diversas –
Mariana–1781
97 657
Pagamentos relativos à Arrematação de Obras – Casa da Câmara e
Cadeia – Mariana – 1782
98 657
Pagamentos relativos à Arrematação de Obras – igreja do Bom
Jesus – Furquim – 1782
99 659
Participação como Perito em Louvação de Obras – Estrada de Vila
Rica a Mariana – 1782
100 659
Arrematação de Obras Públicascalçadas – Mariana – 1782 101 660
Condições de Arrematação e Apontamentos da Obra – reconstrução
da Capela-mor e reforma – Matriz de Nossa Senhora de Nazaré –
Santa Rita Durão – 1780
102 660
Pagamentos relativos à Arrematação de Obras – Matriz de Antônio
Pereira – 1791
103 667
Petição à Coroa sobre isenção de impostos – 1791 104 669
Testemunho de José Pereira Arouca em Processo Judicial – 1791 105 671
Testamento de José Pereira Arouca – 1793 106 671
Anexo Francisco Lima Cerqueira
Batismo de Francisco de Lima Cerqueira – 1728
107 685
Entrada como Irmão na Ordem Terceira de São Francisco de Assis –
Ouro Preto – 1754
108 685
Censo dos Ofícios Mecânicos – Ouro Preto – 1761-1767 109 686
Arrematação de Obras de Construção – Congonhas do Campo –
1765-1769
110 686
Arrematação de Obras de Construção – Congonhas do Campo –
1770-1772
111 686
Arrematação de Obras de Construção – Congonhas do Campo –
1772-1773
112 686
Primeira Louvação – igreja de Nossa Senhora do Carmo – Ouro
Preto – 1770
113 686
Segunda Louvação – igreja de Nossa Senhora do Carmo – Ouro
Preto – 1771
114 689
Carta de Francisco de Lima Cerqueira que faz parte de um parecer
conjunto com José Pereira Arouca sobre projeto e preços para a
arrematação dos arcos do coro, pórtico e lavabo da sacristia – igreja
de Nossa Senhora do Carmo – Ouro Preto – 1771
115 691
Procuração de Francisco de Lima Cerqueira para arrematação em
seu nome das obras dos arcos do coro, pórtico e lavabo da sacristia –
igreja de Nossa Senhora do Carmo – Ouro Preto – 1771
116 692
Louvação – igreja de São Francisco de Assis – Ouro Preto – 1777 117 692
Termo que se faz dos oficiais e mestres que atualmente trabalham
na obra da igreja de São Francisco de Assis – São João del-Rei –
1779
118 693
Termo que se faz a respeito de alguma declarações tendentes ao
curso da obra da nova igreja de São Francisco de Assis – São João
del-Rei – 1779
119 695
Novo Termo de ajuste que se faz com o mestre-de-obras a
requerimento do mesmo – igreja de São Francisco de Assis – São
João del-Rei – 1785
120 698
Carta de Francisco de Lima Cerqueira a Venerável Ordem Terceira
de São Francisco de Assis – Ouro Preto –1787
121 700
Termo de ajuste para dirigir as obras da nova igreja de Nossa
Senhora do Carmo – São João del-Rei – 1787
122 702
Termo de arrematação – ponte da Misericórdia – São João del-Rei –
1798
123 703
Termo de arrematação – ponte do Rosário – São João del-Rei –
1800
124 705
Testamento de Francisco de Lima Cerqueira – 1808 125 709
Anexo Manuel Francisco de Araújo
Casamento de Manuel Francisco de Araújo e Roza Correia – 1747 126 716
Casamento dos pais de Manuel Francisco de Araújo – 1724 127 717
Segunda Louvação – igreja de Nossa Senhora do Carmo – Ouro
Preto – 1771
128 717
Arrematação de Obras Públicas – capela do Palácio dos
Governadores – Ouro Preto – 1781
129 719
Arrematação de Obras Públicas – Palácio dos Governadores – Ouro
Preto – 1781
130 719
Louvação – Palácio da Cachoeira – 1783 131 720
Prestação de Serviços em Arquitetura – igreja de Nossa Senhora do
Rosário – Ouro Preto – 1784
132 720
Condições para a arrematação dos altares da nave da Igreja de
Nossa Senhora do Carmo de Ouro Preto – 1784
133 720
Arrematação de Obras – igreja de Nossa Senhora do Rosário –
Ouro Preto – 1785
134 723
Quinta Louvação – igreja de Nossa Senhora do Carmo – Ouro Preto
– 1785
135 727
Arrematação de Obras – Palácio da Cachoeira – 1788 136 729
Louvação – Casa de Câmara e Cadeia – Ouro Preto – 1791 137 729
Prestação de Serviços em Arquitetura – igreja de Nossa Senhora das
Mercês e Misericórdia – Ouro Preto – 1792
138 729
Arrematação de Obras Públicas – Casa dos Contos – Ouro Preto –
1795
139 730
Testamento e inventário de Manuel Francisco de Araújo – 1799 140 731
Anexo Antônio Francisco Lisboa
Atribuição por Serviços de Arquitetura – modificações do
frontispício da Matriz de São João Batista – 1761-1762
141 746
Atribuição por Serviços de Arquitetura – risco da igreja de São
Francisco de Assis – Ouro Preto – 1776
142 746
Apontamentos para o novo risco – igreja de Nossa Senhora do
Carmo – Ouro Preto – 1770
143 747
Segunda Louvação – igreja de Nossa Senhora do Carmo – Ouro
Preto – 1771
144 751
Parecer para Obras de Arquitetura – Matriz de São Manoel dos
Índios – Rio Pomba – 1770
145 752
Prestação de Serviços de Arquitetura – Açougue Público – Ouro
Preto – 1771
146 754
Prestação de Serviços de Arquitetura – modificações do frontispício
da igreja de Nossa Senhora do Carmo – Sabará – 1770-1778
147 755
Atribuição por Serviços de Arquitetura – risco da igreja de São
Francisco de Assis – São João del-Rei – 1774
148 755
Louvação – Matriz de São João Batista – Barão de Cocais – 1785 149 757
Prestação de Serviços de Escultura – Profetas de Congonhas do
Campo - 1802
150 757
Prestação de Serviços de Arquitetura – novo frontispício da Matriz
de Santo Antônio – Tiradentes – 1810
151 757
Rodrigo José Ferreira Bretas – “Traços Biográficos do Finado
Antônio Francisco Lisboa – Distinto escultor Mineiro, mais
conhecido pelo apelido de “Aleijadinho” – 1858
152 758
Anexo Bibliotecas dos Arquitetos e Mestres-de-Obras
Portugueses
Lista da Biblioteca arrolada no Inventário do Arquiteto João
Frederico Ludovice (1670-1742)
153 773
Lista da Biblioteca arrolada no Inventário do Arquiteto Eugênio dos
Santos Carvalho (1711-1760)
154 779
Lista da Biblioteca arrolada no Inventário Mestre-pedreiro Caetano
de Souza Tomás (1705-1783)
155 784
Lista da Biblioteca arrolada no Inventário do Arquiteto Rodrigo
Franco (1709-1764)
156 786
Lista dos Tratados em Circulação no Rio de Janeiro durante o
século XVIII
157 789
VOLUME IV
Inventário: Levantamentos Arquitetônicos e Fotográficos
(1700-1750)
Igreja da Sé de Mariana – 1713
158 795
Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição – Sabará – 1714
159 800
Igreja Matriz de Santo Antônio – Tiradentes – 1728
160 804
Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias –
Ouro Preto – 1729
161 809
Igreja Matriz de Nossa Senhora de Nazaré – Santa Rita Durão
1729
162 813
Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar – Ouro Preto – 1730
163 818
Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar – São João del-Rei –
1730
164 823
Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição – Catas Altas –
1738
165 828
Igreja de São Pedro dos Clérigos – Porto/Portugal – 1731
166 833
Igreja de São Pedro dos Clérigos – Rio de Janeiro – 1733
167 838
Capela de Santo Ovídio – Caldelas, Portugal –1737
168 842
Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro – Rio de Janeiro –
1738
169 846
Igreja de Santa Efigênia do Alto da Cruz – Ouro Preto – 1740 170 851
Igreja do Recolhimento de Meninas Orfãs do Recolhimento de
Nossa Senhora da Esperança – Porto, Portugal – 1746
171 853
Inventário: Levantamentos Arquitetônicos e Fotográficos
(1750 – 1810)
Igreja Matriz de São Brás do Suaçuí – 1751
172 860
Igreja de Nossa Senhora do Rosário – Mariana – 1752
173 864
Igreja Matriz de Nossa Senhora do Bom Sucesso – Caeté – 1756
174 868
Igreja do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos –
Congonhas – 1757
175 873
Igreja de São Pedro dos Clérigos – Mariana – 1753
177 885
Igreja de Nossa Senhora do Rosário – Ouro Preto – 1753
178 888
Igreja Matriz de São João Batista – Barão de Cocais – 1758
179 893
Igreja de São Francisco de Assis – Mariana – 1762
180 897
Igreja de Nossa Senhora do Carmo – Ouro Preto – 1766
181 902
Igreja de São Francisco de Assis – Ouro Preto – 1766
182 907
Igreja de São Francisco de Assis – São João del-Rei – 1774
183 913
Igreja de São Francisco de Assis – São João del-Rei – 1779
184 923
Igreja do Santuário de Nossa Senhora do Socorro – Ponte de Lima,
Portugal – 1780
185 928
Capela do Seminário de Nossa Senhora da Boa Morte – Mariana
1780
186 933
Igreja de Nossa Senhora do Carmo – Mariana – 1784
187 937
Igreja de Nossa Senhora do Carmo – São João del-Rei – 1785
188 942
Igreja de Nossa Senhora das Mercês e Misericórdia – Ouro Preto
– 1793
189 947
52
INTRODUÇÃO
esde o início da década de 90, com o lançamento do livro “Arquitetura e arte
no Brasil colonial” do inglês John Bury (1991), e mais recentemente com a
publicação dos artigos e posteriormente da Tese de Doutoramento da Professora Myriam
Andrade Ribeiro de Oliveira (1994, 2003), ambos levantando novas questões sobre a
evolução da arquitetura religiosa setecentista em Minas Gerais, tem-se demonstrado a
necessidade de uma revisão crítica dos estudos referentes ao tema da produção e da cultura
arquitetônica vigentes nas Minas setecentistas.
Desde a década de 50, com a publicação do trabalho do conceituado crítico de arte
francês Germain Bazin, “A arquitetura religiosa barroca no Brasil” (1983), publicado na
versão original em francês em 1956 e traduzido para o português em 1983, e “O Aleijadinho e
a escultura barroca no Brasil” (1971), versão original em francês publicada em 1963 e
traduzida para o português em 1971, consolidou-se o perfil, ainda existente, para o ensino da
arquitetura no Brasil dos séculos XVII e XVIII. Novas pesquisas, ainda que lentamente, ao
longo das últimas duas décadas do século XX têm colocado em dúvida muitas das afirmações
de obra de Bazin. Neste sentido, a obra de Bazin pode ser considerada como a conclusão de
um ciclo de teorias referentes à arte e à arquitetura no Brasil Colonial, desenvolvidas por um
núcleo de professores e pesquisadores ligados à criação e estruturação do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN)
1
, ao qual devemos creditar os méritos
1
O órgão federal de preservação foi criado, em 1937, como Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (DPHAN); passou por diversas denominações e orientações (IPHAN, IBPC); daí nossa opção por
utilizar, em todo o texto, independente da data a que se refere a análise, a denominação IPHAN, referente a
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, designação atual que também remete a longo período de
atuação do órgão. Entretanto, para a principal publicação do órgão, adotaremos o título “Revista do Serviço do
D
53
pelo pioneirismo e dedicação a essa causa. Deste grupo, podemos ressaltar, no campo da
arquitetura setecentista, os textos fundamentais de Lucio Costa, a quem devemos, entre seus
muitos trabalhos, a teorização da evolução formal da nossa arquitetura e um minucioso estudo
da obra do Aleijadinho; Paulo Santos, que tanto nos ensinou sobre o barroco e o jesuítico no
Brasil e nos elucidou a arquitetura de Ouro Preto; e Sylvio de Vasconcellos, infatigável
pesquisador do desenvolvimento urbano e da arquitetura das velhas cidades mineiras e dos
sistemas construtivos da sua arquitetura.
Não é difícil perceber – como pretendemos discutir com esta pesquisa – que esses
estudos fundamentais, revistos hoje com uma bagagem teórica maior e com uma visão mais
crítica, trazem em si valores da política cultural de uma época. O IPHAN, criado na linha
ideológica dos modernistas de 1922 que buscavam uma identidade cultural brasileira, sob a
tutela de Mário de Andrade e direção de Rodrigo Melo Franco de Andrade – dois modernistas
– entendia, dentro da conjuntura da crítica de arte da sua época, que o século XVIII em Minas
tinha produzido no campo das artes e da arquitetura algo genuinamente nacional que
representava exatamente o protótipo estético que se buscava como bandeira da cultura
nacional. Dentro dessa visão, nesses primeiros anos de pesquisa sobre a arquitetura e as artes
em Minas Gerais teorizou-se que a evolução formal da nossa arquitetura religiosa setecentista
era parte de um processo natural iniciado nas igrejas maneiristas do começo do século,
chegando ao rococó no último quartel do século XVIII conduzida pela criatividade mulata
mineira, sem que para isso nenhum grande arcabouço estético externo tenha exercido
plenamente sua influência. Esta tese oficial, sedimentada principalmente nos estudos clássicos
de Germain Bazin defendia a particularidade, dentro da arquitetura e da arte brasileira, do
chamado “Barroco mineiro”, englobando num só estilo manifestações artísticas e
Patrimônio Histórico e Artístico”, a qual denominaremos “Revista do SPHAN”, pela consagração de seu nome.
Demais publicações serão referenciadas de acordo com a denominação do órgão no momento da publicação.
54
arquitetônicas que extrapolavam essa definição. Um pouco do clima dessa época e da
conjuntura intelectual que formou essa política cultural é descrito no texto “A redescoberta do
Barroco pelo movimento modernista”, de Fernando Correia Dias (1972), onde o autor tece
comentários sobre esses acontecimentos, dentre outros apontamentos.
Com a evolução da pesquisa de fontes primárias no Brasil, em Portugal e em outras
partes da Europa em relação à cultura do período Barroco na sua totalidade, ou seja, o estudo
da sociedade do mundo barroco como um todo – costumes, literatura, música, artes,
arquitetura, dentre outros –, sabemos hoje da existência de uma forte circularidade cultural na
região das Minas. Podemos dizer hoje, à luz das novas pesquisas, principalmente no campo da
História Cultural, que a Capitania de Minas, ao contrário do que pensava a crítica de arte
modernista, era um lugar de amplo trânsito cultural e contaminado por influências de outras
capitanias brasileiras, da Europa e até mesmo da Ásia e da África. É este um dos pontos
fundamentais a ser abordado dentro do nosso estudo. Neste sentido, passamos de um olhar de
Minas setecentista quase impermeável a contaminações culturais para uma Minas permeável e
aberta a influências externas.
Sabemos hoje, por exemplo, que diversas pinturas do século XVIII, inclusive os
painéis pintados por Athaide para a capela-mor de São Francisco de Assis de Ouro Preto,
como informava o pioneiro estudo de Hannah Levy, eram interpretações de gravuras de
procedência européia
2
. Sobre a música sacra de alta qualidade, apontada por Curt Lange
3
,
podemos afirmar perante os últimos estudos que não foi só um privilégio mineiro: ela é uma
2
Hannah Levy foi pioneira no estudo das fontes iconográficas da arte mineira. Ao estudar os modelos europeus
para as pinturas do barrado em madeira recortada na capela-mor da igreja de São Francisco de Assis de Ouro
Preto, pintada por Manoel da Costa Athaide, a pesquisadora identificou a Bíblia estampada de Dermane como
modelo para as cenas. Esse estudo foi publicado pioneiramente na Revista do Patrimônio Histórico e Artistico
Nacional, n. 5, de 1941.
3
Francisco Curt Lange, musicólogo alemão radicado no Uruguai, foi o pioneiro dos estudos sobre a música
colonial setecentista mineira.
55
presença marcante em todo o Brasil do século XVIII, ainda que existam as particularidades
regionais.
Será que podemos, no campo da arquitetura, nos fecharmos a essas novas informações
e não reavaliarmos o capítulo da arquitetura religiosa em Minas Gerais no século XVIII? É
exatamente esta questão que propomos investigar neste projeto de tese para o Programa de
Pós-graduação em História da UFMG, dando crédito e investigando trabalhos que não
compactuam com as versões oficiais vigentes até pouco tempo. Entre esses, citamos
primeiramente como exemplo o trabalho de John Bury (1991), cujos textos originais são da
década de 50 e nos propõem uma visão diferente para o aparecimento das formas curvas na
arquitetura mineira do século XVIII, dentre outros aspectos da análise da cultura arquitetônica
que moldaram a arquitetura religiosa mineira setecentista e mais recentemente o lançamento
do livro “Imagens de vilas e cidades do Brasil colonial”, do Professor Nestor Goulart Reis
Filho (2000), que comprova a importância efetiva do segmento dos engenheiros militares
portugueses na implantação de um padrão urbanístico colonial, fato colocada em segundo
plano até recentemente, em função dos estudos feitos e escritos por Robert Smith (1940) na
década de 40 sobre arquitetura e urbanismo colonial no Brasil, publicado na Revista do
SPHAN
4
.
Passado o período de ufanismo nacionalista pleno – atípico – que vigorava na política
cultural brasileira das décadas de 40 e 50, na atualidade até os estudos mais recentes do
próprio SPHAN reconhecem que houve um certo excesso no papel de ofuscamento de
qualquer influência externa na formação da arquitetura religiosa setecentista em Minas
Gerais. Segundo o Professor Nestor Goulart foi comum na historiografia brasileira até o
início do século, necessariamente: “[...] ocultar a presença na Colônia de alguns setores
4
Sobre esse tema, ainda citamos a brilhante tese da pesquisadora e professora da USP, Beatriz Piccolotto
Siqueira Bueno, “Desenho e desígnio: o Brasil dos Engenheiros Militares (1500-1822)” (2001), orientada pelo
mesmo Nestor Goulart Reis Filho.
56
com vida urbana mais intensa, nos quais eram encontrados profissionais com níveis elevados
de competência.” (REIS FILHO, 2000, p.9)
Dando ênfase e crédito a essas informações, sabemos hoje, voltando ao caso específico
de Minas Gerais, que a antiga Vila Rica era um desses locais que, a partir da descoberta do
ouro no final do século XVII, tornou-se um centro urbano que rivalizava com as principais
cidades brasileiras e da América Latina, para onde se encaminhavam, numa efervescência
constante, pessoas das mais diversas origens: portugueses, brasileiros e outros estrangeiros
que para ali se dirigiam pelas razões mais diversas – procura de trabalho, entretenimento,
poder ou postos oficiais e, principalmente, enriquecimento rápido. Refletiu sobre esse fato
Cecília Meirelles no seu “Romanceiro da Inconfidência”:
De seu calmo esconderijo, o ouro vem, dócil e ingênuo; torna-se pó, folha , barra,
prestígio, poder, engenho... É tão claro! - e turva tudo: honra, amor e pensamento.
Borda flores nos vestidos, sobe opulento aos altares, traça palácios e pontes, eleva
os homens audazes, e acende paixões que alastram sinistras rivalidades [...].
(MEIRELLES, 1966, p.29)
Cabe aqui ainda ressaltar que, ao lado da terra hostil dos primeiros tempos - propagada
por muitos escritores - as principais vilas de Minas Gerais ao longo das últimas décadas da
primeira metade do secado XVIII, já tinham uma vida cultural intensa e constituíram
rapidamente um fenômeno cultural fervoroso, como demonstrou Affonso Ávila no seu “O
teatro em Minas Gerais: século XVIII e XIX” (1978), que só poderia ter sentido em uma
sociedade em dia com o que acontecia do outro lado do Atlântico. É preciso rever a visão
limitada dos fenômenos culturais no sentido do colonizador-colônia e criar um vetor de mão
dupla, de evolução conjunta, ressaltando que em terras da colônia houve maior facilidade de
experimentação estética em função da menor rigidez de controle e de influência dos modelos
da tradição.
57
É necessário lembrar, ainda, que ninguém constrói uma obra esteticamente
amadurecida sem um caminho consistente e que esteja vinculado diretamente a uma formação
profissional sedimentada, que só podia ser disseminada no século XVIII em Minas Gerais
através da atuação em Minas Gerais dos eruditos e mestres portugueses que para aqui vieram,
ou pela interferência do Estado, no caso específico da arquitetura oficial e das cidades, e que
se deveu à presença de engenheiros militares que atuavam aqui desde o início do século
XVIII, trabalhando principalmente na demarcação de limites das vilas, nas construções,
documentação cartográfica oficial e nos planos urbanísticos, mas que também atuaram como
arquitetos. É preciso, assim, ampliar o foco da análise crítica sobre a arquitetura religiosa
setecentista feita até este momento, na qual só se deu crédito à questão do desenvolvimento
estético e formal, desvinculando-a, muitas vezes, do conhecimento da cultura arquitetônica
em voga e de seus agentes culturais, que deram o suporte fundamental para os avanços
estéticos empreendidos em Minas durante o século XVIII.
O olhar atento sobre as monografias escritas sobre as construções setecentistas em
Minas Gerais nos leva a conclusões ainda subjetivas. A literatura oficial, até o momento só
vê, principalmente nos mestres-de-obras portugueses, o papel de empreiteiros, numa época,
como sabemos, em que não se separava a interdisciplinaridade dos ofícios como hoje em dia,
dado que a formação exigia um amplo conhecimento de todo o processo do ofício para se
obter um título de mestre. O estudo das arrematações daquela época mostra ser comum ver
mestres-de-obras atuando em várias frentes de trabalho da construção civil, principalmente
como pedreiros,canteiros, carpinteiros, mas também como arquitetos.
Os documentos existentes comprovam que todas as grandes igrejas que guardam o
melhor do legado da arquitetura e da arte religiosa setecentista em Minas Gerais foram
arrematadas ou tiveram a significativa contribuição destes mestres-de-obras e arquitetos
leigos portugueses durante seu processo de construção – sem entrarmos aqui no aspecto de
58
análise das obras de arte aplicadas, como talha e pintura. Assim sendo, acreditamos ser
imprescindível para o avanço dos estudos desses trabalhos no Brasil um mergulho
investigativo mais preciso sobre o conhecimento da formação desses homens de ofício em
Portugal, seu universo cultural e processo de formação profissional e a contribuição real dada
no desenvolvimento da arquitetura religiosa mineira durante o século XVIII. Parece-nos
também importante entender um pouco mais das suas circunstâncias de imigração e
principalmente o modo de assimilação da cultura colonial brasileira e mineira, como peças
importantes para entendermos melhor o processo evolutivo de transformação da cultura
arquitetônica portuguesa em cultura arquitetônica luso-brasileira.
Acreditamos que a partir desta pesquisa, que nesta tese empreendemos, poderemos
dar uma contribuição mais efetiva para o entendimento da formação da arquitetura religiosa
setecentista em Minas Gerais, avançando em algumas lacunas essenciais para a compreensão
do processo de transmissão e formação cultural dos arquitetos e construtores mineiros ao
longo do século XVIII. Acreditamos ser impossível entender a obra do Aleijadinho, sem
entender junto com ele seu pai, Manoel Francisco Lisboa, como também, Antônio Pereira de
Souza Calheiros, Francisco de Lima Cerqueira, José Pereira dos Santos e José Pereira Arouca
dentre outros. No nosso entender e impossível desvinculá-los já que sua produção é fruto de
um mesmo meio sociocultural. A arte do Aleijadinho parece-nos a síntese do melhor fruto de
uma árvore portuguesa transformada e contaminada pelos valores de uma cultura nova em
formação na região da Minas Gerais setecentistas e amplamente contaminada por referências
culturais diversas e globalizadas.
Metodologicamente, para atingir na pesquisa os diversos objetivos tratados
anteriormente, estruturamos nosso trabalho em quatro partes fundamentais: “Diálogo com a
Historiografia”; “A Formação da Cultura Arquitetônica nos Séculos XVII e XVIII na Europa
e sua Influência em Portugal”; “As Tradições da Cultura Arquitetônica em Portugal nos
59
Séculos XVII e XVIII” e por fim “O Trânsito Cultural, a Produção da Arquitetura Religiosa e
a Cultura Arquitetônica em Minas Gerais no século XVIII”.
Na primeira parte, procuramos tratar basicamente do problema da veracidade das
fontes documentais e da construção histórica sobre estas mesmas fontes que embasaram a
maioria das publicações referentes à produção da arquitetura religiosa setecentista mineira,
bem como tratar do papel do IPHAN como avalizador destas mesmas fontes documentais.
Posteriormente, também discutimos o papel institucional do IPHAN como o principal
produtor das fontes secundárias existentes na literatura especializada ligada ao tema da
arquitetura religiosa mineira setecentista. Apontamos também os principais meios
divulgadores, a “Revista do IPHAN”, publicada a partir de 1938, além de outras publicações
ligadas a instituições governamentais como a Universidade Federal de Minas Gerais, o
Arquivo Público Mineiro e, posteriormente, o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e
Artístico de Minas Gerais e a Fundação João Pinheiro.
Dentro da primeira parte, como fundamentação teórica, propusemos-nos fazer uma
revisão, que nos pareceu oportuna, da posição da crítica especializada sobre o tema da
arquitetura setecentista mineira, desde a década de 30 até a década de 90 do século passado.
Isso se deu através da análise de alguns textos selecionados dos autores que consideramos os
mais significativos dentro da linha de pesquisa, reunindo nomes, tanto brasileiros quanto
estrangeiros, que nos forneceram um perfil histórico e crítico da efetiva contaminação que
cada um deles carrega consigo, frente à visão cultural que dominava o tema durante o período
de sua produção científica.
Do grupo de autores modernos analisados selecionamos: Lucio Costa, Paulo Santos,
Lourival Gomes Machado e Sylvio de Vasconcellos. Ainda que todos construam uma
argumentação sobre uma base humanista comum, seus textos divergem sobre os fatores que
explicariam a diversidade da arte e da arquitetura setecentista mineira. Como bons
60
modernistas, sempre é levada em consideração na produção de seus textos a crença ufanista
na teoria do gênio mulato brasileiro (em maior ou menor grau), capaz, através da mestiçagem
e inventividade própria, de conseguir soluções artísticas e arquitetônicas impensáveis
anteriormente.
Dentre os autores estrangeiros, analisamos a obra de Germain Bazin, Robert Smith e
John Bury, que divergem, mais do que os modernos, no conjunto das suas conclusões sobre a
arquitetura setecentista mineira. Bazin, como já foi dito anteriormente, foi pioneiro entre eles
na pesquisa da arquitetura barroca no Brasil, e teve um amplo apoio oficial dos modernistas
da diretoria do IPHAN das décadas de 50 e 60, como Rodrigo Melo Franco e Lucio Costa.
Por isso, apresenta em suas duas importantes obras, mais explicitamente, os valores da
política cultural dos modernistas do IPHAN. Robert Smith teve pouca ligação com a produção
da arquitetura religiosa mineira que lhe desse uma real possibilidade de construir uma obra
mais consistente. Seus melhores textos sobre a arte e a arquitetura setecentista no Brasil
ficaram ligados à região Nordeste e a temas da arquitetura civil e oficial. Sua maior
contribuição a essa tese está nos seus estudos portugueses sobre cultura arquitetônica e
circularidade cultural entre os países da Europa Central e a disseminação desse Barroco em
Portugal. John Bury, efetivamente, foi o autor que mais se aproximou, do quadro cultural que
norteou a cultura arquitetônica que produziu a arquitetura setecentista mineira. Bury
defendeu, sempre, uma visão mais próxima das questões colocadas atualmente sobre o tema,
que se afastam dos ideais modernistas de uma Minas impermeável a qualquer contaminação
externa mais significativa.
Considerando os autores contemporâneos, optamos por analisar a obra do poeta e
ensaísta Affonso Ávila, principalmente pelo seu entendimento da arte setecentista mineira
como um movimento mais amplo, que envolvia um estado de espírito ligado ao “lúdico”
como define o autor, presente na totalidade das manifestações artísticas e culturais daquela
61
sociedade. Seu trabalho encontra-se no nível de uma teoria geral da cultura do Barroco em
Minas Gerais, do que propriamente no estudo especializado na área de arquitetura religiosa
setecentista. Por último, analisamos o trabalho da Professora e pesquisadora Myriam Andrade
Ribeiro de Oliveira, que tomou para si a difícil tarefa de propor, a partir dos anos 90 do século
passado, o redimensionamento dos caminhos da pesquisa em arquitetura setecentista no
Brasil, principalmente na região de Minas Gerais. Para isso, a pesquisadora partiu tanto por
contestar os cânones evolucionistas modernistas sobre a arquitetura setecentista mineira,
como propôs uma nova avaliação dos agentes produtores da sua arquitetura e da cultura
barroca e rococó no Brasil e na região das Minas Gerais.
Enfim, estas análises possibilitaram para a pesquisa um panorama amplo do “Estado
da Arte” sobre o tema da produção da arquitetura religiosa mineira setecentista com suas
lacunas e dúvidas ainda existentes pouco esclarecidas ao longo desses quase 70 anos de
estudo. Elas nortearam uma série de indagações e caminhos que procuramos trabalhar no
desdobramento da pesquisa e que desaguaram, principalmente, numa vertente já bastante
desenvolvida por pesquisadores portugueses ligados ao estudo da arquitetura dos séculos
XVII e XVIII em Portugal – como Paulo Varela Gomes, Rafael Moreira, Joaquim Jaime
Barros Ferreira-Alves, dentre outros – que é o estudo da “cultura arquitetônica” como ponto
fundamental do entendimento da produção arquitetônica setecentista luso-brasileira.
Metodologicamente, essa linha de pesquisa trabalha a partir de um processo de análise que,
antes de se dirigir ao problema estético da obra arquitetônica, estuda os valores culturais em
voga no tempo de produção da obra e a formação do arquiteto, profissional ou amador, dos
mestres-de-obra, dos engenheiros militares ou qualquer outro profissional que lida com o
problema do “risco” de uma edificação. Essa linha de pesquisa também lida com o
conhecimento dos processos de formação e contaminação cultural de um mundo já conectado,
dentro de seus parâmetros de escala e tempo, com um fator de irradiação cultural onde
62
constantes influências são assimiladas pelos países periféricos, como Portugal em relação à
Europa, sem negar que nesse processo existam permeabilidades, mas também resistências
culturais regionalizadas e históricas a serem equalizadas neste processo.
Na segunda parte da pesquisa, procuramos entender melhor o problema da
circularidade cultural na transição dos séculos XVII e XVIII, no que diz
respeito,principalmente,à arquitetura religiosa. Para isso, partimos inicialmente para o
entendimento de Portugal como um entreposto cultural fundamental entre o Brasil e os
centros irradiadores da cultura tardobarroca e rococó na Europa: Itália e França. Pareceu-nos
importante no entanto no decorrer da pesquisa, estabelecer um paralelo entre a assimilação da
cultura tardo-barroca na transição dos séculos XVII e XVIII, tanto da Europa Central,
arrasada pela guerra dos 30 anos, quanto em Portugal, arrasado pelas guerras pós-
Restauração. Esse estudo comparativo, trouxe bons frutos para a pesquisa porque possibilitou
o entendimento dos indícios de circulação cultural no período, como também permitir um
olhar de modos diferentes de assimilação de modelos culturais comuns em função da
valorização das culturas arquitetônicas vernaculares. A partir do entendimento dessas
diferenças de assimilação, podemos melhor entender as fortes particularidades da cultural
arquitetônica tradicional em Portugal e sua ação para os dilemas de assimilação do Barroco no
Reinado de D. João V (1705-1750). Intuído esse problema, passamos na terceira parte da tese
a estudar exclusivamente o problema da cultura arquitetônica vigente em Portugal durante o
século XVIII, seus agentes e sua produção mais significativa com ênfase no problema da
assimilação do tardo-barroco e do rococó que tanta repercussão e influência tiveram na
produção das Minas setecentista. Para isso dividimos a nossa análise em cinco itens. No
primeiro item, sentimos a necessidade de traçar um panorama de enquadramento histórico
sobre a formação da arquitetura religiosa portuguesa. Isso se justifica porque os problemas
que a arquitetura tardo-barroca encontrou em Portugal estão diretamente ligados aos
63
processos de entendimento diferenciado entre arquitetura e construção em Portugal desde o
Renascimento. No outros mais pontuais, discutimos os processos de assimilação e
modernização da cultura arquitetônica em Portugal a partir do final do século XVIII, tanto
através da introdução das Aulas de “Arquitetura Civil” como de “Fortificações” com a
influência desses agentes na produção do período. Ainda discutimos o problema da vigência
ao mesmo tempo da existência uma cultura arquitetônica tradicional e milenar – ligada dos
mestres-de-ofício e responsáveis pela maioria das obras mais corriqueiras –, ao lado de uma
cultura erudita – ligada aos arquitetos e engenheiros – empreendida para a fatura das grandes
obras oficiais e pouco entendida e aceita em Portugal pela gente culta da sociedade. Na busca
do entendimento dessa cultura arquitetônica, foi possível, também, compreender certas
lógicas vigentes do processo de produção e desenvolvimento da arquitetura religiosa
portuguesa ao longo dos tempos e que foram importantes para entender as diferenças de
formação formação do mestre de obra, do Engenheiro Militar ou do amador de arquitetura
imigrado para Minas. Para aprofundar o entendimento do perfil dos agentes dessa cultura
arquitetônica,foi ainda fundamental o acesso que tivemos a textos e trabalhos de
pesquisadores especializados no tema quase inexistentes no Brasil, a possibilidade de analisar
e estudar uma série de tratados de arquitetura que circularam nos século XVII e XVIII em
Portugal e no Brasil e a visita exaustiva a mais de 100 edifícios religiosos entre a Itália,
França, Europa Central e Portugal.
Por outro lado, o estudo da temática da cultura arquitetônica ao longo do século XVIII,
dentro do universo popular, deu-nos a oportunidade de entrar em contato com a cultura
arquitetônica milenar dos velhos mestres-pedreiros e carpinteiros portugueses, o que
possibilitou o conhecimento mais efetivo de um perfil mais próximo à maioria dos artífices
imigrados para a região das Minas.
64
A quarta e última parte da pesquisa trata especificamente da transposição e da
circularidade da cultura arquitetônica vigente na Europa e, principalmente, em Portugal e seu
deslocamento para a região das Minas Gerais, agregando valores culturais e ao mesmo tempo
adaptando-se ao seu regionalismo e assim contaminando-se de modo inovador. Isso
contribuiu efetivamente para forjar uma cultura própria, mestiça, contaminada culturalmente
de maneira diversificada, e de alto valor cultural dentro do universo da arte luso-brasileira.
Para entendermos esse processo e o papel dos mestres-de-obras, artífices e eruditos
portugueses, protagonistas e agentes desse processo, demos ênfase no estudo, ainda que de
forma genérica, ao estudo do perfil do artista imigrante da região norte de Portugal. Sabíamos,
através dos dados conhecidos, que durante o século XVIII foi da região norte de Portugal que
veio a maior parte do contingente populacional para a região das Minas e, dentre esses, os
principais arquitetos e mestres-de-obras que aqui atuaram na segunda metade do século
XVIII. Buscando entender melhor a relação entre esses mestres-de-ofício imigrantes com a
sua terra e com a região nascente das Minas, tentamos construir, historicamente, um perfil
sociocultural desses indivíduos na sua trajetória do norte de Portugal até a região das Minas
Gerais. Durante a pesquisa, essa realidade pareceu-nos importante de ser conhecida para que
pudéssemos estabelecer, com mais clareza, prováveis elos de contaminação cultural que
germinaram na região de Minas e que apresentam traços de contaminação ligados a esse
trajeto de imigração. Essas investigações se mostraram proveitosas e frutificaram,
posteriormente, numa série de explicações plausíveis, sobre alguns capítulos importantes da
arquitetura construída na região das Minas Gerais durante o século XVIII.
Ainda nesse caminho, procuramos, à luz das novas investigações ligadas à história das
Minas Gerais setecentistas, traçar um perfil das condicionantes socioculturais e econômicas
que vigoraram na formação da sociedade mineradora e sua relação na formação da cultura
setecentista nascente em Minas Gerais, tendo principalmente a região de Ouro Preto e
65
Mariana como foco principal. Dentro desse universo, procuramos analisar, do ponto de vista
da produção da arquitetura e da construção, algumas das estratégias de inserção social e de
trabalho efetivadas pelos mestres-de-ofício e outros profissionais portugueses imigrados para
região das Minas, bem como a sua contribuição para a formação cultural do território, em dois
momentos distintos importantes. O primeiro refere-se à primeira metade do século XVIII
(1700-1750), onde traçamos um panorama dos condicionantes de transposição e das
possibilidades de contaminação cultural frente à realidade que norteava e fundava as novas
regras sociais e culturais vigentes no território mineiro. A partir daí, procuramos entender
como a cultura mineradora em formação conseguiu transformar, ao longo dos primeiros 50
anos, engenheiros militares, mestres-de-carpintaria e amadores de arquitetura e arte, herdeiros
de um mundo quase ignorante frente aos desafios formais propostos há quase um século pela
arquitetura barroca italiana, em indivíduos capazes de romper com a sua tradição
metropolitana e partir para uma aventura cultural própria, em terras mineiras.
Para materializar e fundamentar melhor essas questões, tratamos de estudar, tanto do
ponto de vista do perfil profissional como da produção arquitetônica efetivada em Minas,
alguns dos nomes mais importantes da história da arquitetura mineira da primeira metade do
século XVIII como: Engenheiro Militar Pedro Gomes Chaves; Mestres-Carpinteiros Antônio
Francisco Pombal e seu irmão Manoel Francisco Lisboa, e construtores pioneiros na região da
antiga Vila Rica e Mariana; além de amadores de arquitetura e desenho, como João Gomes
Baptista e a figura enigmática do Doutor em Cânones por Coimbra, Antônio Pereira de Souza
Calheiros.
A partir do estudo dos dados sobre o perfil dos agentes operacionais e o processo de
fundação e remodelação da cultura arquitetônica vigente na região das Minas na primeira
metade do século XVIII, partimos para a análise do segundo momento da arquitetura religiosa
setecentista mineira. Para isso, passamos a estudar tanto as influências trazidas de Portugal
66
pelos mestres-de-obras imigrados a partir de 1750, já bastante contaminados pela matriz do
Rococó francês e suas contaminações alemãs e mesmo do chamado “Estilo Pombalino”,
implementado nas obras da reconstrução de Lisboa a partir de 1755. Nessa parte da tese,
também se discute a adaptação desses novos imigrados à realidade teórica e prática da
arquitetura religiosa já consolidada em Minas Gerais na primeira metade do século XVIII,
como também a adaptação desses imigrantes tardios aos valores culturais em grande mutação
dentro da sociedade mineira a partir dos últimos trinta anos do século XVIII. A partir destes
confrontos, buscamos identificar as bases da cultura arquitetônica que sedimentou a
construção da nova identidade da arquitetura setecentista mineira entre 1750 e 1810, um dos
cernes da pesquisa.
Para a construção do perfil dessa cultura arquitetônica setecentista mineira, cruzamos,
ainda, as informações conseguidas no estudo do modus operandi da cultura arquitetônica
vigente no século XVIII em Portugal com a retórica oriunda do universo tridentino e os
valores constituídos dentro da sociedade mineradora como fenômeno sócio-cultural. Como
resultado verificamos a presença de um perfil mais claro da dinâmica da circularidade cultural
na região das Minas Gerais com outras regiões do Brasil, Portugal e, em menor escala, com
outros países da Europa, como um dos seus mais fortes ingredientes. Ainda do ponto de vista
metodológico, para as análises da produção arquitetônica setecentista mineira, utilizamos
como amostragem as obras relacionadas aos mais importantes mestres-de-obras e arquitetos
atuando em Minas Gerais na segunda metade do século XVIII que são: Antônio Pereira de
Souza Calheiros, Domingos Moreira de Oliveira, José Pereira dos Santos, José Pereira
Arouca, Francisco de Lima Cerqueira, Manuel Francisco de Araújo e Antônio Francisco
Lisboa.
Na ultima parte da tese, procuramos enfim amarrar nas conclusões finais um
arcabouço teórico que sustente as relações que unem o tardo barroco internacional; a cultura
67
arquitetônica vigente em Portugal no século XVIII e suas apropriação de alta qualidade da
região das Minas, através da presença freqüente e constante dos modelos de circularidade
cultural, através de agentes e objetos , embalados por uma condição sócio-cultural
diferenciada que só a região das Minas poderia produzir no Brasil naquele período entre as
colônias Portuguesas.
No intuito de enriquecer o trabalho, utilizamos ainda de dois anexos. O primeiro trata
de uma sistematização de documentos referentes as agentes culturais analisados na quarta
parte da tese, tanto do ponto de vista documental como iconográfico. Optamos por fazer essa
sistematização pelas dificuldades encontradas de reunir essa documentação durante a
pesquisa. Isso se deu pela grande gama de artigos especializados, espalhados em publicações
esgotadas e de difícil acesso. Por outro lado não tivemos a intenção de incluir todos os
documentos existentes arrolados – conhecidos e inéditos – com o fim somente de
agrupamento mais principalmente os que contribuíam para agregar valor a perfil histórico do
agente estudado e sua relevância dentro do estudo da cultura arquitetônica no século XVIII
em Minas Gerais.
No segundo anexo, com o mesmo propósito, utilizamos para o auxílio para a análise
arquitetônica desses edifícios, a digitalização em CAD de toda a produção significativa dos
agentes culturais estudados. Como fonte tivemos no caso dos monumentos brasileiros os
arquivos do IPHAN e do IEPHA , além dos trabalhos pioneiros dos Professores Paulo Ferreira
Santos e Sandra Alvim, além de levantamentos feitos especialmente para o trabalho por nós
especialmente para esta pesquisa. Em Portugal, recoremos principalmente a obra de Robert
Smith e aos arquivos da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DEGEMN) e
também fizemos os levantamentos da Capela de Santo Ovídio em Caldelas e do Santuário do
Socorro em Ponte de Lima especialmente para a pesquisa.
PARTE 1
DIÁLOGO COM A HISTORIOGRAFIA
69
CAPÍTULO 1 – AS FONTES HISTÓRICAS, A CRÍTICA ESPECIALIZADA E O
ESTADO DA ARTE SOBRE O ESTUDO DA CULTURA ARQUITETÔNICA NO
SÉCULO XVIII EM MINAS GERAIS
1.1. As principais fontes manuscritas sobre a produção da arquitetura e da arte religiosa
setecentista em Minas Gerais: o “Relato dos fatos notáveis” de 1790 e a monografia de
Rodrigo J. F. Bretas de 1858; algumas considerações historiográficas
maioria dos estudos referentes à produção da arquitetura e da arte religiosa
setecentista mineira historicamente tem tido como fonte primária dois
documentos bastante conhecidos pelos especialistas: “Relato dos fatos notáveis da
Capitania” (SILVA apud BAZIN, 1983)
5
, escrito em 1790 pelo Vereador Segundo da
Câmara de Mariana, Capitão Joaquim José da Silva, e o estudo clássico de Rodrigo José
Ferreira Bretas intitulado “Traços biográficos relativos ao finado Antônio Francisco Lisboa”
(BRETAS, 1951)
6
, publicado pela primeira vez em 1858 na “Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro”. Não é nosso objetivo aqui relatar o conteúdo desses documentos, de
domínio público e já amplamente estudados pela historiografia especializada. Nosso objetivo
ao voltarmos a essas fontes é o de demonstrar que, embora sendo significativas para o estudo
da arquitetura setecentista mineira, elas também foram manipuladas pelos construtores dessa
história ao longo do tempo. Neste sentido, importa para nós, no desenvolvimento dessa
pesquisa, legitimar essas fontes como documentos relevantes e fundamentais, mas também
5
Ver Anexo Joaquim José da Silva – “Relato dos Fatos Notáveis da Capitania” – 1790.
6
Ver Anexo Rodrigo José Ferreira Bretas – “Traços Biográficos Relativos ao Finado Antônio Francisco
Lisboa” – 1858.
A
70
destacar cuidado ao lidar com as mesmas, já que diversas leituras, feitas ao longo do tempo,
também foram, em parte, dirigidas e manipuladas. Dentro dessas premissas, do ponto de vista
historiográfico, parece-nos importante, ao construir e amadurecer um juízo crítico sobre as
informações contidas nesses dois importantes documentos sobre a história da arquitetura
setecentista mineira, saber exatamente qual o grau de confiança da fonte com a qual estamos
realmente lidando, e para isso precisamos conhecer sua história.
O primeiro documento aqui tratado é parte de um extrato de uma crônica realizada
sobre os fatos notáveis da capitania, proveniente da Câmara de Mariana, em forma de uma
curta monografia que associa as principais manifestações artísticas e arquitetônicas realizadas
na Capitania de Minas Gerais durante o século XVIII com as personalidades que executaram
estas obras. Esse documento tem sido considerado, mesmo com o passar dos anos, uma das
fontes documentais mais importantes sobre a produção arquitetônica nas Minas Gerais
setecentistas, e fonte primária fundamental para a maioria dos estudos históricos realizados
sobre o tema.
Dentre os historiadores que investigaram a veracidade das informações contidas nesse
documento, Cássio Lanari, no nosso entender, foi o que deu mais ênfase e importância ao
estudo da veracidade das informações contidas no mesmo. Pelo menos dois de seus artigos
foram dedicados ao tema e publicados na “Revista do Anuário do Museu da Inconfidência”,
números V e VI, com os títulos de “O Padre Jesuíta Manuel Moreira de Figueiredo, Cônego
da Sé de Mariana, possível autor intelectual da memória escrita em 1790 pelo Capitão
Joaquim José da Silva, Segundo Vereador da Câmara de Mariana” (LANARI, 1978) e
“Registro da Ordem Régia de 20 de Julho de 1782 no Livro da Câmara de Mariana – prova
da existência do Livro de Registros de Fatos Notáveis da Câmara de Mariana e da memória
escrita pelo Vereador Segundo em 1790” (LANARI, 1979).
71
No artigo publicado no Anuário VI, mais diretamente destinado a provar a veracidade
do documento aqui tratado, o autor trabalha os fatos que determinaram e desencadearam a
Ordem Régia de 20 de julho 1772. Esta ordenava a todos os Ouvidores da Comarca de Minas
Gerais que obrigassem o Vereador Segundo das Câmaras a fazer, todos os anos, uma memória
dos estabelecimentos, fatos e casos mais notáveis e dignos de história que tivessem sucedido
desde a fundação da Capitania.
O autor, particularmente nesse artigo, analisa o trâmite dessa Ordem Régia a partir da
documentação da Comarca de Vila Rica, cujo Ouvidor era exatamente o probo Doutor Tomás
Antônio Gonzaga. Constata o autor, a partir da análise dos documentos da Ouvidoria e da
Câmara de Vila Rica, que, após dois anos e quatro meses de expedida em Lisboa, a Ordem
Régia que obriga esses registros chegou à Capitania de Minas Gerais, em novembro de 1784.
Após o recebimento da Ordem, o Ouvidor Tomás Antônio Gonzaga a registra, quase que
imediatamente, no livro próprio da Ouvidoria a 21 de novembro de 1784, e já em 24 de
novembro a Câmara de Vila Rica, em sessão, recebe a carta do Ouvidor, determinando o
cumprimento da Ordem Régia. Três dias depois, a 27 de novembro, foi feito o registro da
mesma Ordem no livro da Câmara para esse fim destinado.
Segundo a análise do autor, seguindo o modelo de despacho do Ouvidor Gonzaga, a
mesma orientação deve ter norteado os ouvidores das demais comarcas mineiras, o que é
comprovado através de uma publicação de 1844 da “Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro” – citada pelo próprio Lanari (1979) – onde o sócio-correspondente
Manuel José da Silva Pontes, residente em Santa Bárbara, publica um estudo resumido sobre
a memória dos “Fatos notáveis”, escrita pelos Vereadores Segundos das Câmaras de Sabará e
Pitangui.
72
Num segundo momento do seu estudo, partindo para a análise do conteúdo da Ordem
Régia, Lanari faz as seguintes considerações sobre as circunstâncias e objetivo da Ordem
Régia de 1782:
O trabalho de escrever as memórias foi confiado pela rainha ao segundo vereador
mais velho de cada câmara, pois as funções de juiz ordinário, desempenhadas pelo
primeiro, poderiam tornar-lhe materialmente impossível a tarefa. A ordem régia,
porém, não exigiu que o vereador segundo fosse o autor da memória que lhe
incumbia apresentar em câmara. E como D. Maria I queria que os sucessos e casos
narrados fossem fatos autênticos, e não simples opiniões ou interpretações
individuais, afirmações discutíveis, ou acontecimentos improváveis, não se
contentava com os depoimentos do vereador segundo. Exigia que ele os lesse em
câmara, que esta os examinasse, e em seguida todos os vereadores testemunhassem
por escrito a verdade dos textos das memórias, para só então serem elas registradas
em livro especial. (LANARI, 1979, p.235-236)
Essa avaliação aparece associada por Lanari em relação ao tema, no seu primeiro
artigo, publicado na “Revista Anuário do Museu da Inconfidência” n. V, onde o autor discute
o nível de erudição das informações artísticas e estéticas contidas no “Relato dos fatos
notáveis”. A partir da investigação sobre o perfil do Segundo Vereador de Mariana, o autor,
nesse artigo, aborda a hipótese de que o Capitão Joaquim José da Silva, por mais instruído
que fosse para aquele período, era um homem ligado às atividades econômicas de fazenda e
mineração, e não um intelectual capaz de julgar o nível da arte atingido na Capitania naquele
momento.
Para resolver esse problema, o autor envereda por uma investigação que cruza perfis
profissionais atuando em Mariana e região no final do século XVIII, capacitados para
escrever a análise crítica da memória, ancorado em estudo das relações sociais, familiares e
profissionais entre diversos personagens do período. Após essa análise apurada, conclui o
autor pela probabilidade do nome do Padre Jesuíta Manuel de Figueiredo, Cônego da Sé de
Mariana no período e profundamente versado em artes. Para essa atribuição, o autor levanta a
73
hipótese de que esse sacerdote teria estudado no Real Colégio de Artes da Bahia e lá vivido
até a expulsão dos Jesuítas em 1760.
A documentação histórica levantada pelo pesquisador demonstra que, de fato, a partir
de 1763 esse sacerdote já se encontrava em Minas, onde foi feito Vigário Colado de Catas
Altas por apresentação de 15 de maio de 1763. Essa nomeação pelo menos possibilita que ele
seja o autor do documento. Entretanto, independente se foi o Padre Manuel de Figueiredo que
fez a “consultoria” sobre a crítica de arte contida no texto, o certo é que todos os especialistas
que estudaram o documento concordam com o amplo conhecimento demonstrado pelo autor
sobre o tema e sobre o que acontecia no panorama das artes e da arquitetura, tanto no Brasil
como em Portugal, o que dá a essa fonte o crédito até hoje merecido e uma pista da
circularidade cultural que vigorava entre esses dois mundos.
Durante as décadas de 40 e 60 do século passado, diversos pesquisadores passaram a
procurar as provas documentais sobre os fatos narrados no documento de Mariana, sendo que,
até o momento, já foram confirmadas documentalmente a maioria dos dados fornecidos sobre
a atribuição de obras artísticas e arquitetônicas citadas no manuscrito.
Infelizmente, nem todas as memórias das Câmaras resistiram ao tempo. Em cidades
importantes como Vila Rica, capital da Província, ou São João del-Rei e Tiradentes, na antiga
Comarca do Rio das Mortes, nenhum vestígio desses “Fatos notáveis” foi até hoje
encontrado e mesmo aquele de Mariana só é conhecido porque Rodrigo Bretas o publicou em
parte, como subsídio para a sua monografia sobre Antônio Francisco Lisboa, em 1858.
Dentre os pesquisadores que se dedicaram a provar a idoneidade dessa fonte,
destacam-se os trabalhos de Salomão de Vasconcellos e do próprio Cássio Lanari. Salomão de
Vasconcellos, pioneiro da história da arte mineira e antigo funcionário do IPHAN, em artigo
publicado na “Revista Três Tempos” em 13 de agosto de 1962, defendeu a veracidade do
documento, rebatendo alguns questionamentos da crítica de arte do seu tempo, citando como
74
documentação comprobatória do manuscrito um Termo que constava na página 70 do livro n.
9 da Câmara de Mariana (VASCONCELLOS, 1962). O mesmo provava inquestionavelmente
a obrigatoriedade da existência do registro dos “Fatos notáveis” a partir da inscrição nos
Livros da Câmara de Mariana. Nesse documento, Vasconcellos cita uma audiência datada de
1792 entre o Ouvidor Geral da Comarca de Vila Rica, Doutor Antônio Ramos da Silva
Nogueira, e os oficiais da Câmara de Mariana. Na citada audiência, o Ouvidor fez três
perguntas aos oficiais da Câmara, a última das quais tem o seguinte teor:
3
a
– Perguntou-lhes se o 2
o
vereador atual apresentou em câmara deste ano os
memorais dos estabelecimentos e os casos mais notáveis e dignos da história
sucedidos nesta cidade desde a sua fundação e se acham ou não registrados na
forma da ordem que veio no ano de 1784, e se por oficiais foi visto e examinado.
Responderam que este se achava fazendo e que antes de finalizar o ano havia de
apresentar para ser registrado. (VASCONCELLOS, 1962, p.36)
Confirma-se, assim, a veracidade da existência do importante documento.
Por fim, foi o próprio Cássio Lanari, em 1967, que comprovou documentalmente a
veracidade de uma das principais informações contidas neste documento, quando provou a
relação de parentesco de irmãos entre dois dos mais importantes construtores da primeira fase
da arte mineira: Manoel Francisco Lisboa e Antônio Francisco Pombal, citados no Manuscrito
de Mariana e contestado pela crítica especializada da época pela diferença dos sobrenomes.
No seu já citado artigo publicado na “Revista Anuário do Museu da Inconfidência” n.
VI, Cássio Lanari (1979) publica pela primeira vez os fac-similis das certidões de batismo de
Manoel Francisco Lisboa e Antônio Francisco Pombal, localizadas pelo pesquisador na
Freguesia do Bom Jesus de Odivelas, Paróquia do Arcebispado de Lisboa. Os dois artistas,
como se pode ver na documentação citada, eram filhos de João Francisco e Madalena
Antunes, moradores do lugar dos Pombais daquela freguesia. Antônio Francisco Pombal
75
nasceu em 24 de abril de 1689 e Manoel Francisco a 24 de fevereiro de 1697
7
. Formaram-se
no ofício na época da introdução do Barroco italiano em Portugal, principalmente na região de
Lisboa, o que, como veremos mais tarde, pode justificar algumas das soluções arquitetônicas
transplantadas por eles na gênese da arquitetura de Minas Gerais no primeiro quartel do
século XVIII.
Mais recentemente, em trabalhos como “Arquitetura e arte no Brasil Colonial”
(1991), do inglês John Bury (1917- ), lançado no Brasil em 1991, e a “Produção de
arquitetura nas Minas Gerais na Província do Brasil”, Tese de Doutoramento de Jaelson
Bitran Trindade (2002), o “Relato dos fatos notáveis” do Vereador Segundo de Mariana,
ainda aparece como fonte fundamental, reafirmando o valor desse “manuscrito” como uma
das principais e mais importantes fontes documentais para o estudo da arte e da arquitetura do
século XVIII em Minas Gerais.
O segundo documento a ser aqui analisado como fonte é o estudo clássico de Rodrigo
José Ferreira Bretas intitulado “Traços biográficos relativos ao finado Antônio Francisco
Lisboa” (BRETAS, 1951), publicado pela primeira vez em 1858 na “Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro”, dirigida pelo primeiro patrono dos estudos sobre artes no
Brasil, Manuel de Araújo Porto Alegre (1806-1879). Esta revista é, na verdade, um marco
para o estudo das artes no Brasil dentro da realidade e dos valores políticos e sócio-culturais
vigentes, e marcava uma idéia ligada a um projeto civilizatório no tempo do Segundo Império
para o Brasil.
Na verdade, Araújo Porto Alegre, desde o seu retorno da Europa em 1837, tinha
assumido um papel de destaque na vida cultural brasileira. Seu objetivo era o de implementar
no Brasil o modelo de Academia de Arte Francesa para a qual a criação e fortalecimento de
7
Ver Anexo Manoel Francisco Lisboa – Batismos: Manoel Francisco Lisboa e Antônio Francisco Pombal.
76
um Instituto Histórico e Geográfico, nos moldes do de Paris, era fundamental. Era
principalmente através desse veículo que Araújo Porto Alegre acreditava patrocinar o
processo civilizatório brasileiro do ponto de vista da idéia de nação civilizada, que só seria
possível com desenvolvimento e valorização das artes. É exatamente dentro desse contexto
que a “Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro” começa a publicar, em seus
números trimestrais, biografias de personalidades históricas brasileiras dentro da seção
“Biografia dos brasileiros distintos por letras, armas, virtudes”, da qual figura, no ano de
1858, a monografia de Rodrigo José Ferreira Bretas.
Sabe-se também, hoje, à luz das novas perspectivas, que um dos objetivos do projeto
romântico nacionalista preconizado pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) a
partir de 1838 era o de construção da idéia de nação. Segundo Guilherme Simões Gomes
Junior (1998), o papel do IHGB estruturava-se nesse período em vários aspectos sócio-
culturais e políticos, dentre esses o de que:
As pesquisas de caráter histórico têm um sentido múltiplo: por um lado, no que diz
respeito à história da ocupação do território, das guerras, da diplomacia e dos
tratados, fornecem as bases para a legitimidade do poder da coroa frente às nações
estrangeiras, particularmente os vizinhos americanos; e, no plano interno, dão as
bases para a legitimidade da ação do próprio Estado dentro de seus limites. Por
outro lado, o resgate da história tem como fim o exemplo, no sentido clássico da
história magistra vitae, resgatando os episódios emblemáticos do passado e
fornecendo modelos de força de virtude para as novas gerações. (GOMES
JÚNIOR, 1998, p.37)
Essa construção incluía, dentre outras coisas, o incentivo à produção de biografias
sobre as chamadas “celebridades regionais”, já que uma das tarefas do Instituto era erigir um
panteão dos heróis nacionais. Nessa invenção, coube ao Instituto o poder de legitimação
destas figuras através de uma fala que já era construída para essa escuta, ou seja, de acordo
com os parâmetros de publicação da “Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro”.
Nesse sentido, podemos dizer que o texto de Rodrigo Bretas foi dirigido, em parte, para o
77
público receptor, a ala romântica e nacionalista do IHGB, num processo bastante idêntico aos
textos e imagens retratadas por Debret para o seu público europeu – ressaltando muitas vezes
os recursos do exótico esperado por seus leitores –, criando, assim, uma realidade parcial e
focada, dirigida a seduzir espectadores que nunca deixariam a Europa, mas que queriam
conhecer o novo mundo.
Redescoberto e trazido à tona na época de afirmação da identidade cultural brasileira
pelos modernistas do IPHAN, o trabalho de Rodrigo Bretas sobre Antônio Francisco Lisboa
foi fundamental para firmar o mito da criatividade brasileira configurada na figura do
Aleijadinho e da arquitetura barroca mineira como a síntese de um “Brasil dos brasileiros”,
principalmente através dos escritos de Mário de Andrade (1893-1945), ainda na década de 20
do século passado. Para Mário de Andrade, a expansividade das Minas foi real e manifestou-
se tanto em território mineiro, quanto em outras regiões da América Portuguesa e em
ultramar, a exemplo dos árcades.
Mas a prova mais importante de que havia um surto coletivo de racionalidade
brasileira, está na imposição do mulato. (...) De todos esses exemplos principiam
nascendo na Colônia, artistas novos que deformam sem sistematização possível a
lição ultramarina. E entre esses artistas brilha o mulato muito. (ANDRADE, 1984,
p.13)
No modo de ver de Mário, o mulato “se impõe” sobre outros artistas que, brancos ou
negros, não são mencionados no texto. São eles os responsáveis pela “deformação” dos
modelos recebidos da metrópole, portanto, pela geração do novo, associado ao nacional.
Assim nasce o “mito” que mais tarde vai ser incorporado às políticas públicas oficiais via
IPHAN na próxima década. Para o Brasil modernista, essa redescoberta de suas raízes
culturais estruturava-se principalmente na redescoberta do Barroco brasileiro e,
principalmente, no mais genuinamente brasileiro, como o que foi criado pela inventividade
78
mulata do Aleijadinho em Minas Gerais, como vimos anteriormente na fala de Mário de
Andrade.
O IPHAN foi criado na linha ideológica dos modernistas de 1922, e trabalhava, no
período de sua criação, um projeto que visava, acima de tudo, a construção de uma identidade
cultural brasileira. Sob a tutela condução intelectual do já citado Mário de Andrade e a
direção formal de Rodrigo Melo Franco de Andrade (1898-1968) – dois modernistas –
construiu-se, teoricamente, naquele período, a idéia de que o século XVIII em Minas tinha
produzido no campo das artes e da arquitetura algo genuinamente nacional, que representava
exatamente o protótipo estético que se buscava como bandeira da cultura nacional e da
criatividade do povo brasileiro, representado pela genialidade mulata. No discurso modernista
incorporado à fala de Rodrigo Bretas a estratégia era revalorizar a arte local para integrá-la no
programa em voga de redescobrir as raízes da arte brasileira, com ênfase nos seus aspectos
culturais e de miscigenação racial, como já foi dito.
A partir desse momento, para firmar essas teses, o trabalho de Rodrigo Bretas foi
elevado ao nível de documento oficial sobre a vida e carreira artística do Aleijadinho,
ganhando, inclusive, uma publicação especial na “Revista do SPHAN” (BRETAS, 1951),
com uma análise da genialidade arquitetônica de Antônio Francisco Lisboa encomendada ao
arquiteto Lucio Costa (1902-1998), que em outros momentos anteriores tinha-se manifestado
contrário a essa postura (COSTA, 1929; COSTA, 1962).
Os modernistas, assim, personificaram na figura do Aleijadinho um herói nacional
híbrido, que tinha como missão o resgate de uma unidade improvável entre as raças brasileiras
e da qual o manuscrito relatado por Rodrigo Bretas nos seus “Traços biográficos do finado
Antônio Francisco Lisboa” (1951) foi tratado como peça fundamental para dar a legitimidade
histórica para a construção de uma consistência documental, influenciando os ensaios e
publicações sobre a arte e arquitetura mineira no século XVIII de toda uma geração.
79
A obra, assim, tornou-se uma fonte obrigatória para todos os trabalhos empreendidos
sobre a arquitetura mineira setecentista nos anos 50 e 60, inclusive o consagrado “O
Aleijadinho e a escultura barroca no Brasil”, de Germain Bazin (1901-1990), publicado em
1971. Neste trabalho, o próprio Bazin vai tratar de fazer uma defesa primorosa da veracidade
indiscutível como fonte histórica idônea, tanto do “Relato dos fatos notáveis” manuscrito
pelo Segundo Vereador de Mariana, aqui já analisado, quanto da monografia de Rodrigo
Bretas, à época ainda bastante atacada em artigos e publicações jornais que duvidavam da sua
veracidade, por pesquisadores do porte de José Mariano Filho, Teófilo Feu de Carvalho e
Augusto de Lima Junior que, dentro da conjuntura da época, atacavam o trabalho de Rodrigo
Bretas e o IPHAN, com alguma razão científica, mas também movidos um tanto quanto pelas
paixões humanas
8
. Nesse sentido, é preciso entender que, ainda que Rodrigo José Ferreira
Bretas fosse um homem de bem e não um embuste ou inventor de lendas como queriam seus
críticos, o que acontecia como pano de fundo dessa polêmica era, na verdade, uma disputa
política entre os agentes patrocinadores dos ideais da política cultural modernista patrocinada
pelo IPHAN e seus contrários.
O texto de Rodrigo Bretas, neste sentido, romanceado em parte ou não, tinha sido
assumido pela política cultural oficial por coincidir em grande parte com o discurso a ser
propagado pelo IPHAN no período, e dava a este discurso a idoneidade moral, já que ele
agora tinha lastro e subsídio histórico para a divulgação do ideal do mito da criatividade
mulata, instintivamente brasileira, procurado pelos modernistas e configurado oficialmente na
figura genial do Aleijadinho: artista brasileiro nato, mulato oprimido pela segregação social
que, através do seu talento transportado para sua obra artística e arquitetônica e do seu
8
Sobre essas polêmicas ver: CARVALHO, 1935; MARIANO FILHO, 1942; LIMA JÚNIOR, 1962.
80
sofrimento, tornava-se símbolo de resistência cultural e racial brasileira e podia ser elevado ao
título de “Patrono da Arte Nacional”
9
.
Do ponto de vista da crítica de arte e arquitetura, o texto de Rodrigo Bretas ainda
resolvia um problema-chave para os modernistas do IPHAN: a autoria do genial projeto de
São Francisco de Ouro Preto, que Rodrigo Bretas, em seu trabalho, atribuía ao Aleijadinho, e
que até hoje é uma obra considerada como marco fundamental da genialidade nascente da
arquitetura brasileira
10
.
9
Não partilhamos da opinião, muito em voga nos últimos anos, que Antônio Francisco Lisboa foi apenas uma
construção. No nosso modo de ver a questão, que será mais aprofundado nesta Tese, ele foi, de fato, um artista e
arquiteto talentoso, expoente de seu tempo, que soube assinalar o problema da arte, como também outros o
fizeram. Essa questão, no entanto, no nosso ponto de vista, não está associada a questões raciais.
10
O problema da autoria da igreja de São Francisco de Ouro Preto tem sido, desde os primeiros estudos sobre a
arquitetura mineira setecentista, uma questão polêmica. Em “Contribuição para o estudo da obra do
Aleijadinho”, Rodrigo Melo Franco de Andrade (1986a) assim manifesta-se sobre a lacuna: “De fato, com
relação ao risco da Capela, isto é, ao projeto da atual igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto, não há
no arquivo da Ordem menção alguma de quem seja o seu autor.
O Livro Primeiro de Termos e Deliberações da Mesa, que se acha, aliás, em ótimo estado de conservação,
contém a fls. 137 o “Termo em que se determinou arrematar se a obra da capela desta venerável Ordem na
forma do risco e condições que se acham feitas; e assinadas pelo nosso conselheiro Irmão Procurador-Geral
Manuel José da Cunha”, mas não consigna nenhum termo de aprovação do risco aludido, nem esclarece em
ponto algum a respectiva autoria. O teor daquele termo de fls. 137 é o seguinte:
“Aos dezasseis [sic] dias do mês de novembro de mil setecentos e sessenta e seis anos[,] nesta Vila Rica de
Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto[,] na matriz de Nossa Senhora da Conceição da mesma Vila[,] em o
consistório desta venerável Ordem e ali sendo presentes nosso conselheiro Irmão Reverendo Padre Vice-
Comissário José Valente de Vasconcelos e o nosso conselheiro Irmão Ministro o Capitão-Mor Domingos da
Rocha Ferreira abaixo assinados. Logo em presença de todos foi requerido instantemente pelo Procurador
atual Manuel José da Cunha que visto nesta venerável Ordem se achar o risco e condições feitas para a nova
capela[,] esta se devia logo pôr em praça e fazer-se rematar pelo recionável preço correspondente ao mesmo
risco[,] debaixo das condições declaradas e que depois de arrematada o Irmão Procurador atual fizesse logo
em nome desta venerável Ordem escritura pública ao arrematante e que este somente daria fianças idôneas ao
primeiro pagamento e que as condições depois de rubricadas pelo mesmo tabelião se ajuntasse por apenso a
dita escritura e que todos presentes e futuros se obrigarão pelos bens da mesma Ordem a cumprir todos os
pagamentos estipulados na mesma escritura[;] e de como todos com unânime consentimento concordaram que
assim se fizesse na forma acima referida me mandaram fazer este termo que todos assinarão com ele [,] dito
Reverendo Padre Vice-Comissário José Valente de Vasconcelos, e Ministro o Capitão-Mor Domingos da Rocha
Ferreira [,] Procurador-Geral e Síndico. E eu José Vieira Rijo[,] secretário atual que o subscrevi e assinei.”
Nenhum dos termos anteriores a esse, nem dos posteriores[,] adianta ou acrescenta palavra ou alusão alguma
da qual se possa deduzir seja o que for sobre a autoria do projeto do edifício. O Livro Primeiro de Termos e
Deliberações da Mesa é, portanto, como se antecipara, paupérrimo de esclarecimentos sobre a questão.
Sê-lo-ia também o já mencionado Livro Primeiro da Receita e Despesa da Ordem Terceira de São Francisco de
Vila Rica? Depois de um estudo cuidadoso de todas as suas largas e numerosas folhas, chega-se ao mesmo
resultado desalentador. Sucede apenas que essa impressão de desânimo, causada pela inutilidade da pesquisa
ao longo de tantas páginas, acaba cedendo a um movimento de irritação, quando, a fls. 82 verso, se nos depara
o registro do que
“Se despendeu com André de Sousa Banavides de tresladar o risco da Capela............................ 7 5 200.
(ANDRADE, 1986a, p. 107-108)
81
Recentemente, alguns estudos contemporâneos têm inclusive contestado essa
atribuição, e as novas pesquisas sobre o Aleijadinho e sua genialidade solitária têm revisto seu
papel histórico, interpretando a narrativa de Bretas mais como mito do que como realidade, o
que tem colocado um novo foco sobre a biografia do Aleijadinho. Segundo o ponto de vista
de Guiomar de Gramont, em sua Tese de Doutorado “Aleijadinho e o aeroplano: o paraíso
barroco e a construção do herói colonial”, a figura do Aleijadinho é uma construção
modernista. Diz a pesquisadora:
A biografia primordial de Aleijadinho nasce, como as biografias românticas, no
momento em que a individualidade, até então figurada como a unidade de um ethos,
passa a ser subjetivada psicologicamente, com um dentro e um fora, uma alma
cheia de intuições geniais e uma circunstância histórica adversa, contra a qual tal
alma se debaterá, expressando em obras imortais o seu sofrimento redentor de si
mesma e dos outros. Individualidade, porém, construída das imagens coletivas que
a precederam. Para fazer o renome de um personagem são necessários muitos
nomes, muitas histórias recolhidas da tradição. “Aleijadinho” é uma tópica e, como
tópica, é uma coleção de topoi, de lugares comuns. Essa é a história de uma
personagem construída na memória brasileira como as biografias renascentistas,
onde, segundo Burke, o efeito é semelhante ao dos retratos publicados nos livros
dos séculos XV e XVI, em que uma única matriz de madeira era usada para
imprimir retratos de diferentes indivíduos. (GRAMONT, 2002, p.38)
Sob essa perspectiva, talvez Antônio Francisco Lisboa não tenha sido o gênio solitário,
inventor de formas impensadas e de uma criatividade ímpar como querem ver os estudos de
Bretas e Bazin, negado pela posição de Guiomar de Gramont.
As análises sobre o trabalho de Rodrigo Bretas colocadas hoje, depois de décadas do
período de ufanismo nacionalista pleno e atípico que vigorava na política cultural brasileira
das décadas de 40 e 50, permitem um olhar mais imparcial sobre o texto. Neste sentido, até os
estudos mais recentes do próprio IPHAN reconhecem que houve um certo excesso no papel
de ofuscamento de qualquer influência externa na formação da arquitetura religiosa
setecentista em Minas Gerais.
Feita essa análise, o necessário, no ponto de vista desta pesquisa, não é exorcizar o
trabalho de Bretas, e sim saber dialogar com ele como fonte de uma determinada época, que
82
traz consigo também os valores sócio-culturais predominantes nesse período entre escritor e
leitor. Filtrar e reconhecer os seus excessos é, no nosso entender, redimensionar o trabalho de
Rodrigo Bretas como fonte útil para nosso trabalho e a também a possibilidade de extrair dele
o que há de válido como narrativa histórica.
82
1.2. A produção da documentação sobre a arquitetura e a arte setecentista mineira: o
trabalho com as fontes e a publicação da documentação
ara entendermos de uma maneira mais nítida o processo de investigação sobre
as fontes primárias referentes à arquitetura setecentista mineira, é preciso
necessariamente voltar às origens da história da preservação cultural brasileira, vinculada,
como sabemos, a um processo lento de amadurecimento da sociedade sobre as questões
ligadas à valorização e à preservação da memória nacional.
Historicamente, a idéia de proteção da memória brasileira através da preservação dos
monumentos culturais no Brasil inicia-se, teoricamente, ainda durante o século XVIII, quando
nos deparamos com a carta de Dom André de Melo e Castro, Conde das Galveias, Vice-Rei
do Estado do Brasil de 1735 a 1749, ao Governador de Pernambuco, Luiz Pereira Freire de
Andrade, alertando a esse quanto ao valor histórico existente nas construções holandesas e
argumentando quanto à vantagem financeira e histórica de sua preservação.
Na segunda metade do século XIX, mais de cem anos após a carta do Conde das
Galveias, um novo esforço foi empreendido, visando a proteção da memória e da história
nacional. Esse ato partiu do Ministro do Império, Conselheiro Luiz Pedreira do Couto Ferraz,
transmitindo ordens aos Presidentes das Províncias no sentido de obter coleções epigráficas
para a Biblioteca Nacional e, ao Diretor das Obras Públicas da Côrte, para que tivesse cuidado
na reparação dos monumentos a fim de não destruir as inscrições gravadas.
Trinta anos mais tarde, Alfredo do Vale Cabral, Chefe da Seção de Manuscritos da
Biblioteca Nacional, percorre pela primeira vez as províncias de Alagoas, Bahia, Pernambuco
e Paraíba recolhendo epigrafia dos monumentos da região sem, contudo, ter nessa tarefa de
preservação um apoio efetivo do governo monárquico brasileiro que, tirando o apoio ao
P
83
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, jamais encampou uma política efetiva de proteção
dos monumentos e da memória nacional, embora Dom Pedro II fosse considerado um erudito.
Na segunda década do século passado, o Professor Bruno Lobo, então Presidente da
Sociedade Brasileira de Belas Artes, encarregou o Professor Alberto Ghilde, Conservador de
Antiguidades Clássicas do Museu Nacional, a elaborar um anteprojeto de lei em defesa do
patrimônio artístico nacional, que não conseguiu ter êxito. A partir de 1923, o Deputado Luiz
Cedro, representante de Pernambuco, propôs efetivamente o primeiro projeto de lei de defesa
dos monumentos históricos na Câmara dos Deputados. Esse projeto foi complementado, no
ano seguinte, por um projeto de lei de Augusto de Lima, mas também não seguiu adiante.
Nos anos seguintes, a iniciativa da proteção dos monumentos históricos passou à
esfera estadual e, nesse sentido, vemos surgir, ao mesmo tempo, vários projetos propostos por
Mello Viana em Minas Gerais, Francisco M. G. Calmon na Bahia, e Estácio Coimbra em
Pernambuco, que também não tiveram sucesso pelas suas limitações legais, mas que
amadureciam a idéia da preservação da história brasileira. Em 29 de agosto de 1930, o
Deputado baiano José Wanderley de Araújo Pinho na esteira dos acontecimentos anteriores,
apresentou uma nova proposta de projeto de lei ao Congresso Nacional, tratando sobre a
proteção aos monumentos históricos e artísticos nacionais, que foi atropelada pela Revolução
de 30.
É, enfim, já no vigor da era Vargas, que o projeto de proteção da memória nacional vai
ser encampado como uma linha de atuação do Estado Brasileiro. Já em 1933, o novo governo,
pelo Decreto 22.928, declara a cidade de Ouro Preto monumento nacional e, em 1934, pelo
Decreto 24.735, inicia a organização de um serviço de proteção aos monumentos históricos e
às obras de arte tradicionais do país. A partir da implementação do chamado Estado Novo, em
1937, a regulamentação do projeto que criava as diretrizes para a preservação da memória
84
nacional já previa a criação do IPHAN, dentro da reorganização do então Ministério da
Educação e Saúde, posteriormente transformado em Ministério da Educação e Cultura.
Em 30 de novembro de 1937, foi enfim promulgado o Decreto-Lei 25, ainda em vigor,
que organiza a proteção ao patrimônio histórico e artístico nacional, sendo Presidente da
República, Getúlio Vargas, e Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema. Para
presidir o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, foi nomeado, com o
apadrinhamento de Mário de Andrade, o advogado, jornalista e crítico de arte Rodrigo Melo
Franco de Andrade, modernista de primeira hora, a quem caberá, por mais de 30 anos, a
chefia do IPHAN e a direção da construção da memória nacional através de um projeto
pioneiro de seleção, restauração, organização e preservação do patrimônio físico e documental
brasileiro.
Com Rodrigo Melo Franco de Andrade à frente do IPHAN se construiu a “fase
heróica”, assim denominada pelos estudiosos do processo de preservação da memória
brasileira, que vai de 1937 a 1967, caracterizada como uma época de luta, aprendizado e
persistência obstinada para a salvaguarda do patrimônio cultural brasileiro, que teve, na figura
de seu diretor, seu principal alicerce para enfrentar as adversidades financeiras e técnicas para
preservar um acervo cultural de mais de trezentos anos, que nunca havia sido conservado nem
no seu aspecto físico nem documental. Segundo o arquiteto Luiz Saia, colaborador dos
primeiros tempos, “Quando o Governo criou o SPHAN, em 1937, a experiência brasileira
nessa matéria era, no mínimo, de validade discutível, continha, é certo, muito amor, mas era
também de pouco respeito. Muito amor por romantismo, pouco respeito por
desconhecimento.” (SAIA apud SPHAN, 1980, p.28)
O órgão se armou das pessoas mais preparadas nos diversos campos do conhecimento
que competia sua missão. Dessa maneira, freqüentaram a diretoria do IPHAN pessoas como
Lucio Costa, Gilberto Freyre, Manoel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Mário de
85
Andrade, Luiz Saia, Sylvio de Vasconcellos (1916-1979), dentre outros modernistas
militantes e altamente qualificados intelectualmente para o desafio de implantar as linhas de
trabalho de preservação da memória brasileira.
Dentro da primeira fase, entretanto, embora fizesse parte de ideologia do órgão outras
formas de preservação como a organização e preservação dos arquivos eclesiásticos e civis, o
tombamento paisagístico, o controle de comércio de artes, o tombamento de conjuntos
urbanos, etc., tudo foi colocado para um segundo plano, em função da urgência da
conservação física dos monumentos isolados, em sua maioria pertencentes ao patrimônio
religioso dos séculos XVII e XVIII.
No caso da preservação e do estudo do acervo documental da arte e da arquitetura
mineira, pouco valorizado nos primeiros anos de implementação da política cultural do
IPHAN, seu principal motivo de estudo deveu-se principalmente às polêmicas, já colocadas
anteriormente, sobre a autenticidade da arte mulata mineira e da exaltação da figura de
Antônio Francisco Lisboa, propagada pelos modernistas ligados ao IPHAN desde seus
primeiros tempos, como vimos.
Quando Teófilo Feu de Carvalho, em meados da década de 30, contestou quase todas
as atribuições feitas ao Aleijadinho até aquele momento e também a própria veracidade da
biografia de Rodrigo Bretas, o IPHAN, segundo as palavras de seu diretor:
[...] sentiu a necessidade inadiável de investigar com segurança a obra que
pertencia de fato a Antônio Francisco Lisboa. Deve-se-lhe efetivamente o serviço de
ter reclamado, antes de qualquer outro, a comprovação necessária, por meio de
documentos idôneos, daquilo que porventura se pretendesse atribuir ao artista.
(ANDRADE, 1986a, p. 96)
A partir deste momento, o trabalho documental como subsídio para o estudo da
arquitetura e da arte em Minas Gerais toma nova forma, já que era imprescindível ao IPHAN,
naquele momento, recolher provas claras sobre a existência do Aleijadinho. Este trabalho, que
86
a principio era pontual, acabou levando à descoberta de um universo muito mais amplo sobre
a arte e a arquitetura mineiras, já que a organização e o estudo inicial dos arquivos
eclesiásticos e civis revelou uma gama infinita de informações, até aquele momento
insuspeitáveis, sobre outros artistas do chamado à época “Barroco mineiro”.
Antenado a essa nova realidade, para entusiasmar o estudo dessa documentação
primária, Rodrigo Melo Franco de Andrade, praticamente sem recursos para uma tarefa tão
gigantesca, utilizou dois artifícios. Primeiro estimulou o trabalho dos pesquisadores locais,
como o Sr. Manoel de Paiva, o Cônego Raimundo Trindade e o Doutor Francisco Antônio
Lopes em Ouro Preto e Mariana; Zoroastro Passos em Sabará; Padre Júlio Engrácia em
Congonhas; Monsenhor José Maria Fernandes em São João del Rei, dentre outros; além do
pessoal especializado do IPHAN, como Salomão de Vasconcellos, seu filho Sylvio de
Vasconcellos, além de Ivo Porto de Menezes, contratado primeiramente para esse fim. Em
segundo lugar, praticamente fundou e utilizou a “Revista do SPHAN” para a publicação dessa
documentação em artigos especializados e em números especiais compostos de monografias
completas sobre os monumentos estudados. Podemos citar, dentre essas monografias, pelo
menos duas importantes publicações resultantes desse esforço. A primeira, de 1942, intitula-
se “História da construção da igreja do Carmo de Ouro Preto” (LOPES, 1942), do Doutor
Francisco Antônio Lopes. Lopes, oriundo dos quadros da antiga Escola de Minas, constrói
uma excelente monografia, estruturada sobre as normas da pesquisa acadêmica e trazendo
farta documentação primária sobre a igreja de Nossa Senhora do Carmo de Ouro Preto, seus
artistas e construtores, praticamente inédita à época. A segunda monografia, de 1951, intitula-
se “São Francisco de Assis de Ouro Preto” (TRINDADE, 1951), do Cônego Raimundo
Trindade, antigo diretor do Museu da Inconfidência que, seguindo o estilo da monografia de
Lopes, faz um trabalho fundamental sobre a documentação existente na igreja de São
87
Francisco de Ouro Preto, consolidando, assim, uma nova modalidade de pesquisa dentro do
IPHAN, ancorada no estudo da documentação primária.
Finalmente, em 1974, sai publicado na “Revista do SPHAN”, n. 27, em dois tomos,
organizado pela pesquisadora Judith Martins, o “Dicionário de artistas e artífices dos séculos
XVIII e XIX em Minas Gerais” (MARTINS, 1974), fundamentado, no dizer da própria
organizadora, nos vinte anos de estudo (entre 1940 e 1960) da documentação primária dos
arquivos públicos, civis e eclesiásticos de várias cidades mineiras, sob a orientação do
fundador e primeiro diretor do IPHAN, Rodrigo Melo Franco de Andrade. Esta publicação
tornou-se um marco fundamental das pesquisas em fontes primárias sobre a arte e a
arquitetura mineiras nos séculos XVIII e XIX.
Paralelo a estas pesquisas, outras instituições públicas começam a trabalhar com essas
diretrizes vinculadas ao estudo, catalogação e publicação das fontes arquivísticas mineiras.
Entre essas instituições, podemos citar pelos menos três que cumpriram um trabalho pioneiro
no estudo da documentação dos arquivos setecentistas mineiros. A primeira trata-se do
Arquivo Público Mineiro, que além do trabalho fundamental de guardião da documentação do
Estado, através de sua revista, publicou documentos significativos sobre artífices mineiros do
século XVIII, como parte da obra do Professor Francisco Curt Lange, “História da música
nas irmandades de Vila Rica” (LANGE, 1979)
11
, que contribuiu fundamentalmente para o
conhecimento da rotina diária da igreja leiga nas Minas, com ampla publicação de
documentação relativa aos ritos destas Irmandades e Ordens Terceiras.
A segunda instituição, o Museu da Inconfidência, através da publicação da “Revista
Anuário do Museu da Inconfidência”, já no número III, de 1954, trazia uma contribuição
fundamental para o enriquecimento do estudo das fontes primárias da arte setecentista mineira
11
Trabalho em dez tomos sobre a produção da música mineira durante o século XVIII nas principais cidades
mineradoras. trabalho foi publicado espaçadamente, sendo que alguns números saíram publicados pelo Arquivo
Público Mineiro e outros pela Imprensa oficial do Estado na década de 80 do século passado.
88
com uma das mais completas publicações sobre o trabalho artístico em Minas Gerais no
século XVIII, oriundo de arquivos cartoriais e religiosos da região de Ouro Preto e Mariana.
Nesta edição, dentre outros importantes documentos publicados, figuram a escritura cartorial
do registro de arrematação da igreja de São Pedro dos Clérigos em Mariana e os importantes
testamentos de João Gomes Batista e José Pereira dos Santos.
Em terceiro lugar, a Universidade Federal de Minas Gerais, que com a publicação da
“Revista Barroco”, dirigida por muitos anos por intelectuais credenciados como Affonso
Ávila (1928- ) e Hélio Gravatá, contribuiu fundamentalmente para a formação de uma nova
geração de especialistas em Barroco luso-brasileiro, como também para a publicação de uma
série de textos inéditos para o estudo da arte setecentista mineira como “Igrejas e capelas de
Sabará” (ÁVILA, 1984), de Affonso Ávila, a monografia sobre a obra de “João Gomes
Batista”, de Ivo Porto de Menezes (1973) e, mais recentemente, na “Revista Barroco”
número 18, uma importante coletânea de artigos sobre o Barroco luso-brasileiro que agregam
as mais recentes pesquisas sobre o tema no Brasil e em Portugal.
Na década de 60 do século passado, é preciso salientar ainda, dentro desse universo de
publicações sobre a arte e a arquitetura setecentistas mineiras, aquelas efetuadas pelo Serviço
Gráfico da Escola de Arquitetura da UFMG que, sob a direção de Sylvio de Vasconcellos, deu
uma grande contribuição à divulgação de estudos dedicados ao tema, como por exemplo a
obra do Professor Carlos Del Negro, “Escultura ornamental barroca do Brasil” (DEL
NEGRO, 1961), editada em 2 volumes em 1961 e posteriormente em 1968 a inédita
monografia do Professor A. J. R. Russell-Wood (1968) sobre Manoel Francisco Lisboa,
dentre outros estudos relevantes sobre o tema.
Mais recentemente, a Fundação João Pinheiro, dentro da Coleção Mineiriana, vem
contribuindo sensivelmente para a ampliação da publicação de obras inéditas referentes à
documentação primária relativa ao século XVIII em Minas Gerais. Dentre essas publicações
89
podemos citar “Barroco mineiro: glossário de arquitetura e ornamentação” (ÁVILA;
GONTIJO; MACHADO, 1996), de Affonso Ávila, João Marcos Gontijo e Reinaldo Guedes
Machado, que trouxe em CD-rom anexo uma coletânea de biografias dos principais artistas e
mestres de obras que atuaram no século XVIII em Minas Gerais, e “Fontes primárias para a
história de Minas Gerais em Portugal” (BOSCHI, 1998a), do Professor Caio César Boschi,
onde o autor, na linha do seu trabalho anterior “Inventário dos manuscritos avulsos relativos
a Minas Gerais existentes no Arquivo Ultramarino de Lisboa” (BOSCHI, 1998b), através de
um trabalho de fôlego, conseguiu construir um guia de referência para a pesquisa de fontes
primárias relativas a Minas Gerais em arquivos portugueses.
Na atualidade, os estudos sobre arquitetura e arte mineira, baseados em fontes
primárias, estão quase paralisados, estando em muitos casos como verificamos na nossa
pesquisa de campo, com seus documentos dispersos por muitos arquivos ou aguardando
restauração e melhor condicionamento para a acervo ainda existente. Existem códices como o
que tivemos oportunidade de analisar no arquivo do Museu do Aleijadinho sobre por exemplo
São Francisco de Ouro Preto praticamente inéditos, onde tivemos a sorte de localizar uma
correspondência do Mestre Francisco de Lima Cerqueira, já procurador geral da Ordem
Franciscana de São João del-Rei com os franciscanos da Ordem de Ouro Preto bastante
interessante, no sentido de vermos esse personagem provando um bom nível de erudição para
os padrões do período
12
. Neste sentido, apenas algumas incursões pontuais e particulares
nestes arquivos foram realizadas nos últimos anos, como por exemplo o trabalho da
Professora Selma Melo Miranda (MIRANDA, 1997-2000) e o do já citado Jaelson Bitram
Trindade (TRINDADE, 2002). Foi entretanto, nas incursões mais ligadas à história da arte,
com a publicação do livro “O Rococó religioso no Brasil e seus antecedentes europeus”
12
Ver Anexo Francisco de Lima Cerqueira – Carta de Francisco de Lima Cerqueira à Venerável Ordem Terceira
de São Francisco de Assis de Ouro Preto – 1787.
90
(OLIVEIRA, 2003a), da Professora Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira (1943- ), que as
mais novas perspectivas relacionadas à história da arquitetura mineira apresentaram-se com
mais força. Ainda que em grande parte amparadas na documentação conhecida, avança na
interpretação dos dados a partir de um olhar sobre a arte setecentista no Brasil de uma
maneira mais universal, tomando as origens do Rococó na Europa como linha condutora da
pesquisa. Na área da história pura, tem-se verificado, através dos trabalhos ligados à história
cultural, nos últimos vinte anos, os maiores avanços no estudo da sociedade mineradora, a
partir de um amplo foco no estudo documental dedicado aos inventários mineiros dos séculos
XVII e XVIII.
Em Portugal, onde a pesquisa em arquitetura nos séculos XVII e XVIII tem sido mais
dinâmica do que no Brasil nos últimos anos, os estudos divulgados em uma série de teses
acadêmicas têm possibilitado ajustes na história oficial da arquitetura e da arte portuguesa dos
séculos XVII e XVIII consolidada, como no caso brasileiro, nas décadas de 50 e 60 do século
XX, principalmente com os estudos clássicos de Robert Smith (1912-1975). Neste sentido,
figuras como o arquiteto Antônio Pereira e João Pereira dos Santos, no Porto, e inúmeros
mestres de ofício e amadores que trabalharam como arquitetos, têm vindo à tona nos novos
estudos. Na região de Lisboa, o papel dos engenheiros militares e arquitetos do início do
século XVIII, como Manuel da Costa Negreiros, Eugênio dos Santos de Carvalho, Carlos
Mardel, Rodrigo Franco, Caetano Tomás, também vem sendo estudado e ligado a uma
produção arquitetônica altamente significativa.
Muitos desses trabalhos vêm ganhando fôlego documental, muito mais a partir de um
amplo foco de investigação direcionado para a pesquisa em fontes primárias provenientes dos
arquivos notariais e judiciários, do que pela sua improvável particularidade de informações na
área de arte e arquitetura, que têm se apresentado como fontes de informações inéditas e
vigorosas.
91
No Brasil, estes estudos na área de arquitetura ainda caminham lentamente. Apenas
uma parcela do acervo contido nos arquivos notariais e judiciários está publicada,
principalmente através do trabalho do pesquisador Ivo Porto de Menezes, pioneiro destas
investigações na área de arquitetura. Ainda que na década de 50 do século passado essa
iniciativa tenha sido iniciada pelos pesquisadores do Museu da Inconfidência, elas
continuaram restritas à região de Ouro Preto e Mariana. Neste sentido, para se avançar nas
pesquisas de fontes históricas em arquitetura, este é um dos caminhos mais promissores, como
têm demonstrado as pesquisas em Portugal
13
.
13
Pretendemos seguir, ao final dessa tese, essa trilha, com desdobramentos em outras pesquisas do mesmo
gênero. Durante essa pesquisa, chegamos a iniciar uma pré-seleção nos livros notoriais existentes no arquivo do
Museu Regional de São João del-Rei, no intuito de entrar em contato com a documentação existente, como havia
sugerido nosso orientador em Portugal, Professor Joaquim Jaime Barros Ferreira-Alves e mesmo em alguns
arquivos de Irmandades e Ordens Terceiras. O trabalho, no entanto, mostrou-se improdutivo durante as semanas
que lá estivemos, e como eles não eram essenciais para o problema da discussão da tese – a cultura arquitetônica
em Minas Gerais no século XVIII –, optamos por voltar a esses arquivos em outra oportunidade, com um pouco
mais de tempo hábil para a pesquisa de campo.
92
1.3. O Estado da Arte sobre o estudo da arquitetura produzida no século XVIII em
Minas Gerais e sua perspectiva histórica e crítica
1.3.1. A perspectiva crítica modernista sobre a arquitetura religiosa mineira
crítica modernista fundamentada sobre a arquitetura religiosa setecentista
mineira varia pouco quanto a seu “dogmatismo funcionalista”
14
em relação ao
desenvolvimento estético da arquitetura setecentista mineira. Críticos consagrados do período
moderno brasileiro do porte de Lucio Costa, Paulo Santos (1904-1998), Lourival Gomes
Machado (1917-1967) e Sylvio de Vasconcellos são alguns dos autores que desenvolveram
obras pioneiras sobre o legado da arquitetura religiosa barroca no Brasil e sobre as
particularidades da arquitetura setecentista mineira. É principalmente nas obras dos três
últimos que as idéias sobre o universo do século XVIII mineiro encontram as melhores
contribuições do ponto de vista crítico e reflexivo sobre o tema de uma maneira geral, e na de
Lucio Costa pontualmente ligada, em especial, à obra do Aleijadinho. Por isso, optamos, nesta
abordagem, em rever algumas das considerações feitas por esses quatro autores sobre o tema
estudado nessa pesquisa, visando discutir a posição crítica dos mesmos sobre o problema da
originalidade da arquitetura setecentista mineira.
Os estudos de Lucio Costa sobre a arquitetura mineira setecentista, se comparados às
obras dos outros autores a serem analisados, são pontuais e foram escritos principalmente sob
14
Esta expressão e seus correlatos serão frequentemente utilizadas nesta seção. Cabe, aqui, destacar seu
conteúdo, de modo a esclarecer sobre seu significado. O Movimento Moderno na Arquitetura caracterizou-se, ao
longo das primeiras décadas do século XX, pela valorização dos aspectos funcionais do edifício e da cidade em
detrimento dos elementos estéticos; neste sentido, buscava-se o apartamento de tendências meramente
esteticizantes, como o ecletismo, a partir de considerações de ordem prática e técnico-construtiva.
A
93
a forma de ensaios para revistas ligadas às áreas de arquitetura e preservação, principalmente
vinculadas ao IPHAN, onde o arquiteto e crítico começa a trabalhar a partir de 1937, a convite
de Rodrigo Melo Franco de Andrade
15
. Na verdade, Lucio Costa foi muito mais que um
discreto consultor técnico no IPHAN. Sua formação humanista e sua invejável cultura
artística e arquitetônica, associada a uma postura crítica inovadora para a época, fundamentou
boa parte da conceituação dos modelos de preservação do primeiro período daquele órgão.
Os estudos sobre teoria e história da arte e da arquitetura brasileira foram campo
fecundo para o arquiteto. De uma maneira geral, são fundamentais até os dias de hoje seus
trabalhos sobre o “estilo Jesuítico” no Brasil, sobre a evolução do mobiliário colonial
brasileiro, sobre a evolução dos retábulos na arquitetura religiosa colonial, além de seus textos
teóricos sobre a evolução da arquitetura brasileira e, principalmente, sobre a obra do
Aleijadinho.
Seu pensamento crítico sobre a arquitetura colonial brasileira descende, em grande
parte, de sua crença numa metodologia de análise baseada na constância da matriz dos
modelos evolutivos nas quais ele trabalha desde 1938, como no artigo “Documentação
necessária” (COSTA, 1995, p.457-462), e em 1941 com a publicação do seu artigo “A
arquitetura dos jesuítas no Brasil” (COSTA, 1942). Suas convicções sobre essa linha de
análise eram tão fortes que utilizou-as até mesmo na explicação da conceituação dos edifícios
como o Parque Guinle
(Figuras 1 e 2)
16
na década de 50, como podemos ler em suas palavras:
A cultura aborígene só influiu na casa inicial brasileira em uma coisa – a sua
planta. As feitorias foram as primeiras casas, eram verdadeiros alpendrados, onde
se cozinhava e dormia. O fogo na parte central, os catres ou redes em volta, ou seja,
15
O autor assim refere-se a esse fato: “[...] em fins de 37 fui incumbido de uma tarefa à parte, a de inspecionar
e propor o que fazer com as ruínas dos Setes Povos das Missões Jesuíticas no sul do país. A partir daí passei a
assessorá-lo [Rodrigo Melo Franco de Andrade] na qualidade de consultor técnico contratado e nunca passei
disso.” (COSTA, 1995, p.438)
16
Os edifícios do Parque Guinle são altamente importantes dentro da obra de Lucio Costa como arquiteto, e
dentro da arquitetura brasileira moderna, por prenunciarem em quase dez anos a idéia implantada nas super-
quadras do Plano de Brasília, em 1961.
94
o próprio partido da casa indígena. Com o fechamento dessa área coberta, para
resguardo e defesa, conservam-se dois segmentos, uma a frente e outro aos fundos,
correspondentes precisamente às duas bocas da oca nativa.
À medida que o programa social evolui e a casa adquire sentido familiar, a planta
se define.
O centro do primitivo retângulo de quatro águas passa a ser amplo recinto fechado,
de telha-vã e chão de terra batida ou piso de lajotas de barro, contido por duas
varandas, uma à frente, outra aos fundos, e por sua vez entalados entre corpos
laterais compartimentados.
É nesse foyer ou hall, de cunho ainda medieval, que dispõem os cavaletes com
pranchões à guisa de mesa e bancos corridos, e se armam as trempes e assam as
caças, a fumaça saindo entre as telhas.
No século XVIII o esquema se apura; a capela ocupa um dos compartimentos
extremos, contíguos à varanda da frente, servindo o outro de camarinha para a
hospedagem dos forasteiros que assim não participavam da intimidade da casa.
No transcurso do século XVIII a varanda dos fundos passa a ser sala de jantar,
envidraçada ou não conforme a região, surgindo então os puxados de serviço com
cozinha e demais dependências. Já no século XIX as casas de arrabalde se alongam
em profundidade, e extensos corredores, para os quais se abrem os quartos, ligam
sala da frente, de visitas, e seu terraço de chegada, à sala de jantar e à varanda
caseira, aos fundos, com escada de acesso ao quintal.
Foi a essência deste esquema tradicional que se pretendeu reviver nos
apartamentos do Parque Guinle: uma espécie de jardim de inverno, contíguo à sala
de estar e um cômodo sem destino específico, ligado aos quartos e ao serviço; um
mais formal e outro mais a vontade, correspondendo assim a varanda caseira.
(COSTA, 1995, p.212)
Panfletário assumido do “funcionalismo corbusiano” e divulgador dos dogmas da
arquitetura moderna desde o lançamento do seu ensaio crítico “Razões da nova arquitetura”
(COSTA, 1995)
17
, de 1934, Lucio Costa começa a usar a história da arte e da arquitetura para
comprovar os conceitos modernistas que são, na sua visão crítica, a verdadeira e única fonte
para a apreciação da arquitetura. Assim, a análise do objeto arquitetônico é baseada na matriz
funcionalista com o viés de encontrar, unido a esse mesmo objeto, a tônica do aspecto social,
tecnológico, plástico e artístico refletindo as verdades construtivas do seu tempo.
Dentro desta visão, no quadro da arquitetura mineira, Lucio Costa vai dar especial
atenção à arquitetura civil e à obra do Aleijadinho, com manifestações bastante divergentes
17
Neste ensaio sobre o problema da arquitetura moderna no Brasil, o arquiteto pontuou pela primeira vez os
tópicos fundamentais da arquitetura moderna e assumiu sua intolerância com as tendências da arquitetura
eclética. Sobre o cenário da arquitetura praticada na sua época de recém-formado explicaria em depoimento
posterior: “A clientela continuava a querer casas de “estilo” – francês, inglês, “colonial” – coisas que eu já
não conseguia fazer. Na falta de trabalho, inventava casas para terrenos convencionais de doze metros por
trinta e seis – “Casas sem dono”. E estudei a fundo as propostas e obras dos criadores, Gropius, Mies Van Der
Rohe, Le Corbusier – sobretudo este, porque abordava a questão no seu tríplice aspecto: o social, o tecnológico
e o artístico, ou seja, o plástico, na sua ampla abrangência.” (COSTA, 1995, p. 16).
95
sobre o mesmo ao longo da sua obra, o que pode ser entendido como uma discordância em
parte da visão oficial do IPHAN, onde trabalhava, sobre o tema.
Inicialmente, a matriz de seu pensamento sobre a arquitetura colonial mineira pode ser
vista ainda durante a década de 20 do século passado quando, arquiteto recém-formado e
ainda ligado a José Mariano Filho e ao Movimento Neocolonial, irá a Diamantina fazer alguns
levantamentos sobre a arquitetura mineira setecentista. Durante este trabalho, Lucio Costa
encanta-se pelo que vai chamar de uma “simplicidade flagrante”, uma arquitetura tosca, mas
“honesta”, fruto dos imperativos do meio, que mais tarde irá qualificar como dotada de uma
“saúde plástica perfeita” e que o levará ao rompimento com o Movimento Neocolonial. A
partir dessa viagem, o autor chega à conclusão que o Neocolonial não promovia relação
alguma com o passado brasileiro. Segundo suas palavras:
Diamantina já conhecia de outros tempos (32 horas de trem), quando a velha matriz
ainda não havia sido trocada pelo volumoso arremedo “ouropretano-tedesco”
atual. Comecei aí a perceber o equívoco do chamado neocolonial, lamentável
mistura de arquitetura religiosa e civil, de pormenores próprios de épocas e
técnicas diferentes, quando teria sido fácil aproveitar a experiência tradicional no
que ela tem de válido para hoje e sempre. (COSTA, 1995, p.16)
Neste sentido, Lucio Costa inicia um trabalho de valorização estética da produção da
arquitetura setecentista mineira ligada a um purismo funcionalista à maneira da “forma segue
a função”
18
, o que explica uma série de críticas à obra do Aleijadinho relacionadas ao
problema da decoração, e outras vezes o elogio, em se tratando de avanços funcionais. Essa
bipolaridade se dá, no nosso modo de ver a questão, no fato de que, muitas vezes, o arquiteto
mulato havia traído, em sua visão, o raciocínio moderno no esquema geral da racionalidade e
18
O lema “a forma segue a função” é considerado um dos cânones da arquitetura funcionalista internacional; é
frequentemente atribuído ao arquiteto alemão Ludwig Mies van der Rohe, mas pesquisas posteriores revelaram
tratar-se de uma prática adotada nos Estados Unidos, no final do século XIX, pelo arquiteto Louis Sullivan,
verdadeiro autor da frase e líder da Escola de Chicago, movimento pioneiro no processo de verticalização que
caracterizaria as metrópoles modernas. É compreensível, entretanto, a atribuição do estatuto a Mies, em razão de
ter sido este o último diretor da Escola Bauhaus, em Dessau, Alemanha, antes da ascenção nazista. A Bauhaus
fundamentava-se na experimentação pedagógica para a construção do arquiteto moderno.
96
do despojamento desejado do edifício, em função de uma vontade decorativa. No artigo
intitulado “O Aleijadinho e a arquitetura tradicional”, Lucio Costa propõe a seguinte leitura
sobre a obra do artista mineiro:
[...] é assim que a gente compreende que ele (o Aleijadinho) tinha o espírito de
decorador, não de arquiteto. O arquiteto vê o conjunto, subordina o detalhe ao
todo, e ele só via o detalhe, perdia-se no detalhe, que às vezes o obrigava a soluções
imprevistas, forçadas, desagradáveis. Os seus maravilhosos portais podem ser
transplantados de uma igreja para outra sem que isso lhes prejudique, pela simples
razão de que elas nada têm que ver com o resto da igreja a que dão entrada. São
coisas à parte. Estão ali como que alheios ao resto. Ele tão pouco se preocupava
com o fundo, o volume das torres, a massa dos frontões. Ia fazendo. (COSTA, 1962,
p.14)
Em outro texto intitulado “A arquitetura de Antônio Francisco Lisboa revelada no
risco original da capela franciscana de São João del-Rey”, Lucio Costa é menos enfático na
crítica ao decorador e ressaltava os aspectos funcionalistas do arquiteto:
Aliás, esse risco testemunha as vicissitudes por que passou a obra, verificando-se,
pelo seu confronto com a fachada lateral, já referido, que o projeto era de
proporções monumentais, pois comportava ainda, à frente, dois corpos dispostos
simetricamente em quadra, presumivelmente para neles se instalarem a
administração e o hospital da irmandade. E, pormenor deveras curioso, também a
sacristia fora localizada na frente, ligada à capela-mor por um corredor, e não nos
fundos ou num dos lados, na forma usual, o que parecendo a propósito a primeira
vista um despropósito, se justificaria plenamente, tanto do ponto de vista funcional
como no respeito a monumentalidade. E que, tratando-se de uma capela de ordem
terceira, a sacristia não se destinava apenas ao sacerdote oficiante, mas à
totalidade dos irmãos, os quais haveriam de paramentar antes de ocuparem os
respectivos lugares no corpo da igreja; assim, pois, a solução mais lógica e natural
seria a de forçar a circulação de todos através da capela-mor ou de um corredor
até à nave, mas a de para aí conduzi-los por uma porta travessa, disposta por baixo
do coro, na face oposta ao batistério. Tal disposição apresentava ainda a vantagem
de permitir acesso fácil e condigno à sacristia, por esta estar contígua à entrada do
templo. (COSTA, 1951, p.18)
Podemos entender que a crítica de Lucio Costa sobre a arquitetura colonial setecentista
brasileira varia sob três aspectos fundamentais que na sua obra, muitas vezes, aparecem
misturados com elogios e reprovações: a vinculação aos ideais da crítica de avaliação estética
construída a partir de um olhar funcionalista, ligado aos cânones da arquitetura moderna; uma
97
relação menos engajada no caso da arquitetura, mais concordante com as políticas oficiais
sobre a originalidade da arte mulata mineira; e por último, na crença, como metodologia de
análise crítica das obras de arte e arquitetura, nos sistemas de evolução crescente da evolução
artística: nascimento, amadurecimento, apogeu e decadência.
Dentro deste quadro, Lucio Costa explorou pouco a questão da cultura arquitetônica
em Minas Gerais e pouco deu importância a qualquer tipo de circularidade cultural existente
nas Minas setecentistas. No embasamento de suas pesquisas, embora em muitas
oportunidades fale na composição da modenatura
19
e nas regras de proporção ao analisar a
erudição de um edifício, ele não lança nenhuma hipótese mais aprofundada, como veremos
fazer Sylvio de Vasconcellos.
Como nos outros autores que aqui serão analisados, Lucio Costa deteve seus estudos
mais na formação do repertório formal da arquitetura setecentista mineira e na valorização da
influência dos ensinamentos práticos ligados aos mestres portugueses. Para Costa, os modelos
de aprendizado se detiveram no estudo aprofundado das obras existentes em Minas Gerais ou,
numa possibilidade mais remota, de algumas viagens ao Rio de Janeiro, o que já é aceito hoje
como uma hipótese muito provável, mas ainda pouco estudada. Minas não era o fim do
mundo como os estudos modernistas pregavam. A distância e as dificuldades das viagens
eram proporcionais à velocidade dos acontecimentos daquele tempo
20
. Neste sentido, Lucio
Costa, apenas em uma única vez, afirmou a possibilidade de outras fontes de inspiração para a
19
Segundo o Dicionário de Arquitetura Brasileira (CORONA; LEMOS, 1989) “MODENATURA” pode ser
definida como a arte de traçar os perfis. Consiste principalmente em ordenar as molduras numa disposição
harmoniosa sobre as superfícies arquitetônicas, em função de seus efeitos estéticos que acompanham sempre o
jogo de luzes e de sombras que elas provocam exatamente no local onde são aplicadas. Podem ser também
definida como Conjunto de molduras de uma construção. Esse termo também aparece com a escrita
“modinatura” de influência francesa.
20
Estudos recentes sobre a sociedade mineira do século XVIII, como em “Escravidão e universo cultural na
colônia – Minas Gerais (1716-1789)”, do Professor Eduardo França Paiva (2001), demonstraram, a partir da
investigação em diversas séries de Inventários Mineiros do século XVIII, a existência em Minas de mercadorias
provenientes de diversas localidades do Brasil, da África e da Europa. Neste sentido, a tese do isolamento
geográfico está, hoje, superada.
98
produção da arquitetura setecentista em Minas Gerais, mas sem muita clareza, ao tratar mais
uma vez da obra do mulato mineiro no texto “Antônio Francisco Lisboa: o Aleijadinho”:
[...] a contradição fundamental entre o estilo da época – elegante e amaneirado – é
o ímpeto poderoso do seu temperamento apaixonado e tantas vezes místico,
contradição magistralmente superada, mas latente e que, por isso, de quando em
quando extravasa, é a marca indelével da sua obra, o que dá tônus singular a este
brasileiro das Minas Gerais a mais alta expressão individualizada da arte
portuguesa do seu tempo. Deve-se aliás assinalar que essa modalidade mineira da
arte colonial portuguesa no Brasil apresenta, por vezes, maior afinidade com o
barroco-rococó de entre o Danúbio e os Alpes do que com a arte metropolitana que
o gerou. (COSTA, 1995, p.16)
Paulo Santos, ao lado de Lucio Costa, foi certamente dentre os arquitetos da primeira
geração modernista brasileira, o que mais trabalhou hipóteses conceituais ligadas à teoria e à
história da arquitetura. Membro da Comissão de Reforma do Curso de Arquitetura da Escola
Nacional de Belas Artes em 1931, foi também presidente em exercício do Instituto dos
Arquitetos do Brasil neste período (PUPPI, 1998, p.59). Apesar de ser da mesma geração de
Lucio Costa e também ter sido convertido ao ideário do Movimento Moderno brasileiro, sua
obra escrita só é efetivamente iniciada a partir de finais dos anos quarenta, quando ingressa
como professor na Escola de Belas Artes da Universidade do Brasil, em 1946 (PUPPI, 1998,
p.59).
Os dois primeiros livros publicados pelo autor são derivados diretamente da tese que
apresentou em 1949 para concorrer à cátedra de Arquitetura no Brasil, que foi criada neste
período na Universidade do Brasil. Seu texto “Subsídios para o estudo da arquitetura
religiosa em Ouro Preto” (SANTOS, 1951) é a reprodução integral do trabalho que o tornou
titular da disciplina e que inclui na mesma publicação o seu ensaio “O Barroco e o Jesuítico
na arquitetura brasileira”. Em 1968, o autor publica um estudo sobre a formação urbana no
período colonial com a comunicação “Formação de cidades no Brasil Colonial” (SANTOS,
2001), lançada no V Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, e republicado pela
99
editora da UFRJ em 2001. Em 1981, publica seu último trabalho através do IAB/ RJ,
“Quatro séculos de arquitetura” (SANTOS, 1981), um estudo original de 1965, inicialmente
escrito a convite da Reitoria da UFRJ como parte das comemorações dos 400 anos da cidade
do Rio de Janeiro. Entretanto, dentre todas essas publicações, a que tem principal interesse
para a nossa pesquisa é principalmente o seu trabalho dedicado à arquitetura setecentista de
Ouro Preto.
No prefácio da edição de 1951 de “Subsídios para o estudo da arquitetura religiosa
em Ouro Preto” (SANTOS, 1951), o autor defende como metodologia para a análise de
arquitetura a crença no valor da qualificação artística, independente do processo de produção
dos objetos a serem analisados. Por outro lado, em relação à investigação histórica sobre a
autoria dos monumentos, Paulo Santos também aceita a argumentação da importância da
investigação da autoria das obras de Arte das igrejas e capelas, mas como dado
complementar, ressaltando nessa introdução que para ele, isso não é um fator fundamental
para determinar a qualidade estética da obra arquitetônica a ser analisada.
Para um julgamento crítico em relação ao seu trabalho, particularmente dirigido à
arquitetura religiosa em Ouro Preto, devemos ter em mente que Santos utiliza como subsídio
para as suas análises, principalmente, as tendências conceituais da teoria da arte vigentes à
época e que estão vinculadas a um recorte temporal em que se insere a produção da
arquitetura brasileira. A teoria sobre o Barroco desenvolvida por Paulo Santos para as obras
tradicionalmente reconhecidas como barrocas no cenário nacional está vinculada,
principalmente, à visão que crê somente no Barroco como uma reação ao Renascimento.
Dentro dessa perspectiva, o autor reconhece algumas manifestações brasileiras do século
XVII como maneiristas, e divide, para efeito de análise, a fase barroca em duas etapas
100
distintas: o Barroco propriamente dito e o Rococó
21
. Acreditando no Barroco como um
fenômeno artístico que trabalha a oposição natural ao espírito clássico do Renascimento,
Paulo Santos defendeu nos seus trabalhos a idéia que o Barroco, na verdade, configura-se
como uma conjugação de vários estilos diferentes, unidos por um mesmo “espírito”, fundado
sobre uma recusa – às vezes suave, às vezes radical – dos “padrões clássicos renascentistas”
22
. Esse conceito mais tarde, também irá dar base aos defensores da tese do termo “Barroco
mineiro” para classificar a arte mineira do século XVIII.
Por outro lado, Paulo Santos, como também outros autores do seu tempo, como o
próprio Lucio Costa e mais tarde Sylvio de Vasconcellos, acreditou e desenvolveu nas suas
teses sobre o desenvolvimento do Barroco no Brasil a idéia da existência de uma relação de
desenvolvimento cronológico para a arquitetura colonial brasileira. Para isso, Paulo Santos
utilizou, de uma maneira geral, de uma mesma matriz de princípios evolutivos e trabalhou a
análise do objeto arquitetônico a partir de um modelo tipológico que abria caminho para
novas tipologias distintas e familiares que interligassem as obras produzidas no Brasil ao
cenário do Barroco luso-brasileiro. Através desse método de análise proposto, o autor discutiu
o edifício a partir de uma classificação independente da planta, fachada, decoração e técnica
construtiva, trabalhando-as como categorias isoladas, o que conduz a dissociações entre as
análises empreendidas do ponto de vista global. Esse método, ainda que comum para a época,
no nosso entender e do ponto de vista crítico, pode tornar em parte deficitária a interpretação
plena do objeto arquitetônico. Aplicado num meio tão complexo e dinâmico como foi a
21
Geralmente, para o fim dos estudos dos movimentos artísticos na Europa, considera-se o Maneirismo como
uma subversão à ordem clássica que teve início com arquitetos como Michelangelo na primeira metade do
século XVI e que levaria, no máximo dessa “desobediência”, ao Barroco de Borromini, no século XVII. Dentro
desse quadro, o Rococó é caracterizado como uma corrente vinculada ao “décor” que nasceu na corte de
Versalhes durante o século XVII e que foi incorporado posteriormente à arquitetura civil e religiosa, dentro dos
hibridismos que permearam o final do século XVII e início do XVIII.
22
Segundo palavras do autor: “Durante esse período, de perto de dois séculos, floresceram na Europa vários
estilos, com características diversas, mas ligados entre si por um 'espírito' comum de reação – maior ou menor
– contra os padrões clássicos renascentistas.” (SANTOS, 1951, p. 43)
101
produção da arquitetura dentro de Ouro Preto durante o século XVIII, pode trazer enormes
distorções de entendimento crítico. Mesmo com esses riscos, é verdade que, em alguns
monumentos, Paulo Santos chega a conseguir uma articulação formal para uma leitura
unitária dos edifícios, compreendendo efetivamente decoração, fachada e espaço interior
como elementos dentro do mesmo processo de apreciação artística.
Entretanto, ainda que seu trabalho tenha algumas lacunas interpretativas, não deixa de
configurar um grande avanço na leitura crítica da arquitetura colonial, se comparado ao que já
se havia escrito anteriormente. É preciso ressaltar, na sua obra sobre Ouro Preto, o
pioneirismo e dedicação do trabalho de levantamento de campo realizado com precisão pelo
arquiteto. A ele devemos, ainda hoje, um dos mais completos e exatos levantamentos sobre os
monumentos da antiga Vila Rica que são, depois de já passados mais de cinquenta anos, bases
documentais de referência para o estudo da arquitetura religiosa setecentista em Minas Gerais
(Figuras 3 e 4).
Por outro lado, algumas vezes o espírito modernista do autor também aparece de
forma incisiva na avaliação crítica das plantas e fachadas das igrejas, como identificamos na
análise negativa que ele faz sobre a nave poligonal formada por retábulos de madeira
trabalhada da Matriz de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto:
A forma poligonal da nave da matriz do Pilar nada tem a ver com a estrutura do
edifício. No interior do recinto quadrangular formado pelas espessas paredes
laterais e pelas do côro e do arco-cruzeiro (todas de alvenaria, menos esta última
que é de taipa de pilão), foi acrescentada outra estrutura por assim dizer postiça, ou
pelo menos com função meramente subsidiária da principal (constituída pelas
paredes). Essa estrutura, que dá à planta a forma poligonal, é toda de madeira e os
pesados esteios de que é formada suporiam a armação dos retábulos (que vestem a
nave de ambos os lados) e as tribunas, prolongando-se até à cobertura. O divórcio
entre a estrutura do edifício e a nave, visando efeito meramente decorativo,
valorizando a forma com sacrifício da função, revela grande falha de arquitetura,
que não se observa, por exemplo, na igreja do Rosário, em que a nave tendo forma
oval, também a têm as paredes que constituem a estrutura do edifício. (SANTOS,
1951, p.43)
102
Diante dessas constatações, podemos dizer que é explícito no discurso de Paulo Santos
(como não poderia ser diferente) uma boa dose de dogmatismo modernista, alavancada a
partir de certos conceitos baseados numa defesa exagerada de um funcionalismo ingênuo que
condenava, como vimos, a presença de um elemento “postiço” do interior da igreja do Pilar
em Vila Rica, e que acaba sendo, na verdade, o discurso conceitual básico para sua
interpretação sobre a arquitetura colonial brasileira, com pequenas variações para o caso
mineiro. Paulo Santos, como a maioria dos trabalhos ligados aos modernistas do IPHAN, não
chega a estabelecer uma conexão clara com a cultura arquitetônica vigente nas Minas Gerais
setecentistas, mas não é indiferente a uma provável relação – que ele não consegue
estabelecer com precisão – entre algumas plantas das igrejas austríacas e bávaras com igrejas
cariocas e mineiras, como Nossa Senhora da Glória do Outeiro e São Pedro dos Clérigos, no
Rio de Janeiro, e a Matriz de Nossa Senhora do Pilar e Nossa Senhora do Rosário, em Ouro
Preto, deixando as respostas para a análise dos futuros pesquisadores.
Lourival Gomes Machado, dentre os críticos ligados à primeira geração modernista
que estudaram arte colonial brasileira, é certamente o mais erudito. Bacharel em direito,
cientista social e doutor em Política, atuou, inicialmente, como crítico de arte para o jornal “O
Estado de São Paulo”. Após alguns anos de produção científica de alta qualidade, acabou
enveredando para os caminhos da administração pública, chegando inclusive a ser diretor
executivo do Museu de Arte Moderna de São Paulo, da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo e do Departamento de Assuntos Culturais da
UNESCO, em 1945. Sua produção sobre a arquitetura setecentista mineira situa-se entre os
finais da década de 40 e meados dos anos 50, com estudos e ensaios veiculados, em grande,
parte pela imprensa paulista. Diferentemente de outros pesquisadores da sua época, como
Lucio Costa, Paulo Santos e Sylvio de Vasconcellos, Lourival Gomes Machado era cientista
103
social de formação e por isso tinha uma outra linguagem de análise científica e metodológica
em relação aos outros três, todos arquitetos, o que possibilitou a ele um rigor acadêmico
diferenciado nas suas abordagens sobre o tema da arquitetura colonial mineira.
Após sua morte precoce com apenas 43 anos, coube a Francisco lglésias reunir seus
principais textos sobre a teoria do Barroco, e principalmente, sobre o Barroco mineiro em um
livro que se tornaria um clássico sobre o tema, cujo título é “Barroco mineiro” (MACHADO,
1973), onde estão registrados os textos com as principais pontos de vista críticos defendidos
pelo autor sobre a temática do Barroco setecentista mineiro. Nestes ensaios, Lourival Gomes
Machado dá prosseguimento a uma tendência comum já defendida em diversos textos
anteriores sobre a arquitetura setecentista mineira que trabalharam a idéia de que as diversas
manifestações barrocas provenientes da região aurífera no decurso do século XVIII possuíam
uma certa coesão compositiva e uma relativa independência plástica em relação ao processo
evolutivo da arquitetura do litoral brasileiros.
23
Dessa idéia básica surge a concepção teórica,
hoje bastante desgastada, da autenticidade do chamado “Barroco mineiro” como um
“movimento” à parte e sem conexão mais diretas com o cenário da arte nacional do período
24
.
Neste sentido, o trabalho de Lourival Gomes Machado ancora-se na avaliação crítica
sobre o diferencial estético das obras vinculadas ao ciclo do ouro, visando identificar alguns
princípios gerais que estão presentes na sua qualificação artística, trabalhando
fundamentalmente conceitos como sua pretensa originalidade e a sua inserção no seio da
cultura barroca.
23
A maioria dos autores que trabalharam sobre arte e arquitetura setecentista em Minas Gerais neste período
defendia essa idéia de independência plástica em relação à produção do litoral baseados, na maioria das vezes,
em argumentos como a dificuldade de exportação de quaisquer materiais da metrópole, a não existência de
Ordens Monásticas e a fraca presença de mão-de-obra mais especializada na construção, como arquitetos ou
engenheiros-militares, que possibilitaram um rompimento formal com a tradição construtiva portuguesa.
24
Segundo o autor: “Numa palavra, os intérpretes da vida das Gerais não exageram ao aludirem a uma ‘zona
do ouro’ ou a um ‘ciclo do ouro’, – em toda a região parece patente um mesmo teor cultural que permite a
sempre arriscada operação simplificada pela qual os sociólogos assimilam certos grupos geograficamente
distintos numa mesma sociedade global”. (MACHADO, 1973, p.100)
104
A partir do texto “O Barroco e o Absolutismo” (MACHADO, 1978), publicado
originalmente em 1949, Lourival Gomes Machado procura desenvolver uma verdadeira teoria
do “Barroco mineiro”, partindo fundamentalmente da uma metodologia que compara a
arquitetura e a paisagem ouropretana com os conceitos trabalhados pelo crítico germânico
Leo Balet
25
. Na obra de Machado, a escolha de Balet como balizador teórico para sua análise
do Barroco em Minas, deve-se, no nosso ponto de vista, em grande parte à sua formação em
ciências humanas, já que a teoria de Balet trabalhava com um discurso que inter-relacionava a
questão política e social com as respostas plásticas oferecidas pelas manifestações artísticas.
A partir do parâmetro teórico fundamentado em Balet, Lourival Gomes Machado passa a
buscar nas obras do Barroco mineiro, principalmente nas igrejas, a representatividade que as
caracterizavam como as mais importantes estruturas transmissoras do espírito barroco na
paisagem de Ouro Preto e lança a hipótese de serem possuidoras de um esforço de
representação do poder político da Coroa Portuguesa. Segundo palavras do autor, neste
sentido:
Deveremos, portanto, restringir-nos ao maior passo teórico, pesquisando apenas as
relações entre o barroco e o absolutismo: se há uma permanência do barroco em
Minas, dever-se-á ela à permanência do elemento absolutista? E, mais, se for
afirmativa a resposta, quais os fatores responsáveis pelas sensíveis mutações
sofridas pelo estilo? Interessando-nos particularmente as relações entre o político e
o estético, tais como se enunciam na tese da conexão entre o barroco e o
absolutismo, por certo admitimos possibilidades de variações especiais e locais da
vida coletiva, das expressões pessoais ou grupais de poder, mando e prestígio, e até
variações do sistema organizado de administração estatal, – todos esses fatores
poderão entrar em correlação ou paralelismo com a grande causa – o absolutismo
– para determinar o aparecimento de um barroco de caracteres especiais.
(MACHADO, 1973, p.118)
Na avaliação deste processo, Lourival Gomes Machado também destaca o papel
fundamental da composição artística dos principais monumentos em resposta à presença do
25
Crítico alemão que desenvolveu, ao lado de outros autores como Heinrich Wölfflin e Max Dvorak, uma linha
de teorias para a caracterização universal do fenômeno barroco, que tiveram grande aceitação no início do século
XX.
105
regime absolutista na região. Entretanto, ainda que o autor não encontre uma relação direta
entre a arquitetura e o poder absolutista exercido pela Metrópole na capital da antiga
Capitania de Minas Gerais – o que o levará a contestar a idéia pré-estabelecida do Barroco
como “estilo” do Absolutismo – por outro lado, no nosso modo de ver, o autor intui
corretamente ao abrir a possibilidade sobre o problema da incorporação do Absolustismo na
região, vinculada à possibilidade de transgressão das regras sociais vigentes no “Antigo
Regime”, sem que isso fosse algo totalmente incomum dentro daquela sociedade. Essa
hipótese – como mais tarde irá demonstrar Marco Antônio Silveira no seu “O universo do
indistinto” (SILVEIRA, 1997) – será uma tendência importante a se investigar para se
entender a modificação dos padrões da cultura arquitetônica portuguesa em Minas Gerais.
Referindo-se, dentro dessa visão política anteriormente defendida, especificamente às
disputa entre as Irmandades e Ordens Terceiras de caráter leigo que povoam o cenário de
Ouro Preto e da região das Minas, salienta ainda o autor que a criação das duas freguesias do
Pilar e de Antônio Dias na antiga Vila Rica fazia nascer o ideal de disputa absolutista no
espaço demarcado. Outras freguesias, isoladas geograficamente, como a atual praça
Tiradentes, estavam ligadas a uma idéia de ambiente “neutro” que significava o único baluarte
do poder lusitano em toda a antiga Vila Rica. Dentro desse quadro, é justificável, na visão do
autor, o aparecimento de uma intensa busca pela ostentação da mais expressiva carga
dramática no espaço urbano, anunciada na arquitetura das igrejas e, principalmente, na sua
relação com a paisagem monumental.
A partir da construção conceitual da afinidade indissociável entre a paisagem
ouropretana e a arquitetura, o autor passa a trabalhar mais especificamente a questão que
norteia a natureza dos eventos artísticos ligados ao “espírito” barroco (Figura 5). Lourival
Gomes Machado abre a possibilidade de interpretação do espaço colonial como gerador dessa
particularidade. Neste sentido, para o autor, a genialidade da arquitetura mineira setecentista
106
não está na questão artística ou estética, mas na articulação exterior das igrejas, que deve ser
explicada pela diferenciação e contraste da arquitetura religiosa com o ambiente natural. Para
sustentar essa afirmação, o autor chega a afirmar que não existe mesmo nenhum apuro
arquitetônico ou decorativo no exterior dos edifícios.
Neste sentido, apesar de não estar comprometido abertamente com a arquitetura
moderna, o juízo do autor sobre os edifícios religiosos mineiros não deixa dúvidas sobre a
influência dos críticos modernistas anteriormente estudados. A idéia da simplicidade
detectada na composição das fachadas das igrejas do ciclo do ouro afirma atitude de
valorização de caráter funcionalista de uma coerência entre o partido essencialmente utilitário
dos templos mineiros e a recusa da atitude gratuita de decorativismo e dissimulação do
Barroco europeu. Essa colocação, segundo o ponto de vista de Machado, afastaria a
arquitetura mineira da arrogância virtuosa exposta na “agitação sem fim” da arquitetura
barroca da Itália ou da Alemanha
26
. Segundo a visão de Machado, o caráter barroco dessas
obras fica retido nos domínios do espaço interior do edifício e, principalmente, na própria
implantação das construções religiosas, ou seja, no contraste das suas fachadas lisas, planas e
alvas com o sítio monumental e com o céu azul, sem que competisse com a “natureza
ciclópica” da paisagem de Ouro Preto (Figuras 6 e 7).
Essa visão pragmática e de pureza plástica empreendida por Machado, no entanto, não
procede. Bastaria lembrarmos, no caso de Ouro Preto, das mais importantes realizações
arquitetônicas da segunda metade do século XVIII. Estas vão explicitamente gerar
26
Na visão do autor o que separaria o barroco europeu e a originalidade da versão mineira do Barroco, está
sobretudo ancorada se atentarmos para a formalística decorativa, onde encontraremos as mesmas linhas, ritmos e
princípios de composição europeus, mas já é um barroco diferente, sobretudo em contraposição aos padrões
italianos de onde emana a estilística que inspirou toda a Europa e, também, a América. Neste sentido, a
particularidade mineira do Barroco, segundo o autor, seria construída a partir de uma inteira coerência entre os
elementos utilitários e os puramente ornamentais, o que faz desaparecer um dos traços apontados como centrais
no barroco europeu, que é a intensidade despótica do decorativismo, o único elemento artístico capaz de levar à
plena gratuidade, ao virtuosismo e às principais formas do esplendor. Ver mais detalhes em MACHADO, 1973,
p.117-118.
107
composições de alto teor dramático em virtude da sua movimentada atitude plástica que
ostenta o volume exterior do edifício. Igrejas como a de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos,
São Francisco de Assis e Nossa Senhora do Carmo, todas em Ouro Preto, rompem
definitivamente com esta tipologia contida e singela das primeiras matrizes, despontando no
século XVIII mineiro como uma das manifestações mais arrojadas do Barroco luso-brasileiro.
Neste sentido, ao contrário do que propõe Machado, no nosso modo de ver a questão, essa
arquitetura oferece a oportunidade de revelação do orgulho local e da disputa entre os grupos
de irmandades leigas, totalmente identificadas com as tradições próprias do povo das Minas
Gerais.
Nas conclusões finais da sua obra, entretanto, Lourival Gomes Machado propõe um
balanço mais coerente da diversidade da arte e da arquitetura setecentista mineira, que nos
parece responder com mais serenidade à relação entre criatividade artística e estrutura política
e social. Neste sentido, suas palavras parecem, na nossa maneira de enxergar a questão, ir
numa direção mais próxima de uma visão contemporânea e de uma hipótese mais sensata:
Examinando o caso concreto das construções religiosas da zona da mineração do
ouro em Minas Gerais, chegamos a uma conclusão à qual não falta certo acento
inesperado; encontramos a permanência do barroco e, por certo, a constante
presença do absolutismo português, mas, entre um e outro não mais a mesma
forçada relação que apontavam os teóricos europeus, pois, se o absolutismo ainda
aparece como um dos motivos da preservação do estilo, este não só deve sua vida
ainda a outros fatores, senão também adquire feições nitidamente antiabsolutistas.
Como causas prováveis dessa notável vocação, podemos apontar certos fatores de
ordem social responsáveis pelo estabelecimento e desenvolvimento de instituições
intermediárias entre a política e a organização social espontânea, que conseguiram
resumar competições naturais subjacentes e quando orientaram e conduziram
manifestações artísticas, exprimiram tendências e representações coletivas,
correspondendo antes aos grupos locais do que às necessidades do poder político.
Tais fatores possibilitaram a fixação de uma nova estética do barroco.
(MACHADO, 1973, p.144)
Sylvio de Vasconcellos, dentre os modernistas, é o único mineiro que tem uma
publicação científica específica sobre o problema do fenômeno barroco em Minas Gerais,
altamente relevante e significativa. Seu trabalho, de uma maneira geral, congrega todos os
108
temas ligados à história de Minas como um todo, mas com especial atenção às questões
ligadas à produção arquitetônica e à formação urbana das vilas setecentistas mineiras. Sua
produção estende-se desde o final da década de 50 até a década de 70 do século passado.
Como professor da cadeira de Arquitetura Brasileira na Escola de Arquitetura da UFMG de
1948 a 1969, e quase ao mesmo tempo chefe do 13
o
Distrito do IPHAN em Minas Gerais por
um período de mais de vinte anos, a arquitetura colonial mineira foi sempre um dos seus
temas de trabalho preferidos, ao qual dedicou grande parte das suas investigações científicas
na academia.
Vinculado aos ideais modernistas da arquitetura “corbusiana”, sua obra, do ponto de
vista conceitual, também não fugiu ao funcionalismo para a análise crítica da arquitetura, ao
dogmatismo modernista, já presente, como vimos, nas análises sobre a obra de Paulo Santos e
Lourival Gomes Machado. Humanista de formação, a obra de Sylvio de Vasconcellos sobre a
arquitetura setecentista em Minas Gerais é, acima de tudo, uma conjugação de valores
vinculados à historiografia mineira tradicional pela veia familiar ligada a Diogo e Salomão de
Vasconcellos, e aos trabalhos de historiografia do IPHAN via Lucio Costa e Paulo Santos, e
mesmo às idéias dos críticos internacionais pesquisadores da arte luso-brasileira, como
Germain Bazin e Robert Smith.
Na recente coletânea, lançada em 2004 pelo BDMG Cultural, “Sylvio de
Vasconcellos: arquitetura, arte e cidade; textos reunidos” (VASCONCELLOS, 2004),
organizada pela Professora Celina Borges Lemos, temos um panorama da sua produção como
professor e cronista. Nesta estão publicados seus principais textos sobre a arquitetura Barroca
no Brasil: “A arquitetura colonial mineira”, “O Aleijadinho e a consciência da
nacionalidade” e seu último texto-síntese “O Barroco no Brasil”, publicado pela “Revista
Américas” quando já estava exilado nos Estados Unidos.
109
A produção de Sylvio Vasconcellos, frente aos outros autores do período, tem o
grande mérito de conseguir uma síntese conceitualmente bem amarrada entre cultura colonial,
arquitetura e cidade, ainda não atingida plenamente por pesquisas anteriores à sua obra.
Reafirmando sua vinculação às raízes modernistas, o autor também trabalha com exaustão a
defesa da originalidade do “Barroco mineiro”, mais uma vez caracterizado como um episódio
particularizado dentro da arte colonial brasileira. Sylvio de Vasconcellos, no seu trabalho
como pesquisador, do ponto de vista metodológico, inaugura quase que pioneiramente um
método baseado em investigações arquivísticas e no estudo das referências bibliográficas mais
importantes sobre a história das Minas Gerais, que o autor gostava de dividir como dois
lugares distintos: as “Minas”, o lugar ligado à civilização urbana e com limites precisos de
ocupação humana, e as “Gerais”, o sertão ainda não civilizado, e regionalizado pelos vales do
Rio Doce, São Francisco e Parnaíba
27
.
Dentro da sua trajetória intelectual, sua primeira obra significativa é justamente “A
arquitetura particular em Vila Rica”, escrita em 1951 como tese para o concurso à cátedra de
Arquitetura Brasileira da Universidade de Minas Gerais e que foi posteriormente publicada
com o título de “Vila Rica. Formação e desenvolvimento” (VASCONCELLOS, 1977). Neste
trabalho, o autor inicia sua trajetória investigativa ligada à questão da evolução da cidade
colonial mineira e às particularidades de sua arquitetura civil e religiosa no meio sócio-
cultural durante o século XVIII. O autor dedica-se, principalmente, a montar o seu modelo de
explicação teórica sobre o surgimento das cidades coloniais mineiras a partir da existência de
um caminho principal, chamado de “estrada-tronco”, e das conurbações sucessivas que
ocorreram, para explicar a formação do modelo urbano da cidade colonial mineira, dentre
estas, principalmente, a antiga Vila Rica. Estudo à época original e inédito no cenário da
crítica de arquitetura no Brasil, esse trabalho teve grande relevância no meio acadêmico.
27
Sobre essas caracterizações ver VASCONCELLOS, 1968.
110
Em “Vila Rica. Formação e desenvolvimento”, Sylvio de Vasconcellos (1977)
trabalha a tese de que não seria verdadeiro classificar como plenamente autênticas a
arquitetura brasileira ou mineira que, no máximo, poderiam ser construções revestidas de um
caráter “luso-brasileiro”, oriundas da adaptação da arquitetura “reinol”, transposta para a
colônia. Entretanto, no decorrer do texto, o autor acaba enveredando-se em um discurso
diferente sobre a qualidade da produção da arte mineira setecentista, vinculada a um desejo
íntimo de conseguir provar o seu valor e a sua autonomia no universo cultural brasileiro.
Defendendo as particularidades sociais e econômicas que produziram o fenômeno da arte
mineira, Sylvio de Vasconcellos, por fim, partiu para a defesa da idéia de que a arquitetura
mineira, adaptando-se a todas as dificuldades impostas pelo meio hostil e pela condição de
isolamento geográfico da região no século XVIII, soube enfrentar e tirar partido das suas
próprias limitações para construir, com um caráter original, suas realizações arquitetônicas.
Estas seriam vinculadas às soluções da tradição construtiva do mundo português, muitas vezes
improvisadas em função das privações do meio
28
.
Quanto às questões ligadas diretamente à arquitetura, estas aparecem mais bem
trabalhadas num texto posterior e mais reflexivo, intitulado “Arquitetura colonial mineira”
(VASCONCELLOS, 2004, p.117-140), onde o autor, de forma genérica, propõe-se a discutir
os modelos civis e religiosos da arquitetura do período colonial em Minas Gerais. A origem
desse texto estrutura-se na busca de um tipo de análise que reúna a interpretação funcional de
28
Sylvio de Vasconcellos também defendeu a hipótese da arquitetura das Minas ser diferenciada daquela do
litoral. No seu discurso faz a seguintes considerações sobre o tema: “[...] paradoxalmente, foram essas mesmas
dificuldades que, em grande parte, possibilitaram a caracterização das construções mineiras, a ponto de lhes
conferir uma fisionomia quase peculiar, razão da existência de uma verdadeira escola mineira, dentro do
quadro geral da arquitetura lusobrasileira. [...]. As realizações litorâneas, no domínio das artes,
desenvolveram-se paulatinamente no decorrer dos séculos, acompanhando lentamente, e com atraso, a evolução
artística européia. As congregações religiosas sediadas na faixa marítima valiam-se freqüentemente dos
modelos, profissionais e orientação metropolitanos. Importavam ainda elementos inteiros das construções:
pedras, altares, imagens, pinturas. Tudo contribuindo para que a arte brasileira litorânea pouco se distinguisse
da portuguesa, da qual constitui uma continuação lógica, quando não cópia autêntica. (VASCONCELLOS,
1977, p.352-353)
111
filiação modernista para a arquitetura civil e a descrição tipológica e plástica para solucionar o
problema da evolução da arquitetura religiosa mineira, além de buscar fundamentar uma
justificativa válida, do ponto de vista sócio-cultural, para as particularidades dessas
manifestações na região das Minas, bastante influenciado pelo pensamento oficial dos
modernistas do IPHAN.
Deixando-se influenciar pelos parâmetros racionalistas já estabelecidos anteriormente
por Lucio Costa em textos ligados à interpretação da arquitetura civil brasileira, o autor
enveredou, no seu trabalho, na comparação da arquitetura doméstica mineira com os ideais
da racionalidade modernista vigente no período da produção de seus textos
29
.
Sobre o fenômeno arquitetônico mineiro setecentista como um todo, a conclusão geral
firmada pelo autor defende a tese de que o processo de construção das igrejas e a evolução do
partido arquitetônico são frutos das relações sociais que regeram o processo de implantação
da igreja mineira nas suas diversas fases. Desta forma, argumenta o autor nos seus textos que
o estudo da arquitetura setecentista mineira não só interessa à arte da construção, mas,
principalmente, às ciências sociais e econômicas
30
. Neste sentido, o termo evolutivo que
Sylvio de Vasconcellos propõe para Minas Gerais busca classificar as quatro etapas de
desenvolvimento da arquitetura religiosa, vinculadas aos quatro momentos de ocupação e
expansão do território, tomando como exemplo a antiga Vila Rica (Figura 8). Essa vinculação
também se estende ao problema do volume de arrecadação do ouro, da segregação social e da
29
Em “Vila Rica. Formação e desenvolvimento”, o autor propõe sobre este tema a seguinte afirmação: “Eis
nossa arquitetura tradicional doméstica. Funcionalmente caracterizando-se pela boa distribuição das plantas:
parte nobre, parte íntima e de serviço, autonomamente entrosadas, plasticamente desativadas e singelas, mas
agenciadas em boas proporções, harmonicamente dispostas. Composições claras, limpas, definidas, bem
moduladas e rítmicas, ostentando uma saúde plástica, no dizer de Lucio Costa. Se lhes falta a ênfase que
civilizações mais apuradas conferiram às suas moradias, será exatamente nessa despretensiosa beleza, nessa
fisionomia não-maquilada, que devemos buscar a sua beleza. Aliás, não é outro o caminho que vem presidindo
as melhores realizações de nossa arquitetura contemporânea.” (VASCONCELLOS, 1977, p.359)
30
Também em “Vila Rica. Formação e Desenvolvimento”, lemos: “Essa correspondência entre a arquitetura
religiosa e o organismo social, nas Minas, nos parece, além de curiosa, muito importante não só para a
compreensão daquela arquitetura de maior vulto que então se concretizou como também, inversamente, para a
reconstituição do desenvolvimento social nela tão bem traduzido.” (VASCONCELLOS, 1977, p.359)
112
busca pela distinção, característica das sociedades do Antigo Regime. Este estudo pode ser
caracterizado por uma metodologia da teoria da arte que acredita na idéia de um pensamento
positivista de nascimento, amadurecimento, apogeu e decadência, aliás defendida em muitos
textos de Lucio Costa sobre arte
31
.
Essa mesma constante aparece na sua proposta de evolução da arquitetura barroca
brasileira, aparece também sistematizada tanto no seu quadro de derivações de fachadas que
faz parte do seu texto: “O Barroco no Brasil” (VASCONCELLOS, 2004, p.93-110; Figura 9)
quanto no “Arquitetura Religiosa” (VASCONCELLOS, 1983b, p.53; Figura 10) onde o autor
reafirma sua crença na linearidade evolutiva, que leva a evolução da arquitetura mineira
dentro de uma lógica cartesiana, das plantas retangulares rumo as plantas curvas ao avançar
do século XVIII.
Seu trabalho, mesmo com alguns problemas do ponto de vista dos estudos
contemporâneos, marcou época na historiografia de arquitetura brasileira e trouxe uma grande
contribuição e unidade a um pensamento sobre a arquitetura brasileira e mineira do século
XVIII, aproximando-se, principalmente, da idéia de que existiu em Minas, em alguns
momentos, uma série de artistas qualificados que conheciam os cânones da arquitetura de
filiação erudita.
No seu objetivo de provar que, ao se afastar do legado arquitetônico do litoral
brasileiro, a arte das Minas assumia uma independência compositiva diferencial que a eleva à
categoria de manifestação artística autenticamente nacional, Sylvio de Vasconcellos também
dará ênfase à teoria da criatividade mulata modernista, buscando comprovar através de vários
31
Em muitos textos elaborados por Lucio Costa sobre problemas ligados à evolução da arte clássica, o mestre
modernista mostra-se profundamente ligado a alguns conceitos da história da arte acadêmica do final do século
XIX e início do XX, com os quais conviveu nos seus anos de estudante na Escola Nacional de Belas Artes, no
Rio Janeiro. (COSTA, 1995)
113
textos sobre a vida de Antônio Francisco Lisboa – o Aleijadinho
32
– a genialidade artística
da arte mineira setecentista. Em sua análise sobre a igreja da Ordem Terceira de São
Francisco de Assis de Ouro Preto, no seu estudo de 1957 sobre Vila Rica, o autor tende a
provar a formação culta do Aleijadinho, que teria projetado o templo, analisando o
frontispício do edifício a partir do traçado regulador associado às regras de proporção áurea
(Figura 11). Segundo o autor:
Toda a fachada da capela de São Francisco de Assis de Ouro Preto enquadra-se
perfeitamente no sistema [traçados reguladores]. Rebatida em plano, fica
compreendida num retângulo áureo, posto ao alto, e se a formos decompondo em
seus vários elementos componentes os encontraremos igualmente enquadrados nas
mesmas proporções. Em consequência, estabelece-se também o princípio do
paralelismo das diagonais. Três partidos, portanto, que comprovariam a erudição
de quem os usou: traçado regulador, a proporção áurea, paralelismo das diagonais.
Podem ser atribuídos à intuição do mestre, a coincidências ocasionais, mas de tal
forma são evidentes, claros, exatos que ou os aceitamos como fruto de
conhecimentos mais profundos ou como resultantes de uma genialidade
excepcional, ambas conclusões muito favoráveis ao artista mineiro.
(VASCONCELLOS, 1977, p.366-367)
Num texto posterior, “Notas sobre a arquitetura religiosa mineira”, de 1951, o autor
ainda voltaria a insistir no tema do eruditismo de São Francisco e de Antônio Francisco
Lisboa:
Antônio Francisco usou a escala humana, o palmo, mas, apesar disto, nos dá os
mesmos efeitos causados pelas obras executadas pela escala ideal, em virtude,
talvez, da perfeição a que atingem as suas composições. Vejamos, porém, como
proporciona a referida fachada da igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto.
Consideramos as suas linhas perimetrais e verificamos que se compõem em
retângulo. Não em retângulo qualquer, porém, exatamente no de proporções
áureas, em que a:b::b:a+b. Não seria fácil, dados os partidos em planta e volume
de nossas igrejas, resolver a composição, porque ela consta de um corpo central e
duas torres laterais que reunidas, dão, quase sempre, pelos dimensionamentos
usuais na época, proporção mais ao quadrado no corpo central, alongado ainda no
sentido horizontal, pelo acréscimo das torres. Todavia, aqui a composição se altera
por completo e introduz-se a inovação do corpo saliente no terço médio da fachada
32
Seu principal trabalho sobre o tema éVida e obra de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho”
(VASCONCELLOS, 1979b). Na “Revista do Conselho Estadual de Cultura” de 1983, editada pelo Conselho
Estadual de Cultura do Estado de Minas Gerais, dedicada ao Aleijadinho, aparecem mais dois estudos de
Vasconcellos sobre o tema: “Vida e arte do Aleijadinho e “Antônio Francisco Lisboa e a nacionalidade”.
114
que, em planta, explicar-se-ia em vestíbulo ou átrio, mas fechado. Por sua vez, este
corpo se enquadra perfeitamente em um retângulo proporcional ao total e, assim,
também de proporções áureas. Verifica-se, pois, que obtido o retângulo inicial, teve
início sua divisão e sub-divisão para enquadrar os vários elementos da fachada.
Primeiro se divide ao meio, eixo horizontal da composição, na altura exata das
linhas principais horizontais de sua fachada, ou sejam, as de sua cornija ou
cimalha. As áreas assim obtidas não são bem proporcionadas quase quadradas,
como numa proporção de cinco para seis. São estes, então, subdivididos em três
retângulos principais resultantes da sub-divisão ao meio da área superior e em três
partes da inferior. Estes novos retângulos correspondem em cima às torres e em
baixo à parte saliente da fachada e são proporcionais ao retângulo inicial e de
proporções áureas. Temos aí definidas as áreas gerais da fachada, só demarcados
os seus principais elementos em plano e, conseqüentemente, em seus volumes.
(VASCONCELLOS, 2004, p. 54)
Em 1979, com a publicação post-mortem do já citado “Vida e obra de Antônio
Francisco Lisboa, o Aleijadinho” (VASCONCELLOS, 1979b), última grande obra de sua
maturidade, Sylvio de Vasconcellos, revendo posições iniciais da sua obra, chega a admitir o
erro na sua posição frente a formação erudita de Antônio Francisco, e acaba contestando a
autoria do Aleijadinho para o risco de São Francisco de Assis de Ouro Preto, o que
consideramos uma posição estranha à sua biografia, frente às suas fortes convicções
anteriores. Neste estudo, para justificar essa mudança no seu pensamento, Sylvio de
Vasconcellos acaba por admitir que um artífice que não poderia ter uma formação sólida,
vivendo em um universo de limitações artísticas, tivesse ciência de mecanismos compositivos
tão avançados como as proporções áureas e os traçados reguladores, sistemas de articulação
plástica encontrados na concepção da fachada principal da igreja. Segundo suas palavras:
[...] na capela de São Francisco de Vila Rica empregaram-se novas e velhas
soluções arquitetônicas e decorativas, de diversas origens. Podem ser identificadas,
na construção, curvaturas borromínicas, colunas vignolescas, terraços florentinos,
ornatos heráldicos, relevos goticistas e renascentistas em paralelo, embora o
conjunto permaneça coerentemente barroco.
Esta diversidade de fontes de inspiração e as inovações que a referida capela
incorporou coadunam-se com a personalidade de Antônio Francisco, mas sua
sujeição a partidos eruditos regrados, estranhos ao meio, admitem, por outro lado,
a hipótese de ter sido seu projeto orientado por outro profissional, mais
familiarizado com os modelos europeus em voga. (VASCONCELLOS, 1979b, p.75)
115
No nosso modo de ver a questão, a mudança de opinião de Sylvio de Vasconcellos
está ligada ao paradoxo de admitir que existia, na região de Minas Gerais, uma circularidade
de informações sobre arte e arquitetura que permitiria um arquiteto talentoso como Antônio
Francisco lidar com essas regras contidas na tratadística usual do século XVII e XVIII. Para
admitir essa presença, Sylvio de Vasconcellos teria que abrir mão de uma boa parte da sua
teoria sobre a criatividade mineira. Neste sentido, como num determinado ponto de evolução
dos estudos sobre a arte e arquitetura mineira essas relações pareciam inconciliáveis, ele
preferiu abrir mão da erudição do Aleijadinho que das suas teorias da criatividade mulata. Se
Sylvio de Vasconcellos não fosse um pesquisador tão apaixonado pela originalidade da arte
mulata, fatalmente sua obra teria avançado mais em relação aos estudos da cultura
arquitetônica no século XVIII, buscando a idéia de sua circularidade cultural.
A cassação e seu auto-exílio do Brasil em função do golpe de 1964, acabou pondo fim
à carreira acadêmica de Sylvio de Vasconcellos e à vitalidade da sua linha de pesquisa em
Minas Gerais. Ainda que, posteriormente, os trabalhos da Professora Suzy de Mello
33
tentassem manter, de alguma forma, sua presença viva dentro da Escola de Arquitetura da
UFMG, algo maior, ligado talvez ao carisma e à personalidade forte de Sylvio de
Vasconcellos, tinha se ido com ele, não deixando legado à altura da sua criatividade
intelectual. Com isso, a produção nessa área nunca mais teve o mesmo peso que antes,
abrindo assim, uma longa lacuna no ambiente acadêmico mineiro nessa área de pesquisa, que
durou até poucos anos atrás, quando uma nova geração de pesquisadores, agora mais ligados a
história da arte e a história cultural, resgatou novamente esse tema de estudo.
Como conclusão, após a análise destas quatro visões modernas sobre o fenômeno da
arquitetura setecentista mineira, podemos dizer que, definitivamente, foi Sylvio de
33
A Professora Suzy de Mello foi aluna e assistente de Sylvio de Vasconcellos na Escola de Arquitetura da
UFMG. Entre seus trabalhos destaca-se “Barroco mineiro” (MELLO, 1985).
116
Vasconcellos o que mais contribuiu para o desenvolvimento de uma metodologia de análise
mais pertinente sobre as bases da cultura arquitetônica em Minas Gerais no século XVIII,
avançando inclusive sobre um processo de análise estética amadurecida. Como vimos,
reconhece que a não-autoria do Aleijadinho em São Francisco de Assis de Ouro Preto não
diminuía a qualidade estética de sua obra. Neste sentido, Sylvio de Vasconcellos consegue
desenvolver, como poucos na sua época, uma análise de arquitetura apurada e uma apreciação
indiscutível da boa formação cultural dos artistas e arquitetos mineiros, além de prosseguir na
análise de Lourival Gomes Machado e intuir a produção da arquitetura mineira como um
processo cultural mais amplo que envolvia a questão social, econômica, urbana, arquitetônica
e artística, dentro de uma equação com o mesmo denominador.
116
1.3.2. A perspectiva dos críticos estrangeiros sobre a arquitetura religiosa mineira
questão da arquitetura religiosa setecentista mineira também levantou o
interesse de pesquisa de estudiosos estrangeiros de significativa
representatividade no universo da critica de arte mundial, que inicialmente se interessaram
pelo estudo da produção do Barroco ibérico e, num momento posterior, do Brasil,
principalmente da região de Minas Gerais. Publicados a partir do final da década de 40 até o
início da década de 60 do século passado, esses estudos trouxeram, sem dúvida alguma, novas
perspectivas para a crítica de arte brasileira, sem no entanto conseguirem deixar de se
contaminar, em menor ou maior parte, pela política oficial vigente sobre a arte colonial
brasileira do período.
Neste sentido, os trabalhos sobre arte e a arquitetura dos séculos XVII e XVIII no
Brasil dos críticos de arte estrangeiros Robert Smith (americano), John Bury (inglês) e
Germain Bazin (francês), ainda hoje, passados 50 anos de sua publicação, são obras de
referência fundamentais sobre o tema no Brasil e em Minas Gerais. A relevância destes
trabalhos para a crítica de arte no Brasil pode ser avaliada a partir das palavras da crítica
Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira no prefácio da republicação dos textos de Bury em
1991, organizado pela conhecida pesquisadora: “A moderna historiografia da arte brasileira
do período colonial foi marcada nas décadas de 40 e 60 por três importantes nomes de
autores estrangeiros: o francês Germain Bazin, o norte-americano Robert Chester Smith e o
inglês John Bernard Bury.” (BURY, 1991, p.9)
Em relação aos textos produzidos por esses autores, infelizmente, até o final da década
de 60 do século passado, a maioria ainda não tinha sido traduzida para o português, tornando-
os quase inacessíveis a grande parte do público brasileiro. Somente a partir da década de 70,
A
117
com a publicação em português dos dois clássicos de Bazin "O Aleijadinho e a escultura
barroca no Brasil” (BAZIN, 1971), escrito em 1963 e publicado aqui em 1971, e de "A
arquitetura religiosa barroca no Brasil” (BAZIN, 1983), editado na França em 1958 e só
traduzido para o português em 1983, um pouco dessa lacuna foi suprimida, embora uma série
de importantes ensaios em periódicos escritos por Bazin sobre o tema nunca tenham sido
publicados em português. Mesmo assim, podemos dizer que Germain Bazin está entre os
pesquisadores estrangeiros da arquitetura colonial brasileira que mais tiveram reconhecimento
no meio intelectual brasileiro, muito em função, no nosso modo de ver, do apoio que deu às
diversas teses dos historiadores do IPHAN.
Cidadão francês, historiador da arte, Bazin ocupava, na época da sua produção sobre a
arquitetura brasileira setecentista, o prestigiado cargo de conservador-chefe do Museu do
Louvre. No período de sua estada no Brasil, nos anos do pós-guerra, acabou impressionando-
se com a arquitetura das igrejas barrocas com as quais teve contato, o que propiciou o início
de seus estudos sobre a arte produzida nos séculos XVII e XVIII, que o tornaram um dos
mais respeitados pesquisadores do Barroco mundial. Nos seus dois livros sobre a arquitetura
produzida nos séculos XVII e XVIII no Brasil, citados anteriormente, Bazin acaba por fazer
um gigantesco estudo sobre a arquitetura produzida em todas as regiões brasileiras, com uma
ênfase especial na arquitetura setecentista mineira e na obra atribuída ao Aleijadinho.
No seu primeiro trabalho (BAZIN, 1983), o autor constrói uma obra de referência até
hoje fundamental para o estudo da arquitetura do período barroco brasileiro, principalmente
pela criteriosa compilação dos dados históricos fornecidos pelo IPHAN sobre os
monumentos, reunida no volume II da sua obra, e também pelo esforço empreendido para a
classificação não só da arte jesuítica, mas de outros “movimentos” importantes do período
colonial brasileiro que se tornaram clássicos, como a “escola franciscana do Nordeste”, a
construção da arquitetura das paróquias e irmandades da Bahia e Pernambuco no século
118
XVIII, as igrejas setecentistas do Rio de janeiro e, principalmente, as realizações
arquitetônicas em Minas, com seus arquitetos e construtores portugueses e a obra do
Aleijadinho.
Nos seus dois trabalhos, a crítica de Bazin é empreendida, principalmente, sobre a
análise dos objetos arquitetônicos religiosos, construída sobre os aspectos funcionais,
ornamentais e tipológicos. Esse tipo de análise é justificada pelo autor na introdução de
“Arquitetura religiosa barroca no Brasil” (BAZIN, 1983), onde o mesmo propõe a leitura
dos interiores revestidos de ouro das igrejas brasileiras como agentes da mais pura experiência
dramática, conceito mais tarde exemplificado no livro onde o autor discute a carreira artística
de Antônio Francisco Lisboa:
Na segunda metade do século XVII, a arte luso-brasileira havia criado um tipo de
edifício cultural cujos elementos, o plano e a elevação, eram dominados pelo
funcionalismo: a igreja com corredores, monumento quadrangular, de volumes
simples e superfícies lisas, que exteriormente ofereciam apenas um único ponto com
arquitetura ornamentada: o frontispício; a escultura só era utilizada em sua forma
puramente ornamental, sem recorrer à alegoria. Quanto ao interior, era uma
espécie de caixa preparada para a ornamentação trazida pelo entalhador. Este,
sentindo-se em liberdade, sem o controle de um arquiteto, acabou por tomar conta
de todo o espaço interno, que revestiu de uma espécie de floresta tropical de
acantos em madeira dourada, de tal maneira que as contradições próprias na arte
lusitana chegaram a este paradoxo: uma decoração barroca numa arquitetura
clássica. [...] Assim, a igreja brasileira exprime, melhor talvez do que qualquer
outra – pelo menos a dos primeiros tempos – essa introversão da alma cristã,
desprezando os exteriores e toda voltada para sua riqueza íntima.” (BAZIN, 1971,
p.140-141)
Esta concepção de Bazin, ancorada na aliança entre arquitetura e decoração no espaço
interior das igrejas, norteará a análise de todos os objetos por ele selecionados, privilegiando
uma crítica constituída a partir da apreensão geral do edifício, da avaliação estética da unidade
indivisível das igrejas e dos conventos.
Trabalhando com uma estratégia de análise crítica semelhante nas suas duas obras,
após discutir as condições históricas, sociais e os métodos construtivos adotados para a ereção
dos monumentos, Bazin passa a considerar independentemente as etapas em que divide a
119
arquitetura religiosa brasileira, incentivando a divisão do edifício para análise em categorias
tipológicas diversas, separando o edifício em plantas, fachadas e ornamentação. O trabalho de
Bazin, neste sentido, acaba persistindo mais uma vez no esquema básico da crítica à arte
colonial brasileiras já analisado nos outros autores anteriormente estudados.
A obra de Bazin também se apresenta repleta de influências dos cânones modernistas,
principalmente sobre a evolução tipológica da arquitetura mineira, além da presença marcante
da proposta de evolução tipológica, onde São Francisco de Ouro Preto aparece como a obra-
prima do Aleijadinho e o ápice de uma evolução lógica dentro da arquitetura setecentista
mineira (Figura 12). Essa tendência a incorporar a visão oficial das teses mulatistas da antiga
da intelectualidade do IPHAN, faz o autor entrar em diversas contradições quando analisa a
obra arquitetônica do Aleijadinho. Pela importância para os objetivos desse trabalho,
passamos a citar o texto na íntegra, a fim de demonstrar as contradições do mesmo:
O frontispício da matriz (mais tarde, sé) de Mariana, projetado em 1734, transpõe
para pedra o tipo da fachada-templo. O primeiro frontispício que apresenta um
esforço para romper com essa ordem rígida é o de Santa Efigênia, o qual, sem
dúvida, foi trabalhado por volta do ano de 1740. Talvez ele deva ser atribuído a
Manuel Francisco Lisboa, que em 1743-1744 recebe da irmandade uma pequena
soma (duas oitavas) “de fazer apontamento por as portas da capela”, o que pode
indicar que ele foi consultado sobre um projeto já feito. Em todo caso, esse
frontispício, no seu conjunto, deixa prever, por toda uma série de detalhes, a
aparição da arte nova: o ligeiro recuo das torres em relação à fachada, seus
ângulos mortos, o original coroamento dos seus cimos por uma pirâmide disposta
sobre um capitel jônico, o emprego de uma ordem rica – a ordem jônica – o alto
frontão barroco em volutas, óculos em trevo, formando o motivo central e abrindo-
se em semicírculo sobre o frontão. Estranha, no entanto, é a portada, cujo desenho
evoca ainda o século XVII. Quanto ao nicho, coroado por duas volutas e uma
concha entre a porta e o olho-de-boi, foi, evidentemente, objeto de uma
modificação. Essa fachada permanece um enigma, pois a cruz que a domina traz a
data de 1785, mas em 1762 trabalhou-se aí, certamente. Na sua relativa
simplicidade, a fachada de Santa Efigênia oferece, no esquema geral, uma
semelhança evidente com a do Carmo, de Ouro Preto, apesar da modernização e
enriquecimento por que esta passou, certamente sob a influência do Aleijadinho.
Como em Santa Efigênia, aqui se empregou a ordem jônica e não somente na
fachada, mas também nas elevações laterais do edifício. Não podemos deixar de
lembrar que, segundo o vereador de Mariana, Manuel Francisco Lisboa teria
construído a Santa Casa da Misericórdia de Ouro Preto ‘com ar jônico’, o que
parece indicar, de sua parte, um certo gosto por essa ordem, que também seu filho
viria a adotar no exterior da igreja de São Francisco. Como, a seguir, é
principalmente a compósita que terá o favor dos arquitetos, é curioso verificar que
em Minas as três ordens gregas – dórica (em sua variedade toscana), jônica e
120
coríntia (em sua variedade compósita) – sucedem-se no tempo, como na arte antiga,
o que indica uma certa lógica evolutiva nessa arte luso-brasileira.
Para julgar a influência do Aleijadinho na arquitetura de Minas, é preferível
estudar, em seu conjunto, sua obra mais original, e que mais lhe pertence, na qual
ele trabalhou de 1766 até 1792, data da entrega. Erguida de um só fôlego, São
Francisco, de Ouro Preto, surge-nos num estilo mais clássico que o Carmo, tal
como ficou depois das modificações que lhe foram feitas em 1770-1771. As
fachadas laterais são bastante sóbrias e dão muito o que pensar com relação a essa
revivescência do Renascimento português que se manifestou em Braga sob o
episcopado de dom Rodrigo de Moura Teles (1704-1728): as janelas retangulares
profundamente alargadas da nave, as gárgulas em forma de cano de canhão no
frontispício, as pilastras jônicas da sacristia, os arcos em plena abóbada sobre
simples imposta das sacadas da capela-mor, estas mesmas sacadas que nos fazem
remontar ao Carmo, de Olinda, traçado no fim do século XVI. A transformação dos
corredores altos em sacadas revela o desejo de suprimir as tribunas, que distraem o
olhar – ainda empregadas por Manuel, no Carmo – a fim de obter, pela redução do
espaço interior, uma concentração de efeitos, característica do estilo do
Aleijadinho.
O modernismo do edifício traduz-se melhor na planta, tornada mais elegante pela
supressão dos corredores da nave, por uma integração melhor dos da capela-mor
ao conjunto, pela incorporação das torres que, em projeção lateral muito
pronunciada, no Carmo, fecham-se para trás no corpo da igreja de São Francisco,
projetando-lhe o frontispício – tal encobrimento das torres é ainda uma tradição
portuguesa antiga, retomada pelo Aleijadinho. Suas formas circulares parecem uma
novidade sem precedentes. Quanto ao frontispício, era, na sua forma primitiva, a do
risco de 1766, mais sóbrio que agora. Com sua ordem jônica na parte inferior, e
toscana na superior, é uma obra de harmonioso efeito arquitetural, concentrando o
efeito ornamental em dois pontos: o medalhão esculpido no cimo e a portada. A
comparação do caderno dos encargos, porém, lavrado em contrato a 27 de
dezembro de 1766, com o do contrato de 8 de outubro de 1774, motivado pelo risco
da nova portada do Aleijadinho, permite facilmente verificarmos que ela era bem
menos importante, apresentando, sem dúvida, poucos elementos esculpidos. Para
encerrar a composição atual, foi preciso recuar lateralmente as duas janelas do
coro. Antes de 1774, a escultura do medalhão de Alverne, expressamente incluída
no contrato de 1766, constituía, portanto, o único destaque da fachada, de caráter,
aliás, puramente plástico, pois os ornamentos concheados que hoje a enfeitam
devem-se à reforma em 1774. Poderíamos, então, imaginar uma fachada de
sobriedade quase plástica, não fosse a posição em ângulo dos campanários,
apresentando no eixo uma pilastra e não uma janela, e esses dois fragmentos de
arquitrave curva dominando as colunas de pedra do Itacolomi, e cujo efeito de
goela aberta é – admitamos – pouco feliz.
Os mínimos detalhes desse monumento são tratados com grande requinte; os vãos
dos campanários são de desenho elegante, ditado por uma espécie de
funcionalismo; cada abertura é feita de duas formas simétricas em relação a um
eixo mediano que põe em relevo o nervo sobre o qual se apóia a armação do sino; o
vão casa-se assim com o traçado geral do sino e do seu contrapeso. As pequenas
pirâmides do cimo das torres derivam das que o arquiteto de Santa Efigênia, sem
dúvida Manuel Francisco Lisboa, plantou sobre os campanários dessa igreja, mas
de proporções audaciosas são mais que simples motivos de coroamento – elas
desempenham o papel de verdadeiras flechas. Quando se olha a igreja de perfil,
admira-se como o Aleijadinho se esforçou em variar a disposição de cada corpo do
edifício: as torres, as naves, a capela-mor, tirando um efeito pitoresco dos
movimentos do telhado, colocando transversalmente a cumeeira da sacristia. Eis
assim um monumento tratado por inteiro como tema arquitetural e não mais urna
edificação ornada de frontispício. (BAZIN, 1971, p.142-143)
121
O discurso de Bazin para defender São Francisco de Ouro Preto como obra-prima do
Aleijadinho, como vimos, leva o autor a trabalhar diversas estratégias cheias de contradições
teóricas. Isto se dá, primeiramente, ao assumir a tese da evolução tipológica do IPHAN sobre
a evolução dos frontispícios, desde a Sé de Mariana , passando por Santa Efigênia e Carmo de
Ouro Preto, para chegar em São Francisco. Como a sua análise não tem espaço para o Rosário
de Ouro Preto, cujo projeto foi atribuído ao português Dr. Antônio Pereira de Souza Calheiros
pelo Vereador Segundo de Mariana e concebido por volta de 1750 – onde, pela primeira vez,
as torres redondas foram empregadas –, esse projeto é simplesmente esquecido. Em segundo
lugar, podemos colocar que o autor, mesmo enfatizando todas as relações desse projeto com
algumas tradições da arquitetura portuguesa quando a relaciona com a arte da chamada
“Escola de Braga” do tempo de dom Rodrigo de Moura Telles, em nenhum momento do texto
Bazin admite a hipótese, frente a esses fatos, desse projeto ter sido feito por um dos mestres
portugueses em atividade nas Minas, mesmo não tendo nenhuma argumentação que
contrariasse essa hipótese como hoje podemos ter. Como terceiro ponto, é notório, na sua
análise, o uso de alguns jargões do discurso moderno como “tema arquitetural”, “fachada de
sobriedade quase plástica” e, principalmente, a sua análise em relação às formas dos
campanários dentro da ótica “a forma segue a função”, que parecem saídos dos textos de
Lucio Costa, Paulo Santos ou Sylvio de Vasconcellos.
Outro problema da obra de Bazin, no nosso ponto de vista, trata-se do nível de
isolamento que a sua obra traz do ponto de vista da arquitetura, se a compararmos com alguns
trabalhos de Robert C. Smith sobre a arquitetura em Portugal no mesmo período. A falta de
uma discussão mais qualificada em relação às formas de produção da arquitetura luso-
brasileira no século XVIII e, principalmente, sobre a abundância das fontes visuais existentes,
sua circularidade e sua importância como fator fundamental para a produção artística, nos
levam a muitos questionamentos. O não aprofundamento nestas questões por um historiador
122
do porte de Bazin, além de ser no mínimo estranho, dá margens a diversas críticas que o
mesmo recebeu de alguns pesquisadores brasileiros, acusando-o, inclusive, de estar dando
lastro científico às teorias da criatividade mulata dos modernistas do antigo IPHAN. Assim, o
trabalho de Bazin, ainda que não deva ser desconsiderado como uma obra de referência, por
ser pioneira e porque trouxe grandes contribuições no nível de proposição crítica sobre as
informações documentais existentes sobre a arte e a arquitetura barroca brasileira, à luz dos
novos conhecimentos sobre o problema da evolução da arquitetura nas Minas Gerais no
século XVIII, deve ser lido e entendido como um trabalho que, de certa forma, foi também
contaminado por muitas das questões funcionalistas e evolutivas defendidas pelos
modernistas do IPHAN.
Roberth Chester Smith nasceu em Cranford, na cidade norte-americana de Detroit.
Formou-se em Belas-Artes pela famosa de Universidade de Harvard, sendo considerado
durante seus período de estudos como um dos seus alunos mais brilhantes alunos de Belas
Artes. Desde o início da sua carreira interessou-se pelo estudo do barroco ibérico luso-
brasileiro tornando-se durante sua carreira um dos seus mais conceituados especialistas.
Como pesquisador seus principais trabalhos foram focados na arte portuguesa do
século XVII e XVIII, concentrando-se nesse país num estudo ampla que varreu desde a arte
da azulejaria, do mobiliário a da arquitetura e principalmente da escultura em madeira. Entre
seus mais importantes trabalhos em Portugal na área da arquitetura estão as monografias
dedicadas aos temas mais relevantes ao estudo e compreensão da arte e da arquitetura
portuguesa do século XVIII.
Sobre a arte e arquitetura no Brasil, Robert Smith, publicou, a partir de 1950, muitos
trabalhos importantes sobre a questão da arquitetura civil e religiosa no Brasil durante o
período colonial, mas com ênfase principalmente na arte e arquitetura do Nordeste, tendo feito
123
mesmo algumas incursões não muito felizes sobre as questões ligadas à história urbana. Seu
trabalho sobre a arquitetura colonial brasileira está longe do nível de profundidade dedicado
pelo autor ao Barroco ibérico, principalmente em Portugal, onde foi como já colocamos um
dos seus principais expoentes. Lá publicou estudos de referência sobre as obras de Nicolau
Nasoni (SMITH, 1967), André Soares (SMITH, 1973a), dentre outros artistas e monumentos
portugueses como o conhecido: “Três estudos bracarenses” (SMITH, 1972).
Num ensaio intitulado “Um projecto frustrado: a arquitetura colonial brasileira”, que
faz parte do livro “Robert C. Smith; a investigação em história de arte” (MOREIRA, 2003),
lançado pela Fundação Calouste Gulbenkian em 2003, em comemoração ao centenário de
nascimento de Robert Smith, o crítico português Rafael Moreira explica as limitações do
trabalho de pesquisa empreendido por Smith no Brasil, enfatizando a incompletude do mesmo
e levantando a hipótese de que a publicação do já citado “Arquitetura religiosa barroca no
Brasil” de Bazin (1983), antes do término do seu trabalho, tenha influenciado o pesquisador
americano a desistir de terminar aquele projeto gigante, já bastante adiantado pelos originais
que se conhece. Segundo Moreira, “[...] o americano tranquilo não podia ignorar os passos
do francês e de reconhecer que eles lhe limitavam o raio de acção.” (MOREIRA, 2003,
p.170), o que negou ao Brasil, segundo o mesmo ensaísta, uma obra muito superior a de
Bazin.
Como historiador, Smith fundamenta sua produção sobre a arte barroca no Brasil na
compreensão da arquitetura lusitana e da arquitetura colonial brasileira, trabalhadas como
fenômenos indissociáveis por meio de categorias de análise dependentes. Ainda que seus
muitos textos sejam praticamente desconhecidos no Brasil e que o mesmo autor não goze da
popularidade de Bazin entre nós, seus estudos sobre arte no Brasil continuam sendo
fundamentais para o estudo da arte luso-brasileira como um todo. Infelizmente, a maioria de
seus textos, produzidos língua inglesa produzidos nas décadas de 40 e 50, continua sendo
124
pouco traduzida, constituindo, assim, um projeto de pesquisa importante a ser empreendido no
Brasil.
Dentre as obras que publicou sobre o Brasil, uma das mais relevantes é o ensaio "A
arquitetura jesuítica no Brasil” (SMITH, 1962), escrito originalmente em 1948, cujo
conteúdo trata da análise de uma série de plantas e fachadas descobertas em 1946 que
retratam muitas das principais construções jesuíticas erguidas no Brasil. Em "A arquitetura
colonial bahiana; alguns aspectos de sua história” (SMITH, 1951), o historiador americano
procura discorrer sobre um grande número de construções baianas do período colonial, com
importantes contribuições no campo da pesquisa ligada à investigação arquivística e
historiográfica. Além disso, temos "Arquitetura civil do período colonial” (SMITH, 1969),
escrito em 1950, e o ensaio sobre a arquitetura baiana intitulado "Arquitetura colonial”
(SMITH, 1955), publicado pela primeira vez, já em português, em 1955. Nestes dois últimos
estudos, sem perder um rigoroso senso seqüencial da história e assumindo uma interpretação
claramente evolutiva, o autor acaba por fazer uma interpretação superficial e genérica de toda
a arquitetura colonial baiana, inclusive a avaliação da própria cidade de Salvador, sendo, mais
uma vez, uma investigação fundada na "descrição" isolada das diversas categorias de análise
tecnológica e tipológica do edifício – materiais, plantas, exterior, interior, etc. Trabalhando
sua análise crítica a partir da impossibilidade de qualquer avanço criativo e de autonomia
artística em terras brasileiras, Smith entendia a produção brasileira como apêndice necessário
da produção portuguesa. Neste sentido, sua interpretação artística do monumento se dava em
função de uma preocupação única com o seu processo formativo. A fim de demonstrar esse
raciocínio selecionamos a análise crítica empreendida por Smith sobra a fachada da igreja dos
Jesuítas de Salvador (Figura 13):
Estes elementos derivam de várias fontes. A dupla ordem de pilastras remonta até
igrejas italianas do século XV, como o da Madonna delle Carceri em Prato, de
125
Giuliano da San Gallo, de 1485. Este motivo, extremamente popular no século XVI,
reaparece no plano de Vignola para a igreja de Gesù em Roma, em 1568. Foi
usado, também, na fachada de S. Roque em Lisboa, terminada em 1573 e muito,
provavelmente, foi esta construção portuguesa a fonte imediata das pilastras da
igreja dos jesuítas da Bahia. Provavelmente inspirou também, as pequenas janelas
retangulares, imediatamente abaixo da primeira cornija da frontaria. [...] As duas
torres idênticas de cada lado da fachada se inspiraram na igreja de S. Vícente de
Lisboa, onde Terzi pela primeira vez usou esta inovação maneirista, que se tornou,
daí em diante, a característica de todas as igrejas importantes de Portugal e do
Brasil. [...] Apesar de estarem as torres da igreja dos jesuítas da Bahia firmemente
postas de cada lado do frontão central, representando assim um passo avante na
evolução da frontaria jesuíta luso-brasileira, têm contudo, desenho quase idêntico
às de Coimbra. (SMITH, 1955, p.33-34)
Nas suas análises, Robert Smith é pouco flexível: mesmo nos episódios da arquitetura
brasileira amplamente celebrados pela história da arte, o autor os absorve como meras
imitações de modelos europeus, como o que acontece quando o autor investiga a procedência
da solução inovadora de algumas igrejas brasileiras setecentistas que assumem uma complexa
conformação volumétrica, dificilmente encontrada em edifícios lusitanos.
Para o historiador americano, a tendência ao movimento, à sinuosidade, à
interpenetração espacial é justificada por uma suposta derivação destas construções a obras de
importância secundária no cenário da arte lusitana, igrejas que nunca poderiam ser
comparadas aos monumentos erigidos em território colonial. Analisando, por exemplo, a
igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia em Salvador (Figura 14), diz o pesquisador
americano: “[...] os corredores laterais e salas se agrupam em tôrno de uma nave de forma
octogonal, sendo o único exemplo na Bahia, de um traçado previamente utilizado em
Pernambuco, no Rio de Janeiro e Minas Gerais, em aparente imitação de protótipos ainda
anteriores de Portugal e dos Açores.” (SMITH, 1955, p.64-65)
Em sua análise em relação à arquitetura, Smith não avança muito além do que já foi
analisado anteriormente, bastando, em sua metodologia de análise arquitetônica, a
estruturação sobre a descrição formal de elementos isolados decorativos do edifício, além de
um discurso bem articulado sobre a origem e a filiação estilística da tipologia e dos elementos
ornamentais presentes, como era comum à crítica de arte do seu tempo. Um bom exemplo
126
desse modelo de análise em voga na obra de Smith é sua interpretação da arquitetura do Paço
dos Governadores no Rio de Janeiro (Figura 15):
O paço dos governadores do Rio de Janeiro, terminado no mesmo ano de 1743,
fornece-nos um dos primeiros exemplos datáveis do emprego de vergas curvas com
molduras acentuadas na arquitetura civil brasileira. [...] Vale lembrar que, ligado
às inovações de Francesco Borromini, nos meados dos seiscentos em Roma, este
motivo foi talvez empregado pela primeira vez em Portugal na fachada do palácio
de Mafra, iniciado em 1717 por João Frederico Ludovice, arquiteto alemão
formado pêlos Jesuítas italianos, que de nôvo o empregou na ábside da Sé de Évora
em 1722. [...] A referida invenção do barroco italiano gozou de preferência no
Brasil até o fim do século XVIII, o que nos valeu grande número de exemplares
ainda existentes, como os portais de pedra da porta à Praça Anchieta n
o
17 em
Salvador, ou das janelas mineiras da Casa dos Contos em Ouro Preto e da Casa de
Câmara em Mariana. (SMITH, 1969, p.101)
Neste sentido, o foco sobre Smith deve ser entendido como limitado, já que seus
trabalhos no Brasil não puderam ser concluídos. Assim, a obra dedicada ao Brasil por Robert
Smith, especificamente sobre o problema do nosso tema de estudo, a cultura arquitetônica em
Minas Gerais no século XVIII, está reunida em apenas um ensaio intitulado “The colonial
architecture of Minas Gerais in Brasil” (SMITH, 1939), publicado em 1939 pela revista “The
College Art Association Architects”, de Chicago. O texto de Smith sobre a arquitetura mineira
é minoria dentro das suas 32 publicações referentes à arte barroca no Brasil e que tratam
preferencialmente dos temas ligados à arquitetura civil e religiosa do Nordeste. Dentro desse
quadro, suas colocações acabam trazendo poucas contribuições ao estudo da arte e da
arquitetura mineira setecentista, já que na época de sua publicação praticamente não existiam
subsídios de fontes primárias que dessem ao autor maior segurança para suas análises. Na
publicação já referida, embora conte com 44 ilustrações, o ensaio acaba sendo ainda uma
interpretação muito superficial e genérica da arquitetura setecentista mineira, analisada, no
nosso modo de entender, ainda como simples derivação das realizações portuguesas,
absorvidas no território colonial e adaptadas à precariedade do meio, não trazendo nenhum
avanço fundamental sobre o tema.
127
Dentro desse quadro, as mais importantes contribuições que Robert Smith pôde dar
para o estudo da cultura arquitetônica setecentista em Minas Gerais, virão, no nosso modo de
ver, da releitura e compatibilização de seus trabalhos sobre a arquitetura portuguesa , seus
arquitetos e forma de produção, com ênfase na região do Porto e de Braga. Nestes trabalhos,
onde Smith teve tempo e apoio para desenvolver uma pesquisa documental pioneira sobre as
fontes que nortearam a arte do período Barroco e Rococó em Portugal, muitas constatações
feitas pelo autor na década de 60 ainda estão em tempo de serem relidas e revalidadas dentro
dos valores vigentes no universo da cultura arquitetura mineira setecentista, e das quais
voltaremos a falar nesse trabalho.
John Bernard Bury, entre os críticos estrangeiros que escreveram sobre o Barroco
brasileiro, sempre foi o menos conhecido, talvez principalmente por não ser um especialista
profissional como Bazin e Smith, ligado profissionalmente a mundo da cultura e das letras.
Cidadão inglês, estudou História em Oxford entre 1935-1938, onde conheceu e interessou-se
pelo estudo do Barroco colonial em Portugal e na Espanha como declarou mais tarde. Com a
eclosão da Segunda Guerra Mundial, abandonou seus planos de estudo sobre o Barroco no
Brasil, só retomados depois da Guerra, quando empregou-se na Shell da América do Sul.
Durante a década de 50 do século passado, veio esporadicamente ao Brasil, mas sempre
viajava a região das Minas, para fazer pesquisas para os trabalhos historiográficos que faziam
parte de seus planos desde os tempos de estudante em Oxford.
Posteriormente, estes trabalhos acabaram sendo publicados no Boletim da própria
Shell entre os anos de 1949 a 1956, sem muita visibilidade por parte da crítica especializada
que o olhava com desconfiança, por não ser ele “exatamente” um profissional da área. Só
recentemente, no início da década de 90 do século passado, sua coletânea de artigos foi
128
reunida e publicada pela editora Nobel, tendo a organização ficado a cargo da professora
Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, o que deu enorme repercussão ao seu trabalho.
Sobre essa importante coletânea de artigos de John Bury, publicada em português pela
primeira vez somente em 1991 com o título de "Arquitetura e arte no Brasil colonial”
(BURY, 1991), é preciso inicialmente enfatizar que a mesma foi a mais importante publicação
sobre a arquitetura mineira setecentista nos últimos 15 anos, sendo seguida em importância
só recentemente com a publicação do livro “O Rococó religioso no Brasil e seus antecedentes
europeus” (OLIVEIRA, 2003a), também de autoria da Professora Myriam Andrade Ribeiro
de Oliveira.
Os artigos de Bury que constam dessa publicação, escritos originalmente em inglês a
partir de ensaios temáticos realizados nos anos 50, tornaram-se assim os primeiros estudos,
depois de quase 20 anos de publicados os trabalhos clássicos de Bazin e dos modernistas do
IPHAN, que propôs novas perspectivas para a análise da arquitetura setecentista mineira. Seus
textos são importantes, principalmente, por apresentarem a questão descolada da “visão
oficial do período”, da genialidade mulata e do fechamento geográfico da região das Minas
Gerais.
Nos ensaios de John Bury, pela primeira vez na historiografia sobre a arte mineira,
aparece um autor que trata da arte e da arquitetura barroca mineira como um fenômeno mais
universal, e não limitado às particularidades do meio, com ênfase em uma cultura
arquitetônica que permeava uma produção internacional. Trabalhando a questão do Barroco
dentro desse contexto mais universal, ligado aos movimentos internacionais vinculados ao
Maneirismo, ao Barroco e ao Rococó internacionais, Bury rompe com a visão mais restrita
dessa produção artística colocada pelos críticos brasileiros.Em textos como “A Arquitetura e a
Arte do Brasil Colonial” pela primeira vez aparece uma associação direta da produção da arte
e da arquitetura brasileira com a tratadística em vigor no período, principalmente Serlio,
129
Vignola, Scamozzi e mesmo o tratado português “Artefactos Simétricos” (Figura 16). Neste
sentido, o trabalho de Bury, em função da sua independência como um crítico de arte amador,
como ele mesmo se coloca, justificou uma obra menos tutelada sobre a arte e arquitetura na
região de Minas Gerais e, sob um determinado ponto de vista, também de postura mais
independente em relação às influências dos modernistas do IPHAN, como podemos ver nas
palavras do pesquisador, no prefácio da sua coletânea:
Logo depois da guerra empreguei-me numa companhia internacional de petróleo e
fui enviado à América do Sul para aprender meu trabalho – produção do petróleo
bruto na Venezuela, refinação em Curaçao e distribuição e marketing no Brasil.
Viajei então por todo o Brasil, visitando todos os Estados, com exceção do Mato
Grosso e do Rio Grande do Sul. Alguns dias de folga no Carnaval e na Semana
Santa possibilitaram minha ida a Belo Horizonte, de onde fiz uma série de
excursões às principais cidades e povoações do século XVIII, incluindo Congonhas
do Campo, Sabará e até mesmo a retirada fazenda da Jaguará (sic), então
propriedade de um inglês chamado Chalmers, cujo filho mais novo, por curiosa
coincidência, havia sido meu oficial comandante em 1941-1942.
Em cada uma de minhas viagens a Minas permanecia vários dias em Ouro Preto.
Uma manhã, por ocasião de minha primeira viagem, tive o privilégio extraordinário
de ver os ossos do Aleijadinho que me foram mostrados, reverentemente, pelo
sacristão da matriz de Antônio Dias, Manuel de Paiva. Em minha segunda viagem
fui convocado pelo cônego Raimundo Trindade à sua residência na rua Direita: ele
queria extrair de mim a promessa de que, se eu escrevesse sobre o Aleijadinho,
trataria com respeito sua memória, sem “sensacionalismos”. Posteriormente, no
Rio de janeiro, uma mensagem similar foi-me transmitida com muito tato pelo
altamente respeitado dr. Rodrigo Melo Franco de Andrade, então diretor (e
fundador) da SPHAN, que eu voltaria a encontrar nove anos mais tarde em Lisboa.
Infelizmente nunca tive a honra de ser apresentado a Lucio Costa, a quem todos os
interessados em arte deviam então a demonstração de que materiais, cores e
aspectos decorativos tradicionais da herança colonial poderiam ser incorporados à
nova arquitetura funcional que se fazia no Brasil na linha de Le Corbusier (nesta
época liderando o mundo) com grande benefício estético dos novos edifícios.
(BURY, 1991, p.11-12)
Buscando nos seus textos trabalhar uma metodologia de interpretação crítica das obras
de arte brasileiras, diferente do que assumiram os autores nacionais, Bury, de forma
despretensiosa mas consistente, conseguiu nos seus trabalhos o mérito de interpretar a arte
colonial não só no contexto do mundo português, mas buscando uma visão mais abrangente.
Neste sentido, relacionou, como já colocamos anteriormente, a produção da arte e da
arquitetura setecentista mineira com as fontes e a produção do que fazia-se de mais
130
significativo em toda a Europa nos períodos Maneirista, Barroco e Rococó, ainda que em
terras brasileiras estas manifestações se impusessem com um certo atraso cronológico.
Outro aspecto relevante da obra de Bury é a compreensão do valor da arte setecentista
mineira, independente de seus modelos europeus. Bury compreendeu o componente de
originalidade brasileiro sem problemas, idéia, como vimos, jamais aceita por Robert Smith.
Dentro das novas análises empreendidas por Bury, é particularmente importante a consciência
que o historiador inglês demonstra em relação à influência do Maneirismo e sobre a ligação
do “estilo” com as primeiras manifestações da arquitetura religiosa em território nacional,
como pode ser comprovado nas palavras do autor:
Os arquitetos do maneirismo estavam portanto empenhados em violar as normas
clássicas, a fim de expurgar de seus edifícios ‘o paganismo’ que seus predecessores
humanistas haviam adotado com idealismo sincero, agora considerado pouco
criterioso. [...] A serenidade da Renascença foi substituída pela inquietação, mas,
enquanto no barroco, igualmente um estilo inquieto, cada tensão é provida de sua
apropriada distensão, os maneiristas deixavam em aberto as tensões criadas.
(BURY, 1991, p.44-45)
Esta consciência teórica sobre os momentos da história da arte vai ser, muitas vezes, o
caminho mais rápido para uma boa interpretação da arquitetura religiosa erguida no período
colonial, principal como fonte de inspiração para os escritos de Bury.
No caso específico do estudo sobre a arte e a arquitetura desenvolvidas no século
XVIII na região de Minas Gerais, Bury não escapa à temática da investigação sobre a obra do
Aleijadinho e da sua possível influência na arquitetura de finais do século XVIII. Seu mais
importante texto dentro desta coletânea, no nosso ponto de vista, é o intitulado “As igrejas
“borromínicas” do Brasil Colonial” (BURY, 1991), onde Bury demonstra a universalidade
dos modelos da arte mineira e desfaz os mitos do isolamento geográfico e da autenticidade
genética da produção de arte e arquitetura mineira. Para demonstrar esse quadro, o autor
desenvolve uma análise fundamentada na ênfase da interpretação tipológica, compositiva,
131
artística e da filiação estilística oriunda de cada monumento. Segundo as palavras do autor,
“O objetivo deste estudo é listar esses monumentos “borromínicos”, analisar sua
composição arquitetônica, examinar a origem de seu estilo e investigar as possíveis fontes de
onde derivam suas diversas características pouco comuns.” (BURY, 1991, p.104)
Dentro desse espírito e não sendo cerceado pelas influências oficiais, o autor parte
para a investigação das origens da arquitetura mineira, buscando as fontes para essa aclamada
erudição compositiva não na originalidade da cultura mulata, como os outros autores
estudados o fizeram, mas nos modelos europeus e no estudo da cultura arquitetônica vigente
nos séculos XVII e XVIII. Assim, após uma leitura crítica das diversas obras enquadrados na
classificação de “borromínicas”, o autor passa a perseguir a suposta origem de algumas
características arquitetônicas presentes nestes edifícios, principalmente a partir da
interpenetração volumétrica manifesta nas igrejas de São Pedro dos Clérigos de Mariana e
Rosário dos Pretos de Ouro Preto, e no uso das torres cilíndricas franqueando os dois lados do
frontispício das igrejas classificadas pelo autor como pertencentes ao “estilo Aleijadinho”
34
.
Para John Bury, a origem formal dessas tipologias está no Piemonte (região ao norte
da Itália), na Áustria, na Baviera (região ao sul da Alemanha) e na Boêmia (região que
compreendia territórios das atuais República Tcheca e Hungria), onde existem exemplos
diversos de plantas curvilíneas (Figura 17) que praticamente inexistem na tradição
portuguesa, e conclui que:
[...] em São Pedro de Mariana e no Rosário de Ouro Preto, uma influência centro-
européia direta parece poder ser claramente detectada. [...] Intimamente
relacionado, se não diretamente derivado de fontes centro-européias e italianas,
trata-se de um episódio exótico, não apenas com relação ao Brasil, mas com todo o
34
O estilo Aleijadinho é a classificação utilizada por John Bury em texto de título análogo, para classificar uma
série de igrejas produzidas na segunda metade do século XVIII em Minas Gerais. Estas, têm como características
comuns na elaboração da sua arquitetura, o uso de elementos formais e escultóricos que historicamente estão
ligados à obra do arquiteto e escultor Antônio Francisco Lisboa: o Aleijadinho, sem que necessariamente sejam
projetos da sua autoria.
132
mundo lusitano, só encontrando paralelo na intervenção do toscano Nasoni na
cidade do Porto. (BURY, 1991, p.128)
No entanto, ainda que demonstre no seu texto um amplo trabalho investigativo sobre
esses modelos europeus para a arte mineira, o autor não é claro em determinar a rota de como
essas informações poderiam ter chegado à região das Minas Gerais. Rodrigo Baeta, na sua
dissertação “Ouro Preto: cidade barroca” (BAETA, 2002), é mais incisivo sobre esta
questão colocada por Bury. Diz Baeta:
Mesmo quando se considera a busca pelas origens de determinadas formas
arquitetônicas como algo objetivo para a história da arte, o método de análise
adotado não se sustenta. Ao acreditar, por exemplo, que a tradição do uso das
torres “roliças” na arquitetura mineira da segunda metade do século XVIII seria
proveniente da igreja paroquial de Orgaz ou do convento de San Juan de Letrán em
Valladolid, ou que teria recebido influência da capela de Santa Katharina, em
Bade, uma cidadezinha perdida no interior da atual República Tcheca, o autor
delata no mínimo uma profunda ingenuidade. Mesmo que isto tenha acontecido, é
um fato insignificante para a apreciação do caráter artístico das obras erguidas em
Minas Gerais, pois as igrejas “borromínicas” não possuem nenhuma aproximação
compositiva com os edifícios “desencravados” por Bury nos mais dispersos e
isolados cenários europeus. (BAETA, 2002, p.72)
Neste sentido, ainda que Bury avance sobre os trabalhos de Bazin, Smith e dos
modernistas do IPHAN sobre as questões relacionadas à originalidade da arte e da arquitetura
produzidas em Minas Gerais no século XVIII, suas conclusões padecem de um arcabouço
histórico mais consistente que viabilize a aceitação plena das suas hipóteses.
Entretanto, ainda que a obra analisada, como a dos outros autores estrangeiros, tenha
algumas limitações, sua contribuição para o estudo da arte e da arquitetura brasileiras foi
fundamental no sentido de abrir novas opções para o entendimento da produção da arquitetura
no Brasil e, principalmente, em Minas Gerais no século XVIII.
133
1.3.3. A perspectiva da crítica contemporânea sobre a arquitetura religiosa mineira
odemos dizer que vai ser principalmente a partir da década de 60 que diversas
linhas de pesquisa irão incorporar-se efetivamente ao cenário da crítica ao
Barroco no Brasil e ao estudo personalizado sobre o universo do fenômeno desenvolvido nas
manifestações culturais das Minas Gerais no século XVIII. A partir deste período, em
substituição à pesquisa engajada ao IPHAN, vemos surgir uma nova geração de
pesquisadores, atuando no contexto regional, com foco mais centrado em universos
específicos de investigação. Isso se deve, principalmente, aos novos pesquisadores terem um
maior compromisso como uma abordagem mais científica e ligada a um padrão metodológico
acadêmico inerente às instituições universitárias. Dentro do campo de estudo ligado ao
fenômeno Barroco em Minas Gerais, com ênfase na sub-área da arquitetura, podemos
identificar pelo menos dois pesquisadores contemporâneos que, de forma mais abrangente,
conseguiram abordar o universo conceitual do Barroco em Minas Gerais: em primeiro lugar, o
poeta mineiro Affonso Ávila, e num momento posterior a Professora Myriam Andrade
Ribeiro de Oliveira.
Affonso Ávila, poeta e ensaísta mineiro, dedicou-se toda a sua carreira de pesquisador
ao estudo do fenômeno do Barroco, com ênfase principalmente nas manifestações em
território mineiro. Pesquisador inicialmente ligado a área da filosofia e letras, foi ao lado de
Hélio Gravatá fundador da importante “Revista Barroco” publicação que tornou-se referência
P
134
nessa área de conhecimento e autor de outros textos fundamentais e de referência ao estudo do
tema
35
.
À obra de Affonso Ávila coube, no nosso modo de ver, o esforço mais consistente de
conceituação do fenômeno Barroco no Brasil nas suas diversas manifestações culturais, com o
foco principalmente na cultura que permeava o ambiente das Minas setecentistas, onde iniciou
esses estudos a partir da área de sua a formação – a literatura – para depois partir para as
pesquisas comparativas nos outros campos artísticos afins. Neste sentido, a obra do poeta e
ensaísta mineiro deteve-se não somente nas questões ligadas a autorias e estilos praticados a
seu tempo, mas partiu para o aprofundamento do universo teórico do fenômeno Barroco como
um todo. Essa abordagem torna-se inovadora no sentido de iniciar uma compreensão menos
fragmentada do fenômeno sócio-cultural mineiro, abrindo caminho para novas abordagens
históricas sobre o período em estudo.
Analisando seu trabalho de um modo global, podemos resumir a sua linha de
investigação em duas categorias diferentes: obras de cunho puramente reflexivo sobre o
“estilo” e ensaios que discorrem sobre temas ligados à produção artística, principalmente a
literária, no período colonial mineiro. Profundo conhecedor do fenômeno Barroco e portador
de uma análise crítica refinada, uma das características marcantes da sua produção é o
reconhecimento da excepcionalidade do chamado “movimento Barroco mineiro” através de
uma nova metodologia que inaugura uma idéia inédita na crítica brasileira daquele período –
“a da unidade conceitual entre as artes” –, exigindo, para isso, um esforço conjunto de
avaliação de todas as manifestações estéticas do século XVIII, inclusive o próprio perfil
psicológico e social do homem barroco. No texto "Atualidade e permanência do Barroco”
(ÁVILA, 1971), o autor expõe uma análise incisiva do seu pensamento crítico sobre o tema:
35
Outros textos importantes sobre o tema escritos pelo autor encontram-se em “Resíduos seiscentistas em
Minas” (ÁVILA, 1967);“Iniciação ao Barroco mineiro” (ÁVILA, 1984); “O lúdico e as projeções do mundo
barroco” (ÁVILA, 1994); “Barroco – teoria e análise” (ÁVILA, 1997).
135
Nosso trabalho, embora centrado no estudo do texto barroco, não se esgota nos
limites do fato literário. Em vez da orientação crítica que, cerceada pelo
preconceito da separação irredutível das artes em compartimentos estanques,
persiste na consideração isolada das manifestações do barroco – e de maneira
especial as do barroco brasileiro –, objetivamos aqui uma interpretação quanto
possível totalizadora dos múltiplos aspectos e enunciados que conjugando-se
estética e historicamente na criação do Seiscentos e seus desdobramentos, tomam
comum às suas diversas expressões um mesmo modo de ver, de sentir, de formar.
Porque somente o enfoque global do fenômeno, inclusive em suas projeções no
comportamento vivencial do homem do período, ensejará o delineamento preciso e
realmente válido de um perfil do barroco. [...] A grandeza do barroco, o que o
distingue e singulariza entre as demais fases da história cultural do ocidente, reside
exatamente na unificadora força de dramaticidade e na simultânea tensão de
agonicidade que nele impulsionam, sustentam e tipificam a concepção tanto do seu
artista, quanto do seu escritor. (ÁVILA, 1994, p.13-14)
Dentro desse quadro, sua produção acaba envolvendo genericamente todas as
realizações artísticas do período. Assim, desde o fim da primeira metade da década de 60 , o
escritor publica uma série de artigos sobre o tema do Barroco que foram reunidos nos dois
volumes “0 lúdico e as projeções do mundo barroco” (ÁVILA, 1994)
36
.
Para Affonso Ávila, para se entender o fenômeno Barroco em Minas Gerais é
imprescindível entender a idéia daquelas manifestações artísticas com o compromisso do
“estilo” com a Contra-Reforma e a expansão mercantilista européia, abre um novo universo
de conquista de fiéis para a igreja renovada, além de oferecer um imenso espaço para seu o
desenvolvimento em território pouco explorado. Assim, o autor defende a idéia que o
“espírito barroco” deve ser encarado independente do contexto geográfico e temporal, mas
fazendo parte da manifestação artística a que está ligado.
Trabalhando sua teoria do Barroco em Minas Gerais a partir dos princípios
desenvolvido e delineados por Wöfflin
37
, aceita a premissa básica do confronto da arte
36
A diferença de datas entre o texto e a publicação justifica-se porque o autor, na publicação mais recente de “O
lúdico e as projeções do mundo Barroco” (1994), reuniu de uma maneira geral em uma única publicação o
melhor da sua produção publicada anteriormente entre 1967 e 1971, além de alguns textos novos e antigos
avulsos. Entre esses textos encontra-se “Atualidade e permanência do Barroco”, que citamos anteriormente.
37
Heinrich Wöfflin foi um dos principais estudiosos do fenômeno do Barroco. Entre suas principais obras estão
Conceitos fundamentais da história da arte” (2006) e “A arte clássica” (1990).
136
barroca com o espírito de pureza e equilíbrio da linguagem clássica. Dos três princípios
fundamentais elaborados por Ávila para explicar esteticamente essas características formais,
certamente o menos comum à crítica tradicional é a idéia do “lúdico”, ligado ao juízo
absorvido pelo autor da relação direta do Barroco com as estruturas de poder que povoam o
mundo ocidental a partir do século XVI: a Contra-Reforma, o Absolutismo, o Mercantilismo.
Dentro dessa conjuntura, para Affonso Ávila, um dos motivos essenciais para o diferencial da
arte produzida em Minas Gerais é exatamente ser produzida dentro deste universo sistemático
de repressão, de controle da própria consciência humana. Assim, a arte barroca em Minas
Gerais surge para extravasar a paixão “irreprimível” do homem através da composição
estética.
O autor, dentro dessas premissas, defende que a singularidade do fenômeno artístico
do Barroco em Minas Gerais está na capacidade da arte na região de Minas poder absorver
uma tonalidade própria, principalmente em função dos condicionantes especiais que
caracterizam o cenário aurífero. Segundo o pensamento do autor aspectos como: a luz, a cor, a
paisagem, a topografia da região montanhosa, os materiais disponíveis, a diversidade étnica
permitiram a gênese de um Barroco autenticamente brasileiro, regido pelos mesmos
princípios essenciais do fenômeno na Europa, mas formalmente inédito.
Finalizando essas colocações, podemos dizer que Affonso Ávila está entre os
pesquisadores da sua geração que construiu um pensamento consistente e muito bem
embasado sobre o tema do Barroco e sobra a arte e arquitetura no século XVIII em Minas
Gerais. Seu trabalho e sua dedicação à causa do estudo do fenômeno Barroco em Minas
Gerais, através das suas pesquisas e, principalmente, do seu trabalho à frente da publicação
da “Revista Barroco” impulsionou e formou uma nova geração de novos pesquisadores sobre
o tema de grande projeção nacional.
137
Dentre os outros pesquisadores contemporâneos do Barroco brasileiro, coube, no
nosso modo de entender, à Professora Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira o esforço mais
constante de construir um trabalho de pesquisa sedimentado e analítico no ramo da
investigação histórica e da crítica da arte no Brasil, que tem impulsionado o universo recente
dos estudos sobre o Barroco no Brasil e em Minas Gerais no campo da História da Arte e da
Arquitetura do século XVIII.
Pesquisadora das mais influentes na área do Barroco luso-brasileiro, Myriam Andrade
Ribeiro de Oliveira, sem ser arquiteta de formação, mas com formação em História pela
UFMG, mestre e doutora em História da Arte pela Universidade de Louvain, na Bélgica, tem
trazido, nas últimas duas décadas – dentro de uma obra vasta que trata das mais variadas
manifestações artísticas do século XVIII em Minas Gerais –, as abordagens mais inovadoras
sobre o problema da arquitetura setecentista em Minas Gerais.
Com uma ampla produção dedicada às principais obras do Barroco brasileiro,
especialmente aquelas ligadas à arquitetura religiosa, a pesquisadora tem trabalhado
exaustivamente a partir da busca dos agentes que teriam concebido e erguido as obras
mineiras do século XVIII, buscando reavaliar a pertinência das atribuições tradicionalmente
aceitas pelos críticos modernos da arte brasileira a partir da comparação do caráter plástico-
compositivo das realizações mais importantes do século do ouro em Minas Gerais e cruzando
esses dados com a filiação estilística de cada autor, com a época em que atuou na região, a sua
procedência e a formação técnica ou teórica que teria sofrido. Crítica assumida da atribuição
de São Francisco de Ouro Preto ao Aleijadinho, a pesquisadora tem defendido em seu
trabalho uma posição contrária frente às teses oficiais dos modernistas do IPHAN para
contestar o “mito” do “Barroco mineiro”.
Neste sentido, em muitos dos seus estudos, Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira tem
demonstrado que a idéia da originalidade das manifestações artísticas da região aurífera está
138
vinculada, como já salientamos inicialmente, à política oficial do IPHAN do tempo dos
modernistas e ao desejo incondicional da vanguarda modernista brasileira de descobrir um
marco inicial de uma “identidade nacional”
38
.
Para o enfrentamento destas idéias “oficiais” sedimentadas, foi fundamental, na
trajetória da autora, a publicação – onde a pesquisadora é a organizadora – dos textos do
crítico inglês John Bury (BURY, 1991), já comentados anteriormente. Para abrir uma
discussão sobre o mito do “Barroco mineiro”, balizado, como vimos, pela obra de Bazin e de
outros intelectuais significativos da cultura brasileira, seria imprescindível que um outro
autor, produzindo no mesmo período textos sobre o Barroco brasileiro com uma visão
bastante diferente, viesse à tona e levantasse algumas questões fundamentais sobre o tema.
A partir dessa publicação, em 1991, a pesquisadora publica em diversas revistas de
circulação nacional e no exterior suas teses sobre o problema da arquitetura setecentista em
Minas Gerais, recuperando uma série de colocações trabalhados no texto de Bury (BURY,
1991). Para a pesquisadora, o problema dos “estilos” arquitetônicos está presente na jornada
artística do século XVIII em Minas Gerais e deve ser colocado dentro do seguinte ponto de
vista:
A expressão “Barroco mineiro”, geralmente aplicada a toda arquitetura religiosa
edificada em Minas setecentista, recobre efetivamente um universo estilístico muito
mais amplo, que vai das construções retangulares da primeira metade do século
XVIII às sinuosas da segunda metade, passando pelas curvilíneas ou de oposição
côncavo-convexas de meados do século. São três estilos arquitetônicos diferentes,
que, em princípio, podem ser relacionados aos três principais estilos da época, no
cenário internacional do período correspondente aos séculos iniciais da nossa
história, ou seja, o Maneirismo, o Barroco e o Rococó. (OLIVEIRA, 1994, p.14)
39
38
Outras publicações da Professora Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira relevantes sobre o tema abordado são
os textos “A arquitetura e as artes plásticas no século XVIII brasileiro” (1985) e “Plantas poligonais e
curvilíneas no Barroco brasileiro” (1993-1996); “Barroco e Rococó na arquitetura religiosa brasileira da
segunda metade do século 18” (2001).
39
Segundo o ponto de vista da autora, apenas oito igrejas curvilíneas estariam enquadradas no universo
estilístico do Barroco, em um cenário de mais de 100 monumentos mineiros: “As famosas igrejas curvilíneas
mineiras, glorificadas pelos autores brasileiros e estrangeiros, são, portanto, a exceção e não a regra, pois, se
considerarmos o volume global das construções religiosas edificadas em Minas no século XVIII, veremos que
139
Embora discordando do termo “Barroco mineiro” para unificar manifestações artísticas
de caráter distinto dentro do século XVIII em Minas Gerais, a pesquisadora não nega a
autenticidade do fenômeno arquitetônico aqui ocorrido, mas abre também possibilidades para
o estudo de novos agentes sociais como construtores dessas particularidades, desviando o foco
de atenção anteriormente direcionado apenas para a figura do Aleijadinho e abrindo o mesmo
para os demais mestres-de-obras portugueses imigrados para a região durante todo o século
XVIII.
É também Myriam Ribeiro quem primeiro propõe, de uma maneira mais incisiva, a
permanente influência dos modelos externos para a arte mineira, rompendo de vez com a idéia
do mito da originalidade mulata e, principalmente, com teses evolutivas propostas de maneira
quase constante, como vimos, pelo “staff” modernista dos pesquisadores vinculados ao
IPHAN. Segundo as palavras da pesquisadora:
Se não há como pôr em dúvida a singularidade da arquitetura do Setecentos
mineiro no cenário da arquitetura luso-brasileira da época, é necessário
reconhecer que aspectos fundamentais dessa singularidade, como as formas
sinuosas das fachadas e as decorações das portadas com relevos escultóricos em
pedra-sabão, já são tipicamente rococós e não, barrocos; sua ocorrência em Minas
deve ser posta em relação com a importação de modelos franceses e germânicos e
não com uma pretendida evolução natural das formas elaborada na própria região,
como estabeleceram os autores anteriormente citados. (OLVEIRA, 1994, p.13)
Mais recentemente, em 2003, depois de anos dedicados à pesquisa da arte e arquitetura
setecentista dentro do próprio IPHAN e como docente na Escola de Belas Artes da UFRJ, a
Professora Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira publicou, como conclusão desse ciclo de
investigações, o livro “O Rococó religioso no Brasil e seus antecendentes europeus”
apenas um número reduzido tem paredes curvas ou torres redondas, marca registrada das igrejas setecentistas
mineiras, desconhecida em outras partes do Brasil e em Portugal. Para citar somente o caso das que são
inscritas nos livros do tombo do Patrimônio Federal, totalizando uma centena de igrejas espalhadas em
diversas regiões do Estado, apenas oito se destacam por essas características.” (OLIVEIRA, 1994, p.14)
140
(OLIVEIRA, 2003a), onde a pesquisadora, num trabalho revisado sobre sua Tese de
Doutoramento, amarra as suas principais idéias sobre o problema das origens da arte do
século XVII e XVIII na Europa e suas transposições e incorporações em países periféricos
como Portugal e suas colônias, como o Brasil.
Partindo do estudo do surgimento do Rococó enquanto estilo de corte e sua expansão na
Europa como estilo também religioso, a autora, seguindo o caminho iniciado por
pesquisadores como Marie-Therèse Mandroux-França e do próprio Robert Smith e ampliando
seu foco, para chamar atenção para a importância das gravuras de arquitetura em circulação
na Europa como fonte de inspiração e modernização cultural para os “arquitetos” erudidos e
amadores em Portugal e suas colônias (Figura 18). Na sua obra mais recente (OLIVEIRA,
2003a), a pesquisadora enfoca o estudo das fontes impressas circulantes na Europa sobre arte
e arquitetura no século XVII e XVIII, conjuntamente com a análise da produção arquitetônica
do período em Portugal e no Brasil, conseguindo, assim, comprovar uma série de hipóteses já
levantadas sobre a circularidade cultural na região das Minas Gerais e abrindo campos de
pesquisa ainda a serem investigados, sendo um desses o nosso próprio tema de pesquisa nessa
tese: a cultura arquitetônica em Portugal no século XVIII e sua relação com a formação dos
mestres-de-obras portugueses imigrados para as Minas setecentistas. Neste sentido, o trabalho
da Professora Myriam Ribeiro é, sem dúvida alguma, uma das maiores contribuições no
campo da pesquisa contemporânea sobre a produção da arquitetura do século XVII e XVIII e
seus agentes praticada no Brasil e em Minas Gerais. Outra importante contribuição do seu
trabalho dedicado a área da arquitetura é seu novo modelo de enquadramento proposto para a
caracterização da arquitetura Barroca e Rococó brasileira publicado originalmente no ensaio
“Barroco e Rococó na arquitetura religiosa brasileira da segunda metade do século 18”
(OLIVEIRA, 2001a; Figura 19).
141
Para concluir essa revisão bibliográfica sobre a literatura da crítica especializada
brasileira e estrangeira, podemos dizer que, de uma maneira geral, nessas duas últimas obras
analisadas, os dois autores, ainda que não trabalhem muitos pontos em comum, caracterizam-
se pelo afastamento definitivo no seu pensamento em relação à “panfletagem” modernista,
que quase sempre esteve presente na produção dos autores brasileiros anteriormente
analisados. Ainda que nessas duas obras persistam algumas constantes vinculadas aos
modelos de análise de filiação da crítica modernista, principalmente na prática da
interpretação da arquitetura a partir da fragmentação das construções em categorias
tipológicas independentes e na visão histórica baseada na busca de um processo evolutivo
formal homogêneo, seus autores propõem caminhos diferentes de investigação científica
sobre o tema da arte e da arquitetura setecentista no Brasil e em Minas Gerais.
Affonso Ávila, dando continuidade a um objetivo já traçado por Lourival Gomes
Machado, busca principalmente a interpretação conceitual plena do movimento do “Barroco
mineiro” e Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, através de um esforço investigativo
diferenciado, trabalhou sobre o resgate dos verdadeiros agentes da arte e da arquitetura no
Brasil Colonial e de seu processo de formação cultural.
142
1.3.4. Argumentos para a necessidade de uma revisão e as possibilidades da pesquisa em
arquitetura dentro do universo da história cultural: a linha de pesquisa consolidada e as
novas perspectivas
assaram-se 20 anos – tomando-se como referência o livro “O Aleijadinho e a
escultura barroca no Brasil” (BAZIN, 1971) como a última grande obra
dedicada ao estudo do problema da arquitetura religiosa mineira do século XVIII – para que a
partir do lançamento do livro “Arquitetura e arte no Brasil Colonial” (BURY, 1991) do
inglês John Bury, e mais recentemente a publicação dos artigos e da tese de doutorado da
Professora Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira (OLIVEIRA, 1994; 2003a) – ambos já
analisados anteriormente – para que se levantassem novas questões sobre o problema dos
estudos relacionados à produção da arquitetura religiosa setecentista em Minas Gerais,
levando em conta suas origens e suas particularidades.
No entanto, a revisão crítica proposta a partir do início dos anos 90 para construir algo
verdadeiramente novo do ponto de vista do conhecimento científico, no nosso entender, exige
avanços sobre o que até agora foi tentado e deverá passar necessariamente por uma mudança
de foco dentro da pesquisa historiográfica que é pelo menos o que tentamos construir nessa
Tese.Para alcançar esse objetivo, acreditamos na necessidade da busca da construção de uma
nova amplitude ao estudo na arquitetura setecentista mineira, trabalhando menos as questões
de atribuições dos monumentos e mais os agentes da produção social e cultural dos mesmos,
além da aceitação da existência em Minas de uma circularidade e trânsito cultural que
extrapolam as fronteiras do entendimento de uma Minas fechada em si mesmo. Um dos
fatores que impulsionavam essa característica do território, foi que o mesmo foi constituído
por agentes culturais diversos. No dizer de Eduardo França Paiva:
P
143
Livres, libertos e escravos compunham a sociedade que se instalara no que
antigamente era chamado de sertões. Assim denominavam-se as terras longínquas,
pouco povoadas e desconhecidas pelos colonos. Mas não era apenas isso. Eles
compunham, todos, embora com importância diferenciada, o mercado, o grande,
dinâmico e diverso mercado emergido nas Minas do setecentos. Através dessa
enorme demanda comercial foram estreitados os contatos entre a Colônia e
longínquas praças: índia, Europa, África. Às Minas chegaram tecidos, pedraria e
contas, louça, panelas e utensílios domésticos, calçados, chapéus, luvas, lenços,
meias e ornamentos variados, além de certos alimentos e bebidas de proveniência
diversificada. Chegou, também, gente oriunda de muitos lugares distantes para aí se
estabelecer. Os encontros pessoais, materiais e culturais foram inevitáveis e
corriqueiros. Resultaram na aproximação entre universos geograficamente
afastados, em hibridismos e em impermeabilidades, em (re)apropriações, em
adaptações e em sobreposição de representações e de práticas culturais. (PAIVA,
2001, p.27-28)
Neste sentido, o norte da nossa investigação deverá passar, no nosso entender, para a
esfera da busca de um objetivo historiográfico muito mais abrangente e ainda pouco
perceptível na nossa área de pesquisa: o rompimento com as eternas investigações somente
focadas nas questões da genialidade artística de um só indivíduo, para a aceitação da
existência uma sociedade mais plural, onde o foco da investigação arquitetônica passa
também a incorporar as influências de uma rede de manifestações, vinculadas a uma produção
coletiva. Para essa nova construção, é fundamental aceitarmos (contrariando a maior parte dos
estudos modernistas) que esta rede de produção cultural, era regida sobre as regras de uma
determinada cultura arquitetônica vigente nos séculos XVII e XVIII no Brasil, em Portugal e
nos países do Europa Central, cujo elo principal entre todos era o catolicismo, o regime
absolutista e a situação periférica em relação aos centros produtores de cultura e moda na
Europa, e que, tardiamente em relação à Itália, importaram e assimilaram, (sem negar as
apropriações regionalizadas e suas transformações culturais) todas as manifestações culturais
vinculadas a uma tradição católica conta-reformista, a arte tardo-barroca italiana e francesa
produzidas nos séculos XVI e XVII.
Nos parece frente às pesquisas que realizamos durante a produção dessa Tese, que o
estudo da história da arquitetura do século XVIII no Brasil ainda caminha timidamente em
relação às outras correntes de conhecimento, em direção aos conceitos defendidos na pesquisa
144
ligadas à chamada “Nova História Cultural”, que começou a penetrar no meio da
historiografia brasileira no início dos anos 80, abrindo um leque de novas possibilidades para
o trabalho historiográfico no país.
Neste sentido, é preciso lembrar que a maioria dos trabalhos clássicos em história da
arquitetura religiosa colonial no Brasil foram construídos e consolidados, ainda que
recentemente, como analisamos, sobre princípios conceituais e metodológicos da história
herdados da primeira metade do século XX. Estes princípios foram construídos a partir da
matriz positivista do século XIX, onde as filosofias da história racionalista tinham perdido em
grande parte suas sustentações metafísicas e estavam sendo dissolvidas em seu significado
mais amplo. Segundo o Professor José Carlos Reis (1996), essa matriz de conhecimento foi
construída principalmente a partir das relações de causa e efeito dos princípios defendidos
pelo conhecimento positivo, ou seja, observar os fatos, constatar suas relações e servir-se
delas para a ciência, segregando a filosofia e outras áreas afins a um valor menor, já que sob o
ponto de vista positivista essas ciências não levariam a um conhecimento direto e, portanto,
não reconhecido cientificamente.
Dentro desse quadro conceitual, não é difícil perceber porque os estudos
historiográficos herdados das décadas de 40 e 50 sobre arquitetura antiga no Brasil, revistos
hoje com uma bagagem teórica e crítica mais apurada, trazem em si, além dos valores
historiográficos dessa cultura positivista, também os valores político-culturais de uma época
marcada pela presença de uma história oficial impregnada de valores político-ideológicos do
regime ditatorial da era Vargas e da política cultural do Estado Novo, como já tivemos
oportunidade de colocar na revisão crítica da literatura especializada.
Recentemente, as pesquisas sobre o período Barroco luso-brasileiro, a partir da
evolução da pesquisa das fontes primárias no Brasil, em Portugal e em outras partes da
Europa, vêm sendo colocadas outras perspectivas de análise sobre esse período histórico na
145
pauta de discussões. Isto tem se dado, principalmente, a partir da ampliação do foco de estudo
sobre a sociedade e a cultura do mundo barroco como um todo – costumes, literatura, música,
artes, arquitetura – através de novas linhas vinculadas aos princípios da “história das
mentalidades”, agora abrigados sobre a bandeira da “Micro-História” e da “Nova História
Cultural”
40
.
Entre essas duas correntes, a primeira afirmou-se sobretudo nos anos 80, tendo como
representantes historiadores como Paul Boyer e Stephan Nisenbaum, Natalie Davis, Edward
Thompson e Carlo Ginzburg, que dedicaram-se principalmente ao estudo de pesquisas
biográficas, estudos de comunidades, reconstituição de episódios excepcionais na vida
cotidiana de certas populações, dentre outros temas do gênero. No dizer de Roger Chartier, o
objetivo dessa linha de análise histórica “[...] não reside nas estruturas e mecanismo que
regem, fora do subjetivismo, as relações sociais mas sim nas racionalidades e estratégias que
põem em funcionamento as comunidades, a parentela, as famílias, os indivíduos.”
(CHARTIER, 1990, p.98)
40
Segundo Ronaldo Vainfas, em “História das Mentalidades e História Cultural” (1997), a chamada “história
cultural” é qualificada por trabalhar quatro características fundamentais:
1) Rejeição ao conceito de mentalidades, considerado excessivamente vago, ambíguo e impreciso quanto às
relações entre o mental e o todo social. No entanto, não se chega a negar a relevância do estudo do mental e
nem a aproximação com a antropologia e a longa duração, e está muito longe de rejeitar os temas da
mentalidade e a valorização do cotidiano, desde que feitas as conexões entre micro-recortes e sociedade
global;
2) É uma história cultural distinta da “história da cultura”, ligada à tradição acadêmica. A “Nova História
Cultural” não recusa de modo algum as expressões culturais das elites ou classes “letradas”, mas revela
especial apreço pelas manifestações das massas anônimas: as festas, as resistências, as crenças heterodoxas,
a cultura popular e distancia-se dos temas mais eruditos da chamada “história das idéias”, como a filosofia e
os grandes pensadores;
3) A preocupação é o resgate do papel das classes sociais, da estratificação, e mesmo do conflito social,
característica que a distingue da história das mentalidades;
4) Trabalhar a busca de uma história plural, apresentando caminhos alternativos para a investigação histórica,
que resulta muitas vezes em uma série de desacertos conceituais.
A partir desses conceitos, diversos modelos de trabalho na história cultural foram propostos, abrangendo
principalmente as seguintes temáticas condensadas por Vainfas: recusa do conceito vago de mentalidades
preocupação com o popular; valorização das estratificações e dos conflitos sócio-culturais como objeto de
investigação.
146
Dentro dessa nova perspectiva, a partir do lançamento do pioneiro “O Diabo na terra
de Santa Cruz”, de Laura de Mello e Souza (1987), abriu-se uma nova possibilidade para a
pesquisa em história nas diversas áreas relacionadas à produção social da cultura, entre elas a
de arquitetura que, como colocamos anteriormente, ainda caminha lentamente nesta direção.
Parece-nos, desta maneira, que a “Nova História Cultural” cria, enfim, uma possibilidade real
e uma nova maneira de investigação histórica para a pesquisa em arquitetura, sobre a qual
pretendemos avançar, sem uma pretensão exacerbada, nesta Tese.
Dentro desse quadro, podemos ainda dizer que essa nova perspectiva de pesquisa
histórica dentro da área da arquitetura colonial brasileira, primeiramente foi assumida dentro
dos programas de Pós–graduação da FAU/UFBA e da FAU/USP, que geraram os primeiros
trabalhos divulgados através de algumas publicações da FAU/UFBA e de algumas teses da
FAU/USP. Nestes, o foco da pesquisa deixou de ser o objeto arquitetônico específico ou o
personagem histórico para abordar as relações e tensões dos agentes do meio social e cultural,
agindo na construção do seu tempo das mais diversas formas.
Em relação ao problema da arquitetura setecentista mineira dentro dessa linha de
pesquisa, a produção ainda é pouco expressiva, com apenas um trabalho efetuado, que é a
Tese de Doutorado do pesquisador Jaelson Bitram Trindade: “A produção de arquitetura nas
Minas Gerais na província do Brasil” (TRINDADE, 2002). O autor analisa a produção da
arquitetura a partir do estudo das relações sociais e trabalhistas entre os mestres-de-ofícios
portugueses atuando em Minas Gerais no século XVIII. Dentro da Universidade de São Paulo
existem ainda outras pesquisas ligadas à produção de arquitetura no século XVIII, vinculadas
ao trabalho dos Engenheiros Militares, como a Tese de Beatriz Bueno Piccolotto Siqueira,
“Desenho e desígnio: o Brasil dos Engenheiros Militares” (2001), além de outros estudos
empreendidos sobre mestres-de-obras anônimos, que vêm ganhando, nos últimos anos, o
interesse da investigação científica em arquitetura.
147
Dentro desse universo, sabemos cada vez mais, diante do avanço das pesquisas nas
diversas áreas da história que estudam a antiga Capitania de Minas Gerais, que a mesma era
um lugar totalmente aberto às influências de outras capitanias brasileiras e mesmo da Europa,
com um comércio e intercâmbio intenso de especiarias com a Europa e a África, como
demonstraram os estudos do já citado Eduardo França Paiva em “Escravidão e universo
cultural na Colônia; Minas Gerais, 1716-1789” (PAIVA, 2001), e em alguns textos da
coletânea “Diálogos Oceânicos” (FURTADO, 2001), ou no texto “Homens de negócio: a
interiorização da Metrópole e do comércio nas Minas Setecentistas” (FURTADO, 1999),
trabalhos da Professora Júnia Furtado, dentre outras publicações da mesma linha.
No campo dos estudos sobre arte e arquitetura no século XVIII mineiro, sabemos hoje,
por exemplo, que diversas pinturas do século XVIII – inclusive os painéis pintados por
Athaide para a capela-mor da igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto (Figura 20) –
são interpretações de gravuras de procedência européia. Sobre a música sacra de alta
qualidade, apontada por Curt Lange, é possível afirmar que não foi só um privilégio mineiro:
ela é uma presença marcante em todo o Brasil do século XVIII, logicamente com a suas
particularidades regionais que as diferenciam. Também é notório que no Rio de Janeiro,
capital do Vice-Reinado, tratados arquitetônicos consagrados e maços de estampas faziam
parte dos inventários de grandes mestres-de-obras cariocas
41
e existiam em grande
diversidade nas listas existentes de livrarias do período. Dentro desses aspectos, torna-se
impossível uma análise nova da arquitetura religiosa mineira setecentista sem levar em conta
essas novas perspectivas históricas que trabalham a dinâmica da circularidade cultural. Este
41
Analisando o inventário dos bens de Valentim da Fonseca e Silva – o Mestre Valentim – expoente da arte
carioca do século XVIII, o pesquisador Nireu Cavalcanti (2004, p.312) encontrou arrolados, entre outros livros a
ele pertencentes, os tratados de Vignola e Pozzo, algumas medalhas de gesso e mais 18 estampas sem
especificação.
148
conceito foi amplamente difundido por Serge Gruzinski em “Les quattre parties du monde”
(2004) que, analisando o tema sob a ótica do mundo ibérico, assim elucida a questão:
[...] trata-se de uma forma de mundialização que se esforça em virar as costas ao
local e às formas de produção que destacam outras histórias. O impulso desta arte
ocidental nos confronta, portanto, a uma dinâmica mais insidiosa do processo de
mundialização ibérica, menos espetacular, irredutivelmente estrangeira em
oposição às novas realidades e adepto inventivo de um purismo ocidental: a
globalização. Esta dinâmica não se opõe frontalmente às mudanças que alimentam
a ocidentalização e seus convertidos mestiços. Ela limita constantemente os efeitos,
ela anula as repercussões perturbadoras, bloqueando as evoluções que arriscam
trazer com elas as normas européias e a hegemonia que as sustenta. (GRUZINSKI,
2004, p.338, tradução nossa)
42
Dentro desse enfoque, novas possibilidades de trabalhar o mundo da “cultura
arquitetônica” e seus agentes sociais no universo da Minas setecentista parece uma realidade
para as pesquisas, abrindo um campo de investigação onde o objeto arquitetônico é fonte
historiográfica a partir de um foco diferenciado; ou seja, não limitar a investigação
arquitetônica apenas ao objeto produzido. Isto torna-se viável através de uma ênfase de
investigação vinculada aos cânones da história cultural onde podemos romper com o enfoque
sobre os grandes atores para compor com a história das coletividades daquele período
histórico e dos parâmetros de formação cultural e social que regiam suas atividades.
Neste sentido, a relação entre o indivíduo, a coletividade e a arquitetura produzida
enquadram-se no sistema defendido por Chartier, através das idéias contidas nas expressões
coletivas de um determinado segmento social ligado à produção da arquitetura e da
construção civil no século XVIII mineiro, que vivia sobre a regência de uma determinada
42
[...] s’agit-il d’une forme de mondialisation qui s’efforce de tourner le dos au local et aux formes de
production qui relèvent d’autres histoires. L’essor de cet art occidental nous confronte ainsi à une dynamique
plus insidieuse du processus de mondialisation ibérique, moins spectaculaire, irréductiblement étrangère à
l’affrontement avec les réalités nouvelles et adepte inventive d’un purisme occidental: la globalisation. Cette
dynamique ne s’oppose pas frontalement aux changements qu’alimentent l’occidentalisation et ses retombées
métisses. Elle en limite constamment les effets, elle en désamorce les répercussions perturbatrices, bloquant des
évolutions qui risqueraient d’emporter avec elles les normes européenes et l’hegemonie qui les sous-tend. La
globalisation des arts n’emprunte pas uniquement des voies institutionelles ou politiques: elle exploite des
ressorts sociaux, elle active des automatismes intellectuels et esthétiques, comme elle joue sur des initiatives
personnelles en un temps où franchir l’Atlantique n’allait pas de soi.
149
cultura arquitetônica e de um pensamento social e político que refletiu-se nas manifestações
estéticas vigente no período.
Ampliando o enfoque, mas sem perder o foco do objetivo da investigação, podemos,
no nosso entender, chegar a algo novo do ponto de vista científico que realmente reflita mais
verdadeiramente a produção arquitetônica do período como algo pertencente a sistema
cultural abrangente e não particularizado, embora reconhecendo que o talento de cada
indivíduo, pode sobressair e criar particularidades dentro da produção coletiva. Essa
perspectiva no entanto, diverge, ainda hoje, da maioria das posturas apropriadas em geral pela
maioria dos historiadores de arquitetura colonial brasileira que trabalham a produção da
arquitetura mineira setecentista como podemos ver no texto “O urbanismo de Ouro Preto e o
Barroco mineiro”, publicado no Catálogo da UNESCO “Patrimônio Mundial no Brasil”
(UNESCO, 2004), onde as teses românticas do absurdo da evolução da arquitetura
setecentista mineira. variando das formas “retangulares” para as formas “curvas” como numa
evolução natural, ainda são apresentadas e tuteladas por uma publicação oficial como é a
UNESCO (Figura 21).
Levando em conta essas novas possibilidades para o campo da análise estética, é
necessário lembrar, ainda, que as evidências têm mostrado que ninguém constrói uma obra
esteticamente amadurecida sem um caminho consistente o que está vinculado diretamente a
uma formação profissional sedimentada e multidisciplinar, que só podia ser disseminada no
século XVIII em Minas Gerais através de um amplo sistema já “globalizado a seu tempo” de
cooperação profissional e camaradagem entre as partes, liderados principalmente pelos
mestres-de-obras e de ofícios portugueses que para cá vieram a trabalho, ou pela interferência
do Estado, no caso dos engenheiros militares.
Assim, para avançar nas pesquisas sobre arquitetura e arte nas Minas setecentista é
fundamentalmente preciso, no nosso entender, analisar a produção arquitetônica em aspectos
150
mais amplos que extrapolam a questão do desenvolvimento estético e formal. Este não deve,
entretanto, perder a sua importância como fonte historiográfica, altamente representativa para
a análise arquitetônica, mas tem que ser avaliado dentro do todo, tomando o cuidado,
inclusive, na sua leitura para não desvinculá-la do suporte técnico que deu condições aos
avanços estéticos. Deve-se entretanto, saber interpretar o seu significado, como representação
sócio-cultural agregada à produção do objeto arquitetônico, que está associado a formas e
normas de produção do objeto cultural de uma maneira geral e vinculadas por isso aos valores
e idéias vigentes sobre arte, dentro do seu tempo e do seu meio.
Para um estudo que traga novas perspectivas historiográficas sobre a produção mais
coletiva da arquitetura mineira setecentista e do papel dessa produção para aquela sociedade,
no nosso ponto de vista, é imprescindível conhecer os valores culturais vigentes no período
estudado e as formas de produção que regem o universo arquitetônico no século XVIII em
Portugal, no Brasil, e em Minas, o que nos propomos a fazer como linha principal desta
pesquisa a partir de uma metodologia de estudo que envolva trânsito da cultura arquitetônica
vigente em Portugal, no Brasil e em Minas durante o século XVIII; circularidade cultural dos
agentes dessa produção e verificação da aplicação dessa cultura arquitetônica na produção
arquitetônica dos principais agentes culturais ligados à produção arquitetônica setecentista
mineira, onde atuaram como empreiteiros, arquitetos e construtores.
PARTE 2
A FORMAÇÃO E A CULTURA ARQUITETÔNICA
NOS SÉCULOS XVII E XVIII NA EUROPA E
SUA INFLUÊNCIA EM PORTUGAL
152
CAPÍTULO 2 – A CULTURA ARQUITETÔNICA NA ITÁLIA
2.1. Os desafios formais da arquitetura do século XVII na Itália
mbora não seja o objetivo dessa pesquisa discutir o problema do surgimento, da
expansão e da crítica ao Barroco na Europa durante o século XVII, com ênfase
nos seus desdobramentos na Itália e na França, um panorama geral sobre o quadro da
arquitetura nesses dois países pareceu-nos importante de ser aqui colocado, em função das
relações artísticas que terão com Portugal durante o século XVIII, e mesmo para delinear
alguns aspectos relevantes da cultura arquitetônica vigente na formação dos arquitetos na
Itália e na França nesse período. Neste sentido, os dois capítulos que se seguem não têm a
pretensão de esgotar ou aprofundar o tema, mas sim de situar, no panorama da arte européia, a
influência da arte italiana e francesa no século XVII e seus desdobramentos durante o século
XVIII, dentro das suas principais vertentes artísticas.
O reflexo de um classicismo permanente está presente, de um modo geral, na
arquitetura italiana desde o século XV. Mas, no século XVII, esse classicismo foi obrigado a
reler as regras e os pressupostos teóricos na procura em resolver a crise maneirista do século
XVI, desaguando na efervescência do Barroco seiscentista, que esteve presente ainda nos
países periféricos, como Portugal e na Europa Central, até o século XVIII. No século XVI, a
arquitetura italiana debruçou-se sobre o passado, em busca de uma síntese entre o classicismo
e uma inovação ancorada em novas soluções; recorria-se à simples decodificação e
manutenção das regras, mas também à inovação sobre a tradição. Do ponto de vista artístico,
E
153
no entanto, para se chegar a isso é preciso entender que a pesquisa espacial do Maneirismo
43
foi muito mais relevante do que parece ser, no sentido que possibilitou, através da
“contestação” das regras clássicas por homens como Michelangelo Buonarotti (1475-1564), o
surgimento de novos parâmetros para a composição artística, que puderam contestar a
erudição excessiva que estava vinculada ao projeto clássico renascentista.
A Reforma tinha obrigado a Igreja Católica a uma reformulação que, ao contrário do
que propunham Lutero e Calvino, não estava na revisão de seus dogmas, mas na reafirmação
dos valores arraigados desde a primeira Igreja Cristã. Do ponto de vista dogmático, com a
canonização de importantes figuras da Igreja Católica contra-reformista como São Carlos
Borromeo, São Filipe Néri e Santo Inácio de Loiola a partir de 1630, a ideologia da arte
barroca da “Igreja triunfante” ganhou força definitivamente em Roma, e a “Cidade Eterna”
vai assistir a um novo renascimento artístico com a ampliação e reforma da Basílica de São
Pedro no Vaticano (Figuras 22 e 23)
44
e a construção de outras grandes obras do período que
reformularam o caráter de Roma como centro da cristandade. Com a Contra-Reforma
militante, agora totalmente assimilada pela cúpula da Igreja Católica, interessava cada vez
43
O termo “maneirismo” referia-se, inicialmente, ao modo de atuação dos artistas do século XVI, no qual
exercia-se a arte da “terza maniera”, ou seja, “à maneira de”, neste caso, aos pintores, escultores e arquitetos do
Renascimento. Na medida em que estes promoviam um afastamento da “mimesis” renascentista, vinculada à
imitação da natureza, em prol de uma imitação da arte, a crítica (classicista) que será mais tarde empreendida a
este modus operandi condena seu aspecto de decadência. Arnold Hauser, em “Maneirismo” (HAUSER, 1993)
foi o responsável pela introdução da concepção do Maneirismo como estilo artístico (embora suas pesquisas
tenham se fundamentado na literatura) do quinhentos, de produção autônoma daquela realizada no século
precedente, de natureza clássica. Rompeu-se, assim, com a idéia de que o século XVI correspondeu a uma
degenerescência dos princípios do Renascimento, mas que o caráter anti-clássico das obras correspondeu a uma
nova concepção de mundo, cujo desejo de superação associa-se à imitação dos antigos. Ver ainda “Arquitectura
Occidental” (NORBERG-SCHULZ, 1999).
44
A Basílica de São Pedro no Vaticano foi erguida, pela primeira vez, no ano de 324, no suposto local do
sepultamento do apóstolo. Em 1505, Donato Bramante (nascido Donato d´Angelo Lazzari, 1444-1514) é
encarregado pelo Papa Júlio II para projetar e construir uma nova basílica, que correspondesse aos valores
universalistas do Renascimento. Com a morte de Bramante em 1514, Michelangelo Buonarotti assume os
trabalhos mas, devotado ao espírito anti-classicista do Maneirismo, reformula o projeto, aproveitando apenas as
fundações traçadas e já construídas por seu antecessor. Sob os auspícios da Contra-Reforma, a igreja será
novamente reformada em 1612 por Carlo Maderno, que lhe ampliou a nave e ergueu a fachada, e entre 1657 e
1667 por Gian Lorenzo Bernini (1598-1680), quando também foi construída a praça fronteiriça. Outros
arquitetos, como Carlo Fontana (1638-1714), propuseram reformulações de menor importância, independente de
terem sido realizadas ou não.
154
mais a consolidação e o fortalecimento dos dogmas e da autoridade da Igreja, e os confrontos
ideológicos sobre o papel da arte travados pelos maneiristas cedem lugar a uma mentalidade
nova, a uma atitude diferente, preocupada com a qualidade da obra, com o luxo e com a
beleza, que auxiliariam na prova material de convencimento da crença dos fiéis. Essa eclosão
absoluta do Barroco a partir do primeiro quartel do século XVII vai possibilitar na arte e na
arquitetura, tanto a recuperação da autoridade do classicismo, como a construção de uma nova
relação artística com a natureza, que será potencialmente diferente da proposta pelos artistas e
arquitetos no início do Humanismo.
Na base destas mudanças está o abalo da antiga estrutura estática dos cosmos
renascentista que não podia mais ser acolhida no círculo cultural dos artistas do início do
século XVII. As experimentações da nascente ciência moderna tinham mudado a maneira de
entender o mundo e isso influenciara diretamente a concepção artística do Barroco. A elipse,
em vez do círculo, agora tinha sua primazia como representação do universo. Segundo as
palavras do Arquiteto, Historiador e Crítico Norberg-Schulz:
[...] os sistemas do século XVII tinham um caráter aberto e dinâmico. Partindo de
um “ponto” fixo, podiam ser estendidos ao infinito. [...] Neste mundo ilimitado, o
movimento e a força assumem importância primária. Idéias análogas se encontram
na filosofia de Leibniz cem anos depois; mas também no mundo mais simples e mais
racional de Descartes se encontra a idéia que extensão espacial é a propriedade
fundamental de todas as coisas e que suas diferenças se baseiam sobre
“movimentos” diversos. Enquanto o universo do Renascimento era fechado e
estático, a visão barroca o torna aberto e dinâmico. Assim compreendemos como os
dois aspectos do fenômeno barroco, sistematicidade e dinamismo, aparentemente
contraditórios, formam uma totalidade plena de significado. A necessidade de
pertencer a um sistema absoluto e integrado, mas ao mesmo tempo aberto e
dinâmico, constitui a atitude fundamental da era barroca. (NORBERG-SCHULZ,
1989b, p.6; tradução nossa)
45
45
De ese modo, los sistemas del siglo XVII tenían carácter abierto y dinámico. Partiendo de um “punto” fijo,
podían extenderse infinitamente. [...] En ese mundo infinito, movimiento y fuerza reciben importancia
primordial. Ideas análogas se encuentran en la filosofía de Leibniz cien años después; pero también en el mundo
más sencillo y racional de Descartes hallamos la idea de que la extensión espacial es la propiedad fundamental
de todas las cosas y que sus diferencias se basan en “movimientos” diferentes. Por tanto, la geometría es el
instrumento adecuado para comprender el mundo. Mientras el universo geométricamente ordenado del
Renacimiento era cerrado y estático, la concepción barroca lo hace abierto y dinámico.
155
Para essa reafirmação, a arquitetura religiosa católica deveu ser capaz de adquirir um
novo significado e de propor uma certa diversidade, experimentada sobre a “distorção” das
regras clássicas, atingindo, assim, os limites do possível e até do irrealizável e readquirindo,
dentro do cenário mundial, a confiança na herança latina da cristandade. Pertencente a este
sistema, a arte e a arquitetura da “Igreja triunfante” apelam cada vez mais ao fiel, dividido
entre razão e a fé, aos seus sentidos, com o intuito de o levar a aceitar a verdade absoluta dos
dogmas católicos em função do arrebatamento do espírito através da arte. O fiel é, assim,
persuadido a participar nas atividades sobrenaturais construídas cuidadosamente pela retórica
católica contra-reformista de Trento, através das emoções e dos sentidos estimulados pela
comunhão perfeita entre a arte decorativa, a música e a arquitetura e seu espaço modelado,
que faziam o céu ser uma verdade materializada. A persuasão, a participação e a emoção,
tornaram-se, de fato, os três axiomas-chave da arte e da arquitetura do período Barroco e irão
refletir a obra de arte pura, passando pelo objeto arquitetônico e chegando mesmo à
concepção do espaço da cidade, que juntos desempenhavam um papel determinante para o
desenvolvimento de uma proposta conceitual de dinamismo, tensão e movimento, própria do
“espírito Barroco”.
Segundo o crítico de arte Giulio Carlo Argan, para a criação da arte barroca, um dos
mais importantes atributos do Concílio de Trento foi essa reafirmação dos valores católicos.
Em suas palavras:
Os católicos afirmam, ao contrário, que Deus predispôs os meios da salvação: a
natureza que criou, a história que desejou, a igreja que explica o significado da
natureza e da história, direcionando, deste modo, o fim da salvação ao agir
humano. Se a história é o percurso até então completado pela humanidade em
Así comprendemos cómo los dos aspectos aparentemente contradictorios del fenómeno barroco, sistematismo y
dinamismo, forman una totalidad plena de significado. La necessidad de pertenecer a un sistema absoluto e
integrado, pero abierto y dinámico, fue la actitud fundamental de la época barroca.
156
direção à salvação, é preciso prosseguir: parar, voltar atrás, é pecado. Eis a
diferença com relação ao ideal cultural do Renascimento, o retorno ao antigo.
Aquilo que se chamará “classicismo barroco” não será a imitação, mas
desenvolvimento, extensão, reinvenção da cultura clássica. (ARGAN, 1988, p.322;
tradução nossa)
46
Assim, nesta reinvenção da tradição, na difusão destes modelos da fé católica e na
divulgação nas igrejas-teatro barrocas, explanada por Argan, encontra-se a verdadeira
essência e o objetivo da arquitetura barroca: a sedução do crente pela valorização do espaço.
Isso se dá pela tentativa de síntese entre os conceitos clássicos de centralidade e plano
longitudinal, e pelo domínio das linhas e das superfícies curvas e dinâmicas, modeladoras de
um espaço que atua ao mesmo tempo articulado com o seu invólucro, demonstrando a procura
de uma tensão espacial, que atinge a sua expressão máxima nas obras de Francesco Borromini
(1599-1667)
47
, Gian Lorenzo Bernini (1598-1680) e de Guarino Guarini (1624-1683)
48
.
No decorrer do século XVII na Itália, este espírito revolucionário interveio na criação
arquitetônica de maneira incisiva, interligando-se, e reforçando seu funcionamento, à
utilização da decoração como parte integrante do edifício e, deste modo, criando uma
totalidade artística, conceito que os críticos alemães iriam chamar de “Gesamtkunstwerk” ou
“obra de arte total”; ou seja, uma arte que funciona como um todo, sensibilizando ao mesmo
tempo todos os sentidos humanos, da qual a arte do Barroco é sua filha dileta. Dentro deste
conceito, o espaço barroco passou a ser o detentor do verdadeiro sentimento (no sentido da
experiência sensorial) da obra arquitetônica que, recusando qualquer efeito fácil, opta
deliberadamente por criar um significado próprio para o espaço, onde a estrutura decorativa
46
I cattolici affermano invece che Dio ha predisposto i mezzi della salvezza: la natura che ha creato, la storia
che ha voluto, la chiesa che spiega il significato della natura e della storia, dirigendo cosi al fine della salvezza
l’agire umano. Se la storia è il percorso finora compiuto dall’umanità verso la salvezza, bisogna proseguirlo:
fermasi, tornare indietro è peccato. Ecco la difefrenza rispetto all’ideale culturale del Rinascimento, il ritorno
all’antico. Quello che si chiamerà “classicismo barocco” non sarà imitazione, ma sviluppo, estensione,
reinvenzione della cultura classica.
47
Ver nota 112.
48
Ver nota 113.
157
soma, mas não tira do caráter modelado do espaço a sua característica fundamental, que é o
ilusionismo e a sedução dos sentidos por meio da obra.
É verdade que o início dessas especulações não foi fácil, a maioria das propostas
vigentes no final do século XVI ainda eram tímidas, e impregnadas de algumas incertezas e
ambiguidades herdadas da arte do final do século XV, ligadas à retórica do Maneirismo e aos
reflexos depuradores da Contra-Reforma. Neste sentido, lembramos que, durante a transição
do Renascimento para o Maneirismo, ainda existia, por parte de alguns segmentos mais
conservadores ligados à Accademia di San Luca
49
, em Roma, uma reação contra a
superficialidade e “extravagância” desse novo gosto chamado de Maneirismo, que deu lugar a
uma reação conservadora por parte dos seus defensores, em prol de um classicismo mais
severo e acadêmico.
No entanto, foi dentro desse quadro de indefinições que caracterizava a arte e a
arquitetura desse período que um grupo de jovens artistas e arquitetos partiu definitivamente
para a experimentação nova que se chamaria de “Barroco”, que tem seu início quando Carlo
Maderno (1556-1627) rompe com este classicismo rígido, por meio de uma arquitetura
vigorosa e escultural onde as valorações da luz passam a adquirir um papel diferencial na
concepção do espaço arquitetônico, na solução proposta para a fachada da igreja de Santa
Susanna (Figura 24), em Roma, em 1603. Nesta obra, Maderno altera definitivamente os
princípios maneiristas, manifestando aí uma tendência para concentrar no centro da fachada as
ordens, as aberturas e a decoração, e introduzindo na parede uma movimentação, quer das
estruturas verticais, quer das horizontais, completamente diferente do que se fazia
anteriormente. Essa mesma atitude estará presente posteriormente em Sant’Andrea della Valle
49
O papel da Accademia di San Luca será analisado na sessão seguinte.
158
(1591-1665; Figura 25)
50
também em Roma, onde, a partir dessas atitudes formais, formulou-
se uma contribuição fundamental para a definição do Barroco como um estilo autônomo
dentro da escola italiana. Esta escola rapidamente continuaria seu amadurecimento na Itália
através da combinação de uma planta centralizada, a partir de um corpo quadrangular, com
um outro corpo centralizado, ligando as duas formas numa integração espacial de
extraordinárias possibilidades que seriam impensadas dentro do rigor espacial do Maneirismo.
Cria-se, deste modo, um organismo que trabalhava, ao mesmo tempo, com uma direção
longitudinal proporcionada por um segundo eixo, resultando numa tensão espacial que será
amplamente aceita e desenvolvida durante o século XVII pelos arquitetos italianos e que, nos
anos seguintes, tornar-se-á uma das características fundamentais do espaço barroco em
gestação, onde será tratada das mais variadas formas, criando infinitas composições e
possibilidades formais e plásticas, aproveitando-se da riqueza espacial que o jogo tenso das
direções axiais permite. Essas soluções varreram o século XVII na Itália, principalmente nas
obras de Bernini, Borromini e Guarini, e mesmo o século XVIII, com as manifestações tardo-
barrocas verificadas em países periféricos da Europa, como Portugal, Bavária e Boêmia, e
mesmo em regiões longínquas, como as colônias espanholas e portuguesa nas Américas.
Como considerações finais a esta seção, é importante destacarmos, aqui, o papel de
Francesco Borromini e de Guarino Guarini. Borromini representa, para a historiografia
arquitetônica, a “chave-mestra” do Barroco italiano. Sua obra corresponde não somente ao
período de maturidade alcançada pelo estilo como, principalmente, a definição dos meios de
articulação mais significativos desenvolvidos: a interpenetração de células e a justaposição
aditiva, temas mais tarde ampliados por Guarini. É por meio destes dois artifícios
compositivos que a integração entre exterior e interior – necessária à difusão da expressão
50
A igreja de Sant’Andrea della Valle teve sua construção iniciada em 1591, com projeto de Giacomo della
Porta. Posteriormente, Carlo Maderno interveio na construção (1608), vindo a terminá-la em 1623; a fachada foi
agregada por Carlo Rainaldi entre 1656 e 1665.
159
contra-reformista no plano urbano, não se limitando ao interior das igrejas – e a dinâmica
espacial irá se desenvolver. As igrejas de San Carlo alle Quattro Fontane ou San Carlino
(Roma, projeto 1634; construção 1638; fachada 1665-1667; Figuras 26 a 28) e de Sant’Ivo
alla Sapienza (Roma, 1642; Figuras 29 e 30) retratam claramente como o edifício resulta de
uma articulação em planta que confere caráter plástico ao espaço no jogo de curvas e contra-
curvas, estendendo-se também ao âmbito urbano.
Guarino Guarini, um matemático e padre da Ordem dos Teatinos, amplia as estratégias
utilizadas por Borromini. Em suas obras, fica evidente o uso de células geométricas –
circunferências ou ovais – que se conjugam para resultar em uma dinâmica espacial capaz de
envolver o fiel, tanto no plano horizontal quanto vertical. Assim se dá na espetacular Capella
de Santa Sidone (1666, iniciada por Amedeo di Castellamonte em 1657; Figuras 31 e 32), em
Turim, construída em anexo ao Duomo para abrigar o Santo Sudário. A planta central não
repete a estaticidade renascentista porque desloca, por meio das interpolações de pequenas
circunferências dispostas nos vértices do triângulo de base, o olhar do observador para cima,
em uma cúpula vertiginosa como um caleidoscópio. A compreensão do arranjo dos elementos
não é imediatamente possível, e nem é este o objetivo
51
. Ao final, a mirada repousa sobre
uma figura do Divino Espírito Santo, colocada no cume da linterna, a exemplo da idéia
borrominesca para a cúpula de San Carlino.
Guarini nos interessa, particularmente, por ter sido o responsável tanto pelo
desenvolvimento das estratégias iniciadas por Borromini quanto pela difusão das mesmas.
Como membro da Ordem Teatina, suas idéias e textos circularam Europa afora, em especial
na região transalpina da Áustria, da Baviera e da Boêmia. Também é significativa a sua
51
Na realidade, Guarini engenhosamente substitui o modo de sustentação da cúpula, tradicionalmente feita em
arcos plenos rotacionados em torno de um eixo vertical, introduzindo figuras hexagonais (que funcionam como
vigas horizontais interligadas) que são rotacionadas e dispostas umas sobre as outras, sendo suas dimensões
reduzidas na medida em que sobem ao longo do eixo vertical. A sustentação de tais figuras se dá por meio de
pequenos arcos abatidos, no meio dos quais são introduzidas aberturas.
160
presença em Portugal, onde projetou a igreja de Santa Maria da Divina Providência (1656-
1659; Figura 33), destruída com o terremoto e o incêndio subsequente de 1755, e da qual se
tem notícia pelas gravuras que seu tratado fez circular.
De Roma para o mundo, o Barroco espalhou-se rapidamente durante o século XVII,
propagado pela arte desenvolvida pela igreja e seus braços ideológicos e evangelizadores,
como a Companhia de Jesus, por todos os países católicos da Europa e do novo-mundo. Estes
aderiram a este “espírito” em suas mais diferentes particularidades regionais, contagiando
mesmo a França, onde a “arte barroca romana” teve grandes dificuldades de penetração, como
veremos adiante.
161
2.2. As tradições do ensino de arquitetura na Accademia di San Luca em Roma na
transição dos séculos XVII e XVIII
arece-nos importante ser incorporada a esta pesquisa uma discussão sobre o
ensino de arquitetura empreendido na Accademia di San Luca nos primeiros
anos do século XVIII, que praticamente formou a última geração de arquitetos ligados ao
Barroco internacional, não só por ser matéria inédita, mas por dar-nos impressões sobre o
que era o pensamento, o ensino formal e a cultura que predominavam sobre a arquitetura na
transição dos séculos XVII e XVIII no principal centro formador dessa mão-de-obra, para
mais tarde podermos tê-lo como parâmetro para a formação e a arquitetura produzida ao
longo do século XVIII em países periféricos como Portugal e suas colônias, e outras nações
da Europa Central.
Quando falamos no ensino formal da arquitetura na Europa durante o século XVII e
XVIII, falamos de Roma, local para onde se dirigiam, para aprimorar sua formação, todos os
grandes pintores e arquitetos da Europa. Em Roma, estudar na Accademia di San Luca, não
era só o sonho de qualquer jovem artista que ansiava seguir na profissão da arquitetura, mas
principalmente era sinônimo de prestígio e de atualização artística. Era estar, em última
instância, sob a orientação dos melhores mestres da Itália.
Foi graças ao trabalho da pesquisadora Elisabeth Kieven (1999), que estudou as
bases do ensino de arquitetura na Accademia di San Luca na transição dos séculos XVII e
XVIII, que podemos hoje conhecer a cultura arquitetônica que permeava a formação dos
arquitetos romanos naquele período. Elisabeth Kieven parte da concepção de que a formação
P
162
em arquitetura da Accademia di San Luca era eminentemente “eclética”
52
, no sentido dos
caminhos e influências artísticas a serem seguidas. Na realidade, ainda durante o período
Barroco, diversos foram os membros da Accademia a criticar as práticas consideradas não-
naturais, porque anti-clássicas; dentre eles, estava o pintor Andrea Sacchi (1599-1661) e o
escultor Alessandro Algardi (1598-1654) que, apoiados em obras teóricas anti-barrocas,
especialmente na de Giovanni Pietro Bellori (1615-1696) "Vite de pittori, scultori ed
architetti moderni”, publicado em 1672 (BONIFÁCIO, 1990)
53
, não escondiam seu
descontentamento com os rumos da arte Italiana. Entre os arquitetos, talvez seja Carlo
Fontana (1638-1714) o exemplo mais palpável desta corrente. Formado com Pietro da
Cortona (1596-1669), Carlo Rainaldi (1611-1691) e Gian Lorenzo Bernini, Fontana traz de
novo para a arquitetura romana as tendências acadêmicas classicistas, sem contudo perder
uma relação com as composições ornamentais dos seus mestres barrocos. Em projetos como
o da fachada que propõe para a igreja de Santo Marcello al Corso (1682-1683; Figura 34),
este arquiteto utiliza, além da concavidade de filiação barroca, a presença da ordem como
seu complemento de maneira clara, e pode-se dizer que existe mesmo até um certo
estatismo, embora os elementos se concentrem no centro da fachada. Esse mesmo Fontana,
no entanto, é o herdeiro de uma cultura barroca italiana, capaz de criar desenhos fantásticos,
52
Este termo é aqui utilizado sem qualquer relação com o Ecletismo oitocentista, prática estilística que
encontrava-se associada ao tema da produção industrial, e que se fundamentava na escolha de repertórios
formais variados. “Ecletismo” equivale, neste caso, a uma dualidade de posições em relação ao classicismo,
conforme veremos ao longo desta seção.
53
Nesta obra, Bellori consagra as idéias contra o Barroco e avança argumentos que servirão a alguns artistas do
final de seiscentos. Reinterpretando conceitos maneiristas, como o papel do artista sendo o da imitação do
“Artista Divino”, a idéia da representação da beleza como modelo lhe permitirá corrigir a natureza. No seu texto,
Bellori reafirma a defesa das suas convicções anti-barrocas: “[...] Bramante, Rafael, Baldassarre, Giulio
Romano e recentemente Miguel Angelo esforçaram-se por restituir a Arquitectura à sua primeira ideia e forma,
escolhendo as formas mais elegantes dos edifícios da Antiguidade. Mas hoje, em vez de render homenagem a
estes homens tão sábios, eles são ingratamente vilipendiados da mesma maneira do que os Antigos, e censuram-
nos de se copiarem uns aos outros sem demonstrarem dom nem invenção. E não interessa que se invente uma
nova ideia e espectro de arquitectura à sua maneira e a expunham em público e sobre as fachadas: homens
desprovidos de toda a ciência própria ao arquitecto de quem eles usurpam o nome. Deformam os edifícios e as
cidades e os monumentos, abusam com frenesim dos ângulos, das fracturas e distorções de linhas e deformam
bases, capitéis e colunas com brincadeiras de estuque, frivolidade e desproporções [...].” (BELLORI apud
BONIFÁCIO, 1990, p.29)
163
como é o caso do seu projeto para se completar a Praça de São Pedro, onde coloca uma torre
de relógio fora da oval, transformando os braços da colunata num palco, realçando os
aspectos cenográficos do conjunto, como atestamos através da crítica Elisabeth Kieven:
O pintor Carlo Maratta e o arquiteto Carlo Fontana, na sua qualidade de herdeiros
do Barroco romano, começaram paralelamente a interpretar estilisticamente aquele
período, criando uma síntese que permite transmitir a obra de Pietro da Cortona,
Bernini e também Borromini, seja na pintura ou na arquitetura. Foi sobre esta
combinação de dados individuais, por si só não transmissíveis, em um repertório
formal pronto para o uso que se fundou a difusão de motivos e invenções formais
romanas em toda a Europa. (KIEVEN, 1999, p.193;196; tradução nossa)
54
Assim, a obra de Fontana é o exemplo de como a arquitetura tinha se tornado
“híbrida” neste período de indefinições conceituais sendo ao mesmo tempo “racionalista” e
“barroca”.
Outros arquitetos que lhe sucederam e adotaram essa corrente de trabalho no início
do século XVIII foram Luigi Vanvitelli (1700-1770), Giuseppe Sardi (1680-1753), e o
abade Filippo Juvarra (1678-1736) – em projetos como o Palazzo Reale de Caserna (1741),
a igreja de Santa Maria della Maddalena (1735) e a Basílica de Superga, em Turim (1717),
respectivamente (Figuras 35 a 37) –, que, sem se afastarem do classicismo como pilar,
buscaram em sua obras, por vias inovadoras, assimilar algumas das lições do Barroco
italiano que estão intimamente ligadas ao sucesso que a cultura barroca e rococó tiveram em
Portugal durante o século XVIII, como veremos na parte 3 desta tese.
O “hibridismo” que permeia a base do trabalho desses dois arquitetos setecentistas
pode ser visto, principalmente, se compararmos a Basílica de Superga (Figura 38), de
Juvarra, e a capela de São João Batista (1742; Figura 39), de Vanvitelli, em Lisboa. Estas
54
Il pittore Carlo Maratta e l’architetto Carlo Fontana, nella loro qualità di eredi del barroco romano, iniziarono
in parallelo a interpretare stilisticamente questa fase, creando uma sintesi Che rese finalmente trasmissibile
l’opera di Pietro da Cartona, Bernini e anche Borromine sai in pintura Che in architettura. Fu su questa
conbinazione di prestazione individuali di per sé non transmissibili in un repertorio formale pronto all’uso, che si
fondò la difusione di motivi e invenzione formali romani in tutta Europa.
164
obras demonstram claramente como a cultura arquitetônica do início do século XVIII não
estava isenta de ser permissível a uma certa flexibilidade na assimilação dos novos gostos
estéticos vinculados tanto a um tardo-barroquismo de gosto italiano, quanto aos pormenores
do decorativismo rococó ou do racionalismo francês que, como veremos, rapidamente
varreriam os países mais periféricos da Europa ao longo da segunda metade do século XVIII
que, indiferentes ao racionalismo neoclássico mais ortodoxo que as academias tentavam
implementar na França e na Itália durante o século XVIII, emplacaram nas suas
manifestações artísticas a última fase de delírio do “sonho barroco” contra-reformista. Ou
seja, mesmo dentro da Itália um classicismo mais puro não era a tônica do período.
Do ponto de vista da formação dos arquitetos, segundo os documentos transcritos por
Kieven (1999), as matérias estudadas pelos alunos em geral estavam estruturadas em:
geometria, aritmética, perspectiva, teoria da arquitetura, arquitetura militar e civil. Segundo
a pesquisadora, depois da introdução da geometria euclidiana e, dentro dela, da perspectiva,
iniciava-se o estudo da tratadística, sobretudo a baseada nos textos de Marcus Lucius
Vitruvius Pollio (70aC?-?)
55
, Sebastiano Serlio (1475-1553?1555?)
56
, Iacomo (Giacomo)
Barozzi da Vignola (1507-1573)
57
e Vincenzo Scamozzi (1548-1616)
58
, concluindo-se a
formação teórica do arquiteto com algumas considerações sobre a vida e a obra de artistas
importantes. Os documentos registram ainda que a obra de Andrea Palladio (1508-1580)
59
,
“I quattro libri dell’architettura” (1570), raramente aparece entre as mais aceitas na
Accademia. Segundo as palavras da pesquisadora:
55
Adotaremos a versão aportuguesada do nome, a saber “Vitruvio”, sempre que a menção a este tratadista não
se referir a alguma publicação em que conste grafia distinta ou tratar-se de citação literal de fontes. Ver nota 98.
56
Ver nota 101.
57
Ver nota 103.
58
Os tratados intitulam-se, respectivamente: “De architettura” (século I); “Tutte l’opere d’architettura et
prospettiva” (1619); “Regola delli cinque ordini d’architettura” (1562); “L’idea della architettura universale”
(1615). Sobre Vincenzo Scamozzi ver nota 104.
59
Ver nota 102.
165
Em Roma Palladio é apenas mencionado. Somente Juvarra se referiu a ele em 1725
e Gicamo Quarenghi declarou seu tratado uma importante fonte escrita para seus
estudos. É preciso, entretanto, levar em conta o fato que a anotação de Quarenghi
remonta ao final do século XVIII, período no qual, sem uma referência a Palladio,
ele teria sido considerado um incompetente. (KIEVEN, 1999, p.196; tradução
nossa)
60
A exposição de Kieven demonstra, ainda, que a discussão mais doutrinária e teórica
sobre o fazer arquitetônico daquele período era feita sobre a obra de Roland Fréart de
Chambray, “Parallèle de l’architecture antique et de la moderne: avec un recueil des dix
principaux autheurs qui ont écrit de cinq ordres”, publicada em 1650, mas a transmissão do
conhecimento era orientada na aplicabilidade prática e não exatamente na consideração
teórica, o que difere da tradição acadêmica francesa
61
.
Em alguns documentos de aula estudados por Kieven, ligados, por exemplo, ao
período em que lecionaram Juvarra (ativ. 1701-1712) e outros arquitetos importantes como
Domenico Martinelli (1650-1718; ativ. 1684) e a Francesco Fontana (filho de Carlo
Fontana, 1694), viu-se que os mesmos iniciavam os seus cursos com uma introdução
baseada em Serlio, para o cálculo de superfícies e de volumes e altimetrias, que se seguia
com um curso de construção e cálculo ligados ao projeto. Especificamente, nos cursos de
Martinelli e Fontana essas lições de arquitetura compreendiam ainda o estudo dos pedestais
e bases, dos capitéis e na maneira adequada de tratar as ordens arquitetônicas. No material
de Francesco Fontana, Kieven aponta ainda que, a partir de 1694, também aparece a
60
A Roma Palladio venne a malepena menzionato. Solo Juvarra si riferì a lui nel 1725 e Giacomo Quarenghi
dichiarò il suo trattato una importante fonte scritta per i suoi studi. Bisogna tuttavia tenere conto del fatto che
l’annotazione di Quarenghi risale alla fine del XVIII secolo, periodo in cui, senza um riferimento a Palladio, egli
sarebbe stato considerato um incompetente.
61
As considerações sobre os debates entre “antigos” e “modernos” na França serão feitas no próximo capítulo
desta parte.
166
utilização do tratado de Andrea Pozzo (1642-1709)
62
como referência fundamental. A
importância da utilização deste tratado segundo Kieven está na apresentação de:
Em seu material didático[...], se delinea uma primeira confrontação com a nova
forma cenográfica de representação da arquitetura proposta por Andrea Pozzo
(1693-1698): à estruturação plástica de ordens arquitetônicas dispostas em fuga
perspéctica foi dedicada uma maior atenção do que às outras pranchas didáticas,
que tendem à redução do aparato formal. O caráter puramente visivo da única
forma escolhida do contexto prepara o isolamento do motivo, destinado então a
tornar-se o princípio estilístico do Rococó [...]. (KIEVEN, 1999, p.196; tradução
nossa)
63
Com esses conhecimentos terminava uma primeira fase de formação dos arquitetos na
Accademia di San Luca, vinculada ao que podemos chamar de ensino básico dos princípios
fundamentais das ordens arquitetônicas e do seu sistema de proporcionalidade. A partir daí
partia-se para uma segunda fase de aprimoramento profissional, baseada na aplicação prática
dos conhecimentos adquiridos. Essa segunda fase pode ser estudada a partir de uma outra
série de documentos, pertencentes a Mattia De’ Rossi (1637-1695, professor entre 1670 e
1673), onde demonstra-se que neste estágio os jovens arquitetos iniciavam o estudo dos
métodos de desenho arquitetônico, traçado de plantas e seções e a combinação destes a partir
de uma planta e um alçado dado pelo professor responsável.
Em outro exercício documentado, registrado em agosto de 1675, os alunos deveriam
traçar a planta de um “picolo casino di campagna quadrato” (KIEVEN, 1999, p.197). Na
descrição das instruções consta que deveriam ser mostradas as quatro fachadas no projeto e
prestar atenção especial à ordem simétrica que deveria reger o espaço interno da proposta
62
O tratado de Andrea Pozzo, “Prospective Pictorum”, será analisado em profundidade junto à formação dos
mestres-de-obras e engenheiros militares portugueses, na parte 3 desta tese. Ver nota 115.
63
Nel suo materiale didattico [...] si profila una prima confrontazione con la nuova forma scenografica di
rappresentazione dell’architettura proposta da Andrea Pozzo (1693-1698): alla strutturazione plastica di ordini
architettonici disposti in fuga prospettica viene dedicata maggiore attenzione che nelle altre tavole didattiche, che
tendono piuttosto alla riduzione dell’apparato formale. Il carattere puramente visivo della singola forma sciolta
dal contesto prepara l’isolamento del motivo, destinato poi a diventare il principio stilistico del rococó [...].
167
sobre os outros ambientes que a ele deviam estar subordinados
64
. As instruções dão ênfase
para que o aluno se esforce não só para conseguir uma boa composição da fachada principal,
como também das laterais, procurando a valorização do edifício como um todo. A
publicação dessa documentação é de fundamental importância pois demonstra o quanto os
arquitetos na transição dos séculos XVII e XVIII estavam antenados com o tratamento do
objeto plástico como um todo, do mesmo modo em que atentos ao problema da
funcionalidade e da hierarquia dos espaços.
Do ponto de vista do entendimento da cultura arquitetônica vigente nesse período,
outro importante exercício documentado era o aplicado nas aulas para se conseguir impor
em escala um sistema de articulação geral, válido entre a disposição funcional, a forma do
espaço e a estrutura da fachada. Esse exercício, do ponto de vista da linguagem, ainda
exigia, dentro da composição da fachada principal, a articulação vertical da mesma por meio
de uma ordem que ligasse o plano térreo ao mezanino e a articulação horizontal por meio de
uma faixa ininterrupta do embasamento e do travamento, treinando o aprendiz para o
problema de proporcionar os volumes através do uso das ordens.
Passada essa fase de concepção funcional e espacial, chegava-se à fase das ilustração
das seções transversais do projeto, que tinha tanto o intuito de visualizar o acoplamento do
corpos volumétricos que compõem o edifício, assim como o de exercitar o traço do desenho
a grafite e aprimorar os usos das técnicas de aquarela e aguadas. Depois que o projeto estava
pronto, partia-se para o refinamento do sistema de ordem arquitetônica a ser utilizado,
geralmente com a elaboração do repertório formal sobre o tema trabalhado e utilizando
diversos elementos decorativos, mais ou menos ricos em função da ordem escolhida
64
Interessante notar que este exercício induziria o aluno a projetar algo semelhante à Villa Capra (Vicenza,
c.1550), mais conhecida como Villa Rotonda, de Andrea Palladio. Nota-se, pois, que o “abandono” dos
princípios compositivos palladianos, de natureza maneirista pois fundamentados no rigor da aplicação das ordens
clássicas e seu jogo combinatório (ars combinatoria), é relativo.
168
anteriormente, com o fim de gerar unidade estilística. A adoção de uma determinada ordem
conduzia, naquele período, tanto ao sistema proporcional a ser utilizado no interior do
edifício quanto ao seu caráter decorativo.
Algumas plantas originais que restaram da Basílica de Superga (Figura 40 a 42), bem
como outros projetos (Figura 43) de um dos mais importantes arquitetos desse período,
Filippo Juvarra, ilustram bem a validade e as permeabilidades estéticas existentes no
trabalho do arquiteto na primeira metade do século XVIII. Sendo uma das experiências mais
versáteis e bem sucedidas do período e representante fiel das posições arquitetônicas de uma
época em transição, foi baseada em diversas fontes de informação que inaugurariam um tipo
de “hibridismo arquitetônico” que se tornaria moda em toda a Europa com o avanço do
século XVIII. A tolerância com a onda tardo-barroca que a Basílica de Superga representa
está refletida numa série de publicações do final do século XVII e início do XVIII como
“Prospective pictorum”, de Pozzo, publicada entre 1693 e 1700, os três volumes do "Studio
di architettura civile”, de Domenico De’ Rossi (1659-1730)
65
, entre 1702 e 1712, com
inúmeros desenhos dos mais importantes edifícios barrocos de Roma, e finalmente o “Opus
architectonicum”, de Borromini e o seu estudo sobre o edifício de Sant’Ivo alla Sapienza,
publicado em 1720, que contribuíram decisivamente para o relançamento do método e dos
conceitos compositivos que mais tarde muito influenciariam algumas obras em Minas
Gerais. Na Itália, o último suspiro da tradição barroca encontra-se na grande obra de Nicolò
Salvi (1697-1751): a Fontana de Trevi (Figura 44).
65
Ver nota 114.
169
CAPÍTULO 3 – A REAÇÃO CONSERVADORA FRANCESA AOS MODELOS DA
ARTE E DA ARQUITETURA ITALIANA DURANTE O SÉCULO XVII
assado o período em que o Barroco atingiu a sua máxima expressão na Itália no
século XVII, a primeira metade do século XVIII são tempos de grandes
transformações na arquitetura, confrontadas pelos diversos embates que vive a cultura
arquitetônica na Europa durante esse período, dividida entre a exaustão e falência das formas
e do decorativismo, originados no período Barroco, e as idéias de um novo racionalismo que
pregava a volta às origens mais puras do classicismo acadêmico, defendidas principalmente
na França e na Inglaterra.
Na verdade, em França, o Barroco teve dificuldades de assimilação, principalmente
pela forte presença de um classicismo racionalista. O episódio da escolha de um projeto para a
ampliação do Palácio do Louvre (1664-1665), em sua ala leste, retrata bem a situação. A não
aceitação dos planos de Bernini ilustra bem este ponto de vista. Bernini foi o vencedor de um
concurso público – na realidade um modelo semelhante às cartas-convite atuais, e do qual
participaram também Cortona e Rainaldi; o único a recusar o convite foi Borromini –
organizado por Jean Baptiste Colbert, Surintendant des Bâtiments du Roi, algo equivalente ao
título de Ministro de Obras Públicas. Claude Perrault (1613-1688)
66
, presidente da comissão
julgadora, recusa os três projetos apresentados por Bernini, acabando, ele próprio, por ser o
autor da fachada hoje vista (Figura 45):
66
Claude Perrault (1613-1688): físico, fisiologista, anatomista, médico e veterinário, mas sobretudo um típico
exemplo do homem do período da Ilustração, Claude Perrault foi membro de todas as Academias Reais do
tempo de Luís XIV. Publicou diversas obras relativas à sua área de formação antes de ingressar na polêmica
contra François Blondel (ver a seguir), quando este afirmou ser o ouvido humano . Destacam-se, no universo da
teoria da arquitetura a tradução para o francês do texto vitruviano “Les dix livre d’architecture de Vitruve,
corrigez et traduits nouvellement en françois” (1673), e os tratados de sua autoria “Ordonnance des cinq
espèces de colonnes selon la méthode des anciens” (1683) e “Paralleles des anciens et des modernes” (1688).
P
170
[...] Arquitetonicamente, o primeiro projeto é, efetivamente, uma criação muito
radical. [...] O resultado é uma fachada ondulante de forte plasticidade, cujo
movimento se unifica com uma cornija contínua e com uma dominante ordem
colossal de semi-colunas ladeadas por semi-pilastras. Os “braços” côncavos e o
volume central saliente, mas “transparente”, produz uma sensação insuperável de
interação entre os espaços exterior e interior, e a articulação simples e mestra cria
uma grandiosidade magnífica. [...] O projeto é uma das obras mais grandiosas da
arquitetura do século XVII, realmente digna do tema construtivo proposto. No
primeiro projeto para o Louvre, Bernini demonstrou como é possível obter a
interação espacial mediante a justaposição de volumes simples e como a exposição
clara de um grande tema pode ser uma das realizações mais convincentes do
Barroco. [...] seu projeto foi criticado do ponto de vista prático e a razão principal
para que nunca tenha sido realizado reside em que não satisfez o gosto e a forma de
vida franceses. (NORBERG-SCHULZ, 1989b, p.151, tradução nossa)
67
Essa diversidade de posições por parte dos arquitetos no século XVII alimentava
embates e polêmicas que envolviam tanto os acadêmicos italianos quanto os racionalistas
franceses, em função da diferença de posições frente ao problema do gosto, do racionalismo
ou da função do ornamento na arquitetura. Se na Itália vimos a possibilidade do surgimento,
quase ao mesmo tempo, tanto de um Barroco tardio de feição clássica como também de um
novo “Classicismo barroco”, baseado no racionalismo revestido de um certo gosto exótico,
estilístico e ornamental, em alguns países mais ortodoxos em relação à aplicação das ordens,
como a França e a Inglaterra, veremos a consolidação do Neoclassicismo, já na metade do
século XVII. Deste modo, se Roma acolheu um certo “hibridismo arquitetônico”, o
racionalismo tomará conta da França, em um episódio que se convencionou chamar “Querelle
entre les anciens et les modernes”, ou seja, um debate interno à Academia Real de
67
[...] Arquitectónicamente, el primer proyecto es, efectivamente, una creación muy radical. [...] El resultado es
una fachada ondulante de fuerte plasticidad, cuyo movimiento se unifica con una cornisa continua y con un
dominante orden gigante de medias columnas flanqueadas por medias pilastras. Los “brazos” cóncavos y el
volumen central saliente, pero “transparente”, produce una sensación insuperable de interación entre los espacios
exterior e interior, y la articulación sencilla y maestra crea una grandiosidad magnifica. [...] El proyecto es una
de las obras más grandiosas de la arquitectura del siglo XVII, realmente digna del tema constructivo propuesto.
En el primer proyecto para el Louvre, Bernini demostró cómo puede obtenerse la interación espacial mediante la
yuxtaposición de volúmenes simples y cómo la exposición clara de un gran tema puede ser una de las
realizaciones más convincentes del Barroco. [...] su proyecto se criticó desde el punto de vista práctico y la razón
principal por la que nunca se llevó a cabo reside en que no satisfizo el gusto y la forma de vida franceses.
171
Arquitetura, em que dois grupos disputavam o poder, tendo como pano de fundo o tema da
“imitação da natureza”.
Assim como as demais academias patrocinadas por Luís XIV no final do século XVII,
a Academia Real de Arquitetura foi fundada em 1671, sob os auspícios de Colbert, com o
objetivo de estabelecer a hegemonia francesa no mundo ocidental no plano das ciências. O
tema da arquitetura passou, desde então, a ser alvo de considerações de natureza científico-
racional, e não mais artístico-sensorial. Para dirigir a Academia, Colbert indicou François
Blondel.
Professor da Academia, François Blondel (1618-1686)
68
, autor do famoso “Cours
d'architecture” (1675-1683), tornou-se um expoente da posição anti-barroca e um dos
defensores dos princípios da volta ao respeito às regras da teoria clássica, o que correspondia
a uma ortodoxia na utilização das ordens. Embora tomasse como base os trabalhos de mestres
como Vitruvio, Vignola e Scamozzi, não era totalmente impermeável ao uso da
ornamentação, desde que o arquiteto seguisse as leis da natureza e da razão, em vez da
fantasia. A proporção na arquitetura era fundamental, e as ordens não deveriam ser alteradas
sob nenhuma hipótese. Estas concepções fizeram valer, ao grupo de Blondel, o título de
“antigos”, porque defensores ferrenhos das práticas arquitetônicas da Antiguidade Clássica:
Blondel dedicou-se de alma e coração a demonstrar que na Antiguidade já existia a
ideia de uma arquitectura bela e harmoniosa, obedecendo a princípios absolutos. É
preciso contudo evitar um erro de interpretação: a procura de um cânone
arquitectónico unívoco, empreendida no quadro da Academia Real de Arquitectura,
recentemente criada, não se resume à simples consagração de regras antigas, ela
procede também da redescoberta da história e da riqueza das soluções
68
François Blondel (1618-1686): francês, engenheiro militar, arquiteto racionalista, membro eleito da Academia
Real de Belas Artes em 1671, François Blondel publica, entre 1675 e 1683 o conteúdo de suas aulas sob o título
de “Cours d’architecture”. Blondel é considerado, entre os arquitetos do século XVII, o mais conservador e
anti-barroco. Dirigente da Academia Real de Arquitetura a partir de 1671, defendia que a posição da harmonia e
da beleza em arquitetura só podia ser encontrada obdecendo os princípios absolutos dos antigos. No seu tratado,
Blondel demonstra seu apego aos modelos antigos, mas concorda que a qualidade arquitetônica depende do grau
de técnica de construção e da funcionalidade prática. Seu tratado também vai ser muito apreciado em Portugal no
século XVIII, principalmente nos anos da reconstrução Pombalina pela sua racionalidade construtiva.
172
arquitectónicas imaginadas em todas as épocas. (FREIGANG; KREMEIER, 2003,
p.258)
Neste sentido, é possível compreender porque Blondel torna-se um severo crítico dos
arquitetos barrocos italianos que, como Borromini, utilizam “bizarrias” que corrompem a
natureza dos edifícios.
Se Colbert indicou Blondel para a direção da Academia, por outro lado, encarregou
Claude Perrault de traduzir para o francês o texto vitruviano, acrescentando-lhe comentários
críticos, tendo sido publicado em 1673 com o título “Les dix livre d’architecture de Vitruve,
corrigez et traduits nouvellement en françois”. “Mas Perrault chega a uma conclusão
inesperada: a beleza em arquitectura não decorre de uma norma absoluta mas de uma
aprovação geral no seio da comunidade.” (FREIGANG; KREMEIER, 2003, p.258). Ou seja,
a beleza não é absoluta, como pretendiam os “antigos”, mas arbitrária, porque aberta à
interpretação por parte do arquiteto. Perrault lança a dúvida sobre o caráter transcendente da
proporção, criticando a atitude de Blondel de tentar integrar nas regras toda a produção
arquitetônica, e nega o antropomorfismo das proporções das ordens. Na medida em que
concebia a beleza como fruto da interpretação possível das ordens, estava mais aberto a
aceitar algumas experiências barrocas inovadoras. Assim, Claude Perrault passa a defender
em suas obras – que se completam com “Ordonnance des cinq espèces de colonnes selon la
méthode des anciens” (1683) e com a obra de outros colaboradores como Roland Freart, que
publicou em “Paralleles des anciens et des modernes” (1688) – defendendo o ponto de vista
dos “modernos” (Figura 46).
O peso das posições de Blondel e de Perrault pode ser melhor entendido se
lembrarmos aqui as palavras do crítico John Summerson:
Aqui as controvérsias entre os ‘Antigos’ e os ‘Modernos’ envolveram o dirigente da
Académie, François Blondel, e o arquiteto ao qual é creditado a fachada leste do
Louvre, Claude Perrault. A edição comentada de Vitruvius, de Perrault, por um
173
lado e o Cours d’architecture de Blondel, por outro, eram textos que conduziram ao
debate contínuo e à rápida propagação da idéia de que existiam distinções vitais a
serem feitas no culto da arquitetura clássica. As distinções eram, aproximadamente,
entre um uso racional e literal do antigo – ‘racional’ aqui implicando em uma
concepção do antigo como derivado das necessidades da construção e sendo, por
esta razão, passível de contínua modificação, e ‘literal’ implicando uma aceitação
das formas antigas como absolutos inalteráveis. Naturalmente, nenhuma escola de
pensamento assegurou uma vitória real sobre a outra; o importante é que estes
argumentos foram sustentados. As
raízes do Neoclassicismo são intelectuais
, elas
floresceram na colocação de questões. Ao entrar no século XVIII, nós veremos as
questões serem respondidas, e respondidas principalmente onde elas inicialmente
foram colocadas – na França. (SUMMERSON, 1986, p.10-11; tradução e grifos
nossos)
69
Dentro desse quatro de embate entre os diversos caminhos consolidados pela cultura
arquitetônica na França ao longo do século XVII, abriu-se, no início do setecentos, uma
diversidade de opções e de caminhos dentro da arquitetura que logo mostrariam sua face. A
renovação e o modo de utilização das fontes, ou seja, das tradições clássicas, tiveram reflexos,
principalmente, no trabalho de uma nova geração de arquitetos mais pautado no peso da teoria
do que na prática arquitetônica. Se o texto tratadístico assume um papel preponderante na
França setecentista, o “gosto estilístico” estará a ele subordinado; consequentemente, a
formação do arquiteto se fará mais debruçada sobre o letramento e menos filiada ao canteiro
de obras.
No meio desse novo mundo em transformação de valores artísticos, científicos,
culturais, políticos e sociais está Portugal, um reino em ascensão tardia frente aos principais
países da Europa, que está ansioso para ser reconhecido e estar ao lado das grandes côrtes da
Europa. Esse reino pobre, rapidamente enriquecido em função do ouro e dos diamantes
69
Here the controversies between the ‘Ancients’ and the ‘Moderns’ had involved the head of the Académie,
François Blondel, and the architect mainly credited the east front of the Louvre, Claude Perrault. Perrault’s
annotated edition of Vitruvius on the one hand and Blondel’s Cours d’Architecture on the other were texts which
led to continuous debate and to the rapid propagation of the idea that there were vital distinctions to be made in
the cultivation of classical architecture. The distinctions were, approximately, between a rational and a literal use
of the antique – ‘rational’ here implying a conception of the antique as having evolved out of building needs
and being therefore capable of continued modification, and ‘literal’ implying an acceptance of antique forms as
unalterable absolutes. Naturally, neither school of thought ever secured a real victory over the other; important
thing is that these arguments were sustained. The roots of Neo-classicism are intellectual, they grew in the asking
of questions. As we enter 18th century we shall find the questions being answered, and answered mainly where
they were first asked – in France.
174
descobertos no Brasil na região das Minas Gerais, é governado a partir de 1705 por um jovem
rei, chamado D. João V (1698-1750), que procura a sua glória e a do seu reino junto à
modernização intelectual e artística. Para essa empreitada, esse jovem rei de um país
periférico e atrasado, que traz consigo a amarga lembrança de uma história de pobreza e
provações, conta nos seus planos com o esplendor da arte e da arquitetura do Barroco
internacional, que transformará Portugal e Lisboa numa nova França de Luís XIV ou numa
Roma dos Papas. Para essa empreitada, entretanto, ainda que os recursos estivessem
garantidos, faltava ao rei trazer os artistas, planejar as obras e, principalmente, convencer os
seus súditos sobre a validade desse novo gosto, estranho à sua cultura conservadora, que,
como estudaremos, nunca foi totalmente assimilado e entendido em Portugal do ponto de
vista da sua cultura arquitetônica, por mais que o Rei tivesse se esforçado.
Segundo alguns críticos do Barroco português, se, ao invés de João Frederico
Ludovice (1680-1752)
70
, Juvarra tivesse sido o arquiteto preferido por D. João V para
realizar seu “sonho barroco”, talvez o Reino tivesse assimilado melhor e com mais
qualidade a arquitetura tardo-barroca em que se empenhou em construir durante todo o
século XVIII. No entanto, uma nova cultura arquitetônica assumida por um academismo
oficial estava em ascensão na Europa, e abriu o caminho para a liquidação definitiva do
Barroco e do Rococó, com a confirmação da chegada de um “novo classicismo”,
efetivamente em marcha na França e na Inglaterra. Este não tardará a chegar a Portugal,
ancorado numa atitude crítica mais amadurecida e mais apelativa à tradição da autoridade
clássica, e vinculado a um padrão moral e social que, enfim, banirá o Barroco. Esse
banimento terá como aliado a chegada de a uma teoria consistente sobre arquitetura com a
70
Johann Friedrich Ludwig (1680- 1752): arquiteto e artífice alemão, nascido em Hohenhart, Halle, ocupou
também o cargo de engenheiro militar do exército imperial de Leopoldo I. Entre 1697 e 1701, trabalhou em
Roma para o Padre Andrea Pozzo (ver nota 115) como ourives de prata na igreja de Santo Inácio. Migrou para
Portugal no início da segunda década do século XVIII, quando aportuguesou seu nome para João Frederico
Ludovice – denominação que adotaremos nesta tese. Integrou a corte de D. João V como arquiteto, sendo
responsável pela maior obra de seu reinado, o convento de Mafra.
175
publicação de “Essai sur l’architecture” do abade jesuíta francês Marc-Antoine Laugier
(1713-1769)
71
em 1753, que propôs, dentro de uma metologia cartesiana, partir para uma
investigação filosófica que busca desmistificar a “teoria das ordens”, demonstrando sua
fragilidade frente a uma argumentação filosófica. Dentro desse quadro de exaustão, os
últimos caminhos do Rococó e do Barroco na Europa são inspirados por uma roupagem
germânica, espalhada pelos países da Europa Central e por Portugal, através de uma enorme
produção e circulação de gravuras francesas e alemãs. Veremos, na parte que se segue, como
a formação dos arquitetos e mestres-de-obras portugueses revela a ambivalência entre
“expressionismo” e racionalismo, Barroco tardio/Rococó e Neoclassicismo.
71
Marc-Antoine Laugier (1713-1769): padre jesuíta, destacou-se rapidamente como orador. Publica “Essai sur
l’architecture” (1753) e “Observations sur l’architecture” (1765), textos de grande repercussão por abordarem
a investigação sobre a origem e a essência da arquitetura. Para Laugier, esta se fundamentava na distinção entre
estrutura e ornamentação.
176
CAPÍTULO 4 – A EXPANSÃO DO TARDO-BARROCO E DO ROCOCÓ NA
EUROPA CENTRAL DURANTE O SÉCULO XVIII
omo salientamos no item anterior, dentro do quadro de exaustão em que se
encontrava o movimento Barroco na Itália e na França nas últimas décadas
do século XVII, os últimos caminhos mais criativos deste estilo, já sob uma roupagem de
ambivalência entre “expressionismo” e racionalismo, Barroco tardio/Rococó e
Neoclassicismo, serão verificados nos países da Europa Central, em Portugal e suas
colônias. Esse fenômeno aconteceu nessas regiões de modo diferente, e tardiamente em
relação ao movimento na Itália e na França por um mesmo motivo: a guerra. No primeiro
caso, religiosa, e no segundo, pela independência.
Nos países da Europa Central, a Guerra dos 30 anos (1618-1648) demonstrou que
tinham chegado ao limite as diferenças em que viviam católicos e protestantes na região do
antigo Sacro Império Romano-Germânico. O amplo território desse Império correspondia às
antigas regiões germânicas da Baviera, Suábia e Francônia, e a Boêmia. Nestas regiões, após
os anos que sucederam o fim da Guerra, pôde-se, enfim, implementar como política de
reconstrução das monarquias católicas um surto de arquitetura e arte contra-reformista
tardio, que se alastrou desde o fim do século XVII até a primeira metade do século XVIII,
pela região do Danúbio até o Reno. Um dos objetivos principais dessas reconstruções era
reafirmar, através das construções religiosas e oficiais empreendidas no período, a vitalidade
da Igreja triunfante e das monarquias católicas que prevaleceram na região após a Guerra.
Podemos dizer que a expansão do Barroco-tardio para as regiões da Europa Central
fez-se, principalmente, através de uma releitura da produção que se realizou no século
precedente na Itália. Essa assimilação fez-se em especial através da grande circulação da
C
177
tratadística arquitetônica Barroca, principalmente a italiana, adicionada (a partir do último
quartel do século XVIII) de um novo ingrediente: a enorme produção e circulação de
gravuras francesas e alemãs que difundiam o Rococó como padrão decorativo, sob uma
roupagem principalmente germânica, implementada nas oficinas de Augsburg.
A assimilação no Barroco-tardio nas últimas décadas do século XVII na arquitetura
religiosa da Europa Central foi efetivada com características distintas de assimilação,
sempre levando em consideração a tradição vernacular regional. Sua implementação deu-se,
inicialmente, através do surto de reconstrução das velhas abadias, praticamente destruídas
durante a Guerra dos 30 anos. O significado dessas abadias para a consolidação da fé
católica na região pode ser melhor entendido através das palavras do crítico Norberg-Schulz:
Como cidade celeste, estes conventos eram situados no cume de uma colina, sendo o
ponto focal do mundo circundante. Sua planta simétrica era expressão de
perfeição, símbolo da “Civitas Dei” sob a terra De fato os conventos barrocos da
Europa Central eram microcosmos completos, prósperos do ponto de vista
econômico e fecundos espiritualmente. Um eixo longitudinal bem marcado
determinava uma relação ativa com o ambiente de circunvizinhança, e os elementos
verticais, como as cúpulas e os campanários, interrompem e dão significado à sua
extensão. (NORBERG-SCHULZ, 1989b, p.14, tradução nossa)
72
As abadias beneditinas de Melk (1702-1727; Figura 47), na Áustria, ou Banz (1710-
1713; Figura 48), na Alemanha, talvez sejam os melhores exemplos dessa primeira corrente
de assimilação do Barroco-tardio na Europa Central.
Outro surto de fé católica contra-reformista que contaminou esta mesma região esteve
ligado à reconstrução de antigos santuários de peregrinação, que também ganharam novo
impulso com a implementação do Barroco-tardio na Europa Central. Santuários como o de
72
Come città celesti, questi conventi erano situati sulla cima di un colle, fungendo da «punti focali» del
mondo circostante. La loro pianta simmetrica era espressione di perfezione, simbolo della
Civitas Dei
sulla
terra. In effetti, i conventi barocchi dell’Europa centrale erano dei microcosmi completi, prosperi dal punto di
vista economico e fecondi da quello spirituale. Un asse longitudinale ben marcato determina un rapporto attivo
con l’ambiente circostante, e gli elementi verticali, come le cupole e
i campanili, interrompono e danno
significato alia sua estensione.
178
Wies (1744-1754; Figura 49) ou Vierzehnheiligen (1742-1744; Figura 50), no sul da
Alemanha, serviram, como Melk e Banz anteriormente, para consolidar e difundir o gosto
pelo Tardo-barroco e pelo Rococó em toda a região do Vale do Danúbio. Não nos interessa
aqui, dentro dos objetivos dessa pesquisa, partir para uma análise dos diversos
desdobramentos da arquitetura e da arte na Europa Central, mas sim compreender alguns
elementos de formação dos seus principais arquitetos, que poderão ser pontos de contato entre
a arquitetura praticada em Portugal, no Rio de Janeiro e, principalmente, em Minas Gerais
durante o século XVIII.
Voltando ao problema da efetivação da arquitetura sacra tardo-barroca na Europa
Central, lembramos novamente o conceito de que a mesma partiu de uma síntese entre duas
vertentes: a utilização de elementos da arquitetura barroca romana e daqueles ligados à
tradição regional gótica. Essa primeira vertente, segundo o ponto de vista dos críticos
Norberg-Schulz (1989b, p.50) e Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira (2003a, p.331), está
ligada ao conhecimento do repertório do Barroco italiano, e está diretamente ligada ao
estudo da obra de Borromini, difundida a partir da publicação em 1725 do “Opus
Architectonicum”, e principalmente, a de Guarini, publicada no “Architettura Civile”, em
1737. A estes estudos soma-se, ainda, o conhecimento do ilusionismo do “Theatrum
Sacrum” de Bernini e de outros monumentos romanos, através da publicação dos tratados de
Domenico De Rossi, “Studio dell’architettura civile... Opera i piú celebri architetti de
nostri tempi”, publicada em Roma - a primeira parte em 1702, a segunda em 1711, e a
terceira e última em 1721.
A segunda vertente – a força da tradição vernacular – está ligada também, segundo a
análise do crítico Norberg-Schulz, à utilização sistemática do gosto pela verticalidade nas
torres e na composição dos frontispícios.
179
Além desses dois fatores, um terceiro, de caráter mais regional, também foi
fundamental para a assimilação desse novo gosto arquitetônico na Europa Central: o papel
que teve a primeira geração de arquitetos austríacos. Coube a essa primeira geração ser os
agentes pioneiros na translação das soluções do Barroco italiano para a primeira produção
do gênero na Europa Central. Essa condição se deu por vários deles terem ido estudar em
Roma e lá terem ido conhecer esta produção de perto. Dentre esses, salientamos,
principalmente, a contribuição do Arquiteto Johann Bernhard Fischer von Erlach (1656-
1726) que, a serviço do imperador austríaco, criou a primeira versão dessa assimilação das
características da arquitetura romana em dois projetos de planta elíptica e cúpula central em
Salzburg: a Kollegienkirche (1694-1707; Figura 51), ligada à Companhia de Jesus, e a igreja
da Santíssima Trindade (1694-1702; Figura 52), nitidamente inspirada em Sant’Agnese em
Roma, projeto de Borromini . Um terceiro projeto de igreja de sua autoria em Salzburg está
ligado à chamada igreja das Ursolinas (1699-1704; Figura 53), onde o arquiteto trabalha
especialmente a valorização das torres-sineiras pela forma e por meio de um recuo
acentuado em relação ao frontispício, cujo principal elemento de composição – também
aplicado nas fachadas laterais – é um óculo de inspiração barroca. Esta solução seria
bastante explorada nos projetos futuros de Kilian Ignaz Dientzenhofer na região da Boemia,
e que certamente foram inspirados nas igrejas de Guarini. O formato das torres e mesmo das
sineiras dessa igreja vão ser também verificados em alguns projetos ligados à produção
mineira da segunda metade do século XVIII.
A importância fundamental da obra de Fischer Von Erlach, é que, além de ser um
tratadista, editando o seu “Entwurff einer historischen architectur” em Viena em 1721
73
, ele
73
Johann Bernhard Fischer Von Erlach (1656-1723): nasceu em Graz, Áustria. Depois de se formar em
escultura no atelier de seu pai, dirige-se para Roma, onde com apenas quinze anos integra-se ao atelier do
arquiteto pontifício e pintor da côrte, Philip Schorr. Depois de anos de aperfeiçomento em escultura e teoria da
arquitetura em Roma, começa a trabalhar para a Rainha Cristina da Suécia e para os príncipes de Liechtenstein.
180
foi responsável pelo projeto da Kollegienkirche de Salzburg, cujo projeto foi publicado no
tratado anteriormente citado (OLIVEIRA, 2003a, p.81), que há décadas tem sido apontada
pela crítica especializada como uma referência fundamental para a expansão do gosto
Tardo-barroco internacional, a partir da qual verificamos desdobramentos em Portugal, no
Rio de Janeiro e em Minas Gerais, com a utilização das plantas curvas e fachadas
bombeadas em relação às torres. Em nossas pesquisas no Dommuseum zu Salzburg,
encontramos várias gravuras comemorativas, ligadas aos feitos dos Arcebispos de Salzburg,
editadas durante os últimos anos do século XVII e início do XVIII nas quais aparece o
projeto da Kollegienkirche (Figura 54) e que podem ser um indício da importância e do
amplo conhecimento que tinham desse projeto, outros arquitetos atuantes durante o século
XVIII.
Uma segunda linha de arquitetos precursores da síntese de assimilação do Barroco
italiano na Europa Central, mais especificamente na Francônia e na Bôemia, é representada
por Lucas Von Hildebrand (1668-1745), autor das igrejas de planta elíptica de São Pedro
(1710-1733; Figura 54 e 55) e São Carlos Borromeu (1715-1735) em Viena; pelo Arquiteto
Jacob Prandtauer (1660-1726) arquiteto da Abadia de Melk, e principalmente pelos irmãos
Johann Dientzenhofer (1673-1726), George Dientzenhofer (1643-1722) e Christoph
Dientzenhofer (1655-1722), responsáveis pelo surgimento da vertente mais criativa nessa
assimilação de modelos formais. Johann Dientzenhofer foi responsável pelo projeto da
A partir de 1705, com a subida de D. José ao trono austríaco é nomeado Superintendente de Construções da
Côrte. Em 1721, publica seu famoso tratado “Entwurffeiner Historischen Architectur”, um compêndio que trata
dos principais edifícios da História da Arquitetura até a sua época. O tratado de Fischer Von Erlach trata,
basicamente (seguindo o formato dos tratados italianos, onde ele esteve estudando entre 1654-1658), de uma
viagem aos caminhos da arqueologia da arquitetura, visando traçar um panorama da história universal da
arquitetura Ele reuniu no seu tratado, feito em 4 tomos, desde os monumentos do mundo antigo como o Colosso
de Rodes, pertencente às sete maravilhas do mundo, passando por monumentos judeus, persas, sírios e romanos.
No quarto tomo, sob o título “Alguns edifícios inventados pelo autor”, ele apresenta a sua produção
arquitetônica, destacando as demandas do arquiteto da sua época como: igrejas, palácios, castelos e jardins, e
pavilhões de lazer. Como arquiteto, Fischer Von Erlach projeta algumas das principais igrejas do tardo-barroco
austríaco, como a das Ursolinas, em 1697, e a famosa KollegienKirche, em 1712, ambas em Salzburg. Fischer
Von Erlach também foi um dos pioneiros na utilização da elipse como forma da planimetria arquitetônica do
tardo-barroco na região da Áustria, Alemanha e República Tcheca.
181
Abadia de Banz. George Dientzenhofer o responsável pelo projeto da igreja da Santíssima
Trindade de Kappel, de 1684, elaborado a partir de três semicírculos acoplados a um
triângulo central, com três torres circulares nas interseções, solução sem precedentes até
então (Figura 57). Christoph Dientzenhofer foi o responsável pelo extraordinário projeto da
igreja de São Nicolau de Malà-Strana, em Praga (1703-1713; Figura 58). Algumas soluções
formais previstas neste projeto são particularmente importantes para nossa pesquisa, pois
também vão ser notadas em projetos ligados à expansão do Rococó internacional, como
salienta a opinião da crítica Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira sobre esse projeto:
[...] a tradição borromínica da utilização da linha em planta, levou-a às últimas
conseqüências [...]. Este tema, bem como o do frontão alto segmentado por
pilastras planas também inaugurado na citada São Nicolau, tiveram ampla
posteridade no rococó religioso internacional, alcançando o Brasil, onde sua
presença pode ser detectada em igrejas atribuídas ao Aleijadinho. (OLIVEIRA,
2003a, p.81)
Depois desse primeiro período de assimilação dos cânones do Barroco italiano na
Europa Central, que perdurou mais ou menos até 1730, coube a uma nova geração de
arquitetos, agora já sob a influência do Rococó e do espírito da “gesantkunstwerke”
74
,
implementar uma obra arquitetônica de características próprias, ainda que com diferenças
regionais. Essa produção foi impulsionada principalmente pelos Arquitetos Johann Michael
Fischer (1692-1766) e Dominikus Zimmermann (1685 –1766) na região da Boêmia, Balthazar
Neumann (1687-1753) na Francônia e Kilian Ignaz Dientzenhofer (1689-1751)
principalmente em Praga e região circundantes, na atual República Tcheca. Aos dois
primeiros coube a elaboração dos projetos das já citada igreja de peregrinação e Wies (1745-
1754) como também a de Steinhausen (1728-1735), ambas estruturadas em plantas
74
Termo alemão que significa “obra de arte total”. Segundo definição da pesquisadora Myriam Andrade Ribeiro
de Oliveira, este princípio “[...] sintetiza com grande propriedade na crítica alemã o espírito de fusão que
presidiu a construção e decoração das igrejas do rococó, segundo o qual arquitetura, pintura, escultura e
demais elementos ornamentais constituem uma unidade totalizante, na qual os efeitos de conjunto, têm função
primordial.” (OLIVEIRA, 2003a, p.83)
182
relativamente simples tendendo à elipse alongada, que definem a horizontalidade da
composição, equilibradas pela presença do elemento vertical do campanário e dos desenhos
caprichosos das janelas e óculos, que muito lembram algumas soluções em uso na segunda
metade do século XVIII em Minas Gerais e também vão aparecer sistematicamente na obra de
Kilian Ignaz Dientzenhofer (Figuras 59 e 60). Ao segundo, que também era engenheiro
militar, coube o projeto e construção de Vierzenhnheiligen, ou Santuário dos Quartorze
Santos, cuja planta, bem mais complexa, compõe-se de três ovais longilíneas e dois círculos
que formam os braços do transepto. A fachada de grande verticalidade denuncia o gosto do
arquiteto pelas tradições góticas alemãs, mas a presença da linha sinuosa na composição do
frontispício, atesta a assimilação das influências italianas (Figura 61). Em comum, essas três
igrejas têm a estratégia da “gesamtkunstwerke” para a sedução do crente assim que ele
adentra o espaço interno da igreja. Ali, tudo funciona de forma a atingi-lo através da captação
de todos os seus sentidos, procurando levá-lo ao arrebatamento espiritual pela estratégia do
“Theatrum Sacrum”, que trabalha para tornar o céu uma realidade visível dentro do espaço
sagrado ali planejado nos mínimos detalhes (Figura 62). Essa concepção, no entanto, teve seu
resultado mais espantoso na igreja de peregrinação de Rohr (1717-1725; Figura 63), obra do
Arquiteto e Escultor bávaro Egid Quirim Asam.
O último e o mais talentoso desse grupo de arquitetos é Kilian Ignaz Dientzenhofer,
filho de Christoph Dientzenhofer e sobrinho de George e Johann. Sua atuação profissional,
como a de seu pai e tios, ocorreu principalmente na região da Boemia, mais especificamente
em Praga e arredores, e foi, segundo a opinião do crítico Norberg-Schulz (1993), entre todos
os arquitetos da sua geração o que levou mais à frente e de forma amadurecida a experiência
da célula guariniana
75
buscando, ao longo de sua carreira, várias combinações de espaços e
75
Expressão utilizada pelo crítico Norberg-Schulz (1979, 1989, 1993) para caracterizar a espacialidade
introduzida pelo Arquiteto italiano Guarino Guarini (1624-1683) em seus projetos por meio da idéia de
183
volumes arquitetônicos, que agora aparecem unidos à tradição vernacular pela presença das
torres sineiras. No entanto, esse elemento arquitetônico aparece utilizado de modo a imprimir
movimentação em relação ao frontispício e conjugado com a utilização das linhas curvas e
ondulantes na composição dos frontispícios e fachadas laterais - solução também presente em
alguns projetos das igrejas mineiras da segunda metade do século XVIII. Outra característica
de suas composições, segundo Norberg-Schulz, é a presença constante das janelas e óculos de
desenhos barrocos graciosos, derivados da tradição guariniana e das obras de Fischer Von
Erlach (Figura 18). Kilian Ignaz Dientzenhofer tem, entre suas obras mais significativas,
algumas igrejas que têm relação com soluções formais presentes da difusão do Barroco-tardio
em Portugal e no Brasil, como a igreja de São João das Rochas (1729-1739; Figura 64), em
Praga, a igreja de Sonov (1727-1730; Figura 65), a igreja do Convento de Wahlstatt (1727-
1731; Figura 66) e a igreja paroquial de Brezno (1739-1742; Figura 67), que podem ser peças
importantes para o entendimento da circulação da cultura arquitetônica durante o século
XVIII, como veremos no decorrer da pesquisa.
Por fim, podemos dizer que a expansão do Tardo-barroco e do Rococó na Europa
Central foi o último ciclo plenamente produtivo do delírio católico contra-reformista e de suas
côrtes. A partir da segunda metade do século XVIII, estes movimentos estarão nos seus
estertores como movimentos artísticos internacionais, tendo seu último impulso de vida
levado a cabo em Portugal e em suas colônias durante a segunda metade do século XVIII.
Essa, no entanto, é uma história à parte, vinculada a uma complicada teia que se teceu com
particularidades regionais, a complicada assimilação e expansão da cultura arquitetônica
Tardo-barroca em Portugal e suas colônias durante o século XVIII. Sobre esse problema,
trataremos mais detalhadamente na terceira e quarta partes dessa pesquisa, com ênfase nos
contração e movimento baseada na estratégia de composição da planta de células (em geral constituídas de
figuras circulares ou ovais) que se justapõem ou interpenetram.
184
seus desdobramentos na produção da arquitetura religiosa setecentista mineira e seus
principais agentes culturais.
PARTE 3
AS TRADIÇÕES DA CULTURA ARQUITETÔNICA
EM PORTUGAL NOS SÉCULOS XVII E XVIII
186
CAPÍTULO 5 – ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E CULTURAL DA
ARQUITETURA RELIGIOSA EM PORTUGAL
mbora não seja o objetivo dessa pesquisa discutir o problema específico da
importância do ensino de arquitetura civil e engenharia militar, já tão bem
trabalhados tanto na tese do pesquisador português Horácio Bonifácio (1990) como na de
Beatriz Bueno (2001) no Brasil, pareceu-nos importante delinear alguns aspectos relevantes
sobre esse segmento da cultura arquitetônica portuguesa. Neste sentido, esses apontamentos
nessa parte da tese têm apenas o objetivo de passar ao leitor um entendimento genérico sobre
o nível de cultura arquitetônica empregada e desenvolvida nesses segmentos da atividade
arquitetônica e construtiva até o início do século XVIII.
Optamos também, aqui, antes de introduzirmos especificamente o tema da cultura
arquitetônica em Portugal no século XVIII, por partir de uma síntese histórica sobre as raízes
e o desenvolvimento da arquitetura religiosa portuguesa. Essa síntese tem o objetivo de
instruir e situar o leitor sobre o panorama do desenvolvimento da arquitetura portuguesa e
suas matrizes culturais em diversos períodos anteriores ao século XVIII, afim de ajudá-lo a
compreender melhor as dificuldades das mudanças e os desdobramentos aos quais essa
cultura esteve exposta ao longo século XVIII, em função do obrigatório contato e assimilação
das formas e das influências do Barroco italiano e francês. Para traçar esse panorama,
optamos por, metodologicamente, por retroceder até período Românico, onde efetivamente se
estruturou a formação do reino de Portugal e onde encontramos as raízes da arquitetura
religiosa portuguesa.
Se comparada à época do florescimento da arquitetura românica no restante da Europa,
em Portugal este gênero de arquitetura é implementado e floresce tardiamente, já em fins do
E
187
século XI, após D. Afonso Henriques iniciar a unificação do reino. Isso se dá
contemporaneamente à fase plena do Românico e ao nascimento do Gótico no continente
europeu. Sua influência inicial deve-se à escola francesa da Abadia de Cluny e aos monges
beneditinos que acompanharam a campanha de D. Afonso Henriques pelo território
português. Isso explica, em parte, a grande influência do Românico borgonhês sobre o
Românico português, acompanhado de perto também por algumas influências de igrejas de
origens espanhola e italiana do período.
De modo geral, a crítica de arte e arquitetura portuguesa tem dividido o estudo da
expansão dos modelos da arquitetura religiosa românica em Portugal em dois grupos: o
primeiro ligado a uma arquitetura mais erudita e monumental, representado pela construção
das grandes catedrais portuguesas – Braga, Porto, Coimbra, Lamego, Lisboa, Évora (Figuras
68 a 70) – que constituirão áreas de influência regional através da formação de escolas. Um
segundo grupo está ligado às igrejas conventuais de fatura mais rude e popular, espalhadas,
principalmente, pelo norte do país e construídas pelas ordens religiosas como a matriz de
Bravães ou o mosteiro de Roiz na região norte de Portugal (Figuras 71 e 72). Nesta última
categoria, segundo nos informa Flórido Vasconcelos, “[...] só no entre Douro e Minho a
Ordem de Cluny chegou a contar cento e onze mosteiros, da maior parte dos quais chegaram
até nós as igrejas, transformadas em paroquiais [...].” (VASCONCELLOS, 1972, p.25)
As características arquitetônicas do primeiro grupo de igrejas representados pelas Sés
podem ser descritas como igrejas de planta cruciforme, com três naves, ábside e duas
absidiolas, estas abrindo sobre o transepto. Às vezes, apresentam lanternim sobre o cruzeiro e
a nave central e o transepto são cobertos de abóbadas de berço, e as laterais, de aresta. Sobre
as abóbadas que recobrem as naves laterais estendem-se as tribunas, que geralmente se abrem
para a nave central por arcadas duplas com colunelos geminados, de grande elegância. Estas
arcadas geralmente são repetidas cegas no plano externo, correspondente à fachada, na parte
188
de cima do transepto. A fachada principal, de uma maneira geral, é composta por duas
pesadas torres laterais e por um único portal profundo, com várias arquivoltas repousando
sobre colunelos decorados (Figuras 73 e 74).
As características do segundo grupo são, principalmente, o despojamento e a
simplicidade compositiva, com a decoração concentrando-se nos portais (tímpanos, colunelos
e mais raramente as arquivoltas) ou nas janelas, nos capitéis e nos cachorros que sustentam a
cornija do telhado. Os programas iconográficos não são definidos e a ornamentação estatuária
é quase inexistente. Do ponto de vista espacial, a maior parte dessas igrejas possui apenas
uma nave, coberta com telhado de duas águas com travamento de madeira, e ábside de planta
retangular. A cobertura em abóbada de berço é exceção nessa tipologia (Figuras 75 e 76). As
torres também são elementos bastante presentes, associadas ou autônomas em relação ao
bloco do edifício. As fachadas remetem às formas simples, derivadas das soluções funcionais
das coberturas. O material construtivo é o granito, abundante na região do norte, que também
influenciará, pela sua dureza, a simplificação das soluções decorativas. Essa arquitetura de
paredes sólidas e espessas, de pedra aparente, se assemelha, muitas vezes, ao perfil de uma
fortaleza, onde as torres e os adros murados também se destinavam a servir de proteção e
abrigo, em caso de invasão de mouros e castelhanos, se espalham pelo território. É esse
modelo arquitetônico mais popular – mais do que as grandes Sés –, que se incorpora na
tradição construtiva das igrejas paroquianas rurais, em torno das quais a população pobre,
espalhada pelo território, se ajunta para construir a partir do legado de esmolas e donativos, e
que virá a caracterizar, com o passar dos anos, uma identidade própria e singular da
arquitetura religiosa, que resistirá na mentalidade da população simples e conservadora,
opondo-se às novidades trazidas para o programa religioso nos períodos futuros.
Vencido o extenso período em que a arquitetura religiosa românica consolidou-se e
expandiu-se pelo território português, nas suas diversas variantes até o século XIII, é que,
189
enfim, o Gótico consegue impor suas tendências estilísticas e formais em Portugal. De um
modo geral, podemos lembrar aqui as palavras do Professor Mario Chicó para caracterizar as
grandes construções dessa fase: “Em Portugal a época românica é a época das catedrais e a
época gótica e á época das grandes abadias.” (CHICÓ, 1968, p.31) Neste sentido, o primeiro
edifício português em que os arcos quebrados e a nova estrutura em abóbada de cruzaria e
ogivas se aliam a concepções de espaço e de forma típica do Gótico num todo coerente foi na
igreja da Abadia de Alcobaça, por volta de 1178 (Figura 77). Sua planta repetiria ainda a
solução arquitetônica dos mosteiros de Pontigny e de Claraval, na Borgonha, sede da Ordem
de Sister. No entanto, será somente no reinado de D. Afonso III, com o estabelecimento das
Ordens Mendicantes de São Francisco e São Domingos em Portugal, que a arquitetura gótica
irá se impor definitivamente, reinando pelo menos até o segundo quartel do século XVI,
quando, enfim, os padrões do Gótico tardio serão suplantados pelos padrões da Renascença.
Essas igrejas se caracterizaram pelo uso de linhas e estruturas simples e rigorosas refletindo a
austeridade de suas regras. Em geral, estruturaram suas plantas em três naves, sendo mais alta
a central, separada das colaterais por arcadas de pilares esbeltos, com a alçada interior de dois
pavimentos formados por arcadas e clerestório, sem tribunas e trifórios. A fachada era sóbria,
em geral apenas um portal com uma rosácea se abriam para no corpo central de empena
aguda, ladeada por dois corpos mais baixos, ora cegos ora com a presença de frestas e janelas,
reutilizando uma solução conhecida como “fachada-basilical”. A cobertura, em geral, é de
madeira com apenas as cabeceiras de três ou cinco capelas possuindo abóbadas nervuradas.
Entre as principais construções desta época podemos citar o Mosteiro da Batalha, construído
por volta de 1388, obra-prima de Afonso Domingues e, sem dúvida alguma, a melhor
realização arquitetônica do século XV em Portugal (Figura 78).
Foi durante a construção do Mosteiro da Batalha que se formou uma verdadeira escola
de ofícios para escultores e arquitetos, cuja influência, segundo os críticos de arte e
190
arquitetura portugueses, se fez notar em todo o país nas construções que se seguiram, como
por exemplo na antiga igreja do Carmo em Lisboa e na Sé de Guarda, que abrindo condições
técnicas para o florescimento do chamado “estilo Manuelino”. Neste sentido, o Manuelino,
mais do que uma situação cultural que se integra aos esquemas do Gótico tardio, é também
uma modernidade possível no contexto da sociedade portuguesa, onde, no dizer do Professor
José Eduardo Horta Correa, “[...] estão patentes novas concepções do poder, é o imaginário
ainda medieval mas já ao serviço de um mundo novo, mas é também uma subtil, mas decisiva
transformação do espaço arquitectónico e não apenas um novo e original formulário
decorativo como é comum afirmar-se.” (CORREIA, 1991, p.23) Neste sentido, segundo o
mesmo autor, o polimorfismo manuelino já manifesta a chegada próxima do Renascimento
em Portugal nas suas múltiplas formas e que se reveste de uma faceta que parece prolongar-se
à procura de uma nova estética, que vai deixando o vocabulário formal do imaginário do
Manuelino – inorgânico, polimorfo e caótico – em direção a uma linguagem
tendenciosamente uniformizada, por vezes tratadística e, por fim, canônica.
As igrejas desse período, no entanto, ainda seguem, do ponto de vista espacial, a
estrutura gótica definida desde o século XIII nos templos das ordens mendicantes, sofrendo
modificações acentuadas apenas nas proporções e na decoração, com ênfase nas composições
dos portais e nos coroamentos das fachadas. O corpo das igrejas ainda apresenta naves
distribuídas em um, três ou cinco tramos, com arcadas quebradas ou de volta inteira,
assentadas em colunas redondas ou octogonais, sem transepto e de cabeceira plana, como por
exemplo em São João Batista em Tomar e na nova capela-mor da Sé de Braga (1509-1511,
Figuras 79 e 80).
Existem outros dois grupos de igrejas que ainda florescem nesse período, o primeiro
representado pela igreja de São Francisco de Évora, é a melhor manifestação, em Portugal, do
Gótico meridional e que, segundo Bazin (1983), foi responsável pelo modelo da planta
191
maneirista da igreja jesuíta do Espírito Santo na mesma cidade. O segundo, mais tardio,
representado pelo Mosteiro dos Jerônimo em Lisboa (1495), pela igreja da Misericórdia em
Santarém (1492) e pela igreja de Santa Maria em Extremoz (1490), e mais tardiamente pela
Sé de Portoalegre (1556) corresponde ao grupo das chamadas “igrejas-de-salão” ou
“hallenkirchen”, geralmente composto por três naves da mesma altura, de abobada única, que
terá grande popularidade e aceitação em Portugal durante o século XVI (Figuras 81 e 82).
Essa tipologia, um pouco mais tarde, irá influenciar decisivamente as soluções mais tarde
adotadas no final do século XVI pelos jesuítas em Portugal, quando uma nova tipologia de
igreja de espaço unificado, com origem nacional, será o arquétipo da planta das primeiras
igrejas brasileiras no século XVII. Para melhor compreensão da escolha e da fundamentação
dos modelos das “hallenkirchen” pelos jesuítas, e com o objetivo de não banalizarmos essa
questão em função apenas das precárias condições sócio-econômicas do final do século XVI
em Portugal, analisaremos a seguir as influências do Renascimento e do Maneirismo italianos
na formação do chamado “estilo Chão”
76
, que foi introduzido decisivamente nos protótipos
das igrejas da Companhia de Jesus em Portugal.
Lembramos aqui, primeiramente, que o Renascimento em Portugal foi incorporado
lentamente ainda no período da arte manuelina, e com várias frentes de assimilação nas
diversas regiões do país. Do ponto de vista da evolução de uma cultura arquitetônica em
Portugal, sua maior contribuição passa principalmente pelos projetos implementados no
claustro do Convento de Cristo em Tomar (1510), no Claustro de Manga em Coimbra (1527)
e pelo claustro da Sé de Viseu (1528), ainda que as regras de composição projetual, não
estivessem totalmente assimiladas. Essa última obra marca a abertura da côrte de D. João III a
uma certa sintonia com as práticas culturais estrangeiras, quando uma política de mãos
76
O chamado “estilo Chão” recebe também a denominação de Maneirismo. Contudo, não se pode associá-lo ao
movimento estilístico do século XVI na Itália (ver nota 43), pois trata-se de uma prática muito mais austera e
tradicionalista. Doravante, ao termo “Maneirismo”, o texto desta tese associa a prática seiscentista em Portugal.
192
estendidas aos ventos da de renovação foi iniciada, com franca abertura aos círculos do
humanismo cristão, principalmente vinculados à Itália. Na visão de Correia (1991), neste
momento não é mais possível separar a reforma cultural ou religiosa da implementação
arquitetônica que surge. A arquitetura é signo de poder, é valor cultural, mas é também um
veículo de reforma cultural. E é nesse sentido que a reforma na Ordem de Cristo e as
transformações na Universidade de Coimbra compuseram os exemplos mais emblemáticos do
avanço e implantação do humanismo dos tempos de D. João III.
Neste sentido, a reforma na Ordem de Cristo levada à frente pela construção das novas
instalações de Tomar, concebida à imagem do Hospital Maior de Milão, irá implementar
definitivamente uma alteração na estética nacional ao incorporar a estética renascentista em
Portugal. No claustro e na fachada da ermida da Conceição de Tomar (1510-1530) vemos a
assimilação profunda dessa nova cultura reveladora das possibilidades para a nova arquitetura
portuguesa, influenciada fortemente pelos estudos das ordens e pelo tratado de Serlio
77
, que
grande influência exercera no Maneirismo português (Figura 86). Das lições de Tomar saiu
um grande leque de pesquisas focadas na arquitetura renascentista italiana pelos melhores
arquitetos renascentistas portugueses, como Arruda e Torralva, que trabalharam em Tomar, e
de escultores como Chanterme, que se particularizou pelo uso do duplo frontão à moda de
Palladio. Um dos melhores frutos dessa especulação é a igreja da Graça em Évora, cuja
fachada foi executada por volta de 1560 (Figura 87). Como defende Paulo Varela Gomes
(2001), esse foi um período dentro da cultura arquitetônica portuguesa de aproximação entre a
cultura tradicional da “fábrica”, ou seja, do saber construtivo, com a da “idéia projetual” do
saber tratadístico, que, mesmo não compatibilizados totalmente, inauguraram algo novo na
cultura arquitetônica portuguesa, cujo último preciosismo está ligado ao projeto de
77
Ver nota 101.
193
reconstrução do mosteiro da Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia, a partir de 1594 (Figura
88).
Passada, no entanto, essa época atípica na história de Portugal, de ampla abertura
política e cultural a novas idéias, a Reforma retoma a posição conservadora do reino e
modifica profundamente o quadro das necessidades concretas da vida nacional e da
conjuntura internacional. Em virtude da ruptura luterana, Portugal rapidamente encaminha-se
para um perfil militarista do ponto de vista das ações políticas e para um dirigismo ideológico
no plano cultural. Entre 1640 e 1660, surge, na história da cultura arquitetônica em Portugal, o
reflexo da condicionante histórica da expansão da ideologia contra-reformista, que manifesta-
se arquitetonicamente em uma tendência ao despojamento decorativo e na adoção de um certo
classicismo de base tratadista. Como sinal de austeridade em um tempo religioso e militar que
se instala no país, convergindo para a formação de uma das expressões mais importantes para
o estudo da cultura arquitetônica em Portugal e no Brasil, uma nova forma arquitetônica se
consolida, denominada por George Kubler
78
, no seu “Potuguese plain architecture between
spices and diamonds (1521-1706)” (1988), de “Plain style” ou “estilo Chão”.
Este estilo, impulsionado pela conjuntura favorável contra-reformista, vai ter franca
aceitação em Portugal e vai tender a ser mais ou menos hegemônico como manifestação da
cultura arquitetônica desse período em todo o paÍs até a época da Restauração em 1640. Esse
modelo arquitetônico é caracterizado pela clareza, ordem, proporção e simplicidade, ainda
que não fosse o único maneirismo possível em Portugal. Segundo o entendimento de críticos
portugueses, como o Professor Correia (1991), era, certamente, o mais hegemônico e, por
isso, bastante representativo no gosto mais popular. Esse modelo de igreja contra-reformista
implantou-se em Portugal principalmente através da Companhia de Jesus, ordem religiosa
78
Pesquisador americano, especialista no estudo da história da arte portuguesa. Entre suas mais marcantes
contribuições está seu estudo sobre a arquitetura vigente na segunda metade do século XVI , onde Kubler vai
introduzir o conceito de “Plain style” para designar a arquitetura desse período.
194
fundada em Roma por Santo Inácio de Loyola com a finalidade de catequizar e expandir os
dogmas da fé católica por meio de uma igreja militante pelo mundo.
A primeira sede da Companhia em terras lusitanas foi a igreja de São Roque, no Bairro
Alto, em Lisboa, que, ligada aos dogmas de Trento, tinha uma posição bem conservadora em
relação ao espaço religioso, mas também aberta à adaptação dos seus planos às raízes da
tradição local. Para a construção de São Roque, os jesuítas portugueses, conforme nos
informa Paulo Santos (1951), inicialmente tendiam para o programa tradicional das antigas
“igrejas-de-salão” comuns no reino, como vimos anteriormente, com suas três naves, ábside
no centro, teto plano coberto com tesouras de madeira. Durante a construção, no entanto,
atuando sobre o partido inicial das “hallenkirchen”, acabou caminhando para um partido de
nave retangular com paredes alinhadas, sem cúpula e com janelas laterais, bem ao gosto
“chão”, resultando essa empreitada em um espaço de nave única em forma de salão
quadrangular, com capelas laterais intercomunicantes, separado por um arco-cruzeiro de
capela-mor pouco profunda e em conformidade com a austeridade financeira portuguesa
daquele período. Essa solução é híbrida entre o projeto da igreja de Gesù, sede da Companhia
em Roma – projetada por Vignola em 1568, sob inspiração da planta de Sant’Andrea, em
Mantua, de Alberti, e modificada por Giacomo della Porta entre (1573-1575) – com a tradição
chã portuguesa, vinculada ao gosto maneinista de Serlio (Figuras 89 a 91). Neste sentido,
segundo os estudos do Professor Paulo Santos (1951), São Roque acabou sendo uma
[...] planta híbrida, refletindo o duplo compromisso com as igrejas românicas lusas
e com a igreja do Gesu de Roma – que foi trazida para o Brasil por Francisco Dias,
servindo de modelo a várias das principais igrejas da companhia, como sejam,
entre outras, as igrejas dos Colégios de Olinda, da Baia, do Pará, etc.- todas, como
a de São Roque, sem o cruzeiro central (formado pela nave e transepto de iguais
larguras) e, como conseqüência, desprovidas de cúpulas, particularidade que veio a
tornar-se uma das características dominantes das igrejas jesuítas brasileiras, e que
muito claramente as distingue das dos paises de colonização hispânica da América,
para asa quais prevaleceu como modelo, o plano do Gesu. (SANTOS, 1951, p.64)
195
São Roque, no entanto, não foi a única igreja jesuíta construída neste momento em
Portugal, e tão pouco parece que a decisão de seguir o plano de Il Gesù com nave única e com
capelas laterais intercomunicantes foi consenso por parte da Companhia em Portugal, e
mesmo na sua expansão pelas colônias. Na segunda igreja edificada pela Companhia em
Portugal, São Paulo em Braga (1567-1588; Figura 92), embora se mantenha a estrutura de
“igreja-de-salão”, a nave é única sem capelas laterais, bem aos moldes das tradições
românicas mais populares herdadas do século XI e XII. Segundo Bazin (1983), mais do que
São Roque, São Paulo em Braga teria sido o modelo de planta e fachada para as primitivas
igrejas brasileiras, como podemos ver na extinta igreja de Santo Inácio no Rio de Janeiro
(1585-1588; Figura 93), ou na igreja de Nossa Senhora da Graça em Olinda, construída a
partir de 1592 (Figura 94). Essas diferenças formais refletem bem o dilema da arquitetura dos
jesuítas em Portugal, obrigados constantemente a optar entre o modelo da igreja-sede da
Companhia em Roma e São Vicente de Fora em Lisboa (1579), de Filippo Terzi (1520-
1597)
79
, ligada mais à tradição portuguesa, num tempo de pouca erudição conceitual na
cultura arquitetônica daquele país, como veremos dominada muito mais pela tradição prática
do rigor geométrico dos mestres-construtores do que pelas especulações dos poucos arquitetos
aí existentes. Essa falta de um planejamento mais erudito e o embate entre tradição e novo, irá
refletir-se, principalmente, na luta constante pela solução do espaço para as duas torres e para
as aletas amparadas no frontão, que levarão a desdobramentos os mais diferentes na
arquitetura da Companhia de Jesus em todo o mundo português. Sobre os modelos das
fachadas jesuíticas portuguesas, ainda lembrarmos aqui a análise do Professor Carlos Antônio
Leite Brandão:
79
Filippo Terzi, arquiteto italiano, migrou para Portugal por volta de 1590. Em diversos documentos seu nome
aparece aportuguesado na forma “Felipe Tércio”. Para efeito de unificação da denominação, optamos pela forma
italiana, pois indicativa da origem do arquiteto. A forma portuguesa somente será adotada em caso de transcrição
literal das fontes. Ver nota 158.
196
De uma maneira geral se vê a permanência do “espírito românico” em Portugal na
severidade e simplicidade das formas, nas composições retilíneas, nos volumes
compactos, nas plantas concentradas de base quadrangular, nos espaços unitários.
Será também este o espírito que aparecerá inicialmente na imagem do edifício ao
privilegiar os efeitos visuais derivados da estrutura construtiva ou dos planos
compositivos próprios de uma tectônica fechada. (BRANDÃO, 2004.)
Esse tipo de composição cria o que se classifica de fachada-templo, bastante popular
na tradição portuguesa desde o período Românico, como vimos, e que, como expressão
arquitetônica traduz no exterior simplesmente a disposição interna do edifício. A mistura entre
estas duas possibilidades de fachada, que não são exclusivos de Portugal sendo antes já
experimentados nas igrejas italianas desde o século XII, são a origem da fachada italiana de Il
Gesù (Figura 95), e que influenciará as fachadas de algumas igrejas jesuítas no mundo
português a partir de 1590, como a Sé Nova de Coimbra (1589), o Colégio de Santarém
(1676; Figura 96). Uma terceira fórmula de fachada foi ainda concebida, nesse período,
dentro do gosto pelo uso das torres laterais presentes desde o período Românico, como pode
ser visto nas igrejas da Sé de Portoalegre (1556), em Santo Antão em Évora (1563), e em
Santa Maria em Setúbal (1560) da qual a fachada da igreja dos Jesuítas em Salvador (1657;
Figura 97) acabou sendo uma solução híbrida entre as duas últimas correntes portuguesas.
Nos anos após a Restauração, não se tinha a certeza do caminho arquitetônico a seguir
e continuava-se, frente às dificuldades financeiras do período, numa linha de conveniência
ideológica com a imagem que caracterizava a cultura arquitetônica portuguesa nas novas
construções a serem empreendidas. A dúvida entre manter a severidade do ultrapassado
“estilo Chão” ou buscar novas soluções formais mais em voga com as correntes internacionais
contemporâneas estava sempre presente. Como resposta a essas incertezas vemos surgir,
nesses anos pós-Restauração, duas correntes para a arquitetura desse período. A primeira
como afirma Correia, “[...] é a última grande síntese do “estilo chão”, a partir de todas as
correntes autóctones já anteriormente assumidas, e de todas as influências italianas,
197
espanholas e flamengas sucessivamente assimiladas.” (CORREIA, 1991, p.51) Eram igrejas
que apresentavam-se ainda forjadas no antigo esquema da arquitetura onde reinava o jogo do
claro e escuro com uma estrutura longitudinal bem marcada, ao gosto de uma estética
militarizada. Como principais exemplos podemos citar a igreja do Panteão-Ducal de Nossa
Senhora da Graça em Vila Viçosa, de 1635, e a igreja do Convento Novo de Santa Clara em
Coimbra, de 1649, projeto do Engenheiro italiano Frei João Turriano (Figuras 98 e 99). A
segunda corrente era composta por igrejas que resgatavam a influência da tratadística italiana
e dividia-se em várias tipologias, como defende Paulo Varela Gomes (2001).
Estas correntes, entretanto, embora divididas entre manutenção ou rompimento com a
tradição chã são frutos de um período conturbado. Segundo o crítico Paulo Pereira (1986), é
preciso entender que, mesmo com a independência portuguesa a partir de 1640,
[...] o golpe palaciano não se segue de imediato um actividade construtiva. O pais,
privado de rei durante sessenta anos, tem no clero o seu principal mecenas, facto
que se manterá praticamente inalterável até ao reinado de D. João V. Para tal
situação concorre a inexistência de uma corte organizada, após sessenta anos de
“corte na aldeia” que acarretou uma desorganização artística. Situando se a
capital do Reino em Madrid, Lisboa perdeu capacidade de iniciativa, provicianizou-
se. (PEREIRA, 1986, p.18)
Dentro desse quadro ainda de desestabilização econômica, social e cultural, o
panorama das artes em Portugal só começa abrir uma possibilidade real de se alterar, no
sentido de um rompimento mais definitivo com a tradição chã e com uma certa estabilização,
a partir de 1660.
É verdade, no entanto, que esse processo foi lento e defasado entre as várias categorias
artísticas. Do ponto de vista da arquitetura religiosa, a busca por uma nova cultura
arquitetônica que implementasse o Barroco em Portugal atingiu primeiro as artes ornamentais,
como a azulejaria e a talha, através da introdução de um estilo “nacional”, ainda no final do
século XVII. As lições artísticas do Barroco italiano de Bernini e Borromini estavam sendo
198
assimiladas e de alguma maneira incorporadas ao vocabulário formal da arte e da arquitetura
portuguesa dos anos pós-Restauração, principalmente através da arquitetura efêmera, erguida
nas ruas e praças públicas sob a forma de vigorosos arcos-triunfais para comemorar os
grandes momentos históricos do país: vitórias militares, tratados de paz e eventos
comemorativos de renovação da dinastia. Em Portugal, um dos eventos desta natureza mais
bem documentados é o casamento de D. Pedro II com a Rainha D. Sofia de Neuburg, em
1687, cujos álbuns publicados são verdadeiros catálogos das lições estéticas do vocabulário
tardo-barroco italiano (Figura 100).
Na arquitetura dos anos pós-Restauração, a direção se deu, como vimos, pela
influência da tratadística italiana, primeiramente no resgate dos planos centralizados, difíceis
de serem assimilados. Mesmo assim, foram implementados sem romper inicialmente com a
austeridade severa chã do gosto ornamental que ainda reinava neste período. Esta atitude, no
entanto, refletiu a busca por uma solução espacial diferenciada e inovadora, que marca a
ultrapassagem, por parte da cultura arquitetônica portuguesa, do seu passado maneirista e
inaugura uma busca pela espacialidade barroca possível. Dentre essas igrejas podemos citar a
de Nossa Senhora da Piedade em Barcelos, iniciada em 1664, e a igreja do Senhor da Cruz,
também em Barcelos, de 1705, obra do Arquiteto João Antunes, que analisaremos mais à
frente (Figura 101).
Uma segunda linha de assimilação do Barroco italiano antes do reinado de D. João V
está relacionada às três obras de maior expressão, dentro da história da cultura arquitetônica
ligadas ao Barroco em Portugal: a igreja de São Vicente de Fora, a igreja de Santa Engrácia e
a igreja da Divina Providência, todas elas construídas em Lisboa no final do século XVII. As
duas primeiras igrejas estão ligadas à Aula de Aprender Arquitetura do Paço da Ribeira.
Representam, dentro da cultura arquitetônica do período, uma dicotomia que irá permanecer
na arquitetura portuguesa desde o século XVI até o final do século XVIII: o dilema entre a
199
utilização da planta axial e a solução centrada, sem no entanto evoluir para um modelo mais
elaborado, como aconteceu na Europa Central. Neste sentido, as plantas axiais foram
implantadas em Portugal através do plano de Filippo Terzi para São Vicente de Fora (Figuras
102 e 103) e consolidadas na planta de São Roque, como vimos anteriormente. As plantas
centralizadas, derivadas da linha de Bramante e Palladio, acabaram sendo a novidade barroca
possível no Portugal restaurado, implantadas principalmente na igreja de Santa Engrácia em
1681 pelo Arquiteto João Antunes (Figuras 104 e 105).
Uma terceira linha tentava conciliar essas duas tipologias, como nas igrejas da Europa
Central, conforme tentado no célebre plano de Guarini para a igreja da Divina Providência
(Figura 33), sede da Ordem dos Teatinos em Lisboa, de 1680, mas que, por motivos até hoje
não muito claros, foi demolida no início de 1690, como informa Varela Gomes no seu livro
“Arquitetura, religião e política em Portugal no século XVIII”:
A razão principal porque a obra não foi construída não têm a ver com uma suposta
“alergia” da arquitectura portuguesa às paredes e pilastras ondulantes ou qualquer
outra coisa desse género. Ocorreu simplesmente que os teatinos de Lisboa não
conseguiram tomar conta dos terrenos vizinhos necessários.
Mas também é possível que pedreiros, arquitectos e arquitectos-entalhadores da
corte se tenham oposto à construção do projecto, não tanto pelo seu carácter
formal, mas porque provinha do estrangeiro [...]. (VARELA GOMES, 2001, p.340)
Por outro lado, como defende Vitor Serrão (2003), esta proposta não vingou em
Portugal por “[...] desadequar em absoluto com o gosto que aqui se impusera – num mercado
totalmente inepto para a compreensão de uma traça assim entrevista como quase
provocatória no seu absurdo de fuga à retilinearidade e a planimetria tradicionais.”
(SERRÃO, 2003, p.151) O ponto de vista defendido por Serrão e esboçado por Varela Gomes
parece fazer sentido se lembrarmos que, em 1698, quando essa mesma igreja foi reconstruída,
seguiu-se um plano de estrutura planimétrica, com ângulos cortados, atribuído ao velho João
200
Antunes pelo mesmo Varela Gomes pela sua proximidade ao famoso projeto do mesmo
arquiteto para a igreja do Menino Deus em Lisboa, de 1711.
A figura do Arquiteto João Antunes será, na história da arquitetura portuguesa, a mais
importante na transição do século XVII para o século XVIII, responsável pela abertura da
arquitetura portuguesa para os modelos de um Barroco internacional adequado à realidade
portuguesa durante o período da Restauração. Pelo que conhecemos a partir dos estudos
efetuados por Correia (1991), Varela Gomes (2001) e outros grandes historiadores da arte
portuguesa, João Antunes tinha, inicialmente, a formação de mestre-pedreiro adquirida da
escolaridade da Aula do Paço, onde possivelmente foi aluno do Padre Francisco Tinoco da
Silva
80
e teve amplo contato com a obra de João Nunes Tinoco
81
. Ativo a partir na década de
60 do século XVII, após quase 20 anos de experimentações o arquiteto faz seu grande projeto,
em 1683, vencendo o concurso para a igreja de Santa Engrácia, onde concorria com nomes
consagrados, como o então já idoso João Nunes Tinoco. Neste projeto revolucionário, o
arquiteto supera a arquitetura claro-escura de filiação maneirista, criando uma nova
linguagem de superfícies lisas articuladas com pilastras e contrafortes, utilizando as lições
italianas das curvas e contra-curvas borrominescas ao gosto do Barroco proselitista de Roma,
adequado a um sentir de formas nacionais (Figura 106). Esse gosto italiano em João Antunes
já podia ser notado no seu apreço carregado pelos mármores policromos e pela pintura
perspectivada, em contradição com as tradições da talha dourada e a pintura em grotescos,
alinhadas ao gosto nacional (Figura 107). Segundo Vitor Serrão, “Todos esses fatores,
80
Com relação aos Tinoco, cabe esclarecer os graus de parentesco desta “[...] dinastia de arquitectos que
dsempenhou um importantíssimo papel no desenvolvimento da arquitectura portuguesa do século XVI e do
início do século XVIII.” (BONIFÁCIO, 1989, p.483): Pedro Nunes Tinoco é o mais velho do clã, sendo seus
filhos João Nunes Tinoco e André Ribeiro Tinoco, e neto Luís Nunes Tinoco (filho de João). Outro ramo da
família é iniciado com Francisco da Silva Tinoco e o Padre Francisco Tinoco da Silva é seu sobrinho, assim
como Diogo Tinoco da Silva que, (a despeito do sobrenome igual, não se tem referência de tratar-se de irmão do
Padre Francisco).
81
Atento leitor da tratadística de Serlio e mestre especialista em embutidos marmóreos, Nunes Tinoco, ao longo
da sua obra, mostrou-se um artista diferencial.
201
contrários a invariante longitudinal do estilo chão, e ligadas a uma óbvia maturação dos
valores do barroco internacional, podem justificar o salto ruptural que a obra de João
Antunes produziu.” (SERRÃO, 2003, p.156)
A partir de Santa Engrácia, a arquitetura de João Antunes parte para outras
especulações que definirão uma escola de arquitetura a ser seguida nos primeiros anos do
século XVIII, em uma Lisboa agora já enriquecida pela descoberta do ouro no Brasil. Neste
momento, o arquiteto parte para uma pesquisa formal que busca o efeito espacial dos ângulos
cortados e das paredes onduladas, tirando partido do octógono regular. Essas experiências
darão frutos na igreja lisboeta de Santo Elói, de 1693, bastante estudada pelos relatos de sua
planta oitavada com oito capelas de mármores. Esta igreja, segundo as análises Varela Gomes
(2001) sobre os planos centralizados das igrejas portuguesas, teria sido o modelo para a elipse
da igreja do Pilar em Ouro Preto.
Na ânsia de criar algo verdadeiramente novo dentro da cultura arquitetônica
portuguesa e buscando para isso variações dessa tipologia e da linguagem barroca, o arquiteto
vai projetar ainda edifícios importantes, como a igreja do Cardal da Vila de Pombal, de 1697,
a igreja de Nossa Senhora da Conceição em Atouguia da Baleia (Figura 108), a igreja
octógona de Nossa Senhora de Nazaré em Arroios, a igreja de ângulos cortados do Hospital
da Anunciada em Setúbal e, principalmente, a já citada igreja octogonal do Senhor da Cruz
em Barcelos (Figura 109), de 1705, seguidora das tradições berninescas, além da sua mais
importante obra na evolução desse partido, que é a igreja do Menino Deus, de 1711, onde o
arquiteto supera todas as outras experimentações.
Essa igreja, segundo a análise de Filipe Blanch Dinis:
[...] em termos de valores espaciais e de proporções, esse esquema de nave
quadrangular de ângulos cortados deriva de uma segura modulação ad quadratum
de raiz vernacular medievica, num processo de invariantes apegado a nossa
tradição construtiva, e certamente a assimilação plena do espírito clássico –
barroco italiano que domina – e só é compreensível com um artista imbuído de
202
sólida cultura tratadistica (e pratica) que antes utilizara tal programa de
modulações e sinuosidade tanto em Santa Engrácia como na já desaparecida Santo
Eloi. (DINIS, 1988, p.6)
Assim sendo, podemos dizer que a igreja do Menino Deus, iniciada quase junto com o
reinado de D. João V, está diretamente relacionada à última tentativa de conciliação entre o
gosto português e a estética italianizante, embora na obra de João Antunes essa relação deva
ser entendida muito mais como rompimento com a tradição do que uma acomodação entre
ambas. Entretanto, um dos aspectos derivados do plano dessa igreja mais relevantes é que ele
irá inaugurar uma tipologia de tratamento planimétrico que irá se espalhar, durante o reinado
de D. João V (Figuras 110 e 111), por várias partes do país através do risco de outros
arquitetos que seguiram sua escola, como é o caso clássico de Santo Ildefonso no Porto, e que
terá desdobramentos até no Brasil, como vemos na planta da igreja de Nossa Senhora da
Conceição da Praia em Salvador, de São Pedro dos Clérigos no Recife, em Nossa Senhora da
Conceição de Antônio Dias e em Nossa Senhora do Pilar, ambas em Ouro Preto, e mesmo
Nossa Senhora da Glória do Outeiro no Rio de Janeiro e Nossa Senhora da Conceição e Boa
Morte no Rio de Janeiro, todas igrejas do segundo quartel do século XVIII.
A partir da igreja do Menino Deus e com o mecenato de D. João V, o gosto
italianizante persistirá em Lisboa por meio de sua política de espírito europeizante para as
artes. Neste sentido, a assimilação de um Barroco adaptado à tradição da arquitetura
portuguesa e iniciado a partir do plano de Menino Deus, coincide com o surgimento de uma
nova geração de arquitetos nacionais e com a busca de uma arquitetura renovada em Portugal,
ligada às diversas correntes estilísticas em embate na Europa no início do século XVIII, como
tratamos anteriormente. Entre 1680 e 1730 desapareceram quase todos os arquitetos do
período da Restauração, mestres e discípulos tanto da Aula do Paço da Ribeira das Naus
quanto da Aula de Engenharia Militar. Morreram durante este período os Engenheiros-mor do
Reino Luís Serrão Pimentel (1679), Teodósio de Frias, o Moço (1683), João Nunes Tinoco
(1689), Mateus do Couto II (1696), Francisco da Silva Tinoco (1698), João Antunes (1712), o
203
Padre Francisco Tinoco da Silva (1730), restando desse grupo apenas Manuel de Azevedo
Fortes, que sobreviveu até 1749. Coube, assim, a uma nova geração de portugueses nascida
no início do século XVIII e composta por nomes como Custódio Vieira (1690-1746), Rodrigo
Franco (1709-1764)
82
, Manuel da Costa Negreiros (1702-1750)
83
e mais tarde Mateus
Vicente (1706-1786), André Soares (1720-1769) e Carlos Amarante (1748-1815), entre
outros, e alguns estrangeiros e imigrados como Carlos Guimac (1655-1721), Joseph Bibiena
(1700-1760), Pierre-Antoine Quillard (1701-1733), Guillaume Debrie (ativo em Portugal
entre 1728-1755), Claude Laprade (1682-1738), Antoine Meguin (1690-1772) Filippo
Juvarra, Antonio Canevari (1681-1764), João Frederico Ludovice, Carlos Mardel (1695-
1763)
84
e Nicolau Nasoni (1691-1733) o trabalho de abrir Portugal às influências estrangeiras
que vão ser assimiladas na arte e na arquitetura durante praticamente todo o reinado de D.
João V até 1750, como veremos a seguir. Essa abertura, diga-se de passagem, fez parte da
estratégia de D. João V de aproximação de Portugal com os grandes centros culturais da
Europa e ao mesmo tempo de marcar a presença do reino português junto às côrtes mais
importantes daquele período: Itália e França. Para essa assimilação do gosto artístico, o rei
importou dos principais ateliês aí existentes não só os artistas, mas também toda uma série de
objetos artísticos oficiais e religiosos, além de livros, gravuras e hábitos sociais que deviam
ser assimilados na côrte portuguesa durante todo o seu reinado, como explica Antônio Filipe
Pimentel na sua obra “Arquitetura do poder – O real edifício de Mafra”, quando trata do
problema dos modelos que influenciaram os planos de Mafra (Figuras 112 a 114):
Na realidade, não pode esquecer-se que era o Rei o supremo director do
empreendimento. No seu palácio de Lisboa mantinha uma correspondência intensa
com os seus representantes nos grandes centros artísticos europeus mas,
82
Ver nota 123.
83
Ver nota 120.
84
Ver nota 122.
204
especialmente, em Roma, donde lhe chegavam, permanentemente, não só
informações sobre as grandes obras em curso na Cidade Eterna, mas ainda plantas,
alçados, desenhos ou maquetas, como essa de S. Pedro que ocupava uma sala
inteira. E esse museu, que ajuntou mais o seu bom gosto, que o desejo de conservar
preciosidades, constituía o núcleo dinamizador da política artística do reinado.
Assim se explica o elevado nível apresentado pelas obras realizadas sob o seu
directo patriocínio; assim se explica que Ludwig pudesse estar actualizado após 30
anos de permanência em Portugal, ora metido numa cela do Colégio de S. Antão ou
na sua oficina de prateiro da rua dos Canos [...]. (PIMENTEL, 2002, p.155)
Infelizmente, grande parte das coleções e D. João V de arte francesa e italiana perdeu-
se com o terremoto e os incêndios dele decorrentes no Palácio Real da Ribeira em 1755,
existindo hoje no acervo do Museu de Arte Antiga de Lisboa apenas alguns fragmentos do
que foi a influência dessas culturas em Portugal durante o reinado do “Magnânimo”.
205
CAPÍTULO 6 – A CULTURA ARQUITETÔNICA OFICIAL
6.1. A Aula de Arquitetura Civil (1594-1750)
primeira Aula de ensino de arquitetura a funcionar em Portugal surgiu em
1594, no Paço da Ribeira, tendo a sua direção sido entregue a Filippo Terzi.
Gerações de arquitetos por ali passaram, quer como mestres, quer como aprendizes e, pelo
menos até o reinado de D. João V, foi frequentada pelos mais importantes artistas que
exerceram a sua atividade em Portugal.
A Aula integrava-se na estrutura da Casa das Obras do Paço. Ao analisarmos o
regimento desta instituição, de 1689, publicados pelo pesquisador Horácio Bonifácio (1990),
constatamos que os aprendizes tinham um cargo específico, com regras próprias e uma
remuneração anual de vinte mil réis, como vemos no capítulo IX do Regimento, citado por
Bonifácio, referente aos mestres-arquitetos:
Os Arquitectos serão obrigados a ensinar aos que tem praça de aprender
Arquitectura, que serão quatro, como até agora; e levará cada hum destes
aprendizes, à custa de minha Fazenda, vinte mil reis cada anno, com obrigação de
assistirem à lição de Arquitectura. que os ditos Arquitectos serão obrigados a lhes
ler na forma que o Provedor lhes nomear: ao qual darão conta de como assistem os
Aprendizes. e da sufficiencia delles. (BONIFÁCIO, 1990, p.79)
Não existia uma regra básica para a nomeação, nem um tempo determinado de
permanência no cargo. Se para alguns indivíduos constituía uma etapa para alcançar postos
mais elevados, designadamente Arquiteto do Paço, outros ficavam na função vários anos,
nunca sendo providos a outro cargo. Segundo a documentação citada por Bonifácio (1990), a
partir do início do reinado de D. Pedro II (1683), ocuparam o cargo de Arquiteto do Paço:
A
206
Luís Nunes Tinoco, Padre Francisco Tinoco da Silva e Teodósio de Frias, sendo estes dois
últimos substituídos, neste mesmo ano, respectivamente por João Antunes e Manuel do Couto
(ativ. 1683-1713). Em 1690, Diogo Tinoco da Silva substitui Manuel do Couto e, no ano
seguinte, Manuel Lopes da Silva recebe o cargo deixado por Luís Nunes Tinoco. Em 1694, o
mesmo Manuel Lopes da Silva é substituído por José Rodrigues Ramalho. Em 1700, José
Pinheiro da Silva surge no cargo em substituição a Antunes. Em 1703, a quarta vaga é
preenchida por Vicente Estevão. Em 1705 é nomeado José de Sousa. Em 1721, José
Rodrigues Ramalho é substituído pelo seu filho Pedro Ramalho. Em 1729, José Sanches
ocupa o lugar deixado vago por José Pinheiro da Silva. Finalmente, vinte anos mais tarde,
Elias Sebastião Poppe (dados pessoais desconhecidos; ativ. 1749-c.1760) e Francisco Xavier
Paes substituem respectivamente José Sanches e Manuel da Maia (1677-1768), este último
que substituíra em data desconhecida Diogo Tinoco da Silva e que nesta altura já não era mais
aprendiz.
Segundo os estatutos, os mestres-arquitetos do Paço tinham a obrigação de ensinar os
aprendizes. O Padre Francisco Tinoco da Silva, devido ao longo tempo que ocupou o cargo,
foi mestre de muitos arquitetos desta época, dentre eles os já citados João Antunes, Diogo
Tinoco da Silva, Manuel Lopes da Silva, José Rodrigues Ramalho, José Pinheiro da Silva e
Pedro Ramalho, deixando certamente a sua marca em todos eles. Assim, pode-se concluir
também que, a partir dos anos trinta, tanto Custódio Vieira e depois Carlos Mardel também
possivelmente foram os mestres da Aula, desempenho inerente ao cargo que ocupavam de
Arquitetos do Paço.
Quanto ao funcionamento, matérias e metodologia, a documentação citada por
Bonifácio (1990) fornece algumas indicações. No capítulo X do Regimento da Casa das
Obras especifica-se que:
207
[...] todos os que tiverem praça de aprender a arquitectura civil, serão obrigados a
todos os dias irem tomar a lição com o mestre, que for nomeado pelo Provedor, com
pena de lhes não passar certidão o dito Provedor para haverem de cobrar os seus
ordenados; e se informará dos ditos Mestres, se elles cumprem esta obrigação [...].
(BONIFÁCIO, 1990, p.79)
Neste sentido, podemos afirmar que, pelo menos teoricamente, era obrigatório a ida à
aula, tendo esta um caráter efetivo. Sobre as matérias lecionadas o documento é pouco claro.
As únicas referências concretas dizem respeito à Arquitetura, à Matemática e à Geometria,
como se extrai da nomeação de Luís Nunes Tinoco e de um outro documento ligado à
qualificação para ocupar o cargo de Arquiteto das Ordens Militares, após a morte de João
Antunes. Um dos candidatos envolvidos com a seleção ao cargo era José Pinheiro da Silva,
[...] allega ser Sargento-mor architeto na Caza das Obras, ha mais de doze annos,
fazendo em tudo sua obrigação, e ser o mais antigo, tendo frequentado as aulas, e
haver sido examinado em várias sciencias, como são geometria, trigonometria, e
seus fundamentos, e as mais matérias da mathematica precizas [...].(BONIFÁCIO,
1990, p.80)
Diante dessas afirmações documentais, podemos dizer que parece evidente que o peso
da Matemática e das disciplinas da Geometria era significativo na formação dos arquitetos e
que, além destas matérias, o estudo e o uso da tratadística de Arquitetura conhecida naquele
tempo em Portugal desempenhava um papel significativo nesta aprendizagem. Os tratados,
aliás, seriam uma das bases fundamentais do ensino da arquitetura erudita em todos os
tempos, constituindo o seu estudo, por métodos na forma ainda escolásticos – ou seja, cuja
pedagogia contemplava a leitura ditada –, em um processo fundamental de aprendizagem
teórica.
Num documento referente a um pedido de remuneração de serviços na Academia
Militar, também citado pelo estudo de Bonifácio (1990), Manuel Luís Alvares, o requerente,
explica esta metodologia, que certamente não seria diferente da praticada na Aula do Paço:
208
[...] de sinco de Outro. de mil setecentos trinta e três athe os dias 19 de Fevereiro
de 1735 q. entrou em hum dos partidos da mesma Academia, sendo sempre muito,
effectivo, aplicando se voluntariamente com grande cuidado, e bom procedimento a
tomar apostillas, e ouvir as explicações dos tratados q se ditavão [...].
(BONIFÁCIO, 1990, p.80)
Segundo os documentos publicados por Bonifácio, além do estudo teórico, os
aprendizes que tinham praça para aprender Arquitetura Civil eram obrigados ainda a assistir
a todas as medições e avaliações que se fizessem para poder ter a prática da profissão e
melhor se exercitar. Cabia também aos aprendizes fazer os rascunhos que o Provedor lhes
mandasse de todos os projetos em execução, para que pudessem tomar conhecimento de
maneira satisfatória, e que se pudesse verificar o talento de cada aluno.
Diante dessas afirmações, podemos ver que a Aula de Arquitetura funcionava como
um local de estudo, particularmente dos livros de arquitetura, com disciplinas precisas, tendo
os alunos a obrigatoriedade de assistir às aulas e de prestar exames periódicos.
No entanto, a Praça de Aprender Arquitetura era um cargo integrado na estrutura da
Casa das Obras, obrigando também ao trabalho prático, não só no acompanhando dos
mestres nas obras, mas exercendo também a atividade como um arquiteto agregado à Casa
das Obras. Neste sentido, a Aula de Arquitetura propiciava uma ligação muito personalizada
entre mestres e aprendizes, constituindo, assim, uma instituição de ensino de importância
fundamental na formação dos arquitetos portugueses, até por ser a única escola oficial de
Arquitetura Civil a funcionar ininterruptamente no país até aquele momento, já do século
XVIII.
209
6.2. A Aula de Fortificação e Arquitetura Militar (1647-1750)
Aula de Fortificação e Arquitetura Militar foi criada por decreto em 1647, no
Paço da Ribeira, e posteriormente transformada em Aula de Fortificação e
Arquitetura Militar na Ribeira das Naus. Seu primeiro lente foi o Cosmógrafo-mor do Reino
Luís Serrão Pimentel (1613-1679)
85
, que mais tarde escreveria o primeiro tratado sobre o
tema em Portugal, “Método lusitano de desenhar fortificações das praças regulares e
irregulares” (PIMENTEL, 1993; Figura 115).
A estruturação e o amadurecimento deste curso, no entanto, é anterior ao decreto de
1647, e deve-se, principalmente, chefia do Arquiteto das Ordens Militares Mateus do Couto
(o velho, ativ. 1616-1676)
86
que, em virtude dos anos da União Ibérica, conhecia mais a
construção civil e religiosa – que foi a sua maior prática naqueles anos – do que as novas
propostas de defesa militar. Segundo informa Vítor Serrão (2003), nos anos pós-Restauração
havia a necessidade urgente de recorrer a especialistas no desenho de fortificações em virtude
da defasagem tecnológica de quase 60 anos de domínio espanhol. O autor cita, para
comprovar essa realidade, uma avaliação do Conselho de Guerra, feita por seu membro, Joane
Mendes de Vasconcelos, sobre o perfil de Mateus do Couto: “Matheus do Couto pode ser que
85
Luís Serrão Pimentel (1613-1679): engenheiro militar lisboeta. Cursou Humanidades e formou-se na Aula da
Esfera ou Astronomia no Colégio dos Jesuítas, onde também estudou Geometria Euclidiana. Também dedicou-se
ao estudo da Cosmografia e da Engenharia militar. Em 1647, já desempenhava o cargo de Cosmógrafo-mor do
Reino. A partir desta data, com a fundação da Aula de Arquitetura e Fortificação Militar na Ribeira das Naus,
Pimentel é nomeado seu regente. Em 1681, publica “Método Lusitano”, volumosa obra teórica sobre as novas
necessidades da Engenharia militar portuguesa.
86
Mateus do Couto, o Velho (ativ. 161-1676): arquiteto civil e militar, é o primeiro de uma família de oficiais de
relevante importância para a arquitetura portuguesa entre finais do século XVII e início do século XVIII. Autor
do tratado “Tratado de architectura que leo o Mestre e Archt. Mateus do Couto no anno de 1631”, foi nomeado,
no mesmo ano, Arquitecto dos Paços de Almeirim, Salvaterra, Mosteiro da Batalha e Província do Alentejo,
chegando a Arquitecto das Obras Reais em 1640.
A
210
saiba bem fabricar huma caza, como architecto, mas que do officio de Engenheiro de Guerra
o tem por totalmente ignorantissimo.” (SERRÃO, 2003, p.138)
Os manuscritos do tratado de Mateus do Couto, “Tratado de Architectura que leo o
Mestre e Archt. Mateus do Couto no anno de 1631”, reproduzido nos anexos da Tese de
Doutorado de Beatriz Bueno (2001), demonstram realmente o perfil de um profissional
altamente instruído sobre a teoria das ordens, que estão mais ligadas às questões da produção
da arquitetura civil e, principalmente, religiosa do que à arquitetura militar. A competência de
Mateus do Couto como arquiteto pode ser apreciada no seu projeto para a igreja do Colégio
Jesuíta de Santarém (1657-1676).
Transformada numa instituição oficial sob a direção de Luís Serrão Pimentel, a Aula
de Fortificação e Arquitetura Militar na Ribeira das Naus formava, então, excelentes
engenheiros e arquitetos militares. A partir do Decreto de 20 de Julho de 1701, em função da
importância desses oficiais para as defesas do país, D. Pedro II ordenou que se formassem
novas Academias de Fortificação no reino e nas províncias, beneficiando também o Brasil
com a fundação da Aula de Fortificação de Salvador, no mesmo ano, e a do Rio de Janeiro,
em 1735.
Durante o século XVIII, alguns dos mais importantes engenheiros portugueses
passaram por essa Aula, quer como discípulos, quer como professores, entre eles Domingos
Vieira Carlos Varjão, José da Silva Paes, José Sanches da Silva, Filipe Rodrigues de Oliveira
e Manuel de Azevedo Fortes (1660-1749)
87
, que dirigiu a Academia praticamente durante
87
Manuel de Azevedo Fortes (1660-1749): engenheiro militar, de naturalidade desconhecida. Iniciou seus
estudos em Filosofia no Colégio Imperial da Universidade Alcalà, na Espanha. Passa, em seguida, à França,
onde aprofunda seus conhecimentos em Filosofia Moderna e inicia o estudo de Teologia e Matemática na
Universidade de Plesis. Em 1702, retorna a Portugal, sendo nomeado Capitão de Infantaria, com exercício de
engenheiro. Em 1705, recebe o título de Cavaleiro com hábito de Cristo. A partir desta data, rege o curso de
Matemática na Aula Militar de Fortificação. Seu famoso tratado “O engenheiro português” é impresso em
1728, em Lisboa.
211
toda a primeira metade do século XVIII e escreveu o importante tratado “O engenheiro
português” (FORTES, MDCCXXVIII; Figura 116).
Organismo integrado na estrutura militar, era obrigatório, para se ser engenheiro, um
exame na Junta dos Três Estados, como se afirma em várias nomeações, como podemos ver
na de Sebastião Pereira para o Brasil, em 1718, citadas por Bonifácio: “[...] discipulo do
numero da Aula Regia das fortificações desta corte haver asistido ha oito para nove anos dá
Aula sendo por isso examinado na Junta dos tres estados pá poder servir de Engenheiro
[...].” (BONIFÁCIO, 1990, p.82)
Quanto ao conteúdo das matérias ensinadas na Aula de Arquitetura Militar, um
documento incluído no Decreto de Serviços do já citado Elias Sebastião Poppe constitui,
talvez, a indicação mais completa e exaustiva sobre as matérias e as exigências feitas aos
discípulos da Aula de Engenharia Militar quando eram examinados. Esse documento, também
citado por Bonifácio (1990), trata de uma carta de Manuel da Maia dirigida ao mesmo Elias
Sebastião Poppe nomeando-o examinador dos discípulos. Segundo as palavras do próprio
Horácio Bonifácio:
O documento data de 1758, mas, certamente, as matérias referidas não seriam
muito diferentes das que se ensinavam na Aula antes do Terramoto (doc. 2): " ...
para examinar os ditos Discipulos assim no q pertence a tirar toda a diversidade de
plantas, de qualquer sitio, Provincia, ou reyno ... e atendendose às perguntas, q
mais lhe parecerem opportunas na longometria, planemetria, stereometria,
trignometria, rectilinea, uzo dos logarithmos, e das linhas do Pantometra,
geometria practica e dos oito livros de Euclides
Além duma significativa preparação nas mais diversas áreas ligadas à Matemática
e à Geometria, teriam disciplinas de fortificação e arquitectura militar, assim como
aprendiam a fazer medições e orçamentos. Finalmente, era dada grande
importância ao desenho, instrumento indispensável ao engenheiro, e ao cuidado e
gosto com que mesmo as representações das figuras geométricas deviam ser
ornadas" (BONIFÁCIO, 1990. p.83).
A Manuel de Azevedo Fortes certamente coube a responsabilidade na definição das
disciplinas aplicada ao curso de formação dos engenheiros militares. No seu tratado “O
engenheiro português” (FORTES, MDCCXXVIII), o autor aponta as matérias que os
212
engenheiros deveriam saber e que, obviamente, não eram muito diferentes das ensinadas no
seu curso: Aritmética, Geometria, Perspectiva, Arquitetura Civil e Militar, Logaritmos,
Gnomônica, Geografia, Mecânica, Hidráulica. Para Manuel de Azevedo Fortes, os
engenheiros também deviam saber usar os instrumentos geométricos, e além de tirar, fazer e
reduzir plantas, e fazer a distribuição da planta de uma praça, de um palácio, e dos edifícios
(Figura 117).
Do ponto de vista dos materiais de construção, Azevedo Fortes prescreve a
necessidade de saber avaliar a qualidade das pedras, conhecer as terras, fazer medições,
avaliações e cálculos orçamentais ligados a construção militar e, finalmente, estudar a
Artilharia e o Tiro. No seu tratado também consta uma interessante “taboada de redutores”,
dirigida à maior comodidade para compatibilizar as medidas derivadas do antigo “sistema
craveiro português”: braça, palmo e pé
88
.
Este curso, funcionando primeiramente com doze discípulos, teve sempre todo o apoio
e interesse oficial. Preparados para serem responsáveis pela defesa das fronteiras mais
longínquas do reino, o ensino rigoroso e pragmático do aprendizado na Aula Militar irá
marcar sucessivas gerações de homens que tiveram uma intervenção importante na arquitetura
88
Sistema craveiro português: conjunto de medidas que compõem o sistema dimensional da antiga tradição
portuguesa. A estrutura do sistema do craveiro é baseada no conhecimento dos antigos sistemas métricos
utilizados em Portugal até o final do século XVIII. Ainda que os mesmos tenham sofrido, em algumas épocas,
inevitáveis variações dimensionais em algumas regiões, ele foi o sistema de medidas mais utilizado em todo o
território português. Sua origem é hispano-árabe, e manteve a sua estrutura original desde os primórdios da
nacionalidade até a adoção do sistema métrico em Portugal, em meados do século XIX. Este sistema, como
quase todos os antigos, de onde vai buscar a sua raiz, é de base duo-decimal. A língua portuguesa tem alguns
nomes numerais peculiares e decorrentes desta base; é o caso da dúzia, e da sua metade, ou seja, da meia-dúzia,
ou ainda, do seu múltiplo, agrosa que, justamente, define doze dúzias. O número doze, por permitir sua divisão
em dois, três e quatro, donde resultam frações de valor igualmente números inteiros (12/2 = 6, 12/3 = 4, 12/4 =
3), torna-se ideal para a subdivisão de um sistema de medidas linear que funciona de modo a não ter que recorrer
a números irracionais. Indubitavelmente, em relação ao metro, a vara de medir permite uma combinação mais
ajustada à maneira clássica de dimensionar os objetos arquitectônicos. Com ela, além das divisões decimais do
metro, conseguem-se as binárias e as ternárias. Até para o uso quotidiano de iletrados era mais fácil apreender o
que é 1/4 ou 1/3 de qualquer grandeza do que 0,25 ou 0,33333. Neste sentido, as medidas craveiras têm uma
clara tendência para que haja uma correspondência natural, ou seja, os valores das medidas aproximam-se muito
às medidas anatômicas a que se referem: pé, palmo, mão travessa, palma furco.
213
não-militar e cujo espírito e mentalidade influenciou muito do que se construiu em Portugal
durante todo os séculos XVII e XVIII.
Na região de Minas Gerais, durante o século XVIII, pelo menos dois engenheiros
militares destacaram-se por suas atividades. O primeiro é Pedro Gomes Chaves
89
, indicado
pelo Vereador Segundo de Mariana no “Relato dos Fatos Notáveis da Capitania” como autor
do projeto da Matriz do Pilar em Ouro Preto, por volta de 1720. O segundo é José Fernandes
Pinto Alpoim
90
, a quem o mesmo Vereador aponta como arquiteto do Palácio do Governo,
em Vila Rica, por volta de 1740.
89
O Engenheiro Militar Pedro Gomes Chaves terá sua obra analisada na seção 1 do capítulo 8, como
representante desta categoria profissional na arquitetura religiosa setecentista mineira.
90
A despeito da significativa obra do Engenheiro Alpoim, que em Minas, fez principalmente o Plano Regulador
para a cidade de Mariana em 1745, a mesma não será analisada, por não circunscrever no campo da arquitetura
religiosa setecentista em Minas Gerais, uma produção significativa.
214
6.3. A cultura da arquitetura prática: a aprendizagem familiar, nos ofícios mecânicos e a
prática profissional
o longo do tempo, um dos mais importantes processos de aprendizagem dos
arquitetos portugueses foi a tradição familiar e a formação nos ofícios
mecânicos. Na realidade, muitos arquitetos e engenheiros, e obviamente pedreiros e canteiros,
dentre outros mestres, particularmente até bem dentro do século XVIII, aprenderam a sua
profissão com os pais ou outros familiares, dando, assim, os primeiros passos na sua arte sob a
influência de tradições que muitas vezes vinham de longo período na profissão.
Se por um lado os laços familiares eram normalmente justificativa para nomeações
oficiais do Antigo Regime, na segunda metade do seiscentos até o inícios do setecentos esse
quadro não refletia-se mais na prática arquitetônica cotidiana das obras privadas e religiosas,
geralmente regidas pelo talento e fama do arquiteto ou construtor, por suas relações pessoais e
profissionais e mesmo pelo preço cobrado para a execução de determinado trabalho.
Essa característica da competência, ligada mais à prática do “mercado” durante o
correr do século XVIII, também acabou contaminando os antigos vínculos de nomeações
familiares no campo da arquitetura oficial, o que se comprova através do perfil dos arquitetos
mais importantes da primeira metade de setecentos em Portugal. Nenhum deles pertence mais
às famílias de arquitetos ou construtores tradicionais, sendo que, dessa geração, apenas
Manuel da Costa Negreiros, que é filho de um construtor, tem ligação familiares com a
profissão. De qualquer modo, este tipo de aprendizagem sempre desempenhou um papel de
relevo na tradição portuguesa e, em parte, é responsável pela manutenção do gosto construtivo
e estético mais conservador, como analisamos no estilo Chão.
A
215
De longa data na história da arquitetura portuguesa vem a consciência da importância
da prática no canteiro-de-obras como método de aprendizagem dos arquitetos portugueses,
como já salientamos anteriormente. É conhecido, dentro da historiografia da arquitetura
portuguesa o papel de atelier de algumas obras, onde se formaram carpinteiros, pedreiros e
mesmo arquitetos importantes, como em São Vicente de Fora, ao longo de todo o século XVII
,e em Santa Engrácia e em Mafra durante todo o século XVIII.
A história da cultura arquitetônica em Portugal está repleta de artistas que começaram
como simples pedreiros ou carpinteiros e que, aprendendo com o trabalho prático as bases
essenciais do ofício e as regras fundamentais da atividade construtiva, tornaram-se, através da
excelência da sua prática, arquitetos de reconhecida competência, como é o caso de João
Antunes, citado anteriormente, que iniciou sua atividade exatamente como pedreiro durante o
século XVIII.
Essa migração profissional, ao contrário do que possa parecer, era bastante comum, e
necessária para os indivíduos que perseguiam uma melhor distinção dentro da hierarquia
social vigente no Antigo Regime. Isso se justifica porque a Arquitetura, como profissão ligada
às artes liberais e, por conseqüência, aos assuntos pertinentes à esfera da nobreza, abria um
leque de distinção social em relação a empregos oficiais ligados aos chamados ofícios-
mecânicos – a carpintaria, a cantaria, a escultura, a pintura e a ourivesaria, dentre outras.
Essas atividades eram considerados de um nível inferior por envolver a habilitação manual e
artesanal, embora diretamente relacionados com o conhecimento da teoria das ordens, mesmo
que de modo prático, e com a maioria dos princípios compositivos e de linguagem presentes
na Arquitetura. Ou seja, é possível migrar dos ofícios mecânicos para o exercício da
Arquitetura, pois a base tratadística utilizada permeava a todos sem distinção. O caso de
Ludovice, que de ourives na Itália passou a arquiteto em Portugal, é a maior prova da
possibilidade das migrações profissionais, que não exigiam ampliação de conhecimento. O
216
professor e pesquisador português Joaquim Jaime Ferreira-Alves (2003) defende essa
diversidade de profissionais ligados ao projeto em seu artigo que estuda a fachada da igreja de
São Pedro de Vila Real (Figura 118):
Em Vila Real, como noutras áreas de Portugal do século XVIII, o projecto tem
origem em figuras de formação diversificada: arquitectos, estes com origens
diferentes (ourives-arquitecto; pintor-arquitecto; mestre de estuque-arquitecto, etc);
engenheiros militares; arquitectos amadores (clero regular e secular, e simples
particulares); e mestres pedreiros, que, por vezes, deixam de ser só executantes,
para serem também autores de risco. O pendor mais ou menos conservador do
encomendador e a origem do riscador podem explicar um certo conservadorismo
das formas, fenómeno que não é da área em estudo, não esquecendo a utilização,
por todos, do que há anos designámos por “modelos arquitectónicos”, que é a
frequente utilização nas novas construções de modelos existentes: em 1728, o
carpinteiro João Pinto de Magalhães teria de fazer o coro da igreja de São
Cristóvão de Parada de Cunhos “pelo mesmo feitio que esta o de Sam Dionizio de
Villa Real. (FERREIRA-ALVES, 2003, p.270-271)
Sobre as interfaces de formação entre os arquitetos e os outros profissionais ligados
aos ofícios mecânicos, basta lembrarmos aqui que, independente da sua vertente estilística,
toda a arte portuguesa a partir do século XVI estrutura-se basicamente no conhecimento da
regras básicas de Geometria, nas relações de proporção
91
, na Estereometria, no conhecimento
de Aritmética, das medidas de ofício vinculadas ao sistema craveiro e suas variáveis e,
principalmente, na teoria das ordens com seus elementos constituintes e regras de proporção
na qual se estruturava a maioria da tratadística mais popular.
Segundo Varela Gomes (2001), ao analisar um documento guardado na Coleção
Pombalina da Biblioteca Nacional de Lisboa, sobre o Regimento de Pedreiros e Carpinteiros
da Câmara de Lisboa de 1572
92
, podemos ver o quanto esta matriz cultural que une os
conhecimentos dos ofícios mecânicos à arquitetura está presente na história da arquitetura
portuguesa:
91
Essas relações eram definidas por princípios consagrados desde a Antiguidade Clássica, como a Seção Áurea,
ou Divina Proporção (denominação adotada no Medievo). Consiste na divisão de um segmento linear em duas
partes de tal modo que o lado menor esteja para o maior assim como este está para o todo.
92
Ver documento original no códice BNL (Cód. 67, fls. 65-76).
217
O regimento, escrito pelo famoso cronista e compilador de leis e regulamentos,
Duarte Nunes Leão (†1608), resulta da adaptação de posturas anteriores a 1572 e
estabelece as provas de admissão no ofício de pedreiro: os candidatos deveriam
apresentar modelos de barro de uma escada, de um portal quadrado com seu
sobrearco capialçado, de uma coluna dórica com sua vaza, e capitel. Deveriam
apresentar ainda saber fazer e aplicar cal, construir uma chaminé, um portal, uma
janela e uma cantareira de tijolo, bem telhar, e fazer hua beyra e sobre beyra, saber
lavrar hum peytoril de pedra, e huas couceyras , e huns bouthoes [fechos de porta] e
hum cunhal. Os carpinteiros, por seu lado, eram obrigados a madeirar uma Caza de
quatro agoas, fazer hu par de portas de duas faces [...], hua boneca e hu cachorro
mourisco, hua escada com seu mainel [...], hua Caza com seu tecto de Laço (fols.
67-70). (VARELA GOMES, 2001 , p.21)
A sobrevivência dessa cultura popular, embora tenha se alterado durante o século
XVII, foi levada à frente por uma série de tratados manuscritos sobre a instrução em ofícios
mecânicos ligados ao campo da construção.
Num outro tratado pertencente à Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, datado
da transição do século XVII para o XVIII e que pertenceu ao Mestre-calafate João Francisco
Gomes
93
, também citado por Varela Gomes (2001) e que tivemos a oportunidade de ver
durante nossas pesquisas na Universidade de Coimbra, é uma das chaves para termos uma
idéia mais precisa do nível de cultura arquitetônica presente na formação desses profissionais
mais ligados à prática do ofício (Figura 119). Este tratado está estruturado em quatro partes
distintas. A primeira trata especificamente da teoria das ordens, fortemente inspirada pelo
autor do manuscrito nas obras de Vignola, “Regola delli cinque ordini d’architettura”, de
1562, e de Diego de Sagredo, “Medidas del Romano”, de 1526 (Figura 120). A segunda
parte, mais técnica, trata de uma série de instruções para a construção de frontões
(frontispícios, empenas, sobrevergas) , arcos (de volta abatida, plena ou asa de cesto), vergas
de portas e janelas e arcos e janelas perspectivados, além de vários modelos de escadas (de
quatro lances, em volta de pião quadrado e em caracol). Na terceira parte, o autor retorna à
teoria, abordando as lendas das criações da ordens, já delineadas desde Vitruvio, referindo-se,
93
Ver documento original no códice BGUC (MS. 3056).
218
entretanto, somente ao dórico e ao jônico, ligados ao gosto chão português (Figura 121). Por
último, na quarta parte, o autor trabalha com as regras de proporção “ad quadratum
consideradas por ele como aplicáveis em quase todas as circunstâncias da arquitetura,
bastando apenas combiná-los entre si a partir de módulos, como demonstra na composição de
uma igreja em planta de cruz latina (Figura 122). Esse tratado, embora muito reduzido e
compacto, devia ser utilizado nas lições práticas aplicadas pelos aprendizes nos canteiros-de-
obras e, por isso, ajuda a compreender um pouco melhor essa cultura mais popular da
construção em Portugal, ligada à chamada “cultura dos mestres-pedreiros”. Por outro lado,
evidencia-se também que nesta cultura existia uma forte preferência pelos modelos vinculados
à arquitetura chã do século XVII, onde as ordens de arquitetura, no dizer do já citado Varela
Gomes,
[...] aparecem quase sempre desprovidas de presença espacial limitando-se a
definir panos murários e a assinalar ritmos. Mas ajuda também a compreender a
integração não conflitual nesses edifícios do ornamento em pedra (mármores
policromos e molduras caprichosas) e até da talha, dos azulejos e da pintura de
brutesco. Para uma cultura que prezava a habilidade técnica e o saber artesanal, o
sinal “culto” constituído pelas ordens não podia ser exclusivo e podia até aparecer
como um acréscimo, um pormenor. (VARELA GOMES, 2001, p.219)
Neste sentido, a partir da Restauração em 1640, quando se impôs o recurso da talha
dourada dentro da nova conjuntura contra-reformista, que pedia um outro gênero de
arquitetura, as artes ornamentais rapidamente responderam a este aceno, evoluindo da “talha
lisa” para a “talha crespa”
94
. Os arquitetos oficiais tentaram responder a essas mudanças com
uma nova planimetria, que não foi assimilada por essa cultura, que continuava insistindo, em
94
A chamada “talha lisa” é a denominação utilizada pelos críticos de arte portugueses para designar a escultura
ornamental maneirista (século XVII), enquanto a “talha gorda”, assumindo feições barrocas a partir de 1680,
corresponde aos estilos “Nacional Português” e “D. João V”. Ver mais sobre o assunto em VARELA GOMES,
2001.
219
sua grande maioria, em obras mais domésticas, na utilização do velho recurso chão de uma
planimetria mais estática, tendendo para o retângulo.
Dentro desse quadro, a modernização possível assumiu espaço principalmente na
região Norte, através da evolução formal da chamada “arquitetura de pedraria”
95
, ligada aos
profissionais da cantaria e aos escultores ornamentistas, que dotaram as regiões do Douro, do
Minho e de Trás-os-Montes de uma mistura de influências que incorpora, numa vertente
prática, os modelos de escultura vinculados à vizinha Galícia
96
, a escola de talha
desenvolvida pelos beneditinos e as lições italianas através do atelier de Mafra, aliada à
presença de estrangeiros de origem italiana, como Nicolau Nasoni (Figuras 123 e 124).
Do ponto de vista teórico, tanto Robert Smith (1939; 1951; 1955; 1962; 1967;
1969;1972; 1973) quanto Marie-Thérèze Mandroux-França (1973; 1983), e mais
recentemente Myriam Ribeiro (2003) provaram, em seus estudos dedicados aos modelos
artísticos em circulação em Portugal no século XVIII, a ampla circulação das gravuras de
Augsburg e da influência das estampas de Juste-Aurèle Meissonier (1693?-1750)
97
, dos
irmãos Klauber e Franz Xavier Habermann (1721-1796), além dos tratados maneiristas e
barrocos, principalmente o de Serlio e Pozzo, como base para as concepções estilísticas dos
artistas e arquitetos atuando em Portugal durante o século XVIII.
95
O termo “arquitetura de pedraria” designa a valorização da cantaria na composição arquitetônica, em especial
no plano das fachadas.
96
Região noroeste da Espanha, limítrofe com o território português pelo rio Minho.
97
Juste-Aurèle Meissonier (1693?-1750). Desenhista do gabinete do rei Luís XV de França, ornamentista,
escultor, decorador e arquiteto, sua obra se caracteriza pela produção de festas e monumentos efêmeros,
tendentes ao fantástico, tendo sido publicada entre 1723 e 1735, sob o título de “Oeuvre”.
220
6.4. A cultura arquitetônica erudita em Portugal: a tratadística vigente e sua influência
na primeira metade do século XVIII em Portugal
partir do século XVI e nos períodos posteriores, a tratadística tinha-se tornado
uma das mais importantes fontes de referência, conhecimento e inspiração
para os arquitetos. Com a redescoberta do “De architectura libri decen”
98
de Vitruvio,
durante todo o período renascentista o estudo dos monumentos romanos era tido como
imprescindível à formação do candidato a arquiteto. Entretanto, é preciso salientar que os
arquitetos renascentistas dirigiam-se aos estudos das ruínas dos monumentos romanos
indicados por Vitruvio como formação, e não para a copia pura e simples dos mesmos. Neste
sentido, embora a obra de Vitruvio fosse considerada e respeitada como o primeiro tratado de
arquitetura e ainda trabalhasse uma série de disciplinas fundamentais à formação do arquiteto
– como os processos de construção e seus materiais e as regras que deveriam ser obedecidas
para se conseguir a beleza da construção arquitetônica, baseada essencialmente no problema
das proporções – era uma bibliografia que estava “desatualizada” em relação ao conceito que
o arquiteto atingiu e conquistou no Renascimento. O original da obra de Vitruvio ainda
aplicava-se, de uma maneira geral, a um tipo de arquiteto-construtor que tinha desaparecido
durante a Renascença (Figuras 125 e 126). Esse arquiteto-construtor ou “operativo”, no termo
utilizado por Vitruvio, foi neste período de efervescência cultural substituído pela figura do
98
Marco Vitruvio Polión ou Marcus Lucius Vitruvius Pollio (70aC?-?): o tratado “De architectura libri decen
é o mais antigo tratado de arquitetura conhecido e também o único que chegou integral à era moderna.
Constituído de dez livros, esse tratado trouxe ao Renascimento as informações precisas sobre a arquitetura e os
princípios arquitetônicos da Antiguidade Clássica ao compilar diversos de seus exemplares, além de também de
tratar dos materiais e das técnicas construtivas. Escrito provavelmente em 20dC, ele apresentava-se dedicado ao
Imperador Augusto. Esse tratado, descoberto e estudado pelos renascentistas, foi a base para a tradição
tratadística construída nesse período a partir do tratado de Leon Battista Alberti, “De re aedificatoria libri
decen”, manuscrito datado entre 1442 e 1452, publicado em 1485 (ver nota 99). Posteriormente, o tratado de
Vitruvio foi traduzido em diversos idiomas e recebeu diversas edições comentadas. Dentre essas, uma das mais
famosas foi a comentada por Claude Perrault, publicada em Paris em 1684 (ver nota 66).
A
221
arquiteto intelectualizado e especulativo, ou seja, mais ligado ao campo teórico e
investigativo, que pretendia, acima de tudo, transformar essa atividade humana numa ciência.
Para isso, contava com a utilização, na sua produção, da matemática, da geometria e,
principalmente, da perspectiva, que garantia o domínio intelectual sobre a construção
arquitetônica real do canteiro-de-obras.
É justamente durante o Renascimento que aparece a idéia da designação de arquiteto,
termo de origem grega – “arkhitékton” – que significa “acima de pedreiro”, assinalando a
substituição do pedreiro medieval à frente do planejamento da obra por um profissional
intelectual, que é promovido, dentro dessa sociedade, ao nível social concedido aos demais
artistas. Michelangelo Buonarotti jamais concordou com este conceito e em seus escritos
travou grandes polêmicas em favor da primazia da “escultura” como arte maior, pois que esta
arte fazia prevalecer o caráter plástico da obra.
Para os indivíduos ligados a esse novo perfil profissional, a redação de um tratado era
o ato fundamental que assinalava tanto a sua efetiva promoção social quanto o respeito
profissional entre seus pares. Entretanto, ainda que os novos tratados renascentistas e
maneiristas subsequentes defendessem idéias totalmente diferentes das de Vitruvio, sua
formatação continuava a ser bastante similar àquele. Leon Battista Alberti (1404-1472)
99
foi
o primeiro tratadista renascentista, teve publicado o seu “De re aedificatoria libri decemem
1485 (Figura 127), e tal como Vitruvio, também dividiu o seu tratado em dez livros, sendo
que esse tipo de formatação, com pequenas variações, também foi seguido pelos tratadistas
99
Leon Battista Alberti (1404-1472): humanista, sem formação em técnicas construtivas, e versado em Direito
Canônico e Civil, Matemática e Física, escreveu o “De re aedificatoria libri decem”, que constituiu a mais
importante teoria de arquitetura no princípio dos tempos modernos. Marcou a transformação da arquitetura
numa atividade intelectual. Escrito entre 1442 e 1452, o tratado de Alberti busca colocar a pintura, a escultura
(os tratados “De pictura” e “De statua” foram escritos em 1435 e 1438, respectivamente) e a arquitetura, que na
sua época não eram tratadas como artes liberais, no mesmo nível da Geometria, da Música, da Poética e da
Retórica, tendo obtido mais êxito, entretanto, na Arquitetura, arte da sua predileção. Sobre a obra de Alberti, ver
a Tese de Doutorado do Professor Carlos Antônio Leite Brandão (BRANDÃO, 2000) publicada pela Editora da
UFMG como o título de: Quid Tum? O combate da arte em Leon Battista Alberti.
222
posteriores como Diego de Sagredo
100
em 1526, Sebastiano Serlio
101
em 1537, Andrea
Palladio
102
em 1570 (Figura 128), Iacomo (Giacomo) Barozzi da Vignola
103
em 1562 ,
Vincenzo Scamozzi
104
em 1615, dentre outros. A utilização dos modelos e idéias desses
tratadistas numa época em que as distâncias tinham uma outra escala temporal e a imagem
gravada uma outra força consolidou-se em toda a Europa e, mais tarde, na América
Portuguesa e Espanhola, em uma concepção de trabalhar a arquitetura de forma intelectual,
ainda que com adaptações, em maior ou menor grau, regionalizadas em relação aos cânones
da arquitetura romana nas suas vertentes clássica e maneirista, num primeiro momento, e
barroca, rococó e mesmo neoclássica, num segundo momento, a partir do século XVIII.
Em Portugal, mesmo que existam, ainda hoje, tanto na Biblioteca da Academia de
Belas Artes de Lisboa quanto na Biblioteca Municipal do Porto (onde tivemos a possibilidade
100
Diego de Sagredo (primeira metade do século XVI): autor espanhol, em 1526 publica em Toledo o tratado
“Medidas del romano”. Primeira obra do gênero a ser editada na Espanha, inaugura ainda o testemunho crítico
da obra de Vitruvio e sua propagação pela Península Ibérica. A obra impulsionou a arquitetura espanhola do
período, e também teve ampla circulação em Portugal, em função da proximidade do idioma.
101
Sebastiano Serlio (1475-1553?1555?): arquiteto e tratadista italiano originário de Bolonha. Em 1619 publica
“Tutte l’opera d’architettura et prospectiva” em Veneza, que destacou-se entre os tratados da sua época pela
ampla utilização de desenhos como linguagem de representação dos seus conceitos. Esta estratégia de
apresentação de conteúdos, associada à publicação de obras arquitetônicas clássicas e renascentistas
consagradas, contribuiu para a difusão de seu tratado.
102
Andrea Palladio (nascido Andrea di Piero, 1508-1580): arquiteto e tratadista italiano originário de Pádua.
Publica “I quattro libri dell’archittetura” em 1570, em Veneza, onde havia sido adotado pelo mecenato do
Conde Giangiorgio Trissino, que lhe confere o cognome “Palladio”, segundo Pallas Atena, a deusa protetora das
artes. Sua estratégia de publicação segue o exemplo de Serlio, incluindo levantamentos de ruínas da Antiguidade
Clássica e projetos próprios, que servirão para o desenvolvimento do neopalladianismo inglês no século XVIII.
103
Iacomo (Giacomo) Barozzi da Vignola (1507-1573): arquiteto e tratadista italiano originário de Vignola. Em
1562 publica, em Roma, “Regola delli cinque ordini d’architettura”. Sua obra foi trabalhada essencialmente
sobre o problema das proporções e a melhor utilização das ordens na arquitetura. Foi um dos manuais que
contribuiu para a emergência de uma teoria da arquitetura elaborada, dado o maior refinamento, se comparado a
Serlio, e que foi amplamente utilizada para a representatividade monumental do Barroco. Lembramos que
Vignola foi o responsável pela incorporação dos princípios contra-reformistas no espaço religioso através da
Igreja do Gesù, em Roma, sede da Ordem dos Jesuítas, projetada em 1568, e que teve a fachada alterada por
Giacomo della Porta entre 1573 e 1575.
104
Vincenzo Scamozzi (1548-1616): arquiteto e tratadista italiano originário da região do Vêneto, tendo
publicado “L’idea della architettura universale” em 1615, em Veneza. Sua obra terá uma grande difusão e será
o ultimo tratado do Renascimento, onde a arquitetura ainda é concebida como ciência universal. Credor, ainda
como seus predecessores, da idéia de criação neoplatônica do Renascimento, o autor defende a idéia do edifício
como um todo proporcional que devia expressar a ordem cósmica do mundo e, por isso, dedica-se a um
exaustivo estudo de proporção sobre as ordens clássicas que ascenderá ao posto de referência para o século
XVII.
223
de pesquisar), exemplares de tratados de todas as nacionalidades
105
, seria especulativo
afirmar que todas estas obras já estivessem em circulação em Portugal e no Brasil
106
, com
conhecimento pleno, durante o século XVIII. Esse argumento se dá, principalmente, em
função da falta de traduções para o português o que, dentro do perfil cultural do século XVII e
XVIII, limitaria o seu acesso a um público menos letrado, reduzindo o raio de difusão dos
mesmos.
Segundo os estudos dos pesquisadores portugueses que trabalharam a circulação da
tratadística em Portugal, como Francisco José Gentil Berger,
[...] essa atividade iniciou-se no século XVI, simultaneamente com o reactivar do
interesse pelos estudos cosmológicos, com a tradução, a primeira fora de Itália, dos
livros de Vitrúvio, feita em 1541 pelo nosso matemático Pedro Nunes, dedicada a D.
João III e da qual infelizmente não se conhece o paradeiro, e com a tradução por
ordem daquele mesmo monarca, do tratado de Alberti “L’Architettura (De Re
Aedificatoria)” por Garcia de Resende. (BERGER, 1994, p.40)
Posteriormente às traduções, pelo que se sabe, tiveram ampla circulação e aceitação
em todo mundo português os tratados ditos “clássicos” já citados, ligados à figura dos
arquitetos renascentistas e maneiristas. Segundo outros estudos realizados por diversos
especialistas portugueses sobre a produção arquitetônica portuguesa dos séculos XVI e XVII,
é consenso que, na falta de uma tratadística nacional, durante o século XVI e XVII os artistas,
arquitetos, engenheiros e construtores portugueses foram obrigados a recorrer diretamente às
obras publicadas no estrangeiro, tendo sido comprovado, entretanto, diante dos estudos mais
recentes, que durante esse período houve uma escassa produção nacional de tratados, que em
sua maioria tive como base estas mesmas fontes italianas. Dentre esses especialistas, Rafael
105
A listagem destes tratados foi publicada pela pesquisadora Maria da Graça Pericão (1990-1992).
106
A listagem destes tratados foi publicada pelo pesquisador Nireu Cavalcanti (2004). Ver Anexo Bibliotecas
dos Arquitetos e Mestres-de-Obras Portugueses – Lista dos Tratados em Circulação no Rio de Janeiro durante o
século XVIII.
224
Moreira cita como tratadistas desse período em Portugal um tal Pero de Araújo e o próprio
Mateus do Couto
107
. Segundo o pesquisador, o primeiro:
[...] escreveu um perdido Tratado de Arquitetura Política e Militar em seis livros
(geometria, ordens, perspectiva, matemática, fortificação e templos). Da descrição
dada por S. Viterbo deduz-se ser uma enciclopédia básica das artes do “arquiteto”
(isto é do debuxador), muito influenciada por Sérlio, destinada tanto a mestres
pedreiros como a retabulistas, imaginários, pintores de ornatos e engenheiros.
Outra profundidade mostra o tratado de Mateus do Couto de que só conhecemos os
Livros I e IV (Tratado de Architectura que leo o Mestre e Archit.
o
Mateus do Couto o
Velho no anno de 1631, BNL. Cod. 946) [...]. (MOREIRA, 1989b, p.492)
Essa predileção pelo tratado de Serlio em Portugal, numa época de poucas fontes em
português, justifica-se pela revolução didática que este trabalho proporcionou no seu tempo.
Como salienta a pesquisadora Myra Nan Rosenfeld no seu texto “Sebastiano Serlio’s
contribuitions to the creation of modern illustrated architectual manual”, o trabalho de Serlio
foi tão transformador quanto a obra de André Vesalius sobre anatomia, publicada em 1542,
pela pedagogia de apresentação de idéias a partir do largo uso de ilustrações e do idioma
vernacular (Figura 129). Diz a pesquisadora:
O tratado de Serlio estava entre os primeiros manuais originalmente ilustrados,
ligados essencialmente à arquitetura moderna publicada na Europa em linguagem
vernacular no século XVI. O enfoque de Serlio era novo, uma vez que sua
mensagem didática era transmitida principalmente através das ilustrações, mais do
que por meio do texto. (ROSENFELD, 1987, p.102, tradução nossa)
108
Essas características, num país pouco acessível às línguas eruditas, foram
fundamentais para a larga predileção pela leitura deste tratado, estruturado numa ampla
exposição de modelos arquitetônicos que variavam da Roma Antiga à arquitetura
contemporânea à época, além de um tomo especial dedicado aos modelos que poderiam ser
utilizados para arquitetura religiosa e civil e de também conter os clássicos ensinamentos
107
Uma cópia em fac-simile deste tratado, intituladoTratado de architectura que leo o mestre e archt. Mateus
do Couto no anno de 1631” faz parte dos anexos da Tese de Doutorado da Professora Beatriz Bueno (2001).
108
Serlio’s book were amongst the first original illustrated manuals devoted essentially to modern architecture
published in Europe in a vernacular language in the sixteenth century. Serlio’s approach was new, since his
didact message was conveyed primarily through the ilustrations rather than the text
225
sobre a teoria das ordens, sobre a perspectiva e sobre a geometria e suas regras de
proporcionalidade. Ao lermos o tratado de Serlio atentamente, poderemos abrir um leque de
explicações para uma série de questões que envolvem o mito da originalidade da arquitetura
mineira do século XVIII, como anteriormente havia intuído John Bury (BURY, 1991)
109
.
Concordando com essa mesma linha de raciocínio no seu artigo sobre as fontes de inspiração
para o projeto da Baixa Pombalina na Lisboa pós-terremoto de 1755, o Professor e
Pesquisador Eduardo Duarte também é enfático sobre a importância de Serlio, mesmo durante
o século XVIII em Portugal. No seu entendimento,
Os desenhos de Serlio são de tal maneira sugestivos e numerosos que aos
arquitectos portugueses bastava copiar, alterar, juntar modelos e sugestões e quase
sempre simplificar as propostas desse tratadista para criar edifícios com o mesmo e
inegável parentesco. Certamente que o autor italiano jamais poderia imaginar tal
colagem à sua obra, sendo por vezes os arquitectos nacionais mais serlianos que o
próprio Serlio [...]. (DUARTE, 2004, p.82)
Passado o terceiro quartel do século XVII, os primeiros tratados portugueses são
oficialmente publicados e dirigidos à instrução dos engenheiros militares portugueses. A
leitura destes tratados confirma a utilização do estudo dos tratados italianos em Portugal como
leitura obrigatória desses profissionais. Em seu tratado de fortificação e arquitetura militar
“Método lusitano de desenhar as fortificações das praças regulares e irregulares”,
publicado em 1680 – e já comentado – o Engenheiro-mor Luis Serrão Pimentel
110
, confirma
seus estudos sobre os mestres italianos renascentistas para a concepção das questões de
arquitetura presentes no texto (Figura 130):
Daqui veyo que nos Portaes de algas antigas Cidades ſe punhaõ Eſtatuas armadas,
& eſculpiaõ as bandeiras, & deſpojos dos inimigos vencidos, ou outros ſinaes
ſignificativos de emprezas grandes repreſentando a Cidade inexpugnavel, antiga, e
triumphal.
109
No texto “A arquitetura e a arte do Brasil Colonial” publicado no livro de mesmo título (BURY, 1991), o
pesquisador já demonstrava a ampla assimilação de figuras e modelos publicadas no tratado de Serlio e
utilizadas nas obras construídas de igrejas brasileiras dos séculos XVII e XVIII.
110
Ver nota 85.
226
Por eſa razaõ convem que ſua fabrica ſeja da ordem Toſcana ou da Dorica das
cinco a que a Architectura Civil eſtá reduzida: da Toſcana por ter muito de forte, e
robuſta apta a ſuſietar todo o peſo grave (diz Vincenzo Scammozzi) & que por tanto
ſemelha o modo agigantado: da Dorica por ſer de corpo, partes & membros fortes,
& galhardos repreſentando muito do modo Herculeo, por cuja cauſa foi pellos
antigos Architectos dedicada a Hercules. (PIMENTEL, 1993, p.147)
No início do século XVIII, ainda continua a existir um vácuo na tratadística oficial em
português dirigida aos arquitetos nacionais. Em 1728, vemos surgir em Portugal mais uma
publicação oficial, dirigida novamente ao ramo da Engenharia Militar: o também já
comentado “O engenheiro português”, do Engenheiro Manuel de Azevedo Fortes
111
(MDCCXVIII). Estrutura-se no estudo da Longimetria, Planimetria, Estereometria e na
Trigonometria, e quase não faz referência ao problema da arquitetura ou da teoria das ordens,
mas torna-se um documento importante no campo do estudo da cultura arquitetônica por
explicar detalhadamente os processos, os materiais, a técnica e as codificações utilizadas no
século XVIII para a representação arquitetônica, além de descrever os pormenores do sistema
decimal utilizado para as medições. Diante desse quadro, podemos dizer, como enfatiza o já
citado Berger, que
A realidade é que teorização arquitectural, durante a primeira metade do século
XVIII, quase não existiu. Quase nada foi editado sobre a matéria ou nos foi legado
ainda que manuscrito, excepção feita à teoria sobre fortificações e arquitectura
militar, fruto de sucessivos períodos de guerra, que tinham obrigado a reiterada
experimentação, e a que Azevedo Fortes deu forma através dos seus livros.
(BERGER, 1994, p.41)
Neste sentido, restou aos arquitetos da primeira metade do século XVIII, para avançar
nos desafios que a arquitetura internacional desejada por D. João V impunha à tradição
portuguesa, importar uma leva de tratados arquitetônicos estrangeiros, principalmente em
francês e italiano. Chamavam-nos à época de “modernos”, pois ligados à produção dos
arquitetos barrocos italianos e dos anti-barrocos e neoclassicistas franceses, e que foram
111
Ver nota 87.
227
publicados desde o final do século XVII e durante todo o XVIII na Europa. Esses tratados
divulgavam os conceitos, a linguagem formal e as obras de arquitetos como Borromini
112
,
Guarini
113
, De’ Rossi
114
, Pozzo
115
, D’Aviler (1653-1701)
116
e de F. Blondel
117
, além de
Bibiena (1695-1735)
118
e Briseux (1680-1754)
119
, os dois últimos ligados mais à área da
112
Francesco Borromini (1599-1667): arquiteto barroco italiano, nascido em Capolago. Sua obra é considerada
uma das mais criativas e inovadoras daquele período e foi publicada através do livro “Opus architectonicum
equitis Francisci Borromini (Opera del Cav. Francesco Borromini cavata da suoi originali, cioè e fabrica per
l’abitazione de PP. dell’oratorio di S. Filippo Neri di Roma), editado por Sebastiano Giannini em 1717, em
Roma. Suas obras também foram publicadas no tratado do italiano Domenico de Rossi (ver nota 114), ao lado
das obras de outros grandes arquitetos do Barroco romano.
113
Guarino Guarini (1624-1683): arquiteto, matemático, filósofo teatino, nascido em Modena. Sua obra, ao lado
da de Borromini, também foi considerada revolucionária por defender o direito da arquitetura de corrigir as
regras da Antiguidade e de inventar novas regras. Como matemático, Guarini deu ampla importância a este
campo do saber em seus projetos e defendeu a idéia inovadora de que o sentido da beleza e das proporções é
determinado pelo gosto e que este está ligado a uma evolução histórica dependente de fatores regionais. Sua obra
foi publicada nos tratados “Disegni di architettura civile ed ecclesiastica” (1686) e “Architettura civile” (2 vol,
1737), em Turim, com amplas explicações e ilustrações de suas principais obras e elementos ornamentais.
114
Domenico De’ Rossi (1659-1730): editor profissional, proprietário da tipografia Stamperia alla Pace, em
Roma. Publicou entre os anos de 1702 a 1721 as obras “Studio d’architettura civile” (3 vol., 1702, 1711, 1712)
e “Disegne di vari altari e capelli nelle chiese di Roma” (1713). Nestas duas obras, o editor publica reproduções
de palácios e igrejas romanas, com suas capelas e altares, assim como detalhes arquitetônicos como portas,
janelas e etc. De’ Rossi, em 1690, já havia publicado na coleção “Nuovi disegni”, composta de quatro volumes, a
obra de Carlo Fontana e Michelangelo (deste último constam os projetos do Capitólio, de São Pedro e da Porta
Pia), e agora publicava a obra dos arquitetos barrocos romanos Bernini, Borromini, Pietro de Cortona, Carlo
Rainaldi e Carlo Fontana, tornando-se uma obra de referência na Accademia de San Luca, em Roma, que
influenciou tanto os arquitetos estrangeiros que estavam em Roma como os que não podiam ir até a Cidade
Eterna. Assim, a obra de Domenico De’ Rossi contribuiu decisivamente para o desenvolvimento de um Barroco
internacional baseado nas idéias dos arquitetos barrocos romanos do século XVII.
115
Andrea Pozzo (1642-1709): padre jesuíta, pintor e arquiteto, figura, através do seu tratado “Perspectiva
pictorum et architectorum” (2 vol.), publicado em 1693 e 1700, em Roma, como um dos artistas mais
importantes do Barroco. Sua obra teve um enorme sucesso no seu tempo como um manual de pintura
arquitetônica auto-explicativo, com uma série de 116 gravuras. Adepto do emprego da perspectiva de ponto de
vista central, onde o ponto de vista coincide com o ponto de fuga, Pozzo pôs a perspectiva em favor dos dogmas
da igreja triunfante contra-reformista, criando a ilusão da realidade espacial nas suas igrejas como uma estratégia
inerente ao sistema de conversão dos fiéis. Seu tratado divulga, principalmente, o projeto das igrejas jesuítas
romanas de Il Gesù e Santo Ignazio com todos os seus detalhes arquitetônicos, além de outros inventados pelo
próprio artista. Na cultura arquitetônica portuguesa, o tratado de Pozzo foi um dos mais aceitos e um dos
responsáveis pela introdução e circulação do repertório formal do Barroco italiano.
116
Augustin Charles D’Aviler (1653-1701); arquiteto francês, nascido em Paris, foi um dos principais
promotores dos canônes de Vignola na França. Autor do tratado “Cours d’architecture qui comprend les ordres
de Vignole” (2 vol.), editados em 1691, em Paris. Tendo habitado em Roma entre 1676 e 1679, D’Aviler,
embora conhecesse bem a arquitetura romana, não se seduziu muito por seus rompantes criativos. Seu tratado
procura uma solução que concilie um ideal normativo e os novos imperativos da construção. Publicando uma
série de modelos de elementos arquitetônicos como portas, janelas francesas e italianas, e projetos bem
detalhados de edifícios e sistemas construtivos empregados na época, seu tratado conseguiu uma grande
receptividade, sendo publicado em mais dez edições entre 1691 e 1760. Sua importância, ao lado dos tradados de
Serlio e de Blondel, é incontestável em Portugal durante o século XVIII, inclusive no projeto de Mafra.
117
Ver nota 68.
118
Giuseppe Galli Bibiena (1695-1735); pintor e cenógrafo italiano, ficou mais conhecido como arquiteto de
arte efêmera na côrte de Viena, mas tem, entre suas principais realizações no campo da arquitetura religiosa, o
228
ornamentação, cenografia e arquitetura efêmera. Foram rapidamente assimilados em Portugal
na produção dos arquitetos nascidos no início do século XVIII e classificados pelos
pesquisadores portugueses como pertencentes à segunda geração de arquitetos barrocos em
Portugal. Entre esses arquitetos estão os nomes, principalmente, de Manuel da Costa
Negreiros (1702-1750)
120
, Eugênio dos Santos de Carvalho (1711-1760)
121
, Carlos Mardel
(1695-1763)
122
, Rodrigo Franco (1709-1764)
123
, Caetano Tomás (1705-1783)
124
e mesmo
altar-mor da Abadia de Melk. Seu tratado, “Architettura e prospettive”, foi publicado em Viena em 1744 e
contém cinquenta chapas sobre seus trabalhos realizados durante o reinado de Carlos VI (1685-1740) na casa
imperial dos Habsburg, em Viena. Dotado de muita imaginação arquitetônica e de notável criatividade na arte
decorativa, seu tratado espalhou pela Europa, no século XVIII, o gosto de unir arquitetura e desenho, sendo
exemplo máximo da “encenação efêmera” a serviço das monarquias absolutistas da Europa.
119
Charles-Etienne Briseux (1680-1754): arquiteto e decorador, nascido em Beaume-les-Dames, na França.
Ainda que se saiba muito pouco sobre sua obra construída, seus tratados “Architecture moderne ou l’art de bien
bâtir pour toutes sorte de personnes”, publicado em Paris em 1728, “L’Art de bâtir des maisons de campagne
(2 vol., Paris, 1743) e “Traité du beau essential” (Paris, 1752), tratam, em geral, de uma proposta arquitetônica
que visa conciliar harmoniosamente comodidade, decoração, e disposição funcional. Nos seus tratados, além de
apresentar vários modelos de habitações, Brizeux também apresenta uma série de propostas decorativas de gosto
rococó.
120
Manuel da Costa Negreiros (1702-1750): mestre-pedreiro lisboeta, iniciou sua carreira na construção do
convento de Mafra. Em 1732, trabalhou no Aqueduto das Águas Livres, em Lisboa. Seu primeiro projeto
conhecido é o da igreja de Santo Estevão na Alfama, em Lisboa, deste mesmo ano.
121
Eugênio dos Santos Carvalho (1711-1760): engenheiro militar nascido em Aljubarrota, local do Mosteiro da
Batalha, genro de Manuel da Costa Negreiros. A partir de 1745, aparece como Medidor e Arquiteto da Casa de
Obras Reais. Foi também um dos inspetores das obras do Palácio das Necessidades, em Lisboa, e exerceu o
cargo de Arquiteto do Senado da Câmara e supranumerário das obras do Paço da Ribeira. Ver Anexo Bibliotecas
dos Arquitetos e Mestres-de-Obras Portugueses – Lista da Biblioteca arrolada no Inventário do Arquiteto
Eugênio dos Santos Carvalho (1711-1760).
122
Carlos Mardel (1695-1763): engenheiro militar e arquiteto, nascido em Presburgo, na Hungria. Serviu o
Exército Imperial. Migrou em 1733 para Portugal com o objetivo de trabalhar nas obras do Aqueduto das Águas
Livres. Em 1747, ascendeu ao cargo de Arquiteto dos Paços Reais, e em 1749, foi nomeado Arquiteto das
Ordens Militares, atingindo, em 1751, o posto de Coronel-engenheiro. Foi um dos principais colaboradores de
Eugênio dos Santos na reconstrução de Lisboa.
123
Rodrigo Franco (1709-1764): arquiteto lisboeta. Iniciou seus trabalhos em Mafra, bem como no Aqueduto
das Águas Livres. Foi arquiteto da Mitra e do Patriarcado. Fez o risco revolucionário da igreja do Senhor da
Pedra em Óbidos, iniciada em 1746. Foi ainda arquiteto do Senado da Câmara de Lisboa. Ver Anexo Bibliotecas
dos Arquitetos e Mestres-de-Obras Portugueses – Lista da Biblioteca arrolada no Inventário do Arquiteto
Rodrigo Franco (1709-1764).
124
Caetano de Souza Tomás (1705-1783): mestre-pedreiro, natural de Bucelas. Trabalhou em Mafra, sendo um
dos membros da sociedade de pedreiros (1733). Fez parte da sociedade da obra do Palácio das Necessidades em
1743, e trabalhou nas obras do Convento da Graça (1740).Ver Anexo Bibliotecas dos Arquitetos e Mestres-de-
Obras Portugueses – Lista da Biblioteca arrolada no Inventário do Mestre-pedreiro Caetano de Souza Tomás
(1705-1783).
229
Ludovice
125
, imigrado para Lisboa a convite dos jesuítas nos primeiros anos do século
XVIII.
A partir da análise do arrolamento dos inventários de alguns desses indivíduos,
publicados nos anexos da tese de Horacio Manuel Pereira Bonifácio (1990)
126
, tivemos
acesso às listas dos livros de arquitetura que se encontravam na posse de alguns desses
arquitetos em atividade em Portugal no segundo quartel do século XVIII, o que nos permitiu
abrir uma possibilidade real de análise e esclarecimento do tipo de tratadística utilizada
naquele período, pelo menos dentro de uma produção oficial. A partir desses documentos, foi
possível traçar mais claramente o perfil de formação e as influências formais que ditavam as
normas da produção dos arquitetos portugueses no início do século XVIII e que seguramente
faziam também parte do universo coletivo do mundo ligado à atividade da arquitetura, da
construção civil e militar e das artes ornamentais de uma maneira geral. Essa análise também
abriu, no nosso entender, a possibilidade de se conhecer, pelo menos em parte, a possível
tratadística que deveria circular no Brasil no mesmo período, já que a listagem das bibliotecas
portuguesas coincide com a maior parte dos títulos de arquitetura existentes em bibliotecas do
Rio de Janeiro no século XVIII, já levantadas pelo pesquisador Nireu Cavalcanti (2004). Esse
conhecimento é fundamental para nossa análise, pois nos permite avaliar a produção da
arquitetura religiosa em Minas Gerais no século XVIII sobre outros aspectos que se afastam
da ingenuidade da criatividade espontânea. Infelizmente até o momento, o conhecimento de
bibliotecas de arquitetura em Minas é quase nulo. A exceção do Mestre Manuel Francisco de
Araújo, que no seu inventário fala de um livro de arquitetura em poder do construtor
125
Ver nota 70. Ver Anexo Bibliotecas dos Arquitetos e Mestres-de-Obras Portugueses – Lista da Biblioteca
arrolada no Inventário do Arquiteto e Ourives João Frederico Ludovice (1670-1742).
126
Esses testamentos estão sob a guarda do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, com os seguintes registros:
João Frederico Ludovice, 1752: (ANTT – Testamentárias, Maço J-275); Eugênio dos Santos, 1760 (ANTT –
Testamentárias, Maço E-3); Caetano Tomás, 1733 (ANTT – Testamentárias, Maço C-81); Rodrigo Franco, 1763
(ANTT – Testamentárias, Maço R-20).
230
(conhecido, embora de menor significado) José Ribeiro de Carvalhais, ainda não apareceram
outros registros sobre livros de arquitetura nos inventários e bibliotecas conhecidas e já
estudadas na região de Minas Gerais por alguns historiadores, como Eduardo Friero, Luis
Carlos Villalta e Thábata Araújo de Alvarenga
127
e por isso, especulações mais definitivas
sobre esse tema ainda ainda estão em aberto, esperando avanços mais concretos na pesquisa
arquivística especializada.
Nas listas transcritas por Horacio Bonifácio (1990) das bibliotecas arquitetônicas
portuguesas, entre os diversos títulos por nós analisados, aparece primeiramente como um
título fundamental existente nas Bibliotecas de Eugênio dos Santos de Carvalho, Rodrigo
Franco e de Frederico Ludovice, o nome de Vitruvio, à exceção para a biblioteca de Caetano
Tomás. Em Portugal existem várias versões da obra de Vitruvio, impressas desde o séc. XVI
128
, sendo muito possível que, na maioria dos casos, os livros indicados nestas bibliotecas
sejam estudos sobre Vitruvio, como demonstra o título da lista de Eugênio dos Santos
"Architecture de Vitruve p. Perau” (Figura 131), que é um tratado bastante conhecido que
trata de textos que Claude Perrault elaborou, comentando, à luz dos conceitos vigentes sobre
arquitetura no século XVIII, a obra de Vitruvio.
129
Em relação aos tratados de Serlio, Vignola,
Scamozzi e Palladio, os mais importantes tratadistas do século XVI, à exceção da biblioteca
de Caetano Tomás, que só possui o tratado de Serlio, e da de Rodrigo Franco, que não possui
o de Palladio, aparecem em todas as listas de bibliotecas presentes nos arrolamentos dos
127
Eduardo Frieiro, no seu livro “O Diabo na Livraria do Cônego” (1957), demonstrou, através do estudo dos
seqüestros de bens dos Inconfidentes de 1789, que constavam nos Autos da Devassa que havia na região de
Minas Gerais amplas bibliotecas. A do Cônego Luiz Vieira, sozinha, tinha mais de três mil títulos de obras
clássicas e iluministas. Mais recentemente, voltou-se ao tema, como o Professor Luiz Carlos Villalta, no trabalho
intittulado “Governadores, bibliotecas e práticas de leitura em Minas Gerais no século XVIII” (2001), e
Thábata de Araújo de Alvarenga em “Tradição ou inovação nas leituras: Vila Rica – 1750-1800” (2003);
ambos demonstraram a diversidade dos títulos disponíveis nas bibliotecas existentes em Vila Rica no século
XVIII e suas práticas de leitura.
128
Conferir essas listagens de Vitruvio em Formosinho Sanchez: “O De Arquitectura de Vitruvio: numa
recolha bibliográfica (manuscrita e impressa existente em Portugal” (1991).
129
Ver nota 98. Outro tratadista que fez uma edição comentada bastante interessante sobre a obra de Vitruvio foi
o italiano Cesari Cesariano em “Di Lucio Vitruviio Pollione de Architectura”, publicada em 1521.
231
inventários citados. Em alguns casos, é possível tratar-se até de versões seiscentistas ou
mesmo setecentistas desses autores, como acontece com o “Arquitectura de Palladio”, de
Eugênio dos Santos, indicada como pertencendo à nona edição. Além destes tratados
quinhentistas, encontramos, também na lista de Eugênio dos Santos e na de Rodrigo Franco,
os "Quatro Primi Libri de Architettura, de 1544, escrita por Cataneo (1510-1571; Figura
132)
130
, importante teórico da Contra-Reforma que indica regras precisas para a arquitetura
religiosa. Eugênio dos Santos possui também a obra de Androuet Du Cerceau (1521-1586;
Figura 133)
131
, que também aparece presente na bibliografia de João Frederico Ludovice.
Entre as principais publicações verificadas estão os mais importantes tratados e
publicações italianas do séc. XVII, que contribuíram diretamente para o desenvolvimento e
divulgação do Barroco. Entre esses citamos o trabalho de Montano (1534-1621), "Diversi
ornamenti capricciosi per depositi o altari”
132
, que João Frederico Ludovice tinha na sua
biblioteca, e que também aparece nas de Eugênio dos Santos e de Rodrigo Franco, que
130
Pietro Cataneo (1510-1571): arquiteto, engenheiro civil e militar e teórico da arquitetura italiano, publicou
seu tratado “I quattro prime libri di architetura” em 1554 em Veneza. Embora contemporâneo de Serlio,
Cataneo não é um defensor acirrado dos ideais do Renascimento, mas das igrejas com planta em cruz latina
como as mais perfeitas em relação às proporções da figura humana. Defendeu em seu tratado vários pontos de
vista da igreja contra-reformista, como o abandono aos planos centralizados.
131
Jacques Androeut du Cerceau (1521-1586): filho mais velho de uma família de arquitetos e decoradores
,desenhador e gravador de profissão, publicou em 1545 um volume de gravuras com motivos arquitetônicos de
inspiração italiana, o tratado “Livre d’architeture” (Paris, 1559) e entre 1576 e 1579 o seu mais famoso livro,
"Les plus belles Bastiments de France” ou Le premier volume des plus excellents. bâtiments de France”, onde
inclui ornamentos extravagantes e fantasiosos de espírito profundamente anticlássicos. A intenção dos seus
tratados não é implementar uma teoria, mas sim de propor modelos que abandonassem a arquitetura italiana e
construíssem uma arquitetura de raiz francesa. Entre os edifícios publicados encontra-se um interessante modelo
de castelo com torres redondas acopladas nos quadro cantos da planta quadrada, soltando assim a forma
volumétrica desses elementos arquitetônicos. Se alguém precisava de um modelo de torre redonda, Du Cerceau
ofereceu um como também um interessante projeto de igreja de planta centralizada circular, indicada como
existente no Castelo de Anet, datada de 1549-1553.
132
Giovanni Battista Montano (1534-1621): carpinteiro e arquiteto milanês. Seu tratado "Diversi ornamenti
capricciosi per depositi o altari” foi publicado em Roma, em 1625. Além desse texto, ele ainda publicou “Li
cinque libri di architettura” (entre 1684 e 1691), “Scielta di varii antichi” (1624), “Tabernacule diversi” (1628)
e “Architettura com diversi ornamenti cavati dall’antico” (1625). Estudioso do passado romano, seus estudos
também deram grande espaço a importância à ornamentação.
232
também possui também alguns dos álbuns iconográficos de Falda (1643-1678; Figuras 134 e
135)
133
e o Templo Vaticano de Fontana
134
.
A presença desses álbuns iconográficos é reveladora, pois todas as bibliotecas dos
arquitetos analisados possuíam alguns títulos de obras iconográficas que reproduziam
gravuras de arquitetura, particularmente de origem italiana. O "Prospective pictorum” de
Pozzo e o fundamental “Opus architetonicum Equitis Francisci Borromini” de Borromini
também estão presentes nas listas de Eugênio dos Santos e Rodrigo Franco.
O trabalho do monge cisterciense espanhol João Caramuel de Lobkowitz (1606-1682;
Figura 136)
135
, que escreveu sobre os mais diversos temas, também aparece nas listas de
Rodrigo Franco e Caetano Tomás. Outra obra de tratadística espanhola presente nas listas é o
trabalho de Fray Lorenzo de San Nicolás "Arte y uso de la arquitectura” (1595-1679; Figura
137)
136
, de 1639, uma obra dirigida essencialmente a mestres-pedreiros e aprendizes, com os
princípios básicos da atividade e regras construtivas e que os três arquitetos portugueses
133
Giovan Battista Falda (1643-1678): gravador italiano, associado à Stamparia alla Pace. Suas gravuras
configuram importantes referências sobre as construções em Roma no século XVII, pois destacam não somente
os edifícios da Antiguidade, como também as novas realizações contra-reformistas. Dado o grande sucesso
editorial (somente comparado às gravuras de Giambattista Piranesi no século XVIII), foram reunidas em três
volumes e publicados entre 1665 e 1669: “Il nuovo teatro delle fabriche et edifici in prospettiva di Roma
moderna sotto il felice pontificato di N. S. Papa Alessandro VII”, “Il secondo libro del novo teatro delle
fabriche et edificii fatte fare in Roma e fuori Roma dalla Santità di Nostro Signore Papa Alessandro VII” e “Il
terzo libro del novo teatro delle chiese di Roma date in luce sotto il felice pontificato di Nostro Signore Papa
Clemente IX”.
134
Trata-se da Igreja de São Pedro no Vaticano. Ver nota 44.
135
Juan Caramuel de Lobkwitz (1606-1682): monge cisterciense, diplomata e bispo em Vigevano. Seu tratado
Architectura civil recta, y obliqua” (3vol) foi publicado em espanhol em Vigevano entre 1639 e 1678. Nessa
obra o autor analisa as teorias clássicas da arquitetura relativizando-as. Portador do espírito universal do Barroco,
o autor escreveu também mais de cento e vinte livros pertencentes a diversos domínios científicos. Defensor da
Contra-Reforma e dos planos de cruz latina de São Carlos Borromeu, Caramuel, em sua obra, chega a criticar
Michelangelo e Bernini, e defende como modelo de inovação na arquitetura seus métodos projetivos baseados na
Geometria. Caramuel pretende transpor da imagem perspectiva para a arquitetura real, assim,cada elemento
arquitetônico é submetido a correção ópticas, e o espaço a ser construído deve ser subordinado ao ponto de vista
do observador.
136
Fray Lorenzo de San Nicolás (1595-1679): monge agostinho e arquiteto. Seu tratado “Arte e uso de
architectura” (2vol) foi publicado em língua espanhola em Madri em 1664. Sendo um tratado especializado em
questões técnicas e na prática da arquitetura, tem amplas citações de Vitruvio e seus sucessores renascentistas.
Seu trabalho, pelo que parece, se dirigia à formação dos jovens arquitetos, a quem passava sua ampla
experiência prática. Segundo seu ponto de vista, na Espanha “a arte de construir era minada por um grande
amadorismo: pintores, escultores e ourives produziam projetos superficiais e bizarros.” (KLEIN, p.378) Seu
trabalho apresenta, além da forte ênfase nas questões construtivas, também modelos de decoração de abóbadas e
cúpulas e telhados de torre de construção leve.
233
possuíam. Nas listas da biblioteca de Rodrigo Franco, Caetano Tomás e Eugênio dos Santos
existem, da tratadística espanhola, a obra "De varia commensuracion para la escultura y
arquitectura”, de Juan d'Arphe (1535-1603)
137
, trabalho baseado num tipo de tratadística
desenvolvida pelos textos maneiristas. Nos títulos dedicados à arquitetura militar surgem
várias obras, de autores de proveniência diversa; dentre eles destacam-se: Antônio de Vílle,
Vauban, Medina Celi, e Cristovão de Roxas, entre outras menos importantes que demonstram
a polivalência de títulos de posse desses arquitetos.
No que se refere à tratadística francesa , ela apresenta-se nas listas dos inventários
com publicações dos séculos XVII e XVIII. Entre as listas analisadas, a biblioteca pertencente
a Rodrigo Franco é a que mais obras apresenta desta origem. Encontramos na sua listagem a
presença de acadêmicos como Félibien des Avaux (1619-1695)
138
, que publica em 1668
“Entretiens sur les vies et sur les ouvrages des plus excellens peintres anciens et modernes” e
em 1681 "Mémoires pour servir à l’histoire des maisons royales”; a obra de Florent le Comte
139
“Cabinet des singularitez d'architecture, peinture, sculpture et gravure”; e por fim a obra
de Antoine Le Pautre (1621-1679)
140
Desseins de plusiers palais. Le Pautre foi um
137
Joan de Arphe y Villafane (1535-1603): prateiro e escultor. Publicou seu tratado “De varia commensuracion
para la escultura y arquitectura” em Sevilha em 1585. Dividide-se em: Livro primeiro, As figuras geométricas;
Livro segundo, As proporções do corpo humano; Livro terceiro, As formas de animais e aves; Livro quarto,
Arquitetura e peças de igrejas. Esses livros tiveram várias edições posteriores. No seu tratado, seu principal
objetivo é ensinar o ofício da escultura e da arquitetura. No livro referente à arquitetura o autor faz um breve
mais bem feito resumo das ordens, baseado em Serlio, e bastante influenciado pelo plateresco, estilo escultórico
desenvolvido nas fachadas das igrejas espanholas barrocas, demonstrando seu interesse pela decoração.
138
André Félibien des Avaux (1619-1695): diplomata, historiador e teórico de arte francês que na sua carreira
publicou três tratados: “Des principes de l’architecture, de la scupture, de la peinture et des autres arts qui en
dependent avec un dictionnaire des termes propes à chacun de ces arts” (1676), “Entretiens sur les vies et sur
les ouvrages des plus excellens peintres anciens et modernes” (Paris, 1668) e “Mémoires pour servir à l’histoire
des maisons royales” (Paris, 1681). Acadêmico e amante da ortodoxia francesa, Félibien foi um defensor
convicto do cumprimento das regras à moda antiga. Defendeu nos seus trabalhos a utilidade enquanto
fundamento da beleza e a proporção enquanto garantia estética da utilidade, o que o aproxima das correntes do
século XVIII.
139
Florent Le Comte (incógnito): arquiteto francês que publica seu tratado “Cabinet des singularites
d'architecture, peinture, sculpture et graveure” (3vol.), pela Édition Picart e Leclec, em Paris entre 1699 e 1701.
Trata-se de outro acadêmico da Escola Francesa, vinculado ao respeito decoroso ao passado clássico e à
racionalidade ortodoxa na base da produção da boa arquitetura.
140
Antoine Le Pautre (1621-1679): famoso arquiteto parisiense, publicou seu tratado “Desseins de plusiers
palais” (1652?1653?) como um livro de lâminas com um breve prefácio por todo o texto. Os desenhos são
234
arquiteto pertencente à geração de Mansart 91598-1666) e Le Vau (1612-1670)
141
e que,
embora nunca tenha atingido a notoriedade destes, não deixou de ser, nas suas obras, um dos
bons intérpretes da arquitetura italiana temperada pelas regras do classicismo, entendidas, no
entanto, com uma certa flexibilidade, patente no volume de gravuras que publica em 1652.
Rodrigo Franco ainda possui um trabalho de Leclerc (1637-1714)
142
, que embora não
descriminado, provavelmente deve tratar-se do "Traité de géometrie”, publicado em 1690, já
que seu inventário é de 1763, e que aparece também nas listas de tratados da Biblioteca da
Academia das Belas Artes de Lisboa. Esse tratado proporcionava uma excelente instrução
para a construção geométrica das figuras e traçados arquitetônicos e teve uma grande
aceitação no seu tempo pelos estudantes de arquitetura e engenharia, já que o seu método
propiciava o estudo sem a aprendizagem acadêmica.
Quanto a tratadística setecentista, há destaque para um dos mais famosos tratadistas
franceses do período, Jacques-François Blondel (1705?1708?-1774), cuja obra "Cours
d’architecture”
143
(Figura 138) é referenciada na lista de Eugênio dos Santos, não se
concretizando se será este ou um seu outro trabalho, “Architecture françoise”, que Caetano
Tomás tinha, pois não há referência específica. Nesta última obra, Blondel, partidário da
importância das proporções como fonte de verdadeira beleza, analisa-as e compara-as com a
compostos por diversos modelos ideais para castelos, casas burguesas (chamadas hôtels), portas, fontes, tetos e
ornamentações.
141
François Mansart (1598-1666) e Louis Le Vau (1612-1670) correspondem aos principais arquitetos barrocos
franceses, responsáveis pelas obras no Palácio e Jardins de Versalhes. Suas obras associam-se, pois, ao reinado
de Luís XIV (1643-1715), e tomam como princípio a revelação da autoridade real no plano urbano e
arquitetônico, sendo denominadas pelos críticos como parte do “classicismo francês” (SUMMERSON, 1986,
p.11).
142
Sebastian Leclerc (1637-1714): publicou vários tratados, como “Pratique de la géometrie sur le papier et sur
le terrain” (Paris, 1669), “Pratique de la géometrie” (1669) e “Traité de géométrie” (1690), os dois últimos
referentes à Geometria. Posteriormente à sua morte foi publicado, ainda dentro do século XVIII, o “Traité de
géometrie théorique et pratique a l’usage des artistes” (Paris, 1764), uma versão rica em estampas e estruturada
nas idéias defendidas nos seus tratados anteriores de Geometria sobre a importância da disciplina na arquitetura e
nas ciências afins.
143
Jacques-François Blondel (1705?1708?-1774): gravurista e arquiteto, teve sua École des Arts reconhecida
pela Academia Real de Belas Artes em torno de 1740. Blondel publicou, pela Chas. Ant. Jombert seus dois
tratados: “Architecture françoise” (4vol., 1752-1756) e “Cours d’architecture ou traité de la décoration,
distribution & construction des bâtiments” (6vols., 1771-1777).
235
sua aplicação em diversos edifícios existentes. Na biblioteca de Eugênio dos Santos e de
Caetano Tomás existem ainda referências a uma obra do Arquiteto e Decorador Ferdinando
Galli-Bibiena (1657-1743)
144
, “Architettura Civile, de 1711, trabalho inovador em termos
da construção da relação entre a arquitetura e a perspectiva e da sua aplicação ao desenho.
Também se destacam nas listas de Rodrigo Franco a obra de Germain Boffrand (1667-1751)
145
, “Livre d’architecture”, editado em 1745 (Figura 139). De origem francesa ainda
aparecem, na biblioteca de Eugênio dos Santos, várias obras de Geometria e Matemática,
ligadas a nomes como Belidor
146
, além de várias publicações iconográficas.
Na biblioteca de João Frederico Ludovice aparecem vários maços de desenhos e
gravuras de diferentes pintores, desde Rafael (1483-1520), Ticiano (1477-1576), Veronese
(1528-1588) e Tintoretto (1512-94) a Anibal Carraci (1560-1609). Ao lado deste grupo de
pintores, surgem gravuras de artistas já barrocos como Agostinho Mitelli (1609-1660) e
Cortona, ou de contemporâneos da corrente mais classicizante como Ciro Ferri (1634-1689),
Carlos Maratti (1625-1713), Romanelli e mesmo trabalhos do anti-barroco Andrea Sacchi.
Ludovice também tinha duas obras dos maneiristas tardios Lomazzo e Giovani
Baglione (1573-1644), importantes tratadistas do final do século XVI e início do século
XVII. O primeiro publica o “Trattato dell’arte della pittura, scultura et architettura” em
144
Ferdinando Galli Bibiena (1657-1743): arquiteto e cenógrafo italiano; publicou seu tratado “Architettura
civile” em Parma em 1711, com estampas que contribuiram para a difusão do gosto tardo-barroco na Europa, em
especial no tema da arquitetura efêmera.
145
Germain Boffrand (1667-1754): arquiteto francês, inicialmente trabalhou no Departamento de Edifícios
Reais sobre a direção de Jules Hardouin-Mansart (1645-1708). Com a morte deste, entrou para a Academia Real
de Arquitetura. Conservador, converteu-se, ao longo da sua carreira, num líder sobre o debate teórico na
Academia e foi um dos primeiros arquitetos a defender que a forma adequada a um edifício depende muito mais
do seu “caráter próprio”, ou seja, da resposta funcional. Boffrand destacava-se por ser um homem ligado ao
Classicismo e ao respeito pelas proporções, que considerava absolutamente indispensáveis. Era ávido defensor
dos métodos utilizados no Renascimento, que no seu entender eram tidos como os mais corretos. A sua obra
conhecida pode ser classificada como tendo exteriores que são construídos sobre um classicismo exuberante e
monumental e que tem na sua decoração as lições de um rococó refinado. Seu tratado “Livre d’architeture”,
publicado em Paris em 1745, estrutura-se num grande número de gravuras de modelos arquitetônicos, além de
considerações sobre o problema da decoração e de sobreposição de ordens.
146
Bernard Forest de Belidor (1698-1761): engenheiro militar e civil francês. Seu tratado “Science (la) des
ingenieurs dans la conduite des travaux de fortification et d’architectura civile” (Paris, 1729) foi publicado
constando de diversas estampas.
236
1584 e "Idea del tiempo della pittura” em 1590, obras acadêmicas, ao mesmo tempo anti-
racionalistas e anti-caricaturais do Maneirismo. Ludovice possui também um texto do já
citado teórico francês Jacques Androuet du Cerceau
147
, sendo provável ser o tratado “Livre
d’architecture”, de , pois é referido como “Tratado de arcitetura de Jaques Androuet...”
(BONIFÁCIO, 1990, p.300).
Dos tratados barrocos propriamente ditos, Ludovice possui o “Perspectiva Pictorum et
Arquitectorum” de Andrea Pozzo (Figuras 140 a 142), o livro de iconologia de Cesare Ripa
(1560?-1625?)
148
, editado em 1603, e a obra de Fontana sobre o Vaticano, dos quais deriva
grande parte da decoração barroca, além de um dos Álbuns de Montano
149
que, segundo
vários especialistas portugueses que estudaram as listas do inventário de Ludovice, deveria
tratar-se do texto “Tabernacoli, tempetti, ornamenti, capriciosi”, de 1580, que alcançou
grande sucesso no século XVI na Itália, como vimos, e que foi bastante utilizado por muitos
artistas barrocos como fonte de inspiração.
Em contraponto a essa literatura barroca, estão presentes, também, nas listas de
Ludovice, títulos relacionados aos acadêmicos já citados, como François Blondel e D’Aviler,
e os clássicos utilizados por toda a Europa no período: Vitruvio, Alberti, Serlio, Palladio,
Vignola, Scamozzi, cujas obras se mantêm, como já salientamos, durante todo o século XVIII
como referências obrigatórias a qualquer prática arquitetônica.
Também encontramos em seu inventário diversos volumes de iconografia italiana e
francesa, de edifícios, de jardins e de outros elementos arquitetônicos e decorativos,
publicados ao longo do século XVII. Também existe na sua biblioteca uma lista bastante
147
Ver nota 131.
148
Cesare Ripa (1560?-1625?): membro da Accademia dei Filomati e degli Intronati, em Siena. Publicou, em
1593, o tratado “iconologia overo descrittione dell’imagini universali cavate dall’antichità et da altri luoghi”,
publicado em Roma. Este tratado representou um compêndio de importante difusão da iconografia religiosa e
moral ao representar, para cada verberte alegórico, um texto explicativo e uma imagem correspondente, que
passaram a ser utilizados no mundo contra-reformista.
149
Ver nota 132.
237
completa da tratadística produzida no século XVII, ligada às mais importantes discussões e
temáticas do período sobre o problema da racionalidade na arquitetura.
Quanto às obras em português, como já comentamos anteriormente, a produção oficial
era francamente escassa e focada exclusivamente nos tratados de engenharia e arquitetura
militar, como os já comentados “Método Lusitano” de Luís Serrão Pimentel e O Engenheiro
Português de Manuel de Azevedo Fortes, que foram os textos mais significativos e
importantes do período, na área de engenharia em Portugal. Estranhamente, na biblioteca de
Ludovice estes títulos não aparecem, estando presentes nas listas das bibliotecas de Rodrigo
Franco e Caetano Tomás.
Entre os demais títulos em português, ainda aparece o trabalho escrito pelo Padre
Ignácio da Piedade Vasconcellos, “Artefactos symmetriacos, e geometricos, advertidos e
descobertos pela industriosa perfeição das artes, esculturaria, architectonica, e de pintura”
(ver Figura 16b), publicado em Lisboa em 1733, ao qual Paulo Varela Gomes (1990-1992)
dedicou uma longa análise. Escrito por um padre erudito nascido em Santarém, esse tratado
sobre artes e arquitetura portuguesas é composto de quatro livros. O seu primeiro livro trata
do corpo humano, o segundo da Mitologia e Iconografia, o terceiro – e que aqui mais nos
interessa –, trata de arquitetura civil, sendo o quarto tomo dedicado aos problemas da
hidráulica.
Única obra diretamente ligada ao problema da arquitetura publicada em Portugal
durante todo o século XVIII, o tratado do Padre Inácio da Piedade Vasconcelos (1676-1752)
150
nos parece particularmente importante por ter circulado amplamente no Brasil, como
demonstrou o trabalho de Nireu Cavalcanti (2004). Dentro do quadro vigente sobre o papel da
150
Inácio da Piedade Vasconcelos (1676-1752): padre conhecido, sobretudo, pelo seu tratado, também escreveu
uma publicação memorialista intitulada “História de Santarém edificada”, de 1740. Segundo alguns estudos,
também teria sido escultor. Cyrillo Volkmar Machado registra a lembrança das suas figuras de grandeza natural.
A. de Carvalho atribui-lhe o conjunto de imagens da fachada da igreja dos Jesuítas de Santarém, executadas por
volta de 1711.
238
arquitetura no seu tempo, podemos iniciar dizendo que o Padre Inácio da Piedade
Vasconcelos, durante a sua exposição sobre arquitetura civil no Livro III, não define bem o
valor intelectual dado ao problema arquitetônico. Segundo seu raciocínio na introdução desse
livro, ele limita a questão da Arquitetura ao problema das cinco ordens e dirige à engenharia o
problema da técnica construtiva. Segundo suas palavras:
Quando eu dey principio a este Tratado de Arquitectura, confesso que não fazia
tenção de sahir dos limites das cinco ordens, medindo curiosamente o seu pelas
suas partes, e não me meter a edificar Templos, e fortificar edifícios, porque me
parece dirião que isso mais pertence ao prático, que ao especulativo; e que mais he
para os Mestres que normalmente trabalhão nas obras, que para os que somente se
exercitam nas leituras desta Arte; e por este sentido entendo me poderão arguir,
não os Mestres desta faculdade, mas alguns peripatéticos, que muitas vezes não
sabem materialmente o que obrão [...].” (VARELA GOMES, 1990-1992, p.150)
Esse raciocínio desvirtua completamente o conceito renascentista de Arquitetura e
demarca, pelo que parece, os limites específicos do conhecimento ligado à Engenharia e à
Arquitetura focados num quadro que diz respeito à realidade existente em Portugal durante o
século XVII. Neste sentido, como acredita Varela Gomes,
[...] a posição assumida pelo Padre Inácio da Piedade é absolutamente
característica da situação em que se viu enredada a cultura arquitectónica europeia
desde o classicismo académico francês do século XVII. De facto, a empresa
essencial a que meteram ombros Félibien (1619-95), François Blondel (1628-88),
Charles Perrault (1619-1703), e seu irmão Claude (1613-1688), Jean Louis de
Cordemoy (act. 1709-1712), entre outros tratadistas, foi a de submeterem a
arquitectura à cultura literária, em primeiro lugar, e à episteme clássica, em
segundo lugar, arredando-a da posição específica e singular que ocupara no
Renascimento. (VARELA GOMES, 1990/1992, p.150)
Neste sentido ao definir no seu tratado o lugar da Arquitetura como o das “cinco
ordens”, o Padre Inácio Vasconcelos define a cultura arquitetônica praticada em Portugal
durante o século XVII como uma cultura mais ligada à tradição da prática efetuada através de
uma habilitação passada de pai para filho, herdada do saber corporativo dos mestres-pedreiros
desde o século XVI; ou seja, ligada mais a idéia de “fábrica” – presente na idéia de arquitetura
vigente desde o Medievo – e mais profundamente influenciada pela Geometria do que pela
239
valorização da Arquitetura como um conceito de “idéia”, e por isso reduzida ao problema de
como usar as “cinco ordens” na parte especulativa dos edifícios, como ele coloca
151
. Por
outro lado, nas suas exposições sobre Arquitetura, o autor posiciona-se favoravelmente à
crença de uma arquitetura superior ligada à supremacia da Geometria e à utilização das
ordens. Assim, o autor apresenta as regras práticas de composição geométrica à semelhança
de alguns tratados seiscentistas, entre esses principalmente o já citado tratado de Juan de
Arphe e Villafane, “De varia commensuracion para la escultura y arquitectura”
152
, de 1587,
no qual o autor baseia-se para o desenho das ordens.
Na defesa dos princípios de composição clássica, Padre Inácio cita autores
consagrados, particularmente Vitruvio, Serlio, Vignola (Figura 143) e Scamozzi (Figura 144).
Adepto por princípio ao regresso em Portugal de uma cultura arquitetônica ligada ao
Classicismo quinhentista como única fórmula de ultrapassar a arquitetura chã do século XVII,
o autor, no entanto, não escapa aos paradigmas do seu tempo ao demonstrar aceitar certas
“bizzarias” ligadas “ao moderno” nas suas concepções artísticas. Dentro dessa tolerância,
nosso tratadista aceita ainda uma flexibilização das regras clássicas de composição das
ordens, numa atitude próxima da tratadística maneirista ou mesmo de alguma contribuição
trazida no século XVII para a arquitetura. Segundo as palavras do próprio Padre Inácio,
[...] em frontespicios, para mais bizarria, a fachada, sendo a sua elevação de muita
altura se poderá seguir com todas as columnas das cinco ordens, que para mostrar
mais luzimento, e formusura não será defeit ... O Padre Fr. Lourenço de S. Nicolao,
Hespanhol de naçao, na sua primeira parte da Arte e uso da Architectura, capitolo
cincoenta e seis, aonde trata das fachadas dos frontespicios, seguindo a Vitrúvio, e
a Sebastião Serlio, diz, que a variedade, quando está bem ajustada, cauza à mesma
Arte mais formusura; e sendo as cinco ordens cada huma por si, o respeito das suas
partes, hum todo, do qual se pode adornar hum edificio, tambem de todas as cinco
151
Dentro do mundo português, a tradição da “idéia” (projeto) como moldaram os teóricos renascentistas como
Alberti, intelectualizada e anterior à obra (fábrica), nunca foi totalmente assimilada pelos mestres-pedreiros,
carpinteiros, canteiros, etc... Neste sentido, para enumerar a dificuldade de aceitar essa cultura, basta comparar
que, enquanto um carpinteiro alemão ou francês, que também trabalhava casas em gaiola, fazia um projeto de
encaixes das peças, para trabalhar as mesmas no plano e depois somente montar a gaiola, o carpinteiro português
preferia ir cortando a peças e fazendo os encaixes a partir da construção da gaiola.
152
Ver nota 137.
240
ordens se pode fazer hum corpo, com tal perfeição e harmonia, que todas juntas
descubrão mais o graciozó da Arte e do seu Artifice [...]. (VASCONCELOS, 1733,
p.375)
No entanto, o que torna importante esse trabalho, dentro da conjuntura da cultura
arquitetônica do seu tempo, é o fato de ter trazido à luz a mentalidade vigente em Portugal
durante os anos de 1650 a 1730. Sua posição prova que dentro do padrão estético e formal da
arquitetura havia a aceitação da coexistência da “ordem” com a “bizarria”, sendo que essas
duas vertentes podiam excluir-se ou complementar-se. Essa tolerância de convivência entre
propostas formais tão distintas, como acredita Paulo Varela Gomes (1989), é que justificaria,
no período entre 1650 e 1770 em Portugal, a produção de edifícios tão diferentes da tradição
portuguesa como: o Convento de Mafra (1717), a capela de Nossa Senhora de Guadalupe em
Braga (1717), a capela-mor da Sé de Évora (1718), a igreja dos Clérigos no Porto (1732),a
igreja do Santuário do Senhor Jesus da Pedra em Óbidos (1739), a igreja do Santuário de
Nossa Senhora de Aires em Viana do Alentejo (1743), a igreja da Ordem Terceira do Carmo
no Porto (1756; Figura 145) ou a igreja de Santo Antônio à Sé (1767; Figura 146), além de
coexistir ao mesmo tempo, tanto a exuberância barroca da talha dourada, como a da
decoração escultórica em pedra ou em estuque no Norte.
Assim, esse tratado tornou-se com o tempo, um dos documentos mais relevantes da
cultura arquitetônica vigente em Portugal no século XVIII, ao lado de outros tratados não
oficiais, que não aparecem em nenhuma lista das bibliotecas eruditas, mas que circulavam em
Portugal durante os séculos XVII e XVIII, como acontecera com o tratado manuscrito do
Mestre Mateus do Couto
153
, já comentado anteriormente, e o livro de Valério Martins de
Oliveira, “Advertências aos modernos que aprendem o ofício de pedreiro e carpinteiro”,
153
Ver nota 86.
241
publicado em 1748, e o “Tratado de Arquitectura” do Mestre-pedreiro Paulino José Pereira
154
, escrito no segundo quartel do século XVIII.
O tratado manuscrito do Mestre-pedreiro lisboeta Valério Martins de Oliveira,
“Advertências aos modernos que aprendem os ofícios de pedreiro e carpinteiro”, publicado
entre 1739 e 1748, conta-nos sobre uma outra face da cultura arquitetônica vigente em
Portugal durante o século XVIII, ligada a uma outra camada social do ramo da arquitetura e
construção civil. Esta, ao contrário da tradição das Academias, traz consigo o legado da
tradição prática do ofício. Esse manuscrito, produzido no âmbito da Irmandade de São José
dos Carpinteiros e Pedreiros, a que Valério Martins aparece vinculado, apresenta-se, segundo
a análise de Rafael Moreira, como
[...] um guia utilitário do construtor civil pré-pombalino (de êxito testemunhado
pelas sucessivas reedições até o século XIX) que recolhe os elementos de geometria
aprendidos na aula do jesuíta Manoel de Campos, indicações práticas e o essencial
da legislação urbana, terminando por uma ingénua descrição em redondilha da
obra de Mafra que o autor consirera o non plus ultra da arquitectura. (MOREIRA,
1989b, p.493)
Esse mesmo manuscrito, segundo a análise de Varela Gomes (2001) é bastante
influenciado pelo tratado do espanhol Diogo de Sagredo, “Medidas del romano”
155
,
publicado pela primeira vez em 1526 e que foi o primeiro texto da Península Ibérica onde
foram impressas as palavras “arquiteto” e “arquitetura” (Figura 147). Segundo o mesmo
Varela Gomes (1992), a utilização no meio dos mestres-pedreiros lisboetas, em pleno século
XVIII, de um tratado seiscentista, por si só já seria um fato extremamente expressivo para o
estudo da cultura arquitetônica desses profissionais, e indicaria sua preferência pela
154
Embora os tratados destes mestres-de-ofícios sejam conhecidos, as referências pessoais sobre a formação e a
produção de Paulino José Pereira e Valério Martins de Oliveira, são insuficientes. As poucas existentes devemos
ao trabalho de pesquisadores como Rafael Moreira (1989a) e Varela Gomes (2001).
155
Ver nota 100.
242
permanência de uma tradição que ignorava os tratados clássicos, de gosto e erudição
italianizante.
No entanto, é preciso considerar a escrita em idioma castelhano como um fator que
pode ter facilitado a assimilação desse tratado de Sagredo como base para os escritos do
Mestre Valério e de outros mestres-pedreiros em Portugal, como por exemplo o manuscrito
chamado “Tratado de arquitetura”, escrito pelo Mestre-pedreiro Paulino José Pereira, dentro
do mesmo receituário do de Valério e de algumas colocações feitas pelo Padre Inácio
Vasconcelos.
Segundo a análise do Professor Rafael Moreira sobre esse manuscrito, talvez ele não
passasse de um
[...] simples caderno não destinado a público, a referência a Scamozzi e Palladio e
o “Compendio das 5 ordes da arquitetura de Jacomo Barroso de Binolla” (sic) não
deixam dúvida quanto ao alargamento da teoria arquitectónica a meios
profissionais mais populares na Lisboa de D. João V. (MOREIRA, 1989b, p.493-
494)
De acordo com Varela Gomes (1992), a ligação dessa categoria, entretanto, com uma
formação menos teórica e mais prática pode ser evidenciada no elogio que o manuscrito do
Mestre Valério faz à Geometria como arte e técnica fundamental para o exercício profissional,
numa época em que, no panorama arquitetônico da Europa ocidental, essa definição já estava
superada, prevalecendo o discurso sobre o papel das ordens na construção da arquitetura.
Este gosto pela Geometria relacionado aos mestres-pedreiros talvez seja explicado
pela própria estrutura do tratado de Sagredo. Este é quase exclusivamente um tratado de
análise de formas e medidas que devem ter os elementos arquitetônicos, como cornijas,
colunas, capitéis, bases, entablamentos e suas relações proporcionais via geometria, reduzindo
o problema da arquitetura apenas às relações sintáticas derivadas do emprego do vocabulário
clássico. Neste sentido, para Carlos Olmos, citado por Juan Antonio Ramirez em “Edifícios e
sueños” esse tratado “[...] em muitos aspectos, é o elo de ligação que une o critério
243
vitruviano-albertiano com o mito serliano-vignolesco.” (OLMOS apud RAMIREZ, 1991,
p.105)
156
Escrito por um autor espanhol, influenciado pela prática comum da arquitetura
plateresca do período, mas nem por isso menos ligado ao problema normativo da utilização
das ordens, esse tratado pode ter sido também preferido pelos mestres-de-obras portugueses
por ser menos rígido em relação às proporções do que a tratadística italiana. Para uma cultura
arquitetônica pouco afeita a esse vocabulário, isso podia ser considerado uma vantagem sob o
ponto de vista de sua utilização prática. A obra era “fabricada” no mesmo processo em que ia
se configurando o “projeto”, o que demonstra que não se havia assimilado ainda a
diferenciação surgida no Renascimento, que colocava a primazia do “projeto” sobre a
“fábrica”
157
, logo a utilização da erudita tratadística clássica poderia ser mais complexa,
incluindo aí também o problema do idioma. Neste sentido, segundo nos informa Varela
Gomes (1992), até o século XVI, dentro da história da arquitetura portuguesa, essa tradição
manteve-se, mesmo dentro dos projetos renascentistas executados durante o reinado de D.
João III. Segundo a análise do crítico português,
São experiências inovadoras que só podem explicar-se pelo facto de não existir uma
cultura “experimental”, aquela que estabelece primeiro uma hipótese (um modelo
tratadístico, por exemplo) e depois a testa na prática, mas uma cultura
“experiencial” caracterizada pelo facto de a experiência em si ser o quadro e o
horizonte dos actos. Experimentando novos tipos e novas soluções planimétricas e
volumétricas, os Mestres manuelinos e Renascentistas agiam como se, de cada vez,
toda a arquitectura estivesse a ser inventada de novo [...]. (VARELA GOMES,
1992, p.27)
156
[...] en muchos aspectos, es el eslabón intermedio que une el critério vitruviano-albertiano con el mito
serliano-vignolesco.
157
Ver nota 151.
244
Somente com a vinda de Arquiteto italiano Filippo Terzi
158
para Portugal essa cultura
ligada aos mestres-de-obras foi em parte abalada, tendo sido as idéias ligadas ao ato projetual
,enfim, implementadas anterior e independentemente da prática. Essa idéia, entretanto, só
ganhou força porque foi encampada e fortalecida com o surgimento das Aulas de Arquitetura
do Paço da Ribeira, que rompeu com a hegemonia da tradição prática reinante.
Essa novidade, pelo que parece, foi um grande diferencial no século XVI em Portugal,
como informa uma carta de Filippo Terzi publicado por Maria C. P. Coelho (1987) na sua
obra dedicada ao estudo da arquitetura no reinado de D. João III, “A igreja de Conceição e o
claustro de D. João III do Convento de Tomar”. Segundo a pesquisadora, Terzi afirma: “[...]
Ganhei algum crédito aqui por fazer tantas obras sem ter que mudar coisa alguma, pequena
ou grande, em relação àquilo que ordenara no início; e como neste Reino não era hábito
acerca-se assim com o que estava previsto, maravilharam-se [...]” (TERZI apud COELHO,
1987, p.402). Essas afirmações demonstram que, até pelo menos a vinda de Filippo Terzi para
Portugal, a idéia do projeto anteceder a construção não existia na tradição portuguesa, e isso
demonstra uma cultura arquitetônica baseada na tradição de um saber prático estranho à idéia
da tratadística.
Dentro desta tradição, “variação” ou “invenção” de tipologias não tinham nenhum
sentido prático e funcional. Segundo o entendimento que pesquisadores como Rafael Moreira
e Paulo Pereira (1988), a cultura ligada aos mestres-pedreiros em Portugal seria, num primeiro
momento, radicalmente contra as novidades estabelecidas pelo Renascimento italiano, sendo
que, para esse enfretamento conceitual, os mestres-pedreiros não se recusavam a recorrer ao
Gótico, ao Românico e até às arquiteturas exóticas para defenderem a sua tradição.
158
Filippo Terzi (1520-1597): arquiteto e engenheiro militar nascido em Bolonha. Migrou para Portugal em
1590, atuando, principalmente, na região das Beiras. Dentre as obras em que participou temos o Palácio Real e a
Basílica de São Vicente de Fora, em Lisboa, a igreja de São Francisco, em Évora, o Castelo de Setúbal, e, sua
obra-prima, o claustro do Convento de Tomar.
245
Num segundo momento, essa tensão teve de ser diluída a partir de uma convivência
quase obrigatória com a tratadística clássica, que não dependia da vontade dos mestres-
pedreiros no dia-a-dia da vida prática da obra em execução durante todo o século XVII. Num
“apontamento”
159
referente à conclusão das obras de arquitetura da igreja de São Nicolau no
Porto, arrematada em 1675 pelo Mestre-de-pedraria Marcos Gonçalves, citado por Joaquim
Jaime Ferreira-Alves, podemos comprovar esse contato obrigatório (Figuras 148 e 149):
A portada de ordem coríntia, tendo de “luz” dez palmos de largura e vinte palmos
de altura, seria formada por duas colunas e duas “cartellas” (quartelas ou
quartelões), que “acompanham na forma da trassa estas colunas”, tudo de ordem
coríntia. As colunas de capitéis coríntios teriam os fustes até ao primeiro terço
lavrados e dos “lassos” (laço= a anel do fuste) para cima estriados, com suas
meias canas”. Por detrás de cada coluna levaria um “trespillar” (pilastra) com
capitéis dórico, cujas “vazas andarão com as vazas das colunas que seram da
mesma ordem corintea”. Tanto os “trespillares” como as colunas seriam
almofadadas. Os padrastros das colunas teriam as suas “sotasbazes e o
embazamento em baixo e em sima das sotasbazas na forma que traz Jacomo de
Villona, (Giacomo Barrozzi da Vignola – Regola delli cinque ordini d’architettura),
as folhas vinte e três e vinte e coatro e este embazamentos e sotabazes seram todos
coridos sem serem picados de folhas. (FERREIRA-ALVES, 1992b, p.48)
Dentro desse quadro, a tratadística clássica acabou tendo que ser assimilada pela
cultura dos mestres-pedreiros, pelo menos nos que diz respeito à arquitetura, a partir da
valorização de um denominador comum entre essas duas culturas que foi a Geometria.
Pertencente a essas duas culturas, a Geometria conseguia ser um instrumento prático
que permitia simultaneamente controlar a obra, tanto na fase de projeto como na construção.
Neste sentido, coube ao mestre-de-obras de D. Sebastião, Antônio Rodriguez, como informa
Varela Gomes (1992), a tarefa de trazer para dentro do conservadorismo português o
humanismo arquitetônico possível, criando, num tratado manuscrito por ele, uma justificativa
conceitual que conciliasse os métodos projetivos tradicionais e o saber intelectual da
159
Apontamento: documento expedido em duas vias, onde se anotavam as especificações estáticas e detalhes da
obra arrematada; depois de registrado em Cartório Notarial, uma via ficava em posse do arrematante e uma outra
com o contratante, a fim de fiscalizar a perfeição do serviço e servir de base legal para qualquer desentendimento
entre as partes.
246
arquitetura. Baseado na utilização dos traçados reguladores, que o uso da ferramenta da
Geometria permitia, e vinculado ao gosto pelas formas rígidas da tradição arquitetônica
portuguesa,
O tratado de António Rodrigues é incompreensível sem o Humanismo mas não é um
tratado humanista; o saber medieval dos mestres de obra transforma-se nele em
saber especulatico geométrico-cosmológico e a geometria reverte em codificação
dos métodos de projecto tradicionais. O “estilo chão”, aquilo a que em Espanha,
relativamente ao século XVI, se chamou já a traça sem estilo (F. Marias, 1990),
ganhou a sua teoria.
Mas não se tornou por isso um “estilo”, ou seja, um conjunto de traços formais
separáveis da sua prática de cada momento. Passou a ser, isso sim, uma teoria-da-
obra, que sobreviveu à Aula do Paço da Ribeira [...]. (VARELA GOMES, 1992,
p.31-32)
Dentro dessa tradição dos mestres-pedreiros portugueses, esse gosto do uso da
Geometria e dos traçados reguladores como norma de traça arquitetônica é provado com
maior precisão, no trabalho do pesquisador Rui Maneira Cunha (2003), em sua análise dos
monumentos da cidade de Monsaraz (Figuras 150 e 151). Esse pesquisador, analisando as
relações métricas e de Aritmologia
160
entre os muitos monumentos lá existentes, como a
igreja de São Bento (de finais do século XVI), demonstra o uso do sistema craveiro como
medida padrão de proporcionalidade do traçado regulador e dos elementos arquitetônicos
presentes na traça do edifício.
Entretanto, a maior prova desse raciocínio, já defendido anteriormente por Varela
Gomes (1992), é o manuscrito do tratado do Mestre-pedreiro lisboeta Valério Martins de
Oliveira que, como vimos anteriormente, defendia as bases dessa cultura tardiamente, na
metade do século XVIII. Dentro desse quadro, esse tratado demonstra que, no segundo plano
das diversas tendências estilísticas estrangeiras que inundaram Portugal no reinado de D. José
I e D. João V e mesmo nas obras não oficiais, houve sempre uma constante de
conservadorismo presente na cultura arquitetônica em Portugal, ligada principalmente ao
160
Do francês “aritmologie”: significa símbolo da geometria e dos números, deriva do conhecimento
matemático de Pitágoras.
247
segmento dos mestres-pedreiros que muitas vezes, quando tiveram força, não aceitaram os
“modernismos estrangeiros” em suas obras, e resistiram como puderam enquanto um
segmento conservador, importante e vigoroso dentro do panorama cultural português do
século XVII e XVIII.
Por sua importante contribuição ao estudo da cultura arquitetônica do século XVIII em
Portugal, os textos avulsos e o tratado manuscrito de Cyrillo Volkmar Machado “Tratado de
Arquitectura e Pintura” (2001), escrito no final do século XVIII, vão merecer de nossa parte
uma análise mais apurada.
Ciryllo Volkmar Machado (1748-1823) é o último dos tratadistas portugueses aqui
analisados. Além de ter sido o primeiro historiador de Arte em Portugal, compilando uma
extensa coleção de biografias e obras dos artistas portugueses do século XVIII e seus
predecessores, também foi pintor, memorialista e tratadista de Arte e Arquitetura.
Entre seus escritos mais significativos estão “Coleção de memórias, relativas às vidas
dos pintores, e escultores, architetos, e gravadores, que estiverão em Portugal recolhidas, e
ordenadas por Cyrillo Volkmar Machado, pintor ao serviço de S. Magestade. O SENHOR D.
JOÃO VI”, publicada em 1823 em Lisboa, e alguns manuscritos pertencentes atualmente à
Academia Nacional de Belas Artes, em Lisboa, como “Algumas reflexões sobre as
incoveniecias da Architectura escritas aos 21 de junho de 1793 aos 45 annos da minha vida”
e o “Tratado de Arquitetura e Pintura”, escrito em Mafra entre 1796 e 1808 e que foi
publicado recentemente, pela sua importância documental, pela Fundação Calouste
Gulbenkian (2001). Nestes dois últimos textos, Machado dispõe uma série de conceitos sobre
os valores em voga na cultura arquitetônica do último quartel do século XVIII em Portugal
que nos parecem altamente relevantes para a nossa pesquisa, tanto no que se refere à
formação dos artistas e arquitetos como aos problemas referentes à atuação profissional.
248
Machado, nos seus escritos, também não deixa de tomar posição frente às principais
polêmicas arquitetônicas do seu tempo, e mesmo de criticar posições que considerava
equivocadas para a prática da boa arquitetura. No texto de 1793, estudado por Varela Gomes
(1992) no já citado “A confissão de Cyrillo”, o erudito Cyrillo Volkmar Machado inicia suas
considerações sobre arquitetura a partir da sua conceituação sobre a atividade desse
profissional e os problemas no seu tempo:
Os que são iniciados nos mistérios das Bellas-Artes sabem que os princípios
d’Architectura são comuns à pintura e que a verdadeira ideia de beleza assim no
dezenho como na composição o grande pintor possue quase exclusivamente; que o
gosto e o génio esquisito sem o qual se não pode crear hum bello quadro são
requizitos indispensáveis também ao bom Architecto.
Os melhores pensamentos de
hum architecto são mentaes, expressos se fazem visíveis pelo dezenho. A obra que
executa hum Mestre he palpavel – e a ignorância que he cega reputa naturalmente
por nada o que não vê e por tudo o que palpa e toca; daqui nasce que se gasta
muito e com gosto no material quando apenas e com hum desgosto se dá alguma
coisa a quem faz o dezenho, que se preza muito o mestre e que se despreza assaz o
architecto.
Mais ainda o mais disparatado dezenho de hum impostor pode aos olhos
imperspicazes parecer tão bom e agradável como o de hum Paladio e estes enganos
e aparências que fazem a fortuna dos charlatões [são] o flagelo dos Architectos
tanto mais quanto os praticos achão melhor à sua conta em aprovar os supostos
desenhos dos impostores que eles dominão e emendão do que serem mandados por
homens sábios que vêem os seus erros e que não têm complacências nem
liberalidades.
O pratico que ensina o Architecto se crê sem razão superior a elle, protesta que na
primeira obra não aceitará dezenho de ninguém, ele mesmo os quer garatujar, e eis
aqui o pedreiro ou canteiro feito Architecto. Busca e acha patronos que de boa fé
ordenará fazendo-o subir degrau em degrau
constituindo o Architecto de sua nação
com o aprendiz de Sargento-mor coronel ou Marechal de engenheiros. He assim
que Lisboa podendo ser a mais bella cidade do Universo tem huma monotonia que
gela, e que sendo habitação de hum povo catholico parece huma cidade de Ateos
porque até as Igrejas são marcadas com a insípida e uniforme decoração das casas.
(MACHADO apud VARELA GOMES, 1992, p.16-17, grifos no original)
Os conceitos atribuídos por Machado na relação e valorização profissional que
permeia o trabalho do arquiteto, dos mestres-pedreiros e canteiros e dos engenheiros militares
dentro de uma obra demonstram o quanto essa relação – como já discutimos anteriormente em
função das tradições culturais vigentes em Portugal – foram conflituosas durante todo o
século XVIII, com repercussões desta mentalidade mesmo em terras brasileiras. Para isso,
basta lembrar aqui a conhecida polêmica arquitetônica da mudança do projeto de São
249
Francisco de São João del-Rei, envolvendo o Mestre-canteiro e pedreiro português Francisco
de Lima Cerqueira
161
.
As palavras de Machado, no entanto, devem ser entendidas em parte também por um
certo complexo elitista, ligado à sua formação erudita impregnada de valores clássicos e
acadêmicos. Alguns desses sentimentos, contudo, devem ser lidos, na opinião de Varela
Gomes, como uma visão que foi “Escrita no final da Idade Clássica por um português que
não compreendia e se não identificava com a tradição nacional da arquitetura tal como ela
era praticada pelos engenheiros militares da sua época educados em Portugal [...]”.
(VARELA GOMES, 1992, p. 19)
Machado era um crítico declarado, como vimos, da arquitetura religiosa praticada na
Lisboa da Reconstrução Pombalina, principalmente pela sua crença na perfeição das regras do
estilo “antigo” e pela sua apologia da utilização na arquitetura do cânone clássico mais puro,
como demonstrou nas inúmeras comparações das ordens feitas pelos tratadistas renascentistas
e maneiristas no seu “Tratado de arquitetura e pintura” (2001). Machado também revela, em
um dos seus manuscritos citados por Francisco Berger na introdução do seu tratado, o seu
repúdio pelos desmandos que os arquitetos barrocos impuseram à arquitetura clássica. O
combate a esses desmandos tem sido apontado pelos diversos críticos de arte portugueses que
o estudaram seu tratado como uma missão, um dos motivos básicos que o levou à tarefa de
escrever focado na valorização dos autores clássicos e maneiristas e nas suas lições de
purificação estética e formal da arquitetura. Sua relação altamente conflitante com o Barroco
pode ser evidenciada na afirmação citada por Berger no prefácio à publicação recente do
tratado de Cyrillo Machado:
161
A relação profissional entre o Mestre-pedreiro e canteiro português Francisco de Lima Cerqueira (1728-
1808) e o escultor, entalhador e arquiteto Antônio Francisco Lisboa (1730?1738?-1814) será analisada na parte 4
desta tese.
250
[...] o amor da novidade o gosto que todos tem de inventar fez cahir os vindoiros
em 1 mil extravagancias tendo por insipidos os que seguirão o bom: asim forão até
o Bernine (sic) que apezar das licenças teve um far gajo Cortona foi caprichosisimo,
Borromine (sic) louco de pedras, desde então a architectura não teve freio; entre as
invenções infinitas vemos algumas engenhozas, mas nenhuma bella. (MACHADO,
2001, p.9)
Dentro desse quadro, seu “Tratado de arquitetura e pintura” aparece estruturado, em
grande parte, na valorização, análise e comparação das ordens arquitetônicas em Alberti,
Serlio, Vignola, Scamozzi, com o intuído de propor ao arquiteto a verdadeira formalização
das ordens para a concepção do projeto (Figura 152). No tratado, Machado também passa pela
análise de questões construtivas civis e militares, assim como pelos dos problemas do ensino e
da formação de pintor, do escultor, do desenhista e do arquiteto, retiradas de diversos tratados
existentes na Biblioteca de Mafra, chegando mesmo ao pormenor de comentar as obras de
seus mestres preferidos, como Rafael, Correggio e Ticiano (Figura 153).
Passaremos a citar algumas das instruções compiladas por Machado ligadas aos
valores em voga na formação do arquiteto do seu tempo, por considerarmos relevantes no
contexto da cultura arquitetônica. Essas idéias, presentes no seu tratado, denunciam sua
preferência pelos tratados antigos, como o de Vitruvio, e por um ensino clássico mais
ortodoxo vinculado à tratadística clássica e maneirista, que alguns anos depois chegaria a
Portugal com o Neoclassicismo, já prenunciado na Reforma Pombalina.
Para um melhor entendimento, dividiremos as suas considerações aqui expostas em
dois temas: Arquitetura e Pintura, que são os temas básicos do seu tratado, embora na última
parte o autor, como homem do século XVIII, aventure-se também a explicar a ciência do seu
tempo.
Sobre Arquitetura, Cyrillo Volkmar Machado, na sua reflexão discute temas que
fazem parte da tradição tratadística desde Vitruvio, na chamada tríade: “firmitas”,
251
“commoditas” ou “utilitas”, e “venustas”
162
. Do mesmo modo que todos os tratadistas que
lhe antecederam, Machado se dispõe a explanar o significado de alguns dos conceitos, como
vemos:
A 1
a
. consiste em dar a cada peça de hum quarto a situação, e as serventias
convenientes segundo o uzo a que se destinão, e a dignidade dos que a devem
habitar dispondo as salas, as cambras, os gabinetes, as galarias, os effeitos etc
a.
,
nos lugares que lhes são proprios.
Solidez A solidez consiste em fazer as paredes a plumo, mais groças em baixo, bons
alicerces, as collunas de sima a plumo com as de baxo, com alinhamento as portas e
janelas, pleno sobre pleno, e vacuo sobre vacuo.
A belleza consiste na porporção das partes entre si, e o todo, de sorte que se não
possa tirar huma, sem lje conceder a falta. (MACHADO, 2001, p.72)
Esta última definição, tratando do significado de “venustas”, é retirada do texto de
Alberti. Porém, segundo o texto do “De re aedificatoria”, não é possível traduzir o termo em
questão como “beleza”, mas como “deleite” ou “prazer”, não estritamente ligado à estética,
mas à possibilidade de desfrutar de um espaço harmonioso, bem organizado e sólido. Isto
significa que para o humanismo italiano havia uma mensagem ética na tríade, que não lemos
no texto de Machado. Ao contrário, o erudito português parece ter assumido uma
simplificação didática do conceito de “venustas”, dando a ele o significado de “beleza”. O
último trecho da passagem aqui reproduzida diz respeito ao jogo combinatório, também
definido por Alberti, de necessário equilíbrio entre as partes, para que se alcance a beleza
163
.
Se as considerações fundamentam-se no debate inaugurado pelo classicismo
renascentista, é de se esperar que Machado comentasse ou explanasse a seus leitores –
lembramos o papel “didático” ou de convencimento do público-alvo pretendido pelo autor – a
questão da “mimesis”. Na verdade, o tema da “imitação da natureza” constituía um problema
162
A chamada “tríade vitruviana” é formada pelos aspectos que compõem a arquitetura: a organização material
e estrutural, o aspecto tectônico da obra (firmitas); a organização espacial relativa tanto à função a ser exercida
por cada espaço da edificação quanto aos aspectos qualitativos do espaço que permitem este exercício
(commoditas ou utilitas); composição estética do objeto, capaz de fazer deleitar o observador (venustas). A
primeira versão da tríade nos foi dada não por Vitruvio, mas pela interpretação que dele fez Alberti (ver notas 98
e 99), daí a denominação “vitruviana”.
163
Sobre o conceito de “venustas” e a condição ética a que a “beleza” estava sujeita, ver BRANDÃO, 2001.
252
filosófico desde a Antiguidade Clássica; a investigação sobre o modus operandi na arquitetura
conduzia necessariamente a uma reflexão: qual o papel da arte? Deve ela superar a natureza?
Ou imitá-la? Em que medida é possível ao arquiteto alcançar a superação? Machado nos
responde com a interpretação própria de seu tempo:
Os bárbaros introduzirão abuzos que ainda se seguem nós os apontamentos para
qualquer os descobrir na obra alheia, e evitar na sua. A Architectura he imitação da
natureza: a deminuição da colluna imita o trono (sic) d’arvore: as bazes, huma
coiza que cedêo ao pezo: os triglifos, modilhoens, mutulas, e denticulos, topos de
vigas, e atlantes que sustentão os sollos e as coberturas, enfim todos os ornamentos
são feitos com muita reflexão, e tudo quanto se aparta dessa bella simplicidade he
condenável... (MACHADO, 2001, p.70)
Lemos, no trecho acima, uma variante do entendimento da essência da arquitetura
definido pelo Abade Laugier
164
, quando este descreve a “cabana primitiva”, o abrigo
primevo, como sendo composto essencialmente dos aspectos ligados à “firmitas” e à
“commoditas”. Para o iluminista francês, a “venustas” assumia um papel secundário, ou
melhor, subordinada necessariamente aos dois conceitos anteriores, inaugurando, deste modo,
o pensamento funcionalista. Se o teórico português assume as posições defendidas pelas
lideranças acadêmicas francesas, demonstrando o caráter contemporâneo de sua obra, é
possível verificar, neste trecho assim como ao longo de todo o texto, a crítica de Cyrillo
Volkmar Machado às “barbáries” barrocas. Para ele, e para a legião de racionalistas franceses
do século XVIII, a arquitetura fundamentava-se no princípio das ordens, portanto de uma
regulação equilibrada dos elementos, que são conjugados de forma a alcançar a harmonia na
proporção entre as partes: “As proporções são o que constithue o bello essecial da
Architetura porem tantos Authores e tantos volumes não tem feito nada que seja
universalmente aplaudido.” (MACHADO, 2001, p.58)
164
Ver nota 71.
253
A garantia da perfeitas proporções no edifício estava ligada ao domínio do saber
arquitetônico. Deste modo, o aprendizado de arquitetura é algo relevante na opinião de Cyrillo
Volkmar Machado. De modo a reafirmar o caráter pedagógico de seu texto – é preciso
salientar, em uma publicação amplamente ilustrada – Machado passa a listar edifícios que
considera como boa (e bela) arquitetura na história. Vemos que o julgamento crítico se dá
também de forma positiva, na recolha dos exemplos: “Rotunda o mais belo edificio antigo
feito por Agripa por vontade de Augusto, foi fulminado no tempo de Trajano 113 depois de
Christo mas Marco Aurelio e Septimo Severo o restaurarão.” (MACHADO, 2001, p.130).
Em outra passagem, os exemplos da história servem como estímulo aos arquitetos aprendizes:
Platão dizia que a Grecia tão florecente como ella hera no seu tempo, tinha pena
em citar hum excelente architeto: hum moderno diz, que as mais dificeis artes são
aquelas que não tem regras fixas, e capazes de serem comprendidas de hum
limitado espirito, e que cada momento pedem recurços d'hum genio felizmente
fecundo:
Só a força de ver, e comparar he se pode encher a cabeça de idéas com que se
imitem os grandes homens sem ser plagiario. Alem da dificuldade do saber ha
aquella de ser empregados, porque ha poucas artes com menos conhecedores que a
Architetura, os pintores, escultores, os muzicos se escolhem pelas suas obras, porem
hum Architeto he por acazo, hum escolar protegido será preferido a hum sabio
investigador das grandes obras antigas. Nos concursos, o favorito obterá o premio,
e as vosas ideas servirão a augmentar a sua reputação. Não esmoreçais comtudo,
desenhai, e praticai. ha huma grande e immensa diferença entre hum edificio no
papel, e hum edificio executado. O Domo dos Invalidos he pezado groso, e sem
porporção no desenho, e na obra he muito elegante: tambem se deve ser circunspeto
e escrupuloso, porque arruinar hum dono de obra por ignorancia, ou por
velhacaria, o dano he igual. Vitruvio Livro 6, diz que antigamente se examinava não
só o saber mas o procedimento do Architeto. He precizo que o Architeto saiba os
termos dos officios subalternos para se fazer entender, e dos enganos que elles
podem fazer, para os evitar. (MACHADO, 2001, p.158)
É exigido o conhecimento de diversas disciplinas, correlatas à Arquitetura, que
possibilitem o controle dos elementos do vocabulário clássico quando relacionados entre si.
[...] disserão que não seria perfeito Architeto se não soubesse debuxo Pintura e
Mathematicas e Escultura, e os antigos tomarão por modelo o corpo humano como
a medida mais perfeita de tod’a natureza e comparando as partes menores com o
todo tirarão dele as medidas para collunas pedestaes simalhas etc
a
. (MACHADO,
2001, P.342)
Outra estratégia utilizada na verificação das proporções é o uso da perspectiva: “O
Architeto não se deve dispensar da prespetiva, Bramante, Raphael Baltazar Peruzi, Jeronimo
254
Genga , Julio Romano e eu tambem como eles fui pintor e prospetivico.” (MACHADO, 2001,
p.128; Figura 154) Vale, contudo, destacar que Machado associa este instrumento projetivo –
utilizado desde sua invenção por Filippo Brunelleschi (1337-1446) no início do século XV e
que transformou as relações de trabalho na Arquitetura
165
– à pintura, e não ao campo da
Arquitetura propriamente dito. De certa maneira, isto demonstra que o erudito não alcançou a
necessária vinculação aos princípios colocados pelo Renascimento que lhe permitisse
ultrapassar a cultura da “fábrica”. É notória, ainda, uma ambiguidade nas idéias proferidas por
Cyrillo Volkmar Machado na medida que revelam, sob uma roupagem racionalista-classicista,
o traço e a expressão do gênio artístico. Entretanto, também é possível ler em seu tratado a
importância dada ao método, em oposição à questão do “gênio”. Pertencente ao momento de
erudição e racionalismo que marcou seu tempo, o neoclassicista Machado faz recair sobre a
atividade do arquiteto uma necessária sistematização do pensamento, que molda a ação
projetual.
O problema posto entre o gênio e o método também recai sobre a Pintura. Cyrillo
Volkmar Machado, na sua compilação, faz as seguintes considerações:
Regras para os Mestres ensinarem bem, e para os discipulos aprenderem a dever: o
Mestre deve examinar se o discipulo tem genio e vontade não o deve enganar e
fazelo infeliz: seguese hum dialogo para conhecer os que tem genio deve começar
cedo, mesmo de 4 anos, e então he mais facil adquirir a exatidão da vista: quanto
mais tarde mais cousas se retem na idea e custa mais. Começe a desenhar figuras
geometricas a olho, as linhas achãose no corpo humano, tão complicadas que o
principiante não as pode distinguir bem: ha pessoas que vem as cousas mais
compridas que largas, outras ás avessas a alguns em distancia parecem os objetos
maiores a outros menores asim nhum triangulo etc
a
esperimentará o mestre se elle
tem vista exata; este methodo conduzirá á elegancia: depois devemse desenhar
165
Brandão (1991) analisa o papel transformador da perspectiva para o mundo moderno: “Também a
perspectiva de Brunelleschi enfatiza a centralidade do espaço, mas, além disso, ela provoca outras mudanças
em seu caráter, muito expressivas do novo homem. [...] Nasce o “pro-jeto”, a ante-visão do objeto que
comandará a sua construção. O que é a perspectiva? Um “conjunto de regras de desenho e matemáticas que
permitem reproduzir sobre uma folha de papel, com exatidão científica, o aspecto real dos objetos.” Ela
possibilita, então, ao arquiteto, deter-se na “idéia” contida no projeto mais do que na própria construção;
surge como verdadeira essência da obra de arte. O artista deixa de ser artesão e torna-se intelectual e a
arquitetura perde o caráter orgânico determinado pela matéria para tornar-se mais abstrata, mais
“desenhada”, revelando a lógica matemática pela qual o homem “projetou” o espaço.” (BRANDÃO, 1991,
p.67)
255
contornos de bons quadros e desenhos, estudar as proporções do corpo, sobre o
antigo: passr ao claro e escuro, a pureza no desenhar se transfere ao pintar: hadese
estudar a anatomia e a perspetiva, para passar ao natural. (MACHADO, 2001,
p.270)
Como vemos, a tradição do aprendizado oficinal mantém-se inalterada. Antes, o
mestre deve ser capaz de reconhecer dentre seus pupilos aqueles que detêm o “gênio”, o
talento inato, portanto, não vinculado a um aprendizado metódico. A este o ensinamento deve
ser repassado de modo sistematizado, portanto seguindo uma metodologia. Assim, em
contrapartida, afirma:
A natureza em que genero for deve-se copiar como se vê sem mudar nada com o
motivo de melhorar no gosto ou no effeito. Para aprender são melhores as estampas
que os quadros. as de páo de Ticiano são as melhores e as gravadas por Corneille
Costa Agostinho Carache onde as arvores são bem formadas, imitando este bello
toque devese meditar na perspetiva dos ramos e folhas vistas por sima por baixo ou
de frente quando se vê so a grossura, ou de ilharga tudo sem sahir do caracter.
Depois copiem-se os paineis destes mesmos de Paul Bril, Breugle, Bourdon e
Watteau. (MACHADO, 2001, p.338)
Contudo, não retira a força da tradição do aprendizado oficinal, que deve ser
“tutelado” por uma sequência de atividades. Percebemos que há uma complascência maior
com o método – no sentido cartesiano do termo – apenas nas circunstâncias em que “falta” o
mestre:
Quasi todos os Pintores e Gravadores habeis tem dado á luz collecçoens de
principios (Livres a dessiner) como os de Lairesse, Bloëmart, Gerard, Hoet,
Bischop, Sandrart, Le Clerc, Wateau etc
a
. Só os de Lairesse e Hoet são
acompanhados de discursos em 1740 o novo methodo (nouvelle methode por
apprendre á dessiner sans Maitre) com estampas de Abraham Bosse com vinhetas e
Academias de Cochin. Herão muito planchas de mao gosto e precedidas de hum
breve discurso: assim mesmo se gastou a edição e nos a renovamos muito
augmentada e ementada.
O Mestre com o lapis na mao ensina melhor que todos os
livros porem há cidades onde não ha mestres. (MACHADO, 2001, p.300, grifos
nossos)
Independente da sua preferência pelos “antigos”, as idéias contidas no tratado de
Machado, no entanto, são um primoroso testemunho de época sobre os atributos da formação
e da erudição intelectual que se esperava desse profissional. Por outro lado, o tratado também
256
demonstra a pouca cultura sobre esse profissional por parte dos seus contemporâneos e o
pouco valor dado, dentro da cultura arquitetônica portuguesa, às especulações intelectuais
vinculadas ao ato projetual. Neste sentido, o problema da distinção entre a idéia da “fábrica” e
do “projeto”, defendida por Varela Gomes (1992) e outros pesquisadores, e já tratada
anteriormente nesta pesquisa, está presente aqui novamente, e pode dar muito o que pensar
sobre a translação dessa cultura arquitetônica para o Brasil colonial.
Neste sentido, após a análise das listas constantes nos inventários de quatro
importantes arquitetos barrocos portugueses – representantes de uma cultura oficial – e dos
tratados mais populares – ligados à cultura dos mestres-pedreiros –, podemos dizer, à luz dos
fatos aqui analisados, que circulou em Portugal, pelo menos num nível mais erudito, a mais
importante tratadística italiana e francesa publicada até o primeiro quarto do século XVIII,
ao lado de tratados populares vinculados à tradição do ofício. Os tratados tradicionais
quinhentistas conviviam em Portugal com os mais importantes trabalhos barrocos dos séculos
XVII e XVIII, vinculados tanto às obras de Borromini, Caramuel e Guarino Guarini quanto
aos tratados de debate teórico mais ortodoxo do início de setecentos, vinculados às idéias da
tratadística francesa, como os trabalhos de Blondel, Félibien e Perrault. No meio disso tudo,
ainda havia a tratadística popular mais conservadora, amplamente utilizada pelos mestres-de-
ofício portugueses.
No meio desse universo “eclético” de opções formais e lingüísticas de produção
arquitetônica, um fator parece-nos bastante perseverante na história da tradição arquitetônica
portuguesa, a saber o contato com as fontes estrangeiras, que quase nunca condicionou os
arquitetos portugueses do século XVIII a assumirem posturas estranhas à sua tradição. A
postura sempre presente foi a de buscar uma adaptação possível que, através dos tratados
reguladores, da Geometria e de um conhecimento convencional da teoria das ordens, criou, ao
longo dos anos, um modelo de cultura arquitetônica que procurou equilibrar o dilema da
257
tradição prática com a teoria em voga. Dentro dessas escolhas, podemos afirmar que, se a
arquitetura portuguesa do século XVIII não enveredou para um barroco planimétrico mais
desenvolvido e elaborado com raras experiências nesta direção, como já vimos anteriormente,
não foi pela falta de informações e acesso a obras, a teorias e à iconografia internacional do
seu tempo, e mais pelo apego à sua cultura e a seu gosto mais tradicional. Neste sentido, como
tem-se verificado na posição assumida sobre esse tema nas obras dos importantes
pesquisadores aqui estudados como Varela Gomes (1990-1992; 1992; 2001), de Paulo
Pereira (1986) e Joaquim Jaime Ferreira-Alves (1992b; 2003), Horacio Bonifácio (1990),
Francisco Berger (1994) e Rafael Moreira (1988; 1989), dentre outros, podemos dizer que a
arquitetura portuguesa não acompanhou a prática do Barroco internacional no século XVIII,
por uma “inadequação” das novas teorias arquitetônicas do Barroco às tradições da cultura
arquitetônica portuguesa.
Lembramos, ainda, que historicamente Portugal sempre esteve ligado a um
Maneirismo mais ornamental e menos planimétrico. Neste sentido, durante o século XVIII,
obras como Mafra, de Ludovice, ou a Igreja dos Clérigos no Porto, de Nasoni – projetos de
imigrantes de formação italiana – foram exceção e não a regra de uma prática construtiva
comum que se desenvolveu nas obras restantes, de uma maneira geral, buscando a contensão
planimétrica.
Esse procedimento cultural procura refletir, assim, as suas idéias de uma praxis
arquitetônica mais vinculada à utilidade prática do que a uma plenitude estética espacial à
moda italiana. Neste sentido, é preciso entender que os arquitetos portugueses, profissionais e
amadores, dentro do universo cultural vivido no século XVIII – ainda que sua atividade por
vezes, ultrapassasse a realização do projeto, obrigando-os também a intervir nas avaliações,
orçamentos, vistorias, escolha de materiais, medições e mesmo em obras de caráter decorativo
– sempre encontraram fortes limitações culturais para aplicar qualquer nova intencionalidade
258
no objeto arquitetônico. Vinculados, de uma maneira geral, a uma formação pragmática,
rigorosa, eficiente, baseada na Matemática, na Geometria, e na tratadística clássica mais
conservadora como ponto teórico fundamental, foi difícil para eles desvencilharem-se dessa
tradição de origem militarista, ligada à urgência prática, no dizer de Rafael Moreira (1989). O
seu pragmatismo e a sua racionalidade, efetivados na sua cultura pós-Restauração, foram
forjados por anos na idéia de contenção e de procura do essencial em lugar do supérfluo, na
preferência pela rigidez dos conceitos e no bom senso, ao invés do caminho mais
especulativo. Esses valores moldaram, sem sombra de dúvida, os pilares de sua cultura
arquitetônica durante o século XVIII, e da maior parte da produção em Portugal e nas
colônias do Império Ultra-Marino.
Dentro do quadro exposto, podemos concluir afirmando que a produção arquitetônica
consolidada em Portugal através da mistura de sua própria tradição cultural com a assimilação
da tratatísdica vigente manteve, na maioria dos casos, as formas e os esquemas planimétricos
tradicionais, utilizando a decoração aplicada à arquitetura como elemento definidor do espaço.
Neste sentido, não foi na linha temática da produção arquitetônica, mas na das construções
efêmeras que se experimentaram as maiores liberdades e ousadias na expressão do Barroco
em Portugal, o que faz sentido, pois raramente encontramos, dentro do estudo de um universo
mais amplo, o espaço na arquitetura portuguesa como sendo entendido e trabalhado como
uma matéria flexível e como elemento primordial da arquitetura.
Entretanto, Portugal viveu no século XVIII, correspondente ao reinado de D. João V e
também nos anos que o sucederam o terremoto de 1755, um período de grandes contrastes e
contradições, sendo que, dentro desses altos e baixos, o gosto pela tradição impôs-se, na
maioria das vezes, independente das condicionantes históricas, econômicas e sociais como
uma constante e um elemento preponderante. Dentro desse quadro, podemos afirmar que
coube às colônias as experiências mais flexíveis e as especulações formais mais elaboradas na
259
arquitetura, com ênfase principalmente na produção realizada na região de Minas Gerais.
Assim, na parte final dessa pesquisa estudaremos os desdobramentos e a assimilação dessa
cultura arquitetônica com todas as suas particularidades possíveis para dentro de um outro
cenário sócio- cultural e econômico que foi o Brasil e as Minas Gerais durante o século
XVIII.
A CULTURA ARQUITETÔNICA EM MINAS GERAIS
E SEUS ANTECEDENTES EM PORTUGAL E NA EUROPA:
ARQUITETOS, MESTRES-DE- OBRAS E CONSTRUTORES
E O TRÂNSITO DE CULTURA NA PRODUÇÃO DA ARQUITETURA
RELIGIOSA NAS MINAS GERAIS SETECENTISTAS
André Guilherme Dornelles Dangelo
vol. II / IV
André Guilherme Dornelles Dangelo
A CULTURA ARQUITETÔNICA EM MINAS GERAIS
E SEUS ANTECEDENTES EM PORTUGAL E NA EUROPA:
ARQUITETOS, MESTRES-DE-OBRAS E CONSTRUTORES
E O TRÂNSITO DE CULTURA NA PRODUÇÃO
DA ARQUITETURA RELIGIOSA
NAS MINAS GERAIS SETECENTISTAS
Vol. II/IV
Belo Horizonte
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG – Depto. de História
2006
André Guilherme Dornelles Dangelo
A CULTURA ARQUITETÔNICA EM MINAS GERAIS
E SEUS ANTECEDENTES EM PORTUGAL E NA EUROPA:
ARQUITETOS, MESTRES-DE-OBRAS E CONSTRUTORES
E O TRÂNSITO DE CULTURA NA PRODUÇÃO
DA ARQUITETURA RELIGIOSA
NAS MINAS GERAIS SETECENTISTAS
Vol. II/IV
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História da Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas
Gerais.
Linha de Pesquisa: História Social da Cultura
Orientador: Prof
a
. Dr
a
. Adriana Romeiro
Belo Horizonte
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG – Depto. de História
2006
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 155 Matriz de Santo Antônio (1742), Itaverava, projeto para o altar-mor.
Fonte: RAMOS, 2002, p.107.
301v
Figura 156 Johann Moritz Rugendas, “Viagem pitoresca através do Brasil” (1835),
Porto da Estrela.
Fonte: RUGENDAS, 1998, prancha 13, p.105.
304v
Figura 157 Johann Moritz Rugendas, “Viagem pitoresca através do Brasil” (1835),
Vila Rica.
Fonte: RUGENDAS, 1998, prancha 22, p.114.
304v
Figura 158 Johann Moritz Rugendas, “Viagem pitoresca através do Brasil” (1835),
São João del-Rei.
Fonte: RUGENDAS, 1998, prancha 20, p.112.
304v
Figura 159 Igreja de Nossa Senhora do Carmo (1756), Rio de Janeiro, exterior.
Fonte: LAGO, 2002, p.255.
310v
Figura 160 Igreja de Nossa Senhora do Carmo (1756), Rio de Janeiro, detalhe do
medalhão da portada.
Fonte: LAGO, 2002, p.252.
310v
Figura 161 Comparação de solução formal entre a igreja do Santuário de Nossa
Senhora do Socorro (1780) e as modificações introduzidas por Francisco
de Lima Cerqueira na igreja de São Francisco de Assis de São João del-
Rei (1779).
311v
Figura
161a
Francisco de Lima Cerqueira, igreja de São Francisco de Assis (1779),
São João del-Rei, vista.
Fonte: foto do autor, 2006.
311v
Figura
161b
Igreja do Santuário de Nossa Senhora do Socorro (1780), Ponte de Lima,
Portugal, vista.
Fonte: foto do autor, 2006.
311v
Figura 162 Sítio do Padre Inácio (final do século XVII), Cotia, São Paulo, vista da
capela.
Fonte: LAGO, 2002, p.72.
313v
Figura 163 Conjunto jesuíta (século XVII), Embu, São Paulo, vista.
Fonte: foto do autor, 2001.
313v
Figura 164 Matriz de São Bartolomeu (início do século XVIII), distrito de São
Bartolomeu, Ouro Preto, vista.
Fonte: CEMIG, 2002, p.184.
314v
Figura 165 Matriz de Santo Amaro (início do século XVIII), distrito de Brumal, Santa
Bárbara, vista.
Fonte: CEMIG, 2002, p.85.
314v
Figura 166 Extinta Sé de São Sebastião (1580), Rio de Janeiro, interior.
Fonte: ALVIM, 1999, p.52)
316v
Figura 167 Matriz de Nossa Senhora da Conceição (1714), Sabará, interior.
Fonte: foto do autor, 2006.
316v
Figura 168 Igreja do colégio dos Jesuítas, atual Sé (1572-1585), Salvador, interior.
Fonte: foto do autor, 1998.
316v
Figura 169 Sé (1713), Mariana, interior. 316v
Fonte: foto do autor, 2006.
Figura 170 Matriz de Nossa Senhora do Pilar (1730), São João del-Rei, interior.
Fonte: foto do autor, 2006.
317v
Figura 171 Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias (1727), Ouro
Preto, interior.
Fonte: foto do autor, 2006.
317v
Figura 172 Matriz de Nossa Senhora do Pilar (1730), Ouro Preto, interior.
Fonte: foto do autor, 2006.
317v
Figura 173 Desenhos localizados por Robert Smith no Arquivo Histórico
Ultramarino.
318v
Figura
173a
Aula de Fortificação da Bahia, desenhos (1779).
Fonte: FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN, 2000, p.250.
318v
Figura
173b
Aula de Fortificação de Pernambuco, desenhos (1743).
Fonte: FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN, 2000, p.346.
318v
Figura 174 Igreja de Santo Estevão da Alfama (1732), Lisboa, planta.
Fonte: BERGER, 1994, p.115.
326v
Figura 175 Igreja de Santo Estevão da Alfama (1732), Lisboa, vista.
Fonte: foto do autor, 2004.
326v
Figura 176 Igreja do Santíssimo Nome de Jesus de Odivelas (1691), Lisboa, fachada.
Fonte: foto do autor, 2004.
328v
Figura 177 Igreja do Santíssimo Nome de Jesus de Odivelas (1691), Lisboa, interior.
Fonte: foto do autor, 2004.
328v
Figura 178 Pierre-Antoine Quillard, “Lançamento da nau Nossa Senhora da
Lampadosa” (1727), gravura.
Fonte: FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN, 2001, p.171.
336v
Figura 179 Guillaume-François-Laurent Debrie, “Alegoria do Colégio de São Pedro
I” (1733), gravura.
Fonte: DIAS, 1993, p.13.
336v
Figura 180 Guillaume-François-Laurent Debrie, “Alegoria do Colégio de São Pedro
II” (1733), gravura.
Fonte: DIAS, 1993, p.13.
336v
Figura 181 Francisco Vieira Lusitano, “Mercúrio e Argo”, estudos a carvão.
Fonte: ARRUDA, 2000, p.59.
337v
Figura 182 Francisco Vieira Lusitano, “Adoração dos Reis Magos” (1772), óleo
sobre tela.
Fonte: ARRUDA, 2000, p.202.
337v
Figura 183 João Gomes Baptista, Mapa de Remessa de Ouro e Diamantes da
Capitania de Minas Gerais (segunda metade do século XVIII).
Fonte: MENEZES, 1973, p.113.
338v
Figura 184 João Gomes Baptista, Mapa de Remessa de Ouro e Diamantes da
Capitania de Minas Gerais (segunda metade do século XVIII).
Fonte: MENEZES, 1973, p.117.
338v
Figura 185 João Gomes Baptista, Mapa de Remessa de Ouro e Diamantes da
Capitania de Minas Gerais (segunda metade do século XVIII).
Fonte: MENEZES, 1973, p.121.
338v
Figura 186 Igreja de São Pedro dos Clérigos (1731), Porto, vista lateral.
Fonte: foto do autor, 2004.
347v
Figura 187 Igreja de São Pedro dos Clérigos (1731), Porto, interior.
Fonte: foto do autor, 2004.
347v
Figura 188 Igreja de Nossa Senhora do Loreto (1747), Rio de Janeiro, estudo de 355v
composição geométrica para o traçado do frontispício.
Fonte: ALVIM, 1999, p.133.
Figura 189 Casa de Câmara e Cadeia (1762), Mariana, estudo de composição
geométrica para o traçado do frontispício.
Fonte: BARRETO, 1949, p.133.
356v
Figura 190 Casa de Câmara e Cadeia (1784), Ouro Preto, estudo de composição
geométrica para o traçado do frontispício.
Fonte: BARRETO, 1949, p.133.
356v
Figura 191 Igreja de Nossa Senhora do Carmo (1755) e igreja de São Francisco de
Paula (1759), Rio de Janeiro, estudo comparativo de composição de
formas e agrupamentos geométricos de cheios e vazios para o traçado do
frontispícios.
Fonte: ALVIM, 1999, p.116.
357v
Figura 192 Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro (1738), Rio de Janeiro,
estudo de composição geométrica para o traçado do frontispício.
Fonte: ALVIM, 1999, p.124.
357v
Figura 193 Igreja do convento de São Salvador (1574), Vila Nova de Gaia, onde foi
batizado José Pereira dos Santos em 1719, vista.
Fonte: foto do autor, 2004.
364v
Figura 194 Semelhança de solução de escada. 376v
Figura
194a
Mosteiro de Arouca (1690-1720), Arouca, Portugal, escada principal de
acesso ao segundo pavimento.
Fonte: foto do autor, 2004.
376v
Figura
194b
José Pereira Arouca, Casa de Câmara e Cadeia (1782), Mariana, escada.
Fonte: foto do autor, 2006.
376v
Figura 195 Capela do Espírito Santo (1680), próxima da localidade onde nasceu José
Pereira Arouca, vista lateral.
Fonte: foto do autor, 2004.
377v
Figura 196 José Pereira Arouca, ruínas da antiga igreja matriz de Antônio Pereira
(1791), distrito de Mariana, fachada.
Fonte: foto do autor, 2006.
381v
Figura 197
José Pereira Arouca, ruínas da antiga igreja matriz de Antônio Pereira
(1791), distrito de Mariana, vista lateral.
Fonte: foto do autor, 2006.
381v
Figura 198
Capela de São Mamede (1690), onde foi batizado Francisco de Lima
Cerqueira em 1728, vista.
Fonte: foto do autor, 2004.
387v
Figura 199 Mapa da micro-região no norte de Portugal, onde se localiza a freguesia
de São Mamede de Parada do Monte.
Fonte: VALADARES, 1975, p.37.
387v
Figura 200 Francisco de Lima Cerqueira, chafariz das Cabeças (1763), Ouro Preto,
vista.
Fonte: foto do autor, 2006.
388v
Figura 201 Francisco de Lima Cerqueira, chafariz das Cabeças (1763), Ouro Preto,
detalhe da cruz.
Fonte: foto do autor, 2006.
388v
Figura 202 Comparação de soluções de molduras de janelas utilizadas em Minas
Gerais e em Portugal na segunda metade do século XVIII.
400v
Figura
202a
Francisco de Lima Cerqueira, igreja de Nossa Senhora do Carmo (1785),
São João del-Rei, fachada principal, moldura da janela do coro, presença
400v
de arco em chaveta com tripla curvatura.
Fonte: foto do autor, 2006.
Figura
202b
Nicolau Nasoni, Palácio Episcopal (1772-1793), Porto, fachada lateral,
moldura da janela, presença de arco em chaveta com tripla curvatura.
Fonte: foto do autor, 2004.
400v
Figura
202c
Manuel da Costa Negreiros, Palácio Barbacena (1750), Lisboa, fachada
principal, moldura da janela, presença de arco em chaveta com tripla
curvatura..
Fonte: BERGER, 1994, p.182.
400v
Figura 203 Francisco de Lima Cerqueira, ponte da Cadeia ou da Intendência (1800),
São João del-Rei, vista.
Fonte: foto do autor, 2006.
405v
Figura 204 Igreja de Nossa Senhora das Mercês (1768), Lisboa, vista.
Fonte: foto do autor, 2004.
414v
Figura 205 Igreja de Nossa Senhora do Carmo (1755) e igreja de São Francisco de
Paula (1759), Rio de Janeiro, vistas.
Fonte: ALVIM, 1999, p.231.
414v
Figura 206 Convento das Mercês (1790), Belém do Pará, vista.
Fonte: FERRAZ, 2000, p.74.
414v
Figura 207 Comparação da solução arquitetônica para a organização da fachada. 416v
Figura
207a
Carlos Amarante, Hospital de São Marcos (1768), Braga, detalhe da
fachada.
Fonte: foto do autor, 2004.
416v
Figura
207b
Luís Cunha de Menezes, Casa de Câmara e Cadeia (1784), Ouro Preto,
detalhe da fachada.
Fonte: foto do autor, 2006.
416v
Figura 208
Comparação da solução de elementos construtivos entre a Casa dos
Contos e a capela do Palácio dos Governadores.
418v
Figura
208a
Casa dos Contos (c.1790), Ouro Preto, vista.
Fonte: foto do autor, 2006.
418v
Figura
208b
Casa dos Contos (c.1790), Ouro Preto, detalhe da porta.
Fonte: foto do autor, 2006.
418v
Figura
208c
Capela do Palácio dos Governadores (1780), Ouro Preto, detalhe da porta.
Fonte: foto do autor, 2006.
418v
Figura 209
Igreja de Nossa Senhora do Carmo (1766), Ouro Preto, risco de altar
(1779), parede do consistório, vista geral.
Fonte, foto do autor, 2006
422v
Figura 210 Igreja de Nossa Senhora do Carmo (1766), Ouro Preto, risco de altar
(1779), parede do consistório, detalhe.
Fonte, foto do autor, 2006
422v
Figura 211 Kilian Ignaz Dientzenhofer, igreja de São João das Rochas (1727), Praga,
fachada.
Fonte: foto do autor, 2004.
423v
Figura 212
Igreja de Nossa Senhora da Piedade (1735), Elvas, Portugal, fachada.
Fonte: foto do autor, 2004.
423v
Figura 213
Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia (1733), Salvador, fachada.
Fonte: foto do autor,1998.
423v
Figura 214
Matriz de São João Batista (1758-1763), Barão de Cocais, porta.
Fonte: foto do autor,2006.
424v
Figura 215
Porta da igreja matriz de São João Batista (1735), Campo Maior, Portugal,
detalhe da portada.
Fonte: BORGES, 1993, p.24.
424v
Figura 216 Igreja de Nossa Senhora da Lapa (1756), Extremoz, Portugal, fachada.
Fonte: BORGES, 1993, p.109.
424v
Figura 217 Comparação das novas solução de aberturas e óculos durante o século
XVIII entre a capela-mor de São Francisco de Assis de Ouro Preto (1766)
e o da nave das igrejas das Ursolinas em Salzburg, Austria (1693).
428v
Figura
217a
Igreja de São Francisco de Assis (1766), Ouro Preto, fragmento do projeto
original, aberturas da capela-mor.
Fonte: Museu da Inconfidência, 1995, p.226
428v
Figura
217b
Johann Bernhard Fischer von Erlach, igreja das Ursolinas (1693),
Salzburg , detalhe da janela.
Fonte: Fonte: foto do autor,2006.
428v
Figura 218 Comparação entre o desenho técnico da fachada principal da igreja de São
Francisco de Assis de Ouro Preto em verdadeira grandeza e a distorção
gerada pelo olhar dessa mesma fachada, percebida através da fotografia.
429v
Figura
218a
Igreja de São Francisco de Assis (1766), Ouro Preto, desenho técnico da
fachada principal.
Fonte: SANTOS, 1951, p.178, f.135.
429v
Figura
218b
Igreja de São Francisco de Assis (1766), Ouro Preto, vista.
Fonte: Fonte: foto do autor,2006.
429v
Figura 219
Georges-Michel Roscher, motivos “rocaille”, suite n. 96 (1730),
Augsburg.
Fonte: MANDROUX-FRANÇA, 1973, p.441.
435v
Figura 220 Juste- Aurèle Meissonier, igreja de Saint-Sulpice (1727), Paris, projeto
para a fachada e altar-mor.
Fonte: OLIVEIRA, 2003, p.77.
435v
Figura 221
Comparação da assimilação regional dos motivos “rocaille” na obra de
André Soares na capela do Solar Malheiros-Reimão (1768),Viana do
Castelo e na obra de Antônio Francisco Lisboa, portada da igreja de São
Francisco de Assis (1795), São João del-Rei.
436v
Figura
221a
Escudo heráldico no frontão da capela Malheiros-Reimão (1768),Viana do
Castelo, detalhe.
Fonte: foto do autor, 2004.
436v
Figura
221b
Escudo heráldico na portada da igreja de São Francisco de Assis (1795),
São João del-Rei, detalhe.
Fonte: foto do autor, 2006.
436v
Figura 222
André Soares, igreja da Consolação ou dos Passos (1769), Guimarães,
vista parcial.
Fonte: foto do autor, 2004.
437v
Figura 223
Nicolau Nasoni, igreja do Recolhimento de Nossa Senhora da Esperança
(1746), Porto, vista.
Fonte: foto do autor, 2004.
438v
Figura 224 Nicolau Nasoni, igreja de Nossa Senhora do Terço (1756), Porto, vista.
Fonte: foto do autor, 2004.
438v
Figura 225
Johann Bernhard Fischer von Erlach, igreja das Ursolinas (1699-1704),
Salzburg, detalhe da torre sineira.
Fonte: foto do autor, 2004.
439v
Figura 226 Kilian Ignaz Dientzenhofer, igreja de São Lourenço (1770), Praga,
República Tcheca, vista da fachada principal.
Fonte: foto do autor, 2004.
439v
Figura 227 Andrea Pozzo, “Perspectiva Pictorum et Arquitectorum” (1693 e 1700),
“projeto para os altares da nave da igreja dos Jesuítas em Roma”.
Fonte: POZZO, prancha 88.
440v
Figura 228 Andrea Pozzo, “Perspectiva Pictorum et Arquitectorum” (1693 e 1700),
“projeto para os altares da nave da igreja dos Jesuítas em Roma”.
Fonte: POZZO, prancha 89.
440v
Figura 229
Johann Bernhard Fischer von Erlach, igreja das Ursolinas (1699-1704),
Salzburg, detalhe da sineira.
Fonte: foto do autor, 2004.
440v
Figura 230
Andrea Pozzo, “Perspectiva Pictorum et Arquitectorum” (1693 e 1700),
“projeto para um altar com “colunas sentadas””.
Fonte: POZZO, prancha 75.
441v
Figura 231
Antônio Francisco Lisboa, projeto original da igreja de São Francisco de
Assis (1774), São João del-Rei, fachada principal.
Fonte: Museu da Inconfidência, 1995, p.271.
442v
Figura 232
Antônio Francisco Lisboa, projeto original da igreja de São Francisco de
Assis (1774), São João del-Rei, fachada lateral.
Fonte: Arquivo da Ordem Terceira de São Francisco de Assis de São João
del-Rei, foto do autor, 2006.
442v
Figura 233 Johann Dientzenhofer, catedral de Fulda (1704-1712), Alemanha, fachada
principal.
Fonte: NORBERG-SCHULZ, 1989, p. 62.
443v
Figura 234 Santuário de Nossa Senhora do Socorro (1780), Ponte de Lima, Portugal,
fachada.
Fonte: foto do autor, 2004.
457v
Figura 235 Capela Nova (segunda metade do século XVIII), Vila Real, Portugal,
fachada.
Fonte: IPPAR, 1993, Vila Real, p.13.
457v
Figura 236 Capela do Solar Ferrão (segunda metade do século XVIII), Viseu,
Portugal, vista.
Fonte: IPPAR, 1993, Viseu, p.47.
457v
Figura 237 Igreja de Santa Eulália (segunda metade do século XVIII), Vila Real,
fachada.
Fonte: IPPAR, 1993, Vila Real, p.25.
457v
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANTT
Arquivo Nacional da Torre do Tombo ( Lisboa)
AHU
Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa)
ACU
Arquivo do Conselho Ultramarino (Lisboa)
ACM
Arquivo da Casa da Moeda (Lisboa)
AUC
Arquivo da Universidade de Coimbra (Coimbra)
ABPP
Arquivo da Biblioteca Pública do Porto (Porto)
ABNBA
Arquivo da Biblioteca da Academia de Belas-Artes de Lisboa
(Lisboa)
ADA
Arquivo Distrital do Aveiro
ADB
Arquivo Distrital de Braga
ADP
Arquivo Distrital do Porto
ADVC
Arquivo Distrital de Viana do Castelo
DEGEMN
Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais
ACAM
Arquivo da Cúria Arquidiocesana de Mariana
AEDSJDR
Arquivo Eclesiástico da Diocese de São João del-Rei
APAD
Arquivo da Paróquia de Antônio Dias – Ouro Preto
APP
Arquivo da Paróquia do Pilar – Ouro Preto
APM
Arquivo Público Mineiro (Belo Horizonte)
AOTCM
Arquivo da Ordem Terceira do Carmo de Mariana
AOTSFM
Arquivo da Ordem Terceira de S.Francisco de Mariana
AOTSFSJDR
Arquivo da Ordem Terceira de S. Francisco de São João del-Rei
AOTCSJDR
Arquivo da Ordem Terceira de N. Senhora do Carmo de São João
del-Rei
AOTCS
Arquivo da Ordem Terceira de N. Senhora do Carmo de Sabará
ASSBJM
Arquivo do Santuário do Sr. Bom Jesus de Matosinhos –
Congonhas do Campo
ACS
Arquivo da Casa Setecentista - Mariana
APM
Arquivo da Prefeitura de Mariana
BABAL
Biblioteca da Academia de Belas Artes de Lisboa
BGUC
Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra
BN
Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro)
BNL
Biblioteca Nacional de Lisboa
CMOP
Câmara Municipal de Ouro Preto
CMSJDR
Câmara Municipal de São João del-Rei
EA/UFMG
Escola de Arquitetura
DEGEMN
Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (Portugal)
IEPHA
Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas
Gerais
IPPAR
Instituto Português do Patrimônio Arquitectônico e Arqueológico
IPHAN
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
IHGB
Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (Rio de Janeiro)
FAFICH/UFMG
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
FAU/USP
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
FAU/UFRJ
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
UFMG
Universidade Federal de Minas Gerais
UFRJ
Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNESCO
United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
USP
Universidade de São Paulo
SUMÁRIO
VOLUME II
PARTE 4 – A PRODUÇÃO E A CULTURA ARQUITETÔNICA
EM MINAS GERAIS DURANTE O SÉCULO XVIII
271
CAPÍTULO 7 – A IMIGRAÇÃO DOS MESTRES-DE-OBRAS
PORTUGUESES PARA O TERRITÓRIO MINEIRO: O TRÂNSITO DA
CULTURA ARQUITETÔNICA DA METRÓPOLE PARA MINAS E DE
MINAS PARA A METRÓPOLE
272
CAPÍTULO 8 – OS AGENTES CULTURAIS E A TRANSPOSIÇÃO DA
CULTURA ARQUITETÔNICA EUROPÉIA PARA MINAS
290
8.1. Pedro Gomes Chaves
296
8.2. Manoel Francisco Lisboa
305
8.3. João Gomes Baptista
312
8.4. Antônio Pereira de Souza Calheiros
318
CAPÍTULO 9 – AS GRANDES REALIZAÇÕES DA NOVA CULTURA
ARQUITETÔNICA IMPLEMENTADA NO SÉCULO XVIII EM MINAS
GERAIS: A PRODUÇÃO DA ARQUITETURA RELIGIOSA DURANTE A
SEGUNDA METADE DO SÉCULO XVIII E SEUS PRINCIPAIS
AGENTES CULTURAIS
326
9.1. Domingos Moreira de Oliveira
336
9.2. José Pereira dos Santos
341
9.3. José Pereira Arouca
352
9.4. Francisco de Lima Cerqueira
364
9.5. Manuel Francisco de Araújo
385
9.6. Antônio Francisco Lisboa
397
CONSIDERAÇÕES FINAIS
423
CONCLUSÃO
440
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
444
LIVROS E TESES
444
PERIÓDICOS E ANAIS
468
TRATADOS
478
PARTE 4
A PRODUÇÃO E A CULTURA ARQUITETÔNICA VIGENTES
EM MINAS GERAIS DURANTE O SÉCULO XVIII
272
7. A IMIGRAÇÃO DOS MESTRES-DE-OBRAS PORTUGUESES PARA O
TERRITÓRIO MINEIRO: O TRÂNSITO DA CULTURA ARQUITETÔNICA DA
METRÓPOLE PARA MINAS E DE MINAS PARA A METRÓPOLE
ara entendermos o grande fluxo migratório de portugueses para a região das
Minas desde os primeiros anos do século XVIII, é necessário, primeiro,
entendermos algumas condicionantes sociais que estruturavam a vida dos portugueses sem
nobreza no Reino no início do século XVIII, com particular interesse naqueles oriundos do
Norte, principalmente os da região entre o Douro e o Minho, de onde originava-se a grande
maioria dos portugueses imigrados e dos artífices e mestres-de-ofícios que trabalharam nas
Minas
166
. Essa região engloba, ainda hoje, centros regionais importantes da vida e da cultura
portuguesa setecentista, como a cidades do Porto, Braga, Guimarães, Barcelos, Viana do
Castelo, dentre outras localidades. Lembramos aqui que, segundo os dados estatísticos, a
região mineradora foi descoberta por volta da última década do século XVII, e em 1709 já
tinha cerca de 30.000 habitantes, sendo que em 1776 estes chegavam a 320.000.
167
Sobre essa particularidade da presença maciça do imigrante do norte de Portugal no
Brasil, já constatava já Gilberto Freyre (1995) a importância deste na formação brasileira. Era
composta em seu conjunto por gente da pequena nobreza que partia para cargos
administrativos, famílias que vinham povoar, clérigos que vinham evangelizar e,
166
Eduardo Pires de Oliveira, em artigo intitulado “Artistas minhotos que trabalharam em Minas Gerais
(Brasil) no século XVIII” (1993), baseando-se nos dados publicados por Judith Martins (1974), detalha 88 nomes
de artistas oriundos da região norte, vinculados, a sua maioria, aos grandes centros minhotos: Braga com 16,
Guimarães com 15, Barcelos com 6, Viana do Castelo com 4. Segundo sua análise desse contigente de
imigrados: “A actividade principal que vieram a exercer em Minas foi a de carpinteiro (28 nomes); seguem-se
os ferreiros (22 nomes) [...]; carapinas (uma espécie de carpinteiro) são 13; pedreiros, 9; entalhadores, 6. A
lista completa-se com 3 arquitectos, 2 ourives, 2 pintores, 2 torneiros, 2 marceneiros, um engenheiro e um
serralheiro. Alguns, poucos, destes artistas tinham mais do que um ofício”. (OLIVEIRA, 1993, p.209)
167
Ver Maxwell (1977, p.300-302).
P
273
principalmente, uma leva de oficiais dos mais diversificados ramos que vinham para construir
esse novo Portugal.
Os mais recentes estudos sobre o processo migratório de Portugal para a região das
Minas no início do século XVIII têm evidenciado que presença dessa gente do Norte desde os
primeiros tempos da fundação da Capitania não foi só uma coincidência. Deve-se,
principalmente, ao alto excedente populacional que existia nas províncias entre o Minho e o
Douro que, no início do século XVIII, era a região mais povoada de Portugal. Isso se deu,
segundo os estudos atuais existentes, em função daquela região ter vivido durante o século
XVII a sua revolução agrícola, baseada principalmente no plantio do milho e na policultura.
Essa modificação estrutural na agricultura que em substituição ao sistema feudal
fundamentou-se na pequena propriedade, em que o milho passou a ser o principal produto –
aumentou, em ritmo crescente, a fartura de alimentos na região, e rapidamente a população
regional adensou a ocupação. Segundo os estudos do Pesquisador português Eduardo Pires de
Oliveira, a motivação principal da imigração acentuada da população do norte de Portugal
para Minas se deu como fruto da
[...] introdução da planta do milho, cereal que adaptou-se perfeitamente a um clima
húmido e que possibilitava a cultura de terrenos de meia encosta, permitiu que
durante cerca de uma centúria a economia se expandisse. Mas permitiu, também,
que em todas as famílias muito mais filhas segundas se pudessem casar e,
consequentemente, houvesse uma explosão populacional. (OLIVEIRA, 2001b,
p.160)
Esses anos de fartura, no entanto, tinham-se passado no início do século XVIII, pois
além dos terrenos de cultivo já estarem saturados frente à expansão populacional, a região
também sofria com a imigração da população pobre da Galícia para as terras já saturados no
norte de Portugal. Esse quadro social e econômico de dificuldades agravava ainda mais as
poucas possibilidades de melhoria das condições de vida nas já difíceis estratégias de
ascensão social vigentes para a população pobre do Antigo Regime em Portugal.
274
Quanto ao perfil do imigrante português que veio para a região das Minas, a grande
maioria era oriundo, como já salientamos anteriormente, de famílias pobres da região norte de
Portugal, embora também existisse gente de Lisboa e da região das Beiras. Segundo os
estudos ligados ao problema da migração analisados por Jorge Fernandes Alves (1994), esses
imigrantes tinham, em geral, um padrão bastante comum dentro do perfil da família
camponesa sem terra, que historicamente já tinha a cultura da migração como norma, dentro
do próprio território português. A emigração era, para essa gente do Norte, um fenômeno
antigo e enraizado na cultura dessa região composta, na sua maior parte, de minifúndios.
Segundo as palavras de Alves, nessa região havia:
[...] quase sempre excedente de mão-de-obra nas unidades familiares, que,
estrategicamente, importa rentabilizar ou excluir, consoante a composição e o
estádio do ciclo de vida do agregado. Ao nível doméstico, emigrar pode significar a
inversão total ou parcial de situações penosas em termos orçamentais: se um
elemento (dispensável como força de trabalho da unidade) emigra, de peso passivo
transforma-se em activo, pela fracção que liberta a favor dos demais e,
eventualmente, pelas remessas que enviar. (ALVES, 1994, p.67)
Dentro desse ponto de vista, no final do século XVII principalmente, a emigração
masculina da região Norte, seja para o centro-sul de Portugal, seja para o Brasil e,
principalmente, para a região das Minas, já atingia contingentes populacionais enormes, que
chamaram inclusive a atenção do Rei. Diante a gravidade da situação, tentou detê-los, ou
melhor, regulamentar-lhes a mobilidade através de decretos como o de 1720 ("Translado de
lei de Sua Majestade sobre os passageiros dos Brasis”, que estipulava regras para a
migração), providência que não surtiu muito efeito. Segundo alguns dados estatísticos,
calcula-se que a população de Portugal no início do século XVIII era de 2 milhões de pessoas,
sendo que 800 mil emigraram para o Brasil, de forma legal mas, principalmente, ilegal.
Segundo Alves, um dos motivos que tornava propícia a emigração portuguesa para o
Brasil era que dentro das regras de divisão dos bens de raiz da família pobre, a terra e a
275
propriedade rural, quando existentes, só seriam dadas a um descendente (homem ou mulher),
que mais conveniente fosse aos pais para seu sustento; portanto, os outros filhos tinham
apenas o direito à chamada “legítima”, muitas vezes paga aos demais irmãos pelo filho
beneficiário em acordo com os pais. Segundo as palavras do pesquisador,
[...] para muitos filhos de camponeses nunca haverá casa própria a gerir, se acaso
não foi o privilegiado na transmissão da paterna ou não conseguir pecúlio
suficiente (a que acresce a sua legítima na herança) para se dotar junto à filha de
algum camponês que não tenha filhos masculinos [...]. (ALVES, 1994, p.71)
Destituídos, assim, esses indivíduos da herança da terra, o destino dos mesmos passa a
obedecer à busca de uma diversificação de atividades não mais ligadas à terra, como o
artesanato, o comércio, o aprendizado nos ofícios mecânicos ou, mais raramente, para os mais
bem dotados, a vida eclesiástica ou burocrática.
Para empreender a aprendizagem do novo ofício a ser seguido, na maioria das vezes
recorria-se à ajuda dos familiares – pai, padrinho, irmão mais velho – ou de algum tutor. Em
regra, ia o jovem de família sem nobreza, a partir dos 11 anos, para a formação no
diversificado mercado dos ofícios, limitado principalmente ao padrão de formação que a
família conseguisse pagar, ou que fosse mais adequado à realidade do mercado regional de
serviço. O objetivo desse aprendizado não era fazer fortuna com o ofício aprendido, mas dar
condições mínimas ao indivíduo de ganhar a vida com alguma dignidade.
Era normal, dentro desse quadro, que vários membros de uma mesma família
trabalhassem no mesmo ofício, já que a relação de parentesco facilitava e barateava o acesso à
aprendizagem, que era relativamente cara para uma família sem recursos e com muitos filhos
a educar. Segundo a observação de Alves sobre os aspectos dessa formação,
A possibilidade de acompanhamento familiar, os custos de aprendizagem, o
rendimento familiar acrescido, o “segredo” na transmissão de certas artes, tudo
isso contribuía para que o artesanato se reproduzisse socialmente, existindo
276
famílias que ao longo das gerações cultivavam a mesma actividade, sobretudo nas
profissões que exigiam aprimoramento mais refinado. (ALVES, 1994, p.74).
Neste sentido, lembramos aqui os dados levantados pelo pesquisador Adriano Ramos
(2002) sobre o Mestre português imigrado para Minas, Francisco Vieira Servas, que aprendeu
o seu ofício de carpinteiro, escultor e retabulista com seu padrinho Francisco Vieira também
mestre nesses ofícios e que tem entre suas obras documentadas os três retábulos e a talha do
arco da capela-mor da Matriz de São Salvador de Torgueda, na região de Trás-os-Montes.
Segundo os estudos da Professora Natália Marinho Ferreira-Alves (2001), que
pesquisou profundamente a formação dos oficiais ligados à talha no Porto setecentista, a
organização em atelier durante o século XVIII em Portugal ainda seguia regras muito
restritas, cujas origens ainda remontavam ao Medievo e que foram regulamentadas em
Portugal a partir da Revolução de Avis (1383-1385), que garantiu representação municipal
aos oficiais mecânicos, durante o reinado de D. João I. Constituiu-se esse grupo
corporativamente desde esse período, sob a proteção do Rei e da bandeira de São Jorge. Os
ofícios mecânicos assumiram, assim, prerrogativa garantida ao mesmo tempo de exercício e
formação de indivíduos em suas atividades regulamentadas e de aceitar os diversos deveres de
vassalagem com o Rei, através do Estatuto dos Mesterais. Entre esses temos, por exemplo, a
obrigatória participação dos ofícios embandeirados nas comemorações públicas dentro das
respectivas irmandades religiosas, como na famosa procissão de Corpus Christi, tão bem
documentada em toda a região das Minas. Conforme informa Oliveira Cintra, em São João
del-Rei, no ano de 1804, ainda:
Realiza-se a pomposa procissão de Corpo de Deus, promovida pela Câmara.
Também saiu na procissão a imagem de São Jorge, que foi aprontada pelos juizes
dos ofícios sgs.: Latoeiro, Ferreiro, Serralheiro, Ferrador, Carpinteiro e Pedreiro.
(CINTRA, 1982, p.232)
277
Segundo os estudos da Professora Natália Ferreira-Alves, a formação tradicional dos
jovens aprendizes fazia-se através do treinamento na oficina:
Era na oficina ou tenda que o jovem aprendiz dava os primeiros passos no
conhecimento da profissão. A sua aceitação por parte do mestre implicava
frequentemente a assinatura de um contrato entre este e o pai ou tutor do jovem, no
qual estavam consignadas cláusulas importantes para ambas as partes. Entre elas,
destacavam-se, relativamente ao mestre: a obrigatoriedade de ministrar o ensino da
arte; de dar alojamento, vestuário e alimentação; de não poder despedi-lo sem justa
causa e de lhe dar assistência em caso de doença. Quanto ao aprendiz, não podia
abandonar a oficina sem que o prazo acordado tivesse expirado e, no caso de se
verificar esta ocorrência, ficava obrigado a pagar o salário do oficial contratado
em sua substituição; era penalizado se causasse prejuízos ou roubasse; e tinha, por
vezes, de pagar uma quantia durante o tempo de aprendizagem (também se podia
verificar o inverso, isto é, o mestre pagar pelos serviços prestados). A aprendizagem
do ofício iniciava-se entre os onze e os catorze anos e tinha uma duração de dois a
cinco anos para os ofícios ligados ao trabalho ds madeira (entalhador, escultor,
torneiro e ensamblador) e cinco a nove anos para os pintores. Um dos preceitos
mais interessantes dizia respeito ao impedimento relativamente ao mestre que não
podia receber outro aprendiz, sem que o aprendizagem do primeiro estivesse em
grande parte garantida; da mesma forma, não lhe era permitido aceitar um
aprendiz de outro mestre, sem o seu consentimento prévio. (FERREIRA-ALVES,
2001, p.24)
Terminado o tempo de aprendizado, ainda exigia-se do aprendiz, segundo os estatutos
dos ofícios em Portugal, que o mesmo permanecesse na oficina do mestre como oficial
durante seis anos, para enfim poder ser examinado por dois juízes do ofício que verificavam a
sua competência, o que possibilitaria enfim abrir sua própria oficina e trabalhar para si
mesmo. Esses longos anos como oficial vinculado à oficina do mestre têm sido apontados
como um dos motivos da migração dos jovens oficiais para o Brasil, onde as regras e as
oficinas, principalmente na nova região das Minas, carente destes profissionais, tinham
normas menos rígidas quanto ao tempo de aprendizado e aos vínculos com o mestre,
possibilitando, assim, maior rapidez para obtenção da Carta de Ofício. Os dados conhecidos
sobre os artistas imigrados para a região das Minas, principalmente através do trabalho de
Judith Martins (1974), têm confirmado que a grande maioria imigrava muito jovem, por volta
de 20 a 25 anos, o que explicaria, em parte, a dificuldade de localizar as obras desses artistas
em terras portuguesas.
278
No dizer de Augusto de Lima Junior (1965), a notícia da descoberta do ouro na região
das Minas em Portugal, ainda que no começo gerasse um pouco de desconfiança das
autoridades, foi como um alento para a população pobre, que via na busca do ouro brasileiro a
possibilidade de se libertar do jugo feudal em que vivia, sobretudo nos campos de cultivo, e
principalmente da guerra, além da perspectiva de enriquecimento rápido. Segundo as palavras
de Lima Junior:
Os judeus e cristãos novos, bandos imensos de ciganos, atiram-se para as terras
ultramarinas, buscando a fortuna e a redenção na largueza dos sertões infindos,
onde dificilmente chegariam as importunações do Santo Ofício. Do Minho, de Trás-
os-Montes, das Beiras, desciam caudais humanos que disputavam lugares nas naus,
que, formando grandes comboios, partiam para o Brasil. (LIMA JUNIOR, 1965,
p.54)
Sylvio de Vasconcellos, no seu clássico estudo “Vila Rica” (1977), também atenta
para o afluxo da imigração portuguesa para as terras mineiras, salientando a falta de mão-de-
obra especializada na Capitania de Minas nos seus primeiros anos. Em sua análise de vários
documentos ligados ao preço das construções nesses primeiros tempos da cidade, o
pesquisador mineiro demonstrou o quanto era elevado o preço do serviço da mão-de-obra
especializada, altamente inflacionada pela relação ente oferta e procura. Essa condicionante
tornava bastante compensatória a migração dos trabalhadores desse setor para a região das
Minas durante todo o século XVIII, o que justificava a migração de muitos mestres
portugueses, mesmo tardiamente, durante a segunda metade do século XVIII. Em um
documento pertencente ao Arquivo Histórico Ultramarino, referente à aprovação da
construção do altar-mor da Matriz de Itaverava (Figura 155), publicado por Adriano Reis
Ramos (2002), vemos comprovada essa realidade. Neste documento, já por volta de 1770 os
auditores portugueses ainda se espantam com os preços praticados em Minas para o trabalho
ligado ao oficio mecânico. Na primeira parte do documento, o Desembargador da Real
Fazenda cobra do Ouvidor do Rio das Mortes, Ignácio José de Alvarenga Peixoto, se o
279
mesmo tinha conferido os dados e os preços da arrematação daquele altar-mor com o
arquiteto que fez o projeto e os apontamentos. O Ouvidor do Rio das Mortes assim respondeu
à solicitação:
[...] Em virtude da ordem expedida depois da informação de Dezembargardor
Provedor da Fazenda Real de Minas Gerais João Caetano Soares Pereira Barreto,
informou o Ouvidor do Rio das Mortes Ignácio Joze de Alvarenga, dizendo que
procedera ao exame dos apontamentos da obra; que faltava para a capella-mor, e
tribuna da Matriz da Freguesia de Santo Antonio de Itaverava, a qual obra elle
mandara pôr em praça, e o menor, e mais seguro lanço, que houvera, foi o de
Manoel Fernandes Quintão de vinte e três mil cruzados. Que quanto aos
ornamentos segundo o orsamento que fora feito por dous louvados, poderião
importar segundo o estado deste Paiz dous contos, sessenta e sete mil, cento e
noventa reis, como tudo milhor constava de instrumento, que tinha oferecido,
extrahido do processo, que fizera ordenar em execução da dita Real Ordem. (RAMOS,
2002, p.111)
Na segunda parte do documento, em virtude da confirmação dos procedimentos feitos
pelo Ouvidor do Rio das Mortes com o arquiteto do projeto, os representantes da Real
Fazenda passam a negociar alterações no projeto com o arquiteto, a fim de conseguir diminuir
o preço da obra. Neste trecho, entre outros problemas, o arquiteto expõe que o preço em
questão é justo não tanto pelo tamanho ou complexidade do projeto, mas pelos preços
praticados nas Minas, muito mais altos do que em Lisboa, como transcrevemos abaixo:
[...] Que os jornais dos operários em a America erão muito mais vantajosos, que os
de Lisboa, e por consequencia as obras de muito maior valor; que o requerido era
grande porção da obra e toda esta de extraordinária figura. Que tinha calculado o
custo da dita com excessivo valor que produzião as manufacturas Americanas pelas
deste paiz, que vinha no conhecimento de que o lanço era excessivo; pelo que merecia
pôr se outra vez a lanços pela esperança que poderia haver de produzir grande baixa,
conseguindo-se esta pelo meio de não se executar as colunas letra A, pela figura B,
mas sim em linha recta, evitando se também a sanefa letra C, que deve seguir o arco
perfeito, assim como os dentelos, e moldurar de ornatos desnecessários o que se vê
nos lugares anotados letra D na cimalha ou cornija, e mais declarações expressadas no
dito risco. (RAMOS, 2002, p.111).
Os documentos que conhecemos sobre os imigrantes que vieram para a região das
Minas trabalhar nos ofícios ligados à construção civil e arquitetura não nos permitem dizer
que essa separação da terra natal, culturalmente presente na vida dos homens do Norte, não
280
foi um processo fácil para essa gente arraigada à vida e aos costumes da sua aldeia. No estudo
dos inventários conhecidos dos principais mestres-de-obras mineiros, as lembranças da terra
natal e da família se fazem presentes na maioria das vezes, mantendo eles uma relação
umbilical com vila de origem. Estas muitas vezes chegaram a ser referências na sua produção
artística, como é o caso da escadaria de acesso à entrada principal do Mosteiro de Arouca em
relação à escadaria da Casa de Câmara e Cadeia de Mariana, projetada por José Pereira dos
Santos, natural de Grijó, e construída e alterada por José Pereira, que adotou em terras
mineiras o nome da vila de origem, Arouca
168
.
Um dos casos documentados dentro da história da arte setecentista luso-brasileira que
ilustra bem as ligações dos povos portugueses imigrados para a região das Minas com a região
norte de Portugal é o contrato para a construção da capela de Santo Ovídio em Caldelas,
região de Braga, paga e construída com um projeto enviado da região do Rio das Mortes em
1735 pelo Capitão-Mor do Rio das Mortes, José Alvares Azevedo. Até o momento, ainda é
um documento pouco conhecido e estudado pela crítica especializada de arte e arquitetura
brasileira, mas que pode ser uma chave importante para elucidar diversas lacunas ainda
existentes sobre circularidade cultural entre o norte de Portugal e a região das Minas, dentro
da história da arquitetura setecentista. O contrato da construção dessa capela é rico em
detalhes sobre esses vínculos afetivos e sobre a facilidade de circularidade cultural entre
Braga e as terras mineiras, e prova efetivamente essa dinâmica cultural entre Brasil e
Portugal
169
. Esse importante documento e a sombreada figura do Doutor Calheiros por
168
Ambos terão suas obras analisadas no capítulo 9 desta parte.
169
Os estudos e documentação da vitalidade dessa migração são ainda muito precários, tanto no Brasil como em
Portugal, sendo exceção o trabalho de Donald Ramos: “From Minho to Minas: the portugueses roots of the
mineiro family” (OLIVEIRA, 2001b) . Esse trabalho, embora não esteja exclusivamente focado no estudo da
imigração dos artífices e mestres-de-obras, teve o mérito de propor uma primeira aproximação sobre o problema
que envolveu a imigração do noroeste de Portugal para a região das Minas durante o século XVIII e início do
XIX, sem, contudo, tratar da matriz cultural trasladada. As conclusões sobre as causas da migração, na visão de
Donald Ramos, podem ser sistematizadas nas seguintes conclusões do autor: “[...] immigrantes to Minas Gerais
came primarily from the North of Portugal, a socially distint region [...]. The nature and structure of the
281
pouco não emergeriam da sua obscuridade e continuariam abafados pelo mito modernista do
Aleijadinho se o pesquisador português Eduardo Pires de Oliveira, examinando a
documentação notarial da cidade de Braga, não trouxesse nova luz ao conteúdo e revelasse a
importância desse homem como agente de circularidade artístico-cultural fundamental para a
relação entre Braga, Lisboa, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Para entendermos a importância da cidade do Rio de Janeiro dentro dessa conexão,
lembramos, inicialmente, que o porto da sede do Governo Geral, a partir da abertura do
Caminho Novo, era o destino mais comum para os artistas, mestres-de-obras e artífices que
pretendiam dirigir-se para a região das Minas.
Naquele tempo, pelo Caminho Novo, a viagem era feita de barco até o Porto da Estrela
(Figura 156), hoje Praia de Mauá, que no século XVIII era uma movimentada vila no fundo
da baía de Guanabara. Posteriormente, seguia-se pelo rio Inhomirim pela região da Baixada
Fluminese e dali, a pé ou a cavalo (para os mais ricos), subia-se a Serra Velha, seguindo-se
depois pelo leito do rio Piabanha, no alto da Serra da Estrela, passando por onde hoje
encontra-se Petrópolis, Corrêias e Itaipava. Em seguida, começava-se a atravessar a perigosa
região da Mantiqueira, habitada por índios ferozes e bandidos famosos. Vencido esse trecho,
chegava-se ao início do território das Minas. Naquele tempo, como hoje, para quem vinha do
Rio de Janeiro a primeira paragem principal depois de cruzar o registro do Paraibuna era a
Fazenda da Borba do Campo, perto do Arraial da Igreja Nova (atual Barbacena), lugar de
famosas prostitutas, onde o Caminho Novo dividia-se: uma rota ia direto a Vila Rica (Figura
157) e depois a Sabará, Diamantina e Serro, e outra dirigia-se a São João del-Rei (Figura 158)
Northern Portugal family was very similar to that found in Minas Gerais during the eighteenth and early
nineteenth centuries. Finally, this study suggests that de explanation for this similarity may be found in the
predominance of northen Portuguese emigration – the mining zone of Minas Gerais – that exhibited some of
same broad economic feactures as Northern Portugal.” (OLIVEIRA, 2001b, p.162)
282
e Tiradentes, na Comarca do Rio das Mortes, e daí para o sul de Minas e São Paulo
170
.
Rugendas, já no século XIX, testemunha as dificuldades e os riscos ainda existentes na
viagem à região das Minas. Diz o viajante:
No Brasil, o único meio de transporte, tanto para os homens como para as
mercadorias, é o cavalo ou a mula; no estado atual das comunicações e das
estradas, não se pode pensar no emprego de carruagens; quando muito, algumas
senhoras fazem-se carregar em liteiras, mas viajam raramente. [...] O viajante
isolado pode alugar, para pequenos trajetos, algumas bestas e juntar-se a uma
tropa regularmente organizada; mas para uma viagem longa, principalmente se
levar consigo outras pessoas, e muita bagagem, o melhor a fazer é comprar
imediatamente o número de bestas necessárias. Faz-se então preciso, é evidente,
escolher animais que sejam robustos e mansos e tomar cuidado para não ser
ludibriado; mas é mais importante ainda encontrar um tropeiro experimentado e
honesto, capaz de tratar e guiar os animais durante a viagem.
Qualquer economia nesse sentido seria contraproducente e acarretaria
consequências desagradáveis. Seria loucura imaginar que qualquer escravo possa
ser empregado nesse mister. (RUGENDAS, 1998, p.32)
Sendo assim, a cidade do Rio Janeiro passou efetivamente a ser o maior entreposto
costeiro direto para tudo aquilo que se dirigia para a região das Minas Gerais. No caso mais
específico da nossa pesquisa, os documentos conhecidos sobre a migração de artífices para
esta região têm comprovado que muitos deles, num período anterior à chegada às Minas,
aparecem trabalhando em obras na cidade do Rio de Janeiro, como é o caso do entalhador e
escultor Francisco Xavier de Brito que, antes de imigrar para Vila Rica em 1740, aparece
trabalhando com um parente seu e colega de ofício de nome Manoel de Brito, originário de
Lisboa, na Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, onde arrematou as obras
do arco-do-cruzeiro e altares laterais da igreja carioca entre 1735 e1739.
Essa primeira aclimatação no Rio de Janeiro ainda não foi valorizada suficientemente
pelos estudos existentes sobre a arquitetura mineira do século XVIII. Parece-nos, entretanto,
fundamental de ser explorada, para que se possa entender algumas aproximações culturais, a
170
As informações sobre o trajeto do Caminho Novo ligando o Rio de Janeiro à região das Minas Gerais foram
obtidas a partir do texto “Estrada Real” (2005).
283
nosso ver importantes, entre a história da arquitetura religiosa setecentista mineira e carioca.
Do ponto de vista da logística, qualquer indivíduo que passou um período embarcado de
quase três meses muito improvavelmente teria condições de seguir viagem imediatamente, até
por depender de guia e, provavelmente, por precisar renovar seus recursos financeiros.
Também podemos especular que, após uma viagem destas, mesmo jovens, estes indivíduos
possivelmente tinham alguma debilitação de sua saúde. Seria temeroso, para uma cultura que
tinha a morte por companheira e apenas o terço como remédio, arriscar-se imediatamente a
outra viagem não menos cansativa e perigosa, sem um período de descanso em terra firme que
poderia ser aproveitado para aclimatar-se à realidade cultural e social da colônia. Também
parece-nos verossímel afirmar que o mais lógico é que esses artífices tivessem contatos, antes
do embarque em Portugal, tanto na cidade do Rio de Janeiro como nas terras mineiras, com
aparentados e conhecidos que lhes dessem suporte para essa imigração. Os dados
demográficos conhecidos demonstram que a colônia de pessoas provenientes da região norte
de Portugal, tanto no Rio de Janeiro como nas Minas, era enorme e, certamente, num mercado
carente de mão-de-obra especializada, não deveria ser difícil arranjar um emprego temporário
que possibilitaria a um jovem oficial português juntar algum recurso dentre os inúmeros
canteiros-de-obras existentes no Rio de Janeiro durante o século XVIII. Esses canteiros, em
sua maioria, eram dirigidos por patrícios portugueses, como por exemplo o escultor Simão da
Cunha, natural de Braga que deixou uma obra notável da talha na igreja do Mosteiro de São
Bento. Assim sendo, é bastante provável que quando estes artistas imigravam definitivamente
para a região de Minas Gerais, já conheciam e estavam aclimatados ao padrão estético e ao
modo menos controlado de produção dos ofícios na colônia e, possivelmente, alguns até já
tivessem regularizado sua Carta de Ofício no Rio de Janeiro, e que de lá levassem para a
região das Minas objetos que fossem fundamentais para atualização aos novos padrões
estéticos incorporados ao fazer da sua especialidade artística.
284
Nos inventários referentes a alguns dos principais construtores e arquitetos atuando em
Minas Gerais, a importância da praça do Rio de janeiro na vida cotidiana dos mesmos e a sua
atualização com o que se passava na vida de seus familiares em Portugal, aparece
frequentemente revelada. No do Mestre-pedreiro e Arquiteto José Pereira dos Santos, por
exemplo, a certa altura o mesmo afirma:
Declaro que Bento Garcia official da mesma obra do Rosário de Villa Rica, me he
devedor da quantia de noventa oitavas de ouro, pouco mais ou menos de dívidas
que por elle paguei, da qual quantia me passou huma letra para o Capitão Paulo
Pereira de Souza me pagar, como tesoureiro da dita Irmandade. Declaro, que o dito
Capitão Paulo Pereira me he devedor de cincoenta oitavas de hum ajuste, que
comigo fez para por huns novos portais na dita Igreja por ordem sua, em lugar de
oculos como também o dito Capitão me deve repor huma das custas do Rio de
Janeiro que me mandou assistir, cuja quantia lhe levei em conta duas vezes, e por
isso me deve repor huma, como consta das receitas que se achão em meu poder,
feitos e assinadas pelo sobredito Capitão. (Anuário do Museu da Inconfidência,
1954, p. 143)
171
Esse importante trecho prova a mobilidade desses mestres portugueses ao longo do
século XVIII. Neste caso, José Pereira dos Santos, o arrematante, a mando do empregador,
Capitão Paulo Pereira – Tesoureiro da Irmandade do Rosário de Ouro Preto, – vai ao Rio de
Janeiro para assistir em obras lá existentes. Neste mesmo inventário, quando o construtor e
arquiteto fala das suas relações familiares ele afirma:
Declaro que possuo em Portugal minha Patria na Freguesia de São Salvador de
Grijó, Comarca do Porto, huns bens e terras, huma propriedade de casas, e seu
aposento que pertencião a meo irmão Manoel Pereira dos Santos, porém hoje são
minhas, por satisfazer, huma escriptura de uma hipoteca, em que acha na mão de
meo tio Francisco de Brito, feita a dita escriptura no Rio de janeiro, he porém
minha vontade, que meo testamenteiro nada peça de rendimento, nem lucros
atrazados dos seus administradores, pois espontaneamente, dando los de uso, com a
maos parentes, que são, os quaes bens, se acham em poder de meu cunhado Felix
Francisco”. (Anuário do Museu da Inconfidência, 1954, p.144.)
172
171
Ver Anexo José Pereira dos Santos – Testamento de José Pereira dos Santos – 1762.
172
Ver Anexo José Pereira dos Santos – Testamento de José Pereira dos Santos – 1762.
285
Segundo o documento que localizamos no Arquivo Distrital do Porto, o citado Félix
Francisco casou-se com a uma irmã de José Pereira dos Santos, chamada Ana de Fontes,
batizada com o sobrenome da mãe, Maria Francisca de Fontes. O casamento aconteceu em 20
de maio de 1744
173
. O fato dos padrinhos não terem vínculos de parentesco direto talvez
indique que José Pereira dos Santos já teria imigrado para o Brasil. Entretanto, através de suas
palavras no testamento, parece-nos que ele estava bem a par do que acontecia com a vida da
família em Portugal, confiando inclusive ao cunhado o uso dos seus bens. Em outro trecho,
que trata da execução da testementária, ele invoca de novo a confiança de seus parentes na
região de Minas: “E para que esta minha ultima vontade de pressa, e mais facilmente ser em
tudo comprida, e executada rogo em primeiro lugar a meu primo o Sr. João de Brito
Nogueira, e faltando a João de Amorim Pereira e Antônio de Maia Fontes, meu primo.”
(Anuário do Museu da Inconfidência, 1954, p.145)
174
Em nossas pesquisas no Arquivo Distrital do Porto, localizamos a certidão de
nascimento do referido João de Brito Nogueira, nascido em 25 de julho de 1727, que tem
como testemunha do registro o pai de José Pereira dos Santos, Ignácio Pereira dos Santos.
João de Brito Nogueira, embora mais novo oito anos que o mestre-pedreiro, que nasceu em 05
de fevereiro de 1719, também imigrou ainda jovem para a região das Minas na trilha dos seus
parentes.
Outro caso interessante de ser analisado é o do rico empreiteiro e Mestre-de-obras José
Pereira Arouca, que chegou em Minas com apenas vinte anos, por volta de 1750, e que pode
ser aparentado de José Pereira dos Santos, com quem aparece trabalhando no início de
carreira. No seu inventário, esse conhecido personagem da arquitetura setecentista mineira,
além de valorizar os laços de família em Portugal, não esqueceu-se também de deixar esmolas
173
Ver Anexo José Pereira dos Santos – Casamento de Ignácio Pereira dos Santos e Maria Francisca – 1715;
Casamento de Félix Francisco e Ana de Fontes – 1746.
174
Ver Anexo José Pereira dos Santos – Testamento de José Pereira dos Santos – 1762.
286
às capelas de sua devoção em Arouca, o que demonstra seus vínculos afetivos com a sua terra
natal. Pelo que inferimos na confrontação do seu inventário com os documentos levantados
sobre sua família no Arquivo Distrital do Aveiro, ele devia estar ciente do falecimento dos
seus irmãos mais velhos Feliciana, Miguel, Manoel e Maria, deixando herança apenas para as
sobrinhas que viviam em Portugal, quando faleceu em 1795: “Declaro que deixo a três
sobrinhas que tenho em Portugal, filhas de uma minha irmã por nome Maria Pereira as quais
se chamam: uma por nome Maria, outra por nome Feliciana, e outra por nome Mariana, às
quais deixo, de esmola, a cada uma, dois mil cruzados.” (MENEZES, 1978, p.85)
Num outro trecho, Arouca deixa claras as relações afetivas com a terra em que nasceu:
Declaro que deixo à Capela do Divino Espírito Santo, da Freguesia onde nasci, cem
mil reis para obras da dita Capela; e também deixo, por esmola, para a Capela de
Santo Ovidio, da mesma freguesia, trinta mil reis e também deixo, por esmola, para
a Capela de Nossa Senhora da Mó, da mesma freguesia, outros trinta mil réis e com
os recibos dos mordomos das ditas capela. (MENEZES, 1978, p.85)
Mais à frente, o testador ainda volta ao assunto da herança de seus parentes em
Portugal, preocupado com que os mesmos recebam as suas partes. Diz o testador:
Declaro que o que tocar a meus herdeiros no Reino, como também algumas
disposições que faço para a mesma paragem, meu testamenteiro o reiterá em sí
enquanto não tiver ocasião de mandar meter no cofre da Nau de Guerra, evitando e
por este modo a que o juízo dos ausentes não faça recolher as ditas heranças e as
mais disposições que todo capitão de mar e guerra, e os mais oficiais da dita Nau,
que costumam assinar os tais conhecimentos, constar ter recibos as tais parcelas,
pertencentes ás ditas heranças e mais de minha disposição, se levará em conta ao
meu testamenteiro, sem que lhe seja preciso mais documento algum nesta parte.
(MENEZES, 1978, p.86)
José Pereira Arouca, experimentado homem de negócios, parece também conhecer
bem os trâmites para enviar recursos a Portugal e suas armadilhas nas naus que saem do Rio
de Janeiro. Arouca, como Pereira dos Santos, também deixou a execução de sua complicada
testamenteria a um parente que já ostentava, no período a sua morte, o título de Alferes,
287
chamado Francisco Fernandes de Arouca. Pelos documentos existentes sobre esse mestre-de-
obras, sabemos ainda da existência de um outro sobrinho seu nas terras mineiras de nome
Fernando José de Arouca, que num documento proveniente do Arquivo Público Mineiro,
aparece junto com o testamenteiro Francisco Fernades Arouca, numa viagem de negócios à
Capitania de São Paulo:
Diz José Pereira Arouca da cidade de Mariana, que mandando a Capitania de São
Paulo, seu sobrinho Fernando Pereira Arouca na compamhia de Francisco
Fernandes Arouca, a comprarem e conduzirem a esta Capitania um lote de bestas
novas, o que fizeram e chegando ao Registro da Mantiqueira, do Caminho Velho,
Freguesia de Pousos Altos, com 125 bestas, o comandante do dito Registro lhas não
deixou passar. (MENEZES, 1978a, p.68).
175
Após essas análises, podemos concluir, então, que esses documentos demonstram que
o raio de ação desses indivíduos era bem maior do que a extensão territorial da região das
Minas, como se supunha anteriormente e que, ao contrário do que se pensava, também não
estavam contaminados apenas pelos valores da cultura mineira. Não sabemos ainda ao certo a
frequência dessas viagens à Corte e a outras províncias próximas, e talvez nunca saberemos,
mas certamente eles existiram e possibilitaram a esses homens ter pleno conhecimento do que
se fazia no ramo da construção no Rio de Janeiro durante o século XVIII e, pelo que
deduzimos, em função de algumas soluções arquitetônicas utilizadas, também de Portugal.
Sobre a influência do Rio de Janeiro, o próprio Lucio Costa, contrariando a limitação
geográfica da arte mineira defendida pelos modernistas, já tinha aventado a possibilidade de
viagem do Aleijadinho ao Rio de Janeiro em 1774, de onde teria tirado a inspiração dos
medalhões das suas portadas do existente na portada da igreja da Ordem Terceira do Carmo
daquela cidade, importada de Lisboa por volta de 1766 (Figuras 159 e 160). Outro aspecto
importante de ser levado em conta quando tratamos de circularidade cultural é que a intensa
175
Ver Anexo José Pereira Arouca – Petição à Coroa sobre isenção de impostos – 1791.
288
relação, durante todo o século XVIII, entre Minas e o Norte de Portugal, via Rio de Janeiro,
envolve, principalmente, como demonstram os documentos, o já citado Doutor Antônio
Pereira de Souza Calheiros, cuja trajetória analisaremos no capítulo seguinte, pois
corresponde a um modelo de transposição de cultura arquitetônica e sua reinvenção em terras
mineiras pela sua farta documentação encontrada sobre o seu trânsito e pela sua importância
como elemento fundamental para essa Tese.
Estas hipóteses, que no mínimo colocam o Doutor Antônio Pereira de Souza Calheiros
como um dos arquitetos mais criativos do Barroco luso-brasileiro e um dos suportes para
introdução do Barroco tardio em Minas Gerais, abrem também a possibilidade de que, em
outras ocasiões ao longo do século XVIII, possam ter ocorrido a exportação de projetos para
outras localidades do Norte de Portugal. Uma dessas possibilidades, que localizamos durante
nossa temporada de estudos em Portugal, é a igreja do pouco estudado Santuário de Nossa
Senhora do Socorro, na região de Ponte de Lima. Ali, as similaridades das soluções formais e
espaciais da capela-mor e sacristia, com as inovações propostas pelo mestre-de-obras,
Arquiteto e Canteiro português Francisco de Lima Cerqueira para as modificações do projeto
de São Francisco de São João del-Rei são tantas que muito há para se refletir (Figura 161), a
começar pelo sobrenome do mestre-de-obras, que adota o “de Lima”, pelo que parece, mais
como uma referência de origem (como era comum à época entre os portugueses imigrados) já
que o nome de seus pais eram Antonio Bintes e sua mãe Izabel Cerqueira
176
. O mais
importante de tudo isso é a possibilidade de que a vitalidade da cultura arquitetônica
constituída em Minas Gerais estivesse sendo reconhecida até mesmo em algumas regiões do
norte de Portugal, fortalecendo ainda mais essas ligações transatlânticas entre a região das
Minas e a terras dos principais imigrados.
176
Ver Anexo Francisco de Lima Cerqueira – Batismo de Francisco de Lima Cerqueira – 1728.
289
Neste sentido, parece-nos importante salientar o vigor dessa nova cultura arquitetônica
construída no meio sócio-cultural das Minas Gerais setecentistas que, efetivamente, a julgar
pela produção da sua mais importante e representativa arquitetura religiosa, transformou
mesmo os mais ortodoxos mestres-pedreiros para cá imigrados – ligados, como vimos
anteriormente, a uma tradição conservadora milenar – em indivíduos mais abertos e criativos
às experimentações estéticas contaminadas pela diversidade cultural existente em uma região
que se inventava, sem tempo para sedimentações consistentes de tradições que não pudessem
ser rompidas e redimensionadas a qualquer momento. Isso não quer dizer, no entanto, que a
arquitetura mineira foi sempre revolucionária, muito antes pelo contrário; em termos
quantitativos ela foi muito mais conservadora e tradicional. Em compensação,
qualitativamente, nas vezes em que ela transgrediu o padrão português tradicional, conformou
uma qualidade arquitetônica inovadora frente ao que se produzia no Brasil e mesmo em
Portugal no mesmo período, ainda que trabalhando sobre a mesma base tratadística e de
modelos artísticos e sobre o mesmo entendimento estamental de mundo.
290
CAPÍTULO 8 – OS AGENTES CULTURAIS E A TRANSPOSIÇÃO DA CULTURA
ARQUITETÔNICA EUROPÉIA PARA MINAS
artindo da herança formal e tecnológica herdada da arquitetura paulista, a
experiência mineira foi construída, frente às experimentações propostas nos seus
primeiros vinte anos de fundação, a partir de dois parâmetros: a larga utilização da tecnologia
da terra apiloada chamada taipa, como resposta tecnológica à precariedade do meio; e a busca
da funcionalidade pragmática como determinante da forma dos modelos arquitetônicos
empreendidos. Desta filiação descendem as primeiras capelas e residências que inundaram a
região de Minas entre 1690 a 1720, ligadas a modelos arquitetônicos da cultura bandeirante e
jesuíta cabocla
177
, como por exemplo a capela do chamado sítio do Padre Inácio em Cotia
(Figura 162) ou do complexo jesuítico do Embu (Figura 163), que os modernistas, no seu
gosto pela racionalidade, classificaram como sendo uma arquitetura de “saúde plástica
perfeita” no dizer de Lucio Costa (1995, p.457)
178
. Igrejas como as Matrizes de São
Bartolomeu (Figura 164) e de Santo Amaro, em Brumal, distrito de Santa Bárbara (Figura
165), estão vinculadas a essa escola. Alguns documentos como o de arrematação da capela de
Santo Antônio do Bacalhau
(Anuário do Museu da Inconfidência, 1954, p.39-40), de 1743,
ainda ilustra bem a força dessa cultura arquitetônica herdada dos Paulistas na cultura
arquitetônica mineira.
177
Conceitualmente, podemos definir a “cultura bandeirante e a jesuíta cabocla” como parte de um mesmo
universo que tem a utilidade prática e a construção em terra como vetores fundamentais na estruturação da
arquitetura civil e religiosa, equivalentes ao modus operandi comum no território da Capitania de São Paulo, no
século XVII, de onde partiram os bandeirantes. Corresponde a essa filiação a primeira aclimatação de modelos
arquitetônicos em terras mineiras.
178
Essa adjetivação corresponde ao fato de que para os arquitetos modernos adeptos do racionalismo
corbusiano, a arquitetura devia ser principalmente coerente e verdadeira quanto à articulação dos aspectos
funcionais, estruturais e plásticos. Neste sentido, a arquitetura dos primeiros tempos de Minas, avessa a qualquer
possibilidade de decorativismo que escondesse a sua precariaedade estética, adequava-se perfeitamente aos
ideais da arquitetura modernista.
P
291
Por volta do início da segunda década do século XVIII, a partir da consolidação dos
primeiros arraiais pertencentes à Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, estabelecida pela
Carta Régia de 9 de novembro de 1709, iniciou-se a fase de estruturação efetiva do território
mineiro, com a presença oficial do Estado Português, a fim de disciplinar a vida na região,
cada vez mais populosa em virtude do fluxo crescente dos imigrantes portugueses, africanos e
habitantes de outras partes do Brasil que chegavam para trabalhar na mineração em busca do
sonho do enriquecimento rápido.
O primeiro Governador nomeado, D. Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho
elevou à condição de vila uma série de arraiais que já tinham se consolidado como centros de
referência urbana dentro da zona mineral. Já no ano de 1711 eleva à condição de Vila o
Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo (atual Mariana), Vila Rica (atual Ouro Preto) e a Vila
Real de Nossa Senhora da Conceição de Sabará (atual Sabará). Dois anos depois, em 1713, o
segundo Governador D. Brás Baltasar da Silveira eleva também à categoria de Vila São Joaõ
del-Rei (que continua com o mesmo nome), em 1714 Vila Nova da Rainha (atual Caeté), em
1715 Nossa Senhora da Piedade do Pitangui (atual Pitangui) e, mais tardiamente, em 1718
São José del-Rei (atual Tiradentes). Pela provisão do mesmo Governador, de 6 de abril de
1714, foram também demarcadas as três primeiras comarcas: Vila Rica, Rio das Velhas e Rio
das Mortes, às quais já estavam vinculadas, como informa Augusto de Lima Junior, diversas
paróquias providas canonicamente pelo Bispo do Rio de Janeiro Dom Frei Francisco de São
Jerônimo.
Com a presença do Estado português na região das Minas, a vida nas vilas começou a
desenvolver-se com maior estabilidade social e urbana. Movidas ao ritmo alucinado gerado
pelas riquezas obtidas com a mineração do ouro, permitia-se que rapidamente se
consolidassem outras estruturas econômicas da Capitania, principalmente vinculadas ao
comércio e aos ofícios. Esse estágio da formação urbana das vilas do ouro mineiras,
292
classificado por Sylvio de Vasconcellos (1977) como o “ciclo das Matrizes”, foi pelo
pesquisador caracterizado como uma época ainda de uma necessária solidariedade entre as
diversas classes sociais existentes que, através de um regime de tolerância racial e social
comum, foram os grandes agentes da construção dessas primeiras grandes igrejas mineiras.
Essa experiência, ainda que pouco ressaltada nos estudos ligados á história social mineira,
indica que desde os primeiros tempos uma certa relação de convívio social teve que ser
obrigatoriamente praticada na região das Minas, a fim de se conseguir os resultados
pretendidos dentro das regras ditadas pelo rápido processo civilizatório.
Para a construção das sedes paroquiais, chamadas de Matrizes, a população contava
com um sócio ilustre, o Rei. Pela Lei do Padroado Régio, nas Matrizes onde existiam as
Vigarias Coladas, vinculadas ao Estado, tornava-se solidário com essas construções,
remetendo, além da ajuda financeira, quantias de folhas de ouro e alfaias para a ornamentação
dessas igrejas. É bastante documentada na historiografia da arte mineira desse período a ajuda
dada por D. João V à matriz da Vila de São João del-Rei (ALVARENGA, 1994, p.54-55).
Do ponto de vista dos modelos arquitetônicos que orientaram a construção dessas
matrizes mineiras, pouco ainda se conhece documentalmente sobre parâmetros da cultura
arquitetônica que norteou os homens responsáveis por essas edificações, e poucos são, ainda,
os nomes conhecidos de arquitetos e engenheiros ligados a esses empreendimentos.
O que podemos concluir pela escassa documentação existente é que, de certa maneira,
do ponto de vista plástico-formal elas foram fruto muito mais da limitação técnica ligada à
tecnologia da madeira e da taipa, e por isso amplamente dominada pelos mestres-carpinteiros
no seu processo construtivo, do que fruto de uma intenção arquitetônica de origem mais
erudita. No entanto, do ponto de vista da análise funcional, o traçado está regido pelos
princípios dos traçados regulatórios “ad quadratum” ao gosto do estilo Chão português.
Estes, como vimos, estão intimamente ligados à idéia presente dentro da cultura arquitetônica
293
portuguesa de privilegiar, na concepção de sua arquitetura, as propriedades mais controláveis
e facilmente demonstráveis da Geometria, que estão presentes tanto na base dos tratados de
Engenharia Militar do final do século XVII, como o de Luís Serrão Pimentel, e naqueles do
início do século XVIII, como o de Manuel de Azevedo Fortes, quanto na cultura dos mestres-
pedreiros e carpinteiros que trabalhavam com traço de arquitetura. Nesta cultura, conforme
demonstramos anteriormente, os textos pedagógicos mais comuns baseavam-se ainda nos
tratados maneiristas de Serlio, Sagredo e Vignola, que ditavam a moda arquitetônica ainda em
pleno século XVIII em Portugal.
Mesmo assim, é preciso reconhecer que a arquitetura religiosa mineira nasce de forma
diferenciada do ponto de vista da criatividade. Ainda que não houvesse possibilidades reais de
grandes variações, podemos distinguir ao menos três momentos que demonstraram a
vitalidade criativa diferencial na variação sobre a mesma tipologia, frente às permanências da
cultura reinol consolidadas em Portugal e no litoral. Neste sentido, podemos dizer que entre as
igrejas mais importantes do ciclo das Matrizes, existiu um primeiro grupo mais antigo
composto pela Matriz de Nossa Senhora da Conceição em Sabará como pela atual Sé de
Mariana, onde ainda se utilizou o formado de três naves, tanto à moda mais simplificada,
seguindo o modelo da antiga Sé do Rio de Janeiro (Figura 166), consolidada em Sabará
(Figura 167), quanto à moda dos Jesuítas de Salvador (Figura 168), consolidada na Sé de
Mariana (Figura 169).
Houve também um segundo modelo, funcionalmente mais simplificado e atualizado,
de igrejas de uma só nave. Foi o partido utilizado em matrizes como as de São João del-Rei
(Figura 170) e Tiradentes. E ainda um terceiro, de exceção à natureza estática desses dois
primeiros modelos ligados ao gosto rígido do espaço maneirista português, que surgiu de
maneira mais tímida na Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias em Ouro
Preto (Figura 171), com seus ângulos chanfrados na nave, e no revolucionário projeto de um
294
decágono de forma elipsoidal que forma a nave da Matriz do Pilar, na mesma Ouro Preto
(Figura 172)
179
. Isto demonstra, desde o início, o quanto a arquitetura, principalmente na
região de Ouro Preto, estava atualizada com o barroquismo lisboeta da transição dos séculos
XVII e XVIII, e como era possível partir para novas experimentações estranhas à cultura
portuguesa nas Minas.
Sobre essa última igreja, tida por todos os críticos da arquitetura mineira setecentista
como ponto de partida da criatividade nascente da “escola mineira”, as informações
documentais existentes são, do nosso ponto de vista, limitadas, truncadas e imprecisas para
firmar atribuições feitas a esse projeto. Alias, é bem conhecida na nossa historiografia sobre a
arquitetura religiosa mineira a ligação que têm os projetos e a construção tanto na Matriz do
Pilar quanto na Matriz de Antônio Dias em Vila Rica, aos jovens irmãos carpinteiros recém-
imigrados da região de Lisboa: Antônio Francisco Pombal e Manoel Francisco Lisboa. Pouco
brilho foi dado ao nome do Engenheiro Militar Pedro Gomes Chaves pelos estudos
modernistas que são base das análises existentes sobre a revolucionária planta da nave da
Matriz do Pilar.
Neste sentido, é preciso mudar o foco da investigação moderna, e lembrar, quando
passamos a pesquisar o problema da fundação, criação, formatação e difusão da cultura
arquitetônica em Minas nos seus primeiros tempos, que existiram outros agentes culturais
fundamentais no primeiro trânsito Portugal-Minas Gerais, que não foram só os conhecidos
irmãos Lisboa e Pombal, ainda que tenham tido um papel relevante. O desenvolvimento da
arquitetura religiosa mineira setecentista mais erudita esteve, do nosso ponto de vista, muito
mais ligado sobretudo a profissionais mais esclarecidos, como alguns engenheiros militares e
alguns profissionais eruditos. Uma prova da erudição arquitetônica dos engenheiros militares
179
Esse modelo foi copiado por volta de 1750 como protótipo de planta da Matriz de Nossa Senhora do Pilar em
Pitangui, infelizmente destruída por incêncio 1914.
295
durante o século XVIII são alguns desenhos localizados por Robert Smith das Aulas de
Fortificação da Bahia e de Pernambuco no Arquivo Histórico Ultramarino (Figura 173). Para
efeito de classificação, separamos esses grupos de agentes culturais que atuaram entre 1720 e
1770 em três estágios de representação no desenvolvimento e transmissão da cultura
arquitetônica: a) os agentes oficiais, representados pelos Engenheiros Militares Pedro Gomes
Chaves e José Fernandes Pinto Alpoim; b) os agentes da prática construtiva e arquitetônica,
representados pelos Carpinteiros e Arquitetos Antônio Francisco Pombal, Manoel Francisco
Lisboa, Antônio da Silva e Francisco Branco de Barros Barigua; c) e os agentes intelectuais,
representados pelo Dr. Antônio Pereira de Souza Calheiros e João Gomes Baptista. Destes,
nos deteremos na nossa análise às figuras principais, que estão diretamente ligadas a questão
do desenvolvimento da arquitetura religiosa em Minas Gerais: Pedro Gomes Chaves e Manoel
Francisco Lisboa dos grupos a e b e João Gomes Baptista e o Dr. Antônio Pereira de Souza
Calheiros do grupo c.
296
8.1. Pedro Gomes Chaves
Engenheiro Militar Pedro Gomes Chaves apresenta-se, segundo a
documentação existente, como o primeiro projetista qualificado atuando na
região nas Minas. A ele o Vereador Segundo de Mariana, no manuscrito do “Relato dos fatos
notáveis”, atribui o risco original da Matriz do Pilar de Vila Rica, por volta de 1720, ainda
que a obra somente tenha sido arrematada em 1731. Aparece novamente por volta de 1741
(MARTINS, 1974, v.1, p.181), intervindo novamente na condição de arquiteto, quando
apresenta um projeto para a ampliação da capela-mor
180
.
Pouco até hoje se conseguiu apurar sobre esse personagem, que mesmo na Tese de
Beatriz Bueno (2001) aparece como figura discreta, citado apenas como Lente da Aula Militar
da Bahia em 1709
181
. Esse dado, aliás, está de acordo com um único documento por nós
localizado em Portugal referente a esse indivíduo, nas publicações de Souza Viterbo:
“Diccionário sobre arquitectos, engenheiros e construtores portugueses” (1974). O
documento encontrado refere-se exatamente a uma consulta ao Conselho Ultramarino, datada
de 11 de junho de 1709, que propunha sua nomeação em primeiro lugar para engenheiro da
praça da Bahia:
Pareceo ao Conselho votar em primeiro lugar para o posto de engenheiro da dita
praça em Pedro Gomes Chaves, que sobre concorrer na sua pessoa hauer seruido
180
De fato, a presença do Sargento-mor Engenheiro Pedro Gomes Chaves na Capitania de Minas no início da
década de 20 do século XVIII está documentada. O projeto complementar para a capela-mor da Matriz do Pilar
pode significar a segurança e valorização do seu trabalho como arquiteto da igreja. Se os outros carpinteiros
trabalhassem com o mesmo nível desse engenheiro militar, não haveria necessidade de esperá-lo para uma
solução relativamente simples, como a adotada nesse projeto, funcionalista e de grande aceite nos anos
seguintes.
181
Embora a nomeação de Pedro Gomes Chaves tenha sido feita para a Bahia, Beatriz Bueno (2001) localizou-o
como Lente da Aula de Fortificação do Rio de Janeiro, o que possibilita uma relação mais próxima com a região
das Minas. Ver Anexo Pedro Gomes Chaves – Quadro de Lentes da “Aula de Fortificações do Rio de Janeiro”.
O
297
de saldado por espaço de sinco annos, embarcadose em algûas armadas, se mostra
acharse nas prouincias de Alemtejo, Beira e Traz os Montes na mayor parte das
ocaziões da guerra prezente, ocupando o posto de capitão engenheiro com grande
aseitação dos generaes, e de ter boa noticia da sua capacidade e prestimo, com
declaração que se lhe deue passar patente de sargento mor com trinta mil reais de
soldo por mez, pois aos que saiem da Aulla, que vão para as conquistas, se lhe dão
vinte e sinco mil reis por mez, sem terem a experiencia e graduação do supplicante,
e nesta differença se fazer merecedor de algûa vantagem mais, impomdoselhe a
clausulla de que não só será obrigado a ensinar na Aulla publica aos que quizerem
aprender, mas que hira a toda a parte onde for necessario” (VITERBO, 1974, p.67)
Num segundo documento conhecido, citado por Judith Martins (1974, v.1, p.181)
como oriundo do Arquivo Público Mineiro, a 18 de maio de 1722 o Sargento-mor Pedro
Gomes Chaves é notificado por Carta Régia para regressar ao Rio de Janeiro
182
.
Analisando os quadros de hierarquia da carreira de engenheiro militar português
183
que vigoraram entre 1693 e 1787, o cargo de sargento-mor ao qual Pedro Gomes Chaves está
sendo nomeado em 1709, aparece na segunda posição intermediária da carreira depois do
grau conquistado, o que demonstra que o mesmo oficial já era um engenheiro experiente e
competente naquela ocasião, sendo por isso recomendado para ensinar em Aula Pública. Pelas
recomendações contidas no parecer da sua nomeação, ele provavelmente era português e teria
estudado em Lisboa na Aula de Fortificação e Arquitetura Militar criada em 1647 pelo
Cosmógrafo-mor do Reino Luís Serrão Pimentel, que publicou em 1680 o tratado “Método
lusitano de desenhar as fortificações”, onde podemos ter uma idéia clara do perfil da
formação do engenheiro daquele tempo. O curso era estruturado, como já vimos
anteriormente no estudo das disciplinas: Aritmética, Geometria, Perspectiva, Arquitetura Civil
e Militar, Logarítmos, Gnomónica, Geografia, Mecânica e Hidráulica, além de exigir do
engenheiro saber usar todos os instrumentos geométricos utilizados no desenho técnico, e
tirar, fazer e reduzir plantas. Os engenheiros militares, além disso, deveriam saber fazer a
182
A Carta Régia de 18 de maio de 1722, citada por Judith Martins, traz o seguinte teor : “Notificado por carta
régia para regressar ao Rio” (MARTINS, 1974, v.1, p.181). Ver Anexo Pedro Gomes Chaves – Carta Régia
notificando Pedro Gomes Chaves – 1772.
183
Ver BUENO, 2001, p.285.
298
distribuição da planta de uma praça, de um palácio e de edifícios, conhecer ainda a qualidade
dos materiais de construção e seus processos construtivos, além de saber calcular e orçar todas
essas obras com precisão; deveriam estar aptos em artilharia e tiro.
Segundo o Decreto de 20 de Julho de 1701 que determinava a abertura de novas Aulas
nas províncias do Reino de Portugal, o perfil do engenheiro é definido como o homem que
seria responsável pelas obras de caráter militar e de defesa por todo o reino. Dentro desse
quadro, quando refletimos sobre qual o talento que teria sobre a arte da arquitetura,
certamente o Sargento-mor Pedro Gomes Chaves não devia diferenciar-se muito dos padrões
comuns aos engenheiros de seu tempo, o que pressupõe o conhecimento da tratadística básica
de Vitruvio, Serlio e Sagredo. Um tratado de Engenharia Militar em vigor em Portugal entre
os anos de 1700 e 1710, citado por Beatriz Bueno (2001), de autoria do padre jesuíta Padre
Luiz Gonsaga
184
, relaciona a concepção da boa arquitetura militar ao problema da raiz
vitruviana, ou seja a boa composição da arquitetura dos edifícios exige os seguintes
pressupostos: ordem, disposição, eurithmia, symmetria, apparencia (decoro) e distribuição
185
.
Sobre a produção arquitetônica conhecida ligada ao Engenheiro-mor Pedro Gomes
Chaves, infelizmente só conhecemos a Matriz do Pilar de Vila Rica, o que, de fato, reduz a
nossa possibilidade de avaliação do seu talento como arquiteto. No entanto, dentro da nossa
análise sobre a cultura arquitetônica dos engenheiros militares, sabemos que existia, sobretudo
a partir da contaminação do espírito barroco em Portugal no último quartel do século XVII,
um certo gosto por uma arquitetura ligada aos traçados geométricos de polígonos, tradição
184
Exame Militar (Tratado de Architetura riscado): mandado ditar por ordem do Augusto Senhor Dom Pedro
2. em o Collegio de Sto Antam aos depois mandado ensinar a todos os seos tres filhos. Pello P. Luiz Gonzaga
(C. 1700) – ver documento original no Códice E, Biblioteca da Ajuda 46-VIII 23.
185
Ver em Bueno (2001, p.407-411) a transcrição do tratado do Padre Luiz Gonzaga, onde este explica o
desenho na prática da formação do engenheiro português na transição dos séculos XVII e XVIII, e a relação de
livros presentes na Biblioteca da Aula de Fortificação em Lisboa neste período, bem como o currículo do curso
no início do século XVIII.
299
militar antiga, já muito consolidada nos traçados das fortificações. Assim, custa-nos aceitar a
tese proposta por Bazin (1983) e outros estudiosos – uma vez que os documentos não são
claros – que o decágono inscrito, responsável pela inauguração nas terras mineiras da
espacialidade barroca plena da nave da igreja do Pilar em Ouro Preto, seja visto simplesmente
como uma simples intervenção posterior ao projeto original, atribuída ao Mestre-carpinteiro
Antônio Francisco Pombal, atuando sobre o projeto do Engenheiro Militar Português Pedro
Gomes Chaves. Para propor essa atribuição, argumenta Bazin a favor de Pombal:
Antes da intervenção de Pombal, em 1736, creio que esse corpo de igreja era uma
simples nave quadrangular sem corredores. Sem mudar a arquitetura exterior,
Antônio Francisco Pombal transformou completamente a nave, encaixando no
interior do quadrângulo um decágono de forma elipsoidal cujos dois lados são
formados pelo arco-cruzeiro e pelo arco do coro; os outros por grandes arcos
abatidos. [...] A estrutura da ornamentação lateral deixa atrás de si corredores
irregulares que permitem o acesso aos púlpitos e que são encimados por tribunas,
através das quais a luz penetra até a nave. Apesar de ter sido executado em
madeira, esse conjunto é de gênero arquitetônico e não escultural [...]. (BAZIN,
1983, p.202)
O relato do Vereador Segundo de Mariana, de onde Bazin baliza a sua opinião, não é
assim tão claro como viu o crítico francês. Diz o Vereador no manuscrito de 1790 a esse
respeito:
A matriz de Ouro Preto, arrematada por João Francisco de Oliveira pelos Annos
de 1720, passa por um dos edifícios mais bellos regulares e antigos da comarca.
Este templo, talvez desenhado pelo sargento-mor engenheiro Pedro Gomes, foi
construído e adornato [sic] internamente por Antonio Francisco Pombal com
grandes columnas de ordem corinthia, que se elevão sobre nobres piedestães a
receber a cimalha real com seus capiteis e resaltos ao genio de Scamozzi. Com a
maior grandeza e soperba architectura traçou Manoel Francisco Lisboa, irmão
d’aquelle Pombal, de 1727 por diante, a igreja matriz da Conceição da mesma villa
com 12 ou 13 altares, e arcos magestosos debaixo dos preceitos de Vinholla.
(SILVA apud BAZIN, 1983, p.381)
Ainda que o Vereador não tenha sido preciso na sua atribuição, um novo ajuste com o
Sargento-mor Pedro Gomes Chaves foi registrado, conforme informa Judith Martins (1974,
300
v.1), no Livro de Termos da Irmandade do Santíssimo Sacramento, fl 41, a 02 de agosto de
1741, e onde pode-se evidenciar a autoria. Diz o documento:
Termo q’ se fes em meza p.ª Searrematar a Capela mor pelo novo risco q. p.ª ella
deu o Sargt.º Mor novo engenheiro [...] e ajustamos todos em que sedese adita obra
a Antonio Franc.º Pombal p.ª este afaser pelo d.
o
Rysco e feyta ella pagarcelhe os
acrecimos daobrigação q. tem pagadocelhe todo o prejuizo q. tiver das madeyras q.
tinha lavrado para forar a dita Capela pela obrigação q. tinha feyto p.ª oq
semeterão dois Louvados [...]. (MARTINS, 1974, v.2, p.140-141)
Vimos que Pedro Gomes Chaves estava em Vila Rica até 1722, quando foi notificado
para regressar ao Rio de Janeiro, retornando a Minas por volta de 1740, já que no ajuste se
diz: “[...] p.ª Searrematar a Capela mor pelo novo risco q. p.ª ella deu o Sargt.º Mor novo
engenheiro [...].” A Matriz do Pilar era sede de Vigaria Colada e, por isso, vinculada ao
reino, o que justificaria a sua colaboração. Assim, diante desta documentação, parece-nos
estranho que se o Mestre-carpinteiro Antônio Francisco Pombal teve a genialidade e a
aprovação da fábrica para projetar o traçado do complexo decágono elipsoidal aqui analisado,
que a Mesa esperasse o Sargento-mor Pedro Gomes Chaves voltar a Vila Rica para fazer o
risco simples da capela-mor da mesma igreja, onde o mesmo Pombal aparece como simples
arrematante.
Dentro dessa hipótese, devemos lembrar que a capacidade profissional do Sargento-
mor Engenheiro Pedro Gomes Chaves para executar essa tarefa está comprovada na carta de
sua recomendação para ocupar o posto de sargento-mor na Bahia, citada anteriormente. Por
outro lado, o mais importante é lembrar que, antes de ser uma novidade sem precedentes,
esses projetos de nave de igrejas formados por polígonos inscritos em retângulos já estavam
em uso em Portugal desde o final do século XVII, e ainda dentro desse raciocínio lembramos
que Pedro Gomes Chaves, que deve ter nascido por volta 1685, formando-se assim no início
do século XVIII em Lisboa, devia conhecer bem essas soluções espaciais. Entretanto, para
301
não cairmos na argumentação fácil da atribuição pela atribuição, optamos por voltar por um
momento a alguns fatos da história da cultura arquitetônica em Portugal desse período.
Para essa tarefa, devemos colocar, resumidamente, que na transição do século XVII
para o XVIII, em Portugal, na região de Lisboa, período em que o Sargento-mor Engenheiro
Pedro Gomes Chaves estudou e se formou, do ponto de vista da arquitetura religiosa reinava,
por parte dos projetistas, a busca por uma nova cultura arquitetônica que implementasse o
Barroco em Portugal e que incorporasse a maneira portuguesa às lições artísticas do Barroco
italiano de Bernini, de Borromini, de Cortona, dentre outros mestres romanos. Esta tendência
estava, já há algum tempo, sendo assimilada na arquitetura portuguesa, ainda que lentamente,
e vinha sendo incorporada ao vocabulário formal da arte e da arquitetura em voga nos anos
pós-Restauração.
Nessa arquitetura, a influência da tratadística italiana, primeiramente deu-se a partir
do resgate dos planos centralizados, difíceis de serem assimilados em Portugal, sem a ruptura
com a austeridade severa e chã do gosto ornamental que ainda reinava naquele período. Essa
assimilação do gosto italiano (conforme anteriormente analisado) prevaleceu como exceção
sobretudo na obra do Arquiteto João Antunes, que buscava uma volumetria mais
movimentada, e um gosto ornamental baseado tanto na utilização carregada nos mármores
policromos à moda italiana quanto na pintura perspectivada, em contradição com as tradições
do uso da talha dourada e da pintura em grotescos, alinhadas à tradição chã do gosto nacional.
Segundo as palavras do crítico português Vitor Serrão, “Todos esses factores, contrários à
“invariante longitudinal do estilo chão”, e ligadas a uma óbvia maturação dos valores do
Barroco internacional, podem justificar o salto ruptural que a obra de João Antunes produziu
[...].” (SERRÃO, 2003, p.156)
A partir do projeto da igreja de Santa Engrácia, em Lisboa, a arquitetura de João
Antunes partiu para outras especulações que definiram uma escola de arquitetura a ser seguida
302
nos primeiros anos do século XVIII, em uma Lisboa propensa a ser tardiamente barroquizada
em função da descoberta do ouro do Brasil. Neste sentido, podemos lembrar que era
impossível a um profissional da engenharia e arquitetura que estudou e formou-se na Aula
Militar da Ribeira das Naus estar indiferente, naquele momento, às diversas obras
experimentais que o Arquiteto João Antunes empreendia com o apoio do Rei D. João V.
Antunes já era um arquiteto de prestígio no final do século XVII, e a utilização do
efeito espacial dos ângulos cortados na nave e das paredes onduladas, tirando um partido sem
precedentes do octógono regular foi a mais duradoura e assimilada das suas experiências
formais em arquitetura religiosa dentro do Barroco português. Essas experiências deram seus
melhores frutos tanto nas igrejas lisboetas de Santo Eloi, de 1693, como na do Menino Deus,
de 1711. A primeira, mais importante para a nossa análise, de planta oitavada e com o mesmo
número de capelas em mármore, teria sido, segundo a opinião credenciada de Varela Gomes
(2001), o verdadeiro modelo para a elipse da igreja do Pilar em Ouro Preto. Nesse sentido, o
agente mais credenciado para fazer essa transposição ultramarina, pela sua complexidade,
certamente era o Engenheiro Militar Pedro Gomes Chaves e não o Mestre-carpinteiro de
Odivelas, Antônio Francisco Pombal. Como homem daquele tempo, Pombal também deveria
estar a par dessas inovações, como demonstra o projeto mais contido e que recorreu ao
sistema mais simplificado de nave de ângulos cortados (também em voga no período),
utilizado pelo seu irmão mais novo e talentoso, Manoel Francisco Lisboa, na nave Matriz de
Antônio Dias de Ouro Preto, mais ao menos no mesmo período.
A igreja de Santo Eloi, infelizmente desaparecida no terremoto de 1755, pela sua
inovação planimétrica, ficou famosa na Lisboa dos últimos anos do século XVII. Segundo a
documentação conhecida, essa obra teve início em 1694 e apenas três anos depois, numa
publicação intitulada “O Céu aberto na Terra”, o Padre Francisco de Santa Maria já
considerava essa igreja como a melhor e mais inovadora construção arquitetônica construída
303
em Lisboa. Em 1712, como informa Varela Gomes (2001), Frei Agostinho, um frade de
Loios, numa publicação intitulada “Santuário Mariano”, faz uma descrição dessa famosa
igreja:
[...] he de tam excellente fabrica & architectura, que será das melhores da Corte,
pelo que mostra a traça, & a planta; he oitavada, metida em hum paralelogramo de
setenta & sete palmos de vão, & cento de comprido, fora o Coro, & Capella Mayor,
que tem trinta & seis palmos de largo, & quarenta de cumprimento. O corpo da
Igreja tem oito Capellas, quatro de cada hum dos lados, & no meio dellas hum
pulpito, com oito tribunas sobre as oito Capellas. Todo este edifício he de marmores
& de jaspes de varias cores, & embutidos, que ficará vistosissimo depois de
acabado. (VARELA GOMES, 2001, p.302)
Podemos especular que a planimetria dessa igreja realmente prenunciou uma
revolução dentro da arquitetura religiosa portuguesa pós-Restauração, que atingiu seu apogeu
no projeto da igreja do Menino Deus de 1711, e que formou uma escola de tipologia religiosa
que foi seguida tanto por igrejas construídas no primeiro quarto do século XVIII em Portugal,
como Santo Ildefonso no Porto, como posteriormente em terras brasileiras, São Pedro dos
Clérigos no Recife, Nossa Senhora da Conceição da Praia de Salvador, Nossa Senhora do
Pilar em Ouro Preto (aqui analisada) e a Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Antônio
Dias, também em Ouro Preto, como já tivemos a oportunidade de citar anteriormente. Nessa
análise, ainda é importante frisar a que o estilo de plantas de polígonos inscritos, deixado por
João Antunes, falecido em 1712, exerceu sobre outros engenheiros militares e arquitetos seus
contemporâneos que atuavam no período. Entre esses podemos citar o Engenheiro-mor
Manuel de Azevedo Fortes (1660-1749), autor do conhecido tratado “O engenheiro
português”, de 1728, que fez, em associação com o Mestre Sebastião Soares, a igreja de
arquitetura octógona de São João Batista de Campo Maior, e o Arquiteto Manuel da Costa
Negreiros (1702-1750), que traçou a igreja octógona de Santo Estevão da Alfama (Figuras
174 e 175) e mesmo o Engenheiro militar José Cardoso Ramalho a quem é atribuído o
brilhante projeto da igreja de Nossa Senhora da Glória no Outeiro (1738), no Rio de Janeiro.
304
Essas fortes evidências históricas, entretanto, por si só não explicam a força criativa
que existe no espaço da nave da Matriz do Pilar de Ouro Preto. Existe ali um espírito de
inventividade, ainda que contido pelo rigor da força do estilo maneirista português, utilizado
tanto na ordenação das pilastras quanto na simetria de altares e tribunas. Assim, essa vontade
de experimentar, estranha ao espírito contido dos espaços barrocos das igrejas portuguesas
desse período, só pode ser entendida, em nosso ponto de vista, se aceitarmos a tese de uma
cultura híbrida e contaminada em gestação que, embora nascida de bases eruditas pré-
definidas, estaria aberta a se adaptar à realidade do meio mineiro e incorporar a tendência a
assimilações culturais, típicas de uma cultura que nasceu propensa à improvisação e à
liberdade de soluções a serem experimentadas de perfil mais informal.
Neste sentido, a tentativa do polígono decagonal empreendido na nave da Matriz do
Pilar de Ouro Preto, ainda que não seja algo anteriormente impensado ou totalmente original,
como queriam os críticos modernistas, é a prova irrefutável do nascimento de uma nova
matriz cultural que, ao contrário da rigidez da cultura arquitetônica da Metrópole, que sempre
teve enormes dificuldades para incorporar novos elementos ao seu discurso plástico-formal,
formava-se em Minas sobre bases mais criativas e flexíveis frente aos modelos conhecidos.
Neste sentido, esse gosto pela experimentação, que ao longo da primeira metade do século
XVIII, foi lentamente se incorporando à cultura arquitetônica mineira, já no segundo quartel
do século estaria suficientemente maduro para contaminar e transgredir, cada vez com maior
intensidade, as novas regras e modelos vindos da Metrópole, como também desenvolver a
capacidade de seduzir homens como próprio Engenheiro Pedro Gomes Chaves que, no
audacioso projeto da nave da Matriz do Pilar, lançou as bases de uma cultura arquitetônica
dinâmica que estaria pronta, num futuro próximo, para empreender propostas formais
vanguardistas cada vez mais amadurecidas.
305
8.2. Manoel Francisco Lisboa
anoel Francisco Lisboa (1697-1767), como demonstra a certidão de
nascimento localizada pelo Pesquisador Cássio Lanari, foi batizado a 24 de
fevereiro de 1697 no lugar dos “Pombais”, que pertencia à freguesia do Santíssimo Nome de
Jesus, de Odivelas, paróquia pertencente ao Arcebispado de Lisboa (Figuras 176 e 177). Eram
seus pais João Francisco e Madalena Antunes. Manoel, como demonstrou Lanari (1979), era o
irmão mais novo do também Mestre-carpinteiro Antônio Francisco Pombal, batizado nesta
mesma paróquia a 24 de abril de 1689
186
.
Pelos dados existentes na documentação levantada e publicada por Judith Martins
(1974, v.1), Manoel deve ter imigrado para a região das Minas por volta do início da terceira
década do século XVIII, pois em 1721-1722 ele já aparece na lista de pagadores de quintos
como morador em Ouro Preto e possuindo quatro escravos (RUSSEL-WOOD, 1968, p.21).
Em 1724, ele já tem uma certa condição financeira, sendo fiador de quintos devidos por dois
lojistas da freguesia de Cachoeira do Campo (RUSSEL-WOOD, 1968, p.21). Em 1729, foi
eleito pela primeira vez Juiz do Ofício de Carpinteiro da Câmara de Vila Rica, com apenas 32
anos
187
.
Essa rápida ascensão profissional em terras mineiras demonstra tanto o talento e
respeito profissional atingindo pelo seu trabalho num curto período de tempo, como as
grandes possibilidades de trabalho existentes para esses profissionais em uma Minas ainda
rica mas carente de mão-de-obra qualificada, o que certamente estimulou as primeiras
migrações profissionais. Entretanto, ao lado da distinção profissional, Manoel também
186
Ver Anexo Manoel Francisco Lisboa – Batismos: Manoel Francisco Lisboa e Antônio Francisco Pombal.
187
Manoel Francisco Lisboa ocuparia este cargo, ainda segundo Russel-Wood (1968), nos anos de 1730, 1732,
1733, 1734, 1736, 1737, 1740, 1748 e 1754 (RUSSEL-WOOD, 1968, p.22-24).
M
306
contaminou-se pelas regras menos rígidas daquela sociedade em formação, da qual foi fruto
seu famoso filho mulato, Antônio Francisco Lisboa – o Aleijadinho. Segundo Judith Martins
(1974, v.1), já em 1734 ele foi pronunciado, juntamente com outro carpinteiro, Teodósio
Francisco, por tratarem ilicitamente com uma tal Francisca Alves da Costa, tendo sido, no
entanto, absolvidos no processo. Em 1738, ele já aparece casado, tendo contraído esse
sacramento na Matriz de Antônio Dias, igreja da qual era o arrematante, com Antônia Maria
de São Pedro, tendo servido de testemunha seu irmão Antônio Francisco Pombal.
Prosseguindo em sua trajetória de ascensão profissional e social, por volta de 1741 arremata a
construção do Palácio dos Governadores, que teve seu risco atribuído pelo Vereador Segundo
de Mariana ao Engenheiro Militar José Fernandes Pinto Alpoim
188
. Por essa época, ainda que
não confirmado documentalmente, também segundo o Vereador de Mariana, Manoel
Francisco Lisboa teria traçado e arrematado a Santa Casa de Misericórdia de Ouro Preto,
onde “[...] continuou este grande mestre com suas lições praticas de architectura que
interessarão a muita gente.” (SILVA apud BAZIN, 1983, v.1, p.381)
Entre 1743 e 1744, ele aparece trabalhando na construção da primitiva igreja de Santa
Efigênia do Alto da Cruz, em Ouro Preto (MARTINS, 1974, v.1, p.385). Em 1745, sobre um
projeto do mesmo Engenheiro Alpoim, Manoel Francisco Lisboa arremata ainda as obras da
Casa de Câmara e Cadeia de Vila Rica, que acabam não sendo executadas por falta de
recursos
189
. A partir de 1745, ele já aparece como consultor (Louvado), e em 1747, seu nome
consta da documentação com os títulos de mestre-de-obras do Palácio e de arquiteto-perito. O
primeiro título refere-se a um importante documento, localizado por Ivo Porto de Menezes
(1975) no Arquivo Público Mineiro, onde o nosso empreiteiro aparece fazendo apontamentos
188
Ver Anexo Manoel Francisco Lisboa – Arrematação de Obras Públicas – Palácio dos Governadores – Ouro
Preto – 1741.
189
Ver Anexo Manoel Francisco Lisboa – Arrematação de Obras Públicas – Casa de Câmara e Cadeia – Ouro
Preto – 1745.
307
de ordem técnica estritamente precisos e detalhados para as obras de conserto da Cavalariça e
Quartel de Cachoeira do Campo, arrematadas por um tal Bartolomeu Gonçalves. O segundo
documento refere-se a uma perícia de ordem estética que envolve um litígio, amplamente
documentado, entre as Irmandades do Santíssimo Sacramento e de São Miguel e Almas da
Matriz de Catas Altas, referente ao projeto do altar a ser construída por esta última, que
estaria em desacordo estético com um altar construído à sua frente. Essa condicionante criava
um problema estético complexo, que envolvia a disposição do arco e da porta do púlpito e do
óculo da parede, profundamente relacionados com a composição dos elementos plásticos da
nave da igreja. Essa documentação dá a conhecer ao historiador contemporâneo o talento e o
avanço que o perfil profissional de Manoel Francisco Lisboa conseguiu atingir em Minas
Gerais na primeira metade do século XVIII, configurando-se rapidamente de simples
carpinteiro, no início da década de 30, a mestre-de-obras e perito. Soube evoluir
profissionalmente, tirando proveito das possibilidades de trabalho do meio, e incorporando os
ofícios de pedreiro e arquiteto à sua atuação profissional, praticamente inaugurando a função
de empreiteiro de obras na Minas Gerais setecentista.
Os laudos de Cachoeira do Campo dão-nos a possibilidade de reconhecer em Manoel
Francisco Lisboa um homem familiarizado tanto com o perfil técnico que envolve o ofício de
carpinteiro como com o de pedreiro, conforme atestam as duas passagens que a seguir
apresentamos:
Sera obrigado a botar linhas na distancia de quinze palmos de huas as outras e
estas andem chegar ao frexal da parte de fora de hua e outra parte com o seu rabo
de minhoto e em todos os frexaes tanto de fora com em o de dentro e o entalhe que
for da parte de dentro da casa ha de ser com seu talam no frexal para que descanse
a linha no mesmo talam advertindo que as linhas ficarão em grosso em sima do
frexal meyo palino e a sua groçurasera hum palmo em quadro e estas serão
pregadas com seos pregos grandes.
Sera obrigado a fazer em sima de cada Linha sua thezoura e estas serão
embarbadas de caixa em sima das ditas linhas que fasia seu encontro na linha e
parte de tras com seu olivel e o seu emtalho sera feito de rabo de minhoto para que
fique escondido com seos dois penduraes feitos na mesma forma e a groçoura da
Madeira das Thezouras há de ter tres quartos de groço e hum palmo de alto
308
Sera obrigado a meter um portal de cantaria para hua janella em a enfermaria dos
cavallos que fique bem no meyo da parede e esta tera cinco palmos e meyo de largo
e seis de alto com suas meyas portas com todas as ferrages que lhe pertencerem e
fexos.
[...]
Sera obrigado a fazer todo o reboque que se careser na dita cavalharisse a sim por
fora como por dentro de cal e areya. (MENEZES, 1975, p.117-118)
190
Já os laudos da Matriz de Catas Altas
191
dão-nos possibilidade de conhecer o seu
perfil profissional como arquiteto, título com o qual é designado no documento que consta dos
Arquivos da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Matriz de Catas Altas: “[...] assim
ajustarão as duas Irmandades uniformemente mandarem vir dois homens arquitetos pela
capella do Santíssimo Sacramento Francisco Branco de Barros e pela capela da Irmandade
de San Miguel e almas Manoel Francisco Lisboa [...].” (apud BAZIN, 1983, v.2, p.58) Na
leitura do parecer dos dois peritos, vemos surgir as pistas de uma geração de construtores e
arquitetos profundamente influenciada por uma cultura arquitetônica ligada tanto ao
receituário de simetria e comedimento do espaço maneirista português, quanto ao uso da
teoria das ordens como elemento fundamental na elaboração da trama arquitetônica desse
espaço. Em certa parte do laudo podemos ver bem a influência desses dois conceitos nas
seguintes observações dos peritos:
[...] p
a
. milhor perfeição que se permita em lugares semelhantes se deve continuar
a factura do d
o
. arco com pedestal e seu ornato da simalha na ordem composta
levando tãobem seu capital de talha de baixo da mesma ordem, e o pe direito do
capitel para o Baixo athe o seu terço dentro do lizo do seu rescindido, levara hum
florão de flores com toda a perfeição que se puder executar, o terço do d
o
. pilar será
[...] estriado, a volta da simalha do arco que por face como teto da Igreja esta será
rescindida [...]. (apud BAZIN, 1983, v.2, p.58)
190
Ver Anexo Manoel Francisco Lisboa – Apontamentos para Arrematação de Obras Públicas – Palácio de
Cachoeira do Campo – 1747.
191
Ver Anexo Manoel Francisco Lisboa – Louvação e Laudo sobre problemas de Arquitetura – igreja Matriz de
Catas Altas – 1747.
309
Esse dois documentos revelam que o Mestre Manoel Francisco Lisboa, embora
originário do mundo da “fábrica”, buscou desenvolver uma arquitetura afinada com o
compromisso de buscar um estilo regional que refletisse a cultura arquitetônica híbrida do
meio. Embora um pouco confuso em suas soluções formais, como demonstram seus projetos
ligados à Matriz de Caeté ou à igreja da Ordem do Carmo de Ouro Preto – que teve de ser
redesenhada durante a obra por problemas no projeto
192
–, sua importância para a arquitetura
continua inegável como formador e decano de uma nova geração de construtores e arquitetos
que atuaram nas Minas. Ele também é um exemplo de avanço cultural contínuo como líder de
uma geração que soube romper com a velha tradição da taipa paulista através da utilização da
alvenaria de pedra e cal, fundamental para as futuras especulações formais e que, como
sabemos, já vinham sendo ensaiadas desde o projeto da nave do Pilar de Vila Rica. No
entanto, é preciso deixar claro que Manoel Francisco Lisboa, ainda que fosse um arquiteto de
grande talento, atento às transformações da arquitetura de seu tempo, era por formação um
conservador, um homem formado no gosto maneirista português e profundamente arraigado à
cultura da “fábrica”. Suas tentativas de elaborar uma volumetria mais trabalhada e leve,
estruturam-se numa arquitetura que gera tanto uma valorização das torres que buscam uma
certa elegância no nível das sineiras com seus ângulos cortados (à moda do que já se fazia em
Portugal a partir da metade do século XVIII), quanto uma maior movimentação ligada ao
gosto barroco da decomposição dos volumes da nave, capela-mor e sacristia, ainda que muito
incipientes frente à proposta espacial das velhas matrizes, cercadas por corredores, e suas
variantes regionais.
Dentro de sua produção arquitetônica, essas mudanças, ao que parece, analisando
alguns dados cronológicos, foram empreendidas inicialmente em projetos que foram datados a
192
Ver Anexo Manoel Francisco Lisboa – Prestação de Serviços em Arquitetura e Apontamentos para
Arrematação de Obra em Arquitetura Religiosa – igreja de Nossa Senhora do Carmo – Ouro Preto – 1766.
310
partir da metade da década de 40 do século XVIII, sendo a planta da igreja de Santa Efigênia
do Alto da Cruz talvez a pioneira na busca desse novo equilíbrio estético. No entanto, ainda
que Manoel Francisco Lisboa tentasse esculpir mais plasticamente os novos volumes da sua
arquitetura, faltava-lhe maturidade e força para romper com os cânones da sua formação
prática. Assim, seus frontispícios ainda continuavam estáticos e marcados à moda antiga,
erguidos com entablamentos retilíneos que enquadravam e davam rigidez à composição
arquitetônica. Entretanto, esse tipo de modelo planimétrico, ainda que distante de outra
vertente muito mais criativa em voga, inaugurada pelo Doutor Calheiros no final da década de
30 do século XVIII na pequena São José del-Rei – e que teria sua maior experimentação nas
igrejas elípticas de Mariana e Ouro Preto a partir do início da segunda metade do século
XVIII, dando seus melhores frutos nas obras de Antônio Francisco Lisboa e Francisco de
Lima Cerqueira – teve uma aceitação muito mais ampla, como podemos ver na da igreja de
Nossa Senhora do Carmo de Sabará, na própria Matriz de Caeté ou na igreja do Senhor de
Matosinhos de Congonhas do Campo, e outras, que se espalharam de maneira muito mais
freqüente por todo o território mineiro na segunda metade do século XVIII. Os motivos dessa
preferência de menor força plástica e estética se deviam, por um lado, à estranheza a esse
arrojo de formas empreendido nas propostas ligadas à escola inaugurada pelo Doutor
Calheiros, e por outro lado, aos desafios técnicos e custos financeiros que esse tipo de solução
exigiria de centros de menor porte cultural.
Entretanto, a arquitetura de Manoel Francisco Lisboa, pelo menos em Ouro Preto, foi
considerada superada e atrasada por volta de 1771, quando uma junta de Louvados, composta
pelos maiores peritos da sua época, dentre eles seu próprio filho (Antônio Francisco Lisboa),
Manuel Francisco de Araújo, Domingos Moreira de Oliveira e Francisco de Lima Cerqueira,
juntamente com o arrematante da obra, João Álvares Viana, refazem praticamente toda a
311
concepção arquitetônica do projeto de 1766 do velho Manoel Francisco para o Carmo, no
sentido de torná-la mais condizente com o novo gosto.
Nos dez últimos anos de vida de Manoel Francisco Lisboa, embora sem ajuntar
fortuna, o nosso empreiteiro e arquiteto ainda conseguiu a projeção social tão necessária para
um homem do seu tempo, vivendo sobre as regras do Antigo Regime. Em 25 de dezembro de
1754 ele toma o hábito de Irmão Terceiro na Ordem do Carmo de Vila Rica, sendo admitido a
professar a 6 de março daquele mesmo ano. Essa condição demonstra, pelo rigor existente
frente as exigências de pureza de sangue e raça na conduta destes processos pelas
preconceituosas Ordens Terceiras, que o nosso arquiteto e construtor tinha conseguido a
distinção social tão almejada para um trabalhador mecânico, que talvez só a vida nas Minas
possibilitasse.
Por outro lado, podemos ver nesse ingresso a tolerância social sendo exercida pelos
potentados, já que todos sabemos que Manoel teve pelo menos um filho natural com agentes
sociais considerados como desclassificados, como eram os negros e mulatos, e que este
chegou inclusive a usar o seu sobrenome, Lisboa, e a trabalhar para essas poderosas Ordens
Terceiras com arquiteto e escultor. Isto, no entanto, pelo que parece, não impediu Manoel de
ser Irmão Terceiro do Carmo e nem continuar a servir a Câmara de Vila Rica, sendo eleito
consecutivamente para Juiz do Ofício de Carpinteiro, conforme vimos. Não impediu, ainda,
que já perto do fim da vida, por volta de 1760, fosse chamado pelo Governador Gomes Freire
de Andrade para opinar e orientar as obras relativas aos Ofícíos de Carpinteiro e Pedreiro que
a Fazenda Real deveria fazer na reforma da Sé de Mariana
193
. Nem mesmo de arrematar
193
Ver Anexo Manoel Francisco Lisboa – Louvação de Serviços de Construção – Igreja da Sé – Mariana –
1760.
312
obras como a ponte sobre o Rio Itaubira ou o chafariz que fez na rua Larga, no Alto da
Cruz
194
.
Manoel Francisco Lisboa vem a falecer, já perto dos 70 anos, a 7 de julho de 1767,
deixando viúva Antônia Maria de São Pedro e quatro filhos: Maria da Conceição Lisboa, com
25 anos, Joaquina Francisca Lisboa, com 18 anos, Magdalena Teresa de Jesus, com 14 anos, e
Félix Antônio Lisboa, que mais tarde se ordenaria padre, com 11 anos.
194
Ver Anexo Manoel Francisco Lisboa – Prestação de Serviços em Arquitetura e Apontamentos para
Arrematação de Obras Públicas – ponte sobre o rio Itaubira – 1757.
312
8.3. João Gomes Baptista
oão Gomes Baptista teve o primeiro registro sobre o seu talento e sua importância
artística, no manuscrito do Vereador Segundo de Mariana, onde o mesmo afirma
que “Quanto porem excedeo a todos no desenho o mais doce e mimoso João Gomes
Baptista, abridor da fundição, que se educou na Corte, com o nosso immortal Vieira; [...].”
(SILVA apud BAZIN, 1983, v.1, p.381)
A partir daí, o que sabemos sobre esse homem, devemos a uma exaustiva pesquisa
feita nos arquivos portugueses da Casa da Moeda de Lisboa pelo Professor Ivo Porto de
Menezes, cujo trabalho foi publicado posteriormente na Revista Barroco (1973). Pelos dados
levantados por Menezes, sabemos que Gomes Baptista teve uma vida tumultuada, tendo saído
de Portugal com nome falso, sem que saibamos bem as causas. Esteve, inicialmente, no Rio
de Janeiro, quase clandestino, onde recebeu alunos que vieram especialmente estudar com ele;
por fim apareceu legalizado com seu verdadeiro nome como Abridor da Casa de Fundição de
Vila Rica por volta de 1750.
Pelos dados que existem sobre a sua vida, podemos inferir que ele nasceu em Lisboa
nos últimos anos do século XVII, sendo filho de João Gomes da Silva e Felícia dos Santos.
Por volta do ano de 1719 aparece recebendo pagamentos pela Casa da Moeda em Lisboa. Em
1724, temos um dado mais esclarecedor sobre sua formação profissional, pois existe uma
ordem deste ano que mandava o Conselho de Fazenda “[...] p ª o Abridor dos Cunhos Mengin
emsine a João Gomes Bap
ta
a abrir os cunhos da nova fabriqua da moeda [...] e por aprender
se lhe pagará ao dito João Gomes Bap
ta
trinta mil reis de ordinaria por anno [...].” (
MENEZES, 1973, p.110)
. António Meguin (1690-1772) tinha sido nomeado, desde 26 de
maio de 1721, para exercer o importante cargo de Abridor de Cunhos da Casa da Moeda de
J
313
Lisboa
195
. Assim, o aprendizado de Gomes Baptista aconteceu sob a influência direta do
mestre francês
196
e de outros contemporâneos seus patrícios, que atuavam em Portugal junto
à côrte de D. João V como pintores e gravadores, ali infiltrando os modelos da arte vinculada
ao gosto decorativo do Rococó da côrte francesa. Deste grupo, como ressalta a pesquisadora
Myriam Ribeiro (2003) faziam parte os pintores e gravadores Pierre-Antoine Quillard (1701-
1733; Figura 178), Guillaume-François-Laurent Debrie (ativo em Portugal entre 1728 e 1755;
Figuras 179 e 180), Jean-Baptiste-Michel Le Bouteux (ativo em Portugal até cerca de 1755),
François Harrewijn (1700-1764) e Pierre Rochefort (ativo em Portugal até cerca de 1740). O
vocabulário ornamental desses artistas, de uma maneira geral, estava ligado ao estilo
Regência francês e, como demonstrou a pesquisadora Myriam Ribeiro:
[...] também figuravam nas gravuras desses desenhistas temas divulgados por
outros ornamentistas franceses do período, como a “asa de morcego” de Oppenord.
Marie-Thérèse Mandroux-França identificou em arquivos e bibliotecas portuguesas
várias coleções de gravuras de ornamentistas do regência, notadamente Jean
Bérain, Bernard Toro e Gilles-Marie Oppenord, tanto nas edições francesas
originais quanto em contrafações de Augsburgo.
A influência das gravuras de Bérain pode ser detectada em Lisboa a partir do final
dos anos 1720, em molduras de retábulos da segunda fase joanina [...].
De forma mais evidente do que na talha, um período regência se define na
azulejaria portuguesa entre 1730 e 1750 aproximadamente [...]. (OLIVEIRA,
2003a, p.141-143)
Considerando as afirmações do Vereador Segundo de Mariana, que indica que João
Gomes Baptista teria estudado com o Mestre português Viera Lusitano (1699-1783), devemos
lembrar que estamos falamos de um gigante da arte portuguesa do século XVIII. Vieira
Lusitano foi o maior pintor e o mais exímio gravurista de água-forte do seu tempo. Talento
reconhecido precocemente pelos seus protetores, com apenas 13 anos tinha partido para
estudar em Roma, onde conquistou, apenas alguns anos depois de iniciar seus estudos na
195
Ver Anexo João Gomes Baptista – Despacho que comprova João Gomes Baptista como Discípulo de
Antoine Meguin.
196
Ver Anexo João Gomes Baptista – Despacho que comprova o talento de João Gomes Baptista para o “riscar
e bastante p
a
abrir tudo nasido das suas habelidades” – 1727.
314
Itália, o primeiro prêmio num concurso organizado pela Accademia di San Luca. De volta a
Lisboa, com a morte de Quillard, foi nomeado Pintor Régio. Como artista, Vieira Lusitano
era, acima de tudo, um exímio desenhista, o que explicaria sua relação com Gomes Baptista
(Figura 181). Lembramos que, para exercer o “debuxo”, acima de tudo é preciso ser um bom
desenhista. Segundo biógrafos e críticos de arte, como a pesquisadora Luísa Arruda (2000),
seus desenhos materializavam uma capacidade de invenção notável que não surge tão
claramente quando apreciados Sobre outros suportes, dando-nos, assim, uma perspectiva
muito mais clara sobre seu talento: “A visão dos desenhos do pintor permite ainda viajar
pelas formas, temas e técnica do desenho clássico de matriz italiana, revelando a relevância
da sua aprendizagem e longa estadia em Roma.” (ARRUDA, 2000, p.35) Como pintor,
segundo as palavras do crítico Nelson Correia Borges: “O estilo de Viera Lusitano é
ecléctico, baseado nos mestres bolonheses do século anterior, em classicistas como Poussin e
um pouco da arte nos venezianos.” (BORGES, 1993, p. 57). No entanto, Vieira demonstrou
na sua pintura ser um homem amplamente contagiado pelo Barroco, pelas regras do claro-
escuro, ainda que um pouco fora do padrão tradicional, afirmando, assim, a sua originalidade,
principalmente como pintor de telas e retratos (Figura 182).
Dentro desse quadro de influências, a formação de Gomes Baptista não devia se
desviar muito da formação e modelos de seus mestres. Entretanto, pouco trabalhou fora da sua
atividade principal nas Minas Gerais, com uma pequena exceção, documentada numa
deliberação da Ordem do Carmo de Vila Rica a 5 de Julho de 1789 que determinada sobre
modificações nos altares e púlpitos onde se lê que: “Outrossim, também não levaria “nixos os
ditos Altares para melhor vista, e comodidade dos mesmos Altares e que os Pulpitos serião
feitos pelo novo risco, que se havia formado em reforma do que havia feito João Gomes.”
(LOPES, 1942, p.70)
315
Fora esse assentamento, o que se conhece sobre o talento e estilo da obra de João
Gomes Baptista, deve-se principalmente às análises dos Mapas de Remessa de Ouro e
Diamantes da Capitania de Minas Gerais entre 1737 e 1767, estudados e publicados
inicialmente pelo Pesquisador português Herculano Gomes Matias, e posteriormente
publicados no Brasil por Ivo Porto de Menezes (1973). Essas análises nos permitem ver
claramente como o padrão de desenho dos Mapas da Comarca de Vila Rica muda a partir de
1751, justamente o ano que João Gomes Baptista aparece trabalhando como Abridor de
Cunhos naquela vila
197
. Também se vê sua preferência pelo gosto assimétrico do Rococó
francês e pela arte da heráldica, sem, no entanto, abrir mão de uma certa sacralidade nessas
composições, tão ao gosto do Barroco romano de Bernini e de Cortona, que denuncia seu
gosto preferencial pelas artes decorativas e pela ourivesaria (Figuras 183 a 185). No estudo
dos seus desenhos transparece claramente que tanto os ensinamentos ligados ao desenho e à
composição clássica, como a assimetria do Rococó francês, foram suas balizas de criação.
Assim, se precisávamos de mais um agente fundamental ligado ao trânsito de culturas, não
mais sob a ótica da arquitetura, mas da difusão das novas linguagens artísticas empreendidas
em Portugal e no Rio de Janeiro que viesse a dar mais um ingrediente à já contaminada
cultura mineira, agora o temos.
É quase certo que João Gomes Baptista, paralelamente a sua profissão de Abridor de
Cunhos, também aplicava-se no ensino do desenho e composição, como salienta Ivo Porto de
Menezes:
Sabemos , é certo, que Antônio Fernandes Rodrigues, nascido em Mariana em 1724,
após aulas de João Gomes Baptista, vai para Lisboa em 1758 e para Roma em
1759. Voltando à capital lisboeta, em 1762, exerce as funções de diretor e professor
de desenho da Casa Pia, projetando a igreja de S. Vicente da cidade da Guarda,
sendo desenhador e abridor, inclusive abrindo gravuras do “Livro de varios
197
Ver Anexo João Gomes Baptista – Despacho que comprova o talento de João Gomes Baptista para o “riscar
e bastante p
a
abrir tudo nasido das suas habelidades” – 1727.
316
ornatos proprios a Entalhadores, Canteiros, Lavrantes e Pintores de Ornatos”.
(MENEZES, 1973, p.102)
Documentalmente, o que temos como certeza é que, desde o período de sua formação
como abridor de cunhos na Casa da Moeda de Lisboa entre 1724 a 1733, João Gomes Baptista
recebeu muitos elogios referentes a seu talento, como informa uma observação registrada pelo
Procurador da Fazenda sobre o artista: “[...] he precizo se ajude este mosso que sera hum
grande homem na sua profissão e na sua arte, pois não ha outro que o excede, nem q. o
iguale [...].”(Livro Quarto do Registro Geral, 1730, fls 95, Arquivo da Casa da Moeda,
Lisboa (MENEZES, 1973, p.119) Segundo outra informação, atribuída ao crítico e seu
contemporâneo Cyrillo Volkmar Machado
198
, “[...] este dá o testemunho de ter “visto
excellentes medalhas” e, de fato, entregou João Gomes, em 1733, punções e cunhos, tendo
“bom préstimo em riscar e bastante p ª. abrir tudo nasido das suas habelidades[...]”,
“scientes nesta arte, como se reconhece nestes dous sugeitos”.” (MENEZES, 1973, p.100)
Dentro desse quadro, acreditamos que João Gomes Baptista foi um agente cultural, ao
lado do Doutor Calheiros, fundamental para o desenvolvimento em Minas de uma arte mais
autônoma frente os modelos da Metrópole. Ao unir esses dois homens, principalmente quando
falamos de concepções artísticas novas a serem aplicadas à arquitetura, temos principalmente
a abertura à experimentação, já que falamos de homens de formação erudita, pouco ligados
tanto à tradição construtiva como à cultura conservadora dos mestres-canteiros. Vindos de
fora desse mundo que cultivava, como já salientamos, uma tradição milenar de esquemas
formais consagrados, estavam livres para criar e exercer sua arte num lugar propício e
tolerável a essas subversões, como era a região das Minas.
Sobre a vida de João Gomes Baptista, acrescentaríamos, segundo a opinião abalizada
de Ivo Portos de Meneses, que teriam ainda sido seus discípulos em Minas o escultor e
198
Ver mais em MACHADO, 1823.
317
Arquiteto Antônio Francisco Lisboa
199
e os Pintores Francisco Xavier Carneiro e Manoel da
Costa Athaide. Nosso artista ainda pertenceu à poderosa Ordem Terceira de São Francisco de
Vila Rica, tendo sido sacristão no ano 1778. Tendo falecido em 24 de Dezembro de 1788,
deixou Solene Testamento
200
, onde pedia para ser sepultado na igreja da Ordem Terceira de
São Francisco de Vila Rica e que se avisasse a Ordem Terceira do Carmo de Lisboa, onde era
irmão, para que a mesma lhe fizesse os “sufrágios de costume”. Entre seus bens, infelizmente,
não parecem os livros que elucidariam sobre sua formação cultural e as bases da sua prática
educacional.
199
Segundo o “Relato dos Fatos Notáveis” do Vereador Segundo de Mariana, João Gomes Baptista foi mestre
de Antônio Francisco Lisboa, afirmando categoricamente no seu texto: “Este templo e a assumptuosa cadea de
Villa Rica começada por un novo Manoel Francisco em 1785 com igual segurança e magestade, me levarião
mais longe si os grandes estudos e modelos de esculptura feitos pelo filho e discipulo de antigo Manoel Francisco
Lisboa e João Gomes Baptista não prevenisem a minha penna.
Com effeito, Antonio Francisco, o novo Praxitelles, é quem honra igualmente a architectura e esculptura.”
(SILVA apud BAZIN, 1983, v.1, p.382)
200
Ver Anexo João Gomes Baptista – Testamento e Inventário de João Gomes Baptista.
318
8.4. Antônio Pereira de Souza Calheiros
ntônio Pereira de Souza Calheiros era natural da cidade de Braga, e depois de
ter ser formado Doutor em Cânones pela Universidade de Coimbra, teria
emigrado para o Brasil, passando inicialmente pelo Rio de Janeiro. Segundo outros
documentos por nós localizados nos Arquivos da Universidade de Coimbra
201
, Souza
Calheiros ingressou naquela universidade no ano de 1722 e formou-se em Sagrados Cânones
no ano de 1728. Portanto, deve ter nascido em Braga por volta de 1705. A sua origem nobre
pode ser provada por uma nota adenda à ata da colação do grau, dizendo que o mesmo estava
autorizado a incorporar o sobrenome “Calheiros”, herdado por parte da mãe.
Seus sete anos de estudo em Coimbra, para um curso que poderia ser feito em quatro
ou cinco anos, abre a possibilidade de Calheiros ter se dedicado a outros temas de estudo,
como a própria arquitetura e outros projetos artísticos, oferecidos no famoso Colégio das
Artes, vinculado ao complexo dos Jesuítas.
Pela documentação localizada por Eduardo Pires de Oliveira (1996), sabemos que no
início da década de trinta do século XVIII, ele já se encontrava no Rio de janeiro, sem
atividade ou emprego até agora conhecido, procurando, como muitos imigrados, uma melhor
oportunidade de ganhar a vida nas terras brasileiras. Atraído pelas excepcionais condições de
enriquecimento oferecidas pela região das Minas, e considerando a difícil condição de vida
que levava na côrte, imigrou para a Vila de São José del-Rei (atual Tiradentes), onde se casou
202
. A primeira menção arquivística localizada a seu respeito em São José data de 23 de junho
201
Ver Anexo Antônio Pereira de Souza Calheiros – Formatura de Bacharel em Sagrados Cânones pela
Universidade de Coimbra.
202
Ver Anexo Antônio Pereira de Souza Calheiros – Transcrição de carta e petição de Marceliano de Araújo,
desta cidade, da rua de Santo André do Quinteiro – 1744.
A
319
de 1736, quando entrou para a Irmandade do Santíssimo Sacramento, da qual foi tesoureiro
em 1738 e escrivão em 1740, atividades ligadas ao trabalho burocrático, condizentes com a sua
formação.
O papel da cidade do Rio de Janeiro como entreposto econômico entre a região das
Minas e os portos portugueses a partir da abertura do Caminho Novo, como vimos, não chega
a ser uma novidade. O que é mais recente por parte da historiografia de arte é o entendimento
real da possibilidade mais dinâmica da circularidade cultural Europa/ África/ Ásia/ Portugal/
Rio de Janeiro/ Minas Gerais, da qual a trajetória do Doutor Calheiros aparece como um
documento precioso para costurar um trecho importante das diversas lacunas historiográficas
ainda existentes. Neste sentido, a documentação envolvendo o Doutor Calheiros que aqui
analisamos esclarece, à luz da historiografia, a relação forte e dinâmica existente no século
XVIII entre Minas e Braga, tendo o Rio de Janeiro como entreposto fundamental.
A documentação que reforça essa tese compõe-se, primeiramente, de um contrato e de
uma carta enviada da Comarca do Rio das Mortes para Braga na primeira metade do século
XVIII. O primeiro documento veio da Vila de São João del-Rei e o segundo da Vila de São
José, escritos pelo Sargento-mor da Comarca do Rio das Mortes José Alvares de Azevedo.
Ambos documentos, como veremos, envolvem como tema a construção da capela de Santo
Ovídio em Caldelas, na região de Braga.
O primeiro documento refere-se a um contrato que trata das regras de arrematação da
referida capela em Portugal. Essa contratação vai se efetivar no ano de 1735 na cidade de
Braga. Para isso, o Sargento-mor José Alvares de Azevedo, aparece nessa arrematação
representado por seu procurador em Braga, o Padre Mathias Pereira Soares. Em determinada
parte desse documento lê-se:
[...] no anno de Nosso Senhor Jesus Christo de mil e setecentos e trinta e sinco
annos aos desasseis dias do mês de Novembro do dito ano nesta cidade de Braga e
320
no Campo de Santa Anna della e cazas da morada de mim tabeliam que são no dito
Campo ahi perente mim e das testemunhas abaixo nomeadas e asignadas
aparesserão prezentes de hua parte Joseph Somois, ourives da Rua Chaons de
Baixo desta cidade e o Padre Mathias Pereira Soares da freguesia de Caldellas, e
da outra Domingos Gonçavez Saganha, mestre pedreira morador no lugar da Aldea
freguesia de Navarra e João da Costa, mestre pedreiro morador no lugar da Biqua
freguesia de Santa Maria de Adaufe termo desta dita cidade todas as pessoas de
mim tabeliam reconhecidas e logo digo (sic) reconhecidas pellos proprios aqui
nomeados e logo por elles ditos Joseph Simoes e Padre Mathias Pereira Soares foi
dito que José Soares de Azevedo Sargento mor das Ordenanças no Rio das Mortes
dos Estados do Brazil e Cavalheiro Professo da Ordem de Christo lhe emcarregava
que fizessem por sua conta e ordem a capella e igreja de Santo Ouvídio cita na
freguesia de Santiago de Caldellas concelho de Entre Homem e Cavado na forma
das plantas e riscos que de lá mandou e para disso fazer este contrato sobre a obra
de pedraria com os mestres que a tomarem lhe dee a procuraçam que me
apresentarão por elle feita per sua mão e letra que lhe dava poder poder para elles
poderem fazer as escripturas e ajustes que lhe paressesse, e os pagamentos fazer
João Carneiro, da Rua do Souto e ao pagamento de tudo obrigar a pessoa e bens
delle dito Sargento mor Joseph Alvares de Azevedo cuja procuraçam vinha
authorizada pelo Capitão Pedro da Silva Chaves cidadão e juis ordinário na Villa
de Sam João de ElRei [...]. (ROCHA, 1995, p.207)
Esse documento prova que, ao contrário do que se propôs até agora no estudo da
arquitetura religiosa mineira, o intercâmbio cultural entre Portugal e Minas também fazia-se
no sentido inverso. É no mínimo espantoso que naquela Capitania ainda nascente, em 1735,
um cidadão com a distinção de José Alvares de Azevedo, Cavalheiro da Ordem de Cristo
como ele mesmo declarou-se, homem culto que chegou a Minas nos primeiros tempos,
participando ativamente da Guerra dos Emboabas e, que entre outros escritos, deixou uma
memória histórica do “Distrito do Rio das Mortes” (OLIVEIRA, 1953), preferisse contratar
para um projeto tão importante para ele um arquiteto residente na nascente Comarca do Rio
das Mortes.
O segundo documento, que efetivamente cita o Doutor Calheiros, envolve também
novamente a construção da capela de Santo Ovídio, e trata-se de uma carta pessoal do mesmo
Sargento-mor José Alvares de Azevedo, já no ano de 1744, dirigida ao entalhador bracarense
Marceliano Araújo (c.1690-1769)
203
. Na carta, escrita numa linguagem truncada, comum à
203
Marcelino Araújo tem, em Braga, entre suas obras mais importantes a Casa da Oração da Sé (1733-1739) e o
retábulo de Nossa Senhora dos Prazeres na Igreja dos Jesuítas (1754).
321
época, o assunto principal gira em torno de uma encomenda feita a Marcelino em Braga, e
relaciona-se à confecção do retábulo e duas imagens para os altares laterais da já citada capela
de Santo Ovídio, em Amares, na região de Braga, construída, como vimos, às expensas do
sargento-mor da Comarca do Rio das Mortes. Na carta, entretanto, para sorte do pesquisador
contemporâneo, outros assuntos, ainda que não muito claros, são comentados entre os
interlocutores, envolvendo a pessoa do também entalhador bracarense Pedro Monteiro de
Souza, imigrado para São José e lá residente, e a figura do arquiteto amador e magistrado
bracarense Doutor Antônio Pereira de Souza Calheiros, lá também residente.
Pelo que podemos deduzir da carta, Pedro Monteiro saiu de Braga em litígio com os
familiares de sua mulher e com dívidas de trabalho que envolviam o entalhador e escultor
Marceliano de Araújo. Marceliano, ao que parece, escreveu para o Sargento-mor Azevedo –
seu cliente e homem de prestígio na região – para que o mesmo convencesse Monteiro a
voltar a Braga e acertar as dívidas pendentes ou mandar-lhe pagar alguma quantia da dívida
existente. Pedro Monteiro, pelo que podemos entender, não aceita a hipótese de voltar a Braga
e chega dizer a Azevedo “[...] que antes cá farto que lá faminto [...]” (OLIVEIRA, 1996,
p.260), e justifica que assim que possível vai mandar algum dinheiro para que sua família
venha para São José. Entretanto, a mais surpreendente das queixas que Pedro Monteiro
comenta com o Sargento-mor Azevedo sobre sua situação está ligada ao Doutor Antônio
Pereira de Souza Calheiros, que, pelo que parece, andou a escrever uma carta para a família
de Pedro Monteiro em Braga, contando a vida que ele levava em São José. Como desagravo,
Pedro Monteiro faz o seguinte comentário de Calheiros ao Sargento-mor Azevedo:
E ele do que se estimou foi de lhes escreverem misérias da sua casa a um António
Pereira Pereira (sic) Calheiros, filho de outro Calheiros de Braga, que a cinco para
seis anos veio para aqui. Ele o trouxe do Rio de janeiro, pelo amor de Deus. E hoje,
322
como casou rico, se não trata com o dito Monteiro, por vergonha de saber-lhe como
veio para essa terra. (OLIVEIRA, 1996, p.260)
204
Esse documento prova, por si só, que por volta de 1729-1730 o Doutor Calheiros já
estava radicado no Rio de Janeiro e que no ano da encomenda de Santo Ovídio (1734-1735)
ele já estava morando na Vila de São José. A relação de traçado geométrico entre a demolida
igreja de São Pedro dos Clérigos do Rio de Janeiro e a capela de Santo Ovídio em Caldelas
são tão estreitas entre si e tão próximas da presença do Doutor Calheiros que a sua autoria nos
dois projetos, além de provável, demonstra a personalidade de um arquiteto criativo e
talentoso, profundo conhecedor da tratadística do Barroco italiano
205
. A intuição dessa
autoria também esclareceria a maturidade arquitetônica do homem que por volta de 1753 irá
traçar as igrejas de plantas elípticas de Mariana e Ouro Preto, misturando as concepções da
tratadística italiana já testadas nestas duas igrejas anteriores com a criatividade planimétrica
carioca da igreja da Glória do Outeiro, adaptada à funcionalidade do programa das igrejas de
irmandades mineiras
206
.
Figura de proa que por muitos anos configurou um enigma para a história da
arquitetura brasileira setecentista, foi a esse improvável indivíduo que o idôneo Vereador
204
Ver Anexo Antônio Pereira de Souza Calheiros – Transcrição de carta e petição de Marceliano de Araújo,
desta cidade, da rua de Santo André do Quinteiro – 1744.
205
A identidade do arquiteto da demolida igreja de São Pedro dos Clérigos do Rio de Janeiro, como informam
os estudos mais contemporâneos sobre o tema, desenvolvidos pela professora Sandra Alvim (1999), ainda não
foram confirmados. O nome do Engenheiro Militar Joaquim Cardoso Ramalho aparece apenas como uma
possibilidade, já que a ele é atribuído o projeto da igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, segundo dados
publicados por Gentil Berger (1994): “Este engenheiro serviu dez anos no Alentejo e Mafra. Andou embarcado
para os Açores e comboiou as frotas do Brasil. Foi provido no cargo de engenheiro da praça do Rio de Janeiro
em Setembro de 1738. Não se lhe conhece a obra.” (BERGER, 1994, p.283)
206
Eduardo Pires de Oliveira (1996) descobriu, ainda, que nas Minas o Doutor Calheiros, além de já receber o
posto de Sargento-mor de Ordenanças, em 1744, confirmando a sua posição de cidadão distinto, fez pelo menos
duas viagens à Metrópole. Pelos documentos localizados no Arquivo da Câmara de São João del-Rei, sob a
guarda da Biblioteca Municipal de São João del-Rei, provou-se que, no ano de 1748, o Doutor Calheiros esteve
em Lisboa defendendo interesses das Câmaras de São João del-Rei e São José del-Rei, referentes ao direito de
transferência para as mesmas da cobrança dos impostos gerados pela ponte do Porto Real da Passagem. Essa
referência torna-se importante pelo fato de que três ou quatro anos antes do mesmo propor os planos
revolucionários para as duas igrejas mineiras, o arquiteto, ao passar pelo Rio de Janeiro, viu quase pronta a
volumetria da igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, atribuída ao Engenheiro Militar Joaquim Cardoso
Ramalho.
323
Segundo de Mariana apontou como o arquiteto responsável pelo risco das revolucionárias
igrejas elipsoidais do Rio e de Minas (SILVA apud BAZIN, 1983). O fato de ser amador em
arquitetura levou os críticos especializados, durante muitos anos, a duvidar da competência
desse bacharel para a primorosa e importante autoria dessas duas impressionantes igrejas. Isso
se deu, principalmente, pelo pouco conhecimento dos pesquisadores brasileiros sobre as bases
da cultura arquitetônica portuguesa, analisadas anteriormente.
É exatamente o estudo e conhecimento dessa cultura arquitetônica que explica o fato
de que somente um indivíduo de formação erudita e conhecedor da tratadística – totalmente
afastado da formação da prática do canteiro e das influências dos mestres-de-obras e do
mundo dos engenheiros militares, vivendo num mundo novo, pouco ligado a qualquer
preconceito estético – pudesse estar inclinado a propor uma inovação daquela espécie para a
espacialidade arquitetônica da tradição portuguesa. Sob o ponto de vista historiográfico, o
mais importante da sua produção e trajetória é que foi a partir do projeto de São Pedro dos
Clérigos de Mariana – e não da menos revolucionária igreja de São Francisco de Ouro Preto,
atribuída com grande probabilidade ao Aleijadinho –, que abriu-se definitivamente o caminho
para um mundo de experimentações estéticas novas que destacou mundialmente a arquitetura
barroca da região das Minas Gerais. A importância do projeto São Pedro dos Clérigos de
Mariana para a cultura arquitetônica em Minas Gerais pode ser notada, de início, na
arrematação da obra dessa igreja, através da leitura do documento de Escritura de Obrigações,
Fianças e Condições, feita com o Mestre português José Pereira dos Santos em 1753,
registrado no Livro de Notas do Tabelião Joaquim José de Oliveira
207
. Neste documento
temos
a presença dos mais ilustres mestres de arquitetura e construção da escola mineira.
Dentre os onze fiadores que deram seu aval para a arrematação da obra revolucionária,
207
Ver Anexo José Pereira dos Santos – Termo de Arrematação – igreja de São Pedro dos Clérigos – Mariana
1753.
324
aparecem nada menos do que Manoel Francisco Lisboa, Domingos de Oliveira e José Pereira
Arouca, os principais louvados de então.
Do ponto de vista da planimetria, a planta proposta por Nicolau Nasoni para a igreja
dos Clérigos no Porto (Figuras 186 e 187), tem francas afinidades com as plantas que o
português Antônio Pereira de Souza Calheiros irá propor para a São Pedro dos Clérigos em
Mariana e Nossa Senhora do Rosário de Ouro Preto – que vão ser construídas pelo Mestre-
pedreiro português José Pereira dos Santos. O Doutor Calheiros era de Braga, mas estudou em
Coimbra, e nesse trajeto necessariamente tinha que passar pelo Porto.
Durante muitos anos, o nome do Doutor Calheiros como arquiteto sempre foi visto
com desconfiança pela crítica especializada. Entretanto, como vimos anteriormente, em
função dos dados levantados pelo pesquisador Eduardo Pires de Oliveira (1993, 1996, 2001b),
o Doutor Calheiros demonstra estar entre os agentes portugueses que mais contribuíram para o
florescimento de uma arquitetura nova nas terras mineiras, onde foi fundador de uma
“escola”. Podemos dizer, através dos projetos hoje atribuídos a ele – São Pedro dos Clérigos
no Rio, Santo Ovídio em Caldelas (Portugal), São Pedro dos Clérigos de Mariana e Nossa
Senhora do Rosário de Ouro Preto –, que devemos a este erudito a iniciativa, do ponto de
vista da produção arquitetônica tardo-barroca, de uma das mais criativas manifestações da
arquitetura luso-brasileira. Contrariando o gosto conservador da sua cultura natal, no Brasil e
principalmente em Minas, esse “amador de arquitetura português” encontrou a liberdade
criativa de expressão, que dentro da cultura arquitetônica conservadora existente do Reino
nunca encontraria. Talvez nem mesmo tivesse se alvoroçado realmente a ser arquiteto. Sua
obra inovadora inaugura a materialização da existência de um espírito de uma
experimentação, improvável de ser comprovada pela nossa historiografia até alguns anos
atrás.
325
É importante lembrarmos que a figura do Doutor Calheiros por pouco não emergeria
da sua obscuridade e continuaria abafada pelo mito modernista do Aleijadinho se o
pesquisador português Eduardo Pires de Oliveira (1996), examinando a documentação
notarial da cidade de Braga, não trouxesse nova luz a esse homem como agente cultural da
arquitetura do seu tempo entre Portugal e o Brasil e como agente artístico de circularidade
cultural fundamental da relação entre Braga, Lisboa, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Outros dados sobre o Doutor Calheiros em Minas Gerais revelam que ele esteve no
exercício do cargo de Juiz dos Órfãos da Vila de São José del-Rei obtido em 1737, tendo sido
nomeado, por volta de 1745, com a patente de “sargento-mor das ordenanças de pé” da
mesma vila, com todas “as honras, privilégios, graças, liberdades e isenções” inerentes ao
posto
208
. Por volta de 1748, ele ainda exerceria na Vila de São José a função de escrivão da
Câmara e Almotaçaria para a qual fora nomeado por um período de três anos
209
. Entre os
anos de 1752 e 1760, ele deve ter morado entre Ouro Preto e Mariana, pois é o período em
que são atribuídos a ele, pelo Vereador Segundo de Mariana, os projetos de São Pedro de
Mariana e do Rosário de Ouro Preto, e que coincide com os documentos ligados às datas das
arrematações dessas duas obras. Sua última referência documental conhecida é a atribuição de
uma sesmaria, no dia 2 de setembro de 1760, localizada na última cabeceira do Ribeirão da
Porteira, termo de Sabará
210
. Infelizmente, não temos notícia da data do seu falecimento e
nem da existência de seu inventário.
208
Ver Anexo Antônio Pereira de Souza Calheiros – Registro de uma ordem dos Oficiais da Câmara ao Doutor
Antônio Pereira de Souza Calheiros – São José del-Rei – 1747.
209
Ver Anexo Antônio Pereira de Souza Calheiros – Provisão de serventia do Ofício de Escrivão da Câmara e
Almotaçaria a Antônio Pereira de Souza Calheiros – São José del-Rei – 1748.
210
Ver Anexo Antônio Pereira de Souza Calheiros – Registro de Atribuição de Sesmaria ao Doutor Antônio
Pereira de Souza Calheiros – 1760.
326
CAPÍTULO 9 – AS GRANDES REALIZAÇÕES DA NOVA CULTURA
ARQUITETÔNICA IMPLEMENTADA NO SÉCULO XVIII EM MINAS GERAIS: A
PRODUÇÃO DA ARQUITETURA RELIGIOSA DURANTE A SEGUNDA METADE
DO SÉCULO XVIII E SEUS PRINCIPAIS AGENTES CULTURAIS
encida a primeira metade do século XVIII, vemos surgir uma Minas que está
no auge na sua riqueza e que já contava com uma população nascida da
primeira geração de pioneiros, herdeiros da prosperidade e estabilização construída no
território a partir de 1730 e que, por outro lado, iniciava um processo de busca por uma maior
distinção, condizente com o seu novo papel hierárquico dentro da sociedade. Distinções
sociais que, na verdade, sempre existiram e que as dificuldades dos primeiros tempos tinham
acomodado em parte. No entanto, essa diferenciação de classes em busca de distinção acabará
diretamente associada a um novo surto arquitetônico que se inicia por volta de 1753 com a
construção das igrejas de Irmandades e Ordens Terceiras e que estará diretamente
relacionado, como defendeu Sylvio de Vasconcellos (1983a), à concorrência entre os diversos
grupos e classes sociais que dominavam então o panorama social da Capitania. Segundo a
visão correta do pesquisador sobre esse fenômeno da segunda metade do século XVIII em
Minas Gerais,
Se o lugar progride, acentuando a estratificação social existente, cedo tem lugar
divergências e conflitos que uma convivência tão heterogenia de classes fatalmente
acabaria por provocar. Quebra-se a harmonia estabelecida, procurando cada
grupo resolver a seu modo os problemas suscitados. Alguns se dissolvem, outros
sujeitam-se ao domínio prepotente, ou recolhem-se às primitivas capelas que então
reconstroem e ampliam, e, finalmente, os mais bem organizados empenham-se na
construção de novas capelas. (VASCONCELLOS, 1983a, p.46)
V
327
Esse surto de grandiosidade e tentativa de demonstração de apogeu social e cultural da
sociedade mineira vinculava-se, contraditoriamente, ao fim da sua prosperidade econômica
com o início da exaustão das jazidas, o que não impediu que essa sociedade continuasse
vivendo seu “sonho barroco”, ou mesmo gastasse quantias significativas de recursos pelas
mãos das Irmandades e Ordens Terceiras para bancar o surto arquitetônico que produziu as
mais importantes realizações da arquitetura religiosa e civil da Capitania.
Essa produção seria agora marcada, principalmente, pela mão-de-obra de uma geração
de gente nativa e de novos imigrantes, formados na atmosfera de uma cultura arquitetônica
nova, mais experimental, formada durante a primeira metade do século XVIII. Foi essa
geração que transformou as lições de uma escola que iniciou-se seguindo os cânones da
cultura arquitetônica, nitidamente ligada ao gosto do funcionalismo português, numa escola
arquitetônica que soube primar pela erudição e pela qualidade estética. Soube ainda
amadurecer e buscar na criatividade e na ousadia nascida do seu meio a receita que
diferenciou a sua arquitetura. Uma escola que, contudo, não cresceu isolada, mas que
contaminou-se, como já dissemos anteriormente, pelo que se fazia tanto em outras localidades
do Brasil como de Portugal, que tinham como característica estilística predominante o
Barroco tardio, o Rococó ornamental, e o Pombalino como um ponto de referência
211
.
Na arquitetura religiosa produzida como fato cultural de uma sociedade
profundamente vinculada à pompa da festa barroca e aos ritos do Antigo Regime, essa
arquitetura também refletiu os contraditórios da sociedade mineradora, e construiu seu apogeu
arquitetônico no momento da decadência do ouro. Isto, no entanto, não impediu que os seus
211
Estilo utilizado a partir da reconstrução de Lisboa (1755), caracterizado pelo controle rigoroso da proporção
e do ritmo das fachadas, tendo sido definido nos princípios da 3
a
. “dissertação” de Manuel da Maia, de 19 de
abril de 1756. “[...] o estilo pombalino partiu das necessidades empíricas da reconstrução de Lisboa,
subordinando-se às suas regras de economia, em tempo, em custos e na sistematização da construção, com
técnicas de pré-fabricação asseguradas por uma larga escala de segurança (“gaiola”) e de utilização. [...] A
regularidade programada dos modelos foi, assim, simultaneamente uma teoria e uma prática, em adaptação
conjuntural bem sustentada no quadro dum grande empreendimento, único na Europa de meados do século
XVIII.” (FRANÇA, 1989, p.370)
328
ritos coletivos do mundo barroco, que sob o mesmo espaço misturava o público e o privado, o
sagrado e o profano, como cenário do “teatro da vida”. As práticas comunitárias desse mundo,
como definiu Roberto da Matta em “Carnavais, Paradas e Procissões”, representavam uma
mentalidade coletiva. Segundo as palavras do sociólogo:
[...] o discurso das Festas Religiosas permite surpreender uma perspectiva de
estrutura social onde o foco é simultaneamente os valores locais e universais [...] As
Festas religiosas, assim, por colocarem lado a lado e num mesmo momento o povo e
as autoridades, os santos e os pecadores, os homens sadios e os doentes, atualizam
em seu discurso uma sistemática neutralização de posições, grupos e categorias
sociais exercendo uma espécie de
pax catholica
. (MATTA, 1977, p.17, grifos do
original)
No entanto, dentro dessa atmosfera alicerçada na busca por uma distinção social
exacerbada, principalmente a partir da segunda metade do século XVIII, como demonstrou
Marco Antônio Silveira (1997), e recheada de problemas relacionados a preconceitos a este
universo de indistintos, o aceite de pertencimento a uma das poderosas e aristocráticas Ordens
laicas – que mantinham entre elas grande rivalidade – possibilitou, ainda que
inconscientemente, que desse conflito sócio-cultural florescesse o melhor da arquitetura
setecentista das terras brasileiras. Como já dissemos, isto se deu em função dos amplo
numerário de recursos financeiros nas mãos desses Sodalícios detentores de prestígio social
vinculado à pompa do espetáculo barroco, que garantia júbilos tanto aos irmãos vivos quanto
aos mortos.
Por outro lado, é preciso lembrar que a criatividade exercida na construção das igrejas
da segunda metade do século XVIII está intimamente ligada a uma rede de conexão entre as
diversas regiões brasileiras, inexistente antes do ciclo do ouro mineiro, o que possibilitou que
um maior intercâmbio de fontes e trânsito de culturas entre a população das diversas regiões
do Brasil e da Metrópole. Lembramos aqui, que pelo menos dois dos principais agentes da
cultura arquitetônica mineira da segunda metade do século XVIII, os Mestres Francisco de
329
Lima Cerqueira e Manuel Francisco de Araújo migraram para a região das Minas após 1760,
e por isso traziam novas referências do que se produzia tanto em Portugal quanto no Rio de
Janeiro, que se somaram à atualização do repertório da arquitetura na Capitania.
Infelizmente, como já tivemos oportunidade de colocar em outros capítulos dessa tese,
as bibliotecas e os livros arrolados nos inventários mineiros ainda não nos forneceram as
provas documentais definitivas da literatura artística e arquitetônica em circulação nas Minas.
O que temos documentalmente confirmado é apenas um livro de arquitetura que pertencia a
Manuel Francisco de Araújo, do qual não se sabe o título; o livro “Segredo dos artistas” e a
Bíblia Ilustrada – que Hannah Levy (1944) identificou como sendo a de Dermane –
pertencentes a Manoel da Costa Athaide (Figura 20), e as informações esparsas, como as que
constam do testamento do pintor João Nepomuceno Correia e Castro, que deixa suas estampas
de trabalho para seus ajudantes: “Declaro que todas as estampas que tenho, riscos e debuxos,
os deixo a Francisco de Paula, e Bernardino de Sena meus aprendizes. (ANDRADE, 1986b,
p.125)
A falta sistemática de livros ligados à cultura arquitetônica no arrolamento de bens dos
inventários dos grandes mestres mineiros do setecentos não nos parece algo normal para a
vitalidade de circularidade cultural e econômica da Capitania. Essa ausência nos é estranha
principalmente em função da sua constante presença no arrolamento dos inventários de
arquitetos, mestres-de-obras e engenheiros que verificamos tanto em Portugal quanto no Rio
de Janeiro, onde esses documentos existiam em grande número
212
. Essa lacuna nos faz pensar
na possibilidade da existência de alguma uma espécie de biblioteca e, neste sentido talvez
212
Recentemente, Márcio Jardim, no seu livro “O Aleijadinho – uma síntese histórica” (1995), identificou e
localizou um livro do século XVIII de ladainhas dedicadas à Virgem Maria na Biblioteca dos Bispos da Diocese
de Mariana (registrado sob o n.8612, estante 75, prateleira 2), onde, segundo as palavras do pesquisador, as
estampas contidas apresentam grandes similaridades com algumas obras atribuídas a Antônio Francisco Lisboa,
como os leões de cadafalso do Museu da Inconfidência, o profeta Daniel e o anjo do Passo do Horto, em
Congonhas do Campo, e o panejamento dos anjos decorativos das portadas esculpidas pelo artista. Isto pode ser
considerado um forte indício da circulação de publicações, e consequentemente, de um novo gosto estilístico.
330
valesse à pena, no futuro e com o necessário cuidado, voltar a investigar a tese defendida
(ainda que de maneira um tanto leviana) por Geraldo Dutra de Morais (1977), que afirmava a
existência de uma Escola de Artes e Ofícios ligada aos Franciscanos da Terra Santa sediada
em Vila Rica, com ampla biblioteca sobre arte, da qual o mesmo autor faz um longo
arrolamento de títulos
213
.
Sem documentos mais precisos sobre obras relativas à cultura arquitetônica em
circulação em Minas, para uma análise mais efetiva nos restam apenas os apontamentos
documentais ainda existentes nos arquivos das Ordens Terceiras e Irmandades, a possibilidade
de análise crítica dos edifícios, e o conhecimento dos princípios que vigoravam na cultura
arquitetônica da época, fonte essa primordial para se compreender a qualidade da produção da
213
Marcio Jardim (1995) discute a validade documental das referências citadas por Geraldo Dutra de Moraes.
Entretanto, manifestou-se da seguinte maneira sobre essa questão: “Se os documentos não existem, tudo seria
uma farsa (o escritor Fernando Jorge é dessa opinião e a colocou em livro), montada por uma pessoa que
estudou o Barroco mineiro durante cerca de 40 anos.” (JARDIM, 1995, p.31). Em resposta por e-mail remetida
em dois de março de 2006 ao Arquivo da Torre do Tombo, sobre as afirmações contidas no livro de Geraldo
Dutra Guimarães, obtivemos os seguintes esclarecimentos do Sr. Luís Filipe Marques da Gama,- assessor
principal do Arquivo, em 28 de junho desse ano corrente: “Não é possível confirmar se o Sr. Geraldo Dutra de
Moraes terá consultado na Torre do Tombo, na década de 1970, o fundo documental Hospício de Lisboa da
Comissão Geral da Terra Santa, uma vez que não existem registros dessa época sobre os documentos
requisitados pelos leitores. Confirmamos a existência na Torre do Tombo do fundo documental Hospício de
Lisboa da Comissão Geral da Terra Santa, o qual é constituído por 58 livros e 38 maços. A documentação data
dos séculos XVII a XIX. Os respectivos auxiliares de pesquisa são a caderneta 388 e o livro 283 (só fl. 93), os
quais se encontram à disposição dos leitores na Sala de Referência da Torre do Tombo. Os livros tratam
especificamente dos seguintes assuntos: livros 1 a 35 – Livros de esmolas e contas do Hospício da Terra Santa;
livro 36 – Livro das posses dos comissários do Hospício da Terra Santa e ajuste de contas; livro 37 – Livro de
inventário dos esmoleres da Terra Santa; livro 38 – Livro de borrão de registro dos religiosos e síndicos da
Terra Santa; livro 39 – Livro de registro dos religiosos ausentes e síndicos da Terra Santa; livro 40 – Livro do
inventário do Hospício da Terra Santa; livro 41 – Livro copiador de cartas do Hospício da Terra Santa; livros
42 a 48 – Livros dos irmãos da Terra Santa; livro 49 – Livro de várias lembranças do Hospício da Terra Santa,
1820; livros 50 a 53 – Livros de contas; livro 54 – Livro das pescarias vendidas em lote, Sesimbra, 1787; livro
55 – Livro das dízimas da chancelaria dos contos e cidade, 1826; livros 56 a 58 – Livros de assentos do
pagamento das anuidades dos irmãos do Hospício da Terra Santa de Lisboa pertencentes às freguesias do
Priorado do Crato, etc., 1802-1829.Os maços contêm alguns milhares de documentos avulsos, sobretudo contas
e cartas da Terra Santa (correspondência) dos séculos XVII, XVIII e XIX. As cartas do século XVIII encontram-
se nos maços 26 a 33. Os maços 34 e 35 contêm provisões régias, patentes, passaportes, privilégios, breves,
requerimentos, memórias, etc. relativos ao Hospício da Terra Santa. O maço 38 inclui alguns documentos
relacionados com o Brasil, nomeadamente: um requerimento de António de Abreu Guimarães para poder
vincular muitas fazendas que tinha no Brasil e em Portugal, as quais por sua morte queria constituir para
dotação e fundo de um colégio, de um seminário e dois hospitais que fundara no Brasil (documento n.º 49). Por
transcender o normal serviço público que compete ao Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo
prestar aos cidadãos nacionais e estrangeiros, não é possível pesquisar nos livros e maços supracitados os
dados solicitados pelo interessado. Considerando tratar-se de um trabalho de investigação complexo e
sobretudo moroso, propomos que seja o próprio a realizar tal pesquisa ou em alternativa poderá contratar
directamente um investigador profissional”.
331
arquitetura setecentista mineira da segunda metade do século XVIII. Para essa construção
histórica, iniciamos nossa análise através do detalhamento de alguns princípios arquitetônicos,
já apresentados. Neste sentido, partimos do princípio de que a maneira de produzir arquitetura
em voga na segunda metade do século XVIII em Minas Gerais mistura a utilização do
desenho ou risco, valorizando principalmente o módulo, a proporção e o gosto pelos traçados
geométricos; o conhecimento da tratadística, principalmente Serlio e Pozzo
214
; e as regras de
composição da arquitetura maneirista, barroca e rococó, ainda que com um conhecimento
menos erudito sobre a utilização das ordens. Soma-se a esses aspectos um grande apelo de
modernização da arte vinculado ao gosto assimétrico do Rococó francês nas partes
decorativas, influenciado pelos tratados, catálogos e estampas de decoração, e mesmo
algumas soluções mais sóbrias ao gosto do Pombalino, mais próximas do fim do século.
Sobre o primeiro item, podemos dizer que a combinação matemática de regras
geométricas pode nos dizer muito sobre a qualidade da obra arquitetônica. A boa arquitetura
vinculada ao mundo clássico, em regra, indiferente do período da sua produção, tem
elementos indissociáveis na sua concepção. Neste sentido, lembramos que uma tratadística
erudita já circulava em Minas desde o início do século XVIII, se voltarmos às pistas deixadas
no relato do Vereador Segundo de Mariana:
A matriz de Ouro Preto, arrematada por João Francisco de Oliveira pelos Annos de
1720, passa por um dos edifícios mais bellos regulares e antigos da comarca. Este
templo, talvez desenhado pelo sargento-mor engenheiro Pedro Gomes, foi
214
Lembramos que nesse período, a arquitetura tem uma relação diretamente ligada ao desenho. O bom
arquiteto era essencialmente um bom desenhista. Isto porque, como vimos nas palavras de Cyrillo Wolkmar
Machado (2001), era através do desenho, partindo inicialmente do corpo humano para depois o de observação
dos monumentos, que se criava o sentido de proporção entre as partes e o todo, portanto, que se entendia e
praticava-se a proporção das ordens. Era onde também se criava maior maturidade sobre o problema da
composição que envolve tanto a obra de arte como o objeto arquitetônico. Lucio Costa, num texto intitulado “Do
desenho”, de 1940, seguindo esta tradição, afirmava: “O rabisco não é nada, o risco
– o traço – é tudo. O risco
tem carga
, é desenho com determinada intenção – é o “design”. É por isto que os antigos empregavam a
palavra risco
no sentido de “projeto”: o “risco para a capela de São Francisco”, por exemplo.
[...] Risco é desenho não só quando quer compreender
ou significar, mas “fazer”, construir.” (COSTA, 1995,
p.242, grifos do original).
332
construido e adornato [sic] interiormente por Antonio Francisco Pombal com
grandes
columnas de ordem corinthia, que se elevão sobre nobres piedestães a
receber a cimalha real com seus capiteis e resaltos ao genio de Scamozzi. Com a
maior grandeza e
soperba
[sic] architectura traçou Manuel Francisco Lisboa,
irmão d'aquelle Pombal, de 1727 por diante, a igreja matriz da Conceição da
mesma villa com 12 ou 13 altares, e
arcos magestosos debaixo dos preceitos de
Vinholla. Nem é inferior a cathedral matriz do Ribeirão do Carmo, arrematada em
1734 por Antonio Coelho da Fonseca, cujo prospecto e fachada correspondem a
galeria, torres e mais decorações de arte. Quem entra pelo seu portico e observa a
distribuição dos corredores e naves
, arcos da ordem composita, janella, occulos, e
barretes da capella-mor que descancão sobre quatro quartões ornados de talha,
capiteis e cimalha lavrada, não pode desconhecer a belleza e exacção de um
desenho tão bem pensado. Taes são os primeiros modelos em que a arte excedeu a
matéria. (SILVA, apud BAZIN, 1983, v.1, p.381, grifos nossos)
No entendimento da arquitetura dentro da tradição portuguesa, vimos anteriormente
como o mundo da cultura dos mestres-de-obras tinha uma relação primordial com o desenho,
principalmente com a Geometria, e por isso proporções perfeitas, formadas pelo retângulo
composto pelo duplo quadrado, foi uma das proporções mais utilizadas na definição da
planimetria dos projetos (Figura 150 e 151). Para a composição dos alçados, como já tinha
demonstrado o pioneiro estudo de Sandra Alvim (1999) relativo à arquitetura religiosa do Rio
de Janeiro durante o século XVIII, a utilização dos traçados geométricos era a forma mais
frequente para se chegar às proporções desejadas (Figura 188). Na arquitetura da segunda
metade do século XVIII, Paulo Thedim Barreto, analisando os projetos das Casas de Câmara
e Cadeia de Mariana e Ouro Preto (Figuras 189 e 190), demonstrou primeiramente a validade
e utilização desses métodos pelos arquitetos mineiros durante o século XVIII.
Sobre a agradabilidade visual que certas proporções geométricas causam aos olhos do
observador, desde a Antiguidade Clássica, vários matemáticos, arquitetos e geômetras
buscaram cientificamente decifrar-lhe as causas. Contemporaneamente, perante a conclusão
de alguns estudos, incidiu-se na hipótese que considera que a famosa “proporção áurea” se
sustenta porque é formada por relações geométricas equilibradas através da “série de
Fibonacci”, onde se obtém a relação de proporção de grandeza a partir da relação matemática
de cada termo como resultado da soma dos dois números que o antecedem (1,2,3,5,8,13, etc.),
333
e também porque o retângulo de ouro é a forma que melhor satisfaz o sentido de proporção do
homem, porque é exatamente o retângulo circunscrito à elipse, que representa o limite do
campo de visão humano. O que é certo, desde os tempos mais remotos, é que existiram
figuras geométricas controladas por relações matemáticas, bastante conhecidas dos arquitetos,
e que, articuladas em conjunto, contribuíam naturalmente para a construção da proporção e do
equilíbrio da obra arquitetônica. A partir desse conceito, podemos identificar, principalmente,
que as figuras regulares (aquelas que têm lados ou faces iguais) ou as figuras harmônicas
(aquelas que preenchem requisitos de relação com outras figuras geométricas) são figuras
essencialmente presentes nas boas obras de arquitetura da Antiguidade.
Outra lei fundamental da Geometria utilizada por essa cultura arquitetônica é a
propriedade que têm certas figuras geométricas de poder se agrupar constituindo séries que se
reconhecem e se somam através de determinada lei de formação dinâmica (progressão
geométrica). Assim, membros de uma série permitem com mais facilidade construir
composições que agradam o sentido humano na medida que transmitem harmonia e
estabilidade (Figura 191). Do conhecimento deste conjunto de propriedades resultaram regras
básicas de composição do objeto arquitetônico, dominadas desde o século XV pelos arquitetos
renascentistas
215
. Neste sentido, podemos tirar dessas lições algumas indicações para o nosso
estudo, dentre elas a principal é que quanto mais erudito for o traçado geométrico e as regras
de proporção empregadas no edifício, maior será a erudição e conhecimento da tratadística
por parte do arquiteto (Figura 192).
Assim, devemos procurar as pistas que restaram para a construção histórica que
pretendemos fazer da cultura arquitetônica mineira da segunda metade do século XVIII entre
215
Alguns autores (SUMMERSON, 1994), no estudo da arquitetura modernista, demonstraram como estes
princípios ainda permanecem válidos, independentemente do emprego de elementos do repertório clássico.
Lembramos que a coluna (em qualquer uma das ordens) configurava, a partir da medida do diâmetro da base, o
“módulo” que harmonicamente repetido conferia proporção ao edifício. A arquitetura modernista, entretanto,
ansiosa por liberar-se do decorativismo que marcou o Ecletismo, abandona esta medida de referência em favor
de composições fundamentadas no retângulo áureo.
334
os edifícios, os documentos dos arquivos das Irmandades e Ordens Terceiras e os poucos
desenhos que restaram sobre traçados arquitetônicos nos arquivos mineiros, os registros
cartoriais de algumas arrematações e alguns dados biográficos sobre os arquitetos e
construtores. Somamos a esses dados os levantamentos que fizemos sobre a cultura
arquitetônica em voga em Portugal e na Europa e também no litoral, principalmente no Rio de
Janeiro, com quem tínhamos, como demonstraram os estudos de trânsito cultural, uma relação
bastante próxima.
Entre os arquitetos e mestres-de-obras que a documentação aponta estarem envolvidos
diretamente com as grandes obras da segunda metade do século XVIII, aparecem os seguintes
personagens, separados em três grupos distintos pela sua atuação: os empreiteiros, onde
figuram os nomes de João Álvares Viana, Tomás da Maia Brito e Domingos Moreira de
Oliveira e José Ribeiro de Carvalhais; os arquitetos e empreiteiros, como José Pereira dos
Santos, José Pereira Arouca e Francisco de Lima Cerqueira; os arquitetos amadores Antônio
Pereira de Souza Calheiros, Antônio Francisco Lisboa e Manuel Francisco de Araújo; e
mesmo o Governador e Engenheiro Militar Luís da Cunha Menezes, que fez o projeto da Casa
da Câmara e Cadeia de Vila Rica. A maior prova principalmente da atividade de Antônio
Francisco Lisboa e Manuel Francisco de Araújo como arquitetos, como já tinha salientado
Bazin, é o trabalho dos dois na grande louvação do Carmo de Ouro Preto, realizada em 13 de
março de 1771 (BAZIN, 1983; LOPES, 1942). Estes dois homens aparecem entre os peritos
como responsáveis pela “medissão do risco” que correspondia exatamente ao trabalho de
arquitetura
216
, ou seja, comparar os riscos primitivos e os novos desenhos no sentido de ver a
diferença entre os dois frente ao que estava pronto.
216
Este termo de Louvação será mencionado diversas vezes ao longo deste capítulo e terá sua referência ligada
ao artífice ao qual refere a seção.
335
Em função de questões metodológicas, como fizemos em relação aos agentes
culturais que atuaram no ramo da arquitetura e da construção religiosa na primeira metade do
século XVIII, optamos por selecionar os mais representativos desses personagens, para um
estudo mais detalhado do seu papel frente à cultura e à produção arquitetônica vigentes na
segunda metade do século XVIII em Minas Gerais. Assim, do primeiro grupo, optamos, pela
sua maior importância, por estudar Domingos Moreira de Oliveira. Do segundo grupo,
optamos por José Pereira dos Santos, José Pereira Arouca e Francisco de Lima Cerqueira, por
terem uma obra arquitetônica mais erudita e melhor documentada; e do terceiro, optamos por
Antônio Francisco Lisboa e Manuel Francisco de Araújo, pela qualidade da sua produção.
Isso se justifica, por já termos estudado a importância da obra do Doutor Calheiros no
capítulo anterior e já que esse homem é um personagem de transição. Embora tenha
produzido seus principais projetos na primeira década da segunda metade do século XVIII,
consideramos para efeito de análise, como pertencente à geração da primeira metade do
século XVIII.
336
9.1. Domingos Moreira de Oliveira
omingos Moreira de Oliveira era empreiteiro e construtor. Nasceu na freguesia
de Duas Torres, pertencente ao Bispado do Porto. Segundos os dados
documentais que encontramos Arquivo Distrital do Aveiro, em Portugal, Domingos era o
primeiro filho do casal Manuel Moreira e Thereza de Oliveira, casados – segundo os dados
que constam no Livro de Casamentos 1680-1760, p. 156-157 verso, da freguesia de Duas
Igrejas – aos 22 dias de abril de 1716. Seu assento de batismo consta no Livro I (1681-1780)
desta mesma freguesia, datado do dia 02 de dezembro de 1717. Como demonstram os
documentos por nós localizados, Domingos era o primogênito de nove irmãos, nascidos entre
os anos de 1719 e 1738
217
.
Sua presença em Minas está localizada entre os anos de 1746 e 1747, quando já figura
no Censo Geral dos Ofícios, como pedreiro residente na Comarca de Vila Rica, como informa Judith
Martins (1974, v.2). A partir da data do seu nascimento, podemos concluir que quando o mesmo
aparece em Minas , ele já era um homem maduro, por volta dos 30 anos de idade.
Estranhamente, pouco ou nada se sabe das atividades profissionais de Domingos Moreira de
Oliveira até 1766, quando ele aparece como arrematante das obras da capela dos Terceiros
Franciscanos de Ouro Preto (MARTINS, 1974, v.2, p.83)
218
, baseada nos projetos atribuídos
ao Aleijadinho. Nesse período, já devia ser um homem de “fábrica”, e bastante conceituado
por sua idoneidade, pois arrematou essa importante obra por 38$cruzados = 15:200$000,
assumindo os serviços de pedreiro e canteiro sem a Ordem Terceira de São Francisco lhe
217
Foram seus irmãos em ordem de decrescente: Anna, Maria, José, Perpetua, Dionizio, Francisco, Marcelino,
Theodora e Manoel. Ver Anexo Domingos Moreira de Oliveira – Batismo de Domingos Moreira de Oliveira –
1717.
218
Ver Anexo Domingos Moreira de Oliveira – Condições de Arrematação – igreja de São Francisco de Assis –
Ouro Preto – 1766.
D
337
exigisse fiadores (TRINDADE, 1951, p.291-300). A partir daí, sua presença é marcante em
diversas obras importantes que se construíam na antiga Vila Rica, e mesmo em Mariana, na
segunda metade do século XVIII. Em Mariana, ele aparece, inclusive, como o arrematante da
Igreja de Nossa Senhora do Carmo em 1784 (MARTINS, 1974, v.2, p.84)
219
.
Certamente, esse homem, de reconhecida perícia como construtor, era mais do que um
empreiteiro dentro do mercado de construção, pois a partir de 1768 ele aparece também como
consultor, juntamente com o Mestre Francisco de Lima Cerqueira, sobre uma modificação
proposta por João Alvares Viana, arrematante das obras da capela da Ordem dos Terceiros do
Carmo de Ouro Preto. Por esse documento, sabemos que Domingos Moreira de Oliveira nesta
ocasião era “definidor da Mesa da Ordem Carmelita de Ouro Preto”, o que demonstra
quanto seu prestígio tinha conseguido atingir em de Vila Rica (LOPES, 1942, p.25-26). Como
homem experiente no ofício de pedreiro, apareceu outras vezes como perito nas louvações
220
,
que foram feitas na mesma obra da igreja do Carmo de Ouro Preto nos anos de 1770, 1771 e
1785. Nestes laudos, entretanto, podemos ver que era analfabeto, pois registra com uma cruz
seu sinal de assinatura, circunstância comum aos iletrados daquele período. Essa condição por
si só limita seu trabalho como um arquiteto intelectualizado, embora devemos ver traços do
seu entendimento de arquitetura nas cópias adaptadas que o mesmo fez de trechos da obra
construída em São Francisco, e que são utilizados tanto na igreja do Carmo de Mariana,
quanto em Santa Efigênia do Alto da Cruz
221
.
Carlos Del Negro (1961), primeiro crítico a
219
Ver Anexo Domingos Moreira de Oliveira – Pagamentos Referentes à Arrematação – igreja de Nossa
Senhora do Carmo – Mariana – 1784-1799.
220
Ver Anexo Domingos Moreira de Oliveira – Primeira Louvação – igreja de Nossa Senhora do Carmo – Ouro
Preto – 1770; Segunda Louvação – igreja de Nossa Senhora do Carmo – Ouro Preto – 1771; Sexta Louvação –
igreja de Nossa Senhora do Carmo – Ouro Preto – 1785.
221
Num documento da contabilidade da Ordem de São Francisco transcrito e publicado pelo Cônego Raimundo
Trindade (1951), vemos uma série de recibos de Domingos Moreira de Oliveira à Ordem, onde ele declara sua
condição de analfabeto: "Receby por conta dahobra que estou fazendo de S. Fran. qual sou rematante hum conto
e Seis Sentos mil Reis os coais Receby por mão do Irmão cindico daordem 3.
a
do mesmo Santo epor oter
recebido enãoSaber escrever lhepassey este asignado com omeu cinal Custumado quehehua Crus tudo na prezensa
das tt.
a
" abayxo aSignadas V.
a
R. opr.° de julho de 1771 a. 1:600$000 Sinal de Domingos + Mor.
a
(Seguem-se
338
analisar seu trabalho como arquiteto, ainda pouco reconhecido pela crítica especializada,
afirma:
Bazin acreditava numa evolução do barroco que se teria igreja de S. Efigênia,
Matriz
do Morro Grande até S. Francisco de Ouro Pto. Entretanto, notamos que
entre 1777 e 1780 Miguel da Costa conjuntamente com Domingos Moreira de
Oliveira — o mestre de S. Francisco de Assis — recebem 400 oitavas "das
obras de pedra”. Em 1780 Manuel da Rocha Monteiro recebeu para fazer
calçadas, destinadas à segurança da escadaria. Finalmente está assinalada a
data de 1786 na peanha da cruz da empena, data que tem relação com as obras
de cantaria da igreja.
O aparecimento no cenário artístico de Ouro Prêto de Antônio Francisco Lisboa
— o Aleijadinho — imprimiu aos monumentos religiosos uma feição nova, arrojada,
diferente dos antigos padrões, não só em planta como também no frontispício.
A competição entre as igrejas fêz que ocasião das obras de cantaria de S.
Efigênia se imitasse o mais belo padrão de arquitetura ouropretana. Por isso,
chanfraram os cantos tôrres, de modo a apresentar uma planta octogonal
irregular e adotaram a ordem jônica para as pilastras. O entablamento
encurva-se em arco de circunferência e delimita um óculo mesquinho e o
mesmo acontece com a empena que é uma imitação inexpressiva da de S.
Francisco de Ouro Prêto. As tôrres um pouco recuadas em relação ao corpo da
nave já haviam sido empregadas por Manuel Francisco Lisboa na Igreja de N.
S. da Conceição de Antônio Dias. Enfim ao bulbo achatado das tôrres
acrescentaram um capitel jônico no intuito de enriquecer a obra, que é ainda
uma imitação de São Francisco de Assis de Ouro Preto. [...]
A
empena é uma imitação de S. Francisco de Assis da mesma cidade, contornada
por molduras de itacolomito ressaltando sôbre o fundo de cal. O entablamento
encurva-se superiormente em semi-círculo para guarnecer o óculo.
(DEL
NEGRO, 1961, p. 96)
A proposta empreendida por Domingos Moreira de Oliveira e seu sócio Miguel da
Costa na igreja de Santa Efigênia do Alto da Cruz, adaptada a partir de São Francisco de
Ouro Preto – ainda que limitada por se dar sobre uma estrutura herdada e erguida sobre os
princípios do estilo Chão, pertencentes à primeira metade do século XVIII, como denuncia
sua solução de portada em nicho –, teve um sentido de “atualização estética”
222
. Esta
tentativa demonstrou claramente as limitações do construtor e pedreiro Domingos Moreira
de Oliveira na área de arquitetura. Entretanto, o mais importante dessa intervenção é a
documentação de um processo de utilização do repertório conhecido como uma prática
assinaturas de testemunhas). (TRINDADE, 1951, p.318-320). Ver Anexo Domingos Moreira de Oliveira –
Pagamentos Referentes à Arrematação – igreja de São Francisco de Assis – Ouro Preto – 1766-1787.
222
Ver Anexo Domingos Moreira de Oliveira – Recibos de Obras de Pedraria para Reconstrução da Fachada –
igreja de Santa Efigênia do Alto da Cruz – Ouro Preto – 1777-1780.
339
comum no ramo da arquitetura, construção e entre o ofício dos carpinteiros desse período,
como atestam diversos documentos no Brasil
223
e em Portugal
224
.
Essas manobras estéticas, que até recentemente eram pouco comentadas para não
ferir a construção modernista do “mito da originalidade”, dão validade às teorias
defendidas
pelo Professor João Adolfo Hansen (2001), sobre a questão do julgamento do valor artístico
de uma obra nesse período, a partir da aplicabilidade do conceito de “agudeza” que se
estrutura na capacidade de produzir o efeito de maravilhamento, que confere prazer
intelectual e que decorre do inesperado da aproximação com a fonte de inspiração
previamente conhecida e adequada ao propósito de persuasão moral.
Devemos lembrar,
ainda, que essa apropriação de modelos, em momento algum deve ser considerada plágio,
pois para a cultura artística vigente
não existe o conceito de direito autoral, como o
entendemos atualmente, idéia somente implementada no século XIX. Neste sentido, para um
homem do século XVIII, a idéia da originalidade da criação está muito mais ligada à boa
utilização que um artista fazia de um vocabulário de obras bastante conhecidas dentro da sua
criação, que à sua própria originalidade, que não era em si uma preocupação fundamental.
Domingos Moreira de Oliveira faleceu, sem deixar bens, em 1794, aos 78 anos, o que
indica que não devia ser um bom administrador ou teve grandes despesas nos últimos anos de
sua vida. Deixou viúva, Inocência Moreira, e quatro filhos: Ana Maria, Inocência, Antônio e
Francisco. Seu genro, Joaquim do Couto Lisboa, casado com Inocência, foi o inventariante de
seus bens e seu testamenteiro. Estranhamente, esse importante mestre-de-obras não foi
mencionado pelo Vereador de Mariana que, por ainda mais estranha omissão, não fala na
223
Segundo o Pesquisador Adriano Reis Ramos (2002) a partir da planta existente do retábulo-mor da Matriz de
Santo Antônio em Itaverava, de autor desconhecido, Francisco Vieira Servas planejou e utilizou soluções
formais semelhantes em diversos altares por ele executados. O mesmo processo pode ter sido utilizado por
Moreira de Oliveira em obras posteriores a São Francisco de Ouro Preto.
224
Como exemplo desta circunstância, temos a igreja de São Pedro de Vila Real. Ver FERREIRA-ALVES,
2003, p.270-271.
340
igreja de São Francisco de Ouro Preto. A liquidação das contas da Ordem Terceira de São
Francisco de Ouro Preto com o arrematante levou 65 anos e só terminou em 1832, seguindo o
processo até seus herdeiros, Francisco Moreira de Oliveira e Inocência Moreira, a viúva
225
.
225
Segundo um documento citado pelo Cônego Raimundo Trindade (1951, p.291), em 1832, no Cartório de
Órfãos de Mariana, o escrivão José Mariano da Cruz deu certidões de verbas do testamento de Domingos
Moreira que atualmente se encontra desaparecido.
341
9.2. José Pereira dos Santos
osé Pereira dos Santos se declarou, num processo judicial que respondeu em
Mariana, arquiteto e mestre-de-obras:
Que é mestre pedreiro e arquiteto, q. a seu cargo tem tomado, e pello seu oficio
obras de m.to avultados preços, p.r cuja expedição das mesmas necessita de fabrica
conducente a todas ellas suas qualid.es sem a q.al de nenhúa sorte podia dar
expediente e menos trabalhar p.a poder pagar a seus credores. (Revista Anuário do
Museu da Inconfidência, 1954, p.134)
226
Nasceu, conforme descobrimos durante nossas pesquisas no Arquivo Distrital do
Porto, aos 5 dias do mês de fevereiro de 1719, na freguesia de São Salvador de Grijó, sendo o
segundo filho do casal Inácio Pereira dos Santos e sua mulher Maria Francisca
227
. Era neto
paterno de João Antônio e Agueda Pereira, do lugar de Pisan da freguesia de Pedroso, e
materno de Manoel Nogueira e Maria Francisca, do lugar dos Curveiros, na freguesia de
Grijó
228
. José Pereira dos Santos era o segundo de uma família de 5 irmãos
229
.
Localidade ligada à tradição do ofício de pedreiro na região do Porto, a antiga Vila de
Grijó inicialmente era constituída somente do Convento de São Salvador (Figura 193) e da
povoação adjacente, que em épocas mais remotas formava um dos maiores coutos
230
de
Portugal. Segundo apuramos em nossa pesquisa, o primeiro nome dessa povoação era “Venda
Nova de Grijó”; depois, como as vendas se multiplicaram, progredindo a povoação, passou a
226
Ver Anexo José Pereira dos Santos – Processo Judicial Referente a Problemas em Obras de Construção sob
Arrematação de José Pereira dos Santos – igreja de Nossa Senhora do Rosário – Mariana – 1755.
227
Ver José Pereira dos Santos – Batismo de José Pereira dos Santos – 1717.
228
Ver José Pereira dos Santos – Casamento de Ignácio Pereira dos Santos e Maria Francisca – 1715.
229
Foram seus irmãos, segundo os dados encontrados em nossas pesquisas no Arquivo Distrital do Porto, os
seguintes indivíduos em ordem decrescente: Manoel, Feliciana, Anna e João.
230
Couto: antiga extensão territorial doada pelo monarca para ser administrada por algum vassalo ou ordem
religiosa. Como exemplo temos, respectivamente, o Couto de Mateus, em Vila Real, e o Couto do Mosteiro de
Tibães, na localidade de mesmo nome.
J
342
chamar de somente de “Vendas”, nome adotado pela população local no século XVIII. A
partir do século XIX, o local passa a ser chamado apenas de “Grijó”. Segundo um senso de
1758, foram arrolados em Grijó a existência de dezoito lugares e aldeias, entre elas Corveiros
231
, lugar de onde José Pereira dos Santos era natural
(
Vila Nova de Gaia, 2000).
Inicialmente, José Pereira dos Santos era considerado pela crítica especializada como
um mestre que pertencia à geração de artífices da primeira metade do século XVIII. Esse
engano ocorreu em virtude do descuido de gerações de pesquisadores que, ao consultaram a
Revista Anuário do Museu da Inconfidência n. III, de 1954, não decodificaram o truncado
texto das transcrições ali coletadas e publicadas em ordem trocada, sobre esse e outros
importantes mestres-de-obras do século XVIII. Na transcrição do primeiro documento,
relativo a um processo de prisão por dívidas efetivado por credores do mestre-de-obras José
Pereira dos Santos (processo este ocorrido entre os anos de 1754 e 1755), aparece a data de 3
de fevereiro de 1737, causando toda essa confusão. Como não se tinha disponível a
documentação sobre o nascimento do construtor, essa data acabou sendo aceita por muitos
textos sobre história da arquitetura setecentista mineira.
Na verdade, José Pereira dos Santos aparece no cenário da construção em Minas
apenas no ano de 1750, assumindo por trezentas e trinta oitavas de ouro “[...] de me asentar
toda a pedraria da hobra da igreja dos aplicados do S.or S. Braz do Sasohi [...].” (Revista
Anuário do Museu da Inconfidência, 1954, p. 130) Em 1751, ele ainda aparece administrando
essa obra, pois acerta com Bartolomeu Roiz Rabello e Manoel Marques Franco por outras
trezentas e trinta oitavas “[...] de me fazer todas as madeiras na forma da m.a obrigação pa.
a Capella de Suasuy do Sr. S. Braz, na forma de huas condiçoens das d.as madeiras q. se
231
Outra localidade que aparece entre as 18 existentes em Grijó é o lugar chamado de “Vendas”. Como sabemos
que José Pereira Arouca era neto pelo lado paterno de um tal Antônio Pereira e sua mulher Maria Fernandes,
moradores do lugar das Vendas de Grijó, talvez fosse realmente um parente mais distante de José Pereira dos
Santos, com quem teria aprendido o ofício de pedreiro, segundo informações do Segundo Vereador de Mariana
em seu manuscrito de 1790.
343
achão em meu puder [...].”(Revista Anuário do Museu da Inconfidência, 1954, p. 130)
232
Nessa época, José Pereira dos Santos já tem 31 anos e por isso pode ser considerado um
oficial experiente, que imigrou em idade considerada bastante avançada para Minas, frente a
seus contemporâneos.
O início de sua atividade, no entanto, não parece ter sido fácil, tendo que se afastar dos
grandes centros da Capitania para conseguir um trabalho de maior prestígio. A perícia de José
Pereira dos Santos em obras de alvenaria de pedra e cantaria, sua experiência e audácia dentro
da cultura construtiva em que fora formado, brevemente fariam dele o maior empreiteiro de
Ouro Preto e Mariana da primeira década da segunda metade do século XVIII.
Pela documentação publicada por Judith Martins (1974, v.2), sabemos que aos 23 de
janeiro de 1752 ajustou pelo “[...] preço e quantia de vinte e quatro mil cruzados [...]”
(MARTINS, 1974, v.2, p.205) a obra da nova capela de Nossa Senhora do Rosário de
Mariana. Nessa obra, uma das primeiras construídas em alvenaria de pedra na região de Ouro
Preto e Mariana, José Pereira dos Santos conseguiu, enfim, chegar ao mercado de construção
dos grandes centros, talvez por ser perito nessa tecnologia de construção tão utilizada na
região do Porto, num momento em que se iniciava a mudança nos processos construtivos das
grandes obras empreendidas na Capitania de Minas (a partir da segunda metade do século
XVIII) e que certamente será responsável pelo desenvolvimento formal da arquitetura. Esse
diferencial parece ter sido fundamental para que a preferência por José Pereira dos Santos
fosse tão intensa nas grandes arrematações que se fizeram ao longo da década de 50 do século
XVIII.
Do ponto de vista arquitetônico, se pensarmos nas soluções formais propostas e
empreendidas na igreja de São Brás do Suaçuí e, principalmente, na de Nossa Senhora do
232
Ver Anexo José Pereira dos Santos – Documentos Referentes a Arrematação de Obras de Construção – igreja
de São Brás de Suaçuí – Suaçuí – 1750.
344
Rosário de Mariana, notaremos que ainda apresentam nos seus frontispícios e volumetrias
soluções arcaizantes, oriundas do início do século XVIII, além de uma enorme falta de
proporção notada, principalmente, nas composições dos frontispícios e torres. Se
considerarmos, como faz grande parte da crítica especializada, essa última igreja como sendo
projeto de José Pereira dos Santos, estamos diante de um impasse. Aí não estão presentes nem
a criatividade das soluções dos óculos e proporção da igreja de São Francisco de Mariana e
nem a leveza e esbeltez, oriunda do traçado geométrico perfeito da Casa da Câmara e Cadeia
de Mariana, projetos que temos comprovação documental inequívoca sobre a autoria desse
importante arquiteto
233
.
A atribuição a José Pereira do Santos do risco do Rosário partiu das palavras do
Vereador Segundo de Mariana. Se essa atribuição for verdadeira como a maioria dos fatos
apontados pelo narrador, estamos diante de mais um dos exemplos do poder de transformação
e construção de erudição elaborados no meio da cultura arquitetônica mineira na segunda
metade do século XVIII
234
. Assim preferimos atribuir esse projeto a José Pereira do Santos,
embora apenas estivesse iniciando sua meteórica carreira na região das Minas, em razão dos
argumentos que fundamentam esta tese.
233
Segundo os documentos transcritos por Judith Martins (1974, v.2) sobre José Pereira dos Santos, em 25 de
março de 1762 “Usando de “melhor conselho p.
a
a perfeição” da obra da igreja, “se fez hum novo risco feito
pelo Mestre José Per.
a
” para substituir o que havia feito o Irmão Revd.° Dr. Promotor” (L.° cit., fls. 27 v.)
”.
Em 1762,
Recebeu 20 oitavas de ouro “pelo trabalho do risco que fez para a nova cadeia e casa de Camara”.
Esta ocorrência está reafirmada no testamento do artista, de 1.° de julho de 1762
,
publicado no Anuário do
Museu da Inconfidência, Ouro Preto, 1954, ano III, p. 140/146, M.E.C., Diretoria do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional.” (MARTINS, 1974, v.2, p.206)
234
Neste caso, poderíamos verificar em José Pereira dos Santos o mesmo processo de assimilação de erudição
arquitetônica que aconteceu com Francisco de Lima Cerqueira. Este canteiro e mestre-de-obras, até assumir as
modificações empreendidas na obra de São Francisco de São João del-Rei, tinha uma obra arquitetônica bastante
medíocre, associada ao chafariz das Cabeças em Ouro Preto e à igreja do Senhor. Bom Jesus de Matosinhos em
Congonhas. Analisaremos a obra de Francisco de Lima Cerqueira na seção 9.4 deste capítulo.
345
Em 1753, sua carreira profissional começa a progredir. Nesse ano já aparece eleito
para Juiz do Ofício de Pedreiro
235
. Demonstra já estar bem aclimatado nas Minas, pois é
citado numa Devassa Judicial por maus costumes. Nesse processo é descrito como
[...] solteiro, natural da Freguezia de Grijó, Bispado do Porto, morador nos
Mossús, que vive do seu officio de pedreiro [...] testemunha disse que Manoel
Francisco Lisboa, official de pedreiro morador nos Mossús, que trabalha na obra
do Rosário, trata torpemente com Sebastiana, criola forra, de quem tem um filho.
(MARTINS, 1974, v.2, p.205)
236
Em 1754, já aparece como perito na louvação feita na Ponte do Rosário em Ouro Preto
(MARTINS, 1974, v.2, p.206). Neste período parece que ainda precisa trabalhar em pequenas
obras, pois arremata, num termo de ajuste da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Matriz
do Pilar de Vila Rica, “[...] para consertar a escada da porta principal “que desce para a
rua de baixo” e para fatura de uma escada de cantaria, na porta travessa, que desce para a
mesma rua[ ...].” (MARTINS, 1974, v.2, p.206-207)
237
Em 1753, a história da arquitetura religiosa setecentista mineira vai passar por uma
mudança de rumos definitiva para seu futuro estético. O importante evento que irá
transformar a cultura arquitetônica luso-brasileira se dá a 22 de outubro de 1753, com a
arrematação por José Pereira Arouca dos Santos do projeto da igreja de São Pedro dos
Clérigos de Mariana. Composto de duas elipses entrelaçadas, é revolucionário dentro da
cultura arquitetônica portuguesa – e poucos anos depois seria reeditado com pequenas
modificações no Rosário de Ouro Preto, arrematada pelo mesmo mestre-de-obras – e foi
projetada pelo Licenciado em Cânones por Coimbra e amador de arquitetura, Doutor
235
Ver Anexo José Pereira dos Santos – Termo de Eleição para Juiz do Ofício de Pedreiro – Mariana – 1753.
236
Ver Anexo José Pereira dos Santos – Denúncia em Livro de Devassas por José Pereira dos Santos – 1753.
237
Ver Anexo José Pereira dos Santos – Documento Referente à Arrematação de Obras de Construção – igreja
Matriz de Nossa Senhora do Pilar – Ouro Preto – 1754.
346
Antônio Pereira de Souza Calheiros
238
. Não sabemos bem por que o nome de José Pereira
dos Santos, numa época onde ainda se encontravam em plena atividade Domingos Moreira
de Oliveira, José Álvares Viana e Manoel Francisco Lisboa, foi o escolhido, ou melhor, o
único construtor que apareceu para enfrentar o desafio de construir algo tão estranho à
cultura portuguesa. Sua audácia para assumir essa arrematação, pelo que nos mostra a leitura
dos documentos
239
, teve ampla repercussão e solidariedade nos meios desse mercado, pois
ele apresenta nada menos do que doze fiadores. Entre eles, três dos mais importantes
construtores do seu tempo: Manoel Francisco Lisboa e Domingos Moreira de Oliveira, além
do jovem José Pereira Arouca.
Ainda que se trate de especulação, é possível que José Pereira dos Santos tenha
trabalhado tanto na obra de São Pedro dos Clérigos no Porto, quanto na igreja da mesma
ordem no Rio de Janeiro, ligadas à matriz barroca italiana, e por isso traçadas sob uma
planimetria geométrica baseada na elipse, como demonstram diversas obras do período, entre
elas Sant’Andrea al Quirinale e a praça de São Pedro, em Roma, feitos por Bernini
240
. O
certo é que se esta experiência realmente existiu ela possibilitou a esse mestre-pedreiro dar
um grande salto na sua carreira profissional, tornando-se, a partir dessa arrematação, o
grande empreiteiro ligado às maiores realizações no campo da arquitetura religiosa, tanto em
238
De acordo com o Vereador Segundo de Mariana,
tanto promoveo a cantaria José Pereira dos Santos na
igreja do Rosário dos Pretos de Marianna, por elle riscada; e nas igrejas de São Pedro dos Clérigos de
Marianna e Rosário de Ouro Preto, delineadas por António Pereira de Souza Calheiros ao gosto da rotunda da
Roma [...]”
. (SILVA,
apud
BAZIN, 1983, v.1, p.381) Ver
Anexo José Pereira dos Santos – Termo de
Arrematação – igreja de São Pedro dos Clérigos – Mariana – 1753.
239
Ver
Anexo José Pereira dos Santos – Termo de Arrematação – igreja de São Pedro dos Clérigos – Mariana –
1753.
240
Não existe uma relação direta que comprove uma associação das igrejas luso-brasileiras ligadas à Irmandade
de São Pedro dos Clérigos às plantas curvas ou elípticas à moda italiana. No entanto, alguns críticos defendem
que essa relação provém da planimetria circular e com cúpula empreendida no Tempietto di San Pietro in
Montorio, em Roma, traçado por Donato Bramante. Se lembrarmos que esse templo foi publicado no tratado de
Serlio em mínimos detalhes, e que esse tratado foi amplamente utilizado pela cultura luso-brasileira, talvez exista
alguma relação teológica e simbólica que justifique essa preferência pelos irmãos sacerdotes da Irmandade de
São Pedro dos Clérigos.
347
Ouro Preto como em Mariana, entre 1753 a 1762, data de sua morte, com apenas 43 anos de
vida.
Entre as obras por ele arrematadas estão ainda (por volta deste mesmo período) a da
igreja de Nossa Senhora do Rosário de Ouro Preto, executada praticamente sob o mesmo
projeto de São Pedro de Mariana, mas com a inclusão de uma fachada bombeada, ao gosto
do Barroco internacional, e de torres redondas, únicas até aquele momento na tradição luso-
brasileira. O projeto dessa igreja também foi atribuído ao Doutor Calheiros pelo Vereador
Segundo de Mariana, informação confirmada pelo arquiteto e mestre-de-obras no seu
testamento:
Declaro que junto a nova Capella de Nossa Senhora do Rosario possuo toda pedra
que ahi se acha lavrada, e aparelhada para a fatura das torres da mesma Capella, e
suposto, que o preto Carniceiro João, que sobrennome não perca tenha feito
penhora nas ditas pedras, como está em pé o ajuste, que fiz com a Irmandade do
Santissimo Rosario de ser eu o que fizesse as ditas torres, he minha vontade, que
meu testamenteiro as mande fazer por minha custa, com as ditas pedras na forma
do ajuste, que dellas fiz, e do produto se pague ao dito João [...].Declaro que
tambem tenho a sua conta a obra da Capella do Rosario dos Pretos de Villa Rica
em que he minha vontade se acabe com os mesmos destinos, e condições, em que de
presente se acha assim com os impreiteiros, como com os mais operarios. (Revista
Anuário do Museu da Inconfidência, 1954, p. 142-143)
241
A sua obtisnação pela fatura da torres, mesmo na hora extrema, pode significar que
José Pereira dos Santos tinha pleno conhecimento do que significava, dentro do panorama da
arquitetura luso-brasileira, a execução daquele projeto. Isso talvez explique a sua
preocupação para que o projeto fosse executado, mesmo que às suas custas.
Em 1756, José Pereira dos Santos parte para mais uma grande arrematação. Em 8 de
abril daquele ano ele arremata a primeira tentativa dos Terceiros Carmelitas de Ouro Preto de
construção de sua igreja pela importância de 1000 cruzados. Segundo as atas do 1
o
Livro de
Termos da Ordem Terceira do Carmo de Vila Rica, à fl. 23, essa arrematação foi feita sob
241
Ver Anexo José Pereira dos Santos – Testamento de José Pereira dos Santos – 1762.
348
um projeto feito por dois irmãos amadores de arquitetura de nome João Peixoto e Ventura
Alves Carneiro. O projeto, no entanto, não foi adiante, causando prejuízos à Ordem e ao
arrematante
242
. Pereira dos Santos, no entanto, embora irmão da Ordem Terceira do Carmo
de Ouro Preto, não se esqueceu de cobrar da mesma o que lhe era devido, por que
considerava, como afirmou no seu testamento
“[...]
e como esta acção me parece justa, he
minha vontade, que o meu testamenteiro a comtinue.”
243
O fatura do primeiro risco do Carmo de Ouro Preto por dois leigos, segundo
Francisco Antônio Lopes (1942), foi aceita sem maiores problemas, mesmo indo contra uma
deliberação anterior da Mesa da Ordem, de 12 de janeiro de 1756, que indicava, desde aquela
época, o nome do irmão Manoel Francisco Lisboa para fazer o risco da igreja. Essa atitude
demonstra bem como a arquitetura era mal compreendida pelo senso comum. Atitudes como
estas ressaltam o despreparo da cultura vigente, ainda na metade do século XVIII, para
entender a complexidade que envolvia os problemas da arquitetura na cultura portuguesa.
242
Segundo Francisco Antônio Lopes (1942), “Iniciados os serviços preparatorios da construção, arrastam-se
os mesmos, penosamente, pelo espaço de mais de três anos, tendo sido dado apenas “principio a fazer hum
dezaterro no lugar destinado p.
a
fazerem a d.
a
obra e para ella se conduzio alguma pedra.” E pararam, de todo,
êsses serviços.
Tinham sobrevindo dificuldades no preparo do terreno e também “não havia para semilhante deficio lecença de
Sua Mag.
e
”.
Estava, certamente, inda em vigor a Carta Régia que determinava “que os freguezes das egrejas parochiaes de
Minas não se intrometão a reedifical-as e amplial-as, sem primeiro darem conta ao governador e provedor da
fazenda, mandando-se fazer planta proporcionada à necessidade e evitando superfluidades.”
Além dos obstáculos acima referidos, “deficultava mais a factura da d.
a
obra pella dezonião dos irmãos da cid.
e
de Marianna”, os quais “se achavão onidos e ageregados a esta ordem e de prezente se achão suparados della
e agregados a outra.”
Paralisados os serviços, obtem o seu arrematante “sentença p.
a
se lhe pagarem seis mil cruzados ou perto delles
vindo licença de sua Mag.
e
para se fazer a d.
a
obra e não vindo pagarem se lhe os prejuizos.”” (LOPES, 1942,
p.15)
243
“Declaro que tenho uma acção contra a Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo de Villa
Rica afim de que me pague o que verdadeiramente me deve procedido do ajuste que comigo fez na arrematação
da fatura da nova Capella, que intentou fazer a dita Ordem, e querendo ella, que por minha conta, ou não
querendo se faça a dita obra, quero eu, que o meu testamenteiro seja, o que a faça conforme a escriptura que na
dita rematação fiz: e como esta acção me parece justa, he minha vontade, que o meu testamenteiro a comtinue.
Porem no caso, que a dita Veneravel Ordem intente fazer outra obra de menor preço satisfazendo-me o prejuizo,
trabalho e gasto, que naquella tive, e preferindo na sua fatura o meu testamenteiro, sou contente, que se destrate
a primeira escriptura” (Revista Anuário do Museu da Inconfidência, 1954, p.142) Ver Anexo José Pereira dos
Santos – Testamento de José Pereira dos Santos – 1762.
349
Aliás, esse mesmo procedimento também foi tentado em outras obras do século
XVIII, como por exemplo, no já citado projeto de São Francisco de Mariana, feito, como
vimos, por José Pereira dos Santos. Por volta de fevereiro de 1762, um risco inicial tinha sido
feito e entregue à Ordem Terceira Franciscana pelo irmão Revd.º Dr. Promotor José Lopes
Ferreira da Rocha. No avanço do orçamento dessa proposta para medições e apontamentos,
foi que a Mesa da Ordem (parecendo constrangida com a situação), resolveu consultar o
“arquiteto” José Pereira dos Santos para que o mesmo opinasse sobre o projeto, e logo em
seguida, em março de 1762, acabou optando por um novo projeto feito pelo mesmo José
Pereira dos Santos, como ficou registrado nas atas
“Usando de “melhor conselho p.ª a
perfeição” da obra da igreja, “se fez hum novo risco feito pelo Mestre José Pere.ª” para
substituir o que havia feito o Irmão Revd,º Dr. Promotor.”
(MARTINS, 1974, v.2, p.206)
A última obra que José Pereira dos Santos parece estar envolvido foi a igreja de São
José dos Homens Pardos em Ouro Preto, embora essa relação esteja pouco clara no seu
testamento e sem outras comprovações documentais.
José Pereira dos Santos foi um homem rico e de “fábrica”
244
, pois empreitou várias
obras e possuía diversos bens: casas no “fim da rua nova” em Ouro Preto, roça em Rio
Manso, três juntas de boi, dezenove bestas, bens em Portugal, diversas ferramentas nas obras
(entre elas roda de guindar, taboados, paus, mitões de ferro, cordas, alavancas), gamelalas,
caixões de guardar farinha e feijão e pratos, candeias e barris, e 5 escravos domésticos e 27
numa propriedade rural. Também foi um homem de créditos e débitos de toda a ordem,
chegando inclusive a passar todos os bens em seu nome, a fim de se livrar de penhoras, para
um tal de Manoel de Sá Portella, o que lhe deu muita dor de cabeça para reaver o seus bens.
Em seu testamento ele relembra esse caso dizendo que:
244
Termo que aparece em diversos documentos relacionados ao universo da construção em Minas Gerais
durante o século XVIII, com o sentido de: “estrutura material e financeira para honrar com os riscos dos
compromissos assumidos nas arrematações de obras públicas e privadas”
350
Declaro, que haverá quatro annos pouco ou mais ou menos fiz venda de todos os
meos bens por huma escriptura a Manoel de Sá Portella nesta cidade e como a
dita escriptura foi phantastica e feita unicamente afim de me livrar de vechações,
e ter mão nos bens para melhor pagar os meos credores, por isso de nenhum
vigor deva a dita escriptura, como constará dos autos, e sentença a este respeito
já proferida.
(Revista Anuário do Museu da Inconfidência, 1954, p.145)
245
No processo que teve que abrir para conseguir a devolução dos seus bens, data de
1754, no entanto, ele faz uma importante consideração sobre a condição econômica das
Minas no início da segunda metade do século XVIII e sobre a questão de tantos deverem, ao
afirmar em juízo que:
P. Que nestas minnas Ha m.tas pessoas, e credores q. chamadas no seu interece e
conveniencia sem atençaõ e respeito a cousa maior algua costumão a lançar a
perder seu devedores e por dividas modicas, ou limitadas, e p.a pagam.to dellas
fazerem penhoras em Ouro de avultado valor, e pello diminuto lanço q. em praça
dão, mal chegarem p.a pagam.to dellas sendo cauza dos mais não serem pagos, e
invitarem p.a q. todos elles demandem o seu devedor q.do for som.e ......
ficarem uniformente deflaudado.
P. Que estas minnas e seu continente se achão summam.e atenuadas, por faltas de
Ouro pagam.o devido a seu tempo e uzo, e costume de tudo ser fiado de sorte q.
não havendo modo nas cobranças se perde m.tas vezes as dividas o q. com este se
adquirirem, e arrecadação.
(Revista Anuário da Inconfidência, 1954, p.135)
246
José Pereira dos Santos faleceu em 18 de julho de 1762, solteiro, aos 43 anos de idade,
sendo sepultado na igreja do Carmo de Ouro Preto, conforme desejo expresso no seu
testamento:
[...] m
eu corpo, que foi formado da terra, restituo a mesma terra; e quero que
logo que eu seja falecido, seja elle levado a Villa Rica, aonde sendo posto em
lugar conveniente, o possa vir a minha Veneravel Ordem Terceira de Nossa
Senhora do Monte do Carmo, de que sou irmão, buscalo e dar-lhe sepultura
na Capella da mesma Veneravel Ordem, em que terá os suffragios, que por
qualquer dos irmãos se costumaão fazer e na mesma capella, no dia do meu
falecimento, ou no dia 7.° ou no dia 13.° dirá o meu Padre Commissario huma
245
Ver Anexo José Pereira dos Santos – Testamento de José Pereira dos Santos – 1762.
246
Ver Anexo José Pereira dos Santos – Processo Judicial que move José Pereira dos Santos contra o Réu
Manoel da Costa Portela – 1756.
351
missa de corpo presente pela minha alma.
(Revista Anuário do Museu da
Inconfidência, 1954, p.140)
247
José Pereira dos Santos era ainda irmão das Irmandades do S.S. Sacramento e
das Almas, em Mariana.
247
Ver Anexo José Pereira dos Santos – Testamento de José Pereira dos Santos – 1762.
352
9.3. José Pereira Arouca
osé Pereira Arouca era mestre-de-obras do ofício de pedreiro, mas principalmente
empreiteiro de obras públicas e privadas de canteiro, carpinteiro e pedreiro. É
exatamente com esse ofício que se apresenta como testemunha em um processo judicial que
consta de um documento, datado de 21 de outubro de 1791, pertencente aos arquivos da
Irmandade de São Pedro dos Clérigos de Mariana:
O Alferes José Pereira Arouca, solteiro, natural da freguezia de São Pedro da Villa
de Arouca, Bispado de Lamego, e morador nesta cidade, de sincoenta e oito annos
pouco mais ou menos que vive de Administrar obras de Pedreiro e Carpinteiro,
testemunha a quem o Reverendo Inquiridor do Juiz lhe deferio o juramento dos
Santos Evangelhos em hum livro delles em que poz sua mão direita sob cujo
prometter dizer a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado e assim prometteo
cumprir como era encarregado e aos costumes disse nada. (MARTINS, v.1,
1974, p.73)
248
Além de construtor, José Pereira Arouca também trabalhava em outras atividades
econômicas, como se verifica no seu testamento (MENEZES, 1978a)
249
; entre elas aparece
como sócio de exploração mineral e como dono de bestas para transporte. Seu prestígio como
o maior empreiteiro de Mariana na segunda metade do século XVIII, após a morte de José
Pereira do Santos, deu-lhe também o título de Alferes do Regimento Auxiliar da Companhia
de Ordenanças de Pé do Morro de Santo Antônio em Mariana e de Irmão professo da Ordem
Terceira de São Francisco e das Irmandades do Santíssimo Sacramento e de Santana de
Mariana.
248
Ver Anexo José Pereira Arouca – Testemunho de José Pereira Arouca – 1793.
249
Ver Anexo José Pereira Arouca – Testamento de José Pereira Arouca – 1793.
J
353
Segundo seu inventário, ele nasceu na freguesia de São Bartolomeu
250
da Vila de
Arouca (Figura 194), pertencente ao bispado do Lamego. Segundo os dados documentais que
encontramos durante nossa pesquisa em Portugal no Arquivo Distrital do Aveiro, José era o
quarto filho do casal Manoel Pereira Flor e Mezia de Pinho Vieira, “moradores junto a capela
do Espírito Santo desta Vila” (Figura 195), como declaram na certidão de batismo de seu
filho José
251
. Segundo os dados que constam no Livro de Batismos de 1721-1737, p. 117 e
118 verso, da freguesia de São Pedro da Vila de Arouca, José Pereira nasceu aos 23 dias de
abril de fevereiro de 1731, sendo neto pelo lado paterno de Antônio Pereira e sua mulher
Maria Fernandes, moradores do lugar das Vendas de Grijó, freguesia de Santa Marinha de
Serzedo, Bispado do Porto.
Devia ser perito na sua profissão desde jovem, pois emigrou ainda muito cedo para
Minas Gerais, onde seu nome aparece documentado a partir de 1753. Ele está entre os
250
Notamos que em dois documentos distintos, José Pereira Arouca menciona a freguesia do seu nascimento em
Portugal com os nomes de São Pedro da Vila de Arouca e São Bartolomeu da Vila de Arouca. Isto se justifica
por ser o primeiro o santo padroeiro mais antigo da Vila de Arouca, como podemos ver em algumas publicações:
“Ignora-se se no tempo dos primeiros lusitanos era povoação de importancia ou insignificante; só consta que,
pelos annos do mundo 3970, isto é 34 annos antes de J. C., Cezar Augusto aqui fundou uma cidade com o nome
d'Arauca, Aruca ou Araducta, que floresceu até 716 de J. C., em que os árabes a destruíram em grande parte,
não tornando mais a adquirir a sua antiga prosperidade.
Não pude averiguar quando aqui foi recebida a religião christan; mas o que se sabe com certeza é que em 716
já havia em Arouca (pelo menos) duas parochias christan; mas o que se sabe com certeza é que em 716 já havia
em Arouca (pelo menos) duas parochias christans, Santo Estevam do Valle de Moldes e S. Pedro de Arouca (na
falda meridional do monte de Nossa Senhora da Mó, onde ainda existe a capella e a aldeia de S. Pedro) e o
convento.
A egreja de S Pedro, sendo pequena para a freguezia, foi mudada para a villa (para o sitio onde ainda em 1864
estava um arco, que então se mudou mais para SO. e serve actualmente de fechar o terreiro do convento.)
Esta nova matriz, cujo orago continuou a ser S. Pedro, era de trez naves, com galilé à porta e era pegada no
coro das freiras. [...]
Quando o convento se ampliou em 1220, foi esta egreja demolida, e ficou sendo a egreja do convento mixti fori,
isto é, servindo também de matriz.
Passados alguns annos, e allegando as freiras que o serviço parochial (principalmente os casamentos e o ensino
da doutrina aos meninos) lhe perturbavam as suas rezas do coro, fizeram fóra uma capella, da invocação de S.
Bartholomeu, destinada unicamente para se receberem os noivos e para o ensino da doutrina. Não pude saber o
annoem qu
e
se fez esta capella, e só averiguei que a mandou fazer D. Milicia, abbadeça perpetua do mosteiro.”
(Arouca, s.d., p. 238)
251
Ver Anexo José Pereira Arouca – Batismo de José Pereira Arouca – 1731. Os nomes dos seus irmãos em
ordem decrescente eram: Feliciana, Maria, Manoel, Miguel.
354
fiadores de José Pereira dos Santos na assinatura do contrato da obra da igreja de São Pedro
dos Clérigos de Mariana, com apenas 22 anos de idade
252
.
Graças ao detalhamento de seu inventário, do grande número de obras públicas e
privadas que empreitou e das inúmeras ações e execuções judiciais nas quais foi réu ou
solicitante, a vida de José Pereira Arouca nas Minas é a mais bem documentada entre os
grandes mestres-de-obras portugueses que aqui trabalharam por todo o século XVIII. Coube,
mais uma vez, ao pesquisador Ivo Porto de Menezes a primeira publicação completa de sua
biografia, através da Revista do Anuário do Museu da Inconfidência, de 1978. Nesse ensaio
de fôlego, o autor fez uma vasta compilação de todos os dados documentais referentes à sua
vida pessoal e à sua trajetória profissional nas Minas.
Do ponto de vista do estudo da cultura arquitetônica, a obra de José Pereira Arouca
contribui de maneira diferencial, já que a arquitetura não era sua principal atividade, embora
tenha feito algumas modificações de projetos por ele arrematados. No entanto, atualmente não
existe mais um projeto de grande porte no ramo da arquitetura religiosa totalmente atribuído à
sua lavra. Como mestre-de-obras foi um grande profissional. Sua maior atuação ocorreu em
Mariana, cidade onde sempre residiu. Entretanto, freqüentemente era chamado para
arbitramentos nas principais obras de Ouro Preto
253
. Em Mariana, sua carreira de construtor e
empreiteiro abarcou todos os ramos da construção, indo desde pequenos serviços de obras de
252
Segundo Suzy de Melo (1985), ele foi discípulo de José Pereira dos Santos. Essa afirmação, no entanto, não
pode ainda comprovada documentalmente, a despeito da afirmação do Vereador Segundo de Mariana:
Com
este José Pereira se illustrarão outro José Pereira Arouca, continuador do seu desenho e obra da ordem 3
a
desta cidade, cuja esbelta cadea se deve à sua direcção e Francisco de Lima, habil artista de outra igreja
Franciscana do Rio das Mortes.”
(SILVA
apud
BAZIN, 1983, v.1, p.381)
O fato de José Pereira Arouca e
Francisco de Lima Cerqueira aparecerem em diversas arrematações juntos e em colaboração, como foi feito nas
obras do pórtico, dos arcos do coro e do lavatório da igreja do Carmo de Ouro Preto, pode ser um indício de que
os dois se formaram trabalhando com José Pereira do Santos. Agora que sabemos, em função das nossas
pesquisas no Arquivo Distrital do Aveiro, que esse talentoso mestre-pedreiro nasceu em 1719, sendo por isso
quase 9 anos mais velho que Francisco de Lima, que nasceu em 1728, e 13 que José Pereira Arouca, que nasceu
em 1731, esse aprendizado começa a ser uma possibilidade real.
253
Ver Anexo José Pereira Arouca (documentos diversos).
355
urbanização, como calçadas e ruas, até a construção de grandes equipamentos urbanos, como
pontes, aquedutos e chafarizes (MARTINS, 1974, v.1, p.66-67)
254
.
No campo da arquitetura civil, oficial e religiosa, dentre os principais edifícios
arrematados estão o famoso sobrado de sacadas de pedra-sabão que pertenceu ao Barão de
Pontal, a bela obra da Casa Capitular (arrematação em 1770), a Casa da Câmara e Cadeia (a
partir de 1786), que como sabemos foi projetada por José Pereira dos Santos
255
, o Seminário
Menor (1780-1791) e o Palácio Episcopal (1782-1792), todos em Mariana. Sua principal obra
religiosa foi a construção da igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, também em
Mariana, arrematada a 11 de agosto de 1762 – “Ajustou a quantia de 41.000 cruzados, na
forma do risco e condições, a obra de pedra e cal da igreja [...]” (MARTINS, 1974, v.1,
p.60) – projetada também por José Pereira dos Santos. Dessa igreja foi seu principal
construtor e responsável por modificações arquitetônicas introduzidas no fronstipicio, torres e
arco do cruzeiro em 1783, como vemos na documentação da Ordem citada por Judith Martins:
Termo pelo qual se deu nova forma ao frontispício da capela e arco do coro. Pelo
Mestre de obras, José Pereira Arouca, foi proposto que “a empena constante do
risco com que rematou a d.
a
obra e mais frontespicio, e torres tinhão bastantes
defeitos, os quaes se podião emendar, o q sendo ouvido pelo Deffinitorio e visto
novo apontamento q. p.
a
isto se fez” foi uniformemente aprovado [...]. (MARTINS,
1974, v.1, p. 62)
Segundo os documentos demonstram, José Pereira Arouca parece ter tido um especial
interesse por essa obra e ainda trabalhava nela em 1795, ano de seu falecimento
256
.
254
Ver Anexo José Pereira Arouca – Arrematação de Obras Públicas (diversos).
255
Segundo o testamento de José Pereira dos Santos,
em um dos trechos o mesmo declara:
Declaro, que
suposto que o tacho grande, que acima digo possuir se acha penhorado pêlos foros, que devo a Camara
desta Cidade, de que he depositário José Ribeiro de Cerqueira, também a mesma Camara mandou, que dita
divida dos foros ficasse compensada com o valor de hum risco, que fiz para se fazer a Cadea desta mesma
Cidade por cuja razão vem o tacho a ficar livre da penhora...”
.
Ver Anexo José Pereira Arouca –
Testamento de José Pereira Arouca.
256
Se José Pereira Arouca tinha afinidades com Francisco de Lima Cerqueira, esta foi mais uma. Praticamente
na mesma época em que o Mestre Lima Cerqueira passa a ser um arquiteto efetivo, modificando os riscos
propostos por Antônio Francisco Lisboa para São Francisco de São João del-Rei, alegando problemas na
356
Arrematou ainda pequenas obras dentro da Sé entre 1763 e 1789, e outras nas igrejas de
Nossa Senhora do Carmo e Nossa Senhora das Mercês (1772-1773) (MARTINS, 1974, v.1,
p.66-68)
257
. Nos arredores de Mariana, ainda arrematou a capela-mor das matrizes do Bom
Jesus no distrito de Furquim (1782-90) (MARTINS, 1974, v.1, p.69-70)
258
e a de Nossa
Senhora de Nazaré no atual distrito de Santa Rita Durão (1780).
Com todas essas obras construídas, José Pereira Arouca certamente conhecia bem a
linguagem da arquitetura e escultura, como fica provado ao vermos, tanto na documentação
publicada por Francisco Antônio Lopes (1942) envolvendo a arrematação dos dos riscos do
pórtico, dos arcos do coro e do lavatório da sacristia da igreja de Nossa Senhora do Carmo de
Vila Rica, como nos apontamentos para a reforma da capela-mor da igreja de Nossa Senhora
de Nazaré em Santa Rita Durão transcrita por Ivo Porto de Menezes (1978a). No entanto, não
parece que esse conhecimento técnico proporcionou-lhe o talento e a sensibilidade artística
que tinham outros homens do seu tempo. Essa insegurança estética, aliás, pode ser verificada
em uma das cartas que compõem o processo da arrematação no Carmo de Vila Rica, onde
Arouca confessa que teve que pedir auxílio a Francisco de Lima para dar o seu parecer:
Senhor Guilherme Teixr.
a
Vimos os riscos e as condiçois eaduvida que nelez achamos ahy vaõ juntas vm
ce
com
elas seem formara milhor, que sempre neles achamos alguas duvidas e meparese
que comestas e com as mesmas condissois hera milhor lavrar outras por selivrar de
com fuzois. eseeulhepresto p.
a
algua couza estou asuaordem sem aminima
serimonia. Não foi op.
or
mais sido porq foy percizo ir procurar Fran
co
L.
a
q estava
travalhando p.
a
este sempre sera percizo aomenos mandalhehuaoytava por estar
ganhando eperdela sendo com he pobre edam.
a
p.
te
ja disse q dez.
a
servilo
oradaepuro so sim ocazions deoservir dezejandolhe amilhor saude. A vm
ce
G.
e
D.
s
cid.
e
17 de Junho de 71
De VM
ce
construção do projeto original, Arouca toma a mesma inicativa em relação ao projeto de São Francisco de
Mariana, de José Pereira dos Santos. No entanto, Francisco de Lime Cerqueira, como demonstravam os
documentos da arrematação do pórtico, dos arcos do coro e do lavatório da sacristia do Carmo de Ouro Preto, era
um homem de maior talento e sensibilidade para o trabalho em arquitetura.
257
Ver Anexo José Pereira Arouca – Pagamentos relativos à Arrematação de Obras – Irmandade de Nossa
Senhora das Mercês – Mariana – 1772-1790.
258
Ver Anexo José Pereira Arouca – Pagamentos relativos à Arrematação de Obras – igreja do Bom Jesus –
Furquim – 1782.
357
Servo e am.
o
José P.
a
Arouca. (LOPES, 1942, p.130)
Seu perfil de avaliador e perito em construção aparece posteriormente em
documentação relativa a essa mesma obra, em outra carta, onde o mesmo José Pereira Arouca
aponta para o Prior da Ordem Terceira do Carmo, Guilherme Teixeira, o valor mínimo para a
arrematação das obras avaliadas no mercado de construção mineiro:
S.
r
Guilherme Teixeira
Vi os rescos q vm
ce
me remeteo daporta principal lavatorio iarcos do couro efis o
eixame q vm.
ce
meordenou meo pareser hê q sevm
ce
achar em q.
m
lhefasa aobra po´
hum conto dereis ou por hum conto esem mil reis apodem mandar arematar q não
heforadeconta por ser m
ta
emiuda. tãobem não deichey dereparar em vm
ce
não
mandar meter os seguintes nos arcos do coro, tão bem ataca do lavatorio ainda não
esta domio gosto he oq semeoferese dezer av
me
a q.
m
D.
s
G.
e
com saudeperfeita hoje
Mn.
a
13 de Junho de 1771.
No q respeita o meo trabalho ahi lhe mando ese resibozinho deduas oitavas das
quais avm
e
eradevedor asim ficamos pagos.
De VM
Venerador e [ilegível]
Joze P.
a
Arouca (LOPES, 1954, p. 131)
Em um outro documento pertencente ao Códice do Cartório do Primeiro Ofício de
Mariana (Revista do Anuário do Museu da Inconfidência, 1954), temos mais um
testemunho importante da atuação de José Pereira Arouca como empreiteiro e construtor,
e sobre os processos de construção utilizados nas Minas na segunda metade do século
XVIII. Neste documento se vê que José Pereira Arouca, arrematente da obra de São
Francisco de Mariana, tinha terceirizado o serviço ligado à extração de pedras para
alvenaria e cantaria e a entrega de areia a dois oficiais de nome Manoel Higino de
Carvalho e Manoel Oliveira Batista. Pelo que dá a entender a leitura do processo, os dois
não estavam cumprindo os prazos do contrato estabelecido, e por isso Arouca acaba por
interpelá-los judicialmente. Nas suas explicações sobre o contrato firmado com Arouca
em juízo, os dois acabam por dar dados fundamentais sobre os processos construtivos do
período, como podemos ver nas informações documentadas:
358
Dizemos Nós Manoel Ribr.o de Ar.o e Manoel de oLiv.ra Baptista q. hê Verdade
q. Nos ajustamos e Com Escrito Estamos Justos Com Joze P.ra Arouca
aCarregar lhe toda a pedra de Cantaria q. Levar aObra da Igr.a de N. S.ra da
Conceiçaõ q.a Veneravel Ordem terceira deS. Fran.co desta Cid.e Manda
FaZer No quintal do Palacio Velho de Fronte do Pelourinho e aSim Mais
Cortar e Carregar toda aPedra de ALvenaria q.Levar aD.a eda mesma Sorte
Carregar todas s Lages q. forem PerSizas p.a as SimaIhas Como tambem
Carregar toda a Areya q. for PerSiza p.a afactura detodas as Paredes
eReboques tudo naforma das Condiçoins Com q. o
D.o Arouca aJustou Esta
Obra Com aD.a Ordem Terceira ealemdisto Conduzir toda aCantaria dipois
deLavrada p.a o Pé do quintal athé detodo Estar aoBra aCavada Com
deClaraçam q. aCantaria Sera OBrigado o D.o Arouca adarnola nas Pedreiras
Cortada edes Bastada e as Lages Seremos obrigados aCortalas e Carregalas isto
Se Entende as q. Levarem as Simalhas enos aJustamos adar nos pelos Sobre
Ditos Carretos daCantaria Cortar eCarregar toda aAlvenaría Cortar eCarregar
as Lages aSima Ditas Carregar toda a Areia referida e Conduzir p.a o pé do
guindaste toda aCantaria dipois de Lavrada aCoantia de treze Mil Cruzados e
Sento e SeSenta Mil Reis pagos na forma da OBrigaçam q. nos Pasou E Em
Virtude do Dito aJuste Nos OBrigamos por noSas PeSoas e Bens prezentes
efucturos Cada hum por Si ehum por Ambos adar Emteiro Comprim.to
eSatisfaÇam atudo q. aSima SedeClara atempo [...].
(Revista Anuário do Museu
da Inconfidência, 1954, p.88-89)
259
Ainda hoje é difícil avaliar a real competência de Arouca como arquiteto, já que as
únicas obras que temos para essa avaliaçãoo intervenções arquitetônicas compostas de
fragmentos, o que nos impede de avaliar com maior precisão o seu talento para arquitetura.
Neste sentido, é ainda em São Francisco de Mariana e na capela de Nossa Senhora da Glória
no Seminário, e em algumas reconstruções como na capela-mor da Matriz de Furquim e na
capela-mor de Santa Rita Durão, e no frontispício inacabado da Matriz de Antônio Pereira
(Figuras 196 e 197), que podemos avaliar a sua obra como arquiteto. Pelo que podemos
analisar de sua obra em São Francisco, como na capela do Seminário, e no que ainda podemos
ver do frontispício da antiga Matriz de Antônio Pereira, é irrefutável que os frontispícios têm
parentesco entre si e demonstram, na sua dureza de composição, o pouco talento de Arouca
para a arquitetura. Essas obras, entretanto, do ponto de vista de uma análise mais técnica,
demonstram boa proporção e uma composição correta em relação ao que se fazia no período,
259
Ver Anexo José Pereira Arouca – Processo Judicial envolvendo a obra de São Francisco de Mariana e seu
Arrematante – Mariana – 1763.
359
comprovando os conhecimentos técnicos de Arouca. Essa mesma característica da sua obra,
também pode ser vista no projeto que propõe para a reconstrução da capela-mor da Matriz de
Santa Rita Durão, elegante e bem proporcionada em relação à nave, seguindo o traçado
geométrico de dois quadrados perfeitos, que dão equilíbrio e proporção à planimetria do
projeto.
Neste sentido, a importância de Arouca do ponto de vista da cultura arquitetônica
continua mais ligada aos subsídios que deixou para o estudo da cultura dos construtores da
segunda metade do século XVIII em Minas Gerais, como podemos ver na análise de mais um
documento ligado ao seu nome, que diz respeito aos apontamentos feitos por Arouca para a
arrematação da nova capela-mor da igreja de Nossa Senhora de Nazaré. Nestes apontamentos,
mais uma vez, uma série de dados importantes sobre o ofício da construção na Minas
setecentista vem à tona, como podemos notar em alguns trechos que abaixo comentamos:
[...] que a dita Capela Mór se acha muito arruinada e incapaz de se fazerem
nela as festividades ordinárias, pela razão de ser a mesma feita de paus-a-
pique e estarem já quase todos eles podres, de forma que as paredes em parte
declinavam consideravelmente do seu prumo; que no mesmo estado se
achavam todas as mais obras de madeira como eram talha da Capela Mór,
soalho da sacristia e janelas, tanto que a dita talha se não podia já segurar
com pregos e em partes estava amarrada com correias e cordéis e as janelas
não defendiam o temporal, por estarem empenadas e rotas e que nestes termos
se achava a dita Capela Mór na maior necessidade e em estado de se não
poder expor o Santíssimo Sacramento. E que quanto ao
Corpo da Igreja, se
achava reedificado de novo e pintado, com todo o aceio e perfeição: e logo o
mesmo Ministro ordenou aos ditos oficiais que fizessem a planta e risco da
dita Capela Mór e calculassem a importância de sua despeza,
proporcionando a dita obra com o Corpo da Igreja, evitando despesas
desnecessárias e não faltando a descência com que a mesma Capela Mór
deve ser reedificada.
(
apud
MENEZES, 1978a, p.76-77)
260
Neste primeiro trecho, Arouca parte da avaliação estrutural da igreja e dos
perigos que existiam para se continuar com a devida decência os ofícios e festividades
260
Ver Anexo José Pereira Arouca – Condições de Arrematação e Apontamentos da Obra para reconstrução da
Capela-mor e reforma – Matriz de Nossa Senhora de Nazaré – Santa Rita Durão –– 1780.
360
na igreja. Num segundo trecho, José Pereira Arouca
começa a delinear os passos para a
arrematação da nova capela-mor através dos apontamentos dos dados técnicos e de
algumas ênfases ligadas aos problemas estéticos:
Será obrigado quem arrematar a dita obra a fazê-la toda na forma do risco,
planta, condições, a saber: fará todos os alicerces que compreendem a planta
da dita obra, com altura e largura que se julgar necessária para a segurança
da mesma obra, serão os mesmos alicerces cheios de pedras grossas; feito
tudo com cal e areia e levarão seus cortes pela parte de fora de quatro em
quatro palmos de alto, sendo estes cortes de três quartos e no olivel da terra
levará um corte pela parte de fora de um palmo e por dentro de três quartos.
Fará mais, em toda a circunferência da parte de fora, uma sapata de cantaria
lavrada e junta a picão com um palmo de sacada. A capela mór há de ter, de
comprido sessenta e três palmos e de largo vinte e oito e meio e de alto, por
fora, trinta e três e meio e as suas paredes hão de ter de grosso quatro palmos
e os corredores hão de ter de largo sete palmos e três quartos e as suas
paredes hão de ter de grossura três palmos e de alto dezesseis palmos e três
quartos e a sacristia há de ter de largo vinte e oito palmos e de comprido
cinquenta e seis palmos, e as suas paredes hão de ter de alto vinte palmos e
meio e de grosso quatro palmos. [...]
Todas as paredes, de toda esta obra,
serão feitas de pedra e cal e todas rebocadas e caiadas com cal, tamm os
cunhais, com todos os seus ornatos e também os óculos por dentro e por fora e
uma faixa em roda de toda a obra, por baixo, como mostra o risco e as
pirâmides e todos [sic] as cruzes serão de cantaria, lavradas nas piramides,
poderão seguir o melhor que lhe parecer
.
Será o retábulo feito na forma do
risco.
(
apud
MENEZES, 1978a, p. 77-79)
Aqui vemos a importância do risco para se fazer os apontamentos para a
arrematação. Isso é compreensível, já que qualquer modificação no que fora combinado
na arrematação levaria à mudança do preço e a perícias entre o arrematante e os
membros da Irmandade responsável pela obra. Os apontamentos partem de uma
descrição do traçado e dos processos e sistemas construtivos a serem utilizados. Esse
trecho também demonstra que pequenos detalhes artísticos podiam ser modificados pelo
arrematante, sempre que fosse para melhorar a obra:
“[...] e todos as cruzes serão de
cantaria, lavradas nas pirâmides, poderão seguir o melhor que lhe parecer [...]”.
Mais
adiante, José Pereira Arouca tece comentários sobre o problema da unidade formal a ser
conseguida; ainda que se trate de uma reconstrução, do ponto de vista estético tudo deve
buscar uma unidade estilística. Para isso, ele recorre em indicar um método bastante em
361
voga na cultura arquitetônica setecentista: o uso de modelos pré-existentes na igreja para
servir de base à construção dessa unidade estética:
[...] será mais obrigado a mandar pintar, a sua custa, todas as portas e janelas
pela parte de fora de encarnado, levando estes três mãos de óleo; será mais
obrigado a mandar pintar todas as cimalhas e porta, pela parte de dentro, a
cola, a cimalha fingindo pedra azul, e os portais e janelas outra qualquer
coisa, que faça boa vista; será mais obrigado a mandar pintar o forro da
sacristia me
tendo suas pinturas e figuras nos painéis, e as mais molduras
fingindo pedra, será mais obrigado a mandar pintar o teto da Capela Mór com
pintura que emite e corresponda à do Corpo da Igreja, metendo para isso
perspectiva necessária, conforme as do mesmo Corpo e no meio do dito teto lhe
meterá uma tarja bem feita, com o retrato da padroeira da mesma Igreja e
ficando tudo o mais em campo branco.
(
apud
MENEZES, 1978a, p.79)
Em outro trecho, ele continua esse raciocínio e também salienta os problemas
relativos à proporção, a ser construída com base na geometria e suas medidas entre a nave
e a nova capela-mor, entrando mesmo em questões ligadas ao problema da ornamentação,
com ênfase para a que deve ser feita no arco do cruzeiro, definindo mesmo o lugar onde
deve entrar a obra de talha:
[...] também se adverte que a Capela Mór, em razão de ser mais estreita do que
o corpo, puder subir mais do que mostra o risco
,
ficando o telhado igual e na
mesma altura que o do corpo, terá ele rematante obrigação de lhe dar altura que
couber, debaixo de perfeito do dito telhado para melhor perfeição da mesma obra e
o mesmo, levantará nos corredores e Sacristia, ficando tudo com boas
proporções e correspondência [...].
Adverte-se que será obrigado o dito arrema-
tante a fazer o arco cruzeiro de vinte e três palmos de largo, com toda a mais
altura que se puder dar, sem ofender a Capela Mór nem o corpo da Igreja,
sendo este refendido por
todas as partes, tendo suas cabeças pelas faces e
pela volta de dentro de palmo e três quartos, suas molduras e capiteis serão
feitas como as do retábulo e lhe meterá seus ornatos de talha nos pés-direitos
e nas voltas por todas as três faces a saber: um ornato em cima do
invasamento, outro no meio do pé-direito, outro junto ao capitel; e na volta
lhe meterá outros três: um em cima da cimalha, outro no meio do quarto da
volta e outro junto ao feixo do mesmo arco e o mesmo fará por todas as mais
faces do mesmo arco, como fica
dito; e o seu feixo levará sua talha; e pela
parte do corpo da Igreja lhe meterá uma tarja que corresponda à mesma
obra
,
sendo tudo dourado na forma das mais obras [...]; o arco cruzeiro será
primeiro fechado de alvenaria metendo-se-lhe seus tocos para segurança e
perfeição.
(
apud
MENEZES, 1978a, p.79-80)
362
Essa sua competência profissional, como vimos nos trechos citados dos apontamentos
da Matriz de Nossa Senhora de Nazaré, fizeram de Arouca um profissional respeitado e
sempre convidado a estar presente nos mais importantes arbitramentos de obras de construção
oficiais e religiosas que se realizaram em Mariana e Ouro Preto na segunda metade do século
XVIII. Foi nessa condição que o vemos atuando, por exemplo, tanto nas obras de entrega da
Casa da Câmara e Cadeia da antiga Vila Rica, em 1791
261,
como na da igreja de São
Francisco de Assis, em 1794
262
, na mesma localidade.
José Pereira Arouca, como outros grandes mestres do seu tempo, também foi Juiz do
Oficio. Neste importante cargo aparece diversas vezes nos arquivos da Câmara de Mariana,
como Juiz relacionado ao ofício de pedreiro. Nessa mesma Câmara também aparece
exercendo os cargos de tesoureiro, em 1780, e administrador de renda das “aferições”, entre
1787 e 1788 (MARTINS, 1974, v.1, p.72-73).
José Pereira Arouca faleceu solteiro aos 21 de Julho de 1795, com 64 anos completos,
sendo enterrado em São Francisco de Mariana, onde era irmão e principal construtor, como
demonstra o assentamento do Cura da Sé de Mariana, João Borges Coelho:
A
os vinte e um de julho de mil setecentos e noventa e cinco, faleceu, com os
sacramentos da Penitência e Santíssimo Viático, o Alferes José Pereira
Arouca, e com o seu solene testamento, natural do termo da Vila de Arouca,
Bispado de Lamego. Foi por mim encomendado e acompanhado para a capela
da Ordem Terceira do Patriarca São Francisco, desta cidade e nela, depois
do ofício de Corpo Presente e Missa, sepultado. Para constar fiz este assento,
com declaração que foi sepultado no dia vinte e dois do dito mês
. (
apud
MENEZES, 1978a, p.87)
263
261
Nesta perícia ele tem como colega o carpinteiro e arquiteto Manuel Francisco de Araújo. Ver Anexo José
Pereira Arouca – Condições de Arrematação e Apontamentos da Obra para reconstrução da Capela-mor e
reforma – Matriz de Nossa Senhora de Nazaré – Santa Rita Durão –– 1780.
262
Nesta perícia ele tem como colega o escultor e arquiteto Antônio Francisco Lisboa. Ver Anexo José Pereira
Arouca – Participação como Perito em Louvação de Obras – igreja de São Francisco de Assis – Ouro Preto –
1771, 1774.
263
Ver Anexo José Pereira Arouca – Testamento de José Pereira Arouca – 1793.
363
O seu complexo e rico testamento é uma prova da vitalidade econômica do
mundo da construção nas Minas na segunda metade do século XVIII. O Alferes José
Pereira Arouca, não fugindo ao receituário dos homens ricos da sua época, recheou seu
testamento de obras pias, donativos aos pobres, missas pelas almas do purgatório,
esmola aos afilhados e alforrias aos escravos mais chegados. Também não se esqueceu
de enumerar suas dívidas e devedores, e lembrou também da família em Portugal e das
suas devoções, ligadas às capelas da sua terra natal e de Mariana, para onde deixou
alguns benefícios financeiros em forma de esmolas
264
.
S
eus muitos bens que incluíam
extensa relação: casas, terrenos, animais de carga, datas minerais e mais de 50 escravos que
depois da liquidação da testementeria, seriam herdados por suas sobrinhas em Portugal.
264
Na Vila de Arouca, ele beneficiou as seguintes capelas: Divino Espírito Santo, Santo Ovídio e Nossa Senhora
do Mó. Em Mariana, ele beneficiou com cem mil réis as obras da igreja de São Francisco e com 50 mil réis as de
Nossa Senhora do Carmo. Ver Anexo José Pereira Arouca – Testamento de José Pereira Arouca – 1793.
364
9.4. Francisco de Lima Cerqueira
rancisco de Lima Cerqueira nasceu a 2 de outubro de 1728 na freguesia de São
Mamede da Parada do Monte (Figura 198), termo de Valadares, comarca de
Valença, arcebispado de Braga como declarou em seu testamento. Era o primeiro filho do
casal Antonio Beites e Isabel Cerqueira
265
. Como outros portugueses nas Minas, viveu toda a
sua existência na condição de celibato.
A atual localização de sua cidade natal tem gerado muita confusão entre os estudos
mais recentes sobre este arquiteto e mestre-de-obras porque o Conselho de Valadares,
segundo as pesquisas que fizemos em Portugal, foi extinto em 24 de outubro de 1855, e
existem outros quatro municípios como a denominação de “Parada” na região do Minho. A
que se refere em seu testamento o nosso biografado é a que hoje pertence á comarca e
Conselho de Melgaço, situada a 65 quilômetros de Braga, e que tem São Mamede como orago
da Vila. Essa Vila é vizinha à região da Galícia, na Espanha (Figura 199). Segundo
informações que constam no dicionário “Portugal: Antigo e Moderno”: “Em 1720, era este
couto possuído pelo 6
o
. neto do dito Paio, Manuel d’Araujo Caldas, de Valladares; mas já
tinha perdido a maior parte dos seus antigos privilegios. Dá-se a esta freguesia para
distinguir das outras, o nome de Parada do Monte.” (Parada, s.d., p.456)
Sua primeira aparição nas terras mineiras está documentada a partir de
11 de abril de
1754, quando Francisco de Lima, classificado como
"[
...
]
Ped.
ro
[morador]
ao Rozário
[...], tornou-se irmão da Ordem Terceira de São Francisco de Ouro Preto.
” (MIRANDA,
265
Segundo a documentação desses batismos, feita a pedido da Fundação Otávio Neves, de São João del-Rei, ao
Arquivo Distrital de Viana do Castelo, foram seus irmãos em ordem decrescente: Antonio, Ana, José, Manoel e
Maria (gêmeos), João, Maria. Anexo Francisco de Lima Cerqueira – Batismo de Francisco de Lima Cerqueira –
1728.
F
365
1997-2000, p.313)
266
. Não temos muitos dados desses seus primeiros anos nas Minas. P
or
volta de 1761, continua em Vila Rica, onde seu nome consta num recenseamento (MARTINS,
1974, v.1, p.175)
267
, exercendo a profissão de pedreiro. A primeira notícia que se tem de
Francisco de Lima Cerqueira no exercício profissional pleno é por volta de 1763, quando
arremata obras referentes à construção do chafariz das Cabeças (Figuras 200 e 201), na
mesma Vila Rica. Tudo indica, pela simplicidade da obra e pela data da arrematação, que foi
seu primeiro trabalho individual em Minas onde se mostra um oficial ainda em formação,
como podemos ver na rusticidade da utilização das ordens nessa obra. No entanto, já podemos
ver ali uma característica fundamental da sua personalidade criativa na inversão e giro que
propõe para a base da cruz que coroa o chafariz e que vai estar presente em quase todas as
suas obras futuras.
A formação de Francisco de Lima Cerqueira, principalmente como mestre-de-cantaria,
justifica-se se lembrarmos que ele era oriundo de uma região onde a tradição do trabalho em
granito era famosa. Sua inserção no seleto mercado das grandes obras de construção também
foi lento. Para conseguir reconhecimento utilizou a mesma estratégia já verificada em outros
mestres-de-obras analisados: o deslocamento para mercados menos concorridos para
conseguir trabalho. Lembramos aqui que se o volume de trabalho no início do século XVIII
era farto, o mesmo se pode dizer da concorrência, e os primeiros tempos de Francisco de
Lima em Vila Rica parece que não foram fáceis, obrigando-o a se deslocar para Congonhas
do Campo, onde a construção do Santuário do Senhor Bom Jesus do Matosinhos, iniciada por
Feliciano Mendes em 1757, avançava rapidamente. Entre os anos de 1765 e 1769
268
, o
266
O fato de Lima Cerqueira estar trabalhando nas obras do Rosário de Ouro Preto, arrematada como vimos por
José Pereira dos Santos nesse período, e sua atividade individual somente estar registrada a partir de 1763, pode
indicar que realmente ele se formou com o Arquiteto e Mestre-pedreiro José Pereira dos Santos, como indica o
Segundo Vereador de Mariana. Foi também irmão definidor em 1770-1771.
267
Ver Anexo Francisco de Lima Cerqueira – Censo dos Ofícios Mecânicos – Ouro Preto – 1761-1767.
268
Ver Anexo Francisco de Lima Cerqueira – Arrematação de Obras de Construção – Congonhas do Campo
1765-1769.
366
encontramos nessa obra, recebendo 39 oitavas e 1/4, juntamente com Tomás de Maia Brito,
que recebe 6 oitavas e ¾, por um serviço de acréscimo das torres. Neste recibo é qualificado
como mestre-pedreiro. Pela quantia paga, parece que esse trabalho inicial foi um serviço
pequeno, entretanto, bem executado, pois entre os anos de 1769-1773
269
Francisco de Lima
Cerqueira, novamente associado a Tomas de Maia Brito, arremata sua primeira grande obra: a
capela-mor da mesma igreja por 1:500$000. O trabalho de Francisco de Lima Cerqueira na
igreja do Senhor Bom Jesus em Congonhas é bastante convencional. Nesse período parece
que ele ainda não é um homem contaminado pela criatividade em gestação nas Minas.
Paralelamente a esse trabalho, a partir de 1769, também o vemos de volta a Vila Rica,
com seu talento reconhecido e em posição bem mais confortável, trabalhando numa das
principais obras que se desenvolvia naquele momento: a igreja da Ordem Terceira do Carmo
que, juntamente com a da Ordem Terceira de São Francisco, ambas arrematadas em 1766,
empregavam o que melhor existia em termos de mão-de-obra nesse ramo.
Em 13 de janeiro deste ano, participa de uma louvação, qualificado como mestre-
pedreiro, ao lado do arrematante José Alvares Viana, e de Domingos Moreira de Oliveira,
irmão definidor, para darem parecer, a pedido do arrematante, a respeito de um problema
estrutural que envolvia a espessura com a qual deveria ser construída uma parede, que no
risco se mostrava muito estreita para a carga a suportar. Os louvados, examinando o risco,
concordaram com o arrematante, que havia proposto o alargamento da parede de 3 palmos
para 4 palmos e meio em toda sua extensão. Esse documento é de suma importância, pois
podemos concluir, pelo não pagamento a Francisco de Lima, que este estava contratado na
obra, possivelmente como imediato do arrematante. Apenas seis anos após sua chegada, já
269
Ver Anexo Francisco de Lima Cerqueira – Arrematação de Obras de Construção – Congonhas do Campo
(diversos).
367
tratava com um dos mais respeitados empreiteiros de Vila Rica e Mariana que é Domingos
Moreira de Oliveira
270
, demonstrando assim, sua competência.
No dia 20 de dezembro de 1770, ainda trabalhando no Carmo de Vila Rica, Francisco
de Lima Cerqueira, juntamente com José Antônio de Brito, Domingos Moreira de Oliveira e
Miguel da Costa Peixoto, qualificados como pedreiros e alvineos, participam de uma nova
louvação a pedido do arrematante João Alvares Viana e da Ordem do Carmo, em função das
modificações propostas no projeto original a partir de consultas aos “mestres de oficio e
professores” – que apontaram os defeitos do risco original e se propuseram a oferecer um
risco sem defeitos. Com isso, foi preciso avaliar a diferença de preço para um acerto de contas
entre o arrematante e a Ordem. Francisco de Lima Cerqueira redige o texto final dessa
louvação e assina “e eu Francisco de Lima que esta fiz e assinei por meus companheiros”.
271
A análise desses documentos nos leva a entender que o projeto primitivo do velho Manoel
Francisco Lisboa tinha vários problemas construtivos ou até mesmo estaria ultrapassado em
relação aos padrões artísticos e arquitetônicos que os gabaritados mestres queriam impor à
obra. Pouco se sabe, documentalmente, sobre a autoria dessas modificações, atribuídas ao
Aleijadinho, mas é certo que Francisco de Lima Cerqueira, que a essa altura já trabalhava na
obra há dois anos e conhecia profundamente o projeto, como mais tarde averbou numa
consultoria sobre o risco dos arcos do coro, pôde participar de perto desse processo.
No dia 13 de março de 1771, em função do arrematante João Alvares Viana não
concordar com o resultado da louvação anterior, que deu à Ordem um crédito de 260$000
com o arrematante, esse pediu nova avaliação com peritos representando os dois lados. Pela
Ordem foram designados Francisco de Lima Cerqueira e Domingos Moreira de Oliveira,
270
Ver Anexo Francisco de Lima Cerqueira – Primeira Louvação – igreja de Nossa Senhora do Carmo – Ouro
Preto – 1770.
271
Ver Anexo Francisco de Lima Cerqueira – Segunda Louvação – igreja de Nossa Senhora do Carmo – Ouro
Preto – 1771.
368
como mestres-pedreiros, e Manoel Francisco de Araújo para a medição do risco. Pelo
arrematante foram designados José Pereira Arouca e Enrique Gomes de Brito, como mestres-
pedreiros, e Antônio Francisco Lisboa para a medição do risco. Nessa louvação chegou-se a
um acordo: “valem os acréscimos da planta e risco novo mais do que a planta e risco velho
= 94 oitavas e 1/4 a favor do arrematante” (LOPES, 1942, p.121-122).
No ano de 1771, Francisco de Lima Cerqueira está novamente em Congonhas, ainda
trabalhando nas obras da capela-mor da igreja do Senhor Bom Jesus de Matozinhos, onde foi
procurado por José Pereira Arouca
272
para que, junto com este, desse um parecer sobre o
risco que se mandou fazer da porta principal, dos arcos do coro e do lavatório da sacristia da
igreja do Carmo de Vila Rica. A descoberta desse documento nos arquivos da Ordem do
Carmo pelo Doutor Francisco Antônio Lopes é de suma importância para nossa pesquisa, pois
revela dados fiéis da atividade profissional do Mestre Francisco de Lima Cerqueira e de sua
vida particular. Esses documentos se compõem de quatro correspondências
273
. A primeira é o
parecer emitido, que trata com detalhes de assuntos de ordem técnica e estética a respeito do
projeto, o que demonstra, sem sombra de dúvida, a competência do mestre e seu
conhecimento dessa obra. A segunda é uma carta pessoal de José Pereira Arouca para o Prior
da Ordem do Carmo, Alferes Guilherme Teixeira, que encomendou o serviço, desculpando-se
pelo atraso e justificando que foi preciso ir a Congonhas à procura de Francisco de Lima que
lá estava trabalhando. Termina dizendo que “[...] para ele é preciso sempre mandar ao
menos 1/8 por estar ganhando e perdendo sempre sendo como é pobre.” (LOPES, 1942,
p.130) Essa segunda correspondência nos remete a duas questões básicas para entender a
condição de vida do Mestre Francisco de Lima Cerqueira. O nível do seu trabalho e
272
Ver Anexo José Pereira Arouca – Cartas de Pareceres de José Pereira Arouca sobre os Riscos e a
Arrematação da Portada, Arcos do Coro e Chafariz da Sacristia – igreja de Nossa Senhora do Carmo – Ouro
Preto – 1770.
273
Idem.
369
conhecimento, principalmente em obras de cantaria, devia ser o melhor de Minas, para fazer
com que um mestre conceituado como José Pereira Arouca precisar de sua consulta, a ponto
de viajar a Congonhas para estar com ele. Por outro lado, a situação de pobreza afirmada por
Arouca indica que Francisco de Lima Cerqueira não era um homem de “fábrica”, como se
dizia no jargão da época. Era um homem que arrematava pequenas empreitadas e trabalhava a
jornal, e por isso era pobre. Por outro lado, ao contrário de Arouca que, como vimos, herdou
de José Pereira dos Santos o talento de homem de negócios, Lima Cerqueira tinha mais o
gênio de artista e homem de criar e obrar, e não o perfil de um administrador, como
demonstrou mais tarde ao terminar sua carreira falido. A terceira correspondência coloca o
Mestre Francisco de Lima Cerqueira realmente na condição de arquiteto; nessa carta, dirigida
ao Prior da Ordem do Carmo de Ouro Preto, Alferes Guilherme Teixeira, o mestre se
prontifica, em caso de dúvida em relação ao parecer, a mandar os riscos de duas figuras: “[...]
uma serve para o entablamento do coro e outra mostra o talhe da bacia do lavatório. Não
vão revestidas com sombras porque não tenho aqui recursos para isso, mas para se entender
é quanto basta” (LOPES, 1942, p.130-131)
274
. A quarta correspondência, já comentada
anteriormente, é uma avaliação do preço do serviço feita por Arouca, que diz “se V. M. achar
quem lhe faça a obra por 1:000$000 ou 1: 100$000 pode fechar a arrematação, não é fora
do preço por a obra ser muita e miúda.” (LOPES, 1942. p.131-132)
275
Em 08 de julho de 1771, Francisco de Lima Cerqueira, estando ainda em Congonhas,
arremata por procuração
276
, por 1:000$000, as obras sobre as quais tinha dado parecer
juntamente com Arouca, correspondendo ao pórtico principal, aos arcos do coro e ao lavatório
274
Ver Anexo Francisco de Lima Cerqueira – Carta de Francisco de Lima Cerqueira que faz parte de um parecer
conjunto com José Pereira Arouca sobre projeto e preços para a arrematação dos arcos do coro, pórtico e lavabo
da sacristia – igreja de Nossa Senhora do Carmo – Ouro Preto – 1771.
275
Ver Anexo Francisco de Lima Cerqueira – Procuração de Francisco de Lima Cerqueira para arrematação em
seu nome das obras dos arcos do coro, pórtico e lavabo da sacristia – igreja de Nossa Senhora do Carmo – Ouro
Preto – 1771.
276
Idem.
370
da sacristia. Seu conceito devia ser alto com a Ordem do Carmo, que não exigiu fiadores no
contrato; foi seu sócio no empreendimento, no que se refere ao transporte das pedras e sua
reunião, o mesmo José Pereira Arouca. Francisco de Lima Cerqueira trabalhou nessas obras
até 1780, data em que lavra o termo de entrega dessa arrematação, aceitando a Ordem a obra
depois de ouvir as palavras do arrematante José Alvares Viana.
A partir de 1774, já ocupado com as obras de São Francisco de São João del-Rei, só
executou da própria lavra os arcos do coro, sub-empreitando ao Escultor e Arquiteto Antônio
Francisco Lisboa a portada e o lavatório da sacristia, que se ligam estilisticamente à sua
grafia.
O ano de 1774 foi um divisor de águas na vida e carreira profissional de Francisco de
Lima Cerqueira. Se Vila Rica e Congonhas o abrigaram nos primeiros dez anos de sua vida
em Minas e deram a ele reconhecimento profissional, São João del-Rei lhe deu prestígio e
liberdade criadora nos 30 anos que ali trabalharia, nos mais diversos ramos de sua atividade.
Foi na metade deste mesmo ano que a Ordem Terceira de São Francisco de Assis de São João
del-Rei, abrigada numa tímida capela desde 1749, decide realizar o seu grande projeto, o de
construir uma igreja digna da sede de uma Comarca tão importante como era a do Rio das
Mortes. Em 8 de julho desse ano, em reunião, o Definitório aprova o risco que se mandou
fazer em Vila Rica (atribuído ao Aleijadinho) pelo qual se pagou 60$000 de “prêmio” a quem
fez. Em 10 de outubro, o Mestre Francisco de Lima Cerqueira – que a Ordem foi buscar em
Vila Rica, fato que o Mestre reafirma no seu testamento – ajusta por 230$000 por ano, secos,
sem mais nada, salvo o fornecimento da ferramenta apropriada, a construção da igreja,
entrando ainda o trabalho de um preto de sua propriedade. Nas cláusulas de contrato podemos
ver especificadas as obrigações do mestre:
Terá o dito mestre obrigação de governar a dita obra, executada na forma do risco
que se lhe apresentou, e serão todos os oficiais que na dita obra trabalharem
371
obrigados a obedecer ao dito Francisco de Lima e estarem por tudo quanto ele
determinar tendente a execução da mesma obra e estranharemos toda a frouxidão
com que houver nesta matéria, e incorrerá na indignação de N. Santo Patriarca,
pois em virtude deste termo o constituímos a Ele mestre do expedito acima por
acharmos com sabedoria e capacidade nesta matéria.” E continua - “...dará parte
a Mesa que existir para em consistório se lhe dar providência e declarou o dito
mestre Francisco de Lima que muitas vezes se há de executar alguma coisa que o
dito risco tratava, e feito por outro modo mais acrescentada, ou diminuída ficava,
visto em mesa de que somente quando se põem em execução as obras se percebem
inteiramente o melhor; quer o dito mestre não ficar responsável a coisa alguma do
que havia de aumento ou diminuição.” (ALVARENGA, 1974-1975, p.48)
Com a obra iniciada e em andamento, o Mestre Francisco de Lima diversas vezes se
deslocou até Vila Rica a fim de cumprir seu compromisso com a Ordem do Carmo, também
ali participando de outras louvações. No dia 7 de junho de 1777, o encontramos em Vila Rica
a convite da Ordem de São Francisco, fazendo parte dos louvados que examinam a entrega da
obra grossa da igreja; um de seus companheiros é Tomas de Maia Brito, camarada dos
primeiros tempos em Congonhas. Recebe por esse serviço, conforme demonstra no recibo que
assinou, 14 oitavas e 1/2 de despesas da viagem de São João del-Rei a Vila Rica e jornais que
lhe eram devidos
277
.
As obras prosseguiam em São João del-Rei. Em setembro de 1778, ele está
novamente em Vila Rica, ocupado com o serviço do Carmo, só retornando em janeiro de
1779. Ao voltar, estranhamente, não quis reassumir a obra que ficou, como mostra a
documentação, vários meses parada. Chamado perante o Definitório da Ordem para se
explicar, respondeu que
[...] de seu moto próprio, na sua idéia havia concebido deixar de trabalhar porque
via que a coisa tendente a obra não ia com boa disposição, o que se praticava não
lhe agradava e que estava resolvido a não mais trabalhar se não se reformassem de
novo algumas condições [...]. (ALVARENGA, 1974-1975, p.48)
277
Ver Anexo Francisco de Lima Cerqueira – Louvação – igreja de São Francisco de Assis – Ouro Preto – 1777.
372
A Ordem aceitou suas argumentações, e deliberou que, a partir dali, todos os sábados à
tarde, o mestre se reunisse com o Síndico e o Definidor para que os três “[...] amigavelmente
e com os olhos em Deus acentarem, e concordarem no que ha de se mandar fazer toda
semana seguinte aos oficiais e pretos que andarem trabalhando na dita obra”
(ALVARENGA, 1974-1975, p.61)
278
e também que, quanto a alguma mudança no risco, no
que diz respeito à abertura de janelas ou óculo ou portas e corredores terá o mestre que levar
aos irmãos já designados para junto com eles resolver o problema. Segundo Luis Alvarenga,
que estudou a fundo o arquivo da Ordem, “[...] até esta data só se havia cuidado do preparo
das pedras para as obras e a abertura das valas para a fundação e do alicerce [...].”
(ALVARENGA, 1974/1975, p.48)
A partir do dia 23 de julho desse mesmo ano, começam as modificações no projeto
original, principalmente no que se refere à capela-mor e ao corpo da igreja. Ficou decidido,
então, que “A capela-mor devia ser mais comprida, assim como não seriam abertas duas
portas nesse presbítero e, finalmente, que os óculos fossem feitos por outro feitio e maiores
para entrar luz na capela-mor e ‘para assim ficarem com mais graça’. Resolveram,
outrossim, que a pedra a ser usada fosse do Corrego-Seco.” (ALVARENGA, 1974-1975,
p.48) Quanto ao corpo da igreja, ficou decidido “[...] que fosse alargado e mais comprido
para melhor comodidade dos altares e perfeição”. (ALVARENGA, 1974-1975, p.48)
Resolveram ainda “[...] que as pilastras que guarnecem o corpo da igreja fossem de pedestal
de cantaria da pedra da Candonga com todos seus ornatos até a base e daí para cima
ficassem de alvenaria “p
a
o todo tempo se fingirce [sic]”. (ALVARENGA, 1974-1975, p.48)
Outra resolução foi que “[...] os umbrais e molduras, que o risco mostra na parede de fora,
fossem de cantaria.” (ALVARENGA, 1974/1975, p. 48)
278
Ver Anexo Francisco de Lima Cerqueira – Termo que se faz dos oficiais e mestres que atualmente trabalham
na obra da igreja de São Francisco de Assis – São João del-Rei – 1779.
373
Resolvidas suas pendências com a Ordem de São Francisco e prosseguindo a obra
normalmente, em 19 de março de 1780, encontramos o Mestre Francisco de Lima Cerqueira
novamente em Vila Rica para a entrega de seus compromissos com a Ordem do Carmo. Esse
deve ter sido um dia feliz na vida do mestre pois, além de saldar seus compromissos com a
mesma, é aceito como irmão da Ordem do Carmo de Ouro Preto, o que demonstra sua alta
posição social nesta época. No dia 8 de janeiro de 1781, com a obra de São Francisco já bem
adiantada, querendo os irmãos da mesma que o autor do projeto fizesse também o risco do
retábulo
279
, pediram ao Mestre Francisco de Lima Cerqueira:
[...] foi porposto mandarse fazer o risco do retabollo da Capella mor garniçoins,
eremates das frestas eoculos das mesmas e o barrete obra por haver na ocazião
prez
te
igual comodidade para a factura da mesma havendo alguns ofricimentos de
Irmãons [...].”Mais abaixo prossegue:“...conquanto o retabollo sedetriminou
mandarse fazer odito risco, epara este sefazer com acerto rogamos ao N. C. Ir.
Franc.
o
de Lima Cerq
r
. mestre da obra da pedra como mais inteligente e saber
dos perceitos desta, por exestir e depender hua da outra, fose a Villa Rica ou em
out
ra
qualq
r
parte onde se achar o Arquitecto que fez o risco da Igreja fasa o
que neste se porpoz dando lhe para isso os perceitos necess
ros
para o q levava o
risco da mesma obra, ou em todo ou em parte,... e tudo o mais recomendamos
em que, atenta a sua capacidade e siencia de Arquitetura não haja defeito [...].
(ALVARENGA, 1974/1975, p.49)
Esse termo revela mais uma face dos valores da cultura arquitetônica em Minas
Gerais, pois ainda que o Mestre Francisco de Lima Cerqueira, de comum acordo com a
279
Segundo a análise desse risco por Carlos Del Negro, “A Igreja Matriz de Tiradentes, a Matriz do Pilar de S.
João del Rei deram-nos exemplos de retábulos que se estendem pêlos muros laterais da capela-mor, incluindo o
arco-cruzeiro. Até então, a decoração do teto fora tratada independentemente do retábulo do altar-mor;
realçava apenas os compartimentos da abóbada. Na Matriz do Pilar de Ouro Prêto, o retábulo encaminhou-se
em direção ao teto com o desenvolvimento do grupo escultural, pôsto acima do remate costumeiro do altar-mor.
Êsse nôvo partido propagou-se com variantes em diferentes igrejas. Mas foi Antônio Francisco Lisbôa, quem
nessa nova trilha concebeu e realizou em S. Francisco de Assis de Ouro Prêto a decoração da capela-mor, qual
um sêr com seus órgãos inseparáveis: retábulo do altar-mor, muros laterais da capela-mor, barrete e arco-
cruzeiro. Todos admiramos o esplendoroso anjo porta-flôres do barrete, a vigorosa composição da Santíssima
Trindade rematando o altar-mor e os burilados púlpitos de pedra-sabão, gemas engastadas em jóia preciosa, de
S. Francisco de Ouro Prêto.
A decoração da capela-mor de S. Francisco de S. João del Rei também foi concebida pelo Aleijadinho como um
todo orgânico. Reencontra-se o tema da Santíssima Trindade, que pénetra pelo teto, os medalhões dos santos
substituídos por tarjas com querubins e ao centro da abóbada uma exuberante roseta, ao invés do anjo porta-
flôres.” (DEL NEGRO, 1961, p.160-161)
374
Ordem, tivesse modificado substancialmente a proposta original atribuída a Antônio
Francisco Lisboa, não havia por parte dos mesmos, como demonstra o documento, nenhum
constrangimento em novamente ir atrás desse mesmo arquiteto para pedir que o mesmo
fizesse o risco do retábulo-mor. Isso parece demonstrar que a idéia ainda presente da já
comentada primazia do valor da “fábrica” sobre o “projeto” dentro da cultura arquitetônica
portuguesa. O risco era visto culturalmente apenas como uma orientação geral, passível de
modificação sem nenhum constrangimento ao longo da obra pelos acertos feitos entre o
arrematante e a Mesa da Ordem, Confraria ou Irmandade. Por outro lado, o documento
denuncia também que Francisco de Lima Cerqueira era um artista limitado, como mais tarde
fica provado ao ter de contratar Antônio Francisco Lisboa, seu parceiro de obras de escultura
em pedra desde os tempos de Ouro Preto, para atuar na parte de esculturas, tanto nas obras de
São Francisco como também nas do Carmo de São João del-Rei.
Em junho deste mesmo ano foram apresentados os novos modelos de risco para os
capitéis do arco-do-cruzeiro e capela-mor, provavelmente feitos pelo próprio Mestre
Francisco de Lima Cerqueira para, segundo consta na deliberação, harmonizarem com os
modelos já executados em toda obra. Nessa mesma época já devia estar em poder da Ordem o
risco do retábulo, que acaba sendo arrematado pelo Mestre Luiz Pinheiro de Souza, que já
havia feito o retábulo-mor da igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Mariana. Em
1782, Francisco de Lima Cerqueira já aparece como irmão da Ordem Terceira de São
Francisco de Assis, sendo eleito com indicação do Síndico da Ordem pelo seu zelo e
honestidade com os negócios dessa, para ficar responsável pela cobrança e liquidação das
testamenterias em nome da Ordem. Aparece nos Livros de Termos também como Definidor e
Procurador Geral da Ordem em outras oportunidades.
Em 11 de setembro de 1785, o Mestre Francisco de Lima Cerqueira, já começando a
sentir o peso da idade, propõe novo ajuste à Ordem. Nesse novo ajuste (registrado no livro 2,
375
fls. 106, v. 114, de Deliberações da Ordem), o mestre também lembrou que “[...] não só
exercera o emprego de administrador das obras da nova capela, como o de lavrar cantaria
debaixo do telheiro o tempo que lhe foi possível, e também assistira na pedreira e fizera o
oficio de arquiteto tirando novas plantas e novos desenhos como na mesma se vê”.
(ALVARENGA, 1974-1975, p.64)
280
A comprovação das suas seguidas atuações como
arquiteto nesta obra estão no fim dessa deliberação quando o mesmo afirma que: “[...] era
preciso se resolver sobre a futura sacristia da qual já tinha ofertado um risco para que não
atrasasse as obras do corpo da igreja [...].” (ALVARENGA, 1974-1975, p.64)
Em outro termo da Ordem, de 13 de fevereiro de 1785, vê-se que, respondendo ao
pedido do mestre, a Mesa delibera declarando que o irmão Francisco de Lima Cerqueira
continue na administração da obra, tanto de pedra como de madeira, “[...] zelando e
promovendo todo o aumento da mesma como fazia dele sempre se esperava a condição de
fazer por suas mãos toda a lavragem do seu ofício e fosse mais mimosa e superior a
capacidade dos outros oficiais” (ALVARENGA, 1974-1975, p.64). O termo reafirma, assim,
o nível de qualificação profissional do Mestre Francisco de Lima Cerqueira, salientando
principalmente sua qualidade como canteiro, seu principal ofício.
Enquanto as obras continuavam, tudo indica, em ritmo acelerado, o Mestre Francisco
de Lima Cerqueira está gozando a fama de grande arquiteto e construtor pelo prestígio
conseguido com obra de São Francisco em toda a Comarca do Rio das Mortes. Foi convocado
a Campanha da Princesa, no sul de Minas, pela Irmandade do Santíssimo Sacramento, para
projetar a nova matriz da cidade
281
. Lá, em reunião com as mais ilustres pessoas da cidade se
decidiu que o Mestre devia “[...] riscar, plantar e dirigir, entregando a factura a um Mestre
280
Ver Anexo Francisco de Lima Cerqueira – Novo Termo de ajuste que se faz com o mestre das obras a
requerimento do mesmo – igreja de São Francisco de Assis – São João del-Rei – 1785.
281
A obra construída, no entanto, nada tem a ver com o estilo e perícia do trabalho do Mestre Lima Cerqueira,
sendo trabalho de um artífice menor.
376
de sua eleição e por ele aprovada, pagando-se-lhe a uma oitava por dia por sua vinda de São
João Del Rei a esta freguesia, e os dias de estadia e também o sustento por conta da
Irmandade.” (ALVARENGA, 1974/1975, p.55)
Quanto à qualidade arquitetônica das modificações introduzidas por Francisco Lima
Cerqueira na obra de São Francisco de São João del-Rei, podemos dizer que ela é um
referencial da qualidade de canteiro do mestre português e da sua ligação com a linguagem da
arquitetura do norte de Portugal, aclimatada à escola de arquitetura mineira da segunda
metade do século XVIII. Plantada no centro de uma quadra, no começo da subida do Morro
da Forca, bem dentro do esquema de trama urbana da cidade colonial brasileira, essa igreja,
erguida entre 1774 e 1820, é um dos templos mais belos de Minas e do Brasil.
A despeito das análises comparativas que os críticos e estudiosos da arquitetura
mineira do século XVIII (a partir da crítica de Bazin no seu livro sobre o Aleijadinho)
continuaram fazendo com o projeto original de Antônio Francisco Lisboa, São Francisco de
Assis de São João del-Rei é certamente uma das melhores realizações que a nossa arquitetura
religiosa conseguiu fazer, e Francisco de Lima Cerqueira pode ser declarado um excelente
arquiteto. Se falta a essa igreja a proporção áurea do projeto de Ouro Preto, a perícia do
trabalho do Mestre Lima Cerqueira na cantaria em pedra verde supera a de Ouro Preto tanto
pela sua beleza, em contraste com os brancos das alvenarias, quanto pela riqueza dos seus
motivos escultóricos. Estes, dispostos no frontão sobre o belo óculo circular (motivo ainda
ligado ao projeto original de Antônio Francisco Lisboa), ainda é o elemento que domina e
marca a composição, gerando, através dos círculos concêntricos, um entablamento
escalonado, que suporta o conjunto escultórico no tímpano desse frontão, em que o
Aleijadinho retratou o recebimento das chagas. Na altura do coro esses motivos escultóricos
continuam a desenvolver-se nas sobrevergas das janelas, bem ao gosto da escultura que
encontramos nesse mesmo período na região norte de Portugal. Sobre a porta principal, local
377
privilegiado nessa composição, a arte do Aleijadinho como escultor se manifesta na sua forma
mais pura e amadurecida, dando forma a um conjunto de elementos plásticos de rara beleza
plástica, que fecha essa composição. Devemos essa composição à intervenção de Francisco de
Lima Cerqueira, onde a idéia do plano, que é emoldurado pelas torres esguias de formas
curvas, se ajusta às reentrâncias do frontispício para dar movimentação. A sólida composição
da fachada é visualmente atirada à frente, realçando a beleza escultural do conjunto. E
também devemos à sua iniciativa o perfil lateral da nave em forma abaulada, que dá
continuidade às linhas curvas das torres que, de maneira prolongada, buscam um sentido de
leveza, como convém ao gosto rococó.
Dentro da concepção arquitetônica proposta por Francisco de Lima Cerqueira, existe
ainda o sentido de horizontalidade extrema dada à proporção alongada da capela-mor que,
como havia observado John Bury (BURY, 1991), gera um efeito de elegância inusitada, e da
mesma maneira, dá ao conjunto uma leveza extraordinária. A influência do tempo em que
trabalhou com José Pereira dos Santos na obra do Rosário de Ouro Preto se apresenta no tema
desenvolvido para a solução dos telhados, feitos aos moldes da nave daquela igreja que,
demonstrando ainda a força da tradição portuguesa na sua obra, aqui aparecem interrompidos
por empenas ao gosto barroco, feitas de alvenaria de pedra. Essa sinuosidade de motivos
curvos, aliás, recebeu severas críticas de Sir Richard Burton, naturalista inglês que visitou a
cidade no sé século XIX; pouco afinado com construções barrocas, afirmou que o arquiteto de
São Francisco “[...] não usava régua, mas compasso: não há uma única linha reta, a não ser
a vertical; o formato escolhido foi o oval, a divisão em naves, e mesmo os telhados são
curvos.” (BURTON, 1986, p.58) Francisco de Lima Cerqueira era também um artista
bastante familiarizado com algumas soluções de molduras de portas e janelas utilizadas pelos
arquitetos barrocos portuenses e lisboetas, entre eles, principalmente, Nicolau Nasoni e
Manoel da Costa Negreiros, respectivamente, sendo que este último, como sabemos através
378
dos estudos de Gentil Berger (1994), utilizou tanto da tratadística francesa quanto da italiana
(em especial, a obra de Borromini) como inspiração para suas obras (Figura 202).
A elegância maior do edifício se traduz, no entanto, pela felicidade dos volumes que
compõem a nave e a capela-mor, que estão livres dos corredores e compartimentos que lhes
ficavam anexos, ainda presentes no Carmo e São Francisco de Ouro Preto. Aqui esses
volumes estão soltos e o formalismo arquitetônico do projeto é visto nitidamente. A cada
novo angulo de visão, a igreja se mostra diferente, revelando-se em partes, bem ao gosto das
soluções barrocas que prezavam a idéia de movimento na arquitetura. Podemos sentir na
percepção do espaço dessa igreja o quanto os valores da arquitetura implementada em Minas
tinham influenciado todos os seus agentes culturais, não importando se eles eram portugueses
ou nascidos nas Minas. Nos projetos consolidados nas últimas três décadas do século XVIII, a
evolução da arquitetura religiosa em Minas tinha chegado a um ponto onde a criatividade dos
arquitetos e construtores havia conduzido ao máximo da especulação formal, em detrimento
da funcionalidade, rompendo com padrões arraigados na tradição da igreja mineira desde o
início do século XVIII. A sensibilidade de Francisco de Lima Cerqueira, mais como arquiteto
e menos como construtor, ainda pode ser vista nessa igreja na magnífica disposição e formato
das janelas laterais, sempre trabalhadas em grupos que, independente do leve desenho, se
dispõem ziguezagueando, buscando uma vez mais a sensação de rompimento com a
linearidade, e ao mesmo tempo, trazendo para o espaço interior uma maior luminosidade, que
define um novo caráter ao espaço sagrado em Minas, despojando-se de uma vez por todas da
atmosfera barroca.
Podemos ainda ver a percepção de Francisco de Lima Cerqueira quanto à importância
de deixar os volumes principais livres dentro da sua concepção arquitetônica no projeto da
sacristia, construída em um só pavimento, solução, aliás, que testemunha a preocupação de
não bloquear a vista da nave e da capela-mor. Neste sentido, o que podemos destacar sobre a
379
obra de Francisco de Lima Cerqueira como arquiteto é primeiro notar como o ambiente da
arte e da arquitetura nas Minas, mais uma vez, contribui para transformar indivíduos ligados a
uma cultura tradicional de construção, seduzidos pelos caminhos de novas experimentações
estéticas impulsionadas pela cultura arquitetônica vigente. Segundo é verificar, dentro dos
valores em voga naquela cultura, que Francisco de Lima Cerqueira, em momento algum, quis
desfigurar o projeto do Aleijadinho propositalmente; seguindo a lógica de que o risco é um
norte e não uma atitude intelectual frente ao seu tempo, Francisco de Lima Cerqueira
modificou o risco apenas porque tinha uma percepção arquitetônica sobre o projeto totalmente
diferente da do Aleijadinho, muito influenciada pelas formas curvas do barroco e apegada ao
gosto pela escultura sobrecarregada do Norte de Portugal. Portanto, dentro desse enfoque,
Francisco de Lima Cerqueira teve o mérito de perceber com clareza o que de melhor se fazia
em Minas no campo da arquitetura religiosa e, desta maneira, propor um projeto que
congregasse todos esses padrões dentro do seu estilo pessoal, seguindo o padrão dos valores
culturais e da maneira de trabalhar a arquitetura e a construção em da sua época
Dentro desses mesmos princípios de atuação, e bastante influenciado pelo projeto
empreendido em São Francisco de São João del-Rei, no dia 13 de dezembro de 1787, o mestre
comparece, a convite da Ordem Terceira do Carmo, a uma reunião com a Mesa Deliberativa
para a construção da igreja do Carmo na mesma cidade. A Mesa faz com ele o ajuste para a
obra do frontispício pela quantia de 170 mil réis por ano para a administração geral dos
assuntos referentes à obra
282
. Nesse mesmo ano, transfere sua patente de irmão da Ordem
Terceira de Nossa Senhora do Carmo de Vila Rica para São João del-Rei. Sua principal
contribuição nessa obra deve-se, essencialmente, à planta e fachada, como podemos ver numa
deliberação de 1
o
de agosto desse mesmo ano, quando o Mestre Lima Cerqueira comparece
282
Esta deliberação não deixa bem claro se o próprio Lima Cerqueira iria fazer os riscos do novo frontispício ou
não, embora em outras ocasiões, como vimos, este tenha atuado como arquiteto.
380
perante a Mesa Administrativa da Ordem para discutir o formato das torres, já que no risco
que se mandou fazer pela deliberação de 1787 estas eram quadradas, e os alicerces
construídos na obra eram redondos. Lima Cerqueira justificou-se dizendo que a Mesa anterior
aprovou a modificação, mas que não foi lavrado nenhum termo de registro e que para mudar
agora todo o trabalho teria que ser destruído, o que envolveria altos gastos para a Ordem.
Nesta mesma reunião, “Deliberou-se, ainda,quanto a altura do pé-direito do frontispício que
deveria ser, pelo menos, mais alto quatro palmos ou o que for conveniente do que se mostra
no risco.” (VIEGAS, 1988, p.51) Também foi acordado que as “armas da Ordem” seriam
colocadas logo acima da porta principal “para melhor efeito”. Nessa data, a Mesa do Carmo
também deu ao Mestre Lima Cerqueira o poder de modificar o risco no que achasse melhor,
só comunicando à Mesa se estas mudanças fossem de vulto considerável. Mais uma vez, a
cultura da “fábrica” prevalecia sobre a do “projeto” e o “mestre-de-obras” sobre o “arquiteto”.
Ainda sobre essa fachada, em reunião de 11 de dezembro de 1790, a Mesa
Administrativa, reunida com diversos artífices e com o Mestre Lima Cerqueira, concordou
que as torres deveriam ter formas oitavadas, para ficarem mais “vistosas e engraçadas”
(VIEGAS, 1988, p.51). Em 1791, Francisco de Lima Cerqueira é escolhido por unanimidade
de votos Juiz do Oficio de Pedreiro em São João del-Rei (ALVARENGA, 1974/1975, p.55).
A partir de maio de 1794, numa ata de termos da Mesa da Ordem do Carmo de São
João del-Rei, podemos ver mais um capítulo do perfil da cultura arquitetônica vigente. Nesta
ata, o Mestre Lima Cerqueira comunicou à Mesa da Ordem do Carmo que para que a obra
continuasse teria que haver uma definição sobre a cimalha da porta principal e sobre a
colocação da “Coroa Real”, dizendo que “[...] o que está no risco grande faz parecer a coroa
pendente no ar sem ter assento, o que se poderia fazer embutindo o espigal na parede
atravessando todo o vão desta, sem, contudo, ficar firme” (VIEGAS, 1988, p.52). Lima
Cerqueira aconselha que se seguisse o que estava no “risco pequeno”, por ser “mais vistoso e
381
de melhor segurança”, com o que concorda a Mesa, dizendo que “[...] quanto a tarja por
cima do dito pórtico, ele a fizesse [como] o que mostra o risco pequeno, assentando no cimo
das bases e no meio as figuras dos serafins com a mais perfeição que couber no possível.”
(VIEGAS, 1988, p.52). Essa operação dá a entender a presença no canteiro de mais de um
risco com propostas para o dito frontispício, e que se seguia um ou outro de acordo com o
consenso da maioria durante as reuniões entre a Mesa Administrativa e o mestre-pedreiro.
Neste sentido, a obra ia se fazendo organicamente no dia-a-dia do canteiro, sendo o projeto,
como já definimos anteriormente, apenas um balizador geral.
No início do século XIX, a situação financeira do Mestre Francisco de Lima Cerqueira
era excelente, e ele estava longe do seu estado de operário pobre do início da carreira.
Seguindo o exemplo de Arouca, tinha prosperado como o maior construtor de São João del-
Rei, trabalhando em obras públicas e privadas. Em 25 de setembro de 1802, sabemos que
herda bens da família em Portugal, na freguesia de São Salvador de Rangel, que dá de herança
a seu sobrinho, Manuel de Lima Monteiro, lá residente. Em 21 de outubro de 1803, se
responsabiliza pelas celebrações das missas que se realizavam às 7 horas dos domingos e dias
santos, que haviam sido suprimidas para poupar gastos, a serem empregados na obra da
capela. Em 1804, é eleito Provedor da Irmandade de São Miguel e Almas da Matriz de Nossa
Senhora do Pilar de São João del-Rei, onde deu de entrada a quantia de 16 oitavas de ouro.
Em 13 de outubro de 1798, ainda apresenta-se como fiador da Ponte da Misericórdia, hoje
soterrada, arrematada por 200 oitavas de ouro pelo seu discípulo de cantaria, pedraria e
escultura Aniceto de Souza Lopez. A sua excelente situação financeira e prestígio profissional
é ainda comprovada nos livros de registro sobre essa arrematação na Câmara de São João del-
Rei:
[...] e logo compareceu presente Francisco de Lima Cerqueira que reconheço pelo
próprio de que trato e por ele foi dito que por sua pessoa e bens se obrigava pela
382
pessoa do arrematante a cumprir inteiramente a arrematação da sobredita ponte
que lhe era conferida debaixo de todas as condições estipuladas e ficar a dita ponte
completamente acabada no tempo de seis meses que correm a partir de hoje assim
mais se obrigava a dirigir a dita obra para sua maior segurança e formosura.
(MOURÃO SENIOR, 1924, p.92)
283
Nos últimos anos de sua vida, o velho mestre-de-obras ainda achou forças para vencer
seu último desafio na arte da arquitetura e da engenharia: a construção das grandes pontes de
pedra que ornam São João del-Rei, ligando as duas partes da cidade. Separadas pelo Córrego
do Lenheiro, as pontes construídas pelo mestre sobre três arcos para unir a cidade estão entre
as maiores obras civis construídas em Minas no século XVIII. Francisco de Lima Cerqueira
construiu as duas pontes: a da Intendência, atual da Cadeia, terminada por volta de 1798 e
feita às custas da propina dos vereadores, depois de desentendimentos com o arrematante; e a
Ponte do Rosário, arrematada em 1800 por 4:000$000 pelo Capitão Manuel Ferreira Leite; no
seu contrato de termos podemos ver que esta deveria ser construída nos moldes da Ponte da
Intendência. No artigo 8 desses termos encontramos: “A obra da referida ponte será feita com
toda segurança e perfeição e dirigida pelo mestre Francisco de Lima Cerqueira.”
(MOURÃO SENIOR, 1924, p.96)
284
. Essa arrematação, mais uma vez, confirma o prestígio
do trabalho do mestre, a ponto da Câmara exigir do arrematante a sua contratação para
dirigir o serviço (Figura 203).
A partir de 3 de novembro de 1804, o mestre, já cansado pelos seus 40 anos de
serviços dedicados a grandes obras que até hoje marcam a paisagem urbana das cidades onde
ele trabalhou, recebeu o mais duro golpe dos seus irmãos franciscanos. Em reunião com a
Mesa da Ordem Terceira de São Francisco, ele afirma em ata que “[...] sem constrangimento
de pessoa alguma [...]” (ALVARENGA, 1974/1975, p.55) e em atenção e respeito a faltas e
283
Ver Anexo Francisco de Lima Cerqueira – Termo de arrematação – ponte da Misericórdia – São João del-Rei
– 1798.
284
Ver Anexo Francisco de Lima Cerqueira – Termo de arrematação – ponte do Rosário – São João del-Rei –
1800.
383
intervalos que teve na administração da obra da capela, abatia metade da quantia que a Ordem
lhe devia, ficando satisfeito com 1:263$784. A Mesa aceita a oferta, desde que o pagamento
fosse dividido em 12 parcelas, condição com a qual não concorda o Mestre Francisco de Lima
Cerqueira, alegando que abateu a dívida para receber o pagamento à vista. Não se resolvendo
a situação, em 01 de setembro de 1805, em represália por não haver acordo sobre a forma de
pagamento das obras da capela, a Ordem move um processo contra o Mestre Francisco de
Lima Cerqueira, alegando que o dito Mestre, quando foi responsável pelas testamenterias da
Ordem, ficou devendo a mesma. Nesse dia consegue o sequestro de todos os seus bens,
deixando-o na miséria.
Em 2 de setembro de 1805, um dia depois, foi acolhido pelos irmãos da Ordem do
Carmo, o que prontamente aceitou. Foi morar em casa da dita Ordem, junto com um escravo
doente, recebendo um auxílio de 3 oitavas de ouro por mês, mais a mesa. Em reunião
posterior, onde se lavrou em ata esses acontecimentos, a Ordem qualificou o irmão Francisco
de Lima Cerqueira como benfeitor da mesma, lembrando a vultuosa quantia que este havia
dado de esmola em benefício da Ordem. Assim decidiu-se que a Ordem continuasse a auxiliar
o mestre até que esse melhorasse de sorte.
Em 25 de maio de 1807, o Mestre Francisco de Lima Cerqueira, já doente, dita o seu
testamento, arquivado no Livro de Óbitos da Matriz do Pilar de São João del-Rei, onde dá
conhecimento de suas origens, do seu trabalho em São João del-Rei e sobre o processo que o
arruinou. Em 27 de setembro de 1808, falece o Mestre Francisco de Lima Cerqueira, sendo
sepultado conforme sua vontade expressa em testamento, “[...] envolto no hábito de São
Francisco de quem sou indigno irmão e sepultado na sua capela.” (ALVARENGA,
1974/1975, p.58)
285
Após a morte de Francisco de Lima Cerqueira em 1808, seu discípulo,
285
Ver Anexo Francisco de Lima Cerqueira – Testamento de Francisco de Lima Cerqueira – 1808.
384
Aniceto de Sousa Lopez, assumiu os trabalhos de finalização do frontispício da igreja do
Carmo, como também o fez em São Francisco. Aniceto, no entanto, falece em 1814
286
.
Só em 1821, tendo o Mestre Francisco de Lima Cerqueira já falecido há 13 anos, é que
seu testamenteiro, José Antônio da Costa, acerta um acordo com a Ordem Terceira de São
Francisco a respeito da quantia devida ao mestre; mesmo assim, só recebe 350$830, um
pouco mais de 1/4 da quantia requerida pelo mestre na ocasião.
286
Neste sentido, podemos concluir que a concepção arcaica da planta da igreja do Carmo de São João del-Rei,
nos moldes das velhas matrizes, cercadas por corredores, nada tem a ver com a obra do Mestre Francisco de
Lima Cerqueira, sendo obra do século XIX
.
385
9.5. Manuel Francisco de Araújo
anuel Francisco de Araújo foi o último grande arquiteto e mestre-de-obras
imigrado para Minas Gerais durante o século XVIII. Segundo dados do seu
testamento, ele nasceu na freguesia de São Salvador de Minhotães, pequena cidade agrícola
do sudoeste do Conselho da Vila de Barcelos, e que pertence ainda ao Arcebispado de Braga.
A freguesia foi Comenda dos Templários e surge nas “Inquirições” de 1220 com a
denominação de “[...] Sancto Salvatore de Miotães, ainda hoje utilizada [...]” (Barcelos,
2000, p.105).
Manuel, pelo que apuramos, era o único filho do casal José Gonçalves e Maria
Francisca de Araújo. No seu testamento, declara ainda que foi casado em Portugal com Roza
Correia: “[...] de cujo matrimonio não tive filho algum e depois de vir de Portugal para esta
terra faleceu a dita minha mulher, daí a vinte sete anos pouco mais ou menos, e por isso nem
lá, nem nesta terra, tenho herdeiros forçados que por direito hajam de herdar meus bens.”
(MENEZES, 1978b, p.99)
287
Segundo as pesquisas que fizemos no Arquivo Distrital de Braga, onde estão
guardados os documentos referentes à freguesia de São Salvador de Minhotães, não existe
mais o Livro de Batismo que registra o período de 1720 a 1750, momento em que acreditamos
ter nascido Manuel Francisco de Araújo. No entanto, encontramos tanto a certidão de
casamento de seus pais, como a sua própria, o que nos ajudou a melhor enquadrá-lo
temporalmente. Pela primeira certidão, sabemos que o casamento de seus pais ocorreu em 3
de fevereiro de 1724. Seus avós paternos eram João Gonçalves e Maria de Araújo. Seu pai já
287
Ver Anexo Manuel Francisco de Araújo – Testamento e inventário de Manuel Francisco de Araújo – 1799.
M
386
era viúvo na data do casamento de uma tal Maria Gonçalves
288
. O casamento do Mestre
Manuel Francisco de Araújo foi localizado nos livros na Vila Nova de Famalicão
289
. Neste
assentamento, de 12 de agosto de 1747, o nosso arquiteto e mestre-de-obras ainda aparece
com o nome de Manoel Gonçalves de Araújo. No entanto, é o mesmo homem que imigrará
para Minas por volta de 1770, pois os documentos confirmam que a denúncia do casamento
foi feita tanto em São Salvador de Minhotães como em São Martinho de Cavoloens,
conferindo novamente com a informação do seu testamento. O mesmo podemos dizer com
relação a seus pais, indicados como sendo José Gonçalves e sua mulher Maria Francisca, e
com o nome de sua mulher, Roza Correia, filha de Francisco Correia e sua mulher Maria
Gomes. Se seus pais casaram-se em 1724 e, se em 1747 ele já tinha idade para casar, supomos
que ele deva ter nascido por volta de 1725 ou 1726.
Como outros mestres imigrados para Minas, não temos ainda notícia da sua atividade
em Portugal e nem em terras brasileiras em anos anteriores a 1771. No entanto, Manuel
Francisco de Araújo, diferente de seus patrícios, chega a Minas já maduro e já devia ter pelos
menos 45 anos nessa época, segundo nossos cálculos. Devia ser um oficial altamente
competente, principalmente em carpintaria, seu principal ofício (como vemos no arrolamento
de bens de seu testamento), e também em arquitetura, do qual tem um livro que também
aparece seu testamento: “[...] a José Ribeiro de Carvalhais a conta que ele apresentar, para
que lhe entreguei um livro de Arquitetura, que me custou nove mil reis [...].” (MENEZES,
1978b, p.100)
290
.
288
Ver Anexo Manuel Francisco de Araújo – Casamento dos pais de Manuel Francisco de Araújo – 1724.
289
Ver Anexo Manuel Francisco de Araújo – Casamento de Manuel Francisco de Araújo e Roza Correia – 1747.
290
A frase “[...] que me custou nove mil reis [...]” significa que possivelmente existiu um comércio de livros
em Minas; embora não seja possível especificar a que nível e com qual quantidade existia, essa afirmação é uma
pista importante para futuras pesquisas nessa área. Ver Anexo Manuel Francisco de Araújo – Testamento e
inventário de Manuel Francisco de Araújo – 1799.
387
Coube mais uma vez ao Pesquisador Ivo Porto de Menezes fazer a publicação mais
completa sobre sua trajetória nas Minas, em artigo da Revista do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, de 1978, onde o autor compila grande parte da documentação ligada ao
mestre-de-obras e arquiteto. Conforme vemos nos dados documentais compilados, e em
outros publicados por Judith Martins (1974, v.1), por volta de 1771 Manuel Francisco de
Araújo aparece em Minas já em plena atividade profissional entre os melhores mestres de
Ouro Preto e Mariana, arrematando obras importantes. Participa, na condição de arquiteto
(encarregado da medição do risco), nos arbitramentos (já comentados) acontecidos na igreja
do Carmo de Ouro Preto (LOPES, 1942, p.27-28)
291
. Arremata forros da sacristia, escada e
corredores de baixo, e porta da sacristia dessa mesma capela (LOPES, 1942, p.45, 51, 135).
Requer pagamento da obra do novo quarto que se fez no Palácio Residencial do Governador,
em Ouro Preto (MARTINS, 1974, v.1, p.55)
292
.
Entre os anos de 1772 e 1790, segue uma carreira vigorosa em Ouro Preto,
arrematando obras, tanto do seu ofício de carpinteiro como também do de pedreiro, além de
participar ativamente de trabalhos relacionados à arquitetura e à escultura. Entre suas obras
mais significativas deste período estão, entre 1780 a 1783, as feitas no Palácio de Vila Rica,
entre essas, a capela e seu imponente retábulo (MENEZES, 1978b, p.91)
293
. O documento de
1783 é especialmente importante para a ótica do nosso estudo pois diz que: “Pelo que se
pagou ao Mestre Manoel Francisco de Araujo importância que dispendeu nas obras de
reedificação do Palácio desta Capital [...].” (MENEZES, 1978b, p.91) Isso prova tanto a
perícia de Manuel Francisco de Araújo no ramo da construção, como a condição que tinha
291
Ver Anexo Manuel Francisco de Araújo – Segunda Louvação – igreja de Nossa Senhora do Carmo – Ouro
Preto – 1771.
292
Ver Anexo Manuel Francisco de Araújo – Arrematação de Obras Públicas – Palácio dos Governadores –
Ouro Preto – 1781.
293
Ver Anexo Manuel Francisco de Araújo – Arrematação de Obras Públicas – capela do Palácio dos
Governadores – Ouro Preto – 1781.
388
atingido em pouco mais de dez anos atuando em Minas. A partir desse momento ele se
tornaria um dos principais empreiteiros de obras em atividade no fim do século em Ouro
Preto. A rapidez da sua ascensão profissional confirma também a sua alta competência. É
exatamente nesse sentido que o Vereador Segundo de Mariana ressalta seu papel no mundo da
construção mineira na segunda metade do século XVIII:
O aumento da arte se afigura de sorte que a matriz de Caethé feita por António
Gonçalves Barcarena, debaixo do risco do sobredito Lisboa cede nas decorações e
medias à matriz de Morro Grande, delineada por seu filho António Francisco
Lisboa, quanto este homen se excede mesmo no desenho da indicada igreja do Rio
das Mortes em que se reúnem as maiores esperanças.
Este templo e a assumptuosa cadea de Villa Rica começada por un novo Manoel
Francisco em 1785 com igual segurança e magestade me levarião mais longe [...]
(SILVA apud BAZIN, 1983, v.1, p.381-382)
Se repararmos bem nas palavras de Joaquim José da Silva, veremos que ele coloca o
trabalho de Manuel Francisco de Araújo “com igual segurança e magestade”, quase no
mesmo nível do de Antônio Francisco Lisboa, a quem tece os maiores elogios. Em 1783, ele
aparece como louvado nas obras do Palácio dos Governadores, em Vila Rica, nomeado
juntamente com Antônio Jose da Costa pelo Governador D. Rodrigo Jose de Menezes
(MENEZES, 1978b, p.91)
294
. Em 1784, faz sua mais ambiciosa arrematação em seu ramo de
ofício (a carpintaria) no mundo da construção religiosa em Ouro Preto. Arremata a fatura dos
seis altares colaterais, os dois púlpitos e o assentamento dos azulejos da Capela do Carmo
(LOPES, 1942, p.68). Nesta grande obra vai trabalhar até o fim da vida, em 1799, sem
conseguir terminá-la e tendo muitos descompassos que o levarão a dever à Ordem do
Carmo
295
.
294
Ver Anexo Manuel Francisco de Araújo – Arrematação de Obras Públicas – Palácio dos Governadores –
Ouro Preto – 1781.
295
As atas que registram essa arrematação (transcritas em LOPES, 1942, p.69) trazem à tona um dado
importante. Embora arquiteto, e por isso capacitado para propor riscos, principalmente os ligados à sua profissão
de ofício, a carpintaria, aparece como o autor dos riscos dos altares colaterais que constam dessa arrematação o
pintor João Nepomucemo Correia e Castro, cuja obra mais importante é a pintura da nave da igreja do Senhor
389
Neste mesmo ano, faz seu mais brilhante projeto no ramo da arquitetura, onde
podemos verificar definitivamente o seu talento: o risco para completar o frontispício da obra
revolucionária do Rosário de Ouro Preto
296
, projetada pelo Doutor Calheiros e, como vimos
anteriormente, arrematada por José Pereira dos Santos no início da segunda metade do século
XVIII
297
. Para a análise desse projeto, felizmente, temos o registro da arrematação dessa
obra, feita com o Mestre-pedreiro José Ribeiro de Carvalhais
298
e registrada no Livro 78 de
Notas, 1784-1875, do 1
O
. Oficio de Ouro Preto. Pelas informações contidas no documento,
sabemos que no início de 1784 a igreja tinha o frontispício pronto até o entablamento e apenas
a empena inacabada. Porém, já contava com uma torre construída e estava sem o reboco de
acabamento da alvenaria como podemos ver nesse trecho da arrematação:
[...] ediceraó empresençadasteste munhasaodiante nomeadaseasinadas que como
acapela da referidalrmandade seestaua poracabar e precizaua delhefazer
Bom Jesus em Congonhas, o que comprova a nossa tese da diversidade de profissionais trabalhando nesta
atividade. O documento demonstra ainda que os pregões de arrematação eram feitos seguindo os ritos oficiais
utilizados pelo Senado da Câmara. Neste caso específico, podemos ver pela documentação que a Ordem do
Carmo, em função do tamanho da arrematação, atrás de melhor preço, se deu ao trabalho, conforme podemos ler
na ata, de “[...] que se puzessem em praça os referidos Altares fazendosse lavrar Iditaes e fichalos nas partes,
ou ligares mais publicos desta v.
a
, cid.
es
Marianna, Caethe, Sabara, Congonhas do Campo, e villa de S. João de
El Rey.” (LOPES, 1942, p.67-68), comprovando a mobilidade dos artífices e a relação de comunicação próxima
existente entre essas Vilas. Na prática da arrematação, o rito era o seguinte: o porteiro afrontava os arrematantes
e depois punha um ramo verde na mão de quem desse o melhor lance e assim ganhasse a concorrência. Essa
solenidade, segundo os documentos, acontecia da seguinte maneira: “A certa altura, com voz alta e inteligível e
bem percebida dos presentes, apregoou o Porteiro dos Auditórios "que coatro mil cruzados trezentos e
sincoenta mil reis querião pela dita obra na forma dos riscos, e condiçoens, e azolejos com pagamentos na
forma nelas declarados, se havia quem por menos o fizesse se chegasse a ele receberia seu lanço afronta fazia
por que menos não acharia, se menos achava, menos tomara, e lhe dava húa, duas, e outra mais piquenina.”
Apregoou novamente, terminando por dizer que “lhe dava húa duas, e por não haver menor lanço chegandose a
pessoa do sobredito lançador Manoel Francisco de Araujo, e metendo lhe na mão hum ramo verde, que na sua
trazia disse dou lhe tres, pois se menos me não dão fassa lhe muito bom proveito, e com as coaes solenidades,
observadas as mais de Direito ouve a Meza a rematação por feita com todas as clazulas, condiçoens, e
obrigaçoens expressas neste auto.” (LOPES, 1942, p.68)
296
Ver Anexo Manuel Francisco de Araújo – Prestação de Serviços em Arquitetura – igreja de Nossa Senhora
do Rosário – Ouro Preto – 1784.
297
““Despeza q. fes o Tesoireiro Pedro Antonio Roiz por ordem da Meza da Irmand.
e
de N.S.
a
do Rozario dos
pretos pert.
es
anno de 1784 p.
a
1785” [...] Pelo que pagou “[...] a M.
el
Franc.
o
de Ar.
o
do risco da empena e
frontispício 10” Livro de Receita e Despesa, 1781, fls 19 ano 1784/1785).” (MARTINS, 1974, v.1, p.57) Esse
documento aparece equivocadamente no livro de Judith Martins (1974), como sendo referente a Santa Efigênia
do Alto da Cruz, o que tem levado alguns pesquisadores ao engano.
298
Esse mestre-pedreiro de pouca expressão foi o mesmo que ficou com o Livro de Arquitetura que pertencia a
Manuel Francisco de Araújo.
390
humatorre aempenadofronteOspicio eos reboques damesma capela determinaraó
fazer aditaobra eparaessefim manda raó fazer risco econdiçoís edepois mandaraó
por Editaispelas paragenspublicas anunciando neles os dias daremataçaó dadita
obra ecom efeito depois damesmaandar empraça varios dias e ter varios Lanços foi
omenor odesete mil cruzados que deu oobtergado [...]. (Revista Anuário do Museu
da Inconfidência, 1954, p.74-77)
299
Essa obra nos dá várias indicações para o estudo da cultura arquitetônica vigente
na segunda metade do século XVIII em Minas Gerais. Primeiro ponto, e sempre o mais
freqüente, a pouca valorização do valor intelectual do projeto, como já colocamos
anteriormente em outras situações semelhantes. Aqui, temos a sorte de saber, através do
registro feito do Livro de Termos da Irmandade do Rosário, que foi Manuel Francisco de
Araújo que fez o projeto, cobrando o preço módico de 10 oitavas. Um prova direta do
pouco valor dado ao risco, que notamos neste e em outros assentamentos, é que
geralmente os documentos de arrematação, onde são descritos os apontamentos feitos
sobre a obra, raramente indicam o nome do autor do projeto e nem os apontamentos e
trabalhos técnicos nitidamente ligados à questão intelectual da obra.
Do ponto de vista da análise estética, o projeto proposto por Manuel Francisco de
Araújo demonstra o quanto este estava atualizado com o que se fazia em arquitetura, tanto
em Portugal como no Rio de Janeiro, na segunda metade do século XVIII. Nestas duas
localidades (e após o terremoto de 1755 em Lisboa), a arquitetura religiosa tinha
assumido, em função da rapidez e economia necessários à reconstrução da capital, um
estilo mais sóbrio e racional. No dizer de Myriam Ribeiro,
Levado a efeito por arquitetos talentosos e criativos como Mateus Vicente de
Oliveira (1706-1786), Reinaldo dos Santos (1731-1791) e Manuel Caetano de
Souza (1742-1802), a fusão do modelo italiano com as tradições próprias da
arquitetura portuguesa daria origem às chamadas igrejas pombalinas, expressão
original do barroco tardio europeu aclimatado em solo lusitano.
(OLIVEIRA,
2003a, p.124)
299
Ver Anexo Manuel Francisco de Araújo – Arrematação de Obras – igreja de Nossa Senhora do Rosário –
Ouro Preto – 1785.
391
Para a composição arquitetônica das fachadas das igrejas pombalinas, quase
sempre se utilizou a idéia de fachadas compartimentadas em painéis verticais ao gosto
italiano do início do século XVIII e a aplicação de motivos derivados do desenho à moda
de Borromini nas portadas e nos enquadramentos das janelas, com as variações regionais
típicas aplicadas nas sobrevergas e fachadas. Uma das características mais marcantes
desse estilo é o frontão contra-curvado terminado em ponta
300
, bastante usual tanto nas
igrejas de Lisboa construídas nesse período, como na igreja das Mercês (Figura 204),
quanto em São Francisco de Paula e em Nossa Senhora do Carmo, ambas no Rio de
Janeiro (Figura 205), e mesmo no convento das Mercês, em Belém do Pará (Figura 206).
A influência da igreja do Carmo do Rio de Janeiro em Minas foi notada, inicialmente,
como já colocamos anteriormente nessa tese, por Lucio Costa, ao salientar a importância
que essa teria sobre o partido das portadas desenvolvidas por Antônio Francisco Lisboa
em Minas a partir de 1774, ano em que ele provavelmente fez uma viagem ao Rio de
Janeiro.
No capítulo em que tratamos do trânsito dos mestres-de-obras portugueses,
salientamos a importância da cidade do Rio de Janeiro como entreposto dessa viagem e o
projeto que Manuel Francisco de Araújo irá empreender na fachada do Rosário de Ouro
Preto é mais uma peça desse quebra-cabeças, já que a solução adotada pelo arquiteto é
quase idêntica ao que se fazia no momento em Portugal e no Rio de Janeiro, adaptada à
movimentação da planimetria já existente no entablamento, numa proporção perfeita em
relação ao frontispício já construído. Para completar essa composição, o arquiteto ainda
300
Como demonstra Myriam Ribeiro (2003), esses frontões contra-curvados de linhas ondulantes são uma
derivação setecentista do frontão mistilíneo, criado por Borromini para o oratório de San Filippo Neri, em Roma.
Segundo observamos em nossas visitas a diversas cidades do norte de Portugal, esse modelo de frontão também
vai ser bastante popular nas construções religiosas do segunda metade do século XVIII em cidades como Braga,
Barcelos e Viana do Castelo. A presença em Braga do Convento do Populo, ligado à Ordem de São Felipe Neri,
a partir de 1596, e a reconstrução do convento segundo adaptação do projeto de Roma, por volta de 1745, é que
praticamente inaugura essa nova tipologia de frontão na região norte de Portugal.
392
utiliza um óculo contra-curvado no centro do tímpano do frontão, bem ao gosto da
tradição da arquitetura da segunda metade do setecentos em Minas Gerais, enquadrado por
duas mísulas de filiação barroca, que dão seguimento às pilastras que seccionam a
composição do frontispício e têm o papel de unir plasticamente a composição do novo
frontão ao antigo frontispício, procurando alcançar a unidade estética, fundamental dentro
da cultura da época. Seu talento como arquiteto ainda pode ser notado na forma delicada
com a qual trabalha o risco da cúpula das torres, de forma ondulada, para criar uma
referência de unidade com a volumetria da igreja. Outro elemento de alta qualidade
estética são os coruchéus adotados na composição com especial referência ao do pináculo
da torre, vazados, para dar maior leveza à composição. Esse frontispício aparece muitas
vezes criticado pelos especialistas pela desproporção gritante do tamanho das torres em
relação ao frontão. No entanto, agora sabemos que uma das torres já estava pronta, e o
talentoso arquiteto teve pouca condição de reverter essa situação. Mesmo assim, a igreja
do Rosário, do ponto de vista arquitetônico, é um dos mais belos templos que a arquitetura
luso-brasileira soube produzir. Constitui documento fundamental da cultura arquitetônica
mineira, pois ali trabalharam três dos mais importantes mestres portugueses que atuaram
em Minas Gerais: Doutor Antônio Pereira de Souza Calheiros, resposável pelo risco, José
Pereira dos Santos, que construiu a igreja, e Manuel Francisco de Araújo, responsável pelo
término do frontispício.
No ano seguinte a esse trabalho, sua carreira continua de modo intenso, e o nosso
arquiteto e mestre-de-obras aparece como louvado ao lado de José Pereira Arouca nas
obras da capela do Carmo de Ouro Preto (LOPES, 1942, p.32, 127)
301
. Paralelamente a
outras obras, entre 1785 e 1786 continua a trabalhar na reconstrução do Palácio dos
301
Ver Anexo Manuel Francisco de Araújo – Quinta Louvação – igreja de Nossa Senhora do Carmo – Ouro
Preto – 1785.
393
Governadores em Ouro Preto (MENEZES, 1978b, p.92). Entre 1788 e 1789, também
aparece trabalhando para a Coroa em obras do Palácio da Cachoeira (MENEZES, 1978b,
p.91)
302
.
Em 1790, como homem distinto, já é irmão professo da Ordem Terceira de São
Francisco de Vila Rica, tendo sido Definidor dessa mesma Ordem em 1791 (MENEZES,
1978b, p.85). Em 16 de julho de 1791, aparece novamente ao lado de José Pereira Arouca
como louvado nas vistorias que se fizeram nas obras da Casa da Câmara e Cadeia de Ouro
Preto
303
, obra arrematada pelo mesmo Mestre-pedreiro do Rosário, José Ribeiro de
Carvalhaes:
Termo de exame ou vistorias que se faz na obra da nova cadeia desta
Vila, a
requerimento do procurador atual, o Capitão Antonio Vieira da
Cruz, com os
louvados nomeados e aprovados pela Camara, e o arrematante José Ribeiro de
Carvalhaes, a saber, por parte deste Manoel Francisco de Araujo e por parte da
Camara o Alferes José Pereira Arou
ca. Aos dezesseis dias do mês de junho de mil e
setecentos e noventa
e um anos [...].
(MENEZES, 1978b, p.93)
304
Em 1793, aparece recebendo da
Irmandade de Nossa Senhora das Mercês
da
freguesia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto, dez oitavas de ouro
305,
procedidas dos
302
Ver Anexo Manuel Francisco de Araújo – Louvação – Palácio da Cachoeira – 1783.
303
O Vereador Segundo de Mariana ligou o nome de Manuel Francisco de Araújo à nova Casa de Câmara e
Cadeia de Vila Rica, arrematada em 1784; contudo existe somente esse documento comprobatório da sua
presença nessa obra. Consta como autor do projeto, arquivado, o Governador Luís da Cunha Menezes, pelo que
parece, inspirado no Palácio do Capitólio, em Roma, projeto de Miguelangelo, que estava publicado no tratado
“Studio d’architettura Civile”, de Domenico De’ Rossi (1659-1730). Sabemos também através de
documentação do Arquivo Colonial Português da Marinha e Ultramar, publicado por Paulo Thedim Barreto na
sua tese “Casa de Câmara e Cadeia”, que Luís da Cunha Menezes já tinha tido outras investidas no campo da
arquitetura em outras localidades que governou. Segundo informa Paulo Thedim Barreto, “[...] quando
governador da capitania de Goiás projetou o açougue de Vila-Boa. A obra foi iniciada “por um risco de sua
mão, e alterou-se muito na execução” é o que informa o Pe. Silva e Sousa (Rev. Inst. Hist. Geog. Brás., T.
XII,461). Cunha de Meneses criou ainda em Vila-Boa uma alameda e passeio público no largo do chafariz e da
cadeia..” (BARRETO, 1954, p.26) Este projeto também tem afinidades com soluções utilizadas pelo Arquiteto e
Engenheiro militar português Carlos Amarante (1748-1815) no projeto do Hospital de São Marcos em Braga
(1768; Figura 207).
304
Ver Anexo Manuel Francisco de Araújo – Louvação – Casa de Câmara e Cadeia – Ouro Preto – 1791.
305
Notar que a quantia paga foi a mesma cobrada pelo risco do Rosário, que era apenas uma intervenção. Se
esse era o valor de um projeto no final do século XVIII em Ouro Preto, podemos verificar que, mesmo para um
serviço pouco valorizado, os preços de mercado tinham caído muito, pois sabemos que o risco de São Francisco
394
riscos e condições para a fatura da obra de sua capela
306
. A atribuição que se faz desse
projeto a Manuel Francisco de Araújo pode ser bastante discutível, pois nos arquivos da
Irmandade existem outras informações posteriores sobre riscos que foram feitos para esse
projeto, como informa Carlos Del Negro:
Da licença de 8 de setembro de 1771 para edificar a Igreja, até a transladação da
imagem da Senhora das Mercês para a nova capela a 14 de novembro de 1773,
deve-se ter construido uma capela-mor de taipa, da qual se encarregou o pedreiro
Henrique Gomes de Brito. Nos recibos de 1782 a 1801, apenas pela atuação do mestre
Manuel da Rocha Monteiro, há menção de trabalhos realizados nos alicerces do
corpo da capela até o nível da sapata. O mais antigo risco documentado é de 1793
de autoria do mestre Manuel Francisco de Araujo; o outro traçou-o Francisco Ma-
chado da Luz em 1800. Fizeram-se riscos especiais para a torre e o arco
(cruzeiro?) . Antônio José de Lima contratou o resto da obra da Capela não a
levando a têrmo por desistência; lavrou cantaria de 1808 a 1810, sem realizar a
feitura das Armas de Nossa Senhora da fachada, que também constava do seu
contrato. Sucedeu-lhe Gregório Mendes Coelho, mestre da obra de pedra da capela
(1810-1817) e no impedimento dêste, Manoel Antônio Vianna até 1820, quando
desistiu também. Interessante é a enumeração dos pagamentos contratados com
Gregório de Mendes Coelho, para esclarecer o estado em que se encontravam as obras
de pedra:
1 — "Entregando a altura das humbreiras para receber as vergas das janellas do
côro
2 — Das vergas a Simalha Real
3 — Da Semalha Real até o fim da empena
4 — Da Semalha Real até a Sineira
5 — Da Sineira a fixar a torre e a acabar na forma que declara o termo”.
Já em 1786 aparece recibo de pedreiro em relação a “fatura da tôrre”; ainda em
1840 se lavrou um têrmo com Antônio José da Silva para dar andamento à obra
da tôrre. A abundância de riscos e mestres de obra patenteia as transformações
por que passou a igreja desde o plano inicial.
(DEL NEGRO, 1961, p.103-104)
Essa confusão de riscos e empreiteiros e o próprio resultado formal que conhecemos
– com uma solução de torre no centro da fachada que escapa à forma típica de duas torres
das igrejas de Ouro Preto daquele período –, mal resolvida no nível do pára-vento,
contribuí para vermos aí solução menos talentosa e tardia do que certamente estaria no
de Mariana, feito por José Pereira dos Santos em 1763 custou 32 oitavas e o da igreja franciscana de São João
del-Rei, atribuída a Antônio Francisco Lisboa, custou 60$000, o correspondente a mais ou menos 50 oitavas.
306
“Recebi do Sr. Alferes José Marques Guimaraens, como tesoureiro da Irmandade de N. Senhora das
Mercês desta freguesia de N. Sra. do Pilar de Ouro Preto, dez oitavas de ouro, procedidas do meu trabalho
de
lhe fazer os riscos e condições para a fatura da obra de sua capela
e de como recebi fiz este de minha letra e
sinal. Hoje Vila Rica, 22 de Abril de 1792. Manoel Francisco de Araujo.
(MENEZES, 1978b, p.93)
Ver
Anexo Manuel Francisco de Araújo – Prestação de Serviços em Arquitetura – igreja de Nossa Senhora das
Mercês e Misericórdia – Ouro Preto – 1792.
395
projeto de Manuel Francisco de Araújo. A construção final resulta já de obra executada nos
primeiros anos do século XIX, sob influência neoclássica, que prefere o retorno à linha reta
tradicional à linha sinuosa. A utilização da empena clássica triangular e sua planta de
formas racionalistas marca o início do declínio do período tardo-barroco e rococó da
arquitetura setecentista mineira. A portada de pedra-sabão executada por Manoel
Gonçalves Bragança e depois reformada por Justino Ferreira de Andrade (discípulo de
Antônio Francisco Lisboa) é a única marca da ligação dessa capela com a arquitetura
empreendida pelos grandes mestres-de-obras do século do ouro mineiro
307
.
Em 1796,
Manoel Francisco de Araújo ainda aparece recebendo pela fatura do tapa-vento da igreja do
Carmo de Ouro Preto, e neste mesmo ano e em 1798, trabalha na atual Casa dos Contos
(Figura 208), que pertenceu ao Contratador João Rodrigues de Macedo (MENEZES, 1978b,
p.94-96)
308
, que provavelmente seria seu último contrato ligado à construção civil e que,
quando comparamos com a portada da capela do Palácio dos Governadores, temos evidências
bastante convincentes, do ponto de vista da forma, de que Araújo deve ser o autor deste
magnífico projeto.
Manuel Francisco de Araújo falece por volta dos 75 anos na cidade de Ouro Preto, no
ano de 1799, depois de longa “modéstia”, como declara no seu testamento, sendo enterrado na
Capela do Carmo de Ouro Preto onde também era irmão (MENEZES, 1978b, p.100)
309
. Para
essa Ordem deixa todos os seus bens – que, como podemos ver no arrolamento, eram apenas a
307
Ainda segundo Carlos Del Negro:
Recibos de 1826 referem-se às obras de pedra na capela-mor. As
sucessivas reformas teriam destruído a pintura da capela-mor executada por João Baptista de Figueiredo, do
qual existem ainda as interessantes pinturas da Igreja do Rosário de Santa Rita Durão. Também a portada
sofreu acréscimo, como veremos adiante, para se aproximar do magnífico exemplo do Carmo de Ouro Prêto.
[...]O recibo do transporte da pedra-sabão para a fatura das armas da frente passou-o Antônio Alves de
Azevedo a 24 de novembro de 1808. O autor das armas da sobreporta, Manoel Gonçalves Bragança
considerou-se pago da obra de escultura ornamental em dois recibos passados de 26 de outubro de 1810.
(DEL NEGRO, 1961, p.104-105)
308
Ver Anexo Manuel Francisco de Araújo – Arrematação de Obras Públicas – Casa dos Contos – Ouro Preto
1795.
309
Ver Anexo Manuel Francisco de Araújo – Testamento e inventário de Manuel Francisco de Araújo – 1799.
396
sua oficina de marcenaria e carpintaria, com todas as madeiras e ferramentas e alguns poucos
escravos aplicados no ofício – de quem era grande devedor por não conseguir terminar a
grande arrematação feita em 1784, quando se comprometeu com a mesma Ordem a entregar o
referente aos seis altares da nave, púlpitos e de assentar os azulejos da capela-mor, sendo que
havia recebido durante esses anos de 80 % do preço acertado de 1$ 960:000. O arrolamento
dos seus bens tornou-se um documento precioso para o estudo dos ofícios durante os século
XVIII, pois estão arroladas todas as ferramentas utilizadas pelo Mestre Manuel Francisco de
Araújo na sua oficina de carpintaria
310
.
310
Ver Anexo Manuel Francisco de Araújo – Testamento e inventário de Manuel Francisco de Araújo – 1799.
397
9.6. Antônio Francisco Lisboa
ntônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, como arquiteto será o grande expoente
e principal herdeiro da corrente mais criativa da arquitetura setecentista
mineira, ligada, como vimos anteriormente, à obra idealizada pelo Doutor Antônio Pereira de
Souza Calheiros, mas também à formação técnica de seu pai, Manoel Francisco Lisboa, e ao
talento para a criatividade ligada ao desenho, aprendida com João Gomes Baptista
311
.
Sobre seus dados pessoais, o que sabemos é que nasceu provavelmente em 1738 em
Vila Rica. Mulato, era filho bastardo de um dos mais importantes empreiteiros da primeira
metade do século, Manoel Francisco Lisboa, que era, como vimos, por formação carpinteiro,
mas que em Minas também atuou como arrematante de obras públicas e privadas, perito de
construção e arquiteto. Segundo os dados que constam no trabalho de 1858 de Rodrigo Bretas
– o primeiro biógrafo de Antônio Francisco Lisboa
312
–, Manoel Francisco Lisboa, seu pai,
desde cedo o encaminhou para o ofício de entalhador, carpinteiro e arquiteto, tendo assim a
oportunidade de vivenciar o mundo e as transformações do meio da arquitetura e da
construção nas Minas setecentistas desde a mais tenra idade. Outras versões de sua vida,
como a do Vereador Segundo de Mariana, nos seus “Fatos Notáveis da Capitania”, de 1790,
apontam como partícipe da sua formação o Abridor de Cunhos de Vila Rica, João Gomes
Baptista, que teria sido seu mestre de risco e desenho e de quem teria herdado o gosto pela
heráldica e pela assimetria do Rococó francês, presente em muitos de seus trabalhos. Outros
críticos apontam, ainda, a influência de Francisco Xavier de Brito e de José Coelho de
311
Para fins de discussão da obra arquitetônica de Antônio Francisco Lisboa, optamos por analisar os
monumentos oficialmente atribuídos a ele pelo IPHAN (Revista do SPHAN, 1951).
312
A validade documental desse trabalho, amplamente utilizado nos estudos modernistas, foi discutida na
primeira parte da tese. Neste sentido, utilizamos dele somente dados que foram comprovados por confrontação
documental.
A
398
Noronha, com quem iniciou-se na vida profissional de escultor e carpinteiro na Matriz de
Caeté
313
.
Na prática, entretanto, ainda que oficial competente e reconhecido profissionalmente,
como vimos na vasta documentação que analisamos durante essa tese – onde aparece ao lado
dos mais brilhantes mestres portugueses como perito e ligado às mais importantes obras como
arquiteto e escultor
314
–, Antônio Francisco Lisboa não era um empreiteiro como seu pai. Seu
perfil era, principalmente, o de um homem de criação, que combinava os dons do escultor e
do ornamentista com os princípios da composição e desenho de arquitetura. Dentro das
condicionantes econômicas, culturais e sociais do seu tempo, sofrendo a infâmia de mulato,
trabalhava, em geral, para os empreiteiros portugueses, que eram os arrematantes das grandes
obras de construção. Nunca entrou em concorrências abertas para empreitadas do seu ofício,
como também nunca apareceu registrado documentalmente como juiz, embora para isso não
lhe faltasse competência, como vimos nas obras em que trabalhou. Atuava em geral por ajuste
direto em obras ligadas ao seu ofício de escultor e carpinteiro, ou sub-contratado em
arrematações feitas por terceiros.
Não temos dados precisos sobre o funcionamento do seu atelier a não ser num só caso: o dos
trabalhos de talha do Carmo de Sabará . Felizmente, nesse caso, o contrato lavrado entre ele e a
Ordem Terceira, em 1781, menciona quatro operios trabalhando ao seu lado, além dos aprendizes.
Conhecemos, através desses documentos, os nomes desses oficiais: José Soares, Thomas Vellasco,
José Róis, Joaquim da Silva. Estes são, segundo a deliberação da Mesa, “[...] seus operários
habituais; os três mais experientes recebem um salário mais elevado; os aprendizes são só ali
313
De acordo com o Bazin (1971, p.102 e ss.), deve-se, possivelmente, a Coelho de Noronha, a implantação do
novo gosto artístico na capitania. A relação entre José Coelho de Noronha e Antônio Francisco Lisboa, pode ser
evidenciada se pensarmos que ele inicia sua obra de talha em Minas nas obras da Matriz de Caeté (riscada por
Manoel Francisco Lisboa), mais especificamente nos retábulos laterais, e de arquiteto em São João Batista do
Morro Grande, riscada por ele em 1763 em reforma ao risco de Noronha.
314
Ver Anexo Antônio Francisco Lisboa – Segunda Louvação – igreja de Nossa Senhora do Carmo – Ouro
Preto – 1771.
399
mentados [...].” (PASSOS, 1942, p.158-159). Sobre o funcionamento da sua oficina sabemos, ainda,
pelas informações de Rodrigo Bretas (1951) que ele tinha um escravo negro de nome Maurício, que
trabalhava como entalhador, o acompanhava para todo lado e com quem dividia os salários. Ele
teria morrido em Congonhas quando seu mestre trabalhava no Santuário. Rodrigo Bretas ainda
assinala ao seu lado a presença de mais dois escravos: Januário e Agostinho. A existência desse
último foi comprovada por informação contida no Livro de obituário da paróquia de Nossa
Senhora da Conceição de Antônio Dias, em Ouro Preto, que registra a morte do mesmo em 10 de
julho de 1794
315
.
Especificamente no meio da construção civil, esteve somente ligado ao problema da
criação, ou seja, da arquitetura, nunca exercendo o oficio de pedreiro ou construtor. Exercia
apenas a parte intelectual da obra, ligada ao “projeto” e que, por isso, dentro de uma cultura
dominada como vimos pela primazia da “fábrica”, ou do fazer do dia-a dia do canteiro, seria
uma função secundária e pouco valorizada, por isso sempre propensa a constantes
modificações de ordem projetual. Essa questão, entretanto, dentro da cultura artística do
século XVIII mineiro, não era só um problema da arquitetura, mas de qualquer oficial que
trabalhasse com qualquer tipo de projeto ligado à criação
316
(Figuras 209 e 210). Essa
condição, entretanto, em nenhum momento, ao contrário do que propunham alguns estudos
modernistas, foi motivo de constrangimento para Antônio Francisco Lisboa, pois era uma
315
Livro de óbitos da Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias, fls 321: “Aos 10 de Julho de mil
setecentos noventa e coatro em rua dos perdoens faleceu Agostinho Angola escravo de Antonio Francisco
Lisboa, Pardo Solteiro: jaz sepultado nesta Matriz depois de encomendado...” (Revista do SPHAN, 1951, p.39)
316
Francisco Antônio Lopes faz uma transcrição de uma ata de 1779, que trata da construção dos altares
colaterais da igreja, e que ilustra bem essa situação acontecendo em outras áreas do ofício de criatividade
intelectual. Nesse caso, vemos o pintor João Nepomuceno Correia e Castro, que tem entre suas principais obras o
teto da nave de igreja de Bom Jesus de Matosinhos, apresentando uma proposta de risco para retábulos colaterais
para a Ordem do Carmo de Ouro Preto: “[...] com a condição, porém, que se há de tirar algumas coisas, e
porém, outras ao parecer de melhor gosto, a saber, igual se há de tirar do risco que fez João Nepomuceno o
altar de urna, pedestal, banqueta, banco com sua cartela, Serafim, exceto o sacrário que será o do risco
aprovado pela mesa do anno 79 – como também se tirará do próprio risco do dito Nepomuceno as peanhas e
cúpulas dos nichos, entre as colunas, e a renda com o seu Serafim. Entretanto, o arrematante da obra deverá
fazer a cartela da volta que vai por cima da coluna de fora na forma que se acha no risco aprovado pela Mesa
do ano de 79, e metendo toda obra que se acha no risco feito por João Nepomuceno [...].” (LOPES, 1942, p.69)
400
condição aceita como natural dentro do meio cultural arquitetônico que predominou durante
todo o século XVIII no mundo luso-brasileiro
317
.
Seu trabalho como arquiteto inicia-se na igreja da Matriz do Morro Grande, em Barão
de Cocais, por volta de 1763
318
, onde Antônio Francisco Lisboa prenuncia seu talento a partir
na rotação das torres a 45
o
, colocando-as em posição diagonal em relação ao corpo central.
Essa solução, entretanto, ao contrário do que queriam ver os estudos modernistas, longe de ser
algo inédito, fazia parte de um sistema de aprendizado baseado na utilização de modelos
planimétricos presentes na tratadística arquitetônica em voga no período, e por isso presentes
em soluções utilizadas na Bahia, em Portugal e na República Tcheca (Figuras 211 a 213)
319
.
Essa intenção projetual, no entanto, demonstra que desde jovem Antônio Francisco Lisboa
carregava consigo o gosto pela experimentação e o descontentamento com valores
consolidados, que imporiam ao longo de sua carreira um estilo próprio a ser imitado dentro da
arquitetura, da talha e da escultura da segunda metade do século XVIII em Minas Gerais
320
.
A solução do projeto da portada em Barão de Cocais em nicho (1758, Figura 214), bastante
parecida com a utilizada na igreja de São João Batista de Campo Maior (1735), no Alentejo,
(Figura 215), demonstra a relativa rapidez com que as soluções empregadas em Portugal
317
Ele mesmo modificou, em 1777, os planos iniciais da fachada de São Francisco de Ouro Preto, introduzindo
a portada atual em pedra-sabão e fechando as duas portas laterais do frontispício. Nesta reforma também alterou
o desenho das sineiras, copiados do seu projeto feito para os Franciscanos de São João del-Rei. Nessa última
igreja, embora seus projetos tenham sido bastante modificados por um risco posterior de Francisco de Lima
Cerqueira, ele não se negou a contribuir com novos riscos para a escultura da portada, para a capela-mor e, pelo
menos, para a execução dos dois altares do cruzeiro e dos dois púlpitos.
318
O aumento da arte se afigura de sorte que a matriz de Caethé feita por António Gonçalves Barcarena,
debaixo do risco do sobredito Lisboa cede nas decorações e medias à matriz de Morro Grande, delineada por
seu filho Antonio Francisco Lisboa, quanto este homen se excede mesmo no desenho da indicada igreja do Rio
das Mortes em que se reúnem as maiores esperaas.
(SILVA, apud BAZIN, 1983, v.1, p.382)
319
Ver também proximidade de soluções planimétricas de plantas e fachadas das seguintes igrejas: Nossa
Senhora da Conceição da Praia, Salvador (1733), Santuário do Senhor Bom Jesus da Pedra, em Óbidos (1740) e
Nossa Senhora da Piedade, em Elvas (1753), ambos em Portugal, e Santa Margarida de Sonov (1737) e São João
das Rochas, em Praga (1730), ambas na República Tcheca.
320
A imitação ou utilização de modelos conhecidos e bem aceitos como corretos e de boa fatura dentro dos
princípios artísticos em voga era procedimento comum na arte do século XVIII em Portugal, no Brasil e em
Minas, como viemos salientando e demonstrando documentalmente em vários momentos dessa tese.
401
chegavam à região das Minas
321
. Essa solução, aliás, ainda que um tanto arcaica, por volta de
1760 foi repetida como solução de portada em outras duas igrejas de Ouro Preto,
posteriormente, como por exemplo em Santa Efigênia do Alto da Cruz, em construção na
virada da primeira para a segunda metade do século XVIII e em re-construção da parte de
alvenaria de pedra e cantaria por volta de 1778 como vimos anteriormente.
O fato do primeiro risco da Matriz de Barão de Cocais ter sido arrematado em 1763
por José Coelho de Noronha, recém-chegado a Minas nesse período, e considerado como um
dos introdutores da modernização do gosto na Capitania, talvez explique a utilização nessa
obra de alguns dos primeiros elementos escultórico-ornamentais aplicados sobre uma fachada
em Minas, como também o uso das torres chanfradas no projeto da matriz de Caeté, que se
assemelham as soluções utilizadas na igreja de Nossa Senhora da Lapa (1756) em Extremoz
(Figura 216). Na obra de Matriz de Barão de Cocais, esses elementos ornamentais, aparecem
sob a forma do coroamento das duas janelas do coro, da portada e do nicho. No entanto, como
a documentação comprova a presença de Antônio Francisco Lisboa em Barão de Cocais para
uma louvação nessa igreja
322
, a 4 de junho de 1785, com o representante do arrematante
Miguel Gonçalves de Oliveira, existe a evidência da precisão das palavras do Vereador
Segundo de Mariana sobre sua participação nesta obra:
O aumento da arte se afigura de
sorte que a matriz de Caethé feita por António Gonçalves Barcarena, debaixo do risco do
sobredito Lisboa cede nas decorações e medias à matriz de Morro Grande, delineada por
seu filho Antonio Francisco Lisboa [...].”
(SILVA
apud
BAZIN, 1983, v.1, p.381)
Segundo a crítica especializada, no estudo da análise dessa igreja devemos apenas
atribuir à intervenção do jovem arquiteto Antônio Francisco Lisboa a implantação das torres
321
Sobre o trânsito de modelos norte de Portugal/Minas, ver comparação dos pináculos da igrejas de Viana do
Castelo e Arcos de Valdevez com os da Matriz de Catas Altas. Lembramos que a segunda parte do tratado de
Andrea Pozzo já havia sido traduzida em Portugal em 1732 por José de Figueiredo Seixas.
322
Ver Anexo Antônio Francisco Lisboa – Louvação – Matriz de São João Batista – Barão de Cocais – 1785.
402
e o entablamento encurvado em arco de circunferência, solução que teria grande sucesso no
futuro da arquitetura religiosa mineira como um dos símbolos do novo gosto que surgia na
Capitania. Essas modificações, entretanto, se realmente foram propostas por Antônio
Francisco Lisboa aos 25 anos de idade, demonstram que o arquiteto já se encontra em
perfeita sintonia como que se fazia em arquitetura em outros centros do Brasil e da
Europa
323
,
e tinha a inquietação pela criação do novo, presente na obra dos grandes
arquitetos.
A análise da proporção das torres e do entablamento frente ao corpo do frontispício é
ainda mais uma prova evidente do talento e do eruditismo do jovem arquiteto. Infelizmente,
o projeto foi bastante alterado na parte superior do frontispício, construída lentamente ao
longo do século XIX. A capela-mor original foi demolida em 1789 e erguida em seu lugar
outra provisória (Guia de Bens Tombados, 1983, p.8), que terminou por definitiva e que
acabou por descaracterizar definitivamente a espacialidade da igreja.
Três anos vão se passar para vermos novamente o nome de Antônio Francisco Lisboa
como arquiteto, ligado por atribuição (sem documentação comprobatória) à fatura de um dos
mais emblemáticos edifícios tardo-barrocos luso-brasileiros que é a igreja de São Francisco de
Ouro Preto. Sobre o risco dessa igreja muito já se falou dentro da historiografia de arte e de
arquitetura luso-brasileira, e não é nosso objetivo aqui entrar nas conhecidas polêmicas que
existem sobre a autoria dessa igreja (da qual já tratamos na primeira parte dessa tese), que já
323
Notamos, ao analisarmos a planta da igreja de São João Batista, em Barão de Cocais, que ao contrário de
outras igrejas da tradição luso-brasileira ligadas a essa tipologia, esta igreja não busca a movimentação das torres
como uma condicionante diretamente derivada da movimentação planimétrica na nave com o intuito de
barroquização do espaço, como podemos ver, por exemplo, na planta da igreja do Santuário do Bom Jesus em
Elvas, em Portugal, de 1753, ou na da Igreja da Conceição da Praia, em Salvador, importada pedra por pedra de
Portugal em 1733. A não relação da movimentação das torres com a planimetria que permanece convencional
em São João Batista do Morro Grande, seguindo os padrões da primeira metade do século XVIII em Minas, é
uma forte evidência de que Antônio Francisco Lisboa limitou-se nessa intervenção a modernizar
arquitetonicamente o que era possível do risco original de José Coelho de Noronha. Neste sentido, ele apenas
interveio nas torres e no entablamento, proporcionando-os e modernizando-os plasticamente frente ao
frontispício já construído ou iniciado, como demonstra a corrente estilística da portada e dos ornamentos ali
aplicados sobre as ombreiras das janelas do coro.
403
correram décadas, desde dos primeiros estudos modernistas aos estudos contemporâneos e
que ainda hoje não foram resolvidas de modo definitivo. Interessa-nos, particularmente, o
estudo dessa igreja simplesmente por ela ser um dos exemplares mais eruditos da produção da
segunda metade do século XVIII da arquitetura mineira e luso-brasileira e por trazer
referências importantes para o estudo desta cultura.
Partimos do ponto de vista de que o autor dessa igreja foi extremamente influenciado
pelos valores da planimetria da arquitetura barroca, já utilizados anteriormente, com excelente
resultado, em Ouro Preto na igreja do Rosário. Se voltarmos a esse projeto, podemos verificar
que a idéia das torres redondas e o bombeamento do frontispício frente a essas últimas já tinha
sido experimentado desde 1753 pelo Doutor Calheiros. Podemos caracterizar o risco do
Rosário como uma derivação de feição tardo-barroca internacional, já experimentada
inicialmente pelo arquiteto na igreja de São Pedro dos Clérigos do Rio de Janeiro e na capela
de Santo Ovídio em Caldelas, Portugal, sob o traçado implementado da igreja da Glória no
Rio de Janeiro
324
.
No entanto, existem no risco de São Francisco de Ouro Preto, em relação à idéia do
Rosário de Ouro Preto, de quase 13 anos atrás, vários elementos novos aplicados, e que vão
aparecer com certa constância na obra de Antônio Francisco Lisboa. Essas novidades estão
diretamente ligadas ao estudo das estampas e conhecimento das regras de perspectiva do
tratado barroco do Jesuíta Andrea Pozzo, e de alguns elementos ornamentais mais “clássicos”,
presentes nos tratados maneiristas de Serlio e de Vignola. Essa influência “clássica” derivada
324
Lembramos, como vimos no primeiro capítulo da quarta parte dessa tese, que trata do trânsito dos agentes
culturais, que uma das idas e vindas do Doutor Calheiros entre São José del-Rei/Rio de Janeiro/Lisboa aconteceu
por volta de 1747-1748. Neste primeiro ano, ele certamente está em Lisboa, como mostra a carta registrada no
Arquivo de São João del-Rei nos “Registros De Ordens Régia e Cartas de Governadores 1744 a 1752 – Livro
142”. Nesta carta, as duas Câmaras tratam de uma remessa de dinheiro aos seus procuradores em Lisboa, entre
esses aparece citado o nome do Doutor Antônio Pereira de Souza Calheiros. Essa viagem é a prova definitiva
que o Doutor Calheiros conhecia a igreja de Nossa Senhora da Glória – situada à frente da Baía de Guanabara
e já terminada por esses anos. Ver Anexo Antônio Pereira de Souza Calheiros – Registro de uma carta que os
oficiais da Câmara de São João del-Rei escrevem para Lisboa ao Doutor Antônio Pereira de Souza Calheiros –
1747.
404
desses dois últimos tratados foi notada, inclusive, pelo próprio Germain Bazin que, pelo que
parece, não quis abrir essa possibilidade de influência em suas análises. Segundo suas
palavras:
Erguida de um só fôlego, São Francisco, de Ouro Preto, surge-nos num estilo mais
clássico que o Carmo [da mesma Ouro Preto], tal como ficou depois das
modificações que lhe foram introduzidas em 1770-1771[e também atribuídas ao
próprio Aleijadinho]. As fachadas laterais são bastante sóbrias e dão muito o que
pensar com relação a essa revivescência do Renascimento português que se
manifestou em Braga sob o episcopado de dom Rodrigo de Moura Teles (1704-
1728): as janelas retangulares profundamente alargadas da nave, as gárgulas em
forma de cano de canhão no frontispício, as pilastras jônicas da sacristia, os arcos
em plena abóbada sobre simples imposta das sacadas da capela-mor, estas mesmas
sacadas que nos fazem lembrar o Carmo, de Olinda, traçada no final do século XVI.
(BAZIN, 1971, p.142-143)
Esse conflito de um arquiteto, que por um lado adota, talvez pela tradição da formação
ao gosto português, a tratadística clássica de Serlio, e que por outro lado parece encantado
com a movimentação das curvas e contra-curvas, bem ao estilo de Borromini, contidas nas
perspectivas do tratado de Pozzo, está diretamente refletido no descompasso formal entre
“tradição e invenção”, que fragmenta a planimetria da nave, capela-mor e sacristia e a
magnífica solução formal para o frontispício. Ou seja, segue-se de perto o esquema funcional
da planimetria herdada da tradição ouropretana – ainda que com modificações criativas, como
o aparecimento dos terraços laterais em torno do segundo pavimento da capela-mor – mas
apresenta-se afinada com os princípios do Barroco italiano de Borromini, embora não tenha
abandonado o gosto nacional do uso das torres nas laterais ao frontispício, desenvolvida a
partir dos modelos Jesuítas. Essa dicotomia também pode ser vista na diferença estilística
entre o desenho elegante das janelas da capela-mor e o desenho conservador utilizado nas
portas e janelas do edifício, também ao gosto da tradição do início da segunda metade do
405
século XVIII
325
. Essas “janelas” ou “ócolos da capella mor”, como aparecem nas condições
da arrematação e dos quais felizmente ainda existem os desenhos do projeto original,
demonstram bem a criatividade formal e o gosto para o desenho do arquiteto de São
Francisco. Temos aqui os primeiros modelos de vidraças ou óculos que rompem com o padrão
“clássico”, em busca de uma maior liberdade formal. Essa liberdade, aliás, terá grande êxito a
partir dessa data e será utilizada pela maioria dos arquitetos e construtores aqui estudados, na
sua produção na segunda metade do século XVIII. O crítico Christian Norberg-Schulz faz
uma análise do uso deste mesmo tipo de janela na produção da arquitetura religiosa da Europa
Central durante o século XVIII, assim manifestando-se: “A forma sinuosa foi introduzida por
Guarini e utilizada esporadicamente por Fischer von Erlach, Hildebrandt y Prandtauer.”
(NORBERG-SCHULZ, 1993, p.157, tradução nossa)
326
. Neste sentido, novamente abrimos a
possibilidade efetiva, frente à coincidência de formas dessas janelas nas soluções mineiras e
centro-européias, durante o século XVIII, de ter de unir a semelhança dessas soluções a uma
tratadística comum (Figura 217). Dentre essas, Norberg-Schulz aponta como a mais provável
o uso do tratado “Architettura Civile” de Guarino Guarini, opinião com a qual concordamos,
primeiramente porque esse tratado foi localizado por Nireu Cavalcanti (2004) como em uso
no Rio de Janeiro. Em segundo lugar, pela freqüência e influência que os perfis em forma de
325
Sabemos pela documentação, existente da Ordem, que toda a cantaria foi aparelhada por um oficial pouco
conhecido, chamado Martinho Fernandes. A maior parte dos modelos utilizados de janelas e portas com vergas
em arco abatido é bastante parecida com as que já tinham sido utilizadas por José Pereira dos Santos nas obras
de São Pedro dos Clérigos em Mariana e Rosário de Ouro Preto: “[...]Recebi de João Gonçalves pr.
a
como
Sindico da veneravel Ordem terceira da penitencia de Sam Fran.
co
desta V.
a
por mão do d.
o
Domingos Fran.
co
de
carvalho a q.
ta
de vinte mil duzentos e setenta e sete reis por conta de maior quantia q. a dita ordem me deve de
cantaria q. aparelhei p.
a
a sua capela a coal quantia sera levada em conta no resto da rematação q. fes de toda
a obra de Domingos Mor.
a
Deolivr.
a
em q. sou emtereçado em maior q
t a
do q. a recebida e por ser verd.
e
pedi, e
roguei a Joze Roiz da S.
a
que este por mim fizece e comigo assignace. V
a
Rica 16 de 7br.° de 1800.
16 – 3/4 – 4
Martinho frz
Como testemunha que este fis a rogo do sobredito - José Roiz da S
a.
.” (TRINDADE, 1951, p.321)
326
La forma de casulla habiá sido introducida por Guarini y fue utilizada esporádicamente por Fischer von
Erlach, Hildebrandt y Prandtauer.
406
“besta”, tão utilizados na planimetria das fachadas de Guarini, vão ser utilizados na talha e na
arquitetura religiosa de Minas a partir de 1770.
A solução arquitetônica dessa igreja, ainda que elaborada sob a influência de
linguagens distintas, podendo ser considerada, como querem alguns críticos, como um objeto
arquitetônico de transição entre o Barroco e o Rococó em Minas, não invalida o talento do
arquiteto, que através das soluções de proporção e equilíbrio propostas para o edifício, e da
maturidade da composição volumétrica entre suas partes (torres, nave e capela-mor e
sacristia) demonstra um conhecimento pleno da relação edifício-paisagem tão ao gosto do
período Barroco. É exatamente a qualidade intelectual desse projeto, expresso no tratamento
da arquitetura, que afasta esse arquiteto da escola da “fábrica”, ligada à tradição da cultura
arquitetônica do mundo português, e o une a algo novo em Minas. Algo que está em
construção e que busca um caminho de maior invenção e criatividade sem, no entanto, romper
com a matriz da tradição arquitetônica mineira. O pesquisador Rodrigo Baeta (2003) foi quem
primeiro salientou o conhecimento de perspectiva aplicado à concepção da movimentação do
frontispício nessa obra. Nota o pesquisador, ao analisar o risco do frontispício em verdadeira
grandeza, feito por Paulo F. Santos (1951), como as torres parecem desproporcionais e o
frontispício perde a sua proporção e leveza. Nesse sentido, podemos deduzir o quanto o
arquiteto teve que se esforçar para buscar uma proporção irreal na planta, mas que através da
perspectiva (ou seja, da maneira que o olho veria o objeto arquitetônico) ficaria harmônico e
proporcional (Figura 218).
As qualidades formais do projeto de São Francisco podem ser notadas de maneira
mais fácil principalmente quando olhamos a igreja de perfil. Nesse plano, vê-se mais ainda o
esforço que o arquiteto teve para dispor de maneira diferenciada as partes volumétricas do
edifício de forma que elas tivessem identidade formal própria, mas também um sentido de
unidade. Para a construção desse efeito formal, foi preciso, principalmente, tirar partido da
407
utilização da inversão e diferenciação de leituras das linhas das cumeeiras, como também do
estudo cuidadoso da inserção volumétrica entre os telhados. A complexidade dessa elaboração
dos planos de telhado, preferindo o arquiteto trabalhar com mais beirais e tacaniças, utilizando
a empena tradicional somente na frente do edifício e de maneira também inédita e complexa,
torna essa solução de cobertura definitivamente mais um elemento que rompe tanto com a
tradição portuguesa como com a brasileira. Certamente, para o acerto geométrico dessas
interseções de volumes, feitas entre os telhados, conhecimentos eruditos de Estereometria e
Geometria Descritiva demonstram mais uma vez o conhecimento pleno de Geometria pelo
arquiteto autor do projeto. Nos termos de arrematação fala-se, talvez pela desconfiança por
parte dos membros da Ordem e de quem fez os apontamentos (nem sempre o arquiteto), da
possibilidade de construção de uma empena sobre o arco-do-cruzeiro que, como vemos no
laudo de vistoria de 1794, da qual participaram, nomeado pela Ordem Antônio Francisco
Lisboa, e pelo arrematante, José Pereira Arouca, não se fez:
Será obrigado o rematante a fazer hua impenna insimado Arco Cruseiro sem embr.
o
de anão mostrar o risco en ella huma Crus imitando adofronte espicio enão Sobirá
tanto esta impenna como aoutra em rezão do Immadeiramento que nesta parte não
sobirá tanto por ser mais estreito como mostra aplanta [...]. (TRINDADE,1951,
p.298)
Bazin, em sua análise, salienta, principalmente e de maneira correta, a proporção
linear das partes do edifício e a intenção ainda imatura de desconstrução volumétrica do
mesmo, a fim de valorizar a entrada de luz na capela-mor e movimentar a volumetria do corpo
da igreja, sacrificando o mínimo possível o esquema funcional:
O modernismo do edifício traduz-se melhor na planta, tornada mais elegante pela
supressão dos corredores da nave, por uma integração melhor dos da capela-mor
ao conjunto, pela incorporação das torres que, em projeção lateral muito
pronunciada,no Carmo, fecham-se para trás no corpo da igreja de São Francisco,
projetando-lhe o frontispício [...]. (BAZIN, 1971, p.143)
408
Neste sentido, temos, pela primeira vez dentro da tradição da cultura arquitetônica
luso-brasileira, um monumento aparece tratado por inteiro arquitetonicamente falando e não
mais como uma edificação de volumetria tradicional, onde o frontispício era modernizado
com aplicações escultóricas de ordem apenas ornamental, como já tinha intuído corretamente
Bazin.
Vemos aqui o nascimento, em Minas, de uma cultura arquitetônica ligada ao “valor
intelectual do projeto”. Esse conceito ligado à busca do “moderno” aliás, pode ser visto em
um dos termos que trata da arrematação da varanda lateral, suprimida durante a construção:
Será mais obrigado afazer toda esta Obra depedra deSabão, tanto pilastras, como
balaustres, bazamentos, eCorrimoins, etudo fabricado como aponta omesmo risco,
fazendosse em sima das ditas pilastras as suas pirámidas conrespondendo as
mesmas do d.
o
risco, estas Levando noleito húa respiga quadrada, para Sefaser
firme no Sobre Leito dapilastra, nesta fasendo húa ranhura, ou Caixa para
seembatumar, eficando bem Segura, emrasão dos tempos as não desconjuntarem,
eque pareça pedra enteira, comdelarção, que as ditas pilastras, tres serão
abalaustradas, com aponta omesmo risco, eSerão de quatro faceas, emostrando
osSeus faxeados pelas arestas, emais baixos noámbito dentro, que mostrão aSer
refendido, mas he campo Lizo, eSomente comSua Cabeça, ep.
a
aparte dedentro
afará aneialada com Seu Campo dentro lizo aplaino, para melhor vista e estilo
moderno, eSomente aque medea noSentro do Meyo, pode esta diferensar na Sua
obra, Como tambem aponta omesmo risco. (TRINDADE, 1951, p.352, grifos
nossos)
Se aquela varanda tivesse sido realizada, veríamos que a volumetria desse projeto deve
muito às experiências formais empreendidas na Matriz de Caeté, somadas àquelas do
frontispício de Matriz de São João Batista, em Barão de Cocais. Essas evidências demonstram
o quanto foram proveitosos os anos em que Antônio Francisco Lisboa trabalhou com Coelho
de Noronha nas referidas cidades. Esse mestre português, cuja obra é pouco documentada,
tem seu trabalho ligado mais ao entalhe do que à arquitetura. No entanto, o que parece
indiscutível pela documentação existente é sua forte relação com Manoel Francisco Lisboa,
que, como vimos anteriormente, foi o autor do risco (pelo menos o inicial) da Matriz de Caeté
409
e fiador de Noronha na arrematação por este das obras do retábulo-mor (MARTINS, 1974,
v.2, p.72)
327
.
Neste sentido, finalmente depois de mais de duzentos anos de tradição portuguesa
ditando as linhas gerais da arquitetura religiosa brasileira, tinha se conseguido inaugurar um
novo tempo para história da arquitetura religiosa, que logo a seguir daria frutos na produção
de uma escola importante, da qual fariam parte alguns dos principais mestres portugueses em
atividade na segunda metade do século XVIII, dentre eles principalmente Francisco de Lima
Cerqueira e Manuel Francisco de Araújo, homens que, embora ligados à formação de ofício,
tinham um espírito mais ligado à criação artística que ao gerenciamento e à construção.
Entretanto, o êxito que teve a arquitetura dessa igreja durante o século XX nas críticas
modernistas, parece não ter tido o mesmo reflexo no tempo de sua construção. O famoso
manuscrito do Vereador Segundo de Mariana é só silencio sobre essa obra, como também
sobre o Carmo de Ouro Preto. Talvez isso se deva ao fato dessa obra ser completamente
estranha ao seu tempo, a uma cultura arquitetônica ortodoxa, tradicional e pouco letrada,
principalmente na região das Minas
328
.
Por outro lado, poucos anos apenas depois de iniciada essa obra, a onda do Rococó
como estilo chegaria a Minas de forma avassaladora, sendo rapidamente assimilado na
escultura, talha e arquitetura. Suas doutrinas formais de depuramento do Barroco já aparecem
327
Segundo DEL NEGRO, 1961, p.37, embora o “Relato dos Fatos Notáveis” de 1790 tivesse indicado o
pedreiro Antônio Gonçalves Bracarena como arrematante dessa obra, ela documentalmente foi arrematada pelo
mestre-pedreiro Antônio da Silva Herdeiro em 1756. José Coelho de Noronha entretanto, já aparece trabalhando
nessa obra nesse mesmo período.
328
Lembrarmos aqui a tese de Marco Antônio Silveira (1997) da existência de um universo de indistintos em
busca de distinção dentro da formação da sociedade mineira do século XVIII, quando nos deparamos com a
transcrição de um documento existente nos Livros de Termos de São Francisco. Nesta, referindo-se a acertos de
contas da Mesa de 1796, o Secretário da Ordem explica a falta de homens de cultura em boa parte da Mesa da
Ordem desse sodalício, que congregava as pessoas mais distintas da sociedade ouropretana durante os séculos
XVIII e XIX: “Esta Meza he composta de muitos in deviduos huns com poucas Luzes, e outros sem nenhuas, e
p.
a
evitar algua tortura q. possa haver tendente a papeis, e clarezas da Ordem são nomeados Secretarios
eluminados acargo de q.
m
está o exame dos ditos papeis e clarezas sendo sua obrigação o representar em Meza
o estado dellas, tendo sido entre outros hum o Capitão Manoel Ferr.
a
da S.
a
Sintra q. pelas m.
taz
Luzes bom
talento, e grande zelo q. esta Meza reconhece nelle não deixaria de nella fazer ver o engano [...].”
(TRINDADE, 1951, p.324-325)
410
sendo aplicadas na arquitetura nas novas propostas que foram apresentadas por um arquiteto
(incógnito) para a reforma do risco do Carmo de Ouro Preto, por volta de 15 de dezembro de
1770, como vemos em um trecho de transcrição da ata de Deliberações da Mesa da Ordem do
Carmo de Ouro Preto feita por Francisco Antônio Lopes:
[...] foy proposto pl.° Irmão Procurador Geral q. tendo ponderado com alguns
Irmãos intiligentes e por m.
íos
proffeçores as deficuldades, e embaraços q.
havião no primr.
o
risco q. se havia feito, e por q. se havia rematado a obra da
nova Capella, se resolverão a fazer os apotamentos, q. neste acto forão lidos, e
novas plantas p.
a
o Corpo da dita Capella, d. q. aprezentava o risco, e as
condiçoens do que hera percizo fazer-se, e reformar se p.
a
melhor perfeição e
segurança de toda a obra, sem ficar com as fraquezas, e incomodos, q. mostrava
o prim.
o
risco, a respt.
o
das obras, que agora pelo novo se emendavão
. (LOPES,
1942, p.26)
329
Essas modificações implicaram numa série de louvações que relacionaram os
principais mestres-de-obras e arquitetura com a construção dessa igreja. Neste sentido, no
momento em que o gosto rococó estava se implantando, através dessa obra, na arquitetura
mineira da segunda metade do século XVIII, todos os grandes mestres estão lá para contribuir
de alguma maneira para o nascimento e implementação dessa nova vertente estilística em
Minas
330
. Na louvação realizada em 8 de março de 1771 para verificar o andamento das
modificações propostas para o novo projeto frente ao antigo, estavam presentes os principais
329
Essas obras do corpo da igreja correspondem, na verdade, às obras na nave e no frontispício, como podemos
ver num termo de 14 de abril de 1771: “Assim, pelo ajuste de quarenta oitavas de ouro, obrigou-se o
arrematante a chamar “a sy a abertura dos alicerces do Corpo da Igreja e Torres”.(LOPES, 1942, p 29)
330
A análise dos apontamentos feitos para a construção do projeto original, de Manoel Francisco Lisboa (1766),
e os novos apontamentos (1770), feitos por um arquiteto incógnito – tudo leva a crer tratar-se de Antônio
Francisco Lisboa. Isso se justifica primeiro em função da semelhança das soluções formais emprendidas com a
do projeto original de São Francisco de São João del-Rei de 1774 - como veremos mais a frente -,mas
principalmente porque no texto da primeira louvação de 1770 de que participarão Domingos Moreira de Oliveira
e Francisco de Lima Cerqueira o fonte documental assim se manifesta: “nos foi apresentado o risco da obra
pelo qual foi a obra arrematada junto com as condições da mesma arrematação e da mesma sorte nos foi
apresentada outra nova planta pela qual pretendem emendar os defeitos que na planta velha e risco se
acham” (LOPES, 1942, p.119-120). Essa mudança radical de planos em apenas 4 anos de iniciada a obra
demostram bem a velocidade de assimilação das novas propostas estéticas em Minas naquele período e
acentuam bem a defasagem cultural sobre a nova arquitetura em voga do velho mestre Manoel Francisco Lisboa
nesse seu último trabalho em arquitetura, feito um ano antes de sua morte.Ver mais detalhes sobre esses dois
projeto no Anexo Manoel Francisco Lisboa –apontamentos sobre o risco- igreja de Nossa Senhora do Carmo –
Ouro Preto – 1666 e no Anexo Antônio Francisco Lisboa – Apontamentos para o novo risco – igreja de Nossa
Senhora do Carmo – Ouro Preto – 1770.
411
atores da arquitetura religiosa da segunda metade do século XVIII em Minas. Representando
a Ordem, José Pereira Arouca e Henrique Gomes de Brito Domingos (Louvados do serviço de
pedreiro) e Antônio Francisco Lisboa (Louvado da medição do risco), e pelo arrematante,
Domingos Moreira de Oliveira, Francisco de Lima Cerqueira (Louvados do serviço de
pedreiro) e Manuel Francisco de Araújo (Louvado da medição do risco) (LOPES, 1942, p.27-
28)
331
.
Conhecemos, ainda, outros aspectos da atividade e talento como arquiteto de Antônio
Francisco Lisboa durante este período, tanto através da afirmação do Vereador Segundo de
Mariana, que é enfático ao afirmar no seu manuscrito que : “[...] António Francisco, o novo
Praxitelles, é quem honra igualmente a architectura e esculptura.” (SILVA apud BAZIN,
1983, v.1, p.382), como através de documentação comprobatória dessa atividade, como o
laudo que o mesmo fez em 29 de maio de 1771, em Ouro Preto, para a construção da igreja do
Mártir São Manoel, em Rio Pomba (projeto não realizado). Neste laudo
332
, podemos ver
Antônio Francisco Lisboa sendo chamado de arquiteto e se posicionando sobre problemas de
proporção e funcionalidade do projeto arrematado. Nesse mesmo ano, em novembro, segundo
consta dos Arquivos da Câmara de Ouro Preto (Papeis avulsos, maço de 1771 – “Ofícios,
Requerimentos e Ordens”, sob a guarda do Arquivo Público Mineiro), Antônio Francisco
Lisboa recebe um pagamento de três oitavas de ouro, feito a 25 de novembro, como arquiteto:
“[...] porhu Risco e Planta e Condisoins q. fiz para a Caza do Asougue publico e por ser
verdade lhe passey este de m.
a
Letra e Sinal [...]”
(MARTINS, 1974, v.1, p.369)
333
. A
confirmação do arquiteto neste projeto (cuja planta ainda existe) como o responsável pelas
331
Ver Anexo Antônio Francisco Lisboa – Segunda Louvação – igreja de Nossa Senhora do Carmo – Ouro
Preto – 1771.
332
Ver Anexo Antônio Francisco Lisboa – Parecer para Obras de Arquitetura – Matriz de São Manoel dos
Índios – Rio Pomba – 1770.
333
Ver Anexo Antônio Francisco Lisboa – Prestação de Serviços de Arquitetura – Açougue Público – Ouro
Preto – 1771.
412
condições de arrematação, dá também a Antônio Francisco Lisboa o credenciamento de um
homem familiarizado com processos e técnicas construtivas, além de preparo para avaliação
de custos de serviços, materiais e mão-de-obra. Essa competência amplia as suas
possibilidades de exercer a arquitetura com plenitude total, fato durante muito tempo negado
pela historiografia mais antiga.
Voltando ao problema da arquitetura religiosa desse período, lembramos que a
chegada desse novo gosto ornamental fez mudar o discurso formal das elipses, curvas e
contra-curvas pela linha sinuosa e pela ornamentação concheada e monumental, trabalhadas,
com já dissemos anteriormente, sobre os motivos das gravuras vindas de Augsburg (Figura
118) e dos tratados decorativos franceses (Figura 119), que tanto sucesso já faziam em
Portugal, como vemos na obra retabulística de Frei José Vilaça e, principalmente, na
arquitetura de André Soares, na região de Braga e do Minho. As formas diferenciadas
respeitam, contudo, os regionalismos artísticos desenvolvidos pelas diversas regiões
brasileiras ao longo da primeira metade do século XVIII.
A obra de André Soares, em Portugal, e a de Antônio Francisco Lisboa, em Minas
Gerais, têm muitas afinidades e trilham um caminho criativo em que a escultura e a
arquitetura se fundem, impregnando ambas em alguns momentos de verdadeira genialidade
(Figura 221). Segundo Robert Smith (1973), seu principal biógrafo, após algum tempo de
atividade nos canteiros de Bom Jesus de Braga, na conhecida “Escadaria dos Cinco Sentidos”,
André Soares dedicou-se mais à arquitetura. Por volta de 1753-1754, risca a fachada da igreja
de Santa Maria Madalena da Falperra, em complemento a um projeto mais antigo, de planta
heptagonal, atribuído ao velho arquiteto e pedreiro Manuel Fernandes da Silva. Nesta obra,
André Soares parte para a especulação estética que definiria mais tarde o amadurecimento de
suas composições, trabalhando, principalmente, as sinuosidades e os ritmos contrastantes que
a utilização criativa do “rocaille” poderia encontrar dentro da tradição da escultura em granito
413
da região do Minho. Entre 1753-1756, André Soares, na sequência do desenvolvimento deste
projeto e da sua linguagem, projeta a Casa de Câmara e Cadeia e famosa Casa do Raio, ambas
em Braga, onde, sobre uma marcação arquitetônica mais rígida, aparece um leque de
assimetrismos de feição rococó no tratamento dos elementos escultóricos, aliado a platibandas
de matriz mais clássica e a um frontão central de inspiração tardo-barroca de origem
borromoniana. Por esse período, sem uma datação ainda precisa, o arquiteto traça o Palacete
dos Malheiros-Reimão em Viana do Castelo que, no dizer do crítico Vitor Serrão, é uma
[...] encomenda de risco abrasileirado, com sua preciosa Fachada da Capela com
ornatos rocaille de túrgida torsão e veemente plasticidade, por sinal definindo sinais
de nova identidade urbanística à malha de arruamentos em que se integra – e que
terá alguma fortuna sequencial na construção roccaille de Minas Gerais, no Brasil
profundo. (SERRÃO, 2003, p.271)
Esta obra, sem dúvida alguma, talvez seja, do ponto de vista da elegância
arquitetônica, a mais próxima da arquitetura tardo-barroca desenvolvida pela escola mineira
da segunda metade do século XVIII, embora divirja do ponto de vista do esquema da
composição das aberturas da fachada, sendo uma obra mais portuguesa do que as capelas de
Nasoni, já citadas anteriormente, mantendo a composição clássica das soluções portuguesas
de utilizar uma grande abertura sobre a portada. Ainda assim, a portada esculpida e o óculo
solto sem entablamento criam um elo estético entre a obra de André Soares e a escola do
Minho com a escola mineira. Em Guimarães, Soares traçou, ainda, a partir de 1769, a famosa
igreja rococó de Nossa Senhora da Consolação ou dos Passos (Figura 222), que John Bury viu
como tendo parentescos com a produção de algumas igrejas mineiras na segunda metade do
século XVIII
334
.
334
Trabalhou em outras obras importantes da arquitetura religiosa nas cidades de Arcos de Valdevez, onde
projetou a igreja de Nossa Senhora da Graça, de 1765, retomando como inspiração a volumetria da igreja de
Nossa Senhora de Guadallupe de Braga, de 1727, e a Capela do Crucifixo da igreja do Salvador, de 1767.
414
Em Minas, o gosto rococó na arquitetura foi implementado, pela primeira vez, na
reforma empreendida no risco de 1766, do velho Manoel Francisco Lisboa, para a igreja do
Carmo de Ouro Preto, onde nota-se, principalmente, uma força na valorização da fachada da
igreja, feita agora com um gosto mais ornamental e menos arquitetônico, se a compararmos
com o que era o projeto de São Francisco antes das modificações de caráter ornamental feitas
por Antônio Francisco Lisboa a partir de 1777. Na fachada dessa igreja, talvez também por
influência do Pombalino que invadia Lisboa nesse período, volta-se a um certo formalismo
mais ao gosto português, ligeiramente rompido pelo recuo das torres em relação ao plano do
frontispício, que aproxima-se do Rococó internacional na forma em que é tratado, utilizando a
linha sinuosa em forma de “perfil de besta”, mas de maneira bem contida. Essa graciosidade
da linha é tratada também na composição das formas das torres, onde um círculo imperfeito é
interrompido por colunas mascaradas de cunhais em forma de dois leves segmentos de arco
com uma aresta ao meio
335
. Surge também nessa composição um gracioso óculo abaixo do
entablamento. É uma das primeiras fachadas do novo estilo empreendido na forma de
escultura monumental por Antônio Francisco Lisboa, depois da sua intervenção na obra do
Carmo de Sabará, em 1769. Nesta obra, Antônio Francisco Lisboa, modificando um
frontispício arcaico construído pelo Mestre Tiago Moreira, esculpe a empena, a portada e as
sobrevergas das janelas do coro já à moda do novo estilo: o Rococó. É o primeiro trabalho,
onde Antônio Francisco Lisboa, como escultor monumental em de pedra-sabão, implanta seu
estilo próprio, utilizando os elementos assimétricos munidos de concheados e volutas. Essa
também é a primeira portada fora dos padrões de nicho feita em Minas que, um pouco mais
tarde, será acompanhada da obra do frontão que segundo Bazin, “(...) é uma verdadeira
ostentação da cruz a que nos é dada assistir. Esse conjunto, concebido de uma só vez, sem
335
Essa mesma solução planimétrica será a utilizada por Antônio Francisco Lisboa no projeto de São Francisco
de Assis de São João del-Rei em 1774, como havia sido empregada na igreja das Ursolinas em Salzburg.
415
emenda, é uma das mais belas composições monumentais da arte luso-brasileira.” (BAZIN,
1971, p.175) Salientamos, ainda, que, do ponto de vista do tratamento tipológico da fachada
inaugurado por Antônio Francisco Lisboa, nessa obra pode haver alguma relação de
influência com a obra de Nicolau Nasoni, no Porto. Acreditamos que os projetos que Nasoni
propõe para as fachadas das suas igrejas, a do Recolhimento de Nossa Senhora da Esperança
(Figura 223) e a de Nossa Senhora do Terço (Figura 224), ambas no Porto, em Portugal, estão
entre as poucas soluções portuguesas da segunda metade do século XVIII que estruturam o
esquema de composição das aberturas da fachada como o das igrejas vinculadas à escola do
Aleijadinho, embora ambas trabalhem uma composição sem torres à moda italiana. Essas
duas igrejas estão, por parentesco, entre as mais próximas do estilo que o Aleijadinho vai
introduzir em Minas a partir de 1770 e também inundaram a região de Trás-os-Montes com
uma série de exemplares vinculados a essa escola, desenvolvidas pelos mestres-pedreiros e
arquitetos amadores portugueses.
A portada do Carmo ouropretano, no entanto, segundo Bazin, surge já com o desenho
modificado:
[...] o desenho dessa vez nada tem a ver com um altar de talha, que lembra ainda a
portada do Carmo de Sabará; é verdadeiramente monumental, com o belo motivo
dos fragmentos de entablamento recurvados à chinesa, acrescido de concheados
que encimam os pés-direitos, e o desabrochar harmonioso da tarja entre a porta e o
óculo chanfrado. (BAZIN, 1971, p.310)
Essa inovação, o talento e o surgimento desse novo estilo na obra de Antônio
Francisco Lisboa também foram salientadas pelo Vereador Segundo de Mariana com as
seguintes palavras:
Superior a tudo e singular nas esculpturas de pedra em todo o vulto ou meio
relevado no debuxo e ornatos irregulares de melhor gosto francez, é sobredito
António Francisco. Em qualquer peça sua que serve de realce aos edifícios mais
elegantes, admira-se invenção, o equilibrio natural, o composto, a justeza das
416
dimensões, a energia dos usos e costumes, e a escolha a disposição dos accessorios
com os grupos verosimeis que inspira a bella natureza. (SILVA apud BAZIN, 1983,
v.1, p.381)
A escala e proporção da igreja do Carmo de Ouro Preto, entretanto, está longe da
graciosidade de São Francisco, demonstrando claramente a mistura de mãos existente na
concepção e na realização dessa obra
336
. Essa obra, porém, tanto para o estudo do
desenvolvimento da obra arquitetônica de Antônio Francisco Lisboa como dos caminhos da
expansão do Rococó na arquitetura mineira, torna-se um elo fundamental, pois é a partir de
experimentações nela feitas que, desde os estudos modernistas de Lucio Costa aos
contemporâneos de Myriam Ribeiro, a crítica especializada concorda que partiu Antônio
Francisco Lisboa para o projeto máximo do Rococó mineiro, que foi a proposta inicial para a
igreja da Ordem Terceira dos Franciscanos de São João del-Rei, posteriormente modificado
pelo Mestre Francisco de Lima Cerqueira. Nas soluções propostas para a correção do projeto
do Carmo de Ouro Preto, notamos mais uma vez a presença de soluções similares as
utilizadas nas torres das igrejas das Ursolinas (1693) de Salzburg (Figura 225), como também
de São Lourenço (1770) em Praga (Figura 226).
Neste sentido, podemos dizer que o risco inicial do projeto de São Francisco de São
João del-Rei é, sem duvida alguma, a derivação direta do projeto do Carmo de Ouro Preto,
com as proporções corrigidas na planta, na largura do frontispício e no comprimento da
capela-mor. Formalmente, a diferença básica desse projeto em relação à fachada do Carmo de
Ouro Preto está associada, principalmente, a dois elementos plásticos da composição: o
formato dos campanários, que ao contrário dos do Carmo de Ouro Preto, que seguem o
formato das torres, aqui se transformam, rompendo a forma curvilínea original, em quadrados
336
Rodrigo Baeta (2003) defende que a proporção da fachada do Carmo está diretamente relacionada com a
questão urbana do caminho-tronco. Para o pesquisador, a igreja foi projetada para ser vista muito mais como o
primeiro marco arquitetônico (e político) de quem chegava a Ouro Preto pela Estrada Real, e muito menos para
ser contemplada do adro fronteiriço.
417
de ângulos mortos
337
; e o frontão, derivado do Carmo de Sabará, acabado em 1774, ano da
entrega do projeto franciscano. Na solução formal, plástica e ornamental desse frontispício
podemos sentir mais uma vez a força do eruditismo arquitetônico de Antônio Francisco
Lisboa em função tanto do equilíbrio e proporção da composição, como também do nível de
criatividade atingida pelo artista sob a influência ornamental do Rococó. A análise da
composição desse frontispício demonstra, novamente, tanto a influência da utilização do
tratado de Pozzo por Antônio Francisco Lisboa como das gravuras rococó de Augsburg. Do
tratado, certamente inspirado nos desenhos dos altares ali publicados da igreja romana dos
Jesuítas, vem a idéia da utilização do entablamento ciclópico e balanceado, que se curva no
meio da composição, criando com os relógios das torres (também de forma redonda) uma
triangulação geométrica perfeita, que estabiliza a composição (Figuras 227 e 228), além do
inovador formato das torres sineiras, também presentes na igreja das Ursolinas (Figura 229).
A composição do frontão (derivada do frontão de Sabará), as sobrevergas das janelas do coro
e a portada demonstram uma assimilação plena da assimetria presente no vocabulário rococó,
aplicado sobre uma composição arquitetônica. Especificamente sobre a portada, o arquiteto
Lucio Costa no seu trabalho intitulado “A arquitetura de Antônio Francisco Lisboa revelada
no risco original da capela franciscana de São João del-Rei”, além de demonstrar as estreitas
afinidades que esse projeto tem com as obras anteriores do artista, atesta como o artista
utilizou-se do projeto da portada para essa igreja para fazer o risco da nova portada, feita para
São Francisco de Ouro Preto em outubro de 1777. Esse projeto nada mais é do que o risco
inicial da portada de São João del-Rei, acrescido de três elementos plásticos novos: o
medalhão e os dois anjos que se assentam sobre as ombreiras dos pés-direitos da portada.
337
Essa situação, aliás, foi bastante explorada pelos arquitetos barrocos portugueses, haja visto a torre do
Palácio das Necessidades, em Lisboa, atribuída a Manuel da Costa Negreiros, a torre do Palácio da Ajuda (1752,
projeto de Manuel Caetano de Souza), também em Lisboa, e as torres da igreja de Nossa Senhora da Lapa, em
Vila Viçosa (1758-1764), de José Francisco de Abreu.
418
Lucio Costa associa a idéia do medalhão a uma viagem que Antônio Francisco Lisboa teria
feito ao Rio de Janeiro em 1774, para cumprir uma intimação judicial. Nesse período, a
grande novidade da arquitetura carioca era a portada com medalhão da Ordem Terceira do
Carmo do Rio de Janeiro, feita em Lisboa, sob a influência do estilo Pombalino, por volta de
1761. O tratado de Pozzo ainda seria a inspiração do artista para as pilastras sinuosas
presentes tanto no altar-mor de Ouro Preto, como nos da Capela da Jaguara (atualmente na
Matriz de Nova Lima) e nos colaterais do arco-do-cruzeiro em São Francisco de São João
del-Rei (Figura 230).
O projeto original de São Francisco de São João del-Rei (1774, Figura 231), pelo que
parece, foi amplamente conhecido pelos arquitetos e construtores de seu tempo, sendo
plenamente aceito e copiado em outros projetos, como em São Francisco de Mariana, cujas
das torres com ângulos cortados e das janelas, óculos e molduras de linhas sinuosas foram
incorporadas ao projeto por Arouca nas modificações de 1783 (MARTINS, 1974, v.1, p.62).
Mesmo o Vereador de Mariana, que como vimos nada deixou registrado no seu manuscrito
dos “Fatos Notáveis da Capitania” sobre São Francisco e Carmo de Ouro Preto, foi só
elogios a esse projeto e a Antônio Francisco Lisboa como arquiteto:
O aumento da arte se afigura de sorte que a matriz de Caethé feita por Antonio
Gonçalves Barcarena, debaixo do risco do sobredito Lisboa cede nas decorações e
medias à matriz de Morro Grande, delineada por seu filho Antonio Francisco
Lisboa, quanto este homen se excede mesmo no desenho da indicada igreja do Rio
das Mortes em que se reúnem as maiores esperaas.
Este templo e a assumptuosa cadea de Villa Rica começada por un novo Manoel
Francisco em 1785 com igual segurança e magestade, me levarião mais longe si os
grandes estudos e modelos de esculptura feitos pelo filho e discípulo de antigo Manoel
Francisco Lisboa e João Gomes Baptista não prevenisem a minha penna. (SILVA
apud BAZIN, 1983, v.1, p.381-382)
Funcionalmente, o risco de São Francisco de São João del-Rei, como observou Lucio
Costa, rompe com o costume tradicional de se colocar a sacristia ao fundo ou ao lado da
capela-mor. Aqui, ela aparece na frente, ladeando as torres, e se liga à capela-mor através de
419
um corredor; rompe-se definitivamente com as tribunas, elementos ainda presentes no
programa do Carmo de Ouro Preto. Neste sentido, Antônio Francisco Lisboa se mostra
inovador, pois nenhum outro arquiteto se voltou contra os rigores funcionais estabelecidos no
programa da igreja mineira, composto por torres, nártex, nave, capela-mor, sacristia ao fundo,
coro, tribunas e consistório no pavimento superior. Principalmente as sacristias podem ser
consideradas elementos pouco móveis dentro da tradição luso-brasileira, pois localizadas na
parte posterior do partido. Sem a planta original, seria pouco prudente aventar outras
hipóteses, embora pelas atas de reunião da Mesa da Ordem, onde se tratou das modificações
no projeto original, confirma-se a existência de uma “porta travessa” abrindo para a capela-
mor, o que seria mais uma coincidência com o risco do Carmo de Ouro Preto. Esta porta foi
suprimida no projeto construído. É tentador especular também sobre a destinação dos enormes
espaços contíguos à capela-mor já que, na opinião de Lucio Costa, a sacristia se encontrava na
frente; o mesmo Lucio Costa aventa a hipótese da existência de um hospital, mas não seria
estranho localizar um nosocômio contíguo a uma igreja? Que outro exemplo se conhece para
justificar esta destinação? Essa solução, no entanto, demonstra ainda a inquietude de Antônio
Francisco Lisboa frente ao problema da cultura arquitetônica vigente em Minas (Figura 232).
Essa dualidade entre a manutenção de uma ordem funcional, da qual ele nunca se
afastou por completo anteriormente, e a criatividade plástica e ornamental que ele está
criando, esbarra num problema complexo conceitualmente que demonstra toda a sua coragem
criativa ao optar deliberadamente nesse projeto por se afastar da tradição funcional e optar por
apostar na valorização da qualidade plástica e estática. Quando analisamos o risco desse
projeto, sentimos, primeiramente, a sua grandiosidade, para os padrões de escala da
arquitetura mineira. O segundo ponto importante é como Antônio Francisco Lisboa, tendo que
acrescentar aos dois lados do edifício dois novos ambientes, buscou uma solução totalmente
diversa do convencional. Se nos projetos do Carmo e de São Francisco de Ouro Preto as naves
420
já se libertam dos corredores laterais, oriundos do velho programa das matrizes, deixando à
mostra as composições puras das fachadas marcadas pelo ritmo das aberturas e das suas
pilastras, as capelas-mor, no entanto, ainda se apresentam presas a esses corredores no projeto
do Carmo, reminiscência talvez do risco original do velho Manoel Francisco Lisboa. Em São
Francisco tentou uma solução diversa para valorizar melhor a volumetria da capela-mor com a
abolição das tribunas e a proposição das estranhas “varandas-terraço” que foram suprimidas
com a igreja ainda em construção em 1804.
Em São Francisco de São João del-Rei, apenas dois anos mais tarde, numa linguagem
arquitetônica amadurecida em relação às intervenções no Carmo de Ouro Preto, Antônio
Francisco Lisboa funde, num só projeto, experiências adquiridas nos seus trabalhos anteriores
nas igrejas do Carmo de Ouro Preto e de Sabará, e mesmo as do arquiteto de São Francisco de
Ouro Preto. Daí resulta essa solução de buscar uma composição volumétrica que valoriza o
jogo de volumes que compõem a igreja, onde cada forma tem uma definição plástica própria,
mas que compõe harmoniosamente para a definição do todo. Dessa maneira, vemos
claramente como os volumes que ladeiam as torres foram erguidos à altura de sobrados, como
contrafortes que sustentam e equilibram o forte sentido vertical da composição, solução
similar vista na Catedral de Fulda, na Alemanha (Figura 233). Estes sobrados, interrompidos
pelos corredores de um só pavimento, que ligam ao cômodo que ladeia a capela-mor, deixam
a composição volumétrica da nave e capela-mor livres, esta última valorizada, ainda, pelo
pátio que se forma entre os dois volumes
338
.
Os últimos anos do século XVIII e os primeiros do século XIX, em Minas, trazem
consigo o fim da opulência barroca e o princípio de uma decadência que aumentaria a partir
da segunda metade do século. Os artífices da geração anterior, que construíram a primazia
338
Este pátio, na solução proposta por Francisco de Lima Cerqueira, transformou-se em uma exígua área
descoberta, que não podemos afirmar ter uma relação com a proposta do projeto original.
421
artística do Barroco mineiro, já não existem. A crise financeira que devasta a região com o
exaurir-se das minas, afugenta a população, que migra para outras regiões, procurando
melhores condições de vida. As obras que ficaram por acabar no século XIX sofrem grandes
dificuldades em termos econômicos e também de artífices capazes de terminar as mesmas. A
implantação do gosto neoclássico, tanto na conclusão do frontispício da igreja das Mercês em
Ouro Preto e na reforma da fachada da Matriz de São João del-Rei a partir de 1820, é um sinal
do fim do gosto ornamental e da sua substituição por um gosto mais sóbrio e racionalista. No
entanto, no início do século XIX, ainda podemos ver as últimas reminiscências tardias da
escultura monumental e da arquitetura de Antônio Francisco Lisboa no projeto para o
frontispício da Matriz de Tiradentes, último projeto do Aleijadinho, feito em 1810 inspirando-
se na fachada do projeto não construído dos Franciscanos de São João del-Rei.
Antônio Francisco Lisboa faleceu aos 18 de novembro de 1814, sendo registrado seu
óbito às fls 251 do Livro de Óbitos da Matriz de Antônio Dias em Ouro Preto, sob os
seguintes dizeres:
Aos dezoito de mil oiticentos e quartoze faleceu Antonio Francisco Lisboa pardo
solteiro de setenta e seis anos de idade com todos os Sacramentos encommendado e
sepultado em cova da Boamorte, e para clareza fiz passar este assento em que
miassigno [...]. (MARTINS, 1974, v.1, p.367)
Era, também, membro da Irmandade do Patriarca São José dos Homens Pardos de
Ouro Preto, onde entrou como irmão em 1772, como podemos ver no assentamento
pertencente ao Livro de Matrículas de Irmãos de São José, fls 89 verso, transcrito por Judith
Martins:
Aos cinco dias do mez de Agosto de 1772, se sentou p.r Irmão desta Irmandade do
Patriarcha S. Joze, António Francisco Lx.
a
, e Se Sugeitou as Leys do Compromisso,
e declara q no caso de falecer nesta freg.
a
q/ Ser Sepultado nesta Capela, de q p.
a
constar faço este termo em q se Assina comigo Narcizo José Bandr." Escr.m desta
Irmand.e o es-crevy / Ant.° Franc.
0
LX.
a
[...]. (MARTINS, 1974, v.1, p.367)
422
Antônio Francisco Lisboa, como vários homens do seu tempo, também teve um filho
natural chamado Manoel Francisco Lisboa, que foi casado com Joana Francisca de Araújo
Corrêa, que abrigou o sogro nos últimos anos de sua vida. A união do filho de Antônio
Francisco com Joana, deu um neto a ele, batizado com o nome Francisco de Paula, como se
verifica do Censo realizado em 1804, em Vila Rica, documento da coleção da Casa dos Con-
tos, encontrado por Herculano Gomes Matias, no Arquivo Nacional: "Agregados: Manoel
Franc.
0
LX." que vive de escultor [...] idade 29, Joanna Franc. mulher do dito [...] idade 34
e Franc. de Paula, Filho dos ditos de um ano de idade [...]” (MARTINS, 1974, v.1, p.367)
Não se conhece testamento ou inventário de quaisquer bens deixados por Antônio Francisco
Lisboa. Através da monografia de Rodrigo Bretas (1951), sabemos que ele possuía três
escravos e que residia da rua detrás de Antônio Dias, numa casa demolida ainda no século
XIX.
423
CONSIDERAÇÕES FINAIS
formação, a aprendizagem e as influências recebidas pelos artífices, arquitetos
e engenheiros constituíram, durante o século XVIII, elementos indispensáveis
para a produção da arquitetura dentro dos valores do seu tempo. A cultura arquitetônica de
uma época é também a dos homens que realizam essas obras e a sua formação cultural está
vinculada às múltiplas influências que receberam, quer no início da sua carreira, quer ao
longo dela.
Quando falamos de cultura arquitetônica em Minas Gerais durante o século XVIIII,
devemos ter em mente que estamos falando de um sistema mais amplo, conectado a uma rede
de influências culturais que permeia tanto as cidades litorâneas do Brasil, dentre elas
principalmente o Rio de Janeiro, quanto as práticas culturais em vigor em Portugal e em
certas partes da Europa, que contaminaram essa sociedade na construção de uma sistema
sócio-cultural que, principalmente do ponto de vista das artes e da arquitetura, ansiava estar
em sintonia com o que se produzia de melhor e mais atualizado na Europa. Neste sentido,
parece-nos correta a visão de Germain Bazin (1971) quando tece o panorama cultural da
sociedade mineira na primeira metade do século XVIII, em algumas de suas considerações
sobre o meio na Capitania de Minas Gerais:
[...] é em Minas que começa a produzir-se a ruptura com esse espírito medieval, que
tinha até então subsistido na colônia e que os monges alimentavam. No domínio que
é o nosso, a produção artística tinha sido dominada até 1740 pelo anonimato e pelo
espírito funcionalista da Idade Média; a evolução das formas realizava-se através
de lento amadurecimento das tradições apoiado numa análise dos dados
construtivos e do programa proposto. Em Minas Gerais, pela primeira vez,
assistimos a puras especulações estéticas geradoras de formas criadas “para a
arte”; o conflito que opõe, em 1747, a irmandade do Santo Sacramento,
responsável pela obra da paróquia de Catas Altas, à irmandade de S. Miguel e
Almas, a propósito do altar erguido por esta última, consagra o que poderíamos
chamar de o nascimento do sentimento estético no Brasil (BAZIN, 1971, p. 77-78)
A
424
Dentro desse quadro, podemos dizer que o grande salto qualitativo da experiência
artística em Minas Gerais no século XVIII emergiu de dentro de uma efervescência cultural
diretamente ancorada no orgulho de ter um sentido de independência social, estética e política
muito mais flexível do que nas outras capitanias. A arte que ali se construía não se pautava
mais somente nas lições da tradição da Metrópole portuguesa, mas também na produção feita
em centros mais evoluídos como a Espanha, a Itália e a França, sem que possamos desprezar a
possível influência do exotismo africano e asiático. Aliás, essa visão foi defendida
pioneiramente por Orlandino Seitas Fernandes (1981) que, ao afastar-se das visões míopes do
seu tempo, assumiu a possibilidade da contaminação artística dentro da sociedade mineradora
como um elo fundamental para o surgimento de um ambiente artístico híbrido e catalisador de
influências diversas que contribuíram para o surgimento de uma criatividade diferencial
dentro da arte setecentista brasileira. Segundo as palavras do pesquisador,
Ao contrário da costa, onde tudo eram sedimentações, conservadorismo e
persistências, bem típicos das atividades de comércio e transporte nela sobremodo
exercidas, nas Alterosas, ao invés, tudo estava sempre por fazer-se ou sendo refeito,
nada era estável, posto que o próprio solo de contínuo era movido pelo interesse
humano ou conseqüência dele. (FERNANDES, 1981, p.15)
Mais recentemente, entre os pesquisadores contemporâneos da arquitetura setecentista
mineira, coube a Selma Miranda voltar à importância dessa perspectiva em seu texto
intitulado “Arquitetura barroca: análise e linhas prospectivas”, onde a pesquisadora
caracteriza de forma mais direta a contaminação cultural que existia dentro do universo
artístico da Capitania:
Praticamente tudo é contaminado e, assim como não prevalece a pureza racial, a
pureza formal não é a tônica de nossa arquitetura, os hibridismos constituindo sua
expressão marcante. Novos aportes estilísticos, portanto, não teriam implicado a
exclusão dos demais, antes teriam sido incorporados em convivência e sínteses
formais orientadas pelo barroquismo subjacente, o que vale, em Minas Gerais,
tanto para o quadro geral da arquitetura com sua pluralidade regionalista, quanto
nas obras consideradas individualmente. (MIRANDA, 1997-2000, p.297)
425
Logicamente, o trânsito dessa cultura híbrida foi feito por diversas formas. Algumas
ainda desconhecidas e outras que aos poucos vem sendo detalhadas a partir dos estudos
efetivados tanto sobre a formação dos construtores e mestres-de-obras que vieram de Portugal
para as terras mineiras, como a partir do estudo da cultura artística e arquitetônica que foi
desenvolvida em Minas sobre a matriz portuguesa durante o século XVIII. No entanto, antes
de detalharmos aspectos desse trânsito de culturas e suas influências mais diretas na formação
da cultura arquitetônica vigente em Minas Gerais, convém lembrar que uma das principais
diferenças entre a cultura desenvolvida em Minas e a portuguesa foi, principalmente, seu
espírito inquieto, que fez avançar seus artistas em direção à experimentação, num processo
semelhante (ainda que dentro de outra realidade histórica e cultural) ao que os artistas do
Barroco italiano tinham feito no século XVII em relação à arquitetura maneirista. Essa ruptura
por parte de um grupo dos mais importantes arquitetos da Capitania representa um avanço
significativo frente às tradições da cultura arquitetônica portuguesa que, de uma maneira
geral, mesmo com a chegada da tratadística do Barroco italiano e francês às suas mãos, não se
sentia muito à vontade com uma série de propostas contidas nelas, principalmente as que
tratavam de problemas ligados à revolução da planimetria da arquitetura.
Na realidade, desde o final do século XVII, a cultura arquitetônica praticada em
Portugal processava-se de maneira muito defasada em relação às influências tardo-barrocas
empreendidas na arquitetura – e nas artes em geral – de países como a Itália e a França. Como
vimos, a cultura arquitetônica portuguesa era refém de dicotomias difíceis de serem
assimiladas em seu ambiente histórico-cultural, relacionado à tradição da produção da sua
arquitetônica muito mais ligada à pratica do canteiro do que ao projeto intelectualizado. Para
justificar esse raciocínio, basta lembrarmos que em Portugal o ensino da nova arquitetura,
filiada tanto aos padrões do Tardo-barroco italiano como do Racionalismo francês, era ainda
timidamente desenvolvido através de um ensino dito “erudito” a partir das aulas oficiais de
426
arquitetura civil e militar e, de maneira mais expandida, de num ensino que pode-se dizer
“menos erudito”, fundado na aprendizagem do desenho de arquitetura através da prática no
canteiro, como aprendiz nos ofícios chamados mecânicos: ourives, carpinteiro, pintor,
canteiro e pedreiro. Um outro tipo de agente, ainda que menos presente, também atuava com
frequência nesse ramo: o “amador” era um tipo de indivíduo letrado ou erudito, que atuava na
área de arquitetura, mais pelo prazer intelectual da atividade do que para dela viver.
No campo da cultura arquitetônica, especificamente, não vimos, tanto nas definições
propostas pelo tratado do Padre Inácio da Piedade como no de Cyrillo Wolkmar Machado,
uma cultura de valorização do arquiteto como profissional fundamental na construção. Essa
contingência passava principalmente pela falta de conceitos claros sobre o que significava o
papel intelectual do projeto na obra e, principalmente, pelo vigor de uma tradição que
misturava os papéis de cada um dentro do universo da construção feita a partir da prática.
Lembrando as definições propostas pelo Padre Raphael Bluteau, no seu “Vocabulario
Portuguez e Latino” (BLUTEAU, 1712-1721), amplamente citado nos estudos de Rafael
Moreira (1989a) sobre a cultura arquitetônica no século XVIII, podemos ver claramente estes
antagonismos profissionais, na falta de clareza que as definições do referido “Vocabulário”
tece. No caso da arte e da arquitetura, principalmente, essas confusões se estabelecem
profundamente, sendo o artista definido como aquele que é “destro em alguma arte” e que
arquiteto “não só he o que faz plantas, e desenhos de edifícios, mas também o mestre de
obras, e o que sabe, e põe em execução a arte de edificar” (BLUTEAU, 1712-1721),
tornando, assim, por demais genérico qualquer valor de juízo que busque conceitos precisos
sobre a atribuição profissional neste segmento. Isto demonstra a falta de clareza sobre o que
era realmente o papel do arquiteto dentro da cultura portuguesa setecentista.
Diante dos documentos consultados sobre o universo da arquitetura e da construção
nas Minas setecentistas, podemos dizer que o projeto ou “risco” inicial era entendido como
427
uma linha geral a ser seguida, mas não entendida como algo fechado que não pudesse ser
adequado, modernizado ou como se dizia na linguagem de época “emendado”. Pela análise da
documentação, podemos ver claramente que o detalhamento do projeto ou, como se dizia na
linguagem de época, “as formas pelo que se ia fazer”, determinados elementos arquitetônicos
e ornamentais eram decididos durante a obra, utilizando o repertório em voga na época da
construção e buscando sempre a “modernização” e atualização possível em relação aos novos
gostos artísticos ou levando em conta a possibilidade econômica e humana da execução.
Outro elemento importante quando tratamos da formação dos arquitetos, engenheiros e
outros profissionais afins à prática da arte da construção nos séculos XVII e XVIII no mundo
luso-brasileiro, é o padrão que regia a questão da criatividade e da apropriação dos modelos
artísticos nesse período. Neste sentido, é preciso lembrar que, sob o signo do Concílio de
Trento, a questão da criatividade artística e o conceito de artista ou de arquiteto nunca foi uma
atribuição específica ligada somente à criatividade, mas principalmente à retórica da moral e
dos ensinamentos do catolicismo contra-reformista em vigor em Portugal e no Brasil, como
em todo o mundo cristão. A produção artística, até o século XVIII, no mundo luso-brasileiro
foi exercida, do ponto de vista cultural, com base nas relações entre o poder político-religioso
e seus súditos, alicerçadas, principalmente, em práticas de representação morais que deviam
conduzir a sociedade a construir a arte sob a argumentação da retórica e da poética de um
pensamento teológico-político vinculado tanto ao universo tridentino, quanto ao mundo
absolutista do Antigo Regime.
Neste sentido, a qualidade artística da criação era analisada, principalmente, em
função da noção de decoro
339
, além da agudeza e do engenho
340
presentes na obra. ou, como
339
“Cícero, no Livro III do De oratore, destaca o ornato como o principal veículo para despertar as emoções,
já que é através dele que ‘somos capazes de aplacar o espírito de nossos ouvintes, ou então de excitá-los’. O
decoro era a adequação das figuras ao físico, gesto, porte e expressão facial, ou seja, cada idade, cada sexo,
428
defende o já citado Professor João Adolfo Hansen (2001), reside na capacidade de produzir o
efeito de maravilhamento que dá prazer ao intelectual e que decorre do inesperado da
aproximação com a fonte de inspiração previamente conhecida e adequada ao propósito de
persuasão moral.
No sentido entender a relação artística de modelos e fontes arquitetônicas européias
com a produção da arquitetura religiosa das Minas Gerais setecentistas e de tentar estabelecer
relações de circularidade cultural e artística entre a dita “excepcionalidade” daquela
arquitetura frente a outras regiões do Brasil e mesmo de Portugal, pesquisadores da arte
Barroca, como Paulo Santos (1951), John Bury (1991), Victor-Lucien Tapié (1973), Alex
Nicolaeff (1990-1992), intuíram a muito que, além das relações culturais diretas e vinculadas
com Portugal e seus agentes transmissores, deveriam existir outras fontes visuais que
alimentavam a criatividade da arte e da arquitetura brasileira. Muitos deles indicaram que
estas fontes estariam vinculadas, principalmente, à produção da arte e da arquitetura
setecentista da região da Baviera e da Boemia, sem, no entanto, avançar muito na construção
de um caminho seguro para dar lastro a esses laços de relação.
Na obra sobre a difusão do Rococó em Portugal e no Brasil, coube mais uma vez a
Myriam Ribeiro (2003) trazer e aprofundar esta questão. A pesquisadora dentre outras
cada tipo humano deveria exibir seu caráter representativo e a falta de decoro era a inépcia artística definida
como falta de virtude-poética.” (CAETANO, 1999, p.138)
340
“As representações artísticas eram construídas fundindo-se parte por parte para a formação do todo e cada
uma das partes remetia o destinatário à totalidade. Portanto, lançando mão da agudeza que aproximava e
fundia conceitos para integrá-los, harmonicamente, na composição do todo, o campo do verossímil tornava
possível o que era persuasivo e anunciava qual deveria ser a reação do espectador. Assim, a representação dos
vícios era elaborada de modo hierárquico quanto maior o vício mais hiperbólica sua representação,
funcionando como uma técnica de aprendizagem, pensada racionalmente, em que o vulgo era persuadido pelo
delectare, uma vez que não dominava o procedimento técnico utilizado na invenção. Manipulando tecnicamente
o efeito, o artista fundia os conceitos intrínsecos à imagem, e o público, numa atitude de cumplicidade,
interpretava-os, seja como espectador que se deleitava com a composição das formas, ou como agudo que
avaliava o efeito da representação e o desempenho técnico do autor da obra ao aplicar as tópicas retóricas com
adequação verossímil e decorosa; agia, portanto, sobre o agudo tanto o delectare quanto o prodesse.
Aristotelicamente, a imitação 'menos vulgar é a melhor e tal é a que visa a um público melhor, é por demais
evidente ser vulgar a que imita em vista a multidão. Dessa forma, o ato de recepção era uma co-autoria que
reproduzia os procedimentos do ato da invenção. O receptor da obra sentia-se compelido a participar dela,
decifrá-la e experienciar o que Worringer chamou de "gozo estético”, cabendo ao artista movê-lo nesse
sentido.” (CAETANO, 1999, p.136)
429
colações fundamentais sobre o tema, já destacadas ao longo da nossa pesquisa, foi quem
lançou a tese que com os homens, também circulam as informações:
Os meios de divulgação internacional do barroco tardio foram os mesmos que
estiveram na base da difusão do rococó, ou seja, as viagens de artistas, o comércio
de obras de arte e as fontes impressas, incluindo tratados teóricos e manuais
técnicos de arquitetura e ornamentação, bem como edições de pranchas e gravuras
avulsas, vulgarizadas sobretudo no século XVIII. (OLIVEIRA, 2003a, p.69)
Nesse sentido, como nos informam os estudos pioneiros de Norberg-Schulz sobre o
Barroco e Tardo-barroco internacional (1989a, 1989b, 1993), a base tratadística da arquitetura
barroca produzida durante o século XVIII está ancorada no repertório da arquitetura barroca
italiana de Bernini, de Borromini, de Guarini, de Cortona, de Fontana e de Juvarra, utilizados
como referência na produção das obras tardo-barrocas adaptadas à tradição regional. Neste
sentido, para o conhecimento desse repertório italiano em regiões onde o Barroco se
desenvolveu tardiamente, como na Europa Central, em Portugal e no Brasil, antes de tudo é
preciso conhecer a rota dos principais títulos em circulação dentro do leque da tratadística
arquitetônica e artística vigente na transição dos séculos XVII e XVIII. Dentre esses,
resumidamente para compor essas conclusões finais, destacamos dentre os tratados que
analisamos, como as mais importantes referências do período: o tratado de Domenico De
Rossi (1659-1730), “Studio d’Architettura civile”
341
, publicado em Roma em 3 volumes em
1702, 1711, 1721, que trazia impressas todas as propostas arquitetônicas dos principais
arquitetos barrocos italianos, além de Michelangelo, internacionalizando todo esse repertório
na Europa. O segundo dentre os tratados do período que podemos destacar é o de Andrea
Pozzo, “Perspectiva pictorum et architectorum”
342
, publicado em vários idiomas a partir de
1693; e o terceiro, o tratado de Fischer Von Erlach, “Entwurff einer historischen Architektur”
341
Ver nota 114.
342
Ver nota 115.
430
343
, editado em Viena em 1721 e que traz o projeto da Karlskirche – que desde os estudos de
Paulo Santos tem sido apontada como um dos modelos para as igrejas barrocas brasileiras. A
base para todos estas publicações encontra-se nos tratados “Opus architectonicum”, de
Borromini
344
, e “Architectura civile”, de Guarino Guarini
345
. Todos esses tratados traziam
como principal fonte de inspiração o repertório das formas do Barroco romano e
internacional.
Trabalhando com a possibilidade desse quadro hipotético ser uma realidade cultural,
podemos entender porque exemplos da arquitetura tardo-barroca no Centro-Europeu, como a
Abadia de Melk na Áustria, as Abadias de Banz e Ottobeurem e as igrejas de peregrinação de
Wies e Vierzehnheiligen, todas na Alemanha, e as igrejas paroquiais de Nicov, Sonov,
Wahlstad e São João das Rochas, na República Tcheca, têm um vínculo comum com a
produção mineira. Todas elas foram construídas através de uma relação comum com a mesma
base tratadística italiana e, em alguns casos, como em Portugal, também francesa, bastante
conhecida e estudada na Europa durante os séculos XVIII e XVIII.
Para ilustrar a defesa desta tese, voltamos novamente ao caso da fachada de Fischer
von Erlach para a igreja das Ursolinas, em Salzburg (1699-1704). Ali, o uso de elementos
arquitetônicos que Antônio Francisco Lisboa vai fazer em seus projetos na segunda metade do
século XVIII é tão estreito que uma análise mais ingênua afirmaria que ele conheceu
pessoalmente essa obra. Neste sentido, ainda que as provas documentais efetivas nunca
apareçam, podemos, diante dessas evidências, pelo menos considerar viável que realmente
exista um elo comum entre essas duas escolas. Esse caminho, dentro de um bom-senso, nos
leva a aceitar a hipótese da circulação dos modelos vinculados à tratadística do Barroco
italiano, pois começavam a circular impressos no final do século XVII e início do XVIII por
343
Ver nota 73.
344
Ver nota 112.
345
Ver nota 113.
431
Portugal, além da presença já documentada naquele país de um grande repertório
internacional de gravuras como as de Ausburg e de livros de decoração e ornamentação
franceses, como o de Juste Aurèle Meissonier (1693-1750), conforme demonstraram os
estudos de Marie-Therèse Mandroux-França (1973) e mais recentemente de Myriam Ribeiro
(2003).
A defesa desse raciocínio – que aliás não é nova, mas que teve pouca ressonância
anteriormente por contrariar as teses modernistas dos intelectuais do IPHAN –, vai de
encontro, principalmente, aos argumentos defendidos no Brasil pioneiramente por Bury
(BURY, 1991), que acreditava numa abrangência do fenômeno tardio do Barroco durante o
século XVIII nos países periféricos como algo muito mais universal e menos paroquial do que
queriam fazer crer, na década de 50 do século passado, os modernistas do IPHAN, na sua
visão mítica da obra do Aleijadinho.
Neste sentido, afirmar, hoje, que não circulou uma tratadística maneirista e barroca
frequente em Minas Gerais durante o século XVIII, diante de tantas coincidências, parece não
ser o mais lógico, já que está comprovado que ela existia tanto em Portugal como também no
Rio de Janeiro, como demonstrou Nireu Cavalcanti (2004, p.285-286).
Entretanto, se cidades como o Rio de Janeiro e, principalmente, as cidades mineiras
estavam propensas a se contaminar por toda a experiência estética nova por não ter
compromissos com qualquer tradição cultural consolidada, em Portugal esse quadro era bem
diferente, e a assimilação de modelos estéticos estranhos à sua tradição arquitetônica não foi
um ponto pacífico. Conforme vimos, isso se deu, principalmente, porque já vinha de longa
data na história da arquitetura portuguesa a cultura de valorizar mais a prática no canteiro-de-
obras do que o projeto como método de aprendizagem na formação dos arquitetos.
Lembramos que é conhecido, dentro da historiografia da arquitetura portuguesa, o papel de
atelier de algumas obras, onde se formaram carpinteiros, pedreiros e mesmo arquitetos
432
importantes, como em São Vicente de Fora, ao longo de todo o século XVII, e Santa Engrácia
e Mafra, no século XVIII. A história da cultura arquitetônica em Portugal como vimos, está
repleta de artistas que começaram como simples pedreiros ou carpinteiros e que, aprendendo
com o trabalho prático as bases essenciais do ofício e as regras fundamentais da atividade
construtiva, tornaram-se, através da excelência da sua prática, arquitetos de reconhecida
competência. A sobrevivência dessa cultura popular, embora tenha se alterado durante o
século XVII, foi levada à frente por uma série de tratados manuscritos sobre a instrução em
ofícios mecânicos como o que pertenceu ao Mestre-calafate João Francisco Gomes, citado
anteriormente: ali vemos o gosto pelas ordens limitado ao dórico e ao jônico e a composição
planimétrica delineada pelas as regras de proporção “ad quadratum”. Esse tratado, embora
muito reduzido e compacto é uma forma significativa de perceber as bases dessa cultura mais
popular da construção em Portugal, ligada à chamada “cultura dos mestres-pedreiros” e que
explica em parte a dificuldade da assimilação da espacialidade da arquitetura barroca em
Portugal. Paulo Varela Gomes (2001), Rafael Moreira (1989b), Joaquim Jaime B. Ferreira-
Alves (2003), em seus estudos sobre a cultura arquitetônica do século XVII e XVIII em
Portugal, chamam a atenção para a importância desse segmento não-erudito na prática da
arquitetura. Sua presença nesse ramo, consolidada pela tradição milenar que essas profissões
tinham no ofício da “arquitetura” e da construção, era passada de geração a geração tanto pela
prática na obra quanto em lições teóricas tabuladas em tratados manuscritos que condensavam
o essencial sobre a teoria das ordens e sobre o problema do risco arquitetônico, enfocando
sempre sua preferência pelas soluções práticas ligadas à tradição e, por consequência, às
formas regulares, ao quadrado e ao retângulo.
Podemos lembrar ainda que a partir da Restauração em 1640, quando o recurso da
talha dourada se impôs dentro da nova conjuntura contra-reformista em Portugal, exigiu-se
dos construtores um novo gênero de arquitetura. Neste sentido, enquanto as artes ornamentais
433
rapidamente responderam a este aceno, bem ao gosto da tradição portuguesa, evoluindo da
talha lisa para a crespa, os arquitetos oficiais sempre tiveram dificuldades para responder de
imediato a essas mudanças com uma nova planimetria. Ao final, estas experimentações
acabaram não sendo assimiladas plenamente por uma cultura, que de uma maneira geral,
preferia continuar fiel no campo da arquitetura, durante todo o século XVIII, à utilização das
soluções mais domésticas, ao gosto do velho recurso “chão”, ou seja, o uso de uma
planimetria mais estática tendendo para o retângulo.
Dentro desse quadro, a modernização possível do Barroco português assumiu espaço,
principalmente na região Norte, regida mais pela presença da Igreja. Através da evolução
formal da chamada “arquitetura de pedraria”, ligada aos profissionais da cantaria e aos
escultores ornamentistas, as regiões do Douro, do Minho e de Trás-os-Montes foram dotadas
de uma mistura de influências barrocas, que incorpora, numa vertente prática, os modelos de
escultura vinculados tanto à vizinha Galícia e à escola de talha desenvolvida pelos
beneditinos, como às lições italianas vindas do atelier de Mafra. Esta influência italiana no
Norte estava ainda aliada à presença de estrangeiros dessa origem – como Nicolau Nasoni,
que trouxe o repertório das formas do Barroco italiano para a região do Porto – e por artistas
nacionais como André Soares que, influenciado por esse gosto ornamental, incorporou à sua
arquitetura o repertório do Rococó francês e germânico tanto no gênero da talha como no da
escultura de pedraria, à moda da tradição portuguesa que acabou sendo assimilada de
diferentes maneiras pela produção mais popular, principalmente a que foi efetivada na região
do Norte e de Trás os Montes em Portugal (Figuras 234 a 237) e principalmente no Brasil.
Por outro lado, é preciso reconhecer que dentro da cultura mais popular, a tratadística
do Barroco italiano, que propunha a volumetria movimentada, pouco afetou a produção
arquitetônica tanto em Portugal como no Brasil. Isso se deve, principalmente, como já
salientamos, à resistência de uma cultura mais popular que, em geral, manteve-se fiel aos
434
modelos planimétricos da sua tradição. Nessa solução, quando os novos modelos eram
importados, estavam localizados somente na linguagem dos retábulos e nas obras de cantaria,
de forma a alcançar uma modernização aceitável culturalmente e compatível com o nível da
ornamentação, que pouca influência tinha no processo milenar de trabalho empreendido no
canteiro-de-obras.
Este gosto por uma geometria mais regular, relacionado aos mestres-pedreiros, talvez
seja explicado pela própria estrutura do tratado de Diego de Sagredo
346
, bastante utilizado por
eles. Para uma cultura arquitetônica pouco afeita ao vocabulário da teoria de arquitetura via
tratadística, na sua tradição a obra era “fabricada” no mesmo processo que ia configurando o
“projeto”. Ela não tinha ainda assimilado, como demonstram as palavras do tratado
setecentista do Padre Inácio da Piedade Vasconcelos (VARELA GOMES, 1990-1992), a
diferenciação, surgida no Renascimento, que colocava a primazia do “projeto” sobre a
“fábrica”, prenunciando um embate cultural que iria se dar a partir do início do século XVIII
com a chegada de D. João V ao trono. As contradições culturais geradas por um jovem rei
ávido por transformações artísticas, científicas, culturais e políticas em um Portugal agora
enriquecido pelo ouro brasileiro, trouxeram um problema cultural grave para essa tradição
arquitetônica conservadora que nunca conseguiu, efetivamente, uma expressão arquitetônica
barroca plena, ficando, de uma maneira geral, restrita ao plano do Barroco em arquitetura
como já colocamos anteriormente, dividida entre a monumentalidade de Mafra e a
experimetação espacial de Santa Engrácia ou dos Clérigos do Porto, sendo que a
modernização mais aceita na planimetria arquitetônica desse período, foi principalmente o
retângulo com ângulos cortados, implementado por João Antunes a partir do projeto da igreja
do Menino-Deus em Lisboa (1711).
346
Ver nota 100.
435
Dentro desse quadro, a experiência barroca de raiz portuguesa mais madura e
promissora em arquitetura acabou dando seus melhores frutos, no sentido de uma assimilação
plena dos cânones vigentes na tratadística barroca italiana, na longínqua região das Minas
Gerais, que teve como agentes da fundação e da construção “não-natural” da sua paisagem
arquitetônica indivíduos dos mais diferentes grupos, etnias e distinção social, a maioria
portugueses imigrados, que, obrigados pelo destino, construíram juntos um modelo sócio-
cultural novo, que possibilitou as condições artísticas necessárias para a efetivação de uma
experiencia estético-arquitetônica inovadora dentro do mundo português. Analisando esse
fenômeno de invenção não natural das cidades na América Latina colonial, Carlos Antônio
Leite Brandão entende que:
Enquanto a formação das cidades e nações européias modernas, como a Florença
de Leonardo Bruni ou a Roma da Contra-Reforma, apelaram para seu passado
para construir a grandeza do seu destino, as identidades latino-americanas se
constituíram forjando primeiro um futuro dentro do qual inventava-se um passado,
quase sempre mítico e extra-histórico. Essa fundação “não-natural” da sociedade
ibérica no Barroco é violentamente contrastada pelas exigências colocadas pela
vasta natureza da colônia a ser conquistada e explorada. Diante das exigências
concretas impostas pelo novo território, aquela abstração se afrouxa e dá margens,
nos primeiros tempos de colonização, à fundação de novos hábitos e constantes
perversões e adulterações dos modos de organização espacial e social imaginados
nas metrópoles. (BRANDÃO, 2005, p.27)
Num território com essas características, a sociedade híbrida que aí se forma é
logicamente forjada com valores próprios e particulares que incorporavam tanto a cultura
subalterna quanto a dominante, o que justifica que essa sociedade não estivesse disposta a
simplesmente aceitar plenamente os valores pré-concebidos da cultura portuguesa vigentes
em outras partes da colônia; muito antes pelo contrário, estaria mais preparada culturalmente
para subvertê-los em qualquer sentido, seja o social, o político, o religioso e, principalmente,
o artístico e o arquitetônico, que estavam, como sabemos, entre os setores mais contaminados
pelos valores dessa nova ordem social que buscava uma personalidade própria.
436
Logicamente, contribuiu para isso uma série de condicionantes históricas bastantes
conhecidas e que não pretendemos negar aqui. Entre elas, principalmente a que definiu que
em Minas Gerais, ao contrário, das outras províncias do Brasil, a arquitetura religiosa
formou-se de maneira mais autônoma desde o seu principio. Isso se coloca se lembrarmos
que, se no litoral reinou como modelo mais freqüente da arquitetura religiosa, a tipologia
contra-reformista imposta pelos modelos arquitetônicos das grandes ordens monásticas –
Franciscanos, Carmelitas, Beneditinos e principalmente os Jesuítas –, em Minas, em virtude
da proibição da presença dos conventos, a igreja secular e os leigos ditaram os modelos
arquitetônicos a serem seguidos, ainda que inicialmente influenciados por essas mesmas
tipologias maneiristas portuguesas. Afastados assim, da influência direta dos modelos
monásticos importados de Portugal e da Itália, a experiência arquitetônica mineira, desde o
início, pôde caminhar para uma cultura arquitetônica própria, que possibilitou, já na sua
origem, um compromisso muito maior com a inventividade e a criação.
Foi essa informalidade e vontade de construir um mundo que disfarçasse ou apagasse
um pouco essa mácula de indistinção presente naquela sociedade, através de um toque de
sintonia com a modernidade arquitetônica que se praticava na Europa, criou a condição de
transformação cultural do meio mineiro. Essa intenção de uma nova elite de perfil sócio-
cultural híbrido, no entanto, nem sempre foi bem compreendida pela maioria mais ignorante
da população das Minas, que preferia continuar fiel aos modelos da tradição portuguesa ou
paulista. Por outro lado, essa modernização também é pontual nessa corrente mais criativa,
pois em termos de partido arquitetônico ela também pouco se desligou da tradição luso-
brasileira. Assim, a cultura arquitetônica mineira, seguindo a tônica do meio social que teceu
os planos da Inconfidência, refletiu essa mesma liberdade na produção da arquitetura religiosa
mineira mais erudita, principalmente vinculada as poderosas Ordens Terceiras do Carmo e de
São Francisco das cidades de Ouro Preto, Mariana e São João del-Rei e Sabará, foi construída
437
e riscada nesses principais centros urbanos por homens de ofício que, influenciados pela
liberalidade e prosperidade econômica do meio, levaram à frente uma nova relação entre a
prática do canteiro e a teoria da arquitetura frente a como ela era entendida em Portugal.
Em Minas, a partir do surgimento lento, ao longo da primeira metade do século XVIII,
de uma nova base cultural, cada vez mais aberta à criatividade pela sua distensão regulatória,
e por isso mais aberta à contaminação estética exterior à cultura portuguesa, permitiu,
principalmente, em relação ao processo projetual (lembrando a carência desses profissionais
em Minas), a participação de novos agentes estranhos à tradição do arquiteto construtor
português. Foi essencialmente a presença desses agentes mais eruditos que os mestres-de-
obras em questões de arquitetura, que sedimentou-se o caminho para a existência, em Minas,
de uma relação menos ortodoxa e mais criativa entre a teoria da tratadística erudita e a prática
do canteiro. Esse procedimento criou um ambiente mais propício para gerar novas
experiências estéticas. Neste sentido, podemos dizer que a vinda para Minas de homens cultos
como o Doutor Antônio Pereira de Souza Calheiros ou de João Gomes Baptista foi um dos
motivos que tornou possível, na segunda metade do século XVIII, a existência da obra
arquitetônica erudita atribuída, e com grande probabilidade de acerto, à fatura de Antônio
Francisco Lisboa.
A matriz cultural mineira, entretanto, também teve outros aspectos relevantes que
refletiram, principalmente, na produção da sua arquitetura religiosa ligada aos mestres-de-
obras e arquitetos portugueses analisados nessa pesquisa. Entre esses aspectos, está o mérito
de ter transformado agentes de “fábrica” em homens também interessados em criação.
Certamente, se tivessem ficado em Portugal, continuariam fazendo o convencional. Também
é verdade que o que os atraiu inicialmente para Minas não foi a vontade de romper com os
valores culturais da sua tradição construtiva, mas o melhor que se pagava pela preço da mão-
de-obra. Entretanto, na mistura desses dois fatores podemos dizer que esses homens de ofício
438
foram fundamentais para renovar a tecnologia e os processos construtivos em Minas a partir
de 1750, sem os quais não se teria possibilitado o desenvolvimento formal empreendido pela
arquitetura. Por outro lado, é importante ressaltar que, uma vez em Minas, eles começaram a
fazer parte de um processo cultural comum, e ao lado dessa contribuição fundamental ligada
ao fazer do canteiro, eles não foram impermeáveis aos hibridismos culturais do meio, e em
parte também se converteram aos valores culturais em voga na arte e na arquitetura praticada
na segunda metade do século XVIII em Minas. Na sua produção documentada, como vimos,
quebraram seus tabus de homens apenas ligados aos canteiros para tentar algo maior, sendo
que alguns conseguiram, como foi principalmente o caso do Mestre Francisco de Lima
Cerqueira, construir algo esteticamente novo, de alta qualidade, e culturalmente coerente com
os parâmetros em voga dentro da cultura arquitetônica constituída nas terras mineiras.
Lembramos ainda que essa cultura arquitetônica, também conseguiu produzir o improvável:
“arquitetos”, no sentido mais próximo da definição atual, como foi o caso de Antônio
Francisco Lisboa, que tinha avançado substancialmente sobre o entendimento do que era
realmente o significado do “fazer arquitetônico”, ainda que não seja possível ainda afirmar
com certeza em que nível de erudição.
Finalizando, podemos refletir, ainda, para não termos uma visão míope, que nem todas
as obras construídas durante a segunda metade do século XVIII em Minas foram inovadoras e
tiveram resultados plástico-formais como o Rosário de Ouro Preto, do Doutor Antônio Pereira
de Calheiros; São Francisco de Ouro Preto, de Antônio Francisco Lisboa ou a mais
portuguesa delas, São Francisco de São João del-Rei, de Francisco de Lima Cerqueira. Nesse
sentido, devemos lembrar que ainda que existisse uma corrente mais inovadora e criativa,
principalmente ligada às elites dos grandes centros e, como vimos, mais propensa a aceitar
essas inovações por diversos fatores de origem sócio-culturais, também havia, por outro lado,
uma grande maioria de indivíduos, principalmente moradores de centros rurais menos
439
prósperos onde, ao lado da falta de recursos para obras mais complexas também havia maior
ignorância por parte das pessoas. Isso significa, em última instância, que o conservadorismo e
o tradicionalismo, que também se refletia na mão-de-obra mais usual, constituída de muitos
mestres-de-obras analfabetos, fazia parte do perfil da maioria da população mineira.
Neste sentido, podemos concluir, quando lembramos da omissão de São Francisco de
Ouro Preto no manuscrito sobre os fatos notáveis da Capitania, de 1790, por parte do
Vereador Segundo de Mariana, e das colocações do Secretário de São Francisco de Ouro
Preto sobre o nível de “luzes” dos irmãos da Mesa Administrativa da Ordem, que sempre
existiu, ao lado da vertente mais criativa dessa cultura arquitetônica – foco especifico dessa
pesquisa –, uma corrente tradicionalista que nunca se seduziu por essas idéias, que
poderíamos chamar de “italianização da arquitetura de matriz portuguesa”. Esse
tradicionalismo, no entanto, muitas vezes também veio acompanhado (conforme vários
documentos analisados) de situações de limitações de toda a ordem, principalmente econômicas,
que condicionavam a atividade do arquiteto ou do construtor a preferir soluções funcionais e
racionais, de modo poupar despesas, principalmente nas obras ligadas à participação da Coroa,
como as Matrizes. A existência dessa dualidade de correntes, entretanto, não foi só um
privilégio de Minas, mas existiu em quase todo o Brasil, como já tinha observado o
pesquisador Carlos Lemos (2001). Essa dicotomia da arquitetura religiosa brasileira acabaria
sendo sentida dentro da história da arquitetura religiosa, principalmente pela coexistência dos
modelos ligados ao Maneirismo mais ortodoxo, quanto de um Barroco mais criativo, em toda
a produção da arquitetura religiosa até a chegada do Neoclassicismo Histórico no Brasil a
partir de 1816.
440
CONCLUSÃO
intervenção e o papel dos mestres-de-obras, como construtores, empreiteiros e
arquitetos no desenvolvimento de uma cultura arquitetônica em Minas Gerais,
como vimos durante essa pesquisa, teve uma importância bem mais complexa do que se poderia se
imaginar anteriormente. O papel desses homens como agentes de uma cultura arquitetônica já tinha
sido intuído anteriormente, mas pouco estudado a fundo. É preciso salientar, no entanto, que a
análise que fizemos para ao amadurecimento das nossas teses, não se deveu apenas aos
documentos inéditos que localizamos durante nossas pesquisas em Portugal, mas muito mais ao
estudo analítico das fontes conhecidas há décadas, sob outros novos aspectos. Dentre esses, a de
vê-las para além do dado documental, como testemunho de um pensamento de uma cultura de
época. Nesse sentido, lembramos que grande parte da documentação por nós analisada não foram
documentos inéditos. Inédito, pensamos, foi a leitura que procuramos fazer dessas fontes,
privilegiando o olhar sobre o foco da história cultural, e buscando, assim, tanto na leitura da
documentação quanto na análise dos testemunhos materializados dessa produção cultural, enxergar
a cultura que permeava o meio desses construtores imigrados para Minas, como algo menos óbvio
do que já tinha sido proposto anteriormente pela maioria dos pesquisadores ligados às áreas de
arquitetura ou em belas-artes.
Essa nossa proposta de construção histórica sobre uma nova perspectiva de ver a produção
da arquitetura setecentista mineira teve, necessariamente, como seu foco principal a arquitetura
religiosa. No entanto, buscamos utilizar menos a metodologia mais usual, de tratá-las como
documentos essencialmente estéticos, para analisá-las a partir do conhecimento do meio dessa
produção, seus agentes e os parâmetros culturais que os nortearam essas obras. Para atingirmos
esses objetivos, foi preciso, inicialmente, abrir as fronteiras do entendimento dessa produção e,
A
441
para isso, passamos a ter um entendimento dessa produção cultural como algo mais amplo e
abrangente que envolvesse não só o objeto arquitetônico final (ponto de onde parte a crítica pura de
arte e arquitetura), mas os ancorasse num sistema de produção cultural maior que não se limitava a
Minas, mas que estivesse ligado a uma rede com outras regiões do Brasil e ao mesmo tempo ao
universo ultra-marino, ou seja, às manifestações tardias do Barroco e do Rococó em Portugal e
mesmo da Europa Central. Para defender essa idéia, no entanto, era preciso, necessariamente,
passar por um novo dimensionamento da produção cultural em Minas, como algo mais aberto à
circularidade e à contaminação cultural, vinda de outros círculos externos às suas montanhas.
A aceitação desses parâmetros culturais em Minas está diretamente ligado à inexistência
do ambiente proposto pela maioria do autores modernistas de uma Minas setecentista mais fechada
e impermeável a quaisquer contaminações culturais externas de maior significado para sua
produção artística e arquitetônica. A aceitação de uma Minas mais permeável a essas influências
deu-nos, no entanto, a possibilidade de aproximação com uma construção histórica mais
contemporânea por parte dos estudos relacionados ao século XVIII mineiro e disseminados por
vários pesquisadores ligados à nova história cultural, como salientamos na primeira parte dessa
pesquisa. Aproximando-nos dessa perspectiva histórica na elaboração dessa tese, tornamo-nos
livres das amarras de quase 60 anos de historiografia de arquitetura de filiação modernista, que
impedia a construção de outro modelo de historiografia que pudesse construir um novo
entendimento sobre a formação e o desenvolvimento da produção da arquitetura setecentista em
Minas Gerais.
A partir da aceitação dessa abertura cultural, pudemos concluir que a cultura arquitetônica
em Minas Gerais no século XVIII fez parte de uma sistema de produção artístico – ainda que
existam as particularidades regionais, frutos do seu meio – maior, que envolvia um trânsito de
influências culturais dinâmico comprovado, como vimos nesta pesquisa, pelo menos entre Minas-
Rio de Janeiro-Braga-Lisboa por todo o século XVIII, onde circulavam todas as informações
442
necessárias à cultura artística do período, vinculada geralmente ao padrões do Tardo-barroco
internacional, do Rococó francês e alemão, e do estilo Pombalino, aplicado na reconstrução de
Lisboa a partir de 1760. Estas referências estéticos eram assimiladas pelos oficiais do ramo –
arquitetos, construtores, mestres-de-obras, entalhadores, pintores, engenheiros militares – de
maneira direta, através do conhecimento da produção feita, principalmente, no Rio de Janeiro (sede
do Vice-Reinado a partir de 1763), ou da experiência indireta, através da comprovada circulação,
em terras brasileiras, da tratadística arquitetônica vigente na Europa nos séculos XVII e XVIII,
como também da ampla circulação de gravuras e publicações ilustradas que servirão de modelos
para a produção artística.
Aceita e resolvida essa questão ligada à circulação de modelos e às tão faladas referências
da Europa Central, do norte de Portugal e da Lisboa Pombalina na arquitetura e na arte do século
XVIII em Minas, podemos passar a um segundo ponto tratado nessa tese, que é a questão da
produção arquitetônica e seus agentes culturais. Neste sentido, podemos concluir, perante o estudo
feito nessa pesquisa a partir da análise comparativa entre a cultura e a produção da arquitetura
vigente nos séculos XVII e XVIII em Portugal, passando pela sua aclimatação em terras brasileiras
do litoral (aqui analisando principalmente a produção do Rio de Janeiro que, como sabemos, tinha
uma relação próxima com Minas), aceitamos a tese, em parte de filiação modernista, ainda que
sem ufanismo, que em função da própria condicionante histórica da rapidez da construção em
Minas, a maneira menos reguladora da sua produção cultural e o processo como se deu a
aclimatação dos seus agentes culturais imigrados e a liberdade de formação da mão-de-obra nativa
(fora da oficina do mestre), que a cultura arquitetônica mineira tinha avançado para outros
parâmetros de produção em relação ao modelo da sua matriz portuguesa.
Esses avanços, no entanto, não se fizeram em função do talento natural dos mulatos,
que até por uma contingência natural do meio, foram empurrados para os ofícios mecânicos e
para a área da música. Esses avanços se fizeram, principalmente, pela presença de uma
443
condicionante que possibilitou existir, ao mesmo tempo, uma condição financeira e social
propícia a esse setor de construção, ao lado de uma condição cultural que misturava falta de
tradição, flexibilidade, hibridismo, ânsia de progresso e importância de distinção social. Neste
sentido, existia um ambiente favorável à construção e invenção de algo novo, já que não
existiam permanências consolidadas que não pudessem serem burladas ou transgredidas no
meio daquela sociedade, em que sua maioria era formada por gente indistinta perante a
classificação do Antigo Regime, e que só poderia ser alguém, naquela sociedade que se
moldava em regras mais permissivas aos padrões vigentes do período, e que foi o cerne do
hibridismos e da permeabilidade social e cultural existente dentro das Minas setecentistas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
444
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