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Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de
MESTRE em Ciências da Religião, sob a
orientação do Prof. Dr. João Décio Passos.
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'HGLFDWyULD:
Aos autores da vida que me conta minha mãe Benedita e
meu pai Geraldo (in memorian).
Aos co-autores da vida que conto meus irmãos Daniel,
Dercílio, Ademar e Dagmar e minhas irmãs Estela,
Marlene, Marisa Marilia e Maisa.
Ao amigo e companheiro Mário Antônio da Silva por
acreditar nesta história que hoje eu conto.
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Ao Prof. Dr. João Décio Passos, orientador e amigo, que
soube ser presença desafiadora ao longo de todo o processo
de confecção desta tese, estimulando a produção e a
pesquisa científica, mesmo em meio a tantos compromissos
com a Universidade.
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O conteúdo desta pesquisa foi instrumentalizado em
torno de uma leitura freireana do método pedagógico
libertador das parábolas de Jesus. Para tanto, num
primeiro momento se fez necessário conhecer o pedagogo
Paulo Freire, sua vida, sua imersão na história e a
emersão de seu método como transfiguração de uma
realidade opressiva e marginal. Do conjunto do seu
pensamento alçamos algumas categorias a partir de três
eixos: o homem como sujeito histórico e que imergi em
sua realidade para dela emergir como homem livre; capaz
de exercer sua capacidade criadora – conscientizar-se,
não para a opressão, mas para o diálogo que gera através
da denúncia e do anúncio a comunhão e a liberdade. O
segundo momento abordou uma visão do Jesus histórico,
a evolução das pesquisas sobre a sua pessoa, o contexto
em que as parábolas surgiram e o método parabólico em
si, em vista de se demonstrar uma interpenetração de
temas e a importância que isto tem para uma
compreensão das contribuições que um realiza ao outro.
Por fim, realizamos a leitura que cruza as duas
pedagogias, a freireana e a jesuânica, através da leitura de
três parábolas que refletem as dimensões: religiosa um
conflito que questiona as atribuições de valor dadas pelo
ser humano –; social através das exigências presentes
nas relações humanas de convivência, respeito e cuidado
para com o outro e econômica que leva a uma luta pela
sobrevivência e provoca o ser humano a sair de sua
latência. As parábolas funcionariam como situações
codificadas da realidade, que apresentadas aos ouvintes-
educandos, reunidos em círculo de cultura, realizariam
um confronto com a realidade a fim de propiciar a
reflexão crítica da situação em que se encontram imersos;
libertarem-se das amarras que os aprisionam, criando,
assim, condições para que “digam sua própria palavra”.
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The research content has been build upon the reading of
the Freirean method, with particular attention to the
pedagogy of freedom of Jesus’ parables. Given the nature
of the study, an understanding of Paulo Freire as
pedagogue, his life, his historical immersion and the
emersion of his method as a transfigured of na oppresive
and marginal reality is necessary. Base don Freire
pedagogical thoughts’ we established categories built into
three distinctive axis, as follow: Human being as subject
of history, a people that immerge in their reality and from
it emerge as a free being, able to put into practice their
ability to consciously create, not by oppression, but by
dialogue generated from proclamation, freedom and
denounce. A second moment in the study is related to the
historical Jesus. At this point, the evolution of the
researches about the person of Jesus, the context in which
the parables are born and the parables method itself are
dealt with. This approach helps to demonstrate the inter-
relationship among themes as well as their importance
and contributions to each other. A reading that crosses
two pedagogies Freire and Jesus are developed. They
are made up through the readings of three parables that
reflect certain perspectives, such as: the religious one
characterized by conflict and questioning the idea of
human value as the are given; the social one, throug the
expectations presents in human relationships such as
convenience, respect and care for one another; the
economics one by which human being strives their
survival It forces making to moves on beyond their
inertia. Parables in this case work as codified situation
of a given reality that are introduced to listeners-students.
They gather in cultural circles where confront with reality
can be realized. In doing so, participants critically reflect
in the situation they are immersed, thus reaching out
freedom from impriosoning bondages, creating
conditions where they can “say their own word”.
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10
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18
1. Histórias de (Paulo Freire) quem gosta de ensinar.................................. 20
2. A transfiguração da palavra – uma ação metodológica........................... 23
3. Aprendendo a pronunciar a palavra mundo – algumas categorias do
pensamento freireano...............................................................................
34
3.1. Sociedade: transição e mudança – a dança da história.....................
34
a) Imersão crítica ou integração e imersão alienada.......................... 35
 b) Emersão na idealidade universal....................................................
36
3.2. Conscientização: a transubstanciação do meio em mundo.............. 37
3.3. Educação libertadora – a humanização do processo........................ 39
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$63$5È%2/$6800e72'2'(/,%(57$d2..................................
46
1. As parábolas de Jesus e o Jesus histórico................................................ 47
1.1. As pesquisas sobre o Jesus histórico e os paradigmas sobre ele
para uma leitura das parábolas.........................................................
48
2. O mundo das parábolas e o Jesus histórico.............................................. 54
3. Parábolas – história de um povo.............................................................. 62
4. Lucas – o evangelho e as parábolas ........................................................ 72
4.1. O evangelho da alegre “boa-nova” aos pobres............................... 72
4.2. Parábolas em Lucas: uma denúncia e anúncio de libertação.......... 74
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-(68623('$*2*2'26235,0,'26....................................................
79
1. Parábolas: símbolo da práxis libertadora de Jesus................................... 80
1.1. O rico insensato: a pedagogia do seguimento – a conscientização
que liberta.........................................................................................
82
1.2. O bom samaritano: a humanização do homem – para uma
Proximidade do próximo..................................................................
87
1.3. O administrador infiel: um convite a repensar as estruturas
Humanas e a lógica do Reino...........................................................
93
2. As parábolas revelam um ato pedagógico................................................
98
3. A pedagogia que revela o pedagogo – uma “biografia interior”..............
102
4, O Deus que liberta seu povo.................................................................... 105
&216,'(5$d®(6),1$,6.............................................................................. 113
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120
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Ao longo dos anos de exercício do ministério sacerdotal e de prática docente,
observamos que ao usarmos de fatos comuns da vida cotidiana para ilustrarmos
questões a serem debatidas, encontramos uma maior receptividade e interação por parte
dos ouvintes.
Esse fato levou-nos a pesquisar as parábolas narradas por Jesus e o que chamou
a atenção foi a proximidade do método pedagógico de educação desenvolvido por Paulo
Freire, com a prática de Jesus ao narrar histórias para desvelar verdades implícitas nas
questões culturais, econômicas, religiosas, sociais e políticas, confrontando-as com o
projeto do Pai.
A pesquisa também revelou que além das parábolas ocuparem um grande
percentual na composição dos evangelhos sinóticos (um terço de sua matéria)
1
, eram a
forma preferida de Jesus ao realizar um contato com seus interlocutores, não oferecendo
respostas fechadas às suas perguntas, mas ao contrário, sugerindo o questionamento de
suas próprias indagações em vista de realizarem um raciocínio crítico da realidade em
que estavam inseridos.
Portanto, a partir de dois eixos o religioso e o pedagógico –, passamos a
desenvolver essa pesquisa em torno das parábolas de Jesus e sua capacidade de
despertar para uma ação libertadora.
As parábolas de Jesus, ainda no inicio da sua transmissão, passaram por um
processo de desvio na sua interpretação, servindo-se, na maioria das vezes, como uma
forma alegórica de revelar verdades profundas dos ensinamentos de Jesus, muitas vezes
associadas à realidade atual das comunidades. Elas foram entendidas desta forma devido
ao fato de que Jesus era visto apenas como um revelador de verdades espirituais
relacionadas à sabedoria divina.
2
Contudo, se confrontarmos esta visão de Jesus com o tipo de execução a ele
imposta, estaremos diante de um paradoxo, pois como seria possível um “contador de
histórias” ser executado como subversivo, e ao lado de dois condenados sociais?
Somente se detectarmos as parábolas de Jesus como discurso libertador,
poderemos entender o paradoxo acima.
Portanto, o objeto desta pesquisa é composto pelas parábolas de Jesus, com a
finalidade de demonstrar que elas carregam em si uma pedagogia libertadora e
estudaremos de modo especial as parábolas que se encontram no Evangelho de São
Lucas (Lc 12, 16-21: rico insensato; Lc 10, 29-37: bom samaritano e Lc 16, 1-8a: o
1
- Cf. Benito Marconcini. 2VHYDQJHOKRVVLQyWLFRV±IRUPDomRUHGDomRWHRORJLD. São Paulo: Paulinas,
2001. p. 203.
2
Cf. Joachim JEREMIAS. $VSDUiERODVGH-HVXV, p. 9 ss.
administrador infiel). A opção por essas parábolas está vinculada ao fato de assim
podermos abarcar ao menos três dimensões diferentes da vida humana: a religiosa, a
social e a econômica. A escolha do Evangelho de Lucas coincide com o fato de que as
pesquisas apontam as parábolas nele narradas como aquelas que melhor se aproximam
da situação de vida em que foram pronunciadas por Jesus, além do fato de este ser
considerado o evangelho dos oprimidos conforme podemos detectar nas palavras de
Jesus no início do Evangelho lucano: “2(VStULWRGR6HQKRUHVWiVREUHPLPSRUTXHHOH
PHXQJLXSDUDHYDQJHOL]DURVSREUHVHQYLRXPHSDUDSURFODPDUDUHPLVVmRDRVSUHVRV
HDRV FHJRVDU HFXSHUDomRGDYLVWDSDUDUHVWLWXLUD OL EHUGDGHDRV RSULPLGRVHSDUD
SURFODPDURDQRGHJUDoDGR6HQKRU” (Lc 4, 18-19).
A pesquisa se serve de algumas categorias da pedagogia de Paulo Freire:
6RFLHGDGH WUDQVLomR H PXGDQoD ,PHUVmR FUtWLFD RX LQWHJUDomR H LPHUVmR DOLHQDGD
&RQVFLHQWL]DomR ± FRQVFLrQFLD PiJLFD FRQVFLrQFLD LQJrQXD H FRQVFLrQFLD FUtWLFD ±
HGXFDomRGLDOyJLFDHGHQ~QFLDDQ~QFLR,e as usará como chave de leitura para analisar
algumas parábolas de Jesus, uma vez que assim como o método freireano, elas também
se apresentam como uma forma de codificação da realidade, propiciando o debate e o
desenvolvimento da habilidade de decodificação de uma realidade opressiva.
Contudo, ao nos defrontarmos com o estudo das parábolas, iluminados pela
metodologia freireana, constatamos as seguintes interrogações: elas trazem consigo uma
força intrínseca de libertação? Elas são a codificação de um contexto cultural-religioso,
sócio-histórico e político-econômico? A pedagogia de Paulo Freire é capaz de fornecer
referenciais metodológicos para uma elucidação do método adotado por Jesus nas
parábolas? É possível uma leitura das parábolas a partir da metodologia de Paulo
Freire?
Essas interrogações e, de modo especial a última, nos remetem para o âmbito da
hermenêutica bíblica e convida-nos a um exercício interpretativo de certo modo inédito
sobre as parábolas supracitadas. Trata-se de um desafio de construção de categorias de
leitura que nos remetem para um universo filosófico e metodológico amplo e profundo
no bojo do pensamento e das obras de Paulo Freire.
José Severino Croatto define ato hermenêutico como produção de sentido que
nasce da leitura a partir de um determinado lugar ou contexto e que R TXH p
YHUGDGHLUDPHQWHUHOHYDQWHQmRpRµDWUiV¶KLVWyULFRGHXPWH[WR ±RTXDOSRUFHUWRQmR
SRGHPRV UHQHJDU ± PDV VLP R VHX µDGLDQWH¶ R TXH HOH VXJHUH FRPR PHQVDJHP
SHUWLQHQWHSDUDDYLGDGDTXHOHTXHRUHFHEHRXEXVFD”.
3
Devido ao caráter polissêmico
do texto, a sua leitura é sempre exploradora. O que nega o sentido passado como único
sentido fechado. No vel propriamente interpretativo, é permitido que aconteçam
leituras a partir de diversas disciplinas sociologia, teologia, psicologia, pedagogia etc.
Toda leitura se mostra como uma “releitura” do sentido de um texto a partir de um
contexto determinado, de onde se reconstrói novos sentidos, para usar uma expressão
evangélica, “um baú de onde se retira coisas novas” .
Num segundo momento, também encontramos em Carlos Mesters que na
interpretação de um texto devemos levar em consideração três fatores misturados entre
si: RSUpWH[WRGDUHDOLGDGHRFRQWH[WRGDFRPXQLGDGHHRWH[WRRSUpWH[WRHR
FRQWH[WR GHWHUPLQDP R µOXJDU¶ GH RQGH VH Or H LQWHUSUHWD R WH[WR”.
4
Assim, vamos
encontrar a parábola na situação de vida em que foi narrada e a busca de sentido que
extraímos dela a partir da releitura feita à luz de um novo contexto.
3
José Severino CROATTO, +HUPHQrXWLFDEtEOLFD, p. 46.
4
Carlos MESTERS, )ORUVHPGHIHVD±XPDH[SOLFDomRGD%tEOLDDSDUWLUGRSRYR, p.42.
Para um exercício concreto de leitura pedagógica das parábolas percebemos que
uma afinidade entre contextos (aquele das parábolas e aquele que gerou a pedagogia
de Paulo Freire) e entre metodologias (a proposta por Freire e a praticada por Jesus).
A pedagogia de Paulo Freire e a pedagogia de Jesus apresentam ferramentas
análogas extraídas do contexto sócio-histórico para codificar a realidade e as parábolas.
Paulo Freire usou a codificação como estratégia para o seu método educacional; Jesus
usou as parábolas como uma estratégia para a sua atividade pública.
Embora estejamos lidando com épocas e pessoas diferentes, a relação entre elas
é muito grande: ambos realizam uma práxis educativa visando a libertação dos
oprimidos a partir de contextos históricos semelhantes divisão de classes que torna
imensa a distância entre os grupos sociais, situação de opressão política com influências
do colonialismo e conseqüente crescimento do número de marginalizados.
Assim, a pedagogia dos oprimidos de Paulo Freire, com sua metodologia e
categorias da conscientização, se constitui uma referência hermenêutica para
compreender a força libertadora das Parábolas de Jesus.
As parábolas se revelam como um discurso com potencial libertador, resgatando
o sujeito através de uma relação dialógica para uma imersão crítica na sua realidade e
uma emersão integradora, capaz de ajudá-lo a “pronunciar a sua própria palavra”.
A leitura dos textos de Paulo Freire abrem a possibilidade de um universo
interpretativo para o estudo da ação pedagógica de Jesus e de modo particular, de seu
método parabólico. Nesse sentido as categorias freireanas podem abrir significados
novos na prática jesuânica e, com certeza, focalizam de modo inequívoco a dimensão
pedagógica dessa prática.
Através da pesquisa bibliográfica coleta, seleção de textos, leitura crítica e
interpretação –, para se realizar um recorte hermenêutico, o que não descarta, se
necessário, mediações exegéticas, tendo como finalidade a elucidação do objeto de
pesquisa, optamos pelas seguintes categorias: categorias: sociedade: transição e
mudança; imersão crítica ou integração e imersão alienada; conscientização
consciência mágica, consciência ingênua e consciência crítica –, educação dialógica e o
binômio denúncia-anúncio.
O principais autores utilizados foram Willian R. Herzog, Bernard Brandon Scott,
Joachim Jeremias, John Dominic Crossan e Paulo Freire a partir dos seus escritos:
HERZOG, William R. Parables as subversive speech: Jesus as pedagogue of the
RSSUHVVHG. Louisville, Kentucky: Westminster / John Knox Press, 1994 (nessa obra
ficamos circuncritos à aproximação que Herzog faz entre Freire e Jesus, apresentando as
parábolas como discurso subversivo); SCOTT, Bernard Brandon +HDU WKHQ WKH
SDUDEOH D FRPPHQWDU\ RQ WKH SDUDEOHV RI -HVXV. Minneapolis: Fortress Press, 1990
(dessa obra de Scott o importante foi a semelhança com a estrutura de análise que o
método freireano utiliza como análise, através da valorização da realidade que nasce da
família, da vida e da cidade); JEREMIAS, Joachim. $VSDUiERODVGH-HVXV. ed. São
Paulo: Paulinas, 1983 (mbora seja uma obra da década de quarenta, é considerada uma
leitura clássica pelos avanços que apresenta para a análise científica do gênero literário
parábolas. Ela se apresenta como uma ponto de partida para estudos mais recentes);
CROSSAN, John Dominic. 2 -HVXV KLVWyULFR ± D YLGD GH XP FDPSRQrV MXGHX GR
PHGLWHUUkQHR. Rio de Janeiro: Imago, 1994 e ,Q 3DUDEOHV ± 7KH FKDOOHQJH RI WKH
KLVWRULFDO -HVXV. New York: Harper & Row, 1973 (o primeiro pelo excelente estudo
sobre o Jesus histórico e o segundo por ser uma obra mais recente dos estudos sobre as
parábolas, lançando novos paradigmas para a análise); CINTRA, Benedito Eliseu Leite.
3DXOR)UHLUHHQWUHRJUHJRHRVHPLWD±HGXFDomRILORVRILDHFRPXQKmR. PortoAlegre:
EDPUCRS (como obra de grande ajuda na pesquisa das categorias alçadas do
pensamento freireano em contraste com grande volume de suas obras).
De Paulo Freire fizemos opção pelas suas principais obras: 3HGDJRJLD GR
RSULPLGR. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974; (GXFDomRFRPRSUiWLFDGDOLEHUGDGH. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1969; $omRFXOWXUDOSDUDDOLEHUGDGH. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1976; &RQVFLHQWL]DomR ± WHRULD H  SUiWLFD GD OL EHUWDomR XPD LQWURGXomR DR
SHQVDPHQWRGH3DXOR)UHLUH. São Paulo: Moraes, 1980 e (GXFDomRH0XGDQoD. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1979 (essas obras serviram como referência para a pesquisa das
categorias e do método desenvolvidos por Paulo Freire).
A metodologia utilizada foi a dialética em vista de um passeio que transitava das
categorias freireanas às parábolas e das parábolas às categorias freireanas.
O primeiro capítulo contextualiza Paulo Freire, sua trajetória como educador e a
realidade de opressão em que surge o seu método como ele mesmo diz: YLYtDPRV
XPDVRFLHGDGHHPµSDUWHMDPHQWR¶TXHDSUHVHQWDYDYLROHQWRVHPEDWHVHQWUHXPWHPSR
TXH VH HVYD]LDYD FRP VHXV YDORUHV FRP VXDV SHFXOLDUHV IRUPDV GH VHU H TXH
µSUHWHQGLD¶ SUHVHUYDUVH H XP RXWUR TXH HVWDYD SRU YLU EXVFDQGR FRQILJXUDUVH”.
5
Apresenta também a forma como seu método se desenvolve e as categorias que fazem
parte do seu pensamento. A partir desses referenciais, um link é feito com o segundo
capítulo, que vem nos apresentar as parábolas como um método pedagógico que
também envolve os seus ouvintes em “circulo de cultura” para de forma dialógica
fomentar o questionamento da realidade que os envolve.
O segundo capítulo também nos situa a partir dos estudos em torno do Jesus
histórico e a importância das parábolas para se conhecê-lo, para depois nos familiarizar
com a estrutura social, política e econômica da Palestina do primeiro século somente
5
Paulo FREIRE, (GXFDomRFRPRSUiWLFDGDOLEHUGDGH, p.43.
entrarmos no mérito das parábolas enquanto método e como essa se abrirá como força
pedagógica de libertação. O evangelho de Lucas foi o escolhido para dele coletarmos as
parábolas a serem analisadas, e isto em vista do fato de que ele é quem melhor nos
aproxima da situação de vida em que elas foram pronunciadas.
O terceiro capítulo é a instrumentalização de toda a teoria explicitada nos dois
primeiros. Através da análise de três parábolas, fazemos um exercício hermenêutico de
aproximação das duas pedagogias a freireana e a jesuânica –, com a finalidade de
demonstrar o potencial libertador presente nas parábolas que de forma dialógica
interpela seus ouvintes para questionarem sua própria realidade, através de fatos
extraídos de sua própria realidade. Nesse sentido temos um desvelar da práxis
pedagógica libertadora das parábolas que também nos revela o contador e o projeto do
Reino de Deus, nos oferecendo paradigmas para perceber a semelhança entre as duas
pedagogias e o ato pedagógico imprimido por Paulo Freire e também por Jesus.
&$3Ë78/2,
$3('$* 2*,$/,%(57$'25$'(3$8/2)5(,5 (
Ao abrirmos uma perspectiva de leitura freireana da práxis libertadora de Jesus,
surge como que natural a necessidade de conhecer Paulo Freire – o homem, o método e
seu pensamento. Quanto ao homem, Paulo Freire é presença, experiência; é sujeito
imerso e emerso na realidade de forma crítica e transformadora; é grito que abala a
“cultura do silêncio” que comprime sob seu peso o marginalizado, o oprimido; é
interrogação que convida a uma releitura da prática pedagógica que existenciamos em
vista de torná-la pedagogia libertadora. Quanto ao método e seu pensamento, deixemos
falar o poeta Thiago de Mello:
&DQomRSDUDRVIRQHPDVGD$OHJULD
3HoROLFHQoDSDUDDOJXPDVFRLVDV
3ULPHLUDPHQWHSDUDGHVIUDOGDU
HVWHFDQWRGHDPRUSXEOLFDPHQWH
6XFHGHTXHVyVHLGL]HUDPRU
TXDQGRUHSDUWRRUDPRD]XOGHHVWUHODV
TXHHPPHXSHLWRIORUHVFHGHPHQLQR
3HoROLFHQoDSDUDVROHWUDU
QRDOIDEHWRGRVROSHUQDPEXFDQR
DSDODYUDWLMRORSRUH[HPSOR
HSRGHUYHUTXHGHQWURGHODYLYHP
SDUHGHVDFRQFKHJRVHMDQHODV
HGHVFREULUTXHWRGRVRVIRQHPDV
VmRPiJLFRVVLQDLVTXHYmRVHDEULQGR
FRQVWHODomRGHJLUDVVyLVJHUDQGR
HPFtUFXORVGHDPRUTXHGHUHSHQWH
HVWDODPFRPRIORUQRFKmRGDFDVD
¬VYH]HVQHPKiFDVDpVyRFKmR
0DVVREUHRFKmRTXHPUHLQD
DJRUDpXPKRPHP
GLIHUHQWHTXHDFDEDGHQDVFHU
SRUTXHXQLQGRSHGDoRVGHSDODYUDV
DRVSRXFRVYDLXQLQGRDUJLODHRUYDOKR
WULVWH]DHSmRFDPEmRHEHLMDIORU
HDFDEDSRUXQLUDSUySULDYLGD
QRVHXSHLWRSDUWLGDHUHSDUWLGD
TXDQGRDILQDOGHVFREUHQXPFODUmR
TXHRPXQGRpVHXWDPEpP
TXHRVHXWUDEDOKR
QmRpDSHQDTXHSDJDSRUVHUKRPHP
PDVXPPRGRGHDPDU±HGHDMXGDU
RPXQGRDVHUPHOKRU3HoROLFHQoD
SDUDDYLVDUTXHDRJRVWRGH-HVXV
HVWHKRPHPUHQDVFLGRp
XPKRPHPQRYR
HOHDWUDYHVVDRVFDPSRVHVSDOKDQGR
DERDQRYDHFKDPDRVFRPSDQKHLURV
DSHOHMDUQROLPSRIURQWHDIURQWH
FRQWUDRELFKRGHTXDWURFHQWRVDQRV
PDVFXMRIHOHVSHVVRQmRUHVLVWH
DTXDUHQWDKRUDVGHWRWDOWHUQXUD
3HoROLFHQoDSDUDWHUPLQDU
VROHWUDQGRDFDQomRGHUHEHOGLD
6
cf. Paulo FREIRE, (GXFDomRFRPRSUiWLFDGDOLEHUGDGH, pp.35-36
TXHH[LVWHQRVIRQHPDVGDDOHJULD
FDQomRGHDPRUJHUDOTXHHXYLFUHVFHU
QRVROKRVGRKRPHPTXHDSUHQGHXDOHU
+LVWyULDVGH3DXOR)UHLUHTXHPJRVWDGHHQVLQDU
$H[LVWrQFLDSRUTXHKXPDQDQmRSRGHVHUPXGDVLOHQFLRVDQHPWDPSRXFRSRGH
QXWULUVH GH IDOVDV SDODYUDV PDV GH SDODYUDV YHUGDGHLUDV FRP TXH RV KRPHQV
WUDQVIRUPDPRPXQGR([LV WLUKXPDQDPHQWHpSURQXQFLDUR PXQGRpPRGLILFi
OR.”.
7
Paulo Reglus Neves Freire foi um homem que “amava a vida”: ³$ SULPHLUD
FRLVDTXHWHQKRDGL]HUVREUHRTXHJRVWRGHID]HUpTXHJRVWRGHYLYHU3DUDPLPD
FRLVD IXQGDPHQWDO QD YLGDp WUDEDOKDU SDUD FULDU XPD H[LVWrQFLD TXH WUDQVERUGH GD
YLGDXPDYLGDTXHVHMDPXLWREHPSHQVDGDXPDYLGDFULDGDHUHFULDGDYLGDTXHVHMD
IHLWDHUHIHLWDQHVVDH[LVWrQFLD4XDQWRPDLV IDoRDOJXPDFRLVDPDLVH[LVWR(HXH[LVWR
FRPPXLWDLQWHQVLGDGH´
Paulo Freire nasceu em Recife, Pernambuco, no dia 19 de setembro de 1921.
Apesar de ter se formado em Direito, não exerceu a profissão, dedicando-se a projetos
de alfabetização. Trabalhou inicialmente no SESI (Serviço Social da Indústria) e no
Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife. No ano de 1958, foi que pela
primeira vez apresentou sua filosofia educacional, veiculada através de sua tese de
7
Paulo FREIRE, 3HGDJRJLDGR2SULPLGR, p. 78.
8
Idem, $OIDEHWL]DomROHLWXUDGRPXQGROHLWXUDGDSDODYUD, p. 134.
concurso para a Universidade do Recife. Essa tese estendeu-se à sua cadeira de História
e Filosofia da Educação naquela Universidade e, futuramente (1963), a Angicos, Rio
Grande do Norte, e outras cidades, onde suas primeiras experiências de alfabetização
culminaram com 300 trabalhadores rurais alfabetizados em 45 dias.
9
Em 1964 foi convidado pelo então Presidente, João Goulart, e pelo Ministro da
Educação, Paulo de Tarso C. Santos, a aplicar o método em todo o território Nacional.
Contudo, o método revelou-se audacioso demais, que viabilizava a conscientização e
o fornecimento de chaves para a leitura e escrita da libertação dos oprimidos: ³6HL
DJRUD TXH VRX FXOWR´ DILUPRX HQIDWLFDPHQWH XP LGRVR FDPSRQrV GXUDQWH XP GRV
GHEDWHVGDVV LWXDo}HVGHRQGHUHWLUDPRFRQFHLWRDQWURSROyJLFRGHFXOWXUD(DRVHOKH
SHUJXQWDU SRU TXH VH VDELD DJRUD FXOWR UHVSRQGHXFRP D PHVPD rQIDVH ³3RUTXH
WUDEDOKRHWUDEDOKDQGRWUDQVIRUPRRPXQGR´
10
Por ser capaz de conscientizar imensas massas populares, o Golpe Militar de
1964 suspendeu a Campanha Nacional de Alfabetização. Paulo Freire foi acusado de
subversivo, ficando recluso por 72 dias e depois exilado para a Bolívia de onde, poucos
dias depois, iria para o Chile.
No Instituto Chileno para a Reforma Agrária (ICIRA), ele trabalhou por 5 anos
na formação dos novos técnicos para o apoio ao processo de mudança implantado pelo
novo governo democrata-cristão de Eduardo Frei; durante esse período Paulo Freire
escreveu sua principal obra: Pedagogia do Oprimido.
Em 1969, foi para os Estados Unidos da América trabalhar como professor em
Harvard, indo no ano seguinte (1970) para Genebra, onde por 10 anos foi Consultor
Especial do Departamento de Educação do Conselho Mundial das Igrejas junto a vários
governos do Terceiro Mundo, principalmente a África.
9
cf. Carlos Rodrigues BRANDÃO, 2TXHpPpWRGR3DXOR)UHLUH, p. 18.
10
cf. Paulo, FREIRE,(GXFDomRFRPRSUiWLFDGDOLEHUGDGH, p. 118.
Somente depois de 16 anos de exílio, Paulo Freire teve finalmente retiradas as
restrições que impediam seu retorno ao Brasil, e voltou afirmando-se desejoso de “re-
aprender” o seu país.
De volta ao Brasil, lecionou na Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP) e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Iniciava-se
assim, uma fase de intensa produtividade acadêmica permeada por conferências,
orientações de teses e cursos especiais. Em 1989 assumiu o cargo de Secretário de
Educação no Município de São Paulo, o maior do país, empenhando-se na implantação
de movimentos de alfabetização, de revisão curricular e recuperação salarial dos
professores.
Muitas são as obras produzidas por Paulo Freire ou em torno da sua pessoa
livros, artigos, entrevistas, vídeos, teses etc. Dentre seus livros podemos destacar: À
sombra desta mangueira (1995); Educação como prática da liberdade (1967); Pedagogia
do oprimido (1968); Cartas à Guiné-Bissau (1975); Pedagogia da esperança (1992); Por
uma Pedagogia da pergunta (1985) em parceria com o educador chileno, também
exilado na Suíça, Antônio Faundes; “Nós fazemos o caminho, caminhando:
conversações sobre educação e mudança social”
11
(1989) com o educador norte
americano Myles Horton; Conscientização teoria e prática da libertação uma
introdução ao pensamento de Paulo Freire (1980); Pedagogia da autonomia: saberes
necessários à prática educativa (1997), seu último livro.
Entre os inúmeros prêmios recebidos encontram-se o “Prêmio UNESCO da
Educação para a Paz” (1986) e o “Prêmio de Ilustre Educador Cristão” (1985) oferecido
a ele e à sua então esposa, Elza Freire, pela Associação de Educadores Cristãos dos
Estados Unidos.
11
Título original em inglês: :H PDNH WKH URDG E\ ZDONLQJ FRQYHUVDWLRQV RQ HGXFDWLRQ DQG VRFLDO
FKDQJH”.
Paulo Freire foi um sábio que acreditou nas pessoas e num mundo mais humano,
como podemos divisar na dedicatória por ele apresentada em seu livro Pedagogia do
Oprimido: ³$RV HVIDUUDSDGRV GR PXQGR H DRV TXH QHOHV V H GHVFREUHP H DVVLP
GHVFREULQGRVHFRPHOHVVRIUHPPDVVREUHWXGRFRPHOHVOXWDP´
12
Paulo Freire morreu no dia 2 de maio de 1997, em São Paulo, vítima de um
infarto agudo do miocárdio.
$WUDQVILJXUDomRGDSDODYUD±XPDDomRPHWRGROyJLFD
³(GXFDUHHGXFDUVHQDSUiWLFDGDO LEHUGDGHQmRpHVWHQGHU DOJRGHVGHD³VHGHGR
VDEHU´DWpD³VHGHGDLJQRUkQFLD´SDUD³V DOYDU´FRPHVWHVDEHURVTXHKDELWDP
QHVWD$RFRQWUiULRHGXFDUHHGXFDUVHQDSUiWLFDGDOLEHUGDGHpWDUHIDGDTXHOHV
TXH VDEHP TXH SRXFR VDEHP ± SRU LVWR VDEHP TXH VDEHP DOJR H SRGHP DVVLP
FKHJDU D VDEHU PDLV ± HP GLiORJR FRP DTXHOHV TXH TXDVHVHPSUHSHQVDP TXH
QDGDVDEHPSDUDTXHHVWHVWUDQVIRUPDQGRVHXSHQVDUTXHQDGDV DEHPHPVDEHU
TXHSRXFRVDEHPSRVVDPLJXDOPHQWHVDEHUPDLV´.
13
O pensamento freireano tem suas raízes afetivas e intelectuais em Recife e
Jaboatão (1921 a 1964), portanto, deve ser entendido a partir do contexto em que surgiu:
a realidade do nordeste brasileiro onde metade dos seus habitantes 30 milhões eram
analfabetos, vivendo, como ele dizia, uma ‘cultura do silêncio’”.
14
(UDSUHFLVR³GDU
12
Paulo FREIRE, 3HGDJRJLDGR2SULPLGR, p. 23.
13
Paulo FREIRE, ([WHQVmRH&RPXQLFDomR, p. 25.
14
Cf. Moacir GADOTTI, 3DXOR)UHLUHXPDELRELEOLRJUDILD, p. 70.
OKHV D SDODYUD´ SDUD TXH ³WUDQVLWDVVHP´ SDUD D SDUWLFLSDomR QD FRQVWUXomR GH XP
%UDVLOTXHIRVVHGRQRGHVHXSUySULRGHVWLQRHTXHVXSHUDVVHRFRORQLDOLVPR”.
15
Vivia-se uma fase de “transição”, mas que cuja resposta necessitava levar em
consideração a “inexperiência democrática” nascida de uma sociedade fechada
colonial: “$$PpULFD/DWLQDDLQGDSUHVHUYDPXLWDVFDUDFWHUtVWLFDVKHUGDGDVGRSHUtRGR
FRORQLDO 6XD HFRQRPLD VH FRQVHUYD GHSHQGHQWH HP UHODomR DRV FHQWURV FDSLWDOLVWDV
PDLV GHVHQYROYLGRV SRLV DV WHQWDWLYDV GH SURPRYHU D LQGXVWULDOL]DomR VHPSUH
HQFRQWUDUDPREVWiFXORVGLItFHLVGHVHUHPVXSHUDGRV3RULVVRRVXEGHVHQYROYLPHQWRp
XPGRVWUDoRVPDUFDQWHVGDKLVWyULDFRQWHPSRUkQHDGRPXQGRODWLQRDPHULFDQR.”
16
A década de 50 apresentou-se como um momento histórico em que a sociedade
encontrava-se em “partejamento”
17
: XP WHPSR TXH VH ³HVYD]LDYD´ H SUHWHQGLD
SUHVHUYDUVHHQTXDQWRRXWURTXHHVWDYDSRUYLUEXVFDYDFRQILJXUDUVH”.
18
A constituição de 46 ajudou a criar um clima de liberdade de manifestação
política que não se limitou somente aos centros decisórios tradicionais, mas que também
chegou aos outros segmentos da sociedade
19
. A imprensa falada e escrita, livre da
censura, tornou-se fonte de formação da opinião pública, mesmo que muitas vezes
imbuída de um discurso moralista com finalidades eleitoreiras, no entanto sem escapar à
discussão dos problemas nacionais.
20
15
Moacir GADOTTI, 3DXOR)UHLUHXPDELRELEOLRJUDILD, p. 70.
16
ARRUDA, José Jobson de Andrade. +LVWyULDPRGHUQDHFRQWHPSRUkQHD, p. 407
17
Conforme José Jobson de Andrade Arruda, a evolução econômica se distribui da seguinte forma: 1888-
1933: nascimento e consolidação do capital industrial; 1933-1955: fase da industrialização restringida;
1955-1962: fase da industrialização pesada e 1962-1967: recessão econômica. Do ponto de vista político,
assistimos uma transição do regime populista para um período desenvolvimentista que pode ser assim
representada: 1935: início dos movimentos populistas; 1950: esgotamento dos movimentos populistas;
1955-1960: presidência de Juscelino Kubitschek; 1961: posse e renúncia de Jânio Quadros; 1964:
movimento militar que depõe João Goulart. Ibidem, pp. 426-427
18
Paulo FREIRE, (GXFDomRFRPRSUiWLFDGDOLEHUGDGH, p.43.
19
Como exemplo podemos citar a mudança de rumo das atitudes da JUC (Juventude Universitária
Católica) que estavam restritas ao domínio “espiritual” – retiros, formação espiritual, peregrinações,
cursos de cultura católica, serviços religiosos na Universidade etc, para o engajamento em projetos sociais
concretos e discussões sobre a realidade nacional brasileira. Cf. Richard, Pablo. Morte das cristandades e
nascimento da Igreja. p. 153.
20
Cf. Vera BARRETO, 3DXOR)UHLUHSDUDHGXFDGRUHVp. 83.
O governo de Juscelino Kubitschek imprimiu o desenvolvimentismo como
bandeira de governo, levando consigo uma adesão significativa da intelectualidade da
época, composta por universitários, clero, sindicalistas e outros.
Vera Barreto nos apresenta dois pontos importantes em relação a esse estágio de
transição da sociedade: 2SDtVYLYLDXPFOLPDGHPXGDQoDVHDHGXFDomRFRPHoDYDD
VHU YLVWD FRPR LQVWUXPHQWR LPSRUWDQWH GHVWDV WU DQVIRUPDo}HV”; e (PERUD VH
DFUHGLWDVVH QR GHVHQYROYLPHQWR FRPR IRUPD GH VXSHUDomR GD PLVpULD HUD IiFLO
SHUFHEHU TXH SURIXQGDV PRGLILFDo}HV SROtWLFDV HUDP IXQGDPHQWDLV SDUD TXH R
FUHVFLPHQWR HFRQ{PLFR QmR EHQHILFLDVVH DSHQDV RV PHVPRV GH VHPSUH 3DUD LVWR
VHWRUHV SURJUHVVLVWDV DVSLUDYDP j DPSOLDomR GR SRGHU SRSXODU 2V RUJDQLVPRV
HVWXGDQWLV81(8%(68((VHWFFRPHoDUDPDGHVHQYROYHUXPDSROtWLFDGHDOLDQoDV
FRPVLQGLFDWRVGHRSHUiULRVWUDEDOKDGRUHVUXUDLVRUJDQL]Do}HVGHFDERVHVDUJHQWRV
HWF”.
21
Em meio a esse contexto de início dos anos 60 é que Paulo Freire vai buscar
uma resposta no campo da pedagogia capaz de corresponder aos anseios do homem às
condições dessa fase de transição brasileira: 5HVSRVWDTXHOHYDVVHHPFRQVLGHUDomRR
SUREOHPD GR GHVHQYROYLPHQWR HFRQ{PLFR R GD SDUWLFLSDomR SRSXODU QHVWH PHVPR
GHVHQYROYLPHQWR R GD LQVHUomR FUtWLFD GR KRPHP EUDVLOHLUR QR SURFHVVR GH
µGHPRFUDWL]DomRIXQGDPHQWDO¶TXHQRVFDUDFWHUL]DYD.
22
A visão sociológica de Paulo Freire da realidade – suas estruturas e o movimento
de transição –, que o impeliu a uma busca da superação da crise de valores e temas
tradicionais da sociedade, para que se propiciasse a ela um não mais ser objeto, mas sim
sujeito de sua própria realidade, o colocou frente a um método que construído pelo
diálogo de homens e mulheres entre si e com o mundo: 3DXOR)UHLUH HQWUHODoDQGR
21
Vera BARRETO, 3DXOR)UHLUHSDUDHGXFDGRUHVpp. 84-85.
22
Paulo FREIRE, (GXFDomRFRPRSUiWLFDGDOLEHUGDGH, p.93.
WHPDV FULVWmRV H PDU[LVWDV H UHIHULQGRVH D %XEHU +HJHO H 0DU[ )UHLUH UHWRPD D
UHODomRRULJLQiULDHQWUH GLDOpWLFDH GLiORJRH GHILQHD HGXFDomRFRPRD H[SHULrQFLD
EDVLFDPHQWHGLDOpWLFDGDOLEHUWDomRKXPDQDGRKRPHPTXHSRGHVHUUHDOL]DGDDSHQDV
HPFRPXPQRGLiORJRFUtWLFRHQWUHHGXFDGRUHHGXFDQGR”.
23
Moacir Gadotti, fazendo referência ao livro “(VWXGRV )UHLUHDQRV de Carlos
Alberto Torres, define que WUrVILORVRILDVPDUFDUDPVXFHVVLYDPHQWHDREUDGH3DXOR
)UHLUHRH[LVWHQFLDOLVPRDIHQRPHQRORJLDHRPDU[LVPR&RPDGH+HJHOHD GH0DU[
3DXOR)UHLUHID]DFUtWLFDGDUHOLJLmRH GDWHRORJLDDFULWLFDGDILORVRILDHGDDOLHQDomR
SROtWLFD VRFLDO H HFRQ{PLFD 6XFHVVLYDPHQWH ± TXDVH HP I DVHV GLIHUHQWHV ± 3DXOR
DQDOLVDFRQVHTrQFLDVVRFLDLVSROtWLFDVHSHGDJyJLFDVGDVGLYHUVDVIRUPDVGHUHODomR
HQWUHRVVHUHVKXPDQRV3DXOR)UHLUHQRVIDODHPµRSULPLGRRSUHVVRU¶DQRVHP
RSUHVVmRµGHFODVVH¶DQRVHRSUHVVmRµGHJrQHURHUDoD¶DQRV”.
24
Esta perspectiva de leitura da realidade feita por Freire, também está expressa
em seu texto “Ação Cultural Libertadora”: 0LQKD SHUVSHFWLYD p GLDOpWLFD H
IHQRPHQROyJLFD (X DFUHGLWR TXH GDTXL WHPRV TXH ROKDU SDUD YHQFHU HVVH
UHODFLRQDPHQWRRSRVWRHQWUHWHRULDHSUi[LVV XSHUDQGRRTXHQmRGHYHVHUIHLWRQXP
QtYHOLGHDOLVWD'HXPGLDJQyVWLFRFLHQWtILFRGHVVHIHQ{PHQRQyVSRGHPRVGHWHUPLQDUD
QHFHVVLGDGHSDUDDHGXFDomRFRPRXPDDomRFXOWXUDO$omRFXOWXUDOSDUDO LEHUWDomRp
XPSURFHVVRDWUDYpV GR TXDODFRQVFLrQFLDGR RSUHVVRUµYLYHQGR¶QDFRQVFLrQFLDGR
RSULPLGR SRGH VHU H[WUDtGD”,
25
conforme nos remete Carlos Alberto Torres em seu
artigo “A voz do biógrafo latino-americano: uma biografia intelectual”.
Várias das suas biografias o apresentam como uma pessoa com extraordinário
gosto pelo estudo da língua, o que o levaria ao cultivo de boas leituras tais como
Carneiro Ribeiro, Ruy Barbosa, Gilberto Freyre, Graciliano Ramos, José Lins do Rego e
23
Apud. Wolfdietrich Schmied-Kowarzik, SHGDJRJLDGLDOpWLFDGH$ULVWyWHOHVD3DXOR)UHLUH, p. 69.
24
Moacir GADOTTI, 3DXOR)UHLUHXPDELRELEOLRJUDILD, p. 107.
25
Cf. Moacir GADOTTI, 3DXOR)UHLUHXPDELRELEOLRJUDILD, p. 125.
Tristão de Atayde, por quem ele passou a nutrir uma inabalável admiração
26
: $RV
DQRV SRUpP QR FXUVR SUpMXUtGLFR Mi OHUD RV µ6HU}HV *UDPDWLFDLV¶ GH &DUQHLUR
5LEHLURDµ5pSOLFD¶H Dµ7UpSOLFD¶GH5XL%DUERVDDOJXQVJUDPiWLFRVSRUWXJXHVHVH
RXWURVEUDVLOHLURVHFRPHoDDLQWURGX]LUPHHPHVWXGRVGH)LORVRILDH3VLFRORJLDGD
/LQJXDJHPHQTXDQWRPHWRUQDYDSURIHVVRUGRFXUVRJLQDVLDO,QLFLHLHQWmROHLWXUDVGH
REUDVFOiVVLFDVGDOLWHUDWXUDEUDVLOHLUDHDOJXPDVHVWUDQJHLUDV”.
27
Em seus escritos aparecerão referências a diversos autores como os quais tomou
contato em sua experiência no ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros),
conforme nos apresenta Heinz-Peter Gerhardt em seu artigo “Uma voz européia –
arqueologia de um pensamento”: EDVHDYDPVXDVLGpLDVHPVRFLyORJRVHILOyVRIRV
HXURSHXVFRPR.DUO0DQQKHLP.DUO -DVSHUV* XQQDU0\UGDOH*DEULHO0DUFHO1D
XQLYHUVLGDGH)UHLUH WLQKDPDLV FRQWDWRFRP HVVDH RXWUDV WHQGrQFLDVGRSHQVDPHQWR
EUDVLOHLURGDpSRFD1DVXDSDUWLFLSDomR QRPR YLPHQWRFDWyOLFROHLJRHOHWDPEpPOHX
FDGD YH] PDLV RV DXWRUHV GD HVTXHUGD FDWyOLFD FRPR -DFTXHV 0DULWDLQ 7KRPDV
&DUGRQQHO (PPDQXHO 0RQLHU H VHXV UDGLFDLV LQWpUSUHWHV EUDVLOHLURV $OFHX GH
$PRURVR/LPD+HQULTXH/LPD9D]+HUEHW-RVpGH6RX]DHRXWURV”.
28
Assim como também a história pedagógica já vivia há um bom tempo um
momento propício para o seu desenvolvimento WXGRGHYLGRDYiULDVFDXVDVHPSDUWH
DRUHVV XUJLPHQWRGRVHVWXGRVILORVyILFRVH SVLFROyJLFRVD SDUWLU GR VpFXOR;9,,,GH
TXHHPPXLWRVHQXWUHDSHGDJRJLD”.
29
26
Cf. Paulo FREIRE, &RQVFLHQWL]DomR±WHRULDHSUiWLFDGDOLEHUWDomRXPDLQWURGXomRDRSHQVDPHQWR
GH3DXOR)UHLUH, p. 14.
27
Ibidem.
28
Apud. Moacir GADOTTI, 3DXOR)UHLUHXPDELRELEOLRJUDILD, p. 153. Cf. também p. 153 o artigo de
Carlos Alberto TORRES, $YR]GRELyJUDIRODWLQRDPHULFDQR±XPDELRJUDILDLQWHOHFWXDO, em que ele faz
referência a outros nomes que influenciaram os membros do ISEB: J. Spengler, Alfred Weber, Max
Scheller, M. Ortega e Gasset, J. P. Sartre, M. Heidegger, Max Weber, Alfredo Pareto e Arnold Toynbee.
29
Lorezo LUZURIAGA, +LVWyULDGDHGXFDomRHGDSHGDJRJLD, p. 244.
Desta forma, o pensamento freireano em desenvolvimento, pode ser relacionado
com muitos dos educadores contemporâneos tais como: Dussel, Freinet, Rogers, Ivan
Illich e Everet Reimer, John Dewey, Vygotsky e tantos outros.
30
Em relação a Dussel, ambos trabalham com as categorias denuncio-anúncio
(situação de marginalização e de libertação), e também destacam a importância do papel
do oprimido na sua luta pela liberdade.
31
Freinet e Freire prezam a capacidade de o aluno organizar sua própria
aprendizagem. Assim como, embora divergindo em muitos outros pontos, ele e Rogers
se identificam no que concerne à visão do aluno como uma pessoa inteira feita pela
educação.
2TXHDSHGDJRJLDGH3DXOR)UHLUHDSURYHLWDGRSHQVDPHQWRGH-RKQ'HZH\p
DLGpLDGHµDSUHQGHUID]HQGR¶RW UDEDOKRFRRSHUDWLYRDUHODomRHQWUHWHRULDHSUiWLFD
R PpWRGR GH L QLFLDU R WUDEDOKR HGXFDWLYR SHOD IDOD OLQJXDJHP GR DOXQR”. Um dos
pontos que os diferem é a noção de cultura, uma vez que, para Freire, a educação deve
visar à mudança estrutural social opressiva, enquanto que Dewey o envolve a
problemática social, racial e étnica.
32
Por fim, e isto porque não é nosso objetivo uma reconstituição da história da
pedagogia e sua relação com a pedagogia freireana, podemos também dizer que em
Vygotsky e Freire encontramos uma ênfase nas mudanças sociais, embora o primeiro
faça um recorte psicológico, e o segundo pedagógico, embora ambos enfocando a
conquista da palavra mediante a conquista da história.
Muitos seriam os exemplos de seu pensamento que poderíamos citar, mostrando
uma relação com as outras pedagogias na forma como elas se aproximam ou se
30
Cf. Apud.Moacir GADOTTI. $YR]GRELyJUDIREUDVLOHLUR±DSUiWLFDjDOWXUDGRVRQKR, p.88
31
Ibidem.
32
Cf. Apud. Ibidem p. 92.
distanciam; no entanto, basta-nos inferir o valor a contribuição e valor do pensamento
freireano para a educação na pós-modernidade.
Paulo Freire era antes de tudo um educador, e foi por essa visão que se recusou a
uma idéia tradicional de educação que sustentasse qualquer sistema de opressão. Nesse
contexto, suas reflexões tomaram um rumo que depois acompanharam todo o seu
trabalho assinalado não pela dicotomia educador x educando, mas pela educação
dialógica e critica:³2VHGXFDGRUHVQmRW HUmRr[L WRDWXDQGRVR]LQKRVWrPGHWUDEDOKDU
HPFRODERUDomRDILPGHVHUHPEHPVXFHGLGRVQDLQWHJUDomRGRVHOHPHQWRVFXOWXUDLV
SURGX]LGRV SHORV DOXQRV VXEDOWHUQRV HP VHX SURFHVVR HGXFDWLYR )LQDOPHQWH HVVHV
HGXFDGRUHV WrP TXH LQYHQWDU H FULDU PpWRGRV FRP RV TXDLV XWLOL]HP DR Pi[LPR R 
HVSDoROLPLWDGRGHPXGDQoDSRVVtYHOTXHWrPDVHXGLVSRU3UHFLVDPXWLOL]DURXQLYHUVR
FXOWXUDOGHVHXVDOXQRVFRPRSRQWRGHSDUWLGDID]HQGRFRPTXHHOHVVHMDPFDSD]HVGH
UHFRQKHFHUVHFRPRSRVVXLGRUHVGHXPDLGHQWLGDGHFXOWXUDOHVSHFtILFDHLPSRUWDQWH´
O método desenvolvido por ele não se apresentava marcado por um objetivo
excluvista-político, mas sim em vista de uma ruptura com a situação de marginalidade
em que se encontravam as massas.
Paulo Freire é o homem do diálogo e no diálogo HQFRQWUDRVHQWLGRGRRXWUR
TXHpD SUySULDH[SHULrQFLD IXQGDPHQWDODVHUYLYLGDHPVXDSHGDJRJLD
34
: DWHQGHQGR
jLUUHVLVWtYHOYRFDomRGHSDLGHIDPtOLDFDVHLPHFRP(O]D&RPHODSURVVHJXL
R GLiORJRTXH DSUHQGHUD FRP PHXV SDLV 'H QyV YLHUDPFLQFRILOKRV  FRP TXHP
DPSOLDPRVDQRVVDiUHDGLDORJDO7UDEDOKDQGRQXPGHSDUWDPHQWRGH6HUYLoR6RFLDO
VHEHPTXHGRWLSRDVVLVWHQFLDO±6(6,UHSHWLPHXGLiORJRFRPRSRYRVHQGRMiXP
KRPHP”.
35
33
Paulo FREIRE. $OIDEHWL]DomROHLWXUDGRPXQGROHLWXUDGDSDODYUDS
34
Benedito Eliseu Leite CINTRA, 2VHQWLGRGRRXWURHP3DXOR)UHLUH, p. 153.
35
Paulo FREIRE, &RQVFLHQWL]DomRWHRULDHSUiWLFDGDOLEHUWDomR±XPDLQWURGXomRDRSHQVDPHQWRGH
3DXOR)UHLUH, p. 15.
Portanto, encontramos o pedagogo imerso na sua realidade, com ela dialogando,
para emergir dela de forma crítica, conforme nos diz Weffort na apresentação do livro
(GXFDomRFRPR SUiWLFDGD/LEHUGDGH”: “o autor não é um mero espectador na história
de seu povo, de modo que as idéias aqui apresentadas trazem, claras e explicitas, as
marcas da experiência vivida pelo Brasil nestas últimas décadas”
36
RX DLQGD “este
ensaio educacional (...) se acha impregnado das condições históricas que lhe deram
origem. Constitui, em ampla medida, uma reflexão sobre a experiência do autor e de seu
povo na última etapa da história brasileira”.
37
Para que esse método ganhasse forma, primeiro foi preciso responder a dois
questionamentos básicos: Qual seria o conteúdo do diálogo a ser sugerido aos grupos de
alfabetização? Qual seria o conteúdo programático da educação desejada?$RUHVSRQGHU
esses questionamentos os primeiros passos do método foram dados, e assim podemos
apresentá-los:
1) Coleta de palavras a partir do universo vocabular e da sociedade onde vive o
alfabetizando. Essas palavras – denominadas palavras geradoras, porque através da
combinação de seus elementos básicos propiciam a formação de outras –, juntamente
com os temas centrais de sua biografia, uma vez transfigurados a ele retornam como
ação transformadora do mundo. Este levantamento não é feito apenas pelo educador,
mas em parceria com o educando, através de encontros informais com os moradores da
área a ser abrangida;
2) A partir das palavras pesquisadas, faz-se a escolha GDTXHODVTXHWUD]HPHPVLXPD
PDLRUµSHUFHQWDJHP¶GHFULWpULRVVL QWiWLFRSRVVLELOLGDGHGHULTXH]DIRQpWLFDJUDXGH
GLILFXOGDGHIRQpWLFDFRPSOH[DGHµPDQLSXOLGDGH¶GRVFRQMXQWRVGHVLQDLVVLOiELFRVHWF
VHPkQWLFRPDLRURXPHQRUµLQWHQVLGDGHGRYtQFXORHQWUHDSDODYUDHRVHUTXHGHVLJQD
36
Idem, Educação como prática da liberdade, p. 11.
37
Ibidem.
PDLRURXPHQRUDGHTXDomRHQWUHDSDODYUDHRVHUGHVLJQDGRHSUDJPiWLFRPDLRURX
PHQRUFDUJDGHFRQVFLHQWL]DomRTXHDSDODYUDWUD]SRWHQFLDOPHQWHRXRFRQMXQWRGH
UHODo}HVVyFLRFXOWXUDLVTXHDSDODYUDFULDQDVSHVVRDVRXJUXSRVTXHDXWLOL]DP´
38
3) Estas palavras são primeiro enfocadas a partir de situações (pintadas ou fotografadas)
em ordem crescente de dificuldades fonéticas. Com a ajuda do coordenador que
informações quando solicitadas pelos respectivos participantes –, essas situações
(codificadas) são descodificadas pelo grupo através de debates em torno delas. Esta fase
do método revela-se como momento de conscientização em relação aos problemas
individuais, locais, regionais e nacionais, ao mesmo tempo em que propicia a
formulação de um conceito antropológico de cultura.
Pelo debate a partir de uma estrutura de superfície (a situação codificada), o
alfabetizando mergulha numa descoberta da estrutura profunda, e essa não visível, mas
TXHHPHUJHQDP HGLGDHPTXHDOHLWXUDGDFRGLILFDomRJDQKDHVVDGLPHQVmRYHUWLFDO
FRPRDSRQWD 3DXOR )UHLUH HP 3HGDJRJLDGR 2SULPLGR 'HVFREULUHPVH DWUDYpV GH
XPDPRGDOLGDGHGHDomRFXOWXUDOGLDOyJLFDSUREOHPDWL]DGRUDGHVL PHV PRV HPVHX
HQIUHQWDPHQWR FRPRPXQGRVLJQLILFDQXPSULPHLURPRPHQWRTXHVHGHVFXEUDP±RX
VHGHVFREULUHP±FRPR3HGUR$QW{QLRRX-RVHIDFRPDVLJQLILFDomRSURIXQGDTXHWHP
HVWDGHVFREHUWD0XQGRKRPHQVFXOWXUD iUYRUHWUDEDOKRDQLPDOLUmRDVVXPLQGR
DVLJQLILFDomRYHUGDGHLUDTXHQmRWLQKDP”.
39
4) De posse de todo o material coletado e elaborado (palavras geradoras um máximo
de 16 a 23 –, e das figuras pintadas ou fotografadas que revelam a situação sociológica
do alfabetizando), os coordenadores de debate elaboram as fichas auxiliares que darão
38
Jarbas MACIEL. $ IXQGDPHQWDomR WHyULFD GR VLVWHPD GH 3DXOR )UHLUH GH HGXFDomR GH DGXOWRV in
Paulo FREIRE, ( GXFDom RH0XGDQoD, pp. 74 -75.
39
Paulo FREIRE, 3HGDJRJLDGR2SULPLGR, p. 175.
encaminhamento aos círculos de cultura
40
, embora essas devam funcionar como simples
sugestão e nunca como um elemento normativo.
5) Após apresentar ao rculo de Cultura a situação sociológica mediada pelas figuras
que trazem, implicitamente, a palavra que revela o contexto social dos alfabetizandos,
ela é apresentada em sua representação gráfica (junto com a figura), através de uma
outra projeção, cartaz ou fotograma – trata-se de uma visualização e não de uma
memorização puramente mecânica. Palavra e objeto têm, assim, aos olhos do educando,
estabelecido seu vínculo semântico. Chega o momento de apresentar a palavra geradora,
agora sem o objeto que ela representa. Em seguida a mesma palavra é apresentada
separada em suas sílabas, que o alfabetizando chama geralmente de “pedaços”.
41
As “famílias fonéticas” que compõem a palavra geradora passam a ser estudadas
isoladamente, para depois ser representadas em conjunto. Nesta fase do método, o
alfabetizando descobre o mecanismo da formação vocabular de uma língua silábica
como a nossa. Podemos exemplificar da seguinte forma:
Após a palavra geradora “comida” ter sido debatida a partir da figura da situação
sociológica que a representa e visualizada dentro dessa situação; depois de ter sido
apresentada em seus “pedaços”, começa-se o reconhecimento, isoladamente da sua
“família fonética”: ca-ce-ci-co-cu. Segue-se a segunda família fonética: ma-me-mi-mo-
mu e assim também com a sílaba seguinte, finalizando com a apresentação da “Ficha da
descoberta”
42
onde as três “famílias fonéticas” são apresentadas juntas. Faz-se a leitura
horizontal e vertical das sílabas para o reconhecimento dos sons vocais da palavra:
40
Em (GXFDomR H 0XGDQoD, nota de roda 14, p. 75 podemos ler a seguinte observação:
³6XEVWLWXtPRVDHVFRODQRWXUQDWUDGLFLRQDOSDUDDGXOWRVTXHWLQKDFRQRWDomRSDVVLYDHPFRQWUDGLomR
FRPRFOLPDLQWHQVDPHQWHGLQkPLFRGDWUDQVLomREUDVLOHLUDSHOR&tUFXORGH&XOWXUDRSURIHVVRUTXDVH
VHPSUH GR DGRU SHOR FRRUGHQDGRU GH GHEDWH R DOXQR SHOR SDUWLFLSDQWH GR JUXSR D FODVVH SHOR
GLiORJR´
41
cf. Paulo FREIRE, (GXFDomRFRPRSUiWLFDGDOLEHUGDGH, p. 124.
42
cf. Idem, (GXFDomRH0XGDQoD, p. 76.
Ca
-
ce
-
ci
-
co
-
cu
M
a
-
me
-
mi
-
mo
-
mu
Da
-
de
-
di
-
do
-
du
A partir dessa descoberta, os alfabetizandos começam a criar palavras com as
combinações à sua disposição: “cama”, “camada”, “dedo”, “medo”, “come” etc.
Como podemos perceber, o método não se apresenta como algo estranho ao mundo
psicossociológico do alfabetizando, pois parte da substituição dos elementos reais da
sua existência por elementos simbólicos que não os descartam, mas que os reforçam por
meio da ilustração. Ao tomar consciência lúcida dos seus problemas, a leitura se oferece
como porta de entrada em um novo mundo cultural simbolizado pela escrita.
$VVLP DR REMHWLYDU XPD SDODYUD JHUDGRUD ± tQWHJUD SULPHLUR H GHSRLV
GHFRPSRVWDHPVHXVHOHPHQWRVV LOiELFRV±RDOIDEHWL]DQGRMiHVWiPRWLYDGRSDUDQmR
VyEXVFDURPHFDQLVPRGHVXDUHFRPSRVLomRHGDFRPSRVLomRGHQRYDVSDODYUDVPDV
WDPEpPSDUDHVFUHYHUVHXSHQVDPHQWR”.
43
O que se oferece ao educando não é apenas uma nova técnica que ele não deseja
ou cuja utilidade desconhece, mas um instrumento que se propõe como solução para os
seus problemas
44
, já que ao dizer sua palavra, ele se humaniza, assume sua condição
humana, historiciza-se, tornando-se capaz de produzir-conquistar sua real forma
humana.
45
43
Paulo FREIRE, 3HGDJRJLDGR2SULPLGR, p. 12.
44
cf. Lauro de Oliveira LIMA, 0pWRGR 3DXOR )UHLUH SURFHVVR GH DFHOHUDomR GH DOIDEHWL]DomR GH
DGXOWRV, p. 176.
45
cf. Paulo FREIRE, 3HGDJRJLDGR2SULPLGR, p. 13.
$SUHQGHQGRDSURQXQFLDUDSDODYUDPXQGR±DOJXPDVFDWHJRULDV GR
SHQVDPHQWRIUHLUHDQR
³1LQJXpPHGXFDQLQJXpPQLQJXpPHGXFDDVLPHVPRRVKRPHQVVHHGXFDPHQWUH
VLPHGLDWL]DGRVSHORPXQGR´
46
Paulo Freire é um pensador comprometido com a vida: não pensa idéias, pensa a
existência.
47
No pensamento freireano o homem não pode ser visto como objeto, mas sim
como sujeito da realidade, e por isso exige um exercitar a constante do redescobrir-se,
imergindo na realidade para dela emergir como homem livre, capaz de exercer sua
capacidade criadora o para a opressão, mas como caminho para o diálogo que gera
comunhão e libertação: “pro-vocação” humana.
Assim, vamos apresentar os seguintes tópicos:
6RFLHGDGHWUDQVLomRHPXGDQoD±DGDQoDGDKLVWyULD
3DUDVRFLHGDGH ± WUDQVLomRHPXGDQoDSRGHPRVOHUGH)UDQFLVFR&:HIIRUW
2WUkQVLWRpRWHPSRGHFULVHGD³VRFLHGDGHIHFKDGD´XPWHPSRGHRSo}HVHGHOXWD
HQWUHRVYHOKRVHRVQRYRVWHPDVKLVWyULFRVRQGHVHDQXQFLDPWHQGrQFLDVjGHPRFUDFLD
3DXOR)UHLUHFRPSUHHQGHFODUDPHQWHTXHKiXPDIXQGDUXSWXUDHQWUHRSDVVDGRH
RIXWXURDPERVSUHVHQWHVHFRQIOLWDQWHVQHVWDHWDSDGHWUDQVLomR
48
46
Paulo FREIRE, 3HGDJRJLDGRRSULPLGR p. 68.
47
Ibidem, p. 9.
48
Francisco C. WEFFORT, (GXFDomR H 3ROtWLFD ± UHIOH[}HV VRFLROyJLFDV VREUH XPD SHGDJRJLD GD
OLEHUGDGH, apud Paulo FREIRE, (GXFDomRFRPRSUiWLFDGDOLEHUGDGH, p. 24.
A sociedade encontra-se à procura de novos temas e novas tarefas em
substituição daqueles que se esvaziaram. Porém, se todo trânsito é mudança, nem toda
mudança é trânsito, que trânsito (passagem de uma época para outra) é marcado pelo
surgimento de novos temas em substituição dos temas que tiveram sua significação
esvaziada, o que altera a unidade de tempo histórico. A mudança, enquanto categoria, se
verifica no próprio sistema normal de alterações sociais (não é perda de sentido, mas
busca de plenitude), provocadas pelo homem em vista do desenvolvimento dos próprios
temas. Entretanto, como se apresenta como momento de opções, já que a sociedade tem
que se dirigir para o ontem (enquanto manutenção) ou para o amanhã que se anuncia
hoje, é próprio desse tempo uma imersão nele, sendo que as possibilidades podem surgir
como imersão crítica ou integração – resposta concreta ao desafio; como imersão
alienada ou acomodação ou ainda como emersão na idealidade universal crítica ou
emersão alienada.
D ,PHUVmRFUtWLFDRXLQWHJUDomRHLPHUVmRDOLHQDGD
3DUDDFDWHJRULDdeLPHUVmRFUtWLFDRXLQWHJUDomRpodemos ler de Paulo Freire a
necessidade de conhecer as condições reais do homem (infra e supra-estruturas), para
melhor transformá-las, já que são essas estruturas que condicionam sua consciência e
atitudes VHPSUH LQVLVWR HP TXH DV SDODYUDV SDUD RUJDQL]DU R SURJUDPD GH
DOIDEHWL]DomRGHYHPYLUGRXQLYHUVRYRFDEXODUGRVJUXSRVSRSXODUHVH[SUHVVDQGRVXD
UHDO OLQJXDJHP VHXV DQVHLRV VXDV LQTXLHWDo}HV VXDV UHLYLQGLFDo}HV VHXV VRQKRV
'HYHP YLU FDUUHJDGDV GD V LJQLILFDomR GH VXD H[SHULrQFLD H[LVW HQFLDO H QmR GD
H[SHULrQFLD GR HGXFDGRU $ SHVTXLVD GR TXH FKDPDYD XQLYHUVR YRFDEXODU QRV GDYD
DVVLPDVSDODYUDVGRSRYRJUiYLGDVGHPXQGR
49
Paulo FREIRE, $LPSRUWkQFLDGRDWRGHOHU, p. 20.
A imersão crítica ou integração contextualiza o homem, tornando-o enraizado
(homem sujeito), o que dificulta a sua massificação. Integração não significa
acomodação, que resulta da capacidade de ajustar-se à realidade acrescida da de
transformá-la a que se junta a realização de uma opção, cuja nota fundamental é a
criticidade.
50
Em LPHUVmR DOLHQDGD encontramos o homem que, não podendo alterar a
realidade, acomoda-se, ajusta-se; a ela adapta-se. Não apresenta atitude crítica, mas
consciência ingênua ou mágica (essas categorias serão tratadas quando abordarmos o
item conscientização). Busca as causas do seu estado nas formas mais vegetativas de
vida: entidades superiores, no ativismo não crítico, no gregarismo enquanto fruto de
uma introjeção de autodesvalia e na “cultura do silêncio” propiciada pelo mutismo
frente à realidade tendo em vista os interesses assistencialistas, massificação e
mitificação da realidade. É um quase incompromisso entre o homem e a sua
existência.
51
E (PHUVmRQDLGHDOLGDGHXQLYHUVDO
Para HPHUVmRFUtWLFD tomamos de Paulo Freire2KRPHPFKHJDDVHUVXMHLWR
SRUXPDUHIOH[mRVREUHVXDVLWXDomRVREUHVHXDPELHQWHFRQFUHWR4XDQWRPDLVUHIOHWLU
VREUH D UHDOLGDGH VR EUH VXD VLWXDomR PDLV HPHUJH SOHQDPHQWH FRQVFLHQWH
FRPSURPHWLGRSURQWRDLQWHUYLUQDUHDOLGDGHSDUDPXGiOD
52
As transformações infra-estruturais (econômica e social) de uma “sociedade
fechada” promovem uma mudança de consciência, antes intransitiva, para transitivo
ingênuo, o que corresponde a um novo estágio, porém cujas interpretações dos
50
cf. Paulo FREIRE,( GXFD omRFRPRSUiWLFDGDOLEHUGDGH, p. 50.
51
cf. Idem, (GXFDomR FRPRSUiWLFDGD OLEHUGDGH, pp. 50.67 e Benedito Eliseu Leite CINTRA, 3DXOR
)UHLUHHQWUHRJUHJRHVHPLWD±(GXFDomRILORVRILDHFRPXQKmR, pp. 49-52.
52
Idem, &RQVFLHQWL]DomR WHRULD H SUiWLFD GD OLEHUWDomR ± XPD LQWURGXomR DR SHQVDPHQWR GH 3DXOR
)UHLUH, p. 35.
problemas ainda são imbuídos de simplicidade, como uma perduração dos reflexos
percebidos na intransitividade proporcionada pela emersão alienada (reducionismo
objetivista e irrealismo idealista). Assim, para que essa transição de consciência ingênua
para crítica aconteça, faz-se necessária uma educação conscientizadora que possibilite
uma postura crítica frente à realidade: uma emersão crítica.
Encontramos em Paulo Freire, para a categoria HPHUVmR DOLHQDGD, o
UHGXFLRQLVPRREMHWLYLVWD desenvolvido pelo sectarismo e pelo cientificismo-tecnológico
marcado pela formação altamente especializada do homem, embora veiculada por uma
postura ingênua, ou por uma atitude simplista ao afirmar a realidade de opressão do
povo como algo “natural”: $VHFWDUL]DomRWHPPDWUL]SUHSRQGHUDQWHPHQWHHPRFLRQDOH
DFUtWLFD e DUURJDQWH DQWLGLDORJDO H DQWLFRPXQLFDWLYD  2 VHFWDULVPR QDGD FULD
SRUTXHQmRDPD1mRUHVSHLWDDRSomRGRVRXW URV3UHWHQGHLPSRUDVXDTXHQmRp
RSomR PDV IDQDWLVPR”.
53
Esse tipo de emersão provoca o LUUHDOLVPR LGHDOLVWD que
desenvolve o mimetismo – lembra o afastamento do intelectual da realidade concreta do
homem para, fora dela, elaborar respostas para seus problemas, o que também se
identifica com academicismo: busca explicar os problemas através de elaboração de
conceitos, e não pela compreensão crítica do real.
54
&RQVFLHQWL]DomRDWUDQVXEVWDQFLDomRGRPHLRHPPXQGR
Paulo Freire assinala que: $FRQVFLrQFLDGHVLGRVVHUHVKXPDQRVL PSOLFDQD
FRQVFLrQFLDGDVFRLVDVGDUHDOLGDGHFRQFUHWDHPTXHVHDFKDPFRPRVHUHVKLVWyULFRVH
53
Paulo FREIRE, (GXFDomRFRPRSUiWLFDGDOLEHUGDGH, p. 59.
54
cf. Benedito Eliseu Leite CINTRA, 3DXOR )UHLUH HQWUH R JUHJR H R VHPLWD ± (GXFDomR ILORVRILD H
FRPXQKmR, pp. 57-61.
TXH HOHV DSUHQGHP DWUDYpV GH VXD KDELOLGDGH FRJQRVFLWLYD”.
55
O homem capta, de
maneira diferenciada, os dados da realidade, o que equivale dizer que QLQJXpPLJQRUD
WXGR 1LQJXpP WXGR VDEH $ DEVROXWL]DomR GD LJQRUkQFLD DGHPDLV GH VHU D
PDQLIHVWDomRGHXPDFRQVFLrQFLDLQJrQXDGDLJQRUkQFLDHGRVDEHUpLQVWUXPHQWRGR
TXHVHVHUYHDFRQVFLrQFLDGRPLQDGRUDSDUDDPDQLSXODomRGRVFKDPDGRV³LQFXOWRV”.
'RV DEVROXWLYDPHQWH LJQRUDQWHV´ TXH LQFDSD]HV GH ³GLULJLUVH´ QHFHVVLWDP GD
³RULHQWDomR´GD³GLUHomR´GD³FRQGXomR´GRVTXHFRQVLGHUDPDVLPHVPRV³FXOWRVH
VXSHULRUHV”.
56
A forma como apreende a causalidade de um fenômeno é que torna a
compreensão do homem mais crítica ou mais ingênua, sendo que, a primeira, a ele se
desvela, a partir da sua causalidade autêntica, como móvel, e, por isso, deve ser sempre
submetida à análise, enquanto que em relação à segunda, isso não é necessário, uma vez
que essa causalidade é entendida de caráter estático. Deste modo, podemos apresentar:
consciência mágica, consciência ingênua e consciência crítica.
D A FRQVFLrQFLD PiJLFD simplesmente capta os fatos, conferindo a eles um
poder superior, que a domina de fora, e por isso a ele tem que submeter-se.
E A FRQVFLrQFLD LQJrQXD é uma nova situação em que se encontra a
consciência. É despertada automaticamente quando a sociedade realiza uma “transição”
de uma época para outra. É denominada ingênua, porque se crê superior aos fatos,
dominando-os de fora e, por isso, se julga livre para entendê-los conforme melhor lhe
agradar (esse tipo de consciência desperta o risco da massificação do comportamento, a
não superação do passado – por considerá-lo melhor –, o simplismo na interpretação dos
problemas, discurso mais emotivo que crítico, fortes compreensões gicas e tendência
55
Paulo FREIRE, $OJXPDVQRWDVVREUHconscientização, apud $omR&XOWXUDOSDUDDOLEHUGDGHHRXWURV
HVFULWRV, p. 171.
56
Idem, (GXFDomRFRPRSUiWLFDGDOLEHUGDGH, p. 113.
ao fanatismo ou sectarismo). Carece de um processo crítico de conscientização para ser
superada.
F A respeito da FRQVFLrQFLD FUtWLFD, escreve Paulo Freire: e DQVHLR GH
SURIXQGLGDGH QD DQiOLVH GH SUREOHPD 1mR VH VDWLVID] FRP DV DSDUrQFLDV  e
LQWHQVDPHQWHLQTXLHWD7RUQDVHPDLVFUtWLFDTXDQWRPDLVUHFRQKHFHHPVXDTXLHWXGHD
LQTXLHWXGHHYLFHYHUVD6DEHTXHpQDPHGLGDTXHpHQmRSHORTXHSDUHFH2HVVHQFLDO
SDUDSDUHFHUpVHUDOJRpDEDVHGDDXWHQWLFLGDGHeLQGDJDGRUDLQYHVWLJDIRUoD
FKRFDDPDRGLiORJRQXWUHVHGHOH)DFHDRQRYRQmRUHSHOHRYHOKRQHPDFHLWDR
QRYRSRUVHUQRYRPDVDFHLWDRVQDPHGLGDHPTXHVmRYiOLGRV”.
57
Desperta, por ser
conscientização, a capacidade criadora do homem.
A FDSDFLGDGHFULDGRUD em Paulo Freire se apresenta vinculada a alfabetização-
conscientização: 3HQViYDPRVQXPDDOIDEHWL]DomRTXHIRVVHHPVLXPDWRGHFULDomR
FDSD] GH GHVHQFDGHDU RXWURV DWRV FULDGRUHV 1XPD DOIDEHWL]DomR HP TXH R KRPHP
SRUTXHQmRIRVV HV HXSDFLHQWHVHXREMHWRGHVHQYROYHVVHDLPSDFLrQFLDDYLYDFLGDGH
FDUDFWHUtVWLFDGRVHVWDGRVGHSURFXUDGHLQYHQomRHUHLQYHQomR”.
58
A capacidade criadora surge como conseqüência de uma conscientização.
Assim, o homem possibilita historicizar-se, transformar os esquemas rígidos de
pensamento, transubstanciando o meio físico em mundo. Tornando-se autobiográfico.
(GXFDomROLEHUWDGRUD±DKXPDQL]DomRGRSURFHVVR
Quando o homem toma consciência da sua realidade, não quer dizer que já esteja
apto para mudá-la, pois isto implica em não somente conhecê-la, mas também pensá-la.
57
cf. Paulo FREIRE, (GXFDomRH0XGDQoD, p. 112-113.
58
Idem, (GXFDomRFRPRSUiWLFDGDOLEHUGDGH, p.112.
Ao gosto de Paulo Freire, conscientização é sempre adquirida mediante a associação
reflexão-práxis. “2 HVIRUoR GH FRQVFLHQWL]DomR TXH LGHQWLILFD FRP D SUySULD DomR
FXOWXUDOSDUDDOLEHUGDGHpRSURFHVVRSHORTXDOQDUHODomRVXMHLWRREMHWRR VXMHLWRVH
WRUQDFDSD]GHSHUFHEHUHPW HUPRVFUtWLFRVDXQLGDGHGLDOpWLFDHQWUHHOHHRREMHWR
3RULVWRPHVPRQmRKiFRQVFLHQWL]DomRIRUDGDSUi[LVIRUDGDXQLGDGH WHRULDSUiWLFD
UHIOH[mRDomR”.
59
Daí decorre a necessidade de uma educação não bancária, que tenha
no homem não um sujeito paciente do processo, mas agente; uma educação que seja ato
de amor e coragem, não temendo o debate, a análise da realidade nem a discussão
criadora, para que o homem possa pronunciar a sua própria palavra.
1) A categoria freireana, HGXFDomRGLDOyJLFD, nos apresenta:
D GLiORJR: p R HQFRQWUR HQWUH KRPHQV PHGLDWL]DGRV SHOR PXQGR SDUD
GHVLJQDOR”.
60
O diálogo é quase que uma necessidade intrínseca à própria pedagogia que visa a
superação da situação do oprimido. Ele é exigência existencial e não pode reduzir-se a
um ato de depositar idéias de um sujeito no outro, ou simples trocas de idéias, mas
encontro de homens comprometidos a pronunciar o mundo ato criador que se
evidencia mediante o profundo amor ao mundo e aos homens.
61
Assim, seu contrário,
antidialogicidade, na prática educativa, é sinônimo de opressão; implica numa relação
vertical entre A e B. Não comunica; faz comunicados. Em diálogo, RV VXMHLWRV VH
HQFRQWUDPSDUDDSURQ~QFLDGRPXQGRSDUDDWUDQVIRUPDomRGRPHVPR”.
62
Diálogo
exige amor ao mundo e aos homens; exige fé intensa no homem, no seu poder de fazer e
59
Paulo FREIRE, &RQVFLHQWL]DomRHOLEHUWDomRXPDFRQYHUVDFRP3DXOR )UHLUH, apud $omR&XOWXUDO
SDUDDOLEHUGDGHHRXWURVHVFULWRV, p. 163.
60
Ibidem, p. 82.
61
cf. Idem, 3HGDJRJLDGR2SULPLGR, p. 79.
62
Ibidem, p. 166.
refazer, criar e recriar, humanizar. Não pode existir sem humildade, esperança (como
força motriz da busca humana) e solidariedade.
63
E HGXFDGRUHGXFDQGR e HGXFDQGRHGXFDGRU. Não sujeição, em ambos os
casos, em relação ao primeiro sobre o segundo, ou vice-versa, mas sim partilha como
processo em que crescem juntos: 2HGXFDGRUMiQmRpRTXHDSHQDVHGXFDPDVRTXH
HQTXDQWRHGXFDpHGXFDGRHPGLiORJRFRPRHGXFDQGRTXHDRVHUHGXFDGRWDPEpP
HGXFD´ 2X DLQGD ³1LQJXpPHGXFD QLQJXpPFRPR WDPSRXFRQLQJXpPHGXFDD VL
PHVPRRVKRPHQVVHHGXFDPHPFRPXQKmRPHGLDWL]DGRVSHORPXQGR”.
65
F Pela educação dialógica o homem aprende a dizer sua SDODYUD, instaurando o
mundo dele; transformando-o. Paulo Freire assinala que a palavra não se revela apenas
como pensamento, mas também como práxis, aproximando o homem não da técnica
escrita, mas também da pronúncia da sua própria existência: 'L]HUVXD SDODYUDSRU
LVVRPHVPRQmRpDSHQDVGL]HU³ERPGLD´RXVHJXLUDVSUHVFULo}HVGRVTXHFRPVHX
SRGHU FRPDQGDP H H[SORUDP 'L]HU D SDODYUDp ID]HU KLVWyULD H SRU HOD VHU IHLWR H
UHIHLWR$VFODVVHVGRPLQDGDVVLOHQFLRVDVHHVPDJDGDVVyGL]HPVXDSDODYUDTXDQGR
WRPDQGRDKLVWyULDHPVXDVPmRVGHVPRQWDPRVLV WHPDRSUHVVRUTXHDVGHVWUyLeQD
SUi[LVUHYROXFLRQiULDFRPXPDOLGHUDQoDYLJLODQWHHFUtWLFDTXHDVFODVVHVGRPLQDGDV
DSUHQGHPDSURQXQFLDU´VHXPXQGRGHVFREULQGRDVVLPDVYHUGDGHLUDVUD]}HVGHVHX
VLOrQFLR DQWHULRU”.
66
Por não restringir-se à palavra escrita ou falada, e revelar-se
também como existência humana, a palavra transcende a sua significação; faz-se
história. A palavra que nasce da leitura do mundo palavramundo –, é transbordante de
vida e tem sua continuidade na leitura na palavra escrita, abrindo-se para novas
63
cf. Paulo FREIRE, &RQVFLHQWL]DomR WHRULDHSUiWLFDGDOLEHUGDGH±XPDLQWURGXomRDRSHQVDPHQWRGH
3DXOR)UHLUH, pp. 83 – 84.
64
Idem, 3HGDJRJLDGR2SULPLGR, p. 68.
65
Ibidem, p. 69.
66
Idem, 3UHIiFLR j HGLomR $UJHQWLQD GH $ EODFN WKHRORJ\ RI OLEHUDWLRQ GH -DPHV &RQH, apud Paulo
FREIRE, $omRFXOWXUDOSDUDDOLEHUGDGHHRXWURVHVFULWRV, p. 150.
descobertas: do outro, das relações sociais que os revestem, da cultura que produzem e
da cultura que consomem.
G $FXOWXUDSDUD3DXOR)UHLUHWHPFRPHIHLWRXPVHQWLGRPXLWRGLIHUHQWHH
PXLWtVVLPRPDLVULFRGRTXHWHPQRXVRRUGLQiULR$FXOWXUD±SRURSRVLomRjQDWXUH]D
TXHQmRpFULDomRGRKRPHP±pDFRQWULEXLomRTXHRKRPHPID]DRGDGRjQDWXUH]D
$FXOWXUDpWRGRRUHVXOWDGRGDDWLYLGDGHKXPDQDGRHVI RUoRFULDGRUHUHFULDGRUGR
KRPHP GH VHX WUDEDOKR SRU WUDQVIRUPDU H HVWDEHOHFHU UHODo}HV GH GLiORJR FRP RV
RXWURV”.
67
Por isso cultura é resposta do homem aos desafios que lhe são impostos pela
natureza, assim como aquisição sistemática da experiência humana que nasce da relação
com o outro. Contudo, essa mesma cultura deve ser incorporada de forma crítica e
criadora, em vista de não dar-lhe força coercitiva para a manutenção ideológica de um
sistema opressor.
H Mediante a incorporação dessa cultura relação dialética entre o homem e a
sua realidade cultural e histórica concreta –, surge o pensamento-linguagem que, por
condicionar o homem a uma ação no meio, não pode ser apreendido sem antes ser
confrontado com a realidade. O homem deve “re-admirar” sua admiração” anterior
para produzir a negação das estruturas que podem alienar sua conduta. Isto podemos
chamar de DomRFXOWXUDOSDUDDOLEHUGDGH, ou seja, essa categoria apresenta que pela
negação de valores minimizadores do potencial criador, recriador e humanizador do
homem, a cultura é capaz de negar a cultura que aprisiona o homem. A ação cultural
para a liberdade se caracteriza pelo diálogo, buscando a conscientização humana. Ela
não coaduna com as mistificações da ideologia, nem com as simples denúncias morais
67
Paulo FREIRE, &RQVFLHQWL]DomRWHRULDHSUiWLFDGDOLEHUWDomR±XPDLQWURGXomRDRSHQVDPHQWRGH
3DXOR)UHLUH, p. 38.
dos mitos e dos erros; apresenta-se como crítica racional e rigorosa da ideologia. É
convite ao homem a captar, com seu espírito, a verdade de sua própria realidade.
68
Nessa perspectiva, ação cultural para a liberdade se abre para o binômio:
denúncia-anúncio.
I GHQ~QFLDDQ~QFLR: A pedagogia proposta pelo pensamento freireano não
apresenta denúncia e anúncio como palavras vazias, e sim dotadas de compromisso
histórico. Ambas não podem ser articuladas separadamente: “1mR Ki DQ~QFLR VHP
GHQ~QFLD DVVLP FRPR WRGD GHQ~QFLD JHUD DQ~QFLR”.
69
Ao denunciar uma sociedade
dividida em classes e a exploração de uma pela outra, anuncia-se a necessidade de uma
nova sociedade e uma teoria para se atingir esse propósito. A pedagogia utópica da
denúncia e do anúncio deve brotar do conhecimento da realidade denunciada, pois
somente desta forma aproximará o homem da sua realidade, possibilitando sua imersão
na mesma para uma emersão crítica-transformadora.
Pedagogia da denúncia-anúncio convida a uma pedagogia XWySLFD ou do VRQKR,
não na perspectiva de uma esperança passiva, e sim como despertar para a luta contra a
opressão em busca da concretização do futuro anunciado; uma pedagogia que não teme
o medo de viver o risco do futuro como superação criadora do presente que envelhece.
³6HTXHUHPRVTXHRKRPHPDWXHHVHMDUHFRQKHFLGRFRPRV XMHLWRVHTXHUHPRV
TXH WRPH FRQVFLrQFLD GH VHX SRGHU GH WUDQVIRUPDU D QDWXUH]D H TXH UHVSRQGD DRV
GHVDILRVTXH HVWDOKHSURS}HVHTXHUHPRVTXHRKRPHPVH UHODFLRQHFRPRVRXWURV
KRPHQV±HFRP'HXV±FRPUHODo}HVGHUHFLSURFLGDGHVHTXHUHPRVTXHDWUDYpVGHVHXV
DWRVVHMDFULDGRUGHFXOWXUDVHSUHWHQGHPRVVLQFHUDPHQWHTXHVHLQVLUDQRSURFHVVR
KLVWyULFR H TXH UHQXQFLH D H[SHFWDWLYD H H[LMD LQWHUYHQomR VH TXHUHPRV TXH IDoD D
68
cf. Paulo FREIRE, &RQVFLHQWL]DomRWHRULDHSUiWLFDGDOLEHUWDomR±XPDLQWURGXomRDRSHQVDPHQWRGH
3DXOR)UHLUH, p. 87-91.
69
Idem, 2 SURFHVVR GH DOIDEHWL]DomR GH DGXOWRV FRPR DomR FXOWXUDO SDUD D OLEHUWDomR, apud Paulo
FREIRE, $omRFXOWXUDOSDUDDOLEHUGDGHHRXWURVHVFULWRV, p. 71.
KLVWyULD HP YH] GH VHU DUUDVWDGR SRU HODVH p WXGRL VVR TXH GHVHMDPRV p LPSRUWDQWH
SUHSDUDURKRPHPSDUDLV VRSRUPHLRGHXPDHGXFDomRDXWrQWLFDXPDHGXFDomRTXH
OLEHUWHTXHQmRDGDSWHGRPHVWLTXHRXVXEMXJXH´
De forma semelhante, encontramos a pedagogia jesuânica que nos convida a
exercer o papel do semeador que VDLXDVHPHDU”, deixando a terra fazer seu trabalho,
sem intervir em seu campo, e ao mesmo tempo, não deixando de voltar no tempo da
colheita.
Nessa práxis, encontramos o ser humano que como “terra semeada” é impelido a
pronunciar o mundo, sua realidade concreta, tomando conhecimento de si e do outro
através do diálogo que se reflete como relação inter-humana – relação de amor.
Desta forma, seus gestos e palavras ganham sentido, surgem aos seus olhos
carregados de significação do seu ser histórico: 6XDVDWLYLGDGHVQRWXUQDVVHXVEDLOHV
VXDP~VLFDRXVRGRFRUSRVHXVJHVWRVVXDPDQHLUDGHDQGDUGHYHVWLUVXDVFUHQoDV
VXD LU RQLD VHX KXPRU VHXV FyGLJRV GH FRPSDQKHLULVPR VXD IRUPD GH GHVSHUWDU GH
VLWXDo}HV GLItFHLV VXD VHPkQWLFD VXD VLQWD[H WXGR LVWR FRQVWLWXL OLQJXDJHP FRPR
OLQJXDJHPWRWDO”.
71
Portanto, dessa imersão na sua história pessoal, o ser humano dela deve emergir
de forma crítica, exercendo o profetismo da denúncia das situações que o oprimem, na
mesma medida que anuncia o tempo da colheita – tempo de recriar; tempo de “dizer sua
própria palavra”. Vamos verificar as afinidades desse dado existencial, histórico e
pedagógico com as parábolas.
As parábolas constituem um método de comunicação e de ação pedagógica que
envolve no mesmo círculo dialógico o narrador e o ouvinte e desabrocha a possibilidade
70
Paulo FREIRE, &RQVFLHQWL]DomRWHRULDHSUiWLFDGDOLEHUWDomR±XPDLQWURGXomRDRSHQVDPHQWRGH
3DXOR)UHLUH, pp. 39-40.
71
Idem, 2SURFHVVRGHDOIDEHWL]DomRGHDGXOWRVFRPRDomRFXOWXUDOSDUDDOLEHUGDGHin.: Paulo FREIRE,
$omRFXOWXUDOSDUDDOLEHUGDGHHRXWURVHHVFULWRV, p. 68.
libertadora do sujeito, de forma que o ouvinte vai habilitando-se a ler a realidade e a
compreendera si mesmo dentro dela como sujeito histórico, capaz de fazer história.
Deste modo, encontramos subjacente à simplicidade das parábolas um poder de
libertação, capaz de evocar para si, na mesma medida em que se é totalmente do outro,
pois parte da sua realidade, o resgate do humano em sua totalidade, como poderemos
perceber através dos passos que serão dados no próximo capítulo.
&$3Ë78/2,,
$63$5È%2/$6800e72'2'(/,%(57$d2
As parábolas não são apenas uma forma de anunciar uma mensagem, mas
também um método pedagógico de libertação.
72
Nos evangelhos sinóticos, as parábolas compõem um terço de sua matéria;
73
uma constatação de que elas constituíam uma forma de linguagem preferida por Jesus
para anunciar o Reino de Deus e a libertação do homem e da mulher oprimidos.
Contudo, as parábolas de Jesus se afastaram da situação de vida em que foram
pronunciadas, sendo associadas a uma resposta às dificuldades pelas quais a Igreja das
72
Cf. C. H. DODD. /DVSDUDERODVGHO5HLQR, p.21.
73
Cf. Benito MARCONCINI. 2VHYDQJHOKRVVLQyWLFRV±IRUPDomRUHGDomRWHRORJLD, p. 203.
origens estava passando, ou pela tradução realizada para servir ao anúncio da boa-nova
a outros povos e culturas. Conseqüentemente, o resgate dessas palavras, como foram
pronunciadas, pode apontar a nós a práxis pedagógica de Jesus, uma maior proximidade
da autêntica mensagem por Ele proferida, a revelação da sua pessoa histórica e o
desvelamento de um método.
$VSDUiERODVGH-HVXVHR-HVXVKLVWyULFR
Qualquer estudo sobre as parábolas de Jesus exige um conhecimento maior
sobre o Jesus histórico e sua atividade pública. Sabemos que, no entanto, embora
tenhamos muitas investigações realizadas, esse tipo de pesquisa não nos oferece uma
conclusão, pois os estudos continuam a acontecer em vista da extensão e da
profundidade do tema. Portanto, o que pretendemos fazer aqui não é uma reconstrução
do Jesus histórico, mas sim apresentar um cenário da evolução da pesquisa em torno da
sua pessoa com a finalidade de elucidar algumas questões fundamentais sobre as
pesquisas desenvolvidas, na mesma medida em que vamos oferecendo paradigmas
que nos ajudem a questionar a potencialidade estratégica de libertação presente nas
parábolas.
74
Com isto, estaremos escapando de uma visão fragmentada do nosso tema,
uma vez que inferimos não ser possível analisar as partes sem antes termos alguma
visão do todo.
75
74
CROSSAN faz uma interessante alusão a esse respeito quando em seu livro “In Parable the chalenge
of the historical Jesus”, associa a expressão “desafio do Jesus histórico”, não a compreensão da fé, da
religião ou uma visão psicológica ou teológica de Jesus, mas sim com a capacidade com que a linguagem
(parábolas) por ele utilizada nos remete, também, a um conhecimento do contador de histórias.
75
Não pretendemos nesse trabalho entrar na questão da existência ou não de Jesus, pois escaparia ao
nosso objeto de estudo, sendo que a esse respeito tomamos como referência o que escreve BULTMANN:
2IDWRGHGXYLGDUTXH-HVXVWHQKDUHDOPHQWHH[LVWLGRQmRWHPIXQGDPHQWRDOJXPHQmRPHUHFHVHTXHU
VHU UHIXWDGR e LQGLVFXWtYHO TXH -HVXV HVWi QD RULJHP GR PRYLPHQWR KLVWyULFR FXMR SULPHLUR HVWiJLR
 $V SHVTXLVDV VREUH R -HVXV KLVWyULFR H RV SDUDGLJPDV VREUH HOH SDUD XPD
OHLWXUDGDVSDUiERODV
Na conclusão do seu livro “Jesus existiu? História e hermenêutica”, René
Latourelle inicia seu texto com os seguintes questionamentos: (PERUD VHMDYHUGDGH
TXHQyVQmRWHPRVDFHVVRD-HVXVVHQmRSHORWHVWHPXQKRGDVSULPHLUDVFRPXQLGDGHV
FULVWmV VHUi LJXDOPHQWH YHUGDGH TXH R -HVXV DSUHVHQWDGR SHORV (YDQJHOKRV
FRUUHVSRQGHVXEVWDQFLDOPHQWHjUHDOLGDGHKLVWyULFDGH-HVXVGH1D]DUp"6HUiSRVVtYHO
HVWDEHOHFHU TXH D LQWHUSUHWDomR HFOHVLDO GH -HVXV p ILHO DR VHQWLGR TXH HOH GHX H
PDQLIHVWRXHPVXDH[LVWrQFLD"4XHFDPLQKRVWHUHPRVGHSDOPLOKDUDSDUWLUGRVWH[WRV
SDUDDOFDQoDUDPHQVDJHPRVJHVWRVHDSHVVRDGH-HVXV"6HRFULVW LDQLVPRQmRSRGH
GHILQLUV XDUHODomRFRP-HVXVFRPROXJDUGHLQWHUYHQomRGHFLVLYDGH'HXVQDKLVWyULD
RGLVFXUVRGHIppYmRHHVWiDPHDoDGRGHLGHRORJLD”.
76
A resposta a esses questionamentos é imprescindível para se responder a uma
outra questão de fundo nesta pesquisa: É possível vincular as parábolas ao discurso do
Jesus histórico?
Numa visão panorâmica das pesquisas sobre o Jesus histórico, percebemos que o
debate iniciado com a publicação póstuma dos manuscritos de Reimarus
77
se
desenvolveu ao longo de quase dois séculos vinculando-se aos estudos histórico-
filosóficos, bem como aos teológicos.
WDQJtYHO p UHSUHVHQWDQGR SHOD FRPXQLGDGH SDOHVWLQD SULPLWLYD”. Apud. René LATOURELLE, -HVXV
H[LVWLX"+LVWyULDHKHUPHQrXWLFD, p.16. Ibidem, p. 15, podemos ler que os ditos e gestos de Jesus, que
durante sua vida foram objeto de ciência experimental, tornaram-se objeto de ciência histórica após a sua
morte e queDSHVTXLVDDVHXUHVSHLWR (Jesus)WHPSRLVWRGRRGLUHLWRGHVHUFRORFDGDQRVPHVPRVWHUPRV
TXHSDUDTXDOTXHUSHUVRQDJHPGRSDVVDGR”.
76
René LATOURELLE, -HVXVH[LVWLX"+LVWyULDHKHUPHQrXWLFD, pp. 206-207.
77
5HLPDUXVGLVWLQJXHQRV(YDQJHOKRVRSURMHWRGH-HVXVHDH[SHFWDWLYDGHVXVDSyVWRORV
4XDQWRD-HVXVQmRTXLVIXQGDUXPDQRYDUHOLJLmRQmRIH]PLODJUHVQmRIDORXQHPGHVXDPRUWHQHPGH
VXDUHVVXUUHLomR)RLXPPHVVLDVSROtWLFRTXHVRQKRXHVWDEHOHFHUXPUHLQRWHPSRUDOHOLEHUWDURVMXGHXV
GRMXJRHVWUDQJHLUR,QIHOL]PHQWHRVHXHPSUHHQGLPHQWRIUDFDVVRX'HFHSFLRQDGRRVGLVFtSXORVFULDUDP
DILJXUDGH-HVXVWUDQVPLWLGDSHORV(YDQJHOKRV,QYHQWDUDPDPHQVDJHPGDUHVVXUUHLomRHDSUHVHQWDUDP
-HVXVFRPRR0HVVLDVDSRFDOtSWLFRGH'DQLHO”. Ibidem p. 30.
De acordo com os esquemas-ideológicos e os instrumentos culturais de diversos
autores e escolas, o Jesus histórico foi submetido a um processo de revisão crítica.
A primeira tentativa de recuperar o Jesus histórico foi realizada pelos iluministas
e racionalistas, que buscaram superar a visão dogmática e mítica tanto dos evangelhos
quanto da tradição eclesiástica. Essa foi uma fase de radicalização da racionalidade
diante dos Evangelhos. Podemos assinalar os seguintes nomes: Reimarus, Eberhard
Gottlob Paulus, Schleiermacher (que embora parta de pressupostos contrários aos
racionalistas, apresenta Jesus j L PDJHP H VHPHOKDQoD GR KLVWRULDGRU ILOyVRIR RX
WHyORJR TXH TXHU UHFRQVWUXLU D LGHQWLGDGHGRSHUVRQDJHP -HVXV WHVWHPXQKDGRSHORV
WH[WRVHYDQJpOLFRV”), David Friedrich Strauss que apontava a categoria do mito como
elemento-chave para compreender os evangelhos (mito para ele é o revestimento
histórico das idéias religiosas das comunidades primitivas; é apenas uma linguagem),
além de Bruno Bauer, A. Drews e outros.
78
A Escola Liberal da Leben-Jesu-Forschung (pesquisa sobre a vida de Jesus), ao
contrário de Strauss, estava convencida de que a partir de fontes históricas puras”
(nesse caso apontava para o Evangelho de Marcos e da Quelle), poderia se ter um
acesso ao Jesus histórico. Os seus representantes (Heinrich Julius Holtzmann, Adolf
Von Harnack e outros) reconstruíram Jesus a partir do paradigma do pregador de uma
ética elevada e de uma religião universal.
79
Harnack aponta que RVHYDQJHOKRVQmRVmR
XPDREUDKLVWyULFDLVWRp QmRIRUDP HVFULWRV SDUD UHODWDUVLPSOHVPHQWHWXGRRTXH
DFRQWHFHXPDVVmROLYURVSRVWRVDVHUYLoRGDHYDQJHOL]DomR”.
80
Para os autores que se inspiraram no método da história das religiões
comparadas (W. Baldensperger, Johanes Weiss, Albert Schweitzer, m. Kähler e Wrede),
Jesus se apresenta como o profeta do reino de Deus dentro de um quadro de catástrofe
78
Cf. René LATOURELLE, -HVXVH[LVWLX"+LVWyULDHKHUPHQrXWLFD, pp. 15-30
79
Cf. Rinaldo FABRIS. -HVXVGH1D]DUp+LVWyULDHLQWHUSUHWDomR. pp. 11-12
80
Ibidem, p. 12
apocalíptica, ao passo que para os sincretistas, Jesus cobriu-se com a auréola do mito
de tipo oriental.
81
A Escola Liberal da Leben-Jesu-Forschung, através da sua teoria das “fontes
puramente históricas”, propunha que por elas, poder-se-ia escrever uma vida de Jesus e
até retraçar seu itinerário psicológico. Wilhelm Wrede pôs um fim a essa questão,
quando apresentou que o Evangelho de Marcos não é um livro de história, mas relato
elaborado sob a influência de motivos teológicos.
82
&RPDJXLQDGDPHWRGROyJLFDGRHVWXGRGRVHYDQJHOKRVSURPRYLGDDRILPGD
3ULPHLUD*XHUUD0XQGLDOSHODFRQWULEXLomRGHDOJXQV DXWRUHVDOHPmHVSURS}HPVHDV
EDVHVSDUDXPQRYRH[DPHGDTXHVWmRGR-HVXVKLV WyULFR.
83
Nesse período, a história
das formas dos evangelhos em consonância com o existencialismo heideggeriano,
colocou em risco o esvanecimento de Jesus no Kerygma ou anúncio cristão primitivo.
84
Os pesquisadores dessa época são: Karl Ludwig Schmidt, Martin Dibelius (cujo
título do seu estudo sobre os evangelhos, deu nome ao novo método A história das
formas do evangelho”), Rudolf Bultmann.
85
Poderíamos até perguntar se seria possível obter algo de garantido no que
concerne à vida e ao ensinamento de Jesus, com as premissas metodológicas da
Formgeschichte (história das formas), ao que responderíamos que mesmo mediante a
um efeito desestabilizador a curto prazo desse método, ele favoreceu um novo período
de estudos fecundos como reação crítica, como integração e enfoque metodológico.
81
Os que se inspiraram no método da história das religiões comparadas colocam Jesus numa encruzilhada
das correntes religioso-culturais do século I: o sincretismo helenista forjado no crisol do judaísmo; um
Jesus venerado como Filho do homem celeste e proclamado no culto como KYrios. Cf. Ibidem, pp.13-16.
82
René LATOURELLE, -HVXVH[LVWLX"+LVWyULDHKHUPHQrXWLFD, pp. 32-33.
83
Rinaldo FABRIS. -HVXVGH1D]DUp+LVWyULDHLQWHUSUHWDomR, p.17.
84
Cf. Ibidem. pp.16-24.
85
Apesar de BULTMANN afirmar que não se pode saber com exatidão praticamente nada da vida e da
personalidade de Jesus mediante as fontes cristãs que encontramos a nossa disposição, tendo em vista sua
forma fragmentada e invasão pelas lendas, são essas as que dispomos para o estudo. Contudo, ele mesmo
afirma que em vista da tradição das palavras que são atribuídas a Jesus, é coerente se estabelecer a
hipótese de que ele está não somente na origem do fenômeno histórico cristão, mas também nessas logias.
Nesse aspecto encontramos Ernst Käsemann, Gunther Borkamm, Joachim Jeremias,
Heinz Schurmann, John Dominic Crossan e outros.
De tudo isto podemos levantar os seguintes paradigmas em torno de Jesus:
SRHWDILOyVRIRHWLFLVW DWHyORJRFRQWDGRUGHKLVWyULDVQDWUDGLomRGH)UDQ].DINDRX
-RUJH/XLV%RUJHV5DELµ&ULVWmR¶5DEL-XGHX7HyORJR/XWHUDQRSUHJDGRUHPLQLVWUR
FULVWmRGLVIDUoDGR”.
86
Herzog escreve que -HUHPLDV FRQVLGHUD -HVXV FRPR XP HQFRQWUR HQWUH XP
5DEL H XP WHyORJR FULVWmR .HQQHWK %DLOH\ R Yr FRPR XP SRHWD H FDPSRQrV -RKQ
'RPLQLF &URVVDQ XP PHVWUH GD PHWiIRUD H SRHWD DSRFDOtSWLFR 'DQ 9LD XP
IRUQHFHGRUGHXPDSVLFRORJLDH[LVWHQFLDODWUDYpVGHKLVWyULDVF{PLFDVHWUiJLFDV.”
87
Crossan é respeitado como um dos principais estudiosos das parábolas da
atualidade, especialmente por seu profundo conhecimento da crítica literária e poética.
88
Na conclusão do seu livro “O Jesus histórico – a vida de um camponês judeu do
Mediterrâneo”, nos orienta que o Jesus histórico deve ser compreendido dentro do
judaísmo do seu tempo (um judaísmo formal, normativo ou predominantemente
rabínico).
89
O Jesus histórico era, segundo ele, um camponês judeu cínico;
90
alguém que
desenvolvia a sua campanha nas fazendas e nas aldeias da Baixa Galiléia através de
curas gratuitas e refeições comunitárias uma negação da estrutura hierárquica e
86
Willian R. HERZOG, 3DUDEOHDVVXEVHUVLYHVSHHFK±-HVXVDVSHGDJRJXHRIWKHRSSUHVVHG, p. 14.
87
Ibidem.
88
Pedro Lima VASCONCELOS, 8PDSDUiERODUHEHOGHWH[WRVHFRQWH[WRVQDKLVWyULDGDSDUiERODGRV
YLQKDWHLURV, p. 61.
89
Segundo Crossan, Jesus está inserido num judaísmo inclusivo (que procura adaptar os seus costumes
tradicionais com a maior liberdade possível, buscando o máximo de associação, combinação ou
colaboração como helenismo a nível ideológico) e exclusivo (que procura conservar ao máximo as suas
tradições, incorrendo num mínimo de conjunção,interação ou síntese com o helenismo a nível
ideológico). Jesus é interpretado por Crossan tendo como pano de fundo o judaísmo inclusivo. Cf. John
Dominic CROSSAN. 2-HVXVKLVWyULFR±DYLGDGHXPFDPSRQrVMXGHXGRPHGLWHUUkQHR, pp.455-459.
90
Por cínico entendemos XPDILOVRILDSRSXODURUDOHFDPSHVLQDFRPSRVWDSHODRSRVLomRjFXOWXUDGD
FLYLOL]DomRPHGLWHUUkQHDTXHQmRVHOLPLWDYDjWHRULDHjFRQWHVWDomRYD]LDHODHQYROYLDXPDSUiWLFDXP
QRYRHVWLORGHYLGDXPDPDQHLUDGHVHYHVWLUGHFRPHUGHYLYHUHGHVHUHODFLRQDUFRPDVRXWUDVSHVVRDV
TXHPRVWUDYDVHXGHVSUH]RSHORDSDGULQKDPHQWRSHODKRQUDHDYHUJRQKD”.Cf. Ibidem, p.459
patronal da religião judaica e do poder romano. 0LODJUHHSDUiERODFXUDHUHIHLomR
HUDP SODQHMDGRV SDUD ID]HU FRP TXH RV LQGLYtGXRV WLYHVVHP XP FRQWDWR ItVLFR H
HVSLULWXDOLPHGLDWRHQWUHVLHFRP'HXVXPUHLQRVHPLQWHUPHGLiULRVGH'HXV´.
91
Ao fim desse panorama dos estudos em torno do Jesus histórico somos tentados
a concluir que tudo não passou de especulações em conformidade com os elementos
culturais e ideológicos de cada época, enquanto que na verdade o que ficou claro é a
impossibilidade de continuar a se tratar os textos de forma ingênua e acrítica. Em
segundo lugar, a investigação desses dois séculos de pesquisa contribuiu para a criação
de termos culturais mais corretos e precisos em torno do Jesus histórico histórica e
lingüisticamente, adquiriu-se um patrimônio de dados que torna possível uma
investigação da figura e da obra de Jesus com instrumentos mais adequados, destacando
a legitimidade da pesquisa.
Portanto, nesse contexto, as parábolas surgem como um excelente e eficaz objeto
de pesquisa com a finalidade de se aproximar da verdade em torno do Jesus histórico,
uma vez que há uma tendência muito comum de se atribuir o discurso parabólico
encontrado nos evangelhos à figura do Jesus, assim como elas também revelariam o
“programa” e o “projeto de ação de Jesus”.
92
Joachim Jeremias, no início do seu livro, faz referência à solidez das parábolas e
à sua importância enquanto objeto de pesquisa: TXHP VH RFXSD FRP DV SDUiERODV
DVVLPFRPRRVWUrVSULPHLURV(YDQJHOKRVQRODVWUDQVPLWHPSRGHWHUFHUWH]DGHTXHVH
DSyLDHPEDVHKLVWyULFDEDVWDQWHILUPHe que elas não apenas são ³WUDQVPLWLGDVGH
91
Cf. John Dominic CROSSAN. 2-HVXVKLVWyULFR±DYLGDGHXPFDPSRQrVMXGHXGRPHGLWHUUkQHR, p.
460.
92
Cf. Pedro Lima VASCONCELOS, 8PDSDUiERODUHEHOGHWH[WRVHFRQWH[WRVQDKLVWyULDGDSDUiEROD
GRVYLQKDWHLURV, p.86.
PRGRVHJXURFRPRWDPEpPjSULPHLUDYLVWDFRQVWLWXHPXPPDWHULDOWRWDOPHQWHVHP
SUREOHPDV”.
93
Os inúmeros pesquisadores das parábolas, como veremos a seguir, se
preocuparam com o “sitz in lieben” em que elas foram pronunciadas, e isto tendo como
objetivo aproximá-las do Jesus histórico e da sua verdadeira mensagem. Daí, o fato
relevante em termos de relação entre Jesus histórico e parábolas.
No entanto, como nos alerta Pedro Lima Vasconcelos, DXQDQLPLGDGH(entre os
pesquisadores QmR GHL[D GHWHU ULVFRV”; e isto devido ao fato de que suas pesquisas
intrumentalizaram as parábolas em vista de uma ou outra imagem do Jesus histórico.
94
Ao mesmo tempo, ele também nos alerta que isto não inviabiliza, tire o mérito
ou deva produzir uma postura cética frente à questão do Jesus histórico e o estudo das
parábolas, mas sim que essas questões, em vista da sua amplitude, exigem acuidade no
trato; afinal, a relação “Jesus-parábolas” e “parábolas e Jesus histórico”, primeiro têm
que nos remeter a uma outra questão de fundo: “a realidade sociológica e cultural da
Galiléia do primeiro século”.
93
Joachim Jeremias, $VSDUiERODVGH-HVXV, pp. 7-9. Quando Jeremias se refere à ausência de problemas
nas parábolas, ele está chamando atenção para a simplicidade delas e não para o tratamento que elas
receberam.
94
Cf. Pedro Lima VASCONCELOS, 8PDSDUiERODUHEHOGHWH[WRVHFRQWH[WRVQDKLVWyULDGDSDUiEROD
GRVYLQKDWHLURV, p.86.
2PXQGRGDVSDUiERODVHR-HVXVKLVWyULFR
³2UDWDQWRPHOKRUPHDSUR[LPRGDYHUGDGHGRWH[WRTXDQWRPDLVSUy[LPRHVWRX
GRFRQWH[WRHPTXHRWH[WRIRLSURGX]LGR´
Diversos autores afirmam que as parábolas remontam uma perspectiva do
mundo do primeiro século na Palestina, porque são inspiradas na realidade; em
situações da vida. Isto nós podemos ler em Dodd: $VSDUiERODVGRVHYDQJHOKRVHVWmR
WRGDVGHDFRUGRFRPDQDWXUH]DHDYLGD&DGDUHODWRpXPSHUI HLWRTXDGURTXHSRGH
VHUREVHUYDGRQRPXQGRGDQRVVDH[SHULrQFLDFRQFUHWD2VSURFHVVRVGDQDWXUH]DVmR
REMHWRGHXPDREVHUYDomRHGHVFULomRPLQXFLRVD”;
96
em Joaquim Jeremias que nos
diz: (ODV (as parábolas)FRQVWLWXHPXPDSHoDGDURFKDSULPLWLYDGDWUDGLomR$WpR
PDWHULDOGDVLPDJHQVpUHWRPDGRGDYLGDQD3DOHVWLQD”;
97
ou Herzog: $VSDUiERODV
QRVRIHUHFHPXPDYLVmRGRPXQGRSDOHVWLQRHDWUDYpVGDVXDO HLWXUDSRGHPRVHQWUHYHU
XPFRQWH[WRPDLVDPSORGHFRPRDYLODFDPSRQHVDHVWiLQVHULGDQXPFRQWH[WRSROtWLFR
VRFLDOHHFRQ{PLFRPDLVDEUDQJHQWH´
Assim, para que possamos entendê-las, em vista do resgate da situação de vida
em que foram pronunciadas e também do seu sentido, devemos realizar uma
reconstrução do sistema político, econômico, social e cultural-religioso da Palestina do
primeiro século.
Juan Mateos e Fernando Camacho nos apresentam uma Palestina da época de
Jesus composta por uma variedade política.
99
Após a morte do Rei Herodes I (4 a.C),
95
Paulo FREIRE e Frei BETTO, (VVDHVFRODFKDPDGDYLGD±GHSRLPHQWRVDRUHSyUWHU5LFDUGR.RWVFKR,
p. 40.
96
C. H. DODD. /DVSDUDERODVGHO5HLQR, p.29.
97
Joaquim JEREMIAS, $VSDUiERODVGH-HVXV, p. 07.
98
Willian R. HERZOG II3DUDEOHDVVXEHUVLYHVSHHFK – Jesus as pedagogue of the oppressed, p. 53.
99
Cf. Juan MATEOS & Fernando CAMACHO, -HVXVHDVRFLHGDGHGHVHXWHPSR, pp. 9-17.
contrariando um testamento por ele deixado, o imperador Augusto, por não apreciar as
qualidades apresentadas por Arquelau, dividiu o reino entre os três irmãos: Antipas
recebeu a Galiléia e seus territórios; Felipe herdou com o título de tetrarca o território a
leste do Jordão e do lago da Galiléia até o norte e a Arquelau coube a Judéia, Samaria e
Induméia.
100
Arquelau foi deposto e exilado pelo imperador Augusto devido à sua crueldade
(6 d.C); Herodes Antipas ficou no poder até os 39 anos, sendo deposto pelo imperador
Tibério e Felipe foi o único que permaneceu em seu cargo até morrer (33/34 d.C).
101
Com a deposição de Arquelau no ano 6 d.C., SDVVRXVH GH XP JRYHUQR
PRQiUTXLFR SDUD RXWUR GH FRQVWLWXLomR DULVWRFUiWLFD FRQILDQGRVH DR 6LQpGULR RX
&RQVHOKR VXSUHPR D UHVSRQVDELOLGDGH GD QDomR”;
102
criando-se, assim, um governo
centrado nas mãos das famílias religiosas de Jerusalém, uma vez que “R6LQpGULRJR]DYD
GH SRGHUHV OHJLVODWLYRV H H[HFXWLYRV PXLWR PDLV DPSORV GR TXH GH TXDOTXHU GDV
FRPXQLGDGHVQmRDXW{QRPDVGHQWURGRLPSpULR”.
103
Do ponto de vista socioeconômico, encontramos uma Palestina mergulhada
numa sociedade agrária, conforme podemos atestar a partir da teoria de estratificação
social desenvolvida por Gerard Lenski, que baseia-se numa tipologia que leva em
consideração a tecnologia e a ecologia, para dividir as sociedades humanas em: 1)
caçadoras e coletoras; 2) horticultoras simples; 3) horticultoras avançadas; 4) agrárias e
5) industriais.
104
Segundo Lenski, R ,PSpULR 5RPDQR HUD XPD VRFLHGDGH DJUiULD XP WLSR
JHQpULFRFDUDFWHUL]DGRSHODµLQYHQomRGRDUDGRDGHVFREHUWDGHFRPRXWLOL]DUD
100
Cf. Willian R. HERZOG II, 3DUDEOHDVVXEHUVLYHVSHHFK Jesus as pedagogue of the oppressed, p. 55.
101
Cf. Juan MATEOS & Fernando CAMACHO, -HVXVHDVRFLHGDGHGHVHXWHPSR, p13.
102
Ibidem
103
Ibidem.
104
Apud. Gerhard Lenski. Willian R. HERZOG II, 3DUDEOHDVVXEHUVLYHVSHHFK – Jesus as pedagogue of
the oppressed, p.56.
IRUoD GH WUDomR GRV DQLPDLV H GRV SULQFtSLRV EiVLFRV GD PHWDOXUJLD ,VVR WRUQRX
SRVVtYHODIDEULFDomRGHDUDGRVGHIHUUREHPPDLVHILFLHQWHVTXHVHXVDQWHFHVVRUHVGH
PDGHLUD >$OpP GLVVR@KiWDPEpPDLQYHQomRGDURGDH GDYHODTXHIDFLOLWRX
HQRUPHPHQWH R GHVORFDPHQWR GH SHVVRDV H PHUFDGRULDV¶ (OD HUD GLIHUHQWH GDV
VRFLHGDGHVKRUWLFXOWRUDVVLPSOHVTXHXWLOL]DYDPDSHQDVXPSHGDoRGHSDXSDUDFDYDU
H GDVVRFLHGDGHVKRUWLFXOWRUDVDYDQoDGDVTXHMiFRQKHFLDPDHQ[DGDDSODQWDomRHP
WHUUDoRVDLUULJDomRDIHUWLOL]DomRHDVIHUUDPHQWDVGHPHWDLV
105
A mudança do uso dos meios de produção formou cidades-estado, dando-lhes
condições de auto-sustentação, na mesma medida em que substituiu a lei natural pela lei
causal: FRPR HVVDV DWLYLGDGHV (administrativas como suporte para a cultura agrária)
IRUDPLQVWLWXFLRQDOL]DGDVHODVORJRSURGX]LUDPIRUPDVGHEXURFUDFLD”.
106

De acordo com o esquema de Lenski, as sociedades agrárias apresentariam nove
classes, “cRP XP HQRUPH DELVPR HQWUH DV FLQFR IDYRUHFLGDV H DV TXDWUR PDLV
EDL[DV”,
107
assim divididas: a) JRYHUQDQWHV detinham direitos de propriedade
significativos sobre praticamente todas as terras em seus domínios; b) GLULJHQWHV
correspondia a 1% da população e recebia em torno da metade da renda nacional do
Estado; c) DUUHQGDWiULRV: equivalia a cerca de 5% da população escribas, burocratas,
soldados e generais; todos a serviço da elite política; d) PHUFDGRUHV ascendiam a partir
das classes baixas, mas podiam chegar a ter considerável riqueza e mesmo algum poder
político; e) VDFHUGRWHV: detentores de bom percentual das terras (cerca de 15%); f)
FDPSRQHVHV: representava a maioria da população e cuja produção, dois terços,
sustentava as classes altas; g) DUWHVmRV: englobava 5% da população e era formado por
camponeses que tinham perdido as suas posses e cujos filhos, portanto, não tinham
105
Apud. Gerhard Lenski. John Dominic CROSSAN, 2-HVXV KLVWyULFR±DYLGDGHXPFDPSRQrVMXGHX
QRPHGLWHUUkQHR, pp.79-80.
106
Willian R. HERZOG II, Parable as subersive speech – Jesus as pedagogue of the oppressed, p. 56
107
Apud. Gerhard Lenski. John Dominic CROSSAN, 2-HVXV KLVWyULFR±DYLGDGHXPFDPSRQrVMXGHX
QRPHGLWHUUkQHR, pp.79-80.
direito a herança; h) RVV XMRVHGHJUDGDGRV: eram os carregadores, os mineradores, as
prostitutas; uma classe designada como intocáveis e i) os GLVSHQViYHLV: somava cerca de
5 a 10% da população. Eram os pequenos criminosos e foras-da-lei, mendigos e
trabalhadores itinerantes. Eles contavam com a caridade alheia para sobreviver.
108
Para José Luis Sicre,
109
segundo Saldarini, a classe dirigente não existia na
época de Jesus, porque estava em poder dos romanos, assim como não encontramos
referências nos evangelhos sobre uma classe comerciante (além do mercador de pérolas
finas da parábola de Mt 13,45-46), o que nos convida a limitar nossa atenção às outras
sete:
1. A classe governante era formada pelos descendentes de Herodes (durante a
vida pública de Jesus existiam a corte de Herodes Antipas e a de seu irmão
Filipe), pela aristocracia sacerdotal (o sumo sacerdote, os sacerdotes
dirigintes
110
) e pela nobreza leiga.
2. A classe dos subalternos seria formada pelos escribas, burocratas, soldados e
generais. Entre esses funcionários também os publicanos.
3. A classe sacerdotal ela apresenta um seguimento aristocrático que forma
parte da classe dominante e um grande grupo de simples sacerdotes ao qual
podemos somar os levitas.
4. A classe dos camponeses (composta por famílias de seis a nove pessoas que
cultivavam um terreno de oito ou dez hectares de onde tiravam seu sustento
– alimentação, vestuário, instrumentos de trabalho, impostos e o dízimo).
108
Cf. Willian R. HERZOG II, Parable as subersive speech – Jesus as pedagogue of the oppressed, pp.
56-66. Cf. também o mapa na p.
109
Cf José Luis SICRE, 2TXDGUDQWHRPXQGRGH-HVXV±9RO,,±$$SRVWD, pp. 293-307.
110
Joachim JEREMIAS, -HUXVDOpPQRWHPSRGH-HVXV, pp. 224-250, divide os sacerdotes dirigentes em
cinco grupos: Chefe supremo do Templo (assistia o sumo sacerdote nas celebrações especiais); Chefe dos
turnos semanais de sacerdotes (exercido por vinte e quatro pessoas dispersas pela Judéia e Galiléia, cuja
função era presidir as cerimônias de purificação onde eles estavam); Chefe dos sacerdotes do turno
diários (cada uma das vinte e quatro seções semanais se dividia em vários turnos, de quatro e nove,
resultando aproximadamente em 156 turnos. Tinham a função de assistir à realização dos sacrifícios de
purificação); Vigilantes do templo (portavam as chaves do templo e o vigiavam) e os Tesoureiros.
5. Os artesãos em quase todas as sociedades agrárias, eram recrutados da
classe camponesa; entre aqueles que não tinham posses e os filhos destes,
carentes de direitos hereditários. (PERUDDFODVVHGRVFDPSRQHVHVHD GRV
DUWHVmRV VH FDUDFWHUL]DVVH VHPSUH SRU XP QtYHO QR IXQGR DQiORJR GH
ULTXH]DV H UHQGDV WHPVH D LPSUHVVmR GH TXH DV UHQGDV PpGLDV GH XP
DUWHVmRQXQFDIRUDPWmRDOWDVFRPRDVGHXPFDPSRQrV”.
111
É importante
salientar que Jesus está situado nessa classe,assim como seus discípulos
pescadores (Pedro, André, João).
6. As classes impuras formadas por pessoas de origem e ocupação que as
mantinham afastadas da grande massa de camponeses e artesãos (impuros
em razão da origem, da profissão ou pela doença: porteiros, mineiros,
prostitutas, leprosos etc).
112
7. A classe dos desprezíveis “HUD IRUPDGD SRU XPD JUDQGH GLYHUVLGDGH GH
LQGLYtGXRV HQWUH RV TXDLV FDEHULD HQXPHUDU RV SHTXHQRV GHOLQTHQWHV H
FULPLQRVRV RV PHQGLJRV RV VXEHPSUHJDGRV LW LQHUDQWHV RX V HP WUDEDOKR
IL[R H HP JHUDO WRGRV TXH V H YLDP REULJDGRV D YLYHU GH VXD SUySULD
FULDWYLGDGHRXGDFDULGDGHS~EOLFD.”
113
As sociedades agrárias estão divididas, basicamente, em dois grupos. Isto nós
podemos observar no gráfico abaixo, conforme Lenski representa as representa:
114
O
primeiro grupo, no topo, representa a primeira fileira que compreende o governador, os
dirigentes, os arrendatários, sacerdotes e alguns comerciantes. A segunda fileira é
ocupada pelos camponeses, artesãos, sujos e degradados e, na mesma fila, também
111
Apud. Gerhard Lenski. José Luis SICRE, 2TXDGUDQWHRPXQGRGH-HVXV±9RO,,±$$SRVWD, p. 304.
112
Luis SICRE, 2TXDGUDQWHRPXQGRGH-HVXV±9RO,,±$$SRVWD, p. 305-306.
113
Apud. Gerhard Lenski. Luis SICRE, 2TXDGUDQWHRPXQGRGH-HVXV±9RO,,±$$SRVWD, p. 307.
114
Cf. Willian R. HERZOG II, Parable as subersive speech – Jesus as pedagogue of the oppressed, p. 60.
encontramos os descartáveis. Herzog comenta que DEUHFKDHQWUHHOHV p  WmRJUDQGH
TXDQWRDTXHVHSDURXRKRPHPULFRGH/D]DUR/F”.
115
O conhecimento da forma como se dividem as sociedades agrárias é importante
para a leitura das parábolas, porque as figuras que aparecem nelas estão associadas aos
tipos que as habitavam. Os valores que formavam os aristocratas, suas burocracias, os
camponeses, são evidentes e a condição também dos outros grupos aparecem nas
parábolas.
115
Cf. Willian R. HERZOG II, Parable as subersive speech – Jesus as pedagogue of the oppressed, p.59.
Do ponto de vista sócio-cultural encontramos a Palestina do primeiro século
mergulhada num contexto religioso que leva a uma espécie de estado eclesiástico
Teocrático em que religião, direito, administração política e cultura encontram-se
indissoluvelmente ligados entre si. Essa estruturação de recursos e reações sociais
implica que há algum significado mais elevado, transcendental nessas relações.
Gorgulho e Ana Flora escrevem que DV SDUiERODV QDVFHP GD FXOWXUD
FDPSRQHVDHUHYHODPRPLVWpULRGDUHODomRGR'HXV9LYRFRPRVKRPHQV”.
116
Desta forma, podemos perceber que as parábolas revelam uma situação de vida
que abrange diferentes níveis estruturais; a aldeia, com a vida que nela pulsa relações
familiares, de trabalho, religião –, assim como a vida da cidade, formam um retrato
social, religioso e cultural do país.
Em Lucas podemos encontrar uma aldeia ilustrada por parábolas: “o bom
samaritano” (10,29-37; “o amigo importuno” (11, 5-8); “o rico insensato” (12, 16-21);
“a escolha dos convidados” (14, 16-24); “a ovelha perdida e a dracma perdida” (15, 3-
10); “o filho pródigo” (15, 11-32); “o mau rico e o pobre Lázaro” (16,19-31); “o juiz
iníquo” (18, 1-8).
117
As parábolas apresentam pessoas em situações marginais, oprimidas pelas
questões de pureza ritual, pela vassalagem servos e escravos –, status social. Em
resumo, as parábolas mostram mais claramente o relacionamento de dependência dos
habitantes da aldeia para com a administração central e os proprietários de terra sempre
ausentes.
Entre os membros da aldeia, as relações sociais, se apresentam pelo intercâmbio
recíproco, o que implicava em presentear ou trocar “comida e outros presentes, trabalho
e hospitalidade”. A economia camponesa é uma economia de pequenas proporções.
116
Gilberto GORGULHO e Ana Flora ANDERSON, 3DUiERODV±DSDODYUDTXHOLEHUWD, p.14.
117
Halvor MOXNES, $ HFRQRPLDGR5HLQR±FRQIOLWRVRFLDOHUHODo}HVHFRQ{PLFDVQR(YDQJHOKRGH
/XFDV, p.60.
Também encontramos os intercâmbios desiguais, movidos pelas relações de
clientelismo entre os camponeses dependentes e os donos de terras.
A família é o relacionamento mais imediato entre pessoas: os filhos dependem
do pai para as necessidades da vida; uma viúva depende totalmente do filho único; duas
irmãs que compartilham da mesma casa também devem dividir o mesmo trabalho; o
filho é herdeiro das propriedades do pai, mas deve desempenhar sua parte no trabalho
da terra e ser obediente enquanto o pai for vivo, assim como reclamar a herança
enquanto o pai é vivo é um desacato à autoridade paterna, e uma perturbação na
economia familiar.
A amizade era um relacionamento menos estruturado e menos formal, mas para
ser honrado, era preciso cumprir com suas obrigações para com os amigos (Lc 11, 5-8).
Jesus era leigo comum, líder de um movimento de leigos, e conhecia essa
realidade. Ele nada tinha a ver com os sumos-sacerdotes; nem com os anciãos (chefes
de influentes famílias não sacerdotais da capital); nem com os escribas, teólogos,
juristas. A sua linguagem é uma linguagem do cotidiano ele não era um teólogo –, era
antes um aldeão; um contador de histórias através de um método de ensinar popular,
concreto e plástico.
Por isto que vamos encontrá-lo envolto em imagens que mostram a divisão
fundamental do trabalho agrícola (plantio,vinha, figueira, colheita, joio, trigo, terra,
arado), pastoril (pastor, rebanho, ovelhas, mercenário), pesca (barcas, peixe); a
circulação da mercadoria e a dívida ( dracma, talentos, impostos, salário); os diversos
grupos sociais, os conflitos gerados pelo poder romano e pelo sistema do Templo e da
Lei (trabalhadores, escravos, levitas, pastores, juiz, sacerdotes); gerado pelas ideologias
tanto religiosas como políticas.
118
118
Gilberto GORGULHO e Ana Flora ANDERSON, 3DUiERODV±DSDODYUDTXHOLEHUWD, p.15
Jesus fala de maneira compreensível a partir dessas imagens; emprega
provérbios correntes, lembra pequenos casos, faz comparações, inventa parábolas, tudo
colhido do cotidiano trivial. Tudo na natureza e no homem é capaz de ser assumido por
ele para exprimir as estruturas que o envolvem o Reino de Deus ali oculto. Inserido
numa cultura campesina e religiosa, ela a usa como referencial para o seu método de
libertação, enquanto resgate do ser humano na sua mais ampla acepção de pessoa.
Portanto, dessa apresentação de um mundo mergulhado numa sociedade agrária,
com suas implicações políticas intrínsecas, sociais, comerciais e religiosas, podemos
detectar detalhes específicos do contador de histórias e de uma cultura específica a
partir da análise das parábolas. $ 3DOHVWLQD GR SULPHLUR VpFXOR IRL XPD DYDQoDGD
VRFLHGDGHDJUiULDTXHUSHODIRUPDSROtWLFD GDVRFLHGDGH TXH HVWD VRER U HLQDGR GH
+HURGHV $QWLSDV D SURYtQFLD GD -XGpLD VRE D KHJHPRQLD GR 7HPSOR H D HOLWH GH
-HUXVDOpP RX SHOD DGPLQLVWUDomR FRORQLDO GD SURYtQFLD LPSHULDO  WDQWR TXH DV
ILJXUDV TXH DSDUHFHP QDV SDUiERODVSRGHP VHU DVVRFLDGDV FRPRV WLSRV VRFLDLV TXH
KDELWDPDVRFLHGDGHDJUiULD”.
119
3DUiERODV±KLVWyULDGHXPSRYR
³$%tEOLDpXPMRUQDOTXHWUDGX]DKLVWyULDGHXPSRYR(QWmRQD%tEOLDYRFrWHP
OHQGDVUHFHLWDVGHVFULo}HVDUTXLWHW{QLFDVFDUWDVGHDPRUWH[WRVHUyWLFRVSRHVLD
119
Willian R. HERZOG II, Parable as subersive speech – Jesus as pedagogue of the oppressed, p. 73.
FDQo}HVXPMRUQDOHQILPFRPWRGDVDV VHo}HV TXHRMRUQDOWHPHTX HWUDGX]D
UHYHODomRGH'HXVQDKLVWyULDGRVHXSRYR´
120
Dentre os inúmeros gêneros literários da Bíblia, encontramos a parábola. Ela é
um gênero popular semita que tem a finalidade de iluminar uma realidade concreta
através da comparação narrativa de uma situação típica.
Não se trata de uma anedota ou PD¶DVHK, “H[HPSOXP”, nem de um recurso
hermenêutico para interpretar um texto bíblico,
121
mas sim uma forma de aproximar o
ouvinte de uma situação narrada pelo interlocutor, o que o coloca em confronto direto
tanto com o fato narrado quanto com a sua própria realidade, em vista de conscientizar-
se dela e daí estabelecer sua práxis.
A parábola provém do PkVKkO (em aramaico PDWOKD e, no Novo Testamento,
em correspondência, do grego, SDUDERO ). O PkVKkO, assim como seus
correspondentes, apresenta um amplo leque de linguagem figurada,
124
que vai do
simples dito popular (“4XHYHPDVHUHVWHSURYpUELRTXHYyVXVDLVQDWHUUDGH,VUDHO
µ2VSDLVFRPHUDPXYDVYHUGHVHRVGHQWHVGRVILOKRVILFDUDPHPERWDGRV"’” ±(]
às comparações mais complexas 8P PkVKkO SRGHULD VHU XPD IUDVH XP GLWR XP
120
Paulo FREIRE e Frei BETTO, (VVDHVFRODFKDPDGDYLGD±GHSRLPHQWRVDRUHSyUWHU5LFDUGR.RWVFKR,
p. 39.
121
Cf. Miguel Pérez FERNANDEZ, /LWHUDWXUDMXGDLFDLQWHUWHVWDPHQWiULD, p. 476.
122
A raiz hebraica da palavra m-sh-l significa “parecido”. Uma ocorrência típica pode ser encontrada no
salmo 143:7 “Responde-me depressa, Iahweh, pois meu alento se extingue! Não escondas tua face de
mim: eu ficaria como os que baixam à cova”. Também entendido como provérbio 8PSURYpUELRp
SRSXODUFRQFUHWRDEHUWRDLQWHUSUHWDomRHUHSUHVHQWDomR(VWHVLJQLILFDGRGHPDVKDOFRPRSURYpUELR
SHUVLVWHDWUDYpVGD%tEOLD+HEUDLFDHVXEVHTHQWHOLWHUDWXUDKHEUDLFDHpRDUTXpWLSRGRPDVKDO´ Cf.
Bernard Brandon SCOTT, +HDUWKHQWKHSDUDEOH±DFRPPHQWDU\RQWKHSDUDEOHVRI-HVXV, p. 9.
123
3DUDERO VLJQLILFD OLWHUDOPHQWH µFRORFDUVH DR ODGR¶ H IXQFLRQD FRPR XP WHUPR FRPSDUDWLYR
LQGLFDQGR VLPLODULGDGH RX SDUDOHOLVPR $ QRomR  GH WHU VLGR FRORFDGR DR ODGR RX SDUDOHOLVPR QHVVH
VLJQLILFDGRGHSDUDERO WRUQDRHPXPDWUDGXomRDSURSULDGDSDUDPDVKDORTXDOWDPEpPLPSOLFDXPD
QRomRGHFRPSDUDomRHRVHQVRGHSDUDOHOR”. Cf. Ibidem, p. 19.
124
Cf. Joachim JEREMIAS, $VSDUiERODVGH-HVXV, p. 13.
HQLJPDXPDFKDUDGDXPSURYpUELRHPHVPRXPIDWRRXXPDFRQWHFLPHQWRFDSD]GH
HQVLQDUDOJXPDFRLVDDRVRXWURV”.
125
As comparações apresentadas por esse gênero literário estão sempre em função
de uma aprendizagem para a vida ou para a organização comunitária, daí seu uso nas
famílias, na corte e nas escolas dos escribas, que apresentam uma profícua abertura
didática. O uso das parábolas tem suas raízes na tradição e cultura dos sábios e dos
profetas do Primeiro Testamento.
127
Em extensão, podemos identificar em todo o Primeiro Testamento o uso de
comparações como forma de suscitar um saber político ou religioso capaz de
transformação: os “enigmas” nos livros históricos (Jz 9,8-15; 2Sm 12,1-4); as parábolas
proféticas (Is 5,1-7; Os 11); as sentenças, instruções, exortações, descrições, antíteses e
provérbios nos Livros sapienciais (Pr 23,11; Jo 19,25).
128
Jesus se serviu desse instrumental pedagógico com maestria, suscitando em seus
ouvintes uma leitura da vida e sociedade que os circundava.
129
Quando Jesus falava em
parábolas, ele estava usando um recurso comum entre os sábios de Israel; muitos outros
rabinos também contavam parábolas.
130
Portanto, o conceito neotestamentário de parábola é mais amplo do que o
conceito grego aristotélico que foi utilizado por Jülicher, pois o Novo Testamento não
depende das idéias dos gregos, mas das formas de pensamento do Primeiro Testamento.
125
CRB, 6HJXLU-HVXV2V( YDQJHOKRV, p. 96.
126
Cf Gilberto GORGULHO e Ana Flora ANDERSON, 3 D UiERODV±DSDODYUDTXHOLEHUWD, p.10.
127
Pedro Lima Vasconcelos desenvolve bem essa questão – parábolas e sabedoria em Israelno segundo
capítulo da sua tese de mestrado em Ciências da Religião. Ele reflete a sabedoria levando em
consideração duas proposições: 1. sabedoria como compreensão da ordem do universo e 2. sabedoria
como compreensão dos pontos críticos das relações humanas. A conclusão a que ele chega nos revela que
sabedoria é a expressão cultural que constitui identidade e desperta para o protesto contra a realidade
opressiva; ou seja, a palavra mashal não apenas reflete uma dada realidade, mas surge dela para
interpretá-la e questioná-la. Cf. pp.51-55.
128
Cf. Ana Gilberto GORGULHO e Ana Flora ANDERSON, 3DUiERODV±DSDODYUDTXHOLEHUWD, pp. 10-
11.
129
Cf. Jaques DUPONT, 2PpWRGRGDVSDUiERODVGH-HVXVKRMH, p. 27.
130
Cf. C. H. DODD. /DVSDUDERODVGHO5HLQR, p.24.
Pressupõe-se, assim, que a palavra PDWKOD (forma aramaica correspondente ao hebraico
PDVKDO) tenha sido usada por Jesus e pela igreja primitiva, sendo depois traduzida para
o grego em diversas formas.
Em Lc 5,36 ('L]LDOKHV DLQGDXPDSDUiEROD³1LQJXpPUDVJDXP UHWDOKRGH
XPDURXSDQRYDSDUDFRORFiODQXPDURXSDYHOKDGRFRQWUiULRUDVJDUiDQRYDHR
UHPHQGRWLU DGRGDQRYDIL FDUiGHVDMXVWDGRQDURXSDYHOKD´) e Mc 3,23 (&KDPDQGRRV
SDUDMXQWRGHVLIDORXOKHVSRUSDUiERODV³&RPRSRGH6DWDQiVH[SXOVDU6DWDQiV"´)
parábola tem o sentido de comparação; em Lc 4,23 (“&HUWDPHQWH LUHLV  FLWDUPH R
SURYpUELR 0pGLFR FXUDWH D WL PHVPR 7XGR R TXH RXYLPRV GL]HU TXH IL]HVWH HP
&DUIDUQDXP ID]HR DTXL HP WXD SiWULD´) pode ter sentido de provérbio ou lugar
comum. Aparece em Mc 7,17 (³( TXDQGRDRGHL[DUD PXOWLGmRHQWURXQXPDFDVD
VHXVGLVFtSXORVRLQWHUURJDUDPVREUHDSDUiEROD´) como enigma e, como regra, em Lc
14,7 (³(PVHJXLGDFRQWRXXPDSDUiERODDRVFRQYLGDGRVDRQRWDUFRPRHOHVHVFROKLDP
RVSULPHLURVOXJDUHV´).
131
2 VHQW LGR GH SDUDERO FRPR WUDGXção de mathla ou mashal, como pudemos
perceber, depende do contexto, pois nem todas as figuras de linguagem ou
comparações, embora sejam um autêntico mashal, não são parábolas no sentido
neotestamentário. Assim, podemos concluir que no Novo Testamento a palavra parábola
p XVDGD HP VHQWLGR PDLV DPSOR GR TXH SDUDERO QR JUHJR H HP relação ao Primeiro
Testamento, ela é usado com sentido mais restrito do que mashal ou mathla na literatura
rabínica.
Tal definição nos leva a inferir que a parábola, conforme é utilizada por Jesus,
escapa a um conceito fechado em que se leva em consideração apenas categorias gregas
ou apenas categorias rabínicas. Ela tem uma finalidade específica; com fins pedagógicos
131
Cf. Ana Flora ANDERSON e Gilberto GORGULHO, 3DUiERODVDSDODYUDTXHOLEHUWD, p. 12
específicos, apresentando, por meio de comparações, um diálogo capaz de promover a
interação do ouvinte com a realidade.
Adolf Jülicher tornou-se o ponto de partida para o questionamento sobre a
compreensão do gênero parábola a partir do momento em que ele constatou que no
decorrer dos séculos, a começar pelo próprio Novo Testamento e passando pelos pais da
Igreja, as parábolas de Jesus foram consideradas alegorias e assim tratadas.
132
A tese de
Jülicher é que as parábolas são similitudes e não alegorias, por isto elas têm somente um
³WHUWLXP FRPSDUDWLRQLV, isto é, um termo de comparação ou um ponto de
semelhança. Enquanto que a alegoria faz uma comparação com cada detalhe da história.
Ele insistiu ainda que as parábolas foram contadas para esclarecer os ensinos de
Jesus, para facilitar o entendimento das multidões, donde se conclui que as parábolas
são simples e fáceis de entender. Insistiu ainda que quanto mais geral for a lição que se
encontra na interpretação, mais próxima estará ela da intenção de Jesus.
Contudo, essa forma utilizada por Jülicher para conceituar a parábola,
desvinculando-a da alegoria, foi ao outro extremo. Ele deixou o referencial hebraico em
função do grego e sabemos que, embora o Novo Testamento tenha sido escrito em
grego, a mentalidade dos escritores é hebraica.
133
Este foi o seu primeiro erro.
O segundo ponto em que ele errou, foi o de referir-se à generalização da lição da
parábola, pois elas são mais específicas do que ele apresentou, e mesmo quando
possuem uma segunda lição, essa está vinculada à primeira.
A contribuição que Jülicher faz ao estudo das parábolas é inquestionável, pois a
partir dele ficou evidente a necessidade de se estabelecer uma distinção clara e
132
Pedro Lima VASCONCELOS, 8PDSDUiER ODUHEHOGHWH[WRHFRQWH[WRV, p. 56.
133
Cf. Afonso Osmundo MIRANDA, ,QWURGXomRDRHVWXGRGDVSDUiERODV, p. 22
sistemática entre parábola e alegoria, apresentando-o como um gênero literário
independente, autônomo, com características peculiares.
134
Não queremos entrar no mérito das pesquisas posteriores a Jülicher, em alguns
momentos retomaremos questões imprescindíveis para se compreender melhor a
extensão do que a alegoria poderia produzir na leitura das parábolas, mas para nós
torna-se suficiente observar que parábola e alegoria são gêneros muito distintos.
Crossan define alegoria como XPD KLVWyULD HP OLQJXDJHP ILJXUDGD FXMRV
PXLWRVSRQWRVUHIHUHPVHLQGLYLGXDOPHQWHHFROHWLYDPHQWHDDOJXQVRXWURVHYHQWRVRV
TXDLV HVWmR HVFRQGLGRV HUHYHODGRVQDQDUUDWLYD”,
135
e Miranda faz uma interessante
alusão ao sentido de algumas imagens presentes nas parábolas e que ganharam uma
interpretação alegando que: QXPDSDUiERODRSmRTXHDPXOKHUDPDVVRXpSmRHQmR
RXWUD FRLVD TXDOTXHU R yOHR XVDGR SHOR ERP VDPDULWDQR p yOHR H QmR R (VStULWR
6DQWRDVGXDVPRHGDVGDGDVDRKRWHOHLURFRUUHVSRQGHPDRSUHoRGDKRVSHGDULDH
QmRDGRLVVDFUDPHQWRV.
136
Percebemos assim, que a alegoria é um gênero diferente da parábola; ela é mais
usada no mundo grego. A parábola, segundo Gorgulho e Ana Flora, é uma comparação
com uma idéia só, a partir de um ponto preciso da comparação. A alegoria é continuada
possui vários elementos: é uma metáfora continuada.
137
Um exemplo é a história da
grande águia contada pelo profeta Ezequiel que refere-se ao Rei da Babilônia. Cada
elemento da alegoria em Ezequiel 17: 3-10 é depois interpretada passo a passo em 17:
11-21. Isto parece exatamente o que Jesus faz na história do Semeador em Mc 4: 3-8,
interpretada passo a passo em 4: 14-20. Desta maneira uma justificação, vinda do
próprio Jesus, e com muitas outras interpretações alegóricas presente na tradição
134
Pedro Lima VASCONCELOS, 8PDSDUiER ODUHEHOGHWH[WRHFRQWH[WRV, p. 57.
135
John Domenic CROSSAN, ,QSDUDEOHV±WKHFKDOOHQJHRIWKHKLVWRULFDO-HVXV, p. 6.
136
Afonso Osmundo MIRANDA, ,QWURGXomRDRHVWXGRGDVSDUiERODV, pp.31-32.
137
Cf. Ana Flora ANDERSON e Gilberto GORGULHO, 3DUiERODVDSDODYUDTXHOLEHUWD, p. 13.
sinótica, torna perfeitamente compreensível que “parábola” tenha sido tomado com o
sentido de “alegoria”. Conseqüentemente, a interpretação tradicional desta forma usada
por Jesus foi representada como alegoria e precisou ser cuidadosamente decodificada
ponto por ponto.
138
Joaquim Jeremias também nos alerta sobre esse processo de alegorização das
parábolas na Igreja das origens, as parábolas sofreram enquadramento, alegorização,
ampliação e transformação de acordo com o objetivo a que eram designadas: parênese,
apologia etc. Levava-se em consideração, principalmente, a situação de vida que viviam
a partir da cruz e da parusia, o que ocasionou um duplo lugar histórico: a situação em
que foram narradas por Jesus e o contexto vivido pela comunidade nascente.
139
O novo contexto social, cultural e político foi força propulsora para que essas
mudanças acontecessem. Jeremias apresenta da seguinte forma influências que as
parábolas sofreram na Igreja das origens:
140
1) A tradução das palavras de Jesus do aramaico para o grego –, ocasionou inúmeros
casos de desvios (alguns mais acentuados e outros mais leves), perdendo, assim, seu
sentido original.
2) Ao se traduzir para o grego, não só o teor verbal, mas também o material das imagens
semitas foi traduzido: em Lc 6,47s; 11,33, encontramos casas com subsolo, o que não
era costume na Palestina etc.
3) O recurso da ornamentação foi utilizado em várias parábolas.
141
138
Cf. John Dominic CROSSAN, ,QSDUDEOHV±WKHFKDOOHQJHRIWKHKLVWRULFDO-HVXV, p. 6-9.
139
Cf. Joaquim JEREMIAS, $VSDUiERODVGH-HVXV, p. 17.
140
Para os itens apontados, cf. idem, $VSDUiERODVGH-HVXV, pp. 17-113.
141
A ornamentação consiste no fato de se exagerar algumas situações presentes na parábola, como o caso
de numerários ou substituição de personagens por outros próprios de outras culturas. Jesus também fez
uso desse recurso que esse também faz parte da cultura oriental. Para um estudo científico é bom
lembrar que são as versões mais simples que geralmente mais se aproximam da situação original em que
as parábolas foram pronunciadas; como exemplo podemos comparar a versão de Mt 22,1-10 e Lc 14,16-
24 em relação à parábola do banquete, sendo que a versão de Lucas, por ser a mais simples, apresenta-se
como a original, pelo fato de não usar de tantos recursos de ornamentação.
4) Em algumas passagens das parábolas, encontramos referências a palavras da
Escritura, embora essas geralmente tenham função secundária (é claro que também
ajudam a acrescentar novas referências). O uso de temas populares – como o do tesouro
no campo –, era um recurso comum.
5) Muitas parábolas tiveram seu discurso direcionado para outro grupo de ouvinte.
Assim, parábolas que eram originalmente dirigidas aos fariseus, aos escribas ou à
multidão, a Igreja das origens aplicou-as aos discípulos de Jesus, e isto porque a
comunidade passava por situação semelhante de perseguição.
6) Na mudança de direcionamento da mensagem para um outro grupo de ouvintes,
acontece com freqüência um desvio de acentuação no sentido de parênese,
especialmente do acento escatológico para o parenêtico.
7) A Igreja das origens aplica as parábolas à sua situação presente, interpretando-as e
ampliando-as em vista da acentuada característica missionária que vivencia, além do
retorno de Cristo que se retarda.
8) Com o intuito parenético, mais e mais, a Igreja das origens explica alegoricamente as
parábolas de Jesus.
9) Ela ajunta coleções de parábolas e, ocasionalmente, também funde duas parábolas (o
exemplo mais claro de fusão de parábolas está em Mt 22,1-14 que forma a parábola do
grande banquete a partir de outras duas parábolas: a do convite dos não-convidados
(22,1-10), e a do hóspede sem a veste festiva (22,11-13)).
10) As parábolas passam por um enquadramento, o que desvia o seu sentido original e,
outras vezes, a Igreja das origens atribui conclusões generalizantes a elas, culminando,
também, numa perda do seu sentido original válido.
Jeremias, como todos os que o precederam e muitos dos que o seguiram, estava
convencido que o campo semântico das parábolas persiste na área da teologia e da ética.
Assim, a linguagem das parábolas foi mais explorada com o objetivo de revelar como
suas metáforas operaram do que como chave que envolvia uma referência ao contexto
social no qual ela foi usada ou o enredo social presente nela.
142
Tanto Dodd e Jeremias quanto a crítica literária, produziram leituras “idealistas”
das parábolas, estimando-as mais pelo valor teológico, ético-metafórico, do que pelas
suas cenas “materiais”. Portanto, encontramos uma interpretação das parábola que
também se distanciam do mundo social e do enredo social presente nelas,
negligenciando-os. Para Jülicher elas funcionam como uma moral generalizante; para
Dodd, um simples tema teológico; Jeremias nelas uma variedade de temas
teológicos; Via as relaciona com temas existenciais, enquanto que Crossan e Funk lhes
depreende uma filosofia da linguagem e percepção.
143
Herzog, com essas considerações, chama a atenção para a forma como as
parábolas foram interpretadas pelos seus pesquisadores, e isto devido ao fato de que eles
se afastaram do seu “sitz in lieben”. Ele estabelece que fizeram com elas o mesmo que
haviam feito com o Jesus histórico, tratando-o como o Rabi de Nazaré. As parábolas são
mais do que apenas substratos históricos; elas são cenas sociais que devem ser
investigadas não apenas com o intuito de se estabelecer éticas e teologia, pois isto
DSHQDVDVDSUR[LPDULDGRVHQWLGRGHSD UDERO HQTXDQWRHQLJPD
A partir dessas reflexões, podemos entender o porquê da necessidade de se
resgatar a situação original em que as parábolas foram pronunciadas, pois é através
desse “re-enquadramento” que poderemos nos colocar frente a frente com as palavras de
Jesus na situação original de vida em que foram pronunciadas e, conseqüentemente,
desvelar a realidade a ser questionada.
144
142
Cf. Willian R. HERZOG II, Parable as subersive speech – Jesus as pedagogue of the oppressed, pp.
12-13.
143
Ibidem, p. 13.
144
Cf. Jon SOBRINO, -HVXVROLEHUWDGRU,±$KLVWyULDGH-HVXVGH1D]DUp, p. 152.
A busca da originalidade do contexto das parábolas apresenta-se como uma
necessidade e um desafio, em vista de se resgatar o seu sentido original. Para isto o
Evangelho de Tomé se apresenta como uma ótima referência, que as parábolas nele
contidas não refletem qualquer tipo de enquadramento.
145
Frente a essas tendências que delinearam parte da pesquisa das parábolas, e
tendo apreendido ao menos alguma visão sobre o que ela é, trataremos no próximo
capítulo o seu caráter pedagógico, sem desejar com isto, fechar a possibilidade de outras
aproximações também possíveis. Por hora, faremos uma breve abordagem sobre o
evangelho de Lucas e a forma como elas estão inseridas nele, para daí, extrair nossa
justificativa para a escolha de algumas parábolas desse evangelista.
/XFDV±RHYDQJHOKRHDVSDUiERODV
³$OHLWXUDGHXPWH[WRH[LJHDJRUDXPDOHLWXUDG HQWURGRFRQWH[WR VRFLDODTXHHOH
VHUHIHUH´
145
O Evangelho de Tomé é um manuscrito entrado no ano de 1945 nos arredores de Nag Hammadi, no
Alto Egito. Ele não contém uma história de Jesus e não existe uma única narração de milagres. Trata-se
de uma coleção de 114 logia ou “palavras originais” atribuídas ao Mestre, o Manso, o Vivente. Estas
palavras teriam sido recolhidas por Dídimo Judas Tomé. Cf. Jean-Yves LELOUP, 2(YDQJHOKRGH7RPp,
pp. 7-10.
146
Paulo FREIRE e Donaldo MACEDO, $OIDEHWL]DomROHLWXUDGRPXQGRHOHLWXUDGDSDODYUD, p. 104.
2HYDQJHOKRGDDOHJUH³ERDQRYD´DRVSREUHV
O evangelho de Lucas é o evangelho da alegre “boa-nova” aos pobres: ³8P
FOLPDGHDOHJULDHGHIHVWDSHUPHLDRVHSLVyGLRVHPTXH-HVXVPHVWUHIDODDRSRYRFXUD
RVGRHQWHVDSUR[LPDVHGRVH[FOXtGRVFRPHFRPRVSHFDGRUHVDFROKHDVPXOKHUHVH
DEHQoRDDVFULDQoDV7RGDVDVFDWHJRULDVGHSREUHVVmRRVSURWDJRQLVWDVGRHYDQJHOKR
GH/XFDVRVGHVWLQDWiULRVGRDOHJUHDQ~QFLRHGDVSULPtFLDVGDVDOYDomR´.
147
O evangelho de Lucas é o “evangelho dos pobres”: de todos aqueles que se
encontram privados dos bens necessários à vida com dignidade. O interesse lucano pela
categoria dos pobres pode ser constatado através do vocabulário que ele utiliza: em todo
o Novo Testamento esta categoria aparece 24 vezes, sendo 5 vezes em Mateus, 5 vezes
em Marcos e em Lucas, 10 vezes. O termo pobre tem um significado especial no
evangelho e equivale a pessoa ou categoria destituída de bens e dependente do apoio
público e privado.
148
Jesus nos é apresentado por Lucas também em outras perspectivas: R³VDOYDGRU
GRPXQGR´R³OLEHUWDGRUGRVSREUHV´R³UHYHODGRUGD
PLVHULFyUGLDGR3DL´R³SURIHWDGH'HXV´FRPRDOJXpPGHPXLWD
DomRHRUDomR2HYDQJHOKRGH/XFDVPRVWUDWDPEpP TXHVHUGLVFtSXOR
p LU FDPLQKDQGR FRP -HVXV GH 1D]DUp  VHU PLVHULFRUGLRVR   WHU
FXLGDGR FRP WRGD H TXDOTXHU IRUPD GH JDQkQFLD   VHU VHUYR GR 6HQKRU
HQILPID]HURTXH-HVXVIH]VHJXLQGRRHPVHXFDPLQKR”.
149
147
Rinaldo FABRIS e Bruno MAGGIONI, 2V(YDQJHOKRV,,, p. 11.
148
Ibidem, 2V(YDQJHOKRV,, , p. 111.
149
CRB, 6HJXLU-HVXV2V( YDQJHOKRV, p. 170.
Jesus anuncia em si a promessa de salvação e esperança proclamada pelo Trito-
Isaías
150
(Is 61,1-2): 2(VStULWRGR6HQKRUHVWiVREUHPLPSRUTXHHOHPHXQJLXSDUD
HYDQJHOL]DURVSREUHVHQYLRXPHSDUDSURFODPDUDUHPLVV mRGRVSUHVRVHDRVFHJRVD
UHFXSHUDomRGDYLVWDSDUDUHVW LWXLUDOLEHUGDGHGRVRSULPLGRVHSDUDSURFODPDURDQR
GD JUDoD DR 6HQKRU(Lc 4, 18-19). É o amor libertador de Deus que age de forma
eficaz, livrando da opressão e da situação de não vida todos os que se encontram numa
situação de miséria: física ou social; resgata da condição de exclusão todos os
desprovidos de cultura, os analfabetos, numa dinâmica da denúncia do sistema opressor
e no anúncio do projeto de vida em plenitude a inaugurar uma nova realidade histórica.
A tradição evangélica presente em Lucas – assim como a identificação de grande
parte de suas sentenças com Mateus, demonstrando uma fonte (Q) comum entre os dois
–, demonstra que o evangelho lucano é um eco fiel da palavra e da ação histórica de
Jesus; que a insistência na prática da generosidade aos necessitados e a exigência do
amor ao próximo é um imperativo que requer a extinção de limites e restrições para a
vivência do amor-solidariedade-partilha-comunhão.
Enfim, o evangelho de Lucas nos apresenta que o homem novo é aquele, que do
encontro com Jesus, surge com seu rosto transfigurado a prova sensível da mudança
ocorrida naqueles que foram resgatados em sua dignidade e que agora vibram diante da
missão de urgente libertação e justiça para todos. O homem novo redescobre a
criatividade e torna-se corajoso para inventar e atualizar o convite à edificação do
Reino. Em Lucas podemos ler que a libertação oferecida pela práxis de Jesus se
identifica com a plenificação do homem em todas as suas dimensões: social, política,
religiosa e afetiva.
150
Trito-Isaías seria o autor dos capítulos 56-66 do livro de Isaías do Primeiro Testamento. Cf. Bíblia de
Jerusalém p.1341.
3DUiERODVHP/XFDVXPDGHQ~QFLDHDQ~QFLRGHOLEHUWDomR
As parábolas em Lucas vêm imbuídas de um forte apelo a repensar a situação de
opressão do homem palestino, além de revelar um Deus que é todo amor: uma
mensagem paradoxal e conflitante com tudo o que se anunciava como via de salvação.
Encontramos como em comum aos sinóticos as seguintes parábolas:
Parábolas Marcos Mateus Lucas
O Semeador 4,38 13,3-8 8,5-8
O grão de mostarda 4,30-32 13,31-32 13,18-19
Os vinhateitos maus
12,1-11 21,33-44 20,9-18
A figueira 13,28s 24,32s 19,29-31
Comuns a Mateus e Lucas:
Parábolas Mateus Lucas
A ida ao juiz 5,25s 12,58s
As crianças brincando 11,16-19 7,31-35
O espírito impuro que volta
12,43-45 11,24-26
O fermento 13,33 13,20
A ovelha perdida 18,12-14 15,4-7
O grande banquete 22,1-10 14,16-24
O assaltante 24,43s 12,39s
O servo de confiança 24,45-51 12,42-46
Os talentos 25,14-30 19,12-27
Comuns a Marcos e Lucas:
Parábola Marcos Lucas
O porteiro 13,33-37 12,35-38
Específicas de Lucas:
Os dois devedores 7,41-43 O pai misericordioso 15,11-32
O bom samaritano 10,30-37 O administrador desonesto 16,1-8
O amigo que vem à noite
pedir ajuda
11,5-8 A construção da torre e o
empreendimento da guerra
14,28-32
O rico insensato 12,16-21 O homem rico e o pobre Lázaro
16,19-31
A figueira estéril 13,6-9 A recompensa do servo 17,7-10
A porta fechada 13,24-30 O juiz mau 18,1-18
A dracma perdida 15,8-10 O fariseu e o publicano 18,9-14
As parábolas de Jesus, conforme aponta Joaquim Jeremias, não são obras de
arte, nem estão destinadas a apresentar princípios gerais normativos e estão relacionadas
com uma situação de vida histórica específica. Portanto, elas refletem uma práxis
pedagógica frente aos desafios que se apresentam. Algumas delas transpiram paz;
outras, fecundam a “guerra” – “são armas de luta”.
Para uma leitura das parábolas hoje, não podemos nos esquecer dos desvios de
sentido que essas sofreram ao longo dos anos desde a sua aplicação pela Igreja das
origens. Não é demais relembrar que reobter o lugar histórico das parábolas é tarefa
para se atingir o sentido original das parábolas de Jesus. A abstração dos traços
secundários das interpretações alegóricas nos aproxima desse ponto.
151
As parábolas lucanas apresentam um referencial significativo para justificar o
fato de se optar por elas:
1) As parábolas que Lucas tem em comum com Mateus e Marcos ou com Mateus
apresentam uma série de interpretações alegóricas; contudo, não distanciadas da original
como Marcos e especialmente Mateus.
2) Diversas são as parábolas alegorizadas em Lucas: o semeador (8,11-15), os servos
vigilantes e o senhor que os serve (12,35-38), o assaltante (12,39s), o servo ao qual se
confia a administração (12,41-46), o grande banquete (14,16-29), os talentos (19,11-27),
os vinhateiros (20,9-18). Contudo, essas alegorizações não são obra apenas de Lucas,
mas fazem parte da tradução que lhe é antepassada. Os próprios versículos
alegorizados são pobres em linguagem lucânica.
3) O material próprio de Lucas (7,41-43; 10,30-37;11,5-8; 12.16-21; 13, 6-9; 14,28-32;
15,8-10.11-32; 16,1-8.19-31; 17,7-1-; 18,3-8.9-14) não apresenta ampliação
interpretativa alegórica. Quando ampliado está no sentido de uma aplicação direta como
exortação, ou seja, Lucas retomou interpretações alegorizadas anteriores, mas ele
mesmo não reelaborou o seu material próprio nesta direção (das parábolas cujo material
é próprio de Lucas, analisaremos o rico avarento (12,16-21) e o bom samaritano (10,30-
37), para identificarmos a práxis libertadora de Jesus).
4) Outro dado interessante consiste em que o material de ditos comuns a Mateus e
Lucas, o material de Marcos, o material próprio de Mateus, os evangelhos de
151
Tomando como base para a escolha das parábolas específicas para o estudo que estamos realizando,
usei como fonte de pesquisa o livro de Joaquim Jeremias, $VSDUiERODVGH-HVXV”, páginas 17-113, em
vista do escasso material específico e científico em relação às parábolas em língua portuguesa, edições
esgotadas e a não re-edição de outras obras já não mais existentes no mercado.
Mateus, Marcos, Lucas e de João, todos apresentam interpretações alegoricas. Todavia,
não o material próprio só de Lucas nem o Evangelho de Tomé.
5) A parábola da ovelha perdida (15,4-7). Essa parábola tem seu paralelo em Mt 18,12-
14, porém esta teve sua mensagem direcionada a um outro grupo de ouvintes (os
discípulos), transformando mensagem que era apologética numa mensagem parenética,
como podemos observar:
Em Lucas, Jesus justifica a boa-nova diante dos seus críticos quando esclarece
na parábola que Deus, assim como o pastor, se alegra por causa do pecador disposto à
penitência. Em Mateus, ao endereçar a parábola não aos inimigos de Jesus, mas sim aos
seus discípulos, o apelo surge aos dirigentes da comunidade a manterem a fidelidade de
pastores para com os apóstatas (“$VVLP QmR TXHU 'HXV TXH QHP VHTXHU XP GRV
SHTXHQLQRVVHSHUFD”. Mt 18,14); a acentuação não cai, como em Lucas, na alegria do
pastor, mas na urgência da busca.
A parábola de Mateus apresenta uma composição secundária, constituída sobre a
base de palavras-chaves, e não passa de um desdobramento da coleção de Marcos
também baseada em palavras-chaves (“Quem é o maior” Mc 9,33-50). Portanto, é
Lucas quem nos conserva a situação original da parábola.
Mediante essas observações, fica-nos evidente a importância das parábolas
lucanas e o porquê de optarmos por elas. Lucas é o evangelista que melhor nos
aproxima da situação de vida em que as parábolas do Mestre foram pronunciadas. Ao
reencontrarmos a palavra original de Jesus, reencontramos o Jesus histórico e a sua
práxis libertadora – um desvelar do rosto de Deus, e uma denúncia da situação marginal
que impede a manifestação do Reino definitivo proposto pelo Pai já desde a criação.
Compete agora, instrumentalizarmos uma leitura das parábolas a partir desses
referenciais em vista da decodificação do universo que as envolvem; universo em que
Jesus viveu e cuja prática pedagógica fomenta um questionamento das situações-limites
do humano em todas as suas dimensões: física e religiosa. A práxis libertadora de Jesus
inclui uma ação pedagógica no meio dos pobres e com os pobres. As parábolas
possibilitam o diálogo com o universo sócio-cultural dos excluídos; possibilitam uma
leitura da realidade e de si mesmos a partir da proposta do Reino de Deus. Aqui reside o
ponto de contato fundamental do exercício hermenêutico aqui empreendido dentro das
categorias pedagógicas freireanas.
&$3Ë78/2,,,
-(68623('$*2*2' 26235,0,' 26
Jesus teve em seu agir uma compreensão e análise aguda, profunda e ajustada da
sociedade em que vivia, suas estruturas de opressão e mecanismos de exclusão; fez seus
discípulos continuadores de sua práxis libertadora movida pela compaixão sensível e
atenta ao sofrimento humano, assim como uma abertura para a compreensão, o sentir e
dialogar com esses sentimentos numa relação de íntima reciprocidade.
A categoria do encontro “acolhida” do oprimido, marginalizado –, mostra-se
como um elemento intrínseco à sua práxis: reúne discípulos, adversários e multidões em
“círculo de cultura”; ensina contando histórias da vida do povo histórias férteis de
verdades que pouco a pouco vão se desvelando como práxis humanitária de resgate do
homem e da mulher à sua dignidade plena.
Propicia através das histórias que vai narrando uma imersão crítica na realidade
concreta de seus ouvintes-educandos, para delas emergirem conscientes, historicizados,
com capacidade criadora para transformar os esquemas rígidos que alienam o ser
humano. Tudo isto mediado pelo diálogo e pela pedagogia do denúncio-anúncio de uma
cultura de integração do ser humano à sua capacidade plena de re-criação.
Assim, o pedagogo vai lançando as sementes que vão tornando os “ouvintes-
educandos” em fazedores de sua própria história. Vida plena, justiça e fraternidade: o
Reino de Deus que vai edificando suas bases; a utopia do Reino que vai ganhando força
quando o homem descobre-se como fazedor de cultura e vida em comunhão.
3DUiERODVVtPERORGDSUi[LVOLEHUWDGRUDGH-HVXV
Durante a viagem que Jesus realiza rumo a Jerusalém, ele vai desvelando o
mistério do Pai; um mistério que se mostra como acolhida do homem num anseio de
comungar com ele.
A face de Deus por ele apresentada contradiz grande parte das categorias que
compõe a cosmovisão do homem semita e ao mesmo tempo funciona como fonte de
denúncia da ideologia religiosa oriunda do organismo social templo; uma ideologia que
condiciona o agir da comunidade judaica a uma práxis de exclusão. Portanto, a ação
libertadora de Jesus se manifesta de forma eficaz, já que oferece às pessoas uma
apropriação das teorias desses sistemas geradores de escravidão e “morte”.
Jesus não chega aos seus interlocutores com uma teoria DSULRUL, para a partir
dela explicar as práticas que ali ocorrem, mas sim, busca coletar dados da própria
estrutura alienante, para que, de posse desse instrumental, possa fomentar o
questionamento dos sistemas teóricos que dela brotam, e geram uma vida suscitada em
falsos valores de qualificação da pessoa humana.
Assim também encontramos a prática pedagógica freireana na etapa em que
define o conteúdo programático dos encontros: a coleta de palavras a partir do universo
vocabular e da sociedade do educando; a escolha daquelas que trazem um maior
conjunto de sentido para o debate das relações sociais-culturais e subseqüente
codificação da realidade. Nas parábolas encontramos a realidade do povo semita sendo
expressa em forma de histórias que apontam para as estruturas sociais e a forma como
elas interferem na ação e reflexão do povo. Essa realidade codificada não escapa ao
entendimento dos seus interlocutores.
Para comprovarmos a força libertadora da práxis de Jesus, iremos analisar três
parábolas, observando a dimensão da pedagógica delas: o rico insensato (Lc 12,16-20);
o bom samaritano (Lc 10,30b-37) e o administrador infiel (Lc 16,1-8a).
A escolha dessas parábolas está vinculada ao fato de que assim teríamos
possibilidade de abordar algumas questões específicas da vida humana: sua dimensão
social, econômica e religiosa. Outro fato é por serem próprias de Lucas, sendo que
apenas a parábola do rico insensato se encontra tradicionada no Evangelho de Tomé sob
o logion 63. Isto oferece, segundo os pesquisadores, mais garantia de que se aproximam
mais da situação em que foram pronunciadas (sitz in lieben) e por se tornarem mais
isentas de alegorização.
25LFR,QVHQVDWRDSHGDJRJLDGRVHJXLPHQWR±DFRQVFLHQWL]DomRTXHOLEHUWD
Jesus narra uma parábola alertando sobre o fim dos tempos: é preciso que as
consciências sejam despertadas, já que apenas fazer parte do Israel escolhido não é
suficiente para a salvação. Ele esclarece o caráter de crise em que se encontra o Reino
de Deus sua expectativa escatológica. O tempo se faz próximo e é preciso fazer algo,
pois é impossível que o Reino chegue e nada se transfigure; é preciso questionar os
riscos de uma letargia em relação a esse fato.
16
(FRQWRXOKHVXPDSDUiEROD³$WHUUDGHXPULFRSURGX]LXPXLWR (OHHQWmR
UHIOHWLDµ4XHKHLGHID]HU"1mRWHQKRRQGHJXDUGDUPLQKDFROKHLWD¶ 'HSRLVSHQVRX
µ(LVRTXHYRXID]HUYRX GHPROLUPHXVFHOHLURVFRQVWUXLU PDLRUHVHOiKHLGHUHFROKHU
WRGR R PHX WULJR H RV PHXV EHQV ( GLUHL j PLQKD DOPD 0LQKD DOPD W HQV XPD
TXDQWLGDGH GH EHQV HP UHVHUYD SDUD PXLWRV DQRV UHSRXVD FRPH EHEH UHJDODWH¶
0DV 'HXV OKH GL] µ,QVHQVDWRQHVVDPHVPDQRLWH VHUWHi UHFODPDGD D DOPD ( DV
FRLVDVTXHDFXPXODVWHVGHTXHPVHUmR"¶´/F
O Evangelho de Tomé preserva a parábola muito semelhante à de Lucas:
'LVVH -HVXV +DYLD XP KRPHP ULFR TXH WLQKD PXLWR GLQKHLUR ( GLVVH
(PSUHJDUHL PHX GLQKHLUR SDUD VHPHDU FROKHU SODQWDU H HQFKHU GH IUXWRV PHXV
FHOHLURVGHPRGRTXHHXQmRWHQKDIDOWDGHFRLVDDOJXPD(LVRTXHHOH SHQVDYDHPVHX
FRUDomR1HVVDPHVPDQRLWHPRUUHX4XHPWHPRXYLGRVRXoD
152
Jesus está falando de um tema conhecido na literatura do grupo de ouvintes.
Em Eclesiastes 2,1-11 e 31,24-28 as personagens também questionam o valor de se
acumular riquezas e a forma como isto pode tornar-se um perigo, afastando a pessoa de
Deus e dos irmãos. Daí o comprometimento deles com o tema, pois esse os envolve
152
Jean-Yves LELOP, 2(YDQJHOKRGH7RPp, p. 30.
desde o início, como pessoas concretas, de forma que não se limita apenas a
aprendizado de técnicas ou de noções abstratas.
153
O que Jesus faz com o tema é
transformá-lo num drama.
Num contexto mais amplo, a parábola, com suas pressuposições, fala claramente
de problemas importantíssimos daquela época (poderíamos dizer, também da nossa).
Nela encontramos uma das formas como se ganhava a vida nas aldeias: através do
trabalho na terra (como camponeses ou donos da própria terra; como arrendatários,
diaristas ou servos). Ao que parece, isto era tão conhecido que não havia necessidade de
se entrar em precisões. Lucas ilustra outras parábolas e narrativas suas com essa mesma
questão (17,7-10.31.35 etc).
Quanto às precisões, Halvor Moxnes escreve que Lucas somente as apresenta
TXDQGRXPDVLWXDomRQRUPDOQmRVHYHULILFD/HPRVDUHVSHLWRGHGtYLGDVTXH
RVGHYHGRUHVQmRFRQVHJXHPVDOGDUIRPHHQGrPLFDHJHQWHTXHSDVVDYDIRPH”. Ele
não entra no mérito de como a riqueza foi obtida: os ricos são simplesmente
apresentados como ricos.
154
Assim, a parábola uma razão perfeitamente natural e moralmente aceitável
para a crescente riqueza do personagem. Numa economia baseada na terra, elementos
como bom tempo ou uma colheita não destruída por desastres naturais eram fatores
muito importantes. Uma boa colheita poderia significar o sucesso ou o insucesso do
pequeno arrendatário ou do grande proprietário de terras – aumentava a riqueza e
também a diferença entre ele e o camponês.
155
A parábola, segundo o enquadramento que damos a ela Lc 10,16-20 –, não
leva em consideração os vv. 13-15.21, e devido às seguintes questões: O diálogo dos vv.
153
Francisco C. Weffort, na introdução do livro Educação como prática da liberdade, nós chama a
atenção para essa característica da pedagogia freireana (Cf. p.15)
154
Cf. Halvor MOXNES, $ HFRQRPLDGR5HLQR±FRQIOLWRVRFLDOHUHODo}HVHFRQ{PLFDVQR(YDQJHOKRGH
/XFDV, p.85.
155
Cf. Ibidem
13-15 ($OJXpPQDPXOWLGmR GLVVH ³0HVWUHGL]H D PHX LUPmRTXH UHSDUWDFRPLJRD
KHUDQoD´ (OH UHVSRQGHX´+RPHP TXHP PH HVWDEHOHFHX MXL] RX iUELWUR GD YRVVD
SDUWLOKD"´'HSRLVOKHVGLVVH³3UHFDYHLYRVFXLGDGRVDPHQWHGHTXDOTXHUFXSLGH]SRLV
PHVPR QD DEXQGkQFLD D YLGD GR KRPHP QmR p DVVHJXUDGD SRU VHXV EHQV´ é
tradicionado no Evangelho de Tomé, lógion 72,
156
como peça autônoma e, por isso, não
deve ter feito parte originalmente da parábola, e, o v. 21, pode ser uma conclusão
generalizante: “$VVLPpDTXHOHTXH DFXPXODSDUDVLHQmRpULFRSDUD'HXV”; desviando
o acento escatológico para um sentido moralizante.
157
Outro elemento que nos ajudará na compreensão da parábola é o significado que
o termo ³LQVHQVDWR” (v.20), tem na época de Jesus: o termo significava “tPSLR” ou VHP
'HXV”, o que levaria a uma prática individualista, vazia, e à impiedade sem Deus.
158
Após estas considerações iniciais, podemos nos deter basicamente na análise da
parábola, sendo ela uma pura narrativa sem nenhuma fórmula de introdução. Jesus
mostra aos seus ouvintes, através das imagens desta parábola e em termos econômicos,
a pseudo-segurança que o acúmulo de bens oferece.
Contudo, o Reino, em sua inevitabilidade, colocará a todos em de igualdade,
mas muitos vivem “de costas para ele”, num processo de des-humanização do homem e
numa constância de acúmulo de riquezas.
Assim, o ouvinte-educando se encontra diante da seguinte questão: o dom do
Criador fez com que a terra produzisse grande colheita, o que deveria dar tranqüilidade
156
Logion 72: 'LVVHOKHXPKRPHP)DODFRPPHXVLUPmRVSDUDTXHFRPSDUWLOKHPFRPLJRRVEHQVGH
PHX SDL -HVXV OKH UHVSRQGHX 4XHP PH HQFD UUHJRX GH ID]HU SDUWLOKDV" ( YROWDQGRVH SDUD RV
GLVFtSXORVSHUJXQWRXOKHV4XHPVRXHXSDUDID]HUSDUWLOKDV"”. Ibidem, p. 32.
157
Devido ao caráter secundário da conclusão generalizante para a compreensão global da parábola,
omitimos o presente versículo, que, pelo dito na conclusão, fala o pregador ou mestre cristão que
explica as palavras do Senhor. Este tipo de compreensão, como já apontamos, reflete a tendência da Igreja
das origens em tirar das parábolas um sentido doutrinal ou exortativo para a comunidade. Adolf Julicher,
em sua obra “História da interpretação das parábolas de Jesus”, escreve que, para facilitar a parênese
eclesiástica, Lucas (sua fonte de pesquisa), faz uso dessa via, enquanto que Mateus preferiu o emprego da
alegoria - cf. Joachim JEREMIAS, $VSDUiERODVGH-HVXV, pp. 110-111.
158
cf. Georg BAUDLER, $ILJXUDGH-HVXVQDVSDUiERODV, p. 63.
de vida ao homem que com ele foi agraciado; contudo, a preocupação do personagem
parabólico se transfere para outro foco: guardar as provisões. Ele havia perdido o
cuidado para com o transcendente e para com a promessa.
A parábola quer libertar o ouvinte do apego ao “mundo”, da procura angustiada
de riqueza e segurança material. O rico produtor de trigo é um prisioneiro dessa atitude;
está cego ao germinar da PDONW ,DKZHK” frente ao cuidado excessivo com seus
celeiros.
Na busca de segurança, ele se esquece do DEED´e da relação vital e pessoal
com ele, caindo assim, numa falsa segurança. O sopro que o move deixa de ser o de
Deus para ser o do homem ímpio. A parábola, na medida em que se desenrola, cresce
em dramaticidade para um desfecho inaudito: a riqueza, bênção no Primeiro
Testamento, torna-se empecilho para o encontro do homem com Deus.
159
A práxis dialógica, ou a forma interrogativa que propicia o debate, acontece no
interior da própria parábola: ³(DVFRLVDVTXHDFXPXODVWHVGHTXHPVHUmR"´; é Deus
mesmo quem se dirige ao personagem parabólico. O diálogo surge como elemento
intrínseco ao método das parábolas, Mi TXH HOH p R HQFRQWURQRTXDO D UHIOH[mR H D
DomR LQVHSDUiYHLV GDTXHOHV TXH GLDORJDPRULHQWDPVHSDUDR PXQGR TXH p SUHFLVR
WUDQVIRUPDUHKXPDQL]DU
160
Como podemos perceber, nessa altura da narrativa, Jesus não está falando
sozinho, implicitamente, o ouvinte, foi colocado na discussão, tendo uma realidade com
parâmetros codificados para uma leitura e, conseqüentemente, um questionamento e
interação a serem feitos com ela.
159
(PERUDHPPXLWDV SDVVDJHQVGR3ULPHLUR7HVWDPHQWRDULTXH]DVHMD WLGDFRPRVLQDOGRIDYRUGH
'HXV H FRPR XPD ErQomR SDUD TXHP R VHUYH ILHOPHQWH FRPR QR FDVR GRV SDWULDUFDV H UHLV
SULQFLSDOPHQWHQRV OLYURV GR3HQWDWHXFRHQRVOLYURV KLVWyULFRVFRQWXGR HPRXWURVOXJDUHVID]HPVH
UHVHUYDVjULTXH]DHVHGHQXQFLDPDEHUWDPHQWH RVPDXVULFRV6DOPRV3URIHWDVH6DSLHQFLDLV2SHULJR
IiFLOGDULTXH]Dp VHHVTXHFHUGH'HXVHVHIHFKDUSDUDRVRXWURV”. Cf. Basílio CABALLERO, 1DVIRQWHV
GD3DODYUD, p.220.
160
Paulo FREIRE, &RQVFLHQWL]DomR7HRULDHSUiWLFDGDOLEHUWDomR±XPDLQWURGXomRDRSHQVDPHQWRGH
3DXOR)UHLUH, p. 83.
Jesus encontra-se diante dos seus ouvintes-educandos que são convidados a
pensar e responder, dando sua opinião sobre o destino a ser dado aos bens e que postura
adotar em relação ao Reino. A narrativa não resposta, comprovando o seu
direcionamento pedagógico em relação aos ouvintes. Ela não funciona como uma
educação “bancária”, mas dialógica em vista de se tornar um ato cognoscente,
mediatizando a relação educador-educando e mundo;
161
ela apenas codifica a realidade
que depois será descodificada pelos seus ouvintes.
Da integração do ouvinte-educando com a realidade, decorrem duas
conseqüências: D IRUoD GH XP SHQVDPHQWRFULDGRU SUySULR H R FRPSURPLVVR FRP R
GHVWLQR GD UHDOLGDGH SHQVDGD H DVVXPLGD”.
162
De posse deste instrumental,
questionando, ele poderá optar por uma segurança verdadeira junto ao DEED
condescendência de Deus que favorece colheita farta –, ou pela adesão ao mundo que ao
invés de libertá-lo, o prende, impedindo-o de um encontro verdadeiro com Deus e com
seu projeto de Reino.
Jesus não apenas anuncia a salvação, mas também denuncia a ação de um povo
obcecado pelo poder. 1mRKiDQ~QFLRV HPG HQ~QFLDDVVLPFRPRWRGDGHQ~QFLDJHUD
anúncio”.
163
Ele adverte e convida à conversão diante da seriedade da hora que se
aproxima, sendo que do conflito com a realidade apontada pela narração dele, os
ouvintes tornam-se capacitados a libertar-se do apego excessivo aos bens em detrimento
da acolhida de Deus, viabilizando um encontro mais íntimo com o seu Senhor; uma
conscientização-transformação da realidade capacitada pela práxis libertadora do
oprimido e anunciadora do Reino que se faz iminente.
161
Neste sentido, consulte educação bancária, educação dialógica (problematizadora) em Paulo FREIRE,
3HGDJRJLDGR2SULPLGR, pp. 62-72.
162
Paulo Freire, (GXFDomRFRPRSUiWLFDGDOLEHUGDGH, p. 107.
163
Idem, $omRFXOWXUDOSDUDDOLEHUGDGHHRXWURVHVFULWRV, p. 71.
2 %RP6DPDULWDQRDKXPDQL ]DomRGRKRPHP±SDUDXPDSUR[LPLGDGHGR
SUy[LPR
A missão de Jesus, em sua dimensão religiosa e política, é força de práxis
libertadora do homem da sua situação de opressão. Jesus critica, implicitamente, o
poder religioso e a força ideológica do templo.
Pedagogicamente, ao narrar a parábola do “bom samaritano”, ele abre uma
perspectiva para uma definição mais ampla e significativa do termo “próximo”,
despertando, também, uma ação junto ao meio, tendo como referência um quadro
sociológico de pouca dificuldade de compreensão, em vista do caminho de Jerusalém
que leva a Jericó – 27 km –, com suas conhecidas histórias de assaltos e mortes:
164
30b
8PKRPHPGHVFLDGH-HUXVDOpPD-HULFRHFDLXQRPHLRGHDVVDOWDQWHVTXH
DSyVKDYrORGHVSRMDGRHHVSDQFDGRIRUDPVH GHL[DQGRRVHPLPRUWR &DVXDOPHQWH
GHVFLDSRUHVVHFDPLQKRXPVDFHUGRWHYLXRHSDVVRXDGLDQWH ,JXDOPHQWHXPOHYLWD
DWUDYHVVDQGR HVVH OXJDU YLXR H SURVVHJXLX &HUWR VDPDULWDQR HP YLDJHP SRUpP 
FKHJRX MXQWR GHOH YLXR H PRYHXVH GH FRPSDL[mR $SUR[LPRXVH FXLGRX GH VXDV
FKDJDVGHUUDPDQGRyOHRHYLQKRGHSRLVFRORFRXRHPVHXSUySULRDQLPDOFRQGX]LXR
jKRVSHGDULDHGLVSHQVRXOKHFXLGDGRV 1RGLDVHJXLQWHWLURXGRLVGHQiULRVHGHXRV
DR KRVSHGHLUR GL]HQGR µ&XLGD GHOH H R TXH JDVWDUHV D PDLV HP PHX UHJUHVVR WH
SDJDUHL¶ 4XDOGRVWUrVHPWXDRSLQLmRIRLRSUy[LPRGRKRPHPTXHFDLXQDVPmRV
GRVDVV DOWDQWHV" (OH(o mestre da lei)UHVSRQGHX³$TXHOHTXHXVRXGHPLVHULFyUGLD
SDUDFRPHOH´-HVXVHQWmROKHGLVVH³9DLHWDPEpPWXID]HRPHVPR´/FE

164
Segundo diversos pesquisadores, o caminho entre Jerusalém e Jericó é muito conhecido pelos seus
perigos, exigindo um cuidado crescente em relação aos salteadores que nela se escondem. Cf. Joachim
JEREMIAS, $VSDUiERODVGH-HVXV, pp. 203-204; Kenneth Bailey, $VSDUiERODVGH/XFDV, pp.84-85 e
Bernard Brandon SCOTT, +HDUWKHQWKHSDUDEOH, p. 194.
O contexto que o evangelista apresenta para que parábola de Jesus seja
originada, tem como pano de fundo um mestre da lei que o interroga a respeito da
aquisição da vida eterna: 0HVWUH TXH IDUHL SDUD KHUGDU D YLGD HWHUQD"”. Contudo,
como ele sabe a resposta e Jesus o convida a cumpri-la, não outra saída para o
legista senão a de estabelecer uma controvérsia sobre a definição de quem se encaixa
nesta categoria, que ela é problemática no contexto religioso judeu.
165
Sem dúvida, o
que ele quer é “experimentar” Jesus.
A parábola é uma clara evidência do caráter dialógico da pedagogia adotada por
Jesus: ele aponta o quadro sociológico:dois peritos da lei que não ousam ajudar o ferido,
e a novidade, o samaritano (não um leigo piedoso, mas um representante de uma classe
destituída de dignidade aos olhos do povo semita).
166
A novidade da situação
apresentada provocará o questionamento dos liames que selam a cosmovisão de uma
sociedade extremamente elitista e sectária.
A categoria “próximo”, nos lábios de Jesus, não tem definição abstrata, uma vez
que o amor desconhece limites; “próximo” é todo aquele que precisa de ajuda e, amar o
próximo, torna-se reflexo de um sinal do amor incondicional ao Deus que ama. Numa
pedagogia dialógica, RDPRUpDRPHVPRWHPSRRIXQGDPHQWRGRGLiORJRHRSUySULR
GLiORJR3RUTXHRDPRUpXPDWRGHYDORUQmRGHPHGRHOHpFRPSURPLVVRSDUD
FRPRV KRPHQV”.
167
Jesus demonstra que o mestre da lei tem um “conhecimento” de
165
Para uma compreensão da extensão da pergunta realizada pelo mestre da lei, devemos levar em
consideração que enquanto o termo “próximo” tem para nós significa os demais, o desconhecido, na
cultura semita “próximo” está relacionado com graus de proximidade e medidas diferenciadas de
tratamento: compatriota, amigos etc. Ex: Fariseus: excluem os não fariseus; Zelotas: excluem os não
zelotas; Essênios (filhos da luz) excluem os filhos das trevas; Rabinos: excluem os heréticos e os
apóstatas; o povo: exclui os inimigos pessoais. Até mesmo as regras de conduta para com o que são
denominados “próximos” é diferenciada.
166
Joachim JEREMIAS comenta que a separação entre judeus e samaritanos sofreu especial agravamento
a partir do um fato ocorrido durante a Páscoa entre os séculos 6 e 9 d.C, quando eles espalharam ossadas
humanas na praça do Templo, tornando-a impura para a celebração. Cf. $VSDUiERODVGH-HVXV, p.201.
167
Paulo FREIRE, &RQVFLHQWL]DomR7HRULDHSUiWLFDGDOLEHUWDomR±XPDLQWURGXomRDRSHQVDPHQWRGH
3DXOR)UHLUH, p. 83.
Deus. Contudo, apenas a teoria não importa, pois o que se faz necessário é o amor
concreto.
A parábola não possui um final fechado: $R L QYpV GH UHVSRQGHU R TXH TXHU
GL]HU ³SUy[LPR´ V HJXQGR D OHL -HVXV UHVSRQGH VREUH GH TXHP VH GHYH VHU SUy[LPR
DQWHVGHFRQVXOWDUDOHL
168
; uma opção que se volta para os pobres e marginalizados,
desvelando assim o projeto libertador e humanizador do Pai.
Não querendo entrar numa questão, de forma objetiva, de jurisprudência, pois tal
postura dificultaria o questionamento da verdade mais ampla sobre o amor, Jesus,
pedagogicamente, conta a parábola, destinando ao ouvinte a responsabilidade de uma
conclusão. Assim podemos perceber que a criação de uma situação sociológica funciona
como um elemento desafiador para o grupo e constitui, no seu conjunto, XPD
SURJUDPDomR FRPSDFWD VLWXDomRSUREOHPD FRGLILFDGD XQLGDGH JHVWiOWLFD GH
DSUHQGL]DJHPTXHJXDUGDHPVLLQIRUPDo}HVTXHVHUmRGHVFRGLILFDGDV”.
169
A pergunta que Jesus realiza ao doutor da lei no v. 36 4XDOGRVWUrVHPWXD
RSLQLmRIRLRSUy[LPRGRKRPHPTXHFDLXQDVPmRVGRVDVVDOWDQWHV"–, não é teórica
nem jurídica, mas prática, “levando” o legista a responder à sua própria pergunta:
4XHPpRPHXSUy[LPR"”.
Jesus focaliza seu pensamento a partir daquele que sofre e não do limite para o
mandamento do amor. A inversão realizada por ele coloca o ouvinte-educando em
relação com a realidade concreta do sofrimento e da exclusão a que a lei e o Templo
submetem uma grande parte de Israel. A imersão crítica nessa realidade leva o ouvinte-
educando a se conscientizar da sua realidade, passando da representação codificada à
168
cf. Juan Luiz SEGUNDO, $ KLVWyULD SHUGLGD H UHFXSHUDGD GH -HVXV GH 1D]DUp ± GRV VLQyWLFRV D
3DXOR, p. 214.
169
Paulo FREIRE, (GXFDomRHPXGDQoD, p.75.
situação concreta na qual e com a qual convive.
170
Enquanto o legista pergunta a partir
da lei, Jesus pergunta pelo exemplo prático, demonstrando que todos os homens são,
sem exceção, nossos “próximos”.
Portanto, sem forçar a uma concordância consigo por meio de uma
argumentação que vise uma conquista, ele é capaz de apresentar o plano de Deus de
forma dialógica, respeitando, na prática do seu discurso, a caridade que se deve
exercer para com o outro. 2 GLiORJR TXH p  VHPSUH FRPXQLFDomR IXQGD D FR
ODERUDomR”.
171
A sua ação visa provocar um impacto; porém, não uma dependência.
Enquanto os fariseus reprimem e justificam seu comportamento mediante o uso da Lei,
Jesus não inibi o potencial humano criador.
Scott faz uma análise dessa parábola e nos oferece alguns paradigmas muito
interessantes: ele aponta os ouvintes diante de um quadro sociológico em que a
expectativa gerada neles visa o aparecimento de um herói. Ao ouvir a palavra
“samaritano”, o ouvinte a associa com a inimizade existente entre judeus e esse grupo.
Ele interpreta o samaritano como uma figura negativa; a sua visão de mundo o leva a
compará-lo com os assaltantes, e não com uma figura mítica-heróica.
172
Assim, a expectativa gerada no ouvinte leva a um conflito, pois o Samaritano é
um inimigo mortal, e não um modelo de bom comportamento. Comparando-o às outras
personagens que aparecem na parábola (o sacerdote e o levita), o ouvinte tende a
considerá-lo pior em vista da grande divisão social e religiosa existente entre esses
grupos. O conflito estabelecido pelo quadro sociológico codificado coloca o ouvinte-
educando em face a uma práxis re-educativa, que questiona as bases de uma visão
170
Paulo FREIRE, &RQVFLHQWL]DomR7HRULDHSUiWLFDGDOLEHUWDomR±XPDLQWURGXomRDRSHQVDPHQWRGH
3DXOR)UHLUH, p. 31.
171
Idem, 3HGDJRJLDGR2SULPLGR, p. 166.
172
Cf. Bernard Brandon SCOTT, +HDUWKHQWKHSDUDEOH, pp. 193-197.
ingênua da realidade para imergir como consciência transitiva-crítica.
173
A parábola
subverte a ordem da realidade hierárquica conhecida entre sacerdotes, levitas e
israelitas.
174
Jesus imprime um método de conscientização capaz de contrastar a Lei com a
realidade do povo semita, e uma opção de aderir ou não ao seu ensinamento, de forma
livre e não menos crítica, demonstrando que a consciência criadora e comunicativa é
democrática.
175
Com isto, ele faz seu interlocutor ver que seus iguais são incapazes de
amar; que o conceito de “próximo” não se restringe ao consangüíneo, à família ou ao
compatriota, mas se estende ao estrangeiro e àqueles que sofrem. Ele rompe com a força
ideológica da Lei que oprime, libertando o homem para uma edificação eficaz de si, do
outro e do Reino.
Confrontando a pedagogia aberta e dialógica de Jesus com o método fechado
dos sacerdotes e levitas, a resposta dos últimos se restringiria à forma normativa:
$PDUiVR6HQKRU WHX'HXVHRWHXSUy[LPRFRPRDWLPHVPR (Lv 19,18); todavia, o
que Jesus faz é convidar a uma reformulação profunda do sistema mental arraigado à
Lei e à força ideologizadora do templo: precisa-se romper com essa estrutura, deixar a
consciência intransitiva para colocar em prática a consciência crítica que possibilita a
transformação dos esquemas rígidos de pensamento. Por isto, ele diz ao seu interlocutor,
convidando-o: 9DLHWDPEpPWXID]HRPHVPR(v.37). Esta postura constitui-se numa
abertura para a indigência da realidade humana; num apelo a sair de sua inércia, sendo
que a misericórdia para com o necessitado passa a apresentar-se como a primeira e a
última necessidade do Reino, dela dependendo tudo, inclusive a salvação.
173
Paulo FREIRE,( GXFD omRH0XGDQoD, p. 39.
174
Cf. Bernard Brandon SCOTT, +HDUWKHQWKHSDUDEOH, pp.198-202.
175
Cf. Paulo FREIRE,(GXFDomRH0XGDQoD, p. 38.
Jesus escapa de uma “educação bancária” que vê o saber como XPDGRDomRGRV
TXH VH MXOJDP ViELRV DRV TXH MXOJDP QDGD VDEHU
176
para oferecer uma educação
dialógica-problematizadora, de caráter reflexivo em vista da emersão das consciências
numa inserção crítica na realidade.
177
A parábola não arroga a si mesma uma força dogmática o que não elimina a
sua validade –, submetendo o homem a uma não liberdade de escolha; ela sugere um
exemplo a seguir e não uma ameaça ou exclusão para aquele que não opta por ela.
A pedagogia proposta por Jesus não se recusa a aprender com a realidade
concreta do povo; rompe com a cultura elitista que nega qualquer vínculo com a
libertação do homem em vista da manutenção da sua estrutura de poder. 6XSHUD R
VHFWDULVPRTXHQmRpFUtWLFDQmRDPDQmRGLDORJDHQHPFRPXQLFD.
178
O agir pedagógico jesuânico se mostra solidário com aqueles que nada têm,
mesmo frente à necessidade de confrontar-se com as condições-culturais que levam ao
sectarismo. Desta postura surge o homem desvestido do ranço e da cultura
individualista que privilegia a omissão em relação à dor daquele que sofre, enquanto
que, ao mesmo tempo, demonstra que 7RGRFRQKHFLPHQWRWHROyJLFRGHQDGDVHUYHVH
RDPRUSDUDFRP'HXVHSDUDFRPRSUy[LPRQmRGHWHUPLQDUDGLUHomRGDYLGD”.
179
176
Paulo FREIRE,3 HGDJ RJLDGRRSULPLGR, p.58.
177
Quanto a essas categorias Cf. Idem, pp.54-76.
178
Paulo FREIRE, (GXFDomRHPXGDQoD, p. 38.
179
Joachim JEREMIAS, $VSDUiERODVGH-HVXVKRMH, p. 202.
 2 $G PLQLVWUDGRU ,QILHO XP FRQYLWH D UHSHQVDU DV HVWUXWXUDV KXPDQDV H D
OyJLFDGR5HLQR
Jesus se encontra ante seus discípulos e através do método das parábolas os
posiciona frente a uma questão paradoxal: o elogio do rico proprietário de terras ao seu
administrador desonesto. Como interpretar essa parábola? Quais as cenas sociais
subjacentes a ela? Quais as possíveis reações que ela despertaria em seus ouvintes? O
que significa o elogio do proprietário? A resposta a estas e outras questões ainda
implícitas irão nos aproximar do agir pedagógico de Jesus e do potencial libertador de
suas parábolas.
Através de inúmeras pesquisas, pudemos detectar que esta é a parábola que
maior grau de dificuldade apresenta para se determinar a sua estrutura. Muitos
comentaristas afirmam que ela é a mais difícil dentre todas as parábolas sinóticas.
180
Frente a essa questão e em vista dos limites desta pesquisa, a melhor opção é a
de não se estabelecer um debate sobre onde a parábola termina, que não um
consenso entre os seus comentadores, e, para se escapar de uma escolha meramente
subjetiva, decidimos optar pelos apontamentos de Brandon Scott que coloca o versículo
8a como chave de leitura para toda a parábola: $HVWUXWXUDGDSDUiERODVHFRQVWUyLDR
UHGRUGDFRQVLGHUDomRLQLFLDOGRVHQKRUHDUHVSRVWDGRFULDGR$UHVSRVWDGRFULDGR
EXVFDDQXODUDVFRQVLGHUDo}HVGRVHQKRU HQTXDQWRTXHDFRQVLGHUDomRILQDO GRVHQKRU
UHFXSHUDDREVHUYDomRLQLFLDOHQTXDQWRLQDXJXUDXPQRYRGHVIHFKR
181
180
Cf. Kenneth BAILEY, $VSDUiERODVGH/XFDV, p. 257. Cf. também Bernard Brandon SCOTT, +HDU
WKHQWKHSDUDEOH±DFRPPHQWDU\RQWKHSDUDEOHVRI-HVXV, pp 256-260; Halvor MOXNES, $HFRQRPLDGR
5HLQR±FRQIOLWRVRFLDOHUHODo}HVHFRQ{PLFDVQR(YDQJHOKRGH/XFDV, p. 132 e Willian R. HERZOG,
3DUDEOHVDVVXEYHUVLYHVSHHFK±-HVXVDVSHGDRJXHRIWKHRSSUHVVHG, pp.233-234.
181
Bernard Brandon SCOTT, +HDUWKHQWKHSDUDEOH±DFRPPHQWDU\RQWKHSDUDEOHVRI-HVXV, 260.
1
'L]LDDLQGDDVHXVGLVFtSXORV³8PKRPHPULFRWLQKDXPDGPLQLVWUDGRUTXHIRL
GHQXQFLDGRSRUHVWDUGLVVLSDQGRRVVHXVE HQV 0DQGRXFKDPiORHGLVVHOKHµ4XHp
LVVRTXHRXoRGL]HUGHWL "3U HVW DFRQWDVGDWXDDGPLQLVWUDomRSRLVMiQmRSRGHVVHU
DGPLQLVWUDGRU¶ 2DGPLQLVWUDGRUHQWmRUHIOHWLXµ4XHIDUHLXPDYH]TXHPHXVHQKRU
PHUHWLUHDDGPLQLVWUDomR"&DYDU"1mRSRVVR0HQGLJDU"7HQKRYHUJRQKD -iVHLR
TXHYRXID]HUSDUDTXHXPDYH]DIDVWDGRGDDGPLQLVWUDomRWHQKDTXHPPHUHFHEDQD
SUySULDFDVD¶
&RQYRFRX HQWmRRV GHYHGRUHV GR VHX VHQKRU XP D XP H GLVVH DRSULPHLUR
µ4XDQWR GHYHV DR PHX VHQKRU"¶ µ&HP EDUULV GH yOHR¶ UHVSRQGHX HOH 'LVVH HQWmR
µ7RPDWXDFRQWDVHQWDWHHHVFUHYHGHSUHVVDFLQTXHQWD¶ 'HSRLVGLVVHDRXWURµ(WX
TXDQWR GHYHV"¶ ± µ& HP PHGLGDV GH WULJR¶ UHVSRQGHX (OH GLVVH µ7RPD WXD FRQWD H
HVFUHYHRLWHQWD¶
(RVHQKRUORXYRXRDGPLQLVWUDGRUGHVRQHVWRSRUWHUDJLGRFRPSUXGrQFLD´
/FD
A parábola coloca o ouvinte-educando diante de um quadro sociológico que
contextualiza as relações econômicas e sociais da Palestina do primeiro século. A
importância da codificação desse quadro está no fato de que se fala para um homem
concreto que existe numa situação concreta. Dela sofre condicionamentos, não podendo
existir homem sem mundo, nem mundo sem homem.
182
Segundo Moxnes, o homem rico da história é provavelmente um senhorio
sempre ausente, personagem bem conhecido de outras histórias de Lucas. Seu
administrador é seu representante, agindo em seu nome (arrendando terras, concedendo
empréstimos aos arrendatários, mantendo a contabilidade dessas transações).
182
Paulo FREIRE, (GXFDomRHPXGDQoD, p. 17.
Subjacente à codificação dessa cena encontramos o contexto das vilas. Os
camponeses tinham pouco acesso aos fatores sistemáticos que dominavam suas vidas,
porque eles quase nada podiam fazer contra eles. Assim, o foco da sua atenção se
voltava para aqueles que estavam mais próximos e podiam ser atingidos pela sua
hostilidade – nesse caso, o administrador.
A economia moral do camponês via o senhor como explorador e implacável; o
senhor tratava os camponeses como um recurso a ser explorado até o seu limite; o
administrador sobrevivia enquanto capaz de produzir um lucro suficiente aos anseios do
seu senhor e que não ultrapassasse o “consentimento” dos camponeses e, quando os
moradores da vila estavam descontentes com o administrador, eles o atacavam criando
rumores sobre a sua integridade administrativa. Este é o pano de fundo desta história
contada por Jesus.
Portanto, a parábola convida o ouvinte a uma imersão na sua própria realidade,
com suas contradições e luta pela sobrevivência.
O conflito estabelecido no interior da parábola, como veremos a seguir, é
importante para a reflexão do ouvinte-educando, que passa a oscilar entre dois eixos: a
visão do senhor e a visão do administrador.
O ouvinte, segundo Brandon Scott, vai buscando juntar as partes para
estabelecer uma forma consistente capaz de lhe oferecer um caminho de leitura do
evento narrado.
183
A primeira consistência sugere que o homem rico é mau e o administrador é
bom, pois o senhor representa a elite que controla o país e a vida das pessoas. Essa
mesma elite que é considerada de caráter explorador e predatório nas sociedades
183
Bernard Brandon SCOTT, +HDUWKHQWKHSDUDEOH±DFRPPHQWDU\RQWKHSDUDEOHVRI-HVXV, pp 260-
266.
agrárias avançadas.
184
Além de que na seqüência, o julgamento realizado pelo senhor é
sumário e arbitrário, pois os elementos que ele toma como base são os rumores
relacionados ao administrador.
185
Desta forma, até este momento da narrativa da parábola, os ouvintes se
encontram mais favoráveis ao administrador do que ao rico proprietário de terras. No
entanto, no momento em que o administrador coloca sua ação em curso, ele rompe com
essa consistência ao demonstrar sua recusa em cavar ou mendigar.
Segundo Via, cavar e mendigar eram atitudes normais no mundo do
administrador, mas para ele significava um tipo de morte. Era a queda da pessoa - uma
descida de classe social – administrador, artesão, mercador ou camponês –, para a classe
dos dispensáveis, um grupo destituído de quaisquer benefícios, inclusive uma melhor
alimentação.
186
Desta forma, o administrador está diante de uma situação de vida ou
morte a partir do momento em estiver destituído do seu cargo.
Bailey, e também outros pesquisadores, notaram que o ouvinte esperava do
administrador uma defesa em relação à sua inocência. O seu silêncio é para eles uma
confirmação da sua culpa.
187
Por outro lado, Herzog nos lembra que se levamos em
consideração o contexto do sistema econômico da época e ao qual o administrador faz
parte, para ele é preferível buscar novas estratégias para a sua sobrevivência do que
protestar visando a sua inocência, que o senhor o havia julgado. Esta seria a “arma
dos fracos”.
188
184
Willian R. HERZOG, 3DUDEOHVDVVXEYHUVLYHVSHHFK±-HVXVDVSHGDRJXHRIWKHRSSUHVVHG, pp.240-
241.
185
Ibidem, p. 244.
186
Apud. Via. Willian R. HERZOG, 3DUDEOHVDVVXEYHUVLYHVSHHFK±-HVXVDVSHGDRJXHRIWKHRSSUHVVHG,
pp.242.
187
cf. Kenneth BAILEY, $VSDUiERODVGH/XFDV, p. 268.
188
cf. Willian R. HERZOG, 3DUDEOHVDVVXEYHUVLYHVSHHFK±-HVXVDVSHGDRJXHRIWKHRSSUHVVHG, pp.252-
258.
Essa postura do administrador poderia até mesmo levar o ouvinte a estar com ele
a seu favor –, o elogio do senhor não deixa de provocar uma nova reflexão nos que
ouvem a parábola.
O conflito estabelecido pela narrativa coloca o ouvinte em imersão na sua
realidade imbuída de traços econômicos, morais e sociais. 7RGRHVWHPXQGRKLVWyULFR
FXOWXUDOSURGXWRGDSUi[LVKXPDQDVHYROWDVREUHRKRPHPFRQGLFLRQDQGRR&ULDGR
SRUHOHRKRPHPQmRSRGHVHPG~YLGDIXJLUGHOH1mRSRGHIXJLUGRFRQGLFLRQDPHQWR
GHVXDSUySULDSURGXomR”.
189
Ao final da parábola, o ouvinte encontra-se diante de uma situação que o leva à
reflexão e a uma reconsideração relativa às caracterizações apresentadas na parábola. O
ouvinte-educando tem que DGPLUDUPLUDUGHVGHGHQWURFLQGLUSDUDYROWDUDPLUDUR
WRGRDGPLUDGRTXHVmRXPLU DWp R WRGR H XP YROWDU GHOHDWp VXDV SDUWHV”,
190
para
desse jogo abstrair o sentido da luta pela sobrevivência e os condicionamentos
históricos.
O senhor foi arbitrário no seu julgamento? A acusação foi uma perda de tempo?
A conduta do administrador foi considerada inofensiva pelo senhor? A parábola não
responde a essas questões, apenas as provoca. A sua função pedagógica encontra
ressonância no ouvinte que se interpelado a questionar as bases estruturais
econômicas, morais e sociais na qual ele está inserido. Agora a parábola leva a um
confronto do mundo implícito do ouvinte com o da justiça operada no mundo.
Assim, encontramos Jesus diante de seus ouvintes-educandos que se encontram
adaptados à cultura opressiva da sociedade agrária do primeiro século na Palestina. Ele
investe contra essas estruturas na medida em que propicia através do diálogo com seus
ouvintes uma imersão na sua própria realidade, questionando suas estruturas para
189
Paulo FREIRE, (GXFDomRHPXGDQoD p. 47.
190
Idem, $omRFXOWXUDOSDUDDOLEHUGDGHHRXWURVHVFULWRV, p.44.
imergir dela com elementos capazes de questioná-la, fazendo o processo de saída de
uma consciência intransitiva para uma consciência transitiva crítica. O educador
denuncia a estrutura e resgata o educando para semelhante postura.
$VSDUiERODVUHYHODPXPDWRSHGDJyJLFR
³2V KRPHQV HP VHX SURFHVVR FRPR V XMHLWRV GR FRQKHFLPHQWR H QmR FRPR
UHFHEHGRUHV GH XP ³FRQKHFLPHQWR´ GH TXH RXWURV OKHV ID]HP GRDomR RX OKHV
SUHVFUHYHPYmRJDQKDQGRD³UD]mR´GDUHDOLGDGH(VWDSRUVXDYH]HSRULVWR
PHVPR V H OKHV YDL UHYHODQGR XP PXQGR GH GHVDILR H SRVVLELOLGDGHV GH
GHWHUPLQLVPRHGHOLEHUGDGHGHQHJDomRHGHDILUPDomRGHVXDKXPDQLGDGHGH
SHUPDQrQFLDHGHWUDQVIRUPDomRGHYDORUHGHGHVYDORUGHHVSHUDQDHVSHUDQoD
GDEXVFDHGHHVSHUDVHPHVSHUDQoDQDLQDomRIDWDOLVWD´
191
O sujeito cognoscente diante da realidade opressiva, porém revestido de uma
consciência crítica proporcionada por um método que o confronta com essa realidade,
tende a dialogar com ela não vista de uma adequação –, mas sim de superá-la para
dela surgir como sujeito histórico. Esta dinâmica nós podemos entrever no método
parabólico de um modo geral.
As parábolas, ao contrário do que estamos acostumados a ver, não são um
conjunto disperso de ensinamentos morais aplicados a uma série de histórias, mas sim
um aparato pedagógico que oferece aos ouvintes os mecanismos necessários para uma
191
Paulo FREIRE, ([WHQVmRRXFRPXQLFDomR", p. 84.
ação antiideológica capaz de vencer as estruturas que oprimem e legitimam a condição
de marginalizados.
192
As parábolas se revestem de imagens reais; imagens que são tiradas do cotidiano
do mundo semita, e essas levam a um discernimento da realidade em que se encontram
os seus ouvintes. Deste modo, podemos perceber que a utilização dessas imagens
funciona como um recurso que leva a uma interação e tomada de consciência da
realidade concreta; por isso, é comum a apresentação de imagens que trazem para o
diálogo o mundo do trabalho agrícola (plantio, vinha, colheita, arado); pastoril (ovelha,
pastor, rebanho ); pesca (redes, peixe, barca); a circulação da mercadoria e a dívida
(dracma, talento, administrador).
193
Outras imagens também descrevem as classes sociais e os conflitos existentes no
contexto de dominação romana. Apresentam tipos de trabalhadores (escravos,
assalariados, administradores); funcionários (juiz, sacerdotes, levitas etc); figuras
influentes na política (publicano, fariseu, pai de família etc), além de denunciar
situações de opressão na vida política e religiosa (a Lei do “puro e do impuro” etc).
194
Por revelarem uma situação de vida que abrange os diferentes níveis sociais, o
ouvinte pode aproximar-se do discurso que está sendo realizado, que esse não se lhe
apresenta estranho à sua estrutura cognitiva e a torna suscetível realizar uma
comparação entre aquilo que lhe está sendo apresentado com a sua situação de vida.
As parábolas acontecem como forma de diálogo, interpelando o ouvinte a uma
participação ativa; assim, elas não são um meio pedagógico que se locomove na direção
vertical (de cima para baixo), nem tomam forma de um enunciado discursivo cujo fim
seja provocar o silêncio dos que estão envolvidos com os questionamentos que estão em
192
cf. Juan Luis SEGUNDO, $ KLVWyULD SHUGLGD H UHFXSHUDGD GH -HVXV GH 1D]DUp± GRV VLQyWLFRV D
3DXOR, p. 233.
193
cf. Ana Flora ANDERSON e Frei Gilberto GORGULHO,3DUiERODVDSDODYUDTXHOLEHUWD, pp. 15-16.
194
Ibidem.
questão, mas quer mostrar-se como relação horizontal; quer estabelecer comunicação.
Portanto, podemos entender a constância da forma interrogativa no início ou no fim da
maioria das parábolas: 9LQWH H GXDV SDUiERODV GR (YDQJHOKR FRPHoDP FRP XPD
LQWHUURJDomR ³4XH YRV SDUHFH"´ ³4XHP GHQWUH YyV"´ RX VLPSOHVPHQWH ³6HUi
TXH"´FRPR³&RPR"´$SDUiERODQDVXDLQWHLUH]DDSUHVHQWDVHDVVLPFRPRXPD
SHUJXQWDDTXDORRXYLQWHpFRQYLGDGRDUHVSRQGHU2SDUDEROLVWDQmRTXHULPSRUGH
IRUPD DOJXPD D VXD DXWRULGDGH DSHQDV SHGH D RSLQLmR GRV RXYLQWHV
195
; a forma
interrogativa coloca o ouvinte numa postura de convite à participação dialógica na
parábola.
O método parabólico não é uma pedagogia passiva, mas ao contrário: RPpWRGR
p DWLYR ID]HQGR DRV RXYLQWHV SHUJXQWDV TXH HVSHUDP UHVSRVWDV RX DR PHQRV
LQWURGX]LQGRVHXVLQWHUORFXWRUHVQXPMRJRHPTXHHOHV QmRSRGHPSHUPDQHFHUFRPR
PHURVH[SHFWDGRUHVSDVVLYRVHOHVWrPXPSDSHODGHVHPSHQKDUXPFRQVHQWLPHQWRD
GDUXPDSRVLomRDDVVXPLU”.
196
As parábolas de Jesus, enquanto práxis pedagógica, não revelam apenas uma
situação de ensino (um método que enuncia uma aprendizagem de valores religiosos,
políticos ou sociais), ou uma situação de controvérsia em que Jesus usa desse recurso
literário para responder aos ataques que lhe eram feitos pelos adversários, mas
essencialmente revelam-se como situação de diálogo: de práxis libertadora: 3RUWDQWR
DVSDUiERODVHVSHUDPXPDUHVSRVWDSRUSDUWHGHVHXVGHVWLQDWiULRV0DVFRPRSRGHUmR
HOHV IRUQHFHU D UHVSRVW D TXH R SDUDEROLVWD HVSHUD" (YLGHQWHPHQWH QmR VHUi SRU
LPSRVLomRGHXPDDUJXPHQWDomROyJLFDRXGHUD]}HVTXHVHDSyLDPQDDXWRULGDGHVy
UHVSRQGHUmR FRUUHWDPHQWH HP YLUWXGH GH VXD H[SHULrQFLD YLYLGD H GD VDEHGRULD
FRQFUHWD GH VHX DPELHQWH 3RU LVVR SRGHVH GL]HU TXH R SRGHU GH SHUVXDVmR GDV
195
Jaques DUPONT, 2Pp WRGRGDVSDUiERODVGH-HVXVKRMH, p. 18.
196
cf. Jaques DUPONT, 2Pp WRGRGDVSDUiERODVGH-HVXVKRMH, p. 21.
SDUiERODV GH -HVXV SURFHGLD SUHFLVDPHQWH GH VHX HQUDL]DPHQWR QD YLGD GH VHX
SULPHLURVGHVWLQDWiULRV
197
Por visar uma proposta dialógica, a parábola não entra de forma diretiva no
cerne da controvérsia, mas propõe um terreno no qual o interlocutor se sente livre para
formular um juízo não prevenido. A parábola chega ao interlocutor de forma
provocativa, desinstalando o sujeito da sua atitude passiva e convidando-o a uma
participação.
As parábolas de Jesus proporcionam aos ouvintes uma confrontação com a
realidade, capaz de questionar os seus condicionamentos sociais, políticos e religiosos e
isto podemos observar através da forma como ele introduz novidades, no decorrer da
narração, instalando um conflito capaz de questionar a ordem pré-estabelecida pelos
condicionamentos impostos pelas organizações que governavam a vida do povo. O
conteúdo relatado passa a apresentar um fato que exige uma postura do ouvinte. A
conclusão deve ser dele. O julgamento não é forçado; é o ouvinte que deve ou não
aceitar uma das possibilidades com que se defronta.
Contudo, apesar de não forçar uma opção, as parábolas não admitem
neutralidade; o ouvinte é convidado a interagir com a situação: eYHUGDGHTXHVHGHYH
SDJDUDPHVPDFRLVDDRTXHFKHJRXQD~OWLPDKRUDSDUDW UDEDOKDUHDRTXHDJHQWRX
WRGRRSHVRGRGLD"”.
198
A liberdade para a decisão e a ausência de dogmatismo é que
fará com que o ouvinte possa tecer sua própria interrogação sobre a realidade. É certo
que com ela surge o conflito; contudo, também brota o processo de conscientização.
199
197
Ibidem, p. 20.
198
cf. Jon SOBRINO, -HVXVROLEHUWDGRU,±$KLVWyULDGH-HVXVGH1D]DUp, p. 153.
199
Neste sentido optei pelo ponto de vista de Jon SOBRINO e Juan Luis SEGUNDO que não apontam as
parábolas como uma estrutura fechada cuja mensagem deve ser assumida em seu mais completo grau pelo
interlocutor. Jacques DUPONT, no que concerne a este ponto de vista, apresenta algumas contradições
em sua obra 3RUTXHSDUiERODV"2PpWRGRSDUDEyOLFRGH-HVXV”. À página 40, ele escreve que o ouvinte
deve conscientizar-se da superioridade do ponto de vista do parabolista e adotá-lo, enquanto que à página
62, ele escreve que ao ouvinte que é interrogado, QDGDVHTXHULPSRUOKHjIRUoDHVSHUDVHTXHHOHGr
VXDRSLQLmR”. Como podemos notar, entre reconhecer a superioridade e a adoção de um ponto de vista e
Assim, podemos concluir que as parábolas revelam um ato pedagógico mediado
pelo diálogo que aponta para um olhar a realidade a partir das comparações que o
sugeridas.
200
Pela imersão nessa realidade, dela emerge o indivíduo num outro estado
de consciência: não mais intransitiva ou transitiva ingênua, mas transitiva crítica que
sugere opção, mudança de rumo; portanto, também desse fato, podemos abstrair a
importância de se identificar a situação concreta em que se deu narração da parábola por
Jesus, com a finalidade de aproximar-se o máximo possível da sua real práxis
libertadora e do seu anúncio revelador do Pai.
$SHGDJRJLDTXHUHYHODRSHGDJRJR±XPD³ELRJUDILDLQWHULRU´
4XDQGRRRSULPLGROrD%tEOLDHPFRPXQLGDGHHOHHVWiQmRVyVHDSURSULDQGR
GRWH[WREtEOLFRPDVGRVHXSUySULRFRQWH[WRGHYLGDHGHOXWD
201
As parábolas de Jesus nos apresentam um cunho absolutamente pessoal, claro e
simples, além de uma inaudita forma de construção. Diante delas nós nos encontramos
ante a uma tradição fiel e em imediata proximidade com ele, o que nos confere a
aquisição de uma imagem verossímil da sua pessoa. Portanto, uma leitura em nível
apenas ouvir dele uma opinião, uma enorme diferença: no primeiro caso a mensagem apontada ganha
ares de norma dogmatismo por parte de Jesus; transparece uma continuidade da ação dos dirigentes
religiosos judeus. No segundo caso, encontramos o respeito à liberdade humana; o caráter humano e
humanizador da práxis libertadora de Jesus. Juan Luis SEGUNDO em sua obra $KLVWyULDSHUGLGDH
UHFXSHUDGDGH-HVXVGH1D]D Up±GRVVLQyWLFRVD3DXOR”, pp. 203-220, escreve: DVSDUiERODVVmRXP
PHFDQLVPRGHVLGHRORJL]DGRUHFRQVFLHQWL]DGRUHQmRVLPSOHVPHQWHDSUHJDomRGHXPPHVWUHGDPRUDO
XQLYHUVDO”.
200
Também pode ser entendida como situações sociológicas codificadas.
201
Paulo FREIRE e Frei BETTO, (VVDHVFRODFKDPDGDYLGD, p. 61.
profundo delas nos capacita a discernir os traços desse divino e humano pedagogo: sua
fé, convicções, estilo de vida e ações - sua parábola pessoal.
O relacionamento cordial que ele tem com os pecadores, seu conflito com os
homens religiosos, seu ensinamento à multidão, tudo revela seus sentimentos em
relação a eles e, ao mesmo tempo, também os sentimentos de um Deus que convida a
uma vida fraterna radicada na solidariedade, no amor, no respeito e justiça.
As parábolas de Jesus nos mostram um homem que conhece a miséria material e
espiritual de seu povo; um homem que não busca o poder, não tem medo da exclusão e
solidariza-se com o sofredor; seu fazer teológico dista do fazer teológico dos mestres da
lei e dos fariseus; sua pedagogia é a pedagogia de um homem sonhador, de profunda
sensibilidade poética, revolucionário e libertador.
Ele não conta parábolas para falar de si mesmo ou apenas para se auto-justificar
diante de seus acusadores. O que verdadeiramente ele busca evidenciar não é a sua
pessoa, mas algo que está inexoravelmente entranhado em si: o projeto do Pai; seu agir
coincide com o agir de Deus uma descrição que brota da experiência que une filho e
paternidade divina, sendo desse agir a decorrência da sua cosmovisão e estrutura
cognitiva.
As suas parábolas, por não anunciarem uma verdade normativa, mas uma
motivação para um questionamento eficaz e a adoção de uma postura frente a ele, como
tantas vezes foi feito referência, o revelam como alguém não dogmático, mas sim
extremamente humanizador; ele se faz presença no meio dos homens, solidariza-se com
eles, carrega o pecado que os destrói, anuncia o Reino e denuncia as injustiças.
Das pesquisas das parábolas realizadas ao longo da história – passando por
Adolf Julicher, A. T. Cadoux, B. T. Smith, C. H. Dodd, Joachim Jeremias, Jacques
Dupont, Linneman, Weder, Westermann e tantos outros –, fica cada vez mais evidente
que as parábolas manifestam de maneira fiel RTXH e FRPR Jesus ensinou e, com isto,
sua pessoa e sua íntima relação com o Pai. A leitura das parábolas nos mostra uma
“biografia interior” de Jesus e com ela a ação eficaz de Deus entre os homens.
Como obra de arte linguística, pela sua própria dinâmica, esta pedagogia de
Jesus tem a capacidade de colocar o ouvinte leitor numa postura de ler o mundo “com
os olhos do pedagogo”, dele colhendo uma confrontação com o projeto de Deus para
todos e uma postura crítica frente aos desvios provocados pelas ações que não libertam,
mas aprisionam o homem em uma situação des-humanizadora.
Jesus realiza em sua própria pessoa vida, morte e vida para além da morte –, o
anseio humano de salvação, a inauguração do Reino de Deus. Ele entrega a si mesmo
num dinamismo que funde a sua pessoa, sua obra e o anúncio-realização do Reino,
constituindo-se numa auto-apresentação de si mesmo. Em suas ações ele vai se
desvelando com um amor inexplicável pela humanidade. Suas ações simbólicas – coxos
andam, mortos revivem –, exigem a palavra falada, e neste contexto, essa não pode ser
afirmação ou doutrina sobre coisas e verdades divinas (nem mesmo na forma de
ilustração simbólica e figurada), mas palavra de interpelação pessoal, diálogo que
aproxima educador-educando e educando-educador; palavra em que educador-educando
se lhe desvela e comunica, libertando em profundidade existencial: na vida, no ser, no
pensar, no sentir, na alegria e na paixão. Jesus, em sua metodologia parabólica, desvela-
se a si mesmo, e, nesta práxis, também realiza com o educando-educador o encontro
com o seu “DEED” e o seu “UXDK, e, com ambos, o Reino.
Enfim, a metodologia jesuânica nos possibilita uma leitura da parábola maior de
Deus: o seu Filho. Por não serem apenas uma ilustração simbólica, podemos ler nelas a
práxis libertadora e os traços do libertador. É certo que elas não nos permitem uma
história com detalhes historiográficos de sua vida, porém não deixam de ser uma via de
encontro com esse Jesus e um especial sentido pastoral e religioso-pedagógico. Segundo
Georg Baudler as parábolas YmR VXUJLQGR SDVVR D SDVVR FRP D VXD ELRJUDILD
FRQVWUXLQGRVH GH FHUWD IRUPD XPDV VREUH DV RXWUDV H LQFOXVLYH HP SDUWH
GHVHQYROYHQGRVHXPDVDSDUWLUGDVRXWUDVV mRH[SUHVV}HVGDLQVSLUDomRQDTXDOH
D SDUWLU GD TXDO -HVXV DJLXYLYHX VRIUHX PRUUHX H UHVVXVFLWRX´
202
; ajudando-nos a
compreender o seu “fazer história” e a familiar proximidade que essa tem com o nosso
contexto atual.
2'HXVTXHOLEHUWDVHXSRYR
³2GLiORJRHDSUREOHPDWL]DomRQmRDGRUPHFHPQLQJXpP&RQVFLHQWL]DP1D
GLDORJLFLGDGH QD SUREOHPDWL]DomR HGXFDGRUHGXFDQGR H  HGXFDQGRHGXFDGRU
YmRDPERVGHVHQYROYHQGRXPDSRVWXUDFUtWLFDGDTXDOUHVXOWDDSHUFHSomRGH
TXHHVWHFRQMXQWRGHVDEHUVHHQFRQWUDHPLQWHUDomR6DEHUTXHUHIOHWHRPXQGR
HRVKRPHQVQR PXQGRHFRPHOHH[SOLFDQGRRPXQGRPDVVREUHWXGRWHQGRGH
MXVWLILFDUVHQDVXDWUDQVIRUPDomR´.
203
A relação que Jesus imprime com seus interlocutores é uma relação dialógica.
As questões não são apresentadas como questões normativas, mas sim como
problematização da realidade que marginaliza e aprisiona o ser humano em estruturas
que não lhe permitem “dizer sua própria palavra”. Assim, encontramos uma relação de
reciprocidade em que as pessoas são acolhidas como iguais, pois vivenciam a mesma
202
Georg BAUDLER, $ILJXUDGH-HVXVQDVSDUiERODV, p. 133.
203
Paulo FREIRE, ([WHQVmRRXFRPXQLFDomR", p. 55.
realidade opressora. Refletir essas questões em linha horizontal predispõe a um resgate
do outro e a uma transformação dessa realidade.
Jesus, poeta-lavrador, enriquece a vida do seu povo com histórias primorosas.
Fala da vida para revelar a face de Deus. A sua práxis pedagógica desperta um novo
momento que apresenta-se como sociedade em trânsito fruto da sacudida de
consciências: o homem, consciente da situação que o oprime, agora não pode mais
calar-se; é convidado a reagir.
Em sua pedagogia, Jesus, o pedagogo dos oprimidos, vai apresentando um
caminho de resgate do povo a uma vida gerada na liberdade. A partir da realidade,
usando de imagens que remontam o cotidiano dinâmico da sociedade de seu tempo, ele
faz surgir um novo modelo de estrutura social e religiosa em que a face de Deus
revelada é a face do Deus da vida.
Em sua pedagogia, ele faz uso do universo vocabular do semita: coleta metáforas
para a sua ação educativa ('HXV é comparado com pai, rei, juiz, pai-de-família, dono de
vinha, anfitrião; RVKRPHQVGLDQWHGHOH são apresentados como filhos, servos, devedores,
hóspedes; RSRYRGH'HXV é vinha e rebanho; RMXt]RILQDOse identifica com colheita e o
LQIHUQR com fogo e trevas; DFRPXQLGDGHGDV DOYDomRé hóspede da festa de núpcias e R
WHPSR GD VDOYDomR se equipara às núpcias e ao banquete da festa etc).
204
A estas
metáforas acrescenta também outras novas RILPGRPXQGR que se identifica com o
segundo dilúvio (cf. Lc 17,26s; 6,47-49) é uma delas. Jesus é conhecedor do mundo das
imagens e também da palavra do seu povo.
Associada à arte de contar histórias, uma arte que leva do questionamento da
realidade à surpresa do re-aprender, Jesus re-inaugura uma pedagogia latente de
faculdade libertadora. Não é apenas uma pedagogia pautada no contar histórias ou usar
204
A maioria das metáforas utilizadas por Jesus são provenientes do Primeiro Testamento e fazem parte
da cultura semita, cf. Joaquim JEREMIAS, $VSDUiERODVGH-HVXV, p. 89
de ilustrações, mas um método hábil de ajuda ao ouvinte-educando a questionar a sua
realidade e fazer uma opção; sair do seu estado de consciência intransitiva ou transitiva
ingênua para uma consciência transitiva crítica.
A forma interrogativa das parábolas (hoje algumas), denota a participação-
construção também do ouvinte-educando nessa práxis.
Originalmente o número de parábolas de Jesus que encerravam sem apresentar
uma aplicação, deixando ao ouvinte o exercício de tirar uma conclusão para si, era
consideravelmente maior. Podemos notar isto comparando com o Evangelho de Tomé
que, fora os lógions 21b (o assaltante), 64 (o grande banquete) e 76 (a perola), eram
parábolas que terminavam sem interpretação alguma.
205
O fato de ser maior o número
de parábolas com final sem interpretação torna mais evidente o cunho pedagógico da
metodologia aplicada por Jesus, cujo fim não está centrado em si mesmo, mas na
interação do ouvinte-educando com a sua realidade e um questionamento da mesma,
para que dessa postura surja o homem consciente da sua existência e capaz de libertar-se
dos condicionamentos que o constroem como um ser passivo diante de uma estrutura
opressora e mantenedora de uma ordem social embasada não na justiça, mas no
interesse de pequenos grupos.
A estrutura dialógica da pedagogia parabólica de Jesus mostra-se profundamente
arraigada à situação histórica em que ela acontece. Jesus não separa sua práxis da
situação de vida do povo. Suas parábolas brotam da trama vivida pelos que são
oprimidos, o que reflete a importância do olhar atento ao condicionamento histórico que
as envolve situação importante para identificarmos a libertação que está sendo por ele
partilhada.
205
Os Evangelhos Sinóticos apresentam apenas oito parábolas que terminam sem uma aplicação
interpretativa: o camponês paciente (Mc 4,26-29); o grão de mostarda (Mc 4,3-32); o fermento (Mt 13,33
par. Lc 13,20s); o tesouro no campo (Mt 13,44); a perola (13, 45s); o servo fiel e o infiel (Mt 24,45-51
par. Lc 12, 42-46); a figueira estéril (Lc 13,6-9) e o amor do pai pelo filho perdido (Lc 15,11-32) cf.
Joacquim JEREMIAS, $VSDUiERODVGH-HVXV, p. 106.
Jesus imprime uma práxis pedagógica corajosa, ousada, que enfrenta a discussão
com o homem comum sobre seu direito à vida plena e participação numa organização
justa plano de Deus, Reino de Deus revelado –, colocando-o numa nova postura de
leitura dos problemas de seu tempo e espaço; colocando-o numa intimidade com eles. É
o homem que passa a deslumbrar-se diante do mundo para todos que a si se descerra.
Esta imersão na própria realidade provocada pela ão pedagógica jesuânica
abre o binômio debate-análise do fato num intenso jogo democrático que alimenta a
caminhada em vista da conscientização.
Os oprimidos surgem desse debate-análise não reduzidos à mera condição de
objetos da ação libertadora, já que Jesus, através do diálogo, não realiza o mero ato de
“depositar” em seus ouvintes a crença da liberdade de uma situação opressora. O
resultado da disposição para a mudança de comportamento para a luta –, não brota
como doação da liderança do pedagogo, mas como produto da conscientização
despertada por ele.
A resposta dialógica para o processo de conscientização do oprimido se nos
apresenta como conseqüência de um profundo amor ao mundo e aos homens. Jesus é
dialógico porque ama. ³2 PXQGR DWR GH FULDomR H UHFULDomR SUD VHU SURQXQFLDGR
H[LJHXPDPRUTXHRLQIXQGD´.
206
³6HQGRIXQGDPHQWRGRGLiORJRRDPRUpWDPEpP
GLiORJR´.
207
Despertando a consciência e o discernimento a partir da situação e da vida do
ouvinte-educando, a pedagogia de Jesus enfrenta a realidade sem ilusão nem véu. Ele
“leva a perceber” que a vontade de Deus é compreensível; que o ato de amor ao
próximo não é apenas uma exigência, mas necessidade para a concretização do Reino.
206
cf. Paulo FREIRE, 3HGDJRJLDGRRSULPLGR, p. 79.
207
Ibidem, p. 80.
Toda essa atividade de Jesus, homem da periferia de Nazaré, não começa a partir
do Templo, mas do local onde ele mora. Ele conhece a realidade do seu povo está
imerso nela –, e por isso é capaz de transformá-la pelo seu anúncio pedagógico. Sua
mensagem busca “formar” um novo sujeito histórico, resgatado de sua circunscrição a
um rótulo de SREUH, SHFDGRU, LPSXUR, GRHQWH. Sua pedagogia está em função do resgate
desse sujeito histórico colocado em estado de inoperância. É resposta ao lamento
sofrido do povo que anseia por vida e dignidade. Jesus realiza sua descida ao seio dos
oprimidos e neles identifica o desejo do Pai: Reino de Justiça, paz e plenitude para
todos.
As parábolas, antes usadas para a interpretação da Lei e da regra de vida
segundo a Lei e tradição dos pais, agora é colocada em função da libertação do povo do
jugo dessa Lei e para o anúncio do Reino de Deus: um método para a pedagogia do
anúncio e da denúncia.
As parábolas, agora, conscientizam; ³OHYDPDSHUFHEHUTXHRVLVWHPD7HPSOR
/HLWRUQRXVHRSDFR(VWHQmRSHUPLWHPDLVYHU HGLVFHUQLUDUHDOYRQWDGHGH'HXVQHP
GHL[DYHUDPDQHLUDQRYDFRPRHOHHVWiFRPXQLFDQGRD6XD9LGD$/HLTXHGHYHULD
VHUXPDUHYHODomRGDUH DOYRQWDGHGH'HXVWRUQDVHXPHPSHFLOKR DRGLV FHUQLPHQWRH
DRDWRGHOLEHUGDGHTXHUH~QHRQRYRSRYR´
208
Algumas dessas parábolas usadas pelo
nosso Pedagogo vão mostrar-se como protesto contra o legalismo e manifestar uma
sabedoria popular contra o endurecimento e a opressão, fazendo-se resistência e
protesto.
Jesus faz das parábolas não apenas um meio de informação, mas também de
ação. Os ouvintes devem, pela confrontação, deixar o estado de letargia em que estão e
208
Ana FLORA e Frei GORGULHO, 3D UiERODVDSDODYUDTXHOLEHUWD, p. 54.
se abrirem para uma visão da possibilidade de uma atitude nova, que então lhes será
possível aceitar ou rejeitar.
Ao contrário dos doutores e mestres da lei que distribuíam verdades à multidão –
HUDPFODURVFRPRiJXD, usavam uma linguagem escrupulosa, precisa, exata –, Jesus
não manipula a multidão com suas parábolas; torna-as menos enfáticas e sentenciosas
que as parábolas de outros rabinos. Isto demonstra como o dogmatismo era uma forma
estranha não libertadora –, para Jesus: 3DUDTXHDSHVVRDVHWRUQHOLYUHDYHUGDGH
QmRGHYHVHULPSRVWD'LDQWHGHXPDYHUGDGHREULJDWyULDDGHFLVmRpDERUWDGDQR
PHVPRLQVWDQWHHPTXHQDVFH”.
209
Deixar em aberto o significado das parábolas ao invés
de ensinar uma “doutrina sólida e inquestionável”, leva a um questionamento do fato
com que se confronta. Como pedagogo dos oprimidos, contrário aos dirigentes
religiosos judeus, Jesus faz uma opção pela libertação e humanização do homem. Não o
manipula, não imprime uma ação domesticadora, não o prende, não foge à
comunicação, opta pela mudança, procura e vive sua decisão expressão da sua
fidelidade ao projeto do Pai.
Jesus tem consciência do método que utiliza e da importância do diálogo que,
nascendo de uma matriz critica, gera criticidade e, por isso não dá respostas, pelo
contrário, faz perguntas, não aceita passividade, contudo deixa ao ouvinte-educando a
livre opção: $ YLUWXGH RX TXDOLGDGH HVSHFtILFD GDV SDUiERODV GH -HVXV p TXH QDGD
REULJDPQHPLPS}HPDVSRURXWURODGRQmRDGPLWHPDLQGLIHUHQoD1mRLPRELOL]DP
RVRXYLQWHVHQWUHRVGRLVSyORVGHXPDDOWHUQDWLYD$FRPSOH[LGDGHDSUHVHQWDGDSHODV
SDUiERODVGH-HVXVQmRHQFRQWUDVROXomRQDVFDWHJRULDVGXDOtVWLFDVGRERPHGRPDX
GRSXURHGRLPSXUR$WRWDOOLEHUGDGHpFRQFHGLGDDRGHVWLQDWiULR(LJXDOPHQWHR
DOWRQtYHOGHUHVSHLWRTXHGHPRQVWUDPFRPUHODomRjGHFLVmRGDSHVVRD”.
210
209
Ricardo PETER, $LPSHUIHLomRQRHYDQJHOKR, p. 23.
210
Ricardo PETER, $LPSHUIHLomRQRHYDQJHOKR, pp.25-26.
Desse não dogmatismo de Jesus, o potencial criador do homem é alimentado e,
na procura de respostas, faz uma leitura contextualizada da sua realidade e dos seus
valores; descobre uma sociedade em partejamento, ganha consciência da sua realidade,
interpreta-a e passa a construí-la. Assume seu direito a vez e voz.
A preocupação de Jesus não é formar “doutores na Lei”, mas, ao inserí-los cada
vez mais na realidade que se revela opressora, contribuir para a mudança dessa situação.
Ele torna-se a palavra viva pronunciando a “palavramundo”, ao mesmo tempo em que
propicia aos ouvintes-educandos uma retomada da força inventiva e recriadora de si
mesmos, além de um compromisso com o destino da realidade pensada e assumida.
Ele alerta para os riscos de associar-se a um sistema que penaliza uma grande
parte de seus membros a uma condição de excluído e de marginalidade, anunciando, em
contrapartida, o Reino de Deus, projeto solidário no qual todos são respeitados e a vida
plena é um bem supremo.
O esforço, de caráter humanista de Jesus, se encaminha no sentido de
desmistificar o mundo e a realidade que são apresentadas como desenvolvimento
natural da vontade de um Deus que se mostra sectário, excludente. Jesus vê no homem o
seu igual sujeito e não objeto –, e por isto quer estar FRP e nunca VREUH ou FRQWUD ele.
Se a estrutura social objetiva restringe o homem a uma situação de objeto, ele incita, em
seu agir pedagógico, uma tentativa de superação dessa estrutura, numa re-afirmação do
homem como sujeito histórico. Jesus luta para vencer tudo o que FRLVLILFD e carece de
sentido quando relega o homem a uma situação de opressão, de não vida.
Portanto, a pedagogia de Jesus visa a formação de um novo povo consciente da
vontade de Deus e co-responsável pela sua libertação. Jesus, o pedagogo dos oprimidos,
vai partilhando o instrumental necessário para o indivíduo tornar-se senhor da sua
própria história.
&216,'(5$d®(6),1$,6
(VFUHYHUVREUHXPWHPD FRPRRHQWHQGHPRVQmRpXPPHURDWRQDUUDWLYR$R
DSUHHQGHORFRPRIHQ{PHQRGDQGRVHQDUHDOLGDGHFRQFUHWDTXHPHGLDWL]DRV
KRPHQVTXHPHVFUHYHWHPGHDVVXPLUIUHQWHDHOHXPDDWLWXGHJQRVLROyJLFD´
Esta pesquisa ficou dividida em três partes: a primeira e segunda apresentaram
as duas pedagogias em questão – o método Paulo Freire e o método parabólico de Jesus.
A terceira parte visou apenas uma apresentação de três parábolas ligando-as às cenas
sociais mais amplas às quais elas fazem parte, além de as associarem às categorias
211
Paulo FREIRE, $OJXPDVQRWDVVREUHKXPDQL]DomRHVXD VLPSOLFDo}HVSHGDJyJLFDV, in: $omRFXOWXUDO
SDUDDOLEHUGDGHHRXWURVHVFULWRV, p. 113.
freireanas de imersão e emersão críticas da realidade; a conscientização mediada pelo
diálogo e a dialética do denuncio-anúncio que possibilitam uma emersão
transformadora. Além disto, o terceiro capítulo também apresentou as parábolas como
método de libertação capaz de ajudar os ouvintes a realizar um questionamento da
realidade, sendo elas não apenas um mero aparato de histórias éticas e teológicas. A
figura do contador de histórias surgiu quase que como conseqüências dessas leituras,
uma vez que a práxis pedagógica revela o pedagogo.
Subjacente a essas considerações encontra-se o questionamento em torno de uma
proposta de leitura das parábolas, pois se tomamos como princípio que elas não seriam
histórias narradas apenas com finalidade ética ou teológica, mas sim como uma
codificação da realidade similar à pedagogia freireana, despertando os seus ouvintes
para uma reflexão e imersão nas cenas sociais que os envolvem, nós fomos impelidos a
realizar uma aproximação entre essas duas pedagogias.
Paulo Freire surgiu como homem simples; porém, profundo conhecedor da
realidade humana das estruturas que produzem fome e miséria: injustiças de uma
sociedade esquecida de sua missão de co-responsabilidade na edificação do Reino que
se auto-anuncia, assim como auto-denuncia a fraqueza humana e sua colaboração em
estruturas geradoras de morte.
A sua pedagogia é uma ressonância de seu intenso envolvimento com esse povo
sofrido. A sua existência reflete sua busca constante de resgate do homem à sua
dignidade; uma busca pautada na presença que se faz diálogo abertura para uma co-
participação no ato de reflexão-ação “da” e “na” realidade massificadora.
Paralelamente às parábolas, encontramos a sua pedagogia. Ambas no intuito de
serem mãos dadas com o ser humano pronunciadoras de realidades codificadas –,
fontes vivas de um universo crítico que possui, além do encantamento, o instrumental
para romper com a mal-dição que sujeita as pessoas a um estado de letargia, a fim de
que outras possam se deleitar com o que para eles é falta.
Parábolas e pedagogia freireana não visam impor um conhecimento normativo,
mas pro-vocador, partindo da vida para levar à vida: um mergulho crítico na realidade
que violenta o humano, em vista de um emergir consciente de ser força transformadora.
Desta forma, nesta pesquisa pudemos encontrar Jesus como pedagogo: pedagogo
dos oprimidos. Ele não teme a liberdade nem a esperança: procura, espera e vive a
libertação dos homens e mulheres; conhece a realidade do seu povo; a opressão que
os marginaliza e os desumaniza, tornando-os legitimação de uma estrutura social-
religiosa e econômica que produz separação de classes. Daí, o fato de suas parábolas
serem profundamente embebidas de uma situação sócio-histórica e não poderem ser
lidas fora do contexto em que foram pronunciadas, projetando um risco de se fazer uma
leitura desvinculada do seu verdadeiro anúncio libertador.
Jesus é “contador de histórias”: um artista que ao pintar codifica a realidade
opressiva. Ele não quer estar sozinho, e por isto partilha decisões que se revelam como
responsabilidades libertárias, não desembocando numa normatização casuística, mas
numa proposta acolhedora da decisão da pessoa que pode dizer sim ou não ao sistema
que o oprime; optar pela falsa segurança dos bens materiais ou pela segurança
verdadeira nascida da condescendência de Deus (o rico insensato); associar-se à Lei que
segrega vidas ou assumir o agir amoroso e compassivo para com seu próximo agora
entendido como toda a humanidade e em especial aquela que se encontra à margem,
sofredora (o bom samaritano) e lutar contra as estruturas que condicionam o ser humano
a partir de situações limites geradas pela contextualização social-cultural e econômica
(o administrador desonesto).
Portanto, é temeroso querer pautar uma conduta libertadora, um fazer teológico
libertador, sem deter-se no modelo pedagógico anunciado pela práxis de Jesus; sem
querer realizar um diálogo com a “Palavra”, nem abrir-se para uma leitura da
“palavramundo”. É desconfiadora uma teologia que não provoca esperança, sonho,
alegria, diálogo, encontro de mãos; que não provoca comunhão e força libertadora de
uma realidade excludente, negando a si mesma sua dimensão profética da denúncia da
situação injusta e do anúncio de uma nova humanidade plenificada em sua ação (re)
criadora.
Através da relação dialógica o sujeito cognoscente se aproxima do objeto
cognoscícel para seu desvelamento crítico.
212
Daí a importância da estratégia
pedagógica apresentada por Freire e por Jesus, pois ao dialogar com o objeto, o homem
se insere na história num convite pro-vocador de imersão crítica na realidade que o
oprime e se mostra como paradoxo à destinação universal de vida em plenitude
destinada a todas as pessoas.
Assim acontece quando a multidão se aproxima de Jesus para ouvi-lo. As
histórias produzem “encantamento”; o ouvinte-educando se instigado a confrontar
sua visão da realidade com os novos paradigmas que vão surgindo na medida em que as
respostas não lhe chegam prontas, mas que dele precisam para serem construídas.
Essa práxis libertadora de Jesus se revela perturbadora e admirável, porque se
recusa a aceitar a realidade opressora como vínculo perene com a história; ela apresenta
a história como uma realização que deve ser feita pelo ser humano, numa luta
propiciada pela conscientização necessária para que seja superado o contexto de
desigualdades impostas por uma elite que domina as relações que vivificam a sociedade.
Dessa forma, a práxis jesuânica e a pedagogia freireana se entrelaçam; tornam-se
212
Paulo FREIRE, $omRFXOWXUDOSDUDDOLEHUGDGHHRXWURVHVFULWRV, p. 169.
instrumental de capacitação do ser humano na superação da força opressora e das
desigualdades de toda espécie.
Ambas apresentam uma crítica devastadora aos fundamentos de um sistema que
não produz libertação e plenificação da vida humana; realizam em seu interior um
resgate do homem e da mulher da condição de marginalizados, baseando o
conhecimento através de discursos racionais que comunicam-se entre si, enfatizando o
diálogo, a experiência do homem concreto, a reflexão compartilhada, sendo que, elas
não apenas apresentam” uma crítica à dominação e à exploração realizada pelas
estruturas sociais, mas também postulam componentes reais e utópicos para uma
verdadeira transformação da realidade, numa reconfiguração ao plano original de Deus.
De ambos os lados encontramos uma práxis simples baseada no amor à
humanidade; uma práxis aliada ao oprimido e inculcadora de uma esperança que
acontece na certeza de um presente que pode e deve ser mudado.
Assim, quando nos debruçamos sobre o agir do “pastor” e do “pedagogo”,
encontramos um instigante convite à ação; um método que ensina, através do diálogo
com o conflito social, cultural, econômico e religioso, a “dizer sua própria palavra”- não
de forma mágica e prescrita como um receituário, mas na descoberta das estruturas que
impedem a plena qualidade da vida humana.
Da imersão nessas duas práxis surge o ser humano novo; aquele que critica a
relação autoria que ainda persiste nas diversas práxis normativas centradas em si
mesmas; práxis que não se revelam libertadoras do ser humano, nem humanizadoras das
relações responsáveis pela justa partilha dos bens.
Dessa imersão surge o homem lúdico capaz de “encantar-se” com a vida o que
não implica em ausência de compromisso com a realidade concreta, mas exatamente o
seu contrário: capacidade de compromisso de libertação de seus irmãos.
Homem em confronto com essas pedagogias torna-se consciente de que D
OLEHUWDomRQmRVHGiGHQWURGDFRQVFLrQFLDGRVKRPHQVLVRODGDGRPXQGRVHQmRQD
SUi[LV GRV KRPHQV GHQWUR GD KLVWyULD TXH LPSOLFDQGR D UHODomRFRQVFLrQFLDPXQGR
HQYROYH D FRQVFLrQFLD FUtWLFD GHVWD UHODomR”.
213
Consequentemente, ele passa se
conhecer como desmistificador da realidade através de um movimento dialético de
reflexão crítica e ação na sua história, não reduzindo a sua práxis a um conjunto de
métodos e técnicas com os quais olha a realidade social sem interagir com ela, enquanto
nega afirmar que “DIDPtOL D TXHUH]DXQLGDSUHFLVDGHFDVDGHWUDEDOKROLYUHGHSmRGH
URXSD GH VD~GH GH HGXFDomR SDUD VHXV ILOKRV GH H[SUHVVDUVH H GH H[SUHVVDU VHX
PXQGRFULDQGRHUHFULDQGRSUHFLVDGHVHUUHVSHLWDGDQRVHXFRUSRQDVXDDOPDQD
VXDGLJQLGDGHHSDUDSHUPDQHFHUXQLGDQmRQDGRUDSHQDVHQDPLVpULD”.
214
A força humanizadora de uma práxis pedagógica comprometida com a justiça
revela-se profética, anunciadora da realidade a ser criada - o Reino encarnado –, com a
transformação da realidade injusta a fim de fazer a páscoa do homem moderno,
renascendo como humanidade nova.
A pesquisa demonstrou um esforço de aproximação de duas pedagogias: uma
imprimida no início do primeiro século cristão e outra contemporânea. Embora
distantes, com o mesmo objetivo resgatar o homem e a mulher em sua dignidade
plena. Através do esboço teórico dessas duas pedagogias e do exercício hermenêutico
de interpretação das parábolas, pudemos concluir a proximidade existente entre ambas.
É lógico que não descartamos as inúmeras diferenças existentes entre os pedagogos
formação e experiência –, assim como os seus contextos que da mesma forma que se
assemelham também não são os mesmos, mas que não podem ser negados em termos de
213
Paulo FREIRE, $omRFXOWXUDOSDUDDOLEHUGDGH, p. 116.
214
Ibidem, p. 129.
identificação de metodologia e de intenção. O exercício hermenêutico realizado
produziu sentidos para a leitura das parábolas.
Portanto, embora apresentemos limites no que concerne a uma análise com
maior densidade das questões abordadas no terceiro capítulo, também reconhecemos
que elas sejam suficientes para uma primeira aproximação dessa relação parábolas e
pedagogia libertadora de Paulo Freire.
Esta pesquisa não tem a pretensão de esgotar essa temática, mas antes, abrir
pressupostos para uma nova leitura das parábolas e do seu caráter pedagógico
libertador, assim como da importância delas para se aproximar mais do verdadeiro agir
e da pessoa do Jesus histórico.
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