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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS (MESTRADO)
PAULO ALEXANDRE GAIOTTO
A FORMULAÇÃO DO EDITORIAL DA GAZETA DO POVO: O DISCURSO
RELATADO NA CONSTRUÇÃO DA OPINIÃO
MARINGÁ PR
2006
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PAULO ALEXANDRE GAIOTTO
A FORMULAÇÃO DO EDITORIAL DA GAZETA DO POVO: O DISCURSO
RELATADO NA CONSTRUÇÃO DA OPINIÃO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Letras da Universidade
Estadual de Maringá, como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre em Letras,
área de concentração: Estudos Lingüísticos.
Orientador: Prof. Dr. Edson Carlos Romualdo
MARINGÁ
2006
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PAULO ALEXANDRE GAIOTTO
A FORMULAÇÃO DO EDITORIAL DA GAZETA DO POVO: O DISCURSO
RELATADO NA CONSTRUÇÃO DA OPINIÃO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Letras da Universidade
Estadual de Maringá, como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre em Letras,
área de concentração: Estudos Lingüísticos.
Aprovado em 25 de setembro de 2006.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Edson Carlos Romualdo
Universidade Estadual de Maringá UEM
- Presidente -
Profª. Drª. Sonia Aparecida Lopes Benites
Universidade Estadual de Maringá UEM
Profª. Drª. Maria Marta Furlanetto
Universidade do Sul de Santa Catarina UNISUL/Tubarão SC
Dedico este trabalho
Aos meus pais, Antonio e Izabel.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por ter reservado mais essa oportunidade em minha vida e, além disso, guiada
pela sua luz.
Ao meu orientador, Prof. Edson, por ter acreditado e investido no trabalho.
À Leila e Natália, pelo carinho, pela ajuda e por sempre estarem perto de mim.
Ao amigo Geraldo José da Silva, que sempre depositou confiança.
A todos os funcionários da Biblioteca, do Programa de Pós-Graduação (PLE) da
Universidade Estadual de Maringá e do Campus Regional de Cianorte, pelo apoio.
À Banca do Exame de Qualificação, Profª Furlanetto, Profª Sônia e Prof. Edson, pela
leitura atenta e pelas sugestões.
Aos colegas e professores que “torceram” por este trabalho, pelo incentivo.
[...] talvez não tenhamos conseguido fazer o
melhor, mas lutamos para que o melhor
fosse feito [...] Não somos o que deveríamos
ser, mas somos o que iremos ser. Mas
graças a Deus, não somos o que éramos
(Martin Luther King).
RESUMO
O editorial caracteriza-se, de forma geral, por ser o texto no qual a empresa jornalística
veicula sua opinião oficial sobre os mais diversos temas. O objetivo deste trabalho é
investigar a formulação da opinião no editorial do jornal Gazeta do Povo e verificar se o
discurso relatado desempenha papel relevante em sua constituição. Analisando a
funcionalidade das citações na construção dos textos, procuramos mostrar também que
as formas de retomada de vozes alheias proporcionam um diferencial na elaboração do
editorial do periódico. Nosso corpus de análise é formado por quarenta e um editoriais
que abordam a temática do crescimento econômico brasileiro, publicados no período de
01/06/2004 a 29/01/2006. A partir dos estudos da enunciação e da linguagem
jornalística, a avaliação do discurso relatado é feita pelo levantamento das incidências
de discurso direto, discurso indireto, comentário sobre a fala, aspas, verbos dicendi e
discurso segundo, levando em conta sua função na construção do texto. Os resultados
de nossa pesquisa demonstraram que há na mídia imprensa uma nova perspectiva de
construção do editorial. Embora o corpus apresente uma minoria de editoriais (sete) que
atende ao modelo proposto pelos manuais de redação e estilo dos jornais brasileiros, a
maioria (trinta e quatro) confirma o uso do discurso relatado na formulação da opinião
como uma inovação desse gênero textual, visto que esse discurso funciona como
âncora para a opinião que o editorialista pretende veicular.
Palavras-chave: linguagem jornalística; editorial; discurso relatado; Gazeta do Povo.
ABSTRACT
Editorials, as a rule, are texts by which the newspaper board propagates its official
opinion on a wide range of themes. The formulation of opinions in editorials of the
newspaper Gazeta do Povo and whether discourse has an important role in its
constitution are analyzed. Through the analysis of the functionality of quotes in text
construction current research shows that the forms of other voices differentiate the
elaboration of the newspaper’s editorials. Forty-one editorials on Brazilian economical
growth, published between June 1 2004 and 29 January 2006, make up current
research corpus. Discourse is evaluated as from the analysis of the enunciation and
journalistic language through a survey of incidences in direct speech, indirect speech,
second discourse, commentary on discourse, inverted commas and dicendi verbs within
the context of their function in the text construction. Results show that in newspaper
media there is a novel perspective in the construction of editorials. Although the
researched corpus represents few editorials (a mere seven) that fit the model suggested
by essay and style handbooks of Brazilian newspapers, most (thirty-four) foreground the
use of the discourse in the formulation of opinion as an innovation in current textual
genre. This discourse actually underpins the opinion that the editorial writer wishes to
convey.
Key words: newspaper language usage; editorials; Gazeta do Povo; reported
discourse.
ÍNDICE DOS QUADROS
Quadro 1 - Categorias elaboradas a partir da posição do discurso relatado na
estrutura do editorial...........................................................................................86
Quadro 2 Classificação dos verbos dicendi do corpus a partir da proposta de
Charolles (1998, apud Benites, 2002 e Maingueneau 1993).....................98
Quadro 3 Manifestações do discurso relatado e suas marcas na organização
do editorial da Gazeta do Povo ....................................................................100
ÍNDICE DOS APÊNDICES
1 Contato on-line (Yahoo! Mail [email protected]) ....................................119
2 Questionário respondido pela Gazeta do Povo sobre os aspectos metodológi-
cos durante a produção do editorial...........................................................................120
ÍNDICE DOS ANEXOS
T-01 01/06/2004 Mirando a prosperidade
T-02 12/06/2004 O crescimento chegou
T-03 15/06/2004 O caminho do desenvolvimento
T-04 24/06/2004 Sinais positivos
T-05 05/07/2004 Para garantir o crescimento
T-06 10/07/2004 Os problemas do crescimento
T-07 12/07/2004 Brasil a boa imagem
T-08 17/07/2004 Chegou o crescimento
T-09 06/08/2004 Como sustentar o crescimento
T-10 15/08/2004 Crescimento sem mágicas
T-11 12/09/2004 Crescimento com distribuição
T-12 13/09/2004 O dilema inflação-crescimento
T-13 30/10/2004 Preparando para 2005
T-14 12/12/2004 Balanço positivo
T-15 21/12/2004 Os bons resultados de 2004
T-16 26/12/2004 O feliz fim de 2004
T-17 30/12/2004 O Brasil e o PIB
T-18 06/01/2005 Para sustentar o crescimento
T-19 11/01/2005 Estratégia para o desenvolvimento
T-20 27/01/2005 Aproveitar o ciclo econômico
T-21 09/02/2005 Os dilemas da inflação e crescimento
T-22 13/02/2005 Crescimento ortodoxo
T-23 15/02/2005 Em cena a política econômica
T-24 11/03/2005 Longe do ideal
T-25 15/03/2005 Exportação com qualidade
T-26 13/04/2005 Momento histórico
T-27 15/04/2005 Exportar é o que importa
T-28 24/04/2005 A crise na agricultura
T-29 25/04/2005 O Brasil precisa crescer
T-30 04/05/2005 O crescimento das exportações
T-31 09/05/2005 Brasil, fórmula para crescer
T-32 24/08/2005 A blindagem da economia
T-33 29/08/2005 Condições para o crescimento
T-34 01/09/2005 Em foco o crescimento
T-35 08/09/2005 Crescimento apesar da crise
T-36 30/09/2005 Brasil menos competitivo
T-37 10/10/2005 Muda o ciclo da economia
T-38 30/12/2005 Sem saudades
T-39 04/01/2006 Aproveitar o avanço externo
T-40 05/01/2006 Acertos e erros na economia
T-41 29/01/2006 Agenda para o Brasil
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................15
CAPÍTULO I - A LINGUAGEM JORNALÍSTICA E O GÊNERO EDITORIAL ...............18
1.1 Considerações iniciais ....................................................................................................18
1.2 A linguagem jornalística: características gerais......................................................18
1.3 O gênero editorial.............................................................................................................24
CAPÍTULO II O DISCURSO RELATADO.........................................................................35
2.1 Considerações iniciais ....................................................................................................35
2.2 O dialogismo da linguagem e o fenômeno da polifonia.........................................35
2.3 As manifestações clássicas do discurso relatado: o discurso direto e o
indireto ................................................................................................................................43
2.3.1 As aspas, os verbos dicendi e a modalização em discurso segundo .....................50
CAPÍTULO III - O DISCURSO RELATADO NA CONSTRUÇÃO DA OPINIÃO NO
EDITORIAL DA GAZETA DO POVO........................................................55
3.1 Considerações iniciais ....................................................................................................55
3.2 O jornal Gazeta do Povo e o seu editorial.................................................................56
3.3 O crescimento econômico nacional e a Gazeta do Povo .....................................65
3.4 O discurso relatado na construção do editorial da Gazeta do Povo.................72
3.4.1 A posição do discurso relatado no editorial.................................................................73
3.4.2 As manifestações e as marcas do discurso relatado no editorial............................87
3.4.3 As manifestações e o funcionamento do discurso relatado em um editorial
do corpus.........................................................................................................................102
CONCLUSÃO ........................................................................................................................109
REFERÊNCIAS........................................................................................................................114
APÊNDICES.............................................................................................................................118
ANEXOS...................................................................................................................................122
15
INTRODUÇÃO
A imprensa jornalística exerce grande influência sobre a sociedade. Os grandes
jornais apresentam cadernos, divisões e subdivisões que procuram atender as
demandas mais diversas da vida do homem moderno, tais como economia, política,
esportes, agricultura, moda. Para fazê-lo, utilizam-se de textos com traços que se
voltam mais diretamente para informar sobre os fatos ou para convencer, persuadir o
leitor, levá-lo a aderir a um determinado posicionamento ou idéia. Entre os textos dessa
segunda categoria, encontramos o editorial, tradicionalmente caracterizado como o
espaço destinado à veiculação da opinião do jornal.
Dada a presença constante desse gênero textual nos mais diversos jornais,
desde os veiculados por grandes empresas jornalísticas até os de pequenas cidades ou
grupos (jornais estudantis, por exemplo), sempre tivemos interesse em tomá-lo como
objeto de estudo. Assim, começamos a ler editoriais de jornais diversos, entre eles os
de circulação nacional, como Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, e estaduais e
regionais, como Gazeta do Povo, Folha de Londrina e Diário do Norte do Paraná. Pelas
leituras realizadas, percebemos que todos os periódicos utilizam esse espaço para
organizar a opinião do jornal, abordando temas do cotidiano de natureza social,
econômica e política. No entanto, o editorial da Gazeta do Povo apresentou um aspecto
diferenciado na elaboração de seu texto, caracterizando-se por uma grande recorrência
ao discurso relatado.
A partir dessa constatação, voltamos nosso olhar para esse periódico,
procurando investigar o uso do discurso relatado na construção de seus editoriais.
Especificamente, objetivamos mostrar quais são as manifestações e as marcas do
16
discurso relatado que encontramos nos textos, como os editorialistas as utilizam e qual
a funcionalidade delas na construção da opinião expressa no editorial. Para atingirmos
nossos propósitos, nosso arcabouço teórico é constituído a partir de estudos de
orientação enunciativa e, também, de outros procedentes do campo do jornalismo.
Entre os vários assuntos focalizados pelos editoriais da Gazeta do Povo,
selecionamos a temática do crescimento econômico para compor nosso corpus. A
opção deve-se ao fato de esse tema ter sido duradouro no período em que
acompanhamos diariamente o jornal, mantendo-se na pauta jornalística da Gazeta do
Povo durante vinte meses. O corpus de análise constitui-se de quarenta e um textos
que abordam o crescimento econômico vivido pelo país, reunidos entre junho de 2004 e
janeiro de 2006. Cabe ressaltar, no entanto, que textos de outras temáticas de natureza
polêmica como, por exemplo, a saúde pública, os transgênicos, o pedágio das rodovias
estaduais, poderiam ter sido usados para análise, pois o discurso relatado também está
presente na construção dos editoriais que abordaram tais assuntos. Isso mostra que a
utilização do discurso relatado nos editoriais da Gazeta do Povo não é um artifício
“curioso”, presente em um ou outro texto, mas em virtude da forte recorrência que
encontramos, caracteriza-se como um recurso de elaboração textual utilizado pelos
editorialistas.
Quanto à estruturação, nosso trabalho divide-se em três capítulos. No primeiro,
apresentamos uma abordagem sistematizada das características gerais da linguagem
jornalística e considerações sobre o gênero editorial.
No segundo capítulo, tratamos da fundamentação teórica. Questões como o
dialogismo da linguagem, a heterogeneidade enunciativa, a polifonia de locutores, o
17
arrazoado por autoridade, as manifestações do discurso relatado e suas marcas são
abordadas para subsidiar nossa análise do corpus.
No terceiro capítulo, desenvolvemos a análise ancorada no suporte teórico, nos
objetivos propostos e na hipótese de que o discurso relatado contribui na elaboração do
juízo de valor que o editorialista quer veicular. Iniciamos com uma reflexão sobre o
jornal Gazeta do Povo e a linguagem empregada nos editoriais. Em seguida, para
subsidiar a compreensão do assunto, apresentamos considerações sobre as condições
sócio-históricas envolvidas na temática crescimento econômico. Por fim, analisamos o
corpus, por amostragem, mostrando onde encontramos a presença do discurso
relatado (se na elaboração da tese, no desenvolvimento ou na conclusão) e suas
manifestações e marcas encontradas nos editoriais: discurso direto, discurso indireto,
comentário sobre a fala, aspeamento, verbos dicendi e modalização em discurso
segundo. Além disso, analisamos globalmente um editorial do corpus, mostrando como
e por que o editorialista utiliza o discurso relatado na elaboração de seu texto.
Com nosso trabalho, pretendemos oferecer aos estudiosos da linguagem mais
uma reflexão sobre a composição e o estilo de editoriais da mídia impressa em
circulação no país, pois não encontramos, ainda, estudos que abordem o discurso
relatado na construção da opinião desse gênero textual. O estudo suscita também
reflexões sobre o uso do discurso relatado em outros gêneros textuais e, em um âmbito
menor, na maneira utilizada pela Gazeta do Povo, principal jornal do Paraná, para
elaborar e vender opinião, e, por conseguinte, “fazer a cabeça” dos paranaenses.
CAPÍTULO I
A LINGUAGEM JORNALÍSTICA E O GÊNERO EDITORIAL
1.1 Considerações iniciais
Neste capítulo apresentamos inicialmente um panorama da linguagem
jornalística em um cenário onde tudo circula muito rapidamente. Direcionamos nossos
comentários buscando destacar, no que tange à linguagem, a mescla entre os registros
formal e coloquial, o processo comunicativo e os compromissos ideológicos na
composição do jornal como um todo. Destacamos também a importância que a pauta
tem ganhado no jornalismo. Em seguida, discutimos a noção de gênero, apresentando
as propostas de estudiosos no campo do jornalismo e da lingüística, a fim de fornecer
subsídios teóricos para realizarmos uma tomada de posição a ser seguida em nossa
pesquisa.
1.2 A linguagem jornalística: características gerais
A imprensa, desde seus primórdios, se impôs como uma força política. Da
monarquia à república, chegando à atualidade, os governos e empresários poderosos
sempre utilizaram a imprensa para seus interesses, mas nunca perderam de vista o
temor que se deve ter, ao tratar de um veículo de comunicação com poderes não só de
elevar sua imagem, como também de puni-los, expondo severamente atos e fatos em
forma de noticiário ao público. É importante ressaltar que o jornal não vende só
19
notícias, ele também veicula opiniões, faz com que seus leitores posicionem-se dessa
ou daquela maneira diante de determinados fatos. Nesse sentido, para Capelato
(1988), o jornal pode ser entendido como uma arma.
A meta de todo jornal é conseguir adeptos para uma causa, seja ela empresarial
ou política, por isso os periódicos buscam atrair o público leitor, conquistá-lo por meio
de recursos persuasivos. Desta forma, a imprensa escrita, no decorrer de sua história,
passou por uma sofisticação dos artifícios de sedução do público, impulsionada na
atualidade também pela concorrência com os veículos de comunicação de massa
eletrônicos. Isso obrigou os jornais a reestruturarem sua roupagem gráfico-editorial,
repensando a diagramação e a linguagem utilizadas.
A diagramação passou a ser considerada um aspecto relevante por envolver a
qualidade estrutural e visual do veículo de comunicação, pois, para aumentar a venda
de um produto, o conteúdo e a embalagem devem ser atraentes. Para quebrar a
monotonia e imprimir movimento ao todo do jornal, o diagramador, entre outras tarefas,
organiza as imagens, o título principal e o secundário, a subdivisão dos textos,
manipula o contraste entre o preto e o branco, considerados principais elementos do
trabalho gráfico.
Além do aspecto gráfico, é preciso levar em conta a importância da linguagem e
o trato que o jornalista dá a ela na tessitura de seu texto. A seleção temática a ser
utilizada na notícia, o direcionamento interpretativo dado pelo jornalista/redator e a
organização textual adotada nos conduzem ao entendimento de que está nas mãos do
profissional da imprensa estabelecer afinidades com o público leitor, a partir daquilo que
escolhe veicular e da maneira como o faz lingüisticamente.
20
A esse respeito, Benites (2001) considera que o jornal exerce uma função
política em tom aparentemente imparcial, seja na apresentação de fatos positivos ou
negativos envolvendo instituições ou indivíduos, seja através da ordenação hierárquica
daquilo que se noticia, na supressão de uma matéria ou na inserção truncada desta,
escolhendo, por exemplo, trechos de um discurso a ser relatado e definindo a forma
como se dá esse relato. Além disso, deve-se observar qual é a modalidade da língua
empregada no jornal. Segundo Lage (2002), o ideal é que a linguagem jornalística
consiga conciliar uma comunicação eficiente e uma aceitação social na qual incorpore
expressões coloquiais de criação recente, denominações transpostas de jargões
científicos para designar novos objetos e atualizações pertinentes, concretizadas, por
exemplo, em termos surgidos na televisão ou em expressões técnicas veiculadas por
articulistas, economistas entre outros profissionais da imprensa.
Com relação aos registros de linguagem, Lage (2002) menciona que a língua
nacional abriga pelo menos dois registros: o formal, que é próprio da modalidade
escrita, e o coloquial, que compreende as expressões correntes na modalidade falada.
Na perspectiva adotada pelo autor, a linguagem jornalística está sujeita à conciliação
entre esses dois interesses, ou seja, uma comunicação eficiente (formal) e uma
comunicação de aceitação social (coloquial). Assim, salienta que a linguagem
jornalística pondera entre palavras, expressões e regras combinatórias que são
possíveis no registro formal. Um exemplo prático dessa situação encontramos em
palavras formalmente escritas, como esposa e indiciado. Se adaptadas ao aspecto
coloquial, tais palavras são usualmente aceitas pela linguagem jornalística sem
alteração do conteúdo semântico por se tratar de uma seleção lexical ou outra,
podendo, por exemplo, ser substituídas por mulher e acusado .
21
Há também uma relação entre o conceito de linguagem, o processo de
comunicação e o compromisso ideológico. Para Lage (2002, p. 39), “a comunicação
jornalística é, por definição, referencial, isto é, fala de algo do mundo, exterior ao
emissor, ao receptor e ao processo de comunicação”. A partir disso, vale lembrar que
no jornalismo o emissor fala a um grande número de receptores. Essa linguagem
ocorre em terceira pessoa e caracteriza-se pelo uso do pronome oblíquo (se), o uso da
impessoalidade. Normalmente a preferência é pelos verbos mais neutros como, dizer,
declarar e afirmar. Porém, a ideologia está presente na linguagem jornalística, o que se
justifica uma vez que o jornalismo não é feito fora da sociedade, muito menos do seu
tempo histórico. Essa característica se faz presente nas expressões utilizadas pelos
redatores. Ao lançar mão de palavras como soldado e guerrilheiro, cabe ao jornalista,
por exemplo, verificar qual expressão se adequará melhor semanticamente em seu
texto, mas de acordo com a ideologia adotada, afinal, “a melhor expressão é a que o
redator domina, não a que impõe valores que por ele apenas transitam” (LAGE, 2002,
p. 43).
As três situações cujo conceito de linguagem está relacionado ao fazer
jornalístico, mostradas acima, configuram-se fortemente marcadas nos jornais escritos.
Por meio da linguagem jornalística, é possível percebermos a mescla entre os registros
de linguagem, o processo de comunicação e os compromissos ideológicos na
composição do jornal como um todo. Em outras palavras, a presença desta mistura
pode ocorrer tanto em notícias, reportagens, entrevistas, crônicas, artigos, comentários,
como em propagandas, seção de entretenimentos, curiosidades, caderno de esportes e
nos editoriais. A partir do trato que o jornalista dá à linguagem na feitura do seu texto,
atira-se em um mundo de grandes batalhas para conquistar seus leitores. É possível
22
entendermos ainda que a linguagem jornalística é utilizada para engendrar um
processo de articulação a partir de uma escolha oportuna frente àquilo que se pretende
veicular. Assim, o jornal impresso funciona como um canal de difusão que assegura a
transmissão de informação/opinião, em função de interesses e expectativas. Estas se
configuram entre os interesses da instituição jornalística, aquilo que quer fazer saber, e
as expectativas da coletividade, aquilo que o jornal pressupõe o que o seu público
gostaria de conhecer.
A linguagem jornalística também passa por um “filtro”, conhecido como pauta.
Com o intuito de cumprir o protocolo entre o que o jornal quer fazer saber e o que
pressupõe que o seu público gostaria de conhecer, atualmente os jornais contam com
um pequeno grupo de profissionais que trabalham ao lado dos repórteres, redatores e
editores. Neste grupo encontra-se o pauteiro, cuja função é manter um fio condutor que
delimita, a partir da pauta, o que e como será publicado.
Frente a essa situação, Rossi (1985) salienta que a pauta, de instrumento de
orientação para repórteres e de informação para as chefias, passou, com o tempo, a
uma espécie de Bíblia a ser seguida no trabalho jornalístico. Se a pauta trouxe
facilidades e vantagens para o trabalho jornalístico, com o tempo, começou a atrair
problemas relacionados à limitação do trabalho jornalístico, à filtragem e a distorções do
noticiário que refletem a idealização de pessoas que estão na redação do jornal e não a
de quem está em contato com o fato ou com pessoas geradoras da notícia. Além disso,
a pauta propõe um direcionamento do trabalho jornalístico, justificado, na maioria das
vezes, por interesses meramente convenientes ao veículo de comunicação. Segundo
Melo (2003, p. 78), a pauta “não é apenas um elenco de temas ou assuntos a serem
observados pelos jornalistas, mas uma indicação dos ângulos através dos quais os
23
acontecimentos devem ser observados e relatados”. Pode-se pensar que a organização
do texto também seja pauta da direcionada hipótese que justificaria a pasteurização
desse tipo de texto. Isso nos leva a crer que a instituição jornalística exerce um controle
sobre o profissional da área, canalizando não só o que vai ser divulgado, mas também
como fazê-lo em cada edição.
Nesse palco de grandes batalhas, onde o que dizer e para quem dizer envolve
diretamente a linguagem jornalística, a arma poderosa é a palavra. Entre uma palavra e
outra, somos levados a crer que existe um suave tempero: o mito da objetividade. Sua
função na linguagem jornalística é a de colocar o jornal numa posição neutra,
responsável apenas pela publicação do ocorrido, atribuindo ao leitor a tarefa de tirar
suas próprias conclusões. A maior parte da imprensa importou esse mito dos padrões
jornalísticos norte-americanos, cabendo ressalva apenas aos jornais de cunho
ideológico ou partidário.
No entanto, a objetividade total é impossível, uma vez que o jornalista carrega
consigo toda uma formação política e cultural que, de uma forma ou de outra, acaba
influenciando o seu olhar sobre aquilo que pretende veicular. Além do relato dos
episódios ocorridos em um determinado dia, a imprensa também vive da discussão, do
debate e da análise de acontecimentos ou situações atemporais. O contato com novas
idéias e diferentes opiniões permite ao jornalista a incorporação de novos saberes,
renovando seu arcabouço de conhecimentos e pontos de vista sobre algo. Frente à
imagem de isenção e imparcialidade, difundida como um dos principais parâmetros na
linha editorial dos veículos de comunicação, Benites (2001) entende que a subjetividade
e a ideologia estão implícitas no texto, tendo em vista a organização do material verbal
24
e o conjunto de opções estilísticas utilizado pelo locutor. Portanto, essa ocorrência,
mesmo que implícita, é característica da linguagem jornalística.
1.3 O gênero editorial
A noção de gênero nos estudos lingüísticos é discutida em áreas de pesquisa
como o ensino aprendizagem da língua escrita, a relação língua e sociedade e outras
áreas com pesquisas em desenvolvimento. No presente contexto, a relação língua e
sociedade é a que nos interessa, particularmente a que se materializa na linguagem
jornalística.
A leitura de estudiosos do jornalismo nos mostrou que circula em seus estudos
um conceito de gênero diferente daquele que encontramos nos estudos lingüísticos. O
gênero é entendido pelos jornalistas a partir de um critério funcional, como, por
exemplo, informar ou orientar o leitor. Partindo dessa premissa, devemos considerar,
entre outros, o gênero informativo e o opinativo, que se subdividem em tipos textuais
que obedecem à funcionalidade condizente com cada modalidade.
Já nos estudos lingüísticos, o gênero é definido por apresentar um fundamento
externo (discursivo) que leva em conta o uso, a função social que desempenha e não a
forma. Nesse sentido, o editorial é entendido como um gênero por exercer a função
social de orientar, uma vez que veicula em um portador determinado e apresenta traços
básicos de um modelo macroestrutural com introdução, desenvolvimento e conclusão.
Diante desses dois olhares conceito de gênero na visão dos jornalistas e na
perspectiva dos estudos lingüísticos , Bonini (2001) salienta que o entendimento dos
25
jornalistas sobre gênero está mais centrado em aspectos da prática (profissional), como
informar e orientar do que no uso, ou função social (discursiva) exercida por ele.
Observemos, a seguir, considerações já consolidadas e em andamento de questões
relacionadas ao gênero, sob perspectivas propostas tanto por pesquisadores inseridos
no campo de ação do jornalismo, quanto por lingüistas.
Beltrão (1980), com pesquisas pioneiras acerca do jornalismo brasileiro,
preocupou-se em classificar os gêneros jornalísticos. Segundo o autor, essa
classificação fundamenta-se em um critério funcional, ou seja, ocorre a partir do
conteúdo do texto. Salienta que os gêneros são separados segundo as funções que
desempenham junto ao público leitor, quais sejam: explicar, interpretar ou orientar.
Assim, considerando a prática jornalística, instaurou a classificação em três categorias:
a) jornalismo informativo; b) jornalismo interpretativo; e c) jornalismo opinativo.
Nessa perspectiva, inseridas no gênero informativo estão a notícia, a
reportagem, a história de interesse humano e a informação pela imagem. No gênero
interpretativo encontra-se apenas a reportagem em profundidade. Ao gênero opinativo
pertencem o editorial, o artigo, a crônica, a opinião ilustrada e a opinião do leitor.
A partir dessa representação de gênero, subdividido em categorias amplas, o
editorial seria entendido como um tipo textual pertencente ao gênero opinativo. Na
opinião do autor, isso é possível uma vez que o editorial tem função de orientar cada
leitor a uma determinada conclusão e, para isso, “deve abordar assuntos e problemas
de natureza social, econômica e política” (BELTRÃO, 1980, p. 59). Krieger (1990)
também concorda com esse contexto funcional no qual o editorial está inserido, mas
acrescenta que os editoriais são considerados discursos modalizados narrativamente
pela interpretação. Por isso, “cumprem a função comunicativa de fazer saber e de fazer
26
compreender ao público-leitor os jogos de conduta dos governantes, as implicações,
para a vida do país, das atitudes e decisões governamentais” (KRIEGER, 1990, p. 159).
Ao tratar de gênero no jornalismo, os estudos de Melo (2003) vão na mesma
direção dos de Beltrão (1980). Segundo Melo (2003), o editorial é um texto com formato
pertencente ao gênero opinativo e que faz parte de uma categoria da comunicação
periodística, que em nosso caso é o jornalismo. O diferencial entre os autores está na
proposta de reclassificação dos textos pertencentes ao gênero informativo e ao
opinativo. Ao avaliar o gênero opinativo, Melo (2003) amplia o rol de textos
pertencentes a esse gênero, dividindo-o em editorial, comentário, artigo, resenha,
coluna, crônica, caricatura e carta. Para o autor, a proposta de reclassificação justifica-
se uma vez que Beltrão (1980), em sua classificação, adotou apenas o critério funcional
e, com isso, “não se ateve à natureza de cada um (estilo, estrutura narrativa, técnica de
codificação), mas obedeceu ao senso comum que rege a própria atividade profissional”
(MELO, 2003, p. 60).
Essa proposta de reclassificação dos gêneros não extrapola a questão estrutural
(forma), mantendo visível uma distância entre o conceito de gênero seguido pelos
jornalistas e o conceito veiculado pelos estudos lingüísticos, baseados em fundamentos
discursivos e centrados no uso. No entanto, ela nos permite visualizar como se dá a
elaboração do editorial bem como sua composição a partir do campo de ação do
jornalismo. Essa visualização contempla desde a escolha do tema até a linguagem
utilizada, entre outros recursos lingüísticos que perpassam o processo de comunicação
escrita.
Nesse sentido, Martins Filho (1997) ressalta, em seu Manual de redação e estilo
do jornal O Estado de S. Paulo, que o editorial é o espaço reservado ao veículo de
27
comunicação para opinar. Enfatiza premissas já cristalizadas e difundidas no gênero
opinativo, sob a perspectiva do jornalismo, como: partir de uma escolha temática
conveniente ao jornal e argumentar de maneira que direcione para a persuasão e
conclusão. O autor não oferece detalhes sobre os aspectos a serem seguidos como
norte na construção do texto opinativo apenas atribui ao editorial esse caráter. Para o
autor, o jornal como um todo, mesmo que indiretamente, transmite opiniões, deixando,
com isso, transparecer posicionamento e traços ideológicos. Porém, reforça que
somente através do editorial é que o editorialista expressa a opinião do veículo de
comunicação. Rabaça & Barbosa (1987, p. 227) concordam com Martins Filho (1997) e
acrescentam que “o editorial apresenta principalmente em sua forma impressa, para
jornal, traços estilísticos peculiares. (...) É um ensaio curto embebido de senso de
oportunidade”.
No Manual da redação Folha de S. Paulo (2001, p. 64), o editorial também está
definido como o texto que expressa a opinião de um jornal. Quanto ao estilo, o manual
acrescenta que deve ser ao mesmo tempo enfático e equilibrado, desenvolver
argumentos que o jornal defende, refutar as opiniões opostas e concluir de forma
condensada a posição adotada pelo veículo.
Já na opinião de Bahia (1990), o editorial é definido como o texto que interpreta e
realiza uma espécie de julgamento sobre o que está acontecendo. Além disso, o autor
salienta de maneira sistematizada que o editorial
(...) é uma notícia qualificada, porque fere e representa o foro íntimo do
veículo. É uma notícia engajada, porque geralmente se envolve em
busca de definição e escolha. É uma notícia exclusiva porque emite
uma opinião própria. É uma notícia de profundidade, porque não se
limita à superfície dos fatos e incorpora autoridade, consistência e
28
hierarquia ao seu conteúdo. O seu estilo é o da persuasão e sua
linguagem a mais direta possível. O editorial trabalha em cima dos fatos
e também a propósito deles, o que deixa entrever uma anterioridade,
uma antecipação formal que valoriza as possibilidades e as evidências
para lastrear o juízo de valor (BAHIA, 1990, pp. 99-100).
Diante disso, a escolha de alguns caminhos como, por exemplo, partir de uma
temática conveniente ao jornal, transmitir um estilo enfático e equilibrado ao mesmo
tempo e produzir um texto que ao interpretar realize uma espécie de julgamento tendo
em vista uma notícia qualificada, são características básicas que, para os estudiosos
acima mencionados, influenciam na composição do texto com formato editorial.
Entretanto, seguir esses parâmetros é uma opção de cada veículo de comunicação,
determinada, na maioria das vezes pela equipe de editorialistas. Em outras palavras,
partindo de determinadas escolhas, essa equipe modela o estilo e a natureza do
editorial a ser veiculado. Nosso corpus, por exemplo, nos dá mostras de que os
editorialistas nem sempre usam uma linguagem que privilegia o tom objetivo e direto,
como propõem Bahia (1990) e os manuais de redação e estilo seguidos pelos jornais
brasileiros.
De acordo com Rodrigues (2001), a opção que determina as diferentes
fisionomias em textos editoriais está ligada ao espírito do jornal bem como à clareza da
sua linha. Essa opção expressa aquilo que o jornal pretende ser e idealiza o tipo de
relação que almeja estabelecer com seus leitores. Outra questão é a existência de uma
interdependência entre a personalidade editorial e os componentes (grupo de
jornalistas) que a constituem. Trata-se das escolhas temáticas, da unidade de estilo e
linguagem, da coerência ideológica, da firmeza na sustentação de posições defendidas,
29
da capacidade de autocrítica, do rigor informativo, da sensibilidade para a captação do
essencial, e, sobretudo, da solidez da ponte que liga o editorial ao jornal de que é parte.
Uma vez mostrada a compreensão de gênero sob a perspectiva dos estudiosos
do jornalismo, passamos a discutir a perspectiva lingüística. Na opinião de Bonini
(2003a), muito se fala dos gêneros da imprensa, porém, em termos acadêmicos, os
mecanismos lingüísticos/sociais que caracterizam os gêneros textuais ainda são pouco
conhecidos. Segundo o autor, a literatura da área de comunicação, em sua maioria,
trabalha com um conceito de gênero já ultrapassado, oferecendo para a atualidade
poucas respostas quanto à compreensão de objetos de linguagem em meios sociais
específicos. Nesse sentido, Bonini (2003a) procura entender o modo como o conceito
de gênero aparece na literatura da área de comunicação. Isso se dá através da análise
de textos teóricos e didáticos, dos manuais de estilo dos jornais e dos dicionários de
comunicação. Por defender a idéia de que a noção de gênero é pouco precisa e que há
grande divergência nos rótulos citados como gêneros, seus estudos seguem critérios
cognitivos, direcionando o olhar teórico para a relação entre o sujeito socialmente
constituído (no caso do jornalista) e sua linguagem (os gêneros).
Em um outro momento de seus estudos, Bonini (2003b) aborda as noções
conflitantes existentes entre veículo de comunicação e gênero textual. A intenção é
provocar uma discussão envolvendo noções de código, mensagem, canal, veículo de
comunicação, considerando a perspectiva comunicativa já consagrada nos estudos de
Sperber e Wilson (1986). O autor justifica esse trabalho afirmando que tais noções são
responsáveis por produzir incoerências na noção de gênero, tornando-a pobre e
limitada. Por isso, defende a importância de se levantar elementos para a reavaliação
da perspectiva comunicativa e enunciativa a respeito dos gêneros.
30
Ao pensar em elementos para a reavaliação dos gêneros, Bonini apresenta em
seu livro Gêneros textuais e cognição (2002) a importância do esquema cognitivo para
a representação do conhecimento sobre gêneros. Afirma que o esquema está ligado a
uma realidade psicológica da superestrutura textual. Seus estudos tratam de identificar
como os jornalistas entendem a noção de gênero, qual é a definição que estes
carregam internalizada e como ocorre essa aplicação na prática profissional.
Para Baltar (2003, p. 31), “o número de gêneros textuais numa determinada
sociedade é, em princípio ilimitado, ampliando-se de acordo com os avanços culturais e
tecnológicos”. Essa perspectiva é corroborada por Rebelo (1999, p. 33), ao acrescentar
que “os gêneros apresentam variações porque a própria atividade humana se manifesta
de forma diversa”.
Bakhtin (2003) explica que o querer dizer de um determinado locutor concretiza-
se no momento em que ele escolhe um gênero do discurso. Isso nos autoriza afirmar
que, para cada objetivo comunicativo a ser atingido, escolhe-se um gênero que seja
peculiar àquela situação. Diante dessa escolha, é possível dizer isso e não aquilo, em
um determinado contexto de comunicação.
Na obra Estética da criação verbal (2003), Bakhtin afirma que os gêneros
apresentam uma progressiva complexidade, ou seja, passam de primário para
secundário, tornando-se instrumentos para novas construções. O autor exemplifica a
noção de gênero utilizando a carta: entendida como gênero primário, a carta assume no
interior do romance, por exemplo, características de gênero secundário que só se
integra à realidade do romance como um fenômeno da vida literária e não da vida
cotidiana. Ressalta ainda que existe a possibilidade de essa carta assumir variadas
formas. Em outras palavras, o autor nos chama a atenção para o seguinte: ao tomar a
31
carta como exemplo, a questão não está na designação do gênero, mas sim na
identificação de elementos que possam distinguir um enunciado do outro. A partir disso,
torna-se possível discernir qual é a função dessa carta: se é pessoal ou comercial, se é
um romance, etc.
Siqueira (2003, p. 12) também recorre à carta para esclarecer a noção de gênero
discursivo, acrescentando que “é por meio da função que a carta ganha uma certa
característica e que o gênero discursivo é identificado. [...] Convém destacar que a
forma é clara e definida e que a função é variável dependendo do contexto de
produção”. Por isso, o autor explica ainda que o
gênero tem fundamento externo (discursivo), visto que está centrado no
uso e não na forma. Os gêneros não se caracterizam e nem se definem
pela forma (estrutura) e sim pela função (social), ou seja, eles são
dinâmicos, e, portanto, têm sua estabilidade moldada conforme a
situação social (SIQUEIRA, 2003, p. 14).
Para entendermos melhor essas considerações, torna-se importante ressaltar as
noções de ambiente discursivo e evento discursivo, conforme esclarece Baltar (2003).
Para o autor, a análise de um gênero permeia a relação existente entre língua e
sociedade, incluindo suportes textuais, instituições sociais e seus enunciadores. Nessa
análise, o gênero configura-se como sendo uma ocorrência em um evento discursivo e
em um ambiente discursivo específicos. Logo, entendemos que o editorial pode ser
considerado um evento discursivo, pois, a partir do momento em que se usa a atividade
de linguagem para constituir um texto, envolvem-se enunciadores determinados com
objetivos pré-estabelecidos pelo ambiente ao qual pertencem. Em nosso caso, o
ambiente discursivo é a mídia impressa (o jornal), entendida como o lugar ou instituição
32
social onde se organizam formas de produção, bem como as respectivas estratégias
que visam direcionar a compreensão pretendida.
No que diz respeito à estruturação do editorial, Guimarães (1992) procura, ao
estudar editoriais selecionados do jornal Folha de S. Paulo, verificar quais são suas
categorias formalizadoras. A autora afirma ser possível estabelecer um esquema textual
a fim de detalhar a estrutura do editorial, a partir de um esquema textual específico.
Assim, o editorial é definido pelas seguintes categorias:
da definição, contendo o evento, organizado pelo fato noticioso
acompanhado de comentário; da explanação, contendo as causas e as
conseqüências; da avaliação compreendendo um processo estimativo
onde se estabelece o valor de bem e de mal para o evento; da
conclusão ou moral, abrindo perspectivas (GUIMARÃES, 1992, p. 183).
Ainda a propósito do que Guimarães (1992) menciona sobre um esquema textual
para o editorial, cabe aqui um adendo. Embora o editorial apresente-se definido por
categorias específicas, Krieger (1990, p. 159) nos alerta para o seguinte: o editorial
consiste no “artigo que expressa a opinião do órgão editor”. Assim, se levarmos em
conta que o editorial é o artigo desenvolvido sob a responsabilidade do editorialista,
distinguindo-se inclusive por não ser assinado, editorial e artigo são textos muito
próximos, tanto na forma (esquema textual) quanto no conteúdo.
Na opinião de Rodrigues (2001), o editorial e o artigo realmente configuram-se
muito imbricados, em formato e em conteúdo. Ressalta ainda que, se o conteúdo
temático dos artigos e editoriais, em uma mesma edição da seção opinativa, tem como
característica abranger objetivos discursivos diferentes, por outro lado, “ocorre que os
33
artigos (ou com mais freqüência os editoriais) publicados em diferentes jornais (ou
ainda no mesmo jornal) acabam entabulando uma mesma temática por estarem
orientados para os mesmos acontecimentos sociais de interesse jornalístico”
(RODRIGUES, 2001, p. 148). Embora cada editorialista ou articulista tenha seu estilo
próprio, no tocante à forma, a clareza é condição indispensável para que o editorial
atinja seu objetivo. Além da clareza, o direcionamento argumentativo e estrutural,
visando o convencimento, é um outro fator que permite a aproximação entre editorial e
artigo.
Com relação aos temas, cabe aos profissionais da equipe editorial avaliarem a
importância do assunto. Como já abordamos anteriormente, os temas, mesmo que
variados, acabam ciclicamente abordando o cenário político, administrativo e
econômico do país. Logo, uma boa política editorial não deve oscilar demasiadamente
em temas diversos em um período curto, por exemplo, em um mês, mas também não
deve se cristalizar em um único assunto, em decorrência das mudanças nos diversos
campos sociais.
Assim, o mais viável para esse caso é analisar a maneira como o acontecimento
vem sendo tratado socialmente. Como acontece na maioria dos casos, temas
polêmicos raramente se esgotam em um só comentário jornalístico. Se os fatos se
justificam e prendem o leitor, o jornal passa a imagem de ser vivo e coerente. Além
disso, instaura-se uma ponte que liga o editorial ao corpo do jornal, seja com as
reportagens, com a manchete, com a notícia e mesmo com a pequena nota.
Um exemplo que ilustra bem essa questão é o tema escolhido para nossa
pesquisa. O crescimento econômico nacional envolveu uma quantidade numerosa de
fatos, ações políticas, comentários, análises, e, por isso, ganhou força na mídia. Em
34
nosso caso, a Gazeta do Povo veiculou um variado número de textos sobre esse
assunto por vinte meses, perfazendo, apenas de editoriais, o total de quarenta e um
textos. O mesmo não ocorreu com temas de menor abrangência, pois, devido à pouca
relevância do assunto, o tema acabou desaparecendo da mídia, reabrindo espaço para
articulistas e editorialistas continuarem a analisar temas mais polêmicos, inacabados.
CAPÍTULO II
O DISCURSO RELATADO
2.1 Considerações iniciais
As páginas que seguem apresentam algumas questões teóricas envolvendo a
interação verbal e o discurso relatado. Recorremos aos fundamentos teóricos de
Bakhtin para demonstrar a importância da interação verbal no processo comunicativo, a
fim de justificar a preocupação do locutor com seu interlocutor no jogo enunciativo. A
partir disso, abordamos outras questões sobre o dialogismo na linguagem, o fenômeno
da polifonia, as formas marcadas e não-marcadas de heterogeneidade discursiva. Essa
fundamentação teórica pretende alicerçar a discussão sobre os mecanismos utilizados
pelo editorialista ao citar a fala alheia, nos enunciados opinativos encontrados nos
editoriais constituintes do nosso corpus.
2.2 O dialogismo da linguagem e o fenômeno da polifonia
A partir das considerações de Bakhtin acerca do dialogismo da linguagem,
percebemos que o autor russo entende o diálogo não somente no sentido restrito do
termo a interação verbal face a face como também num sentido amplo, englobando
toda e qualquer comunicação verbal. Ao considerar a linguagem como dialógica,
Bakhtin contrapõe-se às concepções metodológicas denominadas subjetivismo idealista
e objetivismo abstrato. O subjetivismo idealista considera que o ato de fala é uma
36
atividade individual, utilizada pelos homens para expressar seus pensamentos. Este
reduz a linguagem à enunciação monológica isolada, pois toma por base as condições
da vida psíquica e individual do sujeito falante. Já o objetivismo abstrato entende a
língua como um sistema de signos abstrato e autônomo, descartando do estudo da
lingüística a enunciação e o ato de fala. Com o intuito de superar essas posições
dicotômicas e por acreditar no caráter interativo da linguagem, Bakhtin afirma que a
enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados, ou
seja, a interação entre interlocutores, por meio da enunciação, é o princípio fundador da
língua.
Na obra Marxismo e filosofia da linguagem (1992), Bakhtin ressalta também que
um interlocutor real pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao
qual pertence o locutor, uma vez que a palavra sempre se dirige a um interlocutor. Para
o autor, quando pensamos e exprimimos nosso pensamento, torna-se necessário que
esta enunciação leve em conta a realidade em que vivemos e o meio social que nos
engloba. Além disso, para que o interlocutor compreenda as palavras dessa
enunciação, é preciso considerar a criação ideológica do grupo social e da época a que
pertencemos. Toda a preocupação de Bakhtin (1992) sobre a orientação da palavra em
função do interlocutor justifica-se por acreditar que “toda palavra comporta duas faces.
Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se
dirige para alguém” (BAKHTIN, 1992, p. 113). A palavra é, portanto, o território comum
do locutor e do interlocutor, uma espécie de ponte lançada entre eles.
Para definir a relação da palavra com o locutor, Bakhtin (1992) afirma que a
palavra não lhe pertence totalmente, porém, cabe-lhe uma boa metade. No ato
fisiológico de materialização da palavra, o locutor é incontestavelmente o dono da
37
palavra. A partir do momento que consideramos não só o ato físico de materialização
do som, mas a materialização da palavra como signo, a questão da propriedade torna-
se bem mais complexa. É preciso deixar de lado a idéia de que a palavra, como signo,
é extraída pelo locutor de um estoque social de signos disponíveis, para entendermos
que sua realização na enunciação concreta é inteiramente determinada pelas relações
sociais. Nas relações sociais, é evidente a presença das vozes sociais, as quais trazem
consigo posicionamentos ideológicos. Isso é muito comum nos textos opinativos
jornalísticos, uma vez que diferentes posições ideológicas manifestam-se na construção
da opinião a ser veiculada.
Bakhtin (1992) salienta também que os sistemas ideológicos constituídos da
moral social, da ciência, da arte e da religião, cristalizam-se a partir da ideologia do
cotidiano. Na ideologia do cotidiano, é preciso distinguir vários níveis, determinados
pela escala social que serve para medir a atividade mental e a expressão e pelas forças
sociais em relação às quais eles devem diretamente se orientar. A esse respeito,
Bakhtin (1992) menciona que “o discurso escrito num processo interativo é, de certa
maneira, parte integrante de uma discussão ideológica em grande escala: ele responde
a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e objeções potenciais etc.”
(BAKHTIN, 1992, p. 123). Relembra ainda que qualquer enunciação, por mais
significativa e completa que seja, constitui apenas uma fração de uma corrente de
comunicação verbal.
Diante disso, a língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal
concreta, não no sistema lingüístico abstrato das formas da língua nem no psiquismo
individual dos falantes. A língua constitui um processo de evolução ininterrupto, que se
realiza através da interação verbal social dos locutores.
38
Na perspectiva da interação verbal, de um lado o locutor enuncia em função da
existência de um interlocutor e, do outro lado, a recepção/compreensão do que foi
enunciado nos sugere uma réplica: trata-se da possibilidade de uma apreciação,
concordância, discordância, crítica e/ou uma ação.
A atitude de reagirmos diante das palavras enunciadas, seja porque elas nos
incomodam, seja porque nos remetem a questões ideológicas com as quais
concordamos ou não, denota que realmente compreendemos o enunciado proposto. A
compreensão, portanto, está além do reconhecimento do sinal, da forma lingüística.
Segundo Bakhtin (1992, p. 112), a enunciação pode ser definida como “o produto da
interação de dois indivíduos socialmente organizados”. Nesse sentido, além do ponto
de vista enunciativo, é importante que se leve em conta o ponto de vista das condições
de produção, pois esse último equivale ao horizonte social que determina a ideologia do
grupo social bem como a época à qual os interlocutores pertencem. Assim, na visão
bakhtiniana, a proposta da interação verbal tem a finalidade de demonstrar que:
a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema
abstrato de formas lingüísticas, nem pela enunciação monológica
isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo
fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação
ou das enunciações. A interação verbal constitui assim, a realidade
fundamental da língua (BAKHTIN, 1992, p. 123).
No entendimento de Bakhtin o dialogismo, princípio constitutivo da linguagem,
decorre da interação verbal e desdobra-se em duas noções: a do diálogo entre
interlocutores no espaço do texto e a do diálogo entre muitos discursos que se instala
no interior de cada texto. Segundo Barros (1999), o autor russo entende o dialogismo
interacional pelo deslocamento do sujeito, uma vez que este perde o papel de centro e
39
é substituído por pelo menos duas diferentes vozes sociais, fazendo dele um sujeito
histórico e ideológico. Quanto ao diálogo entre discursos, a autora salienta que na visão
bakhtiniana essa “intertextualidade” é, antes de tudo, uma intertextualidade interna das
vozes que falam e polemizam no texto, reproduzindo nesse texto o diálogo entre outros
textos.
A partir desses aspectos do dialogismo interacional de Bakhtin, é possível
compreendermos aquilo que o autor denomina de horizonte ideológico. Em outras
palavras, significa dizer que as características dos discursos não são individuais, pois
estão mescladas na relação entre sujeitos (interlocutores que interagem) e na relação
dos sujeitos com a sociedade. Cada sujeito ocupa um lugar e um tempo específicos no
mundo e desenvolve suas atividades na fronteira entre o eu e o outro. Dessa forma, o
discurso não é individual, mas se constrói ainda que por dois interlocutores, que são
seres sociais.
Tendo em vista que todo texto é considerado dialógico, constataremos mais
adiante que, nos textos do corpus desta pesquisa, há o diálogo entre interlocutores no
espaço do texto, e que, além disso, esses textos dialogam com outros do universo
sociocultural. O editorialista é um locutor pertencente a um horizonte ideológico que
pode ser equivalente ou não ao do seu interlocutor. A partir disso, seleciona
procedimentos discursivos, como o discurso relatado, permitindo que outras vozes além
da sua se mostrem no espaço do texto. Assim, a palavra acaba sempre perpassada
pela palavra do outro, confirmando-nos a noção de que o dialogismo é o permanente
diálogo entre os diversos discursos que configuram uma sociedade ou uma
comunidade e que a linguagem é, portanto, essencialmente dialógica. Cabe ressaltar
40
que o dialogismo, como afirma Castro (1993), é o princípio filosófico orientador dos
conceitos do autor russo, entre eles o de polifonia.
Bakhtin (2002) define polifonia a partir das obras de Dostoiévski, considerando
esse autor como o criador do romance polifônico. Segundo Koch (1999), Guimarães
(1987) e Tezza (2001), Bakhtin parte da premissa de que há textos narrativos literários
que se caracterizam por nele falarem várias vozes. Para Bakhtin (2002, p. 4), “a
multiplicidade de vozes e consciências independentes e imiscíveis e a autêntica
polifonia de vozes plenivalentes constituem, de fato, a peculiaridade fundamental dos
romances de Dostoievski”. Essas vozes e consciências aparecem sob várias
perspectivas distintas e plenas, sem serem filtradas pela perspectiva, consciência ou
ideologia do autor.
A concepção de polifonia formulada por Bakhtin no domínio da literatura, foi
trazida para a Pragmática Lingüística por Ducrot e seguida por outros estudiosos.
Segundo Silva (1991, p. 57), “uma diferença entre a Teoria da Polifonia, de Ducrot e
Bakhtin, é que Ducrot trata das representações de várias vozes no interior do
enunciado e Bakhtin trata da Polifonia no texto como um todo”. Com relação a esse
distanciamento teórico na utilização do termo polifonia, Romualdo (2002, p. 32)
corrobora as considerações de Silva (1991) e acrescenta que a proposta de Ducrot “é,
entretanto, diferente da de Bakhtin, pois não aplica a teoria a textos ou seqüências de
enunciados, como fez o autor russo, mas apenas a enunciados, numa visão enunciativa
do sentido”.
Ducrot (1987) recorre à polifonia para contestar o pressuposto da unicidade do
sujeito falante, idéia segundo a qual em cada enunciado encontramos somente um
autor. Para Ducrot (1987, p. 182) é “necessário distinguir entre esses sujeitos pelo
41
menos dois tipos de personagens, os enunciadores e os locutores” (DUCROT, 1987,
p. 182). A esse respeito, Maingueneau (1993) acrescenta que, no entendimento de
Ducrot, ao distinguirmos em uma enunciação dois tipos de personagens, ocorre o
fenômeno da polifonia. Esta pode estar desmembrada em dois tipos diferentes: a de
locutores (quando há mais de um locutor no mesmo enunciado) e a de enunciadores
(quando há mais de um enunciador no mesmo enunciado).
Segundo Ducrot (1987), o locutor é um ser que, no próprio sentido do enunciado,
é apresentado como seu responsável. Em outras palavras, é alguém a quem se deve
atribuir a responsabilidade deste enunciado. Assim, o locutor é considerado como ser
do discurso, diferente do sujeito falante, empírico, real. O locutor fala, relata e, por isso,
é entendido como fonte do discurso. Desta forma, em uma enunciação que envolva o
discurso relatado, por exemplo, na qual o locutor utiliza-se do discurso direto ou indireto
para citar a fala de alguém, podemos identificar a polifonia de locutores se imaginarmos
que: a) enquanto locutor, este não se coloca como responsável por essa fala; b)
embora não se apresente como responsável pela fala relatada, não deixa de ser
responsável pela enunciação 1 que afirma ter ocorrido uma enunciação 2.
Dependendo da cena enunciativa em questão, é possível que as atitudes
discursivas do locutor sejam atribuídas a enunciadores que se distanciam ou se
aproximam do seu ponto de vista. Para Maingueneau (1993, p. 77), os enunciadores
são seres “cujas vozes estão presentes na enunciação; (...) efetivamente eles não
falam, mas a enunciação permite expressar seu ponto de vista; (...) o locutor pode pôr
em cena, em seu próprio enunciado, posições diversas da sua”. É o caso de situações
comunicativas como “Muito bem!” ou “Que ótimo!” em que essas expressões tenham
assumido papel de absurdo. Nesses enunciados irônicos faz-se ouvir uma voz diferente
42
da do locutor, a voz de um enunciador que expressa um ponto de vista insustentável.
Com isso, o locutor assume as palavras, mas não o ponto de vista que elas
representam. Uma outra ocorrência de polifonia de enunciadores está na negação.
Para Ducrot (1987), em uma situação como “Pedro não é gentil”, percebemos o
resultado de dois atos ilocutórios distintos: a) num primeiro ato, tem-se uma situação
positiva com relação à gentileza de Pedro; b) posteriormente, o outro ato vem como
uma recusa do primeiro. Assim, o locutor que assume a responsabilidade de que “Pedro
não é gentil” coloca em cena um enunciador afirmando que Pedro é gentil e outro que
se opõe a essa afirmativa, demonstrando a polifonia de enunciadores. A presença da
polifonia de locutores em nosso corpus será analisada no Capítulo III, para mostrarmos
como os editorialistas da Gazeta do Povo utilizam o discurso relatado na construção da
opinião.
Na produção dos editoriais, encontramos estratégias discursivas para inserir
outras vozes no texto que nos levam a considerar a distinção proposta por Authier-
Revuz (1982 e 1990) entre heterogeneidade mostrada e constitutiva. Em seu texto
Heterogeneidade(s) enunciativa(s) (1990), a autora define a heterogeneidade mostrada
como um conjunto de formas que inscrevem o outro na seqüência do discurso,
englobando o discurso direto, indireto, as aspas, as formas de retoque ou de glosa, o
discurso indireto livre e a ironia.
A heterogeneidade mostrada, ainda segundo a autora, divide-se em duas
modalidades: a marcada, da ordem da enunciação e visível na materialidade lingüística;
e a não-marcada, da ordem do discurso e não provida de visibilidade. A forma de
heterogeneidade mostrada (marcada) evidencia o discurso com certas formas, como as
aspas, os parênteses, o itálico, que criam o mecanismo de distância entre o sujeito e
43
aquilo que ele diz. Quanto à heterogeneidade constitutiva, é considerada como aquela
forma que não se mostra no fio do discurso, pois embora o outro esteja sempre inscrito
no discurso, sua presença não é explicitamente demarcada.
Na opinião de Maingueneau (1993), as heterogeneidades do discurso são traços
do funcionamento discursivo na relação de seu interior com o seu exterior. Segundo
ele, enquanto a heterogeneidade mostrada incide sobre as manifestações explícitas,
recuperáveis a partir de uma diversidade de fontes de enunciação, a constitutiva não é
marcada em superfície, mas pode ser definida observando a formulação de hipóteses
conforme a Análise do Discurso vem definindo em seus estudos.
Interessa-nos para esta pesquisa a forma de heterogeneidade mostrada, pois é a
que ocorre em nosso corpus por meio de uma quantidade significativa de citações,
tanto em discurso direto como indireto.
2.3 As manifestações clássicas do discurso relatado: o discurso direto e o
indireto
A reprodução das falas alheias em uma nova enunciação pode ser organizada a
partir de duas manifestações diferentes: em discurso direto ou indireto. Os conceitos
que encontramos em gramáticas tradicionais de discurso direto e indireto mostram que
há uma distância formal e funcional entre eles. Cunha (1972), por exemplo, afirma que
o discurso direto reproduz literalmente a fala de quem é citado, sem a interferência de
quem a usou. No discurso indireto, ao contrário, a citação não é textual, e o locutor usa
suas palavras para reproduzir a fala de outro.
44
Vale ressaltar que, para o autor, ao utilizar-se do discurso direto, o locutor citante
está transcrevendo o enunciado do outro tal como foi formulado, ou, caso não saiba
exatamente como foi, é possível que imagine ou simule a transcrição do enunciado
mantendo todos os traços de subjetividade (desejos, interjeições, ordens, blasfêmias,
entre outros). Embora seja senso comum o entendimento de que o discurso direto é a
reprodução “fiel” do discurso citado, concordamos com Maingueneau (1996, p. 105) que
a citação em discurso direto pode expressar apenas o núcleo do que foi dito. Mesmo
assim, isso pode levar o leitor a supor que se trata da “repetição do significante do
discurso citado”.
Também na percepção de Maingueneau (1993), seria ingenuidade opor o
discurso direto ao indireto, sob a alegação de que o primeiro pretende reproduzir
literalmente as alocuções citadas. Assim,
seria mais exato ver nele uma espécie de teatralização de uma
enunciação anterior e não uma similitude absoluta. Dito de outra forma,
ele não é nem mais nem menos fiel que o discurso indireto, são duas
estratégias diferentes empregadas para relatar uma enunciação
(MAINGUENEAU, 1993, p. 85).
Na opinião de Ducrot (1987), a diferença existente entre estilo direto e indireto
não significa que o primeiro daria a conhecer o conteúdo e sua forma original, e o
segundo, só o conteúdo, pois o estilo direto pode também visar só o conteúdo, ao
selecionar uma seqüência de palavras imputando-as a um locutor. Nesse sentido,
afirma que o “estilo direto implica fazer falar um outro, atribuir-lhe a responsabilidade
das falas, isto não implica que sua verdade tenha uma correspondência literal termo a
termo” (DUCROT, 1987, p. 187).
45
Independente da reprodução “fiel” ou da “suposição”, o discurso direto envolve a
nítida separação dos campos de subjetividade dos discursos citante e citado, pois as
diferentes vozes aí presentes não se misturam. Esse distanciamento é, no dizer de
Maingueneau (1996), uma encenação no interior da fala, uma maneira de o locutor
citante justificar que não é ele quem está dizendo, mas foi o outro que disse.
Risso, em sua tese A representação da fala dos personagens em Fogo Morto
(1978), tece algumas considerações sobre o formato do discurso direto e indireto em
que é reproduzida a fala das personagens. Comenta que há traços de oposição entre o
discurso direto e indireto, sendo identificados em dois momentos: na frase introdutora e
na frase reprodutiva. Quanto à primeira, no discurso direto não há elementos conectivos
que marcam vínculo entre as falas. A mudança de locutor nesse tipo de discurso
(inserção de fragmentos da fala do personagem) é sinalizada graficamente pelas aspas
ou dois pontos.
Assim como Maingueneau (1996), Garcia (1983) e Benites (2002), a autora
acrescenta que essa fala vem precedida por uma frase do narrador, que encerra a
identificação do locutor e uma “função declarativa”, preenchida geralmente por um
verbo de elocução, também chamado de verbo dicendi ou declarandi. Esse
procedimento anuncia o discurso desse mesmo locutor.
Quanto à frase reprodutiva, Risso (1978, p. 35) afirma que o que caracteriza
essa modalidade é a reprodução da fala tendo em vista um contexto ou “situação local”
em que se desenvolvem os diálogos, muitas vezes com “estruturas truncadas,
fragmentos de perguntas e respostas, enfim, de frases que escapam a uma estrutura
lógica e racional e não apresentam, formalmente explícitos, todos os seus elementos
gramaticais”. A reprodução em discurso direto procura manter o colorido da fala original,
46
seus traços característicos, não adaptando-a à fala do locutor citante, como ocorre no
discurso indireto.
Em se tratando do discurso jornalístico, a citação em discurso direto assume
importância indiscutível, dada a grande presença dessa estratégia de retomada da voz
alheia nos textos dos jornais. Quanto à questão de sua literalidade, alguns manuais de
redação e estilo costumam ser mais rígidos e outros mais flexíveis. O essencial é que o
conteúdo proposicional seja preservado, porém o Manual da redação: Folha de S.
Paulo (2001, p. 31) alerta que “ao reproduzir uma declaração textual é proibido alterar a
literalidade do que foi dito, mesmo que se trate de alterações que mantenham intacto o
sentido da declaração”. Já no entendimento de Martins Filho (1997), o cuidado que se
deve tomar é para que as adaptações do texto às normas lingüísticas não permitam
que a citação assuma um caráter artificial. Seu conselho é o de que, “embora as
declarações entre aspas devam transcrever com fidelidade as palavras do entrevistado,
adapte o texto às normas gramaticais, acerte as concordâncias, elimine as repetições
muito freqüentes e contorne os vícios de linguagem” (MARTINS FILHO, 1997, p. 87).
O discurso indireto pode ser entendido como uma apreciação que o locutor faz
da fala do outro, pois seleciona, resume, analisa e interpreta a fala alheia,
readequando-a, via adaptações lingüísticas, a um relato essencialmente informativo.
Para Benites (2002, p. 60), no discurso indireto o locutor citante é visto “como um
tradutor que faz uso de suas próprias palavras para transmitir idéias de outro”. Essa
característica de apreciação o torna diferente do discurso direto no que diz respeito à
maneira de relatar uma enunciação, já que o discurso direto normalmente assume outra
característica que não a de análise.
47
A questão do “tradutor” mencionada por Benites (2002) nos permite salientar as
transposições formais e adequações mencionadas por Risso (1978). Segundo a autora,
a valorização do conteúdo torna o discurso indireto mais informativo e impessoal, pois
deixa de lado a preocupação com o colorido da enunciação original. Os elementos
lingüístico-afetivos, antes de entrar numa construção indireta, passam de formas de
discurso a conteúdo ou são registrados na frase introdutora como um comentário anexo
ao verbo dicendi. Ao contrário do que ocorre no discurso direto, há uma integração
subordinativa entre a frase introdutora e a reprodutiva, geralmente marcada pela
conjunção integrante que. Além disso, na frase reprodutiva, devemos considerar as
acomodações que os dêiticos (formas de primeira pessoa e indicadores espácio-
temporais) e os tempos verbais sofrem em função de o locutor fazer uso de suas
próprias palavras para transmitir as idéias do outro. Para Risso (1978, p. 48), a
transposição do tempo verbal é freqüente quando o verbo dicendi assume a forma do
pretérito (disse, respondeu, afirmou, etc), ausentando-se em situações em que o verbo
dicendi assume forma de presente.
Ainda com relação à fala relatada em discurso indireto, Benites (2002) nos faz
um alerta sobre a possibilidade de encontrarmos, nessa variação do discurso, o relato
de fala e o comentário sobre a fala. Saber discernir esses aspectos implica o seguinte
entendimento:
No primeiro caso, um determinado ato de elocução é narrado
(sintetizado) com as palavras de quem o cita. Já no comentário sobre a
fala, não é um ato de elocução particularizado que é objeto de
referência, (...) mas o texto como um todo, e o relato consiste
basicamente num comentário geral sintetizador sobre a direção central
ou o teor básico que se deduz de todo um conjunto de declarações, em
sua globalidade (BENITES, 2002, p. 65).
48
Embora haja variações formais entre as duas manifestações clássicas de
retomada das vozes alheias, vimos que nenhuma delas garante fidelidade absoluta à
fala relatada, pois tanto o discurso direto quanto o indireto podem ser articulados pelo
locutor citante de acordo com seus propósitos argumentativos. Maingueneau (1993)
relembra que ocultar-se por trás de um terceiro é a maneira mais hábil de sugerir o que
se pensa sem, no entanto, responsabilizar-se por isto.
Esse “terceiro”, mencionado por Maingueneau na articulação do discurso
relatado como mecanismo que leva à persuasão, pode ser encontrado nos estudos de
Ducrot (1987) sobre argumentação por autoridade. Há a autoridade polifônica, inscrita
na língua e que pode ser observada, segundo Koch (1999), nos fenômenos da
pressuposição, negação, forma verbal e certos operadores argumentativos. Há também
o arrazoado por autoridade, que, conforme explicita Ducrot (1987), é o discurso no qual
se defende uma causa, alegando razões. Portanto, o arrazoado por autoridade é um
tipo de prova reconhecido e válido em uma dada época e coletividade social. Embora
Ducrot (1987) tenha definido a argumentação por autoridade em duas formas, a
autoridade polifônica e o arrazoado por autoridade, interessa-nos esta última, devido às
ocorrências significativas em nosso corpus. Veremos na análise que o editorialista
constrói um percurso discursivo servindo-se com freqüência do arrazoado por
autoridade.
Essa forma de argumentar por autoridade significa trazer para o seu discurso a
voz do outro como sendo um ser competente e/ou autoridade naquilo que profere.
Ducrot (1987) afirma que, no arrazoado por autoridade, o locutor de um enunciado
assevera que há uma asserção de P por X. X não aparece como um enunciador, mas
como um ser empírico, como um objeto da realidade, a quem se atribui a propriedade
49
de asseverar P. Para Maingueneau (1993), a conclusão da verdade ou da
verossimilhança repousa na crença de que X, por não ser um imbecil, ao dizer que P,
muito provavelmente não se enganou no que disse. Argumentativamente, esse
mecanismo funciona como uma autorização, ou mesmo, uma obrigação de se concluir
a partir de P.
Maingueneau (1993) também observa que, para uma formação discursiva, X não
pode ser qualquer um, pois há coerções muito fortes que pesam sobre sua identidade e
que remetem aos próprios fundamentos dessa formação discursiva. Ainda na
perspectiva da importância de X no funcionamento do arrazoado por autoridade,
Benites (2002) afirma que, para que os leitores admitam a veracidade ou a
verossimilhança dos argumentos oriundos do arrazoado, é importante que a autoridade
constituinte do discurso citado seja por eles conhecida.
Assim, no processo argumentativo, retomar o discurso do outro revestido de
competência para fazer tal afirmação implica duas situações: a) se o locutor recorreu ao
discurso do outro para reafirmar o seu, é porque ele pretende aproximar-se daquele
ponto de vista; b) dentro do processo persuasivo, recorrer ao discurso de alguém
respeitado como autoridade no assunto é uma estratégia persuasiva para conduzir o
interlocutor a concordar com o seu discurso, já que se identifica com um arrazoado por
autoridade. De acordo com Breton (1999, p. 84), o argumento de autoridade funciona
raramente isolado, geralmente ele se “insere em uma argumentação de conjunto e
serve para preencher certos vazios, para construir ‘pontes’ entre elementos do real.
Atrás do argumento de autoridade se escondem, às vezes, verdadeiros pontos de
vista”.
50
Vale lembrar que o locutor citante, ao destacar de um texto alheio um
determinado fragmento, faz a seleção por critérios seus e, nesse sentido, um enunciado
separado do seu contexto pode assumir valor diferente do que tinha originalmente. O
freqüente uso de citações em textos jornalísticos tem principalmente o objetivo de
ilustrar e dar credibilidade ao argumento apresentado, mas pode também, entre outras
questões, representar precaução, ironia, afastamento. Trazendo a discussão para o
tema da nossa pesquisa, veremos no capítulo de análise que em nosso corpus o
editorialista articula o discurso relatado (direto ou indireto) em seu favor como
mecanismo direcionador à interpretação que pretende no editorial. Por meio dessa
estratégia e do papel que lhe é instituído de representante do veículo de comunicação,
vai conduzindo o leitor, mesmo que de maneira implícita, à opinião intencionalmente
pretendida pela oligarquia jornal Gazeta do Povo.
2.3.1 As aspas, os verbos dicendi e a modalização em discurso segundo
As aspas e os verbos dicendi são elementos que nos auxiliam não só na
identificação do discurso relatado mas também na compreensão da intenção do
jornalista ao fazer uma citação.
As aspas devem ser entendidas, segundo Maingueneau (1993), como um sinal
construído para ser decifrado por um destinatário. É uma operação de distanciamento,
sinalizando ao leitor que determinada palavra ou seqüência de palavras entre aspas
não pertence totalmente ao mesmo discurso, tendo sido deslocada de seu discurso
originário e inserida ou acoplada em outro espaço, outro discurso. O autor explica que é
51
possível encontrarmos na linguagem palavras entre aspas que significam apenas a
sinalização de ênfase, ou, particularmente, demarcam a palavra como pertencente a
uma língua estrangeira ou a um vocabulário especializado.
Além dessa forma de utilização, o uso das aspas em textos escritos funciona
como um recurso gráfico responsável por mencionar um outro ato de enunciação que
difere do que está em curso. Esse recurso gráfico, designado aspeamento, é entendido
por Authier-Revuz (1990, p. 25) como uma das formas de heterogeneidade mostrada
responsável “por inscrever o outro na seqüência do discurso”. Maingueneau (1993,
p. 90) acrescenta que “as aspas designam a linha de demarcação que uma formação
discursiva estabelece entre ela e seu ‘exterior’; um discurso efetivamente só pode
manter à distância aquilo que ele coloca fora de seu próprio espaço”.
No caso da utilização de aspas em uma seqüência de palavras, cabe ao leitor a
tarefa de compreender o motivo pelo qual aquela parte do texto está em destaque.
Essa manifestação representa o relato em discurso direto e, também, garante por parte
do locutor, o distanciamento e a indicação de que a fala relatada na enunciação em
curso não é sua. Maingueneau (1993) ressalta também que, ao demarcar o discurso do
outro, o locutor citante se protege antecipadamente de uma crítica do leitor.
Benites (2002, p. 61) corrobora a posição de Maingueneau (1993), acreditando
que “as aspas permitem delimitar a voz alheia dentro do discurso assumido pelo locutor
que cita”. A autora alerta para o fato de que o aspeamento nunca é neutro, uma vez
que o locutor citante, ao selecionar o discurso relatado, acaba estrategicamente
demonstrando uma tomada de posição. Isso pode ser entendido como resultante da
aprovação do dito, da sua ridicularização ou da sua negação que desencadeia a
intenção do locutor em proteger-se de polêmicas, uma vez que foi o outro quem o
52
disse, ou de aproximar-se ao relato por comungar daquele pronunciamento alheio,
expondo-se a ele.
Na opinião de Marcuschi (1991), a imprensa reproduz uma gama enorme de
posições e, durante esse fazer jornalístico, a linguagem hospeda alguns verbos
responsáveis por introduzir opiniões. Para o autor, “os verbos agem seletivamente sob
os conteúdos dando-lhes uma intencionalidade interpretativa como características
ideológicas” (MARCUSCHI, 1991, p. 74).
A interpretação a que o autor se refere pode desdobrar-se em: a) interpretação
explícita, sendo possível identificar um comentário do redator; b) interpretação implícita,
sendo reconhecida pela seleção dos verbos introdutores de opinião; e c) interpretação
pela seleção do que é informado.
O autor acredita que, ao se reproduzir a opinião de alguém, esse processo é
fruto de uma certa compreensão realizada e, embora aparente certa inocência, não
impede a ocorrência de possíveis distorções ou interferências no discurso relatado.
Imbuído de inquietações sobre a dúvida de se relatar opiniões sem manipulá-las,
bem como as estratégias usadas pelos jornais no relato dessas opiniões, Marcuschi
(1991) considera que está nos verbos introdutores de opinião a condução do discurso
relatado.
Garcia (1983) elaborou uma classificação para os verbos usados nos diálogos,
encontrados na literatura de ficção (contos, romances), dos quais a linguagem
jornalística também faz amplo emprego. Na opinião de Garcia (1983, p. 131), “eles
pertencem, grosso modo, a nove áreas semânticas, cada uma das quais inclui vários de
53
sentido geral e muitos de sentido específico”.
1
O autor alerta ainda que é possível
encontrarmos algumas variações dos verbos de elocução e que, por analogia aos
verbos dicendi, são chamados de sentiendi ou de sentir. Tais verbos expressam a
carga de afetividade presente na língua falada, como: estado de espírito, emoções,
reação psicológica, atitudes ou gestos. Não vem ao caso aprofundarmos explicações
sobre essa variação (sentiendi), tendo em vista que algumas áreas semânticas dos
verbos dicendi já abarcam as ocorrências pertinentes ao nosso corpus.
Risso (1978) observa que o emprego dos verbos também sugere
semanticamente sentidos diferentes, sendo importante uma certa cautela na sua
utilização. Essa preocupação justifica-se porque a expressividade semântica de cada
verbo concentra em si traços funcionais que vão além de apresentar a fala: traduzem
atitudes, intenções, estados emocionais, entre outros. No caso do verbo dizer, a autora
entende que este atua tão-somente como simples indicador da fala, demonstrando
menor grau de compromisso com o dito do outro por parte do locutor.
No âmbito jornalístico, o Manual da redação Folha de S. Paulo (2001) aconselha
que os verbos declarativos sejam usados somente para introduzir ou finalizar falas dos
personagens da notícia. Sugere na esfera declarativa a utilização de verbos como dizer,
declarar e afirmar, compreendidos como verbos mais neutros.
Charolles (1988, apud BENITES, 2002 e MAINGUENEAU, 1993) entende que os
verbos dicendi, com exceção do dizer, “aparentemente neutro”, sempre veiculam
diversos pressupostos. Diante disso,
1
Conforme os estudos e a classificação proposta por Garcia (1983), as nove áreas semânticas mais
comuns e de sentido geral dos verbos dicendi são: a) de dizer (afirmar, declarar); b) de perguntar
(indagar, interrogar); c) de responder (retrucar, replicar); d) de contestar (negar, objetivar); e) de
concordar (assentir, anuir); f) de exclamar (gritar, bradar); g) de pedir (solicitar, rogar); h) de exortar
(animar, aconselhar); i) de ordenar (mandar; determinar).
54
ao afirmar-se que alguém revelou alguma coisa, incide-se sobre o valor
de verdade do enunciado; repetir, replicar e concluir implicam uma
posição cronológica posterior a dizer ou afirmar, enquanto que
reconhecer ou confessar incidem sobre o ponto de vista atribuído ao
enunciador (CHAROLLES apud BENITES, 2002, p. 112).
Nessa perspectiva, entendemos que os verbos dicendi não só enunciam as
vozes constitutivas de uma enunciação mas também servem de suporte para a
formulação dos enunciados nos quais as opiniões são apresentadas. No capítulo de
análise demonstraremos, entre outras questões já mencionadas, o quanto a seleção
dos verbos introdutores de opinião é recorrente na linguagem jornalística. Esse fato
justifica-se uma vez que por meio da seleção do verbo é que o editorialista consegue
resultados persuasivos, considerando o seu interlocutor.
Além do uso das aspas e dos verbos dicendi, outra maneira de o locutor indicar
que não é responsável por um enunciado é a modalização em discurso segundo. De
acordo com Maingueneau (2004), o termo discurso segundo foi emprestado de Authier-
Revuz e consiste em evidenciar o discurso citado a partir do uso de um modalizador
explícito que marca a fala do outro no discurso, como por exemplo: segundo fulano...,
para fulano..., na opinião de fulano... Ao adotar o uso do modalizador em discurso
segundo, o locutor pretende deixar claro que está se apoiando em um outro discurso e,
assim, tal enunciação não é de sua responsabilidade.
CAPÍTULO III
O DISCURSO RELATADO NA CONSTRUÇÃO DA OPINIÃO NO EDITORIAL DA
GAZETA DO POVO
3.1 Considerações iniciais
Neste capítulo analisamos os editoriais da Gazeta do Povo, procurando
demonstrar como o discurso relatado é utilizado na construção dos textos do periódico.
Inicialmente, apresentamos uma visão geral sobre o Jornal, sua página editorial e
questões relacionadas à linguagem empregada nos textos.
Sendo o jornal um instrumento que veicula diferentes temáticas geradas no seio
da sociedade, a questão do crescimento econômico ocupa espaço nesse capítulo
(seção 3.3), com a finalidade de demonstrar as condições sócio-históricas do
desenvolvimento do tema delimitado, recorrente em vinte meses. Consideramos que a
explanação desse assunto serve de subsídio para a compreensão da temática
veiculada nos editoriais do corpus e, por conseguinte, dos fragmentos textuais
apresentados.
A partir da seção 3.4 até a 3.4.3, tratamos mais especificamente da análise do
discurso relatado nos editoriais do Jornal. Focalizamos, de início, a posição e o
funcionamento do discurso relatado na construção da opinião, considerando a
compreensão da estrutura textual dos editorialistas da Gazeta do Povo. Em seguida,
por amostragem, analisamos fragmentos extraídos de diversos editoriais para
demonstrarmos as manifestações (discurso direto, discurso indireto e comentário sobre
a fala) e as marcas (aspeamento, verbos dicendi e modalização em discurso segundo)
56
do discurso relatado presentes no corpus. Depois, analisamos na íntegra um exemplar
do corpus, para mostrar como a posição, as manifestações e as marcas do discurso
relatado presentes naquele texto funcionam na construção da opinião.
3.2 O jornal Gazeta do Povo e o seu editorial
De acordo com os estudos do Marplan/EGM (2004)
2
, a credibilidade alcançada
pela Gazeta do Povo junto à população faz com que esse periódico lidere as vendas no
Estado do Paraná, posicionando-se entre os maiores jornais do país em circulação.
Segundo o Instituto, a eficiência do Jornal é comprovada pelos números: de cada cem
paranaenses que lêem jornal aos domingos, noventa e três lêem a Gazeta do Povo.
Nos demais dias da semana, o número de leitores chega a 53%. Isso denota uma
tiragem impressa exorbitante, representando milhões de exemplares todo mês, o que o
consolida como um meio de comunicação de massa. No sentido de atender aos
anseios e exigências do seu público leitor, apresenta gêneros textuais específicos,
como já mencionamos anteriormente, em cadernos com divisões e subdivisões. Entre
outros gêneros, a Gazeta do Povo veicula o editorial em uma página própria do primeiro
caderno.
Esse cuidado com o editorial decorre da modernização vivenciada pela imprensa
jornalística nos anos 50 e 60, quando se distinguiu a função noticiosa da função
opinativa, estendendo-se à imprensa brasileira o que já vinha ocorrendo em jornais
2
O Marplan/EGM é um Instituto de Pesquisas que consolidou, em 2004, entre outros estudos, uma
análise qualitativa e quantitativa sobre a circulação do jornal Gazeta do Povo no Estado do Paraná. Para
tanto, selecionou pessoas de ambos os sexos com idade a partir dos 13 anos.
57
ingleses e norte-americanos. Segundo Bahia (1990), foi a partir da necessidade de
valorizar a dimensão opinativa que surgiu a página editorial. Em alguns jornais essa
página é independente, ou seja, veicula apenas editoriais sobre os assuntos mais
discutidos no momento. Em outros, a página editorial configura-se conjugada,
apresentando não só o editorial, mas também outros gêneros textuais que não refletem
necessariamente a opinião do jornal. A página editorial pode ser entendida como
sinônimo de página de opinião mesmo quando não se trata de uma página
independente. Assim, é possível, nessa página, a presença conjugada do editorial, da
charge do dia, de artigos assinados, cartas dos leitores, enfim, o que couber no âmbito
opinativo. Se faltar espaço, a página seguinte passa a ser uma extensão da página
editorial, veiculando textos que, normalmente, são de colaboradores. Esse formato de
página editorial separada da reportagem visa dar maior significação jornalística e
gráfica ao pensamento oficial do veículo.
A incorporação de outras seções opinativas à página editorial ou ao redor dela,
como a dos artigos assinados, por exemplo, justifica-se pela tentativa de resgatar o
interesse do público leitor pelo pensamento do veículo. Por isso, na maioria das vezes,
a imprensa jornalística apresenta de forma interligada a temática do editorial, da
charge, dos artigos assinados e das cartas dos leitores. Isso não significa que todos os
textos reunidos na página em um mesmo dia necessariamente tratem do mesmo
assunto, mas estão próximos e retomam ciclicamente a temática que veiculou como
destaque no dia anterior ou no decorrer da semana. A opinião editorial é de
responsabilidade do veículo, ao passo que a opinião não-editorial é de responsabilidade
de quem assina. Daí advém o fato de a maioria dos veículos de comunicação impressa
58
reforçar, por meio de notas de rodapé, que as opiniões emitidas em artigos assinados
são da inteira responsabilidade de seus autores.
A Gazeta do Povo, no que diz respeito à diagramação, mostra-se cuidadosa com
a página editorial. Embora não tenha paginação fixa, essa página apresenta-se sempre
no primeiro caderno, considerado o mais importante do periódico. Oscilando entre a
metade e o final do caderno, submete-se à apreciação do leitor de forma dupla e
conjugada. Inicia-se com dois editoriais: o primeiro, enfocado em nossa pesquisa,
configura-se como texto principal pela dimensão que ocupa, tanto no aspecto físico
quanto no de conteúdo; o segundo expõe-se em espaço menor, representando um
quarto do primeiro e também é reconhecido como editorial por não ser assinado. Na
seqüência, exibem-se a charge do dia, os textos dos colaboradores - nesse caso,
representados por dois articulistas -, as cartas dos leitores e textos de dois ou três
colunistas.
O editorial principal é impresso no topo da página e o espaço destinado ao corpo
do texto vai de uma margem a outra. Caracteriza-se também pela palavra “opinião”,
escrita sempre em caixa alta acima do título do texto. No centro do texto, encontra-se o
que alguns manuais de redação e estilo classificam como o “olho do texto ou da
notícia”. Trata-se de um chamamento direcionado ao leitor por meio de um trecho
retirado do texto que enfoca um ou mais pontos culminantes do tema em discussão.
O primeiro editorial contém basicamente respostas pertinentes ao como e ao
porquê diante do que se propõe, uma vez que trata de argumentar para se chegar a
uma conclusão lógica. As premissas discutidas nos temas podem ser inspiradas numa
notícia relevante, declaração do dia, da semana ou, até mesmo, fazer parte de uma
questão maior, um assunto recorrente no Brasil ou no Mundo. Após a informação
59
exposta de maneira sucinta, parte-se para a argumentação, almejando caminhar para
uma conclusão sobre os pontos de vista defendidos no texto, cujo objetivo está em
orientar o leitor a uma determinada conclusão.
Quanto ao registro de linguagem utilizado, os editorialistas procuram seguir as
normas convencionadas pelos estudiosos do jornalismo e pelos manuais de redação.
Como vimos com Lage (2002), a linguagem jornalística pondera entre palavras,
expressões e regras combinatórias que são possíveis em um registro formal, sem, no
entanto, desprezar uma comunicação eficiente. A linguagem dos editoriais de nosso
corpus é a formal culta, no entanto não encontramos palavras e expressões rebuscadas
ou de pouca circulação - a não ser as estrangeiras e as de determinado jargão,
necessárias à construção do texto devido à temática abordada - nem períodos de
sintaxe extremamente complexos. Os editorialistas não extrapolam, portanto, os
padrões de um leitor de formação média, garantindo a compreensão dos textos e a
adesão aos pontos de vista defendidos.
Em questionário respondido para auxiliar nossa pesquisa, o jornal Gazeta do
Povo, na pessoa do editorialista Celso Nascimento (2005), afirma que o editorial requer
do jornalista que o escreve elevado padrão de linguagem e “extremo cuidado para a
manutenção do bom-senso [sic] e do equilíbrio na opinião que externa”. Como se não
bastasse, ao tratar do curto espaço de tempo de que dispõe o jornalista para escrever
seu texto, o editorialista informa que, no caso do editorial, “há pelo menos duas
supervisões de revisão do texto (por parte de profissional revisor) e de verificação de
conformidade da opinião expendida (por parte da alta direção)” (NASCIMENTO, 2005).
Esse “ritual” confirma nossas reflexões sobre a importância da linguagem jornalística e
o trato (qualidade) que o jornalista dá a essa linguagem na tessitura do seu texto.
60
Se quanto ao registro de linguagem os editoriais de nosso corpus seguem os
padrões apresentados por Lage (2002), o mesmo não ocorre quanto às conveniências
de utilizar a terceira pessoa agregada ao pronome oblíquo (se), para denotar o tom de
impessoalidade e, ao mesmo tempo, a característica “analítica” convencionada pela
maioria dos manuais de redação e estilo. Essa postura justifica-se uma vez que a
imprensa busca atingir objetividade e imparcialidade no uso da linguagem. Embora
percebamos que os articulistas, na maioria das vezes, manejem os recursos lingüísticos
de forma a aparentar objetividade e um tom referencial, nosso corpus mescla textos
com uso da terceira pessoa (T-22; T-25 e T-38)
3
com textos com a primeira pessoa do
plural, como, por exemplo: No Brasil não temos 5 mil anos de História, como os hindus,
chineses, ou 3 mil, como os japoneses e coreanos (T-03). Embora o uso da primeira
pessoa do plural nesse exemplo possa ser substituído pelo pronome impessoal “se”
utilizado em textos científicos, pois faz referência a uma informação objetiva, garantindo
a objetividade pretendida pelo jornalismo, o mesmo não pode ser dito dos fragmentos a
seguir:
Precisamos resolver os problemas que impedem a queda desses juros,
ao lado da continuação das reformas modernizadoras, mas
principalmente, precisamos de vontade e determinação para garantir
que, nos próximos anos, o Brasil seja outro, um país com vontade de
crescer, de forma continuada e sustentável. (T-29)
O exame dos números leva-nos a acreditar que o país poderá até
superar a projeção inicial de exportar US$ 111 bilhões até o fim deste
ano, com um saldo de US$ 34 bilhões. (T-30)
3
O conjunto formado pela consoante “T” seguida de algarismos arábicos expressa a ordem cronológica
em que os editoriais estão classificados no corpus.
61
No primeiro fragmento, com o uso do plural de sentido inclusivo (eu+tu+eles), o
locutor interpela o leitor/interlocutor, para persuadi-lo de que a resolução dos problemas
que impedem a queda dos juros depende de todos. O tom apelativo dado à conclusão
do editorial acentua-se quando o discurso sai do campo objetivo dos problemas
técnicos da economia e se encaminha ao da subjetividade, referindo-se à necessidade
de vontade e determinação para garantir a mudança do país. Cabe ressaltar a
utilização do advérbio principalmente, pois, em termos de argumentos apresentados,
ele introduz o de maior relevância.
No segundo fragmento, embora a informação se baseie em dados técnicos
anteriormente apresentados no texto, a marcação da subjetividade está no grau de
possibilidade que a informação encerra. A forma verbal poderá, pela sua própria
natureza modal e pelo uso no tempo futuro, leva a informação para o campo da
possibilidade; já a expressão verbal leva-nos a acreditar, pela natureza semântica
relacionada à crença, também reforça a natureza de possibilidade, fragilizando a
objetividade pretendida pelo discurso jornalístico.
Com relação ao emprego dos verbos, a sugestão dos manuais de redação e
estilo é pelo uso dos pretensamente mais neutros como dizer, declarar e afirmar.
Realizamos um levantamento dos verbos dicendi presentes nos editoriais de nosso
corpus e o resultado mostra que essa recomendação também não é seguida pelos
editorialistas da Gazeta do Povo. Dos cento e trinta e quatro verbos introdutores de
discurso relatado, encontramos apenas seis dizer (T-06, T-20, T-23, T-24 e T-32*)
4
, um
declarar (T-07) e quatro afirmar (T-32*, T-36 e T-40). Essas onze ocorrências
correspondem somente a 8,4% dos verbos dicendi presentes em nosso corpus. Como
4
O asterisco indica duas ocorrências no mesmo texto.
62
vimos, os verbos dicendi não só introduzem falas alheias como também veiculam
diversos pressupostos. Portanto, para além do aspecto quantitativo, a baixa
porcentagem dos verbos “aparentemente neutros” demonstra que o editorialista usa em
seus textos verbos que pressupõem uma intencionalidade interpretativa, buscando
conduzir o leitor ao posicionamento por eles pretendido
5
.
Os temas para a composição do editorial e o ângulo de abordagem são definidos
pela pauta, podendo coincidir ou não com as manchetes do dia. O trabalho de
constituição de nosso corpus mostrou-nos que um assunto apresentado em uma
manchete pode ser explorado dias depois, na mesma semana, durante o mês ou
enquanto perdurar sua importância na mídia. Nascimento (2005), embora não afirme
categoricamente a existência da pauta, leva a entender que existe um pequeno grupo
que decide quais serão os temas abordados no editorial. Em suas palavras:
. De um modo geral, os assuntos são definidos pelos próprios
editorialistas ou, eventualmente, pela alta direção.
. Há pelo menos dois critérios gerais que norteiam a escolha dos
assuntos: o primeiro, que os temas sejam oportunos (fatos noticiados
no dia ou em curso durante a semana); segundo, que sejam relevantes
dos pontos de vista político, econômico, social ou comunitário.
Suplementarmente, observa-se também o critério da proximidade isto
é, merecem prioridade os assuntos que, atendidos os pressupostos
anteriores, digam respeito aos interesses mais imediatos do Paraná -
área de circulação do jornal (NASCIMENTO, 2005).
A empresa jornalística Gazeta do Povo acredita que o editorial é o texto de maior
responsabilidade, pois expressa o pensamento do Jornal e não o dos jornalistas que
escrevem. Nascimento (2005) acrescenta que, apesar de os profissionais conhecerem
as políticas editoriais da casa, não está descartada a possibilidade de receberem
5
Na seção 3.4.2 discutiremos mais detidamente os pressupostos veiculados pelos verbos introdutores do
discurso direto e indireto presente em nosso corpus.
63
orientações da direção superior, quanto à abordagem que devem desenvolver em
assuntos específicos.
Para tratarmos da estruturação do editorial da Gazeta do Povo recorremos
inicialmente a Koch (1999), Serafini (1985) e Citelli (1994). Segundo esses autores,
durante uma produção textual pertencente à modalidade dissertativo-argumentativa,
põe-se em prática um processo articulatório que envolve a ordenação de idéias, a fim
de analisar ou discutir fatos, justificando-os e relacionando-os frente à tese proposta.
Figueiredo (1999) corrobora o pensamento dos estudiosos citados e acrescenta que
esse momento pode ser entendido como seqüencial, com as informações ou
pensamentos ali presentes relacionando-se progressivamente uns com os outros,
avançando numa determinada direção. Relembra ainda que os parágrafos dissertativos
expressam uma tese e têm a finalidade de convencer ou aliciar o leitor, por meio de
argumentos no decorrer do texto.
Ainda quanto ao texto opinativo, Platão & Fiorin (2003) enfatizam que a estrutura
textual deve seguir um padrão com início, meio e fim. Atribuem a essas partes o nome
de anunciação, complicação, manipulação e desfecho (sanção).
Mesmo com algumas características que lhe são peculiares, o editorial do jornal
Gazeta do Povo contém uma estrutura aproximada ao artigo de opinião. No
questionário, Nascimento (2005) afirma que, embora o periódico utilize o Manual de
redação e estilo do jornal O Estado de S. Paulo, na produção de seus textos, os
jornalistas da Gazeta do Povo partem “de regras convencionais da redação jornalística
levando em conta o gênero de matérias” que estiver escrevendo. Em resposta à
questão um, Nascimento (2005) entende que para o editorial,
64
a técnica recomendada é dividir o texto em três grandes partes. Na
primeira, apresentamos ao leitor o assunto sobre o qual iremos
tratar/opinar; na segunda, desenvolvemos um raciocínio opinativo em
torno do tema; e, na terceira, apresentamos a conclusão que tiramos do
raciocínio (NASCIMENTO, 2005).
A partir dessa observação, identificamos uma diferença entre o esquema textual
do editorial proposto por Guimarães (1992) e o entendimento da Gazeta do Povo. Para
Guimarães (1992), a estrutura do editorial abarca definição, explanação, avaliação e
conclusão. Já o Jornal não estabelece um momento para avaliação, o que nos leva a
entender que essa categoria ocorra de forma conjunta com a conclusão. A partir do
exposto, quando analisarmos, na seção 3.4.1 deste capítulo, o lugar no qual o discurso
relatado aparece na estrutura do editorial, consideraremos o posicionamento dos
jornalistas da Gazeta do Povo.
Diante das considerações apresentadas, é possível perceber que o editorialista
leva em conta vários quesitos no momento em que formula a opinião oficial da Gazeta
do Povo. Se investigarmos outras empresas jornalísticas, encontraremos variações no
estilo do fazer opinativo bem como no resultado final, pois se existem pessoas
diferentes em cada empresa, há também políticas editoriais com tendências
diferenciadas. Na opinião de Bonini (2002), a questão das divergências
(heterogeneidades nas produções do texto) está relacionada sobre a noção de gênero
que o jornalista carrega internalizada e como ocorre essa aplicação na prática
profissional. Frente a essas questões, é fato que a Gazeta do Povo vem demonstrando
em seus editoriais traços de um estilo próprio ao produzir a opinião oficial do jornal,
justamente pela utilização freqüente do discurso relatado, que se tornou alvo de
investigação científica em nossa pesquisa.
65
3.3 O crescimento econômico nacional e a Gazeta do Povo
O crescimento econômico é um assunto cujas discussões são históricas.
Desperta a atenção da maioria das pessoas, mesmo das que não estão envolvidas com
a política, pois as decisões, que oscilam entre acertos e erros, são tomadas por um
líder (governo) e atingem direta ou indiretamente a população (classe governada).
Os inúmeros fatos positivos ou negativos oriundos dos entraves políticos e
econômicos são veiculados pela mídia impressa, televisiva, virtual, entre outras,
alimentando o elo existente entre imprensa e interlocutor a partir do noticiário. Nesse
sentido, os meios de comunicação estão constantemente pesquisando fatos inerentes à
economia de um estado, de uma nação e mesmo do mundo. Sousa (2004, p. 01)
defende que essas atitudes da mídia se justificam uma vez que as pesquisas partem do
princípio de que “Economia é uma Ciência de fundamental importância para a
humanidade, ao considerar a sua interligação com todos os elementos de um sistema
geral que envolve a política e a economia".
Segundo os registros do compêndio As Grandes Conquistas da Humanidade
6
, no
caso do Brasil, o assunto crescimento econômico toma corpo nas décadas de 40 e 50.
Aos poucos surgiram algumas indústrias, porém dependiam da matéria-prima
importada, máquinas e bens de consumo. A situação se agravou com a II Guerra
Mundial, pois as importações ficaram complicadas e a alternativa idealizada pelo
6
Lançada pela editora Klick, em 2003, essa obra reúne textos históricos que demonstram como cada
período da nossa história foi marcado por descobertas e invenções, desencadeando o processo
gradativo do crescimento econômico do Brasil e do Mundo.
66
governo foi a criação de algumas empresas estatais. Surge nesse momento, no Rio de
Janeiro, a Fábrica Nacional de Motores, a Companhia Siderúrgica Nacional em Volta
Redonda e posteriormente a Petrobrás.
Após a segunda metade dos anos 50, o processo de expansão industrial passou
a ser o carro-chefe da economia do país. Na política desenvolvimentista de Juscelino
Kubitschek, ampliaram-se os serviços de infra-estrutura como transporte e fornecimento
de energia elétrica. Assim, houve um aumento na produção de insumos, máquinas e
equipamentos agrícolas, transporte ferroviário e construção naval.
No início da década de 70, o Brasil tornou-se uma potência emergente, com a
economia apresentando resultados excepcionais e o PIB (produto interno bruto)
crescendo paralelo ao setor industrial. Foi o ápice do crescimento econômico, pois no
final dessa mesma década a situação começou a mudar. Justificada pela crise do
petróleo e a alta internacional dos juros, iniciou-se no país uma desaceleração em
efeito cascata que perdurou até o início da década de 90, apresentando grave
desequilíbrio do país com o pagamento das contas públicas, descontrole irremediável
na inflação, e produção industrial estática. O quadro agravou-se ainda mais com a
abertura econômica, que permitiu a entrada maciça de produtos importados. Desta
forma, o PIB, ao invés de avanço, apresentou queda explicada pelas baixas taxas de
crescimento nos vários setores da economia. Vale lembrar que no início da década de
90 houve, por parte do Governo Collor, uma tentativa de controlar a inflação,
confiscando grande parte do dinheiro que estava nas mãos da população.
67
Mas, somente com a implantação do Plano Real, em 1994, a economia brasileira
começou a reagir, principalmente devido à queda da inflação com a nova moeda. A
inflação é usualmente conceituada como um aumento contínuo no nível geral dos
preços, que pode ocorrer quando há muito dinheiro no mercado, levando à prática do
consumismo. De acordo com a lei da oferta e da procura, começam a faltar alguns
produtos, pois a indústria nem sempre consegue suprir a demanda do consumismo,
iniciando com isso o chamado carrossel da inflação. Houve a necessidade de o governo
interferir, fixando altas taxas de juros para que as indústrias pagassem mais pela
matéria-prima, sendo obrigadas a reajustarem seus preços. Em função dos aumentos
de custo, os produtos finais assustaram um pouco os consumidores e o crediário
começou a ficar inviável diante dos juros altos determinados pelo Banco Central.
Com o poder de compra da população reduzido e com a nova moeda em 1994, a
inflação ficou controlada, a economia apresentava bons índices de crescimento e as
exportações andavam em ritmo acelerado. Isso gerou superávit e um PIB positivo para
o país, ou seja, o Brasil exportou mais do que importou. A partir desse ano, o reflexo
das crises em algumas partes do mundo atingia o Brasil, provocando um novo início de
recessão. O país viveu praticamente uma década oscilando entre juros altos, falta de
política fiscal direcionada aos setores industriais, agrícolas e de serviços, inclusive com
falta de investimentos que revigorassem o crescimento econômico. O resultado dessa
turbulência alternou ciclos de expansão, períodos de estagnação e até mesmo de
contração do PIB.
Diante disso, desde o início do Governo Lula em 2003, tornou-se comum a
referência a uma agenda para o crescimento, nos discursos do presidente. Segundo
68
Jonel Chede
7
, colunista da Gazeta do Povo, essa proposta não é ruim, pois, em meio a
tantas tentativas políticas frustradas para revigorar o crescimento econômico, deve-se
pensar, em primeiro lugar, em reforma política profunda, moderna e democrática, com
ações baseadas em um plano de estudos que contemple medidas para o crescimento.
Salienta o colunista que alguns órgãos representativos de classes produtoras vêm
pensando dessa mesma maneira há algum tempo. A Confederação Nacional das
Indústrias, por exemplo, propôs, ainda em 2002, uma agenda para o crescimento, com
sugestões que apontaram caminhos para desenvolver o país sem perder o rumo da
economia.
Pode-se dizer que concretizou-se no governo Lula uma agenda para o
crescimento, alicerçada em metas, como: políticas voltadas para o social, incentivo ao
primeiro emprego e racionalidade econômica. Isso fica claro no editorial da Gazeta do
Povo veiculado em 12/09/2004, que aborda o crescimento com distribuição
8
. Essas
metas foram positivas, pois, juntamente com as tentativas anteriores ao governo Lula
de colocar o país na rota do crescimento, foram responsáveis, em 2004, por índices
excepcionais de crescimento em todos os setores da economia do país. Foi um surto de
prosperidade que marcou o retorno do país ao processo de crescimento sustentado, já
que o avanço ocorreu em todos os setores da economia.
Este momento histórico, cheio de novidades na vida sócio-político-cultural, além
de comparações amargas com situações vividas pelo país em décadas anteriores,
tornou-se um estopim noticioso que alimentou o jornalismo a partir do segundo trimestre
7
Jonel Chede é ex-presidente da Associação Comercial do Paraná, vice-presidente do movimento Pró-
Paraná e presidente do Conselho Gestor “Centro Vivo”.
8
CRESCIMENTO com distribuição. In: Gazeta do Povo, Curitiba, ano 86, 12 set. 2004. Caderno 1,
Editorial, p.14.
69
de 2004. Diante disso, a imprensa manteve-se fervorosa no trato dessa temática,
devido ao caráter polêmico desse assunto, o que provocou muitas discussões na
sociedade, pois, uma política econômica que aspira por crescimento sustentado
envolve todos os estados de uma nação, além de alguns países parceiros no processo
de exportação/importação.
Aproveitando os altos e baixos da economia e o eufórico surto de prosperidade
para um crescimento sustentado, houve um monitoramento incessante por parte da
mídia em geral, especialmente da imprensa escrita. A partir de constatações reais de
crescimento no PIB do país após longos anos de retração, a imprensa se sentiu
seduzida pela novidade, oferecendo ao seu interlocutor muito mais do que simples
manchetes. Como o cenário estava mudando positivamente, a Gazeta do Povo e
demais jornais brasileiros impressos, veicularam previsões dos seus colunistas,
articulistas, o pensamento do jornal e de autoridades no assunto, incluindo os
governantes.
Os bons resultados de 2004 animaram empresários e investidores a produzirem
mais, já que a taxa básica de juros e a inflação estavam sob controle. O volume de
exportações oriundas tanto do agronegócio quanto da indústria gerou para o país um
superávit que foi usado para diminuir a dívida externa. Com tanta produção, a
arrecadação no âmbito fiscal aumentou o PIB, o nível de emprego voltou a crescer em
todos os setores e, com mais dinheiro no bolso, houve um aumento no poder de
compra da população.
Até o primeiro trimestre de 2005, esse cenário de melhorias manteve-se estável,
apresentando como único entrave para sustentar o crescimento a necessidade de o
Brasil cumprir os “deveres de casa”. Essa questão é preconizada nos editoriais da
70
Gazeta do Povo de 06/08/2004 e de 13/04/2005
9
, uma vez que crescimento econômico
consolidado também implica melhorias na malha rodoviária, investimento no parque
industrial como um todo (portos, embarcações, navios, contêineres e em usinas
hidrelétricas), enfim, uma correção geral em tudo que representasse gargalos
estruturais para a manutenção do crescimento sustentado. Porém, com a crise na
agricultura envolvendo estiagem e chuva em períodos que desfavoreceram o cultivo,
houve novamente o início de uma mudança no cenário até então otimista.
Já no final do primeiro semestre de 2005, o país tornou-se menos competitivo.
Com a queda nas exportações e sem qualquer chance de investimentos, alterou-se o
ciclo da economia interna juntamente como o cenário mundial. Nesse período, alguns
escândalos envolvendo corrupção e a comprovada ineficiência da máquina pública, que
comprometiam empresários e a base governamental, irromperam no país. Daí em
diante a imprensa voltou-se para o monitoramento das inúmeras CPIs, mensalão,
cassações no Congresso, nutrindo um noticiário movido por intermináveis balbúrdias.
Isso provocou um inevitável balanço do ano com queda no PIB de 50% em relação a
2004. Conforme consta no editorial da Gazeta do Povo veiculado em 30/12/2005
10
,
2005 não deixou saudades àqueles que em sã consciência assistiram a esse
espetáculo.
A temática do crescimento econômico é de caráter universal. Segundo o editorial
da Gazeta do Povo de 24/08/2005
11
, notamos que, em nosso país, as discussões do
9
COMO sustentar o crescimento. In: Gazeta do Povo, Curitiba, ano 86, 06 ago. 2004. Caderno 1,
Editorial, p.11; MOMENTO histórico. In: Gazeta do Povo, Curitiba, ano 87, 13 abr. 2005. Caderno 1,
Editorial, p.11.
10
SEM saudades. In: Gazeta do Povo, Curitiba, ano 86, 30 dez. 2004. Caderno 1, Editorial, p.11.
11
BLINDAGEM da economia. In: Gazeta do Povo, Curitiba, ano 87, 24 ago. 2005. Caderno 1 Editorial,
p.11.
71
assunto ocorrem tanto em âmbito governamental como nas instituições que
representam a sociedade organizada. Mesmo assim, percebemos que certa blindagem
da economia é relatada pela Gazeta do Povo e isso desencadeia questionamentos
acerca dos mecanismos utilizados para motivar e sustentar o crescimento. A partir daí,
surgem reações como a tomada de atitudes por parte de autoridades competentes e da
sociedade organizada, provocando um olhar específico da mídia impressa em relação
aos fatos e acontecimentos.
Como as questões econômicas envolvem uma série de fatores internos e
externos, e por isso não denotam fácil entendimento, a Gazeta do Povo apresentou
uma grande quantidade de textos sobre o assunto. O Jornal ressaltou aspectos
relevantes envolvendo a exportação, os juros, a inflação, a correção dos gargalos na
infra-estrutura e os investimentos necessários para superar as metas de crescimento
previstas na agenda do governo Lula.
Considerando os quarenta e um editoriais que compõem nosso corpus, podemos
dividir o desenvolvimento de nosso tema em três momentos: a) a retomada inicial do
crescimento econômico provocou, entre os meses de junho e julho de 2004, a
publicação de oito textos sobre o assunto; b) o desenrolar das discussões sobre o novo
ciclo do crescimento econômico foi mais fértil, levando à produção de doze editoriais
entre os meses de agosto de 2004 a janeiro de 2005; e c) as novidades e incertezas
para uma gestão econômica sustentada, os debates iniciados em fevereiro de 2005
estendendo-se até janeiro de 2006, incitaram à publicação de vinte e uma produções
sobre o assunto.
A leitura dos textos nos leva a perceber que a Gazeta do Povo não é imparcial
no tratamento das questões econômicas, visto que o discurso dos editorialistas
72
demonstra, de forma geral, uma abordagem favorável à condução da política
econômica adotada pelo governo. Embora encontremos nos editoriais algumas
reflexões e argumentos que contestam ações e metas governamentais, no
desenvolvimento da opinião eles são silenciados em favor de certas apologias que
enaltecem a condução política da econômica nacional.
3.4 O discurso relatado na construção do editorial da Gazeta do Povo
Os editoriais que compõem nosso corpus foram organizados estruturalmente
considerando o discurso relatado, que se manifesta sob as formas de discurso direto,
indireto, discurso segundo e comentário sobre a fala. A investigação da presença do
discurso relatado na construção da opinião nos editoriais constitui o objetivo de nossa
pesquisa, pois, como veremos, não se trata de ocorrências isoladas em uma única
parte da estrutura do texto.
No período em que acompanhamos todos os editoriais da Gazeta do Povo para
o estabelecimento do corpus, notamos que, independentemente da temática abordada
no editorial, há ocorrências do discurso relatado funcionando como base para a
construção da opinião. Como já afirmamos na introdução, escolhemos o tema do
crescimento econômico por este permanecer longo tempo na mídia. Durante vinte
meses, o Jornal veiculou quarenta e um editoriais sobre essa temática, e a elaboração
textual da opinião apresenta, na grande maioria, formas do discurso relatado, que
oscilam quanto à quantidade e ao uso. Desse total, apenas sete editoriais não
apresentam formas de discurso relatado em sua materialização. Essa minoria confirma
73
explicitamente a recorrência ao discurso relatado como âncora para a formulação da
opinião.
3.4.1 A posição do discurso relatado no editorial
Como vimos em 3.2 (p. 64), de acordo com Nascimento (2005), na elaboração
dos editoriais da Gazeta do Povo, a técnica recomendada é a divisão do texto em três
grandes partes, apresentando, na primeira, o assunto sobre o qual se vai tratar/opinar,
na segunda, o desenvolvimento de um raciocínio opinativo em torno do tema, e, na
terceira, a conclusão tirada do raciocínio. Esta seção do nosso trabalho objetiva
principalmente mostrar a posição, na estruturação do editorial, das manifestações do
discurso relatado e seu funcionamento na construção da opinião, levando em
consideração a importância de cada parte na organização de um texto de cunho
dissertativo.
Há evidências no corpus de que o discurso do outro possibilita ao editorialista
maneiras diferentes de uso, tanto no momento em que apresenta a sua tese quanto no
desenvolvimento e na conclusão. Sob esse aspecto, a análise do corpus nos permitiu
chegar a três categorias. Na primeira delas, o editorialista utiliza a fala relatada em
discurso indireto já na elaboração do tema sobre o qual vai opinar. Ainda nessa
categoria, em seguida, o editorialista continua lançando mão de formas diversas do
discurso relatado na construção dos argumentos necessários para desenvolver a tese
proposta, direcionando a discussão para a formulação de suas próprias conclusões
74
sobre a tese.
O texto abaixo representa um exemplar da categoria 1 e nos permite visualizar
como a utilização do discurso relatado ocorre nos editoriais pertencentes a essa
categoria. Apresentamos abaixo a legenda das marcações que orientam os aspectos
que queremos ressaltar no texto.
TESE: para demarcá-la, utilizou-se o itálico como estilo da fonte.
DISCURSO RELATADO: o trecho do texto está realçado com tarja cinza.
ELEMENTO/EXPRESSÃO QUE INTRODUZ A VOZ DO OUTRO NO DISCURSO: o trecho
do texto está sublinhado.
T-02 O crescimento chegou
INTRODUÇÃO
(tese apresentada por fala relatada em discurso indireto)
Enquanto o Fundo Monetário Internacional e o G-8 (grupo dos países
mais ricos do mundo) destacam o bom cenário para a economia global,
no Brasil os saldos de exportação e a expansão da atividade industrial
nos quatro primeiros meses do ano confirmam essa previsão favorável. A
avaliação do novo diretor do FMI é que o preço do petróleo não terá
maior influência sobre o desempenho dos países, ao passo que o
governo brasileiro evolui para um grau de coordenação mais elevada, o
que favorece a governança política.
DESENVOLVIMENTO
(desenvolvimento da tese utilizando-se o discurso relatado)
Nessa linha o presidente da República assegurou a um grupo de
senadores o compromisso de estudar uma fórmula para a recomposição
do salário mínimo em níveis adequados à melhoria dos ingressos da
categoria de trabalhadores situada na base da pirâmide econômica. Ao
mesmo tempo, comprometeu-se com os empresários em fazer avançar a
agenda de reformas microeconômicas: lei de falências, parceria público-
privada, lei reguladora do saneamento e a que moderniza o
financiamento da construção civil.
Tais medidas foram reclamadas pelos empresários reunidos na
Associação Brasileira para o Desenvolvimento da Indústria de Base,
sendo vistas como fundamentais para relançar os investimentos. Algo
dessa pressão já começou a render com a aprovação, pelo Senado, da
majoração para 29% do montante de participação dos estados e
municípios nos recursos da Cide, que incide sobre os combustíveis para
financiar a recuperação de rodovias.
75
Em paralelo, o país espera racionalização dos gastos públicos, de
modo a evitar que a contenção geral de verbas orçamentárias afete
setores críticos como a recuperação de estradas, modernização de
portos e outros meios logísticos sem os quais não poderá ampliar
exportações como lembrou o ministro do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio. A propósito desde Paris onde foi lançar uma feira de
amostras de produtos típicos brasileiros em supermercados franceses
o ministro Luiz Fernando Furlan anunciou a previsão de crescimento de
4% no PIB deste ano.
Para um grupo de investidores espanhóis com interesses no país,
mais do que uma expansão de 3,5% ou 4,0%, o importante é crescer de
forma continuada e sustentável. O presidente Lula concorda: “Nosso
desafio era evitar que o Brasil tivesse uma bolha de crescimento, mas
agora ele está na rota certa”. Lula prometeu regras claras ao
empresariado para evitar constrangimentos do passado ou iguais aos
que ocorrem em países vizinhos, forçados a reduzir o ritmo devido a
crises de energia, de financiamentos, etc.
Não é o caso do Brasil, onde a produção cresce há quatro trimestres
seguidos, segundo o ministro da Fazenda. O IBGE confirma expansão de
6,1% no produto industrial para o primeiro quadrimestre do ano,
beneficiando a maioria dos setores, com ênfase em bens voltados para a
exportação e agroindústria, apoiadas por linhas de crédito próprias e
financiamento para bens duráveis. Os segmentos voltados para o
mercado interno produtos farmacêuticos, vestuário, calçados ainda
não se beneficiaram da retomada em função da retração do potencial de
renda, mas a expectativa é também receberem o efeito multiplicador
daquelas categorias mais dinâmicas.
Voltando de evento na África, a economista Eliana Cardoso avalia
que o Banco Central deixou passar oportunidade para uma puxada mais
forte na redução dos juros, que apressaria essa recuperação; agora é
necessário esperar a plena recuperação das turbulências
desencadeadas em abril e maio com as especulações em torno da alta
de juros internos nos Estados Unidos, desaceleração chinesa e
flutuações do petróleo do Oriente Médio.
CONCLUSÃO
(o editorialista assume o dito embasado no discurso do outro)
Devido a circunstâncias próprias o Brasil pode não se converter numa
terra “onde crescer é glorioso” como a China na qual o guindaste das
construções passou a ser tido como o “pássaro nacional” porém um
ambiente estável, com menos impostos e mais poupança, aliado a boa
governança, poderá nos manter no ritmo de crescimento sustentável dos
últimos meses.
(Texto extraído do jornal Gazeta do Povo em 01/06/04 Página Opinião p. 10)
O editorial transcrito acima apresenta, no primeiro parágrafo, a tese de que a
conjuntura econômica favorece a governabilidade, sendo introduzida por fala relatada
76
em discurso indireto. A tese é formulada por arrazoado por autoridade, visto que o
editorialista utiliza o Fundo Monetário Internacional, seu novo diretor e o G-8 para
assegurar o bom cenário para a economia global. Dada a complexidade de uma análise
da conjuntura econômica mundial, o editorialista não se arrisca a assumir, por si
mesmo, a avaliação positiva da economia global, atribuindo-a às organizações e a um
diretor de renome incontestável. Como a tese é a proposição que vai ser tratada ou
demonstrada, é a primeira asserção colocada ao leitor, recorrer ao discurso do outro
para formulá-la significa que a argumentação parte de um discurso alheio. Em outras
palavras, como o editorial expressa, segundo a Gazeta do Povo, “invariavelmente o
pensamento do jornal” (NASCIMENTO, 2005), a formulação da tese apoiada na fala
relatada implica o entendimento de que o Jornal constrói seu posicionamento,
alicerçando-o em posições alheias.
A tese é desenvolvida por cinco argumentos favoráveis à posição governista e,
também, por três argumentos que denotam alerta à euforia do processo de
desenvolvimento do país.
O primeiro argumento, centrado no parágrafo segundo, expressa que o governo
tem compromisso com empregados e empregadores, sendo iniciado pelo verbo dicendi
assegurou, que desempenha a função de dar maior certeza à tese. A expansão desse
argumento gera um comentário que reforça a idéia de que o governo tem demonstrado
engajamento com os dois setores do trabalho: a classe patronal e a sindical. O
editorialista prossegue com o segundo argumento, alertando que é preciso investir em
infra-estrutura, uma vez que a população deseja racionalização dos gastos públicos. No
entanto, o verbo dicendi anunciar retoma a voz governista (Ministro Furlan), que insiste
na previsão de crescimento de 4% do PIB, constituindo o terceiro argumento favorável
77
à tese. O quarto argumento, introduzido por discurso segundo e reforçado por discurso
direto do presidente Lula, diz respeito ao alerta de que o crescimento deve ser
sustentável. O verbo dicendi concordar que anuncia o discurso do presidente sugere
compromisso em otimização da conjuntura econômica. Essa intenção é reforçada pelo
quinto argumento, introduzido em discurso segundo, relatando que, a partir de dados
oficiais do (IBGE), o Brasil se diferencia dos outros países que experimentaram o
insucesso por falta de uma política econômica sustentável. Por fim, em discurso
indireto, o sexto argumento critica, em tom de alerta, os juros altos que não baixaram no
momento certo, impedindo que a economia atingisse um patamar mais estável.
Devemos ressaltar que todos os argumentos utilizados no desenvolvimento do
raciocínio opinativo em torno do tema também foram elaborados a partir do arrazoado
por autoridade. Cada argumento baseia-se em vozes de autoridades, facilmente
identificáveis no texto:
. argumento 1: Presidente Lula
. argumento 2 e 3: Ministro do Desenvolvimento Indústria e Comércio Luiz
Fernando Furlan
. argumento 4: grupo de investidores espanhóis e Presidente Lula
. argumento 5: Ministro da Fazenda
. argumento 6: economista Eliana Cardoso
Como vimos, essa forma de argumentar por autoridade significa trazer para o
seu discurso a voz do outro como sendo um ser competente ou autoridade naquilo que
profere. A autoridade do presidente Lula e dos ministros é indiscutível, pois ocupam os
mais altos cargos administrativos do país; aos investidores espanhóis é atribuída a
competência pela natureza internacional de seus negócios; já a construção da
78
competência da economista é dada por sua participação no “evento na África”.
Considerando que nessa parte da estrutura do editorial se desenvolve o ponto de vista
para tentar persuadir o leitor e que, argumentativamente, o arrazoado por autoridade
funciona como uma autorização, ou, mesmo, uma obrigação de se concluir a partir das
proposições apresentadas, ao utilizar esse mecanismo argumentativo, o editorialista
desloca do jornal para as autoridades citadas a responsabilidade da formação do
posicionamento do leitor.
Na conclusão, o editorialista assume o dito, mas embasado no discurso do outro.
Nessa parte do texto, o jornalista reconhece alguns problemas/entraves, levantados a
partir do discurso relatado, para o crescimento nacional, porém, retoma a tese de que a
conjuntura econômica é fator primordial à governabilidade. Para tanto, ressalta que a
estabilidade do país, aliada à boa governança, é a receita para o crescimento
sustentável.
Os textos da categoria 2 demonstram outras combinações no uso do discurso
relatado direcionadas à tese e à conclusão. A tese é elaborada pelo próprio editorialista,
sem a recorrência à voz alheia. Em seguida, o locutor utiliza os mesmos procedimentos
da categoria 1: recorre ao discurso do outro para desenvolver a tese, encaminhando a
discussão rumo à conclusão do texto. Mas nessa segunda categoria, a conclusão é
formada pela seleção do discurso relatado. Para ilustrar melhor esses casos,
observemos o texto seguinte, respeitando a seguinte legenda:
TESE: para demarcá-la, utilizou-se o itálico como estilo da fonte.
DISCURSO RELATADO: o trecho que está realçado com tarja cinza.
ELEMENTO/EXPRESSÃO QUE INTRODUZ A VOZ DO OUTRO NO DISCURSO: o
trecho do texto está sublinhado.
79
T-12 O dilema inflação-crescimento
INTRODUÇÃO
(tese elaborada pelo editorialista)
Na reunião que começa amanhã, o Banco Central poderá elevar o
juro básico entre 0,25% e 0,5%, segundo expectativa dos agentes
econômicos, para controlar a escalada inflacionária, que, em agosto, em
Curitiba, subiu 1,38% e, no país, foi de 0,69%. Embora menor do que
julho, que fechou em 0,91%, no ano, esse índice da inflação oficial já
acumula majoração de 5,14%, aproximando-se da meta inflacionária
para 2004, de 5,5%. Porém, ao elevar a taxa de juros, o comitê de
Política Monetária do BC pode abortar a retomada do crescimento.
DESENVOLVIMENTO
(desenvolvimento da tese utilizando-se o discurso relatado)
Esse é um dos problemas recorrentes da economia brasileira, que,
segundo alguns economistas, “ficou viciada em inflação”. Basta leve
expansão da atividade para se acumularem pressões altistas,
reclamando controle. Para o índice de 0,69% em agosto influíram preços
do álcool e açúcar, de alimentos (verduras, legumes e frutas afetados
pelo inverno), e preços administrados (telefone, energia, etc.). Em
Curitiba tais fatores foram mais críticos, devido à dependência de
legumes de fora durante o inverno. elevando o IPCA para 1,38%.
Também mostraram aceleração índices como o IGP-DI (alta de
1,31% em agosto, ante 1,14% em julho), o INPC e, sobretudo, a primeira
prévia de setembro para o IGP-M, com mais 0,35% (refletindo preços no
atacado). Porém, analistas da fundação Getúlio Vargas não vêem a
inflação fora do controle: os preços industriais tendem a se normalizar
daqui para o fim do mês (em função da estabilidade cambial), os preços
de alimentos sazonais tomate, verduras, etc. já tiveram seu pico de
alta e o núcleo da inflação se revela estável; tanto que os preços de
varejo recuaram.
Todavia, focos de preocupação persistem, entre eles a questão do
petróleo e a necessidade de cumprir metas inflacionárias apertadas.
(5,5% neste ano e 4,5% para o próximo); sendo que a variação do IGP-M
já carecia para 2005 em reajuste de 2,5% a 3% via preços administrados.
Por isso os mercados financeiros encerraram a semana sob expectativa
de elevação da taxa de juros, na reunião desta semana do Comitê de
Política Monetária: a Bolsa de Valores de São Paulo fechou com perdas,
acumulando índice negativo de menos 1,2% no ano, a cotação do dólar
subiu e o risco-país caiu dois pontos no fechamento de sexta-feira.
Mas há quem se oponha a esse conservadorismo monetário, que
subordina o país a um ciclo de “go and stop” passível de abortar a
incipiente retomada. O novo presidente da Federação das Indústrias de
São Paulo, Paulo Skaff, propõe que o Banco Central passe a realizar
suas reuniões como o Federal Reserve dos Estados Unidos, a cada dois
80
ou três meses, sob o argumento de que elas exercem um efeito
paralisante sobre a economia.
O professor Ricardo Carneiro, da Unicamp, sem deixar de reconhecer
a necessidade de controle da inflação, propõe que a autoridade
monetária encontre outras maneiras de enfrentar o problema: revisando
contratos de preços administrados (que indexados à variação do IGP-M,
reproduzem a inflação passada), melhorando a oferta de crédito e,
sobretudo, estimulando a produtividade e a oferta de bens e serviços
de forma a conter movimentos de recomposição de margem. Porque
acrescenta o professor Tarcísio Santos, da Fundação Armando Álvares
Penteado com a subida dos juros a eventual pressão inflacionária
muda o sinal, de inflação de demanda para de custo, configurando
contenção da economia.
CONCLUSÃO
(a opinião é formada pela seleção do discurso relatado)
O diplomata e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero, argumenta
que o Brasil vive a síndrome da economia de escassez: em vez de
estimular a ampliação da oferta de bens e serviços que fez a
prosperidade de nações como os Estados Unidos nossos técnicos
preferem puxar o freio de mão, havendo inclusive propostas em Curitiba
pela volta do controle de preços. Em vez disso, a União Européia acaba
de se reunir para estudar um novo mecanismo de estabilização, já que o
pacto de disciplina fiscal rígida adotado no Tratado de Maastritch
inviabilizou o crescimento do bloco.
(Texto extraído do jornal Gazeta do Povo em 13/09/04 Página Opinião p. 10)
Assim como em todos os textos da categoria 2, a tese é elaborada pelo próprio
editorialista sem recorrer ao discurso relatado para compô-la. O desenvolvimento do
editorial é marcado pela retomada em discurso direto e indireto de falas de autoridades
no assunto.
A tese de que a elevação da taxa de juros para controlar a inflação pode abortar
a retomada do crescimento foi formulada pelo editorialista no primeiro parágrafo. O seu
desenvolvimento é feito pelo encadeamento de quatro argumentos. No primeiro, tem-se
em discurso segundo uma reflexão que envolve o senso comum de “alguns
economistas”, os quais afirmam que o problema da economia brasileira está no vício
81
inflacionário. O segundo argumento questiona a existência descontrolada da inflação,
conforme analistas da Fundação Getúlio Vargas. Introduzido pelo verbo dicendi ver,
reforça a tese de que a elevação da taxa de juros, além de desnecessária, poderia
provocar estagnação econômica. O terceiro argumento, em defesa da tese, surge como
uma proposta de estudo para o controle inflacionário, a exemplo da instituição
americana “Federal Reserve”. Iniciado pelo verbo dicendi propor, o argumento do
presidente da Federação das Indústrias de São Paulo, Paulo Skaff é uma crítica à
possível elevação da taxa de juros, tendo em vista que nos Estados Unidos a falta de
organização bancária em determinado momento, provocou a “paralisia” da economia.
Sem descartar esse alerta, o quarto argumento, que une as idéias do professor Ricardo
(Unicamp) e Tarcísio (Fundação Armando Álvares Penteado), parágrafo sexto, defende
a idéia de que há que se controlar a inflação adotando-se diversas maneiras, menos a
de elevação da taxa de juros. Percebemos que o argumento de Ricardo é introduzido
pelo verbo dicendi propor, já o de Tarcísio, inicia-se com o discurso direto sem o uso de
verbo dicendi.
Frente aos argumentos expostos, a conclusão é formada pela seleção do
discurso do diplomata e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero, sob o argumento de
que é preciso incorporar outra forma de estabilidade que não gere estagnação. Esse
argumento retoma a tese ao mencionar que o país sofre da economia de escassez
(conservadorismo monetário). Isso sugere a crítica de que a falta de uma política
planejada gera instabilidade nacional, perdurando o dilema inflação-crescimento.
Nota-se a preocupação do jornal em construir a imagem de competência das
pessoas cujas falas são citadas, seja pelos cargos que ocupam, seja pelas instituições
às quais pertencem. Assim, na perspectiva de Maingueneau (1993), o leitor tende a crê
82
na verdade ou na verossimilhança da proposição, pois as pessoas, por serem
especialistas no assunto, muito provavelmente não se enganaram naquilo que
disseram.
A presença do arrazoado por autoridade no desenvolvimento e na conclusão é
de fundamental importância nos efeitos persuasivos do editorial, pois no
desenvolvimento são ordenadas as idéias a fim de analisar ou discutir os fatos,
justificando-os e relacionando-os frente à tese proposta. A conclusão por sua vez,
representa o fecho da discussão. Logo, a presença do discurso relatado nesses
momentos tem a função de convencer ou aliciar o leitor a aderir à tese proposta, por
meio da autoridade conferida a essa voz alheia que constitui o discurso citado.
Os textos que representam essa categoria não apresentam conclusão
explicitando a voz do Jornal bem como seu ponto de vista (apreciação) sobre os pontos
debatidos. Isso denota que há afinidades opinativas entre a Gazeta do Povo e o
discurso do outro. A voz do Jornal e suas conclusões estão implícitas, sugerindo ao
interlocutor que a opinião relatada no discurso do outro seja, por adesão, a opinião do
Jornal.
Há ainda uma terceira possibilidade de construção da opinião nos editoriais da
Gazeta do Povo. Os textos da categoria 3 se distanciam da maioria dos editoriais
veiculados por essa empresa jornalística e representam a quantidade de sete editoriais
nos quais a estrutura utilizada pelo jornalista não repete o estilo encontrado nos outros
trinta e quatro que também compõem o corpus. Na tese, no desenvolvimento e na
conclusão o editorialista não utiliza o discurso do outro para formular sua opinião, muito
menos para emitir suas conclusões. Nessa categoria o editorialista assume o dito, se
expõe ao argumentar ou contra-argumentar em favor de sua tese e conclui
83
evidenciando a opinião do jornal. Observemos o texto seguinte com uma legenda
própria para essa categoria:
TESE: para demarcá-la utilizou-se o itálico como estilo da fonte.
ARGUMENTO FAVORÁVEL: o trecho do texto está realçado com tarja cinza.
CONTRA-ARGUMENTO: o trecho do texto está envolvido por borda externa
TOMADA DE POSIÇÃO E ANÁLISE: o trecho do texto encontra-se sublinhado.
CONCLUSÃO: o trecho do texto está em negrito.
T-30 O crescimento das exportações
INTRODUÇÃO
O melhor resultado da história das exportações brasileiras foi
registrado em abril último, quando o saldo comercial atingiu US$ 3,876
bilhões apesar da valorização da nossa moeda, fator sempre apontado
como um entrave para a expansão das vendas externas. Em relação ao
mesmo mês de 2004, o crescimento foi de quase 100%.
DESENVOLVIMENTO
No primeiro quadrimestre de 2005 o superávit alcançou a cifra de
US$ 12 bilhões, valor 50% maior do que o registrado no mesmo período
do ano passado. Esses dados, divulgados segunda feira pelo Ministério
do Desenvolvimento, confirmam a existência de uma forte e sólida
tendência de crescimento da participação nacional nos mercados
mundiais.
O exame dos números leva-nos a acreditar que o país poderá até
superar a projeção inicial de exportar US$ 111 bilhões até o fim deste
ano, com um saldo de US$ 34 bilhões. No começo do ano, a previsão
era de US$ 26 bilhões. O otimismo tem fundamento, pois baseia-se nos
sinais evidentes de que os produtos brasileiros, mesmo com a
desvalorização do dólar, ainda mantêm preços competitivos. Além disso
o que é mais importante para explicar o nosso progresso no setor -,
assiste-se a uma notável mudança na cultura do empresariado
brasileiro, que passou a encarar a busca de novos mercados e as
exportações como uma estratégia vital para o seu desempenho.
Todos esses sintomas positivos, no entanto, não significam que o
Brasil já está pronto para firmar-se como uma grande potência do
comércio internacional. Ainda ocupamos a 40ª posição no ranking e
participamos com apenas pouco mais de 1% dos volumes globais.
Somos, portanto, um modesto participante.
84
Mas, dentre quase todos os países do mundo, somos um dos que
apresentam o maior potencial de crescimento, dadas as nossas
condições naturais propícias à produção de bens exportáveis de origem
agropecuária e mineral, além de possuirmos uma base industrial em
processo de modernização.
Há, no entanto, gargalos que precisam ser superados, de modo,
sobretudo, a melhorar a competitividade dos nossos produtos. Tais
gargalos encontram-se em fatores como oferta de crédito para
investimentos, o custo do dinheiro (juros altos), a elevada carga
tributária, os baixos níveis tecnológicos e de valor agregado dos nossos
produtos e uma infra-estrutura pública incompatível com o esforço
exportador. Somados, esses entraves significam um considerável peso
sobre o preço final das nossas mercadorias em prejuízo de seu poder de
competição.
A diferença é notável, por exemplo, quando se trata da questão do
crédito. Aqui, o volume de crédito ofertado ao setor privado é de 25% do
PIB, enquanto que nos países industrializados chega a ser de 85%.
Dinheiro escasso e juros altos (no Brasil, juros reais de 37% ao ano
contra uma média em países industrializados de 5,5% ao ano) entravam
a expansão da produção e a agregação de tecnologia moderna dentro do
ritmo desejável. Como conseqüência imediata, decresce também a
possibilidade de criação de empregos e de aumento da base
consumidora interna.
A infra-estrutura pública principalmente rodovias, ferrovias e portos é
outro fator que conspira contra um ainda melhor desempenho do país no
mercado mundial. Transportes ruins e ineficientes aumentam o preço
final da produção e, por conseguinte, prejudicam o seu poder de
competição em relação aos concorrentes mais bem aparelhados.
CONCLUSÃO
Temos motivos de sobra para comemorar bons resultados que a
balança comercial vem apresentando. Mas eles servem também
para nos lembrar que podemos avançar ainda mais se forem
superados os entraves que mencionamos.
(Texto extraído do jornal Gazeta do Povo em 04/05/05 Página Opinião p.11)
Os textos da categoria 3 se aproximam da produção textual sugerida pelos
manuais de redação e estilo, que apresentam normas para um discurso analítico e
persuasivo, já que representam a opinião oficial do jornal enquanto empresa.
85
Como é possível perceber a partir dos destaques (itálico, tarja cinza, borda
externa e sublinhado), há nos textos que o editorial acima ilustra, a apresentação da
tese, dados que garantem a discussão e análise por meio de argumentos favoráveis e
contra-argumentos e a conclusão resultante da tomada de posição do editorialista. A
tese de que, apesar da valorização do real as exportações vêm crescendo, apresentada
no parágrafo primeiro, é desenvolvida linearmente por meio de argumentos favoráveis,
contra-argumentos e tomada de posição/análise. O primeiro argumento expande a tese
a partir de dados representativos, confirmando que uma economia sólida possibilita o
crescimento da participação nacional nos mercados mundiais. Nesse sentido, o
segundo argumento menciona que empresários encorajados pelas mudanças
econômicas positivas estão mudando suas visões comerciais e buscando novos
mercados internacionais. Já o terceiro argumento, em tom de alerta, ressalta que ainda
somos um modesto país participante do comércio internacional. De igual modo, o
quarto argumento apresenta uma visão analítica positiva a respeito do potencial de
crescimento nacional.
Ao mesmo tempo em que vem se valorizando o tema relativo ao potencial de
crescimento de bens exportáveis, o quinto argumento traz uma reflexão aguçada sobre
o crescimento das exportações, considerando a elevada carga tributária e a falta de
infra-estrutura pública, que não condizem com o esforço do empresariado local. Além
disso, o sexto argumento reforça a diferença entre o Brasil e outros países
industrializados, uma vez que temos juros altos e dinheiro escasso, prejudicando o
consumo interno e a criação de empregos. O sétimo argumento, na mesma direção do
86
argumento quinto (que trata das mazelas no processo de crescimento) chama a
atenção para a falta de infra-estrutura pública, pois isso é fator prejudicial ao
desempenho do país e põe em risco o crescimento sustentado das exportações.
A conclusão é uma retomada da idéia concessiva (apesar da valorização do real,
as exportações vêm crescendo) que define a tese. O argumento conclusivo apresenta a
idéia de que estamos bem, mas podemos melhorar muito mais.
Os textos que pertencem a essa categoria são marcados pela presença
discursiva do editorialista, procedimento que demonstra a voz opinativa do jornal sobre
o tema em discussão. A ausência do discurso relatado denota maior compromisso do
editorialista no trato da questão e na emissão de juízo, implicando maior exposição do
locutor frente aos argumentos encadeados para desenvolver e concluir a tese proposta.
Apresentamos a seguir um quadro-síntese das três categorias que configuram
nosso corpus bem como o enquadramento dos textos nas respectivas categorias.
Quadro 1 Categorias elaboradas a partir da posição do discurso relatado na
estrutura do editorial
PROCEDIMENTO ADOTADO PELO
EDITORIALISTA
TEXTO EM QUE OCORRE A
INCIDÊNCIA
TOTAL
CATEGORIA 1
Tese definida por fala relatada em
discurso indireto, desenvolvimento em
discurso relatado e conclusão
elaborada com base nas discussões
proporcionadas pelo discurso do outro;
(o editorialista assume o dito).
02, 03, 05, 07, 08, 09, 10, 11, 13
14, 15, 17, 18, 19, 20, 21, 23, 24
26, 29, 27, 32, 33, 34, 36, 37, 39
27
87
CATEGORIA 2
Tese definida pelo editorialista sem
discurso relatado, desenvolvimento e
conclusão com discurso relatado.
01, 04, 06, 12, 34, 40, 41
07
CATEGORIA 3
Tese, desenvolvimento argumentativo/
opinativo e conclusão sem ocorrência
do discurso relatado; (formato
convencional para editoriais sugerido
pelos manuais de redação).
16, 22, 25, 27, 28, 30, 38
07
Veremos, a seguir, como se presentificam as manifestações do discurso relatado
e suas marcas na organização dos editoriais da Gazeta do Povo.
3.4.2 As manifestações e as marcas do discurso relatado no editorial
Até o momento, o enfoque dado ao discurso relatado considerou principalmente
a estruturação do editorial, sem nos determos especificamente na explicação de suas
formas de manifestação. Porém, no corpus, o discurso relatado, distribuído nos trinta e
quatro textos, manifesta-se em discurso direto, indireto e comentário sobre a fala. Além
dessas formas diferenciadas, há outras importantes marcas relacionadas à polifonia nos
editoriais, emaranhadas entre a fala citada e o discurso do editorialista, como o
aspeamento e os verbos dicendi e discurso segundo.
88
Diante disso, as demonstrações seguintes não representam a análise de um
texto completo, uma vez que esse procedimento será efetuado em um editorial no
tópico 3.4.3; neste momento, voltamos nosso olhar para as manifestações do discurso
relatado e suas marcas, apresentando uma visão geral desses procedimentos
discursivos e suas funções nos editoriais do corpus. Os exemplos analisados foram
retirados do corpus por amostragem, de acordo com sua caracterização e sua função
nos textos.
No caso do discurso direto, o corpus demonstra que sua utilização gráfica ocorre
de duas maneiras: a) marcado de forma convencional pelo uso das aspas
representando a fala do outro; e b) marcado apenas pelos dois pontos, que chamam a
voz citada representando o núcleo conteudístico do que foi dito.
O texto T-09 “Como sustentar o crescimento” é um bom exemplo das
manifestações de discurso direto em sua materialização:
O professor Yoshiaki Nakano, diretor da Escola de Economia da
Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, diz que “precisamos nos
libertar do terrorismo da ameaça de inflação, que perde o sentido em
uma economia aberta, com responsabilidade fiscal e onde a política
monetária precisa exibir eficiência na aplicação equilibrada de seus
instrumentos”. (T-09)
Na sua argumentação, o locutor recorre ao discurso de um economista
renomado, professor Yoshiaki Nakano, para reforçar a tese discutida no texto de que
mais importante do que projetar um crescimento elevado para a economia nacional é
criar estratégias para sustentá-lo. Utiliza a frase introdutora do discurso direto não só
para introduzir a voz alheia, com o uso do verbo dicendi diz (aparentemente neutro em
relação à veiculação de algum pressuposto), mas também para demonstrar a
89
competência da fonte do discurso citado: diretor da Escola de Economia da Fundação
Getúlio Vargas em São Paulo. Vimos com Benites (2002) que, para os leitores
admitirem a veracidade ou a verossimilhança dos argumentos oriundos do arrazoado, é
importante que a autoridade do discurso citado seja por eles conhecida. É pouco
provável que os leitores conheçam o professor Nakano, no entanto, a Escola de
Economia da Fundação Getúlio Vargas é nacionalmente reconhecida como uma das
melhores do país. Ao predicar o professor como diretor dessa Escola, a força
argumentativa do arrazoado é garantida.
Além do uso do verbo dicendi, a mudança de locutor é sinalizada graficamente
pelas aspas. O aspeamento aqui também nos remete à idéia de uma possível fidelidade
intencional por parte do editorialista, uma vez que o argumento de Nakano funciona no
texto como uma receita favorável à tese proposta no editorial. Assim, ao utilizar o
discurso direto aspeado, o locutor citante dá a entender ao leitor que está
transcrevendo o enunciado do outro tal como foi formulado, como se houvesse uma
correspondência literal termo a termo, o que, obviamente, aumenta a força
argumentativa do dito. No entanto, essa é só uma ilusão de objetividade, pois, como
ressaltam Maingueneau (1996) e Ducrot (1987), o simples uso do discurso direto não
garante essa fidelidade.
A partir de nossa proposta de analisar a polifonia de locutores, podemos afirmar
que o aspeamento, em nosso corpus, aparece sempre relacionado ao discurso direto e
desempenha as funções mostradas no fragmento acima de indicar a mudança de
locutores e atribuir fidelidade ao discurso relatado.
Há outros casos de aspeamento no corpus, mas não se relacionam diretamente
com nossa proposta de trabalho. Como afirma Maingueneau (1993), as aspas são um
90
sinal construído para ser decifrado pelo leitor. Pelo seu uso, sinaliza-se que
determinada palavra ou seqüência de palavras não pertence totalmente ao mesmo
discurso, tendo sido deslocada de seu discurso originário e inserida ou acoplada em
outro espaço, outro discurso. O autor explica que é possível encontrarmos na
linguagem palavras entre aspas que não se relacionam ao discurso direto, significando
apenas a sinalização de ênfase, ou, particularmente, demarcando a palavra como
pertencente a uma língua estrangeira ou a um vocabulário especializado. Esses casos
aparecem em grande número em nosso corpus, mas por não constituírem
manifestações de falas relatadas, não nos deteremos neles. Somente a título de
exemplificação, citamos: “audaciosos” (T-15); “a arma do gás” (T-39); “risco Brasil”
(T-06); “Federal Reserve” (T-05); spread (T-01); “expert” (T-33); “commodities” (T-23);
“países-baleia” (T-26); “onça” e “Tigres Asiáticos” (T-41).
Após esses exemplos que envolvem a questão do aspeamento em vários casos,
vale ressaltar que as aspas utilizadas para demarcar a fala do outro em discurso direto
ocorrem nos editoriais da Gazeta do Povo de forma bastante freqüente. Dos quarenta e
um editoriais que compõem o corpus, registramos vinte e dois textos com marcas do
discurso direto. Desses, dezesseis textos apresentam o uso das aspas na constituição
do discurso direto e apenas seis veiculam o discurso direto sinalizado apenas pelos
dois pontos, como vemos no seguinte fragmento:
Esta introdução vem a propósito de duas revelações feitas ontem. A
primeira é do ministro da Fazenda, Antonio Palocci. [...] A outra provém
de estudo do IBGE que conclui: o crescimento da arrecadação no ano
passado decorreu mais por conta do melhor desempenho da economia
brasileira do que em função da criação de novos impostos ou do
aumento de algumas alíquotas. (T-24)
91
A marcação da mudança de locutor dá-se aqui pelo uso da forma verbal conclui
e pelos dois pontos. Embora o discurso citado não esteja aspeado, não podemos
considerar o discurso relatado como uma manifestação do discurso indireto, pois não
há dependência sintática entre a frase introdutora e a reprodutiva. Para Maingueneau
(1993), os enunciados relatados em discurso direto são colocados entre aspas com o
objetivo de marcar sua alteridade, mas esta já é claramente manifestada pela ruptura
sintática entre o discurso citante e o citado. Além da ruptura sintática, os dois pontos
levam o leitor a realizar uma pausa mais ou menos acentuada (Risso, 1978), que
também indicam, no fragmento, a mudança de locutores.
A citação em discurso direto traz a conclusão do estudo do IBGE que reforça o
posicionamento do Jornal apresentado na tese de que o peso excessivo dos impostos
impede o desenvolvimento do país. Embora em estrutura de discurso direto, o caráter
de afirmação definitiva que o verbo dicendi carrega consigo e a ausência de aspas
levam à compreensão de que o editorialista adaptou o discurso do estudo do IBGE para
fundamentar sua tese. O uso feito pelo editorialista do discurso direto nesse fragmento
corrobora a afirmação de que essa forma de discurso é uma encenação, na qual o
locutor faz falar um outro, atribui-lhe a responsabilidade da fala, mas, como já dissemos
na análise do exemplo anterior, isto não implica uma correspondência efetiva ao
discurso citado.
Já o discurso indireto é uma estratégia a que o editorialista recorre porque, na
condição de locutor responsável pelo enunciado, formula sua opinião embasada na
interpretação da fala do outro. Nesse sentido, concordamos com Benites (2002, p. 60),
por ressaltar que no discurso indireto o locutor citante pode ser entendido “como um
tradutor que faz uso de suas próprias palavras para transmitir idéias de outro”.
92
Exemplos dessa ocorrência permeiam todo o corpus. Levando-se em conta que
o estilo indireto se faz presente na maioria dos editoriais da Gazeta do Povo, uma vez
que o editorialista interpreta o discurso do outro para formular sua opinião, destacamos
duas incidências relevantes no texto T-29 “O Brasil precisa crescer”, nos parágrafos
segundo e terceiro. Vejamos como o editorialista faz uso de suas próprias palavras para
transmitir idéias de outro:
Analisando o último levantamento do Fundo Monetário Internacional, o
economista Júlio Almeida, diretor do Instituto de Estudos para o
Desenvolvimento Industrial, mostrou que no triênio 2003-05, enquanto a
China crescia 9,1% na média anual; a Índia, 7,2%; a Rússia, 6,8%;
entre outros, o Brasil só avançou 1,7%; ... (T-29)
Especialistas brasileiros admitem que neste ano o crescimento chegará
a 3,5%, enquanto o governo sustenta um índice da ordem de 4%.
(T-29)
Em termos formais, as frases reprodutivas vêm sintaticamente subordinadas,
pelo uso da conjunção integrante que, às frases introdutoras, traço caracterizador do
discurso indireto. O uso da forma indireta permite ao jornalista restringir-se ao conteúdo
da fala, sem se preocupar com outros aspectos da enunciação original.
O editorialista escolhe verbos dicendi que trazem como pressuposto a marcação
do ponto de vista dos enunciadores face ao que dizem, atribuindo aos locutores citados
a veracidade dos dados estatísticos apresentados. Mais uma vez, a construção
argumentativa se dá a partir do arrazoado por autoridade, apresentando o outro como
sendo um ser competente e/ou autoridade naquilo que profere: o economista Júlio
Almeida, diretor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial e
Especialistas brasileiros. Os conteúdos das falas relatadas corroboram a tese de que
93
empresários e especialistas avaliam que, embora já se registre um crescimento, o Brasil
precisa ainda aumentar o PIB (Produto Interno Bruto). Esses argumentos apresentados
em discurso indireto funcionam como um gancho para apresentar progressivamente
outras opiniões sob a forma de discurso relatado diluídas no texto, como, por exemplo,
a do empresário/colunista Antonio Ermínio de Moraes, exposta em discurso direto no
final do terceiro e início do quarto parágrafo:
(...) a expansão poderia ser maior, “levando em conta os recursos que
temos, o excepcional potencial em produção de energia renovável e a
exploração da área agrícola”, observa o empresário Antônio Ermírio de
Moraes, em artigo nesta Gazeta do Povo. Para esse líder de um grupo
ligado à produção de bens industriais, “nosso PIB deveria ser, no
mínimo, 5% do PIB mundial”... (T-29)
O comentário sobre a fala é um outro recurso que auxilia o editorialista na
construção da opinião. Como exemplo, temos a presença dessa manifestação no texto
T-14 “Balanço positivo”, que demonstra já na introdução o comentário sobre a opinião
do presidente Lula frente ao momento econômico positivo em que o país se encontra:
A última reunião ministerial do ano, realizada na Granja do Torto sexta-
feira, foi marcada por uma nova manifestação de otimismo do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Embora tenha frisado que sua
intenção não era a de fazer um discurso triunfalista ou
autocomplacente, ele enalteceu os resultados alcançados por sua
administração, próxima de completar 2 anos, e lançou um olhar positivo
para o futuro. (T-14)
Seguindo a perspectiva de Benites (2002), a partir do comentário sobre a fala, o
editorialista traz para o texto não um ato de elocução particularizado - por exemplo, um
fragmento do discurso do presidente Lula -, mas a unidade de sentido de todo o
94
discurso proferido por ele. No texto, a escolha da forma verbal enalteceu pelo
editorialista não é aleatória, pois faz recair sobre o presidente um tom ufanista e
condescendente que o próprio Presidente Lula parecia querer evitar. Os resultados
enumerados pelo presidente e as projeções para o futuro não são elencados, mas
sintetizados nas expressões resultados alcançados e olhar positivo para o futuro. Por
isso é que essa variação de retomada da fala alheia se diferencia, por exemplo, do
discurso indireto, que, por sua vez, prende-se a um determinado ato de elocução
narrado.
O assunto colocado pelo comentário inicial é expandido nos demais parágrafos,
inclusive com a utilização de outras manifestações de discurso relatado. Portanto, neste
editorial, a função do primeiro comentário de fala no texto é a de preparar o interlocutor
para os argumentos que serão apresentados no desenvolvimento textual.
A análise desse e de outros exemplos presentes no corpus nos permite afirmar
que o comentário sobre a fala nos editoriais da Gazeta do Povo funciona como um
recurso que contribui para progressão do texto, auxilia na construção da opinião e
possibilita que o editorialista apresente suas conclusões valorativas sobre o tema.
Em nosso corpus, os verbos dicendi são utilizados pelo editorialista para inserir o
discurso relatado na composição do editorial. Maingueneau (1993) ressalta que no
entendimento de Charolles, além de um verbo dicendi remeter ao valor de verdade, à
posição cronológica e ao ponto de vista emprestado ao enunciador, existe uma quarta
possibilidade: a dos verbos que remetem a uma hierarquia intersubjetiva, como
ordenar, solicitar, suplicar, por exemplo. No entanto, esta última categoria não se faz
presente em nosso corpus, talvez pela própria natureza que a linguagem jornalística
95
assuma na construção da opinião, exemplificada nesta pesquisa pelo editorial.
Constatamos que, dos cento e trinta e quatro verbos dicendi que compõem o corpus,
sessenta e sete remetem ao valor de verdade do enunciado citado, representando
51,5% do total; onze remetem à posição cronológica e simbolizam apenas 7%;
cinqüenta e seis remetem ao ponto de vista emprestado ao enunciador, o que resulta
em 41,5%. Vejamos a seguir, algumas ocorrências do nosso corpus que exemplificam
essa classificação:
(...) o desempenho econômico do país mereceu ontem do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva mais um veemente discurso. Citando por
várias vezes a crise política, ele garantiu que não promoverá nenhuma
mudança na política conduzida pelo ministro da Fazenda, Antonio
Palocci, e pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. (T-32)
(grifo nosso)
Ao observar a primeira citação, percebemos que a forma verbal garantiu remete
ao valor de verdade do enunciado proferido pelo presidente do Brasil. No texto T-32 “A
blindagem da economia”, o editorialista defende a tese de que apesar da crise
econômica nacional, a intocável política de juros altos conduzida por Palocci e
Meirelles, causa o retardo no processo de desenvolvimento. Para ressaltar sua
indignação sobre esse assunto, o editorialista selecionou o discurso em que Lula
garante a não realização de mudanças na política conduzida por Palocci e Meireles. A
forma verbal garante introduz um argumento que é arrazoado por autoridade, pois Lula
é a única pessoa no país que poderia intervir na atual política de juros altos, no entanto,
garante que não o fará.
No texto T-09 “Como sustentar o crescimento”, defende-se a tese de que
indicadores que comprovam a retomada do crescimento nacional, porém é preciso
96
pensar em uma política interna que garanta um crescimento sustentado. A citação
abaixo funciona no texto como um argumento que antecede as conclusões do
editorialista, reforçando o ponto de vista lançado na tese. Assim, a forma verbal insiste
recai sobre a posição cronológica do enunciado, imprimindo-lhe um aspecto iterativo,
pois não anuncia apenas o ponto de vista de Ricúpero, mas conduz o interlocutor ao
entendimento de que o ex-ministro não se cansa de defender essa idéia:
Na mesma linha, o ex-ministro da Fazenda e secretário da Unctad,
Rubens Ricúpero, insiste que o Brasil precisa se livrar da economia da
escassez, seguindo o caminho diferente identificado pelos asiáticos:
desenvolvimento baseado na poupança interna, controle relativo de
capitais e esforço exportador. (T-09) (grifo nosso)
Nas duas citações seguintes, a forma verbal reconheceu remete ao ponto de
vista emprestado ao enunciador. Vejamos a primeira:
O próprio secretário-geral da ONU, Kofi Annan, reconheceu que a luta
contra a pobreza e a desigualdade tem sido travada em condições
difíceis, num mundo que gasta 1 trilhão de dólares no orçamento anual
de armamentos e aplica menos de um décimo dessa quantia em ajuda
aos povos pobres. (T-03) (grifo nosso)
No texto T-03 “O caminho do desenvolvimento”, a forma verbal reconheceu
ressalta o ponto de vista que o editorialista empresta ao enunciador Kofi Annan. O uso
dessa forma verbal pressupõe que o secretário-geral da ONU admite como verdadeira a
dificuldade de lutar contra a pobreza e a desigualdade em um mundo mais preocupado
com armamentos. A tese defendida no editorial é a de que o caminho do
desenvolvimento vem sendo trilhado por muito tempo a duras penas, pois, para
alcançar êxito o país deve encontrar estratégias que rompam a cortina da pobreza.
Assim, a forma verbal reconheceu, ao ressaltar o ponto de vista do secretário-geral da
97
ONU de que a luta contra a pobreza é uma batalha difícil, auxilia no fortalecimento da
tese defendida pelo editorialista.
No texto T-14, “Balanço positivo”, o editorialista apresenta a tese de que embora
o ano de 2004 tenha fechado com Balanço positivo, há que se resolver nos próximos
dois anos os entraves que impedem o crescimento sustentado. A citação seguinte
confirma a preocupação do editorialista a partir da forma verbal reconheceu, pois ela
mostra que o presidente Lula - a autoridade maior do país - já admite a desaceleração
no processo de desenvolvimento:
Entretanto, Lula reconheceu que o processo de desenvolvimento
poderá ser menos acelerado do que todos desejariam, tendo em vista a
precariedade da infra-estrutura de que dispõe o país e o sucateamento
de seu parque produtivo. (T-14) (grifo nosso)
A recuperação das falas tanto de Kofi Annan (T-03) quanto de Lula (T-14)
funcionam como arrazoados por autoridade e, no momento em que o editorialista
seleciona esses argumentos, a forma verbal que os introduz é responsável por salientar
o ponto de vista dessas autoridades frente à tese proposta.
Nessa perspectiva, entendemos que os verbos dicendi não só enunciam as
vozes constitutivas de uma enunciação mas também servem de suporte para a
formulação dos enunciados nos quais as opiniões são apresentadas. Esse fato justifica-
se uma vez que, por meio da seleção do verbo é que o editorialista consegue
resultados persuasivos, considerando o seu interlocutor.
Apresentamos em seguida um quadro com a classificação dos verbos dicendi,
considerando os pressupostos que veiculam na introdução das manifestações de
discurso relatado no corpus.
98
Quadro 2 - Classificação dos verbos dicendi do corpus a partir da proposta de
Charolles (1988, apud Benites, 2002 e Maingueneau, 1993):
VERBOS QUE REMETEM AO VALOR DE VERDADE DO ENUNCIADO CITADO
VERBO TEXTO VERBO TEXTO VERBO TEXTO VERBO TEXTO TOTAL
Acena 24
Acrescentou 40
Afirma 40
Afirmou 32
Afirmou 32
Afirmou 36
Antecipou 08
Anuncia 20
Anuncia 20
Anunciou 02
Anunciou 20
Aponta 01
Aponta 01
Asseguram 23
Assegurou 02
Assegurou 04
Assinala 08
Assinala 18
Assinala 31
Assinalam 41
Assinalou 26
Chegou a fazer re-
ferência 04
Cita 19
Citou 10
Colocou 34
Comemorou 01
Confirma 02
Constatou 24
Declarou 07
Demonstra 04
Demonstrou 10
Destacam 02
Destacou 04
Disse 24
Disse 32
Disse 32
Divulgou 01
Diz 09
Diz 20
Diz 23
Enalteceu 14
Escreveu 18
Escreveu 21
Explica 05
Explica 05
Explica 35
Explica 41
Explicou 05
Foi claro 14
Garantiu 32
Garantiu 33
Identificou 20
Indica 19
Mostra 10
Mostrou 17
Mostrou 29
Prega 01
Prometeu 02
Proclamando 07
Quis apresentar 10
Reforça 18
Registra 40
Registrou 04
Ressaltou 04
Ressaltou 04
Traz 31
Vai colocar 31
67
VERBOS QUE REMETEM À POSIÇÃO CRONOLÓGICA
VERBO TEXTO VERBO TEXTO VERBO TEXTO TOTAL
Acrescenta 04
Acrescenta 12
Concluiu 24
Descreveu 17
Insiste 01
Insiste 09
Insiste 34
Lembrando 14
Lembrou 02
Lembrou 04
Resistiu 40
11
VERBOS QUE REMETEM AO PONTO DE VISTA EMPRESTADO AO ENUNCIADOR
VERBO TEXTO VERBO TEXTO VERBO TEXTO VERBO TEXTO TOTAL
Acusando 18
Admitem 29
Admitiu 05
Advertem 18
Alegando 01
Alerta 03
Alerta 03
Alerta 41
Alertam 01
Alertaram 23
Alertou 21
Alertou 37
Argumenta 12
Avalia 02
Avalia 09
Avalia 29
Avaliam 37
Calculam 06
Censurou 07
Classificou 11
Comparou 33
Concorda 01
Concorda 02
Concorda 05
Concorda 09
Concorda 13
Concorda 34
Critica 01
Criticam 23
Defende 08
Discorda 34
Espera 18
Lamentou 15
Observa 29
Observa 34
Observou 36
Pondera 08
Propõe 01
Propõe 12
Propõe 12
Propõe 26
Propõem 34
Protestou 21
Qualifica 34
Queixa-se 41
Questiona 20
Reclama 09
Reclamam 15
Reclamam 34
Reclamando 20
Recomenda 03
Reconheceu 03
Reconheceu 14
08
08
Vêem 12
56
99
Quanto ao discurso segundo, também presente em nosso corpus, percebemos
que seu uso reforça o discurso do editorialista durante a progressão textual. Dois
exemplos dessa manifestação ocorrem no texto T-20, “Aproveitar o ciclo econômico”,
nos parágrafos quinto e sexto. Vejamos o primeiro:
Para o ex-ministro Delfim Netto, metade da taxa de inflação (de 7,6%
ano passado) foi gerada pelo reajuste de tarifas públicas em função da
falha na escolha do fator de indexação dos contratos... (T-20)
Lembremos que o discurso segundo caracteriza-se pela presença de um
modalizador explícito, quando o locutor quer deixar claro que está se apoiando em um
outro discurso. No fragmento, a modalização já aparece no início, identificando quem
será responsabilizado pela afirmação: Para o ex-ministro Delfim Netto... Esse editorial
aborda as conquistas positivas do país frente ao ciclo econômico, defendendo que a
manutenção dessa positividade implica repensar as taxas de juros fixados pelo Banco
Central. Para garantir essa premissa, o editorialista recorre, no parágrafo quinto, ao
discurso segundo do ex-ministro Delfim Netto, que informa que o problema da alta taxa
de inflação foi criada pelo governo. No mesmo parágrafo, por meio do modalizador
segundo Luciano Coutinho..., o editorialista põe em cena o discurso segundo cuja
função é a de comentar tal problemática. Vejamos:
... Essa fixação de metas de inflação em nível rígido força o Banco
Central “a administrar taxas de juros insuportáveis”, segundo Luciano
Coutinho, do Instituto de Economia da Unicamp. (T-20)
100
As afirmações presentes nos fragmentos poderiam ter sido feitas pelo próprio
editorialista, mas este lançou mão do discurso segundo que, nesses casos,
representam arrazoados por autoridade, pois os responsáveis pelas afirmações têm
competência para fazê-las, respaldados em suas vidas profissionais.
Diante disso, notamos o quanto o editorialista é cauteloso, pois articula
estrategicamente o discurso do outro de modo a reforçar o seu. No entendimento de
Maingueneau (2004, p. 139), essa postura do editorialista é “um modo mais simples e
mais discreto para um enunciador indicar que não é o responsável por um enunciado”.
No entanto, percebemos que o editorialista, ao usar o discurso segundo, não visa
distanciamento, mas sim tornar o discurso do outro próximo do seu, funcionando como
âncora (fundamentação) para construir a opinião.
Observemos, a seguir, um quadro-síntese que demonstra, nos editoriais que
compõem nosso corpus, a presença das manifestações e marcas do discurso relatado
abordadas neste tópico.
Quadro 3
Manifestações do discurso relatado e suas marcas na organização dos
editoriais da Gazeta do Povo
LEGENDA: A borda que envolve os números indica em qual editorial o recurso em questão se faz
presente. A ausência da borda exclui a presença do recurso no texto.
MANIFESTAÇÃO/MARCA
TEXTO NO QUAL ESTÁ LOCALIZADA A
OCORRÊNCIA
TOTAL
DISCURSO DIRETO
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14
15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28
29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41
22
101
DISCURSO INDIRETO
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14
15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28
29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41
20
COMENTÁRIO SOBRE
A FALA
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14
15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28
29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41
16
ASPEAMENTO
Para demarcar a fala do
outro (fidelidade)
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14
15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28
29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41
17
VERBOS DICENDI
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14
15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28
29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41
34
DISCURSO SEGUNDO
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14
15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28
29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41
14
Veremos a seguir a análise completa de um editorial do corpus, ressaltando as
questões apresentadas anteriormente sobre o discurso relatado. Assim,
demonstraremos o funcionamento das vozes alheias na construção da opinião oficial da
Gazeta do Povo, tendo em vista o seu posicionamento no texto, suas manifestações e
suas marcas.
102
3.4.3 As manifestações e o funcionamento do discurso relatado em um editorial do
corpus
O texto seguinte representa a modalidade estrutural da categoria 1 em que o
editorialista organiza a apresentação da tese utilizando-se de fala relatada em discurso
indireto. Em seguida, desenvolve o texto recorrendo ao discurso relatado e conclui
emitindo o seu juízo de valor a partir do discurso do outro (assume o dito).
T-08 Chegou o crescimento
O Brasil retornou a um ciclo positivo, em que a euforia voltou a
dominar a cena econômica: a produção da indústria em maio cresceu
7,8% sobre os índices de maio de 2003, avançando 6,5% no
acumulado do ano. A recuperação inicialmente puxada pelas
exportações já se espalhou pelo mercado interno: o comércio ampliou
as vendas em 10% no último mês e a construção civil abriu mais 57 mil
postos de trabalho de janeiro a maio, revertendo a queda do ano
passado. Dentro desse leque de boas notícias, o setor industrial
contratou mais 30 mil empregados no período, e o presidente Lula
antecipou que o Ministério do Trabalho já contabiliza 1 milhão de
empregos formais no primeiro semestre.
Esse é o melhor resultado desde 1994, quando o lançamento do
plano de estabilização ancorado no Real domou a inflação e estimulou
o consumo. Mas a melhoria ainda não é generalizada, podendo ser
sentida mais vivamente em regiões beneficiadas pela dinâmica do
agronegócio ou em setores favorecidos por exportações, inovação
técnica ou, no caso os consumidores internos, por linhas de crédito ou
juros menores.
O presidente Lula, ao se referir ao novo ciclo, assinala não estar
satisfeito com esses primeiros sinais. Ele quer se certificar de que o
crescimento chegou para valer, é sustentável e não repetirá padrões
recorrentes nos anos anteriores, tipo “vôo de galinha”.
Para economistas como Paulo Rabello de Casto, essa trajetória de
“go and stop” explica o baixo desempenho da economia durante o
Plano Real, que num ciclo de dez anos não passou da média de 2,2%
de crescimento.
O fundamental é que o Brasil está pronto para uma fase de
crescimento firme, admitem economistas de instituições universitárias
ou bancos internacionais. Richard Madigan, do JP Morgan, vê o Brasil
bem preparado para enfrentar turbulências externas, por ter reduzido a
parcela da dívida doméstica atrelada ao dólar e ter construído um forte
superávit em conta corrente, além da estratégia de integração
103
comercial em várias frentes, garantindo diversificação de mercados de
exportação. O professor Kenneth Rogoff, que chefiou o Departamento
de Pesquisas do FMI antes de retornar para a Universidade de Harvard,
vê chegada “a chance do Brasil”: o país fez um trabalho de controle da
dívida pública, evitando que ela continuasse crescendo como antes e
promoveu redução da dívida atrelada ao dólar.
Nessas condições, a taxa de expansão no ano pode chegar a 4%
ou mais, porém um ritmo mais acentuado depende de outros fatores,
centrados na chamada agenda microeconômica.
Assim, é preciso estimular o investimento para que, uma vez
ocupada a capacidade produtiva da indústria, não se repita o gargalo
de oferta de fases anteriores. Mais importante é o investimento em
infra-estrutura, deixada[sic] de lado em função dos ajustes requeridos
nos dois últimos anos (alta nos juros, contenção do crédito e elevação
da carga tributária). O professor Afonso Celso Pastore, ex-presidente
do Banco Central, pondera que o governo precisa ter agilidade para
atacar esses pontos, inclusive o marco regulatório do respeito aos
contratos, e seu colega Fernando Cardim, da UFRJ, defende medidas
para a redução do “spread” bancário.
De toda forma, os operadores empresariais se mostram dispostos a
enfrentar os desafios: fornecedores de eletricidade se apressam para
colocar novas usinas em atividade, a Petrobrás deverá atingir hoje o
pico de produção de 1,52 milhão de barris por dia e a nova safra
agrícola poderá chegar a 130 milhões de toneladas; com o país
favorecido ainda pelo aumento das exportações de açúcar e álcool,
com a mudança da política agrícola européia, e busca de maior
equilíbrio ambiental.
Esse conjunto de boas notícias fez circular, inclusive, rumores de
breve elevação da classificação do Brasil pelas agências internacionais
de risco.
A melhoria ainda não veio, mas os investidores já começam a voltar
para as bolsas brasileiras, dispostos a participar do ciclo de
crescimento que afinal chegou.
(Texto extraído do jornal Gazeta do Povo em 17/07/04 Opinião p. 10)
A tese defendida pelo editorialista é de que o ciclo de crescimento chegou
anunciando positividade, alterando o índice de empregos formais e gerando euforia
para o Brasil. Para dar credibilidade à tese levantada, o editorialista utiliza um
arrazoado por autoridade, no qual o locutor assevera que há uma asserção de P, por X,
a quem se atribui a propriedade de asseverar P. No jogo polifônico estabelecido pelo
editorialista temos:
104
P: O ministério do trabalho já contabiliza um milhão de empregos formais no
primeiro semestre
X: O presidente Lula
A proposição do presidente dá sustentação à tese, pois prova que existe
recuperação do crescimento em todos os setores, confirmado pela estatística do
crescimento dos empregos formais. A forma verbal antecipou, responsável por
introduzir o discurso indireto do presidente, confere valor de verdade ao enunciado
citado, considerando que foi pronunciada pela maior autoridade do país. Se o
editorialista tivesse usado a forma verbal disse, não teria o sabor de novidade na qual
se encontra a informação, uma vez que os dados oficiais do Ministério do Trabalho
ainda não haviam sido divulgados.
O editorial caracteriza-se por ser um texto no qual argumentos favoráveis e
contrários à tese são apresentados. Assim, na discussão do tema, o segundo parágrafo
ressalva que os resultados, embora representem o maior índice desde 1994, quando
entrou em vigor o plano Real, estão atrelados a determinadas regiões do país. Os dois
parágrafos seguintes, por meio do discurso relatado, dão continuidade a progressão
temática apresentada no parágrafo segundo. Esses parágrafos apresentam novos
arrazoados por autoridade, nos quais:
1) P: não está satisfeito com esses primeiros sinais de crescimento
X: presidente Lula;
2) P: essa trajetória de “go and stop” explica o baixo desempenho da economia
durante o plano Real
X: economista Paulo Rabelo de Castro
105
As retomadas de fala são apresentadas pelo uso do discurso indireto e pelo
discurso segundo. A forma verbal assinala introduz a fala do presidente,
desempenhando a função de tornar público, dar a conhecer sua insatisfação e
remetendo ao valor de verdade do enunciado. Nessa mesma direção (insatisfação), o
discurso segundo do economista Paulo Rabello, elaborado no parágrafo quarto, dialoga
com o discurso do presidente.
Nesses parágrafos, as expressões aspeadas são responsáveis por uma
mudança de locutores, pois remetem a fragmentos das falas citadas: “vôo de galinha”
(Presidente Lula) e “go and stop” (Paulo Rabelo de Castro). O editorialista, ao
selecionar estes fragmentos e demarcá-los com as aspas de fidelidade, mantendo o
colorido das falas originais, estabelece um contraponto entre a origem popular do
Presidente Lula, que usa uma metáfora retirada do discurso do povo para designar um
fato da área econômica, e a origem acadêmica do economista, que usa um termo do
jargão técnico da economia em língua estrangeira.
O próximo parágrafo apresenta posição favorável à tese, que se insere por
arrazoados por autoridade, dois introduzidos por discurso indireto e um por discurso
direto:
1) P: o Brasil está pronto para uma fase de crescimento firme
X: economistas de instituições universitárias ou bancos internacionais;
2) P: o Brasil está bem preparado para enfrentar turbulências externas
X: Richard Madigan, do JP Morgan
3) P: o controle da dívida pública e a redução da dívida atrelada ao dólar
proporcionaram a oportunidade do crescimento econômico
X: Kenneth Rogoff, ex-chefe do Departamento de Pesquisas do FMI e
Professor da Universidade de Harvard
106
Pelo discurso indireto presente nas duas primeiras ocorrências, o editorialista
interpreta a fala alheia sem perder o objetivo central: reforçar a tese proposta. Embora
o primeiro discurso relatado retome um locutor colocado de forma genérica
(economistas e instituições universitárias ou bancos internacionais), há, na seqüência,
uma precisão dos responsáveis pelas afirmações seguintes (Madigan e Rogoff),
conduzindo o leitor de uma observação geral para uma particularizada, aumentando o
poder de persuasão. Os verbos dicendi contribuem para isso, pois se admitem
pressupõe um ponto de vista sobre o dito, o uso da forma verbal (desviada de seu
sentido original para o de entender/compreender), para introduzir as falas, supõe um
entendimento obtido a partir de reflexão. Esse crescendo argumentativo tem seu ápice
no uso do discurso direto de Rogoff:
Kenneth Rogoff, (...) vê chegada “a chance do Brasil”: o país fez um
trabalho de controle da dívida pública, evitando que ela continuasse
crescendo como antes e promoveu redução da dívida atrelada ao dólar.
(T-08)
A mudança de locutores se presentifica pelo fragmento aspeado “a chance do
Brasil” na frase introdutora do discurso direto e pelos dois pontos. Embora seu discurso
não apareça aspeado, os dois pontos, pela pausa que instituem na leitura, não só
marcam a polifonia de locutores como também, pelo caráter tradicionalmente conferido
ao discurso direto de reprodutor literal da fala e pelas aspas de fidelidade colocadas na
expressão, torna esse discurso relatado o ápice argumentativo da posição favorável.
Em relação à progressão argumentativa, predominam a quantidade de
arrazoados favoráveis à tese proposta, deixando em segundo plano os argumentos
desfavoráveis, relacionados à possibilidade de retração do crescimento.
107
Esse posicionamento favorável vai se manifestar no desenvolvimento do texto,
com a indicação, no parágrafo sexto, de que a taxa de expansão pode chegar a 4% ou
mais, dependendo de outros fatores centrados na agenda microeconômica. A
expressão Nessas condições, ao iniciar o parágrafo, em que o editorialista se sente
autorizado para fazer previsões, obriga o interlocutor a entender que, as condições de
que se falam são aquelas abordadas no parágrafo quinto pelo economista Madigan e
pelo professor Rogoff, sobre a positividade no cenário econômico. Nessa mesma
perspectiva, o operador assim, no parágrafo sétimo, denota que, ao observar tudo o
que já se debateu sobre a questão, o editorialista elabora um enunciado cujo teor é
sugestivo ao novo ciclo.
O editorialista aponta, então, fatores que merecem atenção do governo. Essa
observação ganha reforço por duas ocorrências de discurso relatado em estilo indireto,
nas quais:
1) P: o governo precisa ter agilidade e atacar esses pontos
X: Professor Afonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central
2) P: são necessárias medidas para reduzir o “spread” bancário
X: Fernando Cardim, Professor da UFRJ
Os arrazoados, além de fortalecerem as afirmações iniciais do editorialista,
trazem outras medidas que não foram apontadas por ele, contribuindo para a
progressão informacional do texto.
Os verbos dicendi das frases introdutoras remetem a responsabilidade do dito
aos seus locutores, comprometendo-os com o conteúdo expresso, pois pondera supõe
exame atento, reflexão e análise sobre a questão; e defende, uma sustentação de
posição já estabelecida.
108
Nos parágrafos nono e décimo, o editorialista assume o dito em seus
enunciados, mas podemos observar o quanto o discurso do outro, no momento do
desenvolvimento do “raciocínio opinativo em torno do tema” (NASCIMENTO, 2005),
influenciou suas conclusões. O conjunto de boas notícias por ele mencionado no
parágrafo nono representa a junção de informações a partir dos discursos
anteriormente relatados. Nessa mesma perspectiva, vemos no parágrafo décimo sua
conclusão, afirmando que “a melhoria ainda não veio, mas os investidores já começam
a voltar para as bolsas brasileiras, dispostos a participar do ciclo de crescimento que
afinal chegou”. Torna-se evidente a conclusão ancorada no discurso do outro se
observarmos a expressão “crescimento que afinal chegou”, que retoma a tese
apresentada no primeiro parágrafo e defendida no desenvolvimento do texto.
Em síntese, podemos dizer que a ocorrência dessas várias vozes presentes no
editorial sob análise e o jogo polifônico aí ativado contribuem para uma construção
diferenciada desse gênero, pois o editorialista da Gazeta do Povo utilizou o discurso
relatado para: a) imprimir maior credibilidade a seus argumentos; b) aumentar o poder
de persuasão de seus argumentos; c) conferir valor de verdade ao enunciado citado,
pelo uso das aspas e do discurso direto; d) contrapor argumentos favoráveis e
desfavoráveis, caracterizando o processo articulatório de ordenação das idéias e
discussão dos fatos do editorial; e) dar continuidade à progressão temática e
informacional; f) atribuir, pelas formas verbais, a responsabilidade do dito ou seu valor
de verdade ao locutor citado; g) influenciar a constituição da conclusão apresentada.
Finalmente, numa confluência de todas as funções anteriores, o editorialista consegue
o mais importante: persuadir o leitor a aderir à opinião expressa no editorial.
CONCLUSÃO
Ao voltarmos nossa atenção ao jornal Gazeta do Povo, estabelecemos como
objetivos de nossa pesquisa investigar o uso do discurso relatado na construção dos
editoriais, demonstrando as manifestações, as marcas e a funcionalidade desse
fenômeno nos textos.
Delimitamos nosso corpus de análise considerando a temática do crescimento
econômico. Dada a complexidade da temática e com a finalidade de demonstrar as
condições sócio-históricas do desenvolvimento econômico nacional, necessários à
compreensão dos editoriais sob análise, descrevemos o cenário econômico brasileiro
desde a década de quarenta e, depois, como a Gazeta do Povo abordou o assunto. No
período de vinte meses, o Jornal veiculou quarenta e um editoriais, que, em função do
desenvolvimento da temática, dividimos em três grandes momentos: a) oito que
abordam a retomada inicial do crescimento econômico; b) doze que apresentam o
desenrolar das discussões sobre o novo ciclo de desenvolvimento econômico; e c) vinte
e um que tratam das novidades e incertezas para uma gestão econômica sustentada.
A partir de um arcabouço teórico baseado em estudos da enunciação e da área
do jornalismo, discutimos as características gerais da linguagem jornalística, o gênero
editorial, o dialogismo na linguagem, a polifonia e as manifestações e marcas do
discurso relatado.
Situamos o editorial no Jornal e apresentamos os seus traços específicos
referentes à linguagem. Os textos sob análise são impressos no topo de uma página
editorial dupla e conjugada, dividindo espaço com outros gêneros jornalísticos (charge,
carta dos leitores, artigos de colaboradores e de colunistas). Ocupa o espaço que vai
110
de uma margem a outra de uma página, com a palavra “opinião” escrita em caixa alta
acima do título.
Quanto ao registro de linguagem, os editorialistas da Gazeta do Povo seguem as
normas sugeridas pelos manuais de redação e estilo do jornalismo, utilizando palavras
e expressões de um registro formal, sem complexidade sintática que possa impedir a
compreensão de um leitor de nível médio. No entanto, não seguem as recomendações
quanto ao uso de uma linguagem objetiva e impessoal com verbos na terceira pessoa e
com o pronome oblíquo se. Em nosso corpus, encontramos apenas três ocorrências
com tais características; nos textos restantes temos a manifestação da primeira pessoa
do plural que, em alguns editoriais, é usada para interpelar o leitor e denota
subjetividade. No que diz respeito ao uso de verbos dicendi considerados neutros,
nossos editoriais também não estão de acordo com as normas sugeridas pelos
manuais. Há uma ocorrência mínima dos verbos dizer, afirmar e declarar,
representando apenas 8,4% (onze ocorrências) do total de cento e trinta e quatro
verbos. Os outros 91,6% (cento e vinte e três textos) veiculam diversos pressupostos,
que são articulados intencionalmente pelo editorialista para conduzir o leitor ao
posicionamento pretendido por ele. Ainda no que tange à linguagem, o Jornal faz uso
da pauta como um filtro que determina os assuntos e a maneira como eles devem ser
abordados.
Nos editoriais da Gazeta do Povo, o discurso relatado aparece em posições
diferenciadas. A análise do corpus nos permitiu chegar ao estabelecimento de três
categorias: na primeira, com vinte e sete ocorrências, a tese e o desenvolvimento
exibem manifestações de discurso relatado e a conclusão é elaborada pelo editorialista;
na segunda, com sete unidades, a tese é definida pelo editorialista e o desenvolvimento
111
e a conclusão trazem o discurso relatado em sua constituição; e, na terceira, com sete
ocorrências, não há discurso relatado em nenhum ponto da estrutura do editorial. Em
todas as ocorrências o discurso relatado funciona como arrazoado por autoridade.
Portanto, o lugar no qual aparece a retomada da fala do outro é significativo, pois a
presença do discurso relatado na definição da tese significa propor o tema de discussão
a partir de um posicionamento alheio; no desenvolvimento, implica a atribuição de uma
força maior ao argumento, mas, ao mesmo tempo, um deslocamento da
responsabilidade na formação desse argumento para as autoridades citadas. Assim, o
leitor é levado a posicionar-se a partir da orientação que a voz da autoridade citada
proporciona. Quando o editorialista utiliza o discurso relatado para formular sua
conclusão, verificamos que os textos não explicitam a voz do Jornal bem como seu
ponto de vista (apreciação) sobre os pontos debatidos. A voz do Jornal e suas
conclusões ficam implícitas, sugerindo ao leitor que a opinião relatada no discurso do
outro seja, por adesão, a opinião do Jornal.
O discurso relatado manifesta-se nos editoriais do corpus em três modalidades
distintas: o discurso direto, o indireto e o comentário sobre a fala. Todas as
manifestações têm por objetivo atribuir maior credibilidade ao argumento apresentado
pelo editorialista. Embora os discursos direto e indireto exibam, quanto ao ponto de
vista formal, diferenças claras entre si, nos editoriais analisados não sentimos que haja
uma diferença entre ambos, no que diz respeito à literalidade da fala relatada. Em
nenhum deles temos a garantia da representação literal do que foi dito, entretanto,
percebemos que o editorialista utiliza o discurso direto em alguns editoriais para
enfatizar a mudança de locutores e, com ela, aumentar a credibilidade nos enunciados
relatados. Outra possibilidade de discurso relatado é o comentário sobre a fala, que nos
112
textos de nosso corpus funciona, assim como os discursos direto e indireto, como
arrazoado por autoridade. Em algumas poucas ocorrências, o fato de o comentário
sobre a fala ser um comentário geral sintetizador de um discurso permite que o
editorialista realize a progressão textual a partir dele, elencando elementos que não
foram abordados na síntese.
Consideramos três marcas do discurso relatado em nosso corpus: o
aspeamento, os verbos dicendi e a modalização em discurso segundo. Detivemos
nosso estudo das aspas nos casos em que elas se relacionam com a mudança de
locutores e, em todas as ocasiões, o aspeamento é usado para atribuir fidelidade ao
dito. Os verbos dicendi não só são utilizados para introduzirem o outro no discurso, mas
servem também a outros propósitos do editorialista, dependendo dos pressupostos que
transmitem. Tomando por base a proposta de Charolles (1988, apud Benites, 2002 e
Maingueneau, 1993), classificamos as formas verbais presentes no corpus que
remetem: a) ao valor de verdade do enunciado (sessenta e sete ocorrências); b) à
posição cronológica (onze ocorrências); e c) ao ponto de vista emprestado ao
enunciador (cinqüenta e seis ocorrências). Não encontramos no corpus nenhuma
ocorrência de verbos que remetem a uma hierarquia, como ordenar, suplicar ou
solicitar. Portanto as formas verbais não são escolhidas ao acaso; pelo contrário, são
escolhidas em virtude dos pressupostos que veiculam, pois interferem diretamente na
maneira como o leitor avalia o conteúdo do arrazoado apresentado. Quanto à
modalização em discurso segundo, ela aparece também para introduzir, pelas formas
Segundo fulano, Para fulano, Conforme fulano, o arrazoado por autoridade.
113
Além das funções já demonstradas acima, a análise na íntegra de um editorial do
corpus nos mostrou que o discurso relatado também contribui para dar continuidade à
progressão temática e informacional dos textos.
Em termos gerais, considerando que a opinião do jornal é mostrada no editorial,
é possível afirmar que a Gazeta do Povo tem uma posição favorável à política
econômica desenvolvida pelo governo, pois não encontramos nenhum exemplo no
corpus que desenvolva uma tese contrária ao andamento dado pelo presidente Lula e
seus assessores às questões econômicas. Há, obviamente, na discussão dos temas, a
apresentação de argumentos desfavoráveis, mas eles são silenciados pelos favoráveis
na construção final da opinião.
Nossa análise nos leva a crer que a alta recorrência ao discurso do outro para
formular sua opinião é o que diferencia o editorial da Gazeta do Povo de outros
editoriais de jornais em circulação. O discurso relatado é utilizado para reforçar os
argumentos do editorialista, que faz veicular sua opinião por intermédio da fala alheia,
aproximando-se, portanto, dos posicionamentos apresentados.
Acreditamos que nossa pesquisa abra caminho para outras que busquem, por
exemplo, fazer um estudo comparativo do editorial da Gazeta do Povo com o de outros
jornais em circulação ou mesmo do editorial com outros gêneros textuais presentes na
própria Gazeta do Povo ou na mídia impressa em geral.
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Acesso em 05 out. 2006.
Apêndices
119
1- CONTATO ON-LINE (Yahoo! Mail [email protected])
Yahoo! Mail [email protected] Página 1 de 1
Mensagem não sinalizada. [ Sinalizar - Marcar como não lida ]
Data: Wed, 19 Oct 2005 01:10:01 -0200 (Horário brasileiro de verão)
De:
"Celso" <[email protected]> Ver detalhes do contato
Para: "Paulo Gaiotto" <[email protected]>
Assunto: Res: pedido de auxílio em minha pesquisa
Olá Paulo!
Desculpe-me a demora em atender a sua solicitação. Espero ter respondido satisfatoriamente a
todas as questões e, assim, ajudado no seu trabalho, mas continuo a sua inteira disposição para
esclarecimentos que você julgar necessários, está bem?
Abraços,
Celso Nascimento
-------Mensagem original-------
De: Paulo Gaiotto
Data: 10/14/05 15:41:25
Assunto:
pedido de auxílio em minha pesquisa
120
2- QUESTIONÁRIO RESPONDIDO PELA GAZETA DO POVO SOBRE OS ASPECTOS
METODOLÓGICOS DURANTE A PRODUÇÃO DO EDITORIAL
1) Qual é o meio que os jornalistas da Gazeta do Povo buscam como apoio ao
redigirem seus textos? Existem algumas “normas” entre eles norteando como
deve ocorrer a elaboração dos textos, ou o jornal Gazeta do Povo dispõe de
manual próprio com técnicas de redação e estilo?
Nossos jornalistas utilizam-se das regras convencionais da redação
jornalística e de acordo com o gênero de matérias que estiverem
escrevendo no momento. No gênero notícia, por exemplo, a técnica da
pirâmide invertida, com lead, sub-lead e restante. Para o primeiro
parágrafo (lead) procuramos obedecer à boa norma de responder às seis
perguntas de Kippling: o quê, quem, quando, onde, como e por que. Já
outros gêneros, como a reportagem, a crônica ou o editorial, são seguidas
outras normas gerais da técnica de redação jornalística.
Neste último caso, o editorial, a técnica recomendada é dividir o texto em
três grandes partes. Na primeira, apresentamos ao leitor o assunto sobre
o qual iremos tratar/opinar; na segunda, desenvolvemos um raciocínio
opinativo em torno do tema; e, na terceira, apresentamos a conclusão que
tiramos do raciocínio.
A Gazeta do Povo não dispõe de um manual próprio de redação. Utiliza,
com as adaptações que julgamos necessárias, o “Manual de Redação e
Estilo” do jornal O Estado de São Paulo.
2) Como o gênero opinativo (no caso do editorial) é entendido pela Gazeta do
Povo, ou por seus editorialistas?
O texto do editorial é encarado como o de maior responsabilidade dentre
todos. Exige uma linguagem de elevado padrão de qualidade sob todos os
aspectos e extremo cuidado para a manutenção do bom-senso e do
equilíbrio na opinião que externa.
3) Frente a esse entendimento, (questão 2), a opinião veiculada nos textos
editoriais sempre está ligada ao pensamento empresarial do grupo Gazeta do
Povo? Ou, a opinião veiculada também pode ser entendida como a
representação de um consenso do grupo de editorialistas que redigem esse
texto, obedecendo a critérios pré-estabelecidos pela redação do jornal?
O editorial invariavelmente expressa o pensamento do jornal e não
necessariamente o pensamento dos jornalistas que os escrevem.
Profissionais experientes, com longos anos de vivência na empresa, os
editorialistas da Gazeta do Povo conhecem à perfeição as políticas
121
editoriais da casa. Isto não significa, no entanto, que não recebam
eventualmente orientações da direção superior quanto à abordagem que
devem desenvolver em assuntos específicos.
4) Como se dá o revezamento dos editorialistas na produção do editorial? É uma
divisão centrada em temas pré-estabelecidos onde alguns estão estudando
sempre mais alguns temas que outros, ou existe outra maneira? Os editorialistas
estão aptos para produzirem textos editoriais independente da direção temática
dos assuntos?
De modo geral, os assuntos são definidos pelos próprios editorialistas ou,
eventualmente, pela alta direção.
Há pelo menos dois critérios gerais que norteiam a escolha dos assuntos:
o primeiro, que os temas sejam oportunos (fatos noticiados no dia ou em
curso durante a semana); segundo, que sejam relevantes dos pontos de
vista político, econômico, social ou comunitário. Suplementarmente,
observa-se também o critério da proximidade isto é, merecem prioridade
os assuntos que, atendidos os pressupostos anteriores, digam respeito
aos interesses mais imediatos do Paraná (área de circulação do jornal).
São dois os editorialistas na Gazeta do Povo. Revezam-se nos dias da
semana e trabalham em regime de exclusividade isto é, não se ocupam
de nenhuma outra função na Redação. Não há especialização: ambos
estão aptos a produzir textos sobre os mais diferentes temas. É claro que
os mais complexos são sempre objeto de estudo, pesquisa e consultas
preliminares junto a fontes especializadas em busca de subsídios para a
formulação final da opinião do jornal.
5) Em função do curto espaço de tempo no qual se encontra o jornalista, após a
elaboração do editorial é possível que este passe pela revisão/apreciação do
chefe de redação ou, apenas o consenso firmado entre os editorialistas acerca
da temática a ser tratada já é suficiente para que o editorial seja produzido e
publicado?
Desde o advento da informatização das redações dos jornais, seus
repórteres e redatores passaram a ser responsáveis pela qualidade de
seus próprios textos, quer do ponto de vista gramatical, ortográfico etc.,
quer do ponto de vista do seu conteúdo. Por isso, o setor de revisão
antigamente numeroso foi praticamente extinto. No caso do editorial, no
entanto, há pelo menos duas supervisões de revisão do texto (por parte
de profissional revisor) e de verificação de conformidade da opinião
expendida (por parte da alta direção).
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