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CLOVES BARBOSA
ESTADO BURGUÊS, POLÍTICAS ORÇAMENTÁRIAS PARTICIPATIVAS E
PARTICIPAÇÃO POPULAR: REPRODUÇÃO E MUDANÇA NA ORDEM
SOCIAL.
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM CIÊNCIAS SOCIAIS
PUC/SP
São Paulo
2006
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CLOVES BARBOSA
ESTADO BURGUÊS, POLÍTICAS ORÇAMENTÁRIAS PARTICIPATIVAS E
PARTICIPAÇÃO POPULAR: REPRODUÇÃO E MUDANÇA NA ORDEM
SOCIAL.
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência
parcial para a obtenção do título de Doutor em
Ciências Sociais, sob a orientação do Professor Dr.
LÚCIO FLÁVIO RODRIGUES DE ALMEIDA.
PUC/SP
São Paulo
2006
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3
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4
RESUMO
Esta tese discute a relação entre o Estado burguês e as políticas orçamentárias
participativas. Centraliza o foco na participação popular e nas mudanças na ordem
social. Discute a experiência de participação popular na cidade de Camaragibe PE,
durante a gestão de Paulo Santana, do Partido dos Trabalhadores, no período de 1997-
2004, quando as experiências do orçamento participativo foram assimiladas e adaptadas
com a denominação Programa de Administração Participativa. Esta experiência política
suscita questões teóricas e práticas relacionadas com o Estado e a participação política
popular na sociedade capitalista. Neste contexto, as lutas sociais encontram o maior
desafio para promover a sobrevivência da parte da população que produz riquezas, mas
não usufrui delas plenamente.
Um poder relativamente autônomo da sociedade e que garante os privilégios
burgueses é contraditório com o exercício popular do poder, que procura romper com as
formas de dominação e de exploração capitalistas. O recurso à população para legitimar
estas formas é estruturalmente incapaz de realizar toda a potencialidade de participação
popular.
Palavras-chave: participação, orçamento participativo, poder local, Estado, cidadania,
autogestão.
5
ABSTRACT
This thesis discusses the bourgeois State and participatory budget policies. It
focuses on the popular participation and the perspectives of changes in social order. It
analyzes the experience of popular participation in Camaragibe Pernambuco, during
mayor Paulo Santana’s administration, from 1997 to 2004, when the participatory
budget policy was assimilated under the name of Administrative Participatory Program.
This political experience raises some political and practical questions related to the
capitalist State and the popular participation on capitalist society. In this context, the
social struggles find a great challenge to promote the survival of the part of the
population that produces wealth, but doesn’t enjoy it completely.
A power relatively autonomous regarding the society and that guarantees
bourgeois rule is contradictory to the popular exercise of power, which tries to break all
the ways of domination and exploitation. The call to peoples voice in view to
legitimate this ways is structurally unable to realize all the potentiality of popular
participation.
Keywords: participation, participatory budget, local power, State, citizenship, auto-
government.
6
DEDICATÓRIA
A todas as pessoas que continuam cultivando o sonho de uma sociedade igualitária.
7
AGRADECIMENTOS
Este trabalho foi realizado em razão do apoio e da solidariedade de diversas
pessoas e instituições a quem manifesto minha gratidão. A PUC/SP me concedeu uma
bolsa restituível que foi de grande valia durante o primeiro semestre do curso. A bolsa
de estudos concedida pela CAPES por intermédio da comissão de bolsas da PUC/SP foi
elemento importante para boa parte dos recursos necessários à conclusão deste estudo.
O professor Dr. Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida revelou, durante o período de
orientação, ser pessoa de profunda capacidade crítica e de uma solidariedade a toda
prova, o que é um dos valores fundamentais da sociedade que almejamos. A banca do
exame de qualificação, composta pelo Prof. Lúcio Flávio de Almeida, Profª. Lúcia
Bógus, e Prof. Jair Pinheiro formulou observações valiosas. Os colegas do NEILS
(Núcleo de Estudos sobre Ideologias e Lutas Sociais) possibilitam inestimáveis
discussões sobre as temáticas que se tornam objeto de estudos de todo o núcleo. Recebi
o apoio de Ana Moraes. Contei com manifestações concretas de solidariedade dos
colegas de trabalho e da direção da Secretaria do Orçamento Participativo de Olinda.
Parte da equipe da gestão petista de Camaragibe concedeu as entrevistas necessárias a
este trabalho. Valéria Francabandiera e a minha companheira Vera Moraes foram as
primeiras leitoras destas páginas. Mariana Borga realizou a revisão final do texto.
Os momentos dedicados à composição e desenvolvimento deste trabalho
resultaram em menor atenção à minha companheira, a quem devo grande apreço por
também haver suportado esta situação e o seu incansável apoio e compreensão aos meus
momentos de dificuldades.
Divido com todas as pessoas envolvidas os eventuais méritos deste trabalho.
Contudo, cabe a mim, toda a responsabilidade pelas insuficiências remanescentes que
ainda possam ser encontradas no conteúdo e desenvolvimento argumentativo aqui
exposto.
8
GLOSSÁRIO DE SIGLAS
CEAS:
Centro de Estudos e Ação Social.
CEMEC:
Centro Médico de Camaragibe.
ES:
Estado do Espírito Santo.
FEACA:
Federação das Associações de Moradores de Casa Amarela.
GAP:
Grupo de Assessoria e Participação.
IBGE:
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
IDH:
Índice de Desenvolvimento Humano.
ICMS:
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços.
ISS:
Imposto Sobre Serviços.
ITBI:
Imposto sobre Transmissão de Bens Inter Vivos.
IPTU:
Imposto Predial e Territorial Rural.
ITR:
Imposto Territorial Rural.
LAFEPE:
Laboratório Farmacêutico de Pernambuco.
LDO:
Lei de Diretrizes Orçamentárias.
LOA:
Lei Orçamentária Anual.
OD:
Orçamento Democrático.
OGU:
Orçamento Geral da União.
ONG:
Organização Não-Governamental.
OP:
Orçamento Participativo.
MDB:
Movimento Democrático Brasileiro.
PAP:
Programa de Administração Participativa.
PPA:
Plano Plurianual.
PCB:
Partido Comunista Brasileiro.
PC do B:
Partido Comunista do Brasil.
PDT:
Partido Democrático Trabalhista.
PFL:
Partido da Frente Liberal.
PMDB:
Partido do Movimento Democrático Brasileiro.
PMN:
Partido da Mobilização Nacional.
PGM:
Programa Governo nos Municípios.
PPB:
Programa Prefeitura nos Bairros.
PPS:
Partido Popular Socialista.
PSB:
Partido Socialista Brasileiro.
PSDB:
Partido Social Democrata Brasileiro.
PSF:
Programa de Saúde da Família.
PT:
Partido dos Trabalhadores.
PTB:
Partido Trabalhista Brasileiro.
PT do B:
Partido dos Trabalhadores do Brasil.
SC:
Estado de Santa Catarina.
SEBRAE:
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas.
SESI:
Serviço Social da Indústria.
TRE:
Tribunal Regional Eleitoral.
UNICEF:
Fundo das Nações Unidas para a Infância.
ZEIS:
Zona Especial de Interesse Social.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
11
PRIMEIRA SEÇÃO
AS SOCIEDADES DE CLASSES E O PODER POLÍTICO
18
Introdução 19
CAPÍTULO I
AS SOCIEDADES DE CLASSES E A REPRODUÇÃO DA VIDA
20
1.1 A produtividade social e as formas de dominação 20
1.1.1 O Estado pré-burguês 21
1.1.2 A sociedade burguesa 26
1.2 As estruturas da sociedade capitalista 28
1.2.1 A estrutura econômica 28
1.2.2 A estrutura ideológica 34
1.2.3 A estrutura política 38
1.2.3.1 As relações sociais de dominação política 38
1.2.3.2 A fragmentação e a organização de classe 40
1.3 O poder político burguês 47
CAPÍTULO II
O CONTEXTO HISTÓRICO DO PODER EM CAMARAGIBE
52
2.1 Os municípios brasileiros 52
2.2 O surgimento de Camaragibe 59
2.3 A ideologia de Carlos Alberto de Menezes 63
2.3.1 O capitalismo e a questão operária 63
2.3.2 A solução meneziana da questão operária 65
2.3.3 A vila da fábrica e seus desdobramentos 73
2.4 Camaragibe torna-se município 77
2.5 O exercício do poder político em Camaragibe 84
2.5.1 As condições locais do poder 84
2.5.2 Os ocupantes do poder executivo 86
2.5.3 O exercício do poder legislativo em Camaragibe 95
SEGUNDA SEÇÃO
98
O ESTADO BURGUÊS E A SUA FORMA DEMOCRÁTICA
Introdução 99
CAPÍTULO III
O ESTADO BURGUÊS
100
3.1 A organização estatal 100
3.2 O Estado burguês e o território 106
3.2.1 A política econômica 106
3.2.2 A definição da política orçamentária 111
3.2.3 A arrecadação e a crise fiscal 113
3.3 O Estado em questão 115
3.4 O caráter burguês das políticas de Estado 118
10
CAPÍTULO IV
A FORMA DEMOCRATICA DO ESTADO
122
4.1 Os fundamentos liberais da democracia 122
4.1.1 As forças sociais e a democracia 126
4.1.2 O governo representativo 130
4.2 A democracia (não) é o governo do povo 133
TERCEIRA SEÇÃO
138
PARTICIPAÇÃO POPULAR E POLÍTICAS DE ESTADO
Introdução 139
CAPÍTULO V
OS PROPÓSITOS GERAIS DAS POLÍTICAS PARTICIPATIVAS
140
5.1 A participação popular 140
5.1.1 A participação popular e a divisão do trabalho político 141
5.1.2 A participação popular e a utopia de uma sociedade sem classes 144
5.2 As classes populares e suas lutas políticas 148
5.2.1 A participação popular e a (nova) cidadania 151
CAPÍTULO VI
PARTICIPAÇÃO POPULAR E GOVERNOS LOCAIS
155
6.1 As limitações dos governos locais 155
6.2 Os recursos públicos 158
6.2.1 A origem dos recursos 158
6.2.2 Os antagonismos sociais e a gestão pública 159
6.3 A capacidade de arrecadação 161
6.4 A aplicação dos recursos 165
CAPÍTULO VII
PARA UMA TIPOLOGIA DA PARTICIPAÇÃO POPULAR
169
7.1 Participação e poder 169
7.2 A variabilidade da participação popular 170
7.3 A abrangência política e social da participação popular 175
CAPÍTULO VIII
A GESTÃO PARTICIPATIVA DE CAMARAGIBE
180
8.1 Principais modelos de participação popular e gestões estatais 180
8.2 Os conselhos e a (des)ordem social 184
8.3 Os conselhos e a (in)sustentabilidade da produção capitalista 188
8.4 O conselho da cidade de Camaragibe 190
CONCLUSÃO
199
BIBLIOGRAFIA
202
ANEXOS
221
11
INTRODUÇÃO
12
INTRODUÇÃO
O propósito mais geral deste trabalho é o de estudar o Estado burguês e a
participação popular. Especificamente, a participação popular será abordada na
implementação de políticas orçamentárias participativas. Em coerência com o caráter
popular desta participação, será relevante procurar visualizar os limites e as perspectivas
das referidas políticas para o processo de construção do socialismo, ou, em termos mais
rigorosos, do comunismo. Serão consideradas em análise, as políticas orçamentárias
participativas que acontecem no Brasil a partir de experiências municipais, como a que
ocorre no município de Camaragibe, localizado na Região Metropolitana do Recife, em
Pernambuco.
Camaragibe comemora sua data cívica em 13 de maio, como desmembramento
do município de São Lourenço da Mata ocorrido em 1982, e conta com uma área
considerada totalmente urbana que totaliza 55,1 Km
2
, habitados por 128.702 pessoas, de
acordo com o censo demográfico de 2000. O município foi, na maioria das vezes
governado por representantes da burguesia mais tradicional da localidade. A região
metropolitana do Recife o abarcou em sua expansão, mas não transformou ainda a
mentalidade predominante.
As políticas orçamentárias participativas têm, até o momento, maiores
experiências no âmbito municipal. Este é um dos pontos em que esta política vem
demonstrando as suas fraquezas e as suas forças no cenário nacional e mundial.
Outros objetivos desta tese são os de: analisar a dinâmica da referida relação
entre o Estado e a participação popular; avaliar um tipo de política participativa na
definição das políticas orçamentárias implementadas em localidades de diversos matizes
ideológicos e políticos; contribuir para compreender a relação entre Estado e sociedade.
Quanto à teoria, nos embasamos na reflexão contida na tradição marxista
voltada para os aspectos estruturais do Estado burguês e as políticas dele decorrentes.
13
Esta tradição teórica parte de Marx, e continua principalmente em Althusser e
Poulantzas e em autores brasileiros como Saes e Almeida. As questões relacionadas
com localidades e reprodução da força de trabalho são as que apresentam as melhores
contribuições tanto para a crítica quanto para a busca de saídas para as questões em
torno do Estado e a participação popular na definição dos rumos condizentes com
projetos de superação da ordem social burguesa. São importantes também as
contribuições de Bordenave, Demo e Tragtenberg relacionadas à participação popular.
Contribuem ainda para a compreensão e crítica do objeto de nosso estudo a teoria do
valor e das crises que tem como fundamento O Capital e outras reflexões recentes como
as de Bernardo, Rubin e Mandel.
A realização do estudo foi efetuada em três aspectos gerais, que são: 1)
Aprimoramento da apropriação do corpo teórico necessário para o desenvolvimento
deste trabalho com base em uma bibliografia relacionada ao assunto; 2) Análise de
produções significativas do Partido dos Trabalhadores relacionadas com os objetivos
buscados por este trabalho. Neste ponto, poderemos avaliar o alcance teórico das
propostas partidárias diante dos desafios que a ordem burguesa reserva aos
trabalhadores e aos movimentos sociais e, também, as alternativas de superação desta
mesma ordem social. É preciso observar a avaliação feita a partir do município
enquanto local de implementação de uma política que procura ser alternativa à ordem
social em questão, e, apontando os limites, perceber o alcance das saídas que resultam
deste contexto; 3) Pesquisa de campo a partir de um roteiro de entrevistas com líderes
comunitários e populares participantes de gestões dos conselhos do orçamento
participativo da cidade de Camaragibe e de participantes de outros mecanismos formais
e/ou informais de participação popular. Entrevistamos também ocupantes do aparelho
de Estado em nível municipal, incluindo o poder legislativo local. Procuramos verificar
com estas entrevistas as possíveis aproximações e distanciamentos entre o Partido dos
Trabalhadores (PT) e a gestão municipal de 1997 – 2004.
As entrevistas foram efetuadas para obter as informações mais relevantes para
o estudo e tiveram como propósito avaliar o nível de proposta alternativa à ordem social
burguesa. Algumas considerações: 1) Quanto aos que ocuparam cargos na gestão de
Camaragibe procuramos captar a relação das políticas orçamentárias participativas com
outras políticas e observar o potencial questionador e alternativo ao status quo. A
14
pesquisa busca obter a avaliação feita da conjuntura atual e da relação desta com a
ordem social e econômica burguesa e o potencial de superação desta ordem a partir do
ponto de vista e proposta de uma nova sociedade. 2) Quanto a quem esteve relacionado
com cargos no legislativo municipal, nosso propósito foi o de verificar as possíveis
divergências de interesses e conflitos entre os dois poderes e até que ponto estas
diferentes posturas revelam projetos políticos diversos (defesa da ordem ou propostas
diferentes de superação da mesma) e, especialmente, as posições diante da participação
popular nas decisões de governo. 3) Com relação aos participantes de atividades
relacionadas diretamente com a política orçamentária participativa tivemos o propósito
de observar as modificações de posturas políticas após a participação nestas atividades e
a avaliação dos mesmos sobre o processo de participação popular, e o alcance político
destas modificações. 4) Procuramos observar se suas práticas sociais e suas posturas
políticas estão aquém, se nivelam ou superam as proposições definidas pelo partido
político no poder (no caso, o PT), especialmente as relacionadas à transição para o
socialismo. Houve quem solicitasse a não revelação do próprio nome como condição
para conceder a entrevista, razão pela qual adotamos o procedimento de omitir a
identificação de todas as pessoas entrevistadas, mesmo que em certos casos esta
identidade esteja mais do que evidente.
As hipóteses a partir das quais nos propomos realizar este estudo são três. A
primeira, de caráter geral, sustenta que a implementação de políticas orçamentárias
participativas ocorre somente a partir de momentos de crise na condução da dominação
burguesa e, quando esta dominação perde legitimidade de governo, faz despontar a
oportunidade para que novos atores entrem em cena.
A segunda hipótese é que a superação da lógica continuista da ordem social
passa pela constituição dos setores populares (trabalhadores e movimentos populares e
eclesiais) como parceiros de ocupantes do executivo (gestores municipais) na definição
de políticas de Estado, com vistas à superação de (des)ordem social burguesa.
A terceira hipótese é mais específica do município onde o trabalho foi
desenvolvido. Em Camaragibe, a elevação dos diversos setores populares organizados
em busca de aprimoramento de condições gerais de vida coloca-os explicitamente na
15
área de conflitos de interesses entre frações tradicionais da política pernambucana, que
representam a nível local a burguesia que governou o Estado na maior parte do tempo.
Estas hipóteses somente podem ser verificadas considerando uma totalidade em
que estão presentes os elementos constitutivos do Estado burguês com a vigência de
alguma forma de participação popular. Portanto, o ponto de partida é uma realidade
social considerada em seu aspecto histórico e circunscrito a uma localidade que
concentra a observação cognoscente. Assim sendo, dois aspectos fundamentais devem
ser levados em consideração ao produzir conhecimentos. Um destes aspectos é a
historicidade do real, isto é, a sua dinamicidade no tempo e no espaço. O outro aspecto é
o caráter provisório do conhecimento sobre o objeto selecionado para ser estudado. Um
e outro estão numa relação indissociável na medida em que modificações na natureza do
real acarretam necessidades de adequações no conteúdo teórico correlato.
Para observar o real (o concreto) em sua dinâmica espacial e temporal é preciso
considerar os elementos que compõem esta totalidade, ou seja, como uma realidade
estruturada tanto no nível social quanto no nível político e, ainda no ideológico
apresenta as tendências do seu devir. Esta realidade dinâmica é o ponto de partida do
conhecimento. Ela é
“uma rica totalidade com múltiplas determinações e relações (...). O
concreto é concreto por ser a síntese de múltiplas determinações,
portanto, unidade da diversidade. Aparece no pensamento como
processo de ntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda
que seja o verdadeiro ponto de partida, também da observação
imediata e da representação. No primeiro passo, a representação plena
é volatizada em determinação abstrata; no segundo, as determinações
abstratas conduzem à reprodução do concreto pela via do pensamento
(...). O método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto é
para o pensamento somente a maneira de apropriar-se do concreto, de
reproduzi-lo como concreto pensado” (Marx,1986a:21-22).
Determinantes e relações sociais são os elementos constitutivos de uma
realidade que merecem a devida atenção. Determinantes são aqueles aspectos que
demarcam os limites e estabelecem a posição das práticas e orientam a reprodução das
mesmas no interior de uma sociedade específica. Burguesia e proletariado, por exemplo,
são classes determinantes da formação social burguesa. As pessoas realizam suas
16
práticas sociais conforme as delimitações reservadas à classe social em que se
encontram inseridas. Relações sociais são as interações que pólos sociais distintos
estabelecem com o objetivo de atingir certos objetivos característicos destas polaridades
dentro da sociedade. Cada pólo é composto por uma classe social fundamental da
sociedade em consideração (Cf. Bernardo, 1991b:23-32).
O conhecimento de uma realidade parte das suas múltiplas relações e
determinações que compõem a formação social brasileira e, também, da particularidade
da realidade local que é objeto deste estudo. Trata-se de uma formação social
engendrada pela dominância do modo de produção capitalista e do Estado a ele
correspondente
1
. Mas, nada de defender uma correspondência biunívoca entre uma
totalidade real com todos os elementos que dela fazem parte e os conceitos teóricos
utilizados para a análise em todo o processo. elementos que tanto se expressam
como o testemunho de um passado, quanto podem ser a expressão de algo que tenta
estabelecer-se.
“O dinheiro pode existir e existiu historicamente antes de existir o
capital, antes da existência dos bancos e do trabalho assalariado. Deste
ponto de vista, podemos dizer que a categoria mais simples pode
exprimir relações dominantes de um todo menos desenvolvido ou as
relações subordinadas de um todo mais desenvolvido, relações que
existiam historicamente antes que o todo se desenvolvesse no
sentido que encontra a sua expressão numa categoria mais concreta.
então, a evolução do pensamento abstrato, que se eleva do mais
simples ao mais complexo, pode corresponder ao processo histórico
real. Por outro lado, podemos dizer que formas de sociedade muito
desenvolvidas, mas, historicamente imaturas, e nas quais se encontram
as formas mais elevadas da economia, como, por exemplo, a
cooperação, uma divisão do trabalho desenvolvida, etc., sem que
exista qualquer forma de moeda (Marx, 1986a:23; Cf. Idem,
1977:231-232).
O conjunto deste trabalho é dividido em três seções. Na primeira, apresentamos
a relação entre tipos de Estado e as formações sociais presentes na história da
humanidade que têm suas sustentações na separação entre os produtores diretos a os que
apropriam dos resultados do trabalho. As relações sociais que decorrem desta separação
1
Por modo de produção entendemos “um todo complexo com dominância, em última instância, do
econômico: dominância em última instância para a qual reservamos o termo de determinação”, e
“formação social constitui uma unidade complexa com dominância de um certo modo de produção sobre
os outros que a compõem” (Poulantzas, 1977:13 e 15).
17
e as determinações abstratas e concretas constituem os fundamentos objetivos que
estruturam as sociedades em classes que condicionam os comportamentos individuais e
coletivos e a constituição do poder político burguês (Cf. Poulantzas, 1977:83-94,
seguindo Marx, 1986a:23). Esta seção compreende os dois primeiros capítulos. Na
segunda seção abordaremos o Estado e a democracia burguesa que delineiam o
exercício do poder na sociedade brasileira e buscamos ressaltar a historicidade deste
tipo de domínio político e sua incompatibilidade com as aspirações populares. Estes
assuntos estão expostos no terceiro e quarto capítulos. Na terceira seção deste trabalho
verificamos algumas exposições teóricas sobre práticas de participação popular na
definição de políticas orçamentárias participativas, procurando revelar o conflito de
posturas teóricas e políticas sobre a prática participativa. Este conteúdo abarca do quinto
ao oitavo capítulos deste trabalho.
No primeiro capítulo temos a atenção voltada para as sociedades de classes e os
tipos de Estado que a elas melhor correspondem. No segundo capítulo apresentamos o
surgimento da cidade de Camaragibe como parte deste processo social e o exercício do
poder político neste município. No terceiro capitulo caracterizamos o Estado burguês
por meio de suas políticas fundamentais e que se relacionam com a reprodução da
ordem social que favorece a acumulação privada de valores pelos capitalistas. O quarto
capítulo expressa a incongruência entre a democracia burguesa e a efetiva expressão da
vontade popular. Esta democracia não é nada mais do que uma forma de domínio que é
mais conveniente aos capitalistas pela sua aparente neutralidade perante os
antagonismos da sociedade burguesa. O quinto capítulo situa a participação popular no
contexto da divisão do trabalho político, a relaciona com a utopia de uma sociedade sem
classes e a potencialidade da constituição de uma nova cidadania. O sexto capítulo
visualiza a participação popular nos governos locais considerando a questão dos
recursos públicos e os antagonismos presentes em nossa sociedade. O sétimo capítulo
tipifica a participação popular e apresenta a potencialidade da mesma com vistas à
construção de uma sociedade sem exploração e sem dominação de classes. O oitavo
capítulo tem suas atenções voltadas para a gestão petista de Camaragibe. Nesta
oportunidade mostramos o modelo de gestão desenvolvido na cidade e a potencialidade
do modelo perante a perspectiva de uma sociedade que supere o capitalismo.
18
PRIMEIRA SEÇÃO
AS SOCIEDADES DE CLASSES E O PODER POLÍTICO
19
INTRODUÇÃO
O fracionamento da sociedade em classes antagônicas embasou a constituição
de um poder político cujo objetivo fundamental sempre foi o de garantir a reprodução
da dominação de classe como garantia dos privilégios de uma minoria social sobre a
maioria da população. A primeira seção deste trabalho apresenta uma visão deste
processo que considera as estruturas sociais e os tipos de Estado que caracterizam as
formações sociais no decorrer do processo histórico e que estão relacionados com a
(ausência de) participação popular.
É deste processo histórico que desponta o objeto de estudo deste trabalho que é
o da participação popular nas decisões sobre políticas implementadas pelo Estado
burguês, e com atenção especial ao exercício do poder local, considerando o município
de Camaragibe, no qual concentramos o foco de nossas atenções. O território municipal
foi um dos locais no Brasil em que as atividades produtivas do tipo capitalista
despontaram dentro do processo revolucionário burguês pelo qual o nosso país passou
no final do século dezenove.
20
CAPÍTULO I
AS SOCIEDADES DE CLASSES E A REPRODUÇÃO DA VIDA
1.1 – A produtividade social e as formas de dominação
Após fixarem moradia num dado território os seres humanos passam a
depender de condições que lhes são fisicamente externas. Os cultivos que efetuam
passam a contar com as variações climáticas, com a fertilidade e relevo do solo e a
forma específica de constituição do agrupamento humano e das suas relações com
outros grupos distintos na produção e na reprodução das condições de existência (Cf.
Poulantzas, 1977:154, seguindo Marx, 1981a:66-67). As diversas formas de produção
da vida tornam-se o cerne das preocupações materiais e intelectuais. “O que distingue as
diferentes épocas econômicas não é o que se faz, mas como, com que meios de trabalho
se faz” (Marx, 1968:204. O Capital, liv. I, vol. I, cap. V).
Decorre daí, a possibilidade do surgimento de sociedades compostas por
classes sociais distintas. Constituídas as classes, aquela que reúne melhores condições,
exerce uma dominação e executa uma forma específica de exploração do trabalho de
outra classe da mesma sociedade. Se os trabalhadores diretos detêm a posse e as
habilidades técnicas dos meios de produção, somente pode haver extração de trabalho
excedente por outra classe com recurso à coerção extra-econômica (Cf.; Marx,
1980e:906. O Capital, liv. III, vol. VI, cap. XLVII; Srour, 1978:449). Instituições são
constituídas para realizar as coações ou estarem aptas a realizá-las, sempre que se fizer
necessário. O poder político é exercido por meio de uma conjunção de instituições que
funcionam como aparelhos de Estado. O Estado é uma instituição que organiza a ação
destes aparelhos com a finalidade de garantir a realização dos objetivos da classe
dominante numa sociedade específica.
Deste modo, surgiram na história humana, diversos tipos de sociedade
conforme a composição específica da dominação de classe com a sua forma de
expropriação do trabalho excedente de outra(s) classe(s) e o correspondente poder
21
político. O Estado assume configurações institucionais próprias a cada tipo de
dominação de classe e desempenha funções sociais decorrentes destas mesmas
configurações. Com isso, o marxismo identifica quatro tipos diferentes de Estado como
o escravista, o despótico, o feudal com a transição absolutista, e o capitalista ou burguês
(Cf. Saes, 2001:96-97). Apresentaremos uma breve descrição das configurações pré-
burguesas de Estado
2
para, depois, ver com maior atenção as estruturas que
fundamentam a sociedade burguesa.
1.1.1 - O Estado pré-burguês
As três configurações pré-burguesas do Estado correspondem a relações de
exploração de classe que necessitam de coerção extra-econômica para realizar os seus
objetivos. A relação predominante de exploração econômica caracteriza o tipo de
Estado na medida em que ela aponta qual é a classe exploradora e a classe explorada de
cada formação social. O tipo escravista de exercício do poder político tem como
características a existência de uma classe de senhores de escravos que, sendo
proprietária dos meios de produção, tem a posse de pessoas e pode se apropriar de
outras, por meios de instrumentos social e politicamente estatuídos. Há, portanto,
propriedade de coisas e de pessoas. O predomínio do escravismo exige uma instituição
estatal que lhe seja correspondente e que garanta sua reprodução
3
. Aristóteles justifica a
instituição escravocrata fundamentando-a em razões naturais e depois aponta a guerra
como uma razão fundamental que faz surgir novos escravos.
Na visão aristotélica existem dois tipos de escravos. O primeiro tipo são
aqueles cuja condição social é decorrente da própria natureza. Os escravos são pessoas
que estão na condição de terem que executar tarefas sob as ordens inquestionáveis de
um senhor. “Sua condição apenas permite uma virtude proporcional à dependência,
visto que, dedicado às artes mecânicas, ele não possui senão uma servidão limitada”. O
esforço teórico de Aristóteles em fundamentar a escravidão como decorrente da
natureza constitutiva de determinadas individualidades é inconsistente em suas próprias
2
Para uma exposição mais aprofundada do tema é recomendável consultar autores como: Marx, 1981a;
Godelier, 1974; Saes, 1987; Idem, 1999; Pinsky, 1982; Srour, 1978; e Poulantzas, 1977.
3
Engels observou que a escravidão acompanha todas as formações sociais antagônicas observadas na
história da humanidade (Cf. Koval, 1982:18).
22
palavras. Ele mesmo aponta que a dependência pessoal é decorrente da condição de
exercer atividades mecânicas. Por isso, não é a natureza, mas sim, o exercício de um
tipo de atividade é o que condiciona um ser à dependência de outro. Ele mesmo ressalta
a divisão social do trabalho entre os que se dedicam às atividades manuais e aqueles
empenhados em atividades intelectuais, e ainda reconhece que o exercício de atividades
manuais não decorre da natureza, pois, “o escravo vive em comum com o seu dono; o
artesão vive mais independente e afastado (...). A natureza fez o escravo; ela não fez
nem o sapateiro, nem outro artesão qualquer”. Assim sendo, a condição de escravo não
é decorrente da natureza, mas o resultado de uma condição social que segrega, restringe
opções e submete uma parcela das pessoas ao exercício de atividades produtivas cujos
resultados não são revertidos em benefício de quem produz (Aristóteles, 1966:31. A
Política, liv. I, cap. IV, §15).
Mesmo fundamentando a divisão social do trabalho e de classes como
condição natural dos seres, Aristóteles reconhece as delimitações tênues da própria
argumentação. “A ciência do senhor consiste no uso que ele faz de seus escravos; ele é
amo, não tanto por possuir escravos, porém por que deles se utiliza. Esta ciência do
senhor nada tem, aliás, de muito grande ou de muito alto; ela se reduz a saber ordenar
aquilo que o escravo deve saber executar. Igualmente todos os que podem furtar-se a ela
deixam as suas preocupações a um criado, e entregam-se à política ou à filosofia
(Aristóteles, 1966:19. A Política, liv. I, cap. II, § 23). A distinção absoluta entre o
senhor e o escravo e entre quem governa e quem é governado somente tem como seus
suportes a reprodução da sociedade dividida em classes.
O segundo tipo de escravidão é aquele de que fazem parte os que se tornaram
escravos em razão de derrotas bélicas ou por dívidas. “Existem homens que são
escravos em qualquer parte, e, outros não são escravos em parte alguma” (Aristóteles,
1966:18. A Política, liv. I, cap. II, § 19). As guerras fazem com que os vencedores
subordinem uns povos a outros e os condicionem ao exercício de trabalho compulsório.
Depois de conceber o ser humano como constituído de corpo e alma,
Aristóteles subdivide esta última em duas frações, com características opostas uma à
outra, sendo “uma, a que ordena, outra a que atende, e suas qualidades são bem
diferentes. Esta harmonia acha-se de modo evidente nos seres, e assim a natureza
23
destinou parte deles a mandar e parte a obedecer” (Aristóteles, 1966:30. A Política, liv.
I, cap. IV, § 10).
Ao construir a própria argumentação, mais uma vez, Aristóteles demonstra sua
localização social e histórica enquanto membro de uma sociedade escravista, quando
justifica a dominação de classe e não aponta elemento de possível mudança social. Ele
permanece fiel à sua fundamentação epistemológica naturalista e sustenta que
autoridade e obediência são coisas tanto necessárias quanto úteis. Mas, necessidade e
utilidade são atributos sociais historicamente desenvolvidos (Cf. Aristóteles, 1966:15. A
Política, liv. I, cap. II, § 8). E, falar em autoridade é definir quem (não) pode exercer o
poder em determinada sociedade. Participa do poder os que desfrutam da condição de
cidadão, e estes são os homens livres. “Cidadão é o que possui participação legal na
autoridade deliberativa e na autoridade judiciária” (Aristóteles, 1966:77. A Política, liv.
III, cap. I, § 8). Assim, nem todos os homens são cidadãos, mas esta é uma condição
reservada aos que podem aspirar para si mesmo o exercício de função decisória num
aparelho de Estado. Para o pensamento aristotélico, quem não pode ser considerado
cidadão, mesmo que estas pessoas com suas atividades sejam necessárias à vida na
polis. A condição de cidadania está contraposta a uma outra que é a condição de
escravidão. Do mesmo modo que um aparato militar pode se utilizado para escravizar
mais pessoas empreendendo guerras sob as decisões de um Estado, as forças militares
coesas garantem a manutenção de pessoas escravas nos limites de um território.
E estas forças militares constituem um dos principais fatores que revelam a
contradição básica da fundamentação naturalista do pensamento de Aristóteles, uma vez
que ele próprio aponta que os grandes proprietários são os que podem criar cavalos e
com isto, constituir uma infantaria pesada. Outro fator determinante é a grande
propriedade rural como principal fonte de meios de vida. O senhor proprietário de terras
é também o que ocupa os postos da alta hierarquia do aparato militar que garante a
permanência da escravidão (Cf. Aristóteles, 1966:227. A política, liv. VII, cap. III, § 3).
Outra configuração pré-burguesa do Estado é a aquela caracterizada pelo
domínio despótico de classe. O tipo despótico (ou asiático) de Estado tem como base
social um conjunto de comunidades aldeãs que estão submetidas a um poder supremo,
geralmente centralizado numa individualidade de referência, e que confere unidade ao
24
conjunto de aldeias. Nelas não há, formalmente, propriedade individual, mas estatal. “A
propriedade aparece como cessão da unidade global ao indivíduo, através da mediação
exercida pela comunidade particular. O déspota surge como o pai das numerosas
comunidades menores, realizando a unidade comum de todas elas. Conclui-se que o
produto excedente pertencia à unidade suprema. O despotismo oriental aparentemente
leva a uma ausência legal de propriedade” (Marx, 1981a:67 e 78).
Há, nestas sociedades, uma forma dual de propriedade que se expressa pela
propriedade estatal e pela propriedade privada, sendo que a primeira caracteriza um
pressuposto necessário da segunda. A propriedade privada é uma concessão do poder
estatal como direito de ocupação produtiva do solo. Condições produtivas
individualmente inacessíveis somam-se aos fatores determinantes de um Estado
proprietário composto por sacerdotes e funcionários (militares) que detém a propriedade
da terra e que proporciona gastos com irrigação - o que incrementa a produtividade do
solo sobre o que se realiza uma extorquia de valores excedentes. Enquanto pertencentes
à comunidade as pessoas são livres, portanto, não se encontram nas mesmas condições
das que estão submetidas ao escravismo. Na formação social em que predomina a
produção asiática há o despotismo de uma comunidade superior com sua chefia suprema
que exerce o domínio sobre as outras comunidades dispersas por um território (Cf.
Marx, 1980a:588-9. O capital, liv. I, vol. II, cap. XI).
A formação social feudal proporcionou um outro tipo de Estado de acordo com
as exigências da condição social e produtiva. O tipo feudal de exercício do poder é
específico das condições de apropriação do trabalho excedente dos servos de um feudo
pela intervenção de um séqüito de vassalos. “Os serviços prestados pelos vassalos
garantem-lhes o acesso à propriedade, assumindo caráter econômico e representam, em
última instância, o mecanismo de coação (acionado ou pronto a sê-lo) necessário para
que a apropriação do excedente ocorra” (Srour, 1978:452, Cf. Godelier, 1974:76-100).
Sob juramento de submissão e fidelidade, os vassalos garantem a expropriação dos
servos em favor de um suserano, e em favor de si mesmos, por meio da constituição de
forças militares para dar curso à entrega de produção excedente por parte dos produtores
diretos. “Todas as formas em que o produtor direto ‘possui’ os meios de trabalho e os
meios de produção necessários para gerar os próprios meios de subsistência, a relação
25
de propriedade surge simultânea e fatalmente como relação direta de dominação e
servidão, aparecendo o produtor imediato como servo. Essa dependência pode reduzir-
se, indo da servidão com corvéia para a mera obrigação de pagar um tributo” (Marx
1980c:906. O Capital, liv. III, vol. VI, cap. XLVII).
Neste tipo de Estado o exercício do poder tem as limitações legitimadoras da
lei divina e dos privilégios dos Estados que compõe a formação social medieval
fragmentada em células produtivas e domínios territoriais com titulares hierarquizados e
sobrepostos uns aos outros. O discurso ideológico deste Estado busca seus fundamentos
numa vontade pretensamente supra-humana, ou seja, divina. O Estado feudal é
concebido como “manifestação da ordenação cósmica–divina” (Poulantzas, 1977:158).
As contradições da formação social feudal proporcionaram o surgimento das
condições para o surgimento de uma nova formação social. Poulantzas delimita o
exercício absolutista do poder como próprio de um Estado de transição do feudalismo
para o capitalismo (Cf. Poulantzas, 1977:153 e 156). Num tempo em que ainda não
apresentava uma dominância plena do modo de produção capitalista havia uma
convivência conflituosa entre procedimentos feudais e os procedimentos submetidos ao
capital. Trata-se, portanto, de um Estado favorável à burguesia nascente
4
no seu
confronto com a aristocracia dominante. É um processo em que muitas pessoas
conseguem se livrar da condição servil e se estabelecer nos aglomerados urbanos
presenciando a competição entre a cobrança de impostos por parte do Estado e a
arrecadação tributária própria do senhorio. O artesão e o negociante são figuras
destacadas neste processo. Quando o primeiro passa a submeter uma quantidade de
força de trabalho assalariada da qual extrai mais-valia, ele torna-se capitalista. O
negociante que, por sua vez, cria uma manufatura segue o mesmo procedimento e
assume comportamentos capitalistas. O modo burguês de ser estava comprimido no
interior de uma formação social que não lhe correspondia
5
. As novas condições
determinantes da produção e reprodução da vida social estavam em desajustes com a
garantia de privilégios aristocráticos (Cf. Soboul, 1973:11-15).
4
“L´Etat absolutiste (...est) un instrument de la bourgeoise naissante contre l´aristocratie” (Anderson,
1978:19).
5
“La structure sociale, aristocratique et hierarchisée, maintenait chez les sujets un complexe d´infériorité
qui entrenait résignation et respect, par ailleurs commandés par la religion et maintenus par la contrainte
d´um État autoritaire et intolérant” (Soboul, 1973:10-11).
26
Neste período inicial para o capitalismo a burguesia apresentava profunda
necessidade da intervenção permanente do Estado para garantir as condições inerentes à
produção de mercadorias. Era necessário quebrar as resistências ao trabalho continuado
para atender a produção e também garantir uma superpopulação relativa para obter uma
oferta de força de trabalho ao nível das exigências da procura sem pressão para elevar o
salário e assim manter um vel de extração da mais-valia. A coação própria das
relações econômicas capitalistas ainda não conseguia sobreviver sem ser coadjuvada
pela violência direta ainda que cada vez mais esporádica. É o que caracteriza a
acumulação primitiva (Cf. Marx 1980a: 854-855, O Capital, liv. I, Vol. II, cap. XXIV).
O período do poderio absolutista caracteriza-se pelo estabelecimento das
condições do modo de produção capitalista que ainda não podia sustentar-se por suas
próprias forças. Esta produção surge como uma maneira de produzir dentre outras. O
discurso da livre iniciativa ganha expressões cada vez mais amplas. “O capitalismo
exigia a liberdade porque necessitava dela para assegurar o seu impulso, a liberdade sob
todas as suas formas: liberdade da pessoa, condição do assalariado – liberdade dos bens,
condição de sua modalidade liberdade do espírito, condição da pesquisa e das
descobertas científicas e técnicas” (Soboul, 1989:11). O poder político nestas condições
é de caráter centralizador, absoluto e aglutinador de um conjunto nacional abrangendo
um território determinado. O tipo absolutista de Estado mantém um exército a serviço
do poder central composto por mercenários que não mais se identificam e nem se
submetem por laços feudais. Este Estado constitui-se como sendo o prenúncio do
Estado burguês cada vez mais próximo. “O Estado absolutista apresenta, assim, uma
autonomia em relação à instância econômica” (Poulantzas, 1977:159).
1.1.2 - A sociedade burguesa
A formação social capitalista tem o predomínio da garantia de processo de
concentração de riqueza que favorece aos donos do capital. “O processo de produção de
capital inclui tanto o processo de circulação propriamente dito, como o processo de
produção propriamente dito. Constituem os dois grandes capítulos do seu movimento,
que se apresentam como totalidade desses dois processos. Por um lado está o tempo de
27
trabalho, por outro o tempo de circulação” (Marx, 1986b:130). Os movimentos que
ocorrem no interior de uma dada sociedade precisam estar dentro de certos limites para
realizar os objetivos que deles são esperados. As práticas ocorrem dentro de limites que
funcionam como suportes e garantem a articulação social das ações efetivadas na
sociedade em níveis específicos da formação. Estes limites são fornecidos por estruturas
sociais.
Uma estrutura social define limites de variabilidades nas relações que são
levadas a termo no interior de uma sociedade. A estrutura funciona como determinante
da vida individual e coletiva, fazendo com que diferentes modos de vida sejam
efetivados, sejam louvados e cultivados. A estrutura social é uma determinante geral da
vida numa coletividade. Uma estrutura delimita e articula as práticas sociais e os
pensamentos correlatos a estas mesmas práticas, condicionando as expectativas pessoais
e grupais e, ainda, possibilita reproduzir o que pode resultar dos relacionamentos sociais
e produtivos num determinado espaço e tempo (Cf. Althusser & Balibar, 1974:222 e
288, Wright, 1981:16-28).
Marx destaca três estruturas que devem ser levadas em consideração nas
análises de situações concretas que são compostas pelas instâncias econômica,
ideológico-jurídica e política. Elas são integrantes das realidades sociais. “O econômico,
o político e o ideológico não constituem essências prévias que entrem em seguida em
relações externas (...). A articulação, própria à estrutura do todo de um modo de
produção, comanda a articulação das instâncias regionais” (Poulantzas: 1977:16).
Marx manifesta a sua posição de que, embora a estrutura econômica seja a base
sobre a qual o conjunto da sociedade está soerguido, esta estrutura não é absolutamente
determinante. As múltiplas determinações e relações sociais interagem entre si,
influenciando e recebendo influências. Não resta dúvida de que a estrutura produtiva é
um elemento essencial da totalidade social, na medida em que a produção e a
reprodução das condições de existência constituem preocupações que nenhuma
comunidade humana pode negligenciar se quiser continuar presente dentre o conjunto
dos seres vivos. A realidade é aberta a novas possibilidades de conjunção dos elementos
que resultam em novas formações sociais, a partir do momento em são estabelecidas
uma nova configuração fundamental, que é a estrutura produtiva. Assim sendo, a
28
estrutura econômica é um elemento muito importante da análise que desenvolvemos
neste trabalho.
Mas, a produção não acontece no vazio, como se os instrumentos de produção
estivessem à disposição para se interligarem com a força de trabalho necessária ao seu
emprego eficiente, por meio de uma cooperação humana adequada ao nível tecnológico
destes instrumentos e com objetivos naturalmente existentes. “Na produção social da
sua existência, os homens estabelecem relações determinadas necessárias,
independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um
determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto
destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base
concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política” (Marx, 1977:28).
Enfrentando desafios e formulando soluções, os seres humanos desenvolvem fórmulas
que se estabelecem e passam a determinar as ações individuais e coletivas. A formação
social, em particular a que se trata neste trabalho, que é a capitalista, precisa ser
analisada considerando três estruturas inter-relacionadas de um modo que caracteriza a
sociedade burguesa. “Nenhuma produção é possível sem um instrumento de produção,
ainda que esse instrumento seja somente a mão. Nenhuma é possível sem o trabalho
passado acumulado, ainda que este trabalho seja somente a destreza que o exercício
repetitivo desenvolveu e concentrou na mão do selvagem. O capital, entre outras coisas,
é também um instrumento de produção; é também trabalho passado objetivado” (Marx,
1986a:5). Além da estrutura econômica ou produtiva, há de se considerar ainda a
estrutura jurídica e a estrutura política.
1.2 - As estruturas da sociedade capitalista
1.2.1 - A estrutura econômica
A economia capitalista se constitui por meio de um longo caminho em que vai
efetivando a dissolução dos determinantes que embasam o modo anterior de produção e
que impediam ou dificultavam o estabelecimento do novo modo de produção. Neste
processo vai compondo a diferença específica entre o capitalismo e outros modos de
produção. “O sistema capitalista pressupõe a dissolução entre os trabalhadores e a
29
propriedade dos meios pelos quais realizam o trabalho (...). Converte em assalariados os
produtores diretos. A chamada acumulação primitiva é apenas o processo histórico que
dissocia o trabalhador dos meios de produção. É considerada primitiva porque constitui
a pré-história do capital e do modo de produção capitalista”. (Cf. Marx, 1980a:830. O
Capital, liv. I, vol. II, cap. XXIV).
As dispersões que caracterizam o espaço rural e as atividades produtivas neles
realizadas precisam sofrer modificações para estar em consonância com a sociedade. As
bases que sustentam um modo de vida ligado à terra com a conseqüente obtenção dos
meios de subsistência a partir da utilização dos próprios instrumentos de trabalho pelos
trabalhadores diretos precisam ser desfeitas. Os grandes meios de produção necessitam
encontrar disponível uma considerável quantidade de força de trabalho que se submeta a
acatar as novas condições de trabalho. Liberada das condições que a fixavam à terra,
esta força de trabalho agora se encontra “livre” para ser empregada em uma indústria
em troca de salário, independente do lugar em que esteja instalada. É agora uma força
de trabalho assalariada. A desapropriação dos trabalhadores diretos dos próprios meios
de produção é uma das condições para que haja a concentração destes meios de
produção sob a propriedade de uma minoria social, isto é, de uma classe de
privilegiados proprietários. Estes proprietários de meios de produção se distanciam
consideravelmente dos produtores diretos quanto às condições spares de vida. “A
única propriedade significativa, do ponto de vista da estrutura do processo de produção
é a dos meios de produção” (Althusser & Balibar, 1974:253).
Constituídas as suas linhas determinantes, a estrutura capitalista de produção
cuida agora de reproduzir os agentes produtivos conforme suas características próprias.
Deste modo, o proletário encontra-se estruturalmente coagido a vender sua força de
trabalho para sobreviver. “O consumo produtivo e o individual do trabalhador são
totalmente diversos. No primeiro, opera como força motriz do capital, e pertence ao
capitalista, no segundo, pertence a si mesmo e realiza funções vitais do processo de
produção. O resultado de um é a vida do capitalista e do outro é a vida do próprio
trabalhador” (Marx,1980a:663. O Capital, liv. I, vol. II, cap. XXII). Não é mais a coação
a que o escravo se encontrava, quando se submetia ao senhor em questões de vida ou
morte. É a estrutura econômica que delimita a ação “livre” do proletário. A descoberta
do ouro e da prata na América, com a sua extração e com o emprego do trabalho
30
escravo é outro elemento ressaltado por Marx na constituição da acumulação primitiva
de capital. A volumosa soma de riqueza social acaba por se tornar um fundo de valores
à disposição dos capitalistas em razão das condições estruturais que lhes garantem este
privilégio. O processo possibilitou uma acumulação de riqueza sem precedente na
Europa. Mas essa reformulação social não foi pacífica. Medidas como a coerção
ativamente implementada e a manipulação dos mecanismos econômicos e sociais
sempre estiveram na ordem do dia, na medida em que eram necessários para atingir os
objetivos burgueses (Cf. Bernardo, 1991a:102; Marx, 1980a:868. O Capital, livro I, vol.
II, cap. XXIV).
Neste processo contribui também a dívida blica que se tornou um elemento
fundamental para a constituição de um volume de recursos financeiros, que se capitaliza
atendendo as necessidades de crédito para prover as necessidades dos empreendimentos
capitalistas. Marx observou a gica constituinte de uma fração financista dos
capitalistas nos cinco textos seguintes. “Como uma varinha de condão, ela dota o
dinheiro de capacidade criadora, transformando-o assim em capital, sem ser necessário
que seu dono se exponha aos aborrecimentos e riscos irreparáveis das aplicações
industriais e mesmo usuárias. Os credores do Estado nada dão na realidade, pois a soma
emprestada converte-se em tulos da dívida pública, facilmente transferíveis, que
continuam a funcionar em suas mãos como se fossem dinheiro”. A dívida pública
alimenta a circulação monetária a partir de decisões provenientes do aparelho de Estado
que compõem o conteúdo e os rumos de uma política de favorecimento do domínio de
classe que é própria do Estado burguês na medida em que privilegia a realização dos
negócios da burguesia. “A dívida pública criou uma classe de capitalistas ociosos,
enriqueceu de improviso os agentes financeiros que servem de intermediários entre o
governo e a nação. As parcelas de emissão adquiridas pelos arrematantes de impostos,
comerciantes e fabricantes particulares lhes proporcionam o serviço de um capital caído
do céu”. Estes recursos que tornados disponíveis contribuem para impulsionar as
atividades capitalistas e fazem surgir uma espécie de atividade que possibilita a
constituição de um segmento da classe capitalista que se dedica a obter valores a partir
da intermediação de recursos monetários de que a produção e o comércio necessitam
para viabilizar e efetivar as respectivas atividades. É uma fração de classe que usufrui
das atividades de extorquia dos trabalhadores que outras frações capitalistas procuram
efetivar. Esta fração burguesa de classe usufrui do trabalho alheio por disponibilizar
31
valores no sistema de crédito. O ciclo destes recursos se completa no momento em que
o próprio Estado que os torna disponíveis passa a tomar (parte de) estes mesmos
recursos para garantir seu próprio funcionamento. “Mas além disso, a dívida pública fez
prosperar as sociedades anônimas, o comércio com os títulos negociáveis de toda a
espécie, a agiotagem, em suma, o jogo da bolsa e a bancocracia moderna. O banco da
Inglaterra começou emprestando seu dinheiro ao governo a juros de 8%; e, ao mesmo
tempo, foi autorizado pelo Parlamento a cunhar moedas utilizando o capital emprestado
ao governo”. Com isto, de credor e estimulador do processo de produção capitalista, o
Estado torna-se um devedor e prisioneiro (de uma fração) dos capitalistas. “Passou
então a emprestar o mesmo capital ao público sob a forma de bilhetes para descontar
letras, emprestar com garantia de mercadorias e comprar metais preciosos. Não passou
muito tempo para o banco fazer empréstimos ao Estado nessa moeda fiduciária e para
pagar com ela, por conta do Estado, os juros da dívida pública”. Deste modo, ficou
estabelecida a sustentação do capital financeiro, cuja dinâmica procura arrastar o
processo produtivo de onde obtém os valores excedentes como finaliza Marx. “Não
bastava que o banco recebesse muito mais do que dava; ainda recebendo, continuava
credor eterno da nação até o último centavo adiantado. Progressivamente tornou-se o
guardião inevitável dos tesouros metálicos do país e o centro de gravitação de todo o
crédito comercial” (Marx, 1980a:872-873. O Capital, liv. I, vol. II, cap. XXIV).
O processo de acumulação primitiva permite constituir os elementos
determinantes do capital com os seus objetivos definidos e colocá-los em vias de
realização. Deste modo, este processo proporciona a formação de um aglomerado de
força de trabalho livre, a concentração e apropriação privada dos meios de produção e a
garantia de recursos necessários ao crédito (Ver capítulo III).
Quanto ao cerne que caracteriza a estrutura produtiva destacam-se os elementos
determinantes do processo que são: matéria-prima, instrumentos de trabalho, e força de
trabalho. Dois grupos de agentes fundamentais se destacam neste processo. Um destes
agentes é o que se constitui como proprietário dos meios de produção. O outro é o
composto por aquela massa de população que foi destituída dos meios de obtenção que
ela mesma necessita para o próprio sustento, e que, a partir da consolidação deste
processo, possuem somente a própria força de trabalho. Estes dois agrupamentos
humanos precisam estabelecer relações para efetivar a produção, mas possuem objetivos
32
antagônicos em virtude dos interesses inconciliáveis de cada um diante do outro.
Destituídas dos meios de sobrevivência, as pessoas do segundo grupo encontram como
forma de obter os víveres de que necessitam, a submissão aos ditames do grupo, que
agora é composto pelos proprietários dos instrumentos de trabalho, e têm acesso
assegurado aos recursos financeiros imprescindíveis à obtenção de matérias primas.
Este segundo grupo tem como objetivo imediato garantir a própria sobrevivência e,
neste ponto, coincide com o propósito do primeiro grupo de pessoas. Se a direção
capitalista é dúplice em seu conteúdo, em virtude da dupla natureza do processo de
produção a dirigir que, ao mesmo tempo, é processo de trabalho social para produzir um
produto e processo de produzir mais-valia, ela é, quanto à forma, despótica” (Marx,
1968:380-381. O Capital. liv. I. vol. I. cap. X). Para constituir uma sociedade enquanto
capitalista, os agentes sociais deste projeto necessitaram realizar um esforço que, por
meio do absolutismo articulou aspectos do feudalismo com o capitalismo nascente (Cf.
Bernardo, 1977a:320-327). Aqui está um dos elementos pelos quais são estabelecidas
relações produtivas entre os dois grupos humanos. Elas acontecem sob as determinações
sociais e historicamente constituídas da propriedade privada dos meios de produção e
do trabalho assalariado (Cf. Borges Neto, 2002:106).
Se, à primeira vista, estas relações parecem harmoniosas, elas comportam, na
verdade, objetivos antagônicos. Os proprietários dos meios de produção possuem um
objetivo estruturalmente estabelecido que é inerente à lógica primordial da produção
capitalista, que é o de obter riqueza privadamente acumulada. “O processo de trabalho
converte-se no instrumento de valorização, do processo de autovalorização do capital, a
criação de mais-valia. O processo de trabalho subsume-se no capital o processo do
próprio capital), e o capitalista entra nele como dirigente, guia; para este é ao mesmo
tempo, de maneira direta, um processo de exploração do trabalho alheio. É isto o que
denomino subsunção formal do trabalho ao capital” (Marx, 1975:73).
Como não é possível estabelecer um consenso no interior da estrutura
produtiva capitalista, os dois agrupamentos humanos se transformam em antagônicos
quanto aos objetivos específicos de cada um deles. Trata-se, portanto, de uma estrutura
cuja dinâmica comporta lógicas contrapostas em razão dos agentes de produção se
tornarem atores com objetivos antagônicos. Dois problemas despontam nesta exposição,
que são a caracterização dos conflitos produtivos e o antagonismo entre os grupos
33
fundamentais neste processo. Após estabelecer as condições sociais da produção os
capitalistas precisam empregar produtivamente a seu modo, a força de trabalho da qual
precisa. “Trabalho produtivo é o que no sistema de produção capitalista produz
mais-valia para o empregador ou que transforma as condições materiais de trabalho em
capital e o dono delas em capitalista e, por conseguinte, o trabalho que produz o próprio
produto como capital. Assim, ao falar de trabalho produtivo, falamos de trabalho
socialmente definido, trabalho que envolve rotação determinada entre o comprador e o
vendedor do trabalho” (Marx, 1980f:391. O Capital. Teorias da mais-valia. liv. IV, vol.
I, cap. VII).
Para realizar a acumulação o capitalista precisa obter como seu este valor
resultante do trabalho coletivo. Então, ele se apropria do valor excedente gerado pelo
emprego da força de trabalho alheia. Enquanto trabalhador assalariado, o proletário
obtém um salário fixo por um contrato em razão do emprego da força de trabalho
durante um período determinado. É o estágio do desenvolvimento das forças produtivas
que torna possível esta forma de exploração do trabalho que possibilita a extração de
mais-valia. Embora o que de fato interessa ao capitalista é o valor absoluto obtido como
excedente do trabalho, Marx identifica duas maneiras de obtê-la. Uma destas maneiras é
a denominada de mais-valia absoluta e a outra é a mais-valia relativa. A primeira é
aquela mais-valia obtida por meio da ampliação da jornada de trabalho. A segunda é a
mais-valia obtida com a intensificação do processo produtivo, isto é, com a aplicação de
tecnologias mais avançadas (Cf. Marx, 1968:363. O Capital, liv. 1, vol. I, cap. VI e X).
Uma relevância desta distinção está em definir o caráter das relações
conflituosas observadas no processo. Quanto ao caso de ampliação da jornada de
trabalho não existem grandes problemas quanto aos capitalistas, pois a ampliação da
jornada biologicamente suportável pelos trabalhadores resulta em benefício para toda a
classe empresarial se o mesmo índice for geralmente aplicado. O problema está no grau
de resistência mais imediato dos trabalhadores em aceitar esta medida em razão da
grande visibilidade da mesma. Quanto à intensificação do exercício do trabalho que
resulta numa mais-valia relativa, o conflito entre os próprios capitalistas com relação
a maior ou menor quantidade de valor apropriado. “Ao progredir o processo de
produção e de acumulação cresce necessariamente também a massa de trabalho
excedente de que o capital se apropria e pode se apropriar, e, por conseguinte, a massa
34
de lucro obtido pelo capital da sociedade (...). Quando o capitalista mais forte quer
expandir-se no mercado, suplanta os menores, como nos tempos de crise emprega esta
prática: reduz a propósito a taxa de lucro a fim de eliminar os mais débeis” (Marx,
1980c:250 e 257. O Capital, liv. III, vol. IV, cap. XIII).
Fundamentalmente, a estrutura econômica é um dos suportes das atividades
produtivas em que sujeitos antagônicos entram em relações com objetivos definidos e
regulamentados. Ela é um sustentáculo dos parâmetros das ações dos sujeitos dentro do
modo capitalista de produção. Esta estrutura, por sua vez, necessita de normas que
estabelecem os limites das ações individuais e coletivas. É necessário prevenir e/ou
solucionar os conflitos e enfrentar os momentos de crise que possam ocorrer no
processo produtivo. A estrutura econômica tem necessidade de uma estrutura jurídica.
“Toda a forma de produção engendra suas próprias instituições jurídicas, sua própria
forma de governo” (Marx, 1986a:8).
1.2.2 - A estrutura ideológica
A burguesia procura reduzir os conflitos que despontam, principalmente, no
processo produtivo como sendo característicos de interesses puramente individuais.
Para tanto, as formulações jurídicas são utilizadas como uma via neutra e acima dos
agentes de produção para solucionar as divergências. “Uma das premissas fundamentais
da regulamentação jurídica é o antagonismo dos interesses particulares ou privados.
Este antagonismo é tanto condição lógica da forma jurídica quanto causa real de
evolução da superestrutura jurídica” (Pachukanis, 1988:44). O jurídico cumpre a função
de mediar os conflitos decorrentes das relações sociais na pretensão de construir um
consenso duradouro. Esta estrutura revela-se ideológica pela função de ocultar aspectos
relevantes que cumpre na realidade social. Tanto é que o procedimento primordial dos
processos judiciais é o de estabelecer em seu conteúdo o contraditório sobre o qual se
pronuncia um veredicto. É sintomática a recorrência à metáfora da balança no
pensamento jurídico universal. Ela revela a busca do meio termo como sendo a
expressão da decisão judicial que atende aos dois lados de quaisquer questões
submetidas a julgamentos. O jurídico revela-se, deste modo, tanto na teoria quanto na
35
prática, a expressão não somente de processos psicológicos, mas, também e
especialmente, de relações sociais estabelecidas.
A teoria e prática do direito revelam a falsa neutralidade da qual a
jurisprudência é constituída. “O objetivo prático da mediação jurídica é dar garantia às
marchas mais ou menos livres da produção e da reprodução social que, na sociedade de
produção mercantil se operam formalmente através de uma série de contratos jurídicos
privados” (Pachukanis, 1988:13). O que está sendo regulamentado é o conjunto de
relações sociais que dois sujeitos realizam, em especial, antagônicos por constituição.
As normas jurídicas representam uma garantia das ações que procuram perpetuar as
relações sociais burguesas, pois, o termo médio entre dois agentes em contenda, sendo
um deles privilegiadamente constituído, e o outro, alguém que se encontra numa
desvantagem estrutural que não está em questão, representa, a priori, em seu conteúdo,
o reforço da vantagem de quem desfruta de privilégios. Por meio destas normas
estabelecidas, os proletários somente podem lutar para garantir a condição de seres
explorados. Este é o resultado final deste processo. É a confirmação da desigualdade
como sendo o que é justo dentro de um novo paraíso social em que os oprimidos
padecem mais uma vez, que é a esfera da circulação ou da troca de mercadorias. É a
procura por perenizar o que é fugaz e transitório (Cf. Bernardo, 1991b:38).
O paraíso dos direitos delimitados pela ordem social burguesa mantém como
intactos e reforça a propriedade privada dos meios de produção (a serem) instalados
conforme planos dos seus proprietários, e a força de trabalho livre para se empregar
onde seus proprietários encontrarem meios de produção que dela necessitam para serem
movimentados. Se os primeiros são compradores de força de trabalho e os segundos são
os vendedores destas forças produtivas específicas, eles aparecem como pessoas dotadas
de vontade livre em conformidade com a norma estabelecida. O direito burguês aparece
envolto numa capa de direitos inatos do homem. Ao tratar de pessoas físicas, a norma
jurídica regula as ações de seres envolvidos em relações cuja finalidade concreta passa
necessariamente pela esfera produtiva, quando a condição de classe social revela-se
mais concreta e visível. “O antigo dono do dinheiro marcha agora à frente como
capitalista; segue-o o proprietário da força de trabalho como seu trabalhador. O primeiro
com um ar importante, sorriso velhaco e ávido de negócios; o segundo tímido,
36
contrafeito, como alguém que vendeu sua própria pele e apenas espera ser esfolado”
(Marx, 1968:197. O Capital, liv. I, vol. I, cap. IV).
Esta avidez por realizar negócios que marca o comportamento do capitalista
revela um conteúdo proporcionado pela estrutura econômica determinante da sociedade
burguesa, que lhe é extremamente favorável, em contraposição aos trabalhadores.
Considerando as condições de classes distintas “dissipa-se a ilusão de que o pagamento
da força de trabalho é parte do produto gerado no mesmo ciclo” possibilitando a cada
uma das classes ganhos diferenciados a partir de uma produção coletiva (Almeida,
1995a:29).
Pelo contrato previamente firmado, os trabalhadores empregam a sua própria
força de trabalho por um salário a que passam a ter direito após cumprir uma jornada
mensal produtiva definida. Nesta gica processual, os trabalhadores “recebem sob a
forma de meios de pagamento, uma fração importante do seu próprio produto excedente
que se expande e se transforma em quantidade cada vez maior de capital adicional”
(Marx, 1980a:717; O Capital, liv. I, vol. II, cap. XXIII). A condição de força de trabalho
livre que resulta da estrutura econômica para o trabalhador apresenta-lhe como
vantagem histórica diante da condição vivida pelos antigos escravos.
Para Aristóteles, a condição de escravo - embora reconheça que uma parcela
deles resulta de circunstâncias sociais e políticas como uma derrota bélica de um povo -
é decorrente da própria natureza do ser. Na concepção dele os escravos são pessoas
naturalmente destinadas a estarem sob as ordens de um senhor. Os escravos estão numa
submissão inquestionável. “Sua condição apenas permite uma virtude proporcional à
dependência, visto que, dedicados às artes mecânicas, ele não possui senão uma
servidão limitada”. A improcedência do argumento aristotélico transparece na medida
em que a escravidão leva o ser a cultivar virtudes condicionadas à dependência, mas
apesar de perceber uma divisão social entre o trabalho intelectual e o trabalho material,
reconhece que o fato de executar trabalho manual não é uma condição decorrente da
natureza, pois “a natureza fez o escravo; ela não faz nem o sapateiro nem outro artesão
qualquer”. E ainda reconhece que as pessoas que podem deixar as preocupações práticas
aos criados passam a se dedicarem aos estudos filosóficos. (Aristóteles, 1966:31. A
Política, liv. I, cap. IV, § 15). A argumentação de Aristóteles, além de não conseguir
37
manter a coerência interna quanto aos fundamentos de sua argumentação, justifica uma
situação econômica e política sob uma formulação normativa adequada à disparidade
real. Marx ressalta a distinção entre as duas formas de aplicação da força de trabalho
quando lembra que “o escravo romano era preso por grilhões; o trabalhador assalariado
está preso ao seu proprietário por fios invisíveis. A ilusão de sua independência se
mantém pela mudança contínua dos seus patrões e com a ficção jurídica do contrato”
(Marx, 1980a:667. O Capital, liv. I, vol. II, cap. XXI).
O direito burguês exerce a função de ser uma cortina de fumaça que obnubila
o desenrolar das relações sociais que o fez surgir, além de ser o fundamento de sua
reprodução. uma forma de produzir que está sendo regulamentada por formulações
jurídicas que lhe correspondem. “O capital são os produtos gerados pelos trabalhadores
e convertidos em potências autônomas dominando e comprando os produtores, e mais
ainda são forças sociais e a forma do trabalho com elas conexa, as quais fazem frente
aos trabalhadores como se fossem propriedades do produto deles. Temos aí, portanto
determinada formação social envolvida numa névoa mística e de um dos fatores de um
processo social de produção e fabricado pela história” (Marx, 1980e:936. O Capital, liv.
III, vol. VI, cap. XLVIII). O direito burguês propõe-se a tratar de maneira igual os que
são socialmente desiguais. A igualdade perante a lei deixa intacto o antagonismo social
característicos dos conflitos da sociedade e que este direito se apresenta como uma
instância de solução.
É a condição de cidadão oferecida a todas as pessoas da nação que caracteriza
este tipo de direito em contraposição a uma norma escravista, na qual a condição de ser
cidadão era uma prerrogativa reservada a alguns. “A cidade modelo não deverá nunca
admitir o artesão entre os seus cidadãos” (Aristóteles, 1966:83. A Política, liv. III, cap.
III, § ). Esta é a diferença específica e juridicamente estabelecida pelo direito
moderno. Por meio dele expande-se a todas as pessoas a igualdade jurídica. Nas
atividades produtivas é a igualdade entre duas pessoas proprietárias para estabelecer um
contrato de trabalho. Isto representa a mais absoluta fragmentação dos trabalhadores
enquanto classe social. De um lado está uma pessoa proprietária de meios de produção e
de outro lado quem tem a propriedade da força de trabalho. Evidente que não pode
haver equilíbrio nas relações que acontecem entre estas personalidades, senão sob a
forma de ficção. E esta suposta igualdade é difundida como sendo a verdade desta
38
sociedade por meio de diversos instrumentos utilizados para reproduzirem esta ilusão.
Mas, enquanto instância de expressão de contendas e de elaboração de decisões, a
estrutura jurídica abre a possibilidade do desvendamento de seus fundamentos pelos
seus próprios argumentos que partem de contratos cujas personalidades são tidas como
fora de questão. A busca da não-contradição terminológica e estilística esconde o
antagonismo real (Cf. Bernardo, 1977b:11). uma polaridade inconciliável entre duas
posições estruturais. Este é o momento em que a justiça revela que além de decidir pela
força do direito que prevalece, ela expressa muito mais o direito de uma força social
com a qual se acha comprometida, que é a força da classe dominante.
As normas legais precisam, antes de tudo, serem elaboradas e consolidadas por
instituições com certa legitimidade social para estarem à disposição do judiciário. Como
as normas trazem em si mesmas os objetivos a serem atingidos e sobre os quais não
consenso prévio elas surgem das lutas travadas na sociedade com vistas ao poder de
decisão. Assim, a estrutura jurídico-ideológica desponta de uma estrutura econômica e
política (Cf. Poulantzas, 1977:48 e Althusser & Balibar, 1974:222, seguindo Marx,
1985b:17).
1.2.3 - A estrutura política
1.2.3.1 - As relações sociais de dominação política
A ação dos proletários na sociedade se efetiva num suporte estrutural específico
das relações sociais da sociedade burguesa. Os trabalhadores produzem em condições
profundamente adversas aos seus interesses. Pelo fato de estarem submetidos às
condições produtivas coercitivas do capitalismo, os trabalhadores não podem se
apropriar do resultado excedente do próprio trabalho. Outra classe que é composta pelos
capitalistas é a que dispõe de condições estruturais de se apropriar do produto resultante
deste trabalho. As forças produtivas estruturadas na produção capitalista contribuem
para fazer prosperar estas condições sociais. A maneira jurídica que corresponde a esta
estrutura produtiva aponta para a mesma direção. O poder político e as instituições que
embasam o exercício deste poder fazem, em essência, o gerenciamento do processo
que garante a acumulação privada de riquezas.
39
Entretanto, as relações sociais que são efetivadas para produzir o produto
acumulável somente acontecem com o encontro de duas classes sociais. Elas se
constituem como classes antagônicas no capitalismo em razão do caráter inconciliável
de interesses e de objetivos que possuem na sociedade. Os proprietários dos meios de
produção e os proprietários de força de trabalho, quando separados entre si e se
reproduzem sob o disfarce da igualdade enquanto cidadãos e se diferenciam
profundamente quando se trata da apropriação do resultado da atividade produtiva. E
neste processo, despontam os conflitos entre estas duas classes sociais. Estas classes se
constituem estruturalmente diferenciadas quanto às condições de reproduções e às
tentativas de conservar estas condições da parte dos capitalistas, e às tentativas de
revolucionar esta sociedade rumo à construção de outra sociedade sob novas
determinantes e com novas relações sociais. Deste modo estas classes sociais entram em
confronto em torno da partilha do resultado do trabalho. É pelo fato de terem que
cooperar numa mesma estrutura produtiva com objetivos antagônicos que capitalistas e
trabalhadores se constituem uns frente aos outros enquanto classes sociais em luta.
A lógica da produção capitalista opera com o objetivo principal de realizar a
mais-valia por meio do comércio de mercadorias cuja obtenção passa por valores que
resultam da produção que pode ser tanto material quanto imaterial. Em resumo, o
objetivo dos capitalistas é obter mais capital através do movimento do volume de capital
que já acumularam. Neste processo concorrem os meios de produção e a força de
trabalho cujos proprietários relacionam-se como classes sociais antagônicas. Os
proprietários da força de trabalho estão submetidos aos capitalistas devido às
determinações da formação social e das relações produtivas do capital, e, nestas
condições, movimentam os meios de produção resultando em produtos que lhes são
alheios, embora portem os valores que eles fizeram surgir. Aos operários cabem
remunerações em forma de salário enquanto aos capitalistas a apropriação da mais-
valia. Classes sociais distintas participam diferencialmente do usufruto da produção
social.
Dois elementos distintos permitem avaliar a consolidação de uma classe social.
Um destes elementos é o caráter fragmentado com que as individualidades procuram
realizar seus objetivos. O individualismo é a marca do comportamento socialmente
40
fragmentado. Outro elemento é o caráter de organização em torno dos interesses
comuns e elaboração de estratégias e táticas coletivas. A solidariedade de classe pode
ser revelada através da coesão organizativa. A classe consolida a sua organização com o
exercício do poder de garantir as condições de realização, com a submissão dos outros
aos objetivos que ela procura alcançar. A classe dominante reúne suas forças e
institucionaliza formas de ação que lhe favorece e tudo faz para fragmentar quem lhe
faz oposição.
1.2.3.2 - A fragmentação e a organização de classe
Da parte dos capitalistas, os dois primeiros elementos revelam-se nas práticas
concretizadas na busca de efetivação de seu principal objetivo que é a realização da
mais-valia por meio da venda de mercadorias. A solidariedade geral de classe e o
interesse econômico direto dos capitalistas revelam-se quando os que pertencem a um
mesmo ramo de produção participam “da exploração da totalidade da classe
trabalhadora pela totalidade do capital” (Marx, 1980c:222. O Capital, liv. III, vol. IV,
cap. X).
Como a mais-valia somente se efetiva com a venda do produto, capitalistas
competem entre si no mercado para realizar a mais-valia que resultou das atividades de
apropriação de valores, ou seja, uma quantidade de trabalho não pago (Marx,
1980c:280. O Capital, liv. III, vol. IV, cap. XV). Esta postura que pode ser tomada por
capitalista refere–se a uma estratégia para eliminar concorrentes no mesmo espaço de
mercado através da prática de preços menores do que os usualmente praticados. Esta
prática depende da capacidade de sustentar os preços reduzidos até obter o objetivo
almejado. Outra medida causadora de conflitos entre capitalistas é a de implantar
tecnologia mais avançada o que permite obter um ganho de oportunidade diante da
prática do mesmo preço dos concorrentes ou reduzir o preço e obter a mesma mais-valia
que outros capitalistas. Neste termo, o capitalista obtém este objetivo com o uso de uma
tecnologia mais avançada do que os seus concorrentes no mesmo mercado.
A interligação da produção com a comercialização das mercadorias fica
evidente. As condições de produção e de transporte funcionam como determinantes do
41
preço de mercado. Em outros termos, o custo de produção (e de comercialização) é
determinante do preço de uma mercadoria. “Um capital que rota mais lentamente por a
mercadoria permanecer mais tempo no processo de produção ou por ter de vender-se em
mercados distantes, perde por isso lucro que, entretanto lhe cabe em virtude de
compensação decorrente de acréscimo ao preço; ou ainda investimentos expostos a
maiores riscos” (Marx, 1980c:236. O Capital, liv. III, vol. IV, cap. XII).
Para obter melhor posição no mercado, o capitalista busca produzir mercadoria
com custos cada vez mais baixos. Este intento é realizado pela elevação do grau de
extração de trabalho excedente, que, fundamentalmente, advém do prolongamento da
jornada de trabalho e da intensificação do (exercício do) trabalho, ou seja, da mais-valia
absoluta e da mais-valia relativa, respectivamente (Cf. Santos, 1987:113 e 133).
Enquanto a primeira está totalmente determinada pelos limites físicos dos trabalhadores,
a segunda depende também da adição de meios de produção em relação à mesma
quantidade de força de trabalho. Assim, uma ampliação da composição orgânica do
capital que se caracteriza pela maior parcela de capital constante em relação ao capital
variável, o que resulta em vantagem comparativa para um capitalista diante de outros.
“O capitalista que emprega métodos melhores de produção, mas ainda não
generalizados, vende abaixo do preço de mercado, mas acima do preço individual de
produção; assim, eleva-se para ele a taxa de lucro, até que a concorrência desfaz essa
vantagem” (Marx, 1980c:265. O Capital, liv. III, vol. IV, cap. XIII).
Portanto, um processo espiralar em que o acréscimo de capital constante em
relação à magnitude de capital variável resulta em vantagem comparativa entre
capitalistas na extração de mais-valia e sua realização, já que, parte deles, dispondo de
condições redutoras dos custos de produção e de circulação, pode realizar igual ou
maior quantidade de valor, mesmo praticando menor preço no mercado. Mas na difusão
e a conseqüente equalização das condições de produção, circulação e comercialização,
esta vantagem desaparece até que uma ou outra parte de capitalistas desfrutem de nova
vantagem comparativa numa mobilidade aparentemente infinita. O problema para o
capital é que a realização da mais-valia extorquida tem suas possibilidades
proporcionalmente diminutas por conta do maior montante de trabalho acumulado em
relação à quantidade de trabalho vivo empregado no processo produtivo, o que provoca
uma queda na taxa de mais-valia finalmente realizada. “A massa de trabalho vivo
42
empregado decresce sempre em relação à massa de trabalho materializado que e em
movimento, à massa de meios de produção produtivamente consumidos, inferindo-se
daí que a parte não-paga do trabalho vivo, a qual se caracteriza em mais-valia deve
continuamente decrescer em relação ao montante de valor do capital globalmente
aplicado” (Marx, 1980c:243-244. O Capital, liv. III, vol. IV, cap. XIII).
Decorre deste processo, a concentração crescente de capital, na medida em que
a disputa pelos mercados leva parte dos capitalistas a perderem posições ou a
desaparecerem. São os momentos de crise. “Nessa luta, as perdas se distribuem de
maneira bem desigual e de forma bem diversa segundo as vantagens particulares de
cada um ou as posições conquistadas, e desse modo, um capital é posto em
ociosidade, outro é destruído, um terceiro tem somente perdas relativas ou experimenta
apenas depreciação passageira, etc.” (Marx, 1980c:291. O Capital, liv. III, vol. IV, cap.
XIV).
As crises decorrem da necessidade intrínseca da produção capitalista que, ao
fazer cooperar forças sociais antagônicas no mesmo processo e intensificando as
condições de sua reprodução concentradora de valor extorquido acaba por aprofundar as
contradições inerentes a este modo de produzir mercadorias. Esta mobilização de forças
sociais para atender ao capital confronta em escala ascendente os agentes nas relações
de produção e nas relações sociais (Cf. Marramao, 1990:109).
Este processo pode resultar em crises constantes na produção e nas relações
da sociedade burguesa, como conseqüência das condições diferenciadas dos capitalistas
em particular em acompanhar os desenvolvimentos das técnicas produtivas na mesma
velocidade e grau que todos os membros da mesma classe social exploradora. As crises
decorrem da necessidade intrínseca da produção capitalista que, ao fazer cooperar forças
sociais antagônicas no mesmo processo e ao intensificar as condições de sua reprodução
concentradora de valor extorquido, acaba por aprofundar as contradições inerentes ao
modo de produção. Além de diminuir o capital variável em relação ao capital constante,
a produção capitalista, depois de haver estimulado a concentração e crescimento do
proletariado, passa a reduzir a necessidade de força de trabalho em seus
empreendimentos, o que faz os valores a serem contabilizados e realizados como mais-
valia tenderem a zero. A produção capitalista procura sempre ultrapassar esses limites
43
imanentes, mas ultrapassa-os apenas com meios que de novo lhe opõem esses mesmos
limites, em escala mais potentes” (Marx, 1980c:287, O Capital, liv. III, vol. IV, cap.
XV).
Nas tentativas de superar seus limites internos o capitalismo provoca uma crise
que leva a um novo patamar de relações entre as forças inerentes ao processo produtivo,
mas, por não eliminar os elementos antagônicos, uma nova crise desponta no percurso
deste processo. “As crises não são mais do que soluções momentâneas e violentas das
contradições existentes, erupções bruscas que restauram transitoriamente o equilíbrio
desfeito” (Marx, 1980c:286, O Capital, liv. III, vol. IV, cap. XV).
Outra conseqüência é a que incide sobre a população concentrada nos espaços
urbanos pelo próprio processo de produção capitalista concentrou nos espaços urbanos.
Ao produzir maior volume de mercadorias com a ampliação do capital constante, o
capitalismo faz surgir uma superpopulação relativa de trabalhadores (Cf. Marx,
1980c:249, O Capital, liv. III, vol. IV, cap. XIII). Ao diminuir o poder de compra da
população concentrada e ao mesmo tempo procurar realizar a mais-valia no mercado, o
capitalismo fica dispondo de um volume de produtos também excessivo para a
capacidade de compra desta população dentro dos limites e objetivos do capital. A mais-
valia extorquida encontra dificuldades para realizar-se. Este é, finalmente, o elemento
que caracteriza a crise da produção capitalista. Ela é, portanto, uma crise de realização
da mais-valia.
Da parte dos trabalhadores também aparecem os elementos de fragmentação e
de organização, mas, agora, o comportamento individual e coletivo é caracterizado pela
expressão de um descontentamento diante das condições sociais gerais. Assim, os
trabalhadores travam lutas com objetivos próprios de sua classe social. Estas lutas
combinam-se e divergem-se em posturas individuais, coletivas, passivas e ativas.
Quando ocorrem associações entre posturas individuais e passivas os trabalhadores
agem envoltos pela atmosfera burguesa em razão da funcionalidade produtiva na busca
de soluções individuais e sem a elaboração de um projeto político próprio de classe
oposto à classe dominante. “As formas de organização individuais e passivas incluem a
preguiça, o absenteísmo, o alcoolismo, o uso de estupefacientes, em suma, todos os
44
modos práticos de reduzir o tempo de trabalho despendido sem para isso entrar em
conflito aberto com o patronato” (Bernardo, 1991a:318).
A postura individual ativa revela a falta de decisões conjuntas e a falta ou
desconsideração por formas de organizações coletivas. Os trabalhadores ainda
fragmentados defrontam com os capitalistas em suas empresas e organizações e formas
de coerção já estabelecidas.
outra associação de elementos característicos que conjugam a coletividade e
a passividade. Assim, os trabalhadores demonstram um nível de organização, porém,
continuam mantendo uma fragmentação do coletivo em pelo menos dois conjuntos,
reservando a um número de pessoas, o comando das ações e das negociações. Neste
caso, o coletivo de trabalhadores confia seu destino a uma burocracia sindical ou
política (Cf. Bernardo,1991a:319; Idem, 2000:26).
O mais elevado grau de luta dos trabalhadores torna-se possível com a
associação da coletividade à postura ativa. Com isto, os desafios se apresentam com a
verdadeira dimensão que possuem. A postura coletivamente ativa propicia lutas cujos
objetivos são apresentados nos pontos de superação da disciplina social capitalista (Cf.
Bernardo, 1998:12). Marx relata os empecilhos jurídicos que foram instituídos e
vencidos numa luta secular dos trabalhadores contra a burguesia e seu Estado até o
reconhecimento legal das organizações sindicais, que podem proporcionar novas bases
às lutas econômicas e políticas (Cf. Marx, 1980a:858. O Capital, liv. I, vol. II, cap.
XXIV).
Quando Marx faz alusão ao drama blico
6
de Isaú, que abdica do seu direito à
primogenitura em favor do seu irmão Jacó para desfrutar de um prato de lentilhas, para
fazer referência às relações entre trabalhadores e capitalistas, nada que aponte para
uma submissão voluntária de uma classe aos ditames da outra. Estando submetida à
estrutura produtiva que os priva da propriedade dos meios de produção e sob uma
legislação calcada sobre este tipo particular de propriedade se perpetua sob a constante
6
O drama de Isaú é narrado em neses, que é o primeiro livro da Bíblia (Gn, 25, 27-34). Na narrativa,
Isaú somente consegue desfrutar de um prato de refeição após haver cedido o direito de primogenitura a
Jacó, seu irmão gêmeo.
45
vigilância dos aparelhos de Estado, a classe trabalhadora encontra-se coagida a trabalhar
para os capitalistas como forma de obter os meios de subsistência. Neste processo, a
satisfação de uma necessidade imediata foi realizada com a perda de uma condição
permanente. Os trabalhadores recebem apenas parte da totalidade de valores que
produziram e os capitalistas apropriam de outra parte de forma totalmente gratuita
7
.
Trata-se de uma troca altamente vantajosa para os capitalistas, pois, devolvem parte do
que receberam anteriormente (Cf. Marx, 1968:308. O Capital, liv. I, vol. I, cap. VIII).
As denominadas ajudas humanitárias são, na verdade, uma forma paliativa de garantir a
sobrevivência de um exército de reserva a quem o capital recorre sempre que necessitar.
“Toda a burguesia mantinha vigilância sobre os trabalhadores. Bastava que o
trabalhador recusasse o pior salário de cão que lhe oferecessem para que o comitê de
ajuda o eliminasse da lista de socorro. Era a época áurea dos senhores fabricantes: seus
cérebros, os comitês de ajuda vigiavam os trabalhadores colocados diante do dilema de
morrer de fome ou de trabalhar para os burgueses ao preço mais baixo possível” (Marx,
1980c:149. O Capital, liv. III, vol. IV, cap. VI).
Depois que a estrutura econômica encontra um tipo de Estado que a
corresponde, este mesmo Estado passa a contribuir para reproduzir as relações de
produção próprias desta estrutura específica. deste modo, uma sobredeterminação
exercida pelo político com relação ao nível econômico e nível ideológico. “A função
técnico-econômica e a função ideológica do Estado são, entretanto, sobredeterminadas
pela sua função propriamente política a que diz respeito à luta política de classes -,
na medida em que constituem modalidades do papel global do Estado, fator de coesão
da unidade de uma formação: este papel global do Estado é um papel político
(Poulantzas, 1977:48. Grifos do original).
As lutas sociais e políticas de classe são as que provocam modificações tanto
na instância econômica quanto na instância jurídico-ideológica, acabando por mudar as
próprias condições políticas das lutas empreendidas. Em decorrência da estrutura
econômica que lhe é própria juntamente com a estrutura jurídica são definidos os
ganhos de cada classe social envolvida no processo, que compõe os salários para os
trabalhadores e a mais valia para os capitalistas. Dois tipos de luta surgem neste
7
“O trabalhador adianta trabalho ao capitalista gratuitamente durante uma semana etc., para receber seu
preço de mercado no final de semana” (Marx, 1980a:594. O Capital, liv. I, vol.II, cap. XIV).
46
contexto, quanto aos objetivos a serem alcançados. O primeiro tipo de luta compreende
o conjunto de lutas na busca de garantir a própria reprodução dentro das condições
sociais dadas. O outro tipo de luta são aquelas que são realizadas na busca de superação
do status quo.
Há um conjunto de lutas que os trabalhadores empreendem na busca de ampliar
os próprios salários. Estas lutas são efetivadas em torno de objetivos como o aumento
do valor nominal salarial. Quando estas lutas ficam restritas ao nível econômico-
produtivo, elas podem ser mais facilmente assimiladas pelo capitalismo na medida em
que os trabalhadores podem até conseguir maior fatia do produto do trabalho coletivo,
mas continuam produzindo a mais-valia apropriada pelos capitalistas. Assim, a
produção e a reprodução características desta formação social têm continuidade. Estas
lutas são efetivadas nos limites da sociedade atual.
Outro conjunto de lutas empreendidas pelos trabalhadores tem o objetivo de ir
além da luta econômica. Para melhor compreender as determinações da vida na
formação social capitalista e a efetivação da lutas decorrentes da condição de classe
proletária, os trabalhadores projetam a utopia de uma sociedade em que, além da
produção ser uma atividade coletiva, também os produtos desta mesma produção
precisam ser coletivamente apropriados. Desponta, para os trabalhadores, a aspiração
por algo ainda não-existente, que brota da necessidade de constituição de um novo
estado de coisas com novas relações sociais, sem exploradores e sem explorados e sem
dominadores e sem dominados (Cf. Löwy, 1987:12).
Esta utopia denominada de comunismo poderá se efetivar a partir do
estabelecimento de novas determinantes e novas relações sociais. “Quaisquer que sejam
as formas sociais de produção, os trabalhadores e os meios de produção são sempre os
seus fatores. Entretanto, quando separamos uns dos outros, o são potencialmente.
Para haver produção é mister que se combinem. O modo em que se efetua essa
combinação distingue as diversas épocas econômicas da estrutura social” (Marx,
1980b:39. O Capital, liv. II, vol. III, cap. I). Enquanto houver combinação de
proprietários de meios de produção e trabalhadores assalariados predominando numa
formação social haverá sociedade capitalista. Como isto pode mudar?
47
São as lutas pela transformação destas condições postas pelo capitalismo que
farão surgir uma sociedade correspondente às aspirações da classe trabalhadora. Ao
contrapor a esta estrutura econômica, os trabalhadores empreendem uma luta ideológica
na medida em que desvendam os fundamentos jurídicos da instância onde são chamados
a declinar de suas posições. Só podem resistir tenazmente com a solidificação da
unidade entre os componentes da própria classe. Quando rompem os laços da
fragmentação e conseguem consolidar relações sociais solidárias, os trabalhadores se
constituem enquanto classe social com objetivos próprios e reúnem suas próprias forças
para romper a dominação política que caracteriza a sociedade de exploração de classe.
Nos momentos em que as lutas tornam-se agudas as contradições sociais tendem a se
reduzir a duas. Os múltiplos focos de lutas aglutinam-se em torno de dois atores sociais.
São as duas classes fundamentais da sociedade que se enfrentam, tendo projetos
específicos, fazendo com que as lutas adquiram aspectos mais violentos (Cf. Bernardo,
1977c:150). A construção de novas relações sociais se torna um dos grandes desafios da
luta por uma nova sociedade com características adversas ao capitalismo e propícia aos
trabalhadores. Questionar o poder exercido nesta sociedade é uma demonstração de ao
menos estar construindo uma alternativa ao mesmo. Deste modo, os proletários se
constituem enquanto uma classe social específica, pois, conhecendo o seu lugar no
conjunto da divisão social do trabalho e os limites normativos e coercitivos impostos
pela classe que se apropria do trabalho excedente produzem a utopia de uma sociedade
nova, passando a planejar as práticas sociais que apontam para a efetivação desta
sociedade sem exploradores nem explorados. Em outros termos, ao perceberem os
efeitos de estrutura a que estão submetidos, são desafiados a construir um novo projeto
social radicalmente oposto à sociedade burguesa e baseado em condições de vida
coletivas (Cf. Poulantzas, 1978:14).
1.3 - O poder político burguês
A superação do feudalismo pelo capitalismo transcorreu com a quebra do
liame que aprisionava as individualidades à terra e a submissão pessoal à uma
autoridade econômica, cultural e política exercida diretamente por uma classe de
senhores que organizavam e aplicavam os mecanismos de coação sobre os produtores
diretos. A fragmentação desta sociedade anterior e a garantia da pluralidade social em
48
que a burguesia prosperou e exigiu a constituição de um poder centralizado e absoluto
sobre um território mais amplo do que o feudo, como meio de superar barreiras e criar
condições necessárias à nova maneira de produzir e ainda, tornar-se hegemônica.
O poder político pode ser exercido por uma pessoa só, por um grupo
minoritário e, também, por uma maioria. Nos três casos estão presentes diversos
despotismos de classe que tem sua expressão no poder de Estado. Trata-se da garantia
dos rumos das políticas no sentido de realizar os objetivos da classe dominante.
Enquanto portadora do projeto que lhe é próprio, a classe no poder não vacila. O recurso
à ditadura é algo sempre às mãos da classe dominante
8
. Refere-se à ditadura como
sendo o exercício do poder de Estado por um tempo limitado com a finalidade
específica que, em geral, é de superar uma crise de hegemonia e evitar que a sociedade
se desvie dos rumos traçados. E para cumprir esta finalidade, a classe que reúne forças
sociais e políticas suficientes para tanto, acha-se na necessidade de exercer o poder para
realizar seus objetivos. É um poder que tem os objetivos justificados por quem o exerce
(Cf. Bobbio, 1979:45; Rosenfield, 1996:46).
O pensamento burguês concebe a ditadura como um governo em que os
ocupantes do poder percebem o risco de serem desalojados do aparelho do Estado. O
poder político de uma classe social percebe a (possível) perda de sustentação para as
políticas executadas pelo Estado e recorrem ao uso explícito das forças repressivas e da
imposição de um projeto político. O cerne da questão está numa crise de hegemonia no
exercício da dominação política. Mas estas características conferidas à ditadura não
diferem muito das que são dadas ao governo despótico. Apenas se referem ao
despotismo como sendo de caráter permanente e de uma temporalidade histórica. Dão à
ditadura uma limitação de tempo para ser exercida. Ela é como um intervalo num
governo democrático, o que confere ao exercício do poder uma conotação contraditória
e instável.
Os trabalhadores livres, enquanto excluídos da propriedade dos meios de
produção necessitam vender suas forças de trabalho por um salário o que representará
8
A ditadura é “condição permanente de uma sociedade política” onde o poder político é necessário. E, a
ditadura permanente é o que a filosofia política denomina pejorativamente de despotismo (Bobbio,
1979:45).
49
em valor monetário, o que cada um deles poderá obter em mercadorias para a própria
reprodução. Eles trabalham, não mais determinando o ritmo das atividades, mas
submetidos ao ritmo das máquinas que não se importam com os danos à saúde das
pessoas que as operam. Esta disciplina é o produto de um despotismo sem precedentes
na história. “O autômato mecânico de uma grande fábrica é mais tirano do que alguma
vez o foram os pequenos capitalistas” (Engels, 1983b:408. Cf. Borges Neto, 2002:60).
Assim como a burguesia submete o exercício das atividades profanas e das
atividades tidas como sagradas à forma salarial de trabalho, ela expande o mesmo
procedimento aos ocupantes de postos na burocracia estatal. “A burguesia compra a sua
gradual emancipação social com a renúncia imediata ao poder político. Naturalmente, o
móbil principal que torna aceitável à burguesia tal acordo é, não medo ante o governo,
mas medo ante o proletariado” (Engels, 1983c:184-185).
O Estado próprio ao domínio burguês cumpre a função tanto de organizar a
dominância classista quanto a de desorganizar o proletariado. Este Estado adquire uma
autonomia relativa diante da sociedade, mas surge e pode ser sustentado no interior
da formação social burguesa que ao proclamar a igualdade de todos perante o poder
político faculta a qualquer indivíduo a participação no processo seletivo de
preenchimento de cargos na burocracia de Estado. É o fato de dispor de um mecanismo
econômico assegurando o poder de conduzir os negócios na sociedade conforme seus
objetivos fundamentais é que faculta à burguesia a possibilidade do não exercício direto
do poder político. As forças sociais encontram a possibilidade de expressão no aparelho
de Estado de onde é constituída uma hegemonia na condução do seu poder, que, por sua
vez, organiza a condução dos negócios conforme o projeto de dominação de classe, que,
em sua essência, é “o despotismo ilimitado de uma classe sobre as outras” (Marx,
1978:26). Tendo garantido o poder social e econômico, a burguesia coloca o poder
político dentro de uma margem de risco em que ele se move mantendo a dominação de
classe. A burguesia “a fim de salvar sua bolsa, deve abrir mão da coroa, e que a espada
que a deve salvar é fatalmente também uma espada de Dâmocles suspensa sobre sua
cabeça” (Marx, 1978:63).
Este conjunto de profissionais civis e militares adquire um status privilegiado
diante da sociedade - principalmente diante dos trabalhadores - e tudo faz para dar conta
50
da continuidade à dominação social que é a garantia da perpetuação deste corpo
destacado do conjunto da sociedade. “O papel dos funcionários, em geral, não é
puramente administrativo: é essencialmente intelectual” (Balibar, 1995:65). Assim, o
Estado “enfeixa, controla, regula, superintende e mantém sob tutela a sociedade” (Marx
1978:58). Este corpo de profissionais destacado da sociedade delimita as ações que
permitem a convivência entre os que o compõe e garante a própria reprodução enquanto
órgão regulador dos conflitos sociais. “É óbvio que a política não é questão de ética.
Todavia, existe certo limite mínimo de pudor e de decência que não pode ser
impunemente transgredido mesmo em política” (Weber, citado por Tragtenberg,
1974:121, nota 39).
Ao estabelecer os limites da conduta dos seus membros, a burocracia procura
manter a coesão interna por procedimentos padronizados e revestir suas próprias
decisões com uma proteção aos questionamentos sociais, fazendo ecoar uma voz de
aparência uníssona e colocando sob um manto do interesse geral, o que, na verdade, é o
interesse da burguesia. A camuflagem do interesse geral é, na verdade, uma condição do
exercício do domínio político numa sociedade de classes em consonância com
propósitos burgueses. Esta aparência de instituição acima das classes da sociedade
permite a esta classe dominante tentar evitar ou adiar ao máximo a conversão de
qualquer “luta contra o poder do Estado em uma luta contra o capital” (Marx, 1978:62).
A discussão sobre as questões públicas passa a ter a participação da sociedade
através de representantes no parlamento para definir as políticas de Estado. Assim “a
magistratura mais popular é um senado” (Aristóteles, 1966:217. A Política, liv. VII, cap.
I, § 9). Deste modo, o parlamento é concebido como uma forma de exercício do poder
pelo povo. É um meio de conferir legitimidade a um aparelho de Estado, fazendo com
que haja uma discussão, controle e proposição de rumos por meio de representantes da
população. Mas, as ações parlamentares não podem ultrapassar os limites da sociedade
burguesa. “A cisão da sociedade em duas classes-limite, burguesia e proletariado, pode
opor a burguesia à democracia, com o fim de manter o domínio da burocracia” (Weber,
citado por Tragtenberg, 1974:121, nota 40). Mas, a tensão entre burocracia e parlamento
é mantida como meio de obter legitimidade social para o domínio de classe.
51
Mesmo os teóricos defensores da democracia burguesa olham-na com reservas
em questões de conflitos e momentos em que exigem (para os seus propósitos) decisões
rápidas. Nela, “o equilíbrio é sempre precário” (Gibert, 1999:14, 28-41, 73-104). As
instituições democráticas são “identificadas com (...) ausência de pulso em situações de
crise” ela não deve ser um remédio para todos os males” (Rosenfield, 2001:A2). Ao
apontar os limites da forma democrática em momentos de tensão mais grave entre
forças sociais (que podem se organizar conforme interesses de classes) abrem-se os
caminhos da justificação de uma possível ditadura. Quando o exercício do poder passa
por turbulências em que o projeto de dominação de classes tende a ruir-se, a forma
ditatorial é utilizada como recurso para assegurar a continuidade da hegemonia
burguesa. Isto é o recurso ao uso explícito das forças repressivas e da imposição de um
projeto político que não encontra a adesão consensual entre as forças sociais e políticas.
As características conferidas à ditadura não diferem muito das que são dadas ao governo
despótico
9
. As referências ao despotismo apenas o caracterizam como sendo
permanente e de uma temporalidade histórica do passado. A ditadura é caracterizada
como uma iniciativa de caráter provisório.
As forças sociais não encontram meios institucionais de expressão com a
mesma intensidade social quando passam ao terreno da política definida pelas esferas do
aparelho de Estado burguês. A organização “dos proletários em classe e, portanto, em
partido político, é rompida de novo a cada momento pela concorrência entre os próprios
operários. Mas renasce sempre, mais forte, mais sólida, mais poderosa” (Marx &
Engels, 1982:115). A ruptura da ordem burguesa é feita, não em linha reta, mas com
uma rigorosa crítica que relaciona a própria teoria com os limites e consistências das
práticas da classe dominada. Há, portanto uma tensão entre a burocracia e a forma
democrática de Estado. Este assunto será tratado na segunda sessão deste trabalho. Após
delinear a formação social e o modo burguês de produção com o seu poder específico de
Estado, cabe observar no capítulo a seguir a ocorrência do exercício deste poder em
Camaragibe.
9
Apesar de entender a ditadura como de caráter limitado no tempo e como um intervalo num governo
democrático ela tem a mesma fonte e essência do despotismo, pois “em todo governo existe certo poder
mais forte que o resto, o qual tende perpetuamente a tornar-se único” (Stuart Mill, 1964:99).
52
CAPITULO II
O CONTEXTO HISTÓRICO DO PODER EM CAMARAGIBE.
2.1 - Os municípios brasileiros
Os primeiros municípios
10
brasileiros têm suas formalidades legalmente
definidas por meio de documentos expedidos pela realeza ou por quem decida em nome
dela - o que se denomina de forais ou de cartas forais, conforme a legislação
portuguesa (um procedimento que foi modificado no período imperial, quando a
autonomia municipal passou a ser definida por meio de uma lei que tratasse do
problema). Apesar da importância histórica e política de que são possuidores, os forais
são documentos muito vagos quanto às delimitações territoriais e pouco precisos no que
se referem às responsabilidades e ações dos que se tornam portadores destes diplomas.
Os estudiosos destas documentações identificam quatro tipos de forais. O
primeiro tipo são cartas forais que tratam das relações entre um conselho administrativo
local (atualmente câmara de vereadores) e a população de determinado território. As
cartas forais são, na verdade, uma espécie de contrato social. Elas tratam da organização
social e política da localidade. Nelas estão tentativas de definir ou descrever a forma de
vida desejável e as atividades econômicas, sociais, religiosas e políticas nos limites de
um território com um povoado (freguesia, vila e, cidade) que se torna a referência de
passagem e de fixação para negociantes, aventureiros, extrativistas e outros, e que se
denominou posteriormente de cidade (sede de um município)
11
. O segundo tipo de
forais são os documentos de definições legais civis com determinações de penas e de
competências administrativas dos conselhos existentes ou criados a partir dos referidos
documentos. Nestes documentos estão expressas as leis civis locais ou mesmo
reformulações de leis preexistentes. O terceiro tipo de forais engloba os documentos que
tratam das delimitações ou ampliações do direito de foro. Estes documentos tratam do
10
O termo município é originário dos vocábulos latinos múnus capere, que se referem ao ato de assumir o
ofício, assumir o cargo, ou ainda, assumir o governo. Posteriormente, o termo passou a fazer referência a
um território sobre o qual as decisões decorrentes do governo deveriam ser acatadas pelas pessoas ali
residentes ou que mantinham negócios (Cf. Aragão, 1977:81).
11
A Carta Foral tida como documento de criação da Vila de Olinda como sede da Capitania de
Pernambuco tem a data de 12 de março de 1537. Esta Carta tem a assinatura do governador geral Duarte
Coelho.
53
direito ao recebimento de foro ou de pensão por um senhor ou por parte da Coroa em
razão do uso de uma propriedade que, em geral, referia-se ao uso de um território. Estes
documentos eram, na verdade, a concessão de enfiteuses
12
para dirimir conflitos e
demarcar propriedades com as respectivas obrigações e direitos. O quarto e último tipo
de cartas forais comportam documentos que procuram definir todas as questões tratadas
pelos tipos anteriores de forais. Estes são redigidos em momentos de crises agudas em
que a tensão social ameaçava os limites do controle político. Nestas crises surgiam, ou
não, os fracionamentos de territórios e novos municípios com a acomodação de
interesses locais e reforço da legitimação às vezes instável do pode absoluto
centralizado (Bandecchi, 1983:15-25).
Estes fracionamentos de território aconteciam sob a responsabilidade dos
governadores gerais, que obtinham seus cargos diretamente do governo português. Eles
podiam conferir a categoria de vilas aos povoados que fossem convenientes ao poder
central e à administração dos negócios, especialmente aqueles realizados com o Reino
13
.
Havia um controle central absoluto sobre os poderes locais constituídos, embora com
uma margem de manobra variável em conformidade com as situações específicas. Deste
modo, os senados ou câmara municipais somente podiam atuar nos estritos limites das
ordenações, isto é, “como sua majestade manda” e no controle dos governadores gerais
(Bandecchi, 1983:27-29). casos em que as câmaras municipais comunicavam ao Rei
reclamações por escrito, de certos procedimentos do governador geral que entendiam
serem prejudiciais aos interesses locais
14
. Não se pode concluir daí que as vilas, isto é,
os municípios brasileiros, diferentemente dos portugueses, eram sociedades entregues a
si mesmas, com liberdade de organização e de desenvolvimento e entregues às pressões
diretas dos fatores econômicos, sociais e religiosos presentes na localidade. Na verdade,
havia um controle do governo absoluto centralizado e português no sentido de manter a
colônia sob sua regência econômica, social e política. É isso o que se procura garantir
com a definição jurídica das cartas forais (Cf. Bandecchi, 1983:28).
12
“Enfiteuse é o direito real de posse, uso herança e gozo do imóvel alheio, alienável e transmissível por
herança, conferido, perpetuamente, ao enfiteuta, obrigando a pagar uma pensão anual (foro) ao senhorio
direto” (Bandecchi, 1983:21).
13
Para controlar melhor os intercâmbios de produtos com a metrópole o governo português garantia a
constituição de Companhias Comerciais como “empresas unidas ao Estado e dirigidas pelos próprios
vassalos do Rei”, mais intensamente a partir de 1750 (Santos, 1980:18-19, 41, 123 e 156).
14
“Num simples caso de etiqueta surgido entre o governador e a Câmara de Olinda, teve a Coroa que
decidir, concluindo que ambos representavam igualmente a pessoa do Rei” (Bandecchi, 1983:28 e 37).
54
O alcance jurídico-político do poder exercido nas vilas exige a consideração de
outros elementos constitutivos da realidade local. uma conjugação de pelo menos
dois elementos determinantes que são: a extensão territorial e o exercício de atividades
produtivas.
A grande extensão de terras que compõe o território colonial do Brasil com o
distanciamento geográfico da colônia brasileira em relação à metrópole portuguesa
exige que sejam definidas e tomadas de decisões para enfrentar os problemas daí
decorrentes, como, por exemplo, a comunicação com Portugal e também com as
localidades entre as províncias.
A distância entre a sede local de poder em relação ao Reino instalado em Lisboa
causava certa dificuldade para o controle mais efetivo sobre o exercício do poder local,
que sempre se via diante de problemas da administração local sem respostas imediatas.
A comunicação entre o Rio de Janeiro e Cuiabá era longa e complicada. Navegava-se
pelo mar até o porto de Santos (SP). Transpunha-se a Serra do Mar por meio de estradas
até o Porto Feliz, situado na vila de Araritaguaba, de onde, em navegação fluvial pelos
leitos do Tietê, Paraná e Prado, era possível chegar ao destino. “De Porto Feliz a Cuiabá
não se consumiam menos de 5 meses de jornada, que era exatamente o tempo
empregado nas navegações de Lisboa à Índia” (Santos, 1980:71).
As relações entre as câmaras municipais e os governadores apresentavam certa
tensão variável de acordo com as questões locais diante de decisões dos governadores.
As atribuições das câmaras continham abrangências variadas num momento em que
nem havia uma federação consolidada. As competências de cada uma das frações
territoriais do reino português, especialmente do território do Brasil (capitanias, vilas), e
também, durante o império brasileiro, (províncias e municípios) não estavam bem
definidas. Ao município eram atribuídas competências de legislar sobre a moeda local,
sobre o comércio, sobre as atividades agrícolas e comerciais, matérias tributárias e sobre
as habitações
15
. Muitas destas competências foram sendo transferidas para outras
esferas do exercício do poder no território brasileiro no decorrer do tempo. A grande
15
Os poderes locais “regulavam o curso e valor da moeda da terra, proviam sobre a agricultura,
navegação e comércio, impunham e recusavam tributos, deliberavam sobre a criação de arraiais e
povoações” (Bandecchi, 1983:39). A necessidade da produção e da troca torna necessária uma
padronização com validade territorial mais ampla, nacional (Cf. Brunhoff, 1985:52).
55
extensão territorial acabava por provocar grandes intervalos de tempo no contato entre
as sedes municipais coloniais.
A comunicação da orla marítima com o interior iniciou-se através do uso dos
leitos fluviais. Por esta razão é que grande parte dos empreendedores preferiam as
localidades próximas das margens de rios navegáveis, diante da facilidade
proporcionada para a compra e venda de mercadorias. Foi seguindo o curso das águas
do rio Capibaribe em direção à sua nascente que os portugueses encontraram os locais
onde foram instalados os engenhos de Camaragibe, e o entreposto comercial de São
Lourenço da Mata (Cf. Andrade, 1989:9-10).
Algumas soluções não ameaçadoras da ordem absolutista, colocadas em práticas
a partir das Câmaras (conselhos ou senados) locais, eram toleradas - apesar de haverem
sido tomadas à revelia da ciência e do ordenamento do poder central. Não se pode
entender que havia no Brasil, uma sociedade entregue a si mesma e autônoma
16
. Havia
sim uma tensão de grau variável nas relações entre o governo da Coroa e a colônia do
Brasil, na proporção em que os problemas comuns da vida colonial exigiam soluções
cuja expressão política intensificava as diferenças de interesses entre as duas partes
fazendo com que houvesse sempre concessões do governo de Lisboa em favor dos
brasileiros como forma de ceder anéis para preservar os dedos. Neste contexto insere-se,
por exemplo, a assinatura do decreto de 07 de março de 1821 que concede a deputados
eleitos no Brasil a participarem das Cortes de Lisboa na proporção de um deputado para
cada 30.000 (trinta mil habitantes) (Cf. Bandecchi, 1983:50; e Porto, 1989:17). Mas, as
representações da colônia no parlamento metropolitano não atendiam a todas as
aspirações da parte representada em seu conjunto, pois, as decisões eram sempre
favoráveis à Coroa e, quando possível, surgiam as concessões aos territórios
dominados
17
. Os fracionamentos no interior da classe dominante com o fortalecimento
de posições em torno de interesses localizados e os conflitos envolvendo outras classes
16
Assim deve ser entendida a elevação do Brasil à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves,
ocorrida em 16 de dezembro de 1815 (Cf. Bandecchi, 1983:46).
17
Na relação entre os Estados Unidos da América do Norte e a Inglaterra ocorreu algo semelhante,
conforme Thomas Jefferson na declaração de independência: “Com a restauração de Sua Majestade o rei
Carlos II, seus direitos de livre comércio (Virgínia) foram mais uma vez vítimas do poder arbitrário; e por
vários atos de seu reino, bem como do de seus sucessores, o comércio das colônias foi colocado sob
restrições tais que demonstram que poucas esperanças poderiam ter na justiça de um Parlamento
britânico” (Jefferson, 1964:18).
56
sociais podem levar às rupturas políticas e constituições de novas nações, como acabou
por acontecer entre Portugal e Brasil.
Outro elemento relevante é o conjunto de atividades produtivas relacionadas ao
tipo de expropriação do excedente, que eram exercidas nas localidades associadas às
necessidades de garantias de realização das transações comerciais. As principais
atividades produtivas iniciais no Brasil colonial foram as da extração do pau-brasil e o
cultivo da cana de açúcar, com a finalidade primordial de atender o mercado europeu
18
.
Em períodos críticos, o transporte de mercadorias entre a colônia e a metrópole era feito
diretamente ou protegido por naus de guerra (Cf. Santos, 1980:192). O proprietário de
terras coloniais assumia ainda a segurança para realizar seus negócios e proteger suas
mercadorias dos possíveis piratas e dos ataques dos índios às propriedades e aos
entrepostos comerciais
19
. Para realizar estas atividades, constituía-se um grupo de
pessoas armadas que agiam em volta de seus senhores e dos respectivos negócios. “Não
é só pela riqueza e pela força do seu élan de capangas que o senhor de terras é o patrono
ideal do baixo povo. Toda a legislação colonial tende a fazê-lo centro histórico de
gravitação do povo rural” (Maranhão, 1981:18).
Para realizar o trabalho produtivo direto, os portugueses implantaram nas terras
recém-descobertas o trabalho escravo, composto por pessoas da raça negra e trazidos do
continente africano. Foi uma escravização diferenciada na medida em que ela possuía
características muito específicas quando comparada com a que foi praticada na
antigüidade.
Deste modo, instaura-se no Brasil uma ordem social escravista fundamentada,
dentre outros aspectos, num aparato jurídico com especificidades relacionadas com a
escravidão. “Só a forma violentamente aberta e juridicamente garantida de apropriação
da força de trabalho alheia, que é a escravidão, poderia prover o contingente requerido
pelo setor açucareiro (...). O escravo africano revela-se o agente de trabalho adequado à
18
A Capitania de Pernambuco dispunha de 60 engenhos de açúcar ano de 1587 (Cf. Gândavo, 1995:5).
19
Esta forma de proteger os interesses da classe dominante revelou-se ineficaz quando ocorreu a invasão
holandesa. A expulsão das milícias de Maurício de Nassau, ocorrida em 1654, exigiu a constituição de
uma força militar destacada dos negócios privados e que tivesse a responsabilidade por um território e
que atendesse aos interesses comuns das diversas frações da classe dominante. Depois, D. João IV
resolveu anexar as capitanias de Itamaracá e de Pernambuco novamente ao reino português sob a
responsabilidade de um governador nomeado pelo Rei (Cf. Porto, 1978:47).
57
produção vinculada ao comércio do açúcar: podia ser acrescentado (ou retirado)
conforme as tendências de expansão” (Franco, 1976:28).
A escravização do negro no Brasil possuía em comum com o tratamento
dispensado aos antigos escravos dois pontos essenciais. O primeiro era a legitimidade
da forma de emprego da força de trabalho. O outro era a distinção entre pessoas
possuidoras de vontade própria e de pessoas desprovidas da capacidade de decidir sobre
a própria vida. O primeiro ponto sustentava a garantia da legitimidade desta forma de
extorquia de trabalho excedente. A lei garantia o poder de individualidades pertencentes
a uma classe social se tornar proprietária de outras individualidades. Assim, o direito
constitui indivíduos portadores de vontade, sendo desde modo sujeitos jurídicos,
enquanto que, a outros, reserva a condição de coisas que são apossadas como
mercadorias. “A ideologia escravista dominante declarava que o direito de propriedade
sobre o homem o escravo era tão ‘natural’ quanto o direito de propriedade sobre os
instrumentos de produção” (Saes, 1985:324). O segundo ponto sustentava a condição
juridicamente desigual entre as pessoas diante do Estado. Desprovidos de vontade
própria, os escravos eram juridicamente incapazes de exercerem atividades pertinentes
aos cargos públicos. Diferentemente do direito antigo, a escravidão brasileira não
prescrevia formas legais de renovação do contingente de escravos como: a guerra de
conquista, forma de pagamento de uma dívida, ou ainda, como meio de devolução de
valor ou coisa roubada. Portanto, não havia forma de escravizar novas populações.
Aqui, o direito escravista era limitado quanto à garantia da escravização
(Cf. Saes,
1985:57-179; e Idem, 1999:104-119).
A partir da combinação destes fatores, uma pequena nobreza exercia o poder
sob pressões sociais locais pela sua própria composição e pelos conteúdos (definições,
concessões, proibições...) das atividades decorrentes deste mesmo poder. A condição do
Brasil, enquanto dispunha de grandes extensões de terra e do surgimento de novos
povoamentos, fazia com que houvesse uma considerável elasticidade na composição da
classe nobre. A essa classe pertenciam “os homens bons”. Fazer parte dessa classe era a
garantia de poder desfrutar de privilégios, como o da ociosidade que se sustenta sobre o
trabalho alheio. Esta categoria de pessoas comportava “os nobres de linhagem e seus
descendentes; os senhores de engenho, a alta burguesia civil e militar e seus
descendentes. A esse grupo, se juntavam os “homens novos”, burgueses que o comércio
58
enriquecera (...). Desta classe eram excluídos os servos e os indivíduos assoldadados,
que serviam em casa alheia” (Porto, 1985:10).
A ocupação de cargos eletivos possuía critérios um pouco mais rigorosos
durante o período colonial e imperial. Além dos escravos e dos militares de baixa
patente, as mulheres também estavam impedidas de exercer o voto.
Assim foram as providencias quanto aos cargos nas Câmaras Municipais: a
ocupação de cargos nas câmaras municipais acontecia como sendo uma reprodução do
governo absolutista da Coroa portuguesa e que permaneceu com a mesma orientação,
depois da independência, a partir das determinações do império brasileiro. A
colonização do Brasil proporcionou, com o decorrer do tempo, o surgimento de nobres
“brasileiros de nascimento” por descendência de portugueses, ou através da aquisição de
títulos nobiliários. Este contingente social, na verdade, uma fração da classe nobre,
procurou garantir para si mesma, a ocupação dos cargos públicos diante das ameaças e
interesses mercantis e do pensamento liberal. Por isso, surgiram as especificações de
tipos de profissionais que poderiam ocupar posições nas câmaras (senados, ou
conselhos) municipais. Enquanto o mundo inteiro passava por uma transição política em
direção a uma sociedade em que a burguesia em ascensão procurava obter o controle do
poder político e determinar o conteúdo das políticas de Estado, os portugueses
procuravam manter no Brasil, um modelo de gerenciamento dos negócios coletivos
ainda baseados nos valores e interesses da nobreza. O choque era inevitável. Eram
propostas políticas com grandes margens de incompatibilidades. Tudo era uma questão
de tempo e de lugar (Cf. Porto, 1989:45).
A composição das câmaras municipais ficou legalmente restrita aos de
descendência nobre. Quem se ocupava de atividades comerciais era impedido de ocupar
cargo no poder público em razão de a nobreza classificar estas atividades como sendo
próprias de pessoas ávidas por uma ascensão social impossível e, ainda, uma ocupação
inerente à natureza plebéia. Os municípios constituíam-se como espaços de conflitos
entre classes e de tentativas de ruptura dos laços coloniais quando aprofundam as
divergências na condução de políticas díspares. Exemplo desse fenômeno foi Olinda,
quando, em dado momento, o acirramento do conflito entre a aristocracia nativa e a
burguesia metropolitana resultou na divisão do território. Era um momento em que os
59
burgueses passaram a expressar interesses opostos aos da classe nobre por excelência. A
burguesia, impedida de obter representação no legislativo local, passou a organizar suas
intervenções políticas a partir do local em que já exercia as atividades de expressão
social e mercantil. Estabeleceram-se relações contraditórias entre o poder local e o
metropolitano além mar. Burgueses metropolitanos lutando contra a aristocracia local,
mas fiéis à aristocracia metropolitana. Ao passo que aristocratas locais na tentativa de
manter seus espaços e abrangência do poder tentam proclamar uma ordenação
republicana para o governo colonial
20
. Com o decorrer do processo da luta que ficou
conhecida como Guerra dos Mascates (1709-1711), esta burguesia consolidou o
controle dos arrecifes e do porto, e empreendeu com sucesso, a luta pela autonomia do
território que passou a se chamar de cidade do Recife
21
, embora isto não resultasse um
questionamento profundo e imediato do poder central aristocrata na época. (Cf.
Bandecchi, 1983:25-42).
Havia uma forte razão para que o direito de voto fosse restritivo. O
impedimento para que indivíduos de certas frações e classes sociais não pudessem
praticar o exercício do voto e de ser votado representa uma torção na representação
política da sociedade. A Constituição imperial de 1824 manteve e consolidou o
princípio da restrição político-eleitoral. Os filhos que vivessem sob o mesmo teto que o
dos próprios pais não podiam tomar parte nas eleições, salvo se estivessem em atividade
num emprego público. Ainda era exigida uma renda mínima para exercer o ato de votar
e ser votado. No final do período imperial brasileiro esta exigência teve o seu valor
dobrado (Cf. Bandecchi, 1983:43 e 69).
2.2 - O surgimento de Camaragibe
O nome Camaragibe faz refletir sobre os momentos iniciais da colonização
portuguesa do território. O termo camargibe resulta da junção dos vocábulos indígenas
camará e gybe, cujo significado em língua portuguesa é Rio Camará. O uso destes
20
Em 10 de novembro de 1710, o escravocrata de Olinda, Bernardo Vieira de Melo proferiu o primeiro
“Grito de República” no Brasil, com o propósito de alcançar a independência da Capitania de
Pernambuco com relação a Portugal, mantendo a sede do governo em sua cidade (Cf. Aragão, 1977:46).
21
O movimento é motivado pela Carta gia de 19 de novembro de 1709 que concede a separação da
Vila do Recife da tutela de Olinda. Apesar disso, Recife mantém a comemoração de sua data cívica como
sendo o dia 12 de março constante da Carta Foral de 1537 (Cf. Aragão, 1977:43-48).
60
termos desde os primórdios da colonização passou a registrar a expressão Rio
Camaragibe, o que é um pleonasmo. Outra referência lingüística que contribui para a
denominação para a localidade é a farta vegetação nativa de arbustos que os indígenas
conheciam por lamanta camará, e que, na linguagem popular atual é o chumbinho. Os
habitantes da região na época da chegada dos portugueses no local também eram
identificados como pertencentes à tribo dos índios Camarás (Cf. Mendonça, Sousa e
Santana, 2004:24-25).
O município de Camaragibe surgiu dos freqüentes fracionamentos de territórios
municipais anteriores ocorridos no Brasil. Este fenômeno é resultante dos confrontos
entre frações da classe dominante pelo controle político e da possibilidade de realizar
explorações econômicas com a conseqüente apropriação privada de valores a partir de
atividades produtivas, tendo em vista as competições no mercado que tem suas
fronteiras cada vez mais elásticas. No início da colonização, estas terras faziam parte da
Capitania de Pernambuco, que era a que realizava maior intercâmbio comercial com
Lisboa. O testemunho de Pero de Gândavo sustentava que “a esta Capitania vão cada
ano mais navios do Reino que nenhuma das outras” (Gândavo, 1995:5).
Mas, o governo geral do Brasil, nomeado pelo Rei de Portugal foi sediado em
Salvador, na Bahia, que somente perdeu a condição de capital da colônia para a cidade
do Rio de Janeiro, na Guanabara, a partir do ano de 1763 por iniciativa do marquês de
Pombal, em razão desta última estar mais próxima das minas gerais (Santos, 1980:19 e
55). As conseqüências da separação entre Olinda e Recife forem sendo efetivadas com o
decorrer do tempo. O território que comportava o antigo entreposto comercial mais
distante desde 1554, denominado de São Lourenço da Mata
22
, e o povoado
intermediário localizado às margens do rio Camaragibe foram sendo transferidos para o
município de Recife (Cf. Maranhão, 1981:19). O mapa nº1 apresenta a localização de
Camaragibe na região metropolitana de Recife.
22
O entreposto comercial foi estabelecido por Duarte Coelho, após derrotar os índios locais em 1554, em
um ponto das margens do Rio Capibaribe. Em 1587, foi erguida uma Igreja em invocação a São
Lourenço. O território é desmembrado de Olinda e passa a fazer parte de Recife a partir de 1854, e obtém
a autonomia municipal no ano de 1890 (Cf. Maranhão, 1981:13-25, 59-61).
61
Mapa nº1
Localização de Camaragibe na região metropolitana de Recife, PE.
Fonte: Prefeitura Municipal de Camaragibe, 2000:1.
O extrativismo colonial chegou ao local da atual cidade de Camaragibe com as
atividades de extração do pau-brasil. Com a devastação da mata nativa, a terra se tornou
suscetível às atividades agropecuárias. Dentre estas atividades, as do cultivo de algodão
e de cana-de-açúcar tornaram-se predominantes na Capitania de Pernambuco e
prosseguiu na mesma direção durante o período imperial. Este cultivo constituiu-se na
base econômica para que fosse instalado, em 1549, naquele local, o Engenho
62
Camaragibe, cuja denominação se deve ao fato de o mesmo se localizar nas margens do
rio com este nome. uma tradição local que transmite o fato que os índios Camarás,
habitantes da região, haverem destruído este mesmo engenho por cinco vezes durante
lutas contra os portugueses. A produção açucareira persiste com o domínio holandês,
sendo de grande importância durante o período imperial, até que a partir do ano de 1871
realiza uma transformação tecnológica necessária para atingir o estágio internacional da
produção e para recuperar mercados (Cf. Oliveira, 2003:53-56; Maranhão, 1981:17, 24
e 47; e, Andrade, 1989:17).
As atividades em torno do engenho de açúcar prosseguiram em ascensões e
quedas até serem suplantadas em sua importância por uma unidade fabril da Companhia
Industrial Pernambucana instalada na localidade a partir de 1891. Esta empresa
proporcionou a formação de um núcleo habitacional de características urbanas
avançadas para a época, com serviços de abastecimento de água e esgoto sanitário
domiciliar destinado para fossas sépticas, em conformidade com engenheiro Carlos
Alberto de Menezes, autor e administrador do projeto. O proprietário do
empreendimento industrial em questão era Adolfo Pereira Carreiro, natural da
Argentina e filho do Cônsul português José Pereira Carreiro, que exercia a função na
cidade de Buenos Aires. Ele atuava como exportador de açúcar, aguardente, algodão e
importador de farinha de trigo estabelecido no município de Jaboatão dos Guararapes,
além de ser proprietário da Usina de Açúcar de Goiana, ambas em Pernambuco (Cf.
Menezes, 1986b:49). As suas atividades permitiram-lhe descobrir as vantagens
comparativas das atividades industriais da região relacionada com aquelas indústrias do
mesmo ramo que estavam sediadas no sul e sudeste do Brasil, quanto ao custo de
produção. “As tecelagens no Rio de Janeiro eram muito rentáveis, mesmo com a
concorrência estrangeira. O custo de algodão no nordeste era 15% menos do que no sul
do país e os salários, 30% menos” (Azevedo, 1986:16).
Não informações disponíveis sobre as razões da escolha do local para a
instalação da unidade produtiva na localidade de Camaragibe. Tudo indica que, situar-se
na periferia de um grande centro urbano era mais vantajoso do que instalar uma planta
industrial dentro dos limites territoriais da capital Recife. É relevante incluir, entre os
elementos a serem considerados na composição das estratégias de empreendimentos
63
industriais a facilidade de obter força de trabalho
23
com a qualificação necessária à
produção de bens em condições de serem inseridos no mercado nacional e internacional.
2.3 - A ideologia de Carlos Alberto de Menezes
2.3.1 – O capitalismo e a questão operária
Os resultados das preocupações teóricas e práticas do engenheiro Carlos
Alberto de Menezes compõem as condições de reprodução da força de trabalho de um
proletariado em formação, tendo garantida sua subordinação ao capital que, enquanto
realiza uma acumulação primitiva, vai estabelecendo outras condições de sua
sustentação e de reprodução como modo capitalista de produzir riqueza. O Brasil havia
passado por algumas transformações sociais e políticas.
As pressões internacionais pelo fim da escravidão associada aos movimentos
sociais nacionais de mesma natureza e as ações dos republicanos tiveram conseqüências
significativas para a vida social e política da nação. A Lei Áurea de 13 de maio de 1888
põe fim ao trabalho escravo. Em 15 de novembro de 1889 é proclamada a República.
Nos anos de 1890 e 1891 é realizada uma Assembléia Nacional Constituinte, e
consolidam-se as bases jurídicas da República dos Estados Unidos do Brasil.
Estabelece-se, portanto, os fundamentos de uma nova configuração social e política para
todo o território brasileiro. Estes acontecimentos representam o desfecho de um
processo revolucionário antiescravista que havia se formado em prol da constituição de
um Estado burguês (Cf. Saes, 1985:182-192). O contexto nacional possibilita
aprofundar as tentativas de consolidação de dominância das relações de produção
propriamente capitalistas. uma nova forma de dominação econômica e política, e a
sociedade brasileira está se transformando em conformidade com um novo padrão de
produzir riquezas que vai se tornando cada vez mais abrangente e atingindo as
localidades mais distantes dos centros urbanos de onde partem essas decisões políticas,
como a capital federal, na época, a cidade do Rio de Janeiro.
23
A situação referente à força de trabalho era mais abrangente. O mesmo problema era observado pela
fábrica de tecidos da cidade de Paulista, em Pernambuco. “Nos seus anos iniciais, a fábrica carente de
profissionais especializados para certos postos de trabalho, recorria ao mercado de trabalho qualificado do
Recife, através de anúncios de jornais, como os que publicou em 1907” (Leite Lopes, 1988:40).
64
É neste contexto que se inserem as preocupações de Carlos Alberto de
Menezes para garantir as condições de um empreendimento produtivo. Mesmo a
produção periférica do modo de produção capitalista necessita estar à altura do vel
tecnológico das áreas centrais sob pena de ser suplantada pelas relações competitivas
entre os agentes deste mesmo tipo de produção. Por isso, a planta industrial da nova
unidade produtiva somente é elaborada a partir de visitas a algumas unidades industriais
do mesmo ramo já em funcionamento na capital republicana, e também, em Val-de-Bois
(França), e Turim (Itália) (Cf. Azevedo, 1986:18-19).
A experiência da fábrica de Leon Harmel localizada em Val-de-Bois deixou
profundas marcas no engenheiro Menezes. A unidade fabril havia sido transformada
numa corporação cristã. Lá, os proprietários industriais e os operários moravam dentro
dos limites do estabelecimento industrial e freqüentavam os mesmos ofícios religiosos
numa capela ali mesmo construída, além de participar das mesmas festas sócio-
culturais. Esta foi uma oportunidade para que fosse formulado o convite para que os
padres da congregação dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus, que trabalhavam
na fábrica de Harmel, também implantassem atividades de mesma natureza e objetivos
em Recife, o que se efetivou a partir de 1892. Na cidade de Turim, convenceu os
superiores da congregação dos padres salesianos a abrir um colégio na cidade do Recife,
cujo funcionamento tornou-se realidade a partir do ano de 1895 (Cf. Azevedo, 1986:18-
19).
Este esforço de Carlos Alberto de Menezes tinha como fundamento uma
grande preocupação geral na época diante da questão operária, para a qual ele propõe
uma solução inovadora. Duas conotações diferentes envolvem a questão operária,
especialmente no Brasil. As duas têm em comum a atividade fabril pelo fato de as
mesmas estarem relacionadas com o trabalho assalariado e os conseqüentes problemas
para o exercício da dominação de classe e da exploração do trabalho que ela
proporciona. A primeira conotação tem a ver com o tipo de dominação política exercida
no Brasil. Em alvará de 5 de janeiro de 1785, o governo português determina que seja
promovida a agricultura, e proíbe terminantemente que se instalasse qualquer indústria
fabril no território colonial como medida para “evitar toda a possibilidade e mesmo a
idéia de separação” entre Brasil e Portugal. A problemática da questão, com estes
65
argumentos, é de caráter preventivo quanto à possibilidade do surgimento de um
proletariado com o seu modo próprio de agir social e político (Santos, 1980:48). Esta
tem a preocupação de garantir a continuidade da condição de colônia portuguesa para as
terras brasileiras.
A segunda conotação da questão operária é a que contém os argumentos de que
o estímulo à agricultura e o impedimento do avanço industrial promovia a constituição
de um proletariado combativo que suplantaria os limites das reivindicações puramente
econômicas motivado por transformar a sociedade em busca do socialismo
(comunismo). Esta nova conotação independe da condição de país colônia ou
independente. Mas, ambas as conotações são de caráter conservador de uma dada ordem
social. De qualquer modo, o cerne da questão é a proposição de se promover a
agricultura e evitar as atividades industriais em razão do potencial revolucionário
característico do proletariado, a exemplo do que ocorria na Europa
24
. Basta lembrar os
acontecimentos em torno da Comuna de Paris para avaliar as preocupações dos
capitalistas diante do potencial transformador da realidade social e política presente nos
ambientes freqüentados e cultivados pelos proletários (Cf. Marx, 1983:221). Muitas
condições sustentadoras de uma nova sociedade se faziam expressar nas
reivindicações dos trabalhadores (Cf. Marx & Engels, 1982:115). Qual é a solução
proposta por Carlos Alberto de Menezes?
2.3.2 - A solução meneziana da questão operária
A solução da questão operária no Brasil proposta por Carlos Menezes revela a
sua posição de classe dentro da organização social e política brasileira num período de
transição. Com isso, ele está em sintonia com o seu tempo. Ele entende a questão como
resultante de duas causas. Estas causas são os erros das classes sociais fundamentais na
produção capitalista. A primeira causa é composta pelos erros dos patrões e industriais,
enquanto que a segunda causa constitui-se do conjunto de erros dos operários.
Ele define os erros dos patrões e dos industriais como sendo “o esquecimento
dos sãos e puros princípios de justiça e caridade, que devem inspirar aqueles que têm
24
O alemão List afirmava: “Há males bem maiores que a existência de uma classe de PROLETÁRIOS:
os cofres-vazios” (citado por Marx, s/db:11).
66
missão de dirigir homens, seus irmãos na conquista de um trabalho coletivo qualquer; o
princípio de exploração injusta e iníqua do trabalho do homem, como se tratasse de uma
simples máquina; a ganância, que levou os industriais a procurarem para si grandes
lucros; o mais revoltante desprezo pela dignidade moral do homem, impedindo-lhe
todos os meios de desenvolvimento, como sejam: a manutenção do espírito de família, a
educação dos filhos, a liberdade de cuidar de suas almas, pelo repouso e santificação do
domingo, pelo tempo razoável concedido ao operário para a sua vida moral, na família e
na sociedade” (Menezes,1986b:33).
Estes erros causadores da questão operária são constituídos de três elementos
determinantes conforme a visão de Carlos Menezes. Ele parte de uma concepção
antropológica fundamental, para depois, condenar um modo (inadequado) de agir, e o
conseqüente efeito para as relações sociais.
O primeiro elemento é a concepção antropológica. A concepção de ser humano
que fundamenta a argumentação é a de que uma divisão natural entre pessoas que
são destinadas a dirigir e outras, cuja constituição pessoal é a de serem dirigidas.
Evidentemente que ele reserva aos capitalistas a missão de dirigir outros seres humanos.
Ele sustenta que a natureza distingue os seres humanos entre dirigentes e dirigidos.
Trata-se de uma concepção cujas raízes filosóficas foram estabelecidas pela filosofia
grega, em um outro contexto, quando sustentava que “a autoridade e a obediência não
constituem coisas necessárias apenas, mas são coisas úteis. Alguns seres, quando
nascem, estão destinados a obedecer; outros a mandar” (Aristóteles, 1966:15. A política,
liv. I, cap. II, § 8). A maneira dos capitalistas fazerem desabrochar o próprio modo de
ser está sendo danosa à vida social. Os patrões estão descumprindo uma obrigação de
proporcionar aos operários as condições para desfrutar de uma dignidade moral e para
que eles desenvolvam o espírito de família com uma boa convivência social, que
possam educar os seus filhos e, ainda, da liberdade de cuidar de suas almas, tendo para
isso, o direito a um repouso diário e dominical.
O segundo elemento determinante destes erros, na visão meneziana, é que o
modo patronal de agir, apresenta falhas em cumprir esta missão, ocasionando uma
exploração degradante e inadmissível do ser humano. Deste modo, a exploração do
trabalho alheio se torna injusta e iníqua. Na sua visão, isto faz o ser humano ser
67
reduzido à condição de máquina de quem se espera, única e exclusivamente, que
proporcione produtos a quem comanda a sua operação.
Daí transparece o terceiro elemento determinante dos erros patronais, que está
relacionado aos efeitos danosos decorrente dos dois elementos anteriores. O efeito
indesejável dos erros patronais é a apropriação de um volume exagerado de mais-valia.
Esta “ganância por grandes lucros” é o desfecho de um processo que provoca a reação
do proletariado. Os capitalistas deveriam contentar-se com menores volumes de
concentração de riquezas, o que nem sempre estão dispostos a aceitar. Em razão disto, o
capitalista é o grande responsável pelo surgimento da questão operária.
Os erros dos proletários que causam a chamada questão operária são expressos
por Carlos Alberto de Menezes como sendo “o esquecimento do princípio de
conformidade com a sua situação, sobre o qual repousa toda a economia divina; o
abandono do terreno calmo, de justa e santa reivindicação de seus direitos conculcados,
para se atirarem nos braços do socialismo (...), a negação do direito de propriedade, o
nivelamento social (...), as revoluções, as greves barulhentas para reclamar o justo e o
injusto” (Menezes, 1986b:33).
Estes erros que também causam a questão operária são, por sua vez,
constituídos de três elementos determinantes, partindo da concepção antropológica,
passa por um modo descabido de agir e chega aos efeitos desastrosos.
O primeiro e fundamental elemento é a concepção antropológica. No
desdobramento da concepção de ser humano concernente ao proletariado, o desprezo
pelo “princípio de conformidade com a situação”, ou seja, a não aceitação da
condicionante de ente subordinado a uma autoridade legítima. Os problemas surgem
quando os operários se negam a restringir suas vidas ao exercício de atividades
funcionais. Os operários, os homens do trabalho, os homens da ação, da ferramenta e
da blusa deviam ser os homens práticos por excelência” (Menezes, 1986d:73). Aos
operários está reservada a submissão aos ditames de uma classe dominante. Trata-se,
portanto de uma ordenação humana e social inquestionável, trata-se de uma
conformação à vontade divina. A falta de consideração deste elemento por parte dos
proletários provoca a elaboração de reivindicações descabidas. Assim, conforme a visão
68
meneziana, o movimento operário tem se enveredado pela busca da igualdade entre as
pessoas, o que está em total desacordo com a própria natureza dos seres que o
compõem.
O segundo elemento causador dos erros proletários está relacionado com o
modo de agir contrário à natureza que eles passam a adotar. Trata-se da forma como
eles passam a viabilizar as ações de reivindicação dos seus direitos. Carlos Alberto de
Menezes ressalta que houve por parte dos operários o “abandono do terreno calmo” que
leva à conquista das santas e justas reivindicações, para se enveredarem por greves
barulhentas e por ações revolucionárias na busca de proposições justas e injustas. O
problema agora, é que falta aos operários uma visão clara do que devem reivindicar.
Eles precisam distinguir o que é justo e o que não é justo reclamar para si mesmos.
Neste ponto, surge o terceiro elemento determinante da questão por parte dos operários.
O terceiro elemento compõe-se dos efeitos resultantes dos elementos
anteriores. São os objetivos sociais e políticos potenciais das reivindicações
proletárias, que são o desfecho da questão. Os proletários passam a propor como
objetivo de suas lutas o de implantar o socialismo (comunismo). uma associação
entre a busca por melhorar as condições de reprodução biológica e social e as
proposições de uma nova ordem social econômica e política. Isto se expressa pela
negação por parte dos operários do direito dos capitalistas de usufruir da propriedade
privada dos meios de produção, pela busca de uma sociedade igualitária e por uma nova
forma de gerenciar os negócios coletivos. Tudo isto causa um desvio da verdadeira
essência e modo social de agir e de proposição de objetivos de ambas as classes sociais
em jogo.
A fórmula meneziana para prevenir a questão operária provém do catolicismo,
que oferece uma vacina imunizadora que precisa ser aplicada à sociedade brasileira. “E
esta vacina, nós a temos mais segura e mais eficaz que as culturas de Jenner e Pasteur.
Quem no-la fornece é a Santa Igreja, no conjunto de sua doutrina, onde estão
concentrados todos e os únicos meios de estabelecer entre os homens a paz e a
concórdia, sem quebra dos direitos naturais de cada classe, sem subversão dos
princípios de justiça e de equidade” (Menezes, 1986b:35).
69
Após sustentar que a questão operária ainda não foi instalada no Brasil, apesar
de haver vários veículos tentando fazê-lo, ele elabora a proposta de solução
constituindo-a de três elementos determinantes.
O ponto de partida de Carlos Alberto de Menezes é, mais uma vez, uma
concepção antropológica, para em seguida, estabelecer as bases de um novo modo de
agir, da paz e da concórdia entre patrões e operários, e, finalmente, estabelecer novos
objetivos a perseguir.
O primeiro elemento determinante para compor a solução meneziana da questão
é o estímulo à vida cristã. O ser cristão é uma base para garantir o distanciamento da
questão operária das terras brasileiras. Isto é válido para ambas as classes sociais em
relacionamento, mas, especialmente para o proletariado. “Só a religião é capaz de
formar o povo, de purificar-lhe o coração e os costumes, de extirpar nele os vícios e
tendências (...). Todo homem precisa desse freio íntimo, desse regulador interno das
consciências; para o homem ignorante e grosseiro do povo, ou há esse ou não
nenhum (...). Na capela estão todos juntos, todos recebem o mesmo pão da vida, na
santa eucaristia, e o mesmo pão espiritual, na pregação do capelão” (Menezes, 1986b:41
e 46). Os patrões e industriais têm a obrigação de levar uma vida exemplar para os
operários que empregam em seus empreendimentos. “A natureza humana é de
arrastamentos (...). Os inferiores têm sempre os olhos cravados nos superiores, fazem o
que eles fazem, pensam como eles pensam. Os patrões devem começar por dar o
exemplo: o exemplo na piedade, na freqüência dos sacramentos; o exemplo na
dedicação, o exemplo na simplicidade de vida” (Menezes, 1986b:45). Portanto, para
Carlos Alberto de Menezes, é preciso assumir uma maneira cristã de vida comum entre
patrões e operários.
O segundo elemento determinante como preventivo da questão operária é a
adoção de um novo modo de agir tanto por parte dos patrões quanto por parte dos
operários. É preciso estabelecer a paz e a concórdia entre as classes sociais e, para
isto, uma vacina que é a doutrina social católica. A encíclica do Papa Leão XII,
publicada em 15 de maio de 1891, denominada de Rerum Novarum, que renova a
postura do catolicismo em razão da perda de influência da Igreja Católica sobre os
operários europeus, inicia uma reflexão e elaboração de novos conteúdos da doutrina
70
social da Igreja e nega o caráter antagônico dos conflitos entre capitalistas e
trabalhadores. Reconhece a justeza das reivindicações operárias quanto à melhoria das
condições de vida e de trabalho e reforça a instituição familiar como sedimentação
necessária a uma vida social saudável e ao cultivo do princípio da autoridade paterna
(Cf. Menezes, 1986b:35-46). Garante-se a paz e a concórdia entre as classes da
sociedade burguesa. “Há um único terreno, no qual a paz e a concórdia podem ser
estabelecidas, de modo durável e definitivo: é o terreno cristão porque não é o campo
próprio de uma parte nem de outra -, é o terreno de uma potência neutra, mais forte,
superior às duas partes” (Menezes, 1986d:70). Deste modo, com o domínio da religião,
o espectro do comunismo está afastado da sociedade, pois, ele e o catolicismo são
incompatíveis; um exclui o outro: “ou cristianismo ou socialismo” (Menezes,
1986d:71).
O terceiro elemento da solução é obter um efeito desejado por ambas as partes.
Os operários precisam definir os seus objetivos dentro da sociedade atual, ou seja, o
proletariado precisa exercer uma atuação ordeira e ordenada dentro dos limites
estabelecidos na sociedade burguesa. Tendo havido a garantia de que as reivindicações
operárias ficaram nos limites dos conflitos de classes da sociedade burguesa, os
proletários precisam organizar instrumentos que garantam as suas existências em
diversas situações, principalmente nos momentos de crise, sem que o antagonismo
chegue ao ponto de subversão da (des)ordem instalada.
A partir daí, o sistema precisa de funcionalidade. Os dois lados precisam estar
organizados num todo. Os operários precisam criar mecanismos associativos para dar
estabilidade às próprias ações. E estes mecanismos precisam ser dotados de ser geridos
pelos próprios operários, precisam de autonomia funcional e não pode depender de
nenhuma empresa. São necessárias instituições como: sindicatos, associações
beneficentes e cooperativas. “A associação é um corpo autônomo, que age por si
mesmo, sem o caráter de imposição. Na associação se exerce o apostolado de igual para
igual, do operário sobre o próprio operário, que exclui o caráter de ação oficial. As
associações ligam, exortam, fortalecem pela união. Mas, se o espírito de associação é o
grande meio, é preciso que elas tenham um outro caráter o caráter religioso
(Menezes, 1986b:47. Grifos do original). A religião é a garantia de que as ações
proletárias estarão sendo realizadas dentro dos limites toleráveis. Deste modo, os
71
sindicatos formularão reivindicações justas aos patrões. Aos sindicatos cabe “a defesa
dos contratos regularmente celebrados” (Menezes, 1986f:113). Diante de
acontecimentos imprevistos as associações beneficentes e também as cooperativas de
consumo cumprirão o seu papel. Deste modo, as conseqüências das crises capitalistas
sobre os trabalhadores são enfrentadas com propostas que procuram manter intacto o
processo e o volume de mais-valia extorquido. “Em tempo de epidemia, são as
sociedades beneficentes destinadas a assegurar os socorros médicos que suportariam a
maior carga; em um período de carestia, seria a vez das sociedades cooperativas de
consumo” (Menezes, 1986c:61).
Todas as preocupações menezianas estão inseridas no grande objetivo de
garantir a produção de mais-valia e de reprodução das condições sociais, econômicas e
políticas e das condições de continuidade da exploração capitalista da força de trabalho
sob a regência comportamental da Igreja Católica como sendo uma entidade neutra
diante das questões concretas da vida na terra. A Igreja Católica aparece nesta
concepção como uma instituição que paira acima da sociedade e da história. Depois de
assumir uma argumentação do tipo da aristotélica que atribui à natureza a cisão social
construída dos indivíduos entre portadores do caráter de mando e submissão - sendo
estas características próprias de classes sociais distintas, com as conseqüências
econômicas e políticas resultantes desta cisão - a religião somente intervém para
conferir a bênção divina ao processo e contribuir para tentar perpetuá-lo. As unidades
produtivas deveriam contar com uma capela interior com um sacerdote contratado pela
empresa para prestar os serviços religiosos (Cf. Menezes, 1986b:49). A sua aspiração é
que seja constituído um capitalismo em que a média de extorquia do proletariado seja o
limite máximo para realizar a exploração de um ser humano por outro
25
. Seria uma
espécie de exploração inevitável, santa e, por isso, tolerável em que os capitalistas e os
proletários estivessem submetidos a uma vivência social e cultural conforme os valores
de um catolicismo reformulado.
O marxismo, em seus momentos iniciais, havia denunciado os que
procuravam remediar os males sociais próprios da sociedade burguesa, e com isso,
25
Reflexões semelhantes reaparecem na década de 1960 no livro de Fernando Bastos de Ávila, com o
título: Neo-capitalismo, socialismo, solidarismo, publicado pela editora Agir. Os teólogos da libertação
divergem desta postura e estimulam o engajamento na luta pelo socialismo.
72
garantir a continuidade desta mesma sociedade. “Querem as condições de vida da
sociedade moderna sem as lutas e perigos delas necessariamente decorrentes” (Cf. Marx
& Engels, 1982:131). Trata-se da busca da solução para um problema sem eliminar as
causas do mesmo. Mantendo-se uma estrutura social de possuidores privilegiados em
contraposição a uma imensidão de pessoas sem posses, propondo soluções que exigem
comportamentos pessoais que ignoram e não criticam esta mesma estrutura. “Religião e
moral penetram toda a atividade humana temporal do cristão. Este sabe que seu destino
eterno se decide pela sua fidelidade a seus compromissos sociais. Sabe que um ato anti-
social, um salário fraudado, um imposto sonegado, não é apenas um ato deselegante,
passível de multa, mas é, antes de tudo, um pecado” (Ávila, 1963:98). Deste modo, o
ser cristão é uma maneira do ser social e histórico que é concebida como a maneira
correta e eterna do ser humano conforme a classe na qual se insere
26
. Capitalistas e
proletários devem conviver pacificamente e como pertencentes a uma mesma família.
Estes são os objetivos últimos da religião (Cf. Menezes, 1986b:46).
Num contexto político adverso ao catolicismo em razão de o movimento
republicano haver sido marcado por posturas desfavoráveis, Carlos Alberto de Menezes
tenta, sem sucesso, eleger-se deputado federal pelo Partido Católico, em 1891. Nas
últimas décadas do império uma pequena parte de hierarquia católica se indispunha com
o Estado imperial quanto ao relacionamento com Roma e diante do trabalho escravo.
(Cf. Azevedo, 1986:15-16; e Lima, 1979:13-25). A derrota eleitoral faz Carlos Alberto
de Menezes dedicar-se somente às questões produtivas. Para a reflexão meneziana o
catolicismo recupera a sua funcionalidade política dentro da sociedade burguesa a ponto
de ele ser necessário ao sucesso deste modo de organizar a vida coletiva. “A religião
católica é indispensável à existência da sociedade” (Menezes, 1986e:83). Havia uma
troca de correspondências entre a Companhia de Tecidos Paulista e a Fábrica de
Tecidos Camaragibe que, estando situadas num mesmo contexto econômico e social,
enfrentavam problemas semelhantes (Cf. Leite Lopes, 1988:94-96 e 617-623).
26
Lutero chega ao mesmo resultado partindo de outro ponto de vista. Para ele, as boas obras expressam a
certeza da salvação. “Como a alma se purifica por meio da e ama a Deus, ela deseja também que todas
as coisas sejam puras, sobretudo o seu próprio corpo, e que todos amem e louvem a Deus juntamente com
ela. E por isso o homem, por causa de seu próprio corpo, não pode sucumbir à ociosidade, tendo que
praticar muitas boas obras a fim de subjugá-lo (...). Essas obras seriam meramente voluntárias feitas
apenas para agradar a Deus e não para alcançar uma justificação” (Lutero, 1998:51-53).
73
A sua proposta não era plenamente acatada entre as organizações trabalhistas de
Recife. Por razões diversas, os sindicalistas da capital pernambucana devem ter
encontrado dificuldades em conseguir a adesão dos operários de Camaragibe em
determinadas mobilizações e propostas de organizações de entidades sindicais. Isto fez
com que o jornal “Aurora Social”, que era divulgado pelo Centro Protetor dos Operários
publicasse opiniões depreciativas sobre a situação específica dos operários da Fábrica
de Tecidos de Camaragibe, fato que obteve uma resposta de Carlos Alberto de Menezes
em defesa do seu modo independente de agir como sendo em prol da emancipação
social (Cf. Azevedo, 1986:24). Mais uma vez, as transformações burguesas da
sociedade tiveram seus propósitos envolvidos por uma linguagem do passado para
serem realizadas, e, novamente, as atividades proféticas são suplantadas pelas ações
político-econômicas (Cf. Marx, 1978:19). Mas, que emancipação social é esta? As
condições de habitação associadas à nova forma de emprego da força de trabalho
contêm uma resposta.
2.3.3 - A Vila da Fábrica e seus desdobramentos
a) A necessidade da Vila
A Fábrica de Tecidos Camaragibe entrou em funcionamento no ano de 1895
empregando 559 operários, cumprindo uma jornada de trabalho de 10 horas diárias seis
dias por semana (Cf. Azevedo, 1986:20). Nas proximidades da fábrica, houve a
providência de construir uma vila operária. A instalação de unidade(s) produtiva(s)
requer a disponibilidade populacional suficiente para movê-la. Para isto, tanto é preciso
atrair população, quanto fixá-la nas proximidades do empreendimento industrial (Cf.
Singer, 1975:45). A vila da fábrica de Camaragibe é elogiada devido ao alto padrão de
suas construções e de suas instalações sanitárias. No entanto, esta vila com o
correlacionado padrão era uma necessidade para o empreendimento nascente. É próprio
da indústria capitalista o fato de concentrar a população da qual ela precisa como força
de trabalho, em determinado lugar, diferentemente dos empreendimentos agropecuários
tradicionais. “Na história da acumulação primitiva, todas as transformações que servem
de alavanca à classe capitalista em formação, sobretudo aqueles deslocamentos de
grandes massas humanas, súbita e violentamente privados de seus meios de subsistência
74
e lançados no mercado de trabalho como levas de proletários destituídos de direitos. A
expropriação do produtor rural, do camponês, que fica assim, privado de suas terras,
constitui a base de todo o processo” (Marx, 1980a:831. O Capital, liv. I, vol. II, cap.
XXIV).
A proximidade da fábrica permite a mobilidade facilitada, a assiduidade mais
controlada e o estabelecimento de um padrão de comportamento mais semelhante para o
mesmo conjunto de trabalhadores. Este espaço diferenciado de vida é o que impulsiona
a transformação de valores e posturas próprias de camponeses isolados em proletários
urbanos (Cf. Leite Lopes, 1988:613-623). A organização do espaço de vivência por
onde se circula e estabelece liames operacionais, possibilita o cultivo de valores e
favorece a economia do tempo de deslocamento entre residência e trabalho (se
relacionado com uma dispersão própria do campo) e é fator disciplinar para
individualidades e coletividades. “A cidade (...) concentra não a população, mas os
instrumentos de produção, o capital, as necessidades, os prazeres” (Lefebreve, 1999:49).
Com isso, um padrão de comportamento coletivo necessário ao ambiente fabril passa a
contar com o reforço de um espaço externo onde, com o decorrer do tempo, comporta
também pessoas que não se empregam na mesma unidade fabril, mas, passam a formar
um contingente de reserva a que se pode recorrer em qualquer momento (Cf. Foucault,
1986:132-141).
A vida em coletividade exige medidas preventivas de epidemias que extrapola
os restritos limites dos pequenos espaços habitacionais. A sanidade dos espaços sociais
é uma questão de interesse geral. Elogiar medidas tomadas nesta direção é fazer da
necessidade concreta e palpável uma virtude anunciada aos quatro ventos. “A
dominação dos capitalistas não pode permitir-se impunemente o prazer de gerar doenças
epidêmicas entre a classe operária; as suas conseqüências recaem também sobre eles
próprios e o anjo exterminador desencadeia a sua fúria entre os capitalistas de forma tão
brutal como entre os operários” (Engels, 1983a:352).
As vilas operárias se inserem entre as medidas necessárias para estabelecer as
condições de reprodução da força de trabalho e de tê-la em quantidade suficiente para
atender às necessidades do emprego assalariado, tanto imediatamente quanto para
realizar substituições constantes. Portanto, a existência de uma reserva de força de
75
trabalho é uma necessidade estrutural do sistema produtivo. “A procura de trabalho não
se identifica com o crescimento do capital, nem a oferta de trabalho com o crescimento
da classe trabalhadora. Não aí, duas forças independentes, uma influindo sobre a
outra. É um jogo com dados viciados. O capital age ao mesmo tempo dos dois lados. Se
a acumulação aumenta a procura de trabalho, aumenta também a oferta de
trabalhadores, ‘liberando-os’ ao mesmo tempo em que a pressão dos desempregados
compele os empregados a fornecerem mais trabalho, tornando até certo ponto
independente a oferta de trabalho da oferta de trabalhadores. Nessas condições, o
movimento da lei da oferta e da procura torna completo o despotismo do capital” (Marx,
1980a:742-743. O Capital. liv. I, vol. II, cap. XXIII). Esta é a realidade social em que
agentes produtivos atuam com interesses antagônicos, na qual a burguesia vai
configurando o mundo à própria imagem e semelhança impondo as condições da sua
existência continuada, e mostra a substancialidade movente da mesma, que está
escondida sob a máscara do patrão caridoso. É o estabelecimento das condições em que
a bondade cativante aprisiona aqueles que serão explorados. Mas, iniciativas deste
quilate não solucionam os problemas de falta de habitações.
A questão habitacional adquire caráter permanente na formação social
burguesa pelo fato da reprodução da classe trabalhadora ser determinada pelo salário
enquanto os melhoramentos sucessivos no maquinário dispensam os trabalhadores - que
mesmo destituídos das fontes de recursos reprodutivos precisam garantir suas
existências (Cf. Engels, 1983a:354s). E, na busca por coisas necessárias à própria
sobrevivência, o proletariado acaba submetido a um lobo que se apresenta com pele de
cordeiro. Se a primeira conotação da questão operária determinava uma prática
preventiva diante dos operários enquanto força social impulsionadora de movimentos
favoráveis a uma nação independente, a segunda conotação procura constituir um
proletariado desprovido de projetos utópicos correspondentes ao seu ser enquanto classe
explorada apontando para a instauração do comunismo.
b) A vila da fábrica em processo
Estes são os momentos iniciais da consolidação das condições capitalistas de
produção no Brasil. No decorrer do processo, as preocupações e práticas sociais
76
necessárias à reprodução das condições para realizar a acumulação capitalista são
atendidas pelas políticas do Estado burguês. Principalmente, a partir da cada de 1930,
vão sendo definidas as linhas que orientam as suas políticas, quanto a dois propósitos: a
gestão da força de trabalho, e a sustentação dos rumos da economia. Para a gestão da
força de trabalho assalariada são definidas as políticas sindical e salarial, da previdência
e assistência social, habitacional de saúde e de educação. Para sustentar os rumos da
economia, os parâmetros da política monetária tomam relevância. A política cambial
possibilita a confiabilidade em um equivalente geral para realizar as transações
mercadológicas tanto a nível interno quanto aos negócios internacionais. Para realizar
políticas abrangentes, os capitalistas individuais e grupais saem de cena, deixando a
responsabilidade sobre estas questões para a esfera do Estado. Em situações diferentes,
as exigências e necessidades da fábrica para com os seus operários são outras. O êxodo
rural possibilitou uma quantidade enorme de força de trabalho disponível nas cidades. A
legislação vai equiparando os direitos dos trabalhadores e as condições de luta se
transformam. uma previdência e seguridade social gerenciada pelo Estado, e as
sociedades de ajuda mútua perdem a razão de ser, e deixam de existir.
Com esta nova situação os velhos operários reclamam novos direitos. A
administração fabril passa a ter de resolver situações embaraçosas. Torna-se necessário
negociar com os operários (Cf. Brunhoff, 1985:2-4 e 109-132). A entrevista nº6 relata
estas questões. “O Carlos Alberto de Menezes, neto do engenheiro que elaborou a
concepção e modelo de gestão da Fábrica de Tecido de Camaragibe, não gostava do
bispo Dom Hélder Câmara e dizia que Dom Hélder era comunista (...). Ele desativou a
capela no interior da fábrica para ampliar o espaço da planta industrial. Ele foi contra a
idéia do próprio avô, que era um homem muito católico. Do povo disse que depois
disso a fábrica desandou”. As atividades fabris passavam por uma crise que exigia
providências dentro de um contexto social e cultural que havia sofrido modificações que
resultavam em preocupações gerenciais e políticas. A mesma entrevista revela uma
medida tomada dentro do novo contexto. “Ele tinha um capataz que fazia tudo o que ele
queria. Ele fazia as indenizações de todas as maneiras. Dizia: ou você aceita ou você
sai! Esta casa mesmo, foi assim; meu pai fez um acordo sobre a indenização dele. Ele se
aposentou em 1978. Por todos os anos de trabalho, meu pai ganhou a casa como
indenização. Ou pega ou larga! (...) Se meu pai não tivesse aceitado a gente poderia
estar numa casa alugada ou na rua”.
77
Não havia mais a necessidade de uma vila operária como propriedade do
empreendimento industrial como forma de atrair força de trabalho. A iniciativa que
antes era difundida como uma atitude louvável tornou-se um problema para a unidade
fabril e tornou-se fonte de conflitos com os antigos operários. Assim, a entrevista nº6
revela a postura do novo administrador industrial. “Carlos Alberto de Menezes era um
opressor mesmo. Outras pessoas tiveram que sair das casas. Ele fazia acordo com quem
ele queria. O moço que trabalhava com ele fazia todas as espécies de acordo em nome
dele. (...) A minha tia, ele mandou sair. Mas meu pai reclamava os seus direitos. O
patrão não gostava dele (...). Carlos Alberto aceitou o acordo porque queria se ver livre
de pai”.
As mudanças nas políticas de Estado quanto à força de trabalho exigem que
Carlos Menezes (neto) tome medidas adaptadoras da gestão dos negócios à nova
realidade. O depoimento acima revela aspectos deste novo contexto de ação. A fábrica
se torna cada vez menos comprometida com a reprodução dos trabalhadores, deixando
as atividades relacionadas com a reprodução proletária sob a responsabilidade do
Estado. Até mesmo a Ação Social Católica manifestava tendências de mudar sua
posição de classe contrária aos interesses capitalistas. Setores da Ação Católica
Brasileira como a Juventude Operária Católica e a Ação Católica Operária passaram a
adotar posturas críticas e de engajamentos nas lutas pela superação do capitalismo
27
. O
conflito social e econômico manifesta o seu aspecto político e nas diversas formas de
representação (Cf. Souza, 1984:239-252).
2.4 - Camaragibe torna-se município
É neste contexto social e político modificado que Camaragibe obtém a sua
autonomia política enquanto município. A primeira iniciativa de tornar Camaragibe um
município ocorreu através de um Projeto de Lei 2153 de 28 de novembro de 1962
que não obteve sucesso. Esta iniciativa encontrou muitas resistências por parte do poder
político de São Lourenço da Mata.
27
O tema foge dos objetivos deste trabalho. Um aprofundamento do assunto pode ser feito a partir de
Dale (1985), Souza (1984), e Lima (1979).
78
Outra iniciativa aconteceu somente 20 anos depois, resultando na sanção da Lei
8.951 de 14 de maio de 1982
28
. O último projeto de lei justifica a proposição de
autonomia argumentando que Camaragibe apresentava as seguintes características: 1)
Constituía-se de um distrito mais importante cultural e economicamente do que a
maioria dos municípios do norte e nordeste brasileiro; 2) Continha em seu território uma
população urbana superior a 70.000 (setenta mil) habitantes residindo em mais de
20.000 (vinte mil) domicílios; 3) Encontra-se funcionando no território em questão
fábricas como: de tecidos, de artefatos de cimento e de torneiras; 4) O território dispõe
de escolas, hospitais e da Faculdade de Odontologia; 5) Conta com um mercado público
e com inúmeras casas comerciais; 6) A localidade de Aldeia é uma área de significativa
produção horti-granjeira que contribui no abastecimento, inclusive, de municípios
vizinhos; 7) Dispõe de vários terminais de ônibus.
Deste modo, a vila operária de Camaragibe com as expansões posteriores, que
surgiu para atender às necessidades do Capital, ascendeu à condição de município. Ela é
um espaço urbano moderno por excelência, que vincula “as estruturas econômica,
jurídico-política e sócio-cultural”, sendo, portanto, uma cidade capitalista com todas as
contradições do espaço burguês (Pinheiro, 2000:93). Esta vila consegue se destacar do
conjunto de locais habitacionais das proximidades e torna-se um atrativo populacional;
ela passa a difundir uma forma de empregabilidade que é característica do modo de
produção capitalista; ainda consegue reúne as condições de subordinação da força de
trabalho ao capital e para a sua reprodução; e, formula as condições para oferecer os
meios de convivência social e cultural articulados com a produção e com o consumo
capitalista. Faltava organizar uma burocracia de Estado a nível local, o que aconteceu a
partir de 1982.
Conforme os dados dos censos demográficos realizados pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), a população de Camaragibe que tinha 41.196
habitantes em 1970, passa para 66.992 em 1980, chega a 99.407 em 1991, e atinge os
128.702 habitantes no ano de 2000.
28
O primeiro Projeto de Lei propondo autonomia municipal a Camaragibe foi registrado sob o número
2153 em 28 de novembro de 1962, foi de autoria do Deputado Fernando Sampaio. O Deputado Maviael
Cavalcanti apresentou novo Projeto de Lei de número 1311 em 03 de março de 1982.
79
A tabela a seguir permite comparar indicadores demográficos de Camaragibe
com Pernambuco, Nordeste e Brasil.
Tabela nº1.
Distribuição de indicadores demográficos da cidade de Camaragibe, Estado de
Pernambuco, Região Nordeste e Brasil.
Demografia de Camaragibe, PE, NE e BR.
Indicadores Camaragibe PE NE BR
Taxa de urbanização
100,0
76,51
69,07
81,25
Densidade demográfica
2.336,50
80,37
30,72
19,94
Crescimento demográfico
2,91
1,18
1,30
1,60
Taxa de fecundidade
2,20
2,30
2,60
2,30
Esperança de vida ao nascer
70,7
64,3
66,4
71,0
Índice de GINI
0,58
0,66
0,65
0,64
Área (Km
2
)
55,1
98.526,6
1.554.092,1
8.514.876,6
Total de domicílios
32.287
1.968.761
11.401.385
44.795.101
População residente
128.702
7.918.344
47.741.711
169.799.170
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000; CONDEPE, 2002; e, CONDEPE, 2005.
Com relação ao total de habitantes, o município supera aquele do qual foi
desmembrado, e ocupa a oitava posição no Estado de Pernambuco, o que mostra a sua
capacidade de atrair população. A sua densidade demográfica é a segunda de
Pernambuco com 2.336,50 habitantes por Km
2
, aspecto em que somente é superado por
Olinda. A taxa de crescimento demográfico é de 2,91% ao ano, (considerando o período
1991/2000), o que permite considerar Camaragibe como sendo um município que atrai
população. A proximidade com Recife proporciona movimentos migratórios compostos
por dois segmentos sociais distintos. Um deles é composto por pessoas de classe média
que buscam locais privilegiados de moradia no bairro de Aldeia. O outro segmento é
composto por pessoas vindas, principalmente, do interior que podem encontrar espaços
de preços mais acessíveis do que os disponíveis na capital do Estado. Este fenômeno é
observado em regiões metropolitanas quando a população migrante procura se
estabelecer em periferias consolidadas (Cf. Lago, 1999:166). Quanto à distribuição de
renda, o município apresenta uma situação mais eqüitativa do que Pernambuco, por
80
apresentar um valor para o índice de Gini
29
mais baixo (Cf. IBGE, Censo 2000; e
CONDEPE, 2002:22-35).
Cabe perguntar que tipo de população se estabelece na cidade de Camaragibe.
Como está caracterizada esta população que encontra sua moradia na periferia de uma
metrópole regional do nordeste brasileiro, que é a cidade do Recife. A tabela de nº2 a
seguir permite visualizar esta situação.
Tabela nº2.
Distribuição percentual da população residente por idade, de Camaragibe, Pernambuco,
Região Nordeste e do Brasil.
População de Camaragibe, PE, NE e BR. (%).
Idade em anos
Camaragibe PE NE BR
População 128.702
7.918.344
47.741.711
169.799.170
0-9 18,78
20,19
21,35
19,38
10-19 20,19
12,03
23,29
20,78
20-29 20,27
17,84
17,41
17,66
30-39 15,56
13,92
13,36
14,90
40-49 10,84
10,03
9,53
11,35
50-59 7,06
7,08
6,63
7,37
60-69 4,10
4,82
4,51
4,81
70-79 2,19
2,83
2,66
2,67
80 ou mais 1,01
1,26
1,26
1,08
TOTAL 100,00
100,00
100,00
100,00
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000; CONDEPE, 2002; e, CONDEPE, 2005.
Os dados da tabela anterior permitem visualizar uma maior concentração
populacional de Camaragibe na faixa etária dos 20 aos 29 anos. A distribuição
populacional por idade da cidade reproduz, com poucas variações, as tendências da
população no Estado de Pernambuco, no Nordeste e também no Brasil. Isto revela que o
aspecto demográfico do município tende a seguir padrões semelhantes aos que são
observados no país como um todo, com poucas variações. Outro elemento importante
29
O índice de Gini varia de zero a um, atribuindo ao número zero (0), a hipótese de se encontrar uma
situação de absoluta distribuição de renda entre os membros de uma sociedade considerada, e atribuindo
ao número um (1), a situação hipotética em que uma única pessoa apropria de toda a renda da sociedade.
Assim, as variações intermediárias entre um e zero indicam maior ou menor concentração de renda.
81
na avaliação das condições de vida e das potencialidades da população é a escolaridade.
A tabela nº3, a seguir disponibiliza os dados que permitem formular uma observação a
este respeito.
Tabela nº3.
Distribuição percentual das pessoas com 10 anos de idade ou mais, segundo os grupos
de anos de estudo em Camaragibe, Pernambuco, Região Nordeste e Brasil.
Pessoas ocupadas com 10 anos ou mais de idade segundo
grupo de anos de estudos em Camaragibe, PE, NE e BR (%).
Anos de estudos Camaragibe PE NE BR
Números absolutos
104.542
6.283.521
37.275.896
136.427.211
Sem instrução
26,27
15.46
17,93
10,22
De 1 a 3 anos
17,62
24,81
28,93
21,18
De 4 a 7 anos
34,46
24,96
23,79
28,51
De 8 a 10 anos
11,20
12,30
10,94
15,04
De 11 a 14anos
8.64
12,36
10,55
14,89
15 anos ou mais
1,81
4,23
2,02
4,05
TOTAL
100,00
100,00
100,00
100,00
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000; CONDEPE, 2002; e, CONDEPE, 2005.
O município de Camaragibe apresenta um considerável percentual de pessoas
com mais de dez anos de idade e sem instrução, por estar bem mais elevado do que os
mesmos valores relativos a Pernambuco, ao Nordeste e ao Brasil, com 26,27%.
Considerando a população que teve ou tem acesso às instituições de ensino, somente no
intervalo de 4 a 7 anos de estudos é que Camaragibe apresenta percentual
comparativamente mais alto, atingindo 34,46%. Isto revela que a preocupação de Carlos
Alberto de Menezes com a educação teve efeito pouco relevante na população ao longo
do tempo. O esforço educacional realizado por ele restringiu-se ao aspecto da
qualificação da força de trabalho de que o empreendimento sob sua responsabilidade
estava necessitando.
A tabela nº4 a seguir apresenta os dados sobre os rendimentos da população de
Camaragibe comparados com os de Pernambuco, Nordeste e do Brasil.
82
Tabela nº4.
Distribuição percentual dos rendimentos nominais em salários mínimos de responsáveis
pelos domicílios em Camaragibe, Pernambuco, Nordeste e Brasil.
Rendimentos nominais de responsáveis pelos domicílios
em Camaragibe, PE, NE e BR (%).
Salários Mínimos.
Camaragibe
PE NE BR
Números absolutos
32.287 6.283.521 37.275.896 136.427.211
Sem Renda (1)
14,35 12,98 11,83 9,15
Até ½.
1,73 4,87 7,81 2,90
De ½ a 1.
28,30 33,88 36,85 21,48
Mais de 1 a 2.
25,68 20,26 19,29 19,38
Mais de 2 a 5.
20,80 15,52 13,70 24,56
Mais de 5 a 10.
6,32 7,12 6,10 13,11
Mais de 10 a 20.
1,92 3,38 2,84 5,95
Mais de 20.
0,90 1,99 1,58 3,47
TOTAL 100,00 100,00 100,00 100,00
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000; CONDEPE, 2002; e, CONDEPE, 2005.
(1) Inclusive os domicílios cuja pessoa responsável recebia algum benefício.
Os dados da tabela acima, mostram que Camaragibe é habitada atualmente por
uma população com baixos rendimentos. Mais de 70,0% dos responsáveis por
domicílios estão entre quem dispõe de rendimentos com o teto de dois salários mínimos,
estando numa situação bastante parecida com o Estado de Pernambuco. Com relação
aos rendimentos entre 10 e 20 salários mínimos, o município apresenta percentual de
1,92%, enquanto Pernambuco conta com 3,38%, ao mesmo tempo em que a região
nordeste apresenta 2,84% e o percentual brasileiro chega a 5,95%. Depois de haver
atraído um investimento significativo num empreendimento produtivo, o município
apresenta após a decorrência de mais de um século uma precária situação do nível de
rendimentos de sua população. Isto mostra que a população nunca foi beneficiária de
fato dos volumes de valores que resultaram do trabalho executado pela coletividade de
pessoas que foram atraídas para esta localidade. A falsidade do ideário de subir na vida
está exposta nas condições de ocupação destas pessoas. Não houve uma progressão
estrutural de quem vive e viveu nas proximidades da fábrica e contribuiu com seus
esforços e tempo de vida para a realização dos objetivos de quem dirigiu os
83
empreendimentos ali realizados. A posição na ocupação principal desta mesma
população é mostrada na tabela nº5 a seguir.
Tabela nº5.
Distribuição percentual das pessoas com 10 anos de idade ou mais, ocupadas segundo a
posição na ocupação no trabalho principal em Camaragibe, Pernambuco, Região
Nordeste e Brasil.
Pessoas ocupadas com 10 anos ou mais de idade
Em Camaragibe, PE, NE e BR. (%).
ITENS
Camaragibe PE NE BR
Números absolutos 104.542
6.283.521
37.275.896
136.427.211
Empregados:
Com carteira assinada 50,53
35,12
30,85
40,93
Sem carteira assinada 22,73
25,79
27,85
24,31
Por conta própria 22,86
23,72
25,15
22,36
Administração pública
3,26
5,53
5,38
5,76
Empregadores:
Proprietários 0,30
2,55
1,76
2,84
Produz para próprio
consumo
0,32
7,29
8,17
2,92
TOTAL 100,00
100,00
100,00
100,00
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000; CONDEPE, 2002; e, CONDEPE, 2005.
De acordo com os dados da tabela acima, a população ocupada de Camaragibe
que possui carteira assinada atinge 50,53%, o que é um índice consideravelmente maior
do que o observado em Pernambuco, no Nordeste e mesmo no Brasil. uma
quantidade ínfima de proprietários de empreendimentos empregatícios e também de
pessoas que produzem para o próprio consumo, estando nestes aspectos, com
percentuais mais baixos do que os de Pernambuco, do Nordeste e do Brasil. O mesmo
acontece com as pessoas autônomas com percentual de 22,86%, que é inferior aos
observados em Pernambuco e nordeste. Isto demonstra que a atração populacional de
Camaragibe deve-se a sua proximidade com Recife e ao acesso muito facilitado com a
capital pernambucana.
84
2.5 - O exercício do poder político em Camaragibe
2.5.1 – As condições locais do poder
O poder exercido na localidade, a partir da instalação da Fábrica de Tecidos de
Camaragibe é tipicamente burguês, na medida em que remunera a força de trabalho por
meio de salário regido através de contrato por tempo indeterminado e revogável uma
das partes. “O capital se apropria não do trabalhador, mas do seu trabalho e não
diretamente, mas por meio de troca” (Marx, 1981a:93; Cf. Simões, 1979:156).
As limitações impostas pelos capitalistas à classe trabalhadora o basicamente
inerentes ao modo de produção capitalista com a finalidade última de realizar a mais-
valia extorquida. A realização da mais-valia acontece num ambiente de conflitos tanto
entre os próprios capitalistas, quanto entre os trabalhadores e ainda, entre capitalistas e
trabalhadores. “O mercado tem de ser constantemente ampliado, e desse modo suas
conexões e as condições que as regulam assumem cada vez mais a configuração de lei
natural independente dos produtores e se tornam cada vez mais incontroláveis (...). A
produtividade, quanto mais se desenvolve, tanto mais conflita com a base estreita em
que repousam as relações de consumo” (Marx, 1980c:281-282. O Capital, liv. III, vol.
IV, cap. XV).
A vila da fábrica surgiu como estratégia de atração de contingente de força de
trabalho para a fábrica de tecidos instalada nas proximidades do local, cuja produção
visava, desde o início, o atendimento a um mercado bem mais amplo. A localização do
empreendimento possibilitou aos proprietários algumas vantagens nos conflitos de
concorrência entre os próprios capitalistas e nos conflitos entra classes antagônicas, com
a relação favorável das condições de oferta e procura. Com isto, é obtido um excedente
populacional de trabalhadores que funciona como fator de controle nos níveis salariais
ao fragmentar a consolidação dos interesses coletivos em torno de individualidades, e,
ainda, consegue-se produzir por um menor custo que os concorrentes no mercado. A
dependência dos trabalhadores para com os capitalistas é metamorfoseada numa
“relação contratual entre comprador e vendedor, entre dois possuidores igualmente
independentes de mercadorias, o detentor da mercadoria capital e o detentor da
85
mercadoria trabalho” (Marx, 1980c:888-889. O Capital, liv. I, vol. II, cap. XXV; Cf.
Leite Lopes, 1988:141 e 181). Não se trata mais de “aglomerados urbanos de
proprietários de terras” (Anderson, 1982:100). As estruturas sustentadoras das relações
apropriadas à sociedade burguesa foram discutidas no capítulo anterior.
Dispondo destas condições sociais e econômicas amplas, os empreendedores não
sentiram uma necessidade de constituir um poder político institucionalizado restrito ao
local. Quando Carlos Alberto de Menezes consegue a vinda dos padres para proceder a
educação dos trabalhadores, os colégios são construídos na capital do Estado. Além
disso, as fronteiras municipais não oferecem muitas resistências às exportações, e a
garantia dos contratos é mais propriamente sustentada por legislação estadual ou
federal. O empreendimento industrial estava à frente do poder local situado na cidade de
São Lourenço da Mata e muito mais próximo, geograficamente, da capital Recife. A
cooperativa de consumo constituída sob a orientação e estímulo de Carlos Menezes
proporcionava à força de trabalho de Camaragibe tomar iniciativas que contribuíam
fortemente para a reprodução dos trabalhadores a nível local em momentos de crise e
conseqüente desemprego. Esta foi uma forma de transferir para o proletariado a
gerência de parte das crises da sociedade burguesa. Por isso, somente surgem
movimentos de autonomia municipal em prol de Camaragibe muito recentemente.
Com a autonomia municipal em 1982 é constituído um corpo burocrático e um
legislativo local. Podiam ser encontradas na localidade, escolas e hospitais mantidos
pelo poder municipal e pelo Estado de Pernambuco. Mas, o novo município não é
exemplo quanto aos índices educacionais, como pode ser observado na tabela nº3,
anteriormente apresentada. O intervalo considerável entre a primeira e a segunda
proposta de autonomia para Camaragibe demonstra o diminuto interesse por esta
iniciativa. O primeiro prefeito da cidade foi Carlos Lapenda, cujo pai era prefeito de São
Lourenço da Mata na mesma ocasião e era totalmente contrário ao processo de
fracionamento territorial. A entrevista nº6 testemunha a memória desta situação.
“Houve outra lei de emancipação e ele barrou isso que foi por volta de 1961, mas havia
uma disputa entre José Pereira e Lapenda. Foi quando José Pereira e Maviael
Cavalcante estavam no governo aconteceu o plebiscito para emancipação de
Camaragibe. Quando o deputado Maviael estava para sair, no final do seu mandato,
Lapenda entrou em Camaragibe mesmo sendo contra a emancipação da cidade”.
86
2.5.2 – Os ocupantes do poder executivo
A cidade de Camaragibe passou por seis eleições municiais, desde 1982 até o
momento atual. As duas primeiras eleições foram vencidas por candidatos do PMDB
com as candidaturas de Carlos Lapenda e Arnaldo Guerra respectivamente. A terceira
teve o PSB foi o vitorioso com a candidatura de João Lemos. A quarta e a quinta
eleições tiveram a vitória do PT com o candidato Paulo Santana eleito e reeleito. A
sexta eleição contou com a volta de João Lemos, sendo então, candidato pelo PC do B.
O quadro a seguir apresenta o desempenho eleitoral majoritário municipal.
Quadro n°1
A votação para prefeito obtida pelos principais partidos políticos nas eleições
municipais de Camaragibe (1982-2004).
Anos com eleição para prefeito em Camaragibe
PARTIDOS
1982 1988 1992 1996 2000 2004
PC do B
- - - - - 32.720
PDS
5.848
- - - - -
PDT
1.860
- 2.491
2.540
6.406
-
PFL
- - - - 16.781
27.763
PMDB
13.254
7.243
- - - -
PSB
- - 13.197
- - 16.846
PT
78
712
- 20.423
37.461
-
PTB
137
- - 2.220
- -
OUTROS
11.189
8.551
18.629
17.168
7.863
8.286
Fonte: Resultados eleitorais do TRE de Pernambuco.
O quadro acima apresenta as variações partidárias na ocupação do cargo de
prefeito de Camaragibe. Em 1982, Carlos Lapenda foi eleito pelo PMDB. No ano de
1988, novamente pelo PMBD, Arnaldo Guerra foi eleito prefeito. A terceira eleição
ocorrida em 1992 teve João Lemos vencedor por meio do PSB. A quarta e a quinta
eleições foram vencidas por Paulo Santana, que foi candidato pelo PT. A sexta eleição
que ocorreu em 2004, foi novamente vencida por João Lemos, desta vez concorrendo
pelo PC do B.
87
A eleição de Carlos Lapenda para prefeito de Camaragibe revela o potencial
eleitoral da burocracia local, na medida em que, mesmo que seu pai tenha desenvolvido
esforços contrários à emancipação desta cidade, consegue sucesso eleitoral no
município recentemente emancipado. A entrevista nº6 testemunha esta situação. “Ficou
o filho dele prefeito de Camaragibe e ele prefeito de São Lourenço. O filho, Carlos
Lapenda, não tinha conhecimento administrativo nenhum, então Camaragibe ficou com
um prefeito que nunca quis a emancipação do município. Assim foi o processo
político”.
O segundo prefeito de Camaragibe procura legitimar o seu governo com
referências ao poder popular desde o processo eleitoral. Em 1988 Arnaldo Guerra, que
havia sido candidato em 1982 por uma sublegenda
30
do PMDB (Partido do Movimento
Democrático Brasileiro) é eleito com um discurso de conteúdo voltado para a população
e com o apoio de lideranças locais expressivas, como por exemplo, a senhora Lilia
Collier, que é descendente do engenheiro Carlos Alberto de Menezes, e politicamente
influente na localidade. Tamanha era a sua influência que foi por indicação dela que a
secretaria de saúde teve a definição do nome do secretário para a referida pasta. Lilia
Collier foi diretora do SESI (Serviço social da Indústria) de Camaragibe desde o ano de
1948 (Cf. Mendonça, Sousa e Santana, 2004:11). A entrevista nº1 atesta esta influência
política. “Vieram as eleições de 1988, e o grupo político de Camaragibe ligado a
Arnaldo Guerra, a João Lemos e a Lilia Collier, que me convidaram a participar da
campanha de Arnaldo Guerra (...). João Lemos tinha sido companheiro de residência
médica em Vitória, e na pré-campanha, fui discutir uma possível formação de agentes
de saúde no plano de governo. Vencendo as eleições eu sou convidado por Arnaldo
Guerra e não pelo Vice-prefeito. O convite que ele fez, foi a mando de Lilia Collier, que
era uma pessoa muito amiga da família dos Guerra que me convida para ser o secretário
de saúde. (... Ela) era, muito tempo, gestora local que fazia todo o trabalho junto ao
movimento popular, principalmente na questão da cultura e da saúde trabalhando a
medicina popular por dentro do SESI (Serviço Social da Indústria)”.
30
A primeira tentativa de instituir a sublegenda partidária foi por iniciativa de Raul Piva na Constituinte
de 1946 defendendo a necessidade de possibilitar a expressão eleitoral de correntes de opinião dentro de
um mesmo partido político. A sublegenda foi utilizada tanto pelo partido da situação a partir de 1966
(ARENA: Aliança Renovadora Nacional) quanto da oposição (MDB: Movimento Democrático
Brasileiro) (Cf. Porto, 1989:313-319).
88
As referências à participação popular no governo já haviam demonstrado
pouco antes o seu potencial eleitoral em Recife com o Programa Prefeitura nos Bairros
pela gestão do prefeito Jarbas Vasconcelos (PMDB) do ano de 1983 ao ano de 1988
(Cf. Andrade, 1997:159; e Lubambo & Coêlho, 2005:44). A campanha vitoriosa de
Camaragibe em 1988 teve como slogan os dizeres: “O povo elege o povo governa”.
Mas, uma distância considerável entre o discurso proponente da participação
popular e a constituição de instrumentos que viabilizem esta participação. A mudança
no discurso era uma estratégia de obtenção de legitimidade para a continuidade dos
mesmos propósitos de governo descompromissado com as aspirações populares. A
classe dominante e seus comprometidos são ágeis em atualizar o próprio discurso
como meio de preservar antigas práticas de domínio e de exploração.
A efetivação de uma política coerente com o discurso eleitoral provocou uma
fratura na gestão. O secretário de saúde insistia na concretização dos avanços
direcionados à população e procurava implementar as ações coerentes com a
participação popular no interior da secretaria que está sob sua responsabilidade. A
entrevista nº1 retrata esta intenção política. “O povo elege - o povo governa’. Era uma
demanda muito forte para mim. Eu vinha da oitava Conferência de Saúde. Saímos de
ônibus para Brasília com 48 agentes de saúde. Foi um marco importantíssimo e é o
marco brasileiro da Alma-Ata”. Os parâmetros das ações de saúde são mundialmente
definidos e chegam ao Brasil e ao Estado de Pernambuco. Continua a entrevista de n°1.
“Houve um movimento no mundo todo como por ex.: no Canadá em 1986 teve o
lançamento do Movimento de Promoção à Saúde e uma série de movimentos
internacionais. E no Brasil, o marco é a oitava conferência. E traz à gente do movimento
de Pernambuco mais força ainda para o embate para plantar ações que garantam uma
saúde de qualidade. Aí chego em Camaragibe com a idéia da Alma-Ata”.
A sua posição no governo ficou insustentável com o final do processo de
discussão e constituição do Conselho Municipal de Saúde. Este foi um processo de
construção de um instrumento político que chega ao seu final em setembro de 1989.
não havia o mesmo entusiasmo em prol da participação por parte do prefeito. Já era
pública a ruptura entre o vice-prefeito João Lemos e o prefeito Arnaldo Guerra, eleito
pelo PTB. A posse do conselho que deveria acontecer em janeiro de 1990 é recusada
89
pelo prefeito e o secretário de saúde Paulo Santana se retira do governo por falta de
condições políticas diante desta situação. A participação popular ficou inviabilizada e o
prefeito manteve em sua pessoa o “monopólio de decisão política” com a conivência do
legislativo (Michiles,1989:382).
No ano de 1992 é realizada a terceira eleição para prefeito e para vereadores de
Camaragibe. O vice-prefeito João Lemos (PSB: Partido Socialista Brasileiro) é eleito
sucessor de Arnaldo Guerra. Paulo Santana havia colaborado com propostas em torno
da constituição de um conselho municipal de saúde na composição do conteúdo do
programa de governo do candidato vitorioso, e é convidado a ser novamente o secretário
de saúde do município de Camaragibe. Suas propostas de ação têm fundamentos em
diversos eventos nacionais e internacionais dos quais tomou parte. Internacionalmente é
relevante a sua participação no encontro realizado na cidade de Alma-Ata, na atual
República da Rússia
31
no ano de 1978. O encontro definiu os conteúdos de políticas de
saúde com o propósito de garantir saúde de qualidade para a população
independentemente da condição social e como um dever do Estado. Dentro do Brasil a
presença do movimento sanitarista nas discussões sobre saúde pública vinha realizando
conferências regionais e nacionais com a participação de personalidades da sociedade e
de representantes de organizações sociais. A oitava conferência nacional de saúde adota
as conclusões de Alma-Ata para as ações a serem desenvolvidas no território brasileiro
e exerce grande influência na Assembléia nacional Constituinte de 1988, juntamente
com os movimentos educacionais de natureza semelhante. As pressões populares sobre
os constituintes resultaram na aprovação do Sistema Único de Saúde dispondo de
recursos específicos gerenciados com participação popular em conselhos nos três níveis
de governo (Cf. Michiles, 1989:339-367; Gracindo, 1994:170-170-250).
Diante de melhores condições de atuação a política municipal de saúde teve um
bom desenvolvimento. Mas, apesar dos esforços não havia apoio considerável ao
governo no período final do mandato de João Lemos. As forças oposicionistas
apresentavam ampla vantagem nas pesquisas de intenção de voto. Neste contexto, o
secretário de saúde é convidado a ser candidato a prefeito com o apoio do movimento
de saúde no município. A entrevista n°2 apresenta esta situação eleitoral. “Ele foi
31
Na época da realização do encontro, a atual República da Rússia onde se localiza a cidade de Alma-Ata
era parte integrante da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
90
formado com uma outra prática de base (...). No processo eleitoral de Paulo Santana a
área de saúde se mobilizou muito na rua (...). O candidato mais forte na época era do
PSDB (Partido Social Democrata Brasileiro), o Chicão, ele tinha 42% e Paulo, 3%. Então
foi uma campanha do vira-vira. A campanha foi crescendo, fizemos várias reuniões
semanais para fazermos dois fóruns”.
Parte da direção do PT municipal também se pronuncia afirmativamente sobre a
relevância do movimento de saúde para a vitória da campanha eleitoral de Paulo
Santana, em 1996. O movimento de saúde encontrou respaldo popular no intuito de
obter o máximo de benefício possível do poder local em atenção ao conjunto
populacional de Camaragibe. Apesar de dispor da figura central do processo, o partido
não contava com elementos suficientes para acompanhar o processo eleitoral, e, talvez
nem acreditasse na possibilidade de sucesso. A entrevista nº3 resume o processo
eleitoral da primeira candidatura de Paulo Santana. “O PSB (Partido socialista
Brasileiro) e o prefeito, à época, João Lemos, tinham o controle da campanha. Os
símbolos e nome do partido eram ausentes das peças publicitárias, pois, faltando
somente duas semanas da eleição é que apareceram bandeiras e camisas vermelhas e
poucas bandeiras do PT; as atividades de campanha eram marcadas pela presença
massiva das lideranças aliadas ao governo da época e por trabalhadores da saúde”.
A proposta de governo que obteve apoio popular não dependia da cor da
bandeira de quem a defendeu. A vivência popular de um modo de governar que
interagia com setores alheios à burocracia estatal é o que fez a diferença. Não houve
procura por um nome partidário, mas aconteceu um apoio quase inesperado a uma
proposta que fazia com que o povo se sentisse mais contemplado. Esta foi uma base
para a construção de um novo modelo de gestão local, que teve início com a gestão da
saúde e com o próprio processo eleitoral. A entrevista nº1 apresenta brevemente este
processo. “Em abril, saio da secretaria de saúde e me torno candidato (...). Trabalhar o
pilar da participação popular, do orçamento participativo. O movimento popular lança
em 1996 o apelo à administração popular. Isso é feito em debates em caravana nos
bairros. Foi uma campanha extremamente forte. E a gente vai conceituando o que vinha
a ser esta administração participativa. Com debate com todos os participantes”.
91
As demandas populares pressentiam a possibilidade de realização de suas
expectativas em torno de políticas de saúde cujo processo participativo poderia ser
expandido para toda a gestão municipal. Houve uma interseção entre as propostas de
governo elaboradas com base nas resoluções de congressos e conferências voltadas para
as aspirações imediatas da população e as expectativas da população local como algo
que ainda não havia sido visto. Esta avalanche política encontra expressão eleitoral num
candidato descompromissado com os quadros burocráticos locais e quebra a legitimação
que era obtida pelos líderes políticos tradicionais da cidade de Camaragibe. O resultado
desta avalanche foram duas gestões sucessivas com premiações de diversas
procedências.
No período que compreende os anos de 1997 até 2004, o município de
Camaragibe tem Paulo Santana como prefeito, diante da sua reeleição no ano de 2000
para um novo mandato. A cidade recebeu nove premiações procedentes de diversos
organismos nacionais e internacionais em razão de programas implementados durante
estes oito anos. O prêmio “Prefeito Criança” foi concedido em 1999 e 2000 pela
Fundação Abrinq e pelo UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), em razão
do destaque quanto aos projetos voltados para crianças e adolescentes. O prêmio “Saúde
Brasil”, promovido pelo Ministério da Saúde, em 1999 diante do modelo do PSF
(Programa Saúde da Família). O prêmio “Projeto parcerias, pobreza e cidadania”,
concedido em 1999 e promovido pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo
juntamente com o Banco Mundial pelo impacto da Administração Participativa em
reduzir a pobreza. O prêmio “Gestão pública e cidadania”, concedido em 2000, e
promovido pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo juntamente com a Fundação
Ford em razão do desempenho municipal no atendimento à mulher e pelo Programa de
Administração Participativa. O prêmio “Qualidade na educação infantil” concedido em
2001 e em 2002, promovido pelo jornal Diário de Pernambuco pelo impacto das ações
educacionais do município no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). O prêmio
“Prefeito expressão” concedido em 2001. O prêmio “Mário Covas” concedido em 2003,
promovido pelo SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas)
em razão das medidas criadoras de condições de ampliação e de sustentabilidade para
microempresas (Cf. Menezes, 2005:10-11).
92
As premiações revelam o auge da administração petista de Camaragibe. Foram
três prêmios no ano de 1999 e dois prêmios no ano de 2000, que são os últimos anos do
primeiro mandato. No segundo mandato são obtidas duas premiações em 2001 e uma
em 2002 e outra em 2003. Embora as premiações sejam mais distribuídas no tempo
durante o segundo mandato, elas são em menor número. Isto mostra que o apogeu do
potencial administrativo aconteceu durante a passagem do primeiro para o segundo
mandato. Os dois primeiros anos constituíram um tempo de preparação para as ações
dos anos seguintes. Neles foram estabelecidos os fundamentos do tempo de gestão.
Uma proposta de modelo de gestão foi elaborada e apresentada aos delegados da
Administração Participativa nos primeiros anos de governo. A experiência do Conselho
Municipal de Saúde foi o ponto de partida. Isto representa a retomada de um confronto
político e a experiência de gestão restrita ao âmbito de uma secretaria que é ampliada
para todo o município. A entrevista nº2 relata o processo de construção do modelo de
gestão em Camaragibe. “A gente tinha duas opções: sair com um modelo próprio
construído pela equipe ou sair com um pré-modelo para negociar com a população.
Sabíamos que este caminho ia ser o mais difícil, mas, foi muito mais rentável visto pela
visão pedagógica. Este modelo de gestão foi sendo elaborado com a prática, e votado em
cada reunião aprovando o modelo do pré-projeto em cada micro rego sobre o que
pretendia e o que queria”.
A filosofia do processo foi fazer o caminho com o ato de caminhar, sem
desprezar os acúmulos obtidos em outras cidades do país. Não houve uma cópia fiel da
experiência de Porto Alegre e nem de outra localidade qualquer. Após estabelecer
contato com diversas cidades a equipe de gestores de Camaragibe elaborou uma
proposta e a submeteu aos delegados para apreciação e aprovação. (O modelo de gestão
será analisado especialmente no capítulo VIII). O governo foi conduzido com estes
parâmetros. A transparência relacionada com a gestão é um fator de legitimidade para o
governo, mas, pode não ser suficiente para suportar uma crise causada pela redução dos
recursos disponíveis. A entrevista n°1 apresenta as conseqüências da revisão dos índices
para efeito de distribuição de recursos por parte do governo federal. “Em 2000 o IBGE
realizou outro censo publicado em 2001 onde Camaragibe está com uma população de
128 mil habitantes. Nesta confusão o índice caiu de 3.8 para 3.2. Isso representa a
diminuição de recursos de R$2.900.000,00 para R$ 2.100.000,00, provenientes do FPM
93
(Fundo de Participação dos Municípios), que usa a população residente para definir o
montante de participação municipal neste fundo”.
Os recursos municipais que compõem a totalidade das receitas vão deste os
impostos de competência municipal, que compõem as receitas próprias, como o IPTU
(Imposto Predial e Territorial Urbano), o ISS (Imposto Sobre Serviços) e o ITBI
(Imposto sobre Transmissão de Bens Inter Vivos), e os recursos provenientes de
transferências tanto do Estado do qual faz parte, quanto da União. Estes recursos
resultam no índice de receita total per capita que permite comparar os municípios
entre si. A tabela a seguir apresenta os municípios brasileiros por faixa de total das
receitas per capta, conforme um intervalo de municípios pelo tamanho da população
dos mesmos.
Tabela nº6
Distribuição dos municípios brasileiros por faixa total das receitas em reais conforme
o tamanho da própria população residente.
Percentual de municípios por faixa de total das receitas
per capita (R$) conforme o tamanho da população.
População
municipal
Até 250 Mais de 250
até 500
Mais de
500 até 700
Mais
de 700
Total de
Municípios
TOTAL
10,4 54,5 19,6 15,6 5.507
Até 5.000
0,2 19,8 35,2 44,8 1.409
De 5.001
até 20.000
7,3 70,6 16,1 6,0 2.652
De 20.001
até 100.000
27,0 60,3 9,0 3,7 1.224
De 100.001
até 500.000
21,0 52,1 19,4 7,5 192
Mais de
500.000
10,7 57,2 17,9 14,3 30
Fonte: IBGE, 2004:21 e 55.
A população de Camaragibe encontra-se no intervalo que vai dos 100.000 (cem
mil) até o limite de 500.000 (quinhentos mil habitantes). Apenas 192 (cento e noventa
e dois) municípios no Brasil encontram-se neste intervalo de classificação. A receita
94
total per capita do município é de R$ 481,76 (Cf. CONDEPE, 2005:14), o que o situa
na coluna mais de R$ 250,00 (duzentos e cinqüenta reais) ao limite de R$ 500,00
(quinhentos reais) de receita total per capita. Portanto, Camaragibe encontra-se
próximo ao limite inferior do intervalo de classificação populacional e quase atinge o
limite superior da coluna de receita total per capita. Mas, o grau de dependência das
transferências de receitas de Camaragibe chegou a de 88,14% no ano de 2003 (Cf.
CONDEPE, 2005:14), revelando uma baixa capacidade de arrecadação própria. Sendo
assim, a queda de receita apresenta conseqüências muito sérias e pode frustrar as
expectativas populares e acarretar a perda da legitimidade por parte do governo. Foi o
que aconteceu no final do segundo mandato de Paulo Santana. A entrevista nº1
expressa estes momentos da seguinte maneira: “O movimento (de saúde) tinha postura
de reivindicar e achar que cabia ao prefeito conseguir esses recursos de qualquer
forma, principalmente, junto ao governo federal, que era um governo aliado e do
mesmo partido do prefeito. (...) A população o entende o pacto federativo, e, por
isso, ela achava que o presidente daria um jeito de devolver para Camaragibe o que o
IBGE retirou”.
Não foi possível reverter as decisões e os critérios de obtenção de recursos do
FPM e a gestão do município não conseguiu manter o mesmo padrão de execução das
políticas com que havia se comprometido. A situação foi agravada ainda mais pelos
efeitos de catástrofes naturais que obrigam a realização de transferências das
finalidades dos recursos e, ainda pior, com a crise da indústria responsável pela
principal fonte de receita do município, como mostra a entrevista n°1. “Outro
problema foi a catástrofe da chuva que nunca tinha sido tão volumosa. Soma-se isso
ainda a falência da fábrica de tecido em 2001 de Camaragibe
32
, que coloca pessoas no
desemprego e reduz a participação do município na cota do ICMS (Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços). Em 2002 começa a atrasar salário, não dá mais
para atender as demandas”.
O Partido dos Trabalhadores não conseguiu viabilizar uma candidatura depois
que a Justiça Eleitoral declarou inelegível a candidata mais popularmente legitimada
32
A Fábrica de Tecidos Camaragibe entrou em funcionamento no ano de 1895 com 559 operários (Cf.
Azevedo, 1986:20). A fábrica foi arrematada pelo grupo francês Vivalin em 22 de setembro de 2004 com
a promessa de readmitir os 700 trabalhadores demitidos com o processo de falência, mas, não data
definida para efetivar este propósito (Cf. Melo, 2004:2).
95
do partido em razão de grau de parentesco com o prefeito ainda ocupante do cargo em
2004, que era o ano eleitoral. Em desvantagem, setores do partido tentaram realizar
uma aliança com o candidato João Lemos, que desta vez, concorria pelo PC do B
(Partido Comunista do Brasil), mas a este tinha uma coligação partidária consolidada.
A entrevista nº4 expressa a situação do seguinte modo: “Não havia mais a
possibilidade de inserir o PC do B no debate para sairmos na vice. Nem isso foi
possível (...). A candidatura que, na última hora, a gente teve que apoiar, veio do PSB,
com o ex-vereador Chicão. Uma candidatura sem expressão nenhuma. Nem o ânimo
dos militantes petistas ela conseguiu empolgar”. Restou ao PT indicar o candidato ao
cargo de vice-prefeito numa coligação com o PSB (Partido Socialista Brasileiro).
Assim, o mesmo prefeito que havia estado no PSB, e antecedera a Paulo Santana, o
sucedia agora pelo PC do B. Porém, eles são divergentes quanto ao governo que os
antecedera. Enquanto o petista assumira o cargo de prefeito com um discurso de
continuidade administrativa, o agora comunista adota uma postura discursiva de
ruptura com a administração anterior.
2.5.3 – O exercício do poder legislativo em Camaragibe
Até o momento foram seis eleições para a composição da Câmara de
vereadores da cidade de Camaragibe, desde 1982. Nas duas primeiras eleições os
candidatos do PMDB apresentaram maior expressão em quantidade de votos. O PSB
obteve maior expressão eleitoral para vereador na terceira e na quarta eleições. A quinta
eleição os candidatos pelo PDT forma os mais expressivos na totalidade de votos por
partidos. E, na última eleição o PFL apresentou uma votação majoritária que nunca
havia obtido na cidade, como pode ser visto no quadro nº1, anteriormente apresentado.
A expressiva quantidade de votos notada na categoria outros, conforme a
disposição dos dados acima é um sintoma da dispersão com que a vontade popular
manifesta a sua opinião quanto aos seus possíveis representantes no poder legislativo
municipal. Esta é a manifestação da forma fragmentada com que os habitantes de
Camaragibe organizam as forças populares para influenciar e dar uma direção ao poder
político. Fragmentada e sem projeto político próprio de governo, sem perspectiva
96
consistente e abrangente de construção de uma nova sociedade, a população de
Camaragibe elege como representantes no legislativo uma maioria que atua na busca de
soluções imediatistas para os seus problemas. O apoio de um empresário de transportes
e deputado federal no município consta da entrevista de nº5. “Antes dessa eleição ele
(deputado federal) já era a pessoa mais próxima da gente na comunidade. Tem o
gabinete aberto e sempre atendeu a comunidade, e eu ligava pra ele, para a empresa
Metropolitana”.
Esta prática clientelista não se contenta em intermediar a concessão de favores,
mas sempre é efetivada com vistas a uma contrapartida eleitoral. Esta prática política
está subordinada aos interesses de mandatários mais elevados que procuram manter seus
postos através de apoiadores na base social. A representação política é constituída de
maneira que não corresponde à realidade social, mas, prende-se a algumas necessidades
imediatas. A entrevista nº4 revela esta prática que envolve a Câmara Municipal de
Camaragibe. “Tem o bloco de candidatos ligados ao deputado federal do PTB. São
quatro partidos: PMN, PT do B e PMDB. Quatro vereadores que foram eleitos são
ligados a ele. Ele financia vários candidatos. Ele é o deputado federal mais votado da
cidade”. Com isto, o legislativo municipal conta com membros que estão a serviço de
um parlamentar federal.
Um legislativo que se comporta deste modo não é capaz de assumir
compromissos históricos com os setores populares através de projetos que apontam para
uma nova sociedade. A entrevista nº4 demonstra a dificuldade de estabelecer esta
relação. “É muito complicado para fazer o debate. Os vereadores são preocupados com
o assistencialismo, com ambulância. Aqueles que botam ambulância conseguem se
eleger”. Sendo assim, a permuta do direito de primogenitura por um prato de lentilhas
continua sendo a prática constante de uma comunidade fragmentada e sem uma utopia
elaborada que possa ser a razão de suas lutas (Cf. Marx, 1968:308. O Capital, liv. I, vol.
I, cap. VIII). Diz ainda a entrevista nº4: “O legislativo relacionado com o socialismo,
isto eu acho ainda um sonho (...). O socialismo ainda está muito distante. As políticas
não são voltadas para a maioria”.
Um parlamento desta qualidade não consegue assumir as perspectivas de
mudança social e política em compromisso com as bases sociais das quais ele mesmo
97
extrai os votos que o legitima. Qualquer projeto ou ação política vinculado a uma utopia
social encontra resistências neste tipo de parlamento. A entrevista nº3 expressa esta
realidade. “O PAP (Programa de Administração Participativa) enfrentou resistências
iniciais dos vereadores do município – da situação e da oposição. Contudo, com o
tempo, eles adotaram a estratégia de investir na eleição de delegados ligados
politicamente aos mesmos”. Deste modo, o legislativo de Camaragibe mostrou-se mais
resistente às mudanças na condução das ações políticas do que o aparelho burocrático
local.
O aprendizado obtido com a participação popular resulta em aspectos
contraditórios da prática parlamentar. Uma prática política popular consegue estabelecer
conteúdos que a população assume como característicos de um poder comprometido
com suas causas. A entrevista nº5 mostra a assimilação deste conteúdo. “Como estou no
meu primeiro mandato (...), estou com atenção no que é certo e errado. A LDO (Lei de
Diretrizes Orçamentárias) (...). Daí eu falei: vamos por o povo na rua! Daí, o prefeito
falou: cala a boca! Entendeu?! (...). Pelo prefeito, não tem diálogo com o povo.
Mandaram-me parar de chamar as pessoas. Disseram: não é pra chamar ninguém! (...).
foi uma confusão muito grande porque a audiência pública não aconteceu”. A prática
política diversa trouxe à memória a política participativa anterior. Assim continua a
entrevista nº5. “Na época de Paulo Santana, mesmo com tudo o que aconteceu, a gente
participava da elaboração da LDO. A gente ficava lá trabalhando junto. Aí ia um
delegado representando os outros para entregar, num ato solidário junto com o prefeito,
secretários para entregar a lei ao presidente da Câmara. Desta vez, os delegados nem
ficaram sabendo, não houve reunião, não houve nada”. Deste modo, o acordo entre os
poderes executivo e legislativo municipal foi efetivado sem a participação popular. A
representação parlamentar foi insuficiente para mobilizar a população para um
confronto com o poder instituído. A entrevista nº5 lembra alguns detalhes da reunião de
apresentação, debate e aprovação da LDO. “Eu pedi um à parte na câmara e falei de
tudo. E o prefeito disse depois: Você está junto com o movimento. Os vereadores nem
intervieram para me defender”. Assim é a democracia burguesa que será tratada na
seção seguinte.
98
SEGUNDA SEÇÃO
O ESTADO BURGUÊS E A SUA FORMA DEMOCRÁTICA
99
INTRODUÇÃO
A especificidade da sociedade em que vivemos exige uma atenção particular ao
Estado burguês considerando as suas estruturas fundamentais. São exatamente estas
estruturas que constituem o foco de atenção dos esforços realizados com o intuito de
organizar a participação popular. A segunda seção deste trabalho delineia o Estado
burguês com atenção à burocracia estatal e ao parlamento que são os grandes obstáculos
que desafiam a participação das pessoas das classes populares nas tomadas de decisões
sobre os rumos de suas próprias vidas.
100
CAPÍTULO III
O ESTADO BURGUÊS
3.1 – A organização estatal
O Estado desempenha a função de organizar a dominação de uma classe social
sobre outras em conformidade com a maneira pela qual a classe dominante realiza a
apropriação do excedente em determinada abrangência territorial. Mas, esta organização
é um produto social e histórico. Ela não existiu sempre. Ela surge da necessidade do
exercício de um domínio de uma parte da sociedade sobre outra na implementação de
atividades fundamentais para sustentar um determinado modo de vida individual e
coletivo. Aqui, desponta uma preocupação com o que se denomina nível econômico.
Em qualquer sociedade, as pessoas exercem atividades imprescindíveis para
obter tudo o que necessitam para continuar vivendo. A forma como estas atividades se
organizam coletivamente caracterizam as sociedades de diversos modos. Estas
atividades resultam em produtos que podem ser consumidos pelos próprios produtores
ou trocados com outras pessoas por produtos diferenciados. A organização produtiva
varia desde as mais simples e primitivas, até às de grande complexidade tecnológica.
Existem elementos que estão presentes e exercem funções fundamentais no exercício da
atividade social produtiva. Estes elementos são as matérias primas, os instrumentos de
trabalho, isto é, os meios de produção, e a força de trabalho. necessidade, portanto,
que sejam realizadas relações entre os seres humanos e a natureza e, também, dos seres
humanos entre si mesmos. Os diversos tipos de relações dos humanos entre si mesmos
caracterizam a vida social e a natureza dos conflitos sociais.
Os elementos fundamentais das atividades produtivas são: a propriedade dos
meios de produção e o conjunto dos produtores diretos. As sociedades denominadas
primitivas usaram coletivamente a terra e os instrumentos de trabalho que podiam ser
produzidos assim que fossem necessários e chegaram a ser distribuídos como dádivas
em rituais observados em tribos de diversas partes do mundo, inclusive, do norte do
101
Brasil. Nestas sociedades, não havia acumulação de produtos excedentes. Os trabalhos
excedentes que eram realizados nestas sociedades se revertiam em beneficio da
existência coletiva, como era o caso das guerras. São sociedades sem a presença de
classes e, assim, não apresentam conflitos antagônicos internos (Cf. Marx, 1981a:67).
Estas sociedades não dispõem de um organismo estatal, já que não necessitam de
atividades desta natureza e chegam a reagir diante da possibilidade do surgimento do
mesmo (Cf. Mindlin, 1985:47, 69, 80).
Nestas sociedades referidas acima, uma liderança profere discursos carregados de
sentidos durante uma reunião compartilhada pelo conjunto das individualidades que
compõem o grupo social. Entretanto, a voz da liderança não impede que,
concomitantemente, os que pertencem à mesma sociedade expressem suas vozes em
subgrupos informais a ponto de deixar dúvidas sobre a concordância com os conteúdos
discursivos ali produzidos. São sociedades em que a vida das pessoas é profundamente
ligada à natureza, e dependência da participação coletiva nos esforços para obter os
víveres e não existem mecanismos que sustentem a acumulação privada de bens. A
observada desatenção aos discursos revela o não engajamento numa atividade que
aponta para a realização de uma forma de poder que pode surgir e se constituir no que
hoje conhecemos como Estado. uma espécie de resistência à constituição de um
aparelho estatal (Cf. Clastres, 1990:21-25, 106-152).
Estas sociedades não apresentam cisões em classes antagônicas. Nelas, a vida de
todas as pessoas e de cada uma está constituída de forma tão inter-relacionada que não
pertinência na colocação de determinadas questões como - se é direito e/ou dever
participar de quaisquer assuntos de interesse social - por exemplo: a solução de
divergências com tribos vizinhas através de ações que podiam ser inclusive a guerra.
Quando, num dado momento, a atividade guerreira leva à escravização de quem perdeu
o conflito, surge uma separação entre habitantes de um mesmo espaço, com uma divisão
social do trabalho entre grupos que executam e outra parte que gerencia e usufrui o
trabalho alheio. Aí, a necessidade de uma força pública distinta do povo em geral,
para garantir uma ordem social de domínio e de exploração. As terras passam a ser
demarcadas como propriedade de tribos e depois, de chefes tribais, e chegam à
propriedade privada de um meio de obtenção de víveres. O antagonismo social é
instaurado e a sociedade vai se tornando cada vez mais complexa. As decisões vão
102
perdendo suas raízes populares. Então, surge o Estado, uma instituição gerenciadora dos
negócios comuns de uma classe social que explora trabalho de outra classe (Cf. Engels,
1985:354-370).
As principais dimensões da convivência humana dependem das relações
fundamentais entre os seres vivos e as coisas produzidas e/ou obtidas numa sociedade.
No caso da sociedade burguesa, trata-se de uma sociedade fracionada em classes,
determinadas por limites quase intransponíveis. Deste modo, estas relações passam a
ficar imbricadas com certas racionalidades científicas que delimitam campos do saber -
o que acaba por revelar os interesses presentes na definição e na implementação e
obtenção dos resultados da produção material e imaterial. Os limites entre as classes
sociais estão expostos em reflexões específicas a respeito das especialidades sociais,
políticas e econômicas. Assim, são colocadas as questões de méritos provenientes do
nascimento e da educação, como elementos para destaques na sociedade. Aparecem
também as questões do mando e da obediência quando a referência é da especialidade
da ação política. No mesmo sentido justificam-se as diversificações relacionadas a
certas propriedades e ao exercício do trabalho na obtenção de produtos (Cf. Santos,
1987:43).
O poder político aparece como a capacidade de uma personalidade constituída
de fazer com que os planos decorrentes de uma vontade predominante sejam executados
por uma determinada classe social nos limites de um perímetro territorial submetido ao
seu controle ou à sua influência. Como este poder desponta e se expressa? As guerras
entre tribos rivais podiam resultar no aniquilamento total do grupo adversário ou
incorporação da parte sobrevivente ao conjunto dos vitoriosos. Esta incorporação pode
assumir formas distintas como, ou tornar os vencidos membros em condições de
igualdade ou como escravos (Cf. Engels, 1985:355). Quando ocorre a última condição é
que instaura a desigualdade social de classe. um domínio de uma fração social sobre
outra e acontece a apropriação de (parte do) trabalho alheio. Foi deste modo que a
colonização portuguesa implementou a exploração econômica do território brasileiro,
primeiramente, tentando dominar os habitantes nativos e, com mais sucesso, trazendo
negros africanos como cativos e escravizados.
“A forma econômica específica na qual o trabalho não-pago se
extorque dos produtores imediatos, exige a relação de domínio e
103
sujeição tal como nasce diretamente da própria produção e, em
retorno, age sobre ela de maneira determinante. Aí se fundamenta toda
a estrutura da comunidade econômica oriunda das próprias relações
de produção e, por conseguinte, a estrutura política que lhe é
própria. É sempre na relação direta entre os proprietários dos meios de
produção e os produtores imediatos (a forma dessa relação sempre
corresponde naturalmente a dado nível de desenvolvimento dos
métodos de trabalho e da produtividade social do trabalho) que
encontramos o recôndito segredo, a base oculta da construção social
toda e, por isso, da forma política das relações de soberania e
dependência, em suma, da forma específica do Estado numa época
dada. Isto não impede que a mesma base econômica, a mesma quanto
às condições fundamentais, possa apresentar em virtude de
inumeráveis circunstancias empíricas diferentes, de condições
naturais, de fatores étnicos, de influencias históricas de origem
externa, etc. infinitas variações e gradações que a análise dessas
condições empiricamente dadas permitirá entender” (Marx,
1980e:907. O Capital, liv. III, vol. VI, cap. XLVII).
No modo de produção capitalista, a apropriação do sobretrabalho é feita
fundamentalmente por meio de mecanismos econômicos, isto é, sob a forma de compra
e venda de força de trabalho. É através de uma troca ilusoriamente igual entre vendedor
de força de trabalho (o trabalhador) e o comprador dessa mercadoria, que é o
proprietário de meios de produção (o capitalista) se obtém produtos a serem vendidos
no mercado, por meio de um equivalente geral: a moeda.
Por isso, o Estado pode assumir a aparência de neutralidade diante de questões
mercantis e, por outro lado, os capitalistas podem dissimular os seus interesses diante da
condução da administração pública. Capitalista e proletário são constituídos como
juridicamente iguais, como pertencentes a uma comunidade nacional. “O Estado
burguês constitui os agentes da produção como indivíduos sujeitos e, por outro lado, os
aglutina em uma comunidade nacional. Em contrapartida, esta comunidade tende a ver
neste Estado o guardião do interesse geral e da soberania daquela comunidade. Neste
sentido, a ideologia nacional é uma transformação do culto ao Estado” (Almeida,
1995a:153) Mas o Estado executa políticas profundamente condizentes com os
interesses do domínio de classe. Ele realiza “a articulação, própria à estrutura do todo de
um modo de produção, comanda a constituição das instancias regionais” (Poulantzas,
1977:16). É a partir do Estado que o aparato jurídico se constitui e obtém a garantia de
eficácia dos contratos. É também garantida pelo Estado a confiança na moeda e do
respeito à propriedade privada dos meios de produção na sociedade, através do
104
consenso e/ou da repressão. É o Estado burguês que cria e reproduz as condições
ideológicas e políticas da realização da acumulação capitalista de valor. Organiza a
dominação de classe burguesa e desorganiza os trabalhadores ao “dissolver os agentes
da produção em indivíduos juridicamente iguais” (Almeida, 1995a:64; Cf. Saes,
1985:29-38; e Rubin, 1987:47-87).
A aparente neutralidade se apresenta em razão da forma como a burocracia de
Estado é constituída. Enquanto no Estado feudal a nobreza era a classe beneficiária da
acumulação de valores e também a que assumia diretamente a administração dos
negócios públicos, no Estado burguês os cargos da burocracia estatal são preenchidos
por meio de mecanismos que camuflam o seu caráter de dominação de classe. O
aparelho burocrático do Estado “apresenta-se não diretamente como um aparelho de
dominação de classe, mas como a ‘unidade’, o princípio de organização e a encarnação
do ‘interesse geral’ da sociedade, o que, aliás, tem incidências capitais no
funcionamento concreto do aparelho burocrático: ocultação permanente do saber no seio
desse aparelho por intermédio de regras hierárquicas e formais de competência, o que só
torna possível pelo aparecimento da ideologia jurídico-política burguesa” (Poulantzas,
1977:210).
A unidade interna do aparelho de Estado é constantemente reforçada pela
submissão dos funcionários a uma estrutura hierárquica em que atribuição de
competências e de atividades numa seqüência de saberes, decisões e obrigações
descentes que têm no topo piramidal o ponto de partida. Esta burocracia formula e reúne
meios para efetivar políticas tanto para a sua auto-reprodução quanto para o
atendimento das aspirações das classes sociais. Para tanto, o corpo burocrático que
garante a manutenção de um poder associado a certa ordem política e social, procura
mover-se por si mesmo através da exação de recursos gerados no interior da sociedade,
constituindo-se como uma força coletora de valores. O movimento de descida do topo
para a base burocrático-piramidal encontra a massa de funcionários, que é precisamente
a fração da burocracia que apresenta menores poderes de decisão, dispondo de menor
acesso direto às plenas razões de Estado, e a que mais está obrigada a cumprir
determinações superiores. Porém, a distância entre o topo e a base piramidal permite
maior mobilidade própria e também, sofrer maior influência do meio social (Cf. Saes,
1985:43 e 130). Este se constitui num aspecto em que a burocracia de Estado apresenta
105
um ponto de fratura e estabelece compromissos de classe diversos dos que estão
relacionados com a classe dominante. Esta possibilidade aumenta na medida em que a
classe dominada se organiza e elabora propostas associadas à utopia de uma nova
sociedade em que dominação e exploração de classe sejam realidades superadas.
O acesso à burocracia é feito através de concursos públicos em que os
considerados mais competentes para o exercício das respectivas funções são recrutados.
A princípio, qualquer cidadão pode se habilitar a ocupar postos na composição da
burocracia. Não mais o monopólio do acesso aos cargos burocráticos, como era o
exercido pela nobreza no feudalismo. A partir daí, constitui-se um corpo burocrático
cujo funcionamento é garantido por meio de uma lógica interna caracterizada pela
obediência a uma disciplina hierárquica em que os superiores ordenam o que fazer e
definem a dimensão das políticas. Essa burocracia se assume como possuidora de um
saber ao qual o acesso é restrito. Assim, a não monopolização dos cargos pela classe
dominante e o monopólio dos recursos administrativos constituem as características
fundamentais da burocracia de Estado mais adequadas à ordem social burguesa. Esta
burocracia é uma das condições que sustentam a heterogestão da sociedade, ou seja, a
gestão da sociedade passa a ser realizada por um corpo de especialistas que se destacam
e se colocam como se estivessem acima dela, como de fato aparecem. Deste modo, a
burocracia camufla o seu compromisso com a dominação de classe. Imbuída de pretensa
autolegitimação, esta burocracia organiza a dominação de classe instituindo duas
categorias de forças diretivas primordiais que o as forças coletoras (burocracia) e as
forças coercitivas (instituições militares). “O burocratismo impõe limites à prática dos
funcionários; esta varia tão-somente quanto ao ritmo e os instrumentos adotados na
execução de tarefas, cujo conteúdo geral é definido pelo topo da burocracia”. Esta
rigidez hierárquica pode ser quebrada com através organizações alternativas como
sindicatos, comitês e partidos políticos com outro projeto social (Saes, 1985:39-41 e 43.
Grifos do original).
O Estado burguês ainda dispõe de um parlamento que é composto de
representantes da população do território em que as normas reguladoras de convivência
social e política são reconhecidas como válidas. Eleitos para um período determinado,
os membros do parlamento passam a agir a partir de uma junção de interesses visando a
sua continuidade no cargo o que os torna cada vez mais distantes das camadas populares
106
mais baixas das quais se nomeiam como representantes e das quais desejam receber
apenas os votos em períodos predefinidos. Há, dentre os burocratas, os que, fugindo do
caráter público da função, ousam também acumular - o que constitui fator de
deslegitimação da burocracia de Estado por parte de setores significativos da sociedade.
O parlamento, como local de debate e decisões, contribui na definição das políticas de
Estado (Cf. Pinheiro, 1999:98-102; Castello, 1988:136; e Saes, 1987:53-58).
O Estado burguês ainda se apresenta como uma estrutura auto-regulada através
de três poderes independentes e harmônicos, que são o executivo, o legislativo e o
judiciário. Mas, essa trindade não resiste a uma atenta observação na medida em que o
executivo promulga por iniciativa própria, algumas leis, sanciona ou veta determinadas
(partes de) leis aprovadas pelo legislativo e o legislativo também executa atividades de
investigação, que são próprias do judiciário com o executivo. O judiciário, por sua vez,
busca o chamado espírito da lei, formando jurisprudência, agindo assim, como se fosse
legislativo. Estes conflitos internos podem revelar posições diferentes de classes e
frações de classes na consolidação, introdução ou remoção de interesses específicos.
Ainda mais, o poder judiciário é parte importante do aparelho repressivo do Estado
33
. A
pretensa auto-regulação restringe-se à formulação de políticas reprodutoras das
condições de exploração do trabalho e da acumulação privada, em que a maior garantia
está na estrutura burocrática, apesar dos conflitos periódicos entre as esferas de poder
(Cf. Althusser, 1972).
3.2 - O Estado burguês e o território
3.2.1 – A política econômica
O Estado burguês é essencialmente caracterizado por três determinantes
funcionais apresentadas a seguir: 1) A privatização da produção. O Estado procura
excluir a produção de valores das decisões políticas. Mesmo que o Estado seja
proprietário de parte dos meios de produção, esta propriedade pública não “conduz à
estratégias de utilização e aplicação diferentes das adotadas pelo capital privado”. 2)
33
Para uma discussão ampla do assunto, consultar, Carvalho Netto, 1992 e Althusser, 1972.
107
Dependência dos impostos. A eficácia das forças coletoras do Estado depende da
incidência do sistema tributário sobre o volume dos valores realizados pela acumulação
privada. É o processo de acumulação capitalista que possibilita a composição
substancial do orçamento estatal que, por sua vez, permite ao Estado “manifestar o seu
poder também com meios materiais”. 3) A acumulação como ponto de referência. A
manutenção da burocracia de Estado depende da coleta de parte da mais-valia. O Estado
é, deste modo, dependente do sucesso de realização do processo de acumulação
capitalista, como meio de prover o seu próprio. Assim, o poder político burguês
somente assume a forma de governo representativo somente quando o curso dos
negócios da classe dominante desfruta de legitimidade social associada ao
desenvolvimento das condições necessárias para realizar a mais-valia (Offe, 1984:122-
125).
O Estado procura cumprir suas funções atendendo as dimensões de território e
os compromissos de classe social. Com isto, a burocracia estatal define suas políticas,
ou seja, elabora e procura sustentar um conjunto de estratégias para produzir e
reproduzir uma compatibilidade entre as determinantes estruturais acima apontadas. Isto
acontece em dois eixos principais
34
, sendo um deles a superação de fronteiras espaciais
à realização do valor extorquido, como exigência da capacidade produtiva ampliada
com o uso de forças produtivas mais eficientes.
A superação das fragmentações do Estado Feudal, por exemplo, foi realizada
através da coesão das forças militares e políticas sobre um território submetido a um
procedimento jurídico comum e unidades monetárias comuns ou conversíveis, o que
possibilitou maior velocidade no movimento de circulação das mercadorias. Um
produto fabricado em um local pode necessitar (e acaba quase sempre necessitando) de
outros mercados para ser consumido (Cf. Wood, 2000:14-21). O caráter fiduciário da
moeda
35
exige maior atuação estatal para garantir uma margem menor possível de
variabilidade tolerável no cumprimento de suas funções. A paridade da moeda nacional
com uma quantidade definida em ouro não eliminou a possibilidade de ocorrência das
34
Brunhoff, 1985, observa que os dois eixos principais da política econômica são: a gestão da moeda
como garantia da troca de equivalentes, e a gestão da força de trabalho. Ver também Santos, 2001.
35
Entre 1816 e 1819 a Grã-Bretanha adota o padão-ouro para a Libra Esterlina que vigorou até o ano de
1931. O dólar americano esteve sob a mesma padronização aurífera até o ano de 1971 (Cf. Brunhoff,
1978:109-120; e, Bortolani, 1981:39-54).
108
crises monetárias, pois, enquanto mercadoria, o ouro está sujeito ao mesmo processo de
produção como qualquer mercadoria. Assim, as gestões estatais adotam ou abandonam
a paridade entre moeda e metal (ouro) conforme resoluções políticas diante de questões
a serem enfrentadas. “Não mais repousando diretamente num valor materializado, a
coerção monetária que decorre da posição particular da moeda como equivalente geral é
cada vez mais percebida como um assunto do âmbito das regulamentações e das
instituições estatais” (Brunhoff, 1978:24. Grifo do original).
As práticas monetárias necessitam de um padrão de referência a quem recorrer
como garantia da equivalência geral entre mercadorias. Esta garantia precisa estar
embasada numa instituição que supostamente se situa acima dos interesses de classes
para regular, com uma aparente neutralidade, as práticas sociais e monetárias e que
garanta a realização de valores, apesar da contradição inerente à própria moeda, que é
uma fonte de crises. “A possibilidade geral das crises se estabelece no processo de
metamorfose do capital e de dois modos: no tocante ao dinheiro na função de meio de
circulação, com a compra e venda podem dissociar-se; no tocante ao dinheiro na função
de meio de pagamento, em dois papéis distintos, o de medida dos valores e o de
realização do valor, esses dois papéis podem romper a conjunção que os liga”
(Marx:1983:949. O Capital. Teorias da mais-valia. Liv. IV, vol. II, cap. XVII. Grifos do
original). Por isso, é a gestão estatal da moeda que garante uma margem de
invariabilidade dos valores, ela é “uma necessidade dos capitalistas de controlar
completamente as condições de reprodução capitalista, pelo amálgama de produção e
circulação mercantil e de produção e distribuição capitalista” (Brunhoff, 1978:67).
Todo o processo de produção de valores acumuláveis necessita de um sistema
de crédito que garanta aos proprietários de recursos monetários acumulados a solidez
dos contratos sobre as aplicações concretas que precisam realizar. “Na exposição sobre
o capital partimos da fórmula D-M-D’, da qual D-D’ era apenas o resultado. Agora
encontramos D-D’ no papel de sujeito. Como o crescimento é próprio da árvore, a
geração de dinheiro é própria do capital nessa sua forma pura de capital-dinheiro”
(Marx, 1985a:1506. O capital. Teorias da mais-valia. Liv. IV, vol. III. Aditamentos.
Grifos do original). Como o dinheiro acumulado é anterior ao próprio capitalismo ele
comporta a tendência ao isolamento dos seus possuidores, fazendo com que os
capitalistas financeiros estabeleçam um grau de conflito com os capitalistas produtivos.
109
“A única acumulação que precede à gênese do capital é a do patrimônio-dinheiro”
(Marx, 1986a:475). As relações dos financistas com suas práticas possibilitam-lhe o
cultivo de uma ideologia própria, como se dispusessem de uma autonomia diante dos
processos de produção e de circulação de mercadorias
36
. Mas esta representação que
fazem de si mesmos não corresponde plenamente à realidade da realização de valores.
“O capital produtor de juros prova sua eficácia como tal enquanto o dinheiro
emprestado se converte realmente em capital e produz um excedente do qual o juro
constitui parte” (Marx, 1985a:1527. O capital. Teorias da mais-valia. Liv. IV, vol. III.
Aditamentos). Desconsiderando este elemento da realidade, os financistas buscam
retorno cada vez mais veloz, fazendo com que os capitalistas produtivos, que precisam
recorrer aos recursos que controlam, despendam esforços para abreviarem os ciclos da
produção e da circulação de mercadorias. Os conflitos entre as frações do capital pela
acumulação de valores fazem com que despontem conflitos também entre os capitalistas
e o próprio Estado burguês na busca da concretização de condições mais vantajosas para
os ciclos que culminam na realização de valores acumuláveis de forma privada.
O fenômeno da denominada guerra fiscal também interfere neste processo. Ela
consiste fundamentalmente em renúncia parcial ou total em caráter temporal ou
definitivo de determinado tributo como forma de atrair ou manter unidades industriais
nos limites de uma unidade da federação (Estado ou município), ou numa situação de
disputa entre países. Em qualquer desses casos, a unidade territorial que dispõe de
melhores instalações de infra-estrutura e de localização tende a aumentar cada vez mais
suas vantagens comparativas e dispõe ainda, de maior possibilidade de dispensar (parte
de) tributos (Cf. Oliveira, 2000:53-92). É contexto que fornece um dos fundamentos que
possibilita entender as defesas do Estado mínimo, isto é, que gasta menos recursos com
finalidades desinteressantes para os capitalistas. Deste modo, a proposição (neo)liberal
de redução do Estado, que se apresenta como uma virtude no interior da sua maneira de
pensar, não passa de uma necessidade de proceder a continuidade da dominação e da
exploração de classe. Trata-se, portanto, de efetuar adaptações do Estado diante de uma
realidade sobre a qual atua. “A política monetária vê-se a si mesma como uma atividade
ofensiva. Em realidade, ela pode corresponder a uma prática defensiva (...). O Estado
apresenta-se simultaneamente como promotor e o garante da coerção monetária,
36
“A ideologia dos rentistas é, como o próprio Bukharin indicou, a ideologia de um grupo social cada vez
mais voltado ao ostracismo na classe em que se integra” (Bernardo, 1977a:175).
110
quando, na verdade, ele toma conhecimento dela no momento em que ele próprio é
atingido” (Brunhoff, 1978:27). Desta forma, o Estado burguês é condutor e conduzido
pelos processos concretos de realização dos valores privadamente acumuláveis, que
podem ter os rumos revertidos pelo movimento operário. Os conflitos que ocorrem no
interior da classe dominante ou entre classes que exploram trabalho alheio e expandem
suas conseqüências para os trabalhadores com a retração ou não do mercado de trabalho
em determinados locais. Conjugam-se, deste modo, tanto o movimento produtivo
quanto o movimento da circulação mercantil, que são primordiais para a realização da
mais-valia.
O outro eixo principal da política econômica é a gestão da força de trabalho, que
constitui um elemento central na produção de mercadorias. Os capitalistas necessitam
da disponibilidade de um estoque de força de trabalho em reserva para que eles possam
assalariar quando necessário ao movimento produtivo (Cf. Brunhoff, 1985:8-29). Como
o Estado assume esta função, é necessário elaborar e efetivar políticas que garantam a
reprodução da força de trabalho. É comum a existência de conflitos entre capitalistas
particulares e o Estado quanto a esta questão, como é o caso da definição de um piso
salarial nacional
37
.
As políticas voltadas para a reprodução da força de trabalho precisam estar em
sintonia com o ritmo dos empreendimentos produtivos em cada local específico, mas a
dinâmica da produção capitalista impede a ocorrência de harmonia entre uma e outra. Se
anteriormente, os capitalistas se empenhavam diretamente neste processo, ele foi
transferido para o Estado que passa a arcar com a responsabilidade de cuidar das
questões sanitárias, educacionais e habitacionais. Camaragibe é um exemplo deste
processo (Ver Capítulo II). Novamente, a questão da territorialidade e classes sociais
revela a sua maior importância. “As decisões de macropolítica ficam a cargo das
instancias centrais do aparelho de Estado e a questão da reprodução da força de
trabalho, que é fundamental para a reprodução da dominação capitalista de classe, fica a
cargo democraticamente do poder local, sem ser questionada nos seus termos”
37
“O Estado estabelece um mínimo abaixo do qual a contratação é anulável. (...) Nestas condições
desaparece a liberdade de negociação coletiva e o Estado assume a responsabilidade de nivelar os salários
(Simões, 1979:182. Grifo do original).
111
(Almeida, 1997:122). As gestões locais ficam com suas ações políticas delimitadas por
instancias territoriais superiores, que são os Estados e a União Federal.
A relação entre o poder local e o geral ou (inter)nacional, se torna cada vez mais
necessária para a sustentabilidade política dos projetos coletivos das classes populares.
A regulação que o Estado implementa sobre um território apresenta reflexos sobre a
constituição, mobilidade e renovação dos quadros burocráticos do Estado e também
sobre as frações burguesas de classe, juntamente com os apoiadores periféricos ao
sistema e seus interesses locais (Cf. Anderson, 1978:32; Terray, 1979:58). Num regime
político que se diz democrático, periodicamente recorre-se à população para a
constituição do legislativo, do executivo e, às vezes e em parte, do judiciário. Deste
modo, ao dividir o território, a burguesia procura acomodar conflitos de duas naturezas.
De um lado, ela atende aos interesses de suas frações na busca de realização da
acumulação e no controle do aparato estatal através da composição de uma burocracia
com ela comprometida. Por outro lado, a divisão territorial em frações menores
proporciona uma possível destinação mais precisa de recursos visando atender as
necessidades de reprodução da força de trabalho. Mas, as condições desta reprodução
aparecem nas proposições discursivas como decorrentes dos direitos de cidadãos a uma
vida digna. (Cf. Almeida, 1993:42, 46-48).
A partir dos territórios municipais foram constituídas no Brasil diversas posturas
políticas que vão do apoio irrestrito às políticas do poder central à contestação de
medidas contrastantes com os interesses locais. O município constitui-se como um
espaço de conflito entre classes quando aprofundam as divergências na condução de
políticas com características díspares. Exemplo desse fenômeno foi Olinda, que teve seu
território continuamente fracionado a ponto de fazer surgir diversos municípios, dentre
eles o de Camaragibe (Capítulos II e VII).
3.2.2 – A definição da política orçamentária
Com a criação da república brasileira em 1891, as antigas províncias adquiriam
status de entes federados, quebrando a centralização política que caracterizava o
112
império
38
. Entretanto, mesmo com a federação movimentos de centralização e
descentralização da política orçamentária por meio de leis tributárias. Enquanto
membros de uma federação os Estados passam a ter autonomia para definir e executar
determinadas políticas no interior de seus territórios dentro das competências e dos
limites definidos por legislação federal.
A definição das competências e limites sempre foi motivo de conflitos entre os
entres federados e a União. As iniciativas principais foram as de procurar estabelecer
uma unificação nos procedimentos orçamentários por meio de normas contábeis. Foram
realizados congressos com a participação de profissionais de contabilidade pública e de
assuntos fazendários cujas propostas resultaram no “Código de contabilidade da União”
em 1922 e passou por reformulações que foram assumidas pelo poder público através
do Decreto Lei nº1804 de 24 de dezembro de 1939, e do Decreto Lei nº2416 de 17 de
julho de 1940 (Cf. Castro,1996:34-35).
Somente no ano de 1964 é que foi aprovada a Lei nº4320, que se tornou um
marco regulador das peças orçamentárias no Brasil. Por meio desta lei foi estabelecido
um sistema padronizado único tanto para a União Federal, quanto para os Estados e
municípios, assumindo as recomendações de classificação econômica das transações
governamentais provenientes da ONU (Organização das Nações Unidas). Esta lei
adquire sua maior relevância a partir de 1967, quando entra em vigor o Código
Tributário Nacional reformulado no ano anterior e que define melhor as competências
sobre a arrecadação para os três veis de governo (Federal, Estadual e municipal). A
Constituição brasileira de 1988 determinou a obrigatoriedade para o orçamento público
ser elaborado e aplicado a partir de três instrumentos de planejamento que são a LDO
(Lei de Diretrizes Orçamentárias), na qual se define as normas orientadoras da
elaboração do orçamento o PPA (Plano Plurianual), que abrange uma previsão de
receitas e despesas para um período de quatro anos e a LOA (Lei Orçamentária Anual),
que fraciona o PPA para cada de exercício fiscal dentro do seu período de abrangência
(Cf. Oliveira,1991:19-66; e Castro, 1966:36-44).
38
Em 1827 surgiu a primeira lei orçamentária brasileira que determina a apresentação das previsões de
receitas, com as respectivas fontes, e despesas para o seguinte exercício anual, num único diploma legal,
que depois de aprovado pela Câmara Federal seria assumido pelo Tesouro Nacional (Cf. Castro,
1996:35).
113
3.2.3 – A arrecadação e a crise fiscal
A definição de mecanismos para a elaboração orçamentária revela a tentativa de
descontrolar as despesas públicas. Os três dispositivos legais orçamentários
fundamentais (LDO, PPA e LOA) são justificados como sendo mecanismos necessários
para possibilitar o exercício de vigilância do processo de elaboração e de execução do
orçamento público. A exposição clara dos destinos dos recursos é uma forma de revelar
quais são os setores sociais beneficiários da arrecadação (Cf. Oliveira, 1995:130).
Mas, as forças coletoras do Estado burguês incidem sobre as atividades
exercidas dentro do seu território e mostram a sua maior ferocidade diante dos que
apresentam menor capacidade de resistência e subterfúgios bastante eficazes, como, por
exemplo, a prática de elisão e de sonegação fiscal
39
, e a prática de corrupção
40
- que
resultam no desvio de recursos da finalidade legal e previamente determinada, como
parte da luta entre frações da burguesia com ou sem participação direta no aparelho de
Estado, pela apropriação destes mesmos recursos (Pinheiro, 1999:109). De qualquer
modo, o Estado se apropria de parte da mais-valia cujas fontes são as atividades
produtivas dos trabalhadores, que são os dispõem de menor resistência diante das
atividades coletoras em razão da situação fragmentária de classe promovida pelo mesmo
Estado (Capítulo I).
Entretanto, as forças coletoras encontram também outro limite que é estrutural.
O Estado poderia apropriar-se de toda a mais-valia se ele fosse composto totalmente
pela classe dominante, o que não é o caso do Estado burguês. Deste modo, no que se
refere aos proprietários de meios de produção cabe ao Estado coletar parte da extorquia
realizada pelos capitalistas - o que resulta em manifestações contra o (tamanho do)
Estado. Deste contexto surgem as expressões individuais ou de entidades empresariais
39
A elisão fiscal é um subterfúgio utilizado pelas empresas para reduzir o valor de um tributo a ser pago.
A depreciação de um equipamento pode ser vista tanto pelo aspecto econômico (desgaste físico e
obsolescência), quanto pelo aspecto físico (ação provenientes de intempéries) e ainda, a partir do aspecto
contábil. “O que vale para efeito de dedução do lucro tributável é a depreciação contábil, diferente da
depreciação real ou efetiva” (Ferreira, 1995:372).
40
A CPI do PC detectou a corrupção como fonte alimentadora de caixa dois, contas fantasma e de
financiamento de campanhas eleitorais (Cf. Mendes, 1992:57-59-191).
114
em prol da redução da carga tributária contra os gastos excessivos e contra o uso
ineficiente dos recursos públicos. Quando os empresários obtêm sucesso nestas
manifestações e o Estado não pode reduzir suas despesas, ocorrem as crises fiscais. A
principal razão de ser destas manifestações está na possibilidade do decréscimo da
capacidade de transferência de mais-valia da parte dos capitalistas para o Estado diante
da tendência decrescente da taxa de mais-valia que é um dos pontos nevrálgicos da
produção capitalista
41
. Deste modo, as crises fiscais são manifestações de crises
estruturais do modo de produção capitalista.
Não faltam iniciativas burocráticas e legislativas para enfrentar as crises fiscais.
No período após a segunda guerra mundial o mecanismo inflacionário passou a ser
aplicado como forma de ampliação de recursos por parte do Estado, sendo abandonado
com a reforma tributária de 1966 e, ainda, aponta para a necessidade de corte nos gastos
públicos (Cf. Oliveira, 1991:31 e 44). Uma segunda medida está na concessão de
incentivos fiscais como forma de atrair investimentos para um território. Outra medida
tomada se refere ao controle dos gastos públicos
42
, que adquire maior relevância após as
administrações que buscam a participação popular e também a partir da Constituição de
1988, com a instituição dos conselhos de direitos e, depois, com a aprovação da Lei
Complementar nº101, de 04 de maio de 2000, que representa o desfecho legislativo da
proposta de dotar a administração pública da racionalidade das empresas privadas e
reverter a tendência anterior dos gestores públicos, que elevavam os gastos estatais para
um nível acima da capacidade que o Estado possuía para arrecadar. A lei de
responsabilidade fiscal obriga os gestores públicos, a reduzir o contingente de pessoal
na proporção limite em que haja queda de arrecadação (Cf. Oliveira, 1991:47; Santos,
2001:122). O que se refere à participação popular será tratado na terceira seção deste
trabalho.
41
“A retração das receitas se explica principalmente pelo processo recessivo a que foi submetida a
economia, embora a aceleração da inflação muito certamente tenha também desempenhado papel
importante na sua deterioração” (Oliveira, 1995:30).
42
“O sentido é de que o governo possa administrar um ficit sem que necessariamente ocorra uma
deterioração de seu passivo” (Santos, 2001:155).
115
3.3 - O Estado em questão
Quando se fala do Estado, refere-se a uma organização que implementa políticas
no sentido de garantir a existência e a reprodução das condições que sustentam um
ordenamento social favorável aos interesses de uma determinada classe dominante
numa dada área de abrangência territorial. Deste modo, as políticas efetivadas pela
organização estatal precisam estar em consonância com a dominação social e
econômica. O sucesso para um projeto desta envergadura, condizente com os interesses
burgueses, depende da possibilidade de sua imposição às demais classes sociais. Trata-
se, portanto, de um conflito social diante da dominação política e da apropriação do
valor socialmente produzido em determinadas condições sociais, econômicas e
políticas. Se falarmos em política de Estado, fazemos referência a uma ação planejada e
efetivada por deliberação e controle de um aparelho de Estado. Em outros termos, uma
política de Estado constitui-se de uma orientação e de um conjunto de atividades postas
em prática pelo Estado. Não se pode falar de uma administração neutra do Estado, mas,
da implementação de um conjunto de políticas favoráveis a uma classe social (apesar
das divergências entre setores de classe), cujos interesses estão em contradição
inconciliável com pelo menos uma outra classe social, que não pode usufruir desta
situação de privilégio, pois, uma acumula riquezas, enquanto à outra, resta a condição
de produtora destas mesmas riquezas. Neste contexto, a participação popular é
problemática (Ver terceira seção).
O processo de produção de riqueza no modo de produção capitalista exige que
uma classe seja produtora direta, mas que não detenha os meios de acumular os valores
que ela mesma produz. Para isso acontecer de modo favorável à classe acumuladora de
capital é preciso haver uma dominação social que impeça aos trabalhadores
implementar atividades que levem à quebra da estrutura que lhes é desfavorável.
Como a classe social dominante mantém esse poder de ditar os rumos da vida e
da economia de toda a sociedade? Aí, o Estado organiza a dominação legitimando os
comportamentos sociais. O poder político e a legitimação do exercício deste poder
coexistem na garantia da ordem que pretende ser geral. Mesmo executando uma
dominação de classe, reproduzindo as condições em que a burguesia explora a classe
proletária, o Estado precisa de legitimidade social para as suas políticas. Assim, a
116
aparência de atendimento aos interesses imediatos precisa do respaldo da população.
Deste ponto, podem surgir momentos de crise política em razão de diversos fatores. Em
linhas gerais, divergências no interior da própria burguesia com relação ao conteúdo
e alcance das políticas de Estado. Frações do capital fazem surgir interesses setoriais
divergentes quanto aos rumos da acumulação de capitais. Assim, podem surgir os
conflitos em torno dos tipos de políticas a serem efetivadas pelo Estado no interior da
própria burguesia. Por isso, os interesses dos dominantes podem se constituir como
exemplos concretos brasileiros da burguesia agro-exportadora, industrial e financeira,
que podem ou não estar associados ao movimento internacional do capital (Cf.
Almeida, 2001:108).
Quanto ao exercício do poder, o aparelho de Estado e as políticas efetivadas
pelo mesmo se incumbem de garantir uma dada ordem social. Conforme a função
primordial, cada aparelho estatal pode ser classificado como repressor ou como
ideológico, embora eles sejam simultaneamente repressores e ideológicos
43
. A presença
de um aparato militar em desfiles, com uniforme de gala e armas descarregadas é uma
demonstração de força à disposição do comando burocrático do Estado ou em rebelião
diante de decisões e ordens cuja legitimidade esteja passando por questionamentos. A
população que assiste a tais desfiles sofre o efeito do falso conforto da proteção à
liberdade individual irrestrita dentro do território nacional
44
. Na verdade, o aparelho
repressor é a garantia de continuidade de um projeto de dominação de classe, pois a
repressão é da natureza do exercício de atividades pertinentes aos domínios na
sociedade (Cf. Althusser, 1999:104-112).
Para o nosso estudo, interessa considerar o aparelho repressor que compreende
“o governo, a administração, as forças armadas, a polícia, os tribunais, as prisões (...), e
dos aparelhos ideológicos, o aparelho político que abarca o parlamento, os partidos
políticos” (Althusser, 1999:102-103). Podemos nos aproximar de nosso objeto de
estudo aqui, na medida em que as inconformidades com as condições de exploração que
43
“A ideologia da burocracia aparece (mais) quando se dá a divisão dos funcionários como portadores de
símbolos, uniformes e signos do que do saber real, técnico e utilitário: hierarquia autoritária”
(Tragtenberg, 1974:24. Grifo do original).
44
“... apresentar a tese de que todo Aparelho de Estado, seja repressor ou ideológico, funciona
simultaneamente, por meio da repressão e por meio da ideologia. Mas com uma diferença muito
importante que impede a confusão entre o aparelho repressor e os aparelhos ideológicos de Estado”
(Althusser, 1999:112). (Grifos do original).
117
a classe trabalhadora suporta, resultam na exigência de mais do que medidas
administrativas com relação à eficiência dos serviços públicos executados pelo Estado e
possam demandar mais do que a efetivação de determinadas políticas sociais, em razão
de sua abrangência. A manutenção do domínio começa a necessitar do recurso à força
efetiva para garantir a ordem social que interessa à burguesia.
O Estado burguês aparece na voz de seus ideólogos e na efetivação de suas
políticas como um organismo necessário à ordem social como um todo, concentra o
exercício do poder em uma sociedade, através de na sua configuração fracionada em
três partes que são doutrinariamente apresentadas como sendo distintas, independentes e
harmônicas: o poder executivo, o poder legislativo e o poder judiciário.
O contexto político em que o poder é exercido transparece como se as políticas
de Estado fossem resultantes dos embates legislativos, dos quais resultam as leis, que o
executivo tem de aplicar e ao judiciário se pode recorrer em qualquer momento em que
direitos forem violados. Estes dispositivos precisam ser observados nos limites do
Estado-nação ou nas entidades subnacionais, conforme a abrangência da lei específica.
Mas, este jogo é parte da dinâmica em que o domínio de classe e a exploração
econômica que a burguesia realiza sobre a classe proletária são efetivados. Trata-se de
um antagonismo classista da sociedade burguesa. Esta sociedade precisa reproduzir
constantemente as condições de continuidade do Estado e das ações favoráveis à classe
dominante, mantendo o proletariado submisso e, para tanto, são necessários os
aparelhos de Estado ocupados e dirigidos por pessoas aptas a executarem as políticas
decorrentes dos objetivos traçados. Para empreender o domínio da classe burguesa é
realizado politicamente por um corpo burocrático cuja missão é executar as políticas
decorrentes da organização econômica e social. Este corpo burocrático desenvolve sua
lógica de manutenção legitimada pelo discurso da competência e da eficiência, e, com
isso, procura garantir a estabilidade para os ocupantes dos cargos. Desta forma, são
constituídos os aparelhos repressivos e ideológicos que atuam “a serviço da política do
Estado” (Althusser, 1999:107).
118
3.4 - O caráter burguês das políticas de Estado
O Estado burguês constitui um corpo burocrático de representantes e executores
de políticas na garantia do domínio da classe social a que se acha relacionado e
comprometido. Porém, suas políticas são definidas como se fossem do interesse de toda
a sociedade. Mas, uma razão primordial para se constituir um Estado é a garantia da
propriedade - não da propriedade em geral, pois, a ela todos têm direito. Trata-se,
portanto, de uma propriedade específica à qual é necessária a existência de certas
garantias coletivas que a tornem duradoura. É uma propriedade que está restrita a uma
parte da sociedade, mas que precisa de imunidade diante das aspirações coletivas. É
com o Estado e as leis que regulam as relações entre os indivíduos que proprietários
privados de meios de produção passam a contar com um organismo que regula e faz
prevalecer este tipo de propriedade como elemento significativo nas relações sociais.
uma camuflagem sobre a representação de classe ao se referirem aos
indivíduos isolados como sendo os beneficiários da organização estatal e da ordem
social sustentada por esta organização. Nesta formulação, transparece um dos elementos
da crise do Estado burguês, que é a questão da legitimidade de sua constituição.
Apresentando-se como representante dos indivíduos, representa, na verdade, um setor,
uma agrupamento, isto é uma classe social. O recurso aos eventos eleitorais para a
ocupação (rotativa) de cargos no aparelho de Estado também é feito com referência aos
indivíduos (cidadãos) e tentando desqualificar os adversários com projetos alternativos
como incompetentes (discurso da burocracia instalada). Para garantir o poder, ela
necessita de um corpo burocrático diferenciado da sociedade e de uma instituição
militar que reprima as contestações que busquem aniquilar as políticas implementadas e
organização de onde são originárias. Quando a ordem social estabelecida tende a ruir
recorre-se aos militares (Cf. Almeida, 2001:140; e, Saes, 1984:13).
A crise do Estado burguês se torna mais séria quando ela não pode ser resolvida
através de eleições. Esta situação possibilita a ocorrência dos golpes de Estado e a
democracia se converte em ditadura (que pode ser militar) para garantir a dada ordem
social correspondente à classe dominante. Na verdade, a ditadura explícita acontece
quando a burguesia dominante não está podendo ditar sua política consensualmente a
119
toda a sociedade. Estes são momentos em que os partidos e frações partidárias
defensoras dos interesses burgueses encontram dificuldades em sustentar sua hegemonia
na condução da política. Quando ocorrem simplesmente sucessivas alternâncias entre
partidos e frações de partidos favoráveis à classe dominante, os atritos parlamentares
são toleráveis e a ordem social e econômica segue seu curso. O problema surge quando
a crise hegemônica passa a refletir forças sociais antagônicas ao projeto de dominação
de classe, tornando-se um sintoma de processos sociais e econômicos transitórios (Cf.
Costa Neto, 1988:118). É quando uma classe social dominada começa a ameaçar o
ordenamento burguês, que a burguesia demonstra que governa para a sua classe e dita
sua política para a sociedade inteira.
Adam Smith havia percebido esta situação conflituosa entre proletários e
capitalistas quanto ao valor a ser pago em salários. Além de afirmar a maior facilidade
de organização por parte dos empresários, notava que eles contam com o apoio decisivo
dos órgãos de Estado. “Não leis do parlamento que proíbam os patrões de combinar
uma redução de salários; muitas são, porém, as leis do Parlamento que proíbem
associações para aumentar os salários (...). Embora a lei não possa impedir as pessoas da
mesma ocupação de se reunirem às vezes, nada deve fazer no sentido de facilitar tais
reuniões e muito menos torná-las necessárias” (Smith, 1988a: 63-64, e 109). Smith
percebe um ponto de interesses antagônicos em que políticas gerais de Estado são
necessárias para tentar evitar o desenlace de conflitos que pudessem aniquilar a
exploração capitalista de classe.
O questionamento de leis logicamente emanadas do Estado por parte do
movimento operário (e também por movimentos populares) pode provocar uma crise na
direção política. O movimento operário em geral e as greves causam perturbações na
burocracia governante (Cf. Rosenberg, 1986; e Souza, 2001:43). Mas essa crise pode
ser mais grave se o questionamento da ordem política se fizer acompanhar do
questionamento da ordem econômica. Aparece aqui, outro tipo de crise que tem sua
origem nas relações mais propriamente econômicas e que interferem no aparelho de
Estado. À medida que vão ocorrendo aumentos na composição orgânica do capital
aumentam as pressões sobre os limites das relações capitalistas de produção diante das
dificuldades de realização dos valores extorquidos e, conseqüentemente, sobre o Estado
quanto à garantia de continuidade das condições de reprodução social. Nada mais lógico
120
do que a crise da produção capitalista refletir seriamente no Estado burguês. Ele
implementa um conjunto de políticas anticrise, que se constituem basicamente em
ampliar as linhas de crédito ao aumentar a massa monetária circulante - o que acaba
inflacionando a moeda. Isto provoca a queda das condições de sobrevivência, fazendo
com que os operários se movimentem podendo questionar a ordem social vigente e
chegar a ponto de superação da mesma com a gestão coletiva da produção (Cf. Mandel,
1990:11-13; e Petras, 1995:44-46).
Uma saída econômica é a ampliação do mercado consumidor. Daí, o ímpeto
destruidor de restrições em mercados considerados periféricos. Mas as conseqüências
não tardam muito. Uma economia mundial gera crises que também provoca
conseqüências mundiais. O que era observado dentro das fronteiras nacionais torna-se
um fenômeno global. As normas de consumo passam por um processo de
homogeneização. Tanto os investimentos quanto os níveis de consumo doméstico e,
ainda, as receitas e despesas públicas ficam sujeitas aos efeitos deste processo. Os
proprietários dos meios de produção avançados empregam cada vez menos horas
humanas de trabalho e, na redução de custos, seleciona os locais de investimentos tanto
financeiros quanto produtivos a partir de centros decisórios com conotações mundiais
45
.
A concentração de capitais acontece em prejuízo dos países periféricos. Não há lugar ao
sol para todas as pessoas (Cf. Chesnais, 2001:12; Almeida, 1999b: 177). As
composições burguesas nacionais procuram garantir suas posições, e o fazem por meio
do controle da realização dos negócios com base em condições estabelecidas nos seus
próprios países, fazendo com que haja alguma contradição entre os interesses da
burguesia mundial e a burguesia de cada nação, reproduzindo no território nacional as
relações de dependência que são próprias da formação burguesa de sociedade (Cf.
Almeida, 2003:65). “O processo de acumulação imperial leva à concentração da riqueza
e abre oportunidades a estratos da pequena burguesia para promover a capitalização
nacional através do controle do Estado e de sua receita” (Petras, 1980:47).
Ao se deparar com este mesmo ponto de crise, Karl Marx aprofundou a análise
da mesma e, em vez de apontar soluções abafadoras, buscou uma via de solução através
45
“O oligopólio em lugar de concorrência encarniçada, mas também de colaboração entre grupos (...). O
sucesso de uma empresa significa, cada vez mais, a falência ou a absorção de outras” (Chesnais, 1996:93
e 218).
121
da superação do modo de produção que a gera. Ela surge de um antagonismo entre
quem produz e quem se apropria da riqueza produzida, e do deslocamento social
provocado pelos conflitos de interesses entre os acumuladores de capital pela realização
da mais-valia. É um questionamento dos fundamentos da exploração de uma classe, a
burguesa, sobre a proletária (Cf. Marx, 1980a:608-613, 647-673. O Capital, liv. I, vol.
II, Cap. XVI, XX e XXI). A predominância financeira do capital em todo o globo
imprime uma característica peculiar à sociedade burguesa. A concentração dos recursos
monetários concentra também os mecanismos, critérios e locais de decisão. O Capital
toma alguns cuidados para manter a sua lógica de acumulação e, por isso, avalia
cuidadosamente os riscos dos investimentos e seleciona os locais que parecem garantir
retornos melhores e mais rápidos. Ao agir deste modo, a burguesia abandona locais
antes lucrativos para instalar equipamentos produtivos em outros mais atraentes. O
resultado disto é a retração de atividades nos locais relegados ao segundo plano,
provocando a diminuição dos recursos fiscais para o Estado. É neste contexto de crise
social da qual o Estado burguês não é imune, que pretendemos analisar a efetivação de
políticas orçamentárias participativas. É um momento de nos aproximarmos mais uma
vez do objetivo de estudo deste trabalho e dos objetivos que apontam para a busca de
uma nova ordem, onde aqueles que hoje suportam as conseqüências das crises passem a
condutores do processo de superação da (des)ordem vigente. Neste sentido, é preciso
verificar a forma democrática da qual nos ocupamos no seguinte capítulo, que compõe
esta seção, e o alcance transformador da participação popular, que será tratada na
terceira seção deste trabalho.
122
CAPÍTULO IV
A FORMA DEMOCRÁTICA DO ESTADO
4.1 - Os fundamentos liberais da democracia
As referências mais comuns à democracia se apresentam por meio de diversas
expressões conceituais que, se referindo ao mesmo objeto, ressaltam aspectos
diferenciados do mesmo e deixam transparecer a ideologia de seus autores e a formação
social à qual ela mais se coaduna. Ela é considerada no conjunto de possíveis formas de
Estado sendo ou não, ressaltada a maneira como estas mesmas formas se relacionam
com uma sociedade em questão, ou então, como isto acontece no espaço e no tempo em
experiências bastante diversificadas. As duas principais formas de Estado são a
democrática e a ditatorial. Elas são opostas quanto à lógica operacional. Enquanto na
ditadura predominância do corpo burocrático é visível e direta, na democracia uma
interferência do parlamento nas definições das políticas de Estado. As referências à
democracia aparecem através de diversas expressões como: Estado democrático de
direito, democracia representativa, democracia direta, governo representativo. Na
sociedade burguesa, mesmo a melhor forma de Estado, que é a democracia, tem que
conviver com a dominação e com a exploração de uma classe social por outra.
É o compromisso e a defesa de interesses de uma classe dominante que
possibilita entender as formas de governo. Por isso, pode-se sustentar uma alta
correlação entre forma de governo e a constituição da sociedade em questão, com a
identificação da classe social dominante. Aristóteles sustentava a existência de “três
constituições puras: a realeza, a aristocracia a república e outras três que formam um
desvio destas: a tirania para a realeza, a oligarquia com respeito à aristocracia, e a
democracia com respeito à república”. E delas, a melhor é a aristocracia (Aristóteles,
1966:178. A política, liv. VI, cap. II, § 1). Está o posicionamento político do autor
clássico, que mesmo depois de apontar os respectivos desvios, acaba revelando a sua
preferência pela forma de Estado onde a dominação de classe é a marca característica.
123
A forma de Estado que recebe a denominação de democracia e que a burguesia
pode suportar está marcada por elementos que não questionam a (des)ordem social de
dominação e de acumulação de riqueza. Do mesmo modo que Aristóteles recomendava
a não estender a condição de cidadão a todas as pessoas de quem a cidade necessita para
existir (Cf. Aristóteles, 1966:83. A política, liv. III, cap. III, § 2), a democracia burguesa
exerce uma vigilância sobre os contornos da cena política de modo que a hegemonia das
tomadas de decisões seja mantida em favor dos interesses capitalistas. Deste modo,
existe uma parte da sociedade que não dispõe do uso pleno de mecanismos de
interferência nas decisões políticas.
Expoentes do pensamento liberal contrapõem poder e liberdade. Aparecem no
interior deste pensamento dois pólos na discussão que trata da liberdade no âmbito das
condições da vida civil ou social e, partindo daí, procura definir os limites do exercício
do poder social sobre o indivíduo. Assim, uma necessidade fundamental de que o
indivíduo tenha uma proteção diante dos possíveis atos de tirania. Ela é encarada com
terror. Os atos despóticos (e tirânicos) são ainda mais graves quando transcendem os
atos dos magistrados e se enraízam na opinião e no sentimento social predominante.
Numa situação desta, a liberdade individual está sob uma ameaça inaceitável. O que
fazer para garantir um limite às interferências de qualquer natureza sobre a liberdade de
cada pessoa? Para alguns, a liberdade precisa ser absoluta em dois aspectos. “Ela
abrange, primeiro, o domínio íntimo da consciência (...). Em segundo lugar (...), a
liberdade de gastos e de ocupação (...) de associações entre os indivíduos. (...) Nenhuma
sociedade é completamente livre se nelas essas liberdades não forem absolutas e sem
reservas” (Stuart Mill, 1991:45-56 e 83).
Mas é preciso estabelecer condições. que se organizar a vida coletiva e
garantir as diversas expressões de idéias, pois “nunca podemos estar seguros de que a
opinião que procuramos sufocar seja falsa e, se estivermos seguros, sufocá-la seria ainda
um mal” (Stuart Mill, 1991:53). Mas a pretensão de infalibilidade, que é uma ousadia
que se arroga em decidir qualquer questão por outros, é reprovável. Muitas ações
efetuadas na história não tiveram este devido cuidado. As argumentações não são
abrangentes. Geralmente elas se restringem a um lado da questão e desconsideram
completamente o outro. Deste modo, encontramo-nos num paradoxo e, como tal, diante
124
de um logicamente não desatável que leva às práticas pendulares que vão de um
extremo a outro, isto é, do poder à liberdade. A liberdade individual só deve sofrer
interferência individual ou coletiva se esta interferência tiver por finalidade a proteção
de outro indivíduo ou a autoproteção. Aumentar demasiadamente o poder é um perigo
que se deve evitar. Mas, essa contraposição à burocracia dispõe de lugar destacado na
teoria do Estado? E, ainda, isto pode ser aplicado a todos os casos? A teoria é
incondicionalmente defendida?
A proposição da liberdade e a conseqüente pluralidade de opiniões e práticas
sociais compõem o contraponto a um poder defensável realizado sob o comando da
burguesia. A pluralidade social exigiu uma pluralidade na composição do corpo
político. Ao fazer o poder emanar do povo e não mais de uma divindade como era na
legitimação monarquista, a burguesia acata a possibilidade da rotatividade no comando
das decisões políticas. O sufrágio universal é resultante das lutas sociais. É preciso que
os ocupantes de postos no corpo político sejam escolhidos dentre os membros da
sociedade. As eleições vão representar a oportunidade oferecida a todos os cidadãos e
cidadãs para receberem o aval dos eleitores. As frações sociais em conflito passam a
fazer parte do aparelho de Estado sob a hegemonia burguesa. Mas, o poder legislativo,
até hoje, necessita da sanção do executivo para que seu trabalho de legislar se complete.
Este aspecto é um elemento de absolutismo que permanece sem problema para os
propósitos burgueses (Cf. Carvalho Netto, 1992:23, 40, 59, 251).
Por isso, estas coletividades imaturas devem ser desconsideradas na
convivência de liberdade individual soberana, para o pensamento liberal. É preciso,
portanto que estes coletivos humanos passem por uma espécie de evolução social e
cultural. Daí desponta, para teóricos burgueses, a necessidade e utilidade dos governos
qualificados como sendo despóticos. A liberdade expressa e defendida pela teoria social
e política burguesa é restrita aos limites da reprodução das condições de exploração
capitalista
46
. A liberdade se constituiu em um tema cujos conteúdos críticos
contribuíram para solapar os fundamentos da sociedade feudal, mas, após uma
46
“O perigo da liberdade antiga era que os homens, atentos, sobretudo a assegurar a participação no poder
social, não renunciem muito ao bom mercado dos direitos e aos desenvolvimentos individuais. O perigo
da liberdade moderna é que, centrada no desenvolvimento da nossa independência privada e em perseguir
os nossos interesses particulares, nós renunciemos muito facilmente ao nosso direito de participar do
poder político” (Constant, 1970:237).
125
reformulação substancial, tornou-se eivada de ideologia própria dos propósitos de
conservação social. A disputa de espaço que a burguesia empreendeu contra a
aristocracia foi formulada com argumentos que buscavam maior liberdade. Mas a
substância desta liberdade era política - não somente e nem tão socialmente abrangente
como se apresentava nos discursos - pois, o que mais interessava à burguesia era a
liberdade
47
de realizar um tipo de empreendimento econômico que lhe proporcionasse
lucro privado (Cf. Soboul, 1989:11). De revolucionária, a tornou-se conservadora e
defensora de uma pedagogia da dominação. "O despotismo é um modo legítimo de
governo quando se lida com bárbaros, uma vez que se vise o aperfeiçoamento destes, e
os meios se justifiquem para sua eficiência atual na obtenção desse resultado" (Stuart
Mill, 1991:54).
Para o pensamento liberal a democracia se constitui com a interação de
instituições que se auto-regulam no exercício do poder “Suponhamos um corpo
legislativo composto de tal forma que represente a maioria, sem ser necessariamente
escravo das suas paixões; um poder executivo que tenha força que lhe seja própria, e um
poder judiciário independente dos dois outros poderes; teremos então, um governo
democrático, que, todavia quase não correria o risco da tirania” (Tocqueville,
1998:195). Pode-se perceber a grande preocupação do autor, depois de refletir
longamente sobre a mais significativa experiência de Estado democrático conhecido em
sua época. Argumenta ele que a democracia é uma tentativa de manter um equilíbrio
sempre instável entre as forças sociais que tentam fazer valer suas posições e interesses
através do aparelho político. Ele lembra o fato de que a democracia possibilita o
exercício do poder sem uma finalidade precisa, e que este poder esteja aberto a
inovações e ainda, que haja mudança permanentemente de mãos e de objetivos. Isto é o
oposto da aristocracia que, por procurar mais conservar do que aperfeiçoar qualquer
situação social, e por isso, ela tornou-se, por sua natureza, a garantia de maior
estabilidade política. A democracia causava-lhe uma apreensão diante do que poderia
surgir dos processos dela decorrentes, pois, segundo ele, o despotismo (de um só) havia
sido desonrado pelas monarquias absolutas, mas era necessário ter cuidado para que as
repúblicas democráticas não o reabilitassem de uma outra maneira. O seu grande temor
47
“A liberdade é uma grande palavra, mas foi sob a bandeira da liberdade de indústria que se fizeram as
piores guerras de pilhagem. Foi sob a bandeira da liberdade de trabalho que se espoliaram os
trabalhadores” (Lênin, 1977:86).
126
era o estabelecimento do despotismo da maioria que a democracia coloca a todo instante
na cena política. Pelo fato de colocar o espírito de corte ao alcance de todas as classes,
as sociedades democratas passam comportar “certa agitação sem finalidade precisa;
reina dentro delas uma espécie de febre permanente, que se transforma em inovação de
todo gênero, e as inovações são quase sempre caras” (Tocqueville, 1998:163, 165-200,
230, 534).
O posicionamento dos mais expressivos teóricos liberais não deixa dúvida sobre
qual classe social deve ser favorecida na condução das políticas de Estado. Para
preservar os interesses burgueses, o governo não deve estar comprometido com a
maioria do povo, ou seja, com os proletários. Do mesmo modo, como um governo misto
comporta forças inconciliáveis e, portanto, em dissolução e revolução, o que resta é o
predomínio e direção de uma aristocracia na condução dos negócios públicos em
conformidade com os seus interesses para garantir tranqüilidade na realização dos
negócios. Assim está definido: a gestão do Estado precisa estar associada à garantia de
privilégios da classe ou fração dominante da burguesia. O Corpo de funcionários que
compõem a burocracia de Estado são pessoas destacadas da produção para tudo fazerem
com o intuito de amortecer os conflitos entre as classes e impedir a revolução social (Cf.
Saes, 1987:13s).
4.1.1 - As forças sociais e a democracia
O questionamento aos governos e Estados absolutos que, dispunham de uma
personalidade como centro de referência, isto é, o uno, foi feito com a contraposição de
outro ponto de partida para a constituição do poder político, que é genericamente
apontado como sendo o demos, ou seja, o povo. Isto representou dentre outros aspectos,
uma crise na aristocracia que teve de abandonar alguns de seus valores centrais. As
revoluções burguesas que têm na Revolução Francesa a referência mais significativa
juntamente com os acontecimentos que marcaram profundamente a vida política e
social dos Estados Unidos da América, possibilitaram a formulação de um modelo de
democracia que mais se conhece e que se tenta reproduzir (Cf. Anderson, 1978:49;
Almeida, 2003:65).
127
A constituição do modelo democrático burguês fundamenta-se em preocupações
sobre as forças sociais (com possibilidade de serem) organizadas em classes conforme a
expressão dos principais teóricos liberais.
É próprio do pensamento liberal, mesmo admitindo que o povo seja a fonte dos
poderes, sustentar como detestável a “máxima de que, em matéria de governo, a maioria
de um povo tem o direito de tudo fazer” (Tocqueville, 1998:193). Já que a sociedade é
composta por classes sociais, e classe que é composta por um número menor de pessoas
é a que usufrui do trabalho alheio, ele detestava vislumbrar a possibilidade do exercício
do poder pela maioria da sociedade, o que, para este pensamento, é o pior despotismo.
A forma democrática de Estado possibilita a ocorrência deste tipo de poder ao colocar a
escolha dos ocupantes do legislativo sob a escolha direta dos eleitores de uma
sociedade. Foi Stuart Mill quem melhor solucionou este problema do ponto de vista
burguês.
É bastante peculiar a posição de Stuart Mill, que embora reconhecendo a
excelência de uma sociedade pós-burguesa, volte sua atenção para a situação presente e
passe a propor soluções de governo que garantam a (im)possível estabilidade da
situação de dominação e de exploração de classe. Já era cristalina a percepção do
antagonismo entre a classe burguesa e a classe trabalhadora e, também, a
impossibilidade de impedir a difusão das idéias de igualdade social. A desvinculação
entre a visão de futuro e prática concreta se revela em três aspectos predominantes. O
primeiro é o reconhecimento de que a forma idealmente melhor de governo seja a que
apresenta maior volume de benefícios imediatos e futuros ao maior número de pessoas -
e a constatação de que um governo completamente popular poderia reivindicar tal
característica. O segundo aspecto é a convicção de que a constituição deste governo te
lugar quando as pessoas se tornarem mais altruístas e universais, vencendo o egoísmo e
o localismo. O terceiro aspecto da expressão desta posição é a clareza de que o
comunismo se tornará a “única forma defensável de sociedade, tornando-se realidade
quando chegar esse tempo” (Stuart Mill, 1964:39-40, 82; Cf. Idem. 1996b:332-340).
Após haver vislumbrado a possibilidade da concretização de uma sociedade
com base em novos valores, e com uma organização eqüitativa da produção e
128
distribuição de bens e serviços e, ainda, com a eliminação das formas de dominação
política, o autor volta a sua prática teórica e política para o objetivo da manutenção da
sociedade de classes. Ele reconhece que o despotismo a ser evitado é o governo que
favorece a dominação de uma única classe que, ocupando o poder político exerce um
domínio sobre a sociedade. Este despotismo pode ser monárquico, oligárquico, e do
demos (do povo; democrático). A sua preocupação é a de evitar que o governo que
recorre ao sufrágio popular seja constituído pela maioria numérica da sociedade e com
predomínio de uma classe trabalhadora. Ele caracteriza o poder político como sendo
composto de elementos fundamentais como a força (física), a propriedade (que gera
riqueza), a educação (inteligência e prestígio), e a organização (classe social). Para obter
o intento de eliminar o perigo do despotismo do demos, Stuart Mill defende que se há de
tomar algumas providências de restrição do sufrágio. Estas medidas poderiam ser: 1)
Vincular o direito de voto a um limite mínimo de contribuição com a receita pública
48
;
2) Atribuir maior peso ao voto das pessoas com maior grau de instrução
49
; 3) Promover
a organização de classe social com vistas à sustentação dos rumos dados aos negócios
de interesse dela por meio do poder
50
(Cf. Stuart Mill, 1964:3, 88, 115-146, 186). A
opção de classe deste autor fica evidente. Sua teoria revela a preferência pela
comodidade de um momento presente que oferecia privilégios e na tentativa de
perpetuar obtenção destes privilégios, apesar da transitoriedade percebida na situação
que se tornou objeto de suas preocupações intelectuais. Deste modo, coloca-se um filtro
no sufrágio popular e evita-se que a maioria social organizada por classe seja também
maioria no poder político representativo. O equilíbrio na composição do poder é uma
das maneiras de garantir o desequilíbrio que a burguesia propaga e defende como a
ordem social. assim, a democracia pode ser tolerada por quem procura manter a
dominação e a exploração de classe social
51
. Esta só pode ser uma democracia burguesa
48
“O direito de votar deve caber a todos quantos contribuem para a receita local, com exclusão dos que
não o fazem” (Stuart Mill, 1964:186). Durante o império brasileiro “o eleitorado excluía as mulheres, os
que não tivessem, de renda líquida anual, cem mil réis por bens de raiz, indústria, comércio ou empregos,
e os escravos, esses porque não (eram) cidadãos” (Porto, 1989:15).
49
O critério de peso educacional consistia em “proporcionar à educação, como tal, o grau de influencia
superior que lhe é devido, e suficiente contrapeso ao numérico da classe menos educada” (Stuart Mill,
1964:120).
50
“É preciso ser cego a todos os sinais dos tempos para pensar que as classes médias são subservientes às
classes mais elevadas ou as classes trabalhadoras dependam das classes superiores ou médias conforme
acontecia um quarto de século atrás”. Ele chamava a atenção para o perigo das pessoas votarem
conforme a própria condição de classe social (Stuart Mill, 1964:136 e 139).
51
“Os interesses vitais da nação colocam-se, é claro, acima da democracia e do parlamentarismo”
(Weber, 1997:26).
129
Esta forma de conceber a democracia revela o projeto de dominação política de
uma minoria sobre uma maioria. Uma classe social se organiza para exercer o poder e
estabelece formas para desorganizar a classe de maior composição numérica. Deste
modo, a maioria que é buscada nas votações representativas desta democracia não é o
reflexo da maioria na sociedade. Trata-se de uma representação assimétrica da
sociedade no aparelho político. Para este arranjo funcionar de acordo com os objetivos
burgueses é preciso que a maioria não consiga organizar suas forças de modo que possa
expressar politicamente. De modo semelhante ao de Tocqueville, Stuart Mill procura
evitar a concretização do que foi denominado de despotismo da maioria.
Está embutida nesta posição, uma defesa da constituição de um governo
(democrático) exercido pela classe dominante, no caso, a burguesa. Esta classe
executaria inclusive políticas beneficiárias a quem lhe fizesse oposição exatamente para
frear a sanha dos componentes de sua própria classe social, pois ela poderia colocar a
situação em risco de uma revolução ao exagerar os conteúdos das próprias
reivindicações diante de seus pares. Isto pode gerar animosidades que se difundiriam
pela sociedade e suas conseqüências são imprevisíveis. Para Stuart Mill, existem duas
espécies de perigos iminentes próprios da democracia representativa. O primeiro destes
perigos é o de ocorrer uma composição predominante de representantes da sociedade
por pessoas com grau inferior de inteligência. O segundo perigo que ele aponta, é o da
possibilidade de elaboração de leis favoráveis à maioria numérica da sociedade, quando
esta maioria se compuser de pessoas da mesma classe social, ou seja, do proletariado.
Se assim é, ocorre um beneficiamento de uma parte da sociedade acarretando prejuízo
para todos os outros setores de maneira permanente. Para evitar estes perigos, é
necessário constituir um governo que seja representativo de todos os cidadãos
individualmente e organizados em classes sociais. Trata-se, portanto, de fazer com que
o corpo político garanta a satisfação dos interesses das frações presentes na sociedade e
organizadas em forças políticas. É preciso ter cuidado quanto às controvérsias
partidárias e realizar uma vigilância sobre os possíveis resultados destes confrontos. As
controvérsias entre partidos políticos são meios de se definir qual das classes (ou fração
de classe) terá mais o comando das decisões sobre as políticas do Estado (Cf. Stuart
Mill, 1964:41-58, 75-86, 111).
130
algo que pode resultar destes perigos. Mantendo as classes sociais com seus
interesses correlatos, a classe social dirigente deve ser a que dispõe de maioria numérica
de componentes? A resposta a esta questão pode ser obtida a partir da posição tomada
sobre a forma de governo e sobre o tipo de democracia.
A condução perigosa dos negócios públicos numa democracia em razão dos
riscos implícitos que ela pode acarretar cedo ou tarde para a burguesia pode ser
efetivada através de um governo representativo. Assim sendo, a melhor forma de
governo para a burguesia não a torna imune aos riscos potenciais de uma derrocada, se
considerarmos a possibilidade da renovação dos conteúdos e das direções das forças
políticas pelos diversos rumos dos movimentos sociais. Diante desta constatação, a
burguesia procurou alguns cuidados quanto aos rumos que podem despontar desta
forma de exercício do poder de Estado.
4.1.2 – O governo representativo
A representação do conjunto da sociedade nos (principais) mecanismos de
decisão que compõem o Estado pode revelar o seu caráter e que tipo de configuração ele
procura efetivar. O corpo político recorre à sociedade em busca de legitimação sempre
que vislumbra ou mergulha em crises e procura preveni-las ou solucioná-las. Assim é
nas organizações e nas forças constituídas (ou em formulação) na sociedade em que o
poder de Estado busca suas energias para vencer as resistências ao projeto que pretende
manter ou implantar.
Aristóteles trilhou por semelhante caminho. Ele argumenta que é melhor
estabelecer um governo e gerenciar os negócios públicos que tenha sua principal base
na classe média. Isto em razão de estarem na classe média os cidadãos que melhor se
conservam e se mantém” e, ainda, pelo fato de esta classe ser composta por pessoas que,
por se encontrarem numa condição mediana, “não querem os bens dos outros, como os
pobres, e elas não são como os ricos, motivo de inveja e de ciúme” (Aristóteles,
1966:196. A política, liv. VI, cap. IX § 7). Para o sustento do governo, ainda a
necessidade de que a classe média seja “grande e mais poderosa do que as demais, ou ao
131
menos mais poderosa do que cada uma delas; pois ela pode fazer oscilar a balança
favorável ao partido ao qual está unida e, por esse processo, obstar que uma ou outra
consiga superioridade notável” (Aristóteles, 1966:196. A política, liv. VI, cap. IX § 8). A
condição mediana é, para o autor grego, o ideal do cidadão. Ele aconselha que seja
melhor dar preferência aos que estão em posição intermediária pois, estes cidadãos são
os que tendem à moderação e ao meio termo nas questões e, os que se acham nessa
condição “com facilidade se submetem à razão”. Por outro lado, os que desfrutam da
condição de bastante ricos “que têm na mais elevada acepção os bens de nascença e
fortuna”, e também, quem está numa condição de muito pobre, “cuja debilidade e
miséria chegam ao excesso, a obediência à razão é muito difícil de se conseguir”
(Aristóteles, 1966:195. A política, liv. VI, cap. IX § 3-4). “A cidade deve ser constituída,
o mais possível, de cidadãos iguais e idênticos, isto é o que se nas situações médias
(...). É necessário, portanto que o Estado mais venturoso seja o Estado formado desses
elementos que constituem nele, torno a dizer, o fundamento natural” (Aristóteles,
1966:196. A política, liv. VI, cap. IX § 6). Ele defende a continuidade de uma situação
constituída a partir de elementos sociais apropriados e escolhidos de acordo com a
finalidade que o mesmo defende, e arremata a argumentação apontando-a como tendo
sido desabrochada da natureza. Assim, o natural é, para ele, o que foi construído de
acordo com os interesses da classe dominante.
A posição teórica burguesa (liberal) apresenta o propósito de garantir a
continuidade da sua dominação de classe, o que é uma das garantias da acumulação
privada de riquezas. Para tanto, a desigualdade social não pode estar proporcionalmente
representada no corpo político representativo. Aristóteles ressaltava, como função de
quem governa, a tarefa de executar atos relacionados ao mando e ao julgamento
(Aristóteles, 1966:126. A política, liv. IV, cap. IV § 7). Lembra ainda, que a classe dos
ricos dispõe de melhores condições para se armar do que as outras classes sociais, como
foi o caso da propriedade e uso de cavalos por parte da oligarquia (Aristóteles,
1966:178. A política, liv. VI, cap. III, § 1-2) e, especificamente, ao legislador cabe por
o Estado ao abrigo de dissensões” (Aristóteles, 1966:69. A política, liv. II, cap. VIII §
9). Após caracterizar a cidadania como sendo o exercício do poder com alternância
entre as pessoas e a participação legal na autoridade deliberativa e judiciária, não
estendia esta condição a todas as pessoas de quem a cidade tinha necessidade para
existir (Aristóteles, 1966:83 e 142. A política, liv. III, cap. III § 2; liv. IV, cap. XIII, §
132
1). Trata-se, portanto, de realizar uma dominação de modo que as possibilidades de
conflitos não coloquem a dominação burguesa em sério risco.
Stuart Mill recorre à imagem da balança para expressar a forma ideal, presente e
constitutiva do governo representativo em que as forças sociais tomem parte. A imagem
lembra e recomenda um equilíbrio entre duas partes (que podem ser) compostas de
frações que se reúnem em torno de interesses comuns. Entretanto, este mecanismo não
funciona por si só. Ele é posto em mancha pelo jogo das forças nele representadas e
pelos mutáveis interesses das pessoas e grupos portadores de voz e voto. Deste modo,
“as conchas da balança nunca pendem à mesma altura, (... e) sempre um amo que
coloca sua espada no prato da balança, e as condições passam a ser aquelas que ele
impõe” (Stuart Mill, 1964:60; Idem, 1996a:298). É impossível não considerar as forças
sociais constituídas em bases argumentativas e também militares. Deste modo, mesmo
que o Estado burguês assuma a forma democrática assimilando a representação popular
no parlamento, a burocracia permanece vigilante quanto às decisões que possam
desabrochar de seu interior. “Toda a história dos países parlamentares e, em
considerável medida, a dos países burgueses constitucionais, mostra que uma mudança
de ministro significa muito pouco, pois, todo o trabalho administrativo real está nas
mãos de um exército de funcionários” (Lênin, 1978b:203).
Para realizar a contento estes propósitos e manter a dominação de classe, a
democracia (burguesa) precisa se limitar a um arranjo institucional com o objetivo de se
chegar à tomada de decisões políticas. Quando eleições através do que se chama de
democracia, acontece a escolha de governantes pelo voto popular, mas uma
burocracia de Estado que permanece intacta e operante que elabora as políticas, impõe
limites e aponta os rumos fundamentais a serem observados. É à burocracia de Estado
que cabe exercer a função de garantir o conteúdo das proposições políticas. A
substância da política de Estado é garantida por uma burocracia que zela por segredos,
age conforme uma hierarquia e cultiva o espírito de corpo como forma de preservar suas
prerrogativas. O povo, neste caso, expressa seu voto (e voz) apenas como meio de
legitimar um conjunto de representantes com determinadas funções bastante
delimitadas. “A melhor perspectiva de adiantamento para o povo (...) reside na
existência de autoridade constitucionalmente ilimitada, ou pelo menos praticamente
preponderante, no principal governante da classe dominante. Somente ele, pela sua
133
posição, tem interesse em elevar e melhorar a massa que lhe não inspira zelos, como
contrapeso, aos seus associados dos quais os nutre” (Stuart Mill, 1964:57). Esta postura
revela a defesa de uma impermeabilidade do governo pela população e pelo
proletariado. Se tudo permanecer deste modo, será sempre uma classe minoritária que
ocupará o poder e o exercerá em benefício próprio, justificando-o pelo discurso do
interesse geral. Dentro destes limites, a democracia (burguesa) não é nada mais do que
uma oportunidade oferecida ao povo para que ele possa aceitar ou recusar aquelas
pessoas que se propõem a governá-lo (Cf. Schumpeter, 1984:355; e Huntington,
1994:18).
A representação política na democracia burguesa não pode reproduzir a maioria
social reunida em classe, ou seja, o proletariado, pois isto seria o pior despotismo. O
governo representativo é visto como uma forma de conciliar permanentemente os
interesses díspares. “Mas, quando os poderes são balanceados e se freiam nas palavras
de uns aos outros, não esta influência rápida e extemporânea” (Constant, 1970:124).
Quando aconteceu a apresentação e discussão da LDO na Câmara de vereadores em
Camaragibe, a entrevista nº5 relata seu esforço em realizar um debate com a população
sobre a mesma. “Tinha que ter todo um processo, uma audiência com o público (...). Eu
pedi um à parte, na Câmara, e falei tudo. E o prefeito disse: Vo está com o
movimento! Os outros vereadores nem intervieram pra me defender”.
4.2 - A democracia (não) é o governo do povo
As reticências provocadas pela instabilidade da forma democrática do Estado
revelam a preocupação sobre a possibilidade real de haver uma consonância entre a
maioria social que é composta pelo proletariado e a maioria nos mecanismos políticos
de decisão, entre os quais a representação parlamentar.
As teorizações produzidas referindo-se à democracia deixam em evidência o
caráter de dominação de classe próprio da sociedade em que o poder político é exercido
e, conseqüentemente, aponta a exploração e apropriação dos resultados do trabalho de
uma classe social por outra. É a dominação e a exploração de uma classe social por
134
outra que está no ponto mais fundamental das questões em torno do poder exercido em
qualquer sociedade de classes antagônicas, como é o caso desta em que vivemos - a
sociedade onde predomina o modo de produção capitalista. As referências à democracia
não fogem do contexto geral da busca de uma conformação das idéias gerais à garantia
de continuidade ou remodelação de uma sociedade em que as condições de produção e
de apropriação privada de valores por uma classe social são determinadas.
Um dos mais destacados líderes da Revolução Francesa de 1789 expressava
uma conceituação de democracia que impunha uma delimitação ao exercício do poder
político pelo povo, do seguinte modo: “A democracia não é um estado em que o povo,
continuamente reunido, possa regulamentar por ele mesmo todos os negócios públicos
(...). Tal governo jamais existiu, e poderia existir para reconduzir o povo ao
despotismo. A democracia é um estado em que o povo soberano, guiado por leis que são
sua obra, faz, ele mesmo, tudo o que pode fazer e através de delegado faz tudo aquilo
que não pode fazer por si só” (Robespierre, 1999:144).
A posição teórica de Robespierre permite destacar dois pontos principais que
norteiam as políticas ainda nos dias atuais. Um destes pontos é a redução da democracia
a uma forma de decisão específica através de uma forma de representação da sociedade
num aparelho político. O outro ponto é que a regulamentação dos negócios públicos não
é feita pelo povo e a busca de objetivos deste tipo contribui para a reconstituição do
despotismo (popular?). Posturas deste quilate revelam o desvio da definição clássica de
democracia, que foi elaborada pelos gregos, - que não significa outra coisa senão o
governo do povo exercido pelo próprio povo. Discurso deste teor pode surgir num
contexto em que a mobilização popular procura a constituição de um novo tipo de
Estado, ou ainda, a configuração de uma nova forma de organização social, por
conseguinte, de um novo governo por parte de quem está conduzindo o processo. Deste
modo, ele apresenta como universal um projeto particular de dominação social da
burguesia cuja conseqüência fundamental é que parte da população deverá estar fora do
usufruto pleno dos resultados do próprio trabalho. Só assim é que um projeto de
exploração classista dispõe de algumas condições de tentativas para garantir a sua
continuidade no tempo.
135
Depois de propor a divisão da sociedade em três classes sociais distintas, -
sendo a primeira, a que é composta pelos ricos; a segunda aquela que compreende as
pessoas de condição mediana e gozando de situação confortável; e a terceira classe, a
que abrange o conjunto de pessoas que vivem com recursos obtidos com o próprio
trabalho - Tocquevillle aponta qual é a classe que reúne as melhores condições para
governar um país livre: a classe média. Argumenta ele que as pessoas desta classe não
desejam pesados impostos, pois, por reduzidos que sejam, o impacto é mais incidente
nas fortunas de seus pares. Assim, esta classe tende a ser mais econômica. Afirma ele,
que a classe alta não sente tanto o peso dos impostos, pois incidem sobre o supérfluo de
suas rendas. E ele sustenta que a classe baixa fará aumentar os encargos públicos na
execução de políticas direcionadas ao grande mero de pessoas muito carentes. Esta
última classe não dispõe de condições de avaliar devidamente as necessidades da classe
rica em razão de portar uma visão limitada das necessidades de outras classes a partir da
sua própria condição social (Cf. Tocqueville, 1998:162; Idem, 2000:83-84). Em síntese,
o governo desta classe social destrói as situações de privilégios de uma classe em
detrimento das outras. É próprio do espírito aristocrático a procura do isolamento e o
temor de qualquer perturbação no usufruto de bens que a classe privilegiada dispõe,
enquanto que o espírito democrático tem como característica a difusão e o
encorajamento da partilha dos resultados do trabalho. O Estado burguês garante o ócio
aos poucos que são socialmente privilegiados, isto é, a uma classe social específica (Cf.
Losurdo, 1998:209).
As classes sociais ficam estacionadas em suas localizações para que a burguesia
não sofra ameaças na realização dos seus interesses de acumulação de riquezas. Neste
sentido, valores e atitudes precisam ser reproduzidos como uma espécie de liame que
sustenta a sociedade da forma como está constituída. Esta relação entre classes foi
defendida como sendo de caráter autoritário, mas somente em parte. É deste modo que
houve quem defendesse o exercício de tutela adjetivada de carinhosa por parte dos
capitalistas com relação aos trabalhadores. “Os ricos devem fazer as vezes de pais dos
pobres, guiando-os e refreando-os como filhos. Não deve haver nenhuma necessidade
de ação espontânea por parte dos pobres. Estes não devem ser chamados para nada, a
não ser para seu serviço diário, e devem ser honrados e religiosos” (Stuart Mill,
1996b:332).
136
Posturas deste tipo procuram dissimular o conflito entre as posições
inconciliáveis na sociedade. Apresenta a exploração como sendo uma relação afetiva e
protetora dos capitalistas para com os trabalhadores. Quando os grandes partidos
políticos tornam-se cúmplices da burocracia de Estado ou do governo burguês o
controle e a fiscalização efetiva das políticas governamentais pelas forças políticas
representadas no parlamento se mostram carentes da eficácia exigida para a mudança de
ritmos baseada em compromissos com as forças sociais menosprezadas pelo Estado. Em
vez de empreenderem lutas para mudar os rumos das políticas de Estado, ocorre uma
luta entre os partidos para tentar monopolizar a representação parlamentar das forças
políticas dominantes
52
. Os partidos tornam-se representantes de frações da classe
dominante e passam a buscar legitimidade social como sendo os melhores
representantes da vontade popular. Assim, a coerção estatal burguesa e democrática não
desponta somente de uma vontade soberana de uma burocracia, mas sofre interferências
dos conflitos entre as posições das forças organizadas e representadas na cena política
(Cf. Hirst, 1992:39-41 e 142). Assim é que se procura garantir a permanência das
posições no processo social conforme a composição de classes antagônicas. A forma
democrática do Estado burguês é menos repressiva do que a forma ditatorial, ao mesmo
tempo em que possibilita a criação de condições políticas que não favorecem o
exercício da repressão (Cf. Saes, 1987:49-61).
A democracia burguesa somente pode ser baseada numa maioria constituída de
maneira bastante específica que mantém intacta a exploração econômica dos proletários
pelos capitalistas. A representação da sociedade na cena política somente pode
acontecer como uma imagem invertida, ou seja, a minoria na sociedade passa a ser
maioria na cena política. Os mecanismos de composição do parlamento é que tentam
garantir este processo. A fragmentação dos trabalhadores e a dissolução dos seus
interesses de classe possibilitam os processos de cooptação dos votantes da base da
pirâmide social por partidos políticos que sustentam a dominação e que garantem a
composição de uma maioria política em desacordo com a caracterização da maioria da
sociedade (Cf. Sánches, 2004:36-38).
52
“Surgiu assim no parlamento o pomo de discórdia que teria forçosamente que inflamar abertamente o
conflito de interesses que dividia o partido da ordem em facções hostis. O partido da ordem era um
combinado de substâncias sociais heterogêneas” (Marx, 1978:89).
137
Portanto, não o livre jogo das forças no aparelho político. O equilíbrio das
forças proposto é a conjunção de forças em que o poder político de condução dos
negócios da burguesia mantém sua própria eficiência, e cujos resultados são
apresentados como pertinentes aos interesses gerais da sociedade. Para garantir o
funcionamento dos mecanismos políticos de acordo com o próprio projeto, a classe
dominante dispõe de rios recursos para serem utilizados. Ela possui meios para forçar
a balança a pender de acordo com as suas conveniências. O equilíbrio de poder tem a
função de garantir a continuidade do desequilíbrio entre as classes sociais. “O moderno
Estado representativo é o instrumento da exploração do trabalho assalariado pelo
capital” (Engels, 1985:368). Neste jogo de interesses, até mesmo a alternância partidária
na condução dos assuntos de Estado encontra limites consideráveis. As formulações de
posturas partidárias que conseguem consideráveis sucessos eleitorais pouco diferem
entre si quanto ao conteúdo de classe social (Cf. Saes, 2001:109-117). Por isso, os
argumentos apontados de que, para dar continuidade a esta situação, as decisões
políticas jamais serão tomadas conselhos eleitos diretamente pelo povo, em todos os
níveis de distribuição territorial que abarquem as atividades produtivas e distributivas.
Esta crítica está coberta de razão na medida em que desnuda a redução da democracia
ao aspecto político sustentada pelo pensamento burguês (Cf. Macpherson, 1991:77).
Mas, a democracia burguesa comporta certo nível de participação, pois o
princípio norteador do pensamento liberal está no reconhecimento dos “direitos iguais a
todo homem e a toda mulher ao pleno desenvolvimento e ao emprego de suas
potencialidades” (Macpherson, 1978:115s). Há uma série de possibilidades de efetivar a
participação popular, tanto nos limites da sociedade burguesa, quanto no
desenvolvimento das potencialidades que visam superar esta formação social, pois, é
necessário ir além do aspecto político e reconhecer a importância da questão social e
econômica (Cf. Rosenberg, 1986:75). (Ver capítulos II e VII).
138
TERCEIRA SEÇÃO
PARTICIPAÇÃO POPULAR E POLÍTICAS DE ESTADO
139
INTRODUÇÃO
A incompatibilidade entre uma gestão social de caráter popular e a dominação
burguesa é um ponto fundamental das atenções de um projeto social que visa obter uma
sociedade sem exploração e sem dominação, que é uma sociedade governada por si
mesma.
A busca de uma sociedade comunista faz parte do horizonte teórico em que se
insere a problemática teórica que proporciona conteúdo e seqüência gica às teses
propulsoras deste trabalho. Na terceira seção gira em torno do propósito de avaliar
produções teóricas que apresentam posições diversas sobre participações populares
concretas efetivadas por governos locais. Estas participações são objetos de teorias que
apontam limites e potencialidades da participação popular diante da utopia de uma
sociedade que supere o capitalismo.
140
CAPÍTULO V
OS PROPÓSITOS GERAIS DAS POLÍTICAS PARTICIPATIVAS
5.1 - A participação popular
O alcance da participação popular é apresentado nos mais diversos autores
como que girando em torno de três perspectivas teóricas determinantes desta prática
política, que ora se combinam, ora se conflitam de acordo com a opção e prática política
inerente à produção teórica (Cf. Althusser, 1978:18; e 21; e Lênin, 1977:96-97). Com
isto, é possível vislumbrar o que pode ser obtido com a participação popular a partir da
perspectiva teórica dos que analisam os processos de participação. A primeira
perspectiva teórica nega a possibilidade da efetiva participação popular nas decisões de
governo. A segunda perspectiva teórica apresenta a participação popular circunscrita
aos limites da (des)ordem social vigente. A terceira perspectiva teórica apresenta a
participação popular como portadora de um potencial transformador da sociedade atual
e a relaciona com a utopia de uma sociedade sem classes.
Consideraremos as reflexões sobre a participação popular partindo de dois
aspectos que consideramos complementares que são: o lugar teórico e o lugar social de
produção das mesmas.
O lugar social de produção teórica constitui da clareza com que a reflexão
apresenta posicionamentos em favor ou contra uma classe social que compõe uma
determinada sociedade. Estar a favor de uma classe social implica em assumir seus
projetos políticos fundamentais. Assim, optar pelas classes populares leva a assumir
suas lutas imediatas e históricas em busca de uma nova ordem social. Grande parte das
reflexões apresenta-se como se não tivesse uma teoria explícita, ou relega a teoria a um
segundo plano. Desconsiderar a relevância da teoria é permanecer em um nível
pragmático sem a possibilidade de crítica elaborada a alguns elementos centrais do
contexto em que as políticas são efetivadas, inclusive a política orçamentária.
141
Neste trabalho assume-se que o lugar teórico, ou seja, os instrumentos de
reflexão que compõem uma teoria no conjunto do conhecimento humano, - que também
é um espaço de conflitos - é o que possibilita o exercício de uma crítica e autocrítica
mais consistente. Sem o exercício da crítica, muitas vezes, perde-se a visão dos
objetivos pretendidos e realizam-se atividades que contribuem para reproduzir o que se
pretende superar. Sem postura crítica, fica difícil perceber e avaliar o alcance de uma
crise. Toda teoria é produzida por pessoas situadas num mundo em conflitos que podem
conduzir a impasses com variadas repercussões (Cf. Bourdieu, 1983:16). Esta crise
contém pelo menos dois elementos relevantes que são: a falta de apoio popular e a
escassez de recursos, ou, em outros termos: trata-se de uma crise de legitimação e uma
crise fiscal. E, pior: a experiência perde o seu rumo no próprio ato da sua execução, se o
contexto social, político e econômico for desconsiderado. Se a opção política do agente
das políticas é a reprodução da ordem social, a legitimação de sua prática política fica
com um problema em relação ao contingente populacional envolvido, pois, admite-se a
escassez de recursos diante das necessidades da população. Chega-se novamente à crise
(talvez com outros elementos) que se procurou superar. Assumir uma postura teórica é
definir o lugar ocupado dentro dos conflitos sociais e políticos na produção dos
conhecimentos e suas repercussões no contexto social em que esses mesmos
conhecimentos são elaborados (Cf. Oliveira, 1995:23-37).
5.1.1 – A participação popular e a divisão do trabalho político
A participação popular nas definições de políticas orçamentárias representa uma
oportunidade de interferir em um aspecto muito caro da burocracia estatal que é o do
planejamento e aplicação de recursos coletados na sociedade. Estas políticas geram a
possibilidade de novas forças sociais participarem da disputa na definição dos rumos
das políticas de Estado. Está, neste aspecto, uma oportunidade de transferência do poder
político para a classe trabalhadora (Cf. Genro & Souza, 2001:24).
Limitar a política participativa a “um mecanismo institucional que acaba
contribuindo para uma tomada de decisões mais legítimas e democráticas” nada mais
142
faz do que legitimar a ordem existente (Silva, 2003c:23: Cf. Faria, 1996). As lutas
populares ficam restritas à competição por migalhas, em vez de exigir maiores
disponibilidades de recursos da parte do Estado.
Quando há um início de fissura na burocracia de Estado pelos efeitos da
política participativa, logo aparecem defensores da ordem qualificando estes agentes em
prol da participação popular como sendo totalitários. Assim despontam
posicionamentos afirmando que “o denominado Orçamento Participativo (...) busca
solapar e esvaziar a autoridade, já fragilizada, dos corpos legislativos (...). Ora, na
democracia constitucional, o governo da lei tem precedência sobre o governo do povo
(...). Cada representante em particular e a assembléia representativa (...) lhes incumbe
definir, e não à vontade dos eleitores” (Tavares, 2000:146-147, 159). Para esta visão, o
orçamento participativo como uma forma de participação popular na definição de
política de Estado, é uma representação distorcida da sociedade no aparelho político.
Vêem nessa política participativa a expressão de um totalitarismo que querem evitar
(Cf. Lorenzoni, 2000:127).
Conforme a perspectiva deste teor a representação política, tanto a executiva
quanto a legislativa, está imbuída de um caráter eterno e possuem lógicas internas de
funcionamento que são imunes às interferências populares. Para um raciocínio deste
tipo, a expressão da vontade popular termina com o final de cada eleição. Deste modo, a
burocracia de Estado e o governo representativo vieram para ficar. Estas duas
instituições não podem sofrer questionamentos que as coloquem em risco de destruição
das fronteiras entre o Estado e a sociedade. Sendo assim, para esta perspectiva, a
participação popular nas decisões de Estado está revestida de uma impossibilidade
substancial de ser efetivada diante do modelo de governo vigente e predominante no
mundo.
A segunda perspectiva procura superar este limite que aprisiona as decisões
governamentais no interior dos gabinetes da burocracia e dos procedimentos
parlamentares. Assim, a implementação do orçamento participativo confronta o
autoritarismo da cultura política predominante que cultiva na população “uma visão
delegativa do poder, em que se espera que o Estado apresente e implemente soluções
aos problemas da cidade” (Pontual, 1994:65). Busca-se melhorar as relações entre o
143
aparelho de Estado e sociedade onde as políticas terão suas repercussões. Portanto, os
agentes da participação popular têm a necessidade de questionar o Estado enquanto
responsável pela efetivação de políticas. Tanto assumindo uma postura progressista de
reprodução da ordem burguesa (superação do tradicionalismo, racionalização), quanto
procurando a sua superação sem uma teoria adequada aos desafios colocados pela luta
de classes (limitação às questões em torno da democracia burguesa), corre-se o risco de
estar sendo levado para a situação de barbárie que o capitalismo tende a criar, em razão
da sua tendência de queda na realização dos valores privadamente acumulados e na
persistência em continuar perseguindo esse objetivo, mesmo que para isso, frações da
própria burguesia acabem sendo eliminadas da apropriação dos produtos do trabalho
coletivamente realizado (Cf. Mandel, 1990:10-15).
O entendimento da participação popular na definição das políticas
orçamentárias como limitadas ao grau de consulta implica acatar a (existência da)
burocracia como algo inevitável e imprescindível à vida coletiva, como divisão de
tarefas entre as propriamente políticas e outras pertinentes às organizações sociais.
Assim, é a afirmação de que “a idéia de maximizar a participação política é inteiramente
válida, desde que ressalvada a hipótese de (não) se reportar ao homem total que pesca
pela manhã, participa das instituições políticas durante à tarde, para à noite, debruçar-se
sobre a filosofia” (Goulart, 2002:174). A postura deste autor sintetiza os dois eixos da
questão da participação popular. A quebra da rigorosa divisão social do trabalho pode
ter como conseqüência a destruição da barreira existente entre governantes e
governados. Este é um dos elementos constitutivos da transição socialista (Cf.
Martorano, 2002:195).
Não enfrentar esta questão, significa limitar a participação popular a demandas
apresentadas ao governo para que a burocracia de Estado redefina os conteúdos
propostos de acordo com as prioridades institucionais. Assim, a competência que a
burocracia estatal reserva para si é conservada a qualquer custo deixando-a na
incumbência de decidir as questões que envolvem conflitos de classes, o que contraria a
concepção de cidadania plena. Por outro lado, o ato de descartar a referência “ao
homem total” comporta a recusa da concepção de uma nova sociedade e a defesa de
uma concepção de cidadania que não supera os limites da reflexão de Aristóteles na
medida em que, após indicar a substancialidade cidadã como a participação nas decisões
144
administrativas e judiciárias de forma alternada entre as pessoas como meio generalizar
esta condição social e política, e depois reserva este caráter a uma classe privilegiada da
sociedade. (Ver capítulo I. O Estado pré-burguês).
5.1.2 – A participação popular e a utopia de uma sociedade sem classes
Acatar a divisão social do trabalho e, conseqüentemente, a do trabalho político
como atividades exclusivas e aprisionadoras dos seres entre quem ordena e que
obedece, ou entre os que elaboram políticas e os que simplesmente executam-nas é
fundamentar a própria ação no interior da formação social, sem vislumbrar a
possibilidade de algo completamente novo, com o desmonte das bases sobre as quais a
sociedade atual está sustentada e apontadas na argumentação de Marx
53
. Evidentemente,
a sociedade atual não comporta plenamente as expressões humanas da futura
organização da vida coletiva. É necessário romper as determinações da sociedade
burguesa. A barreira que separa o trabalho material do trabalho intelectual que ser
destruída e a propriedade dos meios de produção que ser transformada em coletiva
para que novos seres humanos possam expressar suas potencialidades em uma nova
sociedade, onde o Estado não seja mais necessário (Cf. Marx, 1985b:17; Lênin,
1978c:275)
Outra postura também conservadora repensa o conceito de revolução: “O que
torna as revoluções de 1989 peculiares é a percepção de que o fim último das
revoluções já não é mais a reestruturação do Estado a partir de um novo princípio, mas a
redefinição das relações entre Estado e sociedade sob o ponto de vista desta última”
(Avritzer, 1993:213). É como se os países do Leste Europeu compusessem a única e
última forma de efetivar o projeto de uma sociedade sem classes como se o fenômeno
ocorrido naqueles países representasse a vitória cabal do liberalismo no mundo. “A
transição do capitalismo para o comunismo constitui toda uma época histórica.
Enquanto ela não termina, os exploradores continuam a manter a esperança da
53
“Na sociedade comunista, onde cada indivíduo pode aperfeiçoar-se no campo que lhe aprouver, não
tendo por isso uma esfera de atividade exclusiva, é a sociedade que regula a produção geral e me
possibilita fazer hoje uma coisa, amanhã outra, caçar de manhã, pescar à tarde, pastorear à noite, fazer
crítica depois da refeição” (Marx & Engels, 1980:41).
145
restauração, e esta esperança transforma-se em tentativas de restauração” (Lênin,
1979a:23). A falta de entendimento adequado da transição do capitalismo ao
comunismo faz surgir posicionamentos que preservam a instituição estatal e procuram
estabelecer e reformular as relações entre esta instituição e a sociedade como pólos
permanentes. O objetivo último destas proposições fica limitado ao que está
estabelecido, senão um aprimoramento das relações políticas. Mas, qual é o alcance
destas reformulações com a participação popular?
O orçamento participativo propicia “uma nova concepção de reforma do Estado,
a partir de uma relação Estado sociedade, que abra o Estado a estas organizações
sociais (...) dissolvendo o autoritarismo do Estado tradicional sob pressão da sociedade
organizada” (Genro, 1996:3; Idem, 1995:116-121). Mas, que resultados o postulados
com o processo de participação nas gestões públicas? Os autores apresentam três
observações sobre as possibilidades da participação popular em decisões de Estado.
Primeiramente, as políticas participativas são vistas como inovadoras no discurso, mas
não desenvolvem uma efetiva participação popular na gestão pública e mantém antigas
práticas clientelistas. Em uma segunda observação, quem defenda que a participação
popular exige e efetiva uma gestão consensual dos negócios públicos. Grande parte das
produções teóricas sobre a participação popular na gestão pública apresenta esta
caracterização. A terceira observação de resultados vislumbra a possibilidade da
construção do socialismo com a contribuição do processo participativo na gestão
pública.
A primeira observação constata resultados e reconhece os significativos
avanços quanto à forma de gestão, mas sustenta que as gestões participativas não
conseguiram superar antigas práticas que são incompatíveis com a nova proposta
expressa nos próprios discursos dos seus agentes
54
. As mobilizações participativas
ficam restritas a meros espetáculos (Cf. Moisés, 1990:17). Ou ainda, a proposta de
participação popular encontra seu limite intransponível na impossibilidade dos cidadãos
disporem dos elementos plenos da racionalidade argumentativa para fundamentar as
deliberações (Cf. Navarro, 2003:107). Continuam sendo observados os oferecimentos
54
A experiência italiana de participação popular também apresentou contradições. “O comportamento
político em certas regiões pressupõe que a política implica delimitação coletiva sobre as questões
públicas. em outras, a política é hierarquicamente organizada e liga-se mais diretamente a vantagens
pessoais” (Putnam, 2002:110).
146
de favores pessoais, especialmente, quando há um vínculo de tais práticas com
processos eleitorais que, ao quebrar a tão propagada igualdade de concorrência, alija
mais ainda a população da representação efetiva nos postos de decisão do poder de
Estado (Cf. Andrade, 1997:174; e Leal, 2003:200).
Um contexto deste tipo contribui para a manutenção de um circulo vicioso
com uma lógica de dominação social e política, onde o poder político e econômico
defende os interesses da classe dominante com os votos da classe dominada. Mudam-se
as pessoas nos cargos públicos e procura-se garantir a continuidade da dominação
burguesa. A quem interessa esta participação popular? É para legitimar medidas e
políticas efetivadas por um Estado em que os setores populares ficam excluídos do uso
de determinados recursos? Mas, este processo não prossegue sem a ocorrência de crises.
A segunda observação sobre os resultados da participação popular em gestões
públicas gira em torna da proposição e da defesa de uma esfera pública não estatal.
Constata-se que, a partir destas políticas orçamentárias, caminha-se para a “instituição
de uma esfera pública ativa de co-gestão do fundo público municipal, que se expressa
através de um sistema de racionalização política, baseado, fundamentalmente, em regras
de participação e regras de distribuição dos recursos de investimentos” (Fedozzi,
1997:198). Esta mesma matriz argumentativa aparece em diversos outros autores com
variações terminológicas sobre o mesmo conteúdo. Assim, reconhece-se no orçamento
participativo uma potencialidade contraposta aos autoritarismos presentes na vida
política. Neste sentido, o Programa Prefeitura nos Bairros tem como objetivo o de
viabilizar a participação popular “através da criação de fóruns institucionais de
entidades representativas dos movimentos sociais de bairro e que tenham como funções
propor, acompanhar e fiscalizar as ações do poder público municipal” (Soares & Soler,
1992:27). Assim, o ápice da participação popular fica restrito aos atos de proposição. A
participação popular, em geral, e também quanto ao orçamento participativo, possibilita
o “alargamento do espaço público e a busca de nitidez nas relações entre o público e o
privado” (Daniel, 1994:24-25).
É neste sentido que também despontaram as proposições de fazer o que é
possível de ser feito. Isto é limitar-se aos contornos da sociedade atual, fazendo ajustes
pontuais. “A saída para uma ‘utopia possível’ é a reforma, feita com uma amplitude
147
social e uma abertura política sincera, não meramente taticista” (Genro, 2004:97). Não
resta dúvida que nestas posturas aparecem o retorno à valorização da substancialidade
burguesa das instituições públicas, pois menospreza o aspecto tático que estabelece
posicionamentos visando superar uma situação e, ao invés disso, passa-se a reforçar
conteúdos estabelecidos. Este processo é constantemente repetido nas lutas entre a
burguesia e o proletariado. A recusa da busca de meios que concretizem o projeto de
uma sociedade sem classes resulta em recuos cuja reversão se torna um grave problema
para a luta dos trabalhadores. “Quando o ‘espectro vermelho’ continuamente conjurado
e exorcizado pelos contra-revolucionários finalmente aparece, não traz à cabeça o
barrete frígido da anarquia, mas enverga o uniforme da ordem, os culotes vermelhos”
(Marx, 1978:42).
A terceira observação quanto aos resultados da participação popular nas gestões
estatais (públicas) procura vislumbrar as possibilidades de ruptura com a (des)ordem
atual e ressalta os elementos do processo participativo na gestão pública que apontam
para a construção do socialismo como transição ao comunismo. Assim, o orçamento
participativo não pode se restringir à distribuição dos recursos disponibilizados para a
disputa entre os setores sociais interessados nele. É preciso que esta política
orçamentária contribua para a construção de uma sociedade condizente com os
interesses populares e que ela aponte para o socialismo. O orçamento participativo,
apesar das investidas contrárias à sua continuidade e aprofundamento das questões que
ele abarca, permanece como instrumento da autonomia e construção da “soberania
popular (e procura não se limitar ao) imediato localismo das reivindicações” (Pont,
2003:21 e 27; Cf. Dutra, 2001:12).
A incorporação de setores populares na definição de políticas de Estado pode
levar à superação da revolução dentro da ordem para a necessidade de uma outra
ordenação social em que a exploração humana deixe de existir e a dominação se torne
coisa do passado, na medida em que acontece a mudança na cena política com a
presença de um conjunto populacional significativo que não havia sido reconhecido
com capacidade para tanto. As políticas terão que assimilar outros conteúdos para serem
coerentes com um projeto digno dos interesses das classes populares (Cf. Saes,
1984:112-137; Idem, 2001:31-34; e Harnecker, 2000b:195)
148
5.2 – As classes populares e suas lutas
A democracia pode constituir um elemento da via para a transição do
capitalismo ao socialismo. No espaço democrático as facções em ação se defrontam
com posições cujo antagonismo reclama uma nova sociedade. Nele, muitas vezes,
ocorre que setores populares organizados obtêm conquistas pontuais para o conjunto da
sociedade. Mas é preciso considerar os limites próprios do modo capitalista de
produção, que trava a transformação do Estado que lhe é próprio, quando as políticas
tendem em direção aos interesses das classes dominadas. Para isso, a burguesia não
vacila em retroceder diante de suas próprias instituições e recorrer às forças repressivas
na defesa da ordem vigente. um limite que não será permitido ser transposto: a
democracia representativa possibilita modificações secundárias e mantém as condições
estruturais da exploração dos produtores diretos e a acumulação privada de valores (Cf.
Poulantzas, 1980:293).
Por isso, limitar-se aos aspectos formais relativos à representação é ficar no
meio do caminho. A gravidade da situação exige ir além; pensar e agir, tendo em vista a
superação da forma como a sociedade burguesa se encontra organizada. Uma política
transformadora exige reflexão teórica. Pensar a prática política e a efetivação de
políticas de Estado considerando a natureza deste mesmo Estado é uma atividade que
somente pode ser bem efetivada com o recurso a uma teoria crítica das situações
vividas. Políticas realmente populares, que não se restringem às necessidades imediatas
da reprodução são conflitantes com a natureza do Estado burguês. É preciso um
compromisso decisivo com os setores populares e suas lutas e, com isso, realizar
algumas políticas que aglutinem forças alternativas à ordem que está posta pela
burguesia. A democracia precisa se tornar efetivamente popular, portanto, contraditória
com a ordem burguesa. Na configuração com que ela se apresenta, ela é um espaço de
lutas. É necessário ir além da forma e questionar a estrutura do Estado burguês (Cf.
Marramao, 1990:164; Lênin, 1979b:317).
As políticas orçamentárias participativas surgem em parte de momentos de crise
do Estado burguês. Elas se apresentam em duas faces. Uma se manifesta na condução
149
do processo de ordenamento social que procura garantir a reprodução das condições de
domínio de classe. Esta é uma crise de legitimação do exercício do governo. A crise
torna-se grave à medida que setores cada vez mais amplos da sociedade expressam
descontentamentos diante da condução das políticas de Estado. A legitimidade da
representação coletiva é questionada, pois, suas ações não correspondem aos interesses
gerais da população. A outra acontece no próprio processo de produção de riquezas,
quando as mercadorias produzidas não podem ser vendidas por um preço que garanta a
acumulação de valores pelos capitalistas. Esta é fundamentalmente uma crise de
superprodução relativa, em outros termos, uma crise de realização. A crise adquire
conotações estruturais. O Estado burguês pode suprimir a democracia para tentar
superar a crise e garantir a continuidade da ordem social que lhe é própria. Com isso, os
movimentos sociais e políticos elaboram suas reivindicações de forma mais consistentes
e abrem diversas frentes de luta para procurar realizá-las. É quando um partido de
oposição ao ordenamento social burguês ocupa uma unidade federativa e efetiva as
políticas não definidas pelo poder central (Federal). Neste ponto, manifesta-se o
potencial da burocracia na definição das políticas de Estado e, para tanto, conta com o
aparato de forças repressivas na garantia dos interesses do capital (Cf. Saes, 1987:61-
66).
Esta situação pode se agravar quando resultar numa crise fiscal, que é
decorrente de uma crise mais fundamental: a não realização do valor extorquido, que
os capitalistas, ou deixam de pagar os impostos, ou se empenham e conseguem reduzir a
carga tributária em nome de mais recursos para investirem em seus negócios. O
esgotamento das condições ambientais resulta na necessidade de maiores investimentos
na obtenção do mesmo produto, ou no abandono de uma área arrasada. È um ponto
crucial para o estudo, na medida em que a condução de uma política participativa corre
o risco de perder uma iniciativa substancialmente louvável se os seus esforços
empregados forem resumidos na busca de legitimidade para uma ordem de dominação
burguesa. E, com isto, assumir o ônus das políticas a ela correspondente, na medida em
que os recursos disponibilizados para a definição popular de seus destinos sejam
insuficientes até para atender as necessidades de reprodução digna da força de trabalho
em um determinado local (Cf. Pacheco, 1998:68, 160-226).
150
As políticas orçamentárias participativas surgem no âmbito municipal e
procuram definir as aplicações dos orçamentos a partir de formas de consultas populares
previamente elaboradas para que a população aponte onde serão aplicados os recursos
públicos. As definições políticas passam a se constituir um componente estranho à
forma de elaboração de políticas de Estado. Os interesses populares começam a ser
considerados. Até que ponto essa “intromissão popular” na definição de políticas por
um aparelho burocrático pode ser levada? Esta tese defende que a implementação de
uma política orçamentária participativa poderá levar ao questionamento do Estado
burguês na medida em que suas crises fazem diminuir os recursos públicos além de
degradar as condições de sobrevivência, o que os trabalhadores e a população
organizada não devem suportar. Se o Estado deixa de realizar funções primordiais, ele
vai se revelando cada vez mais desnecessário.
A efetivação desta política participativa em nível local se tornará cada vez mais
insuficiente diante dos interesses e das pressões populares. Cada vez mais, a
implementação de políticas orçamentárias participativas terá que atingir esferas mais
amplas de arrecadação e de aplicação do que os limites territoriais municipais. Ela terá
que superar os limites de abrangência territorial local. Uma conseqüência disso é a
ampliação do controle popular sobre a política fiscal do Estado. Questionar essa política
fiscal com vistas à ampliação dos recursos e de seu destino e colocá-la sob o controle
popular será um ponto de confronto com a classe burguesa. É preciso superar o controle
dos gastos públicos e chegar ao controle e proposição de políticas, inclusive fiscais.
Neste ponto em particular, choca-se com a burocracia de Estado no que se refere à sua
função coletora. Isto exigirá que o partido político que se propõe a elaborar, defender e
efetivar este tipo de política deve se preparar para que ela ultrapasse os limites de
tolerância burguesa de intromissão popular nos rumos das políticas de seu Estado, com
vistas à mudança na sua direção e no seu conteúdo. No limite, a burguesia sucumbe a
chamada democracia, se esta for uma condição para florescer o capitalismo. Por isso, é
preciso questionar também os limites e a natureza do Estado burguês (Cf. Ianni, 1986,
12; Houtart & Polet, 1999:14-43; e Marramao, 1990:109 e 223).
O partido político revolucionário que toma parte na definição de políticas será
obrigado a definir suas posturas e opções com bastante clareza numa sociedade
composta por classes antagônicas. Ou ele assume a defesa da escassez de recursos e fica
151
com a classe social que controla o Estado, ou este partido terá que radicalizar sua
atuação política em direção aos estratos sociais que o compõe, e assumir a contradição
de classe da sociedade que o fez surgir. Ele terá que se posicionar claramente em favor
dos explorados e buscar a transformação da sociedade com vistas à efetivação de uma
sociedade socialista (comunista), que não comporta exploradores e nem explorados. É
necessário resolver algumas questões internas em direção a uma nova sociedade. Isto
implica em assumir a condição de luta rumo a uma estruturação da sociedade de forma
diferente da burguesa. A ocorrência de crises na sociedade burguesa não implica
naturalmente a sua superação, pois, a classe dominante pode continuar encontrando
soluções para estas situações à sua maneira. É preciso haver uma alternativa proletária a
esta ordem, que empreenda a luta de classes a partir dos interesses populares. Para tanto,
é necessário “construir uma força social anti-sistêmica” (Harnecker; 2000a:31-32; Cf.
Balibar, 1976:24; e Almeida, 1995a:182).
Chega-se próximo ao objeto de estudo deste trabalho ainda quando se visualiza
o processo de execução de políticas orçamentárias participativas que são implementadas
a partir do Estado burguês no Brasil. Esta política de Estado vem sendo efetivada no
Brasil a partir de iniciativas municipais, às vezes alcança o nível de território Estadual e
tenta-se algo próximo na União Federal. Trata-se, portanto, de políticas decorrentes da
democracia participativa, ou, em outros termos da democracia direta. Em termos mais
gerais, defronta-se com a estrutura do Estado e as políticas implementadas por quem
ocupa posições no aparelho de Estado. O aspecto contraditório e variável deste objeto
começa a revelar quando são ressaltadas a natureza do Estado específico, e a
participação popular nas definições de políticas. O estímulo à participação popular na
definição dos rumos da política significa colocar na cena política um segmento social
estranho aos mecanismos de decisão na formulação das políticas do Estado burguês.
5.2.1 – A participação popular e a (nova) cidadania
O empenho de agentes da participação popular na busca de uma nova
sociedade vem sendo vislumbrado nas práticas comprometidas com projetos sociais
alternativos que encontram legitimidade em determinadas aspirações presentes em
152
organizações populares. São formas organizativas que despontam da base da pirâmide
social (Cf. Harnecker, 1996:288). A necessidade de uma postura pedagógica por parte
dos agentes da participação popular com relação a diferentes conteúdos teóricos e
práticos políticos que desvendem questionem e apontem para a ruptura das amarras da
dominação é algo evidente
55
. A relação entre o ser e o seu contexto implica
interferências recíprocas entre projetos de emancipação da classe dominada e
circunstâncias limitantes da situação, que devem se tornar objetos de questionamentos.
Como o ser não pode se expressar plenamente em condições adversas, despontam as
necessidades de criar novas condições que favoreçam o novo modo de ser que somente
se apresenta como estando numa situação transitória na busca da realização de algo
novo. Este ser é, na verdade, um projeto que só pode se tornar pleno numa nova
sociedade. Ele é um devir
56
que, em si mesmo exige as tentativas de superação das
contradições geográficas e de classes. Votaremos ao assunto da tipologia da
participação popular, no capítulo VII.
Mas, que conteúdos sociopolíticos merecem estar na pauta pedagógica? Que
problemas sociais e econômicos estão sendo enfrentados, e qual o alcance das soluções
que estão sendo efetivadas? Existem conteúdos acumulados pelos que pensaram a partir
dos movimentos sociais e políticos que merecem ser recuperados para as lutas de nossos
dias. Em que contexto estes conteúdos encontram ressonância?
um descrédito popular em relação aos cidadãos que se propõem a ocupar
cargos públicos, principalmente, os de mais elevados postos e também os que ocupam
cargos eletivos. Num ambiente em que predomina a lógica do capital, o voto se torna,
cada vez mais, uma mercadoria e vai perdendo o seu aspecto de expressão de uma
vontade ou de uma expectativa sobre a vida em coletividade (Cf. Harnecker, 1990:190).
Neste ambiente acontece uma confluência de objetivos opostos na mesma atitude de
votar. A burguesia não necessita tanto de um governante específico no aparelho de
Estado para fazer valer seus interesses pois, a dinâmica do poder passa mais pela
55
“O sentido da mudança educacional radical não pode ser senão o rasgar da camisa-de-força da gica
incorrigível do sistema: perseguir (...) uma estratégia de rompimento do controle exercido pelo capital,
com todos os meios disponíveis, bem como com todos os meios ainda a ser inventados” (Mészáros,
2005:35).
56
“Dever-ser’ é aquele tipo de necessidade que conota e que contém contingência, uma necessidade, pois,
que, embora seja em si necessária, permite contrafatos, que permite que existam fatos contra o que ela diz
e manda” (Cirne-Lima, 1993:116).
153
dimensão econômica que se constitui em força política sempre que for necessário ao
empresário. Os desprivilegiados e excluídos da divisão de riquezas não vêem utilidade
no aparelho de Estado que não os tem nem como centro de preocupações, nem como
parceiros de diálogos sobre os rumos da vida coletiva. Assim, as candidaturas eletivas
contam com boa dose de desconfiança, tanto dos membros da classe dominante quando
dos provenientes das classes dominadas. Observa-se que uma “diminuição do interesse
na política partidária é acompanhada por um repúdio à política” (Petras, 1999:97; Cf.
Caldeira, 1984:24).
A preocupação com a postura e conteúdos pedagógicos na participação política
precisa considerar o potencial crítico popular e potencializá-lo de maneira solidária e
associada a um projeto político com o objetivo de superar a dominação de classe. Os
fundamentos da crítica às determinações e relações de dominação da nossa sociedade
precisam estar no centro das preocupações dos oprimidos e dos intelectuais com eles
comprometidos para organizar as lutas na busca de caminhos de superação de todas
estas condicionantes econômicas, sociais e políticas. “Quanto mais cindem o todo e o
re-totalizam na re-admiração que fazem de sua ad-miração, mais vão aproximando-se
dos núcleos centrais das contradições principais e secundárias em que estão envolvidos
os indivíduos” (Freire, 1987:106).
A divisão da totalidade em partes inteligíveis e apropriáveis pelos oprimidos
exige a recomposição deste todo associado ás lutas transformadoras. É a relação entre
elementos da realidade vivida com uma teoria transformadora que fará de cada pessoa
oprimida uma agente da transformação social visando uma coletividade sem
exploradores e sem explorados. Os que buscam esta nova sociedade necessitam de
ampla compreensão “das idéias elaboradas com base na experiência da vida política
sobre as relações entre todas as classes da sociedade” (Lênin, 1977:129; Cf.
Ponce,1996:179). Esta é uma exigência para que os agentes da participação popular
estejam à altura dos desafios colocados pelo seu próprio tempo histórico, social e
político. A participação possibilita a incorporação de novos conteúdos na constituição
da maneira de ser da cidadania sempre aberta a novas manifestações que exigem
modificações no contexto econômico, ideológico e político em que estas manifestações
encontram as mais diversas ressonâncias e que estão em contradição com a sociedade
burguesa. As práticas políticas participativas associadas a outras práticas que existem
154
ou hão de surgir poderão fazer surgir uma nova sociedade. A entrevista nº1 manifesta a
procura por concretizar um governo local subordinado à vontade popular. “Tenho uma
formação socialista e não abro mão dela (...). Todos os elementos de formação e
educação popular muito forte, que levou muito a cidade a refletir e trazer ao povo a
concepção desse poder; que o poder deveria estar estabelecido nele; que o governo tem
mais uma tarefa de coordenar e executar este sentimento popular. Estes elementos a
gente conseguiu deixar em Camaragibe”.
155
CAPÍTULO VI
PARTICIPAÇÃO POPULAR E GOVERNOS LOCAIS
6.1 – As limitações dos governos locais
As políticas orçamentárias participativas encontraram maior notoriedade no
Brasil a partir da eleição de prefeito do Partido dos Trabalhadores para a cidade de
Porto Alegre
57
, capital do Rio Grande do Sul em 1989. O que passou a ser conhecido
como orçamento participativo é, na verdade, uma política de Estado implementada
principalmente no âmbito do território municipal, ou seja, a entidade federal de menor
referência, considerando a amplitude territorial e de autonomia fiscal da federação
brasileira, que estimula e organiza a participação popular na gestão do Estado tendo
como eixo central o orçamento público. A relevância do aspecto orçamentário como
centro das atenções participativas está no fato de ser o orçamento público “o cleo
duro do processo de planejamento governamental” (Fedozzi, 1997:107).
Do exposto, surgem algumas questões. Como um partido que se apresenta nas
atividades políticas qualificadas de esquerda, que procura elaborar um projeto
alternativo ao ordenamento social, econômico e político burguês, propõe e executa uma
política que pretende servir de exemplo para outros agentes políticos de ação numa
unidade federativa restrita? Como pode (se é que o deva) sustentar uma política nesta
esfera (o município), num tempo de questionamento de unidade federativa maior, isto é,
do Estado-nação? Que configuração de Estado (local de onde a ão política tem o
ponto de partida de definições) está sendo questionada? Propomos começar pela última
questão, tratando da estrutura do Estado.
As produções teóricas referentes às políticas participativas são, na sua maioria,
em torno da natureza democrática que elas comportam e fazem avançar, e também sobre
57
Outras cidades passaram por maneiras semelhantes de governo nos Estados da Bahia (uma), Ceará
(uma), Espírito Santo (uma), Minas Gerais (quatro), Paraná (uma), Rio Grande do Norte (uma), Rio
Grande do Sul (três), Rio de Janeiro (uma), e São Paulo (dez), totalizando vinte e quatro cidades até o ano
de 1992 (Cf. Bittar, 1992:301-324). Cerca de 140 cidades assumiram práticas políticas autodenominadas
de orçamento participativo no período 1997 - 2000, no Brasil (Cf. Ribeiro & Grazzia, 2003:13).
156
seus efeitos relativos à melhoria nos serviços prestados aos cidadãos que passam a
tomar parte nas definições sobre as aplicações dos recursos públicos.
A partir do orçamento participativo acontece um entendimento maior por parte
de setores organizados da sociedade sobre questões de gestão pública. Nesta direção
aparecem reflexões como: “Saber o que é orçamento e para que serve facilitará a ida do
munícipe a uma repartição pública e o fará entender o que significa não existir verba”
(Moreira, 1998a:9). Ou “não foram poucas as vezes em que, ao se estabelecer o
impasse, delegados de uma determinada região ‘abrirem mão’ de ‘brigar’ por parcela
dos recursos, em benefício de outras regiões menos favorecidas, afirmando: ‘olha, o
meu bairro tem muito mais asfalto do que o seu... então votamos para que seja feito
mais asfalto aí” (Vignoli, 1998:28). “Era necessário realizar pelo menos uma decisão
com a população do bairro, que mesmo não sendo favelada, precisava ser mobilizada
(...) Podemos administrar junto com a prefeitura, ajudar a deliberar e fiscalizar a
utilização do dinheiro público” (Bandeira, 1998:65 e 68). E, ainda, “tem trazido
impactos significativos na máquina administrativa pública no sentido de garantir maior
transparência (...). O orçamento participativo questiona e pode representar uma ameaça
à atuação mais histórica dos vereadores (...). Pode modernizar velhas práticas políticas”
(Villas-Boas, 1998:11 e 17). O foco da atenção das decisões políticas presentes nas
referências acima está na aplicação de recursos públicos. O problema gira em torno da
distribuição de recursos orçamentários disponíveis, isto é, recursos arrecadados, ou
constantes da previsão orçamentária. A decisão sobre os locais de aplicação passa por
critérios de definição ou de percepção de maior carência entre as frações municipais em
disputa pelos mesmos recursos. Estas contendas sempre estiveram nas pautas das lutas
políticas
58
. A presença direta da população neste processo representa uma ruptura nos
mecanismos e nas instituições políticas da democracia burguesa. É a ruptura de um
limite que Weber clamava por esforços no sentido de preservá-lo. Este limite está na sua
visão da função da democracia. Para Weber, a vontade popular era expressa por “um
parlamento democratizado capaz de intervir nas questões essenciais e relativas ao
pessoal dessa administração” (Weber, 1997:109). Este é o limite ximo de um
58
“A essência de toda política é a luta” (Weber, 1997:106).
157
governo popular para o pensamento weberiano
59
. O parlamento consegue exercer maior
controle sobre quem exerce um mandato temporariamente limitado, ou seja, sobre as
gestões que, apesar de obterem legitimidade pelo voto podem entrar em conflito com a
(parte da) burocracia estabelecida sobre todo o território nacional, com quem os
capitalistas dispõem de muito mais interesses comuns do que as classes populares.
Assim, os limites e os objetivos das políticas de Estado estão fixados em âmbito
nacional, cabendo aos governos locais serem mais executores do que propositores de
políticas, exceto em aspectos variantes da política nacional.
A maior proximidade do poder local com os habitantes de determinado
território pode ocasionar maiores interfaces legitimadoras entre a gestão e o povo do
que entre os ocupantes do poder estadual e nacional. Com o orçamento participativo “a
cidade constrói uma legitimidade que lhe confere força e credibilidade perante os
governos nacionais e ante os interesses particulares” (Borja, 1996:20). “A
governabilidade dos processos é fortalecida por meio da legitimidade dos planos. Os
recursos são muito bem utilizados porque seguem critérios consensuais de utilização”
(Campello, 1998:34). A maior proximidade dos interesses localizados pode
proporcionar uma legitimidade mais consistente aos governos locais e isto pode fazer
com que o poder local disponha de grande energia nas contendas com as instâncias
superiores da federação, apesar de não ser suficiente para modificar critérios
burocraticamente consolidados. Deste modo, a definição e a execução de políticas de
Estado resultam de uma conjugação de forças tanto na garantia de posições
consolidadas quanto na procura do estabelecimento de novas posições no universo
político. “Nenhuma política de Estado exprime uma intenção, mas uma relação de
forças” (Almeida, 1995a:103). A gestão municipal de Camaragibe no período de 1997
até 2004 é exemplo deste processo. A revisão de critérios de distribuição de recursos
federais para a municipalidade resultou em redução do volume de recursos contribuindo
para agravar uma crise com conseqüências bastante desastrosas (Ver Capítulo II).
59
De modo semelhante, mas referindo-se negativamente ao orçamento participativo, diz outro autor: “O
tão alardeado orçamento participativo, colocado como forma de democracia direta, está sendo um
poderoso meio ideológico de subversão da democracia representativa” (Rosenfield, 2002:62).
158
6.2 - Os recursos públicos
6.2.1 - A origem dos recursos
Para uma avaliação da forma de distribuição de recursos públicos, o melhor
ponto de partida é o das fontes dos mesmos. Procurar pelas fontes de recursos de
maneira radical e perguntar como estes recursos são gerados. Assim, chega-se a frações
da população que geram valores. Quais são estas frações? Que poder consegue coletar
estes recursos e depois, aplicá-los? Em que projetos estes recursos são aplicados? De
que forma a aplicação destes recursos é levada ao seu termo? Se questionarmos as
origens do poder político, é possível obter respostas consistentes a estas questões.
Em um dado momento da história da humanidade foi constituída uma
organização com a finalidade de gerir os negócios que se apresentavam com uma
abrangência mais ampla do que aquele abarcado pelo grupo familiar ou tribal. Uma
classe social reúne em seu redor forças que garantem um status diferenciado. Esta classe
passa a definir interesses distintos da maioria da sociedade e se constitui numa classe
social organizada em defesa de privilégios. Se antes os trabalhos excedentes eram
realizados em beneficio de todas as pessoas, agora passa a haver classes sociais se
apropriando deles e outras que foram desprovidas das condições de apropriação de
determinados valores. Desponta neste contexto, uma classe social de pessoas portadoras
de privilégios. Estes privilégios são, em essência, a posse e o uso de recursos que,
apesar de serem oriundos dos esforços produtivos da coletividade, ficam nas mãos de
alguns.
Para conseguir a realização constante de seus privilégios, esta classe precisa
elaborar e sustentar um projeto de dominação social. Assim, esta classe social se torna
uma classe dominante. Esta classe organiza um aparato de poder político que se destaca
do conjunto da sociedade, constituindo uma burocracia que, surgindo de algumas
necessidades técnicas, passa a monopolizar funções relativas à organização e à
supervisão, formula planos de ações na defesa dos interesses da classe dominante e
elabora os meios para garantir a execução dos mesmos. Isto tem como um dos seus
resultados principais a efetivação do monopólio do poder político. A organização se
159
destaca do corpo social, se especializa na realização de determinadas tarefas
fundamentais para o próprio projeto, e se distingue por privilégios, posturas, e modos de
vida. Esta organização, ora se confunde, ora se coloca a serviço de uma classe
dominante e sustenta formas de extorquia das classes dominadas. A esta organização
política denominamos de Estado, e a sua função é a de elaborar políticas apropriadas
aos objetivos da classe dominante (Cf. Engels, 1983b:410; Marx, 1981a: 68;
Tragtenberg, 1974:25).
A execução de qualquer política exige a disponibilidade de recursos por parte do
Estado. Estes recursos são obtidos na sociedade. Do mesmo modo que as antigas
atividades agrícolas necessitavam de canais de irrigação que somente poderiam ser
construídos, mantidos e protegidos com recursos coletivos em razão da natureza das
atividades que realizavam, hoje, o Estado continua a implementar políticas em atenção
às demandas sociais. O Estado procura viabilizar o comércio, o ensino, e garantir acesso
aos serviços de saúde, à assistência em tempos de calamidades; visa garantir certa
ordem social com a defesa da propriedade dos meios de produção; e estabelece normas
para as relações sociais. Por isso, a organização estatal coleta os impostos, as taxas e as
contribuições estabelecidas sobre as atividades das pessoas jurídicas e físicas
localizadas num território por ele controlado.
6.2.2 - Os antagonismos sociais e a gestão pública
A concretização dos interesses da classe dominante de uma determinada
sociedade a coloca em confronto com outras classes sociais que ficam numa situação de
desvantagem diante dos empreendimentos organizados e executados em nome da
coletividade. São interesses opostos que colocam pessoas de um mesmo corpo social em
posições antagônicas. Estas pessoas passam a estar em posições diferentes quanto ao
controle e ao emprego de instrumentos de trabalho, ao acesso a terra e à formulação e
conteúdo das decisões sobre a coletividade. Uma classe social passa a definir padrões de
vida que necessitam do conjunto da sociedade para se sustentar. Mas precisa reunir os
componentes das condições deste padrão de vida para que algumas pessoas possam ter o
privilégio de desfrutar dos valores e bens que compõem o mesmo. Esta diferenciação
160
fundamental somente se sustenta com o estabelecimento de formas de exploração
econômica e de dominação política. Neste contexto é necessária uma organização
política que elabore e sustente os mecanismos de garantia deste projeto social e político
(Cf. Marx, 1981a:67-81).
A organização política de uma sociedade fracionada em classes antagônicas
precisa garantir a dominação e as condições de continuidade da apropriação dos
excedentes por parte da classe privilegiada. Isto é possível com a imposição da
vontade de uma classe social sobre outras. Quem organiza a classe social no exercício
desta imposição é a organização política. Ela é a organização de uma sociedade de
dominadores e de dominados, de exploradores e de explorados. E, antes da aplicação, os
recursos precisam ser coletados. A forma de realização desta coleta revela a natureza de
classe social que está inerente à geração dos mesmos.
O Estado é a organização que reúne um conjunto de aparelhos políticos que
operam forças repressoras e forças ideológicas. Estas forças cumprem funções
fundamentais para a sustentação de um projeto político numa sociedade fracionada em
classes antagônicas. Dois conjuntos de forças são fundamentais para a execução das
atividades provenientes do Estado. Estes conjuntos são os que constituem as forças
coletoras e as forças repressoras. Estas forças permitem que a organização estatal exerça
o controle sobre um dado território e onde acontece o exercício de uma política.
A organização estatal coleta os recursos necessários à execução das políticas
que levam à efetivação dos objetivos condizentes com o projeto de dominação de classe.
A garantia do sucesso destas políticas está no uso da busca do consenso, ou da repressão
às forças adversas ao projeto da classe dominante, assim que se fizer necessário. Em
decorrência da natureza burguesa do Estado, o conjunto dos dominados são os mais
visados pela expropriação através da forma salarial de remunerar e do exercício da
coleta tributária, isto é, a classe trabalhadora (Cf. Oliveira, 1995:23).
161
6.3 - A capacidade de arrecadação
O tamanho do território vai depender das condições que as forças repressoras
possuírem para fazer valer as políticas definidas pelos mecanismos de Estado. Pode
haver atrito entre classes sociais dominantes de mesma natureza quando se trata de
território e fatia dos excedentes apropriados. Assim foram as guerras de conquista e de
anexação de um território a outro, freqüentes em certo período da história. Por isso,
quando se fala em recursos públicos, a questão de classe e das lutas entre elas está muito
presente.
O conflito de interesses entre frações da classe exploradora acontece tanto
mundialmente quanto nos espaços internos das nacionalidades. Os tratados de paz, os
acordos comerciais e as imposições de uma política externa a outras nações revelam o
jogo de forças sociais e políticas que se aglutinam em organizações diplomáticas e
militares. Embora haja discordâncias individuais entre os componentes dos propositores
e executores de certas políticas (conseqüência das frações de classes) o que resulta, de
fato, é uma política compatível com os interesses da classe dominante (Cf. Almeida,
1995a:102-104).
Em um mesmo território nacional sempre despontam interesses localizados de
reprodução das condições de dominação e de surgimento de novas lideranças sociais e
políticas com pontos divergentes das decisões gerais da organização estatal. Algumas
formas de acumulação dependem da delimitação territorial para ser efetivada. A
acumulação necessita da disponibilidade de força de trabalho em boas condições de
empregabilidade. A reprodução da força de trabalho tem como elemento considerável o
espaço residencial. Neste espaço precisam estar reunidas as condições de vida
compatíveis com o emprego produtivo da força de trabalho. As demandas por
acessibilidade, meios de transporte, saúde, lazer e educação precisam ser correspondidas
e colocadas à altura das sofisticações de funcionamento dos meios de produção. A
atração de força de trabalho para um determinado empreendimento com certa distância
dos centros de sua reprodução biológica e social exigia que as empresa oferecessem
condições de moradia acompanhada de outros equipamentos sociais fundamentais.
Assim eram as famosas vilas operárias. Isto é um exemplo da necessidade de
162
concentração de força de trabalho para corresponder às necessidades do modo de
produção capitalista (Cf. Marx & Engels, 1982:111).
Com o passar do tempo, as empresas foram transferindo estas obrigações para
os próprios trabalhadores, para a iniciativa privada e para o Estado. O movimento da
classe dominante diante da reprodução da força de trabalho vai da responsabilização
direta e total à transferência absoluta desta tarefa a outros mecanismos criados à sua
imagem e semelhança. As atividades relacionadas à habitação, assistência social, saúde
e educação foram sendo levadas a adquirirem autonomia funcional, administrativa e
financeira a partir de contribuição das próprias empresas. Quando companhias européias
se implantavam nas áreas coloniais, para levaram os aparelhos repressivos e
ideológicos mantidos por elas mesmas. Só depois é que lhes foram dando autonomia e
os transferindo a um governo que cuidasse dos interesses de diversas companhias ao
mesmo tempo e dos comportamentos desejáveis à força de trabalho. Estes
procedimentos empresariais compõem a essência da postura burguesa que comanda os
projetos de reforma do Estado, quando transferem para a iniciativa privada algumas
obrigações relacionadas à educação, saúde e outras que, antes, estavam sob a
administração direta de órgãos estatais. Assim, enquanto organismo destacado, o Estado
necessita coletar os recursos para a sua própria manutenção e para executar as políticas
a ele inerentes. Esta execução é levada ao fim nas três esferas de poder tanto municipal,
estadual, quanto a federal (Cf. Bernardo, 1998:42-45; Idem, 2000:13).
A questão do poder local adquire relevância com certa confluência de interesses
entre quem domina e quem sofre a dominação. Exatamente nos pontos de confluência é
que surgem diversos conflitos a partir dos movimentos do capital e dos movimentos da
força de trabalho. Mas, está na União Federal a maior força coletora de recursos. A
maior proximidade entre os funcionários municipais e a população é motivo de
constrangimentos quanto ao exercício da coleta de impostos. Esta situação é mais
notável nos municípios de menor abrangência territorial e de ocupação populacional. Os
períodos eleitorais são momentos de contatos muito próximos e a legitimidade dos atos
políticos podem ser questionados sem intermediação. É o legislativo federal que elabora
leis válidas para todas as frações territoriais que a integram. O Código Tributário
Nacional define a competência de coleta e aplicação direta ou indireta das receitas
estatais. Ao município ficou, desde a reforma tributária de 1966, o encargo de coletar o
163
IPTU, o imposto sobre ITBI (Imposto sobre a Transmissão de Bens Inter Vivos) e o ISS
(Imposto Sobre Serviços). Por serem os tributos de menor possibilidade de realização
quanto ao volume de recursos que podem ser obtidos, os municípios necessitam dos
recursos advindos de transferências e de convênios cujas fontes são instâncias
superiores de poder. Esta reforma centralizou a coleta dos principais tributos sob a
responsabilidade da esfera federal, e estabeleceu os fundos de participação para os
Estados e municípios e estabeleceu quais tributos alimentariam estes fundos. Depois
disso, cada Estado e município passou a ter direito a uma quota-parte daquele valor
conforme a população residente nos respectivos territórios. Desta forma, o poder central
mantém um controle considerável sobre as políticas que acontecem sob a
responsabilidade das esferas inferiores de exercício do poder (Cf. Oliveira, 1991; Idem,
1995).
O poder político exercido a partir da União Federal dispõe de maior poder
regulador e de maior potencial arrecadador tributário, pois exercem este poder sobre os
proprietários dos meios de produção, enquanto que o poder local (município) ficou
encarregado do IPTU cujos pagantes são, em sua maioria, os assalariados. Embora
todos os recursos sejam provenientes do exercício da força de trabalho, o tributo de
maior importância que está sob a responsabilidade arrecadadora atribuída aos
municípios é mais diretamente dependente dos salários. Trata-se de um tributo a ser
pago em razão do uso do solo cuja função é, na grande maioria dos casos, para fins de
moradia, que é um dos elementos essenciais para a reprodução da força de trabalho. Isto
revela uma dificuldade do Estado burguês quanto às suas próprias características
determinantes, que é a dependência de impostos e viabilizar a reprodução da força de
trabalho (Ver capítulo IV). A entrevista de nº3 testemunha que as reações populares à
coleta estatal chegaram a ser usadas como meio de obter legitimidade de uma
candidatura de um partido essencialmente burguês em Camaragibe, quando o candidato
do PFL na eleição do ano de 2000 “empunhou uma bandeira na campanha que surtiu
razoável efeito, a de que a cobrança judicial do IPTU (Imposto Predial e Territorial
Urbano) era a mando da Prefeitura”. A tabela a seguir apresenta a capacidade de
arrecadação segundo o tamanho da população de municípios brasileiros no ano de 2000.
164
Tabela nº7
Distribuição proporcional das receitas municipais, segundo o tamanho da população dos
municípios brasileiros no ano de 2000.
Distribuição das receitas municipais brasileiras
Proporção Tamanho
da população
De
municípios
De
população
Receita
Tributária
Transferências
correntes
Receita
disponível
Até 5.000
25,6 2,9 0,7 5,4 4,1
De 5.001
até 20.000
48,2 17,9 3,7 18,9 13,3
De 20.001
até 100.000
22,2 29,2 10,7 25,6 19,4
De 100.001
até 500.000
3,5 23,0 20,4 21,6 20,6
Mais de
500.000
0,5 27,0 60,8 28,5 40,3
Fonte: IBGE, 2004:34.
A tabela acima mostra que somente os municípios com população superior a
500.000 (quinhentos mil) habitantes contam com receitas tributárias superiores aos
valores provenientes das transferências e, ainda, a maior parte da população brasileira
vive em municípios de até 100.000 (cem mil) habitantes. Estes municípios apresentam o
menor potencial de arrecadação. Mesmo no intervalo de classificação das cidades com
mais de cem mil até 500.000 (quinhentos mil) habitantes os municípios apresentam
percentual de receita tributária (20,4%) menor que o percentual de transferência
(21,6%). É dentro deste intervalo classificatório utilizado pelo IBGE que se encontra
Camaragibe. Contando com 128.702 habitantes, ela está bastante próxima do limite
inferior do intervalo estatisticamente construído. Assim, embora estando num intervalo
escalar elevado, há quem a considere uma cidade pequena, talvez, em razão da sua
contigüidade com Recife, recebendo influencias da capital, mas mantendo determinados
comportamentos administrativos localizados. A entrevista de nº2 expressa uma
providência que revela preocupações neste sentido. Prefeito de cidade pequena tem
medo de cobrar tributo. A nossa primeira tarefa no governo foi fazer o concurso, que
estava se esgotando o prazo para validá-lo, e fizemos e logo em seguida fomos qualificar
os fiscais e arranjamos um espaço para eles se alojarem e tivemos um corpo muito
165
qualificado de fiscais. Fizemos o cadastro da cidade e principalmente de Aldeia
60
que
pagava como imposto territorial rural sem ser rural”.
A grande proximidade de vida e contatos freqüentes entre quem ocupa cargos
eletivos e do mesmo modo, quem ocupa espos na burocracia estatal e a população cria
certo constrangimento no exercício das atividades de coleta de tributos, ao perceber,
com freqüência, as dificuldades enfrentadas pelos habitantes do município. Os contatos
entre (parte de) a burocracia de Estado e frações sociais desprivilegiadas (classe
trabalhadora) resultam em dificuldades no exercício da dominação política,
principalmente quando as decisões burocráticas dependem de pessoas temporariamente
empossadas. A sensibilidade diante das questões sociais é mais forte nos segmentos
mais inferiores da burocracia, especialmente quando se trata do poder local. A entrevista
nº1 expressa a vivência destas dificuldades no exercício do poder e de posse de
indicativos propostos por uma consultoria contratada para apontar soluções para uma
crise instalada. “Fechar a maternidade, demitir pessoal, reduzir o programa de agente
comunitário de saúde e um terço do pessoal de educação e cancelar o atendimento de
crianças com idade inferior a sete anos. Não fechar tudo isso e o atender a
consultoria foi um erro meu porque o problema foi só se agravando até que os
funcionários começaram a fazer greve, que não querem demissão e querem salário em
dia”. O resultado disso foi a perda de legitimidade do governo e, as alternativas à ele
puderam despontar com discursos mais atraentes. Assim continua a entrevista n°1.
“Então, nos dois últimos anos, nós enfrentamos problemas sérios. O ultimo ano então,
quando a oposição pega a gente na fragilidade. O movimento popular não tem mais
suas demandas atendidas, os funcionários insatisfeitos...”.
6.4 – A aplicação dos recursos
Quanto às políticas orçamentárias, elas partem fundamentalmente, do que foi
arrecadado e encaminhar para a distribuição, que é regulamentada por leis específicas.
60
O bairro de Aldeia é diferente, pois, ainda é uma área privilegiada de expansão urbana que pessoas de
melhor poder aquisitivo tanto de Camaragibe quanto de Recife escolhem para residirem ou como local de
atividades de lazer.
166
A Lei 4.320 de 17/03/1964 regulamenta a apresentação contábil dos recursos públicos.
Os recursos sãos dispostos conforme a sua divisão em receitas (resultantes de
arrecadação) e despesas (destinos dos recursos), como forma de facilitar a exposição,
compreensão e fiscalização. A norma que obriga a composição orçamentária a partir de
critérios comuns para a União, Estados e municípios permite que sejam verificadas as
aplicações dos recursos em qualquer esfera da federação.
Tanto as receitas quanto as despesas podem ser correntes ou de capital,
conforme a classificação econômica. O quadro a seguir mostra a disposição dos
elementos constitutivos do orçamento público no Brasil.
Quadro nº2
Elementos que participam da composição do orçamento público no Brasil.
Elementos da composição do orçamento público
RECEITAS DESPESAS
Correntes Correntes
1 – Tributárias 1 – Pessoal e encargos sociais
Impostos 2 – Juros e encargos da dívida
Taxas 3 – Outras
Contribuições
2 – Patrimonial
3 – Serviços
4 – Transferências
5 – Convênios
6 – Outras
De capital De capital
1 – Operações de créditos 1 – Investimentos
2 – Transferências 2 – Inversões financeiras
3 – Convênios 3 – Amortização e refinanciamento da dívida
4 – Outras 4 – Reserva de contingência
5 – Outras
TOTAL TOTAL
Fonte: Cf. Machado Jr & Reis, 1995, com base na lei federal 4.320.
A disposição técnica dos recursos permite realizar um acompanhamento da
aplicação dos mesmos. Ela é um dos elementos que determinam a elaboração do Plano
Plurianual (PPA), e da Lei Orçamentária Anual (LOA). A partir da disposição técnica
também é possível perceber os impactos da Lei Complementar 101/2000, conhecida
como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), sobre as decisões governamentais. Os
impactos previstos são dois. O primeiro é a definição de limites de despesas com
167
pessoal e encargos sociais conforme a esfera de governo e o âmbito dos poderes
(municipais, estaduais, e a união federal). O segundo é relacionado com as exigências
de metas de superávit primário (saldo positivo no balanço do exercício anual,
desconsiderando as despesas com juros e encargos da dívida pública). Mas, esta
disposição técnica dos recursos pouco revela sobre as suas origens. A preocupação
contida na legislação é a de estabelecer limites aos dispêndios estatais. Pode-se observar
que não foi este tipo de preocupação que comandou as iniciativas estatais durante a
acumulação primitiva com o surgimento dos recursos destinados a crédito e, com o
estabelecimento da bancocracia como instrumento necessário ao capital financeiro (Ver
capítulos I e III).
A LRF fomenta práticas de gestão condizentes com “uma política monetária de
caráter restritivo” (Brunhoff, 1978:150). Através desta lei, o poder central da federação
obriga os governos subnacionais a se autolimitarem no interior de parâmetros que
tolhem a definição de políticas. Quando os governos subnacionais estão obrigados a
desenvolver e aplicar políticas cujos recursos estão legalmente delimitados, as pressões
sobre o governo nacional diminuem e as lutas políticas por recursos assumem uma
conotação predominantemente jurídica. Assim, o que poderia resultar em reivindicações
socialmente legítimas, resulta em obrigações juridicamente reguladoras e passíveis de
punições para as gestões inferiores. O recurso ao governo federal foi um fracasso. A
entrevista nº1 manifesta situação contraditória entre uma proposta de governo e a
realidade fiscal de Camaragibe. “O movimento de saúde não via na gente a resposta que
se dava antes. O governo municipal chegou a investir 23% de sua receita própria em
saúde e passou para 18%. Tivemos o desgaste financeiro e o desgaste da vitória nossa a
nível federal. No final foi muito difícil, fechando torneiras, principalmente num ano de
eleição. Assim foi a queda e o coice”.
A consultoria apontou para a necessidade de reduzir o alcance das políticas em
andamento no município. Os parâmetros desta auditoria são conforme a restrição fiscal.
Deste modo, não bastam boas intenções para que um governo efetive políticas
populares. É preciso que haja uma consonância entre a natureza do Estado e suas
políticas para que políticas populares sejam sustentáveis no decorrer do tempo. Quando
isto não acontece, o conflito entre as esferas de governo está instalado. As melhores
propostas ficam fadadas a sucumbir. Continua a entrevista nº1. “Então, nos dois últimos
168
anos, nós enfrentamos problemas sérios. O último ano então, quando a oposição pega a
gente na fragilidade. O movimento popular não tem mais atendidas as suas demandas,
os funcionários insatisfeitos, o movimento de saúde não via na gente a resposta que se
dava antes. O governo municipal chegou a investir 23% de sua receita própria em saúde
e passou para 18%”. As fragmentações presentes entre os dominados e a falta de uma
teoria que abarque a situação se constituem em grandes empecilhos para os avanços das
lutas populares. Faltaram ainda, uma maior coerência no comprometimento de classe e
uma correta compreensão do problema por parte do Partido dos Trabalhadores, que não
foi capaz de assimilar todo o alcance dos movimentos populares e se tornar um
educador popular na busca de construir melhores condições de um poder popular no
interior de um Estado ainda burguês.
Após usufruir um Estado que lhe é favorável, a burguesia o apresenta como
possuidor de uma autonomia e chega a expressar-lhe idéias e práticas opositoras. Mas o
que está em curso é um esforço contínuo e necessário para colocar a burocracia estatal
no interior de determinados limites à imagem e semelhança do capital. Do mesmo modo
que os empreendimentos produtivos tendem a reduzir o emprego de força de trabalho,
também a burocracia de Estado deve ser submetida a limites na sua composição de
pessoal sem perder de vista o processo que impulsiona a organização estatal a garantir a
acumulação privada de valores. “A capacidade de uma classe para realizar os seus
interesses de que a organização do poder é condição necessária, depende da capacidade
das outras classes para realizar os seus” (Poulantzas, 1977:104).
169
CAPÍTULO VII
PARA UMA TIPOLOGI A DA PARTICIPAÇÃO POPULAR
7.1 – Participação popular e poder político
A participação popular é altamente móvel tanto pelos interesses que ela
comporta na relação entre os que dela tomam parte do lado da sociedade (especialmente
para consolidar e ampliar as condições da vida coletiva), quanto por parte do poder do
Estado em busca de legitimação social.
É lugar comum na produção teórica das ciências sociais a atenção ao problema
da participação popular em determinadas políticas de Estado e reforma do Estado.
Considerando que esta participação é efetivada numa sociedade em que predomina a
produção capitalista de mercadorias (valores), como é atualmente a sociedade brasileira,
desponta uma série de questões inter-relacionadas que revelam um problema
fundamental da ordem social burguesa, que é o da dominação de classe interligada com
a exploração econômica.
As condições de produção de riqueza precisam ser reproduzidas e, para isto
acontecer, a burguesia necessita que o Estado e suas políticas, com o ordenamento
jurídico, demarquem os correspondentes limites da ordem em que a acumulação privada
seja assegurada. Assim sendo, como a população desprovida do acesso aos meios
fundamentais de vida poderá participar na definição e implementação de políticas de um
Estado que sustenta esta ordem de coisas? A democracia burguesa é satisfatória para
atender às reivindicações populares?
Para responder a estas questões é necessário considerar o tipo de Estado, a
forma que ele assume na atualidade e as classes sociais em luta pela realização dos seus
objetivos imediatos e históricos. É no contexto do Estado burguês e na forma
democrática que ele se apresenta em Camaragibe, juntamente com a democracia
participativa e a maneira como se entende a participação popular nos órgãos públicos.
As relações sociais que são travadas nas estruturas solidificadas e de aparência eterna
170
são tão móveis quanto as instituições de exercício do poder político e do poder de
Estado na busca de legitimidade para as suas políticas e das pessoas e organizações
populares para garantir o acesso aos seus meios de vida.
A constituição do poder e a sua efetivação como esfera destacada da sociedade
revela uma lógica de decisão e atuação com uma pretensa autonomia funcional diante
dos processos sociais, na gerência dos negócios públicos. Tendo se elevado a um lugar
destacado, a organização gerenciadora passa a ditar os rumos da vida social a partir de
objetivos que atendem aos interesses de quem formula os conteúdos a serem efetivados
no espaço de toda a sociedade. Por mais funcional que seja o exercício do poder, o
Estado e seus gestores necessitam recorrer a alguma forma para obter legitimidade
social e assim, garantir a reprodução das condições de continuidade da situação posta.
Para que a continuidade de uma política não tornasse objeto de atropelos, o Cardeal
Richelieu deixou a recomendação aos conselheiros de Estado. Os conselheiros, embora
sejam obrigados a imitar os astros na manutenção de seus cursos e na disseminação de
suas luminosidades, devem se rebaixar ao nível daqueles que são considerados
medíocres e, deste modo, evitar o surgimento de subversões ameaçadoras da ordem
social e política (Cf. Richelieu, 1996:176). A experiência o ensinou que a permanência
na ocupação de postos na burocracia exige uma contínua atenção aos movimentos
sociais, principalmente em períodos de transição. Preocupação semelhante esteve
presente também em nosso país. “Foi o próprio Juscelino Kubitschek quem, ao falar à
Escola Superior de Guerra, insistiu para que essa se dedicasse ao estudo da potencial
ameaça subversiva de forças sociais desencadeadas pela modernização contra a ordem
vigente” (Dreifuss,1981:36).
7.2 – A variabilidade da participação popular
A legitimação do poder político, nas últimas décadas no Brasil, vem sendo
efetivada com diversos matizes ideológicos e econômicos, cujos discursos e práticas
giram em torno da participação. Conforme o objetivo das suas políticas, o Estado
propõe e comporta algum nível de participação, considerando as forças mobilizadas e
atuantes numa dada conjuntura. Os níveis de participação podem se entendidos
171
conforme uma disposição em uma seqüência progressiva a partir dos objetivos
populares, como se apresenta no quadro a seguir.
Quadro nº3
Relação entre graus de participação política e o controle processual realizado tanto por
dirigentes (governantes) quanto por dirigidos (governados).
GRAUS DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA
CONTROLE
Informativo Consultivo Elaboração/
Recomendação
De
co-gestão
De
delegação
De
autogestão
Dirigente + + + + + + + + + + + - + - - - - -
Dirigido(a) - - - - - + - + + + + - + + - + + +
Fonte: Elaborado a partir de subsídios da reflexão de Bordenave (1985).
O quadro acima apresenta a participação popular nas decisões e políticas de
Estado em graus que variam do simplesmente informativo e consultivo, passando pelo
grau de elaboração/recomendação, chegando ao grau de co-gestão e de delegação e
atingindo o ponto máximo com o grau de autogestão. O grau informativo e o grau de
autogestão constituem os pontos extremos da participação política.
O grau informativo abarca as políticas participativas em que a burocracia de
Estado elabora suas políticas e realiza comunicados informativos à população. Neste
grau de participação não nenhuma influência popular sobre os rumos e conteúdos da
política. Exemplo deste tipo de política participativa foi aquela assumida pelo
governador do Estado de São Paulo (1979 - 1982), Sr. Paulo Maluf, que havia sido
elaborada pelo Grupo de Assessoria e Participação (GAP). Com este grau de
participação, os setores populares são chamados a tomar conhecimento das políticas a
serem executadas e a colaborarem para o sucesso das mesmas. As comunidades são
convocadas a participar “no encaminhamento das decisões governamentais” (GAP,
1980:195 e 351). A crise do regime ditatorial militar fez com que seus próprios séqüitos
procurassem sustento do exercício do poder exercido no próprio povo dominado. Deste
modo, procura-se fazer aceitar de bom grado, o que, na verdade, é uma imposição. É o
povo cumprindo ordens (Cf. Chomsky, 1997:12).
172
O grau consultivo de participação é o implementado por gestões que procuram
incrementar os conteúdos da burocracia de Estado com as aspirações populares na
elaboração das políticas. Neste grau de participação, pode ou não ocorrer alguma
influência popular sobre os rumos e conteúdos da política. Os conteúdos das consultas
ficam submetidos à elaboração da burocracia com seus conflitos internos e sem
nenhuma ingerência popular. Esta elaboração está a cargo de uma burocracia que é
ciosa de suas competências e de suas normas internas de procedimentos e também das
formas de tomadas de decisão, que reservam certo grau de segredo, hierarquia,
autoridade, conhecimento, espírito de corpo e de autoconservação. Assim, a definição e
execução de políticas comprometidas com a classe dominante permanecem com o
mesmo teor (Cf. Schumpeter, 1984:365).
As políticas implementadas pelo governo de Pelópidas da Silveira (PCB),
1955-1958, e de Miguel Arraes (PSB), 1959-1962, na Prefeitura de Recife, Estado de
Pernambuco tinham como mecanismo de participação as audiências populares nos
bairros. Na década de 1940, o PCB havia atuado na formação dos Comitês Populares
Democráticos de bairro e levou a experiência ao governo municipal. O Programa
Prefeitura nos Bairros em Recife, da gestão de Jarbas Vasconcelos (PMDB) do ano de
1983 até 1988, e depois, no governo do Estado de Pernambuco, a partir do ano de 1998,
seguiu a essência destas administrações anteriores e com os acúmulos dos governos de
Lages (SC), e de Boa Esperança (ES) (Cf. Alves, 1988; Andrade, 1997:92-94; Silva,
2003d: 308).
Com a gestão de Roberto Magalhães (PFL), 1977 - 2000, o Programa
Prefeitura nos Bairros teve a sua denominação modificada para Programa de Orçamento
Participativo, porém, manteve a mesma forma e conteúdo da política implementada
anteriormente. Foi uma mudança nominal de uma realidade que foi deixada intacta.
O grau de elaboração/recomendação é atingido quando os setores dirigidos
formulam as suas propostas e, depois, recomendam-nas à gestão pública que pode acatá-
las ou rejeitá-las com as devidas justificativas. Neste caso, uma tomada de iniciativa
pela parte dirigida em elaborar propostas e submetê-las à apreciação de quem dirige,
isto é, dos governantes. O poder de Estado, ainda com alto controle da situação, decide
sobre a reformulação, execução ou não, daquilo que constitui uma proposição popular.
173
Exemplo desta condição foi o Conselho de Desenvolvimento Municipal de Boa
Esperança que alcançou este grau de participação quando cumpria o segundo e o
terceiro item de suas competências. Um destes itens consistia em “enviar ao Prefeito
Municipal subsídios para a elaboração do orçamento e plano de aplicação” e, o outro
consistia em “sugerir aos órgãos técnicos e de crédito e outros órgãos e entidades com
ação no município, no sentido de trabalhar de acordo com a realidade levantada pelo
Conselho” (Souza, 1982:109).
Participação popular com este grau foi também o caso da elaboração de
propostas para a Lei Orgânica da cidade de São Paulo promulgada em 05 de abril de
1990, quando a participação ocorreu através do balcão de sugestões instalado na
Câmara Municipal. Muitas das sugestões foram acatadas, como foi o da criação de
subprefeituras (administrações regionais). Porém, a regulamentação de alguns aspectos
como a exigência de plebiscito e referendo para a aprovação de obras de alto valor,
sofreu veto do novo prefeito Paulo Maluf (1993 1996), e o movimento popular não
reuniu forças suficientes para se contrapor a este ato do executivo. Outro exemplo foi a
elaboração de um projeto de lei que regularizava a ocupação de áreas de favelas através
da criação de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) por parte de líderes populares
com a assessoria da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Olinda e Recife. O
projeto foi apresentado ao então Prefeito de Recife, Jarbas Vasconcelos. O projeto foi
acatado em sua essência e, depois de muitas pressões, o legislativo municipal o aprovou
sob pressões. Com tudo isso, a estrutura estatal não sofreu abalo algum (Cf. Caldeirón,
2000:21, 54, 66 e 109; Soares & Soler, 1992:43).
O grau de co-gestão comporta a proposta de um governo compartilhado.
Alguns mecanismos de gestão tomam decisões em colegiados com a participação de
governantes e governados com igual poder de decisão através da quantidade igual de
representantes com direito a voz e voto de cada lado. A referência à co-gestão aparece
nos discursos dos governantes e nas produções teóricas sobre as gestões progressistas
no Brasil. Neste ponto encontram-se as reflexões sobre parte considerável das gestões
participativas, principalmente as que foram sendo efetivadas depois dos governos
petistas de Porto Alegre a partir do ano de 1989, e que passaram a ser o modelo das
administrações do Partido dos Trabalhadores, inclusive a da cidade de Camaragibe, em
Pernambuco.
174
A co-gestão refere-se à junção num mesmo organismo de tomada de decisões,
de duas partes interessadas nos rumos a serem definidos. Estes organismos possibilitam
a tomada conjunta de decisões. São co-decisões que resultam do processo de
participação onde atuam forças sociais e políticas de direções diversas, como o poder
comunitário, popular e até de classe dominada, e o poder estatal, juridicamente
constituído e burocratizado (Cf. Souza, 1982:105; Demo, 1996:91-94; e Bordenave,
1985:32). Dirigentes e dirigidos interagem e procuram construir decisões comuns. O
poder de Estado fica situado numa condição de ter que definir políticas em conjunto
com os setores destinatários das mesmas, ou seja, a sociedade, conforme suas
organizações. Atualmente, este é o nível em que se encontram mais amplamente
definido nos governos locais do Brasil. Os conselhos de saúde, de educação, assistência
social e outros definidos a partir da Constituição Federal do Brasil de 1988 seguem uma
espécie de co-gestão (Cf. Ribeiro & Grazia, 2003:26; e Teixeira, 2001a:112, 166-167).
Na co-gestão uma espécie de equilíbrio de poderes, que revelou, ao menos
nas empresas em que foi implantada, uma conciliação efetiva de classes. Esta
conciliação será rompida no memento em que os setores sociais reunirem forças
suficientes para fazer avançar suas reivindicações e suas lutas. A co-gestão representa
um momento decisivo na tomada de rumos nas lutas sociais. O equilíbrio revela sua
natureza híbrida na medida em que é própria de uma situação de transição em que
posições antagônicas elaboram resoluções transitórias que podem ser revistas a qualquer
momento. (Cf. Tragtenberg, 1980:44-57). Situação semelhante a esta foi a que se
observou no período do Estado absolutista. Mas, para compreender melhor esta
situação, é preciso considerar os atores sociais envolvidos na tomada de decisão, que
serão tratados no próximo item.
O grau de delegação de participação é observado onde autonomia por parte
dos dirigidos em tomar decisões e fazê-las serem efetivadas em delimitados espaços ou
jurisdições. Aqui, os delegados populares possuem autoridade suficiente para fazer valer
suas decisões dentro de limites acordados e definidos. Trata-se ainda de uma situação
em que os confrontos marcadamente antagônicos estão presentes, mas, a vontade
popular conseguiu reunir forças suficientes para fazer com suas reivindicações sejam
175
consideradas e atendidas com seriedade. Aqui, a burocracia de Estado passa a ser
executora dos projetos e das decisões populares.
O grau de autogestão é o mais alto da conquista participativa popular. Neste
grau, a determinação de objetivos, e a escolha dos meios para a realização dos mesmos
estão sob o comando popular. Na autogestão está o grau mais radical de participação
popular (Cf. Demo, 1996:91). Quando as forças populares conseguem sustentar este
grau de participação inicia-se notoriamente a construção de uma sociedade sem
exploradores e sem explorados. Nele está a percepção mais nítida da alternativa à ordem
social burguesa. “O argumento da teoria da democracia participativa é que a
participação nas áreas alternativas capacita o indivíduo a avaliar melhor a conexão entre
as esferas pública e privada” (Pateman, 1992:146). O aprofundamento das práticas e
concepções democráticas pela base com a multiplicação das experiências de autogestão
contribui efetivamente para a construção de uma sociedade socialista (Cf. Poulantzas,
1982:137-142).
7.3 – A abrangência social e política da participação popular
As gestões participativas populares estão circunscritas ainda a dois níveis
fundamentais de alcance das decisões na sociedade. Um nível micro e outro macro-
social. O nível micro-social refere-se à participação bastante delimitada quanto ao seu
alcance. As participações que ficam restritas às soluções de problemas localizados,
como a construção de uma ponte, a pavimentação de uma rua, o saneamento de um
bairro etc. Os atores sociais com que o Estado dialoga são organizações micro-sociais.
As discussões, as reflexões ficam nos limites de associações de moradores e diversos
tipos de organizações não-governamentais. Nos limites deste nível, os objetivos estão
mais diretamente relacionados com a reprodução das condições de vida que dificilmente
superam a ordem estabelecida. Este é o limite que as políticas de caráter burguês não
encontram dificuldades para executar
61
. O que pode resultar das políticas até este limite
são os constantes aprimoramentos do Estado, pois, as aspirações restringem-se às
61
Um regime demasiado centralizador percebe ameaça até no tipo consultivo de participação. Assim foi a
declaração do então governador Jorge Bornhausen, no Jornal de Santa Catarina em 10 de junho de 1978
sobre o prefeito Dirceu Carneiro (MDB) da cidade de Lages: “não podemos deixar prosperar
republiquetas (...). Não devemos deixar prosperar a ideologia marxista” (Colaço, 1999:97, nota 81).
176
condições do presente, isto é, a ordem burguesa. uma valorização da democracia
burguesa como sendo o máximo de desenvolvimento político possível.
O nível macro-social envolve organizações e propostas mais diretamente
relacionadas com a classe explorada e com a luta de classes. Neste nível surge em cena
a relação das lutas com as aspirações por uma nova sociedade. Deste modo, as lutas
sociais empreendidas pelos oprimidos estão relacionadas com um pensamento utópico,
isto é, “o que aspira a um estado não-existente das relações sociais, o que lhe dá, ao
menos potencialmente, um caráter crítico, subversivo, ou mesmo explosivo” (Löwy,
1987:12). Utopia como sendo o que ainda não obteve efetividade em algum lugar; o que
ainda não se realizou; o que ainda há de vir como resultado de uma ação social e
política que contrapõe ao que está posto e o subverte.
A relação entre os níveis e os graus de participação popular permite visualizar
os limites e os alcances políticos do processo participativo, especialmente, quando o
envolvimento de setores populares.
Quando relacionamos o grau informativo, o grau consultivo e o grau de
elaboração/recomendação com o nível micro, a cooptação de lideranças é uma
ocorrência bastante freqüente (Cf. Teixeira, 2001a:166-167, 199). Nota-se uma
gigantesca diferença entre as forças dirigentes e as forças dirigidas. Não se realiza
nenhum controle da sociedade sobre o poder político e a burocracia de Estado dispõe de
controle absoluto sobre a situação. Os setores sociais passam a ser simples instrumentos
de legitimação do poder de Estado. Chega-se a executar políticas que distribuem renda,
mas nunca acenam para a distribuição e transferência de poder (Cf. Demo, 1996: 7 e 42;
e Costa, 1993:63). Até o grau consultivo e nos territoriais subnacionais, a burocracia de
Estado não se sente muito incomodada com a participação popular. Deste modo “o povo
jamais governa, mas sempre se pode usar uma definição pela qual o povo governa”
(Schumpeter, 1984:309).
Postura deste tipo é a assumida pelo então prefeito de Recife entre 1978 e
1982. Ela revela o objetivo subjacente à política do governo central e que foi assumida
pela política efetivada pelo poder local. O prefeito Gustavo Kause (ARENA, e depois,
PFL) chegou a declarar o propósito central de sua política de planejamento participativo
177
como sendo da busca de legitimidade administrativa (Cf. Soares & Soler, 1992:17; e,
Silva, 2003c:308-322). Ele necessitava “buscar nas ruas a legitimidade que não tinha
nas urnas (...) através de uma mudança no curso dos investimentos” (Andrade,
1997:88).
A necessidade imediata para o prefeito de realizar este objetivo era o fato de ele
haver sido indicado para o cargo por Marco Maciel, então governador do Estado de
Pernambuco. Krause foi o que popularmente se chamou de prefeito biônico. O
planejamento participativo estava implícito na proposta política do governo federal
por meio do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), no qual se manifestou que
acentuou a preocupação com as desigualdades sociais e com as conseqüências da crise
de energia. Afirma-se que um dos princípios do plano era o da “responsabilidade
compartida da ‘área social’ e da ‘área econômica’ na solução dos problemas sociais”
(Demo, 1981:76). O II PND ainda define expressamente o objetivo da participação
popular como o de “preservar a estabilidade social e política” (Secretaria de
Planejamento, 1974:29).
Apesar disso, a postura de Krause rendeu-lhe alguns problemas no interior do
seu próprio partido e do legislativo municipal, que qualificavam o seu discurso como de
esquerdista radical. O governador o sustentou no cargo, apesar de não poder fazer
discursos com mesmo teor que procurava se relacionar no Estado inteiro com
prefeitos mais conservadores e que repetiam a convicção de que discursos deste teor
constituíam grande risco para à ordem social. O risco era calculado e necessário. O
regime militar dava sinais de esgotamento e precisava chamar à cena política os
cidadãos que haviam sido deixados à margem do processo. O poder político necessitava
ampliar as bases sociais de sua própria sustentação (Cf. Andrade, 1997:119-118, 161).
A ordem burguesa constitui os cidadãos. A cidadania é o desfrutar da igualdade
jurídica por parte de individualidades-sujeitas diante do Estado. Esta condição acaba por
encobrir as desigualdades de classes, e as lutas sociais desta ordem social acabam por se
limitar às reparações de prejuízos diante de uma ordem legal que distribui,
assimetricamente, os produtos do trabalho num mesmo território. As individualidades
neste contexto perdem suas potencialidades de contestação que interferem nas
proposições de gestões participativas do Estado (Cf. Azevedo & Anastásia, 2002:81).
178
Estas gestões ficam nos limites das exigências de prestação de contas, de
responsabilização de gestores por uma maior racionalidade das implementações de
políticas e de aplicação dos recursos públicos, isto é, ficam restritos à accountability. “À
sociedade civil cabe, sim zelar pela transparência das ações e responsabilização dos que
as promovem, pois, autolimitada, não pretende substituir o Estado” (Teixeira,
2001a:196).
Assim, evita-se o questionamento da organização que sustenta um ambiente
hostil à classe trabalhadora. E a situação tende a piorar. As empresas “não se limitam a
procurar nichos de mão-de-obra mais cil e barata, mas inclusive outras empresas que
serão contratadas para produzir, na parte ou no todo, a custos mais interessantes, as
mercadorias planejadas” (Almeida, 1996:68). Deste modo, a reprodução da força de
trabalho perde muito da sua sustentabilidade local e fica à disposição de processo
permanente de migração, ou de ver sua qualidade de vida ser constantemente degradada.
Muitas vezes, a classe trabalhadora tem que exercer atividades produtivas fora do
período em que é assalariada para complementar os recursos necessários para garantir
uma sobrevivência mínima (Cf. Bernardo, 1991a:194).
Do ponto de vista da classe trabalhadora desponta a necessidade de considerar
o nível macro-social. Pois, quanto mais elevado for o grau de participação popular,
menor é a interferência dos organismos de nível micro-social na criação de alternativas
ao poder político burguês. O nível macro-social permite tratar melhor as relações sociais
de classes e as lutas sociais adquirem um alcance que podem ser atendidas com a
busca de realização de uma utopia que constitui e difunde uma alternativa radical ao
ordenamento social vigente.
As inter-relações do nível macro com os graus informativo, consultivo e o de
elaboração/recomendação revelam uma luta entre defensores de projetos socialmente
amplos e um Estado (com sua burocracia) pouco disposto a ceder espaço efetivo de
participação, exceto para concordar, ou inserir ações condizentes com a política do
Estado que estiver em curso (não contraditória à ordem burguesa). Assim, o governo do
Presidente Fernando Henrique Cardoso argumentou que “direitos sociais eram
privilégios e entraves ao desenvolvimento econômico” (Silva, 2003b:71). Isto
demonstra o compromisso político de suas políticas com a ordem burguesa e sua
179
reprodução ao promover um leque de reformas que diminuíram o valor pago à força de
trabalho, tanto de maneira direta como indireta. O resultado dessa política foi o menor
custo para os empreendimentos empresariais e maior acumulação de capital.
É a partir do grau de co-gestão, seguindo para o grau de delegação e,
finalmente, o grau de autogestão popular que o confronto evidencia o aspecto
antagônico das lutas entre exploradores e explorados. Apesar de haver certa
ambivalência no grau de co-gestão, é nele que se passa a decidir a tomada efetiva de
direção a favor da classe dominada em condições mais favoráveis aos explorados. Mas,
se a participação popular é efetivada com base em organizações micro-sociais o Estado
consegue realizar com relativa facilidade a função de “unificar os interesses
contraditórios das diferentes frações burguesas, o que implica um controvertido
processo de ‘filtragem’ de uma política estatal que, mesmo quando privilegia um
subconjunto do bloco burguês, também leva em consideração as demandas originadas
dos outros componentes deste bloco” (Almeida, 1997:114). As demandas da classe
dominada chegam à burocracia estatal no meio destes conflitos pela partilha de
benefícios que são efetivados por políticas de Estado. Assim, a propagada harmonia
entre Estado e sociedade resultante da co-gestão revela a sua falsidade.
A conseqüência do orçamento participativo foi observada com relação à
Câmara Municipal de Porto Alegre que teve sua “capacidade decisória sobre o
orçamento” seriamente reduzida com a participação popular com objetivo definidos
(Dias, 2002:149). O poder legislativo deixa de exercer uma influência que está entre
suas prerrogativas definidas pela legislação vigente e válida em todo o país. A
possibilidade de superar a ordem burguesa passa a demonstrar seus passos
significativos. As lutas que comportam alternativas condizentes com os objetivos
históricos dos trabalhadores encontram condições mais favoráveis a partir dos graus de
delegação e de autogestão. O desafio está em construir uma democracia participativa
que se contraponha aos objetivos burgueses. Uma das iniciativas que contribuem para
tanto é evitar o pragmatismo (Cf. Macpherson, 1991:124; Pont, 2000:76-83).
180
CAPÍTULO VIII
A GESTÃO PARTICIPATIVA DE CAMARAGIBE
8.1 – Principais modelos de participação popular em gestões estatais
Diversas denominações são dadas atualmente à participação popular nos
governos. As conceituações mais difundidas são as conhecidas por Programa Prefeitura
nos Bairros PPB e também, Programa Governo nos Municípios - PGM, Orçamento
Participativo - OP, Programa de Administração Participativa – PAP, e Orçamento
Democrático - OD. As denominações pouco revelam se a substancialidade em questão é
a mesma, pois, “mudando-se o nome não se muda a coisa” (Marx, 1982:85). São formas
para fazer referência às variações na efetivação da participação popular. O quadro de
nº4 a seguir possibilita visualizar algumas diferenças entre a efetivação da participação
nas gestões públicas.
Quadro nº4
Gestões públicas com participação popular
OP PAP OD PPB/
ITENS Porto
Alegre
Olinda Recife
PGM
Assembléia/plenária
. 1ª rodada X X X X X
. Rodada intermediária X
. 2ª rodada X X
X
. Temática X X X
Audiência pública
X X X
Assembléia ou fórum
de delegados/as
X X X X X X
Conferência
X X X X
Conselho
X X X X X
Fonte: Prefeitura Municipal de Camaragibe, (2000); Ribeiro & Grazzia (2003);
Duchrow, (2004); Lubambo & Coêlho (2005); e, Tavares & Cardoso (2005);
Os governos que procuram efetivar a participação popular em diversos
municípios brasileiros adotam uma denominação que identifique sua forma de
administrar diante de outras gestões. Muitas vezes, estas denominações se limitam a
medidas com o propósito de obter legitimação por meio de campanhas publicitárias.
181
Deste modo, surgiram as referências ao PPB em Recife, e ao PGM, no Estado de
Pernambuco, OP na cidade de Porto Alegre, Recife, Olinda e outras cidades, OD na
cidade de João Pessoa, no Estado da Paraíba, e PAP em Camaragibe.
O quadro anterior permite visualizar as semelhanças e diferenças entre as
propostas de participação popular em torno do orçamento público. A instância decisiva
para efetivar a participação popular é o conselho composto por pessoas comuns do
convívio da população. Trata-se de momentos de ação e de aprendizado. A entrevista
nº8 revela esta realidade. “Quando a gente faz plenária, capacitação, as coisas que não
sei, eu pergunto, e assim a gente cresce. Nestes espaços a gente abre a boca pra falar. Se
o governo está bom, a gente apóia e se estiver ruim a gente aponta outro caminho e na
comunidade a gente caminha de igual pra igual. E assim é também com o prefeito. Se
ele estiver errado eu não minto, nem a pau!”. É o controle popular sobre os rumos da
vida coletiva e para resolver questões diversas. Num momento de conflito entre a
administração e o funcionalismo público diante de uma questão salarial na cidade de
Porto Alegre, o conselho do orçamento participativo tornou-se a instância em que a
questão foi solucionada. Esta instância tornou-se, naquele momento, a instância máxima
de representação da sociedade (Cf. Genro, 1997b:17).
O orçamento participativo de Porto Alegre superou as iniciativas anteriores de
participação popular associando as questões submetidas às decisões populares aos ciclos
orçamentários da gestão pública, que era regido pelos instrumentos legais de
planejamento financeiro: LDO, LOA e PPA, que delimitam o ciclo orçamentário. A
difusão do modelo não levou todos os procedimentos originais. As experiências de
participação popular que estão geograficamente mais próximas de Camaragibe revelam
algumas destas diferenças. Das experiências apresentadas no quadro acima, somente a
de Porto Alegre realiza rodada de plenárias intermediárias, e esta é uma diferença
notória entre a experiência originária e a implantação do modelo na cidade de Olinda.
Na rodada intermediária acontecem as votações de intervenções concretas de acordo
com os temas definidos na primeira rodada de plenárias. Na segunda rodada de plenária
são apresentados os resultados das votações da rodada intermediária. Nas cidades em
que foram suprimidas as rodadas intermediárias, as votações de intervenções concretas
passaram a ser realizadas na segunda rodada, e os resultados das votações são
divulgados nos runs de delegações populares. A proposta denominada de orçamento
182
democrático se diferencia pela não existência de plenárias temáticas e de conferência
municipal. A grande disparidade é notada com relação ao Programa Prefeitura nos
Bairros, que somente tem em comum a realização de fórum ou assembléia de delegados.
O Programa de Administração Participativa de Camaragibe não realiza rodada de
plenárias intermediárias e nem plenárias de segunda rodada e recupera a prática de
audiências públicas que eram uma constante nas experiências anteriores a Porto Alegre.
A redução da participação popular a uma rodada de plenárias resulta em menor controle
popular sobre o orçamento público, uma vez que não ocorre um acompanhamento pleno
do ciclo orçamentário anual.
O controle popular sobre o orçamento público em Camaragibe foi exercido, no
período considerado, através da participação nas conferências, seminários, fóruns e
conselhos. As conferências municipais ocorriam a cada dois anos para cada temática
relacionada com uma política setorial, como: saúde, educação, assistência social,
criança e adolescente, e outros temas. A educação e a saúde ocupam lugar de destaque
entre as políticas setoriais.
a) A política educacional
A política municipal de educação contou com uma considerável intervenção
popular na definição de seus rumos. Foram realizadas pré-conferencias nas regiões
administrativas como meio de definir a delegação popular, realizar discussões prévias e
formular propostas a serem encaminhadas à conferência municipal de educação. O
mesmo procedimento foi adotado com relação a outras políticas setoriais.
As discussões das conferencias municipais de educação giraram em torno da
garantia do acesso e permanência na escola; melhoria das condições de ensino;
valorização da equipe de profissionais envolvidos com a educação; gestão participativa;
e, financiamento das ações educativas (Cf. Araújo, 2005:330-333 e Santos, 2005:390).
As discussões foram feitas com parte de um esforço no sentido de romper com a cultura
dominante que hegemoniza as ações educacionais visando contribuir com o processo de
emancipação popular (Cf. Reis, 2005:450).
183
b) A política de saúde
As ações de saúde fazem parte do programa político para o respectivo setor,
cuja implantação tornou-se possível a partir da confluência entre a vontade política do
gestor municipal em efetivar um modelo mias resolutivo e a participação popular, que
discutiu a temática, assimilou o seu conteúdo e passou a controlar a execução das ações
pertinentes ao programa. A maior atenção à saúde preventiva fez com que o programa
privilegiasse o Programa de Saúde da Família. Deste modo, houve uma concentração e
diminuição da procura indevida pelos serviços de alta complexidade em saúde pública
(Cf. Muniz, 2005:187 e 194). A eficiência do serviço de saúde no nível primário
permite encaminhar aos postos de serviços de nível secundário as pessoas que realmente
necessitam de consultas especializadas como: apoio diagnóstico, meios terapêuticos e
maternidade, oftalmologistas, dermatologistas, etc. Nem todos os municípios podem
oferecer serviços ao nível terciário (Cf. Feitosa, 2005:266).
A mudança nos procedimentos que compõem a política municipal de saúde
exigiu um esforço em qualificar os servidores públicos, esclarecer à população sobre as
vantagens do novo modelo e capacitar, especialmente a composição popular do
conselho municipal de saúde em relação à nova proposta de ação política (Cf. Muniz,
2005:196-199 e Feitosa, 2005:262). O novo modelo em assistência à saúde exigiu ainda,
um melhor conhecimento da realidade local. Para tanto, foi necessário um considerável
investimento nos estudos para a montagem de perfis epidemiológicos que apontassem
os problemas a serem enfrentados. A partir deste diagnóstico é que foi elaborado um
programa de saúde e realizada a contratação de profissionais adequados às necessidades
locais (Cf. Medeiros & Mendes, 2005:224-230 e 246).
Nos momentos em que um tema qualquer exige esclarecimentos teóricos e
capacitações específicas, são realizados seminários com a participação popular e
discussão conjunta dos problemas. As plenárias possibilitaram que a população opinasse
sobre as intervenções indicadas pela prefeitura municipal e pela delegação popular e
ainda, indicar outras intervenções. Estes procedimentos ocorriam a cada dois anos. O
fórum de representação popular realizava a finalização do Plano de Obras da cidade. O
controle popular mais sistemático é realizado em Camaragibe, por meio dos conselhos
instituídos com esta finalidade.
184
c) A política assistencial
A política assistencial teve uma interface com a política de saúde. A
desnutrição de uma faixa da população da cidade era um sério problema. O governo
municipal aceitou a proposta de aquisição e distribuição de um produto elaborado pela
Universidade Federal de Pernambuco e socorrer a uma população desprovida dos
menores meios de sobrevivência. Foi implantado um projeto piloto no bairro de
Tabatinga e difundido posteriormente conforme a demanda encontrada no município. A
entrevista nº1 aborda o ponto central da sustentação desta política do seguinte modo: “o
projeto piloto vai discutir o problema de desnutrição com Dra. Naide Teodósio, a
Secretaria Municipal de Saúde e o Departamento de Farmácia, produzindo o “Protenol”
(produto feito à base de sangue de boi) para combater a desnutrição”.
d) A política para crianças e adolescentes
A gestão de Paulo Santana foi premiada diversas vezes em razão do teor das
políticas municipais em Camaragibe. O aprimoramento da política voltada às crianças e
adolescentes fez o município atender às necessidades das crianças em idade pré-escolar.
A crise da indústria de tecidos associada à crise fiscal teve um sério impacto na
execução de todas as políticas e quebrou a legitimidade popular do governo exatamente
onde o mesmo havia recebido diversos prêmios. A entrevista nº1 expressa a abrangência
da crise sobre as políticas empreendidas pela gestão. “Foi contratada uma consultoria
para apontar solução e o indicativo foi fechar a maternidade e demitir pessoal, reduzir o
programa de agente comunitário de saúde e um terço do Pessoal de educação e cancelar
o atendimento de crianças com idade inferior a sete anos”.
8.2 - Os conselhos e a (des)ordem social
Duas grandes tradições teóricas ocupam-se dos conselhos no percurso da
história. A mais antiga delas tem em Aristóteles um dos seus destacados expoentes. A
outra, bem mais recente, tem sua expressão mais clara e incisiva em Lênin seguindo as
reflexões de Marx. A primeira destas tradições limita-se à problemática do exercício do
185
poder de Estado e da sua funcionalidade em contextos sociais e econômicos
diversificados onde o domínio e a exploração de uma classe social por outra é a
característica inquestionável e reproduzida. A segunda tradição teórica tem suas
atenções voltadas para o deslocamento do poder de sua centralidade estatal para a
dinâmica imediata das forças sociais com o intento de superar o poder de Estado e a
dominação de classe.
Aristóteles propagou o recurso ao conselho como sendo uma instituição
adequada aos Estados que não dispõem de meios suficientes para sustentar um
mecanismo de decisão social e política com expressão representativa da população dos
territórios em que os mesmos Estados exercem o poder. Para ele, “a magistratura mais
popular é um senado ou um conselho geral, em todo o Estado que não tem condições
para pagar o comparecimento às assembléias” (Aristóteles, 1966:217. A política, liv.
VII, cap. I, § 9). Assim, na concepção aristotélica, o conselho não passa de um recurso
apropriado aos Estados em sociedades economicamente frágeis quanto a sustentação de
um aparelho político que comporte uma assembléia permanente de representantes da
sociedade. Trata-se de uma reflexão limitada às possibilidades econômicas de manter
um mecanismo cujo funcionamento depende de considerável quantidade de valores
extorquidos (de frações) da sociedade. Este tipo de reflexão circunscreve os conselhos
no interior do conjunto das instituições estatais.
É em conformidade com esta orientação teórica que são efetuadas grande parte
das reflexões sobre os conselhos que são encarregados de deliberar sobre a execução de
políticas setoriais. Deste modo, os conselhos constituem uma “esfera pública ampliada,
uma vez que é uma extensão do Estado até a sociedade através da representação desta
(Teixeira, 2000:103). Os limites apontados para estes conselhos são relacionados aos
aspectos funcionais e à natureza constitucional dos mesmos.
As observações críticas relacionadas aos aspectos funcionais centram suas
atenções sobre a capacidade dos conselhos em efetivar as próprias deliberações. Estes
conselhos passam a assumir a implementação de políticas que antes estavam
inteiramente sob a responsabilidade do Estado. Este encargo pode colocar os conselhos
numa ambigüidade funcional. Por um lado, eles precisam exercer a cobrança de
responsabilidade do Estado e a destinação de recursos correspondentes e em quantidade
186
suficiente para a execução de determinadas políticas. Por outro lado, eles passam a ser
elemento de legitimação estatal diante da sociedade (Cf. Tonella, 2003:107). Esta crítica
não atinge a essência dos conselhos, mas revela a incapacidade estatal transferida a eles
no contexto do capitalismo. O Estado burguês implementa a sua política econômica de
acordo com recursos tributários provenientes de um sistema elaborado, sustentado e
gerenciado pela burocracia estatal. Mesmo nos países em que a distribuição de renda é
menos dispare uma impossibilidade, para o capitalismo, de colocar em prática “um
sistema tributário com base no princípio do benefício recebido” (Santos, 2001:71-72).
Por isso, o discurso burocrata desloca o debate sobre tributos arrecadados pelo Estado e
benefícios proporcionados à população para o lado das despesas. É o corte de despesas
que ocupa a pauta de discussão cujos reflexos atingem a própria burocracia quando a
solução gira em torno do Estado mínimo (Cf. Lopreato, 2002:119). Os objetivos
populares chocam-se com os definidos pela burocracia estatal. Por isso, é preciso perder
a ilusão de que administrando bem o Estado poder-se-á obter mudanças condizentes
com os interesses efetivamente populares (Cf. Rodrigues, 1997:67).
A crítica atinge os conselhos mais diretamente quando se trata dos setores
sociais que participam da composição dos mesmos. Se os conselhos se constituem como
o local em que os atores sociais se defrontam com o objetivo de elaborar programas de
ação e opor estratégias com interesses díspares por recursos delimitados por outra
instância de poder, eles cumprem somente uma função de acomodar os conflitos sociais
(Cf. Reis & Freire, 2003:89).
É com este contorno discursivo que aparece nas referências de participação
popular a proposta de co-gestão como forma de partilha do poder entre o Estado e a
sociedade. A composição do Conselho do Orçamento Participativo que mais assume
efetivamente a co-gestão é a que se observa na cidade Santo André, no Estado de São
Paulo, que possui caráter deliberativo e conta com igual número de representantes da
sociedade e do governo (Cf. Daniel Filho, 2003:163). Mas a proposta de co-gestão, da
forma como está exposta, é problemática quando se observam os segmentos sociais que
tomam parte do conselho. É próprio do poder burguês efetivar “um equilíbrio
determinado que obtém, alternadamente, este ou aquele partido do tabuleiro político”
(Gramsci,1980:29). Se a participação popular reproduz a composição de classes
antagônicas ou uma prevalência dos representantes de classe com quem o Estado é
187
comprometido em suas políticas (Capítulo III), esta co-gestão revela a sua face
impositiva, como é da natureza do poder burguês, que não mais significa do que “o
despotismo ilimitado de uma classe sobre as outras” (Marx, 1978:26).
Entretanto, os conselhos comportam uma potencialidade que não se esgota nos
limites da sociedade burguesa em razão do domínio e exploração de classe que
caracteriza esta sociedade. Apesar das restrições contextuais burguesas os conselhos são
“capazes de gerar interesses ao invés de simplesmente reproduzi-los(Rolim, 1989:16.
Grifos do original). Gramsci ressalta a potencialidade pedagógica dos conselhos que, ao
procurar satisfazer as necessidades do presente, questiona as limitações impostas pela
sociedade burguesa e contribui para reunir forças sociais contrárias à situação caótica
das sociedades de classes, além de contribuir no desenvolvimento de outra sociedade
conforme as aspirações do proletariado (Cf. Gramsci & Bordiga, 1981:33-34).
Quando os conselhos passam a revelar os interesses substancialmente
populares fica mais claro o posicionamento de classe social nas medidas efetivadas por
eles e o caráter antagônico da administração fica mais transparente (Cf. Genro,
1997b:30). Mas é necessário superar uma participação extremamente localista, pois as
questões abrangentes da vida coletiva não se restringem ao âmbito local, como em
Camaragibe (Capítulo II). A democracia participativa é um momento de aprendizado
popular. A entrevista nº7 testemunha este fato. “Tudo que aprendi até hoje vale para
melhorar a sociedade, e lutamos para conseguir uma sociedade melhor (...). Nós
sabemos de muitas coisas que temos direito, mas a gente vai pedir e eles ficam ali... oh!
Trancando e não dá os nossos direitos. As pessoas entendendo, podem se organizar, ver
seus direitos respeitados”. Assim a democracia participativa “permite às pessoas ter a
possibilidade de decidir o orçamento público e nesse processo ir desnudando o Estado,
aprendendo como ele funciona, como se organiza e, assim, ganhando o controle sobre
ele” (Pont, 1997:47). Foi com intuito deste tipo que Lênin defendeu a transferência de
todo o poder aos sovietes e, com isto, definiu o meio para estilhaçar a redoma protetora
dos mecanismos políticos diante da força dos trabalhadores organizados.
É quando os conselhos forem constituídos de trabalhadores que definem
coletivamente todas as questões, que eles se tornam instrumentos de organização na
busca de uma nova sociedade. Marx sustentava que “o reino da liberdade começa onde
188
o trabalho deixa de ser determinado por necessidade e por utilidade exteriormente
imposta; por natureza, situa-se além da esfera da produção mercantil propriamente
dita”. Quando os trabalhadores tomarem para si mesmos a condução das resoluções e
encaminhamento das decisões coletivas é que uma nova sociedade será plenamente
realizada. Esta utopia somente pode se tornar realidade a partir do momento em que os
limites da sociedade capitalista forem definitivamente rompidos. A liberdade nesse
domínio pode consistir nisto: o homem social, os produtores associados regularem
racionalmente o intercâmbio material com a natureza, controlam-no coletivamente, sem
deixar que seja a força cega que os domina; efetuam-no com o menor dispêndio de
energias e nas condições mais adequadas e mais condignas com a natureza humana”
(Marx, 1980e:942. O Capital, liv. III, vol. VI , cap. XLVIII).
8.3 – Os conselhos e a (in)sustentabilidade da produção capitalista
A produção capitalista proporciona vantagens demasiadamente significativas à
classe dominante na formação social burguesa. Nesta sociedade, o poder de Estado
garante asa condições e direciona recursos de tal modo que a fração financeira dos
capitalistas possa conceder empréstimos a juros que viabilizam a aquisição e
manutenção de meios de produção. A relação contratualmente regida entre capitalistas e
proletários garante que os trabalhadores adiantem trabalhos aos proprietários dos meios
de produção por uma remuneração monetária posterior (Cf. Marx, 198a:594. O Capital,
liv. I, vol II, cap. XIV).
A competição entre os próprios capitalistas e os conflitos antagônicos entre a
burguesia e proletariado são elementos significativos que compõem e orientam os
desenlaces das crises características da sociedade burguesa. A lógica da produção desta
sociedade objetiva a realização dos valores extorquidos em volumes cada vez mais
concentrados.
O objetivo principal dos capitalistas industriais é o de efetivar uma produção em
que consigam relacionar menores custos com maiores benefícios. Esta relação encontra
limitações na reprodução das condições de sua realização. Estes limites são de três
tipos. O primeiro tipo de limite é o da manutenção dos meios de produção. É necessário
investir parte da mais-valia para garantir a continuidade da obtenção de mercadorias.
189
Quando a preocupação é com a (in)sustentabilidade econômica a questão se volta para a
realização da mais-valia extorquida e as análises de risco encontram um terreno fértil e
abarrota as instâncias de assessorias e decisivas do Estado burguês.
O segundo tipo de limite é o da reprodução dom meio ambiente. Os ecossistemas
são capazes de transformar os resíduos resultantes da produção industrial, porém num
ritmo muito mais lento do que a velocidade do processo gerador destes resíduos. Este
limite tem sua relação direta com o ecossistema. A prática de abandonar terras arrasadas
e explorar outras localidades atingiu os limites toleráveis, a ponto de ser necessário
restringir o uso dos recursos naturais antes que o esgotamento deles se torne uma
realidade irreparável diante dos danos causados à água, ao solo e ao próprio ar. Esta
preocupação obteve sua maior ressonância a partir do ano de 1968, quando foi
publicado o relatório do Clube de Roma sobre o dilema da humanidade (Cf. Meadows,
et. al. 1973:11, 65 e 130). Como os efeitos ambientais da industrialização não são
perceptivelmente imediatos, os capitalistas resistem diante da implantação das medidas
de controle residuais, pelo fato de acarretarem maiores custos de produção. Neste ponto,
a intervenção do Estado torna-se necessária para normatizar os procedimentos
produtivos.
O terceiro tipo de limite é o da reprodução da força de trabalho. Os capitalistas
podem tentar reduzir os salários ao mínimo que puderem, mas nesta ação encontram a
resistência dos trabalhadores. Esta resistência é funcional ao capitalismo quando fica
restrita à reprodução empregatícia da força de trabalho, e cujos encargos estão sob a
responsabilidade do Estado. Este limite relaciona-se as condições sociais. Quando os
trabalhadores superam o fracionamento a que são submetidos enquanto classe e passam
a concentrar suas atenções num projeto cujas bases econômicas são incompatíveis com
sociedade burguesa, o antagonismo entre estas duas classes sociais resulta em lutas pela
destruição do projeto burguês de sociedade.
Os conselhos populares cujas substancialidades são compostas pelas questões
que envolvem os limites acima expostos colocam-se no campo de questionamento da
ordem social vigente. Com a propagação da crise de realização, a classe trabalhadora é a
que teve valores extorquidos, e depois, perde também os devidos salários. Os
transtornos da degradação ambiental encontram seus mais sérios impactos no
190
contingente de trabalhadores. São os trabalhadores que mais sentem os efeitos da
concentração de valores e da propriedade privada dos meios de produção. Todos os três
limites revelam áreas de estrangulamento do projeto social burguês. Eles revelam a
tensão que fará romper o fio que sustenta a espada de Dâmocles e degolar os estratos
sociais que se posicionam destacadamente acima e extorquem os produtores diretos.
Defender um modelo de co-gestão num contexto destes é tentar fazer com que a classe
trabalhadora contribua decisivamente com a gerência dos negócios de uma sociedade,
de cujos resultados ela é impedida de usufruir plenamente. Ainda a necessidade de
uma organização consistente e duradoura da classe trabalhadora para prover os
conselhos populares de substancialidade e efetividade condizentes com um projeto de
classe que vise atingir a gerência completa das coisas de modo autônomo.
O modelo de gestão da cidade de Camaragibe abarca estas questões de uma
forma original. O conselho de desenvolvimento sustentável recolhe subsídios de três
fóruns intersetoriais. O primeiro destes fóruns responde pelo desenvolvimento
econômico e social. O segundo fórum ocupa-se do desenvolvimento urbano e
ambiental. E, por fim, o terceiro fórum cuida das questões do desenvolvimento sócio-
cultural. Estes três fóruns estão relacionados com os limites da sociedade burguesa. Eles
são subsidiados pelos conselhos setoriais que enfrentam as questões cotidianas e
elaboram problemas para serem discutidos nos respectivos fóruns. Os conselhos
setoriais acompanham a execução das políticas pela burocracia estatal que foram
discutidas e elaboradas pelas conferências e seminários. Este controle social sobre a
burocracia por um conselho substancialmente proletário conduzià inutilidade deste
instrumento de dominação e de exploração de classe.
8.4 - O conselho da cidade de Camaragibe
A primeira tentativa de efetivar uma gestão pública com participação em
Camaragibe resultou em fracasso diante da negativa do prefeito na época, apesar de a
participação popular haver sido o recurso discursivo na busca do voto por Arnaldo
Guerra. A gestão posterior, com o prefeito João Lemos implementou a participação
popular na secretaria de saúde, sob a direção de Paulo Santana que, sendo candidato na
eleição posterior, estimulou a efetivação da proposta participativa para a gestão
municipal em sua totalidade.
191
Durante o processo eleitoral, no ano de 1996, foi realizado o primeiro fórum da
cidade em que foi possível reunir e sistematizar subsídios para embasar a administração
popular. Uma das deliberações do rum de 1996 adotou a divisão do território
municipal que era utilizada no planejamento das ações de saúde em cinco regiões
administrativas. Medidas deste teor revelam a preocupação com as diferenças notadas
no território e apontam para um planejamento das ações e desenvolvimento de
programas apropriados para cada problema característico de determinadas frações
territoriais. O fórum definiu também a proporção da delegação regional como sendo a
relação de uma pessoa representante para cada mil habitantes, desconsiderando as
frações inferiores a este parâmetro. A partir do fórum, esta divisão territorial tornou-se
a base de definição das prioridades regionais, cujo conteúdo orientou a elaboração do
programa de governo que foi difundido durante a campanha eleitoral (Cf. Moura,
2005:46).
As conclusões do fórum de 1996 ficaram conhecidas com a denominação de
Pacto de Camaragibe. O candidato Paulo Roberto de Santana se comprometeu
publicamente com a observância do pacto a todo custo. Mas a efetiva administração
popular não pode se resumir a este item de gestão dos negócios públicos. É preciso que
a condução dos negócios públicos seja efetivamente subordinada aos trabalhadores
organizados e com forças sociais suficientes para quebrar os sustentáculos da sociedade
de dominação e de exploração de classe. A participação popular ainda carece de
abrangência suficiente para dobrar sob suas decisões os aparelhos burocráticos de
Estado em níveis superiores ao municipal. Quando o prefeito Paulo Santana realizou
suas peregrinações aos órgãos da administração federal para tratar das questões de
Camaragibe, ele não conseguiu expressar força suficiente para modificar um critério de
distribuição de recursos. A lógica da participação popular ainda não havia se tornado
uma realidade a ser considerada nos níveis superiores da federação brasileira.
Para que a participação popular que está sendo difundida nas cidades seja
nacionalmente influente ainda há um bom caminhão a ser percorrido. Um maior número
de cidade precisa vivenciar e adotar um tipo participação tendendo para a autogestão
sob o controle dos trabalhadores de modo irreversível e com decisões que repercutam
nacionalmente e até mesmo mundialmente. É com abrangência mundial que o controle
192
popular poderá quebrar a lógica da produção que gera concentração de riquezas de um
lado e misérias do outro. O quadro a seguir apresenta a composição de cada região
administrativa com o quantitativo da delegação correspondente.
Quadro nº5
Distribuição dos bairros de Camaragibe entre as regiões administrativas e a
quantidade da delegação correspondente a cada região
Relação entre os bairros por região administrativa e a delegação popular
REGIÃO LOCALIDADE DELEGAÇÃO
01
Bairro Novo, Carmelitas, Alto Pe. Cícero, Alto do
Cemitério, Timbi, Privê Vermont, Viana, Santo
Antônio, Córrego do Desastre, Céu Azul, Celeiro,
Borrione, Expansão Timbi, Santa Tereza, Bairro
dos Estados, Terezópolis, Areinha, Areeiro,
Cosme e Damião, Vila Nova da Várzea, Boa
Vista, Aldeia de Baixo, Aldeia de Cima,
Flamengo, Vila da Fábrica.
50
02
Santa Mônica, São João e São Paulo, Chácara
Pedreira, Paulo Afonso, Santana, Estação Nova,
João Paulo II, Campo Alegre, Alberto Maia, Santa
Maria, Santa Terezinha, N. S. do Carmo.
25
03
Vila da INABI, Nazaré, Primavera, Vale das
Pedreiras, São Pedro, e São Paulo.
14
04
Jacaré, Tabatinga, Córrego da Andorinha, Córrego
do Burro, Córrego do Paletó, São Jorge, e Ostacil.
18
05
Pau Ferro, Peroba, Oitenta, Chácara Petrópolis,
Aldeia, Telebrás, Luzanópolis, Araçá, Cristo Rei,
Vera Cruz, e Borralho.
13
TOTAL 61 120
Fonte: Moura, 2005:49.
A região administrativa 01 abarca as iniciativas de providenciar instalações
habitacionais deste a época dos engenhos de açúcar, como foi o caso do Engenho Timbi.
Foi também nas proximidades do mesmo local que o engenheiro Carlos Alberto de
Menezes escolheu para implantar a Fábrica de Tecidos e a Vila da Fábrica. A fábrica
faliu, mas a concentração populacional continuou no mesmo local com poucas
modificações.
193
O quadro e o mapa do município de Camaragibe mostram uma concentração
populacional em torno da Vila da Fábrica com destaque para a Região Administrativa
n°1.
Mapa nº2
Divisão do território de Camaragibe em Regiões Administrativas.
Fonte: Prefeitura Municipal de Camaragibe, 2000:8.
A região administrativa 01 concentra a maior quantidade populacional -
resultado da expansão urbana a partir do núcleo original da Vila da Fábrica – e, por isso,
tem maior peso na participação popular. A Lei Orgânica de Camaragibe, que é de 1990,
estabelece no Art. 320 “a participação popular em todos os níveis decisórios de seus
órgãos e entidades da administração direta e indireta” e, ainda, aponta como objetivo
desta participação os seguintes: “Formular políticas e diretrizes da ação pública
municipal global e setorial; Estabelecer estratégias de ação e encaminhamento de
soluções dos problemas municipais”. Quanto ao orçamento público, a mesma lei define
os objetivos de: “Elaborar o plano plurianual, projetos de leis, diretrizes orçamentárias e
orçamento anual; elaborar o plano diretor e planos, programas e projetos setoriais;
fiscalizar e controlar a administração municipal”. As indicações de participação popular
descritas acima apontam para a superação da (des)ordem social burguesa sob condições
de efetivação desta participação, conforme a tipologia apresentada no capítulo anterior.
O modelo de gestão de Camaragibe implantado a partir de 1997 segue esta direção. Se a
implantação do modelo de gestão participativa encontrou grandes resistências na
Câmara Municipal de Vereadores, isto revela que houve a adoção de um texto
194
normativo elaborado por uma consultoria avançada sem muitos questionamentos. O
quadro abaixo apresenta a estrutura do modelo.
Quadro nº6
Estrutura do modelo de participação popular de Camaragibe de 1997/2004.
Fonte: Prefeitura Municipal de Camaragibe, 2000:05
A estrutura do modelo de gestão que foi desenvolvido pelo governo petista de
Camaragibe, no período de 1997 até 2004, está embasada em três eixos de sustentação
dos trabalhos. O primeiro destes eixos é o da deliberação; o segundo eixo é o da gestão
setorial e intersetorial; e, o terceiro eixo é o da execução das políticas para o município.
A instância xima de gestão da política municipal no modelo acima está
confiada ao Conselho de Desenvolvimento Sustentável. Este conselho é a instância
gerenciadora de todas as políticas e, por isso, ele funciona como o conselho da cidade.
A composição deste conselho ainda é problemática. Ainda não uma significativa
presença de trabalhadores neste mecanismo de decisão. O conselho ainda não dispõe de
um poder definitivo sobre as questões da cidade. Tanto é que a falência da única fábrica
de tecidos instalada no território municipal e a busca de soluções para o problema não
passou pelo Conselho de Desenvolvimento Sustentável. Questões de alta relevância
195
para os habitantes de Camaragibe despontam deste fato. Como é que um local tão
atraente para a realização do investimento de capital em 1895 não conseguiu sustenta-
lo? Se houve modificações no mercado nacional e internacional de tecidos a gerência do
empreendimento não soube realizar as devidas adaptações aos novos tempos. De
qualquer modo, o conselho ainda não dispunha de poderes suficientes para controlar o
capital com suas opções de realização dos investimentos e quebrar os mecanismos que
garantem a exploração da mais-valia.
A este conselho se reportam os fóruns de desenvolvimento econômico-social,
urbano e ambiental, e sócio-ambiental, que delineiam a gestão das políticas
intersetoriais do município. As políticas setoriais (saúde, educação, criança e
adolescente, assistência social...) são gerenciadas com a presença indispensável de
conselhos a elas correlatos de acordo com a dinâmica, as exigências e as condições da
administração pública. A entrevista nº1 aponta para o objetivo primordial da gestão
pública: “A gente faz um movimento interno e um movimento externo com as
associações de moradores tentando interagir o governo com a sociedade. Externamente
a gente faz a ação participativa. São nossas idas aos bairros. Todo o governo vai para o
bairro, não para fazer despacho, mas para debater com a população problemas em
pequenas intervenções para a melhoria da qualidade de vida que é o elemento central
do governo”. A deliberação constitui o outro eixo da gestão. As deliberações sobre as
políticas municipais são reservadas às conferências e aos seminários relacionados com
os conselhos de políticas setoriais.
O último eixo é o que comporta a execução das políticas e fica sob a
responsabilidade dos órgãos da burocracia estatal local, organizada num conjunto de
secretarias e uma fundação. Durante o período considerado, estes órgãos eram os
seguintes: SEGOV (Secretaria de Governo), SEPLAN (Secretaria de Planejamento),
SECIMP (Secretaria de Imprensa), SEFIN (Secretaria de Finanças), SECAD (Secretaria
de Administração), PROGEM (Programa de Geração de Emprego e Renda), SESAU
(Secretaria de Saúde), SECED (Secretaria de Educação), SEAS (Secretaria de
Assistência Social), SECOB (Secretaria de Obras), Fundação de Cultura. As instâncias
executivas estão submissas a um conjunto de mecanismos de discussão e de deliberação
em que o controle social é substancialmente colocado. Este controle precisa ser
efetivamente exercido. A falta de controle sobre todo o ciclo orçamentário deixa muita
196
margem de decisões aos órgãos da burocracia estatal. O quadro a seguir apresenta as
instâncias com as competências e os atores da gestão participativa de Camaragibe.
Quadro nº7
Relações entre as instâncias de decisão, as competências, e a constituição dos que
tomam as respectivas decisões.
Dinâmica deliberativa e executiva da gestão participativa
INSTÂNCIAS
COMPETÊNCIAS
ATORES
Conferências
E seminários.
Delibera sobre a
formulação de
políticas.
Delegados, representantes da
sociedade e dos conselhos objeto da
natureza da discussão.
Conselho de
desenvolvimento
econômico
sustentável.
Gestão da cidade.
Delibera sobre a
execução articulada
das políticas.
. Representante maior dos poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário.
. 01 representante de cada conselho
setorial.
. 01 representante governamental da
temática que é objeto de decisão.
Conselhos e
órgãos similares.
Gestão setorial de
políticas.
Conselheiros governamentais e não-
governamentais.
Fóruns de
desenvolvimento
Gestão intersetorial
de políticas.
Representantes de todos os
conselhos setoriais e organizações
sociais.
Unidades
administrativas.
Operacionalização
das políticas.
Trabalhadores da administração
municipal.
Fonte: Prefeitura Municipal de Camaragibe, 2000:5.
O quadro acima dispõe de uma dinâmica de deliberação e de execução que
relaciona as instâncias de acordo com as competências correspondentes e quem
participa das tomadas de decisões e assumem as tarefas executivas. A dinâmica
deliberativa e executiva da gestão participativa de Camaragibe tende a submeter o poder
de Estado às decisões populares. A dinâmica proposta coloca a operacionalização das
políticas pela burocracia estatal subordinada às gestões das políticas setoriais e
intersetoriais aos respectivos conselhos e fóruns cujas substâncias de gestões centram-se
no Conselho de Desenvolvimento Econômico Sustentável. Mas, a instância máxima de
onde despontam as deliberações está reservada às conferências e aos seminários
197
periodicamente realizados. Nesta instância, o poder de decisão está sob a vontade da
delegação popular e de representantes da sociedade e dos conselhos cujo tema é o objeto
do seminário ou da conferência. Esta dinâmica procura submeter as atividades da
burocracia de Estado ao controle das massas populares. Quando isto proporciona um
controle efetivo e permanente da classe trabalhadora sobre o aparelho de Estado um
poder político socialista (Cf. Saes, 1998a: 24s). Mas, até que ponto esta perspectiva se
tornou realidade em Camaragibe?
A tipologia da participação popular revela que esta expressão comporta a
execução de política de políticas a partir de projetos sociais bastante díspares. A própria
expressão “gestão participativa” foi utilizada pelo governo do Estado do Ceará a partir
do ano de 1995. Porém, no modelo cearense, o conselho de desenvolvimento
sustentável é subordinado ao governo do Estado. A concepção do modelo somente
reformula o discurso burguês tornando-o atraente para os setores ambientalistas e
procura superar o conflito entre um desenvolvimento que busca atender as necessidades
humanas e um desenvolvimento que produz mercadorias para serem levadas ao
mercado internacional (Cf. Küster, 2003:150, 156-158). Assim sendo, a produção local
torna-se refém da lógica da produção capitalista.
É fundamental nesta observação, a natureza da participação popular nas
instâncias de decisão. Houve um propósito e um esforço do governo em tornar a
administração pública bastante transparente. A entrevista nº10 revela a importância
destas instâncias para proporcionar uma postura crítica da população diante das decisões
coletivas. “A capacitação que fizemos na época de Paulo ajudou muito, ensinou a
fiscalizar e ela veio pra ensinar. Com a sabedoria na mão a gente pode fazer uma
sociedade diferente, né? Você sabe os caminhos que deve percorrer”. Um depoimento
registrado por Moura afirma: “A administração trouxe à tona a responsabilidade de cada
cidadão com a sua cidade. Eles aprenderam a cobrar, a fiscalizar e reivindicar seus
direitos. Este foi um crescimento maravilhoso” (Moura, 2005:63). A ação pedagógica
está formalmente indicada, mas ainda falta-lhe a constituição dos conteúdos
relacionados com os desafios pertinentes a um projeto digno da classe trabalhadora.
A estrutura de gestão e a dinâmica de deliberação e de execução desenvolvida em
Camaragibe no período que é objeto deste trabalho apontam para um compromisso com
198
a população e revela a presença de uma intenção socialista no interior desta proposição.
Assim, o governo petista foi capaz de realizar grandes avanços diante das
administrações tradicionais, tanto da cidade quanto do Estado de Pernambuco. O
modelo de gestão participativa de Camaragibe acena claramente para um governo
socialista ao submeter a burocracia estatal a um conselho que gerencia decisões
provenientes de conferências e seminários populares. A entrevista nº1 manifesta esta
tendência. “Não acredito no socialismo pela força. Todos os elementos de formação e
de educação populares muito fortes levaram a sociedade a refletir e trazer ao povo a
concepção desse poder que deveria estar estabelecido neles. Que o governo tem mais
uma tarefa de coordenar e executar este sentimento popular”. Trata-se de uma tentativa
de construção de um modelo em que o exercício do poder seja de fato decorrente das
forças populares. Uma gestão popular ainda necessita assumir uma outra tarefa, que é a
de contribuir para a organização dos setores populares relacionados um projeto de
sociedade alternativo à formação social burguesa.
199
CONCLUSÃO
A participação popular assumiu tal relevância que passou a fazer parte da
agenda de administrações públicas dos mais diversos matizes ideológicos e políticos. A
contextualização política da exaltação das práticas políticas participativas exige que o
tema seja visto a partir das suas diversas possibilidades. Os tipos de Estado revelam os
limites dos discursos e das práticas participativas e as possibilidades de superação
destes limites conforme o tipo de agentes do processo e os projetos políticos que eles
procuram efetivar.
A participação popular nas decisões que orientam e definem os conteúdos de
políticas de Estado tornou-se objeto de grande freqüência tanto nos discursos governais
quanto nas práticas sociais e políticas. Com isto, o discurso participativo é pronunciado
tanto pelos que procuram preservar e reproduzir uma situação social e política quanto
pelos que se engajam na realização de reformas pontuais do Estado e, ainda, pelo
conjunto de quem atua com o objetivo de constituir uma sociedade sem exploração e
sem dominação de classe.
A referência à participação popular neste conjunto de opções políticas tão
contraditórias revela a existência de lutas sociais e políticas que se expressam com a
mesma designação, porém com conteúdos inconciliáveis. Esta polissemia do termo
participação é fonte de posturas diversificadas que vão da rejeição à aprovação tanto por
parte da direita quanto por setores da esquerda diante das políticas orçamentárias
participativas. Camaragibe apresenta exemplos de discursos nas duas direções. Houve
um prefeito que enquanto candidato recorreu ao discurso participativo para respaldar o
seu nome e legitimar a futura administração, porém, uma vez empossado, preferiu
efetivar uma gestão nos moldes tradicionais. A gestão petista procurou efetivar uma
subordinação da burocracia estatal ao conselho e às decisões de conferências e
seminários populares, mas não conseguiu garantir a continuidade do processo que
sustentou enquanto estava no governo.
Quando ocorreu a crise, o prefeito sentiu-se obrigado a cumprir um pacto para o
que passou a contar somente com as próprias forças. Não havia um partido político com
200
um projeto de classe a ser levado adiante. Sem esta organização, o projeto político
assume uma feição unicamente pessoal e que facilmente poderá ser derrotado. As
organizações da classe trabalhadora, especialmente em Camaragibe, ainda necessitam
elaborar as avaliações deste processo para consolidar suas organizações com vistas a um
horizonte ainda utópico, que seja a referência de sustentação das lutas coletivas (Cf.
Marx, 1978:20). A trajetória do Partido dos Trabalhadores deixou suas marcas no
governo da cidade de Camaragibe. Cabe ao partido procurar realizar uma recuperação
de práticas políticas relegadas ao segundo plano e aprimorar sua concepção ideológica e
aprofundar o debate teórico engajado nas lutas dos trabalhadores.
A organização dos trabalhadores e demais setores sociais que participam do
processo decisório é fundamental para uma avaliação que se reporta ao futuro, ou seja, a
uma sociedade que supere os antagonismos de classes do capitalismo. A referência
difusa à sociedade é insuficiente para a efetivação de um governo que seja de fato
socialista e que se torne referência constante no sentimento popular que sofre as
conseqüências do desordenamento social próprio da sociedade burguesa.
A natureza deste sentimento popular ficou carente de elaboração consistente e
ficou desassociado de um projeto da classe trabalhadora para a sociedade de
Camaragibe. Esta deficiência é fator de ambigüidade e de fraqueza na sustentação dos
propósitos de uma transformação social. O Partido dos Trabalhadores - que é um dos
responsáveis pela garantia dos rumos deste processo - vem perdendo suas raízes
populares e vive uma tensão entre os seus objetivos estratégicos e a atuação concreta e
imediata de seus filiados (Cf. Marossi, 2000:10-14). Quando o PT procurou construir
uma alternativa ao socialismo em crise, ele teve como conseqüência uma fraqueza
ideológica diante da constituição de uma nova sociedade, embora procurasse efetivar
uma alternativa prática cuja elaboração teórica enfrentava muitos problemas internos,
inclusive com a convivência de tendências de objetivos antagônicos. Esta situação
partidária é percebida inclusive por pensadores de seus próprios quadros (Cf. Azevedo,
1991, Singer, 2001, e Silva, 2003c). São conflitos internos na tentativa de definir os
rumos das atividades partidárias. As administrações sob a responsabilidade de
personalidades petistas estão sujeitas a esta situação vivida pelo Partido dos
Trabalhadores.
201
O ato de fazer o caminho ao caminhar exige, na política, paradas reflexivas para
fazer e refazer os rumos, rever os trajetos para que os possíveis desvios possam ser
retificados. Os elementos de superação do capitalismo que se manifestaram na prática
política da gestão petista de Camaragibe precisam de aprofundamento e de serem
elaborados de uma forma mais consistente política e ideologicamente pelo Partido dos
Trabalhadores, caso este partido queira manter como objetivo fundamental de suas
práticas a constituição de uma sociedade igualitária. Para tanto, a teorização e a prática
da participação popular precisa ser efetivada com uma referência fundamental à utopia
de uma sociedade governada por si mesma. A procura por tornar possível um mundo
que parece impossível à lógica de sustentação de privilégios, ou seja, desenvolver
esforços nas ações voltadas para uma sociedade sem dominação de classe e sem
exploração econômica, exige que a prática política esteja sempre relacionada com uma
teoria revolucionária.
A prática política necessita estar associada a ações pedagógicas que visem tanto
fomentar a organização popular quanto a proporcionar acesso aos instrumentos de
crítica à sociedade atual. Neste sentido, o partido político é fundamental para a
sustentação das práticas políticas das massas (Cf. Freire, 1982:27).
Se o objetivo principal do governo se resume a realizar uma gestão eficaz e
eficiente e com participação criteriosa da sociedade, este governo limita-se a buscar o
possível e estabelecido na ordem, dentro de uma conjuntura que não é imune às crises
do sistema. Diante do volume de premiações, o governo petista de Camaragibe realizou
um bom governo considerando o ponto de vista das instituições responsáveis pela
concessão dos prêmios. Mas, é preciso considerar os atores sociais que são envolvidos
no processo de tomada de decisões. A organização popular como tarefa principal do
partido político que busca superar a exploração da classe trabalhadora é fundamental
neste processo.
202
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WEBER, M. (1997). “Parlamentarismo e governo numa Alemanha reconstruída”. In.
TRAGTENBERG, M. (Org.) (1997). Max Weber. Textos selecionados. Coleção os
economistas. São Paulo: Nova Cultural.
WOOD, E. M. (2000). “As origens agrárias do capitalismo”. Crítica marxista, nº10, p.
12-29.
WRIGHT, E. O. (1981). Classe, crise e o Estado. Rio de Janeiro: Zahar.
221
ANEXOS
222
ANEXO 1
ADMINISTRAÇÃO PARTICIPATIVA DO MUNICÍPIO DE CAMARAGIBE
REGIMENTO DAS ELEIÇÕES PARA PREENCHIMENTO DO QUADRO DE
DELEGADOS (AS) DO CONSELHO DA ADMINISTRAÇÃO PARTICIPATIVA DE
CAMARAGIBE.
CAPITULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. - O processo de escolha de delegados/as para preenchimento do quadro do
conselho da administração participativa de Camaragibe reger-se-á pelas disposições
deste regimento.
Art. - O número de vagas por microrregião administrativa é estabelecido no anexo I
deste regimento.
PARÁGRAFO ÚNICO - Cada eleitor só poderá votar em 01 (um) único candidato.
Art. - Serão considerados eleitos os candidatos mais votados em cada microrregião,
ficando na suplência os que obtiverem a segunda maior votação.
PARÁGRAFO ÚNICO - Havendo empate entre dois ou mais candidatos, considerar-se-
á vencedora/or aquela/e que comprovar:
1º - maior idade entre os candidatos;
2º - Maior tempo de residência na microrregião.
Art. 4º - O mandato dos/as delegados/as eleitos/as serão de 2002 a 2005.
PARÁGRAFO ÚNICO - Os/As delegados/as eleitos/as não receberão nenhuma
remuneração pelas suas atuações.
Art. - O mandato atual dos/as delegados/as foi prorrogado até a posse dos novos
eleitos.
CAPÍTULO II
Art. - Serão constituídas 2 (duas) comissões eleitorais para o gerenciamento de todo
o processo de eleição.
PARÁGRAFO ÚNICO - O processo eleitoral será realizado de forma descentralizada,
coordenado pelas comissões eleitorais e obedecendo e obedecendo ao cronograma de
atividades estabelecido no anexo 2 deste regimento.
Art. - Cada comissão eleitoral será composta de 2 (dois) membros, sendo 1 (um)
delegado/a titular da região administrativa e 1 (um) representante governamental.
§ 1º - Será escolhido em plenária um suplente para cada membro das comissões eleitorais.
223
§ 2º Será escolhido dentre os membros da comissão um secretário que registrará todas as decisões e providências, dando-lhes os
devidos encaminhamentos.
§ - O/s representante/s indicado/s será/ao notificado/s de todas as etapas e a sua ausência não impedirá o andamento dos
trabalhos.
Art. - Compete às comissões eleitorais executar todo o processo eleitoral no âmbito
de cada uma das cinco (5) regiões administrativas com as seguintes atribuições
específicas:
I - Planejar todo o processo para a sua região de competência;
II - Promover a divulgação do processo eleitoral junto á população;
III - Gerenciar o processo de votação
IV - Realizar a apuração dos votos, encaminhando á coordenação técnica governamental o resultado do pleito para proclamação;
V - Registrar em ata o andamento dos trabalhos, bem como os incidentes, protestos e impugnações.
CAPÍTULO III
DOS VOTANTES
Art. - Poderão votar todos os cidadãos/ãs residentes na microrregião e que contarem
pelo menos 16 (dezesseis) anos á data do pleito.
PARÁGRAFO ÚNICO - O eleitor deverá apresentar qualquer documento oficial
(identidade, profissional ou funcional).
CAPITULO IV
DOS REQUISITOS PARA PLEITEAR CANDIDATURA
Art. 10º - São requisitos para pleitear candidatura:
I - Ter a idade superior a 18 (dezoito) anos devidamente comprovada;
II - Comprovar a residência no município de pelo menos 3 (três) anos através de
declaração de uma entidade da sociedade civil;
III - Residir na microrregião que irá representar;
IV - Formalizar no período de 12 a 21 de novembro de 2001, pedido de inscrição à
coordenação técnica governamental;
V - A inscrição será feita pelo próprio candidato/a que deverá apresentar 2 (duas) fotos
¾.
X - Que será utilizada na ficha de inscrição e na carteira de delegado;
224
VI - Fica estabelecido no anexo III o formulário de inscrição do/a candidato/a a
delegado/a.
§ 1º - Não poderá participar do processo eleitoral aqueles candidatos que foram
excluídos pela comissão de ética do conselho de delegados.
§2º - Não poderão ser candidatos aqueles que ocupem cargos comissionados no
legislativo ou executivo.
§3º - Os casos não caracterizados neste regimento serão apreciados pela comissão
eleitoral.
CAPITULO V
DAS ELEIÇÕES E APURAÇÕES
Art.11 - As eleições deverão ocorrer de acordo com a data e local estabelecidos no
anexo II, ficando determinado os seguintes horários de funcionamento dos trabalhos:
a) Votação das 19h ás 21 h;
b) Apuração dos votos das 21h ás 22h.
Art. 12 - o aporte logístico para a realização dos trabalhos serão fornecidos pela
coordenação técnica governamental desde que devidamente solicitados até 5 (cinco)
dias antes da eleição.
Art. 13 - Encerrados os trabalhos de votação e apuração e lavrada a competente ata,
deverá a comissão eleitoral encaminhar para a coordenação técnica governamental o
mapa da votação.
Art. 14 - Da proclamação do resultado final do pleito, caberá recurso sem efeito
suspensivo, no prazo de no máximo 48 (quarenta e oito) horas, contando após a
divulgação do resultado.
PARÁGRAFO ÚNICO - Os recursos devidamente fundamentados deverão ser
interpostos perante a comissão eleitoral, que julgará em 48 (quarenta e oito) horas, a
partir do seu recebimento.
Art. 15 - As comissões eleitorais deverão suspender, de imediato, toda propaganda
irreal, insidiosa, ou manifestadamente contrária aos concorrentes, notificando para tanto
o/a candidato/a que a promover.
PARÁGRAFO ÚNICO - Os candidatos/as que devidamente notificado, insistir no
procedimento, será excluído/a do pleito.
Art. 16 - Os recurso interpostos contra a decisão das comissões eleitorais, as
impugnações ao resultado geral das eleições e os casos omissos por ventura existentes
serão resolvidos pela comissão eleitoral
225
Art. 17 - A posse dos eleitos se dará após a conclusão do curso de capacitação sobre o
papel do delegado na Administração Participativa.
Art. 18 - Este regimento entrará em vigor após a sua aprovação em plenária convocada
para esta finalidade.
Camaragibe, 10 de novembro de 2001.
Anexo I
COMPOSIÇÃO DO CONSELHO DE DELEGADOS
DA ADMINISTRAÇAO PARTICIPATIVA
MICRORREGIÕES (Bairros) CONSELHO
1A : Bairro Novo, Carmelitas, Alto Pe. Cícero, Alto do
Cemitério.
03
1B : Timbi e Jardim Holanda. 02
1C: Viana, Santo Antônio, Córrego do }Desastre. 04
1D: Céu Azul, Celeiro,Borrione, Expansão Timbi, Santa
Tereza, Açude Timbi.
09
1E: Bairro dos Estados, Terezópolis, Areinha. 04
1F: Areeiro, Cosme e Damião, Vila Nova da Várzea. 03
1G: Vila da Fábrica, Boa Vista, Aldeia de Baixo, Aldeia
de Cima, Baixinha.
04
2A : Santa Mônica 05
2B: Santana e Paulo Afonso. 05
2C: João Paulo II e Campo Alegre. 03
2D: Estação Nova e Assucena. 01
2E: São João e São Paulo e Chácara Pedreira. 01
3A :Vila INABI e Nazaré 03
3B: Primavera. 02
3C: São Pedro e São Paulo. 02
3D: Vale das Pedreiras e Sítio dos Macacos. 05
4A : Tabatinga, Jacaré e Córrego das Andorinhas. 07
4B: São Jorge, Ostracil e Loteamento São Jorge. 02
5A : Vera Cruz, Vila Rica, Telebrás e Araçá. 03
5B: Borralho. 01
TOTAL 69
Anexo II
A comissão eleitoral definirá, organizará e coordenará os locais de votação e de
apuração da eleição do conselho de administração participativa, em dias e horários
previamente anunciados.
226
Anexo III
CANDIDATOS AO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO PARTICIPATIVA
NOME:
RG:
CIC:
ENDEREÇO:
PROFISSÃO:
MICRORREGIÃO:
227
ANEXO 2
ROTEIRO DE ENTREVISTAS
1) O PROCESSO ELEITORAL
- O Partido e a formulação da alternativa de governo;
- O envolvimento partidário na campanha eleitoral (condução da campanha);
- Avaliação da situação de Camaragibe na época;
- A campanha eleitoral;
- As expectativas e o desenvolvimento da campanha;
- O resultado eleitoral.
2) O PRIMEIRO GOVERNO
- O modelo de participação (sua construção) e partido;
- A participação popular e as políticas municipais;
- O território de Camaragibe (desigualdades, características e as conseqüências para
a participação popular);
- A avaliação do partido sobre o processo de participação popular.
3) O SEGUNDO GOVERNO
- Continuidades, diferenças e superações.
4) A PARTICIPAÇÃO POPULAR E A GESTÃO LOCAL
- Interferências do partido no governo;
- Os rumos dos investimentos;
- A condição de ser governo e a qualificação do partido;
- A relação dos partidários entre si mesmos;
- A relação entre o PT e a população.
5) O GOVERNO E A NOVA SOCIEDADE
- A visão do partido sobre as ações do governo;
- Mudanças nas intervenções partidárias;
- Questionamentos (ou não) do partido ao sistema capitalista;
- Elementos que apontam para uma nova sociedade
6) A CÂMARA MUNICIPAL
- Os vereadores do partido;
- Os vereadores e o novo governo;
- Os vereadores a as obras do executivo;
- A bancada de situação e de oposição;
- As manifestações partidárias;
- A representação legislativa.
228
ANEXO 3
ENTREVISTAS
ENTREVISTA Nº1
Terminei o curso de medicina em 1981 na Universidade Federal de Pernambuco. Eu já
vinha do movimento estudantil filiado ao PT (Partido dos Trabalhadores). Fui filiado
logo no nascedouro do PT. Logo que me formei, fui trabalhar e morar na Usina
Trapiche como médico generalista, em Serinhaem. Na residência fazia medicina
comunitária, que é o médico de família hoje. Fiz um projeto e em Vitória de Santo
Antão conheci umas pessoas que serão importantes nesta conversa. Uma delas foi Lilia
Collier, que era a prestadora de Serviço Social. Já conhecia dona Lilia Collier da
fábrica Braspérola, mas na residência médica, onde ela estava alocada agora vim
encontrá-la como minha orientadora de serviço social ali na residência de medicina
comunitária. Ali também na residência, vim conhecer outra pessoa importante dando
aula na residência comunitária que foi Celerino Carricone, que trabalhava na época em
Casa Amarela. São duas coisas que vão ser importantes na minha vida. Na época da
residência Celerino foi fazer um curso de especialização na Inglaterra de Fitoterapia e
o Pessoal do bairro de Casa Amarela (Recife) da FEACA (Federação das Associações
de Moradores de Casa Amarela), me convidou para substituir Celerino no projeto, em
Casa Amarela, em 1983. Vou trabalhar em Casa Amarela coordenando o projeto junto
com duas enfermeiras, Fernanda, Janete e com três agentes de saúde.
A experiência do bairro de Casa Amarela vinha da residência e a gente vai trabalhar
pautado por Alma-Ata. Isso é importante, por uma visão de futuro e positiva, vinda da
União Soviética, em 1978 sobre a importância para o ano 2000 da atenção primaria da
saúde como um elemento vinculador da população numa perspectiva que conseguisse
os paises do mundo todo integrar e oferecer saúde para todos no ano 2000. E é neste
conceito que vou desenvolver minhas atividades lá. A atenção primária de saúde
buscando a integralidade buscando a promoção e vigilância às condições danosas à
saúde. São dois pilares importantes que davam à saúde. Vivia-se a dificuldade política
no Brasil e Casa Amarela fazia parte de um cenário onde o padre Reginaldo tinha uma
atuação importante. Alguns padres também como o padre da Macaxeira, Pedro, de
Jenipapo onde havia uma relação com Dom Helder no comando desta equipe. E neste
cenário fui muito feliz. Eu vinha de uma residência médica pautado por Alma-Ata que
é a conferência de saúde na União Soviética. Este cenário da Igreja Católica foi
propício para o movimento popular. Em Casa Amarela a gente vai discutir saúde neste
conceito amplo; neste conceito ampliado de saúde. Aí tinha minha atividade com
dedicação exclusiva que a gente trabalhava em atendimento a oito bairros. Desde o
Sky Lab, passando pelo córrego do Grande, Alto Bonifácio, Canal da
Macaxeira, Guabiraba, Alto Jenipapo, Alto da Telha, Alto Carroceiro. Em outros
bairros de Casa Amarela, formávamos agentes de saúde. Chegamos a formar
oitocentos agentes de saúde na época. Os agentes de saúde na época não eram
reconhecidos, nem se cogitava a existência deles. A idéia de agentes de saúde era uma
idéia de Alma-Ata que se fazia necessário. Como a China tinha seus médicos
comunitários, no Brasil tínhamos os agentes de saúde. E a gente vinha formando esses
agentes aí. Foi neste cenário que durante cinco anos trabalhei ali formando agentes de
saúde. Retomam-se as eleições em 1.984 e Jarbas ganha aquela eleição. Entra na
secretaria de saúde Paulo Dantas que é outro elemento que veio somar, médico
também pautado por Alma-Ata. Esta integração teve muito embate no governo Jarbas,
229
mas teve muita sintonia, mais sintonias que embate. Em Casa Amarela trabalhávamos
a promoção da Saúde. O território e ações concretas como prevenção de câncer,
aleitamento materno, imunização, fitoterapia que agregava o projeto como um todo,
inclusive com as plantas medicinais e ação integral e educação em saúde que era a
bandeira da gente. Atuávamos por ruas, bairros, em conjunto com as associações de
moradores fortalecendo o movimento popular. O projeto de saúde era financiado pelos
bispos do Canadá; Movimento da Paz, de cristandade que era um movimento da
Inglaterra e Oxford, também da Inglaterra. Os três financiavam via igreja no Morro da
Conceição. Nossas carteiras eram assinadas pelo CEAS (Centro de Estudo e Ação
Social). O salário era em média de seis salários mínimos, por tempo integral e
dedicação exclusiva. Os agentes da saúde recebiam uma gratificação, para
deslocamento e alimentação. Assim a gente trabalhou durante seis anos. Discutíamos o
morro e muro de arrimo, saneamento, escola e a implantação de uma unidade de saúde
no bairro. Gustavo Krause (PFL: Partido da Frente Liberal) tinha implantado em Casa
Amarela e todo o Recife a proposta dos barracões, que era exatamente na perspectiva
de esvaziar os movimentos populares. Nós mostrávamos que os barracões eram para
distribuir tíquete de leite e que não vinha responder o que a gente queria, que fosse a
grande questão da cidadania e das políticas públicas que pudessem consolidar. Em
Casa Amarela a proposta era para consolidar uma política através da saúde. Fazíamos
a alfabetização de adultos, nhamos um movimento de barreiras e o movimento de
saúde. Esses grupos fundaram a federação de Casa Amarela (FEACA), que
trabalhavam dentro dos bairros. Depois de cinco anos faço o concurso para saúde em
Olinda e assim começo atuar em Olinda e Casa Amarela. Também comecei o
mestrado em nutrição e saúde pública. Na ocasião saio de Casa Amarela e fico em
Olinda e fazendo mestrado na Universidade Federal de Pernambuco.
Vieram as eleições de 1988 e o grupo político de Camaragibe ligado a Arnaldo Guerra
e a João Lemos e Lilia Collier, que me convidaram à participar da campanha de
Arnaldo Guerra. Eu participo da eleição não pelo PT (Partido dos Trabalhadores) que
tinha candidato na cidade que era o Padre Antonio, mas fui com o PTB (Partido
Trabalhista Brasileiro). João Lemos tinha sido companheiro de residência em Vitória,
e na pré-campanha, fui discutir uma possível formação de agentes de saúde no plano
de governo. Vencendo as eleições eu sou convidado por Arnaldo Guerra e não pelo
Vice-prefeito. O convite que ele fez, foi a mando de Lilia Collier, que era uma pessoa
muito amiga da família Guerra que me convida para ser o secretário de saúde. Daí eu
peço licencia de Olinda sem ônus para o município para ser secretário de saúde.
Chegando a Camaragibe..., minha família tem raízes em Camaragibe. Quando meu pai
em 1930 veio em residência para Recife ele veio com 28 primos e só ele que ficou em
Recife e os outros ficaram todos lá. Desde a minha infância que visitei Camaragibe
com uma relação familiar.
Em 1989 venho como secretário de saúde no governo Arnaldo Guerra com o slogan:
“O povo elege - o povo governa.” Era uma demanda muito forte para mim. Eu vinha
da oitava Conferência de Saúde. Saímos de ônibus para Brasília com 48 agentes de
saúde. Foi um marco importantíssimo e é o marco brasileiro da Alma-Ata. Houve um
movimento no mundo todo como por ex.: no Canadá em 1986 teve o lançamento do
Movimento de Promoção à Saúde e uma série de movimentos internacionais. E no
Brasil, o marco que temos ligando o que aconteceu na Rússia em 1978 é a oitava
conferência. E traz à gente do movimento de Pernambuco mais força ainda para o
embate para plantar ações que garantam uma saúde de qualidade. chego em
Camaragibe com a idéia de Alma-Ata e da oitava Conferência. Estes eventos
230
concebem as ações de saúde como um dever do Estado, e a Constituição de 1988
assimilam esta nova concepção de saúde.
Lilia Collier era muito tempo gestora local que fazia todo o trabalho junto ao
movimento popular, principalmente na questão da cultura e da saúde trabalhando a
medicina popular por dentro do SESI (Serviço Social da Indústria).
Então, eu vou junto com Lilia por dentro do SESI chamar o movimento popular e a
secretaria de saúde de Camaragibe. Então, de janeiro a abril, ficamos fazendo um
diagnóstico da rede com funcionários, trabalhadores de saúde e movimento popular e
em 20, 21, 22 de abril de 1989 fizemos a primeira Conferencia Municipal de Saúde.
Aliás, a primeira Conferência feita no município de Camaragibe que a população teve
conhecimento.
A conferencia determina que, a máxima dela é a criação do conselho municipal de
saúde como marco. E agente vai trabalhar de abril até setembro junto com o
movimento popular, tirando representação de grupos de mulheres, das creches, das
associações de moradores, conselhos, dos que estão associados a algum grupo local ou
do hospital Humberto Maia, da rede privada, do hospital geral de Camaragibe. Tudo
isso vai formar uma pré-comissão. Em setembro de 1989 a plenária é um marco para o
conselho. Foram necessários seis meses para a construção dele. Daí o conselho é
votado com todos os seus elementos. O governo havia apoiado lentamente a criação da
conferencia em 1989, em abril. em setembro não tinha o mesmo entusiasmo; estava
mudando de opinião achando que era uma coisa festiva. Como o conselho era
deliberativo isto incomodou muito ao prefeito. Neste momento eu estava enfraquecido
no governo. O vice prefeito havia rompido, porque também estava afastado por
problemas pessoais e tinha me convidado a me retirar. Mas o grupo que estava com
Lilia Collier, de Camaragibe, e de fora, nós tínhamos Ligia que estava no governo
do Estado, Rosa, Virgínia, Lúcia e Maria da Paz. Era o grupo de assistentes sociais que
Lilia tinha colocado dentro da secretaria de saúde que me ajudaram a fazer o trabalho.
Na época era o melhor grupo de assistente social disponibilizado. Este núcleo, com o
afastamento do vice-prefeito, disse: “Não, você deve continuar como secretário de
saúde que foi Lilia quem o bancou na indicação do cenário local da prefeitura”. O
governo por sua vez não aceita o conselho de saúde, e de setembro até Janeiro
passamos por um embate muito grande no governo. Tentamos convencer o governo
que “O povo elege - o povo governa”. Não podia distanciar do conselho e este era o
propósito que ele disse a mim que estaria me chamando. Este é o cenário que em
janeiro de 1990 o prefeito não posse ao conselho, se recusa e eu tenho que me
retirar da secretaria. Como eu tinha passado no concurso para professor em João
Pessoa, fui pra lá.
Tínhamos saído de uma eleição para Presidente, Lula perde, e nós do PT, estávamos
extremamente pra baixo, enfraquecido diante do prefeito com a saída do vice-prefeito.
O Lula não tinha ganhado a eleição; então o PTB descarta o PT do governo. Fui morar
em João Pessoa como funcionário público, trabalhando na Faculdade Federal da
Paraíba. Eu fui morar a 20 km de distância e não tinha tempo de ir à Camaragibe. E
este conselho que tinha sido feito neste formato com o movimento popular. Fizemos a
conferência e levamos seis meses para criar este conselho. Fizemos várias reuniões
para este processo.
Por isso o conselho tinha muita força, então ele tentou botar raspão. E em 92 fui
convida os pelo vice-prefeito para participar da coordenação da campanha dele como
candidato a prefeito. De João Pessoa venho participar da campanha. Saio em busca do
movimento popular baseado agora em João Lemos como prefeito e eu como secretario
de saúde a trazer os agentes de saúde.
231
Ganhamos as eleições em 1992 e a posse em 1993. Inicialmente fiquei como secretário
de governo, termino meu mestrado em junho e em julho assumo a secretaria de saúde.
Daí, eu fui buscar o vínculo com o departamento de nutrição com a Dra. Naide
Teodósio e busquei algumas pessoas no governo de Joaquim Francisco para fazer um
trabalho com o movimento popular de resgate e de consolidação. Cria-se os agentes de
saúde de Camaragibe. Cria-se o programa de saúde com a Universidade Federal de
Pernambuco, levanta-se a estatística e formam-se dez agentes de saúde que no bairro
de Tabatinga, o projeto piloto vai discutir o problema de desnutrição com Dra. Naide
Teodósio e Dom Helder Câmara e a Secretaria Municipal de Saúde e o Departamento
de Farmácia, produzindo o “Protenol” (produto feito à base de sangue de boi) para
combater a desnutrição.
Este embrião vai apresentar em julho de 1993 o programa de agentes de saúde. Nós
também entramos no Programa Nacional de Saúde da Família. em 1.994, com um
ano de projeto é que a gente inaugura o Programa de Saúde da Família. Camaragibe é
o primeiro município a adotar este programa em Pernambuco. No Nordeste é Campina
Grande e Quixadá e Pernambuco e mais três cidades no Sul do país. O projeto
caminha, a resolução da mortalidade infantil na cidade vai indo muito bem, o combate
a desnutrição com Protenol é um espaço muito grande. Em 1994 com o governo de
Miguel Arraes, o Protenol começa a ser produzido no LAFEPE. Isso toma toda
Camaragibe para combater a anemia. Isso sai do bairro de Tabatinga, que começou em
1994. O Programa da Família se expande e em 1996 a gente conta com 17 equipes
no PSF (Programa de Saúde da Família).
Este movimento de saúde estava para ser de novo abortado. é quando o movimento
de saúde faz um apelo para que eu saísse candidato a prefeito. Eu que não tinha sido
candidato a nada. Já tinha um candidato bem estabelecido na cidade que era do PSDB
(Partido Social Democrata Brasileiro), que era o Chicão, muito bem na campanha.
Lapenda também muito bem. Tinha cinco candidatos. Eu era o lanterna do processo.
Em abril, saio da secretaria de saúde e saio candidato. E tenho no movimento de saúde
uma ponte para essa candidatura. De junho até outubro passo de 3% para 41%.
Questão que vai me fazer prefeito. O movimento da saúde e o movimento popular
pegam esta bandeira.
Desde 1989 estou no movimento de saúde na luta pelo conselho que vai me fazer
prefeito. Então a gente trabalha a questão da cidadania. Dvai trabalhar o pilar da
participação popular, do orçamento participativo. O movimento popular lança em
1996 o apelo à administração popular. Isso é feito em debates em caravana nos bairros.
Foi uma campanha extremamente forte. E a gente vai conceituando o que vinha a ser
esta administração participativa. Com debate com todos os participantes. A campanha
não tem medicamentos, bujão de gás, cesta básica. É só um formato diferente de
governo. se ganha a eleição e se assume com essa conceituação da gestão
participativa.
A gestão participativa, a base da saúde, é o elemento com que a gente conta, divide o
território e identifica o território com os seus componentes, com políticas inter-
setoriais.
E com estes componentes a gente chama a cidade para discutir o modelo de gestão, e
eleger os primeiros delegados da administração participativa. Da base inicial era um
delegado por mil habitantes. Era a mesma coisa que fiz na saúde. A população é
estimada em 120 mil e são eleitos 120 delegados que vão discutir com a gente e
construir o modelo de gestão participativa. Não trabalhava nenhum secretario
separadamente. Era todo mundo junto problematizando os três eixos do governo:
cidadanias, participação popular e da consolidação do movimento social junto ao
232
governo. E a gente faz um movimento interno e um movimento externo com as
associações de moradores tentando interagir o governo com a sociedade.
Externamente a gente faz a ação participativa. São nossas idas aos bairros. Todo o
governo vai para o bairro, não para fazer despacho, mas para debater com a população
problemas em pequenas intervenções para a melhoria da qualidade de vida que é o
elemento central do governo.
Este eixo externo com o eixo interno vão se consolidar com a criação da secretaria de
comunicação social e de ação social e secretaria de governo. Tive o apoio do governo
Arraes, da Universidade Federal de Pernambuco, UNICEF (Fundo das Nações Unidas
para a Criança e Adolescente) e Fundação ARBINQ, com a proposta de gestão da
política voltada para criança e adolescente e a mulher de uma forma geral.
Estes elementos e juntando a gente que vai para um grupo muito novo que vai se
apropriando do conceito de administração participativa. E dentro dele o modelo de
cidade saudável. Eu tinha participado numa conferencia no Canadá e trouxe o modelo
da cidade saudável e junto com a promoção da saúde eu vou incorporar o conceito
de promoção à saúde com o conceito de cidade saudável, que um determina o outro,
que vai aprofundando para chegar ao conceito de gestão participativa. Que é o
deslocamento de poder na perspectiva de incorporar a sociedade numa decisão do
governo A esquerda tinha como tarefa realizar o deslocamento do poder e realizar um
governo para a população. Sem intermediário, na perspectiva de reter o poder. Que é
um movimento difícil de fazer o secretário, o diretor ir discutir com a população.
Para virar participação efetiva, para se evitar trabalhar para dentro, quais são os
pontos da gestão participativa?
Evitar que o vereador seja o intermediário das suas questões e das suas conquistas do
tipo saneamento, etc. Este deslocamento do poder que é o exercício da administração
participativa consolida-se da seguinte forma: Na prefeitura todas as secretarias têm que
fazer suas conferencias a cada dois anos em caráter deliberativo junto com seus
conselhos setoriais que a gente chamou de conselho da administração participativa que
não discutia apenas o orçamento. Discutia principalmente a infra-estrutura urbana. O
conselho acabou se qualificando em infra-estrutura urbana. uma carência muito
grande na cidade e ele discute a pauta do recurso para a infra-estrutura urbana, para a
política social de saúde, ficando bem consolidada a política de uma educação de
qualidade, a ação social trabalha a política social para os negros, homossexuais,
mulheres. Para os excluídos da sociedade, a fundação de cultura faz elemento de
ligamento cultural na visão de agregação e cidadania, evento, um calendário cultural
para a cidade. A defesa civil vai buscar parceria com o cidadão para cuidar do bairro.
Toda esta estrutura vai criando afinidades para ser feito uma ligação intersetorial.
Neste contexto de administração participativa, eu buscava um ligamento entre as
caixas no formato intersetorial.
Foi criando o modelo no qual dentre as conferencias havia o fórum da cidade que
agrega toda a prestação de contas e ao mesmo tempo o governo incorpora as demandas
populares. O fórum é um congresso da cidade e os conselhos ou quinzenais ou
mensais, de acordo com suas necessidades de cada setor. A gente vai disputar a eleição
de 2.000 praticamente numa lavagem, numa vitória de 71% com 37 mil votos, a gente
amplia. No segundo governo tinha tudo para ter um grande deslanche. Com base no
índice de crescimento demográfico do censo de 1991, em 2000, Camaragibe teria uma
população de 144 mil habitantes. Em 2000 o IBGE realizou outro censo publicado em
2001 onde Camaragibe esta com uma população de 128 mil habitantes. Nesta confusão
o índice caiu de 3.8 para 3.2. Isso representa a diminuição de recursos de
R$2.900.000,00 para R$ 2.100.000,00, proveniente do FPM, que usa a população
233
residente para definir o montante de participação municipal neste fundo. Outro
problema foi a catástrofe da chuva que nunca tinha sido tão volumosa. Soma-se isso
ainda a falência da fábrica de tecido em 2002 de Camaragibe, que coloca pessoas no
desemprego e reduz a participação do município na cota do ICMS (Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços). Em 2002 começa a atrasar salário, não dá mais
para atender as demandas.
O movimento de saúde não aceita a redução de serviços oferecidos à população pelo
município. O movimento tinha postura de reivindicar e achar que cabia ao prefeito
conseguir esses recursos de qualquer forma, principalmente junto ao governo federal,
que era um governo aliado e do mesmo partido do prefeito. O que soma negativamente
a nível político é Lula porque a população não entende o pacto federativo por isso ela
achava que o presidente daria um jeito de devolver para Camaragibe o que o IBGE
retirou. Ainda mais que o prefeito era o presidente do PT de Pernambuco. Essa
expectativa de eleger Lula ficou frustrada. A melhor votação em porcentual que os
candidatos do PT tiveram foi em Camaragibe.
Nesta frustração dos eleitores não pode ser respondida pelo prefeito. Precisava ajustar
a máquina aos recursos diminuídos e isso significava a demissão do Pessoal o que ia
contra o pacto de Camaragibe. Foi contratada uma consultoria para apontar solução e o
indicativo foi fechar a maternidade e demitir Pessoal, reduzir o programa de agente
comunitário de saúde e um terço do Pessoal de educação e cancelar o atendimento de
crianças com idade inferior a sete anos.
Não fechar tudo isso e não atender a consultoria foi um erro meu porque o problema
foi se agravando até que os funcionários começaram a fazer greve, que não querem
demissão e querem salário em dia. Então, nos dois últimos anos, nós enfrentamos
problemas sérios. O ultimo ano então, quando a oposição pega a gente na fragilidade.
O movimento popular não tem mais suas demandas atendidas, os funcionários
insatisfeitos, o movimento de saúde não via na gente a resposta que se dava antes. O
governo municipal chegou investir 23% de sua receita própria em saúde e passou para
18%. Tivemos o desgaste financeiro e o desgaste da vitória nossa a nível federal. No
final foi muito difícil, fechando torneiras, principalmente no ano de eleição. Assim foi
a queda e o coice. A câmara é reduzida de quinze para onze vereadores. Com isso o PT
não elegeu vereadores em 2004. Nossa candidata, que era secretária do governo, que
era minha cunhada, por isso um impedimento legal não a deixa ser candidata.
Por isso o PT apóia um candidato que tinha sido opositor em 1996, quando estava no
PSDB. Mas agora, ele no PSB, aceita o vice do PT. E a população também teve
dificuldade em entender como pude me aliar ao antigo adversário.
E o prefeito, pelo qual ele ficou secretário e foi eleito, agora era adversário. a
confusão do PT e PC do B (Partido Comunista do Brasil) na cidade. O PFL (Partido da
Frente Liberal) que nunca tinha tido espaço na cidade, passou a ser uma força
ameaçadora. Daí houve um pacto entre PSB, PT, e PC do B para impedir a vitória do
PFL. A população faz a leitura de que o nosso grupo deveria voltar ao antigo conjunto
de pessoas com João Lemos de 1992. O resultado eleitoral foi até certo ponto bom
diante da crise vivida. A transição foi a melhor possível porque agente não perdeu para
o PFL. É esse o processo de Camaragibe.
Eu tenho uma formação socialista e não abro mão dela não. que não acredito no
socialismo por força. Acredito no socialismo construído através de um processo
pedagógico, do dialogo, do convencimento e da decisão livre das pessoas e é um
processo longo. Difícil, mas belo.
Não diria que Camaragibe construiu um socialismo. Mas todos os elementos de
formação e educação popular muito forte, que levou muito a cidade a refletir e trazer
234
ao povo a concepção desse poder que o poder deveria estar estabelecido neles. Que o
governo tem mais uma tarefa a coordenar e executar este sentimento popular. Estes
elementos a gente conseguiu deixar em Camaragibe. Acho que é uma cidade fértil,
para isso. Se pegar a historia da fabrica, através de Carlos Alberto de Menezes pela
concepção política bem estabelecida, do bem social, francesa, deixa Camaragibe em
campo fértil para este tipo de idéia, que não estava dissociada da cultura local. Quando
se estuda Camaragibe desde o nascimento da fabrica em 1899 até os dias atuais,
mesmo com a política de bem estar social, mas com o movimento Rerum Novarum, os
movimentos dos trabalhadores da fábrica, o sindicato, com tudo isso um espaço
muito fértil para uma construção da possibilidade do socialismo. Então não diremos
que fizemos um governo socialista, fizemos um governo de Esquerda, com
deslocamento de poder, com foco de que o socialismo é possível em algum momento.
235
ENTREVISTA Nº2
O primeiro processo eleitoral foi diferente do que existe enquanto campanha. Em
primeiro lugar não teve os vícios das campanhas anteriores com os comitês cheios de
gente, militantes oferecendo óculos e outros favores como fotografias. O nosso marcou a
diferença sem dar nada, mas mostrando um caminho diferente que começou a dar
credibilidade. A ajuda nacional foi quase zero e o próprio partido estadual olhava com
descrédito.
O ponto básico da campanha foi o envolvimento da comunidade com os agentes ligados
a saúde. A base da campanha foi ligada à saúde porque o candidato a prefeito Paulo
Santana tinha sido secretário de saúde e também ele tem um perfil de educador popular.
Ele foi do PT (Partido dos Trabalhadores) histórico e isso lhe deu um perfil de movimento
popular, ele conseguiu implantar o conselho de saúde que foi referencia no Estado de
Pernambuco a hoje. Ele foi formado com uma outra prática de base. Na época o prefeito
tentou acabar com o conselho de saúde e o mesmo resistiu. No processo eleitoral de Paulo
Santana a área de saúde se mobilizou muito na rua, na crença.
Nas pesquisas tínhamos uma probabilidade ínfima no inicio da campanha.
O candidato na época era do PSBD (Partido Social Democrata brasileiro), o Chicão, ele
tinha 42% e Paulo, 3%. Eno foi uma campanha do vira-vira.
A campanha foi crescendo, fizemos várias reuniões semanais para fazermos dois runs.
Um foi o fórum do cidadão para fazer a escuta por região para fazermos nosso programa.
No comitê eu ficava de forma pedagógica dizendo não aos votos viciados, de pedir
favores.
Com poucos recursos começamos a crescer. Nós ficávamos direto na rua fazendo porta-
porta. O comitê servia praticamente pra guardar material e fazer o mapeamento dos locais
estratégicos de visitas. Foi assim que trabalhamos. Nossa aliança era entre o PT e PSB
(Partido Socialista Brasileiro), na vice que era uma mulher. Nós fizemos uma "tropa de
choque" com os apoiadores junto com o candidato e íamos para a rua em visita porta a
porta. O partido estadual não acreditava muito, visto que na época tínhamos governo
petista na cidade de Mirandiba, no sero. Mas na rua começamos a virar a escolha e
ganhamos à prefeitura.
Daí veio o peso da responsabilidade. Esta que é a questão. Ter uma prefeitura na região
metropolitana sabendo o quanto isso seria importante para outras cidades, mas
principalmente para Recife. O olhar era o olhar da capital.
A composição da equipe foi através da competência e confiança. Muita gente do partido
ficou insatisfeita porque não esteve no governo. Foi uma definição de quem procurou
avaliar o compromisso político. Por exemplo, na primeira gestão poucos secretários eram
do Partido dos Trabalhadores. Eu tenho apenas oito anos de filiação, eu demorei a me
filiar porque eu tenho uma vocação filosófica e não queria ser amarrada e achei que
perderia e de fato perde um pouco, mas tudo bem, você tem que passar tudo na vida, mas
sempre foi o partido do meu coração. No governo nós não aparelhamos a prefeitura.
Fizemos a primeira gestão marcada por um entusiasmo muito forte porque o fato de ter
ganhado houve uma sinergia muito boa, no conjunto da equipe. No primeiro governo,
algumas pessoas vieram de outras cidades, a grande maioria permaneceu nos cargos onde
estavam, até porque, o governo anterior era nosso aliado. Não foi um governo de ruptura.
O governo anterior que era João Lemos, que é o atual agora, apoiava Paulo Santana.
Então a aliança era entre o PT e o PSB. Por isso a renovação foi muito pouca no cargo de
confiança. Na segunda campanha eleitoral eu também fui a coordenadora e continuamos o
236
mesmo projeto, mas foi muito melhor porque conseguimos juntar os vereadores a
majoritária com a proporcional. Fazíamos reuniões semanais de avaliação de todos os
partidos explicando e ver de que forma a majoritária podia contribuir e tudo era feito com
muita transparência. Ganhamos com 60% dos votos e foi entre um momento crítico
porque nós tínhamos um plano de obra, feito na rua com os conselheiros e quando
chegamos no meio do ano não tínhamos executado nem um terço do plano de obra mas
mesmo assim a população referendo, acreditando no nosso gerenciamento e também na
relação estabelecida com os proporcionais. Porque qualquer atitude era votada com os
vereadores. E isso criou um processo de harmonia com eles, tudo que era conseguido para
a campanha era partilhado igualitariamente entre eles. A formulação de alternativa de
governo é uma marca do partido e fomos trabalhar esta forma diferenciada. Portanto a
forma de encaminhamento da campanha eleitoral. Se tivéssemos pegado o modelo da
direita não conseguiríamos governar de forma diferenciada. A maneira como a campanha
foi tratada foi sendo a forma pedagógica de marcar nosso governo. O outro candidato
foi diminuindo nas pesquisas porque as lideranças começaram a nos respaldar. Mesmo
aquelas que vieram para destruir o processo. A vantagem de ter um modelo de gestão
participativa é um grande aprendizado porque eles lutam pelo que querem e tínhamos
muito o apoio da base puxado pelos os pessoais de saúde que estavam no dia a dia. Pra
mim o PSF (Programa de Saúde da Família) é muito poderoso porque o programa da
família tem o medico de esta o dia inteiro e os agentes de saúde que moram naquela
localidade. O espaço da saúde é o espaço participativo de politização. Desde o governo do
PSB, Paulo que era o secrerio de saúde como disse, lutou para ter o PSF e foi à
primeira cidade de Pernambuco a ter um PSF. Muita gente que estava com ele na saúde
o acreditava no PSF isso foi em 1992. Se o PSF for bem implantado a sua lógica é a
pedagógica. A gestão anterior não acreditava no PSF. Ele foi implantado em 1992. A
lógica do PSF é uma lógica pedagógica, uma lógica de enraizamento na comunidade, de
reuniões perdicas de avaliação, é um roteiro com uma lógica da continuidade que
garante a confiança com a comunidade os agentes vão às casas e estabelecem um vínculo
e também permite a populão reivindicar diretamente e a gente sempre fez a escuta. O
fato de proceder à escuta qualifica porque entra no embate com gestão. Isso obriga a
equipe se qualificar e se preparar. Na última vez que fui para uma reunião a população
estava irada porque estava faltando remédios, mas a gente fazia a escuta. Estas reuniões
na segunda gestão ficaram muito rarefeitas o processo porque mudou muito. Os
secretários também tiveram problemas principalmente da saúde. Então, esse
procedimento começou a diminuir. As reuniões periódicas que mais eu achava
interessante acabaram restritas ao programa que era chamado de ação participativa que é
um programa que desloca a prefeitura para os bairros. Mas não se fazia o deslocamento só
para tarefas físicas, mas, antes de mais nada, era feita a escuta do povo como um
termômetro para saber e avaliar as necessidades. Nem todos os secretários tinham o perfil
para a escuta e havia o estranhamento pelo novo e nós tínhamos que saber lidar com isso.
O ideal seria que todos tivessem um modelo de gestão como esse. Então havia queixas da
população. Neste modelo a população invade a prefeitura porque os espos foram dados
para as reuniões. Este modelo participativo para implantá-lo, eu li bibliografias e a
proposta era ser de todo o governo, tendo uma coordenação que ficou dividida entre
planejamento e governo que não foi uma coisa aleatória, porque normalmente se percebe
em geso blica, o que se é que a ação do governo vai para um lado e a do
planejamento vai para outro como um órgão cnico. Por questão de prinpio não
seguimos o modelo dos governos petistas do sul (Porto Alegre e Santo André). Um dos
motivos foi a nossa realidade municipal era diferente e precisávamos fazer contenção de
gasto. Criando uma secretaria espefica não envolvia as outras de forma profunda e
237
o daria um deslocamento de poder que propiciasse envolvimento dos secretários
criando-se assim uma democracia direta e participativa interna para os secretários como
um todo. Isso obrigava os secretários a participarem em reunes de formação e fazer uma
leitura do cenário. Para o nosso modelo teve como base na cidade de Lages que foi a
primeira cidade que teve uma proposta participativa da sociedade. Na época ainda era
do MDB (Movimento Democrático Brasileiro).
Eu sei que hoje chamar de orçamento participativo, é a grife do partido. Eu não aceito
este nome que parece que a população está decidindo todo o orçamento da prefeitura e na
realidade não está. O que se tem é um planejamento participativo e a construção de um
plano de obra participativa. As demandas que vem atras das confencias que tinham
como modelo o da saúde que era um modelo que harmonizava toda a forma participativa.
Uma parte disso era o conselho dos delegados e a outra parte era a gestão desse conselho
de delegados com os outros conselhos de direitos de forma transparente. As conferências
deliberavam tudo o que fazer no biênio sobre as políticas públicas setoriais como cultura,
educação, saúde, etc. Por isso nunca foram feitas plenárias temáticas em Camaragibe
porque estas sobre estas poticas cabiam às conferências deliberativas a definição.
As conferências que aconteciam a cada dois anos e deliberavam para os conselhos se
apropriarem das demandas indicadas. O fórum da cidade acontecia todos os anos, e do
planejamento coletivo ou de todos os conselheiros mesmo que nem os conselheiros se
reúnam junto com os cidaos comuns para participarem. A escolha dos delegados eram
feitas pelos votos diretos. Veja só a gente tinha duas opções: Sair com um modelo próprio
construído pela equipe ou sair com um pré-modelo para negociar com a população.
Sabíamos que este caminho ia ser o mais difícil, mas, foi muito mais rentável visto pela
visão pedagógica. Este modelo de gestão foi sendo elaborado com a prática, e votado em
cada reunião aprovando o modelo do pré-projeto em cada micro rego sobre o que
pretendia e o que queria. As cinco reges foram dadas pelo que existiam as intenções
do PSF. Para votar este modelo depois de elaborado os candidatos ao conselho faziam a
mobilização para juntar todos numa grande assembia. Neste novo modelo os delegados
passaram de dois para quatro anos para acompanhar toda a gestão. Os delegados são
votados pelo povo em cada micro região. Aconteceram muitos embates neste processo.
Os presidentes das associações queriam ser delegados natos e não votaram nesta forma de
escolha. Todos eram iguais para competir cada semana tinha uma reunião nas
microrregiões. A prefeitura dava a infra-estrutura para cada região dependendo da
densidade populacional dessa proporcional. Por exemplo: para cada 1.000 habitantes
tirava-se um delegado. A região 1 tinha 24.000 habitantes então para ela tirou-se 24
delegados divididos em 7 microrregiões. Essa distribuição de delegados foi votado. Esses
delegados são eleitos pela população e eles fazem uma reunião mensal com a sua
comunidade para se fazer a indicação das intervenções das infra-estruturas necessárias.
No início não era assim não. No primeiro ano que nos fizemos o delegado era
referenciado pelo povo, e o delegado é que fazia a indicação da obra e isso gerava um
certo imobilismo porque muitos nem voltavam para a base . No ano seguinte fizemos uma
pleria que levou quatro horas para mudar esta forma de intervenção porque seria uma
perda de poder de alguns. As votações, nós fazíamos nas escolas e a noite porque era uma
forma dos jovens participarem do processo junto com o povo. A votação era por região.
Em cada rego era feita a contagem imediata e a devolução do resultado. As políticas
públicas eram todas decididas e deliberadas nas conferências que eram soberanas por isso
o eram necessárias plerias temáticas como aconteceu em Olinda e Recife.
Para as intervenções dos planos de obra elas também tinham a mesma periodicidade que
as confencias, ou seja, de dois em dois anos. Primeiro para ajustar com o modelo
bianual e segundo a gente começou a perceber que uma cidade como Camaragibe com
238
pouco recurso mobilizar anualmente este povo para dar uma devolução mínima das ações
a gente ia desgastando a energia e a crença. Sendo a cada dois anos tinha condições de
negociar a interveão para o plano de obra. As outras conferencias embora se dando a
cada dois anos cada, aconteciam em anos diferentes, sendo que todo o ano havia uma
confencia na cidade. A conferência trabalha o macro e os conselhos trabalham o micro.
É no macro que se retiram as demandas e delibera as políticas públicas. A cidade ficava
em mobilização permanente porque as confencias são intercaladas. Por exemplo, a de
saúde, da mulher, criança e adolescentes, educação, cultura. Antes das confencias
ocorrem as pré-conferencias nas cinco regiões. Isso também educa o povo para saber dos
limites, saber dividir interesses, a conhecer as necessidades de outros espaços e
conheceram o território que moram. O momento da confencia é o momento mais rico
do modelo porque obriga o embate. A população es querendo votar isso, mas não tem
todo o recurso. Então tem que ter uma linha de condão para colocar isso. Se o conselho
é deliberativo, o povo vota e quer tudo de melhor para a cidade. Mas daí o poder público
o pode estar ausente. O poder público tem que conhecer profundamente as
possibilidades dos recursos. Por isso o pode ser contratado ningm de fora tipo ONG
(Organização o-governamental) para esta condução. Tem que ser os de casa.
Conhecedores do conjunto do processo e envolve todas as secretarias. Depois das
confencias publicamos os registros das mesmas para distribuir com a população de
forma que possam ter memória e cobrar dali a dois anos o que foi feito. A próxima
confencia começa com a avalião da deliberação da primeira conferencia atras das
prestações de conta sobre o que foi feito e o que ficou na dependência.
A diferença entre o nosso processo e o de Olinda é que esta pegou o modelo de Porto
Alegre. Enquanto o território de Camaragibe dois terços da população mora em morros e
encostas. Isso é um dado forte. Temos a rego 1 que é o sítio histórico, chamada a Vila
da Fábrica que é o berço da cidade de Camaragibe. É uma região que tem em certo
privilégio, quer dizer, as ruas são praticamente calçadas. Era uma vila operária, mas foi
totalmente desfigurada, com as reformas das casas. O povo da Fábrica é muito orgulhoso
da sua tradição e seu valor histórico. As outras regiões dizem que o povo da Fábrica
quer ser o que não é. Tem estas histórias. É questão de bairrismo. Em Camaragibe tem
duas frações da classe média que dividem a cidade entre si. São duas famílias: a família
Amazonas e a família Correia de Araújo. O que tem na cidade em terra ou é da família
Amazonas ou é da família Araújo. Toda área que es disponível, que é pouca, ou
pertence a uma ou outra família. Agora a família Araújo elegeu um vereador para
Camaragibe. A família Amazonas tentou, mas não conseguiu embora a família Amazonas
seja possuidora de uma inflncia sobre o povo pobre. Esta família como tem terras,
sempre vem tendo embate com o povo que tenta invadir ou área que é invadida. a
família vai negociar, fazer a venda disso aí. Ainda existem muitas áreas que estão em
litígio. Uma das áreas em Camaragibe não existia fiscal de tributo. Prefeito de cidade
pequena tem medo de cobrar tributo. Mas o povo quando resultado, ele paga. A nossa
primeira tarefa no governo foi fazer o concurso, que estava se esgotando o prazo para
validá-lo, e fizemos e logo em seguida fomos qualificar os fiscais e arranjamos um espaço
para eles se alojarem e tivemos um corpo muito qualificado de fiscais. Fizemos o cadastro
da cidade e principalmente de Aldeia que pagava como imposto territorial rural sem ser
rural. Colocamos uma lei dizendo que o espo de Camaragibe era um espaço urbano. Lá
hoje estão quase todos cadastrados. Uma das coisas que nos pegou no meio do caminho
foi a falência da fábrica de tecidos. A fábrica fechou e os operários ficaram na rua, que
o pagam imposto, seiscentos, setecentos e deixamos também de arrecadar o imposto
que a fábrica pagava. Isso é outra coisa que nos pegou na segunda gestão. Nós já
tínhamos uma receita limitada e pequena. Camaragibe é uma cidade de pequeno comércio
239
hoje. As reuniões no começo eram sempre aos sábados definidas por eles mesmos.
Quando tinha algum assunto extraordinário nos reuníamos também quartas-feiras. Depois
de uns seis meses a gente fechou e ficou definido que os delegados se reuniriam todos os
terceiros sábados de cada mês com todos os delegados. Pelo regimento interno deu muito
trabalho para aprovar porque a oposição entrou com o propósito de detonar o modelo.
Então, pelo regimento eles deveriam também se reunir com suas bases suas sub-regiões. E
nós não fazíamos estes acompanhamentos. Então o que acontecia aí. Haviam delegados
que se reuniam de fato e havia outros que não se reuniam. Da mesma maneira que a gente
abria espaço e este espaço era conjunto com as cinco regiões, a gente fazia no espaço de
prefeitura porque era um espaço mais central com auditório e tudo. Nós cedíamos o vale
transporte para ida e volta. As reuniões giravam em torno do processo sobre o que a
prefeitura já tinha efetuado ou não e as demandas de cada região. Como saúde, educação,
canaletas, capinão. As políticas públicas de cada região eram trazidas para o conjunto.
Isso ao cidadão o conhecimento da cidade como um todo. Cada delegado das
microrregiões, uma vez que, era difícil para eles irem de uma região a outra
voluntariamente e sentirem as diferenças dentro do município.
Numa reunião sempre tem a crítica das demandas que não foram atendidas ou a lentidão
do atendimento e as pessoas vendo o todo entendem porque a prioridade para certos sítios
mais necessitados. As temáticas numa reunião de delegados são colocadas sempre com
muitas críticas porque as demandas não estão sendo atendidas no tempo hábil, eno ele
fica desgastado enquanto lideraa que representa e enquanto liderança a demanda dele
o foi atendida ele se fragiliza. Dentro da reunião tem também a relação de poder porque
eles disputam entre si na fala. Nós coordenávamos de maneira muito clara e que fosse
pedagógica quanto aos procedimentos no que diz o tempo de fala, o tempo de resposta.
Porque era assim estas reuniões sempre aconteciam junto com a coordenação do governo.
São cinco regiões, cada uma tinha um titular e um suplente. A mesa era coordenada com o
governo e o movimento popular. Todos os delegados eram conselheiro e eram eleitos por
voto direto. Todos traziam suas demandas, sendo que alguns ainda o haviam discutido
nas suas bases. Pelo estatuto tinha uma comissão de ética formada por eles. Pela
autogestão deles mesmos, eles teriam que controlar o processo dos envolvimentos
comunitários. Porém eles formavam a comissão de ética, mas não tinham a coragem de
estabelecer as punões. Por exemplo, três faltas seguidas saíam do papel de estipulada de
delegado/conselheiro. Mas eles não tinham a coragem de fazer isso. Dava a entender que
eles queriam que o governo que tomasse a frente de forma paternalista e de forma
autoritária de excluir os faltosos. Nós devolvíamos para eles a responsabilidade. Quem
desistiu mesmo foi o pessoal de aldeia, porque classe média não agüenta reuniões. Os
demais permaneceram. Alguns deles se candidataram para delegados na segunda gestão e
acompanharam todo o nosso processo. Os runs eram anuais e tinham a função de
prestar contas e era o espaço aberto para todos os cidadãos comuns e para todos os
conselhos. Nosso plano diretor foi constrdo com a população. O primeiro foi feito no
ano de 2000 e o segundo em 2004. Os fóruns eram para as prestações de contas e também
havia um eixo temático que a gente trabalhava e planejava com a população para o ano
seguinte. Neste Fórum tirávamos os elementos básicos para a LDO (Lei de Diretrizes
Orçamentárias) de forma participativa. Antes elaborávamos um pré-modelo que
entregávamos á todos os conselhos que devolviam as sugestões para o governo. Depois, a
gente sistematizava e reunia internamente também as secretarias para distribuir as
demandas de acordo com a intervenção de cada uma e juntar todos, finalmente, no Fórum.
Desde 1997 que a nossa LDO foi participativa, para distribuir as políticas publicas dentro
da planilha orçamentária. Eu nunca comunguei com a denominação da OP de outros
municípios porque a planilha orçamentária é uma peça basicamente técnica. A LDO é,
240
por exemplo, o que precisa se comprar para uma casa. A quantidade o que vai definir é o
orçamento que se tem. Na LDO ela nunca fugia do que era definido nas conferencias, que
eram deliberativas. O conselho de saúde nas respostas deles tinha com certeza
demandas reprimidas da conferencia. Então tudo tinha uma interligão. Era um
planejamento participativo dessa maneira sendo que as políticas públicas eram todas
integradas neste sentido entre os conselhos todos, referendadas pelos cidadãos comuns e
era essa o foco qualitativo desse modelo.
A capacitação para os delegados foi considerada muito boa na primeira gestão, foi feita de
forma continuada. Na segunda já estávamos sem condições financeiras para bancar
entidades vindas de fora, então, eu mesma mantive estes encontros. Porém, sinto que os
delegados da primeira gestão foram muito mais capacitados. A freqüência da capacitação
era controlada. O delegado quando escolhido ele passava pela primeira capacitação. Se
faltasse não poderia passar para o patamar de delegado. Nós fazíamos duas capacitações
por ano. O conteúdo da capacitação era sobre direitos humanos, cidadania, formação do
estado brasileiro, políticas públicas, a queso técnica do que é um orçamento, o
instrumento de um planejamento. Uma coisa que a população incorpora sobre o que é
LDO, LOA, PPA, todos os instrumentos são colocados para eles. O plano de obra era
estruturado.
Os delegados fazem as suas discussões com a população e tiram as demandas. que as
demandas sempre excedem aquilo que o orçamento pode comportar. Esta demanda é
enviada á prefeitura que é organizada por rego e marcamos a votação para serem as
obras pelo povo em cada microrrego. Daí ia se fazendo um acordo com o recurso que ia
chegando. O plano de obra era ficou bi-anual. Então o plano de 2002 ficou para ser
executado em 2003, mas passou para 2004 e nós o fizemos praticamente nada desse
plano. A maior parte desse plano estava relacionado aos pontos de área de risco, quer
dizer, morro e encosta e a verba que a gente tinha, era da reunião OGU vinha de uma
emenda coletiva que foi Camaragibe que puxou, propondo que todos os deputados
colocassem todas as áreas de risco pegando vários municípios da região metropolitana.
ficou fora disso Olinda e Recife que tinham um tratamento em outra emenda.
Acontece que no ano que meu partido estava no poder esta verba não veio para
Camaragibe porque foi direcionada para Recife que nem estava na lista.
No processo das geses tivemos também a secretaria de comunicação que teve uma
grande influência na informação das pessoas sobre o nosso trabalho. Fizemos um jornal
como se fosse uma comunicação das políticas públicas. Para se trabalhar a cidadania e a
própria formação. O nome do jornal era Ponto-a-Ponto. Tínhamos também na rádio
comunitária uma hora diária de programa de segunda a sexta feira. A secretaria de
comunicação trabalhou colada com a secretaria do governo dando um norte sobre os
acontecimentos da cidade em políticas para a população no geral com a comunicação
massiva, expandindo os acontecimentos dos fóruns e conselhos. Alem de comunicar estes
eventos também era disponibilizado uma parte do jornal para os eventos cotidianos da
cidade como as festas, jogos, fotos, aniversários e comunicações no geral. O jornal era
semanal, de fácil leitura, tamanho A4, numa tiragem de 10 mil distribuídos de porta em
porta. O jornal foi um espaço de formação e informação.
Quanto mais se abre espaço para a população popular mais ela reivindica. Mesmo porque
existe uma demanda reprimida, porque uma parte da população nunca foi chamada para
participar. Os dominantes, com o poder na mão, criaram uma sociedade centralizadora,
autoritária na qual, a população trazendo um histórico de dominação, desde a época da
escravidão, apresenta dificuldade de se expressar. Quando consegue se soltar assume o
espaço adequado.
241
A fala das lideranças de Camaragibe é uma fala qualificada. Quando se abre o espaço não
para a capacitação formal, mas, para a informal pelo dia-a-dia da luta que é também
uma construção pedagógica, onde se aprende a ouvir, a se expressar dentro de um tempo
marcado, a fazer perguntas, o debate, as intervenções que se qualificam, e passam a ter
uma visão crítica. Agora, eles não tiveram uma análise sobre o sistema capitalista em que
vive. Esta percepção é mais para dentro do partido. Não se consegue falar da sociedade no
âmbito da cidade. Esta é uma discussão mais ampliada sobre a conjuntura do país. As
pessoas só conseguem fazer intervenções pontuais, imediatas sobre o seu município. Esta
concepção de transformar a sociedade é uma concepção de longo prazo que não para
fazer em sete anos.
O que para fazer é qualificar melhor as pessoas, trabalhar a educação cidadã, e assim,
elas vão se qualificando, mas daí a apontar para uma nova sociedade é você bater em
estruturas que é uma transformação que se ao nível de continente, ao nível de uma
nação. Ao vel local, eu não creio.
Quanto aos vereadores, quando as pessoas vão para a rua para votarem numa obra que vai
ser executada os vereadores dificilmente vão ter coragem de subir num palanque para
dizer que a obra é sua. No máximo vão dizer que fizeram o ofício para o prefeito. Mas,
o foi cil para eles assumirem este processo da ação participativa.
O projeto levou quatro meses para ser votado. O povo fazendo pressão e os deles no meio
atrapalhando as seções da câmara. Eles aceitaram porque só tinha aquela agenda por isso,
eles aceitaram a proposta e tivemos a maioria dos vereadores.
Acredito que se o processo for o tradicional e conservador volta tudo de novo. Os
vereadores não se ligam em partido, diria que não se movem por uma conscncia
política. Eles entram no partido que tiver uma calda maior ou por convite por algum
deputado ou senador que quer fazer base no município e em troca cuida da sua campanha.
A população também vota porque o político é seu amigo, vizinho ou um amigo que
mandou votar.
Quando entramos a oposição tentou nos eliminar de todas as formas possíveis. Depois
quando se cristalizou o nosso governo a oposição se acomodou. Os próprios delegados
que estavam do lado deles a partir das capacitações começaram a ter uma aproximação
com os nossos propósitos.
Na primeira gestão não tivemos nenhum vereador do PT, para a segunda gestão é que
foram eleitos dois vereadores petistas. Pom, na primeira gestão nenhum petista foi eleito
vereador. Não houve uma aproximação do partido com o governo, muito pelo contrario,
houve um distanciamento. No segundo governo fizemos vereadores. Eu particularmente
tive uma relação boa com o partido daqui de Camaragibe.
242
ENTREVISTA N°3
Temos a apresentar duas fases distintas da participação do PT (Partido dos
Trabalhadores) no contexto das campanhas eleitorais com vistas ao alcance ao poder
executivo local. Em 1996, a campanha eleitoral foi permeada por uma frustração
marcante dos membros do Partido. O PT, afora o candidato, não possuía nenhum de
seus quadros na coordenação da campanha. O PSB (Partido socialista Brasileiro) e o
Prefeito, à época, João Lemos, tinham o controle de toda a coordenação e da linha da
campanha. Os símbolos e nome do Partido eram ausentes das peças publicitárias, pois,
somente cerca de duas semanas da eleição é que apareceram bandeiras e camisas
vermelhas e poucas bandeiras do PT; as atividades de campanha eram marcadas pela
presença massiva das lideranças aliadas ao governo da época e por trabalhadores da
saúde, particularmente do PSF. Estes últimos, coordenados por Cristina Sette, então
Secretária de Saúde, faziam a mobilização de rua com a máxima da saúde que deu certo,
vez que Paulo Santana era anteriormente o Secretário de Saúde e que, exitosamente,
implantou o Programa Saúde da Família. Dizia-se naquele tempo que o PSF
Camaragibe era o ”Real” do candidato a Prefeito de Camaragibe do PT e demais
partidos da Frente Popular – em apologia a FHC.
A coligação era formada pelo PT, PSB, PCdoB (Partido Comunista do Brasil), PCB
(Partido Comunista Brasileiro) e PV Partido Verde).
O PT, não negar, naquele período tinha um pequeno número de filiados, porém,
combativo, filiados ligados aos movimentos sociais, à igreja, e dispostos a empunhar
num iminente governo, as bandeiras que eram históricas do Partido e de seus anteriores
governos municipais, tais como bolsa escola, orçamento participativo, banco do povo.
Estas citadas, em especial, não fizeram parte do rol de tópicos do nosso programa de
governo. De toda maneira, com a colaboração do Presidente do PT estadual, Jader de
Andrade, conseguimos montar um protótipo de programa de governo que foi linha-
mestra no documento divulgado para a população. Evidencie-se que tínhamos no
Governo, afora o ex-Secretário, um a dois companheiros participando da estrutura
formal e um Vereador na Câmara Municipal.
Apesar do apoio do Prefeito João Lemos que definiu seu posicionamento em favor
do candidato do PT em meados de maio/junho de 1995 – havia dificuldades concretas: a
avaliação do governo, à época, era regular, Paulo Santana era desconhecido, os recursos
em relação ao principal adversário eram escassos. De outro lado, a capacidade
estratégica do candidato Paulo Santana fez reunir novos aliados e mostrar para a
população quem conduzira o exitoso trabalho na saúde. Demais disto, o carisma da
candidata a Vice-Prefeita pelo PSB, Nadegi Queiroz, contribuiu na propagação da
candidatura. Em apertada síntese, podemos dizer que o PT foi personagem secundário
naquela campanha eleitoral.
Perdemos o mandato na Câmara Municipal em detrimento da reeleição de quatro
vereadores do PSB naquele período era obrigatória a verticalização local ou o
lançamento individual do Partido.
Nossos concorrentes principais: Ilo Jorge pelo PDT (Partido Democrático Trabalhista) e
Chicão pelo PSDB. (Partido Social Democrata Brasileiro) Este último, que era
anteriormente do PSB, migrou de partido por perceber que não seria o candidato
escolhido da situação e passou a ser o nome das oposições local e estadual. Chicão
era Vereador e isso o ajudava muito, além de que reuniu em torno de si de Jarbas a
setores do PFL (Partido da Frente Liberal). A prática assistencialista dominava a sua
243
campanha como a doação de sopas em comunidades carentes, tendo sido meridiano o
abuso do poder econômico. De toda sorte, Chicão colhia dificuldades de se locomover –
literalmente- face ao seu biotipo e isso o atrapalhava nas áreas íngremes. Seu grupo,
também, era extremamente fisiológico e a cada dia sugavam o próprio candidato.
Chicão apontava com 28% contra 3% de Paulo Santana no início da campanha. A
reversão ocorreu do meio para o fim do pleito, de forma que Paulo Santana somou cerca
de 20.000 votos ao passo que Chicão somou 16.000 votos, representando cerca de 30%
a 27% dos votos válidos.
Em suma, a vitória do candidato do PT naquela época não era do Partido ainda, mas foi
um golpe nas elites políticas locais.
A campanha de 2000 foi montada em outro eixo, o Partido bem ou mal vez que não
contemplava a contento todas as correntes políticas - participava do governo. As
lideranças e pessoas do governo, independentemente de tendências políticas,
concentravam esforços nas candidaturas a Vereador de Messias e Orlando. Isso trazia
unidade na defesa da candidatura de Paulo Santana. Mesmo assim, os reclamos por
prioridades aos candidatos a Vereador do PT eram grandes. A coordenação geral ficava
a cargo da ex-Secretária de Governo Teca Carlos (PT) com outros companheiros e
companheiras do Partido e de outros partidos políticos. Reunia-se semanalmente a
coordenação para discutir atividades de campanha. A coligação abarcava PT, PV, PL,
PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), PMN (Partido da Mobilização Nacional), PCB,
PGT (Partido Geral dos Trabalhadores) e contava com o apoio de setores do PMDB
(Partido do Movimento Democrático Brasileiro) partido que acolhia João Lemos à
época, o qual estava dissociado politicamente de Paulo Santana. A ruptura ocorreu
em outubro de 1997, quando João Lemos foi para o PMDB.
A maior dificuldade foi a financeira e a formatação das alianças eleitorais para os cargos
proporcionais. Os principais candidatos da oposição foram: Ilo Jorge (PDT) e Luciano
Andrade (PFL). Este último agregou o apoio de Jarbas e manteve uma estrutura de
campanha razoável. Porém, contava contra sua candidatura a sua arrogância e
destempero. Mas é de se ressalvar que ele foi o principal adversário no primeiro
governo do PT com várias denúncias e críticas contra gestão municipal. Empunhou uma
bandeira na campanha que surtiu razoável efeito, a de que a cobrança judicial do IPTU
(Imposto Predial e Territorial Urbano) era a mando da Prefeitura e de que a falta de
pagamento implicaria na apropriação dos bens de cada residência para tanto contava,
supomos, com alguns oficiais de justiça.
Vale dizer que o governo não atravessava um bom momento, os recursos eram escassos
e começava a haver um desequilibro na contas municipais. De toda sorte, Paulo Santana
teve mais de 60% dos votos, cerca de 38.000 votos.
O modelo de participação denominado Administração Participativa apesar de não
constante no Programa de Governo teve início em 1997. Foram construídos os
instrumentos basilares para a evocação das lideranças e demais representantes do povo
no processo. Indicamos o dialogo com Teca Carlos, que coordenou o Programa
Administração Participativa. O PAP (Programa de Administração Participativa)
enfrentou resistências iniciais dos Vereadores do município da situação e da oposição.
Contudo, com o tempo, eles adotaram a estratégia de investir na eleição de delegados
ligados politicamente aos mesmos. O PAP enfrentou resistências também de setores do
movimento popular que achavam que o modelo secundarizava e abatia as entidades do
movimento popular. E, setores do PT, também criticavam o PAP não pelo processo em
si, mas pela condução e métodos desenvolvidos na definição de prioridades. De outra
parte, os Conselhos Municipais tinham uma vida ativa, principalmente o de saúde, que
iniciara em 1989. Esses pólos de participação direta, com todos seus percalços e vícios,
244
atendiam a uma nova era no município, de vez e voz das representações populares nas
demandas postas à votação.
O modelo de Administração Participativa seguia a regionalização adotada para a cidade.
Eram 5 regiões segundo suas características físicas, econômicas e populacionais.
Indicamos para tanto, a consulta a Eduardo Moura, ex e atual Secretário de
Planejamento. As regiões 1, 2, 3 e 4 são marcadas por áreas planas e diversas áreas de
morros e encostas, ao passo que a região 5 se denota com características rurais. Essas
características se transportavam para o plano das políticas públicas demandadas. A
infra-estrutura era e é carro-chefe das demandas populares.
A nosso ver, o Governo capacitou a contento os conselheiros e delegados envolvidos no
processo de participação direta. O nível de conhecimento cresceu e possibilitou um
debate mais qualificado.
O Partido não acompanhava as reuniões do PAP e nem as dos Conselhos, seus filiados
envolvidos nas respectivas entidades é que acompanhavam e passavam o sentimento das
questões para dentro do Partido.
No segundo governo, verificamos uma crise de credibilidade do modelo da
Administração Participativa, mas especificamente no que tange à votação e consecução
das prioridades da execução orçamentária. O desandar na gestão por fatores como a
queda de participação no FPM (Fundo de Participação Municipal), o fechamento da
Braspérola, o crescente número de atividades e unidades administrativas que
demandavam pessoal, a boa política de pessoal adotada trouxeram a paralisação de
obras e outras demandas da população, levando os delegados a uma baixa participação
nas reuniões, visto se sentirem sem representatividade junto à comunidade que
representavam. Em outras áreas como nos Conselhos Setoriais começaram a surgir
questionamentos quanto ao não cumprimento das deliberações isto, em meados do
segundo biênio.
Poucas foram as interferências do Partido no Governo, seja no aspecto positivo, seja no
aspecto negativo. Assim digo por entender que os rumos do governo não devem ser
decididos pelo Partido, mas, de outra face, o Partido deve ser conselheiro do governo e
ajudar a corrigir os rumos. Todos os seminários de avaliação que o PT fez para avaliar e
propor ao governo produziram resultados que pouco foram levados em conta na
primazia das ações. De outra parte, havia o envolvimento de todos os diretorianos nas
avaliações periódicas do governo e, nesses momentos, o PT por seus dirigentes
expressava suas posições e críticas. A quase totalidade dos diretorianos participava do
governo em várias áreas. Isto resvalava quando algum dirigente levantava alguma
crítica de ordem política ao governo. Apesar do alto nível técnico dos secretários e
diretores do Poder Executivo, o nível político era baixo. A participação política ficava a
mercê de dois ou três que se expressava pelo conjunto ou até às vezes contra o conjunto.
Não há duvida, entretanto, que a tomada de poder local trouxe para o PT e seus
militantes, um acervo de experiência técnica e política que ficará guardado em nossas
mentes e em nossos corações. Ao mesmo tempo, ser governo trouxe à baila a existência
de conflitos outrora não existentes, a disputa pelo micro poder, a revelação e o
acirramento das tendências do PT, a dificuldade de compor no parlamento com outros
partidos da chamada base aliada, que votava, mas não defendia o governo. No segundo
mandato, foram eleitos dois vereadores do PT: Orlando e Messias.
O PT também cresceu junto à população mais inserido no movimento social e como
ator coadjuvante do governo municipal, que ora penava em tirar o papel do ator
principal...
Mas, o bônus do PT junto ao governo municipal foi do tamanho do ônus, quando da
crise financeira. A ojeriza ao PT em Camaragibe no final de 2004 foi proporcionalmente
245
maior que aquela que esteve presente no quadro nacional, atualmente. Não elegemos o
sucessor Chicão pelo PSB, nem reelegemos os dois vereadores, nem elegemos
quaisquer outros candidatos. Além disso, que se registrar que o voto no legislativo
municipal ainda não abarca as bandeiras que os candidatos a vereador do PT defendem,
diferentemente dos votos dados ao poder executivo – que é o que faz...
O PT com raras exceções entendeu a partir do segundo mandato, a dinâmica do
governo. Disso, fez base de troca através da ação de alguns filiados. As exigências do
PT para com os seus sempre é muito grande. Queríamos a melhor política social, a
melhor política para os servidores, a melhor política cultural... Claro que esse nível de
exigência não exime o governo das ações políticas equivocadas. Registre-se por
oportuno que formulações mais especificas sobre políticas públicas vindas de quadros
do PT que não estavam no governo não apareciam, acredito por falta de elaboração.
Sem sombra de dúvida, a ocupação de um espaço de poder local contribuiu no limite
para a melhoria da qualidade de vida da população, mas longe de dizer que isso
significou expectativa de uma nova forma de sociedade. As amarras do aparelho de
Estado, a dinâmica de funcionamento da máquina pública e até dos instrumentos postos
à disposição para a participação direta do povo não apontam para qualquer nova lógica
de alteração social. A relação dos vereadores do PT com o governo foi conflituosa. A
lógica de subordinação do legislativo ao executivo é questão que deve ser discutida no
seio do PT. O alinhamento programático, por outro lado, não existe. A bancada de
sustentação ao governo isolava os vereadores do PT e os confrontava contra o governo.
Todavia, esse confronto por vezes foi provocado pela bancada do Partido. Ser vereador
de situação foi um aprendizado, muitas vezes pormenorizado tanto pelos Edis quanto
pelo executivo. Vale dizer que os projetos de lei apresentados pelos vereadores do PT
foram em geral, aprovados e sancionados pelo Prefeito. As polêmicas apareciam
quando da disputa de espaço na gestão somos todos iguais nessa noite, dizia Ivan
Lins – quando da votação de projetos de grande interesse popular e quando das eleições
internas do PT nenhum dos dois vereadores eram alinhados à corrente política do
Prefeito. Ou seja, a relação ficou muito adstrita ao embate/debate prefeito x vereadores.
Nossa bancada às vezes, a contragosto, votava com o governo. Em algumas vezes,
no fim do governo, se absteve e saiu para fora do plenário. Os vereadores do PT
fomentaram e muito a participação popular na Câmara dos Vereadores e nos fóruns de
debate com a população. Mas, contava-se nos dedos os Edis da bancada de apoio que
participavam de qualquer manifestação pública (inauguração, festa, fórum, etc.).
A oposição no primeiro mandato era desnorteada e limitada a 4 vereadores. No segundo
mandato, ela cresceu tanto numericamente quanto na qualidade, ora eram 5, ora 6 ou 7
membros, contando com o Presidente desafeto à gestão e ao PT. Sofremos uma CPI
da Previdência – a derrocada de alguns projetos importantes e um sem número de
pedidos de informação para paralisar o governo. A bancada de sustentação era “tímida”
e a queda de braço se dava, quando se dava, com a bancada do PT.
Não formamos conselho político. Os partidos por outro lado valorizavam,
prioritariamente, a repartição de espaços no governo, não forçando a composição do
aludido conselho, à exceção do PPS (Partido Popular socialista). O PT tinha um boletim
e servia minimamente para a militância como canal de divulgação de ações importantes
do governo e também do partido. A estrutura do governo era alvo de questionamentos e
tensões. Alguns companheiros e companheiras sobrepujaram a isto e perceberam a linha
diferenciada que o governo municipal tinha alavancado a qualidade de vida da
população.
Parece-nos crer que sempre faltará um pedaço do que se deseja, mas com certeza a
relação partido x governo deixou a desejar... O resto viria como conseqüência.
246
ENREVISTA Nº4
Para o eleitor o voto legislativo ainda não tem muita credibilidade. Não sabe também
qual o papel do legislador e o qual o papel do executivo. A maioria dos eleitores não
sabe fazer a diferença. Às vezes se confunde e fica muito difícil a definição do que é
justiça, da ética, pela própria disputa no processo eleitoral.
Com as figuras corporativistas, clientelitas, para que o eleitor faça esta distinção fica
difícil. É um desafio. Para o PT (Partido dos Trabalhadores) marcar a diferença é mais
complicado. Hoje por conta do sistema que está colocado aí, os partidos de esquerda
estão entrando nesse esquema do clientelismo, de pressão pelo dito, de fazer um favor
mais direcionado para garantir o voto.
É um trabalho árduo, muito difícil porque as pessoas costumam colocar todos no
mesmo saco, todos calçam quarenta. Existe candidato sério. Existe proposta séria e as
pessoas precisam estar atentas a isso. busca do voto abre este processo de preparar
a campanha, fazer a diferença com criatividade na busca do voto do eleitor.
As propostas do PT são surgidas do meio popular como nos conselhos, associações,
surgem nos debates da cidade, nos Diretórios Acadêmicos, Centros Sociais e
Esportivos, movimento cultural. São propostas que são trabalhadas muito tempo,
são grupos de evangélicos, da igreja católica, com uma participação importante dentro
do PT. As propostas foram criadas e debatidas ao longo da existência do PT. Inclusive
são construídas na base.
Inclusive os governos de direita já adotaram. As alianças eleitorais precisam ser
melhor pensada. Hoje a gente esta vivendo uma crise política no governo federal que
foi fruto da vontade de ganhar a eleição nacional, mas não basta a vontade. Foi
importante ganhar, mas não pode ser de qualquer jeito. Tem que ganhar bem, com um
projeto político sério, limpo. E a gente ganhou. E a gente sabia dessas dificuldades. E a
gente do PT tem varias tendências que discordava dessa forma de fazer aliança.
Camaragibe também foi assim. Garantir a governabilidade, isso é muito perigoso. Tem
gente que acha que para garantir a governabilidade tem que fazer acordos políticos.
Acordos de troca. Concessões de cargos, de salários, empresários para garantir a
prestação de serviços no governo. Então esse é o grande perigo, o grande erro do PT,
adotando essa política.
Precisa reformular rediscutir isso e espero que seja agora nesta eleição municipal,
nacional e estadual, aonde vai se eleger novo Presidente, espero que o presidente que
está assumindo pense melhor a questão da aliança. Os candidatos do partido acabam
entrando nesta jogada porque pensam que se elegendo a possibilidade de mudar
esta coisa que existe. Mas dentro é muito difícil. O Legislativo, a condução da
bancada pelas maiorias é muito difícil chegar dentro e mudar todo este processo.
Você vai para a tribuna. Você diz isso, vota contra, é muito complicado quando não
tem a maioria para fazer as mudanças.
Os candidatos e os parlamentares do partido acabam entrando em contradição. É uma
coisa muito perigosa a gente bate nesta tecla, mas, muitas vezes a gente não é
respeitada. Camaragibe, na ultima eleição, agora deu debate. Na gestão de Paulo
Santana, que acabou sendo uma tragédia. Uma administração de quatro anos, uma
cidade premiada, prêmio prefeito criança, referencia inclusive para servir de exemplo
para João Paulo em Recife, citada na campanha de Lula para presidente da republica, e
de repente a gente perdeu feio, pela construção interna provocada pelo campo
majoritário que impôs uma candidatura com problema.
247
Quando abrimos os olhos não havia mais a possibilidade de inserir o PC do B (Partido
comunista do Brasil) no debate para sairmos na vice. Mas nem isso mais foi possível.
A arrogância, a prepotência do campo majoritário não permitiu a candidatura que na
ultima hora a gente teve que apoiar, veio do PSB (Partido Socialista Brasileiro) com o
ex-vereador Chicão. Uma candidatura sem expressão nenhuma. Nem o ânimo dos
militantes petistas ela conseguiu empolgar.
O PT em camaragibe agora esta passando por uma crise. Os dois vereadores perderam
o mandato. E agente agora neste encontro está pensando em dar uma sacudida no
partido. A pesar da crise municipal e também a crise nacional, que para gente foi
horrível. E os candidatos do PT precisam ser mais aguerridos, tentar resgatar estas
coisas da seriedade. Do discurso, da pratica de estar inserido neste movimento e a
partir daí sua proposta ter crédito. Não adianta alguns candidatos se filiarem ao partido
simplesmente para ser candidato. Temos visto prática neste sentido. Não tem
prioridade o debate mais. Os candidatos têm que passar por uma formação e estar
participando do movimento.
O candidato para ter respaldo da sociedade, para ter referência e que possa ter um
discurso organizado ele tem que estar inserido no movimento popular. O Legislativo
de Camaragibe é muito complicado e parece que a cada ano ele retrocede. A bancada
passada era uma bancada que tinha dois vereadores do PT, mas, considerada muito
ruim. E agora parece que piorou. É interessante que os partidos não se organizem. Não
tem o debate nacionalizado de partido com contra outro partido. E cada um em sua
cidade não tem debate, o candidato apóia quem ele quiser. Não existe. O único partido
que tem densidade é o PT. Aliança é aliança, mesmo que seja fraco na cidade. Mesmo
quebrando certa relação devido às alianças, o Partido dos Trabalhadores permanece
coeso.
Quando tínhamos a prefeitura de Camaragibe nós fizemos alianças, não alianças
eleitorais. Mas na câmara dos vereadores, com partidos de direita, bastava o prefeito
liberar os cargos que votavam com a gente. Era um apoio sem fundamento, que em
qualquer momento volta para trás. Os vereadores do PT não. Mesmo eles sabendo que
aquele projeto ali vai atrapalhar a sua reeleição. Eles aprovam o projeto que é de acordo
com a administração petista. A administração enviou projeto de aumento salarial aos
funcionários de educação com um porcentual de 2% de aumento. Os servidores e o
sindicato queriam quatro ou mais e os vereadores do PT foram na tribuna defender o
projeto da administração. Por isso foram vaiados e perderam apoio. Os outros
vereadores votam sem fundamento. Eles votam no processo, mas na última hora se
alguém por trás oferecer algum benesse, ele volta para trás. O PT não. Vota com o
governo mesmo sabendo que aquele projeto ali vai atrapalhar a sua reeleição, sua
candidatura. Que acabaram pagando com o mandato pelo apoio que deram ao governo
não se reelegendo. O executivo não antecipou o debate com os seus parlamentares. Daí
o desastre foi total.
Infelizmente os vereadores acabam indo à reboque. Como é o caso do governo federal.
A política econômica que não contempla. Existe um bloco de parlamentares que
discordam daquilo e não são ouvidos. Eles questionaram que não tem uma agenda na
época do ministro Dirceu para sentar com ele, conversar. Os parlamentares do PT
eram tratados de forma escusa. Acabaram votando contra. Assim foi Luiza Helena,
Baba que votaram contra a reforma do setor público. A história do legislativo tem muito
isso. Eles não tendo a prioridade da candidatura do PT.
Mas em Camaragibe é muito complicado para fazer o debate. Os vereadores são
preocupados com o assistencialismo, com ambulância. Aqueles que botam ambulância
conseguem se eleger. Mas este não é o papel do vereador e sim do executivo. faz
248
debate se for assistencialismo, não discute uma política, um projeto. Os projetos que são
apresentados no legislativo são um absurdo.
fazem requerimentos. Não nenhum projeto estruturado mais eficaz. Eu considero
ainda muito fraco o legislativo em Camaragibe. Os vereadores eleitos hoje eu não
conheço o trabalho. Dois vereadores eleitos a pouco surgiram do nada, mas tinham
dinheiro para gastar. Eles conseguem ficar conhecidos durante dois ou três meses.
Enche a cidade de outdoor; dão sapatos, óculos; festa em comícios; envolve a juventude
com salário semanal. A juventude que tem uma carência muito grande.
As pessoas que têm trabalhos importantes na cidade, não conseguiram se reeleger.
vem a pergunta: o que foi que houve?
Os outros tinham uma campanha volumosa, tinham dinheiro para gastar, espero que a
reforma política corrija estes defeitos. A campanha a cada ano fica mais cara. Daí
favorece a elite, a burguesia. Na essência com a redução dos vereadores não mudou
nada.
O dinheiro que era dividido para 15, agora é dividido para 11. E para eleger 11 se torna
mais difícil. O candidato popular que vem das bases, faz discussão, quem não apresenta
recursos para atos assistencialistas, esse aí vai estar em situação difícil.
Na legislatura passada o vereador ganhava três mil, agora ganha quatro mil e
quinhentos.
Na votação da câmara ainda alguns vereadores conseguem se manter como o mais
votado, mas ainda oscila muito. O vereador mais votado agora na eleição passada ele
entrou na sobra e agora foi o mais votado. Mas por quê? Fez trabalho assistencialista e
conseguiu botar uma ambulância e um ônibus na cidade, nas comunidades para levar
criança na escola e fazer passeios.Outros candidatos assistencialistas mudam tanto de
partido.
Tem um bloco de candidatos ligados ao deputado federal do PTB (Partido Trabalhista
Brasileiro), PMN (Partido da Mobilização Nacional). São quatro partidos, PT do B
(Partido dos Trabalhadores do Brasil) e PMDB (Partido do Movimento Democrático
Brasileiro). Quatro vereadores que foram reeleitos são ligados a ele. Ele financia
vários candidatos. Ele é o candidato federal mais votado na cidade. O assistencialismo
opera em Camaragibe. O vereador que não faz o assistencialismo quando é candidato
pela primeira vez, até se elege, mas da segunda. Por isso a maioria faz
assistencialismo. A participação popular ainda fica muito aquém do real desejado. Se
você consegue que a população, a entidade tenha uma participação melhor, vai
entender que o assistencialismo é uma coisa descartável.
Não é uma proposta para o coletivo. É uma proposta individual. E o movimento
popular tem este papel de alertar, de informar, reunir as pessoas, de cobrar ações que
contemple a comunidade, no conjunto das pessoas. Nos conselhos de saúde,
moradores, cultura tem este papel inclusive propor a colocação de projetos para a
cidade. Procurar os vereadores aliados para forçar a aprovação dos projetos. O papel
do movimento popular é ficar cobrando do vereador a votação dos projetos. Caso
contrário, o vereador fica pensando no salário, na verba do gabinete e fazer o trabalho
assistencial, distribuir a verba para as lideranças, empregar alguns no gabinete,
transformar assessoria de dez em vinte ou mais e depois pede para cada um
transformar seu voto em mais dez votos. O movimento popular precisa entender
melhor o processo para poder cobrar.
O ex-vereador Orlando aprovou uma lei muito importante que foi a lei de
acessibilidade que contribuiu para o ingresso de pessoas portadoras de deficiência em
logradouros, prédio público, todo partido tem a sua proposta. O grande problema é que
249
eles distorcem a proposta que foi apresentada na campanha por causa das alianças, das
dificuldades que não foram vistas.
Com o governo do PT o partido teve alguns conflitos. No primeiro governo foi criada
a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do lixo que não deu em nada, mas a
empresa saiu de Camaragibe. A oposição também propôs outra CPI contra o governo.
Ela foi arquivada porque não teve votos suficientes para sustentar proposta contra
Paulo Santana. O PT tinha varias propostas. Fora FMI (Fundo Monetário
Internacional), fazer a reforma Agrária, quando estivesse no poder a Reforma Agrária
ia andar. Mas quando chegou ao poder ficou acanhado. Os programas sociais não
tiveram continuidade. Repetiu a política econômica com os banqueiros. Quem é rico
fica mais rico, quem é pobre fica mais pobre. Não mostrou um diferencial pelo qual
veio; tem algumas diferenças contra FHC (Fernando Henrique Cardoso), mas não
mostrou ainda o seu potencial. Esta é a grande frustração do partido no governo e alem
da contradição tem a competição dentro do partido. O partido mesmo estando no
governo tinha que continuar a ser partido e cobrar a execução do seu programa, o que
não vem acontecendo e cobrar o governo.
A proposta do governo não é a proposta do partido, mas, do conjunto de partidos
que faz a aliança. O poder legislativo é talvez o mais importante porque é ele que
elabora as leis. Aprova os projetos. que no Brasil não tem funcionado desta forma.
E não esta sabendo aprovar e nem fiscalizar. É incrível como no município não se
consegue fazer isso. Nem o movimento popular consegue acompanhar e fiscalizar a
aplicação das leis. Acho que a contribuição que a câmara tem que dar é qualificando
melhor os seus parlamentares.
A participação popular, o legislativo relacionado com o socialismo, isto eu acho ainda
um sonho. O socialismo é uma coisa mais ampla. E a forma como a gente esta
discutindo nas câmaras não contempla e não tem muito a ver com o socialismo.
Existe uma relação entre o legislativo e a participação popular, mas o socialismo ainda
está muito distante. As políticas não são voltadas para a maioria então, o socialismo
está muito longe.
Não esperava que com a eleição de Lula chegasse ao socialismo, mas que desse
alguma contribuição para que daqui uns vinte anos, cinqüenta anos, a gente pudesse
chegar lá. Mas da forma como está a gente não vislumbra esta possibilidades. O
partido tem que retomar este debate, reformular sua política de aliança, levantar a sua
bandeira de luta, refazer sua discussão porque o partido não pode perder o rumo. Esta
coisa da participação popular é uma coisa que devíamos estar vislumbrando. O partido
está passando por um processo de eleição e espero que a chapa da esquerda ganhe e
espero que haja uma rediscussão dessa questão das alianças.
Fazer com que esta sociedade volte a participar, tenha orgulho de participar das pautas
e das questões do dia-a-dia que é a nossa vida.
As tendências existem no partido desde o seu surgimento. O partido surgiu de
pensamentos diferentes. Alguns achavam que deveria defender a luta armada, outros
não. Que a revolução seria através das idéias. O papel da tendência é formular a
política que aquele grupo de pensamento tem, para colocar em debate. Porém, em
algumas ocasiões as pessoas fazem disso a disputa para chegar ao poder, para disputar
o partido, e tem funcionado às vezes para sacanear com as pessoas, derrubar. Não é
esse o papel da tendência. Deveria elaborar tese, fazer o debate político. E a proposta
mais importante para a sociedade é a que deve ser acatada pelo partido.
A unidade na luta é a grande responsável pelos rumos que o partido tem tomado hoje.
De dez anos para cá, o partido começou a discutir a proposta da unidade na luta. Nós
precisamos fazer uma mudança radical na direção do PT. Não dá para continuar com o
250
partido dirigido por estas pessoas. E infelizmente são pessoas que tem uma historia de
luta. O Genuíno, o Dirceu, foram pessoas que participaram da luta armada, da
guerrilha e do movimento estudantil. Colocaram a vida em jogo e depois desvirtuaram
o rumo do partido. Em Camaragibe conseguimos unir numa chapa, a OM
(Organização Marxista), a AE (Articulação de Esquerda) e a DS (Democracia
Socialista), mas são três chapas na verdade e a gente espera que a esquerda seja a
vencedora desse processo. O nosso candidato é o ex-vereador Orlando.
251
ENTREVISTA Nº5
Comecei com trabalho comunitário há vinte e três anos. Fiz vários trabalhos com
creches, capacitação com mulheres, até que fui eleita pela primeira vez, nesta ultima
eleição. Minha localidade é no Km. 10 de Aldeia. Sempre apoiei candidato para eleição
desde a época de Carlos Lapenda. Naquela época eu não sabia o que era política
partidária e política social. Não sabia dividir esses trabalhos. Sempre gostei de participar
dos movimentos. Continuei esse trabalho e hoje estou assim como vereadora, no meu
primeiro mandato pelo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro).
Antes eu tinha passado pela gestão participativa, pelo conselho de saúde, conselho de
políticas sociais e conselho da criança. Fui vice-coordenadora do conselho da criança.
Em todos os movimentos eu estava junto. A campanha eleitoral na qual me elegi foi
feita da seguinte maneira: Concentrei-me mais na minha comunidade. Desci aqui para
baixo, na cidade, poucas vezes porque meu trabalho ficou concentrado em Aldeia, na
Região cinco. Vim em alguns comícios aqui em baixo, daí eu me perguntava: O que
estou fazendo aqui? O meu trabalho por isso, ficou concentrado em Aldeia. eu
ganhei 5.732 votos.
Temos uma creche que atende 186 crianças e a associação de Vera Cruz que atende
grupo de terceira idade. Então, foi mesmo que me empenhei mais. A campanha foi
uma campanha boa, sem dinheiro. O pessoal da comunidade falou: Se você apoiar outro
a gente não vota. votaremos se for você. Isso mostrou nas urnas 12.132 votos. Fiquei
em segundo lugar.
Tive muito apoio das mulheres, dos jovens e dos homens que brigavam apoiando meu
nome. Eu não tinha camisa nem boné. Foi uma campanha pobre, não tinha dinheiro para
os grupos de porta a porta. Só no ultimo mês que ganhei dez reais para cada apoiador
para comprar água e lanche. Nunca vi tanta gente na minha vida participando da minha
caminhada.
A minha proposta política era ampliar os trabalhos. Não prometi nada do que eu não
podia fazer porque tinha visto como era um trabalho de vereador. Ele sempre dizia
que não podia, não podia, e hoje eu sei.
Na minha campanha dizia que não podia fazer nada sozinha, faria sempre junto com a
comunidade. Estou fazendo isso através de reuniões mensais. A gente a questão de
infra-estrutura, fazemos requerimento e encaminho para o Prefeito. que até agora
nada foi atendido ainda. Então é a criação do meu trabalho. Quando levo o oficio e
espero a resposta, o prefeito diz aquela velha estória que o prefeito passado deixou a
cidade com debito muito grande e ele está pagando.
Ele começou a investir em algumas coisas. Por exemplo: fizemos uma reunião com
ele e ele disse que já investiu em Camaragibe o total de R$640.000,00. Esta restaurando
o posto de saúde, CEMEC (Centro Médico de Camaragibe), já começou a limpar
algumas ruas mais deterioradas. Está pagando em dia. Assim, para a população de
maneira geral, ele alega que não tem dinheiro.
Falando do partido, eu vou te dizer uma coisa: eu sou do partido porque a gente tinha
que ter um partido, mas eu nunca procurei votar em partido. Eu sempre votei na pessoa.
Eu nunca votei assim porque você é do PT (Partido dos Trabalhadores), PTB, não.
Sempre voto na proposta da pessoa. Na ação da pessoa. Embora eu não seja muito de
partido, eu preciso aprender, a ler mais o que é um partido porque hoje preciso saber né?
Mas eu não sei assim a proposta do meu partido. Eu fui porque tinha que ter um partido.
Na época da eleição eu visitei todos os partidos, eu tinha uma simpatia pelo PTB, eu
252
não tinha nenhum amigo de partido. O deputado Chaves, foi do PMDB (Partido
do Movimento Democrático Brasileiro) e hoje ele é do PTB. Antes dessa eleição ele já
era a pessoa mais próxima da gente na comunidade. Tem o gabinete aberto e sempre
atendeu a comunidade e eu ligava pra ele, para a empresa Metropolitana. Essa ligação
fez com que eu me aproximasse mais dele e da filha dele, Niedja. E daí sempre votei
nele, não pelo partido, assim como votei em Paulo Santana, não pelo PT, mas pelo
trabalho como secretario de saúde e pedi voto para ele. Então eu não olho esse lado de
Partido, e não entendo.
Na época teve as alianças eleitorais, mas não sei dizer quais foram as vantagens e as
desvantagens. Sei que o meu partido foi o PTB aliado ao PMN (Partido da Mobilização
Nacional), ao PT. Foram vários partidos que se uniram em coligação. É isso que é
aliança? Nessa aliança estava eu, Manoel Rodrigues, o Paulo Santana e Bosco. E fez
quatro vereadores.
Eu confesso que não entendi essa aliança. sei que era para se juntar para ficar mais
forte e receber uma quantidade de votos dentro desta coligação. O PMN que tirou em
primeiro lugar, depois veio eu, pelo PTB e ainda sobraram 32 dos meus votos que
passei para outro vereador do PPB, que ajudou a elegê-lo. O pessoal não gostou deste
vereador que entrou porque é o quarto mandato dele e ele não faz nada. Se eu tivesse
12.100 votos, ele não entrava. Como se diz: ele entrou na cauda.
Todas as terças-feiras, às 19:00 horas a gente se reúne com todos os vereadores para
discutir leis e emendas. A reforma tributária, o prefeito ficou seis meses para elaborar e
na ultima hora com urgência, às 6:00 horas da noite ele queria que aprovasse. Daí, um
dos vereadores, e eu me senti contemplada, disse: como é que você, Prefeito, levou seis
meses para formular e agora quer que a gente aprove sem nem saber o que tem dentro?
V.Exª. tem que dar um prazo para a gente saber se o conteúdo pode ser aprovado. Como
estou no meu primeiro mandato, tomo muito cuidado porque se errar, o povo vai dizer:
foi a vereadora que aprovou! Eu sou a primeira secretaria, tenho que tomar o dobro de
cuidado. Como eu fui delegada e conselheira na participação popular, sei de muitas
coisas da comunidade, dos fundos dos conselhos.
Hoje está bem melhor. Como estou no primeiro mandato, estou com atenção no que é
certo e errado. A LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) tinha que ter todo um
processo, uma audiência com o publico. Daí eu falei: vamos por o povo na rua! Daí o
prefeito falou: cale a boca, entendeu?!
Foi um grupo de pessoas na câmara porque eu escalei umas 18 pessoas. Pelo prefeito ia
ser em surdina. Mandaram-me parar de chamar as pessoas. Disseram: Não é para
chamar ninguém. Daí eu respondi: se é audiência publica, é para o povo saber o que está
acontecendo! Isso vai governar a cidade por quatro anos. A população tem que estar
sabendo disso aqui. Então, foi uma confusão muito grande porque a audiência publica
não aconteceu.
Na época de Paulo Santana, mesmo com tudo o que aconteceu, eu como delegada da
gestão participava, a gente participou de toda a elaboração da LDO. A gente ficava
trabalhando junto. ia um delegado representando os outros para entregar, num ato
solidário junto com o prefeito, secretario entregar ao presidente da câmara a Lei.
Desta vez os delegados nem ficaram sabendo, não houve reunião, não houve nada. Até a
audiência publica que deveria ter acontecido não aconteceu.
Eu pedi uma parte na câmara e falei de tudo. E o prefeito disse depois: Você está junto
com o movimento. Os vereadores nem entraram para me defender. Eu fiquei sozinha.
Eles não estão nem ligando. Nem pensam para trabalhar pela cidade.
Quando eu vou para a comunidade eu falo tudo o que acontece na câmara dos
vereadores, mostrando o papel do vereador e que tudo da prefeitura passa por eles e são
253
eles que aprovam. E aprovam tudo sem pestanejar. Eu sou vista como a diferente. Eu
não voto no que acho que está errado. Eu fui eleita para defender a população, em quem
votou e quem não votou em mim. Mostro a diferença. Fazer uma câmara diferente.
Outra mulher que foi eleita, a Nadje, foi ser secretária de saúde. E tem mais nove
homens na câmara.
A relação com o prefeito falta mais respeito com os vereadores e mais aproximação,
apesar dele me tratar bem. Eu posso ser amiga, mas não faço o que os deputados
querem. O partido do prefeito e o meu são da esquerda. O meu é o Partido Trabalhista
Brasileiro. Acho que não são muito diferentes porque os dois defendem o trabalhador.
Aqui na câmara só não tem o PFL (Partido da Frente Liberal).
Para mim a contribuição para uma nova sociedade passa pela Secretaria de
Desenvolvimento Social. Tem muitas propostas, mas o que falta nesta cidade é vontade
política. E por isso a cidade fica no caos. Eu acho que é muito sonho, mas teria que se
tirar essas pessoas do mar de pobreza para uma vida melhor. É que eu entro com o
meu trabalho, onde a gente ensina a pescar. Melhorar a educação, a saúde para uma vida
mais digna.
A participação popular e o legislativo têm que buscar emprego, oportunidades para as
pessoas. Tem que ter um processo de capacitação e ao mesmo tempo aproveitar as
pessoas em trabalho, abrindo alguma coisa que aproveite este potencial humano.
254
ENTREVISTA Nº6
Meu pai morreu com 95 anos. Agora ficou minha mãe viúva que está com 82 anos.
Minha mãe e meu pai trabalharam na fabrica. Meus tios todos trabalharam. A fundação
da fabrica é de 1891. Foram construídas as casas. Meu avô trabalhava na padaria da
fabrica. O açude foi construído em 1895. Esta vila tem 114 anos e a cidade tem 23
anos, sua emancipação foi em 1982, o decreto de Lei foi do deputado Maviael
Cavalcanti, mas, havia uma disputa política na época com Lapenda. Houve outra Lei de
emancipação e ele barrou isso que foi por volta de 1971, mas havia uma disputa entre
José Pereira e Lapenda. Foi quando José Pereira e Maviel Cavalcante estavam no
governo aconteceu o plebiscito para emancipação de Camaragibe. Quando Maviael
estava para sair, no final do seu mandato, Lapenda entrou em Camaragibe mesmo sendo
contra a emancipação da cidade. Ficou o filho dele prefeito de Camaragibe e ele
Prefeito de São Lourenço. O filho não tinha conhecimento administrativo nenhum,
então Camaragibe ficou com um prefeito que nunca quis a emancipação do município.
Assim foi o processo político. Camaragibe sempre teve uma identidade independente de
São Lourenço da mata porque Camaragibe é totalmente urbana.
São Lourenço tem uma área territorial maior do que a de Recife. Camaragibe tinha um
engenho que data de 1549 que marca todo o processo da época com a cana de açúcar e o
trabalho escravo e um bocado de outras coisas. No museu da Rua do Imperador tem
estas documentações. Na igreja de São Lourenço da Mata tem muitas coisas da história
de Camaragibe. Meu avô do lado da minha mãe veio de Moreno.
Eu participei da campanha de 1989. Houve uma discussão no SESI sobre o conselho de
saúde. Era um embrião na época. O vice era João Lemos e o prefeito era Arnaldo
Guerra. Depois da campanha para o mandato de 1992 a 1996, quando João Lemos foi
eleito prefeito e Paulo Santana foi nomeado secretario de saúde. O conselho de saúde
melhorou muito na gestão de Paulo Santana. Ele tem uma experiência muito grande em
movimento popular. É lamentável perde-lo. Acho que alguma pessoa tem que voltar à
suas raízes porque quando se afasta não é ruim pra ela, mas, é ruim pra todos, para o
movimento e para a própria pessoa. Sei que o poder modifica muito as pessoas. Eu acho
que quando a pessoa tem uma vocação não perde totalmente aquilo ali. Ele Fez muitas
conquistas. Camaragibe deu um passo muito importante com ele. Na época de Lapenda
tinha uma mentalidade que o prefeito centralizava todas as questões. Ninguém sabia
quem era os secretários, pois, o próprio prefeito respondia por tudo. A cabeça dele era
assim e a cabeça da época era assim. Depois com as mudanças, quando Paulo era
secretario de saúde foi um período interessante embora que depois eles se
descompatibilizaram, mas, durante o período que Paulo passou no processo este
avançou bastante.
Na Gestão de Arnaldo Guerra que era o segundo prefeito depois da emancipação de
Camaragibe ela deu alguns passos importantes. O movimento popular não avançou na
sua essência, mas tomou algumas iniciativas porque o prefeito tinha um conjunto de
forças com ele que ajudaram, na gestão de João com Dr. Maia, mas João como prefeito
e Paulo na secretaria de saúde, a saúde teve um avanço significativo. Camaragibe tem
uma marca diferencial pelo processo de organização. Na primeira gestão de Paulo,
Fernando Henrique não foi tão cruel em questão de verba. No governo de Lula fechou a
torneira e não deveria. Mas avançou o conselho na prática até porque entendeu-se o
poder de participação, a distribuição de tarefa, e não era um governo centralizador. Teve
255
muitos avanços no conselho de segurança, da criança, o conselho da saúde que era o
mais antigo avançou. O processo eleitoral que antes era feito de forma completamente
equivocada, errada, ele deu o sentido que os conselhos têm nos seus segmentos que
precisam ser valorizados. Teve discussões e desentendimentos, mas tudo foi pra chegar
num caminho. Tinha o seu conselho gestor que indicava seus representantes. Tem o
seguimento dos prestadores que são os hospitais conveniados, tem o segmento dos
trabalhadores do quadro que trabalham na comunidade, que trabalham nos
ambulatórios, dentro da prefeitura que se escolhem dentro da assembléia e tem também
os usuários que se escolhem entre si nas assembléias constituídas nos municípios, que
não eram feitas antes. Chegava uma pessoa e dizia sou da comunidade tal, mas, não
comprovava. Hoje alem de comprovar através de documentos formais se sabe se ele é
realmente um líder comunitário e se tem algum trabalho.
Quando a gente vai para as conferências estaduais a diferença como são montadas.
Aqui estamos fazendo a pré-conferência da Saúde. é que escolhemos os delegados
para a conferência municipal.
Na conferência do conselho de saúde não escolhemos os delegados. Após a conferência
é que escolhemos. A posse do conselho é a parte. A eleição dos membros de conselho
de saúde se posterior à conferência. A assembléia do movimento popular faz todos
aqueles trâmites legais. São chamadas as entidades que podem participar, tem o
regimento, tem os convites que indica os documentos atuais necessários para
participar. Não possibilidade de entidade fantasma. Este é uma conceituação do
processo de participação das entidades que estão representando um grupo de pessoas de
uma localidade e seu segmento representativo e cada um na sua representatividade no
conselho paritário.
Quando a gente vai participar do conselho estadual em vez de se discutir políticas
públicas vão discutir a articulação para ir pra Brasília.
Aqui a gente prepara faz uma preparação anterior. Tivemos a posse do conselho no dia
5 e na posse do conselho a gente convida toda a comunidade para participar. O prefeito
vem dar a posse. Nesta gestão estamos tentando fazer assim. Claro que a gente ainda se
depara com aquelas pessoas que tem aquela mentalidade que pensa que estão no quadro
do governo, mas que estiveram como usuário. Isso é quebra de paridade se quiser
ficar dos dois lados. Se amanhã entrar uma discussão está de que lado? Nós trabalhamos
muito isso.
Agora estamos trabalhando a conferência da cidade que era pra acontecer em abril e não
aconteceu. Em junho e não aconteceu. O governo deu um prazo pra isso acontecer. Qual
é a nossa proposta? Falamos com Eduardo Moura que é o secretario de governo:
Olha da vez passada foi feita de forma equivocada e errada. Dessa vez tem que fazer
uma prévia para preparar e discutir os temas. O Estado junta tudo no mesmo pacote e
ninguém sabe quem é quem porque não uma referência das pessoas como acontece
nas cidades. Aqui, sabemos da historia tanto do processo como das pessoas.
No nordeste somos fragilizado dentro deste Brasil tão grande que a nacional engole.
Por isso precisamos qualificar nosso pessoal.
Conseguimos fazer agora em agosto a conferência da cidade. A discussão que tivemos
ontem da conferência da cidade, porque não é fácil, ontem começamos de manhã e
saímos à noite. pensou se fosse fazer o processo eleitoral. O problema da
participação e o controle social que as entidades em um referencial que pode tudo, mas
não pode tudo. Delas também depende conquistar o espaço dela. Não é apenas a
participação em si tem que estudar para saber os direitos e saber o que estou aprendendo
ali. E para fazer um controle social tem que saber das informações com transparência.
Como vai controlar algo que não se sabe por que alguém não passou a informação. Uma
256
pessoa pode ir para uma assembléia e depois perguntar pra ela o que aconteceu? E ela
responder não sei. Assim não adianta. Um conselheiro é um formador de opinião. Se a
pessoa não entendeu nada desta participação não esta valendo. Tem que se ter
compromisso e responsabilidade principalmente com o nordeste que vivemos. Nós
somos esmagados quando a gente chega a Brasília ou qualquer canto que for.
São Paulo tem uma representação enorme. Rio de Janeiro outra. E são pessoas muito
mais intelectuais, muito mais mobilizadas.
Mesmo Lula sendo nordestino tem dado um mau exemplo com estes escândalos. Isso é
ruim para o movimento. Isso afeta. Eu mesmo me sinto indignado porque estamos numa
comunidade pobre onde os jovens estão precisando de profissionalização, empregos,
o saneamento, a saúde. Não adianta falar que Camaragibe é um modelo se a verba está
na mão do governo. Temos que ser valorizados pelo governo estadual e nacional. É
necessário que o processo político ande para dar exemplo. Mas qual é o exemplo que
estamos vendo? O povo vê na televisão é dinheiro na cueca, na maletinha, na maletona,
milhão sendo desviados e a gente não retorno. Poderia ser um hospital, uma fábrica,
a gente os nossos jovens se drogando porque os pais estão desempregados. A gente
graças a Deus por ter uma família. A família é à base de tudo. Se a família está
desestruturada o jovem vai pra rua e em vez de vender feijão vai vender maconha que
dá mais dinheiro. Daí vai passar 10 anos e não tem recuperação. A nossa Lei é injusta.
Para o bandido pobre que rouba uma galinha tem cadeia. Para o bandido que fragiliza a
nação toda nada acontece. Esses bandidos que atacam a gente são frutos destas mazelas
a nível nacional. Nós somos as vítimas porque vivemos aqui.
Outro dia no fórum o juiz explicou que a gente teria que ser o jurado. Dmanda bater
na porta da gente e entrega um mandado de intimação como se a gente também fosse
um bandido. Se eu sou intimado a participar é uma imposição e quando chega ele diz
que é um direito pra mim! Eu preciso analisar o que é direito pra mim. Direito pra mim
é se o cara fosse julgado de acordo como deveria ser. O político rico tem num sei
quantos advogados pagos. O bandido pobre lascado tem um de escada. Prende hoje e
amanhã está solto dentro da comunidade e ele se volta conta a gente. E dai? O juiz está
na dele, pode mudar de cidade, mas a gente pode mudar? Aí é o júri é quem condena. A
Lei é que deve condenar porque tem o advogado de defesa e o advogado de acusação.
Porque deve colocar o povo. Porque para colocar o povo devia capacitá-lo antes e não
chamar de uma hora pra outra. Eu tenho uma indignação sobre isso. Eu acho que o
processo político ainda não esta consolidado no Brasil. A democracia não deveria ser de
imposição para participar.
Você deveria participar se tiver uma vocação e compromisso com sua cidade e se seu
país mandar. Porque a pátria é aquilo que o pessoal do Iraque faz. O Estado Unido não
conseguiu controlar eles. Porque é uma nação invadindo a outra. Porque aqui no Brasil
invadiu calado e silenciosamente. Lá, estou torcendo, dou meu apoio àquele povo.
Tem mil anos de existência e não se curva diante ao que o americano quer. Não vão se
curvar. Todo dia vai morrer toneladas de gente, mas o americano também vai morrer
porque ele não é o delegado do mundo. Aqui no Brasil estão invadindo a Amazonas
silenciosamente e o governo deixando. A gente não ama a nossa pátria não, porque se a
gente amasse, a gente não sairia daqui para americano, porque o pessoal sai daqui pra
trabalhar limpando o chão, mas não quer trabalhar aqui. A gente não ama o nosso
país. Se o político não presta tira! A gente faz uma revolução. A China não fez? A
União Soviética não fez? Agora o povo tem que ter a coragem e não ficar submisso a
uma outra nação. Olha os Estados Unidos pode ter tanta bomba atômica, fazer tantos
testes nuclear pra matar pessoas e vender armas. Agora o Brasil não pode fazer isso.
Porque eles condicionam o Brasil ao que eles querem. Mas que pátria nós temos? Que
257
soberania nós temos? Agora nós temos que analisar estas coisas aí. Agora eu admiro
aquele pessoal de lá do Iraque.
Falando do tempo da fábrica disse que Carlos Alberto Meneses, neto do engenheiro que
elaborou a concepção e modelo de gestão da Fábrica de Tecido de Camaragibe, não
gostava do bispo Dom Hélder Câmara, e tachava Dom Hélder de comunista. Ele
desativou a capela no interior da fábrica falando que precisava ampliar o espaço da
planta industrial. Ele foi contra a idéia do próprio avô, que era um homem muito
católico e idealizador da fábrica. Daí o povo disse que depois disso a fábrica desandou.
Por volta de 1986 e 1987 ele se matou.
um dia ele chegou à frente da igreja e tinha um quadro de don Helder bem grande.
Como ele era muito mandão o quadro desapareceu até hoje. Ele era mandão mesmo. Ele
tinha um capataz que fazia tudo o que ele queria. Ele fazia as indenizações de todas as
maneiras. Dizia: ou você aceita ou você sai. Esta casa mesmo, foi assim; meu pai fez
um acordo sobre a indenização dele. Ele se aposentou em 1978. Por todos os anos de
trabalho, meu pai ganhou a casa como indenização. Ou pega ou larga. Meu pai, para
ampliar um pouco pediu também o oitão da casa. Se meu pai não tivesse aceitado a
gente poderia estar numa casa alugada ou na rua.
Carlos Alberto era um opressor mesmo. Outras pessoas tiveram que sair das casas. Ele
fazia acordo com quem ele queria. O moço que trabalhava com ele fazia todas as
espécies de acordo em nome dele. Todas as casas ali eram da fábrica. A minha tia, ele
mandou sair. Mas meu pai era muito reclamão e reclamava os seus direitos. O patrão
não gostava dele. Antes, a casa foi oferecida pra minha tia que não aceitou porque
achou que de direito era para meu pai. Carlos Alberto aceitou o acordo porque queria se
ver livre de pai. Meu pai tinha uma visão e por isso reclamava e contestava. Acho que
peguei alguma coisa do meu pai.
Aliás, todos nós pagamos quando se rebela por qualquer coisa. Ninguém gosta de ser
fiscalizado, ninguém gosta de ser vigiado. Fala-se em controle social, mas qual o gestor
que gosta de ser fiscalizado por mais democrático que seja, por mais transparente que
diga que é e você descobre que não é, porque muitas articulações e alianças são feitas
para ganhar uma eleição. O Brasil enquanto estiver nesse sistema político deteriorado
fazendo alianças, quando você diz: eu sou candidato a prefeito de Camaragibe, mas, pra
ganhar tem que se aliar a ele, que é a pior coisa que tem, é outra tristeza. você tem
um programa de governo que tem que dividir com eles. Quem vai ser seu secretário?
O prefeito que tem uma mentalidade boa, cabeça boa, mas, fez aliança com as pessoas.
tem que dividir o poder. Isso é ruim. Já está acontecendo em Camaragibe as
manifestações de bastidores de quem quer ser deputado estadual, federal. Há uma
fumaça por cima e um pano por baixo. Isso é ruim. briga por isso e pelo poder. A
entidade é diferente do estatuto de partido político. Não adianta querer usar a entidade
para dizer que faz articulação política porque afunda a entidade. A entidade é política
coletiva. O partido é programa de governo que quer chegar ao poder individual. É uma
política de supremacia. O cara chega no canto e quer atenção pra ele, o governador quer
atenção pra ele, o presidente também. é um bocado de gente babando no homem. O
homem fica perdido ali. Às vezes nem sabe o que é certo, ou melhor, pro povo. Por que
o povo aprendeu, em vez de ser aquilo que é correto fica puxando o saco. Isso não é
democracia correta, porque não se traduz em políticas e de melhorias de condições de
vida para a comunidade e não ficar puxando o saquinho do seu A, B ou C. Mas esta
sociedade é uma hipocrisia. Olha o presidente falou agora na televisão o olho dele
estava subindo assim pra cima. Eu acho que ele não foi sincero. É muito difícil pensar
que o presidente não sabia daquelas coisas. Ninguém ganha para presidente sem fazer
aliança. Ele foi fazer aliança com quem: com Antonio Carlos Magalhães do PFL da
258
Bahia, fez aliança com Sarney quem estava viciado. Raposa velha. O que ele
esperava. Botou Jéferson no ninho, um advogado criminal, e depois quis escantear o
homem, homem esperto.
Os delegados daqui têm a visão curta porque as pessoas não estão preparadas para o
processo. Começo explicando pela bíblia: Jesus começou escolhendo a dedo para depois
capacitar. Outra coisa, ele falava por parábola, era código. Não era todo mundo que
conhecia. A parábola do filho pródigo. Os apóstolos estavam capacitados para isso. Daí
Jesus falava no meio de todo mundo em parábola. E perguntavam o que ele quis dizer?
Mas os apóstolos sabiam. A igreja evangélica serve para alienar as pessoas. Eu sou a
realidade do que eu vivo. Se estou na comunidade estou na realidade dela. E a realidade
não é alienação. Tenho que fazer a minha parte. Sou formador de opinião. Nem voto em
pastor e nem voto em padre. O pastor da igreja Universal falava na televisão sobre a
fazenda Canaã. Que coisa mais bonita! Agora ele esta no poder e cadê? O que vem
fazendo? Vivia às 6 horas fazendo aquela reflexão e agora o que ele fez da fazenda
Canaã?
Primeiro era 120 delegados da administração participativa votado pela comunidade. Em
cada região são divididas em micro regiões. A região um tem sete micros regiões. Hoje
não temos mais isso de delegados. Pouca gente vai para as reuniões e tem muita gente
que não é da comunidade.
259
ENTREVISTA N°7
Professora desempregada. Comecei a trabalhar através da associação dos moradores.
Comecei a representar como delegada. O presidente da associação que era o irmão
Zezito sempre incentivava para eu participar. E foi isso que trouxe a gente. As pessoas
que participam de associações elas se sentem estimuladas a trabalharem pela
comunidade. Atualmente irmão Zezito é vereador. Na época pela minha participação na
reunião é que passei a ser conselheira. Antes de participar eu não tinha interesse. Era
professora e dona de casa. Como fiquei desempregada comecei a buscar outra atividade
e assim fui para a associação daí participando no movimento comecei a ter interesse.
Gosto de dar opinião. Resgata as necessidades da comunidade.
Aqui também já teve uma outra gestão com o João. Do Paulo eu gostei da primeira
gestão. Na segunda gestão acabou. O interesse dele então foi muito apagado.
Na primeira gestão tinha a gestão participativa, tinha eleição, se aquela rua fosse votada
os vereadores tinham que acatar porque ela estava no orçamento com o dinheiro que
ia ser aplicado, mas ficaram muitas ruas para serem calçadas, mas com projeto. Até
agora esses políticos que entraram, o prefeito atual, pelo menos a mim ele não deu
resposta se este projeto vai ser acatado porque foi aprovado. Até as pessoas ficam
falando: e essa rua, já foi votada e cadê que vai ser calçada?
Agora precisa cobrar dele essas mais votadas. Eles alegam é que no começo está sem
verba a prefeitura, com muitas dividas, que precisa pagar, para depois realizar essas
obras. Os vereadores fazem questão de mostrar que foram eles que fizeram a obra
botando na placa. Eu acho que antes no governo passado era a mesma coisa. Bota:
Prefeito, fulano de tal, e não colocavam os nomes dos delegados na placa. E faz tempo
que eu participo do movimento e o que eu vi foi isso. Na gestão de Paulo Santana havia
muitas conferencias antes eu participava de muitas reuniões. Agora tem uma grande
diferença. Nós lideres comunitários estamos sentindo necessidade de capacitação, mas o
prefeito esta pagando as contas. O vereador que apoiei é do PPS, ele já foi presidente da
nossa associação e por isso tem procurado ajudar a nossa comunidade. Ele sempre foi
de luta. Antes a comunidade não tinha água, não tinha transporte, era esquecida. Hoje
temos essas melhorias e a rua está quase toda calçada. Tudo isso foi com muita luta para
o nosso lugar. Na primeira gestão de João Lemos conseguimos água. Com Paulo foi
transporte, com Arnaldo Guerra foi o calçamento. A luta foi da comunidade, com muita
reivindicação. A gente pedia e tinha que conseguir. O grupo de educação também é
forte, mas mesmo eu sendo professora estou desempregada e faço parte do conselho da
FUNDEP, que é da educação. A gente está pensando em levantar esse conselho. As
pessoas da comunidade não participam dos conselhos de direito como este por falta de
condições financeiras, ficam pela periferia. Moram longe e não tem passagem para
freqüentar os ambientes. Também a falta de interesse porque ninguém quer passar o
dia todo em reunião. Para participar tem que estar interessado em alguma coisa. O
governo atual faz tudo em cima da hora. A comunicação para este encontro de defesa
civil que estou participando também quase não foi feita. Foi mal divulgada. No governo
de Paulo Santana, havia mais comunicação dos problemas e dos projetos.
Tudo que aprendi até hoje vale para a melhora da sociedade porque lutamos e por isso a
gente vai conseguir coisa melhor. Se a gente não reivindicar o poder publico não
enxerga os problemas. Isto é feito através da gente e temos que falar para eles
escutarem. Se for na parte da obra eles dizem que não tem dinheiro e prende a
possibilidade. O que eles alegam é isso. Eles podem achar que a gente quer entrar na
260
área deles. A gente fica tendo verdadeiro direito e reivindicamos para eles colocarem
em prática. Nós sabemos de muitas coisas que temos direito, mas a gente vai pedir e
eles ficam ali....oh, trancando e não os nossos direitos. As pessoas entendendo
podem se organizar, ver seus direitos respeitados.
No governo que passou, na ultima gestão faltou ação. Parece que o governo ficou
acomodado. Como não podia se reeleger mais, por isso relaxou. Deixou a Prefeitura
com pagamento atrasado e muita greve. A rua ficou cheia de lixo. Isso prejudicou a
saúde das pessoas. Foi horrível. Ele manchou muito a imagem dele.
261
ENTREVISTA Nº8
Participo desde 1996 dos movimentos sociais. Antes eu era mãe de família e dona de
casa. Quem me puxou para o movimento foi Eduardo que é o professor do movimento
popular. Com a pouca leitura que tenho, mesmo assim não foi difícil participar porque
ele ia me explicando todos os passos do conselho de moradores como nas secretarias do
governo. Hoje assumi totalmente a parte de direção da entidade. Dividimos bem o
trabalho com as outras pessoas na diretoria.
Acho-me muito útil porque faço um trabalho social sem ganhar dinheiro. Antes nem
imaginava as coisas que sei hoje. As pessoas me reconhecem. Já fui pelo movimento
para outros Estados. Aprendi muito com os governos e com o movimento. E repasso
para os outros o que sei. Na gestão de Paulo fiz muitas capacitações e aprendi muito em
Saúde em movimento sociais. Junto com Eduardo participamos da criação de muitos
conselhos de direitos.
Quando a gente faz plenária, capacitação, as coisas que não sei eu pergunto e assim a
gente cresce. No sábado participei do fórum da cidade. Nesses espaços se abre a boca
para falar. Se o governo está bom a gente apóia e se estiver mal a gente aponta outro
caminho e na comunidade a gente caminha de igual para igual. E é assim também com o
prefeito. Se ele está errado eu não minto nem a pau!
O movimento é que me ensinou a ser cidadã do município, do Estado e da Federação.
Eu não me envergonho em participar nas representações em outros lugares. Eu vou a
fundo. Não é o que o governo quer e a gente balança a cabeça. Marquei uma audiência
com o prefeito e ele desmarcou porque vai viajar. Eu já remarquei porque não vou falar
com o secretário dele porque não vai resolver meu problema. Nós chegamos em
comissão. Quando é assunto da própria associação vem eu e a adjunta. O que queremos
agora é um muro de arrimo. Porque nas outras gestões não foi feito e a gente perdeu
uma verba para fazer uma creche. Agora estamos marcando esta audiência para pedir o
muro de arrimo. Estamos também necessitando de arrumar uma infiltração que esta
acontecendo em salas de aulas por causa de uma barreira que ficou minando água. Esta
vai ser específica porque quando ele foi prefeito na outra gestão fez uma rua que até
hoje esta prejudicando o prédio. Isso beneficiará os moradores como um todo. Este
levantamento estava desde o governo de Paulo Santana. que foi dada prioridade
para as barreiras que estavam prejudicando as casas. Não foi falta de vontade de Paulo.
Fez o que pode, cercando, mas não fez o muro de arrimo.
Ainda não sei como está esta gestão. Espero que ele respeite. Já teve duas plenárias. Na
primeira foi uma prestação de conta como estava a prefeitura. Então não teve nada a
oferecer até agora. Como a gente vai ter no sábado uma reunião eu não sei qual vai ser a
proposta dele ou se virá da secretaria de planejamento. Mas na primeira gestão de Paulo
foi respeitado isso: a votação dos muros de arrimo, votação de rua que era levantada por
região. Ele deu um atendimento suficiente não precisava ficar de galerinha. Na segunda
gestão foi pior. Ele perdeu muitas verbas. E foi grande. E a dificuldade foi chegando. Eu
não posso dizer por que no fim do governo ficou tanto débito. Eu não tomei
conhecimento da verdade e sofremos as conseqüências.
Quando vai chegando à política novamente cada um que queira mais. Até agora a
equipe que estas ninguém tomou conhecimento, está calada, porque até agora
ninguém é contra o prefeito.
262
Poucos dos vereadores antigos ficaram porque entrou outros novos. Muitos nem tomou
conhecimento deste processo de votação de delegado. Nem passou por ele. Tem líder
comunitário que hoje é vereador. Este participou do processo como delegado, mas os
outros nem conhece. Muitos ficaram contra o prefeito porque eles queriam de um jeito e
o prefeito de outro. Agora estão à vontade. A gente não sabe como vai ser ainda. Na
época de Paulo a gente sabia de todo o procedimento. Agora a gente não sabe.
Hoje estamos participando deste grupo de discussão sobre defesa civil, mas a gente não
recebeu nem uma pauta do que é pra ser discutido. Quando chegamos ninguém sabia
quem ia formar a mesa. O secretario Luciano está perdido. Até esse momento não
apareceu na plenária da Defesa Civil.
263
ENTREVISTA Nº9
Falando do meu bairro, nesta rua que moro tem o CEMEC (Centro Médico de
Camaragibe) que é um hospital de urgência. A gente não tinha isto aqui. Começou a
funcionar no primeiro governo de Paulo Santana. Este hospital foi ótimo para o lugar.
Antes, minha família tinha um carro pequeno que socorria as pessoas. Como aqui tem
muito caso de infarto e derrame a gente socorria e levava para o hospital que era no
centro. Teve gente que até morreu no carro do meu filho.
No primeiro governo de João Lemos ele tinha colocado ambulância na cidade, mas, não
dava conta no atendimento porque não atendia o nosso bairro. Agora com o CEMEC
acabou a preocupação. Do lado do hospital tem um ambulatório com uma médica
excelente. Os médicos de lá são todos bons.
Quando eu comecei a ter uma ligação com as pessoas do bairro eu ia para o posto
médico com elas, sempre na área de saúde eu era procurada. Eu receitava chás,
aconselhava. Comecei a participar no governo de Lapenda. Eu era clandestina. Levava o
pessoal para o hospital, em casa dava café e bolacha, cuidava dos velhos, animava quem
estava na depressão. Fazia as pessoas rirem. E assim fui vivendo. Um dia vieram me
convidar para participar do clube de mães. Eu fiquei na dúvida. Falei que não queria ser
presidente. Indiquei uma amiga. Fiquei na vice.Depois de um tempo a presidente
morreu.Foi quando assumi de ser presidente do clube de mães e estou até hoje. Já faz 10
anos. A sede é aqui em casa.
Quando entrou Paulo na prefeitura eu estava no movimento. O prefeito João
apresentou Paulo á meu filho que é pastor. Como meu filho tem muita influência no
local ele ajudou Paulo a se eleger. Paulo arrumou um cargo para o meu filho na
secretaria de educação. Meu filho é bacharel em teologia. Primeiro Paulo quis dar o
cargo para minha nora. Mas ela não quis sair do emprego que tinha nos correios. Daí
meu filho ficou. No governo de Paulo eu era conselheira da região. Hoje continuo
conselheira agora como da saúde e da educação. Aprendi como conselheira a ver os
direitos das pessoas, o que é certo e o que é errado. Até com os traficantes eu aconselho,
principalmente os mais jovens. Assim os médicos e enfermeiras trabalham mais
sossegados.
Paulo era do PT. A primeira gestão dele foi ótima, maravilhosa. Foi construído o
CEMEC, não faltava remédio e a secretaria de saúde Dr. Cristina era excelente. A
segunda deixou a desejar porque faltava remédio, o pessoal ficou sem receber. Ficou
ruim. Mas eu não tenho nada contra. Apesar de que na segunda gestão a carteira do meu
filho não foi assinada. Mas para ele foi melhor porque ele investiu mais na igreja como
pastor. No governo de Paulo ganhei muita experiência. Tinha a ação participativa. Teve
muitas coisas boas que ele fez não se pode negar como muro de arrimo, na saúde. Mas a
gente sabe que quase sempre na segunda gestão a coisa fica ruim. Já sabe que é a última
mesmo, né! Nunca faz como a primeira.
Paulo fazia muitos debates e reuniões. Agora o prefeito atual diz que esta arrumando a
casa, botando as coisas no lugar por isso não esta ainda chamando. Mas acredito que
fará um bom governo. Ainda está vendo em quem confiar.
Mas vamos lutar pelos conselhos porque ele o pode fazer da conta dele. Eu não
aceito. Eu mesma cobrei a reforma do CEMEC e hoje esta sendo reformado. Eu
investigo a obra, vejo se o material e de boa qualidade. Quando terminar a reforma o
prefeito vai reinaugurar com festa.
264
ENTREVISTA Nº10
A região 05 é um pouco abandonada, principalmente as estradas. A gente faz oficio,
mas não é atendida e lá é uma calamidade indo para o Km. 13 da região. Para ir à creche
onde trabalho, passa muito tempo para chegar lá. A creche abriga gente pobre e rica e
paga uma ajuda de custo porque quem paga os professores é o município.
Comecei o meu trabalho na comunidade há nove anos. E por trabalhar na creche
comecei a fazer parte do movimento, convidada pela diretora da escola. Sou uma pessoa
que gosta de participar e através disso aprendi bastante. È assim: tem pessoa que se não
tiver um passe, não vai a canto nenhum, dizendo que vai pagar para perder tempo.
Querem um passe, uma cesta básica, eu não sou assim; sou mais de aprender. No
governo de Paulo Santana, eu era conselheira de ação participativa, conselheira da
criança e adolescente e do conselho de educação. Sendo conselheira aprendi a fiscalizar
melhor e aprendi a procurar as pessoas certas porque se eu não participasse, não saberia
a quem recorrer a quem ia falar, porque a barreira que está na frente é grande. Eu
estando de dentro já não tem esta barreira porque eles já sabem que a gente conhece.
dizem: Ah, ela já sabe e quando for à reunião, ela vai falar bater, né? O que tem no meu
posto de saúde lá, porque agora participo do conselho de saúde também. O que acontece
lá, eu trago pra cá. Olha, não tem medico, não estão atendendo bem, as fichas não estão
sendo suficientes, aí já tem a quem recorrer né? Eu acho que a barreira é menor.
No começo da minha militância, eu vinha da igreja e gosto de lidar com ser humano.
Numa reunião, eu não volto com duvidas, gosto de perguntar e tirar as dúvidas. No
governo de Paulo, na gestão dele, a gente tinha mais oportunidade, o movimento era
mais incentivado, a gente era mais comunicada sobre os eventos.
No governo de Paulo, na gestão dele agente tinha muita oportunidade, a gente tinha
mais comunicação. Assim, de tudo você estava de dentro. Se era o foro da cidade, o
convite chegava à sua porta. Hoje neste governo é tudo limitado. Você porque você
sabe, mas porque esse convite chega não, porque motivação não tem. Estou achando
agora durante esses setes meses que esta muito limitado. Por sua vez, por mais que o
prefeito atual venha passando aperto, pelo buraco que ficou na prefeitura eu achei que
a gente devia ser mais entrosada no assunto, mais respeitada. Por parte da prefeitura é
como se a gente se limitasse. Esse movimento não continuasse. Eles não dizem isso,
mas no parecer do jeito de lidar com a gente, transparece isso. Mas a gente vai
enfrentar e vai participar e continuar.
Não vamos enfrentar cara a cara na briga, mas fazendo o movimento valer para
crescer. Este crescer para o bem da comunidade. Não é assim crescer para a gente
aparecer, não. É para ter uma fonte de informação sobre a sociedade, e cobrar deles
através da gente. E do jeito que está indo a gente está sem força na comunidade. A
comunidade hoje não esta querendo participar. Quem vai querer sair da sua casa,
largar sua novela para ir à reunião para uma coisa que não fruto? Porque a
comunidade não acredita mais.
O poder não quer dar força. Se tivesse que desistir a gente tinha feito no final da
gestão passada que ficou embaixo. Ficou aquela agonia toda no fim do governo
anterior. Mas a gente não esqueceu a gente não deixou para lá. Já faz sete meses e a
gente está lutando, procurando para ter uma audiência. Amanhã mesmo, à tarde,
vamos fazer uma comissão para falar com ele (o prefeito), para melhorar.
265
O governo de Paulo na primeira gestão foi bem, e o povo confiou tanto que deu uma
segunda chance para ele, apesar de muitas coisas ficarem pela metade, Eu não culpo só
ele, porque não foi ele que trabalhou. Ele trabalhou em conjunto e outra, pode ter
coisas que nem passou pela mão dele. Ficou engavetado. Isso acontece. Ele fracassou.
Se ele hoje fosse candidato, talvez eu nem votasse pelo caos que ficou. Mas na
primeira gestão, não tenho nada a reclamar e durante os três anos desta segunda
gestão, ele fez o que tinha que fazer. Não tudo, ne? Porque acho que nenhum faz tudo.
A saúde aqui era ótima, ninguém tinha o que reclamar da saúde porque era bem
assistida. Não faltava remédio nem medico. Só no final, no ultimo ano que aconteceu.
A capacitação que fizemos na época de Paulo, ajudou muito, ensinou a fiscalizar e ela
veio para ensinar. Com a sabedora na mão pode ter uma sociedade diferente, ne? Você
sabe os caminhos que deve percorrer. Vojuntar, unir. Às vezes o movimento faz
brigar e isso não é uma briga constritiva, faz atrapalhar. Uma briga constritiva é
ótima. O limite entre o governo e o movimento é a forma de não dar respostas. O
governo dá, por exemplo, 90 dias e a gente não tem resposta. Isso aí já vai esgotando o
limite e a gente vai saber por que e a desculpa é que o dinheiro não veio. Isso também
aconteceu no governo de Paulo.
E isso esgota a gente. Porque a comunidade que votou fica esperando retorno. Na
minha comunidade eu e mais dois delegados tínhamos que chamar o povo para uma
plenária e nós não fizemos porque a gente não ia fazer o povo de besta, trazer para a
rua, prometer calçamento se a gente já sabia que não ia mais acontecer. Isso foi no fim
de 2003. a gente o teve eleição na comunidade, mas também a gente não se
expôs porque o povo não estava acreditando e a gente não ficou com a cara de tacho.
Ainda toda primeira segunda-feira tem reunião na comunidade e repassamos tudo que
foi passado nas representatividades. Mas mesmo o povo indo votar e sabendo das
coisas, ele pensa em seu pedaço, mesmo sendo informado. Ele sabe como precisa
resolver no seu bairro, na área de saúde e educação e eu sou a porta voz deles no
conselho. Eles ficam felizes porque eles também sentem que estão resolvendo.
atrás , quando João Lemos foi prefeito pela primeira vez, todos sabem que teve
barreira para se aproximar do prefeito, como esta começando agora... porque todos
dizem que o secretario dele logo botava aquele obstáculo para ninguém chegar. Eu,
como estou sentindo na pele, falei para um deles, o Luciano, que na outra
gestão você trabalhava desse jeito para não chegarem a você. ele disse: ah, foi
mesmo! Principalmente o povo da creche, eu nem deixava chegar. Para o ano, parece
que ele vai sair candidato. Daí ele está maneirando, né? Ele disse: vocês são pau!
Eu era assim mesmo. Ele sabe que o povo esta cobrando, por isso ele tem que
melhorar. O nome dele é Luciano. Na ultima reunião de agentes, ele fez a maior
confusão. Era para todas as pessoas participarem, que ele não mandou convites. Eu
soube por que vim na prefeitura e avisaram do evento e do convite para a nossa
região. Só vim eu mesma de lá. E sem convite, os outros não tiveram direito de vir. Ai
ficaram revoltados com isso. É o motivo que digo. A mudança que houve. Na outra
gestão a gente participava de todos os movimentos e reuniões. Eu fui para São Luis do
Maranhão. Todo lugar que tinha a gente ia representando o movimento e neste
governo, pelo que to vendo, ninguém vai para canto nenhum. Vamos ficar limitados
nas quatro paredes. E nos sabemos as diferenças, a gente participou de outras. E
quando a gente conversa com o prefeito é totalmente diferente. Ele é uma pessoa legal,
mas os secretários dele, vou te falar! Tem uns que a gente está falando e eles viram as
costas. Como é que pode? Imagina se vem uma pessoa da comunidade? E ele sabe que
está nesse cargo porque fomos nós quem votamos no prefeito. E a través do ganho do
266
prefeito que eles estão assumindo a responsabilidade de ser secretário. que quatro
anos voam.
Nestes dias, teve na conferencia da cidade e a escolha de conselheiros para fazerem
um curso. Os conselheiros governistas guardaram as vagas para eles. Eu disse não!
Tem que ter para a comunidade também! Eu sou cidadã e faço parte do conselho e eles
falaram: Mas não vai ter carro para levar. E eu disse: mas na linha de ônibus não
faltam carro e eu sei onde será feita a capacitação e fui. Terminou que eles, com tanta
ganância, nem apareceram na capacitação. Não apareceram em nem um dia e eu fui
todos os dias. Parece que eles não queriam que a comunidade participasse para não
saber dos seus direitos. vi que nos fundos dos conselhos eles não estão colocando a
verba que é da parte da prefeitura.
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