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mostrá-la. Mas o produtor venceu. O compositor lançou, devido ao sucesso de
“Maracangalha” e “Saudade da Bahia”, o LP “Eu Vou pra Maracangalha”, em
que, além dos dois sambas, gravou pela primeira vez “Acontece Que Eu Sou
Baiano” – até aqui só havia a gravação do conjunto Anjos do Inferno, de 1944 – e
“Vatapá”, entre outras regravações. A capa do disco é uma caricatura do baiano
feita pelo desenhista Lan. A Revista do Rádio (06.03.1957), em matéria com o
título “Acontece que eu sou baiano”, mistura o artista e sua terra: “Dorival
Caymmi - que é a Bahia”.
Claribalte Passos
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, jornalista e folclorista, escreveu, a respeito do long play
de Dorival Caymmi, para o Correio da Manhã, (30.06.1957), uma crítica extensa
e cuidadosa intitulada “Grande expressão da alma artística brasileira”, analisando
pormenorizadamente música a música, o texto da contracapa, além dos vários
elementos que compõe a gravação – como arranjos, desempenho da orquestra,
acompanhamentos, interpretação –, fato incomum na imprensa da época, mas que
provavelmente buscava fazer face ao novo produto
:
Selecionou Dorival Caymmi composições antigas e modernas, neste seu novo
disco, todas elas ornadas por expressivas vestimentas orquestrais, porém sem tirar a
beleza e o lugar do seu instrumento preferido plangente violão. Assim, não é
apenas o grupo homogêneo da orquestra, com particular revelo de atuação do
‘naipe’ de cordas, como a tradição contagiante do Regional e a voz personalíssima
do ‘pinho’ brasileiro, tudo aqui convida a um soberbo concerto de música popular e
folclórica nacional. Começa o autor, com o originalíssimo e típico ‘Maracangalha’,
pintando em cores vivas um recanto modesto da sua Bahia tradicional. Nada tem o
lugarejo com o ‘Shangri-La’ imaginado pelo escritor norte-americano James
Hilton, conforme acentua no seu mau gosto o ex-cantor do Bando da Lua, Aloysio,
nas inexpressivas notas da contracapa do disco. (...) Segue-se Caymmi, ao violão,
cantando de forma soberba ‘Samba da Minha Terra’. Esta belíssima página é
inspirada em sambas de roda, no qual são cantados os estribilhos concernentes ao
‘Bole-bole’, ao ‘requebrado’, sugestões oriundas, sem dúvida, do movimento
ardente e sensual das ancas das pretas da Bahia, ou ainda, do remelexo
característico e identificador da música negra. Temos, posteriormente, a mais
recente das composições de Caymmi – ‘Saudade da Bahia’ – autêntico samba de
‘teléco-téco’, cuja letra é uma verdadeira obra-prima. Podemos dizer,
sinceramente, que esta página anos oferece o mais notável instante criador do
intérprete neste disco. Preciosa, igualmente, a colaboração de Léo Peracchi e sua
orquestra. Encerrando este primeiro grupo musical, Caymmi aparece
acompanhando-se ao violão, no maravilhoso samba ‘Acontece que eu sou baiano’.
A letra de feição religiosa afro-brasileira. (...) Na segunda coletânea, encontramos
de início cantiga sugestiva do folclore bahiano – ‘Fiz uma Viagem’. Aqui,
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Claribalte Passos, nascido em Caruaru, em 1923, publicou diversos títulos sobre o folclore:
Folclore e tradição (1965), A cana de açúcar no folclore (1966), Judith Cleason e o folclore do
negro no Brasil (1967), Raízes folclóricas na música popular moderna (1969), Alfenim: açúcar
com alma de gente (1971), Valdevino Felicidade – filósofo do engenho (1972), A arte da
xilogravura na terra do açúcar (1973).
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