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SEBASTIÃO LÁZARO PEREIRA
DE FAZENDEIROS E AGRONEGOCISTAS:
ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA EM GOIÁS
2006
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II
SEBASTIÃO LÁZARO PEREIRA
DE FAZENDEIROS E AGRONEGOCISTAS:
ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA EM GOIÁS
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São
Paulo, como requisito parcial para a obtenção do
título de DOUTOR em Ciências Sociais, sob
orientação do Prof. Dr. Lúcio Flávio Rodrigues de
Almeida.
2006
III
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________
___________________________________________
___________________________________________
___________________________________________
___________________________________________
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IV
DEDICATÓRIA
O caminho que percorro todos os dias, a luz que me orienta
na caminhada que faço, que me aquece e conforta, o carinho
que alimenta minha alma e meu corpo, a mão amiga que me
conduz, é você, Querli, que compartilha comigo o destino
nas horas tristes e alegres. Sem você, esposa, companheira,
confidente, conselheira, eu certamente não teria conseguido.
Para Luíza, minha caçula, cujo sorriso, mesmo reclamando
das horas que a elaboração desta tese impediu que
passássemos juntos, meus dias a cada manhã.
Para Laís, minha filha “do meio”, que com seu carinho, sua
doçura, diariamente me acalenta, renovando minhas
energias, minhas forças para continuar.
Para Letícia, minha filha mais “velha”, que, nesta “fase” de
contestação, da efervescência da adolescência, me revigora
a cada dia, me lembra como são constantes as mudanças
em nós mesmos.
V
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Lúcio Flávio de Almeida, que, em meio a tantas atividades
acadêmicas, sempre exerceu de forma exemplar a função de orientador, apontando
falhas, com críticas pertinentes que, além de melhorarem substancialmente este
trabalho, trouxeram-me crescimento intelectual. Sem a sua colaboração, realizar
esta tese seria impossível.
À CAPES e à FESURV (Universidade de Rio Verde), cujas políticas de
capacitação de docentes me possibilitaram permanecer em São Paulo, dedicando-
me integralmente à realização deste doutorado.
VI
RESUMO
O propósito desta tese é delinear aspectos do desenvolvimento capitalista em
Goiás. Tentei identificar e compreender alguns dos principais arranjos econômicos,
políticos e ideológicos, que moldaram a transição ao capitalismo desta região.
Fazendeiros e agronegocistas, o “tradicional” fazendeiro e o “moderno”
participante do agronegócio, duas oligarquias, os Caiados e os Ludovicos, se
alternam no centro da cena política e no controle do governo de Goiás, exercendo
um papel crucial para a adaptação molecular do bloco no poder regional às
diferentes fases do processo de consolidação e desenvolvimento do capitalismo
dependente brasileiro. Ao fim e ao cabo, se modernizaram, mas mantiveram dois
pilares incólumes: sua condição de proprietários rurais e, mais ainda, de
latifundiários. Em Goiás, o latifúndio permanece sinônimo de poder.
No primeiro capítulo busco examinar no período da República Velha, que é
extremamente rico para a história regional brasileira, as configurações particulares
da sociedade goiana, sua classe dominante e suas contradições internas,
“resolvidas”, por um certo período, pela “Revolução de 30”.
Nos dois capítulos subseqüentes, investigo as ações do novo oligarca ungido
pela Revolução de 30, Pedro Ludovico Teixeira, em tempos de Estado Novo e
durante o período do Plano de Metas. Foi um tempo de mudanças urbanas
profundas, com a permanência da estrutura fundiária no campo. Examino os
conflitos sociais ocorridos e como a classe agrária se uniu ao golpe de 64 e derruba
o último representante da oligarquia, o próprio filho de Pedro Ludovico.
No quarto capítulo examino como o processo de modernização conservadora,
aprofundado pelo regime militar, afetou as relações sociais de produção em Goiás.
O latifúndio permaneceu e houve forte crescimento da urbanização. No quinto,
procuro examinar como a redemocratização trouxe novos atores decisivos para o
cenário político e, paradoxalmente, a reafirmação política da estrutura anterior, que
se expressava na bipolarização entre representantes do Caiadismo e do
Ludoviquismo. Os impactos da política neoliberal, a especialização da agricultura
moldam a classe dominante. Atualmente, é agronegocista. O latifúndio continua.
VII
ABSTRACT
The purpose of this thesis is to outline aspects of the capitalist development in Goiás.
I have tried to identify and comprehend some of the main economic, political and
ideological arrangements, which modeled the transition to the capitalism of this
region.
Farmers and agro-businessmen, “traditional” farmer and “modern” participant
in the agro business, two oligarchies, the Caiados and the Ludovicos take turns in
the centre of the political scene and in the government’s control of Goiás, performing
a crucial role for the molecular adaptation in the regional power bloc for the different
phases of the consolidation and development process of the Brazilian dependent
capitalism. After all, they modernized, but keeping two unchanged bases: their
condition of rural property owners, furthermore, the landowners. In Goiás, the
latifundium remains synonym of power.
In the first chapter, I have seek to examine in the Brazilian Old Republic
Period, which is extremely rich for the brazilian regional history, the particular
configurations of the goiana society, its ruling class and its internal contradictions,
“solved”, during a certain period by the Revolution of 30.
In the two following chapters, I have investigated the actions of the new
oligarch blessed by the Revolution of 30, Pedro Ludovico Teixeira, in times of Estado
Novo and during the period of the Plano de Metas. It was a time of deep urban
changes, remaining the agrarian structure in the field. I have examined the occurred
social conflicts and how the agrarian class joined to 64 coup d’état and tear down the
last representative of the oligarchy, Pedro Ludovico’s son.
In the fourth chapter, I have examined how the conservative modernization
process, deepened by the military regime, affected on the social relations of
production in Goiás. The latifundium continued and there was a remarkable growth of
the urbanization. In the fifth, I have examined how the redemocratization brought new
important actors to the political scene and, paradoxically, the political reaffirmation of
the former structure, which expressed itself in the bipolarization between
representatives of Caiadismo and Ludoviquismo. The impacts of the neo-liberal
policies, the specialization of the agriculture shapes the dominant class. Nowadays,
this one is agro-businessmen. The latifundium has persisted.
VIII
ÍNDICE
Introdução ……………………………………………………………………… ……
014
I – Capitalismo e dominação: antecedentes e continuísmo na sociedade
goiana …………………………………………………………………………... ……
018
1.1 Origem e Função do Estado Burguês ………………………………………. 021
1.2 Classes Sociais e Hegemonia na República Velha ……………….. ……
034
1.3 Estado Burguês, Relações Pré-Capitalistas: a Gênese do Coronelismo
039
1.4 A Configuração Particular do Coronelismo em Goiás ……………………
045
1.5 A Ascensão de uma Nova Fração de Classe no Seio do Bloco no Poder. 053
1.6 A Revolução de 30 em Goiás ………………………………………………... 061
II – O nacional-desenvolvimentismo: avanço capitalista e os conflitos
sociais em Goiás ……………………………………………………………………
069
2.1 Nacional-Desenvolvimentismo e Desenvolvimento Regional na Nova
Capital Goiana ……………………………………………………………………
073
2.2 O Desenvolvimento do Centro-Sul do Estado ……………………………
079
2.3 O Plano de Metas e a Aceleração do Desenvolvimento Capitalista ……
085
2.4 A Valorização Imobiliária e os Conflitos Sociais …………………………… 096
2.5 A Resistência dos Posseiros …………………………………………………
.
099
2.6 Configuração das Estruturas …………………………………………………
.
103
III – Tempos de Ludovico …………………………………………………………… 108
3.1 Os Governos em Goiás: 1930 a 1964 ………………………………………. 115
3.2 O Governo Mauro Borges ……………………………………………………
.
121
3.3 Breve Abordagem do Golpe de 64 ……………………….....………………. 124
3.4 O Golpe em Goiás: as Classes Proprietárias se Unem e Mauro Borges
Cai ……………………………………………………………………………………
131
IV – Uma nova etapa do desenvolvimento capitalista em Goiás: sempre à
direita – a “modernização conservadora” ………………………………………
142
4.1 O Desenvolvimento Capitalista no Campo …………………………………. 144
4.2 Quadro Político em Goiás Durante a Ditadura Militar ……………………
154
4.3 A Modernização da Agricultura ………………………………………………
.
162
4.4 As Inovações Tecnológicas …………………………………………………
164
4.5 A Financeirização da Agricultura Brasileira e os Impactos em Goiás …
169
IX
4.6 Transformações nas Relações Sociais de Produção em Goiás …………. 177
4.7 O Aumento da Produção, a Renda Interna e a Urbanização em Goiás … 183
V – A “descoberta” do mercado: os impactos da política neoliberal e a
classe dominante goiana …………………………………………………………… 188
5.1 A Redemocratização: Novos Atores ou Volta ao Passado? ……………
189
5.2 O Financiamento da Classe Dominante ……………………………………
196
5.3 A Emergência do “Agronegocista”: a Agroindústria e a Agropecuária
Goiana …………………………………………………………………………….…
210
5.4 A Especialização da Agricultura ……………………………………………
216
5.5 Evolução da Renda e a Distribuição Fundiária ……………………………
221
Considerações finais ………………………………………………………………
233
Bibliografia ……………………………………………………………………………
243
X
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Goiás: Distribuição das propriedades rurais – 1920 ............................... 046
Tabela 2: Goiás: Municípios de maior população – 1920 ......................................
.
047
Tabela 3: Cargos exercidos pela família Caiado – 1920 ........................................ 049
Tabela 4: Goiás – População e produção agropecuária por regiões (1920) .......... 057
Tabela 5: Taxas de crescimento do PIB brasileiro e setores – 1955-61 (em %) ...
.
089
Tabela 6: População brasileira e goiana ................................................................
.
093
Tabela 7: Principais Estados de origem dos migrantes para Goiás ....................... 093
Tabela 8: Goiás – Composição da renda interna (%) ............................................
.
094
Tabela 9: Valor das exportações totais (índices: 1928 = 100) ...............................
.
110
Tabela 10: Números de tratores na agricultura – Brasil e Goiás (1960-85) ........... 165
Tabela 11: Goiás – População Urbana e Rural (%) (1940 a 1980) ........................ 167
Tabela 12: Participação (%) de Goiás no Crédito Rural ......................................... 170
Tabela 13: Área e número de estabelecimentos (%), segundo extratos Goiás e
Brasil (1970-80) ......................................................................................................
171
Tabela 14: Crédito Rural x Nº de Estabelecimentos e Produção – Brasil .............. 174
Tabela 15: Comparações entre o valor do financiamento com o valor da
produção e com a área em diferentes extratos de área – Brasil (1970 e 1975) ....
.
175
Tabela 16: Distribuição percentual do valor dos financiamentos rurais do
Banco do Brasil, segundo o tamanho do empréstimo – Brasil (1969-76) ..............
.
176
Tabela 17: Pessoal ocupado na agricultura – Sudoeste de Goiás (1970-80) ........ 180
Tabela 18: Participação (%) dos setores de composição do PIB do Estado de
Goiás (1970-80) ......................................................................................................
185
Tabela 19: Recursos do FCO disponibilizados e aplicados em Goiás
1989 -1990 R$ (em milhões) .................................................................................. 205
Tabela 20: Participação (%) do Pessoal Ocupado e Receita Total,
por Gênero da Indústria Goiana (1975, 1985, 1994) .............................................. 211
Tabela 21: Evolução da área e da produção das principais culturas
selecionadas – Goiás (1990-98) ............................................................................. 218
Tabela 22: Participação (%) do PIB por setor– Brasil/Goiás (1985-96) .................
.
223
Tabela 23: Distribuição Fundiária em Goiás (1980-96) .......................................... 227
Tabela 24: Distribuição Fundiária – Sudoeste de Goiás (1980-96) ....................... 229
XI
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Participação (%) de Goiás no Crédito Rural – 1990 a 2000 ................ 203
Gráfico 2:Taxas anuais de variação (%) da agropecuária – Brasil e Goiás ......... 217
Gráfico 3: Taxas de Variação do PIB Brasil e Goiás (1986 a 1997) ....................
.
222
XII
LISTA DE SIGLAS
ADP – Ação Democrática Parlamentar
AGF – Aquisição do Governo Federal
AL – Aliança Liberal
AP – Ação Popular
Arena – Aliança Renovadora Nacional
BEG – Banco do Estado de Goiás
BNDE – Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico
Caesgo – Companhia Agrícola do Estado de Goiás
CAI – Complexo Agroindustrial
Cang – Colônia Agrícola Nacional
Casego – Companhia Agrícola de Silos do Estado de Goiás
Celg – Centrais Elétricas de Goiás
Cepaigo – Centro Penitenciário Agrícola e Industrial de Goiás
CGT – Comando Geral dos Trabalhadores
CLMD – Cruzada Libertadora Militar Democrática
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
Contag – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
Crisa – Consórcio Rodoviário Intermunicipal
DEC – Departamento Estadual de Comunicação
DES – Departamento Estadual de Saneamento
ED – Esquerda Democrática
Esefego – Escola Superior de Educação Física
ESG – Escola Superior de Guerra
Fago – Frente Agrária Democrática Goiana
FCO – Fundo Constitucional da Região Centro-Oeste
Fiesp – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
FNE – Fundo Constitucional da Região Nordeste
FNO – Fundo Constitucional da Região Norte
Fomentar – Fundo de Participação e Fomento à Industrialização do Estado de Goiás
Ibad – Instituto Brasileiro de Ação Democrática
Ipes – Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
JK – Juscelino Kubitschek
XIII
LOPP – Lei Orgânica dos Partidos Políticos
MAC – Movimento Anticomunista
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
Opac – Organização Paranaense Anticomunista
PCB - Partido Comunista Brasileiro
PD – Partido Democrata
PDS – Partido Democrático Social
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PGPM – Política de Garantia de Preços Mínimos
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar
Polocentro – Programa de Desenvolvimento do Cerrado
Polop – Política Operária
PRG – Partido Republicano de Goiás
PSB – Partido Socialista Brasileiro
PSD – Partido Social-Democrata
PSP – Partido Social-Progressista
PT – Partido dos Trabalhadores
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
Seplan – Secretaria Estadual de Planejamento
Setas – Secretaria de Trabalho e Ação Social
SNCR – Sistema Nacional de Crédito Rural
Sumoc – Superintendência da Moeda e do Crédito
Suplan – Superintendência de Planejamento
Supra – Conselho Regional da Superintendência do Plano de Reforma Agrária
UDN – União Democrática Nacional
UNE – União Nacional dos Estudantes
14
INTRODUÇÃO
15
A dinâmica de uma sociedade regional é fortemente determinada por um
espraiamento maior que se dá nos planos nacional e internacional. Mas não existe,
aqui, uma via de mão única. Ao analisar uma dada região (no caso, o Estado de
Goiás), tentaremos apreender como a dinâmica do processo de acumulação
capitalista da sociedade goiana foi afeiçoada pelas peculiaridades temporais,
espaciais e institucionais.
Este amoldamento subnacional está interligado a um processo maior de
desenvolvimento capitalista do país – que, por sua vez, está condicionado aos
fatores preexistentes na região, tais como as relações de produção, o regime de
apropriação fundiária, a natureza da produção, os recursos naturais, a localização e
a própria ocupação demográfica do território.
Neste trabalho, abordaremos alguns dos impactos deste duplo bloco de
determinações sobre a classe dominante goiana.
No primeiro capítulo buscamos apresentar a origem e função do Estado
burguês em uma tentativa de situar as classes sociais da República Velha a partir da
perspectiva de que coexistiram relações capitalistas e pré-capitalistas no país. Uma
das principais expressões políticas desta ambigüidade, ou melhor, desta
coexistência contraditória de relações sociais vinculadas a vários modos de
produção, foi o coronelismo.
O governo estadual era exercido por uma oligarquia coronelística que foi
confrontada por aliados, residentes na região sul/sudoeste de Goiás. Estes, por sua
vez, tinham estabelecido relações comerciais com grupos econômicos do Triângulo
Mineiro alterando a sua base de produção – da pecuária para agricultura – obtendo
maior poderio econômico. O confronto deveu-se ao descontentamento deste grupo
16
por não ocupar mais posições do que pretendia, tanto no que se refere a postos no
governo estadual como também, a cargos eletivos em âmbito da federação.
Este grupo foi liderado por Pedro Ludovico, aliado de Vargas na chamada
Revolução de 30, em confronto direto com os Caiados, que detinham o governo
estadual. Com a derrubada da República Velha, Ludovido foi nomeado interventor
estadual, iniciando uma nova oligarquia que iria governar Goiás até o Golpe de 64.
No segundo capítulo abordamos as estratégias de consolidação do poder
utilizadas por Pedro Ludovico, como a construção de Goiânia, que serviu, inclusive
para a política interiorizante de Vargas.
O desenvolvimentismo estava em curso. A “Marcha para o Oeste” de Vargas
e o “Plano de Metas” de JK trouxeram importantes mudanças para a região Centro-
Oeste e, particularmente, para Goiás. Tentamos mostrar os graves conflitos sociais
ocasionados pela forte migração e valorização de terras, enquanto o latifúndio
continuou sendo sinônimo de poder da classe dominante nativa.
O terceiro capítulo procura indicar a preponderância da fração de classe
dirigida por Pedro Ludovico, muito mais próxima de se tornar hegemônica no plano
regional do que qualquer outra no âmbito nacional ao longo do período populista
(1930-1964). Isto se deveu, por um lado, à política de modernização (conservadora)
implementada pelo ludoviquismo. E, por outro, à ausência em Goiás, de uma forte
fração mercantil-bancária ligada as atividades de exportação e importação, como foi
o caso da grande burguesia cafeeira paulista. O crescimento da classe média
assalariada, grandemente interessada nas políticas estatais desenvolvimentistas,
reforçou aquela tendência à hegemonia. Finalizando o capitulo, esboçamos uma
breve análise do golpe de 64, destacando suas conexões com as classes
17
proprietárias goianas, o que encerrou, o que encerrou o período de Ludovico no
governo estadual.
O desenvolvimento capitalista no campo, a “modernização conservadora”, é
abordado no capítulo quatro. O intuito é mostrar que estes processos trouxeram
significativos impactos em Goiás, transformando as relações sociais de produção,
com a incorporação de novas tecnologias produtivas através da financeirização da
agricultura brasileira.
A forte disponibilização de recursos estatais foi a chave deste processo, que,
contudo, não alterou o perfil fundiário goiano. Este continuou concentrado,
permitindo que as oligarquias rurais continuassem partilhando a maior parte da
renda estadual.
As implicações da redemocratização do país para o tema que abordo são
examinadas no quinto e último capítulo. Políticos conservadores,na maioria oriundos
do antigo PSD de Pedro Ludovico, retornaram ao governo estadual.. Desta vez, no
entanto, estavam divididos em dois grupos, lutando pela hegemonia partidária,
saindo vencedor o liderado por Íris Rezende. A oposição, também conservadora em
sua maioria, ficou a cargo da velha oligarquia dos Caiados com alguns grupos que
surgiram durante o regime militar.
Em tempos de surgimento da agroindústria de novo tipo, novamente a classe
dominante aproveitou-se largamente de financiamentos estatais. O perfil fundiário
alterou-se em função da atividade produtiva, que se traduz em propriedades
grandes, com mais de mil hectares e forte crescimento da produção. Mas se
subordinou o processo produtivo agrícola e emergiu o agronegócio.
18
CAPÍTULO I – CAPITALISMO E DOMINAÇÃO:
ANTECEDENTES E CONTINUIDADES NA SOCIEDADE
GOIANA
19
As relações de dependência e subordinação socioeconômicas do Estado de
Goiás para com as classes dominantes da República Velha moldaram a dinâmica da
economia estadual nesse período. De antemão, devemos esclarecer o fato de
apresentarmos a economia goiana como dependente e subordinada – já que o setor
exportador de café era a principal fonte de riqueza da economia nacional e a
reprodução material da sociedade e o Estado giravam em torno desta atividade.
As classes dominantes do Estado de Goiás tinham sua principal atividade, a
criação de gado, voltada inteiramente ao mercado interno. Fazendo uma analogia
com a tese de Wilson Cano (1998) acerca das relações centro versus periferia, a
economia estadual – a “periferia” – subordinava-se ao processo de produção
ampliada do centro dinâmico – São Paulo, neste caso.
Toda a produção nacional (implicando a arrecadação de tributos, a renda e o
emprego) crescia ou diminuía em função das inversões no setor exportador. Refletia-
se de tal modo na sociedade que a diversificação das atividades tipicamente
urbanas, como o comércio, a atividade bancária e mesmo algumas indústrias,
acrescidas do desenvolvimento do setor de transportes da produção e da população,
ocorreram sob a hegemonia do comércio exterior.
O padrão de acumulação capitalista internacional, no período, esteve
determinado pela divisão do trabalho entre as nações, ditava o fluxo de mercadorias
e capitais entre o Brasil e o mundo. O país obtinha dessa forma o que não produzia
internamente, inclusive capitais financeiros (que o ajudavam a complementar as
inversões exigidas para o setor de infra-estrutura).
É interessante notar que, devido à grande importação de produtos não
industrializados internamente, a principal fonte de arrecadação do erário público era
o imposto sobre as importações, que ficava, desta forma, sobremaneira dependente
20
dos resultados das exportações. Em face desta relação entre o valor das
exportações e a capacidade de endividamento externo, Villella e Suzigan (1973)
observaram que o governo federal adotou uma orientação do tipo laissez-faire na
condução e implementação de sua política econômica. Isso coincidia com os
interesses da burguesia mercantil-bancária (exportadora/importadora).
Com esta dependência exportadora/importadora, o Estado brasileiro ficou
muito suscetível. Quando havia crises internacionais e superprodução do café, o
principal produto exportado, a geração de riqueza interna começava a se deteriorar
e o Estado adotava políticas de defesa ostensiva ao setor cafeeiro, abandonando o
liberalismo.
Sem sombra de dúvida, a implementação de políticas de defesa de um setor
da economia é um indicador da hegemonia da fração de classe no bloco do poder
da classe dominante. Ainda mais, as medidas adotadas tinham um forte componente
ideológico que se justificava pela necessidade de resguardar a economia nacional, a
renda e o emprego. Por certo, isso equivalia a defender a renda da classe
dominante (prioritariamente, os interesses da fração de classe hegemônica no seio
do bloco no poder).
Na defesa dos interesses da classe dominante, o Estado criava uma distorção
no sistema de preços e estimulava a superprodução, devido, principalmente, à
atratividade do negócio e à garantia do retorno do investimento (via políticas
compensatórias do governo). Se as políticas econômicas desenvolvidas favoreceram
o conjunto da classe dominante, no interior do bloco no poder, privilegiavam uma
determinada fração dela. Essas políticas foram amplamente estudadas por diversos
pesquisadores. Celso Furtado, por exemplo, em seu clássico Formação Econômica
do Brasil, mostrou como a manipulação da taxa de câmbio serviu como instrumento
21
de benefício para a classe dominante, realizando a socialização das perdas do setor
cafeeiro.
Buscaremos, a seguir, detalhar as relações dependentes da economia goiana
e como sua classe dominante se integrava nacionalmente, discutindo, em uma
primeira aproximação, o Estado burguês e sua dinâmica de classes. No segundo
momento, abordaremos o Estado burguês da República Velha, debruçando-nos
principalmente sobre sua classe dominante. Fecharemos este debate com a
situação específica do Estado de Goiás – que, mesmo sendo uma unidade inserida
no Estado burguês, ainda era fortemente marcado por elementos do pré-capitalismo.
Esta unidade contraditória se manifestava, por exemplo, no coronelismo.
1.1 Origem e Função do Estado Burguês
Em uma formação social capitalista, especificamente, proprietários dos meios
de produção (transformados em capital) apropriam-se do excedente produzido pelos
trabalhadores, o mais-valor. Parte deste se destina ao consumo realizado pela
própria burguesia e a outra se destina à reprodução ampliada do capital,
convertendo-se em meios de produção e força de trabalho.
Devemos considerar que, em tal formação social, a repartição do mais-valor
entre diferentes frações de classe, que compõem a classe dominante, possuem, por
sua vez, diferentes interesses econômicos (classe fundiária, capital comercial e
bancário, capital industrial, etc.) Cada uma destas frações repartem os ganhos
totais, o mais-valor, que advém do lucro, juro e da renda da terra, de forma não
igualitária, dependendo do grupo social dominante que primaria sobre os demais,
nos terrenos da ação econômica e política.
22
No entanto, esses distintos lugares e funções de cada um dos conjuntos de
capitais os colocam, potencialmente, em conflito entre si, apesar da condição geral
de serem todos capitais e, em face disso, possuírem o mesmo interesse na
exploração do trabalho e a mesma lógica de caráter geral.
A distinção entre as diversas frações do capital pode ser feita através da
oposição entre a produção e circulação, que identifica, de um lado, diferentes formas
de capital produtivo, por exemplo, capital agrário e capital industrial e, de outro,
distintas formas que podem ser assumidas pelo capital dinheiro, por exemplo, capital
bancário e comercial.
No entanto, em uma tal formação social convivem diversos modos de
produção que podemos considerar pré-capitalistas, juntamente com o modo de
produção capitalista. Por exemplo, nos centros urbanos do Brasil havia, durante a
República Velha, relações de produção capitalistas, enquanto no campo perduravam
relações de produção muito próximas do feudalismo, nas quais o camponês
trabalhava a terra do latifundiário em troca de um pedaço de terreno de que pudesse
viver e tirar o sustento da família.
O conceito de modo de produção foi desenvolvido por Marx para apreender
as articulações complexas e contraditórias entre relações de produção e forças
produtivas, articulações que constituem os determinantes fundamentais das
principais relações sociais de produção que configuraram as diferentes formações
históricas. Este conceito se reporta à
forma estruturante de cada sociedade, pela qual são providas
as suas necessidades materiais, em um dado estágio de seu
desenvolvimento. Em seu cerne, como elemento distintivo,
comporta um mecanismo social específico de criação, controle
e apropriação do excedente social gerado pelo trabalho
(SHANIN, 1980, p. 61).
23
Assim, desta forma, se estivermos tratando de um modo de produção
capitalista, que irá definir a formação social capitalista sob sua predominância,
teremos: i) a separação entre os proprietários dos meios de produção dos
trabalhadores, que não os possuem; ii) a conversão da força de trabalho em
mercadoria, sob a forma de salário; iii) a extração da mais-valia sobre o trabalho pelo
proprietário dos meios de produção, o que permitirá a ampliação do capital investido
na produção; iv) a produção de mercadorias que visem somente ao mercado.
Os modos de produção formam, em seu conjunto, a infra-estrutura econômica
da formação social capitalista, que é bastante complexa, devido às diferentes
relações sociais de produção envolvidas. Esta infra-estrutura se articula, de modo
igualmente complexo, a uma “superestrutura”, ou seja, instâncias jurídico-políticas e
ideológicas. Também nesta instância coexistem os elementos determinados pelas
relações sociais de produção dominantes com elementos determinados pelas outras
relações de produção. Alguns autores, a partir da leitura do próprio Marx,
consideram mais fecundo incorporar ao conceito de modo de produção também as
instâncias não propriamente econômicas. Neste caso, a formação social é todo o
conjunto de abarca diferentes modos de produção, o que implica diferentes relações
sociais de produção, com eventual predominância de um modo de produção sobre
os demais.
No plano mais geral, o desenvolvimento de uma formação social capitalista
submete-se, de forma específica, às leis de movimento típicas deste modo de
produção. Marx, Engels e Lênin construíram teoricamente a base para a discussão e
apreensão desta problemática. Tal estrutura conceitual considera o Estado, em uma
sociedade dividida em classes, uma organização que se especializou em mediar o
24
conflito entre classes antagônicas, garantindo a dominação de uma classe sobre a(s)
outra(s).
Essa seria, então, grosso modo, a função do Estado. Além desse conceito,
porém, há que mencionar incrementos teóricos adicionais, como é o caso da
correspondência entre as formas políticas e diversos tipos de relações de produção.
Poulantzas (1986), interpretando as bases teóricas fornecidas por Marx e Engels,
construiu o conceito de Estado capitalista – ou, como Marx e Engels denominaram,
Estado burguês.
Para Poulantzas (1986), o Estado se constitui em um fator de coesão de uma
formação social dividida em classes. Uma de suas funções é organizar os interesses
políticos da classe dominante. Possui uma autonomia relativa em relação às outras
classes e mesmo internamente à classe dominante e às frações de classe que a
compõem. Esta autonomia relativa se deve à separação específica do Estado frente
à estrutura econômica, que vem a ser uma peculiaridade do modo de produção
capitalista e que é mais uma decorrência da expropriação dos trabalhadores de seus
objetos e meios de trabalho ou de produção.
O método seguido por Poulantzas na obra a que nos referimos é, num
primeiro momento, uma recusa às teorias que ele próprio considera economicistas e
historicistas. O reducionismo econômico vê a supra-estrutura como simples reflexo
da infra-estrutura; o historicismo, por sua vez, considera a classe social como sujeito
da história e, portanto, criadora das estruturas sociais. Para Poulantzas, "entre o
conceito de classe, conotando relações sociais e os conceitos conotando estruturas
não há homogeneidade histórica" (1986, p. 70). O autor contrapõe-se a tais
tendências, encontrando na instância supra-estrutural determinações que lhe são
próprias e que, portanto, conferem certa autonomia ao nível jurídico-político e
25
ideológico.
A relação entre “base econômica” e “supra-estrutura” é a "matriz teórica
fundamental" do desenvolvimento teórico de Poulantzas. Em especial no que tange
à sustentação da autonomia relativa do Estado capitalista, autonomia esta que
significa que este Estado deve ser concebido como tendo determinações próprias,
específicas e, portanto, diferentes das econômicas.
O Estado é a instância para a qual confluem as estruturas e as práticas
sociais – e só aí é possível que a luta de classes transforme a estrutura (lutas
políticas de classe). É ele que traduz, na esfera política, os interesses das diferentes
classes:
o seu traço distintivo fundamental parece consistir na ausência
da determinação dos sujeitos – fixados neste Estado como
"indivíduos", "cidadãos", "pessoas políticas" – enquanto
agentes de produção, o que não acontecia com outros tipos de
Estado. /.../ Este Estado apresenta-se como um Estado popular
de classe. Suas instituições estão organizadas em torno dos
princípios da liberdade e da igualdade dos "indivíduos" ou
pessoas políticas. /.../ O Estado capitalista moderno apresenta-
se, assim, como encarnando o interesse geral de toda a
sociedade, como substancializando a vontade desse "corpo
político" que seria a nação. /.../ Essas características
fundamentais do Estado capitalista não podem ser reduzidas
ao ideológico: elas se referem a este nível regional do MPC,
que é a instância jurídico-política do Estado, constituída por
instituições como a representatividade parlamentar, as
liberdades políticas, o sufrágio universal, a soberania popular
etc. Não que o ideológico não desempenhe aí um papel capital;
trata-se, porém, de um papel bem mais complexo, que não se
pode, sob nenhuma circunstância, identificar com o
funcionamento das estruturas do Estado capitalista
(POULANTZAS, 1986, p. 76).
O Estado burguês é, assim, discutido pelo autor em pauta a partir de algumas
características peculiares, inerentes a esta formação específica: a ausência de
determinação dos sujeitos enquanto agentes de produção, os quais são tratados
como indivíduos, cidadãos; o Estado burguês, embora sendo um Estado de classes,
26
apresenta a particularidade de a dominação de classe estar ausente das instituições,
que são baseadas nos princípios da liberdade e igualdade dos indivíduos; o Estado
burguês é legitimado pela vontade popular de cidadãos livres e iguais, por meio do
voto, que fazem do cidadão o fator determinante do Estado – sem, contudo, ser um
agente da produção (ou seja, sem estar distribuído em classes sociais, mas como
um cidadão isolado, igual aos demais); no Estado burguês tem-se a necessidade de
um arcabouço jurídico baseado nos princípios de liberdade e igualdade.
Para conceituar o que vem a ser o Estado burguês (designação que
passaremos a adotar como sinônimo do que Poulantzas chama de Estado
capitalista), Saes (1994) propõe dois enunciados. O primeiro, já referido, diz respeito
à forma particular como esta instituição organiza a dominação de classe. O segundo
remete à correspondência entre o Estado burguês e a relações de produção
capitalistas.
Um tipo particular de Estado – o burguês – corresponde a um
tipo particular de relações de produção – capitalistas –, na
medida em que só uma estrutura jurídico-política específica
torna possível a reprodução das relações de produção
capitalistas /.../ só o Estado burguês torna possível a
reprodução das relações de produção capitalistas. (SAES,
1994, p. 21)
O proprietário dos meios de produção extorque o sobretrabalho do produtor
direto, na sociedade capitalista, na forma de compra e venda da força de trabalho,
mediante o pagamento de um salário. Assim, a força de trabalho torna-se uma
mercadoria sob a forma de uma troca de equivalentes.
A distinção do trabalho e força de trabalho ocorre, segundo Marx, graças ao
fato de que primeiro o homem conseguiu dominar, parcialmente, as forças da
natureza e as colocou a seu serviço; assim sendo, o homem foi o primeiro ser que
agiu livremente em relação aos condicionantes da natureza, diferentemente dos
27
animais, que trabalham e produzem, mas somente para atender a suas exigências
imediatas.
A análise de Marx sobre o papel da mercadoria dentro do sistema capitalista é
que lhe permitiu determinar o caráter do trabalho. A mercadoria, neste, sistema
possui dois tipos de valor: aquele que está agregado, o valor do trabalho em si (que,
de certa forma, abstrai-se na aquisição do produto), e seu valor de uso para o
comprador, como determinante do preço.
Agora podemos distinguir o trabalho de força de trabalho: é a
descaracterização da mercadoria como fruto de trabalho humano.
Ao desaparecer o caráter útil dos produtos do trabalho,
desaparece o caráter útil dos trabalhos nele representados, e
desaparecem também, portanto, as diferentes formas
concretas desses trabalhos, que deixam de diferenciar-se um
do outro para reduzir-se em sua totalidade a igual trabalho
humano, a trabalho humano abstrato.
Consideremos agora o resíduo dos produtos do trabalho. Não
restou deles a não ser a mesma objetividade fantasmagórica,
uma simples gelatina de trabalho humano indiferenciado, isto
é, do dispêndio de força de trabalho humano, sem
consideração pela forma como foi despendida (MARX, 1983, p.
47) (grifo nosso).
O trabalho difere da força de trabalho, então, na medida em que passa a ser
um dos determinantes do valor da mercadoria, e não uma condição de existência do
homem em face da necessidade de satisfazer suas necessidades de vida.
Somente na sociedade capitalista encontra-se a força de trabalho humana
como fonte de valor. Este é, portanto, um fenômeno social, uma função social, e não
uma função natural adquirida por representar um trabalho, no sentido fisiológico ou
material.
A compra e venda da força de trabalho mascaram a troca desigual entre a
compra do uso desta capacidade e o valor de troca por ela produzido. É este fato
que permite a sua reprodução constante no mercado. Essa renovação mascarada
28
necessita, no entanto, de instrumentos para sua efetivação. Em uma sociedade
capitalista, a estrutura jurídica (isto é, a esfera do direito) faz o papel de tais
mecanismos.
O direito burguês é o principal dispositivo do processo de ocultação, no modo
de produção capitalista, da compra e venda da força de trabalho e da dominação de
classe em que se pretende ocultar.
(...) esse processo de ocultação que, por intermédio das
categorias do direito burguês, estreitamente imbricadas nas
relações mercantis, produz a representação ao mesmo tempo
mistificadora e necessária da sociedade capitalista como uma
teia de relações entre indivíduos livres e iguais (ALMEIDA,
1995, p. 32).
Esta é uma das características principais do Estado burguês, que remete à
necessidade, principalmente, da separação das condições materiais entre o produtor
direto e os meios de produção, ocorre ante o advento da indústria moderna, que
requer um processo de trabalho altamente socializado.
De fato, o trabalho em uma indústria moderna exige uma mudança
fundamental no trabalhador direto, que deixa de ser independente para se tornar,
contraditoriamente, independente e dependente. Esta contradição advém da forma
de trabalho em uma indústria, como observa Poulantzas: “o caráter privado dos
trabalhos na grande indústria moderna dissimula a dependência real dos produtores,
introduzida pela socialização do trabalho” (apud SAES 1994, p. 27).
Essa dissimulação ou ilusão só é possível com a interveniência do Estado,
que disponibiliza as condições ideológicas necessárias à reprodução das relações
de produção capitalistas, na medida em que: a) individualiza os agentes da
produção, através da formalização de direitos individuais, em que se realiza a troca
desigual de sua força de trabalho através de um contrato; b) neutraliza a tendência à
29
ação coletiva, por sua vez, quando individualiza o trabalhador, dando um caráter
privado ao processo coletivo de trabalho na indústria.
A neutralização da ação coletiva é imposta pelo Estado burguês quando este
organiza um outro coletivo, qual seja, o povo-nação, em oposição à classe social.
Define-se, desta forma, que todos os indivíduos, produtores diretos ou proprietários,
são iguais perante a lei, redundando no isolamento do produtor direto.
Poulantzas (1986) afirma que o Estado capitalista desempenha as seguintes
funções: desorganizar politicamente as classes dominadas e organizar, em
contrapartida, as classes dominantes; excluir de seu interior as classes dominadas,
enquanto classes, ao passo que inclui as classes dominantes; fixar sua relação com
as classes dominadas de forma atomizada, por meio da representação da unidade
do povo-nação, enquanto a relação com as classes dominantes as toma enquanto
politicamente organizadas.
Assim, enquanto a produção capitalista separa e individualiza os
trabalhadores, o Estado os homogeneíza por meio de um conjunto de instituições,
ao mesmo tempo em que, contraditoriamente, os diferencia por meio de uma série
de leis, normas, valores, história, tradição, conhecimentos que emanam da classe
dominante e de suas frações.
Recorrendo a Poulantzas, Almeida (1995) esclarece que são as estruturas do
Estado burguês que fazem esta homogeneização; elas mistificam as características
do sujeito individual (proletário), membro de uma classe social e o constituem em
cidadão.
(...) as estruturas do Estado burguês não constituem o
proletariado, classe explorada e oprimida dentro e fora do
processo de produção capitalista; elas “dissolvem” o
proletariado em um coletivo de cidadãos-proprietários
(jurídicos). O Estado não aglutina cidadãos em um coletivo
nacional. Portanto, a igualação efetuada a partir das estruturas
30
do Estado capitalista – que produzem o cidadão – é distinta
daquela que a partir das relações de produção, constitui o
proletariado. (ALMEIDA, 1995, p. 39)
Esta homogeneização tem uma finalidade específica: neutralizar a classe
social. Produz a ideologia de que a sociedade não está dividida em classes sociais,
de que é uma construção única e indivisível, através do povo-nação, agrupamento
de iguais. O conjunto de instituições que torna isso possível situa-se em sua
estrutura jurídico-política, cujo caráter é específico do Estado burguês.
Saes (1994), também sob a influência de Poulantzas, avalia esta
especificidade decompondo-a em duas partes: o direito e o burocratismo, acerca das
quais afirma que são distintas e, ao mesmo tempo, relacionadas. O direito consiste
em um elenco de regras que visam a disciplinar as relações sociais entre os
indivíduos, instituindo punições para o descumprimento do estabelecido em suas
normas (que disciplinam a reprodução de uma determinada relação de produção,
representando, dessa forma, os interesses da classe dominante da sociedade em
questão).
O direito não é, enquanto um conjunto normativo de regras, uma
exclusividade das relações de produção capitalistas, tendo existido em outros tipos
de Estado, como o escravista e o feudal. Todavia, enquanto o direito feudal e o
escravista tratavam de modo desigual os desiguais – a classe exploradora e a
explorada –, o direito burguês confere um tratamento igual aos desiguais.
Essa diferenciação do direito burguês se faz necessária para a reprodução da
relação de produção capitalista. Esta necessita da livre compra no mercado de força
de trabalho, através do pagamento de um salário, da força de trabalho do produtor
direto; para isso, este deve ser juridicamente livre e igual aos proprietários dos meios
31
de produção. Tal liberdade jurídica é, pois, condição para que se estabeleça o
contrato.
Almeida (1995) procura abordar de modo mais preciso as relações entre o
direito burguês e ideologia nacional, que adquirem um caráter “crucial” para a
reprodução das relações capitalistas, enquanto ideologia.
Aqui, a categoria “proprietários”, ao transitar com o maior
desembaraço de uma esfera a outra, parece desempenhar um
papel de primeira ordem. Por intermédio de seu deslocamento,
efetua-se o percurso da ideologia burguesa que, passando pela
fresta que separa e, ao mesmo tempo, liga uma esfera à outra,
transporta, tais quais, categorias de um processo simples para
outro mais complexo, dissolvendo este naquele. (ALMEIDA,
1995, p. 32)
A consignação de um contrato possibilita, ideologicamente, um encontro entre
iguais, mesmo que, como já foi mencionado, esteja ocorrendo apropriação de
trabalho não pago entre o produtor direto e o proprietário dos meios de produção.
O contrato, de acordo com Almeida(1995), “dissolve” a especificidade de um
trabalho no conjunto de trabalhos em geral, podendo a partir daí tratar o trabalho
como mercadoria e as relações entre o capitalista e o trabalhador sejam entre
“iguais”, este é um instrumento poderoso da ideologia burguesa.
Trata-se fundamentalmente de um efeito de simetrização. Ao
se dissolverem as diferenças no interior dos universos das
“pessoas” e das “coisas”, possibilita-se a instauração, nos
quadros da ideologia burguesa, de todos os membros da
sociedade como indivíduos livres e iguais. (ALMEIDA, 1995, p.
34)
Esta é a diferença entre o direito burguês e outros tipos de direito: ele se
presta a representar os interesses de uma classe dominante, de forma similar aos
32
outros tipos de direito. Mais especificamente, também funciona como instrumento
ideológico que permite a reprodução das relações capitalistas.
Poulantzas (1986) apresenta uma enumeração das normas do burocratismo
burguês, isto é, do modo de organização dos funcionários do Estado, de seu
aparelhamento estatal. Regem aí dois preceitos básicos: I) acesso formalmente
assegurado às tarefas de Estado a todos os agentes da produção; II) hierarquização
das tarefas de Estado pelo critério da competência.
Boito Jr. (2001) considera que a primeira das duas regras é fundamental,
porque assegura a todos os cidadãos, indivíduos livres e iguais criados pelo direito
burguês, a capacidade jurídica para o exercício das funções de Estado. Produz,
desse modo, a aparência universalista típica das instituições do Estado burguês.
Destarte, é necessário apresentar a diferença entre burocratismo e
burocracia. O burocratismo é a forma de organização que normatiza a prática
funcional, enquanto a burocracia diz respeito à categoria social funcional. No Estado
burguês existe uma dominância do burocratismo sobre a burocracia, já que este
confere uma unidade de ação e define o interesse político particular da categoria. A
unidade de ação é conseguida através da normatização, que se traduz na
hierarquização das tarefas, compartimentalização vertical descendente, ocultação do
saber e outras. Tudo isso isola o funcionário de seus pares, impondo limites e
estabelecendo o ritmo e os instrumentos para a execução do serviço.
Saes (1994), analisando o burocratismo no Estado burguês, observa que
somente este gera as condições ideológicas necessárias à reprodução das relações
capitalistas, sendo um mecanismo criador de uma aparência de representatividade
popular para o Estado. Com o que a burocracia apresenta-se como o agente que
representa, concretamente, em seus aparelhos, o interesse geral da sociedade.
33
Existem, porém, outros meios de representação popular e política no seio do Estado
burguês, quais sejam, a representação através de mecanismos como o voto
universal, plebiscito e afins.
Essa representação, a política, só é necessária quando existe uma pressão
popular para tal, o que deixa transparecer as diferentes formas de atuação do
Estado burguês no sentido de unificar politicamente os agentes da produção, já
isolados, como povo-nação. O Estado burguês pode assumir diferentes formas:
ditatorial, liberal-democrática, fascista e plebiscitária.
No Brasil, o Estado burguês, como definimos anteriormente, só pôde ser
implantado após a abolição da escravatura e a Proclamação da República. Décio
Saes, em seu livro A formação do Estado burguês no Brasil (1888-1891),
compartilha do mesmo entendimento de Gorender
1
, ou seja, apreende o Estado
brasileiro de 1822 a 1888 como um Estado escravista moderno. Esta instituição
somente se transformaria em Estado burguês após a mencionada Abolição, a
Proclamação da República e a promulgação da Constituição de 1891.
Caio Prado Jr. (1981) tinha um posicionamento divergente. Em sua
concepção o Brasil se constituía, pelo seu passado, como capitalista, isto é, o modo
de produção no país sempre foi capitalista, porque a economia brasileira esteve
desde o início inserida nos marcos da circulação de mercadorias e capitais. Leva,
por conseguinte, ao entendimento de que o Brasil sempre foi um Estado capitalista,
não cabendo discussões sobre a formação ou a revolução burguesa no Brasil.
No seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional, a
colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta
empresa comercial, mais completa que a antiga feitoria, mas
sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a explorar os
recursos naturais de um território virgem em proveito do
comércio europeu. É este o verdadeiro sentido da colonização
1
As teses gerais sobre o escravismo moderno de Jacob Gorender estão em seus livros O escravismo
colonial e A escravidão reabilitada.
34
tropical, de que o Brasil é uma das resultantes: e ele explicará
os elementos fundamentais, tanto no econômico como no
social, da formação e evolução históricas dos trópicos
americanos. (PRADO JR., 1981, pp. 31-2)
Para Caio Prado Jr., a formação da sociedade brasileira se deu unicamente
como fornecedora de produtos agrícolas e minerais, “Nada mais que isto. É com tal
objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações
que não fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a
economia brasileira.” (PRADO JR., 1981, p. 32).
Neste sentido, a constituição da sociedade e da economia brasileira passa a
ser uma projeção do capital mercantil no plano da produção. Deixa-se de lado a
análise das articulações existentes na sociedade de então, em que estavam
presentes relações de produção voltadas para o atendimento de suas próprias
necessidades – podendo-se afirmar, dessa forma, que ocorriam processos internos
de acumulação.
Em nossa discussão, recorreremos fartamente à obra que, a nosso ver,
melhor subsidia o exame da dinâmica sócio-política do Estado de Goiás: a tese de
Décio Saes sobre o Estado burguês, Estado que constitui particularmente de 1888-
1891, ou seja, na alvorada da República Velha.
1.2 Classes Sociais e Hegemonia na República Velha
A República Velha (1889-1930) foi marcada pela hegemonia do grande
capital cafeeiro mercantil-exportador no seio do bloco no poder. Essa fração da
classe dominante exerceu sua hegemonia de forma conflituosa e antagônica com as
35
outras frações de classe e mesmo com classes que estavam no limiar de sua
ascensão – especificamente, a industrial.
Na República Velha, recordemos, a indústria era pouco desenvolvida e a
burguesia exportadora
2
era a hegemônica; não obstante, a classe dominante era
segmentada e regionalizada, constituindo-se a cafeeira como a principal, seguida
pela cacaueira, algodoeira e outras – não necessariamente nesta ordem.
Não seria exagero afirmar que a economia cafeeira, com todos os seus
desdobramentos, forjou a dinâmica econômica e social da República Velha.
Efetivamente, o modelo agroexportador fundamentado na grande propriedade e a
República oligárquica, assentada sobre o pacto entre as elites regionais, sintetizam
os elementos que dominaram o cenário brasileiro nesse período.
Perissinotto (1994) analisou a República Velha também recorrendo ao
referencial teórico poulantziano. Faz distinção entre segmentos da burguesia, ou
seja, percebe a existência de uma “burguesia nacional”, de uma “burguesia
compradora” e de uma “burguesia interior”. A primeira teve seu desenvolvimento
independente do capital estrangeiro e adotou posições antiimperialistas em muitas
situações. A segunda, voltada para a importação/exportação naquele momento da
história brasileira, foi subordinada ao capital internacional, o que conferiu um caráter
supranacional ao bloco no poder. A burguesia interior pode ser interpretada como
intermediária entre as demais, dependente e independente, sendo representada
pela burguesia industrial nascente.
Em nenhum caso essa analogia detalha com perfeição as frações de classe
que existiram na República Velha, mas servem de referencial teórico para fins de
análise. A nosso ver, o mérito, da análise de Perissinotto é que ele procura mostrar
2
Devemos ter em mente que o produto de exportação nacional era o café.
36
que o bloco no poder naquele período não era homogêneo e muito menos coeso.
Era bem mais segmentado e conflituoso do que supunham diversos autores
3
.
O bloco no poder na República Velha era composto, basicamente, pelos
representantes da lavoura, o grande capital cafeeiro, e pela burguesia industrial –
pelo menos em São Paulo, que era o “centro dinâmico” da economia brasileira. Nos
estados periféricos, a fragmentação no bloco do poder (isto é, das frações
componentes) era muito menor - no Estado de Goiás, por exemplo, era muito
homogêneo e coeso.
Perissinotto (1994) apontou diversas divergências entre as frações de classe
situadas no bloco no poder na República Velha. Podemos, sinteticamente, resumi-
las da seguinte forma: a) a lavoura e o grande capital cafeeiro divergiram quanto ao
custo do frete ferroviário, quanto à comercialização, quanto ao financiamento da
produção e questões afins; b) o grande capital cafeeiro discrepou da burguesia
industrial, principalmente porque esta representaria uma ruptura do padrão de
dependência do país.
O ponto importante a ser especificado é que o capital estrangeiro constituiu-
se em fração hegemônica no interior do bloco no poder ao longo da República
Velha. Ele:
se fez presente em vários setores da economia nacional.
Monopolizou a comercialização dos nossos principais produtos
agrícolas, participou com peso no setor de serviços públicos,
assumiu posições importantíssimas no financiamento das
atividades comerciais e das atividades financeiras do setor
público nacional. Tal ascensão econômica, sobretudo através
do controle das finanças públicas, conferiu ao capital
estrangeiro a capacidade de conquistar sólidas posições que
lhe deram o poder de intervir nas decisões do Estado brasileiro
acerca das políticas econômicas (PERISSINOTTO, 1994, p.
167).
3
Vários estudiosos viam uma homogeneidade e coesão no bloco no poder na República Velha, entre
os quais podemos apontar Joseph Love (1982) e Boris Fausto (1972).
37
Cabe, porém, a indagação: como o Estado de São Paulo estabelecia relações
políticas, sociais e econômicas com os Estados periféricos da federação? Quais
foram os efeitos da dominância do grande capital cafeeiro sobre o campo, em São
Paulo e no Brasil?
A República se consolidou na forma federativa, objetivo das classes
dominantes diretamente ligadas à economia agroexportadora. O país acabara de
abolir a escravidão, mas isso não significava que o centralismo tivesse perdido sua
força política. Basta dizer que, “em 1889, verificava-se no quadro político imperial
que, entre os senadores, de um total de 59 apenas três eram do Estado de São
Paulo” (PERISSINOTTO, 1994, p. 93). Desta forma, advogando em prol de seus
próprios interesses, o Estado de São Paulo, ou seja, a classe dominante paulista
(alta burocracia estatal inclusa) passou a defender o ideal federativo.
A fração de classe dominante, que detinha o controle na produção e
comercialização do café em São Paulo – principal produto de exportação brasileiro –
e, conseqüentemente, dos negócios do país, também controlavam as importações
de manufaturas que se destinavam ao mercado interno, então, visualizou neste ideal
uma possibilidade de consolidar a sua hegemonia
4
.
Após a proclamação da República, São Paulo articulou um sistema federativo
plenamente organizado com a “política dos governadores”, fragmentando o governo
central e estabelecendo um contato direto com os outros Estados. Nesse ponto,
podemos começar a interpretar as relações de São Paulo com os demais Estados:
sua força política somente seria respeitada a partir da lealdade ao governo federal.
Desta forma, não importava quem estivesse nos governos estaduais, desde que
estivesse com o governo federal.
4
Minas Gerais ocupava um “honroso”segundo plano, já que não tinha produto para exportação lhe
interessava o mercado interno, em especial o paulista.
38
A dinâmica agroexportadora sobrepôs-se a um descontínuo processo de
industrialização, cujos limites e pujança foram dados, em grande medida, pela
acumulação do setor cafeeiro. Este processo de industrialização acentuou a rede
urbana preexistente, que havia se configurado no período colonial, formada por
centros que haviam se constituído em mercados para a importação de produtos
fabris (SINGER, 1973).
Com o crescimento industrial, a urbanização se intensificou. Cresceram,
dessa forma, os centros urbanos de São Paulo, Rio de Janeiro, cidades do Vale do
Paraíba e da Zona da Mata mineira, impulsionadas pela economia cafeeira.
Concomitantemente, no Sul e Centro-Oeste do país, expandiram-se ou mesmo
surgiram núcleos urbanos – foi o caso de Porto Alegre, Rio Grande, cidades do Vale
do Itajaí, em Santa Catarina, em Goiás, na região sul do estado, e no Triângulo
Mineiro –, baseados na economia do mercado interno (atuavam como fornecedores
de mantimentos às populações urbanas da própria região e, principalmente, do
Centro-Sul, capitaneado por São Paulo). No Nordeste, desenvolveram-se núcleos
urbanos em Salvador e Recife, baseados na economia agroexportadora da cana-de-
açúcar, enquanto no Norte do país, em Manaus e Belém, os núcleos cresceram a
partir da exportação da borracha.
Mesmo nos Estados que tinham algum produto voltado à exportação as
relações de produção existentes no campo eram pré-capitalistas, originárias do
período do escravismo. Era o que acontecia em Goiás. Por outro lado, em São
Paulo, principalmente na capital, as relações de produção eram compatíveis com os
pressupostos do Estado burguês, os indivíduos se constituíam como livres e iguais
perante a lei e não como pertencentes a uma classe social. Eram cidadãos, assim
39
como o acesso formal aos cargos estatais era pautado pelo critério da competência,
diferentemente do que ocorria nos outros Estados brasileiros.
Essa contradição (permanência de relações de produção pré-capitalistas em
um Estado burguês) resvalava para um tipo complexo de dominação – o
coronelismo. É o que detalharemos a seguir, apresentando, ainda, sua forma
peculiar de manifestação no Estado de Goiás.
1.3 Estado Burguês, Relações Pré-Capitalistas: a Gênese do Coronelismo
O coronelismo deriva de uma contradição existente no interior de uma
formação social onde está presente o Estado burguês, mas cujas relações de
produção no campo são fortemente marcadas pelo pré-capitalismo. As relações pré-
capitalistas derivam de vínculos de dependência pessoal existentes entre o
proprietário e o trabalhador rural. Esta vinculação se dá também no campo
ideológico, consistindo em um entrave para a transformação do trabalhador rural em
cidadão, pressuposto básico do Estado burguês.
A peculiaridade básica para compreensão do coronelismo apontada por Saes
(1994) é que se trata de um conjunto de práticas político-eleitorais usadas de modo
peculiar no Estado burguês, em sua dupla função de desorganizar as classes
trabalhadoras e organizar a classe dominante. É, então, uma prática usada somente
no Estado burguês, isto é, é uma característica endógena a este tipo de Estado. Isso
quer dizer que, ao contrário de outras relações de dependência, que caracterizam
outros tipos de Estado, o coronelismo é um fenômeno que indica, justamente, a
existência do Estado burguês.
40
Como já vimos, esta instituição desorganiza a classe trabalhadora através de
seu aparelho jurídico-político, através do qual converte os agentes da produção, que
são distribuídos em classes, em sujeitos jurídicos-políticos. Em outras palavras,
transforma-os em cidadãos e, ao mesmo tempo, unifica-os em uma só classe, em
um só corpo político, o povo-nação.
Como fica, porém, a unificação da classe dominante?
Essa construção ideológica do povo-nação serve para homogeneizar,
pasteurizar as diferentes classes sociais, isto é, uniformizar os componentes das
diferentes classes sociais em uma comunidade nacional. Nestas, todos são
“pertencentes” a uma só classe social, isolados entre si – em outras palavras, retira
dos indivíduos sua identidade de classe.
Feito isso, a unificação da classe dominante se dá quando se realiza seu
interesse geral, comum a todas as frações da classe dominante, qual seja, a
exploração econômica das classes trabalhadoras. Para atingir este intento, o Estado
burguês realiza uma política de ordem, impedindo que estas últimas realizem uma
ofensiva à propriedade privada.
Saes (1974) observa, seguindo Poulantzas, que o isolamento das classes
trabalhadoras pode ocorrer também em formações capitalistas ligadas a modos de
produção distintos do capitalismo. Por outros termos, o efeito de isolamento da
representação da unidade do Estado burguês pode ocorrer em formações
capitalistas que também comportem modos de produção pré-capitalistas.
Isso se dá, de uma maneira abrangente, no meio rural, onde existem relações
de produção pré-capitalistas, meeiros, parceiros e outras formas de exploração.
Manifesta-se aí uma relação de dependência pessoal com o proprietário rural, o que
possibilitou o surgimento do fenômeno do coronelismo.
41
De acordo com Janotti (1981), o coronelismo se expressava em um
encadeamento rígido de tráfico de influências, formando fortes elos, por meio de
compromissos recíprocos, entre o eleitorado, o coronel e as instâncias de poder
municipal, estadual e federal. Em âmbito municipal, o coronel fazia a política e
completava a administração pública. Era-lhe dado todo o poder: ele indicava o
delegado, o juiz, até mesmo a professora primária, tudo acontecendo dentro de um
único partido.
Ocorriam, muitas vezes, desavenças internas (familiares ou de grupos
políticos), já que todos queriam conquistar o poder – que não era reconhecido
burocraticamente, mas exercido ao sabor das ambições e interesses pessoais. Para
conseguir seus objetivos, o coronel desempenhava um papel importante no
processo eleitoral, que garantia a sobrevivência desse sistema político e, por
conseguinte, sustentava, através dos meios mais variados, a sua permanência no
poder.
Quando apresentava-se um analfabeto para votar, os próprios
componentes da Mesa preenchiam as cédulas e assinavam as
listas de presença. Aos indesejáveis, sob qualquer alegação,
mandavam prender. A alegação de desacato era a mais
comum. A interferência policial era notória e os amedrontados
eleitores faziam muitas vezes questão de mostrar claramente a
quem se destinava seu voto /.../. O momento da apuração se
constituía no mais privilegiado para favorecer certos
candidatos; sob mínimo pretexto anulavam-se cédulas ou
acrescentavam votos, sem a mínima fiscalização da oposição,
que era impedida de entrar no recinto (JANOTTI, 1981, p. 51).
O sistema eleitoral que se convencionou chamar de “voto de cabresto” era a
base do poder do coronel. Permitia o controle do eleitorado e da oposição, através
de mecanismos como a lista de votação: a cada eleição era feito um rol de eleitores,
momento no qual se fazia sentir a influência do coronel, que trazia pessoas do
42
campo, onde tinha propriedades, para a votação; mesmo quando não as trazia,
enviava-lhes o formulário de votação, o que contrariava as normas estabelecidas.
Ainda segundo Janotti (1981), na elaboração das listas havia pouco
escrúpulo: incluíam-se analfabetos, menores de idade e até mesmo pessoas
falecidas; por outro lado, durante a elaboração da lista definitiva, chegava-se a
excluir os eleitores que eram politicamente contrários ao coronel.
Este conjunto de práticas e ações adotadas pelo mandatário local demonstra
que
as massas do campo pré-capitalista não são o objeto e sim o
instrumento do coronelismo. É que a relação de dominação e
dependência pessoal implica uma modalidade de subordinação
ideológica contraditória com a submissão à ideologia jurídica
burguesa, da qual o voto é uma expressão e um aspecto: os
setores que vivem em relação de dependência pessoal com a
classe proprietária estão, por esse fato, imunes aos efeitos da
ideologia jurídica burguesa (SAES, 1994, p. 89).
O poder político nos Estados era derivado da estrutura político-institucional
definida no governo de Campos Salles, no início do século XX, cuja fórmula era
capaz de “permitir o máximo de liberdade política no nível estadual e de delegar aos
governadores a chefia do partido e oligarquias estaduais, bem como capaz de
manter os compromissos do arranjo político nacional” (CAMPOS, 1983, p. 19).
Esta política – um arranjo entre o Estado, ente federal, e os Estados
federativos, entes estaduais –, estava longe de ser uma descentralização
republicana. Constituía-se antes no contrário: houve, na verdade, uma centralização,
em que as decisões estaduais ficam fortemente dependentes do governo federal.
Esse arranjo coronelístico era configurado em um tripé: a chefia política
exercida pelo coronel no município, o situacionismo estadual e o governo federal,
trempe que sustentava o sistema político nacional.
43
Para Nunes Leal (1975), este arranjo entre o Executivo federal e os Estados,
em vez de ameaçar o poder político, acabou por torná-lo mais efetivo em todo o
território nacional. O governo federal e os estaduais dependiam dos coronéis para a
obtenção dos votos nos municípios. Os coronéis, por sua vez, dependiam de
recursos oriundos do poder público nos níveis estadual e federal.
Em seu cerne, o coronelismo tinha, por um lado, um poder público que se
fortalecia e, por outro, um poder privado que diminuía. O poder privado estava
assentado na posse da terra e a força eleitoral advinda da propriedade lhe dava
prestígio político. Perissinotto (1994) afirma que o coronel expressava, no nível
político, uma confusão entre o público e o privado. A forma com que se fazia
presente na política republicana era o domínio privado do poder público local, com a
benção do poder regional e sua total obediência a este último, dentro das regras do
compromisso coronelista.
Outro fator aliado à política coronelística era o isolamento dos municípios, que
favorecia a figura do coronel como um elo entre os governos estaduais e governo
federal. Configura-se, desta forma, uma situação em que a liderança política
estadual necessitava de votos dependentes do senhoriato rural, o que representava,
de um lado, a fraqueza do Estado, e do outro, a tibieza social e política dos coronéis.
Isto porque estes precisavam ter prestígio para a obtenção de empréstimos do
governo estadual, com o objetivo de reforçar sua influência local. De tudo isto
resultou aquele sistema de compromisso que não era outra coisa senão o
coronelismo (LEAL, 1980, p. 13).
O que uniu os coronéis ao governo federal foi a cooptação dos eleitores, que
se traduzia em votos e, ao final, para se consolidarem no poder, “os coronéis tinham
que fazer parte do projeto político federal” (CHAUL, 1997, 135).
44
Quanto ao nível estadual, Campos (1983) mostra que o arranjo coronelístico
foi estabelecido pelo compromisso entre os grupos políticos municipais sob o
controle do Executivo estadual, sendo dada “carta branca” aos coronéis em seus
domínios. A partir da submissão ao Executivo estadual é que se configurava a
oligarquia, que se estabeleceu ampliando sua autoridade e que se tornaria um dos
traços marcantes desse período.
Este compromisso era, na verdade, como já mencionamos, uma troca de
proveitos entre o chefe político e o governo estadual, com atendimento por parte do
Estado das reivindicações mais fáceis e viáveis do eleitor rural.
Isso não representa, no entanto, um convívio harmonioso entre os chefes
políticos locais, de coronel com coronel, mas um quadro em que todos estavam
lutando para exercer o poder, mas nenhum ia em sentido contrário ao governo
estadual. Carregavam a sina de ser sempre governistas, no campo estadual e
federal, se quisessem conservar as regalias do poder.
No início do século XX, o Brasil era um país eminentemente rural e sua
população, principalmente no interior do país, não podia contar com o poder público,
praticamente inexistente. Tal situação levava a população ficar à mercê da
autoridade discricionária representada pelo coronel, que detinha a posse da terra.
O coronel era, geralmente, um grande proprietário de terras, “representante
da oligarquia agrícola-mercantil que controla o poder público e orienta suas
decisões” (JANOTTI, 1981, p. 9). Suas ações eram no sentido de manter afastadas
do poder as outras classes sociais e também de manter os seus privilégios. Os
desmandos aconteciam porque os responsáveis pela ordem pública (a polícia, os
juízes, os delegados) eram todos indicados pelo coronel; dessa forma, as eleições
podiam ser facilmente manipuladas.
45
Em Goiás, este processo não foi diferente. Duas oligarquias governaram o
Estado no século XX: os Bulhões e, depois, os Caiados.
Apesar de ser importante uma discussão sobre como se deu a substituição de
uma oligarquia por outra, vamos nos concentrar em explicar como era exercido o
poder dos Caiados, que representavam os interesses dos pecuaristas, e a ascensão
do descontentamento da fração de classe que representava os agricultores da
região sulina do Estado de Goiás no seio do bloco no poder, pertencentes ao
mesmo grupo.
Este embate entre frações no grupo hegemônico trouxe mudanças
significativas no controle da política goiana, sem, contudo, mudar a classe
dominante, que permaneceu a mesma.
1.4 A Configuração Particular do Coronelismo em Goiás
Embora os goianos tenham convivido com uma realidade autoritária por muito
tempo, sempre associaram o coronelismo, em sua fase mais intensa, ao caiadismo.
Seu representante maior foi o coronel Antonio Ramos Caiado, que era advogado,
antigo tropeiro e fazendeiro.
Em Goiás predominava (e predomina) a grande propriedade – o latifúndio.
Segundo o Censo de 1920, que cobriu 40% da área do Estado, existiam 16.000
propriedades e somente 2.500 dessas tinham menos de 40 hectares – o que
representava 15% do total. O tamanho médio das fazendas era de 1.344 hectares.
46
Tabela 1: Goiás Distribuição das propriedades rurais - 1920
HECTARES
Menos
41
De 41
a 100
De 101
a 200
De 201
a 400
De 401
a 1000
De 1001
a 2000
De 2001
a 5000
De 5001
a 10000
De 10001
a 25000
Mais
de 25000
N° PROP. 2.515 2.672 2.046 2.382 2.843 1.523 1.643 606 301 103
% TOTAL 115,1 16,1 12,3 14,3 17,1 9,2 9,9 3,6 1,8 0,6
Fonte: Recenseamento do Brasil, 1920 – IBGE (apud CAMPOS, 1983).
As poucas estradas que existiam eram bastante precárias e não tinham
manutenção efetiva. Em sua maioria, situavam-se na região sulina do Estado.
Quando do período chuvoso, o trânsito era impossível, situação ainda pior no Norte.
A possibilidade de comunicação era mínima – nem telégrafo existia, haja vista que,
em investigações procedidas em São José do Duro (em 1919), os telegramas da
comissão investigadora para a capital de Goiás eram transmitidas de Barreiras, na
Bahia (CAMPOS, 1983, p. 48).
Esta região, o Norte, tinha uma vinculação mais estreita com Belém (PA), pela
navegação fluvial do Rio Tocantins, com todas as dificuldades que isso poderia
acarretar. Campo (1983) menciona, por exemplo, que os deputados e senadores
estaduais desta região iam para os trabalhos legislativos na cidade de Goiás, então
capital estadual, fazendo um trajeto que ia de Belém ao Rio de Janeiro e voltavam
para Goiás passando por Minas Gerais e pelas poucas estradas que existiam na
região sulina goiana até a capital.
A população de Goiás em 1920 era de, aproximadamente, 512 mil habitantes,
com uma densidade demográfica de apenas 0,7 habitantes por quilômetro quadrado
– muito baixa, demonstrando um vazio demográfico significativo. Se considerarmos
que cerca de 90% da população eram oriundos do meio rural, podemos concluir que
47
as cidades eram muito pequenas. A Tabela 2, a seguir, mostra, de acordo com o
Censo de 1920, os municípios com maior população.
Tabela 2: Goiás: Municípios de maior população – 1920
MUNICÍPIO POPULAÇÃO REGIÃO %
CATALÃO 38.574 SUL 7,5
BOA VISTA DO TOCANTINS 25.786 NORTE 5,0
MORRINHOS 24.502 SUL 4,7
GOIÁS 21.223 MATO GROSSO 4,1
IPAMERI 19.227 SUL 3,7
PEDRO AFONSO 18.971 NORTE 3,7
ANÁPOLIS 16.037 MATO GROSSO 3,1
FORMOSA 15.636 CENTRO-NORTE 3,1
CORUMBÁ 14.636 CENTRO-NORTE 2,8
PORTO NACIONAL 14.120 NORTE 2,7
POUSO ALTO 13.714 SUL 2,6
JARAGUÁ 13.508 MATO GROSSO 2,6
CURRALINHO 13.376 MATO GROSSO 2,6
RIO VERDE 12.661 SUDOESTE 2,4
BONFIM 12.621 SUL 2,4
SANTA LUZIA 12.461 SUL 2,4
TAGUATINGA 12.140 NORTE 2,3
CORUMBAÍBA 10.652 SUL 2,0
SANTA CRUZ 10.584 SUL 2,0
JATAÍ 10.010 SUDOESTE 1,9
OUTROS 181.490 35,4
Fonte: Recenseamento Geral do Brasil, 1920 – IBGE
A partir dos dados apresentados, podemos verificar que o Estado de Goiás,
em 1920, oferecia os pressupostos para a implementação da política coronelística:
latifúndios, cidades isoladas, pouca ou nenhuma presença do poder público, a
grande maioria da população habitando e dependendo dos proprietários dos
latifúndios, isto é, dos coronéis.
A oligarquia dos Caiados exercia o domínio do poder estadual – logicamente,
dentro do “modelo” vigente, isto é: I) fidelidade ao pacto coronelístico, o que
48
representava uma submissão ao poder central; II) organização da máquina estadual,
com o exercício dos principais postos e delegando às lideranças locais, os outros
coronéis, “carta branca” para agir em seus redutos, desde que não se questionasse
o poder estadual; III) uso da máquina eleitoral para “legitimar” as diversas instâncias
do poder; IV) predominância do Executivo sobre os demais poderes, governando por
decretos; e V) uso da força armada para garantir a manutenção do poder.
Skorupski, em sua dissertação de Mestrado, mostra a ocupação dos cargos
estaduais e federais e os respectivos vencimentos recebidos pela família Caiado, em
1928. As informações são reproduzidas na Tabela 3.
Quando não ocupados diretamente pela oligarquia, os outros cargos eram
desempenhados por pessoas da estrita confiança da família e até as questões de
menor importância eram decididas pelo senador Antonio R. Caiado.
Esse preenchimento de cargos por indicação, e não por competência, está
em contradição com os pressupostos do Estado burguês, cuja burocracia deveria ser
preenchida pelo critério meritocrático. Trata-se de uma identificação do poder público
com o privado, que ficou conhecido como “filhotismo”, recrutamento de parentes ou
dependentes para o preenchimento de cargos na burocracia estatal.
49
Tabela 3: Cargos exercidos pela família Caiado - 1920
MEMBROS PARENTESCO CARGO
VENCIMENTOS
ANUAIS
Antonio R. Caiado Senador – Chefe 53.000$ (Federal)
Brasil R. Caiado Irmão Pres. Estado e professor 47.000$ (Estadual)
Arnulfpho R. Caiado Irmão Intendente 9.660$ (Estadual) / 20.000$ (Município)
Leão R. Caiado Irmão Diretor Escola /Senador 4.000$(Estadual) / 11.000$(Estadual)
Ubirajara R. Caiado Irmão Deputado 4.000$ (Estadual)
Lincoln Caiado Genro Deputado/Professor 53.000$ (Federal) / 3.600$ (Estadual)
Luis Xavier Genro Juiz Federal 20.400$ (Federal)
Euler Coelho Genro Inspetor Agrícola 12.000$ (Estadual)
Joviano Castro Sogro do filho Deputado/Professor 53.000$ (Federal) / 6.600$ (Estadual)
Abílio Castro Sogro do filho Deputado/Tesoureiro/Del. Fiscal 9.000$ (Estadual) / 4.000$ (Estadual)
Agenor Castro Sogro do filho
Diretor Escola de Direito/
Hospital/Professor
192.000$ (Estadual)
Bernardo Albernaz Sogro do filho Médico PM 12.000$ (Estadual)
Rocha Lima Sogro Julio Caiado Senador 53.000$ (Federal)
Francisco Perillo Cunhado Senador/Professor 7.600$ (Estadual)
Olegário Pinto Primo Senador 53.000$ (Federal)
Geraldino Caiado Primo Senador/Adm Porto 16.000$ (Estadual)
Raul Caiado Primo Coletor/Anápolis 12.000$ (Estadual
Carlos Caiado Primo Adm Porto 7.200$ (Estadual)
Vasco Caiado Primo Fiscal Obras 4.800$ (Estadual)
Joaquim Albernaz Primo Chefe Seção 4.200$ (Estadual)
Argemiro Amorim Primo Escrivão Imposto 8.000$ (Estadual)
Luis Caiado Primo Fiscal Consumo 4.000$ (Estadual)
Sebastião Caiado Primo Escrivão/Formosa 4.800$ (Estadual
Ayrosa C. Castro Primo Pres. de Justiça 15.600$ (Estadual)
Teodhoro C. Castro Primo Deputado/Tesoureiro 6.000$ (Estadual) / 4.000$ (Estadual)
Raulino C. Castro Primo Intendente Anicuns 6.000$ (Estadual)
Antenor C. Amorim Primo Pres. Tribunal Justiça 4.000$ (Estadual)
Walter Nascimento Primo Engenheiro Município 6.000$ (Estadual)
Oswaldo Nascimento Primo Funcionário Público 3.600$ (Estadual)
Newton Albernaz Primo Promotor 3.600$(Estadual)
Francisco A. Caiado Primo Dep./Tesoureiro 10.600$(Estadual)
Honório A. Caiado Primo Coletor Municipal 6.000$ (Estadual)
Wadjo R. Lima Primo Fiscal Luz Elétrica 3.000$ (Estadual)
TOTAL DOS VENCIMENTOS:
ESTADUAIS:
MUNICIPAIS:
FEDERAIS:
253.600$
40.000$
327.000$
TOTAL GERAL:............................................................................................................................... 627.000$
Fonte: Correio da Manhã apud Skorupski (1992).
50
Para unificar o discurso oficial do Estado, foi criado um jornal, O Democrata, o
órgão oficial do Partido Democrata (PD), controlado pela oligarquia. O governo fez
que esse jornal circulasse em quase todos os municípios goianos.
Skorupski (1992) aponta que se fez necessário, para o controle do poder,
adotar a prática de governar por decretos, divididos em três grandes áreas de
atuação: reforma administrativa, reforma do judiciário e da segurança pública. A
primeira correspondeu à criação de cinco Secretarias de Estado: Interior e Justiça,
Obras Públicas, Finanças, Segurança Pública e Particular da Presidência. A
Secretaria do Interior e Justiça visava a “manter o controle sobre os municípios,
acrescido do fato de que essa articulação também é possível ampliar a influência
sobre as lideranças emergentes” (SKORUPSKI, 1992, p. 125). Já a Secretaria
Particular da Presidência, que detinha mais poder, era ocupada sempre pelos
membros da oligarquia que exerciam maior influência sobre as demais.
É importante salientar que, com vistas a obter o controle absoluto da Força
Pública, isto é, do aparelho repressor estadual, alterou-se o Regimento da Força
Pública. Seu comandante-geral passou a ser nomeado por decreto, pelo presidente
do Estado, e o sistema de promoções foi modificado: o critério anterior se dividia em
50% por antigüidade e 50% por merecimento, e passou a ser um terço por
antigüidade e dois terços por merecimento – este, baseado numa lista tríplice
enviada pelo comandante-geral para escolha pelo presidente do Estado.
Com a Reforma do Judiciário (Decreto 5.755, de 10/6/1918), extinguiram-se
as eleições gerais para o cargo de juiz distrital, que passou a ser nomeado pelo
presidente do Estado, abrindo, dessa forma, seu controle sobre o processo eleitoral
e, também, sobre os processos criminais. O presidente do Estado exercia então o
poder absoluto sobre o sistema judiciário.
51
Outro atributo exclusivo da oligarquia era a escolha do “delegado de polícia”.
Desta forma, os atos de repressão tinham o aval e respaldo político. Eram comuns
as denúncias de assassinato, torturas, perseguições e que tais, já que a polícia era a
própria extensão do domínio político.
Alguns conflitos tiveram repercussão fora do Estado de Goiás, alcançando
amplitude nacional. Um deles foi o massacre de São José do Duro, cidade próxima à
divisa com a Bahia. A cidade era dominada pelos Wolneys (cujo chefe era o coronel
Abílio), que indicaram em 1909 o nome de Artur Melo para a Presidência do Estado,
sem a concordância dos Caiados. Na eleição seguinte, Artur Melo conseguiu se
sagrar Deputado Federal e, de novo, os Caiados não o deixaram assumir: foram à
capital federal e conseguiram a anulação do pleito.
Os Wolneys passaram a fazer oposição e fundaram um jornal na cidade de
Goiás, capital estadual. Como resposta, os Caiados expulsaram todo o clã do partido
e demitiram todos dos cargos que ocupavam: “com o intuito de arrasar o domíno
wolneysta daquela região, até os cargos públicos, desde juiz, passando pela
Coletoria, até o funcionário do Correio, foram a partir daí ocupados por adversários
dos Wolneys” (SKORUPSKI, 1992, p. 130).
O que ocorreu foi uma contenda de coronel com coronel. Um lado havia o
domínio sobre um município e região circunvizinha e, do outro, tinha o poder das
forças militares estaduais. O presidente do Estado (à época, João Alves de Castro,
cunhado de Antonio Caiado) mandou as tropas da polícia estadual invadirem São
José do Duro; estas encontraram resistência, o que acabou em um banho de
sangue. Somente da família dos Wolneys foram assassinados nove membros. Os
restantes fugiram para a Bahia e se instalaram na cidade de Barreiras. São José do
Duro foi praticamente arrasada.
52
Outro episódio de repressão que repercutiu ocorreu em um distrito do
município de Pirenópolis – Calamita dos Anjos. Nesta localidade vivia uma jovem de
nome Benedita Cypriana Gomes, que, considerada milagreira, era conhecida por
Santa Dica. O distrito passou a receber pessoas que “buscaram, em 1923, uma
alternativa para a opressão em que viviam, na negação da ordem existente,
procurando estabelecer uma outra ordem, que se definia pela fartura e igualdade de
todos” (SILVA, 1982, p. 91).
Formou-se uma comunidade no vilarejo, cerca de 600 pessoas “residindo em
casebres, acreditando que os poderes da ‘santa’ curariam doenças e reduziriam
sofrimentos, e ao mesmo tempo evidenciavam um projeto de sociedade diferente
daquele que conheciam” (VASCONCELLOS, 1991, p. 188). Esse movimento popular
começou a sofrer represálias por parte do governo estadual, que via um caráter
socialista nas idéias da “santa” que poderia colocar em questão o direito de
propriedade.
O “caráter socialista” relacionava-se com a implantação, por Dica, de algumas
normas e regras de conduta que levavam seu movimento a se confrontar com a
sociedade de então. Dica estabeleceu em um reduto a propriedade coletiva da terra
e a divisão de seus frutos. Além disso, realizava casamentos, batizados, proibia o
pagamento de impostos aos cofres públicos, vedava o trabalho em certos dias da
semana, entre outras medidas (MACHADO, 1986, p. 65). Em 1926, o presidente do
Estado, Dr. Brasil Caiado, irmão de Antonio Caiado, mandou a Força Policial invadir
a comunidade. A tarefa foi executada com brutalidade, matando-se pessoas,
expulsando-se as demais e prendendo-se Dica, posteriormente condenada
5
.
5
Sua pena foi suspensa pelo Tribunal de Justiça. Dica passou a peregrinar pelo Estado, enquanto
alguns de seus fiéis retornaram ao local, esperando sua volta, o que de fato ocorreu; ali ela
permaneceu até sua morte, em 9/11/1970.
53
Na verdade, a oposição aos Caiados era esporádica e pontual. Somente em
meados de 1924 começou um movimento de ascensão de outra fração de classe no
interior do bloco no poder, na região sulina goiana. Tal oposição tinha que ver com o
crescimento econômico que estava ocorrendo nessa região, a partir da construção
da estrada de ferro e da ponte Afonso Penna sobre o Rio Paranaíba, no Sul do
Estado. Vejamos.
1.5 A Ascensão de uma Nova Fração de Classe no Seio do Bloco no Poder
O desenvolvimento capitalista goiano foi um resultado histórico regional
particular do processo de desenvolvimento capitalista brasileiro, visto que “não se
trata de um espaço isolado e sim da fração integrante e interdependente da
sociedade nacional” (ESTEVAM, 1998, p. 24).
Para apontar as “particularidades” do processo de desenvolvimento capitalista
goiano devemos ter em mente que na década de 20 a economia estadual era
baseada na pecuária, então o setor mais dinâmico da economia, apesar de
empregar menos pessoas que a agricultura
6
. O dinamismo vinha do fato de que o
produto de exportação goiano era o gado, comercializado com outros estados vivo
(o modo mais econômico e viável para remeter este produto para fora de Goiás, em
face da precariedade das estradas de rodagem). Palacin e Moraes (1994) fizeram
um levantamento sobre a arrecadação estadual e concluíram que, no período de
1920 a 1929, o gado vivo representou 27,69% da arrecadação total do Estado e
quase a metade das exportações goianas. Em número de cabeças, foram 3.690.372
no período.
6
De acordo com o censo de 1920, 110.220 pessoas trabalhavam na agricultura, enquanto 6.995
atuavam na pecuária.
54
O Estado, nessa época, era um imenso espaço geográfico com uma
população muito pequena; “entre o campo e a cidade, o curral e o mercado, havia,
porém, as cercas naturais de impedimento à prosperidade da pecuária” (CHAUL,
1997, p. 92).
As cidades possuíam uma população reduzida (como mostrado na Tabela 2),
representando 35,45% da população total. Apesar de o Censo não ter feito distinção
entre população urbana e rural podemos inferir, como vimos, que a grande maioria
da população tinha origem no campo.
O gado, como vimos, representava a principal atividade econômica e os
centros urbanos goianos não absorviam a totalidade da produção. O excedente era
exportado para outros locais, principalmente São Paulo, via região do Triângulo
Mineiro. Este processo de exportação era por demais complicado. A precariedade
das estradas, aliada à falta de outros meios de transporte para o gado, fazia que a
expansão dessa atividade fosse prejudicada.
Neste contexto, um fato começaria a mudar o perfil da classe dominante, mais
particularmente da fração hegemônica no bloco do poder de então: o avanço da
agricultura, influenciado pela construção da estrada de ferro na região Sudeste do
Estado.
A ascensão da atividade agrícola não substituiu de imediato a importância da
pecuária na economia goiana. Deficiências de toda ordem dificultavam a produção e
a comercialização dos produtos agrícolas. O transporte, “deficiência secular”, era um
deles. Mas pode-se afirmar que a inserção mais significativa de Goiás no mercado
nacional adveio de dois fatores principais, apontados por Campos (1985): a
ampliação da economia cafeeira e as modificações na divisão social do trabalho.
55
De fato, a expansão do capitalismo no período é associada à ampliação da
economia cafeeira e às conseqüentes modificações na divisão social nacional do
trabalho, bem como à difusão da rede ferroviária. Em Goiás, por volta de 1914 –
início da Primeira Guerra Mundial –, o processo de expansão capitalista já era
perceptível e a ferrovia se apresentava como seu desencadeador, uma vez que
tornaria possível ao produto goiano chegar ao mercado (CAMPOS, 1985, p. 133).
O avanço da estrada de ferro foi apontado por Estevam (1998) como o início
do tempo das transformações que começou a despontar em Goiás e que,
acreditamos, veio fortalecer uma fração de classe que, tempos depois, lutou para
tornar-se hegemônica no seio do bloco no poder.
A estrada de ferro passava pelo Triângulo Mineiro e atingia Goiás pelo
Sul/Sudeste, na região da cidade de Catalão. Devemos atentar ao fato de que, na
época da mineração, o Triângulo Mineiro pertenceu ao Estado de Goiás, sendo
depois anexado a Minas Gerais. Isto teve importância significativa para o
desenvolvimento do Sul/Sudeste/Sudoeste goiano, já que havia uma similaridade
em termos produtivos, sociais e culturais entre os moradores dessas regiões.
O Triângulo Mineiro exerceu forte influência sobre uma região goiana que, à
época, não detinha o poder político estadual, que como vimos, por exemplo na
tabela 3, era exercido pela oligarquia dos Caiados. A emergência do Triângulo
Mineiro como centro mercantil regional foi pautada por, no mínimo, três razões: I) a
posição estratégica com relação ao centro dinâmico da economia nacional – São
Paulo; II) a privilegiada base de recursos naturais; e III) a ausência de “resistências
culturais” que pudessem obstar a expansão de relações comerciais (ESTEVAM,
1998).
56
Graças à maior freqüência nos negócios que se originou com a rapidez e
facilidade propiciada pela proximidade dos trilhos da estrada de ferro, constituiu-se
uma relação mercantil forte entre os negociantes do Triângulo Mineiro e os da região
sulina goiana
7
, que passaram a financiar a atividade agropecuária.
O principal produto agrícola negociado entre a região sulina goiana e o
Triângulo Mineiro era o arroz, que era beneficiado no Triângulo Mineiro e exportado
daí para São Paulo, com grandes lucros para os comerciantes triangulinos.
Começava a haver, então, um “desconforto” no âmbito político. A principal
atividade exportadora era, como vimos, a pecuária. Esta possuía uma cadeia
produtiva longa (cria, engorda e abate), de que os produtores goianos participavam
somente na primeira fase. A última, o abate, era feito no Estado de São Paulo, mais
precisamente no frigorífico Anglo, em Barretos. Neste itinerário, os maiores lucros
iam parar nas mãos dos comerciantes e fazendeiros da região do Triângulo Mineiro.
Estevam afirma que:
Os ganhos substanciais, nesse esquema, dividiam-se entre
intermediários-invernistas, centro de abate e comércio final.
Neste esquema tradicional de comercialização, os goianos
vendiam bezerros – produzidos em caráter extensivo – que
eram engordados principalmente pelos invernistas do Triângulo
Mineiro e, somente depois, negociados nos centros
consumidores (ESTEVAM, 1998, p. 86).
Daí não fica difícil deduzir que a burguesia mercantil do Triângulo Mineiro
obtinha ganhos cada vez maiores com a relação comercial mantida com Goiás. Em
decorrência disso, o sistema financeiro evoluiu nessa região e várias casas
bancárias se instalaram e passaram a financiar a burguesia comercial, fomentando
ainda mais a influência do Triângulo Mineiro na região sulina goiana.
7
A região sulina de que fazemos nota abrange o Sul, Sudeste e Sudoeste goiano.
57
Se a estrada de ferro possibilitou um maior intercâmbio comercial da região
Sudeste goiana com o Triângulo, a construção da ponte Afonso Penna sobre o Rio
Paranaíba possibilitou o trânsito de mercadorias. Intercambiavam-se, de um lado, os
produtos agropecuários advindos do Sudoeste de Goiás e, de outro, os produtos
oriundos de São Paulo, via Triângulo Mineiro, para Goiás, devido à maior
proximidade da cidade de Uberlândia com essa região.
A tabela abaixo mostra que as duas regiões – Sudoeste e Sul-Sudeste –,
mesmo com 42,9% da população total do Estado de Goiás, apresentavam uma
produção agrícola bem superior às demais – 63,7% –, bem como um número
significativo de cabeças de gado (45,6% do total estadual).
Tabela 4: Goiás – População e produção agropecuária por regiões (1920)
Regiões População % Agricultura % Pecuária %
Norte-Nordeste 163.422 31,9 38.452,2 13,5 1.098.128 36,3
Centro-Norte 49.624 9,7 36.097,7 8,4 233.690 7,7
Mato Grosso Goiano 78.863 15,4 62.004,4 14,3 304.187 10,0
Sudoeste 31.786 6,2 66.745,8 15,4 518.980 17,1
Sul-Sudeste 188.251 36,7 209.134,5 48,3 862.784 28,5
Fonte: IBGE (Censo de 1920).
Havia em Goiás, portanto, duas regiões que foram fortemente influenciadas
pela atividade mercantil, tendo como financiadores a burguesia mercantil do
Triângulo Mineiro. A região Sudeste, que era mais populosa, passou a conceber a
terra em função do comércio, o que determinou um maior índice de transações de
propriedades, não querendo isso dizer que houve um parcelamento no tamanho
dessas propriedades.
O mesmo ocorreu na região Sudoeste, enquanto o centro e o Norte do Estado
não foram beneficiários do grande dinamismo experimentado pelas outras duas
58
regiões, “ficando imunes à modificação nas formas sociais de propriedade fundiária”
(ESTEVAM, 1998, p. 94), as quais se fracionavam basicamente por herança.
Não obstante, a preponderância política e o controle do aparelho estatal
estavam nas mãos de grupos ligados ao setor da pecuária, que tinham grandes
extensões de terras e o domínio de cargos e postos públicos através do que
diversos autores chamam de “pacto coronelístico”, conforme já tivemos oportunidade
de discutir. Os proprietários rurais da região sulina goiana, ligados à atividade
mercantil do Triângulo Mineiro, tornaram-se uma nova fração de classe no seio do
bloco no poder e passaram a ter um perfil econômico mais consistente que a fração
hegemônica. Dessa forma, estabeleceu-se o cenário de um conflito que viria a ser
definido na Revolução de 30, ou seja, uma luta pela hegemonia no interior da classe
dominante.
De um lado temos, no interior desta classe, os proprietários rurais,
pecuaristas, que detinham a hegemonia, satisfazendo prioritariamente seus
interesses; de outro, também proprietários rurais, pecuaristas e agricultores ligados à
burguesia mercantil mineira que beneficiavam os seus produtos agropecuários e
supriam o mercado consumidor paulista, mas que não tinham uma representação
política à altura de sua importância econômica, descontentes com sua situação
política.
Como vimos, no plano econômico, a região sulina estava bastante fortalecida
na década de 20, mas não possuía representatividade política condizente com o seu
poderio econômico. Também não via satisfeitas, por parte do governo estadual,
algumas demandas por obras e ações que pudessem melhorar suas atividades
mercantis.
59
Um exemplo disso aconteceu quando da chegada do telégrafo à cidade de
Rio Verde. O aparelho já era utilizado na capital desde 1891, mas sua instalação em
Rio Verde somente foi liberada em 1918, entrando efetivamente em funcionamento
apenas em 1924. Quando na solenidade de instalação do telégrafo, alguns oradores
teceram críticas referentes à demora na implantação deste benefício na cidade. O
representante da oligarquia, coronel Martins Borges, não defendeu o governo e foi
repreendido por telegrama pelo coronel Antonio Caiado.
Contrariado, o coronel Martins Borges respondeu ao telegrama com a mesma
veemência, o que precipitou sua decisão de partir para a oposição. Junto com ele
foram seu genro Pedro Ludovico Teixeira, Ricardo Campos, Atanagildo França,
Almeida Barros, Teódulo Emerich e outros, formando uma frente de oposição em Rio
Verde.
As insatisfações terminaram por configurar uma cisão entre os grupos
oligárquicos que tinham seus interesses ligados à capital e as frações mais
relacionadas ao Sul e ao Sudoeste. Estes, além de uma participação política que
correspondesse a seu poder econômico, queriam que o Estado acionasse
mecanismos que permitissem uma maior mercantilização dos produtos goianos
(SILVA, 1982, p. 138).
Dentro da lógica vigente entre os Caiados, não se poderia permitir a ascensão
econômica de outra região, pois isso implicaria o fortalecimento de um novo grupo
que, como conseqüência, poderia lhes fazer oposição, o que de fato ocorreu.
Além do plano econômico, havia divergências internas à agremiação dos
Caiados, na qual muitos buscavam uma maior participação nas decisões políticas, o
que acabava por limitar o desenvolvimento do Estado.
60
Os grupos descontentes passaram a fundar periódicos para combater a
oligarquia estadual. Na capital do Estado, cidade de Goiás, foi fundado, em 1927, o
jornal A Voz do Povo, por Mário Caiado, juiz de Direito da Primeira Vara da capital e
parente de Antonio Caiado (mesmo assim seu opositor, devido a desdobramentos
oriundos da “Questão Judiciária”
8
).
No Sudoeste, a oposição estava a cargo de Pedro Ludovico Teixeira, médico
e, como vimos, genro do coronel Martins Borges, que fundou a gazeta O Sertão,
posteriormente transformada em O Sudoeste. Na cidade de Ipameri, outro jornal
também fazia oposição, O Ipameri. Todos criticavam o governo das mais diversas
maneiras possíveis. Não havia, porém, uma articulação planejada entre a oposição.
Faltava-lhes unicidade em torno de um projeto político, visto que, na estrutura
coronelística, dificilmente o governo perderia as eleições.
Essa unicidade que tornou possível aglomerar as oposições em Goiás veio
através de um movimento maior, no plano nacional, com a Aliança Liberal (AL),
formada em virtude de uma cisão entre as oligarquias de São Paulo e Minas Gerais.
Tal divisão se deu após o apoio que o presidente Washington Luís conferiu a um
candidato paulista, em vez de um mineiro. Aos dissidentes da política “café-com-
leite” somaram-se os políticos do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Paraíba.
De acordo com Boris Fausto, “A Aliança era uma coligação de oligarquias
dissidentes cujos nomes ilustres não visavam a outra coisa senão a pressionar a
burguesia de São Paulo e obter concessões” (1978, p. 140). De fato, a AL serviu aos
interesses dos descontentes, participantes da oligarquia no plano regional, que
8
A “Questão Judiciária” foi um conflito entre o Poder Executivo e o Judiciário, nascido de um litígio de
terras que teve início quando Brasil Ramos Caiado, irmão de Antonio Caiado, concedeu títulos a este
de aproximadamente 1.071.476 hectares às margens do Rio Araguaia. Tal ato exigiu uma
modificação da Lei 725, de 11/8/1923, que obrigava o posseiro a realizar o pagamento das custas do
processo e a demarcação da área. O Poder Judiciário não concordou e os Caiados – leia-se Antonio
Caiado – alterou a configuração do Judiciário, aumentando o número de desembargadores e
dividindo o Tribunal de Justiça em duas Comarcas, a civil e a criminal. Com o aumento, passou a
dominar os dois poderes, o Executivo e o Judiciário.
61
somente estavam à busca de uma solução favorável pelo poder estadual, sem
propostas no âmbito nacional: “lutavam apenas por uma rotatividade no poder”
(CHAUL, 1984, p. 22).
Dessa forma, se fundou, em novembro de 1927, um novo partido político,
forma de abrigar a oposição ao caiadismo: o Partido Republicano de Goiás (PRG)
9
.
Este Partido aderiu rapidamente à AL, cujos contatos eram dados principalmente
através de Minas Gerais, onde se articulava com Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul
e Paraíba o movimento de oposição que culminaria na Revolução de 30.
1.6 A Revolução de 30 em Goiás
O interesse em abordar esse período da história goiana é, em um primeiro
momento, buscar as raízes do poder político estadual e, através do tempo, em um
segundo momento, verificar se houve mudanças significativas na classe dominante
regional. Neste sentido, a Revolução de 30 em Goiás trouxe acontecimentos que
influenciaram de forma decisiva o desenvolvimento e urbanização do Estado. O
primeiro grande processo foi a construção da nova capital – Goiânia –, no bojo dos
desdobramentos da Revolução de 30.
A Revolução de 30 foi o primeiro grande movimento nacional que trouxe
importantes desdobramentos para o desenvolvimento econômico do Estado, visto
que houve uma troca de fração hegemônica no interior do bloco no poder não
implicando, muito embora, mudanças na formação social e muito menos na sua
9
A composição inicial foi a seguinte: presidente: coronel Virgílio José de Barros (capital), Membros:
coronel Samuel Sabino de Passos (capital), coronel Antonio Martins Borges (Rio Verde), coronel
Orlando Borges (Santa Rita), Dr. Americano do Brasil (Santa Luzia), major Evaristo Machado
(capital), major João Rocha Lima (capital), Dr. Olavo Baptista (Pirenópolis), major Augusto Berquó
(capital), major Raul Coutinho (capital), Dr. Agnello Arlington Fleury Curado (capital), Dr. José
Honorato da Silva e Souza (capital) e Dr. Claro Augusto de Godoy (capital).
62
configuração fundiária,. Na verdade, os vencedores faziam parte da oligarquia
dominante que, não tendo satisfeitos prioritariamente seus interesses, passaram a
lutar pela hegemonia de sua fração de classe. Conseguiram seu intento com a
Revolução.
Este movimento, a Revolução de 30, teve suas origens na crise do sistema
capitalista internacional na década de 20, com profundas repercussões no Brasil, já
que a pauta de exportações brasileiras era baseada na exportação de produtos
agrícolas, principalmente o café.
Isso, por um lado, possibilitou o crescimento industrial, já que o país, por
faltas de divisas para importar, começou a desenvolver indústrias que pudessem
compensar essa dificuldade. As indústrias seriam destinadas a substituir as
importações.
Começava, dessa forma, a haver um crescimento das classes médias e do
proletariado urbano, derivados desse desenvolvimento industrial e, com isso,
criavam-se conflitos cada vez maiores entre a burguesia industrial emergente, as
classes médias, o proletariado urbano e as frações oligárquicas excluídas do poder
do Estado. Essas forças – “antagônicas na sua formação, mas unidas no interesse
comum de derrubar a velha ordem oligárquica” (CHAUL, 1984, p. 25) – acreditavam
que seus objetivos seriam conquistados sob o comando de Getúlio Vargas.
Boris Fausto (1991) entende que esse movimento estava longe de ser
homogêneo. O agravamento dos conflitos no curso da década de 20, as peripécias
das eleições de 1930 e a crise econômica propiciaram a criação de uma frente
difusa que contou com o apoio do setor militar, os tenentes, além das classes
médias e do proletariado urbano e, também, de setores da classe dominante
regional.
63
O inimigo comum de todos era a velha ordem oligárquica controlada pela
hegemonia mercantil-bancária, a grande derrotada na Revolução de 30.
Almeida (1995) mostra que a Revolução de 30 abriu caminho para mudanças
institucionais importantes no Brasil, a partir daquele momento. O desenvolvimento
do capitalismo no país passaria a se dar em novos termos.
A “revolução de 30” abriu caminho para a reestruturação do
Estado nacional, tornando-o melhor aparelhado para o
prosseguimento, em novos termos, do processo de
desenvolvimento capitalista no Brasil. Criaram-se condições
para a constituição de um espaço econômico mais integrado:
centralizaram-se no âmbito do Estado nacional mecanismos de
políticas econômicas setoriais que antes estavam sob o
controle regional (...). Neste sentido, ocorreu, de fato, uma
ruptura com a velha ordem oligárquica. (ALMEIDA, 1995, p. 90)
Décio Saes (1975) entende que na Primeira República não havia nenhum
partido que representasse o interesse das classes médias e que a sua formação não
era homogênea. Os setores mais altos e tradicionais da classe média se dividiram
entre a fidelidade às situações oligárquicas e a militância ou apoio a partidos ou
movimentos criados pelos descontentes na sua luta pelo poder.
Dessa forma, as classes médias, não tendo uma composição homogênea,
não possuíam um projeto político capaz de dar conta dos seus componentes. Na
visão de Décio Saes (1975), a Primeira República não testemunhou o nascimento de
nenhum partido mais estritamente agregador das camadas médias urbanas e que,
ao mesmo tempo, pudesse ser incorporado ao jogo político oligárquico.
A não incorporação de um novo partido político advinha do fato de, para o
autor, a alta classe média estar mergulhada no universo da ideologia dominante,
aceitando a dominação oligárquica. Tal subordinação era facilitada pela
dependência familiar, social e econômica em que esse setor vivia em relação aos
clãs aristocráticos rurais e, principalmente, a burguesia mercantil-bancária, o que
64
acabava por condicionar sua atuação política. Já a baixa classe média
(comerciários, bancários, baixos funcionários públicos), ainda pouco numerosa no
período em questão. Da mesma forma que a estudada por Saes (1975) em relação
aos grandes centros urbanos, apresentava forte predisposição para exigir proteção
da burocracia estatal, “orfandade” que a tornava disponível para apoiar movimentos
que apontassem para políticas mais centralizadoras e intervencionistas de caráter
mais diretamente social.
O que nos importa é saber quem ou qual classe ou fração participou desse
processo em Goiás, se os participantes eram oriundos de uma “classe média” da
burguesia rural, de um proletariado revolucionário ou de uma oligarquia dissidente.
Vejamos.
A participação do proletariado revolucionário, em Goiás, está fora de questão.
Como mostrado anteriormente, o processo de acumulação capitalista goiano se
constituiu “pelo alto”, através da agricultura, que se fortaleceu na região sulina do
Estado e, por conseguinte, não formou uma classe proletária, de formação industrial,
e sim uma mudança no “estilo” de apropriação da renda da terra.
Quanto à “classe média” rural, podemos apontar para alguns eventos que
podem até obscurecer o entendimento de sua natureza intrínseca. A maioria dos
profissionais liberais (médicos, engenheiros, advogados, comerciantes, etc.) era, em
sua grande maioria, também proprietários rurais e proporcionava um poderoso
auxílio à dominação de classe.
Existem interpretações dando conta de que os jovens de famílias abastadas
eram enviados aos grandes centros urbanos para formação profissional e que, em
contato com o progresso desses locais, acabaram sendo portadores de uma visão
“moderna” em relação ao “atraso” reinante em Goiás. Aderido ao movimento
65
revolucionário apoiado por oligarquias locais descontentes, formariam o novo
governo. O interessante é notar que tanto uma consideração quanto a outra não
deixam dúvidas de que o poder político estava vinculado à posse da terra e que,
mesmo havendo uma classe média pouco numerosa, esta servia aos interesses dos
proprietários, da oligarquia local ou estadual, atuando complementarmente para a
dominação de classes.
Neste cenário, em nosso ponto de vista, é de que foi utilizado o discurso do
“novo”, do “progresso”, do “moderno” para se posicionar diante da oligarquia
dominante e colocá-la na posição de “velho”, “atrasado”, “arcaico”, como os
opositores não tivessem vínculos com a classe dominantes nativa.
O líder da Revolução de 30 em Goiás, Pedro Ludovico Teixeira, era médico e
representava o “moderno”, o “novo”. Entretanto, fazia parte de uma oligarquia local,
baseada na cidade de Rio Verde, sendo genro do líder dessa oligarquia, coronel
Antonio Martins Borges.
O movimento revolucionário em Goiás sofreu forte influência de Minas Gerais,
através da região do Triângulo Mineiro que, como vimos, tinha um comércio muito
significativo com o Sul do Estado. Pedro Ludovico era um elemento de contato entre
o Triângulo Mineiro e a oposição goiana.
Assim que o movimento eclodiu, Pedro Ludovico formou uma coluna com
voluntários, 110 ao todo, denominada Coluna Ludovico, em Minas Gerais, e
adentrou em Goiás pelo Porto de São Jerônimo, no Rio Paranaíba, no município de
Capelinha (hoje a cidade de Quirinópolis).
Os Caiados, para combater o movimento revolucionário organizaram também
uma coluna com cerca de 300 homens, que foram denominados de “camisas
66
vermelhas”, além de valer-se da polícia pública. A coluna foi despachada para Rio
Verde, onde estava, então, o foco maior de oposição.
As escaramuças deram-se próximo à cidade de Rio Verde. Pedro Ludovico foi
preso e, por ordem do senador Antonio Caiado, devia ser levado para a capital do
Estado. Concomitantemente a isso, outra coluna foi formada em Minas Gerais,
denominada Coluna Arthur Bernardes, também chamada de Coluna Mineira,
chefiada por Quintino Vargas. Esta adentrou o Estado por Ipameri, vinda de
Paracatu (MG), e após poucos combates, chegou à capital, Goiás, não encontrando
nenhuma resistência e nenhum representante dos Caiados.
O primeiro ato da Coluna foi ocupar o Palácio do Governo e empossar Carlos
Pinheiro Chagas na Interventoria Goiana, já que Quintino Vargas declinou do convite
para ser interventor. Evidencia-se, desta forma, que a revolução em Goiás foi feita
pelos mineiros.
Quanto a Pedro Ludovico, durante a viagem para a capital na condição de
preso, na altura de uma localidade conhecida como Cachoeira da Fumaça, foi
alcançado por quatro soldados que deram a notícia da vitória, no plano nacional, da
Revolução de 30. Foi, então, solto, sendo acompanhado por apenas uma pessoa,
Zacheu Crispim, até a capital (os outros acompanhantes fugiram).
Com a sua chegada à capital, foi formada uma Junta Governativa composta
por três membros: Pedro Ludovico Teixeira, Emílio Povoa e Dr. Mário D’Alencastro
Caiado. Esta perdurou aproximadamente três semanas, quando Pedro Ludovico foi
nomeado por Getúlio Vargas interventor estadual. Montou seu secretariado com
aqueles que tinham participado efetivamente da revolta e procurou estabelecer
estratégias que garantissem sua sustentação política.
67
Para demonstrar uma ruptura com o “velho” regime, foram criadas comissões
de inquéritos. Muito embora os Caiados tivessem realmente um rol de
arbitrariedades facilmente comprováveis, era difícil chegar a um julgamento isento,
visto que diversos dos vencedores do momento tinham partilhado do poder e dos
atos de despotismo.
Já vimos que o Poder Judiciário foi alterado pela oligarquia dos Caiados, fato
que ficou conhecido como “Questão Judiciária”. Para demonstrar à população os
novos ventos mudancistas advindos da Revolução, foi novamente alterada a
composição do Judiciário, diminuindo o número de membros do Tribunal de Justiça.
Esta medida, por um lado, expressava a preocupação de mostrar que estava
havendo mudanças na política e, por outro, retirava do Poder Judiciário potenciais
adversários que tinham sido nomeados pelos Caiados.
O fato é que, apesar de parecer um avanço na política goiana, esta atitude
fazia que o Poder Judiciário mudasse para não mudar. Isto é, permanecia a mesma
composição de antes da Revolução de 30.
Outro problema era a quem entregar o controle dos municípios, já que o
número de pessoas que realmente fizeram a Revolução era bastante reduzido. A
opção foi conferir o poder local a facções que faziam oposição aos que estavam no
cargo por indicação do governo estadual, embora todos estes apoiassem os
Caiados.
Internamente ao novo grupo que estava assumindo o poder, havia uma
disputa sobre quem realmente deveria ser o interventor, já que este cargo era
provisório, de livre nomeação do presidente Vargas e ambicionado por duas
lideranças goianas: Domingos Netto Velasco e Mário Caiado.
68
Velasco, procurando aumentar seu prestígio no interior do Estado, fundou a
Legião de Outubro, em 1931, cujo discurso oficial se auto-intitulava “instrumento
para a defesa dos ideais revolucionários”, o que conveio a muitos daqueles que não
tinham maiores ligações com os Caiados e que puderam aderir ao novo governo.
Mario Caiado, por sua vez, tinha bastante prestígio junto aos políticos do interior e
na capital, onde residia, também era estimado.
Pedro Ludovico detinha a chefia do governo e as nomeações para os
municípios partiam dele, mas, encontrando-se na defensiva, definiu um meio eficaz
de consolidar sua proeminência política: construir uma nova capital, onde pudesse
estar afastado de seus adversários. Representante de grupos oligárquicos do
Sudoeste de Goiás, “era o homem do sistema a ser implantado, era o representante
preciso para as relações político-econômicas a serem dinamizadas. Assim, Pedro
Ludovico pegava o bonde da história” (CHAUL, 1984, p. 50).
A construção da nova capital (nascida de uma estratégia de consolidação de
poder) influenciou o desenvolvimento econômico de Goiás, mudando o perfil
demográfico estadual sem, contudo, alterar a estrutura fundiária e política do Estado,
como veremos no próximo capítulo.
69
CAPÍTULO II – O NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO:
AVANÇO CAPITALISTA E OS CONFLITOS SOCIAIS EM
GOIÁS
70
Este capítulo tem por objetivo examinar as mudanças ocorridas em Goiás a
partir de uma estratégia de consolidação do poder hegemônico da fração de classe
representada por Pedro Ludovico. Estratégia que incluía a mudança da capital e
trouxe transformações socioeconômicas significativas para Goiás.
A consolidação do poder do grupo liderado por Pedro Ludovico, que
representava os interesses do Sul e Sudoeste do Estado de Goiás, passava pela
implantação de uma ideologia que tinha como base “mudanças” que significassem
algo novo, diferenciado do modelo “velho” representado pelas forças vencidas na
Revolução de 30.
Chaul (1984) mostra que as idéias de mudanças não eram somente de Pedro
Ludovico, mas também de Vargas. Consistiam, ainda, em uma necessidade do
capitalismo de incorporar a economia goiana à nacional, o que vinha ao encontro
dos interesses das oligarquias do Sul e Sudoeste do Estado de Goiás.
Outro fator importante que contribuiu para a mudança da capital foi a
antigüidade das idéias a respeito da qual se pronunciaram vários governantes,
mesmo antes da instalação da capital antiga. Assim, D. Marcos de Noronha, mais
tarde conde dos Arcos, comunicou em 1753 ao governo português ser favorável à
mudança da capital, em razão do clima e da posição geográfica; Miguel Lino de
Moraes, em 1830, também se manifestou favoravelmente à mudança para as
proximidades de Água Quente, atual Niquelândia, pelo comércio mais desenvolvido
existente naquela localidade; Vieira Couto de Magalhães, em 1864, apontava
aspectos sanitários para a mudança e até mesmo a primeira Constituição Estadual
Republicana, de 1891, trazia em seu Art. 5 que “a cidade de Goiás continuará a ser
71
a capital do Estado, enquanto outra cousa não deliberar o Congresso”
10
(MELO
NETO, 1987).
Goiânia, então, passou a representar para Pedro Ludovico a grande
possibilidade de romper definitivamente com as oligarquias que dominavam o
Estado antes da Revolução de 30 e que estavam baseadas na antiga capital, cidade
de Goiás, onde estava o seu núcleo político. Dessa forma, poder-se-ia estabelecer
uma marca entre o “velho” e o “novo”, o primeiro representado pelas forças
“atrasadas” do caiadismo, e o segundo, uma “nova” concepção de política,
simbolizada pela Revolução de 30 e pelo novo governo goiano.
A nova sede do governo consistiria em um marco divisor entre o “velho” e o
“novo” na política de Goiás. A nova mentalidade – desvinculada dos grupos
tradicionais e mais acessível às mudanças verificadas nos centros mais adiantados
do país – teria a cidade como ponto convergente das atenções políticas, econômicas
e sociais, transladadas mais para o Sul e Sudeste. Incluiria, conseqüentemente, os
grupos políticos locais até então afastados do processo político goiano e ponto de
apoio do governante de Goiás (MELO NETO, 1987, p. 87).
A transferência da capital servia aos interesses dos grupos políticos das
regiões Sul e Sudoeste do Estado, que não eram hegemônicos até então e, assim
sendo, a nova capital, ideologicamente, seria a ruptura definitiva com o caiadismo.
A nova capital servia, então, a dois propósitos: à inserção de uma nova
ideologia lastreada pela Revolução de 30 e para a consolidação do poder de Pedro
Ludovico, que representava os interesses de outra fração do bloco no poder, que
agora se consolidava como hegemônica.
10
O Congresso aqui referido é o estadual, que à época era constituído de duas casas: o Senado e a
Câmara (todos estaduais, reforce-se).
72
O desenvolvimento capitalista estava em marcha, respaldado pelas
transformações que a Revolução de 30 trouxe ao país e, particularmente, pela
ascensão de uma nova fração hegemônica em Goiás. A mudança da capital e a
inserção cada vez maior no mercado nacional trouxe profundas mudanças
socioeconômicas para o Estado – o que não quer dizer, ressalte-se mais uma vez,
que houve uma alteração de classe dominante e, sim, no bloco no poder.
As transformações advindas com a mudança da capital e construção de
Goiânia tiveram repercussões importantes para o desenvolvimento capitalista no
Estado. Este conjunto de alterações se apresentou fortemente interligado a um
processo maior, de caráter nacional, impulsionado pela política de colonização
interna, interiorização e integração da economia capitaneada pelo Estado brasileiro.
É interessante notar que tal processo se deu em duas frentes: a primeira,
como estratégia política que visava à consolidação de frações economicamente mais
fortes no seio do bloco no poder estadual, que agora; a segunda quando da
recuperação da crise de 1929, com o que Cano (1998) chamou de “deslocamento do
centro dinâmico da economia nacional”. Tal processo teve à frente o Estado de São
Paulo, com o seu desenvolvimento industrial, que passou a ser o “centro” dinâmico
do processo, enquanto o restante do país consistia na “periferia”.
Como já afirmamos, a segunda frente do processo de desenvolvimento
capitalista goiano teve como precursora este deslocamento do centro dinâmico
aliado à política do governo Vargas, que pretendia estender a fronteira econômica
para as regiões menos desenvolvidas do país. Para conseguir essa expansão,
tornava-se necessário incentivar a migração de uma parte da população para a
ocupação dos chamados “vazios demográficos” cujo limite era a Amazônia. Era a
“Marcha para o Oeste”.
73
Aqui também foi importante a ideologia nacional-desenvolvimentista,
informando uma estratégia de segurança nacional que visava a direcionar o
excedente populacional para o Centro-Oeste e Amazônia.
2.1 Nacional-Desenvolvimentismo e Desenvolvimento Regional na Nova Capital
Goiana
No pós-30, o país ingressou em um padrão de acumulação urbano-industrial.
O Estado reorientou seu modo de atuação, criando condições institucionais para a
expansão do mercado interno, de forma centralizadora e autoritária. Passou a ser o
organizador da acumulação industrial, unificando o mercado interno e promovendo a
abertura de sucessivas fronteiras de acumulação, através de políticas de caráter
nacional.
Se, por um lado, houve um estímulo à ampliação do mercado interno,
presidido pela indústria, por outro aumentou a demanda por alimentos e
estabeleceram-se vínculos com áreas de produção agropecuária. Toda esta
dinâmica produziria significativas mudanças no Brasil, e particularmente em Goiás.
A estratégia política de Vargas, que procurava contrabalançar o peso da elite
paulista e diversificar suas bases regionais de sustentação, bem como as ações que
o governo federal empregava nessa intenção, acabava por beneficiar o Estado.
Quando foi eleito, em 1934, com vistas a não pôr em risco sua base de
sustentação regional no campo, Vargas adotou uma política conservadora. Seu
objetivo era acalmar setores alarmados com a política trabalhista.
Quando, em julho de 1934, Vargas foi eleito presidente pelo
Congresso, a situação estava longe de estabilizar-se. As
contendas regionais ainda prosseguiam, havia ameaças ao
regime à esquerda e de certo modo à direita /.../. O Estado
definira, porém, uma política conservadora e restaura a
74
confiança dos grupos dominantes. Concorria para isto a atitude
do governo com relação ao proletariado e às massas rurais.
Apesar de ter alarmado alguns setores, a política trabalhista de
Vargas não punha em risco os interesses estabelecidos e o
fato de mão se tocar sequer no problema do campo contribuiu
para acalmar os setores oligárquicos de base rural. (FAUSTO,
1972, p. 63)
A “Marcha para o Oeste” foi explorada pelo caráter nacionalista do governo
Vargas, a qual propunha a descoberta do interior do país e a urgência em ocupar as
grandes áreas. Estas, além de despertar a cobiça de potências estrangeiras,
poderiam ser um instrumento útil para a industrialização, devido à “riqueza de seu
subsolo”, de onde se poderiam extrair minérios necessários ao processo industrial.
Podemos inferir que o desenvolvimento industrial seria a meta governamental,
porém assumindo a forma de “centro-periferia”. A parte representada pelo “centro”
seriam as cidades, e a outra, os sertões; cada parte estaria em uma etapa de
desenvolvimento econômico: às cidades caberia o papel de “agente e sujeito da
economia nacional, à outra, apenas objeto, servindo como mercado de consumo de
manufaturas, em troca de matérias-primas e produtos extrativos” (FONSECA, 1989,
p. 274).
Nesta perspectiva, a industrialização seria o caminho para a solução dos
problemas nacionais, ainda que estivesse subentendido que este era um processo
desigual. A pobreza das regiões “periféricas” somente seria equacionada com a sua
industrialização ou incorporação ao processo capitalista.
Isto poderia ser usado como justificativa para a implementação de uma
legislação social restrita às cidades e ao núcleo capitalista da economia. A
população das outras regiões conheceria as vantagens da legislação trabalhista e
iria auferir uma melhor qualidade de vida quando estas se industrializassem. Ficava,
dessa forma, descartada qualquer outra medida para melhorar a qualidade de vida
no campo, como a reforma agrária e a extensão da legislação social aos
75
trabalhadores do campo. A não implantação destes mecanismos poderia ser
justificada através de um programa de fomento à industrialização e ao mercado
interno.
De qualquer forma, a política adotada evidenciava a força dos setores
agrários no bloco no poder. Ficavam, portanto, definidos os limites intervencionistas
da política de Vargas: industrialização, ou melhor, desenvolvimento de forças
produtivas materiais. O desenvolvimento social seria conseqüência da
industrialização, não sendo, por este motivo, necessária uma política de distribuição
de renda.
Em Goiás, a “Marcha para o Oeste” teve um marco histórico – a construção
de Goiânia – como vimos, mais uma estratégia de consolidação de poder de Pedro
Ludovico do que, propriamente, uma política desenvolvimentista planejada com
vistas ao desenvolvimento estadual. Todavia, a “Marcha” não deixou de servir de
modelo para a política interiorizante de Vargas e a ocupação do sertão brasileiro
trouxe impactos decisivos para o desenvolvimento econômico e social – e também
conflitos e revoltas.
Estes impactos começaram a surtir efeito já na fase da construção de
Goiânia, a qual precisava de recursos, visto que o erário estadual não possuía os
fundos necessários para sua construção. Isto foi em parte resolvido pela injeção
pecuniária levada a cabo pelo governo federal e pela venda de lotes na futura
capital. Os recursos conseguidos junto ao governo federal foram de 15.000 contos,
ao longo dos primeiros cinco anos da década de 30; a venda de lotes forneceu,
somente em 1934 e 1935, um total de 797 contos.
Assim que ficou pronto o plano de arruamento e loteamento da nova capital,
foi criado um Departamento de Propaganda e Venda de Terrenos para efetivar a
76
venda de lotes (que mais tarde teria seu nome alterado para Departamento de
Propaganda e Expansão Econômica do Estado). Em setembro de 1934, os preços
dos lotes foram elaborados em uma tabela de acordo com a divisão em zona
comercial, residencial, industrial e suburbana; já em outubro de 1935 os valores da
tabela foram majorados em torno de 17%, em média.
Outra importante fonte de recursos foi a renda da terra. Tratou-se de uma
conseqüência da construção da nova capital, já que de antemão era sabido por
todos que os terrenos no entorno da capital se valorizariam (tanto que vários
proprietários rurais doaram lotes ao município que estava para ser construído, com o
intuito de verem valorizadas suas terras). A resultante foi uma explosão especulativa
na área da nova capital.
Cabem aqui algumas observações sobre a renda da terra. Podemos
estabelecer, no caso de uma explosão especulativa, estar havendo uma
apropriação, por parte do capitalista, de uma renda bancada pelo conjunto da
sociedade, através de impostos ou melhoramentos feitos pelo Estado, como foi o
caso da nova capital.
No sistema capitalista, o capital se apropria do trabalho em vários níveis, de
que a renda da terra é exemplo, em determinado plano. Esta ocorre não pelo preço
da compra propriamente dita, mas pela renda que o terreno pode oferecer, seja
através de produção de alimentos, seja pela especulação, seja, ainda, pelos
benefícios que a sociedade disponibiliza (melhoria em infra-estrutura, aplicação de
benefícios fiscais), o que implica uma transferência de renda do conjunto da
sociedade para a classe fundiária.
Não é nosso interesse estabelecer uma discussão ampla sobre a renda da
terra e, sim, destacar que ela pode ser obtida através de especulação e que quem,
77
na verdade, transfere renda para o especulador é o conjunto da sociedade. Este
mesmo processo pôde ser constatado, no caso que estudamos, nas transferências
de terras iniciadas tão logo começou a construção da nova capital goiana; os
impostos sobre as transferências também foram úteis para o erário estadual
11
.
Uma analise pormenorizada sobre o parcelamento do solo em Goiânia foi
feita por Pastore – com base na perspectiva marxista, da qual utilizou a teoria da
renda fundiária – em seu entendimento a formação do espaço urbano na cidade
ocorreu em três etapas. A primeira deu-se com a sua construção até o final do
período do Estado Novo, em que a “propriedade da área urbana era do Estado, que
detinha o monopólio do parcelamento e a mercantilização da terra” (PASTORE,
1984, p. 84).
Neste período, o Estado estava à frente na formação do espaço urbano da
capital exercendo um controle rígido em atenção ao traçado original da cidade. Os
preços dos lotes eram acessíveis às camadas populares.
A segunda etapa, conforme o autor, teria acontecido de 1947 a 1968, quando
se iniciaram os conjuntos habitacionais. A data 1947 foi escolhida por ter sido o ano
da aprovação de um código de edificações da cidade que suprimiu a obrigatoriedade
da montagem de infra-estrutura nos loteamentos. Para o autor, “os padrões de
parcelamento passam agora a obedecer outros critérios estabelecidos pela
apropriação privada da renda fundiária pelos proprietários de terras” (PASTORE,
1984, p. 95).
Houve uma privatização do parcelamento do solo em Goiânia, Oliveira(2002)
observou que este parcelamento deveu-se a uma composição sócio-política, em que
se reuniram agentes sociais proprietários de terras e do capital imobiliário. Esta
11
Uma discussão dos valores cobrados pelo Estado para a transferência foge à nossa finalidade e
necessitaria de uma pesquisa específica, com documentação da época, e também de comparações
com os mesmos tributos cobrados por outros Estados.
78
aliança possibilitou influenciar diretamente as ações estatais, em seu benefício,
inclusive relativo ao uso social da terra aos seus interesses.
A terceira etapa ocorreu após os anos 70 com a configuração do BNH –
Banco Nacional de Habitação, que estabeleceu novas normativas para a construção
civil e recorte do solo.
Voltando à construção de Goiânia, além dos problemas enfrentados para o
financiamento da capital, existia outro: o dos construtores. A carência de força de
trabalho, qualificada ou não, era muito grande na época e para supri-la foi
importante o apoio do governo federal no aliciamento de trabalhadores para Goiás.
Foram tomadas algumas medidas para diminuir os custos com a reprodução
da força de trabalho, como a redução do imposto de importação e a supressão de
tributos interestaduais e intermunicipais. Tais procedimentos “por um lado
beneficiavam os exportadores goianos, por outro lado, beneficiavam
fundamentalmente o setor urbano industrial, na medida em que podiam funcionar
para reduzir os preços dos produtos de consumo urbano” (SILVA, 1982, p. 173).
A nova capital, Goiânia, apresentava-se como um palco onde se processava
a acumulação capitalista, via renda da terra e expropriação da força de trabalho,
parte de uma estratégia de poder em âmbito estadual inserida em um projeto
nacional-desenvolvimentista de Vargas.
Com alguns milhares de trabalhadores da construção civil em atividade e
vivendo em condições precárias, “alojados em ranchos de capim e em casinhas de
madeira, recebendo vales no fim do mês” (CHAUL, 1988, p. 77), cresceram conflitos
típicos da disputa entre o capital e o trabalho, desembocando em movimentos
grevistas nos anos de 1935-36.
79
Goiânia foi sendo, dessa forma, paulatinamente construída e ocupada:
primeiro, a escolha do local, em 1933; depois, a mudança provisória dos governos
estadual e federal, em 1935; finalmente, em 1942, com o Batismo Cultural, a cidade
foi finalmente inaugurada.
A capital foi, de certa forma, produto de interesses complementares: por um
lado, o fortalecimento e consolidação de poder estadual; por outro, um marco que
servia de exemplo para o Estado Novo de Vargas:
fica claro que Pedro Ludovico e o Estado Novo tinham um forte
ponto de convergência: Goiânia. Pelo lado de Pedro Ludovico,
o regime servia como suporte de sua mais alta realização
política – sua e dos grupos oligárquicos do Sul e Sudoeste;
pelo lado do Estado Novo, Goiânia servia como concretização
dos ideais do momento, como símbolo que encarnava, na
prática, o nacionalismo apregoado pelo regime. Eles – Pedro
Ludovico e o Estado Novo – se serviam, se completavam
(CHAUL, 1984, p. 151).
Os investimentos para a construção de Goiânia acabaram por expandir as
relações mercantis inter-regionais. Somada à valorização das terras goianas, fruto
da construção da nova capital, trouxe impactos em sua estrutura social e econômica.
Dentre eles, há que mencionar a forte migração, tanto para a construção como para
o povoamento do Estado, resultado da conjunção de interesses estaduais e do
projeto nacional-desenvolvimentista.
2.2 O Desenvolvimento do Centro-Sul do Estado
A partir da construção de Goiânia, o Estado de Goiás passou a ser uma
possibilidade no que diz respeito à migração, fortemente experimentada no período
pós-construção. Já em 1940 a cidade contava com 48.165 habitantes. Levas de
migrantes (oriundos, principalmente, de Minas Gerais) chegavam para ocupar uma
80
área conhecida como Mato Grosso de Goiás, cujo potencial agrícola era muito
significativo.
A construção de estradas por parte do novo governo mostrava que as
políticas estatais estavam sendo direcionadas para o desenvolvimento de regiões
produtoras de alimentos, cuja finalidade, no discurso, seria abastecer a capital.
Havia, por isso, que construir rodovias que ligassem as regiões Sul e Sudoeste do
Estado, que eram a base política do governo.
Heliane Prudente Nunes, em sua pesquisa sobre a era rodoviária em Goiás,
mostrou que as primeiras estradas foram construídas em direção Sul/Sudoeste.
Acompanhemos seu raciocínio:
O primeiro Plano Rodoviário em Goiás tinha como objetivo
máximo criar uma rede de rodovias básicas partindo de
Goiânia e demandando regiões geoeconômicas de potencial
agrícola e de fácil exploração, com a finalidade de garantir no
futuro o abastecimento de produtos agrícolas à população
crescente da capital do Estado. Assim, o Sudoeste teve sua
rede ligada a Mato Grosso e ao Triângulo Mineiro. (NUNES,
1984, p. 97)
As próprias diretrizes desse primeiro Plano Rodoviário de Goiás mostravam o
compromisso com os setores que passaram a ser dominantes. “Construir estradas
em regiões economicamente prósperas, capazes de, em um curto espaço de tempo,
se desenvolverem e fornecerem lucros compensadores”. E o Plano foi assim levado
a cabo, com a seguinte proposta de trechos a serem executados:
1) Goiânia – Anápolis e Goiânia – Leopoldo de Bulhões;
2) Goiânia Goiás;
3) Anápolis Taguatinga;
4) Goiânia – Registro do Araguaia, ramal Aragarças;
5) Goiânia Canal de São Simão;
6) Anápolis – Peixe e Porto Nacional – Tocantínia;
81
7) Catalão – Goiandira – Corumbaíba – Buriti Alegre – Itumbiara;
8) Niquelândia – Cavalcante;
9) Ipameri – Caldas Novas – Morrinhos.
A previsão do Plano Rodoviário era a de que esses trechos deveriam estar
prontos até 1952, o que não aconteceu, já que o Estado de Goiás não tinha recursos
suficientes, os repasses do governo federal estavam sempre atrasados e os outros
recursos destinados
12
não cobriram os valores propostos para a construção dessas
rodovias.
No período de 1930 a 1943, a malha rodoviária de Goiás foi quadruplicada,
embora as rodovias fossem sempre muito precárias, já que não eram pavimentadas
e sua manutenção ficava a desejar. Quanto à valorização das terras, assistiu-se a
um aumento substancial em seu valor: se antes da construção de Goiânia o alqueire
era negociado por Cr$ 100, ao longo da construção e depois foi negociado por Cr$
15.000.
Outro fator importante foi a extensão da estrada de ferro até a cidade de
Anápolis, em 1935, que possibilitou a recepção de um forte fluxo migratório dirigido
pelo governo Vargas em sua “Marcha para o Oeste”. Neste sentido, o governo
federal criou a Colônia Agrícola Nacional de Goiás (Cang), na cidade de Ceres,
divulgando, através de programas radiofônicos de grande audiência e cobertura
nacional, as “terras férteis de Goiás” e, dessa forma, atraindo um contingente de
imigrantes muito maior do que os lotes de terras disponíveis.
A expansão da estrada de ferro até Anápolis e a escolha da região para
instalação da Cang redundou, segundo Pedro Ludovico (1973), de um pedido feito a
12
Os repasses anuais do governo federal se davam sob a rubrica do Fundo Rodoviário Nacional. Os
outros recursos vinham de uma cobrança da “taxa de valorização” das terras que eram cortadas pelas
rodovias e do imposto rodoviário sobre os automóveis, caminhões e carroças existente no Estado,
cobrados anualmente.
82
Getúlio Vargas, quando este esteve em Goiânia (por ocasião de sua inauguração),
em uma reunião no Palácio do Governo.
O Presidente, depois de se dirigir para o Palácio do Governo,
onde se hospedou, recebeu as pessoas mais ilustres de Goiás.
Logo em seguida, compareceu a uma reunião de todos os
Secretários de Estado, ouvindo-os e fazendo-lhes perguntas e
sugestões sobre o andamento de suas pastas e dos assuntos a
elas referentes, interessando-se mais por aqueles que se
prendiam à Agricultura e ao Transporte. Fez-se-lhe, então um
apelo para que fizesse chegar os trilhos da estrada de Ferro
até Goiânia. Pediu-se-lhe construir uma Colônia Agrícola em
Goiás, mostrando-se-lhe no Mapa uma zona ótima para tal
empreendimento (LUDOVICO, 1973, p. 116).
Guimarães (1982) mostra que se pretendia distribuir de 20 a 50 hectares de
terras
13
, mais instrumentos de trabalho e habitação, para pequenos trabalhadores, e
que o propósito do assentamento estava inserido na lógica da expansão do
movimento de fronteira agrícola subsidiado pelo Estado.
A grande maioria dos imigrantes consistia em mineiros e o restante era de
“nortistas”, designação atribuída a goianos oriundos do interior, da região mais ao
Norte, hoje correspondente ao Estado de Tocantins.
Não sendo utilizada nenhuma técnica apurada para a implantação de uma
agricultura mais desenvolvida, os colonos empregavam os métodos tradicionais para
a abertura do campo para o plantio, isto é, as queimadas, devastando a floresta em
pouco tempo. Estevam (1998) comparou o contingente de colonos a uma frente
militar, em que o pioneiro colono seria o soldado que combateria a natureza. Isto
acabou mudando a paisagem natural em prol de uma depredativa e catastrófica
forma de ocupação.
Os colonos plantavam, principalmente, arroz, milho e feijão e tornaram-se
grandes fornecedores desses insumos para Goiânia e para a região Centro-Sul. No
13
A área total da Cang era de 106.000 hectares.
83
ano de 1950, a produção de arroz da Cang equivalia a 38% do total do Estado e,
nessa fase de grande expansão em sua produção agrícola, atraiu algumas
empresas transformadoras de alimentos. Tal fato viria a ser um fator desarticulador
de sua forma de comercialização, uma vez que o capital mercantil agia de forma
especulativa e a subordinação do colono a este capital acabava por comprometer o
rendimento excedente das colheitas.
Houve tentativas, por parte dos colonos, de reação ao domínio do capital
mercantil, sem, contudo, obter êxito. Estevam (1998) aponta outro problema
enfrentado por eles: o aumento dos preços das terras, que acabou por gerar
conflitos que envolveram colonos, posseiros, grileiros e fazendeiros da região.
Diante das dificuldades enfrentadas pelos colonos, grande parte preferiu
negociar ou mesmo renunciar a seus direitos de posse, durante a década de 50,
cedendo espaço à grande propriedade e fortalecendo o capital mercantil, que
passou a subordinar a agricultura da região aos seus interesses.
Dayrell (1975) analisou a Cang e concluiu que o insucesso de sua
implantação não foi devido à incapacidade administrativa do governo federal,
tampouco foi culpa da inaptidão do colono frente ao trabalho, sendo antes
decorrente da distância dos centros consumidores e da falta de crédito aos
produtores, ficando estes à mercê do capital mercantil, que colhia o excedente da
produção.
Alguns resultados importantes da política da “Marcha para Oeste” se fizeram
sentir justamente na produção agrícola, não havendo mudança do perfil fundiário
estadual. Isto porque a experiência, apesar de ter sido importante, acabou por não
prosperar, pelos motivos expostos anteriormente; houve, entretanto, um aumento
84
significativo na área cultivada, que passou de 113.562 hectares em 1930 para
352.667 em 1940, enquanto em 1950 já eram cultivados 555.847 hectares.
O processo migratório experimentado pelo Estado, bastante significativo, foi
analisado por muitos historiados e demógrafos, que buscam compreender suas
causas e efeitos. Para nosso trabalho importa, contudo, a demonstração de que de
tal processo afetou a dinâmica de acumulação capitalista goiana e alterou sua
composição fundiária, através da formação de colônias agrícolas. Destas, a Cang de
Ceres foi a experiência mais bem-sucedida.
A migração ocorrida em Goiás na época do governo Vargas foi parte de uma
política deliberada de ocupação do território nacional, em uma tentativa de instalar
um novo padrão de desenvolvimento econômico, procurando contrabalançar o peso
da burguesia cafeeira paulista e diversificar suas bases regionais de sustentação.
Guimarães e Leme (2002) entendem que a política de Vargas, com a tentativa
de integração nacional, representava, na verdade, um novo padrão de acumulação,
sob o comando da economia paulista. Anteriormente, o que havia ocorrido eram
surtos econômicos localizados e descontínuos; agora, a política de Vargas era um
modelo nacional que objetivava superar o capitalismo agrário e mercantil, assentado
na atividade exportadora. A busca era implementar outra dimensão econômica,
capitaneada pela dinâmica industrial e pelo mercado interno.
Dessa forma, a somatória de vários fatores – I) a construção de Goiânia, em
1933; II) a implantação da Cang, em 1941, no bojo das políticas varguistas; e III) a
abertura de estradas e a expansão da rede ferroviária até Anápolis – fizeram que
houvesse altas taxas de crescimento demográfico em Goiás. “Em 40/50, a migração
interna alcançava a cifra de 91.836 habitantes, perfazendo 11,15%; em 50/60, atinge
85
259.310, isto é, 21,34%. De 826.414 habitantes em 1940, o Estado passou a
1.214.921 habitantes em 1950” (GUIMARÃES, 1982, p. 24).
Além da iniciativa da Cang, houve outros projetos de colonização que não
tiveram o mesmo impacto. Assim, na divisa de Goiás e Mato Grosso houve um
assentamento – o Projeto Brasil Central – que esteve mais articulado ao Triângulo
Mineiro, não assentando significativamente muitos colonos. Após a Segunda Guerra
Mundial também houve algumas iniciativas de colonização estrangeira que não
lograram êxito.
Essas iniciativas a que se assistiu nas décadas de 40 e 50, tanto por parte do
governo federal quanto do estadual, acabaram por modificar a realidade
socioeconômica de grande parcela do Estado, com o que terminou por redefinir o
seu papel na divisão inter-regional do trabalho. Porém, outras mudanças profundas
estavam por vir, principalmente na segunda metade dos anos 50, quando JK iniciou
seu Plano de Metas e a construção de Brasília, cujas ações impactaram
profundamente em Goiás. Seus desdobramentos, como veremos adiante, foram o
germe de conflitos no campo, como a Revolta de Trombas-Formoso, mas também
tiveram forte significado econômico e social para Goiás.
2.3 O Plano de Metas e a Aceleração do Desenvolvimento Capitalista
Na década de 50, Juscelino Kubitschek assumiu a Presidência da República e
implementou grandes projetos de infra-estrutura, no bojo dos quais construiu a nova
capital – Brasília –, que viria impulsionar fortemente o desenvolvimento de Goiás e
de todo o Centro-Oeste brasileiro. Em seu Programa de Metas, objetivando “avançar
86
50 anos em cinco”, o país acabava abraçando a ideologia da modernidade, do
progresso a todo custo.
Se Goiânia foi um marco histórico na “Marcha para o Oeste” no Estado, o
Plano de Metas de JK se constitui, também, em um divisor de águas entre o
processo de ocupação e a moderna incorporação de Goiás, que tinha como
características a agricultura comercial e a bovinocultura tecnificada, juntamente com
frentes especulativas fundiárias.
Estava-se na época em que as políticas estatais eram fortemente inspiradas
no modelo keynesiano e os investimentos públicos apresentavam um compromisso
básico de gerar crescimento econômico e bem-estar social.
A maioria das economias capitalistas experimentou, no pós-guerra, um
crescimento econômico sem precedentes, aliado à expansão de programas e
sistemas de bem-estar social. Hobsbawm (1995) destacou que, para a maior parte
dos analistas, ocorreu no período uma parceria bem-sucedida entre a política social
e a econômica, sustentada por um consenso acerca do estímulo conjugado com
segurança e justiça social. Teria havido mesmo um “círculo virtuoso” entre a política
econômica keynesiana e o welfare state: aquela regula e estimula o crescimento
econômico; este, por sua vez, arrefece os conflitos sociais e permite a expansão de
políticas de corte social, que amenizam conflitos e, no terceiro momento, potenciam
a produção e demandas efetivas.
Voltando, porém, ao Brasil, compreendemos que o Plano de Metas de JK foi
bastante inovador – não porque tenha adotado a estratégia de substituição de
importações, que é anterior e posterior ao Plano.
Os méritos do Plano vinham da sua capacidade de acelerar o processo que já
ocorria na América Latina, ou seja, de coordenar com equilíbrio o conflito entre
87
industriais importadores e produtores por intermédio dos grupos executivos
industriais, pondo interesses defronte a outros, opostos, para discutir suas
diferenças e chegar à solução aceitável.
Kubitschek beneficiou-se de atitudes prévias, realizadas no segundo governo
Vargas, como a estrutura de planejamento e a industrialização nascente. A
conjuntura internacional também era muito favorável ao Brasil, pois as empresas
americanas já haviam ido para a Europa, enquanto os europeus e japoneses
tentavam se defender, buscando, igualmente, o exterior. Havia muito financiamento
internacional e investimentos diretos. Internamente, a despeito de problemas
cambiais, os níveis de déficit público e de inflação eram muito inferiores aos atuais.
A construção de Brasília permitiu o deslocamento de milhões de pessoas.
Ademais, foram criados canais de infra-estrutura que possibilitaram o
desenvolvimento da agricultura do Centro-Oeste, notadamente em Goiás, de modo
que pudessem comportar exportações adicionais significativas.
Fortemente inspirado no modelo keynesiano, o Plano previa atingir 30 metas
distribuídas em cinco setores: energia, transportes, alimentação, indústrias de base
e educação.
Energia – elétrica, nuclear, carvão nacional e petróleo
(produção e refinação); Transporte – ferroviário
(reaparelhamento e construção), rodovias (pavimentação e
construção), serviços portuários e de dragagem, marinha
mercante e transportes aeroviários; Alimentação – trigo,
armazéns, frigoríficos, matadouros industriais, mecanização da
agricultura e fertilizantes; Indústrias de Base – siderurgia,
alumínio, metais não-ferrosos, cimento, álcalis, celulose e
papel, borracha, exportação de minério de ferro, indústria
automobilística, indústria de construção naval e indústria
mecânica e de material elétrico pesado; Educação – formação
de pessoal técnico. (FURTADO, 1981, p. 170)
O Plano de Metas, possuía, sinteticamente, três eixos: 1) eliminação de
pontos de estrangulamento da economia através de investimentos em infra-
88
estrutura; 2) instalação e ampliação de indústrias de base, com participação de
capital nacional e estrangeiro; 3) interiorização forçada da economia, cuja estratégia
foi a construção de Brasília e as rodovias.
Esses três eixos eram complementares entre si: a instalação da indústria
automobilística necessitaria de rodovias, da mesma forma que a expansão da
fronteira agrícola e a construção de Brasília. A necessidade de capital estrangeiro
para instalação de indústrias de base foi viabilizada pela Instrução 113 da
Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), assinada em 17 de janeiro de
1955. Esta Instrução permitia “a entrada em massa de capitais externos, sob forma
de bens de equipamento, ao permitir licenças de importação sem cobertura cambial”
(BENEVIDES, 1976, p. 237). O capital estatal foi disponibilizado através do Banco
Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE).
Algumas indústrias, pelo seu porte, continham capital estatal, particular
nacional e estrangeiro, como era o caso da naval, que teve participação de capital
japonês. A fabricação de veículos automotores contou com a participação de capitais
europeus e norte-americanos, com a presença de capitais nativos no setor de
autopeças.
Uma vez implementadas, tais ações consolidaram, principalmente, a
economia paulista, que recebeu a maioria das indústrias automobilísticas, e
acabaram por reforçar a condição de complementaridade das economias periféricas,
como a goiana.
Importa ressaltar que
As obras de infra-estrutura não foram as únicas responsáveis
pela incorporação do Centro-Oeste, pois as estradas, embora
precárias, já existiam. O que se inaugura com o Plano de
Metas é, fundamentalmente, a articulação dessas infra-
estruturas num processo mais arrojado, que envolvia a
concepção de um novo padrão de industrialização, elevadas
taxas de crescimento econômico, unificação do mercado
89
nacional e o binômio indústria automobilística-rodoviarismo.
(LEME; GUIMARÃES, 1999, p. 34)
Setores novos, como a indústria automobilística e de equipamentos elétricos,
foram montados, sem falar do programa rodoviário, descomunal para a época. O
Plano de Metas foi, em grande parte, cumprido. Nos setores de bens de capital,
indústria automobilística, rodovias e construção naval, o cumprimento alcançou
praticamente 100%.
As metas que se pretendiam alcançar e seus resultados foram, de acordo
com Faro e Silva (2002), bastante satisfatórios, excetuando-se a produção de trigo,
que não teve os resultados esperados.
Os investimentos do Plano de Metas com energia foram de 43,4% do total; os
transportes ficaram com 29,6% dos recursos, enquanto à alimentação foram
destinados apenas 3,2%, às indústrias de base, 20,4%, e à educação, 3,4% dos
investimentos.A construção de Brasília não foi contemplada no Plano de Metas, mas
foi considerada “meta-síntese” e seu custo foi de, aproximadamente, 2,3% do PIB.
Tabela 5: Taxas de crescimento do PIB brasileiro e setores – 1955-61 (em %)
Ano PIB Indústria Agricultura Serviços
1955 8,8 11,1 7,7 9,2
1956 2,9 5,5 -2,4 0
1957 7,7 5,4 9,3 10,5
1958 10,8 16,8 2 10,6
1959 9,8 12,9 5,3 10,7
1960 9,4 10,6 4,9 9,1
1961 8,6 11,1 7,6 8,1
Fonte: IBGE, vários Censos.
90
As taxas de crescimento setoriais do PIB, que reproduzimos acima, mostram
os resultados dos investimentos alocados no Plano de Metas.
A taxa média de crescimento no período, detalhado na tabela 5, foi de 7%
a.a., contra 5,4% a.a. no período precedente. O setor que mais cresceu, na média,
foi a indústria, com uma expansão de 11,3% a.a.; o que menos se incrementou foi a
agricultura, com modestos 5,8% a.a. para esse período.
O carro-chefe do crescimento industrial foi a indústria automobilística, que
selou, juntamente com a construção de Brasília, a opção rodoviária do Plano de
Metas. Para a nova capital foram construídas diversas rodovias que cruzaram o
território goiano, impactando fortemente em seu desenvolvimento e transformando
Brasília em um ponto nodal do sistema rodoviário brasileiro, conforme podemos
verificar na figura 1. Isto permitiu a integração de parcela expressiva das regiões
Centro-Oeste e Norte como destinos da expansão da fronteira agrícola.
Guimarães (1990) mostra que, além da construção da malha rodoviária
integrada a Brasília, a constituição do sistema de energia elétrica e de
telecomunicações e a migração da burocracia governamental para a nova capital
federal foram fundamentais para o desenvolvimento do Centro-Oeste,
particularmente do Triângulo Mineiro – e, conseqüentemente, de Goiás.
Toda essa dinâmica de avanço capitalista afetou as sociedades locais,
historicamente estabelecidas, ocasionando conflitos. Os principais vieram da disputa
pela posse da terra, que se valorizou com a criação de novas cidades – no caso,
Brasília e Goiânia. A razão relacionava-se ao próprio mercado consumidor dessas
cidades, oriundo da forte migração que conheceram e da abertura de estradas que
cortaram regiões onde haviam terras devolutas ocupadas espontaneamente por
91
posseiros e que passaram a ser alvo da cobiça de “grileiros” e empresas
agropecuárias.
A construção de Brasília causou intenso processo migratório, criando uma
área de grande adensamento populacional. A localização geográfica do Distrito
Federal foi preponderante para a realização de investimentos vultosos em
eletrificação, telecomunicações e estradas de rodagem. Os benefícios foram
sentidos no Estado de Goiás, que era carente, principalmente, de rodovias, o que
representava um entrave ao seu desenvolvimento produtivo.
Em Goiás, o processo de ocupação ocorreu ao mesmo tempo em que se
processava a ocupação do Estado do Paraná, mas com uma diferença fundamental:
o planejamento. Neste último Estado, a ocupação foi um movimento planejado e
qualificado de abertura e ocupação da fronteira, atraindo maciça imigração e
investimentos. Em Goiás ocorreu uma ocupação desordenada, predatória, por
trabalhadores oriundos de regiões pobres, sem recursos e munidos de rudimentar
tecnologia. Neste processo, a Cang foi uma importante experiência de colonização
92
Figura 1: Plano Rodoviário Nacional de 1956
Fonte: Ministério dos Transportes.
.A população cresceu 52,88% em Goiás, segundo o IBGE (1980), entre as
décadas de 40 e 50, sendo que, no mesmo período, o crescimento da população
brasileira ficou em 25,97%. Este resultado deve-se ao grande fluxo migratório para a
expansão da fronteira agrícola.
93
Tabela 6: População brasileira e goiana
Ano Goiás Brasil
1940 661.226 41.236.315
1950 1.010.880 51.944.397
1960 1.626.376 70.992.343
Fonte: IBGE – Censos Demográficos
Já no que se refere à distribuição entre a população rural e urbana, o quadro
pouco se modificou. Em 1940, a população urbana goiana era de 17,2% do total,
passando para 20,2% em 1950, um acréscimo insignificante da população urbana
em relação ao crescimento da população total do Estado.
Os principais Estados de origem dos migrantes que vinham para Goiás entre
1940 e 1950 (vide tabela 7) foram: Minas Gerais, Maranhão e Bahia. Em 1940, estes
três Estados contribuíram com 86,73% dos migrantes; já na década seguinte
representaram 85,78%.
Tabela 7: Principais Estados de origem dos migrantes para
Goiás em 1940/50 (em %)
Estado de
origem
1940 1950
Minas Gerais 44,77 53,32
Maranhão 21,30 16,72
Bahia 20,66 15,74
São Paulo 4,63 5,41
Piauí 4,66 4,31
Outros 3,98 4,5
Fonte: Borges (2000, p. 83).
A Tabela 7 mostra que Minas Gerais foi o principal responsável pela migração
para áreas de fronteira agrícola de Goiás. Somente na década de 50 mais da
94
metade dos migrantes era de mineiros, enquanto que se reduziu a participação dos
outros dois Estados que mais forneciam migrantes, Maranhão e Bahia.
Brandão (1999) notou que os processos migratórios funcionaram como
“amortecedores” do caos social gerado na região Sudeste. Em seu entendimento, a
fronteira agrícola se constituiu em uma “válvula de escape” para os problemas
populacionais gerados pelo processo de urbanização nesta região.
A composição interna da renda goiana sofreu modificações, resultado do
processo de urbanização, sobretudo do terciário, fortemente influenciado pela
mercantilização de produtos agropecuários que tinham como destino o mercado
interno nacional.
Tabela 8: Goiás – Composição da renda interna (%)
Ano Agricultura Indústria Serviços
1940 70,4 5,8 23,8
1950 51,0 9,2 39,8
1960 49,5 7,3 43,2
Fonte: Estevam (1998, p. 151).
Podemos verificar na tabela um acentuado crescimento da renda no setor de
serviços, caracterizado por atividades tipicamente urbanas (comércio, transporte,
governo, aluguéis etc.), o que denota um processo de urbanização maior nesse
período. Está claro que Goiânia contribuiu fortemente para isso, já que em 1940
possuía 48.165 habitantes, segundo o IBGE, o que representava 5,83% da
população total e 33,89% da população urbana goiana.
A estrutura agrária de Goiás passou por modificações que não afetaram a sua
característica estrutural – o latifúndio. Estevam (1998) mostrou que foram
acrescentadas 35.662 pequenas propriedades (0-100 ha) entre os anos 1940 e 1960
e 11.137 estabelecimentos médios (100-1.000 ha) na década de 50.
95
Os estabelecimentos com área de 1.000-10.000 hectares aumentaram ao
longo da década de 40 e recrudesceram na década seguinte, em função da
especulação de terras advinda do processo de interiorização. No entanto, a área
ocupada pelos estabelecimentos pequenos (0-100 ha) duplicou entre os anos 40 e
60, e a dos grandes estabelecimentos (10.000 +) sofreu relativo decréscimo.
A análise destes números requer cuidado. Em primeiro lugar, esse processo
não foi homogêneo, atingindo o Estado como um todo. Segundo, os projetos de
assentamento, que obtiveram relativo êxito em seu início, como vimos, foram
anexados aos estabelecimentos maiores quando os colonos abandonaram suas
propriedades.
Para efeito de análise, podemos dividir Goiás em duas partes: o Norte, que
ainda estava em processo de ocupação, e o Sul, já consolidado. O primeiro se
ocupava com a criação extensiva de gado, enquanto o segundo tinha uma
agricultura estabelecida, principalmente em áreas pequenas e médias, ainda
convivendo com grandes propriedades voltadas quase exclusivamente para a
criação de gado. “Não obstante, o predomínio geral continuava a ser do latifúndio
como unidade básica, expressão característica da estrutura brasileira” (ESTEVAM,
1998, p. 147).
As relações sociais de produção, nesse período, eram caracteristicamente
tradicionais, embora estivesse em marcha um novo processo de acumulação no
país. Predominava a extrema exploração da força de trabalho, com uma estrutura
fundiária concentrada, e em parte do território goiano coexistiam relações de
produção pré-capitalistas. A classe dominante nativa não se dispunha a empreender
sua metamorfose em capital industrial. Ao contrário, instituíram garantias e
salvaguardas de alta lucratividade em suas atividades agropecuárias.
96
Isto foi sustentado politicamente pela classe dominante, através de políticas
conservadoras e do mandonismo local, que loteou os espaços de valorização nos
diversos recortes territoriais e de representação política.
Dessa forma, entendemos que a concentração fundiária estava por trás do
domínio político, social e econômico. O latifúndio era o sinônimo de poder da classe
dominante nativa.
2.4 A Valorização Imobiliária e os Conflitos Sociais
Nos anos 50, com o estímulo advindo da construção da rodovia Belém-
Brasília, um significativo deslocamento de migrantes vinha ocorrendo em direção a
Goiás, mais precisamente ao Norte, junto à fronteira com o Estado do Maranhão,
região conhecida como Bico do Papagaio.
Este processo de migração estava inserido na lógica da expansão capitalista
implementada pelo Estado, cujo objetivo era o de promover a ocupação dos vazios
demográficos. Esse movimento teria pontos convergentes com a “necessidade de
posse da terra para os pequenos lavradores e a possibilidade de dirigir as correntes
migratórias” (DAYRELL, 1975, p. 69).
O movimento migratório contribuiu para que Goiás tivesse altas taxas de
crescimento demográfico entre as décadas de 40 a 60. Nos anos de 40/50, a
migração interna foi de 91.836 habitantes, o que representou 11,15% da população;
na década seguinte, foi de 259.310 habitantes, equivalentes a 21,34%. Em termos
populacionais, Goiás tinha, em 1940, 826.414 habitantes e esse número atingiu, em
1960, 1.954.862 habitantes, um crescimento de 236,54% em 20 anos.
97
Uma pesquisa realizada pelo Ministério do Interior (apud GUIMARÃES, 1982)
aponta que, até a década de 50, cerca de 52% de todo o fluxo migratório brasileiro
dirigia-se ao eixo Rio-São Paulo. Mas o perfil da migração se alterou com a
expansão da fronteira agrícola em direção ao Centro-Oeste e também ao Sul,
notadamente para o Estado do Paraná.
Com o processo migratório, ocorreu uma mudança no perfil fundiário de
Goiás. Sua estrutura se modificou nos anos 50, havendo um crescimento das
pequenas propriedades superior ao das grandes, movimento que recrudesceu na
década seguinte.
Os estabelecimentos de menos de 100 hectares duplicaram não só em
número, mas também em área, isto é, passaram de quase 34 mil em 1950, com área
de 1,2 mil hectares, para cerca de 70 mil em 1960, englobando 24.000 hectares. As
propriedades com área superior a 100 hectares também cresceram na década de
50, embora a taxas inferiores às dos estabelecimentos menores (GUIMARÃES,
1982, p. 25).
O estudo ainda mostrou que a ocupação da terra era feita por indivíduos na
condição de posseiros, proprietários e alguns parceiros autônomos. Mais
especificamente no extremo Norte, a maioria das propriedades tinha menos de 50
hectares e tomava a forma de posse de terras públicas ou particulares. Eram mais
de 80.000 alqueires goianos de terras devolutas que, com o rompimento de seu
isolamento, através da rodovia, passaram a ser alvo de “grileiros”, levando ao
crescimento substancial dos conflitos entre estes e os posseiros. A grilagem
avançava mais rápido que a construção de estradas, porque havia uma tentativa de
se antecipar à valorização das terras. A partir do momento em que se acreditou na
construção da estrada e, depois, na mudança da capital federal, forjar ou falsificar
98
documentos de terras públicas e vendê-las no Sul do Estado ou do país passou a
ser “negócio da China”. (Guimarães,1973)
Começava, dessa forma, a haver uma mudança das terras devolutas e
ocupadas por posseiros para propriedades privadas, tudo feito para ter um aspecto
legal, dentro dos preceitos que as regulam nas sociedades capitalistas.
As formas de grilagem eram as mais diversas. Por exemplo, eram forjados
documentos de sesmarias em nome de uma pessoa ou empresa, comprava-se do
“herdeiro” a terra e se registrava a propriedade no cartório em seu nome, tudo em
conluio com o juiz, o cartório e o advogado, transformando a terra em mercadoria.
Guimarães (1982) explica minuciosamente o “trabalho” realizado pelo grileiro. Em
primeiro lugar, se o documento de sesmaria fosse verdadeiro, achava-se alguém
com o mesmo sobrenome; se acaso não se encontrasse ninguém, registrava-se no
cartório alguém com aquele sobrenome para fazer o documento de “compra” dos
direitos do herdeiro e registrar a terra.
Havia também o problema de existirem herdeiros de fato; neste caso, o
“trabalho” do grileiro era o de mudar as divisas das terras, através de artifícios como
a alteração dos nomes dos rios, troca de localizações geográficas, como montanhas,
e até mesmo dos rumos magnéticos.
Outro “problema” encontrado pelos grileiros era quando não havia documento
nenhum. A “solução” seria forjar um documento de sesmaria, utilizando-se papéis
antigos que eram encontrados em cartórios ou envelhecendo-se papéis por meio de
técnicas sofisticadas; tintas antigas e selos eram confeccionados para dar
“autenticidade” ao documento.
Se nada disso fosse possível, fazia-se uma certidão falsa constando livro,
comarca, número da transcrição de um determinado cartório, tudo falso, chegando-
99
se até mesmo ao extremo de fazer o “desaparecimento do documento original
mediante a queima de todo o cartório onde ele deveria ficar: foi o que ocorreu com o
cartório do 2° Ofício de Nerópolis e com um em Tocantins” (GUIMARÃES, 1982, p.
34).
O fato é que, para o grilo ser bem-sucedido, a participação de um juiz de
direito era importante, já que as ações deveriam ser julgadas por este. Na região de
Trombas e Rio Formoso, no município de Uruaçu, “os grileiros eram sócios do
meritíssimo juiz de direito que, em função dessa sociedade, deu magistrais
sentenças, expulsando, despejando e mandando prender os posseiros das terras
que estavam sendo ‘griladas’” (GUIMARÃES, 1982, p. 35).
Começava o conflito, que colocava o posseiro no centro das lutas
camponesas, oriundas da imposição capitalista de transformação da terra em
propriedade (via supressão das formas espontâneas de ocupação da terra). Neste
processo, muitas vezes eram utilizados métodos violentos para persuadir os
posseiros a abandonar suas terras, procedendo-se à queimada de colheitas e casas
e, também, a assassinatos.
Neste contexto, partidos políticos e a Igreja exerceram um papel importante,
incorporaram as tensões sociais e reivindicações dos posseiros e disputaram a
organização desses trabalhadores, como veremos a seguir.
2.5 A Resistência dos Posseiros
O Partido Comunista Brasileiro (PCB) foi um ator importante na organização
da luta camponesa em Trombas. Sua estratégia derivava da interpretação acerca de
um “atraso no campo”, e a partir desta constatação tornava-se imperativo organizar
100
os trabalhadores rurais, estabelecendo uma aliança operário-camponesa que
possibilitasse a revolução brasileira.
Esta estratégia seria implementada com a organização de Ligas
Camponesas, cujos objetivos eram por demais abrangentes: iam da reivindicação da
baixa do percentual do arrendo, passando por direitos do arrendatário e legislação
trabalhista para os trabalhadores do campo, até reforma agrária em terras
aproveitáveis próximas às vias de comunicação e às cidades, entre outros.
O principal ponto de reivindicação utilizado como estratégia de consolidação
de Ligas Camponesas em Goiás foi a luta pela baixa do percentual do arrendo, que
variava entre 40% e 70%. O PCB conseguiu, em 1948, através de dois deputados
estaduais – Abrão Isaac Neto e Paulo Alves da Costa –, incluir na Constituição
estadual um artigo, de número 138, que limitava o arrendo a 20%. O artigo previa
que a lei disporia sobre a fiscalização de terras agrícolas, para obstar que a taxa de
arrendamento excedesse 20% da produção.
Foram, então, criadas Ligas Camponesas em Goiás que se utilizavam dessa
estratégia “legalista” como instrumento de luta. Batalhando por indenizações e
benfeitorias, os trabalhadores rurais acabavam por ter como finalidade regular as
relações de trabalho no campo.
As Ligas Camponesas passaram a ter denominações diferentes quando o
PCB entrou para a ilegalidade, em 1947. Assim, em Trombas/Formoso foi criada a
Associação de Trombas/Formoso, que tinha como objetivo não a luta pela baixa do
arrendo, mas a aglutinação dos posseiros da região em defesa da terra grilada (já
que estava estabelecido um conflito com grileiros) e o desenvolvimento do
cooperativismo e criação de escolas.
101
Guimarães (1982) dividiu o movimento social de Tombas/Formoso em três
fases:
I) 1954 a 1956: os grileiros tentaram comprar as terras dos posseiros por
preços baixos e, não conseguindo efetivar seu intento, buscaram expulsá-los de
modo violento, queimando ranchos, espancando-os e promovendo saques de suas
lavouras;
II)1956 a 1957: o momento mais revolucionário, quando o PCB entrou no
movimento e organizou os posseiros na Associação dos Lavradores de Formoso e
Trombas. Ocorreram lutas armadas entre os posseiros, de um lado, e os jagunços
dos grileiros e a Polícia Militar, de outro. Nesse período, a resistência dos posseiros
conseguiu sensibilizar a opinião pública e o Estado de Goiás conseguiu reaver,
através da Justiça, as terras devolutas que tinham sido griladas. Surgia o líder José
Porfírio, ligado ao PCB.
III)1957 a 1964: período considerado pela autora de refluxo do movimento,
com ataques esporádicos de grileiros e com o compromisso do governo estadual de
conceder os títulos definitivos a uma parte dos posseiros. Em 1964, a Associação
teve o seu final, com a invasão da região por tropas da Polícia Militar e do Exército,
que prendeu muitos posseiros e passou a controlar a região.
Um aspecto importante a ser relatado sobre a Associação de Lavradores de
Formoso e Trombas foi seu papel destacado na gestão da terra por parte dos
posseiros. José Porfírio, então presidente da Associação, acreditava que o Estado
seria a instância que solucionaria os problemas dos posseiros. Entretanto, quando
as demandas destes eram levadas aos órgãos governamentais, em face da ameaça
de expropriação da terra e divergências entre posseiros, grileiros e fazendeiros, o
102
Estado pouco ou nada fazia, donde aumentava a importância da Associação como
um importante centro de resistência.
Foram criadas soluções originais que promoviam a autonomia de regiões, a
partir de critérios como os Conselhos de Córrego, que eram assim chamados por
congregar posseiros que compartilhavam áreas banhadas pelos mesmos córregos.
A Associação de Lavradores de Formoso e Trombas tomava decisões
ouvindo os Conselhos de Córregos. As deliberações da Associação, dessa forma,
eram fortemente influenciadas pelas demandas discutidas previamente.
Maria Tereza Canesin Guimarães (1982), em sua pesquisa sobre as formas
de organização camponesa em Goiás, feita por meio de depoimentos colhidos entre
os posseiros de Trombas/Formoso, concluiu que os Conselhos serviram,
basicamente, para: I) enfrentamento das dificuldades de localização, extensão da
área e dispersão dos posseiros; II) controle de entrada e saída de posseiros e
impedimento da disputa de terras; e III) como núcleos de resistências e autodefesa,
em períodos de ataques dos grileiros.
Essa organização possibilitou enfrentar e vencer os confrontos com os
grileiros, passando a Associação a ter um papel não somente de organizadora de
demandas, mas também de encaminhar as soluções, realizando um trabalho de co-
gestão da produção dos posseiros e atuando como uma administração política
naquele universo.
Com sua influência, a Associação ficou caracterizada como um movimento
social, passando a ser assediada pelos partidos políticos, principalmente o PSD,
agremiação de Pedro Ludovico, maior chefe político de Goiás. Seu filho, Mauro
Borges, candidatou-se a deputado com intenção de pleitear o governo estadual dois
anos depois. Sua plataforma política contemplava as demandas da Associação,
103
como a regularização das terras, e ele recebeu um significativo número de votos na
eleição para governador de 1960. Nas eleições seguintes, em 1962, José Porfírio
candidatou-se a deputado estadual e foi eleito com a maior votação de sua
coligação (PSB e PTB).
A Associação encontrou um final de forma violenta, com a invasão da área de
Trombas/Formoso, em 1964, perpetrada pela Polícia Militar e pelo Exército, que
passaram a controlar rigidamente toda a região, prendendo diversos líderes
posseiros. Mas ficou como um marco de resistência ao avanço capitalista que
destrói as formas espontâneas de ocupação da terra, subordinando e determinando
o seu uso como mercadoria.
2.6 Configuração das Estruturas
As transformações das estruturas sociais, econômicas e fundiárias do Estado
de Goiás, nas décadas de 40 e 50, estiveram subordinadas às estratégias de
consolidação do poder de Pedro Ludovico, no plano estadual, e de Getúlio Vargas
no nível nacional, somadas à política implementada por JK em seu Plano de Metas,
consolidada na construção de Brasília.
O planejamento de ocupação dos “espaços vazios” do governo Vargas afetou
a dinâmica populacional goiana. Em 1940, Goiás foi o Estado que mais recebeu
migrantes e um dos que registraram menor evasão populacional para outras
unidades da federação. Fazendo um comparativo com o Brasil, sua população
aumentou cerca de 47% nos anos 40, em face de um crescimento de 26% da do
Brasil; na década seguinte, esse aumento foi de 57%, enquanto que a do Brasil
cresceu 35%.
104
Esses números mostram, em uma primeira análise, que Goiás tinha
condições de ser uma possibilidade de melhoria da qualidade de vida dos migrantes,
mesmo que aquilo que eles realmente encontraram não tenha sido o divulgado nas
propagandas. Muitos voltaram, dadas as dificuldades da ocupação do território,
enquanto outros ficaram e ajudaram a moldar a sociedade goiana.
O fato de a população ter aumentado significativamente na década de 50
(57%) teve como pressuposto a grande abertura de rodovias durante a construção
de Brasília: em 1952, havia 103 km de rodovias federais em Goiás e oito anos
depois, em 1960, já eram 2.782 km, um acréscimo que representou, segundo Natal
(1991), 37% do incremento de rodovias federais no período.
Somente durante a construção de Brasília foram iniciadas as seguintes
rodovias: BR 010 – Nordeste goiano; BR 020 – Brasília a Formosa; BR 040 –
Brasília ao Sudeste do Brasil; BR 050 – Brasília a São Paulo; BR 060 – Brasília a
Mato Grosso, passando pelo Sudoeste de Goiás; BR 153 – Brasília a Belém; BR 452
– conexão com BR 060, ligando o Sudoeste de Goiás ao Triângulo Mineiro; e BR
364 – Mato Grosso ao Sudoeste de Goiás, com conexão com a BR 060 e a BR 452.
De longe, a rodovia que mais trouxe impactos no sentido de incremento
populacional e que ocasionou o surgimento de entrepostos comerciais, futuramente
transformados em municípios, foi a BR 153, cujo percurso trouxe a valorização das
terras e os conflitos que discutimos anteriormente. Esta rodovia modificou as
estruturas no Norte goiano, impactando fortemente, também, no Maranhão e no Sul
do Pará.
Internamente ao Estado de Goiás, a região que mais teve incremento
populacional foi a do Mato Grosso goiano, onde foi instalada a Cang, em Ceres, que
105
estabeleceu relações mercantis com Goiânia e, posteriormente, com Brasília,
integrando-se nacionalmente com a abertura de rodovias.
Os migrantes que vieram para essa região tinham duas características
econômicas: aqueles sem recursos vieram se estabelecer através dos projetos de
colonização do governo federal; outros, com algum recurso, vinham com a
expectativa de auferir ganhos com a produção de alimentos. Para estes, a atração
real era o preço ainda relativamente baixo das terras goianas, em comparação com
o de suas regiões de origem.
Quanto à estrutura fundiária estadual, ocorreram alterações importantes no
período em questão: de 1940 a 1960, houve um acréscimo de 35.662 pequenas
propriedades (aquelas com áreas de 0 a 100 hectares) e de 11.137 médias
propriedades (de 100 a 1.000 hectares). Estevam (1998) mostra que o parcelamento
de terras se processou sob duas formas: no Norte deu-se a ocupação de terras
devolutas, enquanto o Sul assistiu a uma redivisão dos terrenos. A unidade básica
geralmente predominante continuava, entretanto, a ser o latifúndio.
A região Centro-Sul, onde se situa o Mato Grosso goiano, e a região
Sudoeste de Goiás aumentaram sua produção agrícola substancialmente. Em 1955,
Goiás produzia 11,34% do arroz produzido no Brasil, 7,14% do feijão e 3,37% do
milho. Essa participação aumentou valendo-se de técnicas ainda rudimentares, de
forma que o crescimento se deu pela incorporação de áreas de lavoura.
Todo este processo se refletiu na configuração da renda interna goiana, como
se pode aferir dos dados abaixo relacionados.
Com o avanço do desenvolvimento capitalista e o aumento da urbanização
em Goiás, no período de 1940 a 1960, o setor primário passou a participar menos na
composição da renda. O setor secundário era bastante incipiente no Estado: em
106
1960, havia 1.596 indústrias que empregavam 7.035 pessoas – o que, em média,
representava menos de cinco pessoas por indústria, sugerindo ser esta uma
modalidade de parâmetros artesanais.
A análise do setor terciário merece uma atenção maior. Seu crescimento
reflete a urbanização ocorrida com a construção de Goiânia e o aumento
populacional decorrente dos fluxos migratórios. Isto porque comércio, transportes e
serviços pessoais, que compõem o setor, crescem na medida em que a urbanização
se consolida.
Apesar de todo o processo ter alterado a estrutura fundiária, a composição da
renda, a urbanização do Estado, o bloco no poder não se modificou nesse período,
continuava Pedro Ludovico sendo o principal mandatário goiano até a ditadura
militar que depôs seu filho, Mauro Borges, do governo do Estado. Quando não
estava a frente do governou Goiás, ocupava cargos eletivos no Senado, tendo
sempre aliados como governadores estaduais, não havendo uma “ruptura” no seio
do bloco no poder (como a que ocorreu quando este ascendeu, após a Revolução
de 30).
Por outro lado, a configuração da renda interna goiana, no período de 1940 a
1960, não mostra uma partilha muito diferenciada. Se entendermos que a estrutura
fundiária básica permanecia sendo o latifúndio, evidencia-se porque poucos
detinham a grande parte da renda goiana. O crescimento do setor terciário deveu-se
à urbanização e sua configuração interna compunha-se da seguinte forma:
comércio, Instituições Financeiras, transporte, governo, aluguéis e outros (serviços
pessoais), mostrando a diversificação da composição de sua renda. Em outras
palavras, o setor terciário era constituído por muitos, sua renda era bastante dividida,
107
enquanto o setor primário abarcava somente a agricultura e a pecuária,
notadamente formada por latifúndios, sendo sua renda repartida por poucos.
No plano político, a década de 60 trouxe mudanças importantes, primeiro com
o golpe de 64, depois, com a planificação desenvolvida pelos militares, que alterou
ainda mais as estruturas internas goianas, construindo as bases para o
fortalecimento da agricultura. Isso se refletiria na composição do bloco no poder e
nas ações estatais desenvolvidas para sua manutenção.
108
CAPÍTULO III – TEMPOS DE LUDOVICO
Os acontecimentos ocorridos em plano nacional, na década de 30, forjaram
as mudanças políticas, econômicas e sociais – ainda mais, ditaram e
potencializaram as forças internas de mudanças, acelerando a integração de Goiás
ao processo de acumulação capitalista e definindo novas frações de classe como
hegemônicas.
Goiânia foi construída a partir de um projeto de consolidação de poder e
tornou-se rapidamente um novo pólo urbano, com significativo impacto na vida social
e econômica do Estado.
Em seguida, deu-se a construção de Brasília, que veio afetar a dinâmica da
acumulação capitalista no Centro-Oeste brasileiro, dinamizando regiões que até
então apresentavam formas espontâneas de ocupação e integrando-as ao processo
de acumulação capitalista. Isto se deu com graves conflitos sociais no campo – de
que a revolta de Trombas/Formoso é exemplo.
O que apresentamos até esse ponto sobre Goiás é que seu desenvolvimento
econômico até 1930 era precário, parcial e limitado a poucos produtos, basicamente
arroz e gado. A fração hegemônica no bloco no poder era exercida pela oligarquia
dos Caiados, sendo confrontada por outra facção, baseada na região sulina do
Estado, cujo expoente era Pedro Ludovico Teixeira.
No cenário nacional, a Revolução de 30 foi vitoriosa. Vargas assumiu o poder
e nomeou Pedro Ludovico interventor estadual. Para a interiorização do mercado, à
época, fazia-se premente um sistema de transportes adequado às necessidades
exigidas pelas relações comercias, no contexto de uma articulação em que se
fortalecesse o setor de consumo interno.
A interação da produção goiana com o mercado consumidor brasileiro,
principalmente São Paulo era o que definia o perfil da interdependência das duas
15
economias. Por um lado, São Paulo necessitava de novos mercados para colocar
seus excedentes advindos da ampliação do setor produtivo de bens de consumo e,
por outro, Goiás lhe fornecia, parcialmente, o que necessitava: matérias-primas e de
bens de consumo.
A articulação de Goiás com o centro dinâmico do país pode ser percebida na
tabela abaixo, que mostra o valor total das exportações goianas. Estevam demonstra
que “tanto o momento de queda como o de recuperação do valor das exportações
goianas refletiram a crise e a retomada da economia paulista” (1998, p. 108). Já
mencionamos que as exportações do Estado eram, basicamente, de arroz e de
carne, cujo consumo encolheu com a crise de 1929.
Tabela 9:
Valor das exportações totais (índices: 1928 = 100 )
1928 a 1939
1928 1929 1930 1931 1932 1933 1934 1935 1936 1937 1938 1939
100 73 68 82 57 122 160 163 152 219 176 186
Fonte: Relatórios do Interventor Pedro Ludovico (apud ESTEVAM, 1998, p. 108)
Podemos inferir pelos dados da tabela 9 que as exportações, grosso modo,
só retomaram os patamares de 1928, início da série, em 1933. Portanto, é plausível
afirmarmos que a crise de 1929 afetou a economia goiana, como também a paulista.
Borges (1994) explica que a transição de uma economia de excedente para
uma economia mercantil em Goiás se deu em forma mais intensa no nível da
circulação, principalmente no desenvolvimento das relações comerciais e dos
transportes, setores mais dinâmicos e que incrementaram a expansão da economia
de mercado. Campos (1985) e Estevam (1998) formulam análises semelhantes,
embora foquem objetos diferentes. O primeiro aborda os movimentos pela posse da
16
terra e a concentração fundiária na definição das instituições e das representações
políticas regionais, enquanto o segundo acrescenta as transformações advindas da
acelerada urbanização, com a construção de Goiânia e Brasília e as conformações
socioeconômicas a que chegaram as diferentes regiões de Goiás.
A política estatal assumiu a frente das mudanças em Goiás, tanto nas
questões relativas à produção quanto no tocante à consolidação da fração
hegemônica. Atendia, desta forma, à expansão do mercado interno que, aos poucos,
integrou a base socioprodutiva local aos ditames da acumulação dirigida pelos
investimentos do capital industrial.
Borges (1994) identificou uma velocidade maior no movimento de integração
ao mercado interno nacional nas áreas Sudeste e Sudoeste de Goiás que, com
Pedro Ludovico à frente, assumiram a preponderância política em relação às
mudanças.
A ação estatal de incentivo à integração ao mercado interno,
concomitantemente com a construção de Goiânia e o estabelecimento de frentes de
expansão no Estado (como as colônias agrícolas), estava de acordo com a política
do Estado Novo (1937-45), traduzindo-se na “Marcha para o Oeste”.
A construção de estradas também foi executada sob a intervenção direta do
Estado ou sob concessão deste, gerando rápidos e significativos impulsos até a
expansão maior, suscitada pelo “Plano de Metas” de Juscelino Kubitschek.
Podemos apontar duas estradas fundamentais para o desenvolvimento
goiano: a BR 153 e a BR 060. A primeira ligou Goiânia a São José do Rio Preto, no
sentido Sul, estabelecendo um contato direto da capital goiana com a economia
paulista. No sentido oposto, integrou Goiás ao Norte do país, através do
entroncamento com o Maranhão e Belém do Pará, fazendo da capital um importante
17
entreposto comercial. Esta integração de Goiás com o Norte do país foi, também, a
integração do Sudeste com o Norte. Na medida em que a economia paulista
aumentava sua pujança, a complementaridade de economias mais ao Norte era
subordinada ao centro dinâmico nacional.
Apesar do estímulo produtivo que esta rodovia provocou, ela não foi suficiente
para assegurar a retenção, na mesma proporção, da renda do produto gerado em
Goiás. A abertura de rodovias para escoamento ou para expansão de “fronteiras
agrícolas” gerou um estímulo à produção, porém não garantiu desenvolvimento
social, que depende de outros fatores conjugados: reforma agrária, incentivos
industriais e afins. As inversões em rodovias podem potencializar a abertura de
outros investimentos produtivos, com aumento da produção local, mas não garantem
a renda total sobre eles, já que serão escoados para os centros dinâmicos da
economia.
A BR 060 conectou Goiânia ao Sudoeste de Goiás e ao Estado do Mato
Grosso. Sua importância residia em possibilitar a mudança da esfera de influência
exercida historicamente, como vimos, pelo Triângulo Mineiro. O êxito foi parcial:
beneficiou diretamente o Sudoeste de Goiás, que passou a ter outras rotas para
escoamento de sua produção (que não seria, agora, necessariamente São Paulo,
pois havia a possibilidade de suprir o mercado de Goiânia, de Brasília e do Norte
brasileiro).
Outras rodovias, tanto federais como estaduais, foram construídas mais
tarde
14
, mas o importante a frisar é que a forma de escoamento da produção passou
a ser a rodoviária, que possibilitou uma nova espacialidade produtiva em Goiás. A
14
A exemplo da BR 070, que ligou Goiânia a Cuiabá via Barra do Garças, e as rodovias estaduais:
GO 060 (São Luiz de Montes Belos, a BR 070), GO 326 (Goiânia a Anicuns) e GO 164 (São Miguel
do Araguaia a Goiás).
18
presença de tantas rodovias também teve um papel importante no sentido de
incentivar a expansão da frota de veículos de carga.
Além da importante ampliação de rodovias, o Plano de Metas também induziu
forte migração para Goiás. Na década de 40, a população goiana era de 1,6% da
população brasileira, na década de 60, já representava 2,3%. Cresceu, entre as
décadas 40 e 60, 145,96%, e a população brasileira, no mesmo período, aumentou
58,08%. Esse processo migratório foi potencializado pela construção de Brasília e de
Goiânia, como também pela integração rodoviária ao mercado interno em âmbito
nacional, que se expandiu, fazendo crescer a produção goiana.
A estrutura fundiária do Estado, apesar do aumento do número de
estabelecimentos, continuou concentrada. O caráter da especialização desenvolvido
pela agropecuária reforçou o latifúndio como forma de propriedade e
“refuncionalizou” a tradicional estrutura de produção no campo a serviço do mercado
(BORGES, 2000).
No que tange à renda, as décadas de 50 e 60 apresentaram um forte
aumento do setor de serviços: em 1950, este chegou a 39,8% da renda interna
goiana, passando para 43,2% em 1960. Este aumento foi resultado do processo de
urbanização por que passava o Estado.
A renda da agropecuária declinou ligeiramente, de 51% do total, em 1950,
para 49,5%, em 1960. Isso não implica perda de pujança da agricultura, significando,
diferentemente, que setores produtivos urbanos até então inexistentes passaram a
contribuir para o setor de serviços.
A participação do setor industrial sofreu uma queda significativa, de 9,2% do
total, em 1950, para 7,3%, em 1960. Este resultado teve relação com a melhoria da
integração goiana ao mercado paulista. As matérias-primas passaram a ser
19
escoadas mais facilmente e eram exportadas para o centro industrial paulista, por
melhores preços, onde eram manufaturadas.
Ao final da década de 50, estavam delineadas novas fundações para o
desenvolvimento em Goiás. A intensa imigração e a formação de uma nova infra-
estrutura rodoviária transformou as estruturas produtivas. Ampliou-se a circulação de
mercadorias e ocorreu uma diversificação nos setores produtivos urbanos, como
pode ser apreendido pelo aumento da renda de serviços, posicionando Goiânia
como entreposto comercial importante no Centro-Oeste.
A urbanização de Goiânia e Anápolis expandiu a relevância
regional do setor terciário. Em Goiânia, o terciário acolheu 25%
(1940), 56% (1950) e 70% (1960) da população
economicamente ativa e em Anápolis 17% (1940), 26% (1950)
e 54% (1960). Em 1940 a população ativa de Goiânia se
distribuía em 61% para as atividades agropecuárias e
extrativas, 14% nas atividades industriais e 25% pelas demais
atividades urbanas; em 1950 a população ativa das atividades
primárias caiu para 28%, as secundárias passaram para 16% e
as terciárias para 56%; em 1960 o primário abrigava 12%, o
secundário, 18% e as demais atividades 70%. (ESTEVAM,
1998, p. 148)
Já a estrutura fundiária goiana permaneceu praticamente inalterada: o
latifúndio continuou a ser a característica básica dos estabelecimentos rurais, nos
quais ainda se faziam atuantes formas pré-capitalistas de exploração.
Os anos 60 serão decisivos para Goiás. O golpe de 64 e a implementação
das políticas do regime militar modernizariam e industrializariam a agricultura
brasileira. Este processo seria implementado de forma perversa. A concentração
fundiária e da renda se expandiria, expulsando os trabalhadores do campo,
provocando o êxodo rural e a superexploração dos trabalhadores rurais.
Em termos políticos, desde a Revolução de 30 até o golpe de 64, a
predominância foi exercida pelo grupo de Pedro Ludovico, embora não sem algumas
tensões internas, sempre resolvidas autoritariamente pelo velho oligarca.
20
3.1 Os Governos em Goiás: 1930 a 1964
O governo de Pedro Ludovico e aqueles que o sucederam, até o golpe de 64,
fizeram parte da mesma classe dominante. Em sua maioria, eram partidários de seu
grupo, salvo o governador que o sucedeu imediatamente.
Pedro Ludovico governou o Estado de Goiás de 1930 a 1947, sendo o mais
importante líder goiano até o golpe de 64. A marca principal de seu governo foi, sem
sombra de dúvida, a construção de Goiânia, como vimos.
Silva (1982) e Machado (1990) apresentaram Pedro Ludovico como o
introdutor da modernização e a racionalidade, um contestador e um combatente da
velha ordem oligárquica. Esta interpretação pauta-se nas propostas de mudanças
contidas no Relatório de Estado (1930-33) apresentado a Getúlio Vargas. De fato, o
Relatório continha um projeto modernizador para Goiás, contemplando propostas
avançadas nos seguintes temas: educação, colonização, estatística, higiene e
segurança.
Analisando o Relatório de Estado, Moreira (2000) concluiu ter havido uma
efetiva expansão e melhoria no sistema educacional, mas não em uma dimensão
que assegurasse o “pleno” desenvolvimento intelectual e científico no Estado. Silva
(1982) chegou a uma conclusão semelhante, porém, aferiu que, apesar da
significativa expansão do ensino primário, com a criação de novos grupos escolares,
o número de escolas apresentadas no Relatório, entre 1930 e 1933, foi inferior aos
realmente construídos.
Médico de profissão, Pedro Ludovico procurou racionalizar o setor da saúde,
reduzindo os fatores que levavam à mortalidade da população urbana e rural. Para o
combate às enfermidades utilizou farto material de propaganda: cartazes, prospectos
21
sanitários e exibições cinematográficas. Nessa época, várias doenças (varíola,
malária, sífilis, lepra, tuberculose) comprometiam o trabalho no campo e,
conseqüentemente, a produção agrícola.
A busca por racionalização ocorreu, também, no sistema de segurança.
Foram fundadas companhias de infantaria, pelotões, esquadrões de cavalaria;
houve aumento do efetivo e aquisição de armamentos, os salários receberam
aumento e houve treinamento e parcerias com o Exército. Isso se deu com uma
política de “expurgo” dos elementos identificados com o regime anterior. Foi feita
uma reforma no sistema judiciário, elevando-se o número de desembargadores de
cinco para nove e aumentando a quantidade de comarcas.
Todas estas mudanças davam um caráter “moderno” à administração de
Pedro Ludovico. A racionalização ocultava seu real significado: assegurar a
preponderância de sua classe, preservando, através destas medidas, a dominação
sobre as oligarquias e submetendo-as a uma legislação impessoal. Não obstante, “a
administração do interventor não exclui certas práticas e comportamentos políticos
ligados às familiocracias, aos coronéis e às oligarquias goianas” (MOREIRA, 2000,
p. 63).
Moreira (2000) utiliza vários depoimentos pessoais e relata fatos ocorridos
para mostrar a forma de dominação tradicional que Pedro Ludovico empregou para
legitimar seu poder político. Valia-se de “jagunços” para constranger seus
adversários, bem como de “companheiros” que tinham uma prática comportamental
semelhante. Esta conduta trouxe conseqüências na eleição sucessória de janeiro de
1947.
Usando de sua liderança, Pedro Ludovico indicou seu primo, José Ludovico
(Juca Ludovico), na convenção do PSD. Um grupo dissidente liderado por Hozanah
22
Guimarães (presidente do PSD do município de Planaltina) não aceitou o nome
indicado, no que foi acompanhado por outros líderes (Achiles de Pina, de Anápolis, e
João D’Abreu, do Norte goiano). O grupo liderado por Pedro Ludovico não cedeu e o
racha partidário foi inevitável, como expõe Rocha (1998).
Na oposição estava a União Democrática Nacional (UDN), que havia recebido
o apoio do Partido Social Progressista (PSP) e acabou ganhando a adesão do grupo
dissidente do PSD. O candidato da UDN era Alfredo Nasser –que, para compor a
coligação dos partidos, abriu mão de sua candidatura a governador (em prol de
Jerônimo Coimbra Bueno) e candidatou-se ao Senado.
Com a cisão do PSD, outros representantes políticos também passaram a
apoiar Coimbra Bueno
15
. Não foi somente a dissidência do PSD que determinou a
vitória da UDN, mas o peso da Igreja Católica (Moreira, 2000, p. 110). Isto porque
José Ludovico havia aceitado o apoio do PCB, causando descontentamento na
esfera religiosa e provocando a retirada do apoio da Igreja, que o redirecionou à
UDN.
José Ludovico, na sua busca por ampliação de sua base partidária, deu
depoimentos a favor dos comunistas: “O Partido Comunista Brasileiro tem sadios
propósitos em prol da democracia, do povo do Brasil, este deve ser mantido e
acatado por todos nós democratas” (apud DAYRELL, 1994, p. 383). Em seguida,
Luís Carlos Prestes enviou uma correspondência para José Ludovico, confirmando o
apoio:
Na luta que vimos travando pela democracia e progresso do
país, particularmente nesse Estado, queremos que com sua
eleição para o Executivo Estadual, daremos mais um passo à
15
Vale mencionar os deputados Caiado de Godói e João D’Abreu, além de Diógenes Sampaio
Achiles de Pina, Hozanah Guimarães, Câmara Filho (ex-prefeito de Anápolis), Claro de Godói (ex-
deputado federal), Nero de Macedo (ex-senador da República), Plínio Jaime (prefeito de Anápolis),
Balduíno Santa Cruz (ex-secretário de Estado), Hermógenes Coelho, José Lourenço Dias e Nicanor
Faria.
23
frente, porque com o apoio do povo proletariado e dos
comunistas, fácil lhe será fazer um governo relativamente
popular e democrata capaz de, ao menos, começar a solução
dos problemas que afligem parte da população. (apud
DAYRELL, 1994, p. 383)
Este apoio fez com que a Igreja Católica radicalizasse o discurso contra José
Ludovico. O arcebispo de Goiás, D. Emanoel Gomes de Oliveira, e o bispo-auxiliar,
D. Abel Ribeiro, passaram a pedir ostensivamente o apoio da população para o
candidato da UDN – Coimbra Bueno.
A vitória foi apertada – uma diferença de apenas 1.839 votos – e a UDN não
conseguiu fazer a maioria na Assembléia Legislativa. Esse fato representava um
prenúncio de problemas a serem enfrentados pelo governo. A composição
parlamentar ficou distribuída da seguinte forma: dois deputados do PCB, 16 do PSD,
quatro da Esquerda Democrática (ED) e 10 deputados da UDN.
Coimbra Bueno sofreu oposição ferrenha. Durante seu governo, a dívida
estadual cresceu e os salários dos servidores sofreram constantes atrasos. “O
movimento pessedista traçou estratégias políticas inviabilizando a administração
coimbrista, a fim de facilitar a retomada do poder” (MOREIRA, 2000, p. 113).
Uma vez no governo, o Estado assoberbado por inúmeros
problemas de ordem administrativa e política, com minoria na
Assembléia, com minoria de representantes na Câmara
Federal, o Sr. Jerônimo Coimbra Bueno enfrentou durante o
quatriênio governamental cerrada e, por vezes, impatriótica
oposição. Chegou-se ao cúmulo de não ser conseguida a
aprovação por três anos consecutivos – do orçamento do
Estado. A obstrução sistemática erigiu-se em regra sem
exceção, e a maioria oposicionista na Assembléia seguiu-a
religiosamente. (ROCHA, 1986, p. 43)
Até mesmo no seio da UDN surgiram focos de tensão. Os deputados
udenistas ficaram descontentes com a escolha da Vice-Governadoria, feita de forma
indireta, sendo eleito Hosanah Campos Guimarães, dissidente do PSD.
24
A classe dominante, nesse período, não conheceu alterações e pouco se
alterou o perfil fundiário goiano. A ação estadual ficou seriamente prejudicada pela
crise política. Na verdade, o grupo liderado por Pedro Ludovico tudo fez para
inviabilizar o governo de Coimbra Bueno. Este, por sua vez, encontrou problemas
dentro de sua coligação, o que contribuiu para a queda da UDN na eleição
sucessória.
Nas eleições de 1950, Pedro Ludovico foi eleito para o governo do Estado de
Goiás com grande diferença de votos – 29.035. O candidato derrotado foi o médico
e empresário Altamiro de Moura Pacheco, da coligação UDN/PSP. A estratégia
utilizada foi buscar no segundo maior colégio eleitoral (Anápolis) o candidato à Vice-
Governadoria (também o candidato oponente buscou ali seu vice).
Neste mandato, Pedro Ludovico, buscou soluções para o crônico problema da
falta de energia. Construiu a Usina do Jaó, movida a óleo diesel, e a Usina de
Rochedo, no Rio Meia Ponte.
A eleição de 1954 foi vencida por José Ludovico, primo de Pedro Ludovico e
seu secretário da Fazenda. Foi uma eleição disputada, havendo 1.128 votos de
diferença. O opositor veio, novamente, da UDN, em coligação com o PSP – Galeno
Paranhos. Uma ocorrência durante a campanha eleitoral mostrou que velhos
costumes ainda persistiam: a eleição foi decidida em dois momentos e urnas foram
contestadas, pois apresentavam sinais de fraude eleitoral.
A construção de Brasília, ocorrida durante este governo, trouxe benefícios
imediatos a Goiás: estradas foram melhoradas, o comércio de matérias-primas para
a construção (madeira, calcário, cimento) de Brasília revitalizou o Estado.
A construção de Brasília e a esperança do progresso
despertaram nos parlamentares goianos e na população
interiorana uma nova mentalidade, a aceitação e a busca pelo
“novo”, pelo moderno. O progresso redimensionou a vida
25
pacata de vilarejos e municipalidades. O fascínio e a
competição afloraram em Goiás, naturalizando-se ao cotidiano
goiano. (MOREIRA, 2000, p. 135)
José Ludovico foi o responsável pela desapropriação da área que comportaria
o futuro Distrito Federal. Nomeou o médico e pecuarista Altamiro de Moura Pacheco
para presidir uma comissão que tinha por finalidade a aquisição de terras dos
proprietários no local onde se instalaria a futura capital.
O presidente Juscelino Kubitschek agradeceu os serviços prestados por
Altamiro de Moura Pacheco em uma carta:
Prezado amigo Altamiro Moura Pacheco.
Venho querendo escrever-lhe há muito tempo. Hoje, porém,
resolvi e esta carta lhe vai para significar-lhe o quanto lhe devo
pela dedicação e pelo interesse devotados à construção de
Brasília.
A você tocou a parte mais trabalhosa, aquela que não se vê,
que se desenrola no silêncio dos gabinetes: a desapropriação
de terras, sem o que Brasília não se faria jamais.
E você não empregou toda a sua imensa capacidade com
objetivos fiduciários, fê-lo por idealismo, porque foi daqueles
que cedo compreenderam o papel histórico, geopolítico da
nossa Capital.
Brasília triunfou porque teve homens de sua têmpera, de seu
arrojo, desses para quem o empreendimento se situava como o
resgate da velha dívida nacional.
Permita-me dizer-lhe que minha admiração pelo seu trabalho
não se dimensiona em nenhuma expressão escrita: ela cresce
à medida que Brasília se impõe como a mais bela realização.
Um afetuoso abraço. JK
Rua da Alfândega, 28 – 12°
Rio de Janeiro GB. (apud MOREIRA, 2000, p. 129.)
Em 1959, José Ludovico foi nomeado Diretor da Novacap, em substituição a
Barbosa Lima Sobrinho.
A eleição deste ano foi atípica. Por determinação do Supremo Tribunal
Eleitoral, o mandato do governador seria de dois anos, a fim de que a eleição de seu
sucessor coincidisse com a eleição presidencial de 1960. A vitória de José Feliciano,
pertencente ao grupo de Pedro Ludovico, foi facilitada pela “onda” progressista
advinda da construção de Brasília. Enfrentando uma grande quantidade de partidos
26
(UDN, PSP, PTB, PSB, PCB, PL e PR), a vitória da coligação PSD-PTN foi
significativa, com cerca de 38 mil votos a mais.
José Feliciano faz um governo independente. Rompeu com seu antecessor
quando este quis retornar ao governo e apoiou a candidatura de Mauro Borges, filho
de Pedro Ludovico, o que lhe rendeu a indicação para concorrer ao Senado, ao lado
de JK, na eleição seguinte.
3.2 O Governo Mauro Borges
Mauro Borges era coronel do Exército quando ocupou o cargo de diretor da
Estrada de Ferro de Goiás nos anos 1951-54. A campanha para o governo foi,
novamente, disputada pelo PSD, desta vez o partido se coligou com o PTB, e a
UDN, aliou-se ao PSP. A coligação vencedora (PSD/PTB) recebeu 51,1% dos votos,
e a outra (UDN/PSP), 49,9%, demonstrando um embate acirrado.
Mesmo com um discurso desenvolvimentista, moderno, a coligação PSD/PTB
sofria com o desgaste do longo tempo no governo e com a orientação personalista e
autoritária de seu chefe, Pedro Ludovico.
O ano de 1960 marcou na história do PSD goiano, o início,
portanto, de uma renovação partidária, embora ainda dentro do
jogo político tradicional. A candidatura Mauro Borges foi um
exemplo disso. Alguns elementos dos que iam depois definir-se
como ala jovem já atuavam então, como Walteno Cunha,
Sebastião Arantes, e foram eles que fecharam posição em
torno daquela candidatura. Foram consultados todos os
diretórios do interior e, por fim, a palavra final coube a Pedro
Ludovico Teixeira. (MOREIRA, 2000, p. 143)
A coligação foi derrotada nas duas maiores cidades do Estado – Goiânia e
Anápolis. As velhas lideranças pessedistas tinham se tornado incapazes de aliciar
populações destes centros. A vitória veio de um leque de apoio que incluía, na
27
região de Trombas e Formoso, o PCB. Ali, este partido já tinha organizado o
cadastramento eleitoral dos posseiros e, em reuniões, apresentava candidatos às
eleições. “Os candidatos apoiados pelo PCB foram sufragados na região por um
percentual sempre próximo dos 100%” (CUNHA, 1994, p. 201).
O apoio do PCB a políticos do PSD não ocorreu somente neste momento.
Houve acordos anteriores entre os comunistas e o governador Juca Ludovico, que
estava pleiteando a prorrogação de seu mandato e apoio posterior à candidatura de
Mauro Borges, pacto que ocorreu à revelia dos posseiros de Formoso.
O concerto consistia na não intervenção do Estado na região e do combate à
grilagem em troca do apoio eleitoral. Foi a partir deste acordo que o PCB passou a
ser um canal de negociação dos posseiros de Trombas-Formoso e o governo, diante
da crise oriunda dos confrontos entre posseiros e grileiros:
é o momento onde o PCB se legitima como um forte
instrumento de pressão e se viabiliza efetivamente como um
canal de negociação na busca de uma solução política para a
crise, em razão do empenho dinamizador dado e associado ao
movimento de Formoso e também como agente potencializador
de ação de seus membros ao movimento popular e de opinião
pública de dimensão inédita no Estado de Goiás (CUNHA,
1994, p. 164).
A prorrogação do mandato do governador não ocorreu e houve um mandato-
tampão de dois anos, como vimos, para o qual foi eleito José Feliciano (1959-60). O
governo estadual, neste período, efetivamente realizou medidas de combate à
grilagem.
O acordo para apoiar Mauro Borges foi feito em um momento em que o PCB,
através da Associação de Formoso e Trombas, pretendia se firmar como o legítimo
canal de negociação dos posseiros com o governo estadual.
Mauro Borges articulou politicamente com a Associação (leia-
se PCB), em uma reunião reservada pós-comício, as bases de
28
um acordo político. O acordo em si reconhecia a Associação de
Formoso como a legítima interlocutora entre os posseiros e o
governo e o atendimento e mediação do processo a ser
desenvolvido na área em relação a todas as questões e
principalmente na sua maior reivindicação, a titulação e o
assentamento dos posseiros na terra. (CUNHA, 1994, p. 196)
O Partido ficou dividido. Na Capital, o Secretariado tinha decidido apoiar o
candidato adversário de Mauro Borges, o ex-governador Juca Ludovico. Em uma
reunião preparatória para o V Congresso no Rio de Janeiro, muito tensa, adotou-se
uma solução: deixar a questão em aberto. Esta decisão foi importante para a vitória
de Mauro Borges. Este, em entrevista a Cunha (1994) sobre o apoio do PCB, negou
que tivesse havido. Os fatos, porém, não corroboram esta afirmativa. Em seu
governo, o PCB foi bastante ativo, principalmente na Secretaria do Trabalho e em
órgãos da administração por ele criado.
Em seu governo, Mauro Borges buscou unificar as forças políticas, aliando-se
às diferentes classes sociais do campo e formalizando até uma proposta de reforma
agrária. O formato desta foi engenhosamente pensado para não desagradar à
burguesia e aos latifundiários: seriam criadas colônias (à semelhança da Cang), na
perspectiva de “não haver ataque à propriedade privada”, sendo cristã e
democrática. Foi o caso do Combinado Agro-Urbano de Arraias, no Norte de Goiás,
que atuou “distribuindo terras e organizando cooperativas como forma de suavização
de tensões geradas em torno da questão da posse da terra” (DUARTE, 1998, p.
173).
Outra medida tomada pelo governo de Mauro Borges foi o incentivo à
sindicalização do trabalhador rural, criando, para esta finalidade núcleos de apoio ao
sindicalismo, ligados à Secretaria de Trabalho e Ação Social (Setas) e o Conselho
Regional da Superintendência do Plano de Reforma Agrária (Supra). Esta medida
visava a cooptar mais facilmente o trabalhador rural e a tutelar suas lutas no Estado.
29
Foi a partir deste governo – mesmo procedente de uma estrutura partidária
oligárquica e liderado pelo filho do principal líder desta – que seria definida a divisão
entre o aparato estatal e a face personalista do dirigente maior.
Por outro lado, como observou Borges (1998), antes desta gestão a atividade
estatal se limitava à administração dos negócios públicos, ou seja, pouco se fazia
em termos de produzir ou promover a produção econômica. Durante sua gestão
foram criados diversos órgãos de ação estatal: Banco do Estado de Goiás (BEG),
Centrais Elétricas de Goiás (Celg), Companhia Agrícola de Silos do Estado de Goiás
(Casego) e Companhia Agrícola do Estado de Goiás (Caesgo); as autarquias:
Departamento Estadual de Comunicação (DEC), Departamento Estadual de
Saneamento (DES), Consórcio Rodoviário Intermunicipal (Crisa); três novas
Secretarias e outros órgãos: Superintendência de Planejamento (Suplan), Centro
Penitenciário Agrícola e Industrial de Goiás (Cepaigo), Escola Superior de Educação
Física (Esefego) e outros.
Podemos, não obstante, identificar a preocupação do governo com a classe
dominante goiana, o setor agropecuário – das 50 metas do I Plano de
Desenvolvimento Econômico do Estado de Goiás, nenhuma se referia à
industrialização.
3.3 Breve Abordagem do Golpe de 64
O período de 1955 a 1964, sob a égide do modelo nacional-
desenvolvimentista, foi marcado por uma onda otimista da sociedade brasileira
quanto à sua capacidade de modernização econômica, de integração nacional, de
desenvolvimento cultural e de inserção nas transformações mundiais.
30
O otimismo gerado pelo desenvolvimentismo de JK tinha um preço a ser
pago. Os que acreditavam no “modelo” desenvolvimentista não tinham ainda uma
percepção do que estava por vir.
Para quem gosta de um “choque de capitalismo”, foi um
verdadeiro sucesso, pelo menos até o final dos dois primeiros
anos do governo JK. Mas o país seguiria o rumo de um outro
choque que, em geral, tarda, mas não falha: o da crise desse
capitalismo. Para complicar, em um contexto internacional
marcado por uma virada desfavorável ao bloco hegemonizado
pelos Estados Unidos e, no Brasil, pelos índices de politização
das lutas populares no Brasil, inclusive no campo. (ALMEIDA,
2004, p. 82)
O “modelo” desenvolvimentista se deu sob a chancela da coligação PSD/PTB,
que esteve presente na eleição de Juscelino Kubitschek e que sustentou o governo
de João Goulart, entre 1961 e o golpe de 1964. Somente na gestão de Jânio
Quadros a aliança esteve fora do poder, já que este presidente foi eleito pela UDN.
O governo de Jânio Quadros foi marcado por uma trajetória errática, uma vez
que não tinha apoio nem do Congresso nem dos militares. Sua renúncia pode ser
interpretada como uma mal-calculada tentativa de golpe, com a intenção de
aumentar seus poderes. No entanto, o Congresso e os militares a aceitaram,
levando João Goulart à Presidência.
Em seu governo emergiu um novo contexto político-social no país que tinha
como principais características: i) forte crise econômico-financeira, ii) crises político-
institucionais repetidas, iii) forte mobilização política das classes populares, iv)
crescimento e fortalecimento do movimento operário e de camponeses, v) colapso
do sistema partidário com aumento da luta ideológica de classes (Toledo,1988, p. 9)
O acirramento dos ânimos começou, como vimos, na tentativa de golpe de
Jânio Quadros e no fato de que os ministros militares apresentaram ao Congresso
Nacional uma nota contrária à posse de João Goulart.
31
O veto dos ministros militares ocasionou uma luta pela legalidade, isto é, pela
obediência à Constituição – segundo a qual deveria ser empossado o vice-
presidente. Ideologicamente, reuniram-se reformistas nacionalistas, liberal-
democratas e a esquerda revolucionária. Este leque abrangeu diversos setores:
políticos, estudantis, trabalhistas, empresariais e algumas esferas militares.
Entre os políticos, Leonel Brizola (governador do Rio Grande do Sul) foi o que
mais se destacou em defesa da legalidade, seguido pelo governador de Goiás,
Mauro Borges. Outros dirigentes estaduais também apoiaram a legalidade: Carvalho
Pinto, de São Paulo, e Ney Braga, do Paraná.
Esta “campanha pela legalidade” utilizou-se da “Cadeia Radiofônica da
Legalidade”, usada por Brizola para desafiar os ministros militares e conclamar a
população a reagir contra o golpe e defender a posse de Goulart.
O clamor de Brizola encontrou eco por todo o país.
A OAB, a CNBB e a UNE, cuja diretoria transferiu-se para Porto
Alegre, exigiram o respeito à ordem constitucional. Líderes
políticos de expressão manifestaram-se contra a tentativa de
golpe. Da tribuna do Senado Federal, o pessedista e ex-
presidente Juscelino Kubitschek discursou pedindo “ao novo
ministro da Guerra que não insista em se opor à lei /.../”. O
deputado udenista Adauro Lúcio Cardoso pronunciou-se na
Câmara dos Deputados pedindo o impedimento de Ranieri
Mazzzillli e dos ministros militares por crime de
responsabilidade (FERREIRA; DELGADO, 2003, p. 334).
Os ministros militares ainda tentaram intimidar o Congresso lançando mão de
um “Manifesto à Nação”, em 30 de agosto de 1961, no qual faziam previsões
sombrias sobre os desdobramentos que o governo de João Goulart produziria no
país. Não tiveram êxito. No dia seguinte, o vice-presidente desembarcou em
Montevidéu e encontrou-se com Tancredo Neves, com quem pactuou a emenda do
parlamentarismo, “a solução de compromisso”. O parlamentarismo brasileiro foi,
32
portanto, uma solução à crise institucional criada por facções militares que tentaram
impedir a posse de João Goulart. O problema foi justamente este: a gestão
presidencial foi tolhida pela mudança do sistema de governo e pela composição de
um ministério conservador.
O presidente estava insatisfeito por não deter o governo de fato e procurou
desestabilizar o novo regime. De crise em crise, foram formados três gabinetes até o
plebiscito que decidiu sobre o regime presidencialista, em 6 de janeiro de 1963.
Depois da consulta popular, João Goulart finalmente assumiu a cadeira presidencial
com plenos poderes e anunciou seu plano de governo – Plano Trienal de
Desenvolvimento Econômico-Social: 1963-1965 –, elaborado por Celso Furtado,
ministro do Planejamento, com auxílio de San Tiago Dantas, da pasta da Fazenda.
O Plano, “diante das duas mais importantes tendências do comportamento da
economia brasileira no início dos anos 60 – ‘aceleração inflácionária’ (37% em 1961
e 51% em 1962) e ‘desaceleração do crescimento’ (taxa de 7,3% em 1961 e 5,4%
em 1962)” (TOLEDO, 1988, p. 43), buscou compatibilizar combate à inflação e
crescimento econômico.
Esta compatibilização não foi exeqüível. Apesar de inicialmente receber apoio
de órgãos patronais e de governadores, foi duramente criticado por setores sindicais
e organizações políticas nacionalistas:
o Plano Trienal visa a combater a inflação sem reduzir o
crescimento econômico do país, no que se manifesta,
tipicamente, a inspiração da burguesia nacional. Do ponto de
vista dos defensores do Plano esta seria uma razão suficiente
para que todos os trabalhadores o apoiassem. A verdade é,
porém, que esta não é uma razão suficiente, mas uma razão
burguesa e, portanto, inaceitável para os trabalhadores
(GORENDER apud TOLEDO, 1988, p. 47).
33
O Plano foi criticado por seus resultados – aumento da inflação, carestia e
outros malefícios – por toda a esquerda e também por empresários, devido à falta de
crédito. As críticas dos empresários surtiram efeito sobre a política monetária,
havendo uma expansão nos meios de pagamento.
De forma geral, os objetivos do Plano não foram atingidos e João Goulart, não
querendo se isolar politicamente, voltou-se para as esquerdas, por intermédio da
defesa das Reformas de Base.
Temos, ainda, de destacar o papel da organização política tanto da esquerda
como da direita nesses anos conturbados. As classes trabalhadoras desenvolveram
formas autônomas de organização; em contrapartida, os setores conservadores
também se organizaram. De fato, as esquerdas estiveram muito ativas durante o
governo Goulart. Os sindicatos promoveram 435 greves no triênio 1961-63,
enquanto nos três anos anteriores este número foi de 177. As demandas históricas
das esquerdas não diferiam daquelas que o próprio presidente, por muito tempo,
apregoou.
Ferreira (2003) sintetizou as principais reivindicações das esquerdas como
sendo as reformas bancária, agrária, fiscal, urbana, tributária, administrativa e
universitária, além do voto dos analfabetos e de oficiais não-graduados das Forças
Armadas e a legalização do PCB. Os reformistas nacionalistas pretendiam, além
destas políticas, o controle do capital estrangeiro e o monopólio estatal de setores
estratégicos da economia nacional. Como podemos notar, um rol muito heterogêneo
de reivindicações – além de bastante extenso.
A efervescência reivindicatória das esquerdas passava pelas Ligas
Camponesas, cujo líder era Francisco Julião, pelos sindicatos – que criaram o
Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e Confederação Nacional dos
34
Trabalhadores na Agricultura (Contag) –, pelo PCB, por organizações políticas como
Política Operária (Polop) e Ação Popular (AP), pela União Nacional dos Estudantes
(UNE) e por movimentos de setores subalternos das Forças Armadas.
A direita se mobilizou, principalmente, pelas ações do Ipes/Ibad, que
articulava suas atividades com organizações políticas, militares, paramilitares e
anticomunistas, “tais como o Movimento Anticomunista (MAC), a Organização
Paranaense Anticomunista (Opac), a Cruzada Libertadora Militar Democrática
(CLMD) etc.” (TOLEDO, 1988, p. 84).
Além de articular e sincronizar ações, o Ipes/Ibad financiou (com fundos de
empresários brasileiros e estrangeiros) a eleição de políticos aliados e de grupos e
agremiações “democráticos” e “anticomunistas”.
O governo Goulart – acuado em meio a permanentes tensões políticas e à
crescente radicalização da esquerda e da direita – viu-se isolado e, apesar de tentar
ser sempre “conciliador”, voltou-se para a esquerda e radicalizou seu discurso pelas
reformas de base. Este posicionamento de Goulart em prol das reformas teve como
marco seu discurso na Central do Brasil, em 13 de março de 1964 – quando
anunciou que encamparia, através de um decreto, as refinarias particulares e
desapropriaria as terras com mais de 100 hectares à margem das rodovias e
ferrovias federais. Além destas medidas, enviaria ao Congresso uma mensagem
propondo as reformas universitária e eleitoral e prometeu outro decreto para os
subalternos das Forças Armadas, permitindo que pudessem concorrer a cargos
eletivos, além de regulamentar os aluguéis urbanos e rurais.
A direita, em resposta à radicalização do presidente, promoveu em São
Paulo, no dia 19 de março, a “Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade”, que
reuniu cerca de 500 mil pessoas. A organização foi feita por movimentos femininos,
35
com apoio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), da Igreja
Católica e da Sociedade Rural Brasileira, tendo contado com a presença de muitos
políticos da UDN e do PSD.
Os militares viam nos movimentos de subalternos uma perigosa quebra de
hierarquia e já vinham conspirando contra o governo desde o seu início, como
vimos. A gota d’água foi a “revolta dos marinheiros”, que aconteceu no dia 26 de
março, quando cerca de mil marinheiros se reuniram no Sindicato dos Metalúrgicos
da Guanabara para comemorar o segundo aniversário de uma Associação de sua
classe cujo funcionamento fora proibido.
Enviadas pelo Comando da Marinha para prender os marinheiros, as tropas
se solidarizaram com os companheiros. A solução para a crise, com a intermediação
do CGT, foi que todos acabaram presos em um quartel, sendo libertados poucas
horas depois pelo ministro da Marinha, por indicação do governo.
Tanto o Clube Militar como o Clube Naval protestaram contra a liberação dos
marinheiros, visto que sua atitude representava quebra de disciplina, agora
acobertada pela autoridade constituída. O golpe tornou-se inevitável.
Em 31 de março, tropas golpistas lideradas pelo general Mourão Filho, da IV
Região Militar de Minas Gerais, deslocaram-se para o Rio de Janeiro, sendo
acompanhados pelo no início hesitante general Kruel, do II Exército de São Paulo. A
resistência poderia ocorrer no I Exército, chefiado pelo general Âncora, mas este,
diante da notícia de que o presidente havia abandonado o Rio, estava em Brasília e
proclamava intenções pacíficas, aderiu ao movimento.
O Congresso Nacional declarou a vacância do cargo de presidente em 1 de
abril e no dia seguinte foi empossado o presidente da Câmara dos Deputados,
Ranieri Mazzilli.
36
Uma análise pormenorizada do governo Goulart e do golpe de 64, apesar de
importante, transcende os interesses deste trabalho. O posicionamento da classe
dominante goiana frente ao desenrolar dos acontecimentos é que é de fundamental
importância para o que pretendemos desvelar, como veremos a seguir.
3.4 O Golpe em Goiás: as Classes Proprietárias se Unem e Mauro Borges Cai
Antes de discutirmos o processo que culminou na cassação de Mauro Borges,
após o golpe de 64, há que expor os motivos que nos levam a apresentar este
momento importante da recente história goiana. Trata-se de um período crucial para
a classe dominante, em que esta se sentiu ameaçada pela proposta de reforma
agrária presente nas diretrizes do primeiro governo originado pelo golpe, aliada ao
descontentamento da oposição goiana referente ao papel que o governador, sendo
do PSD, teve como “chefe da Revolução em Goiás”.
Como se sabe, o processo de industrialização brasileiro foi forjado sobre a
renda do setor agrário, sem que, contudo, tivesse ocorrido uma mudança
significativa na capacidade deste setor de aumentar a produção – muito menos
transformações no perfil fundiário.
Em Goiás, a expansão da produção ocorreu sobre novas áreas, sem
incorporação de tecnologia, permitindo, dessa forma, a manutenção da reprodução
da força de trabalho no campo com custos muito baixos. Por conseqüência, o custo
da reprodução da força de trabalho urbana também ficava baixo. A
complementaridade da economia goiana permitiu que não houvesse conflitos com a
burguesia industrial em nível nacional, não havendo problemas hegemônicos entre
estas frações do bloco no poder.
37
O golpe de 64 originou-se de uma crise de hegemonia longamente gestada,
deflagrada pela intensificação da prática populista. Os dois maiores partidos, PSD e
UDN, representantes das classes dominantes, sentiram seus interesses ameaçados
e se uniram contra o presidente Goulart, que radicalizou o populismo. Instalou-se,
assim, uma crise de hegemonia.
Mauro Borges participou ativamente e desde o princípio da “cadeia pela
legalidade”, a qual buscava uma solução constitucional para a posse de João
Goulart. Defendia, então, o respeito à Constituição (conforme esta estabelecia, em
caso de vacância da Presidência quem deveria assumir o cargo de presidente era o
vice). Seu governo, da mesma forma que o de João Goulart, era populista. Tinha
recebido apoio das classes subalternas do campo e de boa parte da baixa classe
média – como já vimos, houve um acordo entre Mauro Borges e o PCB.
A reforma agrária estava contida em seu plano de governo e deveria ocorrer
pelo povoamento de terras devolutas no Norte do Estado, com colônias sob a
direção estatal. A reforma agrária pretendida no plano de governo, ligeiramente
inspirada nas experiências israelenses dos kibutzin, não afetaria em nada a
concentração fundiária goiana, para não ir contra os interesses da burguesia e dos
latifundiários.
O interesse dos militares por Goiás se deveu mais a uma estratégia
geopolítica do que à importância econômica do Estado. A proximidade com Brasília,
o fato de ser rota de acesso à Amazônia e de ter à testa um governador que
conseguiu projeção nacional com o apoio que conferiu à posse de João Goulart
foram fatores estratégicos para o grupo militar da “linha-dura” ir à conquista do
predomínio no Estado.
38
Já antes do golpe existia uma relação de políticos goianos com o complexo
Ipes/Ibad, especificamente de Emival Caiado e Alfredo Nasser, que foram citados
por Dreyfuss como pertencentes ao Ipes (1981, p. 359). Ainda mais: os deputados
Anísio Rocha (PSD), Benedito Vaz (PSD) e Emival Caiado eram bastante ativos no
Congresso Nacional, dentro do bloco Ação Democrática Parlamentar (ADP), que
repercutia no Congresso as propostas do complexo Ipes/Ibad.
No tocante ao Ibad, este se fez presente no financiamento de vários políticos
no pleito de 1962. Não interessava o partido, mas a filiação e afinação ideológica do
candidato com a direita. Dessa forma, foram contempladas as candidaturas de
Castro Costa e Anísio Rocha, do PSD; José Luiz Bittencourt, Hermano Vieira da
Silva, Benedito Vaz e Emival Caiado, da UDN, e Alfredo Nasser, do PSP.
O Ibad não atuou somente no financiamento de campanhas eleitorais:
patrocinava programas na Rádio Difusora de Goiânia, apresentados pela Igreja
Católica, representada pelos padres redentoristas.
A rádio era dirigida pelo padre Nelson Antonino, um ativista
conservador, organizador da Liga Eleitoral Católica que filtrou,
em 1962, os nomes dos candidatos de diversos partidos
aprovados e recomendados pela Igreja. Padre Antonino
comandou também uma caravana a Brasília contra a indicação
de Santiago Dantas a primeiro-ministro no Gabinete
parlamentarista de Jango. (SOUZA, 1990, p. 60)
A Igreja Católica tentava também controlar os movimentos de sindicalização
rural em Goiás. A Arquidiocese de Goiânia patrocinou a criação, em 1959, da Frente
Agrária Democrática Goiana (Fago), a exemplo do que ocorria em outros Estados:
no Rio Grande do Sul, a Farg; em São Paulo, a FAP; em Pernambuco, o Sorpe,
entre outros.
As relações de Mauro Borges com João Goulart eram, no início, de
cooperação. No plano nacional, a coligação para a eleição do presidente uniu
39
PSD/PTB, mas não foi esta, unicamente, a razão das boas relações: a participação
de Borges no movimento encabeçado por Leonel Brizola, em 1961, na defesa da
posse de João Goulart era outro motivo importante para o apoio de Goiás no início
do mandato presidencial.
O plano de governo de Mauro Borges previa um aumento de arrecadação,
através de uma fiscalização mais rigorosa e da criação de mais taxas. Isto, porém,
não aconteceu, ficando Goiás muito dependente dos repasses de recursos federais.
De fato, com a persistente pressão dos proprietários de terras para o rompimento do
acordo com o PTB, em 1963 o governo federal bloqueou o repasse de verbas para o
Estado.
Por outro lado, Goiás contou, nesse período, com uma importante fonte de
recursos: o programa norte-americano Aliança para o Progresso. O coordenador da
Aliança era o ex-presidente JK, que ocupava uma cadeira de senador pelo Estado,
que, a partir de 1963, passou a ser agraciado com recursos deste Programa. Apesar
de os recursos destinados ao Brasil serem de pequena monta, eles representaram
uma importante fonte para Goiás.
Mauro Borges, então na oposição ao governo federal, integrou-se ao
esquema conspiratório, apesar de ter lutado contra a resistência dos militares à
posse de João Goulart. Em 31 de março, dia do golpe, lançou um manifesto de
apoio:
temos que dizer ao Sr. Presidente da República que nós,
goianos, e os brasileiros aqui residentes, que pegamos em
armas para a defesa dos seus direitos em agosto de 1961, as
empunharemos outra vez para que ele não faça deste grande
país uma “Casa Grande” onde ele quer ser o patrão (BORGES,
1965, p. 193).
Este manifesto representou o apoio institucional civil de Mauro Borges ao
golpe, sendo seguido de outros tipos de colaboração. Assim, em 2 de abril, quando
40
Moura Andrade declarou a vacância do cargo de presidente da República em uma
tumultuada sessão no Congresso, uma grande multidão se aglomerou na Praça dos
Três Poderes. Segundo relato de Silva (1975), receando que a multidão invadisse o
prédio onde os congressistas consumavam o golpe, Moura Andrade pediu a Mauro
Borges o envio de armas ao local, e este as remeteu.
Outro episódio que mostra a participação de Mauro Borges no golpe de 64 foi
quando o então coronel Meira Matos, receando a possível fidelidade a João Goulart
do 10° Batalhão de Caçadores, sediado em Goiânia, telegrafou ao governador
pedindo seu apoio. O próprio Mauro Borges registra em seu livro que, para ajudar o
coronel Meira Matos a conduzir uma coluna de soldados que haviam partido de Jataí
com destino a Brasília, mandou buscar “armas e munições às nossas operações
revolucionárias” em São Paulo (BORGES, 1965, p. 135). As armas e munições
trazidas de São Paulo seriam entregues a uma organização paramilitar – a Frente
Agrária Democrática Goiana, composta por fazendeiros, cujo objetivo inicial era o de
combater os movimentos camponeses em Goiás.
Estavam unidas situação e oposição no Estado de Goiás para atividades de
apoio ao golpe de 64. “A classe dominante em Goiás apaga de fato as divergências
que mantinha até então” (SOUZA, 1990, p. 66).
O apoio ao golpe deixou Mauro Borges momentaneamente livre de ataques
por parte de seus opositores. Porém, a situação começaria a mudar com o
inconformismo da UDN em desempenhar um papel de coadjuvante do governador,
que assumiu a direção das “forças revolucionárias” no Estado.
No plano nacional, em 7 de abril foi sancionada a lei que determinava que as
eleições presidenciais ocorreriam de forma indireta. Os governadores que apoiaram
o golpe foram chamados para uma reunião no Rio de Janeiro, objetivando
41
referendar a candidatura do marechal Castelo Branco
16
e convencer o general Costa
e Silva de que esta tinha o apoio civil.
A UDN e o PSD, este sob a liderança de Juscelino Kubitschek,
apóiam Castelo. Costa e Silva, num primeiro momento, resiste
à indicação feita pelos governadores Magalhães Pinto, Ademar
de Barros, Nei Braga, Mauro Borges e Carlos Lacerda,
liderados por este último. Argumenta ser necessário promover,
primeiro, os expurgos exigidos pelo processo revolucionário e
aguardar o prazo constitucional para a eleição indireta
(SOUZA, 1990, p. 69).
De volta a Goiás, Mauro Borges instalou a Comissão Geral de Investigações
com componentes dos setores conservadores. Não obstante tal providência, o
governo militar agia diretamente na repressão, pela atividade do coronel Souza Jr.,
comandante do 10° BC, que, por sua vez, recebia ordens diretamente do general
Souza Aguiar, sem passar pela Comissão.
Embora a conduta do governador goiano como “chefe da revolução em
Goiás” tenha deixado inconformada a UDN, esta se encontrava em uma situação
incômoda frente aos militares, já que, antes do golpe, havia ensaiado uma
aproximação com o PTB, na tentativa de viabilizar a administração do prefeito de
Goiânia, Hélio Seixo de Brito.
Houve um racha em seu próprio seio: o chefe udenista, Jales Machado, opôs-
se à candidatura de Emival Caiado à sucessão governamental de 1965 e este
procurou apoio na UDN nacional, em Carlos Lacerda, que já tinha se apresentado
como candidato a presidente. O grupo de apoio à candidatura de Emival Caiado
tentaria demover o presidente Castelo Branco de apoiar o governador de Goiás. O
fracasso o levou a buscar o apadrinhamento de Costa e Silva e a se prestar ao jogo
de poder que foi travado no interior do bloco militar.
16
Os outros candidatos eram o general Amaury Kruel e o marechal Eurico Dutra.
42
A oposição ao governador (UDN) tentava demonstrar ao presidente Castelo
Branco que o passado de Mauro Borges não condizia com a “Revolução”; no
passado, o marechal Castelo Branco havia assinado manifesto contra Getúlio
Vargas, enquanto Mauro Borges e Pedro Ludovico eram getulistas. Além disso,
Castelo Branco apoiou Juarez Távora, enquanto Borges e Ludovico apoiaram
Juscelino; estes apoiaram Lott e Castello Branco, Jânio Quadros.
Com a intenção de mostrar que o governador não era “revolucionário”, foram
ao encontro do presidente Olinto Meirelles, Manoel Mendonça, Ary Valadão, Olimpio
Jayme, Thirso Correa Rosa e Emival Caiado. Entretanto, Castelo Branco não aceitou
os argumentos, dizendo que conhecia Mauro Borges de longa data e este tinha sido,
inclusive, seu aluno na ESG.
Como solução de compromisso, sugeriu-se que um oficial acompanhasse a
crise de perto, tarefa para a qual o escolhido foi o coronel Danilo Darcy de Sá da
Cunha Mello. Na verdade, a indicação deste coronel vinha ao encontro com os
interesses udenistas, já que se tratava de um “linha-dura”. Quando o coronel chegou
a Goiânia, a UDN já estava se articulando com esta corrente do bloco militar.
Nesse ínterim, foi editado o Ato Institucional que permitia a cassação de
prefeitos e deputados. Em todo o país, os detentores do poder se utilizaram deste
instrumento para perseguir adversários políticos. Mauro Borges dele se valeu para
cassar o mandato do deputado Olinto Meirelles, o mesmo que havia tentado indispor
o presidente contra ele.
No mês de maio de 1964, o general Luiz Carneiro de Castro e Silva chegou a
Goiânia para chefiar as investigações da Comissão Geral que aplicava o Ato
Institucional. O general era da “linha-dura” e tinha relacionamentos com a UDN. Ao
final das investigações, pressionou o governador a renunciar ou demitir todo o
43
Secretariado e montar outro, composto pelos partidos políticos que apoiaram a
“Revolução”. O governador foi salvo pelo bom relacionamento que tinha com o
presidente. Novamente, estavam por trás de acusações Alfredo Nasser, Sidney
Ferreira, Ary Valadão e Emival Caiado. A UDN e as oposições, não conseguindo
fazer que o presidente Castelo Branco depusesse Mauro Borges, passaram ao
“plano B”: cortejar abertamente a “linha-dura” do movimento militar.
O ambiente na esfera militar era de divisão sobre várias questões: o incentivo
ao capital estrangeiro feito pelo governo de Castelo Branco era contestado por
grupos militares que não aceitavam a internacionalização da economia; a
prorrogação do mandato presidencial (rejeitada pelo próprio presidente) era
defendida pela “linha-dura”, uma vez que significaria a permanência de Castelo;
rejeitava diversos nomes nas eleições para governador, em 1965, o que obrigou
Castelo Branco a fazer restrições na legislação eleitoral.
Aliada a estas questões existia, ainda, um conflito interno na UDN: Magalhães
Pinto e Carlos Lacerda disputavam a preferência para sair como candidato à
Presidência da República. Este último se isolou da cúpula nacional da UDN e aliou-
se à “linha-dura”, retirando o apoio de grande parte do partido a Castelo Branco.
Como vimos, a oposição em Goiás conseguiu trocar o responsável pelos
IPMs, coronel Avany Arroxelas, por um militar da “linha-dura”, indicado pelo ministro
da Guerra, general Costa e Silva, o coronel Danilo Darcy de Sá da Cunha Mello. O
regime militar instaurou IPMs em vários municípios goianos
17
. As razões para a
investigação variavam, indo desde o movimento camponês até desavenças entre
facções políticas locais.
17
Os municípios goianos que tiveram IPMs foram: Goiânia, Anápolis, Formosa, Planaltina, Goianésia,
Itauçu, Itaberaí, Goiás, Palmelo, Ipameri, Goiânia, Catalão, Cumari, Ceres, Porto Nacional,
Araguatins, Tocantinópolis, Filadélfia, Gurupi e Xambioá.
44
A oposição desencadeou uma série de ataques contra Mauro Borges. Os
principais críticos eram Alfredo Nasser, Hélio de Brito (prefeito de Goiânia), Ary
Valadão (mais tarde, governador de Goiás), José Fleury, Emival Caiado, Olympio
Jaime, Elias Bufaiçal, Camargo Júnior, Heli Mesquita e Sidney Ferreira. Os ataques
contra o governador eram dos mais variados tipos. Abrangiam desde um provável
beneficiamento de parentes na compra de terras devolutas, passando por
envolvimento com comunistas e o movimento camponês, até o contrabando de
minerais estratégicos para países comunistas.
O coronel Danilo Cunha Mello concluiu os inquéritos e indiciou Mauro Borges,
repassando os autos diretamente ao general Riograndino Kruel, que tentou transferir
o processo para a Justiça Militar. O governador impetrou um habeas corpus junto ao
Supremo Tribunal Federal, que o concedeu e determinou a sustação de qualquer
julgamento do governador pela Justiça Militar.
As pressões para a deposição do governador aumentaram. Organismos
conservadores que apoiavam o movimento militar nacionalmente começaram a atuar
em Goiás.
As organizações da sociedade civil, que haviam atuado nos
Estados de São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco, na
preparação da opinião pública para o golpe, deslocam-se
nesse momento para Goiás. Goiânia recebe a visita da diretora
social da “Associação das Mulheres Orando pelo Bem do
Brasil”. A Esso do Brasil promove, no Hotel Bandeirantes, um
“curso de liderança”. A “União Cívica Feminina de São Paulo”
se propõe a implantar núcleo em Goiás. (SOUZA, 1990, p. 96)
O coronel Danilo Darcy de Sá da Cunha Mello, como forma de pressionar o
presidente Castelo Branco, divulgou, no dia 23 de novembro, às 15 horas, uma nota
à imprensa em que atacava duramente Mauro Borges, chamando-o de comunista e
alertando para o perigo que este representava para a “revolução”, à qual trairia. No
mesmo dia Castelo Branco cedeu à “linha-dura” e divulgou nota, às 17h30min, na
45
qual manifestava seu desejo de acatar as decisões judiciais, mas dizia que esta
tarefa se tornava difícil em face do acúmulo de provas contra o governador, em seu
propósito de transformar Goiás num foco permanente de agitação. O caminho
estava aberto para a intervenção.
Souza (1990) viu a deposição de Mauro Borges do governo estadual como
um desdobramento do embate entre a “linha-dura” militar e a hegemonia do grupo
de militares da Escola Superior de Guerra (ESG). Para a autora, a deposição e a
intervenção em Goiás foram decisivas para a afirmação da “linha-dura”. Consistiam
não apenas derrotar as intenções legalistas de Castelo Branco como também em
antecipar a disputa pela sucessão presidencial e colaborar para o endurecimento do
regime. Neste processo, a “linha-dura” dos militares teve o apoio da classe fundiária,
que se via ameaçada pelo Estatuto da Terra de Castelo Branco de forma
semelhante à que sentiu anteriormente em face da proposta de reforma agrária de
João Goulart. Além disso, a proposta de política agrícola a ser implementada não
atendia a seus interesses.
As pressões da “linha-dura” iam além da derrubada de Mauro Borges:
pleiteavam a reforma do Judiciário, eleição indireta para presidente da República,
transferência dos processos políticos para o âmbito da Justiça Militar etc. Naquele
momento, para satisfazer a “linha-dura”, Castelo Branco entregou o governador de
Goiás.
No dia 26 de novembro, o Decreto de Intervenção foi publicado no Diário
Oficial. Mauro Borges ensaiou uma resistência, que se mostrou impossível, pois não
teve apoio de outros governadores e até mesmo seu partido, o PSD, aprovou a
intervenção no Congresso Nacional. Somente em 7 de janeiro de 1965 é que a
Assembléia Legislativa de Goiás, em sessão extraordinária, declarou a vacância do
46
cargo de governador e determinou o arquivamento dos processos contra Mauro
Borges.O interventor em Goiás foi o marechal Emílio Rodrigues Ribas Júnior, que
dividiu os cargos da administração entre os partidos; todos, situação e oposição,
tinham cargos: um terço para UDN/PSP/PTB/PDC, um terço para o PSD e um terço
à livre escolha do governador. A classe dominante estava toda junta.
47
CAPÍTULO IV – UMA NOVA ETAPA DO
DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA EM GOIÁS: SEMPRE À
DIREITA - (A “MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA”)
48
Em Goiás o crescimento da urbanização e da industrialização se superpôs a
uma estrutura agrária essencialmente concentrada e desigual. Foi sobre este quadro
que se implantou uma rápida dinâmica de transformação rural, ocorrida durante o
período da ditadura militar, principalmente entre as décadas de 60 e 80. Sua maior
expressão foi o desenvolvimento de complexos agroindustriais (CAI) fundados na
mecanização agrícola, na irrigação e no uso crescente de insumos agrícolas.
Esta dinâmica foi conseqüência de dois fatores que, conjugados, aceleraram
o desenvolvimento capitalista da agricultura brasileira e, particularmente, a goiana: o
econômico e o político. O fator econômico advinha da necessidade do país de
ampliar suas exportações, substituindo os produtos agrícolas tradicionais (café,
algodão, borracha etc.) por outras mercadorias, destinadas às novas demandas do
mercado internacional. O outro fator – o político – visava a frear as reivindicações
pela reforma agrária, o que aliava indiretamente interesses da fração latifundiária da
classe dominante aos negócios da burguesia urbano-industrial (que não desejava
um precedente de conflitos contra um setor das classes dominantes).
Estas duas motivações, grosso modo, forjaram o desenvolvimento capitalista
da agricultura nacional, afetando diretamente o Estado de Goiás. As classes
dominantes teriam de superar a estagnação técnico-econômica que existia no setor
agrário sem, contudo, confrontar os interesses das oligarquias agrárias.
Estava em marcha o que ficou caracterizado como “modernização
conservadora” da agricultura brasileira. Este será o foco deste capítulo: buscaremos
mostrar as políticas públicas que promoveram as mudanças na agricultura goiana.
Investigaremos os elementos de continuidade que contribuíram para a
preservação/recomposição da dominação de classe diante das novas relações
sociais de produção.
49
4.1 O Desenvolvimento Capitalista no Campo
O processo de desenvolvimento capitalista no campo brasileiro,
consubstanciado na modernização das técnicas de produção agrícola, provocou
alterações significativas nas relações sociais de produção. As transformações
tiveram início, basicamente, na década de 50, inseridas em um novo quadro urbano-
industrial. Acentuaram-se no período da ditadura militar, na década de 60, com a
intensificação do processo de industrialização. Este, como se sabe, esteve centrado
em grupos oligopolistas internacionais, sustentados pela ideologia de modernização
conservadora dos militares. A modernização agrícola, neste sentido, apresenta-se
como um instrumento que materializa e viabiliza as relações capitalistas no campo
brasileiro, aqui entendidas como um processo de reprodução capitalista ampliada do
capital.
Para Marx (1988), a subordinação da agricultura à grande indústria é
resultante da penetração do capitalismo no campo, que transforma as relações de
trabalho, a forma de propriedade da terra e, também, a produção agrícola. Quando o
modo de produção capitalista subordina a agricultura, esta se transforma, deixando
de ser de subsistência e passando a ser capitalista. Assim, os produtos passam a
não mais possuir uma natureza de utilidade para a vida, como alimentos e valores
de uso, transformando-se em mercadorias, meios de produzir valores de troca. Na
medida em essa dinâmica se processa no campo, a agricultura passa a ser cada vez
mais subordinada à lógica da produção capitalista, cujo objetivo é a acumulação e a
valorização do capital.
Para entendermos essa dinâmica no campo, devemos estabelecer,
conceitualmente, as diferenciações entre as questões agrícola e agrária. A primeira
50
diz respeito ao quê, como, quanto e onde produzir, ou seja, identifica-se com as
condições econômicas e produtivas do setor agrícola para desempenhar certos
papéis que lhe caberiam no processo de desenvolvimento capitalista, exercendo
passivamente algumas funções econômicas e sociais, de modo a não obstruir o
caminho da industrialização e urbanização. A outra questão nos remete à forma de
produzir, isto é, às relações sociais de produção, inseridas em um contexto teórico e
analítico mais complexo, já que se trata das relações de produção e das formas de
expansão do capitalismo no campo.
Kautsky demonstra, em A questão agrária, a exploração capitalista sobre a
propriedade particular e a forma inexorável pela qual o capitalismo promove a
expropriação camponesa, concluindo que, de forma semelhante ao que ocorria na
pequena indústria – a falta de escala na produção –, a agricultura familiar estaria
destinada a desaparecer.
Ainda no entendimento de Kautsky, não seria possível haver uma exploração
racional nas pequenas unidades, no minifúndio, porque a viabilidade econômica se
daria apenas na grande exploração, dada a suposta capacidade de aproveitamento
máximo das instalações, instrumentos e força de trabalho do latifúndio. O minifúndio
padeceria de limitações de terra e equipamentos, o que geraria ociosidade de mão-
de-obra, justamente o fator determinante para o sucesso da grande exploração.
Em resumo, a superioridade técnica da grande exploração seria dada pelo
maior potencial da sua divisão interna de trabalho e, dessa forma, dos ganhos de
sua especialização produtiva. Assim sendo, a concorrência capitalista determinava
que a pequena produção não existisse sozinha e que o camponês se proletarizasse,
empregando-se nas indústrias.
51
Abramovai (1998) considera ser a grande contribuição de A questão agrária
mostrar a superioridade da exploração capitalista sobre o modo de produção
camponês, mostrando a inutilidade das lutas para frear este processo.
A tentativa mais importante do livro está em demonstrar a
superioridade da grande exploração capitalista sobre a
produção familiar e, portanto, a inutilidade de se procurar frear
de qualquer maneira o movimento inelutável que o capitalismo
promove de expropriação camponesa. (...) O importante é a
inutilidade de qualquer trabalho político que procure atenuar a
irreversibilidade do declínio camponês. E o caminho para isso
está na demonstração da superioridade técnica e econômica
da grande exploração sobre a pequena. (ABRAMOVAI, 1998,
p. 48)
Cabe esclarecer que, para Kautsky, na construção do socialismo, a classe
camponesa – por ser muito numerosa e ter interesses que se entrelaçam
ambiguamente tanto com a burguesia quanto com o proletariado – consistiria em
uma incógnita.
Em seu entendimento, a proletarização camponesa seria um processo
irreversível, devido à inserção dessa classe no mercado de consumo e de trabalho.
Na medida em que os camponeses passassem a trabalhar para outros, menos
tempo teriam para se dedicar à sua própria atividade, entrando em um círculo vicioso
que os obrigaria a vender sistematicamente sua força de trabalho. Assim sendo, a
classe camponesa estaria em contato com o proletariado, com as regras básicas de
trabalho e organização coletiva. Haveria, então, uma proletarização do camponês.
Operários bem nutridos e bem remunerados, além de
inteligentes, eis a condição indispensável para uma grande
exploração racional. (...) O movimento operário, elevando o
nível moral e econômico do proletariado agrícola, combatendo
a barbárie camponesa, criará – e esta é a sua tarefa – a
condição básica para a grande empresa agrícola racional. Ao
mesmo tempo, fará desaparecer um dos últimos pilares da
pequena exploração. (KAUTSKY, 1980, p. 135)
52
O desaparecimento do campesinato e sua conseqüente proletarização
promoveriam a abolição da propriedade e da exploração individual da terra,
demonstrando o quanto era caro a Kautsky o papel político do proletariado na
condução do campesinato na luta pela transformação social.
Para Lênin (1982), por sua vez, o processo de expansão capitalista seria, ao
mesmo tempo, o de criação de um mercado consumidor para a produção capitalista,
um processo de destruição de estruturas sociais e econômicas velhas e a criação de
novas.
A transformação do pequeno produtor em operário assalariado
pressupõe a perda de seus meios de produção (...), ou seja,
pressupõe seu “empobrecimento”, a sua “ruína”. Sustenta-se
que essa ruína “reduz o poder de compra da população” e
“estreita o mercado interno” para o capitalismo. Os defensores
dessa tese esquecem que, para o mercado, o que importa não
é o bem-estar do produtor, mas os seus meios pecuniários
disponíveis. (...) Do ponto de vista teórico abstrato, a ruína dos
pequenos produtores na sociedade em que a economia
mercantil e capitalista se desenvolve significa a criação e não a
redução do mercado interno (LÊNIN, 1982, p. 16).
Assim sendo, o desenvolvimento capitalista não precisaria, necessariamente,
de um mercado interno preexistente. O mercado iria sendo formado à medida que o
próprio capitalismo se desenvolvesse, pela ampliação da divisão social do trabalho,
“a base de todo o processo de desenvolvimento da economia mercantil e do
capitalismo” (LÊNIN, 1988, p. 14).
Existe uma convergência entre as interpretações de Kautsky e Lênin – a
proletarização do camponês –, em que pese ocorrer sob pontos de vista distintos da
questão agrária, Lênin apostava mais no potencial revolucionário dos camponeses
pobres.
No Brasil, o debate sobre este tema esteve atrelado aos rumos da
industrialização. A premissa utilizada era a de que, no país, a agricultura, por ser
atrasada, tornava-se um obstáculo ao desenvolvimento econômico; representava,
53
portanto, um empecilho ao processo de industrialização nacional. O que ocorreu foi,
através da modernização conservadora, a resolução da questão agrícola sem que
houvesse uma resposta para a questão agrária.
De fato, as transformações que a expansão capitalista provocou no campo
brasileiro, notadamente em Goiás, proporcionaram com sucesso considerável a
resolução dos problemas agrícolas nacionais. O processo de industrialização da
agricultura, inserido no contexto de sua financeirização e, posteriormente, a
agroindustrialização nacional estabeleceram ganhos consideráveis de produção e
produtividade principalmente, a partir da década de 70, em setores ligados ao
comércio agrícola mundial. Não ocorreu resposta semelhante à questão agrária.
A resolução de uma questão em detrimento da outra suscitou importantes
debates. Os mais polêmicos ocorreram ainda na década de 60, já que sua
interpretação implicava a definição de estratégias de mudanças econômicas e
sociais para o país. De um lado estavam aqueles que consideravam a agricultura um
entrave ao desenvolvimento capitalista do país, por ser arcaica e ter traços feudais.
De outro, os que acreditavam que o capitalismo se desenvolvia na agricultura com
características próprias de dependência e concentração, inexistindo restos feudais –
dados, propriamente, pelas relações sociais de produção específicas do país.
Nos trabalhos de Guimarães (1963; 1979) identificam-se fortes traços teóricos
da obra de Kautsky(1986). Está longe, portanto, da vertente leninista, em que se
adota a discussão sobre a forma da divisão do trabalho na indústria (salário, capital
etc.). Em Quatro séculos de latifúndio (1963), o autor identifica a problemática
agrícola como feudal. Em Crise agrária (1979), retrata que o problema está na
estrutura da agricultura brasileira. Uma proposta de Guimarães aponta para uma
ampla reforma agrária, que contribuiria para a solução da questão agrária. Esta
54
passaria por tornar o pequeno produtor (que planta e colhe) proprietário dos meios
de produção (terra, sementes, maquinário).
Já Prado Júnior, em sua obra A revolução brasileira (1966), indica que a
solução não estaria na reforma agrária generalizada e de caráter camponês, mas na
melhoria das condições de emprego da população rural. Sugere, então, a
regularização econômica e jurídica das diversas ocupações e relações de emprego
presentes na agricultura brasileira.
Em várias obras de Furtado (1971; 1972) torna-se claro que o principal
aspecto da questão agrária no pensamento estruturalista do autor é a problemática
do emprego, da mão-de-obra. A constituição do mercado de trabalho agrícola
representa, assim, uma etapa inicial do desenvolvimento econômico, em que os
problemas surgidos demonstram as especificidades da economia e a
heterogeneidade do setor agrícola.
Os trabalhos de Homem de Mello (1980) e Pastore (1977) buscam a
transformação do setor agrícola tradicional em moderno e dinâmico, via mudanças
tecnológicas, capazes de impulsionar o desenvolvimento econômico. As
modificações tecnológicas seriam proporcionadas pela adoção de insumos
modernos e melhoria no nível de educação do agricultor e trabalhador rural, o que
permitiria maior produtividade dos fatores de produção e taxas de retorno mais
elevadas, além do crescente ritmo das inovações.
Este debate ressurgiu, na década de 80, sob novas formas: já não tratava da
predominância do capitalismo nas relações sociais de produção na agricultura
brasileira e, sim, das características e especificidades deste processo. De certa
forma, a discussão teve como subsídios os resultados do processo de modernização
conservadora.
55
Estudando o processo de modernização agrícola no Estado de São Paulo,
que provocou mudanças profundas nas relações de emprego desde os anos 1970,
Graziano da Silva(1996) também enfatiza a maneira como o desenvolvimento
capitalista no campo promove a adequação da força de trabalho rural. Ao ressaltar
as peculiaridades históricas do caso brasileiro em geral, e paulista em particular,
esta obra foi um primeiro passo na análise do autor para a formação de complexos
agroindustriais (CAI) no país, já que analisa com profundidade o processo de
industrialização da agricultura brasileira, que este processo se deu através da
transformação do complexo rural nestes complexos agroindustriais.
Assim, três tendências básicas referentes ao desenvolvimento da agricultura
brasileira se mostraram predominantes. A primeira foi a do início e aprofundamento
da integração de capitais (agrário, comercial, industrial e financeiro) diante da
constituição dos CAIs. A segunda tendência foi a da redução do papel da pequena
produção neste desenvolvimento. A terceira, enfim, foi a relação da sazonalidade do
trabalhador temporário a partir do início dos anos 1980, seja pela crise seja pela
substituição de várias culturas na região Centro-Sul.
A análise de Gorender (1994) é importante por estabelecer vínculos entre um
debate e outro. Procurou defender uma visão própria da gênese do desenvolvimento
capitalista na agricultura a partir da teoria marxista. Para o autor, o processo de
origem histórica do capitalismo pode ser diferenciado, mesmo que seu surgimento
exija certas condições universais, como: acumulação originária do capital, o que
constitui um processo pré-capitalista dos meios de produção e monetários; força de
trabalho despossuída, sem qualquer vínculo jurídico e patrimonial; dissolução da
economia natural; incremento da divisão social do trabalho e outras.
56
Assim, Gorender procura ressaltar as especificidades do modo de
desenvolvimento do capitalismo na agricultura brasileira. A formação do capitalismo
do Brasil, inclusive no campo, a partir do modo de produção escravista-colonial – eis,
finalmente, uma nova e recente concepção. Aqui temos uma origem completamente
diferente da européia, contudo, passível de explicação com o rigor da metodologia
do materialismo histórico.
Nota-se a preocupação do autor com os primórdios do desenvolvimento da
agricultura brasileira; considera que dois modos de produção teriam se desenvolvido
durante o período escravista e que cada um deles conheceu uma forma diferente de
propriedade: o modo de produção escravista colonial, com a propriedade
latifundiária, e o modo de produção dos pequenos cultivadores não escravistas,
baseado na economia natural e na pequena propriedade. Diante deste diagnóstico,
avança a hipótese de que, no início do século XX, a agricultura brasileira teve “um
modo de produção plantacionista latifundiário, apoiado em formas camponesas
dependentes, com um desenvolvimento capitalista incipiente” (GORENDER, 1994, p.
28). Nesse caminho analítico, aceita duas linhas de desenvolvimento econômico no
campo brasileiro: a do latifúndio permeado de formas camponesas (plantagem ou
latifúndio pecuário), que se transformaria em empresa capitalista; e a da pequena
exploração de caráter camponês-familiar independente. Estas vias de
desenvolvimento estariam condicionadas por regiões específicas do espaço
brasileiro.
Já nos anos 90 e seguintes, o debate existente trata agora da natureza e das
características da reforma agrária. Esta ocorreria no perfil capitalista com peso
socializante ou seria democrático-popular com peso socialista? Muitos autores têm
57
apresentado visões diferenciadas. Além dos trabalhos de Graziano da Silva,
podemos destacar as obras de Ricardo Abramovay e José Eli da Veiga.
A reforma agrária, para Graziano Silva(1994), é uma necessidade dos
trabalhadores rurais e não mais do patronato brasileiro, ela deixou de ser uma
necessidade para o desenvolvimento capitalista. Em seu entendimento, a reforma
agrária,
A possibilidade de essa reforma agrária ser feita de forma
massiva me parece que se prende exatamente à correlação de
forças entre o conflito capital-trabalho no campo brasileiro.
Infelizmente, os trabalhadores rurais estão mais do que nunca
isolados nessa luta, pela sua incapacidade de sair da luta
específica pela sua terra. E as lutas no país pela terra são
basicamente lutas específicas pela “sua” terra, não são em
geral lutas políticas. Não acho nada de revolucionário na luta
pela terra no Brasil. (...) Não acredito que os trabalhadores
tenham organização e força para impor à burguesia, não mais
agrária, mas à burguesia brasileira, uma transformação
profunda na sociedade agrária brasileira. (1994, pp. 137-43)
É possível compreender de qual reforma agrária Graziano da Silva está
falando:
Segundo a PNAD de 1990, de cada três pessoas que residiam
no meio rural brasileiro, duas estavam ocupadas em atividades
agropecuárias e uma em outras atividades, com destaque para
a prestação de serviços não-agrícolas, indústria de
transformação, comércio e construção civil, evidenciando o que
chamei de urbanização do meio rural brasileiro nos anos 80. (...)
Por isso tudo, no final do século XX, a nossa reforma agrária
não precisa mais ter caráter estritamente agrícola, dado que os
problemas fundamentais de produção e preços podem ser
resolvidos por nossos complexos agroindustriais. Hoje a
reforma agrária precisa ajudar a equacionar a questão do nosso
excedente populacional até que se complete a transição
demográfica recém-iniciada. (1996, p. 9)
O pensamento de Veiga (1991) é importante porque, diante de certa
unanimidade dos pesquisadores brasileiros da questão agrícola (que não acreditam
que a reforma agrária seja um significativo instrumento de política econômica),
sustenta que essa necessidade não corresponde unicamente a razões de ordem
58
social ou política. O “agro-reformismo” de Veiga enfatiza o peso e a importância da
pequena produção familiar e retoma a discussão sobre o papel que pode
desempenhar a reforma agrária no desenvolvimento capitalista brasileiro. Em sua
interpretação, um programa de reforma agrária pode apresentar dois tipos de
impacto: o produtivista e o distributivista. O primeiro diz respeito ao aumento da
produção agrícola como sendo uma característica das reformas realizadas nos mais
diversos países. Já o segundo – o impacto distributivista – é constante e indubitável,
já que o latifúndio seria dividido entre muitos produtores, desta forma a haveria uma
constância na distribuição de renda.
O diagnóstico de Abramovay, por sua vez, é o da existência de “um
verdadeiro abismo social entre a agricultura familiar moderna e aquilo que, entre
nós, habitualmente, se entende por pequena produção” (1994, p. 104). Assim,
revela-se a perda da importância da pequena produção como argumento essencial
para a reforma agrária, pois essa perda provoca o desmonte da “justificativa
econômica” do processo de reforma. Ainda segundo Abramovay, “não era preciso
reforma agrária para elevar a produção de alimentos. O problema alimentar
brasileiro perdia toda a relação com a questão agrária para se transformar numa
questão de renda” (1994, p. 99). O autor estabelece uma linha divisória, desta forma,
entre uma pequena produção, com características de produção para subsistência
com a produção de renda.
O fato é que o governo militar deu uma “solução” ao processo de
desenvolvimento capitalista no campo brasileiro – a modernização conservadora.
Nesta, preservou a estrutura fundiária no campo através de subsídios à
mecanização e à modernização do processo produtivo, sem, contudo, resolver o
problema agrário, resultando na expulsão de milhões de trabalhadores e pequenos
59
proprietários rurais, ocasionando um forte processo migratório que mudou o perfil
urbano nacional.
4.2 Quadro Político em Goiás Durante a Ditadura Militar
Durante 21 anos, o regime militar, na marra e na lei, destruiu os partidos que
surgiram no cenário político com o fim da ditadura Vargas, em 1945. Também
reduziu o número de eleições e de cargos em disputa, editou o Código Eleitoral (Lei
4.737/65, em grande parte vigente até hoje), a Lei Orgânica dos Partidos Políticos
(Lopp, ou seja, a Lei 4.740/65, que só veio a ser totalmente revogada em 1995), o
Pacote de Abril e a Lei Falcão, dentre as mais conhecidas.
Atuava-se sob o lema "para cada eleição, uma nova lei que impeça o avanço
oposicionista". No período ditatorial, foram editados 24 decretos-leis e leis, alterando
o Código Eleitoral de 1965. Outros 18 diplomas legais introduziram alterações na
Lopp. Surgiam sempre por encomenda, objetivando modificar os rumos da eleição
seguinte; enfim, um festival de casuísmos legais que intentava impedir a vitória da
oposição.
Outros foram criados com base no Ato Institucional nº 2 (Aliança Renovadora
Nacional – Arena e Movimento Democrático Brasileiro – MDB). Mais tarde, criou-se
o esdrúxulo instituto da sublegenda, para dar alguma elasticidade ao cenário de
bipartidarismo imposto; a democracia e a soberania popular, na sua plenitude, foram
suprimidas; instituíram-se "eleições indiretas" para presidente da República,
governador e, a partir de 1978, para um terço dos senadores, os biônicos (na
verdade, tratava-se de verdadeiras indicações do Executivo para compor o Senado
Federal, tudo sob estreito controle militar, como já vinha ocorrendo com os prefeitos
60
das capitais, estâncias hidrominerais e áreas de segurança nacional, todos
indicados, e não eleitos).
Analisando os dados das eleições do período de exceção, Pereira, Caropreso
e Ruy (1984) concluem que nem assim os conservadores venceram, a considerar-se
o MDB como pólo oposicionista e instrumento de luta pela democracia. Mesmo sob
feroz repressão, com a cassação de mandatos eletivos, desmantelamento das
entidades da sociedade civil, censura à imprensa, prisões, tortura e assassinatos de
lideranças oposicionistas, os votos dados à Arena, de 1966 até 1978, e ao seu
sucedâneo, o PDS, em 1982, continuaram em queda livre. Foram 50,5% nas
eleições de 1966, o melhor resultado do período militar; 48,4% em 1970; 40,9% no
pleito de 1974; 40% em 1978; e apenas 38,6% em 1982, quando reinstituídos o
pluripartidarismo (com o fim precípuo de fragmentar a oposição ao regime) e a
eleição para os governos estaduais.
No período, não faltou nem mesmo a solução de prorrogar os mandatos de
prefeitos e vereadores, cancelando-se, via Emenda Constitucional, as eleições
municipais de 1980. Menos eleições, menos derrotas para a Arena e, depois, para o
PDS, era a lógica dos estrategistas do regime de exceção.
Em Goiás, pelo menos em parte deste período ocorreu o contrário: a Arena
cresceu a ponto de quase sufocar o MDB. Segundo análise de Borges (2004), houve
alguma competição nas eleições de 1966, quando da formação dos partidos;
contudo, nas eleições seguintes, o resultado foi bastante favorável ao regime militar.
Durante o período militar, em Goiás e no país, os partidos políticos não eram
propriamente partidos, no sentido de representantes de interesses e instrumentos de
mediação política. Muito menos as eleições significavam uma competição pelo
poder, já que eram feitas de acordo com a necessidade que o regime tinha de não
61
ter opositores. Desta forma, os dois partidos existentes, Arena e MDB, agiam como
atores em um simulacro de ambiente democrático, que servia para referendar um
sistema político não-democrático.
Nas eleições de 1969, o MDB não apresenta candidatos a
prefeito em 90 municípios, ausência que cresce para 127 em
1972. Na maioria dos casos, a disputa eleitoral acontece
exclusivamente dentro da Arena, e um dos candidatos em
sublegenda arenista apresentava-se como alternativa eleitoral
dos emedebistas. (...) A redução da máquina emedebista tem a
ver com o seu afastamento do poder, e decorrência das
derrotas eleitorais. Em 1969, o partido elege 55 prefeitos e, em
1972, apenas 27. Nas eleições de 1970 e 1972, para as
Câmaras Municipais, reforça-se a “marcha para extinção” do
MDB. (BORGES, 2004, p. 134)
Em Goiás, alojaram-se na Arena duas facções da UDN, uma liderada pela
família Caiado e a outra que tinha à testa Otávio Lage. No MDB ficaram as
lideranças do PSD que, em 1968, ainda tinham Pedro Ludovico senador e o prefeito
de Goiânia, Íris Rezende – ambos foram cassados pelo regime em 1969,
influenciando a derrocada das oposições no Estado.
Na verdade, ocorreu que em muitas cidades só existiram MDB e Arena por
questões irresolvidas de grupos e famílias, abrigados sob o manto do situacionismo
regional, mesmo considerando a existência, à época, da sublegenda (que permitia
haver mais de um candidato para os cargos). Quando o MDB vencia pleitos para
Prefeituras, vários prefeitos aderiam à Arena, em busca de apoio para poderem
governar sob um Estado autoritário.
Borges (2004) observou que, sendo o regime militar responsável pela
indicação dos governadores, prefeitos (da capital, de Anápolis – a maior cidade de
Goiás –, de Caldas Novas – estância hidrotermal) e senadores, ficaram esvaziados
os espaços públicos de explicitação de projetos e medição de forças.
62
A luta entre os grupos no interior do partido governamental pela conquista do
aparelho estatal goiano passou a ocorrer nos gabinetes de Brasília, tornando inútil
qualquer compromisso social, já que não precisavam de apoio popular, não existiam
eleições, o que descaracteriza uma referência do comportamento político.
O primeiro governador de Goiás, “alçado democraticamente” durante o regime
militar, foi Otávio Lage, que governou de 1966 a 1970. Ele não colocou em prática
nenhum tipo de planejamento de desenvolvimento estadual, atendo-se a administrar
o Estado em um período conturbado e sob a disputa com seus adversários de
partido, os Caiados, que conseguiram a nomeação de Leonino Caiado para prefeito
de Goiânia, em 1969, e para governador do Estado, em 1970.
Quando os nomes do governador e senador eram apresentados por Brasília,
o governante que então ocupava estes cargos perdia quase totalmente o controle da
máquina administrativa, que já passava às mãos dos novos ungidos. Isto ocorreu em
1974, quando foram indicados Irapuan Costa Júnior para governador e Manoel dos
Reis para senador. A escolha de Brasília não contemplou nenhuma das duas
facções, a dos Caiados e a de Otávio Lage; contudo, o grupo caiadista não ficou
contrariado, enquanto Lage tomou uma postura de que “não veta, não apóia e não
participa”.
Esta escolha teve repercussões nas hostes caiadistas; o senador Emival
Caiado, descontente com seu grupo (em face de ter sido preterido para concorrer à
reeleição), rompeu com ele, atribuindo a “rejeição ao seu nome para a disputa ao
Senado em reeleição ao descaso do governador Leonino, seu primo e líder do
grupo” (BORGES, 1984, p. 146). Assim, mesmo antes da convenção e a oito meses
do final de seu mandato, renunciou. Este episódio ficou conhecido nacionalmente
como “a patética renúncia”.
63
Para tentar acalmar os ânimos da Arena, o Ministro da Justiça Petrônio
Portela esteve em Goiás, com a missão de recolher nomes possíveis para o governo
e o Senado, que todos sabiam já ter sido escolhidos e que não mudariam.
Para o Senado, no entanto, fatores nacionais influenciaram a eleição
(inflação, crise do petróleo etc.). O voto oposicionista dos grandes centros pesou e a
votação nas principais cidades goianas – Anápolis e Goiânia – aumentou a bancada
do MDB e sua força para a eleição do Senado, dados os deputados eleitos. O
candidato do MDB foi escolhido, segundo Campos e Menezes (1976), por “exclusão”
– Lázaro Barbosa, que havia inclusive perdido a eleição de 1966 para deputado
estadual, mas tinha trânsito no Partido, apesar da resistência de Henrique Santillo,
de Anápolis, e Dário de Paiva, da cidade de Goiás, que ficou com a vaga de
suplente.
Além de capitalizar o voto oposicionista dos grandes centros, descontentes
com vários fatores nacionais, o candidato a senador Lázaro Barbosa valeu-se, em
localidades do interior em que a presença da Arena era forte, de elogios dirigidos ao
governador Otávio Lage e ao governo central, conforme relato de Borges. Nos
comícios, o candidato repetia: “Arena e MDB são partidos da revolução, ambos
estão engajados no mesmo processo de luta pelo desenvolvimento nacional” (apud
BORGES, 2004, p 148). Esta estratégia deu resultados e o candidato do MDB a
senador venceu as eleições com 11,8% de votos a mais que o da Arena.
O MDB goiano aumentou sua representação na Câmara Federal de quatro
para cinco representantes, e na Assembléia Legislativa de 12 para 15, enquanto a
Arena, devido a mudanças na representação dos Estados feitas pelo regime militar,
passou de sete deputados federais para oito e na Assembléia Legislativa de 21 para
22 deputados estaduais.
64
As maiores votações individuais foram dirigidas a candidatos da oposição. O
MDB, que parecia fadado a desaparecer em Goiás, ressurgia com força nas eleições
seguintes, para prefeito e vereadores, que ocorreram em 1976, conseguindo eleger
72 prefeitos (a Arena fez 147). É importante esclarecer estes números: apesar de a
maioria de prefeitos ainda ser da Arena, ela sofreu uma redução de 53 Prefeituras
em relação ao período anterior.
Estas eleições, de 1974 e 1976, fizeram que fossem diminuídas as vantagens
numéricas de representantes governistas no Senado e Câmara Federal, como
também nas Assembléias estaduais. Este fato levou o governo militar a esboçar uma
reação – o Pacote de Abril de 1977. O presidente militar da época, general Geisel,
baixou em 1° de abril daquele ano o Ato Complementar nº 102, nos termos do AI-5,
e decretou o recesso do Congresso Nacional. Em seguida, no dia 13 de abril,
sancionou a Emenda Constitucional nº 7, que reformava o Judiciário; no dia
seguinte, decretou a Emenda nº 8, que alterava o processo eleitoral.
As principais modificações ocorreram nos seguintes pontos:
i) Eleição indireta para governadores: estes passariam a ser escolhidos por um
colégio eleitoral composto dos deputados estaduais, mais um vereador de cada
município e, em municípios com mais de 200 mil habitantes, mais um vereador para
este montante, indicados pelo partido com maior representação na casa;
ii) Eleição indireta para senadores: o mesmo colégio que elegeria o governador
também elegeria a um terço dos senadores: seriam os “senadores biônicos”;
iii) Lei Falcão: proibia protestos de oposição contra as políticas econômicas e sociais
e também vedava a veiculação de debates políticos;
iv) Colégio Eleitoral e mandato presidencial: o mandato do presidente era
aumentado para seis anos e o Colégio Eleitoral que o elegeria seria formado por
65
congressistas e representantes das Assembléias Legislativas, de onde mandarão
delegados, um para cada milhão de habitantes. Antes, a proporção era de um para
500 mil habitantes.
Dentro destas novas “regras” ditadas por Brasília, os embates internos ao
partido governista goiano novamente ocorreram, envolvendo a família Caiado e o
grupo liderado pelo ex-governador Otávio Lage, aos quais agora também se juntava
outra facção, formada pelos partidários do então governador Irapuan Costa Júnior.
Brasília deu preferência ao deputado Ary Valadão para o governo estadual,
ligado politicamente aos Caiados, e a Arena se desagregou. Como conseqüência,
Otávio Lage não participou da campanha e anunciou sua aposentadoria política;
Irapuan Costa Júnior cuidou para que não houvesse uma transferência informal de
seu último período de governo para Ary Valadão e usou a máquina estadual para
beneficiar exclusivamente candidatos proporcionais a ele ligados.
No MDB, ficaram frustradas as pretensões dos deputados Henrique Santillo e
Juarez Bernardes de concorrer ao cargo de governador. Santillo e Bernardes
passaram a articular suas pretensões para a eleição seguinte e tentaram o Senado.
Um fato, porém, aconteceu nesse ínterim: a volta de dois líderes cassados pelo
regime militar – Íris Rezende e Mauro Borges. O primeiro apoiou a candidatura de
Bernardes, e o segundo, a de Santillo, que venceria a disputa. Localiza-se aí o
germe da discórdia nas hostes oposicionistas.
Na Câmara dos Deputados, o MDB elegeu seis representantes, aumentando
um em relação à eleição anterior, enquanto a Arena manteve os oito deputados, em
razão do cálculo instituído pelo Pacote de Abril. Na Assembléia estadual o MDB
elegeu 17 representantes, dois a mais que na outra eleição, e a Arena perdeu duas
cadeiras, fazendo 21 deputados.
66
O governo de Ary Valadão encontraria dificuldades em relação à Assembléia
Legislativa, já que o grupo ligado ao ex-governador Irapuan elegeu três deputados
federais (José de Assis, Francisco de Castro e Genésio de Barros) e nove estaduais
(Habib Issa, Wander Arantes, Wolney Siqueira, Humberto Xavier, Adjair Lima,
Domingos Venâncio, Manoel Libâneo, Paulo Rezek e Helenês Cândido); de sua
parte, Ary Valadão elegeu somente dois deputados federais (Anízio de Souza e
Brasílio Caiado) e dois estaduais (Turmim de Azevedo e Gilson Alves). Os acordos
para inviabilizar os projetos de Ary Valadão na Assembléia Legislativa aconteceram
já no início do mandato.
Henrique Santillo saiu desta eleição como candidato natural ao governo de
Goiás para o próximo pleito; contudo, o retorno de Íris Rezende e Mauro Borges
alterou este quadro, como veremos no próximo capítulo, em que analisaremos Goiás
após a redemocratização.
Buscamos apresentar uma síntese do ambiente político vivenciado em Goiás
no período da ditadura militar. Apesar de quase ter havido uma mudança no grupo
reinante, o que se viu foi uma troca de oligarquias no comando estadual: voltaram os
Caiados, desta vez repartindo nacos de poder com Otávio Lage e Irapuan Costa
Júnior.
A ditadura militar impôs o bipartidarismo, sublegenda e outros artifícios para
instituir um arremedo de democracia no país. Em Goiás, no início deste período,
quase não existiu o partido de oposição – MDB, já que o instituto da sublegenda
poderia acomodar, tranqüilamente, os partidários do PSD e UDN. Porém, querelas
entre grupos locais não o permitiram. Depois, por pressão dos grandes centros e de
fenômenos nacionais, o MDB conquistou mais espaços, mesmo porque os grupos
situacionistas brigaram entre si.
67
Neste período, entretanto, queremos chamar a atenção para a forma como os
detentores da máquina estadual a utilizaram para o beneficio da classe dominante,
por meio de políticas regionais. Desde já apontamos dois momentos importantes, os
do governo de Leonino Caiado e o de Irapuan Costa Júnior.
4.3 A Modernização da Agricultura
Durante o período do governo militar, o Estado promoveu a modernização
agrícola no país, buscando atender aos ditames da articulação entre o modo de
produção capitalista e as formas não-capitalistas de produção rural, que
beneficiavam a formação de capital urbano. Oliveira (1972) viu nesta estratégia a
consolidação do “pacto estrutural” entre a burguesia urbana e as classes dominantes
rurais. Este pacto “permitiu ao sistema deixar intactas as bases de produção agrária”
(OLIVEIRA, 1972, p. 18). No entanto, a implementação desta política só foi possível
com repressão aos movimentos de trabalhadores rurais e suas pretensões de
reforma agrária.
Goodman, Sorg e Wilkinson (1985) demonstram que as condições
necessárias para a reprodução ampliada do capital industrial colaboraram para o
desenvolvimento agrícola brasileiro no pós-guerra. Apontam, contudo, para uma
mudança de foco na estratégia, que passou da ocupação de fronteiras para a
capitalização da produção rural, através da forte participação estatal, com políticas
de investimentos subsidiados.
Reconhecem, também, que a expressão “modernização conservadora” foi
bastante adequado, devido aos investimentos que propiciaram a inovação
tecnológica e o aumento de produtividade; o objetivo foi o de transformar o latifúndio
68
em uma grande e moderna empresa agrícola. O Estado passou a ser agente de uma
estratégia que buscava transformar a base produtiva da agricultura com vistas à sua
integração ao CAI, unificando os mercados de trabalho rural e urbano e provocando
a “industrialização” da agricultura.
Na interpretação de Germer(1992), seriam duas as principais motivações para
o desenvolvimento capitalista da agricultura brasileira: uma econômica e outra
política. A motivação econômica seria a de mudar a pauta de produtos exportáveis,
uma vez que a antiga já estava com os mercados saturados por produtos agrícolas
com demanda decrescente no comércio internacional (café, borracha, algodão e
outros).
Para tornar isto possível era necessário prover a agricultura nacional de
avanços tecnológicos que pudessem torná-la competitiva nos mercados
internacionais. Aliado a isto, a produção agrícola passou a ser cada vez mais
assentada no trabalho assalariado, que se “expandiu como resultado do processo de
proletarização de pequenos agricultores e trabalhadores rurais até então submetidos
a diversos regimes de trabalho de tipo não-assalariado” (GERMER, 1992, p. 26).
A motivação econômica apontada pelo autor possibilita a compreensão da
motivação política: a contenção de lutas cada vez maiores pela reforma agrária.
Havia um conjunto de interesses que se entrelaçavam, o interesse direto da fração
oligárquico-latifundiária das classes dominantes e o interesse indireto da burguesia
urbano-industrial, que não queria um precedente de lutas sociais contra um setor
das classes dominantes, como já mencionamos.
Esta aliança de interesses promoveu a modernização da agricultura brasileira
– conservadora, em termos sociais, já que não permitiu a reforma agrária e nem
alterou a estrutura de classes no campo. A tecnificação da agricultura é um aspecto
69
fundamental no desenvolvimento capitalista da agricultura brasileira; forneceu a
base para aumentar a produtividade e, conseqüentemente, contribuiu para o
crescimento da mais-valia apropriada pelas classes dominantes.
A tecnificação agrícola se constitui em um instrumento na formação da
produção tipicamente capitalista, ou seja,
significa, basicamente, a instituição, em caráter geral, do
trabalho assalariado e do mercado de trabalho e,
concomitantemente, do mercado de bens-salário, ou seja,
implica transformar definitivamente a massa dos meios de
subsistência em capital, concretamente em capital variável.
Abre-se, assim, novo e vasto campo para a produção
capitalista (GERMER, 1992, p. 28).
Assim sendo, podemos inferir que, em se mudando a base técnica da
produção, fatalmente irá se provocar mudança nas relações sociais, na estrutura de
classes em que a produção se realiza. Esse foi o caso da agricultura brasileira, e
particularmente de Goiás, que tinha como principal atividade econômica a
agropecuária, como vimos.
Apresentaremos, a seguir, as principais características do desenvolvimento
capitalista da agricultura brasileira e como isso afetou o desenvolvimento goiano e
as relações sociais de produção, com a apropriação da mais-valia pelas classes
dominantes nativas.
4.4 As Inovações Tecnológicas
A inovação tecnológica implementada na agricultura brasileira, principalmente
durante o período militar, não deve ser encarada somente como introdução de
recursos tecnológicos para aumento da produtividade agrícola (como tratores,
máquinas e implementos, produtos químicos e fertilizantes, genética e produtos
70
veterinários etc.). As inovações tecnológicas devem ser entendidas em conjunto com
a implantação de um setor industrial nacional provedor dos recursos tecnológicos
necessários, existindo uma correlação entre os dois.
Pode-se citar a indústria de tratores como um exemplo do desenvolvimento
da agricultura capitalista integrada com a economia urbana e industrial nacional. No
ano de 1960 havia 61.345 tratores sendo utilizados no país em estabelecimentos
agropecuários, todos importados – somente entre 1950 e 1960 foram trazidos do
exterior 82.684 dessas máquinas. Um dado importante é que, em 1964, a produção
nacional de tratores já atendia em 90% à demanda interna, com a produção de
88.925 unidades, chegando a atender a 99% da demanda interna em 1970.
Em Goiás, houve um forte crescimento na mecanização agrícola: em 1960
existia um número muito reduzido de tratores nos estabelecimentos agropecuários –
1.349, passando para 5.692 no ano de 1970 (Tabela 10), um forte crescimento
intercensitário, se comparado aos dados do Brasil como um todo, nos períodos
subseqüentes. Se o número dessas máquinas aumentou em dez vezes em termos
nacionais, em Goiás o crescimento foi de 25 vezes.
Tabela 10: Números de tratores na agricultura – Brasil e Goiás (1960-85)
ANOS BRASIL VARIAÇÃO (%) GOIÁS VARIAÇÃO (%)
1960
18
61.345 1.349
1970 165.869 170 5.692 321,94
1980 545.205 229 27.600 384,89
1985 665.280 22 33.548 21,55
Fonte: Fibge/Seplan-GO.
18
Os dados até 1980 de Goiás incluem o Estado do Tocantins.
71
A mecanização da agricultura, concomitantemente com o aumento na escala
de produção e o financiamento da incorporação de novas tecnologias, com farto
subsídio estatal, promoveu uma forte acumulação de capital e a proletarização da
força de trabalho. Em Goiás estes efeitos foram mais potencializados, devido à sua
configuração particular, dependente e subordinada ao centro dinâmico da economia
nacional.
O processo de mecanização pode ser dividido em duas vertentes: a do
aumento da produtividade do trabalho e a do incremento da produtividade da terra,
isto é, do aumento do rendimento físico da produção. Tratores, colheitadeiras e
implementos mecânicos são poupadores de força de trabalho e, ao mesmo tempo,
produzem um maior excedente de mais-valia por trabalhador, auferido pelo
empregador. No tocante à produtividade do rendimento da terra, relaciona-se com
produtos químicos e biológicos utilizados, como adubos, fertilizantes, pesticidas,
sementes adaptadas e afins; não trazem ganhos de mais-valia, mas através da
produtividade aumentada da terra.
Quando este processo de desenrola em uma estrutura econômica capitalista
já desenvolvida, o efeito mais imediato é o de desemprego setorial, localizado;
quando, porém, ocorre em uma formação capitalista incipiente e que mantém, ainda,
relações pré-capitalistas de produção, o resultado é bastante significativo: o êxodo
rural, que expulsa os trabalhadores não-assalariados do latifúndio que se mecaniza.
A mecanização afeta também as pequenas e médias propriedades que se
tecnificam. Os tratores e implementos agrícolas substituem postos de trabalho que,
na pequena e média propriedade, eram ocupados pelos membros das famílias.
Assim, os grandes grupos familiares, tão comuns no campo, são afetados, obrigando
muitos membros a migrar para outras regiões à procura de trabalho.
72
Em que pese ser o êxodo rural um assunto já amplamente discutido, o nosso
recorte deste tema impõe abordá-lo com vistas ao nosso objeto de estudo. De fato, o
Estado de Goiás foi afetado e, como conseqüência, transformaram-se as relações
sociais de produção, que eram predominantemente pré-capitalistas, como
discutimos anteriormente. A urbanização estadual foi significativa no período
estudado, ou seja, nas décadas de 1960-80.
Tabela 11: Goiás – População Urbana e Rural (%) (1940 a 1980)
POPULAÇÃO URBANA POPULAÇÃO RURAL
ANO
GOIÁS BRASIL GOIÁS BRASIL
1940 17,2 31,2 82,8 68,7
1950 20,2 36,2 79,8 63,8
1960 30,1 44,7 69,9 55,3
1970 42,1 55,9 57,9 44,1
1980 62,2 67,6 37,8 32,4
Fonte: Anuário Estatístico – Fibge.
Como podemos observar na tabela acima, de 1960 a 1980, a participação da
população urbana goiana em relação à população total dobrou em termos
percentuais, enquanto que a população rural teve sua participação na população
total decrescida em 45,9%. Se compararmos com a distribuição da população
brasileira, podemos notar que Goiás possuía um perfil bastante distinto na década
de 60: aproximadamente três goianos em quatro moravam no campo, enquanto em
todo o país essa proporção se aproximava de um para um; 20 anos depois, as
proporções já eram praticamente as mesmas: no Estado havia, praticamente, um
morador no campo e dois na cidade.
Estes números, se comparados ao país, mostram o forte processo de
urbanização ocorrido em Goiás, cujas características peculiares se apresentam
73
dentro dos impactos havidos na modernização conservadora do campo e suas
políticas, que induziram fortes modificações no perfil demográfico ali onde atuavam.
Outro aspecto importante do processo de modernização agrícola foi o
aumento na escala de produção, que implica a manutenção e/ou ampliação da
propriedade fundiária – em outras palavras, afeta diretamente a pequena
propriedade, na medida em que precisa de maior volume de capital ou de meios de
acesso ao crédito disponível.
A mecanização é importante para explicar esse fator, já que somente a
aquisição de um trator necessita de um volume de recursos considerável para
pequenos ou médios proprietários; além disso, deverão ser adquiridos outros
implementos acessórios, como máquinas para o plantio, arados etc. Como
conseqüência, os pequenos produtores, não conseguindo se tecnificar, acabam por
vender suas propriedades e se transferem para a cidade, aumentando, dessa forma,
o êxodo rural. Este passa a ser, assim, não somente de trabalhadores, mas também
de pequenos produtores.
Se, por um lado, a mecanização afeta as relações sociais de produção, com
impactos no desemprego rural, por outro há evidentes ganhos de produtividade,
ocasionando aumento da escala de produção. Só este fator implica um rearranjo na
distribuição fundiária, ao passo que a crescente mecanização necessita de capital
para se realizar. Assim sendo, quanto mais cresce a escala, tornam-se necessárias
propriedades maiores e volumes crescentes de capital, visto que vai se tornando
necessário o uso de outros implementos e equipamentos para fazer frente ao
aumento da escala de produção.
74
Para que fosse possível esse aumento na escala de produção houve
necessidade de capital. Isso se deu através da financeirização da agricultura, do
modo de capitalização do produtor.
4.5 A Financeirização da Agricultura Brasileira e os Impactos em Goiás
O processo de modernização conservadora da agricultura no país só foi
possível porque houve crédito disponível para implementar uma revolução técnica
nos padrões de produção. Este financiamento da acumulação e da incorporação de
tecnologias mais avançadas permitiu aos latifundiários obterem maiores escalas de
produção mais rapidamente do que se, em princípio, fossem aplicar recursos
próprios, obtidos de lucros da sua atividade.
Com o crédito disponível, tornou-se possível aumentar a escala de produção,
mesmo antes da produção em si e de obter lucro com a venda antecipada desta. O
crédito antecipado induz ao aumento da produção, ainda que esta se realize sem
lucro ou com pequenas margens de lucro.
O impacto do crédito rural para o aumento da produção agrícola é bastante
conhecido, porém, para o nosso estudo, torna-se importante focalizá-lo, para
podermos situar Goiás neste processo, visto ser um Estado, como vimos, que possui
uma economia baseada na agropecuária.
O crédito rural serviu aos interesses da classe dominante goiana. Houve um
aprofundamento da concentração fundiária em Goiás, o que possibilitou ao grande
latifúndio manter e até ampliar suas atividades agrárias no período da
“modernização conservadora”.
75
Costa (1987) buscou argumentar que os recursos do crédito rural destinados
a Goiás foram de pouca monta. Quanto à afirmação de que a participação do Estado
na distribuição do crédito rural brasileiro foi desfavorável para o setor agrícola
goiano, merece ser vista com cautela quando se compara o montante aos recursos
totais do Brasil.
A tabela 12 mostra o ponto de vista do autor. Servir-nos-emos dela para
apontar algumas observações que não mereceram destaque em sua análise, mas
que para nós são significativas.
Tabela 12: Participação (%) de Goiás no Crédito Rural
PARTICIPAÇÃO (%) DE GOIÁS NO SNCR
Ano
Agricultura Pecuária Total GO/BR
1969 4,8 4,0 4,6
1970 3,6 5,3 3,8
1971 4,1 4,9 4,3
1972 4,1 5,8 4,6
1973 4,1 5,8 4,6
1974 4,5 6,4 5,1
1975 4,6 7,1 5,3
1976 4,9 7,0 5,5
1977 3,7 6,7 4,4
1978 3,5 7,6 4,8
1979 4,4 6,9 4,7
Fonte: Banco Central do Brasil (apud COSTA, 1987, p. 67).
Podemos verificar que, em Goiás, foram os pecuaristas que receberam
maiores recursos, proporcionalmente ao crédito rural total do país. A própria
dinâmica da produção pecuária brasileira exigia uma maior disponibilidade de terras,
portanto, uma maior concentração fundiária. Este fato, na verdade, aprofundou ainda
mais a concentração fundiária no Estado. Vejamos outros dados.
Em Goiás, apesar de o percentual da área das pequenas propriedades ter se
mantido a mesma de 1970 a 1980 (0,3% do total), a quantidade diminuiu de 13,2%
76
para 12,5%. Houve, também, decréscimo nos estabelecimentos com áreas que vão
de 10 hectares a menos de 100 hectares – de 9,9% para 8,0% do total no mesmo
período, com diminuição no número de estabelecimentos, de 50% para 47,1%.
Tabela 13: Área e número de estabelecimentos (%), segundo extratos Goiás e
Brasil (1970-80)
ÁREA DOS ESTABELECIMENTOS, SEGUNDO GRUPOS DE ÁREAS (%)
1970 1975 1980
Área em há
Goiás Brasil Goiás Brasil Goiás Brasil
Menos de 10 0,3 3,1 0,4 2,8 0,3 2,4
10 a menos que 100 9,9 20,4 8,5 18,6 8,0 17,4
100 a menos que 1.000 42,8 37 41,1 35,8 40,9 34,3
1.000 a menos que 10.000 39,4 27,2 41,0 27,7 41,8 28,6
10.000 e mais 7,6 12,3 9,1 15,1 9,0 17,2
NÚMERO DOS ESTABELECIMENTOS, SEGUNDO GRUPOS DE ÁREAS (%)
1970 1975 1980
Área em há
Goiás Brasil Goiás Brasil Goiás Brasil
Menos de 10
13,2 51,4 14,9 52,1 12,5 50,4
10 a menos que 100
50 39,4 46,8 38,1 47,1 39
100 a menos que 1.000
32,8 8,4 33,7 8,9 35,4 9,5
1.000 a menos que 10.000
3,9 0,7 4,4 0,8 4,8 0,9
10.000 e mais
0,1 0,03 0,1 0,04 0,2 0,05
Fonte: IBGE (1970; 1975; 1980).
No subextrato de 100 a menos de 1.000 hectares, houve uma diminuição na
área (de 42,8% para 40,9%), com um aumento no número de estabelecimentos (de
32,8% para 35,4% do total). Entretanto, se prestarmos atenção aos segmentos em
que se situam as maiores propriedades, verificamos ter havido uma forte
concentração fundiária: houve, nas áreas cujos estabelecimentos encaixam-se no
subextrato de 1.000 a 10.000 hectares, um aumento de 39,4% para 41,8% do total,
com um crescimento no número de estabelecimentos de 3,9% para 4,8% do total de
Goiás; no segmento mais alto, de propriedades com áreas de mais de 10.000
hectares, houve um acréscimo de 7,6% para 9,0%, com um aumento do número de
estabelecimentos de 0,1% para 0,2%.
77
Outro ponto importante a ser salientado na tabela acima é a comparação das
áreas dos estabelecimentos e de seu número em Goiás e no país inteiro. A
distribuição fundiária nos diversos subextratos é bastante diferente, denotando ser
menos concentrada em Goiás do que no restante do Brasil. Enquanto nos dois
subextratos superiores, em 1980, estes estabelecimentos contavam com mais da
metade (50,8%) da área de Goiás, em termos nacionais este número era até
relativamente igual (atingia 45,8%): o diferencial que aponta a concentração está na
quantidade destes estabelecimentos, já que em Goiás havia 5% do total, enquanto
no Brasil era de 0,95%.
Além do que se refere à concentração fundiária, discordamos de Costa (1987)
quando este afirma que a distribuição de crédito foi desfavorável ao Estado de
Goiás, o quinto maior beneficiário na década de análise do autor. Os créditos
recebidos nos anos 70 foram distribuídos para São Paulo (19,7%), Rio Grande do
Sul (18,6%), Paraná (13,9%), Minas Gerais (13%) e Goiás (7,1%). Estes cinco
Estados receberam 72,3% do total de financiamentos institucionais no ano de 1975;
se analisada sua participação no valor bruto da produção, “eles contribuíram com
cerca de 68%” (ARAÚJO, 1983, p. 334).
Algumas conclusões a respeito da aplicação do crédito rural foram trazidas
por Pinto:
1- Para nenhum produto e em nenhuma região, o aumento da
produção acompanhou a expansão dos recursos destinados ao
financiamento da agricultura.
2- Para nenhum produto e em nenhuma região, o aumento da
produtividade correspondeu ao crescimento do valor do crédito
rural.
3- A nível nacional, (...) com exceção do arroz em 70/72,
nenhum produto apresentou acréscimo de produção ou
produtividade que se comparasse com o incremento dos
recursos do crédito para o custeio (...).
4- Os produtos mais favorecidos pela política de crédito rural
foram aqueles que são considerados dinâmicos, no sentido de
que se relacionam fortemente com as indústrias que se situam
78
a montante e a jusante do processo produtivo (...), entre os
produtos mais favorecidos temos: algodão, café, cana, soja,
trigo e inclusive arroz em algumas regiões (...).
5- Os produtos chamados de “mercado interno”, voltados para
a alimentação, e que são a base da subsistência das
populações de menor renda, foram aqueles que menos
recursos receberam, em termos relativos, através da política de
crédito rural (...).
6- A desigual distribuição dos recursos de crédito rural entre as
diversas regiões do país – em favor daquelas mais
desenvolvidas e em prejuízo daquelas mais atrasadas,
notadamente o Nordeste – sem dúvida alguma vem contribuir
para o aprofundamento das desigualdades regionais (...).
7- A desigual distribuição do crédito dentro das regiões, tanto
entre produtores como entre produtos, é acentuada, e este é
um fato que não se pode marginalizar (...).
8- Na medida em que há uma concentração do crédito rural
entre os produtores, em favor dos maiores; dos produtos, em
favor dos mais dinâmicos; entre regiões, em favor das mais
desenvolvidas, o que se verifica é uma política de crédito
comandada por aqueles setores mais integrados ao processo
de acumulação do capital na economia brasileira. Os
financiamentos estão dirigidos, principalmente, para aqueles
produtores, produtos e regiões que utilizam mais intensamente
os insumos e equipamentos ditos “modernos” [...] (1980, pp.
182-6).
Estas constatações podem ser mais bem observadas se analisarmos a
participação dos pequenos estabelecimentos rurais no crédito rural total do país, vis-
à-vis sua participação na produção.
Em 1970, os pequenos estabelecimentos (menos de 10 hectares)
representavam 51,1% das propriedades e responsáveis por 17,79% da produção,
em 3,14% da área total; não obstante, recebiam somente 5,48% do total de crédito.
79
Tabela 14: Crédito Rural x Nº de Estabelecimentos e Produção – Brasil
CENSO 1970 CENSO 1975
Área (ha) Estabelec. (%) Área Produção Crédito Estabelec. (%) Área Produção Crédito
Menos de 10 2.519.630 51,1 3,14 17,79 5,48 2.601.860 52,1 2,77 14,76 3,18
10 a menos
de 100
1.934.392 39,3 20,53 40,04 33,06 1.898.949 38,0 18,57 38,46 28,21
100 a menos
de 1.000
414.746 8,4 36,84 29,31 41,75 446.170 8,9 35,79 32,90 43,89
1.000 a
menos de
10.000
35.425 0,7 27,00 10,73 15,59 39.648 0,8 27,75 12,24 19,38
10.000 ou
mais
1.449 0,1 13,54 1,84 3,98 1.820 0,1 15,11 1,31 3,72
De tamanho
não
declarado
18.377 0,4 - - - 4.805 0,1 - - -
Total
4.924.019 99,9 4.993.252 100
Fonte: Massuquetti (1998, p. 32).
No que se refere a 1975, chamamos a atenção para que o número de
pequenos estabelecimentos aumentou para 52,1%, mas recebendo apenas 2,77%
do total de créditos, diminuindo sua produção para 14,76% do total.
Fica claro que as grandes e médias propriedades receberam a maior parte
dos créditos. Outros dados que comprovam o favorecimento de médios e grandes
proprietários rurais em detrimento de pequenos são vistos na tabela seguinte.
Em 1970 e 1975, os estabelecimentos rurais com menos de 10 hectares
recebiam financiamentos equivalentes a 5% e 6% da produção, e CR$ 38 e CR$
200 de crédito por hectare cultivado, respectivamente. Já os estabelecimentos rurais
com mais de 10.000 hectares recebiam financiamentos de 36% e 75% da produção,
e CR$ 840 e CR$ 3.143 pela mesma área cultivada, respectivamente.
80
Tabela 15: Comparações entre o valor do financiamento com o valor da
produção e com a área em diferentes extratos de área – Brasil (1970 e 1975)
ÁREA DO
ESTABELECIMENTO
(HA)
PARTICIPAÇÃO DO
FINANCIAMENTO EM
RELAÇÃO AO VALOR DA
PRODUÇÃO
(%)
VOLUME DE CRÉDITO POR
ÁREA CULTIVADA
(CRUZEIROS/HA)
Ano 1970 1975 1970 1975
Menos de 10 0,05 0,06 38,00 200,00
10 a menos de 100 0,13 0,19 87,00 631,00
100 a menos de 1.000 0,23 0,35 182,00 1.256,00
1.000 a menos de 10.000 0,24 0,42 255,00 1.654,00
10.000 e mais 0,36 0,75 840,00 3.143,00
Fonte: Pinto (1980, p. 145).
Segundo dados de Araújo (1983), o número de estabelecimentos rurais que
participavam do Sistema Nacional de Crédito Rural – SNCR era de
aproximadamente 8,3% do total, em 1970. Em 1975, este índice subiu para 14,4%.
Este é mais um dado que comprova a concentração do crédito em poder de um
reduzido número de proprietários rurais. Além disso, Araújo (1983) e Rego (1980)
salientaram que a distribuição de crédito rural era feita de forma desigual pela
principal instituição fornecedora, o Banco do Brasil, no momento em que os
favorecidos estavam sendo os médios e grandes proprietários, como se pode
observar na Tabela 16, relativa ao período de 1969-76.
Araújo e Almeida alertaram para a
distribuição dos benefícios da política de crédito – que por sua
própria natureza, é seletiva – foi diferente daquela determinada
pelas políticas macroeconômicas que discriminaram a
agricultura. Os principais beneficiários da política de crédito
foram os grandes e médios agricultores, não somente por
terem aumentado a produção e renda, mas também pela
valorização do preço da terra. Só uma reduzida parcela dos
pequenos agricultores foi beneficiada pela política. (...) Em
outras palavras, isto significa dizer que o acelerado
crescimento da economia brasileira como um todo e da
agricultura em particular, na década de 70, revela um êxito
apenas parcial da estratégia de políticas econômicas,
81
penalizando a agricultura em nível macroeconômico e
compensando este setor com o crédito fácil e barato. Embora
nesse período o uso de crédito tenha revelado uma correlação
positiva com alguns indicadores de modernização e com
crescimento da produção, não se podem deixar de lado os
aspectos negativos dessa política, agravando alguns
problemas estruturais sérios, como a concentração da renda,
em termos pessoais, funcionais e regionais. Além disso, é
claro, perdeu-se uma excelente oportunidade de aproveitar,
para o desenvolvimento social e econômico, em toda a sua
plenitude, o potencial da formidável dotação dos recursos terra,
clima e mão-de-obra do País, quando os preços das principais
commodities eram favoráveis no mercado internacional. (1996,
pp.162-3)
Tabela 16: Distribuição percentual do valor dos financiamentos rurais do
Banco do Brasil, segundo o tamanho do empréstimo – Brasil (1969-76) (1)
EMPRÉSTIMOS AGRÍCOLAS EMPRÉSTIMOS PECUÁRIOS
ANO
Pequenos Médios Grandes Pequenos Médios Grandes
1969 30,95 45,81 23,24 42,54 42,11 15,35
1970 27,57 47,16 25,27 39,45 45,91 14,64
1971 24,61 43,99 31,40 30,32 51,26 18,42
1972 20,69 42,17 37,14 28,92 50,09 20,99
1973 17,22 38,75 44,03 17,43 47,62 34,95
1974 15,12 37,43 47,45 17,24 48,41 34,35
1975 11,77 34,18 54,05 15,06 49.48 35,42
1976 11,38 35,09 53,53 12,12 40,97 46,91
Fonte: Araújo (1983, p. 342).
NOTA: (1) De 1969 a 1973, o pequeno empréstimo tinha valor até 50 vezes o maior salário mínimo do
País; o médio se situava entre valores acima de 50 salários e até 500 salários; e o grande
empréstimo tinha valor superior a 500 salários. A partir de 1974, passou-se a considerar parâmetro o
valor global da produção anual e o total das operações de crédito, expresso como Maior Valor de
Referência - MVR (Carta Circular do Banco Central do Brasil - Bacen n° 109 de 20/2/74).
Não há porque duvidar que estes mesmos fatores aconteceram em Goiás.
Assim, o crédito rural que os produtores receberam foram, em sua maior parte, para
os de subextratos médio e grande.
Outro fator que também discriminava o pequeno produtor eram as condições
impostas para a obtenção do financiamento, que favoreciam os grandes produtores.
Era exigida a propriedade da terra como garantia e a própria seletividade bancária,
82
que favorecia os clientes com menor nível de risco, isto é, os grandes proprietários,
além disso, condicionava-se ao empréstimo a aquisição de máquinas e implementos
agrícolas. Todos estes fatores induziam à concentração fundiária.
A concentração fundiária ocorreu em Goiás e também no restante do país,
como acabamos de demonstrar. Um aspecto relevante a ser analisado no nível
estadual será a mudança na produção agrícola e seus impactos na divisão de sua
renda interna, que nos dará pistas de como se situou a classe dominante nativa
neste processo.
4.6 Transformações nas Relações Sociais de Produção em Goiás
Na medida em que o desenvolvimento capitalista avançou em Goiás, afetou a
estrutura de classes existente, alterando em profundidade as relações sociais de
produção, como veremos mais adiante.
Em Goiás, como vimos, os recursos públicos, aplicados em grande monta,
afetaram a base de produção, a agricultura e a pecuária, notadamente a primeira.
Este processo se deu de forma diferenciada, no âmbito interno ao Estado. Se
tomarmos como linha divisória o paralelo 13, onde se inicia o atual estado do
Tocantins, podemos apontar, simplesmente, um único aspecto da modernização da
agricultura – o número de tratores existentes em 1980 que servirá de comparação
entre a parte mais afetada por este processo. Nesta data, somente 10% dos tratores
existentes em Goiás estavam na região Norte, acima do paralelo 13, território que
compreendia 45% da área estadual.
Com estes números, e pelo que apontamos dos programas que foram
implementados pelo Estado, a região Centro-Sul de Goiás foi fortemente afetada
83
com a implementação da modernização conservadora, na medida em que se
manteve sua estrutura fundiária, gerando sérios desarranjos na organização social
no campo.
A incorporação de tecnologia por parte dos produtores rurais – em sua
maioria, como vimos, foram os médios e grandes proprietários que tiveram acesso
aos créditos oferecidos pelo Estado – provocou a proletarização do trabalhador rural.
Este processo aponta, por um lado, que o desenvolvimento capitalista no campo
articulou novas relações sociais de produção, mais desenvolvidas, com situações de
relações sociais de produção pré-capitalistas. De outro, ele provocou o surgimento
do trabalhador volante, temporário, em que, além de ser um produto deste processo
de desenvolvimento é, ao mesmo tempo,
resultado da insuficiência e da fraqueza desse
desenvolvimento: da insuficiência do capital em submeter as
forças da natureza, do ponto de vista técnico; da fraqueza de
generalizar essa subordinação, não apenas do ponto de vista
formal, mas sobretudo de uma maneira real e ampla,
revolucionando a produção agrícola em todas as suas fases
(SILVA apud ESTEVAM, 1998, p. 181).
Desta forma, a especificidade do desenvolvimento capitalista da agricultura
gerou a categoria de trabalhador volante, ao menos como uma etapa de seu
desenvolvimento, com a introdução de inovações tecnológicas, em especial em
cultivos voltados à exportação.
A quantificação dos trabalhadores volantes ou temporários é difícil de ser
feita. Os dados do IBGE não abrangem o total efetivo de temporários, inexatidão
advinda em parte da própria não contabilização do produtor e de não saber o
número de trabalhadores utilizados em cada etapa da produção agrícola, o que
dificulta a pesquisa. No entanto, podemos apontar alguns dados que nos permitirão
uma abordagem satisfatória: Estevam (1998) mostra que, na década de 70, nos
84
estabelecimentos de menos de 10 hectares, a relação homem/hectare caiu de 2,35
para 1,70 e, nos estabelecimentos de 10 a 20 hectares, decresceu de 5,11 para
4,29.
Estes dados, por si só, não oferecem muito apoio analítico. Contudo, quando
verificamos que o pessoal ocupado na área de estabelecimentos de até 10 hectares
aumentou 37,5%, bem como nos de 10 a 20 (em 6,85%, de 1970 a 1980), podemos,
então, verificar que os minifúndios passaram a fornecer trabalhadores temporários
para o processo de modernização da agricultura em Goiás.
Conforme demonstrou Vaz (1992), a maior concentração estadual de volantes
ocorreu na região Sudoeste do Estado, justamente na área do Polocentro, onde
atuavam no plantio e corte de cana-de-açúcar e na colheita de algodão.
Utilizaremos, para efeito de análise, os dados desta região de Goiás, devido ao fato
de ter-se beneficiado mais intensamente da ação estatal, nas décadas de 70 e 80,
quando mudou seu perfil produtivo.
O número total de pessoas ocupadas no campo no Sudoeste de Goiás, em
1970, era de 89.730 pessoas, passando para 112.180 em 1975 e para 123.840 em
1980. Somente este crescimento, conforme a tabela, apesar de ser significativo, não
oferece subsídios para uma análise mais detalhada; porém, se observarmos mais
detalhadamente, podemos tirar algumas importantes conclusões. Vejamos.
85
Tabela 17: Pessoal ocupado na agricultura – Sudoeste de Goiás (1970-80)
ANO
TOTAL: PESSOAS
OCUPADAS
MEMBROS
FAMILIARES
EMPREGADOS
PERMANENTES
EMPREGADOS
TEMPORÁRIOS
PARCEIROS OUTROS
SEM
CONTRATO
1970 89.900 36.677 10.468 21.007 10.198 705 10.845
1975 112.861 48.179 20.442 27.413 3.654 2.518 10.655
1980 138.019 57.742 31.378 36.543 1.820 379 10.157
1985 134.294 57.845 37.241 25.854 616 2284 10.454
Fonte: IBGE (1970; 1975; 1980).
Na tabela acima podemos notar uma importante transformação nas relações
sociais de produção: o número de parceiros diminui de forma acentuada no período
de análise, caindo o número de pessoas nestas condições de 10.198 para apenas
616 entre 1970 e 1985 – o que denota haver uma intensa mudança nesta forma de
produção no campo, cuja tendência é o desaparecimento.
Os números da tabela mostram o pessoal ocupado. Não obstante, o número
de estabelecimentos também sofreu um decréscimo acentuado, de 4.170, em 1970,
para apenas 275, em 1985 (conforme dados dos Censos de 1970, 1975 e 1980). É
interessante observar, também, que a quantidade de empregados em 1970 era
praticamente igual à parceiros, o que demonstra uma realidade inversa, pouco mais
de uma década depois. Podemos inferir que estes parceiros se proletarizaram,
tornando-se trabalhadores permanentes ou volantes.
Um dado importante a ser observado é o número de trabalhadores
permanentes em conjunto com os trabalhadores temporários; os primeiros tiveram
um vertiginoso aumento, sendo que, de 1970 a 1985, cresceram de 10.468 para
37.241. Já os temporários – que em 1970 constituíam o dobro do número dos
permanentes – chegaram em 1985 com um número menor – 25.854 trabalhadores,
havendo um “pico” de 36.543 trabalhadores volantes no ano de 1980, resultado do
tipo de plantio utilizado na época.
86
Uma importante observação, contudo, reside no extrato “membros familiares”,
que representavam, em 1970, 40,8% da quantidade do pessoal ocupado e que
aumentou sua participação para 43,1% em 1985. Em números, no período,
passaram de 36.677 para 57.845.
Podemos dizer que, na região, estendendo essa análise para o restante do
Estado, praticava-se então uma agricultura tipicamente familiar, dado que a ampla
maioria do pessoal ocupado era formada por membros familiares, no período de
análise. Contudo, não devemos confundi-la com uma agricultura que tem elevado
índice de tecnificação, poupadora de mão-de-obra, que provocou mudanças
profundas nas relações sociais de produção e na apropriação da terra, em seu perfil
fundiário.
Dos estabelecimentos rurais existentes no Sudoeste de Goiás em 1970,
54,2% alcançavam até 100 hectares, diminuindo para 52,3% em 1985. Os de 200 a
1.000 hectares tiveram praticamente inalterada sua participação; no entanto, o
subextrato dos estabelecimentos de 1.000 a 2.000 hectares aumentou de 3,58%
para 4,3% e aqueles dotados de áreas superiores a 2.000 permaneceram em torno
de 3%. O que chama mais a atenção é o fato de que a área ocupada concentrou-se
em propriedades que tinham tamanho acima de 500 hectares, demonstrando forte
concentração fundiária.
Estas modificações nas relações sociais de produção mesclaram, neste
período, elementos da organização anterior, de relações de produção “velhas”, com
outros, relativos à ordem moderna. A propriedade rural – a fazenda – era uma
miscelânea de produção de gado, de produtos agrícolas voltados para o mercado
interno. Tradicionalmente, as relações de produção eram de parceria, com meeiros,
agregados e retireiros que se reestruturaram em outra organização de classes. As
87
transformações acabaram por quase extinguir algumas categorias sociais, como os
agregados, meeiros e parceiros; com a proletarização destas surgiram, em
compensação, novas categorias sociais, como vaqueiros, tratoristas, diaristas,
trabalhadores volantes e outros.
A modernização conservadora atingiu os proprietários rurais de forma
diferenciada: mesmo os latifundiários adaptaram-se parcialmente às novas formas
de produção; já que a propriedade era, ainda, “um negócio de família com
exploração e contabilidade conjuntas (...), são avessos ao risco, ao crédito, aos
técnicos, ao associativismo, e têm na propriedade territorial a forma por excelência
de capital. Em suma, continuam ‘tradicionais’, mas de um ‘tradicionalismo dinâmico’”
(RIBEIRO apud ESTEVAM, 1986, p. 186). Entretanto, o que pode parecer um
contra-senso, estes tinham uma ligação muito forte com o mercado.
Os proprietários rurais de menores áreas se proletarizaram, não tiveram
acesso ao crédito rural nem condições de sobreviver com os recursos de sua
propriedade. Muitos acabaram por vender ou arrendar suas propriedades, quando
não foram compelidos a enviar alguns de seus membros para o mercado, em busca
de emprego assalariado em tempo parcial.
Este fenômeno facilitou a expansão capitalista, por servir-se de uma fonte de
mão-de-obra barata durante os picos de demanda. A força de trabalho produzida no
minifúndio era, em Goiás, tipicamente não-capitalista, de subsistência, tornando-se
barata na medida em que os trabalhadores precisavam de remuneração que lhes
cobrisse o sustento imediato enquanto estivessem no trabalho. Depois, estes
trabalhadores volantes eram dispensados e retornavam ao seu pedaço de terra de
subsistência, que era trabalhado, neste ínterim, por outros membros de sua família.
88
No Estado de Goiás como um todo, 60% dos estabelecimentos tinham o
produtor como principal agente de produção. Em quantidade de área isto significava,
em 1985, 45% dos estabelecimentos com áreas de até 100 hectares e 13,5% dos
que tinham de 100 a 200 hectares – mas compreendiam somente 18,0% da área do
Estado.
Dessa forma, podemos comprovar que em Goiás a modernização foi
conservadora em termos sociais, uma vez que não mudou seu perfil fundiário e, no
seu decorrer, o número de estabelecimentos que podemos considerar pequenos e
médios, embora considerável, não atingia um terço do território goiano.
Em suma, as relações de trabalho, com as inovações tecnológicas e o
emprego de farto capital, via crédito rural subsidiado, foram alteradas profundamente
com a proletarização de agregados e parceiros, que se transformaram em
empregados permanentes e volantes, criando novas categorias sociais.
As décadas do governo militar, com seus programas de modernização
conservadora, aprofundaram a diferenciação de classes em Goiás e deterioraram
laços tradicionais de convivência.
4.7 O Aumento da Produção, a Renda Interna e a Urbanização em Goiás
Com todo o crédito disponível, como vimos, o aumento da produção agrícola
foi intenso no Estado. O processo de industrialização da agricultura esteve
concentrado em alguns produtos agroindustrializáveis – soja, milho e cana-de-
açúcar. No primeiro caso, passou-se (de 1970 a 1985) de uma produção de 10.219
para 845.510 toneladas; a do milho cresceu de 547.432 para 1.719.918 toneladas, e
a cana-de-açúcar, de 219.530 toneladas para quase 5.000.000, no mesmo período.
89
Se explicássemos simplesmente o desenvolvimento capitalista goiano como
resultado da mudança na base técnica da agricultura (não levando em conta as
articulações existentes entre a classe dominante local e a classe dominante
nacional, imbricadas em um processo de manutenção/ampliação de sua
dominação), estaríamos empobrecendo a compreensão deste fenômeno.
Logicamente, o avanço capitalista em um espaço subnacional, como é o caso
de Goiás, é resultado da articulação que começa, por exemplo, na expansão do
mercado interno brasileiro, na participação do Estado como provedor do
desenvolvimento regional que busca.
Em uma economia capitalista, as transformações estruturais podem ser
apreendidas em diversos níveis de compreensão. A análise do Produto Interno Bruto
(PIB), em âmbito regional – no caso, estadual – pode nos fornecer pistas sobre a
forma como a classe dominante se estrutura na configuração geral da renda.
Já fizemos referência à dinâmica de avanço do capitalismo brasileiro,
determinada pelo processo de constituição do mercado interno; este processo foi,
por sua vez, realizado sob a condução do “centro dinâmico” da economia – São
Paulo. Isto significou que a desconcentração das atividades econômicas e seus
impactos sociais ocorreram em função das características da natureza da produção
local, no período de constituição do mercado nacional. Mesmo porque parte dessas
características é determinada pela disponibilidade de recursos naturais.
Talvez por isto mesmo, não obstante todo o incremento na produção agrícola
verificado em Goiás, não houve alteração significativa da participação da renda
estadual na renda nacional. Se compararmos os anos de 1970 e 1980, esta
participação passou de 1,7% para 1,8%. Porém, ressalte-se que a estrutura interna
90
da renda, auferida pelo PIB de Goiás, alterou-se em favor da indústria, cuja
participação passou de 13,2% para 19,1%.
Tabela 18: Participação (%) dos setores de composição do PIB do Estado de
Goiás (1970-80)
ANO
SETOR
PRIMÁRIO
SETOR
SECUNDÁRIO
SETOR
TERCIÁRIO
1970 35,4 13,2 51,4
1971 35,0 14,7 50,3
1972 33,5 14,4 52,1
1973 41,4 13,4 45,2
1974 36,7 15,2 48,1
1975 33,7 17,6 48,7
1976 29,9 18,9 51,2
1977 25,4 20,7 53,9
1978 25,7 20,8 53,5
1979 32,2 18,2 49,6
1980 30,2 19,1 50,7
Fonte: IBGE/Seplan-GO.
A expansão do setor secundário é sustentada pela expansão da
agroindústria, inicialmente sem sofisticação tecnológica. Estas beneficiavam os
produtos agropecuários, principalmente no gênero industrial de Produtos
Alimentares, Bebidas e Fumo, em que a utilização de mão-de-obra era intensa; por
outro lado, pelo processo acelerado de urbanização estadual no período, a força de
trabalho era farta.
Internamente ao setor secundário, as agroindústrias tiveram, no período de
análise, uma participação relativa à produção muito maior que os outros gêneros
91
(66,93%) da produção industrial
19
e empregavam mais que tais setores (35,87% do
total de postos da indústria). Os outros gêneros industriais importantes, por ordem,
foram as indústrias de transformação de produtos não-metálicos, com 11,65% da
produção industrial e 19,63% do pessoal empregado; e as indústrias metalúrgica e
mecânica, com 3,55% e 10,11%, respectivamente.
Estes outros segmentos industriais têm uma ligação muito forte com a
agropecuária; as indústrias de produtos não-metálicos, por exemplo, são as que
produzem calcário e misturam fertilizantes para a produção e as outras têm na
agropecuária um grande cliente para seus produtos.
Finalizando, acreditamos que, como discutimos no início do capítulo, a
questão agrária não foi resolvida em se tratando do país como um todo, muito
menos em Goiás, particularmente. A forma como que o regime militar lidou com este
tema foi uma “solução” que permitiu acomodar as oligarquias rurais e afetou
profundamente as relações sociais de produção no nível do Estado.
Isto permitiu uma mudança profunda no processo produtivo da agricultura
goiana que, como outras regiões brasileiras, recebeu créditos de diversas fontes,
bem como através de programas específicos para o Centro-Oeste e para os
cerrados. A renda estadual permaneceu fortemente concentrada no setor
agropecuário. Pode-se verificar esta concentração quando se compara o PIB
nacional ao de Goiás: em 1970, a agropecuária representava 11,6% do PIB
brasileiro, enquanto no Estado esta participação era de 35,4%, mostrando que mais
de um terço da renda goiana se concentrava nas mãos de poucos, devido à sua
estrutura fundiária concentrada.
19
Os dados são da Pesquisa Industrial da Fibge (1981).
92
Uma década depois, em 1980, a agropecuária brasileira diminuía sua
participação na renda total do país: caía para 10,1%, enquanto a goiana, apesar de
diminuir (30,2%), mantinha-se ainda com um terço da renda estadual, perdendo,
como vimos, espaço para a indústria. Contudo, esta era, basicamente, de
transformação de produtos agropecuários, reforçando a dominância desta classe
sobre as demais.
93
CAPÍTULO V – A DESCOBERTA DO MERCADO: OS
IMPACTOS DA POLÍTICA NEOLIBERAL E A CLASSE
DOMINANTE GOIANA
94
5.1 A Redemocratização: Novos Atores ou Volta ao Passado?
Conforme já referimos, durante o período militar, dois partidos políticos
participavam de um simulacro de democracia no país. Em Goiás, com os casuísmos
da legislação autoritária (como a sublegenda), o partido da oposição – MDB – quase
desapareceu no início do período. Depois sua participação nos cargos proporcionais
cresceu em todo o país, ameaçando a ditadura militar.
Entre tantas medidas para conter o avanço da oposição à ditadura – visto que
o partido oficial estava bastante fragilizado –, o regime militar adotou a estratégia de
extinguir o bipartidarismo e dividir a oposição em diversas agremiações. A extinção
do MDB e da Arena foi feita através da Lei 6.767 – Lei Orgânica dos Partidos,
publicada em 20 de dezembro de 1979, que alterou a Emenda Constitucional nº 11.
Entre as principais alterações, estabelecia prazo de 180 dias para o registro de
novas legendas; impunha aos novos partidos a obrigatoriedade de realizarem
convenções regionais em, no mínimo, nove Estados, que deviam ser precedidas de
convenções municipais em 20% dos municípios de cada um deles; obrigava ao uso
da palavra “partido” na denominação e da letra “P” na sigla; proibia coligações
partidárias nas eleições proporcionais para a Câmara Federal, Assembléias
Legislativas e Câmaras Municipais.
Antes, porém, da extinção do bipartidarismo, foram anistiados os políticos
cassados
20
, o que também fez parte da estratégia de divisão da oposição. Esperava-
se que, com o retorno de líderes políticos cassados pelo regime, ocorriam conflitos
com as lideranças oposicionistas surgidas ao longo do período ditatorial, o que de
fato ocorreu.
20
Por meio da Lei da Anistia – Lei 6.683 de 28/8/1979.
95
Em Goiás, houve o retorno de vários políticos cassados, como Íris Rezende
Machado, Mauro Borges, Aldo Arantes e Tarzan de Castro, entre outros. Os dois
primeiros eram oriundos do antigo PSD; Mauro Borges era filho do antigo chefe
político Pedro Ludovico e ocupava o cargo de governador quando foi cassado; Íris
Rezende, por sua vez, ao ser cassado, era uma liderança conservadora em
ascensão, ocupando a Prefeitura da Capital – Goiânia; já Aldo Arantes era líder
estudantil ligado ao Partido Comunista do Brasil, assim como Tarzan de Castro.
O retorno dos antigos políticos do PSD realmente causou conflitos com as
lideranças nascidas durante o período ditatorial, principalmente com as
representantes do meio urbano, já fortemente consolidado, cujos maiores expoentes
eram os irmãos Santillos – Adhemar e Henrique –, de Anápolis, como veremos
adiante.
A tentativa de fragmentação da oposição por parte da ditadura militar não
trouxe efeitos imediatos em Goiás. A Arena e o MDB transformaram-se em Partido
Democrático Social (PDS) e Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).
No princípio, no interior destas duas agremiações foram acomodados os interesses
de todos os grupos. As outras que foram criadas (Partido Trabalhista Brasileiro -
PTB, Partido Democrático Trabalhista – PDT, Partido dos Trabalhadores – PT) não
influenciaram nas eleições de 1982, visto que as regras eleitorais as prejudicaram.
Borges mostra que os fatores que inviabilizaram a abertura do leque partidário
para além do PDS e do PMDB derivavam, de um lado, do alto grau de fisiologismo e
da subordinação ao poder característicos das forças constitutivas da política regional
e, de outro, da concepção hegemônica de unidade da frente democrática entre os
oposicionistas (BORGES, 2004).
96
Neste contexto, o PMDB, diante do retorno, principalmente, de duas
lideranças (Íris Rezende e Mauro Borges, que, na verdade, eram oriundas de um
velho “esquema” político, bipolar, existente em Goiás), ficou dividido em dois grupos,
que passaram a lutar pela hegemonia dentro do Partido. Era a velha história de ver
quem se tornava o “cacique”. De um lado, Mauro Borges, que se aliou a Henrique
Santillo, senador eleito no pleito anterior e postulante ao cargo de governador
estadual; de outro, Íris Rezende, que trabalhou durante todo o ano de 1979 para
consolidar sua candidatura e seu grupo. Buscando enfraquecer o grupo de Mauro
Borges e Henrique Santillo, convidou para vice de sua chapa um companheiro
destes, Derval de Paiva, que aceitou e carregou consigo o apoio de diversos
companheiros, o que acabou por consolidar a candidatura de Íris Rezende a
governador pelo PMDB nas eleições de 1982.
Contrariado por não conseguir ser o candidato ao governo pelo Partido e para
se diferenciar do conservadorismo que se traduzia na candidatura de Íris Rezende,
Henrique Santillo situou seu discurso no campo da esquerda e procurou apoio na
classe média e em alguns segmentos sociais organizados. O ato mais interessante
efetivado por Santillo e parte de seu grupo político – o deputado federal Adhemar
Santillo, seu irmão; os deputados estaduais Línio de Paiva, Joaquim Roriz e Joceli
Machado – foi o de participarem da fundação do PT. Anos mais tarde, o deputado
estadual Joaquim Roriz se aliaria a Íris Rezende e conseguiria sua nomeação para o
governo do Distrito Federal, sendo, depois, eleito para o mesmo cargo.
O grupo que restou, desta forma, liderado por Mauro Borges, ficou bastante
enfraquecido, possibilitando a Íris Rezende e seus partidários consolidar domínio
total sobre o PMDB.
97
A permanência de Henrique Santillo e sua facção no PT, entretanto, foi breve:
bastou o I Encontro Regional do Partido, em maio de 1980, para que Roriz e
Machado pedissem seu desligamento, seguidos dos irmãos Santillos, retornando ao
PMDB goiano. Negociando seu retorno a este Partido, Henrique Santillo conseguiu a
indicação de Onofre Quinan, grande empresário anapolino, para a vice-governadoria
(no lugar de Derval de Paiva), ficando a vaga ao Senado com Mauro Borges. No
entanto, Íris Rezende tornou-se o “cacique” do Partido.
No PDS goiano havia três grupos: o dos Caiados, o ligado ao ex-governador
Otávio Lage e um terceiro, sob a liderança do ex-governador Irapuan Costa Jr. O
grupo de deputados estaduais relacionados a este último (que havia sido substituído
por Ary Valadão, parceiro dos Caiados) aliou-se ao PMDB e fez oposição
sistemática ao governo, chegando, inclusive, a rejeitar o nome do indicado para
prefeito da Capital (Rogério Gouthier Fiúza) e quatro pedidos de empréstimo ao
exterior.
A resposta do governador Ary Valadão foi o enquadramento de vários
deputados ligados a Irapuan Costa Jr., cooptados por meio de cargos. Um deles
(Adjair Lima) foi alçado a secretário estadual e dois foram para os cobiçados cargos
vitalícios de Conselheiros do Tribunal de Contas dos Municípios (Habib Issa e
Wander Arantes).
Costa Jr. ainda tentou conseguir cargos no governo federal para si e seu
grupo, mas não conseguiu, devido aos seus problemas com o governo estadual.
Então, ele e mais dois deputados federais (Genésio de Barros e Francisco de
Castro) transferiram-se para o PMDB.
Com o oferecimento de cargos, Ary Valadão ainda conseguiu cooptar mais
alguns quadros na seara oposicionista. Para prefeito de Anápolis – cargo que era
98
indicado, devido à caracterização da área como de segurança nacional – foram
cooptados do PMDB o deputado Wolney Martins, para prefeito e o primeiro suplente
de deputado, Heli Dourado da cidade de Formosa, cujo compromisso era assumir a
vaga e passar para o PDS.
Os outros partidos que criados naquele momento (PTB, PDT e Partido
Progressista – PP) não foram objeto de disputa por lideranças, apenas se
configuraram uma promessa para o futuro. A exceção foi o PT que, como vimos,
teve uma breve participação do grupo liderado por Santillo. Um fato que pesou
contra tais agremiações foi o voto vinculado, segundo o qual o eleitor deveria votar
em candidatos da mesma legenda, o que enfraquecia, sobremaneira, os
agrupamentos menores.
Em Goiás, as eleições de 1982 – as primeiras para os governos estaduais
após o regime militar – ocorreram sob a hegemonia de grupos políticos que atuaram
durante décadas na política estadual, parecendo mais um embate entre os velhos
partidos UDN e PSD.
No PDS restaram dois grupos, um sob a liderança dos Caiados e outro
dirigido por Otávio Lage. Para a eleição ao governo estadual o primeiro conseguiu
emplacar a candidatura de Índio do Brasil Artiaga, que até compareceu a um debate
na televisão com Íris Rezende, mas que, devido a problemas de saúde, afastou-se
da disputa. Na concorrência para o cargo de governador entrou, então, Otávio Lage,
pelo PDS, o qual disputou convenção com Brasílio Caiado e venceu a disputa. O
candidato ao Senado era Rui Brasil Cavalcante, com a sublegenda dada a Osires
Teixeira.
No PMDB, como vimos, ficou consolidada a candidatura de Íris Rezende ao
governo estadual e Mauro Borges ao Senado. Internamente ao Partido havia o
99
controle incontestável, até aquele momento, de Rezende. Mesmo assim, o Partido
era fracionado em grupos; mais à esquerda havia os anistiados Tarzan de Castro e
Aldo Arantes; na, digamos, centro-esquerda, Santillo; indo para a direita
encontravam-se os grupos de Íris Rezende, de Mauro Borges e, nas franjas, Irapuan
Costa Jr., com vários políticos do interior do Estado, todos ligados ao latifúndio.
Os vencedores da disputa foram os candidatos do PMDB, que ficaram no
governo estadual por 16 anos, liderados por Íris Rezende Machado, representante
da direita do antigo PSD goiano. No PDS, apesar de Otávio Lage ter sido o
candidato ao governo, o grupo liderado pela família Caiado conseguiu a hegemonia:
a maioria dos deputados estaduais eleitos pela sigla era oriunda desta facção, e dos
cinco deputados federais somente um era ligado a Otávio Lage (dois eram do grupo
dos Caiados e dois eram independentes).
A política goiana ficou, desta forma, bastante assemelhada com a que se
praticava antes do período da ditadura militar. As classes dominantes eram
representadas pelos mesmos grupos, sempre tendo à frente um “cacique” e
continuando a exercer o poder de acordo com seus interesses prioritários.
Recordemos que, antes de 1930, a oligarquia dominante em Goiás foi
conduzida pela família Caiado, sendo, posteriormente, substituída pela de Pedro
Ludovico – até o golpe de 64, quando foram cassados seu filho, Mauro Borges,
então governador, o próprio Pedro Ludovico e, pouco tempo depois, o prefeito de
Goiânia, Íris Rezende, do mesmo grupo e partido.
O interessante a notar é que, quando aconteceu o golpe de 64, voltou ao
governo estadual o grupo dos Caiados; quando este saiu de cena, houve o retorno
do grupo de Pedro Ludovico, em que pesem as disputas pela predominância.
100
Não há razão para duvidar que estes políticos, sempre compromissados com
os setores mais conservadores da sociedade goiana, ligados ao setor rural, ao
latifúndio, defenderam, novamente, os interesses desta classe. Se observarmos os
deputados estaduais e federais eleitos após 1982, veremos que a sua grande
maioria tem vínculos com a esfera rural. Poucos (como Aldo Arantes e, mais
recentemente, outros, chegados com o crescimento do PT na Capital e Anápolis)
não têm esta ligação.
Nos anos que subseqüentes, o governo estadual foi ocupado pelo PMDB,
como já dissemos. Henrique Santillo sucedeu Íris Rezende, que foi para o Senado e
que retornou ao governo de Goiás nas eleições seguintes, passando o cargo para
seu vice – Maguito Villela, até serem derrotados por um “novo” partido, o Partido
Social-Democrata Brasileiro (PSDB). O candidato desta sigla, Marconi Perillo, foi
apoiado pelo Partido da Frente Liberal (PFL), de Ronaldo Caiado, que indicou um
senador, Demóstenes Torres. A outra vaga ao Senado foi ocupada pela ex-mulher
de Irapuan Costa Jr. – Lúcia Vânia. Como podemos ver, o conservadorismo da
política goiana não foi afetado, mas permaneceu e transmutou-se, ganhando novas
roupagens.
Uma análise mais detalhada do comportamento da distribuição fundiária, da
renda estadual e das políticas estaduais de desenvolvimento regional exercidas
após a redemocratização nos dará pistas para uma afirmação mais concreta sobre
as classes dominantes e sobre a fração de classe que preponderou sobra as demais
no seio do bloco no poder estadual, sempre tendo clara a natureza dependente e
subordinada desta classe em relação aos ditames do grande capital, principalmente
com a emergência do que se convencionou chamar de “agronegócio”.
101
5.2 O Financiamento da Classe Dominante
Para buscarmos entender o financiamento da classe dominante goiana,
devemos nos reportar aos anos 70, que ficaram conhecidos como o período do
“milagre” econômico brasileiro, quando a economia nacional cresceu a taxas
elevadas durante algum tempo. Havia uma ambigüidade na política econômica
implementada pelo Estado entre planos de curto e longo prazo, entre estratégia de
desenvolvimento e gestão da economia.
O que ocorreu neste período foi a ausência de uma hierarquia ou opção entre
estes dois objetivos, ocasionada pela tensão existente entre o aprofundamento das
metas de desenvolvimento imaginadas pelo regime militar e a realidade da
conjuntura internacional, de grande instabilidade e em um período de profunda
transformação, o que afetava as políticas macroeconômicas de curto prazo.
Em países de economia subordinada, como é o caso do Brasil, o remédio
sugerido pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para a política macroeconômica
era de ajustamento recessivo. Os novos preços internacionais do petróleo deveriam
ser incorporados, e a inflação, contida pelo estancamento da economia, via taxa de
juros e controle de crédito, utilizados para diminuir o nível de atividade econômica.
Os investimentos públicos deveriam ser contingenciados em um patamar adequado
à dívida pública.
Almeida Filho (1994), analisando as alterações estruturais ocorridas na
economia nacional durante este período, constatou que, a partir de 1980, os
objetivos de longo prazo foram abandonados em função do risco crescente do
aumento da inflação, sobretudo após o Plano Cruzado.
102
A política econômica passou a perseguir a estabilização, partindo do
pressuposto de que esta seria o início mais coerente para a retomada do
desenvolvimento. Qualquer transformação social, dentro desta lógica, ficaria
relegada para uma etapa “posterior”.
Passa a prevalecer tecnicamente a idéia de que a estabilização
é o passo inicial necessário para retomar o desenvolvimento,
constituindo-se, portanto, numa aspecto funcional à lógica mais
geral de “empurrar para a frente” as transformações sociais,
aqui entendidas amplamente o suficiente para incorporar
mudanças institucionais na economia. A frustração das metas
de curto prazo, isto é, a incapacidade da gestão econômica de
controlar a inflação, fragilizou o Estado, agudizando os
problemas inerentes ao padrão de desenvolvimento (ALMEIDA
FILHO, 1994, p. 146).
Recordemos que todos os esforços para a estabilização não lograram êxito, o
que contribuiu para uma piora significativa nas condições sociais da população
brasileira. A cada novo plano econômico que fracassava, sentiam-se impactos
negativos cada vez maiores nas condições sociais e aumentava a instabilidade
econômica.
Até este período, o “estilo” de desenvolvimento era pautado pelas ações
estatais, o Estado aparecia como agente financiador do desenvolvimento. A partir
dos anos 90, o Brasil adotou de vez
21
a política econômica preconizada pelos
organismos multilaterais financiadores (FMI e Banco Mundial) – a abertura comercial
e financeira e a desregulamentação da economia.
A política pública federal perdeu intensidade. Em princípio, esta perda poderia
significar uma diminuição do dinamismo de alguns Estados brasileiros, o que de fato
ocorreu, porém não nas proporções da importância das políticas federais.
21
Até então Brasil não adotava fielmente o receituário do FMI; basta lembrar as diversas cartas de
intenção assinadas pelo governo com o Fundo e cumpridas parcialmente, quando muito.
103
Um novo “estilo” de desenvolvimento foi implantado, com a aplicação de um
receituário imposto pelos organismos multilaterais financiadores – disciplina fiscal,
liberalização financeira e comercial, abertura ao investimento direto estrangeiro,
privatizações e desregulamentação da economia. Seria um “retorno” ao ideário
liberal, que se convencionou chamá-lo de neoliberalismo. Preconiza uma volta a
idéias dos séculos XVIII e XIX, quando Adam Smith (mais precisamente ao final do
século XVIII) afirmou que, ainda que no capitalismo as empresas procurassem
unicamente seu máximo proveito, haveria uma “mão invisível” guiando as ações
egoístas para o proveito de toda a sociedade.
O neoliberalismo foi inspirado num conjunto de teorias diferentes: o
monetarismo de Friedman, a teoria de Hayek e os conceitos da economia clássica,
que possuem um ponto em comum: o de que toda intervenção estatal para melhorar
a economia é inútil e contraproducente.
Para implementar as medidas necessárias a este novo “estilo” de
desenvolvimento há, no entanto, que ter o apoio inconteste do Estado. A este
caberia dar aos investidores internacionais uma ampla liberdade de ação no plano
doméstico e uma mobilidade internacional quase completa, havendo necessidade de
medidas legislativas de desmantelamento e/ou reguladoras de instituições.
Este conjunto de medidas não é assimilado em todos os seus princípios
econômicos nas sociedades capitalistas historicamente existentes, visto que estas
possuem particularidades específicas oriundas da natureza do estágio em que se
encontra seu desenvolvimento capitalista. Entretanto, podemos considerar estas
especificidades “desvios” de rota na implementação do ideário neoliberal,
ocasionados por resistência de setores econômicos dominantes, juntamente com
outros setores sociais, historicamente estabelecidos, que procuram se inserir no
104
novo ideário de forma a perpetuar ou aumentar a sua dominação. Isso ocorre,
principalmente, em espaços subnacionais, como é o caso de Goiás.
As implicações deste novo “estilo” de desenvolvimento impactam fortemente
no conjunto da sociedade. No entanto, esta opção fica refém dos investimentos
privados, extremamente seletivos e polarizadores, se pensarmos em termos de
Estados nacionais. Internamente aos países existem regiões que receberão
investimentos e, nestas, apenas poucas localidades terão acesso a eles. Passariam,
desta forma, a existir ilhas de prosperidade circundadas por manchas de estagnação
e atraso.
Pacheco (1998) considerou a hipótese de haver um dilaceramento da nação
devido à incapacidade do Estado de coordenar as políticas públicas frente às novas
formas de organização de produção. O mapa do Brasil, visto pelo ângulo das
regiões mais prósperas, aquelas que seriam as mais interessantes ao investimento,
seria como em uma noite escura, sem luar: se olhássemos para a abóbada celeste,
veríamos somente pontos luminosos, as estrelas, em um fundo negro, sem luz.
Em parte, os “pontos luminosos” – as poucas regiões que obtiveram
investimentos ou que se aproveitaram da abertura comercial devido às suas
características produtivas – puderam manter um certo dinamismo frente à perda da
intensidade da política pública federal, passando a utilizar mecanismos de atração
de investimentos com recursos exclusivamente fiscais.
Como vimos, os investimentos são, por natureza, muito seletivos, estando
sempre à busca de uma rentabilidade máxima. Esta seletividade forjou as políticas
de desenvolvimento estadual em Goiás, priorizando os investimentos que pudessem
aumentar ou manter as relações de dominação nativas preexistentes. Desta forma, o
Estado passou a deixar de realizar gastos correntes em infra-estrutura básica em
105
favor da expansão da produção local ou, no máximo, a realizá-la, apenas, em favor
desta.
Lembre-se que a economia goiana sempre foi dependente e subordinada – no
princípio, à dinâmica da economia paulista, voltada ao mercado interno. Agora, o
que se vislumbra é uma nova forma de dependência em relação ao capital financeiro
e à agroindústria, voltados ao mercado externo.
Desta forma, o que se pretende é entender o processo de abertura comercial,
da forte dependência da economia agroexportadora goiana e de sua classe
dominante ao processo que se convencionou chamar de agronegócio.
No capítulo anterior, vimos que uma importante parte da dinâmica do
desenvolvimento capitalista goiano foi forjada por recursos públicos, aplicados em
grande monta, principalmente durante o período da ditadura militar e até fins da
década de 80, quando se esgotou o “modelo” de financiamento estatal e o país
passou por crises crescentes de um processo inflacionário.
A partir dos anos 80, o Crédito Rural passou a ser ofertado de forma
declinante, conforme acordos do governo brasileiro com o FMI, que impunha uma
política de corte de gastos com vistas a eliminar o déficit das contas do governo.
Cardoso (1997), com base nos anuários do Crédito Rural no período que
compreende os anos de 1969 a 1995, identificou quatro importantes etapas. Na
primeira (de 1969 a 1979) foram ofertados os maiores volumes de recursos,
ocorrendo redução severa na oferta de créditos na segunda etapa, de 1979 a 1984;
já na terceira fase, de 1984 a 1990, houve uma diminuição de crédito, mas não nas
proporções ocorridas na etapa anterior. Finalmente, na última, de 1990 a 1995, os
valores de empréstimos oficiais se estabilizaram em posições muito baixas.
106
Isto não significou, porém, que os produtores goianos tenham diminuído sua
participação no Crédito Rural ao longo da década de 80, quando houve uma forte
diminuição no volume de recursos. Ocorreu mesmo o contrário. Silva (2002) analisou
a participação relativa de Goiás sobre o valor dos recursos e números de contratos
do Crédito Rural e concluiu que, de modo inverso, enquanto este assumia tendência
decrescente, a participação do Estado no volume de recursos total se ampliou, em
comparação com a década de 70, quando foram ofertados créditos de forma
abundante.
Em percentuais, a participação goiana no valor dos recursos foi, em média, de
7,3%, na década de 80, significativamente maior que nos dez anos anteriores,
quando atingiu 4,8%, embora a proporção de contratos emitidos tenha sido
ligeiramente menor – 3,8% nos anos 80, enquanto na década anterior a proporção
tinha sido de 3,9%.
A forma de concessão de créditos permaneceu, perversamente, a mesma, os
maiores produtores recebendo a maior parte dos recursos, enquanto aos pequenos
e médios coube a menor parte. Segundo o autor, “analisando-se especificamente a
atividade agrícola, verifica-se que, de 1989 a 1991, em média, os pequenos
produtores representavam 81,9% do número de contratos, mas recebiam apenas
24,7% do volume de recursos” (CARDOSO, 1997, p. 188). Os grandes produtores,
que representavam 5,1% dos contratos, ficaram com 37,6% dos recursos.
O Crédito Rural, como fonte de recursos barato e abundante, como vimos,
teve seu final em 1984, quando o governo federal passou a cobrar uma taxa de juro
real de 3% a.a. além da correção monetária e exigiu uma contrapartida (com
recursos próprios) dos produtores rurais.
107
Não obstante esta mudança, os recursos do Crédito Rural, financiado pelo
Governo Federal, foram ainda mais minorados na década de 90. Segundo um
estudo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), haveria necessidade
de R$ 42 bilhões para o financiamento do setor agropecuário na safra 1999/2000,
mas foram concedidos R$ 11,2 bilhões.
Ainda assim, conforme o Censo de 1995, manteve-se a concentração do
volume de recursos outorgados pelo Crédito Rural nas mãos dos grandes
produtores: 56% foram destinados à grande propriedade e somente 5% foram
liberados para as pequenas. Sem levar em conta que somente 20% dos
estabelecimentos agropecuários brasileiros tiveram acesso ao crédito.
O Centro-Oeste que, até 1984, recebia cerca de 9,4% dos recursos do
Crédito Rural, teve sua participação aumentada ano a ano, chegando a receber, em
média, 19,3% do volume na década de 90. Deste total, Goiás foi o que recebeu mais
recursos: 42% do destinado ao Centro-Oeste.
Se tomarmos os créditos recebidos por Goiás em comparação ao crédito
total, na década de 90, a média foi de 7,4% (Gráfico 1), continuando a ser uma
importante fonte de financiamento para o setor, mesmo com as mudanças realizadas
no tocante a juros.
108
Gráfico 1: Participação (%) de Goiás no Crédito Rural – 1990 a 2000
Fonte: Banco Central do Brasil (2001).
Concomitantemente a este fato (e em função dele), outros instrumentos
passaram a ser utilizados para o financiamento da produção, principalmente as
operações de Aquisição do Governo Federal (AGF). Estas operações tinham como
finalidade a garantia de compra da produção por um preço previamente estabelecido
pelo governo e os critérios para o estabelecimento dos preços fizeram que se
aproximassem dos preços de mercado, ficando bastante atrativos para os
produtores.
Na década de 80, o instrumento mais utilizado pelos produtores rurais foi a
AGF, dentro da Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM), segundo a qual se
comprava a produção a um determinado valor garantido. Esta modalidade, porém,
perdeu força nos anos 90, devido, principalmente, à emergência de uma nova
modalidade de financiamento, vinculada às agroindústrias, que passaram a financiar
a produção através da compra antecipada dos produtos. Podem-se comprar
109
praticamente todos os insumos, maquinários, fertilizantes, sementes etc. do
processo produtivo com a venda antecipada da produção, pagando-se em produto
na época da colheita.
Outro fator importante, que se tornou um subsídio, foi a equalização dos
preços regionais, isto é, os preços pagos pelo governo eram unificados, não
importando a região, assim como os dos combustíveis. Isto fez que a produção
agrícola goiana aumentasse, como veremos mais adiante.
A Constituição Federal de 1988 instituiu novas fontes de financiamento para o
desenvolvimento regional – os Fundos Constitucionais, que deveriam atuar no
financiamento do setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Assim, foram criados o Fundo Constitucional da Região Norte (FNO), o Fundo
Constitucional da Região Nordeste (FNE) e o Fundo Constitucional da Região
Centro-Oeste (FCO).
Os recursos dos Fundos Constitucionais são provenientes da partição de 47%
do que a União arrecada com os impostos sobre a renda e proventos de qualquer
natureza e sobre produtos industrializados, ficando para os Fundos Constitucionais
3%, ressalvando-se que a metade destes recursos sejam destinados ao semi-árido
nordestino. Couberam ao Estado de Goiás 29% dos recursos do FCO, sendo
destinados 19% para o Distrito Federal, 29% para o Mato Grosso e 23% para o Mato
Grosso do Sul.
O FCO serve, desde então, como importante instrumento de financiamento de
longo prazo para diversos setores econômicos, principalmente o rural. Castro e
Fonseca (1995) já mostravam que, no ano de 1990, 60% dos recursos do Fundo
foram destinados à agricultura.
110
Em 1996, as diretrizes do FCO foram alteradas, beneficiando ainda mais o
setor rural. Dentre as alterações podemos citar:
a possibilidade de ampliação dos prazos de financiamento nos
projetos do Programa de Desenvolvimento do Turismo
Regional, bem como daqueles destinados à aquisição de
bovinos para engorda, sob condições específicas; a inclusão
de projetos para a engorda de novilho precoce em Goiás e
Distrito Federal; a assistência financeira à floricultura, à
aquisição de suínos híbridos e reprodutores e matrizes de gado
pardo suíço; a prioridade, no Mato Grosso do Sul, aos projetos
de avicultura de corte e de agroindústrias de pequeno e médio
porte (CARAVALHO apud SILVA, 2002, p. 124).
Os recursos destinados pelo FCO eram de grande monta – por volta de 5,5%
do PIB da Região Centro-Oeste referente ao ano de 2000 –, principalmente se
levarmos em conta que os juros são pré-fixados em 8% a.a. com bônus por
adimplência de até 15% sobre os encargos financeiros das operações.
O volume de recursos do fundo disponibilizados para Goiás e os valores
efetivamente usados estão disponíveis a seguir:
Tabela 19: Recursos do FCO disponibilizados e aplicados em Goiás 1989 -
1990 R$ (em milhões)
Ano Disponibilizado (A) Aplicado (B) A/B (%)
1989 31,8 14,4 45,3
1990 98,7 45,5 46,1
1991 79,4 84,9 106,9
1992 74,7 44,3 59,3
1993 104,2 106,0 101,7
1994 89,7 51,3 57,2
1995 92,1 60,6 65,8
1996 86,6 111,9 129,2
1997 89,3 86,6 97,0
1998 99,7 99,8 100,1
1999 97,8 65,0 95,9
Fonte: Banco do Brasil.
111
Em alguns anos, como podemos notar na tabela 19, os valores aplicados (isto
é, liberados para os projetos) foram superiores aos disponibilizados; isso se explica
pela possibilidade de recursos serem aplicados no ano subseqüente caso o total
disponibilizado não seja efetivamente utilizado ou se não estiver comprometido com
operações contratadas em determinado ano.
Goiás, apesar de ter número de projetos menor que os demais Estados,
apresenta-se como o que mais recebeu recursos. No ano 2000, como mostra Silva
(2002), ficou em terceiro lugar no número de projetos aprovados, mas recebeu o
maior volume de recursos.
Incentivos estaduais vêm se aliar a estas fontes de financiamento federal. O
principal deles foi um programa criado em 1984 e que tinha como principal atrativo a
isenção temporária do pagamento de 70% sobre o ICMS – trata-se do o Fundo de
Participação e Fomento à Industrialização do Estado de Goiás (Fomentar).
Para entender a criação deste programa, devemos recordar que o Estado, em
crise de financiamento desde o final dos anos 70 e início dos anos 80, não mais se
apresentava como planejador de políticas de desenvolvimento regional. Como
vimos, chegou ao fim a fase de planejamento e ganharam força as políticas voltadas
para o combate à inflação e para o controle dos gastos públicos e do déficit do
balanço de pagamentos.
Na falta de uma política nacional de desenvolvimento regional, os governos
estaduais passaram a desenvolver programas de captação de investimentos que
tinham como principal atrativo incentivos fiscais e financeiros. Esta iniciativa era
desarticulada com a União – daí ficar conhecida como “guerra fiscal”. Ao todo, foram
criados 43 programas no país; em Goiás foi criado o Fomentar, através da Lei
Estadual 9.489, de 19 de julho de 1984, durante o governo Íris Rezende.
112
A princípio, o atrativo do programa era a isenção parcial da cobrança de 70%
do ICMS; o prazo para pagamento da isenção era de cinco anos, com dois anos de
carência, e a partir deste prazo o pagamento seria feito em 60 parcelas mensais,
iguais e fixas, acrescidas de juros de 2,4% a.a., sem correção monetária. A não
cobrança da correção monetária representava um subsídio importante em época de
inflação alta, como era o caso
22
.
O Fundo tinha como objetivo aumentar a implantação e a expansão das
atividades industriais, principalmente as das agroindústrias, para fomentar o
desenvolvimento econômico estadual, apoiar as pequenas e médias empresas e
estimular grandes empreendimentos industriais que estivessem de acordo com os
interesses econômicos do Estado.
O interessante é que os prazos e a carência do Programa não eram
oferecidos às micro e pequenas empresas, já que poucas delas, conforme alegação
dos gestores do Programa, mantinham-se ativas após os cinco primeiros anos de
existência. A opção por financiar somente grandes empresas comprometeu a
geração de empregos e, por conseguinte, a função social do Fomentar, já que as
grandes empresas utilizam mais intensivamente capital, e não mão-de-obra.
Como referimos, a princípio, o prazo para começar os pagamentos era de
cinco anos, com carência de dois anos; contudo, alterações foram sendo feitas.
Paschoal (2001) descreve que, em 1998, através da edição de sete leis e quatro
decretos, ficou estipulado que este prazo poderia atingir 30 anos, com mais 30 anos
para o pagamento. Arremata afirmando que, tomando-se o conjunto de decretos e
leis, o programa constituía uma renúncia fiscal de 70% dos débitos do ICMS.
22
Silva (2002) mostra que, para o período de 1986 a 1994, caso a correção monetária fosse aplicada
no pagamento da isenção fiscal do programa, chegar-se-ia ao valor de US$ 230,5 milhões.
113
Silva (2002) comparou o custo do estímulo concedido pelo programa em
relação ao total de ICMS arrecadado pelo Estado e concluiu que se deixou de
arrecadar, no período de 1994 a 1999, 8,8% do ICMS, em média. Em valores, a
quantia foi de R$ 722.541.602,48.
Um “problema” foi apresentado pelas empresas ao governo estadual: seus
balancetes. Com a estabilização econômica sem correção monetária, a parte dos
créditos de ICMS não pagos ampliava o passivo e dificultava o seu acesso a outros
financiamentos. A solução encontrada foi, novamente, outra lei, dando um desconto
sobre os créditos acumulados durante a fruição dos benefícios.
Em 30/12/98, a Assembléia Legislativa do Estado em questão,
por meio da Lei n°13.436, aprovou leilão com o desconto sobre
o saldo devedor de 90% objetivando a liquidação antecipada
dos créditos de ICMS gerados junto aos empreendimentos
integrantes do programa. A idéia era de que, o débito fosse
pago, apenas com 10% do valor a ser emprestado (protelado)
que serviria como caução e seria aplicado em Letras do
Tesouro Goiano, Letras Financeiras do Tesouro Goiano ou
Certificados de Depósitos Bancários do Banco do Estado de
Goiás.
Seguindo este raciocínio, a legislação que por fim regulou o
leilão, foi aquela aprovada em 16/04/99, que reduziu para 89%,
o desconto concedido sobre os créditos gerados pelas
empresas, através dos 70% de ICMS, protelados ao longo do
tempo. (PASCHOAL, 2001, p. 66)
A redução de 1% deveu-se a um “ajustamento” feito pelo Programa, tendo em
vista que os valores dos 410 contratos existentes em 1999 eram de R$
773.662.671,07 e os valores dados em caução chegavam a R$ 85.102.893,81, o
que ficaria acima dos 10% exigidos. Assim, se fosse mantido o desconto de 90%, a
diferença deveria ser coberta pelo caixa do governo.
O que ocorreu foi que as empresas se utilizaram do valor caucionado para
pagar o leilão, não entrando “dinheiro novo” para o Estado. O leilão seria aberto a
qualquer participante que tivesse interesse em comprar débitos das empresas, mas
114
foi feito de forma a que ninguém se interessasse, visto que, se houvesse outro
comprador além das próprias empresas, este teria de iniciar os pagamentos em 30
dias e receber o débito após o prazo de fruição da dívida da empresa, o que poderia
demorar, em média, 15 anos, com juros de 2,4% a.a.
O resultado do Programa foi a vinda de diversas empresas para Goiás.
Averiguando os relatórios do Fomentar, Paschoal (2001) verificou que, no segmento
agroindustrial, vieram 18 laticínios, nove usinas de açúcar e álcool, 11 curtumes, dez
frigoríficos, cinco indústrias alimentícias, seis indústrias processadoras de
oleaginosas e quatro de derivados de milho; nos outros segmentos industriais,
aportaram 12 metalúrgicas, seis cerâmicas, sete fábricas de bebidas, quatro de
cimento, 14 confecções, cinco farmacêuticas, seis de embalagens, três serralharias,
uma montadora de veículos e uma de tratores.
Certas indústrias apontadas como sendo como não pertencentes ao
segmento agroindustrial fazem parte da cadeia produtiva deste ramo, como algumas
de embalagens, metalúrgicas, serralharias e de tratores.
Apesar de ter sido um programa voltado para Goiás como um todo, houve
uma concentração de investimentos em áreas específicas, em especial o Mato
Grosso Goiano (Goiânia, Aparecida de Goiânia e Anápolis), com 59,6% dos
investimentos, e o Centro-Sul (Rio Verde, Itumbiara, Jataí e Catalão), com 35,6%. As
regiões mais pobres – Norte e Nordeste de Goiás – receberam apenas 4,8% dos
investimentos.
Este programa estadual, os incentivos federais e a mudança de plantas
agroindustriais beneficiaram as classes dominantes goianas, baseadas no latifúndio
e nas atividades agropecuárias. O exame do processo de industrialização em Goiás
nos dará pistas para esta afirmativa.
115
5.3 A Emergência do “Agronegocista”: a Agroindústria e a Agropecuária Goiana
Já fizemos referência ao fato de que os recursos públicos (de origem federal
ou de programas estaduais) atuaram fortemente no desenvolvimento da
agropecuária goiana. A inserção da agroindústria neste processo, na década de 80,
subordinou o processo produtivo agrícola em Goiás, na medida em passou a
determinar quais mercadorias deveriam ser produzidas. Esta dinâmica reforçou a
idéia de que algo novo estava acontecendo: o produtor rural – fazendeiro – passava,
então, a integrar outro processo de produção, ligado à agroindústria e à exportação,
e daí passava a se considerar um participante de algo maior – o agronegócio.
O processo de desenvolvimento capitalista brasileiro esteve, em parte,
determinado pela constituição do mercado interno nacional, conduzido pelo centro
dinâmico da economia – São Paulo, como anteriormente já mencionamos. A
economia de outras regiões era dependente da paulista; esta, por sua vez,
determinou uma divisão nacional do trabalho que resultou na configuração espacial
da produção. Isto até os anos 70, quando a política pública federal passou a priorizar
a descentralização espacial da produção.
Esta descentralização ocorreu de forma a manter algumas das características
da natureza da produção local no período da constituição do mercado nacional. Isto
denota a preocupação de não afetar as relações das classes dominantes nativas
com o projeto de desenvolvimento capitalista nacional. Estas, de sua parte,
procuraram se adequar a este projeto, sempre com o objetivo de manter sua
dominância local.
Apesar de todo o incremento na produção agrícola goiana – talvez por isto
mesmo –, não houve alteração significativa da partição do PIB estadual no nacional.
116
Se compararmos os anos de 1970 a 1985, esta participação passou de 1,7% para
1,8%, um crescimento medíocre. No entanto, temos de ressaltar que a estrutura
interna do PIB goiano se alterou em favor do setor secundário, que passou uma
participação de 13,2% para 19,1%.
O crescimento do setor secundário do PIB goiano foi sustentado pela
expansão da agroindústria, inicialmente sem sofisticação tecnológica. As
agroindústrias, em sua grande maioria, eram as que beneficiavam os produtos
agropecuários, que compunham o gênero da Indústria de Produtos Alimentares,
Bebidas e Fumo. Estas não possuíam grande incorporação de tecnologia,
empregando mão-de-obra intensamente.
Tabela 2011: Participação (%) do Pessoal Ocupado e Receita Total, por Gênero
da Indústria Goiana (1975, 1985, 1994)
1975 1985 1994
Gênero da Indústria
Pessoal Produção Pessoal Produção Pessoal Produção
Produtos Alimentares, Bebidas e Fumo
35,9 66,9 32,9 51,9 38,2 60,3
Transf. de Produtos Não-Metálicos
19,6 11,7 15,5 12,4 0,9 7,2
Metalurgia e Mecânica
10,1 3,6 8,5 7,3 6,4 4,7
Madeira e Mobiliário
8,0 2,2 9,5 1,9 6,1 2,3
Indústrias Extrativas
7,3 4,8 7,1 6,6 0,0 0,0
Editorial e Gráfica
5,5 2,0 3,5 1,1 5,0 2,2
Vestuário, Calçados e Artef. de Tecidos e Têxtil
3,9 1,4 11,4 6,2 17,0 5,3
Química, Prod. Farm. e Veterinário, Perf. Sabões e Velas
2,7 4,4 5,9 9,1 6,4 6,5
Material de Transporte
2,3 0,7 1,8 0,6 0,6 0,8
Borracha e Produtos de Mat. Plástica
1,8 0,9 1,1 0,8 2,9 2,1
Material Elétrico e de Comunicações
1,0 0,5 0,9 0,9 1,0 0,3
Papel e Papelão
0,9 0,6 0,5 0,4 1,0 0,6
Couros, Peles, Artef. p/ Viagem
0,6 0,3 0,5 0,8 3,8 2,2
Coque, Refino de Petróleo, Comb. Nucleares e Produção de
Á
lcool
0 0 0 0 6,5 4,1
Montagem de Veículos Automotores, Reboques e Carrocerias
0 0 0 0 2,5 0,8
Diversas
0,5 0,1 0,8 0,2 1,8 0,7
Fonte: Censos Econômicos (1980; 1985); Censo Cadastro – IBGE (1994).
Se observarmos a Tabela 20, podemos verificar que as indústrias do gênero
Produtos Alimentares, Bebidas e Fumo, que são as agroindústrias, são as que mais
117
empregam e as que têm maior faturamento, dentro do período mostrado, que é
relativamente longo.
Como o período mostrado vai de 1975 a 1994, alguns gêneros industriais
apresentam-se como não tendo nenhum faturamento ou empregado, o que se
justifica pelo fato de que, à época, não havia estas indústrias em Goiás. Por
exemplo, a indústria extrativa não apresentou em 1994 nenhum faturamento ou
empregado, tendo em vista a divisão territorial dos Estados de Goiás e Tocantins
(localizava-se neste último a maioria das indústrias extrativas).
Podemos, também, verificar que a participação das indústrias do gênero de
Transformação de Produtos Não-Metálicos sofreu uma redução muito forte desde os
Censos de 1975 e 1985, quando confrontados com o de 1994. A razão continua
sendo a divisão territorial e a incorporação de tecnologia ao processo produtivo de
extração destes produtos, que são largamente utilizados na agropecuária – basta
levarmos em conta sua participação no valor da produção industrial (7,2%) em
comparação com o pessoal utilizado (0,9%).
Um setor muito importante, gerador de empregos, é a indústria do Vestuário,
Calçados e Artefatos de Tecido e Têxtil, que em 1994 se apresentava com 17% do
pessoal empregado nas indústrias, embora com faturamento de 5,3% da produção.
Este setor reflete a forte urbanização goiana, com destaque para o vestuário, que
emprega milhares de pessoas na Capital.
Isto também pode ser observado em uma pesquisa realizada em 1999,
relativa ao período de 1990 a 1998. A Federação das Indústrias do Estado de Goiás
(Fieg) levantou as aberturas de empresas conforme o capital social, com base nos
arquivos da Junta Comercial de Goiás (Juceg). O levantamento foi feito por
subextratos de empresas, estabelecidos pelo volume de capital social, classificando-
118
se como microempresas as que tinham capital de até US$ 3.000, pequenas
empresas as que possuíam capital social até US$ 10.000, médias empresas as de
até US$ 40.000, e grandes empresas as que tivessem capital acima de US$ 40.000.
Os resultados foram os seguintes. Com relação ao total geral de aberturas por
capital social, o ramo da indústria de Alimentação e Bebidas foi o que mais
apareceu, com 30,86% do total geral, seguido pelo ramo de Têxtil e Vestuário (com
28,61%), Madeira e Mobiliário (8,99%), Metalurgia, Mecânica e Materiais Elétricos
(7,09%) e Minerais Não-Metálicos (6,91%). Os demais ramos somados perfaziam
um total de 17,54%.
Em todos os subextratos a abertura de empresas do ramo de Alimentação e
Bebidas sempre foi a mais freqüente, notadamente as de grande capital (32,6% do
total). A única exceção ocorreu no sub-segmento das microempresas, em que o
ramo Têxtil e Vestuário teve índices idênticos aos de Alimentação e Bebidas
(31,2%), denotando a força da agroindústria no segmento industrial.
Pelos dados que observamos na Tabela 20, também podemos notar que as
indústrias que vieram para Goiás estimularam um desenvolvimento bastante
acentuado no ramo agroindustrial.
Este fato não ocorreu somente na década de 90. As pesquisadoras Castro e
Fonseca (1995), do Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (Ipea),
mostraram que, durante a década de 80, houve uma consolidação do complexo
grãos-carnes, induzindo uma nova orientação para a produção agropecuária. Este
desenvolvimento agroindustrial pode ser dividido em três fases: a primeira, nos anos
70, em que se deu a adaptação técnica da soja ao cerrado, com atividades de
beneficiamento de grãos em Goiás; numa segunda fase ocorreu a expansão da soja
e do milho em áreas de alta produtividade do Centro-Oeste, porém com deficiências
119
de infra-estrutura; e uma terceira fase, após a metade dos anos 80, em que ocorreu
o deslocamento de grandes conglomerados agroindustriais para a região, período
em que houve transferências de fábricas de beneficiamento de grãos e atividades
relacionadas à integração na criação e abate de pequenos animais.
Se quisermos caracterizar um período como aquele em que surgiu o conceito
de agronegócio em Goiás, podemos apontar a última fase descrita pelas
pesquisadoras, em que há uma alocação de grandes unidades agroindustriais que
induzem uma transformação na agropecuária goiana, especialmente na agricultura,
com especialização em culturas demandadas por este tipo de indústria – milho, soja
e algodão são as principais.
As transformações ocorridas podem ser facilmente verificadas nos
indicadores de desempenho da agricultura. A produção da soja passou de 455.794
toneladas em 1980 para 2.051.768 em 1989, com um rendimento médio no período
de 1.789 kg/ha, enquanto a média brasileira foi de 1.706 kg/ha. A do milho teve um
crescimento acentuado, passando de 1,8 milhão de toneladas em 1980 para 3,6
milhões em 1989. O seu rendimento também foi crescente na década, ficando em
média em 2.438 kg/ha no período 1980/89 (no Brasil como um todo este rendimento
foi de 1.830 kg/ha). As culturas de algodão e feijão tiveram produção bem mais
baixa, se comparadas com as da soja, do milho e do arroz.
O proprietário rural, nesta fase, deixou de ser um fazendeiro e passou a ser
um “agronegocista”, integrado ao CAI. A cadeia produtiva passou a ditar o que e a
forma como plantar e a remunerar melhor aqueles com maior fidelidade de entrega
do produto.
Castro e Fonseca (1995) mostram, também, a importância da agroindústria
alimentícia em Goiás, destacando as empresas de capital estrangeiro. Em 1985,
120
atuavam no Estado duas empresas estrangeiras e seis de capital nacional. Já em
1991, houve uma ampliação no número de empresas nacionais e estrangeiras: as
primeiras passaram a ser 13 e as estrangeiras, oito.
O relevante a destacar é que as empresas estrangeiras localizam-se nos
setores mais importantes da agroindústria goiana, compreendendo o principal
complexo de grãos e carne. A evidência do avanço deste complexo sobre os ramos
tradicionais da agroindústria goiana pode ser medida pela participação de um e de
outro sobre o recolhimento do ICMS. O complexo de grãos e de carne arrecadou
69,56% do ICMS goiano em 1985, chegando a 84,57% em 1991.
Na década de 90, como já aludimos (no tocante à arrecadação de ICMS do
complexo grãos-carne), houve uma definição clara da mudança de estilos de
desenvolvimento, sobretudo no aspecto de abertura comercial e na busca dos
Estados e municípios por investimentos privados, o que ficou bastante conhecido
como “guerra fiscal”. Goiás foi um dos Estados mais agressivos no uso de
instrumentos fiscais para proceder à atração de investimentos. Mesmo assim, não
ocorreu uma mudança no perfil industrial, que continuou baseado nas
agroindústrias, conforme já mostramos.
Importa salientar que as classes dominantes em Goiás mudaram, mas não
mudaram: passaram de fazendeiros a “agronegocistas”. Na década de 80, era de
esperar que o crescimento da renda do setor industrial no PIB goiano fosse afetar a
dominância do setor primário, o que não ocorreu, visto que este campo, apesar de
perder importantes fontes de financiamento estatal, passou a se integrar às
agroindústrias que as financiaram, em troca da especialização de sua produção.
Se buscarmos agora analisar um período mais recente, de 1985 adiante,
podemos identificar duas fases da política econômica que afetaram profundamente o
121
desenvolvimento capitalista goiano. A primeira foi de 1985 a 1989, momento em que
se esgotaram as condições de financiamento público, particularmente nos âmbitos
federal e estadual. Na segunda, de 1990 à frente, houve uma modificação de
natureza da política pública, com uma alteração na abrangência das políticas
setoriais e sua subordinação radical às políticas macroeconômicas. Neste período,
foi adotado com maior clareza o ideário neoliberal. A política econômica federal
passou a ter o sentido da regulação agregada, quando muito cumprindo funções
ocasionais de compensação.
Em que pesem as diferenças entre as duas fases, para Goiás o que
importava é que havia uma clara diminuição dos recursos públicos para o
financiamento das atividades primárias, havendo necessidade de encontrar novas
fontes. O que levou a uma especialização ainda maior deste setor.
5.4 A Especialização da Agricultura
Uma das características da economia goiana é que o setor primário tem,
comparativamente aos níveis nacionais, um peso maior sobre a renda interna. Se
analisarmos o período que vai de 1985 a 1997, veremos que, nos momentos mais
instáveis (como os de 1986/87 e de 1989/90), o setor esteve regionalmente muito
mais sujeito a flutuações do que o conjunto do setor brasileiro.
Isto se deve aos impactos das políticas macroeconômicas, que alternavam
momentos de estímulo ao investimento voltado para as exportações (por meio de
subsídios)
23
com períodos de contenção de gastos. O gráfico abaixo ilustra bem a
situação do setor primário goiano comparado com o nacional.
23
Por exemplo, em 1986, com o Plano Cruzado, o Brasil bateu recorde de produção agrícola.
122
Gráfico 2:
Taxas anuais de variação (%) da Agropecuária - Brasil e Goiás
-20
-15
-10
-5
0
5
10
15
20
25
30
1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997
BRASIL GOIÁS
Fonte: IBGE.
O setor primário goiano, como podemos observar, foi afetado de maneira
significativa. As taxas de variação do PIB setorial passaram a ter menos flutuações a
partir de 1993, mantendo níveis superiores aos do Brasil como um todo, o que
mostra que a abertura comercial foi importante para o ramo.
Agora, ao analisarmos que a agroindústria se dedica a industrializar e
exportar os produtos agropecuários, a produção dos principais produtos agrícolas,
na década de 90, revelou que os de melhor desempenho foram aqueles de
demanda de exportação e industrializáveis. Assim, a soja, que é um produto
exportável e agroindustrializável, foi beneficiada por pesquisas que a adaptaram e
aumentaram sua produtividade ao cerrado (Tabela 21), além do grande aumento
conseguido pelo Estado da área do cultivo (41,4%) no período, o que fez, em
conseqüência, aumentar sua participação na produção total brasileira.
123
Um dos motivos deste aumento foi o beneficio que a produção da soja
recebeu da abertura comercial; somente a soja in natura ou seus derivados foram
responsáveis, em média, por 46,8% das exportações totais de Goiás nos anos de
1998/99. No ano de 1998, a soja representou 15,9% da participação do PIB do setor
primário goiano, enquanto a agricultura como um todo representou 58,6% do setor
no mesmo ano.
Tabela 21: Evolução da área e da produção das principais culturas
selecionadas – Goiás (1990-98)
Produtos Período 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998
Área (ha)
972.430 797.740 822.860 982.023 1.110.543 1.121.399 913.633 1.016.388 1.375.466
Prod. (t)
1.258.440 1.661.260 1.797.670 2.001.872 2.309.979 2.146.700 2.017.703 2.451.163 3.393.240
Soja
GO/BR
6,33 11,12 9,37 8,82 9,27 8,33 8,07 9,27 10,19
Área (ha)
296.070 328.411 415.358 304.510 300.336 263.095 189.703 136.042 126.224
Prod. (t)
307.770 524.599 586.662 384.142 470.084 419.913 302.788 223.164 198.958
Arroz de
sequeiro
GO/BR )
4,15 5,55 5,88 3,79 4,48 3,74 3,11 2,4 2,47
Área (ha)
873.650 881.090 799.610 726.694 913.394 875.313 924.794 746.620 456.417
Prod. (t)
1.848.350 2.886.410 2.777.250 2.546.945 3.175.536 3.418.554 3.665.886 3.056.711 1.866.625
Milho
GO/BR
8,68 12,16 9,06 8,47 9,77 9,38 11,61 10 7,49
Área (ha)
180.770 177.281 147.754 143.262 152.113 133.278 53.995 16.473 18.564
Prod. (t)
125.200 121.532 118.441 125.218 144.635 131.610 45.173 27.104 30.328
Feijão
GO/BR
5,59 4,42 4,17 5,05 4,44 4,59 1,67 1,93 3
Área (ha)
35.459 42.940 53.772 38.172 53.773 69.437 69.533 83.234 186.121
Prod. (t) 59.760 83.650 83.710 94.560 101368 156.761 157.031 189.744 258.912
Algodão
GO/BR 3,37 4,11 4,53 8,39 7,51 10,41 10,9 22,82 21,01
Fonte: Anuário Estatístico do Brasil (1995); Emater-GO (1998).
A cultura do milho é importante para a economia goiana pela sua participação
no sistema de renovação de pastagens. A produção deste produto foi aumentada a
partir do desenvolvimento de pesquisas que elevaram, de forma substancial, a sua
produtividade. Nos anos 90 e, principalmente, a partir de 1994, a abertura comercial
estimulou avanços na produtividade (Tabela 21). No final dos anos 90, o milho era o
segundo produto mais importante para o Estado de Goiás, representando 9,58% da
participação da agricultura no PIB do setor primário estadual.
124
As oscilações da área utilizada para o cultivo do milho devem-se ao melhor
preço apresentado pela soja e à exigência da agroindústria moageira, que necessita
de volumes cada vez maiores deste último grão. Não obstante, seu cultivo ganhou
muito mais produtividade e é uma opção muito interessante para a “safrinha”
24
.
Podemos notar que a área plantada com feijão e arroz tem sido
substancialmente diminuída. Seus preços são mais baixos que os da soja e do milho
e as agroindústrias não “financiam” a safra destas culturas, o que acaba por
inviabilizar seu plantio.
Bastante especial é o caso do algodão: trata-se de um produto destinado à
indústria e também exportado in natura, motivo pelo qual sua produção tem
aumentado muito. A participação de Goiás na produção nacional aumentou
vertiginosamente nos últimos anos da série – um pouco, a bem da verdade, devido
ao fato de que as safras do Nordeste foram prejudicadas pela seca e também em
razão da adaptação de novas espécies (com produtividade mais alta) no cerrado.
Em síntese, a agroindústria foi muito importante por implantar uma nova
forma de produção: foi a responsável, pelo menos em grande parte, pelo que se
convencionou chamar de agronegócio. Esta denominação, na verdade, constitui-se
em um eufemismo. A produção agropecuária goiana tornou-se mais seletiva, mas na
década de 30 e 40 ela também o era. Desta forma, o que realmente mudou foi a
tecnificação, que aumentou a produtividade e trouxe mudanças nas relações sociais
de produção.
24
A assim chamada safrinha ocorre quando se realizam duas safras no mesmo ano. Utilizam-se,
necessariamente, sementes de menor ciclo. Quando o produtor necessita fazer rotação de cultura isto
é, após o plantio de uma leguminosa, como a soja, deve-se plantar uma espécie não-leguminosa, a
preferência quase sempre recai sobre o milho. Há, contudo, muitos produtores que, em função do alto
preço da soja, utilizam sementes de ciclo menor desta leguminosa, mesmo que o risco de doenças,
neste caso, aumente.
125
À integração do proprietário rural – que antes se denominava de fazendeiro –
à cadeia produtiva da agroindústria (ou, como alguns autores chamam, aos CAIs,
que englobam um conjunto de atividades que concorrem para a elaboração de
produtos agroindustriais), a isto, ao final da década de 80, denominou-se
agronegócio, com o que se objetivava dar a entender que era uma atividade
“moderna”, “dinâmica”.
Pelo que se apresentou, as agroindústrias são o gênero mais importante das
atividades industriais goianas. Sua dinâmica afeta a forma de produção
agropecuária, induzindo uma especialização em produtos por elas transformados. O
setor primário goiano foi afetado, principalmente, pelo fato de que sua atividade era
altamente dependente de recursos públicos, ficando muito suscetível às políticas
econômicas. No entanto, quando se estabilizou a economia e a fonte de
financiamento passou a se dar no interior do CAI, o setor cresceu a taxas superiores
às do país.
A produção agrícola reflete esta nova forma de produção. Os produtos
tradicionais – arroz e feijão –, destinados ao mercado interno, perderam espaço para
outros, destinados à exportação – soja, milho e algodão. As agroindústrias que
beneficiam e comercializam estes produtos são as mais arrecadam ICMS e as que
mais empregam em Goiás, denotando sua pujança na economia.
Não obstante, a renda e a estrutura fundiária continuaram concentradas. A
análise destes dados poderá nos dar pistas sobre a classe dominante, se esta
“perdeu” parte de sua dinâmica ou se aumentou sua participação na renda estadual.
Vejamos.
126
5.5 Evolução da Renda e a Distribuição Fundiária
Em um sistema capitalista, uma classe dominante não necessita,
obrigatoriamente, exercer cargos públicos: basta que o sistema político satisfaça
seus interesses, prioritariamente, à frente das demais classes. Uma importantíssima
relação da classe dominante com o sistema político se dá no âmbito da política
econômica, isto é, através da consideração de critérios políticos de alocação de
recursos públicos ou de sistemas de valores que contemplem suas necessidades em
primeiro lugar.
Assim, como vimos, Goiás teve uma forte alocação de recursos públicos e de
políticas estaduais que fizeram que o setor primário sofresse uma mudança
profunda, em termos de produção e de produtividade, e conseqüentemente uma
mudança nas relações sociais de produção. O domínio do processo político coube a
dois grupos que se revezaram no poder durante décadas. Entretanto, estes
representavam os interesses do latifúndio. A base de sustentação política de ambos
eram as relações sociais no campo.
O domínio relativo do poder estadual manteve os privilégios do setor ao longo
do período ditatorial-militar. Mesmo quando houve a redemocratização, quem
assumiu o comando político não foi algum representante de outra classe social, mas
a facção que havia sido destituída pela ditadura militar. Por meio da análise do PIB
estadual, podemos verificar qual setor da economia mais vem se beneficiando desde
então.
O Brasil enfrentou momentos difíceis ao longo da década de 80 e início dos
anos 90 – e o comportamento do PIB nacional e goiano reflete esta instabilidade. A
necessidade de geração de superávits na balança de transações correntes fez que
127
as políticas macroeconômicas implementadas se subordinassem à necessidade de
geração de divisas em volume compatível com o pagamento dos juros da dívida
externa. Sendo o País um tradicional exportador de produtos primários, houve um
incentivo maior para que fossem produzidos produtos agroexportáveis, o que foi
favorável para o Estado de Goiás, considerando-se sua natureza geográfica e
inserção no mercado interno.
Quando comparamos tendencialmente as taxas de variação anual, elas
seguem uma trajetória ditada pelo PIB brasileiro, diferindo apenas no
comportamento setorial, em que se dá uma maior volatilidade, visto que a
composição setorial dos PIBs é diferente.
Gráfico 3: Taxas de Variação do PIB Brasil e Goiás (1986 a 1997)
Fonte: IBGE.
Conforme podemos verificar pelas taxas de variação do PIB nacional e
goiano, o grau de flutuação do PIB estadual é mais intenso do que o do país. A
razão deste movimento é que a economia goiana se ressente mais fortemente nos
períodos mais instáveis da economia nacional, devido às suas peculiaridades, sendo
mais suscetível aos recursos públicos e à exportação de seus produtos. Assim
128
sendo, quando o País tem uma tendência de queda em seu PIB, a diminuição em
Goiás é imediatamente maior, assim como o resultado na recuperação.
Tabela 22: Participação (%) do PIB por setor– Brasil/Goiás (1985-96)
Agropecuária Indústria Serviços
Anos
Brasil Goiás Brasil Goiás Brasil Goiás
1985 10.20 22,9 40,2 17,7 49,5 59,4
1986 10,4 25,5 42 19,8 47,7 54,7
1987 8,7 28,7 39,8 19,4 51,5 51,9
1988 8,8 30,2 37,9 16,1 53,3 53,7
1989 6,9 18,2 34,5 12,9 58,6 68,9
1990 9,1 22,3 34,3 15,8 56,7 61,9
1991 7,8 22,3 36,2 15,8 68,9 61,9
1992 7,7 18,2 38,7 10,2 77,5 71,6
1993 7,6 18,4 41,6 11,2 81,8 70,4
1994 9,8 27,6 40 10 64,2 62,4
1995 9 28,2 36,7 12 60,7 59,8
1996 8 27,5 35,5 12,6 61,3 59,9
Fonte: IBGE; Seplan-GO.
Há diferenças importantes nas composições internas dos PIBs de Goiás e do
Brasil como um todo. Em Goiás, a participação do setor primário é bem superior à da
economia nacional. Por esta razão, há grande flutuação nas taxas de variação anual
do setor primário, com implicações para o comportamento do restante da economia,
fortemente dependente deste setor.
Como podemos observar, na Tabela 22, o setor primário goiano é muito mais
representativo para a renda interna de Goiás que o mesmo setor em âmbito
nacional: representou, em 1996, 27,5% da renda, enquanto para o País este
percentual alcançou apenas 8%. Por si só este dado mostra o quanto a classe que
representa o setor primário aufere renda do restante da economia goiana.
Por outro lado, ao comparamos o comportamento cíclico da indústria goiana
com a brasileira, verificamos que é bastante diferente, mostrando que a atividade
industrial no Estado de Goiás é aderente à agropecuária.
129
Com efeito, o setor secundário goiano é muito menor que o brasileiro, a renda
se fixa mais no setor primário e, em média, a indústria participou com 12,8% em
Goiás, e no Brasil com 33,1%, no período analisado.
O setor de serviços mostrou uma variação muito forte, com aumento de sua
participação na renda, se tomarmos os números médios. Isto se deveu, em grande
parte, à intensificação do processo de urbanização, que em 1980 era de 62,2% e
aumentou para 76,5% no ano de 1991.
Além deste dado, e também para corroborá-lo, podemos apresentar os
índices sobre a população economicamente ativa (PEA) de Goiás coligidos por Silva,
que mostrou que em
1970, 60,4% da PEA se encontrava na agricultura, enquanto as
atividades industriais absorviam 8,9% e os serviços 30,7%. Em
1980, em conseqüência dos processos de modernização da
agrícola, de crescimento populacional e de urbanização
acelerada, a proporção da PEA no setor primário havia se
reduzido para 39,2% e nos setores secundário e terciário havia
aumentado para 16,5% e 45,3%, respectivamente. Durante a
década de 80, manteve-se a tendência decrescente da PEA no
setor primário, atingindo, em 1990, 25,4% (...). Em 1990,
enquanto a proporção da PEA na indústria apresentava
modesto crescimento (17,3%), a do setor de serviços já
alcançava o patamar de 57,3% (2002, p. 108).
Devemos, também, utilizar outros indicadores que possam nos auxiliar na
apreensão dos determinantes do desenvolvimento capitalista goiano. Há uma
relação implícita nas taxas de expansão dos PIBs e o aumento dos postos de
trabalho, relação que depende, dentre outros aspectos, da natureza da atividade
econômica geradora da renda. Por outro lado, a expansão dos postos de trabalho é
um dos principais determinantes dos fluxos migratórios.
Fizemos um levantamento da população residente em Goiás, no período de
1985 a 1998, e verificamos que houve um intenso fluxo migratório no Estado.
130
Conforme já indicamos anteriormente, a década de 90 foi marcada por uma
mudança no estilo de desenvolvimento. O aumento populacional ocorrido em Goiás
deve-se a esta mudança, fenômeno dado pela variação anual de crescimento da
população do Estado de Goiás, superior às taxas para o Brasil.
Em toda a série analisada – 1985 a 1998 –, as taxas de variação anual do
Estado são superiores às nacionais. Os padrões de redistribuição espacial da
população mostram que processos de concentração e desconcentração de
populações obedecem às especializações econômicas, o que ocorreu em Goiás.
O Estado de Goiás teve um crescimento de 2,28% a.a. no período de 1985 a
1998, e o Brasil, de 1,58%. Nos anos 90, esse crescimento foi de 2,40% para Goiás
e 1,43% para o Brasil, o que demonstra que houve uma maior diferença no
crescimento goiano nessa década. A população estadual teve um acréscimo de
17,15% na década, enquanto a população brasileira cresceu 10,93%.
Além de observarmos o crescimento da população, procuramos um indicador
que pudesse aferir onde se situavam os postos de trabalho. Analisando os dados da
participação do empregados por setor de atividades constantes no Rais/Caged,
pudemos notar que a participação de empregados com carteira assinada na
agropecuária é muito menor que nos outros setores, indústria e serviços; entretanto,
pode-se observar que, a partir de 1994, período do Plano Real, ocorreu uma
expansão significativa nessa participação referente ao setor primário.
Em 1990, a participação da agropecuária no emprego formal era 1,61% para
o Brasil e de 1,74% para Goiás; antes da implementação do Plano Real, em 1993, a
participação era, respectivamente, de 2,18% e 2,16%. No final da série, em 1997,
ocorreu um aumento maior na participação do setor agropecuário do Estado de
Goiás em comparação com o Brasil: 5,83% (e 4,14% em níveis nacionais).
131
As participações no emprego nos setores da indústria e dos serviços para o
ano de 1997 foram as seguintes: na indústria, no Brasil como um todo, 26,15%, em
Goiás, 26,56%; nos serviços, a participação em nível nacional foi de 69,58% e de
62,51% em Goiás. Analisando a série histórica por completo, não encontramos
grandes desvios em relação a essas participações.
A grande diferenciação que verificamos nos empregados com carteira
assinada refere-se, justamente, ao grande crescimento do setor agropecuário em
Goiás, após a implantação do Plano Real. Essa constatação fica evidente quando
observamos que a participação do setor primário no PIB estadual cresceu ao longo
da década, tendo passado de 22,3% em 1990 para 27,5% em 1996 (Tabela 22).
Em síntese, apesar de ter havido mudanças no estilo de desenvolvimento
brasileiro, estas parecem não afetar o setor que mais aufere renda em Goiás, o rural
– ao contrário, aumentam sua participação na renda.
A saída de cena do regime militar e a redemocratização não afetaram esta
classe dominante. Poderíamos esperar um crescimento maior da renda industrial,
visto que este setor se expandiu no Estado, entrementes, a forma interligada do
setor com a agropecuária fez que esta se tornasse mais especializada, concentrada
em poucos produtos, atuando em áreas cada vez maiores, fazendo com que sua
renda aumentasse em função do aumento de áreas destinadas à produção. Ainda
mais: com a abertura comercial, os produtos agroexportáveis foram enormemente
beneficiados e as agroindústrias passaram a ser intermediárias nesta transação.
Como já fizemos referência, não houve necessidade de mudanças radicais no
processo político. As fontes de financiamento do setor rural mudaram, e também
com as mudanças nas relações sociais de produção, mudou o perfil dos
proprietários de terra. Muitos passaram de fazendeiros a agronegocistas.
132
Outro ponto importante para efeito de nossa análise é que, devido à
particularidade do comportamento da renda em Goiás ser bastante diferente da
nacional, especialmente no que se refere ao setor primário, devemos atentar para a
distribuição fundiária no Estado.
Se caracterizada como concentrada, a distribuição fundiária poderá nos dar
pistas de que a renda goiana, realmente, fica nas mãos de poucos e, também, sobre
se se concentra em determinada fração de classe, que poderíamos supor ser
componente do bloco no poder.
Tabela 23: Distribuição Fundiária em Goiás (1980-96)
Nº de propriedades Área
Extratos
1980 1996 1980 1996
Até 10 ha
11,3 8,9 0,2 0,2
10 a 100 ha
43,1 51,2 6,5 9,7
100 a 500 ha
33,4 29,6 24,7 28,5
500 a 1.000 ha
6,4 6,1 14,8 18,2
mais de 1.000 ha
5,7 4,2 53,8 43,4
Fonte: Censos Agrícolas (1985; 1996); Seplan-GO.
Pelos dados apresentados na tabela 23, o número de propriedades com área
de até 100 hectares é expressivo; em Goiás, roças deste tamanho são consideradas
minifúndios. De 1980 a 1996 este número aumentou, passando de 54,4% para
60,1%. Cresceu, também, sua área, de 6,7% para 9,9% da área total dos imóveis
rurais em Goiás.
De antemão, devemos ter cuidado em nossa avaliação. A Constituição de
1988 dividiu o Estado de Goiás, criando o Estado do Tocantins, o que pode afetar a
análise, em parte, devido às particularidades de cada Estado. Não obstante,
considerando haver uma homogeneidade na distribuição fundiária dos dois Estados,
verificamos que o número de propriedades médias – as que possuem área de 100 a
133
500 hectares – diminuiu, de forma que sua participação na área total cresceu de
24,7% para 28,5%. Estes números sugerem que estas propriedades aumentaram de
tamanho, aproximando-se do limite superior de seus estratos – 500 hectares.
Agora, ao observarmos o comportamento das propriedades maiores,
abarcando os latifúndios, podemos verificar que houve uma pequena diminuição no
número de propriedades com áreas de 500 até 1.000 hectares (de 6,4% para 6,1%),
com um aumento substancial na área destes estabelecimentos (de 14,8% para
18,2% da área total). Houve, por conseguinte, anexação de áreas nesta faixa. Neste
estrato se encontra a maioria dos “agronegocistas”, como veremos mais adiante.
No grupo superior, de propriedades com mais de 1.000 hectares, houve
redução tanto no número de estabelecimentos quanto na área ocupada por estes; a
retração na área foi maior, passando de 53,8% para 43,4%.
A diminuição da área ocupada pelo extrato superior e o aumento das áreas
ocupadas pelos segmentos imediatamente inferiores mostram que esta área foi
ocupada pelos mesmos agentes e não sofreu nenhum tipo de reforma agrária.
De qualquer forma, existe uma concentração fundiária muito exacerbada em
Goiás, onde 89,7% dos estabelecimentos rurais com área de até 500 hectares, em
1996, possuíam somente 38,4% da área total, enquanto 10,2% dos
estabelecimentos com áreas superiores detinham 61,6% da área total.
O fato de termos colocado os “agronegocistas” nesta faixa se deve à pesquisa
empreendida por Ferguson e Fernandes Filho (2003), segundo os quais, entre as
áreas ocupadas com lavouras, principalmente soja e milho, estas se concentravam
em propriedades com áreas acima de 500 hectares.
Tentando resolver o problema metodológico advindo da divisão territorial de
Goiás, escolhemos uma microrregião que recebeu intensa influência política e
134
econômica desde a década de 30, como já referimos em capítulos anteriores, para
melhor exemplificar a concentração fundiária ocorrida em Goiás: o Sudoeste goiano.
A partir do Censo de 1985, colhemos os dados do ano de 1980 referentes a esta
microrregião, que na época não existia na forma como é hoje. As microrregiões eram
diferentes e compostas por outros municípios, então, buscamos os dados de cada
um deles e “montamos” a região Sudoeste de Goiás de 1980 com os índices.
Os dados mostrados pela comparação da distribuição fundiária do Sudoeste
de Goiás de 1980 a 1996 realmente comprovam a expansão do número de
estabelecimentos com áreas de 500 a 1.000 hectares. O número de propriedades
passou de 12,2% do total para 13,3%, entrementes, a área destas propriedades
cresceu significativamente, de 14,4% do total para 20,9%.
Tabela 24: Distribuição Fundiária – Sudoeste de Goiás (1980-96)
Nº de propriedades Área
Extratos
1980 1996 1980 1996
Até 10 ha
7,8 3,4 0,1 0,04
De 10 a 100 ha
32,3 33 2,5 3,7
100 a 500 ha
34,4 40,2 14,6 22,3
500 a 1000 ha
12,2 13,3 14,4 20,9
mais de 1000 ha
13,3 9,9 68,4 53,1
Fonte: Censos Agrícolas (1985; 1996); Seplan-GO.
Outro extrato que apresentou uma evolução significativa foi o de 100 a 500
hectares. Aí, o número de estabelecimentos aumentou em uma proporção grande e
a área ocupada por eles cresceu vigorosamente, passando de 14,6% para 22,3% do
total.
Este aumento teve que ver com as transformações nas relações sociais de
produção na agricultura goiana, com o desaparecimento dos parceiros e sua
substituição pelos arrendatários.
135
A unidade de produção baseada no arrendamento pouco tem a
ver com o modelo tradicional de parceria, onde a tônica era
dada pela plantação de parcelas cedidas pelo proprietário aos
agricultores sem terra, para o cultivo de suprimentos
destinados à alimentação de sua família e produção de um
pequeno excedente destinado ao comércio local. A forma de
pagamento na parceria era, quase sempre, em espécie. No
arrendamento os capitalistas investem em tecnologia moderna,
geram excedentes para os mercados e a forma de pagamento
básica é em dinheiro. (FERGUSON; FERNANDES FILHO,
2003, p. 114)
Chama a atenção, não obstante, a diminuição vertiginosa de minifúndios com
áreas de até 10 hectares: em 1980, 7,8% dos estabelecimentos rurais eram
minifúndios com até 10 hectares, que compreendiam 0,1% da área total, o que é
insignificante; porém, em 1996, tanto o número minifúndios diminuiu (3,4%) quanto a
área: esta passou de 0,1% para 0,04% da área total.
Sinteticamente, podemos mostrar que tanto os dados de Goiás quanto os do
Sudoeste em 1980, quando comparados ao ano de 1996, apresentam-se com as
mesmas características, ou seja, a concentração fundiária permaneceu a mesma.
Em resumo, quando o regime militar deixou o poder, houve em Goiás o
retorno do grupo conservador que havia sido desalojado pelo golpe de 64. Durante a
ditadura militar, preponderou o grupo conservador oriundo da oligarquia dominante
existente antes da Revolução de 30. Recordemos que, antes deste ano, a oligarquia
dominante em Goiás era a família Caiado, sendo, posteriormente, substituída pela
oligarquia de Pedro Ludovico até o golpe de 64. Não há razão, e os dados
comprovam esta tese, para duvidar de que estes políticos que retornaram,
defenderam os interesses da classe dominante nativa.
Se observarmos os deputados estaduais, federais e senadores eleitos depois
do período da ditadura militar, vamos encontrar a grande maioria deles ligada ou
pertencente à classe dominante. Poucos são os representantes de outras classes,
136
como Aldo Arantes e outros surgidos mais recentemente, com o crescimento de
partidos mais à esquerda na Capital e em Anápolis.
A política goiana voltou a se concentrar entre dois grupos conservadores,
historicamente rivais. No bojo destas disputas, o PMDB, tendo Íris Rezende como
principal líder, ocupou o governo estadual por 16 anos e elegeu a maioria de
deputados e todos os senadores durante este período. A substituição do PMDB no
governo estadual aconteceu por intermédio de uma união de grupos conservadores,
como vimos.
A relação de dependência da classe dominante goiana com os setores
dominantes do capital, nacional ou estrangeiro, não se constitui em uma simples
relação de forças que permite a exploração de um sobre o outro, mas em um
processo complexo de relações: cada parte procura, na medida do possível, explorar
e se deixar explorar. Não é uma soma cujo resultado seja zero.
Para entendermos este processo, começamos pela dependência da classe
dominante goiana de recursos públicos diretos para financiamento de suas
atividades. O Estado brasileiro financia com subsídios a atividade, em troca de sua
especialização em produtos exportáveis, necessários para equilibrar seu balanço de
pagamentos.
Quando escasseiam os recursos diretos, buscam-se novamente no Estado
outros instrumentos, mesmo sem subsídios, para o financiamento das atividades
agropecuárias, e neste ponto a relação já é bastante dinâmica. O Estado precisa
exportar, mas é engessado pelo FMI, que estabelece rigor com os gastos públicos.
Resta, então, utilizar-se de benefícios fiscais estaduais e estabelecer uma
vinculação com outros setores da economia: as agroindústrias que, indiretamente,
137
passam a financiar o setor, logicamente sob condições específicas, alterando a
pauta produtiva de acordo com seus interesses.
Mesmo com o desenvolvimento agroindustrial, e talvez por esta razão, a
classe dominante goiana, a agropecuária, continua sendo a que mais extrai renda
em proporção aos outros setores que compõem o PIB goiano.
Por fim, a distribuição fundiária goiana se altera não em função do minifúndio,
mas em estratos ligados a produtos agroexportáveis e industrializáveis. O número de
propriedades de 100 a 1.000 hectares diminuiu, concomitantemente a um forte
aumento no tamanho destas áreas e um crescimento impressionante na produção.
138
CONSIDERAÇÕES FINAIS
139
O desenvolvimento capitalista em Goiás foi moldado a partir de uma
configuração estabelecida pelo mesmo processo ocorrido em todo o país. Isto
significa dizer que a conformação social goiana foi resultado de um espraiamento
maior, que condicionou e determinou o nível do desenvolvimento e das
transformações.
Este processo não foi, porém, uma simples reprodução do que ocorreu no
país. Existiram em Goiás fatores condicionantes específicos que promoveram ou
retardaram as mudanças na ordem socioeconômica.
A dinâmica da acumulação capitalista goiana esteve atrelada às suas
peculiaridades temporais, espaciais e institucionais que, por sua vez, estiveram
condicionadas às relações de produção locais, ao regime de apropriação fundiária, à
natureza da produção, aos seus recursos naturais, à localização de seu território e à
própria ocupação demográfica.
Como pudemos ver, o desenvolvimento capitalista é um processo que
depende de vários fatores determinantes, com objetivos comuns e, ao mesmo
tempo, conflitantes – principalmente em se tratando de uma região (no caso, Goiás)
inserida em um processo maior, que é a dinâmica deste processo no país.
Durante o século XX, o Brasil passou por profundas transformações em sua
transição ao capitalismo. Mudaram, ao longo do século, o padrão produtivo e as
relações sociais de produção e forjaram-se novas classes sociais, através da
implantação de “modelos” de desenvolvimento, de revoluções e até mesmo de uma
ditadura militar.
Antes da Revolução de 30, na República Velha – período caracterizado de
forma inconteste como de predomínio das elites agrárias nos estados,
140
hegemonizados pela burguesia mercantil-bancária, especialmente a grande
burguesia cafeeira, no interior do bloco no poder.
Em Goiás, neste período, a oligarquia dirigente era comandada pela família
Caiado. Passou a ser contestada por outra fração de classe que emergiu na região
sulina do Estado. Esta fração havia estabelecido relações comerciais com o
Triângulo Mineiro, mudando sua pauta produtiva no sentido da agricultura, enquanto
no restante do Estado prevalecia a pecuária.
Desta forma, esta nova fração de classe no seio do bloco no poder goiano
surgiu em decorrência da própria expansão do capitalismo nacional. A região sulina
goiana, pela sua posição estratégica (próxima ao centro dinâmico da economia
brasileira – São Paulo, via Triângulo Mineiro), estabeleceu relações comerciais que
alteraram sua pauta produtiva, passando a ter uma receita cada vez maior, em
comparação com a advinda do tipo de produção efetuado pelo restante da classe
dominante.
O conflito se estabeleceu porque a nova fração de classe passou a ter um
perfil econômico mais consistente que o grupo preponderante, porém, não tinha uma
representação política à altura de sua importância econômica.
A Revolução de 30 “resolveu” o conflito entre as frações de classe do bloco
no poder goiano. Mesmo derrotada pelas armas, a facção que tinha como base a
região sulina do Estado, representada por Pedro Ludovico, foi alçada ao poder por
Getúlio Vargas e esta nova oligarquia governaria Goiás até o golpe de 64.
Durante este lapso de tempo, da Revolução de 30 até 1964, o país passou
por um período ditatorial, comandado por Getúlio Vargas, que começou a implantar
políticas desenvolvimentistas, de substituição de importações e outras ainda, por
outro período muito importante, que foi o governo de Juscelino Kubitschek, que
141
construiu Brasília e continuou o processo de industrialização dependente nacional.
Estas duas fases do desenvolvimento do país causaram forte impacto na economia
goiana.
Voltando nossa análise a Goiás, após a Revolução de 30, uma das primeiras
medidas do novo governador – Pedro Ludovico – foi a construção de uma nova
Capital para o Estado, Goiânia, em uma estratégia de consolidação de poder.
Também passou a beneficiar a sua região com abertura de rodovias, o que
aumentou a valorização das terras.
As políticas desenvolvimentistas de Vargas, como a “Marcha para o Oeste” e
a criação de colônias agrícolas, trouxeram mudanças socioeconômicas importantes
para Goiás. Houve um forte crescimento populacional: em face da vinda de colonos,
a população goiana aumentou, passando de 826.414 habitantes em 1940 para
1.212.821 em 1950. A agricultura, voltada para o mercado interno, cresceu
significativamente: a área cultivada em 1940 era de 352.667 hectares e chegou a
555.847 em 1950.
Já na década de 50, quando Juscelino Kubitschek assumiu a Presidência da
República e implementou seu Plano de Metas, Goiás foi afetado novamente. As
rodovias implantadas pelo Plano e a construção de Brasília fortaleceram as
migrações para o Estado e abriram caminho para conflitos no campo, principalmente
na região conhecida como “Bico do Papagaio”, no Norte, onde hoje fica o Estado do
Tocantins.
O crescimento da população goiana foi bastante superior ao da brasileira no
período de 1940 a 1960: um aumento de 52,3% em Goiás, contra 26% no país. Este
acréscimo foi resultado da expansão da fronteira agrícola, da abertura de rodovias e
da construção de Brasília.
142
Em conjunção com o vigoroso crescimento populacional, a estrutura fundiária
goiana passou por modificações que eram reflexo das políticas de implementação de
colônias agrícolas. O número de estabelecimentos de 0 a 100 hectares aumentou
(foram acrescentadas 35.662 propriedades), embora a área ocupada representasse
uma parcela ínfima do total. O latifúndio continuava ser a característica da estrutura
agrária goiana.
Embora estivesse em marcha no país um novo processo de acumulação, as
relações sociais de produção permaneceram as mesmas. A classe dominante
nativa, naquela oportunidade, não sem dispôs a empreender sua metamorfose em
capital industrial. Predominava a extrema exploração da força de trabalho no
latifúndio, em grande parte com relações de produção pré-capitalistas.
A composição da renda interna, no período, sofreu modificações oriundas do
processo de urbanização, como a criação de Goiânia. O setor terciário foi
influenciado por atividades tipicamente urbanas: comércio, transporte, governo,
aluguéis e afins. O reflexo na renda foi o seguinte: em 1940, a agropecuária detinha
70,4% da renda estadual, diminuindo sua participação para 49,5% em 1960; já a
parcela do setor de serviços (terciário) passou de 23,8% para 43,2%.
Um setor da classe dominante agrária, que era liderada pela oligarquia dos
Caiados foi trocado por outra oligarquia, capitaneada por Pedro Ludovico, da mesma
classe social – e, ainda mais: as duas oligarquias tinham como base o latifúndio.
Neste período, eram todos fazendeiros tradicionais, sem uma relação forte
com as indústrias. Isto é, a forma de produção do fazendeiro não era subordinada a
contratos, não dependia de financiamentos de indústrias e, fundamentalmente, era
voltada ao mercado interno. Logicamente, não podemos deixar de destacar que
havia começado no Sul do Estado um processo mais articulado entre a agricultura e
143
as agroindústrias do Triângulo Mineiro; entretanto, no geral, este perfil perdurou até
meados de 1970, quando se implantou a “modernização conservadora” no país.
O golpe de 1964 abriu caminhos para profundas alterações da classe
dominante. Foram cassados Mauro Borges, governador e filho de Pedro Ludovico, e
Íris Rezende, assim como mais alguns deputados, em sua maioria ligados ao PSD.
Voltaram ao governo membros da oligarquia dos Caiados, como Otávio Lage, Ary
Valadão e Irapuan Costa Júnior, continuando a classe detentora a ser, no plano
estadual, representante do latifúndio.
O regime militar promoveu a modernização agrícola no país, onde procurou
atender aos ditames da articulação entre o modo de produção capitalista e as formas
não-capitalistas de produção rural, que beneficiavam a formação de capital urbano.
O objetivo desta política foi mudar a pauta dos produtos exportáveis, já que a
antiga estava com os mercados saturados, e conter o avanço de lutas pela reforma
agrária. Havia, naquele momento, um entrelaçamento dos interesses da fração
oligárquico-latifundiária das classes dominantes com a burguesia urbano-industrial,
que se uniam contra a luta de movimentos sociais em detrimento de um setor das
classes dominantes.
Esta união de interesses promoveu a modernização da agricultura brasileira –
conservadora, em termos sociais. Foram aplicados recursos subsidiados para a
mecanização agrícola, pesquisas de adaptação de sementes para o plantio,
aplicação de insumos, defensivos e outras “modernidades”. Se estas, por um lado,
aumentaram a área de plantio e, por conseguinte, geraram um aumento significativo
de produtividade por hectare, de outro tornaram desnecessário o uso intensivo de
mão-de-obra, ocasionando um forte êxodo rural. Além do mais, a tecnificação
ocorrida afetou as relações sociais de produção, na medida em que instituiu o
144
trabalho assalariado (em substituição às formas pré-capitalistas de produção
existentes em grande parte de Goiás).
Uma prova do forte êxodo rural ocorrido foi o aumento da população urbana
goiana, que praticamente dobrou entre as décadas de 60 e 80.
O Crédito Rural possibilitou a modernização e aprofundou a concentração
fundiária. Os minifúndios (de 0 a 100 hectares) diminuíram em número e tamanho,
enquanto os estabelecimentos rurais médios e os latifúndios aumentaram.
A produção agrícola se expandiu, com forte aumento na área plantada e
índices de produtividade cada vez maiores. Os produtos agrícolas que tiveram maior
produção foram soja, milho, algodão e cana-de-açúcar, todos agroindustrializáveis e
exportáveis.
Esta modernização conservadora foi acompanhada pela emergência da
industrialização da agricultura, com a implantação de várias agroindústrias em
Goiás. Estas passaram a coordenar a produção, na medida em que requereram a
especialização da agricultura em produtos de seu interesse, particularmente aqueles
voltados à exportação.
A conformação da renda interna sofreu alterações em favor da indústria;
entrementes, o setor primário continuou a ser o que mais concentrou renda, visto
que a composição deste setor é menor, constituindo-se, basicamente, em agricultura
e pecuária.
A agroindústria, neste ponto, ajudou a moldar uma nova relação de contrato
com a classe dominante. Passou-se a permitir o financiamento da produção antes
mesmo da realização do plantio. Foi possível o financiamento de sementes, adubos,
fertilizantes, máquinas e implementos, matrizes de animais, vacinas etc. com um
145
contrato que subordinava o pagamento em produto na hora da colheita ou da venda
de animais.
Quando os financiamentos públicos se tornaram mais raros, devido à
incapacidade do Estado de manter este padrão de desenvolvimento, o fazendeiro
tradicional, que era fortemente dependente do Estado, subordinou-se ao processo
agroindustrial. É precisamente a passagem do complexo rural para o agroindustrial.
Este, por se tratar de um processo mais sofisticado, com mais contratos
estabelecidos do que um financiamento bancário, passou a se denominar
agronegócio.
O governo estadual continuou sendo dirigido e exercido pela classe
dominante, com representantes da velha oligarquia dos Caiados e de grupos rivais,
capitaneados por Otávio Lage e Irapuan Costa Júnior.
Com a redemocratização, retornaram ao país vários políticos cassados, que
se agruparam no PMDB. A maioria era ligada às forças conservadoras que detinham
o poder estadual antes do golpe de 64, como Íris Rezende e Mauro Borges.
As eleições que se seguiram (para o governo estadual) motivaram um conflito
interno na legenda. Grupos estabelecidos na oposição ao regime militar, ligados aos
setores urbanos de Goiás (como os irmãos Santillos, de Anápolis, que se aliaram a
Mauro Borges), disputaram com Íris Rezende a hegemonia partidária, sendo
derrotados.
Da mesma forma, o PDS, sucessor da Arena, também passou por conflitos
internos entre três grupos – os Caiados, Otávio Lage e Irapuan Costa Júnior – que
levaram este último a se filiar ao PMDB, ficando os grupos remanescentes dividindo
as indicações para os cargos eletivos (sem, contudo haver hegemonia de um grupo
sobre outro). Assim, o controle da política estadual, depois do período da ditadura
146
militar, voltava a ser disputado pelos mesmos grupos conservadores de antes, que
dirigiram Goiás, alternadamente, desde o início do século XX.
A renda estadual, com a expansão do setor industrial após a
redemocratização do país, sofreu modificações, mas nada que pudesse alterar
significativamente o predomínio do setor agropecuário sobre a renda estadual. Em
1996, a agropecuária reteve 27,5% da renda total, enquanto o setor industrial ficou
com 12,6%. A composição destes setores mostra a concentração de renda goiana,
visto que a agropecuária se divide em agricultura e pecuária, e a indústria, em um
vasto elenco de gêneros, com predomínio da agroindústria, que é o setor que mais
fatura e emprega em Goiás.
A estrutura fundiária ficou fortemente concentrada: 89,7% dos
estabelecimentos rurais com área de até 500 hectares, em 1996, possuíam somente
38,4% da área total, enquanto 10,2% dos estabelecimentos com áreas superiores
detinham 61,6%.
As relações sociais de produção passaram a ser tipicamente capitalistas,
levando ao fim os parceiros, meeiros e assemelhados. A forma atual de extração de
renda da terra é o arrendo mercantil, segundo o qual se estabelece um contrato
remunerado monetariamente, com um prazo determinado, além da exploração
própria do proprietário, principalmente através da agricultura.
Em síntese, o desenvolvimento capitalista em Goiás esteve sempre atrelado e
subordinado às transformações ocorridas no país. O bloco no poder regional foi
exercido pela elite agrária goiana, cujo perfil fundiário pouco se alterou desde o
início do século XX, permanecendo o latifúndio como característica principal da
estrutura fundiária do Estado.
147
As relações sociais de produção se alteraram: formas pré-capitalistas de
produção praticamente desapareceram, havendo uma intensa urbanização,
influenciada por Goiânia e pelo Distrito Federal, como também pela modernização
da agricultura nacional.
A emergência de novas relações contratuais com a indústria fez que o
tradicional fazendeiro se transformasse em um “novo” participante do processo
produtivo, agora travestido numa nova roupagem, de agronegocista, com base em
uma estrutura voltada à produção de exportação.
O controle político estadual esteve – e está – sendo regido por forças
conservadoras originadas pela conformação social goiana. Em que pese toda a
urbanização ocorrida e a criação de novas classes sociais, inerentes à urbanização,
Goiás se manteve um Estado fundamentalmente conservador. Sua classe
dominante soube adaptar-se às circunstâncias históricas para se perpetuar no
poder.
148
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