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Maria Fachin Soares
Compondo identidades:
construindo diários na aula de língua inglesa
Doutorado
Lingüística Aplicada e Estudos da linguagem
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
2006
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Maria Fachin Soares
Compondo identidades:
construindo diários na aula de língua inglesa
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título
de Doutora em Lingüística Aplicada e Estudos
da Linguagem, sob orientação da Prof. Dra.
Maria Antonieta Alba Celani.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
2006
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Banca Examinadora
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À minha mãe,
distante, porém sempre presente.
Ao Edson,
cujo afeto e alegria tanta saudade me trazem.
Ao Vando,
pela amizade que me constrói e me sustenta.
Ao Osvaldo,
e aos nossos filhos Rafael, Elisa, Daniel,
Beatriz e Guilherme, que dão sentido às
minhas lutas diárias.
Agradecimentos
À Profa. Dra. Maria Antonieta Alba Celani, que com grande fidelidade, e extremo
respeito e cuidado, me acompanhou no caminho que persegui em busca de
respostas para minhas perguntas.
Às Profas. Dras. Maximina Freire e Fernanda Coelho Liberali, pela atenção com
que leram e releram este trabalho, e por sua inteira e incansável disponibilidade.
À Profa. Dra. Maria Cecília Camargo Magalhães, porque a cada encontro nos
corredores do LAEL me provocava e insistia, “não desista!”.
À Dilma, que um dia me disse, “a fenomenologia tem o teu rosto”.
Aos colegas do Seminário de Orientação – minha mais viva experiência de
construção partilhada de conhecimentos.
Aos colegas do Departamento de Inglês da PUC-SP, pela atenção silenciosa, e
ao mesmo tempo incentivadora e acolhedora de meu trabalho.
Às minhas companheiras do dia a dia – Cecília, Márcia, Maria Helena, Marli,
Marta, Marta Maria, Patrícia, Sueli – em cuja amizade encontro repouso.
De modo muito especial, aos meus alunos participantes desta pesquisa – com
eles descobri caminhos e vivi a reconstrução de minha identidade como
professora.
Ao CEPE, pelo apoio ao desenvolvimento deste projeto.
A Deus, gratidão pelos encontros que me doou ao longo do percurso.
Resumo
Esta pesquisa tem como objetivo investigar o fenômeno de construção da
identidade de alunos de primeiro ano de um curso de Letras: inglês. Durante um
semestre, nove alunos produziram diários reflexivos sobre suas experiências de
aprendizagem nas aulas de Língua Inglesa. Escritos na própria língua
estrangeira que estavam aprendendo, seus textos são narrativas de suas
contradições e dúvidas, e de descobertas e constatações que fizeram sobre o
aprender, sobre seu aprender inglês, sobre si mesmos.
Ajudam a compor a fundamentação teórica do trabalho autores que discorrem
sobre a formação da identidade (Wenger, 1998; Moita Lopes, 1998, 2002; Gee,
2000; Orlandi, 1998); sobre educação (Dewey, 1938/1963; 1916/1967; Giussani,
2004; Bruner, 1976, 1995); sobre o gênero diário reflexivo (Machado, 1998,
2005; Liberali, 1999). Entre muitos outros, destacam-se ainda van Manen
(1990), Frankl (1997) e Quintás (1995, 2003) que, sob perspectivas diversas,
colaboram para a compreensão de fatores envolvidos na constituição da pessoa
do aluno e de seu dizer.
A análise dos dados, desenvolvida dentro da perspectiva hermenêutico-
fenomenológica (Ales Bello, 2004; van Manen, 1990; Gadamer, 1975; Ricoeur,
2002), buscou compreender e interpretar as histórias de aprendizagem contadas
nos diários, e o efeito das experiências vividas sobre a identidade dos alunos.
Histórias de aprendizagem individuais e compartilhadas são encontradas, as
quais apontam para três salientes tipos de relações que contribuem para
compor a identidade dos alunos: as interações que vivem ou buscam com o
professor ou colegas; com os materiais e atividades propostos; e com as
próprias experiências (presentes e passadas) de aprendizagem da língua
estrangeira.
Abstract
This research aims at investigating the phenomenon of identity construction of
first year students from a Brazilian university Languages Course. Nine students
produced reflexive diaries about their learning experiences in the English
language classes. Written in the foreign language they were in the process of
learning, the students’ texts are narratives of their contradictions and doubts, but
also of their discoveries in relation to their learning in general, to their learning of
the foreign language, and in relation to themselves.
The theoretical underpinnings for the work are studies in the areas of identity
construction (Wenger, 1998; Moita Lopes, 1998, 2002; Gee, 2000; Orlandi,
1998); education (Dewey, 1938/1963; 1916/1967; Giussani, 2004; Bruner, 1976,
1995); genres and reflexive diaries (Machado, 1998, 2005; Liberali, 1999).
Equally relevant are authors such as van Manen (1990), Frankl (1997) e Quintás
(1995, 2003) who, under different perspectives, also contribute to a better
understanding of factors involved in the construction of the students as people
and as authors.
Based on the hermeneutic-phenomenological paradigm (Ales Bello, 2004; van
Manen, 1990; Gadamer, 1975; Ricoeur, 2002), the data were analysed with the
purpose of understanding and interpreting the learning stories present in the
diaries, and the effect of the lived experiences on the students’ identities.
Individual and shared learning stories are found, which point to three kinds of
relations that help construct their identities as students: the interactions they live
or seek with the teacher and their classmates; with the materials and activities
proposed; with their own (present and past) learning experiences in the foreign
language.
Sumário
Apresentação 1
Capítulo 1: A provocação da realidade: as perguntas suscitam o desejo de
resposta 5
Das origens 5
Das origens aos diários reflexivos 12
Dos diários reflexivos à busca de significados 19
Capítulo 2: Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria 22
A adesão a uma história que é proposta 23
Nos relacionamentos, a descoberta do próprio caminho e da palavra própria 37
Os diários reflexivos: construindo o pertencer e a autoria 49
Capítulo 3: O convite toma forma 59
Adentrando a experiência: a fenomenologia-hermenêutica como caminho 60
O contexto da experiência 73
Os participantes 75
A construção dos diários como fonte de dados 82
A disciplina Língua Inglesa e as histórias dos diários 88
A apreciação das histórias: as identidades que emergem 97
Capítulo 4: Os diários dos alunos: suas histórias individuais e
compartilhadas 103
O começo da história... ou das histórias 105
O outro na construção de um conceito de si 98
Thiago, uma história de resistências 101
Léia: no desejo de respostas, a possibilidade de reconstrução 106
À procura do significado, sempre 109
Marina: na disponibilidade em acolher a proposta, a resposta para o empenho
113
Mônica, a positividade presente em cada detalhe da experiência 118
Precisa fazer diferença... 123
Daniela: o desejo de sentido respondido na surpresa das descobertas 124
Há tantas e diferentes coisas que se ‘deve’ fazer... 131
E, às vezes, se esquece que o aprender acontece no tempo... 136
Alessandra: o despertar que a redefine como aluna 137
Leila: à espera de uma novidade... que lentamente chega! 142
Heloísa: na experiência do acolhimento, a identidade reconstruída 150
O colega na construção do conhecimento 156
Juliana: tantas alunas em uma! 158
Um provocante e harmônico conjunto de identidades individuais 165
Retomando perguntas e suas respostas vislumbradas 166
Referências Bibliográficas 174
APRESENTAÇÃO
Este estudo é o relato de uma história vivida entre meus alunos e eu, e
acompanhada por autores, professores, colegas e amigos que ajudaram a lhe
dar sentido. Estive junto com nove alunos, por um semestre, durante o qual eles
escreveram diários reflexivos sobre suas experiências de aprendizagem na
disciplina Língua Inglesa, no curso de Letras, por mim ministrada. Seus diários
são narrativas de suas contradições e dúvidas, e de descobertas e constatações
que fizeram sobre o aprender, sobre seu aprender inglês, sobre si mesmos. O
que venho aqui contar são as reflexões que os alunos dividiram comigo nesse
tempo, e que me levaram a construir, junto com eles, uma perspectiva nova para
minhas aulas.
Na verdade, ao falar de meus alunos, de suas perguntas e desejos frente à
realidade, falo também de mim mesma. E, talvez, mais do que a história de
meus alunos, este texto seja a minha própria história. Estive o tempo todo
presente na pesquisa com minhas próprias perguntas, minha própria busca e
meu próprio desejo pelo sentido e totalidade das coisas. As palavras dos alunos
iam desencadeando inúmeros e por vezes inquietantes pensamentos sobre os
significados que atribuo ao ensinar ou ao aprender, e à minha pessoa como
professora. Foi freqüentemente uma experiência de estranhar aquilo que
sempre me parecera tão familiar e esperado. E, assim, de maravilhar-me frente
ao novo e imprevisto.
Para mim, era seguir um mapa novo, em que a rota e o destino viriam a ser
descobertos por meio da própria viagem (Celani, 2004b:39). Ou, fazendo uso de
imagem semelhante, era, como professora ou pesquisadora, frente à pluralidade
de perspectivas que se abriam, “viver uma vida multiplicada, navegando
Apresentação
2
contemporaneamente em mares diversos”, como diz Mahfoud (2003:129)
retomando palavras de Geertz (1978). Ao preocupar-me em não me restringir a
rotas previsíveis, apenas seguindo ou refinando mapas existentes (Celani,
2004b) – tendo sempre em mente, porém, que na meta está implícita a idéia de
caminho (Giussani, 2004) – viver com os alunos o fenômeno da construção de
sua identidade significou entender, na experiência, que o inesperado
surpreende-nos e que, como bem aponta Morin (2000:30), devemos aguardar
sua chegada.
Dessa forma, os diários, e os diálogos que ocorreram por meio deles, ou por
causa deles, representaram uma possibilidade única, e ao mesmo tempo
múltipla, de encontro meu com meus alunos e com suas histórias pessoais e,
potencialmente, de encontro com outros alunos e outras histórias também. Os
textos que lia não eram um contar aleatório de experiências esparsas ou
desconexas, mas um reviver e recontar de histórias pessoais e de
aprendizagem que visivelmente conduzia ao crescimento e à mudança
(Clandinin&Connelly, 1998:160). Eram um revisitar experiências passadas que
apontava para uma atenção dos alunos em relação a si mesmos e que, ao
apresentar-lhes um caminho para a compreensão da realidade através da
reconstrução de eventos de sua vida como alunos, lhes oferecia, também, a
possibilidade de percepção de autoria de suas próprias histórias.
O estudo divide-se em 4 capítulos.
No capítulo 1, A provocação da realidade: as perguntas suscitam o desejo de
resposta, descrevo o movimento inicial da tese. Observações e preocupações
no dia a dia de minha vida como professora foram produzindo em mim
indagações sobre o processo de aprendizagem de meus alunos, sobre como
eles próprios entendem as experiências vividas em seu processo de construção
do conhecimento, e os efeitos dessas experiências na constituição de sua
identidade. Para entender mais completamente uma história é preciso olhar para
o lugar onde ela nasce, diz Giussani (2004). Este capítulo descreve, então, as
origens desta pesquisa: fala das minhas motivações primeiras quando comecei
Apresentação
3
o estudo, e dos pensamentos e inquietudes que me acompanharam no caminho
que fui percorrendo em busca de respostas. O capítulo apresenta ainda o
objetivo e a justificativa da pesquisa, e a pergunta que a norteou.
O capítulo 2, Um convite ao pertencer: a possibilidade da autoria, traz os
pressupostos teóricos. Reflexão, consciência e interação são vistas como
fatores inter-relacionados que contribuem para a construção da aprendizagem e
da identidade e para a afirmação da autoria, como pessoa ou como escritor.
Desenvolvo o capítulo em torno da palavra e da imagem de convite: através da
redação dos diários reflexivos, os alunos foram chamados a pertencer mais
completamente à experiência de aprendizagem oferecida em minhas aulas. E,
ao aceitarem expressar na língua estrangeira suas impressões e pensamentos
sobre essas experiências, viram abrir-se a possibilidade de reconstrução de sua
identidade como alunos. A parte final do capítulo é dedicada ao gênero
discursivo diário escolar reflexivo, com ênfase em seu potencial como um
instrumento mediador para a percepção de si e que ajuda o aluno a aprofundar
as perguntas que tem sobre a realidade. Poder-se-ia dizer que é um capítulo
teórico provocado pela experiência e construído a partir dela: permeado por
perguntas, e composto em torno das respostas que vão sendo encontradas,
este capítulo evoca a teoria que emerge da experiência vivida e que, ao mesmo
tempo, permite (re)interpretá-la e ser levado a novos questionamentos.
O capítulo 3, O convite toma forma, apresenta a proposta de experiência
educativa que é foco da tese. Em sua primeira parte, justifica as escolhas
metodológicas feitas: descreve seu desenho inicial como uma pesquisa
qualitativa etnográfica e a descoberta, no meio do trajeto, da perspectiva
hermenêutico-fenomenológica como uma resposta adequada às exigências de
compreender e interpretar os dados dos diários permanecendo no horizonte da
experiência conforme vivida e representada pelos sujeitos concretos – os
alunos. A seguir, o capítulo detalha o contexto em que se deu a experiência;
cada aluno é individualmente apresentado e aparece explicitado o uso feito do
diário reflexivo dentro das aulas da disciplina Língua Inglesa:básico que visavam
ao desenvolvimento das habilidades escritas em inglês. A parte final do capítulo
Apresentação
4
expõe os procedimentos empregados na análise e interpretação dos conteúdos
dos diários, e introduz o capítulo 4 em sua organização.
No capítulo 4, Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas,
encontram-se a análise e interpretação dos textos dos alunos – uma análise e
interpretação que nasceram da apreciação das histórias de aprendizagem
contadas nos diários e das quais emergem os dados, entendidos como indícios
reveladores dos caminhos da constituição da identidade de cada aluno. Vim a
lidar com a questão da identidade fenomenologicamente, isto é, sob a
perspectiva de como a experiência se apresenta à percepção e consciência dos
participantes. O caminho de interpretação proposto pela hermenêutica revelará
histórias de aprendizagem por vezes individuais, por vezes comuns a dois ou
mais alunos. Em sua forma de apresentação, o capítulo entremeia as histórias
singulares e as histórias compartilhadas, sendo que atenção especial é
conferida à trajetória vivida por cada aluno no processo de construção da sua
aprendizagem e da sua identidade em minhas aulas. Na parte final do capítulo
acham-se transcritos os e-mails por eles enviados após a leitura que fizeram dos
capítulos 3 e 4, atendendo desta vez ao convite formulado para que livremente
reagissem aos seus antigos textos e à interpretação a eles oferecida pela
professora.
Finalmente, nas considerações finais, Retomando perguntas e suas respostas
vislumbradas, recupero o trajeto de constituição de minha própria identidade,
vivido no processo de construção e realização desta pesquisa.
CAPÍTULO 1
A provocação da realidade
1
:
as perguntas suscitam o desejo de resposta
Das origens
Encontros vividos com meus alunos no dia a dia na universidade ajudaram-me a
perceber, com crescente clareza, quão profunda e culturalmente enraizada está
a visão da aprendizagem na escola como uma experiência bastante solitária, de
obediência passiva e restrita (ao menos teoricamente!) ao que o professor
determina, constituída basicamente do cumprimento de tarefas – e em que
parecem pequenas as expectativas de aprender com o outro, de ser formado
pelos encontros na classe ou fora dela, de livre, criativa e conscientemente
poder tomar decisões sobre o quê ou como aprender.
O que esse meu olhar sobre a realidade me quer dizer? O que os
comportamentos observáveis de meus alunos me revelam sobre a cultura da
qual fazem parte, isto é, sobre o conjunto de seus significados compartilhados
quanto a aprender ou quanto a ser aprendiz? Em que sentido são a
materialização da sua subjetividade? Como entender, através da linguagem
falada pelas coisas de seu mundo (van Manen, 1990:112), o que essas coisas
significam para si?
1
Cabe aqui dizer o que entendo por realidade sem, no entanto, ter a preocupação de produzir
propriamente uma definição. No contexto desta pesquisa, a palavra realidade deve ser
interpretada como aquilo que somos capazes de captar do mundo à nossa volta, nossa
percepção desse mundo a partir de nossa relação com ele.
A provocação da realidade: as perguntas suscitam o desejo de resposta
6
Um início de resposta a tais indagações foi oferecido por um estudo de caso
desenvolvido com turmas de primeiro ano do curso de Letras:inglês. Ao lhe
serem dadas como proposta de redação as perguntas What makes me a good
English learner ou What would/could make me a good English learner?, a
maioria dos alunos limitou-se a desenvolver seus argumentos em torno de uma
premissa central: “o que me torna um bom aluno é fazer aquilo que o professor
me diz para fazer”. Aspectos como independência, tomada de decisões,
posicionamentos frente à realidade, ou construção conjunta do conhecimento,
foram quase totalmente ignorados. Era um discurso predominantemente de
acomodação; não se manifestou, em nenhuma das palavras pronunciadas, a
percepção ou problematização de uma realidade como alunos que poderia ser
transformada. Na escola, assumem-se tarefas, mas não a responsabilidade pelo
aprender. Assim, na experiência desses alunos – ou, pelo menos, como parte
de seu discurso sobre a escola – é desconsiderado o fato de que o
conhecimento é construído por meio de encontros, mediações e negociações. E,
em sua relutância em assumir ativa e colaborativamente a responsabilidade pela
própria aprendizagem, o aluno deixa de participar da elucidação do processo
pelo qual passa (Celani, 2004a).
A provocação maior para o estudo de caso citado e, posteriormente, para a
pesquisa aqui desenvolvida, foi a baixa participação de meus alunos em uma
Semana de Inglês promovida pelo curso de Letras:inglês já quase ao final do
primeiro semestre de 2001. Em dois dias de trabalho, alguns grupos de alunos
fizeram apresentações artísticas, enquanto outros, responsáveis por sua parte
mais ‘rigorosamente acadêmica’, relataram pesquisas desenvolvidas dentro de
diferentes disciplinas. No seu âmbito, a Semana foi pensada como um momento
de alunos para alunos.
Apesar de amplamente divulgado, o evento teve reduzida participação por parte
de quem não estivesse diretamente envolvido nas apresentações. De minhas
turmas de primeiro ano, um terço esteve presente no primeiro dia. A excelente
qualidade dos trabalhos, aliada ao interesse despertado, haviam-me feito
esperar uma adesão ainda maior no dia seguinte, e o que me surpreendeu foi
A provocação da realidade: as perguntas suscitam o desejo de resposta
7
que apenas dois do total de meus alunos compareceram. A constatação da
apatia, desinteresse ou mesmo resistência em fazer parte do que lhe era
proposto foi o que me motivou a buscar entender como meu aluno recém-
chegado ao curso de Letras concebe a si próprio como aprendiz em um curso
que elegeu como um possível caminho para seu desenvolvimento pessoal e
profissional.
O desejo de refletir sobre a questão manifestou-se inicialmente através da
proposta de redação acima mencionada. O trabalho da escrita foi precedido por
uma conversa em classe que visava particularmente levar os alunos a
estabelecerem relações entre as atividades cotidianas (desde as mais simples,
como resolver exercícios gramaticais ou escrever um pequeno bilhete, até
participar de uma Semana de seu curso) e o sentido pessoal – para que seus
textos representassem a documentação da experiência e não revelassem
simplesmente um discurso irrefletido e estereotipado, tomado por um conjunto
de lugares-comuns dominado por outras vozes.
O que vimos transparecer em grande parte das redações produzidas é uma
experiência anterior como alunos em que o processo está centrado no professor
como fonte de conhecimento, decisões e, evidentemente, de poder. Em outras
palavras, os alunos não levantam a hipótese de que o caminho a ser percorrido
em um curso possa ser outro senão aquele antecipadamente proposto, e não se
colocam como geradores de uma possibilidade diferente, mais proveitosa ou
gratificante, a ser construída através de encontros e descobertas realizados.
Perde-se a riqueza da interação verbal como um espaço de constituição
compartilhada de significados em que valores sociais – do professor e de
diferentes alunos – se confrontam (Bakhtin/Volochinov, 1929/1992).
Como se fosse um outro lado da moeda, muitos dos textos focalizam o interesse
do aluno, seu esforço pessoal e individual. Se, por um lado, o professor
estabelece metas e tarefas, por outro o bom aluno tenta corresponder,
cumprindo-as. De novo, um percurso solitário – para o professor e para o aluno
– e que prescinde de negociações.
A provocação da realidade: as perguntas suscitam o desejo de resposta
8
Parece desconhecida, ou esquecida, na vida da escola, a importante noção que
Vygotsky (1939/2000) nos apresenta do “par experiente”, em que diferentes
tipos de experiências e competências podem entrar em cena. Nas redações, a
marcante distância entre o número de alunos que mencionam ajudar colegas
como sendo um ato de aprender (“é um bom treino para ser um bom professor
no futuro”) e o número muito maior daqueles que apontam a importância de
sentirem-se ajudados (pela dificuldade que têm na língua estrangeira) parece
sugerir que, no par proposto por Vygotsky (1939/2000), apenas um dos
componentes possa ter algo a ganhar através da relação que se estabelece.
Fica assim vedada aos pares experientes a oportunidade de procurar e
encontrar formas alternativas de participação. E mais, sugere que, na aula de
línguas, o par mais experiente é necessariamente – ou unicamente – aquele
com maior domínio do idioma. Aliás, revelam-se aqui algumas das crenças que
alunos trazem sobre a aprendizagem de uma língua estrangeira. Para muitos, a
própria concepção de ‘ser um bom aluno de inglês’ se confunde com conhecer a
gramática da língua estrangeira.
Já o fato de a Semana do Inglês ser pouco lembrada (embora tenha acontecido
na semana anterior e sido retomada antes da escritura dos textos) reforça minha
intuição inicial de que, para nossos alunos, o aprender na escola é fortemente
percebido como um aprender em sala de aula, em situações em que o professor
lidera a relação e decide o que é relevante enquanto a Semana havia
resultado, em grande parte, de decisões ou elaborações de alguns dos próprios
alunos.
Confirma-se a dificuldade de os alunos se colocarem como protagonistas do seu
processo de construção do conhecimento, na totalidade de fatores que tal
envolvimento exige ou oferece; uma dificuldade de se engajarem em uma busca
por crescimento e transformação, de envolvimento com a totalidade da realidade
que, em última análise, deveria ser sua. Diz van Manen (1990:116) que o ser
humano não apenas mantém uma relação conversacional com o mundo – ele é
essa relação. Como entender então a aparente resistência dos meus alunos em
abraçarem tal relação mais plenamente; como entender sua recusa em
A provocação da realidade: as perguntas suscitam o desejo de resposta
9
aceitarem como possibilidade de aprendizagem atividades que peçam um nível
de relacionamento com a realidade que vá além do dia a dia na sala de aula?
Mas, ao mesmo tempo, como educadores, com que facilidade esquecemos que
também nosso aluno na universidade – hoje, um aluno cada vez mais jovem –
precisa de uma orientação em seu caminho para a compreensão da realidade,
de uma recuperação da própria experiência como possibilidade de
desenvolvimento de experiências futuras!
Retornam, presentes e atuais, questões que Dewey (1938/1963) já lançava há
tantos e tantos anos atrás, quando buscava estabelecer a relação entre
educação e experiência pessoal. Quantos alunos perdem o ímpeto por aprender
e se envolver por causa da maneira como a aprendizagem foi por eles
vivenciada? Para quantos as experiências vividas, mesmo que imediatamente
estimuladoras em si mesmas, apresentam-se desconexas umas das outras e,
portanto, não abrem caminho para a promoção de experiências futuras
desejáveis? E para quantos outros alunos o que aprendem, ou o modo como
aprendem, mostra-se tão estranho à vida real que lhes limita a capacidade de
julgar e agir inteligentemente em novas situações?
Para muitos é uma visão – ou mesmo uma experiência anterior! – da sala de
aula e da escola como “um mundo fora do contexto” (Wenger, 1998:3); ou, uma
experiência que aponta para uma falta de possibilidade de conexão do que vive
hoje com experiências anteriores ou posteriores (Dewey, 1938/1963:27). É uma
vida à margem da escola mesmo estando dentro dela, o que, segundo Franchi
(1987), levanta o risco de vermos nossos alunos tornarem-se alunos sem
imaginação e sem linguagem.
O que seria, então, trazer o mundo do aluno para a sala de aula; ou, falando de
uma outra perspectiva, trazer o mundo para a sala de aula e seus alunos?
Como transformar a vida na escola em uma relação dinâmica de construções
significativas que levem a uma experiência de aprendizagem em que seja dada
atenção ao desenvolvimento de uma compreensão da sua situacionalidade
sócio-histórica (Moita Lopes, 2003) e, ao mesmo tempo, aos objetivos pessoais
A provocação da realidade: as perguntas suscitam o desejo de resposta
10
e à pessoa do aprendiz (Duarte, 1988:32), de modo a permitir a criação de
novas histórias pessoais de “vir a ser” (Wenger, 1998:5)? Em outras palavras,
como fazer de nossas escolas e salas de aula lugares de experiência humana,
onde a vida é valorizada em todas as suas expressões? O que significa colocar
os alunos em um novo contexto de participação, de mundo – e não afastados,
extraídos dele? Afastar-se é negar aquela que é uma das características
inerentes à aprendizagem: ser um fenômeno fundamentalmente social (Wenger,
1998:3).
Sem tomar consciência do mundo em que está situado, e sem uma percepção
viva e intensa dos desejos e motivos que pessoalmente o movem, o aluno vive a
alienação (Guissani, 2004) e não faz a experiência de um novo vir a ser –
mesmo porque, como enfatiza Moita Lopes (2003), não se pode transformar
aquilo que não se entende. Antes dele já dizia Freire (1979) que o homem é
consciente e, na medida em que conhece, tende a se comprometer com a
própria realidade. O próprio Moita Lopes (2003) cita Wenger (1998) ao apontar a
situacionalidade da vida humana como central na construção de conhecimentos
e significados.
Na verdade, as experiências previamente vividas pelos alunos reforçam a
dependência do professor, e é como se não soubessem que lhes estão
disponíveis caminhos outros, diversos, mais amplos e potencialmente plenos de
descobertas. Quais são os discursos que constroem o (seu) mundo e também a
si como alunos? Suas falas tendem a repetir as falas das comunidades em que
estão inseridos. Quanto do seu discurso é discurso do professor? Ou da mídia
e do consumo? Ou do senso comum? Ou do preconceito? O próprio querer
parece se deixar vencer pelas palavras de um universo cultural que o determina.
Mas então... como atribuir valor a uma experiência que não se teve? Como
interferir mais plenamente em uma estrutura em que o querer tem tão poucos
espaços para se expressar? Ou ainda, como se inserir em um ‘outro’ discurso
que, se e quando circula, não é devidamente reconhecido?
A provocação da realidade: as perguntas suscitam o desejo de resposta
11
E, ao mesmo tempo, quanto deste discurso poderá tornar-se – pela experiência
e provocação à confrontação e reflexão – um discurso próprio, uma palavra dita
em primeira pessoa?
Para libertar os atores da subordinação, precisamos de novos papéis para a
imaginação e o diálogo, diz Arendt (apud Coulter&Wiens, 2002:16). Apontando
para semelhante direção, Gee (2000:121) fala da urgência de, por meio de
formas novas de discurso e de diálogo, imaginarmos formas novas de
identidade. Afinal, vivemos em um mundo em que a natureza da vida social é
textualmente mediada (Fairclough, 1999), constituída, ou sócio-construída, pelo
discurso (Moita Lopes, 2003).
Diz Ivanic (1994) que, ao estarmos cercados por um certo discurso, temos maior
acesso às identidades construídas por ele. Grigoletto (2003), igualmente,
destaca a ligação bastante estreita entre discurso e identidade: assumimos
posições identitárias através da interpelação dos discursos sobre nós e, ao
mesmo tempo, é em parte no discurso que nossa identidade se faz representar.
Quer dizer, somos posicionados pelo que dizemos, já que toda palavra nossa
contribui para a impressão que criamos de nós mesmos; e também pelos
discursos dos quais participamos ao di-lo: a identidade que emerge é em
parte responsabilidade do contexto sócio-cultural que apóia os discursos dos
quais extraímos nossas falas (Ivanic, 1994:5-6). O aluno se inscreve na
comunidade da escola conforme a percebe; se, até então, a escola ofereceu-lhe
um certo discurso e exigiu-lhe um certo tipo de resposta, é esse discurso que
representará e essa resposta que saberá ou tenderá a dar. De qualquer forma,
para aqueles alunos que me provocaram ao estudo de caso e, mais tarde, me
motivaram a desenvolver esta pesquisa, executar tarefas parece constituir a
essência da experiência de aprender.
A provocação da realidade: as perguntas suscitam o desejo de resposta
12
Das origens aos diários reflexivos
A preocupação com a identidade de meus alunos, com a maneira como vêem o
mundo e a si próprios, inicialmente refletida no estudo de caso descrito, traduz-
se agora nesta pesquisa maior. Com Clandinin&Connelly (1998) entendo a
narrativa de experiências como um instrumento privilegiado para a reflexão e a
transformação, já que, com dizem esses autores, “experiência são as histórias
que as pessoas vivem” (p.155). Como Frankl (1997) e Giussani (2004),
considero que do confronto da pessoa com a própria experiência poderá brotar
uma nova consciência sobre si e sobre a realidade mesma em que se insere. E,
em Telles (1996), encontro a afirmação de que a consciência sobre a
aprendizagem influencia a própria aprendizagem Em outras palavras, um
conjunto de possibilidades: uma nova experiência, uma renovada consciência
de si, um novo sentido para a realidade, a identidade reconstruída.
Esta pesquisa propõe que tal itinerário possa ser percorrido através da prática
da escritura de diários reflexivos. Os diários, no entanto, não como textos que
representam a leitura teórica e abstrata de algum aspecto da experiência, mas
que dialogam com a experiência, e que têm na própria experiência vivida sua
referência: textos em que as palavras dizem o que se vive. Nesse sentido, os
diários entendidos como um instrumento que signifique, nas experiências dos
alunos, o que Bruner (1976:103) defende como a concretização de uma
proposta educativa que favoreça uma mais plena realização de capacidades e
motivos individuais.
Ao propor a meus alunos a escritura dos diários eu buscava, através da
ocupação de espaços possíveis dentro de minhas aulas de língua inglesa, uma
viabilidade de reflexão – e uma reflexão capaz de incidência sobre a percepção
que o aluno tem de si, como aprendiz e como pessoa total, numa procura
incansável de correspondência entre os textos que escreve e um outro tipo de
texto, que é a sua vida. Tal preocupação vem também responder às Leis de
Diretrizes e Bases para a Educação (1996) em suas indicações quanto à
formação de professores desde o primeiro ano dos cursos de licenciatura. Seria
A provocação da realidade: as perguntas suscitam o desejo de resposta
13
um passo expressivo dentro dessa perspectiva a oportunidade oferecida aos
alunos de, por meio de textos que suscitavam narrações de suas histórias como
aprendizes, pensar sobre a experiência pessoal e sobre teorias próprias de
aprendizagem.
Como professora e pesquisadora, tinha também o desejo e a ousada pretensão
de desenvolver uma pesquisa cujo produto tivesse algum impacto no contexto
de cursos de Letras no Brasil e, em particular, no ambiente em que trabalho.
Através de uma reflexão insistente sobre a experiência aqui descrita, coloco-me
o desafio de reduzir possíveis lacunas entre propostas pedagógicas existentes e
as necessidades que percebo de desenvolvimento, participação e realização
pessoal de meus alunos – através do chamado constante à comparação entre
as diferentes realidades que os constroem e que constroem seu conhecimento.
São muitos os autores, pesquisadores de diferentes áreas (Vygotsky,
1939/2000; Bakhtin/Volochinov, 1929/1992; Wenger, 1998; Moita Lopes, 1998;
2002), que nos mostram, sob perspectivas variadas, o quanto o conhecimento é
constituído a partir das relações que se estabelecem entre as pessoas em
diferentes situações e, a partir das negociações que daí provêm. Bem mais que
isso, é através das relações com o outro, com o meio, e do confronto consigo
mesmo, que a pessoa constrói uma percepção do seu valor individual, de seus
papéis sociais, de suas possibilidades de geração de significados, enfim,
constrói sua(s) identidade(s). Conhecimento, significados e identidades,
portanto, não são resultado de um caminho isolado, à parte. Ao contrário, é
através de encontros, de mediações, que se revelam para a pessoa – para o
aluno – suas potencialidades de desenvolvimento pessoal e de relacionamento
com o real.
A aprendizagem de línguas em geral e a prática da escrita, em particular, são
experiências que, por sua natureza de interação, de criação e de descoberta
(Zamel, 1987), permitem ao aluno ampliar a compreensão de si mesmo e do
mundo que o cerca. E exatamente por tenderem a uma abertura à realidade, no
sentido de serem experiências que favorecem à pessoa perguntar-se sobre a
A provocação da realidade: as perguntas suscitam o desejo de resposta
14
natureza do objeto que tem à frente (a própria experiência de aprendizagem da
escrita na língua estrangeira, por exemplo), e ser capaz de acolhê-lo tal qual ele
se revela, para além dos preconceitos ou imagens que sobre esse objeto possa
ter (Brandão, 2000).
Na verdade, enfatiza Brandão (2000), a atenção e adesão à realidade que se
coloca à nossa frente aprofundam o desejo de saber, aguçam as perguntas
sobre e em uma circunstância concreta. A tarefa maior a ser oferecida ao aluno
seria, portanto, a provocação a verificar o valor do que lhe é apresentado como
proposta. No caso descrito nesta pesquisa, oferecer ao aluno a provocação a
verificar o valor da redação dos diários reflexivos para o desenvolvimento de
uma consciência de si e do mundo que o cerca. E, em se tratando de um curso
voltado para a aprendizagem das habilidades escritas em inglês, verificar
também as oportunidades de expressar-se por meio de textos produzidos nessa
mesma língua.
Nesse sentido, então, será possível ver os ‘produtos da escrita’ – as reflexões
presentes nos diários – como frutos do encontro do aluno com a realidade, do
desenvolvimento de suas capacidades próprias e pessoais de expressá-la e dar-
lhe uma forma, um significado, um rosto. Afinal, afirma Frankl (1997:20) com
propriedade, pessoa alguma pode assumir por outra uma atitude ou um sentido
pessoal diante de um determinado conjunto de circunstâncias. Cabe a cada um
a tarefa de descobri-los por si mesmo, e aceitar a responsabilidade que sua
resposta implica. Penso a construção dos diários como um possível caminho
para essa descoberta e essa responsabilidade.
Não é esse, no entanto, um caminho solitário; é um caminho construído por
encontros, interações. Em primeiro lugar, o encontro do aluno com o professor.
E, da parte do professor, entendo ser esta a educação: a introdução à realidade
total (Giussani, 2004:47)
2
, e o oferecimento de um significado para essa
realidade. Total porque, como diz o autor, visa à realização integral de todas as
2
O autor retoma aqui Jungmann, J.A. Christus als Mittelpunktreligöser Erziehung. Freiburg im
Breisgau: Herder, 1939, p. 20.
A provocação da realidade: as perguntas suscitam o desejo de resposta
15
estruturas de um indivíduo e, ao mesmo tempo, à afirmação das possibilidades
de conexão ativa daquelas estruturas com toda a realidade do mundo à sua
volta. Total, não porque encontra todas as respostas ou soluções, mas porque
‘tende a’ uma sempre presente busca de significado – um ‘tender a’ que indica
rumos, em uma posição sempre voltada para algo outro, disposta a ser corrigida
para penetrar mais profundamente em uma realidade ainda maior. É lançar o
aluno para ‘fora de si mesmo’, para além da maneira segundo a qual
normalmente percebe os objetos que compõem seu mundo. Um processo
educativo identificado com crescimento, e atento às diferentes formas com que a
continuidade da experiência opera (Dewey, 1938/1963:36).
Entende-se, assim, a possibilidade de relacionar o micro-contexto da sala de
aula e, por exemplo, a escrita de diários sobre experiências pessoais de
aprendizagem, à já mencionada urgência de desenvolvimento de uma
compreensão da sócio-história (Moita Lopes, 2003). Volto aqui a Frankl
(1997:10): qualquer aspecto da realidade e da vida tem um sentido potencial, e
estas são afirmadas se não negligenciamos seu significado, se damos atenção
às suas exigências, se as respeitamos em suas mínimas indicações. Com esse
autor e com Giussani (2004) eu diria, então, que educar como introdução à
realidade seria guiar o aluno em sua descoberta pessoal do significado, do
rosto, da natureza do mundo que o circunda. É um problema de consciência de
si e da realidade. E, então, toda a realidade interessa.
Mas, como cumprir esta que seria a tarefa primeira de toda a educação –
introduzir o aluno à realidade em todas as suas dimensões e expressões?
Partindo do pormenor, responde diretamente Giussani (2004), e talvez apenas
indiretamente van Manen (1990) e Dewey (1938/1963). É penetrar no pormenor
para construir a unidade da experiência – não há nada a ser excluído, nada que
seja secundário. Ao levar o aluno a enfrentar um detalhe, um aspecto ou
situação particular, e ao acompanhá-lo em sua busca do sentido daquele
detalhe na relação consigo mesmo e com o universo, ajudo-o a entender a
particularidade no horizonte de totalidade da sua experiência humana.
A provocação da realidade: as perguntas suscitam o desejo de resposta
16
Pois, afirma Giussani (2004:179), a responsabilidade perante um detalhe
coincide, como postura, com a responsabilidade frente ao horizonte último. A
educação é assim entendida como a formação de atitudes, emocionais e
intelectuais, que cobrem nossas sensibilidades básicas e oferecem maneiras de
confrontarmos e respondermos a todas as condições que encontramos (Dewey,
1938/1963:35). Nesse sentido, por exemplo, não há nada na vida de meu aluno
que deva ficar fora de sua experiência de aprender inglês; é pensar no uso da
língua para falar o mundo autenticamente, no particular que para a pessoa é
carregado de significados, e não falar de maneira abstrata sobre esse mundo
(van Manen, 1990:13).
Aprender uma outra língua significa a possibilidade de adentrar outros mundos;
ao construirmos a língua estrangeira, estamos formulando uma outra maneira de
retratar o que se nos apresenta como realidade e estamos, ao mesmo tempo,
construindo para o mundo significados talvez antes não pensados. Por isso, a
pertinência da afirmação de Revuz (1998:224) de que “a língua estrangeira é o
lugar do estranhamento”: sendo cada língua depositária insubstituível de
identidades individuais e coletivas particulares, o eu da língua estrangeira não
será, jamais, completamente, o eu da língua materna. A novas maneiras de
organizar a língua correspondem novas maneiras de organizar o mundo: desfaz-
se a ilusão de uma adequação da palavra ao objeto, ou de um ponto de vista
único sobre as coisas. E desfaz-se também a imagem de que aprender línguas
é uma atividade sem conflitos (Coracini, 1998:132).
Aprender a língua estrangeira é, portanto, mais do que apenas conhecer essa
língua: é falar e ser falado por ela; e vem sempre a ser, um pouco, tornar-se um
outro. É o encontro com um ‘outro eu’, o eu da segunda língua (Revuz, 1998;
Serrani-Infante, 1998). Será também um pouco se tornar um outro na medida
em que se mergulha na língua estrangeira sem, entretanto, que a identidade, o
eu da língua materna, seja abafado mas, ao contrário, torne-se acrescido,
transformado, emancipado (Pow, 2003:25).
Está, aliás, nesse desejo do outro, no desejo da totalidade, o elemento que dá
A provocação da realidade: as perguntas suscitam o desejo de resposta
17
força e sentido à aprendizagem (Revuz, 1998). Ao propor ao aluno que escreva
algo, peço-lhe implicitamente que observe, reflita, compare, constate, tome
consciência do que viveu e vive e que, através do contar e recontar, reconstrua
seus significados como pessoa ou como aprendiz. Nesta pesquisa em particular,
é o diário reflexivo o espaço maior para esse contar de si através da língua
estrangeira, um contar que favorece o próprio aprender a escrever na língua e
que permite, também, a experiência de um ‘ver-se falado’ por ela. A escrita
torna-se, a um só tempo, o método e o lugar para o aluno vencer o
estranhamento que advém da maneira com que é confrontado pela outra língua.
Tais afirmações levam a novas considerações sobre o que implicaria a
aprendizagem ou a prática da escrita em uma língua estrangeira – uma
experiência na qual e da qual podem surgir elaborações e significações
originais. Por seu caráter relacional, e por sua natureza, que propicia uma
atitude reflexiva (van Manen, 1990:64), a atividade da escrita abre ao aluno a
oportunidade de atuar como intérprete de seu mundo e, ao mesmo tempo,
caminhar em direção à autoria (Orlandi, 1998), objetivo ao qual toda ação
educativa deveria aspirar. Resultado de uma participação ativa e criadora da
realidade, abre ainda seu criador a novos horizontes e (possíveis) mudanças –
em relação a si mesmo, aos outros, a valores, a percepções.
A aprendizagem da escrita na língua estrangeira, portanto, pode representar a
descoberta de um inesperado espaço de liberdade, de um surpreendente e
positivo relacionamento com o mundo. O estranho é a língua, mas através dela
uma identidade confiante e aberta poderá ser construída, em oposição a uma
identidade de fracasso (porque a habilidade de ‘escrever bem’ é impossível) ou
a uma experiência de desatenção à realidade (temas impostos e que não levam
à expressão da pessoa ou de significados), tão freqüentes no dia a dia de
muitos de nossos alunos.
A questão principal é a adequação do que eu chamaria de ‘método de trabalho’:
uma atenção ao objeto e, ao mesmo tempo, ao sujeito da aprendizagem; o
oferecimento de uma proposta de reflexão através da redação dos diários na
A provocação da realidade: as perguntas suscitam o desejo de resposta
18
língua estrangeira sendo aprendida a ser verificada pelo aluno na ação, na
participação através do envolvimento com aquilo que é oferecido. Pois, afirma
Giussani (2004:31), “é da experiência que pode brotar uma convicção”: há o
empenho e a confiança no caminho apresentado, e então se compreende o que
é proposto (Dewey, 1916/1967).
O homem percebe a si mesmo na ação. É agindo sobre o mundo que a pessoa
se dá conta de quem é, do que deseja, do que lhe falta. Para Moita Lopes
(1998:304) “as pessoas se tornam conscientes de quem são construindo suas
identidades sociais ao agir no mundo através da linguagem” mesmo porque
através do verbal tornamo-nos compreensíveis. Partindo de outra perspectiva
teórica, Wenger (1998) diz que as identidades definem fortemente as ações e
são por elas definidas e que, portanto, transformar o que se aprende e a forma
de aprender diretamente reflete na identidade.
São estreitas, portanto, as relações entre a interação, a ação da escrita, a
reflexão e a conscientização sobre si e a realidade, de um lado, e a formação da
identidade, de outro. A identidade é dinâmica, sempre em desenvolvimento
(Wenger, 1998:12); portanto, estará sempre incompleta e inacabada, em um
processo de (re)construção dos significados, valores, juízos de valor que são
lançados sobre a pessoa por si mesma, pelos outros, pela sociedade, pelos
encontros que realiza, pelo mundo do consumo, através dos discursos dos quais
participa.
Aponta Ivanic (1994) que, para um novo discurso, é necessária uma nova
experiência; por outro lado, é na experiência que um novo discurso é posto à
prova. De forma aparentemente diversa, porém confluindo, van Manen (1990) e
Ales Bello (2004) afirmam que somos capazes de entender uma outra
experiência, de um outro, se em parte nós a vivemos também. Portanto, a
experiência e a consciência em relação a novos significados, novos valores e
juízos, constituirão identidades novas – e, no caso da escrita, como veremos
nos capítulos seguintes, novos textos.
A provocação da realidade: as perguntas suscitam o desejo de resposta
19
Relações sociais – encontros – envolvendo professores e alunos constituem o
dia a dia da vida na escola; estes encontros, por sua vez, refletem nas
oportunidades de aprendizagem e nas percepções dos alunos quanto ao
processo de aprender e quanto aos resultados desse processo. Os diários
reflexivos aparecem como um intermediário privilegiado no trajeto que o aluno
percorre para a compreensão de si próprio e para a sua elaboração de uma
teoria sobre o mundo – e, pensando mais especificamente nos propósitos desta
pesquisa, para a elaboração de sua teoria sobre a aprendizagem ou sobre o
aprendiz.
Dos diários reflexivos à busca de significados
As considerações e pressupostos que levantei levam-me a colocar como
objetivo desta pesquisa investigar como a identidade do aluno de Letras:inglês
pode ter na experiência e prática da escrita, em particular a escritura de diários
reflexivos sobre experiências de aprendizagem, um itinerário de (re)construção.
Entendo que da consciência de sua identidade decorrem implicações
qualitativas sobre sua pessoa e seu trabalho como aluno ou como futuro
professor ou tradutor; e aí encontro forte motivação para buscar caminhos que o
ajudem no reconhecimento de valores e juízos que o tornem capaz de
estabelecer, com crescente firmeza e clareza, sua trajetória pessoal e
profissional.
Diários reflexivos vêm sendo cada vez mais amplamente utilizados em sala de
aula, em diferentes contextos e com objetivos diversos. Entre pesquisas
realizadas na área é possível citar Machado (1998; 1999), e seus diários de
leitura escritos por alunos de graduação; Zeichner (1981), Stover (1986),
Zabalza (1994) e Liberali (1999), e o uso que fazem do instrumento em
programas de formação de professores; Janks (1999), e seu emprego do diário
como registro do desenvolvimento intelectual e construção das identidades de
alunos de pós-graduação.
A provocação da realidade: as perguntas suscitam o desejo de resposta
20
O processo de (re)construção de identidades tem também sido objeto de
inúmeras investigações. Detendo-nos na área da educação, podemos
mencionar, dentre muitos outros, aqueles trabalhos desenvolvidos por Moita
Lopes (1998; 2002), Liberali (2004a), Grigoletto (2002), Janks (1999), Coracini
(1998),) e mesmo a variedade de pesquisas desenvolvidas pelos autores que
compõem o livro Linguagem e Identidade, organizado por Signorini (1998).
Este estudo, por sua vez, visa mais particularmente a contribuir para a
ampliação da literatura preocupada em compreender o processo de constituição
de identidades do aluno de língua estrangeira, em especial alunos de Letras,
como profissionais em formação. A originalidade da proposta estaria no uso de
diários escritos pelos alunos na própria língua que é alvo de sua aprendizagem,
e entendidos como um privilegiado mediador da reflexão sobre essa
aprendizagem e na explicitação de seus pensamentos sobre ela (Zabalza,
1994). Os diários entendidos como um instrumento não apenas para descrever
a realidade, mas para observá-la e mudá-la: ao ‘ver-se’ através da reconstrução
e valorização de suas histórias de vida como aprendiz, o aluno abre-se a um
caminho para a transformação. E mais ainda, pelo fato de serem escritos na
língua estrangeira, um instrumento para engajar o aluno em uma atividade que
faça sentido e que em si já em parte responda à pergunta ‘por que aprender
inglês?’.
Percorrido um caminho ao longo do qual outras tantas perguntas de pesquisa
foram formuladas, minhas preocupações viram-se por fim centralizadas em uma
única macropergunta, desejadamente ampla para permitir acolher a variedade
de facetas que viessem a compor o processo de constituição de identidade de
meus alunos por meio da escrita de diários:
Qual a natureza da construção da identidade do aprendiz em um curso de
língua estrangeira que priorizou a reflexão por meio da escritura de diários?
A trajetória em busca por respostas a esta pergunta prossegue no capítulo 2,
com as discussões que apresenta e as reflexões que suscita sobre a formação
A provocação da realidade: as perguntas suscitam o desejo de resposta
21
da identidade, o papel da interação no processo, a questão do aluno como
‘autor’, e o papel do gênero diário escolar reflexivo como elemento propulsor da
experiência de construção da identidade e da autoria.
CAPÍTULO 2
Um convite ao pertencer: a possibilidade da autoria
Um convite: foi essa a metáfora que se construiu em minha mente quando
primeiro coloquei meus alunos frente à proposta de escritura de diários
reflexivos como parte integrante da disciplina Língua Inglesa:básico. Para eles,
um convite para que compartilhassem comigo suas experiências como
aprendizes e, ao aderirem ao convite, engajarem-se num percurso de descobrir
a própria autoria no processo de procurar e encontrar novos significados para
essas experiências e, assim, (re)construírem suas identidades como alunos.
Para mim, um convite à reflexão e à interrogação sobre o que queria dizer cada
uma das palavras que escreviam, na reafirmação da possibilidade de uma nova
identidade também para mim como professora. Para nós, um convite a estarmos
juntos mais completamente e, para além do confronto de horizontes
aparentemente diversos ou antagônicos, podermos nos surpreender com as
imagens e significados que se iam revelando.
Fazer um convite; e o desejo de ver meus alunos acolhê-lo, já que, conforme
aponta Giussani (2004:26) fielmente citando Schlier,o sentido último e peculiar
de um evento, e portanto o próprio evento na sua verdade, abre-se somente e
sempre a uma experiência que se abandone a ele, e que neste abandono
busque interpretá-lo”
1
. Aceitar o convite; e o evento da re-construção da
identidade através do resgate de experiências de aprendizagem se manifesta a
quem dele participa.
1
Schlier, H. Linee fondamentali di uma teologia paolina. Brescia: Queriniana. 1985. p.119.
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
23
Assim, investigar o papel da escritura de diários reflexivos no desenvolvimento
de uma consciência dos alunos quanto a si e ao seu aprender levou-me a
inicialmente percorrer dois caminhos em particular: a busca de compreensão
dos fatores envolvidos na construção da identidade, e a tentativa de
identificação de possíveis componentes presentes em uma trajetória de
construção da autoria por meio da escrita. Esses pontos são apresentados nas
duas seções primeiras do capítulo, tomando a forma de um diálogo múltiplo e
interdisciplinar em que diversas áreas do conhecimento e diferentes
perspectivas sobre a realidade buscam se organizar em um conjunto
coordenado, coerente e coeso. A seção final do capítulo dedica-se à
caracterização do gênero diário reflexivo e ao apontamento de suas
potencialidades como instrumento de expressão e reflexão sobre a experiência.
A adesão a uma história que é proposta
O estudo de caso que originou esta pesquisa revelou alunos que demonstravam
não se sentir parte daquilo que lhes estava sendo oferecido – a Semana de
Inglês. Chamados a participar das tomadas de decisões quanto ao evento,
alguns alunos disseram sim, e se envolveram inteiramente. Para muitos outros,
porém, é como se a proposta não correspondesse a nenhum dos anseios e
necessidades que os moveriam; mais que isso, é como se dissessem ‘não’
antes mesmo de conhecer o objeto – uma posição oposta à de uma atenção e
adesão àquilo que a realidade propõe e pede. Uma urgência de adesão e
atenção que Hannah Arendt de forma dramática resume, ao ver-se frente ao
nazismo, “Eu não mais pensava que alguém pudesse ser simplesmente
espectador” (Coulter&Wiens, 2002:17).
A provocação das palavras de Arendt pode ser estendida a qualquer situação, e
me leva a pensar em meus alunos. Sua posição frente à Semana de Inglês
conduz a perguntas sobre como se vêem como profissionais em formação
(mesmo que ainda no início do caminho), sobre o que consideram aprender, que
tipo de conhecimento buscam e consideram válido para si, isto é, perguntas
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
24
sobre que lugar procuram (e encontram!) na comunidade discursiva da qual
começam a ser parte. Tal postura sugere ainda perguntas sobre qual identidade
de aprendiz implícita ou explicitamente constroem para si e, principalmente, a
que ou a quem acham que vale a pena dedicar seu tempo e empenho.
Diz Ivanic (1994) que, no dia a dia, a palavra identidade é usada para designar o
sentido que as pessoas carregam de si, a percepção que têm sobre quem elas
são. Sugere mesmo o uso de identidades, no plural, já que dessa forma a
palavra captaria a idéia de pessoas se identificando simultaneamente com uma
diversidade de grupos sociais – as múltiplas identidades da pessoa constituindo
a riqueza e, ao mesmo tempo, os dilemas e conflitos de seu senso de si.
Embora reconhecendo a identidade como um fenômeno que abraça uma
variedade de componentes, diferentes facetas, passíveis de um olhar e uma
análise sob ângulos diversos aleatoriamente opto, neste texto, por utilizar a
palavra no singular.
De forma preliminar e abrangente eu diria, então, que a construção da
identidade passa por buscar entender quem sou, o que desejo, a que lugar
pertenço, a quem ou a quê seguir para me realizar mais plenamente. Pensar no
processo da construção da identidade no caso da aprendizagem formal na
escola significa também refletir sobre quais vínculos favoreceriam um caminho
profícuo, pessoal e academicamente falando.
Ousei inicialmente intitular meu projeto de tese ‘A experiência da escrita: um
itinerário para a construção da identidade’. Através de minhas aulas esperava
uma mudança, uma perspectiva nova para a pessoa de meu aluno; e esta é
uma questão de identidade. No entanto, ao primeiro sugerir este tema, não
sabia de sua abrangência; foi este meu ato de ousadia. Que itinerário propor?
Em outras palavras, como determinar, dentre tantas experiências de escrita
potencialmente significativas, quais poderiam se tornar aprendizagens plenas de
sentido, em que o aluno soubesse porquê ou para quê escrever? Ou, ainda, que
mudança, em quê e para quê? Isto é, de que modo, ao proporcionar-lhe o
resgate e (re)interpretação de experiências anteriores, permitir ao aluno a
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
25
possibilidade de ainda outras, novas, experiências? E mais, de que maneira
transformar a busca de sentido em tarefa, em um componente do currículo
2
– e
propor ao aluno não apenas uma tarefa em minhas aulas, mas uma perspectiva
de tarefa para toda a vida?
Wenger (1998), Dewey (1938/1963; 1916/1967), Hall (1995), Gee (2000) e
Orlandi (1998) são os autores que, por suas exposições, mais decididamente
me têm imposto reflexões nesta busca por respostas – Wenger (1998), em
particular, ao apontar diferentes fatores que entram na construção da
identidade, todos intrínseca e inevitavelmente relacionados entre si. E é Wenger
(1998) quem propõe mais claramente aquele que me pareceu o caminho ou a
possibilidade para a construção da identidade: pertencer a uma comunidade –
por ele definida como o local em que as configurações sociais são confirmadas,
os empreendimentos definidos e a participação reconhecida pela competência.
Daí decorre que mudanças em histórias de aprendizagem interferirão nos
indivíduos criando novas histórias pessoais de “vir a ser” no contexto de suas
comunidades, constituindo novas identidades (p.5).
Construir nossa identidade consiste em negociar os significados de nossa
experiência como membros de comunidades sociais. Como pessoa, e como
aluno, construo minha identidade fazendo parte; e eu faço parte através de
ações e práticas sociais que, se significativas para mim, vão me transformando
e me constituindo. Esta é uma relevante noção retomada por Mey (1998)
quando, em outro contexto, discute identidade étnica: o sentir-se pertencendo
como condição básica para a identificação. O pertencer, construído através dos
diferentes tipos de relacionamentos e encontros, vai me dizendo quem sou e
mesmo o que sou capaz de aprender.
Ainda segundo Wenger (1998), a identidade é um processo de “mútua
constituição” entre a pessoa e a comunidade: um é falado e entendido em
2
Currículo aqui entendido como evento que engloba todas as experiências que acontecem na
sala de aula quando há interação entre alunos, professor, plano de aula. (N.R King. 1983.
Recontextualizing the Currículum –Theory into practice, apud Mello 1999:34)
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
26
função do outro (p.146). E mais: cada ato de participação reflete esta
constituição mútua. Meu pertencer constrói a comunidade e esta, por sua vez,
me molda também – minha individualidade e a maneira com que interpreto cada
realidade vem impregnada dos seus valores, perspectivas, conflitos. Quer dizer,
a matriz da identidade individual vem a ser a noção de pertencimento. Ou,
poderíamos acrescentar, a identidade pode vir a ser definida pelo não-
pertencimento, quando construída na marginalidade de experiência ou na não-
participação. Ou, ainda, pode vir a ser definida na experiência de construção de
uma trajetória periférica (Wenger, 1998:154), na qual, por escolha ou
necessidade, não há a participação ‘por inteiro’.
Segundo Moita Lopes (1998:304), os participantes discursivos constroem o
significado ao se envolverem e ao envolverem os outros em circunstâncias
culturais, históricas e institucionais particulares. Gee (2000:111) diz que,
enquanto os discursos são sociais e históricos, são individuais as trajetórias e
narrativas – embora coletivamente construídas. Dewey (1938/1963) destaca o
fato de toda a experiência humana ser, em última análise, social, porque
envolve contato e comunicação. Hall (1995), por sua vez, fala da presença de
forças sócio-históricas tanto nos significados dos recursos lingüísticos quanto
nas identidades sociais daqueles que os usam. Assim, diferentes autores, de
formas diferentes e sob prismas diferentes também, recolocam a essencial
questão do vínculo entre o indivíduo e os grupos a que pertence, e apontam
para os significados pessoais que destas relações emergem e nelas são
(re)construídos.
São significados pessoais, porém negociados pelo fato de eu participar dessas
comunidades; são significados e práticas informados pela leitura que faço da
realidade mas, ao mesmo tempo, são significados meus, por refletirem minha
experiência particular, única. Pois, conforme defendem Hansen&Liu (1997), não
se pode negar o aspecto individual da identidade social; ou, como afirma Hall
(1995), desenvolvemos uma posição única, individual, no que diz respeito a
nossos papéis e de outros nos diferentes grupos sociais a que nos filiamos nas
realizações de nossa vida diária. Portanto, enquanto reconheço o caráter social,
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
27
histórico e cultural da experiência, identifico nela um rosto humano (Wenger
1998:145), o ‘meu’ rosto.
Na escola, as propostas são comuns e o caminho construído socialmente,
porém não para uniformizar ou homogeneizar – mesmo porque, como destaca
Frankl (1997:76), o destino humano de cada pessoa possui um caráter único e
irrepetível. Na verdade, diz ele, na maneira como enfrenta a circunstância está
também sua possibilidade de realização única e singular, uma exclusividade e
unicidade que o caracterizam como pessoa humana. Portanto, na escola, um
caminho comum é oferecido não para anular ou limitar outros possíveis
caminhos, mas para cultivar a independência e, partindo do patrimônio humano
de experiências e de conhecimentos do aluno, fazer brotar em cada um aquilo
de original que traz, dando lugar à explicitação das diferenças. Não são
sincronizadas as histórias dos diferentes indivíduos, e a própria capacidade de
reflexão de cada um dependerá de sua história anterior (Gee, 2000:111).
Assim, ao apresentar-lhe um possível itinerário para a percepção de si e para a
construção de sua identidade por meio da escritura de diários reflexivos, não
percorro por meu aluno o caminho que é dele – apenas ofereço-lhe uma
proposta de direção, ou uma “chave de compreensão” (Quintás, 1999), ao
apontar as diversas possibilidades de desenvolvimento humano e de
aprendizagem que se lhe abrem desde que aceite genuinamente se envolver no
processo. Mesmo porque, como trajetória, os diários só têm sentido se o aluno
trouxer consigo uma pergunta sobre o significado da realidade que tem à frente,
e um desejo de resposta.
É importante reconhecer esta possibilidade (ou realidade!) tão óbvia de sermos
únicos, diferentes, embora as propostas na sala de aula sejam, por assim dizer,
para todos igualmente. E não me refiro aqui apenas ao aspecto da
aprendizagem, porque então a afirmação seria óbvia demais. Penso nos efeitos
do que é proposto (o que é feito em um curso, e como, e por quais razões)
sobre a identidade do aluno, sobre como se vê como aluno e como pessoa. Os
desejos e significados que cada um traz são particulares, individuais, e levam a
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
28
buscas – e resultados – de significados também particulares, individuais.
Tentando responder a uma pergunta tão freqüentemente colocada quando se
fala em aprendizagem – ‘o que é conhecer/dominar uma língua?’ – imagino que
parte da resposta esteja aqui: na capacidade de, de alguma forma, exprimir na
língua estrangeira estes desejos, buscas, sentidos, valores (e conhecimentos e
objetivos também) que nos são individualmente representativos; um expressar-
se que revela um engajamento enunciativo e no qual o uso da linguagem se faz
presente para construir significados (Moita Lopes, 2002).
Wenger (1998) oferece duas noções que, pelo seu caráter globalizante,
apresentam-se como fundamentais em toda a discussão sobre a construção da
identidade no contexto da escola. Em primeiro lugar, a noção de que a
experiência da aprendizagem é inseparável de uma experiência de identidade,
ou seja, o aprendizado como um veículo para o desenvolvimento e
transformação de identidades (p.13). Com outras palavras, Orlandi (1998:205)
diz que “identidade não se aprende”. Através da aprendizagem constitui-se a
identidade: ao produzirmos significados, produzimo-nos como sujeitos.
A segunda noção seria de que o fator identidade está presente sempre, em todo
e qualquer momento da vida do aluno. É corrigida a concepção de
aprendizagem como algo externo, um conhecimento novo que vem basicamente
de fora, em alguns momentos formalmente muito bem definidos, e não
necessariamente incidente sobre a pessoa do aluno. Na escola, então, a
questão é o trabalho de identificação do aluno na relação que estabelece com o
conhecimento do mundo – natural ou social – onde ele mesmo se inclui.
Na verdade, através da experiência da aprendizagem pode ser dada ao aluno a
oportunidade de uma nova história para sua vida. É-lhe oferecido (ou pedido!)
muito mais do que aprender uma disciplina. É o próprio eu que muda através da
experiência de aprender, e através de cada detalhe da experiência. Ou, como
diz Silva (1999a), de modo diverso porém não menos totalizante, “o currículo
nos produz” (p. 27).
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
29
Como ilustração, podemos pensar na experiência tão cotidiana de correção dos
textos, no caso da escrita. Conforme aponta Orlandi (1998), ao corrigir seu texto
o professor intervém nos sentidos que o aluno está produzindo e, no mesmo
gesto, interfere em sua identidade. Qualquer palavra proferida, qualquer escolha
feita, marcará a identidade – a sua e a de seu aluno.
E tocar em um detalhe abrange toda a existência: não é só a construção de um
pedaço de mim mesmo, mas de minha pessoa como um todo. Quer dizer, a
identidade tem a ver com a totalidade da vida e da pessoa do aluno. Torna-se
então evidente como o olhar do professor ou da escola sobre o aluno, sob
qualquer perspectiva que se considere, pode vir a ser decisivo. O que nos leva a
pensar sobre o que implicaria reestruturar aulas e currículos como práticas que
produzem identidades (Silva, 1999a,b) – porque são práticas que refletem não
só na maneira como o aluno vê o mundo, mas, de modo muito determinante,
como se vê no mundo.
E aqui é retomada a relevante questão do ‘outro’, que pelo contraste comigo me
pode mostrar quem eu sou. Podemos citar Gee (2000:113)
3
, quando afirma que
nossa identidade depende crucialmente de nossas relações dialógicas com os
outros; ou Fecho&Green, (2002:97) que, ao narrar diálogos seus nos
respectivos papéis de professor e aluno, apontam para a natureza polifônica da
construção da identidade; ou, ainda, voltar a Wenger (1998:154) em sua
afirmação de que identidades são definidas na interação de múltiplas trajetórias
convergentes e divergentes.
Concebida dentro de uma perspectiva eminentemente social, a construção do
conceito de si só pode ser compreendida em sua íntima relação com o outro.
Como, sendo um dos ‘outros’ para o aluno – e pela assimetria, um outro em
posição privilegiada – o professor pode, junto com ele, vir a criar um contexto
que torne possível a aprendizagem da língua estrangeira e, ao mesmo tempo,
permita ao aluno ser ele mesmo e usar a língua como expressão total de sua
3
Para fazer tal afirmação Gee (2000) recorre a Taylor (1994:74). A referência completa não
consta, entretanto, da bibliografia do texto.
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
30
pessoa? Como fazer com que o aluno se sinta mais aluno e não menos aluno,
ou seja, como fazer com que ele dê um significado pessoal à ‘categoria’ aluno
(Wenger, 1998:151)? Como ir além das palavras, já que estas não têm o poder
de carregar, em si, toda a experiência vivida através do engajamento e da
prática (Wenger, 1998:154)? Sendo a identidade, ainda segundo Wenger
(1998), uma experiência e ao mesmo tempo uma exibição de competência
4
(p.152), que competências criar e através de quais práticas de participação, de
quais perspectivas comuns?
Impossível mencionar práticas de participação e perspectivas comuns sem tocar
na questão da dicotomia exclusão-inclusão. Conseqüência da estranheza com
certa forma de conhecimento ou com certa forma de pertencer, a marginalidade
limita a possibilidade da experiência de pertencer. O que significa então pensar
em um programa de curso includente em que, ao menos desejada e
tendencialmente, caibam todos os alunos e todas as experiências? De que
maneira, ao invés de anular o diferente, abrir espaço para discuti-lo e
compreendê-lo? E como amenizar qualquer tipo de demarcação que exclua?
E, também, como não deixarmos que nosso aluno seja composto como um
outro, um estrangeiro, por conta das diferenças que possa representar, mas, ao
contrário, em nossas classes, através dos relacionamentos humanos e de
propostas concretas de materiais e atividades, virmos a resgatá-lo de um
possível lugar de marginalidade que leve à exclusão? Somente dessa forma
poderemos retomar a afirmação de Revuz (1998) de que a língua estrangeira
não nos é necessariamente estranha e, junto a nossos alunos, com Mey (1998)
5
afirmar que “a língua nos fortalece” (p.81). Porque, sem um elo, um vínculo que
os faça sentirem-se parte da disciplina ou do curso em que estão inseridos, para
muitos alunos é o estranho da língua que irá prevalecer – e uma desistência de
si mesmos quanto à sua capacidade de aprender. O diferente, representado
pelo professor e pelos colegas, ou pelo conteúdo e as atividades e materiais de
4
Wenger (1998:152) fala do pertencimento (“membership”) como elemento que constitui a
identidade, a ser determinado não apenas por reificadas marcas desse pertencimento mas,
fundamentalmente, pelas formas de competências que o pertencimento requer.
5
Mey (1998) cita aqui G. Halldorsson, em entrevista deste publicada no jornal suíço
Tagesanzeiger, 17/6/1994.
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
31
aula, poderá representar o limite ou a ameaça que paralisa, ao invés de
demarcar uma inquietude positiva que os faça avançar.
Embora inicialmente geradas pela leitura do texto de Wenger (1998), vem de
Hall (1995) e Dewey (1938/1963) a provocação maior para as reflexões que
neste ponto apresento. Recorrendo a Bakhtin (1891, 1986, 1990) e Gardiner
(1992) para explicar a sala de aula a partir de uma perspectiva sócio-histórica,
Hall (1995:207) coloca o que acontece dentro de uma trajetória, em que outros
momentos, meus e dos outros junto a mim ou antes de mim, explicam o
momento presente. O que os alunos produzem, então, não é o resultado
daquele momento apenas – é o resultado naquele momento das muitas outras
realidades que vieram antes, e que o construíram. Realidades nas quais a
participação era construída em práticas discursivas. E, de fato, como já
apontava Ivanic (1994), não podemos nos subtrair às falas que nos cercam.
Também Dewey (1938/1963) nos conduz nessa discussão, ao apresentar e
insistentemente retomar o princípio do contínuo experiencial (p.28). Cada
experiência vivida assume tanto algo das experiências que a antecederam
quanto, queiramos ou não, de alguma forma modifica as condições objetivas
sob as quais se tem a experiência no presente e, também, as condições sob as
quais acontecerão experiências futuras – embora o impacto sobre estas não
seja imediatamente evidente. Modifica ainda, e inevitavelmente, a pessoa que
as viveu: a cada novo evento, é uma nova pessoa que adentra a experiência.
Desta forma Hall (1995), ao retomar a perspectiva sócio-histórica, e Dewey
(1938/1963), ao destacar que toda experiência é inseparável daquelas que a
antecedem ou sucedem, se completam. Entendo, com esses autores, que
nossas identidades incorporam o passado vivido e a visão de futuro no processo
de composição do presente. O que compreendemos não representa atos
isolados, mas são eventos de uma trajetória que terão seu significado em
termos da identidade que se estará desenvolvendo. Também Wenger (1998)
fala da dimensão temporal como trajetória. Nesse sentido, a identidade é por ele
entendida como uma combinação entre a tradição, reconhecida através do
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
32
familiar, do óbvio, do reconhecível, do que me foi dado (que nos permite saber
quem somos e que se tornam referência para novas relações), e as perspectivas
comuns (impregnadas do misterioso, de uma novidade não dominada) que se
abrem.
Giussani (2004:14) apresenta a tradição como a hipótese de trabalho com a
qual a natureza lança o homem na comparação com todas as coisas: ter como
ponto de partida e de referência não o estranho ou o absolutamente novo, mas
as próprias concepções e experiências anteriores. Kincheloe (1997), por sua
vez, afirma que seremos incapazes de uma análise sobre nossas próprias vidas
e sobre nós mesmos se não tivermos um solo que nos permita ver de onde
viemos. Fica-nos então a imagem da identidade como combinação de tradição e
perspectivas – e são perspectivas comuns não porque sejam iguais, mas porque
tendem a um semelhante caminho de interpretações, de escolhas e,
obedecendo à terminologia de Wenger (1998), de engajamentos e imaginações.
Identidades, portanto, não vêm prontas, nem são intrínsecas aos indivíduos, aos
papéis que desempenham ou às situações em que se encontram: identidades
emergem das relações, das interações entre as pessoas em práticas discursivas
particulares (Moita Lopes, 1998) e estão permanentemente sendo compostas,
sujeitas a reposicionamentos e reelaborações. Não estão estaticamente nos
indivíduos, mas são constantemente (re)criadas de acordo com o modo como
estes se vinculam a um discurso – seu próprio ou de outros – em práticas
sociais definidas.
Retorno aqui a Grigoletto (2003) e Ivanic (1994) quando afirmam que, apesar da
ilusão de completude que por vezes geram, identidades são sempre
incompletas, porque sempre em movimento e em (re)construção, exatamente
pela presença dos outros discursos em nós. Outros e novos discursos, porque
são outras e novas as experiências. A estabilidade é apenas um arranjo
passageiro: como em qualquer processo, o estável apenas denuncia uma etapa
à espera do devir (Cysne, 2002:64). Da mesma forma, pode-se falar da
construção dos significados.
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
33
Liberali (2004a) resume a importância das duas noções – interação, por um
lado, e não-rigidez dos significados, por outro – ao afirmar que a construção da
identidade passa pela percepção que o homem tem de estar em eterna
colaboração com seus semelhantes e de que, nesse processo essencialmente
discursivo, constitui a si e aos outros.
‘Constitui a si e aos outros, numa eterna colaboração’: volta a questão de
quanto a presença do outro modela o modo como nos percebemos, nos
transforma, nos redefine.
‘E constitui a si e aos outros, em um processo essencialmente discursivo’. É a
linguagem verbal vista como lugar de participação social, como um trabalho pelo
qual histórica, social e culturalmente o homem organiza e dá forma às suas
experiências (Franchi, 1987:12). E será a interação social o lugar este onde o
sujeito se apropria do sistema lingüístico no sentido de que constrói, com os
outros, os objetos lingüísticos de que vai se utilizar, na medida em que constitui
a si próprio como locutor e aos outros como interlocutores. E, particularmente,
em se tratando de uma situação de ensino de línguas, a importância da
interação se destaca, já que ela é o elemento essencial que dá à linguagem seu
propósito: estabelecer relações humanas (Lehtone, 2000).
De maneira pertinente van Lier (1998) indica três desejáveis conseqüências da
interação na escola: um favorecimento da consciência do aluno, o
desenvolvimento da sua autonomia, e o alcance de uma autenticidade de ação,
que o autor define como um comportamento intrinsecamente motivado, dirigido
por escolhas pessoais e não por imposições ou por obrigação. De forma
análoga Bruner (1976:114) fala de “motivos intrínsecos para aprender ou
estudar”, aqueles que não dependem de recompensas exteriores, e que
encontram na prática tanto a sua fonte quanto sua recompensa. Porém,
acrescenta o mesmo Bruner (1976), somente havendo uma significativa unidade
naquilo que fazemos, somente havendo algo que nos indique como o estamos
fazendo, é que tentaremos nos exceder. E, destaca o autor, indo mais uma vez
ao encontro do que diz van Lier (1998), cabe à escola este papel de sustentar o
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
34
aluno em seu longo caminho de aprendizagem, um caminho através do qual
constrói, lentamente e à sua maneira, um modelo do que é ou poderá ser no
mundo (Bruner, 1976:125).
Uma experiência educativa genuína deve ser sempre um desenvolvimento na,
por e para a experiência, afirma Dewey (1938/1963:28). Porém, ressalta, não é
algo que aconteça simplesmente dentro da pessoa; não se dá no vazio, porque
constantemente se alimenta do social, das interações, fontes externas ao
indivíduo que, embora não sendo a experiência em si, a ela dão origem.
O capítulo 1 falava da educação como o oferecimento de uma proposta que
‘tende a’ uma permanente e incansável busca por significados, visando à
afirmação das possibilidades de conexão das estruturas do indivíduo com toda a
realidade do mundo à sua volta. E Dewey (1938/1963) aqui lança a provocação:
é a experiência que oferecemos aos nossos alunos suficientemente intensa para
criar desejos e propósitos? É ela uma experiência educativa que faz emergir
curiosidades e fortalece a iniciativa (Dewey, 1916/1967:38)? Voltando às
palavras de van Lier (1998), favorece a consciência, a autonomia, e a
autenticidade de ação? Porque o valor da experiência pode ser julgado apenas
com base naquilo para o qual se move, diz Dewey (1938/1963); em outras
palavras, se ‘tende a’. Ou seja, se voltarmos ao princípio do contínuo da
experiência, veremos que a qualidade da experiência presente influencia a
maneira como o princípio se aplica.
É de novo Dewey (1916/1967) que nos instiga, ao falar do educador como
aquele que carrega a responsabilidade de estar alerta quanto às atitudes e
tendências que são criadas e, ao ter consciência deste princípio geral de que a
experiência real é moldada pelas condições do ambiente, prover o
desenvolvimento em determinada direção que conduza ao crescimento
contínuo. Sua maior maturidade de experiência deveria colocá-lo em uma
posição de avaliar para onde a experiência se dirige. Falhar em considerar tais
aspectos seria mesmo trair o princípio da experiência em dois aspectos.
Primeiro, o educador fere o princípio do contínuo experiencial; ao deixar de
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
35
propor a própria pessoa e a própria experiência, limita a possibilidade de fazer
chegar ao aluno qualquer capacidade para a compreensão da realidade que sua
própria experiência anterior lhe tenha dado. Depois, é negligenciado um
segundo princípio para a interpretação da experiência – a interação, entendida
como aquilo que acontece entre o indivíduo, e os objetos e outros indivíduos, e
que valoriza igualmente dois aspectos da experiência – suas condições internas
e externas.
Emerge novamente aqui a pessoa do professor como aquele que mais
diretamente irá orientar e acompanhar o aluno em sua trajetória de construção
de sua aprendizagem e de sua pessoa. Começam, assim, a se delinear
possíveis respostas a algumas das tantas perguntas anteriormente colocadas.
Na aula de escrita, por exemplo, o professor é aquele leitor particular, imposto,
que mais ou menos intensamente interfere no processo de aprendizagem,
independentemente da decisão do escritor/aprendiz quanto a esta interferência
(Cysne, 2001). No entanto, segundo Bruner (1976:120), tendo a identificação
muito a ver com a tendência das pessoas de procurar moldar a si e às suas
aspirações segundo outros, esta interferência não deverá, nunca, significar
apagar ou menosprezar o que existe. Pois, enquanto dominações partem de
formas de desvalor, atingindo o indivíduo de forma íntima, na imagem que tem
de si (Lurçat, 1979, apud Franchi, 1987:3), a autonomia parte exatamente de
formas de valorização: de quem o aluno é, e daquilo que traz como motivação
ou experiência ou conhecimento.
Portanto, e aqui voltando a van Lier (1998), consciência, autonomia e
autenticidade são, em primeiro lugar, esperadas deste professor, para que seja
capaz de desenvolver no aluno uma análise discursiva crítica que o encaminhe
em suas reflexões; que o ajude a adquirir uma voz própria que não seja
somente a voz dos outros; que o leve, no caso específico da escrita, a produzir
um texto carregado de seus propósitos. É retomada a relevância da interação
como construtora da pessoa e dos sentidos.
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
36
Aliás, dada a grandeza da tarefa que aqui é apontada, no lugar da palavra
‘professor’ poder-se-ia empregar a expressão “sujeito educativo” adotada por
Giussani (2004:183), ou seja, aquele sujeito portador de propostas de sentido
para o eu, para o outro, para o mundo, o sujeito que provoca o aluno a
experimentar, arriscar, criticar, rejeitar ou aceitar o novo significado que lhe é
proposto e, assim, provoca-o a se dedicar a um caminho para (re)descobrir sua
pessoa e sua identidade. Ou, retornando a Vygotsky (1939/2000), poder-se-ia
pensar em como o diálogo com o professor – aquele parceiro mais experiente a
participar na construção social do significado – aparece na constituição da
identidade dos alunos. De qualquer forma, defende Giussani (2004), é possível
para o aluno experimentar o relacionamento com alguém que, mesmo não
podendo oferecer todas as respostas sobre o sentido da realidade, seja um
companheiro de destino. A descoberta de respostas, portanto, vai ser possível a
partir de um relacionamento, de um encontro realizado.
Vê-se em Quintás (1995:58) uma referência mais explícita à categoria do
“encontro”, por ele definida como “o entrelaçamento de duas realidades que se
enriquecem mutuamente” (‘constitui a si e aos outros’). O encontro seria um
‘acontecimento’ que nos constitui como pessoas; na verdade, desenvolvemo-
nos a partir das novas situações de encontro que nos são dadas viver. Aí está o
alto valor do relacionamento – não um vínculo consecutivo à formação do ser
humano, mas constitutivo. Para o autor, somos “seres de encontro” (p.56): sem
nos relacionarmos não nos constituímos como ser humano integral. Em outras
palavras, o tornar-se sujeito (tornar-se pessoa) depende dos encontros vividos.
O encontro é, portanto, o lugar para o acolhimento do outro, o espaço para a
construção da pessoa e da identidade, o espaço para o oferecimento de
possibilidades. Na experiência da escola, a qualidade e quantidade de
encontros, relacionamentos, espaços de interação, desempenharão então papel
essencial na aprendizagem e na formação da identidade do aluno.
Utilizando novamente conceitos de Quintás (2003), podemos repensar o diário
reflexivo como um “âmbito”, compreendido como uma fonte de possibilidades
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
37
que convida ao relacionamento, e um relacionamento em que se descobrem um
crescimento e enriquecimento mútuos (p.185). É âmbito porque se tornou uma
realidade dinâmica, aberta, capaz de estabelecer diálogo com outras realidades.
O diário como âmbito propiciou interação, permitiu um encontro entre meus
alunos e eu, entre um aluno e outro, favoreceu um confronto com a própria
experiência e um entrelaçamento da própria experiência e realidade com outras
experiências e realidades – em uma trajetória marcada por conflitos,
confirmações, descobertas, desvios e retomadas que apontavam para a
construção do aluno e do seu dizer.
Nos relacionamentos, a descoberta do próprio caminho e da palavra
própria
Falo agora daquela que, acredito, deveria representar uma das preocupações
centrais em uma experiência de escrita – a questão da autoria, isto é, que os
alunos sejam verdadeiramente autores de seu texto. Quer dizer, mesmo
trazendo consigo outras vozes, presentes em outros textos, de outros tempos e
outros lugares e outros autores (Bakhtin/Volochinov, 1929/1992), que sejam eles
os autores de seus processos – de criação e de aprendizagem (Salles, 1991;
Cysne, 2002). Isto significa serem verdadeiros protagonistas da própria vida. E
pressupõe a oferta da oportunidade de construção de significados próprios para
que, em um gesto de “tomar a palavra” (Serrani-Infanti, 1998: 247), o aluno
venha a se fazer presente nos textos que produz.
O caminho que agora percorro na tentativa de formulação de fatores
compreendidos em uma possível trajetória de construção da autoria nasceu de
preocupações presentes desde o início da pesquisa – entender como, no
conjunto de sua experiência educativa, os alunos poderiam desenvolver uma
perspectiva própria frente aos diferentes aspectos de sua realidade, e como
poderiam ser ajudados a assumir a responsabilidade pelas palavras por eles
pronunciadas; atentar para o papel que caberia ao professor no processo; e,
finalmente, compreender como a própria atividade da escrita poderia despertar
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
38
nos alunos a busca de uma maior autonomia em seus pensamentos e atitudes
como aprendizes.
Não é esta uma discussão diversa daquela sobre a formação da identidade;
para mim, originou-se exatamente de perguntas sobre que identidades de
alunos eu desejaria ver revelar-se em minhas aulas dedicadas ao
desenvolvimento da escrita em língua estrangeira. Foi uma insistente reflexão
sobre as idéias colhidas de diferentes autores que fui conhecendo ao longo da
pesquisa – nem sempre autores preocupados com a questão da autoria
propriamente, porém – que me permitiu reunir os pensamentos por eles
lançados, tentar compreender suas conexões, e assim arriscar levantar alguns
dos componentes que agora de forma despretensiosa apresento como
desejadamente presentes em uma experiência escolar que pense na formação
de alunos autores e agentes de suas palavras e ações.
Brookfield (1995) nos diz quanto perceber o poder de nossa própria voz está
fundamentalmente relacionado ao desenvolvimento de nosso sentido de
‘agência’. Não é suficiente, no entanto, a simples afirmação de quanto é
importante para o aluno descobrir uma palavra própria; seria um comentário
abstrato e sem conseqüências. O que importa é apontar as possibilidades de
construção desse seu dizer, é promover as condições para que a palavra do
aluno (re)assuma seu lugar de prioridade na escola e na constituição de seu
conhecimento e de sua pessoa. Mas, concretamente, o que tal postura implica?
Implica uma atitude educativa que permita ao aluno buscar formas alternativas
de expressão e interpretação da realidade em que vive; significa levá-lo a não
simplesmente repetir expectativas de outros mas dar-lhe espaço para que, como
aluno, encontre seus próprios caminhos na definição de suas metas e de suas
formas de aprender (Little,1997); acarreta possibilitar-lhe construir um
conhecimento que tenha a ver com o modo com que vive seu cotidiano e, ao
mesmo tempo, sentir-se livre para perceber-se dentro desse universo do qual
faz parte para que, como defende Freire (1976), dele se aproprie e nele possa
intervir e atuar. Construir a própria autoria como escritor significa, então, viver a
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
39
possibilidade de perseguir e seguir um percurso próprio na descoberta dos
significados da experiência de vida e, também, da experiência de criar textos.
O caminho para a autoria é, também, um caminho de transformação – de
palavras antes ditas pelos outros e que agora, pela experiência, tornam-se
nossas. São transformações que podem ter suas raízes em pequenos detalhes,
que se revelam em discretos gestos, que deixam suas primeiras marcas em
algumas poucas palavras. O ponto de partida será sempre este: o olhar que
lançamos sobre a totalidade da realidade e, dentro dela, nossa própria
experiência vivida.
Não haverá a transformação de experiências se as enterramos, ignoramos, ou
desejamos esquecê-las (Dewey, 1938/1963). A experiência passada e nossos
significados sobre ela têm de ser compreendidos e (re)interpretados agora com
olhos do presente, de modo a orientar a busca de significados originais no
relacionamento que estabelecemos com o mundo à nossa volta – o que pode vir
a permitir sentirmo-nos parte desse mesmo mundo de um modo novo e
particular e único (Frankl, 1997). Podemos então dizer que, no contexto escolar,
a autoria depende também de trazer a experiência pessoal para a sala de aula e
as experiências construídas na sala de aula para a vida, interpretando-as e
(re)interpretando-as de forma que, como comenta Franchi (1987), o tempo vivido
na escola não signifique um parêntese no conjunto da existência.
A construção da autoria não é, no entanto, um processo a ser vivido de forma
isolada, à parte; por outro lado, não se dá de um modo linear, sem tensões ou
conflitos. Pelo contrário, a autoria traz em si um sentido de partilhamento: na
escola, estou sempre frente ao professor, aos colegas, aos autores que leio, à
instituição. A imagem que o aluno tem de si é também dada pelo outro; no
processo interativo, poderá perceber o que lhe está sendo mostrado e proposto,
em um trajeto que se realiza através de um diálogo pontuado por dúvidas
lançadas, respostas encontradas, novos dilemas a serem enfrentados e novas
descobertas a serem celebradas.
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
40
Educar para a autoria pressupõe, por um lado, um ‘tender a’ colocar o aluno
constantemente em contato com todos os fatores do ambiente e, por outro,
deixar-lhe a responsabilidade da escolha, de modo tal que, como destaca
Giussani (2004:72), ele aja cada vez mais por si mesmo, e sempre mais por si
enfrente a realidade à sua frente. Cabe ao professor ajudar a desenvolver uma
atitude de ‘fazer perguntas’, na qual perguntar signifique questionar, desejar
verdadeiramente compreender, viver a reflexão – para que, no processo, o
aluno descubra a palavra que o conecte ao mundo (Freire, 1976; 1979). Ao
acompanhar o aluno em sua descoberta da própria autoria, o professor com ele
empreende uma busca por talentos escondidos, para então fazê-los brotar
(Fazenda, 2003). Nesse sentido, o ato educativo completa e aperfeiçoa o ato da
geração (Petrini, 2003). Quer dizer, o professor não pode deixar de construir as
condições para que a experiência do aluno se expanda (Dewey, 1938/1963).
Tornar-se autor, por sua vez, implica reconhecer uma busca de conhecimento
que não vem sempre a ser de fora para dentro, como se o conhecimento
estivesse em algum lugar sendo oferecido, exposto à espera daqueles que o
irão buscar; pelo contrário, significa compartilhar o espaço da sala de aula de
modo a criar novas maneiras de ser aluno, se aprender, de interagir (Mello,
2005). É na atitude de agir em comunidade (Wenger, 1998) que o aluno deixará
de ser um passivo seguidor para tornar-se autônomo e autor; porque, como diz
Sawicki (2003:143), retomando as noções de indivíduo e comunidade conforme
Stein
6
as formula, na comunidade as pessoas tornam-se sujeitos uns para os
outros.
Autonomia e autoria caminham juntas. Permitir a autonomia significa dar voz e
poder ao aluno; porém, e porque, exatamente, não é possível controlar a
liberdade e a autonomia do outro, a autoria dependerá de o aluno vir a agarrá-
los, exercê-los. Depende de o aluno acolher o que lhe é proposto, e desejar e
tender a descobrir a própria compreensão e interpretação sobre cada pormenor
da existência e da realidade. Podemos voltar a Frankl (1997) e sua afirmação de
6
Sawicki dedica seu texto a rever e comparar o pensamento dos fenomenólogos Stein e
Husserl, sem menção direta a obras dos autores nas referências que a eles faz.
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
41
que pessoa alguma pode assumir por outra uma atitude e uma responsabilidade
pessoais frente a um conjunto de circunstâncias. A construção da autoria é um
processo intransferível, que parte da pessoa – é a escolha que faz das palavras
a serem pronunciadas que a conduzirão a uma ou outra direção. Segundo
Bruner (1976), usamos as palavras e por elas somos conduzidos (p.105).
Uma vez pronunciada, a palavra do aluno tem não apenas a capacidade de
carregar informações e idéias, mas também de gerar novas informações e
idéias. A questão, então, é colocar a palavra do aluno no centro do processo de
construção de sentidos. É inverter a lógica tão comum em nossa realidade, e
permitir ao aluno ser ele o autor, o criador, não apenas uma “nota de rodapé”
(Fazenda, 2003). Se povoada de intenções e significados pessoais, uma
experiência de escrita não só produz um conhecimento da língua, mas também
constrói a pessoa. Vista dessa forma, representa um caminho para a autonomia
na compreensão da realidade do mundo e de si mesmo, e na expressão desta
autonomia.
Em um texto no qual discute a formação de identidade de alunos-escritores,
Ivanic (1994) afirma que escrever é bem mais que falar sobre coisas; todo texto
traz também alguma coisa sobre seu autor – já que toda palavra escrita contribui
para a imagem de si como escritor. Descobrir-se como autor de um texto,
portanto, está relacionado à autoria como pessoa; significa construirmos a
realidade e agirmos sobre ela. Na experiência da escola, significa usar a palavra
escrita para refletirmos sobre nossas diferentes vozes como alunos e
professores. Descobrir-se como autor de um texto estreitamente relaciona-se à
construção da identidade.
Construir-se como autor compreende assumir a responsabilidade pelo que é
dito; passa por dizer com propriedade. Significa exercer a capacidade de ir além
do que é prescrito pela escola; pede uma atitude de reflexão sobre experiências
vividas que aponte para desejos e necessidades pessoais, de modo que o
próprio querer não seja determinado pelo querer do professor: é não se colocar
à margem do próprio processo de aprender (Franchi, 1983). Descobrir-se autor
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
42
exige, enfim, saber usar a linguagem para dizer o que se pretende – para si e
para os outros (Bruner 1976:107). Aliás, afirma Cook-Sather (2000) que a
capacidade de assumir o próprio lugar em qualquer discurso é essencial para a
ação; e este é o cerne da questão da autoria.
O processo de construção da autoria, portanto, em muito coincide com o
processo de construção da identidade. Assim como a identidade, a autoria é
efeito da singularidade humana; é construída em relações humanas; é
constituída na e pela linguagem; é acompanhada por dilemas e reconstruções;
resulta do diálogo com outras teorias e práticas presentes – quer teorias
cientificamente elaboradas, quer teorias ou pensamentos sobre simples ações
do cotidiano. E, como a identidade, a autoria é uma constituição em movimento
– no processo, eu me constituo como autor. Um processo por meio do qual
deixo de ser sujeito ‘a’ para ser sujeito ‘de’ algo.
É papel do professor de escrita e, na verdade, de qualquer professor,
insistentemente promover a busca da autoria – uma posição educativa que
poucos anunciaram e defenderam como Freire (1976, 1979) o fez. Autoria como
identidade, como palavra, como voz – e que se dá por meio de relacionamentos,
de encontros realizados. Em primeiro lugar, um encontro entre professor e aluno
que não venha a ignorar o que o aluno é, já traz consigo, ou deseja. Um
encontro no qual esteja presente o reconhecimento de que diferentes alunos
partem de diferentes lugares – em termos de reflexão, de conhecimento, de
experiências; um encontro que revele a compreensão de que diferentes alunos
trazem em suas falas o reflexo de diferentes histórias pessoais. A autonomia e a
autoria decorrerão da variedade de formas de interpretação e valorização das
histórias pessoais e das palavras escolhidas para contá-las.
Bruner (1995:28) afirma que quaisquer coisas que o aluno aprende e vem a
dominar pertencem a ele, para que as use, e não se deve levantar qualquer
dúvida quanto a se, como ou porque deveria usá-las em suas falas. São
decisões a serem deixadas para o aluno. Com a participação do professor, no
entanto. Pois, prossegue o autor, não há absolutamente nenhuma maneira pela
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
43
qual o ser humano possa dar conta do mundo sem a ajuda ou assistência dos
outros, porque, de fato, o mundo é os outros (p.32).
Demonstrando preocupação e posição semelhantes, porém focando
explicitamente a pessoa do professor, diz van Manen (1990) que depende do
lugar que este ocupa no mundo a capacidade de compreensão que demonstrará
quanto à experiência do aluno. “Para ser capaz de fazer algo é preciso, antes,
ser algo” (p.140), acrescenta, referindo-se mais uma vez ao professor. Disso
dependerão inclusive as maneiras que pensará para permitir ao aluno
desenvolver um espaço que é seu, um espaço que desperte e promova seus
interesses pessoais e sociais.
Nas palavras de Bruner (1995) e van Manen (1990) encontra-se a reafirmação
da importância do professor na formação da identidade e na constituição da
autoria dos seus alunos, embora não sejam identidade e autoria os temas de
que diretamente falem. Na verdade, ambos os autores apontam para a
incoerência ou mesmo impossibilidade de se propor atividades que desejem a
comunicação e a expressão de si em uma situação social esvaziada de uma
relação humana e de vida. Porque é exatamente no âmbito das relações sociais
que são construídos os significados dos pensamentos e ações dos alunos, em
um processo no qual a linguagem assume papel fundamental, de mediadora na
construção de sistemas de referências próprios (Vygotsky, 1939/2000).
Vygotsky (1934/2000) explica a linguagem como um instrumento que informa,
torna possível e mesmo produz novas formas de pensamento; Franchi (1977)
destaca, por exemplo, o quanto um trabalho sobre e com a linguagem permitiria
não somente compreender a realidade tal como os outros a vêem, mas
questionar essa visão e então predispor à mudança. Porque, prossegue, as
pessoas (entre elas, professores e alunos) fazem coisas das quais não tem
consciência e, assim, legitimam ou reproduzem concepções e antigas relações,
sem sequer saber que o estão fazendo.
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
44
Dentro da perspectiva vygotskyana, a construção de novos sentidos para as
experiências, para professores ou alunos, dá-se na medida que lhes é
possibilitado rever, redefinir, e reorganizar percepções e conhecimentos em
novos agrupamentos e iniciar o processo de reconstrução de suas ações –
como professores e como alunos. E será a linguagem o meio pelo qual e no
qual se constituirão como sujeito nos contextos em que atuam, à medida que
ouvem e se apropriam de palavras e discursos durante as interações discursivas
com outros participantes dessas interações, e criam e recriam significados.
(Bakhtin/Volochinov, 1929/1992).
Limitar a capacidade do exercício da linguagem – mesmo em uma língua
estrangeira que se está aprendendo – poderia significar limitar a capacidade
desse trabalho individual e social. Nesse contexto, mostra-se particularmente
relevante Vygotsky (1939/2000) e seu conceito de zona de desenvolvimento
proximal já que, como explicita Bruner (1995), este tem também a ver com a
maneira como o professor organiza o ambiente de aprendizagem de modo a
favorecer que o aluno atinja um patamar mais abstrato a partir do qual refletir, a
partir do qual tornar-se mais consciente.
A educação na escola oferece-se como uma ocasião privilegiada para a
formação da pessoa através do ‘aperfeiçoamento’ de sua consciência. Frankl
(1989) defende que à visível falta de sentido de nosso tempo deve-se contrapor
uma “educação que não se restrinja a transmitir o conhecimento, mas também
dedique seus cuidados no refinamento da consciência, a fim de que o homem
adquira acuidade suficiente para perceber em cada situação concreta o desafio
da exigência nela presente” (p.19).
É tarefa da escola, então, a valorização cheia de consciência das histórias
individuais e sociais; nesse sentido, a valorização da consciência das
experiências e valores e juízos e propósitos pessoais que permitirão ao aluno
criar, no caso da escrita, um texto em primeira pessoa. À noção de autoria
estaria vinculada a percepção de que a cada um cabe recolher as informações e
dados oferecidos pela realidade, refletir sobre eles e julgá-los, sem sentir-se
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
45
induzido a respostas sobre e para a realidade que os outros desejam que
tomemos como nossas. Ao não abdicar da própria compreensão e avaliação da
realidade para submeter-se à avaliação do outro, ao encontrar uma palavra que
faça sentido para a própria vida, o aluno vai gradativamente descobrindo o
segredo da sua autoria. E da própria identidade.
Para falar de meus alunos, gostaria de tomar como referência as palavras de
Pow (2003:3) a respeito da formação docente: quando insuficiente, acanhada ou
frágil, impede o professor de se descobrir e ter consciência de seu valor. Da
mesma forma, uma proposta educativa frágil, tímida ou inconsistente deixará de
ajudar o aluno a definir seu percurso, na (in)consciência do próprio valor ou
daquilo que deseja para si. Não lhe pode ser negada a oportunidade de resgatar
os significados e valores de suas experiências vividas as quais darão forma ao
aluno que é ou que pretende vir a ser.
A escrita não apenas envolve a criação de um determinado objeto; é, de modo
particular, a expressão idiossincrática de quem o opera. Aquele que se utiliza
desse instrumento expõe sua leitura, sua experiência do mundo. Por isso o
centro deve estar na pessoa do aluno. Quanto mais o professor guiar o aluno
para que seriamente enfrente as perguntas que envolvem a busca pelo
significado, quanto mais o aluno valorizar a própria experiência e se empenhar
em se dar as razões das coisas, tanto mais poderá crescer na consciência de
suas possibilidades – e mais ‘seu’ será o texto, mais o texto revelará sua
pessoa.
É Orlandi (1998) quem oferece uma concepção provocadora de autoria, a qual,
no contexto da escola, exige um aluno que vá além da mera repetição formal do
que os outros, mesmo que mais experientes, dizem sobre a realidade; como
destaca a autora, ao aluno deve ser permitido fazer textos (p.211), não apenas
reproduzir textos de outros. Voltando à discussão anterior sobre formação de
identidade, e relacionando-a às presentes reflexões, é possível unir Orlandi
(1998) a Wenger (1998) e Giussani (2004) e dizer que a autoria só é possível
pela valorização consciente no aluno de uma tradição, que lhe oferece certos
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
46
juízos sobre a realidade; sobre essa realidade, que ele filtra à sua maneira
7
, o
aluno deverá colocar uma perspectiva sua; e uma perspectiva sua será possível
porque reflete sua história; e essa sua história é possível e tem sentido porque
vem vinculada às histórias – e à maneira como o indivíduo interpreta as histórias
– das comunidades a que pertenceu ou pertence.
Promover a autoria por meio de atividades de linguagem escrita vem a ser
freqüentemente uma experiência de vencer resistências, de fugir de conceitos
cristalizados sobre o que se considera permitido ou não dentro de um processo
de ensinar e aprender a escrever. Significa propor a subversão de teorias e
ações; implica fugir da repressão do pensamento e da criatividade e não exercer
a opressão do lingüisticamente adequado (Franchi, 1987), como se somente a
correção lingüística tornasse nossos alunos escritores-autores. Cabe ao
professor de escrita – não somente deste, porém – não deixar a escola
transformar-se, contrariamente ao que dizem seus objetivos educacionais, em
um lugar ao mesmo tempo de inibição ou restrição da manifestação do ser
pessoa do aluno.
Educar a pessoa do aluno significa determinar, junto com ele, os valores e
juízos pessoais que entram em jogo a cada situação, levar o aluno a compará–
los a experiências vividas e realidades experimentadas. Seus valores e juízos
transformam-se em texto, transformam o texto, doam-lhe a originalidade e
persuasão; opera-se mesmo uma redução do distanciamento entre o aluno e
sua escrita. Várias trajetórias parecem coincidir aqui, interdependentes, todas
contribuindo para constituir uma nova imagem do aluno sobre si: a reflexão
sobre a realidade (em uma aula de língua estrangeira, por exemplo, a realidade
presente em um texto ou um filme, ou mesmo a realidade vivida das interações
mais cotidianas em sala de aula), se comparada com a própria experiência,
constrói a possibilidade de autoria; saber o que dizer, e poder dizer em primeira
pessoa e ‘com razões’, reflete-se em textos mais coesos e consistentes. E,
numa aula de escrita, dar-se conta de que é capaz de escrever textos
7
Orlandi (1998:211) fala em “irromper na tradição”.
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
47
consistentes fortalece no aluno a possibilidade de uma identidade positiva como
aluno e como autor.
Parece residir exatamente na falta desta ‘primeira pessoa’ a origem do fracasso
de muitas das redações no vestibular, segundo o Relatório Anual da Unicamp:
“O aluno evita se posicionar, ser sujeito de seu discurso, lançando mão de uma
linguagem artificial, reproduzindo modelos consagrados para se ausentar de
uma responsabilidade para com seu próprio texto e para com seu leitor. Por não
se constituir como sujeito de sua produção, o aluno acaba se transformando
num outro, reproduzindo um discurso alheio, um discurso de ninguém” (Durigan
1989:29).
Fornazieri (1998), em um estudo comparativo entre as produções textuais de
alunos de um colégio particular de segundo grau, expostos a diferentes
professores e diferentes métodos, observou uma melhora substancial na
qualidade dos textos daqueles alunos para quem um trabalho de reflexão sobre
o tema proposto a partir de sua experiência pessoal antecedera o processo de
escrita propriamente.
Franchi (1987), ao relatar sua experiência em relação a produções escritas de
alunos da terceira série primária, documenta que as crianças produziam
melhores histórias quando as restrições e limites ao seu trabalho eram menores,
quando as entendiam como formas de expressão verbal; e cita um particular
exemplo de qualidade de redação de um aluno que “se sentia mesmo dentro de
seu texto” (Franchi, 1987:102), e no qual expressava sentimentos reais muito
menos para a escola ou o professor e muito mais para as pessoas de suas
relações que estariam no texto de fato interessadas.
Mesmo que se referindo a situações em que as condições e os objetivos da
produção textual sejam bastante diversos da preocupação desta pesquisa, os
estudos acima sintetizam com propriedade o que queremos dizer: não há como
esperar a compreensão ou um posicionamento do aluno frente aos diferentes
aspectos da realidade com que são confrontados se continuamos a desenvolver
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
48
apenas a estrutura dos textos e frases. É-nos pedido um movimento em direção
ao significado. É-nos pedido, como professores, que permitamos ao aluno a
descoberta de que pode usar a escrita com propósitos sociais, para comunicar
pensamentos que lhe interessa comunicar (McLane, 1990:304), também na
língua estrangeira que estão aprendendo.
Correção e adequação lingüística, uso apropriado de organizadores textuais,
respeito às particularidades dos gêneros, entre outros, são sem dúvida
importantes e não podem ser esquecidos em um curso de escritura
(Pasquier&Dolz, 1996). O que queremos dizer é que, para criar consciência(s)
através da escrita, é preciso ir muito além. Pois, sem ter uma certeza quanto a
seus juízos pessoais, sem uma decisão sobre os lugares das coisas no mundo,
o aluno despende enorme quantidade de energia a fim de descobrir o quê falar
e como falar, porém seu texto não se distancia daquilo que outros já disseram
ou dizem.
Afirma Cook-Sather (2000) que, ao atentar para as palavras e gestos de seus
alunos, ao se dispor a aprender com eles, também o professor pode vir a olhar o
mundo a partir de novas perspectivas. Abre-se, assim, a oportunidade de
criação de novas histórias de ensinar e aprender; abre-se espaço para a
reflexão e negociação de conteúdos, de modos de fazer, de formas de
relacionamento; entende-se que a construção do currículo possa estar voltada
para a transformação e reconstrução de aulas e relacionamentos e histórias
pessoais.
Não se trata, no entanto, da substituição de uma voz por outra, ou de um poder
por outro mas, sim, de prestar atenção às perguntas e teorias dos alunos sobre
a realidade, sobre as disciplinas, e de “responder com o currículo” (Cook-Sather,
2000:7) – porque ouvir verdadeiramente significa redirecionar nossas ações em
resposta ao que é dito. Entender professor e alunos como agentes construtores
do currículo, porque este afeta as oportunidades de aprender dos alunos – e
talvez, mais relevante ainda – afeta as percepções que os alunos têm quanto ao
que significa terem um resultado positivo na escola.
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
49
Os diários representam uma possibilidade de engajar os alunos como parceiros
e fazê-los também construtores de seu currículo. São um espaço legítimo no
qual o aluno pode expressar, com sua própria voz, suas percepções e
sentimentos sobre a vida na escola – não apenas teorizações, mas também
reflexões a partir de experiências concretas. O diário pode significar, na relação
professor-aluno, um compartilhar genuíno de autoridade, ao permitir a cada
participante da interação falar e mesmo interpretar o que é dito. E, à medida que
têm sua voz ouvida e tornam-se autoridade, alunos tornam-se também autores.
No 12º Inpla
8
, em uma mesa redonda na qual descrevia a experiência da escrita
de seus alunos indígenas, um professor também indígena em certo momento
afirma: a escrita não é tudo, é o instrumento apenas. A escrita é instrumento...
para qual fim? Importantes são os processos de reflexão e conscientização que
a acompanham, e dos quais a escrita é a manifestação. Importante é a
participação social que a escrita proporciona. É este o itinerário que esta
pesquisa sugere: a oferta ao aluno de propostas que valorizem o passado para
que se compreenda o presente, ajudando-o a ver criticamente – isto é, que
coloque a realidade diante dos olhos, comparando-a com sua própria
experiência, para que, como diz Orlandi (1998:209), seu texto seja um texto com
aluno dentro!
Os diários reflexivos: construindo o pertencer e a autoria
Schneuwly (1994), ao falar de gêneros discursivos, explica-os como ferramentas
que determinam o comportamento do indivíduo, ao mesmo tempo em que
refinam e diferenciam sua percepção da situação em que vai agir. Embora o
autor não esteja em sua afirmação se referindo ao gênero diário escolar
reflexivo diretamente, suas palavras ajudam a apontar para o potencial do diário
como instrumento de reflexão e de expressão da experiência (Liberali, 1999,
2004; Machado, 1998, 1999; Stover, 1986; Zabalza, 1994; Zeichner, 1981). Na
breve exposição que segue, busco caracterizar o diário na tentativa de melhor
8
Intercâmbio de Pesquisas em Lingüística Aplicada, realizado na PUC-SP, em maio de 2002.
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
50
compreendê-lo em suas possibilidades como registro do processo de construção
de identidade de meu aluno.
Entendo os diários como um dos vínculos que uniram os alunos à proposta
educativa aqui discutida, ao permitir-lhes recuperar sua ‘prática como alunos’ em
um processo de reflexão e escritura que permitiu uma nova consciência e
mesmo a transformação dessa mesma prática. Ao revelarem-se uma possível
forma de ‘pensar a experiência’, ou, como diz Rajagopalan (2004), uma forma
de teorizar a prática, porém, não à revelia da prática – os diários
desempenharam importante papel na trajetória que moveu o aluno em seu
processo de aprendizagem e constituição da sua identidade e autoria.
Gênero de texto não se define, é o que existe”. Talvez essa asserção de
Machado (2005:241) seja o que melhor explique o processo vivido pelos alunos
no que se refere à proposta da redação de diários como parte de minhas aulas –
uma dificuldade explicitada quanto a conseguirem compreender, com maior
clareza, o que eram afinal esses textos que eu pedia que escrevessem. Suas
indefinições e indecisões inicialmente manifestadas (afinal, que textos são estes
que tenho de escrever? Como devo escrevê-los? O que posso ou devo neles
dizer? E para quê?) justificam-se plenamente pelo fato de o diário não se
encaixar nas diversas práticas de linguagem que até então compunham suas
experiências humanas ou caracterizavam sua comunidade de aprendizagem.
De qualquer forma, parti da pressuposição de que os diários representariam um
lugar no qual os alunos – no desafio assumido de repensarem, reorientarem e
redefinirem suas teorias, dúvidas e atitudes como aprendizes – poderiam vir a
viver uma experiência de escrita na língua estrangeira carregada de significado.
Os alunos foram levados a se familiarizar com os diários à medida que os
utilizavam. Meus comentários orais ou escritos procuravam orientá-los na
construção dos textos no sentido de que estes não se resumissem a descrições
de experiências, mas se voltassem à reflexão sobre elas. No entanto, é possível
afirmar que a compreensão por parte de cada aluno das potencialidades do
diário como instrumento de expressão de suas experiências individuais e
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
51
coletivas foi sendo construída na própria experiência de escrevê-los. É este um
processo explicitado por Bronckart (1996): a prática social do diário aperfeiçoa a
prática, ao permitir ao seu escritor uma construção – mesmo que meramente
intuitiva – de suas regras e propriedades específicas. E mais: na construção dos
gêneros, a regra não antecede o texto concreto; parte-se do que existe e é
observável. O autor nos explica então esse processo de apropriação – comum
a todo mecanismo de aprendizagem social – em que um conhecimento intuitivo
se traduzirá em uma reorganização das propriedades e regras que regem
determinado objeto.
Encontro em Miller (1994, apud Freire, 1998:48) a referência a gênero como
“resposta retórica reconhecida às exigências sociais decorrentes de situações
particulares”. Para compreender melhor a afirmação no contexto de
caracterização do diário escolar reflexivo parto das noções bakhtinianas de
atividade de linguagem e de esfera de comunicação. Brait&Rojo (2001), em
especial, ajudam-nos nesta exposição, ao construírem as noções passo a
passo.
As autoras iniciam seu texto apontando como nossa vida diária é composta de
diferentes e variadas atividades; dentre estas, há aquelas que só têm lugar com
e pela linguagem – as atividades de linguagem, diretamente dependentes das
práticas sociais da sociedade e da cultura a que pertencemos. Poderíamos dizer
de outra forma: toda sociedade se estrutura por meio de práticas sociais, as
quais definirão um conjunto de atividades a desempenhar e que farão sentido
dentro daquela organização social. A prática social fornecerá um ponto de vista
contextual e social para as experiências humanas, dentre elas o funcionamento
lingüístico (Schneuwly&Dolz, 1997).
Segundo Bakhtin/Volochinov (1929/1992), as diversas práticas e atividades se
organizam por contextos, ou esferas sociais, engendradas por maneiras de
utilização da língua que lhes são correspondentes – e, por isso, denominadas
de esferas de comunicação. Novas práticas sociais, originadas em mudanças
nas sociedades e suas culturas, com suas agora diferentes circunstâncias e
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
52
exigências, gerariam novos e diferentes tipos de interação verbal, com outros
lugares sociais sendo atribuídos àqueles nelas envolvidos. Assim, também a
organização escola, ao se transformar, passa a pedir e a gerar novas práticas
sociais que se realizarão por meio de novas atividades de linguagem, com
novos papéis para professor e aluno.
Podemos agora começar a situar o diário reflexivo na educação: um gênero
vinculado a uma esfera de comunicação verbal específica – a esfera escolar –
que o origina e desenvolve, que lhe cria possibilidades e ao mesmo tempo lhe
impõe limites. O diário representa uma forma de responder ao modo próprio de
orientação à realidade enfrentado pela escola hoje; quer dizer, se hoje, em
muitos contextos, temos uma escola em busca da consciência crítica quanto aos
processos de ensinar e aprender, essa ‘pede’ uma nova prática que, por sua
vez, pedirá novas ações. Nesse quadro se insere o diário escolar como
instrumento de reflexão – um gênero sendo construído para responder a uma
relação diversa que se estabelece entre professores e alunos, como parte de
um novo modelo ou concepção de escola, de aprendizagem e de interação.
São novos textos, articulados a novas urgências e interesses, expressão de
‘novas formas de fazer’. Há toda uma trajetória de evolução dos conceitos do
que significa educar, ou ensinar e aprender, e que faz crescer a consciência da
necessidade de uma relação educativa que ofereça a oportunidade de se
dialogar, duvidar, perguntar, compartilhar; onde haja espaço para
transformações, diferenças, contradições, para a colaboração mútua.
Diamond (1991) confere à linguagem e à aprendizagem um papel principal no
desenvolvimento do professor. Recorro ao autor para então falar de meus
alunos: os diários são um espaço de linguagem e de aprendizagem a cada um
oferecido para moldar sua experiência e representar o mundo para si mesmo.
Se entendido como um lugar de reconstrução de ações rotineiras, o diário pode
representar um possível percurso para que se chegue à atitude de diálogo com
o pensamento, próprio e dos outros, e que Alarcão (2001) defende como crucial
para o desenvolvimento de uma escola que se deseje reflexiva.
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
53
Retornando a preocupações anteriormente expostas neste capítulo, é possível
encontrar indicações que apontam para o sentido e valor do uso do diário
reflexivo como parte de uma experiência que tenha como um de seus horizontes
a constituição da identidade e a construção da autoria pelos alunos. O diário se
justifica porque tem a ver com inserir comportamentos mais independentes na
sala de aula; porque se relaciona a um fazer, e à reflexão e uma crescente
consciência quanto a esse fazer; porque, através dessa reflexão e
desenvolvimento de uma nova consciência, pode tornar-se instrumento de
reinvenção de posições identitárias; porque pode formar alunos inscritos na
constituição do conhecimento e não meros usuários de informações ou
conhecimentos alheios. O diário se apresenta como uma oferta da oportunidade
de pensar o que gostariam ou poderiam ser como alunos e como pessoas.
E em Stover (1986) encontram-se outras justificativas para o uso de diários
como instrumentos não só para examinar como também para gerar
conhecimentos (e eu diria, significados). Embora seu foco tenha recaído sobre
diários elaborados por educadores, vários de seus argumentos ajudam-nos a
entender os diários como experiências de aprendizagem da escrita em uma
língua estrangeira. Segundo ele, as tarefas de escrita deveriam ser
estruturadas, entre outras razões, para explorar valores pessoais e fomentar
uma compreensão de como esses valores se relacionam (ou contrastam) com
aqueles de determinada sociedade; e para desenvolver a conscientização
através de questionamentos que explorem seu passado na busca por filosofias
de educação em formação. E, como já foi apontado, estes são fatores
diretamente relacionados à construção da autoria e da identidade.
Assim, ao enfatizar a função dialógica da linguagem (Bakhtin/Volochinov,
1929/1992), caracterizada por múltiplas vozes, estruturalmente heterogêneas, a
construção do diário representa um espaço em que o aluno, ao receber as
mensagens trazidas pelo professor, pelo ambiente escolar, pelo mundo em
geral, pode questionar, desafiar, ou mesmo influenciar as vozes que as
transmitem. As enunciações são vistas como proporcionadoras de negociação e
de criação de significados entre as pessoas.
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
54
Para melhor caracterizarmos o diário reflexivo, valemo-nos agora de algumas
analogias com o gênero diário íntimo – do qual o diário reflexivo parece se
aproximar, e do qual empresta mesmo o nome. Mas... o que une os dois
gêneros? O que os separa?
Cada um dos dois gêneros se articula dentro de uma esfera de comunicação
específica – esfera privada, íntima, de um lado; e pública, escolar, de outro.
Cada qual se encontra em um tempo histórico e um lugar social particulares e
possui suas finalidades, suas estruturas próprias derivadas destes propósitos,
suas relações entre participantes específicas.
Diferentes gêneros buscam diferentes objetivos – o diário reflexivo da esfera
escolar propõe a reflexão. Como instrumento para tal, favorece as operações
discursivas de questionamento quanto a um assunto ou um procedimento ou
mesmo quanto a si próprio; possibilita a expressão de impressões e desejos;
incrementa o inter-relacionamento com outras situações, outras realidades.
Como narrativas da experiência, o diário pode revelar a relação do aluno com o
conteúdo, com o professor ou outros colegas, com a metodologia, com
experiências anteriores. É uma possibilidade de desenvolvimento da capacidade
de interagir criticamente com os discursos alheios e com o próprio discurso.
Pode-se dizer, por outro lado, que se escreve diários íntimos para registrar fatos
pessoais representativos, sentimentos, alegrias e frustrações, para narrar
histórias significativas em uma conversa consigo mesmo. As descrições,
narrações, e mesmo reflexões aqui presentes têm, em geral, como primeiro
destinatário o próprio autor.
Já nos diários escolares pode-se pensar em um recontar a experiência, se não
diretamente para o outro, no entanto ‘diante de um outro’: o expressar-se a si
mesmo significa fazer-se objeto para o outro e para si mesmo (Bakhtin,
1979/2000:337). É uma relação entre três participantes: o aluno, autor dos
textos; o professor, que acompanhará o processo de reflexão do aluno; e o
tema, a situação concreta que se coloca naquele texto específico.
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
55
Dessa forma, se no diário íntimo não tenho que necessária ou imediatamente
corresponder às expectativas de um interlocutor, no diário reflexivo escolar, o
próprio fato de que meu texto venha a ser lido pelo professor – que, na relação,
está em uma posição diferente, desempenhando um outro papel e com outro
poder – trará implicações quanto ao que irei escrever, e quanto à forma e estilo
que adotarei. Posso estar escrevendo para mim mesmo, mas ao mesmo tempo
escrevo para o outro e dele desejo uma resposta – uma concordância, uma
adesão, uma objeção (Bakhtin, 1979/2000:291) – mesmo porque, dentro da
esfera escolar, é esperada alguma forma de apreciação pelo professor daquilo
que o aluno produz.
E talvez caiba aqui, mais do que em qualquer outro lugar neste estudo, a citação
de Umberto Eco (apud Brait&Rojo, 2001:17) ao comentar a relação entre
produção de texto e leitura: “Um texto é um produto cujo destino interpretativo
deve fazer parte de seu próprio mecanismo gerativo: gerar um texto significa
atuar segundo uma estratégia que inclui as previsões do movimento do outro –
tal como acontece em toda estratégia”. Ao produzir seu texto, o aluno assume
determinada posição sintonizada, necessariamente, com os discursos do outro –
o professor. O professor como seu leitor empírico, concreto; ou como um
superdestinatário em um espaço e tempo histórico afastados (Machado,
1988:11), a respeito do qual o aluno traz já imagens, opiniões e juízos. O aluno
trará também representações sobre si mesmo, ou sobre o tema – imagens e
opiniões marcadas por seus conhecimentos, suas experiências, valores; por sua
proximidade ou distância, empatia ou preconceito quanto ao interlocutor e tema.
E tudo isso depende do lugar que ocupa na interação (Brait&Rojo, 2001).
Se qualquer texto nasce, vive e morre no processo de interação social entre
participantes (Bakhtin/Volochinov, 1929/1992), a leitura, compreensão e
interpretação dos diários terão de se dar dentro de um processo de leitura,
compreensão e interpretação da relação professor-aluno, e da relação destes
com o tema. O caráter discursivo do diário estaria no fato de este se manifestar
como uma decisão do aluno baseada e orientada por sua representação do
destinatário e do objetivo que deseja alcançar. Mesmo porque, para
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
56
Bakhtin/Volochinov (1929/1992), o que importa na palavra – ou no discurso – é
seu efeito de significação. Em termos de uma experiência de escrita em língua
estrangeira, estaríamos frente a um novo paradigma – uma proposta de
aprendizagem que parte não mais da língua, mas do discurso e dos sentidos
que vierem a ser produzidos.
Para meus alunos, a compreensão do que é um diário reflexivo foi sendo
construída no decorrer do processo de sua escritura. E revelou uma dificuldade
de expressão na forma escrita em uma particular situação de comunicação em
que o locutor deve expor seu mundo subjetivo ao interlocutor – com a percepção
da ambigüidade constitutiva dessa situação. Dificuldade em entrar em um novo
parâmetro, em que o tema – sempre um falar de si mesmo, de alguma forma – é
proposto (embora às vezes negociado) pelo outro, não uma decisão pessoal
(como nos diários íntimos); em que o leitor não é necessariamente o professor,
mas ao mesmo tempo o é; e em um gênero que se chama diário, com as
expectativas que traz de um destinatário em uma posição desejadamente
próxima ao locutor mas que está, ao mesmo tempo, marcado por sua posição
institucional.
Machado (1998) traz uma observação interessante a esse respeito. Retomando
Bakhtin, para quem nos gêneros íntimos se observa uma “confiança profunda no
destinatário, na sua simpatia, na sua sensibilidade e na boa vontade de sua
compreensão responsiva”, a autora defende que, na utilização do diário escolar,
se busque “uma cena enunciativa na qual essa confiança pudesse ser
instaurada entre professor e alunos” (Machado, 1998:10-11).
Recoloca-se então a importância de interpretar cada tipo de diário dentro de seu
contexto, porém sempre como diálogo. O diário íntimo, um discurso para si; o
diário reflexivo, na fronteira entre o discurso para si e o discurso para o outro, ou
‘um discurso de si para o outro’. O que traz conseqüências quanto à forma:
quanto mais for ‘para o outro’, mais claro e organizado, menos confuso e
instável o texto tenderá a ser. E, quanto mais social, mais se diferencia e mais
se afirma.
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
57
Sendo gêneros da modalidade escrita, tanto o diário íntimo quanto o diário
escolar reflexivo caracterizam-se pela relação de não-imediatez com a situação
material de produção (Bronckart, 1999). Mas, ao mesmo tempo, ambos
produzem textos abundantes em dêiticos e palavras genéricas cujo sentido é
preenchido no contexto situacional ou histórico (naquele espaço e tempo, com
aquelas pessoas).
Além disso, ambos aparentam ser constituídos por um único enunciado, em um
processo de suposta monologização. No entanto, em qualquer dos dois gêneros
de diários, o outro estará presente, quer como interlocutor, quer através dos
outros discursos que formam esse discurso atual. O enunciado estará sempre
em resposta ao que veio antes e suscitará respostas futuras. No diário reflexivo,
por exemplo, há um diálogo produzido por meio da escrita: o aluno escreve,
muitas vezes referindo-se explicitamente ao seu interlocutor, e este responde; o
aluno, em outro texto, faz ressoar ou não a voz do professor. E assim por diante.
Mais ainda, os dois gêneros são pouco formatados, e bastante permeáveis a
mudanças e a interferências individuais; maleáveis e criativos, refletem com
maior liberdade a individualidade de quem escreve. Embora gêneros da
modalidade escrita, são marcados pela informalidade, uma vez que, nestes, o
estilo individual freqüentemente se coloca como empreendimento enunciativo
(Machado, 1998:10).
Cada texto é único, com suas características peculiares e particulares – cada
autor é único em cada momento, o acontecimento discursivo é único. Cada
enunciado é único, e nunca repetido; a cada vez olhamos a realidade de um
outro lugar, a partir de uma outra perspectiva. Mas, ao mesmo tempo, textos
sempre se organizam dentro dos gêneros discursivos, indispensáveis para a
constituição dos sentidos e para um entendimento entre interlocutores.
O texto é sempre a reconstrução de um fato, ou a expressão de uma
experiência, ou a exposição de um juízo de valor... por meio da linguagem. E
por meio da linguagem atua sobre o ponto de vista do leitor a respeito de
Um convite a pertencer: a possibilidade da autoria
58
determinado fato ou acontecimento. Dessa forma, no contexto de minha
pesquisa em particular, o diário escolar reflexivo – por sua estrutura textual,
pelas escolhas lingüísticas ali refletidas, pelo lugar intermediário que ocupou na
relação professor-aluno e pelo papel integrador que assumiu na estruturação da
disciplina Língua Inglesa – mostrou-se um meio concreto e palpável através do
qual, naquela experiência, os alunos expressaram e (re)construíram suas
concepções de mundo e, em particular, de aprendizagem.
CAPÍTULO 3
O convite toma forma
Este terceiro capítulo dedica-se à descrição da pesquisa.
Inicialmente é apresentada uma justificativa para as escolhas metodológicas
feitas. Dentro do quadro de uma pesquisa qualitativa, explicita-se a opção pela
fenomenologia-hermenêutica para a análise e interpretação dos textos que
compõem os diários dos alunos.
A seguir, é delineado o contexto da pesquisa: são descritos o grupo de alunos e
a disciplina em que se inseriam. Cada aluno é individualmente apresentado, a
partir de fatos e impressões advindos da releitura de seus diários e de
anotações de campo. São então detalhados e justificados os procedimentos
para a coleta dos dados, e reconstituídos os caminhos de construção dos
diários.
A parte final do capítulo aborda o modo como se deu a interpretação dos dados
segundo a fenomenologia-hermenêutica, buscando-se a reconstrução das
experiências de aprendizagem dos alunos e seu significado para a constituição
da identidade dos sujeitos envolvidos.
O convite toma forma
60
Adentrando a experiência: a fenomenologia-hermenêutica como caminho
Esta pesquisa não foi, em sua primeira elaboração como projeto, concebida
como uma investigação na área da fenomenologia-hermenêutica. Esta me
apareceu um pouco mais tarde, depois de eu ter trilhado diversos outros
caminhos em minha busca por uma maneira de compreender e interpretar os
dados que os acolhesse em sua riqueza e em sua essência. Por meio de diários
reflexivos coletei dados de uma experiência vivida. No entanto, ao longo do
trajeto fui percebendo que meu interesse maior não residia nos diários
propriamente ditos, mas na qualidade das experiências vividas por meus alunos
na construção de sua aprendizagem da língua inglesa, especialmente em
minhas aulas. Dessa forma, encontrar a fenomenologia-hermenêutica foi, de
imediato, entrever uma possibilidade de resposta que eu perseguia.
Desde o princípio, porém, esta foi pensada como uma pesquisa qualitativa.
Nesse sentido, uma pesquisa desenvolvida no contexto cultural próprio em que
ocorriam as ações dos participantes – a escola, e as diversas práticas que
compunham sua vida como alunos. O próprio fato de a aprendizagem poder ser
entendida hoje dentro de uma perspectiva de construção conjunta de
conhecimentos e habilidades já a torna de interesse particular, promovendo a
oportunidade de tematização de crenças, memórias, percepções e imaginações
individuais ou compartilhadas – o que faz da sala de aula um espaço propício
para que a pesquisa busque apreender, através de relatos escritos sobre esta
vida, o processo de elaboração da experiência vivida pelos participantes
naquele que é seu ambiente quotidiano (Denzin&Lincoln, 1998a;
Connelly&Clandinin, 1988).
Nessa direção, diz Moita Lopes (1996:86) que “é o foco no estudo do processo
de ensinar-aprender línguas que identifica a tendência atual da pesquisa na
área de ensinar-aprender línguas, ou seja, pesquisa na sala de aula de línguas”,
uma tendência que privilegia a promoção de mudanças no pesquisador e no
pesquisado. Desloca-se para a interação o interesse tradicionalmente colocado
no ensino ou na aprendizagem, ou no professor ou no aprendiz e, seguindo a
O convite toma forma
61
concepção vygotskyana, concebe-se a interação como a maneira pela qual o
conhecimento é construído na sala de aula. Sob tal prisma, nesta pesquisa a
própria tarefa de escritura dos diários já significou, em si, uma instância de
interação – e um ‘eu novo’ se construiu para cada aluno como resposta àquela
tarefa. E, quanto a mim, é possível afirmar que tanto o período de coleta quanto
de análise representaram um tempo de descoberta e de abertura, pelo fato de
eu a cada momento me surpreender com a riqueza dos dados que iam
brotando, e que falavam de experiências e sentimentos sobre os quais eu não
exercia qualquer controle.
A pesquisa desenvolveu-se por meio de observação participante, uma vez que
atuei tanto como professora quanto como observadora dos processos, discursos
e práticas na sala de aula. E se, por um lado, a pesquisa participante de cunho
etnográfico permite que, como pesquisadores, tomemos parte do evento no
contexto investigado de modo a buscar reduzir a possível estranheza entre
participantes e pesquisador, por outro lado não se pode deixar de atentar para a
diversidade de interpretações do mesmo evento que dessa participação poderá
emergir.
De fato, a percepção que eu tinha do fenômeno da construção da identidade
dos alunos várias vezes não correspondia àquela que eles mesmos tinham de
sua experiência vivida. Aliás, tal multiplicidade de perspectivas, quer minha em
relação ao grupo de alunos, quer dos diferentes alunos entre si, pode ser
utilizada como fonte de questionamentos e interrogações, os quais permitem
aprofundar o significado da experiência e escapar do que é óbvio ou
preconcebido. Tantas vezes provoquei meus alunos a saírem do lugar-comum
ou a buscarem a possibilidade de reconstrução da imagem que tinham de si
mesmos ou de seu processo de aprendizagem! E quantas outras vezes, a
compreensão que tinham a respeito do fenômeno a ser investigado, ou os
conceitos que construíam para si como alunos, e para mim, como professora,
fizeram-me rever concepções e posturas e mesmo valores. Justamente, a
metodologia de observação participante ajuda a superar a idéia de que as
O convite toma forma
62
percepções do sujeito sejam indicadoras de uma realidade desconhecida para
ele próprio.
Ao reler o que já havia construído de meu texto, quer em sua parte teórica, quer
na descrição do contexto da pesquisa, chamou-me a atenção a freqüência com
que a palavra ‘experiência’ estava presente. Queria identificar as experiências
dos participantes em seu mundo vivido e sua rotina diária como aprendizes de
língua inglesa; perguntava-me como compreendiam esse mundo; queria
entender como suas identidades eram mantidas ou modificadas à medida que
se viam chamados a refletir sobre o que viviam. A sala de aula era o mundo que
eu com eles compartilhava; e eu me via à procura de uma abordagem
metodológica que, partindo deste mundo, e ele retornasse através da leitura e
re-leitura de suas histórias de vida expostas em seus diários.
Dentro disso, a descoberta da fenomenologia-hermenêutica.
A abordagem hermenêutico-fenomenológica surpreendeu-me, ao revelar seu
interesse não em propor soluções imediatas para possíveis problemas ou
dificuldades que meus alunos estivessem vivendo, mas, sim, em ver suas
experiências vividas como um mistério em busca de compreensão (van Manen,
1990:50); e um interesse em trazer esse mistério mais plenamente à nossa
presença. Fundada na experiência humana, busca sua essência, sua natureza.
Por isso, encontrei aqui um caminho em minha procura incansável por
significados para a experiência, minha e de meus alunos; uma resposta
vislumbrada logo nas primeiras linhas do texto de van Manen (1990), quando
afirma que “o método que se escolhe deve manter uma certa harmonia com os
interesses profundos que fazem de alguém primordialmente um educador” (p.2).
Aliás, foram as leituras de van Manen (1990), pelo interesse pedagógico
sempre presente em seu discurso sobre a experiência, e de Ales Bello (2004) e
de Gadamer (1975), pela maneira didática com que vão introduzindo o leitor no
mundo da fenomenologia e da hermenêutica, respectivamente, que mais
diretamente orientaram a definição metodológica da pesquisa e a construção
O convite toma forma
63
desta primeira parte do capítulo 3. Sob perspectivas diversas, porém próximas,
os três autores nos mostram quanto os seres humanos agem em relação às
coisas a partir dos significados que essas têm para eles. Assim, enquanto a
fenomenologia preocupa-se com a descoberta de como as pessoas se orientam
quanto às coisas da própria experiência vivida (van Manen, 1990; Ales Bello,
2004), a hermenêutica enfatiza a questão do significado (van Manen, 1990;
Gadamer, 1975; Silva, 1999b; Ricoeur, 2002).
Nas palavras de van Manen (1990:25), “toda descrição é, em última análise,
uma interpretação”, vê-se compreendida a relação entre as duas linhas de
investigação: a fenomenologia, que se dedica a descrever as qualidades
estruturais de um fenômeno, e a hermenêutica, que por meio de textos busca a
interpretação dos fenômenos vividos. É esta minha preocupação – apreender o
significado que os alunos atribuem às suas experiências como alunos; entender
seu maior ou menor empenho com as reflexões sobre suas teorias e práticas
como alunos refletido em seu envolvimento com o relato de suas histórias em
seus diários. E, então, descrever o fenômeno de construção de sua identidade
para melhor compreendê-lo.
Ales Bello (2004) explica a fenomenologia como um procedimento analítico,
uma forma de investigação que ‘vai ao encontro das coisas’ sem quaisquer
idéias ou concepções prontas; não se parte de princípios sumos derivando deles
as conseqüências, mas parte-se do que se vê para descrever e compreender o
dado. É “deixar falar as coisas mesmas” (p.79). Ou, como aponta de forma
próxima van Manen (1990), é observar como os fenômenos se mostram e
“deixá-los falar por si mesmos” (p.80). Por sua vez Gadamer (1975), detendo-se
na hermenêutica, dirá que é preciso para o intérprete deixar-se ele próprio “guiar
pelas coisas mesmas” (p.267). E esta é, de acordo com Ales Bello (2004:79),
uma atitude teórica difícil, pois se trata da disponibilidade para procurar, e da
disponibilidade para aceitar aquilo que se apresenta. Difícil também, segundo
Gadamer (1975:267), porque exige manter o olhar fixado no objeto ao longo de
todas as constantes distrações que se originam no próprio intérprete, sejam
O convite toma forma
64
estas modismos arbitrários, sejam limitações impostas por imperceptíveis
hábitos de pensamento.
Partimos do que vemos e interpretamos para chegar à origem das coisas, o que
pressupõe uma atitude de busca por fatores qualitativos no comportamento e na
experiência isenta de pré-conceitos ou pré-julgamentos (Moustakas, 1994:11;
Gadamer, 1975:266). Tal pressuposição metodológica levou-me a olhar e
interpretar os dados em minha pesquisa sem um arcabouço pré-estabelecido de
análise. Esperava, assim, capturar a natureza do fenômeno da construção da
identidade em sua complexidade, como de fato vem a ser experienciado e se
manifesta nos textos dos alunos.
A perspectiva fenomenológica destaca o que há de subjetivo, único, particular
das experiências; olha-as com atenção, não para categorizá-las ou teorizá-las,
mas para entender sua natureza e seu significado em profundidade. Portanto, a
fenomenologia não é um sistema propriamente, e sequer consiste de
generalizações; sua peculiaridade recai precisamente sobre a análise de cada
fenômeno – o qual deve ser compreendido e aprofundado nas suas conexões
com os demais.
E como explicar a possibilidade de atender ao particular, de compreender o
único?
A fenomenologia preocupa-se com aqueles atos e vivências, com aquelas
estruturas próprias de todos os homens, embora o conteúdo da vivência possa
ser, para cada um, absolutamente diverso (Ales Bello, 2004). Detém-se em
contar o particular; este, por sua vez, se dirige ao universal ou geral (van Manen,
1990). Parte da compreensão de que a nossa vida tem uma estrutura comum,
universal, embora seja formada por experiências com conteúdos particulares.
Não possuímos, todos nós, os mesmos conteúdos de experiência. Porém há,
por outro lado, um aspecto de universalidade presente em todos os seres
humanos: as vivências, ou seja, operações, atos que todos os seres humanos
podem realizar, pois compõem suas estruturas, pertencem à sua estrutura
O convite toma forma
65
transcendental – transcendental no sentido de que o ser humano já possui
essas estruturas e, portanto, elas transcendem o objeto físico. E quais são
essas vivências? A percepção; mas também a reflexão, a lembrança, a
memória, a imaginação, a fantasia (Ales Bello, 2004).
Para explicar a dimensão transcendental, Ales Bello (2004) retoma os estudos
de Husserl
1
sobre fenomenologia. Segundo ele, o ponto de partida seria a
consideração do ato da percepção: este não deriva do objeto externo, mas
depende das potencialidades do sujeito humano ativadas em contato com a
realidade externa. A percepção – uma estrutura transcendental – serve para
conhecer a realidade externa, e é intencionalmente relacionada ao objeto
enquanto percebido. Não há uma distinção radical entre sujeito e objeto: importa
é a ligação intencional entre os dois. Nesse sentido, o sujeito não se contrapõe
ao objeto; e, se podemos falar de algo é porque, de certo modo, este algo está
em nós: falamos dele dentro de uma relação intersubjetiva.
Pensemos, por exemplo, na reflexão sobre a experiência de leitura em língua
estrangeira. Compreendemos o que quer dizer ler; reconhecemos mesmo
nossas capacidades ou limites em ler na língua estrangeira; sabemos que ler faz
parte da vida escolar. A própria ‘vida como leitor de língua estrangeira’ de cada
um de nós, com suas estruturas e características específicas, não é conhecida
pelos outros; todavia, compreendemos todos o que quer dizer ‘ler em língua
estrangeira’. Este aspecto evidenciado é universal, ou seja, o perceber a
experiência de ler, ou o refletir sobre ela, são iguais para todos, como atos,
como vivências, como estruturas de vivências, ao passo que os conteúdos (os
conteúdos da experiência individual de ler na língua estrangeira ou de refletir
sobre essa mesma experiência) podem vir a ser os mais variados possíveis.
E aí reside a possibilidade do uso da abordagem fenomenológica no
entendimento de experiências humanas: é possível captar, colher algo do que
os outros estão vivendo porque também, de alguma forma, podemos viver as
1
Nas referências bibliográficas, Ales Bello (2004) apresenta extensa lista de publicações de
Husserl; no corpo do texto, no entanto, ao citar o autor, não se refere a nenhuma de suas obras
diretamente.
O convite toma forma
66
mesmas coisas, mesmo que não seja neste instante. Isto porque a
fenomenologia vê cada fenômeno como uma possível experiência humana; e é
nesse sentido que as descrições fenomenológicas têm um caráter universal e de
intersubjetividade. Cada um de nós tem sua vida interior com seus conteúdos
singulares, mas as estruturas fundamentais dessa vida interior podem ser
captadas universalmente.
Voltando ao exemplo de ‘ler na língua estrangeira’. O aluno tem consciência de
outras coisas que estão à sua volta no âmbito de sua experiência como alunos,
mas a atenção em determinado momento se dirige para a experiência de ler. Diz
Ales Bello (2004) que ter consciência é responder a uma provocação, “olha
aquela coisa”, e então nos voltamos para a direção indicada (p.52). Há uma
consciência do olhar. Quando olhamos para a experiência, e temos consciência
disso, o que estamos vivendo? Estamos ‘percebendo’ a experiência. O ato de
percepção é vivido por nós; reconhecemos que existe a percepção exatamente
porque temos consciência de que estamos percebendo. Uma experiência vivida
que não é, no entanto, algo passado, passivo, mas que deve significar ‘uma
experiência que estou vivendo’. Este é um ponto importante porque significa que
nosso conhecimento pode captar as coisas, embora estas, enquanto objetos
físicos, estejam fora de nós. Em uma certa medida, porém, estão também dentro
de nós – enquanto percebidas.
O perceber é uma experiência vivida da qual temos consciência. Assim, ao
lermos um texto, temos a vivência – não do texto, mas de perceber o texto;
temos a vivência do texto visto dentro de nós. O texto para leitura, enquanto
existente, não é uma experiência vivida, está fora do sujeito; o mesmo texto,
enquanto percebido, está dentro, constituindo-se como reconstrução dos
acontecimentos pelo sujeito da experiência (Ales Bello, 2004; Mahfoud, 2003;
van Manen, 1990).
Portanto, a percepção é dirigida para o texto, tende para o ato de ler o texto;
este ‘tender para’ o objeto é, em termos fenomenológicos, a intencionalidade. O
perceber (a percepção que meus alunos têm da própria experiência enquanto
O convite toma forma
67
escrevem os diários, e a minha percepção das mesmas experiências quando os
leio) está dirigido para as coisas, ‘tende para’. Esta é a intencionalidade: o olhar
que busca, capta e percebe o objeto. E, de fato, faz parte da análise
hermenêutico-fenomenológica especular sobre as conexões existentes entre o
que meus alunos dizem e o modo como eu, professora e pesquisadora,
interpreto suas intenções. As experiências do outro – o meu aluno – e as
referências dele e minhas sobre tais experiências permitem-me, através de uma
relação dialógica com o fenômeno, chegar a uma compreensão mais profunda
de suas possíveis inquietações, conflitos e realizações como alunos.
A experiência vivida original nunca está acessível, nem mesmo para o próprio
sujeito da experiência, que só pode formulá-la ou reconstruí-la; é em sua
formulação ou reconstrução que se constituirá como fenômeno. E, portanto,
também para o pesquisador a experiência original se tornará disponível apenas
indiretamente, através de uma segunda experiência vivida do que aconteceu,
isto é, através de uma reconstrução.
É no ato da compreensão de certas unidades experimentadas, e não no ato da
experiência vivida instantânea, que o sentido se abrirá ao sujeito. Porque,
segundo Dilthey (1985) e van Manen (1990), as experiências vividas têm
qualidades as quais percebemos apenas ao vê-las em retrospectiva; “o mundo
existe primeiro no domínio da participação e, mais tarde, no domínio da
reflexão”, dirá McCoy (1993:4), conforme encontramos em Freire (1998:27)
. A
experiência vivida não me é dada; porém, está lá para mim, porque tenho uma
consciência refletida sobre ela. Torna-se objetiva apenas quando recobrada no
pensamento (van Manen, 1990:35), pela reflexão (Dilthey, 1985:223).
É esta a experiência da reconstrução: falar do que antes foi dito. A reconstrução
é assim entendida como a conduta do sujeito para traçar um plano dentro de um
emaranhado de linhas caóticas que seria a realidade, o mundo. A esse plano
traçado dá-se o nome de “estrutura” (Mahfoud, 2003); busca-se uma realidade
significativamente organizada. A experiência vivida, e pela reconstrução
compreendida, é posteriormente incorporada a uma conexão objetiva mais
O convite toma forma
68
ampla. De fato, o que é interessante na fenomenologia não é a fixação de
algum conteúdo, mas a identificação da estrutura.
Mahfoud (2003:131) busca em van der Leeuw (1960) e em seus estudos sobre
a fenomenologia da religião a definição para experiência vivida, “uma vida
presente que, segundo o seu significado, forma unidade” (p.530). A experiência,
portanto, é muito maior do que um conjunto de práticas ou de ações particulares
previamente vivenciadas. É uma ação vivida de forma consciente; por isso,
pressupõe a busca de um sentido maior a partir do qual será possível
compreendê-la. Pode-se assim falar de uma conexão compreensível entre
diversas estruturas; desse modo, cada experiência particular é já conexão; toda
conexão é de novo experiência vivida (idem, p.531). Nesta pesquisa, a atenção
às situações concretas singulares e o interesse em descrevê-las permitiu aos
alunos buscar a relação entre suas diferentes experiências de aprendizagem
vividas e, no processo de escrever seus textos sobre essas mesmas
experiências, construir a conexão existente entre elas e a sua identidade como
alunos.
A análise fenomenológica do perceber supera o plano da percepção e atua no
nível de uma outra vivência, que é a reflexão (Ales Bello, 2004). Trata-se da
vivência da reflexão, diversa da percepção. Nós estamos normalmente voltados
para fora, e é difícil nos voltarmos para identificar algo dentro de nós. A
atividade que aos alunos foi pedida em seus diários é exatamente desta
natureza – tratava-se de atuar o ato da reflexão, entendido como a capacidade
de examinar toda a estrutura do sujeito humano. Nós temos consciência de
perceber, mas para entender o que é a percepção precisamos passar para o
nível reflexivo. É perceber um mundo que está dentro de nós, e que não
coincide com as coisas que vemos nesse momento. E, para refletir, o que se faz
necessário? Recordar a experiência e, ao fazê-lo, viver uma nova experiência
(van Manen, 1990).
Todas as nossas vivências estão em movimento. A recordação, por exemplo, é
presente enquanto recorda; mas é passado também, enquanto conteúdo da
O convite toma forma
69
recordação. A recordação, portanto, se desenvolve como um conjunto de
vivências, sendo que cada momento tem suas características particulares;
nenhum momento é igual ao outro, haverá sempre interferências (Ales Bello,
2004). Nos dados dos diários veremos um exemplo preciso a esse respeito: em
momentos diferentes, os mesmos alunos oferecem interpretações diversas,
aparentemente contraditórias, sobre uma mesma experiência relatada: a
elaboração de seus roteiros de leitura. Em seus novos relatos, ao recordarem a
experiência vivida, acrescentam coisas novas, modificam percepções anteriores
– pois, de fato, ao recordar vivem uma nova experiência. Relatos ou descrições
de experiências vividas nunca são idênticos à experiência vivida propriamente
dita. Isso porque, diz van Manen (1990), recordar experiências, refletir sobre
elas, descrevê-las, é já transformar estas mesmas experiências. A vida é já
transformada no momento em que é capturada.
Mesmo para o pesquisador, a compreensão e a interpretação não são
definitivas – é como em determinado momento re-significou o momento original.
Aquela experiência presente – para quem escreveu o texto, e para quem agora
o lê – remete a experiências anteriores; isso não tira, porém, o olhar da
experiência do presente. Ao contrário, a partir de experiências fortes, quer
enquanto relacionamentos, quer enquanto significados, o olhar sobre a
realidade presente se torna mais crítico, ganha um parâmetro de comparação
não abstrato, mas de experiência: não só de experiência imediatista mas de
experiência coletiva, compreendida dentro da história à qual pertence (Mahfoud,
2003: 64).
Vai-se confirmando a relevância da redação dos diários como uma proposta
que, partindo de uma descrição retrospectiva de histórias vividas, permite um
novo envolvimento com a experiência e a realidade. Para meu aluno escritor dos
diários, a reconstrução da experiência em forma textualizada mostra-se como
um caminho para uma nova percepção dessa mesma experiência e, também,
para novas interpretações e uma nova consciência sobre ela (Gadamer, 1975;
van Manen 1990; Clandinin&Connelly, 1998). E, do ponto de vista do
pesquisador, qual o método para tal reconstrução? Explicitado nas palavras de
O convite toma forma
70
van Manen (1990:111), é “desenvolver a capacidade de ouvir” a maneira como
as coisas do mundo falam para nós; ‘ouvir’ por meio dos textos que lemos, e
então compreender. O texto é a textualização da experiência; por meio do texto,
capturamos a experiência vivida.
Ricoeur (2002:127-128), define texto como todo discurso fixado pela escritura.
Para este autor há, de fato, uma relação direta entre “querer dizer o discurso” e
a escritura, que seria uma inscrição direta dessa intenção; e a escritura, por sua
vez, reclama a leitura. Todo discurso se encontra, de alguma forma, ligado ao
mundo pois, se não falássemos do mundo, do que falaríamos? Quer dizer, o
texto tem suas referências; exerce-as de forma diversa daquelas da fala, mas as
tem. E a tarefa da leitura como interpretação será exatamente efetuar a
referência (Ricoeur, 2002:130). Será ‘ouvir o texto’, dentro da relação que com
ele o leitor estabelece. Será apreender a significação que é dada pelo sujeito à
realidade e à experiência vivida, através de suas respostas ao encontro com
aquela alteridade (Mahfoud, 2003). Será mostrar do texto aquilo que ele ensina
(van Manen, 1990). Diz o mesmo van Manen (1990) que experiências vividas
adquirem significância hermenêutica à medida que reflexivamente nós as
reunimos e, em forma de texto, lhes “damos memória” (p.35).
A essência de uma pesquisa hermenêutica encontra-se em descrições e
interpretações de experiências através de textos (Gadamer,1975; Ricouer, 2002;
Dilthey, 1985; van Manen, 1990). Envolve a arte de ler um texto de forma que a
intenção e o significado ‘atrás’ das aparências seja plenamente compreendido
(Moustakas, 1994:9). Na interação que vivemos com o texto construímos a
interpretação.
É Gadamer (1975) que nos acompanha no processo de entender como se dá a
compreensão e a interpretação dentro de uma perspectiva hermenêutica. Em
sua explanação constantemente retoma Heidegger (1962) e sua descrição do
círculo hermenêutico. Dentro deste, o ponto de partida são as pré-projeções, os
pré-significados que o intérprete lança em relação ao texto.
O convite toma forma
71
Uma pessoa tentando compreender um texto da experiência humana está
sempre projetando; ela projeta um significado para o texto como um todo assim
que algum significado inicial se mostra; a compreensão do texto fica
permanentemente determinada pelo movimento antecipatório da pré-
compreensão. Porém, um significado inicial emerge apenas porque a pessoa lê
o texto com expectativas particulares em relação a certo significado. Trabalhar
as pré-projeções, e constantemente revisá-las em termos do que emerge à
medida que se penetra no significado, é compreender o que está lá. Cada
revisão das projeções é capaz de antecipar novos significados; compreensões
rivais podem comparecer lado a lado até que se torne mais claro qual é a
unidade de significado.
Esse constante processo de nova projeção constitui o movimento de
compreensão e interpretação. Uma pessoa tentando compreender está exposta
à distração de significados prévios que, embora remetam a momentos ou
experiências anteriores, não nascem das coisas mesmas. Trabalhar projeções
apropriadas, antecipatórias em natureza, a serem confirmadas “pelas coisas
mesmas”, é exatamente a tarefa constante de compreender (Gadamer,
19775:267). A única objetividade aqui é a confirmação de um significado prévio
sendo trabalhado em sua elaboração: o processo de construção de significado é
ele mesmo governado por uma expectativa de significado que decorre do
contexto que veio antes. E, na verdade, a arbitrariedade de uma pré-significação
inadequada será revelada quando sua elaboração não apresentar resultados.
Isso significa, então, que a expectativa muda e que o texto unifica seu
significado em torno de outra expectativa.
O movimento de compreensão vai constantemente do todo para as partes e de
volta ao todo. Com efeito, diz Gadamer (1975:291), faz parte da regra
hermenêutica que devamos entender o todo em termos do detalhe e o detalhe
em termos do todo. O exame interpretativo da experiência vivida tem este traço
metódico de relacionar o particular ao universal, a parte ao todo, o episódio à
totalidade (van Manen 1990:56). Porque o texto, como manifestação de um
momento criativo, pertence ao todo da vida interna do seu autor. A harmonia de
O convite toma forma
72
todos os detalhes com o todo é o critério da compreensão correta; a
antecipação de significado no qual o todo é pensado torna-se compreensão real
quando as partes que são determinadas pelo todo também elas determinam
esse todo.
Gadamer (1975:291) aponta para a importância de pertencer a uma tradição
como uma condição da hermenêutica. Um trecho do discurso deve ser julgado
como sentido das palavras no interior do clima de consciência e mentalidade
que dominam em determinada época. Isto significa que, ao tentar entender um
texto, não nos transpomos à mente de seu autor, mas à perspectiva dentro da
qual ele formou seus pontos de vista.
Diz Ales Bello (2004) que Husserl propunha “colocar entre parênteses” a
existência das coisas, do próprio sujeito específico, e tudo que os circunda, de
modo a colocar em evidência a essência, o sentido das coisas (p.82). Dessa
forma, ao tentar compreender o que está escrito estamos nos movendo em uma
dimensão do significado que é inteligível em si mesma e que, como tal, não nos
exige voltarmo-nos à subjetividade do autor. É compreender o conteúdo daquilo
que é dito, e apenas secundariamente isolar e entender o significado do outro
como tal. A tarefa da hermenêutica, para Gadamer (1975:292), é esclarecer este
milagre de compreender, que não é uma misteriosa comunhão de almas, mas
um compartilhar de significados comuns – em minha pesquisa, significados
meus e de meus alunos.
Torna-se essencial entender que o círculo hermenêutico de compreender e
interpretar não é, em sua natureza, nem subjetivo nem objetivo. Descreve a
compreensão como uma interação entre o movimento da tradição e o
movimento do intérprete; quer dizer, a antecipação de significado que governa
nossa compreensão de um texto não é um ato de subjetividade, mas procede de
uma tradição. Esta, por sua vez, não é simplesmente uma pré-condição
imutável; invés, nós a produzimos na medida em que a compreendemos e,
portanto, a construímos também nós.
O convite toma forma
73
Entendemos textos com base nas expectativas de significado retiradas de
nossas relações anteriores com aquilo que temos à frente. Afinal, nossas
próprias experiências de vida nos são mais acessíveis do que aquelas de
qualquer outra pessoa. Portanto, a mais básica das pré-condições
hermenêuticas permanece sendo a própria compreensão prévia do intérprete,
que advém de seu interesse pelo mesmo assunto (Gadamer 1975:292). Porque,
orientar-se a um fenômeno sempre implica um interesse particular; dele me
aproximo com um olhar específico. Um olhar a ser orientado por experiências
vividas mais do que por teorizações.
O mundo da experiência vivida é tanto a fonte quanto o objeto da pesquisa
hermenêutico-fenomenológica; o significado da construção da identidade deve
ser encontrado na própria experiência humana de construção da identidade. A
descrição do contexto dessa experiência, e das pessoas que a viveram, foco
das seções seguintes neste capítulo 3, têm como preocupação colocar em
realce o fenômeno da constituição da identidade dos meus alunos, vivido na
experiência de construção de seus diários reflexivos.
O contexto da experiência
A coleta de dados para este estudo deu-se em 2002, em uma turma de 9 alunos
do primeiro ano do curso de Letras:inglês de uma universidade particular da
cidade de São Paulo. Eram todos alunos ingressantes via vestibular no ano da
coleta, faixa etária variando de 18 a 21 anos. Para 7 dos alunos, o curso de
Letras:inglês havia sido a primeira opção. Embora o curso de Relações
Internacionais tivesse sido sua escolha inicial, e em outra universidade, uma das
alunas já no ato da matrícula se havia decidido por Letras. Uma outra, para
quem psicologia havia representado a opção principal também pretendia,
conforme depoimento, permanecer no curso.
A disciplina Língua inglesa:básico, compõe-se de dois semestres, com dez aulas
semanais a cada semestre, divididas em três blocos: quatro aulas destinadas ao
O convite toma forma
74
desenvolvimento da linguagem oral, duas à sensibilização quanto aos
elementos segmentais e supra-segmentais da pronúncia em inglês, e quatro
aulas dedicadas à construção das habilidades de leitura e escrita. Apesar de
constituir o primeiro nível de língua inglesa no curso de Letras na universidade
equivaleria, grosso modo, a um nível pré-intermediário ou mesmo intermediário
em escolas de línguas.
Há um teste, aplicado no início do ano letivo, e que dispensa de cumprir o
primeiro nível da disciplina Língua Inglesa (básico I e II) aqueles alunos
avaliados como estando preparados para acompanhar, com segurança e
desenvoltura, níveis mais avançados da disciplina. Eventualmente, após cumprir
um semestre de básico, e devido ao aproveitamento demonstrado, alunos são
aconselhados a, já no semestre seguinte, se transferirem para o nível
intermediário. Nenhum dos alunos que constam da pesquisa aqui relatada
enquadra-se em nenhum dos casos descritos.
Durante o período de coleta de dados havia dois grupos de alunos no turno da
manhã. A coleta aconteceu no segundo semestre, de agosto a novembro, nas
quatro aulas dedicadas à leitura e escrita. Meus alunos participantes da
pesquisa haviam cursado o primeiro semestre com outra professora; porém, eu
estava a par do trabalho realizado pois, como também ministrava a disciplina,
havia participado da seleção e elaboração de grande parte do material para as
aulas.
A delimitação quanto a alunos do curso matutino, e do primeiro ano, deve-se,
em primeiro lugar, ao fato de ser este o universo com que tenho mais
regularmente trabalhado na universidade. Em especial, a escolha de alunos do
primeiro ano justifica-se também pela importância por mim conferida ao fato de
que um trabalho de percepção sobre a própria pessoa e sua aprendizagem deva
se desenvolver desde o ingresso do aluno no curso. Assim, o semestre letivo em
que a pesquisa aconteceu vem apenas marcar um momento particular dentro de
um caminho de reflexão sobre sua prática como alunos a ser, no entanto,
percorrido sempre.
O convite toma forma
75
A pesquisa deu-se em uma turma com um número bastante reduzido de alunos
– nove – nesse sentido atípica dentro do primeiro ano do curso de Letras:inglês
na universidade. Como pesquisadora, eu não tinha qualquer intenção prévia de
coletar dados em um grupo tão pequeno de participantes – apenas ocorreu de
ser, aquele semestre, o grupo que me foi atribuído. Era uma turma que vinha de
uma história particular de dificuldades de relacionamento no primeiro semestre,
segundo relatos dos professores e manifestações dos próprios alunos em um
trabalho escrito realizado na primeira de minhas aulas. Esta dificuldade havia
resultado na divisão da turma anterior, sendo que alguns dos alunos haviam
solicitado sua transferência para a outra classe.
Os participantes
Apresento agora, em algumas palavras, os participantes da pesquisa – meus
nove alunos, e eu, sua professora. Apresento os alunos em ordem alfabética,
mantendo seus nomes verdadeiros, conforme autorizado por eles em
documento. Falo de cada aluno individualmente; para tal, faço uso de anotações
de campo e da releitura do conjunto de seus diários. Busquei nos dados
evidências dos diferentes compromissos assumidos para com a tarefa de
escritura dos diários, e tento inseri-las nas descrições. Enquanto, por um lado,
retomam fatos concretos, por outro, estes breves relatos retratam as impressões
que me fizeram viver as histórias com cada um de meus alunos do modo como
as vivi.
Pelo fato de Alessandra haver morado com a família nos Estados Unidos por
um ano e meio, e haver durante esse tempo freqüentado a escola secundária,
meu primeiro olhar sobre ela foi de uma expectativa de uma maior fluência na
língua estrangeira do que a aluna demonstrava. Seus primeiros diários ou
diálogos pessoais comigo eram carregados da expressão da sua dificuldade em
escrever em inglês, quer em termos da produção dos textos propriamente, quer
em termos de domínio da gramática – esta última, uma preocupação retomada
com insistência a cada diário, independentemente do tema proposto. Já mais no
O convite toma forma
76
final do semestre, e em um movimento que, aparentemente adormecido porém
internamente ativo, desperta, como de um momento para outro Alessandra fez-
se mais confiante quanto à sua capacidade de exprimir seus significados em
inglês – tanto que seus dois últimos diários são bem mais extensos, mais
reflexivos, e perceptivelmente mais fluentes no uso que a aluna faz da língua
estrangeira escrita. Assim, se em seus primeiros textos Alessandra tende a
circunscrever-se em algum discurso de exclusão, seu ‘salto’ nos dois últimos
diários aponta para seu deslocamento para um outro lugar discursivo (Serrani-
Infanti,1998), em um processo que se deu no tempo e como resultado de uma
nova experiência do pertencer.
Daniela viera para o curso com um conhecimento consistente de inglês – e,
paralelamente, continuava suas aulas em uma escola de idiomas. Sua paixão
pela aprendizagem da língua estrangeira mostrava-se nas mais diversas
situações, quer em sua ativa participação em aula, quer em sua dedicação à
variedade de tarefas que eram propostas, quer na expressão de suas
experiências nos diários. E marcantes também foram suas repetidas
manifestações sobre a importância do grupo para sua aprendizagem.
Diferentemente de grande parte de seus colegas, para quem a linguagem oral
era a grande atração ou preocupação, Daniela demonstrava especial satisfação
com a atividade mesma de escrever – de modo tal que será este o ponto
principal na conversa que estabelece com a professora no último dia de aula,
quando de certa forma reclama a falta de “mais ensino” da escrita (“diários você
sabe escrever, já que são sobre você mesmo”, diz). Por outro lado, o fato de
estar no nível assim chamado ‘básico’ da disciplina Língua Inglesa na
universidade, em contraposição ao nível avançado que cursava na escola de
idiomas, em momento algum pareceu desestimular a aluna. Em seu último texto
– um diário revendo o caminho percorrido no semestre – Daniela retoma os dois
aspectos mais salientes de si como aluna em minhas aulas: seu prazer com o
escrever na língua inglesa, especialmente através dos diários; e a relação com
os colegas, em suas próprias palavras, como “vital para sua aprendizagem”.
Daniela acolhe com interesse o convite a participar da disciplina na variedade de
exigências que esta propõe. Para ela, a questão é o aprender.
O convite toma forma
77
Enquanto participava, como aluna, da disciplina Língua inglesa:básico, Heloísa
trabalhava já como professora de inglês, com uma carga horária bastante
intensa. Esse talvez tenha sido o motivo maior de seu pouco envolvimento com
a disciplina em vários momentos, uma atitude que tinha a preocupação em
explicar para a professora. Era evidente, no entanto, a excelente qualidade de
seus trabalhos exigidos para avaliação – quer tarefas escritas, quer
apresentações orais – os quais revelavam seu bom conhecimento da língua
estrangeira, por um lado, e uma segurança advinda da experiência com alunos,
por outro. Mostrava também um interesse particular por tudo que lhe permitisse
‘sair’ da língua e ir para a literatura, a cultura, a realidade dos países de língua
inglesa. De personalidade decidida e independente, respondia com hesitação às
constantes provocações para que se dedicasse com maior decisão à redação
dos diários e para que participasse mais da ‘vida’ do dia a dia em sua classe. Ao
mesmo tempo, ao incisivamente fazer em seus diários referência ao fato de
sentir-se acolhida pelo grupo – em visível contraste com a experiência vivida no
semestre anterior – confere a este especial importância como elemento
facilitador de sua aprendizagem e como possível motivador para seu empenho.
Juliana prontamente atende ao ‘convite a pertencer’ que lhe é feito no primeiro
dia de aula: assídua, atenta em assumir suas responsabilidades como aprendiz,
escreve todos os quatorze diários, e com o cuidado de fornecer ilustrações para
as experiências que vive e descreve. A leitura do conjunto de seus textos aponta
para a particular característica sua de sempre procurar e valorizar a dimensão
lúdica e prazerosa, ou mesmo artística e criativa, do aprender a língua
estrangeira: sugere ao professor, em diferentes pontos dos textos, quizzes e
games; cria com os colegas pequenas rimas para memorizar vocabulário novo;
inicia com música um seminário para a classe; avalia uma atividade que
consistia da preparação e apresentação de uma pequena peça de teatro em
inglês como a mais interessante do semestre anterior. Faz freqüente uso de
expressões como I enjoy, I liked, it was nice… para falar do que lhe atrai e, por
outro lado, para demonstrar determinado desinteresse ou desapontamento, não
se intimida em dizer I found it boring, or unpleasant, or tireful… Juliana
reconhece como possibilidade de aprendizagem quaisquer oportunidades que
O convite toma forma
78
permitam o uso da língua estrangeira além do contexto da escola e, na verdade,
seus textos repetem seu desejo sempre presente de colocar o inglês como parte
de seu cotidiano.
Léia e Leila, irmãs gêmeas, fisicamente muito parecidas, também quanto ao
seu empenho e desempenho se me mostraram a princípio como muito
próximas. Demorei a separá-las em minha mente, e em minhas impressões e
julgamentos. Escreviam pouco em seus primeiros diários, lançando sempre seu
olhar crítico sobre as experiências vividas ou as oportunidades de aprendizagem
oferecidas pela vida da escola. Arriscavam a todo instante palavras e
expressões peculiares de uma linguagem bastante informal e coloquial da língua
estrangeira, às vezes acertando, às vezes errando. Havia essa disposição, em
ambas, de tentar significados; e, como em Heloísa, a preocupação em justificar
certos comentários feitos ou comportamentos assumidos. Pouco a pouco,
porém, fui vendo-as separadamente, entendendo-lhes as diferenças pessoais e
os diferentes caminhos que iam percorrendo na disciplina.
Léia vive uma experiência de interesse crescente pelas diversas propostas
colocadas pela disciplina Língua inglesa:básico, significativamente refletida no
seu envolvimento com os diários, tanto em termos da quantidade quanto da
qualidade do que escreve. Enquanto seu primeiro diário sobre ‘fazer lição de
casa’, solicitado nas primeiras semanas de aula, não chegava a 90 palavras,
timidamente repetia homework is important e continha uma ou duas
observações sobre os limites de tal aspecto da sua vida como aluna, já seu
penúltimo texto no semestre, sobre o mesmo tema, contém reflexões sobre
diferentes aspectos da experiência e nada menos que 485 palavras! As
exposições de Léia sempre apontam para um desejo de engajar-se em
atividades e reflexões que a ajudem a dar sentido ao mundo à sua volta.
Encontra-se na aluna uma revelada necessidade de ‘ir além’ do tradicional das
aulas de línguas, e que se explicita tanto nos seus dois últimos diários quanto no
último encontro do semestre, momentos em que a aluna cita com insistência as
atividades do semestre que mais lhe atraíram – os seminários em grupos, e uma
unidade composta de diferentes tipos de textos que tinham em comum o tema
O convite toma forma
79
de estereótipos e preconceitos. Léia não se sente obrigada a fazer nada ‘por
fazer’ ou ‘porque a professora pede’, e mesmo sua maior dedicação à produção
dos diários parece advir do fato de ir aos poucos descobrindo também neles um
valor – para reestruturar seus pensamentos e teorias sobre alguns aspectos de
sua vida como aluna; e, mais ainda, para falar com a professora, a quem se
dirige constantemente: para reclamar, elogiar, desdenhar. Para ela, um espaço
que vai se reafirmando de diálogo com a professora e com a própria
experiência.
E em Leila, o que se sobressai?
De uma proposital distância que parece manter com a experiência proposta – as
atividades de aula e a redação dos diários também – explicitamente exposta nos
quatro primeiros diários que escreve, quando apresentada a uma unidade sobre
seminários Leila revela um interesse e desejo de adesão antes não
experimentados ou, pelo menos, manifestados. Não significa que agora, de
repente, tudo lhe corresponda plenamente. No entanto, é como se seu olhar de
espera por algo novo e correspondente vislumbre seu primeiro sinal de resposta
nessa unidade, que entre a preparação e a apresentação dos trabalhos cobrirá
quase um mês de aulas e ocupará suas reflexões em quatro dos diários. E,
concluída a unidade, passo a passo, diário a diário irá surgindo uma nova aluna,
com suas hesitações frente a proposições que não parecem satisfazer seus
anseios como aprendiz, porém com uma evidente nova postura de abertura
frente ao que lhe é oferecido como experiência. Uma nova postura cuja origem,
sem dúvida, também está no relacionamento que vive comigo, sua professora,
por intermédio dos textos escritos.
Marina havia desafiado os pais para poder cursar Letras. E é tocar fatos, e não
impressões, dizer que seu desejo de aprender inglês se refletia em cada
pormenor de seu empenho com minha disciplina – em seu ler e reler os textos,
em seu escrever e reescrever as tarefas pedidas, na dedicação à escritura dos
diários, em sua busca por interação com a professora e com os colegas, ou
mesmo em sua assiduidade e pontualidade. Assim como em Juliana e Mônica, é
especialmente saliente em Marina o fato de prover, a cada diário, detalhes da
O convite toma forma
80
experiência – por meio de exemplos, descrições, enumerações, e mesmo
divagações – que ajudam a entender o processo de aprendizagem que vive e
evidenciam sua disponibilidade para aprender. Sua participação ficou marcada
pelo desejo de ultrapassar seus limites em relação à língua estrangeira, e de
vencer o desafio de agarrar o inglês com as próprias mãos e dominá-lo. Um
desejo que permaneceu e mesmo cresceu no decorrer do semestre em que
estivemos juntas. E que se revelou, por um lado, pelo cuidado em tentar realizar
tudo que era pedido e, por outro, pela atenção oferecida às observações feitas
pela professora, às quais respondia por escrito em diários posteriores ou mesmo
através de atitudes em classe.
Mônica, desde o princípio, despertou-me particular atenção por sua atitude
reflexiva. Para melhor descrevê-la, talvez devesse colocar aqui meu comentário
após a leitura de um de seus últimos diários, This little book of yours is really
precious, with your rich reflections and thoughts about your reality as a student!
Thank you.
Mônica queria estudar psicologia – porém, desde quando decidiu cursar Letras,
assumiu tal posição em primeira pessoa. Dos nove alunos na classe é a única
que veio no ano seguinte a interromper o curso. No entanto, enquanto
permaneceu, destacou-se por sua dedicação às aulas, às tarefas dadas, aos
diários. Seus textos retratam uma visível positividade vivida frente à experiência
de aprender a língua estrangeira, expressa explicitamente através das palavras
que escolhe para falar dessa experiência (fantastic, good, interesting; I like(d) it
very much, I really enjoyed it); e, com maior freqüência e mais veladamente,
quando tenta buscar o sentido da experiência em algum aspecto outro que não
o prazer que lhe proporciona ou o uso imediato que lhe consegue perceber.
Como Marina, está sempre atenta ao significado do novo, e interessada em
refazer os significados do velho e conhecido. É esta busca de um sentido
positivo para a realidade o ‘estilo de ser’ de Mônica, revestido em seu estilo de
escrever.
Thiago é um aluno que fui conhecendo e entendendo aos poucos...
Aparentemente, trazia a imagem da aprendizagem da língua estrangeira como
O convite toma forma
81
uma atividade sem conflitos – afinal, parece haver decidido com clareza, e por
antecipação, aquilo que valeria ou não o uso de seu tempo ou energias. Nesse
sentido, assume muitas vezes uma postura de espectador quanto ao que é
proposto ou realizado em minha disciplina – contraditoriamente, um espectador
ao mesmo tempo passivo e crítico, que gostaria talvez de estar assistindo a um
filme ou programa diferentes... E que, silenciosamente, vai repensando as
próprias experiências e posições, tanto que, contradizendo o pouco
envolvimento com os diários, em conversa pessoal com a professora ao final do
curso afirma que esta deve continuar oferecendo aos alunos... diários.
Thiago faz muito poucas referências a experiências passadas e, quando o faz,
não as descreve. Sobre elas, parece mais preocupado em defender suas teorias
e pontos de vista. Seu compromisso com a disciplina parece impingido por
fatores externos; as propostas de aula e da redação dos diários não parecem
responder a expectativas ou interesses seus, tanto é que a elas abertamente
resiste; uma resistência manifestada em seu modo particular de lhes conferir
pouca atenção – em palavras, mas na (não)ação, principalmente. Deixa de
escrever vários dos diários, e a esse fato não se refere, diferentemente de
outros colegas, que frente à própria falta de empenho se desculpam e justificam.
Thiago não precisa se desculpar porque é ele a decidir o que deve fazer ou não,
e para tal decisão, pode prescindir da professora e mesmo dos colegas. Aliás, o
caminho solitário que defende para sua aprendizagem parece ser o que mais
completamente o define como aluno.
Finalmente eu, Maria, a professora. Licenciada em português e inglês em uma
Universidade Federal, no semestre da coleta de dados completava 25 anos de
formada, 22 deles ministrando aulas na mesma universidade. Desde pequena
eu pensava em ser professora – havia a marcante presença de minha mãe, uma
professora de artes sempre apaixonada pela profissão e pelos alunos – e
quando, aos 12 anos, tive minhas primeiras aulas de inglês na escola, entendi
logo que caminho eu desejaria seguir. Havia ainda outras influências – uma tia
muito querida, também professora de língua inglesa; um irmão que estudara nos
Estados Unidos; os Beatles, de quem eu tanto gostava... Vivi a mesma atração
pelo inglês, e por aprendê-lo, que hoje reconheço em tantos de meus alunos. No
O convite toma forma
82
caminho, a perspectiva de uma carreira também relacionada ao português foi
sendo abandonada.
Em uma trajetória não planejada, mas de certa forma oferecida pelas
circunstâncias, dentro do ensino de inglês fui me voltando para as habilidades
escritas da língua. Logo no início da carreira, o encontro com o Inglês
Instrumental e a descoberta de quanto me satisfazia e parecia adequado
trabalhar com a leitura na forma inovadora que me era apresentada, em muitos
sentidos inversa à maneira com a qual eu mesma havia ‘aprendido a ler’ na
língua estrangeira. Junto com o ensino da leitura fui vivendo a necessidade,
agora em cursos de Letras, de desenvolver com os alunos suas habilidades de
escrever em inglês. Para o ensino de escrita havia proporcionalmente menos
literatura disponível, e freqüentemente preocupada mais com o desenvolvimento
da língua em si do que com os significados a serem construídos nela e por meio
dela. Posso certamente dizer que, no que concerne o ensino da escrita em
inglês, vivo a cada semestre, e com cada turma, uma nova experiência de tentar
compreender quais propostas mais plenamente podem vir a ‘fazer sentido’ para
os alunos em sua aprendizagem da língua.
Esta pesquisa nasce da pessoa que sou, moldada na tradição a que pertenço, e
de interesses e percepções que foram amadurecendo no tempo, nas
experiências vividas e em minhas reflexões e descobertas sobre elas. A
preocupação sempre presente sobre o significado daquilo que é dado a mim e a
meus alunos viver na busca do conhecimento e da realização de nossa vocação
como professora e como alunos, concretiza-se na experiência de escritura e
leitura dos diários reflexivos que é a seguir em detalhes descrita.
A construção dos diários como fonte de dados
Para responder à minha questão de pesquisa coloco como principal fonte de
coleta os diários reflexivos escritos pelos alunos. São também consideradas
uma ‘conversa reflexiva’ na última aula e anotações de campo sobre as aulas,
sobre os alunos e principalmente sobre o processo de construção dos temas
dos diários. Os alunos estavam cientes de que tomavam parte de uma pesquisa
O convite toma forma
83
desenvolvida por sua professora, e deram permissão, por escrito, para que
todos os seus trabalhos escritos na disciplina e as anotações da ‘conversa’ final
fossem utilizados. Inclusive autorizaram, em documento, o uso de seus nomes
verdadeiros.
Ao propor os diários como parte integrante do bloco ‘escrita’ da disciplina Língua
inglesa:básico, parti do pressuposto de que o uso do gênero poderia permitir
aos alunos uma aprendizagem mais ativa da habilidade de escrever, e mais
repleta de significados pessoais, entre outros fatores pelo fato de o diário abrir
seu escritor à percepção e expressão da própria experiência e, como diz
Machado (1999), à possibilidade de novas interpretações dessa mesma
experiência e da realidade. Nesse sentido, o uso dos diários buscou propiciar
também a formação de alunos construtores do conhecimento, na medida em
que foram chamados a elaborar um saber a partir de sua experiência como
alunos, no enfrentamento de problemas que surgiam em sua prática cotidiana.
E, talvez, tenha sido exatamente a possibilidade de diálogo com a experiência o
motivo principal pelo qual, primeiramente pensados como apenas ‘um’ dentre
outros tantos instrumentos para documentar a construção da aprendizagem e da
identidade, ao longo do semestre os diários tenham assumido maior força e
importância, vindo mesmo a representar a grande experiência de produção
escrita daquele grupo naquele semestre. A princípio os diários faziam parte de
um projeto piloto, uma primeira averiguação sobre a relevância do instrumento
para resgatar experiências de aprendizagem. No entanto, devido ao inesperado
e surpreendente nível de envolvimento de grande parte dos alunos com a
escritura dos textos – já que, em momento algum, fora colocada como condição
para a aprovação na disciplina – e dada a riqueza e variedade dos dados
obtidos, estes vieram a compor os dados definitivos da pesquisa.
Uma proposta como esta poderia ter resultado em uma maior resistência, por
talvez os alunos sentirem uma maior imposição do curso sobre si. Observou-se,
no entanto, o processo contrário; e a não-imposição, a percepção de estarem
em um ‘lugar seguro’ para a manifestação de suas experiências e
O convite toma forma
84
conhecimentos pessoais – inclusive sua instabilidade, sua permeabilidade, suas
incertezas – favoreceu o engajamento de alunos enunciadores (Moita Lopes,
2002). Os diários mostraram-se como uma oportunidade autêntica de praticar a
língua estrangeira e por meio dela interagir com propósitos comunicativos
genuínos. O engajamento no discurso, portanto, adveio do fato de os alunos
verem-se verdadeiramente envolvidos em uma situação real e, no gesto de
aceitarem a proposta oferecida pela professora, desejarem e poderem dizer
alguma coisa através dos seus textos. Por meio de uma língua que estavam
ainda aprendendo, e que tantos limites para a expressão de si e de seus
pensamentos e conhecimentos ainda lhes trazia, meus alunos documentaram
suas histórias (e suas impressões sobre histórias) presentes e passadas, e
falaram de expectativas de novas histórias para o futuro.
A pesquisa aqui descrita é potencialmente emancipatória. Procurou considerar e
valorizar interesses e necessidades dos alunos e, ao não apresentar a escritura
do diário como tarefa imposta ou obrigatória, deu-lhes poder ao permitir-lhes
decidir porque se envolver, quanto e como, ou mesmo ‘se’ se envolver. Foi,
nesse sentido, um exercício ‘de’ e ‘para’ a autonomia e autoria, já que a cada
aluno foi permitido assumir a responsabilidade pelas palavras ditas ou ações
assumidas. Para os alunos, significou ainda uma possibilidade de transformação
das oportunidades de aprendizagem, através da descrição que foram chamados
a fazer de suas ações concretas e das razões inseridas nas ações e, ao mesmo
tempo, da busca do significado destas ações concretas para a sua
aprendizagem e sua identidade como alunos (Liberali, 2004b). Para mim,
representou a possibilidade de refletir sobre as experiências nos diários
relatadas, num convite à indagação sobre o que significava cada uma das
palavras dos alunos.
Na verdade, os diários mostraram-se um meio particularmente produtivo para o
diálogo entre a professora e os alunos no contexto específico daquele grupo o
qual, pelo menos nas primeiras semanas do semestre, achava-se resistente a
se expor oralmente. A reação esperada às provocações feitas foi encontrada
mais facilmente nos textos escritos. Esses resultaram, assim, como reveladores
O convite toma forma
85
da interação professora-alunos, e mesmo entre alunos, já que foi aceita a
indicação de que, em certo momento do curso, lessem e comentassem os
diários uns dos outros.
Diferentes momentos do curso lançavam perguntas sobre as experiências de
aprendizagem vividas pelos alunos, implícita ou explicitamente expostas em
seus diários anteriores ou surgidas em classe, e que eu desejava ver
respondidas. Portanto, mais importante do que um planejamento detalhado
quanto a uma possível seqüência dos diários foi a atenção dispensada ao
processo de aprendizagem e constituição da identidade de cada aluno que ia
sendo desvendado a cada novo texto escrito e a cada nova aula em que
estávamos juntos, e que ajudava a delinear propostas para textos posteriores.
Os momentos de geração
2
dos dados foram assim sendo definidos pela própria
dinâmica que animava a disciplina; e, paralelamente, mudanças e reorientações
na metodologia tiveram sua origem no contato com os dados no decorrer do
semestre. As propostas de reflexão para os textos focavam principalmente
atividades, por serem a parte mais visível e concreta de uma sala de aula em
língua estrangeira. Não propunham questões diretamente sobre a identidade; e
interpretá-los veio a representar um exercício contínuo de ‘ler nas entrelinhas’.
Apesar de cursarem uma disciplina denominada Língua Inglesa:básico, e de se
constatar no grupo uma diversidade de conhecimento da língua estrangeira
dentro deste denominador comum básico, todos os alunos deram conta da
tarefa de escrever seus diários em inglês. Foi, para eles, como diria Bruner
(1990), a oferta da possibilidade de “uma viagem lingüística como descoberta de
si” (p.8). A transcrição dos diários no capítulo 4 mantém os textos exatamente
conforme produzidos, inclusive com os grifos dos alunos.
Nenhum formato foi imposto aos diários. Uma instrução geral era oferecida para
cada texto, por exemplo, write about your experience doing the reading guides
2
Utilizo aqui a terminologia de Mason (1996:35-36), que introduz a noção de geração de dados.
Para o autor, a função da pesquisa não é encontrar dados prontos para a coleta, mas elaborar
meios de gerá-los a partir das fontes selecionadas. Nesta parte do capítulo, falamos exatamente
de como os dados da experiência dos alunos foram sendo construídos.
O convite toma forma
86
last semester (diário 3); para evitar textos prontos, formais, ou carregados de
lugares comuns, em algumas ocasiões o tema era antecipadamente discutido
em conjunto. As discussões em classe e instruções orais adicionais visavam a
encorajar os alunos a recordar circunstâncias específicas, e engajá-los em
reflexões direcionadas à compreensão de aspectos de sua vida e sua
experiência como aprendizes de língua estrangeira evitando tanto quanto
possível generalizações ou interpretações abstratas. Era-lhes explicitado que o
objetivo era que registrassem as experiências de forma pessoal e livre, tentando
apontar impressões, sentimentos e reações sobre seu processo de
aprendizagem – seus sucessos e dificuldades, suas expectativas, seus
conhecimentos em construção. É a compreensão da linguagem como espaço
para reflexão e negociação (Magalhães, 2004).
Doze diários, do total de quatorze, foram produzidos em casa, exatamente para
corresponder àquela que é uma das propriedades constitutivas da escrita: poder
livremente retomar o texto, ser dono do próprio tempo, no processo de descobrir
e redescobrir significados (Zamel, 1987). Era, assim, um “permitir a rasura”
(Salles, 1991): ao invés da preocupação com o erro, a valorização do tentar e
arriscar significados na língua estrangeira. Os dois textos produzidos em classe
apresentaram-se na forma de respostas a pequenos roteiros com perguntas.
Foram entendidos como diários porque também traziam descrições, reflexões e
interpretações de ações.
Seria importante assinalar aqui que os diários, tais como pensados por mim,
como pesquisadora e professora, sofreram em um primeiro momento com a falta
de uma maior clareza quanto aos referenciais teóricos e às possibilidades
próprias do gênero como instrumento de reflexão, o que resultou em propostas
de textos quem sabe menos instigantes que se desejaria ou que poderiam ter
sido. E principalmente porque, embora eu tivesse desejado que os alunos
chegassem a um nível de reflexão crítica sobre a totalidade de sua realidade
como alunos, os temas propostos e as orientações por mim oferecidas talvez
nem sempre os tenham motivado ou conduzido para tal. Inicialmente usados de
maneira intuitiva, apenas no decorrer da coleta foram os diários melhor
O convite toma forma
87
compreendidos em sua relevância e abrangência como instrumento de
expressão da experiência. No entanto, é inegável que, mesmo dentro de tais
limitações, chegou-se a um conjunto de dados muito mais variado e abrangente
do que eu poderia haver previamente pensado.
Desde o início os alunos foram comunicados que os textos não seriam
corrigidos quanto ao aspecto lingüístico, para que se dedicassem aos processos
de reflexão e escritura sem receio de restrições ou avaliações. Era um tentar
olhar predominantemente para a experiência – uma atitude a ser assumida por
mim e por meus alunos. Os rápidos comentários por mim feitos tocavam apenas
o conteúdo das reflexões feitas. Por outro lado, objetivavam provocar nos alunos
novas reflexões. As dificuldades lingüísticas constatadas nos diários foram,
todavia, retomadas durante o semestre através de diferentes atividades e
exercícios, exatamente para corresponder à expectativa dos alunos quanto a
uma disciplina que buscava o desenvolvimento da linguagem escrita em inglês.
O exercício de transcrição dos textos dos alunos representou um momento
privilegiado para um novo olhar sobre o material coletado – já lido e comentado
no decorrer das aulas. A comparação das reflexões produzidas que me haviam
levado a escrever observações nos diários quando de sua primeira leitura, e
novas observações e reflexões provocadas por este novo contato no momento
de transcrição, é relevante para pensar como eu, no papel primeiro de
professora e, depois, de pesquisadora, fui construindo e reconstruindo meus
próprios significados.
Uma segunda fonte de dados foram as anotações pela pesquisadora após
algumas aulas ou após a leitura de alguns diários; estas apresentam-se como
um recurso adicional para capturar comentários, reações dos alunos a propostas
lançadas e suas observações sobre o significado de certas atividades para sua
aprendizagem. Retomam também o processo de construção das propostas dos
diários. As anotações são usadas particularmente neste capítulo 3, nas
descrições feitas dos participantes e da seqüência dos diários.
O convite toma forma
88
Um último, e inesperado, evento de geração de dados são anotações de uma
conversa individual, realizada no último dia de aula por solicitação de alguns dos
alunos para, segundo eles, “fechar o semestre”. Um “momento interpretativo”
(van Manen, 1990:98), tal conversa – que não foi gravada, por não haver sido
prevista – revelou-se uma reflexão compartilhada sobre as experiências vividas
na disciplina. Algumas questões foram provocadas pela professora, mas grande
parte do diálogo partiu dos alunos. Dada a relevância adquirida pelos diários no
semestre, o foco acabou por ser o papel que cada aluno individualmente sentia
que estes haviam desempenhado no seu processo de aprendizagem da língua
estrangeira, especialmente no desenvolvimento de sua escrita em inglês.
Relevantes também foram as observações no que diz respeito às interações
com a classe e com a professora. Os dados provenientes desta “conversa
hermenêutica” (van Manen, 1990:98) ajudam a compor a interpretação das
experiências no capítulo 4.
A disciplina Língua Inglesa e as histórias dos diários
Esta história de diários e com diários começou de forma inesperada.
Em meu primeiro encontro com o novo grupo de alunos, antes de qualquer
apresentação formal dos conteúdos e procedimentos que constituiriam nossas
aulas de Língua inglesa:básico, pedi-lhes que refletissem, discutissem entre si e
depois escrevessem sobre as seguintes questões, que focavam concepções e
desejos seus quanto a serem alunos, e também experiências vividas em seu
processo de aprender inglês no semestre anterior.
1. Why are you taking this course?
2. For you, what is “learning a language”?
3. Which activity last semester was “the best” for you (you learned most from/made
the greatest difference to your learning)? Why?
4. Which activity didn’t you like very much? Why?
5. What makes you (or, would make you) a good English learner?
O convite toma forma
89
6. How can your classmates help you?
Não pensava, ainda, em incluir diários reflexivos como um componente da
disciplina. Sequer pensava, naquele primeiro momento do semestre, em utilizá-
los como um possível projeto piloto. Porém, o envolvimento dos alunos na
discussão em classe, o detalhamento de suas experiências expostas em suas
respostas, e ainda a atenção que dedicaram ao ‘escrever’ essas experiências na
língua estrangeira, despertaram-me para a possibilidade de utilização do
instrumento como um dos elementos construtores da sua aprendizagem e de
sua identidade em minhas aulas.
Das perguntas dadas nesse pequeno questionário, as de número 3 e 4 foram
aquelas a que os alunos reagiram de forma mais veemente, com forte ênfase
seja em impressões pessoais positivas, seja em afirmações precisas e diretas
sobre o que não haviam considerado produtivo ou que de alguma forma os
desagradara na experiência vivida nas aulas de Língua Inglesa:escrita no
semestre anterior. Seus pequenos textos comentavam principalmente tarefas,
materiais. Foi a provocação que vivi na leitura das respostas de meus alunos a
essas duas perguntas que, de modo especial, abriu as portas para esta longa
narrativa com diários e sobre diários...
A aula seguinte foi dedicada à morfologia – centrada em tarefas e apresentada a
partir de um material composto de uma variedade de exercícios. Foi então
solicitado um novo diário, o segundo do semestre, desta vez sobre a experiência
recente de aprender morfologia naquela aula em particular, e respondendo à
pergunta, what can you say about our first class and the topic we have started
studying, ‘word formation’? Como apoio para o processo de reflexão, foi pedido
que o texto, a ser produzido em casa, contivesse exemplos concretos para as
afirmações feitas. Já então foi sugerido aos alunos que mantivessem um
caderno no qual registrariam suas experiências de aprendizagem, em minhas
aulas, durante o semestre.
O convite toma forma
90
A orientação para o próximo diário nasceu diretamente de respostas à pergunta
4 do questionário da primeira aula, Which activity didn’t you like very much?
Why? Surpreendentemente para mim, a tarefa mais citada havia sido aquela em
que, a partir de um texto de revista individualmente selecionado, deveriam
responder a questões que focavam compreensão, ou pediam uma avaliação
crítica do texto ou da própria leitura. Embora aplicada pela professora então
responsável pela turma, havia sido minha a proposta de inclusão destes roteiros
de leitura (em número de 3) no programa de Língua inglesa:básico no semestre
anterior. Digo acima ter sido a reação dos alunos ‘surpreendente para mim’
porque, nas muitas outras experiências minhas com relação a este que tenho
chamado de reading guide, havia encontrado predominantemente relações de
envolvimento com a atividade e de descoberta de um caminho novo para uma
aprendizagem independente e autônoma através da leitura de textos autênticos
de interesse pessoal. No entanto, em seus diários, e em maior ou menor grau, a
maioria dos alunos negou qualquer valor à atividade.
Estava incluído no roteiro um único item sobre vocabulário. Este pedia a
identificação de até cinco palavras desconhecidas e consideradas importantes
para a compreensão das idéias principais do texto. Depois de uma tentativa de
inferir significados pelo contexto, a instrução era confirmá-los no dicionário.
Especialmente sobre este item recaíram os comentários de ser esta uma tarefa
mecânica, cansativa, repetitiva.
Intrigada pelas oposições apresentadas, em aula posteriormente retomei dados
da experiência, buscando junto com os alunos suas razões para a rejeição de
uma proposta que eu, particularmente, considerava valiosa para seu
desenvolvimento da linguagem escrita em inglês. Solicitei, então, um outro
diário, o terceiro no semestre, oferecendo uma instrução precisa, porém ampla
e aberta o suficiente para permitir-lhes a livre manifestação de suas impressões
e pensamentos, write about your experience doing the reading guide last
semester.
O convite toma forma
91
As reações repetiram-se quase integralmente – apenas, em alguns dos textos, a
rejeição manifestou-se de forma mais modalizada. Porém, por acreditar na
relevância dessa leitura em casa, individual e guiada, e que exigia também a
expressão escrita na confecção das respostas, mantive a intenção de fazê-la
parte integrante da disciplina. Reformulei o roteiro, retirando totalmente os
exercícios sobre vocabulário e expandindo o número de questões que
requeriam uma avaliação crítica do texto ou da própria habilidade de ler em
inglês. Concluída a tarefa, foi pedido aos alunos que comentassem a
experiência com este novo modelo do roteiro. As manifestações de
desaprovação retornaram; presentes em alguns diários encontrei até mesmo
sugestões para uma tarefa ‘diferente’, mas que na verdade recuperavam modos
conhecidos de ensino e aprendizagem de leitura. Resolvi então excluir
totalmente os roteiros do programa da disciplina para aquele semestre. Julguei
desnecessário insistir já que, visivelmente, os alunos falavam de uma relação
com a atividade marcada por pré-conceitos, talvez resultado de dificuldades
vividas. E as leituras passaram a ser comuns a todos, com textos por mim
escolhidos.
Entre os diários 3 e 5, sobre os roteiros de leitura, há um outro, sobre
homework. Apesar de estarmos ainda nas primeiras aulas dos semestre, um
olhar atento à participação dos alunos em classe levou à observação da
resistência, da parte de alguns deles, a fazer as tarefas solicitadas em casa.
Era, para estes alunos, uma resistência expressa de diversas maneiras:
concluía-se rapidamente a tarefa antes do início da aula; resmungava-se (lição
de casa de novo!; é muita coisa, professora!); expressava-se um cansaço no
momento da correção.
Quando, por algum motivo, surgia o tema em sala, dois grupos claramente se
distinguiam. Para uns, apenas uma visão pré-concebida – algo repetitivo,
mecânico, sem imaginação, porém inevitável dentro da vida da escola. Já para
outros, as tarefas de casa representavam um caminho a mais – e relevante – a
percorrer para aprender. Estes, inclusive, lamentavam uma relativa “perda de
tempo e energia” nas situações em que a aula não fluía porque dependia de
O convite toma forma
92
tarefas prévias não cumpridas. Em comum, no entanto, a percepção de que com
freqüência tarefas de casa não são produtivas. Este diário, que no conjunto dos
textos foi o quarto produzido pelos alunos, deveria seguir a instrução, talk about
your experience doing homework. Foi fortemente ressaltado que esperava-se
uma reflexão sobre a experiência, e um distanciamento de idealizações ou
preconceitos.
Muitos dos preconceitos antes expressos oralmente reapareceram nos textos
escritos. Paralelamente às manifestações positivas – “é possível aprender com
as tarefas de casa” – novamente falou-se, por exemplo, da irrelevância dos
exercícios mecânicos, ou do excesso de tarefas, já que “cada professor pensa
que é o único”! Já as idealizações apresentavam-se principalmente na forma de
expectativa de que homework deva ser sempre atraente e original. As
resistências quanto ao tema permaneciam em grande parte. E este, como
veremos, será retomado no diário 13.
Nesse ponto do semestre, transcorrido um mês de aulas aproximadamente,
estava concluída a extensa unidade sobre formação de palavras; em classe,
agora, depois da aplicação de uma prova e da divulgação de seus resultados,
eu ouvia comentários de que afinal estudar prefixos e sufixos não parecia tão
interessante quanto antes... Foram tais observações que me fizeram solicitar
uma nova reflexão sobre a unidade, agora vista em seu conjunto. Este será o
diário 6.
Quatro diários (7, 8, 10 e 11) referem-se a uma unidade sobre seminários. O
conteúdo escolhido foi um item gramatical que integra o programa da disciplina:
substantivos contáveis e não-contáveis em inglês; singular e plural de
substantivos contáveis; quantificadores que acompanham diferentes tipos de
substantivos. Os diários foram escritos antes ou após diferentes fases do
processo de preparação e apresentação dos trabalhos.
Já há alguns anos eu costumava incluir, como parte do programa do segundo
semestre de Língua inglesa:básico, a apresentação de seminários pelos alunos.
O convite toma forma
93
As primeiras experiências, embora conduzidas apenas com uma rápida ajuda
quanto à compreensão do conteúdo e sugestões quanto à apresentação oral,
foram avaliadas positivamente pelos alunos como sendo “uma das atividades
preferidas do semestre”. Claramente o objetivo era então que aprendessem o
conteúdo, sem que houvesse qualquer foco maior na interação, na reflexão
sobre a experiência ou no ensino do gênero. Quer dizer, eu simplesmente partia
do pressuposto de que seminários faziam parte da vida do aluno na escola. De
certa forma, ao retirar-me para uma posição de observadora e avaliadora do
processo, deixava de viver mais inteiramente com os alunos uma experiência
que significasse, como aponta Veiga (1997:110), um ato de conhecimento
socialmente construído.
Agora, retomando a proposta, e considerando a preocupação quanto à
construção da identidade de meu aluno, foi ficando claro que a identidade
positiva adviria de uma experiência positiva de aprendizagem, e que muitos dos
passos que comporiam esta experiência poderiam ser ensinados. No primeiro
dos diários, produzido em aula antes do início de preparação da atividade, foi
pedido aos alunos que registrassem o que sabiam sobre seminários, e que
refletissem sobre alguma experiência prévia com o gênero em algum momento
de sua vida escolar. Como orientação foram-lhes oferecidas as perguntas:
1. What is a ‘seminar’ for you?
2. What parts form a seminar?
3. Describe a seminar you have presented, here at PUC or in school, and
mention:
- what you have learned by doing it.
- your difficulties in preparing and presenting it.
Depois de terem todos os alunos escrito seus textos, as respostas foram
discutidas com a classe. Notam-se vários pontos de convergência. Primeiro,
mostrou-se unânime a compreensão do seminário como a apresentação de um
assunto para outros colegas a partir de uma pesquisa previamente realizada.
Nas palavras de muitos deles, é “uma aula dada pelos alunos”. Quanto à
O convite toma forma
94
descrição de experiências anteriores, destacou-se o lado negativo dos
seminários – o receio de se apresentar frente aos colegas e professor, o medo
do julgamento, a timidez...
A leitura atenta deste diário, de número 7, levou-me a dedicar a segunda aula
da unidade à discussão de um texto, Approaches to Giving Presentations, que
comentava critérios a serem observados nas diversas etapas que compõem a
preparação de apresentações orais. Dois motivos orientaram a escolha do texto.
Primeiro, a preocupação em ensinar o aluno a fazer o uso mais adequado
possível do gênero seminário. Segundo, recuperar a visão negativa, de
‘dificuldade’, tão fortemente apontada pois, como diz Freire (apud Inbernón,
1999:37), é tarefa educativa transformar as dificuldades em potencialidades. Foi
pedido então um novo diário, o de número 8, exatamente para que os alunos
explicitassem, agora na forma escrita, as provocações ou novas informações
que o texto lhes havia trazido.
Nas duas aulas seguintes os diferentes grupos, divididos de modo a se criar a
possibilidade de novas interações na classe, prepararam suas apresentações
sob a orientação da professora. Cada grupo tomou suas próprias decisões
quanto a conteúdo, forma de apresentação, uso de recursos visuais, e
exercícios a serem dados para a classe para uma retomada dos conteúdos
gramaticais vistos durante a apresentação. Três aulas foram dedicadas às
apresentações, ao final das quais novos diários (10 e 11) foram escritos por
cada aluno – refletindo sobre seu próprio seminário ou dos colegas. As
instruções para ambos os diários eram da mesma natureza: que destacassem,
em cada caso, de que modo os seminários haviam contribuído para a
construção de seu conhecimento da língua inglesa; e em que aspecto(s) a
experiência vivida apontava para experiências futuras mais produtivas.
Intercalando os diários sobre seminários, outro foi proposto. Para a redação
deste texto 9 foi indicado aos alunos que retornassem a seu caderno de diários
e atentamente o relessem; especial atenção deveria ser dedicada às
observações oferecidas pela professora aos relatos de experiências de aprender
O convite toma forma
95
nele contidas. A tarefa consistia da redação de um novo texto, comentando as
próprias reflexões e também as reações da professora a elas. Pensava que, ao
voltar ao início do semestre e retomar o trajeto das reflexões até então
produzidas – estamos próximos do meio do semestre, e novas experiências de
aprendizagem haviam sido oferecidas – os alunos vivessem a oportunidade de
perceber sob quais aspectos e de que modo suas identidades como aprendizes
estavam sendo mantidas ou reconstruídas – em um processo do qual eu, como
professora, desejava participar. E, sem dúvida, é esse um diário em que
grandes surpresas são relatadas pelos alunos, sobre si e sobre os caminhos
percorridos.
O texto 12 resultou da leitura que cada aluno fez do caderno de diários de um
de seus colegas, aleatoriamente escolhido. Minhas aulas visavam ao
desenvolvimento da linguagem escrita em inglês – e quanto, no dia a dia, é
possível compartilhar do processo vivido pelos colegas em relação a esse
aspecto de sua experiência de aprender a língua estrangeira? Quantas vezes
cada aluno tem a oportunidade de ler o que o outro escreve? Ou saber como
escreve? Ou o que pensa sobre o processo de escrever? Mas eu desejava
mais com a troca dos diários – que pudessem também ler os pensamentos e
experiências do colega. E serem construídos nessa experiência. A interação por
escrito oferecida aos alunos proporcionou a expressão de novos pensamentos
sobre a classe e sobre as aulas, revelou cumplicidades, e um interesse genuíno
pelo outro – de tal forma que aqui se encontra um número imprevisto de
sugestões para que o colega viva experiências mais satisfatórias e plenas do
aprender e, em especial, em relação à experiência de escrever na língua
estrangeira.
A este ponto do semestre, para alguns alunos o ‘problema lição de casa’ parecia
ainda pouco resolvido – permaneciam algumas pequenas (e outras grandes!)
resistências, embora agora menos nas ações do que nas palavras – palavras
lidas nos diários 9 e 12 principalmente, nos quais houvera a oportunidade de
manifestações mais livres dos alunos sobre suas experiências como aprendizes.
O convite toma forma
96
Todavia, como retomar a questão de modo a permitir uma reflexão sobre a
experiência de fato, e evitar o simples retorno de preconceitos e idealizações?
Resolvi partir do que os alunos já haviam escrito no diário 4, sobre o mesmo
tema. Seus textos, sem identificação dos autores, foram reorganizados em uma
pequena apostila. Em classe, em pares, e para responder a uma antiga
demanda quanto à correção lingüística dos diários, os textos foram
primeiramente corrigidos em sua gramática, ortografia, pontuação. As correções
propostas foram avaliadas em conjunto. A seguir, o conteúdo dos textos foi foco
de discussão, com alguns dos conceitos mantidos e outros reconstruídos. O
resultado desse novo grupo de reflexões acha-se no diário 13.
E, então, estava acabando o semestre...e um inevitável último diário revendo o
caminho percorrido foi sugerido. O diário 14 deveria ser entendido como uma
oportunidade de retomada e re-interpretação de descrições experienciais até
então vividas e registradas. Três pontos para reflexão foram apresentados, e os
alunos estavam livres para escrever seus textos seguindo-os ou não: a redação
dos diários propriamente dita (quanto escreviam, como, em que sentido os
diários contribuíram para sua aprendizagem da escrita na língua inglesa); as
atividades e materiais propostos; e, finalmente, a interação vivida na classe.
Uma última palavra aqui. Quando apresentados para análise no capítulo 4, será
possível observar nos diários que não estão contempladas como temas
específicos uma série de atividades isoladas ou mesmo unidades inteiras que
ajudaram a compor a disciplina. São, algumas delas, espontaneamente
mencionadas por diferentes alunos.
Uma unidade sobre estereótipos e preconceitos, por exemplo, constituída por
uma variedade de textos orais e escritos, de forma unânime atraiu o interesse e
a dedicação dos alunos. E, exatamente por isso, não pedi reflexões sobre ela.
Porque, naquele momento em que eu, como professora, vivia com a classe a
experiência de escritura e leitura dos diários, via-me mais preocupada em
focalizar aspectos de sua vida como meus alunos que tendiam a resistir e
O convite toma forma
97
rejeitar. Eu desejava que, por meio de uma nova experiência vivida, e por meio
de uma reflexão sobre essa experiência, fossem reconstruídos os conceitos dos
alunos sobre ela e, ao mesmo tempo, os conceitos que tinham de si em relação
a essa mesma experiência. Assim, foram ignorados como propostas para os
diários aqueles componentes da aprendizagem que os alunos mostravam
aceitar como positivamente construindo suas identidades – o tempo existente
deveria ser usado em proposições que versassem sobre resistências
manifestadas ou inferidas. Desse modo, reconheço agora, deixei de provocar os
alunos mais intensamente em relação àquilo que os levava para o mundo para
além da sala de aula, ou melhor dizendo, que trazia o mundo para a vida na
escola – e esta havia sido uma das motivações primeiras para o
desenvolvimento desta pesquisa! Este é um dado relevante, e do qual
conscientemente me dei conta apenas quando o semestre estava concluído e
comecei a reler os diários já com olhos de pesquisadora.
A apreciação das histórias: as identidades que emergem
Os temas de que falará o capítulo 4, dedicado à análise e interpretação dos
dados, originaram-se da leitura atenta da totalidade dos diários produzidos por
cada um dos 9 participantes da pesquisa. Este é o procedimento para se obter
uma idéia geral da série completa das afirmações feitas, e para compreender a
linguagem do escritor (Martins, 2004). Para esse autor, a leitura dos textos deve
ter um sentido em si mesma – entender-lhes a totalidade (p.34). Assim, a leitura
hermenêutico-fenomenológica dos 9 conjuntos de textos foi iluminando a
estrutura interna da construção da aprendizagem e identidade revelada através
dos relatos das experiências vividas pelos alunos. É o caminho para evitar
explicar a experiência por algo que não seja ela mesma (Mahfoud, 2003).
Por que alguns alunos valorizaram tanto o diário e o expressar-se através dele?
Que relações significativas se destacam? O que foi possível, para cada aluno,
contar em seus textos? E para mim, como pesquisadora, o que em especial
olhar? E de onde partir para olhar? E como olhar?
O convite toma forma
98
Decidi tomar como meu ponto de partida para a análise, dentre tantos outros
possíveis, a adesão vivida por cada aluno ao convite de efetivamente pertencer
àquela experiência, naquele tempo e lugar, com aquelas pessoas, e através
daquele instrumento particular: os diários reflexivos. Na leitura, procurei
identificar valores e concepções de mundo pessoais que entravam em jogo a
cada texto; e, na reflexão sobre as palavras dos alunos, observar a experiência
pessoal ali presente. Ao mergulhar no sujeito enquanto sujeito da experiência,
busquei olhá-lo com verdadeira atenção, em uma atitude de respeito por suas
palavras, tendo como horizonte a compreensão daquilo que movia seus
pensamentos e ações em seu processo de construção da sua pessoa e de sua
identidade. É um manter a intimidade crítica com seus textos – meu objeto de
análise.
É sempre uma pergunta sobre o significado o que me fez optar pela abordagem
hermenêutico-fenomenológica – sobre o significado do fenômeno de
constituição da identidade, sobre o significado de ‘ter-se uma certa experiência’.
Mais do que indagações sobre ‘como’ a experiência acontece, há a
preocupação com sua natureza ou essência. Ao invés de atentar para as
maneiras como meus alunos aprenderam em meu curso, como se relacionaram
com os colegas ou com a professora ou com os materiais propostos, busco
descobrir a essência daquelas experiências de relacionamento em diferentes
níveis. E, segundo van Manen (1990:10), a essência ou natureza daquela
experiência terá sido tanto mais adequadamente descrita quanto mais completa
e profundamente o relato sobre ela ‘re-despertar’ e mostrar-nos sua qualidade
ou significância. Por isso, na análise, embora focalize as experiências de todos
os alunos, inevitavelmente falo mais de alguns do que outros; por meio de seus
relatos captei mais sobre a experiência conforme o aluno a viveu, percebeu e
retratou – e, então, havia mais a dizer sobre ela.
A leitura detalhada dos textos dos alunos – linha a linha, frase a frase, parágrafo
a parágrafo (van Manen, 1990) – foi indicando as unidades de significado nas
descrições de seus pensamentos e ações. Não são significados diretamente
encontrados no texto, ou explicitamente ali colocados. Ao contrário, unidades de
O convite toma forma
99
significado emergem como conseqüência da leitura cuidadosa do texto, e são
percebidas a partir da atitude do pesquisador com relação àquela descrição
concreta – o que ele busca ver no texto, que significado a unidade tem para ele.
Das inter-relações das unidades de significado chega-se, assim, aos temas
gerais por meio das expressões concretas, e não de afirmações ou
formalizações selecionadas de acordo com critérios previamente aceitos
(Martins, 2004:35).
É com meu olhar que retomo, descrevo e interpreto as histórias contadas pelos
participantes deste estudo. São histórias que falam de experiências por vezes
comuns, por vezes singulares. Por isso, no capítulo 4, ao considerar também as
histórias e experiências individuais, e não somente aquelas compartilhadas, sigo
um possível caminho de interpretação oferecido pela fenomenologia-
hermenêutica: dentro de um contexto e grupo específicos, a experiência do
fenômeno vivida por um dos alunos é, de certo modo, também a experiência do
fenômeno vivida pelos outros (Ales Bello, 2004).
Ao focar o contexto educacional mais especificamente, Van Manen (1990) dirá
que a teoria pedagógica tem exatamente a ver com a teoria do que é único,
singular – parte-se do único em busca de qualidades universais, e depois ao
único se retorna. Por isso é possível, partindo do relato de um dos sujeitos, falar
de todos eles e mesmo de mim, dentro de minha própria experiência educativa –
antes como aluna, agora como professora e pesquisadora. E, assim como falo
do processo de reconstrução das experiências por meus alunos, posso pensar
também em uma reconstrução minha, pessoal, daquelas mesmas experiências
por eles relatadas.
Os temas foram emergindo à medida que eu avançava na contemplação dos
diários, uma contemplação originada em minha própria história pessoal, e no
confronto com os autores visitados. Vi-me repetida e insistentemente retornando
ao relato das experiências de meus alunos até ver despontar em seus textos
indícios de uma ‘possível resposta’ àquela pergunta inicial sobre a natureza da
construção da sua identidade em um curso de língua estrangeira que priorizava
O convite toma forma
100
a reflexão por meio da escritura de diários. Tentei acompanhar-lhes cada
palavra, cada tentativa de descrição do que viviam em minhas aulas, cada gesto
em direção a uma aproximação ou um distanciamento da proposta de reflexão
sobre a experiência, cada dilema manifestado ou constatação festejada.
As unidades de significado, em seu conjunto, apontaram para três grandes
grupos de experiências de encontro e relacionamento que estruturam o
fenômeno da construção da identidade dos alunos em sua essência
multidimensional e multifacetada (van Manen, 1990). Seus textos falam
basicamente de suas relações, ou interações,
1) com o aprender, e o aprender a língua estrangeira;
2) com o outro: seus colegas ou o professor; e, mais raramente, com os
colegas do semestre anterior não mais presentes em sua turma;
3) com os materiais, as atividades, os tópicos e conteúdos das aulas.
Sempre à minha frente permaneciam as perguntas: o que está presente em sua
realidade mais próxima, sobre o quê e sobre quem falam seus diários? O que
marca, o que delimita o discurso de cada aluno?
Essas e muitas outras indagações sobre a essência das experiências de
construção da aprendizagem e identidade dos alunos são reapresentadas no
capítulo 4, e a busca por suas respostas orienta minha reflexão. Na análise
procurei, segundo a orientação fenomenológica-hermenêutica, colocar-me
compreensivamente ao lado do que se mostrava nas experiências relatadas,
olhando-as com uma postura de disponibilidade à retificação contínua de modo
a evitar controlar o sentido do que meu aluno dizia. Durante todo o processo
estive presente com minhas próprias experiências – afinal, não se pode deixar
de inserir a própria vida na experiência vivida de outrem; e a própria
interpretação não será possível se não tivermos, de algum modo, vivido aquilo
que se mostra.
Nenhuma ordem foi antecipadamente estabelecida para a apresentação dos
dados. Organizado tentativamente primeiro de uma forma, e depois de outra, e
O convite toma forma
101
depois de outra ainda, a estrutura final do capítulo tenta deixar explícitos que
vínculos o aluno buscava, ou valorizava, ou mesmo ignorava, na relação que
estabelecia com as diferentes facetas de sua vida como aprendiz.
A forma de apresentação dos dados no capítulo 4 em certa medida reflete o
processo vivido de compreensão e interpretação dos textos dos alunos. Este se
deu segundo o círculo hermenêutico (Gadamer, 1975), isto é, pré-projeções de
significados para os textos como um todo – construídas a partir de minhas
expectativas particulares decorrentes de contextos anteriores como professora
de outros e destes alunos, e de meu interesse particular em relação ao
fenômeno da construção de suas identidades – faziam emergir novos
significados a serem cuidadosamente elaborados na busca de confirmação de
um significado inicial. O constante movimento de compreensão e interpretação
da totalidade da experiência vivida pelos alunos em termos dos seus detalhes, e
dos detalhes em relação ao todo, foi conduzindo à identificação dos temas e de
seus significados para os sujeitos envolvidos.
Feita a análise preliminar dos dados dos diários de cada aluno individualmente e
do conjunto dos diários referentes a cada proposta de reflexão, o capítulo
começou a ser escrito, e suas partes naturalmente se constituindo e se
organizando na seqüência em que agora se mostra. A interpretação feita dos
dados procura mostrar a íntima conexão e interdependência existentes, na
prática dos alunos como alunos, entre os três temas maiores identificados. Falar
da experiência de aprender na escola e, em particular, falar da experiência de
aprender a língua estrangeira, inevitavelmente leva-nos a referirmo-nos aos
materiais, às atividades e aos conteúdos que compõem essa aprendizagem.
Uma aprendizagem, por sua vez, construída nas interações estabelecidas com o
outro – o colega e o professor, principalmente. Por isso, embora individualmente
identificados e, num primeiro momento, separadamente analisados, os temas
são no capítulo 4 discutidos de forma a mostrar como se inter-relacionam no
processo de constituição da identidade do aluno.
O convite toma forma
102
Partindo das respostas que conferem ao questionário que orienta as reflexões
no primeiro dos diários escritos, produzido no primeiro encontro do semestre,
vou introduzindo ao meu leitor um a um dos participantes da pesquisa. Trechos
que tocam em experiências comuns a alguns ou a todos os alunos mesclam-se
com trechos dedicados às interpretações das histórias individuais. Cada citação,
quer de diários inteiros, quer de excertos de diários, é acompanhada pela
identificação de seu autor e um número que indica o lugar que aquele diário
ocupa na seqüência que compõe o conjunto dos diários propostos. As
identificações mantêm o nome verdadeiro de cada aluno, conforme autorizado
formalmente por todos eles quando concluída a coleta de dados, e
posteriormente confirmado quando da leitura que fizeram da apresentação de
seus perfis, incluída neste capítulo 3, e da análise e interpretação dos relatos de
seus diários, no capítulo 4, que agora segue.
CAPÍTULO 4
Os diários dos alunos:
suas histórias individuais e compartilhadas
São histórias o que temos neste capítulo quarto, dedicado à apresentação e
interpretação dos dados contidos nos diários. Histórias vividas pelos alunos, e
por mim aqui reconstruídas. São histórias de resistências, de dilemas vividos, de
incertezas. Mas também, e muito mais, histórias de descobertas, de declarações
de surpresas, de desafios assumidos e de reconstruções conquistadas. Em
todas, de uma forma ou de outra, em alguns momentos mais do que em outros,
e em alguns alunos mais do que em outros, fazem-se presentes o desejo e a
busca de relevância para cada detalhe de suas experiências como alunos.
Experiências formadas por diferentes tipos e níveis de relacionamentos que
ajudam a compreender a maneira como cada aluno, ao aceitar o convite para
participar do processo de reflexão por meio de seus diários, veio a (re)construir
sua aprendizagem e sua identidade.
Na relação que vivem com o aprender, a presença sempre viva de experiências
passadas. De modo muito evidente, as experiências que antes viveram em seu
caminho de aprendizagem definem a disponibilidade e abertura com que os
diferentes alunos vêem sua escolha do curso de Letras:inglês, e tudo o mais
que pertence a esse seu mundo de ‘ser aluno’. Mais ainda, e de modo muito
especial, suas histórias prévias com a aprendizagem da língua estrangeira
marcam e mesmo determinam a maneira como acolhem e enfrentam as
propostas por mim oferecidas em minhas aulas. Mais do que simplesmente
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
104
representar discursos sobre o aprender, seus textos constituem relatos que
recuperam experiências e deixam transparecer conceitos que os alunos têm de
si como aprendizes, ou concepções que construíram sobre o seu próprio
processo de aprendizagem. Conceitos que, algumas vezes de forma mais
visível, outras mais implicitamente, permitem entrever quanto aquilo que viveram
anteriormente ajudou a compor suas identidades como alunos.
Como parte de sua história de aprender, muitas experiências relatadas quanto a
conteúdos e materiais e atividades em sala de aula. E, nessa relação, a
possibilidade de reconstrução de significados. Falo nesta pesquisa de um aluno
que procura ser protagonista, no sentido de que ativa e continuamente cria e
recria seus significados sobre a realidade. E que, no envolvimento que vive com
os diferentes tipos de materiais e atividades e conteúdos oferecidos descobre,
muitas vezes maravilhado, a própria capacidade de refazer experiências e
conceitos sobre o aprender, sobre a escola, sobre a própria sala de aula e suas
culturas, sobre si mesmo. A reflexão e interpretação produzidas pelos alunos
sobre a experiência concreta e palpável de relação com as atividades propostas
permitiram-lhes muitas vezes vencer o reducionismo de uma visão que deles
faria seja sujeitos constrangidos pela própria estrutura, com suas
potencialidades ou limites, seja sujeitos enclausurados nas determinações do
ambiente.
E, então, na relação com o outro, a origem de muitas das reconstruções.
Destaca-se de forma surpreendente e inesperada, e em variados diários e de
diversos autores, a confluência da história de vida de cada aluno e da história do
grupo, em uma trama que se construiu no processo de re-elaboração da história
do grupo em cada história individual. O modo como veio a ser vivida pelos
alunos transformou a experiência de redação dos diários – um processo pessoal
e singular – em um espaço concretizado pelas interações que se foram
construindo. Para alguns dos alunos, é sem dúvida na relação entretida com os
colegas ou com a professora que se mostra mais evidente a reafirmação da
busca pela reconstituição do conteúdo da experiência. Um desejo e uma busca
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
105
retomados com a certeza de que ali se encerra a possibilidade de uma
realização mais plena de si como alunos de língua estrangeira.
São muitas as experiências contadas; e, nelas, o próprio aprender a língua
estrangeira, ou as interações vividas com os colegas e a professora, ou as
relações estabelecidas com os conteúdos e materiais, acham-se inevitavelmente
entrelaçados como experiência. A apresentação dos relatos no capítulo tenta
respeitar essa interdependência.
O capítulo 4 falará de experiências relatadas que se mostraram comuns a todos
os alunos; falará de experiências relatadas por parte dos alunos, e mesmo de
experiências vividas de um modo individual e particular. Por isso, ao mesmo
tempo em que, em sua organização e apresentação, o capítulo dedica seções
inteiras a mostrar facetas da experiência compartilhadas e expressas por dois
ou mais dos participantes, intercala-as com outras, mais longas, em que a
atenção se dirige ao caminho particular de construção da aprendizagem e
identidade conforme vivido e percebido por cada aluno. Tanto as seções que
descrevem as histórias particulares quanto as que contam histórias comuns são
introduzidas por subtítulos, atentamente escolhidos de forma que, o mais
fielmente possível, retratem a experiência conforme foi pelos alunos descrita e
por mim, como professora e pesquisadora, capturada. Para orientar a leitura do
capítulo, as seções referentes a experiências comuns trazem seus subtítulos em
itálico; aquelas dedicadas às histórias individuais, em estilo de fonte normal.
O começo da história... ou das histórias
As páginas iniciais do capítulo contêm reflexões sobre as vivências de Daniela,
Heloísa, Juliana, Marina, Mônica e Thiago, expostas nas respostas que provêem
às três perguntas de seu primeiro diário que mais diretamente focam a questão
da aprendizagem e do aprendiz de língua estrangeira. Alessandra, Léia e Leila
aparecem na análise posteriormente, pois não se achavam presentes no
primeiro dia de aula. E não lhes pedi para que mais tarde respondessem às
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
106
questões formuladas naquele que depois se tornou o primeiro de uma série de
14 diários, porque não pensava ainda em usar o instrumento como parte de
minha pesquisa. E, na verdade, sequer imaginava que, ao longo do semestre,
eles se tornariam um instrumento com tal poder para expressar as experiências
e as identidades em formação de meus alunos.
Assim, na primeira aula do semestre, diante do questionamento sobre o motivo
pelo qual estavam cursando Letras:inglês, encontramos respostas não-teóricas,
simples e diretas, compostas por impressões trazidas de experiências
passadas...
I’m taking this course because I love studying English and I feel it is easy for me
to learn new languages. (Daniela 1)
e, ao mesmo tempo, entremeadas por desejos quanto a experiências futuras.
Because I really want to be a teacher, I love literature (Portuguese, Brasilian and
English) and I feel that I fit in here. (Heloísa 1)
First of all this was my first option because I really like English. The other reason
is my wish of becoming a good English teacher and a translator. (Juliana 1)
I decided take this course last year because I always liked English. My parents
didn’t liked so much because I was making a preparitor classes to do Agronomy
and in a few days I changed my mind, I was a little confused but I decided that I
wanted to do translation. (Marina 1)
A afirmação
because I like English se repete a cada aluno, adquirindo feições do
óbvio, esperado. Se, porém, em Daniela, é a experiência presente e passada
que se destaca, todos os outros alunos apontam para um ‘ir além’, em termos da
profissão ou experiências futuras.
Já as referências encontradas nesse mesmo diário 1 sobre o que entendiam ser
‘aprender uma língua estrangeira’, exemplificam minha primeira experiência do
inesperado com respeito às manifestações nos diários. Os seis alunos presentes
àquela aula e os seus pequenos textos focalizam, de forma unânime, não o que
é aprender uma língua, mas para que se aprende. Nenhum texto fala do
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
107
processo de aprender línguas, como experiência pessoal ou em forma de teoria
implícita – minha expectativa primeira ao formular a pergunta. O que se explica:
provavelmente os alunos não traziam até aquele momento a vivência da
reflexão sobre a própria aprendizagem. Mesmo Juliana e Mônica, que citam
preocupações comuns em um curso de línguas – o desenvolvimento da
gramática ou pronúncia, ou de habilidades como escrever e falar – fazem-no em
termos de um produto já alcançado, o ‘saber’ a língua, e imediatamente após
apontam este para quê. Assim, nos textos de todos os alunos, no seu falar
sobre a relação que mantêm com a língua estrangeira, o que se sobressai é o
significado do aprender como algo que vai além da experiência presente ou do
próprio domínio da língua: é muitas vezes, e muito mais, uma percepção do que
é possível ou o que se deseja por meio da língua – ou por causa dela.
In my opinion, learning a language is a pleasure, is knowing different cultures
and ways of life; is meeting new people around the world… (Daniela 1)
For me leaning a language is having a new opportunity. In a globalized world
knowing forein languages is very important. (Heloísa 1)
It’s know that language as much as possible in all the aspects (grammar,
vocabulary, pronunciation…) and to be able to communicate using the language.
(Juliana 1)
For me learn a different language isn’t just know how to write or speak, is been
connecting with lots of things related with culture and habits, moreover nowadays
English is very useful, so people who knows English are one step ahead.
(Mônica 1)
Esses trechos representam o primeiro manifestar-se da grande experiência de
relacionamento que meus alunos estabelecem com a língua estrangeira – a
busca de significado para a experiência do aprender. Uma busca, como
veremos, que se configurará pela adesão a propostas nas quais enxergam um
horizonte de sentido; ou pela rejeição, mesmo que velada, daquelas
proposições que não lhes pareçam construir sua pessoa ou seu conhecimento.
Uma terceira provocação para reflexão lançada ainda no primeiro diário tratava
novamente do aprender, mas desta vez focando a pessoa do aluno, e repetia
aquela minha preocupação quanto ao conceito que os alunos tinham de si como
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
108
aprendizes inicialmente investigada no estudo de caso que originou a presente
pesquisa. Individualmente apresento e comento aqui cada texto produzido, uma
vez que revelam traços da identidade de cada aluno que irão se confirmar e
mesmo se fortalecer ao longo do semestre; ou traços que, como resultado de
novas experiências ou dilemas vividos, sofrerão re-definições. De forma precoce
e ao mesmo tempo clara despontam já, e em tão poucas palavras, desejos,
dificuldades, atitudes e valores que constituem o ser único e original que é cada
aluno.
What makes me a good E learner is the environment I learn and the people I’m
with. If I am not feeling confortable with the people or the place, I will not learn,
not participate in the classes. I am shy. (Daniela 1)
Daniela reagia à questão sobre o ‘bom aprendiz de inglês’. E, nesse sentido,
que percepção tem da própria experiência? A aluna limita-se, em sua resposta,
a indicar o papel do ambiente da sala de aula e do relacionamento com o grupo
como decisivos para seu aprender e mesmo para sua participação, e finaliza o
texto apontando uma característica de sua personalidade
I am shy que em
outros momentos e no contexto de outros diários retomará. O ‘sentir-se
pertencendo’ será para Daniela sempre a referência maior – a relação que
mantém com a aprendizagem da língua estrangeira passa inevitavelmente pelo
colega, de quem fala e, por vezes, com quem fala (embora não seja ele o leitor
de seu texto). Uma necessidade expressa agora e também no último texto que
escreve. E em outros no meio do caminho… E, mesmo que não o diga
explicitamente, determinante frente à sua revelada timidez. Aliás, Daniela
assume em sua plenitude a afirmação de Quintás (1995) de que, sem nos
relacionarmos, não nos constituímos integralmente como seres humanos – nem
como aprendizes, então.
Ao falar de si como ‘bom aprendiz de inglês’, também Heloísa cita o ambiente,
mas de maneira bastante diversa de Daniela – delineando uma atitude de
defesa quanto à sua experiência com a turma do semestre anterior que será
mais completamente compreendida apenas na leitura da totalidade de seus
diários. Um sentimento também de desconforto, que se expressará em várias
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
109
respostas de seu primeiro texto e em conversas posteriores em aula, mesmo
agora que a turma é diferente e a professora também. Uma experiência
negativa, de marginalidade – lida neste pequeno trecho apenas nas entrelinhas
– que a faz o tempo todo, no seu relacionamento cotidiano com os colegas,
expressar a urgência de uma nova experiência de aprendizagem, não
excludente.
I think what makes me a good English learner is the fact that I live the language.
What I’m trying to say is that I use it everyday and I have the notion that I have
lots to learn because only the fools are “know it all” and I don’t want to be the fool
in here. (Heloísa 1)
Voltando a Quintás (1995), é possível dizer que Heloísa vive a busca do
encontro como espaço para o acolhimento. Pode-se mesmo afirmar que reside
aí uma possibilidade para a reconstrução de sua identidade. No início de seu
texto, a aluna valoriza a presença do inglês como parte de sua vida no dia a dia,
e não apenas como ‘tema de aula’; e, logo após, faz aquela que pareceria à
primeira vista uma simples fala adequada de um aluno consciente,
I have the
notion I have lots to learn.
No entanto, no conjunto de suas manifestações,
entende-se essa como sendo uma resposta indireta a alunos não mais
presentes e a experiências prévias de rejeição e não-aceitação – de tal forma
que, em outro momento desse mesmo diário 1, diz,
I’m happy now that the class is
smaller and that I know everybody is patient and sympathetic to my deficiencie.
Heloísa
parece querer ou precisar explicar-se quanto a isso, mesmo que seja para uma
professora que sequer a conhece ainda... Porém, como veremos no decorrer da
análise, esse seu discurso não deixa de se mostrar de certo modo contraditório,
se considerarmos a independência que Heloísa em outros momentos defende,
ou mesmo sua expressa indiferença, em outros diários, quanto à aprovação do
professor ou dos colegas com respeito a seu maior envolvimento no curso ou
não.
São de outra natureza daqueles de Daniela e Heloísa os discursos de Marina e
Mônica sobre a experiência ou concepção de si como aprendizes. Nas duas
alunas de imediato desponta um traço de suas identidades que se manterá: a
importância que conferem a vencer todas as tarefas apresentadas, colocando
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
110
basicamente sobre o próprio esforço e tenacidade a responsabilidade em
relação ao seu aprender. O que significa, entre outras coisas, não desistir de
responder àquilo que possa vir a construir seu conhecimento da língua inglesa.
São um empenho e decisão sintetizados, em Marina, nas poucas palavras,
it
depends just on me;
em Mônica, na afirmação que combina constatação e
decisão, last semester I didn’t do my best but I decided to do better now.
What makes me a good learner is the way I study, it depends just on me. Pay
attention in the classes, study at home, listening songs, dialogues, etc. (Marina
1)
I’m always trying to do the best I can, I never forget to do my homework, I go to
CEAL, I read magazines. I must confess that on last last semester I didn’t do my
best but I decided to do better now. (Mônica 1)
O prazer que Juliana procura e demonstra em seu ‘descobrir’ a língua
estrangeira e poder torná-la parte da rotina de sua vida além da escola aparece
já em seu primeiro diário. São esses os traços que transparecem mais
nitidamente da leitura do conjunto de seus textos: em primeiro lugar, a
necessidade de uma aprendizagem vivida como algo agradável, que traga uma
satisfação mais imediata. Depois, uma aprendizagem que faça sentido em sua
vida também fora da sala de aula: para Juliana, o significado de aprender a
língua estrangeira se encontra fortemente na possibilidade de usá-la na ‘vida
real’, o que vem corresponder a um engajamento com a aprendizagem no qual a
linguagem existe para construir significados (Moita Lopes, 2002) – na situação
presente, mas não apenas nela.
I like the language and try to put it in my rotine, for exemple listening to musics
and watching some films covering the legend. I enjoy working in group in the
class (for exemple completing a history). (Juliana 1)
Introduzem-se nesses pequenos trechos que lemos de Marina, Mônica e Juliana
aspectos da identidade das alunas como escritoras que se mostrarão em tantos
outros textos seus – em suas reflexões sobre a experiência tenderão a prover
detalhes, apresentar exemplos que ajudem na compreensão das experiências
que descrevem e das constatações que fazem. Marina, Mônica e Juliana são
alunas que, desde o início, explicitamente aceitam a chave de orientação
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
111
(Quintás, 1999) para a compreensão da realidade à sua volta e de si como
aprendizes representada pela reflexão propiciada pela escritura dos diários. E o
caminho que percorrem será revelador das possibilidades de crescimento que
se lhes abriram ao autêntica e desejosamente se envolverem com as propostas
que lhes eram oferecidas – a redação dos diários, mas também tudo o mais que
constituiu a experiência de aprendizagem na disciplina de Língua
Inglesa:básico.
Em sua reação à mesma provocação sobre o que faz – ou poderia fazer – de si
um bom aprendiz de inglês, Thiago é o único que parece não se referir
diretamente a experiências recentemente vividas. Opta por usar o tempo futuro,
quem sabe pensando em suas expectativas (ou nas expectativas da professora)
para aquele semestre que iniciava. Porém, a afirmação
I’ll become a better learner
if
será, talvez, resultado da avaliação que traz de si (considera-se já um bom
aprendiz...) ou da avaliação daquilo que já viveu como experiência de
aprendizagem.
I’ll become a better learner if I dedicate myself very much and keep “in touch”
with English language. (Thiago 1)
Para Thiago, este
dedicate myself é sempre falado em termos de um percurso
construído de forma individual, em uma afirmação do conceito de si que revela
uma experiência (ou será discurso?) bastante diferente daquela vivida por
Daniela, por exemplo. E, por outro lado, é um dedicar-se também diverso de
Mônica e Marina. Para estas, colocar o empenho próprio no centro de sua
história de aprender não significa negar o outro como elemento integrante ou
mesmo direcionador do processo. Já Thiago, como veremos, em diferentes
diários com diferentes propostas, parece ter a preocupação de demarcar esta
capacidade sua de ‘dar conta’, de não depender do outro e, principalmente, de
ser capaz de tomar todas as decisões sobre o que é de relevância ou não para
sua aprendizagem da língua estrangeira.
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
112
O outro na construção de um conceito de si
Esse primeiro diário, escrito pelos alunos em sua primeira aula do semestre,
levanta um fator presente na construção de sua aprendizagem e na constituição
de sua identidade como alunos que encontrará sua confirmação em dados
emergentes em vários outros momentos – a questão de quanto a construção de
um conceito da própria pessoa se dá na relação com o outro, em particular, na
relevância da relação com o colega.
A esse respeito, são exatamente Daniela e Heloísa as alunas que retomam com
maior ênfase o argumento quanto à necessidade de ‘sentir-se acolhido pelo
grupo’, cada qual expressando à sua maneira, e a partir de situações vividas
anteriormente, a importância do outro para a construção de sua aprendizagem e
configuração de sua identidade.
If my classmates make me feel confortable, I will learn a lot and they can help
me if they know more. (Daniela 1)
My classmates can help me by not judging me. I’m happy now that the class is
smaller and that I know everybody is patient and sympathetic to my deficiencies.
(Heloísa 1)
Nas palavras de Daniela e Heloísa encontra-se o reconhecimento de quão
entrelaçadas estão a construção de significados por um lado, e a da identidade
por outro. E também o reconhecimento de quanto estes são constituídos a partir
dos vínculos que cada uma delas vem a criar com o outro, seu colega, ou com o
ambiente da sala de aula, no confronto que estabelecem consigo mesmas e
com as próprias experiências. A presença do outro re-modela o modo como se
percebem, transforma-as, redefine-as (Wenger, 1998; Gee, 2000). A percepção
que têm de sua capacidade individual de aprender ou de participar da
construção conjunta de conhecimentos em classe passa pela percepção que
têm do conteúdo das interações vividas.
A urgência manifestada por Daniela e Heloísa quanto a uma experiência que
resgate a positividade dos relacionamentos se destaca ainda mais se
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
113
pensarmos serem elas as alunas com maior conhecimento de inglês no grupo, o
que poderia levar-nos a imaginá-las como talvez até prescindindo da presença
ou avaliação dos colegas – afinal, em termos do conteúdo da disciplina, não são
os pares mais experientes? Reaparece fortemente aqui a noção que Quintás
(1995) nos apresenta do “encontro” como acontecimento constitutivo do ser
pessoa o qual, ao favorecer o tecer da própria experiência e realidade na
comparação com outras experiências e realidades, enriquece a si e ao outro.
É Juliana que, em seu processo de reflexão, explicita a história vivida pelo grupo
e deixa entrever com maior clareza as razões para o anseio e necessidade
revelados quanto a uma nova qualidade nas relações humanas; uma história de
dificuldades que não será esquecida, tanto que a aluna a retomará na entrevista
no último dia de aula – quando dirá que o semestre anterior não fora proveitoso
at all por causa da estranheza experimentada nos relacionamentos na classe.
Last semester we had problems with it because some of the classmates didn’t
feel happy and confortable in speak English in front of the others and it caused
an umpleasant situation with all the class.
But in fact I don’t think this’ll happen now we are in less people, whose already
have a good relationship. Now I’m sure we are going to speak more and for me it
will help a lot. It was a big problem for me to interact the course as I really should
and could. (Juliana 1)
Colegas do semestre anterior, agora em outra classe, fazem-se presentes
nestes e em outros momentos dos diários. Se levarmos em conta que
experiências não são isoladas, e se recordarmos a história particular deste
grupo de alunos no primeiro semestre de seu curso, apreenderemos melhor o
significado contido nas palavras de Daniela, Juliana e Heloísa. Toda experiência
tanto assume algo daquelas experiências que a antecederam quanto modifica,
de alguma forma, a qualidade daquelas que a sucedem (Dewey, 1938/1963). A
história prévia do grupo, que lhes causava um sentimento de desconforto e fazia
com que se vissem como foco de julgamentos pelos colegas, coloca para cada
aluna como elemento essencial para sua aprendizagem sentir-se ‘confortável’
ou ‘livre’ frente à classe. Também Hall (1995), a partir de uma perspectiva sócio-
histórica, explica o que acontece dentro da sala de aula como elementos de
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
114
uma trajetória, em que outras realidades que vieram antes constroem e explicam
o momento presente. Aliás, a referência a experiências passadas é recorrente
nos diários de Daniela, Heloísa e Juliana. É visível a ressonância do que
viveram sobre o hoje, e leva a pensar sobre a ressonância do que vivem e
dizem hoje sobre suas ações futuras, e sobre suas identidades futuras.
Aparecem delineados já nesses relatos das três alunas, em seu primeiro
encontro com a nova professora e com uma nova composição do grupo, um
anseio e uma disposição por uma re-negociacão dos significados da experiência
como membros daquela comunidade social. Uma disposição quanto a um novo
pertencer, a ser construído por meio de novas possibilidades de
relacionamentos, um pertencer que ofereça um novo olhar sobre si e sobre a
própria capacidade de aprender. E, concomitantemente, um anseio quanto a um
contexto que, enquanto facilite a sua aprendizagem da língua estrangeira e
permita usar a língua como expressão total de sua pessoa, faça-as sentirem-se
completamente parte daquela comunidade. É a concepção do homem inteiro,
indivisível, apontada por Frankl (1997) – como separar uma parte do que sou? É
também a experiência de aprendizagem dialogando com todo e cada detalhe da
pessoa, como repetidamente diz Wenger (1998).
E então, no texto de Thiago, encontramos a explicitação de uma experiência de
qualidade diversa.
My classmates can help me when I ask them to help. They can also correct me
when I make some mistake. (They’ll help if they can tell me that I’m wrong)
(Thiago 1)
Como Thiago participa da construção de sua comunidade, ou então, como vê a
construção de si em meio ao grupo a que pertence?
My classmates can help me
when I ask them to help –
procuro ajuda se preciso, o que parece suficiente. E
meus colegas contribuirão para meu crescimento em situações bem definidas,
quando souberem mais –
They’ll help if they can tell me that I’m wrong. É como se o
outro não estivesse sempre lá, constituindo a mim e ao meu aprender. Ou
melhor, está, mas o que penso de mim, o que construo para mim, passa muito
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
115
pouco por ele. Thiago aparentemente não valoriza a construção de
determinados vínculos que poderiam significar um caminho produtivo para sua
aprendizagem, e deixa de viver a construção de seu pertencer e de sua
identidade que nascem de um compartilhar de perspectivas, valores e,
principalmente, práticas e ações.
É um cultivar a independência que ajuda pouco a moldar e construir a
comunidade da qual faz parte. É uma postura frente à construção de seu próprio
aprender que se distingue profundamente daquela de Marina, Daniela, Juliana e
Mônica, como entenderemos melhor mais tarde. Por sua adesão ao grupo e às
propostas concretas de envolvimento com o aprender a língua estrangeira,
essas alunas vêm a corresponder, de forma próxima, ao que Dewey
(1916/1967) apresenta como quesitos para a definição de uma comunidade: um
espaço em que a compreensão comum de objetivos, crenças, aspirações e
conhecimentos assegura a participação e mesmo maneiras semelhantes de
responder a expectativas e exigências (p.5). Thiago, ao contrário, parece
procurar uma certa distância. A trajetória periférica (Wenger, 1998:154) que
percorre, esta relativa marginalidade que vive e defende não terá talvez sua
origem na estranheza ou insatisfação com que encara as oportunidades de
aprendizagem que lhe ofereço?
Assim, fortemente provocada por aquilo que o aluno nesse primeiro e em outros
diários revela sobre sua relação com o aprender, por meio de pontos de vista
que insiste em abertamente expor, nele me detenho mais longamente agora.
Thiago: uma história de resistências
Em que, mais especialmente, Thiago me provoca e intriga?
No modo seguro e
cheio de certeza com que reiteradamente expressa sua identidade marcada
pelo desejo de não-dependência, no modo como se revela um aluno que se
concebe sozinho em sua experiência de aprender. E que, portanto, prescinde
do outro. Mesmo do professor.
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
116
I don’t like doing homework.
Actually I know my responsabilities and I don’t think that homework won’t force
me to do things.
I do things because I know I have to do them. (Thiago 4)
Isso é tudo o que Thiago diz sobre sua experiência quanto a homework. Não há
relatos de experiências precisas, um detalhe sequer. Há opiniões. Dentro disso,
fazer ou não a lição de casa – situação típica dentro do processo de aprender
em que não há o controle direto do professor – aparece como decisão e
responsabilidade absolutamente suas. Mas em que sentido seriam essas
diferentes da responsabilidade e decisão assumidas em classe, na presença do
professor, como resposta a um caminho apresentado para seu maior
desenvolvimento como aprendiz da língua estrangeira? Thiago insiste em
reafirmar, a cada oportunidade, a sua independência.
Unfortunately even after our discussion in class I still keep thinking that
homework is boring and doesn’t help me (most of the time).
I think that is
the student (grifo do aluno) the one who knows the best for him or
herself. In my case I’d prefer reading some book or something interesting to me
to do lots of exercises that repeat things given in class or mechanical things.
(Thiago 13)
Há bem mais a se depreender desses pequenos textos de Thiago. Por que seu
aparente descaso em relação à possibilidade de aprender por meio da lição de
casa? Porque, na verdade, não se aprende. Não se aprende porque apenas
repete-se em casa o que é feito em classe, ou porque tudo o que é proposto são
mechanical things. Todavia, não é essa a experiência oferecida em grande parte
de meu curso, mas o aluno parece não enxergar… Então retoma as palavras do
universo cultural do qual faz parte (Ivanic,1994; Grigoletto, 2003),
homework is
boring and doesn’t help me,
e não se torna capaz de acolher o objeto que tem à
frente – a lição de casa conforme apresentada em minhas aulas – vencendo os
preconceitos ou imagens que sobre esse objeto construiu (Brandão, 2000). É o
discurso sobre a experiência passada, vivida em outros lugares e tempos, com
outras classes e outros professores, que se faz presente e tende a prevalecer.
Ou, quem sabe, um discurso sobre um modelo de escola e de ensino de línguas
e de autoridade que rejeita. De qualquer forma, seu próprio pensamento
aparece como medida da realidade.
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
117
No texto abaixo, que revê o processo que viveu de preparação e apresentação
de um seminário em grupos, na avaliação que faz de sua própria participação
Thiago mais uma vez deixa entrever seu desejo de autonomia e não-
dependência.
That was my seminar.
I was very nervous but I liked because I’ve learned lots of new things
(grammatically).
My “hugest” mistakes were in this part of grammar (quantitative determiners) and
in the plural form too.
Giving this class I’ve memorized the things better because it was a very great
responsibility: tell the others what I should know.
It was a great experience and I’ve worked with wonderful people who were very
democratic too. (Thiago 11)
Thiago aponta em seu diário o que individualmente aprendeu; destaca a
relevância de memorizar o conteúdo do seminário para poder apresentá-lo
adequadamente aos colegas. Repete-se o foco na própria responsabilidade e
capacidade
: tell the others what I should know. E naquela que é uma das poucas
menções que faz a colegas no conjunto dos seus textos, Thiago não o faz
reconhecendo-os como construtores de seu conhecimento – a tal ponto de
arriscarmos a interpretar sua avaliação positiva,
It was a great experience and I’ve
worked with wonderful people who were very democratic too
, como um
reconhecimento quanto aos colegas terem-no deixado fazer as coisas a seu
jeito.
Thiago se inscreve no contexto daquele grupo, daquela disciplina, conforme os
percebe, e a nova experiência proporcionada – outros tipos de tarefas com
outros tipos de exigências – de tal forma para ele assume as feições das
experiências que a antecederam, ou dos discursos que o construíram como
aluno, que será a estes que tenderá a reagir e responder em suas falas e
comportamentos. O que me leva a refletir se a experiência educativa que eu
desejava oferecer aos meus alunos era suficientemente intensa para criar em
Thiago novos desejos e propósitos, para provocar-lhe a curiosidade e iniciativa,
para recriar suas crenças ou práticas (Dewey, 1938/1963). Ou seja, se a
experiência educativa que busquei apresentar se mostrava, para Thiago, com
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
118
significado. Mesmo porque, em um trecho de seu último texto, ao avaliar o
semestre como um todo, Thiago finalmente diz claramente o que lhe interessa –
ou não.
What I dislike was writing always about ( homework, things I liked in class, etc...)
I think we could do more things like an “opinative” text as those exercises
from Biko’s test. (Thiago 14)
E, assim, em palavras e ações, Thiago hesita em seguir o caminho proposto, e
dele aproveita apenas o que individualmente decide que vale a pena. Uma
unidade ao redor do tema ‘preconceitos e estereótipos’, com diferentes tipos de
textos, muitos deles argumentativos ou de opinião, respondia mais aos seus
desejos como aprendiz, e com ela Thiago estabelece um maior envolvimento. Já
os diários, não valem muito a pena... e, então, a eles dedica pouca atenção.
Seus textos são sempre muito curtos, e mais apresentam opiniões prontas sobre
aspectos de sua vida como aluno do que reflexões sobre essa vida. Na verdade,
Thiago parece tomar decisões sobre quanta responsabilidade irá assumir em
relação ao material, ou à atividade, ou ao conteúdo propostos antes mesmo de
ver-se colocado frente a eles. Reluta em aceitar os contextos de participação
oferecidos ou em resgatar o valor de um novo discurso que circula – uma
atitude de resistência que se mostra, por exemplo, em um diário no início do
semestre, onde se opõe até mesmo a argumentos de colegas,
Lots of people told (in the class) that is important because it (riches) the
vocabulary. But I think that if someone wants to learn it, this one learn by its own.
These is no need of writing new words, etc… (Thiago 3)
e que se confirma, quase ao final do curso, no diário onde comenta com Mônica
a recusa da classe em desenvolver a atividade de leitura a partir dos roteiros de
leitura.
Nothing, as you said, will change our minds. (Thiago 12)
A atenta releitura dos textos de Mônica mostra que não é isso que a aluna, em
momento algum, afirma. Mônica, assim como grande parte de seus colegas,
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
119
vive uma relação contraditória com os reading guides, aceitando-os (ou
impondo-se o compromisso de aceitá-los) em seu valor para o desenvolvimento
de sua leitura por um lado, e negando-os pela forma –
tiring and boring – com que
conduzem essa leitura, por outro. Thiago, no entanto, parece não se permitir
esse tipo de conflito. Suas palavras são sempre cheias de certezas
anteriormente construídas, e o aluno se mostra aqui pouco provocado à
confrontação. Seus textos, construídos basicamente sobre avaliações
desprovidas de narrativas de exemplos concretos da experiência, passada ou
presente, tendem a tornar-se um conjunto de julgamentos de valor que
predomina sobre a observação e não auxilia na compreensão ou reconstrução
da sua ação como aluno (Liberali, 2004:10). Há uma insatisfação quanto à
experiência vivida, porém não fundamentada na descrição dessa mesma
experiência. Quem sabe, até, porque em sua história anterior como aluno não
viveu a oportunidade de exercer a reflexão e exercitar a argumentação a
respeito das próprias ações.
Thiago tende a perceber da realidade o detalhe que já havia antes decidido
perceber. Aceita da proposta educativa apenas o que imediatamente demonstra
corresponder a suas expectativas como aprendiz. Assim, a categórica afirmação
nothing will change our minds é de sua própria autoria apenas, e parece
reassegurar a sua indecisão ou recusa quanto a verdadeiramente abandonar-se
ao evento de aprendizagem e à reflexão sobre ele propostos e, nesse seu
processo de indecisão ou recusa, deixa de viver a oportunidade de reinterpretar
a própria experiência (Guissani, 2004:26) e ver sua identidade reconstruída.
Sim, de fato, de um ponto de vista particularmente meu, como sua professora,
com os objetivos e atividades que eu havia construído para minha disciplina, é
possível dizer que Thiago relutou em se entregar à ação educativa proposta e,
dessa forma, deixou de mais completamente viver a possibilidade de
reinterpretação da experiência e de reconstrução de sua identidade como
aprendiz da língua estrangeira. Mas será que na superfície, nas palavras
encontradas nos diários, encerra-se toda a experiência vivida por ele no
semestre (Wenger, 1998)? Mesmo porque, ao retomar as anotações produzidas
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
120
da conversa final que mantive com Thiago, encontro novas palavras que
parecem contradizer outras afirmações suas e mesmo seu comportamento,
“professora, você tem que continuar a nos dar diários”.
Revendo com atenção o que pensei, li ou escrevi sobre Thiago, vêm-me à
mente outros fatores que levam a outras e adicionais maneiras de interpretar
sua história. Sua autonomia desejada e confiança festejada não teriam a ver
com o fato de ser o único menino da classe e, portanto, com o fato de ter de
carregar ou defender um estereótipo que lhe pede que vença tudo, que não
demonstre fraquezas ou não dependa de ajuda? Ou será, por exemplo, que ao
não diretamente solicitar nos diários nenhuma reflexão sobre uma vasta unidade
acerca de esteoreótipos e preconceitos – à qual o aluno espontaneamente se
refere na conversa pessoal da última aula como “uma discussão que deixa você
mais conectado e facilita os relacionamentos em classe” – deixo de lhe
apresentar a oportunidade de manifestar-se sobre aquilo que mais plenamente
lhe corresponde como pessoa e como aluno? Sob a perspectiva de Thiago,
perpetuo certos modos de dar aula, ou priorizo materiais para a aprendizagem
da língua estrangeira, de uma forma que não parecem responder às suas
necessidades. Estaria talvez aí o dito nos silêncios, no não-dito de Thiago. Ou,
quem sabe, estaria aí o não-dito presente no seu dizer.
Léia: no desejo de respostas, a possibilidade de reconstrução
E, aqui, apresento Léia. Pelo contraste que representa a Thiago. De atitude
próxima ao colega nas primeiras semanas de aula – um certo desinteresse e
uma falta de entusiasmo aparentes, uma atitude por vezes preconceituosa,
refletidos principalmente em suas primeiras reações às propostas feitas pela
professora – vê-se em Léia a identidade reconstituída ao longo do semestre.
Descobre-se na aluna um crescente desejo manifesto de expor seus pontos de
vida sobre suas experiências e, mais do que isso, de descrever e entender
essas experiências. Gradativamente seus textos se vão tornando retratos do
que vive em seu caminho de aprendizagem, e não meros discursos
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
121
estereotipados sobre ele. Em sua conversa com a professora no final do curso
dirá, “gostei dos diários, ajudaram-me a refletir sobre o semestre. Mas não sei
dizer em que mudei”. São palavras que de maneira próxima confirmam a
experiência vivida e exposta em seus textos.
Léia não se deixa vencer pela inércia. Sua resistência ou possível descaso
iniciais vão sendo passo a passo transformados; e, contraditoriamente, embora
em seu discurso continuasse a mostrar um calculado afastamento dos diários,
na realidade experimentava em relação a eles um envolvimento cada vez maior.
É assim possível dizer que, com a ajuda da reflexão propiciada pela redação
dos diários, a aluna recria concepções sobre si, e concepções e práticas em
relação ao aprender. Ao aceitar o convite para o confronto com a própria
experiência, Léia experimenta o despertar de uma nova consciência sobre si e
sobre a realidade à qual pertence (Frankl, 1997).
É uma reconstituição lentamente elaborada. Aqui e ali se reconhecem seus
indícios primeiros. Como nos relatos dos diários 3 e 5. Escritos no espaço de
uma semana apenas, neles Léia estabelece uma comparação entre suas
experiências com relação aos dois modelos de roteiro de leitura, vividas em dois
semestres diferentes.
I didn’t really like doing the reading guide. It was too boring. You just copy the
answer down. The only thing good about it is that you may (sometimes) learn
some new words. (Léia 3)
Aqui a aluna fala sobre o semestre anterior. O que ficara dos roteiros daquele
momento? Uma impressão de desnecessário, dispensável – tanto trabalho para
aprender ( às vezes!) umas poucas palavras!
I don’t know really why but I liked this R.G. better than the others. Maybe
because it’s different. Or maybe I’m different. Whatever the reason is, it doesn’t
really matter. The most important thing is that I’m paying more attention when I’m
reading something. (Léia 5)
O que há de novidade no diário 5?
I’m paying more attention when I’m reading
something,
diz a aluna, e não cita o fato das palavras novas. Porém, mais
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
122
relevante, é a afirmação de uma certa surpresa para si mesma, I don’t know really
why but I liked this R.G. better than the others
. Ocorre uma mudança de percepção,
quem sabe sobre o próprio roteiro
, maybe because it’s different. Mas não é apenas
isso, reflete Léia logo depois. Há o reconhecimento de uma nova percepção
sobre si mesma
maybe I’m different.
Um olhar rápido sobre esses diários de Léia, isolado do todo que compõe seus
textos, apontaria quem sabe para uma simplificação que faz da experiência.
Como aceitar tanta mudança, em tão pouco tempo? Porém, ao longo de todo o
trajeto percorrido pela aluna, a dúvida ou o conflito caminham lado a lado com a
reconstrução. Na sua aparente indecisão e expressa contradição, Léia com
insistência busca uma palavra para si. Que defina sua própria pessoa, e sua
relação com o aprender. No diário 9, que pedia uma releitura dos próprios
diários anteriores e dos comentários a eles feitos pela professora, Leia volta a
falar dos roteiros de leitura. E eis o que diz.
August 13th
I know that’s not the main purpose of the RG, I just wrote how I feel. I know its
purpose is to make us understand the text in a critical way. It´s to turn us into
good readers (at least good English readers)
August 20th
I don’t really know…maybe I’m more mature and less lazy…but still I don’t like
R.G.s! (Léia 9)
Há o desejo de entender o valor do que é proposto -
It’s to turn us into good
readers
. Mas aquela impressão primeira – I don’t like R.G.s! – é imediatamente
após recolocada. E, mais tarde, no diário 12, nas palavras que Léia dirige a
Alessandra quando escreve no caderno da colega, a dúvida retorna. Mas em
que sentido? É retomada a questão do significado da experiência. O roteiro é
um exercício mecânico; simplesmente colher informações sobre o conteúdo do
texto não quer dizer aprender. Ou, o que se aprende não se mostra
suficientemente relevante para valer a pena o esforço.
I agree with most of the things you said in your journal. Specially about the new
reading guide we did. I also didn’t like doing it. It was really, really boring.
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
123
I think you’re right about that getting new information thing. We don’t really learn.
I think the teacher didn’t get what you meant but I did. Just because you received
new information it doesn’t mean you learned it, I mean sometimes you do learn
something nice but most of times you don’t learn something useful or important.
And besides, I think it was too mechanical. (Léia 12)
E, novamente, quase ao final do semestre.
There’s some misunderstanding that I’d like to clear up.
About R.G. …maybe I didn’t make myself very clear.
I hate criticizing without giving any solutions. The problem (my problem) with RG
is the way it’s presented. I think the idea of the RG is good because we get to
read an article very carefully. What ruins all the RG idea is the way we present it:
we just hand it in to you, you correct and give it back to us. RG would be much
more interesting if we presented it to the class. If we comented or talked about
the article we read, our impression of it, our troubles reading it…things like that.
So, just for the record, I would like RG much more if it was more oral (I know, I
know…your class it’s writing). The only problem with RG it’s the way it is
presented. (Léia 13)
Léia parece viver a batalha de tentar entender as razões de algo que não se
mostra, à primeira vista, com um significado para sua aprendizagem. Talvez,
consciente dos mecanismos de autoridade escondidos até mesmo na interação
estabelecida através dos diários, relute em negar mais incisivamente o valor de
uma proposta cuja importância a professora reitera. No entanto, também
pertinente e até mesmo intrigante, é o fato de os reading guides terem sido
abandonados como atividade de leitura já na segunda semana de aula. Que
peso a memória da experiência vivida – os três roteiros produzidos no semestre
anterior – exerce sobre a imagem que Léia tem sobre a aprendizagem da língua
estrangeira na nova experiência que lhe é oferecida nesse novo semestre? E
qual o peso de outras experiências, em outros contextos?
Assim, em Léia, muitas vezes é o discurso do preconceito que inicialmente
predomina. Para ser posteriormente repensado e revisto. Por meio da
experiência. Antes mesmo de ver iniciada a unidade sobre seminários a respeito
dos substantivos contáveis e incontáveis em inglês, a aluna a recusa.
A seminar is good when is about history or science (in my opinion of course). But
of course we’re not having any of those. When a seminar is about “words”,
“nouns”, it’s very boring. But very important too. (Léia 7)
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
124
Ter de se envolver com a preparação e apresentação de um seminário onde o
foco é a própria língua estrangeira? Léia quer rejeitar a proposta. Mas logo
depois, ainda na fase de preparação das apresentações, já se manifesta de
forma diferente – desta vez a partir da experiência de estudar os substantivos
contáveis e incontáveis para deles poder falar aos colegas.
I take it all back what I’ve said about a seminar about “words”. It was very
interesting and it wasn’t boring at all (as I thought it would be!) (Léia 9)
E, mais tarde, ao avaliar a sua participação individual na unidade, a aluna
detalha a experiência vivida. Especifica com cuidado o que aprendeu – sobre a
língua, mas também sobre como preparar e apresentar seminários. Em uma
maior intimidade com os diários como instrumento de diálogo com a professora,
arrisca mesmo a questionar a orientação dada quanto a apontar o que havia
sido de ‘maior relevância’ para sua aprendizagem.
The seminar was very valuable because I’ve learned some things. I don’t think
the word “relevant” can be followed by a level. Or something is relevant or it’s
irrelevant.
About the things I’ve learned…I’ve learned some important things like, for
example, I used to think that uncountable nouns had no plural form. In fact, it
doesn’t have one but it also doesn’t have a singular form.
I’ve learned some words that are uncountable in English but countable in
portuguese. Words that I used to use as countable nouns.
During the whole process, I’ve learned some things in terms of organizing and
presentning the seminar, like how to prepare a handout and don’t be too obvious
or too difficult when you’re selecting the material to be presented.
The thing that I would do differently next time is…I don’t really know. Maybe I
would spend more time preparing the seminar. (Léia 11)
O movimento em direção a uma nova percepção da experiência de aprender se
destaca. Acompanhado, ou como resultado, de uma maior abertura e
disponibilidade em aceitar o que é oferecido como caminho para sua
aprendizagem da língua estrangeira. Não é um movimento sem dúvidas ou
contradições; entretanto, não são estas que prevalecem. Talvez respondendo a
expectativas do professor, talvez dando um pequeno passo para uma nova
definição de si e de seu aprender, Léia havia concluído o diário 7 afirmando
But
very important too
. Mesmo que não soubesse em que sentido. E o sentido depois
se revela. Portanto, não são as contradições que mais importam. Elas fazem
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
125
parte do caminho de reconstrução. São parte do caminho em busca de
respostas. As respostas apareceram; e a reconstrução, nesse caso, foi possível.
À procura do significado, sempre
Em Léia, as críticas, recusas e negações vêm acompanhadas de uma tentativa
de entender porque as propostas estão lá, como parte do curso. Por isso,
pequenos comentários cá e acolá, direta ou indiretamente dirigidos à professora,
parecem buscar uma confirmação. Muitos dos textos da aluna partem de
dúvidas, avaliações críticas, hesitações....e como terminam? Com uma frase
positiva que, embora na forma de afirmação, mais parece uma pergunta em
busca do valor daquilo que vive como experiência de aprendizagem. Desde o
primeiro diário que escreve, comentando uma aula sobre formação de palavras.
I don’t really know what to say. That was the first time I had prefixes and suffixes.
It was nice…a little bit trick but nice. I liked the class and the subject… oh, and
also the teacher. (Léia 2)
passando pelos diários 5 e 7, sobre o roteiro de leitura e a proposta de
seminário sobre substantivos, como vimos. Mas há ainda a frase final no diário
8, a respeito de um texto discutido em classe
Nothing is really new to me. Everything I’ve read I already knew. And also the
teacher had already told us that.
But, hey, still, everything is interesting and relevant. (Léia 8)
Ou, ainda, retomando reflexões anteriores
August 27
th
Why is homework important? I think I’ve had already answered that.
If nobody does the homework then it’s impossible to have a class because all
your classes are based only on homework.
Homework is important because you always learn something new.
Impressões tais como é/não é importante, é/não é interessante é/não é bom, ou
ainda gosto/não gosto, com freqüência despontam nestes e em outros textos de
Léia, e também de outros alunos, independentemente do conteúdo, ou do tipo
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
126
de atividade, ou da experiência que são chamados a comentar. São impressões
que geralmente vão além do grau de menor ou maior dificuldade constatada, ou
da imediata correspondência estabelecida com inclinações ou estilos pessoais:
têm muito mais a ver com a percepção que os alunos têm do valor daquele
pormenor da experiência de aprender a ngua estrangeira dentro da totalidade
da sua experiência como alunos e como pessoas. E, assim, serão muitos os
exemplos em que a relação vivida com a aprendizagem – mesmo que não
imediata ou necessariamente prazerosa, ou se marcada por algum tipo de
restrição ou limite – quando carregada de sentido, vale a pena e não faz desistir.
Para ilustrar, podemos partir dos relatos de Daniela, Juliana e Marina em seu
segundo diário, produzido ainda na primeira semana do semestre, e no qual
deveriam escrever livremente sobre a experiência daquele dia em particular:
uma aula talvez vista como ‘tradicional’, já que lidava com aspectos lingüísticos
(a formação de palavras em inglês), com seus exercícios sobre radicais, sufixos
e prefixos, e extensiva exigência de consulta ao dicionário. Começa a delinear-
se com mais evidência, nesse segundo texto reflexivo, a essência da
experiência de aprender para meus alunos, já apontada em seu primeiro diário
do primeiro dia de aula e que virá consolidar-se nos diários seguintes, sob as
mais diversas formas: a experiência de busca de (re)significado… para a
experiência.
Today we had our second class and it was about roots, suffixes and prefixes… I
was surprised at the beginning of the class because I thought these subject were
easy to deal with. In fact, I thought I’d already know everything about it…but I
realized it is much more interesting than I thought!
I could see that it will help me not only in reading but also in translation. Now I
know I will have to study this subject a lot in order to improve my skills.
So, let’s call it a day!
Dani Anjinho (Daniela 2)
Today was the second class. We are studying morphology and it’s being better
than I taught because I rarely stop to think about a word, the root, prefix, suffix.
What’s the meaning of each one. So, this exercises makes me pay more
attention for it.
However, searching words in the dictionary is not so nice and take a long time; to
do the exercises I taked more than two hours because I read the word and the
meaning and others words… I have to admit that’s productive. (Marina 2)
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
127
While we were practicing roots, prefixes and suffixes I noticed that it isn’t so
difficult as I taught it was. I’d already seen and studied it before but this time I
could understand it better and I discovered that this subject I need to really
practice to learn.
During the class I enjoyed looking for some words in the dictionary because I
could choose the ones that I didn’t know the meaning and improve my
vocabulary. I learned a lot today. (Juliana 2)
Esses são relatos que muito dizem sobre Daniela, Marina e Juliana e sobre
traços de sua identidade como alunas, os quais se irão repetir em reflexões
posteriores. O que há de comum nos três textos, e o que trazem sobre a
experiência de aprender a língua estrangeira neles contida?
Em primeiro lugar, há a comparação com a experiência anterior. Nesse sentido,
há, em cada texto, a descoberta de um ‘novo e interessante’ em relação a
experiências muito particulares do ‘antigo’ – o estudo de morfologia. E que se
configurará de forma muito particular para cada aluna também.
Em Daniela, há um novo e interessante que se revela na surpresa em perceber
que há mais a saber sobre algo a respeito do qual pensava saber tudo
, I was
surprised at the beginning of the class because I thought these subject were easy to
deal with. In fact, I thought I’d already know everything about it…but I realized it is much
more interesting than I thought! ...
e perceber para o que serve – I could see it will
help me not only in reading but also in translation.
Para Marina, o que conta é um
novo olhar sobre as palavras, sobre detalhes das palavras – estudar morfologia
é melhor do que imaginava, a aluna explica porque, há uma mudança de
percepção que aponta para uma disposição a uma mudança de comportamento:
uma maior atenção àquele objeto de estudo,
We are studying morphology and it’s
being better than I taught because I rarely stop to think about a word, the root, prefix,
suffix. What’s the meaning of each one. So, this exercises makes me pay more attention
for it
. E, para Juliana, fica a importância de entender melhor um objeto
conhecido, e de descobri-lo de uma forma agradável,
I’d already seen and studied
it before but this time I could understand it better. During the class I enjoyed looking for
some words in the dictionary.
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
128
Mas a experiência vivida é mais que isso! Há a constatação de uma novidade ou
dificuldade que não paralisa, que quer ser (e é) vencida na descoberta do
significado da experiência, e que da mesma experiência faz desejar mais:
Now I
know I will have to study this subject a lot in order to improve my skills,
diz Daniela; e,
nas palavras de Juliana
, I discovered that this subject I need to really practice to learn.
Uma nova experiência que cada aluna sintetiza a seu modo: Marina, na
conclusão
I have to admit that’s productive; Juliana, na constatação I learned a lot
today;
e Daniela, na exclamação final So, let’s call it a day!
Independentemente da forma que assumem para cada uma das alunas, não
seriam os relatos que vimos a afirmação da correspondência que encontram e
reconhecem em aulas e materiais e exercícios e atividades que favoreçam a
aprendizagem, em contraste com a possível recusa ou descaso frente àquilo
que simplesmente parece ‘estar lá’, como parte da tradição na maneira como a
língua estrangeira vem sendo ministrada? Tanto que o novo, quando carregado
de sentido, ou o antigo, quando re-significado, é o que motivava e movia os
alunos ao longo do semestre.
Marina: na disponibilidade em acolher a proposta, a resposta para o
empenho
Talvez seja este o espaço para falar de Marina um pouco mais demoradamente,
pois em seu diário 2 desponta já com força o nível da experiência que permeará
a totalidade dos seus textos: a resposta que sempre espera quanto ao
significado do empenho; a vontade de vencer o árduo ou desconhecido e que
não é dominada pela dúvida ou pelo reconhecimento das próprias limitações.
Surpreendeu-me na aluna a prontidão em aceitar a proposta de reflexão por
meio dos diários, neles introduzindo questões relevantes para sua
aprendizagem da língua estrangeira – suas dúvidas, incertezas, constatações,
descobertas, com especial cuidado pormenorizando suas experiências e seus
pensamentos sobre elas. Uma prontidão já manifestada em seu primeiro diário,
quando responde à questão sobre o que é aprender uma língua estrangeira.
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
129
For me, learning a language is always good because you know others costumes,
differents ideals, I think that is very good for me and you don’t want to stop, you
always wants more and more. (Marina 1)
Acolher ou mesmo impor-se desafios no processo de aprender: em Marina, a
dúvida não impede a ação mas, ao contrário, impulsiona e promove a busca de
novas oportunidades. É sempre acolher e enfrentar o desafio porque percebe o
valor nele presente – o valor da atividade, o valor do relacionamento, o valor do
esforço. Sua experiência relatada parece corresponder plenamente à afirmação
de Frankl (1997) de que a descoberta do sentido dá à pessoa a capacidade de
enfrentar dificuldades. Como vemos no seu texto abaixo, discutindo a
experiência de homework, que com fidelidade retrata a aluna e sua relação com
o aprender.
About homework, what can I say…I always do, can be incomplete, but I do. For me,
I think it’s good because I see my difficults, what I know and what I don’t know and if
I try, in the class I take off the doubts, what’s very important.
If you don’t do the exercises in the class you stay, how can I say – travelling and
don’t take advantage of the class.
Sometimes we have a lot of things to do in others classes. Then, in this situations it’s
hard to do all of them.
You know the proverb
,
“Nothing in exaggerating is good.”
But I agree that we’re in the beginning and it’s more easy for us make a lot of
exercises now than in the end of the semester. The only problem is that all the
teachers think like that! (Marina 4)
Há muito de revelador nesse que é um dos primeiros textos de Marina: sobre
sua pessoa, seus pensamentos, seu modo de ‘ser aluna’. Inicialmente, há a
expressão daquela que aparece em muitos momentos como uma teoria sua
quanto ao aprender e ao bom aprendiz – de que a aprendizagem depende
basicamente de si, de seu esforço pessoal em cumprir tudo o que é pedido
:
About homework, what can I say… I always do, can be incomplete, but I do.
E a aluna
acrescenta,
For me, I think it’s good because I see my difficults, what I know and what I
don’t know
– são parte integrante do seu discurso as explicações ou descrições
para as afirmações que faz. E, então, no rápido comentário que imediatamente
segue
, and if I try, explicita-se sua capacidade sempre presente de dizer ‘sim’ ao
que lhe é oferecido, na busca de uma resposta mais plena para a sua
experiência de aprender inglês.
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
130
Há, ainda, a menção direta que faz à situação da sala de aula, à presença do
professor e colegas como fatores constitutivos de seu processo de ultrapassar
os obstáculos colocados à sua experiência de construção do conhecimento –
in
the class I take off the doubts, what’s very important.
Pequenas digressões, comuns
a muitos de seus textos, recuperam provérbios ou ditos populares que, além de
atuarem como um meio de expressão estética/estilística, indicam como Marina
observa e percebe a realidade
, You know the proverb,“Nothing in exaggerating is
good”.
Por último, há a assinalar a referência ao seu leitor – a professora, cujas
palavras são freqüentemente retomadas, seja implicitamente, num discurso que,
parecendo seu, repete o que foi dito em classe,
I think it’s good because I see my
difficults,
seja explicitamente, But I agree that, em um diálogo que em si denota a
abertura para acolher o diferente e provocador.
São características suas que voltam sempre. Como no diário 8, em que
responde aos comentários sobre suas reflexões anteriores. Aliás, dos nove
alunos da classe, é Marina quem mais em seus textos retomará palavras da
professora – para aceitá-las ou não, porém – demonstrando a disponibilidade
sempre presente de se deixar confrontar.
About the teacher’s comments I’m very content because now I know that I’m
taking good steps to learn more, what I want very much.
It’s like some persons says, that the only thing I know is that I don’t know
nothing, and I want to know some. Because of that I try to study, do my
homeworks, pay attention in the classes, things like that.
Unfortunately some days we’re not so good, lasy, in “another world”, turning
the classes improductive. (Marina 8)
É na relação que estabelece com a professora que Marina busca muito da
reafirmação de si como aluna. Quando, por exemplo, uma avaliação não
confirma seu empenho, vê-se em dúvidas com relação a suas impressões
anteriores. Mas, em seu diário, não esconderá seus desapontamentos. Afinal,
os diários são para falar do que é importante!
About this first unit, morphology, what I have to say is that in the beginning I
thought that it was more interesting than now. It seems easy but it isn’t. The good
side is that I used a lot the dictionary, I increased my vocabulary.
I don’t have much to say, I’m not content with my grade. (Marina 6)
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
131
Que familiaridade com os diários vai Marina desenvolvendo ao longo do
semestre! Pouco a pouco eles de fato se tornam parte de sua vida como aluna
dentro da disciplina de língua inglesa, são seu espaço para falar de si, de suas
coisas de aprendiz, dos objetos do dia a dia que compõem sua aprendizagem. É
um discurso que vai e volta, como se a aluna estivesse menos preocupada em
mostrar coerência do que em decifrar o possível significado de cada
particularidade da experiência. E, de modo interessante, além de falar com ou
para a professora, em seus momentos reflexivos parece também falar para si
mesma, ou consigo mesma (Bakhtin, 1979/1992), no processo de tentar
encontrar um lugar para suas percepções e opiniões.
Everyday I do something, exercises, journals, seminars…So, when I have a free
day I relax, watch TV, listen to the radio or take a nap, what’s very good!
We all know that it’s necessary do homework to our learn and I admit that for me
was good, not all, but some exercises made me study more. I do homework to
see if I’m good at a subject, if not I review some points. I think that’s the point.
But, sometimes we’re tired and let the tasks to another day, week, year.
If the subject is good, interesting, I learn more because I want to know different
things, curiositys, discover new things. I think that the best exercise I did during
the semester was the seminar, because I research a lot and learnt a lot.
As I already wrote, we all now the advantages that homework brings but, know
and do are two different things and its just up to you. (Marina 13)
Repetem-se, em seu penúltimo texto, uma segunda reflexão sobre homework,
muitas das características já identificadas na aluna. No primeiro parágrafo,
temos um descompromissado conversar (consigo mesma ou com a professora?)
que é retomado no final do parágrafo dois,
sometimes we’re tired and let the tasks
to another day, week, year.
Descompromissado, por um lado, mas por outro um
indício forte de quão natural e livremente a vida de Marina como aprendiz e
como redatora de diários se interliga a outros momentos seus. Um indício,
ainda, da concepção que a aluna tem de homework: não só exercícios
escolares, mas a leitura de jornais, a preparação dos seminários. O comentário
que conclui o texto confirma Marina de duas formas: no uso que faz de
expressões do senso comum que pareçam exprimir mais completamente seus
próprios pensamentos sobre a realidade
, know and do are two different things, e na
reafirmação do empenho como uma experiência individual
, its just up to you.
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
132
Individual como experiência; porém, universal como valor, we all now the
advantages that homework brings.
Partir de uma impressão –
I think it’s good , what’s very important, it’s more easy for
us to
no texto 4, ou what’s very good, it’s necessary, if the subject is good, interesting,
no diário 13 – e caminhar em busca do significado das propostas oferecidas
através de descrições e narrativas de experiências concretas parece marcar o
discurso de Marina. É basicamente disso que falam seus textos: de fatos
concretos. Seus diários enfocam ações rotineiras, na escola ou fora dela,
comentários sobre essas ações, acontecimentos marcantes na sala de aula,
problemas específicos (Liberali, 2004). Em Marina, torna-se viva a concepção de
Smyth (1992) de que a descrição da ação em forma de texto favorece a
observação e, conforme acrescentaria Ricoeur (2002), o desenvolvimento de um
discurso sobre a própria ação. Assim, ao narrar fatos concretos no contexto de
sua prática como aluna, Marina vai além do simples julgamento de valor sobre
particulares dessa prática. Ao engajar-se no processo reflexivo e abraçar a
oportunidade de manifestar seus pontos de vistas próprios ao contar a
experiência, a aluna provê já uma interpretação própria para aquela experiência.
Seria possível então afirmar que, mais do que se apoiar em interpretações
afetivas sobre a realidade, Marina decisivamente constrói sua identidade como
aprendiz sobre bases experienciais, isto é, na exposição não de
comportamentos ou etapas ideais mas dos passos efetivamente realizados no
desenvolvimento das diversas tarefas que compõem o curso, nem sempre fáceis
ou boas ou interessantes. Marina revela-se uma meticulosa intérprete de suas
próprias práticas como aluna. E, nesse sentido, se distingue de alunos cujas
identidades parecem se constituir essencialmente a partir de pré-conceitos às
vezes cristalizados quanto ao gostar, ser interessante, ser importante – porque
menos envolvidos com o processo de reflexão proposto pela escritura dos
diários, ou por possuírem uma menos desenvolvida capacidade argumentativa
revelada em sua escrita.
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
133
Se olharmos com atenção as afirmações de Marina nas quais expõe suas
percepções, exprime impressões, veremos que apontam para algo mais – “é
bom, é importante... porque venci uma dificuldade ou resistência”. São
mudanças de percepção que não param no discurso mas que, sustentadas pela
reflexão e pela descrição pormenorizada das ações, vencem as oposições
constatadas e levam a novos comportamentos, conforme vimos em sua reação
à unidade em torno de prefixos e sufixos, no diário 2,
So, this exercises makes me
pay more attention for it
; e que é possível também apreender de um diário seu
sobre a experiência com relação aos roteiros de leitura. Em seu caminho para o
aprender, Marina vai além do imediato para ultrapassar aparentes contradições.
Well, I don’t have much to say, I did it three times, actually four. The first one we
did in class with J., he substitute Z. for a while.
I can’t say that I love doing the R.G., but I thought good because we choose the
article, than read once – if it’s not cleary, twice – and then start to do it.
The R.G. help us to understand better the text, so when we read something else
start to think, to read in another way, better. I would like to do more.
A good point is that make us read magazines, journals, etc. (Marina 3)
I would like to do more. Há um engajamento que faz Marina ‘pedir mais’ daquilo
que, num primeiro momento, parece não lhe agradar ou corresponder. Após
pormenorizar o processo de responder ao roteiro de leitura, inclusive indicando
a necessidade de ter de ler o texto quantas vezes for necessário, a aluna
reconhece o valor da ação imediata
, The R.G. help us to understand better the text,
e mesmo seu valor em outras, futuras ações, A good point is that make us read
magazines, journals, etc.
E, então, no último texto do semestre, Marina revela-se inteira. Na sua atenção
aos fatos concretos, no seu livre conversar e contar experiências por meio das
palavras escritas, na mesma impressão quanto a algo não imediatamente
correspondente, mas que, concomitantemente, permite o reconhecimento do
valor presente e futuro do que vive como experiência de aprendizagem. Na
atitude de abertura com que acolhe o que tem à frente, a aluna descobrirá os
significados que procura.
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
134
The third seminar – my seminar – Juliana, Marina and Thiago. We talked about
quantity determinatives; many/much; some/any; no/none; little/few.
When we chose the subject of the seminar, we thought that would be easy, but
we’re completed wrong. When we’re with the material on our hands, we didn’t
know what to do with it. How start? How, how and how?
We noticed that it wasn’t easy prepare a class, so, we started from the
beginning. We collected some material and started write on a piece of paper, but
we had another little problem, take into account the knowledge the listeners
already have of the subject. To do that we took into account our own knowledge,
in what we still have – OPS! – HAD doubts.
I can say that I learned a lot, like the case of MANY A, with some and any, that
we use any with ‘hardly’, ‘scarcely’ and ‘barely’- negatives words, in expressions
of doubt and with ‘if’ and that when the question is really an invitation or a
request and when the answer YES is expected we use SOME. Another
interesting thing was the ‘fewer’.
Well, definitely I learned VERY MUCH.
The experience was great, the idea of doing the seminar was very good because
it’s good for us students to familiarize with it, we know that will have a lot of them
in the near future.
I didn’t gave A seminar, but it wasn’t so bad, I liked it very much. (Marina 14)
Mônica: a positividade presente em cada detalhe da experiência
É Mônica quem mais se aproxima de Marina no valer-se do próprio empenho, na
descrição das ações, na insistência com que procura uma razão para aquilo que
vive como aprendizagem. E com uma característica que lhe é muito peculiar:
uma atitude cheia de positividade frente à própria experiência, um olhar sempre
atento àquele pormenor – mesmo que aparentemente encoberto – a partir do
qual construir ou reconstruir. Praticamente todo diário seu relata algum tipo de
dificuldade enfrentada: de afinidade com a tarefa proposta, de temperamento,
em relação ao conteúdo. Porém, o que se sobressai é o desejo de conquistar
aquela adversidade; o que permanece é a disponibilidade em tentar descobrir
perspectivas alternativas de significado para aquela experiência. E, então,
surpreender-se.
I really enjoyed the class. The material is good. This subject is very interesting,
prefixes and suffixes are things wich we know that existes, but we don’t know
exactly why. It’s not easy explain how and when they are used. This material is
helping me very much to understand English and even words in Portuguese.
It was the first time ( at least that I remember) I liked to work with the dictionary,
most of time look for words in the dictionary is boring and stressful.
We’re a small group and there’s a good atmosphere in the classroom and it
helps very much to learn, we work in group , we looked for and discovered the
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
135
meaning of the words together, we’re never afraid of the group’s judgement.
Because of that the tradicional class turns into a pleasant \and attractive way to
learn. (Mônica 2)
Este é o segundo texto de Mônica, comentando a aula sobre prefixos e sufixos.
A habilidade da escrita em inglês havia sido introduzida de forma rudimentar no
primeiro semestre, limitando-se à redação de respostas a exercícios de leitura
ou à produção de pequenos parágrafos ou textos. Nesse sentido, não é
inesperada a fluência com que a aluna expressa seus pensamentos na língua
estrangeira? E não em termos de clareza ou correção lingüística apenas, mas
em especial pelo nível de reflexão sobre a experiência que seu texto apresenta.
É uma redação cuidadosa, composta por fatos e impressões, dúvidas,
indagações e até mesmo respostas.
Mônica primeiramente expõe sua percepção sobre a totalidade da experiência
vivida naquela aula em particular,
I really enjoyed the class. The material is good.
This subject is very interesting.
No entanto, sua reflexão não pára aí. A impressão
positiva que prevalece, e que de forma significativa inicia o texto, não carrega
em si apenas novidades instantaneamente boas ou correspondentes. Mônica
logo se faz perguntas sobre a natureza do objeto que tem à frente (Brandão,
2000) –
prefixes and suffixes are things wich we know that existes, but we don’t know
exactly why. It’s not easy explain how and when they are used.
Parece não haver a
resposta para essas perguntas ainda. Mas não é o que mais importa.
Porque, imediatamente após, e revelando tão precocemente um especial traço
de sua identidade, a aluna busca explicar o valor daquilo que lhe foi oferecido
como oportunidade de aprendizagem:
This material is helping me very much to
understand English and even words in Portuguese
. Uma experiência grande: um
detalhe (prefixos e sufixos) que ajuda na compreensão não só da língua
estrangeira, mas da materna também. Mônica descobre ainda uma satisfação
nova e inesperada em trabalhar com o dicionário,
It was the first time (at least that I
remember) I liked to work with the dictionary.
E, mais, no último parágrafo de seu
diário, valoriza o ambiente de liberdade experimentado na sala de aula e a
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
136
relação de cooperação vivida com os colegas como fatores integrantes da
construção de seu aprender.
Mônica fala da interação como promovendo experiências de aprendizagem
inesperadas, nas quais conteúdo e forma se confundem de maneira construtiva.
Tal é a relação que estabelece com o grupo que, como resultado de uma
experiência vivida de construção conjunta do aprender aquele tópico específico,
torna-se possível a reconstituição do significado até mesmo quanto àquela que
seria uma ‘aula tradicional’ de língua estrangeira, com todos os estigmas que tal
denominação possa consigo carregar; e a aluna vê-se, então, capaz de dizer,
b
ecause of that the tradicional class turns into a pleasant and attractive way to learn. E,
em seu último diário, de número 14, após comentar tarefas e atividades diversas
desenvolvidas durante o semestre, a aluna faz uma avaliação de seu empenho
e retoma a questão do valor, para si e para seu processo de aprendizagem, da
interação com o grupo.
I’m ashamed of my bad behavior as a student. Definitely I didn’t do my best. I
should had studied more, despite everything I took advantages, there was a
great atmosphere in the class and it make the process of learning faster. (Mônica
14)
Muitos dos textos de Mônica não são longos, curtos até; no entanto, tão ricos
em seus relatos de experiências vividas ou desejadas! E se, em Marina, a
elaboração dos significados encontrava grande parte da resposta na interação
que estabelecia comigo, sua professora, nos diálogos em classe e
principalmente por meio dos diários, em Mônica a resposta recai muito sobre
seu pertencer à classe em seu conjunto. Esperaria dos colegas, ou desejaria
para eles, a experiência de significado que busca e encontra para si. E de tal
forma que, mais de uma vez, a aluna se pergunta sobre o não-envolvimento
deles em situações que, em uma perspectiva sua, contribuem para a
aprendizagem. Uma indagação que se faz em outro pequeno trecho do último
diário.
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
137
I like so much doing the theater
1
we learn very, very much in the process of
writing, rehearsing and acting. Most of the students don’t like it, and always
wonder why??? (Mônica 14)
Em Mônica, o que se destaca e persiste é o positivo – o que não significa
absolutamente ignorar o difícil ou adverso. Este, aliás, é sempre apontado e
retomado. Para ser reconstruído. Portanto, não é o adverso que determina sua
pessoa ou seu aprender. Em sua experiência reflexiva Mônica percorre,
consciente ou inconscientemente, um caminho em busca de respostas para
questões sobre o valor das propostas feitas pela professora, sobre o significado
de suas próprias ações ou das interações em classe, enfim, respostas para a
questão maior de como se vai construindo seu conhecimento na língua
estrangeira.
O movimento presente no segundo diário de Mônica – composto por
interrogações, respostas imediata ou posteriormente encontradas, novas
indagações, novas descobertas anunciadas – se repetirá em muitos outros
textos da aluna. Porque é o movimento da constituição de sua identidade. É
assim que Mônica se define. E é esta a Mônica que reaparece no diário 11, bem
mais tarde, ao avaliar a apresentação do seminário de seu grupo: uma aluna
intrigada pelo conteúdo de sua própria apresentação, as “regras ilógicas” da
formação de palavras no singular e plural em inglês das quais ouve pela
primeira vez falar,
I’ve never heard about it; admirada pela experiência das novas
aprendizagens vividas,
I learned lots of things, almost everything, ou I’m not very
good in speaking doing it I could improve my oral language
; disposta a enfrentar
desafios semelhantes,
I liked it very much, it’s a very new experience I would like to
do it more times.
Doing this seminar about singular and plural realized that there are some things
very logical (the pairs: trousers, glasses) on the other hand there are some rules
very illogical (the words end in ICS), the foreign plurals was the most interesting
part. I’ve never heard about it. I liked it very much, it’s a very new experience I
would like to do it more times. I’m not very good in speaking doing it I could
improve my oral language. (Mônica 11)
1
Uma atividade de preparação e apresentação de uma pequena peça de teatro pelos alunos,
parte integrante do bloco ‘oral’ da disciplina Língua inglesa:básico, e da qual o professor de
‘escrita’ participa corrigindo os textos produzidos pelos alunos.
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
138
Mônica demonstra a preocupação de não querer desperdiçar um particular
sequer do que lhe é dado viver como um ato de aprendizagem. Tudo contribui
para constituir a sua pessoa e sua identidade (Wenger, 1998). Vive uma
inquietude quase, a ser às vezes lida nas entrelinhas, que não a deixa desistir
de querer entender o valor talvez escondido de cada experiência aparentemente
desnecessária ou descartável. Mesmo que não saiba sustentar porque,
conforme vemos em dois textos produzidos em diferentes momentos do curso.
The text is really good although there wasn’t any new information, is very difficult
(almost impossible) to do everything she advices, but the informations could be
useful and helpful. (Mônica 8)
I should had studied more, but the truth I must speak. I took advantages in every
single class. (Mônica 14)
Nenhum diário desvenda tanto a aluna e pessoa que Mônica é, na multitude de
fatores que formam sua identidade (Ivanic, 1994; Wenger, 1998; Gee, 2000), do
que este, em que escreve para Thiago. Aqui se manifestam facetas de sua
personalidade, de seu comportamento, de sua visão de mundo; enfim, aqui
emerge, de forma resumida e ao mesmo tempo abrangente, o conceito que
Mônica tem de si.
Thiago (Russian Guy)
Exactly like you I enjoyed studied morphology it was completely new for me and
I’m not afraid to say that it was the most interesting thing we’ve studied this
semester. You seems to be pleased studying it too!
Homeworks are boring (we all know it), but have you ever tried to face it as toil to
help you improve your knowledge and not as an odious obligation? Our time in
class is very short don’t you think the only way we have to extend it is doing
homework? You should look beyond the tiresome and boring thing and find out
the importance of it.
About the seminars I thought it would be easier too! Doing it I realized that there
are lots of details and little things like exceptions and certain rules that we even
didn’t notice. You said you were very nervous during the presentation for me it
was the most difficult part too! I consider myself talkative, but when I have to
speak for an audience I turned into an extremely shy person. You know we have
to change it, don’t we? We have to work hard on it. It seems to be the only way
to become good teachers…
I liked this intertextual job very much, but Thiago, can I give you advice? Work
hard to improve your handwriting, it’s terrible! (Mônica 12)
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
139
É um diálogo que Mônica explicitamente estabelece com Thiago, ao
cuidadosamente percorrer o conteúdo das reflexões contidas nos diários do
colega. Nesse trajeto, reafirma a si como aluna. Inicia seu texto apontando o
‘interessante e inesperado’ encontrados na unidade sobre morfologia, a primeira
atividade do semestre. Ao falar sobre homework, logo a seguir, insistentemente
provoca Thiago a observar a própria experiência para tentar nela enxergar uma
riqueza que vá além de uma correspondência diretamente visível ou evidente.
Pois a totalidade do valor daquela experiência não se vê somente com os olhos
do imediato.
Mônica comenta então a experiência com os seminários. Conta de suas
surpresas, descobertas; dá detalhes sobre essas surpresas e descobertas. E
não reluta em expor um limite seu, a timidez de que se vê tomada quando frente
a um público. Porém, não se intimida frente a esse limite e indica a necessidade
de lutar para vencê-lo. Mônica entende que participa de um diálogo. Suas
primeiras palavras são para dirigir-se a Thiago, a quem com cumplicidade
chama de
Russian Boy, em provável referência a uma história comum da qual a
professora, outra leitora de seu texto, não faz parte. E seu último parágrafo
denota mais uma vez sua intimidade com o diário como instrumento para
comunicar-se: com o colega, e com a professora, a quem também parece
endereçar a afirmação,
I liked this intertextual job very much.
Precisa fazer diferença...
Assim, partindo de Mônica, mas também de Marina, e percorrendo as
experiências relatadas por outros alunos, observa-se a reiterada preocupação
com o valor do ato presente: para que serve? É uma preocupação e uma busca
por correspondência que diferentes alunos expressam de maneiras diversas, a
partir de suas histórias de vida e de aprendizagem, e de aprendizagem da
língua estrangeira, bastante diversas também. No entanto, é possível perceber,
em todos, a exigência de dedicar-se a algo que permaneça. De uma forma ou
de outra, nega-se aquilo que não se entende como construtor do conhecimento.
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
140
But there are some lessons that are kind of stupid. Lessons that we don’t learn a
bloody thing like when you just copy things down or do the same kind of exercise
over and over again. (Léia 4)
Léia rejeitará o meramente repetitivo ou mecânico, como copiar lições;
Heloísa aponta para a importância da novidade ou do desafio.
It makes some difference when it’s something that I don’t know or when it’s a
chalenge for me to do it. (…) It’s important to challenge the students. (Heloísa
13)
E, se a experiência de aprendizagem não revela seu valor, até mesmo as
lembranças sobre ela parecem desaparecer!
About the reading guide I don’t remember if I liked or not. I don’t think it was big
deal because I don’t have any memories about the RG. (Leila 3)
Mas pode ser que haja o reconhecimento de que não houve o empenho
necessário que levasse a entender o valor de fato de algo.
Homework doesn’t make much difference to me because I don’t take it seriously.
I know I should but I just don’t. I’m lazy, I guess. (Leila 13)
O significado do aprender está em seu fazer diferença, afirma Heloísa acima.
Se não faz diferença, então por que estar lá, como parte do curso?
Para Juliana, envolver-se ( ou não) com a lição de casa também faz diferença!
Quer dizer, ‘obedecer’ a uma necessidade que se reconhece constrói o
aprender.
I do my homework quite often, but as I’ve already told, sometimes I have to
choose some of the homework asked, because I don’t have time enough to do all
of it. The way I choose it is trying to notice which subject I have more difficultie,
and doing this one. It makes a big difference in my learning cause I believe that
at least I don’t quit doing my homework and with it I’m able to find my mistakes
and I can revew what I learned ( most of the times in the last class) (Juliana 13)
E, nas palavras de Daniela, vemos a percepção de um valor muito maior do que
simplesmente aprender um novo item na língua estrangeira. Não é o breve
relato abaixo a manifestação de uma experiência de aprendizagem que muda a
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
141
vida? Não seria essa a experiência educativa que desejaríamos sempre, para
cada um de nossos alunos?
I likes when Marisa took us to a theater class with Babi. It was nice not just
because we could learn vocabulary but that class changed myself. I became a
better and happier person after that class. (Daniela 1)
Daniela: o desejo de sentido respondido na surpresa das descobertas
Esta é Daniela. Evidentemente desejosa de experiências plenas de sentido, e
apaixonada pela língua que está aprendendo, em sua discrição e reserva
manifesta sua surpresa (e mesmo encantamento!) frente às suas descobertas
em relação às experiências vividas com a língua estrangeira. Afinal, não
responde com a afirmação
for me, learning a language is a pleasure à pergunta do
primeiro diário sobre o que para ela significa aprender uma língua? E não é essa
uma afirmação que reitera a resposta anterior, àquela primeira pergunta
formulada sobre porque está aprendendo inglês,
I’m taking this course because I
love studying English and I feel it is easy for me to learn new languages
? São palavras
no presente que recuperam experiências anteriores que, para a aluna,
mostraram-se construtoras de seu conhecimento e de sua pessoa. Vê-se no
conjunto dos diários de Daniela uma acentuada atenção à experiência passada,
retomada e revivida, e que, se positiva, cria perspectivas para futuras
experiências e abre as portas para algo novo e inesperado.
Foi sem dúvida uma experiência grande do inesperado esta que Daniela viveu
na aula com Babi, de preparação para suas futuras apresentações de teatro no
curso. O que lhe atrai, Daniela busca e segura com decisão. Em relação ao que
percebe como valioso para sua construção da língua inglesa, não esconde seu
desejo de envolvimento e mesmo admiração. Em palavras – quantas vezes
vemos em seus textos expressões como
I was surprised, I realized, I could see that
e, principalmente a observação
I learned a lot, que com pequenas variações na
forma repetidamente aparece. E, também, nos tantos pontos de exclamação
que usa para enfatizar ou concluir algum pensamento seu.
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
142
A unidade sobre morfologia foi sem dúvida a primeira grande novidade do
semestre. Dessa unidade, a aluna fala em dois diários, separados no tempo; em
ambos, o mesmo conteúdo de surpresa. Surpresa porque o conteúdo
apresentado foi mais interessante do que imaginara; porque se mostrou mais
necessário para sua compreensão da língua inglesa do que antes pensara;
porque aprendeu mais do que havia esperado.
Today we had our second class and it was about roots, suffixes and prefixes…
I was surprised at the beginning of the class because I thought these subject
were easy to deal with. In fact, I thought I’d already know everything about
it…but I realized it is much more interesting than I thought!
I could see that it will help me not only in reading but also in translation. Now I
know I will have to study this subject a lot in order to improve my skills.
So, let’s call it a day!
Dani
Anjinho (Daniela 2)
This lesson about roots and prefixes and sufixes was very profitable!
I can’t help but say it was difficult but it was necessary! I learned a lot! It’s
tiresome to study and do such long exercises…but I loved it!
Now I feel more secure when I’m reading because; the words I don’t know most
of them I can guess by analyzing the root and etc…
Although it was tiresome, I hope to study more “roots” because it really is
necessary! Especially for myself who wants to be a translator! (Daniela 6)
Em ambos os diários, então, a experiência da descoberta e da reconstrução.
Descoberta de um valor
, it was necessary!; reconstrução de uma impressão, but I
realized it is much more interesting than I thought
, e mesmo de um conceito de si
como aprendiz da língua estrangeira,
Now I feel more secure. Nesses textos de
Daniela faz-se poderoso o diário como um instrumento que, ao usar a escrita
como meio para pesquisar a memória e favorecer a auto-reflexão (van Manen,
1990), revela-se um espaço em que são formuladas interpretações sobre a
experiência vivida percebida. Permite mesmo desejar mais da mesma
experiência e considerá-la no contexto maior da profissão que pretende seguir,
I
hope to study more “roots” because it really is necessary! Especially for myself who
wants to be a translator!
Daniela deseja ter tudo o que for possível da língua estrangeira. As descobertas
que destaca são em geral aquelas que respondem a esse desejo. Mas pode
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
143
haver mais… Como, por exemplo, se mostra na avaliação que faz de sua
experiência de preparação e apresentação do seminário.
I was thinking that giving a seminar would be an easy thing… I was wrong.
If you are not prepared, you can not present it.
I really dedicated myself searching and preparing this seminar. I tried to do my
best but, as I am shy, it’s difficult for me to speak or…to give a speech.
But after all this studying, because I felt that, even not being the best, I learned a
lot. And, from now on I can improve and do better. (Daniela 11)
Este é um texto que diz muito sobre Daniela, mais do que minhas palavras
apenas seriam capazes de fazê-lo. Sintetiza impressões sobre si e sua postura
frente ao aprender, e marcam mesmo seus limites que, no entanto, não a
impedem de ir além e querer mais para si. Revela uma posição de compromisso
com a realidade e de rigor consigo mesma,
I really dedicated myself searching and
preparing this seminar. I tried to do my best
, mas também com relação às condições
em que vive a experiência,
If you are not prepared, you can not present it. É um
comprometimento que gera novas significações sobre sua própria pessoa, e
sobre suas possibilidades como aprendiz,
after all this studying... even not being the
best, I learned a lot.
E de tal modo que é possível reconhecer em suas palavras o
manifestar-se de uma experiência positiva que instaura a confiança em relação
a experiências futuras,
and, from now on I can improve and do better.
Por outro lado, Daniela recusa com determinação aquilo que, na sua perspectiva
ou experiência, não constrói seu conhecimento. Mostra-se exigente consigo
mesma como aprendiz, mas também com relação à qualidade ou pertinência do
material ou da atividade proposta. Ao ser chamada a comentar atividades do
semestre anterior, a aluna diz
I hated the “theater” due to the fact that I thought it was not enough time to really
work on it. To be honest, I think it would be a greater project and more profitable
if it was a big play (just one play) with the whole group involved in it. Part of the
students could have worked in the backstages and the other part, as the actors. I
also didn’t like the reading guide. (Daniela 1)
Interessante a maneira como, ao mesmo tempo em que nega o valor da
experiência relatada conforme a viveu, justificando seu ponto de vista – não
houve tempo suficiente para desenvolver a atividade de maneira mais
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
144
proveitosa – oferece sugestões para transformá-la em uma experiência mais
produtiva (embora não seja ela a vivê-la, nem com essa professora; é uma
sugestão sua para outros alunos e outros professores!). Seria o desejo de
sentido sempre presente?
Nesse diário 1 Daniela fala também,
I also didn’t like the reading guide. Uma
avaliação negativa que se repetirá nos diários 3 e 5.
Daniela rejeita os roteiros
porque não parecem contribuir para sua aprendizagem. Rejeita-os sempre,
também nos diários 9 e 13, que pedem outras reflexões… E sempre pela
mesma razão: para que se envolver em uma atividade que já provou não
construir seu conhecimento de inglês? Para que viver novamente uma
experiência que, tal qual a percebe, não leva ao aprender? E, mais uma vez, a
aluna apresenta sugestões para a professora. Quem sabe, dessa forma como o
propõe – e que retoma formas conhecidas suas de ensino e aprendizagem de
leitura – o roteiro poderá se tornar uma experiência relevante, ou mais
interessante.
My experience with the reading guide was not so good.
I did all of them but I felt it didn’t help me. It was boring to do the R.G.
I believe it would be more profitable if the teacher gave us the same text and
then, after doing the reading guide, we would discuss in class about the text.
I used to do the R.G. with no enthusiasm, I did it so quickly and was it. No big
deal.
Well, if I could chose whether do the R. G. or not, I would not do it again. Maybe
there are some other ways of doing the R.G.
To sum up, I’m saying that I don’t like doing the R.G. (Daniela 3)
This “second” experience with the reading guide was not good either!
It’s boring to do it, everybody leaves to do it in class, in the beginning of the
class…and it’s tiresome because I don’t learn anything.
Sometimes I learn vocabulary but I don’t think it’s necessary to do all the reading
guide to say that I learn vocabulary!
Maybe we can read a text and we discuss in class; each person could say what’s
her text is about and tell the new words she’d learn!
Well, I really hate the reading guide but…that’s my opinion! I know it’s not helpful
and not effective for my learning! (Daniela 5)
Contraditoriamente – se pensarmos na autonomia e criticidade com que Daniela
em tantos outros momentos assume seu aprender – destaca-se fortemente
nesses dois textos da aluna a crença de que é importante cumprir tudo aquilo
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
145
que o professor determina ou sugere, quer pareça relevante para a própria
aprendizagem da língua estrangeira ou não.
I did all of them but I felt it didn’t help
me
, diz Daniela no texto 3, para logo após complementar, I used to do the R.G.
with no enthusiasm, I did it so quickly and was it. No big deal.
A tarefa não lhe
interessa; mais que isso, não aprende com ela. Ou, quem sabe, revela no diário
5, o que aprende é muito pequeno, e não corresponde ao esforço despendido,
Sometimes I learn vocabulary but I don’t think it’s necessary to do all the reading guide
to say that I learn vocabulary!
A aluna reconhece as relações de poder existentes
na vida da escola e, então, não deixa de fazer o que lhe é pedido. Talvez até
porque se sinta preocupada com sua avaliação na disciplina.
De qualquer forma, não seria somente uma suposta preocupação com a
avaliação que move Daniela. Dedicar-se ao que lhe é proposto faz parte de sua
identidade como aluna. É o que mais uma vez sugere um pequeno parágrafo de
seu último diário.
Nowadays, we all know that to improve our English knowledge is necessary not
only to come to classes but, also, to do h.w. and study by ourselves. (Daniela 14)
E, imediatamente após, Daniela retoma a questão do valor que confere a um
compromisso frente ao aprender que significa, entre outras coisas, uma
obediência às propostas apresentadas; uma seriedade que mostra seus
resultados
Based on this, I can say that I’ve improved my English skills a lot comparing with
the beginning of the year. (Daniela14)
e que nem sempre significa fazer apenas o que gosta.
The mechanical grammar exercises are boring, however, they help me a lot. Not
only me, but I believe they are necessary to everyone who wants to make
progress. (Daniela 14)
Manifesta-se nestes excertos um “dilema” (Ivanic, 1994:3) quanto ao senso que
a aluna tem de si e de seu aprender. Se, por um lado, defende que propostas
valem a pena quando e se levam ao aprender, por outro, Daniela prende-se a
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
146
determinada imagem do ‘bom aluno’, de quem será esperado que realize todas
as tarefas solicitadas, independentemente do que possam efetivamente
significar em termos de aprendizagem. São discursos que se opõem; vistos sob
outro prisma, são discursos sobre comportamentos que revelam algo sobre o
conjunto de experiências e significados compartilhados quanto ao aprender ou
quanto a ser aprendiz presente no universo do qual a aluna faz parte. Discursos
contraditórios que já haviam aparecido, por exemplo, no primeiro diário da
aluna, quando chamada a falar sobre sua relação com os colegas como fator
presente em sua aprendizagem.
If my classmates make me feel confortable, I will learn a lot and they can help
me if they know more. (Daniela 1)
Com que poder se mostram nesse pequeno trecho as contradições de uma
identidade em formação! Preenchida a condição de que me sinto à vontade para
aprender, de que modo podem meus colegas participar da construção de meu
conhecimento?
If they know more. Portanto, se em alguns momentos, a menção à
importância da interação faz-se sem o acréscimo de condições ou adjetivos
outros que não o sentir-se bem e livre para aprender, muitas outras vezes a
relevância do colega aponta para seu ‘saber mais’ sob algum aspecto; e, por
essa competência maior sua com relação ao conteúdo, é capaz de ajudar na
aprendizagem da língua estrangeira. Produz-se um certo apagamento –
presente não somente em Daniela – da noção de que a aprendizagem se dá na
relação entre pares com diferentes tipos de conhecimentos e experiências (não
só em relação ao conteúdo da disciplina), e de que a aprendizagem possa ser
um descobrir juntos de caminhos originais e produtivos. E se, em um momento,
o discurso focaliza um sentir-se à vontade na classe que contribui para o
aprender, quase no mesmo momento coloca-se a aparente redução das
possibilidades deste aprender com o outro.
De qualquer forma, é evidente quanto, para Daniela, a definição de si como
aprendiz depende da presença do outro para sua realização mais plena. Nesse
sentido, pode-se dizer que, para ela, aquelas impressões primeiras sobre o
papel do colega na construção de sua pessoa são reasseguradas em
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
147
experiências posteriores; e as palavras, então, de certa forma também se
repetem.
I also believe that the relationship with our friends is vital for our learning. I learn
so much with my friends and I suppose they also do learn with me. A good
example for this is when we start to discuss in English and we can notice that we
learn new words and expressions. But for that improvement we have to have a
good relationship, like in our class. (Daniela 14)
É o discurso do significado da experiência que em Daniela parece predominar.
É, por exemplo, seu discurso sobre o valor dos diários, que encontramos em seu
texto para Heloísa. Descobre-se aqui toda a importância que Daniela confere à
atividade de escrever; e a satisfação que vive com respeito a este aspecto da
aprendizagem da língua estrangeira se faz saliente na insistência (três vezes!)
com que defende the journal help us, em seu ponto de exclamação, em seu
convite para que a colega se envolva com os diários, principalmente se não tem
tempo ou disposição para realizar outras tarefas. Uma importância e satisfação
demonstrados não apenas em seu texto para Heloísa, mas principalmente na
seriedade com que pessoalmente assumiu a proposta dos diários ao longo de
todo o semestre. Há em Daniela a percepção de que a prática de escrever leva
ao desenvolvimento da própria escrita.
Dear friend Helô,
I really liked your comments and also laughed a lot because, as I was reading, I
imagined you saying those words…I couldn’t stop laughing.
You have a very good vocabulary and very strong points as well but, in my
opinion, you could write more. Your journals are too short…To be honest, I think
the journals help us a lot in writing. So, if you don’t like to do homeworks or if you
don’t have time to do them, you could do a better journal. It will help you a lot just
like the homeworks.
I’m saying that because one day you told me you have difficulties in writing; so,
I’m saying this in order to help you because I think the journal help us!
To sum up, I really enjoyed reading your journal due to the fact that your points
are very good and you are sincere.
Kisses,
Dani Anjinho Silvestre (Daniela 12)
Daniela entende ser esta uma mensagem para Heloísa, mais do que para a
professora. A abertura e fechamento do texto o mostram, assim como os
comentários que o iniciam e concluem. E embora não explicite exatamente
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
148
porque ou em que sentido, defende o valor da escritura dos diários como uma
forma de desenvolver a habilidade da escrita na língua estrangeira: propõe à
colega que escreva textos mais longos, ou que vença as dificuldades
confessadas quanto ao escrever exatamente dedicando-se mais a escrever.
Parece ter o cuidado em não julgar a colega ou impor seus pensamentos;
reconhece o que Heloísa traz – um humor ao escrever, um bom vocabulário,
pontos de vista firmes sobre as coisas – para apenas depois dizer,
in my opinion,
you could write more
; ou então, if you don’t like to do homeworks or if you don’t have
time to do them, you could do a better journal
; ou mais ainda, I’m saying that because
one day you told me you have difficulties in writing; so, I’m saying this in order to help
you because I think the journal help us!
Não são discursos do senso comum; são
comentários carregados de experiências pessoais com significado que, se
essenciais para si, deseja que a colega possa viver também.
Há tantas e diferentes coisas que ‘é preciso’ fazer...
Retomando os relatos de Daniela vemos que, sintetizadas principalmente em
frases onde se destacam have to, need to, ou expressões como it is necessary,
encontramos com freqüência afirmações a respeito do que é, ou seria,
necessário fazer para aprender a língua estrangeira. Em Daniela, mas também
em outros alunos, este ‘é preciso’ aparece predominantemente vinculado a
posições que eu chamaria de ‘positivas’, porque carregadas de uma busca de
sentido para aquela realidade que está à frente: a língua, o aprender, o
relacionamento com os colegas ou o professor, a resposta a ser oferecida às
tarefas que são apresentadas. E é interessante observar as nuances que
adquire nos discursos dos diferentes alunos – discursos sobre o ‘é preciso’ que
recuperam aspectos da identidade de cada aluno presentes em outros
momentos seus.
Em Daniela, por exemplo, reafirma-se a surpresa frente à novidade encontrada;
e as experiências já vividas, pelo significado que trouxeram para o aprender,
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
149
merecem, e precisam! ser vividas novamente. Retomo seu diário 6, em suas
primeiras e últimas linhas, para olhá-lo sob nova perspectiva agora.
This lesson about roots and prefixes and sufixes was very profitable!
I can’t help but say it was difficult but it was necessary! I learned a lot! It’s
tiresome to study and do such long exercises…but I loved it!
(…)Although it was tiresome, I hope to study more “roots” because it really is
necessary! Especially for myself who wants to be a translator! (Daniela 6)
O que diz a aluna? Foi uma experiência difícil, cansativa, mas proveitosa e
necessária. Necessária para quê? Para aprender. E Daniela aprendeu muito!
Portanto, é preciso mais da mesma experiência. Mas será esta mesma
concepção – é necessário se significa aprender – que se lê também em seu
curtíssimo texto 13, sobre homework? Ou, quem sabe, reapresenta-se neste
penúltimo diário do semestre a visão de que não é possível, para Daniela,
recusar-se a responder ao que lhe é pedido? Porque não oferece nenhum
pormenor da experiência. É o sempre presente dilema de si, entre buscar o
sentido do que faz ou ‘ser necessário’ aceitar tudo o que é solicitado.
Well, all I can say is that my opinion about H.W. remains the same.
We need H.W., it is important and necessary for learning.
I always try to do them but, sometimes I just don’t due to time. (Daniela 13)
Mônica é, em uma variedade de aspectos, muito como Daniela. Também ela
tem sua identidade marcada pelo desejo de aprender; e também em seus
diários vê-se a preocupação com a descrição de suas experiências vividas.
I still think morphology very interesting useful and a thing that can help a lot in
several languages, but it is not simply, at the beginning I thought it was easier
than it really is. Some things are logical whereas others are completely illogical
and complicated. After we finished this unit I realized that I do need to study
more and hard. (Mônica 7)
Aqui de novo aparece a Mônica que vive pequenas e grandes descobertas – há
o particular, um sufixo ou prefixo talvez, que em seu uso pareça ilógico ou
complicado; mas há algo grande, que é a possibilidade de usar esse
conhecimento em várias línguas. O texto da aluna deixa também transparecer a
reconstrução de sua imagem sobre determinado conteúdo,
at the beginning I
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
150
thought it was easier than it really is.
Há, então, o reconhecimento de um positivo
que a faz perceber que ‘precisa mais’ da experiência –
After we finished this unit I
realized that I do need to study more and hard
– porque é uma experiência que
constrói.
Mônica é também como Daniela na imagem que traz do ‘bom aluno’ – que, para
ser considerado como tal, ‘tem de’ fazer certas coisas. Em seu diário 3, busca
primeiro valorizar a atividade oferecida pela professora,
it’s a good exercise that
can help us to read and write on the right way
. Explicita passos da atividade a serem
cumpridos -
we have to summarize the history, we have to find five words, have to find
relevant poin
t. Intercala a exposição desses passos com comentários que
arriscam apontar para os limites da tarefa que a fazem parecer, em si, uma
tarefa desnecessária, mas que se faz necessária porque é parte de sua vida
como aluna daquela professora naquele curso; e, conforme atesta na conclusão
de seu texto,
we can’t skip it.
It’s far to be the best exercise, but it doesn’t seem that hard for me.
I like “reading guide”, in my opinion it’s a good exercise that can help us to read
and write on the right way, because after we read we have to summarize the
history, for me what makes it boring is the fact that is a little mechanical, we have
to find five words we don’t know the meaning, have to find relevant point and
sometimes what is relevant for me is not for some other people and it doesn’t
mean I don’t know how to read, but we can’t skip it.(Mônica 3)
Em Léia, um have to de natureza semelhante! Com feições de uma imposição
que aceita – por sua condição de aluno.
I usually do the homework. Sometimes I do it in class (before teacher comes). To
be honest with you, sometimes I just do the homework because I have to. (Léia
4)
É nas palavras acima que termina o texto em que Léia dizia But there are some
lessons that are kind of stupid. Lessons that we don’t learn a bloody thing. Não
aprende, mas sente que ‘tem de fazer’ aquilo que é pedido, porque pertence à
sua esfera como aluna. Alunos, afinal, não ‘têm de’ fazer lição de casa? Léia em
vários momentos arrisca uma rebeldia, mas recua… E, então, tenta
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
151
corresponder ao que dela é esperado, porque está consciente de suas
responsabilidades…
I always do my tasks and I do them because they’re my responsabilities. I know
the importance of homework. (Léia 13)
Há nos textos dos alunos outros significados atribuídos ao have to,
particularmente encontrados no diário 7, o qual retoma conhecimentos e
experiências quanto a seminários escolares. Parto novamente de um texto de
Daniela.
Seminar is when you do a research about something and, after doing the
research you prepare a class to present to someone.
To prepare a seminar you have to like learning and searching. You have to
select some information that is new to the class.
The specialist has to be secure, she/he has to be really sure of what he/she is
going to talk about! If you really learnt instead of “decorate” it, you won’t be
nervous. The fact is that you can’t be nervous!
You have to be a real teacher to present one!
Well, that’s what I know and I don’t know if it’s right! (Daniela 7)
T
o prepare a seminar you have to like learning and searching. O desenvolvimento de
um bom seminário pede, como pré-requisito, um certo tipo de comprometimento.
É o que se lê também nas palavras de Thiago.
For preparing a good seminar there must be dedication of the students
presenting a good material and at the same time (teaching and entertaining) the
other students. (Thiago 7)
Há, ainda, a explicitação de passos que devem ser seguidos.
A seminar is a class given by a student. To prepare a seminar you have to do
some research and select what you will say. (Leila 7)
You have to select some information that is new to the class. (Daniela 7)
Selecionar alguma informação nova: a necessidade de relevância é explícito.
Qual o sentido de despender esforço com a tarefa se não for para aprender ou
ensinar alguma coisa?
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
152
Prosseguindo com Daniela, outras afirmações do tipo have to suscitam um novo
conjunto de reflexões.
The specialist has to be secure, she/he has to be really sure of what he/she is
going to talk about! If you really learnt instead of “decorate” it, you won’t be
nervous. The fact is that you can’t be nervous!
You have to be a real teacher to present one! (Daniela 7)
Em primeiro lugar, ao colocar o aluno no lugar do professor – chamando-o
mesmo de especialista – a aluna deixa transparecer o que espera de um bom
professor: a segurança quanto ao conteúdo. Uma segurança e confiança que,
para Mônica e Heloísa, mostram-se imprescindíveis inclusive para ‘convencer’
os colegas quanto ao valor ou adequação do que estão apresentando.
A very important thing in present seminars is confidence. You have to be
completely secure about what you’re saying to convince people that you’re right.
(Mônica 7)
We should be secure of our knowledge because if you are insecure you can’t
convince anyone about your believes. (Heloísa 7)
Além disso, voltando a Daniela, encontramos a concepção de que aprender é
mais do que decorar. Que experiência anterior de aprendizagem faz entender
este ‘decorar‘ como negativo, e que traria consigo uma conseqüência também
negativa –
you’ll be nervous? Por outro lado, aprender provocaria uma
conseqüência de outra qualidade.
Porém, ao mesmo tempo e de forma contraditória, há um olhar que ‘simplifica’ a
experiência, e que tende a apagar a variedade de dimensões que compõe o
processo de construção do aprender.
Em seu texto para Thiago, Mônica indica o esforço individual como requisito
para vencer os próprios limites, num discurso que até mesmo diminui o drama
que seria vencer a própria timidez para dar conta da apresentação oral de um
seminário.
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
153
You said you were very nervous during the presentation for me it was the most
difficult part too! I consider myself talkative, but when I have to speak for an
audience I turned into an extremely shy person. You know we have to change it,
don’t we? We have to work hard on it. It seems to be the only way to become
good teachers (Mônica 12)
O que significaria para Mônica este
We have to work hard on it as the only way to
become good teachers
, que conclui sua resposta? Não se aproxima da
simplificação de Daniela,
If you really learnt instead of “decorate” it, you won’t be
nervous
? Quanto a uma imagem que têm de si, Daniela e Mônica deixam nos
trechos acima transparecer a noção de que precisam trabalhar muito (e que, na
verdade, basta trabalhar muito) para vencer dificuldades de temperamento; caso
contrário, não serão bons professores...
Às vezes, esquece-se o fato de que aprender demanda tempo...
Aliás, a expectativa de um imediatismo quanto a mudanças ou resultados
emerge em vários outros momentos de vários diários de diferentes alunos,
marcados especialmente pelo advérbio now. Ao avaliar positivamente uma
unidade sobre morfologia, Daniela e Thiago dizem
Now I feel more secure when I’m reading because the words I don’t know most
of them I can guess by analysing the root and etc... (Daniela 6)
I liked working with morphology very much.
I think it was very cool to me. When I read any text now, the words I can’t
understand are easier for me. Mainly those who are suffixed or prefixed.
Even because of Latin words is easier for us, Portuguese speakers. (Thiago 6)
Em Marina, uma garantia de mudanças futuras expressa pelo modal will.
This last reading guide was long. I didn’t like so much, it was a little boring. But I
know that’s good for me (…)I think that always will gonna change something to
me, because each time I’ll be more quickly and read better. (Marina 5)
Assim, se, por um lado, esse último conjunto de exemplos ilustra uma surpresa
vivida frente às descobertas que os alunos fazem sobre si, ou sobre a língua
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
154
estrangeira, ou sobre o aprender – por outro repetem o discurso tão presente e
irrefletido do senso comum de que a aprendizagem é um objeto de fácil ou
imediato alcanço, isento de conflitos ou ameaças, linear, sem o risco de
retrocessos. Apaga-se a dimensão temporal do aprender: foca-se o produto e se
esquece o processo.
Alessandra: o despertar que a redefine como aluna
Now, after to read “Approaches to giving presentation”, I’m able to see that if we
organize the ideas and the informations, it will be easy to make a presentation.
One of the things that I have learned was how I should start, what I have to put in
the middle, and about the finish. (Alessandra 8)
I liked so much to make and to prepare a seminar, was the first time a did
something like that.
I know that we need to practice more, and I know as well as we did a lot of
mistakes, but was really good to learn and the next time we’ll make the right way.
(Alessandra 11)
São dois diários na unidade sobre seminários, escritos por Alessandra antes e
depois da apresentação de seu grupo. Neles se repetem as impressões de quão
facilmente se dão as mudanças dentro de uma experiência de aprender. Nas
palavras da aluna, em ambos os diários, a aprendizagem é reduzida a um
produto certamente garantido e confirmado se algumas condições forem
preenchidas – uma boa compreensão das ‘regras’ para uma boa apresentação
oral assegurará o sucesso do próximo seminário; e, se houve a apresentação,
erros não serão repetidos agora que já aprendeu de falhas anteriores. São
impressões – sobre uma experiência a ser revivida sem perigos, sem
retrocessos – e o resultado é uma certeza.
Em Alessandra, são muitas as impressões; na verdade, impressões constituem
muito da maneira como expressa seu relacionamento com a realidade
– it will be
easy, it was really good
, diz nos textos 8 e 11 acima. Mas já encontrávamos it was
really nice
, no diário 2, o primeiro que escreve; ou write a reading guide to me is
really important
, no diário seguinte. E assim em quase todo texto seu. Textos com
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
155
a presença de muitos marcadores argumentativos because, mas em que a
justificativa freqüentemente se apresenta na forma de uma impressão também.
I think that this new reading guide is a little bit harder than the first one.
I didn’t like because is really boring, but I know that is really important to learn.
Read articles for “reading guide” help me to get new information, not to learn.
(Alessandra 5)
Este é um diário típico da aluna. Bastante breve, não mais que duas ou três
frases, com muitos julgamentos sobre o material ou a atividade proposta –
harder, didn’t like , boring, important porém, sem qualquer relato da experiência
vivida com relação àquele material ou àquela atividade que ajude a explicar
suas impressões. Quando há algum detalhamento da experiência, este tende a
focar o que significou para Alessandra a aprendizagem – ou não – de aspectos
lingüísticos. Sempre a preocupação com o produto, com aquilo que, na sua
percepção, já foi alcançado.
Alessandra falará sempre sobre a necessidade de aprender gramática,
vocabulário. Sua relação com a aprendizagem da língua estrangeira significa
primordialmente isso: aprender suas palavras e regras. Quando justifica o valor
de uma tarefa, é pela aprendizagem de algum item lingüístico. Imediatamente
após afirmar, no diário 5, que reconhece serem importantes os roteiros de leitura
para aprender
, I know that is really important to learn, dirá que ler os artigos para a
tarefa ajuda a conseguir nova informação, mas não a aprender,
read articles for
“reading guide” help me to get new information, not to learn.
Mas o objetivo dos
roteiros era levar o aluno a ler na língua estrangeira! A contradição expressa por
Alessandra não terá sua origem justamente em seu olhar as oportunidades de
aprendizagem da língua estrangeira como oportunidades de aprender sua
gramática e vocabulário apenas? Uma contradição que se faz ainda mais
surpreendente se lembrarmos que a aluna havia cumprido um ano e meio de
sua escola secundária nos Estados Unidos, vivendo situações de comunicação
que certamente lhe exigiam ir muito além!
É para a professora que Alessandra parece falar em seus diários, mais do que
desenvolver uma reflexão sobre si ou para si. Porque precisa explicar o que faz
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
156
ou não faz. E então vê-se, em sua voz, a voz da professora. Quando comenta
os roteiros, mais do que em qualquer outra situação. Insistentemente a aluna faz
afirmações como
write a reading guide to me is really important, no diário 3, I know
it’s important
, no diário 5; e ao comentar as reflexões de Marina, no diário 12, I
agree with her when she said that is “boring”, but we need to do to learn more
. Quem
lhe disse que é importante (mesmo porque não há mais roteiros no programa da
disciplina!)? A professora, ou quem sabe sua experiência anterior, que lhe
repete a necessidade de aceitar a importância de tudo o que é proposto como
tarefa na escola. Afinal, seu conciso primeiro diário sobre homework, abaixo
reproduzido, se reduz a um explicar-se quanto a obedecer ou não ao que lhe é
pedido: nenhuma descrição da experiência, nenhuma palavra sobre o valor
possível da experiência para sua aprendizagem. Apenas o respeito a um
componente da sua vida como aluna.
I usually do homework, but sometimes when I did not understand exactly what is
the purpose I do not do it , because I prefer ask to the friend about the homework
or I usually talk with the teacher about it. (Alessandra 4)
E, de repente, começa a surgir uma nova aluna. E exatamente no novo texto
sobre homework, o de número 13, já bem ao final do semestre.
Significativamente mais longo, abrangendo um leque maior de itens aos quais
dedica suas reflexões, marca o início de seu ‘despertar’ para a disciplina – talvez
tardio, porém não menos relevante ou incisivo para sua experiência como aluna.
Um despertar que Alessandra revelará em maior plenitude no diário 14, o qual
encerra a série de diários propostos.
About homework!
What can I say about my homework’s new thoughts? Before a lot of arguments I
can say that homework is really important, and it’s able to learn more each time
that we do that.
I’ve got some problems lately with my “writing English”, I’ve done some exercises
about English rules and it is showing to myself that if we get practice certain we’ll
learn more every single time that we do the exercises.
Finally, I have done every homework witch you purpose to us, and I could
perceive that it is helping me to understand my doubts in English morphology.
I don’t know if you can see that I’m trying to use words and somethings that I
haven’t used yet in this journal since I have started to write it. So now I could see
that I have improved since you talked to me about my problems in write English I
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
157
really don’t know if everything that I wrote in this journal is right, but I know that
I’m trying and now I can say that we might do the homework. (Alessandra 13)
Já nos dois parágrafos que abrem seu diário Alessandra demonstra uma
liberdade como escritora antes não encontrada! Em seus textos anteriores,
compostos exclusivamente por frases afirmativas, vê-se a impressão ou ponto
de vista que tem sobre a experiência direta e imediatamente colocada, como já
apontado nos diários 2, 5 ou 11, por exemplo.
E, nas palavras iniciais do texto 13, o que vemos? Uma exclamação e uma
pergunta – que é possível interpretar como um discurso para si, para ajudá-la a
ir adiante nas próprias reflexões. Mas também um discurso para a professora;
afinal, em todo seu percurso com os diários, e também nos relacionamentos que
com a professora estabelece em sala, evidencia-se o quanto quer que esta ouça
suas palavras – palavras de obediência, de quem entende a importância do que
lhe é dito que vale a pena fazer… Nas primeiras frases do texto 13 encontra-se
talvez o indício primeiro de que Alessandra começa a ver os diários como
instrumento de reflexão e diálogo. Mesmo que boa parte do que vá dizer a
seguir confirme a aluna que era…
E os dois parágrafos seguintes a confirmam! É a exercícios sobre regras do
inglês que Alessandra se dedica para resolver seus problemas quanto a seu
writing English”; e, ao ser fiel ao homework, pode perceber uma diminuição de
suas dúvidas sobre morfologia – um tópico diretamente focado no primeiro mês
de aula apenas.
No parágrafo final, o primeiro diálogo verdadeiro com a professora! Por que
diálogo, e por que verdadeiro? Alessandra chama a professora para a conversa
que estabelece na forma escrita –
I don’t know if you can see that Retoma
conversas anteriores que tiveram,
So now I could see that I have improved since you
talked to me about my problems in write English
, e – no discurso, I know that I’m
trying, mas também na ação de dedicar-se mais ao escrever – demonstra que
procura responder ao que lhe dissera a professora naquelas conversas. No
meio do caminho, retorna a Alessandra desejosa de confirmação para os
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
158
esforços que despende ou os progressos que faz, I really don’t know if everything I
wrote in this journal is right
; para quem o vocabulário da língua estrangeira é tão
especialmente importante,
I’m trying to use words that I haven’t used yet; que afirma
valores sem os explicar,
we might do the homework. Porém, é esse o caminho da
formação de uma identidade que estará sempre deslocando-se para novas
posições (Serrani-Infanti, 1998; Orlandi, 1998), a todo momento respondendo
aos discursos dos outros (Grigoletto, 2003), e a cada momento sendo também
reconstruída pela experiência vivida (Dewey, 1938/1963).
O mesmo movimento emerge no diário 14, aquele que mais inteiramente parece
retratar Alessandra na variedade de faces que constituíram sua identidade como
aluna na experiência particular vivida na disciplina Língua Inglesa:escrita.
In this semester, I have learned a lot in terms of English because the teachers
talked to me about how I was decreasing my English knowledge.
So now, I can say that I could improve studying and caring with my English.
In the beginning of the semester I was really “accommodated” with my English,
and I couldn’t see that I was decreasing, now I feel that I “woke up” and I’m doing
all the things to get a better English.
Comparing my journal of the beginning of the semester with the last ones that
I’ve done, it’s clear how I’ve improved. The first point witch shows it to me is the
length of them, the first texts that I wrote was really short, and now I’m doing it a
little bit long. To be honest I didn’t like to write journal, I guess it because now I’m
knowing to use words and rules that I didn’t know, and before it I didn’t like
because I didn’t know how use the words and rules. To write a long journal I
think that we need to write about something that we have knowledge about the
subject.
I really liked to do the seminars, it’s true, I liked especially Marisa’s seminar that I
worked out about “the conditional clause”. It was really great. I could see that I’m
able to explain something in English and understand it.
I liked also to prepare the theater, it was very funny!
Finally, I will talk about my relationship with my friends in the class. I really like all
of them, you know, sometimes we get some differences about some thoughts
and stuffs like that, but in the end we can always solved it because we are
human and we can get something wrong sometimes and the main thing that we
have is respect. They helped me so much when I needed to study more, the girls
were always asking me about my doubts and saying what I should do to get
improve. I think that our class is really cool, because we are friends and we care
about each other. (Alessandra 14)
A própria aluna aponta para seu despertar para a experiência. Antes vivia,
parece, uma inquietude e insatisfação no que diz respeito à identidade como
aprendiz de inglês que construía para si mesma; uma insatisfação que,
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
159
contraditoriamente, até mesmo a tornava incapaz de novos e mais decisivos
passos em direção à sua aprendizagem da língua estrangeira. É ela mesma
quem diz que, depois de um semestre acomodada, agora sente que
“despertou”; um despertar em interesse e empenho que traz resultados grandes.
E dá o exemplo quanto a um novo seminário – o envolvimento que viveu com a
proposta faz com que agora se sinta
able to explain something in English and
understand it.
É um novo conceito de si como aprendiz da língua estrangeira que
começa a se apresentar, e no qual desponta a auto-estima como elemento
constitutivo da identidade. Poderíamos retomar palavras de Wenger (1998) e
afirmar que, por meio de uma nova experiência de pertencer, Alessandra vive a
experiência de se tornar e se sentir mais aluna.
E, o que levou Alessandra a esse novo compromisso frente à experiência de
pertencer e, portanto, de aprender? Mais uma vez, é a aluna que oferece a
resposta: a atenção às palavras das professoras de inglês de seu curso. Uma
afirmação presente no diário 14 e, pouco depois, na conversa individual que
mantém com a professora no último dia de aula. E, mais uma vez, é Wenger
(1998) que nos ajuda a entender Alessandra: novas histórias de aprendizagem,
compostas por novos tipos de relacionamentos, criarão novas histórias pessoais
de ‘vir a ser’ no contexto das comunidades, constituindo novas identidades.
Alessandra aceita um novo relacionamento com as professoras; assume a
responsabilidade por elas proposta (Frankl, 1997). E, de novo, o resultado é
perceber uma mudança na qualidade de sua aprendizagem
: So, now I can say I
could improve studying and caring with my English.
Alessandra também explicita um novo conceito de si como escritora de diários.
Observa que se dá conta de seu crescimento. E, ao mesmo tempo, justifica o
pouco envolvimento anterior: não gostava de escrevê-los porque não conhecia
bem as regras e palavras do inglês; mas agora é diferente, gosta de escrevê-los
porque as conhece melhor! Semelhante experiência ressaltará no encontro da
última aula, quando diz que “não se interessava muito pelos diários, porque não
sabia escrever, mas quando começou a entender inglês melhor, passou a gostar
de escrevê-los”. Sempre o foco na língua – seja uma atividade de leitura, seja
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
160
de escrita… Mas há algo que se salienta em sua observação que imediatamente
segue:
to write a long journal I think that we need to write about something that we have
knowledge about the subject,
conclui Alessandra. É verdade, para escrever é
preciso ter o que dizer. O distanciamento com que viveu os primeiros meses do
semestre ajudaram-na a ter o que dizer em seu escrever? Ao contrário. Foi
quando decidiu se empenhar com a disciplina como um todo que seus diários
tornaram-se mais longos, mais reflexivos, pela primeira vez contendo descrições
e exemplos da experiência relatada. E, então, a aluna repetidamente aponta as
conseqüências desse empenho. Sua decisão quanto a novas palavras a serem
pronunciadas abre caminho para uma nova identidade de si como aluna.
Assim como seus colegas, Alessandra indica os relacionamentos na classe
como construtores de sua pessoa e de seu aprender. A intimidade tardiamente
encontrada com a escritura dos diários se torna mais plena do que nunca no
último parágrafo que escreve em meu curso. Fala com seu interlocutor
diretamente
, we are friends, you know. Com liberdade comenta dificuldades, we get
some differences about some thoughts and stuffs like that,
mas também pequenas
reconstruções experimentadas,
but in the end we can always solved it. Então
explicita porque foi possível reconstruir,
because we are human and we can get
something wrong sometimes and the main thing that we have is respect.
E, se antes
afirmações como they helped me esgotavam-se aí, vêm agora acompanhadas
de exemplos concretos,
the girls were always asking me about my doubts and saying
what I should do to get improve.
Para Alessandra, a experiência com os diários
mostrou-se uma oportunidade privilegiada de revisar e recuperar e, sob vários
aspectos, também começar a reconstruir muitas de suas concepções e práticas
como aprendiz de língua estrangeira.
Leila: à espera de uma novidade... que lentamente chega!
Alessandra faz-me lembrar de Leila. Também em seus diários encontro um
momento em que uma mudança começa a se tornar visível. Diferentemente de
Alessandra, no entanto, é esta uma mudança que se mostra de forma discreta,
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
161
indecisa, a ser percebida na maior extensão dos textos que começa pouco a
pouco a produzir, e na maneira como, ao comentar a experiência, vem a se
dedicar à descrição das particularidades que a compõem. Diria até que, de uma
propositada manifestação de desinteresse pelas atividades oferecidas e mesmo
uma relativa impertinência em relação às proposições para reflexão, Leila
caminha lentamente em direção a um novo interesse, um novo empenho em
tentar encontrar o sentido daquilo que está à sua frente em minhas aulas. Mas
isso será feito de forma velada, mantendo a imagem de independência que quer
construir para si.
Em seus quatro primeiros textos a aluna faz comentários que, de uma forma ou
de outra, com maior ou menor ênfase, parecem querer minimizar a relevância
que teve, para si, cada uma das propostas apresentadas – as reflexões nos
diários, mas também as atividades de sala de aula propriamente: os exercícios
sobre morfologia, os roteiros de leitura, as diferentes exigências quanto às
tarefas de casa. É, assim parece, um discurso de ‘quanto menos, melhor’. E que
vamos reencontrar mesmo mais tarde, quando ao seu texto para Juliana
acrescenta um post-scriptum, P.S.
: Next time please try to write your texts a little bit
shorter.
E não eram textos tão longos assim! De qualquer forma, Leila faz
questão de sempre afirmar quão custoso lhe fica ter de cumprir determinações
da professora. São tarefas a serem cumpridas, sem grandes envolvimentos. E,
desde seu primeiro diário, insiste em mostrar que se envolve apenas o mínimo
necessário.
At the beginning of the class I was kind of lost because I didn’t know what was
going on. When I finally figured it out I started to like the class better. The class
was very helpful. I know I won’t remember all of the prefixes and suffixes, at least
not right now, but those I can remember are very useful. Bottom line it was a nice
class.
P.S: The teacher is very nice. (Leila 2)
Leila precisa demonstrar um certo descaso com relação ao que está
acontecendo. Sua postura se faz evidente nos rápidos comentários que tece, na
escolha que faz de palavras. Estava perdida no início da aula, não entendia o
que acontecia, mas quando finalmente percebeu o que estava acontecendo,
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
162
começou a gostar mais do que via… A aula foi proveitosa, mas a aluna sabe
que não lembrará de tudo, embora aquilo de que lembre seja útil. Leila por fim
abandona suas restrições e conclui afirmando que a aula foi legal e, P.S., a
professora é legal também.
Pareceria exagerada a interpretação acima. No entanto, no conjunto de seus
diários entende-se melhor esse primeiro. Leila se confirma nos textos seguintes.
About the reading guide I don’t remember if I liked or not. I don’t think it was big
deal because I don’t have any memories about the RG. (Leila 3)
A aluna sequer lembra dos roteiros do semestre anterior, como havíamos visto
já. Não eram absolutamente relevantes, e não valem nem o esforço de pensar
sobre eles agora. E o que dirá no diário 4, sobre homework?
Sometimes I do my homework. Sometimes I forget to do it or sometimes I don’t
have time to do it. I don’t like homework.
Sometimes homework can be fun. When the teacher chooses the right
homework, the one you won’t be bored doing it, you can actually do it without
complain. But that’s rare. Usually homework are boring.
I hate when the teachers give us lots of homework like homework is the only
thing you have to do. Teachers think that we have all the time in the world but we
don’t. Don’t get me wrong I do consider homework important but moderated
homework. (Leila 4)
Rapidamente Leila manifesta sua impressão quanto à experiência –
I don’t like
homework
. E o que mais? Faz a tarefa, mas não sempre, até porque às vezes o
esquece… Não faz questão de se mostrar uma aluna bem comportada aqui,
pelo contrário; insiste mesmo em afirmar o quanto tudo isso é chato, raramente
se faz homework sem ficar reclamando. O problema é que os professores não
oferecem a tarefa adequada; além disso, dão tarefas demais, como se não
houvesse mais nada a se fazer na vida… Mas, professora, não me interprete
mal porque, afinal de contas, considero homework importante; apenas, por
favor, ofereça-o moderadamente...
É um discurso que marca a posição de um certo distanciamento que Leila
deseja manter daquele detalhe da experiência de aprender na escola. Cumprir
tarefas sem envolver-se de fato… Recusa-as porque são impostas? A escola é
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
163
um ambiente de imposições – teve de fazer os exercícios pedidos sobre prefixos
e sufixos e, felizmente, até que aprendeu com eles; teve de elaborar tantos
roteiros no semestre anterior, dos quais ainda não vê o sentido. E, agora, tem
de fazer a lição de casa, o que desejaria rejeitar; mas não é possível rejeitá-la
totalmente – e sometimes Leila se envolve. Será que homework nunca antes fez
muito sentido em sua vida como aluna? Mas não é possível fugir totalmente do
que é esperado dela como aluna e, então, há em Leila o discurso do senso
comum que lhe diz quanto cumprir aquela tarefa é importante – mas para quê,
enfim? Seu relato não aponta os motivos.
No texto seguinte uma mesma recusa, um semelhante afastamento. Porque há
para Leila a mesma necessidade de afirmar seu espaço, sua independência.
Não se preocupa em defender nenhum conceito de si como ‘bom aluno’. Frente
a uma proposta de tarefa de leitura na língua estrangeira, Leila com decisão, e
quem sabe com ousadia, diz:
I don’t like to read much; e logo após, I wouldn’t read
it if I didn’t have to,
e ainda continua, I don’t like when people tell me to. I only read
when I’m in the mood.
Arrisca dizer disso para sua professora de leitura!
I didn’t enjoy doing it. I didn’t like it because I don’t like to read much. Of course I
learned some new words and the article was interesting but I wouldn’t read it if I
didn’t have to. This reading guide thing is really boring not because of the article
I’ve chosen but because I don’t like when people tell me to.(?) I only read when
I’m in the mood.
The article is very good because the subject is interesting. (Leila 5)
Mas, por que o que compõe o curso se apresenta para Leila como um dever
incômodo, com uma aparência de obrigação apenas? Tento entender suas
hesitações, uma certa insatisfação que insiste em expressar. Algo lhe falta. E,
então, releio meus apontamentos da conversa da última aula. Em forma de
itens, lá estão; e aqui os reproduzo, fielmente:
- Não aprendi muito: tenho preguiça – não tem nada a ver com o curso ou os
professores.
- O que teria sido mais ‘challenging’ para ti? - Não sei.
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
164
- No vestibular: Letras, primeira opção; na USP; Relações internacionais. Mas vai
continuar com inglês.
- Meu problema: não tenho certeza do que quero.
- Diário é meio chato, porque não gosto de escrever.
- Próximos básicos, para outros alunos: mais redações, com temas menos
profundos e menos amplos.
É possível entender melhor a aluna agora. Confessa uma preguiça, uma falta de
ânimo: o diário é meio chato; outras redações, ela as teria preferido sobre temas
menos profundos. Leila não tem certeza de qual caminho seguir. Por outro lado,
embora Letras talvez não tenha sido sua maior opção – havia ainda o curso de
Relações Internacionais – pretende continuar com o inglês. Leila vive ainda a
fragmentação; quer continuar o curso, mas não sabe o que esperar dele, não
sabe o que dele deseja. Tudo o que lhe é oferecido parece demais para o
tamanho de sua disposição. Mas há alguma disposição; e esta encontra sua
primeira resposta quando a atividade finalmente parece corresponder a algum
desejo seu, parece ter sentido para sua aprendizagem.
No conjunto de seus diários relatando a experiência vivida na unidade de
construção e apresentação dos seminários temos a primeira evidência de uma
nova disponibilidade e abertura de Leila frente ao curso. Aqui se vêem a pessoa
Leila, a aprendiz Leila, com suas identidades reconstruídas. Um processo que
entendemos melhor ao partirmos do seu diário 7, em que lhe é pedido que narre
uma experiência anterior com seminários.
I didn’t do many seminars. The few ones i did I didn’t speak much. I hate
semnars because it can be humiliating for those who are speaking. It is very hard
for shy people like me.
I don’t understand much about seminars so that’s all I’ve got to say. (Leila 7)
Destacam-se os limites de temperamento
– it is hard for shy people like me; um
sentimento de negação, talvez devido às experiências anteriores vividas – I
hate
seminars because it can be humiliating for those who are speaking.
E, então,
reaparece aquele proposital tom de desinteresse e distanciamento já
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
165
conhecidos em Leila – I don’t understand much about seminars so that’s all I’ve got
to say.
Mas... a aluna percebe algo de relevante no texto Approaches to giving
presentations, que visava ajudar os alunos na preparação de seus seminários.
The idea of telling the audience how long the seminar is going to take is
interesting . The notes thing is nice too. (Leila 8)
Apenas isso diz Leila. Porém, já desponta uma possibilidade de novidade, que
discretamente se reapresenta no relato que a aluna faz do primeiro dos
seminários apresentados.
The first seminar was good. I’ve learned some new things that I didn’t know like
the words baggage, luggage, spaghetti and some others are uncountable.
The material the group used was very informative. They’ve made themselves
clear during the presentation.
The advices I would give them are: speak a little bit slower and speak louder. But
in general it was a good seminar and it certainly added some new information.
(Leila 10)
Leila avalia positivamente a apresentação dos colegas, e lança alguns exemplos
de palavras que aprendeu. Este é um dos textos que compõe o diário 10 do total
dos diários propostos, o oitavo que Leila escreve, e o primeiro em que vemos
algum exemplo concreto a respeito de afirmações que faz; até aqui seus textos
continham basicamente juízos de valor. É ainda a Leila contida em seus
comentários:
I’ve learned some new things. E conclui, in general it was a good
seminar, and it certainly added some information.
O advérbio certainly nos faria
talvez esperar um comentário mais entusiasmado – mas não, é apenas ‘some’
new information.
Na avaliação do seminário seguinte, a primeira manifestação de real surpresa,
de uma descoberta que preenche um espaço que esperava ser preenchido –
uma experiência que faz sentido e vale a pena. Faz sentido porque aprendeu
lots of things – e Leila pela primeira vez não modaliza; afinal, tende sempre a
dizer somesometimes, something... Sentido, também, porque começa a intuir
em si uma nova postura face às oportunidades de aprendizagem – por exemplo,
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
166
revê posições quanto a pensar que saberia coisas que na verdade não sabe…
Foi um seminário completo, uma boa apresentação, criativa e dinâmica, com
adequado suporte de material. Tudo isso dito por Leila! O seminário dos colegas
foi bom – e Leila não coloca restrições.
No offense to the others but in my opinion the third seminar was the best of all
because their seminar was more complete. The handout was good, the
exercises they’ve chosen was good too and they did a nice presentation.
I’ve learned lots of things that I thought that I already knew.
I realized that sometimes you think you know something so you don’t review it.
I wouldn’t add anything to their seminar. They were creative and dynamic. (Leila
10)
Também a experiência com seu grupo valeu a pena.
Our seminar was a very good experience to me because during the whole
process I’ve learned some new things.
Such things as foreign plural and no plural ending. I had no idea that these
foreign plurals existed. I also didn’t know that some words like deer and sheep
can be used both with a singular and plural meaning without change.
In my opinion we selected a good material and our handout was complete. If I
had to do it again I wouldn’t change much. Maybe I would use some posters and
speak a little bit slower. And I would give my back to the teacher. (Leila 11)
Não apenas Leila afirma que fez descobertas como especifica-as, dá exemplos.
E embora use aqui um tom mais reservado do que o fizera em um dos textos do
diário 10, por exemplo, relata uma experiência totalmente diferente daquela
encontrada no diário 7, quando dizia que apresentar seminários pode ser
humilhante. Algo grande; em suas palavras, uma experiência muito boa porque
durante todo o processo aprendeu coisas novas. E, talvez, mesmo sem o saber
e sem o poder explicitar, Leila começa a viver um novo empenho, uma nova
maneira de participar e, então, começa a experimentar a novidade.... A pergunta
sobre o significado de sua realidade como aluna começa a se manifestar...
Leila dedicou-se à preparação do seminário de seu grupo, e com atenção
acompanhou a apresentação dos outros grupos. Na participação, descobre que
a atividade pode lhe corresponder; e, lenta, porém surpreendentemente, a partir
dessa experiência em particular, a postura de Leila se reconstrói. Começa a se
envolver mais decisivamente com a classe e com a disciplina. Não mais apenas
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
167
nega o que lhe parece inadequado ou insuficiente para sua aprendizagem;
começa a buscar e a tentar entender o valor do que lhe é proposto.
Aquele que deveria ter sido seu texto 9, retornando às reflexões em diários
anteriores e aos comentários a eles providos pela professora, Leila o escreve
posteriormente. Nele, retoma a experiência de descobertas positivas que
representou a unidade sobre seminários. E fala mais longamente sobre as lições
de casa, às quais, querendo ou não, teve de se dedicar ao menos minimamente
para acompanhar as aulas. Como resultado, uma visão nova de si e do
significado deste componente de sua vida como aprendiz.
Comments after reading my own journals
After reading my journal I realized how much my mind has chanced.
Like my opinion about homework, for example. I confess that I still don’t like
doing it but I know how important it is. Homework is a way of checking if you
really understood the lesson and it is also a way of keeping in touch with the
things the teacher said in class. Homework is a way of practicing what you’ve
learned (or not) in class.
I also changed my mind about seminars. I found out that when you actually put
effort into something you can get to like it. (Leila 9)
Não que Leila vá ser de agora em diante a aluna ideal – e faz questão de dizer
isso várias vezes e de várias maneiras. Mostra-se no dualismo entre uma visão
de si agora, e uma visão de si mais tarde. Muito dependerá da experiência
vivida, da reflexão proposta para o diário. Mas está despertado o desejo de
resposta para as necessidades que sente como aprendiz. Será que, ao
demonstrar que está insatisfeita com seu fazer, com seu conhecimento, com seu
desempenho como aluna – e ao apontar o que lhe falta para ser melhor
aprendiz – Leila não está já denotando uma disposição a mudar? Porque o
próprio fato de estar disposta a mudar se torna favorável a que uma mudança
aconteça.
É um jeito de ser aluna diverso de Daniela, Mônica e Marina, como vimos, ou
de Juliana, que ainda introduziremos – que primeiro aceitam se envolver, e no
envolvimento descobrem o valor do que é proposto. Nessas alunas, o ‘querer
mais’ se realiza na dedicação às propostas oferecidas das quais, sem receios,
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
168
tantas vezes afirmam não imediatamente compreender o sentido. Já Leila, em
sua trajetória em busca de sentido para a experiência de aprender inglês,
parece primeiro precisar entender que vale a pena, para então decidir se
comprometer de fato.
E, então, como resultado de um novo comprometimento, mesmo que de forma
relutante seu discurso também muda. Mesmo que ainda não acompanhado de
ações concretas, como a própria aluna o defende. Depois de cinco parágrafos
em que justifica a importância de lições de casa para o aprender – em um
discurso mesclado, com a presença de tantas vozes do ambiente escolar e, ao
mesmo tempo, bastante pessoal, diverso daquele em seu diário 4, sobre igual
tema – Leila conclui
After recognizing that I’m aware of the importance of homework, I can’t say that
from now on I’m going to start to pay more attention to it. I would be lying if I say
that, but maybe next year I’ll think different about it. Next semester I’ll try to be a
better student then I was this year.
(Attention: this is not a promise, it is just a trial). (Leila 13)
Nada de grandes promessas de mudanças futuras. Mas não importa; a
mudança em Leila já ocorre. A experiência vivida vai além das palavras que a
aluna consegue pronunciar (Wenger, 1998). Mesmo que seu jeito tímido de ser
e contido de se manifestar – sem grandes entusiasmos, ou mesmo
propositadamente reduzindo a importância das experiências que viveu –
reapareçam no último texto do semestre.
My English hasn’t improved much. It is impossible not to learn at least one new
word but I don’t call it improviment. I’ve learned some things from the seminars
but just few things.
Sometimes I write long diaries and sometimes I write short ones. Most of the
time I write them short because I never have anything to say. Depends also of
the day and the subject.
What I’ve learned that was most pleasant was the roots. The seminar was nice
too.
My friends helped me a lot. Friends always help eachother. Like in the seminar
for example. And the play. They make the play seems easier. The relationship of
us is very important. We all know eachother so we get along pretty well. When
we are all friends we don’t have afraid of make a mistake but when the class is
not unites the classes don’t work very well. (Leila 14)
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
169
Aos colegas Leila refere-se explicitamente apenas neste texto 14, porque
provocada para tal pelas instruções oralmente dadas. Já a professora é seu
interlocutor, sempre; está sempre lá, ouvindo o que tem a dizer. A aluna entende
quanto a professora pertence a esta esfera sua que é o diário, e com ela de
forma direta ou indireta constantemente fala: manda recados, sugere, explica,
desculpa-se, justifica-se; parece mesmo querer orientar a professora em suas
explorações. É em grande parte na relação que entre elas se estabelece através
dos diários que Leila parece esperar a resposta para as perguntas que
implicitamente formula sobre seu distanciamento ou aproximação da experiência
oferecida nas aulas de inglês. Embora, na verdade, não seja a professora a lhe
oferecer tais respostas. Estas virão de seu empenho com a totalidade da
experiência, como, aliás, já vivenciou na unidade sobre seminários. De qualquer
forma, é junto à professora que Leila buscará a referência e confirmação para o
que diz e vive como aprendiz da língua estrangeira.
Heloísa: na experiência do acolhimento, a identidade reconstruída
Será uma experiência de qualidade distinta, esta vivida e relatada por Heloísa.
Desde as primeiras palavras da aluna o que se salienta é a importância que
confere às relações com os colegas. Não que a eles se refira o tempo todo, ou
diretamente. Porém, quando o faz, é para mostrar o papel fundamental que
assumem na (re)construção de sua história como aluna naquele grupo. Que
histórias são essas, contadas e recontadas pela aluna já em seu primeiro diário?
E quais as histórias não contadas, que implicitamente nestas se fazem
presentes?
Which activity didn’t you like very much? Why?
I didn’t liked the way people looked at me whenever I said something. In my
opinion we are here to learn by trying and also by making some mistakes.
What makes you (or would make you) a good English learner?
I think what makes me a good English learner is the fact that I live the language.
What I’m trying to say is that I use it everyday and I have the notion that I have
lots to learn because only the fools are “know it all” and I don’t want to be the fool
in here.
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
170
How can your classmates help you?
My classmates can help me by not judging me. I’m happy now that the class is
smaller and
that I know everybody is patient and sympathetic to my deficiencies. (Heloísa 1)
São histórias de rejeição e desconforto vividos, e que trazem consigo a espera
de uma novidade positiva, da aceitação da pessoa que Heloísa é. Afinal, não é
sempre o mesmo desejo que deixa transparecer nas respostas que dá às três
perguntas acima, formuladas com focos tão distintos? Não é o mesmo desejo
que se explicitará ao falar de uma atividade de teatro, cujo valor maior, para a
aluna, recairá exatamente na oportunidade que representou de reconstrução de
seu relacionamento com um dos colegas?
The theater was a great experience because I had the opportunity to work beside
someone I didn’t knew very well and I changed the opinion I had about this
person for a better one. (Heloísa 1)
Para Heloísa, é na relação pessoal vivida com a classe que a experiência irá
revelando seus espaços de (re)construção. Como nesse particular exemplo
citado ainda em seu primeiro diário: da totalidade de fatores que compunham a
unidade, o que permaneceu foi a experiência de haver vencido a estranheza; o
que mereceu ser comentado foi a abertura de uma antes não-imaginada
possibilidade de reconstrução de relacionamentos.
Heloísa quer sentir-se mais parte do grupo. Deseja pertencer mais plenamente,
ser compreendida em suas deficiências e em seus erros, como tão
insistentemente enfatiza em suas primeiras palavras para a nova professora.
Pede para ser acolhida naquilo que traz de singular (Frankl, 1997). Na entrevista
que encerra o semestre Heloísa dirá que foi bom ter na classe alunos com
conhecimentos mistos de inglês, porque aprendemos a lidar com essa diferença.
Mas será mesmo esse tipo de diferença que perturbara a aluna no semestre
anterior? Será mesmo esse tipo de diferença a origem de seu distanciamento da
experiência de aprender que tinha à frente? Pois Heloísa se destacava no grupo
pela fluência e desenvoltura com que oralmente se comunicava, expressava
seus pensamentos, participava de quaisquer atividades. Tanto que dela dirá
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
171
Daniela, no diário que pede a avaliação de seminários apresentados pelos
colegas,
… of all the seminars I preferred the second one because I think Helô has a
natural gift of speaking in a way that is so clear that I enjoy more and she attracts
the attention of the public. (Daniela 10)
Minhas aulas eram especialmente dedicadas ao desenvolvimento das
habilidades de leitura e escrita na língua estrangeira, e nestas a exposição
perante a classe é mais discreta. Por exemplo, quem saberia, além da
professora, quantos diários Heloísa escreveu? Ou saberia da extensão ou
qualidade dos seus diários, um importante componente de minhas aulas? Ou da
qualidade das outras tarefas que compunham a disciplina? Portanto, talvez as
diferenças em termos da qualidade de sua língua estrangeira não
representassem, de fato, a fonte maior de dificuldades para Heloísa.
A insatisfação que explicita sentir com relação a relacionamentos anteriormente
vividos se mostra também no olhar que lança sobre si como aluna. Heloísa
reconhece seu pouco empenho; desculpa-se por sua falta de tempo; confessa o
quanto é no cotidiano regida pelo humor e sentimentos; admite o desempenho
inferior ao que poderia ser... De modo semelhante a Leila, assim como produz
julgamentos a respeito de si mesma que, no contexto escolar, poderiam ser
classificados como negativos, tenta minimizar a importância das afirmações que
faz: não cumpre as tarefas porque esquece; na verdade, sequer lembra se já as
cumpriu em sua história como aluna; e, afinal, o maior prejuízo será mesmo seu.
Usualy I don’t do my homework because I forget about them. The problem
about
me is that I’m extremely lazy (wich is a big problem) and disorganized
(even bigger problem). Along the years I’ve been studying English I don’t
remember if I actually did any homework. So I understand that I’ve been
cultivating a bad habit that only damages one person (me) but I’m trying to
change this habit by scheduling some hours of my day to do my homework
(duas linhas em branco, e um novo parágrafo)
Mainly when we do the homework the classes get more dinamic and we have the
oportunity to practice english at home. (Heloísa 5)
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
172
Porém, diferentemente de Leila, e apesar de seu reconhecimento da
necessidade de uma mudança em atitudes, explicitado no discurso de vários de
seus diários, não será por seu esforço individual que Heloísa reconstruirá o
próprio conceito como aluna, porque não se mostrará capaz de, por si,
reconstruir sua participação e suas ações. Permanece até o final do curso
relutante em entregar-se à proposta de aprendizagem por mim oferecida.
First I would like to thank you for the compliment, you were very generous in
your words. I want to apologize for my diaries, I know that they are short but it’s
not because I think they’re unimportant, it’s just because most times I don’t think
I’ve got nothing relevant to say about our assigments. (Heloísa 14)
Nas palavras iniciais desse último diário Heloísa retoma os comentários da
professora,
Helô, you´re someone greatly interested in what happens around you, with
wide open eyes to different kinds of things. I’m just so sorry you didn’t use this special
gift in writing more to me!
E mostra-se um diálogo tão revelador este! Daquilo que
moveria Heloísa, daquilo que eu, como professora, fora capaz de perceber a
respeito dela e, ao mesmo tempo, da impossibilidade de as propostas de
reflexão para os diários virem a motivá-la. Eram, provavelmente, propostas
pequenas demais para o tamanho dos interesses ou preocupações da aluna.
Ou, talvez, muito distantes das responsabilidades maiores que tinha de assumir
no dia a dia como professora que já era, em tempo quase integral. De qualquer
forma, Heloísa confessa não ter muito a dizer sobre elas.
Também revelador de Heloísa e seus limites e desejos é o texto anterior, sobre
homework, em relação ao qual eu havia escrito o comentário reproduzido acima.
A aluna havia copiado, à sua maneira, orientações oralmente formuladas para
auxiliar a reflexão, e a elas vai individualmente reagindo.
1. As I told you before, I don’t do my homework regularly but I understand that
it’s important and I’m trying to find some time to do it.
2. It makes some difference when it’s something that I don’t know or when it’s a
chalenge for me to do it.
3. As I don’t live in São Paulo and also work, it’s kind of difficult to find the time to
do it. We’ve got to remember that there are other subjects and I try to do the
ones that I feel that are more important. But, talking about English homework, I
do it when I feel motivated and it’s been a while that I don’t have this feeling.
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
173
4. It’s important to challenge the students. I don’t like to do lot’s of exercises and
hate when the class is based only in homework correction.
5. From the ones that motivate me like the composition, the seminar, the reading
guide.
(Heloísa 13)
Heloísa aqui assume em primeira pessoa suas dificuldades em termos de
dedicação a homework e, ao fazê-lo, repete discursos prontos: entende-lhe a
importância, mas falta tempo para tudo que é pedido; não é bom ter aulas
baseadas na correções de tarefas; além disso, há outras disciplinas às quais
também devotar atenção.
Mas nas palavras de Heloísa há muito mais: é importante que as propostas
desafiem os alunos – e a aluna o afirma duas vezes. É necessário sentir-se
provocado e, na verdade, há muito as tarefas de inglês apresentadas não a
atraem; os diários não a atraem. Motivavam-na – porque deles aprendeu – os
roteiros de leitura; redações, especialmente dentro da unidade sobre
estereótipos e preconceitos, não retomada nos diários; e os seminários.
Para entender Heloísa inevitavelmente volto a Dewey (1938/1963) e Bruner
(1976) em suas afirmações de que, na relação educativa, cabe ao professor o
oferecimento de propostas que ajudem o aluno a mais intensa e profundamente
colocar-se frente à realidade; depende muito do professor o despertar da
motivação que conduz ao envolvimento. Na relação com o professor e com o
que este lhe oferece como educação, irá emergir, ou ganhar sustento, a autoria
do aluno. E Heloísa, explicitamente por meio de palavras proferidas,
implicitamente nos comportamentos assumidos, apontará a inconsistência do
que lhe ofereci como resposta aos desejos e necessidades que a moviam ou
moveriam na sua singularidade como pessoa e como aluna. Faltaram-lhe, é
possível dizer, maior ímpeto e dedicação pessoais na busca de realização dos
seus desejos e necessidades mais íntimos ou urgentes (Dewey, 1938/1963;
Bruner, 1976; Frankl, 1997). Porém, é também verdade que as respostas
disponíveis – que tanto construíram Marina, Mônica, Daniela, ou Juliana, e suas
identidades – não foram suficientes para provocar Heloísa a um novo empenho.
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
174
Heloísa parece ter o tempo todo desenvolvido um percurso um pouco ‘fora da
trilha’, se comparado àquele percorrido por seus colegas. Por exemplo, é o
único participante que, sem restrições, demonstra ter de fato visto nos roteiros
de leitura um valor para sua aprendizagem. Mesmo que não seja um valor que
imediatamente se revele. E mesmo que não explicite exatamente porque.
In my opinion I will notice some improvement in the long run as it’s been a short
time since we’re doing it but is good for me to writte as I feel that my speaking is
much better than my writting.
For me doing it is regular and there’s nothing in the reading guide that I love or
that I hate. I think this new way of doing it is better than the old one.
As I said there’s nothing that I love or hate about it.
As I said before, I think it (maybe) will make some difference
in the long run. Only
one reading guide is too few to judge if I had some improvement. I would be very
naïve if I thought only one would make any difference. (Heloísa 4)
A aluna diferencia-se também nos contidos e rápidos comentários sobre a
experiência vivida com seminários. De todos os alunos, será ela quem com
maior reserva e menor entusiasmo apontará os efeitos positivos da unidade
para a (re)construção dos conceitos de si como aprendiz em minhas aulas.
It was very good to me to review singular and plurals the best thing about the
seminar was to have the experience to present the seminar as if we were
teachers. (Heloísa 11)
Mas há um lugar em que se abre para Heloísa a possibilidade de transformação
– e este reside exatamente na possibilidade de um novo reconhecimento de si
que concretamente experimenta na nova relação vivida com o outro, seu colega.
Na experiência do acolhimento a aluna vive a oportunidade de reconstrução de
sua identidade.
Um reconhecimento de sua pessoa construído na experiência de um encontro
(Quintás, 1995) que se mostrou constitutivo do ‘novo ser Heloísa’. Pois, eis que
Heloísa, em seu último texto, e de forma nova e imprevista, faz surgir a
confirmação da reconstrução da história de seu pertencer dentro do curso de
inglês.
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
175
I don’t have any problems with my friends. I don’t know how they help me, but
only being who they are I already feel helped. (Heloísa 14)
Only being who they are I already feel helped. Porque o encontro agora vivido com
os colegas não nasceu do simples fato de estarem na mesma classe; este foi
gerado por uma nova experiência de cooperação, que originou uma
correspondência ao humano antes impensável. Este é o modo de Heloísa falar
de si – afirmações curtas, diretas, sem muitas explicações, e em poucas
palavras é sintetizada uma experiência de grandeza incomparável. Que
grandeza maior haveria para ela do que perceber-se acolhida, e nessa
percepção ver reconstituídos sua pessoa e seu pertencer? Heloísa procurava, e
finalmente encontra seu lugar em sua comunidade.
O colega na construção do conhecimento
Este moldar a si próprio, este descobrir as próprias capacidades por meio – e
por causa – da relação com o outro, tão marcadamente presentes em Heloísa,
apresenta-se na forma de outras necessidades manifestadas e respostas
encontradas. Ressurge a todo o momento no discurso dos alunos a menção à
interação com os colegas como elemento que impulsiona e inclusive permite a
aprendizagem. Mesmo quando a instrução para a redação do diário não solicita
diretamente nenhuma reflexão em tal direção, o colega comparece no papel de
parceiro na experiência de aprender.
Há, por vezes, a explicitação da importância da aprovação dos pares.
During the presentation I could really feel as a teacher feels and I enjoyed it.
It was nice to see that our classmates liked it too, we could notice it when we
discussed after each presentation. (Juliana 11)
.
O desejo da presença do outro se revela também como expectativa quanto a um
comportamento comprometido com o grupo. Por exemplo, quando Daniela
‘reclama’ de colegas a sua ausência na apresentação de um seminário.
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
176
I got really mad when Thiago and Léia missed the second seminar! Our class is
small and that is a good thing but everybody has to collaborate, otherwise the
class “don’t go further...” (I mean: “a classe não flui”). (Daniela 9)
A aluna reforça a importância do grupo, para si e para a fluência da aula – e
uma importância especial é aferida à participação quando o trabalho é
responsabilidade dos próprios alunos: a classe não flui. É um compromisso
pessoal que não só favorece a aprendizagem conjunta em sala de aula, mas
que lhe é decisiva. Respondendo explicitamente a um comentário da professora,
em seu diário sobre ‘lição de casa’ Juliana e Léia igualmente apontam para a
necessidade de semelhante atitude.
Another thing which I agree is that when some students don’t do what is asked
and the teacher is waiting for that, the class become boring because just few
students can participate (Juliana 4)
Of course doing the homework is important. If nobody did the homework the
class wouldn’t work out right. (Léia 4)
Porém, mais do que garantir um fluir da aula, a presença do colega pode
significar uma oportunidade aumentada de poder aprender a própria língua
estrangeira. Como? Se eles sabem mais… Um saber mais que adquire uma
variedade de formas. Os colegas podem ajudar a compreender palavras da
professora…
…sometimes what teacher say isn’t clear and they can help me to understand.
(Mônica 1)
a esclarecer lições de casa não compreendidas…
I usually do homework, but sometimes when I did not understand exactly what is
the purpose I do not do it , because I prefer ask to the friend about the homework
or… (Alessandra 5)
a servir como orientadores, como diz a mesma Alessandra, no último diário.
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
177
Finally, I will talk about my relationship with my friends in the class. (…) They
helped me so much when I needed to study more, the girls were always asking
me about my doubts and saying what I should do to get improve.
I think that our class is really cool, because we are friends and we care about
each other. (Alessandra 14)
Mais ainda, colegas podem atuar como modelo, para que erros posteriores
sejam possivelmente evitados.
They were saw my seminar first so, it makes them paying attention to not comit
the sane mistakes. (Daniela 9)
Ou podem apontar erros e corrigi-los...
I think that my classmates can help me in a lot of ways, they can correct
me…(Marina1)
Mais que tudo, porém, como veremos em Juliana, com o outro pode-se
descobrir a dimensão prazerosa do aprender.
Juliana: tantas alunas em uma!
É Juliana o último membro do grupo que apresento. E, quanto mais contemplo
seus textos, mais reconheço neles traços antes percebidos em colegas seus.
Com Daniela, por exemplo, Juliana compartilha um particular e acentuado
‘gostar’ da língua inglesa, que ambas as alunas manifestam explicitamente em
diferentes ocasiões. E que, sem dúvida, determina muito da maneira
comprometida com que se relacionam com a disciplina. Em Juliana, de tal forma
que sua resposta à pergunta do primeiro dia de aula sobre o que a tornaria uma
boa aprendiz de inglês inicia com a afirmação
I like the language and...
I like the language and try to put it in my rotine, for exemple… listening to
musics and watching some films covering the legend. I enjoy working in group in
the class. (Juliana1)
Na leitura do conjunto de seus diários, dois lados desse gostar se destacam.
Primeiro, um gostar intimamente relacionado ao motivo pelo qual quer aprender
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
178
inglês, e que aqui já começa a se mostrar. Juliana aprende a língua para colocá-
la em sua rotina, em sua vida ‘além’ da escola: quer ser capaz de entender as
letras das músicas que ouve, de assistir filmes sem lhes ler as legendas...
Começa a revelar-se uma das características que mais definirá a aluna e sua
experiência com a língua estrangeira: atraem-lhe muito os detalhes da língua,
sim – e esta será uma outra faceta de seu ‘gostar’ – mas o que realmente
importa é ter a oportunidade de sabê-la útil e presente em sua vida de forma
mais total. E, portanto, mais significativa também.
É o que apontam trechos de diários variados, de modos variados. No diário 5,
depois de mais uma vez categoricamente recusar os roteiros de leitura como
proposta para sua aprendizagem, a aluna conclui,
And finally, being sincere: it din’t make any difference in my life because even
without having to do this activities I enjoy reading magazines. (Juliana 5)
Se gosta de ler, mesmo sem ter de fazer exercícios que lhe parecem mecânicos
e sem sentido, por que fazê-los? Afinal, ler revistas na língua estrangeira
constituem já parte de seu cotidiano.
E, no futuro, fará parte de seu cotidiano o fato de ser professora. A aprovação
maior de Juliana com relação à unidade sobre seminários advém exatamente de
haver positivamente experimentado ‘sentir-se professora’. Aprendeu, sim, muitos
pormenores interessantes de palavras, e os explicitará nos textos que escreve
avaliando as apresentações dos colegas. Porém, não é apenas isso que
importa, dirá em seu diário 11, em que avalia o próprio seminário, ou em seu
último texto do semestre, quando comenta a experiência muito individual de
apresentar-se.
Doing this seminar was extremely important for me. I learned a lot while I was
preparing it.
During the presentation I could really feel as a teacher feels and I enjoyed it.
It was nice to see that our classmates liked it too, we could notice it when we
discussed after each presentation. (Juliana 11)
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
179
I enjoyed this semester as a whole, but something which called my attention and
made me feel as a teacher (as I have already mentioned in one of my journals)
was the seminars. These were the most pleasant part of the seminar for me.
(Juliana 14)
A preocupação que Juliana demonstra com relação a particulares da língua faz-
me lembrar Alessandra. Ambas conferem especial importância a poder dar
conta da língua; Juliana falará de vocabulário, especialmente. Por isso, entende-
se o evidente envolvimento que experimenta com a unidade sobre morfologia,
mencionado já; ou com os seminários sobre palavras contáveis e incontáveis em
inglês, como a vemos dizer ao avaliar uma das apresentações de colegas.
In this seminar I learned a lot.
Words that end in –s and how it is in the plural.
For exemple some words like police, mice…
It’s really important for an English learner to know those important details.
(Juliana 10)
Um interesse que retornará quando, ao retomar o tema homework, ao final do
semestre, comenta sua experiência com relação a atividades para casa que
incluíam redação de textos.
In relation to writing I learn more when I do compositions; so I practice how to
expose my ideas and I do also learn more vocabulary. (Juliana 13)
Particularmente interessante é o modo como essa preocupação com vocabulário
aparecerá até mesmo em certo momento do texto que escreve para Daniela,
comentando as reflexões da colega.
The advice I would give you is to continue writing like that (clearly) but just
paying a little more attention not to use the word “profitable” and the expression
“to sum up” so many times
. Finally, reading your journals was very helpful for me
specially because of the specific vocabulary you use which I could learn better
.
(Juliana 12)
Mas há algo de singular na maneira como muitas vezes Juliana fala da
aprendizagem de detalhes da língua em si como um aspecto que a atrai e move
em sua experiência total de aprender a língua estrangeira. Na descoberta de
novos detalhes, encontra satisfação e motivação para dedicar-se. E a aluna
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
180
indica o motivo maior – quer saber a língua para poder relacionar-se com o
mundo. O que dizia ao responder à pergunta sobre o que significava, para ela,
aprender uma língua?
It’s know the language as much as possible in all the aspects (grammar,
vocabulary, pronunciation…) and to be able to communicate using the language.
(Juliana 1)
Há mais traços em Juliana que a aproximam de colegas seus. Com Marina e
Mônica, em particular, Juliana divide a concepção de que, se está na escola, é
para tentar acolher o que lhe é solicitado naquele ambiente; como as colegas,
Juliana obedece a todas as propostas – não passivamente, porém. Como
também se vê nas colegas, não é uma obediência em palavras apenas; é uma
obediência vivida na ação de empenhar-se. Juliana não quer desperdiçar
oportunidades de contato com a língua – na escola ou fora dela. Por isso,
procura cumprir as tarefas pedidas.
Doing the homework isn’t the worst thing I do in my life, in the other hand I would
be lieing if I said I like it, but I do most of my homeworks (except when I forget it).
I really think (homework) helps my learning because I can have more contact
with the language not just during the class but at home too. (Juliana 4)
E, assim como Marina e Mônica, Juliana obedece para verificar o valor do que
lhe é apresentado.
Doing the Reading Guide at this “new way” it wasn’t nice and effective for me
and my learning. I really didn’t like it, I thought I should try to see wether it would
be better. But in fact it wasn’t. (Juliana 5)
Infelizmente, como conclui o parágrafo, às vezes o valor não se revela; este
segundo roteiro proposto in fact wasn´t effective for my learning, diz. Então,
prosseguindo no mesmo texto, arrisca sugerir para a professora que haveria
outras formas de desenvolver a atividade.
So what I can suggest is to ask us to read in another way. There are several
forms of doing it; for exemple a discussion among the class after reading the
same text or something like that because doing this reading guide has been
extremely boring for me and I don’t even have a part which I liked most. (Juliana
5)
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
181
Em suas últimas palavras no diário 3, sobre os roteiros também, Juliana
apontava já para a possibilidade de se descobrir uma diferente maneira de
desenvolver a leitura em minhas aulas.
What I have to say about doing those Reading Guides last semester is not so
good.
As I told you in the first class, I didn’t like doing that.
It was tireful for me to look for an article and do always the same thing: 5 words
which I didn’t know, a new expression, a new subject…it was so mechanical that
when I did the third one I didn’t even read the text well, I just looked for
new/different words.
I think we could have had another way to learn and practice reading/writing. And
I hope there is another way to do it. (Juliana 3)
Um outro peculiar lado de Juliana surge nesses dois textos – a compreensão de
que os diários são um espaço para estabelecer diálogos com a professora; e,
neles, sem receio a aluna indica o que não lhe corresponde como aprendiz. De
modo diverso de Marina e Leila, no entanto, que com a professora falam
diretamente, Juliana tende a ela dirigir-se de forma indireta – a não ser quando
recorre a conversas orais ou escritas anteriores para reforçar algum ponto que
agora defende. I´ve told you, por exemplo, reaparecerá várias vezes.
I do my homework quite often, but as I’ve already told, sometimes I have to
choose some of the homework asked, because I don’t have time enough to do all
of it. The way I choose it is trying to notice which subject I have more difficultie,
and doing this one. It makes a big difference in my learning cause I believe that
at least I don’t quit doing my homework and with it I’m able to find my mistakes
and I can revew what I learned (most of the times in the last class)
In one of my journals I mentioned that the teachers should do their parts, I mean:
they could think that if they gave less lessons to do at home, people would be
able to do everything instead of choosing what is more important to do. (As I do).
I would like to be able to do everything asked. I’d have much more faciliti in
memorizing things if I could practice at home too.
Finally, I hope something change after all that discussion because it didn’t
happen until now. (Juliana 13)
Há muitos recados para o professor nesse que é o penúltimo diário de Juliana
no semestre. Nos dois parágrafos maiores, desenvolve o mesmo argumento: os
professores dão tarefas demais, e os alunos vêem-se obrigados a decidir qual a
mais relevante. No início do parágrafo dois retoma o que já dissera em reflexões
anteriores, teachers should do their part, e toma a liberdade de mais uma vez
dizer que parte seria essa. Finaliza o texto manifestando a insatisfação quanto a
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
182
coisas que permaneceram inalteradas no semestre – porque as palavras dos
alunos não foram ouvidas com atenção. Juliana parece não querer falar aqui
diretamente da professora leitora de seus diários – mas, compreende-se, é para
ela (ou para todos os outros professores) a mensagem.
Aliás, já bem antes no semestre, Juliana queixava-se de que suas palavras não
estavam sendo consideradas, e daquela vez ousara dirigir-se explicitamente à
professora.
The only thing I really didn’t like was having to do the Reading Guide because
you asked our opinion but quite not changed since then
. (Juliana 6)
Juliana percebe-se ativa construtora de seu currículo (Alarcão, 2001) e de sua
história como aprendiz da língua estrangeira. Entende que as decisões quanto
ao que é de valor para sua aprendizagem não podem ser tomadas apenas pela
professora, e por isso permite-se reclamar quando algo não lhe corresponde, ou
sugerir e pedir mudanças. É uma construção que a aluna busca viver com o
outro – o professor, mas também com os colegas.
E assim, Juliana, que se manifestara sobre a relevância da interação com os
colegas no primeiro de seus diários, retomará mais longamente a questão em
seu último texto do semestre. Se naquele primeiro texto a aluna focava o
ambiente na classe principalmente em termos de uma expectativa, como algo
desejável para aprender a falar mais livremente na língua estrangeira, neste
último aponta para as interações vivenciadas com o grupo como relações que
de fato, na experiência, por meio da experiência e para a formulação da própria
experiência, como afirma Dewey (1938/1963), favoreceram a sua aprendizagem
e construíram sua identidade como aprendiz. E de que forma?
Along this semester I’ve been learning several new things in the Languages
course. But one skill in my learning had improved most: the reflection to write
down my opinion.
Last semester I was able to write a composition, but having a great deal of
difficulty in organizing my ideas.
Although now I can do it faster and as good as it used to be. And what I think is
the responsible for it are the journals because even being “forced” to do it when
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
183
the teacher gives us a topic , I feel confortable to write about it for being all those
topics, things of my interests – so I like giving my opinion.
This was just one of the things which improved in my knowledge, there are
others but I decided to write about it for being the one which most changed. To
improve all these things I said had changed, I count on my classmates’ help and
they helped me a lot, specially in terms of speaking because we all fell
confortable to say whatever we thing. An other important help they gave me this
semester was in terms of vocabulary. I asked them a lot about vocabulary and
we usually sing a song when we find a word correspondent to a liric. It is funny
and helpful for me to memorize those words. (Juliana 14)
A reflexão pessoal que compõe o texto de Juliana – e cuja importância é
claramente destacada pela própria aluna nos dois primeiros parágrafos – mostra
o resultado de um caminho construído por encontros que vão oferecendo à
experiência de aprendizagem seu significado. Juliana descobre um valor para o
refletir, para o escrever, para o escrever diários em particular... E o que contribui
para a construção de seu conhecimento e para o significado que dá às
experiências? A relação com os colegas.
Chama a atenção, em primeiro lugar, a expressão clara e forte da presença dos
colegas na totalidade da percepção que tem da experiência:
to improve all these
things.
Indo adiante na mesma frase da aluna, há a manifestação de um ideal e,
concomitantemente, da realização desse ideal:
(to improve all these things) I said
had changed, I count on my classmates’ help and they helped me a lot
. A expectativa
inicial quanto ao desenvolvimento da linguagem oral se confirma no trecho
seguinte:
specially in terms of speaking because we all fell confortable to say whatever
we thing.
E, também, há espaço para o inesperado: An other important help they
gave me this semester was in terms of vocabulary. I asked them a lot about vocabulary
and we usually sing a song when we find a word correspondent to a liric. It is funny and
helpful for me to memorize those words.
Inesperado porque, se comparada à aridez
nos relacionamentos como grupo vivenciada anteriormente, há mesmo a
descoberta da possibilidade de uma dimensão prazerosa do aprender, um
prazer experienciado nos relacionamentos.
E, aqui, introduzo a última faceta da identidade de Juliana como aprendiz que se
vê refletida em seus textos: sua disponibilidade criadora e a saliente atração que
sente pelo lado (poderíamos assim dizer) lúdico da experiência de aprender.
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
184
Duas características que se apresentam desde seu primeiro diário, ao responder
à pergunta sobre a atividade do semestre anterior de que mais havia gostado.
The theater. I liked the most of the parts (preparation, using pronunciation,
criativity and writing and the presentation). The thing I didn’t like was the subject
(“cat in the rain”). It didn’t help us to be so criativity as we could had been. This
subject was a little “boring”. (Juliana 1)
Uma disponibilidade criativa reconhecida e apreciada pelos colegas, visível na
unânime avaliação positiva que estes fazem da apresentação do seminário que
Juliana preparou e apresentou com Marina e Thiago, da qual incluímos aqui
alguns exemplos.
Juliana and her group could really make me surprised. They had different ideas,
like playing music and giving an exercise at the beginning. (Daniela 10)
No offense to the others but in my opinion the third seminar was the best of all
because their seminar was more complete. The handout was good, the
exercises they’ve chosen was good too and they did a nice presentation.
I’ve learned lots of things that I thought that I already knew.
I realized that sometimes you think you know something so you don’t review it.
I wouldn’t add anything to their seminar. They were creative and dynamic. (Leila
10)
The last seminar in my opinion was very well prepared and the most interesting.
Giving some exercises before the presentation is nice and a good way to
evaluate ourselves and late we could compare the results with the exercises
given after. I learned lots of new things: “many a”, rarely, scarcely and how to
use none were the most relevant points for me. (Mônica 10)
Por que colocar esses três textos de colegas de Juliana? Porque, no seu
conjunto, descrevem a surpresa vivida no seminário especialmente atraente
preparado pela aluna e seu grupo. E, de modo particular, por enfatizarem a
possibilidade de uma experiência prazerosa de aprendizagem da língua inglesa.
São avaliações que, de diferentes formas, reconhecem a singularidade de uma
experiência cheia de criatividade, e que ajuda a constituir a maneira como
Juliana vê a aprendizagem da língua estrangeira – um traço particular que, entre
outros, ajuda a compor sua identidade como pessoa e como aprendiz.
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
185
Um provocante e harmônico conjunto de identidades individuais
Mesmo antes de iniciar a análise dos dados propriamente dita, enquanto ainda
no papel de professora lia e comentava os diários dos alunos, eu via já se
destacar o que havia de único e original na experiência de cada um. Assim, se
um aluno me chamava a atenção pela expressa necessidade de desenvolver
relacionamentos pessoais que lhe permitissem vir a aprender, em outro
encontrava a reafirmação da mais completa autonomia como caminho a
perseguir; se alguém me instigava pela sempre demonstrada capacidade de
reconstrução de experiências no fascínio entrevisto em cada situação, em outro
o que se destacava era a relutância em abraçar a proposta de reflexão oferecida
e de se deixar envolver mais plenamente pela totalidade da experiência; para
uns, está no professor o ponto de referência maior, para outros, esta se
encontra na relação com os colegas. Assim, com respeito a cada aluno, o
encontro com uma novidade e uma descoberta que provocavam.
E assim também, com relação a cada aluno, uma história por mim vivida de
modo particular e único. Quanto mais penetrava nas histórias contadas nos
diários, tanto mais vi crescer meu interesse pelas experiências individuais,
expressas nos encontros e relações que os alunos viviam com diferentes
aspectos de sua vida em minhas aulas. Fui entendendo que palavras como
aprendizagem, interação, reflexão, tinham significados e pesos diferentes na
experiência de cada um dos participantes. Por isso, em um processo natural,
este capítulo se organizou primeiramente em torno de experiências individuais.
Que, no entanto, sob muitos aspectos são experiências compartilhadas; por
isso, houve também aqui espaço para a descrição e interpretação de
experiências comuns. Em seu conjunto, as novidades e descobertas relatadas,
nas diferenças que revelam entre os participantes, vieram harmonicamente
ajudar a compor este capítulo de análise e interpretação dos dados dos diários.
E, então, resta talvez a tentativa de formulação da resposta final para a pergunta
que orientou a pesquisa, Qual a natureza da construção da identidade do
aprendiz em um curso de língua estrangeira que priorizou a reflexão por meio da
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
186
escritura de diários?
Esta é, acredito, uma pergunta já amplamente respondida. Diz van Manen
(1990:116) que somos o que somos pela relação conversacional que
estabelecemos com o mundo; e a linguagem é a maneira que temos para
manter essa relação. A reflexão sobre as experiências de aprendizagem
propiciada pelo processo de escritura dos diários foi o caminho percorrido e aqui
descrito como parte integrante da relação conversacional que cada um de meus
alunos constrói com o mundo.
É possível dizer, portanto, que o fenômeno de construção da identidade dos
alunos estruturou-se por meio dos encontros realizados e das interações
estabelecidas com os variados componentes de sua vida como alunos – a
experiência de aprender a língua estrangeira; os colegas, o professor, e outras
pessoas diretamente ou indiretamente presentes em suas histórias contadas; os
materiais e as atividades que compuseram sua aprendizagem. E, então, nos
textos produzidos é possível encontrar, manifestada por cada aluno de maneira
original e única, aquela que se revelou como a essência da sua experiência
como aprendizes: o desejo e a busca de significado para cada detalhe da
experiência.
Ao pensarmos os diários como uma proposta de memória da aula em que os
alunos, por meio do resgate de suas histórias de vida como alunos,
desenvolveram a capacidade de falarem de si e de suas vidas em primeira
pessoa, podemos pensar o diário e a experiência de escrevê-los como uma
oportunidade de encontro com a própria pessoa – estabeleceu-se, para cada
aluno, uma relação de confronto consigo mesmo e de diálogo com a própria
experiência, na busca de compreensão de si mesmo e da própria verdade.
Além disso, através da proposta de uma confrontação entre juízos e valores que
lhe eram apresentados, e suas experiências vividas e realidades
experimentadas, o aluno desenvolveu a capacidade de relacionar-se
criticamente também com os discursos alheios. Porque, como em qualquer
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
187
situação constituída por relações humanas, a aprendizagem só se dará se
perspectivas diferentes forem valorizadas e divididas. É muito mais, porém.
Falamos de experiências de encontro com a pessoa do colega, com o professor,
que permitiram e refletiram novas formas de engajamento e participação, que
significaram novas oportunidades de relacionamento e diálogo, de um ‘fazer e
pertencer juntos’.
Também, uma experiência de uma nova relação com a aprendizagem da língua
estrangeira, uma aprendizagem entendida como um espaço de liberdade em
que o aluno pôde ver despertado o desejo de escrever na medida em que lhe
era proposto registrar suas idéias e experiências próximas; uma situação de
aprendizagem que desejava permitir a manifestação do imprevisível, do instável,
dos significados próprios ainda em construção – não a imposição de regras, mas
a criação de possibilidades de novas descobertas sobre a língua ou sobre
aprender a escrever na língua estrangeira através da experiência mesma de
escrever.
E, por fim, como parte de toda esta história contada sobre o aprender, o papel
que desempenharam as relações estabelecidas com conteúdos e materiais e
atividades em sala de aula, uma relação tantas vezes marcada pela
reinterpretação de histórias anteriores das quais faziam parte esses mesmos
conteúdos, e semelhantes materiais ou atividades. São agora novas histórias,
em que se descobre o valor dos seminários, por exemplo; ou que permitem
novas percepções sobre homework; ou ainda, em que se encontra satisfação
até mesmo em unidades centradas em itens lingüísticos. Foi em grande parte
por intermédio de sua adesão às propostas oferecidas que os alunos puderam
atinar para a própria capacidade de reconstruir seus conceitos sobre o aprender,
sobre a escola, sobre a própria sala de aula e sobre si.
Para concluir o capítulo, transcrevo os relatos dos alunos participantes da
pesquisa, os quais, na totalidade, atenderam ao convite formulado para que
comentassem a interpretação que faço de seus diários. Seus textos de agora
confirmam em grande parte o aluno que acerca de quatro anos atrás cada qual
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
188
mostrara ser, e a cada um dedico uma ou duas palavras.
Em Mônica, por exemplo, reencontro a postura marcada pelo desejo de
enxergar o que a realidade pode lhe indicar de positivo – uma relação com o
aprender e com a busca do conhecimento que transcende o imediato e permite
reconhecer o valor presente em experiências vividas.
Ler este trabalho concluído fez com que eu re-significasse a frustração que
sentia como aluna de primeiro ano de letras no ano de 2002. Era, devo
confessar, um pouco frustrante receber os “journals” sem ao menos uma
correção, ou um comentário que fosse, pois, como aprendiz de outra língua, eu
estava interessada em identificar e corrigir apenas meus erros ortográficos.
Passados longos quatro anos pude compreender que o interesse da professora
Maria era outro, muito mais abrangente que identificar pequenas falhas de
escrita de seus alunos.
É muito gratificante percorrer os caminhos da pesquisa, entender como o
problema de pesquisa transcendeu a intenção inicial e verificar o cuidado que foi
tomado na análise de cada caso específico. Quando comecei a ler os capítulos
estava interessada apenas em ler os parágrafos que me diziam respeito, mas
achei tudo tão intrigante, fascinante e curioso que acabei lendo a totalidade dos
capítulos, passando por todos os meus ex-colegas de sala. Vendo o trabalho
pronto me senti honrada de ter participado desta pesquisa e de ter, de certa
forma, contribuído para a evolução da ciência.
Léia, como Mônica, manifesta com certa surpresa sua compreensão tardia dos
diários como instrumento de reflexão sobre a aprendizagem. Em certo momento
diz
, Acima de tudo, para mim, era um espaço para dialogar com a professora
abertamente e, sem eu perceber no momento, com minha própria experiência.
De
novo, Léia conversa e se justifica com a professora e, mais uma vez, não teme
falar de seus desconfortos. Desconfortos que não a intimidam, mas que se
tornam parte integrante do caminho que percorre na reconstrução de um
conceito de si e de seu aprender.
Oi Maria! Tudo bem? Me desculpa a demora mas é que eu sou muito esquecida.
A Leila cansou de me falar e sempre que eu chegava no trabalho, já não me
lembrava mais o que eu tinha que fazer. Mas hj não me esqueci!!
Antes de fazer meu comentário, gostaria de parabenizá-la pela tese! Não achei
nem um pouco chata, ao contrário, é muito interessante pois você explica passo
a passo detalhadamente, evitando que não se entenda algo. Um texto muito
claro e muito bem escrito!
Quanto ao que se refere diretamente a mim: no final do meu primeiro semestre
na PUC, minha professora de inglês básico me disse no final do curso que eu
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
189
era uma pessoa que precisava ser desafiada na sala de aula e ela tem razão.
Além de ser desafiada, também necessito "estar engajada em atividades e
reflexões que a ajudem a dar sentido ao mundo à sua volta, u ma revelada
necessidade de ‘ir além’ do tradicional das aulas de línguas", conforme você
sabiamente observou. Talvez seja por isso que eu tenha te dado tanto trabalho.
Não que as atividades dadas durante o curso não eram importantes, apenas
algumas (principalmente as iniciais) não me pareciam acrescentar muito. Mas as
poucos, conforme você observou, meu interesse foi crescendo pois as
atividades foram evoluindo, ao menos aos meus olhos. As atividades passaram
a fazer mais sentido, consequentemente, passaram a ter mais importância.
Quando digo que elas passaram a fazer mais sentido, quero dizer que elas
deixaram de ser triviais (ao meu ver, aqui isto significa "fácil demais", logo sem
muita importância para mim). Eu via o diário como um espaço para (tentar)
refletir criticamente sobre diversos aspectos. Acima de tudo, para mim, era um
espaço para dialogar com a professora abertamente e, sem eu perceber no
momento, com minha própria experiência (conforme você mesmo aponta).
Refletindo sobre meu diário, cheguei a conclusão que eu era sincera até demais,
não me utilizava de muitas modulações (talvez as vezes necessárias). Falava o
que de fato eu achava, com honestidade. Esta minha posição causou, em
alguns momentos, mal entendidos entre a professora e eu, o que provocou a
falsa sensação de desdém. Um exemplo disso: minhas constantes referências
às atividades, principalmente as negativas pois estas causavam um desconforto
na professora .Ela entendia como uma afronta pessoal quando, na verdade,
eram apenas referências às atividades em si e não a quem as elaborou. Apesar
de algumas vezes me utilizar de palavras fortes para me referir as atividades,
nunca, dentro de mim, descartei a importância delas, talvez apenas eu não
tenha me expressado bem a ponto de me fazer entender. Toda atividade é
importante mas não para todos ou não do mesmo jeito. Para mim, algumas não
eram mas sabia que seriam importantes para uma outra pessoa.
Sua análise sobre o que escrevi foi muito bem feita É muito interessante ver
como cada aluno tem uma representação peculiar sobre diversos assuntos.
Como as opiniões podem ser tão semelhantes e contrastantes sobre a sala de
aula, o que reforça o repertório único que cada aluno carrega com si.
Sua percepção, ao menos sobre mim, foi bastante perspicaz. Apesar de eu ser
sempre uma pessoa um tanto quanto sucinta inicialmente ao escrever, você
pôde perceber certas coisas ao meu respeito.
Boa sorte na sua defesa. Tenho certeza que dará tudo certo!!
Nos avise, por favor, quando será a defesa tá?!
Bjs
Ver-se à distância no tempo, nos diários e na interpretação a eles oferecida,
permite a Juliana recuperar e ao mesmo tempo reafirmar facetas de sua
identidade como pessoa e como aluna: a afinidade para com o criativo, a
prontidão para aprender, para envolver-se com os colegas, a busca pelo que lhe
faz aprender inglês e a explícita negação daquilo não parece construir seu
conhecimento da língua.
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
190
É difícil se auto avaliar estando na posição de aluna, porém, ao ler o parágrafo
dedicado aos meus diários pude perceber o quanto me esforcei naquele
primeiro semestre de faculdade, sempre buscando o meu melhor. A busca pela
perfeição, a afinidade para com o criativo e a prontidão em ajudar são
características típicas da minha personalidade que foram evidenciadas na sua
análise, meus diários não me deixariam mentir. Um outro ponto a ser citado é o
fato de eu não esconder a verdade, assim como elogio e aprecio atividades que
considero produtivas para o meu crescimento lingüístico, não temo expor minha
opinião sobre algo que me desagrada.
Acredito que os diários são peças preciosas que hoje, 3 anos e meio depois, nos
possibilitariam medir nosso avanço no idioma inglês.
De forma semelhante a Juliana, Daniela revela como a releitura de seus diários
permitiu-lhe perceber o caminho desde então percorrido em sua aprendizagem
da língua inglesa. E em Daniela, em particular, há a reafirmação de um traço de
sua identidade fortemente marcado em textos anteriores e que a aluna neste
com ênfase retoma: a importância da relação com o outro na construção de si e
de seu aprender. É em grande parte nas relações humanas vividas que
descobre a essência da aluna que é e suas potencialidades de
desenvolvimento.
Fiquei muito feliz ao ler a análise dos diários da Prfa. Maria. Feliz por, de alguma
forma, participar dessa etapa importante em sua vida. Feliz também por,
estando no último ano de faculdade, poder ver, por meio do trabalho de Maria, o
progresso que tive nesses anos de estudo.
Acredito que minha essência como aluna continua a mesma. Quero dizer que
não mudei minha maneira de ver a aprendizagem, apenas desenvolvi minha
consciência crítica sobre o assunto. Continuo prezando muito o relacionamento
com os colegas e professores. A troca de experiência é muito importante para
mim. Experiências novas são adquiridas diariamente, o que significa que todos
podem contribuir com a aula e compartilhar conhecimentos. A interação é uma
necessidade ontológica, essa troca de experiências nos humaniza.
Ao aceitar a tarefa agora proposta de rever seus antigos textos e as
interpretações a eles oferecidas, Alessandra fala da parte que se referia ao meu
desenvolvimento no diário, destacando sua compreensão da relevância do
instrumento para o aperfeiçoamento de sua escrita na língua estrangeira.
Porém, e retorna à aluna que era, seu problema maior residia nos
termos mais
formais que não conseguia encaixar nos textos.
Como já se mostrara nos diários, há
em Alessandra um discurso onde novas percepções se confundem com
antigas...
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
191
Oi Maria,
Primeiramente queria pedir desculpas pela demora da resposta, a Leila que
enviou os capítulos para mim, pois não havia recebido.
Ao ler a parte que se referia ao meu desenvolvimento no diário, voltei um pouco
para o passado e me lembrei da grande dificuldade que tive quando tinha que
escrever os diários. Como foi falado na pesquisa eu morei um ano e meio com
meus pais nos Estados Unidos, sabendo pouca coisa em ingles e frequentando
High School acabei aprendendo a falar inglês com mais facilidade, mas a minha
escrita não era tão boa quando a fala. Quando foi colocada a oposta de um
diário ser escrito pela professora, fiquei um pouco assustada, porque sempre
soube da minha dificuldade. No começo foi bastante difícil porque haviam alguns
termos mais formais que eu não conseguia encaixar nos textos, mas com o
tempo e com o apoio da professora, dos colegas de classe e do meu próprio
esforço consegui melhorar a escrita do meu diário.
Gostei muito do seu trabalho Maria, quando estiver pronto queria muito ver.
Alessandra
E, eis Marina, de novo afirmando sua disponibilidade por aprender e vencer o
adverso, aproveitando-se de exemplos concretos como justificativas para suas
afirmações, um texto de agora que volta a experiências anteriores e ao mesmo
tempo as reconstrói: o tempo passa..., é assim que inicia seu pequeno texto,
como uma conversa de agora que tenta ligar a conversas de antes, exatamente
como em seus diários em minhas aulas...
O tempo passa. Eu estava no primeiro ano do curso de Letras quando essa
pesquisa começou e agora no último ano. Ler e reler o que Fachin apresentou
sobre mim é muito interessante e verdadeiro, a sede do saber continuou, fiz dois
anos de Iniciação Científica, o que ajudou muito a compreender a tese
apresentada pela professora. Os diários que a princípio pareciam uma
brincadeirinha revelaram atos e vivências verdadeiras que cresceram ao longo
do tempo. Muita coisa escrita no diário é passado, experiência vivida, muita
coisa ainda está presente, o “desejo de ultrapassar seus limites em relação à
língua estrangeira” me levou a estagiar no British Council no Departamento de
Exames, e como nunca estamos contente com o que temos, a sede de saber
sempre viva dentro de nós, me levará a muitas outras grandes conquistas.
Obrigada Maria por fazer parte dessa pesquisa e ver o quanto podemos crescer.
Beijos e boa sorte.
Marina
Talvez seja Heloísa, mais do que qualquer outro aluno, quem revele a
possibilidade que o diário abre de encontro com a própria pessoa. Neste seu
último e recente texto para mim, Heloísa revê a aluna que era, reconstrói
conceitos sobre ‘ser aluna’, reafirma a importância da aprovação dos colegas
para uma definição de si. E, sem dúvida, a reconstrução maior é reconhecer que
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
192
um discurso antes marcado pela arrogância é substituído pela experiência
presente de querer ser professora para poder dividir com outras pessoas minha
alegria.
Cara Professora Maria,
Foi muito interessante reler passagens do meu diário de classe. Não me
lembrava mais do que havia escrito. Pensava que meu diário seria somente a
obra de uma aluna demasiadamente arrogante. Uma das características dos
alunos de Línguas é a arrogância e a prepotência. Muitas vezes os alunos
julgam ser melhores que as tarefas propostas. Avaliando a aluna que fui, sei que
me portava dessa forma o que me envergonha muito hoje em dia.
Temia reler meu diário pois pensava que ele seria o reflexo da menina tola e de
ego inflado que fui durante aquele ano.
Ao contrario disso, lí a obra de uma pessoa insegura. Apesar de toda arrogância
a aprovação de meus colegas era importante pra mim.
Penso que aquela foi uma fase não tão proveitosa na minha vida estudantil pela
maneira que encarava as aulas.
Naquela época não compreendia completamente o que era ser professor mas
hoje sei o quanto é difícil ensinar.
É confortante saber que hoje sou humilde. Minha postura mudou assim como a
maneira como encaro a Língua Inglesa.
Hoje sei que saber falar Inglês foi a melhor coisa que me aconteceu. Sinto-
me realizada por poder me comunicar com pessoas de diferente culturas, um
dos maiores prazeres que tenho na vida é ler um bom livro da cultura Norte
Americana, Inglesa, Australiana no original. Hoje em dia quero ser professora
para poder dividir com outras pessoas minha alegria.
Muito obrigada por ter me ajudado a melhorar como aluna no semestre em que
nos conhecemos e por ter me mostrado meu antigo diário.
Estou muito feliz por ter feito parte de seu trabalho.
Muitos beijos e abraços da sua aluna,
Helô
Assim como Heloísa, na releitura dos diários Leila revê sua história como aluna,
e a história da pessoa que era. Em seu relato, com liberdade se relaciona
comigo, e mesmo com suas experiências anteriores e com as minhas
interpretações sobre elas. E, retornando à aluna que nos diários se mostrara,
busca reconstruir a visão que eu poderia dela ter, e justifica-se,
O que eu não
gostava de escrever era o que eu estava pensando porque é complicado escrever o
que pensa sobre algo para a pessoa que propos esse algo.
Neste seu último texto
Leila confirma o papel dos diários como diálogos com a experiência – e como
espaço de reconstrução desta mesma experiência.
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
193
Olá
Desculpa a demora para responder mas é que estou trabalhando e ai chegava
cansada em casa e esquecia de responder. Mas agora vai.
Bom eu acho que algumas partes do meu diario não foram compreendidas da
forma que eu vejo. Como estava entre amigos naquele ano, tínhamos a
intimidade de fazer brincadeiras. E acho que meu senso de humor pode ter sido
confundido com preguiça. Nessa parte, por exemplo:
"É, assim parece, um discurso de 'quanto menos, melhor'. E que vamos
reencontrar mesmo mais tarde, quando ao seu texto para Juliana acrescenta um
post-scriptum, P.S.: Next time please try to write your texts a little bit shorter.
"
Na verdade foi só uma brincadeira com ela por motivos que vinham de fora da
sala de aula .Ai acho que fiquei parecendo preguiçosa e que não queria ler. Mas
foi apenas uma brincadeira.
No geral acho que fiquei parecendo uma pessoa desinteressada, que não queria
nada com nada. Mas a verdade é que nos dois primeiros anos da faculdade
todos estamos perdidos. Quase ninguem tem certeza do que realmente quer.
Muitos até chegam no final do curso e nem se decidiram ainda. E foi o que
aconteceu. Eu não tinha certeza se eu realmente queria fazer letras (como você
escreve no diario mesmo).
Também acho que na época faltou eu escrever mais o que eu estava pensando.
Como eu escrevia apenas parte do que pensava, o que se concluia das minhas
falas não poderiam ser necessariamente completa. Por exemplo, tem uma parte
que está lá que eu disse que não gosto de escrever. Na verdade eu adoro
escrever. O que eu não gostava de escrever era o que eu estava pensando
porque é complicado escrever o que pensa sobre algo para a pessoa que
propos esse algo. Fui muito sincera em minhas respostas. Mas creio que poucas
pessoas realmente escreviam completamente o que pensavam porque é
complicado. Mesmo porque às vezes não sabemos colocar em palavras o que
queremos dizer.É complicado escrever algo porque pode ser mal interpretado.
No geral acho que eu deveria ter usado menos senso de humor em meus textos
porque pode ser mal interpretado. O que não é culpa da pessoa que está
analisando porque realmente as palavras não dizem muito sem a intonação de
um discurso, sem as expressões faciais,etc.
Mas se foi essa a impressão que foi tirada de meu diario tudo bem.
Parabéns pelo trabalho. Espero que o diário tenha ajudado. Tudo de bom para
você e avisa a gente o dia da defesa tá.
Parabéns novamente.
Beijos,
Leila
E, então, temos Thiago. Redescubro meu antigo aluno, e agora o compreendo
mais. Em seu texto comenta (e aceita) minhas interpretações sobre seus diários
e sobre si como um aluno que oferecia resistência às propostas para sua
aprendizagem. Resistente a viver experiências como a “massa” as vivia, crítico
em relação à maneira como ele próprio veio a pertencer a uma “nova massa”. E
acrescenta,
Se me dizem ainda hoje que sou uma pessoa que resiste, talvez a
justificativa resida no fato de eu tentar manter, selecionar e valorizar o que eu acho que
valha a pena
. Thiago parte em busca daquilo que para ele possa vir a ter
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
194
significado, e em palavras próprias reconhece o caminho de reconstrução da
história pessoal e como aluno que agora percorre...
Achei as conclusões bastante verdadeiras. Um dia desses estive conversando
com uma professora e ela, num tom de brincadeira me disse, “nossa, mas você
é um aluno que resiste muito”. Eu dei risada e respondi “você acha?”.
Após ter lido a tua conclusão na tese, refleti muito e acho que essa
característica, que ainda possuo(pelo menos dizem) é, na realidade, um
mecanismo de defesa.
Talvez por, nas minhas experiências anteriores, eu ter me decepcionado e,
posteriormente ter desenvolvido uma personalidade reflexiva e crítica. Digo que
é um mecanismo de defesa, pois na minha cabeça eu poderia ser qualquer
coisa exceto o que a maioria era. Uma vez mais, referindo-me às experiências
do passado, sinto uma certa repulsa com relação a atitudes e comportamentos
da maioria. Talvez por ter feito coisas que a maioria fazia e nunca de acordo
com o que eu gostava ou achava que deveria de ser, cheguei a uma idade em
que disse “agora serei o que quero”. Não havia sentido mais fazer o que a
maioria fazia ou esperava que eu fizesse e com esse estereótipo de “massa”
julguei, de forma errada, a nova “massa” na qual eu estava inserido. Isto soa um
pouco narcisista, mas não é isto. Minhas experiências de infância apontam para
um Self massificado que decidiu, ao longo dos anos, trilhar seu caminho com
base em coisas que o meu próprio Self buscava.
Enquanto escrevia a primeira versão de minhas reações aos textos recentes dos
alunos para então incluí-las neste capítulo quarto, várias vezes iniciei meus
parágrafos sobre eles com palavras como ‘surpreendeu-me no aluno...’,
‘intrigante e reveladora a maneira como...’, ‘sinto-me provocada por...’.
Modifiquei a redação inicial reservando tais comentários para esta última
conclusão, uma vez que exprimem impressões e sentimentos pessoais meus
que dizem respeito a tantos e diferentes alunos e a tantas e variadas
experiências – anteriores e atuais – por eles relatadas.
Surpreendeu-me, em primeiro lugar, a disponibilidade dos alunos em reler seus
antigos textos, e as longas análises e interpretações apresentadas sobre eles e,
mais ainda, a prontidão em novamente conversar com a professora por escrito.
Mais uma vez reveladora de identidades individuais foi a maneira singular com
que cada aluno reagiu àquilo que sobre si era neste trabalho dito – seja
confirmando minha compreensão sobre suas experiências relatadas,
principalmente quando destacava aspectos ‘positivos’ sobre elas; seja lutando
Os diários dos alunos: suas histórias individuais e compartilhadas
195
contra minhas observações, ou mesmo corrigindo-as, especialmente quando
lhes pareciam retratar apenas uma parte do aluno que eram ou que desejavam
ser. Em particular, destacou-se em alguns alunos a (para mim inesperada)
liberdade em aceitar interpretações sobre os textos de suas experiências vividas
que apontavam para uma imagem não tão positiva de si como alunos, e sua
(também para mim imprevista) capacidade de dialogar com essas experiências,
no confronto reconstruindo-as e a si mesmos como alunos.
Vejo-me provocada pela totalidade da experiência aqui exposta. Os últimos
textos produzidos pelos alunos confirmam os diários como instrumento que os
auxilia nas relações que estabelecem com a própria aprendizagem e a língua
estrangeira, com as pessoas que constituem seu ambiente de aprendizagem,
com os materiais que a compõem. Seus últimos textos confirmam alunos –
alguns mais do que outros, e em alguns momentos mais do que em outros – em
um processo de se tornarem autores de suas palavras e ações e, então,
protagonistas de suas vidas.
Retomando perguntas formuladas
e respostas vislumbradas
E aqui se encerra o texto desta pesquisa. Um texto que relata histórias de
aprendizagem por meus alunos vividas, e por mim reconstruídas. Histórias
marcadas por imprevistos e descobertas, por dúvidas e constatações, por
inúmeras perguntas e muitas outras respostas.
Para mim, esta foi uma história definida por duas grandes experiências de
encontro – com meus alunos, de um lado, e com grandes autores, de outro;
encontros que constituíram verdadeiros acontecimentos em minha trajetória
como professora, ao me permitirem mais profundamente perceber, examinar e
reconstruir meus pensamentos e práticas educacionais. Assim, com autores e
alunos, e por meio principalmente dos relatos nos diários, ao experienciar a
possibilidade de me ver sob novos ângulos e através de olhos diversos dos
meus, vivi a reinterpretação de minhas próprias histórias pessoais – e não
apenas daquelas vividas no ambiente escolar.
Encerra-se a pesquisa, mas não o desejo de continuar a encontrar o significado
das experiências na própria experiência, como já diziam por exemplo Ales Bello
(2004), Mahfoud (2003), Gadamer (1975) e Ricouer (2002), ao falarem sob a
perspectiva da fenomenologia-hermenêutica; ou van Manen (1990) e Dewey
(1938/1963; 1916/1967), partindo de um interesse pedagógico e educacional; ou
ainda Clandinin&Connely (1998) ou Telles (1996), quando explicam a narrativa
de experiências como um espaço para a construção do conhecimento e para a
transformação das histórias que as pessoas vivem. Sem dúvida, é este um
caminho de pesquisa que pretendo continuar perseguindo: lançar-me nas
Retomando perguntas formuladas e respostas vislumbradas
197
possibilidades oferecidas pela fenomenologia-hermenêutica para a
compreensão das histórias de vida dos alunos. E minha também.
Esta pesquisa é claramente baseada em experiências e eventos vividos – por
meus alunos e por mim. As preocupações e interesses novos e inesperados que
iam brotando de minha reflexão sobre os relatos nos diários geraram uma busca
cada vez mais intensa por redescobrir e recuperar os significados e a relevância
das experiências ali descritas – de novo, para mim e para meus alunos. Porque,
conforme vemos em tantos dos autores aqui citados, a interação com as
experiências vividas de fato constitui um caminho privilegiado para a
compreensão de ‘quem somos no mundo’. Ao escolher falar da experiência de
pertencer, da construção da autoria e do uso dos diários reflexivos como
particular instrumento para tal, nada mais faço do que tentar melhor
compreender algumas das possibilidades que se abrem na realidade escolar
para esta apreensão do significado de quem – professores e alunos – somos no
mundo...
Muitos foram aqueles que me ajudaram a encontrar e entender meu lugar no
conjunto de tantas teorias sobre identidade, aprendizagem e educação
disponíveis. Porém, mais relevante do que encontrar uma posição própria e
definida diante de teorias foi aprender a contemplar com respeito cada detalhe
das coisas que eu via, lia ou ouvia para, no decorrer do processo, vir a mais
profundamente entender a natureza da experiência que estava diante de mim.
E, sem dúvida, é em Wenger (1998) que se originam as primeiras e
determinantes descobertas que vieram a orientar a construção deste estudo.
Suas reflexões sobre a inseparável interdependência existente entre a
experiência de aprender e a percepção de quem somos no mundo, sua
preocupação em apontar o papel do outro na constituição da pessoa e seu
dizer, seu atento olhar para a tradição, entendida como o reconhecimento de um
solo familiar que, ao nos permitir saber quem somos, torna-se referência para
novas interações – acabaram por conduzir-me a outras buscas e novas
descobertas sobre o significado da relação entre experiências vividas de
Retomando perguntas formuladas e respostas vislumbradas
198
aprendizagem e identidade. Mais do qualquer outro pensamento seu, no
entanto, direcionou meu trajeto de pesquisa a maneira contundente com que
coloca a experiência do pertencer como elemento constitutivo da construção da
identidade: “a aprendizagem está inserida no contexto experiencial de
participação no mundo”, diz em determinado momento (p.3).
Depois de Wenger, outros autores e outras leituras contribuíram para expandir
esta compreensão da aprendizagem como uma forma de pertencer. No entanto,
foi seu livro Communities of Practice que maior número de provocações e
perguntas me trouxe. E maior número de indicações de respostas também. Por
exemplo, foi sua discussão sobre diferentes tipos de trajetórias e diferentes
níveis de participação que me fez compreender e interpretar as participações
periféricas de alguns de meus alunos como também legítimas construtoras da
comunidade de prática que veio a se constituir dentro da disciplina Língua
Inglesa.
Particular importância na constituição de minha própria identidade como pessoa
e professora tiveram Dewey (1938/1963; 1916/1967), van Manen (1990), Bruner
(1976; 1995), Frankl (1997) e Giussani (2004) – porque, antes de mim, falaram
sobre educação, das possibilidades de desenvolvimento de meus alunos e do
valor potencial de meu relacionamento com eles, de uma maneira que eu
gostaria dessas coisas falar e, sozinha, não teria sido capaz. Esses autores, em
particular, tornaram-me mais humana e atenta em meu olhar frente aos
pormenores da realidade que compõem meu dia a dia na escola. Fizeram-me
entender melhor o que é educar, ao explicitarem para mim mesma, e com maior
perfeição, meus desejos e necessidades como professora e educadora.
Entre outros, foram também eles os responsáveis pela compreensão que fui
construindo sobre o processo de autoria de meus alunos – de suas pessoas e
dos textos que produziam. Perseguiu-me desde o início da pesquisa a
interrogação sobre o que estaria envolvido no processo de se tornarem donos
das palavras por eles pronunciadas e das ações por eles assumidas – e, no
trajeto percorrido, esta foi a última resposta a ser vislumbrada e formulada.
Retomando perguntas formuladas e respostas vislumbradas
199
Acompanhou-me o tempo todo a pergunta a respeito do que caberia ao meu
aluno buscar, e o que caberia a mim oferecer, no caminho que percorríamos
juntos de construção de sua aprendizagem e de sua identidade – de tal forma
que a experiência vivida representasse, para cada aluno individualmente, uma
abertura para a descoberta e afirmação de uma palavra própria. E, como fui
pouco a pouco percebendo, uma palavra própria para mim também, como
professora, pesquisadora, escritora.
Em Frankl (1997) encontrei as pistas primeiras para a compreensão que
procurava. Embora a situação descrita pelo autor seja parte de um contexto
totalmente diverso daquele que aqui está, foi com ele que vim a mais
completamente compreender o quanto depende de cada pessoa descobrir e
assumir uma atitude pessoal diante das circunstâncias que lhe são colocadas:
seria de meus alunos a responsabilidade por buscar o significado da proposta
educativa oferecida de confronto com a própria experiência para verem crescer
sua consciência e brotar sua autoria como aprendizes. Ninguém poderia aceitar
a proposta em nome deles. E, de fato, os dados dos diários revelam o quanto
significou para o processo de formação da identidade de cada aluno, e mesmo
para sua aprendizagem da escrita em língua estrangeira como uma experiência
de ‘realização’, o maior ou menor empenho pessoal com que acolheram o
convite de reflexão sobre aquilo que viviam.
Porém, conforme complementam de modo especial Giussani (2004), Bruner
(1976/1995), Dewey (1938/1963; 1916/1967) e van Manen (1990), é na relação
com o professor que um compromisso pessoal perante os diferentes aspectos
da realidade encontrará maiores oportunidades de amadurecimento. Por meio
das ofertas de aprendizagem que apresenta e da qualidade dos
relacionamentos que promove, o professor poderá conduzir o aluno em seu
caminho por uma mais plena realização de suas habilidades e desejos
individuais, como pessoa e como aprendiz. Assim, na leitura desses autores, fui
encontrando uma outra parte da resposta para a questão que mais
intensamente me inquietava.
Retomando perguntas formuladas e respostas vislumbradas
200
Dewey (1938/1963; 1916/1967) e Giussani (2004) referem-se ao professor como
uma autoridade que, por sua maior maturidade e experiência, provoca e orienta
o aluno na busca que este empreende pelo significado das experiências. Na
relação que vive com este professor e no envolvimento que estabelece com o
que ele lhe oferece, o aluno poderá experimentar seu crescimento em uma
atitude de mais profundamente ‘tender a’ penetrar nos pormenores presentes
em sua realidade para encontrar-lhes o sentido, e a esses pormenores poderá
dar um rosto único, pessoal, original. Não posso ser um professor qualquer,
portanto; para poder levar o aluno a desenvolver um itinerário em que se
descubra mais humano, tenho eu de ser mais humana; para acompanhá-lo em
seu percurso de reflexão e consciência, devo eu tornar-me sempre mais
reflexiva e consciente em relação a tudo que me cerca. A construção da
identidade e autoria minha e de meus alunos é, inevitavelmente, um caminho a
ser percorrido em conjunto. Porque em meu aluno encontro as fronteiras de
minha própria identidade.
Mas também eu não estou sozinha em minhas descobertas e escolhas. Minha
história é construída na companhia de muitos outros, como dizia nas primeiras
linhas da apresentação deste texto. Minhas concepções e comportamentos
como pessoa e como professora têm suas origens na tradição que herdei, que
me educou a certos olhares sobre a realidade; pelas experiências vividas fui
alargando meus conhecimentos, interesses e pensamentos a respeito dessa
mesma realidade; e pela presença em minha vida de pessoas carregadas de
autoridade, fui compreendendo-lhe os detalhes de forma mais abrangente e
completa, percebendo-lhes as conexões, no meio do trajeto tomando decisões
sobre o que aceitar ou rejeitar, o que mudar e o que manter.
Não falo de abstrações aqui; refiro-me a aspectos concretos que envolveram a
construção deste trabalho – a (re)construção de concepções sobre a linguagem,
aprendizagem e identidade; a opção pelo uso dos diários reflexivos como um
espaço alternativo de aprendizagem da escrita em língua estrangeira e de
expressão de protagonistas; a determinação da perspectiva sob a qual
consideraria os dados encontrados – são todos componentes de uma trajetória
Retomando perguntas formuladas e respostas vislumbradas
201
que nasceu do desejo de apreender melhor o significado das experiências de
escrever de meus alunos, e que se viu construída e reconstruída nos encontros
vividos ao longo do processo. Entendo, agora, que os encontros vividos
contribuíram para a construção de uma história, e esta pesquisa nada mais fez
do que contá-la. Por isso, sem dúvida, uma outra indicação que este trabalho
traz é aquela de começar a trilhar os caminhos da pesquisa narrativa.
Não é difícil localizar as mudanças ocorridas ao longo do percurso. São muitas.
Novidades encontradas – nas leituras realizadas, nos dados dos diários, nos
comportamentos observados dos alunos e nos relacionamentos pessoais
vividos com eles, em conversas com colegas – foram determinando a decisão
por adentrar caminhos antes não pensados. A primeira grande mudança
aparece explicitada nos dois títulos dados ao trabalho – daquele inicialmente
pensado para o projeto, A experiência da escrita: um itinerário para a construção
da identidade, quando eu ainda não pensava em utilizar os diários como
instrumento, para este que agora temos, Compondo identidades: construindo
diários na aula de língua inglesa. A inesperada dedicação dos alunos aos diários
permitiu-me entrar mais intimamente em contato com os significados por eles
construídos para minhas aulas e tentar descobrir o reflexo dessa particular
experiência de escrita sobre sua identidade – e este foi meu primeiro grande
encontro vivido: com palavras de alunos que eram fruto e manifestação de suas
experiências e anseios.
Depois, uma mudança no foco das reflexões pedidas aos alunos – de uma
preocupação inicial quanto à atenção que deveriam oferecer à realidade mais
ampla, àquela que se tornou de fato a proposta de reflexão dos diários – sua
experiência vivida nos particulares que constituem o cotidiano de suas vidas
como alunos de uma língua estrangeira. Não foi uma mudança de percurso
formalmente formulada. Pelo contrário. As novas propostas que iam brotando
emergiam exatamente do que eu percebia na leitura dos textos e
comportamentos dos alunos. Obviamente, uma leitura determinada e limitada
por meus próprios interesses e capacidades, que não deixa, porém, de ter seu
valor único e original mesmo porque, e aqui retorno a Frankl (1997:10), todo e
Retomando perguntas formuladas e respostas vislumbradas
202
qualquer aspecto da realidade tem um sentido potencial, e de nenhum pormenor
devemos negligenciar o significado – porque é pelo pormenor que alcanço a
totalidade. Porém, sem dúvida termino este estudo com o desejo de ver-me
capaz de mais concreta e atentamente atrair o olhar – meu e de meus alunos –
para um horizonte mais largo.
Finalmente, há as mudanças ocorridas na metodologia de análise e
interpretação dos dados dos diários – de arcabouços lingüísticos de análise para
a descoberta da fenomenologia-hermenêutica. A fenomenologia, porque me
ajudou a descrever o fenômeno de constituição da identidade de meus alunos,
ao levar-me a mais firmemente contemplar as experiências de aprendizagem
por eles descritas; e a hermenêutica, porque me ajudou a interpretar o
fenômeno, e me permitiu produzir um texto investido de um caráter
conversacional que expressasse mais plenamente a maneira como me
posiciono na vida em termos de educação. Devo a van Manen (1990), em
especial, a orientação pedagógica que direcionou minha atenção.
Esta é a história vivida de construção e realização de minha pesquisa. Nasceu
de uma preocupação em acolher todos os alunos, em todas as experiências que
os constituíam como alunos; de um anseio por lhes permitir novas experiências
cotidianas cheias de valor e positividade que produzissem, como conseqüência,
um sadio e curioso apego à realidade; da necessidade de descobrir mais
profundamente o que significa oferecer uma aprendizagem e um conhecimento
vinculados à vida e através dos quais o aluno se sentisse alcançado. O que me
moveu foi sempre a busca de uma proposta educativa que para o aluno
representasse uma experiência de sentir-se pertencendo a algo que valesse a
pena. São desejos e necessidades e perguntas que ainda me movem. A cada
instante a realidade me provoca – que eu saiba perceber suas provocações e
jamais desista de a elas procurar responder.
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