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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS
GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
“MÃE SOCIAL”:
UM ESTUDO PSICANALÍTICO SOBRE A OPÇÃO
PROFISSIONAL DE SER MÃE
Nádia Rodrigues de Figueiredo
Belo Horizonte
2006.
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Nádia Rodrigues de Figueiredo
“MÃE SOCIAL”:
UM ESTUDO PSICANALÍTICO SOBRE A OPÇÃO
PROFISSIONAL DE SER MÃE
Dissertação apresentada ao Programa de
s-Graduação na linha de pesquisa
Psicanálise subjetividade e práticas
clínicas” da Pontifícia Católica de Minas
Gerais, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre
em
Psicologia
Orientadora: Ilka Franco Ferrari
Belo Horizonte
2006.
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FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Figueiredo, Nádia Rodrigues de
F475m Mãe social: um estudo psicanalítico sobre a opção profissional de ser mãe /
Nádia Rodrigues de Figueiredo. - Belo Horizonte, 2006.
189f.
Orientadora: Ilka Franco Ferrari
Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais. Programa de Pós-Graduação em Psicologia.
Bibliografia
1. Mãe – Psicanálise. 2. Menores abandonados. 3. Mulheres – Condições
sociais. I. Ferrari, Ilka Franco. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. III. Título.
CDU: 159.964.2
AGRADECIMENTOS
Agora eu, eu sei como tudo é: as coisas que
acontecem, é porque estavam ficadas prontas,
noutro ar, no sabugo a unha; e com efeito tudo é
grátis quando sucede, no reles do momento.
Assim exato é que foi, juro ao senhor. Outros é
que contam de outra maneira.” (ROSA)
Agradeço, em primeiro lugar, ao Sérgio, à Lu e à Nina, meus amores, por terem
sobrevivido ao meu lado nesse tempo, aturando a correria, o mau humor, a impaciência.
A Sérgio, por ter-se mantido fiel ao juramento de estar junto na alegria, na riqueza, na
saúde e... no mestrado!! A Lu e Nina, por terem-se mantido fieis, mesmo sem ter
jurado!!
Aos meus pais, que seguram a onda sempre, em toda e qualquer circunstância, e
o fizeram diferente nesse tempo. Pelo contrário: deram todo o apoio possível, com o
maior carinho, em tudo que precisei.
Aos meus iros, Mara e Nil, pela força e cuidado, e à minha cunhada Liliane
pela leitura e colaboração preciosa.
À Stella Brandão e Eliane Marta, pelo empurrão inicial para o ingresso na peleja.
Aos professores do mestrado que alargaram meus horizontes, como se eu
estivesse entrando para a universidade agora. Experiência prazerosa, após tantos anos
longe da escola no banco do aluno. Gostaria de agradecer em especial à Jacqueline
Moreira, excelente professora, que se tornou amiga e grande incentivadora.
Aos colegas do mestrado, que já me deixaram saudade, partilhantes da mesma
agonia, companheirismo de tempo curto, mas extremamente agradável.
Ao meu querido ex-cartel de estudo sobre as mulheres: Júnia, Tereza, Rosângela
e Lúcia Castello Branco. À rbara Guatimosim e Elisa Arreguy, pela riquíssima
interlocução.
Aos amigos de farra, em tempos de luta. Vinhos, gastronomia, encontros
musicados ou não. Especialmente à Heliana, Xará e Toninho, amigos que toleraram de
tudo, além de compartilharem ou mesmo promoverem a farra. E mais, a Lu e Ana
Alvarenga, Evandro, e meu grupo de percussão favorito, com direito a lanche e bate-
papo.
À Ana Maria Portugal, pela escuta e... por tudo mais.
Ao Jeferson e à Vera, pela disponibilidade e pela valiosa ajuda no exame de
qualificação.
Ao Mário Andrade, amigo, maior leitor que já conheci. Escuta apuradíssima.
Colaborador sem o qual não seria possível a “alquimia do texto”.
Às es sociais, com quem muito aprendi, agradeço a colaboração e
disponibilidade com a qual aceitaram conceder entrevistas.
Finalmente, à Ilka, minha orientadora. Figura incansável, exigente, atenta e
extremamente generosa no fornecimento de material, indicando livros, emprestando e
xerocando textos, possibilitando, assim, consolidar essa árdua tarefa.
RESUMO
Esta dissertação de mestrado visa refletir, com o aporte da psicanálise, sobre o
surgimento de uma nova profissão regulamentada por lei, denominada “Mãe Social”.
Essa profissão surge, vinculada à crião de um abrigo chamado casa-
lar” dentro dos programas de poticas blicas, como uma resposta criada pelos
dispositivos poticos de nosso tempo ao problema do abandono e dos maus tratos.
Busca-se investigar, nesta pesquisa, essa figura contemporânea, a “mãe social”,
personagem que faz parceria complementar com o abandono e os maus tratos,
profissional que aceita acolher essas crianças e, nessa situação, tomar a seu cargo o
acontecer psíquico de um sujeito. Parece não ser sem razão que essa profissão surge
justamente neste momento em que o discurso corrente é capitalista, com as
características de segregação e de perda dos vínculos. É próprio de nossa época a
oficialização dessa parceria como um cargo trabalhista,
como uma profissão
regulamentada por lei.
Nessa escolha profissional, feita por essas mulheres, não se pode desconsiderar a
questão do feminino, que está em jogo, enlaçado ao tema do desamparo e da privação,
bem como o gozo que essa questão implica.
Percebe-se que as possibilidades de direcionamento dessa função de mãe social
são diversas, de acordo com a posição que toma aquela que acolhe as crianças
abandonadas. A maneira como cada mãe social exercerá sua função implica uma
posição sua em relação à própria privação, como poderá se haver com a falta, seu
endereçamento ao Outro e sua posição quanto ao desejo e ao gozo.
Para tornar possível a realização da pesquisa e, com vistas a evidenciar o
surgimento dessa nova categoria de mãe a e social, sua função e sua especificidade
- optou-se por tomar como objeto de estudo, mães sociais responsáveis pelas casas lares
selecionadas.
Esta pesquisa foi movida pela crença de que o testemunho dessa prática,
à luz de algumas reflexões sobre o contexto em que ela surge, traz contribuições para o
campo das poticas blicas, naquilo que diz respeito às questões do abandono e das
respostas sociais que m sendo constrdas, já que a profissão de mãe social porta um
caráter inovador.
PALAVRAS CHAVE: Abandono; Mãe-social; Casa-Lar; Feminino; Psicanálise.
ABSTRACT
This dissertation, with its psychoanalytical stand, aims at reflecting on the
appearance of a new profession ruled by new laws, which is denominated Social
Mother
.
This profession appears as an answer given by public policies of our times to the
problem of child neglect and mistreatment, and it is complemented by the creation of a
shelter called
shelter homes
The aim of this research is to investigate this
contemporary figure –“the social mother”—a character who has become a
complementary associate in mitigation of abandonment and mistreatment, since she is a
professional who accepts to take under her responsibility children who are in such a
condition and to be in charge of the psychic events of a specific subject.
This research also aims at investigating this kind of neglect, if it has always been
present, and if the new profession has given an answer to that problem. It is absolutely
necessary to investigate the nature of the phenomenon of neglect and its adequate
answer at the present moment. It seems it is not without reason that this profession
appears exactly in this moment, when the current discourse is the capitalist one, with its
characteristics of segregation and loss of bonds. It is a characteristic of our times to get
official permission to have a partnership created by the association of a new labor
position and a profession regulated by law.
Within this professional choice made by this woman, it is necessary to consider
the feminine question that underlies the matter. It is frequently attached to the theme of
disdain and privation, as well as pleasure of this question.
It is evident that there are several possibilities of direction of this Social Mother
function and they vary according to the views of the woman who shelters these children.
The way each Social Mother will exert her function will be according to her position
concerning her own privations, which has to do with the notion of lacking, her own way
to address the Other and her position concerning desire and enjoyment.
In order to make the research become feasible and in order to make the role of
this new category of mother become visible –the social mother, her function and her
specificity—it has been decided that the object of study will be the Social Mothers
responsible for the selected “
shelter homes
”.
This research was motivated by the belief that the testimony of this practice, as
well as some reflections about the context within which it appears, may bring
contributions to public policies concerning questions of abandonment, and social
answers that have been built, since the social mother profession has characteristics that
are highly innovative.
KEY WORDS: Neglect ; Social Mother;
Shelter homes
; Feminine; Psychoanalysis.
SUMÁRIO
1- INTRODUÇÃO 11
2 - UM POUCO DE HISTÓRIA.
19
2.1 História do Abandono
19
2.2 Trajetória do Abandono e da Assistência no Brasil
21
2.3 Algumas considerações históricas sobre as Mulheres, as
mães e as mulheres criadeiras
32
3 MULHERES, MÃES E PSICANÁLISE: FEMININO E
DESAMPARO
39
3.1Mães e mulheres na psicanálise
41
3.2As manifestações do Não- todo: Feminino e desamparo
48
4 - SOBRE A PESQUISA NO CAMPO DAS CASAS LA
RES E
SUA DISCUSSÃO.
52
4.1- Circunscrevendo o campo
52
4.2 Descrição narrativa das casas
57
4.3 Aspectos Diretores e Temas Eixo
59
4.3.1Forma de ingresso na instituição
60
4.3.2Formas de operacionalização da função mãe
71
4.3.3Acolhe-se o abandono
76
4.3.4Sobre a função de educar
79
4.3.5A questão da separação
84
5 – CONCLUSÃO 91
5.1 Limitações do trabalho e Sugestões para novos estudos 99
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 100
ANEXO 1 108
ANEXO 2 113
ANEXO 3 115
11
INTRODUÇÃO
Perdido na multidão, na praça, em festa de quermesse, o garotinho se aproxima
de um policial e, choramingando indaga: “Seo guarda, o Sr. não viu um homem e uma
mulher sem um meninozinho assim como eu?”. Essa é a forma que, em Aletria e
Hermenêutica, no livro Tutaméia, (1985) Guimarães Rosa, jocosamente, expressa pela
subtração, a relão de uma criança com seus pais.
Tal construção literária escancara, de modo caricatural, a forma como, segundo o
ensino de Lacan, um sujeito pode advir: é preciso supor uma falta no Outro, um lugar no
desejo do Outro. Essa questão aloja sempre uma discussão sobre o gozo aí envolvido,
pois não se trata de um desejo anônimo(LACAN, 2003/1969). É essa a idéia que
Guimarães Rosa transmite de maneira poética: a certeza de uma criança que supõe ter
um certo lugar e um lugar certo junto aos pais. A eles, Homem e Mulher, não lhes falta
qualquer menino, mas um assim como eu”. E o meninozinho crê nisso. Em
contrapartida, para uma criança, também não se trata de qualquer pai ou de uma mãe
qualquer... Freud, em seu texto “Sobre o narcisismo: uma introdução(1914), aponta a
necessidade de que a criança seja objeto do narcisismo dos pais e Lacan reitera tal
posição como necessária para a constituição de um sujeito. Neste sentido, toda criança
deve ser adotada pelo desejo de seus pais. Toda paternidade tem a ver com um dizer,
com uma nomeação, e não com a reprodução.
Assim, a questão da filiação, da pertença, muitas vezes parece simples e natural,
mas, como nos ensina a psicanálise, requer um trabalho tortuoso e complicado que nem
sempre se dá. No caso de crianças que são abandonadas, essas questões tornam-se ainda
mais complicadas, pois, tais crianças, não sendo investidas narcisicamente pelos pais
que as abandonaram, são, muitas vezes, como nos diz Nominé (2001), deixadas a
serviço do gozo”. Não é raro encontrar crianças em posição de se prestarem
convenientemente a uma parceria de gozo, ocupando o lugar de objeto, por um lado,
precioso, pérola capaz de atrair incomensurável amor e atenção, ou por outro, de ser
abandonado, menosprezado, exposto à degradação, com intensidade igualmente
avassaladora.
12
No Brasil, é cada vez mais significativo o quadro dramático da pobreza, da
desagregação social e o crescente abandono de crianças, sejam elas de famílias
miseráveis ou não. Diariamente, inúmeros bebês são deixados nas maternidades ao
nascerem, outros, em bueiros ou porta de alguma casa. São constantes as denúncias e os
flagrantes de maus tratos e incessantemente encontram-se crianças abandonadas em
algummodo de favela em total estado de desamparo: doentes, sem água e comida por
um longo tempo. Outras vezes, presenciam o extermínio de um dos genitores pelo outro,
que foge, deixando as crianças sozinhas tragadas pelo espanto diante do absurdo vivido.
Essas crianças, abandonadas pelo desejo, são expostas a uma realidade cruel e brutal. O
abandono, o estranho, a privação, a situação de abuso, dor e espantoo algumas
marcas que elas carregam no próprio corpo, entranhadas como uma cicatriz viva.
Frente a esta situação, as poticas blicas e programas de proteção social têm
uma longa trajetória de assistência às crianças abandonadas. Mais recentemente, os
programas m sofrendo mudanças norteadas pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente ECA (1990), e pela Lei Orgânica da Assistência Social Loas (1993).
Entre as medidas de proteção a essas crianças abandonadas e que sofrem maus tratos,
destaca-se o “Abrigo”, que atualmente se organiza principalmente em torno da
modalidade chamada “Casa Lar”. A criação desses abrigos é uma medida provisória
excepcional, prevista no ECA, utilizável como forma de transição para colocação de
crianças em família substituta. Com um caráter emergencial, seu objetivo é substituir os
antigos grandes abrigos. A novidade dessa nova instituição, é que ela pretende oferecer
um atendimento mais personalizado a pequenos grupos, nos moldes de uma residência
comum, na tentativa de suprir certas fuões que faltaram outrora a essas crianças.
Segundo relatório elaborado pela equipe de pesquisadores da Fundação João Pinheiro
em Dezembro de 2000, o quadro de funcionários de um abrigo deve ser constituído por
um coordenador técnico, educadores, cozinheira e auxiliar de serviços. O abrigo Casa-
Lar” caracteriza-se pelo fato de que, o dirigente da entidade a qual pertence a casa lar,
tem a guarda institucionalizada das crianças (CARVALHO, 1993). Vinculada à criação
da “casa lar” surge, com um papel central, uma nova profissão, regulamentada por lei,
denominada “mãe social”, cuja natureza é a mesma dos educadores”, como é
denominada às vezes, com a fuão de receber e cuidar das crianças que chegam a esses
13
abrigos, de forma a propiciar as condições familiares ideais ao seu desenvolvimento”
(Lei, 1987, art.1º).
Muito já se falou sobre as crianças abandonadas ou mesmo sobre aquelas que as
abandonaram as mulheres abandonadas pelo desejo de se tornarem mães, ou marcadas
pela impossibilidade da assunção desse papel - mas pouco ainda se disse sobre aquelas
que, no sentido contrário ao ato de abandonar, se decidem pelo ato acolhedor,
especialmente quando se trata de uma profissão, como a mãe social.
Esboça-se assim o que essa pesquisa busca investigar: essa figura
contemporânea, a “mãe social”, personagem que faz parceria complementar com o
abandono e os maus tratos, profissional que aceita acolher essas crianças e, nessa
situação, tomar a seu cargo o acontecer psíquico de um sujeito.
Algumas particularidades que emergem no contexto das políticas blicas e no
seio das “casas lares”, ainda merecem ser interrogadas uma vez que constituem o
terreno onde surge o objeto desse estudo: as “mães sociais”.
Chama a atenção, por exemplo, a adjetivação dada tanto à casa quanto à mãe:
“Lar” e “Social”, respectivamente. A mãe, muito, vem sendo adjetivada
(SANTIAGO, 2001) como mãe “solteira”, mãe “adotiva”, mãe “boa”, e “má”,
“santa” e, mãe “desnaturada”, além das locuções adjetivas “mãe de Deus”, “mãe de
santo, “mãe de ouro”...O que, então, particulariza a e “social”, nessa casa que se
pretende “lar”?
Na organização dessa casa que se quer “lar”, o lugar do pai social não existe
necessariamente. A profissão de “pai social” ainda não é regulamentada por lei, tal
como fizeram com a “mãe social”. Nesse contexto, o pai que por ventura faz parte do
cotidiano de alguma casa, aí se apresenta como marido ou companheiro da “mãe
social”, em outros casos, pode ser o iro da mãe social. Além disso, em algumas
casas, residem mais de uma “mãe social” para dividir tarefas e nenhum homem no papel
de companheiro da mãe.
Causa uma certa estranheza a superposição das categorias “mãe” e “profissão”.
Por se tratar da mãe como profissão, a “mãe socialtem o direito de folgar no fim de
semana, tirar férias, licença maternidade, além de, eventualmente, poder ser demitida,
ou seja, ela pode (e deve) se ausentar em determinados períodos, como um direito
trabalhista.
14
Conforme já se observou, a instituição casa lar” foi criada como uma “casa de
passagem”, tendo como objetivo prioritário reencaminhar as crianças para sua família
de origem ou encaminhá-las para adoção. Em função disso, há uma recomendação
explícita, às mães que são contratadas, para que não criem vínculos com as crianças, no
intuito de não comprometer seu possível encaminhamento, havendo assim, no horizonte
dessas relações, já de início, a perspectiva de uma separação. Uma mulher que aceita se
candidatar ao cargo de mãe social pode receber, de uma vez, dez a treze crianças de
origens e idades diversas ou até de idades iguais. O que há em comum nessas crianças é
o abandono e conseqüentemente, suas histórias de devastação, vestidas de amargura e
desengano.
Todas essas peculiaridades provocaram indagações sobre essa figura
enigmática, a mãe social. Quando se pensa no significante “mãe”, a partir da
psicanálise, pode-se indagar qual a função de um filho no desejo feminino, pois, como
foi dito, “não se trata de um desejo anônimo” (LACAN, 1969/2003). Diante dessa
profissional mãe social, pode-se indagar quais as implicações dessa adjetivação
“social”. Estariam as mães sociais acolhendo cada criança em sua particularidade, ou o
“socialapontaria para uma outra posição dessas crianças no desejo dessas mulheres?
Sabe-se ainda que, segundo a psicanálise, toda escolha implica uma posição frente ao
gozo. Sendo assim, seria possível, dizer algo sobre as formas do gozo implicado nesta
questão? Que escolha é essa que algumas mulheres realizam, que as leva a serem
parceiras da situação de abandono e maus tratos e protagonistas na posição de “mãe”,
sem criar vínculos com as crianças, como lhes é recomendado pelas normas da
instituição? Que escolha profissional é essa que essas mulheres fazem, que as mantêm
em contato direto com o desamparo humano, provocado pelo encontro com um real
avassalador, tornando-se, através da profissão de mãe, aquela destinada a organizar, de
certo modo, a desordem que se instala na norma estabelecida sobre a função da família?
Embora o abandono de crianças e as formas de lidar com ele, tenham existido
desde a Antiguidade, a construção de uma resposta que cria essa profissão denominada
e social, faz parte de um dispositivo inédito da civilização contemporânea. Por se
tratar de um tema novo, essa pesquisa tomou inicialmente o caráter de uma pesquisa
exploratória, objetivando proporcionar maior familiaridade com o problema, com
vistas a torná-lo mais explicito"
15
(http://www.unilestemg.br/pic/manual_de_normas.html). Num segundo momento, a
pesquisa tomou o caráter de uma pesquisa clínica na forma de estudo de caso. “O estudo
de caso é caracterizado pelo estudo profundo e exaustivo de um ou de poucos objetos,
de maneira que permita a investigação de seu amplo e detalhado
conhecimento”(http://www.unilestemg.br/pic/manual_de_normas.html).
Na medida em que se optou por tomar como objeto de estudo as mães sociais,
com vistas a evidenciar seu surgimento, sua função e sua especificidade, optou-se por
utilizar, como eixo principal de investigação, entrevistas individuais, com mães sociais
responsáveis pelas casas lares selecionadas para estudo
1
. As entrevistas foram dirigidas
a partir daquilo que surgia espontaneamente durante o fluxo do relato das mães sobre a
sua experiência como mãe social. As entrevistas foram feitas nas casas lares, tendo sido
gravadas com o consentimento das mães sociais e transcritas posteriormente.
Embora tenham sido visitadas e entrevistadas sete mães sociais, o material deste
estudo o ficou restrito a essas entrevistas. A Secretaria de Desenvolvimento e o
Juizado de Menores de Contagem, por ocasião de um programa de capacitação para
es sociais, formularam convites para que, na qualidade de pesquisadora no campo da
psicanálise, participasse de encontros com seus representantes. Foram solicitadas
palestras e discussões com as mães e dirigentes das casas lares, com o intuito de discutir
com eles seu papel, sua função e suas dificuldades. Assim, várias reuniões foram
realizadas e as mães puderam ser ouvidas em suas vidas, angústias e relatos
relacionados ao desempenho dessa função de acolhimento. A participação nesses
eventos enriqueceu bastante o campo pesquisado e boa parte do material neles colhido
também foi usado neste estudo, embora seu registro, pelas circunstâncias em que
ocorreram, o tenha contado com os meios de gravação e transcrição dos textos como
ocorreu no caso das entrevistas. Mesmo assim, esses relatos foram registrados e
narrados o mais fielmente possível, pois eles vêm, muitas vezes referendar, ou
enriquecer o conteúdo obtido nas entrevistas.
O corpo teórico da psicanálise foi utilizado para viabilizar a formalização dos
dados obtidos e a produção do saber sobre as questões colocadas. Se considerarmos
que há um modo de conceber e fazer pesquisa em psicanálise que lhe é próprio,
estamos no terreno do método” (ELIA, 2000 p.22) - o método psicanalítico que foi
1
Os cririos para essa seleção serão expostos no capítulo III.
16
usado como instrumento de investigação nessa pesquisa. A pesquisa em psicanálise é
sempre uma pesquisa clínica, sendo a cnica, uma forma de acesso ao sujeito do
inconsciente. Isso pressupõe que, se o pesquisador, inicialmente, ocupa o lugar do
analista, lugar de escuta e de causa, de onde surgirá, através de livre associação, uma
oferta de material para trabalho, haverá no desenvolvimento da pesquisa propriamente
dita, um giro em sua posição discursiva, de maneira que ele passa a ocupar a posão do
analisante.
“Pesquisar, é antes uma posição de trabalho, a segunda posição no
discurso, também designada como lugar do Outro do discurso, lugar do
trabalho na transferência de um sujeito dividido a partir do saber
constitutivo do campo do inconsciente, campo de pesquisa, como o
definimos” (ELIA, 200 p.24).
Assim, o trabalho de análise e a interpretação dos dados dessa pesquisa,
acompanharam a mesma lógica que orienta o trabalho clínico sobre o inconsciente,
descrito por Miller (MILLER ,1998 a), citado por Guerra (GUERRA, 2001), permitindo
identificar categorias de análise através de três operações-redução: a repetição, a
convergência e a evitação.
A repetição produz a insistência de alguns elementos estruturais em torno dos
quais se modulam as idéias discursivas. Na medida em que, num discurso, algumas
idéias, palavras e imagens se repetem, essa repetição cria uma outra dimensão, uma
outra cadeia significante: a cadeia inconsciente. Assim, nessa dissertação, então, além
dos dados objetivos que puderam ser captados na experiência destas mães, buscou-se, a
partir dos dados das entrevistas, algo da subjetividade que se apresentava, na
particularidade e naquilo que se repetia na história de cada uma.
A convergência por sua vez, diz respeito à aflncia dos enunciados para um
enunciado essencial, enunciado da convergência que é o significante mestre do destino
do sujeito”.(MILLER, 1998 p.48 apud GUERRA, 2001 p.88). É o ponto de redução
para o qual converge o movimento de repetição significante” (GUERRA, 2001). Com
essa operação, busca-se a escuta do significante portador do traço inscrito no
17
inconsciente ligado à perda ou abandono do objeto, denunciando o UM contável como
marca de gozo - golpe repetitivo vindo do campo do Outro. A evitação apresenta-se no
tropeço do discurso. Aquilo que não está dito, mas que se manifesta exatamente pela
repetição de sua ausência, pelo contorno dos impasses e dos obstáculos que evidenciam
a presença do real.
A utilização desse recurso metodológico promoveu a ampliação das
possibilidades de leitura dos dados e, a partir daí, de-se estabelecer alguns temas-eixo
que foram discutidos sob a ótica da teoria psicanalítica. Assim, esses temas-eixo, a
apresentação do campo pesquisado, bem como a complementação da discussão teórica
que esses temas exigiram, são apresentados no quarto capítulo. No terceiro capítulo,
faz-se uma incursão no campo da maternidade e da feminilidade sob a ótica da teoria
psicanalítica, situando ainda essas questões na sociedade contemporânea e no discurso
capitalista.
O segundo capítulo tem o objetivo de situar o leitor no contexto histórico,
procurando abordar alguns dados significativos relativos à questão do abandono e das
respostas sociais que foram surgindo frente ao problema, bem como à questão da
maternidade e do papel da mulher nesse contexto. Essa abordagem procurou demonstrar
como essas considerações se revestem de interesse por assinalar a surpreendente
repetição do abandono e dos maus tratos e a semelhança, ao longo da história, desse
papel ocupado por algumas mulheres. Mudam-se os nomes dos abrigos, as formas de
organização e de funcionamento, o contexto histórico, o discurso que se estabelece, mas
a criança desvalida e seu correlato, alguém que se encarrega disso, formam um par que
sempre houve. Para essa contextualização histórica foram utilizados os estudos feitos
pela equipe do Centro de Estudos de Demografia Hisrica da América Latina
(CEDHAL), que desenvolveu um projeto de pesquisa específico, ligado à história da
infância brasileira desvalida, coordenado por Maria Luisa Marcílio e pelo debate
filofico animado por Elizabeth Badinter.
O surgimento da mãe social como profissão acontece em uma civilização onde o
termo freudiano Hilflosigkeit, desamparo, é atual. Desamparo próprio do capitalismo,
“um desamparo organizado frente aos fundamentos do imperativo de rentabilidade”
(MILLER, 2005a, p. 18). A dimensão social do sintoma determina a forma e o contexto
dos laços sociais. Se por um lado, a escolha por essa profissão é determinada pela
18
subjetividade das mulheres que se candidataram a ela, por outro lado, o valor social
desse trabalho, na civilização contemporânea.
Esta pesquisa foi movida pela crença de que o testemunho dessa prática, bem
como algumas reflexões sobre o contexto em que ela surge, podem trazer contribuições
no campo das poticas blicas naquilo que diz respeito às questões do abandono e das
respostas sociais que m sendo constrdas, já que a profissão de mãe social porta um
caráter inovador.
19
CAPÍTULO 2
UM POUCO DE HISTÓRIA
2.1- HISTÓRIA DO ABANDONO
Para melhor compreensão do surgimento da chamada mãe social e da casa lar, é
interessante percorrer a trajetória do abandono de crianças e da construção das respostas
sociais de proteção e assistência que foram dadas a este fenômeno, ao longo da história,
no ocidente e na idade moderna brasileira, desde o início da colonização.
Hoje, faz parte da paisagem diária das grandes cidades, a chocante e trágica cena
de crianças desvalidas, que perambulam sujas pelas ruas, submetidas a todo tipo de
abuso e sofrimento causados por maus tratos, tornando-se necessário recolhê-las e
encaminhá-las às instituições de abrigo atualmente denominadas, casas-lares. É
importante ressaltar, entretanto, a notável reprodução desses fatos ao longo da hisria
da humanidade. Por vezes, o rastro dos traços esboçados nos cenários de centenas e
centenas de anos atrás, evoca tessituras, rdos e odores, prenhes de uma enfadonha
repetição, absolutamente sinistra, familiar e atual...
Segundo estudos feitos pela historiadora Maria Luiza Marcílio (1998), o ato de
abandonar bebês ocorre, em grande escala, desde os primórdios da hisria do homem,
pelo menos no ocidente. Na Antiguidade, o pai tinha poder absoluto sobre os filhos,
sendo-lhe permitido matar, vender ou expor os recém-nascidos. A prática era comum,
principalmente em caso de pobreza ou deformidade da criança. O aborto e o infanticídio
eram considerados legítimos e plenamente aceitos.
No final da Antiguidade e início da Idade Média, a concepção cristã de caridade
foi proclamada e praticada por fiéis, bispos e monges em relação aos desvalidos. Foram
criados os primeiros locais de acolhida para os pobres, doentes e crianças expostas
2
. A
igreja e o espírito de caridade, pregado por ela, tiveram um importante papel no
recebimento de bebês abandonados, embora não houvesse nenhuma condenação ao ato
2
A expressão “criança exposta” ou “enjeitada” era comumente empregada para designar o que hoje
chamamos “criança abandonada”
20
da exposição. A exposição de crianças era aceita e tolerada, quando não estimulada,
sendo justificada por questões morais e ecomicas, considerada, inclusive, uma forma
de evitar o infanticídio que, esse sim, começou a ser condenado pela igreja.
Durante a Idade Média, a caridade e a piedade, despertada pela igreja para com o
miserável e o enjeitado, traziam uma perspectiva de salvação para a alma daqueles que
prestavam socorro aos necessitados. Começam, então, a surgir as confrarias (século XII)
e multiplicam-se os pequenos hospitais que recolhem os desamparados. A pobreza
adquire um novo valor social, pois o sofrimento e a privação são associados à idéia de
santificação. Nascem, assim, novas práticas de assistência à criança abandonada como
meio de salvação. A criação dos abrigos cumpre uma dupla função cristã: evita o
infanticídio e possibilita aos ricos e cristãos exercerem o amor ao próximo
(VENÂNCIO, 1999). A grande preocupação com os enjeitados, passa a ser o batismo e
a salvação da alma das crianças inocentes: Os pais estariam assim devolvendo a Deus
por intermédio do abandono o filho que não queriam” (MARCÍLIO, 1998 p. 47).
Trata-se, então, de dar a elas, pelo menos, a “boa morte”.
No final da Idade Média, passa a ser institucionalizada em toda Europa, a
assistência caritativa” à infância abandonada (MARCÍLIO, 1998). Começa a haver
uma centralização dos serviços sociais para recebimento dos expostos em grandes
hospitais, com o apoio das municipalidades, dos legados e das confrarias de leigos.
Neles são instaladas as chamadas “Rodas de expostos”.
3
Essas instituições se
generalizam por toda a Europa católica, durante a época moderna, especialmente no
século XVII, visando assistir as crianças desamparadas. Segundo a historiadora citada,
“há pouco mais de um século, houve anos, em certas áreas da Europa Ocidental, em
que, de cada duas crianças nascidas, uma era abandonada” (MARCÍLIO, 1998, p.11)
3
O nome “Roda” se refere a um dispositivo projetado para garantir o anonimato de quem enjeitava: uma
caixa redonda com uma abertura suficiente para caber um bebê, girava num eixo, embutida nos muros
das instituições. Assim, o expositor, do lado de fora, colocava a criança pela abertura da roda e a girava
para que o bebê fosse retirado pelo lado de dentro.
21
2.2 -A TRAJETÓRIA DO ABANDONO E DA ASSISTÊNCIA NO BRASIL
A história da colonização do Brasil esse estranho país na periferia do
Ocidente” (FIGUEIREDO, 1999) tem como traço distintivo, desde seu início, o
caráter vivo da pobreza, da marginalidade social, da criança ilegítima e da criança
abandonada.
Os colonizadores portugueses trouxeram novidades que encantaram e seduziram
os índios, mas, também trouxeram doenças e pestilências nefastas para os nativos que
o possuíam defesa orgânica para enfrentá-las. Como conseqüência, criou-se uma
multidão de índios órfãos desamparados. (VENÂNCIO, 2004). Os Jesuítas criaram,
então, as chamadas “casa dos muchachos” (MARICONDI, 1997) para abrigar os índios
órfãos, vendo nelas a oportunidade de catequizá-los, já que as crianças se mostravam
menos arredias que os adultos à conversão e eram vistas, então, como meio de viabilizar
a difícil evangelização dos nativos (CHAMBOULEYRON, 1999, p.58). Essas primeiras
instituições não abrigavam apenas os índios. Muito embora o interesse dos Jesuítas não
fosse a sorte ou a assistência das crianças abandonadas e, sim, o intuito missionário e o
de civilidade, eles recolhiam, ainda, as crianças portuguesas órfãs, que foram
despachadas para a terra nova como forma de tratar as questões dos expostos de
Portugal (RAMOS, 1999).
Uma vez que os índios resistiam a uma domesticação para o trabalho de cultivo
e exploração da terra, como interessava aos colonizadores, foram trazidos para o Brasil
milhares de negros escravizados que viveram situações de miséria, humilhação e
exploração. A situação das crianças negras não foi melhor que a dos adultos
(MARICONDI, 1997, p 5).
A colonização da América, tanto espanhola como portuguesa, foi marcada pelo
concubinato, mestiçagem, ilegitimidade e abandono de bebês (MARCÍLIO, 1998, p.
128). O confronto de uma moral religiosa rígida, fundante do modelo europeu de
família que impunha a virgindade da mulher, com a terra paradisíaca de exuberante
beleza natural, povoada por índios vestidos da nudez emplumada, esplêndidos de vigor
22
e de beleza...” (RIBEIRO apud BACKES,1999, p.44), trouxe conseqüências. Essa
confluência curiosa alimentou e contribuiu para o concubinato, o adultério e a sobejidão
da populão. A prática de abandonar os filhos muito utilizada pelos brancos,
associada à situação de miséria, exploração e marginalização, levou os índios e, depois,
os negros e mestiços, a seguirem o exemplo.
Ao longo do século XVIII, a populão havia multiplicado por quatro as cifras
do início do século. As cidades agregavam pobres e não sabiam o que fazer com eles”.
(VENÂNCIO, 2004, p 189/190).
Durante os séculos XVII e XVIII, a prática de abandono foi largamente
praticada. O historiador Renato Venâncio (1999) distingue as formas de abandono
“selvagem” e “civilizado”, diferenciando os termos usados na época: expor e
enjeitar”. Havia os que abandonavam as crianças, expondo-as nas praias, lixos,
calçadas e terrenos baldios, oferecendo seus corpos como ceias aos cães, porcos e ratos
que perambulavam pelas ruas. A visão dos corpos dilacerados, encontrados pela manhã,
numa rotina quase diária, tornou-se sinônimo de barbárie, caracterizando o abandono
selvagem. A maior indignação, herdada da tradição religiosa européia, no entanto,
consistia no fato de os bebês morrerem sem receber o sacramento do batismo. A religião
exercitava a bondade domesticando a miséria. Assim, incentivava-se, também no Brasil
colônia, o propósito da caridade e formação das confrarias para acolher os expostos,
garantindo aos pequerruchos o sacramento e, aos piedosos, a salvação para, depois, se
possível, encaminhar os desvalidos para crião. Durante o período colonial, as leis
portuguesas, através das câmaras municipais, impeliam os hospitais - as Santas Casas
de misericórdia”, mantidas pela doação dos devotos ricos – a arcarem com o socorro das
crianças abandonadas. Tornava-se, então, um gesto “civilizado enjeitar os bebês,
confiando-os a essas instituições, uma vez que o ato de “enjeitar” continha um apelo
para que alguém os acolhesse.
As causas do abandono podem ser atribuídas, principalmente, a duas grandes
razões: à condenação social dos nascimentos ilegítimos e à miséria. Claro que não se
pode restringir a essas duas causas apenas, a exposição de crianças. Havia, ainda, entre
outras, a morte dos pais, ou uma forma extrema de controle da prole. Entretanto, o
desejo de preservar a dignidade e a honra da moça de elite e das adolescentes, herança
da moralidade européia, contribuiu de maneira contundente para a exposão de muitas
23
crianças. Grande número de enjeitados foi resultado de relações ilícitas e de
promiscuidade (VENÂNCIO, 2004, p. 198). Nesse sentido, a criaa era abandonada,
abandonada pelo desejo, porque seu nascimento explicitava a existência de um desejo
considerado ilícito. A pobreza, a miséria e a falta de recursos dos pais, também
tornavam, muitas vezes, impossível a manutenção da criança na família, sendo
considerada uma forma de proteção, a entrega do enjeitado a uma instituição ou a uma
casa de família abastada. Assim, no final do século XVIII, coube às Santas Casas de
misericórdia importarem o dispositivo dissimulador da “Roda de Expostos”, tão
difundida na Europa e de vida longa no Brasil algumas sobreviveram até 1938 no Rio
de Janeiro, 1934 em Salvador (VENCIO, 1999, p.170) e 1948 em São Paulo
(MARICONDI, 1997, p.7).
Em Minas Gerais, a primeira casa de expostos foi criada em São João Del Rei,
em 1832, sob a responsabilidade da Misericórdia local, conveniada com a Câmara
Municipal e funcionava de maneira idêntica às de outras localidades brasileiras.
(MARCÍLIO,1998, p.174)
A historiadora Maria Luiza Marcílio (1998), após levantar uma extensa
documentação sobre a história do menor desvalido, aponta três fases distintas na
evolução da assistência à infância abandonada brasileira: a “Assistência caritativa”, a
“Filantrópica” e a do “Estado como principal interventor”.
A primeira fase, de “assistência caritativa”, estende-se até meados do século
XIX. Decalque do cenário do final da Idade dia na Europa, ela era de inspiração
religiosa e suas formas de ação privilegiavam a caridade e a benefincia.
Oficialmente, as Câmaras Municipais, que eram compostas pelos chefes de
famílias abastadas, nos cargos de vereadores e juízes, inclusive Juiz de órfãos, eram
formalmente responsáveis pela assistência aos enjeitados. Venâncio (1999, p.26/27)
descreve o roteiro da assistência oferecida pela câmara, que pode ser resumido assim: as
crianças recolhidas deveriam ser imediatamente batizadas por quem as tivesse recolhido
e, depois, encaminhadas à câmara para serem inscritas no juizado dos órfãos, registradas
no livro de Matricula dos expostos e no auxílio camarário
4
. Cabia ao Juiz julgar o
pedido de ajuda financeira para que a família criadeira pudesse arcar com a criança, o
4
Auxilio camarário: auxílio financeiro fornecido pela câmara para a criação dos enjeitados a quem se
dispusesse a cria-los.
24
que era, muitas vezes, baseado em critérios de amizade ou clientelismo. Para aqueles
que não encontrassem famílias criadeiras, amara contratava uma ama de leite
mercenária”, às expensas da municipalidade, por três anos. Ao término do período da
amamentação, a criança que havia sobrevivido (o índice de mortalidade infantil era
enorme) permanecia na casa da ama que, a partir de então, tinha o sario reduzido e era
contratada como “ama seca”, até que o exposto completasse sete anos de idade. Ao fim
desse tempo, a ínfima ajuda financeira terminava e os enjeitados, submetidos aos tutores
e ao juiz do órfão, deveriam ser dados a lavradores para aprenderem um ocio e serem
aproveitados em serviços necessários.
Uma característica distintiva do funcionamento das maras instituídas no
Brasil, a despeito do modelo da metrópole, era que jamais se contratavam funciorios
encarregados de recolher os enjeitados e manter um controle efetivo sobre sua situação.
Essa prática favorecia a improvisação nas soluções dadas, baseadas no clientelismo e na
amizade, numa versão da época daquilo que atualmente se chama “o jeitinho
Brasileiro”. Essa forma “oficial” de acolhimento nem sempre, ou muito pouco,
respondia às necessidades da colônia em função dos gastos que a coroa deveria
despender para o auxílio. A burocracia e a ineficiência dos serviços acabavam por
excluir alguns bebês da assistência e, nos locais onde o socorro era prestado apenas pela
municipalidade, havia grande incidência do abandono selvagem (exposição das crianças
nas ruas e terrenos baldios e, não, nas instituições). (VENÂNCIO 2004, p. 191).
Desse modo, ainda nessa fase de assistência caritativa”, a solução vinha de duas
outras fontes: uma, informal, privada e largamente difundida no Brasil, com os expostos
sendo criados em casas de família, por interesse, já que as crianças criadas” podiam
significar um complemento de mão de obra gratuito, muitas vezes mais eficiente que a
o de obra escrava, por basear-se em laços afetivos (daí o emprego do nome “criada”,
como substituto de empregada, serviçal), ou por caridade, acreditando na salvação da
alma. É interessante ressaltar essa relação, do martírio e do sacrifício, com Deus, pois,
nessas circunstancias, o sofrimento torna-se júbilo, uma vez que constitui demonstração
de fé e, por conseguinte, proximidade com um Bem supremo, sagrado, para além dos
bens terrenos.
A outra fonte de solução era o repasse da responsabilidade de acolher os
enjeitados, da mara para as “Santas Casas de Misericórdia” (mantidas por doações e
25
confrarias conveniadas com as maras). Um dos escopos primordiais da Misericórdia
era o de não deixar os bebês sem o batismo. Em 1828, com a chamada Lei do
Município, as câmaras se livraram, oficialmente, da difícil e penosa obrigação,
repassando-a, basicamente, às Santas Casas. Ainda no período colonial, os hospitais,
que funcionavam em algumas localidades, paralelamente ao socorro das câmaras, foram
os responsáveis por introduzir o sistema de Roda” e, conseqüentemente, recolhiam
todos os expostos depositados furtivamente. Funcionários da administração dos
hospitais, chamados membros da “Mesa dos Expostos”, encarregavam-se de contratar
“mordomos” ou “visitadores” que, por sua vez, tinham a função de arranjarem as “amas
internas” para criarem os expostos, muitas vezes, misturados aos enfermos, loucos e
desvalidos. Outras vezes, as Santas Casas encaminhavam os bebês para serem criados
por “amas de fora”, em seus domicílios e, logo após o período de amamentação, as
crianças retornavam às dependências do hospital para serem encaminhadas a famílias ou
se arranjarem outros meios para criá-las.
Foi somente no final do século XVIII que as Santas Casas de Miserirdia
criaram instituições especiais, separadas dos hospitais, em algumas poucas localidades,
para assistirem as crianças desvalidas: as “Casas da Roda”. Essas instituições exerciam
suas funções nos moldes do funcionamento dos Hospitais das Santas Casas, com o
sistema de contratação de amas.
É interessante que, assim como nas atuais casas-lares”, nas “Casas da Roda”
dirigidas pela mesa dos enjeitados, se utilizavam alguns critérios para a contratação das
amas, que de acordo com Venâncio (1999 p. 56/7) eram:
Não deviam passar de 18 a 34 anos
Deviam ser bem formadas e conformadas de corpo, alegres, asseadas,
modestas e de bons costumes.
Não deviam ter menos de dois meses, nem mais de dez depois do parto.
Deviam ter boa saúde, isenta de toda qualidade contagiosa: lepra, sarna,
epilepsia, etc.
Não deviam ser menstruadas.
Preferência dada às do campo e às que haviam parido varão
Muitas vezes, como ainda hoje acontece, a escassez de amas era grande e nem
sempre os critérios podiam ser respeitados, além de também serem ínfimos os salários.
26
Uma situação que gerava preocupação era o destino dos expostos após os sete
anos de idade: os que não podiam continuar nos domicílios das amas reingressavam no
rculo do abandono, perambulando pelas ruas e constituindo novo ciclo de casais
miseráveis e de mulheres que abandonavam os filhos (VENÂNCIO, 2004 p.221). Ainda
a partir dos fins do século XVIII, começaram a surgir propostas para o amparo aos
expostos que completavam o sétimo aniversário. Por intervenção das “obras pias de
Misericórdia”, criaram-se os “Recolhimentos das Meninas órfãs”, financiados por
comerciantes ricos, apreensivos com a difusão de meninas prostitutas e andarilhas. A
instituição tinha um caráter de reclusão, com fins devocionais e com o intuito de
resguardar a honra e a virtude da mulher e não com objetivo de educá-las ou instruí-las.
No caso dos meninos, foram raras as instituições criadas para protegê-los, antes de
meados do século XIX. Surgiram algumas poucas no fim do século XVIII, ainda de
caráter caritativo, como a criação de seminários (colégios internos) e orfanatos com o
objetivo de promover a aprendizagem de algum ofício.
Diante da crescente e dramática dificuldade material das Casas dos Expostos, e
da relutância das Câmaras em auxiliá-las, surgem as “Assembléias Provinciais em
socorro das Misericórdias. Esse sistema de “Filantropia” blica, associada à privada,
foi mudando o caráter “caritativo” da assistência. No século XIX, começam a surgir as
primeiras intervenções poticas no trabalho das Misericórdias, procurando colocá-las a
serviço do poder público.
Inicia-se assim, a segunda fase da assistência ao menor, descrita por Marcílio
(1998), a “fase da Filantropia” que vai de meados do século XIX até meados do século
XX. Neste período, ocorreram grandes transformações sociais que repercutiram nas
políticas blicas voltadas para a infância desvalida.
Dentre as mudanças sociais ocorridas, sem dúvida, a que merece maior destaque
foi o fim da escravidão, com o surgimento da ordem econômica industrial capitalista.
Outras importantes mudanças citadas por Marcílio (1998 p.191) foram:
a queda da Monarquia; a separação da Igreja e do Estado; a quebra do monopólio
religioso da assistência social; o avanço da legislação social pró infância; a
instituição do estatuto legal da adoção; a construção dos Direitos da Criança; as
grandes reformas do ensino da década de 1930 (de Francisco Campos) e de 1961 (das
27
Diretrizes e Bases da Educação); e a emergência do Estado Protetor ou do Estado do
Bem-Estar social (1960)
Com a industrialização, surgiram novas categorias sociais e, associadas à
freqüente imigração de estrangeiros, desenvolveu-se o setor terciário da economia. Foi
ampla a movimentação da área rural para os grandes centros urbanizados, aumentando a
diferença das classes sociais e incrementando a pobreza no país. A distinção entre a
criança rica e a criança pobre começa a ficar bem mais delineada. A rica é alvo de
atenção das poticas educativas para prepará-la para dirigir a sociedade. A criança
pobre deve ser objeto de controle, de educação profissionalizante para prepará-la para o
mundo do trabalho.
Com as primeiras leis de abolição da escravatura, rios segmentos da sociedade
higienistas
5
, juristas, pessoas do governo e de famílias mais abastadas – se aliam para
fomentar a criação de estabelecimentos de educação com a difusão de oficinas
profissionalizantes para os órfãos, com vistas a suprirem a necessidade de mão-de-obra
barata.
Os médicos higienistas, já há muito preocupados com o altíssimo índice de
mortalidade infantil, começam a atacar os velhos recursos de amamentação e a falta de
cuidados higiênicos com que eram tratadas as crianças. Inspirados pelas idéias
iluministas, lutam também, pela extinção das rodas de expostos”, pela laicização da
assistência, fortalecendo a filantropia, infundindo a concepção de que sentimentos
humanitários fazem parte da “natureza humana”. Surgem, na segunda metade do século
XIX, a medicina preventiva, a Pediatria e a Puericultura empenhadas em promover
campanhas de higiene e de saúde blica. Aliados aos médicos, os juristas estabelecem
novas metas de ação, focando a infância desvalida. Em 1855, surge o Primeiro
Programa Nacional de Poticas Públicas”, através do qual surgem diversos asilos e
institutos para os órfãos, com o cuidado de determinar espaços especializados,
instituindo estatutos e normas para o ensino elementar e para o ensino
profissionalizante.
Graças à associação de médicos e juristas, coloca-se em discussão o ato mesmo
do abandono e suas conseqüências a delinqüência. Como parte da ideologia
5
Ramo da medicina surgido nos fins do século XIX, visando a prevenção de doenças por meio de práticas
educativas e profiláticas com o objetivo e combater o altíssimo índice de mortalidade infantil.
28
filantrópica, cresce a preocupação com a educação da mulher enquanto mãe, como
símbolo de prevenção do crime e da delinqüência. O lema passou a ser: “assistir para
prevenir” (MARCÍLIO, 1998 p.208).
O Estado começa a assumir a responsabilidade sobre a infância desvalida
comprometendo-se, por exemplo, com as funções de correção” dos menores infratores
criando, grandes instituições “preventivo-correcionais”. Surge a partir daí o epíteto
“menorcomo discriminativo da infância desvalida e abandonada, vivente na vadiagem
e gatunice. Agora, sendo remetida à esfera do público e do jurídico, a criança
abandonada, passa a ser vista como caso de pocia”.
Em 1919, foi criado o Departamento Nacional da Criança, órgão responsável
pelas atividades no campo da assistência à mãe, à criança e ao adolescente. Logo
depois, sob a influência da “Declaração dos Direitos da Criança” em 1923, é criado, na
capital da república, oJuízo Privativo dos Menores abandonados e Delinqüentes”
(1924), sendo nomeado para Juiz o Dr Mello Matos, que introduziu, no primeiro
“Código de menores” aprovado em 1927, a idade de dezoito anos como limite para a
inimputabilidade.
A aprovação do Código de Menores, em 1927, pode ser considerada um marco
na hisria da participação estatal frente ao abandono, por meio de convênios com a
beneficência privada, instalando-se um grande debate sobre a legítima ação do Estado
no campo da assistência social.
Mais tarde, em 1941, surge o SAM Serviço de Assistência ao Menor,
subordinado diretamente ao Ministério da justiça, com um funcionamento delineado
pelos moldes do sistema penitenciário, com objetivos claramente correcionais. O SAM
foi um antecessor direto da FUNABEM Fundação Nacional do Bem Estar do Menor,
criada pelos militares no poder, na terceira fase da assistência à infância abandonada.
Essa fase é caracterizada pela posição do Estado como um interventor direto e
principal responsável pela assistência e proteção da infância desvalida. A FUNABEM
tinha por objetivo, discutir uma potica nacional para enfrentar tanto o problema dos
menores infratores quanto o dos menores abandonados ou que sofriam maus tratos.
Nessa época, entretanto, não foi extinta a forma de internação no acolhimento desses
menores, resultando, ainda, em um regime de isolamento altamente pernicioso ao
desenvolvimento dessas crianças (CARVALHO, 1993). Em 1979 foi criado o “Novo
29
Código de Menores”, que oficializava o papel da FUNABEM, e implementava novas
“instituições totais” – centros especializados de internação, destinados à recepção,
triagem e permanência de menores: as FEBEMs e congêneres.
A partir dessa década, diante de várias denúncias das atrocidades acontecidas
nessas instituições, comam a surgir movimentos de redirecionamento da potica de
atenção à criança e ao adolescente. Nascem, assim, as chamadas “Comunidades
Educativas” de Minas Gerais, bem como a Pastoral do Menor” e o “Movimento
Nacional dos Meninos de Rua”, priorizando ações em torno da tentativa de
desinstitucionalização do menor.
No final da década de 80, foram consolidados vários movimentos sociais,
inclusive, os associados a movimentos o governamentais - como, por exemplo, as
campanhas da Fraternidade”. Foi, a partir disso, que se articulou a defesa aos direitos
da criança e do adolescente, culminando na promulgação da Lei n° 8.069, em 13 de
julho de 1990, ou seja, o ECA. - Estatuto da criança e do Adolescente e,
posteriormente, em dezembro de 1993, foi sancionada a LOAS – Lei Orgânica de
Assistência Social incluindo, na esfera potica, a assistência à infância e à adolescência
portadoras de deficiência.
O ECA apresenta uma série de programas que pretendem assegurar um
atendimento mais personalizado, em pequenos grupos, privilegiando ações
descentralizadas e municipalizadas de apoio, tanto aos adolescentes infratores quanto às
crianças abandonadas.
Entre as medidas de proteção asseguradas pelo E.C.A., destaca-se o “Abrigo”. É
neste contexto que, principalmente em Minas Gerais, surgem os abrigos denominados
casas-lares”, onde residem as “mães sociais” – objeto de estudo desta pesquisa.
No final de 2003, quando, em Belo Horizonte, definitivamente, se extinguiu a
FEBEM (Fundação Estadual do Bem Estar do Menor), instituição de abrigo que até
então funcionou como modelo de internação de criaas abandonadas, os menores que
ali viviam foram encaminhados para as “casas-lares”, que já vinham funcionando,
paralelamente à FEBEM.
A idéia é que essas casas se constituam como ponto de referência para as
crianças abandonadas, embora em caráter provisório, pois seu objetivo é a recolocação
da criança na sua família de origem ou em uma família substituta. As casas são
30
montadas por entidades governamentais ou não, e o responsável pela entidade é aquele
que tem a guarda institucionalizada dessas crianças, além de responder pelo
funcionamento e seleção de pessoal para trabalhar nelas, de acordo com a
regulamentação prevista pelo E.C.A.
A “casa-lar”, em geral, é organizada à semelhança de uma residência comum.
São acolhidas, no máximo, 13 crianças, sob a responsabilidade de uma profissional
denominada “mãe social”, que tem como função, cuidar das crianças.
A profissão de “mãe social” surge, assim, no cenário atual das poticas públicas,
pela Lei n° 7.644, de 18 de Dezembro de 1987, que dispõe sobre a regulamentação
dessa atividade.
O Art. 4º da Lei explicita as atribuições da “mãe social”:
I Propiciar o surgimento de condições próprias de uma família, orientando e
assistindo os menores colocados sob seus cuidados;
II administrar o lar, realizando e organizando as tarefas a ele pertinentes;
III dedicar-se, com exclusividade, aos menores e à casa-lar” que lhes forem
confiados;
Parágrafo único. A “mãe social”, enquanto no desempenho de suas atribuições,
deverá residir, juntamente com os menores que lhe forem confiados, na “casa-lar” que
lhe for destinada.
Além da lei que regulamenta a profissão, existe uma recomendação redigida pela
Secretaria de Estado do Trabalho e da Assistência Social da Criança e do Adolescente
que, como nas antigas “Casas da Roda”, define o atual “Perfil da e social” que reza
pelos seguintes itens:
Idade mínima de 25 anos
Boa sanidade física e mental
Curso de 1º grau
Aprovação em estágio
Boa conduta social
Aprovação em teste psicológico específico
Capacidade de compreender a infância e adolescência como um momento
de vida peculiar
31
Vontade e habilidade para trabalhar com crianças e adolescentes em
situação pessoal e social de risco, portadores ou não de necessidades
especiais.
Capacidade de organização e gerenciamento da Casa lar
Capacidade de liderança
Dinamismo
Iniciativa, criatividade.
Paciência
Capacidade de diálogo e escuta
Comprometimento com o trabalho junto á crianças e adolescentes
Afetividade e carinho por crianças e adolescentes
Disponibilidade para aprender e ensinar
Capacidade para exercer a autoridade e colocar limite, de forma
equilibrada.
Crença nas possibilidades das crianças e adolescentes, enquanto sujeitos de
direito.
O que não consta é que, plagiando o século XVIII, a remuneração é ínfima,
variando entre um a dois salários nimos, quando muito.
32
2.3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE AS
MULHERES, AS MÃES E AS MULHERES CRIADEIRAS.
“Não é exagero afirmar que a
história do abandono de
crianças é a história secreta da
dor feminina”.
Renato P. Venâncio
As mulheres, mães e criadeiras – sejam amas de leite, amas mercenárias ou mães
sociais - são protagonistas na história do abandono. Contracenam com elas, os maridos,
os pais e os filhos, uma vez que esses papéis e funções são relativos, uns aos outros. É
interessante notar que a idéia e a representação desses personagens sofrem modulações
ao longo da história. Além disso, a dicotomia entre a mulher e a e, também possui
uma cronologia que remonta ao princípio da história cristã do Ocidente.
No mundo ocidental, as questões relativas à sexualidade, bem como a história da
mulher, desenvolveram-se condenadas a uma estreita associação com a noção cristã do
pecado. Eva é o protótipo da mulher moldada pelo Deus judaico-cristão, estabelecendo
um padrão eterno de conduta para a mulher: é a porta da impureza que exclui do
paraíso (PAIVA, 1990, p.71). Segundo a Bíblia (Gênesis 3,20), seduzida pela serpente,
Eva colheu o fruto proibido e envolveu Adão na sua falta, conhecida como pecado
original. Homem e Mulher caíram em tentação e marcaram a humanidade com o germe
do pecado original, tendo como conseqüências a exclusão do paraíso e a condenação a
um mundo imperfeito. Na tradição cristã, a valorização do feminino veio se impor
através da maternidade divina de Maria. (PAIVA,1990). Se Eva carrega o estigma da
mulher companheira-submissa, mas amante-pecadora, Maria é exclusivamente mãe
devotada, Virgem imaculada, que nada tem de amante.
Elizabeth Badinter, em seu livro “Um amor conquistado – o mito do amor
materno”, faz um percurso histórico da relação das mulheres com a maternidade. A
autora mostra que o lugar, o papel social, e a importância, ora da mulher, ora da mãe,
variam de acordo com os costumes e valores sociais de determinadas épocas. Badinter
33
(1985) mostra ainda, que a atribuição de valor dado à maternidade, pelos homens e
pelas próprias mulheres, caminha paralelamente às modulações do valor dado ao papel e
à representação da criança e do conceito de infância ao longo da história.
A CRIANÇA
Ars (1981), muito, já havia alertado para esse fato, seguindo os passos das
representações históricas da “infância” e dos cuidados dedicados a ela, em consonância
com os parâmetros ideológicos, econômicos e políticos de cada época.
As idéias sobre a criança e sua educação foram profundamente marcadas por
dois pensadores que delinearam, de modo geral, as relações entre as mães e seus filhos:
Santo Agostinho e Rousseau (CIRINO, 2001 p.22).
Santo Agostinho (354-430), considerado por longos séculos como referência do
pensamento patrístico, elaborou uma imagem da infância marcada pela maldade: a alma
das crianças seria abalizada desde o início por forças do mal, por serem seres tarjados
pelo pecado original. A partir de suas próprias lembranças do peodo da infância,
Agostinho atribuiu às crianças, arroubos de crueldade, pois, sem condições de controle
sobre seus próprios impulsos, as crianças cometiam, freqüentemente, atos desprezíveis.
Santo Agostinho descreve o filho do homem ignorante, apaixonado e caprichoso: se o
deixássemos fazer o que lhe agrada, não crime em que não se precipitaria”
(AGOSTINHO, apud BADINTER, 1985, p.55). A amamentação, causa de inveja entre
uma criança e seu irmão de leite, recebeu o estigma do pecado e da voluptuosidade
condenável.
Segundo Badinter (1985), Agostinho deixa como herança, a transmissão da idéia
de que era necessário uma prática de adestramento e controle da maldade na infância.
Assim, seria preciso livrar-se da infância como de um mal.
Até o final da Idade Média, sob forte influência Agostiniana, a criança pequena
o contava. A idéia de criança estava ligada à idéia de insignificância ou depenncia
e, quando não, de um verdadeiro transtorno (ARIÈS, 1973). A partir do século XVI,
começam a ocorrer algumas mudanças na representação da criança e de sua importância
na família. No século XVII, como um marco importante, a escolarização é iniciada, em
função de uma preocupação religiosa ainda reminiscências Agostinianas: a
34
recuperação do ser maligno que é a criança, numa tentativa de moralização de suas
condutas. A nova pedagogia foi executada por padres católicos e protestantes.
Foi somente no século XVIII que essas concepções Agostinianas foram
confrontadas. Com Rousseau, quando da publicação de “Émile”, em 1762, foi dado um
impulso inicial à família moderna, caracterizada pela ternura e intimidade entre pais e
filhos, baseada no romantismo (BADINTER, 1985, p.54). A criança passa a ser
personagem central na família e a infância passa a ser reconhecida como tendo
maneiras de ver, pensar e sentir que lhe são próprias” (ROUSSEAU apud CIRINO,
2001, p.26). Agora, em contrapartida, são ressaltadas nas crianças a pureza e a inocência
e, na mãe, um amor instintivo e incondicional. Esse amor deve ser priorizado e
valorizado em detrimento da ciência e do saber, que devem ser deixados aos homens.
Foi preciso esperar Freud para que o “infantilganhasse estatuto de realidade psíquica,
constituída pelos desejos e fantasias inconscientes e que, às crianças, fosse atribuído
tanto a sexualidade quanto a pulsão de morte, que são componentes psíquicos infantis
de todo sujeito, irredutíveis a qualquer dimensão cronológica (CIRINO, 2001 p.56/57).
A MATERNIDADE
Elisabeth Badinter (1985) discute o papel da mulher e o lugar que a e e o
amor materno ocupam ao longo da história, em consonância com o papel e o lugar que o
conceito de criança ocupa. A autora demonstra que a maternidade e o “amor materno”
o podem ser considerados “naturaise “instintivos”, próprios das mulheres que se
tornaram mães. Segundo a autora, antes do final do século XVIII, assim como as
crianças, o amor materno não era social e nem moralmente valorizado, tendo sido
relegado a um segundo plano.
Durante toda a Antiguidade, a autoridade paterna e marital reinou, cabendo às
mulheres a virtude da submissão e obediência. Cabia ao pai o poder absoluto sobre os
filhos, sendo-lhe permitido matar, vender ou expor os filhos, atos considerados
plenamente legítimos. Ainda na Idade Média, tanto a maternidade quanto a
representação da criança, estavam ligadas à idéia de insignificância ou transtorno.
Assim, no século XVII e início do século XVIII, culmina o sentimento de
rejeição das mulheres pela maternidade, apoiado na herança da condenação acirrada dos
35
teólogos do século XVI às mães, ainda sob o eco de Agostinho, pela ternura ilícita para
com os filhos e por qualquer vestígio de êxtase, imoral e condenável, do ato de
amamentar. A amamentação, percebida como algo pouco digno, próprio das camadas
inferiores, prejudicial à saúde e à estética da mulher, é praticamente abandonada pelas
“mulheres de bem”. Os maridos corroboram com essa opinião, pois, para eles, o ato de
amamentar um filho é um atentado à sua sexualidade e uma restrição ao seu prazer”. O
aleitamento é sinônimo de sujeira (BADINTER, 1985 p. 97). Para as mulheres do
século XVII, portanto, ocupar-se de uma criança não era nem divertido nem elegante.
Em busca de algum mérito, de um lugar mais privilegiado e de reconhecimento social,
valores que agora se empenhavam em obter, as mulheres (principalmente as francesas)
do século XVII deveriam procurar um outro caminho que o o da maternidade: a
cultura, a política, a galanteria e a vida social. Badinter descreve essa situação como
uma forma de abandono, não apenas dos filhos, mas da maternidade em geral. Assim,
em todas as camadas sociais, o hábito de entregar os bebês para as amas de leite, ou
amas mercenárias”, como eram chamadas, passa a ser largamente difundido, de
maneira que em meados do século XVIII, os filhos de famílias citadinas amamentados
pelas mães, eram exceções” (BADINTER, 1985 p. 101).
Figuras interessantes, essas amas mercenárias ou amas de leite! Quiçá,
precursoras das mães sociais. Numa época em que havia uma forte indiferença ou
desprezo pela maternidade e mesmo pela vida das crianças, época em que as mulheres
o se dispunham a restringir suas atividades à insignificante tarefa da maternidade,
inclusive sem que se lhes fosse imputada nenhuma culpa, as amas tomavam para si essa
árdua tarefa. Dispostas a assumirem a função-dejeto, possuíam a prerrogativa de decidir
sobre a vida e a morte das crianças. Muitas delas eram mulheres atoleimadas pela
miséria, vivendo em pardieiros, o raro doentes e mal nutridas, freqüentemente, sem
qualquer outra oportunidade para se proverem do necessário para a sua própria
subsistência. Nessas condições, a mortalidade infantil era alta, e a morte das crianças,
era considerada banal e corriqueira. Outras amas se dispunham à função, por alegarem
estar pagando promessas (VENÂNCIO, 2004 p. 194). Algumas o faziam por
generosidade e caridade cristã, pois consideravam abandonar bebês uma impiedade e
criá-los, uma extraordinária demonstração de fé (VENANCIO, 1999, p.63). Parece
haver, como demonstra a história, uma relação de complementaridade, um laço, entre o
36
sofrimento e a que, neste instante, é posta à prova, evocando um “élan” místico,
justificando algumas vezes, o ato acolhedor.
As conseqüências do afastamento do regaço materno foram nefastas, e o índice
de mortalidade infantil estrondoso, mesmo em meio às crianças que o eram
designadas como enjeitadas ou expostas, mas que tinham, como elas, o mesmo
endereço: as amas de leite ou mercenárias. Segundo Badinter (1985), em meados do
século XVIII com o advento de uma nova ciência a demografia começa-se a tomar
conhecimento da escassez da população, e a perda das crianças, antes considerada
banal, começa a ser julgada alarmante. A prioridade do Estado, nesse momento, visando
o interesse econômico de produção, passa a ser a sobrevincia das crianças é preciso
produzir seres humanos que serão a riqueza do Estado e que agora têm um valor
mercantil. São essas conseqüências nefastas às continncias poticas ecomicas e
ideológicas, que dão impulso ao movimento higienista, ao incentivo à amamentação e
aos cuidados assumidos pela própria mãe.
A preocupação econômica então, mudou o discurso sobre a criança que se
tornou interessante enquanto força potencial de produção. Esse novo discurso foi
acompanhado por um discurso ideológico, do qual Rousseau foi um dos maiores
representantes, que passa a valorizar a maternidade. Agora, as mães que assumem sua
tarefa familiar, vista, nesse momento, como tarefa necessária à sociedade, adquirem
importância, respeito e reconhecimento social: doravante serão “responsáveis pela
nação”. Esse discurso ideológico se torna fonte de promessa de felicidade e posição de
igualdade frente à autoridade paterna.
A mulher passa, então, a ser valorizada e reconhecida pelas doçuras da
maternidade que, agora, é da ordem do sublime e do sagrado:
“A mulher não é mais identificada à serpente do Gênesis... Ela se transforma
numa pessoa doce e sensata, de quem se espera comedimento e indulgência. Eva cede
lugar, docemente, a Maria” (BADINTER, 1985 p. 176).
No século XIX, sob o véu herdado do ideal Rousseauriano, a maternidade ainda
está impregnada da idéia de algo gratificante e nobre e a “natureza feminina” é
inseparável da boa e:
“O modo como se fala dessa “nobre função”, com um vocabulário tomado
à religião (evoca-se freqüentemente a “vocação” ou “sacrifício” materno)
37
indica que um novo aspecto místico é associado ao papel materno. A e é
agora usualmente comparada a uma santa e se criará o hábito de pensar
que toda boa mãe é uma “santa mulher”. A padroeira natural dessa nova
mãe é a Virgem Maria, cuja vida inteira testemunha seu devotamento ao
filho.” (BADINTER, 1985 p. 223).
No início do século XX, ainda sob forte pressão ideológica, muitas mulheres
sentem-se obrigadas a ser mães sem realmente desejá-lo e acabam por viver a
maternidade com culpa e frustração, além de fazer um grande esforço para imitar a
“boa mãe”. (MIRANDA, 2005). Um acontecimento marcante nesse século, que
questiona e muda os papéis das mulheres, das mães e conseqüentemente dos pais e dos
filhos, foi o movimento feminista. Num primeiro momento, às mulheres é assegurado o
direito de trabalhar e produzir intelectualmente, mas sem se isentar da responsabilidade
que a maternidade lhe imputa. Com o acréscimo dessa nova responsabilidade, cresce o
poder da mulher e da mãe no seio familiar, uma vez que as tarefas domésticas não são
divididas com os maridos e os pais. Ainda cabe às mães a responsabilidade pela
felicidade dos filhos. Assim, em oposição ao ideal vigente de mãe, algumas mulheres do
século XX, que não desejavam se ater exclusivamente à maternidade - as intelectuais ou
as que trabalhavam em outras atividades, são consideradas indignas ou incapazes
(MIRANDA, 2005). Erige-se um novo rótulo dirigido a elas: as “mães ausentes”.
Segundo Badinter (1985) é somente na década de 80 que as mulheres começam
a exigir dos homens seu quinhão de responsabilidade na empreitada doméstica. Os
filhos começam a fazer parte, então, de um projeto de vida familiar, podendo ser
escolhido o melhor momento na vida pessoal e profissional do casal para se tornarem
pais. Na sociedade capitalista contemporânea, as crianças continuam ocupando um lugar
valorizado, entretanto, o individualismo prevalece e os interesses das crianças não
sobrepujam os dos pais, que também estão atentos aos seus próprios
interesses.(MIRANDA, 2005).
Segundo Miranda (2005), vai surgindo como prioridade nessa nova constelação
familiar, a “maternidade-opção”, com a escolha e a vontade ou não de ter filhos como
elementos fundamentais vinculados à questão:
Não é por acaso que na atualidade a maternidade está ligada à
escolha e ao desejo; eles são, por assim dizer, imperativos pós-modernos”
(MIRANDA, 2005).
38
Não se pode negligenciar, entretanto, o fato de que, no contexto brasileiro atual,
muitas vezes, essa conquista feminina, a contracepção fator que modifica a posição
social das mulheres e das mães, é inacessível a muitas brasileiras por desinformação
ou por um impeditivo econômico”.(MIRANDA, 2005).
Assim, neste momento em que a questão do desejo se vincula à maternidade, é
que se interroga sobre o problema do abandono, sobre o gozo ai implicado e sobre as
razões que levam muitos pais a gerarem filhos e desejar se livrarem deles, sem que uma
paternidade seja fundada, sem que uma mulher consiga se tornar mãe, embora repetidas
vezes, eles reeditem a ação de procriar, sempre marcada por um desejo de morte.
Diariamente, a imprensa noticia casos de bebês lançados ao lixo, em lagoas ou
bueiros, crianças que basculam da condição de dejeto à de objeto de disputa por
famílias, provocando uma epidemia de desejo e comoção pública.
Paralelamente, existem aqueles inúmeros anônimos que foram deixados
silenciosamente, e que também são recolhidos e demandam uma disposição para o
enfrentamento da questão. Faz-se necessário interrogar sobre o que leva algumas
pessoas a se lançarem na tarefa de recolher e assumir o dejeto social na qualidade de
trabalhador social, assumindo-os em instituições tamm anônimas.
Que papel e que lugar ocupam essas mulheres que, parceiras do abandono, se
decidem a acolher essas crianças e a se dedicar a elas? Mulheres tão desvalidas quanto
os rebentos, ora odiadas e responsabilizadas pela sobrevivência deles, ora tão exaltadas
e elogiadas por atitudes sublimes. O que buscam essas mulheres que se prestam a criar
filhos enjeitados de outras, mediante uma insignificante ajuda financeira, e que, muito
freqüentemente, se reduzem, elas mesmas, a esse estado de privação, assinaladas, como
as crianças, pelo crivo ora do ínfimo e do profano, ora da exuberância e do sagrado?
Pelo quê são capturadas, essas mulheres, que protagonizam o verso e o reverso da
fantasia que Freud, certa vez, revelou encontrar, com surpreendente freqüência, em seus
pacientes: “Uma criança é espancada”? (FREUD, 1919)
Vertiginosa história que perturba a razão e a serenidade do espírito, em que
casa de expostos”, casa-lar”, “casas da roda”, amas mercenárias”, “mães sociais”,
amas de leite”, se confundem numa atemporalidade sinistra.
39
CAPÍTULO 3
MULHERES, MÃES E PSICANÁLISE: FEMININO E DESAMPARO.
O objetivo deste capítulo é, a partir da psicanálise, produzir uma leitura das
concepções de mãe e mulher entrelaçadas aos fenômenos contemporâneos, já que a
categoria de mãe social é uma resposta atual à antiga questão do abandono. Se o
abandono sempre existiu e uma resposta a ele sempre foi dada, resta saber o que o
fenômeno do abandono e suas respostas devem à época atual. Parece o ser sem razão
que essa profissão surge justamente nesse momento em que o discurso corrente é o
capitalista, com as características de segregação e perda dos vínculos.
A instituição familiar, os semblantes, e o discurso sobre as mulheres, sofreram
modificações. Pode-se dizer que a emancipação das mulheres e as discussões sobre seus
direitos trouxeram à tona um questionamento com relação ao direito de gozarem do
próprio corpo que agora pode ser emprestado, vendido, oferecido, recusado, de acordo
com o uso gozoso que se faz dele. Vincula-se a esse direito sobre o gozo do corpo, um
questionamento quanto ao aborto e à maternidade. Assim, a regulação dos nascimentos,
ficou atrelada ao desejo feminino, conferindo um novo poder às mulheres, assinalando,
mais do que nunca, uma independencização da posição feminina e da posição materna
(LAURENT, 2005, p.62). Miller e Laurent (2005a) denunciam as conseqüências
acarretadas pelo discurso dos direitos humanos” e da “emancipação das mulheres” que
buscam direitos iguais, homogeneizando homens e mulheres, querendo fazer
desaparecer a singularidade de cada um, exemplificados no atual “unisex”
.
Acresce-se a
isso, um abalo do estatuto do casamento e das relações familiares, varrendo do cenário
atual as hierarquias dos lugares simbolicamente instituídos, evidenciando a
fragmentação crescente de antigos laços sociais. Lacan, em 1938, em seu texto “Os
complexos familiares na formação do individuo (LACAN, 2003 [1938]), já havia
previsto o declínio da referência e dos ideais paternos, condição que acarretaria
modificações nas relações do sujeito ao Outro. Se antes, os ideais sustentavam as
formas simbólicas e imaginárias de ser mulher e homem, além das modalidades
compartilhadas de um certo tratamento do gozo, sustentavam também maneiras de fazer
40
laço social (EIDELBERG, 2003, p.84). Atualmente, como previra Lacan, os laços não
se estabelecem ao redor de um ideal referido a um Outro consistente, mas ao redor do
objeto de consumo, objeto “a” como mais de gozar. Miller e Laurent batizaram essa
época como a do “Outro que o existe” (MILLER & LAURENT, 2005a). Lacan, em
Televisão (2003 [1973]) havia denunciado o mal-estar na modernidade como um
produto do discurso capitalista, descrito a partir da inversão do discurso do mestre. A
sociedade regida pelo discurso capitalista se nutre da fabricação da falta de gozo e
produz sujeitos insaciáveis em sua demanda de consumo – consumo de gadgets que ela
oferece como objetos de desejo - promovendo, assim, uma nova economia libidinal”
(QUINET, 2001 p.17). Assim, o discurso capitalista, discurso que produz a
fragmentação dos vínculos sociais, introduz a idéia do sujeito que goza com seus
objetos, incluindo o parceiro sexual na série dos valores de intercambio e de uso.
(SOLER, 2000/01 p.77).
Portanto, na atual conjuntura, instaura-se uma angústia generalizada em função
da fragmentação dos vínculos sociais, quer se trate dos vínculos de trabalho, de família,
ou de amor, ou nas palavras de Lacan, por efeito da “desagregação molecular” da
família (LACAN, 2003 [1938]), da decadência do pai. Assim, se nesse contexto, a
angústia perde seu valor de sinal, destacando-se em sua vertente automática, deixando
o sujeito no desamparo” (BESSET, s.d), cabe interrogar o estatuto da mulher e a
instância da e em sua função. Segundo Colette Soler o nculo com a e, toma
nessa circunstância, um peso preponderante, pois talvez ele ainda seja o único e o mais
estável nculo das crianças nos dias atuais, com suas várias configurações: filhos do
primeiro casamento, filhos que moram com a e e o segundo ou terceiro companheiro
etc. (SOLER, 2000/01 p. 153). Examinar o estatuto da mulher e a instância da mãe, leva
a examinar também a fuão social dessa nova categoria de mãe: a mãe social, parceira
das crianças residentes nas casas lares, crianças que são a materialização viva dos
sintomas da civilização contemporânea.
41
3.1 - A MÃE E A MULHER NA PSICANÁLISE
Ao acompanhar o desenvolvimento que Freud faz para compreender o estatuto
da mulher, vemos que ele acaba desembocando numa convergência entre os papéis de
e e de mulher. Se Freud, inicialmente, nos textos Três ensaios sobre a teoria da
sexualidade” (1905) e Sobre as teorias sexuais das crianças(1908), contava com a
possibilidade de encontrar um paralelo exato entre a sexualidade dos meninos e
meninas, e usava a sexualidade dos meninos como paradigma do desenvolvimento da
sexualidade em geral, mais tarde ele percebe que essa posição não se sustenta (ROCHA,
2001). Em seu artigo As conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os
sexos (1925), Freud explicita essa confusão e aponta um destino psíquico diferente
para meninos e meninas. Surge aí, no entanto, um outro paralelo, para o caso das
meninas, quando Freud indica como saída, para a feminilidade normal, a substituição do
desejo de ter um pênis, pelo desejo de ter um bebê. Freud atrela, assim, a posição da
mulher à posição da mãe. Essa posição da mulher, enquanto mãe, Freud a reitera em
rios textos, assegurando, inclusive, que uma relação amorosa bem sucedida, entre um
homem e uma mulher, se quando o marido ocupa o lugar de um filho para a mulher,
como se pode ver no texto “O estranho” (1919), ou, por exemplo, como se no texto
“Feminilidade” (1932):
Um casamento não se torna seguro enquanto a esposa não conseguir tornar
seu marido também seu filho, e agir com relação a ele como mãe.(FREUD,
1932, p.164).
Muito embora, a partir de Lacan, seja possível ler em Freud indícios de uma
abordagem sobre a mulher que procedem de uma lógica mais além da lógica fálica, essa
posição fica claramente explicitada na teoria lacaniana. Lacan nos a dimensão do
quanto Freud ficou preso a uma solução fálica e do quanto suas respostas às questões do
feminino e da mulher que sempre o afligiram, acabavam por não escapar a essa lógica.
(PINTO, 2003).
42
Com Lacan se pode encontrar um posicionamento teórico mais claro quanto ao
lugar e a função que uma criança ocupa na fantasia de uma mãe e as conseqüências dos
recursos que uma mulher mobiliza para lidar com sua falta fálica (LACAN,1969). Essa
teorização avança, nos anos 70, quando Lacan matemiza as fórmulas da sexuação
(LACAN,1972/3) e aponta uma mudança de acento sobre a função paterna. Em RSI
(LACAN, 1974/5), propõe uma versão de gozo para o pai “père-version” -
introduzindo uma função definida como “operação do pai real”. Assim, é a
particularidade do gozo nas relações entre um homem e uma mulher que se tornarão pai
e mãe, que vai determinar o lugar que a criança ocupará na fantasia da mãe
(OLIVEIRA, 2001). Nesse sentido, Miller (1998b), em seu texto A criança entre a
mulher e a mãe”, enfatiza que, se uma criança o satisfaz por completo o desejo de sua
e, se o desejo dessa mãe se divide entre a criança e um homem, então, essa mãe é
uma mulher. Consoante a essa afirmação, Miller no texto La categoria de semblante”
(2001, p19) responde ao que seria verdadeiramente uma mulher”:
uma resposta imediata à pergunta, uma resposta analítica: não é uma mãe. A mãe,
em psicanálise, é a que tem, é sempre deve sê-lo para responder a seu conceito
plentiful, abundante. Uma verdadeira mulher, tal como Lacan faz brilhar sua eventual
existência, é a que não tem, e faz algo com esse não ter”.( MILLER, 2001 - tradução
nossa)
Em 1969, época do texto “Duas notas sobre a criança”, Lacan explicita duas
posições possíveis para o sintoma de uma criança: responder à verdade do par parental
ou realizar a verdade do objeto da fantasia da mãe. Em ambos os casos, a criança é
incluída na subjetividade da mãe como objeto de sua fantasia. A função do pai real é
que vai regular o uso dessa fantasia e determinar “como” e “se” a criança vai saturar ou
o a falta fálica feminina. Em ambos os casos, trata-se, ainda segundo Lacan (1969),
de “um desejo que não é anônimo”, pois esse desejo está referido a um nome, nome de
um homem, que pelo simples fato de ser nomeável, cria um limite para a metonímia do
falo, e somente mediante essa condição é que a criança poderá ser inscrita num desejo
particularizado”. (SOLER, 2005).
43
Com Freud, -se que a maternidade situa a mulher no gozo fálico e um bebê
identificado ao falo se presta bem a vir ocupar, imaginariamente, essa falta fálica,
oferecendo seu próprio corpo à mãe. Com Lacan, acrescenta-se que é a função real do
pai e sua versão de gozo, na parceria com uma mulher para procriar, que fará com que a
criança ocupe um determinado lugar na subjetividade materna, e poderá ou o, efetivar
sua divisão. É então o desejo da mulher que faz a mãe não-toda para seu filho, que faz
com que a criança encontre a divisão de seu desejo que se reparte, em seu desejo de
e, que vai em direção ao filho e seu desejo de mulher, que vai em direção ao homem.
Assim, um filho confronta as duas figuras do sujeito feminino: a mãe e a mulher. Uma
pode-se chamar “mãe do amor”, a outra, a “mãe do desejo” referindo-se aqui, ao desejo
da mulher na e.
O que se vem abordando, aqui, pode ser observado, de forma clara, naquilo que
se passou com uma criança e seus pais de apadrinhamento, prática comum na FEBEM
(Fundação Estadual do Bem Estar do Menor), pois mostra os possíveis lugares que uma
criança pode vir a ocupar nas diversas situações de filiação, em contraponto com a
situação das crianças e sua vinculação à “mãe social”.
Depois de um ano de tentativa de adoção, Rogéria foi devolvida à casa-lar, com
a alegação de que ela havia destruído a pacata vida da “mãe adotiva” e colocado em
risco sua relação conjugal que, até então, era estável e isenta de maiores conflitos. Ao
ser interrogada sobre o que havia ocorrido, essa mulher relata que lhe ocorreu a idéia de
adotar uma menina, em função de seus outros filhos, todos homens, já estarem crescidos
e independentes. Segundo afirma a própria mulher, ela “nasceu para ser mãe” e dedicou
toda sua vida de casada a essa função, exercendo-a plenamente com seus filhos.
Entretanto, com Rogéria, as coisas não saíram como ela esperava, pois, segundo ela, a
menina tornou-se extremamente exigente e proferia acusações contra a “mãe” quando
esta se encontrava sozinha com ela, de maneira que o amor que nutria pela menina
sucumbiu à hostilidade, levando-a a não mais suportar sua presença em casa. Tal
decisão por parte da “mãeacarretou desavenças entre o casal, pois o pai” não queria
devolver a criança. Essa posição do “pai” exacerbou o horror que a “mãe” vinha
alimentando pela menina e desencadeou, além de uma crise conjugal, uma crise pessoal
da “mãe” que, passou a desenvolver uma crença absoluta de que a menina teria sido
amante de seu marido numa outra encarnação. Ameaçada por essa menina-feita-mulher,
44
a “mãe” a devolve a uma “casa-lar”, numa tentativa de se ver livre da angústia
avassaladora que sua presença lhe causava.
Ademais, são crianças como essa, na qualidade de “objeto-dejeto”, com
hisrias, muitas vezes, semelhantes, que uma “mãe socialdeverá acolher. Crianças
que são devolvidas à instituição por mais um casal que desistiu delas, reeditando assim
o gesto de abandono, acentuando as fantasias de que elas não têm nenhum valor, e que
seu lugar é conferido no “fora desejo” dos pais. Silvia Tendlarz (1997, p.42) lembra o
que Lacan desenvolve no Seminário V (LACAN, 1999 [1957/58]) a propósito das
indicações das diversas conseqüências para a vida de uma criança quando ela não é
desejada: freqüentemente respondem de maneira nefasta, com passagens ao ato suicidas,
doenças orgânicas, anorexia, e outras. Assim, quando a criança não tem reconhecida
sua existência como tal, no desejo da mãe, produz-se a queda do valor fálico”
(TENDLARZ, 1997). É essa criança, objeto sem valor, com essa experiência de
devastação que a mãe social acolhe.
Situação diferente ocorre quando um desejo de adoção formal, sendo ela bem
sucedida ou não. Neste caso, a criança ocupa outro lugar na fantasia de uma mãe. A
importância dessa vinheta cnica se deve ao fato de que ela lança luz, com efeito de
lupa, sobre a questão do lugar subjetivo que pode ocupar uma criança para uma mulher,
bem como a colocação da questão da divisão mãe/mulher. Aqui, pode-se perguntar, se
essa criança não se prestou a se reduzir ao objeto de captura na fantasia dessa “mãe
adotiva e, na impossibilidade de se efetivar uma divisão entre e e mulher, essa
divisão foi colocada fora segundo a fórmula: “o que é forcluído do simlico retorna no
real” (LACAN, 1970).
A questão da divisão da mulher é colocada por Lacan, desde Diretrizes para um
congresso sobre a sexualidade feminina” (1958). Ele, , desvela a duplicidade implícita
na forma de amar da mulher. Neste texto essa duplicidade é colocada em termos de
amor e desejo. Depreende assim, a forma de amar da mulher, como infiel em sua
estrutura. O amor, é dirigido ao que Lacan chama “íncubo ideal”
6
, adoração e objeto de
culto (representado pelo amante castrado ou morto, na figura de cristo) e o desejo, que
6
Íncubo : Demônio masculino que, segundo velha crença popular, vem pela noite copular com uma
mulher, perturbando-lhe o sono e causando-lhe pesadelos.(DICIONÁRIO AURÉLIO). Aqui, Lacan faz
referencia à figuração do pai da excão, da horda primeva, que, por um lado, morto, é o pai da lei, por
outro, é o detentor do gozo absoluto, do real do gozo.
45
aparece em Freud como “desejo de nis”, é dirigido aos seus substitutos fálicos, aos
“novos objetos do desejo”, o filho e o parceiro sexual aí incluídos. Essa duplicidade da
sexualidade feminina entre o “íncubo ideal” e o parceiro sexual representa a
duplicidade entre amor e desejo na mulher” (QUINET, 1995 p. 21). O homem, seu
parceiro, funciona (ou não) como um relais, para fazer emergir uma satisfação que
coteja o que uma mulher deseja para além do falo, um gozo que o excede: o gozo
feminino. Se o desejo da mulher se dirige ao pênis do parceiro, seu amor se dirige ao
Outro do Amor”. O homem serve aqui de conector para que a mulher se torne esse
Outro para ela mesma, como o é para ele” (LACAN,1958). Nos anos 70, essa
duplicidade é retomada por Lacan, pela referência ao gozo. Em 1958, a divisão era entre
o Outro do amor, do lado da adoração, e o desejo, do lado do pênis do parceiro. Em “O
aturdito(1972), Lacan propõe o desdobramento da sexualidade feminina, vinculada a
um gozo fálico em oposição a um gozo “não-todo fálico”, que ultrapassa o sujeito e, no
seminário XX (1972/3), nomeia-o “Gozo Outro”. Nesse seminário Lacan propõe assim
o quadro da sexuação:
Vx. Φx
__
Ǝx.Φx
__
Vx .Φx
_ _ _ _
Ǝx.Φx
S
Φ
S(A)
a
AM
S(A) refere-se a esse campo descrito por Lacan, e que é matemizado por ele no
seminário “Mais ainda” (1972/3), campo que faz contraponto ao fálico, comum a todos
os seres falantes. Neste seminário, Lacan propõe uma escrita lógica para dizer da
46
sexuação, reafirmando que o tornar-se homem ou mulher o se determina a partir da
anatomia, mas a partir dos discursos. O falo é o operador lógico que, na categoria de
semblante, possibilita a articulação do gozo no discurso. Mas, nesse seminário, o que
fica essencialmente demonstrado por Lacan, mais do que a bipartição homem/mulher é
a fórmula Não relação sexual(LACAN, 1972/3 p. 22): existe um campo, que
escapa à apreensão significante, que não se articula no discurso, um campo não-todo
fálico. Segundo Miller (2005a, p.10), no seminário “Mais ainda”, Lacan consagra a
“inexistência do Outro”.
Lacan toma as proposições da gica Formal de Aristóteles e as modifica com a
intenção de demonstrar os limites da escrita da ciência, que se inclui num campo que é o
fálico. Para ele, toda escrita é lei, ligando um dado elemento simbólico (um dado
significante) a outro” (JURANVILLE, 1987). Aristóteles parte da afirmação de que o
universal implica a existência. Essa afirmação traz, como conseqüência, a conclusão de
que, para Aristóteles, haveria uma verdade total, ou seja, haveria a “conformidade entre
a linguagem e o ser” (JURANVILLE, 1987). Lacan se opõe ao discurso filofico e ao
empirismo que induz o Universal a partir da Existência. Ele parte da separação entre o
Universal e a Existência. Segundo Lacan, para que a lei tenha sentido e possa denotar
alguma coisa, é necessária uma existência primordial exterior ao campo da lei. Essa
existência exterior diz respeito à operação de castração, ao Nome do Pai, que funciona
como um limite ao campo da lei. É necessário haver Um que escape à lei para instit-
la. Ao indicar um limite ao campo da lei, essa função do pai evoca um campo onde não
inscrição significante, surgindo um elemento que o tem lugar numa lei e sobre o
qual não se sabe o que ele denota e, portanto, não se articula numa relação. A lógica da
linguagem carece de condições para dizer a verdade toda: Não universal que não
deva ser contido por uma existência que o negue” (LACAN,1972)
A reescrita das proposições feita por Lacan, então, se justifica por evocar o real.
Se, a existência se determina por sua distinção da lei, constatar uma existência que é
conforme a lei, adquire sentido porque permite excluir a existência de alguma coisa
que iria contra ela” (JURANVILLE, 1987).
Lacan exemplifica essa lógica em alguns seminários, como por exemplo, no
seminário da Identificação (1961/62, inédito), e no seminário do Ato (1967/68, inédito),
com a ilustração da classe dos mamíferos. É porque o traço mama pode faltar, que a
47
classe dos mamíferos se constitui como tal, ou seja, se constitui a classe onde esse tro
o pode faltar. A partir dessa lógica, pode-se afirmar a existência de uma lei: não
existe mamífero que não tenha mama. Se a necessidade de dizer que não existe
mamífero que não tenha mama, é justamente porque se exclui a existência, nesta classe,
de algo que iria contra ela: a existência de uma classe daqueles que não têm. “Dizer ‘ele
existe’, não quer dizer nada, é fútil. O ‘ele não existe’ é que quer dizer alguma coisa”
(JURANVILLE, 1987). É da exclusão que se constitui o universal da lei ou nas palavras
de Lacan, “o não é isso, é o vagido do apelo ao real” (1972 p.452)
Essa lógica tem o mérito de demonstrar a existência de um campo onde um
elemento que é radicalmente exterior ao escrito, ao fálico: é o real. Esse campo do real,
que é exterior ao fálico, que não se articula na existência, é o campo do feminino: “um
enigma, uma falha, um impasse, um vazio, um excesso... existe uma ampla quantidade
de maneiras de ir caracterizando o feminino...”.(EIDELBERG; SCHEJTMAN;
DAFUNCHIO, 2003, p. 8)
48
3.2– AS MANIFESTAÇÕES DO “NÃO – TODO”: FEMININO E DESAMPARO.
Numa época em que as relações eram regidas pela função paterna, pela exceção
paterna, os significantes mestres ordenavam a civilização. Com o declínio da função
paterna prenunciada por Lacan em 1938, consagra-se a época que Miller e Laurent
denominaram de a época do “O Outro que não existe” como uma forma de leitura da
contemporaneidade, a partir do campo que Lacan denominou S(A). Esse decnio do
Outro consistente acarreta conseqüências, pois produz um decnio e uma vacilação dos
ideais, uma vez que o ideal está referido ao Outro: I(A). Miller (2005a) situa o
paradigma da época atual na fórmula I<a, onde o Ideal é menor que o objeto mais de
gozar, e onde no império do gozo, o utilitarismo vem substituir cada vez mais o
idealismo. Se o Outro se torna inconsistente, não mais um significante mestre que
possa ordenar a civilização, uma fragmentação discursiva, uma multiplicação de
nomes do pai, uma multiplicação de S¹, de significantes mestre isolados, que não fazem
laço, uma vez que não estão articulados numa cadeia. Na falta do grande Outro, o
falasser
7
não tem outra bússola para orientá-lo em suas escolhas vitais a não ser sua
própria “fixão” de gozo” (SOLER,2005 p.168). Lacan denominou nos anos 70, essa
nova modalidade discursiva de discurso capitalista, onde há, com relação ao discurso do
mestre, uma inversão dos lugares do S ¹ e do sujeito. O discurso capitalista inaugura a
época em que o sujeito inventa seus próprios significantes-amos, que o se firmam
mais no discurso do Outro para designar-se a si mesmo (MILLER, 2005b). Esse
discurso transformou o sujeito em consumidor, interpretando seu desejo como desejo de
objetos de consumo, introduzindo a idéia do sujeito explotado pelos objetos. Os objetos
comandam o sujeito, o fazem produzir e, nesse circuito fechado entre sujeito e objeto,
desaparecem os laços sociais. Na falta dos mesmos ideais, os mesmos
objetos”.(SOLER, 2000/01 p.71). Cria-se, assim, um paradoxo: há um efeito de
homogeneização, uma universalização globalizante, que não passa pelo significante,
mas pela lei das práticas de consumo como imperativo totalitário. Os sujeitos buscam
7
No original, “parlêtre”, expressão criada por Lacan, para expressar que o ser do sujeito é marcado pela
linguagem.
49
então, como forma de reconstituir alguma consistência ao Outro, respostas globais
totalitárias, encontradas, por exemplo, em algumas seitas religiosas fundamentalistas. O
corpo social, cúmplice do discurso capitalista, tenta calar o clamor do mal-estar
(SOLER, 2000/01) oferecendo aos homens cada vez mais instrumentos de gozo, pílulas
o da felicidade, mas de gozo.(JIMENEZ, s.d.). Paradoxalmente, sob o imperativo
global do goza!, o diverso absoluto, o desejo pelo novo, pelo diferente, pelo último
objeto do mercado que vi substituir o modelo antigo. “O culto pelo novo
inexoravelmente faz do sujeito mesmo um objeto obsoleto, um dejeto”. (MILLER,
2005a p. 331). Reforçam-se, assim, modalidades autistas de gozo, denunciadas pelos
“novos” sintomas, ou os sintomas “atuais”.
O atual aqui pode remeter a uma equivocidade de sentidos, embora todos eles,
tenham a particularidade de produzir um curto-circuito com o inconsciente. A primeira
vertente do atual pode ser referida à atualidade, ao que se pode chamar “nossa época”, a
contemporaneidade”, e que Miller (2005a) definiu como um modo comum de gozo,
uma repartição sistematizada dos meios e maneiras de gozar” (MILLER 2005a P. 18).
Segundo Miller, se fosse possível falar de uma grande neurose contemporânea, se diria
que sua determinação principal é a inexistência do Outro, que condena o sujeito ao
desamparo e à caça do mais de gozar.(2005a p. 19).
Uma segunda refencia ao atual, segundo Schejtman (2003 p.10), pode ser
encontrada em Freud, curiosamente, antes de 1900, quando ele contrapõe as
neuropsicoses de defesa, às neuroses que ele qualifica de atuais”, que englobariam as
neuroses de angustia e a neurastenia. As então chamadas “neuroses atuais” seriam
refratárias ao dispositivo clássico freudiano, uma vez que não se prestavam à operação
de deciframento, pois não podiam ser consideradas como uma formão do
inconsciente, não faziam laço com o inconsciente”(SCHEJTMAN, 2005 p.11). Com
Lacan poder-se-ia dizer que algo do real do gozo não consentia em ser traduzido ao
significante.
Uma terceira leitura possível para o atualseria a vertente do ato”, também
como conseqüência do decnio do Outro na civilização contemporânea. As atuais
patologias do ato, com os sujeitos que saem abruptamente da cena do Outro, na
passagem ao ato, ou com os sujeitos que tentam convocar o Outro pela via da colocação
em cena de seu fantasma, no acting out. (EIDELBERG, 2003 p.90).
50
Enfim, nesses sintomas atuais, encontramos as configurações de um gozo que
ultrapassa os limites do fálico, que vai além das regulações normatizadas de um
discurso. Assim toda vez que a pulsão se impõe para além dos limites fixados pelo
princípio de prazer, esse campo do “não-todo”, que Lacan chamou Gozo Outro, ganha
vida. (SOLER, 2005, p.146). A desestabilização do referencial fálico pelo encontro do
“não todo fálico”, traz uma experiência de perda das certezas, de desamparo
fundamental. A inexistência do Outro, segundo Miller (2005a, pág.11), inaugura a
época dos desenganados, e essas crianças que devem ser acolhidas pelas mães sociais,
são exemplares da errância, retrato vivo das marcas deste tempo, nos dias atuais.
Dessa forma, pode-se localizar os sintomas atuais, os modos de gozar de nossa
época, do lado feminino das fórmulas de sexuação elaboradas por Lacan. Muito embora
os termos “feminino” e “mulher” não se superponham necessariamente, segundo
Laurent as mulheres têm uma relação muito particular com o significante do Outro
que não existe S (A), que é um modo de inscrição no Outro daquilo que cai quando não
ideal, que as faz quiçá mais sensíveis ao estado atual do Outro”. (LAURENT, 2005
p. 108 tradução nossa.)
Não se pode esquecer que as mulheres se dividem, se desdobram, pois como
qualquer sujeito, participam também do campo do fálico, das leis, das normas, embora
o de todo. No quadro da sexuação, do lado da mulher, uma bipartição: parte uma
seta em direção ao S(A) e uma outra dirigida ao Φ, pois, segundo Lacan, o existe x
que o esteja inscrito na função fálica: Ǝx Φx. Nesse sentido, convém diferenciar dois
níveis ou duas versões para esse gozo desmedido, que pode se tornar devastador - um
verdadeiro convite à loucura se não se sustenta uma ligação com a lógica fálica - ou um
gozo suplementar, que se assemelha ao gozo stico, mas que atado à contingência,
pode fazer surgir a invenção e a criatividade, um gozo desfalicizado como se espera,
por exemplo, no final de uma análise e que, de maneira alguma, deixa o sujeito
desarrimado. Afinal, é bom lembrar que, se o capitalismo exacerba, por um lado, o
consumo exagerado e leva alguns à caça do mais de gozar, por outro, ele também
denuncia a falta de um objeto capaz de tamponar essa angustia generalizada. Nesse
caso, para alguns, quando se assume uma posição feminina, pode-se elevar o objeto à
categoria de causa, ancorando o sujeito em um ponto de fixão diferente do consumo
desenfreado a que servem os objeto mais de gozar. Assim, diante do Um declinado, os
51
pluralizados, tanto podem funcionar como significantes do modismo e desorientar os
sujeitos na multiplicidade dos pequenos mestres, como também, por outro lado, podem
funcionar como traços simbólicos colhidos ao modo contingente com os quais a
indigência do sujeito contemporâneo não só as crianças desamparadas, na privação
podem se servir.
52
CAPÍTULO – 4
APRESENTAÇÃO DA PESQUISA NO CAMPO DAS CASAS LARES E SUA
DISCUSSÃO
4. 1 – CIRCUNSCREVENDO O CAMPO
Informações obtidas na Secretaria do Estado de Desenvolvimento Social e
Esportes (SEDESE), na International Associated Member (AVSI) e na Prefeitura de
Belo Horizonte (PBH) indicam que existem nesta capital, atualmente, três categorias de
organização das “casas lares” registradas no CMDCA Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente:
a) aquelas que são mantidas por Organizações Não Governamentais (ONGs) e
conveniadas com o Estado, através da SEDESE ;
b) as casas que são mantidas por ONGs conveniadas com a prefeitura;
c) “casas lares” que não possuem convênios com o estado ou com a prefeitura.
Essas últimas são mantidas pela iniciativa privada: um grupo de pessoas se reúne e
efetiva o projeto, contando com ajuda financeira espontânea dos membros envolvidos. É
o caso, por exemplo, da “casa lar” do Tribunal Regional de Justiça (TRJ). Muitas casas,
apoiadas pela iniciativa privada, são vinculadas a uma instituição religiosa ou se
mantêm através de Entidade Filantpica ou Entidade familiar. (Conselho Municipal
dos Direitos da Criança e do Adolescente - CMDCA, 1997)
AS ONGs também, em sua grande maioria, são diretamente vinculadas a alguma
organização religiosa e recebem verbas, muitas vezes, oriundas de outros países.
Formam as “entidades”, como são denominadas nos documentos pesquisados, e podem
ser responsáveis por uma ou mais “casas lares”. Determinadas entidades gerenciam,
simultaneamente, algumas casas conveniadas com a prefeitura e outras conveniadas
com o Estado. Fica a cargo dos dirigentes das entidades, a guarda institucionalizada das
crianças e a seleção e contratação das mães sociais que lá trabalham.
Através de planilhas fornecidas pelo Estado, pela Prefeitura e por um
levantamento feito pela AVSI, calcula-se que, atualmente (2004), existam cerca de
setenta “casas lares” em Belo Horizonte, distribuídas entre as três categorias citadas
53
acima. Há dificuldades em precisar com segurança este número, uma vez que os dados
fornecidos pelas planilhas apresentadas por cada órgão citado, mostram algumas
contradições nas cifras, não favorecendo, assim, um cálculo exato.
Para a realização desta pesquisa, optou-se por selecionar, como amostra, casas
lares” das três categorias existentes para observar e entrevistar as mães sociais
residentes em cada uma delas. Além disso, foi feito um esforço no sentido de obter
amostras de origens ideológicas diferentes como, por exemplo, religiosa e não religiosa.
Foram entrevistadas sete mães sociais de cinco casas lares visitadas
Na casa lar “TJ Criança Abriga foram entrevistadas as duas mães sociais
residentes. Essa casa não possui convênios com a Prefeitura nem com o Estado e
tampouco está vinculada a uma crença religiosa. É mantida por iniciativa privada de um
grupo de pessoas que trabalham no Tribunal.
Do Lar Maria de Nazaré, montado, a princípio, por iniciativa particular, foi
entrevistada uma e. A diretora da entidade, que atualmente possui mais de uma casa
lar, é da religião espírita e iniciou seus trabalhos voluntariamente e por conta própria.
Atualmente, recebe ajuda financeira da Prefeitura para acolher algumas crianças que são
encaminhadas através do Juizado de Contagem.
A Entidade “Irmão Sol”, que teve também uma mãe entrevistada, é uma
associação responsável por várias casas, administrada por Freis Franciscanos ligados à
igreja católica. A casa-lar visitada está atualmente sob a direção de Frei Mariano. As
casas recebem recursos financeiros através de convênio com a prefeitura e da
comunidade, através dos fiéis que acompanham o trabalho dos Freis. Além disso,
recebem, eventualmente, recursos oriundos da ONG de um grupo Holandês, terra de
origem da congregação.
A Entidade “Obreiros Mirins” também possui várias casas-lares, algumas
conveniadas com a Prefeitura, outras, com o Estado. Desta entidade, foram
entrevistadas duas mães sociais de uma de suas casas. A presidente da entidade é de
religião Evanlica, mas o trabalho feito nas casas, segundo a psicóloga responsável,
o tem orientação procedente da proposta cristã evangélica. A casa conta ainda com
doações da comunidade.
Por fim, foi visitada a casa lar “Efatá”, que também começou sendo montada por
iniciativa da própria e social entrevistada e, só num segundo momento, se tornou
54
uma instituição regulamentada, recebendo, atualmente, benefícios através de convênio
com a Prefeitura de Contagem. A mãe social freqüenta a igreja Batista da qual se
declara parceira nos trabalhos comunitários. Ela recebeu a casa lar - como doação a
pessoa física - de um italiano, presidente de uma empresa em Betim, que soube, através
da igreja, do trabalho social que desenvolvia.
Com as visitas a essas diversas entidades e as entrevistas produzidas em suas
casas estima-se, que esta pesquisa abrangeu variáveis suficientes para contemplar boa
parte do universo da proposta de operacionalização e do funcionamento das casas lares
e conseqüentemente, da escolha feita pelas es sociais. É importante lembrar que tanto
as entidades quantos as mães entrevistadas assinaram o termo de “Consentimento livre e
esclarecido” conforme Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
Como já foi dito na Introdução, as sete entrevistas com as mães sociais
constituíram o principal eixo de trabalho desta pesquisa. Elas permitiram o recorte do
campo estudado, tornando viável uma melhor compreensão do vasto panorama que
envolve a escolha por essa nova profissão. Ao lado desse material, foram utilizados,
também, como fonte de pesquisa, observações e relatos obtidos em reuniões de um
programa de capacitação para mães sociais promovido pela Secretaria de
Desenvolvimento e Juizado de Menores, com os representantes desses órgãos públicos,
rias mães sociais e dirigentes das casas lares de contagem. Esse material enriqueceu
bastante o campo pesquisado e os dados oriundos dessa experiência serão narrados ao
longo dessa exposição o mais fielmente possível, uma vez que eles vêm referendar e
complementar os dados das entrevistas.
As sete entrevistas com as mães sociais foram marcadas com antecedência, por
telefone, e aconteciam nas salas ou, quando havia, no escritório das casas lares. Por
ocasião das reuniões do programa de capacitação, duas mães que dele participavam, se
ofereceram espontaneamente para serem entrevistadas, demonstrando necessidade de
falar de seu trabalho e, fato interessante, outras duas, se recusaram a isso quando
solicitadas. Duas das mães entrevistadas foram indicadas pela coordenadora técnica e
dirigente da entidade, tendo sido convidadas por ela a concederem as entrevistas.
Embora tenham assinado o termo de consentimento livre e esclarecido e tenham
aceitado conceder a entrevista, elas o fizeram em função do pedido de sua
coordenadora. Nessas entrevistas foi necessário maior condução da entrevistadora em
55
relação às perguntas, uma vez que com essas entrevistadas a conversa não fluiu
espontaneamente como nas outras entrevistas. As três entrevistadas restantes
concederam também de bom grado e espontaneamente as entrevistas agendadas com
antecedência por telefone. Cabe salientar que outras mães, ao receberem o telefonema
propondo a entrevista, se esquivaram da solicitação impedindo assim que a entrevista
com elas se efetivasse. Assim, as entrevistas concedidas foram gravadas com o
consentimento das entrevistadas e num segundo momento foram transcritas.
Diante do convite às entrevistadas para que falassem dos motivos que as
conduziram para esse tipo de trabalho, ocorria com as mães sociais que se dispuseram
ou mesmo se ofereceram a ser entrevistadas, um processo análogo ao da associação
livre, pois, fato relevante, elas mostraram-se desejosas de falar de suas experiências.
Assim que lhes era dada essa oportunidade, elas desenvolviam seu testemunho sem que
fossem necessárias muitas intervenções ou perguntas: o discurso fluía livremente. Dessa
forma, com elas, o roteiro de entrevistas previamente elaborado, perdeu seu sentido,
que as perguntas nele contidas foram sendo respondidas espontaneamente numa
conversação de tom leve e fácil, retirando assim, a funcionalidade de um roteiro formal
que só poderia travar o fluxo cheio de interesse das declarações.
A transcrição do material obtido possibilitou reiteradas leituras dos textos,
levando à percepção de detalhes e sutilezas que escaparam no momento mesmo das
entrevistas. Assim, ao revisitar o material, receberam atenção, além do conteúdo, as
modulações de voz, os momentos de silêncio, as repetições de expressões e recorrências
de afirmações numa mesma entrevista (ainda que expressas com termos distintos) e os
pontos de convergência de entrevistas diferentes (Cf. GUERRA,2001). A soma desses
aspectos compôs um quadro que permitiu a elaboração de alguns temas gerais,
classificados a partir de rios tópicos que emergiram dessa conversação, aqui
denominados “temas-eixo”.
As mães sociais são nomeadas, nessa pesquisa, pelo pseudônimo “Maria(em
razão do valor simbólico desse nome), cada Maria com um nome complementar que a
diferencie das outras. Isso as distinguirá sem que seja quebrada a regra de sigilo. Vale
ressaltar que na maioria dos casos, as mães sociais tinham Maria como primeiro
nome. Assim, foi necessário mudar, em alguns casos, apenas o complemento do nome,
evocados a partir de algum traço pessoal surgido durante o encontro ou de algo dito nas
56
entrevistas. A título de exemplo, Maria da Piedade, da Consolação e do Socorro,
evocam, as três, uma forte preocupação com o sofrimento alheio e um ardente desejo de
ajudar o próximo. Piedade, mais fortemente ligada à igreja católica. Consolação
declarou ser um consolo para si, acalentar o sofrimento alheio. Socorro ajuda
urgentemente os necessitados, tanto em hospitais, quanto na rua, e recentemente, nas
casas lares. Os outros nomes também foram escolhidos em função de algum traço
pessoal que, para a pesquisadora, as tornavam singulares, sendo o objetivo da
nomeação, apenas distingui-las durante os relatos, de maneira a garantir maior clareza à
leitura das observações e conclusões produzidas a partir dos diferentes depoimentos e
posturas das “mães” entrevistadas.
57
4. 2 - DESCRIÇÃO NARRATIVA DAS CASAS
Chegando às casas lares sempre acontecia um convite, por parte das mães, para
que se conhecesse sua casa. Essas visitas ocorriam logo antes ou logo depois das
entrevistas e se tornaram fundamentais para melhor compreender a realidade vivida,
tanto pelas mães quanto pelas crianças, na rotina de cada casa. As cenas vistas durante
essas visitações, o empenho e o carinho de algumas es, a dor, o abandono e o apelo
calado estampado no olhar das crianças, causaram tamanho impacto, que acabaram por
condenar qualquer neutralidade que se pudesse pretender em sua descrição impondo
uma forma narrativa que se distancia do relato puramente descritivo ou formal.
Vistas de fora, as casas, em sua maioria, modestas, caricaturam um lar. Dentro
delas, meninos ou adolescentes habituados à pose de vitrine para os curiosos
visitantes, que, quem sabe com sorte, podem se converter em padrinhos e levar para
passear. Em geral, nas casas, a estética é a do simples e do necessário. Casas limpas,
sem a cara do dono. Exceto a de Maria da Consolação que fez de sua própria casa a
instituição. Nela, o traço distintivo é o caráter pessoal da decoração: no escritório,
cômodo apropriado para receber os visitantes, estampado na parede azul, um mural
come um mosaico irregular de retratos. Orgulhosa, ela apresenta os rostos e conta
suas histórias. Explica que um italiano da igreja doou a verba para a construção da casa.
No fundo do quintal cimentado, um telhado encostado no muro, e nesta coberta,
fazem-se lanches e funcionam oficinas de arte, inclusive com outras crianças da
comunidade. Nesta casa, adivinham-se momentos de prazer.
em outras, o que primeiro se revela é o caráter de transitoriedade. Nada é
pessoal. Tudo é de todos. Nos quartos amplos, enfileiram-se camas em alvenaria “é
mais asseado”. Os armários, também em alvenaria, têm prateleiras, mas não tem portas,
escancarando a privacidade que o . O cheiro que permeia o ambiente das casas,
mistura o odor da fritura em óleo de soja - que é mais em conta- e do colchão que,
em dias de sol, fica exposto para secar a urina impregnada das noites umedecidas de
desamparo, medo e fantasias. No terreiro, Maria Perpétua cata piolhos na cabeça das
58
meninas, que reclamam a dor do pente fino em cabelo crespo. Num arame feito varal, as
roupas secam com o sopro do vento e poeira do chão de terra batida.
Na casa de Maria do Socorro e Maria da Penha, mais conforto. Um piano
velho na sala confunde o visitante, deixando dúvidas se o móvel velho é um toque de
requinte, ou de decadência fidalga, pois se trata de peça jamais usada, ou mesmo sem
condições de uso e, portanto, ignorada pelos habitantes. A casa é grande, arejada. Tem
escritório, onde se faz relatórios tudo deve ser registrado. Tem quarto de brinquedos,
que deve ser mantido arrumado após o horário de brincar. Tem canteiro de jardim
cercado por piso de caco de azulejo. Muita gente transita pela casa. O quadro de
funcionários é grande: tem psicólogo, monitora, cozinheira e muitos visitantes. Um
cachorro também transita entre as crianças, fazendo festa. No final da rua sem saída,
uma praça onde é costume soltar papagaio no mês de agosto. Vez por outra, chegam
meninos trazidos pelos padrinhos, com ares de quem acaba de descer de uma limusine.
Mas, no que diz respeito aos odores dos colchões, e às crianças de nariz escorrendo,
essa casa, em nada difere das outras.
Em duas casas visitadas, onde residem adolescentes, as camas mostram algumas
particularidades. Alguns objetos pessoais são deixados em cima delas como que para
demarcar espaço. A arrumação ou desarrumação da cama tem um toque íntimo,
afirmando a presença do dono. Mas os quartos, que são coletivos, devem seguir as
normas da arrumação. Todo dia, cada um tem sua tarefa estabelecida. Vez por outra, na
sala de televisão, pode-se assistir um jovem esparramado no sofá, porque ninguém é de
ferro” (fala de um adolescente morador).
As salas de refeição, de maneira geral, são grandes devem comportar
numerosas bocas famintas, e as mesas extensas ficam postas com toalhas de plástico,
para facilitar a limpeza e a lida na cozinha. A comida servida é o sico saudável:
Arroz, feijão, verdura e, nem todos os dias, carne. Um bolo costuma ser feito para o
lanche da tarde, regalia da arte culinária usual nas casas.
59
4.3 - ASPECTOS DIRETORES E TEMAS – EIXO
A visitação das casas, as entrevistas, e os relatos obtidos nas reuniões com
diversas mães sociais, compuseram picos, aqui denominados de “temas-eixo”, que
organizam boa parte do material obtido. Para possibilitar a construção de uma análise
sobre a profissão Mãe social, decidiu-se enfocar três aspectos gerais que deram um
direcionamento na extração dos temas-seixo. Esses aspectos diretores são: os motivos
dessa escolha, ou o que buscam as mães sociais ao escolherem essa profissão, a relação
das mulheres com a maternidade, e qual a realização que dizem obter nessa profissão,
tornando-se mães sociais.
A partir desses aspectos diretores, privilegiou-se cinco temas-eixo que serão
apresentados a seguir.
Cabe salientar ainda, que a riqueza do material e as considerações que podem ser
feitas a respeito dele, conduzem muitas vezes, a um entrelamento dos temas, dentro
mesmo dos aspectos diretores, oferecendo sempre a possibilidade de rearranjar,
redescobrir e confrontar as diversas facetas destacadas. São eles:
1 – Forma de ingresso na instituição como mãe social. Neste tema, objetiva-se
vislumbrar através da forma de ingresso, os motivos que levaram as mulheres ao cargo,
ou o que elas buscaram ao se candidatar a ele.
2 Formas de operacionalização da função mãe. Aqui, trata-se de evidenciar
a relão das mulheres com a maternidade, e o lugar da maternidade como profissão
para essas mulheres.
3 Acolhe-se o abandono. Os temas-eixo 3 , 4 e 5 mostram um pouco sobre o
que as mães esperam realizar com a profissão.
4 – A função de educar.
5 Sobre a separação. Esse tema eixo tem a peculiaridade de mostrar o que
poderia ser verdadeiramente uma realização das es sociais, mais do que o que elas
visam realizar, uma vez que em sua fala, essa questão aparece, como se verá, muito
mais como um problema, ou um questionamento recorrente, intrínseco à
operacionalização da profissão.
60
4. 3. 1- FORMA DE INGRESSO NA INSTITUIÇÃO COMO MÃE SOCIAL.
Percebe-se que a ligação com algum tipo de organização religiosa é um canal de
influência bastante vigorosa para o ingresso nesta profissão. Mesmo que, em alguns
casos, não haja um canal direto, sempre se pode ressaltar algum tipo de ligação com um
sentido religioso ou filantpico. Quando essa ligação com a religião não ocorre
diretamente por parte das mães sociais (como se observa em alguns casos), acontece por
parte do(s) responsável(eis) pela instituição, ou seja, aquele(s) que contrata(m) as mães
sociais. Em outros casos, são as próprias mães sociais que, imbuídas de um sentido
religioso ou humanitarista, se candidatam ao emprego.
Algumas mães ao freqüentarem cultos religiosos, se inteiraram da oferta de
trabalho e se candidataram a ele (depoimento recolhido numa das reuniões do programa
de capacitação para as es sociais promovido pela Secretaria de Desenvolvimento em
parceria com o Juizado de Menores). Uma mãe, numa reunião do programa de
capacitação, relatou: O Pastor lá da igreja me mandou fazer isto para expiar meus
pecados! Noutro depoimento ouvido também na reunião, uma mãe social declarou que
ela mesma havia sido uma criança abandonada e institucionalizada que, após o término
do período permitido de sua resincia na casa, se tornou mãe social em outra casa-lar.
Maria Perpétua soube do emprego por um parente (tia) que freqüentava o culto e
mencionou o fato. Ela trabalhava como doméstica em uma casa de família e viu ali uma
boa oportunidade de emprego, já que também tinha alguma experiência com as crianças
da casa onde trabalhara (entrevista 3. Anexo 3)
Maria da Piedade, muito católica, acompanhava assiduamente um programa
religioso pelo rádio. Soube do funcionamento das chamadas casas lares e sentiu que ali
estava sua chance de realizar algo que sempre quisera e que, de alguma forma, vinha
praticando, ainda que de maneira precária pelas dificuldades financeiras:
Achei legal, até por ter muita ajuda... assim... que às vezes eu queria fazer
muita coisa na minha comunidade e por falta de oportunidade, de condições
realmente, não podia. (...) . Eu queria mesmo um local próprio... quando
vim pra cá, e que eu conheci realmente o trabalho eu vi que tem condições
de realmente de ajudar os meninos...” (Maria da Piedade entrevista .1
Anexo 3)
61
Maria José relata que ouviu uma conversa no ônibus sobre a necessidade de uma
pessoa para trabalhar como e social e, diante de sua situação de desempregada, e por
sua experiência com crianças, (havia lecionado antes) se candidatou ao cargo.(entrevista
2. Anexo 3)
Houve um caso, o de Maria da Consolação, que trabalhava informalmente
como cuidadora de crianças abandonadas” em sua própria casa e, depois, regularizou a
situação da casa registrando-a como instituição, tornando-se profissionalmente uma mãe
social (entrevista 7. Anexo 3). Caso um pouco semelhante, ocorreu com Maria da Luz,
que ajudava sua irnessa mesma situação (sua casa era uma instituição informal) e,
quando a situação da casa foi legalizada como uma entidade, e novas casas lares foram
abertas, ela foi contratada para o cargo numa delas (entrevista 6. Anexo 3)
Maria da Penha havia trabalhado em Juiz de Fora numa “Aldeia (uma das
primeiras instituições criadas com o modelo de casa lar) e, em função dessa experiência,
foi indicada para trabalhar em Belo Horizonte, onde residia sua família. A peculiaridade
deste caso reside no fato de que a entrevistada, que havia trabalhado antes em
escritórios, mas sem emprego fixo, se viu, de repente, abandonada pelo marido e às
voltas com seus filhos para sustentar e criar. Segundo Maria da Penha, nesse momento
de sua vida, sua maior preocupação era dar conta da maternidade. Ao recorrer aos
anúncios de emprego no jornal, se deparou com o de mãe social. Mesmo tendo feito
rias outras entrevistas de emprego, foi selecionada exatamente para esse cargo, que
aceitou prontamente. Foi esse emprego, inicialmente em um abrigo com regime de
internato para adolescentes, em Ribeirão das Neves e, posteriormente, nas casas lares da
“Aldeia” em Juiz de Fora, durante mais ou menos 7 anos, que possibilitou sua indicação
para o mesmo cargo, em Belo Horizonte, onde moravam seus filhos, então já crescidos
(entrevista 5. Anexo 3)
Maria do Socorro entrou na casa-lar como “plantonista” e, após algum tempo,
em função de sua crescente afinidade com o trabalho, com as crianças e com a casa, se
tornou mãe social (entrevista 4. Anexo 3)
Embora as formas de ingresso na profissão tenham sido bastante diversificadas,
pode-se delinear, a partir das observações, duas posições essenciais das mães sociais
com relação à escolha da profissão:
62
1 - Aquelas que buscaram o emprego para receber algo dele.
2 - Aquelas que foram em busca de uma possibilidade de se doarem.
Essas duas posições apareceram tanto nas entrevistas quanto nas reuniões
citadas. Um fato curioso, é que, nas reuniões, as mães sociais que optaram pelo emprego
e o pela função e assim se sentiam condenadas à profissão por falta de opção ou,
como no caso citado, da mãe social que revelou em reunião de capacitação, estar
nesta profissão como forma de expiar pecados por determinação do pastor de sua igreja,
o se dispuseram a serem entrevistadas. Elas foram ouvidas nas reuniões, mas não em
entrevistas. O que resultou disso, é que, as mães que concederam entrevistas de bom
grado, que desejavam falar de seu trabalho espontaneamente, se posicionaram, em sua
maioria, como exemplos do segundo grupo: as que foram em busca de uma
possibilidade de se doarem.
Entretanto pôde-se perceber exemplos dessas duas posições, mesmo nas
entrevistas. De um lado, num primeiro grupo, observa-se a expressão de queixa, de
desprazer, de peso, de insatisfação, com o exercício da profissão, especialmente naquilo
que se supõe que se deveria receber do Outro. Esse desagrado e insatisfação aparecem
de diversas formas, como por exemplo, com relação ao baixo valor do salário e dos
benefícios que esperavam obter:
Entrevistadora: “- E o que você menos gosta?”.
Mãe: -“Do financeiro, da parte financeira.”
Entrevistadora: -“ Paga mal?”
Mãe“Paga mal! Ganha muito pouco(...).Eu tô aqui, por falta de emprego
mesmo.”(Maria José, entrevista 2. Anexo 3)
Outras, ocupando uma posição semelhante às das crianças, ainda esperam
receber algo do Outro, pois elas ostentam a falta, ou a dor da falta, se reduzindo à
posição de objeto-dejeto. Isso pode ser deduzido quando, por exemplo, aparece o
sofrimento com um amor que não vale a pena, que é acompanhado pela dor e pelo
sofrimento, que não traz um reconhecimento social que é sempre esperado e nunca
alcançado:
“Ah mia filha, esses meninos, muitos não tem jeito não... Ce faz, fala, ce
peleja, e eles te dão é mais malcriação e desaforo... E ninguém num nem
aí não...” (fala de uma mãe nas reuniões).
63
Ao que parece, essas mães, se sentem desamparadas e marginalizadas, e ocupam
uma posição de simetria ou especularidade com relação à posição das crianças. Nas
reuniões, algumas mães se confessaram envergonhadas de exercerem a profissão, por
presumirem que são consideradas “lixeiras do mundo:
O que ninguém quer, o que sobra, o que não tem jeito, nós temos que
agüentar. É muito fácil falar o que a gente tem que fazer, mas fazer mesmo,
é nós ali. Na hora H, não tem ninguém pra ajudar, não. (...) E o pessoal
do bairro, cê vai assim, comprar um pão, ou no açougue: “_Ah! Você que é
a mãe da casa daqueles meninos?” Eles discriminam mesmo a gente...eu
não gosto disso, eu tenho vergonha. (fala colhida em reunião)
Ainda no lo da queixa, e esperando receber algo através da profissão, Maria
Perpétua, narra que, com esse emprego de mãe social, ela, que era empregada doméstica
numa casa, passa agora à posição de dona da casa e é esse ganho que reafirma sua
escolha pela profissão:
Eu morava em casa de patroa, né, desde novinha ...(...) Porque aqui, igual,
eu tenho casa, comida, salário...e posso folgar nos domingos”. (Maria
Perpétua, entrevista 3. Anexo 3)
no segundo grupo, a relação com a profissão é outra. As mães se posicionam
no pólo oposto ao da queixa, no pólo da alegria e do júbilo e, portanto, o ganho extraído
por elas com a profissão, é outro que não o financeiro. Aliás, aparece freqüentemente,
um traço de renúncia aos bens materiais, que lembra o que Lacan indica no seminário
VIII com respeito aos santos: que neles se trata de uma riqueza outra - uma riqueza de
gozo. (LACAN, 1992 [1960/61] p. 347).
“Salário não tem que paga isso não! Eu ganho crescimento. Nossa, eu amo,
nó!” (Maria da Luz, entrevista 6. Anexo 3)
“Olha Nádia, o salário, eu tenho um pensamento assim... não existe o
dinheiro que pague; O salário aqui, a gente não ganha muito bem não,
sabe, se fosse pelo o dinheiro... (Maria do Socorro, entrevista 4. Anexo
3)
64
Neste grupo, aparece a oferta de amor a um Outro, e através desses atos de amor,
logra-se, mesmo que temporariamente, um apagamento da castração, e assim, não
reclamação e sim júbilo. A disposição para assumir a profissão aparece como sendo um
dom e um “desafio dois substantivos que convergiram em quase todas as
entrevistas desse grupo:
“(...) então o que eu gosto no trabalho é isso, é um verdadeiro desafio!
(Maria da Luz, entrevista 6. Anexo 3)
A questão do amor está inteiramente imbricada na escolha dessa profissão, pois
as mães desse grupo, dizem que a fazem por amor. Pode-se perguntar que tipo de
amor está aí implicado. Sabe-se que na psicanálise, não se diz de amor, mas de
amores, e embora ele comumente apareça em sua vertente imaginária, não pode ser
reduzido a ela.
Algumas vezes, ele aparece
com suas miragens, revelando-o ilusório, mentiroso, enganador. Ilusório
porque não cumpre suas promessas de união entre aqueles “em quem o sexo
não basta para torná-los parceiros”, pois que o gozo vem opor um dementido;
mentiroso porque é narcísico, dissimulando o amor a si mesmo sob a máscara
do amor pelo outro; e enganador, enfim, porque só quer seu próprio bem, sob
a capa do bem do outro. No cômputo final, gêmeo do ódio: enamoródio, diria
Lacan.” (SOLER, 2005 p.171)
Mas para a psicanálise ainda, segundo Colette Soler, o amor tem a
estrutura de sintoma, por mais contingente que ele seja, pois o sintoma designa,
num sujeito, os arranjos de seu gozo no ser de linguagem que ele é.
Carmen Gallano (2002), quando diz que o amor é o que permite fazer
suportável a inexistência da relação sexual, aponta duas maneiras de suprir a
proporção sexual: a maneira masculina e a feminina.Do lado masculino o amor
toma a via do fantasma, colocando em seu centro um objeto, seja uma mulher ou
o, porém um objeto que ocupe o lugar da causa de seu desejo (GALLANO,2002
p.13). A via do lado feminino para suprir a proporção sexual, é outro amor, em
relação direta com o que está por detrás do mundo, com essa falta no universo do
65
discurso” (GALLANO,2002 p.13). Lacan, ao formular que “o amor é dar o que
não se tem” (LACAN, 1960/61 p.126), assinala a falta, a lacuna, a não
ancoragem do desejo, encarnadas, absolutamente, por um de seus nomes: o
amor.”(CASTELLO BRANCO, 2000 p.111).
O amor é visto pelas próprias es como um dom, e evidencia, à
diferença do primeiro grupo de mães, uma outra posição dessas mulheres com
relação à função da falta. Aqui, ama-se a partir da falta, e assim, o amor faz função
de suplência da inexistência da relação sexual:
“Aí o médico me chamou e falou: - ele pode não ouvir porque ele teve duas
paradas respiratórias e teve uma lesão no cérebro, então ele pode não falar e
nem andar, foi o que o médico falou comigo (...).Lá no hospital eu comecei a
olhar pra ele, foi dando uma paixão, ele assim me conquistou de uma maneira,
menina, daquele jeito dele assim, eu disse: ah não tem jeito não.(...). Se ele
fosse morrer amanhã, então que seja eterno enquanto dure(...) eu tava
ciente que eu ia ter uma criança que não era uma criança ...sempre...né?
bom, se viver dois anos, bom, se viver um ano, tá bom, o médico falou
ainda assim: - você não espera que ele viva nem um ano. Então não tem
problema, eu não ligo para isso não, eu quero dar o melhor, não sei sabe, não
sei se ele vai encontrar alguém que vai amar ele, porque eu já amo ele demais,
tanto que eu quero dar tudo de mim por ele, eu peguei aquele menino,
entendeu e cuidei dele e o é que o menino sobreviveu? (...)o menino não tem
nada, com nove meses o menino tava correndo pra tudo quanto é lado(...). Ele
é inteligentíssimo, se você ver o menino tocando bateria com três anos, você
fica boba de ver. o médico falou comigo: - o quê que você fez? Eu falei: -
eu não fiz nada. Eu não fiz nada entendeu, não fiz nada, nada, nada, eu falei: -
eu vou amar tanto esse menino.., Falei mesmo. Acho que é um dom que a
gente tem...” ( Maria da Consolação, entrevista 7. Anexo 3)
Maria da Luz, convicta de seu “dompara exercer a profissão, demonstra uma
firme determinação para continuar seu ocio de mãe social, e, a julgar pelo seu
entusiasmo, nada pode arrebatá-la desse intuito:
“Bom, é...na verdade eu tenho esse trabalho, podemos colocar há vinte anos
(...). E num adianta também me falar, assim: –“Maria, cê vai ser presidente
do lar tal...” não quero! Eu não quero posição, entendeu? Eu quero fazer o
meu trabalho.”(...) “Eu vejo isso como um dom mesmo. Então muitas
66
pessoas que eu encontro assim, que trabalhei, mesmo na casa André Luis
uns 8, 10 anos atrás... Nó, Maria, ta mexendo com isso ainda?”
entendeu? mas tá nesse trabalho ainda?” Então, assim, é uma
coisa, assim, que pra eles era cansativa. Pra todo mundo que foi comigo
ficou cansativa. E eu continuei. Então assim, sempre nessa área. E pretendo
continuar ainda sempre assim, nessa área”. (Entrevista 6. Anexo3)
O desafio aparece como uma maneira de restituir ou reparar aquilo do qual as
crianças foram privadas, sendo as mães, restauradoras de um Outro que vem, agora,
aplacar tal sofrimento. Aqui as mães fazem pelas crianças, aquilo que gostariam que
fosse feito por elas próprias nessa posição infantil de desamparo, ou seja, fazer pelas
crianças é também uma forma de receber:
eu sempre tive na minha mente assim, antes de casar, como eu num tive
assim, a minha avó supriu muito a falta da minha mãe, mas não é realmente a
mãe, como eu tinha sempre esse vazio da minha mãe, eu ... se Deus me desse o
dom de ter filho, eu queria que eles tivessem tudo que eu não tive, de amor de
mãe (...) Eu não conhecia essa profissão e eu entrei nessa profissão, eu quero
realmente passar pros meninos isso, eu converso com eles e falo isso, eu quero
que vocês sintam de verdade que aqui é uma família, é uma casa lar, e que
somos pais, pais de verdade e vocês são filhos mesmo, quero que vocês
tenham liberdade, de perguntar, falar o que tiver sentindo, pra gente poder
ajudar como uma família mesmo”. (Maria da Piedade, Entrevista 1.Anexo 3)
Outro aspecto que se pode delinear na trajetória de algumas mulheres desse
grupo é o fato de elas se dedicarem a um sublime gosto pela perspectiva humanitária
contra as adversidades da vida. A psicanálise muito, revelou o gozo que vige por trás
do ideal e denunciou que sempre haverá algo que escapa à domesticação. Desconhecer
esse fato seria denegar o cerne da obra freudiana
.
Descobre-se pulsão onde
idealização e sublimação. Entretanto, “o sublime tem uma relação estreita com o desejo
que ultrapassando o amor ideal, envia a um novo amor à verdade que é, nesta
desidealização, ainda desejo de verdade, esta que o causa”. (GUATIMOSIM, 2006a).
Num momento da civilização onde um despedaçamento dos laços sociais,
pode-se pensar se essa forma de amar não instaura um limite nesse despedaçamento e,
se com esses atos, essas mulheres, longe de desconhecerem esse gozo Outro ligado ao
67
real, “trespassam a linha que faz fulgurar algo da coisa-causa de desejo
(GUATIMOSIM, 2006a). Encontra-se nos relatos de algumas dessas mulheres uma
longa história de continuidade e perseverança, mesmo antes de se tornarem mães
sociais:
(...) geralmente quando sai na rua, aquele tanto de menino,
vontade de sair catando... viu? Outro dia, eu fui... fui no hospital
Felício Rocho, ali debaixo daquela coisa da passarela, ô gente! mas eu
olhei, os menininho tudo peladinho, sabe, até deixei um dinheiro lá pra eles
comprar, se precisar de leite, mas a gente sabe que eles não usam isso pro
leite, cê entendeu como que é? Mas aquela coisa de consciência, né...
Oh, toda vida, vou te falar uma coisa, eu sempre visitei muito
hospital, cê entendeu? Aquela Baleia ali, já fui várias vezes; Mario Pena, já
fui a muitas visitas, sabe, independente de eu não ter ninguém conhecido, eu
acho que é importante...(...) Então geralmente a gente saía (se referindo a
uma amiga), no domingo, quando a visita na Santa casa, acho que era na
quinta feira, a gente saía... eu acho assim Nádia, quer dizer, tudo! Não é
coisa boa não, esses hospitais que chega, vai, visita um apartamento,
sabe que a pessoa ali no apartamento, a pessoa tem que acreditar
muito, essa área de SUS, a doença mesmo, a doença mesmo.. um câncer...
uma aids...(...) . Ala de Aids: a ala de Aids é uma coisa tão assim, que cê
olha, a pessoa, na hora que ela uma pessoa pra visitar, ela fica
naquela...Cê entendeu? Porque não é sempre... o câncer também terminal, a
hora que cê chega ali, eles mudam a fisionomia do rosto... agora que eu não
tenho tempo, sabe, eu o tenho tempo... (...), mas é assim... Abranda
muito o coração da gente, sabe, a gente que a gente bem, vem
aquele processo sabe, a gente ia toda quinta e domingo fazer as visitas(...)...
Aumentar a auto-estima de uma pessoa é bom demais, Nádia.(...). Se uma
criança chega aqui, hoje... chega aqui é daquele jeito, então quer dizer, a
tendência da gente é aumentar a auto-estima dela, né? Aí então é isso aí que
eu te falando, a gente tem que tentar, não é de criança não, adulto
também, toda vida eu gostei disso, e...a gente faz o possível aqui pra... pra
dar um pouquinho do que faltou pra eles e amenizar um pouquinho a vida
sofrida deles, porque todos eles, todos eles! Passaram por uma vida, que eu
vou te falar... (Maria do Socorro, entrevista 4. Anexo 3)
68
Na entrevista 7, a mãe social Maria da Consolação, coisa peculiar, trabalha
“fora”, mesmo que em sua própria casa, que se tornou uma instituição, com outras
crianças da comunidade. Infativel, ela propõe oficinas de leitura e escrita, digitação e
artes, não para as “suas crianças, no período em que não estão na escola, mas
também para aquelas da comunidade, que o têm escola, ou que se encontram sós
antes ou depois da escola. É, segundo a entrevistada, uma forma de ajudar mais
crianças, além das que ficam permanentemente sob seus cuidados. Neste trabalho, ela
ainda recruta outros adultos da comunidade, muitas vezes, nos cultos religiosos que
freqüenta, para ajudá-la nessas oficinas. Essa proposta tem, também, a intenção de
oferecer a algum desvalido a oportunidade de superar suas limitações e de se sentir útil
num trabalho produtivo:
porque as crianças estavam na rua, para eu tirar essas crianças da rua eu
fiz o Projeto Ler, Digitar e Criar, porque eu resgato de lá, trago pra aqui,
para eles evitarem essa coisa do abrigamento, entende? assim foi uma
técnica que eu tive, porque eu falei assim, gente, daqui a pouco esses
meninos tá tudo abrigado, eu vou na casa da família, faço a visita,
mostro o Projeto, explico pra mãe o quê que é, a mãe acha lindo, manda
os meninos né. E o pessoal da igreja também, que as vezes tá ali sem uma
atividade, isso faz bem pra eles também, é os dois lados.” ( Maria da
Consolação, entrevista 7. Anexo 3)
Maria da Consolação, desde criaa, cuidava de parentes doentes e se sentia
reconfortada por suas atitudes:
“eu nasci aprendendo a cuidar dos outros, entendeu, parece assim, que eu
nasci, desde que eu me lembro assim sabe, menina assim, eu fazia o que
eu faço (...), eu tinha uns 9, 10 anos e fazia tudo isso, primeiro com meu pai,
depois cuidava da vó, e ficava com a e minha e saía pra trabalhar,
então eu ficava com a vó,(...) eu dava banho, limpava cocô, limpava xixi(...)
aquela coisa, então eu assumi isso, isso parece, me dava até assim, um certo
consolo”. (Entrevista 7. Anexo 3)
69
Outra prefere passar suas férias trabalhando em prol de um inabalável
compromisso com a profissão. Busca outras instituições, para trabalhar, conhecer o
funcionamento e transmitir seus conhecimentos:
“Vou sair 20 dias. Vou viajar, mas assim, também
vou fazer trabalho lá. Eu conheci um abrigo lá, em Varginha, e a menina
quer que eu passe pros educadores sociais de lá alguma coisa que eu fiz.
Já separei minhas apostilas, curso que eu já fiz... Uma troca. E vou pegar
também”. (Maria da Luz ,entrevista 6. Anexo 3)
Nesse grupo, fazer o trabalho é, ao mesmo tempo, usufruir dele. um certo
ultrapassamento do sujeito do ato.O que é feito é feito, não por que se quer fazer: faz-se.
“Cê passa na rua, cê fala assim, cê teve a chance de cuidar de um que tava
aqui, isso é bom demais! Isso é ótimo... teve a chance de... quem tinha
que cuidar não cuidou, teve a chance de cuidar... E no inverno?! Eu
imagino isso aí, à noite cê deita, Nádia, cê imagina aquele frio, tanta
criança na rua... eu acho que se eu fosse uma pessoa que eu tivesse
condições, sabe, acho que eu, catava tudo!(...) “Abranda o coração da
gente” (Maria do Socorro, entrevista 4. Anexo 3).
mas assim, eu não consigo ver uma criança lá fora precisando de alguma
coisa e você falando meu Deus, nó, com tão pouco lá, se eu posso dar pelo
menos um teto, dar uma comida, uma cama quente, né? .(...) Porque eu fico
indignada com a situação, eu não posso ver nenhuma situação assim, sabe,
de desconforto para ninguém... (Maria da consolação, entrevista 7. Anexo
3)
ainda, um desconhecimento sobre a causa que as impulsiona a buscar esse
tipo de ofício:
“Ah, eu ia lá... eu não sei porque... não sei se você passou por essa
experiência; eu gostava, entendeu? É como diz o outro,“o coração tem
razões que a razão desconhece”, cê já ouviu?” (Maria do Socorro,
entrevista 4. Anexo 3)
Faria o que eu faço, seria mãe de novo,(...) eu não saberia ser, eu não sei
ser outra coisa. (...) eu vou lá, olha assim eu não planejo, quando eu vejo eu
70
tô dentro, eu dentro do problema, sabe.” (Maria da
Consolação, entrevista 7. Anexo 3)
71
4.3.2-
FORMAS DE OPERACIONALIZAÇÃO DA FUNÇÃO MÃE SOCIAL.
Neste tema-eixo, o que está em causa, é o substantivo mãe. Esse substantivo
existe no vocabulário corrente e remete a uma função social ou a um lugar
simbolicamente instituído, que designa o laço de parentesco que une uma mulher a um
ente ao qual ela deu a luz: seu filho. Sabe-se que esse substantivo também nomeia
aquele vínculo em que, uma mulher, judicialmente referendada, adota uma criança que
o tem com ela nenhum laço de consangüinidade, atribuindo-lhe direitos de filho,
legitimando-o como um descendente.
Para a psicanálise também, esse substantivo denota uma função, e se presta a vir
responder pela falta fálica feminina, através do lugar fantastico que uma criança
ocupa na subjetividade de uma mulher. E é nesse sentido que Lacan afirma, como já foi
mencionado, que não se trata de um desejo anônimo”. Se uma mulher se diz Mãe, é
porque, em seu desejo, a criança que ela designa como filho, foi adotado por ela como
tal, independentemente dos laços de consangüinidade. Assim, o que determina a filiação
para a psicanálise, é a necessidade de que a criança esteja incluída, como objeto, no
narcisismo daquela que é chamada de Mãe.
Nas casas lares, um vocabulário corrente para se referir a essas situações
muitas vezes, confusas: distingue-se a “mãe de barriga” aquela que pariu a criança e a
abandonou, da “mãe do coração” - aquela que virá adotá-la, a mãe do desejo.
Interessante que a e social, com relação às crianças das casas lares, na maioria das
vezes, ou pelo menos de início, não é nem uma, nem outra. Outras vezes, isso se
confunde – elas se tornam também “mães do coração”. Além disso, existem mães
sociais que acolhem as crianças nas casas lares, mas que também são mães biológicas
em sua própria casa. Ainda casos em que as mães são mães biológicas de algumas
crianças que residem com elas nas casas lares e mães sociais das outras crianças
residentes no mesmo abrigo, ou seja, dois lugares distintos sob o mesmo nome:
“mãe”.
O que causa estranheza e confusão é o fato de que esse substantivo “Mãe”, que
exerce naturalmente uma função social como codificador de parentesco, é posto a
conviver com o adjetivosocial” para caracterizar, com essa redundância, um laço
72
profissional. Poderá ser observado neste item, que, se em alguns casos, uma certa
confusão entre a profissão mãe social e a função mãe (que também remete a uma função
social), em outros casos, observa-se surpreendente clareza no desempenho dessas duas
posições.
Com relação à forma prática da operacionalização da profissão, podem ser
observadas três formas: I – Posição distinta, espaço distinto. II – Posição distinta espaço
comum e III Posição indistinta espaço comum. Duas dessas formas contam com 2
sub-grupos: as mães sociais que não são mães biológicas e as mães sociais que são
também es biológicas ( como são chamadas no vocabulário corrente).
I Posição distinta, espaço distinto.
I.1 – Mães sociais que também são mães biológicas.
No primeiro sub-grupo da primeira forma, as mães sociais exercem a função de
e social como uma profissão, na casa-lar, mas ainda devem exercer a função materna,
em sua própria casa. Existem dois espaços físicos distintos para a função mãe
(entrevistas ns.2,4,5). Nesta categoria, é interessante ressaltar que, muitas vezes, a mãe
social se ausenta de sua própria casa, encarregando o cuidado de seus filhos a outros,
para se dedicar durante toda a semana, com exclusividade, à função de mãe social, com
aqueles que outrora foram abandonados. Paradoxalmente, aquele que foi abandonado,
tem a “mãe”, ainda que sob o nome de “mãe social”, em tempo integral privilégio de
poucos nos dias atuais!
Aparece na entrevista de número 2, por exemplo, um acordo não oficial entre
duas mães sociais: Maria Perpétua fica à noite na instituição, e Maria José (que é casada
e tem filhos) vai para sua própria casa que é bem próxima. Numa outra instituição, as
es sociais fizeram uma campanha em prol do que elas denominaram trabalho em
equipe”. Assim os dias são divididos, de maneira que Maria do Socorro (que é casada)
trabalha dois dias e uma noite, e Maria da Penha (que tem filhos, mas não tem marido),
duas noites e um dia. Esse esquema substituiu, nesta instituição, o esquema habitual das
demais casas, que escala uma mãe durante a semana e outra mãe ou uma plantonista,
nos fins de semana.
I.2 – Mães sociais que não são mães biológicas.
73
No segundo sub-grupo da primeira forma de operacionalização, encontram-se
mulheres que são apenas “mães sociais”. Não há divisão entre a maternidade e a
profissão, uma vez que elas não geraram filhos (ainda). Algumas têm casa própria e
deixam a instituição nos finais de semana, outras residem na casa-lar, tendo a opção de
passear ou ir para casa de parentes nos finais de semanas (entrevistas 3 e 6). O que se
quer ressaltar nesse sub-grupo é o discernimento subjetivo que as mulheres tem com
relação a sua posição frente a profissão de mãe. Pode-se observar, por exemplo, a fala
de Maria da Luz comparando-se com sua irmã, presidente de uma entidade:
Ah! A E. é mãe, Nádia! Se apega como mãe!. Eu sou mãe, mas... aspas aí,
né? Entendeu? Eu passo carinho de mãe, consolo de mãe, aquela coisa de
mãe, mas não sou A MÃE! Entendeu? Então, assim, às vezes, pra eles, eles
até pegam isso daí, né, a mãe, coisa e tudo, né, e eu trabalho sempre essa
relação. Teve um aí, né, 3 anos, -“pode te chamar de mãe, de tia, ou de
Maria?”Eu falei: - “do que voquiser, vai dar o mesmo sentido”. –“ah
mas você vai ser a minha mãe.”Eu falei “Tá. Mãe emprestada, né, nesse
período que cê tá aqui...(...) Pra mim é o seguinte, é... eu não apego...né? ou
seja, eu não agarro, É MEU! Né? Está comigo. convivendo comigo,
neste momento. Hoje aqui, amanhã, pode não estar aqui. Sempre
trabalho assim. Desde o primeiro dia que chega aqui. Ainda falo
“Aproveita, o que eu te passando aqui, porque onde for, vai levar
isso aqui.” Então, muitas brigam comigo, depois de separar, me ligam-“ô
Maria., eu bem! acredita, meu crochê uma maravilha!”. 14 anos!
Cê entendeu? Tá bem com a família. Então é isso. Eu acho que o principal é
tá bem com a família”.( Entrevista 6. Anexo 3)
IIPosição distinta, espaço comum.
II.1 – Mães sociais que também são mães biológicas
Nesse sub-grupo da segunda forma de operacionalização, a profissional mãe
social também é mãe, como no primeiro sub-grupo da primeira forma. A diferença
consiste no fato de que, enquanto ela trabalha na casa-lar (durante a semana), seus filhos
também residem com ela na instituição. Neste caso, a família volta para sua casa própria
nos finais de semana apenas com os filhos biológicos, enquanto as crianças da casa-lar
têm atividades extras (sítio e clube da entidade). Esse caso apareceu na entrevista 1.
Nesse caso, o marido se candidatou a pai social na qualidade de voluntário e ajuda a
74
mulher, Maria da Piedade, em sua função. Aqui, uma separação parcial. Ela é mãe
social e mãe ao mesmo tempo, no mesmo espaço físico, estando seus próprio filhos e os
“filhos sociais”, parcialmente, sob o mesmo teto, embora fique explicitada para todos, a
diferença na função mãe que, com os “filhos sociais”, é uma função profissional.
IIIPosição indistinta, espaço comum
III. 1- Mães sociais que também são mães biológicas
Na terceira forma de operacionalização, no primeiro sub-grupo uma fusão
entre o ofício mãe, como profissão e a função da maternidade. Nesse grupo, o casal,
com um espírito humanitário e caridoso, transforma paulatinamente sua própria casa em
um local de acolhimento de crianças em situação de risco (entrevista 7). Interessante
ressaltar que essa forma de operacionalização da função de mãe social não é incomum.
Isso de ser percebido nas reuniões. Nestes casos, mesclam-se os filhos biológicos,
outros adotados judicialmente pelo casal e alguns outros apenas acolhidos, com o intuito
de encaminhamento para adoção. Muitas vezes, a legalização e a formalização da casa
como instituição, parte de uma exigência do Juizado de menores.
III.2 – Mães sociais que não são mães biológicas.
Ainda se pode incluir nessa terceira forma de operacionalização, os casos em
que a mãe, não exercendo a função materna em sua vida privada, não tendo gerado
filhos próprios, adota a maternidade como uma função primordial em sua vida. Neste
caso ela também funde a profissão com a função e, subjetivamente, adota
informalmente as crianças como se fossem filhos legítimos. Nas já citadas reuniões com
os responsáveis pelas instituições, esta foi uma queixa apresentada. Neste caso, a mãe
social, confunde a profissão com a função e se apega às crianças como se fossem seus
filhos, dificultando o encaminhamento e o revezamento de crianças nas casas. Vale
observar o relato de uma mãe social numa das reuniões, em que ela se defendia da
acusação de “se apegar demais aos meninos”. Ela dizia:
Você passa as noites em claro num hospital, cuidando do menino, e vê que,
não fosse você ali, seu amor, ele teria até morrido. Leva ele pra
casa, cuida, ensina tudo que ele sabe, depois te dizem que não é seu, que
você tem que entregar?”.
75
Uma mãe comentou com uma outra num intervalo da reunião:
“Esses meninos são a minha vida; eles falam que não é filho da gente, mas
pra mim é. Depois pros outros? Ah, minha filha, eu não quero mesmo.
Queria ver se fosse com elas, se elas entregavam”.
O que se pode observar é que a forma e o lugar em que os filhos sejam eles
“sociais”, “biológicos”, ou “adotados judicialmente”, ocupam na vida de uma mãe, ou
mesmo da “mãe social”, depende fundamentalmente da subjetividade dessas mulheres,
ou seja, do lugar fantasmático em que ela coloca esses “filhos” e do gozo obtido com
essa função. Vê-se que, embora a forma de operacionalização da profissão ou a forma
de inserção das mulheres nas instituições sejam diferentes, havendo, pelo menos, três
modalidades, essa operacionalização prática não garante o tipo de relação que se
estabelecerá com a função.
76
4.3.3 - ACOLHE-SE O ABANDONO
Se no item anterior a ênfase recaía sobre o substantivo “mãe”, em contraposição,
neste item, o que está em causa é o adjetivo “social”.
Esta adjetivação faz parte de um contexto histórico onde o social”, na forma de
substantivo, é usado para designar a parte marginal da sociedade, nesse caso, os pobres
brasileiros.
Observa-se que a “questão do social”, de acordo com Castel (1998), localiza-se
na conscientização de que a revolução industrial deixou um resto: aqueles que não se
encaixavam na sociedade industrial. O social surge, então, sob a égide da pobreza e traz
em si a idéia de uma integração da sociedade em geral, que objetive evitar a fratura
evidenciada entre a parte produtiva e não produtiva da sociedade. Nas práticas
democráticas onde a economia é a razão soberana acontece, no entanto, como bem
demarcou o cientista potico brasileiro, Renato Janine Ribeiro (2000), que o social é
aquilo que não pode tornar-se sociedade” (p.22), já que o “social diz respeito ao
carente e a sociedade ao eficiente” (p.21). Isto implica práticas que, ainda que
democráticas, como as observadas no Brasil após a ditadura militar, oferecem aos
carentes assistência e controle, e aos eficientes a proteção social, associando segurança e
direitos. O discurso capitalista engorda o rol dos efeitos de segregação.
A mãe-social é, neste sentido, a e temporária de uma coletividade pobre,
enjeitada, desvalida. As crianças que chegam aos abrigos, em sua maioria, ou são
abandonadas em algum lugar, ou são retiradas das famílias através do acionamento dos
Conselhos Tutelares e Juizados de Menores, por flagrantes maus tratos e denúncias de
vizinhos ou parentes. São dejetos sociais e urge fazer algo com elas. O que se verifica, é
que, independentemente do vínculo que cada mãe estabelece com a profissão, elas são
contratadas prioritariamente como uma solução de um sintoma social, acolhendo cada
criança, não em sua particularidade, mas sua situação de abandono e dejeto.
Não obstante, como já se mencionou no primeiro tema-eixo, um grupo de
es sociais que se candidatam ao cargo, como uma forma de doação. Nesses casos,
então, a mãe social é a parceira que acolhe as crianças oriundas dessa situação, mas
ainda assim, e talvez, principalmente, o vínculo que ela estabelece, demonstra muito
77
mais uma preocupação com a crueldade a que foram submetidas as crianças, do que
com cada criança em particular. O abandono, o estranho, a privação, a situação de
abuso, a dor e o espanto parece ser o que estas mães acolhem como causa, oferecendo a
elas, um lar. Lacan, no seminário da Angústia, (2005[1962/63] p.57) já havia chamado
atenção para a importância dada por Freud (1919) à análise lingüística na questão do
estranho: Este lugar ‘unheimlich’ [estranho], no entanto, é a entrada para o antigo
‘Heim’ [lar] de todos os seres humanos, para o lugar onde cada um de nós viveu certa
vez, no princípio” (FREUD, 1919). Lacan acrescenta: Dêem à palavra ‘casa’ todas as
ressonâncias que quiserem, inclusive astrológicas. O homem encontra sua casa num
ponto situado no Outro” (LACAN, 2005[1962/63]. Ferrari ainda nos chama atenção
para a questão de que o trauma é sempre com relação ao Outro da linguagem: o
trauma é o próprio real, é o segregado exterior a uma representação simbólica,
constituindo um buraco no interior do simbólico” (FERRARI, s.d). Nessa situação dos
abrigos, as “mães sociais”, diante da privação, do estranho, unheimlich”, daquilo que é
segregado, oferecem um lar, “heim”, um abrigo a essas crianças, fazendo, desta “causa,
lar”. E o abrigo possível e sempre precário, é o da língua.
Eu gosto de estar cuidando dessas crianças. Crianças , vamos por
assim: carentes, mais do que carentes! É que são situações assim, bem
delicadas mesmo ... e todos que eu trabalhei são nessa situação” (Maria da
Luz, entrevista 6. Anexo 3)
O que eu mais gostei de fazer, assim, dentro do trabalho, assim,
na área social, eu gosto muito da área social, gosto demais de mexer com o
povão, com essas pessoas assim, eu me sinto muito melhor, mexer com
gente, trabalhar com gente assim.” (Maria da Penha, entrevista 5. Anexo 3)
“Ah, lá na minha comunidade... é...eu preocupava mesmo com os meninos...
Então é... se eu tivesse tido condições assim, de ajuda, até financeiramente
continuar, e ... de repente eu tinha até continuado lá, mas os meninos ainda
cobra, às vezes eu tô chegando lá - Ô tia e o almoço? – Ah, eu vou voltar a
fazer, mas por enquanto não tá dando não” (Maria da Piedade, entrevista 1.
Anexo 3).
a gente faz o possível aqui pra... pra dar um pouquinho do que faltou pra
eles e amenizar um pouquinho a vida sofrida deles, porque todos eles, todos
78
eles passaram por uma vida, que eu vou te falar...” (Maria do Socorro,
entrevista 4. Anexo 3)
Assim, o que se pode pensar é que, se o cargo de mãe social é chamado a
responder a um sintoma social, algumas mães o farão tentando dar um contorno, uma
borda ao problema, outras, o farão respondendo ao intuito de eliminar ou calar tal
sintoma.
79
4.3.4 -SOBRE A FUNÇÃO DE EDUCAR:
Quando surgia, nas conversas com as mães sociais, o tema das mazelas da
profissão, freqüente tanto nas entrevistas quanto nas reuniões, o que mais as inquietava
era a dificuldade em lidar com a questão dos “limites” e “castigos”. A situação de
abandono e privação a que as crianças ficam freqüentemente expostas as conduzem,
numa tentativa de lidar com essa situação, a demandas extremamente exigentes e
imperativas. Pode-se pensar nessas crianças, muitas vezes, como exemplares daqueles
que sofrem das patologias do ato, (passagens ao ato, e/ou acting out), sujeitos que
sofrem da inexistência do Outro, e que expõem essa inconsistência de maneira brutal.
Como conseqüência, as mães sociais se vêem, não raro, em apuros
de-se observar, a partir do programa de capacitação e após o estudo realizado,
que a possibilidade de acolhimento pelas mães sociais, em alguns casos, exacerba nas
crianças a esperança de se reencontrarem na posição de gozo em que foram colocadas
por um Outro primordial caprichoso: abandonadas, expulsas, lugar de dejeto, de criança
impossível... Elas demandam ocupar o lugar que outrora ocuparam, o único lugar no
qual se reconhecem. Repetem com seus atos, o gesto que faz coincidir nascimento e
recusa. Demandam amor ao avesso, pois essas crianças foram desejadas também ao
avesso. Houve um desejo: de que elas não existissem, ou se existissem, fossem embora.
Repetem o traço que as singularizam da maneira mais dolorosa e angustiante possível:
O inconveniente às vezes eu fico pensando assim, que, o quê que pode
tocar no coração, porque tem algumas crianças assim tão, como é que eu
falo, não sei se eu posso dizer assim, um coração ingrato sabe, assim que
tudo que vofaz, tudo o que você pensa, ainda não consegue acalentar o
coração.(...) os meninos xingam, não recebem as coisas, ai a gente fica
pensando porque que é assim. (...)Ah, tem menino que dá trabalho e vai
embora e vosente uma falta danada, sabe, tem uma que chama C. que
assim, nossa, ela era terrível, eu esquecia dela, a gente faz artesanato em
madeira, ela corria lá e pegava o tinner e cheirava, enquanto esquecia
dela! Mas dava um trabalho! Mas quando ela foi embora ficou um vazio tão
grande..., mas tem uns que você fala assim, ai, vou dormir em paz essa
80
noite! Tens uns que você fala mesmo, não tô com saudades não, ai! Tem uns
que não pra sentir saudade, sabe assim, você sente falta dentro de casa,
aquela falta física, mas saudade, coisa assim ..., tem menino que você não
sente não.”(Maria da Consolação, entrevista7. Anexo 3)
As mães sociais então, o colocadas a todo tipo de prova, são assoladas em seus
pontos mais vulneráveis; são constantemente confrontadas pelas crianças que testam ao
máximo sua capacidade de decisão, de julgamento e sua paciência; elas acabam sendo
alvo de invasão de amor e ódio intensos, que são expressos pelas crianças, muitas vezes,
em atos sem mediação simlica:
É igual te falei, né? O salário é ssimo, e assim, é... Eu acho que tem
hora, conforme igual aqui em casa tem adolescente,(...) tem hora que elas
são muito grossas com a gente. Então, assim, tem horas que você não
agüenta dos filhos seus, mas você tem que agüentar, aqui você tem que
agüentar, dos filhos dos outros...Tem hora que não é fácil não!” ( Maria
José, entrevista 2. Anexo 3)
“É um desafio, né? Tem que ter o... tem que ter assim um acordo. Um jogo
de cintura, porque se for olho por olho e dente por dente, num consegue
não... Tem que abrir mão de muita coisa, tem que ir devagar, se ele xinga e
nervoso é preciso da gente controlar e deixar ele acalmar pra depois a
gente ir conversar, porque na hora que eles tiver rebelde, não adianta
conversar também não, piora... piora.” (Maria da Piedade, entrevista
1. Anexo 3)
Se essas duas questões: o gozo impossível de reduzir - o excesso - e o gozo
impossível de alcançar - a falta - são, de maneira geral, centrais na questão da educação
e interrogam que tipo de Outro é necessário para educar uma criança, aqui essas
questões se fazem, decididamente, cruciais.
“Não é facil não. Educar, tem que educar com amor, o carinho
tem que andar junto, a determinação junto, que tem que ter... e a hora de
puxar a rédea, cê tem que ter...tem que ter mesmo...” (Maria da Luz, entrevista
6. Anexo 3)
81
Diante da situação de extrema privação e frustração que essas crianças vivem e
expõem, puderam ser observadas três maneiras de as instituições de abrigo, e seus
representantes, as mães sociais, se relacionarem com a falta:
1-tentar suprir ou tamponar;
2- encarnar a falta, numa identificação com as crianças; ou
3- tentar elaborar e dar um contorno àquilo que falta ou tentar transmitir uma
forma de lidar com ela, a partir de uma posição de não desconhecimento da castração.
Como exemplo do primeiro caso, ouvem-se relatos, em que a mãe social atribui
à sua função, suprir as necessidades das crianças:
Aqui eles (...), alimentam bem, a comida é boa, cada um tem a caminha, as
roupas lavadas, tudo direitinho...” (Maria José, entrevista 2. Anexo 3)
A instituição de abrigo, não raro, se organiza a partir de uma ética que pretende
ser eficaz em produzir satisfação em oposição à privação. Sendo a “casa-lar”, criada
para menores “carentes”, “desvalidos” e “necessitados”, a ênfase recai muitas vezes,
sobre a “necessidade”, lugar sobre o qual a instituição, freqüentemente, procura
responder. Se a mãe social tenta remediar a ausência do amor através da supressão das
necessidades, pode advir daí, toda sorte de mal-entendidos. Lacan, no seminário da
Transferência, nos alerta para o perigo de se responder à demanda com intuito de calar a
necessidade: “É possível produzir todas as espécies de equívocos ao responder a essa
demanda (...) (pode resultar) na possibilidade de toda sujeição - tenta-se impor ao
sujeito que, uma vez sua necessidade satisfeita, ele pode se contentar.” (LACAN,
1960/1 p.203). Se não se tem uma escuta para além do objeto da necessidade, tira-se do
sujeito a possibilidade de construir um contorno simbólico do objeto. , quando se
perde algo, perde-se tudo...
No segundo caso, as mães encarnam a posição de esperar receber alguma ajuda
que venha suprir a falta exposta pelos meninos e com a qual elas também se
identificam:
O que ninguém quer, o que sobra, o que não tem jeito, nós temos que
agüentar.(...) . Na hora H, não tem ninguém pra ajudar, não. (...) Eles
discriminam mesmo a gente...eu não gosto disso, eu tenho vergonha.” (fala
colhida em reunião)
82
“Eu morei assim, em casa-lar, né? A gente vivia de doação. Os padrinhos
traz presente, leva pra passear, alguns até ajudam mesmo financeiramente,
agora eu falo com os meninos: -“, aqui tem de tudo que ocês não tiveram
em casa, então aproveita...” (fala de uma mãe em reunião)
No terceiro caso, a mãe social tem uma postura crítica com relação ao caráter
assistencialista e caritativo que gira em torno da instituição e tenta barrar esse tipo de
situação. Muitas vezes, ela censura a postura de alguns voluntários caridosos que, na
visitação às casas, acabam por fixar as crianças em uma posição de pobres enjeitados”,
sujeitos aos caprichos de uma generosidade da qual não se é livre para não aceitar:
e outra coisa, quando chega com aquele pacote de coitadinho... nó...
detesto esse negócio desse rótulo. Aqui não tem coitado. Aqui não tem
coitado! Aqui tem pessoas que estão nessa situação mas vão sair dela...
tranqüilamente...vai conseguir vencer isso, sabe, então assim, não tem essa
questão de... de coitadinho. Então eu gosto de passar sempre isso e acho
pra mim, que me incomoda, principalmente voluntário... “ah vou lá te
ajudar a dar banho nos meninos, escovar dente, cuidar do cabelo delas...”
essas coisa assim, sabe? Vem. Mas numa fala, que ela fala ali, ela destorce
a coisa completamente. Aí...-“Nossa ah não... nós vamos trazer um xampu
pra ela, tadinha, ela não gosta de usar aquele xampu. Ela gosta de usar
aquele”. Eu falo “a realidade dela é esse xampu aqui. Ela vai poder usar
outro quando ela tiver se sustentando. Ela com 14 anos, ela vai entender
isso”. Não só isso. A caneta é bic. Ela quer uma colorida, não quer?
Quando ela trabalhar e tiver condições ela vai poder comprar. Conquistar é
bem melhor que ganhar. Entendeu? Então essas coisas assim, as vezes
atrapalha um pouco, atrapalha. É igual visita no final de semana, é uma
coisa que eu pedi pra cortar. Se fosse pra família, que fosse assim,
preparada pra ficar, porque a criança ia, Nádia, tomava iogurte, danoninho
... fazia a festa lá. Quando chegava aqui que eu colocava o copo com leite
com café, o bolo, né..-“Não gosto disso não Maria” Aí eu -“Uai porquê?”.-
..Eu quero aquele outro.” “-Qual outro?” –“Aquele iogurte que vem com
moranguinho em baixo do copinho...” É... ai eu pensei... é... aquele de
dois e tanto que ela querendo , eu falei –“oh, não tem, não. O que a
gente tem é esse daqui”. “Mas na casa da tia tem...” eu falei –“Na
casa da tia tem, mas se isso tá te atrapalhando a conviver aqui, e é aqui que
vc tem de ficar, nós vamos chamar a tia e vamos conversar com a tia.” E
chamava! Chamava e falava com ela, olha, cê agindo dessa forma, nossa
83
realidade aqui é essa. Colocava pra criança, mostrava, entendeu? Porque
nessa idade é muito fácil fantasiar, é viver ...querer viver na fantasia é
fácil, cê entendeu? Mas nossa realidade aqui é outra..”(Maria da Luz,
entrevista 6. Anexo 3).
Outras vezes, a questão da educação aparece como um desafio para a realização
de algo que as mães julgam ser necessário alcançar, algo que inscreva suas ações num
universo simbólico, que à sua palavra e ao seu gesto o estatuto de algum contorno
simbólico possível:
Mas esses meninos, Nádia, eram uma coisa assim assombrosa, não sei de
onde que eles...(ri) eles quebravam tudo, aí eu pensei assim, “não dá, gente,
uma criança não vai dominar a gente, não tem isso!” Aí fui com paciência,
igual aquelas ... aqueles diamante, né, vai lapidando, lapidando, até ficar...
né? virar uma jóia!” ( Maria do Socorro,Entrevista n.4. Anexo 3)
A questão da educação traz à tona toda a discussão sobre o que pode ser
depositado nessa função de mãe social, pois uma função essencial da mãe, é ser
transmissora da palavra, “ao vel da maternagem, a coisa está legitimada pelo
discurso” (SOLER, 2000/01 p. 159). Algumas mães se lançam a qualquer preço, numa
busca de fazer existir um Outro, produzir um campo simbólico que responda à
devastação vivida por essas crianças que foram abandonadas.
84
4.3.5- A QUESTÃO DA SEPARAÇÃO
Esse item se faz interessante uma vez que, através dele, fica explicitado um
problema intrínseco à operacionalização da profissão e, ao mesmo tempo, parece ser de
importância capital no que as mães podem ou o realizar com a profissão. Como
poderá ser observado, essa questão evoca contradições e convergências de declarações
dentro das mesmas entrevistas e em várias delas, denunciando algo que deve ser tomado
como objeto de atenção.
Sabe-se que há uma recomendação explícita às mães sociais de que não se
apeguem demasiado às crianças, pois o objetivo primeiro das casas lares, é o
encaminhamento dos abrigados para adoção, ou mesmo para retorno à família de
origem. Esse depoimento foi obtido no momento inicial dessa pesquisa, por ocasião de
uma conversa (não gravada) com a então diretora de “Proteção e defesa da criança e
adolescente”, da Secretaria de estado de Desenvolvimento social e Esportes SEDESE.
Esse ponto foi asseverado nos encontros com representantes da Secretaria de
Desenvolvimento e do Juizado de Menores de Contagem, por ocasião das reuniões
citadas.
Pode-se compreender essa preocupação dos dirigentes do projeto, em função do
lugar subjetivo que essas crianças estão sujeitas a ocuparem, pois como lembra Nomi
(2001), muitas vezes, elas são deixadas a “serviço do gozo” e, nessa condição, se
oferecem facilmente a uma parceria de gozo com uma mãe que deseja se ocupar de uma
criança nesse lugar de objeto. Alguns casos relatados nas reuniões exemplificaram esse
tipo de relação estabelecida, e não raro, tiveram fins trágicos, tanto para a criança como
para a mãe. Contudo, esse tipo de recomendação, muitas vezes, leva as mães à
obrigação de se justificarem em relação à afeição que sentem com relação às crianças,
como se elas não pudessem ou não devessem senti-la, embora, inevitavelmente, sintam,
tanto os afetos de ternura quanto os de rancor - caso estejam verdadeiramente
comprometidas com a profissão:
“...porque assim, o meu problema sabe, é que eu não consigo, não é igual, se
eu falar pra você que é do jeito que é com meus filhos, com meus seis filhos, o
85
amor é igual né, o amor pode até ser igual dos meus filhos e das crianças que
são abrigadas, eu vejo .....mas é diferente entendeu? Mas eu tenho um negócio
pra mim, o amor não é diferente, se for filho ou se não é, entendeu?” (Maria
da Consolação, entrevista 7. Anexo 3)
E tem hora que chama de mãe. eu falo assim:-“Não sou sua mãe”. Né, a
gente tem que pôr, eu não sou mesmo! Tanto a Penha também... a gente tenta
dar o amor, que eles... que não tem a mãe pra dar, mas, lembrando eles que a
gente não é a mãe. Que a gente também é a referência, mas também não pode
ser tanto assim também não, , Nádia, eu acho que a gente o que eles
precisam, nem tanto tamm, mas pelo menos ameniza um pouquinho, mas,
mãe não. Mãe, isso a gente não deixa não.” (Maria do Socorro, entrevista
4)
Eu não sei, ... essas daí que tavam com um
vínculo muito antigo aqui, 8, 9 anos... na verdade, elas foram esquecidas.
Erro mesmo do Juizado. Erro mesmo do abrigo. Entendeu? Nós erramos. E
agora não adianta, você pegar de qualquer forma, e falar, cê tem uma avó
em tal lugar, -“vai”! Eu não concordo com isso. Eu não concordo. Porque
o vínculo, ele... ele é muito forte. Entendeu? Não adianta pegar uma
criança que aqui comigo, que nem A., ela com 10, nós pegamos
com 5 anos. Cinco anos aqui. A referencia dela de mãe sou eu. Não tem
como. Não adianta cê pegar ela e falar, vai conhecer sua mãe.(...) Pra mim
é o seguinte, é ... eu não apego...né? ou seja, eu não agarro, é meu! Né?
Está comigo. Ta convivendo comigo neste momento. Hoje, ocê tá aqui,
amanhã, pode não estar aqui. Sempre trabalho assim. Desde o primeiro
dia que chega aqui. Ainda falo –“Aproveita, o que eu tô te passando aqui,
porque onde for, vai levar isso aqui.” (Maria da Luz, entrevista 6.
Anexo 3)
Como a permanência das crianças abrigadas com as es sociais está sempre
marcada por um prenúncio de transitoriedade que nem sempre se realiza mas é sempre
eminente, o vínculo que se estabelece entre elas, também é marcado por uma
ambivalência: desejo e perda estão colocados em evidência e em posições antagônicas,
gerando um desconforto que, em outras situações, poderia se constituir a trajetória
amorosa habitual desejável:
86
“... é por profissão, mas sem apego, eu quero deixar bem claro eu não tenho
nenhum apego. Se chegar assim e falar comigo assim, é seu trabalho, se
você for embora, vai embora. “Não, num vou não!” Eu acho assim, sem
apego, é difícil, mas num vou não. Às vezes acontece como com a A.C.,
quando ela foi embora, a casa ficou ruim, mas ela bem, isso a gente
consegue fazer.” (Maria da Penha entrevista 5. Anexo 3)
“Quando vai um embora, fica um vazio na casa, porque a gente não quer
que vai, mas quando vai, que não tem jeito mesmo de ficar, por eles
próprios, aí... pelo menos a gente faz o impossível pra não ir. Mas se for...
a gente quer que sai daqui já bem encaminhado, porque é lógico que um dia
tem que ir mesmo, tem a faixa de idade, então tem que ir mesmo. Mas
enquanto isso...” (Maria da Piedade, entrevista 1. Anexo 3)
A psicanálise pode lançar luz sobre esse ponto, marcando o equívoco sobre o
qual está assentado o termo “separação”, que é visto muitas vezes, como um ponto de
ameaça nessas relações.
Freud, na parte C de seu texto Inibições, Sintoma e Angústia” (1925/26),
coloca
três reações afetivas a uma separação: angústia, dor e luto. Freud indica que é evidente
que por si uma separação é dolorosa, mas distingue quando ela provoca angústia, dor
e luto. Ele coloca o primeiro sinal de angústia em bebês quando eles se deparam com
um estranho que o é a mãe. A anstia sinaliza um perigo que a perda acarreta.
Segundo Freud a dor também estaria envolvida. Spitz (1979) desenvolveu bem essa
questão. A distinção entre angústia e dor, é que, a dor é uma reação real à perda do
objeto, numa época que a criança ainda não aprendeu a distinguir a ausência temporária
da mãe e sua perda permanente. Freud segue dizendo que são necessárias “experiências
consoladoras” para que a criança aprenda que o desaparecimento é seguido pelo
reaparecimento. Ele coloca que as mães sabem bem dessa situação e naturalmente
estabelecem brincadeiras do tipo esconde-esconde que, em “Além do Princípio do
Prazer” (1920), Freud descreveu como o jogo do “fort-da.”. Nesse jogo, a criança teria
oportunidade de elaborar a situação de sua própria perda, seu desaparecimento, como
resposta ao enigma do desejo do outro parental. Como se , a necessidade do efeito de
separação é de alguma forma reconhecida pelas mães e processada muitas vezes de
forma espontânea.
87
O luto é uma outra reação emocional à perda do objeto. Ao luto é conferida a
tarefa de efetuar a retirada do investimento no objeto, uma vez que houve a perda real. É
um trabalho que exige que a própria pessoa desolada se separe do objeto, visto que ele
o mais existe. O luto aponta assim para a elaboração de uma separação drástica.
Para a psicanálise a separação é o baluarte do destino desejável, embora nem
sempre certo, para todo tipo de relação com o Outro. Não se trata da apologia ao
rompimento amoroso, ou ao afastamento entre amantes. Trata-se de um trabalho que
deve ser feito. Lacan, no Seminário 11 (LACAN,1964) teoriza a separação como uma
das duas operações lógicas na constituição de um sujeito, sendo a outra, com um destino
mais certeiro, a alienação. Esses dois conceitos articulam o sujeito, ao Outro (através do
conceito de alienação) e ao objeto (através do conceito de separação).
O conceito de alienação aponta para a articulação entre o sujeito e o Outro,
definindo o Outro como o que faz surgir como campo a intervenção do significante”
(LACAN, 1969/70 p.13). Na medida em que uma mãe, a partir de seu desejo (ou de sua
falta), interpreta o grito de seu bebê e converte esse grito em uma demanda, ela o
inscreve na dialética significante, inaugurando a emergência do sujeito assujeitado ao
campo do Outro. Nesse sentido, o que está em jogo é a marca da incidência do desejo
do Outro na subjetividade da criança”.(TENDLARZ, 1997, p.42). Marca da
inexistência de um objeto desejado pelo Outro, e com o qual o bebê se identifica para
satisfazer o gozo desse Outro. Essa marca, traça o destino da alienação do sujeito
falante: ele é condenado a demandar para fazer ouvir seu desejo e fadado a receber
como resposta o que vem do Outro do desejo do Outro. Ele é condenado assim ao
campo simbólico, à atividade linguageira, à alienação.
A mais primitiva marca recebida
do Outro é esse “traço unário(marca da perda do objeto), com o qual o sujeito se
identifica. A entrada na alienação, nesse sentido é mais certeira, pois introduz o sujeito
na dialética significante através da identificação. A função da mãe, então, é ser um
veículo, uma transmissora da língua, e suas palavras deixam marcas na vida de uma
criança. Quanto mais exclusiva em seu rol de mediadora, quanto mais é a única em
transmitir o discurso, mais a função de seus mandatos serão poderosos” (SOLER,
2000/1 p. 162).
Lacan introduz o que é da ordem da separação, através do conceito freudiano de
pulsão, colocando com o conceito de separação uma “nova aliança do simbólico e do
gozo” (MILLER, 2003). Um gozo fragmentado, no qual está situado o objeto “a”,
88
objeto da pulsão. Segundo Miller (2003), no Seminário 11, Lacan (1964) articula
significante e gozo, estando o gozo no lugar vazio, no oco, no resto que o significante
deixa ao tentar representar o sujeito, naquilo que o significante não pode recobrir. A
operação de alienação “encobre o fato de que o objeto de gozo como tal está perdido”
(LAURENT, 1997 p.43). O sujeito inicialmente ocupa o lugar do objeto “a”, ele ocupa
fundamentalmente o lugar de objeto de gozo do Outro, mas paradoxalmente, “seu
primeiro status como enfant é ser uma parte perdida desse Outro” (LAURENT, 1997
p.43). Na operação de separação, a parte do Outro envolvida é essa parte que falta,
substância de gozo que o significante não recobre. Resto da operação significante. Há,
assim, na operação de separação, o encontro de duas faltas: do sujeito e do Outro. O
sujeito encontra na falta do Outro (o desejo do Outro é uma falta) o equivalente ao que
ele é como sujeito do inconsciente (a parte perdida do Outro) (LACAN, (1964)1998). A
criança se identifica com aquilo que foi, como tal, no desejo do Outro, não apenas no
nível simbólico do desejo, mas como substância real envolvida no gozo” (LAURENT,
1997 p.44).
Em última instância, a operação de separação aponta para a impossibilidade de
se ocupar efetivamente o lugar de objeto de gozo para um Outro. A anstia e o
desconforto derivados da situação neurótica apontam justamente para o aprisionamento
nessa posição de objeto de gozo do Outro, uma vez que o sujeito recorre a uma
identificação imaginária ao objeto, numa incessante tentativa de anular sua perda,
postergando assim, a efetivação da operação de separação. É precisamente essa
operação de separação que possibilitaria uma mudança na posão do sujeito, apontando
a necessidade de deduzir que a posição de objeto que uma criança terá tido” no desejo
do Outro parental é da ordem do semblante.
Colette Soler toma de empréstimo a célebre frase de Lacan sobre a função do
pai, no seminário O Sinthoma (LACAN, 1976, inédito aula de 13/4/76): Pode-se
muito bem prescindir dele para passar à condição de servir-se dele”, e acrescenta uma
fórmula para a relação com a mãe: “da mãe, deve-se prescindir dela, para não servi-la
mais” (SOLER, 2000/01 p.160). Alude assim, à necessidade de se prescindir dessa
posição de objeto de gozo, própria à alienação ou seja, efetivar a operação de
separação.
89
De maneira geral, as crianças que chegam nas casas lares, portam a marca de
terem sido desejadas ao avesso: o abandono é a marca de um desejo de morte”
(MAIA & FERES, 2000, p.118). Lacan, no seminário XXI, chama atenção para o risco
de uma mãe se antecipar ao Nome do pai, e submeter seu filho a um projeto, com a
condição de nomear para”, aprisionando o sujeito à uma alienação catastrófica
(LACAN, 1974. Lição de 19/03/74). Muitas vezes essas crianças, correm o risco de cair
na armadilha de assumir o mandato materno, e ficarem aprisionadas a essa marca
única parceira - lançada por um Outro primordial que se tornou ausente
demasiadamente cedo para que essa marca pudesse ser mediada por um contorno
simbólico. Assim, essas crianças ficam, muitas vezes, sem recursos diante do poder do
silêncio insondável de um Outro inatingível, que permanece como um Outro real, e
embora a função fálica não esteja excluída (as crianças não são todas psiticas), esse
Outro não as coloca em termos de valor de troca e, portanto, de perda, realçando aí, uma
ausência de limite ao gozo: é o que constitui a experiência de devastação. São essas
crianças que as mães sociais devem acolher, e exercer com elas sua função, oferecendo
quiçá, um enriquecimento do campo simlico, o raro débil, para relativizar a
regência desse imperativo materno primordial, possibilitando a operação de separação,
introduzindo a questão do semblante. Aqui, o que torna essa relação confusa e
paradoxal, é que, para haver separação, é necessário haver ausência da mãe. Mas
paradoxalmente, é de ausência de mãe que essas crianças sofrem! Entretanto, na
operação de separação, é o desejo feminino da e que cria essa ausência. Isso nada
tem a ver com a ausência ou abandono feito pela mãe no nível da realidade, pois, como
se disse, é o desejo de uma mulher que cria a ausência da mãe e o a falta dele. O
Outro só se constitui como tal para um sujeito, a partir do momento em que sua falta foi
significantizada, antes, não. Nesse sentido, deveria haver, talvez, um trabalho de luto,
que exigiria a tarefa de contornar simbolicamente a dor da perda que essas crianças
sofreram. Mas esse trabalho, trabalho hercúleo, só poderá ser efetuado com as crianças,
a partir de um acolhimento, de um desejo decidido dessas mulheres para com as
crianças – evidentemente, de um desejo que não se esgote em cada uma dessas crianças,
que aponte para um além delas. A partir de um desejo feminino por excelência, S(A),
constituído por amor, desejo e gozo – Outros.
90
Nesse sentido, o conceito de separação não só é fundamental, como desejável, na
construção subjetiva de um sujeito e, embora esse não seja o tema central desta
pesquisa, cabe aqui assinalar o equívoco da peculiaridade no emprego desse termo no
caso dessas relações entre as crianças abandonadas e as mães sociais que as acolherão,
bem como o risco de manter essas crianças-dejetos como objeto de gozo de um Outro.
91
5 - CONCLUSÃO
Investigar o problema da mãe social é aventurar-se sobre o limite entre um
universo marcado pela dor, privação, desamparo absoluto - universo que Miller batizou
de “inexistência do Outro- e os recursos que uma mulher mobiliza para lidar com esse
excesso, real impossível de suportar.
A função de mãe social é uma resposta criada pelos dispositivos poticos de
nosso tempo à questão do abandono. Como foi dito, o abandono sempre existiu.
Como também sempre existiu alguém que se encarregasse dele. Nessa parceria, há algo
que se repete, que retorna. Mas também algo novo, contemporâneo. É próprio de
nossa época a oficialização dessa parceria como um cargo trabalhista, como uma
profissão regulamentada por lei. É bom lembrar, com Miller (2005a p. 407), que o
parceiro tem estatuto de sintoma e que este se constitui por um lado, em seu núcleo de
gozo e, por outro, em seu “envoltório formal”, que é aquilo que compreende a dimensão
da civilização: o que se vai depositando no Outro da linguagem, no Outro dos laços
sociais, nos semblantes e nas ficções que regulam o gozo e vão segregando uma
sociedade em determinada época. Por isso, não é sem cabimento que se interrogue sobre
a dimensão social do sintoma contemporâneo e se verifique que tipo de resposta é dada
ao mal estar produzido por ele. Como já foi exposto, na sociedade atual regida pelo
discurso capitalista, não sem razão chamada de “sociedade de consumo”, a
determinação principal é a inexistência do Outro, que condena o sujeito ao desamparo e
à caça do mais de gozar (MILLER, 2005a p. 19). Esse tipo de discurso faz crer que é
possível ao sujeito encontrar um objeto que possa vir a satisfazê-lo. O discurso
contemporâneo propõe e brada as conquistas do ter, exacerbando assim o sentimento de
insatisfação constante, pois afirma a fórmula “nunca o bastante”. (SOLER, 2005).
Nessa ciranda, os sujeitos gozam com seus objetos, e os parceiros são incluídos nessa
série interminável de objetos, transmutados muitas vezes em descartáveis, fechando-se
um círculo entre o sujeito e seus objetos. Essa forma de ordenação social condiciona
então a que os sujeitos sejam tratados como objetos para manipular, para consumir.
Como conseqüência, a maneira de tratar as difereas nessa sociedade é marcada pela
segregação determinada pelo mercado: os que m acesso ou não, aos produtos da
92
ciência. Prolifera-se assim o grupo dos “sem”: sem terra, sem teto, sem emprego, sem
comida... (QUINET, 2001 p.18) Acrescenta-se à lista, os sem mãe, sem família, sem lar
essas crianças anônimas, rebotalhos, que perambulam pelas ruas, denunciando com
sua presença incômoda o que o se quer ver, o que deve ser eliminado porque causa
mal estar. Os programas poticos, então, são chamados a intervir, a dar uma resposta às
demandas sociais e às questões que essas crianças carregam.
As mães sociais entram no
rol dessas respostas. Os programas de poticas públicas de ação social criam, assim,
profissionais gestoras dos desvios do gozo, buscando prevenir os perigos que os
segregados possam oferecer.
Entretanto, as possibilidades de direção dessa função de mãe social, são
diversas, de acordo com a posição que toma aquela que acolhe essas crianças. A
maneira como cada mãe social exercerá sua função implica uma posição sua em relação
à própria privação, como poderá se haver com a falta, seu endereçamento ao Outro e sua
posição quanto ao desejo e ao gozo.
A forma como as mães sociais intervêm na regulão do gozo, não raro
desregrado, dessas crianças que clamam por alguma ação apaziguadora e o próprio gozo
obtido por elas com o exercício da profissão expõem um circuito percorrido por essas
mulheres. Esse circuito foi analisado nesta pesquisa através do quadro da sexuação
proposto por Lacan. Assim buscou-se indicar como essas mulheres se dividem (ou o)
entre o campo fálico,Φ, onde estariam situadas a questão da maternidade ( que o nome
da profissão é Mãe social), na direção S a, e a questão do não-todo, do significante
da falta, S(A), o campo do desamparo, da inexistência do Outro, questões cotidianas e
cruciais nessa profissão:
S
Φ
S(A)
a
AM
93
Entretanto, um grupo de mulheres que estão na profissão, mas não estão
comprometidas com ela e que, portanto, se excluem desse tipo de análise, embora
devam ser contadas como mães sociais. Nesse grupo, aparecem aquelas mães que se
dispõem a aceitar o cargo de mãe social em consonância com o programa capitalista.
São as mulheres “sem emprego”. Elas poderiam se candidatar a essa profissão ou a
outra qualquer. Aceitam o cargo de mãe social oferecendo-se como objetos e se
submetendo à função de calar o clamor do mal estar social, retirando das ruas, os
objetos-dejeto, as crianças “sem mãe”, pesadelos sociais, manequins das vitrines de
horror que se quer evitar ver. Oferecem a todos “os necessitados”, indiscriminadamente,
os objetos-gadgets da necessidade, desconsiderando o desejo e a singularidade da
demanda de cada um. Assim, para os desabrigados, abrigo; para os famintos, comida;
para os sem mãe, e social. Esse programa leva o utilitarismo ao extremo,
acompanhado por um discurso do direito ao gozo, contribuindo apenas para incrementar
o sentimento de desapropriação. Nesses casos, esse nome e social numa casa
chamada lar, evoca uma falsa aparência de felicidade, um “mito do amor maternonas
instituições. Essa situação, paradoxalmente, costuma expor a ruptura dos laços
familiares, exacerbando, muitas vezes, a nostalgia das crianças, reafirmando seu
abandono, pois transpira por toda a instituição, que o melhor lugar para se viver, seria
no seio de uma relação familiar coisa que foi extirpada delas. A casa, que poderia ser
denominada aqui, “casa de expostos”. E a mãe: “mãe do programa”, ou melhor, talvez,
“mãe de programa”. Essas mulheres-objetos pagas para tamponar um sintoma social,
figuram apenas como montagens de uma imagem, como quer o mercado, uma novela ou
um “programa” de televisão, bem ao estilo reality show. Big Mother Brasil”!?
As outras mães, que escolheram a profissão e estão no ofício para extrair dele
algum tipo de satisfação, podem ser analisadas segundo o percurso do circuito
identificado no quadro da sexuação de Lacan, quando buscam uma via de gozo fálica (
S a) ou um Outro “di-vertimento” (PORTUGAL, 2005), de acordo com a
possibilidade de uma dupla abertura ao campo do S(A) e ao campo do fálico,Φ.
Num primeiro grupo, estão as mães sociais que buscam a profissão nos moldes
da mulher freudiana que interpreta a mulher pela mãe, com o gozo extrdo da profissão
se articulando no campo do fálico ( S a). As crianças que elas acolhem, ocupam o
lugar da série de equivalências licas, não para remeter as mães a uma divisão, que as
94
conduziriam ao S(A), mas para gozar da falta. Existem, evidentemente, várias facetas na
forma de gozar com a falta e elas podem ainda, combinar-se. Existem, por exemplo, as
mulheres que bancam o objeto-dejeto, objeto rebaixado, rebotalho, e chegam a ostentar
a falta, numa posição de especularidade com as crianças, mostrando-se impotentes
diante da situação de privação. Outras, ainda gozando da falta, almejam se fazer ser o
que falta no Outro, não para completá-lo, mas justamente para manter o desejo
insatisfeito, o que possibilita uma identificação que incide sobre o desejo, “isto é, com a
falta tomada como objeto, e não com o objeto de gozo, ou a causa da falta”. (LACAN,
[1973] 2003 p. 554). Algumas vezes, essas mulheres se vestem sob o véu da “mãe do
amor” e tomam a profissão de e social como uma forma de obturar sua falta fálica,
ficando, assim, interditado a essas mães que são demasiadamente mães, o acesso à
contingência de um gozo Outro, que o se articula na lógica fálica. Nos piores casos,
as crianças são tomadas como filhos próprios ao preço de condená-los a se prestarem ao
serviço erótico dessas mães, mesmo chamadas sociais, eliminando assim a tão
necessária possibilidade de separação.
Nos melhores casos, entretanto, nessa conjuntura atual de desagregação dos
vínculos sociais imposta pelo discurso capitalista, essas mulheres, que se dirigem às
crianças nos moldes da “mãe toda amor”, têm aí incluído seu lado “bela alma”, e com
ele, buscam restituir algo que está, atualmente, em decnio, em escassez que é da ordem
de um Ideal. Elas se colocam na contramão do discurso capitalista, salvaguardando o
simbólico pela via do ideal ou de um significante mestre. Isso significa dizer, com
Collete Soler, que o poder de uma mãe, passa pelo verbo” (SOLER, 2000/1 p.161).
Assim, inscrevendo a linguagem para essas crianças sob os significantes amos os
significantes do Ideal as mães produzem nelas um efeito de castração. A mãe, não é a
causa do efeito de castração, mas é, entretanto, o veículo desse efeito de castração da
linguagem (SOLER, 2000/01). Dependendo da maneira como ela se inscreve nesse rol
de mediadora do discurso, seu mandato ou sua regência de mãe aumenta ou se
relativiza, conforme esteja toda na função mãe ou não.
Assim, em alguns casos, a posição de mãe, que inicialmente se inscreve no
trajeto S a, no campo Φ, pode abrir-se para uma outra via:
Apesar de a maternidade ser vista, por alguns, como plenitude, é nos casos
mais felizes que vemos o quanto a criança presentifica a castração,
95
escancarando a perda para a mãe. O que essa experiência subjetiva sugere
é que o acesso à maternidade pode ser, e é em muitos casos, a veia aberta
para o feminino, quando o filho reenvia a mãe, como mulher, a um homem,
e ao gozo Outro, além do fálico” (GUATIMOSIM, 2006b).
Num segundo grupo de mães sociais que fizeram a opção pela profissão e
mesmo buscam a profissão como uma possibilidade de se doarem, a parceria que essas
mulheres fazem é com o Outro do amor, do desejo e do gozo, Outro ao qual a posição
feminina tem acesso em S(A) e falo maiúsculo: Φ. Nesse grupo apresentam-se mulheres
que encontram acesso ao gozo por intermédio de uma entrega ao Outro numa oferta de
amor. Algumas vezes, a elação amorosa exibe uma entrega ao Outro em um grau tão
extremo, que essa abolição voluntária ao Outro, lembra algumas formas de misticismo.
Nesse grupo, se percebe que essas mulheres se dirigem não às crianças no lugar
de suprir sua falta fálica, mas se dirigem ao abandono, ao desamparo, ao que se pode
inscrever como campo do S(A). O trajeto aqui seria: A M S(A). Aqui, o que se busca
é o que está fora da medida fálica. O circuito se com a partida pela via do não-todo,
muito embora ele se complete com uma abertura para o campo do fálico, nesse caso
como mãe social, uma vez que não possibilidade de haver sujeito que não esteja
inscrito numa lógica lica e é o Φ que sustenta a possibilidade de qualquer escrita.
Assim, nesse grupo, um trajeto que vai do real ao simlico, que propõe uma nova
forma de laço social a essas crianças, através de um ato de amor. O Recurso extraído da
bipartição feminina (A) é de uma condição simbólica que não passa necessariamente
pela precondição de estarem colocadas em um lugar (em a) no fantasma de um homem,
ou de um pai na realidade - posições estas, contingentes. Sem esta mediação, a falta no
universo do discurso (lugar também do desamparo), enla o pai a partir de um lugar
ex-sistente, acionando os recursos simbólicos e a castração que o discurso veicula,
diferente do pai da interdição ( imaginário) e do desejo de um homem que descompleta
a mãe.
É interessante lembrar Freud em Mal estar na civilização (1930[1929] p. 124),
quando ele afirma que as mulheres seriam pouco capazes de executarem tarefas
civilizatórias. Os valores grandiosos da pátria, ligados a uma preocupação coletiva e ao
trabalho da civilização com finalidades culturais, estariam a cargo dos homens. Segundo
ele, as mulheres seriam demasiadamente inclinadas a investir nos objetos próximos, no
96
interesse da família e na vida sexual. Segundo Freud as mulheres se “oporiam à
civilização”. Essa seria uma referência a uma das versões freudianas ao problema do
superego nas mulheres: a versão que propõe uma instância civilizadora ou
normativadora e que, nas mulheres, estaria numa forma menos definida, menos acabada
que nos homens. Na perspectiva lacaniana, paradoxalmente, o superego não é uma
instância reguladora, mas um imperativo de gozo. E, justamente por essa instância estar
em defeito” nas mulheres, essa condição as conduziria à possibilidade de acesso a uma
viao-toda regida pela via fálica, não-toda conformada ao superego paterno pós-
edípico de Freud, mas na via da ética do desejo. Assim, nas mulheres especialmente,
ficaria aberta, tanto a via da versão superegóica de um empuxo ao gozo, que pode ser
devastadora se a mulher não se sustenta numa ligação com a lógica fálica, como a
contingência do encontro de um gozo o-todo fálico, um gozo Outro. Em virtude,
ainda, dessa abertura ao real, é que, também especialmente, as mulheres recorrem
insistentemente ao amor. O amor seria uma das formas de atamento à ordem fálica. O
amor é o que faz suplência à inexistência da relação sexual - amo a partir do que, entre
os sexos, falha” (MANDIL, apud BRANCO,2000 ,p.43). Esse amor, que é próprio das
mulheres, que se dá na falha do universo do discurso, que aparece na fratura do muro da
linguagem, pode aparecer por surpresa. (GALLANO, 2002). É um amor singular,
responde ao um a um e leva em conta o acaso. É diferente do amor das massas,
socializante, que se dirige à compacidade do grupo, que Freud cita em “Psicologia das
massas e análise do eu” (FREUD, 1929), amor dirigido a um Ideal, que, por ser comum
aos diferentes “eus” que compõem o grupo, permite sua identificação recíproca e os
constitui como conjunto (SOLER,2005, p.168). Esse é um amor masculino, que se
pela via do fantasma: dirige-se a um objeto que possa ser causa de desejo. O amor
materno entra também nessa via, a criança aí inclda como objeto tampão da fantasia
materna, podendo prescindir dessa posição de acordo com a mediação da metáfora
paterna. Nada contra esse amor. o se propõe aqui um ideal do “melhor amor”. Aliás,
na época atual, talvez a fórmula “qualquer forma de amor vale a pena”, seja o que de
melhor se possa esperar. Mas o amor feminino é outro. É um amor singular, é um amor
que o vale para todas as mulheres e que, por isso mesmo, pode propiciar o retorno do
singular sobre o coletivo, fazendo outro tipo de laço social. Colette Soler aponta que
97
atualmente, mais do que nunca amamos o amor, pois, quando amamos, dizemos
prosaicamente que temos uma “relação” ou uma “ligação” .(SOLER,2005, p.172).
Essas mulheres, por operarem a partir do campo do real que é exterior ao fálico,
retiram a possibilidade de se obturar o vazio da privação e, tal como fazem os poetas,
elas possuem a arte de cingir a coisa” (GUATIMOSIM, 2006a), artesanalmente,
oferecendo uma borda ao gozo, a esse vazio escavado pela experiência tão dolorosa a
que essas crianças ficam expostas, podendo assim, mais que responder, dar um
tratamento a essa infinitização das demandas imediatistas” (MAIA & FERES, 2000).
Realizam o trabalho de circunscrever o horror, o insuportável, oferecendo um campo
simbólico a essas crianças e quiçá logrando produzir mudaas nas relações desses
sujeitos com os fenômenos desse gozo invasivo que escapa à palavra. Elas acreditam
que haverá uma palavra, uma boa palavra, capaz de responder pelo fora de sentido
imposto pelo real. Místicas ou não, trata-se de um ato de fé na linguagem.
Essas mulheres oferecem um lar às crianças, pois, segundo Lacan, O homem
encontra sua casa em um ponto situado no Outro (...) esse lugar representa a ausência
em que estamos.” (LACAN, 2005[1962/3] p. 58). O Outro, aqui, é entendido como o
que faz surgir como campo a intervenção significante” (LACAN, [1969/70] 1992 p.13).
Se o desamparo e a ausência são estruturais, já que um abismo entre o que se
demanda e o que se recebe do Outro, para essas crianças, esse desamparo é signo de um
abandono real, gozo da morte, e pode se transmutar em ausência e separação através
de um contorno desse vazio infinito. Assim, para o desamparo agudo que essas crianças
vivem, o abrigo possível, e sempre precário, é o da ngua. São crianças que exigem,
mais que qualquer um, a presença constante de um Outro que não desapareça, ou que
reapareça sempre, que suporte seu desconcerto extremo, de maneira estável, contínua.
Que sustente a regulação de seus corpos, que possa civilizar, conter, ordenar, inserindo
os pequenos assuntos diários de cada um num contexto simlico.
Este trabalho de pesquisa visa, mais que qualquer outra coisa, dar um
testemunho do que foi visto como possível de se realizar, embora nem sempre o seja,
pois o êxito revela a fórmula da continncia: aquilo que o se inscreve... a o ser por
um golpe, uma ruptura, um lance de dados e...cessa de não se inscrever. Nesse sentido,
os programas de poticas públicas devem exercer uma seleção criteriosa, na escolha
dessas mulheres, levando em conta a questão do desejo. Não é em qualquer profissão
98
que o desejo abrilhanta, principalmente em serviços ditos públicos”, onde às vezes o
desejo é até mesmo contra indicado, por serem muitas vezes, funções burocráticas e
repetitivas. Aqui, há uma aposta em jogo. Aposta, que deve ser “a” posto como causa de
desejo. Algumas mães sociais realizam o trabalho de transformar o obsceno em
erógeno; de alcançar a caligrafia do corpo, seus orifícios, suas dobras, suas rugas, ali,
onde só havia carne; de elaborar a infância desamparada, inventar um pai, sem invalidar
o lugar de origem, a hisria, seja ela triste ou trágica. Criam laços e cultivam estes
laços – catados de estilhaços e, atados, meninos então, sócios da vida.
99
LIMITAÇÕES DO TRABALHO
E
SUGESTÕES PARA NOVOS ESTUDOS
No decorrer da pesquisa alguns temas surgiram como fonte de indagações,
embora não fossem o objetivo principal desse estudo. Assim elas tomaram o caráter de
possibilidade de continuação de estudo ou de novas investigações.
Uma indagação que surgiu e que não foi levada adiante, por não ser o tema
central da pesquisa, foi a questão do pai nas casas lares. Seria necessário que houvesse
um homem para que houvesse pai? Deus poderia entrar nessa função? A legislação e o
Estado como interventores, bastam para exercer a função?
Sabe-se que a paternidade, segundo a psicanálise, está ligada ao fato de que o
humano fala, e não ao fato de o homem produzir espermatozóides. Embora se tenha
partido dessa premissa, supõe-se que seria interessante e rico pesquisar melhor sobre
aquilo que faria essa função para as mulheres nas casas lares.
Além disso, alguns homens têm se candidatado para a função, juntamente com a
demanda de regularização dessa profissão enquanto “Pais sociais”. Essa poderia
também ser uma fonte riquíssima de pesquisa.
100
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VENÂNCIO, Renato P. Famílias abandonadas. Campinas, SP: Papirus, 1999
108
ANEXO 1
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Título do Projeto: UM ESTUDO PSICANALÍTICO SOBRE A OPÇÃO
PROFISSIONAL DE SER MÃE
Este termo de consentimento pode conter palavras que voo entenda. Por favor, peça
ao pesquisador que lhe explique as palavras ou informações que você não entendeu.
1) Introdão
Estamos entrando em contato com você, para convidá-la a participar de uma pesquisa
intitulada Um estudo psicanalítico sobre a opção profissional de ser mãe”. Gostaríamos
de saber de seu interesse em participar desse estudo e esclarecê-la melhor sobre o
mesmo.
As informações que seguem, relativas ao estudo que se propõe e ao papel que nele
você desempenha, são muito importantes para que decida se aceita ou o participar do
mesmo.
Algumas entidades responsáveis pelas casas lares em B. H. foram contatadas por
telefone e se dispuseram a fazer parte da amostra dessa pesquisa. A entidade responsável
pela casa-lar que votrabalha foi uma das que se dispôs a contribuir, e é por isso que
estamos convidando você a participar dessa pesquisa como mãe social.
Desta forma, sua participação é importante, mas não é obrigatória. Caso concorde
em participar da pesquisa, você deverá assinar este “Termo de Consentimento” e conceder
uma entrevista à pesquisadora.
É preciso, assim, que voentenda a natureza de sua participação e possa avaliar
seu interesse, antes de dar o seu consentimento livre e esclarecido. Caso você aceite
109
participar, deve fazê-lo por escrito, assinando este “Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido”.
2) Objetivos
Para facilitar seu esclarecimento, destaca-se que o Objetivo Geral desta pesquisa é
estudar a operacionalização desta nova profissão denominada “mãe-social”, buscando
identificar alguns motivos que levaram algumas mulheres a ocuparem esta função.
Como objetivos específicos foram estabelecidos:
1- Tornar compreensível a articulação entre conceitos relacionados ao tema,
tais como “mãe”, “mulher”, “feminino”, bem como a implicação dos
mesmos na questão do abandono, desamparo e privão.
2- Analisar o papel determinante que as “mães sociais” têm para a
constituição subjetiva das criaas envolvidas no processo.
3- Fornecer informações que possam beneficiar as políticas blicas naquilo que
respeita ao tema, que esta é uma situação nova e, supõe-se, aberta a avaliações e
re-avaliações.
3) Procedimentos do Estudo
A entrevista que lhe é solicitada traz questões que visam compreender a forma
como essa nova profissão vem sendo desenvolvida e os motivos que levaram você a
optar por ela, bem como buscar entender quais são as implicações do abandono, da dor
e da privação nessa escolha.
As informações coletadas, a partir das entrevistas gravadas, serão analisadas de forma
qualitativa, de maneira que os resultados serão mencionados como pertencentes a um
grupo e não a um indivíduo isolado. Espera-se concluir a pesquisa com resultados úteis
aos interessados no tema e isto implica que eles poderão ser úteis também a você. As
conclusões obtidas serão apresentadas às instituições estaduais e municipais implicadas
e estarão à sua disposão. Aspira-se que os resultados sejam transmitidos em jornadas
clínicas, seminários, congressos e em artigos a serem publicados em revistas
110
especializadas conforme os cuidados éticos. O texto final estará disponível na biblioteca
da PUC Minas.
4) Riscos e desconfortos
O trabalho foi elaborado de maneira a preservar sua identidade e manter o
anonimato. Uma precaução que deve ser tomada é a destruição das fitas gravadas,
após sua transcrição, evitando-se, assim, que o autor daquele depoimento possa ser
identificado.
Como já foi dito, nessa pesquisa, não se visa a particularidade da pessoa
envolvida, mas a profissão de mãe social, de forma geral, bem como identificar alguns
motivos que levam alguém a empreender tal atividade.
Sendo assim, acreditamos que o único risco que por ventura possa haver, seja
um desconforto causado pelo fato de estar sendo entrevistada, já que, como foi
assegurado, sua entrevista terá um caráter confidencial.
5) Benefícios
Acredita-se ser importante uma reflexão sistemática sobre a questão do
abandono de criaas e conseqüentes respostas sociais que a ele têm sido dadas, nelas
incluindo a criação de mercado de trabalho, tal como o aqui referido. Nesta ocasião, sua
opinião será levada em conta e suas idéias poderão ser manifestadas sem nenhum risco
pessoal. Sua visão crítica e seu papel neste campo podem contribuir para melhoria da
categoria e das respostas sociais em termos de possíveis soluções para os problemas
com os quais você lida diariamente. O resultado da pesquisa ainda deverá ser levado a
público, visando uma reavaliação crítica das propostas e suscitando debates com os
óros competentes, em função da extrema importância social e da responsabilidade que
esta profissão implica.
6) Custos/Reembolso
Você não terá nenhum gasto com a sua participação na pesquisa, nem tampouco
receberá pagamento por ela.
111
7) Caráter Confidencial dos Registros
Embora as conclusões dessa pesquisa devam ser levadas a blico, a partir de
suas informações e de sua participação nas entrevistas, sua identidade será mantida em
sigilo.
A pro Ilka Franco Ferrari, que orienta esta pesquisa, também terá acesso às
informações obtidas para que, junto com a pesquisadora, possam discutir e avaliar os
dados. Os membros do “Comitê de Ética em Pesquisa”, da PUC Minas, poderão
consultar os registros de sua entrevista, caso seja necessário. Essas pessoas e órgãos
terão acesso apenas às informações que você possa vir a fornecer e não à sua identidade.
A pesquisadora se compromete a proteger e assegurar sua privacidade, o permitindo
que você seja identificada.
8) Participação
Sua participação nesta pesquisa consistiem uma entrevista que será gravada,
permitindo, depois, que os dados possam ser utilizados para o estudo já mencionado.
Durante a entrevista espera-se que você responda da forma mais clara e mais
honesta possível, às questões que lhe forem dirigidas e que possa, ainda, falar
livremente o que entender que seja útil ou necessário, uma vez que o tipo de entrevista
proposto supõe algumas perguntas que orientem a conversação, mas deixem espaço para
sua livre manifestação. Você poderá, ainda, se recusar responder a alguma pergunta.
É importante que você esteja consciente que sua participação neste estudo é
completamente voluntária e que você pode se recusar a participar da mesma, sem
penalidade alguma. Caso você decida retirar-se do estudo, deverá notificar ao
pesquisador responsável.
9) Para obter informações adicionais
A pesquisadora responsável é a aluna do mestrado em Psicologia da PUC Minas,
Nádia Rodrigues de Figueiredo e você poderá se dirigir a ela, a qualquer momento que
julgar necessário, para tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua participação no mesmo.
Caso você venha a sofrer danos relacionados ao estudo ou tenha mais perguntas
sobre o mesmo, poderá entrar em contato com o representante do Comitê de Ética em
Pesquisa na PUC Minas, Heloísio de Resende Leite (coordenador) no telefone (031)
112
3319-4298 ou e-mail cep.proppg@pucminas.br ou para Nádia Figueiredo no tel (031)
99542588 ou e-mail [email protected]m.br
10) Declaração de consentimento
Li as informações contidas neste documento antes de assinar este Termo de
Consentimento. Declaro que fui informada sobre a forma em que a pesquisa ocorrerá, os
seus objetivos, seus benefícios e seus eventuais riscos.
Declaro que tive tempo suficiente para ler e entender as informações acima.
Declaro, também, que toda a linguagem técnica utilizada na descrição deste estudo de
pesquisa foi satisfatoriamente explicada e que recebi respostas para todas as minhas
dúvidas. Confirmo, ainda, que recebi uma pia deste formulário de consentimento.
Compreendo que sou livre para me retirar do estudo a qualquer momento, sem perda de
benefícios que me são próprios e sem qualquer penalidade.
Dou meu consentimento de livre e espontânea vontade e sem reservas para participar
deste estudo.
-
Nome do participante:
Assinatura do participante ou representante legal Data
Atesto que expliquei cuidadosamente a natureza e os objetivos deste estudo junto ao
participante. Acredito que o participante recebeu todas as informações necessárias,
fornecidas em uma linguagem adequada e compreensível, favorecendo a compreensão
das mesmas.
Assinatura do pesquisador Data
113
ANEXO 2
CARTAS DE CONSENTIMENTO
Belo Horizonte, / / .
Prezado(a)
Responsável pela instituição:
Como já foi acordado, anteriormente, por meio de contato telefônico, sua
instituição participa do estudo que realizarei para minha Dissertação de Mestrado,
elaborada dentro da linha de pesquisa denominada “Psicanálise, subjetividade e práticas
clínicas”, no Programa de Mestrado em Psicologia da PUC Minas.
Gostaria, então, de solicitar a oficialização de seu consentimento, por escrito,
para a realização da pesquisa intitulada Um estudo psicanalítico sobre a opção
profissional de ser e”, a qual visa desenvolver como se operacionaliza esta nova
profissão denominada “mãe social”.
Esta pesquisa tem como objetivo buscar alguns motivos que levaram algumas
mulheres a escolherem essa profissão, bem como estudar a relação dos conceitos
teóricos “mãe”, “mulher” e “feminino” com o abandono e a privação.
Os sujeitos envolvidos serão as mães sociais, voluntárias, que trabalham na
instituição sob sua responsabilidade. A participação delas consistiem conceder uma
entrevista à pesquisadora.
A seguir, encaminho-lhe o modelo da declaração de consentimento que poderá ser
usado para a oficialização do aceite pela sua instituição.(anexo 1)
Agradeço-lhe a cooperação e compreensão relativa à importância do trabalho a ser
desenvolvido e que, seguramente, trará benefícios aos implicados neste estudo.
Coloco-me à disposição para outros esclarecimentos que se fizerem necessários,
a qualquer momento.
Atenciosamente,
_Nádia Rodrigues de Figueiredo
114
DECLARAÇÃO DE CONSENTIMENTO
Declaro, para os devidos fins, que fui informado sobre os objetivos dessa pesquisa e
estou de acordo com a participação dessa instituição neste estudo.
Dou o meu consentimento livre e esclarecido para que a instituição da qual sou
responsável possa participar da pesquisa, através das mães sociais que aqui trabalham.
Nome da Instituição
Assinatura do responsável pela instituição
----------/------------/---------
Data.
115
ANEXO 3
ENTREVISTAS COM AS MÃES SOCIAIS
ENTREVISTA1 – Pg. 115
ENTREVISTA2 – Pg. 125
ENTREVISTA3 – Pg. 137
ENTREVISTA4 – Pg. 140
ENTREVISTA5 – Pg. 149
ENTREVISTA6 – Pg. 162
116
ENTREVISTA - 1
Entidade: Irmão Sol
Mãe Social : Maria da Piedade
DATA: 06/07/2005
P: Gostaria que vc falasse um pouco sobre sua experiência como Mãe social.
M: Tem cinco meses que eu aqui na casa. Como mãe social, em, assim tipo casa lar,
o.Eu já trabalhei há uns dez, doze anos na minha comunidade, como voluntária de
pastoral da criança, e como missionária que mexe com esse tipo de idade mesmo. A
pastoral da criança começa de zero a seis anos e continua com a infância missionária até
os dezesseis. Isso sempre me trouxe assim um contentamento.... Mas era voluntário,
como mãe social, essa é a primeira vez.
P: Como vc ficou sabendo desse emprego?
M: Pela entrevista com o Frei Mariano, na radio América. eu liguei, a Luciana
marcou o dia que eu viesse fazer entrevista com ele, e aqui estou.
P: O que te levou a buscar esse tipo de emprego?
M: Bom, é... quando eu vi a entrevista, eu num sabia nem de quê que se tratava, eu
interessei assim sabia que era uma coisa de igreja, assim, que eu gosto, mas eu o sabia
que era esse tipo de coisa não. Depois da entrevista que eu fiquei sabendo, aí eu,como
eu já tinha um certo conhecimento lá na minha comunidade, eu achei que ia ser legal,
até por ter muita ajuda, assim, que as vezes eu queria fazer muita coisa na minha
comunidade, por falta de oportunidade, de condições realmente, eu num pude. Então
falei, graças a Deus, quem sabe aqui eu vou ter mais recurso pra ajudar, né?
P: O quê por exemplo?
M: Principalmente, assim, na minha comunidade, financeiramente. Porque pra ajudar
realmente, como é muito carente, precisava muito de coisas materiais; e aí, eu fazia o
que podia, mas num...(risos)
P: O quê que ce fazia?
M: Lá, a gente ainda faz ainda, final de semana inda mexe com a pastoral da criança...
P: Você fica aqui a semana inteira?
M: É, e final de semana inda ajudo lá...mais... é.. teve uma época, que... durante três
meses eu até servi comida na minha casa, por causa da... eu tenho foto, tem tudo lá,
117
das menina, elas me cobram muito ainda, mais aí como... num tive como... assim ter,
um local, era na minha casa, mais, eu queria mesmo um local próprio , né, e, a
comunidade é carente tava difícil, então, e também eu adoeci na época, foi preciso de
parar. Na época eu fiquei com... assim.... cansaço, né? Tipo stress, de, porque era por
volta de 25/ 30 criança. Todo dia, ia pra escola, almoçava pra ir pra escola, os que saia
11 hora passava lá almoçava, aí eu fiquei stressada, tive que parar.
P: Como foi esse stress? O quê vc sentia?
M: Fiquei muito cansada, fiquei ... é...assim... depois, um pouco de descanso... aí
passou. Mas quando eu vim pra cá, que eu conheci realmente o trabalho, eu vi que tem
condições aqui de ajudar os meninos, ... achando legal. Tô gostando muito...pelo
menos, eu acho que... tô tentando fazer o que pede, né? na, na profissão.
P: O quê que pede?
M: (... ) Eu... eu levo muito a sério... eu acho que, mãe social tem que ser mãe
realmente.
P: Hum.
P: O quê que é ser mãe realmente?
M: É... uai eu, na medida do possível, eu, eu procuro a... a... atende-los na necessidade;
um acompanhamento com médico, na escola, reunião escolar, é... mesmo em casa
assim, conversando com eles...assim, todos nós temos problemas, eles também tem,
então, é preciso da gente dar uma atenção pra eles... é... esse tipo de coisa.
P: Qual é a idade dos meninos aqui?
M: É de 14 a18.
P: Só adolescentes?
M: Só adolescentes.
P: É difícil, né?
M: É... mais eu... eu, pelo menos eu, tenho uma consciência que eu acho que eu... eles
se dão bem comigo assim...
P: Maria da Piedade, pelo o que eu fiquei sabendo, nas casas lares, entra e sai muitos
meninos... tem uma rotatividade grande, ou não?
M: É... entra e sai...
P: E como fica isso? Ce já ta num ritmo, na casa, entra um novato... como que é? Muda
muito?
118
M: Muda, tem vez que chega um que, eu até converso muito com os meninos aqui, falei
gente, se nós temos 8, 9 adolescentes, até 10, tão bem na casa, não deixa que um que
chegar assim com mau hábito, atrapalhar vocês não; tenta consertar o um e não deixa
o um atrapalhar vocês que são a maioria.
P: E você consegue?
M: Muito difícil.
P: É?
M: É. Até por aquele adolescente na... no ritmo, demora muito. É Complicado...
P: E como é que você faz?
M: É um desafio, né? Tem que ter o... tem que ter assim um acordo.Um jogo de cintura,
porque se for olho por olho e dente por dente, num consegue não... Tem que abrir o
de muita coisa, tem que ir devagar, se ele xinga e da nervoso é preciso da gente
controlar e deixar ele acalmar pra depois a gente ir conversar, porque na hora que eles
tiver rebelde, não adianta conversar também não, só piora... só piora.
P: Maria da Piedade, e por falar em abrir o de muita coisa, você abriu o de muita
coisa na sua vida?
M:... ... Da casa lá né, da casa da gente principalmente, né?
P: Ce é casada?
M: Sô, sô casada... tenho quatro filhos, tenho um netinho...
P: É mesmo? E como você faz com sua família?
M: Ó, meus dois filhos mais novo mora aqui.Eles vêm, é quando eu fiz inscrição,o
Frei... no primeiro momento, eles ia ficá,depois o Frei falou “não... traz os adolescente,
que é bom os adolescente, porque graças a Deus são... meus filhos...é...só quem
conhece...porque se eu falar...é suspeito, né, mas graças a Deus são é... não dão trabalho,
o Frei achou que por bem, de... “o, deixa os dois mais novo vir...
P: Qual é a idade deles?
M: 15 e o outro fez 18 agora. E... inclusive o mais velho na hora que, os meninos tão
estudando, fazendo trabalho aí, ele ajuda, no trabalho escolar dos meninos... as vezes sai
com o educador também pra fazer visita na casa dos familiar dos adolescentes, pra
pegar uma transferência escolar, ele ajuda voluntário. E...o mais velho trabalha fora né,
a menina é casada também mora no barracão próximo de casa mesmo, então...é... não
dão trabalho não, num preocupo não.
119
P: Você fica aqui de segunda a...
M: De domingo à noite a sábado de manhã. Eu chego aqui domingo oito horas da noite.
P: E o marido?
M: Ele tá aqui também.
P: Ah, ele veio também?
M: É... ele vive aqui também.
P: Então são os dois?
M: É. É mãe e pai social.
P: Ele também é pai social?
M: É.
P: Existe essa profissão?
M: Existe, aqui, é.... bom, né, fiquei conhecendo aqui na Irmão sol, né, mas existe,
muito tempo aqui nas casa lar...
P: Mas ele é registrado na carteira como Pai social?
M: Não, não. Ele é voluntário.
P: A sua carteira é registrada como mãe social?
M: É. A minha carteira é.
P: O pai social então é o marido da mãe.
M: É.
P: Ele trabalha fora?
M: Ele é aposentado. Ele é voluntário, porque ele é aposentado.E ele.. mais ele,
inclusive ele ta pro médico com um adolescente agora.
P: Então ele te ajuda muito?
M: Ajuda, ele acompanha tudo por tudo aqui.Todas atividades, ajuda com os
adolescente... ajuda também.
P: Ele é religioso?
M: E muito, graças a Deus.
P: Vocês fazem isso por causa da religião?
M: É...Inclusive isso aí é... é... que eu acho muito importante, graças a Deus eu to
conseguindo, é porque de repente, você até já tem noção de como que é que é uma,
uma, um adolescente assim sem, sem raízes, sem ensinamento nenhum, eles chegam
aqui num sabem nem o que é uma Ave Maria, e eu graças a Deus to conseguindo. A
120
gente faz a oração seis horas da manhã, é faz na hora do almoço e da janta, é, cheguei
aqui, já fazia... e a noite também a gente faz depois da janta , e, inclusive dia 15
próximo agora, vai batizar dois adolescente daqui da casa e no domingo dia 17 vão, 6
o fazer a primeira eucaristia. A gente ta preparando aqui.
P: Aqui são meninos e meninas?
M: Não. homens.Só adolescente meninos. E ...e tão bem aceitos, eles tão, levam a
sério mesmo, na hora da oração, que eu também acho muito importante, é , inclusive é
uma das prioridades que eu acho no , na, na educação, é... é a religião. To fazendo o
que pode.
P: E sábado como é o dia?
M: É... eu vou pra minha casa, em contagem. Os meninos todo sábado, todas as casas,
eles tem a ... tem o clube, lá no vida nova, é... nova Pampulha, e eles vão e se reúnem
todos os sábados. Todas as casas, tem piscina, tem campo de futebol, tem quadra, aí
eles passam o dia todim divertindo.
P: E os seus meninos? Também vão pra lá?
M: Meus meninos vão no... é... porque uma vez por mês, éééé... cada casa é responsável
por esse dia, né? Inclusive sábado agora é o nosso dia, dessa casa aqui.eles vão
comigo, as outras vezes, é difícil deles ir, porque como a gente trabalha na nossa
comunidade, eles também trabalha lá, o mais novo é da infância missionária , o outro
trabalha na catequese lá, aí é mais difícil ir todos os sábados lá por isso...
P: Então, esse trabalho de vocês, é quase uma vocação, né?
M:Também, né? Também uma vocação.
P: O que você mais gosta, neste emprego?
M: O que eu mais gosto? Uê, o que eu mais gosto é porque quando eu batalho e vejo
resultado, eu gosto muito.
P: aconteceu de você... por exemplo, entrar um adolescente, que seu santo não bate
com o dele? Tem isso?
M: Não. Que não bate não tem não, mas só que a gente já batalhou muito e o
conseguiu resultado, já. Alguns. Não é um não... Infelizmente, vários. Muitas vezes,
a gente não consegue sucesso.
P:Tem por exemplo algum adolescente que te enfrenta, que te desrespeita?
121
M: Menina, eu, eu, sinceramente, pelo que eu vejo, muitos adolescentes rebeldes eu
agradeço muito a Deus, porque não, viu. Me respeitam, eu sinto que realmente eles
gostam de mim, num ...
P: E quando você diz que não dá certo, o que que é que não dá certo?
M: Quando o dá certo? É quando eles próprios não querem mesmo ajuda. De repente,
é os que mais precisa de ajuda , é os que não aceita, , é... assim o hábito de rua, eles
acham que as paredes aqui não é o local adequado pra eles, e se a gente quer conversar,
eles não querem ouvir, sabe, quando que não tem jeito mesmo, mas, tenta muito
mesmo,quando vê que não tem jeito, que eles quer ir embora, eles mesmos vão.
P: Aqui é aberto? Como que é?
M: Não é forçado ficar aqui. Vem, é muito aceito, a gente quer ajudar no que
precisar,mas se realmente o adolescente não quiser, falar, eu não quero, eu não guento
ficar assim, porque é aberto assim, é aberto no caso assim de não forçar a ficar, mas
também se quer ficar não pode ficar na rua toda hora direto, porque senão não tem
sentido, né?Se a gente quer que panha um bom hábito, e se ficar toda hora na rua não
tem como.
P: Eles estudam?
M: Estudam, fazem cursos, na casa tem atividades.
P: Que tipo de atividades?
M: É tem o tapete de retalho, faz bijouterias, faz é cachorrinhos, faz jacarezinho disso
aqui (mostra um colar), agora como, por ser época da quadrilha tão fazendo as
bandeirinhas pra... porque nós vão ter a festa da quadrilha também, e tem o professor de
desenho, que vem dar o desenho pra eles, tinha o de música, mas não tava dando certo
os horários o professor , com os horários de curso, escola dos meninos e tudo pra pegar
eles aqui, ta parado, mas vai voltar. E tem o do teatro também.
P: E esses professores, são voluntários?
M: Tudo voluntário.
P: E Maria da Piedade, o que você menos gosta, quais são os inconvenientes, da
profissão?
M: ... .... O que eu menos gosto? ... ... Bom, tem o que realmente a gente menos gosta,
mas é preciso fazer, né, é da duro mesmo, chamar atenção de mãe pra filho mesmo. Se
o precisasse disso era legal, mas infelizmente precisa... até com os meus também,
122
então, eu falo com os meninos, ó, meus meninos não o santo o, e eu chamo atenção
deles, e eu quero que vocês sejam igual a eles, chamo atenção de vocês do jeito que eu
chamo deles, pra, pra o bem de vocês. O que eu não gosto é isso, mas precisa. Na hora
de chamar atenção mesmo de mãe pra filho.
P: E o salário?
M: O salário, é... como eu é... como você mesma disse, não conhecia essa
profissão,né, o sei se ta de acordo, né, ta razoável.
P: Você começou lá na sua comunidade, né? De onde surgiu isso em vo?
M: Mas eu, é... minha formação religiosa, vem desde pequenininha. Minha vó, minha
vó,é... eu perdi minha mãe cedo, nem conheci minha mãe o, mas eu cresci na
companhia da minha vó muito católica, minha vó, eu acordava de noite, ela tava
ajoelhada na cama rezando terço, e eu cresci assim nessa vocação religiosa e ... e...
sempre que eu... tinha alguma coisa na igreja, assim sempre eu fiz parte. Desde menina
no interior.
P: Ah, você é do interior?
M: . Do interior de São Domingos do Prata. De lá, eu era pequenininha, comecei de
pequenininha coroando, depois na festa de Nossa Senhora, lá, mexendo com mês de
Maria, é... com a festa, no coral, e aí, foi passando, do Sagrado coração de Jesus, depois
vim pra Belo Horizonte, continuei também.
P: Sua avó veio também?
M: Não.
P: Ce veio sozinha? Como que foi?
M: Eu vim , é, eu morava, é, tinha um, eu não morava direto com minha avó não.
Morava com meu pai e minha madrasta. Porém a minha avó era perto.
P: A avó era mãe da mãe ou do pai?
M: Mãe da minha mãe. É morava pertinho então eu tinha contato direto com ela.
P: Sua avó é que foi sua mãe?
M: É. Eu tinha contato direto com minha vó, mas não é que eu morava com ela não.
Depois o meu pai mudou praqui pra Belo Horizonte, eu vim.
P: Vocês são quantos filhos?
M: É... como meu pai casou duas vezes, do primeiro casamento, é três e do segundo é
um só.
123
P: Você é a caçula do primeiro casamento?
M: Eu sou a segunda do primeiro casamento. Tem meu irmão mais velho e minha irmã
mais nova.
P: Sua mãe morreu de que?
M: Quando eu era pequenininha, eles não falaram muito não, mas parece que é parto.
P: Da sua irmã?
M: Não, num é de nenhum de nós três, então é tipo aborto, né? Mas eles num gostavam
muito de comentar... num... soube por alto, eu sentia assim muito, aquele vazio, falta
dela, eu não gostava muito de perguntar não, aí acabou que foi passando o tempo...
P: E interessante, você se tornou Mãe, social...
M: Pois é! (ri) Incrível mesmo...
P: Como é sua idéia de ser mãe?De onde veio?
M: ... como assim?
P: Você acha que tem alguma relação com sua história?
M: É... eu sempre tive na minha mente assim, antes de casar, como eu num tive assim, a
minha asupriu muito a falta da minha mãe, mas não é realmente a mãe, como eu
tinha sempre esse vazio da minha mãe, eu ... se Deus me desse o dom de ter filho, eu
queria que eles tivessem tudo que eu não tive, de amor de mãe, pelo menos, eu tenho, eu
acho que realmente eu fiz isso, que meus filhos são bons filho, obediente e como eu
disse, eu não conhecia essa profissão e eu entrei nessa profissão, eu quero realmente
passar pros meninos isso, eu converso com eles e falo isso, eu quero que vocês sintam
de verdade que aqui é uma família, é uma casa lar, e que somos pais, pais de verdade e
vocês são filhos mesmo, quero que vocês tenham liberdade, de perguntar, falar o que
tiver sentindo, pra gente poder ajudar como uma família mesmo.
P: E sua relação com a madrasta?
M: Foi boa.
P: Foi boa? Ela era boa com vocês?
M: Assim,ééé, não tão boa... porque, não adianta, é, falar que madrasta trata enteado é,
às vezes tem exceção, mas no meu caso, ela não foi assim muito paciente comigo não.
É aonde que quando eu, assim fiquei de maior e comecei namorar, e pensando em casar
onde que eu pensava em ter meus filhos e dar a eles tudo que realmente me fez falta.
124
Mas quem pra gente isso é Deus. Que a gente...o dom, a noção, né? Então,
graças a Deus eu me sinto... que Deus me deu realmente esse dom.
P: Então vc acha que um dom, mesmo?
M: Eu acho, que é um dom.
P: Porque você na verdade, você era “mãe social” antes mesmo dessa profissão, porque
você dava comida...
M: Ah na minha comunidade... é...eu preocupava mesmo com os meninos...eu
perguntava quando faltava um na escola, quando chegava os meninos, uai, cadê o
fulano, num veio almoçar? Ah não, tia, não foi na escola hoje não. Então é... se eu
tivesse tido condições assim, de ajuda, até financeiramente pra continuar, e ... de repente
eu tinha até continuado lá, mas os meninos ainda cobra, as vezes eu to chegando lá - Ô
tia e o almoço? Ah, eu vou voltar a fazer, mas por enquanto não ta dando não. Mas
como a gente mexe com pastoral da criança, criancinha assim tudo pequenininha, eu
sinto que elas apegam muito com a gente.
P: É... Voacha que tem alguma coisa que pode ser modificada nesse sistema da casa
lar, ce acha que funciona bem, ou alguma coisa devia mudar...
M: ... ... Que devia mudar.... ah com relação as outras casas, não sei, mas aqui eu acho
que o trabalho que a gente ta fazendo, tendo paciência com cada um deles, entendendo
cada um, porque , nem da casa da gente não são igual, né? Um é diferente do outro. A
gente entendendo cada um deles, é não tem muito que mudar não...
P: Me conta aqui, MH, ce acha que ce ta aqui, mais pela causa, desses meninos que não
tem lar, ou sua relação é com cada um? Porque tem uma rotatividade, na casa, ou não?
M: Tem. Quando vai um embora, fica um vazio na casa, porque a gente não quer que
vai, mas quando vai, que não tem jeito mesmo de ficar, por eles próprios, ... pelo
menos a gente faz o impossível pra não ir. Mas se for... a gente quer que sai daqui
bem encaminhado, porque é lógico que um dia tem que ir mesmo, tem a faixa de idade,
então tem que ir mesmo. Mas enquanto isso...
P: Saem daqui e vão pra onde?
M: Eles são encaminhado pro primeiro emprego, fazem os cursos, estudam e já tem a
amas, a qualificarte, que os cursos e oferece o primeiro emprego, quando sai, sai
trabalhando, dagora pra frente já é com eles, né, porque já tão preparado...
P: E eles voltam? Ce já teve essa experiência? Tem pouco tempo, ?
125
M: Bom, até os que sai daqui, os que não gostam que a casa num, eles não adapita
mesmo na casa, que sai, eles volta. As vezes brigam saem não que ficar porque quer
liberdade realmente, porque não é prisão, mas também não é liberdade cem por cento,
porque aqui, dentro da casa, é, não tem assim... tem que ter normas. E principalmente a
rua toda hora que não pode. Então os que não adapita mesmo de ficar em casa que quer
ficar muito na rua, se eles é, eles brigam muito por isso, porque quer a rua direto, e aí
nesse caso não pode realmente. Não é fechado forçado, porque se quiser ficar não tem
como ficar na rua, não é porque é forçado, e se falar, o quero ficar aqui,eu quero
embora mesmo, que eu não guento ficar aqui, aí não é forçado, mas nesse caso, os que
o, eles voltam entram, bate papo, eles voltam...
P: MH, aqui tem outros funcionários na casa, como é que funciona?
M: Tem os educadores. Aqui agora tem dois, esse que ta aqui, trabalha a noite, uma
noite sim uma não e esse outro que trabalha na parte da manhã e vem um a tarde.
P: Mas qual é a função deles e qual que é a diferença da sua?
M: Ò, quase que não tem muita diferença porque eles também ajudam na correção dos
meninos, eles tambem ajudam no acompanhamento escolar, ajuda pra conseguir vaga
pro curso, é... eles ajudam em muitas coisas na casa.
P: E o serviço de casa?
M: Da casa aqui? Os próprios meninos. Tem a tabela de toda semana mudar. Cada parte
da casa é um adolescente que limpa.
P: E a comida?
M: A comida tem a dona \Maria que é a serviçal, mas eu ajudo ela na cozinha.
P: Então todo mundo ajuda, tem os três educadores.
M: São quatro, porque tem o pai social, mais três educadores.
P: Mas o pai social é voluntário?
M: É. E tem também o Adriano, que é o assistente social. Hoje ele ta pra uma reunião...
Mas ele vem de manhã.
P: Ele fica toda manhã?
M: Toda manhã.
P: Então tem uma infra-estrutura boa...
126
ENTREVISTA - 2
Entidade: Obreiros Mirins
Mãe Social: Maria José
DATA: 13/07/2005
P: Maria José,eu to querendo saber do seu trabalho, como você ficou sabendo desse
emprego...
M: Ó, esse emprego eu fiquei sabendo através da sogra da minha ir, sabe, porque ela
tava num ônibus, e tava, a Ana Lúcia, que é a presidente, tava conversando, com ela, aí
ela falou que tava precisando de uma pessoa, neh? É... que tivesse assim, paciência, que
gostasse de criança, que tivesse precisando trabalhar, pra trabalhar no abrigo. , como
eu estava desempregada, precisando, eu fui. Eu fui até o abrigo, e conversei com a
Ana Lúcia , que é a presidente, ne? ela foi e me deu oportunidade de estar
trabalhando lá.
P: Você antes trabalhava com o que?
M: Ó, eu dei aula durante oito anos, sabe, eu sou formada em magistério, e atualmente
eu tava desempregada...
P: Você deu aula em que?
M: Eu dei aula pra criança de educação infantil, e de primeira à quarta, e até de quinta à
oitava também, como RA
P: E o que que é RA?
M: É professor, ne? A gente pega uma habilitação, neh? Na secretaria de educação pra
ta dando aulas assim em casos assim se não apareceu uma habilitada, a gente pode estar
substituindo...
P: E você prefere esse trabalho ou o outro?
M: Não é preferência... No caso assim, é porque, como eu não fiz faculdade, assim,
então fechou o campo, sabe? Então, assim, como eu não tenho condição de também
estar fazendo faculdade, e eu tava desempregada, neh? A situação tava ficando difícil,
dois adolescentes em casa, o marido ganha pouco...
P: Você tem dois filhos?
127
M: Tenho um casal. eu falei assim: O jeito é... Correr atrás, neh? E deu certo,
porque... Trabalhar com criança, né, eu sempre gostei...
P: E como é que é esse seu trabalho aqui?
M: Ó, esse trabalho aqui é mãe, mesmo. A gente é uma e pras crianças, neh? Eh, ó,
eu levo as criança ao médico, levo ao psilogo...
P: Eles fazem tratamento?
M: Faz! Algumas faz, neh? Aí eeeuuu, levo no médico, no psicólogo, na escola, quando
tem reunião de escola, e eu que participo das reuniões, eu que ensino os dever de casa....
Então assim, eu fico mais por conta das crianças mesmo.Aqui eles tem de tudo, né,
alimentam bem, a comida é boa, cada um tem a caminha, as roupas lavadas, tudo
direitinho... Agora,sempre tem que chamar atenção conversar, por de castigo se
precisar, neh? eh... como se diz...: é mãe mesmo, neh? Que a gente que é mãe, sabe
que a gente tem que corrigir, mesmo...
P: Qual que é a idade do seus filhos?
M: Eu tenho um rapaz com 18 e a menina com 15.
P: Já estão grandes...
M: Eh! Já estão grandes.
P: E eles ficam em casa com seu marido?
M: Meu marido trabalha. Eles ficam em casa, neh? De manha eles estuda, neh? E de
tarde eles ficam em casa. Meu menino faz curso...
P: E seu marido fica aqui também?
M: Não. Meu marido trabalha na oficina mecânica.
P: E dorme aonde?
M: Não. Meu marido trabalha e vai embora todo dia.
P: Ele dorme aqui?
M: Não ele vai pra casa.
P: Ah! Então ele dorme com os meninos?
M: É.
P: Então você fica sem ver eles?
M: É. e só fim de semana, neh?
P: E isso como que é pra você?
M: Ãh???Ó, eh... Igual... (fala bem baixinho: dá pra desligar um pouquinho?)
128
P: Então, ó, ninguém vai ouvir isso daqui. Isso aqui é pra mim mesma, assim, pra eu
saber, porque na verdade, eu não estou interessada no funcionamento da casa, de como
que é... Nem é isso...
M: Não, porque, a e social, é aquela que dorme com as crianças, que fica a semana
inteira...
P: ah, sei.. Então...
M: Sabe? Eu em casa, eu vou embora todo dia. Porque eu moro, também, perto, então
eu não gasto condução, então é por isso, porque elas moram longe, então não teria como
também `ta pagando passagem pra elas todo dia pra `ta indo e voltando..
P: E são quantas mães sociais aqui?
M: Ó, aqui são duas, e mais a que trabalha no fim de semana, a plantonista.
P: Ah, ta.. Então são duas, neh?
M: É, porque tem que ser duas, neh? Porque senão a criança machuca, ou precisa sair...
P: E como é que vocês dividem as tarefas?
M: É igual eu te falei. Eu fico por conta dessa parte, e ela fica na outra parte.
P: Qual parte?
M: Assim, fazer o almoço...
P: ah, entendi...
M: Neh? Vai lavar roupa... A gente divide os serviços da casa todim... Uma ajudando a
outra, neh?
P: Hum.. E ela é casada?
M: Não. Ela é solteira. A outra que estava aqui era casada, tinha três filhos.. Ela era da
minha idade. Agora, essa é mais novinha..
P: Ah, ta... Então você tem mais experiência..
M: Eu tenho mais experiência, mês que vem faz dois anos que eu to trabalhando...
P: Aqui?
M: É. Eu trabalhei um ano lá em cima, depois a Ana me transferiu aqui pra baixo.
P: Ah. Mas é a mesma entidade..
M: É a mesma entidade... É.. Ação Social Obreiros Mirins...
P: Mas os meninos é que mudaram
M: É... as crianças que mudaram, porque lá, são crianças misturadas, neh? Menino e
menina. E aqui é só menina.
129
P: Qual que é a idade dos meninos?
M: Aqui é três anos até quatorze.
P: Três a quatorze? Diferença boa, hein?
M: É.
(Toca uma campainha)
P: Você vai atender?
M: .......................(Entram pessoas, ela apresenta algumas crianças)
P: Mas, Maria Jome conta aqui... Essa entidade aqui, ela tem...(Chega a outra mae
social)
M: Essa aqui é a outra, ó. Essa é mãe social. Também. (Cumprimentos...)
P: Mas.. Essa entidade aqui, tem alguma ligação com questões religiosas, ou não?
M: Ó a presidente, a Ana Lucia, ela é evangélica. Ela gosta assim, se a gente não puder
passar a parte de religião essas coisas, ela acha melhor, porque, neh? Nem sempre
consegue essas pessoas, assim, evangélicas pra `ta trabalhando , neh?
P: E você é evangélica?
M: Não. Sou católica.
P: E você vê alguma diferença?
M: Não... Tem nada a ver, não... A gente pede elas pra agradecer, pedir papai do céu... E
tudo e pronto. A gente o prega nada não... ensina a rezar o trivial... O Pai Nosso,
uma Ave Maria... (Entram algumas crianças, e a mãe manda voltar.)
P: Maria José, conta aqui. Eh... O que que você mais gosta nesse emprego?
M: ... Ah... Das crianças, (risos|)
P: E o que você menos gosta?
M: Aiai!(risos).. Do financeiro, da parte financeira.
P: Paga mal?
M: Paga mal!
P: É?
M: É! Ganha mal.
P: Não vale muito a pena não?
M: É igual até falei com a Ana Amália, eu trabalho mais porque eu gosto dos
meninos, e mais e porque eu gosto mesmo, porque, se for olhar o financeiro, a gente não
trabalha, não.
130
P: É pior do que professora?
M: Ah! Bem pior.
P: É mesmo? (Chegam mais pessoas na casa – cumprimentos e conversas)
M: Eh... Igual assim professora eu trabalhava de uma às cinco, ganhava uns
quatrocentos e sessenta... Agora aqui, eu trabalho o dia inteiro e ganho trezentos reais. E
trabalho o dia inteiro, neh? E faço o serviço assim...De estar saindo, as vezes eu levo no
juizado, levo no médico, neh?
P: É puxadinho, neh?
M: É bem puxado.
P: E o que que deu em você de arrumar esse emprego? É falta de emprego, mesmo?
M: É a falta de emprego, eu tava bordando, pra uma fábrica, sabe?
P: Ah, é? E o dinheiro não era bom, não?
M: Assim, eh... Num dava, porque, sempre a gente não consegue chegar, como dizer,a
gente trabalhava com equipe, neh? Então, não dava bem...
P: Como assim uma equipe?
M: Eh assim... De bordadeira?
P: É.
M: É porque a pessoa vai, pega aquela quantidade de roupa e passa pra gente...
P: Ah, entendi, então terceirizava pra vocês?
M: Terceirizava pra gente, então, assim, ela ganhava bem, ganhava bem demais. Equipe
com vinte bordadeira, neh? Cada bordadeira, ela pagava ali cinco seis reais na peça, ai
ela ganhava vinte reais na peça, neh? Então, assim, ela ganhava bem. Agora, a gente,
o. Ai foi ficando difícil, sabe? Depois também quando eu tava... Tinha uns três meses
que eu tava trabalhando, meu marido deu derra... deu derrame, o! Deu infarto!
Ficou um ano parado... Ai eu falei assim: agora que não pra largar mesmo! Ce largar
uma coisa pra ficar dentro de casa, fica difícil, neh? Ai, eu falei assim, ai vou ficando
aqui e tentando fazer outros cursos, mais coisa, neh? Quem sabe consegue...
P: e você vai fazer o que?
M: Vou fazer um curso, eh.. Do abrigo mesmo.. Eh... a Meu Deus.. Manuseio, de
alimentos, manusear os alimentos, sabe?
P: Ah... Interessante... E aqui, Maria José, como que são os meninos, tem muita
rotatividade na casa, ou os meninos ficam muito tempo, como é que é?
131
M: Ó, a mais velha que está aqui, entrou junto comigo.Ela entrou na semana que eu
comecei a trabalhar, ela começou... Ela entrou, foi abrigada. A... a Tais. Mas assim, tem
umas que o ser crianças difíceis, de sair, porque é criança pra adoção, e são crianças
maiores. Então assim, geralmente tem o... aquele projeto de apadrinhamento, mas
geralmente eles gostam de criança menor, neh? Ai as maiores o ficando...
P: E acabou a idade, passou de 14 anos, como é que faz?
M: É até 18 anos, neh? Mas a Ana Amália falou: chegar 18 anos eu não vou por pra
fora, assim não. Então, eu não sei como e que vai ser, neh? Até hoje, ainda não
aconteceu um caso assim.
P: A mais velha ta com quantos anos?
M: 14. A mais velha ta com 14 anos e ela ta indo pra... Talvez essa seja a ultima semana
dela.
P: Por que?
M: Porque a ir vai pegar a guarda dela. Porque faleceu, neh? A mãe dela faleceu no
principio de janeiro, e ela era órfã de pai. Então, os dois iros tavam no abrigo,
então, o juiz vai...
P: Ta aqui também, os irmãos?
M: Não. O irmão dela ta no Marista, no outro abrigo. Então no caso, a Jéssica ta indo
embora, já. vai fazer o desligamento dela. E tem Israela também que vai sair, que
tem 13 anos, sabe? E também vai sair. Vai embora pra casa da mãe.
P: Vai voltar?
M: É vai voltar pra mãe. Porque o caso dela, não foi espancamento, não foi violência...
P: Foi o que?
M: Foi é... Porque a e desempregou, neh? E... então fica muito difícil pra ta cuidando
das crianças... E ela larga o serviço, e a Israela e meio... Criança, neh? Ficava muito na
rua, e ai os vizinhos denunciou, sabe? Que a mãe tava saindo pra fazer o serviço, e eles
pegando rabera de caminhão, neh? E essas coisas perigosas, neh? Ai, eles denunciaram
eles e pegaram as crianças. Mas agora já ta num processamento assim, de estar, ter mais
irmão pra ela aqui... Tem 2 lá no abrigo de cima... E tem essas duas crianças que vieram
aqui são irmãs. É a Larissa e Pámela. Uma tem 3 e a outra tem 4.
P: São quantos meninos, aqui?
M: Aqui são 13.
132
P: E saindo essas vem outras?
M: Ah, com certeza... ta sempre, ta sempre... Aqui e pra 12 crianças.. Tem 13...
P: E como que é essa história quando chega menino aqui? Muda o ritmo da casa?
M: Assim, a gente não muda o ritmo, o.... A gente tenta coloca do jeito da gente, ta?
É.. Educando, ensinando, explicando, pra...
P: Mas é difícil, neh?
M: É difícil... As vezes, tem umas que chega, em vez da gente.. Da gente.. Tenta
melhorar, e tudo, por no nível da gente, mas as vezes acaba tirando aquelas que é mais
levadinha, e atrapalhando (risinhos)
P: É duro, neh?
M: É...Porque igual eu falo, tem muitas que vem assim, porque é, é, a e é muito
violenta, bate muito e tudo, neh? Então, assim, são crianças assim, que as vezes faz arte,
na verdade, mas a gente tem que ta corrigindo, conversando, explicando o porquê que
o pode, e tudo, neh? Mas é... São muito levadas, assim... Precisa ver! (ri)
P: Essas crianças já vêm muito sem limite, neh?
M: Sem limite? Nó! demais!
P: Sem higiene às vezes?
M: Higiene? isso é demais! Nossa, até a gente por no jeitinho da gente os meninos
vai embora...
P: Hum...
M: quando vai embora... Quando vai embora tem uns que costumam voltar de vez em
quando pra as tia... e tudo mais... Costuma ir embora e não aparecer mais... Elas
são...
P: Elas estabelecem vínculos com vocês, ou não? São crianças mais difíceis?
M: Não, ate parece que sim, sabe? Elas demonstram, assim, muito carinho com a gente,
assim, muito carinho mesmo com a gente. Mas de ta indo embora, depois de ta
voltando, coisa assim ainda não aconteceu não. Vão ver essas que tão saindo agora, que
elas falam assim que quando sai no fim de semana volta e falando que ta morrendo de
saudades
P: Eles vão pra onde?
133
M: Ahm.... A Jéssica foi pra casa da ir né? E a Israela foi pra casa da e. E tem
Mariane que tem a madrinha, né? Que vai adotar...Aquela madrinha vai adotar ela...
pediu ate a guarda sabe? Ela também vai pra madrinha ( no fim de semana )
P: E volta morrendo de saudade né?
M: E volta morrendo de saudade ... Mas fica doida pra ir né, também porque sabe que
né?
P: Claro...
M: É diferente...
P: E você com seus filhos, como é que é?
M: Ah, é.. É natural, assim, como se fosse assim, um trabalho normal, ? Pra eles...
que tem que, as vezes, eu começo a comentar das crianças daqui, e eles cobram ciúme...
Eles falam : “Nó, mãe, chega! Voficou o dia inteiro no abrigo e agora vem
falando lá do abrigo, chega de tanto falar!”
P: Eles vêm aqui, não, ou não?
M: De vez em quando, vem, né?
P: Seu marido melhorou?
M: Graças a Deus, melhorou. esta trabalhando, ele começou a trabalhar esse ano, dia
12 de janeiro.
P: Você acha que alguma coisa podia ser mudada, assim, no esquema, da Casa-Lar?
M: (pensa bastante) Eu acho que poderia, sabe? Eu acho, igual aqui no caso, as crianças
maiores, elas poderiam fazer uma oficina, alguma coisa assim pra ta...
P: Não tem não?
M: Num tem... Não tem nenhuma atividade extra pra elas... Só escola...
P: E é à tarde e de manhã?
M: É, tem a turma que vai de manhã, né? Que chega 11h e 30, 12h... E tem a turma que
vai à tarde... Então, assim... é escola, e as que as vezes faz tratamento,né? Com
psicólogo, vai, sai...
P: Nessa Casa tem psicólogo?
M: Não.
P: Qual outro profissional que tem? A Ana Amália é o que? Ela é psicóloga?
M: A Ana Amália é... Ela é pedagoga, ? A Ana Amália... E ela... Ela faz o serviço
burocrático... Sabe? Ela é técnica, assim, a gente passa as coisa tudo pra ela, né? Igual
134
assim, pra chama a atenção das crianças, a gente chama, mas o dia que ela ta aqui, ai a
gente, fala, sobre como é que ta o regulamento das crianças, como é que ta procedendo
em tudo, a gente fala pra ela, e ela vai fazendo reunião com as meninas, chama a
atenção, fala que vai olhar os guarda-roupa, vai dar uma olhada nos guarda-roupas,
essas coisas, né?
P: Mas tem algum inconveniente, assim, dessa profissão? O que que é ruim, assim...?
M: É igual te falei, né? O salário é péssimo, e assim, é... Eu acho que tem hora,
conforme igual aqui em casa tem adolescente, tem hora que elas são assim... elas são
carinhosas, mas tem horas que elas são muito grossas com a gente. Então, assim, tem
horas que você o guenta dos filhos seus, mas você tem que agüentar, aqui você tem
que agüentar, dos filhos dos outros. Tem hora que não é fácil não!
P: Oh Maria José, e quando entra uma criança que, por exemplo, seu “santo não bate
com o dela?”
M: Comigo nunca aconteceu isso não.
P: Então assim, os meninos que entram você...
M: É. Eu tento... É igual e falei pra Ana Amália, a gente que é e social, a gente tem
que abrir o coração pra todos, né? A gente o pode mostrar diferença entre um e
outro...
P: Mas você não sente, não?
M: Não. Não sinto, não. A gente tem mais intimidade com uma ou com outra, mas
assim, a gente não deixa transparecer... Tem umas que não trabalho nenhum, né? A
gente fala as coisas e elas obedece, são mais carinhosa com a gente... É o jeito, né?
Cada uma tem um jeito... Agora, a outra mãe social, ela mais saiu daqui foi por conta
disso. Porque ela teve pobrema com uma que parece que o “santo não bateu”... E nem
teve jeito. Ela tava prejudicando a abriagada. Então... quando eu cheguei a ver alguma
coisa... a Ana Amália, ela falou a..a abrigada chegou pra Ana Amália e foi conversar
com Ana Amália a respeito. Ai não teve jeito, o. Quiseram mudar ela de abrigo, mas
ela o quis ir, sabe? Pro outro.
P: Quem? A mãe social?
M: A outra que estava aqui.
P: E você entrou no lugar dela?
M: Não, eu já tava aqui. É essa outra que entrou.
135
P: Ah, essa outra, quer dizer, a que estava com você?
M: É, a que estava comigo desde setembro.
P: Ela não deu certo com uma abrigada?
M: Com uma abrigada, porque ela xingava muito, ela falava nome....Punha nome,
apelido, debochava... A outra vinha falar, aí xingava ela também, então juntou com a
outra... a abrigada que não gostava... E uma mãe social não pode juntar com uma
abrigada pra ta atacando outra...
P: Ela é novinha?
M: Não, ela tem 42 anos, é da minha idade.
P: E... Ela entrava nas brigas?
M: Uai...Não controlava,não né? (ri)
P: Mas é muito difícil, mesmo, né, Maria José?
M: É, é difícil...
P: Não é fácil não....
M: Não é fácil não... Nossa! Tem hora, minha filha, que da vontade de você pega e... Ih!
Tem hora que precisa de umas palmada... mas a gente não pode...
P: É.?..
M: Mas a gente não pode, né? Não pode bater.
P: Só pode por de castigo?
M: Por de castigo, chamar ateão, tendeu? Tipo que, tirar a .. Se gosta e televisão, tira
televisão, as vezes tem uma coisa diferente na casa pra ta alimentando, a gente em vez
de dá mais, a gente dá menos, a gente pode ir fazendo assim...
P: Só castigo?
M: Só castigo.É igual eu falo. Eles sofrem muito lá fora, né?vem pra cá porque...
P: Tem horas que eles ficam pedindo, né?
M: Ah... Nossa Senhora! Hoje mesmo eu cheguei a plantonista ta reclamando, Maria
José, do céu, os meninos estavam subindo em cima dos guarda-roupa e pulando na
cama... As meninas... Então tem a Thais, a gordinha, falei, nossa, Thais, a Thais pensa
em sair fora, porque é tudo uma gritaria... E se ela pensa em sair fora, ela morre, porque
ai ela é um botijãozinho, de gordinha...
P: É perigoso...
M: É perigoso, e só tendo aqui fim de semana, ela tem que ficar mais quieta.
136
P: E a plantonista é a mesma todo final de semana?
M: Todo fim de semana é a mesma.
P: Ela é mãe social também?
M: Ela é, porque ela vem na sexta-feira a tarde, 5 hs e sai segunda-feira 8h... Hora que a
gente chega...
P: E na carteira é mãe social? Todas três? Você...
M: É, eu sou mãe social, Maria Perpétua também é e social, e ela é plantonista.
P: Maria Perpétua é solteira?
M: É.
P: E vai no fim de semana também?
M: Toda sexta-feira a mesma coisa.
P: E como é que a Maria Perpétua escolheu essa profissão, você sabe?
M: A Maria Perpétua, eu não sei , porque ela é muito novinha, assim, sabe?
P: Como que é novinha?
M: Ela tem 21 anos..
P: Será que foi na igreja? Ela é evangélica?
M: Ela não é evangélica, não.
P: Como é que será que ela ficou sabendo?
M: Eu não sei, né? Se você quiser conversar com ela... Porque tem duas semanas que
a gente ta trabalhando juntas...
P: Ah, então depois eu posso conversar com ela?
M: Pode..
P: E me conta aqui... porque que você escolheu trabalhar com crianças? Você fez
magistério? Você já gostava de trabalhar com crianças?
M: Já gostava de trabalhar com crianças.
P: Você sabe de onde veio isso?
M: (risos) Ai, ai...Ah, não sei ... (risos)Acho que é dom, mesmo, num sei... Eu sempre
gostei, eu tinha, o que, eu tinha meus 15 anos, eu olhava minhas sobrinhas, sabe?
Minha irmã casou muito cedo, e teve uma menina, eu gostava e eu ia... Ah, eu ia pra
casa dela, brincava e adorava, ih...! Adoro até hoje, ? Criança.
P: Então você sempre...
M: Sempre tive...
137
P: Queda por criança...
M: É...
P: É... Deixa eu ver se tem mais alguma coisa aqui... É eu acho que tá... Ta bom... Então
tá... Aí a Maria Perpétua pode conversar comigo?
M: Pode....
138
ENTREVISTA - 3
Entidade: Obreiros Mirins
Mãe Social: Maria Perpétua
DATA: 13/07/2005
P: Oh, Maria Perpétua, eu quero saber só como foi que você veio parar aqui.
M: Como? Neste aqui?
P: É. Você já trabalhou em outro?
M: Trabalhei. Trabalhei no Jardim América.
P: É casa-lar também?
M: Lar Obreiros Mirins também.
P: Obreiros Mirins também?
M: Também.
P: E como é que você foi parar lá então?
M: ? Que foi minha tia que arrumou. Porque a Giovanna, a ex-coordenadora que foi
pra Portugal, ela conhecia minha tia que elas são discípulas evangélicas. Ai minha tia
pegou e arrumou pra mim lá.
P: Você é também evangélica?
M: Não, sou calica.
P: E sua tia que é discípula?
M: Isso. Minha tia é discípula. Com a ex-coordenadora de . Ai ela arrumou pra mim
. Entendeu, porque transferiu. Porque eu queria folgar domingo. Eu trabalhava de
quinta a domingo lá. Folgava sexta e sábado. Ai eu queria folga domingo, pegou e
transferiu pra cá.
P: E você gosta deste lugar?
M: Gosto.
P: Por que?
M:Porque, tipo, você lidar com as crianças, ficar sabendo da vida delas, entendeu?
P: Quantos anos você tem?
M: 21.
139
P: Você é novinha, né? Já é mãe?
M: (ri)
P: Como é que é essa historia de ser novinha e já ser mãe?
M: Não é;;; eu tipo assim, adoro! Tipo eu pensei que antes, tipo assim, quando eu entrei,
a gente entra e eles faz muita gracinha pra gente. Mas a gente pega muito amor, né?
Principalmente quando a gente transferiu pra cá, eu até chorei, porque eu não queria
vim, não. Porque tinha 8 meses que eu tava lá. Ai agora eu vim pra cá, ai eu chorei
muito porque eu não queria vim não. Mas sempre to ligando pra , pra saber como é
que eles tão. Peguei amor demais a eles.Porque lá é menor, né? Menino menor do que
esses aqui, porque aqui é quase adolescente, né?
P: E como que é pra você, assim, esses mais adolescentes?
M: Ah, normal...Até que elas são muito, tipo assim, muito curiosa, perguntam sobre
bastante coisa, elas são muito curiosas mesmo...Aí, eu até que lidô com elas muito bem.
Só tem trabalho mesmo com essas mais levadas, Cimara, a Jéssica, a Lu...
P: E aqui, como que é sua vida?Tem namorado?
M: Tenho namorado.
P: Você pretende casar...?
M: Ah... Por enquanto, não.
P: E ser mãe?
M: Ah, ser mãe já .. Toda mulher quer, né? Ser mãe... Apesar que eu tenho esse tanto
de filho aqui que eu adoro... Mas aí eu pretendo... É que eu adoro, né?
P: E sua família? Assim... Sua mãe, seu pai?
M: Eles até ficam satisfeitos com meu trabalho... Entendeu, tipo assim... Igual... Eu
durmo aqui... Eles não tem reclamação nenhuma do meu trabalho.Porque aqui, igual ,
eu tenho casa, comida, salário...e posso folgar nos domingos.
P: Você gosta então?
M: Gosto. Gosto muito.
P: Já trabalhou com alguma outra coisa antes?
M: Já, já. Trabalhei na ETIMIG, de escrever, trabalhei mais foi em casa de família.E
dando aula de refoo...
P: Já trabalhou desde novinha, então? Qual o primeiro emprego, quantos anos?
140
M: Ah novinha, né. Eu morava na casa de patroa, né, desde novinha, pra ajudar em
casa, dormia lá e tudo. Morando lá, já ajudava em casa, né?Já olhei criança...
P: Então agora ta melhor?
M: Ta, bem melhor. Porque tipo assim, agora eles é que moram comigo...
P: Ah, então beleza, obrigada. Então pronto!
141
ENTREVISTA - 4
Entidade: TJ criança abriga
Mãe Social: Maria do Socorro
Data:27/07/05
P: Maria do Socorro, meu objetivo é estudar sobre o tema Mãe social” e me interessa
saber por exemplo, o que te levou a ser “Mãe social”, o que vc acha dessa profissão...
enfim...
Essas coisas...
M: Olha, na verdade, eu,entrei aqui, o como mãe. Entrei como plantonista. Passou um
tempo, passou três anos que se foram, né. Três anos que estou na casa, e aí nós
fizemos... eles me fizeram essa proposta de ser mãe social. É ... a gente da certo demais
com as crianças, , quer dizer, a paciência, né, ... acho que as vezes ce tem que ter um
pouco de paciência...(ri), acho que é um dom também...aí então foi o que veio, sabe, eu
gosto. Eu gosto disso, eu nunca tinha mexido...
P: Não?...
M: Não... Criei três filhos, né...
P: Cê é mãe de três filhos?
M: Três filhos. Meu caçula vai fazer dezoito anos ai ... eu falei gente que.., que coisa,
, então ele com quinze anos eu entrei aqui, ta dando certo, gosto dos meninos...
P: E o marido, Maria do Socorro?
M: Ah, o marido, é aquela coisa, né porque, eles me convidaram ha dois anos atrás a ser
a mãe. que a mãe aqui, o horário... de mãe social ce sabe que é muito
puxado...demais... então quer dizer, a gente é casado e tudo, ce sabe, o tem como. Ce
conciliar emprego e casa né, família, então não aceitei. Falei que faria o que pudesse
pela casa, mas mãe social, poderia arrumar outra. Aí que veio a Maria da Penha, né...
P: Então você ta aqui antes da Maria da Penha?
M: To, antes de Maria da Penha. Então, eles me convidaram bem antes de Maria da
Penha, e eu falei assim, o pode arrumar que eu não posso. O que eu puder fazer, eu
faço, mas em matéria de e social, não ... Ai veio essa proposta sabe, tem dois meses
atrás, e veio essa proposta de ... porque eu achava assim também puxado demais pra
142
Maria da Penha, ce ficar a semana toda dia e noite na casa, acho que a pessoa, é
acumulo de tudo, , eu acho que ...é um estresse, um...eu acho que quinze crianças,
dentro de uma casa, uma mãe social, aí a gente... eu conversei muito com a Maria da
Penha, falei _O Maria da Penha, nesse sentido, de eu fazer um rozio com você, eu
aceito, porque aí a responsabilidade fica pra duas, não vai estressar nem ela nem a
mim, então a gente ta fazendo esse rozio, sabe. De trinta e seis em trinta e seis horas,
ela descansa trinta e seis, eu trabalho trinta e seis, é aquele rodízio...
P: E vocês duas estando muito tempo, os meninos ...
M: É ela vai fazer em outubro também é...tres anos que tá na casa, é...então quer dizer,
os funcionários ta vindo... Regina e Karen, que entraram em março eu acho...
então é isso aí, minha filha, é assumir responsabilidade, mas eu acho que nesse ponto,
ce dividir a responsabilidade nesse sentido com outra pessoa, ameniza bastante, sabe, aí
então que a gente fez essa proposta pra eles, e eles aceitaram, ta dando certo, acho que
ta mais ...ela... a gente faz tipo um relatório, o que passou no plantão dela ela deixa
escrito pra mim, o que passou no meu eu deixo, sabe, então ...
P: E as outras pessoas vêm todo dia?
M: As outras vêm. Têm uma folga da cozinheira na segunda, né, que aí fica eu ou Maria
da Penha se tiver na casa, a Michele tem folga no sábado, vem a cozinheira, pra
conciliar...
P: Dá uma continuidade...
M: É também nem tinha como... Aqui a gente fica assim sozinha assim com eles... é
Nádia...(?) porque também tem muito voluntário sabe, que ajuda nesse sentido, então a
gente tem muito voluntário aqui que ajuda na área de estudo, lazer, sabe? Então é isso
minha filha...
P: E de noite, como que é você sozinha...
M: A noite aqui é tranqüilo. A única coisa que a gente pede aqui, é assim, porque
menino ce sabe que todo menino é oportunista, (P. ri) ...é.. o tem como ... isso aí, é
... todos são oportunistas, então assim, depois das 18 hs, é a hora da televisão, então
quer dizer é uma hora que eles já estão relaxados, olhando pra televisão, já vai pra cama
tranilo... _Aqui, às 20:30, cama!” (baixinho:) cada um vai, pega seu pijama, vai
pra cama sabe, não dá trabalho....
P: Essa é uma combinação sua e da Maria da Penha, né?
143
M:Tanto minha quanto da Maria da Penha, então quer dizer, agora coloca as 20:30;
então quer dizer, lógico, eu não vou sair desse horário, porque é uma coisa que tem que
ter uma... um costume, né? então, as 20:30, ta bom... também, depois de 20:30,
novela pra menino não certo,né é uma... e eles levantam muito cedo... então é aquele
processo, a gente tenta fazer, o que uma faz, a outra faz... Não dão trabalho, em hipótese
nenhuma... agora, é isso que eu to te falando, se chega uma visita aqui, às... vamos
supor, 7 hs da noite, aaaa (imita dos meninos) aquela gritaiada, sabe, falei, gente mas
quê que isso, que horror, né... então, até a gente até conversou... em matéria de
voluntário, e...do oportunismo, sabe, então é assim... até as 18:00hs. Porque também não
é bom, Nádia, uma criança dormir agitada assim. Aquela agitação, vai pra cama,
então a gente faz o possível assim, pra eles relaxarem. Tem dia que a gente até liga uma
musiquinha pra eles relaxarem, o dia que a gente que foi tumultuado o dia, aí, então
eles...
P: Maria do Socorro, e que problemas você tem aqui? Ou com os meninos, ou com a
estrutura...
M: Óh, aqui, pra te falar a verdade, a gente trabalha aqui, tipo equipe, um ajuda o outro,
qualquer problema com um menino, então quer dizer, a gente pede opinião de Karen,
pede opinião mesmo da cozinheira aqui, a gente fala “- o quê que você acha?” ce
entendeu? Aqui eles não dão esse PROBLEMA, problema... igual ce viu... ele ta
pensando (se referindo a um menino que estava no quarto); fez coisa errada, então
pensa, pensa, porque o Pedro, ou o Marlon, uma criança com 5 anos, ela já sabe assim,
tudo que ela faz de errado, e ela tem que pensar naquilo. Mas aqui a gente trabalha
em equipe, qualquer problema que a gente tem aqui, é raro, a gente não tem ...
P: Como é que você veio parar aqui, Maria do Socorro?
M: Oh...
P: Antes, você trabalhava com o que?
M: Eu fui auxiliar de escritório, eu já fui (ri)...já fui tanta coisa, então por isso que eu
to te falando eu não imaginava...então assim, meus filhos, eu os criei muito bem, graças
a Deus, não tenho nada a queixar de nenhum, estão todos formados, o caçula vai formar
agora esse ano, então quer dizer, é uma coisa... eu falei assim, eu vou tentar... ce
entendeu? Aquela coisa, eu posso tentar. Eu falei com o Itamar, porque eu conhecia o
Itamar antes disso acontecer, ele me deu uma ficha, pra ser preenchida aqui pra esse...
144
eu falei assim, vou tentar. Aí no início eu falei assim, gente, que horror, era uma coisa
(ri) era uma coisa assim que.... eu falei gente, mas o é possível, será que o menino
vai...
P: Ô Maria do Socorro, mas a gente assusta mesmo com essas coisas...
M: Não, mas esses meninos Nádia, eram uma coisa assim assombrosa, não sei de onde
que eles...(ri) eles quebravam tudo, aí eu pensei assim, “não gente, uma criança não
vai dominar a gente, não tem isso fui com paciência, igual aquelas, aqueles
diamante, né vai lapidando, lapidando, aficar... né, virar uma jóia.
P: E o que que te levou a ter essa paciência com eles, porque...
M: A não sei menina, eu não sei te dizer...(???) O Nádia eu não tinha nada a ver aqui...
mas eu que tive, falei o gente, se eu criei três... mas aí eu olhava, tinha dia que eu
sentava aqui, “quero mais”, era os mais... eles foram adotados Nádia, Carol, Pablo...
Bruna, até a Bruna que era uma menina de cinco anos pra seis anos, depois de passar
assim uns tres meses, a coisa foi melhorando e tudo, então, igual eu falo, aqui, se sai
um, é igual a Carol saiu, era uma coisa... eles tem os defeitos deles, Nádia, todos eles
tem defeitos, mas eles tem muita qualidade,sabe, todos eles são carinhosos, isso aqui à
noite, ce precisa de ver, ce senta aqui, porque essa aqui, eu falo Pode sair da minha
cadeira” aí eles saem pra lá, já vem tudo querendo fazer massagem no meu pé,
querendo pentear cabelo, então é uma coisa, é uma coisa que é gratificante nesse
sentido, aí então acho que a gente vai percebendo é isso, sabe, que ce ta fazendo uma
coisa útil,uma coisa boa, que a gente também vê a vida que eles passaram, porque todos
relatórios que chegam aqui, a gente vai ler, então quê que passou, tudo, então a
gente ali, parece que é uma coisa que vai te dando ali naquela hora, que vai te dando,
sabe, força pra você seguir...
P: Ce é religiosa?
M: Sou... eu sou católica, mas não praticante, , porque eu vou ser sincera que eu não
tenho nem tempo de ir... de ficar, o tempo que eu... é lógico, faço minhas orações e
tudo, é... uma coisa que aconteceu. Eu gosto, gosto muito, gosto deles, na hora de
reprimir eu vou reprimir como se fosse filho meu, sabe, aí então,... dou conselho, é
interessante! Parece que eles sentem na gente assim, uma pessoa de confiança. E somos
todas nós, por isso que eu to te falando, é muito importante trabalhar em equipe, ce
perguntar fulano cicrano, beltrano, juntar tudo ali, procê trabalhar acho que fica melhor.
145
A casa eu acho que ficou bem melhor se trabalhar assim: em equipe. A gente batalhou,
batalhou, até conseguir isso, sabe.
P: Ah então foi uma batalha de vocês, né?
M: Nossa.
P: Vocês tinham uma idéia de que funcionaria melhor assim.
M: Trabalhando em equipe. Todos nós participamos. A cozinheira... tem, por exemplo,
a cozinheira, coincide dela ficar... Tem que levar no médico, sabe, é nesse sentido, ela
vai ter que assumir a responsabilidade, então quer dizer eles vão ter que respeitar ela da
mesma forma que me respeita, respeita a Karen, ce entendeu? Porque coincide ...
P: E com relação ao afeto? Porque, por exemplo, numa casa normal, pode acontecer
assim, a mãe sai, a empregada, que é uma pessoa de confiança da mãe assume, mas...
M: Aqui também, por exemplo, a monitora ela vem, coincide, é por isso que eu to te
falando, ela vem de segunda a sexta, folga sábado e domingo, então coincide, vai
coincidir...já coincidiu de ficar sozinha porque, tanto a monitora também já ficou
sozinha, quer dizer, eles respeitam demais ela, é uma coisa, que vou te falar...aí então é
muito importante eu acho, o trabalho em equipe, porque eles tem que saber, ta nessa
casa aqui, o é questão doce levantar a mão, dar uma chinelada o é, a gente não tem
necessidade, deles saberem, vão lá, se faz uma coisa, -desculpa tia”, igual eles fazem
com a Regina... então é uma coisa assim...
P: Eles chamam de tia todo mundo?
M: Tia. E tem hora que chama de mãe.Ai eu falo assim:-“Não sou sua mãe”. Né, a gente
tem que por, eu não sou mesmo! Tanto a Maria da Penhatambém... a gente tenta dar o
amor, que eles... que não tem a mãe pra dar, mas, lembrando eles que a gente não é a
e. Que a gente também é a refencia, mas também não pode ser tanto assim também
o, né Nádia, eu acho que a gente dá o que eles precisam, nem tanto também, mas pelo
menos ameniza um pouquinho, mas, mãe o. Mãe, isso aí a gente não deixa o. A
Lorraine, a Janaína, tanto que eles me chamam de Socorrinho, aí vem, mamãezinha, aí
eu: “Não sou mamãezinha”! elas conseguem chamar de Socorrinho. Sabe, elas me
chamam, as pequenas, até os maiores tão me chamando de Socorrinho também. é
uma coisa muito gratificante, sabe Nádia, nesse sentido, gostei, acho que uma coisa,
se eu, se eu parar agora, vou sentir falta, sabe, é muito gratificante, eu gostei, foi uma
experiência muito boa, ce vê três anos, já foi uma experiência maravilhosa que eu tive.
146
P: Maravilhosa em que sentido?
M: Ué, em todos... Ó o retorno assim, geralmente quando ce sai na rua, ce aquele
tanto de menino, da vontade de sair catando... ce já viu? Outro dia, eu fui, fui no
hospital Felício Rocho, ali debaixo daquela coisa da passarela, ô gente mas eu olhei, os
menininho tudo peladinho, sabe, até deixei um dinheiro lá pra eles comprar, se precisar
de leite, mas a gente sabe que eles não usam isso pro leite, ce entendeu como que é?
Mas aquela coisa de consciência, né...
P: Ce sempre foi assim, ligada nessa coisa social, ou o?
M: Não.
P: Foi na medida que você veio pra ca, que você...
M: Não, ce fala em que sentido? Assim, deu gostar...
P: É... ligada nessas coisas sociais de...
M:Oh, toda vida, vou te falar uma coisa, eu sempre visitei muito hospital, entendeu?
Aquela Baleia ali fui várias vezes, Mario Pena, fui muitas visitas, sabe,
independente de eu não ter ninguém conhecido, eu acho que é importante...
P: Mas ce ia lá pra que?
M: Eu ia pra ... pra ir... pra visitar...
P: Pra visitar o povo?
M: Eu tinha uma pessoa, que ela morava aqui em Belo Horizonte, ela mudou. Então
geralmente a gente saia, no domingo, quando a visita na Santa casa, acho que era na
quinta feira, a gente saia... eu acho assim Nádia, quer dizer, tudo!Não é coisa boa
o, esses hospitais que ce chega, ce vai, visita um apartamento, ce sabe que a pessoa ta
ali no apartamento, a pessoa tem que acreditar muito, essa área de SUS, a doença
mesmo, a doença mesmo um câncer... uma aids...
P: Mas o quê que ce ia fazer lá?
M: Ah, eu ia ... eu não sei porque.. eu não sei se você já passou por essa experiência;
eu gostava, ce entendeu? É como diz o outro, “o coração tem razões que a razão
desconhece”, ce já ouviu?
P: Ce não tinha parentes, lá...
M: Coincidiu do meu tio, ter um ncer uns vinte anos atrás. ele foi na, na...
Internado na Santa Casa, menina, durante o período que eu tava dentro do hospital
visitando, um pedia uma coisa, outro pedia outra coisa, pra ajudar, aí então foi essa
147
coisa, foi esse processo... eu passei a ... meu iro uma vez, meu filho fez uma vez
uma cirurgia na Baleia, e foi o mesmo processo. Ala de Aids: a ala de Aids é uma coisa
tão assim, que ce olha, a pessoa, na hora que ela vê uma pessoa pra visitar, ela fica
naquela...
Ce entendeu? Porque o é sempre ... o câncer também terminal, a hora que ce chega
ali, eles mudam a fisionomia do rosto... agora que eu não tenho tempo, sabe, eu não
tenho tempo...
(Criança pede pra olhar machucado ela um beijo, brinca dizendo que vai sair as
tripas.)
M: É... mas aí é assim... abranda muito o coração da gente, sabe, a gente que a gente
tá bem, vem aquele processo sabe, a gente ia toda quinta e domingo fazer as visitas.
que ....(?) a gente gostava de ver, , aumentar a auto estima de uma pessoa é bom
demais, Nádia. é a troca, ne, não tem nada a ver. Se uma criança chega aqui, hoje...
chega aqui é daquele jeito, então quer dizer, a tendência da gente é aumentar a auto
estima dela, né? Aí então é isso aí que eu to te falando, a gente tem que tentar, não é
de criança não, adulto também, toda vida eu gostei disso, e...a gente faz o possível aqui
pra... pra dar um pouquinho do que faltou pra eles e amenizar um pouquinho a vida
sofrida deles, porque todos eles, todos eles passaram por uma vida, que eu vou te falar...
P: E a sua vida, como foi, você recebeu isso tudo?
M: Eu acho que é gratificante demais...
P: Não, não, eu falo na sua infância, se você recebeu tudo isso...
M: Demais. Demais.... minha mãe, ficou viúva, meu pai morreu eu tinha três anos de
idade, tinha mais um além de mim e um caçula de três meses quando meu pai morreu.
Minha mãe criou, proce ter base que foi tão bom, olha proce ver, gente foi tão bom pra
mim. Minha e tinha nós de filhos, e ela adotou mais um...
P: Ah, então é de família, né...
M: Ela adotou mais um e ele ta agora com ele fez semana passada, até liguei pra ele, dia
18, trinta e dois anos.
P: Sua mãe é viva ainda?
M: É. então, nossa, recebi demais, não tive pai, e é por isso que eu falo, Nádia, a
responsabilidade das mães hoje, eu fico olhando, não troco meus filhos por nada, por
148
nada, meus filhos hoje tão já tudo criado, eu não tenho coragem de viajar e deixar um
pra trás.
P: São solteiros, os três?
M: São. Um formou agora pra P.M., e.. é ainteressante, o da PM, ele sabe, se ele sair,
eu não durmo, fico preocupada enquanto não chega, aí eu telefono, sabe, então,
graças a Deus, minha infância foi maravilhosa...
P: E seu marido, com o fato de você estar dormindo aqui...
M: Não, mas eu durmo aqui... eu fico mais do que a Maria da Penha, porque, oh, eu
entrei aqui hoje de manhã, eu passo uma noite e dois dias, a Maria da Penhapassa duas
noites e um dia. Ce entendeu, até nisso nós...a gente conseguiu... ai eu fico, mas ele
também, a gente mora aqui perto, toda hora eu vejo meu marido ou meus filhos, é aqui
perto, então ta fácil... então, minha filha, ele tamm gosta muito deles, todos eles...
minha filha vem aqui, adora eles, sabe, então é uma coisa que...eu acho que deu pra
família toda aprovar...
P: Ce pensa alguma coisa que podia ser modificada na casa... o que podia vocês
conseguiram, né...
M: E também, é... o que podia ser modificado? Todos eles arrumarem uma família...
entendeu? E ter a chance de mais esses que tão na rua...
P: E como que é pra você quando um menino vai embora?
M: Ah, é horrível...
P: Eles voltam aqui?
M: Oh retorna ou mesmo a noite, Alexandra liga, sabe, converso com ela no telefone,
ou mesmo a Carol que ta na...
P: Alexandra ta bem, agora?
M: Ta ótima.
P: Arrumou uma família legal?
M:Ta com a Ana, que é uma pessoa maravilhosa, sabe, agora parece que... Graças a
Deus...
P: Maria do Socorro, você veio trabalhar aqui por causa desses meninos?
M: Ô Nádia, eu nem imaginava, nem imaginava...
P: Você veio então, pelo emprego...
149
M: Eu vim pelo emprego e queria ter uma experiência assim diferente, passar por uma
coisa diferente, gostei. E to aí.
P: Hum...
M: É uma coisa, eu nunca imaginei assim, mas, quer dizer, é um desafio, assim... Ce
passa na rua, ce fala assim, ce teve a chance de cuidar de um que tava aqui, isso é bom
demais! Isso é ótimo... Ce teve a chance de, quem tinha que cuidar não cuidou, ce teve a
chance de cuidar... E no inverno?! Eu imagino isso aí, à noite ce deita, Nádia, ce
imaginar aquele frio, tanta criaa na rua... eu acho que se eu fosse uma pessoa que eu
tivesse condições, sabe, acho que eu, catava tudo... Porque tinha que ta na mão do
governo, sabe, porque o governo, ele não precisava disso não, eles em eles ó... o
tem controle de natalidade... é uma coisa que devia ter no Brasil, aqui, ó, tem uma aqui,
ce conheceu a Vitória? A mãe da Vitória, ela tem, depois dos meninos terem vindo, é a
que foi adotada essa semana passada,depois que as crianças vieram a (?)... o Tomás,
grávida! Ta vindo aqui visitar... pelo amor de Deus! Isso aí tinha que ter um controle...
Uma pessoa assim, nesse sentido, de eles terem um acompanhamento de família, e ...
(chega a filha da Maria do Socorro e dá os parabéns. É o aniversário dela)
M: Mas... tinha que ter assim uma ajuda, o governo tinha possibilidade disso, tinha
possibilidade de ajudar, de... tem muita criança aí que eu vou te contar...
P: Maria do Socorro e o salário, presta?
M: Olha Nádia, o salário, eu tenho um pensamento assim... não existe o dinheiro que
pague; O salário aqui, a gente não ganha muito bem não, sabe, se fosse pelo o
dinheiro... é por isso que eu to te falando, sabe, onde que eu quero chegar? Porque
dinheiro nenhum , eu acho que num...Não é o dinheiro, entendeu? Ce pode ganhar
bem, mas a responsabilidade.... Mas eu acho que instituição é isso mesmo... é... a
dificuldade aqui também é maior, porque vive de doação, né, tudo aqui é de doação...
são várias instituições que tem, eu nunca tive oportunidade de conhecer outra, sabe... é
isso...
FIM
150
ENTREVISTA - 5
Lar TJ Abriga
Mãe Social: Maria da Penha
Data 24/08/2005
P: Ô Maria da Penha a pesquisa é pra saber isso que vojá sabe mais ou menos, é
pra você me contar ne, primeiro como você chegou aqui, o quê que você veio fazer
aqui, porque que você veio, é isso basicamente que eu quero saber, a sua história aqui.
M: Olha, eu quero esclarecer que aqui é o final da minha história, porque eu
trabalhei antes em outras instituições também. Eu comecei essa história em 1997,
primeiro foi por motivo de desemprego, eu trabalhei em área administrativa, trabalhei
em escritório, trabalhei no setor de compras, mexia com papel. Eu era mãe, tinha
filhos pequenos naquela época, trabalhava o dia todo, não tinha tempo para cuidar deles,
porque eu tinha que sustenta-los ne. Então ai numa crise de desemprego...
P: Você era casada?
M: Eu fui casada, separei com filhos pequenos e eu fui cuidar da minha vida e da deles,
porque foi minha finalidade de vida ne. Nisso assim muito desemprego, na realidade eu
nem sabia que existia o grupo.
P: É uma profissão super nova, por isso que estou fazendo pesquisa sobre ela.
M: É super nova mercado, foi em 1996 para 1997, a última empresa que eu trabalhei
num abrigo, mas mexia com adulto ne. Ai eu mudei de emprego mesmo eu vi no
jornal precisa-se de Mãe Social, ai eu falei o quê que é isso ne, eu sabia que estava
relacionado com mexer com criança ne, ai que eu fui para a instituição onde eu trabalhei
em 96 para 97 ne.
P: Qual que foi?
M: A cidade dos meninos de São Vicente de Paula em Ribeirão das Neves. Ai que eu
comecei com adolescentes, que eu fui conhecer internato, ficava lá a semana toda, ia
pra casa nos finais de semana.
P: Os meninos? Ou você?
151
M: s e os meninos. A gente morava numa casa lá com 16 meninos e a mãe social. E
era tudo comunitário, almoço e janta café e lanche, tudo comunitário, a gente usava a
casa mesmo para dormir, ou para descansar, pra ensinar alguma coisa assim e eu
fiquei 2 anos e 6 meses mais ou menos ne.
P: E os seus meninos Maria da Penha?
M: Não os meus meninos eu tinha quem olhava, quem cuidava pra mim, o meu menino
pequeno ia comigo e a minha outra menina...
P: Quantos anos ele tinha?
M: Na época ele tinha 8 anos.
P: Então ele ia com você?
M: Ele ia comigo um pouco, às vezes ele ficava com a minha família, eu sempre tive
muito apoio de família pra trabalhar, eu sempre fui muito feliz, aliás, eu muito feliz
nesse lado de família, eu sou muito realizada com essa coisa de família sabe. Eu tenho
uma base muito boa, por isso que eu tive muita força, minha menina tinha seus 14
anos, ela assim, minha família ajudava a olhar, mas que lá eu fiquei um tempo
interno e por eles para não ficar muito tempo fora eu comecei a pegar o semi-internato
que eu pegava assim 06:00 horas da manhã e largava ás 06:00 horas da tarde. Ai eu ia e
voltava todos os dias, ia lá em casa a noite cuidava das coisas e de manhã ia trabalhar.
P: Você ficou quanto tempo no internato?
M: Eu fiquei, por exemplo, uns 8 meses no internato e o restante eu fiquei no semi-
internato, para compensar um pouco ne, porque a gente sabe da necessidade que a gente
tem dentro de casa. Mas graças a Deus eu fui feliz assim mesmo, ai foi passando o
tempo, depois eu fui trabalhar, trabalhei lá, depois eu trabalhei ai eu gostei, eu achei
interessante mexer, não ser mãe deles, porque eu nunca fui, nem nunca. Mas lá eu
tive afilhados, batizei, eu crismei a gente tem um contato diferente, a gente vê assim
tanto adolescente que podia ta melhor né, a gente dá valor a vida da gente, valor aos
filhos da gente, a família da gente, a gente aprendi muito com isso, da muito trabalho.
Mas é um trabalho que você nem tem na sua família, o tem na sua família, ai você
a diferença das coisas. Ai eu fiz, ai através de um amigo ele me chamou pra fazer um
trabalho de mãe social na aldeia em Juiz de Fora, nas aldeias que são casas, um centro
fechado, um condonio fechado, que é aldeia mesmo, casas lares, crianças, lá eu
também fiquei, fiz estágio né, para ver como é que é né, e trabalhei nas casas lares
152
também, eu trabalhei em diversas casas lares, não era uma casa não, trabalhei em
diversas casas lares.
P: Era rodízio assim?
M: Era rozio cada semana você tava numa casa, se trocava, porque você tinha que
aprender como era uma casa, como era a outra, que era de 0 a 18 anos.
P: A casa era por idade?
M: Era por idade, às vezes eles colocavam uma criança de 3 anos e outra de 15 anos,
porque a de 15 ajudava a olhar, isso ajudava demais. A casa de 16 e 17 ajudava a cuidar
da casa, então mistura muito para poder ajudar a gente né, e lá os adolescentes de 14
anos eles tinham a casa de jovens, eles saiam da aldeia e iam para casa de jovens. Então
cada lugar, eu conheci tinha um jeito de administrar a coisa né. Ai foi passando o tempo
eu...
P: Nessa época foram você e seus meninos?
M: Não nessa época não, não foram, ficaram aqui na casa, porque eu moro a minha
família mora no fundo num espaço. Nessa época foi um ano que eu passei fora, eu vinha
pra casa assim de 15 em 15 dias, mas eu sempre tava em casa. Às vezes assim tinha
férias ai o meu menino passava as férias comigo lá, a minha menina ia passar rias
comigo, chegou uma época que a gente pensou até em ir morar lá. Mas eu vinha para cá,
minha vida era aqui, acho que isso eu ia fazer em qualquer lugar. Ai quando eu vim
embora para cá, eu vim mesmo por causa do meu filho, porque eu achei que meu filho
estava começando a ficar assim, querendo ficar lá comigo, e eles sempre vieram em
primeiro lugar, eu agüentava, mas os meus filhos sempre tiveram o lugar deles e eu
nunca deixei ninguém invadir não. Ai foi que eu vim embora para Belo Horizonte eu
vim com a intenção de dar um tempo sabe, porque a gente cansa muito, a gente desgasta
demais. E se sabe o quê que é casa de criança de 0 ano, vamos dizer de 1 mês, 2 meses
de idade. Ai quando eu vim, por acaso um dia aconteceu, dois meses que eu vim de Juiz
de Fora, eu to aqui.
P: Mas aí ficaram sabendo, como é que foi?
M: Aqui, aqui também eu vi um anúncio no jornal.
P: Ah no jornal, ai você já tinha experiência?
M: Aí eu já tinha experiência, eu vim até achando que não ia ser tão fácil. Cheguei aqui,
passei por uma entrevista alguma coisa, e fui embora, passou alguns dias e eles
153
chamaram pra trabalhar aqui. Falaram que eu tinha experiência que isso era bom. Aí eu
vim trabalhar aqui em regime de 24 horas, quando eu vim pra cá eu trabalhava 24 horas,
eu ia embora domingo de manhã, segunda feira 07:00 da manhã eu tava aqui de volta.
Ai quando eu vi assim que eu ia esgotar, qual foi o meu pensamento, eu pensei em mim,
eu falei bom eu vou chegar e conversar. Eu o gosto muito de largar trabalho, eu gosto
de adquirir um tempo bom, uma experiência boa, ver como é que é isso assim todo
mundo gosta né. Ai eu conversei e eles foram super legais o pessoal daqui, nesse ponto,
tranilo sabe, graças a Deus, a gente procura demonstrar muita confiança pra eles,
porque parece que eles têm muita com a gente, e ai eles te liberam 12 horas, eu ia para
casa domingo de manhã e voltava nesse meio tempo meu menino tava com 18 anos,
minha menina com 24 anos, minha menina até casou. Eu já sou até avó.
P: É mesmo, que chique.
M: Falando sério, hoje eu tenho tempo, meu menino de 18 anos ta trabalhado é
independente, minha menina já casou.
P: Agora tá tudo tranqüilo?
M: Agora não, agora tem os neto, fica pior ainda. Mas tudo bem, eles tem tudo que
precisa tem mãe, pai, avó, bisavó, ta com a família toda, e eu também agora estou todo
dia lá né. Então nesse meio tempo minha carga horária foi diminuindo, depois de 2 anos
e 8 meses agora é que eles me deram 36 horas de plantão, trabalho 36 e vou embora. E
por isso que eu to aqui e aqui é um trabalho bom, porque eu to aqui desde que os
meninos chegaram, quer dizer eu peguei a primeira turma, eu fui a primeira mãe social
que entrou aqui né. Então eu peguei essa primeira turma, agora tem dois meninos
dessa primeira turma que eu peguei o resto tudo passou por mim, vai embora, volta,
vem visitar. Quer dizer chega num ponto que fica até interessante, olha para trás é
assim tanta gente que passou pelo seu caminho, porque assim teve meninos que eu vou
falar para você, não foi fácil não, mas tem uns que ficou assim na história, na lembrança
da gente.
P: E eles voltam pra te visitar?
M: Volta, telefona nossa sempre. Tanto que te um que ta aqui até hoje, sempre vem e
trás uma carta pra mim, acho engraçado.
P: Quem é?
154
M: A Rafaela, a Rafaela liga pra sempre fala com a gente, a Carolina tá na Itália liga
da Itália pra falar com a gente, Alexandra mora em Santa Tereza então sempre
aqui, ta sempre aqui, liga pra mim e tudo. Fora família, que aqui tem família de quatro
irmãos, saiu três, também tão sempre ligando, eles sempre ligam pra gente, o esquece
o. São meninos até, acho que pelo fato de tá fora, que é meio difícil, pelo social.
Hoje trabalho assim, o por desemprego, mas por uma questão de costume também
sabe, gosto muito deles, gosto quero ver eles bem na vida com a família, com gente por
eles entendeu, porque realmente adotar nenhum deles eu posso. Mas ter alguém que
faça isso por nós ne, porque nós estamos aqui pra isso Mas hoje o é tanto por
desemprego né, hoje foi mesmo por gostar mesmo.
P: Por profissão?
M: É por profissão, mas sem apego, eu quero deixar bem claro eu não tenho nenhum
apego. Se chegar assim e falar comigo assim, seu trabalho, se você for embora, ce vai
embora, não num vou o, eu acho assim sem apego, é difícil mas num não. Às
vezes acontece como com a Ana Carolina, quando ele foi embora a casa ficou ruim, mas
ela ta bem, isso a gente consegue fazer.
P: Ela foi pra Itália? Foi pra longe né?
M: É ela foi, mas ela sempre liga pra gente, também quando ela chegou aqui, ela chegou
aqui com 7 e saiu com 10 , praticamente nessa faixa de idade. Mas assim, apego,
assim eu gosto muito deles, mas eu vou provar que eu gosto muito mais se eu quiser vê-
los numa família, num lugar onde eles possam ter um futuro. Tem aquele dia a dia que
eu tenho na minha casa, que eu ofereço minha família entendeu, mas o negócio é pura
ai, da pra você entender né.
P: legal né. Então a escolha de mãe social, mesmo que você viu no jornal, porque
mesmo por falta de emprego, você deve ter visto muito anuncio né?
M: De emprego né, é eu não sei, olha se eu volto lá atrás e lembro, na verdade
naquela época o desemprego como hoje tava muito difícil para nós, você podia ter toda
experiência, mas eles sempre exigiam alguma coisa que você não tinha, numa menina
de 20 anos, aquelas coisas de sempre... embora eu nunca entrei para essas coisas não.
Mas eu sempre procurei fazer, também trabalhei em abrigo, acho que mexer com esse
povo.
OBS.: Telefone tocou.
155
P: Essa coisa da escolha, você falou que trabalhou em abrigo.
M: Antes eu trabalhei num abrigo onde mexia com gente de viagem né, pessoal que
vinha do interior, não tinha onde ficar o serviço social da rodoviária encaminhava pros
abrigos, tinha os abrigos do pessoal da saúde e desempregado também. Então a gente
trabalhava, fazia triagem, conversava, via qual era o caso, se era caso de ficar no abrigo.
P: Esse abrigo era o que, era da prefeitura?
M: Não, era abrigo da Sociedade São Vicente de Paula, que era sustentado pela
assistência..... Social, era um convênio, que ai acabo tudo assim, tudo que depende de
um órgão público acaba, e era muito bom, pessoal da saúde vinha de fora, o tinha
parente ficava lá, pessoal da oftalmologia, mexia com a saúde do cérebro, fazia exame
de vista.
P: E como é que você foi parar nesse abrigo?
M: Eu tinha um primo que fazia parte da diretoria, quando eu ganhei tive menino e
fiquei em casa dois anos, porque eu não tinha como trabalhar porque ele nasceu de 8
meses e tinha um sério problema de bronquite e eu tive que cuidar da saúde dele.
Depois desse tempo que eu fiquei em casa, eu fiz contato atrás dele. Ai sim, até então eu
trabalhava na área hospitalar na área burocrática, trabalhei até sair de licença de
maternidade na área burocrática.
P: Só papel?
M: papel, papel não tinha nada haver. Depois dessa época foi desse outro jeito,
trabalhei com abrigo, mexer com mendigo, saia de madrugada para levar mendigo pra
tomar banho, de noite na época de frio eles corriam o queria tomar banho, tinham
medo de água, tempo de frio né
P: Isso porque seu primo trabalhava lá e ele.
M: Ele trabalhava na parte de diretoria, ai ele conseguiu a vaga, lógico que ele não me
colocou lá sem ter a vaga, eu fui lá conversei, esperei e fui chamada e fiquei lá acho que
foi uns 6 anos.
P: Nossa. E gostava?
M: Gostava.
P: Nossa, é mesmo? Porque é uma trabalheira também né?
M: eu trabalhava de plantão né, não primeiro eu trabalhei todos os dias, porque eu
trabalhei na triagem, trabalhei na tesouraria, assim sabe, eu sempre trabalhei em muitas
156
atividades, eu tenho uma experiência enorme, se me perguntar nessa área burocrática eu
tenho uma experiência enorme, também né, mas também tem mais, eu acho que eu faço
tudo.
P: E o quê que você mais gostou de fazer na sua vida até hoje?
M: O que eu mais gostei de fazer na minha vida até hoje, eu acho que é trabalhar, eu
adoro trabalhar sabe, eu acho que o trabalho faz você recuperar tudo aquilo que você
perdeu recuperar sua alto estima, recuperar sua família, sabe ele faz, você tem tudo o
que você quer não assim, você diverte melhor trabalhando, o pouco tempo que você tem
você aproveita melhor, agora você pergunta o que eu mais gostei.
P: Dentro do trabalho o que você mais gostou?
M: O que eu mais gostei de fazer assim dentro do trabalho, assim na área social, eu
gosto muito da área social, gosto demais de mexer com o povão, com essas pessoas
assim, eu me sinto muito melhor, mexer com gente, trabalhar com gente assim. Eu gosto
muito do papel sabe, mas assim, porque ele se você largar não faz diferença nenhuma, e
mexer com gente se você largar você pensa no convívio, mesmo você sendo
remunerado, tendo um salário, o salário não compensa. Eu não trabalho por conta do
salário por que não compensa, o compensa mesmo. Não pergunta se o que eu ganho
aqui é bom, porque não é, mas é o que eles podem pagar, porque o trabalho que a gente
tem aqui, não tem dinheiro que pague não, ainda mais depois que você pega assim uma
certa rotina, eu sinto muito, você não tanto trabalho mais, você já passa a pegar tudo, eu
o eu já lido aqui normal, como se tivesse dentro da minha casa, já sei como é que é, já
sei o que é que eu faço, sabe. Graças a Deus o pessoal aqui é todo mundo bom, são
ótimas pra trabalhar, as pessoas que trabalham aqui, respeitam muito a gente, a gente
procura assim ter um nível para trabalhar, de gente ne, lidar com gente tudo. Porque se
você não lidar com seus colegas de trabalho, então você não serve com poucas pessoas.
P: Mas às vezes é difícil né, porque tem lugar que não é fácil.
M: É, mas você sabe que às vezes você tem que fingir de surdo e cego muitas vezes pra
você viver, em todo o lugar que você vai né. Porque se você for levar tudo ao pé da letra
você se desentende com todo mundo, você briga com todo mundo e eu acho que não é
por ai não sabe. Eu acho que a gente tem que deixar para lá de vez em quando, ta legal,
ta bom, não é assim não, eu concordo e melhor tática se um dia você que seu colega
o ta legal, deixa para lá, deixa reclamar, tem dia que eu também não tô, eu lá com
157
os meus probleminhas né, mas eu, assim, por exemplo, a gente tem três pessoas que tem
muito tempo aqui, nunca deu problema. Que sou eu, a Maria do Socorro a Michele no
mesmo turno.
P: Agora a Maria do Socorro virou mãe social tem pouco tempo né?
M: tem acho que é 2 meses.
P: É tem 2 meses. E como é que foi isso para você assim?
M: Por ele ser mãe social também?
P: É.
M: A responsabilidade é a mesma, eu não acho que ela me atrapalhou em nada, pra mim
foi legal porque a minha carga horária me ajudou muito, sabe o fato deu estar folgando
36 horas da pra mim resolver minhas coisas, deu resolver outras coisas, porque eu
também tenho meus problemas, minhas dificuldades, meu dia a dia que eu precisava
ficar em casa. E ela ser mãe social, porque na realidade aqui a gente não é mãe a gente é
educadora, a gente ta aqui para cuidar deles, fazer tudo por eles, então o fato dela fazer
também, eu já trabalhei com 10, 15 mãe social.
P: na aldeia?
M: Na cidade dos meninos que vê quantas mães sociais, a minha casa era nº. 44, na
época era umas 60, em cada casa tinha uma mãe social, quer dizer, lá na aldeia eram 10
es sociais e 10 mães substitutas, uma substituía, então quer dizer eu trabalhei
com tantas, você tem que dividir seu trabalho, votem quer ser amiga da pessoa, se
tem que ter uma afinidade, e procurar pensar melhor, assim respeitar o que ela quer. Por
exemplo, se ela acha que isso ta bom aqui e eu acho que para mim não vai fazer
diferença, então deixa quê que tem. Eu acho que ela ta certa deixa . É uma idéia
legal, foi uma idéia boa, não prejudicou, então deixa, você tem que saber viver, seu dia
a dia, até acho legal, porque com a gente não tem disso não, às vezes a Maria do
Socorro faz o que você quiser, porque a gente tem amizade com o pessoal, a Maria do
Socorro é muito amiga da gente, ela não tem dessas coisas não. Uma que ela o da
trégua pra ninguém ser implicante com ela e nem eu do trégua, porque a gente conhece
uma a outra né, se torna uma coisa comum. Mas eu acho bom trabalhar com outra mãe
social, eu acho que em todo lugar tinha que trabalhar de duas.
P: É você acha?
M: Eu acho que uma sobrecarrega demais.
158
P: Porque tem casa que tem duas ao mesmo tempo, tem casa que é igual a vocês de
revezamento, tem casa que tem uma só?
M: Tem casa que tem uma e , aqui era uma, mas eu acho que sobrecarrega
demais uma , eu acho que você precisa de alguém pra dividir com você o trabalho,
o é que você queira ela feito quando você chega não, pelo menos você sabe que fez
aqueles, mas têm outros pra fazer, é muito importante você dividir com alguém. Com
relação a 14 crianças, gente são 14 armários, são 14 meninos, são 14, então assim, se
você dividir um pouquinho com ele e tem outra coisa quanto mais você relaxa, quanto
mais você descansa, mais conselho você participa com eles, se você deixar todo dia no
dia a dia todo dia sobrecarregar, você acaba atrapalhando o seu relacionamento com
eles, o trabalho acontece, você não pode, você tem que evitar ficar nervosa, ficar
xingando eles a toa, porque eles aprontam, tanto que tem hora que fala então tá bom
deixa pra lá. Eu acho que a mãe social tem que ser duas, mas eu sempre fui dessa
opinião aqui, mas eu acho que tá legal, tá bom, mas agora tem que trabalhar, você tem
que viver com todo mundo. A Maria do Socorro o dá motivo, muito pelo contrário é a
primeira vez que ela é mãe social parece que ela esta gostando, parece que ela ta
querendo , empenhando, porque não é uma coisa difícil ne, ela folgou ontem à noite,
folga hoje e pega amanhã e eu saio amanhã, folgo um dia e no outro dia à noite eu to
aqui.
P: E, por exemplo, com os meninos? Voteve apego com a Carol ou você se apegou
mais?
M: É mais é um apego assim, porque acho que ela me deu muito trabalho.
P: Você teve que investir muito nela né?
M: s investimos muito na Carolina, quando a Carolina veio para ela veio da
FEBEN, na hora que ela saiu ninguém queria que ela saísse mais, mas eu acho que é o
costume, mas assim todos aqueles que saem à gente senti falta. Tem umas situações
interessantes, por exemplo, ta lá em cima da cama da Bruna, até que vem outro e ocupa
a cama ai vai ta na cama da Janaína, vai. Mas aquilo ali vai ficando, o jeito da gente
falar né, nossa ta ficando igual fulano, a gente sempre faz essas coisas por aqui, no você
lembra como é que é, mas a gente sempre lembra muito deles.
P: E, por exemplo, e o contrário? Tem menino que o Santo não bate aquele menino que
provoca demais?
159
M: Esse menino já teve aqui, mas ou menos difícil, mas sabe o quê que é eu acho que, é
igual quando você brigar com seu filho, você briga com ele, mas no outro dia você não
ta nem ai mais, você acha que ele é uma criaa, se briga com ele como se fosse mãe
dele, mas quando vai embora, você se preocupa do mesmo jeito, se ele ta bem ne.
Porque aqui já aconteceu dos meninos serem levados, ir embora, mas quando vai
embora você se preocupa né.
P: Mas tem menino que provoca né?
M: Não tem menino que provoca, te tira do sério mesmo, te ofendi moralmente, te
ofendi com palavra, coisa que seu filho nunca iria fazer, mas ai você vai atrás a
hisria dele, a gente vê um pouco o lado dele, porque ele deve ter no sangue muita
coisa que a gente não conhece, a gente xinga ele sim, coloca de castigo sim, bate de
frente com ele sim, ofendi com o que ele fala sim, sem vida eu me ofendo mesmo
com o que fala comigo, mas que eu xingo bastante eu xingo também, xingo muito,
mando calar a boca, você me respeita porque eu sou mais velha que você, e vou em
cima, sabe ai eles me respeitam, quando eu fico brava, eles devem morrer de medo, eu
digo que o respeito vem de um pouco de medo também. Quando um menino pega um
pedaço de algo pra jogar em você, você não pode correr você tem que falar joga pra
você vê, ai ele abaixa o negócio. Mas ou menos isso que acontece com esses meninos,
homens, mais bravo acontece. Mas é aquela coisa no outro dia te manda uma cartinha,
te pedi desculpa sabe, acaba que você perdoa todo dia, a gente tem que perdoar todo dia,
para viver aqui a gente tem que perdoar todo dia.
P: Você tem alguma coisa com religião Maria da Penha?
M: Eu sou católica, mesmo, acredito em Deus, Nossa Senhora, sou uma pessoa que
prático , tenho minhas horas de ir na Igreja, de ir a missa, num obcecada, tem
vezes que eu to com preguiça eu não vou, mas se eu to com vontade eu vou, assumo
mesmo que vou se estou com vontade. Mas assim você aprende a viver muito né, você
perdoa eles todo dia, eles também tem que te perdoar que tem dia que você ta xingando
ele a toa que você vai o foi ele que fez foi o outro, mas é assim mesmo. Tem
menino que tira você do sério mesmo, se eu falar você não acredita, eu já tive
experiência, experiência demais, teve uma que eu trabalhei uma vez, não foi aqui não,
ela brigava comigo todo dia porque ela não gostava de arrumar a cama dela, lavar a
roupa dela, tacava tudo debaixo da cama, debaixo da estante e ia pro videokê, isso foi
160
em outra instituição, ia pra quadra e eu ia e buscava ela lá, falava você vai voltar
comigo arrumar a sua cama, não vou, eu falava vai.
P: Quantos anos Maria da Penha?
M: Ela tinha 16 anos na época, eu falei vai que eu estou de mandando, se você não
for eu vou te pegar, você o manda em mim, você não é minha mãe, eu sei que eu não
sou a sua mãe, se eu fosse você não tava assim, mas agora eu mando em você, e o pior é
que ela fazia assim pra me enfrentar e eu encarava ela, ai ela ia, ia e chegava fazia
tudo me xingando, fazia tudo e bem feito a danada, tudo mesmo. Ai um dia eu tive que
vir embora, eu falei que eu ia embora, ai ela foi me levar na rodoviária, falou assim
comigo, depois você liga aqui pra gente, esqueci aquelas bobagem. Quer dizer são
coisas que acontecem ne. Ela me fez muita raiva, foi uma das que passou pela minha
vida e me fez muita raiva. Mas depois eu já tive muitos afilhados, que eu batizei que eu
crismei pessoas que eu já representei em muitos lugares, então tem que ter o mal
também , né tudo bem né.
P: E a história deles deixam eles?
M: Nossa senhora, diz que essa menina saiu da aldeia com 18 anos, diz que ela o ta
nada bem sabe, pensei to livre, eu tenho colega até hoje, eu ligo pra saber notícia,
pouco tempo veio um menino de lá que ficou na minha casa um mês tratando no
hospital das clínicas, eles chega em casa, o tia eu posso ficar aqui, ficou lá em casa
um mês fazendo. Alias a gente deixa muito rastro bom, acho que isso ajuda muito a
viver, na frente você não sabe o que pode encontrar, de repente ameniza um pouco as
coisas né, mas não é de religião não é a lei da vida mesmo, da natureza, tudo isso faz
parte.
P: O Maria da Penha e você teve experiência em diversas instituições então né, você
acha que tem um funcionamento melhor dessas que você passou o quê você acha que
funcionou melhor em termos de instituição?
M: Eu acho o seguinte que a instituição que pra mim, que mais funciona melhor é
aquela que a criança tem..., todos os dias a criança tem ocupação, sabe, uma criança que
tem que levantar de manhã ir para o centro cultural, tem professor de reforço, da reforço
pra elas em casa, o tempo dela tem que ser o dia todo ocupado, agora se você cria o
filho dentro de casa, sem ter o que fazer, criando o grupo, aquela briguinha no, sem
muita finalidade, sabe.
161
P: Você acha que essa coisa do trabalho serve para eles também ne? Isso que te da o
trabalho? Essa coisa de você ta produzindo alguma coisa, ta trabalhando, pra criança
também né?
M: Produzindo, tem que produzir, eu acho que tinha que ter um centro cultural onde
todos os dias a criança acordasse de manhã, tomasse café da manhã e ia pra pra para
casa, pra brincar, às vezes até pra fazer algum trabalho manual, ter aquele compromisso,
vir em casa almoçar, uns iam pra escola outros voltavam e de tarde sim ser reuniam em
casa para jantar, assistir uma televisão, ficar por ai. Eu acho que eles precisam demais
de lazer, lazer, eu não gosto que eles fiquem em casa no final de semana tinha que sair,
acho que tinha que ter aquela programação pras crianças na sexta-feira a tarde, sábado
de manhã, quantos tem aqui na casa, padrinho o veio buscar não, então nosso grupo
vai levar pra sair, tem que ter esse trabalho.
P: E tem aqui ou não?
M: A não, voluntários que podem vem busca um dia de manhã e trazem à tarde,
padrinhos sociais que podem pegam na sexta-feira, mas ficam muito dentro de casa sem
sair, e aí os que ficam não ficam legal, ta faltando isso, ta faltando assim muita
ocupação para eles no fim de semana. O por exemplo, hoje, eles foram pra academia
10:30 horas, voltam uma turma vai pra escola, a outra fica dentro de casa, faz o dever de
casa e tudo. Não seria legal se tivesse uma academia que eles fossem a tarde todo, eu to
falando.
P: Então tem academia para os que ficam de manhã, mas não tem academia pra os que
ficam à tarde?
M: Não tem.
P: Por quê?
M: porque tem poucos dias que a Karen conseguiu essa academia, tenho até que
conversar com ela, porque muitas vezes eles acham que é por idade sabe, por idade.
P: Os que estão estudando de manhã são os mais velhos?
M: Os que estão estudando de manhã são mais novos, eu não tenho muita certeza desse
negócio da tarde, mas eu o sei se a tarde tem. Porque tem poucos dias que eles
começaram né, que a Karen conseguiu uma ajuda voluntária , porque ela é super legal
ela vai, corre atrás, tenta uma ajuda voluntária, vai conversa. Mas eu acho que falta
aqui mesmo uma oportunidade dos meninos não ficarem aqui final de semana.
162
P: Na aldeia, por exemplo, tinha essas coisas?
M: Tem, lá tem o centro cultural.
P: Uma estrutura maior, melhor? E na cidade dos meninos?
M: Na cidade dos meninos é assim, eles ficam de manhã cedo é oficina, porque
tem..., em seis meses eles tiram o diploma, fica de manhã na oficina e uma turma na
escola, de tarde uma turma na escola, agora depois de 11:00 horas da manhã até o 12:00
as que estavam na escola vão pra casa, e as que saem da escola ás 17:00 horas, chegam
em casa 18:00 horas, então eles sempre encontram a tarde. Eu acho que é porque o
menino fica melhor, ele tira todo a energia, ele perde energia bastante, depois que ele
perde bastante energia ele chega em casa ele janta, ele faz seu dever de escola.
P: Só pegar aqui, então você acha duas coisas?
M: A carga horária da e social que dura 24 horas ela precisa de ser mais assim, ela
precisa ter uma carga horária mais leve, se ela trabalhar 24 horas e folgar aos
domingos, por exemplo, como é em algumas instituições eu acho que não é uma boa
o. Eu acho que é assim uma forma de esgotar ela pra que ela possa fazer um trabalho
melhor né. E da mais valor, valorizar mais a função dela pra ela ter um salário melhor,
porque é muita responsabilidade, se pensa bem, você achar um pessoa com a
responsabilidade de cuidar de tanta criança, empenhar o dia a dia para cuidar de tanta
criança. Eu acho que a mãe social ela precisa de ter mais valor, e muito mais, porque na
verdade ela não tem não, a gente faz mesmo por amor, porque eu acho que tem muito
amor.
P: Pois é essa profissão é uma profissão complicada Maria da Penha, porque é mãe,
quer dizer que valor que a gente dá para uma mãe, e ao mesmo tempo é um emprego, é
muito difícil, você separar as coisas é muito difícil...
M: Separar as coisas é muito difícil, é uma e social, eu acho que é uma mulher que
cuida da vida social de uma criança, eu olho mais por esse lado, que é a escola, o
trabalho, médico, o dia a dia, a educação, é uma educadora assim com nome de mãe né,
mais ou menos isso, mas eu acho que no mais para quem esta empenhado em fazer é
legal, esperar o tempo para as coisas.
P: É acho que deu né tá bom.
M: É tá bom, se você não tiver gostando de alguma coisa, você tira.
FIM.
163
ENTREVISTA - 6
Entidade: Lar Maria de Nazaré
Mãe Social: Maria da Luz
DATA : 16/09/05
P: Maria da Luz, me conta, como vc ficou sabendo desse emprego?
M: Bom, é...na verdade eu tenho esse trabalho, podemos colocar vinte anos. Porque
assim, quando eu comecei esse trabalho, é, eu morava com minha irmã, que eu comecei
esse trabalho com os meninos adotivos , e ela pegou, tinha 10 meninos e eu tinha 18
pra 19 anos então eu assumia a casa, , olhava, cuidava dos meninos e tudo fiquei
com ela até os 22 anos. Depois dos 22 anos eu fui pra casa André Luiz, e na casa André
Luiz eu trabalhei 8 anos.
P: Quando vc foi pra casa André Luiz como mãe social, aí já era um emprego...
M: Já era emprego...
P: na sua irmã, não...
M: Não na minha irmã não.
P: vc era uma voluntária, vc morava lá...
M: Na minha irmã, morava na casa, eu participava da casa. Então assim, eu sempre
gostei, sempre! e assim, tentei rias vezes, dos 20 anos até os 25, fazer outro tipo de
trabalho, sabe...
P: O que por exemplo?
M: Ah... não deu porque assim, fui pra um consultório, ser recepcionista, aí me senti
frustrada, porque não era aquilo que eu queria fazer, faltava a aula... eles conseguiram
pra mim um lugar onde tinha criança, mas era uma escolinha onde era particular,
entendeu, então assim, a remuneração era melhor, mas também não era isso que eu
gostava.
P: Não tinha nada a ver com um bem social...
M: Não, nada nada, porque não é em termos de criança não. Aqui é além de
criança... tem uma outra, outra coisa, entendeu, então o que eu gosto no trabalho é isso,
164
é um verdadeiro desafio. Eu gosto de estar cuidando dessas crianças, crianças , vamos
pôr assim: carentes mais do que carentes! É que são situações assim, bem delicadas
mesmo ... e todos que eu trabalhei são nessa situação.
P: Então desde os 20 e poucos anos vc tem buscado isso, e como foi que vc chegou
aqui?
M: Aqui, ... eu fui pra casa André Luiz, da casa André Luiz eu sai de do trabalho,
porque desativou o trabalho era com menino de rua aí essa casa lar foi desativada,
encaminharam os meninos e tudo, ficou naquele sistema de escola, apoio escolar,
falei, não, não é isso que eu quero. a Eva tava com esse trabalho, os meninos tavam
todos na casa dela, né, não era registrado ainda, era uma casa que apoiava os meninos,
eram uma faixa de uns 35 crianças que estavam com ela, aí resolveram registrar.
Registraram o Lar Maria de Nazaré, desativou a casa das meninas, aí fizeram uma
proposta, falou oh Maria da Luz...e... –Nossa, é isso que eu to procurando, , nisso eu
to aqui seis anos, no Lar Maria de Nazaré. Então assim, de do bairro, eu mudei
de bairro, né....
P: Ce ta com quantos anos?
M: Vou fazer 35...
P: Ce ainda ta podendo falar, né?
M: (ri) Ah, idade num fala nada não...
P: E aqui Maria da Luz, esse tempo todo vc trabalhou com isso...
M: o tempo todo, oh, fiz é... o segundo grau completo, terminei de estudar, e assim...
hoje, até hoje as pessoas falam comigo -Maria da Luz vc tem que fazer psicologia, ce
tem muita coisa e tal...” falei _ “Ah não, agora não quero mais não, o vou dar conta
de prestar o vestibular...” “- Não, conta sim e tal...ai recebi um apoio, até de uma
moça da Suécia que vem aqui, ela falou, -“Maria da Luz vou pagar pra vc”
P: Que legal...
M: “Ce quer fazer, vou pagar”...aí falei com ela pra aguardar, que esse ano eu to num
período assim integral, ficando à noite, mas ano que vem eu pretendo ficar de dia
como mãe social, e à noite deixar pra eu estudar, fazer alguma coisa, proenriquecer,
porque, a bagagem que a gente tem... e eu quero enriquecer, porque ce vê aquele dia
que a gente tava discutindo... eu tenho curiosidade, eu gosto, eu pego sempre é de
Rubens Alves, é livro, se a pessoa fala “isso aqui Maria da Luz, é tese sobre
165
psicologia”... “-ah, me empresta esse livro”... entendeu, porque eu gosto... e eu leio, tiro
a minha conclusão e tal, então assim, acho que vai ser bom, se eu fizer, acho que vai ser
uma coisa legal, porque aqui a gente já é um pouco curandeira Nádia, esses meninos
nunca tiveram amor... e acho assim independente da idade da gente, porque...não é
uma questão de teoria, sabe...é a experiência, é a vida que te dá.
P: Claro, a pessoa que faz o curso com mais experiência pode aproveitar muito mais, vc
com essa bagagem toda...
M: Pois é... aí pretendo isso, então assim... e num adianta também me falar, assim:
“Maria da Luz ce vai ser presidente do lar tal...” não quero! Eu não quero posição,
entendeu? Eu quero fazer o meu trabalho.
P: Sei... e sua vida pessoal, Maria da Luz? Namorado...
M: Ah, eu fui assim, já morei com uma pessoa, né , é assim, a gente separou, e tudo e
eu o tava trabalhando assim à noite não, depois que eu comecei, aí, terminamos e
tudo, e agora eu tenho um namorado, que assim ele mora um pouco longe, ele fica
em Brasília, então é isso, é distância e tudo, mas assim, se eu tiver planejamento pra ir
pra lá, já fiz uma pesquisa das instituições que tem lá, assim, tem assim... 2 que eu fui
em maio, conheci 2 instituições, lá, que fazem um trabalho, não assim como abrigo,
sabe, acho que , assim, ainda não esta bem aberto igual aqui, mas a desvantagem de
é que tá tudo misturado, o é separado por idade, assim, né? Mas eu fui lá, conheci,
quer dizer, já to pesquisando, uma coisa, assim, da área. É o que eu gosto.
P: E o quê que te levou a escolher isso? A gostar disso? Você sabe?
M: Ó, eu não sei se você vai acreditar, mas eu creio que é um dom. Porque, assim, é...
Não fiz curso, aí falei ah: “eu não concordo com isso”, porque eu acho que não existe
curso pra ser mãe, esse trabalho aqui não pra você fazer um trabalho pelo dinheiro,
pelo sustento, isso ai te frustra porque você não vai atingir o que você quer. É uma
entrega total, entendeu? Voluta contra seus próprios limites, mesmo. É um desafio a
cada dia, mexe com o emocional, mexe, né? Equilibra, porque eu me sinto equilibrada.
Principalmente quando tá assim, muito agitada, adolescente, tá... Eu falo assim: “beleza,
vou trabalhar isso aqui”, você entendeu? E por isso , assim que, então é igual eu passo
pros meninos assim. O corpo, nosso corpo, ele é um todo. E você tem que trabalhar o
todo.
Não adianta você mexer só com um braço, e a perna ficar parada. Então, se esse
166
trabalho eu abracei, eu abracei como um todo. uma pequena diferença ai. Quando
fala assim: “Maria da Luz, você pretende pegar menino pra adotar?” Falei assim: “Pera
aí! Não tem nada a ver uma coisa com a outra!” entendeu? Se eu chegar a fazer isso
um dia...
P: Cê pensa em ter um filho próprio?
M: Eu quero ter. Mas assim ate hoje, não optei em ter, por causa do trabalho mesmo. Eu
o queria abrir mão. Porque eu sei que ia atrapalhar as coisas. Se eu tivesse com um
filho hoje, eu não poderia estar da forma que eu estou entregando totalmente, entendeu?
E também, questiono muito a questão de qualidade do trabalho...
P: E de onde vem esse dom?
M: Não sei, uai...
P: Sua infância foi como?
M: Ah, nós éramos uma família com 9 irmãos, né? Eu fui a ultima.
P: Caçulinha?
M: Fui. Então, assim, a minha infância foi um pouco complicada, eu acho. Hoje eu
entendo isso. Porque assim, mamãe quando me teve, ela já tava, assim, com idade
avançada. Com 55 anos.
P: Isso tudo?
M: É. Ela teve 16 filhos. Morreram 7. E uma antes de mim, é... Tem problema assim,
excepcional. É especial. Então, quê que acontece, eu nasci normal. Então eu fui a única
que foi pro hospital, então mamãe, assim, quando chegou em mim, ela tava cansada,
estressada, chegando na escola eu sofri muito com isso, porque, as vezes era festinha de
criança e o pessoal falava: “Invém a vó da Maria da Luz.”. Então eu não admitia que ela
era minha mãe, num falava, tinha vergonha, na apresentação do dia das mães eu
escondia, isso tudo, assim, com 8, 9 anos. Então, eu via a mãe, na Eva. Eva é minha
irmã mais velha. Ela era minha mãe. Entendeu? Então sempre vi isso mãe. Então, fui
morar com ela, com 12 anos, assim que começou.
P: A Eva já tinha casado?
M: Já.
P: Então quando ela casou você foi morar com ela?
M: Fui. sai, né? Porque também, mamãe não me agüentava. Ela mesmo falou: “Leva
essa menina, essa flagela...” Ela me xingava assim, ?
167
P: Flagela?
M: Flagela! Nossa menina! Porque eu era uma menina muito inteligente, esperta, fazia
umas perguntas... E colocava ela em situação difícil. “oh mãe, mas o... Mas porque?
Como que é? Quê que é isso , menstruação? O que? Quê que a senhora falou? Como é
que é?“Ah que papo bobo, menina! Para com esse papo bobo, menina!” Pela idade
dela, esse trem.... Aí chamava meu pai... olha essa menina com esse papo bobo aqui.... E
na verdade, não era nada bobo, era normal, que pela idade, né?... Por isso eu acho
que a gente tem que acompanhar a evolução dos filhos, todos. Entendeu, porque senão,
fica complicado, porque a mente, ... Vai passando as coisas você tem que
acompanhar. Então não sei, eu vejo isso como um dom mesmo. Então muitas pessoas
que eu encontro assim, que trabalhei, mesmo na casa André Luis uns 8, 10 anos
atrás... Nó, Maria da Luz ce ta mexendo com isso ainda?” Ce entendeu? mas ce
ta nesse trabalho ainda?” Então, assim, é uma coisa, assim, que pra eles era cansativa.
Pra todo mundo que foi comigo ficou cansativa. E eu continuei. Então assim, sempre
nessa área. E pretendo continuar ainda sempre assim, nessa área.
P: E porque? Você acha que tem alguma coisa, assim, com o social?
M: Eu conheci como formação. Porque assim, é... criança quando esta em situação de ta
abrigo, é... o mundo diferente. Queira ou não, pra ela é um mundo diferente, né? Se
sente dentro da delimitação, se sente, né, incomodada, vários aspectos, vem da vida,
como que foi, relacionamento familiar, né? Vem com aquela auto-estima baixa, aquelas
coisa toda. Então, assim, eu gosto de trabalhar nessa área pra mim colocar, ce entendeu?
E os meninos que hoje que eu acompanhei eles na Eva, que foram criados por mim,
que tão com 20 anos, eles falam comigo: “Ah, a Maria da Luz é da nossa!” Tipo assim,
né? Porque eles todos hoje... Então a minha linguagem com eles quando eram pequenos,
hoje da mesma forma. Então a gente tem um equilíbrio daquilo ali. Entendeu?
P: Cê encontra com eles até hoje?
M: Até hoje! Porque eles foram adotados pela Eva, então são meus sobrinhos. A única
pessoa da família que eles vão é lá em casa. Vão, dormem, ficam final de semana. Eu tô
com as maiores da Eva que fizeram mais de 20 anos. Tem 3 delas que moram comigo
. Eu morava sozinha então fiz uma república. Elas tão lá. E tão assim..., aprendendo
muito porque sabe ... é limite mesmo. Ah minha filha, não mexe não. Cada um lava seu
copo... vai como é que é aí a água, ta gastando muito? Então assim, elas falaram comigo
168
na reunião que a gente fez, não Maria da Luz eu gosto que fala com a gente.. a gente
vai pegando. Eu falando porque eu passei por isso. Entendeu? Essa necessidade
mesmo de sair da casa da mãe e do pai e tem de juntar um dinheiro e comprar uma lata
de óleo, mesmo. Ta precisando de óleo? Vai e compra! Não fica esperando a mãe
o, porque na casa é modo fora dela é outra história e aí eu faço com elas o que eu
passei. Por que quando eu saí da Eva, eu sofri com isso. Porque eu fui morar com u´a
amiga e ela fez comida e eu falei cadê a minha? Ah, se vira aí. Eu vou ter que fazer
para você? A realidade me fez entender, entendeu, porque eu cresci, eu tinha que sair
daquele, daquele nível. É o que aconteceu com elas. E é o que vai acontecer com essas
hoje em dia, igual eu coloco pra elas, elas vão tê a delas quando... mas fora né, eu
até usei um termo quando eu coloquei naquele dia lá foi a questão do portão, tá vendo,
ali não vê lá fora né?, acho que foi até proLoraine, que eu falei do mar (se
dirigindo a uma adolescente que estava ao lado). Ali atrás pode ter uma coisa
maravilhosa mas vai ter desafio, cê tem que estar preparada pra enfrentar, porque aqui tá
muito cômodo , ta quentinho, tem a comidinha, , tem carinho, tem tudo. E lá fora?
Pode ter isso mas cê tem que conquistar, porque aqui chama a pessoa, chama, a
palavra abrigo, creche, orfanato chama as pessoas, comove. Então já vivi cena assim
que uma vez eu até repreendi uma senhora, que ela vinha aqui, não aqui nessa casa,
numa outra casa, que as crianças eram menores. O filho dela foi atropelado com oito
anos de idade. Ela não aceitou a morte do menino, não aceitou a morte. no
aniversário dele, ela trazia o retrato, colocava o retrato, o bolo, era aniversário dele, quer
dizer, chamava os meninos pequenos, eu falei olha deixa eu te falar uma coisa, se o
tirar o retrato e fizer uma festa e lembrar dele no pensamento, que otem direito,
vai ser muito melhor procê. Mas sabe o quê que acontecia? Ela cantava parabéns,
chorava... Os menino pequeno chorava, e eu, - “gente, que cês tão chorando?” - “Ah ele
morreu”... eles nem conheciam, entendeu, então era isso, então assim, eu ajudei ela ali,
ce acredita que ela falou pra mim assim, “Maria da Luz, passei atirar a foto e lembrar da
data...eu falei “faz fora da data também, faz fora, esquece a data, a data pode mexer
ainda com o seu emocional, e ela começou a fazer isso... e pra ela foi bom, ninguém
nunca acho que tinha coragem de dar esse toque, acho que é uma coisa muito dura, mas
eu costumo ir na raiz, não gosto de ficar dando muita volta o.Igual as meninas falam
comigo, Maria da Luz aqui ce faz terapia de choque, mas num é, é porque eu vou na
169
realidade, se eu for no superficial, vai chegar até num entendimento, mas vai sofrer
mais, pra que?Vai direto... Já vai direto... eu fico vendo, alguma coisa que me
incomoda na família, por exemplo, eu moro num lote, meus irmão moram lá. fica
minha sobrinha chutando, batendo chutando a geladeira e são cenas, que assim eu
ensino, eu falo com minha ir, gente aja , ela ta te testando, e ce ta caindo na dela,
ela ta te manipulando. Eu falo que foi, porque que a Cristina ta chutando a geladeira?”
Aí minha irmã -“Ah é porque ela ta querendo dois danoninhos, e eu já falei com ela que
eu vou dar um só, eu não vou dar dois”. Falei Maria, ce vai dar dois” . Ela falou
porque?“Daqui a 5 minutos ce vai dar dois pra ela...” Não deu outra, porque ela não
agüentou a menina chutar a geladeira, ela não agüentou o grito, então ela cedeu.
P: Aí na próxima vez...
M: Entendeu? eu falei com ela que seria muito mais fácil, pegar o danoninho,sentar
com ela e falar, “é seu;só que você vai comer dois hoje, dois amanhã, sei a hora...
que vc o vai chutar a geladeira pq não vai adiantar vc chutar, se vc chutar a geladeira,
eu vou pegar vc e vc vai sentar aqui”... mas não tem esse... ce entendeu? Ela prefere
deixar a menina bater na porta e tal.
P: Educar dá trabalho demais, né Maria da Luz?
M: Dá. Não é cil o. Educar, ce tem que educar com amor, o carinho tem que andar
junto, a determinação junto, que ce tem que ter, e a hora de puxar a rédia, tem que
ter.. tem que ter mesmo... quando eu saio de férias que eu não to aqui, o comportamento
é outro. E é isso que eu não gostaria que fosse, ce entendeu? Uma coisa que eu to
querendo chegar assim, que comigo ou fosse com você, fosse com outra, que fosse por
elas, o por mim. Fazer por mim, entendeu? Então assim, quando tem reunião aqui,
que eu coloco pra mãe social, oh, vão trabalhar na mesma linha, não cede!
P: Porque aqui, como que é o funcionamento?
M: eu fico a semana toda, né, 24 hs, acompanho tudo, escola, tudo... e vou embora final
de semana, sexta feira à noite. Igual hoje. E ela entra, na sexta feira à noite, mas assim...
a capacitação é totalmente diferente, então, segunda eu tenho que chegar e consertar
uma coisa, é pra semana toda. Então assim que eu queria, eu falei muito isso sabe
Nádia, trabalhar nessa linha...que igual assim,eu tive... o pessoal tinha me chamado
pra trabalhar, que o ideal seria a Maria da Luz aqui, a Maria da Luz ali, mas não é isso.
Poderia se formar rias...claro... que ninguém vai ser igual a mim, não é isso, mas se
170
você seguir uma linha dentro da educação, falando sempre a verdade, ce consegue,
porque a dificuldade é essa, olha, eu harmonizo tudo até sexta. Final de semana,
xui...(faz um gesto com a mão). Uma coisa simples, vira...ce entendeu...igual aquela
e social que teve aqui, ela não dá conta.O nível dela é igual dos meninos, por
exemplo,-“ah vai tomar no seu...e ela:-“vai oque já ta acostumado”, entendeu?
Então assim, nunca ia conseguir e eu tava, num foi falta de dar o toque, porque assim,
eu to aqui Nádia, não é pra cuidar da casa não. A gente tem que observar que ta
formando adultos oh! Ce entendeu? E adultos que pelo menos sejam menos
frustrados de tanta coisa que traz. Porque o que eles presenciaram, não é
brincadeira não, é barra mesmo, entendeu, pegamos menino de dois anos que... falava
coisa assim... falava mesmo, é porque já viveu aquilo, entendeu, coisa que a gente nunca
passou... e outra coisa quando chega com aquele pacote de coitadinho... nó... detesto
esse negócio desse rótulo. Aqui não tem coitado. Aqui não tem coitado! Aqui tem
pessoas que estão nessa situação mas vão sair dela... tranqüilamente...vai conseguir
vencer isso, sabe, então assim, não tem essa questão de... de coitadinho. Então eu gosto
passar sempre isso e acho pra mim, que me incomoda, principalmente voluntário... “ah
vou lá te ajudar a dar banho nos meninos, escovar dente, cuidar do cabelo delas...” essas
coisa assim,sabe? Vem. Mas numa fala, que ela fala ali, ela destorce a coisa
completamente. Aí...-“Nossa ah não... nós vamos trazer um xampu pra ela, tadinha, ela
o gosta de usar aquele xampu.Ela gosta de usar aquele” Eu falo “a realidade dela é
esse xampu aqui.Ela vai poder usar outro quando ela tiver se sustentando. Ela ta com 14
anos, ela vai entender isso” Não isso. A caneta é bic. Ela quer uma colorida, não
quer? Quando ela trabalhar e tiver condições ela vai poder comprar. Conquistar é bem
melhor que ganhar.Entendeu? Então essas coisas assim, as vezes atrapalha um pouco,
atrapalha.É igual visita no final de semana, é uma coisa que eu pedi pra cortar. Se fosse
pra família, que fosse assim, preparada pra ficar, pq a criança ia, Nádia, tomava
iogurte, danoninho ... fazia a festa lá. Quando chegava aqui que eu colocava o copo com
leite com café, o bolo, né..-“Não gosto disso não Maria da Luz” eu -“Uai pq?”.-..Eu
quero aquele outro.” “-Qual outro?” “Aquele iogurte que vem com moranguinho em
baixo do copinho...” É... ai eu já pensei... é... aquele de dois e tanto que ela ta querendo ,
eu falei –“oh, não tem. O que a gente tem é esse daqui”. – “Mas na casa da tia tem...”
Aí eu falei –Na casa da tia tem, mas se isso ta te atrapalhando a conviver aqui, e é aqui
171
que vc tem de ficar, nós vamos chamar a tia e vamos conversar com a tia.” E chamava!
Chamava e falava com ela, olha, ce ta agindo dessa forma, nossa realidade aqui é essa.
Colocava pra criança, mostrava, entendeu? Pq nessa idade é muito fácil fantasiar, é
viver ...querer viver na fantasia é fácil, ce entendeu? Mas nossa realidade aqui é outra...
P: Maria da Luz vc tem religião?
M: Tenho. Evanlica. Mas eu creio que assim... agora... pq...assim...é... a religião serve
pra justamente te equilibrar, na verdade, porque, qualquer tipo de religião, se vc não
souber lidar com ela, ela te domina também, ce o faz é nada. Ce não faz é nada. É
sério! Então assim, uma moça falou comigo “Nossa Maria da Luz, conversa com
espírito...vão Eu falo:-“ gente, de misericordia, pelo amor de Deus, presta atenção!
Nós tamos convivendo é com ser humano, presta atenção nisso daí primeiro. Entendeu?
Por isso que eu to te falando, se ocê for ver religião, ce não vai fazer, ce vai deixar ela
te dominar. E ce tem que ter equilíbrio pra tudo.Entendeu? é nessa visão, eu acho que a
religião, pra mim, é um ponto assim, de meditar mesmo, uma busca, eu gosto eu sinto
bem, ce entendeu, gosto de aplicar as coisas boas no meu trabalho, como né, amor ao
próximo, né? Essas coisas todas. Trago isso... harmonia, isso é bom.Entendeu?
Independente de ser religião, isso é bom. Acho que ce vive num ambiente melhor. O
Ambiente limpo, o ambiente agradável vai ser melhor pra você; quer dizer, eu não vou
arrumar a casa pq vai vir fulano.Não. Nós vamos arrumar pq vai ser bom pra gente
aqui, entendeu? Então assim, por essa experiência de ter convivido com menino de rua,
que não tinha nem banheiro em casa, muitas vezes, usava o quintal, falei “pq, ce ta
fazendo coco ai, a gente tem banheiro!” “Que que é banheiro? Quê que é vaso? Essa
realidade, ela é dura, mas existe! Por isso que eu to te falando Nádia, principalmente os
pequenininhos. Medo do vaso engolir eles, a mãe falava “ah vai cair aí dentro!” isso
tudo a gente tem que trabalhar. E eu gostava principalmente dos menores, eu to com
essa experiência com adolescente agora, mas os menores são a faixa que eu mais gosto,
pq ce coloca eles ali, por exemplo, 2,3, 4anos, ce entendeu, fica todo mundo nhem
nhem nhem, eu não gosto. Eu gosto de colocar ele ali... não tirar o formato dele de
criança, mas colocar ele na realidade. Pq se ele derramou um todd, vai ficar olhando pra
vc, esperando, sendo que ele pode pegar o pano e limpar? Entendeu? Menino de 4 anos
comigo lá, fazia tudo assim, ele arrumava a caminha, do jeito deles, claro que eu ia
depois e corrigia... mas hoje, ela a Lorraine, ficou comigo quando tinha um ano e meio.
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Ela por ex. chegou na casa André Luiz tava com um ano e meio. Ai nós passamos,
mudamos, essa coisa toda, reencontramos.... mas ela tem coisa que desde pequena
que eu ensinei que ela hoje me mostra em prática, ce entendeu? É isso que... Eu queria
ver isso! Então as crianças que foram adotadas, que estão bem hoje, eu tenho sempre
notícia delas, eu pego o telefone da mãe que adotou, pra mim ver como é que ta.
P :Ce que liga, ou elas também ligam?
M :Não, eu ligo.Ela também liga.E teve um uma vez, que teve um menininho, que eu
falei com ela assim,-“olha, vc vai ter que ter muito pulso com ele. Ele vai te testar de
tudo quanto é forma.” Não, mas tadinho, coisa e tudo...” Aquela coisa, né? Eu falei
Oh, não vai começar birra não..” Ele tava tão quietinho que ele olhava pra mim no
olhar dele ele me falava assim – oh Maria da Luz ce pode falar o que ocê quiser, eu sei
dominar ela direitinhoAi eu falava com ele assim, “Ô Ruan, vamos lavar a mãozinha,
, pra almoçar”, ele ia, lavava,né, tudo direitinho... O dia que ela tava : -“Ô Ruan,
lavar a mão”.-“Não! Ela lava pra mim”! Tipo assim, entendeu? Então assim, depois que
eu liguei, ela falou, -realmente,viu Maria da Luz, vc tem razão, tive de colocar no
psicólogo, ele ta me dando um trabalho!” Eu falei com ela –“Eu falei com você!” Tem
que conhecer a criança, Nádia, procê saber onde ce vai lidar com ela ali. Deixa ela
colocar pra vc quem é ela! Igual os adolescentes aqui, eu deixo ele me mostrar quem ele
é. Igual ele chega aqui, eu não falo nada de norma da casa.eu deixo ele livre, aos poucos
eu vou falando –“olha, aqui a gente não come na sala a gente tem uma mesa” ah mas
é rico que come na mesa!Eu falei Não! Não é rico não!” Porque? Porque a
refeição, ce vai comer melhor. Se ocê ligar a televisão ce não vai ver nada, ce vai comer
muito, ce vai acabar engordando, ce nem vai ver o que ce ta comendo, entendeu? Então
essa regra aqui, eu já coloquei regimento nela, a gente não faz alimentação lá dentro. Cê
viu aqui a Lorraine, veio aqui, lanchou, e saiu, então, se a gente deixar, vai comer no
quarto, vai comer em cima da cama, é bom fazer isso? É. Agora me fizeram uma
pergunta dessa e eu soube responder: -“Na sua casa, vc também o come na sala?” Ai
eu respondi pra elas –“olha, a alimentação na hora do almoço e da janta, eu não como.
Mas uma pipoca, igual eu faço aqui, aí eu como! Isso é bom, isso é gostoso! Mas o
principal do almoço, eu não acho legal. Entendeu? Já teve gente aqui que –“ Ah isso não
tem nada a ver... Pra mim tem a ver! É importante observar o quê que tá
comendo,mastigar, com calma, acho que é um momento assim, né.
173
P: Maria da Luz, o quê que vc acha que é inconveniente nessa profissão?
M: ... Às vezes quando ce depara com pessoas que não tem entendimento. Eu acho
assim, entendeu, umas coisas assim, que, é inconveniente, por ex. é...vem aqui, sabe,
claro, a gente ta sempre aberto, pro diálogo, pra aprender... Amo, adoro conversar,
porque eu acho que eu converso com pessoas que te passam muita coisa legal, passa
muita coisa, ce que, tem uma fala sua que eu o esqueci, que é aquilo de ser
e.Não tem essa coisa de adotivo, que a criança que vem da barriga na verdade cê
adota ela também. passei isso pra outras pessoas, são coisas que eu acho fantástico.
Agora, e quando vem pessoas aqui que o são abertas? Que colocam o ponto de vista
delas.Entendeu? As vezes discorda do seu ou então coloca o dela ali, as vezes ta na
autoridade maior, vamos supor, o abrigo convidou uma um psicólogo pra estar aqui e
se eu vou argumentar, com ela...-“Não, mas eu não acho correto...” Não é dessa
forma“. eu falo: -É sim! E tá errado no dela, porque ela quer aplicar a teoria
dela. Ce entendeu? Eu não,eu falo: -“ não vou agir assim como vc não! Não funciona...
Funciona sabe o quê que é? Deixa ela. Ela é que vai chegar no consenso dela. Ela tem
que entender o quê que é o errado”. Não é vc colocar pra ela e cobrar não,
entendeu?Então assim, igual a questão do estudo. Eu sempre falo com as meninas
Olha, Ce quer aprender,você ta interessada? Ce quer recuperar?” “Não, Maria, eu to
e tudo. Duas recuperaram. Uma não quis! Ela vai ter que tomar bomba pra ela
aprender!E a psicóloga não concorda comigo, ela acha que eu tenho –“Não...” Ela acha
que eu tenho que passar as meninas... mas não é o passar... ce entendeu como que é? É
isso aí. Eu acho que é só isso aí.
P: Maria da Luz qual é o seu ganho com esse trabalho? Salário ce já falou que não é.
M: Salário não tem que paga isso não. Eu ganho crescimento. Crescimento. Nossa Eu
amo nó! Todas pessoas que passam por aqui, eu aprendo um troço diferente. Nos
tivemos um professor de música aqui, ele era deficiente visual. Gostava de filosofia.
Amo filosofia. Ele gostava de conversar comigo. Às vezes, Nádia, atrasava o serviço
todo. De tanto de coisa que ele falava. Mas tudo que ele falou, eu peguei o livro. Amor
exigente foi ele que me deu pra eu ler. Ele falou assim –“Maria da Luz quê que o
achou do livro?” Quê que eu achei? Olha aqui ó. Minhas críticas” ... ce entendeu pq
era tudo sobre como lidar com adolescente. Tinha as críticas, coloquei, debati com ele,
frases que ele falou, que eu guardei.... Igual ele falou que é a ... “palavras alertam,
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atitudes é que convencem” eu aplico isso no dia a dia, porque não adianta mesmo
falar...é no agir, porque se oé espelho, cuidado com sua conduta.Porque a outra ta te
olhando, ce entendeu? Todo mundo que passa pra mim tem um valor, assim.então
assim, to preparando pra sair de férias, agora dia 3, eu nunca saio 30 dias. Eu sinto falta,
sabe?
P: Ce vai viajar?
M: Vou sair 20 dias. Vou viajar, mas assim, também vou fazer trabalho lá. Eu conheci
um abrigo , lá em Varginha, e a menina quer que eu passe pros educadores sociais de
alguma coisa que eu fiz. separei minhas apostilas, curso que eu fiz ... uma
troca. E vou pegar lá também. Então é isso.
P: Ta bem Maria da Luz. Acho que já deu.
***
M: Eu acho que deviam investir no profissional, pq assim, eu sou muito correta nas
coisas que eu faço.Sou disciplinada, sou responsável, agora, essa cobrança aí, eu vou em
cima. Sempre falo: - “quantidade pra mim não mostra trabalho não. Eu quero é
qualidade. Não adianta ter 50 menino e oficar perdido no meio da situação, Nádia. A
gente perde. entendeu? Então assim, eu sou o braço direito pra Eva. A Eva ainda,
assim, não absorve, ela não consegue ainda captar o que eu quero passar. Mas assim, ela
fala que eu ajudo ela muito, pq ela gosta da...lida dessa forma...
P: A Eva é a responsável pela instituição?
M: É ela é a presidente daqui, mas ela tem o trabalho a tarde, ela tem 16 adotivos. Na
casa dela atualmente, hoje são 2. Agora, a Eva age com o coração, eu com a razão.
Tenho coração, sim. Mas a razão tem de andar junto. Pq o coração, ele sofre, ele abala,
e ele não agüenta, Nádia, ele não agüenta. Ce vê, o menino chega pra vc e fala, ce chora
, ce não agüenta. Agora, ce age com a razão, ce agüenta. Ce já pensa no futuro dela,
ce já coloca pra ela a verdade, entendeu? Então assim, nós tamos na espectativa, tamos
esperando aí pra ver o quê que o juizado vai resolver, , porque que não ta vindo mais
criança, eu gosto assim, que venham mesmo...
P: Porque? O que ta acontecendo?
M: Eu não sei, acho que eles tavam esperando essas daí que tavam com um vínculo
muito antigo aqui, 8,9 anos... na verdade, elas foram esquecidas. Erro mesmo do
Juizado. Erro mesmo do abrigo. Entendeu? s erramos. E agora não adianta, você
175
pegar de qualquer forma, e falar, ce tem uma avo em tal lugar, -“vai”! Eu não concordo
com isso. Eu o concordo. Pq o vínculo, ele... ele é muito forte. Entendeu? Não adianta
ce pegar uma criança que já ta aqui comigo, que nem Alexandra, ela ta com 10, nós
pegamos com 5 anos. Cinco anos ta aqui. A referencia dela de mãe sou eu. Não tem
como.Não adianta ce pegar ela e falar, vai conhecer sua mãe.
P: E essas aí pra sair, como é que fica?
M: Pra ir embora? a Eva entrou com recurso. Porque elas estão na Eva. Na verdade
quando eu falo eu, é a Eva. Elas estão com a Eva há 8 anos. o Juiz falou com ela:-
entra com recurso, Eva, cê quer?Ela falou, eu não vejo outra saída.
P: A Eva quer ficar com elas?
M: Quer, já ta com processo de guarda e tudo. Se forem, ótimo. Ainda vão me pegar
ainda, pq os que tão indo embora, eu chamo, eu converso, eu mostro a realidade, e
todos, Nádia, todos lá da Eva e essas daqui, gostam de mim.
P: Então a rotatividade aqui não é grande, pq os meninos chegam, mas não saem.
M: Não, agora... foram essas, né? As outras já estão saindo.
P; E essas que estão saindo? Como que é procê?
M: Pra mim é o seguinte, é ... eu não apego...né? ou seja, eu não agarro, é meu! ?
Está comigo. Ta convivendo comigo neste momento.Hoje ocê ta aqui, amanhã, ce pode
o estar aqui. Sempre trabalho assim. Desde o primeiro dia que chega aqui. Ainda falo
–“Aproveita, o que eu to te passando aqui, porque onde ce for, ce vai levar isso aqui.”
Então, muitas brigam comigo, depois de separar, me ligam-ô Maria da Luz, eu to bem!
Ce acredita, meu crochê ta uma maravilha!”. 14 anos, ce entendeu? Ta bem com a
família. Então é isso. Eu acho que o principal é ta bem com a família.
P: Ce acha que a Eva se apega demais?
M: Ah! A Eva é Mãe, Nádia! Se apega como mãe! Eu sou mãe, mas... aspas , né?
Entendeu? eu passo carinho de mãe, consolo de e, aquela coisa de mãe, mas não sou
A MÃE. Entendeu, então assim, as vezes, pra eles, eles até pegam isso daí, né, a mãe,
coisa e tudo, né, e eu trabalho sempre essa relação. Teve um aí,né, 3 anos, -“pode te
chamar de mãe, de tia, ou de Maria da Luz?eu falei: -do que vc quiser, vai dar o
mesmo sentido”. –“ah mas vc vai ser a minha mãe.” Eu falei –“Ta. Mãe emprestada, ,
nesse período que ce ta aqui”. Porque a linguagem de uma criança de 2 anos é uma
linguagem diferente do de 14, é lógico! Não tem nem como.Igual eu já te falei, que eu
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tenho esse hábito de abaixar pra conversar, eu acho isso um respeito à criança...Pq se ela
te como autoridade, como ruim ruim ruim ...né, e as vezes ce tem que ser
igual eu era com os pequenininhos: enérgica, carinhosa...Por isso que eu gosto de
trabalhar com quem não tem limite.Principalmente com quem não tem limite. Eu amo
pegar quem o tem limite, Nádia! Eu gosto! De ensinar o limite. Falei –Oh, do portão
pra lá não vale não. Aí chegava a psicóloga pra conversar com ele, ele corria na rua, -
ei tia!” Aí Quando me via, ele: -“só to fazendo hora com ela, viu?” Sabe que não pode!
Ce entendeu? eu falei “oh, fala com ele, que o limite é do portão pra dentro...” Aí
ela falou com ele, ele falou assim.-“Ce nem me mostrou a linha que é...” Essa técnica
que eu faço também, assim, -“Oh riscou o chão! A linha do limite é essa!” Minha
linguagem com eles é essa. Se vc ensinar com amor, com carinho, ce vai, entendeu? Eu
acho que é por aí...
FIM
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ENTREVISTA - 7
Lar Efatá
Mãe Social: Maria da Consolação
Data :16/09/ 2005
M: ela ta numa série ela conta e o marido dela também, e a princípio a gente achava que
a situação era mais era comida, agora que a gente que não é comida, não é
comida é muito pior, porque a gente fica pensando na conseqüência dessas crianças
sendo criadas desse jeito, com os pais alcoólicos. Então eles ficam na rua, às vezes
vai pra casa, sabe.
P: E aqui tem vaga?
M: Tem que arranjar né tem que arranjar, porque a gente já atende as meninas dela num
projeto que a gente tem, então as meninas vem, algumas vem na parte da manhã
outras vem na parte da tarde, mas isso não ta sendo suficiente ainda, ai vai te que
fazer isso.
P: Vai ter que obrigar?
M: Vai ter que obrigar.
P: Consolação, eu quero saber o seguinte, você como você ficou sabendo desse
emprego, porque é um emprego não é?
M: Pra mim não é porque começou comigo, eu criei o lar, eu abri, sabe, eu conheci uma
família que era de Aidéticos, ta surgiu assim. Eu conheci essa família ne, então eles
tinham um menino que freqüentava a mesma igreja que eu.
P: Que igreja que é?
M: Igreja Batista. que o preconceito era muito grande, ninguém nem chegava perto,
nem a família, não pegava na mão, o fazia nada, não abraçava, nem nada, ai eu fiquei
assim , meu coração ficou pulsando. Ai eu falei gente tem que fazer alguma coisa, e
eu falei assim então eu vou ter uma atitude, ai eu tive essa atitude fui ajudar essa
família, levei pro médico sabe, e dei o remédio, ia todo dia para dar o remédio, que
tinha um bebezinho, o bebezinho passava muito mal. Então eu falei vamos trazer esse
bebezinho pra casa, falei com a mãe.
P: Aqui é a sua casa?
M: Aqui é a minha casa.
178
P: Aqui é a sua casa, sua e do seu marido?
M: Eu e meu marido.
P: E ai virou Instituição?
M: Virou Instituição?
P: Você tem filhos?
M: Tenho, 2 biológicos e 4 adotivos.
P: Nossa, que coisa menina.
M: peguei esse menino, ele ficou comigo um tempo, depois voltei com ele pra casa
da família, levava todo dia pra mãe vê, entendeu aquela coisa assim. Ai foi e começou e
cada dia aparecia um, parecia que os meninos apareciam do nada.
P: Cada dia chegava um da mesma família?
M: Não, de outras famílias, de outros lugares.
P: ficou sabendo que você tava acolhendo?
M: E veio trazendo, ai quando eu assustei Nádia eu estava com 23 crianças dentro de
casa.
P: Nossa, me conta uma coisa Consolação, isso era conveniado com alguma coisa?
M: Não.
P: Qual era o custo disso?
M: Não, mas pois é eu não me dei conta, entende, quando eu vi eu tava com aquele
tanto de criança, meus dois filhos, mais aquelas 23 crianças.
P: Qual é a idade dos seus filhos?
M: Um tem 16 anos, o outro tem 17 anos.
P: Isso os biológicos né? Que idade eles tinham naquela época?
M: 5 e 6 anos.
P: Eles eram pequenos, você tinha os outros quatro?
M: Não, os outros 4 vieram depois. Então foi assim, quando eu vi tava daquele
tamanho, eu falei gente o que eu vou fazer agora, aquele tanto de menino, não tinha
pra onde ir, não tinha o que fazer, ai meu marido falou assim, um dia nós sentamos e
falamos gente nós somos co-responsáveis .... Com esse monte de menino, aqueles
meninos tudo junto e queria ficar, queria ficar, e agarrava de cá, ai nós então agora é
hora da gente pensar em alguma coisa, foi quando nós, é... falamos temos que encontrar
uma pessoa que nos explica alguma coisa sobre uma instituição. Porque todo mundo
179
começou a falar, isso é errado, só que nós, eu não tinha essa consciência, parecia assim
que para todos era uma irresponsabilidade tão grande e que a gente não tinha
consciência menina, que era muito perigoso. nós encontramos uma pessoa muito
bacana, que falou não vocês tem que ir por este caminho, foi que nos fomos entrando
naquele caminho pra transformar nossa casa numa instituição.
P: Pra registrar, pra ter auxílio né?
M: Pra registrar, pra ter auxílio da Prefeitura né, mas mesmo assim quando nós fizemos
essa parceria, tinha que ter dois anos de registro né, aí desse tempo, deixa eu pensar.
.......... Então assim foi que nós registramos ai nossa casa virou um abrigo, teve que virar
um abrigo né.
P: Me conta uma coisa e virando um abrigo tem uma parceria com uma instituição
religiosa, por exemplo, e tem o auxílio da prefeitura?
M: Isso.
P: E tem mesmo?
M: s temos assim uma parceria assim com a Igreja, mas a Igreja não nos ajuda, nós
temos uma parceria, porque nós freqüentamos a Igreja.
P: Então verba não tem nenhuma não?
M: Não, da Igreja o.
P: Em geral ... O que eu to vendo é que tem uma verba que vem dessa Igreja, em geral
tem uma Igreja por trás e tem a Prefeitura junto.
M: Não, não é porque a nossa Igreja tem muitas ações, então ela faz, ela trabalha em
outras áreas também sociais, então a nossa casa acaba que nós ficamos assim mais,
vamos deixar eles trabalharem nas outras áreas e acaba que a nossa não tem, mais aí
tem a parceria com a Prefeitura.
P: Então é por isso que você falou sempre cabe mais um, porque nos abrigos tem um
número máximo?
M: É aqui em casa também tem, porque por causa do estatuto você tem que ter esse
limite, mas assim acaba que você abre um espaçozinho igual casa de família grande
quando chega um parente você coloca, porque a questão toda é a criança. Eu assim, eu
vejo muito, eu gosto muito de dá um atendimento bacana pros meninos né, mas assim
eu não consigo ver uma criança fora precisando de alguma coisa e você falando meu
180
Deus no, com tão pouco lá, se eu posso dar pelo menos um teto, dar uma comida, uma
cama quente né.
P: De onde que vem isso?
M: Olha ontem eu até brinquei com a C. assim, Ô C. dizem que, eu não acredito em
reencarnação ..... Por que dizem que você reencarna e que você vem pra ser uma coisa
melhor, ou para pagar alguma coisa que você fez lá atrás, então o que eu fiz lá atrás que
eu to pagando, eu não sei. .....Porque eu fico indignada com a situação, eu não posso ver
nenhuma situação assim, sabe de desconforto para ninguém que, sabe assim, então, que
eu vou lá, olha assim eu o planejo, quando eu vejo eu to lá dentro, eu já to lá dentro
do problema, sabe.
P: Sempre foi assim?
M: Eu família, meu pai era alcoólatra e meu pai era muito mau dentro de casa com
meus iros, mas comigo ele era ótimo.
P: Cê era qual filha?
M: Eu era última, a caçula, a última. Então muito agarrada, meu pai ficou doente ele era
alcoólatra teve um problema na mão, nem me lembro direito o que era né, a mão dele
inchava e depois estourava aquelas bolhas e tinha um mau cheiro. E minha ireu não
vou colocar comida na boca dele não, ai sobrava pra quem, pra mim, ai eu chegava e
colocava comida na boca do meu pai, ai eu falava assim ele o fez nada para mim, pra
mim ele era maravilhoso, eu nunca apanhei, eu nunca fui xingada, então pra mim ele era
maravilhoso então eu achava, eu gostava dele então eu ia e fazia. Ai eu fazia cigarro
punha na boca dele, punha comida na boca dele.
P: E sua mãe?
M: Minha mãe eu não vou fazer não, porque quando ele tava bom ele fazia isso, ele me
traía, então vai buscar as mulheres dele agora pra fazer isso. o mãe não é por ...
vem cá, eu era nova tinha oito, nove anos. meu pai morre, minha afica dentro
de casa, fica esclerosada, doida de tudo.
P: Mãe da mãe ou do pai?
M: Mãe da mãe, minha mãe trabalhava pra sustentar a gente, ai minha irmã: - eu o
vou cuidar da minha mesmo minha irmã com o coração esquisito dela sabe, o vou
cuidar da minha não porque como se diz antes puxava as orelhas, xingava a gente,
181
agora precisando né, eu o vou fazer não. Ta bom, então eu dava banho, limpava
coco, limpava xixi.
P: Você tinha quantos anos?
M: eu tinha uns 9, 10 anos e fazia tudo isso, e cuidava vó, e ficava com a e minha
e saia pra trabalhar então eu ficava com a vó, aquela coisa, então eu assumi isso.
P: Sua família era religiosa? Pai?
M: Minha e sempre é que ia muito pra Igreja, mas não era nenhuma coisa assim.
P: De onde você acha que você tirou isso?
M: Não sei, você acredita. Eu não sei, em casa o pessoal fala que eu sou doida né,
porque assim ninguém em casa faz isso, um dia eu toda assim né, encontrei dois
meninos negrinho na rua, trouxe para casa, cuidei deles, eles ficou bonitinho, eu falei
com meu irmão: _ Ô Adilson, pode cuidar dos meninos, tem uma padaria, você
ganha bem... Porque eu não tinha dinheiro, o fato assim de não ter dinheiro sempre
atrapalha a gente. –“ acha que eu sou doido colocar dois moleques marginal dentro
de casa? Ô meu filho pra que ....., o, o posso! –“ ô A. pelo amor de Deus são duas
crianças você pode cuidar, amar, entendeu, dar um serviço, uma profissão pros
meninos! Ele não quis, fiquei abismada, fiquei indignada com isso, fiquei ofendida
demais, briguei com ele sabe, - sai, você é muito ridículo. “- Ô Consolação, não é assim,
você é muito doida, colocar esse tanto de gente dentro de casa... depois, como que
tem essa coragem?”. Mas eu não tenho medo, eu entro na favela, eu entro em qualquer
lugar.
P: ..............................................................................................
M: Não a Isabelle eu recebi um telefonema a moça falou que a e tinha abandonado
ela com ela e ela não sabia o que ia fazer. Aí eu falei... ah, eu era doida para adotar uma
menina a ........
P: ....................
M: Não tinha uma menina e um menino. E eu queria adotar uma criança, ai ele falou é
mesmo, então liga pra essa moça e fala pra ela trazer pra nós, ai a moça falou ela é
muito feinha, ela não é bonita o, ai eu falei: - “pode trazer então, aqui ninguém é
bonito mesmo, então pode trazer”. trouxeram a Isabelle pra mim, ai veio a Isabelle,
adotei a Isabelle.
P: Isso foi antes de criar a Instituição? Já tinha alguns meninos?
182
M: Antes, já tinha alguns meninos, mas não era assim uma instituição não. veio a
Isabelle, a Isabelle eu adotei mesmo no papel tudo direitinho. depois a Talita e Tália,
a Talita e lia é um caso! A Talita e Tália chegou em 1998, pequenininhas vieram pro
abrigo né, e ficaram doente e veio uma pessoa e falava: - “ah eu não quero” e ia embora,
veio outra, -“ah não quero” e foi passando o tempo.
P: São gêmeas?
M: São gêmeas, foi passando os anos, foi passando os anos e as meninas foi
grudando, porque assim, o meu problema sabe, é que eu não consigo, o é igual, se eu
falar pra você que do jeito que é com meus filhos, com meus seis filhos, o amor é igual
, o amor pode até ser igual dos meus filhos e das crianças que são abrigadas, eu vejo
.....mas é diferente entendeu? Mas eu tenho um negócio pra mim, o amor não é
diferente, se for filho ou se não é, entendeu?
P: Você vai cuidar do mesmo jeito?
M: é eu vou cuidar do mesmo jeito, vou cobrar do mesmo jeito, eu vou dar as coisas do
mesmo jeito, então o que precisar comigo vai ser sempre as mesmas atitudes que eu vou
ter com o meu filho eu vou ter com aquela criança, então pra mimo tem essa
diferença, não, eu olho não vão ligar porque, então comigo não é assim, então os
meninos acabam se apegando demais.
P: E para ir embora como é que faz?
M: Até ir embora fica essa confusão, e a Talita e Tália ficou tempo demais, porque antes
alguns não queriam, porque a menina estava muito doente né, vomitava e evacuava,
comia aqui, saia e recuperava muito devagar, agora eles tão lindinhas elas tão até ai,
meninas fortes, a elas ali ó, são essas duas aqui. (mostra um mural de retratos)
P: É, o bonitinhas ..............
M: Ta vendo, aí elas estavam com 5 anos, até você pegar uma criança de quase 1 ano,
e elas ficarem bonitinhas com 5 anos, você já pensou, que nós arrumamos alguém,
muito bacana né, muito legal, e falou não Consolação, eu quero adotar as duas, eu falei
:-“ eu não posso ser egoísta”. Porque uma, que sem dinheiro sabe, como vai ser a vida
dessas meninas... você quer saber, fizemos uma amizade bacana, então vamos lá.
Beleza as meninas foram e não quiseram ficar, -“não quero ficar, quero mamãe, quero ir
embora.” 5 anos, ....., -“quero embora, quero minha mãe, não quero”... Pronto, aí
voltaram. Ai eu falei então vou entrar na adoção, fazer as coisas no papel, tudo certinho
183
, ....... pressionar, então eu vou adotar. Chego lá na hora, eu fui tão sem sorte, que eu
o consegui, .................., eu não consigo ficar com nada aqui não sabe, aquela coisa,
coisa assim, de conversar com você e ter uma coisinha pra esconder, eu não gosto disso
o. Eu falei, olha existe uma coisa, tanto que hoje nós somos amiguíssimas, somos
muito amigas, tanto que as meninas gostam tanto de mim, quanto dela. Pra mim, então
entramos num acordo, vamos levar essas meninas, vamos lá tentar, ela quer adotar as
meninas, ela é a mãe, ela quer adotar as meninas, ela gosta das meninas mesmo. Ai eu
falei, olha gente mais uma vez, o coração, assim, ficou acabado né, não... mas é uma
oportunidade pras meninas ne, então tem que ir, vamos atrás dessa oportunidade, não
posso ser egoísta não, não vou pensar em mim, não vamos pensar em nós não. Aí deram
a guarda pra Luciene, ela chama Luciene. Luciene leva as duas meninas, ai chegou lá ai
no primeiro dia, uma delas entrou para dentro do quarto chorando, saíram daqui felizes,
na hora que chegou em cima, falou com a Paula minha filha, -“agora eu vou mesmo
Paula?” “vai. Vovai ficar lá, vai ficar bem.” Ai entraram no carro chorando.
Ficaram chorando na 1ª noite, na 2ª, ficaram 33 dias, 33 dias de choro: - eu quero
minha mãe, eu quero minha mãe”. Um dia a Luciene veio sozinha estava aqui, não sei o
que, não sei o que, ...Talita e Tália né, três! O quarto foi o João, o João chegou
praticamente assim muito doente, tanto que o Conselho da Infância me ama, tudo
quanto é coisa assim perigosa, eles mandam pra mim, todo menino que ta assim
doentinho: - manda pra Consolação”. mandaram pra mim o João Lucas, e o João
Lucas deu um trabalho sabe, ele nasceu de 6 meses, tinha problema no pulmão, tinha
problema.
P: De quanto tempo?
M: Seis meses, nasceu e ficou internado esses dois meses, já saiu de e veio pra mim,
tinha problema no pulmão, tinha problema de respiração, tudo que era problema ele
tinha, de respiração ele tinha tudo. fiquei no hospital com ele dois dias, fiquei com
ele internado no hospital, e lá no hospital eu comecei a olhar pra ele, foi dando uma
paixão, nós dois fomos namorando ali, aí começou, ele assim me conquistou de uma
maneira menina, daquele jeito dele assim, ai eu disse:- ah, não tem jeito não. Ai sai do
hospital, passou assim na parte da tarde, ai .......... tinha que entrar na fila, então ta bom
dava pra arrumar outra pessoa, que eu fiquei assim quatro, a não vai ........, ai ela foi
conversou com o Dr. Lúcio, ai o Dr. Lúcio falou com ele que o menino tava aqui,
184
com todos nós: - pode ser que ele não sobreviveria, a, mas se ele fosse morrer amanhã,
então que seja eterno enquanto dure, até brinquei com ele , então eu falei com ele, ele
vai ter o melhor, se ele durar 1 ano ele vai ter o melhor por um ano. Ai o médico me
chamou e falou ele pode não ouvir porque ele teve duas paradas respiratórias e teve uma
lesão no cérebro, então ele pode não falar e nem andar, foi o que o médico falou
comigo. eu tava ciente que eu ia ter uma criança que não era uma criança... sempre...
tá bom, se viver dois anos tá bom, se viver um ano tá bom, aí o médico falou ainda
assim, você o espera que ele viva nem um ano, então não tem problema eu não ligo
para isso não, eu quero dar o melhor, não sei sabe, não sei se ele vai encontrar alguém
que vai amar ele, porque e eu já amo ele demais, tanto que eu quero dar tudo de mim
por ele, aí eu peguei aquele menino, entendeu e cuidei dele e não é que o menino
sobreviveu.
P: Tá até hoje?
M: O menino ta levado demais, três anos fez.
P: Tem algum problema? De audição?
M: Nada, o menino não tem nada, com nove meses o menino tava correndo pra tudo
conte lado.
P: Pré-maturo heim.
M: Pré-maturo, e ele é inteligentíssimo, se você ver o menino tocando bateria com três
anos, você fica boba de ver. Ai o médico falou comigo o quê que você fez, eu falei eu
o fiz nada. Eu não fiz nada entendeu, não fiz nada, nada, nada, eu falei eu vou amar
tanto esse menino, falei mesmo. Acho que é um dom que a gente tem...
P: E o seu marido nessa história?
M: É o N., o N. ama tudo que eu amo, entendeu, sabe aquela história de alma mea,
nós dois é assim, eu amo tudo que ele ama, e ele ama tudo que eu amo é uma coisa.
P: O quê que ele ama?
M: Ele ama a mim, ele me ama, por isso que ele ama tudo o que eu amo.
P: Por que parece que essa coisa dos meninos é uma causa sua é dele também?
M: Sabe quando você pega, vamos supor assim, eu pego isso aqui e amo demais e dou
pra você e você começa a amar aquilo ali demais, e aquilo ali vira sua causa, comigo
mais o N. é mais ou menos assim entendeu. A causa dele acaba virando as minhas e as
minhas acabam virando as dele, entendeu.
185
P: Ele é da Igreja também?
M: Ele é, ele é pastor da Igreja.
P: Ah ele é pastor?
M: Ele é o pastor da Igreja, e ele faz isso com uma tranqüilidade tanto é que assim, a
gente tava com um bebê agora, ela foi adotada terça-feira, ai à noite a gente revezava
para olhar o bebê né. Eu passava uma noite, porque ele trabalha uma noite sim, uma
noite não né.
P: Ele trabalha em que?
M: Ele é militar, ele é policial militar, trabalha uma noite sim, uma noite não, então na
noite que ele estava ele olhava, na noite que ele não estava eu olhava o be, porque ela
tava trocando o dia pela noite, então ela ficava quase a noite toda acordada. Então
assim, na maior naturalidade, eu falava assim, eu durmo hoje, vodormi amanhã,
então assim acaba a gente ia fazendo isso, e ele faz com uma generosidade, que eu não
sei assim, como um homem pode ser tão generoso desse jeito.
P: Como você conheceu ele?
M: Conheci um dia no meio da rua.
P: Ah o, mentira!
M: É, de verdade, na feira assim, encontrei. E é assim sabe, sem sombra de dúvidas ele
é assim, se eu falar com ele assim, como eu falei com ele eu vou receber fora esses
meninos aqui, a vara da infância vai mandar cinco criaas ou chega hoje à tarde, ou
chega segunda-feira, porque o lar .... tá fechando e essas crianças estão lá e precisam
sair, então vão chegar hoje à tarde, ou segunda-feira, eu preciso de duas camas, porque
eu tenho duas camas aqui, e uma vai dormir junto com a outra, então eu vou precisar
de duas camas, ele falou ta bom eu vou dar um jeito de arrumar essas duas camas pra
você, ai eu sei que daqui a pouco ele sai, arruma essas camas, trás, monta as camas e
coloca no lugar, então é assim.
P: É... tudo bem...Consolação, acha que tem algum inconveniente nessa profissão,
nessas coisas, nem é profissão né? Nem recebe por isso, não?
M: Não, não.
P: É voluntário?
M: É voluntário.
P: Só que é registrada na Prefeitura como mãe social? Como é que é?
186
M: Na Prefeitura tá né, porque aquela listagem de profissionais né.
P: A guarda também fica com você?
M: Comigo, mas não tem salário, não, eu acho que eu não saberia fazer se tivesse um
salário, não sei.
P: Porque em geral é assim, é Profissão?
M: É uma profissão, por isso que eu to falando pra você, eu não sei se eu saberia se
fosse uma profissão.
P: É a sua vida né?
M: É, é a minha vida, a minha casa, é a minha vida, são as meninas, né são as pessoas, é
assim.
P: Tem inconveniente?
M: O inconveniente às vezes eu fico pensando assim que o quê que pode tocar no
coração, porque tem algumas crianças assim tão, como que eu falo, não sei se eu posso
dizer assim um coração ingrato sabe, assim que tudo que você faz, tudo o que você
pensa, ainda o consegue acalentar o coração. A gente sabe que tem um buraco ali, por
falta da mãe, da família, que foi abandonado por tudo. Mas assim todas as coisas que
vem elas não conseguem olhar assim com uma gratidão ou receber aquilo assim. Igual
tem voluntários aqui nove anos, vem ajudar, ai os meninos vai xingam os voluntários
tudo, como você tava falando lá, eu e a C. rimos demais, ai os meninos estão
desacatando os outros pra dizer que, ai o pessoal diz Consolação, quê isso, os meninos
xingam, não recebem as coisas, ai a gente fica pensando porque que é assim. Então nós
temos um Projeto que chama Ler, Digitar e Criar; Ler envolve leitura, interpretação,
tudo; Digitar é computação; e Criar é artesanato que elas fazem. Tem uns voluntários da
igreja que ajudam. Ajuda até eles também, assim, se sentir útil, né? Ai hoje nós fomos
chamados na escola, professora mandou o bilhete, eu falei ah N. vai você que eu
o to com vontade de ir na escola não. Ai o N. foi lá e a professora falou: - a Nayara
ta péssima em português, péssima em matemática, eu falei, gente denegrindo meu
Projeto, porque eu atendo 40 crianças da comunidade, mais o pessoal que trabalha, que
ta precisando.
P: Além dessa coisa você tem um Projeto com as crianças da comunidade?
M: Tenho, tenho porque as criaas estavam na rua, para eu tirar essas crianças da rua
eu fiz o Projeto Ler, Digitar e Criar, porque eu resgato de lá, trago pra aqui, para eles
187
evitarem essa coisa do abrigamento, entendeu. Ai assim foi uma técnica que eu tive,
porque eu falei assim gente daqui a pouco esses meninos ta tudo abrigado, ai eu vou
na casa da família, faço a visita, mostro o Projeto, explico pra mãe o quê que é, ai a mãe
acha lindo, manda os meninos né. E o pessoal da igreja também, que as vezes ta ali sem
uma atividade, isso faz bem pra eles também, é os dois lados. Ai eu falei gente, e os
meninos, as mães vem tudo, meu filho melhorou nessa área, meu filho ta assim, nossa
menina! olha o bilhete que a professora mandou, as mães vem tudo falando. E a minha,
dentro de casa, passando vergonha, falei:- Jesus que vergonha! Nei falou assim, ce não
falou nada do Projeto não, né? Num falei não amor porque, na hora que ela falou
Português, mas logo nessa matéria, com toda a ajuda que ela tá tendo, ela tem
interpretação de texto quase todo dia com a professora.
P: E ela não vai bem?
M: Aqui vai, e lá é que não.
P: ......
M: Dois, ah você fica pensando o quê né, sabe o que ela falou comigo, porque eu
chamei ela pra conversar porque ela quer ser adotada, aí todo dia ela manda carta pras
pessoas que conversaram com ela. Ô Consolação o negócio é o seguinte, você gosta de
arrumar uns pobres pra adotar a gente, ela falou comigo.
P: gosta de arrumar o quê?
M: Uns pobres pra adotar a gente, conversa dela! e eu ................................. Porque que
é pobre Nayara? O quê que é pobre pra você? Pobre é quem não tem dinheiro, não,
pobre é quem não tem cultura, não tem nada, falei com ela, não tem educação, não em
amor isso é que é pobre, entendeu. Porque eu não quero não, porque eu quero minha
professora, porque minha professora é chique e eu quero ser chique como ela.
P: Ah então ela tá indo mal na escola, porque queria que a professora adotasse ela?!
M: adotasse ela. eu falei com ela, mas Nayara a sua professora é tão chique e você
o quer ser adotada por ela, você já perguntou a professora se ela quer te adotar? Já. E
qual foi à resposta dela? Que ela não quer. Ta vendo é aquela história, eu quero quem
o me quer e quem me quer eu mando embora. E o quê que você vai fazer agora? Não
sei. Pois é, você vai entrar no caminho da obediência então, ai ela não é, ela não quer ser
adotada. Ai a outra chegou para mim eu quero ser adotada, quero voltar pra minha
família, quero conhecer minha e, ai vou eu né. E visito a avó, e visito o tio, e
188
chamo o tio converso com ele mando o relatório pro juiz, o juiz manda chamar nós duas
a menina e eu. Na hora que nós estamos lá sentada né, pra mim nenhuma delas falou
nada né, nem fiquei também você fala assim, assim claro que eu não ia fazer isso,
besteira, ai cheguei sabe o que ela fez na frente do juiz. O juiz então ta voquer
voltar para sua e, ai ficou calada, então pode falar porque eu sou a única pessoa que
pode resolver sua situação agora né, e o que a gente quer fazer é o melhor para você,
o é porque eu não quero voltar para minha mãe, eu quero ser adotada, ai eu falei ai
meu Deus que eu não to entendendo, não quero voltar para minha família não, você
sabe o que você ta falando, você tem 13 anos, você entendeu o que você ta falando, sei
eu quero ser adotada, por quem? Por qualquer pessoa, tanto brasileiro quanto
estrangeiro, tanto por estrangeiro quanto brasileiro, a então ta bom Clara nos vamos
edital externo e daqui a 5 dias sai da instituição então ele explicou pra ela tudo
direitinho. chegou aqui ela falou pras meninas assim, viu bem feito, hoje eu fiz
uma coisa, fiz a Consolação passar por mentirosa, a Consolão não diz que não mente?
Hoje o Juiz vai achar que ela mentiu. Olha pra você ver, porque eu sempre falo com
elas: - gente é feio mentir, gente o mente, fala a verdade. -Hoje eu fiz ela passar por
mentirosa. Nayara falou: - ô Clara que coisa feia, então você falou contra a
Consolação então? - Eu falei pro juiz pensar que ela mente.
P: É difícil né?.
M: eu falei ô Clara, eu chamei ela ô Clara que bobagem é essa, porque você fez isso,
por nada. Aí eu falei: -Clara que feio, você acabou com meu nome, então né Clara?
P: Mas é nessa mentirosa que ela confia né?
M: É! eu falei com ela assim, pois é Clara você fez isso, agora o Juiz vai achar que
eu sou uma mentirosa, quando eu falar com ele que eu achei uma família bacana pra te
adotar, o juiz vai falar assim comigo, mentira da Consolação, o pra acreditar na
Consolação ela é uma mentirosa. Ela começou a chorar, e foi chorando, chorando,
chorando, -“então é assim... é uai, por que o mentiroso ninguém acredita mais nele,
agora então eu sem palavra. Pois é Clara vose danou agora. E saí, sabe? E ela
ficou, eu falo isso com ela e ela fica irada, porque a novela é mais melhor né, porque
ela vai brigar comigo, pra gritar, ai às vezes a gente passa cada coisa. ................... Outro
dia ela deu um chute no... na porta do guarda-roupa que ela mandou longe. -Ah você
chutou, para mim tudo bem, não é no meu quarto mesmo, meu quarto ta intacto lá, fica
189
com o guarda roupa quebrado ai, melhor você quebrar o resto das portas pra ficar
tudo igual. elas ficaram tão sem graça que foram e pregaram a porta do guarda
roupa todinho, entendeu, porque assim, se você entrar na delas, entendeu? As meninas
que vem trabalhar comigo entra na delas, -ah, não vou ficar mais não... num dão conta
o! ontem a menina que trabalha comigo, cozinha pra mim não veio, aí eu falei: -
aho, C., pelo amor de Deus! Quê será que aconteceu com dona Lourdes, dona
Lourdes é tão boa, dona Lourdes é uma pessoa especial mesmo, ela faz tudo direitinho,
ai meu Deus, será que as meninas aprontaram, será que a dona Lourdes o vem, passei
a manhã -ai meu Deus se a Dona Lourdes não vier vou ter que procurar outra pessoa
amanhã. são quatro pessoas que vão embora, porque não estão agüentando esses
meninos. E aí quando a Dona Lourdes chegou, que avio! dona Lourdes: - eu tava
com dor de cabeça, ..........................., _ não dona Lourdes tudo bem não tem problema
nenhum não.
P: E aí quando os meninos vão embora? Porque os meninos dão muito trabalho...
M: Ah tem menino que da trabalho e vai embora e você sente uma falta danada, sabe,
tem uma que chama Caroline que assim, nossa, ela era terrível, eu esquecia dela, a gente
faz artesanato em madeira, ela corria lá e pegava o tinner e cheirava, enquanto
esquecia dela! Mas dava um trabalho... mas quando ela foi embora ficou um vazio tão
grande. Mas tem uns que você fala assim, ai, vou dormir em paz essa noite! Tens uns
que você fala mesmo, não com saudades não, ai, tem uns que não da pra sentir
saudade, sabe assim, você sente falta dentro de casa, aquela falta sica, mas saudade,
coisa assim, tem menino que você não sente não.
P: E quando é um menino muito apegado e vai? Eles mandam carta, ligam?
M: A geralmente os pais trazem pra mim ver, porque assim, eu acabo criando um
relacionamento muito grande com os pais então eles acabam trazendo pra mim ver,
entendeu, muitos voltam, muitos ligam, eu tenho um que ta com 18 anos ele liga todo
fim de semana, aonde ele vai ele liga, tia to no lugar assim, assim, a mãe dele morreu
ne, então hoje ele vive sozinho, então ele liga, o eu to em tal lugar, o Consolação eu
vou pra tal lugar, então ele liga dando notícias assim, mas tem uns que o voltam mais
o.
P: É Consolação acho que dá, né, muito obrigado.
190
M: Sabe eu vejo que o teria muito sentido se não fosse assim, por que o quê que eu ia
fazer, por exemplo, se não fosse isso?
P: É boa pergunta, o quê que você faria?
M: Faria o que eu faço, seria mãe de novo, eu nasci aprendendo a cuidar dos outros,
entendeu, parece assim que eu nasci, desde que eu me lembro assim sabe, menina assim,
eu já fazia o que eu faço, entendeu, eu não saberia ser, eu o sei ser outra coisa. Às
vezes eu penso assim eu gostaria de ser psicóloga, mais aí eu penso ai! ai! eu ia abrir
uma clínica enorme, pra atender todas as crianças, aí eu penso não, podia ser pediatra, aí
eu penso em atender todos os meninos pobres, pra tirar eles da fila do SUS, vira
aquele sonho enorme, aí tudo que eu penso que eu poderia ser, aí eu já penso.
P: Você estudou Consolação?
M: Estudei até a série, que eu tive que sair pra olhar os meninos da minha irmã, um
nasceu com síndrome de Daw e outro era muito pequeno, a minha iro queria que o
menino nascesse, tadinho maior bonitinho.
P: então você com 14 anos começou a cuidar dos meninos dela?
M: Isso, porque a minha ir o queria o menino, porque ele nasceu com síndrome de
daw.
P: E esse menino onde está ele?
M: Hoje ele tá grande, tá com 19 anos, sabe estuda em escola bacana, pra meninos
assim, hoje ele consegue ter uma vida boa, sabe, consegue ter uma vida legal. Mas ela
até hoje trata ele como diferente, ela gosta do mais velho e trata, a gente ver sabe assim,
ela trata o mais velho de ......., e ele é o Fernando. Como se diz, eu morro de rir, ai fico
olhando coitada da minha irprecisa de uma coisa mais pra dar um sentido pra vida
dela. Mas tudo que eu penso em fazer, ainda penso que se eu fizesse isso, seria
acrescido disso, de pessoas, de crianças assim, de gente.
P: Ah então tá bom...
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