longo da história narrada e da história da sua própria vida. Há, desse modo, um elo
relacional necessário entre ação, recriação e ficção, pois como afirma Ricoeur, a
tragédia imita a ação. Imita recriando-a artisticamente, por isso, pensamos que a ação
mimética
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(da obra de arte em geral) não é, como sustentou Platão, mera cópia
imperfeita,
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afastamento do real e do mundo ideal.
Em Platão, a obra de arte é a imitação da imitação, ou seja, este mundo já é uma
cópia – imperfeita como toda cópia platônica – do mundo das idéias. A obra artística,
sendo mera cópia desse mundo – que já é, por sua vez cópia – é uma representação,
uma aparência que dista em três graus descendentes do original, logo absolutamente
desnecessária nas palavras de Platão:
(...) seu erro procede de que, ao ver as produções desses poetas,
esqueceram a observação de que estão três degraus distantes da realidade,
e que, sem conhecer a verdade, é fácil criar esse tipo de produção, que em
última instância não são nada mais do que meros fantasmas, que não
possuem nenhuma realidade (...).
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Diferentemente em Ricoeur a mimese é um movimento de re-criação
trespassada de sentido humano: “a ficção é o caminho privilegiado da redescrição da
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Flickinger explicita o que o estagirita concebera por mimese: “(...) a mimese aristotélica opõe-se ao
entendimento platônico que nela vê apenas a imitação de algo, cuja pretensão de verdade encontra-se, de
antemão, garantida no mundo das idéias. Assim é que, ao atribuir à experiência da obra de arte essa
pretensão de verdade própria ou produtividade interna, Aristóteles prepara, sem dúvida, o caminho à
sensibilização moderna quanto ao caráter provocador da arte.” FLICKINGER, H. Da experiência da arte à
hermenêutica filosófica. In: ALMEIDA, C; FLICKINGER, H; ROHDEN, L. Hermenêutica filosófica.
Nas trilhas de Hans-Georg Gadamer. Porto Alegre: Edipucrs, 2000, p. 33.
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Platão operou uma verdadeira revolução literária ao introduzir o diálogo como forma de escrita. O mito
da caverna é outro exemplo do quanto esse filósofo era trespassado pelo espírito artístico-literário, pois o
mito expressa uma idéia por meio de uma linguagem figurada, metafórica. O paradoxo que se enraíza no
coração de Platão encontra-se na distinção entre real e ideal, pois, se enquanto ser humano ele escrevera
daquela forma, em sua República ele excluíra qualquer artista da “pólis ideal” justificando-se com o
argumento de que a arte, principalmente a tragédia, incitaria os homens a praticarem ações baixas,
corrompendo seus espíritos e levando-os ao sentimentalismo pelo processo catártico.
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PLATÃO apud RUIZ, C. A filosofia, a verdade e o sujeito. In: HELFER, I; ROHDEN, L; SCHEID, U.
(org). O que é filosofia?. São Leopoldo, RS: Ed. Unisinos, 2003, p. 26.
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