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Marco Antônio Guimarães
As Imunidades Tributárias enquanto Direitos
Fundamentais Integrantes do Núcleo Rígido
da Constituição Federal e o Princípio da
Proibição do Retrocesso Social
D
ISSERTAÇÃO DE
M
ESTRADO
C
ENTRO DE
C
IÊNCIAS
J
URÍDICAS E
S
OCIAIS
Mestrado em Direito Econômico e Social
Curitiba
Julho de 2006
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Marco Antônio Guimarães
As Imunidades Tributárias enquanto Direitos
Fundamentais Integrantes do Núcleo Rígido da
Constituição Federal e o Princípio da Proibição do
Retrocesso Social
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Direito da PUC-PR como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em Direito
Econômico e Social.
Orientador: Prof. Dr. Dalton Luiz Dallazem
Curitiba
Julho de 2006
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Marco Antônio Guimarães
As Imunidades Tributárias enquanto Direitos
Fundamentais Integrantes do Núcleo Rígido da
Constituição Federal e o Princípio da Proibição do
Retrocesso Social
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Direito da PUC-PR como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Direito Econômico e
Social. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo
assinada.
Prof. Dr. Dalton Luiz Dallazem
Orientador
Prof. Dr. Roberto Ferraz
Membro – PUC/PR
Prof. Dr. José Roberto Vieira
Convidado - UFPR
Curitiba, 31 de julho de 2006.
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do
trabalho sem autorização do autor, do orientador e da universidade.
Marco Antônio Guimarães
Graduou-se em Direito na Faculdade de Direito de Curitiba em 1993.
Especializou-se em Direito Comunitário do Mercosul no Instituto
Brasileiro de Estudos Jurídicos (IBEJ) em 1999. Especializou-se em
Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas
(ISAE/FGV) em 2001. É advogado em Curitiba.
Guimarães, Marco Antônio
G963i
As imunidades tributárias enquanto direitos fundamentais integrantes do
2006 núcleo rígido da Constituição Federal e o princípio da proibição do retrocesso
social / Marco Antônio Guimarães ; orientador, Dalton Luiz Dallazem. –
2006.
128 f. ; 30 cm
Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná,
Curitiba, 2006
Inclui bibliografia
1. Imunidade tributária. 2. Direitos civis. 3. Direitos humanos. 4. Brasil.
Constituição (1988). I. Dallazem, Dalton Luiz. II. Pontifícia Universidade
Católica do Paraná. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título
Dóris 4. ed. – 341.39452
342.1152
341.12191
À Estefânia e Rafaela, razões de todo o meu esforço.
Agradecimentos
São muitas as pessoas que contribuíram para a realização deste trabalho.
Passarei o resto dos meus dias ocupado em agradecer a minha esposa, amiga
e companheira, Estefânia; não será suficiente, mas será um prazer. Isto porque
sem o seu apoio, carinho e compreensão, a elaboração desta dissertação teria sido
mais difícil. Tê-la ao meu lado torna a minha vida mais fácil e feliz.
Gostaria de agradecer à minha filha, Rafaela, pela alegria constante, com
que, muitas vezes, interrompia-me no estudo, deixando estes momentos mais
leves e felizes.
A meus pais, Odilon e Cerli, que sempre me proporcionaram todos os
estudos necessários para que eu pudesse chegar até aqui.
Meu especial agradecimento ao meu orientador, Dalton Luiz Dallazem, por
todas as ponderações e sugestões oferecidas, com absoluta clareza e precisão, na
fase da redação da dissertação.
À Ângela Gomes de Sá, Denise de Paola Magalhães, Marco Aurélio
Guimarães e Priscila Dias Dalcanalle, por estarem sempre ao meu lado.
Aos meus colegas e amigos da Procuradoria Jurídica do Sistema Federação
das Indústrias do Estado do Paraná pelo apoio concedido, especialmente a Célio
Roberto de Morais, Zulcimar dos Santos Brassalotti Halabura e Tiago Ruppel. Os
dois primeiros por terem participado do aparato logístico necessário à conclusão
deste trabalho e o terceiro por ter buscado diligentemente nas bibliotecas locais as
publicações com venda esgotada.
Ao Sistema Federação das Indústrias do Estado do Paraná, pela bolsa
parcial concedida.
Resumo
Guimarães, Marco Antônio; Dallazem, Dalton Luiz. As imunidades
tributárias enquanto direitos fundamentais integrantes do núcleo rígido
da Constituição Federal e o princípio da proibição do retrocesso social.
Curitiba, 2006, 128 p. Dissertação de Mestrado – Mestrado em Direito
Econômico e Social, Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
A dissertação “As imunidades tributárias enquanto direitos fundamentais
integrantes do núcleo rígido da Constituição e o princípio da proibição do
retrocesso social” busca fundamentar e legitimar as imunidades previstas no texto
constitucional como direitos fundamentais, abandonando as teorias positivistas
sobre as imunidades que, em sua grande maioria, desvinculam-nas dos direitos
humanos. Demonstra-se, destarte, a necessária relação entre o instituto da
imunidade e os direitos fundamentais no contexto do Estado Democrático de
Direito instaurado pela Constituição Federal de 1988 que, por exprimir e garantir
valores supremos escolhidos pela sociedade, acaba por permitir considerar as
citadas imunidades, autênticos direitos fundamentais e, por tal razão, normas
constitucionais que habitam o núcleo irreformável da Constituição Federal, de
modo que não podem ser objeto de proposta de emenda constitucional que
tencione aboli-las do texto maior. Do mesmo modo que estão resguardadas contra
medidas retrocessivas, é vedado ao Poder Constituinte derivado, suprimi-las ou
alterar-lhes o texto ao ponto de reduzir a sua eficácia, o que ocorre também no
plano infranconstitucional. Conclui-se, por fim, que por se tratarem as imunidades
tributárias como autênticos direitos fundamentais, estas não poderão ser abolidas
ou restringidas, devendo, ainda, ser interpretadas de modo a dar maior efetividade
possível aos valores e princípios fundamentais do Estado brasileiro.
Palavras-chave
Imunidade Tributária Constituição Estado Democrático de Direito - Direitos
Fundamentais – Dignidade da Pessoa Humana – Cláusulas Pétreas – Princípio da
Proibição do Retrocesso
Abstract
Guimarães, Marco Antonio; Dallazem, Dalton Luiz. Tax immunities as
fundamental rights enshrined in the entrenched nucleus of the
Constitution and the principle of the prohibition of social retrocession.
Curitiba, 2006, 128 p. A thesis submitted in conformity with the
requirements for the degree of Master of Law, Department of Law, Pontific
Catholic University of Paraná.
The dissertation "Tax immunities as fundamental rights enshrined in the
entrenched nucleus of the Constitution and the principle of prohibition of
social retrocession " searches to base and to legitimize the immunities
foreseen in the constitutional text as fundamental rights, abandoning the
positivists’ theories on the immunities that, in their great majority, dissociate
them from the human rights. It is demonstrated, thus, the necessary relation
between the institute of immunity and the fundamental rights in the context
of the Democratic State of Right restored by the Federal Constitution of
1988, that, by stating and guaranteeing supreme values chosen by society,
ends up on allowing to consider them authentic fundamental rights, and, for
this reason, constitutional rules that inhabit the unalterable nucleus of the
Federal Constitution, in a way that they cannot be object of constitutional
amendment proposal which intends to abolish them from the highest text, in
the same manner that they are protected against retroactive measures, being
the Derivative Constituent Power forbidden to suppress or modify the text to
the point of reducing their effectiveness, what also occurs in the
infranconstitutional plan. It is concluded, finally, that because tax
immunities are authentic fundamental rights, they cannot be abolished or be
restricted, and, yet, ought to be interpreted in order to give the values and
basic principles of the Brazilian State the more effectiveness as possible.
Keywords
Tax Immunities Constitution Democratic State of Right - Fundamental Rights
Dignity of the Human Person Entrenchment Clauses Principle of Social
Retrocession Prohibition
Sumário
1 Introdução 11
2 Imunidades Tributárias: Origens e Evolução Histórica 14
2.1 Origem das Imunidades Tributárias 14
2.2 Origem e Perspectiva Histórica das Imunidades Tributárias no Brasil 27
2.2.1 A Imunidade Tributária na Constituição Política do Império do Brasil 29
2.2.2 A Imunidade Tributária na Constituição da República dos Estados
Unidos do Brasil de 1891 30
2.2.3 A Imunidade Tributária na Constituição da República dos Estados
Unidos do Brasil de 1934 32
2.2.4 A Imunidade Tributária na Constituição da República dos Estados
Unidos do Brasil de 1937 34
2.2.5 A Imunidade Tributária na Constituição da República dos Estados
Unidos do Brasil de 1946 35
2.2.6 A Imunidade Tributária na Constituição do Brasil de 1967 36
2.2.7 A Imunidade Tributária na Constituição da República Federativa do
Brasil de 1969 37
2.2.8 A imunidade tributária na Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988 39
3 Imunidades Tributárias e Direitos Fundamentais 45
3.1 Algumas teorias acerca da imunidade tributária 45
3.2 Os Objetivos das Imunidades Tributárias Pensados pelo Poder
Constituinte Originário 52
3.3 As imunidades tributárias enquanto meios para realização dos direitos
fundamentais 62
3.4 As imunidades tributárias enquanto autênticos direitos fundamentais 79
4 Imunidades Tributárias: Cláusulas Pétreas e Princípio da Proibição do
Retrocesso Social 93
4.1 As Imunidades Tributárias enquanto Integrantes do Núcleo Rígido da
Constituição 93
4.2 O princípio da proibição do retrocesso social como limitação ao poder
constituinte derivado e do legislador 104
5 Conclusão 115
6 Referências Bibliográficas 120
1
Introdução
A presente Dissertação de Mestrado, à qual se atribui o título de “As
imunidades tributárias enquanto direitos fundamentais integrantes do núcleo
rígido da Constituição e o princípio da proibição do retrocesso social” pretende,
sobretudo, fundamentar e legitimar as imunidades previstas no texto
constitucional como direitos fundamentais.
Para tanto, abandonam-se as teorias positivistas sobre as imunidades que,
em sua grande maioria, desvinculam-nas dos direitos humanos. Busca-se, assim
demonstrar a necessária relação entre o instituto da imunidade e os direitos
fundamentais, no contexto do Estado Democrático de Direito instaurado pela
Constituição Federal de 1988.
A estreita ligação entre as imunidades tributárias e os direitos fundamentais,
estabelecida na presente Dissertação, acaba por permitir considerá-las autênticos
direitos fundamentais, e, por tal razão, normas constitucionais que habitam o
núcleo irreformável da Constituição Federal, de modo que não podem ser objeto
de proposta de emenda constitucional que tencione aboli-las do texto maior.
Também, pretende-se sustentar que em tendo as imunidades tributárias a
finalidade de excluir da tributação pessoas, objetos ou fatos, em razão de
protegerem valores que a sociedade, no momento da atuação do Poder
Constituinte originário, elegeu como supremos, assim o fez com o intuito de
efetivar e salvaguardar os direitos fundamentais, de modo que estão resguardadas
contra medidas retrocessivas, sendo vedado ao Poder Constituinte derivado,
suprimi-las ou alterar-lhes o texto ao ponto de reduzir a sua eficácia, o que ocorre
também no plano infranconstitucional.
Para alcançar este objetivo, abordar-se-ão, no primeiro capítulo intitulado
“Imunidades tributárias: origens e evolução histórica”, o surgimento e a evolução
histórica das imunidades tributárias a fim de possibilitar a sua compreensão desde
a origem, que remonta a da própria tributação, até o advento da Constituição
Federal de 1988.
Através do delineamento histórico das imunidades tributárias no Estado
brasileiro, pretende-se evidenciar a razoável diversidade de pessoas, bens ou
situações escolhidos pelos legisladores constitucionais para serem imunizados,
desde o Império até o Estado Democrático de Direito instaurado em 1988, assim
como a progressividade com que as normas imunizantes foram sendo inseridas
nos textos constitucionais pátrios.
Num segundo momento, abordar-se-ão, de forma breve, algumas teorias
acerca do instituto da imunidade tributária a fim de delineá-lo e de traçar
premissas ao desenvolvimento do presente estudo, evidenciando que a doutrina
nacional não demonstrou grande interesse em analisá-lo pela perspectiva dos
direitos fundamentais.
No segundo capítulo buscar-se-á demonstrar a estreita relação existente
entre as imunidades tributárias e os direitos fundamentais.
Para tanto, analisar-se-ão os objetivos das imunidades tributárias pensados
pelo Poder Constituinte originário. Desenvolver-se-á a idéia de que a inserção das
imunidades tributárias no texto constitucional justifica-se pela necessidade de se
resguardarem valores supremos escolhidos pela sociedade no momento
constituinte, valores estes concernentes aos princípios fundamentais e aos
objetivos da República Federativa do Brasil, concluindo que têm estes como
objetivo primordial assegurar a plena efetividade dos comandos constitucionais
que garantam os direitos fundamentais.
Também, estudar-se-ão as características do Estado Democrático de Direito
instaurado pela Carta Magna de 1988, com enfoque no princípio fundamental da
dignidade da pessoa humana e nos direitos fundamentais, estabelecendo-se uma
relação entre estes e as imunidades tributárias, à medida que tanto o princípio da
dignidade humana como as imunidades tributárias, se analisados por seu viés
instrumental, são importantes meios para realização dos direitos fundamentais.
Para além disto, concluir-se-á que em sendo as imunidades tributárias
limitações constitucionais à atividade tributária do Estado, do qual se exige uma
atuação negativa, diretamente relacionada à efetivação dos direitos fundamentais,
são direitos de defesa dos contribuintes e, portanto, autênticos direitos
fundamentais.
No terceiro e último capítulo deste trabalho, partir-se-á da premissa de que
as imunidades tributárias são direitos fundamentais, e então se abordará a sua
inserção no núcleo rígido da Constituição Federal de 1988, de modo que não são
passíveis de supressão nem alteração que venha a alterar o seu núcleo essencial, a
ponto de reduzir a sua efetividade e a sua abragência, por parte do Poder
Constituinte derivado.
Ainda, enfrentar-se-á como o princípio da proibição do retrocesso social
pode impedir que as normas imunizantes e as leis integradoras das imunidades
sejam suprimidas ou restringidas.
Ao final do presente trabalho, concluir-se-á que as imunidades tributárias,
se entendidas e interpretadas como direitos fundamentais, possibilitam ao Estado
de Direito instaurado com a Constituição Federal de 1988 atingir as suas
finalidades, em consonância com os seus objetivos e os princípios que lhe
fundamentam.
2
Imunidades Tributárias: Origens e Evolução Histórica
2.1
Origem das Imunidades Tributárias
É sabida a necessidade de se recorrer à análise histórica dos institutos
jurídicos para melhor compreendê-los.
1
Assim, não se pode entender o instituto
da imunidade tributária sem a análise de suas origens.
Por certo a origem das desonerações fiscais confunde-se com a da própria
tributação, porquanto sempre que houve tributo, houve a desoneração deste para
alguns, seja por razões de ordem religiosa, administrativa, política, econômica, ou
simplesmente como verdadeiros privilégios, arbitrariamente concedidos pelo
poder tributante.
2
Na Índia, o Código de Manu, datado do século 13 a.C., em seu artigo 386,
fixava isenções tributárias com fundamento nas condições físicas das pessoas.
Deste modo, eram isentos da tributação os cegos, os idiotas, os paralíticos, os
septuagenários.
3
A civilização romana, por sua experiência multissecular, experimentou um
sistema tributário avançado e complexo, que agasalhou numerosos tributos,
inclusive diretos e indiretos.
4
Tributou a propriedade imobiliária, através do
11
Veja-se: “Nenhum jurista pode dispensar o contingente do passado a fim de bem
compreender as instituições jurídicas dos dias atuais. Ninguém é capaz de dar passo à vanguarda,
adiantando um sem deixar o outro na retaguarda. Diferentemente não se realizam caminhadas.
De cada instituto se ministram, nas cátedras universitárias, retrospecto sucinto. Matéria inexiste
que se possa explicar clara e seguramente sem a antecedência de notícia abreviada ao menos de
seu desenvolvimento doutrinário e legislativo a adquirir seus aspectos contemporâneos.”
(FERREIRA, Waldemar Martins. História do direito brasileiro, p. 11).
2
A propósito: “A exigência de tributos é um dos mais antigos expedientes utilizados para
distinguir pessoas e atividades. Sílvio Meira, em sua obra, clássica, Direito Tributário Romano,
bem demonstra que desde a existência do tributo houve a exoneração dessa prestação para
alguns.” (COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias. Teoria e Análise da Jurisprudência
do STF. p. 27).
3
Cf. SIDOU, José Maria Othon. A natureza social do tributo, p.18-19.
4
Cf. SIDOU, J.M.O., op.cit., p. 24, a concepção da época tinha como indigna a
tributação direta para pessoas livres. Daí porque o legislador romano utilizou-se dos tributos
indiretos como forma de harmonizar a liberdade civil com a prática fiscal. Exemplos destes
vectigal, exigível em razão do desfrute dos terrenos localizados na península
itálica, assim como através do stipendium, modalidade do vectigal cobrado
pelo desfrute de terrenos localizados nos territórios conquistados.
5
Havia
tributação sobre a renda, que se denominava de lustralis collatio também
designada de tributum ex censum, paga a cada qüinqüênio, determinada pelo
Senado e incidente sobre todo o povo segundo os haveres registrados pelo censo.
6
O sistema tributário romano não restou alheio às desonerações fiscais. “Já
ao tempo do Império havia a immunitas - vocábulo que, etimologicamente,
significa negação do múnus ou encargo -, expediente pelo qual se libertavam
certas pessoas e situações do pagamento dos tributos exigidos na sustentação do
Estado. Exonerações tributárias tradicionais entre nós, como a dos templos
religiosos e dos bens públicos, remontam àquela época.”
7
, o que demonstra que
sempre houve uma preocupação em salvaguardar valores de uma determinada
sociedade por meio da não tributação.
Ao tratar do tributo capitatio humana ou simplum, que recaía diretamente
sobre as pessoas, Silvio Meira faz as seguintes considerações:
Numerosos casos houve de isenções desses tributos; aos soldados em campanha e
especialmente aos veteranos de guerra, extensiva aos seus pais e mulheres (Cód.
Theod. 1, 6 e 7, de Tironib., e 4 Veteran.); aos anonários (cobradores de impostos
in natura, recolhidos na forma em bens) e atuários (Cód. Theod., 1, 3 de
funeriis), às religiosas, ao tempo do Império (D. 1, 6); aos habitantes da Ilírua e
da Trácia (cód. De Col. Illyrie e de Col Thrae.); aos pintores, quando livres,
extensivo o favor legal aos seus filhos, às suas mulheres e escravos (Cód,
Theod, 1,4, de excusat. artif.).
9. Variados motivos justificavam as isenções; a natureza de serviços realizados por
certas categorias de funcionários, como os annonarii e os actuarii, dedicados à
cobrança de tributos; aos religiosos, máxime ao tempo em que o Cristianismo, a
partir de Constantino, passou a merecer a acolhida dos poderes públicos (com
intervalos de imperadores anticristãos), às populações de determinadas regiões,
como os trácios e ilírios, a fim de fortalecê-los perante o inimigo comum, os
bárbaros, que tanto ameaçavam o Império; aos artistas, especialmente aos pintores,
quando livres, pois se fossem escravos, se incluiriam nas declarações censórias
tributos eram o Portorium, que gravava genericamente os produtos que trafegavam nos pontos
aduaneiros das fronteiras e dentro do próprio Império , o centésima rerum venalium, incidente
sobre a circulação de mercadoria, a quinta et vicesima venalium mancipiorum, incidente sobre a
venda de escravos.
5
SIDOU, J.M.O., op.cit., p. 23.
6
Ibid, p. 24.
7
COSTA, R.H., op. cit., p. 27-28.
de seus senhores. A liberdade do pintor e a parca remuneração de seus serviços
justificavam a isenção.
Havia, assim, razões de ordem administrativa, religiosa, política e fiscal, que
concorriam para liberdade do poder tributante. (...)
Isentavam-se do tributo alfandegário os bens adquiridos para o fisco, os objetos
de uso pessoal, os dedicados à agricultura e aprovisionamento do Exército e
animais destinados às lutas no anfiteatro. Normalmente, também isentava-se um
escravo que acompanhava o senhor, a serviço.
8
Os pequenos produtores, os operários, os coveiros, os clérigos, os veteranos
e os membros das corporações, e os marinheiros dedicados ao abastecimento,
ainda que excepcionalmente, também gozavam de isenção tributária.
9
Pablo Lucas Verdú e Pablo Lucas Murillo de la Cueva citam a imunidade
do proletariado, no período romano, ao estabelecer que: “En la Roma antigua los
proletarios eran ciudadanos libres, por lo general, con muchos hijos que poseían
menos de 1.500 ases de fortuna imponible de modo que quedaban libres de
impuestos, aunque contribuían, con su hijos, a engrosar las filas de ejército.”
10
Isto posto, na época romana verifica-se a imunidade tributária com o objetivo
de assegurar o direito de liberdade dos cidadãos livres.
Não obstante houvesse em Roma hipóteses de desoneração tributária que se
justificassem teleologicamente, inclusive sob o aspecto da capacidade
contributiva, caso dos pintores livres, que tinham baixa remuneração, que
transcendem aos dias atuais
11
, é certo que, por outro lado, a desoneração
8
MEIRA, Silvio. Direito tributário romano, p. 12-13.
9
Ibid., p. 14.
10
VERDÚ, Pablo Lucas; CUEVA, Pablo Lucas Murilo de la. Manual de derecho político,
introducion y teoria de estado, p. 69. Apud NOGUEIRA, Alberto. A reconstrução dos direitos
humanos da tributação, p. 224.
11
Neste sentido: “En relación con los principios de justicia tributaria, la doctrina moderna
destaca la transcendencia de exenciones, (presentes ya en nuestro relato supra). La jurisprudencia
romana cuyo pensamiento en este punto nos ha llegado a través del Digesto a propósito de
impuestos municipales (munera civilia) las denomina excusationes, vacationes o inmunitates
(este último término por contraposición a munus o carga tributaria) y concibe, incluso, un ius
inmunitates. Pero previamente a las exenciones – como afirma Clamageran -, no cabe ni tan
siquiera hablar de nacimiento de la relación tributaria. Esto es lo que manifesta Ulpiano con estas
palabras: Los indigentes no soportan las cargas patrimoniales por la propria razón imperiosa de
que nada tienen, aunque cumplen los servicios corporales que se les impongan.’” NOUGUÊS,
Juan Manuel Blanch. Principios básicos de justicia tributaria en la fiscalidad romana. Revista de
Derecho Financiero y de Hacienda Pública. Editoriales de Derecho Reunidas. v. XLVIII, n. 247, p.
73.
tributária era permeada de forte presença do privilégio de classes, sem ainda
qualquer preocupação com a idéia de igualdade.
12
Lúcio Bittencourt afirma, por sua vez, que: "...com freqüência, as isenções
eram concedidas, mais ou menos caprichosamente, como graça ou favor, aos
seguidores ou amigos dos senhores e soberanos."
13
Deste modo, a tributação atingia especialmente os economicamente menos
favorecidos, por certo em razão da pouca resistência política que ofereciam, o que
levou a sociedade romana a experimentar, ao longo de sua história, numerosos
conflitos sociais. Neste sentido esclarece Sílvio Meira:
Numerosas categorias econômicas se viram atingidas pela legislação tributária
romana. Criaram-se tributos e taxas numerosos e variados até sobre colunas, portas,
telhas, e janelas das casas, sobre as urinas e matérias fecais, sobre bens e serviços,
uma variação e riqueza que nos faz render homenagens à imaginação bem
fecunda dos legisladores, que conceberam tantos modos de arrancar dinheiro do
povo. (...)
Era grande a sobrecarga que o patrício lançava sobre a classe menos venturosa, e
que deu motivo a tantas convulsões sociais durante a República. Sustentavam,
assim, os plebeus, com seus recursos, muitos exageros e caprichos da política
avassaladora dos romanos. E, sendo a sociedade dividida em várias categorias,
serviram de limite à incidência tributária os decuriões. (Os decuriões integravam a
Cúria Municipal, cabendo-lhes várias funções públicas, entre as quais se destacava
a responsabilidade direta pela cobrança e arrecadação dos impostos devidos a
Roma). Acima destes, todos eram isentos. Abaixo dos decuriões se estendia a
grande massa sujeita ao tributo: a plebe.
14
Diocleciano (284 a 305 d.C), em razão do quase colapso econômico
conhecido por Roma, decorrente do advento dos latifúndios, do êxodo rural e do
abandono dos campos aos escravos, operou uma profunda reforma fiscal,
tributando toda a população agrária do Império através do captatio, jugatio.
Todavia este imposto, por sua extrema complexidade de cálculo e custo de
arrecadação, acabou acelerando o processo de migração da população rural às
cidades, assim como deu azo a que parte dela, o podendo pagar o tributo, fosse
12
JANCZESCKI, Célio Armando. A imunidade dos livros, periódicos e o papel destinado
à sua impressão. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; CARVALHO, Cristiano (coord.). Imunidade
tributária, p. 55.
13
BITTENCOURT, Lúcio. Imunidade tributária isenção gratuita, Revista de Direito
Administrativo. v. 1., p. 661-662.
14
Ibid., ibidem.
submetida aos proprietários que podiam pagá-lo, surgindo, desta forma a figura do
grande proprietário rural, precedente do suserano da Idade Média.
15
Finalmente, as invasões bárbaras conduzem a queda de Roma em 476 d.
C., e a instauração do sistema feudal ocidental, cuja base encontra-se alicerçada
no poder político e administrativo descentralizado, economia agrícola de
subsistência e mão-de-obra servil, com variantes de acordo com a região.
Instaurado o longo período histórico da Idade Média, o desenvolvimento da
técnica tributária restou entorpecido, mercê mesmo da peculiaridade econômica
do regime feudal
16
, tornando a tributação extremamente abusiva à plebe,
porquanto era o grande proprietário rural o senhor absoluto dos direitos
individuais, de modo que detinha o poder quase absoluto sobre os seus
jurisdicionados. Daí com razão Othon Sidou quando afirma que a “tributação
passou a ser, assim, além de extremamente onerosa, arbitrária e exigida dos
vassalos no exclusivo interesse do suserano.”
17
É certo que a necessidade de proteção da terra, principal fonte de riqueza da
época, e a busca pela ampliação de domínios, assim como a clausura imposta pelo
regime feudal, que reduziu a possibilidade de intercâmbio cultural e comercial
entre a população, contribuíram para a ocorrência de abusos.
Durante o período medieval, amplos privilégios fiscais foram concedidos ao
clero e às classes nobres (imunitas)
18
, sendo que as concessões a esses estava em
harmonia com a estrutura social e econômica vigente.
19
José Souto Maior Borges explica que os privilégios tributários estavam de
acordo com os princípios de justiça vigorantes naquela época. Confira-se:
(...) a existência dos privilégios tributários não contrastava com princípios de
justiça vigorantes à época e consagrados nas Constituições medievais e em todas
as Constituições cunhadas no ordenamento feudal. A organização social era então
15
A respeito SIDOU, J.M.O., op.cit., p. 28.
16
SIDOU, J.M.O., op.cit., p. 28. Também confira-se DUVERGER, Maurice, apud
NOGUEIRA, A., op.cit., p. 227.
17
SIDOU, J.M.O., op.cit., p. 29
18
SCAFF, Fernando Facury, Responsabilidade Civil do Estado Intervencionista, p. 8.
19
Ricardo Lobo Torres afirma que: “Antes, na Idade Média e na sociedade feudal, não
propriamente imunidade, eis que tanto a Igreja como o senhorio constituem fontes autônomas de
fiscalidade, sem subordinação ao poder real.”(TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito
Constitucional Financeiro e Tributário. os direitos humanos e a tributação: imunidade e
isonomia. v. III, p. 40.)
condicionada à distinção entre classes e comprometer a existência e a hegemonia
dessas classes seria comprometer a existência do próprio Estado. Tais privilégios,
portanto, eram tidos como condicionantes para assegurar a manutenção da ordem
social e consecução dos fins do Estado. Os privilégios tributários integravam todo
um variado sistema de privilégios que o direito reconhecia às classes nobres.
A nobreza e o clero, por mera tradição histórica, gozaram de privilégios até a
Revolução Francesa.
20
Benvenuto Grizioti explica a passagem das isenções legítimas ao momento
em que elas passam a ser privilégios:
Pero estos privilegios eran la transformación de antiguas y legítimas exenciones
cuando en el Estado feudal nació el impuesto como tributo extraordinario de guerra
que los nobles no pagaban por participar ellos mismos en la guerra con elementos
armados por su cuenta, ni el clero, que por la naturaleza de su misión, no tenía que
participar de la guerra. Más tarde el impuesto se convertió de extraordinario en
ordinario y continuo, y en vez de prover a los gastos de la guerra, tenía por misión
cubrir las necesidades comunes de la Administración pública. En esta nueva
situación, sólo por una abusiva tradición histórica, se conservó la regla de que los
nobles y el clero no debían pagar impuesto, mientras que habiendo cambiado la
situación ofrecían plena capacidad contributiva; de aquí que las exenciones se
transformaran en privilegios, que fueron una de las causas de la Revolución
francesa.
21
Todavia, no avançar da Idade Média, os privilégios não se restringiram à
nobreza e ao clero, nas palavras de Jacques Ellul:
(...) a talha remanesce como imposto de base, com suas características antigas,
imposto de repartição, solidário, bastante flexível, suscetível de servir de base para
outros impostos. Mas ninguém no século XVII questiona mais a igualdade diante
do imposto. enormes privilégios: não somente os clérigos e os nobres, mas os
marítimos inscritos, os oficiais militares plebeus, os estudantes da Universidade, os
oficiais civis, etc. De fato, a talha acaba por recair sobre os mais pobres e sobre os
camponeses.
22
Paralelamente à formação dos feudos, no decorrer da Idade Média,
pequenos núcleos populacionais desenvolveram-se, os chamados burgos. Porém,
mesmo neles ainda imperou o caos financeiro, em razão das numerosas despesas
necessárias à defesa e fortificação. Contudo, passado o período mais obscuro do
período medieval, alguns burgos puderam conhecer modelos mais aperfeiçoados
20
BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária, p. 67.
21
Grizioti, Benvenuto. Principios de política, derecho y ciencia de la hacienda, p.180.
Apud BORGES, J.S.M, op.cit., p. 67.
22
ELLUL, Jacques. Histoire des institutions, p. 51. Apud. Nogueira, A. op.cit., p. 228.
de tributação, decorrente da emersão da classe burguesa, sobre a qual a carga
tributária era mais incisiva.
Florença e a República de Veneza integraram as exceções, que a
burguesia nelas estabelecida, então detentora de influência sobretudo econômica,
pode exigir o aprimoramento das técnicas impositivas. Assim, é que Florença
experimentou o imposto progressivo, enquanto a República de Veneza conheceu o
imposto predial e o imposto sobre consumo.
23
A Magna Carta, de 1215, na Inglaterra, instituiu, ainda que de forma
embrionária, algumas das garantias fundamentais da tributação, dentre as quais o
princípio da legalidade.
24
Contudo não protegiam a sociedade civil como um todo,
porquanto direcionados exclusivamente aos nobres e à Igreja.
É com o advento do aludido texto que surge o Estado Patrimonial
25
, “que se
23
SIDOU, J.M.O., op.cit., p. 30-31.
24
SCAFF, Fernando Facury. Cidadania e imunidade tributária. Disponível em:
<http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=208>. Acesso em: 3 jun. 2006.
Neste sentido, confira-se a lição de Lúcia Valle Figueiredo: “5. Devemos inicialmente recordar a
extensão da cláusula do ‘devido processo legal’. Lembremo-nos que o devido processo legal
aparece com acepção meramente formal, em 1215, na Magna Carta, escrita em latim exatamente
para que poucos tivessem acesso a seu conteúdo), época em que o Estado era a lei. Na verdade,
fazia a lei, cumpria a lei - ele mesmo - mas, a lei era a que o soberano ditava. Dessarte, aparece
nessa época, o devido processo legal, exatamente para que o baronato tivesse a proteção da ‘law of
the land’, a lei da terra, ou, como também conhecida mais tarde, a ‘rule of the law’. Os senhores
feudais deveriam conhecer qual era a lei a seguir, a se submeter. Mas, verifica-se que, ainda, o
devido processo legal tinha conteúdo meramente formal. Formal e sem expressão com que, depois,
passaria do Direito Inglês para as colônias americanas e, mais tarde, para a Federação Americana.”
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Estado de direito e devido processo legal. Revista Diálogo Jurídico,
n. 11. Disponível em: <http:// www.direitopublico.com.br/pdf_11/DIALOGO-JURIDICO-11-
FEVEREIRO-2002-LUCIA-VALLE-FIGUEIREDO.pdf.>. Acesso em: 2 jun. 2006.
25
Sobre o Estado Patrimonial, confira-se os ensinamentos de Ricardo Lobo Torres: “As
relações entre liberdade e o tributo podem ser captadas, inicialmente, no Estado Patrimonial, que
se desenvolve desde o colapso do feudalismo até o advento do absolutismo esclarecido e da
política de bem-estar, coincidindo, em larga escala, com o Estado Corporativo, de ordens ou
estamental (Ständstaat). O Estado Patrimonial aparece, na Europa, em duas vertentes distintas: a
inglesa e holandesa, em que desde o século XVI emergem os interesses da burguesia e na qual
não se formam os monopólios estatais; e a que predominou na França, Alemanha, Áustria,
Espanha e Portugal, com os monopólios e os rígidos privilégios corporativos, que Max Weber
chama de ‘Estados puramente patrimoniais ou feudal-estamentais’. O Estado Patrimonial, que
surge com a necessidade de uma organização estatal para fazer a guerra, agasalha diferentes
realidades sociais - políticas, econômicas, religiosas, etc. Mas a sua dimensão principal que
lhe marca o próprio nome – consiste em basear no patrimonialismo financeiro, ou seja, em viver
fundamentalmente de rendas patrimoniais ou dominiais do príncipe, secundariamente se
apoiando na receita extrapatrimonial de tributos; mas a característica patrimonialista o decorre
apenas dos aspectos quantitativos, posto que o fundamental é que o tributo ainda não ingressava
plenamente na esfera da publicidade, sendo apropriado de forma privada, isto é, como resultado
do exercício da jurisdictio e de modo transitório, sujeito à renovação anual. No Estado
Patrimonial se confundem o público e o privado, o imperium e o dominium, a fazenda do príncipe
e a fazenda pública. Por outro lado, nele ainda resíduos do feudalismo, inclusive em Portugal,
estende aproximadamente do século XIII ao século XIX, desde o colapso do
feudalismo até o advento do Estado de Direito.”
26
Assim, a partir da Magna Carta
e da instauração do Estado Patrimonial é que as imunidades fiscais passam a
atuar como forma de limitação do poder da realeza inglesa, “e consistiam na
impossibilidade absoluta de incidência tributária sobre o senhorio e a Igreja, em
homenagem aos direitos imemoriais preexistentes à organização estatal e à
transferência do poder fiscal daqueles estamentos para o Rei.”
27
Afirma Ricardo Lobo Torres que no Estado Patrimonial a imunidade
“significa limitação do poder do Príncipe pela preexistente liberdade
estamental.”
28
, liberdade esta conquistada pelo clero e pela nobreza, que
inclusive os permitia atuar como fontes periféricas de fiscalidade.
29
A imunidade, segundo Torres, difere-se do privilégio, na medida em que
aquela é uma impossibilidade absoluta de imposição fiscal enquanto que os
privilégios ganham o status de vontade do soberano, de renúncia ao direito de
impor tributos (privilégio negativo), ou de conceder auxílios e pensões
(privilégio positivo), em homenagem também a direitos e liberdades estamentais.
30
Vale destacar que a imunidade do clero e da nobreza era restrita aos
impostos diretos, de modo que estes eram regulares contribuintes dos impostos
indiretos, sobre o consumo, por exemplo, o que deu ensejo à sólida doutrina nos
com a persistência de certas formas de fiscalidade em mãos do senhorio e da Igreja, eis que
apenas na fase final do absolutismo ocorre a centralização dos tributos na pessoa do rei, com a
diluição dos poderes periféricos. A legalidade vai aparecer como limitação do poder do rei e
garantia da fiscalidade periférica e a justiça, como bem-comum, no sentido escolástico, definindo-
se o tributo justo como o exigido para atender às necessidades públicas.”(TORRES, Ricardo Lobo.
A idéia de liberdade no estado patrimonial e no estado fiscal, p. 13-14).
26
TORRES, R. L. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário..., op.cit., p.
40.
27
Ibid., ibidem.
28
Ibid., ibidem.
29
Conforme seu entendimento: “A liberdade, na fase inicial do patrimonialismo se
caracteriza como liberdade estamental ou corporativa. Os estamentos mantêm ou conquistam a
liberdade diante do poder fiscal do rei. A liberdade aparece fracionada ou dividida entre a realeza,
o senhorio e a Igreja e vai se consubstanciar no exercício da fiscalidade, na reserva da imunidade
aos tributos, na obtenção de privilégio e no consentimento para a cobrança extraordinária de
impostos. Em outras palavras, a nobreza e o clero são livres porque, além de não se subordinarem,
senão excepcionalmente, à fiscalidade do príncipe (imunidade e privilégios), constituem fontes
periféricas de normatividade. Não se pode, conseguintemente, concluir que o Estado Patrimonial
não conheceu a liberdade; que a vivenciou em sua forma estamental ou corporativa, isto é,
como liberdade privada, inconfundível com as liberdades públicas do liberalismo.” (TORRES, R.
L., A idéia de liberdade no estado patrimonial..., op.cit., p. 20.
30
TORRES, R.L., op.cit., p. 35.
Estados Patrimoniais, defendendo a sua superioridade pela aptidão de promoção
da igualdade, porquanto deles ninguém estaria isento. Sob a perspectiva da
capacidade contributiva, argumentava-se que os impostos indiretos apesar de
recaírem sobre os menos favorecidos, eram as classes abastadas, por consumirem
mais, e bens mais preciosos, seus maiores contribuintes.
31
O Estado Patrimonial perdurou durante toda a Idade Moderna
32
, na qual
floresceram movimentos filosóficos e sociais que proporcionaram a reorganização
política da Europa ocidental
33
, alterando-se os paradigmas estabelecidos na Idade
Média.
Assim foi, por exemplo, com o Renascimento, no século XIV, um
movimento cultural e científico de resgate da cultura clássica, sobretudo helênica,
associada ao Humanismo, de perspectiva antropocêntrica, que permitiu a
celebração do ser humano, normalmente em sua dimensão secular e racional, em
flagrante contradição ao que ocorria no período medieval.
Todavia, como dito, no que respeita às desonerações fiscais, ainda deste
modo estas ficaram restritas aos nobres e à Igreja, a católica, em virtude dos
direitos e liberdades estamentais preexistentes.
Destarte, no decorrer da Idade Moderna, onde se inclui o Estado
Patrimonial, as desonerações fiscais apresentaram-se como verdadeiros
privilégios, ora reconhecidos pelo monarca aos seus protegidos e aliados políticos,
ora reconhecidos pela tradição aos estamentos. Portanto, muitas foram as formas
de desonerações concedidas à nobreza e ao clero, cabendo à burguesia, então
detentora de expressiva capacidade contributiva, ao lado do restante da população,
sustentar financeiramente as despesas públicas.
31
A respeito ver TORRES, R.L, op.cit., p. 34-35.
32
Iniciada com a tomada de Constantinopla pelos Turcos e encerrada com a queda da
Bastilha em 1789.
33
Unificação dos Estados, sob sistema de governo no qual o poder é
centralizado/concentrado na figura do rei – Absolutismo.
Deixa-se de fazer comentários a respeito do Estado de Polícia
34
, em razão de
adotar-se para o presente estudo a divisão proposta pelo professor Ricardo Lobo
Torres
35
, mesmo porque se entende que este se insere no período final do Estado
Patrimonial, e dele é diferido em razão do surgimento de críticas contundentes à
fiscalidade periférica do clero e da nobreza, o que conduziu a uma política de
controle centralizadora por parte do poder central
36
que, todavia, não alterou sua
imunidade e privilégios de forma substancial.
37
A consolidação do liberalismo e o fortalecimento econômico da burguesia,
levaram esta não se contentar na participação subalterna da estrutura estatal,
sobretudo no que respeita a sua absoluta incapacidade de influenciar nas decisões
políticas, daí porque passou a investir contra o poder ilimitado do Estado
Absolutista, defendendo ideais de liberdade no campo individual, político e
econômico.
38
A respeito, ensina Paulo Bonavides:
A fim de alforriar-se politicamente, isto é, a fim de resolver a contradição entre o
poder econômico auferido e a sujeição política a que ficara reduzida é que a
burguesia conspirou, se fez revolucionária, empunhou armas e se volveu contra a
realeza absoluta, até promover-lhe a queda fragorosa, mediante atos de violência,
quais foram os episódios trágicos marcados no calendário de sangue de 1789.
39
Deste modo, o contexto sócio-político-econômico pré-revolução constituía
um entrave às aspirações da classe burguesa, pois, ainda que detentora de parcela
34
Sobre o Estado de Polícia, informa Ricardo Lobo Torres: “O Estado de Polícia sucede o
Estado Corporativo, de Ordens ou Estamental, especialmente no século XVIII, e antecede o Estado
de Direito, de cujos adeptos recebe o apelido pejorativo. Alguns o submetem no conceito de
Estado Patrimonial, em seu momento modernizador. ... O Estado de Polícia é modernizador,
intervencionista, centralizador e paternalista. Baseia-se na atividade de ‘polícia’, que corresponde
ao conceito alemão do Polizei, e não ao de política no sentido grego ou latino, eis que visa
sobretudo à garantia da ordem e da segurança e à administração do bem-estar e da felicidade do
súditos e do Estado.” TORRES, R.L., A idéia de liberdade no estado patrimonial e no estado
fiscal, op.cit., p. 51-52.
35
TORRES, R.L., op.cit.
36
A respeito ver: GAMA, Guilherme Calmon da. Os Privilégios Fiscais: Isenções e
Incentivos Fiscais. Disponível em: <http://www2.uerj.br/~direito/publicacoes/publicacoes/
diversos/gcalmon.html>. Acesso em: 20 fev. 2006.
37
A respeito ver SIDOU, J.M.O., op.cit., p. 32-35.
38
Para saber mais a respeito do Estado Liberal ler FARIA, José Eduardo. O modelo liberal
de direito e Estado. In: FARIA, José Eduardo (org.) Direito e Justiça: A função social do
judiciário, p. 24.
39
BONAVIDES. Paulo. Teoria do Estado, p. 87.
expressiva do poder econômico estava alijada do poder político. Era necessário
resolver a situação, o que foi feito por meio da Revolução Francesa
40
.
Nesta perspectiva, a Revolução Francesa, iniciada com a tomada da
Bastilha, em 14 de julho de 1789, não pretendia apenas derrubar a ordem
governamental então existente, mas romper com a ordem estamental em vigência
e implementar uma nova ordem social e política mais uniforme e simples,
baseada nos princípios revolucionários da liberdade, igualdade e fraternidade;
isto somente seria realizado mediante o ataque simultâneo de “(...) todos os
poderes estabelecidos, arruinar todas as influências reconhecidas, apagar as
tradições, renovar os costumes e os hábitos e esvaziar, de certa maneira, o espírito
humano de todas as idéias sobre as quais se assentavam até então o respeito e a
obediência.”
41
Este marco da história universal teve o condão de lançar a pedra
fundamental do Estado de Direito, cuja vontade deveria se expressar não mais de
forma arbitrária e unipessoal, como outrora, mas por meio do órgão representativo
da vontade popular: o Poder Legislativo.
42
Neste diapasão, mediante a instituição de uma nova ordem legal,
possibilitou-se o rompimento total com a ordem jurídica estabelecida, que
sufocava a atividade econômica de tal forma que inibia, quando não impedia, as
iniciativas individuais; esta, proveniente de um poder legiferante imbuído de
legitimidade, enfatizou e garantiu valores como a liberdade de ação, a igualdade
formal e a propriedade privada, valores estes próprios do Estado Liberal instalado,
conectados aos novos interesses sobrevindos, o qual foi viabilizado através da
40
WECK, Antônio Claudemir. A imunidade constitucional tributária como instrumento de
efetivação do Estado Democrático de Direito no Brasil: perspectivas para além da positivação.
Dissertação de Mestrado, Unisinos, 2001, p. 24.
41
GESTA LEAL, Rogério. Hermenêutica e Direito: considerações sobre a Teoria do
Direito e os operadores jurídicos, p. 91.
42
A respeito confira-se o que ensina Zagrebelski: “En el espíritu de la Revolución francesa,
la proclamación de los derechos servía para fundamentar una nueva concepción del poder estatal,
determinando sus condiciones de legitimidad sobre la base de una orientación liberal. La
Déclaration no era propiamente derecho positivo, sino un “reconocimiento” de las “verdades” de
una filosofía política, presentada como el espíritu común de toda una época que pedía ser llevada
del campo da la teoría al de la práctica. (ZAGREBELSKI, Gustavo. El derecho ctil: Ley,
derechos, justicia, p. 52). E mais adiante, o autor distingue o sistema americano do sistema
francês, ressaltando a força originária do Poder Legislativo no sistema francês enquanto no sistema
americano o Poder Legislativo era derivado e limitado pelos direitos fundamentais constitucionais
(Ibid., p. 55).
segurança jurídica
43
, frente a existência de um único sistema legal, que se aplicava
a todos.
É como bem coloca Maurizio Fioravanti:
Si antes teníamos un Estado jurisdiccional, ahora tenemos un Estado legislativo y
administrativo. Sin embargo, esto no es suficiente para concluir la definición de la
nueva forma de Estado. Falta todavía un elemento. Aludíamos antes al aspecto del
límite. En afecto, la soberanía que emerge con la revolución no puede describirse
sólo como una fuerza imparable, destructora de todo particularismo existente en el
territorio y por tanto única dueña de las relaciones sociales y políticas. Bien
mirado, si el Estado posrevolucionario tiene tal fuerza es porque debe sustituir la
antigua sociedad de los privilegios y de los derechos estamentales de los nobles,
de los ciudadanos burgueses, de los campesinos por la sociedad de los derechos
individuales, fundada sobre el principio de igualdad, es decir, sobre la unidad del
sujeto de derecho: una sociedad en la que ya no existen derechos diferentes, en la
que todos utilizan, en su vida jurídica, los mismos instrumentos, previstos de
manera codificada, sólida y duradera por la ley del Estado, que es igual para todos.
La soberanía no es una fuerza dotada en sí de valor y de legitimidad para dirigir la
sociedad hacia los más dispares resultados. Al contrario, la soberanía es una
fuerza que nace limitada en sí, pues existe una finalidad principal o exclusiva: la
de generar una ley positiva estatal que garantice los derechos de los individuos en
cuanto tales, en condición de igualdad.
44
Assim, suprimida a fiscalidade periférica que prevaleceu durante o medievo,
com a conseqüente centralização do poder fiscal no Estado, jungida ao princípio
da legalidade, as desonerações fiscais deixam de caracterizar meros privilégios
arbitrariamente concedidos à determinadas classes sociais, porquanto, se assim
fosse, estar-se-ia indo de encontro ao princípio da igualdade.
45
43
Confiram-se as palavras de Arakén Assis: “Por essa razão, todo o efervescer
enciclopedista que antecedeu a Revolução, procurou monopolizar, ideologicamente, a burguesia
em torno do valor segurança, consubstanciado, no caso e de acordo com os princípios
predominantes do pensamento racionalista, na estruturação de conceitos gerais e inflexíveis...
ASSIS, Arakén. Em torno da segurança jurídica, p. 10. Apud WECK, A. C., op.cit., p. 25.
44
FIORAVANTI, Maurizio. El Estado moderno en Europa, p. 26.
45
A respeito ver TORRES, R.L., A idéia de Liberdade no Estado Patrimonial ..., op.cit.
Confira-se, ainda, Maurizio Fioravanti: “Poco importa desde nuestro punto de vista que el
arranque de la revolución, a este propósito, esté en los derechos naturales individuales anteriores
a la misma norma del Estado: lo que cuenta y constituye el hilo conductor que se extenderá por
todo el siglo XIX es el fuerte ligamen existente entre soberanía, derechos individuales y
principio de igualdad, que pronto encontrará un enclave seguro en la ley del Estado, cuya
capacidad de adaptación será al mismo tiempo expresión de soberanía y garantía de igualdad en la
atribución y en el ejercicio de los derechos. Por lo demás, quien en origen había liberado al
mismo tiempo los dos lados de la nueva forma política: la ley soberana, por una parte, no limitada
ya por los poderes particulares, y los derechos individuales por otra, afirmados finalmente contra
los privilegios que esos poderes contenían históricamente. Es Estado posrevolucionario es así
soberano y limitado al mismo tiempo, y su ley es a la vez expresión de soberanía y garantía de los
derechos, frente a la antigua pluralidad que había impedido la primera pero también los segundos
en su forma, ahora posible, de derechos individuales, iguales para todos al desligarse de la
Ricardo Lobo Torres afirma que com o advento das revoluções do culo
XVIII, consolida-se o Estado Fiscal, no qual o poder fiscal, apesar de exclusivo do
Estado, não é absoluto ou insuscetível de limitação, porquanto a liberdade
preexistente limita a soberania fiscal através das imunidades e pelas proibições de
privilégio e confisco. Deste modo, houve uma orientação no sentido de
substituírem-se as imunidades e privilégios estamentais pelas imunidades e
privilégios dos cidadãos, da mesma forma que se cambiou a garantia de liberdade
estamental pela garantia da liberdade individual e da igualdade, própria do Estado
de Direito instaurado no período pós-revolucionário. Em suas palavras:
Com as grandes revoluções do século XVIII consolida-se o Estado Fiscal,
configuração específica do Estado de Direito, e se transforma radicalmente o
conceito de imunidade tributária. Deixa de ser forma de limitação do poder do Rei
pela Igreja e pela nobreza para se transformar em limitação do poder tributário do
Estado pelos direitos preexistentes do indivíduo. O Estado Moderno é um
expropriador, que aboliu as imunidades do antigo regime e as substituiu pelas
imunidades dos cidadãos. O mesmo significante imunidade passou a agasalhar
um outro significado.
Com efeito, vitorioso o liberalismo, as imunidades ganharam coloração
democrática, especialmente por construção do constitucionalismo americano, no
qual aparecem amalgamadas aos privilégios da cidadania, passando ambos a ser
instrumento de proteção da liberdade e da igualdade.
46
Deste modo, a partir de então, os casos de desoneração fiscal deveriam
atender a um postulado teleológico, que justificasse a dispensa do pagamento do
tributo, porque é desta época que remonta o princípio da generalidade da
tributação.
Neste sentido o escólio de Souto Maior Borges:
A Revolução Francesa aboliu as isenções que constituíam privilégios da nobreza e
do clero, até então as classes dirigentes, detentoras do poder político.
Desaparecidos os antigos privilégios, nenhuma classe social pode, invocando essa
condição, eximir-se do pagamento de tributos: só no interesse público devem ser
outorgadas isenções.
Segundo VITI DE MARCO, o princípio jurídico e político da igualdade de todos
os cidadãos perante a lei tributária, que informa as constituições políticas dos
Estados modernos, não tem conteúdo concreto e positivo, mas o valor de uma
tendência crítica e negativa contra determinados tipos históricos de isenções, e
plasmou a luta política contra as isenções fiscais das classes nobres no velho
pertenencia estamental, de la condición de noble, de ciudadano burgués, de campesino.”
(FIORAVANTI, M., op.cit., p. 26).
46
TORRES, R.L., op.cit., p. 41.
regime. Abolidos pela Revolução Francesa, os antigos privilégios tributários
continuaram, posteriormente, a luta contra o ressurgir de novos privilégios.
Quando a evolução político-social tornou absolutamente supérflua ou não
necessária a divisão da sociedade em classes e tanto mais se assegurou o progresso,
quanto menos se distinguiu entre elas, os privilégios tributários perderam sua
significação e se mostraram em contraste com os interesses da sociedade.
47
Destarte, foi com a Revolução Francesa que se passou a exigir uma certa
correspondência entre a desoneração da tributação para alguns em detrimento
dos interesses maiores dos contribuintes, ou seja, exigência de que essa tivesse
como fundamento o bem comum, sob pena de se estar infringindo os princípios da
eqüidade, proporcionalidade e generalidade da tributação, como assevera Souto
Maior Borges:
A disciplina das isenções tributárias está indissoluvelmente vinculada com a
exigência de proporcionalidade e eqüidade da tributação. Se o pagamento de
tributos é obrigação de caráter geral, princípio dito de generalidade da tributação;
se todos são iguais perante o fisco, mostram-se inadmissíveis as isenções que
importem em meros favores, porque violatórias das regras constitucionais da
generalidade e igualdade da tributação.
48
Os postulados estabelecidos aplicam-se às imunidades tributárias, que o
podem ser concebidas ao interesse exclusivo de um particular. Deste modo, estas
devem estar conectadas a razões de ordem política, social ou econômica, situação
que mais adiante será objeto de análise no presente estudo.
Ultrapassada a abordagem histórica das imunidades tributárias num
contexto mundial, passa-se agora a enfrentar o panorama histórico pelo qual as
imunidades tributárias se desenvolveram no contexto brasileiro.
2.2
Origem e Perspectiva Histórica das Imunidades Tributárias no Brasil
A tributação no Brasil Colônia, (1500 – 1822), ainda que tenha abrigado o
período em que a Corte Portuguesa instalou-se no Brasil (1808 - 1815), era
extremamente confusa, com a instituição de tributos de várias ordens, alguns
47
BORGES, J.S.M., op. cit. p. 66.
48
Ibid, p. 75.
de competência alfandegária outros de competência das Províncias, quando
extinto o regime de capitanias hereditárias.
49
Não obstante, segundo Aliomar Baleeiro, a instituição de tributos era
jungida à reserva da lei, quando afirma que “as tributações geralmente eram
aprovadas, para período definidos, pelos Senados das Câmaras, isto é, pelos
representantes dos contribuintes eleitos para a vereança municipal. As atas dos
vereadores da Bahia, conservadas a partir de 1624, são instrutivas a respeito.”
50
O regime de então, previu algumas desonerações fiscais à Colônia, que se
aproximam das atuais imunidades.
É o que se verifica, por exemplo, do Regimento que Tomé de Souza
51
trouxe ao Brasil em 1549, onde havia previsão de desoneração fiscal e incentivo
fiscal ao produtor de navios, quando estabelecia que:
“Hei por bem que por daqui em diante pessoa jurídica alguma não faça nas ditas
terras do Brasil navio nem caravelão algum sem licença” claro, começamos
tendo que requerer tudo “a qual vós dareis nos lugares onde fordes presente,
conforme ao regimento dos provedores das ditas terras capitanias, porque lhes
mando que dêem a dita licença onde vós não estiverdes.” E acrescenta: “E, sendo
de quinze bancos ou daí para cima os navios e que tenham de banco a três
palmos de goa, hei por bem que não paguem direitos nas minhas alfândegas do
Reino de todas as munições e aparelhos que para os ditos navios forem
necessários e, fazendo-se de dezoito bancos e daí para cima, haja mais quarenta
cruzados de mercê à custa da minha fazenda e para a ajuda de o fazerem.”
52
Os livros também gozaram de imunidade no Brasil Colônia, desconsiderada
posteriormente:
Há outras provisões do Conselho da Fazenda sobre o despacho livre de direitos de
entrada de mercadorias importadas de outros portos do reino, mas saliento o
seguinte: em 26 de janeiro de 1819, uma instrução do Rei mandou entregar ao
Desembargador do Paço, João Severiano Maciel da Costa, “os seus livros livres
de direitos, pois não é da real intenção do mesmo senhor que os livros paguem
direitos de alfândega, o que participo para que assim se execute.” E logo depois,
em 18 de outubro, houve uma determinação anterior que mencionei. Diz: “Levei à
Augusta presença del Rei, nosso Senhor, o ofício de Vossa Excelência nº 57, de 03
de setembro próximo passado, em que Vossa Excelência, à vista da guia da
alfândega desta Corte se passou para se despacharem livres de direitos os anais de
49
A respeito ver: COSTA, Alcides Jorge. História da Tributação no Brasil. In: FERRAZ,
Roberto (coord.) Princípios e Limites da Tributação. BALTHAZAR, Ubaldo Cesar. História do
Tributo no Brasil.
50
Baleeiro, A., Limitações constitucionais..., op.cit., p. 52.
51
Primeiro governador-geral do Brasil.
52
COSTA, A.J., op.cit., p. 44.
ciência, das artes e das letras, requer que se conceda um semelhante indulto para
na alfândega desta cidade se despachar livre de direitos a porção da mesma obra
que nela entrou, ao que Vossa Excelência não anuiu, sem embargo do exemplo
que se mostrou, por entender que não se achava para isso autorizado, e ao
mesmo Senhor houve por bem nada declarar Vossa Excelência que não
mencionada obra, mas as outras quaisquer permitidas, se despacho livre na
alfândega desta cidade, como se pratica nesta Corte, pois não é de sua real
intenção que os livros paguem direitos.”
53
Outro exemplo de imunidade era o da décima urbana, imposto equivalente
ao atual IPTU, aos imóveis pertencentes à Santa Casa de Misericórdia, instituído
através do Alvará de 27 de junho de 1808.
54
Ainda, no primeiro orçamento de receita e despesa que no Brasil foi
elaborado, imunizava-se de impostos o comércio das Províncias de umas para
outras. O Decreto de 13 de maio de 1821 revogou o Alvará de 25 de abril de
1818, que estabelecera o imposto de 2% sobre os objetos industriais e agrícolas
que transitassem de uma Província para a outra.
55
2.2.1
A Imunidade Tributária na Constituição Política do Império do Brasil
a Constituição Política do Império do Brasil não fazia nenhuma
referência expressa à imunidade tributária.
56
A Carta Magna do Império, apesar de pouco cuidar de matéria tributária,
nos moldes da Constituição Norte Americana
57
, delegava ao Legislativo o poder
53
Ibid., p. 57.
54
“Que, havendo eu, determinado”, - isto é o Príncipe Regente “pelo Alvará de 27 de
junho de ano próximo passado, que pagasse, dez por cento do seu rendimento líqüido para a minha
real fazenda todos os prédios urbanos que estiverem em estado de serem habitados desta Corte
e todas as demais vilas e lugares notáveis situados à beira-mar e de todos os seus domínios, em
atenção à decadência em que se acham, à exceção daqueles pertencentes à Santa Casa que,
pela piedade do seu instituto, ficaram isentos desta imposição.” Ibid., p. 58.
55
MIRANDA, Pontes. Comentários à constituição de 1967, com a emenda 1., de 1969,
p. 398.
56
Pontes de Miranda, fazendo uso da expressão vedações quanto à tributação na
Constituição de 1967, fazia a seguinte colocação: “omissa”. MIRANDA, P., op.cit., p. 396.
57
A cláusula 1 da seção 8 do artigo I da Constituição dos EUA dispõe que: “Será da
competência do Congresso: Lançar e arrecadar taxas, direitos, impostos e tributos, pagar dívidas e
prover a defesa comum e o bem-estar geral dos Estados Unidos; mas todos os direitos, impostos e
tributos serão uniformes em todos os Estados Unidos”. Disponível em : <http://www.embaixada-
americana.org.br/index.php?action=materia&id=643&submenu=106&itemmenu=110>. Acesso
em: 3 jun. 2006.
de aprovar e impor tributos, quando no art. 36, I, estabelece: “É privativa da
Câmara dos Deputados a iniciativa: I – sobre impostos.”
Com efeito, a Constituição Política do Império de 1824, ao não atribuir as
competências para instituir tributos de forma exaustiva, conferia ao legislador
ampla liberdade à criação de obrigações tributárias, que equivale a assertiva:
os impostos serão instituídos por lei.
58
Regina Helena Costa aponta na Constituição Política do Império o embrião
das imunidades tributárias no Direito Constitucional pátrio, mais especificamente
em seu artigo 179, inciso 16, ao estatuir que “ficam abolidos todos os
privilégios, que não forem essenciais, e inteiramente ligados aos cargos, por
utilidade pública”. Segundo a autora, quando o dispositivo salienta a manutenção
de “privilégios essenciais”, abriu-se espaço às imunidades, porquanto vale
dizer, “benefícios que não poderiam ser suprimidos”.
59
Ainda assinala que os incisos 31 e 32
60
do mesmo dispositivo constitucional
propiciavam a exoneração tributária de algumas taxas, inerentes a socorros
públicos e garantiam a instrução primária gratuita aos cidadãos.
61
Aliomar Baleeiro não reconhece a existência da imunidade recíproca na
Constituição Política do Império, por estar-se diante de um Estado unitário.
62
2.2.2
A Imunidade Tributária na Constituição da República dos Estados
Unidos do Brasil de 1891
Em 24 de fevereiro de 1891, foi promulgada a Constituição da República
dos Estados Unidos do Brasil, inspirada na Constituição dos Estados Unidos da
América, redigida, em sua maior parte, por Rui Barbosa. A Carta Magna de
58
ICHIHARA, Yoshiaki. Imunidades tributárias, p. 129.
59
COSTA, R.H., op. cit., p. 30.
60 “Art. 179. A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que
tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição do
Império, pela maneira seguinte: 31. A Constituição também garante os socorros públicos; 32. a
instrução primária é gratuita a todos os cidadãos.”
61
COSTA, R.H., op. cit., p. 30
62
Baleeiro, A. Imunidades e Isenções Tributárias. Revista de Direito Tributário, Ano I, n.
1, jul./set. 1977, p. 71.
então consagrou o federalismo, com autonomia política, administrativa e
financeira dos Estados-membros.
63
Da análise do texto constitucional, vislumbra-se a presença da imunidade
recíproca, no seu art. 10 quando estabelecia que era “proibido aos Estados tributar
bens e rendas federais ou serviços a cargo da União, e reciprocamente.”
64
A toda evidência à imunidade recíproca aventada não possuía o contorno e
a abrangência atuais, mas deixava clara a proibição de que os Estados e a União
reciprocamente se tributassem, inclusive no que respeitava aos seus bens, rendas e
serviços. Não abrangia os Municípios que o sistema federativo adotado neste
texto não os considerava.
O artigo 11 da Constituição de 1891 estabelecia que era “vedado aos
Estados, como à União: 1º) criar impostos de trânsito pelo território de um Estado,
ou na passagem de um para outro, sobre produtos de outros Estados da República
ou estrangeiros, e, bem assim, sobre os veículos de terra e água que os
transportarem; 2º) estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos
religiosos; (...)”
65
Ao que se verifica, havia uma proibição de cobrança de impostos de trânsito
ou de passagem de produtos de outros Estados ou do estrangeiro, assim como
sobre veículos, de terra ou água, que os transportassem.
No que respeita ao item 2º, tem-se que o dispositivo asseverava o
compromisso da República em firmar-se como Estado laico, garantindo a
liberdade religiosa, que se podia transportar à seara tributária, como norma
proibitiva à cobrança de impostos, visto que a imposição tributária poderia
embaraçar o exercício da religião, ou até extingui-la, de tal sorte que se está
diante de norma embrionária da imunidade do artigo 150, VI, “b” da CF/88.
Yoshiaki Ichihara prevê outras duas hipóteses de imunidades no texto
constitucional, mais especificamente em seu artigo
66
. A primeira, prevista em
63
Cf. SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 80-82.
64
BRASIL. Constituição (1891). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil,
de 24 de fevereiro de 1891. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/CCIVIL/
Constituicao/Constitui%C3%A7ao91.htm.>. Acesso em 15 mar.2006.
65
Ibid.
66
“Art. 9º. É da competência exclusiva dos Estados decretar impostos: 1º Sobre a
exportação de mercadorias de sua própria produção; Sobre imóveis ruraes e urbanos; Sobre
transmissão de propriedade; Sobre industrias e profissões; § Também compete
seu parágrafo segundo, que “isentava”, quando na verdade imunizava da
incidência de impostos estaduais, a produção de determinado Estado, a ser
exportada através de outro Estado; a segunda estaria albergada no parágrafo
terceiro, dar-se-ia por exclusão, porquanto poderiam ser tributadas as mercadorias
importadas para consumo no território do ente tributante; nos demais casos
haveria imunidade.
67
2.2.3
A Imunidade Tributária na Constituição da República dos Estados
Unidos do Brasil de 1934
A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil foi promulgada
em 16 de julho de 1934 e, se não foi o texto que sistematizou o sistema tributário,
firmou princípios antes ausentes nos textos anteriores, ou presentes ainda de
forma implícita ou limitada.
68
Além de definir a competência privativa da União em seu artigo 6º, dos
Estados em seu artigo 8º e dos Municípios em seu artigo 13, o texto estabelecia
algumas hipóteses de imunidade tributária
69
, que se repetem nas redações
constitucionais seguintes.
São as imunidade previstas no texto constitucional de 1934: i. em relação
ao imposto de renda e proventos de qualquer natureza sobre renda cedular de
imóveis (art. 6º, I, alínea “c”); ii. das taxas de entrada e saída e à estadia de
navios e aeronaves de mercadorias nacionais e estrangeiras que já tivessem pago
o imposto de importação (artigo 6º, II); iii. do imposto de vendas e consignações
na primeira operação efetuada pelo pequeno produtor (art. 8º, I, aliena “e”); iv.
dos impostos de exportação de mercadorias de sua produção ao exterior, até o
máximo de dez por cento ad valorem, vedados quaisquer adicionais (art. 8º, I,
exclusivamente aos Estados decretar: 1º Taxa de sello quanto aos actos emanados de seus
respectivos governos e negociação de sua economia; Contribuições concernentes aos seus
telegraphos e correios. § É isenta de impostos, no Estado por onde se exportar, a produção de
outros Estados. § é lícito a um Estado tributar a importação de mercadorias estrangeiras
quando destinadas ao consumo no seu território, revertendo, porém, o produto do imposto ao
Thesouro Nacional.”
66
BRASIL. Constituição (1891), op.cit.
67
ICHIHARA, Y., op.cit., p. 130.
68
BALTHAZAR, Ubaldo César. História do Tributo no Brasil. p. 118.
69
A respeito ver o exaustivo trabalho de ICHIHARA, Y., op.cit.,p. 131-136.
alínea “f”); v. dos combustíveis produzidos no país para motores a explosão (art.
17, VIII); vi. em relação aos impostos interestaduais que gravem ou perturbem a
livre circulação de pessoas e bens, assim como de veículos que os transportarem
(art. 17, IX); vii. a imunidade recíproca
70
(art. 17, X); viii. dos emolumentos,
custas, taxas e selos aos necessitados assistidos por assistência judiciária (art. 113,
item 32); ix. dos impostos diretos à profissão de escritor, jornalista e professor
(art. 113, item 36); x. das taxas à realização do casamento civil (art. 146); xi. dos
selos ou emolumentos ao reconhecimento de filhos naturais (art. 147); xii. dos
estabelecimentos particulares de educação gratuita primária ou profissional,
oficialmente considerados idôneos, ao pagamento de qualquer tributo (art. 154).
É importante destacar que pela primeira vez o texto fundamental estendeu
a imunidade recíproca aos Municípios, que ainda passaram a ser titulares de
tributos, em razão do desdobramento do imposto sobre imóveis rurais e urbanos
- de competência dos Estados. Foram atribuídos aos Municípios o imposto
predial e territorial urbano e ainda, o imposto sobre licenças; o imposto sobre
diversões públicas; o imposto cedular sobre a renda de imóveis rurais e taxas
sobre serviços municipais.
Ao que se verifica, se confrontada à Constituição que lhe precedeu, a Carta
Magna de 1934 conferiu substancial importância aos Municípios, pelas razões
70
Neste sentido interessante o comparativo com a Constituição de 1891: “Trata-se de
princípio agora com maior amplitude que o firmado na Carta de 1891, a qual, em seu art.10,
dispunha simplesmente ser proibido aos Estados tributar bens e rendas federais ou serviços a cargo
da União, ‘e reciprocamente’. Se, por um lado, cuida-se aqui de princípio que diz respeito à
proteção da organização federativa, sendo esta uma das mais notáveis influências de Rui Barbosa
na conformação do Estado brasileiro, por outro, em 1934, percebemos um alargamento de referido
princípio, sendo estendido aos municípios, agora autônomos, e ao Distrito Federal. Este, como
vimos, não possuía autonomia financeira, mas, dentro dos poderes delegados que possuía, ficava
igualmente impedido de exigir impostos sobre a renda, bens ou serviços dos demais entes
políticos. Um aspecto que merece uma reflexão diz respeito ao alcance da imunidade recíproca, no
que se refere aos tributos aos quais se dirigia o texto constitucional. A Constituição de 1891 utiliza
o verbo “tributar”, sem especificar os tributos alcançados pelo benefício. É possível argumentar
que a inexistência de um Direito Tributário em fins do século XIX, a ausência de obras e estudos
sobre o fenômeno tributário no Brasil, a falta de uma sistematização fiscal naquele momento,
foram responsáveis pelo uso aparentemente vago da expressão” tributar rendas e bens”,
alcançando o benefício quaisquer tributos ( na realidade, impostos e taxas, as duas únicas espécies
de que tratava a Constituição). De qualquer forma, no momento em que a carta de 1934 refere-se
apenas aos impostos, podemos ver uma restrição do privilégio, o qual não poderia ser aplicado
às taxas e contribuições de melhoria, novel tributo desta, como vimos antes. Tudo indica que o
Constituinte de 1934 realmente pretendeu restringir o princípio apenas à uma espécie tributária,
tal como acabaram por confirmar as Constituições posteriores.” (BALTHAZAR, U.C., op.cit., p.
119-120).
esposadas, e às imunidades tributárias, visto que houve considerável alargamento
nas hipóteses previstas, inclusive muitas delas persistem no texto atual.
2.2.4
A Imunidade Tributária na Constituição da República dos Estados
Unidos do Brasil de 1937
Sob a influência das ideologias políticas surgidas após a primeira guerra
mundial (1914-1918), e no embate político travado no âmbito nacional entre a
Ação Integralista Nacional, com ideais fascistas, e o Partido Comunista, Getúlio
Vargas, eleito pela Assembléia Constituinte, para quadriênio constitucional,
dissolveu o Congresso Nacional, revogou a Constituição de 1934, e decretou a
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil em 10 de novembro de
1937.
71
Essa Constituição, não obstante tenha legitimado o Presidente da República
a governar por decretos-leis nos períodos de recesso do Parlamento ou de
dissolução da Câmara dos Deputados, vedou a instituição de impostos de forma
unilateral
72
, apesar de o seu artigo 180, inserido no âmbito das disposições
constitucionais transitórias, conferir competência plena ao Presidente da
República para editar decreto-lei sobre qualquer matéria de competência da
União, até que se reunisse o Parlamento.
No que respeita às imunidades tributárias, o então novel texto
constitucional, simplesmente, repetiu as imunidades da Constituição anterior, de
modo que se alterou apenas a topografia constitucional: renumeraram-se artigos e
incisos, assim como, promoveram-se insignificantes alterações na redação dos
dispositivos.
Exceção, segundo Yoshiaki Ichihara, deu-se em razão do disposto em seu
art. 20, II
73
, que criou a imunidade para o comércio de cabotagem às mercadorias
71
SILVA, J.A, op.cit., p. 83-84.
72
“Art. 13. O Presidente da República, nos períodos de recesso do Parlamento ou de
dissolução da Câmara dos Deputados, poderá, se o exigirem as necessidades do Estado, expedir
decretos-leis sobre as matérias de competência legislativa da União, excetuadas as seguintes: (...)
d) impostos.”
73
“Art. 20. É da competência da União: ... II – cobrar taxas telegráficas, postais e de outros
serviços federais; de entrada, saída e estada de navios e aeronaves, sendo livre o comércio de
nacionais e às estrangeiras, que tenham pago imposto de importação (art. 20,
II).
74
2.2.5
A Imunidade Tributária na Constituição da República dos Estados
Unidos do Brasil de 1946
A Constituição dos Estados Unidos do Brasil foi promulgada em 18 de
setembro de 1946, corolário do processo de redemocratização do País após o
período ditatorial do Estado Novo.
O referido texto constitucional elencava as seguintes hipóteses de imunidade
tributária: i. dos impostos de consumo que a lei classificar como o mínimo
indispensável à habitação, vestuário, alimentação e tratamento médico das pessoas
com menor capacidade econômica (art. 15, § 1º); ii. do imposto de vendas e
consignações na primeira operação efetuada pelo pequeno produtor (art. 19, IV);
iii.dos impostos de exportação de mercadorias de sua produção ao exterior, até o
máximo de cinco por cento ad valorem, vedados quaisquer adicionais (art. 19,
V); iv. do sítio com até vinte hectares que o cultivem o produtor ou sua família,
desde que esse seja seu único imóvel (art. 19, § 1º); v. ao tráfego de pessoas ou
mercadorias em relação a tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvadas a
cobrança de taxas, inclusive pedágio (art. 27); vi. a recíproca, excetuados os
serviços públicos concedidos (art. 31, V, a); vii. aos templos de qualquer culto
(art. 31, V, b); viii. das instituições de educação e de assistência social, desde que
suas rendas sejam aplicadas integralmente no país para os respectivos fins (art. 31,
V, b); ix. dos bens e serviços dos partidos políticos (art. 31, V, b); x. do papel
destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros (art. 31, V,
c); xi. dos direitos do autor, da remuneração dos professores e jornalistas (art.
203).
A despeito a exoneração tributária prevista no artigo 15, § referir-se à
isenção, tem-se como verdadeira imunidade, que protege de forma negativa o
cabotagem às mercadorias nacionais e às estrangeiras, que já tenham pago o imposto de
importação.”
74
ICHIHARA, Y., op. cit., p. 137.
mínimo existencial
75
, muito embora Aliomar Baleeiro a considerasse “apenas
princípio programático, que, por não ser auto-executável, dependeria sempre de
lei do Estado.”
76
Ao que se verifica, a Carta de 1946 ampliou o rol das imunidades
tributárias, ao estabelecer a imunidade dos templos de qualquer culto, dos bens e
serviços dos partidos políticos, das instituições de educação e de assistência
social, do mínimo existencial, da pequena gleba rural, dos direitos do autor,
que veio a ser acrescido com a imunidade dos proprietários, no caso de
reforma agrária, na transferência da propriedade desapropriada, em relação aos
impostos federais, estaduais e municipais (art. 147, § 6º), através de EC
10/64, e da extensão da imunidade recíproca às autarquias no tocante ao
patrimônio, à renda ou aos serviços vinculados às suas finalidades essenciais ou
dele decorrentes pela EC 18/65, que por sua vez aboliu as imunidades em
benefício de autores, professores e jornalistas, assim como do mínimo vital
previstas, respectivamente nos artigos 203 e 15, § 1º do texto constitucional.
2.2.6
A Imunidade Tributária na Constituição do Brasil de 1967
A Constituição do Brasil foi promulgada em 24 de janeiro de 1967.
“Reformulou, em termos mais nítidos e rigorosos o sistema tributário nacional e a
discriminação de rendas, ampliando a técnica do federalismo cooperativo,
consistente na participação de uma entidade na receita de outra, com acentuada
centralização. Atualizou o sistema orçamentário, propiciando a técnica do
orçamento-programa e os programas plurianuais de investimentos.”
77
É a primeira Constituição brasileira que dedicou Capítulo específico ao
Sistema Tributário.
O texto magno previa as seguintes imunidades tributárias: i. ao tráfego de
pessoas ou mercadorias em relação a tributos interestaduais ou intermunicipais,
75
TORRES, R. L. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário..., op.cit., p.
166.
76
BALLEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, p. 585.
77
SILVA, J.A., op.cit., p. 87-88.
excetuado o pedágio (art. 20, II); ii. a recíproca, inclusive às autarquias no
moldes da CF/46, excetuando-se os serviços públicos concedidos (art. 20, III, “a”,
§ 1º); iii. dos templos de qualquer culto (art. 20, III, “b”); iv. do patrimônio, renda,
bens e serviços dos partidos políticos (art. 20, III, “c”); v. das instituições de
educação e de assistência social, observados os requisitos previstos em lei (art.
20, III, “c”); vi. do livro, dos jornais e dos periódicos, assim como do papel
destinado à sua impressão (art. 20, III, “c”); vii. do imposto de renda e proventos
de qualquer natureza a incidir sobre a ajuda de custo e diárias pagas pelos cofres
públicos (art. 22, IV); viii. da pequena gleba rural, não superior a vinte hectares,
que a cultive o produtor ou sua família, que não possua outro imóvel (art. 22, §
1º); ix. do imposto de transmissão de bens imóveis sobre direitos reais de garantia
(art. 24, I); x. do imposto de transmissão de bens incorporados ao patrimônio de
pessoa jurídica, inclusive sobre a fusão, incorporação, extinção ou redução do seu
capital, a não ser que tenha, por atividade preponderante, o comércio desses bens
ou a locação de imóveis (art. 24, § 3º); do ICM sobre produtos industrializados,
destinados à exportação (art. 24, § 5º); dos impostos municipais, estaduais e
federais incidentes sobre a transferência da propriedade desapropriada para fins
de reforma agrária (art. 157, § 6º); das taxas à realização do casamento civil (art.
167, § 2º).
Ao que se depreende, a Constituição de 1967 alargou as hipóteses de
imunidades tributárias, sendo relevante que a imunidade até então prevista
exclusivamente ao papel destinado à impressão de jornais, livros e periódicos
estendeu-se a estes bens, assim como estendeu a imunidade dos partidos
políticos que, além dos bens e serviços, passou a abarcar também a renda e o seu
patrimônio.
2.2.7
A Imunidade Tributária na Constituição da República Federativa do
Brasil de 1969
Promulgada em 17 de outubro de 1969, para entrar em vigor em 30 de
outubro, como EC 01 à Constituição do Brasil, teórica e tecnicamente não se
tratou de emenda, mas de novel texto constitucional. A emenda apenas serviu
como mecanismo de outorga, pois, na verdade, promulgou-se texto integralmente
reformulado, inclusive, conferindo-lhe nova denominação.”
78
Relevante mudança ocorrida com a Carta de 1969 diz respeito ao fim do
princípio da anualidade tributária, que obrigava a conter em lei orçamentária a
previsão da cobrança do tributo, para fins de fixação do princípio da anterioridade.
Do texto constitucional depreendiam-se as seguintes hipóteses de
imunidade: i. ao tráfego de pessoas ou mercadorias em relação a tributos
interestaduais ou intermunicipais, não excetuando o pedágio (art. 19, II); ii. a
recíproca, inclusive às autarquias no moldes da CF/46, com a ressalva de que não
exonera o compromitente comprador, da obrigação de pagar imposto que incidir
sobre imóvel objeto de promessa de compra e venda. Excetuam-se os serviços
públicos concedidos (art. 19, III, “a”, § 1º); iii. dos templos de qualquer culto (art.
19, III, “b”); iv. do patrimônio, renda, bens e serviços dos partidos políticos (art.
19, III, “c”), v. das instituições de educação e de assistência social, observados os
requisitos previstos em lei (art. 19, III, “c”); vi. do livro, do jornal e dos
periódicos, assim como do papel destinado à sua impressão (art. 19, III, “d”); vii.
do imposto de renda e proventos de qualquer natureza a incidir sobre a ajuda de
custo e diárias pagas pelos cofres públicos, na forma da lei (art. 21, IV); viii. da
pequena gleba rural, até vinte hectares, que a cultive o produtor ou sua família,
desde que seja o seu único imóvel (art. 21, § 6º); ix. do imposto de transmissão de
bens imóveis sobre direitos reais de garantia (art. 23, I); x. do imposto de
transmissão de bens incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica, inclusive
sobre a fusão, incorporação, extinção ou redução do seu capital, a não ser que
tenham por atividade preponderante, o comércio desses bens ou a locação de
imóveis (art. 23, § 3º); do ICM sobre produtos industrializados, destinados à
exportação (art. 23, § 7º); xi. dos impostos municipais, estaduais e federais
incidentes sobre a transferência da propriedade desapropriada para fins de
reforma agrária (art. 161, § 5º); das taxas à realização do casamento civil (art.
175, § 2º).
78
SILVA, J.A., op.cit., p. 88.
2.2.8
A imunidade tributária na Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988
Após anos de luta pela redemocratização do País
79
, foi promulgada a
Constituição da República Federativa do Brasil, em 05 de outubro de 1988, que
institui no plano nacional o Estado Democrático de Direito.
É nesse contexto de proteção dos direitos fundamentais de um lado e da
democracia de outro, inclusive de proteção das minorias, que a Carta Magna
tratou das imunidades tributárias.
Em que pese ser nota comum na doutrina a assertiva de que o instituto da
imunidade é considerado criação nacional, destaca-se que a Seção I da Emenda
XIV da Constituição Norte Americana prescreve cláusula dos privilégios e
imunidades dos cidadãos
80
, que embora vaga e imprecisa, vincula as limitações
constitucionais ao poder de tributar, lastreada nos direitos fundamentais.
81
Também a doutrina germânica, em que pese a Constituição de Bonn ser silente a
respeito, edificou sólida fundamentação em torno da limitação do poder tributário
pelos direitos da liberdade preexistentes.
82
Não obstante a inserção do instituto no texto constitucional, é fato que o
legislador constituinte em momento algum utilizou-se do termo “imunidade” na
redação da Constituição, como observa Regina Helena Costa:
(...) em nenhuma passagem a Lei Maior contempla o termo ‘imunidade’,
utilizando-se da expressão ‘é vedado (...) instituir impostos sobre’ quando elenca
79
A respeito da conjuntura dos fatos políticos que nortearam a promulgação da
Constituição de 1988 e do processo constituinte ver: SILVA, J.A., op.cit., p. 88-91.
CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva: Elementos da Filosofia
Constitucional Contemporânea, p. 32-43.
80
A respeito conferir: SILVA, Enio Moraes da. Limites constitucionais tributários no
direito norte-americano, p. 71-74.
81
TORRES, Ricardo Lobo. As imunidades tributárias e os direitos humanos: problemas de
legitimação. In: TÔRRES, Heleno Taveira (org.). Tratado de direito constitucional tributário.
Estudos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. p. 326.
82
Ibid., p. 326-327. Ainda, Regina Helena Costa esclarece que “... nas Constituições do
Uruguai (1966, art. 5º) e do Chile (1981, art. 19, § 6º) consta a exoneração tributária dos templos
dedicados aos cultos religiosos. Na Alemanha, por sua vez, o texto constitucional (1949), ao
recepcionar expressamente, em seu art. 140, o art. 137, § 5º, da Constituição de Weimar (1919),
faz com que a mesma garantia decorra diretamente da Constituição, pois reconhece as sociedades
religiosas como corporações de Direito Público.” COSTA, R.H., op.cit., p. 24.
as imunidades genéricas (art. 150, VI), reiterando, insistentemente, a expressão ‘o
imposto (...) não incidirá’ em várias hipóteses de imunidades específicas e
também fazendo referências, impropriamente, à isenção no que tange a impostos e
contribuições. No que tange às taxas, a Lei Maior prefere referir-se à gratuidade do
serviço.
83
Todavia, por certo, a incúria do legislador constituinte não desprestigia o
instituto, porquanto é sabido que a Assembléia Constituinte, como representante
do povo, é formada por mandatários de diversos segmentos da sociedade, de
modo que sua linguagem reflete a diversidade de seus componentes, situação
imprescindível para a efetivação da democracia
84
. Logo, a Constituição Federal
não é obra de juristas, de tal sorte que as palavras nela utilizadas, podem não
atender ao rigor científico e, como conseqüência, sua interpretação não seria
obtida pela simples literalidade.
85
Exemplo deste tipo de impropriedade encontra-se registrada no artigo 197,
III, § da Constituição, que emprega a palavra isenção para estatuir o que, em
verdade, é imunidade. Como afirma Paulo de Barros Carvalho: “Conquanto o
legislador constitucional mencione a palavra ‘isentas’, imunidade à
contribuição para a seguridade social por parte das entidade beneficentes de
assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei, consoante
dispõe o art. 195, III, § 7º.”
86
No que respeita ao alcance das imunidades inseridas na Constituição,
entende-se que essas se circunscrevem a todas as espécies de tributos, havendo
situações em que abrangem todo e qualquer imposto incidente sobre o patrimônio,
renda ou serviços (imunidade genérica) e outras em que a limitação restringe-
se a apenas um único ou alguns tributos (imunidade específica).
Neste sentido, o escólio de Hugo de Brito Machado:
Em edições anteriores afirmamos que a imunidade refere-se apenas aos impostos.
Não aos demais tributos. Hoje, porém, não pensamos assim. A imunidade, para ser
efetiva, para cumprir as finalidades, deve ser abrangente. Nenhum tributo pode
ficar fora de seu alcance (...). Não obstante esteja expressa no art. 150, inciso VI,
83
COSTA, R.H., op.cit., p. 42.
84
Veja-se que a Constituição de 1988 adota não apenas a idéia de democracia majoritária,
mas também de democracia substantiva, na qual as minorias têm seus direitos protegidos.
85
A respeito ver BARRETO, Aires F.; BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades tributárias:
limitações constitucionais ao poder de tributar, p. 105.
86
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 196.
da vigente Constituição Federal, apenas em relação aos impostos, em razão do
princípio federativo a imunidade recíproca abrange, seguramente, também os
demais tributos.
87
Da mesma opinião partilha Paulo de Barros Carvalho quando assevera que:
A proposição afirmativa de que a imunidade é instituto que só se refere aos
impostos carece de consistência veritativa. Traduz exacerbada extensão de uma
particularidade constitucional que pode ser facilmente enunciada mediante a
ponderação de outros fatores, também extraídos do Texto Superior. Não sobeja
repetir que, mesmo em termos literais, a Constituição brasileira abriga regras de
competência da natureza daquelas que se conhecem pelo nome de imunidade
tributárias, e que trazem alusão explícita às taxas e à contribuição de melhoria, o
que basta para exibir a falsidade da proposição descritiva.
88
Entende-se que tal postulado ganha reforço pela simples análise do texto
constitucional, porque nele várias hipóteses de imunidades de taxas e de
contribuições.
89
Feitos tais esclarecimentos, passa-se a enumerar as hipóteses de imunidade
tributária que o Poder Constituinte - tanto no exercício de seu poder originário,
quanto no exercício de seu poder derivado - fez constar da Constituição Federal
de 1988: i. das taxas para o exercício do direito de petição (em defesa de direitos
ou contra ilegalidade ou abuso de poder) e obtenção de certidões (defesa de
direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal) (art. 5º, XXXIV, “a” e
“b”); ii. das taxas para proposição de ão popular (art. 5º, LXXIII); iii. taxas na
assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de
recursos (art. 5º, LXXIV); iv. das taxas, aos reconhecidamente pobres, de registro
de nascimento e óbito (art. 5º, LXXVI, a” e “b”); v. das taxas nas ações de
habeas corpus e habeas data (art. 5º, LXXVII); vi. recíproca, extensivas às
autarquias e fundações mantidas pelo poder público, nos termos estabelecidos (art.
150, VI, “a”, §§ 1º, e 3º); vii. dos templos de qualquer culto (art. 150, VI, “b”);
viii. dos impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos,
87
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, p. 196.
88
CARVALHO, P.B., op.cit., p. 182.
89
Em sentido contrário, Ives Gandra da Silva Martins, afirma que a imunidade restringe-se
exclusivamente aos impostos. “Não se aplica às outras espécies tributárias. uma razão para que
assim seja, posto que as demais espécies são vinculadas a determinadas atividades.” Quanto à
justificativa, reforça seu argumento, afirmando que “as demais espécies tributárias não podem ser
objeto de imunidade constitucional porque estão vinculadas as suas finalidades específicas.”
(MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil, v. 6, t. I, p. 172.)
inclusive suas fundações (art. 150, VI, “c”); ix. dos impostos sobre o
patrimônio, renda ou serviços das entidades sindicais dos trabalhadores (art. 150,
VI, “c”); x. dos impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços das instituições
de educação, sem fins lucrativos (art. 150, VI, “c”); xi. dos impostos sobre o
patrimônio, renda ou serviços das instituições de assistência social, sem fins
lucrativos (art. 150, VI, “c”); xii. dos impostos sobre livros, jornais, periódicos e
o papel destinado a sua impressão (art. 150, VI, “d”); xiii. dos impostos sobre
produtos industrializados destinados ao exterior (art. 150, § 3º, III); xiv. do
imposto sobre propriedade territorial rural das pequenas glebas rurais, assim
definidas em lei, quando as explore, só ou com sua família, o proprietário que não
tenha outro imóvel (art. 153, § 4º); xv. do ICMS sobre o ouro definido como ativo
financeiro ou instrumento cambial (art. 153, § e 155, X, “c”)
90
; xvi. do ICMS
sobre produtos industrializados ao exterior, excluídos os semi-elaborados
definidos em lei complementar (art. 155, X, “a”); xvii. o ICMS sobre operações
que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis
líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica (art. 155, X, “b”); xviii. do
ICMS sobre o valor do IPI, quando a operação configurar fato gerador de dois
impostos (art. 155, XI); xix. na exportação de mercadorias e de serviços por lei
complementar (art. 155, XI e 156, § 3º); xx. dos impostos, além daqueles
expressamente previstos, sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de
telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais no país (art.
155, § 3º); xxi. do ITBI com relação aos direitos de garantia (art. 156, II); xxii. do
ITBI na realização de capital das empresas, na transmissão de bens e direitos na
fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica (art. 156, § 2º, I); xxiii.
dos impostos federais, estaduais e municipais nas operações de transferência de
imóveis desapropriados para fins de reforma agrária (art. 184, § 5º); xxiv. das
contribuições sociais das entidades beneficentes de assistência social (art. 195, §
7º); xxv. das taxas à celebração do casamento civil (art. 226, § 1º); xxvi. das
taxas de transportes coletivos urbanos, aos maiores de sessenta e cinco anos (art.
230, § 2º); xxvii. da contribuição social, se após completar a exigências à
aposentadoria, continuar o servidor público em atividade (art. 40, § 19); xxviii.
90
Como se verá no decorrer desta Dissertação, entende-se que estes dispositivos não são
imunidades, mas regras de repartição de competência tributária entre a União e os Estados.
das contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico sobre as
receitas decorrentes de exportação (art. 149, § 2º, I)
91
; xxix) imunidade sobre o
mínimo existencial
92
.
Aires F. Barreto e Paulo Ayres Barreto entendem que a exclusão da
incidência de determinado tributo, sobre pessoas, fatos, bens ou situações, quando
incidem outros tributos, cuja competência seja ou não da mesma pessoa
política tributante, não configura hipótese de imunidade, mas de pseudo-
imunidade, haja vista que a ausência de tributação decorre da simples outorga de
competência. Melhor, dizendo a tributação não se efetivou por determinando ente
tributante em razão deste não ser detentor de competência impositiva para assim
proceder. Os doutrinadores são didáticos, ao exemplificarem a situação:
Existem situações em que incorreto falar em imunidade. exagero e emprego
forçado do termo imunidade naqueles em que não pode haver exigência do tributo
‘a’, pelo ente político-constitucional ‘x’, pela singela circunstância de que esse
tributo foi conferido à competência do ente ‘y’. Em outros, não pode haver a
incidência do tributo a’, porque, por sua própria descrição, cabe o tributo ‘b’,
embora ambos sejam da competência da mesma pessoa constitucional. Exemplo
da primeira hipótese: preciosismo na afirmação de, que incidindo IPTU sobre
imóvel urbano, imunidade do ITR (que não pode incidir sobre imóvel urbano).
Igualmente erro no dizer-se que as operações mercantis (sujeitas que estão ao
ICMS) são imunes ao ISS. Exemplo dessa segunda hipótese: quem importa
produto estrangeiro (sujeitando-se, portanto, ao imposto de importação) é imune
ao imposto de exportação.
Em todos esses casos, deveria dizer-se apenas que se a competência foi conferida a
‘a’, foi, via de conseqüência, subtraída a ‘b’, ou que, sendo conferida a ‘a’, com o
conteúdo ‘x’, não cabe exigência de outro tributo, de conteúdo ‘y’.
Como é cediço, toda a tributação, toda outorga de competência envolve uma
limitação. Chamar essa limitação de imunidade é que se constitui em exagero.
93
91
ICHIHARA, Y., op.cit., p. 194-195.
92
Regina Helena Costa explica que as imunidades implícitas “são aquelas que, mesmo
diante da ausência de norma expressa que as abrigue, são extraíveis de princípios contemplados no
ordenamento jurídico.” (COSTA, R.H., op.cit., p. 132). Neste sentido, ainda confira-se a posição
de Ricardo Lobo Torres a respeito: “As condições da liberdade, que se não confundem com a
justiça social, vão fundamentar a imunidade tributária do mínimo existencial, a abranger a não-
incidência de tributos sobre a renda mínima, os bens de consumo popular, as prestações estatais de
educação, saúde, justiça etc... que aparece explicitamente em diversos dispositivos da Constituição
Federal de 1988.”
92
TORRES, Ricardo Lobo. As imunidades tributárias e os direitos humanos...,
op.cit., p. 317.
93
BARRETO, A.F.; BARRETO, P.A., op.cit., p. 55.
Assim, segundo os autores, só há imunidade quando houver hipótese de
incidência que o Constituinte optou por coibir; de resto, trata-se de limitação de
competência impositiva.
Ainda, observa-se que as imunidades não estão previstas unicamente no
Título VI, Capítulo I, Seção II da Carta Magna - Das Limitações ao Poder de
Tributar -, mas espalhadas por todo o texto constitucional, assim como que o seu
rol foi ampliado se comparado aos textos que lhe antecederam e, ainda, contempla
hipóteses de imunidades genéricas (concernentes a impostos) e hipóteses de
imunidade específicas (concernentes a impostos, taxas e contribuições sociais).
94
Neste ponto encerra-se o conteúdo histórico das imunidades tributárias e
passa-se a enfrentar as teorias acerca de seu conceito e natureza jurídica.
94
Regina Helena Costa, sem a pretensão de exaurir as classificações possíveis das normas
imunizantes, indica seis classificações: i. imunidades genéricas e específicas; ii. excludentes e
específicas; iii. subjetivas, objetivas e mistas; iv. ontológicas e políticas; v. explícitas e implícitas;
vi. incondicionadas e condicionadas. (COSTA, R.H., op.cit., p. 126-134). A respeito ver também
CHIESA, Clélio. A competência tributária do Estado brasileiro: desonerações nacionais e
imunidades condicionadas, p. 136-142.
3
Imunidades Tributárias e Direitos Fundamentais
3.1
Algumas teorias acerca da imunidade tributária
A fim de que se possa delinear o perfil do instituto da imunidade tributária
e de se alcançarem os objetivos traçados no presente estudo, sem qualquer
pretensão exaustiva, entende-se oportuno, neste momento, apresentar algumas
posições doutrinárias a seu respeito, ressaltando que a doutrina nacional não
demonstrou grande interesse em abordá-lo pelo viés dos direitos fundamentais.
Aliomar Baleeiro, define a imunidade como hipótese de limitação ao
poder de tributar. Neste sentido, afirma Misabel Derzi, atualizadora de sua
obra:
Aliomar Baleeiro, o autor clássico das imunidades, define-as, por seus efeitos,
como limitações constitucionais ao poder de tributar. Não obstante, são limitações
constitucionais ao poder de tributar, ainda, o princípio da legalidade, da
anterioridade, da igualdade, da vedação do confisco, etc., enfim, o conteúdo desta
obra (v. Cap. I). Também a Constituição intitula a Seção II do Capítulo VI de As
limitações ao Poder de Tributar’ e, dentro dela, inclui de modo não exaustivo, as
imunidades propriamente ditas e os demais princípios e normas reguladoras dos
direitos e garantias dos contribuintes, como legalidade, irretroatividade,
anterioridade, vedação do confisco e outros.
95
Ao que se verifica, no ponto de vista do autor, com razão, o enunciado
“limitação ao poder de tributar” não se circunscreve exclusivamente às
imunidades, pois abarca outras hipóteses de limitação à incidência tributária,
como os princípios constitucionais tributários e a repartição de competências, de
modo a poder afirmar-se que estes, assim como as hipóteses de imunidades, são
espécie do gênero limitações constitucionais ao poder de tributar.
De outra banda, retornando ao conceito de Baleeiro, de imunidade como
limitação do poder de tributar, entendem-se pertinentes as críticas que a doutrina
tece ao vocábulo “poder”, porquanto este não se coaduna com o Estado Direito,
95
BALEEIRO, A., Limitações constitucionais ao poder de tributar..., op.cit., p 226.
menos ainda com o Estado Democrático de Direito, onde as relações, sobretudo
as tributárias, operam-se através de relações de direito, não de relações de
poder. Neste sentido, Souto Maior Borges:
O poder tributário, aspecto particular do poder financeiro, este, por seu turno,
exteriorização do poder geral do Estado, desse modo, está rigidamente alicerçado
em normas constitucionais disciplinadoras de seu exercício. É assim, um poder
jurídico, vale dizer, regulado e limitado pelo Direito.(...)
No Estado constitucional moderno, o poder tributário deixa de ser um poder de
fato, mera relação tributária de força (Abgabegewaltverhältnis), para converter-se
num poder jurídico que se exerce através de normas. Esgota-se a relação de poder
a partir do momento em que o Estado exerce, no âmbito da Constituição, o seu
poder tributário e o faz por meio do instrumento de lei formal e material, ato do
poder legislativo.
A produção de normas jurídicas é a eficácia, o modo de atuação do poder
tributário.
Uma vez emanadas as normas, entretanto, o poder tributário se exaure no sentido
de que, a partir de então, o ente público deixa de exercer faculdades tributárias e
limita-se a dar efetividade, pelos seus órgãos administrativos, a pretensões
tributárias concretas juridicamente fundamentadas.
Nessa fase, é plena a subsunção da atividade tributária ao ordenamento jurídico,
dissipando-se, aí, a idéia de ‘poder’ para dar entrada aos conceitos de “direito” e
“obrigação”.
96
Com efeito, no Estado Democrático de Direito instaurado pela Constituição
de 1988 não espaço para que se fale em poder tributário
97
, o que, aliás não
se coaduna com a idéia de democracia. Falar-se em poder no sentido de força
moral e política - nesta concepção de Estado, é referir-se ao povo, este sim seu
único e exclusivo detentor. Assim, equivocado referir-se a poder de tributar,
porquanto os entes políticos, na verdade, exercem sua competência tributária nos
moldes constitucionalmente estabelecidos, exercitáveis através de leis
instituidoras de tributos.
Neste sentido leciona Geraldo Ataliba:
96
BORGES, J.S.M., Teoria Geral da Isenção Tributária, op. cit., p. 24-26.
97
A respeito da superação da expressão poder tributário afirma José Roberto Vieira: “Essa
heterogeneidade da expressão ‘poder’ tributário aponta para a atitude cientificamente condenável
pela inexatidão manifesta – de admitir a convivência de diferentes funções e competências
dentro da mesma categoria conceptual; algo que, no caso, tem inegáveis vínculos históricos com
certas construções doutrinárias, outra vez, Álvaro Rodriguez Bereijo: ‘Esta concepción, que
considera de modo unitario funciones estatales distintas, constituye el residuo de viejas doctrinas
anteriores a teoría de la división de los poderes y puede decirse hoy superada.’” VIEIRA, Jo
Roberto. E, afinal, a Constituição cria tributos! In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord). Teoria
Geral da Obrigação Tributária..., op.cit., p. 615.
Poder tributário o poder constituinte tem. Só o Estado brasileiro, como um todo,
tem. Mas nenhuma daquelas pessoas políticas, criadas pela Constituição, recebeu
poder. Todas receberam meras competências, simples parcelas de poder; em
matéria tributária, portanto, União, Estados e Municípios só têm competência
tributária.
98
Talvez, por tal razão, uma outra corrente buscou explicar a imunidade como
limitação da competência tributária, o que será analisado mais adiante. Todavia,
Ormezindo Ribeiro Paiva não diferença entre “poder de tributar” e
“competência tributária”.
99
Destarte, a idéia de imunidade como “limitação constitucional ao poder de
tributar” não se mostra a mais adequada, assim como aquelas que venham
acrescentar ao vocábulo “poder de tributar” expressões como “limitação”,
“supressão” ou “exclusão”, haja vista que a idéia de competência implica
uma drástica limitação à imposição tributária, mostrando-se desnecessário,
restringir algo, que já nasceu limitado.
José Souto Maior Borges, ao conceituar o instituto, o fá-lo como hipótese de
não-incidência constitucionalmente qualificada:
100
A imunidade tributária é um princípio constitucional de exclusão da competência
tributária.
A rigor portanto a imunidade não subtrai competência tributária, pois essa é a
apenas a soma das atribuições fiscais que a Constituição Federal outorgou ao
poder tributante e o campo material constitucionalmente imune nunca pertenceu
à competência deste. A competência tributária já nasce limitada.
Ao imunizar, a Constituição proíbe que se estenda o âmbito de validez da própria
lei tributária sobre as pessoas ou bens imunes. Sob reserva de lei, o exercício do
poder impositivo é vedado ao ente público nos casos de imunidade. Por isso, é
inobjetável a lição de Ulhôa Canto no sentido de que, nas hipóteses de imunidade,
a Constituição, ao ratear os campos impositivos, outorga ao ente público o seu
campo impositivo previamente reduzido pela exclusão de pessoas ou fatos, postos
fora da área tributária.
A regra de imunidade configura, desta sorte, hipótese de não-incidência
constitucionalmente qualificada.
101
98
ATALIBA, Geraldo. Hermenêutica e sistema constitucional tributário. In: ATALIBA,
GERALDO (coord.). Interpretação no direito tributário, p. 16. No mesmo sentido ver
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 287.
99
PAIVA, Ormezindo Ribeiro de. Imunidade tributária, p. 8-10
100
No mesmo sentido ver: OLIVEIRA, Yonne Dolácio de. Direito tributário atual. v. 11-
12. p. 3.366-3370; FALCÃO, Amílcar. Fato gerador da obrigação tributária, p. 63-64.
101
BORGES, J.S.M., op.cit., p. 217-218.
Contudo, a expressão não incidência, parece inadequada, pois sugere uma
ilogicidade, como se fosse possível existir no ordenamento jurídico uma norma
cuja finalidade fosse não incidir. Trata-se, portanto, de expressão pouco
científica, à medida que não incidir é não existir juridicamente. Daí porque afirma
Paulo de Barros Carvalho que “realmente, asseverar que a regra não incide
equivale a negar-lhe o tom de juridicidade, marca universal das unidades jurídico-
normativas”
102
, entendendo que sem juridicidade a norma estaria à margem do
direito ou não teria sido produzida segundo os ditames do ordenamento em vigor.
Além disso, sendo as normas imunizantes regras de estrutura
103
, é de se
perquirir que a teoria da incidência jurídica refere-se exclusivamente às regras de
conduta, de modo que nem a idéia de incidência jurídica se amolda à
fenomenologia do instituto.
Isto porque a aplicação da norma jurídica ocorre quando esta recai sobre
determinado fato, conferindo-lhe qualificação jurídica e espraiando seus efeitos, o
que, a toda evidência, é válido apenas para as normas de conduta, detentoras de
suporte fático; tal não ocorre com as normas imunizantes, qualificadas como de
estrutura, que não possuem suporte fático, haja vista que dispõem acerca da
produção de outras normas, isto é, do válido exercício da competência tributária.
Para Hugo de Brito Machado, a norma imunizante é limitadora da
competência tributária quando afirma que a imunidade é o obstáculo decorrente
de regra da Constituição à incidência de regra jurídica da tributação, ou seja, para
ele “o que é imune não pode ser tributado”
104
. À medida que “a imunidade impede
que a lei defina como hipótese de incidência tributária aquilo que é imune”
105
,
Machado a entende como “limitação da competência tributária.”
106
Destarte,
entende a imunidade como supressão ou exclusão da competência impositiva.
Não obstante a permuta do termo “poder” por “limitação”, a idéia de
limitação ou supressão da competência tributária não escapa às críticas da
doutrina, em razão do critério cronológico, eis que a competência nasce
102
A respeito ver CARVALHO, P.B., op.cit, p. 178-184.
103
Ibid., p. 176.
104
MACHADO, H.B., op.cit., p. 221
105
Ibid., ibidem.
106
Ibid., ibidem. Também neste sentido ver CANTO, Gilberto de Ulhôa. Temas de direito
tributário, v. III, p. 136.
limitada, não havendo justificativa para que a posteriori sofra outra limitação.
Paulo de Barros Carvalho faz as seguintes considerações a respeito:
Inexiste cronologia que justifique a outorga de prerrogativas de inovar a ordem
jurídica, pelo exercício de competências tributárias definidas pelo legislador
constitucional, para, em momento subseqüente, ser mutilada ou limitada pelo
recurso da imunidade.
107
A rigor, a imunidade não subtrai competência tributária, pois esta se
encontra previamente delimitada na Constituição Federal, de modo que o
campo imune nunca pertenceu à competência do ente tributante. Não há,
destarte, possibilidade de qualquer limitação de competência tributária,
porquanto, como dito, esta já nasceu limitada pelo Poder Constituinte.
Logo, se a competência nasce limitada, não sequer cronologia que
justifique a posterior limitação.
Também neste sentido o escólio de José Wilson Ferreira Sobrinho:
O quadro de competência impositiva já nasce pronto e acabado, pelo que descabe
falar de limitação ou de ampliação envolvendo uma realidade juridicizada. (...)
Pode-se concluir, no campo tributário, pela incorreção da tese da limitação
constitucional. O que existe é um desenho normativo perfeitamente carcterizado
do possível campo impositivo, de tal modo que no mundo jurídico não existe a
pretendida redução ou limitação. A limitação é produto de um juízo político no
momento de individualização do campo susceptível de tributação. (...)
Na verdade, depois que o poder tributário ou competência tributária é
juridicizado pela Constituição, existe um direito outorgado pela norma jurídica ao
Estado a fim de exigir tributos. É o que se pode denominar de direito formativo de
instituir tributos, exercitável de acordo com regras próprias e com o objetivo de
criar direitos de crédito contra futuros contribuintes. Preferível, assim, falar de um
direito de tributar.
Seja como for, o é possível limitar uma competência tributária pela singela
razão de que ela nasce delimitada e é recebida por seu titular como desenhada
normativamente. (...)
Conclusão: a imunidade tributária não é limitação constitucional de coisa
nenhuma, uma vez que competência tributária é o que o legislador outorgou
através de norma jurídica.
108
Assim, não parece correta a conceituação de imunidade como “limitação”,
“exclusão” ou “supressão” da competência tributária, que confere a impressão
de que esta existia e foi, posteriormente, suprimida. Isto porque, a Constituição,
107
CARVALHO, P.B., op. cit., p. 172.
108
FERREIRA SOBRINHO, José Wilson. Imunidade tributária, p. 63.
ao estabelecer a competência tributária, delimita o campo imune. As normas
atributivas de competência e as normas imunizantes são contemporâneas, de modo
que inadequado falar-se na sucessão cronológica desta em relação às primeiras.
109
Todavia, caso venha o Poder Constituinte Derivado a inserir no Texto
Magno novel hipótese de imunidade, esta se enquadra como “limitação”,
“exclusão” ou “supressão” da competência tributária; isto porque, neste momento,
esta se encontra plenamente definida e estabelecida por obra do Poder
Constituinte originário, de modo que se atende ao critério cronológico do pré-
existir da competência que em razão do advento da norma imunizante
superveniente deixará de ser exercida em situação constitucionalmente definida.
José Wilson Ferreira Sobrinho, por sua vez, desenvolve raciocínio que
conclui ser a imunidade tributária direito público subjetivo.
110
Diz o autor:
A norma imunizante outorga ao destinatário um direito subjetivo que o impede de
ser tributado. De fato, quando o legislador delimita o espaço da competência
tributária, o faz com a ajuda da norma imunizante que, obviamente, passa a ser
vista como elemento auxiliar na demarcação da competência tributária.(...)
A norma imunizante não tem apenas a função de delinear a competência tributária,
senão que também outorga ao imune o direito público subjetivo de não sofrer a
ação tributária do Estado. A norma imunizante, portanto, tem o duplo papel de
fixar a competência tributária de conferir ao seu destinatário um direito público
subjetivo, razão que permite a sua caracterização, no que diz respeito a outorga de
um direito subjetivo, como norma jurídica atributiva por conferir ao imune o
direito referido.(...)
(...) Tem-se, como conseqüência, que a norma imunizante, primeiramente, dispõe
sobre a produção de outras normas jurídicas bem como fixa a competência
tributária. Tais são seus efeitos principais, considerando-se sua estrutura.
Reflexamente ou secundariamente, confere ao imune o direito subjetivo público de
não ter o seu patrimônio jurídico agredido fora dos parâmetros representados pelo
campo tributável outorgado para o exercício da competência tributária.
O direito público subjetivo de não ser tributado surge como efeito reflexo da norma
imunizante.
111
Com efeito, segundo Ferreira Sobrinho, os direitos fundamentais e as
imunidades são instrumentos complementares à determinação do raio jurídico da
competência tributária. Em suma, são instrumentos delimitadores da competência
109
COSTA, R.H., op.cit., p. 44.
110
Não obstante o direito subjetivo seja concebido pela doutrina como facultas agendi,
isto é, a faculdade de agir juridicamente, “não tem índole processual. É apenas o poder de agir
conferido ao indivíduo por uma norma jurídica. Seu exercício carece de uma lesão reparável
juridicamente. Tal lesão legitimará o exercício do poder jurídico que é feito através do direito de
ação.” (FERREIRA SOBRINHO, J.W., op.cit., p. 93).
111
FERREIRA SOBRINHO, J.W., op.cit., p. 101-102.
tributária. Todavia, não é este o único papel do instituto da imunidade tributária,
que também outorga ao imune o direito subjetivo de não ser tributado.
Assim, sempre que o exercício da competência tributária avançar sobre os
limites fixados pela norma imunizante, estar-se-á ferindo o direito subjetivo
público do imune de não ser tributado, o que lhe permitirá ingressar em juízo para
ter seu direito resguardado, haja vista que a competência tributária não foi
exercida dentro dos limites fixados.
Em suma, a norma imunizante confere ao seu beneficiário, por efeito
reflexo, o direito público subjetivo de não ser tributado.
112
Regina Helena Costa, do mesmo modo, afirma que a imunidade “pode ser
definida como a exoneração, fixada constitucionalmente, traduzida em norma
expressa impeditiva da atribuição de competência tributária ou extraível,
necessariamente, de um ou mais princípios constitucionais”
113
, o que acaba por
conferir “direito público subjetivo a certas pessoas, nos termos por ela
delimitados, de não se sujeitarem à tributação.”
114
Verifica-se, deste modo, que Regina Helena Costa diverge da posição de
José Wilson Ferreira Sobrinho, para quem este seria um efeito secundário da
norma imunizante, enquanto, entende a autora, é a exclusão da incidência da
norma impositiva das pessoas, bens ou situações pela imunidade que caracteriza
o direito subjetivo, no intuito de “ver alcançadas certas finalidades
constitucionalmente eleitas, mediante o incentivo de atividades consideradas de
interesse público.”
115
Ou seja, é na finalidade do instituto da imunidade onde reside o direito
subjetivo público da pessoa, bens ou situações abarcadas pela norma imunizante
de não serem tributados.
Cabem aqui as seguintes considerações de Luís Roberto Barroso a respeito
do direito subjetivo público:
A idéia central em torno da qual gravita o tópico ora desenvolvido é a de direito
subjetivo, entendido como o poder de ação, assente no direito objetivo, e destinado
112
CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. ed. São Paulo
: Malheiros Editores, 1997, p. 400 e 403
113
COSTA, R.H., op.cit., p. 54.
114
Ibid., ibidem.
115
Ibid., ibidem.
à satisfação de certo interesse. A norma jurídica de conduta caracteriza-se por sua
bilateralidade, dirigindo-se a duas partes e atribuindo a uma delas a faculdade de
exigir de outra determinado comportamento. Forma-se, desse modo, um vínculo,
uma relação jurídica que estabelece um elo entre dois componentes: de um lado, o
direito subjetivo, a possibilidade de exigir; de outro, o dever jurídico, a obrigação
de cumprir. Quando a exigibilidade de uma conduta se verifica em favor do
particular em face do Estado, diz-se existir um direito subjetivo público.
116
Yoshiaki Ichihara, apesar de também reconhecer na norma imunitória um
direito subjetivo, entende ser este implícito, pois é a sua eficácia plena e
aplicabilidade imediata que retira do campo da incidência tributária pessoas,
objetos e situações, ou seja, a imunidade cria um direito subjetivo de não ser
tributado. Trata-se de uma conseqüência imediata, mas não explícita, daí porque
acrescentou o adjetivo implícito.
117
Destarte, para fins do presente estudo, adotar-se-á a concepção doutrinária
que qualifica a imunidade tributária como direito subjetivo público, que outorga
ao imune o direito de não ser tributado.
3.2
Os Objetivos das Imunidades Tributárias Pensados pelo Poder
Constituinte Originário
Concluiu-se no item anterior que a conceituação da imunidade tributária tem
sido objeto de divergência doutrinária. Não obstante a polêmica acerca de ser ou
não limitação de competência ou poder de tributar, ou ainda, se é possível limitar
algo que já nasce limitado, é certo que grande parte da doutrina aceita que a
imunidade tributária acaba por criar um direito subjetivo blico ao contribuinte,
à proporção que lhe garante o direito de não ser tributado por encontrar-se numa
situação que o Constituinte quis proteger.
Demonstrar-se-á, no presente item, que o instituto da imunidade tributária
tem como finalidade resguardar o feixe de valores, princípios, fundamentos,
direitos e garantias fundamentais constitucionalizados, balizadores do Estado
116
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas.
Limites e possibilidade da constituição brasileira, p. 103-104.
117
ICHIHARA, Y., op.cit., p. 186.
Democrático de Direito
118
, mediante a exclusão ao Estado, do direito de instituir
tributos sobre pessoas, bens ou situações
119
, cujo desfalque patrimonial importaria
em prejudicar, quando não em inviabilizar, a concretização das promessas de
avanço social pretendidos.
120
Neste sentido Souto Maior Borges afirma:
Sob esse ponto de vista, a análise teleológica do grupo de preceitos imunitórios
estabelecido na Constituição Federal demonstra que, através deles, se procura
assegurar certos valores sociais; preceitos básicos do regime político. A regra de
imunidade é estabelecida em função de considerações de ordem extrajurídica.
Através da imunidade, nos termos em que es disciplinada na Constituição
Federal, torna-se possível a preservação dos valores sociais das mais diversas
natureza: políticos, religiosos, educacionais, sociais e culturais.
Sistematicamente, através da imunidade, resguardam-se princípios, idéias-forças ou
postulados essenciais ao regime político.
121
Portanto, os valores que as imunidades tributárias buscam resguardar são
aqueles que a sociedade brasileira, no momento constituinte, elegeu como
fundamentais, de modo a protegê-los, em razão da sua supremacia, ao ponto de
desonerá-los da tributação. Neste contexto, revelam-se as imunidades como uma
opção axiológica do legislador constitucional.
118
Neste sentido ver: TORRES, R.L., Tratado de direito constitucional financeiro e
tributário..., op.cit., p. 51; AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 149; COSTA, R.H.,
op.cit.,, p. 72-73; MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário, p. 90;
CARRAZZA, R.A., op.cit., p. 401.
119
Roque Antônio Carrazza afirma que as “imunidades tributárias beneficiam, sempre,
pessoas.” porquanto “em termos rigorosamente técnicos, a imunidade é sempre subjetiva, que
invariavelmente beneficia pessoas, quer por sua natureza jurídica, quer pela relação que guardam
com determinado fatos, bens ou situações. O que estamos querendo expressar é que mesmo a
chamada imunidade objetiva alcança pessoas, que não por suas qualidades, características ou
tipo de atividade que desempenham, mas porque relacionadas com determinados fatos, bens ou
situações (v.g, a imunidade do art. 150, VI, ‘d’, da CF).” (CARRAZZA, R.A., op.cit., p. 399).
120
Em sentido contrário, Fernando Lemme Weiss entende que as imunidades são meros
privilégios ao afirmar: “A inclusão de uma lista de não-sujeições tributárias na Constituição coloca
o Brasil em singular posição. Como ressalta Regina Helena Costa, a nossa Carta è a única a listar
imunidades. Isso evidencia não ser tal postura uma técnica amadurecida de proteção de direitos,
mas antes uma especificação de desmotivados privilégios, inseridos em meio a antigas exclusões,
elevados ao patamar constitucional para que estas legitimem aqueles. (...) O critério de justiça
subjacente à lista de imunidades não corresponde às prioridades do cidadão descritas na própria
Constituição. Atende aos interesses dos que dominam a opinião pública(da), que buscaram
legitimação social e divina para o privilégio através de simultânea previsão de imunidade para
entidades assistenciais e templos. A inclusão dos partidos políticos, por exemplo, que resolveriam
quaisquer eventuais problemas através de legislação ordinária, pois a produzem, além da aplicação
do princípio da capacidade contributiva, amplia a lista e desvia a atenção sobre outros
beneficiários. WEISS, Fernando Lemme. Justiça tributária. As renúncias, o código de defesa dos
contribuintes e a reforma tributária, p. 70-74.
121
BORGES, J.S.M., op.cit., p. 221.
Note-se que pelo delineamento histórico do instituto da imunidade no
Estado brasileiro restou evidente a razoável diversidade de sujeitos, pessoas, bens
ou situações escolhidos pelo Poder Constituinte para serem imunizados, que
refletiam, à época da elaboração dos respectivos textos constitucionais, os valores
supremos ínsitos ao contexto social vigente, por isto juridicizados e protegidos na
Constituição.
Tais valores, como bem assevera Souto Maior Borges, possuem natureza
extrajurídica e, portanto, decorrem da opção política do Poder Constituinte,
especialmente do originário, que não se prende a limites formais, por ser
essencialmente político.
122
O próprio instituto da imunidade tem natureza
política, que decorre de sua fonte, a Constituição, “um documento essencialmente
político, ao qual o direito dá forma e eficácia”.
123
Todavia, ainda que o Poder Constituinte tenha ampla liberdade na escolha
dos valores a serem juridicizados na Constituição, não é desmedido de limites.
Isto porque não se pode conceber a sua atuação partindo do nada político, jurídico
e social, pois este nunca surge dentro de um vácuo histórico-cultural, além do
dever de considerar princípios basilares do direito internacional.
Neste sentido, bem elucida Gomes Canotilho:
Desde logo, se o poder constituinte se destina a criar uma constituição concebida
como organização e limitação do poder, não se vê como esta ‘vontade constituição
pode deixar de condicionar a vontade do criador. Por outro lado, este criador, este
sujeito constituinte, este povo ou nação, é estruturado e obedece a padrões e
modelos, condutas espirituais, culturais, éticos e sociais radicados na consciência
jurídica geral da comunidade e, nesta medida, considerados como ‘vontade do
povo’. Além disto, as experiências humanas vão revelando a indispensabilidade de
observância de certos princípios de justiça que, independentemente da sua
configuração (como princípios suprapositivos ou como princípios supralegais mas
intra-jurídicos) são compreendidos como princípios de liberdade e omnipotência
do poder constituinte. Acresce que um sistema jurídico interno não pode estar out
da comunidade internacional. Encontra-se vinculado a princípios de direito
internacional (princípio da independência, princípio da autodeterminação, princípio
da observância de direitos humanos).
124
122
BORGES, J.S.M., op.cit.,p. 22. Também neste sentido BONAVIDES, Paulo. Curso de
direito constitucional, p. 146.
123
DALLARI, Dalmo de Abreu. Constituição e constituinte, p. 47.
124
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição,
p. 77.
Assim, a opção do legislador constituinte por determinada imunidade
pressupõe a preexistência de um complexo juízo de valores, pois, ao afastar da
tributação determinadas hipóteses implica, por outro lado, reconhecer a existência
de outros valores ainda maiores a justificar tal procedimento. Até porque, como
observa José Augusto Delgado, o exercício da tributação não se rege apenas por
normas legais, mas também e sobretudo por suas finalidades, pelo respeito à
dignidade da pessoa humana e aos valores da cidadania:
A validação finalística do tributo é abrangente. Encontra-se obrigado ao
cumprimento de todos os objetivos constitucionais, todos voltados mais para o
bem-estar da sociedade do que o do próprio Estado como instituição. Essa
concepção exige que se afaste o entendimento de que o Direito Tributário deve
ser estudado de modo compartimentado e obedecendo, apenas, aos seus princípios
específicos, quer de ordem constitucional, quer situados no campo da legislação
ordinária.
O direito tributário de ser visto e compreendido como inserido no campo da
responsabilidade a que todas as entidades jurídicas têm, que é a de cumprir as
destinações contidas na Carta Magna e na vontade popular, especialmente as de
respeitar a dignidade humana e os valores da cidadania. Estes valores, entre outros,
são os objetivos fundamentais visados pela República Federativa do Brasil,
constituída em um regime democrático.
125
Sob os aspectos delineados não se pode invalidar ou afastar as imunidades
sob o argumento de que estas não atendem aos valores que justificam a sua
inserção no texto constitucional; considera-se que esta discussão tem relevância
tão-somente quando o Poder Constituinte é exercido
126
, em vista de ser ele o titular
da soberania popular, cabendo-lhe escolher o feixe de valores pré-existentes que
reputa como supremos para a sociedade, dentro dos limites impostos pelo
contexto social, de tal sorte que não compete ao Poder Judiciário e ao legislador
infraconstitucional esta prerrogativa
127
, mas apenas a de efetivá-los.
125
DELGADO, José Augusto. Tributos e direitos fundamentais. In: FISCHER, Octávio
Campos (coord.). Tributos e direitos fundamentais, p. 156.
126
ICHIHARA, Y., op.cit., p. 173.
127
No sentido de que o Poder Constituinte é contínuo e não se esgota no momento de
manifestação da Assembléia Constituinte, confira-se Philippe Blachèr: “Le « peuple constituant »
a besoin d’un représentant pour exprimer sa volonté. Puisqu’il est censé être l’auteur des principes
fondateurs dy système juridique et que sa volonté est présumée supérieure par rapport à celle des
représentants. Il faut bien que sa volonté ne s’épuise pas dans le moment constituant. Le
constitutionnalisme suppose que la volonté du souverain dur, qu’elle soit continuelle. » « O povo
constituinte precisa de um representante para exprimir sua vontade. Uma vez que ele é coincidente
o autor dos princípios fundadores do sistema jurídico e que sua vontade se presume superior em
relação aquela de seus representantes. E preciso que sua vontade não se esgote no momento
Isto posto, considerando que o instituto da imunidade representa um
conjunto de valores que buscam resguardar, incentivar, ou pelo menos, não
impedir que aspirações sociais que ingressaram no texto constitucional se
efetivem, assume o caráter de direito constitucional. Desta forma, a imunidade
tributária constitui-se em verdadeira expressão do Constitucionalismo
128
; esta,
portanto, é a teoria que, baseada numa Constituição rígida, consagra os direitos e
garantias individuais do cidadão, ainda que venha a limitar os poderes do
Executivo e do Legislativo.
Explica-se: o constitucionalismo tem como finalidade a busca pelo
delineamento de princípios ideológicos de cada Estado, consideradas as suas
peculiaridades e tradições “pela normatização dos direitos naturais ou
fundamentais dos seres humanos, cada qual relativamente à sociedade, ou
melhor à realidade que lhes é imposta.”.
129
Aprofundando-se o tema, afirma-se que a Constituição Federal é fruto do
denominado constitucionalismo comunitário, que se contrapõe à cultura jurídica
privatista, buscando, contra o positivismo, um fundamento ético para a ordem
jurídica, e contra o privatismo, a efetividade do amplo sistema de direitos
assegurados pela ordem constitucional.
130
Ao citar um fundamento ético, Gisele Cittadino refere-se à estrutura
normativa do conjunto de fundamentos e valores representados pela Constituição,
compartilhados por determinada sociedade
131
, tal como observa José Afonso da
Silva:
constituinte. O constitucionalismo supõe que a vontade do soberano dure, que ela seja contínua. »
BLACHÈR, Philippe, Contrôle de constituionnalité et volonté générale, p. 191.
128
Nas palavras de José Joaquim Gomes Canotilho: Constitucionalismo é a teoria (ou
ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em
dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Neste sentido, o
constitucionalismo moderno representará a técnica específica de limitação do poder com fins
garantísticos. O conceito de constitucionalismo transporta, assim, um claro juízo de valor. É, no
fundo, uma teoria normativa da política, tal como teoria da democracia ou teoria do liberalismo.
CANOTILHO, J.J.G., op.cit., p. 47.
129
SOUZA, Leandro Marins de. Direito internacional dos direitos humanos e tributação:
breve abordagem teórica. In: PIOVESAN, Flávia (coord.). Direitos Humanos, v.1., p. 379.
130
CITTADINO, G., op.cit., p. 14-15.
131
Quando assevera: “No que respeita aos comunitários, esta confiança nas tradições,
enquanto base sobre a qual se assentam as suas formulações, se revela, como assinalamos, no
compromisso com os valores que unem coletivamente os membros da comunidade política. Nas
democracias contemporâneas, os direitos fundamentais, por exemplo, jamais poderiam ser
justificados caso não se recorresse aos significados culturais, aos compromissos comunitários e às
O sentido jurídico de constituição não se obterá, se apreciarmos desgarrada a
totalidade da vida social, sem conexão com o conjunto da comunidade. Pois bem,
certos modos de agir em uma sociedade transformam-se em condutas humanas
valoradas historicamente e constituem-se em fundamentos do existir comunitário,
formando os elementos constitucionais do grupo social, que o constituinte intui e
revela como preceitos normativos fundamentais: a constituição.
A constituição é algo que tem, como forma, um complexo de normas (escritas ou
costumeiras); como conteúdo, a conduta humana motivada pelas relações sociais
(econômicas, políticas, religiosas, etc); como fim, a realização dos valores que
apontam para o existir da comunidade; e, finalmente, como causa criadora e
recriadora, o poder que emana do povo.
132
Aliomar Baleeiro, na égide da Carta Constitucional anterior, ressaltava o
valor ético nela estampado:
Para entender uma democracia, é preciso aceitar a sua base ética. Essa base ética,
que está em vários pensadores, como Kant, é a de que os homens não são meios,
mas fins em si mesmos. É preciso aceitar o princípio da dignidade humana, o da
expansão de todas as possibilidades de criatura, que são alvos supremos. O Estado,
as leis, o mecanismo da Constituição são meios. Por outro lado, a nossa
Constituição, como outras, diz em seu preâmbulo sob a proteção de Deus. Ela é,
assim, espiritualista, embora vivamos em um regime em que a Igreja ficou
separada do Estado. E, por isso mesmo que a Constituição repousa em uma base
ética e ideológica que considera o homem um fim em si mesmo, é óbvio que ela
assegura a todos os meios para que tais fins sejam atingidos.
133
É neste sentido que se enquadram as imunidades tributárias, enquanto
proteção fiscal dos valores humanos escolhidos pelo Poder Constituinte. Ou seja,
as imunidades acabam por assegurar o aprimoramento e a expansão do homem
enquanto valor mais elevado.
134
Com efeito, a Constituição traduz a autocompreensão ético-normativa de
uma comunidade, que equipara princípios e normas constitucionais a valores
pré-existentes, que traduz uma identidade e história comuns, assim como
compromisso com certos ideais compartilhados. Neste sentido, Gisele Cittadino
entende que a Constituição de 1988 traduz uma ordem concreta de valores
histórias de vida que constituem as identidades dos seres humanos reais que instituem e
exercitam estes direitos.” CITTADINO, G., op.cit., p. 220.
132
SILVA, J.A., op.cit., p. 43.
133
BALEEIRO, A., O Direito tributário da Constituição, p. 179.
134
OLIVEIRA, Yonne Dolácio. As imunidades Genéricas. In: Associação Brasileira das
Entidades Fechadas de Previdência Privada. A Imunidade Tributária das Entidades Fechadas de
Previdência Privada, p. 196-197.
partilhada pela comunidade, aos quais se deve buscar a realização.
135
Assim, resta claro o fato das imunidades tributárias buscarem resguardar da
tributação pessoas, bens ou fatos, no intuito de preservar os valores que a
sociedade, no momento constituinte, elegeu como supremos, razão por que, a toda
evidência, esta não pode ser vista apenas em sua perspectiva individual, mas
como uma garantia de cidadania para todos, considerados coletiva e difusamente,
de forma a permitir também o regular desenvolvimento das futuras gerações.
São objetivos das imunidades, na esteira dos valores constitucionalmente
juridicizados, a construção de uma sociedade livre justa e solidária; a garantia do
desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização; a
redução das desigualdades sociais; a promoção do bem de todos, sem
discriminação, seja de origem, raça, sexo, cor ou idade
136
, tendo por fundamentos
a soberania, a cidadania, a dignidade humana, os valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa e o pluralismo político do Estado.
137
Em hipótese alguma se pode
enquadrá-las como privilégio, eis que, como visto, tal afirmativa é descabida
desde o advento do Estado de Direito.
138
Neste sentido, Fernando Facury Scaff:
Portanto, e apenas a título de exemplo, ao ser reconhecida no Brasil uma
imunidade educacional não se pretende privilegiar determinado estabelecimento. A
fase do privilégio passou, devendo ser apenas historicamente considerada. Se
deve é garantir que a educação seja ministrada a todos, de forma livre e com o fito
de desenvolver plenamente o indivíduo, prepará-lo para o exercício da cidadania e
qualificá-lo para o trabalho (CF/88, art. 205). Caso não sejam acatadas estas
diretrizes constitucionais, a instituição em gozo da imunidade não estará atingindo
seus objetivos e esta deverá ser desconsiderada.
O fio condutor da análise deve ser o critério de melhor qualidade de vida para as
atuais e futuras gerações segundo parâmetros estabelecidos pela sociedade, e não o
de enriquecimento das instituições mantenedoras de estabelecimento de educação.
Ou de sindicatos obreiros. Ou de partidos políticos. As hipóteses não têm fim.
Interpretar a norma jurídica da Imunidade Tributária de forma apartada de seu
contexto social será esvaziá-la completamente. Não será implementar o Direito,
mas apenas fazer um exercício de direito positivo - que poderá ser bem ou mal
135
A respeito ver CITTADINO, G., op.cit., p. 226-227.
136
Art. da Constituição de 1988. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da
República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em :
<https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em : 05 jul. 2006.
137
Art. da Constituição de 1988. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da
República Federativa do Brasil, op.cit.
138
No sentido de que as imunidades seriam ainda privilégios, confira-se nota de rodapé 121
acima.
feito. E nada será acrescido à sociedade, mas apenas a uns poucos contrafatores
normativos.
Logo, a função da imunidade tributária - bem como a dos demais Princípios
limitadores ao poder de tributar -, é a de permitir que a sociedade exercite a
cidadania, segundo as normas que ela própria estabeleceu, sem eventuais
empecilhos impostos pelo Estado (ou melhor, por eventuais grupos que se utilizem
do aparato do Estado para implementar uma política diversa daquela estabelecida
pela sociedade).
139
De outra banda, não se pode descurar de observar a estreita relação entre as
imunidades e os direitos fundamentais, por serem aquelas verdadeiras
manifestações destes, situação que será abordada no Capítulo seguinte do presente
trabalho.
Assim, constituindo o tributo interferência constitucionalmente consentida
na liberdade individual, explicável que o Poder Constituinte tenha optado por
afastar a possibilidade do exercício da competência tributária em certas
circunstâncias, visando a garantir os valores e princípios que o próprio
Constituinte Originário escolheu para proteger. Entendeu-se, assim, que a
imposição tributária nessas situações poderia dar oportunidade ao embaraço do
exercício de determinados direitos ou, então, prejudicar o desempenho de
atividades consideradas socialmente relevantes.
140
Por tal razão as imunidades têm como objetivo primordial assegurar a plena
efetividade
141
dos comandos constitucionais que asseguram os direitos de
liberdade e cidadania previstos na Carta Magna, “hoje alçadas à categoria de
direitos fundamentais dos contribuintes.”
142
Assim, a título meramente exemplificativo, estão resguardados pela
imunidade, o princípio do federalismo, expresso nos artigos e 60, § 4º, I c/c
150, VI, “a”; o direito à liberdade religiosa: artigos 5º, VI e 19, I c/c 150, VI,
“b”; o princípio democrático: artigo 1º, c/c artigo 150, VI, “c”; o sindicalismo
representativo: artigo 8º, c/c artigo 150, VI, “c”; o direito à assistência e à
139
SCAFF, F. F., Cidadania e imunidade tributária, op.cit.
140
COSTA, R.H., op.cit., p. 73.
141
Segundo Luís Roberto Barroso: “A efetividade significa, portanto, a realização do
Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo
dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre dever-
ser normativo e o ser da realidade social”. (BARROSO, L.R., op.cit., p. 85).
142
GRUPENMACHER, Betina Treiger. Tributos e direitos fundamentais. In FISCHER,
O.C., op.cit., p. 13.
educação: artigos 203, 204, c/c artigo 150, VI “c” e artigo 197, § 7º; a cidadania:
artigo c/c artigo 5º, LXXVI, “a” e “b” e artigo 226, § 1º; o direito de acesso à
justiça: artigo 5º, XXXV c/c artigo 5º, XXXIV “a” e “b”, LXXIII, LXXIV,
LXVII; o direito de acesso à informação e à liberdade de manifestação: artigo 5º,
XIV c/c artigo 150, VI, “d”.
143
Considerados os valores esposados na opção política pela imunidade,
ressalta-se serem eles que justificam a desoneração tributária, de forma que não se
pode falar em ofensa ao princípio da isonomia, condicionador este da
solidariedade social que deve inspirar o custeio das despesas públicas por meio do
princípio da generalidade da tributação. Mesmo porque, a atual consciência
jurídica não mais permitiria excepcionar alguém ou alguma situação do alcance
fiscal por simples benesse ou puro privilégio. Ao contrário, quando o legislador
constituinte selecionou determinada situação econômica a fim de desonerá-la do
dever geral de contribuir, fê-lo visando a realizar valores outros superiores à
eventual receita tributária abdicada. Ou seja, as imunidades tributárias buscam,
por meio de uma discriminação ativa
144
, realizar os valores escolhidos pela própria
sociedade no momento constituinte.
Também não é relevante para o instituto da imunidade tributária o princípio
da capacidade contributiva, já que o seu objetivo é justamente resguardar pessoas,
objetos ou situações da incidência tributária, desde que estes consolidem valores
protegidos pela Carta de 1988.
Desta maneira, no exame das imunidades tributárias, especialmente das
genéricas previstas no art. 150, VI, “a”, “b”, “c” e “d”
145
da Constituição Federal,
143
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em : <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em : 05 jul.
2006.
144
Regina Helena Costa explica que: “Destarte, o discrímen no qual repousa a exoneração
fiscal consiste na importância do papel desempenhado pela entidade por ela contemplada no
contexto social, consonante com as funções a cargo do próprio Estado, ou, ainda, no especial
interesse do Poder Público em prestigiar determinadas situações, porque afinadas com objetivos
constitucionalmente eleitos.” (COSTA, R.H., op.cit., p. 122).
145
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:(...)VI - instituir impostos sobre: a)
patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda
ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos
trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos
os requisitos da lei (...)”. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do
Brasil, op.cit.
não se deve levar em consideração a existência ou não de capacidade contributiva
do beneficiário, se se trata de entidade rica ou pobre, pois o verdadeiro objetivo
do legislador constitucional é de resguardar essa capacidade econômica de modo
que, se inexistente, passe a existir, se existente, aumente expressivamente. Quanto
maior a capacidade econômica da entidade imune, melhor para a população, uma
vez que ela atenderá de forma mais eficiente aos fins desejados pelo
Constituinte.
146
Ainda, cabe trazer a lição de Regina Helena Costa a respeito dos valores
escolhidos pelo Constituinte, e que se buscam realizar por meio das imunidades
tributárias:
Isto porque, identificada a busca pela implementação dos valores ou fins apontados
na própria Constituição, abrindo mão o Poder Constituinte Originário de outorgar a
competência tributária às pessoas políticas para instituir tributos em determinadas
situações, ou em relação a certas pessoas ou bens, está caracterizada a utilização de
um mecanismo para obtenção de finalidades não-arrecadatórias, mas estimulantes,
indutoras ou coibidoras de comportamentos.
Todos os valores mais prestigiados pela Constituição a segurança jurídica, a
justiça e o bem comum, antes apontados estão presentes na essência das
imunidades tributárias.
A segurança jurídica é um supraprincípio que se manifesta no campo tributário por
intermédio dos princípios da legalidade, da anterioridade, da irretroatividade da lei
tributária e da isonomia.
As idéias de legalidade e isonomia são fundamentais no trato das exonerações
tributárias operadas no plano constitucional. A legalidade, porquanto a
competência tributária somente pode ser exercida mediante a edição do necessário
veículo legislativo, o qual não poderá alcançar as situações e pessoas declaradas
imunes.
A isonomia, por sua vez, porque as situações de intributabilidade postas na
Constituição efetivam esse princípio, na medida em que cuidam de tratar
desigualmente entes, atividades e bens que mereçam tratamento díspar, em razão
do papel socialmente relevante que desempenham.
No âmbito tributário cabe falar-se em justiça fiscal como meta a atingir-se por
meio dos princípios da generalidade e da universalidade da tributação, da
capacidade contributiva e da vedação ao confisco – todos, desdobramentos da
isonomia.
Ricardo Lobo Torres sustenta que a liberdade individual é o valor mais relevante a
fundamentar as imunidades tributárias, sendo que valores como o da justiça e o da
segurança também podem complementarmente servir a esse fim. (...)
Lembre-se, por derradeiro, que o bem-estar coletivo sintetiza a ratio das
imunidades tributárias. É a finalidade pública, assim entendida como o objetivo a
ser perseguido em toda a atuação do Estado que legitima o emprego de todos os
146
A respeito ver COSTA, R.H., Princípio da Capacidade Contributiva, p. 74-76.
instrumentos constitucionalmente autorizados para esse desiderato, dentre os quais
se incluem as imunidades tributárias.
147
Ora, são justamente estes valores substantivos escolhidos pela comunidade
que foram consagrados pelos direitos fundamentais, como limitação, inclusive, às
maiorias eventuais, o que acontece também com as imunidades tributárias,
conforme se verificará no próximo tópico.
3.3
As imunidades tributárias enquanto meios para realização dos
direitos fundamentais
Foi abordado no Capítulo anterior que através da desoneração tributária de
pessoas, objetos e situações pretendeu o Poder Constituinte originário, por via das
imunidades inseridas no texto constitucional, garantir valores supremos
compartilhados pela sociedade no momento da realização da Constituição, pré-
existentes ao próprio documento.
Todavia, além desta garantia de valores, entende-se que as imunidades são
importantes meios à realização dos direitos fundamentais.
148
É este o tema a ser
abordado no presente tópico.
O texto constitucional de 1988, que institui no plano nacional o Estado
Democrático de Direito, como reação ao período ditatorial, que precedeu à sua
promulgação, prevê um título próprio destinado aos seus princípios fundamentais,
situado, em manifesta homenagem, e em razão de sua significativa importância,
na parte inaugural da Carta Magna, logo após o seu preâmbulo e antes dos
direitos fundamentais.
Os princípios fundamentais, segundo Ingo Sarlet, têm “a qualidade de
normas embasadoras e informativas de toda a ordem constitucional, inclusive (e
especialmente) das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais”
149
, as
147
COSTA, R.H., Imunidades Tributárias..., op.cit., p. 74-76.
148
Adota-se para o presente estudo o entendimento de que a classificação dos direitos
fundamentais em direitos de primeira, segunda e terceira geração existe em razão da cronologia em
que foram reconhecidos e incorporados aos ordenamentos jurídicos.
149
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na
Constituição Federal de 1988, p. 61.
quais para o autor, integram junto com os princípios fundamentais, aquilo que se
pode chamar “núcleo essencial da nossa Constituição formal e material”.
150
Assim, a República Federativa do Brasil tem por fundamentos a soberania; a
cidadania; a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa; o pluralismo político (art. 1º.), com os objetivos de construir uma
sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento, erradicar a pobreza,
a marginalização e reduzir as desigualdades sociais; promover o bem de todos,
sem qualquer discriminação, seja de origem, raça, sexo, cor e idade (art. 3º.), para
os quais toda a estrutura estatal, suas atividades e funções estão voltadas, inclusive
o seu sistema tributário.
Dos dispositivos parcialmente transcritos denota-se que o Estado brasileiro
atribui ênfase aos princípios fundamentais, que exigem a prática de uma ética
concreta do ser humano e do Estado, como o da dignidade da pessoa humana
151
,
por ser a pessoa humana fundamento e fim da sociedade e do Estado.
152
Isto
porque, em conformidade com a filosofia kantiana, o homem, como ser racional,
existe como fim em si, “pois um ser humano não pode ser usado meramente como
um meio por qualquer ser humano (quer por outros quer, inclusive, por si mesmo),
mas deve sempre ser usado ao mesmo tempo como um fim.”
153
Com efeito, pode-se afirmar que o Estado Democrático de Direito se
constrói a partir da pessoa e para servi-la, de modo ser impossível pensar a sua
existência sem o respeito à dignidade da pessoa humana que, na lição de José
Afonso da Silva, não se configura tão-somente em princípio fundamental pois, “se
fundamento é porque se constitui num valor supremo, num valor fundante da
República, da Federação e do País, da Democracia e do Direito. Portanto, não é
apenas um princípio de ordem jurídica, mas o é também da ordem política, social,
150
Ibid., ibidem.
151
A Constituição Federal de 1988 dedica o seu Título I, composto por 4 artigos aos
“Princípios Fundamentais”. Neste sentido Ingo Wolfgang Sarlet: “Inspirando-se neste particular
especialmente no constitucionalismo lusitano e hispânico, o Constituinte de 1988 preferiu não
incluir a dignidade da pessoa humana no rol dos direitos e garantias fundamentais, guindando-a,
pela primeira vez, - consoante já reiteradamente frisado à condição de princípio (e valor)
fundamental (artigo 1º, inciso III).” (Ibid., p. 67).
152
Ibid., p. 77.
153
KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes, p. 306. No mesmo sentido PIOVESAN,
Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional, p. 55. Ver também:
BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: o Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana, p. 103 et. seq.
econômica e cultural. Daí a sua natureza de valor supremo, porque está na base
de toda a vida nacional.”.
154
À luz dessa concepção, considerando que o texto constitucional de ser
compreendido como uma unidade e como um sistema que privilegia determinados
valores sociais, pode-se afirmar que a Constituição de 1988 elege o valor da
dignidade da pessoa humana como um valor essencial que lhe unidade de
sentido.
155
Veja-se que, além da previsão expressa da dignidade da pessoa humana,
enquanto fundamento da República Federativa do Brasil, no artigo 1º, III, é certo
que o Constituinte trouxe expressa a dignidade da pessoa humana em outros
dispositivos constitucionais. O artigo 170 caput da Constituição de 1988
estabelece que a ordem econômica “tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social”. Também no Título “Da Ordem
Social” a dignidade da pessoa humana é ressaltada como valor fundante do
planejamento familiar e da paternidade responsável, conforme estabelecido no
artigo 226, § 7º da Constituição. Ainda, o artigo 227, caput assegura à criança e ao
adolescente o direito à dignidade humana, demonstrando, assim, que a dignidade
da pessoa humana irradia-se por toda a Carta constitucional.
156
Ingo Wolfgang Sarlet conceitua a dignidade da pessoa humana nos seguintes
termos:
Assim sendo, temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e
distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo
respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste
sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa
tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham
a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além
de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da
própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.
157
Ao referir-se à “qualidade intrínseca e distintiva” por certo o conceito
relaciona-se à nota caracterizadora do princípio da dignidade humana que é de
154
SILVA, José Afonso. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da
democracia, Revista de Direito Administrativo. nº 212. p. 92.661-662.
155
PIOVESAN, F., Direitos humanos e o direito constitucional internacional, op.cit., p. 56.
156
BRASIL. Constituição (1988), Constituição da República Federativa do Brasil, op.cit.
Ver também SARLET, I.W., op.cit., p. 60.
157
SARLET, I.W., op.cit., p. 60.
gerar ao indivíduo o direito de decidir de forma autônoma sobre o seu destino,
seus projetos existenciais e felicidade (autodeterminação); estes devem ser
respeitados pelo Estado e pela comunidade, limitados e assegurados por um
complexo de direitos e deveres fundamentais que lhe garanta ser tratado como
sujeito de direito, assim como lhe assegure condições existenciais mínimas
158
que
lhe possibilite a evolução enquanto pessoa humana, inclusive no âmbito das
relações intersubjetivas, para o alcance de uma vida boa.
Denota-se, portanto, que além de sua característica intrínseca, a dignidade da
pessoa humana encerra um caráter instrumental, que não se restringe à idéia de
autonomia individual, porquanto encerra a necessidade de promoção das
condições de uma contribuição ativa para o reconhecimento e proteção do
conjunto de direitos e liberdades indispensáveis ao nosso tempo.
159
Deste modo,
onde não houver respeito pela vida e a pela integridade física e moral do ser
humano, onde as condições mínimas para a existência de uma vida digna não
forem garantidas, onde não houver limitação de poder e garantia de liberdade,
autonomia e igualdade material, não haverá respeito à dignidade da pessoa
humana.
160
Ana Paula de Barcellos afirma que “o conteúdo jurídico da dignidade se
relaciona com os chamados direitos fundamentais ou humanos”, ou seja, para ela
“terá respeitada sua dignidade o indivíduo cujos direitos fundamentais forem
observados e realizados, ainda que a dignidade não se esgote neles”.
161
Do mesmo modo, Andrade Vieira:
158
Segundo Ricardo Lobo Torres: “Não tendo o mínimo existencial dicção constitucional
própria, deve-se procurá-lo na idéia de liberdade, nos princípios constitucionais da igualdade, do
devido processo legal e da livre iniciativa, nos direitos humanos e nas imunidades e privilégios do
cidadão.TORRES, R.L., Tratado de direito constitucional financeiro e tributário..., op.cit., p.
144.
159
SARLET, I.W., op.cit., p. 53.
160
Neste sentido Ingo Wolfgang Sarlet: “Como tarefa (prestação) imposta ao Estado, a
dignidade da pessoa reclama que este guie as suas ações tanto no sentido de preservar a dignidade
existente, quanto objetivando a promoção da dignidade, especialmente criando condições que
possibilitem o pleno exercício e fruição da dignidade, sendo portanto dependente (a dignidade) da
ordem comunitária, já que é de se perquirir até que ponto é possível ao indivíduo realizar, ele
próprio, parcial ou totalmente, suas necessidades existenciais básicas ou se necessita, para tanto,
do concurso do Estado ou da comunidade (este seria, portanto, o elemento mutável da dignidade).”
(SARLET, I.W., op.cit., p. 47).
161
BARCELLOS, A.P., op.cit., p. 110-111.
Neste contexto se deve entender o princípio da dignidade da pessoa humana
consagrado no artigo como o primeiro princípio fundamental da constituição
como o princípio de valor que está na base do estatuto jurídico dos indivíduos e
confere unidade de sentido ao conjunto dos preceitos relativos aos direitos
fundamentais. Estes preceitos não se justificam isoladamente pela protecção de
bens jurídicos avulsos, só ganham sentido enquanto ordem que manifesta o respeito
pela unidade existencial de sentido que cada homem é para além dos seus actos e
atributos.
E esse princípio da dignidade da pessoa humana há-de ser interpretado como
referido a cada pessoa (individual), a todas as pessoas sem discriminações
(universal) e a cada homem como ser autônomo, livre.
162
Destarte, o respeito à dignidade da pessoa humana encontra-se diretamente
relacionado com a realização dos direitos fundamentais, onde se incluem os
direitos sociais, que através deles propicia-se o pleno exercício dos direitos de
liberdade, que dependem da atuação positiva do Estado para serem efetivados.
163
Confirma-se, portanto, que a dignidade da pessoa humana é princípio de
valor que está na base do estatuto jurídico dos indivíduos e confere unidade de
sentido ao conjunto dos preceitos relativos aos direitos fundamentais
164
, e ao
próprio Estado Democrático de Direito. Desta forma encontra-se na base de todos
os direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, embora em graus
diferenciados, porque direitos que constituem explicitações em primeiro grau
da idéia de dignidade, enquanto outros, desta são decorrentes.
165
162
VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os Direitos Fundamentais na Constituição
Portuguesa de 1976, p. 97.
163
A propósito, esclarece Flávia Piovesan: “Nesta ótica, a Carta de 1988 acolhe o princípio
da indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos, pelo qual o valor da liberdade se
conjuga ao valor da igualdade, não havendo como divorciar os direitos de liberdade dos direitos de
igualdade. Acrescente-se que a Constituição de 1988 prevê, além dos direitos individuais, os
direitos coletivos e difusos aqueles pertinentes a determinada classe ou categoria social e estes
pertinentes a todos e a cada um. Neste sentido, a Carta de 1988, ao mesmo tempo em que
consolida a extensão de titularidade dos direitos, acenando à existência de novos sujeitos de
direitos, também consolida o aumento da quantidade de bens merecedores de tutela, mediante a
ampliação de direitos sociais, econômicos e culturais.” PIOVESAN, F., Direitos humanos e o
direito constitucional internacional, p. 57-58.
164
Do mesmo modo, cabe conferir as palavras de Ingo Sarlet:: “Em suma, o que se
pretende sustentar de modo mais enfático é que a dignidade da pessoa humana, na condição de
valor (e princípio normativo) fundamental que ‘atrai o conteúdo de todos os direitos
fundamentais’, exige e pressupõe o reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais de todas
as dimensões (ou gerações, se assim preferirmos). Assim, sem que se reconheçam à pessoa
humana os direitos fundamentais que lhe são inerentes, em verdade, estar-se-á negando-lhe a
própria dignidade”. (SARLET, I.W., op.cit., p. 84-85).
165
VIEIRA DE ANDRADE, J.C., op.cit., p. 97-98. A respeito confira-se SARLET, I.W.,
op.cit., p. 124-125.
Com efeito, confere a premissa de que os direitos fundamentais constituem,
embora com intensidade diferenciada, explicitações da dignidade da pessoa
humana. Por via de conseqüência, em cada direito fundamental se faz presente um
conteúdo ou, pelo menos, alguma projeção da dignidade da pessoa. Em suma a
dignidade da pessoa humana exige e pressupõe o reconhecimento dos direitos
fundamentais, pois em se negando o seu reconhecimento, estar-se-á negando-lhe
a própria dignidade.
166
Destarte, ao valorizar, respeitar e promover a liberdade e os valores do
espírito, impedindo, concomitantemente, a intolerância, a exclusão social, a
violência, e ao garantir a subsistência física, a saúde, a participação política, a
cultura, a educação, o acesso à justiça e à informação, o desenvolvimento
nacional
167
, entre tantos outros valores paralelos, a Constituição Federal, através
dos direitos fundamentais nela inseridos, busca implementar a função instrumental
integradora e hermenêutica do princípio fundamental da dignidade humana que
permeia todo o ordenamento jurídico pátrio, pois que serve de parâmetro para
aplicação, interpretação e integração não apenas dos direitos fundamentais e das
demais normas constitucionais, mas de todas aquelas que o habitam
168
, inclusive
das imunidades tributárias.
166
SARLET, I.W., op.cit., p. 84.
167
A respeito da expressão “desenvolvimento nacional” esclarece Eros Roberto Grau: “... a
idéia de desenvolvimento supõe dinâmicas mutações e importa em que se esteja a realizar, na
sociedade por ela abrangida, um processo de mobilidade social contínuo intermitente. O processo
de desenvolvimento deve levar a um salto, de uma estrutura social para outra, acompanhado da
elevação do nível ecomico e do nível cultural-intelectual comunitário. Dporque importando a
consumação de mudanças de ordem não apenas quantitativa, mas também qualitativa, o pode o
desenvolvimento ser confundido com a idéia de crescimento. Este, meramente quantitativo,
compreende uma parcela da noção de desenvolvimento. Garantir o desenvolvimento nacional é, tal
qual construir uma sociedade livre, justa e solidária, realizar políticas públicas cuja reivindicação,
pela sociedade, encontra fundamentação neste art. 3º, II. O papel que o Estado tem a desempenhar
na perseguição da realização do desenvolvimento, na aliança que sela o setor privado, é, de resto,
primordial.” GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 242-243.
168
A propósito o escólio de Luiz Edson Fachin e Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk: “A
tutela e a promoção da dignidade da pessoa humana são fundamentos de toda a ordem jurídica
não do Direito Público sendo, pois, deveres atribuídos a todos, e não ao Estado. A noção
de liberdade vinculada à propriedade, por exemplo, que, contemporaneamente, se manifesta como
liberdade de iniciativa, é expressamente funcionalizada à dignidade da pessoa, conforme se
depreende do artigo 170 da Constituição Federal. Opera-se a inversão de fundamento do Direito
Civil, que se desloca do ter para o ser. (FACHIN, Luiz Edson; RUZYK, Carlos Eduardo
Pianovski. Direitos fundamentais, dignidade da pessoa humana e o novo Código Civil: uma
análise crítica. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Constituição, direitos fundamentais e direito
privado, p. 98-99).
Isto porque o direito à dignidade humana, que se encontra diretamente
relacionado à preservação e realização dos valores juridicizados no texto
constitucional, deve se constituir em atenção central do Estado Democrático de
Direito, levando em consideração que assim se efetivará o projeto
constitucional, onde as promessas de avanço social são mais do que evidentes.
Assim, não obstante todo o ordenamento jurídico nacional deva ser
interpretado pelo viés da dignidade da pessoa humana, como dito, é através da
realização dos direitos fundamentais que os valores constitucionalmente
protegidos encontram sua maior efetividade.
Desta forma, ao Estado brasileiro não cabe apenas garantir os direitos do
homem livre e isolado, direito que possui em face do Estado, numa acepção estrita
aos direitos de liberdade, próprios do Liberalismo. Cumpre à nação brasileira a
proteção dos direitos fundamentais que possibilitem seja a dignidade da pessoa
humana respeitada, de modo absoluto, propiciando-lhe condições de
desenvolvimento pessoal
169
, devendo, inclusive, sistematizar políticas de
intervenção, proteção e normatização do interesse e espaço públicos, elementos
forjadores do Estado Democrático de Direito.
Neste sentido de maior participação pública no Estado, nio Luiz Streck
explica que:
O Estado Democrático de Direito tem um conteúdo transformador da realidade,
não se restringindo, como no Estado Social de Direito, a uma adaptação melhorada
das condições sociais de existência. Assim, o seu conteúdo ultrapassa o aspecto
material de concretização de uma vida digna ao homem e passa a agir
simbolicamente como fomentador da participação pública quando o democrático
qualifica o Estado, o que irradia os valores da democracia sobre todos os seus
elementos constitutivos e, pois, também, sobre a ordem jurídica.
170
Traz a Constituição Federal de 1988 este novo modelo de Estado que,
segundo José Afonso da Silva, não significa apenas a união dos conceitos de
Estado Democrático e Estado de Direito, apesar de considerar os elementos que
169
Neste sentido: “A afirmação da liberdade de desenvolvimento da personalidade humana
é imperativo de promoção das condições possibilitadoras desse livre desenvolvimento, constituem
corolários do reconhecimento da dignidade da pessoa humana como valor no qual se baseia o
Estado”. (PINTO, Paulo Mota. O Direito ao livre desenvolvimento da personalidade, p. 152).
170
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, JoLuis Bolzan de Morais. Ciência política e teoria
geral do Estado, p. 90.
lhes compõem, mas os supera na medida em que incorpora um elemento
revolucionário de transformação do status quo.
171
Logo, cumpre ao Estado Democrático de Direito promover além dos direitos
ditos de liberdade, tais como os direitos civis, políticos, o direito à segurança e à
informação, também os direitos sociais como a educação, a saúde, o trabalho, a
moradia, o lazer, a assistência social, a proteção à maternidade e à infância, o
desenvolvimento nacional, pois sem a efetivação destes direitos não se construirá
a sociedade livre, justa, fraterna e solidária que objetiva a República, nem
tampouco se garantirá o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.
Neste sentido leciona Paulo Bonavides:
A observância, a prática e a defesa dos direitos sociais, a sua inviolável contextura
formal, premissa indeclinável de uma construção material sólida desses direitos,
formam hoje o pressuposto mais importante com que fazer a dignidade da pessoa
humana nos quadros de uma organização democrática da Sociedade e do Poder.
Em função disso, essa dignidade se faz artigo constitucional em nosso sistema
jurídico, tendo sido erigida de um novo Estado de Direito, que é aquele do art.
da Carta da República.
Sem a concretização dos direitos sociais não se poderá alcançar jamais ‘a
Sociedade livre, justa e solidária’, contemplada constitucionalmente como um dos
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º). O mesmo tem
pertinência com respeito à redução das desigualdades sociais, que é, ao mesmo
passo, um princípio da ordem econômica e um dos objetivos fundamentais de
nosso ordenamento republicano, qual consta respectivamente do artigo 170, VII e
do sobredito art. 3º.
172
Da mesma posição, partilha Lênio Streck, ao estabelecer que a democracia,
no Estado Democrático de Direito estabelecido com a Constituição de 1988, é
substantiva
173
, sendo que o texto constitucional tem como pedra angular, os
171
SILVA, J. A., Curso de Direito Constitucional..., op.cit., p. 119.
172
BONAVIDES, P., op.cit., p. 642.
173
A respeito cita-se Lenio Luiz Streck: “Para Ferrajoli, a constitucionalização rígida dos
direitos fundamentais impondo obrigações e proibições aos poderes públicos tem produzido
efetivamente na democracia uma dimensão ‘substancial’, que se acrescenta à tradicional dimensão
‘política’, meramente ´formal´ ou ´procedimental´. Com efeito, se as normas formais da
Constituição aquelas que disciplinam a organização dos Poderes públicos garantem a
dimensão formal da democracia política, que tem relação com o ‘quem’ e o ‘como’ das decisões,
suas normas substantivas – as que estabelecem os princípios e os direitos fundamentais - garantem
o que se pode chamar de dimensão material da ‘democracia substancial’, uma vez que se refere
ao conteúdo que não pode ser decidido e ao que deve ser decidido por qualquer maioria,
obrigando a legislação, sob pena de invalidade, a respeitar os direitos fundamentais e os demais
princípios axiológicos por ela estabelecidos. Por último altera a relação entre política e Direito.
Uma vez que o Direito não está subordinado à política como se dela fosse instrumento, senão
que é a política que se converte em instrumento de atuação do Direito, subordinada aos vínculos a
direitos fundamentais, pois sem a sua efetivação não haverá autonomia pessoal,
isto é, liberdade, no sentido de capacidade para a liberdade.
174
Ou seja, somente
pela realização dos direitos fundamentais, incluídos tanto os direitos sociais
quanto os direitos fundamentais de liberdade, é que se vai garantir a autonomia
pessoal do indivíduo. Neste sentido, mais uma vez Paulo Bonavides:
A democracia que o Estado Democrático de Direito realiza de ser um processo
de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), em que o
poder emana do povo, e deve ser exercido em proveito do povo, diretamente por
representantes eleitos (art. 1º, parágrafo único); participativa, porque envolve a
participação crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos de
governo; pluralista, porque respeita a pluralidade de idéias, culturas, e etnias e
pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a
possibilidade de convivência de formas de organização e interesses diferentes da
sociedade; de ser um processo de liberação da pessoa humana das formas de
opressão que não depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos
individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigência de condições
econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício.
175
Ou seja, o Estado Democrático de Direito não está a exigir tão-somente a
garantia dos direitos de liberdade, que normalmente encerram ações negativas
do Estado, tão-pouco qualifica os direitos econômicos e sociais como normas
diretivas ou programáticas, na verdade exige a sua efetivação. Isto porque são os
direitos sociais e econômicos meios para o exercício dos direitos políticos e
individuais.
Portanto, cumpre ao Estado brasileiro, na forma delineada pelo texto
constitucional, realizar os direitos econômicos e sociais, verdadeiros direitos
fundamentais
176
, pois, somente mediante o seu exercício é que se pode alcançar a
cidadania plena, ou melhor dizendo, a dignidade da pessoa humana.
ela impostos pelos princípios constitucionais: vínculos negativos, como os gerados pelos direitos
às liberdades que não pode ser violado; vínculos positivos, como os gerados pelos direitos sociais,
que devem ser satisfeitos”. (STRECK, L.L., Jurisdição constitucional e hermenêutica. Uma nova
crítica ao direito, p. 181-182).
174
SARLET, I.W., Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais..., op.cit., p. 85.
175
BONAVIDES, P., op.cit., p. 346.
176
É de se conferir a posição contrária de Ricardo Lobo Torres, que entende que os direitos
econômicos e sociais não são direitos fundamentais, quando assevera que: “Colocam-se fora do
âmbito dos direitos humanos os direitos econômicos e sociais, que pertencem a parcelas
determinadas de homens, como sejam os burgueses e os trabalhadores. A mesma coisa acontece
com chamados direitos fundamentais sociais, conceito utilizado principalmente pelos juristas
alemães. Deles só cuidaremos incidentalmente, para estremá-los dos direitos fundamentais. É bem
de ver que alguns autores que incluem os direitos sociais entre os direitos humanos de
geração, mas reconhecem que tais direitos, dependentes de prestações positivas do Estado, têm a
A efetivação dos direitos econômicos e sociais ganham evidência e reforço
pela instauração de um processo hermenêutico legitimado pelos princípios
fundamentais e pelos direitos fundamentais, voltado à sua própria concretização.
Com isto resguardam-se os valores juridicizados no texto constitucional, que
consubstanciam o aspecto teleológico do Estado Democrático de Direito, e que se
confundem com a realização da própria Constituição.
A respeito o ensinamento de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, Maria Helena
Gerogalikas e Ritinha Alzira Stevenson:
Esta interpretação de legitimação significaria que certas aspirações se tornariam
metas privilegiadas até mesmo acima ou para além de uma conformidade
constitucional estritamente formal. Elas fariam parte, por assim dizer, da pretensão
de realização inerente à própria Constituição.
177
Destarte, não dúvida de que esta interpretação constitui importante forma
de realização dos objetivos perseguidos pela Constituição Federal, que juntamente
com as normas, os princípios e a atuação interventiva do Estado têm o
compromisso de efetivação das promessas de modernidade nela contida.
178
É certo que esta interpretação espraia-se por toda a ordem jurídica, inclusive
quando da interpretação da norma tributária, como bem assevera José Augusto
Delgado:
sua eficácia subordinada à concessão do legislador, com o que desaparece o traço fundamental dos
direitos humanos, que é o de valer independentemente da lei ordinária. Tendo em vista que a
efetividade dos direitos sociais fica atrelada à riqueza dos países e às possibilidades orçamentárias,
alguns teóricos também incluem entre os direitos humanos o direito ao desenvolvimento, que, se
obtido, viabilizaria os direitos sociais. Esse tipo de raciocínio leva à banalização dos direitos
humanos e à confusão com os princípios de justiça social. Conceito mais produtivo é o de
desenvolvimento humano, que projeta conseqüências na temática do mínimo existencial.”
(TORRES, R.L., Tratado de direito constitucional financeiro e tributário..., op.cit., p. 13). No
sentido de que os direitos sociais são autênticos direitos fundamentais e, portanto, auto-aplicáveis,
confira-se: BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz, A legitimidade democrática da jurisdição
constitucional na realização dos direitos fundamentais sociais, Dissertação de Mestrado, PUC/PR,
2005.
177
FERRAZ JR., Tércio Sampaio; DINIZ, Maria Helena; GEORGALIKAS, Ritinha Alzira
Stevenson. Constituição de 1988: legitimidade, vigência e eficácia supremacia, p. 11.
178
A respeito, confiram-se as palavras de Lenio Luiz Streck: Sendo a Constituição
brasileira uma Constituição social; dirigente e compromissária – conforme o conceito que a
doutrina constitucional contemporânea cunhou e que faz parte da tradição -, é absolutamente
lógico afirmar que o seu conteúdo está voltado/dirigido para o resgate das promessas de
modernidade. Daí que o Direito, enquanto legado da modernidade até porque temos
(formalmente) uma Constituição democrática – deve ser visto, hoje, como um campo necessário de
luta para implantação das promessas modernas (igualdade, justiça social, respeito aos direitos
fundamentais, etc.).” (STRECK, L.L., Jurisdição constitucional e hermenêutica..., op.cit., p. 15).
Temos afirmado que a doutrina e a jurisprudência têm aberto espaço para revelar as
suas preocupações com o fenômeno da interpretação do Direito Tributário, em face
da evolução das garantias dos direitos dos contribuintes assegurados pela Carta
Magna e pela legislação ordinária.
Essas garantias, direitos fundamentais que são, devem expressar, com o máximo
de potencialidade, os efeitos decorrentes da dicção posta no art. 1º da carta Magna,
especialmente a que está dirigida para a valorização da dignidade humana e da
cidadania.
Todos os pensamentos, todas as teorias, todas as manifestações devem, em todos
os campos do Direito, buscar inspiração na redação do mencionado dispositivo da
Lei Maior:
(...)
Há, portanto, de ser desenvolvido, no campo específico do Direito Tributário e em
todos os outros ramos, o sentido de que suas regras devem ser compreendidas
como contendo objetivos centrais para, em qualquer hipótese, fazer valer a força
dos princípios que homenageiam os valores máximos presentes na vida do homem:
a sua dignidade, a sua cidadania e a proteção social do trabalho e da livre
iniciativa.
O século XXI está exigindo, portanto, novas reflexões da parte do intérprete
tributário. Este tem, portanto, a obrigação de aumentar o seu compromisso com os
aspectos axiológicos assinalados, cumprindo-lhe, como primeira operação mental,
examinar se a norma está em harmonia com as diretrizes nele traçados.
179
É sob esta ótica de realização dos princípios e direitos fundamentais, e
conseqüente respeito à dignidade da pessoa humana, que as imunidades tributárias
devem ser analisadas e interpretadas. Isto porque, conforme delineado, Estado,
princípios, direitos e garantias fundamentais são elementos imprescindíveis à
caracterização do Estado Democrático de Direito, a quem compete, não apenas se
abster de praticar atos que violem direitos dos cidadãos, como também propiciar
condições que garantam o livre e igual desenvolvimento da sua personalidade,
como forma de realização da dignidade humana.
Portanto, é através da efetivação dos direitos fundamentais que o caráter
instrumental do princípio da dignidade humana se expressa, no sentido de
garantir a sua efetividade, pois, de certo modo, os primeiros constituem garantia
específica do segundo, da qual, pode-se dizer, são meros desdobramentos.
180
Assim, ao considerar que a imunidade tributária objetiva resguardar o feixe
de princípios, direitos e garantias fundamentais balizadoras do Estado
Democrático de Direito, mediante a exclusão, ao Estado, do direito de instituir
179
DELGADO, J.A., op.cit., p. 153-154.
180
SARLET, I.W., Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais..., op.cit., p. 103
tributos sobre pessoas, bens ou situações, cujo desfalque patrimonial importaria
em prejudicar, quando não em inviabilizar a concretização das promessas de
avanço social da Constituição, ou até mesmo o exercício dos direitos de liberdade,
bem como dos direitos sociais, está-se diante de evidente instrumento de
realização destes direitos.
Nesta direção, afirma Ricardo Lobo Torres:
Imunidade tributária, do ponto de vista conceptual, é uma relação jurídica que
instrumentaliza os direitos fundamentais, ou uma qualidade da pessoa que lhe
embasa o direito público subjetivo à não-incidência tributária ou uma
exteriorização dos direitos de liberdade que provoca a incompetência tributária do
ente público.
181
Neste diapasão, vislumbra-se um ponto comum entre o princípio da
dignidade humana, os direitos fundamentais e o instituto da imunidade tributária,
porquanto os três resguardam valores fundamentais ao ser humano, cabendo
tanto ao princípio fundamental da dignidade humana, quando analisado por seu
viés instrumental, quanto as imunidades tributárias servirem como meio de
implemento e garantia dos direitos fundamentais, ainda que às imunidades se
operem pelo viés negativo, ou seja, pelo dever de abstenção do Estado Fiscal. São,
assim, meios que operam a realização dos direitos fundamentais.
Nesta quadra, as normas imunizantes vêm garantir que as situações, objetos
e pessoas por elas apontadas não sofram a incidência de tributos na forma
constitucionalmente delimitada, para que não se amesquinhe o exercício dos
direitos consagrados na Constituição, especialmente os direitos fundamentais, de
tal sorte que constituem, ao mesmo tempo, direitos e garantias de outros
direitos.
182
Exemplifica-se o afirmado, inicialmente, com a imunidade dos impostos e
contribuições atribuída às instituições de educação sem fins lucrativos, quando
atendidos os requisitos da lei (art. 150, VI, “c” da CF), em decorrência de
desempenharem função pica do Estado, assumindo encargo que lhe cabe. Por
certo, o direito fundamental que se está a proteger através da imunidade em
181
TORRES, R.L., As imunidades tributárias e os direitos humanos..., op.cit., p. 319.
182
COSTA, R.H., Imunidades Tributárias..., op.cit., p. 85.
pauta é a educação (art. da CF), “visando o pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
183
É de se perquirir que sem educação não se garante a autonomia pessoal do
indivíduo, de modo que sem ela fica prejudicado o exercício dos direitos
fundamentais de liberdade e igualdade (art. 5º, caput), e o próprio alcance dos
objetivos da República.
A propósito, Ricardo Lobo Torres:
A não-incidência constitucional sobre as instituições de educação e de assistência
social sem fins lucrativos configura vera imunidade tributária. Esse mínimo
necessário à existência constitui um direito fundamental, posto que sem ele cessa a
possibilidade de sobrevivência do homem por desaparecerem as condições iniciais
da liberdade. As condições da liberdade, que se não confundem com a justiça
social, vão fundamentar a imunidade tributária do mínimo existencial, a abranger a
não-incidência de tributos sobre a renda mínima, os bens de consumo popular, as
prestações estatais de educação, saúde, justiça etc... que aparece explicitamente em
diversos dispositivos da Constituição Federal de 1988.
184
O exemplo deixa perceber, com absoluta clareza, a ligação existente entre a
imunidade apontada e vários direitos fundamentais, assim como o relevante papel
que a imunidade das instituições de educação sem fins lucrativos desempenham
na realização destes, pois é através da desoneração tributária apontada que o
Estado busca incentivar o fomento e o desenvolvimento destas instituições,
desinteressadas por natureza, a com ele colaborar na consecução de atividade
que lhe é típica, mas não exclusiva.
A imunidade das taxas para o exercício do direito de petição e obtenção de
certidões (art. 5º, XXXIV, “a” e “b” da CF) tem como objetivo realizar o direito
fundamental do cidadão
185
receber dos órgãos públicos informações de seu
interesse particular, ou coletivo em geral (art. 5º, XXXIII da CF); a imunidade
das taxas para proposição de ação popular (art. 5º, LXXIII da CF), das taxas na
assistência jurídica integral e gratuita àqueles que comprovarem a insuficiência
de recursos (art. 5º, LXXIV da CF) tem como escopo a efetivação do direito
fundamental de acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV da CF); a imunidade
183
Artigo 205 da Constituição Federal de 1988.
184
TORRES, R.L., As imunidades tributárias e os direitos humanos..., op.cit., p. 317. Então
ele mesmo aceita o direito social à educação como direto fundamental.
185
Entenda-se aqui os “brasileiros e estrangeiros residentes no País” conforme versa o
caput do artigo 5º da Constituição Federal.
das taxas à emissão do registro de nascimento e de óbito aos reconhecidamente
pobres (art. 5º, LXXVI, “a” e “b” da CF) tem como finalidade garantir o direito
fundamental de exercício da cidadania;
186
a imunidade das taxas no ajuizamento
das ações de habeas corpus e habeas data (art. 5º, LVXXVII da CF) têm como
fim garantir o direito fundamental de acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV
da CF) e respectivamente os direitos fundamentais de livre locomoção no
território nacional em tempo de paz, inclusive dele ausentar-se (art. 5º, XV da CF)
e, ainda, de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ,
ou de interesse coletivo geral (art. 5º, XXXIII da CF).
Também, como exemplo, cita-se a imunidade do IPI e do ICMS sobre
produtos industrializados destinados à exportação (art. 153, § 3º, III e 155, X, a da
CF) cuja finalidade é otimizar o custo das exportações nacionais, preocupação
contumaz do Poder Constituinte originário
187
, de modo a estimular a venda de
produtos industrializados no mercado externo, de forma a incentivar o
desenvolvimento nacional (art. 3º, II, da CF), garantir o direito fundamental social
ao trabalho (art. 6º, da CF), e a busca do pleno emprego (art. 170, VIII, da CF).
Outro exemplo que se traz à colação é a imunidade do ICMS sobre
operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes,
combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica (art. 155, X,
“b”, da CF), cuja finalidade é reduzir o custo desses produtos, através da não
incidência do tributo, haja vista a sua essencialidade ao desenvolvimento do País,
186
STF ADI 1.800-MC Rel. Ministro Nelson Jobim DJU 03.10.03. Disponível em:
<www.stf.gov.br>. Acesso em: 1 jun. 2006. Também confira-se: STF – ADC 5-MC – Rel.
Ministro Nelson Jobim DJU 19.09.03. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 1 jun.
2006.
187
Neste sentido José Antônio de Andrade Martins: “Deveras pode-se afirmar que, se não
faltou aos legisladores a adequada consciência do entrave que a carga tributária interna,
incorporada aos custos das mercadorias e serviços, pode representar a viabilização da exportação
destes ao exterior, a única explicação para a timidez da política legislativa, por meio de isenções,
e da política constitucional, por meio de imunidades, não é outra senão o conturbério, que sempre
existiu, entre os criadores do direito positivo e a administração tributária interessada. Pois bem.
Contém a Constituição, ainda que timidamente, o que se pode chamar de plexo de preceitos
imunitórios básicos, voltado à otimização dos custos das nossas exportações. Estas se encontram
protegidas em face de toda e qualquer incidência do imposto sobre produto industrializados,
aliviadas substancialmente da carga do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços e,
consensualmente, postas a salvo no próprio imposto de importação, ao qual não se atribui senão
pontuais funções extrafiscais no âmbito do comércio exterior.” MARTINS, José Antônio de
Andrade. O artigo 149, § 2
o
da Constituição como efetiva definição de um perfil de
competitividade brasileira para o comércio exterior. Revista Tributária e de Finanças Públicas,
ano 12, n. 55, março-abril de 2004, p. 291.
de modo que o viabiliza (art. 3º, II, da CF). Ademais, entende-se que a presente
imunidade intenciona não prejudicar aquelas unidades da Federação que não
detêm dentro do seu território produção ou refino de petróleo ou geração de
energia elétrica, de modo que busca efetivar a redução das desigualdades
regionais (arts. 3º, III e 170 da CF).
Por outro viés, no que respeita à imunidade da energia elétrica, é de se
perquirir que no estágio de desenvolvimento econômico e social do Estado
brasileiro o acesso a este serviço integra o mínimo vital para uma vida saudável, já
que impossível concebê-la sem a garantia deste serviço. Há aqui, mais uma vez,
nítida demonstração de que o fenômeno da repercussão econômica do tributo é
preocupação de nível constitucional.
188
Sacha Calmon Navarro Coêlho, na mesma linha de entendimento, afirma
que a regra imunitória sob análise “é compreensível, à luz do interesse nacional
em favor do mercado comum brasileiro e do barateamento do custo desses
insumos, vitais não só à produção de mercadorias, como à vida do povo em
geral.”
189
No que respeita a imunidade do ITBI na realização de capital das empresas,
na transmissão de bens e direitos de fusão, incorporação, cisão e extinção de
pessoas jurídicas (art. 156, § 2º, I, da CF), entende-se que esta pretende facilitar a
mobilização dos bens de raiz e sua desmobilização, de modo a não obstar a
formação, a transformação, a fusão, a cisão e a extinção de sociedades civis e
comerciais, não embaraçando com o imposto em referência a movimentação dos
imóveis, quando comprometidos com tais situações
190
, de tal sorte que densifica o
princípio fundamental e econômico da livre iniciativa (arts. 1º e 170 da CF).
De forma propositada, deixa-se de demonstrar a correlação entre cada uma
das imunidades inseridas na Constituição Federal de 1988 e os direitos
fundamentais que estas buscam realizar, não sem antes afirmar que esta relação
ocasiona-se em todas elas.
191
Também, intencionalmente, buscou-se inserir no
188
COSTA, R.H., Imunidades Tributárias..., op.cit., p. 202.
189
COÊLHO, Sacha Calmo Navarro, Comentários à Constituição de 1988. Sistema
tributário, p. 588.
190
COÊLHO, S.C.N., op.cit., p. 408.
191
Sobre o tema ver: COSTA, R.H., Imunidades Tributárias..., op.cit. RODRIGUES.
Imunidade como limitação à competência impositiva. São Paulo : Malheiros, 1995, p. 46.
trabalho exemplos diversificados, sobretudo descartados aqueles mais corriqueiros
que normalmente fundamentam estudos como o presente, como o rol completo
das imunidades genéricas, justamente com o objetivo de comprovar que todas as
hipóteses de imunidade tributária previstas no texto constitucional são importantes
meios à realização dos direitos fundamentais.
Todavia, deve-se ressaltar que a assertiva supra parte do pressuposto de que
não se considera a desoneração do ouro, definido em lei enquanto ativo financeiro
ou instrumento cambial (arts. 153, § 5º, e 155, X “c” da CF), como imunidade
tributária.
Isto porque, infere-se que o Poder Constituinte originário, ao fazer constar
tais dispositivos do texto constitucional, pretendeu tão-somente repartir a
competência tributária entre a União e os Estados, evitando-se conflitos, de modo
que o ouro ativo financeiro ou instrumento cambial sofre a incidência do imposto
sobre operações financeiras (IOF), enquanto que o ouro mercadoria, ou seja,
como matéria-prima destinado à fabricação de jóias, de produtos cirúrgicos, entre
outras destinações é tributado pelo imposto sobre circulação de mercadorias e
serviços (ICMS).
192
Para além disto poderá sobre o ouro mercadoria, em havendo
processo de industrialização, sofrer a incidência do imposto sobre produtos
industrializados (IPI) e no caso de exportação do ouro in natura poderá haver
incidência do imposto de exportação, ambos de competência da União, apenas
para exemplificar.
193
Destarte, em não sendo os arts. 153, § 5º, e 155, X “c” da Constituição
Federal, normas imunizantes, não se obrigam a relacionar-se com os valores
escolhidos pelo Poder Constituinte originário para serem protegidos pela ordem
constitucional estabelecida, tão pouco a realizar os direitos fundamentais, situação
que neste caso, de fato, não ocorre.
194
192
Entende-se que a imunidade prevista no art. 155, X, “c” da Constituição, a rigor, era
desnecessária, posto que reforça o que está dito no art. 153, V, § 5º da Carta Política, haja vista que
se o ouro definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial sujeita-se exclusivamente
ao imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores
mobiliários, não poderia incidir, se assim considerado outro imposto, inclusive o ICMS.
193
A respeito ver ICHIHARA, Y., op.cit., p. 320 a 324.
194
Regina Helena Costa afirma que as normas imunitórias inseridas no texto constitucional
mantêm estrita ligação com os direitos fundamentais, sem mencionar qualquer exceção. Ver:
COSTA, R.H., Imunidades Tributárias..., op.cit., p. 84-85.
Isto posto, reitera-se que todas as hipóteses de imunidade tributária inseridas
no texto constitucional são meios à realização dos direitos fundamentais.
Regina Helena Costa, por sua vez, explica que numa esfera de
extrafiscalidade - que se traduz na utilização de instrumentos tributários para
incentivar comportamentos, buscando atingir finalidades não de cunho
arrecadatórias, mas sociais, políticas e econômicas - está abrigado, implicitamente
em nosso ordenamento, o princípio da não-obstância do exercício dos direitos
fundamentais por via da tributação, que garante a realização dos direitos
fundamentais não ser obstada pela imposição tributária.
195
Ao que se verifica, a autora considera que, se a Constituição Federal
assegura o exercício de determinados direitos, que qualifica como fundamentais,
não pode admitir que a atividade tributante, também constitucionalmente
disciplinada, seja desempenhada em desapreço a esses mesmos direitos.
Em outras palavras, se a Carta Magna assegura a fruição dos direitos
fundamentais, não se pode permitir que a tributação seja desempenhada de forma
que venha a obstar a sua efetiva realização, ou mesmo a restringi-los. Tal situação
é garantida pelo princípio da não-obstância do exercício dos direitos fundamentais
por via da tributação, representado no texto constitucional pelos princípios
tributários e pelas imunidades.
196
Neste sentido, assevera Regina Helena Costa:
O princípio da não-obstância do exercício dos direitos fundamentais por via da
tributação projeta seus efeitos, inicialmente, no próprio Texto Fundamental. Todas
as normas constitucionais vedatórias da tributação em determinadas situações em
relação a determinadas pessoas, bem como aquelas garantidoras do exercício de
direitos, representam sua aplicação tais como as imunidades e os princípios
tributários.
Desse modo, o princípio em foco tem sua eficácia manifestada não somente
mediante a instituição de situações de intributabilidade, mas também mediante a
observância de outros princípios constitucionais, tais como o da capacidade
contributiva, o da vedação da utilização de tributo com efeito de confisco (art. 150,
195
Cf. COSTA, R.H., Imunidades Tributárias..., op.cit., p. 79-84; COSTA, R.H., Princípio
da capacidade contributiva..., op.cit., p. 104-106.
196
Esta interpretação também pode ser retirada do princípio da máxima eficiência das
normas constitucionais, ou seja, devem as normas constitucionais ser interpretadas de modo a
possuírem a maior efetividade possível.
VI), o da função social da propriedade (arts. 5º, XXIII, e 170, III) e o da liberdade
de profissão (arts. 5º, XIII, e 170, parágrafo único).
197
Assim, as imunidades tributárias têm a função de proteger a liberdade e o
patrimônio de determinadas pessoas com o propósito de maximizar a densidade
normativa de certos valores que estão impregnados na ordem constitucional para
realização dos direitos fundamentais.
198
De todo o exposto, apesar de seu status negativo, no sentido de que impõem
limites à atuação da competência tributária constitucionalmente definida, tema
que será abordado no próximo item, é inquestionável o relevante papel reservado
às imunidades tributárias previstas na Constituição Federal de 1988 no que
respeita a realização dos direitos fundamentais, pois, é através dessa reserva de
poder que se resguardam valores inerentes ao Estado Democrático de Direito e à
base ética da Constituição.
3.4
As imunidades tributárias enquanto autênticos direitos fundamentais
Já se verificou no presente trabalho que a imposição tributária pode se
apresentar como limitadora do exercício dos direitos fundamentais, restringindo-
os ou mesmo eliminando-os
199
, e que as imunidades, enquanto limitações impostas
197
COSTA, R.H., Imunidades Tributárias..., op.cit., p. 82; COSTA, R.H., Princípio da
capacidade contributiva..., op.cit., p. 105.
198
A respeito, assevera Regina Helena Costa: “Pode-se dizer, invocando os ensinamentos
de Canotilho, que as normas imunizantes densificam princípios estruturantes assim entendidos
os constitutivos e indicativos de idéias diretivas básicas de toda a ordem constitucional,
iluminando o sentido jurídico-constitucional e político-constitucional.” (COSTA, R.H.,
Imunidades Tributárias..., op.cit., p. 73).
199 Neste sentido, confira-se: “Chief Justice Marshall suggested that one way to measure
Maryland’s taxing power was to limit it in accordance with the “original right of taxation”: the
right of the people within a state to authorize taxes upon themselves, their property, and objects
brought within the state’s sovereign jurisdiction. One argument for this approach was that: If we
measure the power of taxation residing in a state, by the extent of sovereignty which the people of
a single state possess, and can confer on its government, we have an intelligible standard,
applicable to every case to which the power may be applied… We are not driven to the perplexing
inquiry, so unfit for the judicial department, what degree of taxation is the legitimate use, and what
degree may amount to the abuse of the power.” (WOLFE, Christopher. How to read the
constitution. Originalism, constitutional interpretation, and judicial power, p. 99). “O Chefe de
Justiça Marshall sugeriu que um modo de medir o poder tributário de Maryland seria limitá-lo de
acordo com ‘o direito original de tributar’: o direito que o povo dentro de um estado tem de
autorizar impostos sobre eles mesmos, suas propriedades, e objetos trazidos para dentro da
jurisdição do estado soberano. Um argumento para esta aproximação era de que: Se nós medirmos
o poder de tributar existente em um estado, pela extensão da soberania que o povo de um único
à atividade tributária, são importantes instrumentos à realização destes direitos,
à medida que os protegem contra a atividade tributante, garantindo, desta maneira,
o livre exercício dos direitos fundamentais.
Entendem-se por direitos fundamentais
200
, numa concepção lata, aqueles que
buscam criar e manter os pressupostos elementares de uma vida de liberdade e de
dignidade humana. Pode-se, ainda, numa concepção mais estrita, definir direitos
fundamentais como aqueles direitos que o direito vigente qualifica como tais.
201
Pela segunda qualificação, em um primeiro momento, têm-se como direitos
fundamentais aqueles assim nomeados e especificados no texto constitucional,
pois se assim não fosse, não constariam da Lei Fundamental de uma Nação.
Todavia, quando se pensa no Sistema de Direitos Fundamentais da Constituição
Federal de 1988 é necessário reconhecer que existem outros direitos
fundamentais, além daqueles previstos na própria Constituição, inclusive alheios
ao catálogo exemplificativo dos artigos e 7º, que o texto constitucional
abriga direitos fundamentais formalmente constitucionais mas fora do catálogo
202
,
quanto direitos materialmente constitucionais.
Não se pode descurar que os direitos fundamentais surgiram no transcorrer
do processo histórico, frente à evolução da sociedade e da luta do homem por sua
emancipação, e que a própria Carta Constitucional de 1988 especifica no § do
seu artigo que os direitos e garantias fundamentais nela previstos não excluem
estado possui, e pode conferir ao seu governo, nós temos um padrão claro, aplicável a cada caso ao
qual o poder pode ser aplicado... Nós não somos levados ao confuso questionamento, tão
inadequado ao departamento judicial, qual grau de uso da tributação é legítimo, e qual grau pode
atingir o abuso do poder." Todas as traduções presentes neste trabalho são traduções livres,
realizadas pelo autor, com fins acadêmicos.
200
Adota-se para o presente trabalho o pressuposto de que as expressões direitos
fundamentais, direitos de liberdade, direitos humanos e direitos do homem são sinônimas. Neste
sentido esclarece Paulo Bonavides: “A primeira questão que se levanta com respeito à teoria dos
direitos fundamentais é a seguinte: podem as expressões direitos humanos, direitos do homem e
direitos fundamentais ser usadas indiferentemente? Temos visto nesse tocante o uso de tais
denominações na literatura jurídica , ocorrendo porém o emprego mais freqüente de direitos
humanos e direitos do homem entre autores anglo-americanos e latinos, em coerência aliás com a
tradição e a história, enquanto a expressão direitos fundamentais parece ficar circunscrita à
preferência dos publicistas alemães”. (BONAVIDES, P., op.cit., p. 560). Ricardo Lobo Torres
esclarece: Os direitos da liberdade correspondem igualmente aos direitos fundamentais, sendo
utilizados principalmente pela doutrina germânica. TORRES, R.L., Tratado de Direito
Constitucional Financeiro e Tributário..., op.cit., p. 11. Ainda a respeito ver: SARLET, Ingo
Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 31-33. Confira-se, também, o Capítulo I de
SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade, p. 7-22.
201
BONAVIDES, P., op.cit., p. 560.
202
CANOTILHO, J.J.G., op.cit.,p. 380.
aqueles decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que o Estado brasileiro seja parte, ou seja, a própria Carta de
1988 admite a existência de outros direitos fundamentais que não aqueles
previstos no rol dos seus arts. e 7º. Vale ressaltar que o § do referido artigo
5º, inserido no texto pela Emenda Constitucional 45, estabelece: se o tratado ou
convenção tiver como escopo os direitos humanos e for aprovado, em cada Casa
do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos
membros, sua internalização se dará a nível constitucional, como Emenda à
Constituição.
203
Daí que para caracterizar um direito fundamental não se pode olvidar o seu
âmbito material, de vez que poderá haver preceitos incluídos no texto
constitucional que não constituem direitos fundamentais e até, porventura,
direitos subjetivos só formalmente fundamentais.
204
Vieira de Andrade, após estabelecer os critérios a serem considerados na
caracterização material dos direitos fundamentais
205
, ressalta a dificuldade do
intérprete em definir o que é ou não básico ao ser humano, e assevera serem
fundamentais os direitos elencados na Constituição, essenciais dentro de
determinado período histórico, desde que façam referência à dignidade da pessoa
203
Antes da Emenda Constitucional 45 Flávia Piovesan entendia que todo tratado
internacional de direitos humanos era recepcionado como norma constitucional. A respeito ver:
PIOVESAN, F., Direitos humanos e o direito constitucional internacional, op.cit., p. 81
204
VIEIRA DE ANDRADE, J.C., op.cit., p. 73. No mesmo sentido ver CANOTILHO,
J.J.G., op.cit., p. 379-380.
205
Segundo Vieira de Andrade, o âmbito material deve considerar: “Em primeiro lugar,
pela importância do seu radical subjectivo. O núcleo estrutural da matéria dos direitos
fundamentais é constituído por posições jurídicas subjectivas consideradas fundamentais e
atribuídas a todos os indivíduos ou a categorias abertas de indivíduos. É certo que, como já se foi
dizendo, esse elemento subjectivo não abrange a totalidade dos efeitos jurídicos das normas
respectivas, que por vezes se limitam a estabelecer garantias para essas posições jurídicas. Mas o
elemento subjectivo é nuclear na estrutura dos preceitos e mostra-se preponderante na sua
aplicação prática. Em segundo lugar, a função de todos os preceitos relativos aos direitos
fundamentais há-de ser a protecção e a garantia de determinados bens jurídicos das pessoas ou de
certo conteúdo das suas posições ou relações na sociedade que sejam considerados essenciais ou
primários. Os preceitos que não atribuam posições jurídicas subjectivas pertencem à matéria
dos direitos fundamentais se contiverem normas que se destinem directamente e por via principal
a garantir essas posições jurídicas. Em terceiro lugar, a consagração de um conjunto de direitos
fundamentais tem uma intenção específica, que justifica a sua primariedade: explicitar uma idéia
do Homem, decantada pela consciência universal ao longo dos tempos, enraízada na cultura dos
homens que formam cada sociedade e recebida, por essa via, na constituição de cada Estado
concreto. Idéia de Homem que, no âmbito da nossa cultura, se manifesta juridicamente num
princípio de valor, que é o primeiro da Constituição portuguesa: o princípio da dignidade da
pessoa humana.” (VIEIRA DE ANDRADE, J.C., op.cit., p. 78-79).
humana, admitindo, ainda, a possibilidade de existirem direitos fundamentais
previstos na lei infraconstitucional, que lhes sejam análogos. Em suas palavras:
Direitos fundamentais têm de ser direitos básicos, essenciais, principais, que
caracterizam a pessoa, mesmo que não estejam previstos no catálogo ou na
Constituição, mas esses. Desse modo, o elemento intencional do critério
proposto, a referência ao princípio da dignidade humana, deve ser enriquecido com
esta nota, para afastar os direitos individuais que não mereçam aquele
qualificativo. Contudo, será mais difícil evitar o subjectivismo do intérprete sobre
o que é ou não básico, razão porque se há-de presumir que os direitos atribuídos na
Constituição aos indivíduos são considerados essenciais, no tempo histórico, à
dignidade dos homens que formam a comunidade, ao passo que tem de ser
justificadamente provada a analogia necessária à ‘constitucionalização’ dos
direitos contidos nas leis.
206
De toda sorte, a Constituição concretiza a concepção de que os direitos
fundamentais representam uma das decisões básicas do Poder Constituinte,
através da qual os principais valores éticos e políticos de uma comunidade
alcançam expressão jurídica. Estes direitos apontam para um horizonte de metas
sócio-políticas a alcançar, quando estabelecem a posição jurídica dos cidadãos
com o Estado, ou entre si.
207
Ao que se verifica, não é fácil expressar sinteticamente o que são direitos
fundamentais, até porque são frutos da convivência humana em sociedade
208
, de
modo que podem ser definidos, justificados e fundamentados
209
sob diversas
teorias, dimensões e fontes, inclusive históricas
210
, situações que não serão
abordadas nesta dissertação, porquanto, parafraseando Norberto Bobbio, o
problema mais grave dos dias atuais, com relação aos direitos fundamentais, não
é mais o de fundamentá-los, mas sim o de protegê-los.
211
206
Ibid., p. 92-93.
207
PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos humanos, Estado de derecho y
Constitución, p. 310.
208
A respeito, Dalton Luiz Dallazem: Não é fácil expressar em poucas ou muitas
palavras, o que são direitos fundamentais. Isso porque cada um que se proponha a investigar essa
dimensão da convivência humana em sociedade ou talvez dimensão da própria existência
humana obterá por conclusões caminhos distintos de acordo com as premissas e critérios eleitos
no início da investigação.” (DALLAZEM, Dalton Luiz. O princípio constitucional tributário do
não-confisco e as multas tributárias. In: FISCHER, O.C. (org.), op.cit., p. 19).
209
A respeito ver GUIMARÃES, Marco Antônio. Fundamentação dos direitos humanos:
relativismo ou universalismo? In: PIOVESAN, F. (org.). Direitos humanos..., op.cit., p. 55-66.
210
A respeito ver PEREZ LUÑO, A.E., Los derechos fundamentales, p. 29-42. BARBOZA,
E.M.Q., op.cit.
211
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 25.
Todavia, é importante destacar serem os direitos fundamentais, como dito,
fruto da convivência humana e, por óbvio, da evolução histórica da sociedade, que
se compatibiliza com a própria história da limitação do poder.
212
Isto porque os direitos fundamentais, pelo menos aqueles denominados pela
doutrina de primeira geração
213
- surgidos no Estado Liberal, são direitos de defesa
do indivíduo contra a usurpação e os abusos do Poder, ou seja, garantias
negativas dos interesses individuais
214
frente ao Estado. Confira-se a explicação de
José Carlos Vieira de Andrade a respeito:
Os direitos fundamentais triunfaram politicamente nos fins do século XVIII com as
revoluções liberais. Aparecem, por isso, fundamentalmente, como liberdades,
esferas de autonomia dos indivíduos em face do poder do Estado, a quem se exige
se abstenha, quanto possível, de intrometer na vida econômica e social. São
liberdades sem mais, puras autonomias sem condicionamentos de fim ou de
função, responsabilidades privadas num espaço autodeterminado.
...
Neste contexto, os direitos fundamentais eram vistos como liberdades, cujo
conteúdo era determinado pela vontade do seu titular (e tendia a incluir a
possibilidade de não exercício), ou como garantia, para assegurar em termos
institucionais a não intervenção dos poderes públicos – em qualquer caso, enquanto
direitos de defesa (Abwehrrechte) dos indivíduos perante o Estado.
215
Não obstante os direitos fundamentais limitadores do Poder estatal haverem
surgido no século XVIII, a primeira limitação ao poder de imposição tributária,
ainda que direcionado à nobreza e à Igreja, deu-se na Inglaterra, com o advento
da Magna Carta de 1215. Segundo a sua cláusula 14, nenhum tributo seria
lançado sem o prévio consentimento do representantes dos barões, resumido na
forma inglesa “no taxation without representation”.
216
212
SARLET, I.W., A eficácia dos direitos fundamentais..., op.cit., p. 38.
213
Lembre-se da posição adotada no presente estudo de que os direitos fundamentais são
universais e indivisíveis e de que as gerações demonstram apenas um panorama histórico do
aparecimento da proteção desses direitos. Neste sentido, Flávia Piovesan esclarece:
“Universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos humanos, sob a crença de que a
condição de pessoa é o requisito único para a dignidade e titularidade de direitos. Indivisibilidade
porque a garantia dos direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais,
econômicos e culturais, e vice-versa. Quando um deles é violado, os demais também o são”.
PIOVESAN, Flávia. Globalização econômica, integração regional e direitos humanos. In:
PIOVESAN, Flávia (Org.). Direitos humanos, globalização econômica e integração regional:
desafios do direito constitucional internacional, p. 41
214
PEREZ LUÑO, A.E., Los derechos fundamentales, op.cit., p. 21.
215
VIEIRA DE ANDRADE, J.C., op.cit., p. 49-51.
216
“Magna Carta de 1215: 14) o se estabelecerá em nosso Reino auxílio nem
contribuição alguma, contra posseiros de terras enfeudadas, sem o consentimento do nosso
É certo que os direitos protegidos pela Magna Carta não se caracterizavam
como direitos fundamentais, frente à ausência de universalidade e igualdade.
Eram, na verdade, privilégios. Todavia, destaca-se a sua importância enquanto
ruptura de paradigma, pois se trata do primeiro instrumento legal que positivou a
delimitação do poder do Estado, então concentrado nas mãos do Rei.
217
Ultrapassada esta breve explicação, retorna-se ao argumento de que os
direitos fundamentais cumprem a função de direitos de defesa dos cidadãos frente
ao Estado, segundo Canotilho, sob dupla perspectiva: i. no plano jurídico-
objetivo, são normas de competência negativa para os poderes públicos,
proibindo, fundamentalmente, as ingerências destes na esfera jurídica individual;
ii. no plano jurídico-subjetivo, conferem o poder de exercer positivamente os
direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes
públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte desses (liberdade
negativa).
218
Assim, em sendo direitos de defesa do cidadão, os direitos fundamentais
impõem limites ao Poder Público, incluindo as limitações ao poder de tributar,
que a competência tributária pode ser validamente exercitada se e enquanto
respeitar tais direitos.
219
Trata-se de verdadeiros direitos subjetivos públicos,
Comum Conselho do Reino, a não ser que se destinem ao resgate de nossa pessoa, ou para
armar cavalheiros a nosso filho primogênito, consignação para casar uma vez a nossa filha
primogênita; e, mesmo nestes casos, o imposto ou auxílio terá de ser moderado (‘et ad hoc non fiet
nisi rationabile auxilium’).” TAVOLARO, Agostinho Toffoli. Direitos humanos e tributação. In:
BRITO, Edvaldo; ROSAS, Roberto (coord.). Dimensão jurídica do tributo, p. 43.
217
A respeito, conferir Antonio Enrique Perez Lunõ: “De todos los documentos
medievales, sin duda, el que alcanza mayor significación en la posteridad ha sido la Carta Magna,
contrato suscrito entre el rey Juan Sin Tierra y los obispos y barones de Inglaterra en el año 1215.
Se trata de un pacto entre el rey y los nobles, frecuente en el régimen feudal, que en cierto modo
suponían en su momento una consagración de los privilegios feudales y, por tanto, una involución
desde el punto de vista del progreso político, pero al que la posteridad le ha asignado, por su
decisivo en el desarrollo de las libertades inglesas, el valor de un mbolo en el proceso de
positivación de los derechos fundamentales.” PEREZ LUÑO, A.E., Los derechos fundamentales,
p. 34.
218
CANOTILHO, J.J.G., op.cit., p. 383.
219
Perez Luño afirma que os direitos fundamentais determinam a significação do Poder
Público quando estabelece: “De igual modo, la Constitución económica representa el suporte
material de la actuación de los derechos fundamentales, pero esa Constitución económica se halla
integrada, em gran medida, por aquellos derechos fundamentales que delimitan el gimen de la
propriedad, la libertad de empresa, el sistema tributario o el marco de las relaciones laborales y la
seguridad social. La concepción de los derechos fundamentales determina, de este modo, la
propria significación de poder público, al existir una íntima relación entre el papel asignado a tales
derechos y el modo de organizar y ejercer las funciones estatales.” (PEREZ LUÑO, Antonio
Enrique, Los derechos fundamentales, p. 20).
oponíveis a qualquer instituição de tributos que não os leve em consideração, pois,
se a imposição fiscal ocorrer em contrariedade ao catálogo dos direitos
fundamentais, por certo se submeterá a uma eventual invalidação com base no
vício da inconstitucionalidade.
220
Destarte, as limitações ao exercício da competência tributária, sob o ângulo
jurídico-subjetivo negativo proposto, traduzem-se por deveres negativos impostos
ao exercício da potestade tributária, e atribuídos, enquanto tais, como não poderia
deixar de ser, aos seus próprios sujeitos ativos, ou seja, à União, aos Estados e
aos Municípios. Por outro lado, é evidente que ao estabelecer tais limites ou
deveres de abstenção, as limitações ao poder de tributar criam situações jurídicas
favoráveis, isto é, direitos, cujos destinatários imediatos podem ser os sujeitos
passivos da obrigação tributária, sob a perspectiva do plano jurídico-objetivo, ao
qual se refere Canotilho.
Este direito de abstenção, na sua dupla perspectiva, tutela os interesses ou
situações subjetivas (constitucionais) que se identificam como direitos
fundamentais, essencialmente os direitos de liberdade, stricto sensu, à igualdade, à
segurança, à propriedade, em síntese, aqueles que constam do artigo da
Constituição Federal, uma vez que esse direito de abstenção, por competir a toda
pessoa, protege valores inerentes à própria dignidade humana.
221
Logo, as limitações ao poder de tributar são direitos fundamentais de defesa
do contribuinte frente ao poder fiscal do Estado, que lhe exigem uma atuação
negativa; portanto, direitos fundamentais ditos de primeira geração, que garantem
que a tributação seja exercida dentro dos moldes delineados pela Constituição,
com base numa atividade negativa.
Neste sentido, o escólio de Octávio Campos Fischer:
Sob esta ótica, todas as ‘limitações constitucionais ao poder de tributar’, contidas
na Constituição de 1988, podem ser consideradas como direitos fundamentais.
Formam um bloco de proteção do cidadão para evitar tributação que não seja
desejada pela Constituição. São direitos de defesa e, portanto, direitos
fundamentais de primeira dimensão (geração), no sentido de que representam uma
resistência e uma oposição em relação ao Estado. São direitos típicos do Estado
220
FERREIRA SOBRINHO, J.W., Imunidade tributária, p. 100.
221
NOVELLI, Flávio Bauer. Norma constitucional inconstitucional? A propósito do art. 2º,
§ 2º, da EC 3/93, Caderno de direito constitucional e ciência política, ano 3, n. 13, outubro-
dezembro de 1995, p. 21.
Liberal de Direito, quando o constitucionalismo surgiu para abrir espaço para ‘mão
livre do mercado’ e impedir intervenções sociais e econômicas do Estado. Por isto,
fala-se normalmente que a Constituição de 1988 agasalha um verdadeiro ‘Estatuto
do Contribuinte’: conjunto de normas projetoras da liberdade do contribuinte.
222
Também, nesta linha de entendimento a posição de Dalton Luiz Dallazem:
E os direitos dos contribuintes seriam enquadráveis no ‘tipo’ direitos
fundamentais? Não teríamos vidas em dizer que sim, pois a proteção dos
contribuintes é construída a partir dos direitos fundamentais à liberdade e à
propriedade. A tributação é o ingresso autorizado, ou seja, dentro de certos limites,
nos direito de liberdade e propriedade dos cidadãos, respeitados o mínimo vital, as
imunidades, a isonomia, a legalidade, a irretroatividade, a anterioridade etc.
Qualquer desvio de rota na atividade tributária constituirá um ingresso não
autorizado no direito de propriedade e liberdade dos cidadãos. Além disso, o
próprio Texto Supremo cuidou de garantir essa qualificação aos direitos dos
contribuintes no caput do art. 150 do Texto Supremo: “Sem prejuízo de outras
garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios...”
223
Neste diapasão, considerando que as imunidades limitam a competência
tributária do Estado, excluindo da tributação pessoas, objetos e situações, frente
aos valores constitucionalizados que buscam resguardar, são direitos
fundamentais, porquanto direitos previstos no texto constitucional correlativos a
prestações negativas (dever de abstenção) por parte do Estado, como são os
direitos de liberdade.
224
Trata-se de verdadeiros direitos subjetivos públicos de não
222
FISCHER, O.C., Tributos e direitos fundamentais. In: FISCHER, O.C. (org.), op.cit., p.
281-282.
223
DALLAZEM, D.L., op.cit., p. 22.
224
Yoshiaki Ichihara adota a linha positivista e assinala que as normas imunizantes não são
direitos fundamentais ao argumento de que não se destinam a protegê-los ou à dignidade da
pessoa humana. Entende tratar-se de mera opção política do Poder Constituinte. Veja-se: “As
normas imunizantes que veiculam direitos fundamentais não se confundem nem se identificam
com as normas constitucionais que veiculam imunidades tributárias. ... De outra parte, as normas
que veiculam imunidades tributárias, apenas delimitam negativamente a competência e criam um
campo de incompetência tributária, não são destinadas a proteger os direitos humanos ou direitos
fundamentais da liberdade ou da dignidade humana. Ao contrário, a norma imunitória que atua
dentro do campo da competência tributária decorre de uma opção política do legislador
constituinte e não se confunde com as normas que veiculam direitos humanos.” (ICHIHARA, Y.,
op.cit., p. 174-175). Entende-se que a posição do autor de que as imunidades tributárias têm sua
origem no próprio direito positivo, aparecendo como concessão do Estado ou obra do Poder
Constituinte não é adequada, porquanto não haverá lugar para sua legitimação e
fundamentação, uma vez que seriam excluídos o caráter teleológico e axiológico do instituto que
lhes são fundamentais.
sujeição à imposição fiscal
225
, sem se descurar, como visto, que também revelam-
se como importantes meios à realização de outros direitos fundamentais.
Pontes de Miranda define a imunidade tributária como direito fundamental
ao asseverar:
O direito que corresponde à imunidade é direito do status negativus, como o são os
direitos de liberdade (cf. Ernst Rudolf Huber, Wirtschaftsverwaltungsrecht, I, 2ª ed,
67 e 691). A pretensão é à imunidade, pretensão, portanto, à liberdade, à
incolumidade, em frente à imposição fiscal.
226
Da mesma linha de entendimento partilha Regina Helena Costa ao afirmar
que as imunidades são direitos fundamentais na medida que detêm previsão
constitucional, razão porque se revestem de aplicabilidade direta e imediata,
conforme previsão do artigo 5º, § da Carta Constitucional. A autora também
qualifica as imunidades como direitos fundamentais de primeira geração, em
razão da cronologia de seu reconhecimento, assim como pelo aspecto vedatório
que encerram, impedindo ao Estado o exercício da tributação em relativamente a
pessoas, bens ou situações.
227
Ricardo Lobo Torres, por sua vez, formula doutrina a respeito das
imunidades tributárias comprometido com os direitos fundamentais, que
comumente denomina de direitos de liberdade. É o seu conceito de imunidade:
A imunidade é, portanto, intributabilidade, impossibilidade de o Estado criar
tributos sobre o exercício dos direitos da liberdade, incompetência absoluta para
decretar impostos sobre bens ou coisas indispensáveis à manifestação da liberdade,
não incidência ditada pelos direitos humanos e absolutos anteriores ao pacto
225
Como em referência no presente estudo, para JoWilson Ferreira Sobrinho o direito
público subjetivo de não ser tributado surge como efeito reflexo da imunidade, sendo de sua lavra
a seguinte nota: “Repare-se: a circunstância de o direito subjetivo de não ser tributado ter a
qualificação de reflexo, não o torna menos digno que os direitos públicos subjetivos representados
pelos direitos fundamentais. Na verdade, existe apenas variação na técnica de concessão desses
direitos. A técnica de outorga dos direitos fundamentais pode ser entendida como principal: o
objeto central da própria norma concessiva é representado pelos direitos. No campo do direito
público subjetivo de não ser tributado, a técnica é reflexa ou secundária: o objeto principal da
norma imunizante não é a concessão de um direito público subjetivo. Pode-se, portanto, conceber
o direito público subjetivo de não ser tributado, relativamente ao imune, como um direito que tem
a mesma estatura jurídica dos direitos fundamentais, o que não importa em confusão conceitual
entre esses direitos.” (FERREIRA SOBRINHO, J.W, op.cit., p. 103). Também a respeito da
imunidade como direito público subjetivo, ver TORRES, R.L., As imunidades tributárias e os
direitos humanos..., p. 313.
226
MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967, t. II, p. 397.
227
COSTA, R.H., Imunidades Tributárias..., op.cit.,, p. 84
constitucional. A imunidade confunde-se com o direito público subjetivo pré-
estatal à não-incidência tributária, com à pretensão à incolumidade fiscal, com os
próprios direitos fundamentais absolutos, posto que é um dos aspectos desses
direitos, ou uma sua qualidade, ou a sua exteriorização, ou o seu âmbito de
validade. A imunidade, em outras palavras, exorna os direitos de liberdade e limita
o poder tributário estatal, não sendo, de modo algum, uma das manifestações da
soberania do Estado, nem uma outorga constitucional, nem uma autolimitação do
poder fiscal, nem uma simples garantia principiológica como poderia dar a
entender o caput do artigo 150 da CF. Os direitos humanos, em síntese, são
inalienáveis, imprescritíveis e intributáveis.
...
Nesse contexto é que deve ser vista a imunidade: preexiste ao Estado Fiscal como
qualidade essencial da pessoa humana e corresponde ao direito público subjetivo
que erige a pretensão à incolumidade diante da ordem jurídica tributária objetiva.
228
Ao que verifica, segundo o autor, a imunidade é uma limitação ao poder de
tributar pela reserva dos direitos humanos, fundamentada nos princípios da
liberdade. Compreende o que denomina de status negativus, na medida em que
faz valer a liberdade individual contra o poder estatal de tributar, enquanto direito
subjetivo público.
229
Destarte, ainda que Torres não defina com todas as letras ser a imunidade
tributária direito fundamental
230
, não como do estudo de sua obra chegar-se a
228
TORRES. R.L.,Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário..., op.cit., p.
51-61.
229
TORRES, R.L., Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário..., op.cit., p.
70-71.
230
Neste sentido faz a seguinte referência: “No Brasil, depois do hiato representado pelo
autoritarismo do período do Estado Novo, coincidente com o predomínio das idéias positivistas,
retornou o nosso liberalismo às fontes americanas, especialmente pela obra de Aliomar Baleeiro,
que conceituava as imunidades como ‘vedações absolutas ao poder de tributar certas pessoas
(subjetivas) ou certos bens (objetivas), e, às vezes, uns e outros. Mas o esquema teórico positivista
da autolimitação do poder tributário foi poucas vezes ultrapassado; a exceção veio
surpreendentemente com Pontes de Miranda, que, qualificando a imunidade de ‘direito
fundamental’, definiu-a como ‘limitação constitucional à competência para editar regras jurídicas
de imposição’, posto que ‘há qualidade da pessoa, ou do bem, que se erige versus Estado’, no que
foi secundado por Walter Barbosa Corrêa. Miguel Reale afirmou: ‘O Direito Tributário constitui,
por certo, a disciplina de contrapartida econômica que o Estado exige dos membros da
comunidade, mas representa muito mais a dimensão do indivíduo perante o Fisco, a salvaguarda
dos valores individuais e dos direitos fundamentais do homem perante o poderio estatal’. Flavio
Bauer Novelli profere assim a sua lição sobre as limitações constitucionais ao poder de tributar:
‘Tais proibições consistem em proibições ou restrições isto é, dever de se abster – que a
Constituição Federal estabelece diretamente para salvaguardar certos direitos fundamentais
(liberdade, igualdade, segurança, propriedade etc). E Alberto Nogueira procura reconstruir os
‘direitos humanos da tributação’, examinando não as limitações constitucionais ao poder
tributário fincadas nos direitos fundamentais mas também os aspectos do dever para com o Estado
embutido na cidadania e a configuração do tributo como direito humano de terceira geração. Mas
ainda é muito forte entre nós a posição positivista, que afasta o fundamento da imunidade como
direitos fundamentais.” TORRES, R.L., As imunidades tributárias e os direitos humanos..., op.cit.,
p. 327-328.
conclusão diversa. Isto porque nela encontram-se presentes todos os elementos
necessários à sua caracterização como tal, mais especificamente aqueles que a
doutrina denomina de direitos fundamentais de primeira geração, não obstante ele
próprio reconheça que essa classificação, de cunho temporal e histórico, serve tão-
somente para explicar o conhecimento e a realização destes direitos, mas não para
a sua existência.
231
A assertiva supra resta corroborada quando o autor estabelece que as
imunidades tributárias habitam o núcleo rígido da Constituição Federal de 1988,
mais precisamente o seu § 4º, IV, assunto que será abordado no próximo Capítulo,
mas oportuno ser adiantado, como dito, para justificar que as imunidades
tributárias são direitos fundamentais. Em suas palavras:
As imunidades fiscais, porque ligadas indissoluvelmente aos direitos fundamentais
e preexistentes ao pacto constitucional, são irrevogáveis. A revogação implicaria a
própria dissolução do Estado Fiscal, que sem elas não poderia sobreviver. A
irrevogabilidade dos direitos de liberdade e das suas imunidades está contida na
impossibilidade de emenda constitucional proclamada no art. 60, § 4º, IV da CF,
que antes examinamos.
232
Todavia é imperioso ressaltar que, na concepção de Lobo Torres, várias das
hipóteses de intributabilidade proclamadas pela Constituição não são imunidades
tributárias, posto que algumas delas não se relacionam com os direitos
fundamentais, mas em critérios de justiça ou de utilidade. Para o autor, os
positivistas é que, definindo a imunidade como não-incidência
constitucionalmente qualificada, concluem que qualquer não-incidência
constitucional é imunidade, anulando, assim, as diferenças específicas ligadas ao
fundamento e à origem.
233
Daí porque assevera:
Entendemos que o termo imunidade deverá se reservado à não-incidências
vinculadas aos direitos humanos, o que exclui do seu catálogo a intributabilidade
dos sindicatos e dos jornais e livros (art. 150, VI, c e d), dos produtos
industrializados exportados (arts. 153, § 3º, III e 155, § 2º, X), da energia elétrica,
combustíveis e minerais (art. 155, § 3º), da incorporação de bens ao patrimônio
231
TORRES, R.L., Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário..., op.cit., p.
9.
232
TORRES, R.L., Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário..., op.cit., p.
86-87.
233
Ibid., p. 75-76.
das empresas (art. 156, § 2º, I); pouco importa, por outro lado, que algumas
imunidades recebam o apelido de isenção, posto que é evidente o seu
relacionamento com os direitos humanos, como sucede no caso dos diplomatas e
das legações estrangeiras e no das operações de transferência de imóveis
desapropriados para fins de reforma agrária (art. 184, § ). O autores que se
afastam da teoria dos direitos fundamentais acabam por assimilar à noção de
imunidade toda e qualquer hipótese de não-incidência constitucional.
234
Não obstante o respeitável conteúdo de sua obra, discorda-se do autor nesta
afirmação, pois, como visto no item precedente deste Capítulo, todas as
imunidades tributárias relacionam-se com os direitos fundamentais, inclusive no
que respeita à não-obstância do seu exercício por via da tributação, de modo a
garantir que sua realização não seja prejudicada frente a imposição tributária,
excetuada a do ouro definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial
(arts. 153, § 5º, e 155, X “c” da CF), que não é imunidade, mas regra de repartição
de competência tributária entre a União e os Estados.
A título de exemplo, em contraponto ao entendimento de Torres, transcreve-
se a lição de Misabel Abreu Machado Derzi, a propósito das imunidades dos
livros e periódicos, como um valioso instrumento de realização dos direitos e
liberdades individuais:
A imunidade tributária, constitucionalmente assegurada aos livros, jornais,
periódicos e papel destinado à impressão, nada mais é que forma de viabilização
de outros direitos e garantias fundamentais expressos em seu art. 5º, como a livre
manifestação do pensamento, a livre manifestação da atividade intelectual,
artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença
(incisos IV e IX), art. 206, II (a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar
o pensamento, a arte e o saber), art. 220, §§ e (a proibição de embaraço, por
lei, à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de
comunicação social e inexistência de licença de autoridade para a publicação do
veículo impresso de comunicação), dentre outros. Mais do que isso, deve ser
enfocada como instrumento imprescindível à realização do Estado Democrático de
Direito.
235
Diga-se, ainda, que contrariando Lobo Torres, o Supremo Tribunal Federal,
no julgamento da ADIN 939-7 DF, reconheceu as imunidades tributárias previstas
no art. 150, c” e “d” da Constituição Federal de 1988 como direitos
234
Ibid., p. 87-88.
235
Cf. BALEEIRO, A., Limitações constitucionais ao poder de tributar, op.cit., p. 343.
fundamentais.
236
É parte do voto do Ministro Celso Melo a respeito:
Essa norma constitucional, derivada do poder de reforma do Congresso
Nacional, acarreta a grave possibilidade de se comprometer, pela ação tributante
do Poder Público, o exercício desses direitos fundamentais, quaisquer que sejam as
múltiplas dimensões em que se projeta e se desenvolve o regime das liberdades
públicas.
Devo observar que as disposições contidas na norma ora impugnada transgridem,
em desfavor do contribuinte, o complexo dos direitos e garantias de ordem
tributária.
Isto porque a supressão, ainda que temporária, da garantia de imunidade
estabelecida pela ordem constitucional brasileira em favor dos organismos
sindicais, representativos das categorias profissionais, dos templos de qualquer
culto, dos partidos políticos, das instituições educacionais ou assistenciais e dos
livros, dos jornais, dos periódicos e do papel destinado à sua impressão (CF, art.
150, VI), compromete, em última análise, o próprio exercício da liberdade de
consciência, da liberdade de manifestação de pensamento e da liberdade de
associação, valores em função dos quais essa prerrogativa de índole tributária
foi conferida.
Outro ponto que se discorda da doutrina de Ricardo Lobo Torres é sobre sua
concepção de que os direitos sociais não são direitos fundamentais, e que não
estão protegidos pelas imunidades tributárias, embora sirvam de fundamento à
imunidade do mínimo existencial e por estarem “despojados do status negativus,
não geram por si sós a pretensão às prestações positivas do Estado, carecem de
eficácia erga omnes e se subordinarem à idéia de justiça social.”
237
Entretanto, em outro momento de sua obra, Ricardo Lobo Torres afirma
que:
É um dos aspectos da proteção do mínimo existencial. O art. 150, VI, c protege a
educação, a cultura, a saúde e a assistência social, que, em sua expressão mínima,
constituem direitos humanos inalienáveis e imprescritíveis, ainda que implícitos ao
elenco do art. 5º do texto básico.
238
236
Que declarou a inconstitucionalidade parcial da Emenda Constitucional 03 de 1997 e
da Lei Complementar 77/93, que instituíam a cobrança do imposto provisório sobre a
movimentação ou a transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira IPMF
às pessoas, objetos e situações previstas no art. 150, VI da CF/88. (STF ADIN 939-7 Rel.
Ministro Sydney Sanches DJU 18.03.94. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em: 5 jul.
2006).
237
TORRES, R.L., Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário..., op.cit., p.
68.
238
Ibid., p. 253.
Verifica-se, assim, que o autor, apesar de negar os direitos sociais como
direitos fundamentais, acaba por aceitá-los como tais, quando afirma que o direito
à educação, à cultura à saúde e à assistência humana são direitos humanos
inalienáveis.
Concluindo, fica estabelecido que todo o rol das imunidades tributárias
inseridas pelo Poder Constituinte na Constituição Federal de 1988 são autênticos
direitos fundamentais, na proporção que funcionam como limitações ao Poder
fiscal do Estado para garantir valores que a sociedade, no momento constituinte,
elegeu como supremos e, portanto, não passíveis de limitações pelo Estado,
ressalvado o disposto nos artigos 153, § 5º, e 155, X “c” do texto constitucional,
que não são normas imunizantes.
4
Imunidades Tributárias: Cláusulas Pétreas e Princípio da
Proibição do Retrocesso Social
4.1
As Imunidades Tributárias enquanto Integrantes do Núcleo Rígido da
Constituição
Verificou-se, nos itens antecedentes, que as imunidades tributárias traçadas
na Constituição Federal de 1988
239
podem ser caracterizadas como autênticos
direitos fundamentais, tanto na medida de limitação do Poder Tributante, para
garantia dos direitos de liberdade, quanto no momento em que atuam de uma
forma a concretizá-los.
Adotando-se a posição de que as imunidades tributárias são direitos
fundamentais, pretende-se demonstrar neste item estarem estas incluídas no
núcleo rígido da Constituição Federal, ou seja, no artigo 60, mais especificamente
no § 4º, IV, de modo que as normas constitucionais que as prevêem não são
passíveis de serem abolidas ou sofrerem modificações que lhes alterem a essência,
de forma a restringir os seus efeitos, ainda que por Emenda Constitucional.
Todavia, antes de nos determos ao tema deste título é necessário tecer
algumas considerações a respeito da Constituição Federal e do Poder Constituinte.
Primeiramente, deve-se estabelecer que é uma das características da Carta
Magna de 1988 a sua rigidez
240
, o que significa dizer que suas normas não podem
239
Exceto aquela prevista no artigo 155, § 2º, X, “c” e 153, § da Constituição de 1988,
que não é imunidade tributária.
240
Neste sentido, confira-se a lição de Christopher Wolfe, ao comentar a interpretação
constitucional de John Marshall: “The constitution is a particular kind of document and its nature
or proper characteristics can be an aid to interpretation. In this case, Marshall argued that a
constitution depends on a kind of popular action that is difficult to obtain and therefor necessarily
infrequent, and that the intention of the makers of a constitution, given that difficulty and
infrequency, must have been to establish fundamental principles that look to the distant future and
not merely the moment. Thus, all those who have framed written constitutions contemplate them
as forming the fundamental and paramount law of the nation, and, consequently the theory of
every such government must be, that an act of the legislature, repugnant to the constitution is void.
This theory is essentially attached to a written constitution, and, is consequently, to be considered,
ser alteradas pelo mesmo processo legislativo de modificação das leis ordinárias,
resultando, assim, em uma relativa imutabilidade do seu texto, uma certa
estabilidade ou permanência que traduz, até certo ponto, o grau de certeza e
solidez jurídica das instituições no ordenamento estatal.
241
É o atributo da rigidez
que possibilita a manutenção da ordem constitucional instaurada pelo Poder
Constituinte originário, preservando a identidade e a relativa estabilidade da
Constituição.
Todavia a rigidez impingida à Carta Magna não impede sua alteração,
porque esta não deve permanecer alheia a mudanças, que a evolução da
sociedade muitas vezes exige que tais modificações sejam efetuadas sempre que a
sua capacidade reflexiva para captar a realidade constitucional se mostre
insuficiente, mas ao mesmo tempo garante que estas não sejam constantes,
freqüentes e imprevistas em consonância com a vontade de maiorias legislativas
eventuais. Garantir a capacidade reflexiva da Constituição é dotá-la de capacidade
de prestação e utilidade em face da sociedade e dos cidadãos.
242
Segundo Canotilho “a dicotomia entre rigidez/flexibilidade não postula
necessariamente uma alternativa radical; exige-se, sim, uma articulação ou
coordenação das duas dimensões”, na medida que, se por um lado, o texto
constitucional é flexível, isto é, passível de modificação, por outro lado
elementos do direito constitucional (princípios estruturantes) que devem
permanecer imodificáveis, sob pena de descaracterizá-la como ordem jurídica
fundamental do Estado, para se dissolver na dinâmica das forças políticas. E é
neste sentido que Canotilho fala da “identidade da constituição caracterizada por
by this court, as one of the fundamental principles of our society. It is not therefore, to be lost sight
of in the further consideration of this subject.” WOLFE, Christopher. The Rise of Modern Judicial
Review: from constitutional interpretation to judge-made law, p. 45. “A constituição é um tipo de
documento especial e sua natureza ou características próprias podem servir de ajuda para a
interpretação. Neste caso, Marshall argumentou que a constituição depende de uma espécie de
ação popular que é difícil de se obter e por isto necessariamente rara, e que a intenção dos
elaboradores de uma constituição, levando-se em conta esta dificuldade e raridade, deve ter sido
estabelecer princípios fundamentais que olhassem para o futuro distante e não meramente para o
momento. Assim, todos aqueles que tenham concebido constituições escritas as contemplam como
formadoras da lei suprema e fundamental da nação, e, conseqüentemente, a teoria de cada tal
governo deve ser que um ato de legislação, repugnante à constituição, é nulo. Esta teoria é
essencialmente vinculada a uma constituição escrita, e, é conseqüentemente, para ser considerada
por esta Corte como um dos princípios fundamentais de nossa sociedade. Não é portanto, para ser
perdida de vista nas futuras considerações acerca deste assunto."
241
BONAVIDES, P., op.cit., p. 196.
242
CANOTILHO, J.J.G., op.cit., p. 211 e 1001.
certos princípios de conteúdo inalterável.”.
243
Deste modo, a opção por um “texto gido” no sentido assinalado é hoje
justificado pela necessidade de preservação da essência da Constituição, sem
impedir o desenvolvimento constitucional, que ocorre pela reforma e pela
mutação constitucional.
244
Tal rigidez possibilita que a Carta Política cumpra os seus objetivos, o que
não é compatível com a possibilidade de todo o seu texto estar sujeito ao poder
de reforma, de tal sorte que impossível ocorrer um processo de reforma total ou
parcial que lhe venha a alterar a sua identidade, porquanto tais funções são tarefas
do Poder Constituinte originário.
A respeito, leia-se a assertiva de Canotilho:
Nenhuma lei constitucional evita o ruir dos muros dos processos históricos, e,
conseqüentemente, as alterações constitucionais, se ela perdeu a sua força
normativa. Mas também que assegurar a possibilidade de as constituições
cumprirem a sua tarefa e esta não é compatível com a completa disponibilidade da
constituição pelos órgãos de revisão, designadamente quando o órgão de revisão é
o órgão legislativo ordinário. Não deve banalizar-se a sujeição da lei fundamental à
disposição de maiorias parlamentares de dois terços. Assegurar a continuidade da
constituição num processo histórico de permanente fluxo implica, necessariamente,
a proibição não de uma revisão total (desde que isto seja admitido pela própria
constituição), mas também de alterações constitucionais aniquiladoras da
identidade de uma ordem constitucional histórico-concreta. Se isso acontecer é
provável que se esteja perante uma nova afirmação do poder constituinte mas não
perante o poder de revisão.
245
Por ser a Constituição de 1988 rígida, a modificação do seu texto não pode
ocorrer da mesma maneira que as leis ordinárias, ou seja, qualquer alteração
demanda um processo de reforma mais complexo, e ainda dentro dos limites
243
CANOTILHO, J.J.G., op.cit., p. 212.
244
José Afonso da Silva faz as seguintes considerações terminológicas a respeito de
reforma e mutação constitucional: “A questão terminológica nesta matéria começa pela
necessidade de fazer distinção entre mutação constitucional e reforma constitucional. A primeira
consiste num processo não formal de mudança das constituições rígidas, por via da tradição, dos
costumes, de alterações empíricas e sociológicas, pela interpretação judicial e pelo ordenamento de
estatutos que afetam a estrutura orgânica do Estado. A segunda é o processo formal de mudança
das constituições rígidas, por meio de atuação de certos órgãos, mediante determinadas
formalidades, estabelecidas nas próprias constituições para o exercício do poder reformador.”
(SILVA, J.A., Curso de Direito Constitucional, op.cit., p. 64).
245
CANOTILHO, J.J.G., op.cit., p. 995.
estabelecidos pelo Poder Constituinte originário.
246
Significa dizer que o texto
constitucional pode ser alterado através de um processo mais agravado que
aquele previsto às leis ordinárias, e previsto na própria Constituição.
247
Estas normas de revisão, segundo Canotilho “não são o fundamento da
rigidez da Constituição mas os meios de revelação da escolha feita pelo poder
constituinte”. Ou seja, escolhe-se um processo de revisão agravado em relação ao
processo de modificação da lei ordinária, como uma forma de garantia da
Constituição e de sua supremacia. Assim, este processo de alteração de texto, mais
complexo, constitui-se num limite absoluto ao poder de revisão, que por sua vez
vai garantir uma “relativa estabilidade da Constituição.”
248
Portanto, não cabe alteração do texto constitucional por lei ordinária, porque
não possui capacidade derrogatória ou ab-rogatória no que respeita às normas
constitucionais, pois se assim não fosse, impossível falar-se em supremacia
constitucional.
249
246
Segundo JoAfonso da Silva: “Discute-se, em doutrina, sobre os limites do poder de
reforma constitucional. É inquestionavelmente um poder limitado, porque regrado por normas da
própria Constituição que lhe impõem procedimento e modo de agir, dos quais não pode arredar
sob pena de sua obra sair viciada, ficando mesmo sujeita ao sistema de controle
constitucionalidade. Esse tipo de regramento da atuação do poder de reforma configura limitações
formais, que podem ser assim sinteticamente enunciadas: o órgão de reforma (ou seja, o Congresso
Nacional) há de proceder nos estritos termos expressamente estatuídos na Constituição. A doutrina
costuma distribuir as limitações do poder de reforma em três grupos: as temporais, as
circunstanciais e as materiais (explícitas e implícitas)”. SILVA, J.A., Curso de Direito
Constitucional..., op.cit., p. 68 et. seq. A respeito ver também: CANOTILHO, J.J.G., op.cit., p.
990 a 998; BONAVIDES, P., op.cit., Curso de direito constitucional..., op.cit., p. 198-204.
247
A respeito ver: BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição,
p. 63-67; CANOTILHO, J.J.G., op.cit., p. 990-993; SILVA, J.A., Curso de Direito
Constitucional..., op.cit., p. 49 et.seq.; BONAVIDES, P., op.cit., p. 207-209.
248
CANOTILHO, J.J.G., op.cit., p. 211 e 989.
249 Nas palavras de José Afonso da Silva: “Da rigidez emana, como primordial
conseqüência, o princípio da supremacia da constituição que, no dizer de Pinto Ferreira, ‘é
reputado como uma pedra angular, em que assenta o edifício do moderno direito político’.
Significa que a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere
validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na
proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a
própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas
fundamentais do Estado, e nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas
jurídicas.” (SILVA, J.A., Curso de Direito Constitucional..., op.cit., p. 49). Ver também
Christopher Wolfe: “Finally, Marshall briefly noted the supremacy clause of article 6, which
specifically cites the Constitution as the supreme law of the land and then indicates that not U.S.
laws generally but only laws made ins pursuance of the Constitution are part of that supreme law.”
WOLFE, C., op. cit., p. 83 “Por fim, Marshall sucintamente salientou a supremacia da cláusula do
artigo 6, a qual cita especificamente a Constituição como lei suprema da terra e então indica que
não leis americanas em geral, mas apenas leis feitas em cumprimento à Constituição são parte
dessa lei suprema”.
Observe-se que diante de um sistema constitucional baseado em uma
Constituição flexível, onde ausente a supremacia constitucional, indiferente será
o fato da desoneração fiscal ocorrer no texto constitucional ou na lei ordinária,
haja vista que ambas são alteráveis por idêntico processo legislativo. Neste
contexto não faria sentido a distinção entre imunidade e isenção, bastaria prever as
desonerações fiscais na legislação infraconstitucional, ou seja, bastaria o instituto
da isenção.
A reforma da Constituição pode ocorrer através de emenda e da revisão
constitucional.
250
A este poder reformador, não obstante as numerosas
denominações encontradas na doutrina (Poder Constituinte instituído ou
constituído, Poder Constituinte reformador, Poder Constituinte de revisão etc.),
confere-se chamar neste estudo de Poder Constituinte derivado, que no Brasil é
exercido pelo órgão legislativo ordinário, atual e exclusivamente pela via da
emenda constitucional, haja vista que o processo de revisão previsto no artigo
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias é passado, não sendo
possível outra revisão nos termos ali previstos, por tratar-se de norma de natureza
transitória, que se esgotou em definitivo.
Assim, nos dias de hoje, qualquer reforma na Constituição de 1988 deve ser
operada pelo procedimento de emenda constitucional, nos moldes do seu artigo
60.
251
250
José Afonso da Silva faz a seguinte distinção entre emenda e revisão constitucional,
certamente que tendo em consideração a Constituição rígida: “A emenda é a modificação de certos
pontos, cuja estabilidade o legislador constituinte não considerou tão grande como outros mais
valiosos, se bem que submetida a obstáculos e formalidades mais difíceis que os exigidos para a
alteração das leis ordinárias. a revisão seria uma alteração anexável, exigindo formalidades e
processos mais lentos e dificultados que a emenda, a fim de garantir uma suprema estatalidade do
texto constitucional.” FERREIRA, Pinto. Apud SILVA, J.A., Curso de Direito Constitucional...,
op.cit., p. 64-65.
251
“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I - de um terço, no
mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II - do Presidente da
República; III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação,
manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. § 1º - A Constituição não
poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.
§ - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,
considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.
§ - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do
Senado Federal, com o respectivo número de ordem. § 4º - Não será objeto de deliberação a
proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto,
universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. § -
A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser
objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.”
Destarte, é o Congresso Nacional quem poderá emendar a Constituição,
através de proposta de no mínimo um terço dos membros da Câmara ou do
Senado Federal, do Presidente da República ou de mais da metade das
Assembléias Legislativas dos Estados que compõem a Federação, manifestando-
se, cada uma delas pela maioria relativa de seus membros, discutida e aprovada
em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos, aprovada pelo quorum
qualificado de três quintos de seus membros que detém a prerrogativa de alterar o
texto constitucional (limitação formal), ressalvada a impossibilidade desta vir a
ocorrer nos casos de vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de
estado de sítio (limitação circunstancial). Acrescenta-se que a matéria constante
da proposta de emenda uma vez rejeitada ou havida por prejudicada não poderá
ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa (limitação formal).
Além das limitações formais, elencadas no parágrafo supra, o exercício do
Poder Constituinte derivado está sujeito à limitações materiais, tocante ao objeto
da reforma. Estas limitações materiais formam o núcleo imodificável da
Constituição Federal, também conhecido como cláusulas pétreas, que representam
os princípios, os fundamentos, os valores básicos e fundamentais da Carta
Política. Por certo, o Poder Constituinte originário, ao estabelecer o núcleo rígido
da Carta Magna de 1988, pretendeu obstar que as matérias que o compõem
possam ser objeto de supressão ou relativização por parte Poder Constituinte
derivado, sob pena de descaracterizar o Estado Democrático de Direito instituído.
As limitações materiais podem ser expressas (explícitas) ou tácitas
(implícitas).
252
As limitações materiais expressas ou explícitas estão inseridas no §
252
Sobre as limitações materiais tácitas ou implícitas, leia-se: “Essas tácitas são
basicamente aquelas que se referem à extensão da reforma, à modificação do processo mesmo de
revisão e a uma eventual substituição do poder constituinte derivado pelo poder originário.
Quanto à extensão da reforma, considera-se, no silêncio do texto constitucional, excluída, a
possibilidade de revisão total, porquanto admiti-la seria reconhecer ao poder revisor capacidade
soberana para ab-rogar a Constituição que o criou, ou seja, para destruir o fundamento de sua
competência ou autoridade mesma. Há também reformas parciais que, removendo um simples
artigo da Constituição, podem revogar princípios sicos e abalar os alicerces de todo o sistema
constitucional, provocando, na sua inocente aparência de simples modificação de fragmentos do
texto, o quebrantamento de todo o espírito que anima a ordem constitucional. Trata-se em verdade
de reformas totais, feitas por meio de reformas parciais. Urge precatar-se contra essa espécie de
revisões que sendo formalmente parciais, examinadas, todavia, pelo critério material, ab-rogam a
Constituição, de modo que se fazem equivalentes a uma reforma total, pela mudança de conteúdo,
princípio, espírito e fundamento da lei constitucional.” BONAVIDES, P., op.cit., p. 202. Também
a respeito confira-se SILVA, J.A., Curso de Direito Constitucional..., op.cit., p. 70-71.
4º, I, II, III e IV do artigo 60 da Constituição Federal, de modo que não podem
ser objeto de deliberação por parte do Congresso Nacional propostas tendentes a
abolir a Federação, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação do
Poderes e os direitos e garantias individuais.
As matérias previstas nos incisos II e III do § do artigo 60 da
Constituição Federal apesar de se relacionarem com o direito tributário, assim
com seu inciso I, no qual se encontra o princípio federativo, do qual decorre a
distribuição de competências e a preservação da autonomia financeira dos entes
que compõem a Federação
253
, não serão objeto de análise no presente estudo, que
tem como foco os direitos fundamentais.
Não obstante, o que interessa ao presente trabalho é a limitação material
prevista no inciso IV do artigo 60 da Constituição de 1988 que, por sua vez, veda
qualquer proposta de Emenda Constitucional tendente a abolir os direitos e
garantias fundamentais. Marilene Talarico Martins Rodrigues entende que o
alcance da expressão “direitos e garantias individuais” para o direito tributário
corporifica “qualquer direito e garantia constitucional outorgada ao contribuinte”,
ou seja, os que integram o capítulo “Das Limitações Constitucionais ao Poder de
Tributar”, além do art. e outros dispositivos que asseguram direitos e garantias,
dispersos por todo o texto constitucional.
254
Esclareça-se, contudo, que não se está a defender a absoluta impossibilidade
de eventual Emenda Constitucional vir a introduzir modificações na Carta Política
no que respeita aos direitos fundamentais, porquanto esta será possível se o
objetivo for para desenvolvê-los, aperfeiçoá-los e ampliá-los, ou ainda para
adaptá-los a situações novas, neste caso desde que não lhes atinjam o conteúdo
essencial.
255
253
A respeito ver: COÊLHO, S.C.N., op.cit., p. 27. Sobre o princípio federativo e a
tributação, confira-se também: CARRAZZA, R. A., op. cit., pp. 82-109.
254
RODRIGUES. Marilene Talarico Martins. Limitações ao poder impositivo e segurança
jurídica. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord). Limitações ao poder impositivo e
segurança jurídica, p. 220-221. Coord. Ives Gandra Martins da Silva.
255
A respeito do conteúdo essencial do direito fundamental transcreve-se: “Recolhendo
esse abalizado ensinamento, cabe entender, portanto, como conteúdo essencial de um direito
fundamental ou de um princípio de estrutural, em face dos limites materiais do poder de emenda,
aquilo que neles constitui a própria substância, os fundamentos, os elementos ou componentes
deles inseparáveis, a eles verdadeiramente inerentes, por isso que integrantes da sua estrutura e do
seu tipo, conforme os define a Constituição. Isto posto, parece induvidoso, também em nosso
Feitas tais considerações, cumpre observar que restou assente no presente
trabalho que as imunidades tributárias garantem ao contribuinte o direito
subjetivo público de não ser tributado, frente ao dever de abstenção do exercício
do poder tributário pelo Estado Fiscal, para preservar valores, princípios,
fundamentos, direitos e garantias fundamentais constitucionalizados, de modo
que se tratam de autênticos direitos fundamentais.
Assim, as imunidades, como direitos fundamentais, integram o núcleo
rígido da Constituição Federal de 1988, são cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, IV), o
que equivale a dizer que não são passíveis de serem objeto de proposta de Emenda
Constitucional tendente a suprimi-las, que as sujeitem à efetiva possibilidade de
destruição ou, ainda, de qualquer alteração que lhes toquem o núcleo fundamental
mitigando-lhes a sua eficácia, o que, convenhamos, seria o mesmo que extingui-
las.
256
Sacha Calmon Navarro Coêlho entende serem as imunidades tributárias
cláusulas pétreas:
Os princípios constitucionais tributários e as imunidades (vedações ao poder de
tributar) traduzem reafirmações, expansões e garantias dos direitos fundamentais e
do regime federal. São, portanto, cláusulas constitucionais perenes, pétreas,
insuprimíveis (art. 60, § 4º, da CF).
257
Do mesmo modo, José Eduardo Soares de Melo quando afirma que as
imunidades tributárias “caracterizam-se como exclusão de competência,
constituindo direito e garantia individual”, de tal sorte que estão inseridas “no
núcleo irreformável da Constituição (art. 60, § 4º, IV), consoante diretriz do
STF”.
258
Também neste sentido, o escólio de Regina Helena Costa:
direito constitucional, que somente este conteúdo essencial é que não poderia ser suprimido ou
alterado por uma emenda aprovada nos termos do art. 60 da CF.” NOVELLI, F.B., op.cit., p. 42.
256
Em sentido contrário ver: Carvalho, Cristiano. São as imunidades “cláusulas pétreas”?
In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; CARVALHO, Cristiano (coord.). Imunidade tributária, p. 77
–90.
257
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Limitações ao poder impositivo e segurança
jurídica. In: MARTINS, I.G.S., Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica, p. 219.
258
MELO, José Eduardo Soares de. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica.
In: MARTINS, I.G.S., Limitações ao poder impositivo..., op.cit., p. 187.
No caso da Constituição Brasileira, no que tange às imunidades tributárias, a
rigidez constitucional atinge seu grau máximo. Isto porque as normas imunizantes
são cláusulas pétreas, autênticas limitações materiais ao exercício do Poder
Constituinte Derivado.
...
Não pode, desse modo, emenda constitucional reduzir ou invalidar o âmbito
eficacial das cláusulas pétreas. Estas somente podem ser modificadas ou
suprimidas pelo Poder Constituinte Originário, que não conhece limitações de
qualquer ordem.
Conferindo a imunidade tributária, como já visto, direito público subjetivo, a
determinada pessoa, de não ser tributada em dada situação, trata-se de direito
individual, protegido, portanto, por cláusula pétrea. A imunidade fiscal é, assim,
direito não suprimível por emenda constitucional.
259
Desta forma, por serem autênticos direitos fundamentais, as imunidades
tributárias não podem ser objeto de disposição nem por parte do Constituinte
derivado, isso ocorre tendo em vista que estes valores supremos da sociedade
neles refletidos foram alçados a um nível tal de proteção, que nem mesmo as
maiorias eventuais representadas no Parlamento lhes podem alterar no sentido de
restringir-lhes o sentido
260
.
O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADIn 939-7,
que declarou a inconstitucionalidade parcial da Emenda Constitucional 03 de
1997 e da Lei Complementar 77/93, que dispuseram sobre o imposto
provisório sobre a movimentação ou a transmissão de valores e de créditos e
direitos de natureza financeira
- IPMF, reconheceu a existência de direitos
fundamentais nos princípios da anterioridade e da imunidade do art. 150 da
Constituição Federal, considerando-os cláusulas pétreas.
261
Entendeu o Excelso Pretório que o princípio da anterioridade ligado ao
poder de tributar (art. 150, III, “b”), embora fora do catálogo dos direitos
fundamentais propriamente ditos, ou seja, do rol do art. da Constituição,
consubstancia um direito fundamental do contribuinte. A seguir julgou pela
inconstitucionalidade da referida Emenda na parte em que violou o “princípio da
imunidade tributária recíproca (que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal
259
COSTA, R.H., Imunidades Tributárias..., op.cit., p. 70.
260
Por se entender que é no momento constituinte que se forja a identidade da Nação e que,
portanto, esta identidade não pode ser modificada pelo Poder Constituinte derivado num momento
menos democrático, com pouca ou nenhuma participação popular acerca de suas discussões.
261
STF ADIN 939-7 Rel. Ministro Sydney Sanches DJU 18.03.94. Disponível em
<www.stf.gov.br>. Acesso em: 5 jul. 2006).
e aos Municípios a instituição de imposto sobre o patrimônio, rendas ou serviços
uns dos outros) e que é garantia da Federação (art. 60, § 4º, inciso I e art. 150, VI,
a, da CF).”
No que respeita às imunidades do art. 150, VI, “b”, “c” e “d” da
Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal também se pronunciou no
sentido de se enquadrarem como “direitos e garantias fundamentais”.
Dentre os votos proferidos na ADIN 939-7 DF, por sua pertinência com o
tema ora tratado, destaca-se o do Ministro Ilmar Galvão:
Acrescento, agora, o entendimento de que a emenda constitucional em foco
afrontou, ainda, as cláusulas pétreas, asseguradoras do pacto federativo e dos
direitos e garantias individuais, aos afastar, em relação ao imposto por ela
instituído, a aplicação do art. 150, VI, instituidor de imunidade tributária em favor
das pessoas elencadas em suas alíneas, entre as quais os entes que compõem a
federação.
262
A respeito da decisão referida é oportuno trazer à colação os comentários de
Ricardo Lobo Torres:
É de notar que bastou o Superior Tribunal recorrer, em sua argumentação, ao
princípio da federação, que o art. 60, § 4º, I da CF tornara cláusula pétrea ou
imutável, indene a emendas constitucionais, sem necessidade de se apoiar nos
direitos fundamentais, que afinal de contas representam a razão de ser do próprio
federalismo. Mas, no que concerne às demais imunidades, não havia nenhuma
cláusula explícita no art. 60, § 4º, que as protegesse, de modo que o Pretório
Excelso foi obrigado a recorrer aos ‘direitos e garantias fundamentais’, que pelo
item IV daquela norma, também são cláusulas pétreas, insuscetíveis de violação
por emenda constitucional ulterior.
263
Como se observou, todas as imunidades inseridas no texto constitucional
se relacionam com os direitos e garantias fundamentais ou com o princípio
federativo ao ponto de integrarem o núcleo rígido da Constituição Federal.
Lembre-se, contudo, que se apontou que ao contido no disposto nos artigos 153, §
262
STF ADIN 939-7 Rel. Ministro Sydney Sanches DJU 18.03.94. Disponível em
<www.stf.gov.br>. Acesso em: 5 jul. 2006). p. 258. Também por sua clareza, leia-se o voto do
Ministro Carlos Velloso: “No que tange ao princípio da anterioridade, deixei expresso o meu
pensamento de que as garantias dos contribuintes, inscritas no art. 150 da Constituição, são
intangíveis à mão do constituinte derivado, tendo em vista o disposto no art. 60, § , IV, da
Constituição. Coerentemente com tal afirmativa, reconheço que as imunidades inscritas no inciso
VI do art. 150 são, também, garantias que o constituinte derivado não pode suprimir.” p. 278.
263
TORRES, R.L., As imunidades tributárias e os direitos humanos..., op.cit., p. 329.
5º, e 155, X, “c” da Constituição como não sendo imunidades, mas regras de
repartição de competência tributária e, por tal razão, podem ser objeto de Emenda
Constitucional, inclusive que venha a extirpá-las do Texto Maior.
Logo, todas as imunidades caracterizadas como direitos fundamentais
integram o núcleo rígido da Constituição Federal de 1988, pois, além do aspecto
vedatório que encerram, impedindo o Estado de exercer a tributação sobre
pessoas, bens ou situações constitucionalmente definidas, caracterizando-se como
direitos de defesa do contribuinte, têm como finalidade preservar os princípios, os
valores e os ideais que consubstanciam o Estado Democrático de Direito.
Ricardo Lobo Torres, ao estabelecer que as limitações constitucionais ao
poder de tributar compreendem as imunidades tributárias, as proibições de
desigualdade e os princípios vinculados à idéia de segurança jurídica, afirma que:
Todas essas limitações constitucionais ao poder de tributar constituem cláusulas
pétreas, na forma definida pelo art. 60 da CF, pois são uma qualidade, uma
exteriorização ou um atributo dos direitos fundamentais (imunidades), ou
representam a afirmação do direito fundamental à igualdade (proibições de
privilégios ou discriminações odiosas), ou consubstanciam garantias
principiológicas dos direitos fundamentais do contribuinte (princípio da segurança
jurídica)
264
Lembre-se, todavia, de que Lobo Torres entende que nem todas as
imunidades previstas na Constituição são verdadeiras imunidades
265
; isto posto
considera irrevogável a imunidade que for uma decorrência das liberdades e
direitos individuais, uma vez que seu fundamento é suprapositivo e preexistente
ao direito positivo, enquanto outras imunidades, que não sejam garantias de
direitos humanos, seriam passíveis de serem alteradas e até suprimidas por
Emenda Constitucional.
No mesmo sentido Clélio Chiesa estabelece que são “imunidades pétreas”,
que integram o núcleo rígido da Constituição Federal, e por isto não são passíveis
de proposta de Emenda Constitucional tendente a aboli-las, aquelas que sob uma
perspectiva finalística tratam “de preservar a separação dos poderes ou preservar
direitos individuais”, enquanto que “são consideradas hipóteses de imunidades
264
TORRES, R.L., Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica. In: MARTINS,
Ives Gandra da Silva (coord.). Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica, p. 64.
265
Ver páginas 89-90 da presente Dissertação.
suprimíveis todas as demais previstas na Carta Magna, que não desfrutam da
impossibilidade de supressão, conferida pelo art. 60, § 4º, da Constituição
Federal.”
266
Feitas tais observações, considerando que o presente estudo dispõe que
todas as imunidades elencadas na Constituição Federal de 1988 são direitos
fundamentais, tem-se que estas integram o seu núcleo rígido e, por tal motivo
não são passíveis de alteração que venha a reduzir os seus efeitos, tão pouco
suprimi-las do texto constitucional.
4.2
O princípio da proibição do retrocesso social como limitação ao
poder constituinte derivado e do legislador
Verificou-se, no presente trabalho que as imunidades tributárias - quer se
entenda sejam autênticos direitos fundamentais ou, ainda, instrumentos
realizadores destes direitos não podem ser abolidas nem modificadas ao ponto
de terem os seus efeitos reduzidos, pois eventual supressão ou redução do alcance
de uma norma imunizante afrontaria a proteção constitucional das cláusulas
pétreas ou núcleo rígido da Constituição, o que não é possível no Sistema
Constitucional brasileiro, que elevou os direitos fundamentais, enquanto valores
supremos escolhidos pela sociedade, a direitos imutáveis que não podem ser
suprimidos nem pelo Poder Constituinte derivado.
Outrossim, o que se verá no presente tópico é que além de não ser possível
alteração no texto constitucional, de forma a suprimir ou reduzir as imunidades
tributárias sob pena de ofensa ao artigo 60, § 4
o
da Constituição Federal de 1988,
também não pode a legislação infraconstitucional, que veio a dar maior
efetividade a este direito constitucional fundamental, vir a ser revogada, ou
mesmo, restringir uma imunidade tributária prevista constitucionalmente sob pena
de ofender o princípio da proibição do retrocesso social.
Ana Paula de Barcellos explica, com propriedade, a eficácia do princípio do
266
CHIESA. Clélio. A competência tributária do Estado brasileiro. Desonerações
nacionais e imunidades condicionadas, p.138.
não retrocesso ou vedativa do retrocesso:
A vedação do retrocesso é também uma criação doutrinária que diz respeito aos
princípios, particularmente aos princípios relacionados aos direitos fundamentais,
podendo ser considerada uma derivação ou um aprofundamento do mesmo
conceito que define a eficácia negativa (e, portanto, seu ofício desenvolve-se
igualmente no plano da validade). Entretanto, ao contrário do que acontece com a
eficácia negativa, descrita acima, ainda circula quanto à vedação do retrocesso
alguma controvérsia, especialmente no que diz respeito à sua extensão.
A modalidade de eficácia jurídica denominada de vedativa do retrocesso pressupõe
logicamente que os princípios constitucionais que cuidam de direitos fundamentais
são concretizados através de normas infraconstitucionais, isto é: os efeitos que
pretendem produzir são especificados por meio da legislação ordinária. Além disso,
pressupõe também, com base no direito constitucional em vigor, que um dos
efeitos gerais pretendidos por tais princípios é a progressiva ampliação dos direitos
em questão.
Partindo desses pressupostos, o que a eficácia vedativa do retrocesso propõe se
possa exigir do Judiciário é a invalidade da revogação das normas que,
regulamentando o princípio, concedem ou ampliam direitos fundamentais, sem que
a revogação em questão seja acompanhada de uma política substitutiva ou
equivalente. Isto é: a invalidade, por inconstitucionalidade, ocorre quando se
revoga uma norma infraconstitucional concessiva de um direito, deixando um
vazio em seu lugar. A idéia é que a revogação de um direito, incorporado como
efeito próprio do princípio constitucional, o esvazia e viola, tratando-se, portanto,
de uma ação inconstitucional.
267
Ou seja, o que se quer dizer é que as leis integradoras e concretizadoras das
imunidades tributárias, enquanto direitos fundamentais, depois de existirem não
podem ser revogadas, pois na medida em que vieram implementar ou ampliar a
efetivação dos direitos constitucionais, sua revogação implicaria uma
inconstitucionalidade, por caracterizar um retrocesso social.
Deste modo, revogar uma norma implementadora de imunidade tributária
seria o mesmo que esvaziar o comando constitucional, como se a lei revogadora
afrontasse contra este comando diretamente.
268
Para além disso, é certo que as imunidades tributárias têm como finalidade a
busca de justiça social, assim como todos os direitos fundamentais, conforme
pautado pelo constituinte originário e eventual norma aniquiladora de justiça
social será inconstitucional.
269
Neste sentido, cabe trazer à colação as palavras de José Joaquim Gomes
267
BARCELLOS, A.P., op.cit., p. 68-69.
268
Ibid., p.70
269
Cf. CANOTILHO, J. J. G., op. cit., p. 327
Canotilho:
(...) a partir do momento em que o Estado cumpre (total ou parcialmente) as tarefas
constitucionalmente impostas para realizar um direito social, o respeito
constitucional deste deixa de consistir (ou deixa de consistir apenas) numa
obrigação positiva, para se transformar ou passar também a ser uma obrigação
negativa. O Estado, que estava obrigado a actuar para dar satisfação ao direito
social, passa a estar obrigado a abster-se de atentar contra a realização dada ao
direito social.
270
Apesar do princípio da proibição do retrocesso social não estar previsto
expressamente no direito brasileiro, sem dúvida, o está implicitamente no sistema
constitucional e em seus princípios, tal como elucida Ingo Sarlet: i) o princípio do
Estado democrático e social do direito, na medida em que “impõe um patamar
mínimo de segurança jurídica”, o qual por sua vez, “abrange a proteção da
confiança e a manutenção de um nível mínimo de segurança contra medidas
retroativas”; ii) o princípio da dignidade da pessoa humana que tem como efeito
“a inviabilidade de medidas que fiquem aquém deste patamar”; iii) o princípio da
máxima eficácia e efetividade das normas definidoras de direitos fundamentais,
que segundo o autor abrange a “otimização da eficácia e efetividade do direito à
segurança jurídica”, o que, portanto, “exige uma proteção também contra medidas
de caráter retrocessivo”; iv) manifestações específicas contra medidas de cunho
retroativo, tais como direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada; v) o
“princípio da proteção da confiança” enquanto “respeito pela confiança depositada
pelos indivíduos em relação a uma certa estabilidade e continuidade da ordem
jurídica como um todo”.
271
Conclui Sarlet que entender pela não existência do
princípio do não retrocesso seria o mesmo que dar poderes ao legislador de
desrespeitar os direitos fundamentais e à própria Constituição, portanto, em
“flagrante desrespeito à vontade expressa do Constituinte”.
272
Para alguns autores, o princípio da proibição do retrocesso social se
270
Cf. CANOTILHO, J. J. G., op. cit., p. 449. Ver no mesmo sentido: BARCELLOS, A.P.,
A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais..., op.cit., p. 68-71.
271
SARLET, I.W. A Eficácia do Direito Fundamental à Segurança Jurídica: Dignidade da
Pessoa Humana, Direitos fundamentais e Proibição de Retrocesso Social no Direito
Constitucional Brasileiro. In: TORRES, Ricardo Lobo; MELLO, Celso D. Albuquerque
(Diretores). Arquivos de Direitos Humanos, v.6, p. 130.
272
SARLET, I.W., A Eficácia do Direito Fundamental à Segurança Jurídica..., op.cit., p.
130-131.
aplicaria apenas às normas implementadoras de direitos fundamentais sociais, e
assim estariam incluídas aquelas imunidades que buscam justamente assegurar a
realização dos direitos sociais, tais como a imunidade das instituições de
educação, a imunidade das instituições de assistência social ou a imunidade dos
livros, jornais, periódicos e do papel destinado a sua impressão.
Não obstante, é inquestionável que o princípio da vedação do retrocesso ou
da proibição do retrocesso se aplica a todas as normas concretizadoras de direitos
fundamentais, ou mesmo de normas constitucionais
273
; deste modo, uma lei
posterior não poderia extinguir ou restringir a concretização de uma norma
constitucional, pois o que se veda, nas palavras de Luís Roberto Barroso é “o
ataque à efetividade da norma, que foi alcançada a partir da sua
regulamentação”
274
, não sendo admitido o “retorno ao estado de omissão
legislativa anterior”.
275
No mesmo sentido, vale conferir as palavras de Ingo Sarlet:
273
Até porque todas as normas de direitos fundamentais produzem eficácia positiva e
negativa. Veja-se , por exemplo, o direito de liberdade, dito negativo, além de garantir que não
haja violação deste, exige que o Estado promova medidas para sua proteção, por meio de políticas
de segurança pública, aparato policial, Poder Judiciário etc. Assim, também eventual revogação de
lei que efetivava referido direito sem nenhuma previsão de outra medida protetiva viria a ferir o
princípio da proibição do retrocesso social. Sobre o fato de que todos os direitos dependem de uma
atuação positiva do Estado para serem efetivados, ainda que os ditos “negativos”, confiram-se as
palavras de Sunstein a respeito: “Alguns direitos constitucionais dependem, para sua existência, de
condutas estatais positivas. Portanto o Estado está sob um dever constitucional de agir, não de
abster-se. Se deixar uma pessoa escravizar outra, nada fazendo para desfazer a situação que
configura servidão involuntária, o Estado terá violado a Décima-terceira Emenda. Por força da
proteção dada pela Primeira Emenda à liberdade de expressão, o Estado está obrigado a manter
ruas e parques abertos para manifestações, muito embora isso seja caro e requeira uma conduta
positiva. Por força da proteção constitucional contra a ‘privação’ da propriedade privada sem justa
compensação, o Governo está provavelmente obrigado a criar leis contra os esbulhos e invasões,
bem como tornar tais garantias acessíveis aos proprietários privados uma falha em agir, uma
falha em proteger a propriedade privada, pareceria inconstitucional. Se um juiz aceitar propina
oferecida pelo réu e assim nada fizer para proteger os direitos do autor, tal juiz terá violado a
garantia do devido processo. Se o Estado não tornar seus tribunais acessíveis para garantir a
eficácia de garantias contratuais, ele terá provavelmente arruinado as obrigações contratuais,
violando a garantia constitucional dos contratos. Em todos esses casos, o Governo está obrigado,
pela Constituição, a proteger e a agir.Em termos práticos, o Governo ‘concede direitos civis’ aos
cidadãos, provendo aparatos legais, como zonas eleitorais, sem os quais não seria possível exercer
tais direitos. O direito de voto não tem sentido se mesários, presidente de mesa e escrutinadores
não comparecessem. O direito a uma justa compensação pela propriedade confiscada é uma piada
se o Tesouro não efetuar o pagamento. O direito de petição para ver reparado um dano, assegurado
pela Primeira Emenda, é o direito de acesso a instituições governamentais e o direito, eventual, de
ser indenizado.” (HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass R. The Cost of Rights: why liberty
depends on taxes. New York: W.W. Norton & Company, 2000, p. 52-53).
274
BARROSO, L.R., O direito constitucional e a efetividade de suas normas..., op.cit., p.
158.
275
Ibid., p. 159.
Em linhas gerais, o que se percebe é que a noção de proibição de retrocesso tem
sido por muitos reconduzida à noção que José Afonso da Silva apresenta como
sendo de um direito subjetivo negativo, no sentido de que é possível impugnar
judicialmente toda e qualquer medida que se encontre em conflito com o teor da
Constituição (inclusive com os objetivos estabelecidos nas normas de cunho
programático), bem como rechaçar medidas legislativas que venham, pura e
simplesmente, subtrair supervenientemente a uma norma constitucional o grau de
concretização anterior que lhe foi outorgado pelo legislador.
276
A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 146, inciso II, que
“cabe à lei complementar regular as limitações constitucionais ao poder de
tributar”. É claro que a lei complementar que vier regular as imunidades
constitucionais acabará por lhe dar um conteúdo, que, por sua vez, poderá ser
mais ou menos realizador dos direitos fundamentais. Desta maneira, se a lei
integradora ou realizadora dá uma ampla eficácia à imunidade prevista
constitucionalmente, não poderá uma lei posterior, a despeito de “regulamentar”
uma imunidade, dar-lhe conteúdo que lhe restrinja os efeitos se comparado com a
lei anterior, até porque “as conquistas relativas aos direitos fundamentais não
podem ser destruídas, anuladas ou combalidas, por se cuidarem de avanços da
humanidade, e não de dádivas estatais que pudessem ser retiradas segundo
opiniões de momento ou eventuais maiorias parlamentares”.
277
Assim, criada uma norma infraconstitucional para realizar um direito
fundamental, fica vedado ao legislador revogar esta lei, sob pena de abolir ou
restringir um direito fundamental consagrado constitucionalmente, sob pena de
“invadir o núcleo essencial do direito fundamental”
278
, o que não é admissível.
Ressalte-se, a despeito da maioria da doutrina nacional aceitar a existência
do princípio da proibição do retrocesso social, há aqueles, que, como Vieira de
Andrade, entendem não ser tal princípio absoluto, sob pena de limitar a função do
276
SARLET, I.W., A Eficácia do Direito Fundamental à Segurança Jurídica..., op.cit., p.
128-129.
277
ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. O principio da dignidade humana e a exclusão social.
Revista Interesse Público, n. 4, out./dez. 1999, p. 32
278
SARLET, I.W., A Eficácia do Direito Fundamental à Segurança Jurídica..., op.cit., p.
132. Confira-se a posição de Vieira de Andrade a respeito de eventual restrição de direitos
fundamentais: “Não pode, desde logo, afectar o conteúdo essencial dos direitos nos termos atrás
analisados. Deve, portanto, deixar intocado o limite absoluto constituído pela dignidade humana
não pode ser ilimitada no tempo e (ou, pelo menos) deve prever sempre a possibilidade de o
indivíduo optar pelo direito fundamental, suspendendo ou dissolvendo a relação de poder (se esta
for voluntária);...” (VIEIRA DE ANDRADE, J.C., op.cit., p. 306).
legislador a mero executor da Constituição.
279
Entretanto, não se pode perder de
vista que pensar o contrário seria o mesmo que conferir ao legislador poderes para
“criar arbitrariamente ordenamentos especiais para se subtrair ao respeito pelos
direitos fundamentais”.
280
Ainda assim, deve-se ter em vista que tal princípio não é absoluto, o que não
se quer dizer que será admitido o retrocesso social em alguns casos, pois isto iria
contra a lógica do sistema constitucional, mas que em alguns casos serão
permitidos ajustes, desde que justificados pelos próprios princípios
constitucionais, e desde que esse ajuste legislativo não intervenha ou suprima o
núcleo do direito fundamental realizado. Não obstante, independentemente da
nomenclatura que se adote, é certo que não se pode olvidar o princípio da máxima
eficiência dos direitos fundamentais, o qual não admite restrição a sua eficácia, à
medida que este princípio não permite a supressão ou restrição de norma
efetivadora de direito fundamental, seja esta norma constitucional ou
infraconstitucional.
Sarlet coloca os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e
da proporcionalidade como parâmetros para eventual relativização do princípio da
proibição do retrocesso, além do próprio princípio da dignidade da pessoa
humana, ou seja, deve-se ter como parâmetro a confiança na manutenção das
condições impostas pelas imunidades num Estado Democrático de Direito,
“comprometido com a realização da justiça social”
281
e dos direitos
fundamentais
282
, que se fazem não pela proteção dos direitos adquiridos e atos
jurídicos perfeitos, mas também, garantindo-se certa proteção para as expectativas
de direito, ao garantir-lhes regras de transição razoáveis.
283
279
Ibid., p. 305.
280
Ibid., ibidem.
281
SARLET, I.W., A Eficácia do Direito Fundamental à Segurança Jurídica..., op.cit., p.
140
282
Vide Preâmbulo da Constituição Federal de 1988: “Nós, representantes do povo
brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático,
destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o
bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem
interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de
Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.” (BRASIL. Constituição (1988).
Constituição da República Federativa do Brasil, op.cit.)
283
Veja-se, no caso brasileiro, a reforma da previdência levada a efeito pelas Emendas
Constitucionais 20 de 1998, 41 de 2003 e 47 de 2005, que trouxeram várias regras de transição
Ainda, deve-se ter em vista, mesmo que não se entendam as imunidades
tributárias como autênticos direitos fundamentais, é certo que elas existem para
efetivar e realizar os demais direitos fundamentais e que, portanto, sua eventual
supressão do próprio texto constitucional, por via de emenda constitucional,
ofenderia o princípio do não retrocesso social. Ou seja, a limitação contida no
princípio da proibição do retrocesso social deve-se destinar não ao legislador
quando imbuído dos poderes de legislador ordinário, mas também quando
imbuído de poderes de constituinte derivado. Em outros termos, na medida em
que se entenda que as imunidades tributárias visam a concretizar os direitos
fundamentais, é certo que sua eventual abolição, mesmo por Emenda
Constitucional, implicaria violação do princípio da vedação do retrocesso social.
Neste sentido, cabe aqui conferir as palavras de Roberto Ferraz que, apesar
de não considerar as imunidades tributárias como autênticos direitos
fundamentais, entende que será possível alteração quanto às imunidades
tributárias se forem substituídas por outras regras que continuem a garantir os
objetivos para quais foram criadas, ou seja, realizar os direitos fundamentais:
As imunidades não são princípios em si, mas apenas regras que visam a
concretização de princípios. A imunidade recíproca vazão à idéia de divisão de
poderes sob a forma federativa, a imunidade dos templos está direcionada à
proteção da liberdade religiosa, a dos jornais e livros à proteção da liberdade de
expressão e, assim, cada imunidade tem seu objetivo consistente num princípio.
Pode-se, portanto, cogitar da mutação das imunidades, pois não consistem elas em
‘cláusulas pétreas’. Entretanto, essas mutações não podem representar uma
desfiguração das garantias a que estão voltadas a afirmar. Assim, dificilmente se
poderá vislumbrar a hipótese de que sejam suprimidas sem atentar contra aqueles
princípios, salvo no caso de sua substituição por outras regras que atendam
igualmente, ou ainda vantagens, àqueles objetivos.
284
Desta maneira, apesar de não entender que as imunidades tributárias estão
protegidas pelas cláusulas pétreas, é certo que o autor acaba por admitir sem no
entanto expressar – o raciocínio do princípio da proibição do retrocesso social.
Ainda, é importante trazer ao cotejo a questão da imunidade dos servidores
inativos e pensionistas à contribuição previdenciária e as Emendas Constitucionais
para a Previdência dos Servidores Públicos, justamente para garantir o princípio da proteção da
confiança.
284
FERRAZ. Roberto. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica o princípio
de transparência tributária. In: MARTINS, I.G.S., Limitações ao poder impositivo e segurança
jurídica, p. 407.
que implantaram a Reforma da Previdência no Brasil, para se verificar que neste
caso específico, apesar de alarmado pela doutrina, não houve violação às cláusulas
pétreas, nem tampouco ao princípio da proibição do retrocesso social.
Explica-se. A Emenda Constitucional 41, de 19 de dezembro de 2003,
alterou o caput do artigo 40
285
, prevendo que o regime de previdência dos
servidores teria caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do
respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas. A
previsão da contribuição dos inativos também veio expressa pelo novo § 18 do
artigo 40, que por sua vez, estabeleceu que a contribuição previdenciária iria
incidir sobre os proventos e pensões que ultrapassassem o teto do Regime Geral
da Previdência. Esta alteração inserida pela Emenda Constitucional 41
aparentemente extinguiu com suposta imunidade dos servidores inativos e
pensionistas à contribuição previdenciária, o que levaria a uma aparente violação,
não só do artigo 60, § 4º da Constituição, como também, do princípio da proibição
do retrocesso social.
Não obstante, é preciso analisar a Constituição Federal de 1988 e seu texto
original, antes das Emendas Constitucionais 3/1993, 20/1998 e 41/2003 para
confrontar a questão. Ou seja, verifica-se que no texto original da Constituição de
1988, não havia nenhuma referência sobre imunidade de contribuição
previdenciária para servidores inativos e pensionistas. Tanto é assim, que quando
da inserção do § ao artigo 40 pela Emenda Constitucional, de 17 de março de
1993 houve grande discussão a respeito. O § 6º, à época inserido, estabelecia
que “as aposentadorias e pensões dos servidores públicos federais serão custeados
com recursos provenientes da União e das contribuições dos servidores, na forma
da lei”.
285
“Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de
previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público,
dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio
financeiro e atuarial e o disposto neste artigo”. Redação de acordo com a EC 41/2003. BRASIL.
Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
Disponível em : <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em : 05 jun. 2006.
Assim, procurou-se na ADIN 1441-2 excluir os servidores inativos da
disposição expressa prevista no § 6º do artigo 40 da Constituição de 1988. O então
Ministro Octávio Gallotti enfrentou de forma esclarecedora esta questão, veja-se:
Chego, assim, ao âmago da proposição dos requerentes, que exclui os servidores,
aposentados da permissão contida no § 6
o
, acrescentado ao art. 40 da CF, pela
Emenda 3, de 17.03.1993:
"§6
o
As aposentadorias e pensões dos servidores públicos federais serão custeadas
com recursos provenientes da União e das contribuições dos servidores, na forma
da lei".
Ao contrário dos trabalhadores na iniciativa privada, que nenhum liame conservam
com seus empregadores após a rescisão do contrato de trabalho pela aposentadoria,
preservam os servidores aposentados um remarcado vínculo de índole financeira,
com a pessoa jurídica de direito público para que hajam trabalhado.
Não é por outro motivo que interdições, tais como a imposição do teto de
remuneração e as proibições de vinculação ou equiparação de vencimentos, do
cômputo de acréscimos pecuniários percebidos ao mesmo título, bem como a de
acumulação remunerada (incs. XI, XII, XIV e XVI do art. 37 da CF), são por igual
aplicáveis tanto a servidores ativos como a inativos, no silêncio da CF.
Essa perfeita simetria, entre vencimentos e proventos, é realçada pela disposição do
§4
o
do art. 40 da CF:
4
o
Os proventos da aposentadoria serão revistos, na mesma proporção e na
mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade,
sendo também estendidos aos inativos quaisquer benefícios ou vantagens
posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive quando
decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu
a aposentadoria, na forma da lei."
Contraste-se essa norma, concernente aos servidores públicos, com a do art. 201,
§2
o
, destinada aos segurados do regime geral da Previdência Social, e ver-se-á que ,
enquanto para estes últimos é somente estatuída a preservação do valor real do
benefício original, àqueles o estendidos quaisquer benefícios ou vantagens
posteriormente concedidos aos funcionários em atividade, até mesmo os
decorrentes de transformação ou reclassificação do cargo ou função.
Dita correlação, capaz de assegurar aos inativos aumentos reais, até os motivados
pela alteração das atribuições do cargo em atividade, compromete o do argumento
dos requerentes, no sentido de que não existiria causa eficiente para a cobrança de
contribuições do aposentado, cujos proventos são suscetíveis, como se viu , de
elevação do próprio valor intrínseco, não apenas da sua representação monetária,
como sucede com os trabalhadores em geral.
286
Verifica-se, assim, que nesse momento não havia qualquer previsão de
imunidade de contribuição previdenciária para servidores inativos e seus
pensionistas. Esta interpretação vai ser criada quando a Emenda Constitucional
20, de 15 de dezembro de 1998, vem a incluir o § 12 ao artigo 40 da Constituição
de 1988, estabelecendo que “além do disposto neste artigo, o regime de
286
STF – ADIN 1441-2 DF – Rel. Ministro Octávio Gallotti – DJU 18.10.1996. Disponível
em: – <http://www.stf.gov.br/>. Acesso em: 01 jun. 2006.
previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que
couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência
social”.
287
Ampliou-se a interpretação, e procurou-se aplicar aos servidores inativos e
pensionistas a previsão também recém-estabelecida, do artigo 195, inciso II da
Constituição, com a redação dada pela Emenda Constitucional 20, que passou a
estabelecer que a Seguridade Social seria financiada também por contribuições
sociais do “trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não
incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral
de previdência social de que trata o artigo 201”.
Ora tal interpretação extensiva foi exagerada, pois se procurou aplicar ao
regime próprio de previdência dos servidores públicos, regras específicas do
Regime Geral de Previdência Social, ou seja, a regime totalmente distinto,
aplicando-se aos servidores públicos apenas o que lhes era vantajoso do Regime
Geral. Esta não foi a intenção do dispositivo, que procurava apenas sanar
omissões existentes num regime, principalmente no que diz respeito a benefícios,
até porque, conforme ficou claro no trecho do voto do Ministro Octávio Gallotti
transcrito acima, os regimes são totalmente diferentes.
Para sanar as dúvidas trazidas com a Emenda Constitucional 20, de 15 de
dezembro de 1998, é que o constituinte derivado houve por bem em, na edição da
nova reforma da Previdência, pela Emenda Constitucional 41, de 19 de dezembro
de 2003, deixar clara a participação dos inativos e pensionistas no custeio da
previdência dos servidores blicos. Ressalta-se, mais uma vez, que não se trata
de eliminação ou extinção de uma imunidade pré-existente, que pudesse acarretar
ofensa ao princípio do não retrocesso ou mesmo às cláusulas pétreas,
simplesmente porque nunca existiu imunidade de contribuição previdenciária para
servidores públicos inativos e pensionistas.
Para além disso, não se pode descurar que a Previdência Social atua numa
constante evolução, que acompanha a transformação sucessiva da sociedade, tais
como envelhecimento da população tendo em vista os avanços da medicina. Ora,
287
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em : <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em : 05 jun.
2006.
quando se fala em aposentadoria, fala-se em incapacidade para o trabalho, e não
em direito a receber acréscimo de renda. Assim, se nos anos 40 a expectativa de
vida do cidadão brasileiro não chegava aos 55 anos, hoje ela chega a 71 (setenta e
um) anos
288
. Não se poderia pensar que, então, a idade e o tempo para se aposentar
seriam imutáveis; da mesma forma, a questão da contribuição não pode ser
imutável.
Isto posto, não que se falar em ofensa ao princípio da proibição do
retrocesso social, até porque para garantir o direito fundamental à previdência
social, foi necessário deixar clara a participação de todos no seu custeio, sob pena
de não o fazendo, aniquilar-se, aí sim, com um direito fundamental universal.
Constata-se, pois, que qualquer alteração da legislação infraconstitucional
ou mesmo das normas constitucionais que estabelecem as imunidades tributárias–
ainda que não se as entendam como direitos fundamentais e portanto integrantes
do núcleo imutável da Constituição à medida que integram ou ampliam outros
direitos fundamentais, e que, porventura lhes venham a restringir seu núcleo
essencial, será inconstitucional por incidir num retrocesso social, o que não é
admitido no Estado Democrático de Direito instaurado pela Constituição Federal
de 1988.
288
Confira-se: “Em 2004, a esperança de vida ao nascer
1
no Brasil alcançou os 71,7 anos
(71 anos, 8 meses e 12 dias). Em relação a 2003 houve um acréscimo de 0,4 ano (4 meses e 24
dias). Entre 1980 e 2004 a expectativa de vida do brasileiro experimentou um acréscimo de 9,1
anos, ao passar de 62,6 anos, para os atuais 71,7 anos. Assim, ao longo de 24 anos, a esperança de
vida ao nascer no Brasil, incrementou-se anualmente, em média, em 5 meses.” Informação
disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/ noticia_visualiza.php?
id_noticia=494&id_pagina=1>. Acesso em: 3 jun. 2006.
5
Conclusão
Verificou-se no presente estudo que a origem das exonerações tributárias
coincidiu com a da própria tributação. As grandes civilizações da antiguidade
conheceram alguma forma de exoneração fiscal. O Código de Manu, por exemplo,
no século 13 a.C, fixava isenções tributárias com fundamento nas condições
físicas das pessoas, de modo que eram excluídos da tributação os cegos, os
idiotas, os paralíticos e os septuagenários. Na civilização romana, ao tempo do
Império, havia a immunitas pela qual se libertavam pessoas e situações, do
pagamento dos tributos exigidos à sustentação do Estado, incluindo os templos e
os bens públicos, o que demonstra que, naquela época, havia preocupação em
salvaguardar da tributação valores que a sociedade de então determinava como
relevantes.
Na Idade Média, as exonerações tributárias concedidas à nobreza e ao clero
avolumaram-se. Estes privilégios fiscais eram conferidos sem qualquer critério de
razoabilidade, ditados pelo exclusivo interesse e conveniência dos favorecidos,
configurando, dessa sorte, privilégios odiosos em detrimento da plebe, não
obstante, baseados nos direitos e liberdades estamentais. Neste período da história
a nobreza e o clero, além de não se subordinarem à fiscalidade do Estado
(príncipe), constituíam fontes periféricas de normatividade. Cabia, assim, à
burguesia e aos vassalos sustentarem financeiramente as despesas do Estado.
Com a consolidação do liberalismo e o fortalecimento econômico da
burguesia, esta reivindicou atuar politicamente no Estado. Tal reivindicação não
se deu de forma pacífica, mas por meio das revoltas que a História noticia.
Destaca-se, aqui, a Revolução Francesa, de 1789, que acabou por instaurar o
Estado Liberal, buscando eliminar todos os privilégios, inclusive tributários,
baseados nos princípios da legalidade e da igualdade (formal). É desta época que
remonta a necessária correlação entre a exoneração tributária para alguns em
busca do bem comum.
No Brasil, a imunidade tributária esteve presente em todas as Constituições
republicanas, ou seja, desde a Constituição da República dos Estados Unidos do
Brasil de 1891, até a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Colhe-se da perspectiva histórica do direito constitucional brasileiro a constatação
do crescimento do número de preceitos imunizantes nos sucessivos textos. Nesta
medida se depreende a evolução da idéia segundo a qual determinadas pessoas,
bens ou situações merecem tratamento tributário diferenciado e, portanto, devem
ser mantidos afastados do exercício da atividade tributária, ao mesmo tempo que
demonstra a tendência do constitucionalismo nacional de utilizar a imunidade
tributária como instrumento destinado a atingir resultados de interesse de toda a
sociedade.
Para além disso, várias teorias se desenvolveram em torno da natureza
jurídica das imunidades tributárias, tendo o presente estudo se atido à análise das
posições doutrinárias de Aliomar Baleeiro, José Souto Maior Borges, Hugo de
Brito Machado, José Wilson Ferreira Sobrinho e Regina Helena Costa, tecendo-
se, inclusive, algumas críticas a respeito, quando cabíveis. Desta análise,
percebeu-se que o esquema teórico positivista da autolimitação do poder tributário
praticamente não foi ultrapassado, sendo que dentre os autores nacionais
consultados são poucos os que relacionam as imunidades tributárias aos direitos
fundamentais, seja de forma omissa ou expressa.
Dentre a doutrina estudada, objetivando dar embasamento a um dos
objetivos da presente Dissertação, que é o de caracterizar a imunidade tributária
como direito fundamental, concluiu-se ser a imunidade direito subjetivo público
de certas pessoas de não se sujeitarem à tributação, porque norma constitucional
excludente da incidência da norma tributária impositiva, protegendo pessoas, bens
ou situações, ou seja, verdadeiro direito individual, que invariavelmente
beneficia pessoas.
Feitas tais considerações, afirma-se que o instituto da imunidade tributária
não se confunde com privilégios, não obstante excepcionar princípios tão caros à
ordem tributária nacional como o da generalidade da tributação e o da capacidade
contributiva. Isto porque a imunidade tributária encontra-se justificada e
respaldada na consciência geral da sociedade brasileira, pois objetiva preservar
valores constitucionalmente assegurados. Em outras palavras, por ser próprio do
instituto dispensar certas pessoas, ainda que detentoras de capacidade econômica,
do dever de contribuir para o custeio das despesas do Estado, referida exoneração
se justifica em face do atual estágio de desenvolvimento da sociedade brasileira
que, no momento constituinte originário, quis manter determinadas pessoas
alheias à imposição tributária, com a finalidade de preservar valores supremos, ao
ponto de merecerem proteção constitucional.
Isto porque, constituindo o tributo interferência constitucionalmente
consentida na liberdade individual, entendeu-se que a imposição tributária nas
hipóteses albergadas pelas imunidades poderia dar oportunidade ao embaraço do
exercício de determinados direitos ou, então, prejudicar o desempenho de
atividades consideradas socialmente relevantes.
Daí a razão pela qual se afirma que o instituto da imunidade, tal como
positivado no ordenamento jurídico pátrio, principalmente a partir da Constituição
de 1934 ao prever outras hipóteses de imunidades, além daquela pertinente à
intributabilidade das pessoas políticas da Federação que protegem o próprio
princípio federativo-, tendo por cume a diversidade de previsões imunitórias
contidas no Texto de 1988, pode ser concebido como um meio à realização dos
valores constitucionais, que se opera através da desoneração fiscal, ou seja,
limitando a atuação do Estado arrecadador.
Verificou-se, também que os valores supremos da sociedade brasileira se
encontram no próprio texto constitucional, quer seja no seu preâmbulo, quer seja
quando estipula os fundamentos e objetivos do Estado Democrático de Direito
brasileiro, quer seja, ainda, ao estabelecer um vasto rol de direitos fundamentais
aos seus cidadãos. Assim, quando se estudam as imunidades tributárias, como
ademais, todas as normas constitucionais, deve-se ter em vista que elas não se
encontram no Texto Supremo por descuido do constituinte, mas ao contrário,
servem elas justamente para realizar e efetivar, na maior amplitude possível,
aqueles valores que retratam a própria Sociedade brasileira.
Ressalta-se que estes valores não são meras divagações ou ideologias que se
querem apresentar, mas são valores que já se encontram expressos na
Constituição, e por isso dotados de aplicabilidade e juridicidade, tais como: o
“exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar,
o desenvolvimento, a igualdade e a justiça”
289
, a soberania, a cidadania, a
dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o
pluralismo político
290
, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a
garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da
marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais, a promoção do
bem de todos sem preconceitos ou discriminação.
291
Para além disso, constatou-se, no transcorrer do presente estudo, que estes
valores juridicizados no texto constitucional mantêm estreita ligação com o
Estado Democrático de Direito calcado no princípio fundamental da dignidade da
pessoa humana e na proteção dos direitos fundamentais, pois que representam a
base ética da Constituição, que acaba por irradiar efeitos por toda a ordem
jurídica, inclusive o sistema constitucional tributário.
É através da realização dos direitos fundamentais que o princípio da
dignidade da pessoa humana encontra sua maior expressão, e é justamente neste
ponto que se encontra o fundamento comum com a imunidade tributária. Ou seja,
todos buscam resguardar valores fundamentais ao ser humano, à medida que tanto
a dignidade da pessoa humana quanto as imunidades tributárias buscam a
realização dos direitos fundamentais, do mesmo modo que sem a garantia dos
direitos fundamentais não será possível garantir uma existência digna ao ser
humano.
Enfrentou-se, ainda, no presente estudo, o fundamento dos direitos
fundamentais para concluir-se que as imunidades tributárias, enquanto limitadoras
da ação fiscal do Estado com o fim de proteger valores escolhidos pela sociedade
quando da manifestação do Poder Constituinte, são também autênticos direitos
fundamentais, “pelo aspecto vedatório que encerram, impedindo ao Estado o
exercício da tributação em razão de pessoas, bens ou situações.”
292
Além de possuírem status de autênticos direitos fundamentais, pode-se
afirmar que as imunidades tributárias servem para realização de outros direitos
fundamentais, desempenhando, assim, duplo papel. Ou seja, além de garantir ao
289
Cf. Preâmbulo da Constituição Federal de 1988.
290
Artigo 1º da Constituição Federal de 1988.
291
Artigo 3º da Constituição Federal de 1988.
292
COSTA, R.H., Imunidades Tributárias..., op.cit., p. 289.
contribuinte o direito subjetivo de não ser tributado e, portanto, caracterizando um
direito fundamental, também instrumentaliza a proteção de outros direitos, como
por exemplo, o direito à educação, à informação, à liberdade de expressão, à
assistência social etc.
Ao se afirmar que as imunidades tributárias são autênticos direitos
fundamentais, elevam-se estas à posição de supremacia e de rigidez dos direitos
fundamentais na Carta Magna. Desta maneira, as imunidades tributárias passam a
fazer parte do núcleo imodificável da Constituição, constituindo-se em cláusulas
pétreas, e portanto, protegidas de eventual disposição por parte do Poder
Constituinte derivado, que não poderá suprimi-las nem alterá-las de forma que
possa restringir seu conteúdo.
Do mesmo modo, o legislador infraconstitucional que vier a integrar a
norma estabelecedora de uma imunidade tributária, deverá ter em vista o princípio
da proibição do retrocesso social, não lhe sendo possível revogar ou alterar uma
lei que regulamentou a norma imunizante de forma a lhe reduzir a eficácia. Assim,
na medida em que a lei integradora realiza um direito fundamental (da imunidade
tributária), não tem mais o legislador liberdade para alterar-lhe o conteúdo, salvo
se for para lhe dar maior amplitude e efetividade.
Ao final, conclui-se que as imunidades tributárias, quando entendidas e
interpretadas como direitos fundamentais, são importantes instrumentos à
realização destes direitos, assim como dos objetivos e dos princípios fundamentais
do Estado Democrático de Direito instaurado pela Constituição Federal de 1988,
de modo que densificam o elemento revolucionário de transformação do status
quo que o caracteriza, daí porque se afirma a utilidade desse estudo.
6
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